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[Sobrenome] 1

Carlo Velho Masi

20/07/2016 11:54

Direito Penal Econômico: do que estamos falando?

No estágio atual da doutrina do crime, o desenvolvimento da técnica e o aumento da

complexidade das relações sociais são, em grande parte, responsáveis pelo surgimento de

novos espaços de intervenção, repletos de conflitos próprios que não apenas os caracterizam,

senão os distinguem dos problemas sobre os quais até então se tinha debruçado o Direito

Penal clássico (MASI, 2014). Surgem assim, novos âmbitos de regulação, com pretensão de

autonomia (D’AVILA, 2011, p. 212-213).

Nesse sentido, o Direito Penal econômico passa a ser visto como um ramo do Direito

Penal geral que, com relativa autonomia, estuda, regula e aplica os dispositivos legais aos

delitos praticados contra a ordem econômica (CIPRIANI, 2006, p. 438).

O Direito Penal Econômico, em sentido estrito, é o conjunto de normas jurídico-

penais que protegem a ordem socioeconômica (regulação jurídica do intervencionismo estatal

na Economia). Sua característica é ser um grau de intervenção estatal na economia,

precisamente o mais intenso do intervencionismo mediante o exercício do jus puniendi

(CALLEGARI, 2003, p. 21-22).

Hoje, o Direito Penal Econômico brasileiro é um verdadeiro emaranhado de leis

esparsas – v. g. Leis 7.492/86, 8.078/90, 8.137/90, 9.613/98, 8.429/92, etc. – que tratam de

assuntos diversos e foram produzidas de acordo com a conveniência da época, numa

verdadeira “colcha de retalhos” (COSTA, 2006, p. 349).


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Esse ramo do Direito Penal visa à proteção da atividade econômica presente e

desenvolvida na economia de livre mercado. Os bens jurídicos de que trata possuem um

conteúdo eminentemente econômico-empresarial e um caráter fundamentalmente

supraindividual. A matéria abrange desde o estudo dos delitos contra a ordem econômica,

perpassando os delitos contra as relações de consumo, contra o Sistema Financeiro Nacional,

o sigilo das operações de Instituições Financeiras, contra as finanças públicas, contra a ordem

tributária e contra o sistema previdenciário, envolvendo diversas leis especiais.

Inicialmente, pensava-se que a criação de novos tipos penais para o Direito Penal

Econômico contrariaria o princípio da liberdade do exercício das atividades econômicas,

essenciais ao sentido da economia de mercado. Atualmente, porém, entende-se que o Direito

Penal Econômico não constitui obstáculo para o desenvolvimento da moderna economia de

mercado. Seu papel passou a ser o de evitar abusos, introduzindo fortes restrições no mundo

econômico, precisamente para preservar a liberdade.

Entretanto, a finalidade e a função do Direito Penal Econômico não é outra coisa que

a sublimação da finalidade e a função do intervencionismo: cumprir as exigências de uma

valoração diferente do imperativo de justiça na ordem das relações sociais e econômicas. No

ponto, oportuna a colocação de LUIZ RÉGIS PRADO:

Embora admitida e, muitas vezes, necessária, a intervenção penal nesse campo se

apresenta, com frequência excessiva, mais como prima ratio do que como ultima ratio, em

constante fricção com os princípios da intervenção mínima e da fragmentariedade, o que de

resto muitas vezes só põe em evidência o descompasso com a verdadeira missão do Direito

Penal do Estado democrático e social de Direito (PRADO, 2004, p. 05).


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Essas novas exigências se plasmam na necessidade hoje assumida de proteger a

economia em seu conjunto, a ordem econômica, a economia nacional colocada ao amparo do

novo intervencionismo estatal, como interesses distintos aos particulares de propriedade

patrimônio e fé contratual.

Os danos característicos da criminalidade econômica são os financeiros, que superam

a totalidade dos causados pelo resto da criminalidade. ANDRÉ LUIS CALLEGARI (2003, p.

