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DIREITO DAS
OBRIGAÇÕES

TURMAS 1 E 2
PRÁTICA - 1.º SEMESTRE
BRUNA MARIANA - COM COLABORAÇÃO DE
ANA MARGARIDA
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO PORTO
2022/2023
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Nota Introdutória

Esta sebenta das aulas práticas da turma 1 e 2 de Direito das Obrigações


disponibilizada pela Comissão de Curso dos estudantes do 3º Ano da Licenciatura em
Direito da Faculdade de Direito da Universidade do Porto no ano letivo 2022/2023, foi
elaborada pela estudante Bruna Mariana com o apoio e colaboração de Ana Margarida,
que elaborou os apontamentos semanais da Unidade Curricular em questão, e reviu,
posteriormente, conteúdo do documento.
O material utilizado foi, essencialmente, o conteúdo lecionado pelo docente Dra. Rute
Teixeira Pedro.
Relembra-se ainda que esta sebenta constitui apenas um complemento de estudo, não
dispensando, por isso, a presença nas aulas práticas e teóricas, assim como a leitura da
bibliografia obrigatória.

Bom estudo!

Ana Margarida e Bruna Mariana 1


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Índice

1. Classificação de contratos e prestações debitórias ....................................................3


1.1 Resolução caso prático nº1.....................................................................................4
2. Eficácia externa das obrigações................................................................................11
2.1 Resolução caso prático nº2....................................................................................11
2.2Resolução caso prático nº3....................................................................................15
3. Relação Obrigacional complexa...............................................................................17
3.1 Resolução caso prático nº4...................................................................................17
3.2 Resolução hipótese prática complementar...........................................................22
3.3. Resolução caso prático nº5..................................................................................23
3.4. Resolução caso prático nº6 .................................................................................26
3.5. Resolução caso prático nº7 .................................................................................29
4. Contrato-promessa....................................................................................................32
4.1. Resolução caso prático nº8 ................................................................................32
4.2. Resolução caso prático nº9 ................................................................................37
5. Pacto de Preferência..................................................................................................41
5.1. Resolução caso prático nº10 ..............................................................................41
6. Contrato a favor de terceiro ....................................................................................45
6.1. Resolução caso prático nº12...............................................................................45
6.2. Resolução caso prático nº13...............................................................................50
7. Contrato para pessoa a nomear ..............................................................................51
7.1. Resolução caso prático nº11...............................................................................51
8. Gestão de negócios.....................................................................................................54
8.1. Resolução caso prático nº14................................................................................54
8.2. Resolução caso prático nº15................................................................................59
9. Enriquecimento sem causa.......................................................................................61
9.1. Resolução caso prático nº16................................................................................61
10. Responsabilidade civil.............................................................................................63
10.1. Resolução caso prático nº17..............................................................................63
10.2 Resolução caso prático nº18..............................................................................68
10.3. Resolução caso prático nº19..............................................................................72
10.4. Resolução caso prático nº20..............................................................................80
10.5. Resolução caso prático nº21..............................................................................82
10.6. Resolução caso prático nº22..............................................................................84

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Classificação de contratos e de prestações debitórias

Caso Prático nº1


Considerando as seguintes situações, qualifique e classifique o contrato em referência em
cada uma das alíneas e as prestações debitórias que constituem o objeto das obrigações
principais que dele emergem para cada uma das partes contratuais:

a) A 11 de Outubro, C vende a N o seu automóvel por 12.000€. Suponha sucessivamente


que:

1) Convencionam que o preço será pago cinco dias depois e que o carro será entregue na
mesma altura.
2) O carro é entregue de imediato. Convencionam que o preço será pago em 10 prestações
de 1.200 € cada.

O contrato que está aqui em causa é um contrato de compra e venda. As partes que
constituem este contrato são: o vendedor (C) e o comprador (N).

Classificação do contrato:
⚫ Negócio jurídico bilateral;
⚫ Contrato bilateral: contrato que gera obrigações para ambas as partes sendo que as
obrigações geradas estão ligadas por um nexo do sinalágma;
⚫ Contrato nominado: foi lhe atribuído um nomen iuris, neste caso o nomem iuris é
contrato de compra e venda;
⚫ Contrato legalmente tipificado: o contrato de compra e venda está tipificado na lei,
tendo um regime previsto para ele nos artigos 875º e ss do CC;
O nexo do sinalagma é muito importante geneticamente e funcionalmente, porque
enquanto N não pagar o preço, se não houver prazos distintos para o cumprimento, C
pode não entregar a coisa.
Como se denomina este meio de defesa? Exceção do não cumprimento (artigo 428º
CC).
⚫ Contrato oneroso: gera sacrifícios patrimoniais para ambas as partes, o que significa
que ambas as partes suportam sacrifícios patrimoniais que estas perspetivam como
equivalentes;
⚫ Contrato consensual: não é um contrato real real quanto à constituição - aquele
em que a celebração do contrato não depende apenas do mútuo consentimento,
carecendo ainda de um ato material ou simbólico de entrega da coisa;
⚫ Contrato consensual/não formal (artigo 219º do CC): não é exigido uma forma
especial para a emissão das declarações negociais vigorando um princípio da
liberdade de forma (artigo 219º CC). A entrega da coisa não é um elemento
formativo do contrato, é sim objeto de uma obrigação que pressupõe que o contrato
já esteja celebrado.

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⚫ Contrato real quanto aos efeitos (artigo 879º do CC): para além dos efeitos
obrigacionais das alíneas b) e c) o contrato de compra e venda também gera efeitos
reais – transferência do direito de propriedade. Este efeito de transferência do direito
de propriedade opera-se nos termos do artigo 408º nº1 CC, isto é, por mero efeito
do contrato.
Classificação das obrigações principais:
A obrigação principal que nasce para o vendedor é a obrigação de entregar a coisa
vendida.
⚫ Prestação de coisa: é uma prestação de coisa porque o objeto mediato é uma coisa
(sendo esta uma coisa presente);
⚫ Obrigação instantânea: pois cumpre-se de uma só vez;
⚫ Prestação de entregar: porque quando o C entrega ao N o carro não se transmite o
direito real sob o carro pois este já se transmitiu por força do artigo 408º nº1.

A obrigação que nasce para o comprador é a obrigação de pagar o preço.


⚫ Prestação de coisa
⚫ Prestação de dar: porque quando se entrega a quantia pecuniária à outra pessoa a
propriedade sobre essas espécies pecuniárias transmite-se.

Resposta à pergunta 1:
⚫ Prestação instantânea: o pagamento do preço é efetuado de uma só vez passados 5
dias.

Resposta à pergunta 2:
⚫ Prestação instantânea fracionada: o preço é pago em 10 prestações. O tempo não
influi no quantum devido.
Este aspeto é importante porque ao celebrar o contrato a 11 de Outubro e o carro for
destruído por facto não imputável a nenhuma das partes em dezembro o comprador tem
que continuar a pagar o preço até perfazer os 12 mil euros, sendo o risco da
responsabilidade do comprador.

Imaginemos que há uma causa que permite resolver este contrato em janeiro e o
automóvel tem um defeito e o comprador tem uma justificação suficiente para resolver o
contrato, sendo a resolução uma forma de extinção do contrato com efeitos retroativos -
artigo 434º CC.
Nos contratos duradouros a resolução não abrange as prestações já efetuadas, exceto
se entre estas e a causa de resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas
elas, mas a resolução, em princípio, não tem efeitos retroativos.Um contrato de compra e
venda não é um contrato duradouro, o que significa que o vendedor vai ter que devolver
a parte do preço que já recebeu e o comprador vai ter de entregar a coisa vendida, ou seja,
a sua resolução tem efeitos retroativos.

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b) D obriga-se a proporcionar a G, professor, o gozo de uma fração autónoma propriedade


do primeiro, situada em Vila Real, durante três anos - período em que o segundo se
encontra colocado numa escola da região. Gonçalo obriga-se a pagar 400 € por mês.

O contrato que está aqui em causa é um contrato de locação, mais concretamente, um


contrato de arrendamento porque se incide sob um bem imóvel. Este bem imóvel é um
prédio urbano que se destina a habitação logo podemos afirmar que estamos perante
contrato de arrendamento urbano para habitação porque se destina para habitação.
As partes que constituem este contrato são o locador (senhorio D) e o locatário
(arrendatário/inquilino G).

Classificação do contrato:
⚫ Contrato bilateral: gera obrigações para ambas as partes que estão ligadas por um
nexo de sinalagma. Deste contrato nascem várias obrigações, para o locatário - artigo
1038º CC – e para o locador - artigo 1031º;
⚫ Contrato nominado;
⚫ Contrato legalmente tipificado: o contrato de locação está regulado nos artigos
1022º e ss. CC e o contrato de arrendamento urbano nos artigos 1064º e ss. CC. E
quando o arrendamento é destinado à habitação ainda está sujeito a regras especiais
que estão contidas nos artigos 1092º e ss. CC. Este recebe um tratamento jurídico
específico em função não só do objeto arrendado (bem imóvel, mais especificamente
um prédio urbano) mas também porque se destina à habitação, sendo este tratamento
mais protecionista do arrendatário;
⚫ Contrato oneroso: gera sacrifícios para ambas as partes que se perspetivam como
equivalentes. O sacrifício patrimonial para o locatário é pagar a renda (equivale ao
valor do gozo da coisa) já para o locador é ceder a coisa.
⚫ Contrato consensual: não é necessária a entrega da coisa para que o contrato se
forme, formando-se sim pelo mútuo consenso.
⚫ Contrato formal: não está sujeito à liberdade de forma (artigo 219º do CC), tendo
que ser celebrado por escrito nos termos do artigo 1069º do CC.
⚫ Contrato meramente obrigacional: não é um contrato real quanto aos efeitos, : na
medida em que o contrato de arrendamento não produz efeitos reais.
NOTA: Durante algum tempo Menezes Cordeiro entendeu que a posição jurídica do
locatário não era puramente obrigacional (porque o adquirente do direito com base no
qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, mantendo-se o
contrato de arrendamento mesmo que a pessoa do locador mude pois o direito do locatário
é oponível ao novo adquirente do bem – característica de sequela), antes entendeu que
participava de natureza real.
Hoje não temos nenhuma doutrina que se destaque e que defenda que este é um contrato
real.

Classificação das obrigações principais:

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A obrigação principal que nasce para o senhorio é assegurar o gozo da coisa locada.
⚫ Prestação de facto: Esta obrigação traduz-se em várias ações (p.e. obras e atos de
conservação), mas sobretudo omissões (o senhorio vai ter que tolerar que o inquilino
goze da casa), ora é uma obrigação que tem por objeto uma prestação de facto, de
natureza vária fundamentalmente negativa mas que também pode ter componentes
positivas.
⚫ Prestação duradoura de execução continuada: na medida que ele vai assegurar o
gozo da coisa durante todo o tempo.

A obrigação principal que nasce para o arrendatário é a obrigação de pagamento da


renda
⚫ Prestação de coisa: o arrendatário tem que entregar o valor correspondente da renda
todos os meses, no entanto há sempre um comportamento/prestação de facto.
⚫ Prestação duradoura reiterada periódica: o inquilino vai ter de pagar 400 euros
por cada um dos meses.

Importante:
Imagine-se que o contrato foi celebrado no final de Agosto para se iniciar a sua vigência
em Setembro, sendo que se previu uma vigência de 3 anos. Se no final de Dezembro uma
trovoada muito intensa faz com que o edifício seja atingido por um raio e a fração
autónoma seja destruída então o contrato de arrendamento extingue-se porque a
obrigação de proporcionar o gozo da coisa torna-se objetivamente impossível por causa
não imputável a nenhuma das partes (artigo790º CC). Sendo que a obrigação de entregar
os 400 euros por mês também se extingue porque a extensão daquilo que é devido
depende do decurso do tempo (a renda relativa ao período de janeiro está dependente do
gozo durante o mês de janeiro).

A resolução do contrato de arrendamento tem efeitos retroativos, ou seja, o senhorio vai


devolver as rendas dos meses que já foram pagos?
Não! A resolução só produz efeitos para o futuro, sendo que isto resulta do artigo 434º
nº2 CC.

c) A e L celebram um contrato pelo qual a primeira se obriga a realizar atividades de


secretariado, no escritório do segundo e sob a autoridade do mesmo. Este compromete-se
a pagar àquela 500 € por mês.

O contrato que aqui está em causa é um contrato de trabalho (artigo 1152º do CC -


“Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a
prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção
desta”).
As partes que constituem este contrato são o trabalhador (A) e a entidade empregadora
(L).

Classificação do contrato:

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⚫ Contrato bilateral: gera obrigações para ambas as partes, que estão ligadas pelo
nexo de sinalagma;
⚫ Contrato nominado;
⚫ Contrato legalmente típico: o seu regime está previsto nos artigos 1152º e 1153º e
no Código do Trabalho.
⚫ Contrato oneroso: gera vantagens e desvantagens patrimoniais para ambas as partes,
perspetivadas por estas como equivalentes. Quais são as desvantagens patrimoniais?
Para o trabalhador é dedicar o seu tempo, energia e capacidades no desenvolvimento
da atividade, já para o empregador é ter de pagar a retribuição.
⚫ Contrato consensual: não é um contrato real quanto à constituição.
⚫ Contrato consensual/ não formal: não exige, como regra geral, forma especial –
artigo 110º CT. No entanto, há inúmeras exceções.
⚫ Contrato meramente obrigacional: gera obrigações para ambas as partes e não
produz efeitos reais. Não é real quanto aos efeitos nem quanto à constituição

Classificação das obrigações principais:


A obrigação principal que nasce para o empregador é o pagamento da retribuição
mensal.
⚫ prestação de coisa: pois o comportamento traduz-se na entrega de coisa; no entanto
também pode ter como objeto uma prestação de facto porque há sempre uma
atividade/comportamento.
⚫ Prestação duradoura reiterada periódica: é uma prestação duradoura porque cada
salário está ligado intimamente com o período de tempo de trabalho prestado ora,
quanto mais meses vigorar este contrato maior será a extensão da obrigação do
empregador; e é reiterada periódica porque vão nascendo sucessivas prestações
singulares e cada uma das prestações singulares pode ser vista per se mas ao mesmo
tempo são prestações de uma obrigação duradoura

A obrigação principal que nasce para o trabalhador é prestar a atividade laboral.


⚫ Prestação de facto positivo
⚫ Prestação duradoura de execução continuada: porque durante o período de
trabalho o comportamento da trabalhadora é devido de forma ininterrupta.

d) E obriga-se a vender a R um terreno, de que o primeiro é proprietário em Vila do


Conde. A segunda obriga-se a comprá-lo. Convencionam que a escritura pública de
compra e venda será celebrada 3 meses depois.

O contrato que aqui está em causa é um contrato-promessa de compra e venda ( é uma


convenção pela qual uma ou ambas as partes se obrigam a, no futuro, a celebrar um outro
negócio jurídico).
As partes que constituem este contrato são o promitente-vendedor/promitente-
alienante (E) e o promitente-comprador/promitente-adquirente (R).

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Classificação do contrato:
⚫ Contrato bilateral: gera obrigações para ambas as partes que estão ligadas por um
nexo do sinalagma, na medida em que E obriga-se a vender e R obriga-se a comprar.
⚫ Contrato nominado;
⚫ Contrato legalmente típico: previsto no artigo 410º e ss do CC.
⚫ Contrato oneroso: Um contrato é oneroso quando gera desvantagens patrimoniais
para ambas as partes, sendo que a obrigação de emitir uma declaração negocial tem
valor económico, pois a pessoa vincula-se a um comportamento que tem um
determinado valor económico. Logo, podemos considerar que é um contrato
oneroso, porém é uma questão muito discutida, porque tem a ver com saber se a
obrigação de emitir uma declaração negocial representa uma desvantagem
patrimonial
⚫ Contrato formal: O contrato-promessa, em princípio, é consensual no sentido de
não exigir forma especial. As regras da forma são uma das exceções do princípio de
equiparação – artigo 410º nº1 CC (“À convenção pela qual alguém se obriga a
celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato
prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se
devam considerar extensivas ao contrato-promessa”). Logo, não aplicamos o
artigo 875º do CC ao contrato-promessa de compra e venda. Em princípio, vigora a
regra geral quanto à forma – liberdade de forma (artigo 219º CC).
No entanto, como neste caso como o contrato prometido/contrato definitivo é um contrato
para o qual a lei exige ser reduzido a escrito num documento, então ao contrato-promessa
vai ser exigida forma escrita (documento assinado por ambas as partes) – artigo 410º nº2
(“Porém, a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija
documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela
parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou
bilateral”). Logo, quanto a este sentido e neste caso específico, não é consensual pois é
um contrato formal por força do artigo 410º nº2 CC, conjugado com o que é exigido pelo
artigo 875º CC.
⚫ Contrato consensual: não é um contrato real quanto à constituição, na medida
em que não é necessário a entrega da coisa para que o contrato se forme, basta o
encontro das duas declarações negociais,
⚫ Contrato meramente obrigacional: não é um contrato real quanto aos efeitos. Em
geral, os contratos-promessa têm eficácia meramente obrigacional, no entanto às
vezes são dotados de eficácia real (artigo 413º do CC).

Classificação das obrigações principais:


A obrigação que nasce para o promitente vendedor (E) é a obrigação de emitir emitir a
declaração negocial de venda:
⚫ Prestação de facto positivo jurídico: a prestação de coisa como a obrigação de
entrega do terreno vai nascer do contrato de compra e venda que ainda não foi
celebrado.
⚫ Prestação instantânea: a emissão da declaração negocial é emitida num único
momento temporal

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A obrigação que nasce para o promitente comprador (R) é a obrigação de emitir a


declaração negocial de compra:
⚫ Prestação de facto positivo jurídico: há emissão de uma declaração negocial, que
é uma exteriorização de vontade no sentido de que se produzam determinados efeitos
jurídicos coincidentes com a vontade exteriorizada.
⚫ Prestação instantânea.

e) No dia 1 de Setembro, F entrega ao vizinho S, a sua gata, para que este a guarde durante
a sua quinzena de férias, e lha devolva quando ela regressar.

O contrato que aqui está em causa é um contrato de depósito, que é uma espécie do
contrato de prestação de serviços – artigos 1154º e 1155º CC. Depósito é o contrato pelo
qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde, e a
restitua quando for exigida.
As partes que constituem este contrato são o depositante (F) e o depositário (S).

Classificação do contrato:
⚫ Contrato Unilateral: só gera obrigações ab initio para uma das partes, mais
concretamente para o depositário (pessoa que tem que guardar a coisa)
⚫ Contrato nominado;
⚫ Contrato legalmente tipificado: (o seu regime está previsto no artigo 1185º e ss do
CC;
⚫ Contrato Gratuito: só gera desvantagens patrimoniais para uma das partes, F não
se obriga a pagar qualquer valor como contrapartida pela guarda da coisa. As
características da unilateralidade e gratuitidade estão associadas- Artigo 1186º do
CC (que remete para o artigo 1158º) e 1158º do CC (“O mandato presume-se
gratuito, exceto se tiver por objeto atos que o mandatário pratique por profissão; neste
caso, presume-se oneroso”);
⚫ Contrato consensual/ não formal: não existe nenhuma exigência formal.
⚫ Contrato real quanto à constituição: a entrega da coisa depositada é um elemento
formativo do contrato e para a formação do contrato não basta a emissão das
declarações negociais – artigo 1185º do CC.

Classificação das obrigações principais:


A obrigação principal que nasce para o depositário é a obrigação de guardar a coisa.
⚫ Prestação de facto mista: porque guardar a coisa significa muita coisa, dependendo
da coisa a guardar (mas maioritariamente de componente positiva; p.e. dar de comer
à gata, dar de beber à gata, reagir se a gata apresenta um sinal de doença).
⚫ Prestação duradoura de execução continuada.

Estando em causa um contrato unilateral gratuito o depositante não tem nenhuma


obrigação.

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f) A 1 de Maio, Z empresta a O 15.000 €, pelo prazo de 3 anos, à taxa de 5%. Os juros


devem ser pagos anualmente.

O contrato que aqui está em causa é um contrato de mútuo.


As partes que constituem este contrato são: o mutuante (Z) e o mutuário (O).

Classificação do contrato:
⚫ Contrato unilateral: só gera obrigações para o mutuário (O), já para o mutuante não
nasce nenhuma obrigação (nem sequer a entrega da coisa mutuada). A entrega da
quantia mutuada é um facto formativo do contrato.
⚫ Contrato nominado:
⚫ Contrato legalmente típico: o seu regime está previsto nos artigos 1142 e ss do
CC;
⚫ Contrato oneroso: gera desvantagens patrimoniais para ambas as partes, que elas
perspetivam como equivalentes (para O a desvantagem patrimonial é o pagamento
de juros à taxa de 5%, já para o Z é a cedência do gozo daquela quantia mutuada ao
mutuário durante um certo período de tempo)
⚫ Contrato real quanto à constituição: para a sua formação não basta o mútuo
consenso, é necessário a entrega da coisa;
⚫ Contrato real quanto aos efeitos: Enquanto que no contrato de comodato a coisa
continua a ser da titularidade do proprietário, já no contrato de mútuo a coisa mutuada
passa a ser da titularidade do mutuário, sendo que o O vai ter de entregar uma quantia
equivalente no fim do contrato. – Artigo 1144º CC (“As coisas mutuadas tornam-se
propriedade do mutuário pelo facto da entrega”)
⚫ Contrato formal: este contrato exige quanto à forma um documento assinado pelo
mutuário - artigo 1143º CC. No entanto, pode ser consensual se a quantia mutuada
for inferior a 2500 euros.

Classificação das obrigações principais:


A obrigação principal que nasce para o mutuário é o pagamento dos juros (mais
concretamente, de juros remuneratórios – remunera a cedência do dinheiro).
⚫ Prestação de coisa;
⚫ Prestação de dar;
⚫ Prestação duradoura reiterada periódica: o tempo determina a dimensão da
extensão da obrigação- os juros pagam-se anualmente, uma vez por ano. Se houver
uma causa que permita a resolução do contrato, O não é obrigado a pagar os juros
relativos aos anos seguintes porque os juros são devidos por causa do tempo
decorrente.

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Eficácia externa das obrigações

Caso Prático nº2


A celebra com B um contrato pelo qual o primeiro se obriga a dar preferência ao
segundo na venda de 100 ações da Sociedade X. Estipulam uma cláusula penal no valor
de 10.500 €.
Decorridos 4 meses e meio, C apresenta a A uma proposta muito vantajosa para a
compra das referidas 100 ações. A informa-o, de imediato, do contrato com B. C,
pretendendo concluir com a maior brevidade o negócio, persuade A a não comunicar a B
a intenção de venda de ações e os termos do projetado negócio. Compromete-se ainda a
pagar os 10.500 € no caso de B vir a acionar a cláusula penal acordada.

B pretende obter de C uma indemnização pelos danos que sofreu. Terá razão?

O caso prático em causa trata da problemática da eficácia externa das obrigações.


Entre A e B foi celebrado um pacto de preferência, regulado no artigo 414º do CC, (“O
pacto de preferência consiste na convenção pela qual alguém assume a obrigação de dar
preferência a outrem na venda de determinada coisa”), no entanto, o legislador erra nesta
definição porque o pacto de preferência não respeita apenas às vendas, na medida em que
diz respeito a todos os negócios em que seja admissível a substituição de uma parte por
outra, de um sujeito por outro. Na hipótese prática em questão temos um pacto de
preferência relativamente a uma venda em que A celebra com B um contrato pelo qual
se obriga a dar preferência a este último caso decida vender as ações. Ou seja, o A não
fica obrigado a vender mas se vender deve vende-las em igualdade de circunstâncias a B.

Este pacto de preferência tem eficácia meramente obrigacional, porém o pacto de


preferência pode ser dotado de eficácia real, mas para isso têm de estar preenchidos os
pressupostos do artigo 421º. Nos termos deste artigo o pacto de preferência goza de
eficácia real se estivermos perante bens imóveis ou móveis sujeitos a registo e se forem
observados os requisitos de forma e de publicidades exigidos no artigo 413º do CC.
No nosso caso não se podia atribuir eficácia real ao pacto uma vez que estávamos perante
um bem móvel não sujeito a registo.

No nosso caso prático A (obrigado à preferência) perante o interesse de C e estando


decidido a vender-lhe as 100 ações, devia ter comunicado a B (titular do direito de
preferência) a sua intenção. Ora quando A recebeu a proposta de C, devia ter notificado
B porém persuadido por este não o fez e por este motivo incumpre a sua obrigação de dar
preferência. Assim quem responde perante o incumprimento da obrigação é A porque ele
é que era o devedor e era a ele que B podia exigir o cumprimento da obrigação e estando
em causa um pacto de preferência que tinha apenas eficácia meramente obrigacional a
consequência da sua violação é a responsabilidade civil obrigacional (artigo 798º e ss do
CC). A deve então indemnizar a contraparte pelos danos por ela sofridos.

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No que diz respeito ao valor da indemnização devida por A em regra, esta equivale aos
danos/prejuízos causados, visando eliminar o dano e reconstituir a situação (hipotética)
que existiria se não se tivesse verificado o facto que gera a responsabilidade. Nesta vão
ser abrangidos danos emergentes e lucros cessantes- artigo 562º do CC (“Quem estiver
obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse
verificado o evento que obriga à reparação”). Em princípio, indemnização equivale ao
montante dos danos e calcula-se pela chamada teoria da diferença como vemos no
artigo 566º nº2 do CC -“A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença
entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo
tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”.
O lesado tem em regra que demonstrar que sofreu danos e que estes se ligam causalmente
ao incumprimento obrigacional ou seja, o lesado tem o ónus de provar que sofreu danos
provocados pelo incumprimento obrigacional.
Se não se provar o dano não vai haver lugar à indemnização porque nós não estamos
perante a responsabilidade penal, onde se pretende reafirmar a norma na sociedade. A
responsabilidade civil serve o propósito de satisfazer o interesse do lesado, eliminando os
danos que ele sofreu.
Neste caso não vai ser necessário calcular a indemnização nem provar o dano porque foi
fixada uma cláusula penal, nos termos do artigo 810º do CC. Uma das grandes
vantagens da cláusula penal para o credor, para além de compelir ao cumprimento, é o
facto de ele não ter que provar que sofreu danos, ou seja, o montante indemnizatório é
fixado em abstrato, ao contrário do que sucede no cálculo normal da indemnização, que
é feito em concreto.

Pelo o que foi exposto já sabemos que B pode exigir a A os 10500€, mas a questão que
se coloca no caso era se o B pode exigir a C uma indemnização pelos danos por ele
causados. Ora saber se C pode indemnizar B pelos danos que lhe causou leva-nos então
à problemática da eficácia externa das obrigações. Esta problemática trata de saber se
um terceiro que contribua com o seu comportamento para que a obrigação seja
incumprida pode ser responsabilizado pelo seu ato que concorre para a violação do
direito de crédito. Este comportamento de terceiro pode traduzir-se num ataque ao
próprio crédito ou num ataque ao substrato do crédito. No caso em análise, há um
ataque ao próprio crédito porque o terceiro colabora com o devedor celebrando um
contrato incompatível com o cumprimento da obrigação.

Perante a problemática da eficácia externa das obrigações existem fundamentalmente


duas respostas na doutrina: uma parte da doutrina (Profs Galvão Teles, Menezes
Cordeiro) que acolhe a a eficácia externa das obrigações e outra parte da doutrina que é
a doutrina maioritária (Profs. Antunes Varela, Ribeiro de Faria, Pestana de
Vasconcelos, Rute Pedro).

Doutrina que aceita a eficácia externa das obrigações


Para esta parte da doutrina o terceiro deve ser responsabilizado pelo seu comportamento
que levou à impossibilidade do cumprimento da obrigação.

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Eles não negam que a estrutura interna da obrigação é relativa, não negam que o único
sujeito ao qual pode ser exigido o cumprimento é o devedor (neste caso, em concreto, o
A), o que entendem é que ao lado da eficácia interna da obrigação existe uma eficácia
externa, que permite que o terceiro possa vir a ser responsabilizado pelos os seus atos que
traduzam uma violação do direito de crédito. Esta responsabilização fundar-se-á no artigo
483º do CC. Ora segundo a doutrina que defende a eficácia externa das obrigações, para
que o terceiro possa ser responsabilizado, é necessário que se verifique cumulativamente
os requisitos constantes do artigo 483º do CC.
1. O ato - tem que haver um ato que pode ser positivo ou negativo;
2. A ilicitude - violar ilicitamente o ato;
3. A culpa - com dolo ou mera culpa;
4. O dano - tem que ser produzidos danos;
5. O nexo causal - tem que haver um nexo de causalidade entre o ato e o dano.

