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Estela Rosa
Apr 18 · 12 min read
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25/05/2020 Dívida, moradia e trabalho: uma agenda feminista para o pós-pandemia
Das imagens de dor que circulam faz semanas, não há trivialidade possível. O vírus
acelerou de forma simultânea em todo o planeta a compreensão do neoliberalismo em
seus mecanismos mortíferos sobre corpos concretos. Poderíamos dizer que isto não é
uma novidade. O neoliberalismo mostrou que convive perfeitamente com máquinas de
morte: as que acontecem nas fronteiras e nos campos de refugiadxs, para lembrar as
mais brutais. Mas agora o vírus, que não discrimina por classe e não seleciona segundo
o passaporte, montou um ensaio geral da vida neoliberal como um espetáculo que
vemos acontecer online, com um contador necropolítico em tempo real. A partir disto,
há dois lugares de enunciação que não nos resultam eficazes. Um rápido atestado de
óbito para o capitalismo (que inclui desde o editorial do Washington Post passando por
teóricos consagrados) ou, em contraponto, uma insistência de que a pandemia
confirma o controle capitalista totalitário sobre a vida.
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25/05/2020 Dívida, moradia e trabalho: uma agenda feminista para o pós-pandemia
Não foi do nada que surgiu hoje vocabulário e práticas para denunciar os efeitos do
desmonte da saúde pública, da superexploração dos trabalhos precários e migrantes e o
aumenta da violência doméstica no isolamento. A nível mundial, os movimentos sociais
estão em alerta porque no fim da pandemia existe o risco de ficar mais endividadxs por
acumulação de aluguéis e serviços não pagos, por alimentos que não deixam de
aumentar, pelo aumento da dívida dos estados que decidirem salvar os bancos. Todos
os dias se denunciam os desvios securitistas, militaristas e racistas da crise. É necessário
explicitar as lutas que estão atravessando agora mesmo esta crise, ressaltar as
demandas dos feminismos e dos movimentos contra a precarização em geral. E,
finalmente, insistir que se o mundo está mudando é porque, como se lê em alguns
muros, a chamada normalidade era e segue sendo o problema.
Queremos propor então uma série de pontos que atualizam uma agenda aberta,
coletiva, que existia antes da pandemia e que nos serve, como recurso comum, para
respirar e imaginar saídas.
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Sabemos que uma possibilidade que se lança nesta crise a nível global é o relançamento
da dívida privada como maneira de completar a renda que não é suficiente para pagar
aluguéis que se acumularão, para comprar alimentos cada vez mais caros e para pagar
serviços públicos. Um novo ciclo de endividamento foi o que se mostrou como solução
na Europa e Estados Unidos para retomar o consumo depois da crise de 2008. Há
capacidade para que desta vez essa “saída” não seja nossa opção?
Com base em demandas específicas dos movimentos sociais, vários governos adiaram o
pagamento de empréstimos pessoais e hipotecários, suspenderam ordens de despejo e
concederam renda extraordinária para a quarentena. A pergunta é o que acontecerá
quando estas medidas forem relaxadas e, sobretudo, que não consigam evitar o
endividamento pessoal para atravessar a crise. Fica evidenciada uma disputa pelo
destino e o montante das despesas sociais. Legitimados como extraordinários pela
emergência sanitária, não podem ser tratados apenas como medidas de exceção,
porque são o pontapé inicial de uma reorganização necessária e urgente do uso dos
dinheiro público e da reorientação da estrutura tributária.
Sabemos que os subsídios sociais que parecem meras transferência monetários estão
carregados de valores morais que legitimam ou deslegitimam formas de vida. Desde o
bordão de que os subsídios incentivam a vagabundagem (uma discussão que remonta o
século XVIII) aos mandatos de gênero combinados com cortes no orçamento, podemos
ver qual população é selecionada a cada momento para assumir privações e punições.
Agora, diante do suspense global da austeridade como medida emergencial, a disputa é
como se determina politicamente a quem é dada a ajuda e como deixar de ter caráter
transitório.
