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DIREITO DO TRABALHO

I
Dr.: João Leal Amado
Bibliografia: João Leal Amado, Contrato de Trabalho

Ana Luísa Mar+ns 1


1º Turma
2020/2021
Direito do Trabalho: O quê, porquê e para quê?
“Contrato trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua
a9vidade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta”, lê-se no Art. 1152º
do CC. E o Art. 1153º do mesmo diploma legal acrescenta: “o contrato de trabalho está sujeito a de
legislação especial”.

As duas normas do CC acima transcritas significam, basicamente, que:

1. O Direito do Trabalho, em grande medida, em torno do contrato individual de trabalho, não


se ocupa, na sua tarefa reguladora, de todas as formas de trabalho humano. O trabalho
relevante para o Direito do Trabalho é aquele que se analisa “numa a9vidade paga,
realizada por conta de um terceiro (o empregador), com vista à realização de fins que não
fomos nós próprios a escolher, e segundo modalidades e horários fixados por aquele que
nos paga”. Ou seja, apenas o trabalho humano que reúna certas caraterís9cas releva para
este setor do Ordenamento Jurídico, sendo que a nota decisiva se prende com o caráter
dependente ou subordinado do mesmo. No seu núcleo essencial, o Direito do Trabalho
regula uma relação que se estabelece entre o trabalhador e o empregador, uma relação
marcada pela sinalagma (dever mútuo) entre trabalho e salário, por força da qual o
trabalhador se compromete a prestar a sua a9vidade de acordo com as ordens e
instruções que lhe serão dadas pela contraparte.

2. Ainda que o contrato de trabalho seja um negócio jurídico de Direito Privado, o CC remete
a respe9va disciplina para “legislação especial”. Compreende-se que assim seja. Por um
lado, a força de trabalho é uma qualidade inseparável da pessoa do trabalhador, o que
supõe um profundo envolvimento da pessoa deste na execução daquele contrato.
Consequentemente, ao alienar a disponibilidade da sua força de trabalho, o trabalhador
aliena-se, de algum modo, de si próprio. O trabalhador tem como que “duas vidas”, a vida
do trabalho e a vida fora do trabalho. Ora, isto impõe que o Direito, não obstante apreenda
a relação laboral como uma relação patrimonial de troca trabalho-salário, e sujeite tal
relações a um regime especial rela9vamente ao regime comum das relações patrimoniais
(Direito das Obrigações).
Por outro lado, a relação de trabalho é uma relação profundamente inigualitária, pois o
trabalhador, a mais de, em regra, carecer dos rendimentos do trabalho para sa9sfazer as
suas necessidades essenciais (dependência económica), fica sujeito à autoridade de
direção do empregador em tudo o que diz respeito à execução do trabalho (subordinação
jurídica). Ora, este desequilíbrio estrutural da relação de trabalho não pode ser ignorado,
nem deve ser menosprezado pelo Direito.

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Noção, Objeto e Caraterís@cas Gerais do Direito do
Trabalho
A expressão Direito do Trabalho mostra-se demasiado ampla e, nessa medida, algo
enganadora. Com efeito, nem todo o trabalho prestado nas sociedades atuais é regulado por este
ramo do direito. Este limita-se, em princípio, a disciplinar as relações laborais marcadas pela nota da
subordinação jurídica, pelo dever de o prestador do trabalho obedecer às ordens patronais, pelo
poder do credor de trabalho de comandar a a9vidade daquele.

Importa sublinhar que contrato de trabalho não se define por aquilo que se promete fazer,
isto é, pelo 9po de a9vidade em questão, mas sim pelo modo como se promete fazer, isto é, pela
circunstância de essa a9vidade ser prestada sob a autoridade e direção do empregador. Ora, assim
sendo, compreende-se que tanto o operário têx9l como o jornalista, o professor como o advogado, o
motorista como o cozinheiro, possam assumir as vestes de trabalhador subordinado por conta de
outrem, sendo des9natários das normas laborais.

O Direito do Trabalho é um direito de formação recente, é um produto tardio da Revolução


Industrial e foi desenvolvido no sistema económico capitalista. Nascido a pensar na fábrica e no
operário, o Direito do Trabalho cresceu muito ao longo do séc. XX, abriu-se a novas realidades,
terciarizou-se, sofre o choque da Revolução Tecnológica. Neste processo, o âmbito subje9vo do
Direito do Trabalho ampliou-se consideravelmente – a fábrica é subs9tuída pela empresa, o operário
pelo trabalhador, a dependência económica pela subordinação jurídica. Esta expansão levou,
inevitavelmente, a uma certa diversificação regimental. Daí que a diversidade normaEva cons9tua
hoje, uma das principais caraterís9cas do ordenamento jurídico-laboral.

Para poder sobreviver, o Direito do Trabalho tem de moldar-se às diversas realidades que visa
organizar e disciplinar, pelo que, sendo estas diversificadas, diversificado dever ser também este ramo
do Direito. Assim, mesmo que na base esteja sempre um contrato de trabalho, as legislações serão
sempre diferentes e próprias, dependendo do trabalho que e prestado.

Assim, podemos dizer que: “o Direito do Trabalho é o conjunto das normas jurídicas, de origem
estadual e convencional, que visam regular, com vista à sua normalização, as relações individuais e
cole9vas que têm como seu elemento unificante e desencadeante o trabalho assalariado.” – segundo
Jorge Leite.

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Contrato de Trabalho: noção e elementos essenciais
De acordo com o Art. 11º do CT: “Contrato de Trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular
se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua a9vidade a outra ou outras pessoas, no âmbito de
organização e sob a autoridade destas”.

Se compararmos a noção dada pelo CT com a noção constante do CC, de 1966, verificamos que
se regista algumas diferenças, julgadas, no entanto, pouco significa9vas.

À parte disso, se analisarmos a noção legal de Contrato de Trabalho concluímos que o mesmo
é cons9tuído essencialmente por três elementos: a Prestação de Trabalho, a Retribuição e a
Subordinação
Jurídica
1. Prestação de Trabalho: Traduz-se numa prestação, de facto posi9vo, sendo que
qualquer a9vidade humana, desde que lícita e apta a corresponder a um interesse
do credor digno de proteção legal, pode cons9tuir objeto deste contrato (Art. 398º
do CC e Art. 115º do CT). A obrigação do trabalhador traduz-se no exercício de uma
determinada a9vidade, isto é, no dispêndio de um certo conjunto de energias
fsicas e psíquicas ao serviço e em benefcio do empregador.

2. Retribuição: Cons9tui a contrapar9da patrimonial da a9vidade prestada (ou


disponibilizada) pelo trabalhador. Na essência, o trabalhador coloca a sua força de
trabalho à disposição do empregador mediante um preço (sinalagma trabalho-
salário) (Art. 258º/1 do CT) – daí que do chamado trabalho benévolo, prestado
numa situação de voluntariado ou com espírito de entreajuda não haja um
contrato de trabalho.

3. Subordinação Jurídica: Decorre do facto de o trabalhador se comprometer a


prestar a sua a9vidade “sob a autoridade e direção” da en9dade empregadora (ou,
de acordo com a nova fórmula legal, “no âmbito de organização e sob a
autoridade” desta). Sendo usual dizer-se que reside neste elemento o principal
critério de qualificação do contrato de trabalho. A subordinação jurídica consiste
no reverso do poder dire9vo do empregador, ou seja, no poder de o credor da
prestação conformar, através de comandos e instruções, a prestação a que o
trabalhador se obrigou, definindo como, quando, onde e com que meios deve ser
executada (Art. 97º e Art. 128º/1 al. e) do CT. A subordinação jurídica conhece
limites, devendo acrescentar-se que também comporta graus disEntos, tanto
podendo ser muito intensa como podendo exprimir-se em moldes bastantes
ténues e até potenciais. A subordinação jurídica não é incompaivel com a
autonomia técnicoexecu9va, ipica, por exemplo, das chamadas “profissões
liberais” (Art. 116º do CT). E sublinhe-se por úl9mo, que se trata de uma
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subordinação de natureza jurídica, a qual não se iden9fica com a dependência
económica do prestador de a9vidade.

Caraterís@cas do Contrato de Trabalho


• Contrato bilateral ou sinalagmáEco: As principais obrigações dele emergentes (trabalho e
salário) encontram-se numa relação de correspe9vidade e interdependência, cons9tuindo
cada uma delas a razão de ser da outra. Devemos, no entanto, entender com cautela este
sinalagma, visto que, se levado ao extremo, ele implicaria que, não havendo prestação de
trabalho (nem disponibilidade para o efeito), não haveria também lugar para o pagamento da
respe9va prestação. Ora, o Direito do Trabalho tem atenuado este sinalagma, sendo
conhecidas diversas situações em que, não obstante a ausência de trabalho, se mantém o
dever retribu9vo a cargo do empregador (certas faltas jus9ficadas, feriados, férias, etc.).

• Contrato oneroso: Não se carateriza por qualquer animus donandi (intenção de dar, doar),
inexistente aqui qualquer espírito de liberdade.
O contrato oneroso implica vantagens e sacrifcios para ambas as partes (para o trabalhador,
a vantagem consistente na perceção do salário supõe o correspondente sacrifcio em matéria
de dispêndio de energias fsicas e psíquicas em favor do empregador, bem como o sujeitar-se
a uma situação de hétero-disponibilidade pessoal). Nota: Dizer que é oneroso não significa
que é pago.

• Contrato patrimonial e obrigacional: O contrato de trabalho é um contrato patrimonial, visto


que as respe9vas prestações nucleares (a9vidade laboral e retribuição supõem um
intercâmbio de conteúdo patrimonial. E este contrato é, também, um contrato obrigacional,
visto que a sua celebração não implica cons9tuição ou a transferência de direitos reais (ao
invés do que sucede, por exemplo, na compra e venda), antes se limita a criar um vínculo
obrigacional entre as partes.

• Contrato de Adesão: Em regra, o trabalhador limita-se a aceitar as condições contratuais


previamente predispostas pelo empregador, seja num formulário geral de contratação, seja
no regulamento interno da empresa (Art. 104º do CT).

• Contrato Duradouro: O contrato de trabalho é um contrato duradouro, cuja execução se


prolonga no tempo, traduzindo-se o seu cumprimento numa sucessão de atos ordenados ao
longo de um período mais ou menos longo. Não significa, no entanto, que o contrato de
trabalho é contrato vitalício ou perpétuo. Seja como for, esta vocação de perdurabilidade e a
circunstância deste contrato ser de execução sucessiva não deixam de se repercu9r em

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diversos aspetos do respe9vo regime jurídico (o regime da invalidade negocial, a figura da
suspensão contratual, o relevo da an9guidade do trabalhador, etc.)
• Contrato intuitu personae: A prestação de trabalho é uma prestação de caráter
eminentemente pessoal. Por isso se entende que o trabalhador tenha de ser sempre uma
pessoa singular, e não uma pessoa cole9va (ao contrário do que sucede em relação ao
empregador). Daí, também, que a prestação laboral seja infungível, isto é, que o trabalhador
não se possa fazer subs9tuir por outrem no cumprimento dos seus deveres contratuais, salvo
se houver consen9mento do empregador. Porém, como adverte Jorge Leite, o caráter in9tuitu
personae deste contrato “nem sempre se apresenta na doutrina e na jurisprudência
suficientemente definido e uniforme”

Contrato de Trabalho VS Contrato de Prestação de Serviços


A prestação de trabalho, entendida como a “a9vidade profissional regular e remunerada que
consta de uma série de tarefas coordenadas no sen9do de produzir um bem ú9l ou prestar serviços
à comunidade” (Art. 1152º do CC) pode, decerto, ocorrer ao abrigo de um Contrato de Trabalho. Mas,
como sabemos, nem todo o trabalho humano é enquadrado no contrato de trabalho. E a verdade é
que, exis9ndo muitos contratos afins ou vizinhos ao de trabalho, aquele que mais frequentemente
surge na prá9ca e que maiores dificuldades dis9n9vas suscita é o chamado “contrato de prestação de
serviços”. O CC define os contornos do Contrato de Prestação de Serviços, nos seguintes moldes:
“Contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra
certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição” (Art. 1154º do CC).
Este úl9mo é um 9po contratual muito vasto, abrangendo o mandato, o depósito e a empreitada (Art.
1155º do CC), mas admi9ndo-se ainda a existência de modalidades aipicas da prestação de serviços
(Art. 1156º).

Se confrontarmos a noção legal de Contrato de Trabalho, plasmada no Art. 1152º do CC e com as


alterações já assinaladas no Art. 11º do CT, com a noção de Contrato de Prestação de Serviço (Art.
1154º CC), logo percebemos alguns traços dis9n9vos essenciais:

1. Quanto ao conteúdo da obrigação: No contrato de prestação de serviço trata-


se de proporcionar ao credor certo resultado do trabalho. No contrato de
trabalho o que em jogo é a prestação de uma a9vidade (o trabalhador promete
uma a9vidade laboral, o prestador de serviços compromete-se a proporcionar
o resultado do trabalho).

2. Quanto à retribuição: É um elemento essencial do contrato de trabalho


(“mediante retribuição”, Art. 11º do CT), sendo elemento eventual no contrato
de prestação de serviços (“com ou sem retribuição”, Art. 1154º CC).
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3. Quanto às instruções do credor da prestação: Quanto instruções do credor da
prestação, no contrato de prestação de serviços não se faz qualquer menção às
mesmas, ao passo que no contrato de trabalho o devedor presta a sua a9vidade
“sob a autoridade e direção desta” (Art. 1152º do CC) e “no âmbito de
organização e sob a autoridade destas” (Art. 11º do CT).

Diz-se que o verdadeiro critério dis9n9vo reside, na (in)existência de subordinação jurídica entre
as partes da relação: se esta exis9r, aí teremos um contrato de trabalho; se esta não exis9r, aí
teremos uma qualquer modalidade do contrato de prestação de serviços.

Só que nem assim os problemas qualifica9vos desaparecem. Este problema de definição torna-
se ainda mais difcil se nos lembrarmos que a subordinação jurídica é uma noção de geometria
variável, comportando uma extensa escala grada9va, ao passo que no contrato de prestação de
serviços não deixa de haver espaço para a emissão de algumas instruções genéricas por parte do
credor da prestação.

Este problema de qualificação do Contrato de Trabalho tem-se demonstrado como um dos


grandes desafios que se apresenta ao Direito do Trabalho.

Se o Direito do Trabalho existe e se este ramo do direito protege os trabalhadores dependentes,


então, numa perspe9va patronal algo simplista mas nem por isso pouco frequente, o melhor será
que, ao menos na aparência, deixe de haver trabalhadores dependentes. Daí a larga difusão do
fenómeno da chamada “fuga ao Direito do Trabalho” ou “fuga ilícita para o trabalho autónomo”,
através da dissimulação fraudulenta de uma relação de trabalho subordinado sob a capa de um falso
trabalho independente, prestado ao abrigo de um suposto “contrato de contrato de prestação de
serviços”.

Um exemplo disto são os chamados “recibos verdes”, que traduzem uma simulação rela9va sobre
a natureza do negócio com o obje9vo de evitar a aplicação da legislação laboral. Resulta de uma
alteração de 9po negocial correspondente ao negócio disfarçado ou oculto (o contrato de trabalho).
E tratar-se-á de uma simulação fraudulenta, dada que o intuito é o de contornar a lei laboral. É um
acordo simulatório no qual naturalmente, o trabalhador também par9cipa, mas o qual normalmente,
lhe é imposto pelo empregador como condição sine qua non (coação) para proceder à respe9va
admissão na empresa.

Princípio da Primazia da Realidade e o Princípio da Presunção da Laboralidade (Art. 12º do CT)

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“Os contratos são o que são e não o que as partes dizem que são”, ou seja, o que importa é o que as
cláusulas dizem e não aquilo que as partes dizem. Deve atender-se sempre à materialidade do
mesmo, isto é, às cláusulas que o regem.

As questões ligadas à qualificação do contrato em causa, Contrato de Prestação de Serviços, no que


toca à prova da existência de uma relação de trabalho subordinado, assumem uma importância
decisiva em matéria de efe9vidade do Direito do Trabalho.

Assim, no Art. 12º/1 do CT prevê-se o Princípio da Presunção da Laboralidade. Este presume a


existência de um Contrato de Trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma a9vidade
e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas caracterís9cas.

CaraterísEcas:
• A a9vidade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado,
ou seja, temos que estar perante a situação em que o trabalhador se desloca para espaço
alheio;

• Os equipamentos e instrumentos de trabalho u9lizados pertençam ao beneficiário da


a9vidade, isto é, os instrumentos que o trabalhador u9liza são da empresa;

• O prestador de trabalho observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo


mesmo, ou seja, tem que cumprir um horário.
Nota: Há trabalhadores que têm isenção de horário.

• Seja paga, com determinada periodicidade, uma quan9a certa ao prestador da a9vidade,
como contrapar9da da mesma, ou seja, tem que haver um salário garan9do;

• O prestador da a9vidade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da


empresa.

A lei acaba por selecionar um determinado conjunto de elementos indiciários, considerando-se que
a verificação de pelo menos duas caracterís9cas bastará para a inferência da subordinação jurídica.
Doravante, provando o prestador da a9vidade que, in casu, se verificam algumas daquelas
caracterís9cas, a lei presume que há contrato de trabalho, cabendo à en9dade contratante fazer prova
em contrário.

Tratando-se de uma presunção ilidível (Art. 350º do CC), que admite prova em contrário, nada
impede o beneficiário da a9vidade de ilidir essa presunção, demonstrando que, a despeito de se
verificarem aquelas circunstâncias enunciadas no Art. 12º/1 do CT, as partes não celebraram qualquer

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contrato de trabalho. Assim, o ónus da prova passa a ser seu e no caso da presunção não ser ilidida,
o tribunal qualificará aquele contrato como um contrato de trabalho.

Em suma, este disfarce formal das relações laborais é levado a cabo por empregadores, que visam
sobretudo sujeitá-las à disciplina do contrato de prestação de serviços. Esta tendência para se
camuflar a existência do contrato de trabalho como contrato de prestação de serviços decorre, em
primeiro lugar, das maiores restri9vidades e onerosidades financeiras, para a en9dade patronal, na
legislação que é aplicada ao contrato de trabalho. E em segundo lugar, do facto de num contrato de
trabalho o trabalhador ter liberdade quase ilimitada para se desvincular do contrato, enquanto que o
empregador tem fortes limitações ao despedimento. Isto não se coloca numa relação de prestação
de serviços, onde o credor da prestação pode dispensar os serviços do prestador de uma forma
francamente facilitada.

Fontes do Direito do Trabalho


“O contrato de trabalho está sujeito, em especial, aos instrumentos de regulamentação
cole9va de trabalho, assim como aos usos laborais que não contrariem o princípio da boa fé” (Art. 1º
do CT).

