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DIREITO PENAL III

2º semestre – 3º ano

2018/2019
ANA CLÁUDIA PEREIRA
FDUP
Nota Prévia: este documento foi elaborado com base nos apontamentos das aulas do
professor André Lamas Leite e nos livros Penas e Medidas de Segurança de Maria João
Antunes e Direito Penal Português de Figueiredo Dias.

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Em Direito Penal, estudámos o Tatbestand, isto é, a formação da norma jurídica


penal que conleva o conceito material de crime. Agora vamos estudar a Rechtsfolge que
são as consequências jurídicas do crime. Vamos ver que tipo de reações criminais é que
o ordenamento jurídico português conhece.
Os nossos tribunais aplicam penas e medidas de segurança. Vamos começar o
estudo pelas penas aplicáveis às pessoas singulares, depois veremos as penas aplicáveis
às pessoas coletivas. Para serem aplicáveis penas, tem de ter existido um crime: um
facto ilícito, culposo e punível. No caso da medida de segurança, é aplicada, na maior
parte dos casos, a quem não praticou um crime, mas praticou um facto ilícito-típico,
falta-lhe a culpa. As medidas de segurança são o instrumento jurídico-penal
sancionatório adequado à punição dos inimputáveis em razão de anomalia psíquica
(artigo 20º do Código Penal).
Mas inclui-se também a inimputabilidade em razão da idade (artigo 19º). A
imputabilidade penal adquire-se aos 16 anos de idade. Mas não faz muito sentido, pois
um jovem de 17 anos compra uma bicicleta e esse negócio será anulável, mas se furtar
a bicicleta é punido como alguém mais velho, podendo ir preso para os locais habituais.
Faria mais sentido a idade civil baixar, mas também se poderia subir a idade penal. No
Direito comparado isto é pior, nos EUA a idade da imputabilidade penal é aos 12 anos.
Tudo isto contende com aspetos das sociedades, a população reclusa nos EUA
tem determinada representação de raças. A prisão é muitas vezes um mecanismo de
etiquetagem, de labelling aproach, pode ter que ver com racismo, xenofobia, e também
casos de pessoas com dificuldades económicas que não podem pagar uma boa defesa.

A responsabilidade jurídico-criminal das pessoas singulares e das pessoas coletivas e


entidades equiparadas (especial ref.ª ao art. 11.º do CP). Penas e medidas de
segurança. Medidas tutelares educativas e LPCJP

Dentro das consequências jurídico-criminais do crime encontram-se, então, as


medidas de segurança que são aplicadas, na maior parte dos casos, a quem praticou um
facto ilícito-típico, falta o pressuposto da culpa para que possamos considerar estar
perante um crime. Quanto às modalidades de imputabilidade, regem os artigos 19º e
20º do CP, sendo que ao primeiro corresponderão não medidas de segurança, mas
medidas tutelares educativas.
A Lei Tutelar Educativa é aplicável a indivíduos entre os 12 e os 16 anos. O
processo será tramitado em tribunais de menores, aquilo que se visa é a interiorização
ou fidelização do Direito pelo menor. Há uma fase de investigação do Ministério Público,
na medida em que o menor tem os mesmos direitos que qualquer arguido em processo
penal. Em várias audiências de julgamento, intervêm juízes sociais, em representação
da comunidade no auxílio do juiz na decisão. Podem estas medidas ir da simples
admoestação ao acompanhamento psicológico ou à medida tutelar de internamento

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em regime fechado (medida mais gravosa, aquela que se aproximará mais do regime
prisional), regime aberto ou regime semiaberto.
Até aos 12 anos aplica-se a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo.
Entende-se que a origem do problema não está no menor, mas antes em quem está a
cuidar do menor e que, por isso, está em perigo. A reação do Direito é
fundamentalmente sobre a família, sobre quem exerce as responsabilidades parentais
ou a tutela, a curadoria do menor. Isto pode significar que a criança pode ser retirada
aos pais, ao tutor, colocada numa instituição ou família de acolhimento. No limite, há
casos em que o melhor para o menor é o regime mais gravoso da adoção internacional.
São poucos casos, em que o Ministério da Justiça não fornece dados estatísticos por
proteção dos menores, mas Portugal recebe e envia crianças que ainda não têm 12 anos
de idade que praticaram atos qualificados como crimes, mas que já fazem parte de redes
e a sua manutenção no país é prejudicial. São os casos mais extremos. É assim que o
Direito olha para os comportamentos desviantes desde que nascemos até à idade de
imputabilidade penal. Esta Lei de Proteção de Menores em Perigo é tratada por tribunais
cíveis.
Se tiverem entre 16 e menos de 21 anos, já não são jovens adultos para a lei,
beneficiam de um regime especial que prevê a possibilidade de aplicar uma atenuação
especial da pena. A ideia foi que ainda há alguns aspetos que podem não estar
totalmente formados. O Regime dos Jovens Adultos está previsto no DL nº 401/82, de
23 de setembro. O artigo 4º deste DL diz que pode haver uma atenuação especial da
pena, é um instituto que vamos estudar e que está previsto no artigo 73º do CP. A partir
dos 21 aplica-se o Código Penal qual tale. Releva a idade do agente na data da prática
do crime.

Voltando às medidas de segurança, podem ter 2 modalidades: detentivas ou não


detentivas. As primeiras são privativas da liberdade, o condenado será internado numa
prisão que tenha uma ala psiquiátrica ou num hospital-prisão. Em Portugal, já não temos
este hospital-prisão, apenas prisões com alas psiquiátricas. As medidas não detentivas
podem ser aplicadas também a imputáveis. Por exemplo, o artigo 101º do CP, por
oposição ao artigo 69º que diz respeito a uma pena acessória que é muito aplicada entre
nós – a inibição de conduzir veículos com motor. Esta é uma verdadeira pena, mas a do
artigo 101º é uma medida de segurança não detentiva, diz respeito à cassação do título
habilitador de condução. Por exemplo, um pluri-reincidente de condução sob efeito de
álcool. Chega a uma altura em que a pena acessória de inibição de conduzir não está a
produzir os seus efeitos, o indivíduo prova que é perigoso na condução na estrada. Aqui
o indivíduo perde o direito de conduzir, o título de condução é anulado. Durante alguns
anos, a pessoa nem sequer pode tentar voltar a tirar a carta de condução. Ao fim desse
tempo, pode fazê-lo. Então é uma medida de segurança aplicada a imputáveis, o que
está ligado à medida de segurança é um critério de perigosidade, na pena é um critério
de culpa. As medidas detentivas são só para os inimputáveis.

Quanto às penas aplicadas às pessoas singulares, podem ser classificadas em 3


grandes grupos: penas principais, penas acessórias ou penas de substituição/
substitutivas. Às vezes esta última designação surge como penas alternativas, mas o
professor não partilha desta utilização.

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As penas principais, em Portugal, são a prisão (pena privativa ou detentiva da
liberdade) e a multa penal (ou pena pecuniária). O que significa ser pena principal?
Maioritariamente defende-se a prevenção geral positiva ou de integração (a dimensão
contra-fáctica da norma). As penas principais são aquelas que, por si só, cumprem as
finalidades punitivas sem necessidade de qualquer outra pena que se lhes acresça. O
Código Penal português, ao contrário de muitos outros, diz para que quer as penas e
medidas de segurança no artigo 40º nº 1 – diz que servem para duas coisas: para
proteger bens jurídicos (prevenção geral positiva) e para a reintegração social do agente
na comunidade (prevenção especial positiva). Seguindo o princípio da legalidade, vamos
seguir estas finalidades.
As penas acessórias, tal como o nome indica, são aquelas que são aplicadas para
além de uma pena principal, ao lado de uma pena principal, não se pode aplicar sem
que, na decisão condenatória, o agente seja condenado a uma pena principal. Por
exemplo, o artigo 69º do CP. Outro caso: em caso de homicídio do pai (artigo 132º), será
aplicada uma pena acessória relativamente recente no nosso ordenamento jurídico, que
já tardava pois obrigava a intentar duas ações – é o artigo 69º-A que prevê a declaração
de indignidade sucessória. Se matar o pai, não é digno de o suceder. A lei permite que a
pessoa seja declarada indigna para a sucessão, porque o Código Civil diz que uma forma
de se afastar herdeiros que não se podiam afastar (herdeiros legitimários, têm o direito
à legítima, uma parte dos bens é para aquelas pessoas, aquelas que, em regra, estão
mais próximas do de cujus) é a declaração de indignidade, sendo um dos motivos ter
cometido um crime contra a vida do autor da sucessão. O que acontecia antes deste
aditamento era intentar uma ação cível para reconhecer que não era digno de suceder
ao pai. Se o juiz penal diz que A praticou o crime de homicídio contra o pai, vamos logo
ligar-lhe a declaração de indignidade sucessória que será uma pena acessória, para além
da pena principal. Outro exemplo: alguém que é punido pelo crime de abuso sexual de
criança (artigo 171º). Em Portugal, não existe o crime de pedofilia, porque é um conceito
marcadamente da psicologia e psiquiatria, iríamos ter a discussão de psiquiatras que
querem reconhecer a pedofilia como uma determinação sexual normal. Para além da
condenação da prática deste crime, se o agente tiver um trabalho relacionado com
crianças, vai ficar impedido de contactar com estas durante determinado tempo – é uma
pena acessória prevista no artigo 69º-B.

Caracterização geral do modelo político-criminal português

As reações criminais que estão previstas no ordenamento jurídico-penal


português são de dois tipos: penas e medidas de segurança, estando estas baseadas
numa ideia de perigosidade e exigem a prática de um facto ilícito-típico, não um crime
pois falta-lhes o requisito da culpa. As penas exigem a prática de um crime com todos
os seus constituintes, incluindo a existência de um juízo de culpa (artigo 40º nº 2) em
contraposição à ideia de perigosidade. A culpa é vista numa perspetiva unívoca e
unilateral em Portugal – não há pena sem culpa, mas pode haver culpa sem pena.
Podemos substituir a palavra culpa por crime, aplica-se o instituto da dispensa de pena
(artigo 74º do CP), por razões de prevenção geral e especial não se justifica o
cumprimento efetivo dessa pena, previsto para bagatelas penais, pois são crimes
puníveis até 6 meses de pena de prisão ou multa não superior a 120 dias.

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Vamos falar de pena aplicável, pena aplicada ou medida concreta da pena e não
podemos confundir estes conceitos pois apontam realidades distintas. A pena aplicável
é a moldura penal abstrata (MPA), é aquela que consta do tipo legal de crime, aquela
que o legislador, de acordo com o princípio da legalidade, prescreveu como suficiente.
O artigo 74º fala em penal aplicável ao se referir ao crime punível. Quando falamos em
pena aplicada ou medida concreta da pena, falamos no quantum exato de pena que se
aplica a um determinado agente. Por exemplo, em caso de aplicação do artigo 203º nº
1, o juiz prefere pela aplicação da pena de multa (artigo 70º) entre 10 a 360 dias (artigo
47º). Os 10 a 360 dias é a pena aplicável. Depois o juiz vai aplicar a medida de pena
concreta, tendo em conta as circunstâncias do caso (os fatores de medida de pena). O
juiz, dentro da medida penal abstrata, vai-se aproximar do caso concreto, aí o juiz vai
construir a moldura penal concreta (MPC). Diz o juiz, por exemplo, que, neste caso em
concreto, atendendo às suas especificidades, aumenta o limite mínimo para 100 dias e
diminui o limite máximo para 180 dias, sendo uma moldura tem de haver sempre um
limite mínimo e máximo que o julgador constrói atendendo aos fatores de medida de
pena e às finalidades de prevenção geral e especial. A terceira fase é dentro da moldura
penal judicial que é dada pelo juiz (ou moldura penal concreta), o tribunal conclui pela
aplicação de 150 dias de pena, é a medida concreta da pena. O artigo 30º da CRP diz que
as penas têm de ser definidas.
As medidas de segurança podem ser aplicadas a inimputáveis, aplicam-se-lhes as
medidas detentivas preventivas da liberdade e podem também ser aplicadas a
imputáveis, mas apenas as medidas não detentivas (artigos 100º a 103º do CP), são
medidas que podem ser aplicáveis a imputáveis e a não imputáveis.

Distinção entre penas principais, acessórias e de substituição

As penas podem ser classificadas em 3 grandes categorias:


- penas principais: prisão e multa. São aquelas que, por si só, cumprem as finalidades da
punição (artigo 40º do CP);
- penas acessórias: aquelas que são aplicadas para além da pena principal, ao lado da
pena principal, exigem culpa do agente pois são verdadeiras penas, mas vivem
umbilicalmente ligadas às penas principais, só se pode aplicar pena acessória se se
aplicar pena principal. Se há esta relação umbilical, significa que, se houver algum
pressuposto negativo de punição na pena principal, também não se pode aplicar a pena
acessória. Por exemplo, a prescrição que pode assumir duas modalidades – do
procedimento penal (artigos 118º e seguintes) e das penas e medidas de segurança.
Quanto mais grave o crime, maior o prazo de prescrição do procedimento penal. Para
saber o tempo, temos de comparar o artigo 118º e o tipo legal de crime. O prazo
prescricional conta-se a partir da consumação do crime (artigo 119º nº 1). Os prazos
prescricionais estão sujeitos a suspensões e interrupções. A suspensão (artigo 120º)
significa que o prazo começa a contar a partir do momento onde estava, o prazo volta a
ser computado a partir do momento em que cessa o evento suspensivo. Na interrupção
(artigo 121º), o prazo conta-se de início. Outra coisa é a prescrição das penas e medidas
de segurança (artigos 122º e seguintes), há um prazo para cumprir a pena, enquanto
medida concreta da pena. Também há circunstâncias que suspendem e interrompem a
prescrição, significa que há um obstáculo para aplicar a pena principal. Indultos são
perdões parciais ou totais de pena principal ou acessória e os presidentes têm apenas

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concedido em relação a penas acessórias de expulsão do país, ou seja, quando terminar
a pena, pode continuar a viver no país com a sua família, é competência do Presidente
da República por considerações humanitárias. A amnistia é da competência da
Assembleia da República por considerações políticas, vem do grego e significa
esquecimento, é fazer com que o arguido caia no esquecimento, significa que, no caso
de haver procedimento criminal em curso, deixa de haver; a pena, se já estiver a ser
cumprida, termina e o condenado é libertado, se estiver por cumprir a pena não a
cumpre. O perdão genérico é da competência da Assembleia da República, que perdoa
em relação a determinados crimes, por exemplo crimes rodoviários cometidos em 2018,
ou por classes de crimes ou em nº de anos (perdoa-se 1 ano), também se podem
combinar (perdoa-se 1 ano de prisão para crimes contra o património). Estão previstos
no artigo 127º. Há uma série de penas acessórias previstas na parte geral do Código, por
exemplo o artigo 66º. Depois há penas acessórias previstas na parte especial do Código,
por exemplo nos crimes eleitorais (artigo 346º). As penas acessórias, porque são
verdadeiras penas, também têm moldura penal abstrata, para se poder adequar ao caso
concreto. Depois há penas acessórias previstas em legislação especial;
- penas de substituição: em Portugal, a pena de prisão é de ultima ratio, daí termos
muitas penas de substituição. 5 anos é a medida concreta da pena até à qual ainda pode
haver alguma substituição, a partir de 5 anos já não dá. Temos um elenco de penas de
substituição, a mais forte é a pena suspensa ou suspensão da execução de pena de
prisão. Só a admoestação é pena de substituição para a multa (artigo 60º). Para as penas
de prisão, temos a pena suspensa (artigos 50º e seguintes) – é uma decisão
condenatória, o tempo da pena aplicada e o da suspensão não tem de ser o mesmo, o
legislador previu entre 1 a 5 anos de pena suspensa. Se durante esse tempo o agente
não cometer nenhum crime, nem infringir nenhuma das regras que lhe possam ser
impostas, a pena tem-se por cumprida. Vai para o registo criminal, a não ser que se peça
para não ir, numa primeira condenação pode não ir. A lei diz que o crime cometido
durante o período de suspensão que revogará a mesma não tem de ser da mesma
natureza, mas dá algum espaço ao juiz. Cometendo um crime, o agente cumpre a pena
que estava suspensa e a pena do referido crime. Há certos crimes que, não pondo em
causa o juízo de prognose e não tendo ligação com o crime pelo qual o agente foi
condenado, não revogam a pena suspensa. Normalmente é aplicada com deveres,
regras de conduta ou com regime de prova. Outras penas de substituição aplicadas à
pena de prisão: prestação de trabalho a favor da comunidade (PTFC), aplicada a penas
de prisão até 2 anos; a pena de multa que pode ser pena principal e pena de substituição
(artigo 45º nº 1), desde que seja até 1 ano; pena de proibição do exercício de profissão,
função ou atividade (artigo 46º), casos em que o crime foi praticado no exercício da
profissão, função ou atividade, por crime punido com pena de prisão não superior a 3
anos. São penas cumpridas na comunidade, são penas não detentivas. Mas também há
penas de substituição detentivas, como a obrigação de permanência na habitação, em
que a pessoa fica confinada ao espaço da sua habitação mediante vigilância eletrónica
(artigo 43º), em caso de pena de prisão até 2 anos. Até 2017, tínhamos outros 2 regimes:
prisão por dias livres e semidetenção. A prisão por dias livres era aplicada em penas de
prisão até 1 ano, o condenado ia ao estabelecimento prisional pelo período máximo de
48h cumprido aos fins-de-semana e aos feriados de segundas ou sextas. A semidetenção
é um regime em que o recluso só sai do estabelecimento prisional para trabalhar,
estudar ou frequentar curso de formação profissional. Tem a vantagem de evitar a

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ressocialização da vida profissional. Tem a desvantagem grande de deslocações até ao
estabelecimento prisional que podia ser longe.

De salientar que, nos termos do artigo 24º nº 2 da CRP, não há pena de morte
em caso algum.
A partir de 2007, através do artigo 11º do CP, o legislador introduziu a
responsabilidade penal das pessoas coletivas, que também conta com penas principais,
acessórias e de substituição, embora o fundamento seja diferente.

AS PENAS APLICÁVEIS ÀS PESSOAS SINGULARES


AS PENAS PRINCIPAIS
1) A pena de prisão: ref.ª histórica; sua natureza única e simples; análise dos artigos
40.º a 42.º do CP; contagem do tempo de prisão; a posição jurídica dos reclusos; ref.ª
ao CEPMPL e ao RGEP.

As penas principais são aquelas que, por si só, de forma autónoma, cumprem as
finalidades punitivas assinaladas no ordenamento jurídico. O legislador teve o cuidado,
que não é habitual na Europa, de dizer para que quer que as penas e medidas de
segurança sejam aplicadas, resolveu, no artigo 40º nº 1 do CP, a temática das
finalidades: proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na
comunidade (prevenção especial positiva ou de ressocialização). O legislador entendeu
que podiam haver só 2 penas principais que cumprissem estas finalidades: a pena de
prisão ou preventiva da liberdade e a pena de multa ou pecuniária.
O nosso Código Penal de 1982 baseia-se no projeto de parte geral de Eduardo
Correia de 1963 e de parte especial de 1966 do mesmo autor. No de 1963, já aí
encontramos uma pena de prisão similar à atual, ou seja, única e simples. Dizer-se que
é única importa que só há um regime de pena de prisão, não há o que acontecia em
1886 em que havia vários tipos de pena de prisão1 (maior e correcional, havia tribunais
correcionais que só tratavam destas e que depois deram origem aos tribunais de polícia
e deram aos juízos de pequena instância criminal).
À luz do CP anterior, havia 2 tipos de pena de prisão aos quais estavam
associados a maior ou menor gravidade. O lugar de cumprimento da pena também era
diferente. Nas cadeias de comarca, o regime era mais aberto. Mesmo ao nível dos
incidentes de execução, como a liberdade condicional, era mais fácil de aplicar à pena
correcional. Mesmo em processo penal tinha diferenças de regime, o aplicável aos casos
de prisão maior era um processo mais complexo e extenso e os casos de prisão
correcional era mais especial e abreviado.
O CP de 1929 antecedeu o atual de 1987/1988 (foi publicado em 1987, mas só
entrou em vigor em 1988). O CP é de 1982, mas só entrou em vigor em 1983.
Normalmente tomamos por referência a data da sua publicação. A partir do momento

1Diz-nos Figueiredo Dias que “as penas maiores teriam como efeitos (automáticos, ope legis): a perda de
qualquer emprego ou funções públicas, dignidades, títulos, nobreza ou condecorações; a incapacidade de
eleger, ser eleito ou nomeado para quaisquer funções públicas; a incapacidade – até à extinção da pena
– de ser tutor, curador, procurador em negócios de justiça ou membro do conselho de família. A pena de
prisão (correcional) implicaria, por seu turno, até à sua extinção, a suspensão de qualquer emprego ou
função públicos, bem como as incapacidades referidas a propósito das penas maiores.”

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em que o CP atual é aplicado, só temos um regime de penas de prisão, daí dizer-se que
é única.
Em segundo lugar, a pena de prisão é simples, o que significa que não está
imediatamente associada à aplicação da pena qualquer efeito automático das penas. O
artigo 30º nº 4 da CRP, que depois o legislador ordinário reproduz no artigo 65º do CP,
diz que nenhuma pena envolve a perda de um direito civil, profissional ou político.
Quando é aplicada uma pena, não se pode aplicar imediatamente a perda do direito de
votar e ser eleito, por exemplo. Para se poder aplicar algum efeito para além da pena
de prisão, é necessário que o juiz elabore um juízo autónomo em que vai concluir que é
necessário que àquela pessoa seja aplicada uma pena acessória, isto é, que derive
daquela pena um efeito de perda total definitiva ou temporária de um determinado
direito civil, profissional ou político. O crime de coação de eleitor prevê como pena
acessória a perda de capacidade eleitoral ativa e passiva. O que a CRP e o CP preveem é
que não é pelo facto de se aplicar determinada pena que há a perda de outros direitos,
estes para serem perdidos é preciso que haja norma que preveja e o juiz tem de se
pronunciar no caso concreto se se justifica ou não aplicar a pena. Não há o efeito
automático das penas; se tal acontecer, a norma é inconstitucional.
Então, a pena de prisão é única (só há um continente) e simples (só tem o efeito
de retirar a liberdade de movimentação e significa também que o condenado mantém
a titularidade de todos os demais direitos que são associados a todos os seres dotados
de personalidade jurídica).
Hoje em dia, tendo em conta o estatuto do recluso no Estado de Direito
democrático e social, o recluso não está sujeito às relações especiais de poder (definidas
por Otto Bachof). Durante muito tempo, dizia-se que quem se encontrava num hospital
ou numa escola, por exemplo, se encontrava numa relação especial de poder em relação
a quem exercia a sua guarda, vigilância, tutela. Os administrados estavam numa relação
especial com o Estado, com o poder do Estado, seja nas vestes do sistema de saúde, seja
do sistema público de educação e dizia-se o mesmo quanto aos reclusos que tinham os
direitos muito guardados. Esta conceção foi abandonada e os reclusos não estão sujeitos
a nenhuma relação especial de poder e têm todos os direitos, menos os que lhes tenham
sido retirados e os previstos no Código da Execução das Penas e no Regulamento Geral
dos Estabelecimentos Prisionais, por questões de segurança. Esses motivos têm
fundamento legal, não são restrições não fundamentadas de direitos. O recluso não é
um objeto e o próprio CP, no artigo 42º, teve o cuidado de dizer para que serve a
execução das penas. Albin Eser dizia que, do ponto de vista da ressocialização, o que
queremos é apenas evitar a reincidência, não queremos modificar a pessoa e a sua
personalidade, até porque isso seria impossível.

Quais são os limites da pena de prisão? Temos limites gerais e especiais. O limite
geral oscila entre o mínimo de 1 mês e o máximo de 20 anos de prisão – artigo 41º nº 1.
Porque se diz “em regra”? Porque pode acontecer que o recluso cumpra pena de prisão
inferior a um mês em situações em que o agente foi condenado em pena de multa, mas
não a liquida através das várias formas que o ordenamento jurídico põe a seu dispor,
desinteressando-se completamente, levando à conversão da pena de multa em prisão
subsidiária – artigo 49º nº 1. O legislador foi cauteloso, dizendo que, em regra, o mínimo
é um mês, mas que pode ser inferior.

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Limite especial ou excecional é o do artigo 41º nº 2 que permite elevar a pena de
prisão até 25 anos, que Eduardo Correia dizia ser o máximo dos máximos. É aplicado
quando o tipo legal de crime expressamente o prevê, como o homicídio qualificado, ou
quando por via das regras do concurso (artigo 30º nº 1) se chega a esse valor de medida
da pena.
Na reincidência, já houve trânsito em julgado da sentença; no concurso, os
crimes ainda não foram julgados com sentença transitada em julgado e aplicamos o
cúmulo jurídico. O sistema da acumulação material é somar todas as penas, aplicável
nos EUA (sistema puro) ou em Espanha (sistema limitado, pois há um máximo de 40
anos, nos casos em que não se aplica a pena perpétua que este ordenamento jurídico
reintroduziu em 2015). Este sistema teria desvantagens, dá origem a uma prisão
perpétua encapotada. No nosso sistema de cúmulo jurídico (único no mundo), a pena
do concurso determina-se entre o mínimo e o máximo, o mínimo determina-se pela
pena mais grave e o máximo é a soma de todas, desde que não ultrapasse o máximo das
penas de prisão de 25 anos e vai ser dentro deste intervalo que o tribunal vai aplicar
uma pena única. O nosso sistema concede alguma coisa à acumulação material e
concede alguma coisa ao princípio da exasperação que é buscar a pena mais grave
aplicada. O artigo 77º do CP diz como se fazem as operações do concurso de crimes do
artigo 30º nº 1. Para além disto, é possível alguém cumprir mais de 25 anos de pena de
prisão. Não é possível alguém ser condenado por um crime ou vários em concurso por
mais de 25 anos de prisão. Mas pode acontecer que o arguido cometa vários crimes em
diferentes momentos temporais, mas não estejam previstos os requisitos do artigo 77º
que prevê o cúmulo jurídico. Cumpre a pena à ordem de 2 processos, começa pelo
primeiro que transita em julgado, há uma execução sucessiva de penas, podendo
cumprir mais de 25 anos de pena de prisão. A garantia dos 25 anos é para um
determinado tipo legal de crime ou para o concurso de vários tipos legais de crime. Há
o cumprimento sucessivo de penas, nos termos do artigo 63º, no contexto da liberdade
condicional.

Do NUIPC (número único de identificação do processo crime) ou nº de processo


podemos retirar algumas informações. O Código do Processo Penal diz como se aplicam
as penas de prisão – artigo 479º. Supletivamente, temos as normas do Código Civil e as
regras do cômputo dos prazos (artigo 279º) que também podem ser importantes para a
contagem do prazo de pena de prisão.

2) A pena de multa: breve referência histórica

O instituto da compositio corresponde à segunda fase do Direito Penal, em que,


pela prática do crime, o lesado recebia determinado valor ou algo em espécie.
Encontramos aqui o antecedente histórico da pena de multa ou pecuniária. Portugal,
nas codificações mais próximas, previa a pena de multa, nas Ordenações estava prevista
como pena principal. As Ordenações Filipinas foram o instrumento legislativo que mais
durou em Portugal. O livro V era o de Direito Penal e vigorou bastante tempo, aqui já
havia pena de multa. O primeiro CP também previa pena de multa e o CP de 1966 acabou
com a mesma, sendo restabelecida em 1982. O legislador pretendeu que fosse a pena
principal mais adequada à criminalidade pequena e média, que terá o mesmo efeito e
dignidade dogmática que a pena de prisão.

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A pena de multa: sistema da multa global e suas modalidades; sistema dos dias-de-
multa e operações da determinação da sua medida concreta

Temos o primeiro sistema da soma ou da multa global, que tinha várias


modalidades: fixação da medida da pena num limite fixo (quem praticar este facto é
punido com pena de multa de 1000€, independentemente da gravidade do facto e das
condições económicas do arguido). Do ponto de vista político-criminal, levanta vários
problemas: viola o princípio da culpa, não atende às finalidades da punição e não
permite adaptar a pena à situação económica e financeira do condenado. Este sistema
foi portanto abandonado. Outra modalidade dentro do sistema da soma previa um
mínimo e um máximo (de 50€ a 500€), aqui as críticas já vão ser menores pois vai ser
possível uma adaptabilidade, mas mesmo assim, ainda é um sistema indesejável que
mistura 2 juízos distintos – um juízo de culpa e finalidades da punição e outro da
condição económica e financeira do condenado.
Por isso se abandonou o sistema da soma e temos, no nosso CP, o sistema dos
dias-de-multa ou modelo escandinavo, pois alegadamente terá sido utilizado pela
primeira vez nestes países, mas não é verdade. Jescheck concluiu que foi positivado pela
primeira vez no Código Criminal do Império de 1830 no Brasil. Nos termos do artigo 47º
do CP, este sistema significa que a multa vai ser calculada em 2 momentos diferentes e
autónomos entre si. Primeiro, determina-se o nº de dias de multa e depois o
quantitativo diário.
A multa, nos tipos legais de crime em Portugal, pode aparecer sob 3 formas: a
mais comum é a multa alternativa (pena de prisão de x anos OU pena de multa; o artigo
70º diz que quando a pena de prisão ou multa cumprem da mesma forma as finalidades
da punição, o juiz deve preferir a multa, reforça a ideia de que a prisão é sempre o último
recurso, é uma sanção de ultima ratio, há uma preferência geral das reações não
detentivas sobre as reações detentivas), multa autónoma (tipos legais de crime em que
o legislador prevê a punição só com pena de multa, não prevê nenhuma pena de prisão,
isto é muito excecional, existem apenas 3 tipos legais – artigos 265º nº 2 alínea b), 268º
nº 3 e 366º nº 2) e multa cumulativa (quando o tipo legal prevê pena de prisão mais a
pena de multa, as duas em conjunto).

A pena de multa: critérios para a determinação do número de dias de multa e formas


de determinação da situação económico-financeira do condenado. A questão do
património (riqueza) nessa determinação. Problemas processuais penais

O artigo 47º remete para o artigo 71º nº 1 que é aquele que nos diz que qualquer
pena principal, seja prisão, seja multa é determinada por exigências de culpa e
prevenção. Implica uma determinação da pena em 2 momentos: um primeiro que
contende somente com estas considerações de culpa ou prevenção e um segundo que
contende com a situação económica e financeira do condenado. Conhece 2 formas de
determinação: uma primeira em que determinamos o nº de dias de multa e uma
segunda em que determinamos a taxa diária entre 5€ e 500€ para as pessoas singulares.
Para as pessoas coletivas também está prevista a multa no artigo 90º-B, mas aí os
montantes diários são mais elevados, pois parte-se do princípio de que têm capacidade
financeira superior.