Argumentos a favor da eficácia externa das obrigações:


⚫ O artigo 483º reporta-se à violação ilícita de um “direito de outrem”, não fazendo
distinção quanto à natureza do direito violado. Nada permite concluir, como faz a
tese oposta, que o artigo 483º se reporte apenas à violação de direitos absolutos. Se
a lei não distingue, então o intérprete não deve distinguir. Entendem por isso estes
autores que só uma interpretação restritiva do artigo (que estes autores não
consideram justificada) poderá conduzir a um resultado diverso.

⚫ Estes autores entendem que no contexto presente em que a estrutura da riqueza se


alterou, que deixou de estar fundamentalmente centrada em bens fundiários,
nomeadamente imóveis, passando muito por bens móveis, nomeadamente direitos de
crédito. Importa por isso defender esta nova forma de riqueza: o direito de crédito.

⚫ Convoca-se também um argumento histórico, que é o de que o articulado proposto


pelo professor Vaz Serra (professor de Coimbra) incluía uma norma que
expressamente rejeitava a eficácia externa das obrigações, sendo que essa norma não
foi adotada na versão final do Código. Estes autores explicam a não adoção dessa
norma pela desnecessidade da mesma. A rejeição da eficácia externa das obrigações
não foi acolhida.

⚫ Estes autores sublinham também que a tese por eles defendida não conduz a um
excesso de responsabilização oferecendo em vez disso uma proteção adequada
porque a responsabilidade de terceiro pressuporá a verificação cumulativa dos
pressupostos previstos no artigo 483º.

Neste caso verificam-se a os 5 pressupostos da responsabilidade.


Concluindo segundo estes autores C (terceiro) conhecendo o pacto de preferência e o
direito de crédito de B, teria que ser responsabilizado pelo seu comportamento que levou
ao incumprimento da obrigação por parte de A.

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Doutrina que rejeita a eficácia externa das obrigações


A doutrina maioritária rejeita a eficácia externa das obrigações. Esta parte da doutrina
entende que a previsão deste artigo não abrange os direitos de crédito.

Argumentos contra a eficácia externa das obrigações:


⚫ Segundo esta parte da doutrina, a leitura do artigo 483º tem de ser feita recorrendo-
se a um elemento de interpretação de ordem sistemática. Ora da leitura do artigo
798º e ss., resulta que o legislador previu um regime especial para a violação dos
direitos de crédito, sendo que a previsão deste regime especial afasta neste concreto
âmbito (violação de direitos de crédito por terceiro) a aplicação do regime geral do
artigo 483º que se reporta apenas à violação de direitos absolutos apenas).

⚫ A obrigação, em princípio, só produz efeitos inter partes – artigo 406º (prevê a


eficácia interna relativa, admitindo que pode haver eficácia em relação a terceiros
nos casos e nos termos previstos na lei) - e resulta desse mesmo artigo que a eficácia
da relação obrigacional face a terceiros só existe pontualmente nos casos previstos
na lei, p.e. artigos 413º, 421º e 495º nº3. Ou seja, quando o legislador pretende que
o direito de crédito tenha eficácia face a terceiros di-lo expressamente. A regra é da
não eficácia face a terceiros.

⚫ Argumento histórico: a norma em que se previa a rejeição expressa da eficácia


externa não foi acolhida porque essa rejeição resulta do regime previsto do artigo
798º (“O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se
responsável pelo prejuízo que causa ao credor.”)- Remissão para o 1º argumento.

⚫ Argumento de ordem teleológica: A rejeição da eficácia externa das obrigações


também se baseia na vontade de afastar um perigo, que é o excesso de
responsabilização, que conduz à paralisação do tráfego jurídico-negocial.

Devido a estas razões esta parte da doutrina recusa a eficácia externa das obrigações.
Contudo, estes autores admitem que os terceiros possam ser responsabilizados pelos seus
comportamentos que contribuam para a violação do direito de crédito, convocando para
isso o instituto do abuso de direito.
Ora se um terceiro ultrapassar os limites do artigo 334º do CC º ele atua em abuso do
direito e a atuação em abuso de direito é uma atuação ilícita, que convoca a aplicação do
artigo 483º do CC.
Enquanto que os autores que acolhem a eficácia externa das obrigações aplicam
diretamente o artigo 483º, os que a rejeitam quando aceitam que o terceiro possa ser
responsabilizado, para chegar ao artigo 483º tem de passar pelo artigo 334º. Isto é, têm
de afirmar que há um exercício abusivo do direito para que possa afirmar a ilicitude e
consequentemente aplicar o artigo 483º. A responsabilização do terceiro pressupõe a
verificação dos pressupostos do artigo 483º.

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A generalidade dos autores entende que o artigo 334ºdo CC também se aplica ao


exercício abusivo das faculdades primárias (como a liberdade de contratar). Ora neste
aspeto é importante ter em consideração a posição do prof. Carneiro da Frada, que
apesar de rejeitar a eficácia externa das obrigações entende que, em regra, o exercício
abusivo de uma faculdade primária não é subsumível diretamente ao artigo 334º (estando
este apenas previsto para o exercício abusivo de direitos). Não havendo solução prevista
no nosso ordenamento para o exercício abusivo de uma faculdade primária,
nomeadamente a de contratar, segundo o entendimento do prof. Carneiro da Frada há
uma lacuna que deve ser preenchida aplicando-se por analogia o artigo 334º.

Em suma: Devido a este entendimento além de A, C também seria responsabilizado por


via do artigo 483º (direta ou indiretamente através do artigo 334º), independentemente
da posição defendida quanto à eficácia externa das obrigações.

Caso Prático nº3


A joga no Clube X. O seu contrato abrange as próximas duas épocas. É o principal
marcador da equipa, tendo decidido muitos jogos com remates certeiros. Num dia de folga,
enquanto dá um passeio pelo centro da cidade onde o clube se situa, é atropelado por B
que circulava em excesso de velocidade.

a) A sociedade titular do referido clube pretende responsabilizar o autor do atropelamento


pelos danos que para ela resultaram da morte de A, já que se viu obrigada
a encontrar no mercado um avançado que o substituísse nas várias competições
disputadas pelo clube. Quid iuris?

Este caso trata novamente da problemática da eficácia externa das obrigações.


Nesta hipótese temos um jogador que prestava a sua atividade profissional a um clube ao
abrigo de um contrato. A sociedade titular do clube é titular de um direito de crédito sobre
o jogador, sendo então este o devedor.
Ora aqui estamos perante um ataque ao substrato do crédito, mais concretamente à pessoa
do devedor, que vai deixar de poder cumprir o contrato , devido ao facto de um terceiro
lhe ter causado um acidente, provocando a sua morte.

É certo que B terá que responder perante a morte de A (violação de um direito absoluto)
estando preenchidos todos os requisitos do artigo 483º do CC, respondendo
nomeadamente quanto aos herdeiros e quanto a certas pessoas que estão previstas no
artigo 496º do CC. Mas a questão que aqui se coloca é a de saber se B, terá que responder
também perante a sociedade titular do clube onde A prestava a sua atividade, estando
assim convocada a problemática da eficácia externa das obrigações.

Já sabemos que face a este problemática temos duas correntes doutrinais e por isso: a
parte da doutrina que acolhe a eficácia externa das obrigações entende que aqui se aplica

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o artigo 483º para a violação do direito de crédito; já a doutrina maioritária que rejeita a
eficácia externa das obrigações defende que o artigo 483º não se aplica à violação dos
direitos de crédito, admitindo apenas que o terceiro poderá ser responsabilizado se
estivermos perante situações que convoquem o abuso de direito (artigo 334º do CC).
1. Para quem acolhe a eficácia externa das obrigações aceita que B seja
responsabilizado pela morte de A, caso estejam verificados os pressupostos do artigo
483º do CC. Acontece que neste casos nem todos os pressupostos estão verificados,
porque B não conhecia o direito de crédito da sociedade, ou seja não está aqui
verificado o requisito da culpa. Então a sociedade detentora do clube em que A
jogava não pode exigir a responsabilização de B nem uma indemnização a este.
2. Quanto aos que rejeitam a eficácia externa das obrigações, estes afirmam que além
de não haver eficácia externa das obrigações, aqui também não se convoca o artigo
334º do CC, na medida em que B não exerce nenhum direito ou faculdade abusiva.
Assim neste caso não estão verificados os pressupostos de que depende a
responsabilização do terceiro, por isso não há responsabilização do terceiro.

Em suma, interdependente da doutrina que se adotar o a conclusão será sempre a mesma:


B (terceiro) não será responsabilizado.

b) E C, filho de A, poderá demandar B pela perda de 350 € mensais que o pai lhe prestava
em cumprimento da obrigação de alimentos que sobre ele impendia em conformidade
com a decisão judicial relativa à regulação do exercício das responsabilidades parentais?

Nesta alínea vemos que há uma obrigação de A de pagar alimentos a C, seu filho por
decisão do tribunal. Neste caso o que está em causa é um ataque ao substrato de crédito,
da pessoa do devedor.

Aqui voltamos a ver suscitada a problemática da eficácia externa das obrigações,


colocando-se a questão de C (filho de A) poder ou não exigir de B os 350€ mensais. Para
este caso específico o legislador consagrou na lei, nomeadamente no artigo 495º nº3, a
resposta a esta questão- “Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir
alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma
obrigação natural”. Ora em caso de morte aquele em que o lesado prestava alimentos
pode exigir uma indemnização, e por isso o titular do direito de crédito (o filho) pode
pedir uma indemnização à pessoa que atacou o substrato de crédito, que provocou a morte
do devedor.

Este é um caso indiscutível de acolhimento da eficácia externa das obrigações. Os que


aceitam a eficácia externa das obrigações referem que temos aqui a manifestação do
princípio geral; já os que rejeitam dizem que esta é uma exceção à regra e por isso é que
o legislador o prevê.

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Relação Obrigacional Complexa


Caso Prático nº4
No dia 1 de Janeiro de 2015, A compra o automóvel de B, por 24.000 €, com
estipulação de uma cláusula de reserva de propriedade até integral pagamento do preço.
O carro é entregue de imediato ao comprador, acordando-se que o preço seria pago em
12 prestações mensais de 2.000 € cada.

No mesmo dia, A celebra com C um contrato de arrendamento de uma fração autónoma,


por um período de um ano, para onde se muda de imediato. É estipulado o pagamento de
uma renda mensal de 1.000 €.

Devido a dificuldades económicas, A não paga a 7.ª e a 8.ª prestações do preço do


automóvel, nem a renda do mês de julho.

a) Quais as diferenças do regime aplicável ao incumprimento de cada um dos contratos?


Contrato de compra e venda do automóvel:

Classificação do contrato:
⚫ Contrato típico;
⚫ Contrato oneroso;
⚫ Contrato bilateral;
⚫ Contrato meramente obrigacional;
⚫ Contrato real quanto aos efeitos;
⚫ Contrato consensual.

Obrigações principais:
⚫ Obrigação de entregar a coisa vendida: prestação de coisa instantânea;
⚫ Obrigação de pagar o preço: prestação de coisa pois a obrigação tem por objeto
dinheiro como meio de pagamento; instantânea e fracionada na medida em que o
pagamento foi fracionado em 12 prestações. Não estamos perante uma prestação
duradoura porque o tempo não tem influência no montante legal que é devido, o
tempo apenas se repercute no modo de pagamento.

No nosso caso A falha o pagamento da 7º e 8º prestação do carro, quais são as


consequências destes incumprimentos?
Face a este incumprimento o meio de defesa que poderá ser usado aqui pelo credor será
o da perda do benefício do prazo, presente no artigo 781º do CC, que preve a regra
geral deste regime. Nos termos deste artigo o devedor deixa de puder liquidar as suas
prestações mediante o decurso do tempo, podendo por isso o credor exigir o cumprimento
de todas as prestações.
Acontece que nesta situação prática não se irá aplicar a regra do artigo 781º, mas sim a
regra especial prevista no artigo 934º do CC. Deste artigo retiramos duas partes em

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que a primeira prende-se com a resolução do contrato e a segunda com a perda do


benefício do prazo.
No que diz respeito à regra relativa à perda do benefício do prazo, para procedermos à
sua aplicação é necessário que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
1. Temos que estar perante uma compra e venda a prestações;
2. Tem que ter havido entrega da coisa.
No caso em questão ambos os requisitos estão preenchidos uma vez que o carro foi
comprado prestações (o preço seria pago em 12 prestações) e também foi logo entregue.
Acontece que mediante o disposto na letra do artigo 934º do CC, só pode haver perda do
benefício do prazo quando a falta de pagamento de uma prestação exceda a oitava
parte do preço ou se faltar o pagamento de mais do que uma prestação (ou seja de
duas ou mais prestações). Na situação A faltou a duas prestações, e por esse motivo
pode haver perda do benefício do prazo, o que significa que o B pode exigir o
pagamento de todas as prestações nomeadamente as que se venham a vencer no futuro.
Face ao exposto vemos que norma do artigo 934º protege mais o comprador (comprador
que compra a prestações - consumidor) do que a do artigo 781º porque no artigo 781º
basta que uma prestação não seja cumprida independente do montante. O consumidor, na
perspetiva jurídica, é uma parte mais vulnerável no tráfego jurídico-negocial, logo esta
norma é entendida como uma norma de defesa do consumidor.
No caso de compra e venda a prestações quando é feita a entrega da coisa o comprador
tem uma maior confiança na solidez daquele negócio e por isso daí a maior proteção dada
pelo legislador. O legislador exige um incumprimento qualificado, seja devido à
gravidade qualificada pelo montante da dívida em causa, na medida em que ela
corresponde a uma valor superior à oitava parte do preço, seja pela gravidade de quando
se verifique a repetição do incumprimento. Mediante a gravidade do incumprimento do
comprador este deixa de merecer a proteção que o legislador lhe conferia.

Ora vimos que nos termos do artigo 934º do CC haveria perda do benefício do prazo,
contudo nos termos do mesmo artigo o devedor poderia resolver o contrato. Nesta
hipótese, B se quisesse pôr fim ao contrato com base na falta de pagamento do preço, aqui
não se aplicava o limite do artigo 886º, uma vez que as partes convencionaram uma
cláusula de reserva de propriedade (artigo 409º), e por isso o direito real não se
transmitiu, este só se iria transmitir com o pagamento integral do preço. Se pelo contrário,
tivesse havido tanto a transferência do direito real como a entrega da coisa (requisitos
cumulativos) o vendedor não poderia resolver o contrato podendo apenas exigir o
pagamento do preço e uma indemnização pelos danos moratórios.
Assim havendo a estipulação de uma cláusula de reserva de propriedade prevista no
artigo 409º afasta a aplicação da regra prevista no artigo 408º nº1.

Pode haver resolução por falta do pagamento do preço? Em que termos?


Neste caso pode haver resolução do contrato mediante o preenchimento os requisitos do
artigo 934º nº1. Assim tínhamos que estar perante um contrato de compra e venda a
prestações; a coisa tinha que ter sido entregue e tinha que ter sido estipulada uma
cláusula de reserva de propriedade, o que se verificou no nosso caso. Além dos

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requisitos preenchidos para haver lugar à resolução do contrato era necessário que o
devedor faltasse ao pagamento de uma prestação e que essa excedesse a oitava parte
do preço ou se faltasse ao pagamento de mais do que uma prestação (ou seja de duas
ou mais prestações).
Acresce que para o vendedor resolver o contrato é necessário que estejam verificados os
pressupostos gerais da resolução (artigo 801º).

O não cumprimento está regulado nos artigos 790º e ss e neste âmbito o legislador fez a
seguinte sistematização: não cumprimento não imputável ao devedor (artigo 790º a
artigo 797º CC) e incumprimento for imputável ao devedor ( artigo 798º e ss. CC).
Dentro do incumprimento que não é imputável ao devedor, o legislador distinguiu o
mero atraso (“impossibilidade temporária”) da situação de incumprimento definitivo
(“impossibilidade definitiva”), já no que diz respeito ao incumprimento imputável ao
devedor distinguiu o mero atraso (“mora”) do incumprimento definitivo ( previsto
no artigo 801º).
No âmbito contratual, vigora uma presunção de culpa prevista no artigo 799º, em que
segundo ela é o devedor que tem o dever de provar que a falta de cumprimento da
obrigação não foi culpa sua. Assim o ónus da prova recai sobre o devedor.

O que distingue a mora do incumprimento definitivo?


A mora significa que o cumprimento não se deu no tempo devido e por isso houve um
atraso no cumprimento, sendo que esse atraso é imputável ao devedor e por isso este não
consegue e ilidir a presunção prevista no artigo 799º. Para haver mora, é ainda necessário
que o cumprimento ainda seja possível, satisfazendo o interesse do credor.
No nosso caso B faltou ao pagamento de duas prestações sendo que essas mesmas
prestações ainda satisfaziam o interesse do credor, logo o sujeito incorreu em mora.
Acontece que, em regra não basta a mera mora para a resolução do contrato, sendo
necessário a sua conversão em incumprimento definitivo (artigo 801º do CC
conjugando com o artigo 808º) através da interpelação cominatória. A interpelação
cominatória é uma declaração receptícia dirigida ao devedor que está em mora,
reconhecendo ou atribuindo um prazo adicional para cumprir ( quanto ao prazo, este
tem que ser apenas razoável, sendo que essa razoabilidade é aferida em função das
circunstâncias do caso concreto) com a cominação (ameaça) de que se o devedor não
cumprir nesse prazo razoável adicional a obrigação se tem-se definitivamente por
não cumprida.

Em suma: ainda que o artigo 934º, neste caso, permita a resolução, esta só é possível se
estiverem verificados os requisitos gerais do artigo 801º. Assim o vendedor (B) para
resolver o contrato de compra e venda terá de transformar a mora em incumprimento
definitivo através da interpelação cominatória e se este resolver o contrato sem o devedor
estar em incumprimento definitivo, então a resolução é inválida.
A resolução neste caso tem efeitos retroativos, como vemos no artigo 434º, o que quer
dizer que as prestações realizadas têm de ser restituídas. Assim sendo, o comprador tem

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que devolver o carro e o vendedor tem que devolver a parte do preço que já tinha recebido,
isto sem prejuízo deste o direito a uma indemnização – artigo 801º nº2.

Contrato de arrendamento

Classificação do contrato:
⚫ Contrato legalmente típico;
⚫ Contrato bilateral;
⚫ Contrato oneroso;
⚫ Contrato formal
⚫ Contrato meramente obrigacional.

Obrigações principais:
⚫ Obrigação de pagar a renda- prestação de coisa; prestação duradoura reiterada
periódica.
⚫ Obrigação da entrega da coisa locada- prestação instantânea.

Nesta situação houve um incumprimento por parte de A, nomeadamente o


incumprimento pagamento de uma renda, logo este encontra-se em mora (não pagou
a renda no momento em que devia, sendo ainda possível cumprir, satisfazendo o interesse
do credor).
Acontece que aqui, perante a mora do arrendatário o senhorio não pode exigir o
cumprimento antecipado das rendas futuras, isto é aqui não se pode fazer uso da perda
do benefício do prazo. Ora não não há perda do benefício de prazo por parte do A porque
a obrigação de pagar as rendas é quanto ao tempo uma obrigação duradoura reiterada
periódica o que significa que o tempo não influi apenas no modo de cumprir, sendo
definidor do montante global da obrigação. Ora a renda de cada período temporal está
associada a esse período temporal, está associada ao gozo da coisa proporcionado nesse
período temporal e por isto não pode lançar-se mão do artigo 781º (diz respeito a dívida
liquidável a prestações) nem do artigo 934º (que só diz respeito a contratos de compra e
venda).

Face a esta situação o que o senhorio poderia fazer é que para além de poder exigir a
renda em falta, pode também exigir uma nos termos do artigo 1041º nº1 indemnização
moratória (que corresponde a 20% do que foi devido). A indemnização pelos danos
moratórios é calculada em termos abstratos porque é calculada por aplicação de uma
percentagem.
Neste sentido A deve a B 20% do que é devido, logo B pode exigir uma renda
corresponde a 1000€ mais os 200€ da indemnização.

Se o senhorio optar pela resolução do contrato e se neste sentido estiverem reunidos os


pressupostos da resolução (nomeadamente, a situação de haver conversão da mora em
incumprimento definitivo) o senhorio pode resolver o contrato.

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Estando em causa uma relação duradoura, resolvendo-se o contrato os efeitos da


resolução produzem-se apenas para o futuro nos termos do artigo 434º nº2, o que
significa que a relação contratual se extingue não havendo lugar à restituição das
prestações já realizadas (nem o senhorio tem que devolver as rendas que já recebeu nem
o arrendatário devolve o gozo do bem, por exemplo, por equivalente).

b) Suponha agora que A vende o automóvel a C, acordando que o automóvel devia ser
entregue a este último no início de março - altura em que o A receberia o seu novo veículo
- e que o preço deveria ser pago no início do mês de julho. Considerando que A descobre,
em finais de fevereiro, que a situação económica de C se deteriorou consideravelmente
em virtude de um endividamento excessivo, pode aquele recusar-se a
entregar-lhe o automóvel? (hipótese independente).

Neste caso o A vende o seu automóvel a C e estes acordam que A deve entregar o
automóvel no início de março e que o preço só deve ser pago no início do mês de julho.
Acontece que A não quer entregar o automóvel a C por receio deste não pagar o preço.
A tem de entregar o carro?
Convoca-se neste caso a figura da exceção de não cumprimento (artigo 428º) (ver
definição da exceção do n cumprimento nas teóricas).

Está aqui em causa aferir saber se o A pode recusar cumprir a obrigação enquanto a
contraparte não cumprir a sua estando ambas ligadas pelo vínculo do sinalagma
(obrigação de entregar a coisa e obrigação de pagar o preço).
Ora o problema que aqui se coloca advém do facto dos prazos para o cumprimento das
obrigações serem diferentes. As partes afastaram a regra supletiva prevista no artigo
885º CC que nos diz que o pagamento do preço faz-se no momento da entrega da coisa.
Assim aplicando-se a regra supletiva há simultaneidade das prestações.
Neste caso, como o desencontro temporal advém do acordo entre as partes, não podemos
aplicar o artigo 428º e temos que por isso de atentar no disposto no artigo 429º. Segundo
este artigo aquele que ainda esteja obrigado a cumprir em primeiro lugar, tem a
faculdade de recusar a respetiva prestação se posteriormente ao contrato se verificar
alguma das circunstâncias que importam a perda do benefício do prazo- estas
circunstâncias estão previstas no artigo 780º do CC e são:
⚫ Situação de insolvência ainda que não judicialmente declarada;
⚫ Diminuição das garantias de crédito por causa imputável ao devedor;
⚫ Não prestação das garantias por causa imputável ao devedor.
Não se verificando nenhuma destas situações não haverá perda do benefício do prazo nem
haverá lugar consequentemente à exceção do não cumprimento.
Face à interpretação do artigo 429º a doutrina diverge:
➢ Segundo parte da doutrina, ancorada na letra e na história do artigo, só pode aplicar-
se a exceção de não cumprimento no âmbito do artigo 429º quando se verificar uma
causa da perda do benefício do prazo nos termos do artigo 780º – o que quer dizer
que se não se verificar uma das situações do artigo 780º, mesmo que a situação

Ana Margarida e Bruna Mariana 21


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patrimonial do devedor piore, a contraparte tem de cumprir e não pode invocar a


exceção de não cumprimento.

➢ Outra parte da doutrina, nomeadamente o prof. Ribeiro de Faria, apresentam


algumas dúvidas sobre esta interpretação até porque entendem que se a assim for, o
artigo 429º fica esvaziado de conteúdo útil. Isto porque se essa for a interpretação e
se houver perda do benefício do prazo, as prestações deixam de ser desencontradas
temporalmente e pode haver exceção de não cumprimento por força do artigo 428º,
passando o artigo 429º a não ser necessário. Portanto, uma parte da doutrina entende
que há também perda do benefício do prazo nos termos do artigo 429.º quando a
situação patrimonial do credor piore a ponto de haver um justo receio de insolvência
de se pôr em perigo o cumprimento da obrigação.

Ora agravamento da situação patrimonial do devedor não é causa de perda do


benefício de prazo e por isso parece que também não é causa de invocação da exceção
do não cumprimento, logo A vai ter que cumprir

Hipótese Prática trazida pela professora


António, por acordo, reduzido a escrito datado de 6 de dezembro de 2021,empresta a
Bernardo a quantia de € 20.000 que, no mesmo momento, é entregue pelo primeiro ao último.
Convencionam que o capital venceria juros à taxa nominal de 5% ao ano,devendo a
importância do empréstimo e os juros ser pagos em 36 prestações mensais sucessivas, com
vencimento da primeira em 10 de janeiro de 2022 e as seguintes nos dias 10 dos meses
subsequentes.
De harmonia com o constante do documento referido a importância de cada uma das
prestações – correspondente em parte à devolução do capital emprestado e em parte aos juros
por eles acordados – deveria ser paga mediante transferência bancária a efetuar aquando do
vencimento de cada uma das prestações, para o que foi formalizada a respetiva autorização.
Bernardo não paga as 6a, 7.a e 8.a prestações a contar do início da vigência do contrato.
António pretende resolver o contrato e exigir, de imediato, a integralidade das prestações
futuras, isto é, o montante do capital “vincendo” acrescido de juros moratórios, assim como
os juros remuneratórios acordados relativamente ao espaço temporal não decorrido como
consequência da antecipação de vencimento.
Quid iuris?

(Vide Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.o 7/2009, de 25 de março de


2009, publicado in Diário da República, 1.a série, n.o 86, de 5 de maio)

O contrato em causa neste hipótese prática é um contrato de de mútuo oneroso, e


classifica-se como: um contrato real quanto à constituição pois é necessário a entrega
da coisa para a celebração do contrato; e é um contrato unilateral porque só gera
obrigações para uma das partes, para o mutuário que neste caso é o Bernardo- obrigação
de pagar os juros remuneratórios, que são juros que remuneram a disponibilização do
dinheiro durante o período do empréstimo, e a obrigação de devolver o capital mutuado.

Ana Margarida e Bruna Mariana 22


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No que diz respeito á classificação das obrigações principais, a obrigação de restituir o


capital mutuado é uma obrigação que tem por objeto uma prestação de coisa instantânea
fracionada, já o o pagamento dos juros remuneratórios mensalmente é uma prestação
duradoura reiterada periódica.

Perante o incumprimento de Bernardo, o mutuante decidiu resolver o contrato, estando


reunidos os pressupostos da resolução (que no mútuo tem especificidades). Ora o
mutuante, António, queria é que lhe fosse devolvido de imediato todo o capital que ainda
não tinha sido restituído e os juros remuneratórios dos períodos subsequentes até ao fim
do contrato. A resolução tem, em princípio, efeitos retroativos.
Os juros remuneratórios dos períodos futuros estão conexionados intimamente com o
período em que são devidos, ou seja, eles são devidos porque o dinheiro é disponibilizado
nesse período. Acontece que se o dinheiro deixa de ser disponibilizado nesse período, os
juros remuneratórios deixam de ser devidos.
No que concerne à obrigação relativa ao capital há perda do benefício do prazo, uma
vez que é uma obrigação liquidável em prestações, porém o mesmo já não acontece
quanto à obrigação de pagar os juros remuneratórios.
Assim o mutuante pode exigir de imediato a totalidade do capital mutuado porque é
uma obrigação instantânea que foi fracionada (há perda do benefício do prazo), mas
não pode exigir os juros remuneratórios futuros.
Se ele optou por resolver o contrato ele exige a restituição do capital mas não pode exigir
os juros remuneratórios relativos a um período futuro.

O que diz o acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ?


No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações o vencimento imediato destas ao
abrigo de cláusula de redação conforme ao artigo 781º CC não implica a obrigação de
pagamento dos juros remuneratórios nela incorporados (estes pressupõem que o mutuante
disponibilizasse o dinheiro nesse período.