E o vasto elenco dos instrumentos de regulamentação coleEva de trabalho (IRCT) aparece


logo no ar9go seguinte, o qual os divide em instrumentos negociais (convenção cole9va de trabalho,
o acordo de adesão e a decisão de arbitragem voluntária) e não negociais (portaria de extensão, a
portaria de condições de trabalho e a decisão de arbitragem obrigatória ou necessária).

No seio dos IRCT avulta a figura da convenção cole9va, nas suas três modalidades: (Art. 2º,
nº 3 do CT, baseando-se s dis9nção no critério da en9dade empregadora signatária).
1. Contrato cole9vo;
2. Acordo cole9vo;
3. Acordo de empresa;

A Convenção ColeEva de Trabalho (Arts. 1º e 2º do CT) é, pode dizer-se, o IRCT nuclear, em torno do
qual todos os outros giram e em função do qual todos os outros se compreendem.

Na verdade, a convenção cole9va de trabalho afirma-se hoje como uma das principais fontes de
Direito do Trabalho, salientando os autores o caráter pioneiro da contratação cole9va rela9vamente
à legislação estadual.

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Mais difcil será caraterizar, com rigor, o que é uma convenção cole9va de trabalho. Ela poderá ser
definida, segundo Bernardo Xavier, “como um acordo celebrado entre ins9tuições patronais
(empregadores e suas associações), por um lado, e, por outro, associações representa9vas de
trabalhadores, com o obje9vo principal de fixar as condições de trabalho (salários, carreira
profissional, férias, duração de trabalho, etc.) que hão-de vigorar para as categorias abrangidas”. A
convenção cole9va de trabalho não chega a ser lei, mas também não se reduz à mera condição de
contrato. Ela é uma síntese destas figuras, é um “contrato-lei”, é uma “lei negociada”, é um “contrato
criador de normas”. Carnelut refere-se às convenções cole9vas como um “híbrido que tem um corpo
de contrato e alma de lei”, isto porque tem um efeito em que as clausulas norma9vas da convenção
(aquelas que regulam os direitos e deveres dos trabalhadores e empregadores) condicionam
diretamente o conteúdo dos contratos individuais de trabalho por ela abrangidos.

A convenção cole9va apresenta-se, então com uma faceta negocial, pois resulta de um acordo
celebrado entre os empregadores e os trabalhadores, mas apresenta igualmente uma importante
faceta norma9va, através da qual ocorre a determinação cole9va das condições de trabalho.

Fontes Estaduais

Merece referência a três níveis dis9ntos:


1. A CRP e o “bloco cons9tucional do trabalho” tratam-se de um conjunto de normas
e princípios cons9tucionais estruturante do trabalho assalariado que funcionou
como quadro ordenador de um determinado modelo de relações laborais – fonte
material (Art. 53º a 57º da CRP - Direitos, Liberdades e Garan9as dos trabalhadores
– por exemplo: direito à segurança no emprego/direito à greve + Direitos e Deveres
económicos – por exemplo: direito ao trabalho e à retribuição do trabalho);

2. A CRP como “fonte das fontes”, isto é, como “norma primária sobre a produção de
normas”. Neste ponto, deve-se chamar à atenção para a reserva rela9va de
competência legisla9va da Assembleia da República em matéria de “direitos,
liberdades e garan9as” (incluindo as dos trabalhadores) pelo que estas matérias
apenas poderão ser reguladas através de decreto-lei governamental em caso de
prévia autorização da AR, e nos precisos termos de u9lização. Isto é assim porque
a lei de autorização legisla9va não se pode limitar a passar um «cheque em
branco» ao Governo, antes deve definir o objeto, o sen9do, a extensão e a duração
da autorização, a qual pode ser prorrogada (Art. 165º, nº2 CRP). Sem tal
autorização, só a AR poderá legislar neste domínio. Porém, fora do campo
delimitado pelos direitos, liberdades e garan9as dos trabalhadores já existe uma
competência legisla9va concorrente entre o parlamento e o governo em matéria
laboral;
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3. Os trabalhadores gozam do direito fundamental par9cipação na elaboração da
legislação do trabalho, através das comissões de trabalhadores (Art. 54º, nº5, d) da
CRP) e das associações sindicais (Art. 56º, nº2, a) da CRP). A violação deste direito
implica a incons9tucionalidade da correspondente legislação do trabalho, pois a
par9cipação é um pressuposto indispensável para a legi9midade procedimental da
normação aprovada. Não se trata de conceder aos trabalhadores um direito de
voto ou qualquer direito de veto, mas antes de reforçar a democra9cidade do
processo legisla9vo, chamando os des9natários das normas a discu9rem e
pronunciarem sobre elas antes da sua respe9va aprovação.

Fontes Internacionais

As fontes internacionais são fontes que criam normas de índole internacional rela9vamente ao
trabalho, como por exemplo a OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Merece especial relevo o papel da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobretudo as


convenções aprovadas por esta ins9tuição. A OIT é uma ins9tuição especializada da ONU, através da
qual se tem tentado criar uma espécie de “Direito Internacional do Trabalho” vocacionada à escala
global, criando patamares minimamente civilizatórios no que o toca ao trabalho.

No plano supranacional, assume um crescente relevo a União Europeia, quer ao nível do chamado
“direito comunitário originário ou primário” (Direito dos Tratados), quer ao nível do “direito
comunitário derivado ou secundário” (direito dos órgãos comunitários). A União Europeia também
produz as suas normas e diferentemente da OIT, as normas que a União Europeia implanta vigoram
apenas na ordem interna.

Quanto ao direito comunitário do trabalho, há duas palavras chaves: liberdade e igualdade.


Isto é, o princípio da liberdade de circulação dos trabalhadores e o princípio da igualdade de
oportunidades e de tratamento entre trabalhadores e trabalhadoras, ambos assentes num pilar
an9discriminatório - a proibição da discriminação em função da nacionalidade e em função do sexo.

Modalidades de Contrato de Trabalho: Os múl@plos


desvios ao modelo aLpico
Falar em relação laboral ipica ou relação laboral standard, é o mesmo que falar em emprego normal
pu ipico. O emprego normal ou ipico é um emprego em que o trabalhador labora para quem o

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retribui, é um emprego a tempo inteiro ou completo e é ainda um emprego que tem a empresa como
palco de execução. Eis algumas caraterís9cas da chamada relação laboral ipica:

Consiste numa relação com vocação para perdurar no tempo, relação esta que preenche, por
completo, a “vida laboral” do cidadão-trabalhador, existe uma relação bilateral em que o trabalhador
presta a respe9va a9vidade em prol de um único sujeito bem definido, que o remunera e que
conforma a sua conduta emi9ndo as correspondentes ordens e instruções, e é ainda uma relação que
se desenvolve num quadro empresarial (fábrica, estabelecimento comercial, etc.).

No entanto, vivemos numa época de grande dinamismo e numa sociedade altamente


inconstante, marcada pelo risco, pela incerteza e pela instabilidade. Sendo cada vez mais numerosos
e significa9vos os desvios em relação àquela relação laboral standard. Ao lado dos contratos de
duração indeterminada vão crescendo os contratos de trabalho a prazo (contratos sujeitos a um
termo resolu9vo), expressão da precariedade laboral. O “empregador único” parece,
frequentemente, desdobrar-se em dois, em virtude da progressiva expansão da a9vidade das
chamadas “empresas em trabalho temporário”. As figuras do emprego em part-9me e do trabalho
intermitente vão-se também disseminando. Fenómenos como o velho “trabalho no domicílio”
ganham nova vitalidade e o jovem teletrabalho subordinado vai fazendo curso, quiçá lenta mas,
decerto, inexoravelmente.

Não devemos, porém, confundir estas diferentes modalidades, e suas especificidades, com a
figura dos contratos de trabalho com regime especial (Art. 9º do CT), aos quais o CT não se aplica,
antes os diplomas especiais.

O Contrato de Trabalho a prazo ou a termo

O contrato de trabalho a termo pode ser suspensivo ou resoluEvo. Ao estudo do Direito do


Trabalho, vai interessar fundamentalmente o termo resolu9vo:
1. O termo suspensivo é um evento futuro e certo do qual depende o início da produção
de efeitos jurídico;
2. O termo resoluEvo é um evento futuro e certo, mas do qual depende o fim da
produção dos efeitos jurídicos;

O termo resolu9vo transformou-se numa espécie de cláusula mágica, cuja inserção no


contrato de trabalho altera profundamente a respe9va relação laboral, dando origem a uma espécie
de 9po par9cular do contrato de trabalho.

Com efeito, o contrato a prazo parece hoje consis9r num sonho para os empregadores (o
contrato a prazo como instrumento privilegiado de gestão, como instrumento de flexibilização
juslaboral), na exata medida em que o mesmo surge como um pesadelo para os trabalhadores (o

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pesadelo da precariedade laboral). Neste sen9do, o regime jurídico do contrato de trabalho a termo
deverá tentar alcançar um ponto de equilíbrio entre o sonho de uns e o pesadelo de outros, sendo
certo que o ponto de par9da não pode deixar de ser o seguinte: a relação laboral standard, o emprego
normal ou ipico, deverá (deveria) ser o emprego por tempo indeterminado. O paradigma contratual
terá de ser este, pois isso mesmo resulta, desde logo, do disposto no Art. 53º da CRP.

Sob a epígrafe “Segurança no Emprego”, lê-se no Art. 53º da CRP que “é garan9da aos
trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por
mo9vos polí9cos ou ideológicos”. Trata-se de um dos primeiros dos direitos, liberdades e garan9as
dos trabalhadores consagrados na nossa Lei Fundamental.

A segurança no emprego inclui a segurança quanto à permanência no vínculo, e o contrato a


termo resolu9vo ins9tui uma relação de precariedade laboral. Daí que o nosso ordenamento, embora
admita esta figura, impõe restrições, já que lidamos com uma modalidade contratual que se coloca
ni9damente numa colisão com o Art. 53º da CRP.

A garan9a cons9tucional da segurança no emprego não pode deixar de se projetar, com


par9cular intensidade, no regime jurídico dos contratos a termo. Ao interpretarmos o Art. 53º da CRP
podemos afirmar que este implica que o emprego deve ser, por via de princípio, estável, sem pré-
fixação do horizonte vital do contrato que o suporta. Assim, este preceito pressupõe nas palavras de
Gomes Cano9lho e Vital Moreira, “que, em princípio, a relação de trabalho é temporalmente
indeterminada, só podendo ficar sujeita a prazo quando houver razões que o sejam, designadamente
para ocorrer a necessidades temporárias das en9dades empregadoras e pelo período estritamente
necessário à sa9sfação dessas necessidades”.

O contrato de trabalho a termo possui duas grandes modalidades:


1. Contrato de Trabalho a termo resoluEvo certo (ou com cláusula de termo
resoluEvo certo): Cláusula que coloca a eficácia do contrato na ocorrência de um
período determinado, ou seja, o evento que vai fazer cessar é duplamente certo
(quanto à sua verificação e quanto ao momento em que irá ocorrer).

2. Contrato de Trabalho a termo resoluEvo incerto (ou com cláusula de termo


resoluEvo incerto): Cláusula que coloca a eficácia do contrato na ocorrência de um
período não fixado, ou seja, o evento futuro ex9n9vo é certo quanto à sua
verificação, mas incerto quanto ao momento em que irá ocorrer.

A lei permite estas duas modalidades de contrato a termo, no entanto, sujeita-as


a determinadas condições para as tornarem válidas.

Ana Luísa Mar+ns 13


1º Turma
2020/2021
Termo resoluEvo: requisitos materiais e requisitos formais

Diz-se que existe uma situação de liberdade condicional rela9vamente à contratação a termo.
Com isto, deixamos implícito que a nossa lei estabelece requisitos de verificação obrigatória para que
seja validamente celebrado um contrato de trabalho a termo:
1. Requisitos de ordem material: Prendem-se com o 9po e o elenco de situações
legi9madoras da contratação a termo.
2. Requisitos de ordem formal: Obriga à adequada documentação deste negócio
jurídico.

Assim, a lei delimita um círculo dentro do qual admite a contratação a prazo. O não
cumprimento de qualquer destes requisitos terá, em princípio, o mesmo efeito:
recondução do contrato ao modelo standard, considerando-se que aquele será um
negócio jurídico sem termo, de duração indeterminada (Art. 147º, nº1, a) e b) do
CT).

1. Requisitos Materiais:
Art. 140º, nº1 do CT: “o contrato de trabalho a termo resolu9vo só pode ser
celebrado para sa9sfação de necessidade temporária da empresa e pelo período
estritamente necessário à sa9sfação dessa necessidade”.
Este sistema de cláusula geral, estabelecendo a admissibilidade de
aprazamento do contrato de trabalho na sa9sfação de necessidades temporárias da
empresa, vem a ser complementado pelo nº2 do aludido ar9go, através de uma
enumeração exemplifica9va daquilo que se entende por “necessidade temporária da
empresa”:

• Mo9vo jus9fica9vo comum: Art. 140º, nº1 do CT (cláusula geral: necessidades


temporárias da empresa):
- Subs9tuição de trabalhador ausente;
- A9vidade sazonal;
- Tarefa ocasional/serviço determinado;
- Acréscimo excecional;
- Execução de obra, projeto ou outra a9vidade temporária;

A lei autoriza a celebração de contratos precários em ordem à sa9sfação de


necessidades meramente transitórias das empresas. Nesta lógica, se a necessidade é
transitória, o correspondente contrato de trabalho pode ser temporário. Se a
necessidade for permanente, então já o contrato deverá ser de duração
Ana Luísa Mar+ns 14
1º Turma
2020/2021
indeterminada. E o sistema exigente da lei (“o contrato de trabalho a termo resolu9vo
só pode ser celebrado...” desembocaria, inevitavelmente, na regra anunciada no Art.
147º do CT, segundo o qual se considera sem termo o contrato de trabalho em que a
es9pulação da cláusula acessória – resolu9va - tenha por fim iludir as disposições que
regulam o contrato sem termo, bem como o celebrado fora dos casos previstos no Art.
140º do CT. E na mesma ordem de ideias, o nº 5 do Art. 140º do CT esclarece ainda
que “cabe ao empregador a prova dos factos que jus9ficam a celebração de contrato
de trabalho a termo” – o que se afigura lógico pois estes são os factos que, no plano
material, habilitam o empregador a recorrer a uma modalidade contratual “flexível”
que, de outro modo, lhe estaria vedada.

• Mo9vos jus9fica9vos específicos do contrato a termo certo: Art. 140º, nº4 do CT

- Lançamento de nova a9vidade, início de laboração de empresa


ou de estabelecimento pertencente a empresa com menos de 250
trabalhadores (Art. 140º, nº4, a) do CT);

- Contratação de um trabalhador em situação de desemprego de


longa duração ou noutra prevista em legislação especial de polí9ca de
emprego (Art. 140º, nº4, b) do CT);

Ou seja, para além das situações clássicas, em que o contrato de trabalho surge
como instrumento privilegiado de sa9sfação de necessidades temporárias, a nossa
ordem jurídica perspe9va esta modalidade contratual como um instrumento de
dinamização do inves9mento empresarial (al. a)) e como uma medida de fomento do
emprego (al. b)), em ambos os casos dando luz verde para se recorrer ao contrato a
termo tendo em vista a sa9sfação de necessidades permanentes de trabalho.

A verdade é que, e ao invés do que sugere o nº 1 do Art. 140º, o contrato a


termo pode ser celebrado para sa9sfazer necessidades permanentes das empresas. A
uma necessidade permanente de mão-de-obra, pois, corresponde, licitamente, um
contrato a prazo.

O Doutor Leal Amado diz que é indiscuivel que este Art. 140º do CT ilustra, de forma cabal,
as tensões que atualmente assolam o Direito do Trabalho. Um direito em que a lógica “social”,
clássica, que pauta os dois primeiros números do ar9go – o emprego deve ser estável –, se confronta
com uma lógica “económica”, pós-moderna – o emprego, ainda que precário é preferível ao
desemprego.

Ana Luísa Mar+ns 15


1º Turma
2020/2021
Do ponto de vista norma9vo, o contrato a termo ainda é visto como um desvio à norma, ainda
é 9do como uma exceção. Mas é um desvio que banaliza e é uma exceção que se mul9plica. Atentos
os efeitos benefcios espera-se que tal pode acarretar em matéria de dinamização da a9vidade
empresarial e do combate ao desemprego persistente de certas categorias de pessoas.

2. Requisitos Formais:
São necessários, ainda, requisitos de ordem formal para que tal contrato
precário seja validamente celebrado.
Art. 141º, nº1 do CT: “O contrato de trabalho a termo está sujeito a forma
escrita e deve conter:
a) Iden9ficação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;
b) A9vidade do trabalhador e correspondente retribuição;
c) Local e período normal de trabalho;
d) Data de início do trabalho;
e) Indicação do termo es9pulado e do respe9vo
mo9vo jus9fica9vo;
f) Datas de celebração do contrato e, sendo a termo certo, da respe9va
cessação.”

A propósito destes requisitos de ordem formal, dois aspetos merecem, a ver do


curso, par9cular destaque:
• A lei exige que, no indispensável documento escrito, seja indicada o mo9vo
jus9fica9vo da contratação a termo. Caso este exista, mas não seja
indicado, a consequência é a prevista no Art. 147º, nº1, c) do CT. Caso o
mo9vo seja indicado, mas realmente não exista (mo9vo forjado), terá
aplicação o Art. 147º, nº1, a) e b) do CT - sendo certo que, em ambos os
casos, o contrato de trabalho é 9do como um contrato sem termo. Note-se
ainda que, segundo o Art. 141º, nº3 do CT, “a indicação do mo9vo
jus9fica9vo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o
integram, devendo estabelecer-se a relação entre a jus9ficação invocada e
o termo es9pulado”. A lei impõe, portanto, que o documento contratual
seja revelador, que não seja vago ou opaco, que permita um controlo
externo da situação – e este especial ónus de transparência e veracidade
recai sobre o empregador, como decorre do Art. 147º, nº1, c) do CT;

• A inobservância da forma escrita (assim como por exemplo, a não indicação


do mo9vo jus9fica9vo ou, até, a sua insuficiente indicação) não implica a
nulidade do contrato, mas apenas a nulidade da cláusula de termo
Ana Luísa Mar+ns 16
1º Turma
2020/2021
resolu9vo. As falhas ou insuficiências formais revertem contra o
empregador, pois a sua consequência traduz-se na transformação do
vínculo laboral, que passará de precário a estável, sendo reconduzido ao
contrato standard (Art. 147º, nº 1, c) do CT).

Termo Certo

Quando as partes aceitam um negócio jurídico com uma cláusula de termo resolu9vo certo,
significa que a cessação desse mesmo negócio fica colocada na dependência de um evento futuro
duplamente certo: sabe-se que ele irá ocorrer e sabe-se a data em que ele irá ocorrer. Em sede de
contrato de trabalho, é esta a modalidade mais difundida de contrato a termo.

