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Em defesa do distributismo

Por que socialismo e distributismo são totalmente opostos

Christopher A. Ferrara 12/12/11


Colunista do jornal REMNANT, Nova Jersey

“Distributismo é apenas capitalismo com moralidade.” – Robert Laskey

(www.RemnantNewspaper.com) Nos últimos anos, alguns porta-vozes do


neoliberalismo, autointitulados “conservadores” e libertários, empenharam-se
em desmantelar um crescente movimento pela independência econômica,
denominado “distributismo”. O ataque neoliberal ao distributismo anda junto
com o processo pelo qual os católicos, por quase dois séculos, vêm sendo
empurrados pelo bicho-papão do socialismo ao reino do capitalismo laissez-
faire radical, onde as empresas comercializam de tudo, desde pornografia até
zigotos humanos, sem barreiras legislativas, e onde o Grande Capital se alia
com o Grande Governo para destruir a ordem moral. O distributismo está sob
ataque justamente porque representa, no domínio econômico, uma alternativa
ao interminável jogo de cara-e-coroa dos liberais.

Não, não é socialismo

Que é distributismo, então? Ao contrário do que afirmam os nossos críticos,


distributismo não significa a redistribuição de riqueza pelo governo, o que
seria socialismo, mas, antes, a distribuição natural de riqueza que se
dá quando os meios de produção se encontram distribuídos o mais
amplamente possível na sociedade.

Basicamente, o distributismo consiste em empresas familiares de qualquer


espécie (não só chácaras – como insinuam ser nossa opinião alguns críticos
zombeteiros), ou firmas cuja propriedade pertence aos empregados
(chamadas cooperativas), ou ainda pequenas empresas e empresas de médio
porte que atuam local ou regionalmente. Também pequenos negócios e
trabalhos independentes, em geral, correspondem ao distributismo na prática.
Assim também o crescente movimento pela produção local de alimentos (de
que participam muitos tradicionalistas) e os boicotes generalizados ao Wal-
Mart e a outras gigantes multinacionais responsáveis pela aniquilação dos
pequenos negócios e pela destruição do comércio de bairros.

Com o seu peculiar talento para exprimir a essência das coisas, Chesterton
formulou a ideia distributista: “Capitalismo demais não significa capitalistas
demais, mas capitalistas de menos.” O distributismo espera aumentar o
número de possuidores de propriedade privada, estimulando os indivíduos e
as famílias a adquirir ou criar seus próprios meios de produção, em vez de
depender de salários. Isso, na prática, pode significar muito bem os “três
alqueires e uma vaca” de Chesterton, assim como, na economia moderna,
“três computadores e um escritório em casa”.

E porque busca restabelecer a vida microeconômica – o comércio entre


bairros nos bairros –, o distributismo é um movimento pela emancipação da
ordem econômica globalizada, intricada, dependente do governo e
perigosamente frágil, que risivelmente se apresenta hoje como “livre
iniciativa”. Qualquer pessoa que pense que “livre iniciativa” quer dizer Wal-
Mart, com suas legiões de chineses pagos com salários escravos a labutar em
benefício de acionistas americanos, sob a canga de um governo comunista
que sequer lhes permite ter filhos, precisa consultar depressa a Doutrina
Social Católica. Algo muito errado se passa na ordem moral, quando os
fundadores do Wal-Mart repousam sobre uma carteira de ações de 84 bilhões
de dólares, construída em grande parte com trabalho quase escravo,
enquanto os “assistentes de venda” da rede varejista não conseguem
sustentar as próprias famílias ou dar conta de seus gastos médicos, embora
uma pequena fração dos bilhões da família Walton fosse suficiente para
pagar, por uma vida inteira, um plano de saúde para todos os funcionários do
Wal-Mart.

Não estou sugerindo que o governo confisque a riqueza da família Walton.


Claramente a questão é que os Walton deveriam fazer justiça aos seus
esforçados funcionários sem a necessidade de uma ordem governamental,
isto é, eles deveriam aplicar a lei do Evangelho na condução dos seus
negócios. No livro The Church and the Libertarian, eu revelo como a Costco,
cujo cofundador e diretor executivo é um católico imerso na Doutrina Social da
Igreja, paga a seus empregados o salário-família e 92% dos seus gastos
médicos.

O distributismo é bem sucedido na medida em que as pessoas se recusam a


participar da cultura do capitalismo de massa. Trata-se de um modo de vida,
não de um programa de governo. É uma forma de rompimento pacífico com
uma ordem econômica dominada por multinacionais que escarafuncham o
mundo inteiro em busca de trabalho quase escravo, corrompem a moralidade
pública e privada divulgando incontáveis vícios, destroem a indústria nacional,
obtêm continuamente vantagens do governo e exigem, sempre que necessário,
concessões de tratados e socorros financeiros para evitar o colapso de suas
estruturas absurdamente inchadas – e, não fosse isso, insustentáveis. O
distributismo é uma justa reação contra os desvios morais e os excessos
materiais condenados pelo Magistério, encíclica sobre encíclica, e sintetizados
numa expressão memorável por Wilhelm Röpke, pensador luterano e defensor
do livre mercado: “o culto do colossal”.