Caso Prático nº 5
A dirige-se com a sua filha, B, ao estabelecimento comercial de C para encomendar
um smoking para vestir no casamento do seu filho, D, que se realizaria daí a um mês.
Enquanto A consultava os mostruários da loja, B escorrega e cai numa esfregona que
F, empregada de limpeza de C, tinha descuidadamente deixado para trás aquando da
limpeza, fraturando uma perna.
Em consequência do acidente, B sofre várias escoriações no braço esquerdo e parte a
perna direita. Os tratamentos prolongam-se durante algumas semanas e o seu custo
ascende a várias 1.500 euros.

Neste caso prático tratamos da matéria da relação complexa da obrigação.

Primeiramente temos que convocar o artigo 500º do CC que se prende com o a


responsabilidade do comitente pelos atos do comissário. Neste caso o comitente seria C
e a comissária F a sua empregada.

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Perante o acidente sofrido B poderá exigir uma indemnização pelos danos sofridos, tendo
por base a responsabilidade civil extracontratual e responsabilidade civil contratual.

Começando pela via da responsabilidade extracontratual. Quem é que responde ao


abrigo desta responsabilidade?
Ao abrigo da responsabilidade extracontratual respondem solidariamente F (empregada
de limpeza) e C (patrão).
Nesta situação F responde ao abrigo do artigo 483º do CC, estando preenchidos todos
os seus pressupostos:
◼ Ato voluntário do agente: neste caso estamos perante um ato omisso, na medida em
que F se tinha esquecido da esfregona.
◼ Ilicitude: estamos perante um ato ilícito desde logo, pela violação de direitos
absolutos de B.
◼ Culpa: verificou-se um descuido por parte de F;
◼ Dano: nesta situação temos tanto danos patrimoniais como danos não patrimoniais.
◼ Nexo de causalidade: há um nexo de causalidade entre a omissão de F e os danos
causados.

Para o lesado ser indemnizado cabe-lhe fazer prova dos factos constitutivos, ou seja é
sobre ele que recai então o ónus da prova.

Além de F, também C teria que responder. Ora C na qualidade de comitente, mesmo que
não tenha culpa, teria que responder ao abrigo do artigo 500º do CC pelos danos que a
sua comissária (F) causou no exercício das funções que lhe foram confiadas, se estiverem
verificados cumulativamente os pressupostos do mesmo artigo:
◼ Tem que haver uma comissão;
◼ Os danos têm que ter sido produzidos no exercício das funções da comissária;
◼ Tem de se verificar responsabilidade por parte da comissária, ou seja sobre ela
tem que recair um dever de indemnizar (artigo 483º do CC).

Assim, responderiam extraobrigacionalmente F ao abrigo do artigo 483º e C ao abrigo


do artigo 500º do CC , sendo que o lesado poderia pedir uma indemnização a qualquer
um deles na sua totalidade, podendo dirigir-se logo diretamente ao comitente (que, por
regra, é economicamente mais forte).

Além da via extra obrigacional, podemos ir por outra via, a da responsabilidade


obrigacional à luz da concessão da obrigação como uma relação obrigacional
complexa. Esta traduz a reação ao incumprimento de uma obrigação.
Ora, apesar de ainda não ter havido celebração do contrato, já nos encontrávamos numa
fase pré-contratual, que acarreta deveres acessórios ou laterais decorrentes do
princípio da boa-fé. Em toda a vida da relação obrigacional, mesmo antes de terem
nascido os deveres principais e mesmo depois deles se terem extinguido, o princípio da
boa-fé impõe deveres de conduta às partes. Esses deveres de conduta têm sido apelidados

Ana Margarida e Bruna Mariana 24


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de deveres acessórios de conduta ou deveres laterais e existem mesmo sem que existam
deveres principais, ou seja, são independentes da sua existência.

Na nossa hipótese prática, as partes do contrato eram A e C, mas quem se tinha esquecido
da esfregona tinha sido F o que originou o acidente de B. Com o esquecimento da
esfregona por parte de F foram violados deveres de proteção, deveres esses que visam
cumprir uma função essencialmente negativa, evitando danos na pessoa ou no património
das partes. Aqui a pessoa lesada era a filha daquele que seria uma das partes do contrato
a celebrar.
Os deveres acessórios de conduta (que emergem da boa-fé) estendem a sua eficácia
protetiva a terceiros, mas não a todos os terceiros. Estes deveres estendem-se aos
terceiros que as partes possam esperar uma proteção equivalente à sua, àquelas em
que à luz do princípio da boa-fé devem ser abrangidas nesta eficácia de proteção, sendo,
em regra, pessoas ligadas proximamente às partes ou ao objeto da prestação. Estamos
então perante um contrato com eficácia de proteção em relação a terceiros, o que se
manifesta desde logo na fase pré-contratual (artigo 227º do CC) o que significa que B
estaria protegida ao abrigo destes deveres.

Mas quem é que responde obrigacionalmente?


Acontece que ao nível obrigacional respondem apenas os sujeitos da relação, logo nesta
situação respondia apenas C na medida em que F já não respondia porque não seria parte
do contrato.
No domínio obrigacional há uma presunção de culpa, que recai sobre o devedor, por
isso se ele não ilidir a presunção a sua atuação é considerada culposa.
Assim nos termos do artigo 800º do CC (“O devedor é responsável perante o credor
pelos atos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento
da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor”)
que diz respeito aos atos dos representantes ou auxiliares, C terá que responder pela
atuação da sua auxiliar F.

Estes dois caminhos são cumulativos? Estando aqui em causa a aplicação dos dois
regimes, coloca-se a problemática do concurso de títulos de responsabilidade civil.
Perante este problema a doutrina não é unânime e por isso têm sid apresentadas várias
posições:

Parte da doutrina entende que há aqui uma situação de cúmulo de responsabilidade e


sustenta a sua posição com base em três subentedimentos:
⚫ Teoria da dupla ação ou da dupla indemnização- esta teoria diz-nos que podem
ser propostas duas ações e serem formuladas duas pretensões indmnizatórias, uma
fundada na responsabilidade obrigacional e outra na responsabilidade
extraobrigacional.

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Crítica: este entendimento é alvo de críticas, pois a indemnização vai indemnizar os


danos, vai reconstruir a situação existente caso não tivesse havido lesão e, portanto não
faz sentido que haja duas ações para reparar os mesmos danos.
Esta teoria não apresenta muitos adeptos.
⚫ Teoria da ação híbrida- esta teoria é defendida pelo prof. Vaz Serra e segundo ela,
é proposta uma ação e o lesado pode fundar a sua pretensão indemnizatória, quer nas
normas da responsabilidade obrigacional quer nas normas da responsabilidade
extraobrigacional, podendo escolher simultaneamente que normas se aplicam de um
e de outro regime com base no que se adeque melhor à sua pretensão.
Crítica: os regimes foram pensados unitariamente logo não faz sentido o lesado escolher
normas de um ou de outro regime, acrescendo que com esta tese acaba por criar um
regime à la carte.
⚫ Teoria da opção- esta é defendida pelo Dr. Pinto Monteiro e admite que se possa
aplicar ou um regime ou outro, cabendo ao lesado escolher, mas tem de escolher
unicamente um regime (porque estes estão pensados unitariamente).

Outra parte da doutrina defende que não há cúmulo.


A teoria do não cúmulo assenta na ideia de um mero concurso aparente de normas em
que podendo-se aplicar a responsabilidade extraobrigacional e responsabilidade
obrigacional, a responsabilidade obrigacional consome/afasta a responsabilidade
extraobrigacional.
O Dr. Almeida Costa é um dos defensores desta posição e justifica esta sua posição com
base nas seguintes razões: razão de ordem sistemática (o regime previsto na
responsabilidade obrigacional consome o regime da responsabilidade extraobrigacional)
e outra que se prende com o facto do regime da responsabilidade obrigacional tutelar
mais fortemente o lesado, o que lhe é mais favorável porque vigora como regra uma
presunção de culpa.

Caso Prático nº6


A 1 de Julho de 2009, F vende o seu automóvel a G. Acordam o preço de 24.000 € a
ser pago de uma só vez.
Convencionam que a entrega do automóvel se fará daí a 5 dias, altura em que
terminarão as obras de conservação da garagem de G.

I - Considere sucessivamente que:

Estamos perante várias espécies de deveres que cabem na relação obrigacional


complexa.

a) Na data acordada, F não entrega o automóvel, mas exige o pagamento dos 24.000 €.
Quid iuris?

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Nesta situação as partes acordaram a data em que o carro deveria ser entregue ( carro
devia ser entregue passado 5 dias) porém não convencionaram quando é que o preço
deveria ser pago, logo aplica-se a regra supletiva do artigo 885º do CC (o preço deve ser
pago no momento e no lugar da entrega da coisa vendida).
Estamos perante um contrato bilateral de onde nascem duas obrigações principais ligadas
pelo nexo do sinalagma: a obrigação de entregar a coisa (automóvel) e a obrigação de
pagar o preço. Ora como constatamos anteriormente, as partes nada convencionaram
quanto à entrega do preço, por isso não havendo prazos diferentes G pode recorrer à
exceção do não cumprimento prevista no artigo 428º do CC. Recorrendo G a este
mecanismo pode recusar-se a pagar o preço enquanto o automóvel não for entregue.

Assim sendo, G não havendo cumprimento voluntário:


1. Pode através de uma ação declarativa condenatória exigir judicialmente a
condenação de F à entrega do carro e posteriormente já na posse de um título executivo
propor uma ação de executiva. Acresce que F não entregando a coisa na data devida entra
em mora nos termos do artigo 804º do CC, podendo por isso além de exigir o
cumprimento da obrigação judicialmente exigir uma indemnização pelos danos
moratórios. Esta obrigação de indemnizar pelos danos moratórios é um dever
secundário com prestação autónoma complementar da prestação principal porque
acresce à prestação principal.
2. G pode em alternativa, por fim à relação contratual. Assim este pode resolver o
contrato convertendo a mora em incumprimento definitivo, através da interpelação
cominatória. Neste caso não se ia aplicar o artigo 886º do CC uma vez que não foi feita
a entrega da coisa.

b) F, apesar de entregar o veículo a G, não lhe entrega o livrete do automóvel. G recusa-


se a pagar os 24.000 €. Terá razão?

A obrigação de entrega do livrete não é uma obrigação principal, mas sim um dever
secundário acessório da prestação principal. Acontece que sem o cumprimento destes
deveres acessórios o cumprimento do dever principal não satisfaz o interesse do credor,
isto é a entrega do carro sem o livrete não satisfaz o interesse do credor porque sem este
o carro não pode circular. Estes deveres acessórios da obrigação principal estão incluídos
no sinalagma , o que quer dizer que o G pode lançar mão dos vários mecanismos que
dele decorrem:
1. Exceção do não cumprimento (artigo 428º do CC): o comprador pode recusar-se
a pagar o preço enquanto o vendedor não lhe entregar o livrete.
2. O comprador pode exigir judicialmente o cumprimento, acrescido de uma
indemnização pelos danos causados pelo atraso da entrega do livrete (danos
moratórios) nos termos do artigo 804º do CC.
3. O comprador pode ainda resolver o contrato por falta da entrega do livrete através da
resolução, mas para isso é necessário converter a mora em incumprimento
definitivo através da interpelação cominatória, acrescendo ainda uma
indemnização (artigo 801 nº2 do CC).

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Ora no caso da resolução esta tem efeitos retroativos logo se G opta-se por esta via as
obrigações que tinha sido cumpridas teriam que ser restituídas.

c) O indicador do nível de óleo no visor frontal daquele veículo funcionava de modo


inverso ao do da generalidade dos automóveis daquele modelo e daquela marca, em
virtude de um erro na montagem de uma série de automóveis. F não informa G desta
especificidade. Por isso, G não se apercebe da falta de óleo e o motor acaba por gripar.
Quid iuris?

Aqui a obrigação principal foi cumprida, porém além desta estamos perante um dever
lateral acessório de conduta que emerge do princípio da boa-fé. Estes deveres visam
visam garantir o cumprimento do interesse contratual que é mais abrangente que o mero
interesse na prestação. Neste caso estamos perante um dever de informação ou
esclarecimento, dever esse que se estende à fase pós-contratual, não estando em regra
incluído no sinalagma.

Nesta hipótese o vendedor não informou o comprador acerca do modo de funcionamento


do indicador do nível de óleo e devia tê-lo feito. Ora o incumprimento destes deveres em
regra, não se traduz sequer numa situação de mora ou incumprimento definitivo, mas
acarreta uma situação de cumprimento defeituoso.

Assim sendo, perante esta situação convoca-se o regime da violação contratual positiva,
o que quer dizer que o G tem o direito a ser indemnizado nos termos do artigo 798º do
CC (“O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se
responsável pelo prejuízo que causa ao credor”).

d) Na noite anterior à data acordada para a entrega do automóvel, F usa-o para se deslocar
a uma festa de aniversário de um amigo. No regresso a casa, conduzindo em excesso de
velocidade e com um nível de álcool muito elevado no sangue, não consegue
travar atempadamente num sinal vermelho, indo embater num outro veículo. Em virtude
deste acidente, o automóvel fica totalmente destruído. Quid iuris?

Nesta situação a obrigação principal de entregar o carro torna-se objetivamente


impossível por causa imputável ao devedor, vigorando uma presunção de culpa (artigo
799º do CC) que perante a factualidade descrita F não conseguiria ilidir. Por isso estamos
perante uma impossibilidade culposa de cumprir a obrigação principal de entregar a coisa.

A consequência face ao incumprimento da obrigação está prevista no artigo 801º nº1 do


CC, em que segundo este “tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao
devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da
obrigação”. Face a esta situação G poderia exigir uma indemnização pelos danos
decorrentes da impossibilidade de cumprir (dever secundário com prestação autónoma
substitutiva da obrigação principal) ou resolver o contrato.

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Esta indemnização vai colocar o sujeito na situação que ele estaria se tivesse havido o
cumprimento do contrato, ora o carro não podendo ser entregue então a indemnização
visa substituir a prestação que se tornou impossível.

Caso Prático nº 7
A vende a B, com entrega imediata, uma máquina corta-relva, tendo-se acordado que
o preço deveria ser pago, passados dois meses sobre essa data. A 2 de agosto, B revende
a máquina a C.

a) Quais são os meios de defesa ao dispor de A, no caso de B não pagar o preço na data
acordada?

No que diz respeito ao tempo, uma obrigação de pagar o preço numa determinada data é
uma obrigação a prazo, o que quer dizer que se não houver pagamento na data
marcada, o devedor entra em mora (artigo 805º - Momento da constituição da mora:
“O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente
interpelado para cumprir. Há, porém, mora do devedor, independentemente de
interpelação: se a obrigação tiver prazo certo; se a obrigação provier de facto ilícito; se
o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na
data em que normalmente o teria sido” - presumindo-se a culpa deste).
Ora a consequência da mora é a obrigação de indemnização por danos moratórios –
artigo 804º CC (“A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos
causados ao credor.”).

Como é que se repara os danos moratórios numa situação desta espécie? O credor
vai ter que provar que não causou danos moratórios?
A obrigação que está a ser devida é uma obrigação pecuniária (o objeto é causa é
dinheiro) e neste caso a reparação dos danos moratórios nos termos do artigo 806º do
CC corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (pagamento de juros
moratórios). Assim vencendo-se uma obrigação pecuniária, entrando o devedor em mora
a consequência da mora é o vencimento de juros moratórios que não se prevendo coisa
diversa são juros legais.
O A devido ao facto de B não pagar o preço atempadamente pode exigir o preço
mais os juros indemnizatórios, calculados nos termos do artigo 806º nº2 (“Os juros
devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou
as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal”). E pode exigir
extrajudicialmente a chamada ação para cumprimento, que é uma ação creditória que
tem 2 componentes:
⚫ Componente de ação declarativa condenatória
⚫ Componente executiva (sendo que se tiver um título executivo pode lançar mão
imediatamente deste).

Ana Margarida e Bruna Mariana 29


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O A credor do preço do corta-relvas vai concorrer com os demais credores comuns, em


que a garantia desta obrigação é a garantia geral (artigo 601º do CC).

O A pode reaver o corta-relvas? Qual é o instrumento jurídico para fazer operar


este efeito? Podia, neste caso, resolver o contrato?
No caso em questão B encontra-se em mera mora, e para a resolução do contrato seria
necessário haver imcumprimento definitivo, e para converte-la em incumprimento
definitivo recorre-se à interpelação cominatória- este seria um primeiro obstáculo.
Apesar da conversão da mora em incumprimento definitivo A neste caso, não poderia
resolver o contrato por falta de pagamento do preço porque se aplica o artigo 886º do
CC (“Transmitida a propriedade da coisa, ou o direito sobre ela, e feita a sua entrega, o
vendedor não pode, salvo convenção em contrário, resolver o contrato por falta de
pagamento do preço”). Ora como neste caso estávamos perante um contrato translativo
de efeito real sobre coisa presente e determinada o direito real transmitiu-se por mero
efeito do contrato e a coisa foi entregue.
Face a esta situação verificamos que um vendedor com espera de preço fica numa posição
fragilizada, porque ele troca o direito real que tem sobre uma coisa por um direito de
crédito ao preço.
Assim o meio de defesa passava penas por exigir o cumprimento da obrigação em dívida
acrescida de juros moratórios podendo A fazer o pedido judicial de cumprimento seja
numa fase declarativa seja depois numa fase executiva
Em suma: A venda feita por B a C é valida, o A não pode exigir a restituição do corta-
relvas nem a B nem a C.
b) Suponha que no contrato entre A e B havia sido aposta uma cláusula de reserva de
propriedade até pagamento integral do preço. Quid iuris?

Aqui o caso muda de figura pois se se apôs uma cláusula de reserva de propriedade,
nos termos do artigo 409º nº1 (“Nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar
para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da
outra parte ou até à verificação de qualquer outro contrato”), o efeito real associado à
compra e venda não se produziu por mero efeito do mútuo consenso, logo direito real
só se transferirá no momento posterior de uma forma deferida, no momento do
pagamento do preço.

Neste caso, isto significa que apesar de ter sido feita a entrega da coisa, convertida a
mora em incumprimento definitivo através da interpelação cominatória, o vendedor
A poderá resolver o contrato por falta do pagamento do preço nos termos do artigo
801º. (“Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este
responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação”; “Tendo a
obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à
indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a
restituição dela por inteiro”). Ora foi aposta uma cláusula de reserva de propriedade
que impediu a transferência do direito real, ou seja não se aplica a regra do artigo 408º e

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o direito real só se transfere no momento do cumprimento integral da obrigação de pagar


o preço, até lá o proprietário é o vendedor é o A, o que significa que convertida a mora
em incumprimento definitivo o vendedor pode resolver o contrato por falta do
pagamento do preço, sem prejuízo da indemnização a que tenha direito.
Não se aplica, portanto, o limite previsto no artigo 886º. Se o A optar pela resolução do
contrato ele pode obter a restituição da coisa vendida e que foi entregue e pode exigi-la
de B e de C, podendo exigir a quem tenha no momento a coisa.
Neste caso, o A não deixa de ser proprietário da coisa vendida, o que quer dizer que a
venda feita por B a C é uma venda de bens alheios e portanto, é nula, segundo o artigo
892º do CC.
O A pode por outra via, exigir o cumprimento do preço mais os juros moratórios.

O A pode exigir de C a entrega da máquina, mas o que acontece a C, pressupondo


que ele é um terceiro de boa-fé? Pode ser aposta uma cláusula de reserva de
propriedade?
Pode, porque se trata de um bem móvel não sujeito a registo, sendo que a cláusula de
reserva de propriedade sobre bem móvel não sujeito a registo pode ser oposta a terceiro,
ainda que de boa-fé- artigo 409º nº2 (“Tratando-se de coisa imóvel, ou de cosia móvel
sujeita a registo, só a cláusula constante de registo é oponível a terceiros”). Já se se
tratasse de coisa imóvel ou móvel sujeita a registo para ser oposta a terceiros tinha que
ser registada.
No nosso caso não está em causa uma coisa imóvel ou uma coisa móvel sujeita a registo
o que quer dizer que pode ser oposta a terceiros mesmos que estes estejam de boa-fé,ou
seja que este desconheça a cláusula, e por isso ele tem que restituir o corta relvas.
Mas no nosso caso C pagou um preço a B , e por isso o C vai poder exigir esse valor ao
B nos termos do artigo 894º do CC. (“Sendo nula a venda de bens alheios, o comprador
que tiver procedido de boa-fé tem o direito de exigir a restituição integral do preço, ainda
que os bens se hajam perdido, estejam deteriorados ou tenham diminuído de valor por
qualquer outra causa”).
Em suma: Nesta alínea o A podia exigir o corta relvas a C e este tinha que o entregar
mesmo estando de boa-fé, depois o que o C poderia fazer era exigir a restituição do preço
que pagou mas de B.
c) Suponha que C desconhecia a cláusula, e que B era um revendedor daquele tipo de
máquinas.
Nesta alínea o C está de boa-fé, já sabemos que em princípio este não é protegido mas
acresce aqui o dado de que C comprou a máquina a B, que é um revendedor daquele tipo
de máquinas. Ainda que em princípio o terceiro de boa-fé não seja protegido, há um caso
em que ele pode ser protegido.
Ora aqui aplicámos o artigo 1301º do CC (“O que exigir de terceiro coisa por este
comprada, de boa-fé, a comerciante que negoceie em coisa do mesmo ou semelhante
género é obrigado a restituir o preço que o adquirente tiver dado por ela, mas goza do

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direito de regresso contra aquele que culposamente deu causa ao prejuízo”), sendo que
esta é uma norma que visa proteger aquele que comprou a comerciante, é uma norma
de proteção do consumidor.
O que resulta deste artigo?
Neste caso o A para exigir a C a entrega do corta-relvas tem de pagar a C o preço que o
este (C) pagou a B pela coisa tendo que estar verificados os seguintes requisitos:
⚫ O terceiro esteja de boa-fé,
⚫ O terceiro tenha comprado a coisa a comerciante que negoceie em coisa do mesmo
ou semelhante género.
Assim estando verificados determinados requisitos de aplicação A continua neste caso a
exigir a entrega da coisa, só que neste a entrega fica depende do pagamento do preço que
o C deu ao B.
Claro que o A aqui não fica desprotegido, pois este pode exigir a B aquilo que pagou a
C.
Contrato- Promessa

Caso Prático nº8


Em setembro de 2021, A celebra com C um contrato-promessa de compra e venda,
pelo qual se comprometem respetivamente a vender e a comprar um edifício de que o
primeiro é titular e se situa nos arredores da cidade de Guimarães.
O contrato é celebrado através de documento assinado por ambos. No mesmo, as
partes convencionam que a compra e venda deverá ser celebrada decorrido um ano sobre
a data da celebração do contrato-promessa. Ademais acordam que o preço será de 200.000
€. Numa outra cláusula do contrato-promessa estipulam o afastamento da execução
específica.
C entrega a A, aquando da celebração do contrato-promessa, 50.000 € e passa a
habitar o edifício.
Em junho de 2014, A havia obtido um empréstimo do Banco X, constituindo como
garantia do crédito deste uma hipoteca sobre o referido edifício.
Entretanto, verifica-se um acentuado aumento do valor dos edifícios situados na zona,
em virtude de diversos melhoramentos nas vias rodoviárias adjacentes e num aumento
das ofertas de lazer na área circundante. Em setembro de 2014, o imóvel de que Alberto
é proprietário vale 280.000€.
Pergunta-se:

a) O Banco X vem invocar a nulidade do contrato-promessa. Pode fazê-lo? Que interesse


terá nessa invocação?
Este caso trata da matéria do contrato-promessa.

Aqui estamos perante um contrato-promessa de compra e venda:


⚫ Contrato-promessa de compra e venda bilateral porque ambas as partes se obrigam
no futuro a celebrar o contrato prometido de compra e venda, logo o “A” obriga-

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se a emitir a declaração negocial de venda e o “C” obriga-se a emitir a declaração


negocial de compra;
⚫ Contrato-promessa de compra e venda sinalizado na medida em que apesar de não
estar referido no enunciado a existência de sinal, há uma presunção que se aplica
neste caso prevista no artigo 441º do CC - (“No contrato-promessa de compra e
venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-
comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio
de pagamento do preço”).
⚫ Contrato-promessa de compra e venda com eficácia meramente obrigacional e não
real. Para o contrato de promessa ter eficácia real é necessário que se verifiquem os
requisitos que constam do artigo 413º do CC que são:

◼ Temos que estar perante uma coisa imóvel ou móvel sujeito a registo- no
nosso caso estamos perante uma coisa imóvel (prédio).
◼ Tem de haver uma declaração expressa de atribuição de eficácia real- no
enunciado não temos indicação que se atribui eficácia real.
◼ Tem que haver inscrição no registo- não houve inscrição do registo.
◼ Tem que haver cumprimento de exigências formais previstas no nº2 do
413º- estas exigências formais não foram cumpridas.

⚫ Contrato-promessa de compra e venda subsumível ao artigo 410º nº3 uma vez que
este contrato de compra e venda é relativo à compra e venda de um edifício. Ora isto
é importante porque tratando-se de um contrato-promessa relativo à alienação de um
edifício construido, em construção ou a construir ou de fração autónoma dele, o
contrato reconduz-se à norma do artigo 410º nº3 que vai ter impacto em vários
pontos do regime (o documento deve conter o reconhecimento presencial das
assinaturas do promitente ou prominentes e a certificação da existência da
respetiva licença de utilização ou construção).

No que diz respeito a este contrato aplica-se em princípio o regime do contrato


prometido – princípio da equiparação- mas há duas exceções:
⚫ Forma;
⚫ Normas que, pela sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao
contrato-promessa - artigo 410º nº1.

Qual é a forma exigida para este contrato?


Se vigorasse o princípio da equiparação íamos aplicar o regime do artigo 875º.
Em princípio, ao contrato-promessa aplica-se o princípio da liberdade de forma (artigo
219º), a menos que haja exigências especiais de forma que não são as do contrato
prometido.
Este contrato de promessa vai ter que respeitar o disposto no artigo 410º 2 e 3, sendo que
às exigências do nº2 acrescem às do nº3.
Ora começando pelo 410 nº2 e aplicando-o ao nosso caso, para um contrato prometido
de compra e venda de um prédio urbano o artigo 875º exige documento autentico e por

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vezes autenticado, consequentemente resulta do 410º nº2 que o contrato de promessa


tem que constar de documento assinado pela parte ou pelas partes que se vinculam.
Para o contrato prometido, que no nosso caso é um contrato de compra e venda de um
prédio urbano é exigido documento, isto quer dizer que para efeitos do 410º nº2 é
necessário que o contrato de promessa seja reduzido a escrito e que seja assinado por
ambas as partes (estamos perante um contrato de promessa bilateral).
Pelo enunciado do caso vemos que o contrato foi assinado por ambos o que quer dizer
que não temos que discutir se este contrato poderia ou não ser aproveitado.

Para além disso, porque se trata de uma situação subsumível ao artigo 410º nº3 estando
aqui em causa um contrato de promessa de alienação onerosa de um edifício é
necessário que haja exigências adicionais:
⚫ É preciso que haja o reconhecimento presencial das assinaturas.
⚫ Certificação notarial da existência da licença de utilização ou de construção.
Estas exigências do artigo 410º nº3 não foram observadas e por isso o contrato-
promessa é nulo, por vício de forma nos termos do artigo 220º.
Em princípio à nulidade aplica-se o regime do artigo 286º e segundo este artigo a
nulidade pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal e pode ser invocada por um
terceiro interessado.

Será que o banco é um terceiro interessado? Qual é o interesse do banco que seja
declarada a nulidade deste contrato-promessa em que ele não é parte?
O banco é titular de uma hipoteca que é um direito real de garantia, o registo aqui é
constitutivo e deu-se em junho de 2021 antes da celebração do contrato de promessa que
só ocorreu em setembro. Ora o banco é titular de uma hipoteca sobre este edifício.

O que pode nascer deste contrato-promessa?