As partes celebram o contrato e es9pulam, por exemplo, que o mesmo terá a duração de 6 meses
ou de 1 ano. Ou celebram o contrato, dispondo que ele terminará num determinado dia.

Regras próprias do contrato de trabalho a termo certo:


1. Admissibilidade: A celebração do contrato a termo certo é legalmente admissível
em qualquer uma das situações enunciadas no Art. 140º do CT. Tanto a sa9sfação
de necessidades temporárias das empresas (nº 1 e 2) como razões ligadas à polí9ca
de incen9vo ao inves9mento e à polí9ca de fomento do emprego (nº 4) poderão
servir de itulo legi9mador da contratação a termo certo.

2. Duração: Logicamente, o contrato a termo certo dura pelo período convencionado.


Mas esse período acordado pelas partes terá de respeitar as demarcações legais,
que são as seguintes:
a) Tratando-se de um contrato des9nado à sa9sfação de necessidades
temporárias da empresa, o mesmo só poderá ser celebrado “pelo
período estritamente necessário à sa9sfação dessa necessidade”, como
se lê no Art. 140º, nº 1, in fine, do CT. O contrato poderá, portanto, ter
uma duração coincidente com a da necessidade temporária da
empresa ou ter uma duração inferior ao período em que,
previsivelmente, essa necessidade se fará sen9r. Mas o contrato não
poderá ser celebrado por um período que exceda a duração previsível
da necessidade temporária da empresa, como resulta do disposto nos
Arts. 140º, nº 1, e 147º, nº 1 b) do CT;

b) Segundo o Art. 148º. nº2 do CT, o contrato só poderá ser celebrado por
prazo inferior a 6 meses nas situações previstas nas als. a) a g) do nº 2
Ana Luísa Mar+ns 17
1º Turma
2020/2021
do Art. 140º do CT, caso em que a respe9va duração não poderá ser
inferior à prevista para a tarefa ou serviço a realizar. Logo, se o
fundamento da contratação a termo certo for o da al. h) do nº 2 do Art.
140º do CT, ou se for o nº 4 do mesmo ar9go, ou ainda se o contrato se
basear, tão-só, na cláusula geral do nº 1, em todos estes casos
encontrará aplicação limite mínimo de 6 meses de duração (Art. 148º,
nº2 do CT). E sendo esta norma violada, o contrato considerar-se-á
celebrado pelo prazo de 6 meses, contanto que corresponda à
sa9sfação das necessidades temporárias da empresa (Art. 148º, nº3 do
CT);

c) De forma muito inovadora, o CT veio prever casos especiais de contrato


de muito curta duração, no Art. 142º (contrato de trabalho em
a9vidade sazonal agrícola ou para realização de evento turís9co de
duração não superior a 35 dias), nos quais dispensa a forma escrita,
devendo o empregador comunicar a sua celebração ao serviço
competente da Segurança Social, mediante formulário eletrónico;

d) De acordo com o Art. 148º, nº1 c) do CT, em regra a duração do contrato


a termo certo não poderá exceder dois anos, incluindo renovações,
neste caso, este contrato não poderá ser renovado mais de três vezes;

e) A ultrapassagem dos prazos de duração máxima do contrato ou do


número máximo de renovações admissíveis produzirá a mesma
consequência: o contrato converter-se-á num contrato sem termo,
conforme preceitua o Art. 147º, nº 2 b) do CT;

f) A conversão de contrato a termo num contrato sem termo, por


ultrapassagem dos referidos limites temporais, poderia ser facilmente
evitada pelo empregador, através do expediente da celebração de
diferentes contratos precários com o mesmo trabalhador. Procurando
combater estas prá9cas fraudulentas, o Art. 148º, nº6 do CT inclui no
cômputo daquele limite máximo de dois anos “a duração de contratos
de trabalho a termo ou de trabalho temporário cuja execução se
concre9za no mesmo posto de trabalho, bem como de contrato de
prestação de serviço para o mesmo objeto, entre o trabalhador e o
mesmo empregador ou sociedades que com este se encontrem em
relação de domínio ou de grupo ou mantenham estruturas
organiza9vas comuns.”

Ana Luísa Mar+ns 18


1º Turma
2020/2021
3. Renovação: Ao invés do que seria de esperar, vigora nesta matéria uma regra
suple9va de renovação automá9ca. Assim, “na ausência de es9pulação a que se
refere o número anterior e de declaração de qualquer das partes que o faça cessar,
o contrato renova-se no final do termo, por igual período se outro não for acordado
pelas partes” (Art. 149º, nº2 do CT). O sistema legal facilita a renovação do
contrato, uma vez que, para que o mesmo caduque por expiração do prazo, é
necessário que alguma das partes acione a caducidade, procedendo à
comunicação prevista no Art. 344º, nº 1, do CT: “O contrato de trabalho a termo
certo caduca no final do prazo es9pulado, ou da sua renovação, desde que o
empregador ou o trabalhador comunique à outra parte a vontade de o fazer cessar,
por escrito, respe9vamente, 15 ou 8 dias antes de o prazo expirar”. Ou seja, no
lugar de a caducidade operar automa9camente, o que opera automa9camente é
a renovação contratual, sendo que este peculiar modus operandi da caducidade
poderá encontrar explicação na circunstância de o legislador, mesmo no âmbito de
um contrato precário como é o contrato a termo, procurar facilitar a manutenção
da relação laboral, dificultando, em certa medida a ex9nção do vínculo contratual.

Deve-se, no entanto, fazer ainda umas três notas suplementares quanto a este
mecanismo de renovação do contrato de trabalho a termo certo:
a) A regra da renovação automá9ca possui um caráter suple9vo, pois a
caducidade poderá operar automa9camente, desde que tal se encontre
previsto no contrato. Com efeito, Art. 149º, nº1 do CT dispõe que “as partes
podem acordar que o contrato de trabalho a termo certo não fica sujeito a
renovação.” Neste caso, dirse-ia que a regra civilista da caducidade
automá9ca se aplicaria e o contrato ex9nguir-se-á pelo simples decurso do
prazo.

b) A renovação contratual apenas ocorrerá caso, à data da mesma, ainda


subsista o mo9vo jus9fica9vo da contratação a termo. Compreende-se que
assim seja, sob pena de subverter toda a lógica a que obedece a
contratação a termo (Art. 149º, nº3 do CT). Pense-se, por exemplo, na
hipótese de contratação a termo certo, pelo prazo de 6 meses, para
subs9tuir um trabalhador doente: esgotados os 6 meses, caso o
trabalhador subs9tuído con9nue transitoriamente impedido de prestar
trabalho, o contrato renovar-se-á por mais 6 meses, se nenhuma das partes
proceder à respe9va denúncia ao abrigo do Art. 344º do CT; mas
semelhante renovação já não será possível se o trabalhador subs9tuído
9vesse já regressado ao serviço ou 9vesse falecido, pois em qualquer
destes casos o itulo legi9mador da contratação a termo (a necessidade de
Ana Luísa Mar+ns 19
1º Turma
2020/2021
subs9tuição de outrem que se encontra temporariamente impedido de
trabalhar) já teria desaparecido aquando da pretensa renovação do
contrato. Nestes casos acontece uma de duas coisas: ou o contrato caduca
no final do prazo (Art. 344º do CT) ou, não havendo denúncia por parte de
qualquer dos sujeitos, ele passará a ser um contrato sem termo (Art. 147º,
nº2 a) do CT)

c) Se as partes pretenderem renovar o contrato por período diferente do


inicialmente acordado, essa prorrogação deverá observar os requisitos
formais constantes do Art. 141º do CT.

4. Caducidade: Quanto ao modo de operar da caducidade, em princípio, esta não


opera automa9camente, carecendo de ser acionada pelo sujeito interessado (Art.
344º do CT). Quanto aos efeitos da caducidade: “Em caso de caducidade de
contrato de trabalho a termo certo decorrente de declaração do empregador nos
termos do número anterior, o trabalhador tem direito a compensação
correspondente a 18 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano
completo de an9guidade, calculada nos termos do ar9go 366º, salvo se a
caducidade decorrer de declaração do trabalhador nos termos do número
anterior” (Art. 344º, nº2 do CT). Esta norma tem suscitado algumas dificuldades
aplica9vas, designadamente quanto aos casos em que a compensação é devida ao
trabalhador.

A compensação será devida ao trabalhador em caso de caducidade do contrato


“decorrente de declaração do empregador nos termos do número anterior”. A
solução legal compreende-se: perante um contrato a termo certo, caso este
caduque por inicia9va do empregador é justo que o trabalhador seja compensado
pela perda do emprego. Caso o contrato caduque em virtude da declaração do
trabalhador, a lei já entende que aquela compensação não lhe será devida, uma
vez que a perda do emprego se deve aqui, em exclusivo, pela decisão ex9n9va do
trabalhador.

Mais difcil é a resposta quando as partes inseriram no contrato uma cláusula de


caducidade automá9ca (Art. 149º, nº1 do CT). Nesta hipótese, o contrato caducará
pelo simples decurso do prazo, sem prévia comunicação de qualquer dos sujeitos.

E terá o trabalhador direito à compensação prevista no Art. 344º, nº2 do CT? O


curso diz que sim. É certo que a lei apenas alude à compensação em caso de
caducidade “decorrente de declaração do empregador”. Mas, note-se que o
Ana Luísa Mar+ns 20
1º Turma
2020/2021
problema da eventual caducidade automá9ca do contrato não foi,
manifestamente, previsto pela lei no Art. 344º, nº2 do CT. Teremos de apelar
ao elemento racional para resolver a questão. E, se levarmos em conta esse
elemento, julga-se que a resposta de tal cláusula de caducidade no contrato
dever-se-á, na maioria das vezes, à vontade da en9dade empregador, à qual o
trabalhador se limita a aderir. Por outro lado, porque, seja como for, neste caso
o contrato caducará também por vontade do empregador.

Termo Incerto:

Se o contrato a termo é admi9do pelo nosso ordenamento jus-laboral com algumas reservas,
pode dizer-se que essas reservas se adensam quando se trata do contrato a termo incerto. Aqui, o
trabalhador vêse colocado numa situação de maior instabilidade, visto que, ao contrário do que
sucede no contrato a prazo certo, as partes não preveem com exa9dão a data em que o contrato se
irá ex9nguir. O termo incerto carateriza-se, justamente, por ser um evento certo quando à sua
verificação, mas incerto quanto à data em que a mesma irá ocorrer.

Regras próprias do contrato de trabalho a termo certo:


1. Admissibilidade: O contrato de trabalho a termo incerto encontra-se previsto no Art.
140º, nº3, do CT. Ao contrário do que sucede no nº 2 do ar9go, rela9vamente ao termo
certo, esta é uma 9pificação taxa9va, isto é, só será admi9da a celebração de contrato a
termo incerto caso se verifique alguma das situações aí contempladas. De qualquer modo,
a lista constante do Art. 140º, n2 do CT é quase totalmente coincidente com o elenco
taxa9vo plasmado no nº 3 do mesmo, pelo que, nestas situações de necessidades
temporárias da empresa, o empregador poderá escolher, com total liberdade, a
modalidade contratual que mais lhe aprouver.

2. Duração: Tratando-se de um contrato de trabalho a termo incerto, este durará, em


princípio, por todo o tempo necessário para a subs9tuição do trabalhador ausente ou para
conclusão da a9vidade, tarefa, obra ou projeto cuja execução jus9fica a respe9va
celebração. Tudo dependerá do tempo necessário para a subs9tuição do trabalhador
transitoriamente ausente ou para concluir a a9vidade/obra/tarefa/projeto. O CT
estabelece, no entanto, que a duração do contrato a termo incerto não pode ser superior
a quatro anos (Art. 148º, nº5 do CT). Após esses quatro anos, a lei considera que a situação
deixou de ser transitória, não podendo mais servir de credencial para um contrato
precário. Assim sendo, vindo esse prazo a ser excedido sem que o termo resolu9vo incerto
se tenha verificado, o contrato converter-se-á num contrato sem termo, por força do
disposto no Art. 147º, nº 2 b) do CT.

Ana Luísa Mar+ns 21


1º Turma
2020/2021
3. Caducidade: Tendo em conta a natureza da cláusula do termo resolu9vo incerto,
compreendese que não haja aqui lugar para qualquer renovação do contrato. Isto é, pode
dizer-se que o contrato a termo incerto caduca, automa9camente, aquando da verificação
do respe9vo termo resolu9vo. Ainda assim, o CT procura evitar que o trabalhador seja
surpreendido pela brusca ex9nção do seu contrato, pelo que obriga o empregador a
proceder a um aviso prévio. Nos termos do Art. 345º, nº1 do CT: “ O contrato de trabalho
a termo incerto caduca quando, prevendo-se a ocorrência do termo, o empregador
comunique a cessação do mesmo ao trabalhador, com a antecedência mínima de 7, 30 ou
60 dias conforme o contrato tenha durado até seis meses, de seis meses a dois anos ou
por período superior”. A falta de cumprimento deste dever patronal de conceder pré-aviso
não implica qualquer renovação do vínculo contratual nem significa, por si só, que o
contrato se irá transformar num contrato sem termo. Como esclarece o nº 3 do mesmo
ar9go: “Na falta da comunicação a que se refere o nº 1, o empregador deve pagar ao
trabalhador o valor da retribuição correspondente ao período de aviso prévio em falta”.

A verificação do termo resolu9vo cons9tui, portanto, condição necessária e suficiente,


para que o contrato caduque. Ou seja: o aviso prévio não cons9tui condição indispensável
para a caducidade do contrato. Caducando o contrato a termo incerto, o trabalhador
sempre terá direito a uma compensação pecuniária, calculada nos termos do Art. 345º,
nº4 do CT:
a) 18 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de
an9guidade, no que respeita aos três primeiros anos de duração do
contrato (se o contrato 9ver, por exemplo, a duração de 3 anos, o cálculo a
ser feito é de 18 x 3);

b) 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de


an9guidade, nos anos subsequentes (imagine-se que se trata de um
contrato com 5 anos de duração, o cálculo será de 18x3 ((Art. 345º, nº4 a)
do CT) + 12x2, que representam os dois anos subsequentes aos três
primeiros anos); em caso de fração de ano, o montante da compensação
será calculado proporcionalmente, como decorre do Art. 366º, nº2 d) do
CT.

Se a caducidade ocorrer sem que o empregador tenha emi9do o


competente aviso prévio, a essa compensação adicionar-se-á o montante
indemnizatório previsto no Art. 345º. nº3 do CT.

Ana Luísa Mar+ns 22


1º Turma
2020/2021
4. Conversão: Existem duas hipóteses para que haja uma conversão do contrato a termo
incerto num contrato standard:
a) Havendo comunicação patronal, isto é, cumprindo o empregador a dever
de préavisar o trabalhador da cessação do contrato (Art. 345º do CT), caso
o trabalhador mantenha o serviço após a data de produção de efeitos
daquela comunicação (Art. 147º, nº2 c) do CT);

b) Não havendo comunicação patronal, caso o trabalhador ainda se mantenha


ao serviço decorrido 15 dias depois da verificação do termo resolu9vo (Art.
147º, nº2 c) do CT);

Em qualquer destas hipóteses, a verificação do termo resolu9vo a que as partes


haviam subordinado o contrato, associada à manutenção ao serviço do
trabalhador, como que leva a lei a presumir que, afinal, o trabalhador já não está a
desempenhar a específica função para que havia sido contratado – e, logo, a
transformar-se esse contrato num contrato sem termo. Note-se que, mesmo
havendo comunicação patronal, a efe9va verificação do termo resolu9vo é sempre
necessária para que o contrato caduque.

Trabalho Temporário

O trabalho temporário é também um contrato aipico. No trabalho temporário as coisas


passam-se de outra forma, visto que aqui se assiste a uma relação protagonizada por três sujeitos.
Aqui temos uma dialé9ca mais complexa, entre o trabalhador temporário, a empresa temporária e o
u9lizador, dando azo a um modelo tripar9do de vínculo laboral que, enquanto tal, foge ao paradigma
clássico da relação de trabalho.

Este esquema contratual aipico em que se traduz este fenómeno liga três sujeitos (o trabalhador
temporário, a empresa de trabalho temporário e a empresa u9lizadora) através de dois negócios
jurídicos diferentes:
1. O contrato de trabalho celebrado entre uma empresa de trabalho temporário e o
trabalhador, pela qual este se obriga, mediante retribuição daquela, a prestar
temporariamente a sua a9vidade a u9lizadores, mantendo o vínculo jurídico-laboral à
empresa de trabalho temporário;
2. O contrato de u9lização de trabalho temporário, contrato de prestação de serviço
celebrado entre um u9lizador e uma empresa de trabalho temporário, pelo qual esta

Ana Luísa Mar+ns 23


1º Turma
2020/2021
se obriga, mediante retribuição, a ceder àquele um ou mais trabalhadores
temporários.

Este esquema contratual aipico tem vindo a crescer. E logo surgem os problemas que se coloca
ao ordenamento jurídico-laboral, pois, de algum modo, a posição contratual do empregador
desmembra-se em duas:
1. A da empresa de trabalho temporário (que contrata, remunera e exerce o poder
disciplinar sobre o trabalhador)
2. A da empresa u9lizadora (que incorpora, durante algum tempo, um trabalhador que
não contratou, exercendo sobre ele os poderes de direção e autoridade que
9picamente assistem à en9dade empregadora).

A reificação do trabalhador “emprestado” e o caráter de mercadoria da força de trabalho


revelamse, neste campo, de modo par9cularmente agudo. Todavia, a lei atribui vantagens a este
esquema tripar9do, designadamente em matéria de flexibilidade do mercado de trabalho (facilidade
de resposta rápida às necessidades empresariais de mão-de-obra, sobretudo especializada, aumento
da própria empregabilidade dos trabalhadores, etc.). No entanto, impõe-se que o legislador clarifique
o papel de cada um dos intervenientes, garan9do, ademais, a capacidade financeira, a idoneidade e
a adequação estrutural das empresas de trabalho temporário.

Quanto às relações contratuais entre as três en9dades referidas, convém notar que o
contrato que liga o trabalhador temporário à empresa de trabalho temporário pode, mas não tem
de ser, um contrato a termo. A expressão “trabalho temporário” pode revelar-se enganadora. Ela
serve para transmi9r a ideia de que o trabalhador se obriga a prestar temporariamente a sua
a9vidade a u9lizadores. Mas, segundo a lei, o vínculo contratual daquele tanto poderá ter um
caráter precário – “contrato de trabalho temporário” (Art. 172º a) do CT). – como estável –
“contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência” (Art. 172º b) do CT).

Em suma, a empresa de trabalho temporário remunera o trabalhador temporário, e a empresa


u9lizadora remunera a empresa de trabalho temporário (Art. 172º c) do CT). E ambas exercem as suas
prerroga9vas sobre o trabalhador, cabendo o exercício do poder disciplinar à empresa de trabalho
temporário (Art. 185º, nº4 do CT) e compe9ndo o poder de direção à empresa u9lizadora (Art. 185º,
nº 2 e 3 do CT).

