Você está na página 1de 14

Do VUCA para o VIC:

a pandemia da transição

“Às vezes encontra-se o destino nos caminhos percorridos para evita-lo.”


- Jean de La Fontaine

A expansão econômica do pós-Segunda Guerra Mundial, conhecida como a Era de


Ouro do capitalismo, trouxe uma série de novas práticas mercadológicas. Esse boom da
economia pós-guerra foi especialmente caracterizado por um processo de “recrutamento”
do mercado, ou seja, o conflito armado acabou, porém a batalha corporativa estava apenas
começando.

Estratégias complexas e disputas acirradas tornaram-se tão presentes nas novas socieda-
des que até Sun Tzu, um mestre da arte da guerra, passou a ter seus ensinamentos apli-
cados aos negócios. Hoje, em vez de balas e bombas voando, vemos produtos, preços e
praças agitando – também violentamente - táticas empresariais cada vez mais elaboradas.
Esse ambiente de mercado bélico pode ser descrito pelo acrônimo VUCA – volatile (volátil),
uncertain (incerto), complex (complexo) e ambiguous (ambíguo) -, quatro palavras que
resumem um cenário caótico.

Trata-se de um panorama no qual não há garantias de nada e tudo muda rápido demais;
paralelamente, temos demais aquilo que precisaríamos apenas de menos, enquanto ou-
tros são condenados a uma vida de penúria – paradoxos que abrangem da alimentação à
fome, da riqueza à miséria, da hiperconexão à exclusão social e digital.

“Três realidades ingratas definem o estado em que se encontra a competição em setores


que vão dos automóveis às companhias aéreas, dos filmes aos fundos mútuos: excesso de
ofertas, capacidade excessiva e completa sobrecarga sensorial. As empresas estão venden-
do muito de tudo; têm os recursos necessários para produzir ainda mais do que já estão
vendendo em excesso e estão disparando uma overdose de mensagens de marketing para
clientes que não têm nem tempo de digerir tudo que estão vendo e ouvindo.

Há alguns anos, dois professores suecos de Economia escreveram um livro incrível cha-
mado ‘Freaky Business: talento movimenta capitais’. Jonas Ridderstrale e Kjell Nordstrom
analisam o que chamaram de ‘sociedade do excedente’ – um fenômeno que descreve pra-
ticamente todos os mercados de todos os produtos e serviços do mundo desenvolvido. Na
Noruega, relatam, um país com apenas 4,5 milhões de habitantes, os leitores podem es-
colher entre 200 jornais diferentes e 100 revistas semanais. Na Suécia, com apenas 9 mi-
lhões de habitantes, é possível escolher entre mais de 350 marcas de cerveja, sendo que
há 10 anos havia só 50. Em apenas um ano, contam eles admirados, a Seiko vendeu 5 mil
modelos de relógios. ‘Vivemos a era do mais’, declaram os professores. ‘Mais escolhas. Mais
consumo. Mais diversão. Mais medo. Mais incerteza. Mais competição. Mais oportunidades.
É um mundo de excessos: um mundo de abundância’” (TAYLOR & LABARRE, 2008, p. 139).
Barry Schwartz, psicólogo e professor de teoria social do Swarthmore College, também abor-
da a sociedade do excedente em seu livro “O Paradoxo da Escolha” (SCHWARTZ, 2004). Se-
gundo ele, o aspecto mais significativo do mundo das escolhas infinitas não é o fato de dei-
xar as prateleiras das lojas abarrotadas ou os negócios menos rentáveis – ele deixa os clientes
confusos, perdidos e até deprimidos. “No ponto em que estamos, a escolha, em vez de ser
libertadora, passa a ser opressora”, escreveu, “podendo ser até mesmo tirânica... Os america-
nos de hoje estão cada vez mais insatisfeitos, ainda que sua liberdade de escolha esteja em
constante expansão”.

Esse abismo entre excesso e escassez, tão presente no atual mundo VUCA, que vem
sendo questionado, repensado e desconstruído desde a eclosão da pandemia de Covid-19.
Quanto é o suficiente? Por que tantos são forçados a viver com tão pouco? Qual é o valor
(ou preço) da vida? Perguntas como essas pairam no ar, ainda sem respostas definidas,
mas trazendo uma certeza: o mundo nunca mais será o mesmo.