Um direito de retenção, previsto artigo 755º f) -“Gozam ainda de direito de retenção o
beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve
tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito
resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º ”-
deste artigo retiram-se vários pressupostos.
Assim para este direito de retenção nascer é necessário que:
⚫ Esteja em causa um contrato de promessa sinalizado, medida em que direito de
retenção garante a indemnização prevista no artigo 442º, indemnização essa que
resulta do sinal.
⚫ Tem que ter havido tradição da coisa.
⚫ É preciso que perante um incumprimento do promitente alienante, o promitente
adquirente tenha optado pela via resolutória indeminzatória.
Caso isto tudo acontecer o “C” é titular de um direito de retenção, mas o direito de
retenção vai nascer depois da hipoteca, porque é que o banco vai estar interessado em
destruir o contrato de promessa? Porque o direito de retenção prevalece sobre a
hipoteca mesmo que anteriormente constituída nos termos do artigo 759º do CC -
“Recaindo o direito de retenção sobre coisa imóvel, o respetivo titular, enquanto não

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entregar a coisa retida, tem a faculdade de a executar, nos mesmos termos em que o pode
fazer o credor hipotecário, e de ser pago com preferência aos demais credores do
devedor”; “O direito de retenção prevalece neste caso sobre a hipoteca, ainda que esta
tenha sido registada anteriormente”.
Há muitos autores que criticam esta solução que em termos de interesses esta protege
fortemente o promitente-adquirente em detrimento dos interesses bancários.

E mesmo o banco sendo um terceiro interessado, este pode invocar a nulidade deste
contrato? Em princípio, à luz do artigo 286º, poderia, no entanto a nulidade decorrente
da violação do artigo 410º nº3 é uma nulidade atípica, e por isso há 2 assentos que
valem como acórdãos uniformizadores de jurisprudência que traduzem esta
atipicidade.
O assento de 28 de junho de 1924, vem dizer-nos que esta nulidade do artigo 410º nº3
não pode ser invocada por terceiros interessados já o assento de 1 de fevereiro de
1925 vem dizer que esta nulidade não pode ser declarada oficiosamente pelo
tribunal.
Estes assentos hoje valem como acórdãos de uniformização de jurisprudência.

Em suma: o banco X vem invocar a nulidade do contrato de promessa tendo como


interesse evitar um direito de retenção que vai prevalecer sobre a hipoteca, mas não pode
invocar a nulidade.

b) Quid iuris se A, em setembro de 2014, se recusar a celebrar a escritura de compra e


venda? Refira-se à posição jurídica de C, articulando-a com a posição creditória do Banco
X.
Agora não há nulidade e mesmo que haja em princípio só pode ser invocada pelo
promitente-adquirente, a menos que esse tenha dado causa da nulidade por sua culpa, o
que não acontece no nosso caso. Sendo assim a nulidade só pode ser invocada pelo
promitente-adquirente.
Quais são os meios de defesa do C? Quais são as 2 vias que são admissíveis?
As duas vias admissíveis são: a via resolutória indemnizatória e a via da execução
específica.
Começando pela via resolutória indemnizatória- Pode-se resolver o contrato ou não?
Estando em causa um contrato de promessa sinalizado, havendo resolução do contrato
nos termos do artigo 442º nº2 se houver sinal o promitente adquirente fiel pode exigir o
dobro do sinal ou porque houve tradição da coisa em vez de pedir o dobro do sinal pode
pedir a indemnização pelo aumento do valor da coisa.

Como é que se calcula a indemnização pelo aumento do valor da coisa?


Primeiro temos que determinar o valor objetivo do imóvel na data do incumprimento que
era (280 mil euros), e depois deduzir o preço convencionado (200 mil euros), devendo
depois ainda ser restituído o sinal (50 mil euros) e a parte do preço que tenha sido pago,
ou seja 280 mil menos 200 mil mais 80 mil, dá uma indemnização de 130 mil euros.

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Estamos aqui aplicar aqui o 442º nº2 e que para ser aplicado pressupõe que o contrato de
promessa seja sinalizado, e a possibilidade por optar pela indemnização exige que para
além do contrato ser sinalizado haja tradição da coisa, o que quer dizer que se fosse
sinalizado mas não houvesse tradição da coisa só se podia exigir o dobro do sinal o que
quer dizer que se houvesse tradição da coisa se não fosse sinalizado não podíamos aplicar
o artigo 442º nº2.

Obviamente que C que pode exigir 100 mil ou 130 mil vai exigir os 130 mil, mas esta é
uma alternativa que lhe compete a ele. Se o promitente adquirente optar pela resolução
do contrato e optar por uma destas indemnizações, o direito de retenção (artigo 755º do
CC) garante o seu direito de crédito indemnizatório, mas para haver direito de retenção
é necessário: que o contrato de promessa seja sinalizado; que tenha havido tradição
da coisa e que se tenha optado pela via resolutória indemnizatória. Este direito de
retenção prevalece sobre as hipotecas mesmo que constituídas anteriormente, ora no caso
do imóvel ser vendido ele vai servir em primeiro lugar para pagar ao C o banco só vai
receber se sobrar dinheiro.

Poderá haver resolução perante mera mora?


Esta questão não se coloca em todos os contratos de promessa, só se coloca a propósito
do 442º nº2 é preciso que este seja sinalizado. A propósito do contrato de promessa
sinalizado coloca-se a questão de saber se basta a mera mora para resolver o contrato, em
regra não basta a mera mora para resolver o contrato sendo necessário converter a mora
em imcumprimento definitivo através da interpelação cominatória.
No âmbito de um contrato de promessa sinalizado com base no artigo 442º a doutrina
divide-se: parte da doutrina entende que basta a mera mora para resolver um contrato de
promessa sinalizado, a outra parte entende que no contrato de promessa sinalizado aplica-
se a regra geral sendo preciso converter a mora em incumprimento definitivo.

Como se opera a via da execução específica?


Em alternativa à via resolutória indemnizatória o promitente adquirente pode optar pela
via da execução específica, em que através de uma ação judicial vai adquirir o bem, o
facto deste contrato de promessa ser sinalizado não impede o recurso à execução
específica, não se aplicando a presunção do artigo 830º nº2- (“Se alguém se tiver
obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na
falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração
negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação
assumida”; “Entende-se haver convenção em contrário, se existir sinal ou tiver sido
fixada uma pena para o caso de não cumprimento da promessa”)- porque estamos perante
um contrato subsumível ao artigo 410º nº3 do CC.
Num contrato de promessa do artigo 410º nº3 as partes não pode afastar a execução
específica porém não são obrigados a recorrer a ela, não podem é afasta-la, o que quer
dizer que a convenção pela qual a afastaram é nula , por violação do artigo 830º nº3.
Se a ação proceder o tribunal vai dar o contrato o contrato de compra e venda por
celebrado vai substituir-se ao promitente faltoso, o que quer dizer que o C vai adquirir o

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bem mas vai adquiri-lo onerado com a hipoteca – a hipoteca acompanha o bem. Nos
termos do artigo 830º nº4 o promitente pode requerer que o A seja condenado a pagar a
ele – C - a quantia necessária para expurgar a hipoteca. Portanto o promitente adquirente
está mais protegido pela via resolutória e indemnizatória pois se ele recorrer à execução
específica vai adquirir o bem onerado, pode é exigir que o tribunal condene o promitente
alienante a pagar ao promitente adquirente a quantia necessária para expurgar a hipoteca.

Caso Prático nº9


A promete vender e B promete comprar um prédio rústico no Alentejo, em
setembro de 2014.
O preço acordado foi de 100.000 euros. B entrega a A 20.000 euros e passa de
imediato a cultivar o terreno.
Marcam a celebração da escritura pública de venda para daí a um ano.
Três meses antes da data acordada, é inaugurada uma nova auto-estrada para o
Algarve que passa na proximidade do referido terreno. Este valoriza-se, passando a
valer o dobro do valor que tinha aquando da celebração do contrato-promessa.
Então, aquando da data fixada para a realização da escritura pública, A não
comparece no cartório notarial.

a) Suponha que o contrato havia sido só assinado por A, quid iuris?

Neste caso estamos novamente perante um contrato-promessa.


Estamos perante um contrato-promessa:
⚫ Contrato-promessa bilateral de compra e venda: ambas as partes se obrigam no
futuro a celebrar o contrato definitivo do prédio rústico;
⚫ Sinalizado: houve a entrega pelo promitente adquirente de uma quantia de 15 mil
euros ao promitente alienante. Ora toda a quantia entregue nestes termos, no âmbito de
um contrato-promessa de compra e venda, presume-se que tem carácter de sinal, nos
termos do artigo 441º do CC;
⚫ Com tradição da coisa: B começa a cultivar o terreno;
⚫ Não é subsumível ao artigo 410º nº3 do CC;
⚫ Com eficácia meramente obrigacional.

Como nos é dito no enunciado o contrato é reduzido a escrito num documento que apenas
foi assinado por A. No que diz respeito à forma ao contrato-promessa aplica-se, em
princípio, o regime do contrato prometido- princípio da equiparação. Acontece que este
princípio tem desvios, sendo um deles relativo à forma como vemos no artigo 410º nº1-
“À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as
disposições gerais relativas ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma e as
que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa”.
Ora ao contrato-promessa não se aplica a forma exigida para o contrato prometido
vigorando em princípio a liberdade de forma (artigo 219º do CC) , no entanto neste
caso há uma exigência formal que tem de ser observada que está prevista no artigo 410º

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nº2 do CC. Resulta deste artigo que “a promessa respeitante à celebração de contrato
para qual a lei exija documento, quer autentico, quer particular, só vale se constar de
documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-
promessa seja unilateral ou bilateral”, no nosso caso a forma exigida para a compra e
venda do prédio rústico está prevista no artigo 875º do CC, sendo exigida escritura
pública ou em certos casos documento autenticado, logo respeitando o artigo 410º nº2
o contra-promessa teria que ser reduzido a escrito e deveria assinado, neste caso, pelas
duas partes porque ambas se vinculam a celebrar o contrato definitivo.
No caso em análise, o documento só foi assinado por A, não tendo sido assinado por B,
logo a exigência formal do artigo 410º nº2 do CC não foi observada e, portanto, o
contrato-promessa é nulo, aplicando-se a esta nulidade o regime geral do artigo 286º do
CC.
No que diz respeito à nulidade de contratos-promessa, a nossa doutrina e jurisprudência
entendem que estes podem ser aproveitados, através dos regimes da redução ou da
conversão, havendo neste sentido um assento sobre essa matéria – Assento de 29 de
novembro de 1999 (“O contrato-promessa de compra e venda de imóvel exarado em
documento assinado por apenas um dos contraentes é nulo mas pode considerar-se
válido como contrato-promessa unilateral, desde que esta tivesse sido a vontade das
partes”). Ainda que segundo o assento o contrato possa ser aproveitado, este naquilo que
decide é muito pouco claro e por isso parte da doutrina continua a defender que, à luz dele
se aplica o regime da redução enquanto outra parte da doutrina defende que se aplica o
regime da conversão. Acresce que o próprio assento parece que nem se reporta
exatamente aos requisitos da conversão.

Quais são as implicações na distribuição do ónus da prova?


Esta questão relativamente ao aproveitamento que divide a doutrina tem uma grande
importância prática, nomeadamente ao nível do ónus da prova:
⚫ Ao aceitar-se que o instrumento a utilizar é a redução estamos a pressupor que a
nulidade é meramente parcial. Ora estando em causa uma nulidade meramente
parcial admite-se que este negócio celebrado pelas partes é divisível sendo possível
amputar a parte viciada sobrevivendo o negócio como promessa unilateral- isto
ocorrerá, à luz do instituto da redução, automaticamente. Assim aplicando este
raciocínio este contrato-promessa bilateral parcialmente nulo por violação do
disposto do artigo 410º nº2, este reduz-se ope legis (“por força da lei”; “sem mais”)
e passa a valer como contrato-promessa unilateral, que vincula apenas o A (que foi
quem assinou), a menos que a parte interessada na destruição total do negócio/na
invalidade total (que, em regra, em casos como estes é o A) provar que o negócio
não teria sido concluído sem a parte viciada – artigo 292º. Isto significa que o neste
caso ónus da prova recai sobre a parte que quer a destruição do negócio, o negócio
em princípio reduz-se a menos que a parte interessada na nulidade total faça esta
demonstração.

⚫ Ao aceitar-se a tese da conversão a nulidade que afeta o negócio é uma nulidade


total, isto é, o negócio deve ser considerado totalmente inválido podendo ser

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aproveitado através deste mecanismo do artigo 293º (“O negócio nulo ou anulado
pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os
requisitos essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas
partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade”).
Ora o negócio é totalmente nulo mas pode converter-se num negócio diferente se se
demonstrarem os requisitos deste artigo. No que concerne ao ónus da prova, este
recaí sobre parte interessada na conversão, a parte interessada em que o contrato-
promessa bilateral se converta em contrato-promessa unilateral, tendo que provar que
as partes tinham querido celebrar este negócio – contrato-promessa unilateral - se
tivessem previsto a invalidade do negócio celebrado. Em regra, o ónus da prova é do
promitente-adquirente, no nosso caso, B.

A doutrina divide-se:
Parte que defende a redução:
1. Os autores que defendem a redução que defendem que estamos perante uma nulidade
meramente parcial, e vêm destacar que o carácter sinalagmático do contrato-promessa
não vale autonomamente, vale como um instrumento do carácter sinalagmático do
contrato definitivo, o que quer dizer que se a parte que não se considera vinculada pelo
contrato-promessa quer celebrar o contrato definitivo a falta de vinculação dela não
impede o resultado final pretendido com o contrato-promessa bilateral.

2. Os autores destacam que este tese de invalidade parcial favorece mais o promitente
comprador sendo a parte este mais fraca porque, em regra, é a pessoa que não assinou
o documento e que tem vontade de celebrar o contrato definitivo.
Normalmente, quando é que se recorre ao contrato-promessa? É muitas vezes celebrado
como um instrumento que vai conduzir à celebração de um contrato de compra e venda
de casa de habitação. O que quer dizer e é isso que explica muito a posição de muita
doutrina e jurisprudência é que se olha para este contrato numa perspetiva de defender a
parte mais vulnerável/fraca, que em regra é o promitente adquirente.

Parte que defende a conversão:


1. O contrato-promessa unilateral não é uma parte do contrato-promessa unilateral,
o contrato-promessa unilateral é um negócio diferente do contrato-promessa bilateral.
2. Caráter sinalagmático da promessa bilateral, os autores que defendem a conversão
referem que a razão de ser da promessa de uma das partes encontra-se na promessa da
outra parte. Portanto, quanto ao caráter sinalagmático do contrato-promessa, se uma das
obrigações for invalidamente assumida, a nulidade deve afetar todo o negócio.
3. Um contrato-promessa unilateral não é metade de um contrato promessa-
bilateral.

Concluindo, na redução o promitente-adquirente (B) nada tem que fazer, sendo que o
negócio vai valer como contrato-promessa unilateral por mera produção ope legis. À luz
da conversão, o negócio é em principio totalmente inválido e o ónus da prova dos factos
que depende a conversão cabe ao promitente-adquirente.

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Ora se o negócio tivesse sido apenas assinado por A, ele seria nulo por vício de forma,
porém este poderia valer como contrato-promessa unilateral, consoante se optasse pela
redução ou pela conversão.
Acontece que A não compareceu no cartório notarial, sendo esta um contrato-promessa
unilateral que vincula A este entrou em incumprimento.

Perante o incumprimento de A, o que é que B poderia fazer?


Temos que considerar 2 vias:
⚫ Via resolutória indemnizatória.
Pode B de imediato resolver o contrato perante a mera mora de A?
Tratando-se de um contrato-promessa sinalizado existe uma querela doutrinal.
Assim parte da doutrina, entende que no contrato-promessa sinalizado, diferentemente do
que resulta da regra geral dos contratos, basta a mera mora para resolver o contrato.
No entanto, outra parte da doutrina, que a jurisprudência segue maioritariamente, não
concorda com este entendimento e entende que mesmo no contrato-promessa sinalizado
a resolução só é possível em caso de incumprimento definitivo. A ser assim B, antes de
resolver o contrato, teria que transformar a mora em incumprimento definitivo
através da interpelação cominatória.
Resolvendo o contrato, seja com conversão da mora em incumprimento definitivo seja
imediatamente (dependendo da posição que se adote na querela), o que B pode exigir?
Qual é a indemnização que ele pode exigir?
Tratando-se de um contrato-promessa sinalizado com tradição da coisa, B pode exigir
indemnização pelo dobro do sinal ou uma indemnização pelo aumento do valor da
coisa. A indemnização é calculada nos termos do artigo 442º nº2 (“ Se quem constitui o
sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem
o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do
contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou,
ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o
direito de transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objetivamente, à data do não
cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-
lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago”), isto é, porque se trata de um
contrato-promessa sinalizado com tradição da coisa, ele vai poder exigir em
alternativa o dobro do que prestou (o dobro do sinal, neste caso, 40 mil euros) ou
porque houve tradição da coisa pode exigir a indemnização pelo aumento do valor
da coisa (neste caso, 120 mil euros, já que o valor do imóvel à data do não cumprimento
da promessa era de 200 mil euros, o preço convencionado de 100 mil euros e o sinal de
20 mil euros).
Neste caso, ele não tem de provar danos porque o cálculo da indemnização é em termos
abstratos. O seu crédito indemnizatório estará protegido pelo direito de retenção, previsto
no artigo 755º n1 f), que vai prevalecer, inclusivamente, sobre as hipotecas, mesmo que
constituídas anteriormente.

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⚫ Via da execução especifica (artigo 830º).


Pode B recorrer à execução específica neste caso? Pode o tribunal substituir-se a A
(proprietário do imóvel) na emissão da sua declaração negocial e dar o contrato
definitivo por celebrado?
Neste caso, o A não pode recorrer à execução especifica, em alternativa à via resolutória,
porque estamos perante um contrato-promessa sinalizado que
não é subsumível ao artigo 410º nº3 e o sinal constitui presunção de afastamento da
execução específica, sendo esta uma presunção ilidível.

b) Suponha, agora, que o contrato foi assinado por ambas as partes e que B não entregou
qualquer quantia A. Poderia B, de imediato, exigir a A uma indemnização calculada ao
abrigo da parte final do n.º 2 do artigo 442.º, sendo esse crédito tutelado por uma garantia?
Responda, analisando a posição jurídica de B.

Neste caso, estamos perante um contrato-promessa de compra e venda:


⚫ Bilateral;
⚫ Não sinalizado;
⚫ Com tradição da coisa;
⚫ Meramente obrigacional;
⚫ Não subsumível ao artigo 410º nº3.

B pode exigir uma indemnização calculada nos termos do artigo 442º?


Não porque não havendo sinal, a indemnização vai neste caso ser calculada nos termos
gerais, (artigo 562º e ss. do CC) e B vai ter provar os danos.
E nesta situação não havendo nenhuma querela pois este contrato-promessa não é
sinalizado, para que B possa resolver o contrato por incumprimento de A, é preciso que
este esteja em incumprimento definitivo, não basta a mera mora e, portanto, B vai ter
de converter a mera mora em incumprimento definitivo através da interpelação
cominatória.

Pacto de Preferência
Caso Prático nº10
A, por contrato com B, concede-lhe o direito de preferência na venda de um imóvel seu,
sito em Gaia. Pretendendo vender esse bem, A informa B que está interessado em aliená-
lo por 100.000 €, a serem pagos a pronto. Este último diz-lhe que esse preço é, nesse
momento, demasiado elevado para as suas possibilidades, ficando assim A descansado
para, decorrido um ano, celebrar um contrato-promessa de compra e venda desse prédio
com C, e lho vender, no mês a seguir, por 100.000 €.
Pergunta-se:

a) O que pode B fazer?

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A matéria tratada nesta hipótese prática, é a relativa ao pacto de preferência.


Ora, aqui está em causa um contrato celebrado entre A e B em que A concede a B o direito
de preferência da venda de um imóvel. A pretende vender a B o respetivo imóvel,
comunicando-lhe essa vontade, mas o segundo mostra-se descontente com o preço, e o A
considerando que já tinha cumprido as suas obrigações relacionadas com o direito de
preferência, acaba por vender o imóvel a C por 100 mil euros.

Neste caso prático estamos perante um pacto de preferência, que não se confunde com
o contrato-promessa unilateral, pois neste último uma das partes obriga-se a celebrar o
negócio definitivo, coisa que não acontece no pacto de preferência. Aqui A não se obriga
a vender a B, obriga-se sim a dar preferência a B caso decida vender o bem , ou seja, antes
de o vender e caso o decida fazer deve dar preferência a B para que ele compre nas
mesmas condições em que A fosse vender o bem a outra pessoa. Ora obrigando-se A a
dar preferência B e sendo este o titular desse direito, vemos aqui que A é o obrigado a
preferência e B o preferente.
Assim sendo, estamos perante um negócio jurídico bilateral, pois temos duas partes,
mas estamos perante um contrato unilateral porque só gera obrigações para uma das
partes, para o obrigado à preferência é ainda um pacto preferência convencional, com
eficácia meramente obrigacional (para ter eficácia real era necessário que estivessem
verificados os requisitos do artigo 421º do CC e o enunciado nada nos diz acerca da
verificação desses requisitos).
A obrigação principal aqui em causa é a venda de A a B nas condições em que decidi-se
vender a terceiro.

Para A vender a um terceiro (C) deve além de acertado com ele os termos do negócio a
celebrar, tem que fazer uma notificação para preferência a B, tendo esta que obedecer a
certas características.
Quando A informa B que está interessado em alienar o bem imóvel por 100 mil euros a
serem pagos a pronto, consideramos esta informação de A uma notificação para
preferência? NÃO, isto é uma comunicação da intenção de vender. Ora a alienação do
imóvel está sujeita a requisitos de forma, portanto não basta aqui mera aceitação para a
sua celebração. No caso que estamos a analisar, estamos perante um mero convite a
contratar pois nem os elementos essenciais estão todos definidos nem está revestida a
forma exigida para a declaração negocial. Portanto, não é a uma notificação para
preferência nem sequer uma proposta contratual.

O que é que se tinha que verificar para termos uma notificação para preferência?
⚫ Era preciso que o A decidisse a celebrar o negócio a que a obrigação respeita.
⚫ Era necessário que já tivesse acertado os termos desse negócio com terceiro. Quando
ele comunica já tinha os termos acertados com terceiro? Não.
⚫ É preciso ainda que lhe comunique um conjunto de informações.
Nos termos do artigo 416º do CC (esta norma fica aquém na sua letra de tudo o que,
segundo o entendimento do momento presente, tem-se que comunicar): O obrigado à
preferência tem de comunicar o projeto de venda, as cláusulas do respetivo contrato,

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a identidade do terceiro e o dia, hora e local de celebração do contrato, quando decidir


vender e tiver o negócio acertado com o terceiro. Se faltar algum destes elementos a nossa
jurisprudência tem entendido que a notificação da preferência não foi bem realizada,
o que quer dizer que o direito do preferente não fica precludido.
No nosso caso não tínhamos uma notificação para preferência porque não havia projeto
com terceiro, não tinham sido comunicadas todas as cláusulas desse projeto com terceiro
(que nem existia), não foi identificado o terceiro nem indicada a data, a hora e o local de
celebração do contrato.

A notificação para preferência estava sujeita a forma especial?


No que diz respeito à forma do pacto de preferência a temos um conjunto de requisitos
que assentam numa remissão parcial para o regime do contrato de promessa (o artigo
415º do CC remete para o artigo 410º nº2 do CC).
No entanto isto não vale para a notificação da preferência e neste sentido não se exige
nenhuma forma especial para a notificação para a preferência, vigorando o princípio de
liberdade de forma.
Ora se para a celebração do contrato a que a preferência respeita não seja exigida forma,
este pode formar-se se a notificação de preferência contiver todos os elementos já
referidos e houver resposta afirmativa por parte do preferente. Nestas circunstâncias
notificação para preferência vale como proposta contratual. Isto não aconteceria no caso
em análise uma vez que este respeitava a uma compra e venda de um bem imóvel, que
para ser validamente celebrada está sujeita à forma do artigo 875º do CC.

No nosso caso não foi feita uma notificação para preferência, o que quer dizer que A,
passado um 1 ano, decidisse vender o imóvel e tivesse um negócio acertado com terceiro
tinha que fazer a notificação para preferência. E mesmo que tivesse feito uma notificação
para preferência válida e eficaz ab initio, se algum termo negocial mudasse, teria de ser
feita uma nova notificação.
Exemplo: A notifica hoje B para preferência, dizendo-lhe que vai celebrar o negócio com
terceiro daí a um mês mas este negócio com terceiro acaba por se celebrar apenas um ano
e meio depois. Mesmo que o A tenha feito uma notificação para preferência válida e
eficaz terá que fazer uma nova notificação para preferência.
Acontece que a mudança de qualquer elemento essencial (qualquer elemento que de
acordo com a boa-fé possa determinar a vontade das partes) implica uma nova
notificação para preferência. Qualquer alteração circunstancial que possa envolver a
mudança de um elemento decisivo para a celebração do negócio importa que se repita a
notificação para a preferência.

A vende a terceiro, o que é que o B pode fazer? Poderá B recorrer à ação de


preferência (artigo 1410º do CC)?
Só se abre a possibilidade de recorrer à ação de preferência, em caso de violação de um
direito de preferência, quando o direito de preferência tem origem legal, ou mesmo
tendo origem convencional mas neste caso o pacto que nasce o direito é um pacto com
eficácia real.

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No nosso caso o direito de preferência nasce de um pacto com natureza meramente


obrigacional porque não resulta do enunciado que tivessem sido observados os requisitos
do artigo 413º (“À promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens
imóveis, ou móveis sujeitos a registo, podem as partes atribuir eficácia real, mediante
declaração expressa e inscrição no registo”) por força do artigo 421º do CC e, portanto,
o titular do direito de preferência não pode recorrer à ação de preferência.
Assim estando em causa um pacto com eficácia meramente obrigacional B apenas pode
pedir uma indemnização pelos danos que tenha sofrido, sendo esta calculada nos
termos gerais (artigo 562º e ss. CC), acrescendo que é também a B que cabe a provar
os danos sofridos.

b) A solução seria a mesma se B fosse inquilino há cinco anos desse prédio?

Nesta hipótese a solução já seria diferente, pois estamos perante um direito de preferência
que resulta da lei- artigo 1091º do CC- “O arrendatário tem direito de preferência na
compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de dois anos, sem
prejuízo do previsto nos números seguintes”.
Aqui aplica-se tudo o que foi dito anteriormente, a única diferença tem a ver com os
mecanismos de reação em caso de incumprimento.
Perante um incumprimento de um direito legal de preferência, o que é que o B pode
fazer, para além de pedir uma indemnização?
Aqui B poderia intentar uma ação de preferência nos termos do artigo 1410º do CC
(este está previsto para a compropriedade, mas aplica-se às demais situações de
preferência legal ou convencional com eficácia real).

Qual é o efeito desta ação?


B vai-se sub-rogar à posição de terceiro naquele negócio. Ora negócio celebrado com
terceiro não é destruído, o que vai haver é uma substituição de uma pessoa por outra, isto
é, vai-se substituir o terceiro pelo titular do direito à preferência.

Contra quem é que esta ação tem de ser proposta?


Esta ação visa substituir o terceiro pelo titular do direito de preferência. A ação tem de
ser proposta, contra o terceiro adquirente por causa do efeito principal desta ação (não se
pode substituir o terceiro sem que este esteja na ação). O terceiro, em caso de procedência
da ação, é que vai sofrer o efeito imediato desta decisão porque vai ser retirado do negócio
e a sua posição contratual vai ser assumida pelo titular de preferência.
O que a doutrina discute é saber se também tem de ser proposta contra o obrigado
à preferência? A professora acha que sim, que tem de ser proposta contra os dois.
Segundo este entendimento, que também é defendido pelo professor Antunes Varela,
trata-se de uma situação de litisconsórcio necessário passivo. A ação tem de ser
proposta contra ambos sob pena de ilegitimidade. Esta ser proposta contra o terceiro
porque o efeito desta ação é o efeito sub-rogatório da posição do terceiro, mas também
deve ser proposta contra o obrigado à preferência porque foi ele que incumpriu o direito

Ana Margarida e Bruna Mariana 44


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

do preferente. A situação material controvertida nestes casos é trilateral, pois envolve


sempre três sujeitos e, portanto, estes têm que estar na ação. Para além disso, só assim é
que se evita o perigo de contradição dos julgados, pois se o obrigado à preferência não
fosse também demandado ( pessoa decisiva para saber se houve ou não houve um
incumprimento do direito de preferência) , podia acontecer que esta ação procedesse e
depois numa outra ação, nomeadamente em que se pedi-se uma indemnização, viesse a
provar-se que não houve violação do direito de preferência. Podia assim haver uma
contradição de julgados porque o obrigado à preferência não estava presente na ação de
preferência.
Contrato a Favor de Terceiro

Caso Prático nº12


Aproximando-se a data da celebração do casamento de F, o seu pai, G decide
oferecer-lhe uma quantia em dinheiro que o ajude no início da vida de casado.
Assim, G, dono de um stand de automóveis, tendo convencionado a venda, por
25.000 €, de um automóvel de uma determinada marca e modelo a B, acorda com este
que o direito ao preço caberá ao seu filho, F.

a) Três semanas depois da celebração do negócio, F exige a B a entrega dos 25.000 €.