Trabalho a tempo parcial

Para o empregador, este 9po de trabalho surge como um instrumento de flexibilidade na


gestão da mão-de-obra, permi9ndo-lhe ajustar o volume de trabalho adquirido à necessidade
produ9va que o mo9va a contratar. Para o trabalhador, ele pode representar o compromisso perfeito:
seja para o jovem que, ainda estudante, deseja ou precisa de se integrar já no mercado de trabalho;
seja para o idoso que, ainda a9vo, deseja ou precisa de reduzir o volume de trabalho a que está
Ana Luísa Mar+ns 24
1º Turma
2020/2021
subme9do. Para além disto, o trabalho a tempo parcial tem ainda um importante papel a
desempenhar em matéria de combate ao desemprego, permi9ndo, eventualmente, par9lhar os
empregos disponíveis e, logo, abrir as portas do mercado de trabalho a mais pessoas.

Pelo caráter mul9funcional que o contrato de trabalho a tempo parcial permite, não espanta
que o nosso legislador dedique especial atenção na sua disciplina e fá-lo nos Arts. 150º a 156º do CT,
definindo trabalho a tempo parcial como aquele “que corresponda a um período normal de trabalho
semanal inferior ao pra9cado a tempo completo em situação comparável” (Art. 150, nº1 do CT).

Como se lê Art. 150º, nº3 do CT, a lei admite duas modalidades de trabalho a tempo parcial:
1. Trabalho a tempo parcial verEcal: Trabalha poucos dias, mas muitas horas.
Por ex.: Trabalhador que apenas labora dois dias por semana.
2. Trabalho a tempo parcial horizontal: Trabalha todos os dias, mas poucas
horas. Por ex.: Trabalhador que labora 4 horas diárias, 5 dias por semana.

Tudo dependerá do acordo das partes, que deverá ser reduzido a escrito, sob pena de o contrato
ser considerado como celebrado a tempo completo (Art. 153º, nº 3 do CT).

De resto, a atenção do legislador para com trabalho a tempo parcial é tanta que, não obstante
este remeta, diversas vezes, para a contratação cole9va (Arts. 150º, nº 5, 152º e 154º), nãoo deixa
igualmente de estabelecer um limite infranqueável e sintomá9co: nos termos do Art. 151º do CT, “a
liberdade de celebração de contrato de trabalho a tempo parcial não pode ser excluída por
instrumentos de regulamentação cole9va de trabalho”.

De entre as seis modalidades aipicas de contrato de trabalho previstas no CT, o trabalho a tempo
parcial é o único a que se pode recorrer livremente e sem limites.

Quanto às condições de trabalho aplicáveis aos trabalhadores a tempo parcial, valem as diretrizes
constantes do Art. 154º, nº2 do CT, que se inspiram no necessário respeito pelo princípio da
igualdade, na sua dupla vertente: iden9dade de tratamento para situações iguais (regra da
equivalência ou da equiparação) e diferenciação de tratamento para situações dis9ntas, de acordo
com a medida da diferença (regra da proporcionalidade).

Dado o caráter duradouro do contrato de trabalho, compreende-se que o legislador preveja a


possibilidade de o trabalhador a tempo parcial passar a trabalhar a tempo completo, ou,
inversamente, o trabalhador a tempo completo passar a trabalhar a tempo parcial. Esta modificação
contratual poderá ser feita a itulo defini9vo ou por período determinado, através de acordo escrito
entre as partes (Art. 155º, nº 1 do CT). Mas o trabalhador gozará, em princípio, de um direito de
arrependimento, a exercer até ao sé9mo dia seguinte à celebração do acordo modifica9vo (Art. 155º,
nº2 do CT).
Ana Luísa Mar+ns 25
1º Turma
2020/2021
Caso a alteração da duração do trabalho se traduza na passagem de tempo completo para
parcial, por período determinado, isso habilita o empregador a contratar um subs9tuto, a termo
certo (Art. 140º, nº 2 d) do CT) Em princípio, quando aquele “período determinado” se esgotar, o
trabalhador a tempo parcial – que antes de passar a tempo parcial era trabalhador a tempo completo
- retomará a prestação laboral a tempo completo (Art. 155º, nº 4 do CT) , caducando então o contrato
a termo subs9tuto.

Trabalho intermitente

Trata-se de uma modalidade contratual que poderá ser u9lizada em empresas que exerçam
“a9vidade com descon9nuidade ou intensidade variável” e que se caracteriza pela circunstância da
prestação de trabalho ser “intercalada por um ou mais períodos de ina9vidade” (Art. 157º, nº 1 do
CT).

Trata-se de uma nova modalidade contratual par9cularmente afeiçoada à sa9sfação de certo


9po de necessidades empresariais, traduzindo-se numa das mais flexíveis formas de emprego
conhecidas pelo ordenamento jus-laboral. Trata-se afinal, de adaptar a prestação de trabalho, de
forma elás9ca, às variadas e mutáveis exigências produ9vas da empresa moderna, as quais, por vezes,
implicam que a períodos de prestação de trabalho se sucedam períodos de ina9vidade laboral.

Tendo em conta o disposto nos Arts. 158º a 160º do CT, afigura- se que o contrato de trabalho
intermitente é genus composto por duas espécies. Em qualquer espécie de contrato de trabalho
intermitente este deverá conter a indicação do número anual de horas de trabalho ou do número
anual de dias de trabalho (Art. 158º, nº1 b) do CT), o que significa que o volume anual de trabalho, o
quantum da prestação laboral, terá de ser programado pelos sujeitos. Haverá casos em que também
o quando da prestação será previamente definido, isto é, em que as partes estabelecem no contrato
o início e o termo de cada período de trabalho (Art. 159º nº 1 (1ª parte) do CT), ao passo que noutros
o quando da prestação já não é antecipadamente definido, obrigando-se o trabalhador a responder
às solicitações da en9dade empregadora (Art. 159º, nº 1 do CT).

No primeiro caso, o ritmo da intermitência é previsível e está programado no contrato. Já no


segundo caso, pelo contrário, o ritmo da intermitência será imprevisível, pelo que o quando da
prestação dependerá da per9nente convocatória a efetuar pelo empregador.

Assim sendo, poder-se-á concluir que o trabalho intermitente previsto na nossa lei desdobra-se em
duas submodalidades: o Trabalho Alternado (Primeiro caso) e o Trabalho à Chamada (Segundo caso).

Ana Luísa Mar+ns 26


1º Turma
2020/2021
Regras próprias do contrato de trabalho intermitente:
1. Admissibilidade: Um contrato de trabalho intermitente, em princípio, só poderá
ser celebrado numa empresa que exerça a9vidade com descon9nuidade ou
intensidade variável (Art. 157º, nº1 do CT). Em caso de recurso indevido a esta
modalidade contratual, é aplicada a seguinte sanção: recondução ao contrato
standard e a neutralização da “cláusula de intermitência”, isto é, o contrato
considerar-se-á celebrado sem período de ina9vidade laboral.

2. Forma e Conteúdo: O contrato de trabalho intermitente está sujeito a forma escrita


e deve conter a indicação do número anual de horas de trabalho, ou do número
anual de dias de trabalho a tempo completo (Art. 158º, nº 1 do CT). A falta de
redução a escrito do contrato ou a falta de indicação do volume anual de trabalho
implica que o contrato seja 9do como celebrado sem intermitência, sem período
de ina9vidade (Art. 158, nº2 do CT). Caso estes requisitos sejam sa9sfeitos, mas o
volume anual de trabalho seja inferior ao mínimo legal, é este limite mínimo (cinco
meses por ano) que será aplicável (Art. 158º, nº 3 do CT).

De acordo com o Art. 159º do CT, as partes devem estabelecer a duração da


prestação de trabalho, de modo consecu9vo ou interpolado, bem como o início e
termo de cada período de trabalho (no caso de trabalho alternado) ou a
antecedência com que o empregador deve informar o trabalhador do início
daquele (na hipótese de trabalho à chamada). Em todo o caso, a liberdade de
modelação contratual dos sujeitos deve observar os seguintes limites:
a) A prestação de trabalho acordada não pode ser inferior a cinco meses
por ano, dos quais pelo menos três meses devem ser consecu9vos (Art.
159º, nº 2 do CT). Ao estabelecer estes limites temporais, o legislador
procura evitar que o período e ina9vidade do trabalhador seja
demasiado longo;

b) A antecedência da chamada patronal não deve ser fixada em menos de


20 dias (Art. 159º, nº 3 do CT).

Nada impede, no entanto, que o trabalho intermitente resulte da modificação, em


curso de execução de um contrato de trabalho standard – mediante acordo livre e
esclarecido de ambos os sujeitos, que deverá obedecer às exigências formuladas
nos Arts. 158º e 159º do CT, bem como supondo que a empresa exerça uma
a9vidade “com descon9nuidade ou intensidade variável”, nos termos do Art. 157º,
nº1 do CT.

Ana Luísa Mar+ns 27


1º Turma
2020/2021
3. Direitos e deveres do trabalhador intermitente: O trabalhador intermitente tem
direito a auferir uma compensação retribu9va nos períodos de ina9vidade, cujo
montante deverá ser estabelecido por IRCT, mas, na sua falta, será o resultante do
disposto no Art. 160º, nº 2, do CT (20% da retribuição base), a pagar pelo
empregador com periocidade igual à da retribuição. Apesar de não ser previsto
pela lei, as partes podem, no legí9mo exercício da liberdade contratual, fixar uma
compensação retribu9va de montante superior a 20% da retribuição base. Aliás,
importa não esquecer que a modalidade contrato de trabalho intermitente
compreende as espécies do Trabalho Alternado e do Trabalho à Chamada, sendo
certo que, nos respe9vos períodos de ina9vidade, a situação do trabalhador
intermitente é marcadamente dis9nta:
a) O trabalhador sujeito à chamada obriga-se a responder à convocatória do
empregador.
b) Para o que está em trabalho alternado, ina9vidade significará
autodisponibilidade.
c) O trabalhador sujeito à chamada, ina9vidade é sinónimo de
héterodisponibilidade.

O que jus9fica o pagamento de uma adequada compensação retribu9va.

A lei reconhece ainda ao trabalhador intermitente a possibilidade de exercício de outra


a9vidade laboral, durante o período de ina9vidade (Art. 160º, nº 1 do CT). Contudo,
esta faculdade de exercer outra a9vidade laboral depara-se com dois obstáculos
consideráveis:
a) Um, de ordem fác9ca, que reside na dificuldade prá9ca de o trabalhador
intermitente/à chamada assumir compromissos laborais minimamente
consistentes com outrem, quando se sabe que ele terá de estar disponível
para responder às solicitações, mais ou menos imprevisíveis, que lhe faça o
empregador.

b) Por outro lado, e agora no plano jurídico, acontece ainda que o exercício
dessa outra a9vidade laboral não poderá representar uma violação do
dever de lealdade a que o trabalhador intermitente se encontra vinculado
face ao respe9vo empregador – Art. 160º, nº5 do CT: “durante o período de
ina9vidade, mantêm-se os direitos, deveres e garan9as das partes que não
pressuponham a efe9va prestação de trabalho”.

Assim sendo, não parece que reste grande espaço para esperar que o trabalhador
intermitente aproveite a faculdade concedida pelo nº1 da mesma norma, para se
dedicar a outra a9vidade laboral durante o “período de ina9vidade”.
Ana Luísa Mar+ns 28
1º Turma
2020/2021
A manutenção, durante o período de ina9vidade, dos direitos, deveres e garan9as das
partes que não pressuponham a efe9va prestação de trabalho (Art. 160º, nº5 do CT),
diz-nos que, no período de ina9vidade laboral o contrato não se ex9ngue, não se
interrompe nem, dir-se-ia, se suspende. Verdadeiramente, ele cumpre-se dessa forma,
a ina9vidade do trabalhador corresponde a um dos seus modos de ser, à normal
execução do contrato. Assim, esta norma prende-se com aspetos como os referentes
aos poderes patronais (poder de direção e poder disciplinar, aquele afetado e este
intacto durante os períodos de ina9vidade) ou à an9guidade do trabalhador (o período
de ina9vidade não deixa de ser computado para este efeito).

Comissão de Serviço

A comissão de serviço consiste numa cláusula acessória que poderá ser oposta ao contrato de
trabalho quando em causa esteja um certo 9po de funções a desempenhar pelo trabalhador,
caraterizadas, todas elas, por uma especial relação de confiança interpessoal.

A figura da comissão de serviço laboral sugere, desde logo, a ideia de preenchimento


transitório de um lugar (de preenchimento transitório de um lugar permanente), bem como a de uma
deslocação funcional do trabalhador. O traço mais marcante do respe9vo regime jurídico consiste na
circunstância da comissão de serviço poder cessar, a todo o tempo, por simples manifestação de
vontade de qualquer um dos sujeitos, inclusive do empregador – traço que, como é evidente, permite
rodear o exercício dos correspondentes cargos de um acentuado grau de flexibilidade.

Cargos que podem ser exercidos em regime de comissão de serviço (Art. 161º do CT):
- Cargos de direção;
- Funções de secretariado;
- Funções cuja natureza suponha também especial relação de confiança em relação a
9tular daqueles cargos e funções de chefia (se tal for previsto pelo IRCT);

Trata-se, necessariamente, de relações marcadas por um par9cular traço fiduciário. Mas, não se
trata de um estatuto reservado, em exclusivo, aos chamados “trabalhadores dirigentes”. Pode haver
trabalhadores que não desempenhem funções dirigentes em regime de comissão de serviço, assim
como trabalhadores dirigentes a que este regime não seja aplicado.

Neste quadro, não é legí9mo recorrer à contratação em regime de comissão de serviço para
o provimento de funções que exorbitem do círculo de situações demarcado pela lei. Caso tal suceda,
a cláusula da comissão de serviço será nula, valendo o contrato como contrato de trabalho ipico,
standard.
Ana Luísa Mar+ns 29
1º Turma
2020/2021
Quem pode exercer os mencionados cargos em regime de comissão de serviço? (Art. 162º, nº1 do
CT):

A dis9nção radica, portanto, na existência ou não de prévio vínculo jurídico-laboral entre as


partes:
a) No primeiro caso, estaremos perante a chamada Comissão de Serviço “em sen9do
técnico”, de trabalhador “interno”, com a inerente deslocação funcional do trabalhador
que, a itulo transitório, passará a desempenhar as novas funções correspondentes à
comissão de serviço.

b) No segundo caso, pelo contrário, teremos a Comissão de Serviço “sem sen9do amplo”, de
trabalhador “externo”, contratado ex novo para o efeito, já em regime de comissão de
serviço.

O contrato de trabalho em comissão de serviço está sujeito a forma escrita devendo conter a
indicação do cargo ou funções a desempenhar, com menção expressa do regime da comissão de
serviço (Art. 162º, nº3 do CT). A inobservância da forma escrita ou a falta desta menção implicará que
o contrato não se considere em regime de comissão de serviço (Art. 162º, nº 4) do CT.

Para além disto, há que dis9nguir o seguinte:


a) No caso da Comissão “interna”, de trabalhador da empresa, o documento escrito
deverá indicar a a9vidade que o trabalhador exerce, bem como, sendo diversa, a que
o mesmo irá exercer após cessar a comissão (Art. 162º, nº 3 c) do CT);

b) No caso da Comissão “externa”, de trabalhador admi9do para o efeito, a lei estabelece


que poderá (ou não) “ser acordada a sua permanência após o termo da comissão” (Art.
162º, nº 2 do CT). Caso essa permanência seja acordada, a a9vidade sucedânea deverá
ser indicada no documento que 9tula (Art 163º, nº3 d) do CT). Porém, caso tal
permanência não seja es9pulada contratualmente, então a cessação da comissão de
serviço implicará a ex9nção do contrato de trabalho.

Ora, como a lei reconhece a ambas as partes a faculdade de denunciar livremente a comissão de
serviço (Art. 163º, nº1 do CT) surge um problema jurídico-cons9tucional: a livre ex9nção da comissão
de serviço por decisão unilateral do empregador, ao implicar a cessação da relação laboral e na
medida em que necessariamente a implique, viola o Princípio da Causalidade do Despedimento, ou
seja, viola a garan9a cons9tucional da segurança no emprego e a proibição dos despedimentos sem
justa causa, colocando, assim, em crise o Art. 53º da CRP.
Ana Luísa Mar+ns 30
1º Turma
2020/2021
Importa sublinhar: não se contesta a faculdade de qualquer das partes pôr temo à comissão de
serviço; tal corresponde à lógica do ins9tuto, mecanismo flexível de prover cargos de especial
confiança, marcado pela ideia de transitoriedade.

O que se contesta, numa ó9ca jurídico-cons9tucional, é que tal ex9nção livre e imo9vada acarrete a
morte da relação laboral, isto é, a perda do emprego para o trabalhador. A comissão de serviço pode
e deve ser transitória, mas o emprego não tem de ser (nem deveria ser) precário.

Daí que, em bom rigor, é necessário fazer uma dis9nção, não só entre comissão de serviço
“interna” e comissão de serviço “externa”, mas ainda, dentro desta comissão de serviço com e sem
garan9a de emprego.

Neste úl9mo caso, aquilo que temos é um trabalhador que pode ser livremente despedido pelo
empregador, através da simples via da denúncia imo9vada da comissão de serviço. E, se esta solução
pode gerar dúvidas quando se trate de cargos de direção, agrava-se ainda mais porque a lei prevê a
aplicabilidade da comissão de serviço para funções de secretariado e para outras que sejam previstas
por IRCT. É certo que nesta hipótese, o trabalhador terá direito a receber uma indemnização conforme
decorre do Art. 164º, nº 1 c) do CT. Mas obviamente, isso não basta para isentar as normas em
questão de um juízo de censura cons9tucional – apesar da opinião do curso ser discordante, o próprio
TC, através do Acórdão nº 338/10, entende que esta figura não sofre de incons9tucionalidade.

Tratando-se, pelo contrário, de uma comissão de serviço “com garan9a de emprego” (comissão
interna, ou externa em que as partes acordam na sobrevivência da relação após o termo da comissão,
ao abrigo do Art. 162º, nº 2 do CT), então a cessação da comissão implicará que o trabalhador se
mantenha ao serviço da empresa, exercendo “a a9vidade desempenhada antes da comissão ou a
correspondente à categoria a que tenha sido promovido ou, ainda, a a9vidade prevista no acordo
referido nas als. c) e d) do Art. 162º” (Art. 164º, nº1 a) do CT). De qualquer modo, se a comissão
terminar por decisão do empregador, o trabalhador poderá optar por “resolver o contrato nos 30 dias
subsequentes àquela decisão, com direito a receber uma indemnização calculada nos termos do Art.
366º” (Art. 164º, nº 1 b) do CT).

Teletrabalho

Cada vez mais trabalhadores vão prestando a sua a9vidade, ainda que em moldes
héteroconformados, fora da empresa, inclusive no próprio domicílio. E este fenómeno tem-se
acentuado nas sociedades pós-industriais em que vivemos, marcadas por um forte progresso
cienifico e tecnológico, através do chamado teletrabalho.