25) adverte:

[…] os efeitos característicos da criminalidade econômica são o da ressaca ou espiral,

cuja descrição é a seguinte: num mercado de forte concorrência, a deslealdade se produz

quando se esgotam as possibilidades legais de luta. Nesta situação, quem primeiro delinque

acaba pressionando o resto à comissão de novos fatos delitivos (efeito de ressaca), e cada

participante se converte assim no centro de uma nova ressaca (efeito de espiral). Este efeito

de especial contágio se encontra facilitado porque o autor potencial é consciente do número

enorme de delitos econômicos, da importância da cifra negra e da benignidade das penas

previstas nas leis, suscitando uma imagem amável e positiva do criminoso”.

Internacionalmente, o Direito Penal Econômico é visto sob o aspecto comum da

atividade econômica, já que sua definição conceitual relaciona-se ao conjunto de normas

jurídico-penais que protegem a ordem econômica (FELDENS, 2002, p. 122).

O delito econômico latu sensu pode ser conceituado como aquela infração que,

afetando um bem jurídico patrimonial individual, lesiona ou põe a perigo, em segundo termo,

a regulação jurídica da produção, distribuição e consumo de bens e serviços. Já o delito


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econômico stricto sensu é a infração jurídico-penal que lesiona ou coloca em perigo a ordem

econômica, assim entendida como regulação jurídica do intervencionismo estatal na

economia de um país.

O Direito Penal Econômico é uma especialidade do Direito Penal, e não do Direito

Econômico[1] ou do Direito Tributário. O bem jurídico protegido pelos delitos econômicos é

a ordem pública econômica, algum aspecto concreto do ordenamento público econômico,

uma vez que as infrações dessa natureza causam danos a bens ou interesses supraindividuais

que se expressam no funcionamento regular do processo econômico de produção, circulação

e consumo de riqueza (BETTI, 2000). Nesse sentido, ocorre crime econômico nas situações

em que fins de lucro, prestígio ou progresso são procurados por meios ilegítimos.

O Direito Penal Econômico é o gênero do qual deriva o Direito Penal Empresarial.

RAÚL CERVINI (2005, p. 55.l) afirma que é possível delimitar esse ramo a partir da

identificação do bem jurídico que se busca tutelar. Sua função não é somente a proteção da

ordem econômica dirigida diretamente pelo Estado, conceito que o delimita exageradamente

e atrela a políticas estatais de emergência. Conforme o autor, é possível reconhecer todo um

âmbito de tutela da ordem econômica, independente da política intervencionista do Estado.

Um critério racional para delimitar o âmbito do Direito Penal Econômico passa pela

distinção entre bens jurídicos individuais e supraindividuais, como, por exemplo o crédito, o

consumo, o sistema financeiro, o mercado de capitais, etc. A delimitação de um critério

material para definir um delito econômico, necessariamente gira em torno do conceito de bem

jurídico-penal, entendido como um interesse social protegido pela normal.

A conduta constitutiva do delito econômico está fundamentalmente condicionada pela

estrutura socioeconômica concreta de um dado momento histórico (CERVINI, 2005, p. 72).


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Conclui que se verifica uma acelerada expansão de seus conteúdos tanto na legislação

especial, quanto no âmbito do direito codificado, processo esse carente de prudência,

coerência sistemática, mínima afinidade com os princípios dogmáticos da ciência penal e

uma deliberada distorção do conceito de bem jurídico. No processo de seleção das condutas

socialmente perniciosas no processo econômico, não se pode prescindir de condições

concretas da estrutura social e da forma concreta em que se dão as relações econômicas em

dita estrutura social.

De uma maneira geral, o Direito Penal Econômico alimenta-se das sequelas das crises

econômicas ou dos afrontamentos bélicos verificados historicamente em cada nação. Os

delitos econômicos possuem uma conotação essencialmente nacional, em que suas

instituições, seus problemas e suas soluções refletem as vicissitudes da história e das

particularidades da personalidade coletiva de cada país (FELDENS; SCHMIDT, 2006, p.