E é nesse contexto que emerge, como única alternativa viável, uma sociedade capaz de
reconhecer suas vulnerabilidades e unir forças para suplantá-las; nasce o chamado mundo
VIC (vulnerável, integrado e consciente).

Um novo contrato social

“Se você quer algo novo, você precisa parar de fazer algo velho.”
- Peter Drucker

A Covid-19 está transformando nossas vidas. Não se trata apenas das alterações na ro-
tina pelo isolamento, mas sim de uma série de cenários prováveis que devem reconfigurar
a sociedade pós-pandemia.
Figura 1.0: “Isso é perto o suficiente.”

Fonte: The New Yorker Cartoons, 2020. Disponível em: https://www.newyorker.com/humor


A COVID-19 é uma infecção provocada por um novo tipo de coronavírus originado da SAR-
S-CoV-2, um patógeno que vem se espalhando rapidamente do continente asiático para o
resto do mundo.

Não só teve repercussões no âmbito da saúde, o que levou à aplicação de medidas extremas,
como o fechamento de fronteiras em vários países, mas também teve um impacto devasta-
dor no campo econômico, com perdas de mais de 25 trilhões de dólares na capitalização de
ações nos Estados Unidos e na Europa (SBPT, 2020).

A pandemia do coronavírus evidenciou os lapsos de um sistema econômico que vem


se mostrando capaz de produzir enorme desenvolvimento e riqueza, porém extremamen-
te frágil em termos de cooperação social. Afinal, enquanto grandes corporações atingem
valores de mercado trilionários, o mundo segue sofrendo com fome, miséria e desastres
ambientais.

Jerome Roos, economista da London School of Economics, observa que durante a qua-
rentena cresce uma montanha de dívidas públicas e privadas. Um endividamento de pro-
porções inéditas, que “poderia desatar uma grande crise internacional da dívida que fará o
crash e a recessão global de 2008 parecerem uma brincadeira de criança” (TRIBUNE, 2020).

Ainda antes da pandemia, manifestações populares como a rebelião chilena e as greves


na França contra a reforma da previdência, entre outras expressões ao redor do planeta,
davam sinais do esgotamento do atual modelo econômico. Nesse cenário crítico, é urgente
revitalizá-lo, repensando e reelaborando toda a sua estrutura.

A Covid-19 acelera esse processo de renovação, levando organizações a se posicionarem


diante de mudanças sociais tão iminentes quanto inevitáveis. De acordo com Luiza Tra-
jano, presidente do conselho de administração da varejista Magazine Luiza, a pandemia
deve ser encarada como uma oportunidade de evoluir 20 anos em 20 dias. “É difícil dizer
o que vai acontecer, mas temos de entender que o mundo, as empresas e as pessoas não
serão mais os mesmos”, prevê ela. Em um esforço coordenado para enfrentar a crise, a
Magazine Luiza concedeu férias antecipadas a alguns funcionários, além de bônus, como
o cheque-mãe, que teve seu valor dobrado. “Cuidar das pessoas é o nosso primeiro pilar.
Depois vem a operação da companhia”, conclui a empresária (EXAME, 2020).

O publicitário Nizan Guanaes, sócio e co-fundador do Grupo ABC de Comunicação, acre-


dita que a pandemia está criando um “novo normal”: “A economia pode se recuperar em
um ano ou dois, mas as mudanças de comportamento e de consumo serão duradouras”,
afirma ele (EXAME, 2020). As últimas semanas e os duros próximos meses imprimirão pro-
fundas transformações no capitalismo, tornando-o, enfim, mais consciente e colaborativo.
Diante dessa crise, começamos a presenciar o estabelecimento de um novo contrato social
entre empresas e comunidades, baseado em princípios de compartilhamento e benefícios
mútuos.
O reconhecimento de nossa vulnerabilidade

“A vulnerabilidade é a nossa medida mais precisa de coragem.”