As vantagens do teletrabalho são evidentes:

Ana Luísa Mar+ns 31


1º Turma
2020/2021
a) Elimina ou reduz os incómodos e as despesas derivados das deslocações para o emprego;
b) Diminui o stress, libertando tempo para o trabalhador e permi9ndo, em tese, uma melhor
conciliação entre a vida profissional e a vida familiar;
c) Facilita o acesso ao emprego por parte de pessoas com deficiência motora;
d) Proporciona uma elevação da qualidade de vida para a sociedade em geral.

Os inegáveis inconvenientes do teletrabalho, sobretudo do teletrabalho domiciliário são os


seguintes: a) Maior isolamento do trabalhador;
b) Alguma diluição da vida profissional e extraprofissional, o que pode ameaçar a reserva da vida
privada do trabalhador;

c) Possibilidade de se ultrapassarem os limites legais em matéria de tempo de trabalho;

Com o teletrabalho a situação ipica inverte-se, sendo o trabalho que, de algum modo, se desloca
até ao trabalhador. E as novas tecnologias permitem, justamente, vencer a distância, sendo hoje
concebível a existência de uma relação marcada por uma acentuada subordinação jurídica e por um
apertado controlo da prestação por banda do empregador entre dois sujeitos separados por muitos
quilómetros – a chamada Telesubordinação.

O CT define o contrato de teletrabalho no Art. 165º: “Considera-se teletrabalho a prestação


laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a
tecnologias de informação e de comunicação”. Aqui temos os dois elementos cuja combinação
carateriza o teletrabalho: o elemento geográfico ou topográfico (trabalho realizado à distância) e o
elemento tecnológico ou instrumental (recurso a tecnologias de informação e comunicação).

A par9r desta base, o teletrabalho apresenta um caráter mul9facetado, assumindo diversas


modalidades.

Atendendo ao critério geográfico, ao local de desenvolvimento da a9vidade laboral, fala-se em


teletrabalho no domicílio, mas fala-se também no teletrabalho prestado num telecentro (estrutura
par9lhada por teletrabalhadores sem relação entre si, tema9camente ligadas a diversas empresas),
ou em teletrabalho móvel ou nómada (efetuado através de instrumentos portáteis).

Atendendo ao critério comunica9vo, ao 9po de ligação estabelecida entre o prestador de


a9vidade e o credor da mesma, fala-se em teletrabalho on-line (one way line ou two way line) ou
offline – sendo a modalidade two way line aquela que, em princípio, mais nos interessa, pois exis9ndo
uma conexão permanente, em ambos os sen9dos, entre o computador “periférico” do trabalhador e
o computador “central” do empregador, isso permi9rá um diálogo constante entre estes, potenciando
as faculdades patronais de conformação e controlo da prestação.

Ana Luísa Mar+ns 32


1º Turma
2020/2021
Vendo-se confrontado com o fenómeno do teletrabalho subordinado, o nosso legislador des9nou
algumas normas do CT a esta nova modalidade contratual. Desde logo, pergunta-se: Quem poderá
exercer a corresponde a9vidade em regime de teletrabalho? (Art. 166º, nº1 do CT)

Essa a9vidade tanto poderá passar a ser exercida por um trabalhador “ipico” da empresa
(teletrabalho interno) como por um trabalhador admi9do em regime de teletrabalho (teletrabalho
externo).

Importa dis9nguir que, neste úl9mo caso, a liberdade contratual vigora sem embaraços, isto é, o
teletrabalhador pode sê-lo por período determinado ou a itulo defini9vo e as partes poderão, por
mútuo acordo, modificar esse contrato, passando o teletrabalhador a laborar no regime dos demais
trabalhadores da empresa, seja a itulo defini9vo seja por período determinado (Art. 166º, nº6 do
CT). Já no primeiro caso, a lei mostra-se mais cautelosa quanto à faculdade de as partes modificarem
o contrato de trabalho, convertendo-o num contrato para prestação subordinada de teletrabalho,
dado que não permite que tal modificação opere a itulo defini9vo, estabelecendo, antes, como
limite máximo o período inicial de três anos, decerto por uma questão de prudência, desta forma
permi9ndo que o teletrabalhador retome a prestação “normal” de trabalho caso alguma das partes
assim o deseje no termo do prazo acordado (Art. 167º, nº1 do CT). Acresce que este acordo
modifica9vo poderá ainda ser denunciado por qualquer dos sujeitos, durante os primeiros 30 dias da
sua execução (Art. 167º, nº 2 do CT). O que, uma vez mais, prova que a lei encara com mais reserva a
passagem do trabalho ipico para o teletrabalho do que a hipótese inversa.

Traços regimentais do teletrabalho:


1. O contrato está sujeito a forma escrita, devendo conter as indicações constantes no Art.
166º, nº5 do CT, mas a lei esclarece que a forma escrita é apenas exigida para a prova deste
(Art. 166º, nº 7 do CT);

2. Igualdade de tratamento entre trabalhadores e teletrabalhadores, tanto em matéria de


condições de trabalho como em matéria de segurança e saúde ou de reparação de danos
emergentes de acidente de trabalho ou de doença profissional, bem como no tocante à
observância dos limites máximos do período normal de trabalho (Art. 169º do CT);

3. Respeito pela privacidade, isto é, o empregador encontra-se obrigado a respeitar a


privacidade do teletrabalhador e os tempos de descanso e de repouso da família, aspeto
par9cularmente sensível no teletrabalho domiciliário, desde logo no que tange às visitas
patronais ao local de trabalho (Art. 170º do CT);

Ana Luísa Mar+ns 33


1º Turma
2020/2021
4. Previsão de regras sobre a propriedade dos instrumentos de teletrabalho, sobre as
despesas inerentes à respe9va instalação e manutenção e sobre o uso que o
teletrabalhador pode ou não dar a tais instrumentos (Art. 168º do CT);

5. Consagração de deveres secundários específicos, designadamente do chamado direito à


sociabilidade informá9ca, nos termos do qual “o empregador deve evitar o isolamento do
trabalhador, nomeadamente através de contactos regulares com a empresa e os demais
trabalhadores” (Art. 169º, nº 3 do CT);

6. U9lização das tecnologias de informação e comunicação habitualmente usadas na


prestação da a9vidade telelaboral para o exercício de direitos cole9vos (direitos de reunião,
de circulação de informação por parte das estruturas representa9vas dos trabalhadores,
etc.) (Art. 171º do CT);

Em princípio, o teletrabalho funda-se no consenso de ambos os sujeitos. Assim, o empregador


não pode, apoiado apenas do seu poder de direção, converter uma relação laboral ipica numa
relação telelaboral. E o trabalhador também não goza de tal direito de conversão unilateral. Porém,
verificadas as condições previstas no Art. 195º, nº1 do CT, o trabalhador que tenha sido ví9ma de
violência domés9ca terá direito a passar a exercer a a9vidade em regime de teletrabalho, quando
este seja compaivel com a a9vidade desempenhada (Art. 166º, nº 2 do CT), acrescentando o nº 4 do
mesmo: “o empregador não pode opor-se ao pedido do trabalhador nos termos dos números
anteriores”.

A formação do Contrato de Trabalho


Capacidade das partes: o trabalho de menores

“A capacidade para celebrar contrato de trabalho regula-se nos termos gerais do direito e pelo
disposto neste Código” (Art. 13º do CT).

Sabe-se que a capacidade jurídica, ou capacidade de gozo, consiste na ap9dão para ser 9tular
de determinadas relações jurídicas (Art. 67º do CC). E sabe-se que a capacidade de agir, ou capacidade
de exercício, consiste na ap9dão para atuar juridicamente por ato próprio e exclusivo, isto é, para
atuar pessoal e autonomamente.

A incapacidade de gozo é insuprível, ao passo que a incapacidade de exercício é suprível através


da representação legal (o representante age em nome e no interesse da incapaz) ou da assistência (o
assistente autoriza o incapaz a agir).

Ana Luísa Mar+ns 34


1º Turma
2020/2021
No que à capacidade negocial diz respeito, as questões que maior relevo assumem, em sede
de juslaboral, prendem-se com o trabalho dos menores. Neste sen9do, o nosso OJ procura dar
resposta a todas estas questões. E essa resposta, por um lado, obedece a um “princípio gradualista”,
modificando-se o regime jurídico e aligeirando-se as exigências legais à medida que o menor se vai
aproximando da maioridade. Por outro lado, a resposta revela-se muito diversificada, em função do
9po de a9vidade que o menor se compromete a realizar.

O contrato de trabalho não trata apenas de salvaguardar a posição do menor enquanto sujeito
que emite uma determinada declaração de vontade, mas sobretudo de evitar que a execução do
contrato comprometa o normal e saudável desenvolvimento do menor, bem como a sua educação e
adequada formação. Daí que o regime jurídico oscile, em função dos trabalhos a prestar.

Em linhas gerais, o sistema pode ser descrito da seguinte forma:


1. Em princípio, “só pode ser admi9do a prestar trabalho o menor que tenha completado
a idade mínima de admissão, tenha concluído a escolaridade obrigatória ou esteja
matriculado e a frequentar o nível secundário de educação e disponha de capacidades
fsicas e psíquicas adequadas ao posto de trabalho.” (Art. 68º, nº 1 do CT). Aliás, a
estreita ligação entre a idade mínima de admissão para prestar trabalho e o
cumprimento da escolaridade obrigatória cons9tui um impera9vo lógico e decorre
diretamente da CRP, nos termos da qual “é proibido, nos termos da lei, o trabalho de
menores em idade escolar” (Art. 69º, nº 3 da CRP);

2. Regra geral, “a idade mínima de admissão para prestar trabalho é de 16 anos” (Art.
68º, nº 2 do CT);

3. Todavia, “o menor com idade inferior a 16 anos que tenha concluído a escolaridade
obrigatória ou esteja matriculado e a frequentar o nível secundário de educação pode
prestar trabalhos leves que consistam em tarefas simples e definidas que, pela sua
natureza, pelos esforços fsicos ou mentais exigidos ou pelas condições especificas em
que são realizadas, não sejam susceiveis de o prejudicar no que respeita à integridade
fsica, segurança e saúde, assiduidade escolar, par9cipação em programas de
orientação ou de formação capacidade para beneficiar da instrução ministrada, ou
ainda ao seu desenvolvimento fsico, psíquico, moral, intelectual e cultural” (Art. 68º,
nº 3 do CT);

4. Em sen9do inverso, “os trabalhos que, pela sua natureza ou pelas condições em que
são prestados, sejam prejudiciais ao desenvolvimento fsico, psíquico e moral dos
menores são proibidos ou condicionados por legislação específica” (Art. 72º, nº 2 do
CT ).

Ana Luísa Mar+ns 35


1º Turma
2020/2021
De todo o modo, ainda que se possa dizer que, em regra, a capacidade jurídica surge, neste
campo, aos 16 anos de idade, isso por si só não significa que um menor com 16 anos ou com 17 anos
disponha, igualmente, de capacidade negocial de exercício.

O Art. 70º do CT, ins9tui um sistema gradualista a que acima se fez alusão. Assim é que:
a) O contrato celebrado diretamente com o menor que não tenha completado 16 anos de idade
(“trabalhos leves”), ou não tenha concluído a escolaridade obrigatória ou não esteja
matriculado e a frequentar o nível secundário só é válido mediante autorização escrita dos
seus representantes legais (Art. 70º, nº 2 do CT);

b) O contrato de trabalho celebrado por menor que tenha completado 16 anos de idade e tenha
concluído a escolaridade obrigatória ou esteja matriculado e a frequentar o nível secundário
de educação é válido, salvo oposição escrita dos seus representantes legais (Art. 70º, nº 1 do
CT).

Nos casos do nº 1 a lei basta-se com uma omissão dos representantes (a não oposição) para a
respe9va validade. Nos casos do nº 2, pelo contrário, a lei exige um ato posi9vo dos representes legais
do menor (autorização) para que o contrato de trabalho por este celebrado seja válido.

Para o curso, isto significa que, nos casos do nº 2, o menor carece de capacidade negocial de
exercício para celebrar o contrato de trabalho, visto que ele, embora atue pessoalmente e por ato
próprio, não atua exclusiva e autonomamente. Ele carece da autorização dos seus representantes,
sem a qual o contrato não será válido – o que implica que nos deparamos com um esquema aipico
do suprimento da incapacidade de exercício dos menores, através do ins9tuto da assistência e não
da representação legal.

Com efeito, e ao contrário do que é ipico da representação legal enquanto forma de suprimento
da incapacidade, aqui o representante legal não se subs9tui ao menor na atuação jurídica, celebrando
ele mesmo o contrato em lugar, nome e no interesse deste. Aqui, quem celebra o contrato é o próprio
menor, mediante a permissão dos representantes legais.

No que toca à capacidade para receber retribuição devida pelo seu trabalho, a lei determina
que, em princípio, o menor dispõe da mesma, “salvo oposição escrita dos seus representantes legais”
(Art. 70º, nº 3 do CT). Ou seja, a lei parece permi9r que os representantes, por um lado,
autorizem/não se oponham à celebração do contrato pelo menor, mas já se venham opor a que este,
prestado que seja o trabalho, receba a correspondente retribuição. O curso não nutre especial
simpa9a pela referida norma. O menor a trabalhar e os representantes legais a receberem a
contrapar9da do trabalho daquele, eis um quadro, que julga-se, conviria rever.

Ana Luísa Mar+ns 36


1º Turma
2020/2021
Idoneidade do Objeto

O contrato de trabalho não é definido por aquilo que se faz, mas sim pelo modo como se faz.
Com efeito, qualquer a9vidade humana desde que lícita e apta para a sa9sfação de um interesse do
credor digno de tutela jurídica, pode cons9tuir objeto deste contrato.

Valem para o contrato de trabalho os requisitos gerais do objeto negocial, enunciadas pelo Art.
280º do CC: o objeto fsica e legalmente possível, conforme a lei, determinável, conforme à ordem
pública e não ofensivo aos bons costumes.

A este respeito, impõem-se duas notas adicionais:


1. Exigência de determinação ou determinabilidade do objeto: O contrato de trabalho terá
de delimitar, sempre, de algum modo, a situação de hétero-disponibilidade em que o
trabalhador se coloca por força da celebração do mesmo. Assim, tanto no plano funcional
como no plano espacial impõe-se uma, ainda que rela9va, determinação do objeto do
contrato por parte do empregador, vale dizer que impõe-se balizar a situação de
subordinação em que o trabalhador se encontra. Cabe às partes determinar por acordo a
a9vidade para que o trabalhador é contrato (Art. 115º, nº1 do CT) e o local de trabalho
deverá ser contratualmente definido pelos sujeitos (Art. 193º, nº1 do CT).

2. Os restantes requisitos do objeto negocial impostos pelo Art. 280º do CC devem,


igualmente, ser preenchidos pelo contrato de trabalho. Por vezes, a questão coloca-se ao
nível da licitude do objeto contratual, bem como da eventual ofensa aos bons costumes
em que, por definição incorreriam certos contratos de trabalho.

Processo de Formação do Contrato


Princípio da liberdade e princípio da igualdade no acesso ao emprego

A celebração do contrato de trabalho obedece a dois princípios basilares:


1. Princípio da liberdade contratual: Expressão da autonomia privada dos
sujeitos (Art. 405º do CC);
2. Princípio da igualdade no acesso ao emprego: Veda prá9cas discriminatórias
neste domínio (Art. 58º, nº 1 b) da CRP);

Ana Luísa Mar+ns 37


1º Turma
2020/2021
Com efeito, as partes poderão escolher livremente se e com quem querem celebrar o contrato
de trabalho, mas os critérios de seleção do empregador, nos processos de contratação de pessoal,
não deverão basear-se em fatores discriminatórios (Art. 24º, nº 1 do CT).

Embora o Art. 25º, nº1 do CT afirme que o empregador não pode pra9car qualquer
discriminação direta ou indireta, em razão dos fatores referidos no nº 1 do Art. 24º do CT, Art. 25º,
nº2 do CT não deixa de esclarecer, prudentemente, que “não cons9tui discriminação o
comportamento baseado em fator de discriminação que cons9tua um requisito jus9ficável e
determinante para o exercício da a9vidade profissional, em virtude da natureza da a9vidade em causa
ou do contexto da sua execução, devendo o obje9vo ser legí9mo e o requisito proporcional”. (pense-
se, por exemplo, no domínio de uma certa língua, imprescindível para o exercício de algumas
profissões).

Acrescente-se, de resto, que a lei revela abertura para algumas diferenças de tratamento
baseadas na idade “que sejam necessárias e apropriadas à realização de um obje9vo legí9mo,
designadamente de polí9ca de emprego, mercado de trabalho ou formação profissional” (Art. 25º,
nº3 do CT) matéria esta muito sensível, pela crescente tendência para a discriminação dos candidatos
a trabalhadores seniores. Talvez por isso, o nº 4 do Art. 25º do CT determina que as disposições legais
ou de IRCT que estabeleçam tais diferenciações “devem ser avaliadas periodicamente e revistas se
deixarem de se jus9ficar”.

O princípio da igualdade e o mandato an9discriminatório, tendo conteúdos próximos,


complementam-se, mas não se confundem. “Com o princípio da igualdade pretende-se que seja
tratado de modo igual o que é igual e de modo diferente o que é diferente desigual na proporção da
respe9va diferença.

Já com o princípio da não discriminação o que se pretende é que se trate de modo igual o que é
diferente, por se entender que a diferença é totalmente irrelevante para os efeitos 9dos em conta” –
Jorge Leite.

Pelo exposto, há que reconhecer que entre os princípios da liberdade contratual e da não
discriminação se estabelece, por vezes, uma relação de forte tensão. Sobretudo quando as empresas
obedecem a uma outra lei superior, a lei do mercado: é que, nos nossos dias, a lei do mercado parece
ditar o emprego precário para os jovens e dificuldade extrema de obter emprego para os mais velhos.
É certo que, desde sempre, o papel do Direito do Trabalho tem consis9do em colocar limites ao livre
jogo do mercado, mas também é inegável que as prá9cas discriminatórias em razão da idade são
muito difceis de combater, sobretudo numa sociedade como a portuguesa – uma sociedade cada vez
mais idosa, mas, crescentemente marcada pelo fascínio da eterna juventude.

Fase pré-contratual e “direito à menEra”


Ana Luísa Mar+ns 38
1º Turma
2020/2021
“Quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato de trabalho deve, tanto nos
preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder
pelos danos culposamente causados” (Art. 102º do CT).

Ainda que esta disposição legal se limite a mime9zar o Art. 227º do CC, o certo é que, em
sede laboral, a fase pré-contratual assume uma delicadeza especialmente par9cular, em virtude da
disparidade de poder entre os sujeitos e da posição de extrema vulnerabilidade em que,
normalmente, o candidato a trabalhador se encontra.