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Este sistema é aquele que permite melhor acomodar as críticas dirigidas à pena
de multa, críticas que chegam a ser tão radicais como as de Luigi Ferragoli que defende
a abolição da pena de multa como pena principal. O argumento central é a violação do
princípio da igualdade, o DP estaria a usar uma sanção que favorece os ricos em
detrimento dos pobres. A multa é uma forma encapotada de prisão por dívidas que é
vedada constitucionalmente desde 1976. A multa não é uma dívida do condenado em
relação ao Estado, mas uma verdadeira pena. Esta conceção da pena de multa entre nós
não tem cabimento, não é necessário ter dinheiro para liquidar uma pena de multa que
pode ser liquidada de várias formas. A mais óbvia é a do pagamento em dinheiro, total
ou parcial. Mas nos termos do artigo 47º pode também ser liquidada em prestações que
não vencem juros pois não têm natureza civil e podem ser requeridas no prazo máximo
de pagamento de 24 meses desde o trânsito em julgado da decisão. Mas tem de alegar
e provar a insuficiência económica. Outra forma prevista no artigo 47º é a do pagamento
diferido, significa que é para um momento posterior, pode ser no máximo dali a 1 ano
desde o trânsito em julgado da decisão. Pode-se também utilizar o mecanismo do artigo
48º que é a possibilidade da prestação de trabalho para instituições do Estado, como as
IPSS, não é necessário provar qualquer situação de debilidade económica, não é um
pressuposto de aplicação, o juiz apenas verifica se as finalidades de prevenção são
preenchidas da mesma forma que seriam pela pena de multa. O professor até considera
que se preenchem melhor.
A segunda fase é mais difícil tendo em conta a situação económica do
condenado, determinada a taxa diária. O legislador nada nos diz sobre o que entende
por situação económica ou financeira, ao contrário do que acontece com o CP alemão
que diz que para se determinar se tem em conta o rendimento bruto do condenado. A
jurisprudência tem entendido que se tem em conta o rendimento bruto porque é o que
nos dá maior justiça. Mas tem que se ter em conta o lado das despesas mínimas à
sobrevivência do ser humano. Despesas que não sejam essenciais ao ser humano não
contam. Faz-se uma crítica ao legislador pois deveria ter sido mais preciso, deixou um
espaço de total liberdade ao juiz. Na prática o que acontece é que o tribunal antes da
sentença faz algumas questões ao arguido, nomeadamente quanto ganha por mês, as
despesas que tem. A tendência é dizer que ganha menos e paga mais despesas do que
na realidade. Normalmente não há mais nenhuma investigação. Aquilo que seria correto
e é feito em alguns tribunais é pedir um relatório circunstancial. O juiz tem de fazer uma
estimativa ou pode fazer uso dos seus poderes de investigação – artigo 340º do CPP.
Mas pode acontecer também que não se investigue nada. Pode fazer uma estimativa,
mas tem que o dizer na sentença sob pena de nulidade – artigo 374º nº 2 do CPP. Há,
contudo, 2 grupos de pessoas em relação às quais a constitucionalidade da pena de
multa é complicada: há pessoas como os estudantes que não têm rendimentos próprios,
há cônjuges ou situações análogas que não têm rendimentos próprios. E se essas
pessoas são condenadas a uma pena de multa? Temos o artigo 1675º do CC que
estabelece que os cônjuges se devem entre si deveres de assistência e aqui há uma base
legal. É o valor sobre o qual o cônjuge tem disponibilidade ou no caso dos estudantes o
montante que os pais dão. Normalmente nestes casos estas pessoas têm um
rendimento muito reduzido e aí o juiz aplica o mínimo legal de 5€, o que é um valor
elevado. Mas e nos casos de sem-abrigos que não têm rendimentos conhecidos e é um
cidadão portador de deficiência e não é julgado inimputável. Dizer que não pode aplicar
multa porque não tem rendimentos é inconstitucional. Se alguém é condenado numa

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pena de multa de 90 dias à taxa diária de 5€, o legislador tem de ter um mecanismo para
pagarem, porque senão ninguém pagava, aplica-se o artigo 49º nº 1 que nos diz que
apesar das várias possibilidades de aplicação da pena de multa, se não for liquidada,
converte-se subsidiariamente em pena de prisão em 2/3, ou seja seriam 60 dias. Aqui
estaria mais uma vez o DP a proteger os ricos e condenar os pobres. Podem trabalhar,
mas neste caso concreto não pode. Não é inconstitucional porque temos o artigo 49º nº
3 que é a válvula de proteção do sistema. Pode requerer a suspensão entre 1 e 3 anos
mediante o cumprimento de injunções de caráter não económico e financeiro. Pode-se
procurar formação profissional ou encaminhar para consultas médicas. A pessoa só é
presa se não cumprir pena de multa e se se desinteressar completamente.
O que é que pode e não pode fazer-se para liquidar a pena de multa? Não pode
ser cumprida por terceiro, ou será crime de favorecimento pessoal. Também não se
pode constituir um contrato de seguro. Também não pode haver contrato de doação,
os bens que advêm por doação não podem ser usados para liquidar a pena de multa.
Bens que advenham de herança é a mesma coisa. Se se quer afetar o património, a
doação e a herança não têm esse efeito. Mas pode-se celebrar um contrato de mútuo,
seja gratuito, seja oneroso, porque já há uma contrapartida patrimonial. Pode-se,
portanto, contrair um empréstimo. No projeto da parte geral do CP da autoria de
Eduardo Correia, em 1963, discutiu-se se o património de natureza imobiliária deveria
entrar na contabilização. Eduardo Correia diz que sim. Gomes da Silva diz que não
porque a CRP proíbe o confisco. A lei não tem uma norma sobre isto. Figueiredo Dias
acaba por não ter posição. A doutrina e jurisprudência foram no sentido de dizer que se
há bens imóveis, mas não tem liquidez, isso não tem relevância, logo são tidos em conta.

A DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA


1) Introdução: noção de determinação da medida da pena; os momentos da escolha
da pena

A determinação da medida da pena corresponde à questão de saber como o juiz


determina a pena principal em, por exemplo, 250 dias de multa ou 1 ano de prisão, isto
é, qual o percurso lógico que o juiz ou o tribunal coletivo tem de fazer para chegar a uma
medida concreta da pena. Como é que chegamos a este valor? Há sempre um espaço
de discricionariedade por parte do juiz quando aplica uma pena. Se pegarmos nos factos
dados como provados no tribunal de Santarém e os levarmos ao tribunal de Sintra e
pedirmos ao juiz para avaliar o caso, encontramos medidas diferentes da pena. A
moldura penal abstrata é a mesma, mas depois há um espaço de discricionariedade
dado ao juiz. O legislador tentou limitar ao máximo, não podendo limitar totalmente,
pois permite ao juiz adaptar ao caso concreto, estabelece assim um conjunto de normas
que o juiz tem de usar para a determinação de uma medida concreta da pena. Essas
normas estabelecem um percurso que o julgador tem de seguir e tem de estar vertido
na fundamentação da decisão condenatória. Porque é através da fundamentação que
será possível interpor recurso (artigo 411º nº 1 do CPP). Falamos, assim, em 2 figuras: o
legislador e o juiz (ou juízes ou juízes e jurados). São todas personagens principais.

2) A repartição de tarefas entre o legislador e o julgador - exemplos históricos:


Iluminismo e Positivismo; os CP de 1852 e 1886 e o atual CP

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Ao longo da história do Direito Penal, a forma como as tarefas vão sendo
divididas entre legislador e juiz vão sendo alteradas conforme as conceções dos fins das
penas e conceções filosóficas que influenciaram o Direito Penal.
Na época do Iluminismo, o grande objetivo era lutar contra os desmames do
Estado, destruir o Ancien Régime e o Estado autoritário, os déspotas esclarecidos,
portanto com a Revolução Francesa e o advento do Iluminismo (séculos XVIII e XIX) o
objetivo era proteger o cidadão, adaptando o poder apetitivo do Estado que tem para
aplicar as sanções, o objetivo era limitar ao máximo a discricionariedade do juiz, daí se
dizer que deveria ser o mero autómato da ação. Ou seja, o Iluminismo cria que era
possível eliminar qualquer margem de interpretação das normas em geral e das normas
jurídico-penais. Isto é uma crença que não corresponde à verdade, nunca há uma norma
que não careça de interpretação, por mais simples que seja. Por isso a lei deveria ser
mais clara e precisa para não deixar margem a interpretações, evitando o arbítrio do
Estado. No Iluminismo vigorava uma ideia de finalidade de prevenção geral negativa,
portanto, no século XIX, era esta ideia de aplicar penas severas e fixas para que elas
sejam tão draconianas e graves que afastem a comunidade em geral da prática do crime,
é pelo medo. Neste processo de determinação da pena, o papel principal era
determinado pelo legislador, o juiz era o tal autómato da subsunção, pegava nos factos,
ia à lei e condenava na pena fixa, não havia uma moldura, o juiz era uma espécie de
robô. A ideia é que o julgador tenha uma discricionariedade muito limitada, daí que o
principal era o legislador que determinava a pena fixa e, se quisesse, qual o sentido da
punição.
Depois deste período, tivemos uma outra corrente que foi o Positivismo nos
finais do século XIX e inícios do século XX. O Positivismo visava que se aplicasse ao
Direito o mesmo método das ciências exatas. August Compte procurou que na
sociologia se aplicasse o método científico. O Positivismo só acreditava no que era
mensurável através do método científico. Agora o crime é uma doença, uma patologia,
uma espécie de doença contagiosa. Aplicavam-se medidas de segurança, o Positivismo,
no Direito Penal, defende que só se aplicam medidas. O indivíduo é perigoso e afasta-se
do convívio social, interna-se e vai ser aplicado o Direito Penal médico ou terapêutico.
No Positivismo mudam as personagens: a primeira é o juiz. Do ponto de vista dos fins
das penas é a prevenção especial, normalmente negativa, ou seja, atuar no concreto
agente e vamos segregá-lo. Mas durante quanto tempo? Até deixar de ser perigoso, se
curar a doença. Daí os choques elétricos, as experiências clínicas. A pena, como é
baseada na prevenção especial negativa, não é uma pena fixa, mas variável e sem
duração determinada. Portanto o agente comete o crime de homicídio e quanto tempo
vai ser internado? O tempo necessário até deixar de ser perigoso. Temos um regime de
penas variáveis e o mais importante é o juiz pois vai determinar quando cessa a pena
com base no que dizem os médicos, nomeadamente os médicos psiquiatras (os
alienistas). O papel principal é, então, do juiz, o legislador diz que comportamentos são
crime, não estabelece penas concretas, é o que for necessário para a pessoa ficar boa.
Nenhuma destas duas soluções é adotada hoje: a solução do Iluminismo concede
demasiado ao legislador e menos ao juiz, e o Positivismo é o contrário em que o juiz
podia ser manobrado politicamente.
Entre nós, nas Ordenações no livro V já havia normas penais e mesmo antes do
século XV já as havia. Mas nas Ordenações a medida concreta da pena era considerada
uma arte de julgar. Entendia-se também que o juiz julga de acordo com a sua

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experiência, quanto mais velho melhor, não havia nenhuma diretriz orientada ao juiz,
era uma arte que se ia aperfeiçoando com o tempo e que ia passando de juiz em juiz.
O primeiro Código em sentido moderno de 1852 foi influenciado pelo Código
Penal napoleónico de 1810 e tinha como pressuposto de base uma ideia de prevenção
geral negativa, aproximava-se dos iluministas. Mas o nosso Código Penal previa, em
regra, penas variáveis, algumas eram fixas, mas a maior parte eram variáveis entre o
mínimo e o máximo. Não dizia para que serviam as penas, mas estabelecia um conjunto
de atenuantes e agravantes. A determinação da pena era um jogo entre as atenuantes
e agravantes, todas as circunstâncias eram tidas em contas.
O Código Penal seguinte de 1886 seguia uma conceção ético-retributiva. Não
tivemos verdadeiramente aquele Direito Penal médico, mas tivemos alguma influência.
É um retrocesso em relação ao Código de 1852, pois as penas são fixas, o que mostra a
influência do Positivismo. Pela primeira vez, temos uma indicação dada pelo legislador
ao juiz sobre como deve determinar a medida da pena, mas é ainda muito simples,
embrionária: o juiz deve aplicar a pena de acordo com a gravidade do crime, era a única
indicação.
O Código conheceu uma reforma profunda em 1954, em período de ditadura, e
aí o legislador acaba com as penas fixas, o que é uma evolução, passando todas as penas
a ser variáveis entre o mínimo e o máximo e o legislador avança naquilo que o juiz deve
ter em conta para determinar a medida da pena: a culpa do agente ou culpabilidade do
delinquente, a gravidade do facto, o resultado que o crime teve, a intensidade do dolo
ou da negligência, os motivos do crime e a personalidade do agente. Com esta reforma
de 1954 temos uma sensível diminuição do espaço de discricionariedade do juiz. E
depois temos o sistema atual de 1982.

3) Determinação da moldura penal abstrata

O regime atual consta dos artigos 70º e seguintes do CP, integrando-se no


capítulo IV que se designa “escolha e medida da pena”. A determinação da pena
compreende 2 momentos: o da escolha e o da determinação da medida. Estamos
perante um sistema de multa alternativa. O juiz tem um critério dado pelo legislador
quanto a esta matéria, que é o critério do artigo 70º. Se tiver um sistema de multa
alternativa, o juiz deve preferir a pena não detentiva, ou seja, a multa, a não ser que só
a prisão cumpra as finalidades do artigo 40º. Mas a regra é para aplicar as medidas não
detentivas.
A escolha da pena é, então, a primeira coisa que o juiz faz. Em regra, nos termos
do artigo 70º, decide aplicar primeiro a pena de multa. Por norma, são entre 10 e 360
dias, mas dentro desta moldura penal abstrata, o juiz tem de construir a moldura penal
concreta ou judicial. Aqui o juiz tem de aplicar a factualidade a esta moldura. Diz que,
no mínimo, por exemplo, o agente tem de ser punido em 50 dias de multa e no máximo
250 dias – esta é a moldura penal concreta, a moldura que o juiz constrói para aquele
caso concreto.
O momento da escolha da pena pode ser logo na primeira fase do processo,
quando estejamos num sistema de multa alternativa. Mas isso pode não acontecer
quando o tipo legal só preveja a pena de prisão. Mas depois de aplicar a pena de prisão,
logo que a medida concreta da pena seja igual ou inferior a 5 anos, o juiz tem de
ponderar, sob pena de nulidade insanável, da aplicação ou não de uma pena de

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substituição, porque o artigo 70º diz, quando seja possível, o juiz deve preferir a
aplicação de penas não detentivas. Se aplicar ou não pena de substituição, tem de
fundamentar. Assim, importa saber qual a espécie de pena principal que se aplica, sendo
que esta operação pode surgir em 2 momentos:
- quando o juiz tenha de escolher entre pena de prisão ou multa no sistema de multa
alternativa;
- quando o juiz vai optar se aplica pena de substituição.
A escolha da pena pode ocorrer logo no primeiro momento, quando estamos
perante um tipo legal de crime com sistema de pena de multa alternativa e o juiz escolhe
entre pena de multa e prisão, sendo que deve preferir pela pena não detentiva, o
ordenamento é claro nisto. Depois o ordenamento vai delimitar o percurso lógico e a
fundamentação da medida concreta da pena. Não há nenhum modelo que limite
totalmente a liberdade judicativa, isso faz parte da própria liberdade de julgar e é
entendido como necessário num Estado democrático. Mas no Reino Unido e na
Alemanha tentou-se através de algoritmos informáticos, introduzindo uma série de
fatores, que chegássemos a um programa que determinasse a medida da pena. O juiz
introduzia os vários elementos e depois através do programa matemático chegava-se à
medida concreta da pena. Isto tinha a vantagem da harmonização da medida concreta
da pena em vários tribunais. Mas não avançou, pois a atividade judicativa é uma
atividade humana. O programa nunca substitui a imediação, a oralidade. Aquilo que
parece ser um instrumento de limitação de uma certa discricionariedade do juiz,
acabaria por ser um instrumento que introduziria uma grande injustiça material. Mas
mesmo assim nunca se conseguiria eliminar totalmente a discricionariedade do juiz, isso
é um mito.
A lei responde, no artigo 71º nº 1, dizendo que em qualquer pena de prisão ou
de multa o juiz deve ter em conta 2 aspetos para determinar a medida da pena: as
exigências de culpa e prevenção (geral e especial). Isto é igual quer para a pena de
prisão, quer para a multa. Mas isto é pouco. A culpa e a prevenção relacionam-se entre
si e há várias teorias. Mas o julgador, para determinar a moldura penal concreta, tem
em conta exigências de culpa e prevenção, isso vai fazer com que a medida concreta da
pena oscile.
Dentro da moldura penal concreta não se pode condenar numa pena variável,
isso violaria a CRP. Mas entre os 50 e os 250 há muitos dias para determinar. O que é
que o juiz vai ter em conta para determinar a pena aplicada, o quantum exato de pena,
a medida concreta da pena? Para isso, o legislador constrói os fatores da medida da
pena no artigo 71º nº 2: circunstâncias modificativas atenuantes ou agravantes,
considerando os aspetos indicados nas alíneas. Estes fatores da medida da pena são
meramente exemplificativos, o juiz pode atender a outros critérios para, dentro da
moldura penal concreta, determinar a medida concreta da pena.

4) Circunstâncias modificativas: noção, caracterização, classificação; o problema da


concorrência de circunstâncias e sua resolução

O juiz tem em conta as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime,
depõem a favor do agente ou contra ele: entramos na matéria das circunstâncias
modificativas.

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Figueiredo Dias diz que são “o pressuposto ou conjunto de pressupostos que,
não contendendo com a tipicidade, com a ilicitude, culpa ou punibilidade, contudo
concorrem para a formação de uma imagem global do facto no sentido da sua agravação
ou atenuação”. São situações que não contendem diretamente com os elementos
constitutivos do conceito material de crime, mas que, apesar disto, concorrem para a
formação por parte do juiz de uma imagem global do facto no sentido de agravar ou
diminuir a punição. Mesmo assim vão ajudar o juiz, que vai ter de as observar, a
determinar a medida concreta da pena, no sentido de serem atenuantes ou agravantes.
Começando pela reincidência (artigos 75º e 76º), é uma circunstância
modificativa, não contende com nenhum dos elementos constitutivos do conceito
material do crime, mas o juiz tem-na em conta na determinação concreta da pena.
Depois de o juiz ter decidido quais os tipos legais de crime, o segundo passo é
determinar se existe alguma circunstância modificativa, mesmo antes da determinação
da moldura penal concreta, pois estas circunstâncias funcionam ao nível da moldura
penal abstrata, vamos ter de as tomar em conta antes da moldura penal concreta. Diz a
lei que a reincidência faz com que o limite mínimo seja aumentado em 1/3 e o limite
máximo permanece inalterado. Imaginemos um agente que praticou o crime de furto
(artigo 203º). Se for reincidente, inobservou a solene advertência feita pelo
ordenamento jurídico e há reiteração criminosa, há aqui uma ideia de culpa agravada.
O mínimo passa a ser 13 dias de pena de multa.
Podemos classificar as circunstâncias, quanto ao seu efeito, em agravantes e
atenuantes. A reincidência é agravante, mas há atenuantes, como por exemplo a
tentativa. O artigo 22º diz o que são atos de execução, o artigo 23º diz respeito à punição
da tentativa. Diz que não são punidos os crimes com pena de prisão inferior a 3 anos, a
não ser que o legislador diga o contrário. Acima de 3 anos diz a lei que são punidos como
forma consumada, mas é especialmente atenuada a pena, nos termos do artigo 73º. O
agente, no caso, não tinha sido reincidente, mas tinha praticado o crime de furto na
forma tentada (artigo 203º nº 2). O artigo 73º diz que operações concretas vamos
efetuar para atenuar especialmente a tentativa. A circunstância modificativa opera
sempre quanto à moldura penal abstrata. Estando perante pena de multa, aplicamos a
alínea c) do nº 1 do artigo 73º – temos de reduzir 1/3 do limite máximo. Retiramos 120
dias aos 360, ou seja, o limite máximo será 240 dias. Se o crime é na forma tentada, logo
ao nível da moldura penal abstrata passamos de 360 a 240 dias. O limite mínimo passa
ao mínimo legal, mas já era de 10 dias no caso. A tentativa é menos punida do que a
consumação.
Também aqui se aplica o regime dos jovens adultos (Decreto-Lei nº 401/82, de
23 de setembro), sendo estes todos aqueles que na prática dos factos tenham 16 anos
no mínimo e ainda não tenham completado 21 anos. No artigo 4º do regime prevê-se a
possibilidade de atenuação especial da pena que remete para o artigo 73º do CP (na
realidade, a remissão atual é para os artigos 72º e 73º). Não é uma atenuação
obrigatória, afere-se sempre à altura do tempus delicti (momento da prática do facto),
esta atenuação é facultativa.
A cumplicidade (artigo 27º do CP) é outra circunstância modificativa, com
remissão para o artigo 73º.
Temos circunstâncias modificativas agravantes ou atenuantes, conforme a
moldura penal abstrata, que pode alterar o limite mínimo, o limite máximo ou ambos.
Podemos classificar as circunstâncias modificativas em comuns ou específicas. A comum

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é aquela que se aplica a todo e qualquer tipo legal de crime. A tentativa não se aplica a
todos os tipos legais de crime, é uma atenuante específica, está reservada para certos
tipos legais de crime. A reincidência pode operar quanto a qualquer tipo legal de crime,
é agravante comum. A cumplicidade é atenuante comum, porque se aplica a qualquer
tipo legal de crime.
Depois temos uma outra classificação que atende ao critério da previsão
expressa da lei: nominadas ou inominadas. Em Portugal, ao contrário da Alemanha, não
temos circunstâncias inominadas. Por exigência do princípio da legalidade, segurança e
certeza jurídica, são apenas as reguladas na lei. O Código Penal alemão diz-nos que, em
casos particularmente graves, a pena é acrescida em 1/3, em casos especialmente
pouco graves a pena é reduzida em ¼. Isto é uma circunstância modificativa inominada,
porque o Código Penal alemão não diz quais são esses casos. Muitos autores dizem que
isto viola o princípio da legalidade. Entre nós, não temos, como se disse, circunstâncias
inominadas, só nominadas, isto é, expressamente previstas na lei. Temos, sim, por
influência alemã, a técnica dos exemplos-padrão2. Por exemplo: o crime de homicídio
qualificado do artigo 132º do CP. O nº 1 diz quando é qualificado. Se só tivéssemos o nº
1, tínhamos um problema da taxatividade, ficava uma margem muito grande de
discricionariedade do juiz. No nº 2, diz-se que, de entre outras, são as seguintes
circunstâncias. A técnica é algo que fica a meio caminho das circunstâncias nominadas
e inominadas, não é totalmente nominado porque são exemplos, mas não é totalmente
inominado, o que seria se se limitasse ao nº 1. Então o legislador dá-nos exemplos, mas
são apenas indícios de que estamos perante um caso de homicídio qualificado. O
preenchimento do exemplo-padrão é apenas um indício, mas é preciso que o exemplo-
padrão passe pelo crivo do nº 1, ou seja, que a conduta seja especialmente censurável
ou especialmente perverso e pode não o ser. O padrão não funciona sozinho, funciona
sempre com o nº 1. Isto é uma forma de auxiliar o intérprete, dá-nos o caminho. Assim
como pode haver casos de homicídio qualificado que não caibam em nenhuma destas
alíneas, mas serem especialmente censuráveis ou perversos e serem homicídio
qualificado. O exemplo-padrão é uma técnica entre a circunstância inominada e
nominada, temos um critério geral e depois temos exemplos que preenchidos têm de
passar pelo crivo do nº 1. É uma forma engenhosa que se encontrou de não deixar o
intérprete sem um ponto de partida.
E se houver uma concorrência de circunstâncias? Se existirem várias atenuantes
ou agravantes, como se faz? Depende do sentido das circunstâncias modificativas. Se
forem todas no mesmo sentido, ou seja, todas agravantes ou todas atenuantes (não está
na lei, decorre da jurisprudência e da doutrina), funcionam sucessivamente sem
nenhuma ordem especial. Claro que corremos o risco de haver 3 circunstâncias
modificativas atenuantes, podemos ficar sem moldura ao atenuar tantas vezes. Não

2 Refere a este propósito Figueiredo Dias: “Trata-se de circunstâncias modificativas agravantes que o
legislador se não contenta com indicar através de uma pura cláusula indeterminada de valor, mas que
também não descreve com a técnica detalhada que utiliza para os tipos, antes nomeia através da sua
exemplificação padronizada. Com uma dupla consequência. A de que, por um lado, a descrição feita
constitui exemplo indiciador das situações que devem conduzir à agravação; podendo, todavia, o juiz
negar aquele efeito indiciador mesmo a uma situação coincidente com um exemplo de que o legislador
se serviu, se considerar – através da valoração global do caso – que a razão de ser da agravação se não
verifica em concreto. E a de que, por outro lado, não sendo a enumeração da lei esgotante, mas só
exemplificativa, o juiz pode no entanto considerar que a razão de ser da agravação vale apesar de a
situação do caso não integrar a enumeração legal.”

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acontece isso porque existe o princípio da proibição da dupla valoração: quando a
circunstância modificativa tiver a mesma razão de ser, não pode ela modificar mais do
que uma vez – artigo 71º nº 1 (“não fazendo parte do tipo de crime”). Por exemplo, o
crime de infanticídio, praticado por uma mulher que mata o filho (artigo 136º) durante
ou logo após o parto. Mas logo após o parto até quando? A jurisprudência e doutrina
têm entendido que não há um critério geral, há quem diga 24h após o parto, outros
dizem mais. É um homicídio privilegiado porque tem de se provar a influência
perturbadora do parto, senão é punida por homicídio simples. A mulher praticou o crime
de homicídio e, para além disso, há uma atenuação especial da pena porque, por
exemplo, veio de um meio rural e o nascimento da criança consistiria num problema
grave para a família. Há uma circunstância de relevo social, aplicando o artigo 72º. Esta
decisão é ilegal e foi revertida pelo STJ, porque o juiz estava a valorar duas vezes a
mesma realidade, porque o legislador já previu uma moldura mais leve para esta
situação. Quando a razão de ser for a mesma, não podemos valorar duas vezes a mesma
realidade. Se forem realidades diferentes que levam à atenuação ou agravação, fazemos
funcioná-las da mesma forma sem qualquer ordem sucessiva.
E se forem circunstâncias agravantes? Há uma que fica sempre para ser tratada
no fim depois de terem operado todas as outras que é a reincidência, é a única
circunstância modificativa agravante nominada em Portugal. Pode acontecer haver mais
alguma em legislação extravagante.
E os casos de concorrência de circunstâncias de sinais diferentes? A regra é
primeiro agrava-se e depois atenua-se, porque ao contrário corria-se o risco de se ficar
sem moldura penal. Contudo, verificam-se exceções: quando a lei expressamente disser
o contrário ou quando estivermos perante a reincidência, porque esta fica, como vimos,
sempre para o fim. Se houver concorrência de circunstâncias, primeiro agrava-se e
depois atenua-se, mas quando está a reincidência esta fica para o fim, então primeiro
funcionam as atenuantes. A reincidência aplica-se sobre a moldura penal abstrata,
depois de já terem sido aplicadas todas as outras.

5) A moldura penal concreta ou judicial - o art. 71.º, n.º 1 do CP


6) Fatores de medida da pena - art. 71.º, n.º 2 do CP

O artigo 71º nº 1 do CP consagra a culpa e a prevenção como os 2 fatores da


medida da pena a ter em conta para chegarmos à medida concreta da pena. A espécie
de pena pode ocorrer em 2 períodos diversos: logo ao nível do tipo legal de crime,
quando estamos perante uma situação de multa alternativa e o juiz tem logo de optar
se aplica prisão ou multa; mas também pode surgir no final do processo de
determinação da medida da pena, desde que a medida concreta da pena seja igual ou
inferior a 5 anos, porque não há penas de substituição acima de 5 anos de prisão ou 240
dias de multa (só há uma pena de substituição da multa que é a admoestação, nos
termos do artigo 60º).
A primeira fase é a determinação da moldura penal abstrata que é dada pelo
legislador, ainda dentro desta fase é preciso que o julgador verifique se existem
circunstâncias modificativas que têm de ser vistas nesta fase porque operam logo ao
nível da moldura penal abstrata, modificam a pena aplicável. Já vimos que as
circunstâncias se classificam em atenuantes ou agravantes, comuns ou específicas, e
nominadas ou inominadas, sendo que em Portugal não existem inominadas, ao

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contrário da Alemanha, mas existe uma técnica que fica a meio caminho que é a técnica
dos exemplos padrão.
A segunda fase é a determinação da moldura penal concreta ou judicial, é aquela
em que o juiz já se aproxima do caso concreto, nas circunstâncias modificativas ainda
não se debruça sobre o caso concreto, o julgador não aprecia as características do
agente e dos factos, verifica se há algum pressuposto que implique uma alteração logo
ao nível da moldura penal abstrata, sendo que aqui encontramos várias classificações:
Figueiredo Dias considera que esta fase abrange a determinação da moldura penal
concreta e a determinação da medida concreta da pena. Aqui tem-se em atenção as
exigências de culpa e prevenção do artigo 71º nº 1 mais as exigências do nº 2 que são
fatores de medida da pena. Como não podemos fixar uma pena variável, há que
encontrar neste espaço uma forma de chegar ao quantum exato de pena dentro da
moldura, temos a medida concreta da pena ou a pena aplicada. Se considerarmos que
a mesma fase abrange a determinação da moldura penal concreta mais dentro dela a
determinação da medida concreta da pena é como Figueiredo Dias.
O professor Lamas Leite caracteriza a medida concreta da pena autónoma e
considera uma quarta fase eventual que é a da escolha da pena. A escolha da pena não
tem sempre que existir, pois nos casos de pena de prisão superior a 5 anos ou 240 dias
de multa não é possível aplicar uma pena de substituição. Se a medida concreta for até
5 anos ou 240 dias de multa, o juiz tem de obrigatoriamente se pronunciar sobre a pena
de substituição, sob pena de nulidade insanável que deve ser invocada e conhecida em
sede de recurso (artigo 119º do CPP), é uma nulidade da própria sentença.

7) O princípio da proibição da dupla valoração

Nas palavras de Figueiredo Dias, “de acordo com o artigo 72º nº 2, não devem
ser tomadas em consideração, na medida da pena, as circunstâncias que façam já parte
do tipo de crime: nisto se traduz o essencial do princípio da proibição de dupla
valoração. Sob esta sua mais simples formulação, o princípio tem uma justificação quase
evidente: não devem ser utilizadas pelo juiz para determinação da medida da pena
circunstâncias que o legislador já tomou em consideração ao estabelecer a moldura
penal do facto; e portanto não apenas os elementos do tipo-de-ilícito em sentido estrito,
mas todos os elementos que tenham sido relevantes para a determinação legal da pena.
Desta perspetiva se torna claro que o princípio da proibição de dupla valoração surge
só, na sua forma de aparecimento imediata, como uma consequência necessária do
sistema de divisão de tarefas e de responsabilidades entre legislador e juiz no processo
total de determinação da pena.

8) A concatenação entre culpa e prevenção e suas antinomias - teorias explicativas e


operatórias:

O artigo 71º nº 1 diz que se conjuga a culpa com a prevenção, mas muitas vezes
há uma antinomia entre as exigências de culpa e de prevenção. Por exemplo: o agente
tem muita culpa, mas as exigências de prevenção apontam no sentido contrário. É
preciso saber como vamos harmonizar ambas. Foram-se construindo várias teorias. O
legislador não tomou posição quanto a saber qual das teorias devemos aplicar, o que
nos diz no artigo 71º nº 1 é que para determinar a pena se têm em conta a culpa e a

18
prevenção, não nos diz como se articulam, esse é um papel que cabe à doutrina e
jurisprudência.
Há 2 teorias que podem ser aplicadas, mas as outras 2 não porque esbarram com
a letra da lei. Vamos seguir uma ordem cronológica. As 2 primeiras são teorias ético-
retributivas.