A batalha pelo público nada mais é que uma batalha pela redistribuição da riqueza.
Quem contêm o colapso são xs trabalhadorxs da saúde e as redes e organizações
populares que produzem desde máscaras até a partilha de alimentos. Hoje mais do que
nunca é possível questionar a segmentação classista no acesso à saúde.
Aqui se lança também uma concepção sobre o trabalho, sobre quem produz valor e
sobre que modos de vida merecem ser assistidos, cuidados e pagos.
Nesse sentido, aqui se inscrevem as reivindicações pela renda básica, universal, por
uma renda de cuidados e o que, de modo geral, se poderia pensar como um “salário
feminista”. Todas medidas indissolúveis, para que sejam efetivas, da ampliação dos
serviços públicos.
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Por outro lado, como se insiste especialmente nas perspectivas feministas, sabemos que
há múltiplas formas de quarentena, segmentadas por gênero, raça e classe e, mais
ainda, que nem todos os corpos têm a possibilidade de ficar em uma casa, e os
confinamentos implicam em abusos e violências machistas para muitxs. Neste
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Queremos dar um passo além e nos perguntar como o capital aproveitará esta medida
de confinamento para reconfigurar as formas de trabalho, os modos de consumo, os
parâmetros de renda e as relações de sexo e gênero. Mais concretamente: estamos
diante de uma reestruturação das relações de classe que toma como primeiro plano o
âmbito da reprodução?
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Voltamos a nos perguntar: de que tipo de casas falamos? Interiores com pouco espaço,
saturados com cargas familiares, agora também devem ser produtivos em trabalhos que
há alguns uns dias eram feitos em escritórios, fábricas, oficinas, comércios, escolas e
universidades. Há uma exigência de hiperatividade enquanto nos movemos menos. O
capital minimiza os custos: nós, trabalhadorxs, pagamos o aluguel e os serviços de
“nosso” local de trabalho; nossa reprodução social se não “precisamos” de transporte
para ir trabalhar fica mais barato; enquanto o delivery por aplicativos assegura
logísticas precárias de entrega.
O espaço doméstico também excede às casas: é composto pelos espaços dos bairros e
comunidades, que são super-explorados diante da crise, que inventam redes com
recursos escassos e que faz tempo já falam de uma situação de emergência.
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imprescindível. Qual é o critério para declará-los como tal? Que expressam o limite do
capital: aquilo que a vida social não pode prescindir para continuar. Também existe toda
uma logística e partilha do capitalismo de plataforma que, apesar de confiar na
metafísica dos algoritmos e no GPS, dependem de um corpo concreto. Esses corpos, em
geral imigrantes, são os que cruzam a cidade deserta, os que permitem — com sua
exposição — manter e abastecer o refúgio de muites.
É sobre estas tarefas que o movimento feminista fez uma pedagogia do reconhecimento
nos últimos anos, chamando greves internacionais e aprofundando diagnósticos que
evidenciaram a precarização como uma economia específica da violência. Hoje, esse
diagnóstico é capa de todos os jornais do planeta. A partir desta constatação, é
necessário pensar na reorganização global dos trabalhos — seus reconhecimentos,
salários e hierarquias — durante e pós-pandemia. Falando de outra maneira: a
pandemia pode ser também o ensaio geral de outra organização de trabalho. Não
podemos ser ingênuas a respeito disso. Haverá uma tentativa de corrigir a crise de
legitimidade do neoliberalismo com mais fascismo: mais medo, mais ameaças de
outrxs como inimigxs e tudo o que leva a uma elaboração paranóica da incerteza
compartilhada.
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25/05/2020 Dívida, moradia e trabalho: uma agenda feminista para o pós-pandemia
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O campo de batalha do capital contra a vida se lança hoje sobre que trabalhos são
declarados essenciais e como remunerá-los de acordo com esse critério, implicando em
uma reorganização global do trabalho. O campo de batalha do capital contra a vida se
lança hoje na capacidade coletiva que tenhamos de suspender a extração de rendas
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Coronavírus Feminismo
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