A prá9ca mostra que as discriminações ocorrem na fase pré-contratual, tornando-se


necessário proteger a pessoa do candidato ao emprego e, salvaguardar a sua posição negocial.

O candidato a “trabalhador deve informar o empregador sobre aspetos relevantes para a


prestação da a9vidade laboral” (Art. 106º, nº 2 do CT). Mas, do mesmo passo, e em princípio o
empregador não poderá exigir a candidato a emprego que preste informações rela9vas à sua vida
privada, à sua saúde ou ao seu eventual estado de gravidez (Art. 17º, nº 1 do CT). Daí que o
empregador não possa, no decurso de uma entrevista de seleção ou em ques9onários escritos,
colocar questões ao candidato que incidam, por exemplo, na sua vida afe9va ou na sua orientação
sexual, convicções polí9cas, ideológicas, preferências sindicais, na sua gravidez (etc.).

O empregador não pode colocar este 9po de questões. Mas a pergunta é: E se o fizer? E se o
empregador violar estas restrições? Quid Juris?

O trabalhador pode contestar a questão e/ou recusar-se, legi9mamente, a responder. Nestes


casos, o trabalhador pode calar, tem o direito ao silêncio.

Com efeito, só por extrema ingenuidade se ignorará que o silêncio, nestes casos,
comprometerá irremediavelmente as hipóteses de emprego do candidato. Na ó9ca do curso, julga-
se que, neste 9po de casos, o único meio susceivel de preservar a possibilidade de acesso ao
emprego e de prevenir prá9cas discriminatórias consiste em o trabalhador não se calar, antes dando
ao empregador a resposta que ache que ele pretende ouvir (e assim, eventualmente, men9ndo).

Prá9ca contrária à boa fé? Comportamento doloso do candidato? Pensamos que não. A boa fé não
manda responder com verdade a quem coloca questões ilegí9mas e imper9nentes. Quando o
candidato ou o trabalhador responde com men9ra a uma questão que não tem relevância para a
prestação da a9vidade, não há aqui dolo, nem a nulidade do contrato, não havendo assim qualquer
9po de consequência para o trabalhador.

Este direito à men9ra só exis9rá em face a questões ilícitas. Se o candidato a trabalhador não
responder com verdade a perguntas legí9mas e per9nentes, sujeitar-se-á às devidas consequências,

Ana Luísa Mar+ns 39


1º Turma
2020/2021
desde a eventual responsabilidade civil pré-contratual à possível anulação do contrato celebrado nos
termos gerais.

Formalismo negocial: o Princípio da Consensualidade e as


suas exceções
“O contrato de trabalho não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei
determina o contrário” (Art. 110º do CT).

Confirmando a regra estabelecida para os negócios jurídicos em geral (Art. 129º do CC),
também no domínio do contrato de trabalho vigora o princípio da liberdade de forma. Este não é, por
isso, um negócio solene, antes bastando, para que seja validamente cons9tuído, o encontro de
vontades entre os respe9vos sujeitos, vontades que se ajustam “na sua comum pretensão de produzir
resultado jurídico unitário, embora com um significado para cada parte”.

As declarações de vontade cons9tu9vas do contrato de trabalho não carecem de ser reduzidas


a escrito. O contrato forma-se mediante o encontro das vontades convergentes de ambos os sujeitos,
mas as respe9vas declarações negociais não dependem, em princípio, da observância de forma
especial. Mas isto, é claro, apenas significa que as partes não estão obrigadas a documentar o negócio,
nada as impedindo de, voluntariamente, reduzirem o contrato a escrito.

Apesar de voluntária, a redução a escrito do contrato de trabalho acarreta conhecidas vantagens, seja
por permi9r uma maior ponderação das partes, seja por resultar numa formulação mais precisa da
vontade dos sujeitos, facilitando a respe9va prova.

De todo o modo, se a regra geral é, neste campo, a da consensualidade, o certo é que existem
numerosas situações em que a lei do trabalho se afasta da regra, sujeitando as declarações negociais
a forma escrita.

Quando a lei exige a forma escrita para determinado contrato de trabalho, será que a inobservância
daquela implica, em princípio, a nulidade do contrato (Art. 220º do CC)?
Não, nem sempre. Com efeito, boa parte das situações em que a lei do trabalho exige a
redução do contrato a forma escrita, reconduz-se às chamadas situações dos “contratos de trabalho
aipicos”. Assim, compreende-se que a inobservância da forma escrita determine a recondução do
contrato ao modelo standard. Porém, há casos em que a inobservância da forma escrita determina a
invalidade do contrato de trabalho (pense-se, por exemplo, no caso dos pra9cantes despor9vos
profissionais).

Ana Luísa Mar+ns 40


1º Turma
2020/2021
Em suma, seja quanto aos requisitos formais estabelecidos, seja quanto à inobservância da
forma legal, o Direito do Trabalho procura dar expressão ao principio de proteção do trabalhador
nestas matérias: por um lado, porque, ao consagrar a regra da consensualidade, a lei facilita a válida
cons9tuição da relação laboral; por outro lado, porque, em regra, a inobservância da forma requerida
para certas declarações negociais não implica a invalidade do contrato, mas sim a consideração deste
como um contrato de trabalho standard – terminando com a precariedade de muitos dos contratos
aos quais esta regra se aplica.

Registe-se ainda que, em ordem a suprir as naturais “insuficiências informa9vas” decorrentes


do princípio da liberdade de forma, o CT obriga o empregador a prestar ao trabalhador, por escrito,
um conjunto de informações rela9vas ao contrato de trabalho, nos 60 dias subsequentes ao início da
execução do contrato (Arts. 106º e 107º do CT). A violação desta norma não se repercute na validade
do contrato, cons9tui uma mera contraordenação laboral.

Período Experimental
Regime Jurídico

O período experimental “corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho,


durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção” (Art. 111º, nº1 do CT).

É a primeira fase do ciclo vital do contrato, fase em que o vínculo jurídico-laboral revela ainda
uma grande fragilidade, apresentado escassa consistência e sendo facilmente dissolúvel por qualquer
das partes.

O período experimental funciona, na verdade, como uma figura cautelar, possibilitando uma
cer9ficação mútua: o empregador cer9fica-se de que o trabalhador possui as ap9dões laborais
necessárias para o completo desempenho das funções ajustadas; e o trabalhador cer9fica-se de que
as condições de realização da sua a9vidade profissional são as esperadas. Compreende-se por isso
que, em princípio, durante o período experimental qualquer das partes possa denunciar o contrato
sem aviso prévio, e sem necessidade de invocação de justa causa, não havendo lugar a qualquer
indemnização (Art. 114º, nº 1 do CT).

É certo que o Art. 114º, nº2 do CT obriga o empregador a conceder ao trabalhador um aviso
prévio de 7 dias, caso decida denunciar o contrato depois de o período experimental já ter durado
mais de 60 dias. E, no caso de tal período já ter durado mais de 120 dias, o aviso prévio deverá ser 15
dias (nº3). Convém notar, em todo o caso, que a inobservância do aviso prévio apenas sujeita o
empregador ao pagamento da retribuição correspondente ao período em falta, nos termos do nº 4
daquele ar9go.

Ana Luísa Mar+ns 41


1º Turma
2020/2021
Na prá9ca deste ins9tuto quem se aproveita quase em exclusividade é o empregador, visto
que apenas este, e não o trabalhador, é afetado por consideráveis restrições no tocante à sua
liberdade de desvinculação contratual, decorrido que seja o período experimental. Deste modo, o
período experimental assume-se, como escreve Piqueras Piqueras, como uma: “ins9tuição limitadora
do risco empresarial”, surgindo primacialmente em homenagem à parte patronal e como mecanismo
des9nado à salvaguarda dos seus interesses.

No que toca à duração do período experimental:


- Tratando-se de um contrato a termo: ele durará 30 ou 15 dias, consoante a duração
do contrato a9nja ou não os 6 meses (Art. 112º, nº 2 do CT);

- Tratando-se de um contrato por tempo indeterminado há que dis9nguir: 90 dias para


a generalidade dos trabalhadores; 180 dias para os trabalhadores que exerçam cargos de
complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial
qualificação, bem para os que desempenhem funções de confiança; 240 dias para trabalhador
que exerça cargo de direção ou quadro superior (Art. 112º, nº 1).

Estas normas rela9vas à duração do período experimental apresentam um caráter de impera9vidade


mínima (são normas rela9vamente impera9vas), visto que as fontes inferiores não podem aumentar
a duração daquele período, apenas podendo reduzi-lo (Art. 112º, nº 5 do CT). O que prova que o
legislador tem consciência de que este ins9tuto é especialmente u9lizado pelas en9dades patronais,
colocando o trabalhador em situação de acentuada precariedade laboral.

À luz do nosso ordenamento jurídico, o período experimental consiste num elemento natural
do contrato, não carecendo de ser es9pulado para exis9r, antes carecendo de ser expressamente
excluído (por escrito) para não nascer, juntamente com o contrato (Art. 111º, nº 3 do CT).

O período experimental começa a contar-se a par9r do início da execução contrato, não sendo
9dos em conta, os dias de faltas, ainda que jus9ficadas, de licença e de dispensa, bem como os
períodos de suspensão do contrato (Art. 113º, nº 2 do CT).

O período de an9guidade do trabalhador conta desde o período experimental, sendo incluídos os


dias de ausência (Art. 112º, nº6 do CT).

O período experimental e o Art. 53º da CRP

Se estabelecermos um termo de comparação entre o ar9go 53º da CRP (“é garan9da a


segurança no emprego, sendo proibido os despedimentos sem justa causa ou por mo9vos polí9co ou
ideológicos”) e Art. 114º, nº1 do CT (“durante o período experimental, salvo acordo escrito em
Ana Luísa Mar+ns 42
1º Turma
2020/2021
contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa,
nem direito a indemnização”), rapidamente concluímos que, durante o período experimental, a lei
permite aquilo que a CRP expressamente proíbe: o despedimento sem justa causa.

O período experimental traduz-se, na verdade, num ins9tuto que coloca o trabalhador numa
posição de extrema vulnerabilidade, visto que nesse período, vigora a regra do despedimento livre.

Será que podemos dizer que o período experimental é, na verdade, incons9tucional?

O curso responde: não. Mas, o período experimental não será incons9tucional, mas é
inegável que ele se encontra colocado no limiar da incons9tucionalidade.

Num tal sistema, o empregador corre um risco rela9vamente elevado sempre que contrata
alguém – o risco de errar na escolha. Por isso, o ordenamento jus-laboral concede ao empregador
algum tempo para testar o trabalhador recém-contratado, para avaliar o seu desempenho
profissional, para ver como é que este se insere no novo ambiente de trabalho. Caso o trabalhador
não supere este teste, então, segundo a lei, o empregador poderá despedi-lo, sem necessidade de
mo9var a sua decisão ou de lhe pagar qualquer indemnização. Esta é, claramente a função central
desempenhada por este ins9tuto jurídico. O único requisito é que o empregador realize um aviso
prévio (Art. 114º do CT). Se esta questão do aviso prévio não for cumprida, o empregador terá de
pagar os dias em falta de aviso prévio (Art. 114º, nº4 do CT).

Durante quanto tempo poderá o ordenamento jurídico tolerar esta situação de extrema
vulnerabilidade e de acentuada precariedade do trabalhador?

Durante o período estritamente necessário para se verificar se o trabalhador possui ou não as


qualidades requeridas para o desempenho do cargo para o qual foi contratado.
O período experimental só encontrará jus9ficação plausível se, no tocante à sua duração, for
respeitado o princípio da proporcionalidade, na sua tríplice dimensão: conformidade ou adequação
dos meios; necessidade ou exigibilidade; e proporcionalidade em sen9do estrito.

O Empregador e a Empresa
Empresa e Direito do Trabalho

O Direito do Trabalho é um produto da empresa moderna, cons9tuindo a empresa essência


do Direito do Trabalho.

A empresa cons9tui a realidade modelar e dominante na regulação juslaboral, com base


na qual é pensado e construído o regime jurídico das relações de trabalho.

Ana Luísa Mar+ns 43


1º Turma
2020/2021
Transmissão da empresa e o contrato de trabalho

• Sub-rogação legal do adquirente

“Em caso de transmissão, por qualquer itulo, da 9tularidade de empresa, ou estabelecimento ou


ainda de parte de empresa ou estabelecimento que cons9tua uma unidade económica, transmitem-
se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respe9vos
trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prá9ca de
contraordenação laboral”. (Art. 285º, nº1 do CT)

A previsão legal abrange, portanto, a transmissão, total ou parcial, de empresa ou


estabelecimento. E abrange a transmissão da 9tularidade ou da exploração da unidade económica
(trespasse, fusão, cisão, venda judicial, doação, concessão de exploração, etc.).

Em caso de transmissão de empresa ou estabelecimento, verificar-se-á uma vicissitude contratual,


isto é, o contrato de trabalho não se ex9nguirá, antes registará uma modificação de caráter subje9vo,
uma mudança de empregador, sendo o transmitente subs9tuído pelo adquirente na 9tularidade dos
contratos de trabalho. Ora, ao acolher este princípio de transmissão automá9ca da posição contratual
do empregador, a lei inspira-se, sem dúvida, numa preocupação fundamental: a de garan9r a
manutenção do emprego dos trabalhadores na hipótese de transmissão da unidade económica em
que laboram. Mas, além deste princípio, revelam outros, também fundamentais: o princípio da
operacionalidade do próprio estabelecimento, isto é, a ideia de garan9r ao respe9vo transmissário
um estabelecimento funcionante, não desprovido de mão-de-obra. - Ideia de con9nuidade dos
vínculos laborais, os quais acompanham o estabelecimento ou a empresa transmi9da de forma
automá9ca, isto é, independente da vontade do transmissário/adquirente.

O transmitente e o transmissário devem informar, antecipadamente, os representantes dos


trabalhadores (representantes sindicais) ou, caso não existam, os próprios trabalhadores, sobre o
projeto da transmissão e as consequências que da mesma poderá resultar (Art. 286º, nº1 do CT). O
transmitente e o transmissário devem informar os trabalhadores por forma escrita, antes da
transmissão, pelo menos 10 dias úteis antes da consulta (Art. 286º, nº3 do CT). É importante referir
ainda que, na falta de representantes dos trabalhadores, estes podem formar, entre eles, no prazo de
cinco dias úteis, a contar da receção da informação referida, uma comissão ad hoc para os representar
neste procedimento de transmissão – a possibilidade de formar esta comissão é uma faculdade que
é cedida aos trabalhadores, não é obrigatório a sua formação. (Art. 286º, nº6 do CT).

Importa realçar que a transmissão de empresa ou estabelecimento impõe-se ao adquirente da


empresa. Isto é, trata-se de uma solução impera9va para o adquirente, mas não o é para os
trabalhadores.

Ana Luísa Mar+ns 44


1º Turma
2020/2021
• Direito de oposição do trabalhador

Como já foi referido anteriormente, o sistema legal procura concentrar esforços na salvaguarda
do emprego do trabalhador, com o intuito de garan9r que a transmissão da unidade económica não
implica a ex9nção do respe9vo contrato. Assim, verificada a transmissão, o trabalhador conserva o
emprego, ainda que a en9dade empregadora mude.

Porém, surge uma dúvida: A transmissão do contrato é uma regra que se impõe a todos os
intervenientes, inclusive ao trabalhador?

Em 2018, surgiu uma solução que pode ser exercida pelos trabalhadores, que consiste no direito
de oposição (Art. 286º-A do CT). Ao exercer este direito de oposição, a solução deixa de ser a
transmissão, e o trabalhador con9nua a manter o vínculo contratual com o transmitente. No entanto,
este direito de oposição, que é concedido aos trabalhadores, não é livre, veja-se no Art. 286º-A, nº1
do CT: “O trabalhador pode exercer o direito de oposição à transmissão da posição do empregador
no seu contrato de trabalho em caso de transmissão, cessação ou reversão de empresa ou
estabelecimento, ou de parte de empresa ou estabelecimento que cons9tua uma unidade
económica, quando aquela possa causar-lhe prejuízo sério, nomeadamente por manifesta falta de
solvabilidade ou situação financeira difcil do adquirente ou, ainda, se a políEca de organização do
trabalho deste não lhe merecer confiança”. Ou seja, para que este direito a oposição possa ser
invocado, o trabalhador tem de fazê-lo de forma escrita, tem de indicar qual dos fundamentos está a
invocar e tem, ainda, um prazo para o fazer (Art. 286º-A, nº3 do CT).

Porém, caso o empregador não disponha de outro negócio ocorre a caducidade do contrato de
trabalho. Consta no Art. 343º, al. b) do CT que: “O contrato de trabalho caduca nos termos gerais,
nomeadamente: Por impossibilidade superveniente, absoluta e defini9va, de o trabalhador prestar o
seu trabalho ou de o empregador o receber”.

Existe ainda outra solução para esta questão. A subs9tuição do empregador que decorre da
transmissão do estabelecimento ou empresa cons9tui, em si mesma e por si só, uma modificação
substancial do contrato de trabalho, que habilitará o trabalhador a resolver o contrato com justa
causa, ao abrigo do Art. 394º, nº 3 b) do CT. Trata-se, afinal, de dar expressão a princípios tão
fundamentais como são os da liberdade de trabalho, da liberdade contratual, da liberdade de o
trabalhador escolher para a pessoa em proveito de quem e às ordens de quem se compromete a
realizar a sua a9vidade profissional.

O respeito devido à dignidade do trabalhador enquanto pessoa implica que este possa opor-se,
rompendo, de imediato, a ligação contratual e assim fazendo abortar a transmissão do vínculo laboral
para o adquirente do estabelecimento. (Art. 286º-A do CT)

Ana Luísa Mar+ns 45


1º Turma
2020/2021
• Cedência ocasional do trabalhador

“A cedência ocasional consiste na disponibilização temporária de trabalhador, pelo empregador,


para prestar trabalho a outra en9dade, a cujo poder de direção aquele fica sujeito, mantendo-se o
vínculo contratual inicial”. (Art. 288º).

Assim, a cedência consiste num contrato através do qual uma en9dade empregadora cede
provisoriamente a uma outra, determinado trabalhador, conservando, no entanto, o vínculo jurídico-
laboral que com ele mantém e, daí, a sua qualidade de empregador.

Trata-se de uma figura a que se recorre, com par9cular frequência, no âmbito dos grupos
empresariais, consis9ndo num instrumento privilegiado para enquadrar as situações de mobilidade
interempresarial, sendo certo que a lei exige que se preencham determinados requisitos para que tal
cedência seja admi9da (Art. 129º, nº1 + Art. 289º, nº1 do CT):
a) Que o trabalhador esteja vinculado ao empregador cedente por um contrato sem termo;
b) Que a cedência ocorra entre sociedades coligadas em relação societária de par9cipações
recíprocas, de domínio ou de grupo, ou entre empregadores que tenham estruturas
organiza9vas comuns;
c) Que o trabalhador manifeste a sua vontade em ser cedido;
d) Que a duração de cedência não exceda um ano, renovável por iguais períodos até ao
máximo de cinco anos;

Diz-se então que o contrato de cedência é trilateral, uma vez que é necessário o consen9mento
das três partes envolventes no mesmo.