8.1.) A teoria do valor de posição ou emprego: enunciação, vantagens e críticas

A teoria do valor de posição ou emprego é muito bem-intencionada, porque diz-


nos que o problema está mal visto, não há nenhuma contradição entre a culpa e a
prevenção, porque cada um destes aspetos tem um campo de aplicação próprio e não
chocam. A culpa é o critério a ter em conta para a determinação da medida da pena. A
prevenção só tem importância no momento da escolha da pena, se vamos aplicar pena
de prisão ou multa; ou no final, se aplicamos ou não alguma pena de substituição. Se
assinalamos campos diferentes de atuação, evitamos qualquer antinomia entre elas.
Tem a vantagem de ser totalmente clara, é só a culpa a ter em conta e a
prevenção só quando for de optar pela espécie da pena. Está correta em relação a um
aspeto – normalmente, na espécie de pena diz-se que, para a escolher, só se têm em
conta critérios de prevenção, neste aspeto a teoria está certa.
É uma teoria ilegal, desconforme ao artigo 71º nº 1, porque, para a determinação
da medida da pena, o juiz tem de ter em conta a culpa e a prevenção. Concede
demasiado à culpa e um espaço muito reduzido às exigências de prevenção. Sendo uma
teoria ético-retributiva, há um conjunto de críticas muito fortes que lhe são feitas e que
também são aplicáveis a esta teoria.

8.2.) A teoria da medida da pena da culpa exata: caracterização, vantagens e críticas

A teoria da medida da pena da culpa exata 3 está profundamente ligada com a


anterior. Baseia-se numa teoria exasperadamente ético-retributiva, é mais extremada,
porque, ao contrário da anterior que reservava um espaço para cada uma delas, esta
teoria diz que na determinação da pena tudo é fixado tendo em conta somente
exigências de culpa. A prevenção, quando muito, funciona como um fator adjuvante,
secundário da culpa.
Esta teoria faz absorver as considerações de prevenção dentro da culpa, mistura
tudo. A culpa serve para determinar a medida da pena e a sua espécie. A prevenção não
tem um papel autónomo. E ainda mais diz que é a teoria do ponto da pena, daí culpa
exata. A teoria anterior defendia o mínimo e o máximo, esta diz que a pena correta é
dada por um único ponto e no caso concreto é de 1 ano, 2 ou 3, nem mais, nem menos
um dia, porque esse é o ponto exato do preenchimento das exigências da culpa, parte
de uma ideia de culpa ideal. Isto não é operacionalizável. Como é que o juiz sabe que
para aquele crime a medida da pena é só aquela? E isso teria de ser igual para qualquer
juiz do país, isto é impossível, é partir de um conceito de culpa ideal que não existe

3Segundo Figueiredo Dias, esta teoria “afirma, pura e simplesmente, que a medida da pena é fornecida
pela medida da culpa; e esta é uma medida exata, traduzida num ponto definido da escala penal. Quanto
às considerações preventivas, elas só poderão, quando muito, ser tomadas em conta na parte em que
relevem dentro do conceito de culpa e, portanto, para determinação da medida exata da culpa.”

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porque é aferida no caso concreto. Esta teoria é pior que a anterior, porque concede
demasiado à culpa e nada à prevenção.
Assim, estas duas teorias serão ilegais em relação ao artigo 71º nº 1, pois só têm
em conta a culpa, só têm em conta uma das exigências. Quanto às outras duas teorias,
o legislador português é obrigado a aceitá-las em face da lei, são perfeitamente
compatíveis, embora hoje em dia a que tem mais adeptos é a última.

A teoria da margem da liberdade e da moldura da prevenção

A teoria do espaço de liberdade ou da moldura da culpa 4 é defendida por


Eduardo Correia e Cavaleiro Ferreira e ainda tem mais alguns adeptos, como Taipa de
Carvalho, Sousa e Brito e Faria Costa, ainda que na jurisprudência poucas sejam as peças
processuais que a ela se referem. É uma teoria ético-retributiva moderna que atende à
culpa. Se a culpa for diminuta, a pena vai ser diminuída.
Vejamos um exemplo de aplicação: o artigo 152º prevê o crime de violência
doméstica com uma moldura penal abstrata de 1 a 5 anos. O ponto mínimo e máximo
da moldura penal concreta será dado por exigências de culpa, por força do artigo 40º nº
2. A concessão à prevenção geral está no facto de a pena não poder ser nem inferior a
1 ano, nem superior a 5 anos. O seu papel é, por isso, diminuto, o que já estaria
assegurado pelo princípio da legalidade. Entre os 2 e 4 anos, todos os quantum de pena
que podemos encontrar serão compatíveis com as exigências de culpa, pelo que a
medida concreta da pena nos irá dar considerações de prevenção especial.
Esta teoria é compatível com o teor literal do artigo 71º, mas é uma teoria de
pressupostos ético-retributivos, pelo que comparticipa de todas as objeções que já lhes
indicámos. Ademais, concede muito pouco à prevenção geral. Hoje em dia, defendemos
essencialmente uma prevenção geral positiva, o que nos leva a rejeitar esta teoria.
Claus Roxin é um autor que parte desta teoria, que é, aliás, dominante na
Alemanha. Defende que possam existir casos excecionais em que o limite mínimo da
moldura penal concreta possa ter de baixar para além desse limite mínimo da moldura
penal abstrata, porque as exigências de prevenção especial estão tão esbatidas que não
se justifica aplicar o primeiro.
Retomando o exemplo acima, o mínimo da moldura penal concreta pode baixar
até 1 ano (limite mínimo da moldura penal abstrata), se o julgador entende que o crime

4 Esta teoria, segundo Figueiredo Dias, “afirma que a medida da pena deve ser dada essencialmente
através da medida da culpa. Esta, porém, não se oferece ao aplicador como uma grandeza exata, senão
que como um espaço de liberdade ou de indeterminação, como uma moldura da culpa oscilando ainda,
dentro da moldura legal, entre um máximo e um mínimo. (...) Quanto às considerações preventivas, elas
atuarão justamente dentro desta moldura da culpa, deste espaço de liberdade ou de indeterminação: de
entre as diversas penas que correspondem à culpa, deve ser escolhida aquela que se revele mais
adequada a operar a ressocialização do delinquente.” Contudo, autores como Roxin defendem uma
pequena modificação desta doutrina para casos especiais, em que “a força das considerações de
prevenção especial de socialização conduz a quebrar o próprio limite mínimo da moldura da culpa,
permitindo que a pena concreta venha a situar-se abaixo daquele limite: em casos tais, a pena concreta
deixaria jade ser adequada à culpa, mas encontrar-se-ia justificada por razões imperiosas, e de outro
modo não realizáveis, de socialização. Quando, em suma, o conflito entre a culpa e a socialização se volva
em verdadeira antinomia, a prevalência decidida deverá ser dada às necessidades de socialização. E até
onde poderá a pena baixar nestes casos? Responde Roxin: até ao mínimo da moldura legal, por ser nesse
marco que o legislador fixou as exigências mínimas de prevenção geral positiva sob a forma da – em todos
os casos irrenunciável – tutela (defesa) do ordenamento jurídico.”

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é um simples episódio numa vida de fidelidade ao Direito do agressor. É o caso do
agressor que teve um casamento harmonioso durante 40 anos, verificando-se um
episódio de violência, o qual confessou e a vítima desculpou, reatando a relação.
Contudo, esta posição é altamente criticável, desde logo porque o limite mínimo
foi constituído para toda e qualquer situação, pelo que estaríamos a misturar as
considerações que subjazem à moldura penal abstrata (artigo 40º) com a determinação
da medida concreta da pena, que tem em conta outro tipo de considerações.
Além disso, nessas situações excecionais, quando o juiz constrói a moldura penal
concreta, já conhece as circunstâncias do caso e a personalidade do agente, pelo que já
poderia colocar o limite mínimo da moldura penal concreta no limite da abstrata. No
exemplo, o juiz colocaria o limite mínimo da moldura penal concreta não em 2 anos,
mas em 1 ano, assim tendo em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção
especial.
A esta segunda crítica, Roxin contrapôs defendendo que tal solução não
respeitaria o princípio da culpa, porque o limite mínimo dado pela culpa, neste caso, é
de 2 anos, baixando esse limite através do corretivo que propõe.

A teoria da moldura da prevenção foi introduzida por Anabela Miranda


Rodrigues, de Coimbra e depois defendida por Figueiredo Dias. É a que encontra mais
adeptos entre a doutrina e jurisprudência e dá mais importância à prevenção geral
positiva. Se a culpa for diminuta, mas houver grande alarme social, vai ter uma pena
mais severa.
Partindo do mesmo exemplo, o crime de violência doméstica é atualmente o
crime que causa mais alarme social e, portanto, 2 anos não parece suficiente para que
seja interiorizado pela comunidade, isto é, para visar a finalidade de reafirmar
contrafacticamente a norma. A este mínimo designamos de ponto de defesa do
ordenamento jurídico. Por outro lado, a culpa desempenha o papel de determinação do
limite máximo da pena. Entre o limite dos 3 e 5 anos, a medida concreta da pena será
dada por considerações de prevenção especial, de acordo com os fatores de medida da
pena.
Consoante a teoria que defendamos, vamos chegar a uma medida concreta da
pena diferente, dar mais importância à culpa ou à prevenção tem consequências
práticas muito relevantes.

Os fatores de medida da pena: quanto ao modo de execução do crime, quanto à


personalidade do agente e quanto ao seu comportamento anterior e posterior ao
delito

O artigo 71º nº1 fala-nos na culpa e na prevenção, porém, no nº 2 define mais


fatores, num elenco exemplificativo, desde que estes não violem o princípio da dupla
valoração. Quanto à letra do artigo, deve ler-se circunstâncias não no sentido técnico-
jurídico, mas como a um conjunto de factos.
Os fatores de medida da pena são fortemente ambivalentes, no sentido em que
alguns depõem no sentido de agravação e outros de atenuação. Num caso concreto, o
mesmo fator pode ter um efeito agravante ou atenuante.
Vejamos, a título de exemplo, num crime contra o património, a situação
económica débil ou bastante favorável pode depor a favor do agente ou contra ele,

21
respetivamente. Também o grau de preparação para uma conduta ilícita se releva
ambivalente: as habilitações literárias, por exemplo, depõem contra o sujeito.
Por outro lado, uns fatores relevam por via da culpa, outros por via das
necessidades da prevenção.
Normalmente, juntamos os fatores do nº 2 deste artigo em três grupos:
atinentes ao modo de execução do crime, relacionados com o comportamento anterior
e posterior ao delito do agente e relacionados com a falta da preparação do agente para
uma conduta diversa. Todos estes fatores deverão ser devidamente fundamentados.

As penas acessórias e os efeitos das penas. 1. Distinções. 2. Finalidades

As penas acessórias têm um efeito coadjuvante ao das penas principais, pelo que
aquilo que obsta à pena principal irá comunicar-se à pena acessória. Quer isto dizer que
se houver, por exemplo, um pressuposto negativo de prescrição da pena em relação à
pena principal, não se pode aplicar uma pena acessória.
No nosso sistema jurídico, existe uma confusão terminológica entre penas
acessórias, efeitos das penas e efeitos dos crimes. De um ponto de vista histórico, todos
provêm do mesmo instituto da Idade Média, o instituto da infâmia.
As penas acessórias são verdadeiras penas e, portanto, obedecem às mesmas
exigências que as penas principais (determinação por necessidades de culpa e de
prevenção, por força do artigo 71º nº 1). Estão sujeitas a um princípio de tipicidade e
exigem sempre que haja uma intermediação adjudicativa, isto é, um juízo do julgador
que determine da necessidade ou não da sua aplicação e que determine dentro da
moldura a que ambas as penas estão sujeitas.
Nos termos dos artigos 30º nº 4 da CRP e 65º do CP, a proibição da
automaticidade das penas leva a que o julgador deva considerar se há exigências que
justifiquem a aplicação da pena acessória conjuntamente com a pena principal.
Nenhuma pena principal envolve necessariamente a verificação dos efeitos das penas.
Os efeitos das penas não se justificam por razões de culpa, mas por exigências de
prevenção geral, essencialmente negativa. A tendência é de converter estes efeitos em
penas acessórias, eliminando o problema da automaticidade. O nº 2 do artigo 65º prevê
a proibição de determinados direitos e profissões.
Em suma, o critério da culpa é aquilo que distingue, na prática, estas duas
realidades. Nesse sentido, as penas aplicam-se por exigências de culpa e apenas se
aplicam conjuntamente com as penas principais; os efeitos, por seu turno, aplicam-se
por exigências de prevenção e derivam da aplicação de penas principais e acessórias.

3. Análise das penas acessórias prevenidas na PG do CP e resolução de problemas


concretos em relação a cada uma delas, em especial o art. 69.º do CP

O artigo 66º nº 1 prevê uma pena reservada, exigindo-se que se trate de um


agente específico, com remissão para o artigo 386º quanto à definição de funcionário –
proibição do exercício de função. Para a aplicação desta pena, exige-se que se trate de
factos praticados no exercício da atividade para a qual o agente foi eleito ou nomeado
e que apresentem uma determinada gravidade. Neste ponto, Duguit distingue entre o
estatuto negativo do funcionário público, o qual contende com a sua vida privada, e o
estatuto positivo, remetendo para tudo o que se relaciona com as suas funções.

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Quanto à questão de poder aplicar-se não só nos casos de 3 anos de prisão
efetiva, mas também nos casos de pena substituída, entendemos que a lei não restringe
apenas aos primeiros. Quando assim o é, a lei di-lo especificamente, como é o caso da
reincidência (artigos 75º e 76º).
Imagine-se que um funcionário praticou três crimes puníveis por 3 anos, 1 ano e
3 anos. O limite mínimo da moldura do concurso é dado pelos 3 anos (dado pela pena
mais grave das penas concretas) e o máximo por 7 anos (soma de todas as penas, nos
termos do artigo 77º). Mesmo sendo condenado a 5 anos, a aplicação da pena acessória
poria em causa as garantias do arguido, na medida em que nenhuma das medidas
concretas das penas parcelares é superior aos 3 anos. O arguido iria, por isso, ser
prejudicado pela situação de concurso.
Assim, nas situações de concurso, para aplicação de pena acessória, basta que
um dos crimes do concurso ultrapasse os 3 anos de prisão.
Existem alguns requisitos de aplicação do artigo 66º:
- requisito formal: as penas acessórias têm de ter sempre um limite máximo, entre 2 e
5 anos;
- requisito material (pólo aglutinador das situações previstas nas várias alíneas): perda
da relação de fidúcia (confiança no funcionário). Esta pena aplica-se não só a
funcionários para efeitos penais, mas também a todas as profissões regulamentadas.

O artigo 67º, relativo à suspensão do exercício de função pública, trata-se de um


efeito inegável da pena de prisão, não se trata de uma pena acessória, mas de uma
consequência lógica da aplicação da pena principal. Também se aplica às profissões
regulamentadas por via do nº 3. O artigo 68º, por seu turno, prevê os efeitos práticos
dos artigos 66º e 67º.

A inibição de conduzir veículos com motor (artigo 69º) é a pena acessória mais
aplicada no nosso ordenamento jurídico. A história deste artigo tem seguido uma
tendência de alargamento. De um ponto de vista político-criminal, se alguém pratica
crimes na condução automóvel, essa pessoa prova que não tem condições, pelo menos
temporariamente, para exercer este direito.
Discutiu-se o âmbito do conceito de veículos com motor no sentido de saber se
abrangia o velocípede com motor auxiliar, na medida em que a versão original fazia
referência a veículos motorizados. Atualmente entende-se que abrange igualmente
estes velocípedes.
A pena acessória, enquanto verdadeira pena, comporta sempre uma moldura,
entre mínimo e máximo, que neste caso é entre 3 meses e 3 anos. Caso contrário, seria
inconstitucional por violar o princípio da determinabilidade das penas.
A alínea b) do nº 1 diz respeito aos crimes em que o veículo é utilizado como
meio para a prática do crime. Quando em 2013 se passou a prever a punição da alínea
a), a alínea b) viu o seu âmbito diminuído, sendo que, nos primeiros casos, exige-se a
violação das regras de condução. Caberá no âmbito desta norma, por exemplo, a
utilização do veículo para transporte de estupefacientes.
Na alínea c), prevê-se o caso em que o agente se recusa a submeter às provas de
deteção e onde se lê “efeito de álcool” também pode ler-se “efeitos de
estupefacientes”. Os restantes números do artigo dizem respeito a questões

23
procedimentais. Onde se lê “Direção Geral de Viação” no nº 4, deve ler-se atualmente
“Autoridade Nacional para a Segurança Rodoviária”.
Quanto à obrigação de entrega do título 10 dias após o trânsito em julgado da
decisão, este prazo tem em conta o facto de atualmente a condução automóvel ser
essencial na vida da pessoa, nomeadamente na vida profissional. Tanto assim o é que
em alguns Estados esta pena acessória constitui uma pena principal.
Nos termos do artigo 353º, a entrega fora do prazo constitui uma violação da
pena acessória. A jurisprudência maioritária tende a entender que a entrega do título é
o momento a partir do qual se conta a inibição de conduzir.

Nos termos do artigo 69º-A (declaração de indignidade sucessória), os herdeiros


legitimários só podem ser afastados da sucessão no caso de indignidade sucessória,
nomeadamente pela prática de um crime de homicídio, mesmo na forma tentada. Antes
deste artigo, era necessário que o tribunal cível reconhecesse posteriormente a
indignidade sucessória.

Nos artigos 69º-B e C (proibição do exercício de funções por crimes contra a


autodeterminação sexual e a liberdade sexual e proibição de confiança de menores e
inibição de responsabilidades parentais), o legislador parece ter previsto molduras
excessivamente amplas, o que levanta dúvidas acerca da sua constitucionalidade
material, na medida em que acaba por ser de admitir uma pena quase indeterminada.

FORMAS ESPECIAIS DE DETERMINAÇÃO DA PENA


A reincidência
1. Noção. Circunstância modificativa agravante

A reincidência é uma circunstância modificativa agravante, comum e nominada


(artigos 75º e 76º). O instituto da reincidência é antigo em Portugal, remontando para
o período das Ordenações. A ideia de quem comete crimes, depois de ter cometido
outros crimes, merece uma censura maior manteve-se nos Códigos Penais modernos.
José Manuel da Veiga, em 1837, propôs um projeto que pretendia introduzir a
reincidência como uma circunstância agravante. A grande discussão sobre esta matéria
na segunda metade do séc. XIX relacionava-se com o facto de saber se a reincidência
devia ser homótropa ou polítropa, isto é, se deveria ou não operar relativamente ao
mesmo tipo legal de crime. O nosso Código Penal de 1852 previa a reincidência
homótropa, em sentido diverso do Código seguinte, de 1886, mantendo-se este
entendimento até hoje.
Outra dificuldade se levanta quanto a caracterizar o que é um crime diverso,
entendendo-se que sê-lo-á quando é protegido um bem jurídico diferente. Mas outros
entendimentos são válidos, nomeadamente no que respeita aos diferentes modos de
execução e diferentes consequências do crime. Isto leva a que, na prática, no nosso
sistema vigore uma politropia mitigada.
Farinacius distinguiu o concurso da reincidência: no primeiro, nenhum dos
crimes foi objeto de uma decisão transitada em julgado; na reincidência,
diferentemente, temos a prática de um crime que transitou em julgado e,
posteriormente, o agente volta a praticar um novo crime. No caso da reincidência,

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somos levados a questionar quem é o criminoso mais perigoso, se aquele que se
especializa numa carreira criminal ou aquele que pratica vários crimes.
A pena relativamente indeterminada é diferente da reincidência, mas partilha
com esta muitas características. Nos termos do artigo 76º nº 2, quando no caso concreto
estiverem verificados os pressupostos de ambas, na situação de concurso deve sempre
se preferir pela aplicação do primeiro instituto (PRI) por se mostrar mais adequado para
fazer face à criminalidade mais grave (criminosos por tendência e alcoólicos e
equiparados).

Assim, a reincidência, enquanto forma especial de determinação da medida da


pena, é uma circunstância modificativa agravante, trata-se de um pressuposto que não
contende diretamente com o tipo, ilícito, culpa e punibilidade (categorias do conceito
material de crime), mas influi na imagem global do facto no sentido de a agravar. É
nominada e comum, porque se aplica a todos os tipos legais de crime, à partida não há
nenhum crime que não seja sujeito à punição por reincidência.

2. Requisitos formais e material - art. 75.º do CP

Há requisitos a preencher na reincidência e só se estiverem preenchidos é que


há um efeito sobre a moldura penal abstrata (artigo 75º).
Quanto aos requisitos formais:
1) o crime a julgar tem de ser punido (medida concreta da pena) com pena de
prisão efetiva (não pode haver pena de substituição) superior a 6 meses. Se o juiz,
quando julga o crime objeto de julgamento, não aplicar uma pena de prisão efetiva, não
pode considerar a reincidência; se aplicar pena efetiva, mas esta não seja superior a 6
meses, também não pode colocar a possibilidade de aplicar a reincidência. Esta é a
primeira operação que temos de fazer, temos de determinar a medida concreta da pena
sem o considerar como reincidente;
2) só opera relativamente a crimes dolosos, não opera em relação a crimes
negligentes. Se o crime a julgar for doloso, mas os que constam do certificado de registo
criminal (CRC) do agente forem negligentes, não se aplica. Se o fundamento é a ideia de
culpa agravada, a culpa é mais elevada na situação de dolo (artigo 14º, com as
modalidades de dolo direto, necessário e eventual, do mais grave para o menos grave).
A reincidência é privativa da pena de prisão, se o juiz aplica pena de multa nunca pode
aplicar a reincidência. Não confundir com o regime contraordenacional. Só se aplica
entre penas de prisão efetivas; se qualquer pena de prisão tiver sido substituída, então
não se aplica. Para se justificar a agravação da punição, a pena aplicada e a do passado
criminal têm de ter uma gravidade mínima – pena de prisão superior a 6 meses;
3) este terceiro requisito deriva de investigações da criminologia, é a prescrição
da reincidência: entre a data da prática do crime (artigo 3º) a julgar e do crime ou crimes
anteriores que estão no passado criminal do agente, não pode ter decorrido mais de 5
anos. Se tiver decorrido, prescreveu a reincidência. A ideia dos estudos criminológicos
é, para haver alguma ideia de conexão entre o crime atual e o crime anterior, não pode
ter decorrido um período de tempo demasiado longo, pelo que já não é situação de
reincidência, mas de pluri-ocasionalidade.
Exemplo: imaginemos que o agente será julgado pelo crime de roubo (artigo
210º nº 1), que prevê pena de prisão entre 1 e 8 anos. O juiz, sem pensar na reincidência,

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admite a pena concreta de prisão de 5 anos, não entende haver requisitos para pena de
substituição. Sendo assim, temos o 1º requisito preenchido – é um crime doloso, não se
rouba sem querer. Quanto ao 2º requisito, a medida concreta da pena tem de ser prisão
efetiva superior a 6 meses, e é neste caso. Para o 3º requisito, temos de saber as datas
dos crimes anteriores. O crime 1 foi praticado a 1/3/2015. O crime 2, já no Certificado
de Registo Criminal de roubo pelo artigo 210º nº 1, condenado a 2 anos, foi praticado a
13/6/2007. O crime 3 de furto qualificado do artigo 204º nº 2 alínea a), condenado a 4
anos, foi praticado a 12/5/2008. Já passaram mais de 5 anos ao compararmos a data de
C1 e C2. O tempo em que o agente está a cumprir pena de prisão suspende o prazo da
prescrição de 5 anos. De 2007 a 2015 vão 8 anos, descontados os 2 anos, são 6 anos,
pelo que o crime já prescreveu para efeitos de reincidência.
Os requisitos são cumulativos, basta que falte um para não ser considerado
reincidente. Do C3 para o C1 já passaram 7 anos, menos 4 anos, dá 3 anos, então este
não prescreveu. Podemos dizer que, para já, os requisitos da reincidência estão todos
preenchidos. O agente pode ter vários crimes no seu registo criminal, basta que em
relação a um deles se verifiquem todos os requisitos da reincidência. Se for reincidente
em relação a vários, reforça a ideia da censura e devemos ser mais punitivos.
E se o agente foi condenado a uma pena de multa, mas não foi cumprida e é
convertida em prisão subsidiária (artigo 49º nº 1)? Aqui não há reincidência, porque o
que interessa é a pena principal a que o agente foi condenado. Não é pena de prisão
efetiva.
Quando há revogação de qualquer pena de substituição, aplica-se a pena
principal. O agente é condenado a pena de prisão de 3 anos suspensa na execução. Se
não cumprir a pena suspensa, tem de cumprir a pena de prisão dos 3 anos. Se for
revogada, isso não conta para efeitos de reincidência, não é prisão efetiva, significa que
o tribunal, na sua decisão condenatória, teria de ter aplicado logo a pena de prisão sem
pena de substituição. É uma pena de prisão que surge na sequência da pena principal.
A reincidência não se aplica só ao autor, mas também ao cúmplice.
Se houver alguma medida de graça ou de indulto, não obsta à reincidência.
Quanto ao requisito material, este está previsto no artigo 75º nº 1 segunda
parte: como se interpreta este conceito indeterminado de “suficiente advertência
contra o crime”? Um pensamento mais simplista diria que, se estão preenchidos os
pressupostos da reincidência, é evidente que não serviu de suficiente a advertência, a
solene censura, voltou a reincidir. Podemos ter este entendimento, se tivermos uma
reincidência polítropa, pode ser qualquer tipo legal de crime para haver reincidência. A
lei diz apenas que os crimes anteriores não serviram de suficiente advertência quanto
ao crime. Uma das formas de interpretar esta norma é, se o regime é polítropo, qualquer
crime chega. Mas isto não é aceite entre nós, nomeadamente por Figueiredo Dias que
interpreta esta parte da norma dizendo que tem de existir uma íntima conexão entre o
crime que agora está a ser julgado e o crime ou crimes anteriores. Isto não resolve tudo,
porque quando se pode dizer que existe uma íntima conexão entre os crimes? Tem de
ser o mesmo? Se fosse isto, era afinal um sistema homótropo. Quando se fala em íntima
conexão, significa que o crime julgado agora e o anterior têm de se tratar de crimes que
protejam o mesmo bem jurídico ou bens jurídicos similares. No caso anterior, entre
furto qualificado e roubo há essa semelhança. Se se diz isto, é aceite pacificamente entre
nós, na doutrina e jurisprudência, se estiverem preenchidos os requisitos formais, num

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crime de condução por efeito de álcool e crime de roubo, não há a íntima conexão,
faltando o requisito material, não é punido por reincidência.
Parece que então o nosso sistema, para sermos realistas, não é polítropo, porque
se o fosse bastava o crime ser diferente para ser suficiente e aplicar-se a reincidência.
Então não temos tecnicamente um sistema de politropia, mas homotropia mitigado,
não é homotropia pura porque se diria que só poderia punir por reincidência num crime
de roubo se o anterior fosse de roubo. O nosso sistema foi por uma via intermédia.

3. Fundamento da punição agravada

Por que é que a reincidência é mais gravemente punida?


- Figueiredo Dias: o agente revela uma total indiferença face ao dever-ser jurídico-penal.
É um maior grau de culpa do agente, manifestado no facto, que fundamenta a pena mais
grave. A perigosidade tem um efeito meramente reflexo;
- professor Lamas Leite: quer a culpa, quer a perigosidade são ambas fundamentos para
a punição acrescida da reincidência.

4. Operações de determinação da medida da pena em caso de reincidência - art. 76.º


do CP. 5. Da politropia à homotropia mitigada

Que consequências é que isto tem na prática? Como é que o juiz aplica a
reincidência? Continuando com o exemplo do crime de roubo com o passado criminal
já visto do C3 que releva. O artigo 75º diz quais os requisitos para haver reincidência. O
artigo 76º diz que, depois de ter concluído que há reincidência, então vamos ver que
efeitos é que isto tem na prática e como se vai aplicar a reincidência, que efeito tem na
determinação da pena.
A primeira operação é determinar a medida concreta da pena sem reincidência.
Temos de saber que pena se vai aplicar ao agente, porque, se se concluir pela pena de
substituição, já não opera a reincidência.
A segunda operação é a construção da moldura da reincidência. Porque é uma
circunstância modificativa agravante, vai funcionar ao nível da moldura penal abstrata
– entre 1 e 8 anos, no nosso caso. O artigo 76º diz que o limite máximo da moldura
abstrata permanece igual, o legislador não quer que haja desproporcionalidade da pena.
O limite mínimo é agravado em 1/3, logo passa para 1 ano e 4 meses, ou seja, a nível da
moldura penal abstrata, o facto de ter sido julgado reincidente determinou, na prática,
que o limite mínimo seja aumentado em 4 meses.
A terceira operação consiste em o juiz dizer que aplicar-lhe-ia 5 anos se não fosse
reincidente; como o é, vai aplicar uma pena mais grave, por exemplo 7 anos.
Mas não acabamos aqui, porque temos uma quarta operação que Figueiredo
Dias chama operação de limitação, enquanto que o professor Lamas Leite chama
operação de comparação e eventual limitação, pelo que esta operação tem 2
suboperações. Compara a medida concreta com e sem reincidência, 7 e 5 anos
respetivamente, temos a medida da agravação de 2 anos. E agora a segunda parte de
eventual limitação, por obediência ao Código Penal. Estes 2 anos da medida da
agravação não podem nunca ultrapassar a mais grave das condenações do registo
criminal do agente. Ou seja, aqui a lei está cumprida, porque a medida da agravação não
pode ser mais grave, 2 anos é inferior a 4 anos. O legislador quis evitar que haja punição

27
exagerada da reincidência. Na prática, se os tribunais sabem que estão limitados em
termos de agravação, o próprio juiz já sabe que, se acrescentar à pena, só pode ir até
àquele máximo, portanto para sabermos até quanto pode ir a medida da agravação,
basta acrescentar à medida da pena sem reincidência o valor máximo da medida da
pena mais grave.
No artigo 76º nº 2, a lei quer que se aplique a pena relativamente indeterminada
(artigos 83º e seguintes), quando haja conflito entre esta e a reincidência, porque a PRI
se aplica aos delinquentes por tendência e aos alcoólicos e equiparados. Quando houver
o preenchimento dos 2 requisitos, prefere-se pela PRI.

O concurso de crimes
1. Concurso efetivo e concurso aparente

Uma outra forma especial de determinação da pena é o concurso de crimes,


concretamente concurso efetivo ou impropriamente chamado concurso real5 (artigo
30º nº 1). Para esse efeito, vamos aplicar o artigo 77º em que encontramos a forma de
punição do concurso de crimes. Não confundir com a punição do crime continuado
(artigo 30º nº 2), nos termos do artigo 79º.
O concurso de crimes já foi entendido de muitas formas, pelas consequências
jurídicas do crime. Eduardo Correia e Cavaleiro Ferreira tratavam o concurso de crimes
como circunstância modificativa, mas esse entendimento hoje está totalmente
ultrapassado. Tecnicamente é uma forma especial de determinação da medida da pena.

2. Modalidades de punição do concurso de crimes

Encontramos várias formas de abordar e regular o sistema do concurso de


crimes. Um primeiro sistema é a forma mais simples de punição em sistema de
concurso, é a forma mais antiga – sistema da acumulação material. O julgador vai
limitar-se a verificar quantos crimes estão em concurso, vai determinar a medida
concreta da pena de cada um dos crimes em concurso e, de seguida, limita-se a uma
simples operação de adição, limita-se a cumular, a somar. Este sistema pode conhecer
uma modalidade pura, o que acontece nos EUA, em que temos penas absolutamente
incompreensíveis, em que não há limitação, na prática são penas de prisão perpétua.
Ou podemos ter como em Espanha (em que há pena perpétua desde 2015), um sistema
em que se acumula, mas com o limite máximo de 40 anos. É o sistema mais simples, que
resulta da simples acumulação.
O segundo grande sistema é o sistema da pena única ou da pena de concurso.
Aqui vamos aplicar só uma pena a uma pluralidade criminosa. Mas como se aplica? Há
várias modalidades. Ao contrário do anterior em que há uma mera soma das penas, aqui
vamos ter uma única pena, é um sistema oposto.