- Brené Brown

Tragédias humanas, catástrofes naturais e epidemias mortais lançam incertezas so-


bre o futuro, lembrando-nos que somos frágeis. O reconhecimento de nossa vulnerabili-
dade, no entanto, é um elemento essencial para iniciar uma reflexão sobre a atual realida-
de socioeconômica do mundo.

Em seu livro “Pós-capitalismo: Um guia para o nosso futuro”, o jornalista britânico Paul
Mason defende que a evolução do capitalismo não pode ser derivada de utopia e sonhos
infantis, mas que “precisamos de um projeto coerente baseado na razão, na evidência e
em esquemas testáveis; um projeto que esteja de acordo com a história econômica e seja
sustentável em termos do nosso planeta” (MASON, 2017).

Nesses tempos incertos, outra voz favorável a mudanças assertivas no sistema é a da filó-
sofa feminista norte-americana Judith Butler. Para ela, enquanto a economia global pro-
duz desigualdades crescentes e trata seres humanos como supérfluos ou dispensáveis, os
conceitos de vulnerabilidade e precariedade ganham cada vez mais destaque.

Butler não considera os termos vulnerabilidade e precariedade sinônimos; o primeiro cor-


responde à condição humana de fragilidade e necessidade de proteção, enquanto o se-
gundo relaciona-se à exploração econômica e política dessa condição.

Através da vulnerabilidade é possível buscar pelo outro e conceber novos meios de vida
e de confrontação das desigualdades. A filósofa explica que, ao sermos vulneráveis em
diversos graus e modos a uma precariedade que é socialmente imposta, cada indivíduo
pode reconhecer como sua própria experiência de sofrimento encontra relação com a so-
ciedade de seu tempo. “A partir daí podemos começar a desarticular essa forma individu-
alizadora e exasperante da responsabilidade, substituindo-a por uma concepção solidária
que ratificará nossa dependência mútua, e essa sujeição às infraestruturas operativas e às
redes sociais, abrindo espaço para uma forma de improvisação que concebe formas co-
letivas e institucionais de manipular a precariedade imposta”, conclui ela (BUTLER, 2017).

O questionamento da precariedade que nos é imposta exige que sejamos capazes de po-
tencializar nossas vulnerabilidades. Nesse sentido, o filósofo Franco “Bifo” Berardi afirma
que “não podemos saber como sairemos da pandemia. Poderíamos sair dela definitiva-
mente sozinhos, agressivos e competitivos, ou com um grande desejo de abraçar: solida-
riedade social, contato e igualdade” (DIARIO UNO, 2020).
As três desconexões
“O ser humano vivencia a si mesmo, seus pensamentos como algo separado do resto do univer-
so – numa espécie de ilusão de ótica de sua consciência. E essa ilusão é uma espécie de prisão
que nos restringe a nossos desejos pessoais, conceitos e ao afeto por pessoas mais próximas.
Nossa principal tarefa é a de nos livrarmos dessa prisão, ampliando o nosso círculo de compai-
xão, para que ele abranja todos os seres vivos e toda a natureza em sua beleza. Ninguém con-
seguirá alcançar completamente esse objetivo, mas lutar pela sua realização já é por si só parte
de nossa liberação e o alicerce de nossa segurança interior.”
- Albert Einstein

Em meio a tantas incertezas instauras pelo novo vírus, começamos a enxergar com
certa clareza algumas tendências mais duradouras. As decisões que estamos tomando para
enfrentar a Covid-19 definirão nosso destino como seres humanos e cidadãos nos próximos
anos; nesse sentido, o conferencista Otto Scharmer e a pesquisadora Katrin Kaufer apontam
três principais tipos de desconexões que devemos consertar (SCHARMER & KAUFER, 2013):

● Ser humano < - > Natureza

A relação do ser humano com o planeta em que habita é distante. Os recursos são es-
cassos e finitos, porém parecemos negar essa realidade. Acreditamos dominar a natureza,
mesmo diante de tantas catástrofes que muitas vezes nos tornam reféns dela. Não cultiva-
mos a terra e nos tornamos cada vez mais dependentes de “soluções prontas” e das pratelei-
ras de supermercados.