• A dimensão da empresa e o Direito do Trabalho

O ordenamento jurídico tem vindo a distanciar-se cada vez mais do mito da uniformidade de
estatuto do trabalhador subordinado, sendo cada vez mais exaltadas as ideias de diversidade
norma9va e de pluralidade de estatutos laborais.

O fator empresarial não tem deixado de dar o seu contributo para este processo de diversificação
norma9va, fazendo com que o Direito do Trabalho module as suas normas em função da dimensão
da empresa, enquadrando dis9ntamente as relações de trabalho consoante estas se desenvolvam em
ambiente de pequena, média ou grande empresa.

Ana Luísa Mar+ns 46


1º Turma
2020/2021
Na sequência disto, de forma inovadora, o CT dis9ngue vários 9pos de empresas laborais no Art.
100º, u9lizando o chamado “critério ocupacional” (número de empregados) classificando
9pologicamente os seguintes 9pos de empresas:
- Microempresa (emprega menos de 10 trabalhadores);

- Pequena empresa (10 a 50 trabalhadores);


- Média empresa (50 a menos de 250 trabalhadores);
- Grande empresa (250 ou mais trabalhadores);

Procurando minorar as previsíveis dificuldades prá9cas suscitadas pela aplicação desta


classificação, o Art. 100º, nº2 do CT esclarece que o número de trabalhadores será calculado com
recurso à média do ano civil antecedente, salvo no ano de início da a9vidade, caso em que a
determinação do número de trabalhadores se reporta ao dia da ocorrência do fato que determina o
respe9vo regime (nº 3 do mesmo ar9go). Com o estabelecimento deste marco jurídico, o CT permite
que o processo de diferenciação norma9va seja desencadeado e aprofundando.

De momento, as especialidades regimentais mais relevantes dizem respeito às microempresas


que, de acordo com os dados estais9cos representam mais de 80% do nosso tecido empresarial e
empregam mais de 30% da mão-de-obra assalariada em Portugal.

• Dilema dimensional

Diferenciar ou não diferenciar? Deve o ordenamento jurídico-laboral atender à diferente


dimensão das empresas, criando estatutos juslaborais dis9ntos para os respe9vos trabalhadores?

O Direito do Trabalho terá de fazer o seu caminho entre a sensibilidade e o bom senso. Isto é, as
normas do Direito do Trabalho deverão ter em conta a dimensão da empresa na qual o trabalho é
prestado (diferenciando o tratamento se e quando tal se jus9ficar), mas essas mesmas normas não
poderão violar o princípio cons9tucional da igualdade, introduzindo diferenciações discriminatórias
entre trabalhadores e assim criando “trabalhadores de segunda”.

Por outras palavras, os incen9vos legais às microempresas e às pequenas empresas - e a tutela


destas, face à concorrência predatória movida pelas grandes unidades empresariais - não podem
traduzir-se na concessão de vantagens compe99vas assentes na sistemá9ca degradação do estatuto
jurídico-laboral dos respe9vos trabalhadores.

Não se pode ignorar que ao Estado compete, por expressa incumbência cons9tucional, incen9var
a a9vidade empresarial, em par9cular das pequenas e médias empresas (Art. 86º, nº1 da CRP). Além
de que, o Tratado sobre o funcionamento da União Europeia estabelece que as dire9vas comunitárias

Ana Luísa Mar+ns 47


1º Turma
2020/2021
em matéria social devem evitar impor disciplinas administra9vas, financeiras e jurídicas contrárias à
criação e ao desenvolvimento de pequenas e médias empresas (Art. 153º, nº2 b)).

Porém, não significa que as ideias de tutela das microempresas e de promoção do emprego
possam funcionar como uma espécie de “salvo-conduto juslaboral”, que permita todo e qualquer
tratamento diferenciado para os respe9vos trabalhadores.

Em suma, o caminho da flexibilização/diferenciação dimensional é uma linha muito fina que


separa a diferenciação legí9ma da discriminação ilegí9ma. Tudo dependerá da norma em questão,
do seu fundamento, do seu alcance, dos seus efeitos, da sua circunstância e ainda de a mesma se
revelar adequada, necessária e proporcional, tendo em conta os obje9vos visados. Algo que, por
conseguinte, reclama uma cuidada ponderação casuís9ca.

Os Poderes Patronais e os Direitos dos Trabalhadores


enquanto Pessoa e Cidadão
Os poderes do empregador

A relação laboral analisa-se numa relação de poder, na qual o trabalhador surge como sujeito
juridicamente subordinado e adstrito ao dever de obediência rela9vamente às ordens e instruções
do empregador.

É clara a posição de domínio ocupada pelo empregador nesta relação decompondo-se na


seguinte (e tradicional) tríade de poderes patronais: poder dire9vo, poder regulamentar e poder
disciplinar.

1. Poder direEvo (poder de direção): “Compete ao empregador estabelecer os


termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do
contrato e das normas que o regem” (Art. 97º do CT).

Nesta matéria, o empregador goza de uma espécie de poder geral de comando,


cabendo no âmbito do poder de direção a faculdade de determinar a concreta
função a exercer pelo trabalhador, o poder de conformar a prestação laboral e
ainda poderes de vigilância e de controlo sobre a a9vidade desenvolvida pelo
trabalhador em sede de execução contratual.

2. Poder regulamentar: “O empregador pode elaborar regulamento interno de


empresa sobre a organização e disciplina do trabalho” (Art. 99º, nº1 do CT).

Ana Luísa Mar+ns 48


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Trata-se de mais uma manifestação da posição de domínio ocupada pelo
empregador, a faculdade de fixar, por escrito, as regras sobre a organização e a
disciplina do trabalho, no âmbito da empresa. Ainda que estejamos perante um
poder do empregador, a lei procura democra9zar o exercício desse poder,
reconhecendo aos representantes dos trabalhadores um direito de audição
aquando da elaboração do regulamento interno (Art. 99º, nº2 do CT). Ademais, o
regulamento interno apenas produzirá efeitos após a publicitação do regulamento
interno, de modo a possibilitar o seu pleno conhecimento, a todo o tempo, pelos
trabalhadores (Art. 99º, nº3 do CT).

3. Poder disciplinar: “O empregador tem poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu


serviço, enquanto vigorar o contrato de trabalho” (Art. 98º do CT).

Este poder representa um importante desvio a dois princípios básicos do direito:


a) Princípio da jusEça pública: As sanções disciplinares reconduzem-
se a penas privadas, sendo aplicadas pelo próprio empregador.

b) Princípio da igualdade das partes: Posição de domínio contratual


do empregador, sendo certo que o contrato de trabalho é um
negócio jurídico de direito privado.

Estamos aqui perante um genuíno poder puni9vo privado, através do qual um dos
sujeitos do contrato de trabalho pode cas9gar o outro contraente, caso entenda que
este cometeu uma qualquer infração disciplinar. A infração disciplinar consiste no
comportamento posi9vo ou nega9vo (a9vo ou omissivo), tem também de ser um
comportamento culposo (dolo ou negligencia), e tem ainda que corresponder a uma
violação dos deveres do trabalhador (Art. 121º do CT) Não há processo disciplinar, sem
a prá9ca de uma prévia infração disciplinar.

E pode cas9gá-lo de que forma? Entre nós, o arsenal sancionatório à disposição do


empregador encontra-se estabelecido no Art. 328.º, nº1 do CT, preceito que determina
o seguinte: “No exercício do poder disciplinar, o empregador pode aplicar as seguintes
sanções: a) Repreensão;
b) Repreensão registada;
c) Sanção pecuniária;
d) Perda de dias de férias;
e) Suspensão do trabalho com perda de retribuição e de an9guidade;
f) Despedimento sem indemnização ou compensação.”
Ana Luísa Mar+ns 49
1º Turma
2020/2021
O nº 2 do mesmo ar9go acrescenta que “O instrumento de regulamentação cole9va
de trabalho pode prever outras sanções disciplinares, desde que não prejudiquem os
direitos e garan9as do trabalhador.”
Este é, pois, o quadro sancionatório constante do CT, sendo certo que algumas das
sanções disciplinares previstas na lei não têm deixado de suscitar fortes reservas
doutrinais. É o caso da sanção consistente na perda de dias de férias, bem como da
multa/sanção pecuniária. De todo o modo, o Art. 328º do CT significa que:
a) Existe uma 9pificação legal dos poderes sancionatórios disponível, a priori,
pelo empregador, desde a medida mais leve (repreensão simples), até à
medida disciplinar mais drás9ca (despedimento com justa causa), devendo
a sanção disciplinar aplicada em cada caso “ser proporcional à gravidade da
infração e à culpabilidade do infrator”, de acordo com as exigências do
princípio da proporcionalidade (Art. 330º, nº1 do CT);

b) O empregador não dispõe, nesta matéria, de quaisquer poderes cria9vos


unilaterais, não podendo “inventar” (por exemplo, em sede de
regulamento interno) e aplicar sanções disciplinares dis9ntas das previstas
na lei e/ou em IRCT (princípio da Epicidade);

c) A previsão de novas sanções disciplinares em sede de contrato individual


de trabalho encontra-se igualmente excluída, conforme resulta da leitura
conjugada dos Arts. 328º, nº2, 3 e 5 CT. Desta forma, e em simultâneo, o
Art. 328º do CT afirma que os IRCT poderão fixar sanções disciplinares
dis9ntas das previstas na lei (regra explícita permissiva), bem como que o
contrato individual já não poderá ser palco de tal labor cria9vo (regra
implícita proibi9va);

d) Os IRCT poderão enriquecer o quadro legal de sanções disciplinares, mas


apenas “desde que não prejudiquem os direito e garan9as do trabalhador”,
o que lança fundadas dúvidas sobre a legalidade de algumas sanções por
vezes previstas pela contratação cole9va – é o caso da despromoção, que
colide com a garan9a da irreversibilidade da categoria, consagrada no Art.
129º, nº1 e) do CT, assim como será o caso da sanção de transferência do
trabalhador para outro local de trabalho, que parece conflituar com a
garan9a da inamovibilidade, proclamada no Art. 129º, nº1 f) do CT.

Em suma, e no tocante ao quadro sancionatório, não há qualquer espaço para a criação


unilateral nem para a es9pulação contratual, apenas à contratação cole9va sendo
permi9do intervir neste domínio mas sempre com respeito pelos limites gerais.

Ana Luísa Mar+ns 50


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Além do princípio da proporcionalidade, a aplicação das sanções disciplinares
encontra-se sujeita a alguns princípios gerais:
1. Princípio non bis in idem: Não pode aplicar-se mais de uma sanção pela
mesma infração (Art. 330º, nº1 do CT);

2. Princípio do contraditório: A sanção disciplinar não pode ser aplicada sem


audiência prévia do trabalhador (Art. 329º, nº6 do CT);

3. Princípio in dubio pro reo: Se o empregador, no decorrer do processo


disciplinar, ficar com dúvidas rela9vamente à prá9ca de determinados atos
pelo trabalhador, isto é, se houver dúvida, o empregador é obrigado a decidir
em sen9do favorável do trabalhador;

4. Princípio da celeridade: Procura evitar que o trabalhador fique sujeito, por


largo tempo, à ameaça de vir a ser punido pelo empregador. Este úl9mo
princípio compreende várias dimensões:
a) O direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prá9ca
da infração, ou no prazo da prescrição da lei penal se o facto cons9tuir
igualmente crime (Art. 329º, nº1 do CT);

b) O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes


àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com
competência disciplinar, teve conhecimento da infração (Art. 329º, nº2
do CT);

c) O procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da


data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja
no9ficado da decisão final (Art. 329º, nº3 do CT);

d) A aplicação da sanção deve ter lugar nos três meses subsequentes à


decisão, sob pena de caducidade (Art. 330º, nº2 do CT);

Assim, o exercício do poder disciplinar está sujeito a um controlo jurisdicional a


posteriori, pelo que, caso o trabalhador entenda que foi alvo de um cas9go injusto, de
uma sanção disciplinar incorreta, ele poderá impugnar judicialmente a referida sanção
disciplinar – vejase, para este efeito, o Art. 329º, nº7 do CT, que ressalva o direito de
ação judicial do trabalhador sancionado. Ora, sendo o poder disciplinar patronal
judicialmente sindicável, o tribunal poderá então confirmar ou anular a sanção
aplicada, mas já não poderá subs9tuir-se ao empregador e aplicar ao trabalhador uma
outra medida puni9va que entenda ser mais adequada.

Ana Luísa Mar+ns 51


1º Turma
2020/2021
Centrando agora a nossa atenção nas sanções disciplinares conservadoras do vínculo
laboral, logo se nos depara a questão: Dentro que de que limites temporais poderá o
trabalhador impugnar judicialmente aquelas sanções? Será razoável forçar o
trabalhador optar entre abdicar do seu direito de impugnar uma sanção que considera
ilícita ou, em alterna9va abrir um liigio judicial com alguém que (ainda) é o seu
empregador, a cuja autoridade e direção se encontra sujeito e a cujo poder disciplinar
con9nua subme9do? Não tem resposta.

A força de trabalho e a pessoa do trabalhador

• Os direitos laborais inespecíficos (direitos de personalidade)

O trabalhador não é, apenas, um ser laborioso e produ9vo, alguém que se dedica a cumprir
escrupulosamente as múl9plas obrigações emergentes do contrato de trabalho. Antes e mais do que
trabalhador, ele é uma pessoa e um cidadão.

Ora, assim sendo, pergunta-se: Até onde vão os poderes empresariais neste domínio?

Alguns exemplos: pode o empregador u9lizar meios de vigilância à distância no local de trabalho,
com a finalidade de fiscalizar e controlar o desempenho profissional do trabalhador? Goza o
trabalhador de privacidade e confidencialidade rela9vamente ao conteúdo das mensagens que

envie e receba através do correio eletrónico da empresa? Pode o empregado monitorizar a navegação
feita na internet pelo trabalhador durante o período de trabalho e/ou nos intervalos de descanso?

Entra aqui o conflito entre as exigências ges9onárias, organiza9vas e disciplinares do empregador,


por um lado, e os direitos do trabalhador, por outro. Não propriamente os seus direitos enquanto
trabalhador (direito à greve, liberdade sindical, etc.), mas os seus “direitos inespecíficos”, isto é, os
seus direitos não especificamente laborais, os seus direitos enquanto pessoa e enquanto cidadão.

O que temos aqui, quase sempre, é um problema de conflito de direitos (dir-se-ia: o conflito entre
a liberdade de empresa e a liberdade na empresa), a reclamar uma cuidada e laboriosa tarefa de
concordância prá9ca entre eles, de acordo com o princípio da proporcionalidade, na sua tríplice
dimensão (conformidade ou adequação, exigibilidade ou necessidade, proporcionalidade em sen9do
estrito). Nesta matéria, assis9mos, em suma, a uma dialé9ca aplicação/modulação, vale dizer:
a) A tutela da situação pessoal do trabalhador e a salvaguarda da chamada “cidadania na
empresa” pressupõe a aplicação/eficácia dos direitos fundamentais da pessoa humana no
âmbito da relação de trabalho;

Ana Luísa Mar+ns 52


1º Turma
2020/2021
b) os legí9mos interesses do empregador e a posição de inequívoca supremacia que este detém
na relação de trabalho implicam, necessariamente, uma certa compreensão/modulação
daqueles direitos do trabalhador;

Dito isto, resta saber como se alcança o equilíbrio desejado entre os direitos do trabalhador e os
interesses do empregador. O CT dispõe nos seus Arts. 14º a 22º (rela9vos, justamente, aos chamados
“direitos de personalidade”) alguns critérios que permitem chegar a um equilíbrio sobre estas
questões.

O CT adota uma perspe9va “paritária” ou “simétrica” nesta matéria, consagrando os direitos de


personalidade do trabalhador e do empregador.

Ao Direito do Trabalho compete, no essencial, estabelecer um marco fundamental: a garan9a de


que homens e mulheres, no tempo e local de trabalho não abandonam a sua qualidade de cidadãos,
nem se despem dos atributos jurídicos da sua humanidade. Não se deve esquecer que quase todo o
edifcio da proteção da personalidade do trabalhador assenta num período nuclear: o princípio da
não discriminação.

• O assédio no trabalho

A empresa traduz-se num espaço de autoridade e de convivialidade: a empresa é um espaço


hierarquizado, em que se desenvolvem relações de poder; e é também um espaço relacional, no qual
a intersubje9vidade das pessoas se vai formando e afirmando quo9dianamente.

Ora, um espaço com estas caraterís9cas cons9tui um palco privilegiado para os múl9plos e
diversificados fenómenos que integram o chamado “assédio moral” ou mobbing.

É evidente que a en9dade empregadora dispõe do poder de dirigir, conformar, controlar e


fiscalizar a a9vidade dos respe9vos trabalhadores. É importante que o exercício destes poderes
empresariais se processe de acordo com a boa fé, não originando constrangimentos ao trabalhador,
não afetando a sua dignidade, não lhe criando um ambiente in9mida9vo, hos9l, degradante,
humilhante ou desestabilizador.

O assédio cons9tui, ainda hoje, um conceito juridicamente fluído e impreciso, podendo traduzir-
se em comportamentos muito diversificados. O assédio pode ser ver9cal ou horizontal:
1. Assédio verEcal: O assediante será, o próprio empregador ou um superior hierárquico do
trabalhador;
2. Assédio horizontal: O assédio ocorre entre trabalhadores onde existe uma relação
hierárquica paritária;

Ana Luísa Mar+ns 53


1º Turma
2020/2021
As condutas assediantes possuem, em regra, um caráter duradouro, reiterado, persistente,
originando um conflito em escalada entre os sujeitos.

O assédio pode ser, ou não, intencional. Se o assédio for não discriminatório cabe ao próprio
trabalhador o ónus da prova (Arts. 342º, nº1 do CC e 25º, nº5 do CT)

Em regra, o assédio traduz-se numa conduta discriminatória, que envolve um tratamento


diferenciado para um dado trabalhador, mas não tem forçosamente, de ser discriminatório, por
exemplo, o empregador pode assediar todos os trabalhadores da empresa, sem dis9nção. Com efeito,
nos termos do Art. 29º do CT, ele consiste num qualquer comportamento indesejado, nomeadamente
o baseado em fator de discriminação, com o obje9vo ou o efeito de perturbar ou constranger a
pessoa, afetar a sua dignidade, criar um ambiente laboral hos9l, humilhante ou destabilizador.

O esvaziamento de funções do trabalhador, a sua colocação “na prateleira”, pode cons9tuir um dos
múl9plos comportamentos capazes de integrarem o conceito, juridicamente fluído e impreciso do
assédio ou mobbing – esta situação é par9cularmente aguda no âmbito do Direito do Desporto.