Portanto, socialismo e distributismo são antagônicos. Repito-o: socialismo é o


oposto de distributismo. Quem insinua que o distributismo é uma forma de
socialismo está mal informado ou de má-fé. Até mesmo o verbete da Wikipedia
diz com acerto: “Distributismo (também conhecido como distribucionismo ou
distributivismo) é uma filosofia econômica de terceira via, formulada por
pensadores católicos como G. K. Chesterton e Hilaire Belloc, com o fim de
aplicar os princípios da Doutrina Social Católica sistematizados pela Igreja
Católica, particularmente na encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII, e
mais amplamente expostos pelo Papa Pio XI na encíclica Quadragesimo
Anno... O distributismo destaca-se, na prática, pela ideia da distribuição da
propriedade (não confundir com redistribuição da riqueza).” Apresso-me em
dizer que um distributista não há de endossar todas as propostas práticas
defendidas por Chesterbelloc, mas apenas a meta da ampla distribuição da
propriedade dos meios de produção, alcançando, a partir daí, a verdadeira
liberdade econômica para o indivíduo e a família, como célula básica da
sociedade.

Que se quer dizer com uma “terceira via”? Apenas que distributismo não é nem
socialismo, nem capitalismo. Como disse Thomas Storck: “Tanto o socialismo,
quanto o capitalismo, são produtos do Iluminismo europeu, e constituem,
portanto, forças modernizadoras e antitradicionais. O distributismo, ao
contrário, busca subordinar a atividade econômica à vida humana integral, isto
é, à nossa vida espiritual, intelectual e familiar.” É justamente isso que os
Papas propõem em sua doutrina social.

A sórdida preocupação dos próprios interesses

Como Pio XI afirmou na Quadragesimo anno (1931), o liberalismo social e o


liberalismo econômico têm uma raiz comum no abandono dos preceitos do
Evangelho, em consequência do pecado:

A raiz e fonte desta defecção da lei cristã na vida social e econômica, e


da consequente apostasia da fé católica para muitos operários, é a
desordem das paixões, triste efeito do pecado original; este perturbou de
tal maneira a admirável harmonia das faculdades humanas, que o
homem, facilmente arrastado pelas más paixões, se vê fortemente
incitado a preferir os bens caducos da terra aos eternos e permanentes
do céu. D'aqui aquela sede inextinguível de riquezas e bens temporais,
que, se em todos os tempos arrastou os homens a quebrar a lei de Deus
e conculcar os direitos do próximo, nas atuais condições econômicas
arma à fragilidade humana laços ainda mais numerosos.

Foi justamente essa “sede inextinguível de riquezas e bens temporais” que


causou a crise econômica de 2008. De fato, a Quadragesimo poderia ter sido
escrita para descrever a atmosfera geral nas empresas por ocasião desse
acontecimento:

Pois que aproveita aos homens poderem mais facilmente conquistar o


mundo inteiro com uma distribuição e uso mais racional das riquezas, se
com isso mesmo vêm a perder a alma? (cf. Mt 15,26) Que aproveita
ensinar-lhes os princípios da boa economia, se com avareza sórdida e
desenfreada se deixam arrebatar de tal maneira do amor dos próprios
bens, que “ouvindo os mandamentos do Senhor, fazem tudo o
contrário”? (cf. Judic., 2, 17.)

Com efeito, a incerteza da economia e mais ainda a sua complicação


exigem dos que a ela se aplicam uma contenção de forças suma e
contínua; em consequência, algumas consciências calejaram de tal
maneira, que julgam lícitos todos os meios de aumentar os lucros e
defender contra os vaivéns da fortuna a riqueza adquirida à custa de
tantos esforços e trabalhos.

As instituições jurídicas destinadas a favorecer a colaboração dos


capitais, dividindo ou diminuindo os riscos, dão lugar muitas vezes aos
mais repreensíveis excessos. Com efeito, vemos a responsabilidade tão
atenuada, que já a poucos impressiona; sob a tutela de um nome coletivo
praticam-se as maiores injustiças e fraudes; além disso, os gerentes
destas sociedades econômicas, esquecidos dos seus deveres, atraiçoam
os direitos daqueles cujas economias deviam administrar.