Desde o início da pandemia de Covid-19, imagens de satélite da Nasa revelaram uma signifi-
cativa redução dos níveis de poluição na China, resultante do fechamento de várias fábricas.
De fato, os melhores índices atmosféricos da história da Terra foram observados em períodos
de crise e recessão financeira, que levaram a quedas no processo produtivo – ou seja, quanto
mais ativa e “rica” a economia, mais pobre torna-se a qualidade do ar e a natureza em geral.

Figura 1.1: Comparativo entre imagens de satélite da atmosfera chinesa.

Fonte: https://www.bbc.com/news/world-asia-51691967
Nas últimas décadas, Pequim atingiu níveis de poluição tão elevados que chineses
ricos pagam caro por sistemas de purificação de ar em ambientes fechados, enquanto os
milionários chegam a construir engenhocas de proteção em seus quintais. Recentemente,
a Escola Internacional de Beijing, frequentada por filhos da classe alta chinesa e de diplo-
matas estrangeiros, ergueu uma cúpula gigante sobre suas quadras poliesportivas (STUDY
INTERNATIONAL, 2015).

Yuval Noah Harari também aborda a desconexão entre homem e natureza (HARARI, 2016,
pp. 29, 30):

“Conseguimos controlar a fome, as pestes e a guerra graças, enormemente, a um feno-


menal crescimento econômico, que nos provê de alimento, medicina, energia e matérias-
-primas abundantes. Mas esse mesmo crescimento desestabiliza o equilíbrio ecológico do
planeta de maneiras que só estamos começando a investigar. O gênero humano atrasou-
-se no reconhecimento desse perigo, e até agora pouco fez para combatê-lo. A despeito
de todos os discursos sobre poluição, ameaça global e mudança climática, a maioria dos
países ainda terá de fazer sérios sacrifícios econômicos e políticos para melhorar a situ-
ação. Quando chega o momento de optar entre crescimento econômico e estabilidade
ecológica, políticos, executivos e eleitores sempre preferem o crescimento. No século XXI,
teremos de fazer melhor do que isso se quisermos evitar a catástrofe.”

Figura 1.3: “Sim, o planeta foi destruído. Mas, no passado, por um belo ins-
tante nós geramos muito valor para nossos acionistas.”

Fonte: The New Yorker Cartoons, 2020. Disponível em: https://www.


newyorker.com/humor
● Ser humano < - > Ser humano

O segundo tipo de desconexão de dá entre nós e o outro. Mesmo em países ricos é


possível observar fome e pobreza; na França, por exemplo, 6 milhões de pessoas (aproxima-
damente 10% da população) sofre com a insegurança nutricional. Isso significa que acordam
sem saber se terão o que comer no almoço e frequentemente vão dormir com fome, além de
terem uma alimentação desequilibrada e pouco saudável (DARMON et al., 2015).

Muitas pessoas, no entanto, agem como se isso não fosse um problema coletivo, observando
tudo à distância e pensando: “enquanto minha família estiver protegida, ok”. Ignoram, porém,
que essa situação coloca a todos em perigo - assim como uma doença que começou na Chi-
na e hoje mata milhares de pessoas no mundo inteiro.

● Eu atual < - > Eu futuro

A terceira desconexão ocorre entre o eu no presente e o eu do futuro que emerge. Essa


divisão é cada vez mais evidenciada em dados estatísticos de distúrbios psicológicos como
ansiedade, burnout e depressão. Tentamos continuamente compensar nossa insatisfação in-
terna através de consumismo, formando um “ter humano”.

Figura 1.4: Consumismo como fuga psicológica.

Fonte: The New Yorker Cartoons, 2020. Disponível em: https://


www.newyorker.com/humor
Infelizmente, porém, as compras exageradas apenas aliviam temporariamente o vazio
existencial – enquanto impõem danos profundos ao planeta e aos seus recursos finitos e es-
senciais para nossa própria sobrevivência.

A tríade de tendências pós-pandemia

“Nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar pode esperar encontrar respos-
tas para os problemas que a afligem.”
- Zygmunt Bauman

Como episódios de violenta ruptura da normalidade, as grandes crises geralmente im-


põem um “novo normal” – um contexto que pode ser muito divergente do passado.