B não efetua o pagamento e recusa o automóvel que G lhe pretende entregar por
apresentar um grave defeito no sistema elétrico que impede a sua utilização. Quid
iuris?

Este caso prático trata da matéria do contrato a favor de terceiro.


Neste caso temos G, que é dono de um stand de automóveis, que vende a B (contrato de
compra e venda de automóvel). O G – vendedor - já que o seu filho, F, vai casar
aproveita este contrato para lhe fazer uma oferta convencionando com B – comprador -
que o ganho com o preço (neste caso, 25 mil euros) caberá ao F.

Estamos assim perante um contrato a favor de terceiro sendo impreterível neste tipo
contratual que o terceiro adquira o direito por mero efeito do contrato.
Este encontra-se previsto nos artigos 443º do CC (“Por meio de contrato, pode uma das
partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de proteção
legal, a obrigação de efetuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio.
etc…”; “Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir
dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir
direitos reais”), e 444 nº1 do CC (“O terceiro a favor de quem for convencionada a
promessa adquire direito à prestação, independentemente de aceitação”). É
precisamente no artigo 444º nº1 que está o caráter distintivo do contrato a favor de terceiro
porque este adquire o direito independentemente da sua aceitação, ou seja, adquire
por mero efeito do contrato. No entanto, a aceitação é importante porque torna a
promessa irrevogável – artigo 448º do CC (“Salvo estipulação em contrário, a promessa
é revogável enquanto o terceiro não manifestar a sua adesão, ou enquanto o promissário
for vivo, quando se trate de promessa que haja de ser cumprida depois da morte deste”).

Ana Margarida e Bruna Mariana 45


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Um contrato a favor de terceiro é um contrato pelo qual uma das partes (o promitente)
se obriga perante a outra parte (promissário) a realizar uma prestação a terceiro -
terceiro beneficiário ou adquirente, que adquire o direito a essa prestação por mero
efeito do contrato.
No nosso caso o promitente (sujeito que se obriga a realizar a prestação a terceiro) é B
sendo que a prestação que se obriga a prestar é a entrega dos 250000 €; o promissário
(sujeito a quem a promessa é feita) é G; e o terceiro beneficiário é F.

Qual é o contrato a favor de terceiro?


O contrato aqui em causa a favor de terceiro é o contrato de compra e venda do
automóvel.

No âmbito deste contrato a favor de terceiro temos de distinguir três espécies de relação:
1. Relação de cobertura/de provisão: É a relação entre o promissário e promitente,
respetivamente, sendo esta relação que dá cobertura à prestação do promitente perante
terceiro. Porque é que o promitente vai dar 25 mil euros ao F? Porque recebeu o
automóvel, portanto é a relação de cobertura porque ela alimenta a prestação que o
promitente vai fazer a terceiro. No nosso caso a relação de cobertura verifica-se entre G
e B.
2. Relação de valuta: É a relação entre o promissário e o terceiro, ou seja é a relação
entre G e F. O direito é atribuído a terceiro por uma causa, porque o promissário lhe quer
fazer uma doação/liberalidade. Esta relação pode ser:
A) Causa donandi
B) Causa solvendi
C) Causa credendi
3. Relação de execução: É a relação promitente e o terceiro, no nosso caso entre B e F e
é nesta relação que se vai executar a atribuição que se quer fazer a terceiro.
Para o tratamento deste caso vai ser decisiva a relação de cobertura nos termos do artigo
449º do CC (“São oponíveis ao terceiro, por parte do promitente, todos os meios de
defesa derivados do contrato, mas não aqueles que advenham de outra relação entre
promitente e promissário”), ora o promitente pode opor ao terceiro os meios de defesa
que resultam da relação de cobertura.

O problema que reside neste caso é que B se recusa a e entregar os 25000 mil euros a F,
porque o carro padece de um grave defeito. O contrato de compra e venda do carro é um
contrato de compra e venda bilateral, isto é gera obrigações para ambas as partes, que
estão ligadas por um nexo do sinalagma:
⚫ Obrigação de entregar a coisa vendida;
⚫ Obrigação de pagar o preço.
Ora tendo neste caso o carro um defeito muito grave, estamos aqui perante um
incumprimento defeituoso (porque G efetivamente cumpre pois entrega o automóvel,
mas entrega-o com defeito) e neste segmento é possível recorrer a instrumentos que
decorrem do sinalagma. Como não havia prazos diferentes para o cumprimento, aplica-

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se a regra supletiva prevista no artigo 885º do CC em que segundo esta o pagamento do


preço deve ocorrer no momento da entrega da coisa vendida, ou seja o pagamento deve
ser feito no momento da entrega do carro. O que é o que “B” pode fazer? Pode recusar-
se a pagar o preço invocando a exceção do não cumprimento, que está prevista no artigo
428º do CC (“Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o
cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua
prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu
cumprimento simultâneo”), contra G. Assim sendo, quando G entrega o carro a B este
deve pagar o preço ao terceiro (F), mas como o carro possui um defeito, B pode invocar
a exceção do não cumprimento perante G.
Mas pode o B opor este meio de defesa a terceiro, ou seja pode invocar a exceção do
não cumprimento a F?
Segundo o artigo 449º do CC pode, pois nos termos deste são oponíveis a terceiro, por
parte do promitente, todos os meios de defesa derivados do contrato. A exceção do não
cumprimento é um meio de defesa da relação de cobertura, do contrato de compra e
venda., por isso B pode dizer a F que não lhe paga os 25 mil euros enquanto o G não lhe
entregar o carro sem defeito.
O B, como tem uma causa justificativa para não cumprir, não está em mora. O não
cumprimento na data devida importa um ato ilícito, a menos que haja uma causa
justificativa ou causa de exclusão de ilicitude, sendo a exceção do não cumprimento uma
causa da exclusão da ilicitude do incumprimento.

Nota: No contrato a favor de terceiro, o terceiro, mesmo quando aceita o direito, nunca
se torna parte do contrato. A aceitação do terceiro só é importante para tornar irrevogável
a promessa que lhe foi feita. O que quer dizer que o direito aos 25 mil euros já não pode
ser revogado.

b) Devendo G a B metade do preço relativo à venda de um terreno por 80.000 €, pode


B declarar a compensação com o crédito ao preço da venda do automóvel?
Nesta hipótese houve entre B e G uma outra relação da qual resultava para o primeiro um
crédito de 40 mil euros porque tinha vendido ao G um terreno. G devia ao B 40 mil euros
por força de outra relação.

Quando há contra créditos, quando as partes são simultaneamente credoras e devedoras


uma da outra e os créditos têm a mesma natureza e o mesmo objeto aplica-se a figura da
compensação, que é uma forma de extinguir as obrigações, sem ser pelo cumprimento,
ou seja ao invés de se cumprir a obrigação invoca-se a compensação para extinção da
dívida.

Componente teórica sobre a compensação: As obrigações criam-se/constituem-se para


se cumprir e é com o cumprimento que satisfazem o interesse do credor. Mas há outras
formas de extinguir a obrigação diferentes do cumprimento. Elas estão previstas nos
artigos 837º e ss. do CC – causas de extinção das obrigações além do cumprimento:

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⚫ A dação em cumprimento é uma delas e consiste na prestação de coisa diversa da


que é devida, sendo que só exonera o devedor se o credor der o seu consentimento.
Exemplo: O David deve 10 euros ao Guilherme e o David em vez de entregar os 10
euros oferece os seus auscultadores que são de valor superior. O Guilherme está
obrigado a aceitar? Não, mesmo que valha mais aquilo que o devedor oferece, o
credor pode não aceitar. Se o Guilherme aceitar dá-se a dação por cumprimento com
eficácia liberatória.
⚫ Consignação em depósito (artigo 841º e ss. do CC)- Exemplo: Imagine-se, por
várias razões, o David quer entregar os 10 euros ao Guilherme mas este anda a furtar-
se. Então o David deposita esses 10 euros em vista do cumprimento, temos uma
situação de consignação de depósito.
⚫ Compensação (artigo 847º do CC)- “Quando duas pessoas sejam reciprocamente
credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de
compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:
ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção
peremptória ou dilatória, de direito material; terem as duas obrigações por objeto
coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade”; “Se as duas dívidas não forem de
igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente”.

Neste caso B pode invocar a compensação?


Acontece que se não fosse um contrato a favor de terceiro B podia invocar a
compensação. Neste sentido os meios de defesa que B (promitente) poderia lançar mão,
são os meios de defesa que derivam da relação de cobertura, os que derivam do contrato
a favor de terceiro (relação de cobertura). A compensação não deriva de contrato a
favor de terceiro, deriva de uma outra relação e por isso o promitente não pode
invocar a compensação. O direito que ele teria a extinguir a sua obrigação deriva do
contrato de que ele é credor de 80 mil euros. O que quer dizer que vai ter de entregar os
25mil euros ao terceiro.
Quem é o titular do direito ao preço? F, o direito ao preço foi atribuído a terceiro, não
sendo ele parte contratual. O promitente não pode influir negativamente sobre esse
direito.

c) Se o casamento não se chegar a celebrar, pode B recusar-se a entregar os 25.000 €


a F?
Vimos que o pai iria dar aos filho F os 25 mil euros em virtude do seu casamento, isto é
o este era a razão de ser da doação. A doação está na relação de valuta porque é através
desta relação que o promissário vai fazer a doação a terceiro. O animus que inspira a
atribuição deste direito a terceiro é um animus donandi, o pai quer fazer ao filho uma
doação para casamento (artigo 1753º do CC – “Doação para casamento é a doação feita
a um dos esposados, ou a ambos, em vista do seu casamento”).
O pai quer fazer uma doação para casamento ao filho mas fá-la indiretamente, ou seja,
atribuindo um direito, que a ele cabia, mas que ele por acordo com o promitente atribui
ao filho, terceiro.

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Mas o noivado de F é rompido e o B sabe, pode o B invocar isso para o não


cumprimento? Quais são os meios de defesa que B invocar? Os que derivam da
relação de cobertura.
Acontece que a não realização do casamento é um meio de defesa relativo à relação de
valuta logo B não podia invocar, teria de cumprir.
No âmbito do enriquecimento sem causa, quando não há celebração de casamento, a
doação para casamento caduca. No entanto, não vamos aplicar o instituto do
enriquecimento sem causa.
A falta de celebração de casamento vai repercutir-se na relação de valuta entre o G
e o F, logo o pai (G) tem se dirigir ao filho (F) e exigir-lhe os 25 mil euros. Ao abrigo
de que regime? Os manuais defendem o regime do enriquecimento sem causa mas,
segundo a Sr. professora, aqui não parece que seja de aplicar esse regime por causa da
sua subsidiariedade, mas sim o regime da caducidade da doação para casamento.

d) Considerando que o carro é entregue a B nas condições estipuladas, mas que ele
não paga o preço. O contrato pode ser - e, se, por quem - resolvido?
Neste caso a situação é diferente pois G entrega o carro (em perfeitas condições) a B e
este não paga o preço sem razão justificativa para isso, por esse motivo B entra em mora.
Aqui aplicava-se o artigo 885º do CC (“O preço deve ser pago no momento e no lugar
da entrega da coisa vendida”), ou seja“B” devia pagar o preço no momento da entrega
do carro, mas não o faz.

Pode ser resolvido o contrato de compra e venda? Quem pode resolver o contrato
por falta de pagamento do preço? Quem poderia resolver o contrato seria o
promissário (G) na medida em que este é parte contratual, o terceiro (F) não é parte do
contrato por isso nunca poderia resolver o contrato. O direito de resolução é um
mecanismo, que se estiver disponível, só pode ser usado pelas partes contratuais, no nosso
por G.

O G, em regra, poderia perante a mera mora resolver o contrato?


Não, para que este pudesse resolver o contrato era necessário converter a mora em
incumprimento definitivo, através da interpelação cominatória- isto é, concessão de um
prazo adicional razoável para cumprir através de uma notificação dirigida ao devedor com
a ameaça que se não o fizer nesse prazo a obrigação se tem por definitivamente não
cumprida nos termos do artigo 808º CC.
Segundo a doutrina quem faria a interpelação cominatória seria o terceiro F pois é este o
titular do direito do crédito (apesar de “F”, por não ser parte contratual, não poder resolver
o contrato), correlativo da obrigação vai ser tida como definitivamente não cumprida.

Ora imaginemos que o terceiro faz interpelação cominatória, B passa a estar em


incumprimento definitivo e G pode resolver o contrato.

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Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Mas se o terceiro já tiver aceitado o direito, a promessa torna-se irrevogável e por isso o
promissário só pode resolver o contrato se o terceiro autorizar porque a resolução do
contrato vai atingir o seu direito.
Se o terceiro autorizar, o “G” pode resolver o contrato. A resolução dá direito a uma
indemnização e salvo convenção em contrário a indemnização vai caber, em princípio, a
terceiro porque a indemnização é substitutiva da prestação principal.

Neste caso, há lugar ao direito à resolução por falta de pagamento?


Estamos perante um contrato de compra e venda com tradição da coisa e o direito real
transferiu-se por mero efeito do contrato (por se tratar de um contrato de compra e venda
de uma coisa certa e determinada – artigo 408º nº1 do CC). Quando há transferência de
direito real e entrega da coisa, se as partes não estipularem forma inversa, o promissário
não pode resolver o contrato por falta de pagamento do preço - artigo 886º do CC.
Acontece que, ainda que houvesse a conversão da mora em incumprimento definitivo e o
terceiro autorizasse, não havia lugar à resolução do contrato por falta de pagamento do
preço.
Então o que é que ele devia ter feito? Clausular a reserva de propriedade ou afastar a
aplicação do artigo 886º do CC que é uma norma supletiva.

Caso Prático nº13


Ao início da manhã do dia 2 de Novembro, data de aniversário da sua namorada, A
desloca-se ao estabelecimento de B, florista, onde adquire um ramo de flores por 20 euros.
Nessa altura, é acordado que B procederia, durante aquela manhã, à entrega do ramo na
casa de C, cuja morada foi indicada por A.
Dada a ausência de qualquer reação, A, ao início da tarde, pergunta a C se o ramo tinha
sido do seu agrado. Apercebe-se, então, que B não o havia entregado. C dirige-se ao
estabelecimento de B, exigindo-lhe a entrega do ramo. B recusa.
Quid iuris?

A florista B pode recusar-se a entregar o ramo? Depende se estivermos ou não perante


um contrato a favor de terceiro. Ora se estivermos perante um contrato a favor de terceiro,
C a namora podia exigir o cumprimento do contrato.
O que é que caracteriza um contrato a favor de terceiro? Basta que se mande
entregar na casa de C? Não, o que estaria aqui em causa era um contrato com
autorização de cumprimento a terceiro.

Em suma, estamos perante uma figura que não merece a qualificação de contrato a
favor de terceiro, para haver um contrato a favor de terceiro não basta que o devedor se
obrigue a realizar a prestação perante terceiro, não basta que o devedor se obrigue a
realizar a prestação na casa de terceiro, é preciso que do contrato resulte a atribuição
a terceiro do direito à prestação, o terceiro tem de adquirir o direito à prestação.
Do enunciado não resulta que se atribua o direito à namorada. O que quer dizer que o
credor da entrega das flores é o A e só o A pode exigir o cumprimento.

Ana Margarida e Bruna Mariana 50


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Contrato de pessoa a nomear


Caso Prático nº11
A compra a B um móvel, por 10.000 euros, reservando-se o direito de nomear um terceiro
que ocupe a sua posição contratual e acordando-se que o preço só seria pago decorrido um
mês da venda. Com efeito, o móvel destina-se a C, com quem B tem graves desavenças
pessoais. Passados três dias da celebração do contrato, A, por escrito, comunica, sem mais,
a B a nomeação de C. Decorrido um mês da venda, B exige a A o pagamento do preço. Este
recusa-se a pagar, alegando que o comprador passou a ser C.

a) Quid iuris?

A matéria convocada no caso prático é a do contrato para pessoa a nomear, sendo que
este não é verdadeiramente uma espécie contratual distinta das demais.
O contrato para pessoa a nomear está previsto no artigo 452º do CC (“Ao celebrar o
contrato, pode uma das partes reservar o direito de nomear um terceiro que adquira os
direitos e assuma as obrigações provenientes desse contrato”; “A reserva de nomeação
não é possível nos casos em que não é admitida a representação ou é indispensável a
determinação dos contraentes”) e prende-se com a possibilidade de ser aposta uma
cláusula que permite que uma das partes se possa fazer substituir por outrem mediante
nomeação, tendo que estar verificados certos e determinados requisitos.

No nosso caso A compra B um móvel, sendo que o primeiro se reserva no direito de


nomear um terceiro, que ocupe a sua posição contratual. Se a nomeação for válida e eficaz
o terceiro adquire com efeitos retroativos a posição contratual do A e tudo se passa
como se o único contraente fosse o nomeado. Isto encontra-se previsto no artigo 455º
nº1 do CC- “Sendo a declaração de nomeação feita nos termos do artigo 453º, a pessoa
nomeada adquire os direitos e assume as obrigações provenientes do contrato a partir
da celebração deste”.

E se não houver nomeação eficaz?


Não sendo feita a declaração de nomeação nos termos legais, o contrato produz os seus
efeitos relativamente ao contraente originário nos termos do artigo 455º nº2 do CC.
Adequando estas ideias aos nosso caso, temos de averiguar se a nomeação feita por A foi
válida e eficaz, e caso tenha sido o terceiro (C) deixa de ser terceiro e ocupa a posição
contratual com efeitos que retroagem ao momento da celebração do negócio.
Assim se C tiver sido nomeado eficazmente a quem é que B pode exigir o preço?
Se a nomeação tiver sido feita de forma correta (de acordo com os pressupostos
legalmente previstos) a parte contratual passa a ser o nomeado e, portanto, é ao nomeado
que se pode exigir o cumprimento. Porém se a nomeação não ter sido feita eficazmente,
a parte contratual continua a ser a originária, no nosso caso continua a ser A.

Para que a nomeação seja válida e eficaz têm de estar preenchidos os vários requisitos
constantes dos artigos 453º e 454º do CC. Temos requisitos de tempo e de forma.

Ana Margarida e Bruna Mariana 51


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

⚫ Quanto à forma é necessário que a nomeação seja feita por escrito, sendo ainda
necessário que a nomeação seja acompanhada ou de instrumento de ratificação
ou de procuração anterior à celebração do ato.
Quanto à forma vemos que a forma escrita foi observada (A comunicou por escrito a
nomeação de C), mas a nomeação não foi acompanhada nem de instrumento de
ratificação nem de procuração anterior à celebração do ato. Ora a nomeação de A a C tem
que ser realizada por escrito mas não basta isso, é preciso também uma manifestação de
vontade por parte de C, logo no nosso caso a nomeação não é válida e eficaz.
O legislador prevê uma forma particular para a ratificação, esta no mínimo tem de revestir
a forma escrita, mas se o contrato tiver sido celebrado por meio de documento de maior
força probatória a ratificação necessita de revestir igual forma. Mas no mínimo é preciso
que a ratificação ocorra por escrito, mesmo que se trate de uma coisa móvel, em que não
é normalmente exigida forma para o contrato de compra e venda que tenha essa coisa
móvel por objeto. Esta exigência formal é um pouco criticada.
Para a procuração a forma exigida é aquela do negócio que o procurador deva realizar –
artigo 262º/2 do CC.
No nosso caso estamos perante um contrato de compra e venda de um móvel, que regra
geral não carece de forma de forma, ou seja para a procuração não é exigida forma,
mas o mesmo não vale para a ratificação pois o legislador exige para este efeito (para a
nomeação ser eficaz) que esta conste de documento escrito.
Neste caso, nem foi acompanhada de procuração anterior ao ato nem foi acompanhada de
ratificação. Assim sendo, a nomeação não é eficaz (não produz efeitos), o que quer dizer
que o contraente continua a ser o contraente originário, o A.

A quem é que o B pode exigir pagamento?


B pode exigir o pagamento do preço a A, pois é este que deve o pagamento do preço, o
C continua a ser terceiro.
E nesse caso a quem é que o B podia exigir o cumprimento? Ao C e assim A teria
razão ao alegar que o comprador tinha passado a ser C, devendo ser a este exigido o
pagamento do preço.

⚫ Quanto ao tempo, nos termos do artigo 453º nº1 do CC a nomeação deve ser feita
no prazo convencionado ou na falta dele dentro dos 5 dias posteriores à celebração
do contrato.
Ora no caso em apreço, não havido sido convencionado prazo a nomeação teria de
ocorrer dentro dos 5 dias posteriores à celebração do contrato, o que se verificou no
nosso caso já que esta ocorreu três dias depois da celebração do contrato.

Concluindo a nomeação não respeitou os requisitos do artigo 453º nomeadamente os do


nº2 logo o negócio continua a produzir efeitos relativamente ao contraente originário.
Assim sendo, A continua a ser o comprador, o que quer dizer que se B lhe exige o preço
passado um mês e este se recusa a pagar, entra em incumprimento (em mora).

Ana Margarida e Bruna Mariana 52


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

b) Na eventualidade de C pretender adquirir o imóvel de B por intermédio de A, mas sem


que este clausule no contrato a celebrar com o vendedor o direito de nomear um terceiro,
que contrato deveriam A e C celebrar e quais os seus feitos?

Aqui C quer comprar um imóvel a B, mas não quer aparecer no contrato nem quer que o
A, que vai atuar por conta dele, reserve a faculdade de nomear o terceiro, ou seja,
queremos o mesmo resultado que o contrato a pessoa a nomear produz mas não queremos
uma cláusula para pessoa a nomear.
Que contrato se pode celebrar por forma a que o A adquira o imóvel para C?
O contrato a celebrar seria o de mandato, sendo este um contrato de prestação de
serviços– artigo 1154º do CC (“Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma
das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual
ou manual, com ou sem retribuição”) e artigo1155º CC. Um contrato de prestação de
serviços está a parede meias de um contrato de trabalho, só que no primeiro obriga-se a
prestar um resultado e não uma atividade.

Em que é que consiste um contrato de mandato?


Nos termos do artigo 1157º do CC o “Mandato é o contrato pelo qual uma das partes
se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra” (diferente de “em
nome da outra”). O que tem que se verificar para estarmos perante um mandato é que
alguém se obrigue a praticar atos jurídicos por conta da outra.
O que é que significa atuar “por conta”?
Significa atuar com intenção de que as consequências dos nossos atos se repercutam na
esfera da outra pessoa, por conta de quem nós atuamos, isto é atuamos com a intenção de
que os direitos adquiridos e as obrigações assumidas se transfiram para a esfera do
mandante. O mandatário atua por conta do mandante.
No nosso caso, têm de ser celebrado um mandato, e atendendo ao facto de C não querer
aparecer perante B tem se de ser celebrado um mandato sem representação.
Ora mandato pode ser mandato com representação ou mandato sem representação
nos termos do artigo 1178º e ss. do CC.
⚫ Mandato com representação (artigo 1178º do CC): neste os efeitos jurídicos
produzem-se imediatamente na esfera do representado, ora o mandatário além de
atuar por conta vai atuar em nome do mandante.
⚫ Mandato sem representação (artigo 1180º do CC): neste o mandatário atua por
conta do mandante mas em nome próprio. Exige-se a posterior transferência dos
direitos adquiridos por o mandatário por meio de um ato autónomo para o mandante.

Aqui terá de ser celebrado um mandato sem representação pelo qual A se obriga a
praticar o ato jurídico por conta de C, neste caso a celebração de um contrato de compra
e venda relativo ao imóvel de B, mas em seu próprio nome (de A) com intenção de que
os efeitos dos seus atos se produzam na esfera jurídica de C – mandante.

Ana Margarida e Bruna Mariana 53


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Assim A não vai atuar representativamente, ele vai celebrar o contrato em nome de ele
próprio, o que quer dizer que perante B aparece o “A” porque quem vai contratar com B
é A.

Quem vai adquirir os direitos e assumir as obrigações ad initio?


O mandatário A. Só que como A celebrou um contrato de mandato com C, vai ter de
transmitir os direitos e as obrigações para o mandante (C) nos termos dos artigos 1181º
e 1182º do CC. Aqui não se ocupa a posição contratual com efeitos retroativos, mas sim
a posteriori na medida em que o mandatário vai ter que transferir os direitos adquiridos
e as obrigações adquiridas para o mandante. Este é um mecanismo alternativo ao contrato
para pessoa a nomear.
Nota: Se fosse um mandato com representação, quem adquiria os direitos e assumia as
obrigações ab initio era o mandante, C, porque um mandato com representação significa
que o mandatário atua em nome do mandante (o negócio vai ser celebrado em nome do
mandante). A parte contratual seria, ab initio, o mandante.

Gestão de negócios

Caso Prático nº14


A, numa manhã de Inverno, quando se dirigia de automóvel para o emprego, não se
apercebendo de um lençol de água que se estendia numa zona desnivelada da estrada, perde
aGestão
direçãodedo Negócios
seu veículo que cai por uma ravina. A é projetada para o exterior, sofrendo
várias e profundas lesões. É, por isso, imediatamente conduzida a um serviço de urgência
hospitalar,
Em virtude do despiste, o veículo de A sofreu alguns danos. B, que se dedica às
atividades de reparação de veículos automóveis e de pronto-socorro, toma a iniciativa de,
com o seu pessoal, rebocar o veículo para a sua oficina onde o teve durante vários meses.
Contudo, quando o pessoal de B retirava o veículo da ravina, rebentou um elo da corrente
do guindaste do pronto-socorro, tendo o veículo caído do alto até ao fundo da ravina. Deste
novo acidente resultou a maior parte dos danos sofridos pelo veículo. O pronto-socorro
utilizado era um veículo com largos anos de serviço cujo cabo de reboque era submetido a
esforços diários.
Desde a data do acidente até cerca de nove meses depois desse acontecimento, foram
furtados, vários acessórios.
Perante a recusa de A em pagar qualquer valor pelos serviços de B, este recoloca o
veículo no local do acidente.
A interpõe, então, uma ação contra B a pedir-lhe uma indemnização pelos danos sofridos
no carro em consequência do rebentamento do cabo e do desaparecimento dos acessórios. B
contesta e em reconvenção pede que A seja condenada a pagar-lhe os serviços prestados.

(Adaptado do Acórdão de 22 de Abril de 1986, publicado na Revista de Legislação e


Jurisprudência, Ano 121, página 59 e ss, anotado por Baptista Machado)

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Neste caso é convocada a matéria da gestão de negócios. Ora este trata-se de um caso
que chegou ao STJ e que suscitou uma anotação do Dr. Batista Machado estando em
causa um acidente sofrido por A e B dono do pronto socorro adota um conjunto de
medidas.