5 O concurso de crimes efetivo é um problema que diz respeito ao Direito alemão, que tem um critério
diferente do nosso. Nos termos do artigo 30º nº 1, não seguimos um sistema de caráter naturalístico,
existem tantos crimes quanto o número de tipos legais violados. A violação de um bem jurídico é a
violação de um valor (Eduardo Correia). Pode ser a prática do mesmo tipo legal de crime. Como sabemos
se estamos perante um único crime ou vários? Depende do número de resoluções criminosas do agente,
depende do número de nexos finais – critério de caráter subjetivo, em que atendemos ao elemento
volitivo e ao elemento emocional de dolo.

28
O sistema anterior tem fortes críticas e faz com que alguns países, como
Portugal, não o aceitem, pois viola o princípio da culpa, somam-se várias medidas
concretas da culpa, estamos a multiplicar o efeito da culpa na pena final a aplicar.
Também é um sistema que acaba por converter penas que deveriam ser de duração
determinada em indeterminada, em casos de prisão perpetua, com todas as
desvantagens que se podem apontar: é totalmente avessa a qualquer consideração de
ressocialização ou de prevenção especial positiva.
Mas voltando ao segundo sistema em análise, dentro deste temos duas
modalidades: o sistema da pena unitária e o sistema da pena conjunta. O sistema da
pena conjunta, por sua vez, conhece 2 princípios: da absorção pura e da exasperação.
No sistema da pena unitária, as penas de cada um dos crimes que integram o
concurso perdem a sua autonomia, ou seja, o juiz nem tem que determinar a medida
concreta de cada um dos crimes. Temos 3 crimes praticados pelo agente em concurso,
simplesmente nem vamos ter que determinar a pena concreta de cada um deles. O juiz
vai olhar para uma imagem global dos 3 factos em concurso, não vai ter que determinar
cada uma das medidas concretas das penas, vai aplicar uma pena única sem ter que
passar pela determinação das medidas concretas de cada uma das penas.
Este sistema é de muito difícil aplicação de um ponto de vista prático e de grande
discricionariedade concedida ao juiz. Para um juiz é muito mais difícil, olhamos para o
todo sem ver as particularidades. Do ponto de vista prático-processual, é muito
complicado para o juiz, até para fundamentar. Também tem o efeito do ponto de vista
político-criminal desvantajoso, olhando para o conjunto os crimes menos graves acabam
por não ter grande relevo, concede-lhes maior punibilidade. É indesejável do ponto de
vista político-criminal, do ponto de vista prático e processual penal é de muito difícil ou
impossível aplicação. Tem também a desvantagem de, se não se determina a medida
concreta, nunca ficamos com uma perceção concreta em relação a cada um dos crimes.

3. O sistema da pena conjunta

Pelo contrário, no sistema da pena conjunta, as várias penas parcelares (medidas


concretas da pena de cada um dos crimes em concurso) não perdem a sua autonomia,
ou seja, o juiz vai ter de determinar a medida concreta da pena de cada um dos crimes
que integram o concurso. Desde logo se é assim, tendo o juiz de se pronunciar em
relação a cada um dos crimes, é um sistema mais perfeito que permite averiguar as
exigências de culpa e prevenção em relação a cada um dos crimes. Do ponto de vista
processual, é muito mais lógico e de fácil aplicação. É também mais conforme às
exigências de culpa e prevenção, porque cada um dos crimes é considerado per si.
É um sistema inserido num sistema de pena única. Vamos ter de transformar
estas 3 penas concretas numa única pena, mas como conciliamos? Há duas
modalidades:
- princípio da absorção pura: significa que vamos punir o agente apenas e tão só com a
medida concreta da pena mais grave que está em concurso. A mais grave absorve as
menos graves e entende-se como suficiente para exercer as finalidades da pena. É um
sistema criticável, porque, do ponto de vista preventivo, é altamente pernicioso. Do
ponto de vista da prevenção geral, a comunidade vê que os outros crimes menos graves
não têm efeito, então por que se determinaram as medidas concretas das outras penas?
Mesmo que partamos de uma conceção de reafirmação da norma, de prevenção geral

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positiva, a comunidade entende que dá impunidade aos crimes menos graves. Do ponto
de vista da prevenção especial, quando se atua sobre o concreto agente, a pena que
aplicamos por via do princípio da absorção pura pode não ser suficiente para realizar as
finalidades, concretamente a de ressocialização;
- princípio da exasperação: olha não para as medidas concretas das penas, mas para as
molduras penais abstratas. Diz-nos que o agente vai ser punido com pena única, mas
aplicando só a moldura penal abstrata mais grave. Esta moldura penal abstrata mais
grave dá-nos o limite mínimo e máximo que aplicamos em concurso. E depois as outras
medidas concretas das penas? Servem como fatores de medida da pena, para agravar a
pena mais grave selecionada anteriormente. Tem vantagens, pois esta não será tão
grave como o sistema da pena unitária, porque nos interessa a moldura penal abstrata
mais grave, mas também é um sistema que dá pouco relevo às outras medidas concretas
da pena porque vão funcionar somente como fatores de medida da pena no sentido de
agravar ou atenuar, esquece as outras molduras penais abstratas, o que é pouco do
ponto de vista da prevenção geral e especial.

4. O sistema de cúmulo jurídico

O nosso sistema é de pena conjunta, os nossos juízes têm de determinar a


medida da pena de cada um dos crimes em concurso, que não perdem a sua autonomia.
Temos um sistema diferente, não é nenhuma daquelas modalidades, temos o sistema
do cúmulo jurídico (artigo 77º). Está dentro do sistema da pena conjunta, no sentido em
que as medidas concretas não perdem a sua autonomia, mas vai tentar aproveitar o que
de melhor tem cada uma destas formas de punir o concurso. É um sistema único na
Europa.

5. Operações de determinação da medida concreta da pena em concurso (artigo 77.º


do CP)

Vamos ver duas hipóteses:


1- quando as penas em concurso são todas da mesma espécie, são todas penas
de prisão ou todas penas de multa. Imaginemos que temos 3 crimes com pena de multa
alternativa:
C1 – 10 a 360 dias
C2 – 120 a 600 dias
C3 – 240 a 600 dias
Estas são as molduras penais abstratas. O juiz vai começar por determinar a
medida concreta da pena de cada um dos crimes – primeira operação do concurso.
C1 – 250 dias
C2 – 500 dias
C3 – 400 dias
A segunda operação do concurso é construir a moldura do concurso. O limite
mínimo é dado pela mais grave das penas concretas. A mais grave é uma concessão à
absorção pura. No nosso caso é 500 dias. E o limite máximo é dado pela soma, então o
nosso sistema também concede algo ao sistema de acumulação material com limite,
porque a soma não pode ultrapassar 25 anos de pena de prisão ou 900 dias de pena de

30
multa. No nosso caso, dá 1150 dias de multa, portanto reduzimos ao máximo que a lei
permite – 900 dias.
A terceira operação passa por, dentro da moldura do concurso assim
determinada, o tribunal determinar a medida de pena aplicada a todos os crimes. O
tribunal terá de aferir o grau de ilicitude, de culpa e de exigências de prevenção dos 3
crimes. Cristina Líbano Monteiro diz que, quando o juiz determina a medida do
concurso, deve ter em conta o sentido de ilicitude e de culpa específico, que não seja a
mera repetição dos juízos de cada um dos crimes em concurso. E, portanto, atendendo
a um juízo único, autónomo de ilicitude e de culpa em relação a cada um dos crimes em
concurso, o tribunal entende adequado, por exemplo, a pena de multa de 700 dias. Nas
penas de prisão é igual;
2- pode acontecer que, no C2, o crime só admite pena de prisão, não admite
sequer pena de multa, pena de prisão de 2 a 8 anos. E a pena concreta é de 5 anos de
prisão. Passamos a ter duas penas de multa e uma pena de prisão – penas de espécie
diferente. Como se faz nesse caso?
Há uma divergência doutrinal, mas não jurisprudencial, pois a jurisprudência está
alinhada. A norma do artigo 77º nº 3 diz penas aplicadas (penas concretas). Olhando
para esta norma, significa que o legislador quer que se mantenham distintas, não quer
que se misturem as penas de prisão com multa.
A pena de prisão não se pode juntar, portanto o agente é condenado a 5 anos.
Nas penas de multa, fazemos o concurso em relação a esses 2 crimes (C1 e C3). O limite
mínimo é 400 dias, o limite máximo é de 650 dias e determina-se, por exemplo, 550 dias
de multa a uma determinada taxa diária, por exemplo 10€.
Quando as penas tenham natureza diferente, a jurisprudência unânime e uma
parte da doutrina (incluindo o professor Lamas Leite) defendem a manutenção da
natureza distinta das penas. É certo que isto significa que, quando as penas são de
espécie diferente, se abandona na prática um sistema de concurso, porque o agente não
vai cumprir uma única pena, é um sistema de pena compósita. Do ponto de vista
político-criminal, podemos aceitar que isto não é desejável, porque se o sistema é de
pena única, porque vai ser condenado a 2 penas? Há autores, como Figueiredo Dias e
Maria João Antunes, que defendem que não é a solução correta, mas isto decorre
diretamente da lei e é o que os tribunais aplicam.
No âmbito do concurso de crimes, Figueiredo Dias e Maria João Antunes pensam
diferentemente: a pena de prisão deve ser convertida em pena de multa, havendo
concurso de penas de prisão e penas de multa. Dizem que não há razões para
abandonarmos o regime do cúmulo jurídico, quando as penas tenham naturezas
diferentes. O Código tem preferência por penas não detentivas, daí se converter a pena
de prisão em pena de multa, mas como se faz essa conversão? Recorre-se ao critério da
redução a 2/3, nos termos do artigo 49º nº 1. Esse valor iria também entrar no cômputo
final da pena. Já não íamos aplicar uma pena compósita. Contudo, esta posição, que
pode ter vantagens do ponto de vista político-criminal porque não abandona o regime
do cúmulo jurídico, tem a desvantagem de parecer violar a letra da lei, que parece
querer manter as diferentes naturezas de pena.

Imaginemos que o agente é condenado em 3 penas parcelares, será possível


aplicar alguma pena de substituição em relação a alguma delas?
C1 – 480 dias

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C2 – 120 dias
C3 – 240 dias
A admoestação é a única pena de substituição da pena de multa, que se aplica
no máximo a 240 dias. Portanto C2 e C3 admitiam. As penas parcelares, como partimos
do regime de pena compósito, não perdem a sua autonomia, mas quando o tribunal
determina a concreta medida da pena a aplicar ao concurso, deve ter um sentido
específico de ilicitude e de culpa que justifica a aplicação de uma pena de substituição.
Não é parcelarmente que vamos substituindo as penas aplicadas, mas aplicamos a pena
de substituição em relação à medida da pena final do concurso. Sendo a medida final de
750 dias, não poderíamos aplicar.

6. O conhecimento superveniente do concurso: questões substantivas e adjetivas

É a aplicação do artigo 78º do CP.


O sistema de troca de informações é, muitas vezes, deficitário. Imaginemos que
hoje (21/3/2019) há uma condenação no J1 do juízo central criminal do Porto por tráfico
de estupefacientes e aplica-se uma pena de 8 anos de prisão. Entretanto, a decisão
transita em julgado 30 dias depois (22/4/2019), não tendo ninguém interposto recurso.
O J1 não tinha conhecimento, de acordo com o CRC do agente, de nenhuma condenação
em curso, não havia no registo. Depois do trânsito em julgado da decisão a começar em
6/1/2020, um juiz titular de um processo recebe uma comunicação no juízo local
criminal de Portimão a informá-lo do seguinte: antes da data da condenação, o agente
havia cometido no dia 19/3/2019 um crime de extorsão e este crime foi praticado em
Portimão, punido com 5 anos de prisão. Mais tarde, o juiz recebe a informação de que
no dia 15/3/2019 o agente praticou um crime de violação (artigo 164º nº 1),
comunicação dada pelo juízo central criminal de Vila Real, punido com 6 anos de prisão.
Todos estes crimes foram julgados e transitados em julgado. Estaríamos perante
3 crimes em relação aos quais não teria havido trânsito em julgado, teríamos que
organizar um único processo (apensação de processos) e julgá-los-íamos num único
processo. Mas não se soube da prática dos crimes. São situações em que temos várias
decisões (artigo 78º nº 2), em relação às quais já houve trânsito em julgado. O tribunal
teve conhecimento de que, antes da data da condenação, o agente tinha praticado mais
crimes e, se tivesse tido esse conhecimento na altura devida, ter-se-ia de organizar um
único processo e aplicar uma única pena, pelo que o processo é-lhe remetido.
Assim, o artigo 78º serve para colmatar falhas normais, para colocar o juiz na
posição que teria se tivesse conhecimento dos crimes praticados antes da condenação,
serve para corrigir uma situação que seria altamente desfavorável ao condenado,
porque se não se fizer o concurso, teria de cumprir sucessivamente as penas. É para
corrigir esta situação que o artigo 78º nº 1 diz que se aplicam as regras do artigo anterior,
do concurso.
Temos de determinar qual o tribunal competente para efetuar o cúmulo jurídico.
Há audiências de cúmulo em que os defensores representam o arguido e o tribunal
determina a pena única por via do artigo 78º, o papel do defensor será tentar aplicar a
pena mais baixa possível. O CPP diz qual o tribunal territorialmente competente (artigo
471º nº 2), é competente o tribunal da última condenação. Temos de ver qual a
condenação que ocorreu em último lugar. A decisão proferida em último lugar, no caso,
foi a de Vila Real, pelo que o tribunal do Porto diz que estão reunidos os requisitos do

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artigo 78º do CP, pois o agente, antes da condenação do tribunal, cometeu outros
crimes, contudo não é este o tribunal territorialmente competente, portanto remetam-
se os autos ao juízo central criminal de Vila Real que terá de fazer a audiência do cúmulo
jurídico, no caso terá de ser tribunal coletivo pois ultrapassa os 5 anos.
Aplica-se uma nova pena de concurso. Como se faz o cúmulo? Verificam-se as
medidas aplicadas pelos tribunais anteriores que não podem ser alteradas e o
conhecimento superveniente em concurso é uma exceção ao trânsito em julgado, o juiz
vai fazer como se cada um dos crimes fosse parcelar, determinando uma nova medida
da pena de concurso. Aplicam-se as regras do artigo 77º e obteríamos a seguinte
moldura entre 8 e 19 anos de pena de prisão, depois o tribunal aplica a medida concreta
da pena para os 3 crimes em, por exemplo, 13 anos.
Claro que o agente já pode ter começado a cumprir a pena, será necessariamente
descontada (artigo 78º). Imaginemos que já cumpriu 5 anos, 2 meses e 10 dias até à
data de condenação, que serão descontados e será dito logo no acórdão cumulatório.
Se, pelo contrário, os crimes foram cometidos (tempus delicti) depois da
condenação, então já não há aplicação do artigo 78º, mas é uma execução sucessiva de
penas, aí somam-se e pode alguém cumprir uma pena superior a 25 anos de prisão, com
limitações decorrentes do instituto da liberdade condicional (artigo 63º). Quando há
execução sucessiva de penas, estas são somadas, por exemplo 14 anos e só em relação
a estes é que é aplicada a liberdade condicional em ½, 2/3 ou 5/6 da pena. Neste caso,
será ao fim de 7 anos que o tribunal de execução das penas apreciará se o condenado
está em condições de cumprir liberdade condicional; se não estiver em condições, só ao
fim de 2/3. Se ainda assim não estiver, e esse valor ultrapassar 6 anos, o agente nunca
cumpre a prisão na totalidade, ao fim de 5/6 é colocado em liberdade condicional, só
não é se não quiser, o condenado tem sempre de consentir na libertação (artigo 61º nº
1). O legislador entendeu que, quando as penas são elevadas (6 anos), é provável que o
processo de dessocialização seja maior, então entre cumprir a pena toda e depois ir em
liberdade plena, é preferível cumprir 5/6 e 1/6 está em liberdade vigiada com técnicos,
porque é uma transição entre a reclusão e a liberdade plena.

7. O cúmulo jurídico nas penas acessórias

O Acórdão do STJ uniformizador de jurisprudência nº 2/2018, de 11 de janeiro


veio responder a uma questão que dividia a doutrina e a jurisprudência. O agente
comete vários crimes com pena acessória do artigo 69º. Imaginemos que o agente
comete 3 crimes em que são todos de aplicar esta pena acessória:
C1 – 3 meses
C2 – 5 meses
C3 – 1 ano
Não temos nada no Código que nos diga o que se faz numa situação como esta,
o agente comete vários crimes em concurso e é-lhe aplicada uma pena acessória da
mesma natureza para cada um deles. Levantava-se a questão de saber se se faz o cúmulo
das penas acessórias (artigo 77º) ou se há o princípio de acumulação material. Depois
de muita discussão, o STJ chegou a uma conclusão por unanimidade, a única pessoa que
seguia posição contrária era o professor Faria Costa. No artigo que publicou, defendia
que, nestes casos, havia lugar à acumulação material, tendo em conta a própria natureza
das penas acessórias de modo a garantir o seu efeito útil.

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Nas penas acessórias, também se aplica o cúmulo jurídico, porque, tal como as
penas principais, as penas acessórias são verdadeiras penas e cumprem objetivos de
prevenção e culpa autónomos das outras penas e não há razão para abandonar a mesma
regra. O STJ decidiu, então, que no caso de várias penas acessórias em concurso também
se devem aplicar as regras do artigo 77º.

Punição do crime continuado


1. Noção: o art. 30.º, n.ºs 2 e 3 do CP

O crime continuado está previsto no artigo 30º nº 2.


É, na verdade, um concurso efetivo de crimes, o legislador entendeu unificá-lo,
criar uma verdadeira ficção legal, considerar um único crime, apesar de estarmos
perante um concurso efetivo de infrações.
É necessário que se preencham os requisitos do artigo 30º nº 2:
1- tratar-se de várias condutas criminosas que sejam praticadas de forma
essencialmente homogénea, o modus operandi seja o mesmo ou similar;
2- as várias condutas criminosas violem o mesmo tipo legal de crime ou protejam
o mesmo bem jurídico;
3- existir uma circunstância exterior em relação ao agente e que essa mesma
facilite a prática do crime;
4- de tudo isto reunido, o juiz pode concluir que há uma diminuição considerável
do grau de culpa do agente, a imagem global dos factos que o agente praticou leva a
que haja diminuição sensível da culpa do agente.
Existe depois o requisito negativo do artigo 30º nº 3: os crimes continuados não
podem existir em relação a bens jurídicos eminentemente pessoais. A expressão “exceto
se a vítima for a mesma” foi algo retirado em 2010. Está pensado para bens de natureza
patrimonial.
Eduardo Correia foi o grande defensor em Portugal do crime continuado, tem de
haver uma circunstância externa que facilite a prática do crime, por exemplo deixar a
janela entreaberta e alguém entra e isso acontece em 3 dias diferentes. Estamos a falar
de bens jurídicos não pessoais (furto), violação do mesmo tipo legal de crime ou bens
jurídicos próximos, havendo considerável diminuição de culpa.
É uma figura problemática, há quem defenda que deve deixar de existir porque
beneficia o agente que praticou vários crimes com várias resoluções criminosas e vai ser
punido como se praticasse apenas um crime. Não existe em países como a Alemanha.
Outra coisa diferente é o crime de execução continuada ou crime permanente.
O rapto é crime de execução continuada porque vai-se executando e consumando em
sucessivos momentos, vai-se protraindo pelo tempo, mas isso é um único crime. Isto
tem interesse para a aplicação da lei no tempo e no espaço, tem-se o crime como
praticado no último dia do sequestro em que o lugar em que o rapto ocorre, se passar
por Portugal, basta isso para se aplicar à totalidade do crime.

2. O princípio da exasperação do art. 79.º do CP

O crime continuado tem o seu regime de punição previsto no artigo 79º que
consagra o princípio da exasperação.

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Imaginemos que o agente pratica 3 crimes e estão preenchidos todos os
requisitos do crime continuado. No C1 praticou crime de furto simples (artigo 203º) com
pena de 1 mês a 3 anos e depois C2 e C3 de furto qualificado (artigo 204º). Como se
pune? Nos termos do princípio da exasperação, o agente vai ser punido por todo o crime
continuado com a moldura penal abstrata mais grave, no caso seria C2 (alínea a) do nº
2) ou C3 (alínea b) do nº 2). Então íamos usar a moldura mais grave, de 2 a 8 anos, e
seria neste quadro que puniríamos o agente pelo crime continuado.
Recorre-se à moldura penal mais grave e como determinamos a pena? Não
vamos determinar a medida concreta da pena para cada um dos crimes, olhamos
globalmente para o facto e quanto mais condutas criminosas tiver, maior será a medida
concreta da pena a aplicar, aplicaria, por exemplo, 5 anos de prisão. Mas imaginemos
que há 7 condutas criminosas, a medida concreta da pena seria mais gravosa. As demais
condutas que integram o crime continuado vão servir como fatores de medida da pena
no sentido de a agravar ou atenuar. Se o agente praticar 3 crimes em que as molduras
penais são as mesmas, claro que aí pegamos em qualquer uma delas. Por isso mesmo é
que é um único crime, é diferente do concurso em que temos uma pluralidade de
crimes.

3. O conhecimento superveniente do crime continuado: regime e críticas

Previsto no artigo 79º nº 2, introduzido pela reforma de 2007 do CP.


Pela prática do crime em que aplicamos a pena de prisão efetiva de 5 anos,
transita em julgado e depois vimos a saber que há mais uma conduta que o agente
praticou, é o tal conhecimento superveniente. A lei diz que só se mexe na pena se essa
conduta for mais grave. Supondo que há um C4 que tinha moldura abstrata mais grave,
se essa conduta criminosa que integra a continuação for mais gravosa (moldura
abstrata), vamos ter de refazer a moldura penal, temos de modificar a pena aplicada e
necessariamente a pena será mais grave. Mas só se descobrirmos uma conduta que
integra a continuação que seja mais grave. Se for de igual ou menor gravidade fica como
está.
O legislador entendeu, portanto, que também devia dar relevo ao conhecimento
superveniente e fê-lo através de uma técnica – quando houver uma ou mais condutas
que fossem mais graves, teríamos de desfazer a moldura abstrata aplicada. Trata-se de
uma exceção do efeito preclusivo do trânsito em julgado (efeito preclusivo do objeto do
processo). O efeito preclusivo do caso julgado não é absoluto, comporta algumas
exceções. O caso julgado, no instituto da suspensão provisória do processo, é sob
condição, não é caso julgado típico normal (caso julgado rebus sic stantibus). Se fosse
um princípio absoluto, não interessaria que mais tarde se descobrissem condutas mais
graves. Para além desta exceção, podemos encontrar outras, como a pena de
substituição que é uma pena sob condição suspensiva do cumprimento. Se houvesse
efeito preclusivo do despacho que aplica a pena de substituição, não poderíamos voltar
atrás. São questões bastante relacionadas com o processo penal.
Quanto à fórmula utilizada pelo legislador, percebe-se que seja uma conduta
mais grave, pois só esta vai levar à alteração da moldura penal abstrata; se for de igual
ou inferior gravidade das já conhecidas, não conduz à gravidade da moldura penal
abstrata.

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Levanta-se a questão: se depois do trânsito em julgado se descobre uma conduta
menos grave ou de gravidade igual às condutas que integram o crime continuado, o que
é que acontece? Há autores, como Jorge Batista Gonçalves, que têm vindo a dizer que,
nestes casos, deve haver uma reabertura da audiência e o tribunal não pode mexer na
moldura penal abstrata porque não é mais grave, mas que como agora se conhecessem
mais factos, defende que esses novos factos sejam tidos em conta como fatores de
medida da pena, se há mais factos que integram a atividade criminosa, a moldura
concreta da pena aumentará. Senão de nada adianta descobrirmos as novas condutas,
não tinham efeito prático nenhum, isto resultaria numa impunidade dessas novas
condutas. Não deixando de reconhecer o bem fundado desta posição e do ponto de
vista político-criminal tem sustentação, temos sempre o limite do princípio da legalidade
e o artigo em questão não permite que se reabra a audiência e haja mais uma exceção
ao efeito preclusivo do caso julgado. Depois do trânsito em julgado, se se descobrirem
novos factos cometidos em continuação de gravidade igual ou inferior, isso não vai ter
qualquer efeito sobre a pena a aplicar ao agente, porque isso significaria que iríamos
reabrir a audiência e aumentar a moldura concreta, o que encontra uma barreira no
artigo 79º nº 2. O legislador foi infeliz e devia ter tido em conta essas condutas menos
graves ou de igual gravidade. Em qualquer interpretação, o elemento literal é o ponto
de partida e de chegada, ou seja, o limite.

Desconto

Vimos a forma geral de determinação da medida da pena, a forma comum. E


agora temos estudado formas especiais da medida da pena, é determinada de alguma
forma que em algum aspeto diverge do critério geral, daí estudarmos a reincidência, o
concurso de crimes e o crime continuado. Veja-se agora uma outra forma especial de
determinação da pena – o desconto, previsto nos artigos 80º e seguintes.
No caso do artigo 82º, na aplicação da lei no espaço, vimos que quando um crime
é praticado em Portugal e se aplica o princípio geral da territorialidade (artigo 4º), mas
o agente já foi julgado no estrangeiro e até já lhe foi aplicada uma pena e cumpriu uma
parte e depois evadiu-se, nesses casos, por considerações de justiça material não
estamos impedidos de organizar novo julgamento em Portugal (artigo 6º), porque o
facto foi praticado cá, não significa que o legislador não tenha em conta o tempo de
prisão cumprido pelo agente no estrangeiro. Por exemplo: o agente foi julgado em
Espanha e depois encontrado em Portugal, podemos organizar um novo processo penal,
se tiver cumprido pena é integralmente descontado esse tempo na pena aplicada em
Portugal. Cumpriu 3 anos em Espanha e é condenado a 7 anos em Portugal, nos termos
do artigo 82º, desconta-se esse período integralmente.
Também vimos o desconto na pena de multa enquanto pena principal, se o
agente liquida uma parte da pena de multa, o valor que liquidou vai ser descontado no
número de dias de prisão subsidiária, isto é o funcionamento do princípio do desconto.
Quando há aplicação de medida processual detentiva, se esse agente for depois
julgado com uma decisão condenatória, o tempo que esteve privado de liberdade vai
ser descontado por inteiro na pena que venha a cumprir e esse desconto faz-se na
própria sentença.
O que o fundamenta? Considerações de justiça material que estão claramente
ligadas ao princípio da proibição ne bis in idem, ninguém pode ser condenado duas vezes

36
pelo mesmo facto e o princípio do desconto põe em prática este princípio. Seria injusto,
desproporcionado.
O nosso Código Penal, no instituto do desconto, distingue duas realidades:
aplicação de medida de coação processual (MCP) ou detenção. Esta detenção não é
medida de coação processual, mas é uma medida cautelar e de polícia (artigos 254º e
seguintes do CPP), pode ser em flagrante delito. Se alguém é detido ou lhe é aplicada
uma MCP detentiva da liberdade, esse tempo é descontado por inteiro na pena que
venha a ser aplicada ao agente naquele processo (artigo 80º nº 1 primeira parte).
A segunda parte (“ainda que...”) só foi adicionada em 2007. Exemplo: um agente
está a ser julgado à ordem do processo nº 735/17.0T9MTS. Imaginemos que é um crime
de corrupção do artigo 373º que prevê prisão preventiva (crime doloso, fortes indícios,
requisitos do artigo 204º do CPP, superior a 5 anos). O juiz pode aplicar sempre medida
de coação processual menos grave, não pode aplicar medida mais grave se for nos
termos da alínea b) do artigo 204º do CPP, sob pena de nulidade e recurso por parte do
MP. Se o MP invocar a alínea a) e/ou c), o juiz de instrução criminal (JIC) pode aplicar
medida de coação mais grave. Imaginemos que neste processo o JIC determina a
aplicação de prisão preventiva por 1 ano. No final, o agente é condenado a 6 anos de
prisão, no próprio acórdão que o tribunal coletivo proferir vai proceder ao desconto nos
termos do artigo 80º nº 1 primeira parte do CP, cumprindo apenas 5 anos de prisão.
Mas pode acontecer, no fim do julgamento, o arguido ser absolvido, não há nada
para descontar, poderia acontecer obrigação de indemnizar por ter havido aplicação de
uma MCP (artigo 225º do CPP). Mas isso é uma situação muito complicada. Até 2007
ficava assim, quando muito a tal indemnização. Mas o legislador entendeu que esta
situação não era justa, pois o agente ficou 1 ano em prisão preventiva. O legislador
entendeu que este ano poderia ter ainda algum efeito e que, de alguma forma, podia
ser descontado num outro processo. Mas existiria uma conta corrente das penas. A
absolvição é um requisito implícito.
Num outro processo nº 325/18.0T9PRT, por violência doméstica (artigo 152º), o
mesmo agente é condenado em pena de prisão efetiva de 5 anos. Pode ver descontado
esse tempo nesta pena? O trânsito em julgado do 1º processo foi em 15/3/2017,
praticou o segundo crime em 1/1/2018. Não poderá ser aproveitado, porque, para se
aplicar o artigo, a data do crime tem de ser anterior à data da decisão final do processo
anterior. Mas se a prática do crime tivesse sido no dia 10/3/2017, então aí a data em
cujo processo foi condenado era anterior à data do trânsito em julgado da decisão em
que esteve a cumprir a MCP detentiva e não pôde beneficiar do desconto, pois a decisão
era absolutória, aqui já poderia beneficiar do desconto. O próprio tribunal vai
oficiosamente (porque tem elementos para isto no sistema de informação) aplicar o
desconto logo na sentença final. É a possibilidade de, se tivesse praticado um crime
antes do trânsito em julgado, poder beneficiar do tempo em que esteve em MCP
detentiva. Se for posterior ao trânsito em julgado, então aí já não há desconto nenhum
a operar.
E se o agente tiver estado detido e depois for condenado a uma pena de multa?
Se for pena de prisão, é fácil descontar pois a natureza é a mesma. No caso de se tratar
de uma pena pecuniária aplicada como pena principal, o artigo 80º nº 2 estabelece um
critério mínimo de correspondência: se o agente esteve 6 meses em prisão preventiva,
vai ter de descontar 180 dias na pena de multa a que o agente venha a ser condenado,
pelo menos 1 dia em privação de liberdade vai corresponder a 1 dia de multa, mas nada

37
impede que o tribunal entenda que o quantum de sofrimento de se estar detido é maior
do que o que correspondente a 1 dia de multa e entender que deve haver um desconto
maior do que a razão de 1 para 1, por exemplo pode descontar-se o dobro. Pode, assim,
haver uma razão de conversão superior a 1 para 1.
O artigo 81º diz respeito a outra forma de desconto, em que falamos de uma
verdadeira pena. Quando é que temos em conta penas anteriores? Já falámos de um
instituto em que a lei manda descontar o tempo de pena já cumprido – o conhecimento
superveniente do concurso (artigo 78º) ou do crime continuado (artigo 79º nº 2).
Dissemos que, se houver lugar à aplicação de conhecimento superveniente do concurso,
temos de refazer a pena aplicada e descontar o tempo que o agente eventualmente
tiver cumprido. No segundo caso, há lugar também a que a pena aplicada seja
substituída por uma outra e que, se já tiver havido cumprimento de alguma pena, é para
descontar.
Quanto ao artigo 82º, diz que seja do ponto de vista das MCP, seja das penas,
também são para ter em conta as que ocorrem em tribunal estrangeiro. Quando se trata
de um crime que é praticado em Portugal e se aplica o artigo 4º (princípio da
territorialidade), mas o agente já foi julgado no estrangeiro e já foi condenado a uma
determinada pena que cumpre parcialmente. O agente é encontrado em Portugal,
podendo ser novamente julgado e o ne bis in idem não está violado porque cumpriu
parcialmente, o tempo que cumpriu no estrangeiro vai ser descontado nos termos do
artigo 82º, que é o correspondente ao artigo 6º nº 1 (respeito pelo princípio do ne bis in
idem) aplicado aos crimes praticados fora do território nacional, mas em que a ordem
jurídica portuguesa também se quer aplicar. O artigo 6º consagra restrições à aplicação
da lei penal portuguesa. Supondo que no estrangeiro é aplicada uma pena que não tem
correspondência em Portugal, por exemplo penas corporais, aplica-se o que se diz no
artigo 81º nº 2, o legislador reconduz o critério do desconto para as mãos do juiz que,
de acordo com critérios de equidade, vai aplicar o desconto que lhe parecer adequado,
não há uma pré-definição do desconto que será de fazer.
Importa fazer referência a 2 acórdãos uniformizadores de jurisprudência. O
Acórdão do STJ nº 10/2009 diz que não é de descontar o período de detenção a que o
arguido foi detido por ter faltado a audiência de julgamento. Quando o arguido não está
presente aquando da chamada que é feita para a audiência de julgamento, o juiz pode
julgá-lo na sua ausência se considerar que não é essencial a sua presença para a
descoberta da verdade, mas se decidir que é essencial pode o juiz emitir os mandados
de detenção para que o arguido seja detido pelos órgãos de polícia criminal, mas
também pode adiar o julgamento. O acórdão diz que o tempo que o agente esteve
detido (artigos 254º e seguintes do CPP) e o tempo máximo de detenção para
comparência para um ato processual é de 24h (artigo 254º nº 1 alínea b) do CPP). A
questão que se levanta na jurisprudência é se este tempo deve ou não ser descontado,
porque o artigo 80º nº 1 do CP fala só de detenção, o acórdão diz que não abrange este
tempo, esta detenção não é tida em conta para efeitos de desconto.
Depois temos um outro Acórdão nº 9/2011, que nos diz que, havendo a situação
do artigo 80º nº 1 segunda parte (aplicar em processo diferente), o desconto dessas
medidas deve ser ordenado sem aguardar que, no processo em que as medidas foram
praticadas, seja proferida decisão final. Não temos de aguardar pela decisão final ou
pelo trânsito em julgado no processo em que essas medidas de coação processual foram
aplicadas. Logo que as medidas de coação tenham sido aplicadas num processo e possa

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depois ser aplicada noutro processo, pode sê-lo imediatamente, sem o trânsito em
julgado da decisão ou sem que a decisão seja proferida.