149).

Na crítica de LUCIANO FELDENS e ANDREI ZENKNER SCHMIDT, o Direito

Penal Econômico é artificial, no sentido de que ao legislador é dada a dupla competência de

definir, com relativa autonomia, quais são os interesses dignos de tutela e quais as penas que

irão desemprenhar tal proteção, ao contrário do que ocorre com o núcleo rígido do Direito

Penal, cujo objeto da tutela encontra-se previamente dado em termos ético-culturais. Trata-se,

portanto, de um “Direito Penal secundário”, que sanciona com penas violações próprias do

Direito Administrativo, sendo compreensível que a sanção relacionada a delitos econômicos

tenha frequentemente a finalidade constitutiva de uma ética-social.


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Nada obstante, ao mesmo tempo em que se corre o risco de o Direito Penal ser

utilizado como meio de reforço de concretas e precárias políticas de governo, a necessidade

dessa forma de tutela penal parece inquestionável, pelo menos enquanto a solidez da

economia não encontre mecanismos próprios de controlar o desvio (FELDENS; SCHMIDT,

2006, p. 150).

Portanto, está-se diante de um direito interdisciplinar de grande atualidade na ciência

penal (CALLEGARI, 2003, p. 20), para o qual deve ser utilizado outros tipos e instrumentos

penais, que não os clássicos, no sentido de combater a forte criminalização que vai contra as

ideias de uma moderna política criminal da intervenção mínima do Direito Penal

(CALLEGARI, 2003, p. 19). No âmbito do processo, novos métodos investigativos, muito

mais complexos, passam a ser utilizados, demonstrando que esta seara do Direito Penal, cada

vez mais candente no Brasil, demanda uma grande especialização do operador do Direito.
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REFERÊNCIAS

BETTI, Francisco de Assis. Aspectos dos crimes contra o sistema financeiro no

Brasil: Leis 7.492/86 e 9.613/98. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

CALLEGARI, André Luís. Direito penal econômico e lavagem de dinheiro: aspectos

criminológicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

CERVINI, Raú; ADRIASOLA, Gabriel. El derecho penal de la empresa: desde una

visión garantista: metodología, criterios de imputación y tutela del patrimonio social. Buenos

Aires: B de F, 2005.

CIPRIANI, Mário Luís Lírio. Direito penal econômico e legitimação da intervenção

estatal – Algumas linhas para a legitimação ou não-intervenção penal no domínio econômico

à luz da função da pena e da política criminal. In: D’ÁVILA, Fábio Roberto; SOUZA, Paulo

Vinícius Sporleder (Coord.). Direito penal secundário: estudos sobre crimes econômicos,

ambientais, informáticos e outras questões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

COSTA, Elder Lisboa Ferreira da. Os delitos econômicos na atualidade. O crime do

colarinho-branco e a lavagem de dinheiro. In: D’ÁVILA, Fábio Roberto; SOUZA, Paulo

Vinícius Sporleder (Coord.). Direito penal secundário: estudos sobre crimes econômicos,

ambientais, informáticos e outras questões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
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D’AVILA, Fabio Roberto. Aproximações à teoria da exclusiva proteção de bens

jurídicos no direito penal contemporâneo. In: GAUER, Ruth Maria Chittó. Criminologia e

sistemas jurídico-penais contemporâneos II. 2. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2011.

FELDENS, Luciano. Tutela penal de interesses difusos e crimes do colarinho branco:

por uma relegitimação da atuação do Ministério Público: uma investigação à luz dos valores

constitucionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

FELDENS, Luciano; SCHMIDT, Andrei Zenkner. O crime de evasão de divisas: a

tutela penal do sistema financeiro nacional na perspectiva da política cambial brasileira. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

MASI, Carlo Velho. A Crise de Legitimidade do Direito Penal na Sociedade

Contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.

PRADO, Luiz Regis. Direito penal econômico: ordem econômica, relações de

consumo, sistema financeiro, ordem tributária, sistema previdenciário. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2004.

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