A gestão de negócios, está regulada no artigo 464º e ss do CC (“Dá-se a gestão de


negócios, quando uma pessoa assume a direção de negócio alheio no interesse e por
conta do respetivo dono, sem para tal estar autorizado”).
Para podermos afirmar que estamos aqui perante a gestão de negócios ou uma relação
gestória entre A e B é preciso que se verifiquem alguns pressupostos:
1. Assunção de direção de negócio alheio
No que diz respeito a este pressuposto é necessário ter em conta que assumir a direção de
negócio alheio não significa celebrar um negócio jurídico (negócio aqui não é em termos
técnicos-jurídicos), mas sim de uma forma mais ampla tratar de um assunto de outrem
que pode consistir na celebração de um negócio jurídico mas não é totalmente necessário.
Exemplo: imaginemos que há um telhado estragado, há um portão que não fecha e
contrata-se alguém para prestar o serviço necessário, neste caso há celebração de um
contrato.
No nosso caso B, o senhor detentor de uma empresa pronto-socorro, adota um conjunto
de atos materiais pois o carro que estava na ravina, pertencia a outrem, mais
concretamente, a A, logo B foi tratar do assunto de outra pessoa.
2. Atuação no interesse e por conta do dono do negócio

◼ Atuar no interesse de alguém não tem a ver com a vontade da pessoa


(apesar da vontade pode ser ou não concordante com o ato que satisfaz o
interesse) mas sim adotar um comportamento que satisfaça uma
necessidade de outrem, isto é, o ato tem de satisfazer objetivamente
uma necessidade de outrem.
Neste caso, o carro de A cai pela ravina ficando em parte estragado e sem
proteção, portanto, logo há de facto uma necessidade de retirar o automóvel do
local e colocá-lo num local protegido. Portanto objetivamente este ato satisfaz
um interesse de A, na medida em que satisfaz uma necessidade sua.
Porém, neste caso B também atua em interesse próprio pois ele exerce a sua
atividade profissional naquele ramo.
Ora o gestor de negócios não tem de ser um puro bom samaritano, ele tem de
atuar no interesse de outra pessoa e por conta de outra pessoa, mas pode também
simultaneamente satisfazer interesses próprios.
A esta gestão de negócios dá-se o nome de gestão mista.

◼ Atuar por conta de alguém traduz uma intenção, na medida em que, a


pessoa atua com a intenção de que as vantagens e as desvantagens do ato se
repercutam na esfera jurídica da outra pessoa. Ora pretende-se que os
efeitos jurídicos, ou pelo menos os práticos da atuação, se projetem na
esfera jurídica do “dominus”.

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3. Ausência de autorização
Neste caso falta a autorização pois A sofreu o acidente não prestando consentimento de
nada. Se houvesse autorização estaríamos já perante a celebração de um contrato de
prestação de serviços.

Neste caso, estão verificados todos os pressupostos da gestão de negócios, o que quer
dizer que B atua como gestor e A como dona do negócio. O gestor fica investido numa
série de deveres, sendo que o dono do negócio também pode ficar.

O que é que era decisivo para saber que efeitos retirámos da gestão de negócios?
Estando no âmbito das relações entre o gestor e o dono do negócio é essencial averiguar
se o dono do negócio aprovou a gestão (aprovar é diferente de ratificar).
A aprovação é diferente da ratificação de certos atos jurídicos que sejam praticados pelo
gestor, sendo a aprovação um juízo global/genérico sobre a atividade do gestor.
Quanto aos seus efeitos, estes estão previstos no artigo 469º do CC (“A aprovação da
gestão implica a renúncia ao direito de indemnização pelos danos devidos a culpa do
gestor e vale como reconhecimento dos direitos que a este são conferidos no nº1 do
artigo anterior”). Ora temos como direitos previstos no artigo 468º do CC:
⚫ Obrigação de reembolsar o gestor das despesas que ele fundadamente tenha
considerado indispensáveis, com juros legais a contar do momento em que foram
feitas;
⚫ Obrigação de indemnização do prejuízo sofrido.
Assim sendo, se a dona do negócio aprovasse a gestão renunciava ao direito de ser
indemnizada e reconhecia ao gestor os direitos previstos no artigo 468º do CC,
nomeadamente o direito de este ser reembolsado pelas despesas que fundadamente
considerou indispensáveis.
A aprovação não está sujeita a forma vigorando o princípio de liberdade de forma previsto
no artigo 219º CC, sendo que essa pode ser expressa ou tácita.

Neste caso houve uma aprovação por parte do dono do negócio?


Não, pois A afirma que não aprovou e que não adotou nenhum comportamento
significativo para a aprovação, se este tivesse aprovado as consequências seriam as
presentes no artigo 469º CC.
Apesar de não ter havido aprovação por parte do dono do negócio, o gestor de negócio
pode, para conseguir os mesmos efeitos provar a regularidade da gestão- artigo 468º
CC (“Se a gestão tiver sido exercida em conformidade com o interesse e a vontade,
real ou presumível, do dono do negócio, é este obrigado a reembolsar o gestor das
despesas que ele fundadamente tenha considerado indispensáveis, com juros legais a
contar do momento em que foram feitas, e a indemnizá-lo do prejuízo que haja sofrido”),
recaindo sobre ele o ónus de provar que a gestão se deu no interesse e em conformidade
com a vontade real ou presumível do dono do negócio.

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Ora se a gestão for regular os efeitos são os mesmos da aprovação, isto é se o gestor
conseguir provar que a gestão foi regular vão-lhe ser reconhecidos os direitos do artigo
468º nº1 CC e não vai ter que indemnizar.
Contrariamente, se ele não conseguir demonstrar a regularidade da gestão, aplica-se
o artigo 468 nº2 e o dono do negócio só responde nos termos do enriquecimento sem
causa.

Quanto à guarda do carro, a gestão foi considerada irregular, o que significa que a dona
do negócio só teria que restituir com base no enriquecimento sem causa e o gestor só
teria que indemnizar.

E quanto à recolha do automóvel da ravina a gestão é regular ou irregular?


Aqui nós só sabemos que o cabo se rompeu, mas isso não significa que haja culpa do
gestor.
Quanto a esta questão, as instâncias e o Supremo tiveram entendimentos diversos porque
a única coisa que ficou provada é que o guindaste tinha rompido pelos seus muitos anos
de serviço. Nesta situação o juiz não ficou convencido, perante a prova da culpa ou da
falta de culpa do gestor, e então tudo se julgava com base na distribuição do ónus da prova
(regra geral – artigo 342º nº1 CC – “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova
dos factos constitutivos do direito alegado”).
Neste caso quem propôs a ação foi A tendo fundado a sua pretensão de indemnização
(pedido ressarcitório) na responsabilidade civil.
A responsabilidade civil extraobrigacional está prevista no artigo 483º do CC-
“Aquele, que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou
qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a
indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Pressupostos da responsabilidade civil:
⚫ Ato, que tanto pode ser positivo como negativo;
⚫ Ilicitude, que se pode traduzir na violação de um direito (absoluto) de outrem; na
violação de uma norma de proteção ou no exercício abusivo de um direito;
⚫ Culpa;
⚫ Dano;
⚫ Nexo causal entre o ato e os danos.

No que diz respeito ao ato A consegue provar o ato de B (no caso da quebra do guindaste
ela consegue provar que lhe levantaram o carro naquele dia e que o guindaste rompeu; e
quanto à guarda dos objetos ela também consegue provar que ele trouxe o carro para a
garagem dele e que não o guardou porque houve furto de objetos).
Quanto à ilicitude do ato traduz-se na violação do direito de propriedade, sobre o
automóvel e sobre os acessórios que estavam dentro dele.
Quanto aos danos é de fácil prova porque houve muitos danos, desde logo patrimoniais.
Ora a dificuldade de prova está no pressuposto da culpa.

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Quem é que tem de provar estes pressupostos?


Aquele que invoca o direito, o lesado, ou seja A a menos que haja uma presunção de
culpa. No domínio extraobrigacional há presunções de culpa nos artigos. 491º, 492º, 493º
nº 1 e 2 CC. Apesar destas presunções a regra no domínio extraobrigacional é a de que
lesado é que tem de provar a culpa.
Podemos presumir que o gestor tinha o dever de vigilância do guindaste e, portanto, era
ele que tinha que ilidir a presunção. Nas instâncias admitiu-se aplicar o artigo 493º nº1
a este caso.

Só podemos aplicar a responsabilidade extraobrigacional? Será que podemos aplicar a


responsabilidade obrigacional/contratual?
Nesta questão o prof. Batista Machado refletiu bastante. Neste caso não foi celebrado
um contrato, porém a responsabilidade obrigacional não tem de assentar
necessariamente num contrato, na medida em que há responsabilidade obrigacional
sem que haja a celebração de um contrato. É neste âmbito que nos interessa a relação
gestória.
B iniciou a relação gestória, que ainda que não seja uma relação contratual, é uma relação
que origina obrigações e, portanto, é uma relação obrigacional. O dono do negócio e
o gestor ficam vinculados a uma série de obrigações entre si.
A relação entre o gestor e o dono não é semelhante à relação que se estabelece entre
qualquer um do nós e os potenciais lesantes dos nossos direitos, é uma relação que se
distancia da obrigação passiva universal e aproxima-se muito mais da relação contratual.
O Dr. Batista machado veio trazer à colação este raciocínio porque neste domínio
existe a presunção de culpa – artigo 799º CC (“Incumbe ao devedor provar que a falta
de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”).
Quem é que tinha o ónus da prova? O B, era ele que tinha de provar que não teve culpa,
e aqui não conseguiu provar que não teve, a atuação é presumivelmente culposa. Foi este
o caminho seguido pelo juiz sendo que o outro caminho paralelo era o da responsabilidade
extraobrigacional, da aplicação do artigo 483º nº1 CC.

O prof. Batista Machado traz ainda mais argumentos quanto a esta problemática:
⚫ Imagine-se que A estava capaz e tivesse contratado os serviços de B. Se tivesse sido
celebrado negócio jurídico, qual era o regime que aplicávamos? O da
responsabilidade obrigacional.
O prof. Batista Machado diz que nós não podemos oferecer ao gestor um regime mais
favorável do que aquele que ele teria se tivesse celebrado o negócio jurídico.
⚫ Quando se inicia uma atividade gestória, o gestor tem de ponderar se tem os meios
para tal e se decide iniciar uma atividade gestória o gestor assume deveres especiais
e o ónus da prova recai sobre ele – artigo 799º CC.
⚫ Para além disso, o gestor é profissional da área (tem uma empresa na matéria) e,
portanto, ele deve suportar os riscos da empresa.

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Em suma, entende-se que aqui se aplica a presunção de culpa do artigo 799º do CC.
Assim gestão considerada irregular não só quanto à guarda do carro mas também quanto
à recolha do carro da ravina.

Caso Prático nº15


A e B são arquitetos e, para pouparem custos, arrendaram um atelier onde trabalham, o que
lhes permite ter um razoável conhecimento dos assuntos que cada um deles está a tratar. Na
Páscoa, B sofreu um acidente de viação que o deixou em coma por um período de 1 mês. A,
sabendo que B tinha um conjunto de projetos de grande importância em mãos que precisava
de acabar, decide prosseguir esses trabalhos. Para o efeito, realiza diversas de despesas em
material que lhe pareceram essenciais, à luz dos seus conhecimentos sobre aquela matéria,
para a tarefa a desempenhar. Ainda, adquire para B uma peça de escultura que este há muito
cobiçava e que A encontrou num antiquário por bom preço. Tendo B recuperado a saúde,
discorda completamente da atuação de A quanto aos projetos e às despesas realizadas que
considera desnecessárias.
Contudo, fica satisfeito com a compra da escultura que pretende haver para si. Quid iuris?

Mais uma vez nesta hipótese prática estamos perante uma gestão de negócios.
Esta figura está regulada no artigo artigo 464º e ss do CC (“Dá-se a gestão de negócios,
quando uma pessoa assume a direção de negócio alheio no interesse e por conta do
respetivo dono, sem para tal estar autorizado”). Para afirmarmos com certeza que
estamos perante uma gestão de negócios é necessário verificar se estão preenchidos os
seus pressupostos. Pressupostos da gestão de negócios:
1. Assunção de direção de negócio alheio: A assume a direção de negócio alheio, que
vai comportar a prática de atos materiais e de atos jurídicos (desde logo a compra da
escultura).

2. Atuação no interesse e por conta do dono do negócio: A atua por conta e no


interesse de B porque adota comportamentos que objetivamente satisfazem as suas
necessidades.
B estava em coma ou seja estava impedido de desenvolver a sua atividade, sendo que A
ajuda-o a dar continuidade à sua atividade profissional.
Ora o enunciado aponta, no sentido do A atuar por conta de B, pois ele atua com a intenção
de que os efeitos da sua atuação se projetem na esfera jurídica de B.

3. Ausência de autorização: A não estava autorizado.

Estando verificados todos os pressupostos da gestão e o que temos que depois de


averiguar é se esta foi aprovada. A aprovação é um juízo genérico de concordância
sobre a atuação do gestor.
No nosso caso não temos um juízo positivo, A apenas fica satisfeito com a compra da
estátua, não aprovando neste sentido a gestão como um todo, o que quer dizer que não se

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produzem os efeitos do artigo 469º CC, a menos que o gestor prove a regularidade da
gestão.

O que é preciso para provar a regularidade da gestão?


Para que a gestão seja regular é necessário que o gestor atue no interesse geral e de
acordo com a vontade real ou presumível do dono do negócio.
No que diz respeito ao interesse podemos constatar que os atos praticados por A são
idóneos à satisfação das necessidades do dono do negócio, na medida que este tinha
projetos, projetos esses que deveriam estar sujeitos a prazos que caso não fossem
cumpridos B poderia incorrer em mora.
Já no que diz respeito à vontade real, esta não era conhecida logo temos que atender à
vontade presumível, na medida em que se o gestor conseguir provar que a sua atuação é
conforme com a vontade presumível, ele conseguiria provar a regularidade da gestão.

Havendo discordância entre o interesse e a vontade o gestor deve guiar-se pelo


interesse ou pela vontade?
Nestas situações prevalece a vontade, a menos que esta leve à prática de um ato ilícito.
Ora o gestor deve abster-se de atuar se conhecer a vontade real ou presumível do dono do
negócio e se esta for contrária à sua atuação. No nosso caso A não tinha dados suficientes
para formar uma base para a vontade real, porém há base para se entender que a atuação
era de acordo com o interesse e com a vontade presumível do dono do negócio.

Assim, consegue portanto A provar a regularidade da gestão este conseguiria reaver as


despesas que por ele sejam consideradas fundadamente indispensáveis nos termos do
artigo 468 e 469º do CC. Acresce ainda o facto de A ser arquiteto, logo havendo trabalho
ao nível da sua área o gestor poderia também ser remunerado de acordo com artigo 470º
do CC (“A gestão não dá direito a qualquer remuneração, salvo se corresponder ao
exercício da atividade profissional do gestor”).

Passando agora para a questão da estátua, A sabia que B gostava da estátua e apesar deste
não ter aprovado a gestão, ficou muito satisfeito com o negócio. Quanto a este questão
estamos no âmbito de um relação com um terceiro, e portanto temos de saber se ele
atuou em nome próprio ainda que por conta do dono do negócio ou se atuou em nome
do dono.
⚫ Se o gestor tiver atuado em nome próprio (ainda que em conta do dono) iria
aplicar-se o regime do mandato sem representação nos termos do artigo 471º 2º
parte. O mandato sem representação está previsto no artigo 1180º e ss o que quer
dizer que ao aplicar o regime do mandato sem representação, o mandatário (o gestor)
está obrigado a transmitir os direitos adquiridos (nomeadamente o direito de
propriedade sobre a escultura) e o dono do negócio está obrigado a assumir as
obrigações, ou seja, B teria de pagar o preço.
⚫ Se o gestor tiver comprado em nome do dono (B) nos termos do artigo 471º 1º
parte aplicámos o regime do artigo 268º, regime da representação sem poderes

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pois se ele atuou em nome de B. Ora quando há representação sem poderes, o dono
do negócio (B) pode ratificar o negócio.

O dono do negócio pode ratificar o negócio celebrado pelo gestor sem aprovar a
gestão? Sim.
A aprovação da gestão é um ato diferente da ratificação do negócio, portanto ele não
aprovou a gestão mas pode ratificar o negócio.
A ratificação está sujeita aos requisitos da forma do artigo 268º nº2 CC, que remete
para o artigo 262º nº2 CC.
No nosso caso prático estamos perante um compra e venda de uma escultura (bem móvel
não sujeito a registo), logo a compra não está sujeita a forma o que quer dizer que a
ratificação também não está.

Enriquecimento sem causa

Caso Prático nº16


A herdou da sua tia C um terreno no Minho. Pouco tempo depois, foi abordado pela
empresa X que pretendia colocar nesse terreno um painel publicitário, visível da auto-
estrada. O preço pago pela instalação de painéis publicitários foi de 1.000 € devido à
habilidade negocial de A, uma vez que o preço de mercado das instalações de painéis nessa
área é de 900 €. Decorrido um ano, veio depois a verificar-se que a parte do terreno em
que foram instalados os painéis, devido ao desaparecimento dos marcos de delimitação,
não pertencia a A, mas antes a B, que não lhe pretendia dar qualquer uso.
Quid iuris?

Neste caso prático podemos equacionar várias figuras:


⚫ Podíamos convocar a Responsabilidade Civil, mas propriamente responsabilidade
civil extracontratual, porque o sujeito atua em terreno alheio?
Não, porque não se verificam todos os pressupostos, não havendo dano nem culpa (aqui
temos que atender ao que o bom pai de família naquelas circunstâncias poderia ter feito
e este perante o desaparecimentos dos marcos de delimitação poderia ter feito a mesma
confusão).

⚫ Podíamos convocar a gestão de negócios, uma vez que ele dirige o negócio mas
pensa que é próprio? - artigo 472º nº1 CC (“Se alguém gerir negócio alheio,
convencido de que ele lhe pertence, só é aplicável o disposto nesta secção se houver
aprovação da gestão; em quaisquer outras circunstâncias, são aplicáveis à gestão
as regras do enriquecimento sem causa, sem prejuízo de outras que ao caso
couberem”)
Não, só é aplicável o regime da gestão de negócios se houver aprovação da gestão e neste
caso não houve aprovação, logo não se aplica este regime. Imagine-se que B nem
estava a pensar destinar o seu terreno a esse efeito mas ficou satisfeito com a instalação
dos painéis, aí sim havia aprovação e aplicava-se o regime da gestão de negócios.

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Assim sendo, neste caso vamos tratar e aplicar o regime do enriquecimento sem causa
que é um regime subsidiário como vemos no artigo 472º nº1 parte final. Acontece que
se pudéssemos aplicar o regime da responsabilidade civil ou da gestão de negócios e esse
cobrisse toda a deslocação patrimonial indevida não tínhamos que chamar à colação o
regime do enriquecimento sem causa.

Os pressupostos deste regime estão previstos no artigo 473º do CC (“Aquele que, sem
causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que
injustamente se locupletou”) e artigo 474º que preve um requisito negativo (“Não há
lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio
de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos
ao enriquecimento”).
1. Tem de haver enriquecimento: Aqui o enriquecimento traduz-se nos 1000 euros que
A vai receber, havendo um aumento do seu património. O enriquecimento
patrimonial também se pode traduzir na poupança de despesas.

2. Empobrecimento (“enriquecimento à custa de outrem”): O terreno era de B ainda


que ele não tivesse qualquer finalidade com ele. Aqui estamos perante uma situação
de ingerência de bens alheios e por isso temos que convocar a teoria do conteúdo
da destinação dos bens jurídicos- segundo esta teoria todas as vantagens que os
bens são aptos a proporcionar destinam-se ao titular do direito, ao proprietário
que neste caso, a B. Assim vantagens que decorrem da celebração do contrato cabiam
por isso a B. O seu património ficou intacto, mas a esfera jurídica já não, portanto, o
empobrecimento não tem de ser patrimonial, pode ser real.

3. Falta de causa justificativa (o enriquecimento não pode ter causa justificativa):


Temos que convocar mais uma vez a teoria do conteúdo da destinação dos bens
jurídicos para justificar que a vantagem cabia a B.
Estão verificados todos os pressupostos do artigo 473º nº1 do CC.

4. Natureza subsidiária (artigo 474º do CC): não pode haver outro instituto jurídico
para ressarcir/corrigir a deslocação patrimonial indevida/sem causa.

Verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa, nasce uma obrigação de


restituição, que está regulada nos artigo 479º e ss do CC (“A obrigação de restituir
fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa
do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”).
Esta deve ser calculada atualisticamente, sendo convocadas várias teorias:
1. Teoria tradicional, a chamada teoria do duplo limite: Aqui os limites vão ser o
enriquecimento patrimonial e o empobrecimento patrimonial, sendo necessário
medir a diferença patrimonial em ambos os casos. Ora o enriquecimento patrimonial
de A é de 1000 euros na medida em que o seu património variou em 1000 euros; já o
empobrecimento patrimonial de B é zero pois ele não iria ter nenhum lucro com o

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terreno, mas se houvesses danos no terreno eram esses danos que eram contabilizados
neste valor.
Segundo esta teoria, que retiramos do artigo 479º CC, o montante a restituir vai ser
igual ao menor dos dois valores, neste caso zero. Ou seja, esta teoria levava-nos a
concluir de que quando houvesse uma ingerência de bens alheios em que o proprietário
não estivesse disposto a praticar os atos não havia nada a restituir, o que permitia uma
espécie de expropriação privada, levando a que esta teoria fosse abandonada.

2. Teoria do duplo limite corrigido: esta teoria vem dizer que os dois limites devem ser
o enriquecimento patrimonial e o empobrecimento real (o empobrecimento real
corresponde ao valor objetivo/de mercado da deslocação patrimonial ocorrida). Neste
caso o empobrecimento real equivale a 900 euros, continuando o enriquecimento
patrimonial a ser de 1000 euros. O valor a restituir é o menor dos dois, ou seja, os 900
euros.

3. Teoria do Dr. Antunes Varela: segundo a teoria do professor: o enriquecido tem


que restituir tudo o que obteve (enriquecimento patrimonial, neste caso 1000 euros), a
menos que o enriquecido prove que parte do enriquecimento se deve a qualidades de
ele próprio, ou seja, ele tem em princípio de restituir 1000 euros a menos que ele prove
que parte do valor do enriquecimento se deve a qualidades dele próprio.

4. Tese do triplo limite: o enriquecimento é sempre medido em termos patrimoniais


(neste caso, 1000 euros), mas o empobrecimento tem de ser medido de duas formas:
empobrecimento patrimonial (neste caso, zero) e empobrecimento real (valor de
mercado; neste caso, 900 euros).
Como é que o triplo limite se opera?
Temos de escolher o maior dos empobrecimentos (no nosso caso, é o empobrecimento
real – 900 euros), depois comparar com o valor do enriquecimento e a restituição vai
ser igual ao menor desses dois valores (enriquecimento e o maior dos
empobrecimentos).
Neste caso, o valor da restituição seria de 900 euros.

Responsabilidade Civil

Caso Prático nº17


Alberto, ao passear por uma rua cidade do Porto, vê um indivíduo a apontar uma seringa
a um jovem que o olhava de uma forma temerosa.
Sem mais, Alberto desfere um violento murro no indivíduo com a seringa. Sabe depois
que se trata de um finalista de Medicina a praxar um caloiro.
Quid iuris?

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Nota inicial: Neste caso a A, vamos chamar de Alberto e ao estudante de medicina B, e


ao caloiro C.

No caso prático em questão iremos tratar da matéria da responsabilidade civil


extraobrigacional, porque não existe uma obrigação que previamente liga o A a B.
Esta hipótese prática prende-se com um eventual pedido de indemnização por parte do
estudante de medicina, pela agressão que sofreu.

Para que se desencadeie a responsabilidade civil extracontratual é necessário que


estejam verificados todos os seus pressupostos, que se encontram previstos no artigo
artigo 483º nº1 CC (“Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito
de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica
obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”). Assim, aqui para
responsabilizarmos o Alberto têm de estar verificados os cinco pressupostos deste artigo,
sendo que quem tem de provar a sua verificação é o lesado (estudante de medicina).
⚫ Ato;
⚫ Ilicitude;
⚫ Culpa;
⚫ Dano;
⚫ Nexo causal entre o ato e o dano.

Há um ato por parte do Alberto?


Primeiramente temos que aferir o que é um ato. Um ato é um comportamento
voluntário, isto é, um ato controlável/dominável pela vontade humana, o que significa
que se excluem os comportamentos que são ditados por factos de força maior, por
circunstâncias da natureza ou de outras pessoas que transforma o agente/omitente num
mero autómato. Não é necessário que se queira a realização desse comportamento, é
preciso é que se possa controlar pela vontade e, portanto, no nosso caso há um ato
voluntário, um ato controlável de Alberto, mas não basta que haja um ato, é preciso
que este seja ilícito.

Há um ato ilícito?
É importante ter em conta que ilícito é diferente de ilegal (isto é, desconforme à lei), não
bastando que o ato seja desconforme à lei para ser um ato ilícito. Um ato pode ser ilícito
por:
◼ Violação de um direito (absoluto) de outrem;
◼ Violação de uma norma de proteção (“disposição legal destinada a proteger
interesses alheios”);
◼ Abuso do direito .
Estas consubstanciam as formas gerais de ilicitude, mas também existem formas
especiais de ilicitude previstas pelo legislador:
◼ Ofensa do crédito ou do bom nome- artigo 484º do CC;
◼ Conselhos, recomendações ou informações- artigo 485º do CC;
◼ Omissões- artigo 486º do CC.

Ana Margarida e Bruna Mariana 64


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No caso em apreço estamos perante a violação de um direito absoluto de B, pois A


atinge a sua integridade física.
Ora neste caso o Alberto deu um murro a B por achar que este estava a assaltar o jovem,
achando que o estava a defender, por este motivo temos de averiguar se poderá estar aqui
em causa uma causa de exclusão de ilicitude.
A causa de exclusão de ilicitude que se poderia aqui convocar era a legítima defesa,
prevista no artigo 337º do CC (“Considera-se justificado o ato destinado a afastar
qualquer agressão atual e contrária à lei contra a pessoa ou património do agente ou
de terceiro, desde que não seja possível fazê-lo pelos meios normais e o prejuízo causado
pelo ato não seja manifestamente superior ao que pode resultar da agressão”). A
legítima defesa é uma causa de exclusão da ilicitude, ou seja, se se verificarem os
pressupostos desta forma de autotutela o ato não é ilícito, mesmo que violador de direito
absoluto.

Pressupostos da legítima defesa:


1. A legitima defesa é um ato de reação a uma ameaça ou agressão atual (podendo ser
iminente apenas) e ilícita;
2. Necessidade de atuação ou seja não é possível recorrer aos meios coercivos normais
para reagir à agressão-, p.e. se B tivesse um polícia por perto já não seria legítimo recorrer
à legitima defesa;
3. Proporcionalidade da agressão, isto é o prejuízo causado pelo ato não pode ser
manifestamente superior ao que pode resultar da agressão;
4. Ameaça ou a agressão contra a pessoa ou património da pessoa ou de terceiro.

Neste caso estão verificados os pressupostos da legítima defesa?


Não, pois falta aqui o requisito da agressão, e por isso se não há agressão falta um
pressuposto central da legítima defesa e, portanto, não há causa de exclusão de ilicitude.
Se não há causa de exclusão de ilicitude, então o ato é ilícito.
No nosso caso o sujeito atua para agredir com intenção, no entanto ele atua julgando que
estavam preenchidos os pressupostos da legítima defesa porque pensou que B estava a
agredir o jovem, porém não estava. Ele atuou em erro sobre os pressupostos da legítima
defesa – legítima defesa putativa (artigo 338º CC – “Se o titular do direito agir na
suposição errónea de se verificarem os pressupostos que justificam a ação direta ou
legítima defesa, é obrigado a indemnizar o prejuízo causado, salvo se o erro for
desculpável”).
Assim sendo, o ato é ilícito porque não estão verificados os pressupostos da legítima
defesa, mas pode ser desculpável e se for esse o caso o Alberto não responde.

Para averiguarmos se o ato é desculpável ou não, temos que convocar o critério da


apreciação da culpa, o critério do bom pai de família (que é um padrão abstrato
construído partindo daquilo que é medianamente exigível em termos de cuidado, de
prudência, de sabedoria, de habilidade, de competência) nas circunstâncias concretas –
artigo 487º nº2 do CC.
O bom pai de família naquelas circunstâncias teria ou não teria caído no erro?

Ana Margarida e Bruna Mariana 65


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Se o bom pai de família tivesse caído no erro, o erro seria desculpável, mas se o bom pai
de família não tivesse caído no erro, o erro não seria desculpável.
O enunciado do caso não nos permite tirar uma conclusão.