A atenuação especial da pena


1. Noção e modalidades

Uma outra forma especial de determinação da pena é a atenuação especial da


pena. Já se falou em Direito Penal nesta atenuação especial da pena, por exemplo a
propósito da tentativa (artigo 23º), da comparticipação criminosa no caso dos cúmplices
(artigo 27º), sendo que, no regime dos jovens adultos, pode ser uma circunstância
modificativa (artigo 4º do DL).
A atenuação, no anterior Código de 1886, chamava-se “atenuação extraordinária
da pena” e não especial, como passou a ser designada a partir de 1982. Qual o interesse?
Quando o legislador constrói as molduras penais abstratas, fá-las de modo a serem
aplicadas a toda e qualquer situação. Esta é a regra geral. Mas já vimos situações em
que se pode mexer na moldura penal abstrata, como as circunstâncias modificativas que
operam todas ao nível da moldura penal abstrata, o que significa que por vezes a
moldura dada pelo legislador pode vir a ser alterada pelo juiz com mandato anterior do
legislador, isso acontece nas circunstâncias modificativas (na reincidência do artigo 76º
agrava-se a moldura penal abstrata e no artigo 73º das circunstâncias atenuantes
utilizam-se as regras da atenuação especial da pena).
Se as molduras do legislador são suficientes para fazer face a toda a situação,
casos existem em que isso não ocorre, a imagem global do facto aparece sensivelmente
diminuída, mesmo sem atendermos ao caso concreto e ficarmos por considerações
gerais e abstratas. Alguém que é coagido a cometer um crime para não matarem o seu
filho, a moldura penal abstrata prevista na lei não foi pensada para estes casos em que
a imagem global do facto aparece sensivelmente diminuída, por uma diminuição forte,
sensível, qualificada da ilicitude do agente, da sua culpa (o ordenamento jurídico diz que
no seu lugar também o faria), diz que não lhe é exigível porque a culpa, a ilicitude ou as
exigências de prevenção estão diminuídas. Significa que, afinal, a moldura penal
abstrata, em regra, feita para a generalidade dos casos, pode conhecer uma diminuição,
um relaxamento punitivo que o ordenamento jurídico, naquele caso em que se verifica
uma diminuição sensível, entende punir o agente de uma forma menos gravosa. Quando
é que isso acontece? Por via de uma norma da parte geral do Código Penal ou por via
de normas da parte especial ou legislação extravagante.
No contexto da parte geral do Código, o artigo 72º nº 1 diz “por forma
acentuada”, não é uma qualquer diminuição. Necessidade de pena é o mesmo que
necessidades preventivas. Esta é a regra geral, se o fosse sem mais, seria
inconstitucional porque violaria o princípio da determinabilidade penal, porque quando
se considera que há esta diminuição? Então o legislador utiliza o método dos exemplos-
padrão (“são consideradas, entre outras”).

2. O art. 72.º do CP e as atenuações previstas na PE e em legislação penal extravagante

Depois temos uma panóplia de atenuações especiais previstas na parte especial


do Código, como por exemplo o artigo 368º-A (branqueamento), no nº 9 há
possibilidade de atenuação especial.

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A atenuação pode ser obrigatória ou facultativa, neste caso em que a lei diz que
“pode ser” é sempre facultativa, o juiz pode ou não aplicá-la consoante considere ou
não que os pressupostos estão preenchidos. Depois temos outros exemplos: artigo
374º-B nº 2 (crimes de corrupção ou recebimento indevido de vantagem), aqui temos
uma atenuação que é sempre obrigatória (“a pena é atenuada”).

3. Funcionamento do art. 73.º do CP

Quando se conclui que há uma atenuação especial da pena, vamos logo alterar
a moldura penal abstrata, porque o artigo 72º diz quando há atenuação e o artigo 73º
permite operacionalizá-la.
No artigo 73º nº 1, a lei estabelece como se faz a atenuação quando a pena é de
multa (o mínimo legal é de 10 dias) e quando a pena é de prisão (o mínimo legal é 1 mês,
nos termos do artigo 41º nº 1).
O artigo 73º merece outras observações: o nº 2 diz-nos que é passível de
substituição nos termos gerais, podia haver a dúvida de, por haver uma atenuação
especial, chegamos a uma determinada medida que já se pode substituir.

A dispensa de pena
1. Noção e modalidades. 2. O art. 74.º do CP e as dispensas previstas em outras
disposições penais; sua articulação com as alíneas do n.º 1 do art. 74.º do CP. 3. Razão
de ser. "Absehen von Strafe" do § 60 do StGB. Conceito unilateral ou unívoco de culpa

A dispensa de pena encontra consagração no artigo 74º.


O conceito atual de culpa é unilateral ou unívoco, no sentido em que não há pena
sem culpa (ninguém pode ser condenado pela prática de um crime se não tiver havido
um momento de culpa, o juízo de censura ético-jurídico dirigido ao concreto agente),
mas pode haver culpa ou crime sem que se lhe aplique uma pena. Este conceito opõe-
se ao conceito bilateral (teorias retributivas).
É um instituto que importamos da Alemanha, do parágrafo 60 do Código Penal
alemão (não aplicação da pena). Significa que, nos termos do artigo 74º, em relação a
crimes que são bagatela penal, são molduras penais abstratas de prisão até 6 meses ou
pena de multa que não ultrapasse 120 dias, aí o legislador dá a possibilidade ao juiz de,
se se verificarem determinados requisitos, não haver aplicação concreta da pena. A
decisão é condenatória, inscrita no registo criminal que tem os efeitos normais de
reincidência, mas o agente não vai efetivamente cumprir aquela pena, por falta de
exigências de prevenção geral e especial.
O tribunal diz que praticou o crime, dá como provados os factos que permitem
subsumir a conduta aos crimes, mas analisada a prevenção geral e especial, a
comunidade não ficou afetada pela prática do crime e o agente acha-se inserido na
comunidade, daí que não se justifique a aplicação de uma pena de prisão.
A dispensa de pena está prevista para as duas penas (prisão e multa). Temos uma
forma de evitar que o condenado ingresse no estabelecimento prisional, conhecidos os
efeitos da pena de prisão, sendo que também é possível evitar a pena de multa.
É necessário que se verifiquem cumulativamente os 3 requisitos do artigo 74º: a
culpa e ilicitude do agente têm de ser diminutas no caso concreto; tem de se provar que
o dano provocado pelo crime foi reparado, temos de a interpretar cum grano salis,

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porque num crime contra a honra já não se pode reparar, mas pode-se pedir desculpas,
reatar relações, fazer um desmentido, é uma reparação do dano na medida em que for
possível; não podem opor-se razões de prevenção, não pode a prevenção geral e
especial reclamar a efetiva aplicação da pena. Estas 3 alíneas têm de se verificar
cumulativamente. Ressalve-se que, em quase 50 alterações do Código Penal desde
1982, o legislador ainda não encontrou tempo para corrigir uma palavra no artigo 74º
nº 1 – “réu”.
A dispensa de pena pode também ter 2 modalidades: obrigatória e facultativa.
Quando é obrigatória, o juiz não tem nenhuma liberdade; se for facultativa, tem uma
margem de discricionariedade vinculada.
A dispensa está no artigo 74º, não é a única do ordenamento jurídico, há várias
previstas na parte especial do Código Penal e em legislação extravagante. Num crime de
recebimento indevido de vantagem, a pessoa recebeu-a e no dia seguinte devolveu-a
(artigo 374º-B nº 1). Para que o juiz possa dispensar de pena, nestes casos de dispensa
facultativa, têm sempre de se verificar as 3 alíneas do artigo 74º nº 1 no caso concreto.
Se, pelo contrário, se tratar de dispensa obrigatória, então o legislador já não quer que
o juiz vá verificar os requisitos do artigo 74º. Isso é o próprio artigo 74º nº 3 que obriga.
Outro aspeto importante diz respeito ao nº 2. Pode acontecer que, quanto ao
requisito da alínea b), o dano ainda não tenha sido reparado, mas por declaração do
próprio arguido ou porque já começou a praticar ações nesse sentido, é de prever que
ele venha a conseguir reparar o dano no prazo máximo de 1 ano a partir do momento
da decisão judicial (é sempre um juízo de prognose). O juiz pode adiar a sentença, mas
marca já a nova data. Se tiver reparado o dano na sua integralidade, na data já agendada
o juiz dispensa o agente de pena. Adia-se a prolação da sentença para dali a 1 ano no
máximo. O agente tem que já ter feito alguma coisa para beneficiar do nº 2.

INSTITUTOS DE NATUREZA ESPECIAL


A liberdade condicional
1. História e natureza

O Direito Penal comporta alguns institutos de natureza especial, já não é como


se determina a pena com algumas diferenças, mas são verdadeiros institutos com
natureza diferente dos demais. Têm uma natureza específica, não os conseguimos
enquadrar na matéria relativa às penas, nem no processo de determinação da medida
concreta da pena. Um desses institutos é a liberdade condicional.
A liberdade condicional é uma construção dogmática recente, que remonta à
segunda metade do século XIX, em que se verifica na Europa um recrudescimento da
reincidência, isto é, aumentam os casos de reincidência, o que faz com que o legislador
tenha de pensar em formas de a combater. Assim, passamos a ter 2 institutos: um de
origem inglesa e outro de origem francesa.
No Reino Unido, usava-se a expressão dos tickets of leave, é da Idade Média,
eram uma forma de flexibilizar a forma de execução, seriam as saídas precárias (saídas
jurisdicionais e saídas administrativas atualmente), em que o indivíduo cumpria uma
pena de prisão e durante algum tempo podia ausentar-se do estabelecimento prisional,
estava dependente do bom comportamento prisional do indivíduo, e depois regressava.
Na segunda metade do século XIX, o problema é crescente e surge a figura de
Bonneville de Marsangy que foi um importante juiz francês (já falámos dele a propósito

41
das penas de substituição na luta contra as penas de prisão), é o autor
fundamentalmente daquilo que se chamou liberté préparatoire (liberdade
preparatória). No sistema penal francês, defendia-se que a reclusão tem efeitos
dessocializadores e, quanto mais longa for, mais efeitos tem. Provavelmente um dos
motivos para a reincidência é não haver um espaço de transição entre a reclusão e a
liberdade plena, como tinha estado tanto tempo encarcerado tinha perdido
competências sociais. Nessa aprendizagem, devíamos criar um tempo de recobro, usava
a imagem da doença, depois de uma operação fica-se no recobro, o recobro seria a
liberdade condicional, em que o agente não seria totalmente livre, mas teria uma
liberdade vigiada por técnicos, ou por pessoas que faziam parte do serviço de justiça da
Coroa naquela altura. Provavelmente se isto acontecer, a pessoa tem menos hipóteses
de reincidir, uma pessoa ajuda a encontrar casa, trabalho, família. Reduzem-se ao
máximo os fatores de risco desta reincidência.
A primeira consagração legislativa deste instituto dá-se em França, em 1885. Em
Portugal, no final do século XIX, seguíamos de perto o que se fazia em França e, pela
primeira vez, tivemos uma lei sobre liberdade condicional, em 1893. A razão de ser que
lhe subjaz é criar um período de transição entre a reclusão e a liberdade plena, tendo
em conta que muitas das competências do condenado foram sendo perdidas. Ao invés
de o libertarmos de forma total no fim do cumprimento da pena, será possível criar uma
antecâmara de preparação.

2. Finalidades

Está sujeita a fortes críticas, de autores que têm uma perspetiva ético-retributiva
e que a pena deve ser cumprida até ao fim e depois dar-se uma liberdade plena. Já
experimentámos ao longo da História (do atual Código Penal de 1982) vários regimes de
liberdade condicional, ou seja, esta já foi concebida em momentos temporais diferentes.
Havia alguma congruência quanto ao momento: a 1/2, 2/3 ou 5/6 da pena, mas variava
consoante o crime em causa. A forma de aplicar a liberdade condicional vai variando de
Estado para Estado, não obstante existir este instituto de forma semelhante. Em
Portugal, deixámos de ter este sistema e temos um sistema único independentemente
da natureza dos crimes. Estes 3 momentos em que se pode configurar a liberdade
condicional são independentes da natureza do crime. A libertação a 5/6 é um momento
eventual de concessão da liberdade condicional, os outros são obrigatórios.
Desde sempre a liberdade condicional foi consagrada como incidente de
execução da pena de prisão. A pena vai sendo executada dentro do estabelecimento
prisional e outra parte pode ser executada cá fora, mas mediante liberdade vigiada e, se
o agente passar a prova, é colocado em liberdade plena, senão revoga-se a liberdade
condicional e depois volta ao estabelecimento prisional.

3. O regime da concessão - art. 61.º do CP e seus requisitos

A matéria está prevista nos artigos 61º e seguintes. Surge logo a necessidade de
consentimento do condenado para ser colocado em liberdade condicional.
Quem tem competência para atribuir liberdade condicional são os juízos de
execução das penas, não é o tribunal da condenação. Temos, em Portugal continental,
3 juízos de execução das penas, sediados no Porto, Coimbra e Lisboa. Recentemente, foi

42
criado mais um destes juízos nos Açores. O que diz respeito aos estabelecimentos
prisionais da Madeira é decidido no juízo de Lisboa.
Na grande maioria dos casos, o condenado está mais do que desejoso de sair em
liberdade condicional, mas isso pode não acontecer. E por que é que a lei exige o seu
consentimento? Porque a pena, para além de dizer respeito ao monopólio do exercício
do poder punitivo do Estado, é também um direito. Num sistema de prevenção geral
positiva e especial positiva em que logo o artigo 40º nº 1 estabelece que é uma das
finalidades da punição, a pena é também um direito a haver ressocialização, o Estado
tem uma obrigação positiva de fornecer ao condenado as condições necessárias para
que, se ele quiser, possa ressocializar-se, não pode ser um processo imposto, mas
proposto. Portanto o Estado pode ser condenado se não tiver os meios necessários para
a ressocialização do condenado. Este pode entender que prefere cumprir totalmente a
sua pena, porque entende que a sua ressocialização é mais vantajosa no
estabelecimento prisional do que em liberdade condicional. Por outro lado, também se
exige o consentimento por uma razão muito prática: a pessoa adere mais fortemente a
esse mesmo instituto quando haja possibilidade de consentimento. Em todas as
modalidades de liberdade condicional exige-se assim o consentimento do condenado
(artigo 61º nº 1).
O juiz de execução das penas pronuncia-se quanto à liberdade condicional, mas
quando o faz? Pronuncia-se em relação a todas as condenações? Não, porque uma
condenação de 6 meses não permite que se forme qualquer juízo em relação ao
condenado, por isso a lei exige que haja o cumprimento de mais de 6 meses de prisão.
Deste modo, quem é condenado a 6 meses cumpre-os na sua integralidade, sem
beneficiar de liberdade condicional, porque se entende que, se foram aplicados, é
porque há razões muito ponderosas para que o juiz se tenha decidido pela prisão
efetiva, o juiz deve preferir por penas não detentivas (artigo 70º). Estaríamos a
desrespeitar o conteúdo da decisão da 1ª instância ao permitirmos a liberdade
condicional, a ressocialização até pode acontecer num único dia, mas para a média das
condenações 6 meses de prisão é uma pena curta de prisão, então o efeito
dessocializador não se sentirá de uma forma acentuada e não haverá grandes motivos
para liberdade condicional. Se se trata de uma pena de 6 meses, mesmo que
pudéssemos aplicar a liberdade condicional, nem sequer daria tempo para os serviços
de inserção social poderem aferir da evolução do condenado ao longo do tempo que
está privado. Encontramos este requisito logo no artigo 61º nº 2. Há um duplo requisito:
que se trate de metade da pena; e que tenha sido cumprida no mínimo por 6 meses. Se
alguém for condenado em 10 meses de prisão, não pode sair em liberdade condicional,
pois a lei exige que cumpra metade da pena e que essa metade sejam 6 meses no
mínimo. Portanto, se for condenado a 12 meses, já pode. Penas até 6 meses nem sequer
admitem a possibilidade de liberdade condicional. É um instituto privativo da pena de
prisão, nunca se aplica à pena de multa. A partir de 6 meses, na prática, a liberdade
condicional só pode ser equacionada se o agente tiver sido condenado a, pelo menos, 1
ano de pena de prisão, pois só aí se verificam os 2 requisitos. Significa que as medidas
concretas da pena que não cheguem a 1 ano nunca admitem liberdade condicional,
porque a metade da pena nunca é de 6 meses.
É natural que quanto mais cedo operar a liberdade condicional, mais exigente
tem de ser, porque o agente esteve menos tempo em cumprimento da pena. Desde ½
até 5/6, o legislador vai diminuindo a exigência:

43
- liberdade condicional a ½ da pena: tem de haver consentimento do condenado,
cumprir 6 meses de pena de prisão, é necessário que haja um juízo de prognose
favorável, pois toda a liberdade condicional se baseia num juízo de prognose favorável
(é de esperar que o condenado, uma vez colocado em liberdade condicional, vai cumprir
as injunções, regras de conduta, regime de prova que lhe sejam aplicados durante o
regime de liberdade condicional de tal forma que, findo o período, possa ser restituído
a uma liberdade plena). Para além dos requisitos gerais a todas as modalidades de
liberdade condicional, é preciso aqui que o agente beneficie de um juízo de prognose
favorável de um ponto de vista de prevenção geral, ou seja, a sua libertação condicional
é sustentada pela comunidade, se for libertado condicionalmente não vai causar
problemas do ponto de vista da ordem e tranquilidade públicas. Este requisito está
indicado na alínea b) do nº 2 do artigo 61º. Mas não basta este requisito, é também
necessário o da alínea a), ou seja, é necessário que se possa elaborar um juízo favorável
de prognose de exarcelação. Ou seja, é um juízo de prognose favorável do ponto de vista
da prevenção especial, não se utiliza a expressão de bom comportamento prisional pois
é uma expressão moralista. Hoje falamos mais na forma como o comportamento do
condenado ao longo da reclusão vem ou não modificando, se está a aderir às medidas
ressocializadoras que lhe são propostas, se adere ao trabalho, se frequenta cursos de
formação profissional, se procura ter mais alta escolaridade, se tem um bom
relacionamento com toda a comunidade prisional. O que exigimos ao condenado é que,
quando saia, não pratique mais crimes, é isso que Albin Eser dizia que o que procuramos
quando falamos em ressocialização é a prevenção da reincidência. Este é um primeiro
momento em que se pode libertar o condenado. Os juízos de execução das penas não
têm libertado logo neste momento. Nos termos do Código de Execução das Penas,
obtém-se um parecer através do conselho técnico, onde se insere o diretor do
estabelecimento prisional, o chefe dos guardas e o técnico que acompanha o recluso e
dizem se o condenado reúne ou não condições na análise destes requisitos. O parecer
pode ser favorável ou desfavorável e não é vinculativo, pode o tribunal ultrapassá-lo. O
juiz tem sempre de ouvir o condenado, podendo deslocar-se ao estabelecimento
prisional para tal;
- liberdade condicional a 2/3 da pena: se o tribunal não concedeu a liberdade
condicional a metade da pena, o 2º momento em que essa possibilidade se vai levantar
é uma vez cumpridos 2/3 da pena, aplicando-se o artigo 61º nº 3. A lei diz que há um
requisito que já não vai ser exigido, é o requisito da prevenção geral; se o agente já
cumpriu 2/3 da pena, a lei presume que já não se verificam exigências de prevenção
geral (presunção inilidível/iure et de iure). Só remete para a alínea a) que é a prevenção
especial, o juízo de prognose de exarcelação;
- liberdade condicional a 5/6 da pena: mesmo que o tribunal considere que o
condenado não reúne o requisito do juízo de prognose de exarcelação, continua em
cumprimento da pena e ainda pode beneficiar de outro momento de liberdade
condicional ao fim de 5/6 do cumprimento da pena, é um momento eventual, pois não
se aplica a todas as penas de prisão, só às de medida concreta superior a 6 anos – artigo
61º nº 4. Se o agente cumpre 5/6 da pena, a única coisa que pode impedir a liberdade
condicional é a falta de consentimento. A lei, no artigo 61º nº 4, não exige mais nenhum
requisito que seja o de ter sido condenado a prisão superior a 6 anos, ter cumprido no
mínimo 6 meses e que o condenado consinta, porque mesmo que o juízo de execução
das penas chegue à conclusão que o agente ainda continua a não ter bom

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desenvolvimento do prisma da sua personalidade em reclusão e a comunidade ainda se
lembra daquele crime que pode ter sido hediondo, ainda assim o agente é libertado
condicionalmente, por isso por vezes é chamada “obrigatória”, mas tecnicamente não
é obrigatória porque há algo que pode impedir que é o não consentimento do
condenado. Dizemos obrigatória no sentido em que o juiz só faz uma operação, como
dizem os italianos, de accertamento, uma operação de mera verificação do
cumprimento da pena, o juiz tem uma função meramente de tabelião, uma espécie de
notário. Aparentemente isto parece abstruso, mas entende-se que é preferível libertar-
se antes, mas com alguma vigilância.

4. Prazo de duração da liberdade condicional

Durante quanto tempo vigora a liberdade condicional? A regra é durante o


tempo que lhe faltar cumprir a totalidade da pena. A lei estabelece um limite máximo
de 5 anos para que possa estar em liberdade condicional, o resto do tempo considera-
se extinto – artigo 61º nº 5.

5. A liberdade condicional e o instituto do desconto

É preciso harmonizarmos o desconto com a liberdade condicional, saber como


esses 2 institutos operam em simultâneo. Por exemplo: um agente foi condenado a 10
anos de pena de prisão e esteve 1 ano em prisão preventiva (medida de coação
processual detentiva), nos termos do artigo 80º nº 1 primeira parte haverá desconto por
inteiro na medida concreta da pena.
Teríamos 2 formas lógicas de operar o desconto: à medida concreta da pena de
10 anos tiramos logo o tempo da prisão preventiva, tem de cumprir 9 anos de prisão e
depois a partir daqui determinamos os momentos em que é admissível a liberdade
condicional. Mas se operássemos desta forma, imaginemos que a liberdade condicional
seria a metade da pena, significaria que tinha cumprido 5 anos + 1 ano de MCP, logo 6
anos. Mas 6 anos não é metade da pena. Aqui estaríamos a privar o agente de mais 1
ano de liberdade.
Quando temos o desconto, temos de operar em termos de determinação dos
momentos para a eventual libertação, temos de ver logo a medida concreta da pena
determinada pelo crime. Significa que o agente cumpre 5 anos de pena de prisão e
depois se levanta a questão da liberdade condicional? Não, porque senão chegávamos
ao mesmo resultado. O tribunal da condenação vai reconhecer o funcionamento do
desconto: condenamos em 10, mas como tivemos aquele ano de MCP, vai cumprir 9
anos. Mas quando passa para o juízo de execução das penas (que tem competência
exclusiva para conceder a liberdade condicional), tem de ter em conta que metade da
pena seriam 5 anos, mas não se pode esquecer que há aqui 1 ano que já foi reconhecido
na sentença condenatória de desconto, significa que o agente vai cumprir 4 anos e, ao
fim desses, levanta-se a possibilidade de cumprir liberdade condicional. A mesma coisa
nos outros momentos. Ou seja, quando temos de fazer funcionar o desconto com a
liberdade condicional, temos de determinar os momentos da liberdade condicional
tendo por referente somente a medida concreta da pena determinada pelo tribunal.
Mas depois o juiz da execução das penas vai ter de ter em conta que o desconto se vai
operar.

45
6. A liberdade condicional e o funcionamento das medidas de graça

Surge um outro problema: imaginemos que o agente foi condenado a 2 anos e 6


meses de pena de prisão efetiva. Este agente vai beneficiar de um indulto, que é da
competência do Presidente da República, de 2 anos de prisão. A decisão transitou em
julgado, o agente não chegou a entrar no estabelecimento prisional porque, entretanto,
foi objeto de indulto parcial (ficam 6 meses para cumprimento de pena). A questão que
se levanta é a de saber se pode ele beneficiar ou não da liberdade condicional.
Se nós tivermos em conta a pena que o tribunal determinou de 2 anos e 6 meses
de prisão, à partida o agente poderia beneficiar de liberdade condicional, porque nos
termos do artigo 61º, exige-se um mínimo de cumprimento de 6 meses, aqui estaria em
condições de beneficiar de liberdade condicional. Mas, na realidade, ele foi objeto de
um indulto presidencial, aquilo que lhe falta cumprir são 6 meses de prisão, falha o
requisito para que se possa aplicar a liberdade condicional, que é o facto de o agente
ter estado pelo menos 6 meses preso, ele aqui estaria 6 meses preso, mas a liberdade
condicional é uma saída antecipada, neste caso, pela própria aplicação do artigo 61º, o
agente não pode beneficiar de liberdade condicional, porque se a pena aplicada a
admitira, no caso concreto como foi objeto de indulto de 2 anos o que fica para cumprir
são 6 meses, cumpre o resto da pena toda e no fim é restituída a liberdade plena, pelo
que não lhe podemos aplicar liberdade condicional nenhuma.
Mas imaginemos agora que foi condenado a 3 anos de prisão e foi objeto de uma
medida de graça (a mesma do exemplo acima). A pergunta é a mesma: pode beneficiar
da liberdade condicional? O que lhe falta cumprir é 1 ano, tem de cumprir pelo menos
6 meses, sendo metade do tempo pode colocar-se a questão da liberdade condicional.
Ele entra no estabelecimento prisional, cumpre 6 meses e ao fim desses há possibilidade
de liberdade condicional. Mas isso será assim ou devemos trabalhar com a pena
efetivamente resultante da condenação pelo tribunal? O indulto significa que se dá o
tempo como cumprido, isso significaria que para chegar a metade da pena era o tempo
do indulto de 2 anos mais metade da pena logo 1 ano e 6 meses, isso daria 3 anos e 6
meses, pelo que ele estaria mais tempo do que a própria medida da pena, é uma clara
violação da lei. Assim, quando estamos perante qualquer medida de graça devemos
trabalhar sempre com a pena resultante da medida de graça. Porque senão estaríamos
a violar o próprio instituto da medida de graça, porque o que se pretendeu com o indulto
foi perdoar 2 anos de prisão. Se não fizermos já a subtração da medida de clemência na
medida concreta da pena, podemos chegar à situação absurda de estar mais tempo em
prisão do que deveria estar. Sob pena de não respeitarmos as medidas de graça e
cometermos uma ilegalidade e inconstitucionalidade, quando é aplicada uma medida
de graça, na determinação dos momentos de liberdade condicional, devemos logo
subtrair o tempo que lhe foi perdoado por via de medida de graça, só assim cumprimos
a função do indulto.
Imaginando agora que tinha sido condenado a 7 anos de prisão, com indulto de
2 anos. Temos de subtrair logo a medida de graça à pena, o agente cumpre 5 anos de
prisão e a partir daqui é que se calculam os momentos admissíveis de liberdade
condicional. Será que vai beneficiar da liberdade condicional a 5/6? Se o agente não
tivesse sido objeto de indulto, ele podia beneficiar da liberdade condicional ao fim de
5/6 porque a medida concreta da pena era superior a 6 anos de prisão. Mas como foi

46
objeto de um indulto, tem de cumprir 5 anos, o que não é superior a 6 anos, não pode
beneficiar da liberdade condicional cumpridos que estejam 5/6 da pena de prisão. Mas
levantam-se dúvidas: estaríamos a privar o condenado da liberdade condicional dita
“obrigatória”, então ele fica prejudicado por ter sido objeto de um indulto. Mas ele
também já foi beneficiado com o indulto. Os tribunais quanto a isto manifestam dúvidas:
há jurisprudência, num caso como este, que diz que ao agente não deve ser aplicada a
liberdade condicional dita “obrigatória”, porque se retiramos logo a medida de graça,
passamos a trabalhar com a mesma medida concreta da pena para todas as hipóteses
(trabalhávamos com 5 anos a 1/2 e 2/3, e a 5/6 não). Mas então e o respeito pelo
indulto? O Presidente da República quis retirar 2 anos, não lhe quis retirar qualquer
outra vantagem ou benefício que lhe pudesse ter sido aplicado. Quando o agente foi
condenado a 7 anos de prisão, já teria a expectativa fundada de lhe ser aplicada a
liberdade condicional dos 5/6. Aqui podemos aplicar a solução que nos fizer mais
sentido. Na opinião do professor Lamas Leite, este agente também deveria beneficiar
da liberdade condicional a 5/6, porque, de outra forma, estaríamos a retirar-lhe por via
do indulto um benefício que seria um direito subjetivo seu e o objetivo do indulto é
cumprir menos pena por razões humanitárias ou o que quer que seja, estaríamos a
restringir um direito fundamental do condenado, ainda por cima a liberdade condicional
dita “obrigatória”. Parece ao professor que, nestes casos, ainda que nos momentos
anteriores tenhamos de trabalhar com a medida concreta subtraída do indulto, quando
a medida concreta for superior a 6 anos, temos de repristinar a medida concreta da pena
para os 5/6 da pena que efetivamente vai cumprir (ou seja os 5 anos). Estes casos são
muito raros.
Pode haver, como já vimos do resultado da matéria do conhecimento
superveniente, uma execução sucessiva das penas, quando não estão preenchidos os
requisitos do concurso. Quanto a essa matéria, aplica-se o artigo 63º. Se o agente estiver
a cumprir penas sucessivas de 3, 6 e 2 anos de prisão, como se opera a liberdade
condicional? Aplicamos o sistema da soma e depois será ao fim dos 11 anos que se
decide se o agente vai beneficiar da liberdade condicional. As penas são executadas pela
ordem do trânsito em julgado. O legislador previdente diz que se aplica o princípio da
soma, só em relação a todas as penas é que se coloca a questão, faz-se a soma e opera-
se com este valor. A dúvida que poderia existir era em relação aos 5/6, pois cada uma
das penas não é superior a 6 anos, se não houvesse execução sucessiva de penas não
poderia beneficiar nunca dos 5/6, mas a lei diz que neste caso se justifica que ele
beneficie dos 5/6 da pena no sistema da soma, mesmo que nenhuma das penas de per
si considerada seja superior a 6 anos de prisão. Na versão originária do Código Penal de
1982, nada se dizia, mas depois o legislador veio resolver a questão no artigo 63º nº 3.