Hoje, a qualidade de vida não representa mais um conceito abstrato e alternativo, mas sim
uma realidade que contesta o mantra “se você tem um problema, precisa de mais coisas e,
para ter mais coisas, precisa produzir mais coisas”. O lema atual é “melhor com menos”, ou
seja, é melhor crescer menos, mas de forma sustentável, do que crescer muito, mas de modo
irresponsável e destrutivo em relação ao meio ambiente e às pessoas. Para avançar de verda-
de, são necessários consenso e participação popular.

Uma economia baseada nos princípios de reciprocidade, responsabilidade, solidariedade e


integralidade é possível e já se manifesta através da seguinte tríade de tendências:

Figura 1.5: Novas tendências pós-Covid-19.

● Lucratividade X Ser humano

Enquanto na antiguidade e na época medieval o ser humano teve de enfrentar um


meio exterior hostil para sobreviver, na atualidade as lutas passaram a ser travadas contra seu
próprio interior, que busca controlar as emoções e viver em conformidade com a estrutura
socioeconômica vigente.

O historiador Yuval Noah Harari questiona esse processo (HARARI, 2016, p. 215):

“Tome-se, por exemplo, uma engenheira de software que ganha cem dólares por hora tra-
balhando para uma start-up de alta tecnologia. Um dia, seu pai sofre um AVC. Ela passa a
ter de ajudar nas compras, na cozinha e até mesmo no banho. Ela poderia levar o pai para
a própria casa, sair mais tarde de manhã, voltar mais cedo ao entardecer e cuidar pessoal-
mente dele. Tanto a sua renda como a produtividade da start-up sofreriam, mas seu pai con-
taria com os cuidados de uma filha respeitosa e amorosa. Alternativamente, a engenheira
poderia contratar uma cuidadora mexicana, por doze dólares a hora, para morar com seu
pai e suprir todas as necessidades que ele apresentar. Isso significaria que a situação não se
alteraria para a engenheira e sua start-up, e até mesmo a cuidadora e a economia mexicana
se beneficiariam. O que a engenheira deveria fazer?

O capitalismo de livre mercado tem uma resposta firme. Se o crescimento da economia exige
que afrouxemos laços de família, incentivemos pessoas a viver longe de seus pais e importe-
mos cuidadores do outro lado do mundo – que assim seja. Essa resposta, no entanto, envol-
ve um juízo ético e não uma declaração factual. Sem dúvida, quando algumas pessoas se
especializam em engenharia de software enquanto outras passam seu tempo cuidando de
idosos, podemos produzir mais softwares e dar aos idosos um atendimento mais profissional.
Mas será que o crescimento econômico é mais importante do que os laços familiares?

A conciliação entre valores humanos, até então perdidos ou deixados de lado, e lucratividade
organizacional é uma das principais tendências no mercado de trabalho do futuro. O grande
desafio para funcionários e gestores, neste caso, é criar um ambiente laboral no qual coexis-
tam em equilíbrio o desempenho profissional e as relações humanas como amizade, solida-
riedade e companheirismo.

● Poder concentrado X Poder compartilhado

Em seu livro The Myth of Capitalism: Monopolies and the Death of Competition (“O
mito do capitalismo: monopólios e a morte da concorrência”, sem versão para o português), o
economista norte-americano Jonathan Tepper dedica-se a explicar o desempenho defeituo-
so do capitalismo contemporâneo (TEPPER, 2018).

Tepper argumenta que, embora o capitalismo tenha se mostrado o melhor sistema para cria-
ção de riqueza e redução da pobreza da população, o que vivemos atualmente é algo em
total desacordo com sua origem, fundamentada na existência de mercados concorrenciais.
Ou seja, o princípio básico de competição está sendo esquecido e a maioria dos setores está
altamente concentrada nas mãos de poucos.

O crescente poder de mercado das companhias dominantes vem gerando menos investi-
mento, menor produtividade, menor dinamismo, margens maiores, menores salários e maior
concentração de riqueza. O setor de tecnologia é o caso mais grave, tendo em vista seu mode-
lo “o ganhador leva tudo”. São corporações gigantes como Google, Amazon, Apple, Microsoft
e Facebook que, nas palavras de Tepper, “são ótimas para os acionistas, mas são arrogantes
e matam a competição”.