É ridícula a alegação de que a crise econômica resultou simplesmente da


política monetária do Banco Central dos Estados Unidos. A crise foi uma
verdadeira tempestade de ganância, causada (a) pela cobiça dos criadores de
hipoteca e corretores que, a fim de lucrar com taxas bancárias e comissões,
concederam empréstimos impossíveis; (b) pela avidez de pessoas que, com o
objetivo de adquirir muito mais do que de fato precisavam, tomaram
emprestado muito mais do que poderiam pagar; (c) pelas taxas de juros
usurárias para hipotecas com taxas variáveis e cartões de crédito; (d) pelas
hipotecas de risco, fraudulentamente empacotadas por seus criadores como
montes de títulos inúteis e vendidas, como se fossem ótimos investimentos, por
empresas de investimento com enganosas classificações “AAA” dadas por
agências de classificação financeira; e (e) pela prática de cercar esses ativos
venenosos com “swaps” contra descumprimento de compromissos de crédito,
fazendo com que as mesmas empresas que mascatearam tais ativos para os
clientes apostassem no fracasso dos próprios investimentos recomendados por
elas, gerando vultosos pagamentos de seguro para as empresas de
investimento, ao passo que seus clientes sofriam prejuízos catastróficos.
(Cf. The Church and the Libertarian, Cap. 13).

Tudo isso se passou em um ambiente desregulamentado, onde bancos de


depósito, então proibidos de tomar parte em investimentos de risco, deixaram
de sofrer tal restrição; onde empresas de investimento, então limitadas ao
capital próprio de seus parceiros, passaram a poder acumular grandes somas
de capital de risco mediante ofertas públicas de ações; e onde “swaps” contra
descumprimento de compromissos de crédito foram comercializados como
títulos não regulamentados. Isso resultou numa pilha enorme e oscilante de
varetas, num pega-varetas prestes a desmoronar, bastando para tanto que
alguém tirasse a vareta errada.

Em suma, a crise representa o que Pio XI chamou de “a sórdida preocupação


dos próprios interesses, que é a desonra e o grande pecado do nosso
tempo...”. A redução da taxa de juros, por parte do Banco Central americano,
causou nas pessoas a sórdida preocupação dos próprios interesses (que levou
à crise financeira mundial) não mais do que uma pistola causa o suicídio de
alguém. Em todo caso, o mesmo Banco Central dos Estados Unidos – que,
sem dúvida, deveria ser extinto – é fruto da manipulação capitalista do poder
estatal: na prática é um cartel de bancos privados que sequer tem de prestar
contas ao governo, motivo pelo qual os próprios libertários que deploram a
existência do Banco Central americano (ao mesmo tempo em que, por
conveniência, fingem não ver suas amargas origens capitalistas) reclamam
uma auditoria que o Congresso se recusa a exigir.

Um movimento pela liberdade econômica segundo o Evangelho

Não seria possível crise financeira alguma em uma ordem social católica, pois
nela a atividade econômica haverá de ser ordenada, como escreveu Pio XI,
pela “suavíssima e igualmente poderosa lei da moderação cristã, que manda
ao homem buscar primeiro o reino de Deus e a sua justiça, seguro de que
também na medida do necessário a liberalidade divina, fiel às suas promessas,
lhe dará por acréscimo os bens temporais.”.

O distributismo é apenas a livre iniciativa orientada pelo Evangelho, conforme


sintetizado por Nosso Senhor nos dois mandamentos maiores: amor a Deus e
amor ao próximo. Retire da livre iniciativa “a sórdida preocupação dos próprios
interesses” e a ambição ilimitada, coloque o amor a Deus e ao próximo, e verá
emergir naturalmente a mesma ordem econômica de que muitos de nós ainda
somos bastante velhos para lembrar: a economia da mercearia local, da loja de
ferragens e das sociedades de poupança e empréstimo; uma economia em que
se podia abastecer uma casa de família por meio apenas de trocas com os
vizinhos, sem sair do bairro; uma economia realizada em escala humana por
seres humanos, e não por meio de “pessoas” corporativas fictícias criadas por
decreto governamental, as quais apresentam todas as características das
personalidades psicopatas.

A restauração daquilo a que Röpke chamou economia humana também não é


apenas uma questão da moralidade “pessoal” que o capitalista decidirá
observar ou não, segundo seu capricho (conforme defenderiam os libertários).
Os imperativos do Evangelho precisam se refletir em leis e instituições. No
âmbito econômico, assim como no político, não existe separação entre
moralidade pública e “privada”, mas um código moral divinamente ordenado a
reger toda a sociedade. Um capitalista não ama a Deus e ao próximo quando
explora seus funcionários, quando vende pornografia ou injeta imundície moral,
por qualquer meio, na sociedade, quando oferece serviços de aborto, quando
usura e superfatura, quando especula negligentemente com o dinheiro dos
clientes, quando viola o dia do Senhor com vil comércio, quando subtrai aos
mais fracos pechinchas absurdas, quando despeja lixo tóxico nos rios e no solo
ou quando pratica outros incontáveis crimes contra a ordem moral e o bem
comum.