Existem mecanismos de concessão de saídas precárias, que desde 2009 se


chamam saídas jurisdicionais (autorizadas pelo tribunal de execução das penas) e
administrativas (autorizadas pelo diretor do estabelecimento prisional e outras pelo
diretor geral de reinserção e serviços prisionais). Por exemplo, morre algum familiar e
pode o condenado sair para assistir às cerimónias fúnebres. Levantava-se o problema
de, por vezes, estas saídas serem incumpridas, o condenado não se apresentava no dia
e hora definidos e isto gera responsabilidade, nuns casos, criminal (crime de evasão),
noutros disciplinar, também regulamentada no Código de Execução das Penas, que
pode chegar a reclusão de cela única (solitária). A dúvida era, se no caso da liberdade

47
condicional a 5/6, quando o agente esteve alguns períodos ausente do estabelecimento
prisional de forma ilegal, porque se evadiu, saber se o período de tempo em que esteve
ilicitamente fora do estabelecimento prisional devia ser descontado no cômputo da
pena. Quem for condenado a 25 anos, cumpre 20 anos e 10 meses (5/6) e incumpriu
algumas saídas, imaginemos que o tempo junto deu 15 dias. O tribunal diz, como esteve
fora ilegalmente, não vai cumprir os 20 anos e 10 meses, mais sim os 20 anos 10 meses
e 15 dias. Outros tribunais dizem que o artigo 61º nº 4 é muito claro, tem de sair ao fim
de 5/6 da pena cumpridos, não se fala de nenhum desconto. O Acórdão uniformizador
de jurisprudência do STJ nº 3/2006 foi neste sentido, o que o tribunal faz é a tal operação
de mero accertamento, como diz a doutrina italiana, que é a mera contabilização da
pena. Porque a lei quer é que o agente não cumpra nem mais 1 dia do que 5/6 da pena.
Se se tiver evadido, esse já é outro processo.
Outra questão ainda era saber, voltando à questão da pena de multa como pena
principal, se se aplica a liberdade condicional em pena subsidiária? Quando a pena de
multa não é cumprida, o artigo 49º nº 1 em ultima ratio converte em prisão subsidiária
reduzida a 2/3. Se a pena de multa tiver sido muito elevada, por exemplo 900 dias de
multa, convertida em prisão dá 600 dias de prisão, é mais de 1 ano, pode teoricamente
haver liberdade condicional. Neste caso, não pode ser a 5/6. A questão é pode ou não
haver liberdade condicional em relação a prisão subsidiária? Figueiredo Dias, no seu
manual, diz que sim, que pode e deve aplicar-se a liberdade condicional também à pena
de prisão subsidiária, porque o objetivo da liberdade condicional é o mesmo quer se
trate de pena de prisão, quer da que resulte da conversão da multa não liquidada em
privação de liberdade. É uma razão de justiça material, de teleologia do instituto. Maria
João Antunes tem uma posição contrária, defende que em relação à prisão subsidiária
não pode haver liberdade condicional nunca tendo em conta um caráter mais
dogmático, técnico-jurídico, porque a liberdade condicional está prevista para a pena
de prisão principal, não está prevista para a pena de prisão sucedânea ou subsidiária.
Esta surge de uma pena principal que não é a pena de prisão, é a pena de multa. Defende
que, atendendo às diferentes naturezas jurídicas do instituto, não deve ser concedida.
Os tribunais não se têm pronunciado sobre estas questões, porque não se põem na
prática, normalmente as penas de multa não são muito elevadas e com a conversão
ainda ficam mais reduzidas. O professor Lamas Leite concorda com Maria João Antunes,
é um argumento muito plausível e acrescentaria um outro: a pena de multa tem diversas
formas de o condenado a liquidar sem que seja através efetivamente do cumprimento
da pena de prisão e os tribunais são benévolos (até demais) nos pedidos sucessivos. A
pena de multa perdia efetividade. A preocupação é que a pena seja efetiva e não em
termos de elevada, pois isso é que é importante para prevenção geral.

7. A adaptação à liberdade condicional (art. 62.º): finalidade, regime, críticas

O artigo 62º diz respeito à antecipação à liberdade condicional. Foi um instituto


introduzido pela reforma de 2007 do Código Penal, até lá não o tínhamos. Este é muito
mal visto, em geral, pelos juízes de execução de penas, porque o artigo 62º vem dizer
algo que é totalmente novo. A reforma mexeu muito nesta parte das penas e medidas
de segurança e criou um instituto até aí desconhecido que cria uma espécie de
antecâmara da liberdade condicional – a adaptação à liberdade condicional.

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O artigo 62º diz até no máximo 1 ano antes em que se coloca a possibilidade de
liberdade condicional, pode o condenado requerer (não pode ser oficiosamente) a
aplicação da tal antecipação à liberdade condicional.
Imaginemos que o agente é condenado a 5 anos de pena de prisão, 1 ano antes
de atingir a metade, ao fim de 1 ano e meio, o condenado pode requerer ao juiz da
execução das penas este instituto do artigo 62º, significa que aquele ano antes de chegar
à apreciação vai ser cumprido já não no estabelecimento prisional, mas na sua
residência com vigilância eletrónica. Não tem os efeitos criminógenos da pena de prisão,
apostamos na ressocialização. Verifica-se uma outra razão: é mais barato para o Estado
(1/3 do custo de 1 dia de prisão em Portugal). Os juízos de execução das penas reagiram
mal a isto. Se a liberdade condicional é uma antecipação à liberdade, o artigo 62º é uma
adaptação à adaptação da liberdade, estamos a fazer anteceder alguns dos efeitos
normais da liberdade condicional até 1 ano antes de quando o agente podia estar a
beneficiar da liberdade condicional.
Para aplicarmos este instituto, a lei diz que têm de se verificar os requisitos da
liberdade condicional. O condenado tem de provar que consente (se está a pedir já
consente), que a colocação em casa com vigilância eletrónica não põe em causa as
exigências de prevenção geral, que do ponto de vista do juízo de prognose de
exarcelação permite concluir que não cometerá crimes uma vez em liberdade – são os
requisitos da concessão a metade da pena.
Qual foi a grande dúvida desde logo dos tribunais e que decorre logo de uma má
vontade? É raríssimo os tribunais concederem, é uma norma raramente aplicada,
porque os juízes entendem sempre que os requisitos não estavam preenchidos. Até
diziam que só se podia aplicar a 2/3 ou 5/6, nunca se pode aplicar a metade da pena que
é muito cedo, ainda não houve tempo para estudar o recluso, para que os efeitos de
ressocialização sejam conseguidos, quando muito podemos aplicar nos outros 2
momentos. Foi preciso o Acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ nº 14/2009
que veio dizer que o legislador quis aplicar aos 3 momentos. Aqui o STJ veio confirmar
que a adaptação à liberdade condicional se aplica a qualquer um dos 3 momentos.
Desde o ponto de vista literal, é “todo o artigo anterior”.
Imaginemos que o tribunal diz que cumpriu 1 ano e meio, os requisitos do artigo
61º nº 2 estão todos preenchidos e pode ir para casa com vigilância eletrónica e ser
acompanhado de algumas injunções. Isto decorre até que chegamos ao fim de 1 ano,
tudo decorreu sem incidentes. Se incumprir, volta para a prisão. Mas imaginando que
cumpriu todas as injunções impostas, pode acontecer que chegue ao fim desse 1 ano
(tudo se passa como se estivesse estado dentro da prisão), ao fim do 1 ano e meio é que
se pode decidir se pode haver liberdade condicional (aqui tem ius ambulandi, está solto),
pode acontecer que o tribunal de execução das penas conceda ou não a liberdade
condicional. O juízo favorável do artigo 62º não condiciona o juízo favorável do artigo
61º, embora o que seja mais normal é que, se o juiz entendeu que estava em condições
de beneficiar da antecipação à liberdade condicional, é porque, à partida, também está
em condições de beneficiar da liberdade condicional propriamente dita, mas nada
impede que o juiz entenda de forma diferente.

8. O regime da liberdade condicional (art. 64.º)

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O regime da liberdade condicional é decalcado do regime da pena suspensa
(artigo 64º). Vemos no nº 1 que o legislador manda aplicar o disposto numa série de
artigos que aí estão e que remetem para a pena suspensa.
A primeira norma indicada é o artigo 52º nº 1 e 2, diz respeito a uma das
modalidades da pena suspensa6, qualquer uma destas obrigações pode aplicar-se à
liberdade condicional.
Também remete para o artigo 54º, que diz respeito à 4ª modalidade que é a pena
suspensa com regime de prova, é a modalidade mais intrusiva e pesada para o
condenado em suspensão de pena de prisão. Acontece que o condenado é
acompanhado pelos técnicos de reinserção social e é-lhe elaborado um plano de
reinserção social que deve ser, dentro do possível, pactuado com o condenado, se
conseguirmos a sua adesão a essas obrigações, à partida, vai cumpri-las de forma mais
adequada. Podemos pensar que na liberdade condicional não se podem impor deveres
ao libertado condicionalmente, é uma conclusão precipitada, porque o artigo 54º prevê
que o tribunal, no referido plano, possa impor ao agente deveres e regras de conduta
(nº 3). Na prática, apesar de o artigo 64º nº 1 não remeter expressamente para o artigo
51º, ao remeter para o artigo 54º, prevê também a possibilidade de se imporem
deveres. Estas são as limitações quanto aos seus direitos, pode circular por onde quiser
com exceção de “não pode aproximar-se de certas pessoas”, tem ius ambulandi.
Pode o libertado condicionalmente ser sujeito a algum tipo de vigilância
eletrónica? Só se o artigo 54º o admitir. Neste caso não, porque o artigo 54º não refere
em momento algum a fiscalização por vigilância eletrónica. Mas ainda se remete para
outros artigos, nomeadamente as alíneas a) a c) do artigo 55º. É uma espécie de segunda
oportunidade que é dada ao condenado em pena suspensa, o regime da liberdade
condicional é decalcado do regime da pena suspensa, é dado quando incumpre as
obrigações que lhe foram impostas.

9. O remanescente da pena em caso de revogação da liberdade condicional e a


possibilidade de nova concessão deste incidente de execução das penas

Imaginemos que uma das regras impostas era não se aproximar da vítima e fê-lo
e a vítima fez queixa às autoridades, o tribunal tem de convocar o condenado para o
ouvir (princípio do contraditório). O tribunal, se considerar que não se trata de um
incumprimento grave e repetido ao longo do tempo, pode lançar mão de alguma das 3
alíneas do artigo 55º, estão dispostas de crescente gravidade, que é fazer-lhe uma
solene advertência (alínea a)); se ficou obrigado a liquidar uma obrigação a uma IPSS, o
tribunal pode exigir garantias acrescidas do cumprimento, como caucionar aquele valor
numa conta à ordem do tribunal e depois este entrega à IPSS, ou pode haver hipoteca,
ou dar o bem em penhor (alínea b)); o agente incumpriu algum dos deveres ou regras

6 A pena suspensa pode ter 4 modalidades: suspensão simples em que o agente, durante o período da
suspensão, se não cometer crimes, a pena considera-se extinta pelo cumprimento; suspensão com
deveres (artigo 51º), os deveres têm uma finalidade que a lei estabelece com um certo sabor quase ético-
retributivo, é destinado a reparar o mal do crime, os deveres são impostos com uma visão retrospetiva,
visam impor obrigações ao condenado e contendem com o facto criminoso tal e qual como ocorreu no
passado; suspensão com regras de conduta (artigo 52º), têm uma finalidade prospetiva, essas obrigações
têm uma finalidade em relação ao futuro, visam a ressocialização do agente, a reintegração do condenado
na sociedade, daí pode ser que o condenado não contacte com a vítima, não resida em determinado lugar
– caráter negativo, ou pode ter uma feição positiva; e suspensão com regime de prova (artigo 53º).

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de conduta do regime de prova e agora vai ter de cumprir mais obrigações (alínea c)). É
um mecanismo de dar nova oportunidade para não revogar a liberdade condicional. Se
efetivamente o condenado cumpre as injunções que lhe foram impostas em sede de
liberdade condicional tout court, ou se, apesar de incumprir, é-lhe aplicado o artigo 55º,
mas depois cumpre, chegado ao fim da liberdade condicional (artigo 61º nº 5), o artigo
57º diz-nos que, se tudo tiver sido cumprido, a liberdade condicional fica cumprida, o
resto da pena tem-se por extinta pelo cumprimento. Se pelo contrário, porque o artigo
64º nº 1 também remete para o artigo 56º nº 1, a liberdade condicional será revogada.
Pode acontecer que, durante a liberdade condicional, cometa um novo crime,
mas implica a imediata revogação? Não, depende da natureza do crime. Por exemplo: o
agente cometeu um crime de homicídio e ao fim dos 5/6 sai em liberdade condicional,
depois comete um crime por condução sob efeito de álcool ou crime de desobediência,
estes crimes não põem em causa a liberdade condicional, não têm nada que ver com o
crime pelo qual cumpriu pena de prisão em termos de bens jurídicos protegidos. Se for
crime da mesma natureza, revoga a liberdade condicional, mas depois há casos que são
mais complexos. Por exemplo, o crime contra a integridade física, aqui o tribunal tem
uma margem para apreciar, claro que é julgado e eventualmente condenado, mas não
levará, em princípio, a uma revogação da liberdade condicional. Mas se já for um crime
de violência doméstica, provavelmente o tribunal revogará a liberdade condicional. Para
sabermos que cometeu um crime, tem de haver uma decisão condenatória transitada
em julgado, até aí alegadamente cometeu os crimes. Neste caso, imaginemos que a
liberdade condicional dura 5 anos, ao fim de 4 anos há notícia de que matou alguém. É-
lhe aplicada prisão preventiva, quanto à liberdade condicional temos de esperar para
saber. O artigo 64º nº 1, ao remeter para o artigo 56º nº 1 alínea b), diz que tem de ser
um crime pelo qual foi condenado. Temos de esperar para saber o que acontece ao
segundo processo. Se vier a ser condenado, revoga-se a liberdade condicional do outro
processo; senão a liberdade condicional será cumprida pelo tempo que faltar, fica
suspensa até que saibamos o resultado do outro processo.
Vejamos um outro exemplo: o indivíduo sai em liberdade condicional em
12/12/2018 que dura até 12/12/2021. É revogada em 12/12/2020. Toda a tramitação e
revogação da liberdade condicional estão previstas no Código de Execução das Penas,
toda a sua regulamentação está lá. O que lhe acontece a partir do momento em que
transita em julgado a decisão de revogação? Volta para o estabelecimento prisional. E
quanto tempo vai cumprir de pena? A lei diz, no artigo 64º nº 2, “pena de prisão ainda
não cumprida”. Uma primeira interpretação aponta para o tempo que ainda lhe falta
cumprir, ou seja, 1 ano, o tempo que falta cumprir em relação ao qual houve incidentes.
Tem de se descontar o tempo em que esteve em liberdade condicional a cumprir tudo
direito. Maria João Antunes e uma boa parte da nossa jurisprudência defendem esta
interpretação. Não vai ter de cumprir os 3 anos de liberdade condicional todos, porque
durante 2 anos cumpriu todas as obrigações, só tem de cumprir o ano que lhe faltaria.
Isto tem a ver com a própria natureza jurídica da liberdade condicional: é um incidente
de execução da pena de prisão. Significa que o tempo que esteve em liberdade
condicional a cumprir tudo a que estava obrigado tecnicamente é o mesmo como se
estivesse no estabelecimento prisional, simplesmente é uma outra forma de cumprir.
Outra parte da jurisprudência tem uma posição diferente: dizem que a liberdade
condicional é concedida sob condição do cumprimento das injunções, nem que
incumpra as injunções no último dia isso significa o incumprimento total, o juízo de

51
prognose favorável em que assenta a liberdade condicional falhou, vai ter de cumprir
novamente uma prisão de todo o tempo que lhe faltava, tinha de cumprir o resto da
pena que seriam 3 anos (Acórdão do TC nº 181/2010). Qualquer uma das interpretações
cabe na letra da lei.
O professor Lamas Leite considera que o elemento literal aponta mais para a
interpretação de Maria João Antunes. Há outro apoio na letra da lei para a segunda
interpretação: na pena suspensa não se desconta nada, ou seja, se estiver a beneficiar
de uma pena suspensa e no último dia da suspensão cometa um crime, vai ter de
cumprir a pena principal toda, não há desconto nenhum. Se o objetivo do legislador foi
decalcar o regime da liberdade condicional do regime da pena suspensa, por igualdade
de razão não se opera desconto nenhum aqui. Esta é a posição mais correta no entender
do professor Lamas Leite. Esta segunda não está tão de acordo com a teleologia da
liberdade condicional.
O professor Lamas Leite não concorda com o disposto no artigo 64º nº 3.
Partindo da posição de Maria João Antunes, em relação ao ano que lhe seria aplicado,
ainda é suscetível de beneficiar de liberdade condicional.

A PENA RELATIVAMENTE INDETERMINADA


1. Prolegómenos

É uma pena pensada para os condenados mais perigosos, para os delinquentes


mais perigosos do ordenamento jurídico – os chamados delinquentes por tendência e
alcoólicos e equiparados. A lei trata disto nos artigos 83º e seguintes. A CRP diz que as
penas têm de ser determinadas no tempo, mas a nossa legislação permite que isso não
aconteça. Não podemos ter uma pena totalmente indeterminada, mas se for
relativamente indeterminada podemos ter e efetivamente temos.
Imaginemos que ao agente é aplicada uma pena de 9 anos de prisão e é julgado
como delinquente por tendência, supondo que estão preenchidos os requisitos do
artigo 83º nº 1. Primeiro, o juiz determina a medida concreta da pena e vai condená-lo
a uma pena relativamente indeterminada com um mínimo e um máximo: o mínimo
corresponde a 2/3 da medida concreta da pena e o máximo é o quantitativo que a lei
diz. Nos casos mais graves, é acrescido ao agente um valor de 6 anos ao limite máximo
(artigo 83º nº 2). O agente sabe que vai cumprir, no máximo, 15 anos de pena de prisão
e um mínimo de 6 anos. O agente vai cumprir uma pena de prisão entre 6 e 15 anos.
Claro que temos de respeitar o máximo dos 25 anos.
Mas o que vai determinar a duração precisa de reclusão deste condenado? São
2 aspetos – o instituto da liberdade condicional ou, se não aplicado, a cessação da
perigosidade do agente. O condenado cumpre 6 anos de prisão e pode, nos termos do
artigo 61º nº 3, sair em liberdade condicional a 2/3. Se o juiz do juízo de execução das
penas entender que não estão preenchidos os requisitos da liberdade condicional a 2/3,
há uma dúvida: ao fim de 5/6 do cumprimento da medida concreta da pena poderá
requerer? Se fosse o regime geral, sim (artigo 61º nº 4), está somente dependente do
consentimento do condenado. Aplicamos este instituto a delinquentes por tendência,
que têm uma carreira criminal longa, mostram insensibilidade à pena de prisão efetiva
e mesmo assim continuam a reincidir, assim não faria sentido libertarmos ao fim de 5/6,
a comunidade teria de suportar um risco insuportável. O agente tem um quantum

52
acrescido de perigosidade. Assim, não se aplica a liberdade condicional a 5/6 neste
instituto.
Se o agente não sair em liberdade condicional no mínimo da pena que
corresponde a 2/3 da medida da pena, então até 5/6 não vai ser, vai ter de estar
obrigatoriamente em reclusão até aos 9 anos. E a partir daí? Já não responde às
exigências da culpa, ou seja, a PRI, na verdade, é uma combinação entre duas reações
criminais – penas e medidas de segurança. É uma reação criminal mista. A PRI tem uma
natureza de pena até à medida concreta que for determinada, daí para a frente é uma
medida de segurança, porque se baseia numa ideia de perigosidade, é a resposta do
ordenamento jurídico por ser um delinquente particularmente perigoso. Nos termos do
artigo 40º nº 2, a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa, daí ser
medida de segurança. Quando vai ser libertado? Quando deixar de ser perigoso, a
qualquer altura entre os 9 e os 15 anos, desde que requeira a libertação para prova ou
desde que requeira a libertação plena provando que deixou de ser perigoso.
O artigo 90º nº 1 não remete para o artigo 61º nº 4, mas sim para o nº 3 que é a
liberdade condicional a 2/3, nunca remete para os 5/6, pela própria natureza dos
condenados que foram a PRI e pela natureza da liberdade condicional a 5/6. Vamos
supor que o tribunal liberta condicionalmente o condenado ao fim de 2/3 (6 anos), deixa
de estar ao fim de 5 anos (11 anos), o remanescente considera-se extinto (até aos 15
anos).
O nº 3 do artigo 90º remete para o artigo 92º nº 1, é a possibilidade de o
condenado requerer a sua liberdade plena, mas tem que alegar e provar perante o juízo
de execução das penas. São os peritos médico-legais que dirão se ainda há perigosidade.
O que é um crime de perigo comum (artigo 91º nº 2)? Estão previstos nos artigos
272º a 286º. Mas por que se chamam crimes de perigo comum, o que os une? Na
natureza do crime de incêndio e propagação de doença contagiosa, há um aspeto que é
comum – à partida, nenhum de nós sabe quantas pessoas e quais vão ser afetadas por
este crime. O que os unifica é o número indeterminável de vítimas que podem surgir da
prática destes crimes.
A lei também manda aplicar os nº 1 e 2 do artigo 93º. Não temos dependência a
partir dos 9 anos de qualquer momento temporal específico para a cessação. No artigo
93º nº 2, a lei dá mais uma garantia, diz que de 2 em 2 anos o juízo de execução das
penas tem de apreciar a situação oficiosamente, sem que o condenado o requeira. Se
aos 15 anos continuar a ser perigoso, tem de se libertar. O que vai determinar a medida
concreta da pena que o agente vai cumprir na prisão é a liberdade condicional a 2/3 ou
a cessação da perigosidade do agente.
Mas a lei ainda manda aplicar os artigos 94º e 95º. É o correspondente da
liberdade condicional. O indivíduo ainda tem aqui outra possibilidade. Não conseguiu
provar que deixou de ser perigoso, mas pode conseguir provar que a perigosidade já
diminuiu e que pode sair em liberdade para prova entre 2 e 5 anos, sempre com o
cuidado de não ultrapassar os 15 anos. Podem ser aplicados todos os regimes da
liberdade condicional, como a aplicação de regras de conduta e injunções. É a mesma
lógica que preside no artigo 94º nº 1.
Pode acontecer que incumpra as injunções da liberdade para prova ou comete o
crime, há uma revogação (artigo 95º), à semelhança do que acontece com a liberdade
condicional. O que acontece durante o tempo em que cumpre a liberdade para prova?

53
É o mesmo que acontece com a liberdade condicional: há doutrina que diz que não se
desconta no tempo da PRI, mas para outros sim.

2. Monismo e dualismo nas reações criminais. 3. A teoria da culpa pela não formação
da personalidade e este instituto

Quanto à caracterização do sistema sancionatório português, tradicionalmente


a nossa doutrina diz que temos um sistema de monismo prático ou sistema de monismo
prático integrado por princípio de vicariato na execução.
Surge a questão de saber qual a natureza do nosso sistema: é um sistema
monista ou dualista? Diz-se monista quando não consente na aplicação simultânea de
uma pena e uma medida de segurança pelo mesmo facto ao mesmo agente. Se for
concurso, aí pode aplicar-se porque são factos diversos. Quando o sistema admite, como
acontece nos EUA, que ao mesmo agente pelo mesmo facto ele cumpra uma pena e
uma medida de segurança, então o sistema é dualista. Entre nós tem-se entendido que
o sistema deve ser monista – princípio do ne bis in idem. O dualismo, do ponto de vista
histórico, está muito associado a regimes ditatoriais, o condenado sabia quanto era a
pena, mas não sabia quanto era a medida de segurança, o que levaria a penas perpétuas.
Criou-se a ideia de que o monismo é mais respeitador das garantias do arguido. O
sistema, sendo monista, responde melhor a exigências de culpa, porque tem, na sua
base, a ideia de perigosidade. Mesmo nas medidas de segurança não há uma duração
indeterminada.
A dada altura, Eduardo Correia foi confrontado com uma crítica: há medidas de
segurança não detentivas (por exemplo a proibição do exercício de determinadas
funções, dos artigos 100º e 101º), que podem ser aplicadas a imputáveis. Estamos a
aplicar ao mesmo agente pelo mesmo crime uma pena e uma medida de segurança, o
nosso sistema, na verdade, é dualista. Eduardo Correia responde que continua a ser
monista, porque as medidas de segurança não são privativas de liberdade e o sistema
só é dualista se forem medidas detentivas.
Este argumento não convenceu, o nosso sistema admite que se aplique uma
pena e medida de segurança pelo mesmo facto ao mesmo agente. O artigo 99º diz que
primeiro se começa a executar a medida de segurança e só depois a pena de prisão,
podendo descontar-se na medida de prisão os efeitos favoráveis do ponto de vista da
ressocialização da medida de internamento. Daí o regime de vicariato, significa que há
uma ligação entre as 2 medidas de reação criminais, tanto vale uma como a outra.
Eduardo Correia resolveu então criar esta figura híbrida da PRI, que se encontra
nas margens do monismo – foi uma forma engenhosa que encontrou de responder às
principais críticas que se faziam ao sistema monista. Hoje em dia são cada vez mais as
vozes que dizem que o nosso sistema é dualista. Fernanda Palma, Pinto de Albuquerque,
entre outros defendem que o nosso sistema é dualista, porque admite a aplicação ao
mesmo agente pelo mesmo facto de uma pena e uma medida de segurança. A PRI é um
misto de duas reações criminais, está lá o sistema dualista. Para além disto, no caso das
medidas de segurança não detentivas, como as dos artigos 100º e 101º, ao mesmo
agente pelo mesmo facto aplica-se uma pena e uma medida de segurança.

4. O regime: delinquentes por tendência e alcoólicos e equiparados. 4.1. Distinção.


4.2. Preenchimento dos requisitos formais e do material. 4.3. Aplicação prática do

54
instituto. 4.4. A cessação da pena por via da liberdade condicional, da liberdade para
prova ou da cessação do estado de perigosidade

Vejamos os requisitos de aplicação da PRI:


- delinquentes por tendência:
- artigo 83º (casos mais graves): temos alguns dos requisitos formais e o requisito
material. O requisito material está na parte final do artigo 83º nº 1 – o que justifica é a
acentuada inclinação para o crime, mas não é uma qualquer, é aquela que no momento
da condenação ainda persista. Isto é uma característica da medida de segurança, temos
mais uma marca que a PRI tem muito de medida de segurança, pelo seu requisito
material. Quanto aos requisitos formais, o agente praticou um crime que tem de ter
certas características – crime doloso, punido com pena superior a 2 anos de prisão, tem
de ter sido condenado a penas superiores a 2 anos de prisão. Isto parece a reincidência.
A PRI é um instituto vocacionado especialmente para este delinquente por tendência.
Quando tivermos um caso em que o agente está agora a praticar um crime pelo qual
está a ser julgado e tem medida de prisão efetiva e já tem registo criminal, pode ser uma
de 2 coisas. Temos de começar por ver os requisitos da PRI, porque o artigo 76º nº 2
manda preferir a PRI. O nº 2 diz que tem o mínimo de correspondência de 2/3 e acresce
6 anos, sem ultrapassar os 25 anos. No nº 3 tem algo parecido com a reincidência, a
prescrição, mas aqui vai ser a prescrição da tendência, não releva para ver se os
requisitos da PRI estão preenchidos, se tiverem decorrido mais de 5 anos, aos quais
vamos descontar o tempo que esteve privado de liberdade, tem uma razão de ser
criminológica. Ainda o nº 4, a mesma coisa que na reincidência, a inscrição de crimes
praticados no estrangeiro também são para ser tidos em conta;
- artigo 84º (casos menos graves): a PRI conhece graduações. Este artigo fala dos
delinquentes por tendência, mas menos graves – já não estabelece limite mínimo para
o último crime praticado e já são 4 crimes praticados anteriormente. A remissão para o
nº 1 do artigo anterior é o requisito material. O nº 2 diz que tem o mínimo de 2/3 e o
máximo é acrescido de 4 anos e já não os 6, sem exceder nunca os 25 anos. A mesma
coisa se aplica quanto à prescrição da tendência e quanto a crimes praticados no
estrangeiro. Este é, portanto, um caso menos grave;
- artigo 85º (regime mais favorável): tem de ter cumprido pelo menos 1 ano de
prisão na sua vida. Se se verificarem os requisitos do artigo 83º, somam-se 4; se for um
caso do artigo 84º, já só se somam 2. A lei quer tratar de forma mais favorável os
indivíduos que ainda não tenham completado 25 anos de idade. Mas o regime de jovens
adultos é para quem não completou 21 anos e aqui são 25 anos, o que não tem lógica;
- alcoólicos e equiparados: nos termos do artigo 86º nº 1, tecnicamente um alcoólico e
pessoa com tendência para abusar de bebidas alcoólicas não é a mesma coisa. O
alcoólico é a pessoa que já tem uma adição, a tendência é o estado anterior. O requisito
material já não é a persistência da tendência para o crime, mas que essa tendência para
o alcoolismo ou o abuso do alcoolismo exista e ainda permaneça no momento da
condenação. O mesmo para o abuso de estupefacientes (artigo 88º). A PRI serve para
tentar recuperá-lo da adição (artigo 87º).
Sempre que um agente é condenado em PRI, é elaborado um plano de
readaptação (artigo 89º), no estabelecimento prisional, tem de haver um trabalho mais
sério junto destes reclusos.

55
A RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS COLETIVAS E ENTES EQUIPARADOS
1. Evolução histórica

Esta matéria foi introduzida no Direito Penal clássico em 2007 pelo nosso
legislador, uma vez que já tínhamos responsabilidade destas pessoas antes, mas era no
Direito Penal secundário ou económico-financeiro. O Direito Penal clássico é o que diz
respeito a bens jurídicos que já estão totalmente interiorizados pela comunidade pelos
processos normais de interiorização, são bens jurídicos de natureza mais perene e antiga
(vida, integridade física, honra). O Código Penal, por definição, é o corpo de leis onde
estão indicados os comportamentos em relação aos quais há um consenso comunitário.
O Direito Penal secundário diz respeito a bens jurídicos que, devido ao seu caráter mais
técnico, não estão totalmente consciencializados de forma axiológica, não têm a mesma
ressonância ética, normalmente não está contido no Código Penal, mas em legislação
extravagante (por exemplo no RGIT). A localização sistemática das normas é um mero
indício. Há algumas normas do Direito Penal clássico que podem fazer parte de
legislação extravagante e o contrário também se verifica. Acontece muito com as
neocriminalizações, de que é exemplo a violação das regras urbanísticas. Daí ser errado
dizer-se que todo o Direito Penal clássico está no Código Penal e todo o Direito Penal
secundário está na legislação extravagante.
Em 1984, foi publicado o Decreto-Lei nº 28/84 que diz respeito às infrações
contra a saúde pública e contra a economia. Foi sendo aceite que, no Direito Penal
secundário, as pessoas coletivas poderiam ser punidas penalmente. No Regime Jurídico
das Infrações Fiscais Não Aduaneiras e no Regime Geral das Infrações Tributárias, já está
prevista a responsabilidade penal das pessoas coletivas. O que não se aceitava era que
no Direito Penal clássico a pessoa coletiva pudesse ser responsabilizada penalmente.
Societas delinquere non potest – a pessoa coletiva não pode delinquir, era uma
velha afirmação que já vinha do Direito Romano e que ainda é defendida em alguns
países, como o Direito alemão que não consagra a responsabilidade penal das pessoas
coletivas. Em Portugal, em 2007, o legislador decidiu introduzir a responsabilidade penal
das pessoas coletivas em relação a uma série de delitos que estão no Código Penal. Isto
ainda hoje é objeto de muita controvérsia. Há quem defenda que no Direito Penal
clássico não faz sentido responsabilizar as pessoas coletivas, mas o que é certo é que o
legislador tomou uma opção político-criminal e alterou o artigo 11º.