Somente durante a última década, essas cinco super empresas compraram 436 companhias,
formando verdadeiros monopólios em setores fundamentais como mecanismos de busca,
aplicativos, softwares e redes sociais. Apesar disso, o Departamento de Justiça dos Estados
Unidos e a Federal Trade Comission (FTD) apenas recentemente abriram alguns poucos pro-
cessos para investigar práticas anticompetitivas dessas companhias.
Maior concentração de mercado implica maior poder das empresas de manipular os
preços, elevando suas margens. Em 2007, o economista norte-americano Matthew Weinberg
publicou um estudo sobre fusões entre competidores dos 22 anos anteriores, revelando que
a grande maioria dos negócios resultou em aumento de preços - tanto nas empresas que se
fundiram quanto nas concorrentes. As fusões, concluiu Weinberg, resultam em uma inequí-
voca e devastadora subida de preços e de margens (HBR, 2020).

Essa visão foi reforçada por John Kwoka, especialista em política de competição, que demons-
trou que, em 95% dos casos, sempre que processos de fusões e aquisições envolvem menos
de seis competidores principais, os preços subiram 4,3%, em média (KWOKA, 1983).

Por fim, um recente trabalho de economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) cons-
tatou que, no período entre 1980 e 2016, as margens das maiores companhias nos países
avançados subiram, em média, 39%; e nos Estados Unidos, 42% (IMF, 2019).

Figura 1.6: “O mundo não é justo”; “Há alguma justiça no mundo”; “O mundo é justo”.

Fonte: The New Yorker Cartoons, 2020. Disponível em: https://www.newyorker.com/humor

A Standard Oil, do magnata empresário e investidor norte-americano John Rockefeller (1839-


1937) é um dos mais famosos casos de monopólio econômico. Ela comprou todos os concor-
rentes e, para driblar os limites estabelecidos pelas leis estaduais, Rockefeller reuniu diversas
empresas separadas em um único truste nacional.

Os trustes eram grandes preocupações para o público, a imprensa e os governantes, contri-


buindo para a desigualdade econômica e política da época. Em charges da época, a Standard
Oil era representada por um polvo, cujos tentáculos envolviam mercados e legislativos esta-
duais (Figura 1.7).
Figura 1.7: A acumulação de poder político e econômico motivou a criação das primeiras leis
antitruste norte-americanas.

Fonte: LIBRARY OF CONGRESS. Disponível em: https://www.loc.gov/pictures/resource/cph.3b52184/

A proibição legal ao monopólio institucional hoje é clara na legislação norte-americana (FE-


DERAL TRADE COMMISION, 2020):

“Ninguém (...) adquirirá, direta ou indiretamente, a totalidade ou qualquer parcela do


lote de ações ou (...) ativos de outra pessoa (...) quando (...) o efeito de tal aquisição possa
ser o de reduzir substancialmente a concorrência ou de favorecer a criação de um mo-
nopólio.”

● Individualismo X Redes colaborativas

As redes sociais de internet são uma manifestação moderno do impulso primordial


do ser humano para criar conexões. Nossa própria humanidade advém do fato de sermos
absorvidos desde o nascimento por uma rede coletiva de significados. Estes, por sua vez, nos
constituem e integram simbolicamente ao grupo.

Os últimos séculos promoveram uma ruptura nessa relação sociedade-indivíduo, pregando


que uma pessoa pode e deve se autodeterminar. Não podemos, no entanto, anular completa-
mente nossa relação com a coletividade. As redes sociais evidenciam esse conflito: o usuário
deseja mostrar suas qualidades e estilo de vida particular, mas espera receber curtidas e co-
mentários para se afirmar. As redes, portanto, representam um retrato fiel dessa ambiguida-
de, da tensão existente entre a busca por diferenciação e a necessidade de ser socialmente
adaptado e reconhecido.