A autoridade civil – especialmente a local, em conformidade com o princípio de


subsidiariedade – tem o direito de impedir a depredação capitalista mediante
uma legislação apropriada, incluindo-se sanções penas. Afinal, não estamos à
mercê de diretorias de empresas que não receberam autoridade alguma de
Deus para nos governar com decisões que afetam o bem comum moral,
espiritual e material.

O Papa João Paulo II ensinava conforme seus predecessores ao declarar, no


aniversário da Rerum Novarum do Papa Leão XIII, que a Igreja não pode
aprovar o capitalismo se, por esse nome, “se entende um sistema onde a
liberdade no setor da economia não está enquadrada num sólido contexto
jurídico que a coloque ao serviço da liberdade humana integral e a considere
como uma particular dimensão desta liberdade, cujo centro seja ético e
religioso...”. O distributismo, como movimento por uma economia humana em
escala humana – ou seja, uma economia mais conforme ao Evangelho –,
respeita os limites éticos e religiosos na atividade econômica, e conduz
naturalmente os homens do culto do colossal para uma ordem econômica que
subordina a busca de bens materiais ao destino eterno da pessoa humana.

Distributistas no movimento “Occupy Wall Street”

Em um artigo para o Remnant, Richard Aleman relatou que ele, John Rao e eu
estivemos no local da manifestação do movimento “Occupy Wall Street”, com o
objetivo de apresentar a defesa católica da justiça econômica. Não fomos lá
para comungar com hippies ou apoiar qualquer tipo de ideologia de esquerda.
Fomos lá por reconhecermos que muitas das almas errantes reunidas no
parque Zuccotti suspeitavam que havia algo de radicalmente errado com a
ordem econômica moderna, embora não tivessem uma ideia clara do que
fosse.

Vimos o protesto de “Occupy” como uma busca neopagã pelo Deus


Desconhecido. Aos que se dispuseram a nos ouvir, dissemos que o Deus que
procuram é Aquele que nos deu seu Evangelho para o bem comum dos
homens e das nações. Entregamos-lhes trechos da Quadragesimo Anno e um
folheto com os princípios do que seria uma economia humana e distributista –
sem uma única intervenção do governo –, se as pessoas simplesmente
subordinassem a busca de bens materiais ao bem supremo da eterna
beatitude. Sentimo-nos obrigados a dizer ao maior número de pessoas possível
que a questão social fundamental que os unira – inconscientemente ou não – é
a apostasia da civilização ocidental, e que não pode haver nenhuma estratégia
para alcançar a justiça social fora do caminho que a Igreja Católica assinalou
para os homens e as nações. Como disse Pio XI:

É certo que todos os verdadeiramente entendidos em sociologia anseiam


por uma reforma moldada pelas normas da razão, que restitua a vida
econômica à sã e reta ordem. Mas esta ordem, que também Nós
ardentemente desejamos, e procuramos com o maior empenho, será de
todo falha e imperfeita, se não tenderem de concerto todas as energias
humanas a imitar a admirável unidade do divino conselho e a consegui-la,
quanto ao homem é dado: chamamos perfeita aquela ordem apregoada
pela Igreja com grande força e tenacidade, pedida mesmo pela razão
humana, isto é: que tudo se encaminhe para Deus enquanto fim primário
e supremo de toda a atividade criada, e que se considerem todos os bens
criados por Deus como instrumentos dos quais o homem deve usar tanto,
quanto lhe sirvam a conseguir o fim último.

É de fato muito simples: aplicar os dois mandamentos maiores na busca de


bens materiais é ser, mais ou menos, um distributista. Confiando na
Providência, um distributista não deixará faltar nada à sua família e será o
primeiro a defender a propriedade privada como algo fundamental à liberdade
ordenada – e isso não apenas em oposição ao governo, mas também às
grandes empresas que estão implacavelmente pisando o direito dado por Deus
de trilharmos nosso caminho com nossos próprios meios.

Não deixa de ser irônico que católicos que se consideram libertários defendam
um coletivismo de empresas sustentado com assistência governamental –
coletivismo esse tão amplo que equivale, na prática, a um socialismo “privado”
–, enquanto atacam os distributistas por sua defesa verdadeiramente libertária
da independência econômica para o indivíduo e a família, numa economia que
não dependa do trabalho de chineses pagos com salários escravos.

Coloquemos um ponto final nessa demagogia. E possa o Remnant ajudar os


católicos a se orientarem rumo àquela economia humana que o Magistério
sempre almejou.

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