2. Teorias justificativas ao abandono do "delinquere non potest" no Direito Penal


Clássico ou de Justiça

Durante séculos nunca se pensou em punir a pessoa coletiva, porque a pessoa


singular tem uma vontade à que podemos dirigir um juízo de culpa. A pessoa coletiva
não tem existência física, por definição, como é que podemos pensar em aplicar-lhe uma
pena ligada a uma ideia de culpa? Por isso as dificuldades são muitas na punição das
pessoas coletivas. Mas com a globalização económica assistia-se a um fenómeno não
desejável – nunca se chegaria a determinar quem foram as pessoas individuais a tomar
a decisão que era muito partilhada, pelo que os crimes ficavam impunes, não se
conseguiam determinar todos os requisitos objetivos do crime. Entendeu-se que se tem
de lutar contra esta impunidade, já que não se consegue responsabilizar as pessoas

56
individuais, responsabiliza-se a pessoa coletiva. Várias teorias foram criadas para
justificar esta imputação:
- modelo analógico ou teoria analógica: Figueiredo Dias justifica a responsabilidade das
pessoas recorrendo a uma ideia de analogia. A pessoa coletiva é uma criação da pessoa
humana, então analogicamente podemos dizer que também podemos punir as criações
do ser humano, nomeadamente esta criação jurídica da pessoa coletiva. Por analogia
com o que é uma obra humana justifica-se a responsabilidade das pessoas coletivas.
Não nega as desvantagens político-criminais – mais vale isto do que a impunidade;
- culpa pela não organização ou pela má organização da pessoa coletiva: tem uma série
de autores que a foram desenvolvendo na Alemanha, entre eles Sieber. A pessoa
coletiva tem deveres de organização em relação ao Estado, nomeadamente deve criar
os mecanismos necessários para evitar a prática de crimes no seu seio. Se se prova que
no caso concreto houve uma má organização ou insuficiente organização da pessoa
coletiva que levou à prática daqueles crimes, então justifica-se a responsabilidade penal.
É esta a teoria mais comum e mais defendida pela doutrina.

3. Análise do art. 11.º do CP

Independentemente da teoria, o artigo 11º diz que a pessoa coletiva responde


ao lado da pessoa individual, é uma responsabilidade cumulativa. Se no âmbito do
inquérito pudermos determinar quem foram as pessoas singulares que praticaram o
crime e elas atuarem em nome da pessoa coletiva, respondem ambos – a pessoa
singular e a coletiva. Isto levanta problemas do ponto de vista constitucional. O Tribunal
Constitucional ainda não foi chamado a pronunciar-se sobre este artigo, mas já há
acórdãos quanto a esta questão no âmbito do Direito Penal secundário, que se tem
pronunciado pela não inconstitucionalidade.
Mas depois há a questão mais delicada da responsabilidade coletiva. Por
exemplo, um crime de abuso sexual de criança cometido numa instituição privada.
Consegue-se determinar quem foi o agressor, responde este e a pessoa coletiva ao lado
da pessoa singular. A pessoa coletiva não tomou as medidas necessárias para evitar que
situações como esta ocorram. Mas isto levanta dúvidas – vamos fazer responder pelo
mesmo facto duas pessoas, mas a pessoa coletiva não tem existência física, atua através
dos seus órgãos ou dos seus trabalhadores. Não estaremos a violar uma regra do ne bis
in idem? Não estaremos a punir a mesma pessoa duas vezes? Tecnicamente são dois
títulos de responsabilização diferentes, mas na prática quem fez tudo foi a pessoa
singular. Levantam-se problemas de constitucionalidade quanto à responsabilidade
cumulativa. O Tribunal Constitucional entende que são dois agentes diversos.
Para ter personalidade jurídica a pessoa coletiva tem de ter substrato (base
pessoal ou base económica) e reconhecimento (a ordem jurídica reconhece a
personalidade jurídica). Mas há muitos grupos de pessoas ou de bens que não têm esta
personalidade jurídica, por exemplo as comissões de festas que raramente têm
personalidade jurídica. Por isso é que a lei fala em entidades equiparadas, porque atuam
na realidade social e podem provocar crimes.
Depois o legislador fez uma outra coisa que se critica – para o Estado ou qualquer
entidade pública não há responsabilidade penal (artigo 11º nº 2). A pena adequada a
uma pessoa coletiva é a pena de multa. Seria estranho o Estado aplicar penas ao próprio
Estado. Mas o legislador devia ter aplicado o regime para todos.

57
Depois o legislador também entendeu que não devia ser todo o crime. Por
exemplo, no crime de homicídio, responsabilizava-se a pessoa coletiva? São só os crimes
em relação aos quais se pode detetar uma ideia de falha na organização. A enumeração
dos crimes é taxativa.
Mas a pessoa coletiva responde logo que seja praticado o crime? Não, pois isso
seria uma responsabilidade objetiva. Nos termos do artigo 11º nº 2 alínea a), o crime
tem de ter sido cometido em seu nome e no interesse coletivo. A lei define o que
entende por posição de liderança no nº 4. Por exemplo, se é membro de um órgão social,
ocupa posição de liderança. Tem de ser uma pessoa destas ou nos casos da alínea b).
Esta estará na base do que justifica a responsabilidade penal das pessoas coletivas. O
que interessa é que a pessoa atue sob a direção de alguém que faz parte da alínea a).

4. As penas previstas para estes agentes:


4.1. Principais: multa e dissolução
4.1.1. O problema da punição do concurso na pena pecuniária

A responsabilidade das pessoas coletivas, em termos de penas que lhe estão


associadas, encontra-se prevista nos artigos 90º-A e seguintes. Será um aditamento que
ocorreu na revisão de 2007. O legislador consagrou o elenco punitivo das pessoas
coletivas e fê-lo da mesma forma que para as pessoas singulares, temos os mesmos
tipos de penas (principais, acessórias e de substituição). Uma crítica que podemos fazer
a este capítulo VI é o facto de não haver uma distinção em secções das penas principais,
acessórias e de substituição, ganharíamos em termos de clareza sistemática. No artigo
90º-A diz-se que as penas principais aplicadas às pessoas coletivas são a pena de multa
ou de dissolução.
A pena de dissolução é uma pena principal de ultima ratio, tal como a prisão é
uma pena privativa de liberdade de ultima ratio para as pessoas singulares, porque a
dissolução implica a perda da personalidade jurídica da pessoa coletiva e corresponde a
uma espécie de morte civil da própria pessoa coletiva, que deixa de ter existência
jurídica no ordenamento. O conceito de pessoa coletiva parte, como já vimos, de 2
elementos: substrato e reconhecimento. Sendo a mais grave das penas, é de ultima
ratio. Aplica-se quando a pessoa coletiva tenha sido criada exclusivamente para
perpetrar crimes. Mas não é só neste caso: existe quando essa finalidade é
predominante e não quando é apenas exclusiva. Isto não tem sentido em termos de
disposição no Código, pois só aparece no artigo 90º-F. O conceito de intenção
predominante tem de ser preenchido pelos tribunais. A lei foi cuidadosa porque prevê
2 possibilidades: a criação ex novo de uma pessoa coletiva para a prática de crimes ou
de aproveitamento de pré-existentes (pessoas coletivas já existentes, mas a dada altura
assume a liderança alguém que a aproveita para praticar crimes).
A pena mais aplicada como pena principal é a pena de multa que é aquela que
podemos pensar como mais adequada para punir um ente abstrato. Pela pena de multa
responde o património da pessoa coletiva, mas se não for suficiente responde também
o património da pessoa singular (artigo 11º). A pena de multa está prevista no artigo
90º-B, aparece na mesma forma do sistema dos dias de multa (artigo 47º). Os limites
são determinados sempre tendo por referência a pena de prisão prevista para as
pessoas singulares (artigo 90º-B nº 1).

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Por exemplo: crime punido com pena de prisão até 5 anos (limite mínimo de 1
mês) ou pena de multa até 600 dias (limite mínimo de 10 dias). Se for um sistema de
multa alternativa, não temos de fazer nenhuma conversão, trabalhamos com a pena de
multa. O legislador parte do princípio de que a pessoa coletiva tem mais capacidade
económico-financeira, daí a taxa diária ser mais elevada. Mas se se tratar de um crime
que só prevê a punição com pena de prisão, como vamos punir a pessoa coletiva? Temos
de fazer uma conversão da pena de prisão em pena de multa à razão de 1 mês equivaler
a 10 dias de multa. Então a moldura penal abstrata vai ser convertida de 1 mês para 10
dias e sendo 5 anos igual a 60 meses dá 600 dias de multa (artigo 90º-B nº 2).
A pena de multa é fixada de acordo com os mesmos critérios que a pena de multa
para as pessoas singulares – nº 4 que remete para o artigo 71º nº 1. A taxa diária é que
não tem nada que ver com o normal, pois o mínimo é de 100€ (nas pessoas singulares é
de 5€) e o máximo é de 10.000€ (nas pessoas singulares é de 500€), é uma pena de
multa mais severa pela razão que se apontou anteriormente. A taxa diária calcula-se
tendo em conta a situação económico-financeira do condenado (pessoa coletiva) e os
encargos com os trabalhadores. A lei é parca ao saber o que se entende por situação
económico-financeira, terá de ser vista de acordo com a contabilidade. Isto é
profundamente criticável, porque as pessoas coletivas não têm encargos só com os
trabalhadores, temos de assumir que não é só o salário, mas também as contribuições
obrigatórias para a segurança social. Mas uma pessoa coletiva obviamente que tem
encargos com muitas outras coisas, como os fornecimentos, as compras, a colocação do
produto no mercado, a publicidade e o marketing. É criticável que o legislador apenas
tenha autonomizado os encargos com os trabalhadores. Claro que a lei fala de situação
económico-financeira e aí estarão muitas destas despesas, mas a lei foi incompleta.
A lei manda também aplicar o disposto nos nº 3 a 5 do artigo 47º. Estes números
admitem que a pena a que seja condenada o seja em prestações, de forma diferida, os
prazos sejam alterados e o facto de, se não houver o pagamento de uma das prestações,
há o vencimento das demais. Obviamente que há uma forma de cumprimento da pena
de multa para as pessoas singulares que está vedada para as pessoas coletivas – a
prestação de trabalho (artigo 48º). Se fossem trabalhar os órgãos, não era
responsabilizar a pessoa coletiva qual tale, mas antes as pessoas singulares – violação
do ne bis in idem. Mas as outras hipóteses estão em aberto.
E se não pagar, o que acontece? Não pode haver o artigo 49º nº 1, isto é, a pessoa
coletiva ir presa (nº 7 do artigo 90º-B). No nº 6 do artigo 90º-B, o legislador diz que se
procede à execução do património da pessoa coletiva. É a mesma lógica da pessoa
singular. E se não houver bens? Para a pessoa coletiva, não acontece mais nada. Não
podemos dissolvê-la. Então agora quem sofre as consequências é a pessoa singular,
quem ocupava a posição de liderança (nº 9 do artigo 11º). O penhor do cumprimento
acaba por ser o património da pessoa singular que ocupava a posição de liderança, sem
qualquer limitação. Do ponto de vista penal, não importa se a sociedade comercial é
S.A., limitada, etc.
Mas temos um problema: pode a pessoa coletiva praticar um concurso de
crimes, desde que se trate de crimes previstos no artigo 11º nº 2. Imaginemos que a
pessoa coletiva praticou:
C1: punível com pena de prisão até 5 anos
C2: punível com pena de prisão de 1 ano a 8 anos
C3: punível com pena de prisão de 1 ano a 5 anos

59
Fazemos a conversão do artigo 90º-B nº 2.
C1: 10 a 600 dias
C2: 120 a 960 dias
C3: 120 a 600 dias
Dá-se a aplicação das mesmas operações do artigo 77º e temos a moldura do
concurso.
C1: 500 dias
C2: 800 dias
C3: 300 dias
Ficamos com a seguinte moldura penal do concurso: 800 a 1600 dias. Mas o
limite máximo, de acordo com o artigo 77º, é de 900 dias. Então aqueles 1600 deveriam
passar para 900 dias. Mas se assim for, olhando para a moldura penal abstrata, há um
limite que ultrapassa – os 960 dias. Portanto ter-se-ia que diminuir o limite para 900
dias. Do ponto de vista da prevenção geral, é absolutamente caótico, reduzir-se-ia a
quotas absolutamente insuportáveis. Não temos solução na lei. Aquilo que a doutrina
tem defendido é que os 900 dias de multa foram previstos especificamente para as
pessoas singulares, o legislador não pensou no problema para as pessoas coletivas, não
pensou na questão do concurso. A única solução que nos resta é não trabalharmos com
os limites em relação à pena de multa, mas trabalharmos com os limites da pena de
prisão. Como temos um critério de conversão legal (artigo 90º-B nº 1 e 2) é pegar nos
25 anos de prisão (300 meses), serão 3.000 dias de multa. Utilizando a razão de
conversão do artigo 90º-B nº 1 e 2, os 25 anos de prisão correspondem a 3.000 dias de
multa e este é que passa a ser o teto máximo inultrapassável. Assim, os 1.600 dias ainda
seriam possíveis. A jurisprudência tem acolhido este entendimento, é a única maneira
de isto funcionar, porque senão seria a total impunidade do agente.

4.2. As penas acessórias

Tal como nas pessoas singulares, também aqui existem os 3 tipos de penas com
as características dogmáticas assinaladas – penas principais, acessórias e de
substituição. Quanto às penas acessórias, estão expressamente previstas no artigo 90º-
A nº 2. Apenas com a ressalva: não há nada que impeça que se apliquem várias penas
acessórias, desde que os requisitos legais o permitam, pode haver cumulação de penas
acessórias. Por exemplo: pode haver publicidade da decisão condenatória (artigo 90º-
M) e, para além dela, ser a pessoa coletiva condenada à proibição de celebrar contratos
(artigo 90º-H). São sempre um reforço da punição da pena a título principal e justificam-
se por razões de culpa e prevenção. Estas penas acessórias têm o mesmo regime das
penas acessórias das pessoas singulares, aplicam-se na dependência da pena principal.
Se a pena principal for objeto de pena de substituição, isso não tem implicações na pena
acessória. É a mesma lógica das pessoas singulares.

4.3. As penas de substituição


5. Juízo conclusivo sobre as vantagens e desvantagens da responsabilização das
pessoas coletivas e entes equiparados e sobre o respetivo regime sancionatório

60
Quanto às penas de substituição, critica-se, do ponto de vista sistemático, o
legislador não separar as penas nestas 3 categorias. Quando falamos de penas de
substituição para a pessoa coletiva é só para a pena de multa.
Seguindo a ordem pela qual aparecem previstas, a primeira é, então, a
admoestação (artigo 90º-C) que se aplica em relação a penas de multa não superiores a
240 dias. Deste aspeto, o artigo tem um âmbito aplicativo igual à admoestação para as
pessoas singulares (o artigo 60º prevê a possibilidade da sua aplicação como pena de
substituição da multa até 240 dias), a lei manda atender aos mesmos requisitos do artigo
60º nº 2 e 3. O nº 2 teve o cuidado de explicar que quem sofre a admoestação é o
representante legal da pessoa coletiva. Tal como acontece com a admoestação das
pessoas singulares, aqui também se pode dispensar o prazo para interposição do
recurso. Quando o tribunal condena alguém a uma pena de multa até 240 dias, sendo
esse alguém uma pessoa singular ou coletiva, o tribunal pode decidir que não se justifica
a aplicação da pena, mas antes a tal solene censura e pode fazê-lo na mesma sessão de
julgamento em que é lida a sentença, desde que com o consentimento de todos os
sujeitos processuais. É uma norma de celeridade processual. Basta que um deles se
oponha, porque pode querer interpor recurso ou pensar nessa possibilidade. A
admoestação está sujeita cada vez mais a críticas porque o efeito prático é mais
simbólico, é uma marca do Direito Penal simbólico, não há um efeito prático muito
grande.
A segunda pena de substituição que o Código Penal prevê é o da caução de boa
conduta (artigo 90º-D). Fala-se em medida concreta da pena, as penas de substituição
operam sempre com esta medida. O que acontece é que a pessoa coletiva é obrigada a
depositar numa conta à ordem do tribunal, num valor que oscila previsto no nº 1, e, se
durante o prazo da caução que vai de 1 a 5 anos não cometer nenhum crime, esse valor
é devolvido. Se tal não acontecer, dá-se a quebra da caução, que reverte integralmente
a favor do Estado, é uma garantia do cumprimento (nº 2). Se a pena de multa é inferior
ao valor que o juiz determinaria para a caução, a pessoa coletiva não quer a pena de
substituição, porque prefere pagar a pena de multa. Pode dar-se aqui uma situação
estranha: o tribunal não tem o bom senso da proporcionalidade do artigo 18º da CRP e
aplica uma pena de multa de 100.000€ que substitui por caução de 500.000€. Pode
acontecer que o arguido interponha recurso neste caso, o que é estranho pois, à partida,
a pena de substituição é menos gravosa. Assim, o tribunal tem de ter em conta a
proporcionalidade da pena aplicada à pessoa coletiva e a caução. No nº 2 diz-se que, se
praticar novo crime durante o período de caução, a lei não exige nenhum nexo de
proximidade do ponto de vista dos bens jurídicos entre o crime praticado pelo que foi
condenado e o crime que vem a praticar durante a caução. Aqui o legislador é mais
exigente do que acontece com as pessoas singulares: basta a prática de qualquer crime,
mesmo que não tenha nenhuma ligação com o praticado pelo agente que deu lugar à
aplicação da pena de multa que depois foi substituída, não tem de haver nenhuma
proximidade do ponto de vista material para que a caução se considere quebrada. O
tribunal revoga a caução se não a prestar no período fixado.
A terceira pena de substituição é a vigilância judiciária (artigo 90º-E). É um
mecanismo mais intrusivo, aquele que mais vai mexer no dia-a-dia da pessoa coletiva,
porque implica que o tribunal nomeie um representante judicial para acompanhar a
pessoa coletiva, de forma a evitar que pratique um crime. Mas este representante
judicial não tem quaisquer poderes de gestão (nº 2). Os órgãos sociais da pessoa coletiva

61
mantêm-se em funcionamento, não são substituídos pelo representante judicial. Tem
meros poderes de vigilância e controlo, sendo certo que se detetar alguma situação
ilícita ou suspeita tem a obrigação de a comunicar ao tribunal. O legislador é mais
exigente para revogar no nº 4 do que a caução de boa conduta em que qualquer crime
praticado leva à revogação da pena de substituição, há uma revogação ope
legis/automática. Aqui tem de haver a condenação de um crime revelando que as
finalidades não puderam ser alcançadas, só haverá revogação se houver esta ligação. É
mais favorável ao arguido.
Nas penas de substituição, o máximo são 600 dias que correspondem a 5 anos
de prisão. Do ponto de vista político-criminal é desejável, porque o máximo que se pode
aplicar nas penas de substituição para pessoas singulares é 5 anos, assim é o mesmo
para as pessoas coletivas, é o que corresponde à razão de conversão do artigo 90º-B nº
2 (1 mês para 10 dias).
As outras penas dos artigos seguintes são penas acessórias.

AS PENAS DE SUBSTITUIÇÃO APLICÁVEIS ÀS PESSOAS SINGULARES


1. Evolução histórica. 2. Noção de pena de substituição e figuras afins. Penas de
substituição detentivas e não detentivas. 3. O juízo de substituição e seus elementos

Este tema implica falar no nascimento da pena de prisão. A prisão é conhecida


desde tempos imemoriais, desde a civilização chinesa, à egípcia, passando pela grega
antiga e romana. Acompanha desde sempre o ser humano. Há um consenso histórico
em que, com exceções, a pena de prisão inicialmente não era uma pena principal, ou
seja, não era o cumprimento de uma pena que visava responder às finalidades da
punição. Prendia-se alguém para funcionar como prisão preventiva, para que não
fugisse até à data do julgamento. Foi essa função cautelar que veio funcionar durante
séculos. Também a prisão por dívidas, muitas vezes acompanhada por trabalhos
forçados, outras vezes o credor queria infligir-lhe sacrifícios maiores e atava-o a uma
coluna e ficava ali, muitas vezes sem alimentação até morrer, outras vezes alimentando
para prolongar o sofrimento.
Só com o advento do Iluminismo (século XVIII) é que surge a primeira prisão
enquanto lugar efetivo de cumprimento da pena principal é na Holanda. Há, então,
quem diga que foi nos Países Baixos, outros no Reino Unido, outros ainda em Itália. A
doutrina maioritária diz-nos que foi nos Países Baixos, nas chamadas Rasphuis, que
significa “casa” e “raspar”. Eram lugares de cumprimento de pena privativa da liberdade,
mas sempre acompanhada da ideia de trabalho, os condenados raspavam os cereais, a
madeira, como forma de terem alguma atividade produtiva que compensasse o custo
do Estado em mantê-los detidos.
Porquê só no século XVIII? Até aí as penas ou eram a pena de morte, ou penas
corporais, ou penas cruéis e degradantes (arrancar membros), ou a compositio (multa),
até que se chega à conclusão de que o valor mais exaltado pelo Iluminismo é a liberdade,
até por contraposição do Ancien Régime. Assim, começa a dar-se mais valor à liberdade
individual, à possibilidade de ir e vir, ao ius ambulandi. Começa a perceber-se que o bem
supremo, depois da vida, é a liberdade. Assim, a sanção mais adequada é privá-lo de
liberdade e aí nascem as prisões em sentido moderno.
Acontece que vão nascendo prisões por toda a Europa e, em meados do século
XIX, há um boom do ponto de vista da reincidência, isto significa o peso da máquina

62
administrativa, penitenciária. Há várias medidas que o Estado tenta aplicar, como a
liberdade condicional. Mas uma delas foi o que deu origem hoje à pena suspensa e nesta
há alguns nomes importantes: Bonneville de Marsangy, Bérenger, von Liszt, Treppoz e
John Augustus. Todas estas personagens históricas tiveram um peso importante naquilo
que começou a ser um movimento internacional contra as penas curtas de prisão.
Os teóricos da altura apercebiam-se que a prisão não era nenhuma escola de
virtudes, mas podia ser uma verdadeira escola do crime, daí que o contacto do
condenado com o meio prisional devia ser evitado ao máximo para evitar a reincidência.
Se se evitar a prisão curta, à partida isso vai diminuir a reincidência. Saber o que é uma
prisão curta é uma questão de sentimento e não há nenhuma definição na lei, mas um
consenso maioritário entende que a pena curta de prisão é aquela que não excede os 6
meses. Houve, nos séculos XIX e XX, uma série de congressos que tinham uma
preocupação – as tais penas curtas de prisão, porque eram criminógenas. Assim, vêm
tentando construir penas diferentes que se possam aplicar em vez da pena principal e é
isso que define a pena de substituição. Bonneville criou a chamada liberté provisoire.
Tinha estabelecido a liberté preparatoire ou sursis. Bérenger, von Liszt e Treppoz
também. John Augustus já entende diferentemente, mas não era um jurista, era
sapateiro. Era bondoso e ficava sensibilizado com os bêbados que praticavam muitas
vezes crimes, o que era um problema social. Este autor assiste a uma audiência de
julgamento em que o arguido bêbado foi condenado a uma pena de prisão. Foi falar com
o juiz no tribunal de Boston e diz-lhe que de nada adianta prender aquele homem,
responsabiliza-se a levá-lo para a sua oficina de sapatos e em 2/3 meses voltava a trazê-
lo. Se ele estivesse bem, perdoava-lhe a pena. O juiz assentiu. Augustus acabou por fazer
isto centenas de vezes. Esta ideia de alguém se responsabilizar por outra pessoa acabou
por dar origem a um instituto muito importante do Direito anglo-saxónico e por isso é
considerado o pai da probation. É um instituto de acompanhamento do condenado para
que, sem prisão, consiga evoluir. Depois isto foi gravado em lei no Massachusetts e foi-
se espalhando para os restantes Estados.
A sursis corresponde à nossa pena suspensa. A ideia era até determinado
quantum de pena podia ser aplicada simplesmente uma advertência, não há pena de
prisão efetiva se durante um determinado período de tempo o condenado não cometer
crimes. Foi-se desenvolvendo e conhecendo várias modalidades. Não é muito diferente
da probation. Também era um período de tempo em que o indivíduo ficava à prova.
As penas de substituição estão ligadas à ideia de evitar a reclusão e serem penas
cumpridas na comunidade. Simplesmente há uma diferença entre a sursis e a probation.
A nossa pena suspensa fica na confluência de ambas, recebe influências da sursis que é
franco-belga, combinadas com a probation anglo-americana. A grande diferença é que
na probation o juiz não determina uma pena, conclui que o agente praticou um crime,
mas o juiz posterga, difere no tempo a sua determinação, aplicando a tal probation. Há
uma decisão condenatória, mas não há uma determinação da pena a cumprir, que vai
depender de o agente não cometer nenhum crime e obedecer a todas as instruções
dadas pelo funcionário do Estado (probation officer). Se a probation é revogada, aí o
tribunal vai determinar a pena e o condenado vai para a prisão. Na sursis a ideia é o
tribunal determinar logo a pena, mas essa vai ficar dependente de uma condição
suspensiva, o agente não vai cumprir a pena de prisão e durante um determinado tempo
fica em liberdade provisória. Se não praticar nenhum crime ou incumprir injunções ou

63
regras de conduta, no final da sursis a pena tem-se por cumprida. A vantagem é que o
tribunal não tem depois de determinar a medida da pena.
Do ponto de vista histórico, as penas de substituição são normalmente penas
não privativas da liberdade. O que não significa que o nosso legislador, no atual Código
Penal de 1982 (o anterior já previa a pena suspensa), não tenha previsto penas de
substituição privativas da liberdade, é uma marca importante no nosso Direito Penal,
pois aumenta consideravelmente o leque de penas de substituição previstas. Na versão
originária, previa 2 penas de substituição detentivas em que o agente era privado da
liberdade – prisão por dias livres e o regime de semidetenção (antigos artigos 45º e 46º).
Desde 2017, estas 2 penas foram revogadas. A primeira significa que o condenado era
recolhido ao estabelecimento prisional pelo período máximo de 48h aos fins-de-semana
ou feriados, evitando a sua dessocialização. Havia uma fórmula em que se considerava
que cada período correspondia a 5 dias de pena de prisão. Era aplicada até 1 ano de
pena de prisão e não dependia do consentimento do condenado. O legislador revogou-
as, porque tinham grandes inconvenientes do ponto de vista da organização dos
estabelecimentos prisionais, era uma grande sobrecarga de trabalho. Por outro lado, a
utilidade desta pena era praticamente nenhuma, porque o indivíduo passar 48h no
estabelecimento prisional não dá para fazer trabalho de ressocialização, principalmente
ao fim-de-semana em que não estavam lá os técnicos de reinserção social. Muitas vezes
sentia-se o efeito criminógeno. Figueiredo Dias dizia que tinha particularmente
interesse para os jovens estudantes para quem os fins de semana têm maior valor. Isto
nunca se provou que fosse realmente assim. O regime de semidetenção, por outro lado,
era mais duro e exigia o consentimento do condenado. Se ele não consentisse, não era
aplicado, mas era um consentimento quase forçado porque ou tinha essa opção ou era
prisão efetiva. Neste regime, o estabelecimento prisional funciona como uma casa. O
recluso entrava no estabelecimento prisional e só saía para cumprir as tarefas de
trabalho, estudo ou formação profissional. Era particularmente duro, porque não existe
uma prisão em cada concelho e havia pessoas cuja prisão mais próxima estava a 100km
ou 200km. É uma medida que não tinha muito efeito, até do ponto de vista da
ressocialização, pois quando ele chegava à prisão os técnicos já não estavam lá. Os
tribunais também aplicavam pouco estas medidas e, em 2017, o legislador decidiu
acabar com elas.
Hoje também ainda temos uma pena de substituição detentiva – a obrigação de
permanência na habitação com vigilância (artigos 43º e 44º). Aplica-se a penas de prisão
não superiores a 2 anos, foi uma mudança em 2017, pois até aí era só até 1 ano. O
legislador entendeu também enriquecer a obrigação de permanência na habitação com
uma série de injunções fixadas no nº 4 do artigo 43º que enriquecem o tempo do regime,
não é apenas um tempo em que fica em casa e não pode sair, pode ter que frequentar
certos programas e atividades. É a única forma que temos hoje de aplicar uma pena de
substituição detentiva. Já não temos nenhuma pena de substituição com contacto com
um estabelecimento prisional.
O nosso Código Penal é dos Códigos europeus que mais penas de substituição
admite. Primeiro porque a prisão é um meio criminógeno. A prisão fica cara e os custos
do crime são cada vez mais uma preocupação do Estado. A partir dos anos 60, nos EUA,
surge a law of economics em que vão verificar quanto custa ter alguém preso. Um dia
de vigilância eletrónica custa 1/3 do custo de uma pessoa recluída.