Imagine-se agora que o B e o C estavam trajados, havia uma multidão de alunos, era em
frente à faculdade, era de dia etc, neste exemplo havia um conjunto de elementos para
que um bom pai de família pudesse concluir que não era uma agressão e, portanto, o
erro não era desculpável.
Mas agora imagine-se que era num beco da rua de Cedofeita, em que só estavam presentes
B e C, que nem sequer estavam trajados, neste segundo exemplo o bom pai de família
podia cair no erro e, portanto, o erro sobre os pressupostos da legítima defesa era
desculpável.
Assim se houvesse um conjunto de elementos que permitissem ao sujeito
medianamente atento, medianamente prudente, perceber que se tratava de um ato
de praxe, o bom pai de família teria percebido que era um ato de praxe e não teria
caído no erro e, portanto, o erro não seria desculpável. No entanto, se se verificassem
outras características (p.e. local escuro, sem sinais ostensivos de praxe, num local
conhecido por assaltos) o erro seria desculpável porque o bom pai de família naquelas
circunstâncias teria caído no mesmo erro.

Já aferimos se estavam preenchidos os primeiros dois requisitos, agora temos que ver se
estavam preenchidos também os pressupostos do dano e do nexo causal.
NOTA importante: O pressuposto da culpa estará na desculpabilidade ou não da
erroneidade dos pressupostos. Se o erro fosse desculpável não havia culpa e por isso nós
não responsabilizaríamos por falta do pressuposto da culpa.

Existem danos?
Sim, neste caso verificam-se:
⚫ Danos de natureza não patrimonial (danos físicos, no entanto estes também podem
gerar consequências patrimoniais, p.e. quando a pessoa é modelo e devido ao dano
físico sofrido não vai puder participar numa série de campanhas, sofrendo assim
repercussões patrimoniais)
⚫ Danos patrimoniais (p.e. a pessoa teve que ir ao médico e à farmácia e teve gastos
nesse âmbito).
◼ Danos emergentes
◼ Lucros cessantes, isto é, aquilo que a pessoa deixou de receber e que
receberia em circunstâncias normais

Todos os danos não patrimoniais são ressarcidos?


Não, serão ressarcidos os danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito
nos termos do artigo 496º nº1do CC. Se forem danos, que apenas uma sensibilidade
muito particular sente, o Direito não os considera graves o suficiente para serem
ressarcidos (p.e. um toque leve, um apertão do braço).

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Os danos não patrimoniais podem ser ressarcidos?


Discussão doutrinal quanto ao ressarcimento dos danos não patrimoniais:
Os danos não patrimoniais têm ganho muita importância nas últimas décadas. Aliás foi
uma das grandes discussões antes da entrada em vigor do Código Civil atual: saber se os
danos não patrimoniais podiam e/ou deviam ser compensados.
Muitos autores defendiam que não, afirmando que isso seria mercantilizar os bens não
patrimoniais, desde logo, a vida.
Durante muito tempo, apesar do artigo 496º nº1 CC (“Na fixação da indemnização deve
atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do
direito”), desvalorizaram-se os danos não patrimoniais, como os danos estéticos, que
não tinham autonomia na nossa jurisprudência a menos que tivessem repercussões
económicas. Nessa época, olhava-se para a pessoa como uma pessoa que produzia
rendimentos – homo economicus.
Atualmente o dano estético se tiver gravidade suficiente é ressarcido, quer tenha ou não
tenha repercussões patrimoniais. Ora hoje olha-se para a pessoa como um ser integral e
os danos podem não ter repercussões patrimoniais, mas mesmo assim vão ser ressarcidos.
Outro problema é a falta de uniformidade de critérios. Por exemplo, um tribunal do
Porto pode prever para uma situação muito semelhante uma compensação muito diferente
daquela que em Faro se prevê. Há já uma tabela indicativa (não é vinculativa) de aferição
do dano civil, que procura dar uniformidade aos critérios e aos valores indemnizatórios.

Como é que se calcula a compensação por dano não patrimonial? Qual é o critério
que o legislador dá?
Este está previsto no artigo 496º nº4 CC (“O montante da indemnização é fixado
equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias
referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não
patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a
indemnização…”) em conjugação com o artigo 494º CC – situação prevista para quando
o sujeito atua com mera culpa (quando não atua com dolo), onde pode haver uma redução
do montante da indemnização.
Então como é que se fixa a compensação por danos não patrimoniais?
Equitativamente, de acordo com os critérios do artigo 494º CC:
⚫ Grau de culpa, o que quer dizer que se o Alberto” tiver uma culpa mais intensa ele
vai pagar uma indemnização maior do que se tiver uma culpa mais leve;
⚫ Situação económica do lesante e do lesado, imagine-se que o Alberto é milionário
e o “B vive numa situação precária, então a compensação vai ser maior; agora se a
situação for a inversa então a compensação vai ser menor:
⚫ Demais circunstâncias do caso.
O juiz pode julgar segundo a equidade sempre? Não, só quando a lei o autoriza.

Para além dos danos, é preciso afirmar o nexo causal. Este desempenha uma função
especial porque vai ser o nexo causal que vai permitir delimitar os danos ressarcíveis. O

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pressuposto do nexo causal não levanta grandes problemas, sendo ressarcidos os danos
que causalmente se ligam ao ato à luz da teoria da causalidade adequada.

Caso Prático nº18


A conduz o seu automóvel numa rua do Porto. De repente, surge-lhe na frente do carro em
corrida, B, inimputável. Para não o atropelar, A tem que proceder a uma guinada súbita,
indo embater na carrinha de C que estava estacionada. A carrinha sofre danos no valor de
1.000 euros e o carro de A no valor de 1.250 euros. Quid iuris?

Neste caso prático A ia a conduzir o seu automóvel e de repente surge-lhe em corrida B,


que é inimputável, que em regra são os menores de 7 anos nos termos do artigo 488º nº2
do CC - vemos que se trata apenas de uma presunção que pode ser ilidível, ou seja pode
haver alguém com 5 ou 6 anos que possa ser imputável, mas também pode haver alguém
com 15 ou 50 anos que seja inimputável. A imputabilidade está plasmada no artigo 488º
nº1 do CC- “Não responde pelas consequências do facto danoso quem, no momento em
que o facto ocorreu, estava, por qualquer causa, incapacitado de entender ou querer,
salvo se o agente se colocou culposamente nesse estado, sendo este transitório”.
Nota: nosso caso vamos usar uma criança de 5 anos, mas também podia ser o caso de um
adulto com 35 anos com uma forte incapacidade psíquica.

A para não atropelar o inimputável, guina o volante do seu carro e embate na carrinha
de C. Há danos na carrinha de A e de C, o inimputável não sofreu danos. Assim vamos
ter que analisar os danos na carrinha de C e os danos no carro de A.

◼ Danos na carrinha de C
Estamos perante um caso de responsabilidade civil extracontratual em que C pretende ser
indemnizado, tendo que se dirigir desde logo a A.
Poderíamos aqui imputar a responsabilidade a A ao abrigo do artigo 503º do CC
,tratando-se de um caso de responsabilidade pelo risco, ou seja, que prescinde de culpa
(“Aquele que tiver a direção efetiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o
utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos
danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não encontre em
circulação”). No entanto A poderia excluir a responsabilidade por via do artigo 505º do
CC (“Sem prejuízo do disposto no artigo 570º, a responsabilidade fixada pelo nº1 do
artigo 503º só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro,
ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo”).
Assim se fosse de aplicar a responsabilidade pelo risco do artigo 503º CC a este caso
podíamos excluir a responsabilidade de A por força do artigo 505º CC porque o acidente
é imputável a B, apesar deste ser inimputável.
Nota: imputável para efeitos do artigo 505º CC significa atribuível, “causado por”
portanto, o terceiro mencionado no artigo pode ser inimputável.
Nota 2: para o artigo 505º do CC imputabilidade não é uma questão de censurabilidade
ou de culpa mas sim uma questão de causalidade.

Ana Margarida e Bruna Mariana 68


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Uma outra forma de A ser responsabilizado seria ao abrigo do artigo 483º nº1 do CC e
para que C tivesse sucesso na sua pretensão indemnizatória é necessário que estejam
verificados os requisitos constantes deste artigo.
Pressupostos:
1. Ato;
2. Ilicitude;
3. Culpa;
4. Dano;
5. Nexo causal entre o ato e o dano.

1. Ato: temos que estar perante um facto que seja controlável pela vontade. No caso em
apreço estamos perante um ato de A pois ele vira o volante intencionalmente.

2. Ilicitude: além de estarmos perante um ato, esse ato tem que ser ilícito. No nosso caso
podemos perspetivar o ato como um ato ilícito por violação de um direito absoluto de
C, a violação do seu direito de propriedade. É certo que a violação de um direito
absoluto pode desencadear a responsabilidade civil, mas temos que primeiro averiguar se
poderíamos aqui aplicar uma causa de exclusão de ilicitude: a atuação de A aqui poderia
reconduzir-se ao Estado de necessidade previsto no artigo 339º do CC (“É lícita a ação
daquele que destruir ou danificar coisa alheia com o fim de remover o perigo atual de
um dano manifestamente superior, quer do agente, quer de terceiro”; “O autor da
destruição ou do dano é, todavia, obrigado a indemnizar o lesado pelo prejuízo sofrido,
se o perigo for provocado por sua culpa exclusiva; em qualquer outro caso, o tribunal
pode fixar uma indemnização equitativa e condenar nela não só o agente, como aqueles
que tiraram proveito do ato ou contribuíram para o estado de necessidade”).
O Estado de necessidade é uma situação de constrangimento em que alguém sacrifica
coisa alheia com vista de afastar um perigo atual com um prejuízo manifestamente
superior. Para estamos perante esta causa de exclusão de ilicitude é necessário que se
verifiquem os seus pressupostos:
1) Tem que haver então uma situação de perigo para o próprio ou terceiro- neste
caso a situação de perigo é para terceiro;
2) O dano produzido tem-se de produzir na esfera de outra pessoa;
3) É preciso ainda que haja necessidade de atuação (o que é comum a todas as causas
de exclusão de ilicitude) ;
4) Tem de haver proporcionalidade, ou seja, o dano que se evita tem de ser
manifestamente superior- neste caso há proporcionalidade, porque estamos perante
uma contraposição entre a danificação de uma carrinha e um embate numa pessoa,
que pode ser mortal.
Neste caso os pressupostos estavam todos preenchidos, logo a atuação de A é lícita- ele
atua em estado de necessidade.

Se faltar um pressuposto A já não responderá ou mesmo assim poderá responder?


Poderá responder nos termos do artigo 339º nº2 CC, apesar de a sua atuação ser lícita,

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tratando-se assim de um caso de responsabilidade por factos lícitos (excecional, só se


aplica nos casos previstos na lei).
O artigo 339º nº2 CC tem duas partes:
a) Se o perigo é provocado por culpa daquele que aja em estado de necessidade, essa
pessoa vai responder e vai responder por atos lícitos, sendo obrigado a indemnizar;
b) Se o perigo não for causado por culpa exclusiva do agente que aja em estado de
necessidade o tribunal pode fixar uma indemnização equitativa.
É importante ter em atenção entre a diferença entre a primeira e a segunda parte. Na
primeira parte se o perigo for causado exclusivamente por aquele que aja em estado de
necessidade esse autor é obrigado a indemnizar, já na segunda parte em qualquer caso
tribunal pode fixar uma quantia equitativa e condenar não só o agente como aqueles que
tiraram proveito do ato ou contribuíram para o estado de necessidade. Quer dizer que
quando a situação de perigo não é causada por culpa exclusiva daquele que age o tribunal
pode fixar uma indemnização. Nestas situações o tribunal recorre à equidade, em
primeiro lugar, para saber se fixa uma indemnização, em segundo lugar para fixar o
quantum e para ainda determinar quem é obrigado a indemnizar.

Assim o tribunal pode condenar o agente (A) ou quem tira proveito (B) ou quem
contribuiu para o estado de necessidade (B e quem tem o dever de vigilância sobre o
inimputável).
Neste caso, há estado de necessidade de A, que não é causado por culpa exclusiva dele.
Esta não é uma responsabilidade por factos ilícitos, é uma responsabilidade por factos
lícitos que não pressupõe um juízo de culpa. B não é suscetível de um juízo de culpa, mas
pode responder por factos lícitos porque a responsabilidade por factos lícitos não surge
como uma reação a um comportamento desvalioso. Esta surge como uma manifestação
da justiça comutativa ditada por um equilíbrio na composição dos interesses. No nosso
caso, C tinha a sua carrinha bem estacionada e viu-a a ser danificada porque um sujeito
virou o volante aquando do surgimento de uma criança na estrada e portanto, por razões
de justiça o C não é obrigado a suportar esses danos. O julgador na composição dos
interesses pode condenar o inimputável através da obrigação de pagamento de uma
indemnização por factos lícitos.

Pela carrinha de C, quem vai responder?


Nesta situação A não vai responder pelo artigo 503º do CC porque aplicámos o artigo
505º CC nem vai responder pelo artigo 483º CC porque há uma causa de exclusão de
ilicitude. Ainda que o ato do A seja lícito, ele poderá, responder aplicando-se a 2º parte
do artigo 339º nº22 CC. Num caso deste tipo é muito provável que o juiz não condene o
A, mas condene quem tirou o benefício e quem contribuiu para o estado de necessidade,
logo é muito provável que condene só os pais/vigilantes da criança. Se a criança tiver um
grande património, é provável que o juiz a condene também apesar de ser inimputável.
Sendo certo é que quem irá responder ao abrigo do artigo 339º nº2 CC são os pais e não
A.

No entanto nós podemos responsabilizar os pais/vigilante por outra via.

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Será que os pais não praticaram factos ilícitos e culposos?


Aqui temos de convocar o artigo 491º do CC (“As pessoas que, por lei ou negócio
jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas,
são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que
cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o
tivessem cumprido”; prevê uma presunção de culpa) em articulação com o artigo 483º
nº1 CC (estando neste os pressupostos da responsabilidade).
A responsabilidade do artigo 491º CC não é objetiva, porque não prescinde de culpa mas
antes presume a culpa, porém se os pais ilidirem a presunção, não respondem pelo artigo
491º do CC, podendo, no entanto, responder pelo artigo 339º nº2 CC.
Há um ato dos pais/vigilantes?
Há uma omissão nos termos do artigo 486º do CC (“As simples omissões dão lugar à
obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais
havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o ato omitido”), ora a
omissão só é relevante para efeitos indemnizatórios se havia o dever de agir. No nosso
caso havia o dever de atuar, fundado na lei, pois os pais exercem responsabilidades
parentais- artigo 1878º CC (“Compete aos pais, nos interesses dos filhos, velar pela
segurança e saúde destes...”), porém se a criança tivesse com a babystitter o dever de agir
fundar-se-ia através de um negócio jurídico.

Não basta estarmos perante uma omissão, esta tem que ser ilícita, neste caso a ilicitude
traduz-se na violação de direitos absolutos de C.

A omissão dos pais é culposa?


Temos de chamar à colação o artigo 491º CC, porque se presume a culpa e o lesado, C
não vai ter que provar a culpa.
O que é que os pais/ vigilantes podem fazer para evitar a sua responsabilização a
este nível? Nos termos do artigo 491º estes têm dois meios de defesa: podem ilidir a
presunção, provando que adotaram as diligencias necessárias e que, portanto, agiram
sem culpa; ou podem provar que mesmo que tivessem cumprido os deveres de
vigilância e atuado sem culpa os danos ter-se-iam produzido à mesma (causa virtual
de relevância negativa porque é para excluir a responsabilidade do autor da causa real,
ora neste âmbito prova-se que havia uma outra causalidade que virtualmente produziria
o mesmo dano). Neste caso, seria muito difícil fazer relevar negativamente a causa virtual,
no entanto seria possível.

Há danos? Há, pelo menos, danos patrimoniais sob a forma de danos emergentes, neste
caso danos na carrinha no valor de 1000€.
Quanto ao nexo causal não havia dificuldades.

◼ Danos no carro de A
Nesta situação A não pode responsabilizar B, pois este é um inimputável, não é capaz de
culpa e não é dotado da capacidade para entender. Como é inimputável falta aqui um dos
pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos.

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No que diz respeito à via do estado de necessidade, nomeadamente para responsabilizar


os pais esta também não poderia ser convocada porque é necessário danificar ou destruir
coisa alheia (coisa que não pertence a quem atua em estado de necessidade, A) e neste
caso o A danifica coisa própria. E, portanto, não podemos convocar o estado de
necessidade e o artigo 339º CC.
Ora apesar de não responsabilizarmos os pais ao abrigo do artigo 339 nº2 do CC,
podemos responsabiliza-los ao abrigo do artigo 483º do CC conjugado com o artigo
486º e 491º do CC.

Há outro caminho possível que o prof. Antunes Varela aponta: é dizer que o A ao virar
o volante atua assumindo a direção de negócio alheio por conta e no interesse do dono do
negócio e sem para tal estar autorizado, ou seja, dizer que o A atua em gestão de negócios.
E mesmo que os vigilantes não aprovem a gestão, o gestor consegue provar a regularidade
da gestão e esta é regular quando é conforme ao interesse (isto é, conforme à satisfação
de uma necessidade; neste caso protege-se a vida do inimputável) e à vontade real ou
presumível do dono – artigo 468º nº1 CC. Se a gestão for regular o dono do negócio tem
que indemnizar o gestor pelos prejuízos que ele tenha sofrido.
Este não é o caminho mais fácil, sendo o caminho mais fácil a aplicação do artigo 483º,
486º e 491º CC porque há uma presunção de culpa.

Caso Prático nº19


Em consequência do vento forte que se fez sentir durante o fim-de-semana, uma
árvore do jardim de A cai sobre o muro exterior da propriedade do mesmo.
Na segunda-feira, e dada a necessidade de profundas reparações, A abre uma vala
de 1,5 m de profundidade no passeio adjacente, iniciando as obras de recuperação.
A intervenção revelou-se mais demorada do que o esperado, pelo que A não
consegue terminar a obra no dia de segunda-feira, limitando-se a indicar o buraco com
um pau, onde ondulava um pano branco, pequeno e pouco visível.
Às 11 horas da noite, B, que se deslocava por aquela rua, tropeça no buraco aberto
por A que não vira em virtude da intensa escuridão. B é transportado para o hospital
mais próximo com uma perna partida. Dada a natureza da fratura, tem de ser operado.
Fica hospitalizado durante uma semana e impossibilitado de trabalhar durante
dois meses, deixando de auferir o salário relativo a esse período (1.500 €). Gasta 500
€ em fármacos. Sente intensas dores durante as primeiras três semanas.

a) Quid iuris?

Este caso versa sobre a matéria da responsabilidade por factos ilícitos.


Neste caso quem pode responder perante B, que cai no buraco?
Aqui não há aqui nenhuma relação obrigacional prévia e, portanto, não se trata de
responsabilidade obrigacional. Haverá eventualmente uma responsabilidade
extraobrigacional de A, e para isso temos o artigo 483º CC que é a regra-base nesta
matéria sendo necessário verificar se estão preenchidos os seus pressupostos.
Pressupostos:

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1. Ato: temos que estar perante um facto que seja controlável pela vontade. Neste caso
qual é o ato de A que podemos identificar? Este não feriu a perna de B enquanto abria um
buraco. O facto voluntário pode revestir duas formas: uma ação ou uma omissão. Aqui o
que vamos imputar a A, é uma omissão, um facto negativo.

2. Ilicitude: no que diz respeito à ilicitude um ato pode ser ilícito por: violação de um
direito (absoluto) de outrem; violação de uma norma de proteção (“disposição legal
destinada a proteger interesses alheios”); abuso do direito . Para além destas formas
gerais de ilicitude, o legislador também previu formas especiais de ilicitude: ofensa do
crédito ou do bom nome (artigo 484º do CC); conselhos, recomendações ou
informações (artigo 485º do CC); omissões (artigo 486ºdo CC).
Entre estes casos especiais de ilicitude está a omissão que se traduz num ato que não foi
adotado mas deveria ter sido.
A omissão só funda uma obrigação de indemnizar se houver dever de agir – artigo 486º
CC (“As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando
independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio
jurídico, o dever de praticar o ato omitido”), em conjugação com o artigo 483º CC.
Nota: O pressuposto previsto no artigo 486º CC acresce aos pressupostos presentes no
artigo 483º CC.

Como é que fundamos o dever de agir? Neste caso não é com base num negócio
jurídico, resta-nos, portanto, a lei.
No âmbito desta matéria ,fruto de um caminho desenvolvido pela jurisprudência e
doutrina alemã temos que destacar a teoria dos deveres de segurança no tráfego ou
deveres de prevenção do perigo. Entende-se que esta tem acolhimento no nosso
ordenamento jurídico no artigo 486º CC, estando incluída no termo “lei”.
Esta teoria defende que quem cria ou mantém uma fonte de perigo no tráfego
jurídico-negocial tem o dever de adotar todas as diligências necessárias para evitar
que o perigo se converta em dano, este tem que adotar todas as diligências para
prevenir o risco de dano. Tem então o dever de adotar aqueles comportamentos que são
necessários para evitar que terceiros sofram danos na fonte de perigo que criou. Esta teoria
foi acolhida e desenvolvida pelo prof. Menezes Cordeiro, para além de ter sido acolhida
pela nossa jurisprudência.

Quais são esses deveres?


⚫ Deveres de atuação direta sob a fonte de perigo/Deveres diretos: estes atuam
diretamente sob a fonte de perigo, eliminando-a. Neste caso, tapando o buraco,
eliminava-se a fonte de perigo.
⚫ Deveres indiretos: estes criam condições para que os potenciais lesados consigam
lidar autorresponsavelmente sob a fonte de perigo. Neste caso, para que os potenciais
lesados conseguissem lidar autorresponsavelmente com a fonte de perigo deveria ter-
se sinalizado devidamente a fonte de perigo pois iria permitir que potenciais
lesados/transeuntes tivessem informação acerca dela ou criar outras condições que

Ana Margarida e Bruna Mariana 73


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

sejassem adequadas para que eles pudessem lidar responsavelmente com a fonte de
perigo.
Os deveres indiretos podem ser deveres de aviso. Os deveres indiretos têm que criar
uma situação de segurança equivalente à que se alcançaria com uma atuação direta
sob a fonte de perigo. Neste caso, a indicação feita por A aparenta não ser suficiente.
Diferentemente seria se tivesse colocado tapumes resistentes (isto é, uma
barreira de tábuas com que se fecha ou circunscreve uma porção de terreno), que
tapassem o buraco e impedissem o seu acesso e permitissem que o transeunte conseguisse
passar à volta.
Concluindo, tem que se criar uma situação de segurança que permita aos terceiros,
potenciais lesados, lidarem autorresponsavelmente com a fonte de perigo e isso deve
incluir a consideração de características particulares de certos setores da população,
nomeadamente crianças que ainda não sabem ler, pessoas invisuais, etc.
Há, portanto, um ato omissivo e um dever de agir. Se há um dever de agir que é
incumprido, então a omissão é ilícita, resultante da violação do dever de agir.
Quando o A cai no buraco e parte a perna, há aqui a lesão de vários direitos de
personalidade de A e, portanto, se a omissão já era ilícita, a verdade é que temos ainda a
este nível a ilicitude nestes resultados danosos.

3. Culpa: O padrão de aferição de culpa é o do bom pai de família nas circunstâncias


do caso concreto – artigo 487º nº2 CC (“A culpa é apreciada, na falta de outro critério
legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada
caso”). Pode haver circunstâncias que podem excluir ou, pelo menos, atenuar a culpa.
Quem tem de provar a culpa em regra é o lesado, nos termos do artigo 487º nº1 do CC,
no entanto, há possíveis presunções de culpa, que na área extracontratual é excecional,
previstas nos artigos 491º, 492º, 493º CC. No caso não estamos perante danos causados
pela pessoa vigiada nem há uma obra que rui, há aqui, pelo contrário, uma abertura de
uma vala e, portanto, não cabe no âmbito do artigo 492º CC. Também não se aplica o
artigo 493º nº1 CC porque não há uma coisa móvel ou animal que se tenha dever de
vigilância. Já o artigo 493º nº2 CC é relativo a atividades perigosas por si ou pelos meios
empregues. Ora a atividade de construção civil, sobretudo quando implica uma atuação
sob o solo e subsolo, e quando importa a abertura de valas, tem sido entendida como uma
atividade perigosa e, portanto, era possível que a nossa jurisprudência perante um caso
como este aplicá-se a presunção do artigo 493º nº2 CC. Neste caso, não era difícil ao
lesado provar a culpa do A.

4. Danos: neste caso há uma multiplicidade de danos desde logo danos patrimoniais,
quer sob a modalidade de danos emergentes (neste caso, 500€ em fármacos) quer sob
a modalidade de lucros cessantes (que ganhos é que ele tinha direito e deixou de obter?
O salário, que não recebeu, relativo a 2 meses, mais concretamente 1500€ – podemos
chamar a estes salários não recebidos salários cessantes).

Ana Margarida e Bruna Mariana 74


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Para além destes, há ainda danos não patrimoniais (insuscetíveis de avaliação


pecuniária), p.e. a lesão da integridade física (que pode vir a ter repercussões
patrimoniais), o sofrimento e as dores.
Os danos não patrimoniais são compensáveis?
Depende, há um critério legal, sendo este uma novidade do Código Civil de 1966, até
então não eram considerados ressarcíveis. Esta foi uma questão muito discutida na década
de 60 do século passado, alguns dos nossos juristas defendiam que o código civil devia
prever a compensação dos danos não patrimoniais, já outros defendiam que não, dizendo
que tal facto resultava numa mercantilização da dor, da perda da vida (sendo que essa não
era de possível medição). O nosso código civil acolheu o princípio geral da
compensação dos danos não patrimoniais, desde que os mesmos, pela sua gravidade,
mereçam a tutela do direito – artigo 496º nº1 CC. No âmbito dos danos não patrimoniais,
como lesões a bens insuscetíveis de avaliação pecuniária, cabem uma multiplicidade de
danos que merecem a reparação. Por exemplo, o dano estético, o dano funcional, o dano
da perda das alegrias da vida/da alegria de viver, as dores físicas (pretium doloris) ou
angústias psicológicas.
Durante muito tempo, os danos não patrimoniais eram filtrados por um critério
económico sendo impensável tutelar e indemnizar o dano pela perda da alegria de viver,
indemnizava-se sim a perda da capacidade de gerar rendimentos. Acontece que houve
uma mudança da perspetiva da pessoa como um ser produtivo para a pessoa como um ser
integral que tem interesses culturais, afetivos, etc.

5. nexo causal entre os danos e o ato: no que diz respeito à aferição do nexo causal o O
entendimento maioritário (defendido pela nossa lei) diz-nos que o critério é o da teoria
da causalidade adequada, que se retira do artigo 562º (“Quem estiver obrigado a
reparar um dano deve reconstituir a situação que existira, se não se tivesse verificado o
evento que obriga à reparação”) e 563º CC (“A obrigação de indemnização só existe em
relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”).
Esta teoria pressupõe que sejam operados 2 juízos cumulativos (segundo a ordem
adotada):
1. Em primeiro lugar, tem que se fazer operar um juízo em concreto de
condicionalidade, ou seja, o primeiro juízo vai fazer apelo à chamada teoria da
condição necessária (condictio sine qua non). Nesta importa averiguar se retirado
do encadeamento causal o ato fundador de responsabilidade, se o dano se
continuava a produzir ou não. Ora nós temos que ver que se retirado o ato
fundador de responsabilidade se o dano produzido continuaria a produzir-se ou
não. Se nós retirarmos do encadeamento causal esse ato e o dano deixar de se
produzir é porque o ato é condição necessária daquele dano, mas se o dano
se continuar a produzir é porque o ato não é condição necessária daquele
dano.
Neste caso, temos uma omissão do dever de agir, que implicava que se criasse
uma situação de segurança que impedisse este ano. Se nós retirássemos esta
omissão, ou seja, se houvesse a adoção do comportamento devido aquele concreto

Ana Margarida e Bruna Mariana 75


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dano da queda naquela vala não teria acontecido. E, portanto, o ato, no nosso caso
a omissão, é condição necessária deste dano.
Se se concluir que o ato não é condição necessária do dano não se prossegue,
ou seja, não há nexo causal. Se se concluir que aquele ato é condição
necessária daquele dano tem-se que avançar para o segundo juízo, sendo
estes cumulativos. Se nós aplicássemos só a teoria da condição necessária
chegaríamos a um resultado muito amplo e, por isso, é necessário um filtro (artigo
563º CC - “provavelmente”) através de um segundo juízo. O ato ser condição
necessária do dano é condição necessária mas não suficiente da afirmação do nexo
causal.