A palavra mutirão é derivada do termo tupi motyrõ, que significa “trabalho em comum”. Já
a sigla P2P significa literalmente “Peer to Peer”, isto é, trabalho entre pares. Atualmente, no
entanto, o mutirão ocorre em espaços virtuais e globais.

Tanto na área corporativa quanto na vida pessoal, só é possível crescer de modo sustentável
quando as pessoas à nossa volta também crescem. Um profissional individualista, porém,
opõe sua obsessão pelo sucesso pessoal ao êxito coletivo, competindo selvagemente e viven-
do em busca exclusivamente do que almeja.

De acordo com o pesquisador e conferencista belga Michel Bauwens, esse modelo está se
esvaindo rapidamente. “Do mesmo jeito que ninguém percebia que o capitalismo nascia no
século XV, quando os Cavaleiros Templários criaram uma espécie de cheque de viagem para
os peregrinos à Terra Santa, a gente tem dificuldade em perceber que uma nova ordem nas-
ce hoje”, afirma Bauwens (P2P Foundation, 2020).

As pessoas vêm reconhecendo a importância de pensar mais na ética. Nos trabalhos em equi-
pe, quem atua de modo egoísta logo é excluído.

O movimento “Ocupe”, ensina Bauwens, é o início de um novo tipo de movimento sociopolí-


tico que aborda a ética. “Na hora de provisionar comida para os manifestantes na Wall Street,”
conta ele, “uns fazendeiros orgânicos do estado de Vermont se ofereceram para supri-los, de
graça. Mas depois os manifestantes viram que se aceitassem, seria muito ruim para os vende-
dores de comida que trabalham nas ruas [próximas à praça ocupada]. Então resolveram não
aceitar”.

Por mais difícil que seja acreditar que essa mentalidade pode se propagar e virar algo co-
mum, essa é uma tendência irrefreável para os próximos anos, defende Bauwens. “Somos
bons e maus ao mesmo tempo”, ele lembrou. Agora seria a vez de nosso lado bom. Breve te-
remos novos modelos econômicos, que reunirão os tubarões do capitalismo e os golfinhos da
cooperação entre iguais - o crowdfunding e o financiamento coletivo de projetos inovadores
são exemplos claros desse movimento.

Recentemente, o famoso jornal Financial Times lançou a campanha “Capitalism: Time for a
Reset” (Capitalismo: Momento de Revisão) (FT, 2020). “O modelo capitalista liberal proporcio-
nou paz, prosperidade e progresso tecnológico nos últimos 50 anos, reduzindo drasticamen-
te a pobreza e elevando os padrões de vida em todo o mundo. Mas, desde a crise financeira
global, o modelo ficou sob pressão, particularmente o foco em maximizar lucros e o valor para
os acionistas. Esses princípios de bons negócios são necessários, mas não suficientes. Está na
hora de uma redefinição do capitalismo”, afirmou Lionel Barber, editor do jornal.

“O capitalismo deu uma importante contribuição à harmonia global ao estimular as


pessoas a parar de considerar a economia como um jogo de soma zero, no qual o seu
lucro é o meu prejuízo, e em vez disso vê-lo como uma situação de ganha-ganha, na
qual o seu lucro também é o meu lucro” (HARARI, 2016, p. 215).
Figura 1.8: “Não basta que nós tenhamos sucesso. Os gatos precisam fracassar.”

Fonte: The New Yorker Cartoons, 2020. Disponível em: https://www.newyorker.com/humor

Para saber mais:

● Asfixia: capitalismo financeiro e a insurreição da linguagem. Franco Be-


rardi. Ubu Editora, 2020.

● O futuro do capitalismo: Enfrentando as novas inquietações. Paul


Collier. L&PM Editores, 2019.

● Outra economia é possível: Cultura e economia em tempos de crise.


Manuel Castells. Editora Zahar, 2019.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

• TAYLOR, William C. & LABARRE, Polly. Inovadores em ação: as estratégias das empresas que estão re-
definindo seus mercados e criando vínculos originais com seus clientes. Editora Sextante, 2008.

• SCHWARTZ, Barry. O paradoxo da escolha: por que mais é menos. Editora A Girafa, 2004.

Você também pode gostar