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4. A pena de substituição aplicável à multa principal: admoestação. Juízo crítico

É criticável não haver uma correta divisão sistemática em relação às penas de


substituição. A partir do artigo 43º a sistematização deixa bastante a desejar.
Quanto às penas principais de multa, a única pena de substituição que o
legislador prevê é a admoestação desde que a medida da pena não seja superior a 240
dias (artigo 60º). O nº 2 estabelece outros requisitos para além do requisito temporal: é
preciso que o dano tenha sido reparado, não basta um mero esforço, aqui podemos
encontrar alguma similitude com o instituto da dispensa da pena. Há aqui uma
terminologia que aparece na valoração positiva das penas de substituição – “se o
tribunal concluir que se realizam as finalidades da punição”, liga as penas de substituição
àquilo que elas verdadeiramente são. Entre nós, não há dúvidas de que são verdadeiras
penas, pelo que cumprem as mesmas finalidades do artigo 40º nº 1, servem para
proteger bens jurídicos e reintegrar o agente na comunidade.
Nas penas de substituição, o mais importante é o juízo de prognose, o juiz
entende que estão reunidos os requisitos para poder conceder ao condenado a
possibilidade de cumprir a pena em meio aberto (penas não detentivas) ou em meio
fechado (regime de permanência na habitação). Não temos uma norma que nos diga
que se o agente já beneficiou de uma pena de substituição já não pode beneficiar de
outra, como acontece com Espanha. Mas tendo cada vez mais inscrições no registo
criminal, é mais difícil ter o juízo de prognose favorável, mas a nível legislativo nada o
impede. Exige-se então que o juiz entenda o juízo de prognose favorável.
Sendo pena de substituição, o agente cumpre-a em vez da pena principal,
cumpre os mesmos desideratos da pena principal, mas de forma diversa, a igualdade
não é naturalística, mas antes normativa. O juiz entende que, face a uma série de
circunstâncias, é de elaborar um juízo de prognose favorável em sede preventiva geral
e especial e apresenta vantagens para o condenado, porque nunca tem contacto com o
estabelecimento prisional, serão medidas cumpridas, em regra, na comunidade, e
vantagens para o sistema no seu conjunto, pois a prisão tem efeitos criminógenos, não
é um incentivo para a reincidência, para além de vantagens económicas.
É altamente criticável que o nosso sistema só apresente uma pena de
substituição para a pena de multa que é a admoestação, deveria prever outras penas de
substituição para a pena de multa. Não se justifica que a pena de multa principal só
conheça uma modalidade de substituição, tanto mais que na versão originária do Código
não era assim, aquilo que hoje temos como pena suspensa era aplicável quer às penas
de prisão, quer às penas de multa. A partir de 1995, por influência de Figueiredo Dias, a
pena suspensa passou a aplicar-se somente à prisão, o que no entender do professor
Lamas Leite é um retrocesso, pois dava um campo maior de liberdade quanto à
aplicação de penas de substituição à pena de multa. A admoestação ou tem poucos
efeitos ou efeitos nulos, daí que do ponto de vista iure condendo é defensável que se
elimine este tipo de pena, é quase uma descriminalização encapotada.
Aqui está o cerne da dificuldade das penas de substituição. Temos um dos
catálogos mais amplos de penas de substituição, mas a legislação é, em certos pontos,
contraditória. Porque, por vezes, é de forma tão leviana que o legislador trata as penas
de substituição que ficamos em dúvida se quis prever penas de substituição ou se quer
aplicar uma pena tão fraca que nem tem efeitos sobre o condenado. Assim, a
admoestação é uma pena mais simbólica e o professor Lamas Leite entende que não faz

65
sentido, pelo que se deveria abrir a possibilidade de haver pena suspensa bem como a
possibilidade de substituir uma pena de multa por prestação de trabalho a favor da
comunidade, o que na prática acaba muitas vezes por existir nos termos do artigo 48º.
Se dizemos que as penas de multa e prisão desempenham o mesmo papel, então por
que é que depois para a pena de multa temos só esta pena de substituição fraca? É um
contrassenso que o nosso legislador tem aqui da forma como prevê as penas de
substituição. Aqui toca-se no ponto central da crise das penas de substituição. O
condenado entende a pena de substituição quase como uma absolvição. Isto é péssimo
para o sistema, porque passa uma mensagem negativa para o condenado e para a
comunidade em geral. As penas de substituição têm de ser certas e eficazes, sentidas
pela comunidade como verdadeiras penas. Isto claro que tem uma dificuldade: em
regra, as penas de substituição são menos severas do que a pena principal, em virtude
do princípio da proporcionalidade. Não podemos dar possibilidade a que a pena de
substituição seja entendida de uma forma tão leviana e que represente para a maior
parte dos condenados uma absolvição. A luta é torná-las eficazes, certas, que as pessoas
percebam que é aplicada em vez da pena principal, que tem um quantum de sofrimento
semelhante ao da pena principal.

5. As penas de substituição aplicáveis à pena de prisão

Em relação à pena principal de prisão, o legislador consagra mais penas de


substituição. No final da determinação da pena (temos a moldura penal abstrata, depois
a moldura penal concreta e a medida concreta da pena), temos a fase eventual no caso
de penas de prisão até 5 anos ou pena de multa até 240 dias que é a fase da escolha da
pena. Se o juiz chegar até uma destas medidas, tem obrigatoriamente de se pronunciar
sobre a possibilidade ou não de substituir aquela pena, sob pena de nulidade da
sentença, tem de o fundamentar na decisão. O momento da escolha da pena acontece
no final do momento determinativo da mesma, mas pode acontecer logo no início. Se o
crime prevê pena de prisão de 1 a 3 anos ou pena de multa até 360 dias (tipo legal de
crime de multa alternativa), logo aqui o juiz no início tem de decidir se aplica pena de
prisão ou multa, é também um momento de escolha de pena, que pena principal vai
aplicar. Regra geral, no artigo 70º, o juiz deve preferir pela aplicação da pena de multa,
mas se for reincidente, já aplica pena de prisão à partida, depende de as finalidades
estarem verificadas. O juiz já sabe que para a pena de multa só há uma pena de
substituição, enquanto que para a prisão há várias. Acontece um desvio/entorse do
sistema: os juízes aplicam a pena de prisão, pois depois têm mais possibilidades de
aplicar uma pena de substituição. É a violação direta do artigo 70º. Assim, se
pudéssemos ter a prestação de trabalho a favor da comunidade ou a pena suspensa
enquanto penas de substituição da pena de multa, já conseguíamos controlar este
desvio ao sistema, é mais um argumento para se reforçar o catálogo da pena de multa
enquanto pena principal. Portanto, o momento da escolha da pena pode acontecer em
2 momentos: no início, no caso de o tipo legal ser de multa alternativa; ou no final.

5.1. Detentiva: regime de permanência na habitação. A revogação das penas de prisão


por dias livres e regime de semidetenção (2017)

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A única pena detentiva que temos no nosso ordenamento jurídico é a dos artigos
43º e 44º - regime de permanência na habitação (doravante OPH). Como vemos, a
arrumação das matérias não é a mais adequada. Foi introduzido pela primeira vez em
Portugal como pena de substituição (já existia enquanto medida de coação processual)
em 2007, sendo que é largamente melhorado esse sistema.
Só se aplica se o condenado consentir (tal como a PTFC), porque ele vai ficar
privado da liberdade na sua residência e vai ser monitorizado através de vigilância
eletrónica.
Até que medida pode aplicar o juiz? Até 2 anos de pena de prisão (alínea a) do
nº 1 do artigo 43º). Também no caso da alínea b), supondo que o agente foi condenado
a 4 anos, mas esteve em medida de coação processual (prisão preventiva ou obrigação
de permanência na habitação) durante 2 anos que são descontados, pode cumprir os
restantes 2 em OPH. No caso da alínea c) última parte, aplica-se quando alguém que é
condenado a uma pena de prisão até 1 ano, mas que o tribunal substitui por multa nos
termos do artigo 45º nº 1, e o condenado não a liquida. O nº 2 do artigo 45º diz que o
agente cumpre a pena prevista na sentença que, no máximo, só pode ir até 1 ano. Aí a
lei dá possibilidade de essa pena ser cumprida, se o condenado nisso consentir, em OPH.
Há aqui um sistema de vasos comunicantes entre esta pena de multa de substituição e
outra pena de substituição. Na literatura internacional, tem-se referido a ideia de
interchangeability – as penas de substituição entre si podem ser conexionadas, se uma
é incumprida outra pode ser aplicada, é uma substituição da substituição. Mas na
primeira parte da alínea c), aplica-se se se revogar qualquer pena não privativa da
liberdade, como também é a PTFC, ou como também é a pena suspensa. O agente foi
condenado a 2 anos e incumpre 2 anos de pena suspensa, ao invés de ir para a prisão,
pode cumprir os 2 anos em casa. Este âmbito de aplicação foi alargado em 2017. Quando
o condenado não cumpre a pena suspensa, se for até 2 anos, ainda pode requerer ficar
em casa com pulseira eletrónica.
O nº 2 diz o que significa o regime de permanência na habitação, mas há uma
coisa nova – na antiga redação do artigo, havia dúvidas sobre se o condenado podia
ausentar-se. Se precisasse de qualquer cuidado médico, podia ausentar-se, mas para
outras situações havia dúvidas. A lei admite saídas excecionais temporárias, reguladas
no nº 3. O legislador, como acabou com a prisão por dias livres e a semidetenção, criou
uma forma, em caso de o indivíduo estar a trabalhar, continuar a trabalhar, o condenado
em OPH pode sair de casa com objetivo de formação profissional, trabalhar, estudar ou
medidas de ressocialização. É um regime muito mais flexível do que era.
Há mais uma vez a tal interchangeability – estar em casa pode não ser suficiente,
pelo que o nº 4 diz que deve o tribunal aplicar obrigações cujo cumprimento seja
necessário para a sua ressocialização e dá exemplos. É uma pena de geometria variável,
porque tem um conteúdo adaptado ao indivíduo, adapta-se às necessidades do
condenado.
Outro aspeto que podia levantar dúvida a lei estabeleceu no nº 5 – não se aplica
a liberdade condicional, isto não é prisão, é uma pena de substituição da pena de prisão.
Depois o artigo 44º nº 1 admite que, se houver alguma modificação, por exemplo o
indivíduo deixa de estudar, já não usufrui das saídas excecionais.
Quando se revoga esta pena de substituição? Nos termos do nº 2, voltamos à
proximidade do regime da pena suspensa. Mais uma vez, não é qualquer
incumprimento, é infração grosseira ou repetida. O crime tem de ter alguma ligação, as

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finalidades não puderam ser cumpridas desta forma. Também se lhe for aplicada prisão
preventiva, aqui revoga-se essa pena e vai para prisão preventiva. Mas tem que haver
desconto por inteiro, que é o que a lei diz no nº 3.
O nº 4 é muito importante, pois diz-se que quando a OPH é revogada, cumpre a
pena principal sobre a qual há possibilidade de liberdade condicional. Não há liberdade
condicional quanto à pena de substituição, mas há quanto à revogação desta e aplicação
da pena principal.

5.2. Não detentivas:


5.2.1. Multa de substituição

O legislador, no artigo 45º nº 1 (substituição da prisão por multa), diz que quando
o agente for condenado em pena de prisão, o tribunal deve preferir pela pena de multa
de substituição ou outra pena não privativa de liberdade. Depois diz que isto acontece
se o tribunal entender que é exigido pela necessidade de prevenir o cometimento de
futuros crimes. Este artigo é muito importante por várias razões. Está tristemente
redigido, porque diz ao juiz que só aplica a prisão se for necessário para evitar a
reincidência. Mas o objetivo da pena de substituição não é só este, a reintegração do
agente na comunidade também o é. Devia estar escrito “para o cumprimento das
finalidades punitivas”. Mas só falar na necessidade preventiva da reincidência é apontar
apenas para uma das finalidades que o artigo 40º nº 1 prevê, devia ser todas as
finalidades. Em segundo lugar, há quem queira retirar do artigo 45º nº 1 a ideia de que,
em Portugal, se o indivíduo é condenado em pena de prisão até 1 ano, a pena é sempre
substituída por multa ou outra pena não detentiva. Este não é um sistema de
substituição regra, o juiz não é quase obrigado. A lei é clara, diz que o juiz prefere essa
aplicação, mas se as finalidades da punição puderem ser atingidas pela multa ou outra
pena de substituição não privativa da liberdade.
Depois a lei remete para todo o artigo 47º: o número de dias de multa determina-
se de acordo com as exigências de culpa e prevenção. Já tínhamos visto que o juiz não é
obrigado a utilizar a razão de conversão de 1 para 1, pode ser mais, depende das razões
de culpa e prevenção. Se se aplica o artigo 47º na sua totalidade, o legislador admite
que a multa de substituição ainda seja paga em prestações ou seja diferido o seu
pagamento no tempo até dali a 1 ano. Do ponto de vista político-criminal, também é
duvidoso. O que para o professor Lamas Leite já é ilegal e o STJ já tirou um acórdão
uniformizador (Acórdão nº 7/2016) que contraria esta posição é o seguinte: alguém que
é condenado na pena de prisão de 1 ano, o tribunal entende substituí-la por multa, o
condenado vem pedir a aplicação do artigo 48º. O artigo 45º manda aplicar o artigo 47º
e não o artigo 48º. Mas os juízes do STJ entenderam de forma peregrina (e contra legem
no entender do professor) que o condenado de multa de substituição pode ainda
requerer a aplicação do artigo 48º. Este está previsto para a pena de multa como pena
principal e esta não é principal, é de substituição da pena de prisão. Assim, o condenado
consegue uma substituição da substituição – a tal certeza e determinação perde-se. O
que acontece se a multa não for paga? Cumpre a pena de prisão na sua totalidade, mas
sem qualquer desconto, ainda que tenha pago uma parte. O artigo 45º nº 2 manda
aplicar o artigo 49º nº 3, isto já é mais que suficiente para proteger a situação económica
do condenado.

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5.2.2. Pena suspensa e suas modalidades

Depois temos aquela que é a pena de substituição rainha, pois tem o âmbito de
aplicação mais elevado (até 5 anos) e, do ponto de vista estatístico, é a mais aplicada
em Portugal – pena suspensa ou suspensão da execução da pena de prisão. É, portanto,
a pena de substituição mais aplicada em Portugal e com mais largo espectro. Até 2007,
era aplicada até 3 anos de prisão e agora é até 5 anos, o que é altamente criticável, num
sistema que tem como máximo 25 anos de prisão, o que corresponde a 1/5.
Esta pena foi a primeira pena de substituição que surgiu, com origem na sursis e
é uma conjugação desta com a probation. Não temos em Portugal um verdadeiro
sistema de probation, o sistema mais próximo é a suspensão com regime de prova dos
artigos 53º e 54º, porque na probation o tribunal não determina logo a medida concreta
da pena. Na base da probation também está a ideia de estar alguém a acompanhar o
condenado. O nosso regime da pena suspensa fica no intervalo da sursis franco-belga e
da probation anglo-americana. Na primeira, o tribunal tem que determinar logo na
sentença a pena a que condena o arguido, ao passo que na probation dá-se por provada
a prática do crime, mas se o agente cumprir a pena da probation sem nenhuma
intercorrência, ela é extinta e não há determinação da medida concreta da pena.

Temos 4 modalidades de pena suspensa previstas de uma forma


sistematicamente crescente de exigência em relação ao condenado. É só para a pena de
prisão, quanto ao professor Lamas Leite mal, pois considera que se deveria aplicar à
pena de multa, o que aconteceu na versão originária do Código Penal em 1982.
A pena suspensa pode ser simples, consta da regra geral do artigo 50º. Os artigos
50º a 57º formam a normação deste instituto. O artigo 50º funciona como uma espécie
de “parte geral” ou norma geral para toda a pena de substituição que se chama pena
suspensa (o próprio CPP chama-lhe pena suspensa, ao invés da designação completa,
nos artigos 492º e seguintes). A suspensão simples significa a ameaça da sanção.
O período da suspensão, nos termos do artigo 50º nº 5, varia entre 1 e 5 anos.
Esta norma já tem conhecido várias redações, o que significa que já tem conhecido
vários pensamentos que lhe estão subjacentes. A redação atual é a redação originária
do CP. Supondo que o agente é condenado a 2 anos de prisão, pode ser condenado a
pena suspensa durante 5 anos ou qualquer período dentro daquela moldura. Mas entre
2007 e 2017, o legislador fazia corresponder o tempo de suspensão ao tempo de
duração da medida concreta da pena. O professor diz que não tem sentido porque o
período de suspensão é usado para pôr o condenado à prova. Esta automaticidade que
existiu não tinha sentido. Em 2017, o legislador voltou à forma original. O julgador é livre
de escolher o tempo de suspensão, com uma limitação: se alguém é condenado a 10
meses de pena de prisão, nunca pode ser condenado a pena suspensa por menos de 1
ano, porque esse é o mínimo.
A que é que o legislador atende na pena suspensa? Aos critérios previstos no
artigo 50º nº 1. Podemos dizer, sem margem para dúvidas, que estes critérios são
verdadeiros fatores de medida da pena suspensa. Como vimos, no artigo 71º nº 2, havia
fatores de medida da pena principal, também estes são fatores de medida da pena
suspensa. O professor entende que estes critérios se aplicam a toda e qualquer pena de
substituição, mesmo que o legislador diga só na pena suspensa. O professor entende
que deviam estar numa única norma que funcionasse como parte geral das penas de

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substituição, o que tinha vantagens, pois seria positivar em letra da lei o que, na prática
dos tribunais, já acontece. Corretamente a lei também diz que, de acordo com as
circunstâncias, se aplica a pena suspensa se se puder concluir que esta serve para
cumprir de forma suficiente e adequada as finalidades da punição. No artigo 45º nº 1
criticámos a formulação da norma, porque não é só uma ideia de prevenção geral, mas
também a ressocialização do agente. O professor entende que era o que devia estar em
todas as normas para as penas de substituição o que está no artigo 50º nº 1.
O nº 2 estabelece as outras formas de pena suspensa: pena suspensa com
deveres (artigo 51º), com regras de conduta (artigo 52º) e o regime de prova (artigos
53º e 54º).
Já fomos dizendo o que distingue os deveres das regras de conduta: em Portugal
isto foi adaptado do CP alemão que os designava como Auflagen e Weiungen
respetivamente. O artigo 51º nº 1, na parte final, diz que os deveres se destinam a
reparar o mal do crime, isto tem um certo sabor ético-retributivo. O tribunal coloca-se
numa posição retrospetiva, diz o que pode o condenado fazer para reparar, de alguma
forma, o mal do crime. Já a regra de conduta leva o tribunal a adotar uma posição
prospetiva. Quando tivermos que analisar várias medidas que o tribunal aplicou, este é
o critério para distinguir se estamos perante um dever ou uma regra de conduta – ver
se está ligado ao passado ou ao futuro. Estas duas vias de intervenção estão previstas
no CP através do advérbio “nomeadamente” de uma forma exemplificativa, o tribunal
pode aplicar outras que não estão expressamente previstas, o legislador apenas colocou
as mais habituais na sua aplicação. Quanto à prestação de valor equivalente da alínea c)
do nº 1 do artigo 51º, entende-se a entrega de bens em género, mas há quem o
interprete como trabalho em vez de pagar indemnização. Mas esta interpretação não
parece correta, pois, se o dever está ligado ao passado, não cabe dentro das finalidades
dos deveres, mas antes das regras de conduta. O nº 3 admite que possa haver uma
alteração nos montantes que sejam fixados, o que significa algo muito interessante – as
decisões relativas às penas de substituição estão sempre sujeitas a uma cláusula rebus
sic stantibus (enquanto a situação se mantiver). É uma decisão que transita em julgado
entendido de forma diversa, pois está sujeita a uma condição suspensiva, pois a pena
de substituição está sempre umbilicalmente ligada à pena principal. Se fosse uma pura
ideia de efeito material de trânsito em julgado, não podíamos mexer mais na decisão,
ainda que o condenado não cumprisse a pena de substituição. Nesta medida, aproxima-
se dos processos de jurisdição voluntária do Direito Processual Civil. No termos do nº 4,
a fiscalização também pode ser com vigilância eletrónica, o que não é muito normal pois
entende-se que esta vigilância esteja mais direcionada para o futuro.
Quanto às regras de conduta, em 2007 o artigo 52º sofreu uma reforma no
sentido bastante positivo, pois temos nos dois números separadamente regras de
conduta de conteúdo positivo (nº 1) e de conteúdo negativo (nº 2), antes de 2007 estava
tudo misturado. O nº 2 diz “complementarmente”, o que levaria a considerar que se
tem de aplicar uma regra de conduta do nº 1 e depois uma do nº 2. Isto foi introduzido
em 2007 e não está a fazer nada, porque este “complementarmente” não representa a
realidade. O legislador queria dizer que, para além das regras de conduta do nº 2, podem
aplicar-se outras, pelo que deveria estar cumulativamente, desde que não sejam
excludentes (como por exemplo, aplicar a regra de residir em determinado lugar e a de
não residir em determinados lugares). O nº 3 também mostra como isto está orientado
para a ressocialização do agente. Este número não configura nenhuma medida de

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segurança. Se as regras de conduta estão vocacionadas para a reintegração do agente,
isto é mais para os casos de adição, se o agente consentir podemos também aplicar
como regra de conduta ele ser internado num estabelecimento adequado, sempre com
consentimento, ou violaríamos a Constituição.
Quanto à 4ª modalidade, o regime de prova é o que temos mais próximo do
regime da probation anglo-americana, mas não o é, pois na sentença já determinamos
a medida concreta da pena. Exige-se que o condenado seja acompanhado por um
técnico de reinserção social que vai elaborar um plano individual de acordo com as suas
concretas necessidades, onde coloca deveres e regras de conduta dos artigos anteriores,
as que estão previstas neste artigo 54º e ainda outras. Dentro dos possíveis deve ser
negociado com o condenado, mas isto não é uma negociação pura e dura, ele pode dar
a sua opinião, é tentar obter a sua adesão punitiva, tentar que o condenado adira
àquelas medidas porque é benéfico para ele (nº 2 do artigo 54º).
Quanto ao artigo 53º nº 3, o professor entende que devia ser 21 anos à data em
que se aplica a pena suspensa. Se o agente não tiver 21 anos de idade, é sempre
obrigatório aplicar-se pena suspensa, ser sempre pena com regime de prova, em que o
condenado está mais amparado, ainda que se exija mais dele. Nos termos do nº 4, o
regime de prova também é sempre aplicado quando se trate de um crime contra a
liberdade e autodeterminação sexual. Se for a pena suspensa no âmbito do artigo 53º,
podem-se cumular deveres, regras de conduta e regime de prova (remissão do artigo
54º nº 3 para o artigo 50º nº 3).
Se o condenado cumpre pontualmente, cumpre ponto por ponto,
independentemente da modalidade, findo o período da suspensão, dá-se a extinção da
pena – artigo 57º. Se tudo for cumprido de forma adequada, a pena é declarada extinta,
esta foi uma outra forma de cumprir a pena de prisão em que o juízo de prognose se
mostrou correto.
Às vezes, pode acontecer que, durante o período da suspensão, o agente tenha
cometido um crime em relação ao qual ainda não haja decisão. Daí o nº 2 do artigo 57º,
em que se procura saber se há outros processos pendentes. Se houver, vamos ter que
esperar pela decisão daquele processo. Em qualquer das modalidades da pena
suspensa, não há lugar a qualquer desconto, se incumprir durante a suspensão, vai
cumprir o tempo todo da pena de prisão. Não é assim na prestação de trabalho a favor
da comunidade, em que há desconto.
Pode acontecer que o agente, durante o período da suspensão, tenha praticado
algum crime ou não tenha cumprido algum dos deveres, regras de conduta ou regime
de prova. Prevalece a ideia de que o cumprimento da pena principal é de ultima ratio,
porque o juiz entendia que podia fazer, naquele momento, um juízo de prognose
favorável. Mas pode acontecer que o condenado incumpra, pelo que a lei ainda dá ao
juiz a possibilidade de dar uma última oportunidade ao condenado, no artigo 55º, ao
introduzir mais obrigações ou alargar o período de suspensão. O “culposamente”
levanta dúvidas na doutrina e jurisprudência para saber se é só o dolo ou se a negligência
consciente também está aqui inserida. O professor prefere esta segunda solução,
incluindo neste conceito a negligência consciente. O tribunal pode fazer um conjunto de
coisas taxativamente consagradas nas alíneas previstas de forma crescente de
gravidade. No caso da alínea b), pode o tribunal exigir garantias do cumprimento.
Quanto à prorrogação (alínea d)), há limites. Por exemplo: a suspensão é de 4 anos, o
juiz não pode prorrogar por metade (2 anos), pois excederia os 5 anos, mas apenas por

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mais 1 ano. Se a suspensão fosse de 3 anos, já poderia, pois acresceria 1 ano e 6 meses,
não ultrapassando os 5 anos.
Se o agente, ainda assim, persistir no incumprimento, então não temos outra
solução que não a de aplicar o artigo 56º. Quanto à revogação, temos os requisitos do
nº 1 deste artigo. Nos termos da alínea a), não se trata de qualquer infração, tem de ser
repetida, reiterada no tempo ou grosseira. O objetivo da lei é sempre evitar ao máximo
o cumprimento da pena principal. A alínea b) mostra como esta não é uma revogação
que opera ope legis (automaticamente), opera ope judicis, isto é, por força da
condenação do tribunal. Tem que haver uma ligação pela qual o agente foi condenado
e o crime que cometeu durante o período da suspensão. A revogação tem de ser vista
casuisticamente pelo tribunal, não opera automaticamente. Tem de se poder
depreender pela prática do crime que as finalidades de suspensão não puderam ser
preenchidas. É o mesmo raciocínio da íntima conexão da reincidência e da especial
tendência na PRI. Depois tem de ser um crime pelo qual venha a ser condenado. Não se
pode revogar logo que haja processo pendente, tem de ser uma condenação com
trânsito em julgado. Se temos notícia que cometeu um crime que pode pôr em causa a
revogação da suspensão, temos de esperar pela efetiva condenação. Daí o artigo 57º nº
2 que, antes de extinguir a pena, o tribunal vai averiguar se há processo pendente. Não
é restituído nada ao condenado, ainda que tenha pago alguma coisa a propósito de um
dever ou regra de conduta (nº 2 do artigo 56º).
O tribunal não tem de passar sempre pelo artigo 55º e só depois, se incumprir
novamente, aplicar o artigo 56º. Pode acontecer que, pela gravidade do incumprimento,
se passe logo para o artigo 56º, revogando imediatamente, sem ter de passar pelo artigo
55º. Dependendo da gravidade do incumprimento, o tribunal tenta aplicar primeiro o
artigo 55º, se diz que já é de tal forma grave, grosseiro e repetido, pode aplicar logo o
artigo 56º.

5.2.3. A pena de prestação de trabalho a favor da comunidade

A seguinte pena de substituição que surge no Código Penal é a prestação de


trabalho a favor da comunidade (doravante PTFC). É uma pena de substituição que tem
larga tradição histórica. A pena de prisão surgiu sempre associada a uma ideia de
trabalho na Holanda, como já vimos anteriormente. O trabalho tem um efeito de
substituição muito antigo e que é muito considerado, dada a ideia de que o condenado
se o for em trabalho, está a fazer uma contraprestação a favor do Estado. Não é possível
uma reintegração in natura, mas tem um efeito de prevenção geral e especial muito
positivo.
Aplica-se a penas concretas de prisão até 2 anos e consiste numa prestação
gratuita de trabalho a favor do Estado ou instituições às quais o Estado reconhece
interesse público. Pode ser cumprida em dias da semana ou aos fins-de-semana e
feriados, pois o objetivo é evitar a dessocialização do condenado. A PTFC não pode ser
aplicada sem o consentimento do condenado (artigo 58º), porque se entende que isso
seria um trabalho forçado proibido pela CRP. Não é bem assim, tendo em conta o artigo
4º da CEDH. O tribunal aplica uma pena de prisão até 2 anos e depois o condenado pode
requerer substituição por trabalho. Ou durante o próprio julgamento o tribunal pode
perguntar ao condenado se, no caso de vir a ser condenado, se opõe ou não a uma

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eventual aplicação da PTFC. Se isso constar da ata de julgamento, já está a dar o
consentimento.
Como se convertem os dias de prisão em horas de trabalho? 2 anos de prisão são
730 dias. A lei diz que a correspondência é 1 dia de prisão corresponde a 1 hora de
trabalho. Aplicando a taxa de conversão, seriam 730h. Mas o legislador diz que não pode
ultrapassar 480h (artigo 58º nº 3). Se o condenado o é em 480h, mas chega ao fim de
400h e não cumpre mais, a lei ainda dá uma outra possibilidade ao juiz. À partida, se
incumpre, faz-se o desconto e iria 80 dias para a prisão. Mas a lei diz que o juiz ainda
pode aplicar outra possibilidade: se tiver cumprido já 2/3, considera-se o resto como
cumprido (artigo 59º nº 5). Supondo que o condenado durante o período da PTFC fica
doente e fica impossibilitado de trabalhar por causa não imputável, a lei diz que se pode
aplicar o artigo 59º nº 6, substituindo a pena de prisão por multa até 240 dias ou
suspendendo a execução da pena de prisão por um período de 1 a 3 anos com deveres
ou regras de conduta adequados. É um caso em que a própria lei prevê uma pena de
substituição que, por sua vez, prevê uma substituição, por motivo não imputável ao
agente.

5.2.4. A pena do art. 46.º do CP. 6. Juízo crítico sobre o regime vigente

A proibição do exercício de profissão, função ou atividade surge pela primeira


vez no nosso ordenamento jurídico em 2007. Surge mal inserida, com a ideia comum a
vários ordenamentos jurídicos, nomeadamente Espanha, de que há limitações de
direitos que podem substituir a pena de prisão. Há países em que a inibição de conduzir
é de substituição e noutros, como a Suíça, em que é uma pena principal para crimes
rodoviários. A natureza das penas não está inscrita na natureza das coisas, podem ser
modificadas de acordo com as opções de política-criminal.
O artigo 46º diz-nos que se aplica em penas aplicadas com medida concreta até
3 anos (é a segunda mais ampla de penas de substituição). Está relacionada com a
possibilidade de se aplicar a proibição do exercício de uma profissão, função ou
atividade. Esta profissão pode ser de natureza pública ou privada. Quando dizemos
natureza pública estamos a referir-nos a um funcionário (artigo 386º) ou alguém que
exerce uma profissão que depende de um título público habilitador, ou seja, inserida
numa ordem profissional para poder exercer a sua profissão. Limitar o exercício da
profissão pode servir como pena de substituição, é uma medida com fundamento
político-criminal, mas que só faz sentido até do ponto de vista das finalidades de
prevenção aplicar uma pena deste género, quando o crime que o agente cometeu tenha
alguma ligação com a sua profissão, porque se não tiver, não faz sentido limitar-lhe o
exercício da sua profissão. Por exemplo: um advogado que comete um crime de ofensa
à integridade física ou violência doméstica. Não tem sentido limitar-se o exercício da sua
profissão, pois não houve ligação entre o crime e a profissão. Mas se o advogado fica
com o dinheiro que o cliente pagou a propósito de uma provisão e não faz nada com o
processo, pratica um crime de burla. Ou então a violação de segredo profissional. São
crimes intimamente relacionados com o exercício da profissão.
Todas as penas têm de ter sempre um limite temporal, independentemente da
sua natureza, esta é de 2 a 5 anos. Também nos termos do artigo 66º, a pena só se aplica
relativamente a crimes cometidos no exercício das suas funções, tal como aqui
acontece.

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O nº 2 manda aplicar algumas disposições de penas acessórias, denotando
aproximação entre esta pena de substituição e a pena acessória do artigo 66º.
Se o agente, durante o período que está sujeito a esta pena, não violar a
proibição e se não cometer nenhum crime, dá-se a extinção da pena. Mas o nº 3 trata
das questões em que as coisas não correm assim bem, dando-se a revogação. À
semelhança do que vimos na pena suspensa, a revogação não é ope legis, precisa de um
juízo do julgador que permita concluir que as finalidades não puderam ser alcançadas.
A lei não é muito rigorosa quanto à violação da proibição. Na pena suspensa a lei dizia
violação grosseira e repetida. Aqui diz só violação. Não há possibilidade de se lhes aplicar
os paliativos do artigo 55º, porque é um regime específico da pena suspensa. O
professor Lamas Leite defende que esse artigo 55º, se tem sentido para a pena
suspensa, tem sentido para todas as penas de substituição. O artigo 55º devia constar
da tal parte geral das penas de substituição, aplicando-se a todas elas. Neste momento,
o que temos é uma pena em que se o indivíduo comete um ato da profissão, a pena é
revogada. Depois o nº 4 manda aplicar o artigo 57º, sobre a extinção da pena.
No nº 5, a lei é muito incongruente quanto ao efeito do desconto do tempo
cumprido sem intercorrências nas várias penas: na pena suspensa não há desconto
nenhum; na PTFC há desconto por inteiro; na multa de substituição o condenado ou
paga a multa de uma vez, ou em prestações, ou diferidamente, ou o STJ considera ainda
trabalho, mas se paga parcialmente não há possibilidade de desconto; aqui nesta do
artigo 46º o tempo que o agente esteve sem violar a proibição é para descontar, porque
o legislador entende que pode ser uma pena muito forte, se fica proibido de exercer a
profissão, tem de arranjar outra, o que nem sempre é fácil. Por ser uma pena dura é que
o legislador manda descontar. Por isso é impossível elaborar uma teoria geral das penas
de substituição, porque cada uma delas tem o seu regime muito próprio. Nos termos do
nº 6, cada dia de prisão equivale ao nº de dias de proibição

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