2. Em segundo lugar, temos que fazer um juízo de adequação, formulado em


abstrato e é aqui que fazemos especificamente apelo à teoria da causalidade
adequada. É preciso que o ato, atendendo à sua natureza e características,
seja adequado a produzir aquela espécie de danos.
A adequação pode ser aferida segundo duas perspetivas: uma formulação
positiva e uma formulação negativa.

⚫ Formulação positiva: um determinado facto/ato é causa adequada da produção de


um determinado dano quando, segundo um critério de normalidade, é apropriado a
produzi-lo e não apenas por força de circunstâncias especialmente particulares,
improváveis e estranhas ao regular curso de acontecimentos. Esta foi desenvolvida
por alguns autores alemães, como Larenz.
⚫ Formulação negativa: um determinado facto só deixa de ser causa adequada de um
determinado resultado/dano quando, atendendo à sua natureza geral, se mostrar de
todo indiferente para a produção daquela espécie de danos que, portanto, só se
verificaram por circunstâncias excecionais ou extraordinárias. Esta também pode ser
atribuída a dois autores alemães (Enneccerus-Lehmamm)
Em princípio, uma condição necessária é causa adequada de um dano, a menos que,
quando atendendo à sua natureza geral, for de todo indiferente à produção daquela espécie
de danos.
No nosso caso, se não se tivesse aberto aquele buraco, sem a adoção dos deveres
necessários (sem o buraco ter sido tapado, sem terem sido colocados meios que
impedissem a queda naquele buraco) a queda não se teria realizado e, portanto, é
condição necessária. Aqui, quer segundo a formulação positiva, quer segundo a
formulação negativa, também o ato é adequado à produção daquela espécie de danos.
Segundo o curso normal de acontecimentos (formulação positiva), um buraco na via
pública, que permanecesse aberto durante a noite num período com pouca visibilidade, é
adequado a produzir aquela espécie de danos. Na formulação negativa, atendendo à
natureza geral, não é de todo indiferente, sendo que esta formulação abrange mais danos
do que a formulação positiva.
Estão verificados todos os pressupostos? Sim, logo A responde perante B por
responsabilidade extracontratual.

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b) Considere agora que B é conduzido ao hospital em estado de inconsciência.


Os médicos realizam vários exames tendentes a averiguar a extensão da lesão sofrida.
Feito o diagnóstico, entendem que é necessário proceder urgentemente a uma
transfusão de sangue. Com o intuito de salvar B, que até então não havia recuperado
a consciência, atuam sem mais demora. B pretende acionar os médicos, já que as
transfusões de sangue contrariam a sua convicção religiosa. Quid iuris?

Aqui a questão prende-se com a transfusão de sangue, que era necessária para salvar a
vida de B e que foi realizada contra a sua vontade.

Nota: No passado os médicos atuavam de acordo com o que era medicamente adequado,
mesmo que não correspondesse à vontade do paciente. No séc. XX, havia então uma visão
paternalista da medicina. Desde a segunda metade do séc.XX, que se reconhece cada vez
mais autonomia/autodeterminação do doente. Imaginemos que era necessário praticar um
determinado ato para salvar a vida, o doente consciente (pensemos num adulto com
capacidade de querer e entender e lhe é fornecida a informação necessária) rejeita, aí os
médicos têm que obedecer à vontade do doente, ou seja, os médicos não podem impor
soluções que contrariem a vontade do paciente, mesmo que isso implique a sua morte.
Coisa diversa é o caso das crianças, que têm representantes legais. Imaginemos que os
representantes legais se opõem e isso pode implicar a morte da criança, nestas situações
há mecanismos expeditos de contacto ao tribunal de família, que rapidamente vai inibir o
exercício das responsabilidades parentais aos pais, nomeando um curador, sendo este a
autorizar o ato médico.
A atuação do médico sem consentimento do paciente, durante muito tempo, dizia-se que
violava apenas a integridade física do paciente, mas hoje defende-se que esta viola a
autodeterminação do doente, a liberdade do paciente.

Aqui à primeira vista parece que o ato dos médicos além de ilícito era também culposo,
pois bom pai de família nas circunstâncias do caso não atuaria contra a vontade.
Mas antes de passarmos à culpa, não haveria aqui outro mecanismo a recorrer? Sim,
a presunção de consentimento - artigo 340º nº3 CC (“Tem-se por consentida a lesão,
quando esta se deu no interesse do lesado e de acordo com a sua vontade presumível”).
Ora atuar no interesse do lesado significa adotar um comportamento que objetivamente
satisfaz uma necessidade da outra pessoa. Neste caso, se B não levasse uma transfusão
morria e, por isso, a atuação dos médicos satisfaz o interesse de B, dando-se no seu
interesse.

A atuação dos médicos é de acordo com a vontade presumível de B? Estamos a


pressupor que os médicos não tinham qualquer base segura para concluir que a vontade
não era contrária. Imaginemos que o sujeito tinha uma placa que dizia que era contra as
transfusões, nesta situação os médicos já não podiam presumir a vontade no sentido da

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transfusão. Mas à partida, não havendo mais nenhuns dados, a vontade presumível é
coincidente com o interesse.
Assim há uma causa de exclusão de ilicitude, ou seja, o ato não é ilícito e os médicos
não respondem.

c) Suponha, agora, que apesar de aparentar ter apenas algumas escoriações, B sofrera
graves lesões cerebrais que só seriam detetadas por via de um exame de TAC que,
segundo leges artis da ciência médica, deve ser realizado em casos da espécie do que
acaba de ser descrito. B acaba por falecer no hospital, em virtude de os médicos que
o assistiram não terem efetuado o referido exame, apesar de saberem que o paciente
havia batido com a cabeça

Aqui a tínhamos de averiguar se A responderia. Mas antes de apurarmos a


responsabilidade de A, neste caso também respondiam os médicos, que respondem ao
abrigo do artigo 483º conjugado com o artigo 486º porque omitiram um ato que era
devido, imposto pelas normas médicas. As normas médicas impõem um dever de agir
neste caso.
Para averiguarmos a responsabilidade dos médicos temos que verificar se os pressupostos
do artigo 483º estão verificados.
Pressupostos:
1. Ato
2. Ilícito
3. Culposo,
4. Dano
5. Nexo causal.
Aqui, quanto aos médicos todos os pressupostos estavam verificados.

Para além dos médicos temos de averiguar se o hospital (vamos considerar que é privado)
poderia responder.
Há dois caminhos:
Nos termos do artigo 500º CC (“Aquele que encarrega de outrem de qualquer comissão
responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que
sobre este recaia também a obrigação de indemnizar”; “A responsabilidade do comitente
só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou
contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada”), o comitente
responde pelos atos do comissário se se verificarem 3 pressupostos:
▪ Tem que haver uma comissão, isto é, o desempenho de uma atividade por conta e
sob a direção do comitente. Neste caso os médicos têm que atuar por conta e sob
a direção do hospital;
▪ O dano tem que se produzir no exercício das funções;
▪ Sobre o comissário tem que recair o dever de indemnizar. Neste caso, recai? Sim,
sendo o comitente o hospital e os comissários os médicos.
Assim sendo, os médicos respondem por responsabilidade por factos ilícitos ao
abrigo do artigo 483º CC e o hospital responde ao abrigo do artigo 500º CC por

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responsabilidade objetiva, sendo que esta prescinde de culpa- eles respondem


solidariamente – artigo 500º nº3 CC (“O comitente que satisfizer a indemnização tem o
direito de exigir do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago, exceto se houver
também culpa da sua parte; neste caso será aplicável o disposto no nº2 do artigo 497º”)
e 497º CC (“O direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respetivas
culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das
pessoas responsáveis”).
Há um outro caminho para responsabilizar o hospital ao abrigo do artigo 798º e 800º do
CC – responsabilidade pelos atos dos médicos que são seus auxiliares, uma vez que
podemos identificar aqui vários comportamentos que significam a celebração de um
contrato.
Assim os médicos têm a obrigação de indemnizar ao abrigo do artigo 483º CC, o que
quer dizer então que o comissário responde ao abrigo do artigo 483º CC por culpa e o
comitente responde ao abrigo do artigo 500º CC objetivamente.

Quanto à responsabilidade de A remetemos para o que dissemos na alínea a), o único


problema vai surgir ao nível do nexo causal. Ora já sabemos que não há dúvidas que A
responde pela fratura da perna, pelas dores e pelos salários cessantes, a questão surge se
ele também responde pela morte decorrente de um traumatismo craniano não
diagnosticado pelos médicos. Estamos assim perante um problema do nexo causal.
A apreciação do nexo causal faz-se de acordo com o artigo 563º, e apesar deste se
encontrar redigido em termos demasiado latos, a nossa doutrina jurisprudência tem
entendido que se aplica a teoria da causalidade adequada. Segundo esta teoria não basta
que o facto tenha sido em concreto condição necessária do dano, é preciso algo mais é
preciso que em abstrato o facto seja idóneo a produzir o dano segundo o normal curso das
coisas. Assim, podemos constatar que a teoria da causalidade adequada pressupõe dois
juízos:
1. Juízo de condicionalidade em concreto: O ato de A é ou não é a condição necessária
da morte de B naquelas circunstâncias? Se não tivesse sido o ato de A o B morreria
naquelas circunstâncias, daquele traumatismo craniano? Não, porque sem o ato de A
ele não teria caído, ou seja, o ato de A é condição necessária da morte de B.
Mas o juízo em concreto abrange muitas coisas, sendo preciso filtrar por um juízo de
adequação, um critério jurídico de ponderação.
2. Juízo de adequação: que pode ser formulado pela positiva ou pela negativa.
⚫ Formulação positiva, num regular desenvolvimento dos
acontecimentos, B teria morrido porque os médicos não fizeram um
exame TAC? Num regular desenrolar de acontecimentos, os médicos
teriam feito o TAC. Portanto, à luz da formulação positiva, quebra-se o
nexo causal e o A não vai responder pela morte de B porque pelo curso
normal dos acontecimentos o exame TAC teria sido realizado, imposto
por regras médica.

⚫ Formulação negativa, em princípio, o ato é causa adequada daquele


dano, só não o será se, atendendo à sua natureza geral, for de todo
indiferente para a produção daquela espécie de danos.
.

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Neste caso é de todo indiferente? Não, a omissão (a não sinalização da fonte de perigo)
potenciou a morte e aumentou o risco daquele resultado (morte causada por um
traumatismo craniano decorrente da queda no buraco). Assim o A, segundo a formulação
negativa, responde ainda pela morte de B
Enquanto que na formulação positiva quebra-se o nexo causal e na formulação negativa
já não se quebra, ou seja, se aplicarmos a formulação positiva o A não responde pela
morte, enquanto se aplicarmos a formulação negativa o A ainda responde pela morte.
Qual das formulações aplicámos então?
A nossa jurisprudência dá preferência à formulação positiva. Já a doutrina vem
defender que tratando-se de responsabilidade por factos ilícitos, deve-se aplicar a
formulação negativa porque é mais ampla, abrange mais danos.

Nota: Tem-se que ter em atenção à expressão “atendendo à natureza geral” para não
confundirmos a formulação negativa com o juízo de condicionalidade em concreto.
Exemplo: Imaginemos que o que se passou foi que B recuperou muito bem, mas tinha
com ele aquando de toda esta situação um portátil que desapareceu. O A responde pelo
furto do portátil? Quanto ao juízo em concreto, o ato de A é condição necessária a esse
dano, o B não teria ido para o hospital se não tivesse caído, nem teria sido subtraído o
portátil deste no hospital. E em abstrato é adequado? Segundo a formulação positiva, não.
À luz da formulação negativa, não.

Caso Prático nº 20
A, criança de 7 anos, filho de B e C, contra as instruções dos pais vai jogar futebol
com os amigos no campo em frente a sua casa. Durante o jogo, um remate com
mais força de A vai embater, partindo, o vidro da montra de uma loja de sapatos.
Como já eram 19h00, o dono da loja só conseguiu reparar o vidro (que tem o valor
de 1.000 €) com fita autocolante. Durante a noite, a loja vem a ser assaltada, sendo
causados prejuízos no seu recheio no valor de 1.500 €. Quid iuris?

Mais uma vez estamos perante um caso de responsabilidade civil extracontratual.


Quem é que pode responder num caso como este?
Começando pelos pais estes podiam responder ao abrigo do artigo 483º do CC por
responsabilidade por factos ilícitos conjugado com o artigo 491º do CC.

Há um ato dos pais? Neste caso estamos perante uma omissão dos pais (artigo 486º do
CC).
Onde é que fundamos o dever de agir? Fundamos nas responsabilidades parentais -
artigo 1878 do CCº.
Os pais disseram à criança para não ir jogar futebol para o campo em frente de sua casa
mas apenas o disseram o que nos leva a questionar se cumpriram o seu dever de vigilância.
É importante saber que o modo como deve ser exercida a vigilância não é sempre o
mesmo, varia de acordo com as caraterísticas do vigiado.

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Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

⚫ Ora uma coisa era dizê-lo a uma jovem ou a um adolescente e aí entendia-se que os
pais teriam exercido o seu dever, pois o vigiar tem de ser consentâneo com alguma
margem de liberdade, e autonomia do próprio vigiado.
⚫ Mas estando aqui em causa uma criança de 7 anos não nos pareces que o tribunal
fosse considerar que o dever de vigilância tivesse sido cumprido apenas pelo facto
dos pais dizerem à criança para não ir jogar.
Portanto, tendo isto em conta, dificilmente os pais de A poderiam provar que cumpriram
os deveres de vigilância.

Já quanto à criança, ela poderia responder?


Nesta situação temos que apurar se esta tem meios ou capacidades de entender, ora temos
que atender se é imputável. Aqui pode considerar-se imputável, porque se presume a
inimputabilidade apenas aos menores de 7 anos, o que quer dizer que se a criança já tinha
7 anos a presunção já não a abrange. Porém isto não quer dizer que vai ser considerada
imputável, apenas está aqui em causa que a presunção não abrange.
Mesmo considerando aqui a criança inimputável, esta podia responder ao abrigo do
artigo 489º CC, que admite a responsabilidade da pessoa inimputável.
Assim a criança mesmo sendo inimputável pode responder, mas se esta responder os pais
também terão de o fazer,respondendo solidariamente nos termos do artigo 497º CC.

Neste caso o nexo causal levanta alguns problemas. Ora não há duvidas que existe nexo
causal quanto ao dano da quebra do vidro, mais problemático é saber se existia no que
diz respeito ao que foi subtraído. Assim temos de aplicar a teoria da causalidade
adequada.

A teoria da causalidade pressupõe dois juízos:


1. Juízo concreto de condicionalidade:
O remate de A é em, concreto condição necessária, do roubo da loja? Podemos afirmar
que sim, pois se A não tivesse partido o vidro, as pessoas não teriam entrado.

2. Juízo em abstrato de adequação


Agora importa aqui analisar se a conduta de A é idónea a produzir aquele resultado. Aqui
temos que atender à formulação positiva e negativa:
⚫ Formulação positiva: num decurso regular dos acontecimentos, a conduta de A não
seria adequada, pois num decurso regular de acontecimentos não haveria lugar ao
assalto e portanto, quebra-se a nexo causal.
⚫ Formulação negativa: segundo a formulação negativa a conduta de A não é de todo
indiferente à produção do dano, pois aumenta a probabilidade

Há quem venha dizer que mesmo que na formulação negativa, quando a atuação de
terceiros é dolosa interrompe-se o nexo causal e portanto a criança e os pais não
responderão pelos objetos furtados.

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Agora imaginemos que damos como provado o nexo causal, o que podemos dizer
quanto à conduta do dono da loja? Pode aqui haver lugar à culpa do lesado por não ter
adotado as diligencias necessárias para evitar o agravamento dos danos – artigo 570º CC.
Quais são as consequências? O tribunal pode excluir ou reduzir a indemnização quanto
à situação do furto.

Caso Prático nº 21
A, dono de um imóvel sito no Porto, contrata com B, empreiteiro, o arranjo e pintura da
fachada do edifício. Para o efeito, B monta um andaime em frente do mesmo para permitir
a realização dos trabalhos. Numa noite de vento cai um cilindro de ferro, mal seguro, que
fazia parte do andaime num automóvel que estava estacionado no outro lado da rua,
provocando uma lesão craniana a C que se encontrava lá dentro. Chamada a ambulância,
C é recolhido, mas acaba por morrer dos ferimentos pouco depois de chegar ao Hospital,
por falta da assistência atempada. De facto, a ambulância só aí chegou passadas duas
horas devido a um engarrafamento de trânsito onde tinha ficado retida.
Quid iuris?

Neste caso convoca-se a matéria da responsabilidade extracontratual.


Já sabemos que para desencadearmos a responsabilidade civil extracontratual é necessário
que estejam verificados os pressupostos do artigo 483º nº1 do CC.

Neste caso estamos perante um ato que se traduz num comportamento voluntário, isto é,
um ato controlável/dominável pela vontade humana. Este pode revestir duas modalidades:
ação e a omissão. Aqui temos uma omissão (artigo 486º do CC).

No que diz respeito à ilicitude, a omissão será ilícita quando havia o dever de praticar o
ato que foi omisso. Esta obrigação de agir pode resultar de fonte negocial ou de fonte
legal. Ao nível legal estão previstos no CC: o dever de vigilância (artigo 491º do CC);
danos causados por edifícios ou obras (artigo 492º do CC); danos causados por coisas,
animais ou objetos (artigo 493º do CC).
Nesta caso importa o artigo 492º do CC (“ o proprietário ou possuidor de edifício ou
outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou pro defeito de
conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da
sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos”), que
preve a responsabilidade pelos danos causados pela ruína total ou parcial de edifícios ou
obras devido a vícios de construção ou conservação. Ora temos que ver se a situação é
subsumível a este artigo, importando a noção de “outras obras”, sendo necessário
averiguar se o andaime cabe nesta expressão. Aqui o andaime cabe nesta expressão, pois
inclui-.se tudo o que tiver uma ligação fixa com o imóvel (um dos exemplos que é dado
pela doutrina é o dos andaimes).
Assim sobre o dono do imóvel iria recair a presunção de culpa, porém ele facilmente
demonstraria que o ferro caiu porque estava mal seguro, logo conseguiria provar que o
ferro não tinha caído por vício de construção ou conservação.

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Neste caso prático o problema recaía especificamente sobre o nexo causal. De acordo
com o artigo 563º do CC o agente só responde em relação aos danos que o lesado
provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Já sabemos que nestas situações aplicamos a teoria da condicionalidade adequada. Ora
aqui era fácil estabelecer um nexo causal entre o ato de B e a lesão de C, pois ao nível de
um juízo de condicionalidade em concreto a não diligência na montagem do andaime foi
condição necessária para provocar dano a C. No que diz respeito ao juízo abstrato o facto
também era adequado para a produção da lesão. Assim se B tivesse adotado diligências
devidas na montagem do andaime, o cilindro não teria caído e provavelmente não teriam
sido causados danos.

No que diz respeito à morte de C, B poderia responder pela sua morte?


No caso em questão C veio a falecer pela ausência de assistência médica atempada. Ora
para averiguarmos se B aqui poderia responder temos que recorrer à teoria da causalidade
adequada.
Esta teoria tem dois juízos: o juízo em concreto e o juízo em abstrato.
1. Juízo em concreto:
O facto de B foi condição necessária para a morte de C, pois se se ele tivesse adotado
todas as diligências na construção do andaime, o cilindro não teria caído, C não precisaria
de cuidados médicos logo não teria morrido.

2. Juízo em abstrato:
Aqui temos que atender à formulação positiva e negativa:
⚫ Formulação positiva: segundo o decurso de acontecimentos a ambulância mesmo
que haja engarrafamento, sendo um veiculo prioritário, não ficaria presa logo, não se
atrasaria, o que quer dizer que aqui se interrompe o nexo causal.
⚫ Formulação negativa: segundo a formulação negativa o ato não é de todo
indiferente para a produção daquele dano atendendo à sua natureza geral, o trânsito
é uma vicissitude que pode acontecer numa cidade ou em qualquer sítio. A queda do
andaime que bateu na cabeça de C não foi de todo indiferente, tendo em conta a
natureza geral, para aquela morte.

Qual das formulações aplicámos então?


A nossa jurisprudência dá preferência à formulação positiva. Já a doutrina vem
defender que tratando-se de responsabilidade por factos ilícitos, deve-se aplicar a
formulação negativa.

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Caso Prático nº 22
A, ao conduzir o seu veículo na cidade do Porto, em excesso de velocidade, vê D, com
pressa para apanhar o autocarro, surgir subitamente em corrida à frente do seu automóvel.
A, ao procurar evitar o atropelamento, o que não consegue, tem um despiste
e acaba por embater no automóvel de E que se encontrava estacionado. Do acidente
resulta a fractura da perna de D, a danificação do automóvel de E, bem como uma lesão
craniana de E. Este último ao ser conduzido ao hospital sofre uma fratura de um braço
num despiste da ambulância em virtude da condução pouco cuidadosa do condutor da
mesma. Quid iuris?

Neste caso vemos que há danos quanto a D, que parte uma perna e por outro lado temos
danos causados a E nomeadamente quanto ao seu automóvel e este ainda fratura o braço.

Quem é que responde perante D?


Quem pode responder perante D é A ou seja, é a responsabilidade deste último que pode
ser equacionada. A responsabilidade que estava em causa será responsabilidade
extracontratual por factos ilícitos – artigo 483º CC, pressupondo a reunião dos
pressupostos:
1. Ato: Há um ato de A, este vai a conduzir.

2. Ilicitude: aqui estávamos perante um ato ilícito, a violação dos direitos de


personalidade de D, nomeadamente à integridade física.

3. Culpa: A vai conduzir em excesso de velocidade. O padrão de aferição da culpa é o


bom pai de família nas circunstâncias concretas, que é construído em abstrato, mas
nas circunstâncias concretas que o agente atuou. O sujeito medianamente prudente,
cuidadoso e atento, num centro de uma cidade, não excederia os limites de velocidade.
Quem tem de provar? O lesado – artigos 342º CC e 487º nº1 CC. Não vigora aqui
nenhuma presunção de culpa.

Face a esta situação poderíamos aqui pensar na presunção de atividade perigosa artigo
493º nº2 - mas não pode ser aplicada devido a um assento do STJ que nos diz que esta
presunção do artigo 493º nº2 não se aplica à atividade de condução automóvel.
Exemplo: o sujeito A vai a conduzir respeitando todas as regras, e por razões
desconhecidas o travão falhou, ora o sujeito queria travar e não conseguiu. Pode A
responder? Pode, porque há neste âmbito uma previsão de uma responsabilidade por
responsabilidade objetiva/pelo risco nos termos do artigo 503º nº1 do CC. O que STJ
veio dizer que o legislador para esta perigosidade previu responsabilidade objetiva, previu
um remédio mais forte, logo não se pode aplicar a presunção de culpa. À mesma
perigosidade, o ornamento jurídico não deve reagir com dois instrumentos, porque há
outras atividades perigosas para as quais não esta prevista a responsabilidade pelo risco e
não faz sentido para essas se aplique a presunção de culpa.
Nota: esta matéria será melhor desenvolvida no 2º semestre, a professora apenas deu

Ana Margarida e Bruna Mariana 84


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

uma pequena explicação.

4. Danos: aqui há danos desde logo, danos de natureza não patrimonial, que são
ressarciveis pelo artigo 496º CC. Há repercussões patrimoniais? Provavelmente, apesar
de o enunciado não nos dizer nada.

5. Nexo causal: neste caso, tem que ser aferido nos termos gerais, ou seja tem que se
fazer o juízo em concreto de condicionalidade e o juízo em abstrato de adequação.
1. Juízo em concreto:
Se não tivesse sido o ato gerador da responsabilidade o D teria partido a perna? Não,
portanto retirado esse ato o dano deixava-se de produzir.

2. Juízo em abstrato:
Aqui temos que atender à formulação positiva e negativa:
⚫ Formulação positiva: alguém que vai em excesso de velocidade num normal
decurso de acontecimentos pode ou não pode bater num peão? Sim, ora aqui desde
logo com a formulação positiva conseguimos afirmar o nexo causal.
⚫ Formulação negativa: o facto não é atendendo à sua natureza geral indiferente, é
adequado, pois conduzir em excesso de velocidade numa via pública no centro de
uma cidade é adequado a atingir um peão e a partir-lhe uma perna.
Assim não haveria dúvidas o A responderia perante D.

No entanto, o D apareceu em passo de corrida no meio da estrada, logo aqui podemos


convocar a culpa do lesado, porque este contribuiu para a produção dos danos, e havendo
culpa do lesado podemos convocar o artigo artigo 570º CC. Deste artigo resulta que o
tribunal pode, provada a culpa do lesado, manter, reduzir ou excluir a indemnização
devida a D. Ou seja o tribunal pode fazer uma de três coisas: manter a indemnização,
reduzi-la ou exclui-la e a ponderação do juiz vai atender à gravidade das culpas e às
consequências que delas resultem.

Quanto aos danos em E. Quem é que pode responder perante E? Temos que fazer uma
separação entre os danos na coisa e os danos na pessoa.
Danos no carro.
Podemos convocar quer a responsabilidade de A quer a responsabilidade de D e podemos
quanto a ambos convocar a responsabilidade ao abrigo do artigo 483º CC, pois ambos
praticaram um ato ilícito, culposo, danoso e o nexo causal aqui não levantaria problemas.
A responsabilização do artigo 483º vale quer quanto ao carro quer quanto à pessoa de E,
mas quanto ao carro, podemos ainda convocar a atuação em estado de necessidade
(artigo 339º do CC) porque o condutor do veículo atuou em estado de necessidade, sendo
que esta figura abrange apenas os danos causados em coisa alheia, portanto este
raciocínio só se aplica aos danos produzidos no carro.

Por esta via não se responsabilizava ninguém?

Ana Margarida e Bruna Mariana 85


Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2022/23

Primeiramente temos que ver se o agente que atuou em estado de necessidade é o causador
exclusivo da fonte de perigo. Neste caso ele é causador da fonte de perigo porém não é o
único logo temos que aplicar a 2º parte do artigo 339º nº2. Em abstrato, pode ser
responsabilizado o agente, os que beneficiaram e os que contribuíram para a
produção da situação de perigo, que neste caso seriam o A e o D.
Assim o tribunal por esta via quanto aos danos do carro podia responsabilizar A e D nos
termos do artigo 339 nº2. De qualquer modo eles também seriam responsabilizados ao
abrigo do artigo 483º CC.
Se respondem ambos, estamos perante uma responsabilidade solidária – artigos 490º e
497º CC - o que quer dizer que o E pode exigir a totalidade da indemnização a qualquer
um deles.

Fratura do braço
A questão da fratura no braço que ocorre no transporte para o hospital temos que a
resolver através do pressuposto do nexo causal. Ora aqui temos que fazer o juízo em
concreto e o juízo abstrato.

1. Juízo em concreto
Se retirássemos os comportamentos de A e do D este dano deixaria de se produzir?
Sim, porque o E não teria sofrido o traumatismo craniano, não estaria naquela ambulância.

2. Juízo em abstrato:
Aqui temos que atender à formulação positiva e negativa:
⚫ Formulação positiva:
Segundo a formulação positiva um facto é causa adequada de um dano quando esse facto
for apto a produzir esse dano de acordo com um decurso regular de acontecimento.
Num decurso regular de acontecimentos o condutor da ambulância conduz
negligentemente? Não, ora segundo um decurso regular de acontecimentos aquele ato não
é adequado a produzir aquele dano.
⚫ Formulação negativa:
Já na formulação negativa um facto só não é causa adequada de um dano quando
atendendo à sua natureza geral for de todo indiferente à produção daquela espécie de
danos.
Ora possibilidade de alguém que sofreu uma lesão e carece de cuidados hospitalares sofrer
um dano subsequente numa ambulância, não é de todo indiferente.
Portanto de acordo com a formulação negativa não se corta o nexo, esta é muito mais
ampla.

Qual é a formulação que temos de optar?


A doutrina portuguesa diz que quando se trata de responsabilidade por factos ilícitos a
formulação a adotar é a formulação negativa. Se assim fosse quebrar-se-ia o nexo causal
e pela fratura do braço de E quem respondia o condutor da ambulância.

Ana Margarida e Bruna Mariana 86

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