Trata-se, repete-se, de um fenómeno mul9forme: injúrias, agressões verbais, afirmações


humilhantes, ameaças, calúnias, isolamento do trabalhador, etc. Eis algumas das muitas condutas que
podem corresponder à noção de assédio.

O CT define o assédio no Art. 29.º, nº2 e o nº 3 acrescenta o que cons9tui assédio sexual (“O
comportamento indesejado de caráter sexual, sob forma verbal, não verbal ou fsica, com o obje9vo
ou efeito referido no número anterior.”). Como se deve imaginar, muitas vezes, a um 9po de assédio
surge outro.

Quanto às possíveis consequências do assédio laboral (moral ou sexual), cumpre notar que:
a) A prá9ca de assédio confere ao trabalhador lesado o direito a ser indemnizado pelos danos
patrimoniais e não patrimoniais sofridos nos termos gerais do direito (Art. 29º, nº4 do CT);

b) A prá9ca de assédio cons9tui contraordenação muito grave (Art.29º, nº5 do CT), pela qual
responde o empregador (Art. 551º, nº1 do CT);

c) A prá9ca de assédio por parte de um trabalhador legi9ma a u9lização do poder disciplinar


patronal, podendo dar azo ao despedimento com justa causa do autor do assédio, nos
casos mais graves;

d) A prá9ca de assédio pelo empregador cons9tuirá justa causa de resolução do contrato por
inicia9va do trabalhador, o mesmo sucedendo na hipótese de o empregador vir a revelar-
se conivente com o assédio promovido por um trabalhador em relação a outro (pense-se

Ana Luísa Mar+ns 54


1º Turma
2020/2021
desde logo na hipótese de o empregador tomar conhecimento do assédio e nada fazer
para pôr termo ao mesmo).

O Quid da prestação de trabalho: fazer o quê?


O objeto da prestação de trabalho: a categoria profissional e as funções desempenhadas pelo
trabalhador

“Cabe às partes determinar por acordo a a9vidade para que o trabalhador é contratado” (Art.
115º, nº1 do CT). Eis o chamado princípio da contratualidade do objeto. Como foi dito, aquando da
celebração do contrato de trabalho as partes devem acordar num conjunto de tarefas ou serviços
concretamente definidos ou individualizáveis, sob pena de eventual nulidade do contrato por
indeterminabilidade do objeto (Art. 280º do CC). Normalmente, o trabalhador é contratado para
exercer um 9po genérico de a9vidade, a que corresponde determinada categoria profissional ou
norma9va, compe9ndo à convenção cole9va (ou, talvez, ao regulamento interno) a definição das
várias tarefas ou funções que a integram. Daí que o nº2 daquele Art. 115º acrescenta que “a
determinação a que se refere o número anterior pode ser feita por remissão para categoria de IRCT
ou de regulamento interno de empresa”.

O discurso jus-laboral tradicional, acrescentava: a categoria profissional traduz-se, nos termos


expostos, numa forma de exprimir o objeto do contrato de trabalho, num rótulo referenciador da
prestação laboral devida, iden9ficando e delimitando as funções que um trabalhador por ser obrigado
a realizar, compe9ndo à en9dade empregadora a escolha, em cada momento, das concretas tarefas
a prestar dentro do 9po genérico prome9do. Neste sen9do, a categoria surgia como uma espécie de
proteção, cons9tuindo um importante limite ao poder de direção do empregador, sendo que este
seria apenas operado nas funções inerentes à categoria profissional.

Acontece que as categorias constantes das CCT foram-se mul9plicando. Assim, a necessidade
de flexibilizar a gestão de mão-de-obra e o discurso da polivalência funcional acabaram por levar o
legislador a desmen9r o princípio da contratualidade do objeto do contrato de trabalho. Com efeito,
o Art. 118º, nº 2 do CT, logo adverte o intérprete: “A a9vidade contratada, ainda que determinada
por remissão para categoria profissional de instrumento de regulamentação cole9va de trabalho ou
regulamento interno de empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente
ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização
profissional.”. Ou seja, o legislador como que “corrige” ou “completa” as partes, assim se assis9ndo a
uma autên9ca redefinição ou reconfiguração legal do objeto do contrato de trabalho. Desta forma,
a categoria torna-se insuficiente em ordem à iden9ficação e delimitação do objeto contratual, a
categoria funciona como mero ponto de par9da para avaliar o referido objeto. A categoria converte-

Ana Luísa Mar+ns 55


1º Turma
2020/2021
se numa forma de exprimir o núcleo central, inicial, do objeto do contrato, pois agora este será
formado, em princípio pelas tarefas compreendidas dentro da categoria e pelas “funções que lhe
sejam afins ou funcionalmente ligadas”.

A tutela da categoria profissional passa pela proibição de o empregador baixar a categoria do


trabalhador (Art. 129º e) do CT), salvo nos casos previstos no Art. 119º do CT (com fundamento em
necessidades premente (urgente), com o acordo do trabalhador e carecendo ainda de ser autorizada
pela administração do trabalho no caso de a mudança determinar diminuição de retribuição. Mas
resulta dos princípios gerais que a mudança para categoria superior (promoção), ao menos quando
implique a modificação de tarefas, funções, ou grau de responsabilidade, deve ser consensual,
contando com o assen9mento, ainda que tácito, do trabalhador.

A mobilidade funcional

Consagra-se, por sua vez, no Art. 118º, nº 1 do CT, o chamado princípio da invariabilidade da
prestação. É um princípio do desempenho de funções correspondentes à a9vidade para que se foi
contratado, ainda que tal a9vidade tenha sido automa9camente “alargada” pela lei.

Significa isto que a proteção legal aprovada àquela “a9vidade contratada” impede, em absoluto,
que ao trabalhador venha a ser exigido o desempenho de função que dela exorbitem?

Não. A lei atende, às exigências da flexibilidade empresarial, as quais reclama do trabalhador que
este seja “funcionalmente móvel”. Daí que Art. 120º, nº1 do CT estabeleça que o “empregador pode,
quando o interesse da empresa o exija, encarregar o trabalhador de exercer temporariamente
funções não compreendidas na a9vidade contratada, desde que tal não implique modificação
substancial da posição do trabalhador”.

A lei coloca limites a este singular “direito de variação” patronal:


• O interesse da empresa assim o exigir;
• Ser uma variação transitória (não deverá ultrapassar os dois anos (Art. 120º, nº3 do
CT));
• Não implicar uma modificação substancial da posição do trabalhador;
• Não implicar uma diminuição da retribuição, podendo implicar o aumento da mesma
(Art. 120º, nº 4 do CT);

Trata-se, no fundo, de uma alteração transitória de funções que, em princípio, não interfere na
a9vidade contratada. Por isso mesmo, o trabalhador não adquire a categoria correspondente às
funções temporariamente desempenhadas (Art. 120º, nº 5 do CT).

Ana Luísa Mar+ns 56


1º Turma
2020/2021
No ar9go 120º, nº 2 do CT o legislador consagra ainda que: “as partes podem alargar ou restringir
a faculdade conferida no número anterior, mediante acordo que caduca ao fim de dois anos se não
9ver sido aplicado”. Ou seja, a lei autoriza que as partes, através de simples es9pulação contratual
alarguem aquele “direito de variação”. É afinal, da mobilidade contratualizada que se trata, é das
chamadas “cláusulas de mobilidade funcional” que esta norma se ocupa. E, dir-se-ia, preocupa-se
pouco com tais cláusulas, limitando-se a assinalar que, se a faculdade que elas conferem ao
empregador não for acionada no período de dois anos, a cláusula caducará.

O lugar da prestação de trabalho: trabalhar onde?


O relevo do local de trabalho

O lugar de execução da prestação de trabalho cons9tui um aspeto de elevada importância,


para o empregador como para o trabalhador. Do ponto de vista dos interesses de ambas as partes,
local de trabalho traduz-se, realmente, num elemento fulcral do contrato de trabalho. Na verdade,
ao contratar um determinado trabalhador a en9dade empregadora visa obter a disponibilidade da
respe9va mão-de-obra num certo local (coincidente, em regra, com o espaço ocupado pela empresa
ou estabelecimento), em ordem a combinar essa mão-de-obra com a dos demais trabalhadores e
com os restantes fatores produ9vos, só assim se podendo a9ngir os obje9vos prosseguidos pelo
empregador.

O trabalhador, por seu turno, ao celebrar este contrato, obriga-se a laborar sob a autoridade
e direção do empregador, em certo tempo e em certo lugar, sendo facto que, é em função desse
mesmo lugar que o trabalhador vai organizar a sua vida extraprofissional.

A noção de local de trabalho

Sendo embora um conceito rela9vo ou elás9co, podendo ser dotado de uma amplitude ou
extensão variáveis, o certo é que, ainda assim, não poderá verificar-se uma total indeterminação do
local de trabalho, pois a situação de heterodisponibilidade do trabalhador tem de resultar, de algum
modo, espacialmente delimitada pelo contrato.

Com efeito, o trabalhador não se poderá obrigar a prestar toda e qualquer a9vidade, em todo
e qualquer lugar, sob a autoridade e direção do empregador. A exigência de determinação ou
determinabilidade do objeto do contrato de trabalho é incontornável, quer quanto ao 9po de funções
desempenhadas, quer quanto ao lugar de execução das mesmas.

Ana Luísa Mar+ns 57


1º Turma
2020/2021
“O trabalhador não se pode obrigar a executar as suas funções no Planeta Terra”. – Pedro Madeira de
Brito

De acordo com o disposto, no próprio Art. 280º do CC, o trabalhador comprometer-se-á, por
conseguinte, a prestar ao empregador uma a9vidade funcional, temporal e espacialmente delimitada
ou balizada, sob pena de, não o fazendo, acabar por se ver colocado numa posição próxima da servil.

A garanEa da inamovibilidade do trabalhador

Aqui chegados, dir-se-á:


1. A fixação do local de trabalho corresponde a um elemento de maior relevo para ambas
as partes;

2. A fixação do local de trabalho possui natureza contratual, resultando, pois, de acordo


das partes, cujo conteúdo pode extrair-se da própria execução contratual;

3. Pacta sunt servanda, vale dizer, o contrato deverá ser pontualmente cumprido, não
podendo modificar-se por vontade unilateral de qualquer dos contraentes (Art. 406º,
nº1 do CC).

Nas palavras de Júlio Gomes, “o princípio de que os contratos devem ser pontualmente
cumpridos tem aqui como corolário que a en9dade patronal não pode, em princípio, transferir o
trabalhador sem o seu acordo.”

Resulta, à vista disso, inteiramente compreensível que o nosso OJ de há muito venha


consagrando expressamente a chamada “garanEa da inamovibilidade”, vedando à en9dade
patronal, em princípio, a transferência do trabalhador para outro local de trabalho. Princípio este que,
enquanto tal, veio também a ser acolhido pelo atual CT, designadamente nos seus Arts. 129º, nº1 f)
e 193º, nº1.

Note-se, em todo o caso, que o “local contratualmente definido”, coincidirá, em regra, com a
área da empresa, estabelecimento ou unidade produ9va que o trabalhador labore. É, nas palavras de
Menezes Cordeiro, o local de trabalho potencial, onde o empregador exercerá o seu poder de
direção, concre9zando o chamado local de trabalho efeEvo. Vale dizer, o local de trabalho potencial
resulta de es9pulação contratual, ao passo que o local de trabalho efeEvo resulta da direção patronal.

As possibilidades de transferência unilateral à luz do CT

Ana Luísa Mar+ns 58


1º Turma
2020/2021
Embora a referida garan9a de inamovibilidade, o certo é que o OJ nunca foi insensível às
exigências empresariais no sen9do da mobilidade dos trabalhadores.

Art. 194º, nº1 do CT: O empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho,
temporária ou defini9vamente, nas seguintes situações:
a) “Em caso de mudança ou ex9nção, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta
serviço”
(transferência coleEva);
b) “Quando outro mo9vo do interesse da empresa o exija e a transferência não implique prejuízo
sério para o trabalhador” (transferência individual);

Tal como sucedia no domínio da legislação precedente, o conceito indeterminado de prejuízo


sério con9nua a desempenhar uma função central no tratamento norma9vo desta matéria:
a) Assim, na hipótese de transferência individual, o empregador apenas poderá modificar o local
de trabalho se tal transferência não implicar o prejuízo sério para o trabalhador. Em caso de
prejuízo sério, o trabalhador poderá desobedecer à ordem patronal de transferência, visto
que o dever de obediência tem como limite máximo o respeito pelos direitos e garan9as do
trabalhador (Art. 128º, nº1 e) do CT);

b) Já no caso de transferência coleEva, o trabalhador não poderá opor-se eficazmente à


mudança, até porque tal se demonstra factualmente impossível, mas sempre poderá resolver
o contrato, com direito a compensação, se aquela lhe causar prejuízo sério, ao abrigo do
disposto no Art. 194º, nº5 do CT.

De resto, este preceito estabelece que, no caso de transferência definiEva, o trabalhador poderá
resolver o contrato se 9ver prejuízo sério, abrangendo tanto a hipótese de transferência individual
como de transferência cole9va.

O que significa que, confrontado com uma ordem de transferência individual que lhe irá causar
prejuízo sério, o trabalhador poderá recusar-se a obedecer à ordem, seja no sen9do de con9nuar a
trabalhar no mesmo local, seja no sen9do de resolver o contrato com efeitos imediatos e com direito
a compensação.

A par desta dicotomia transferência individual/transferência cole9va, o CT estabelece, ainda, as


hipóteses de transferência definiEva e de transferência temporária. Neste úl9mo caso, a ordem
patronal de transferência, além da fundamentação necessária, deverá indicar o tempo previsível da
alteração, que salvo necessidades imperiosas da empresa, não poderá ultrapassar seis meses, nos
termos do Art. 194º, nº3 do CT.

Ana Luísa Mar+ns 59


1º Turma
2020/2021
Por outro lado, o CT estabelece regras procedimentais em matéria de transferência: a decisão
patronal de transferência de local de trabalho terá de ser comunicada ao trabalhador, em termos
devidamente fundamentados e por escrito, com 8 ou 30 dias de antecedência, conforme se trate,
respe9vamente, de uma transferência temporária ou defini9va (Art. 196º, nº1 do CT).

A discrepância quanto ao prazo requerido (8 ou 30 dias) é compreensível, uma vez que, uma
transferência defini9va implica mudanças mais profundas na vida do trabalhador do que uma mera
transferência temporária.

Por seu turno, o nº 4 do Art. 194º do CT prescreve que “o empregador deve custear as despesas
do trabalhador decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e da mudança de residência ou,
em caso de transferência temporária de alojamento” Note-se que, tendo em conta o disposto nos nº
2 e 6 deste ar9go, o regime constante do nº 4 parece possuir um caráter “cole9vo-disposi9vo”, vale
dizer, poderá ser livremente afastado por IRCT, mas já não poderá ser afastado, em sen9do menos
favorável para o trabalhador, através de contrato individual de trabalho.

As transferências autorizadas pelo contrato: as “cláusulas de mobilidade geográfica”

O CT de 2003 estabelecia que a regra da inamovibilidade, traduzia-se, afinal, numa “garan9a”


meramente suple9va, que, como tal, bem vistas as coisas, não cons9tuía garan9a alguma. Com efeito,
depois de estabelecer as condições em que era admissível a transferência individual e a transferência
cole9va do trabalhador, acrescentava: “por es9pulação contratual as partes podem alargar ou
restringir a faculdade conferida nos números anteriores”. E o atual CT não se afastou dessa linha de
pensamento: “As partes podem alargar ou restringir o disposto no número anterior, mediante acordo
que caduca ao fim de dois anos se não 9ver sido aplicado” (Art. 194º, nº2 do CT).

A mensagem norma9va enunciada, a este propósito, pelo CT é cristalina, consis9ndo numa


inequívoca aposta no papel do contrato de trabalho individual como fator de promoção da mobilidade
geográfica do trabalhador. As “cláusulas de mobilidade geográfica” serão, pois, em princípio,
admissíveis aos olhos do CT.

Importa sublinhar que a cláusula de inamovibilidade colocar-se-á em aparente rota de colisão


com a liberdade de inicia9va económica que pressupõe a liberdade de escolher a localização da
a9vidade empresarial. Bem como a cláusula de mobilidade, por sua vez, entra em colisão com a
garan9a cons9tucional da estabilidade no emprego, a qual possui uma importante vertente espacial
(Art. 53º da CRP).

Não obstante o disposto no Art. 194.º, nº2 do CT apontar, inequivocamente, para a


suple9vidade do regime legal da transferência do trabalhador, a verdade é que nem a inamovibilidade

Ana Luísa Mar+ns 60


1º Turma
2020/2021
nem a mobilidade poderão ser absolutas. Através da es9pulação contratual as partes poderão
restringir ou alargar as faculdades patronais de transferência.

No que às cláusulas de mobilidade diz respeito, não parece, por exemplo, que as partes
possam limitar-se a convencionar que a en9dade patronal ficará com as mãos livres para fixar o lugar
de trabalho, sendo-lhe legí9mo, a todo o momento e por qualquer razão, transferir o trabalhador
para qualquer outro local. Julga-se, aliás, que semelhante cláusula levantaria problemas, desde logo,
ao nível de uma insuficiente determinação ou determinabilidade do objeto da prestação laboral.

Em todo o caso, é indiscuivel que, em sede de mobilidade geográfica do trabalhador, o CT


aposta no princípio da liberdade contratual e (sobre)valoriza o poder jurisgénico das partes, uma
aposta peculiar, uma vez que o contrato de trabalho é um contrato de adesão. No entanto, é certo
que, tal como vimos suceder em matéria de mobilidade funcional, o atual CT revela alguma
preocupação em relação às cláusulas de mobilidade geográfica, estabelecendo que as mesmas
caducarão ao fim de dois anos, caso não tenham sido a9vadas pelo empregador (Art. 194, nº 2 do
CT).

Esta caducidade das cláusulas de mobilidade, caso não sejam a9vadas pelo empregador
durante o período de dois anos, traduz-se numa solução bem-intencionada e que se compreende: é
que o trabalhador pode aceitar essa cláusula enquanto ainda é jovem, sem grandes responsabilidades
familiares, mas não é razoável que, 10 ou 15 anos depois, quando a sua idade é outra e as suas
responsabilidades familiares também se alteraram, ela possa ser transferido para outro local ao
abrigo de semelhante cláusula.

O curso teme, no entanto, que esta tutela da caducidade ao fim de dois anos, se torne num
expediente perverso, pois, na prá9ca, ela incen9vará o empregador a fazer uso de tal cláusula de
mobilidade, a a9vá-la e a transferir o trabalhador, apenas em ordem a evitar que a mesma caduque.
A alterna9va consis9rá na celebração de novo acordo entre as partes, com o mesmo conteúdo, perto
do final de cada período de dois anos.

A transferência dos representantes dos trabalhadores

Sobre a especial tutela conferida, neste domínio, aos representantes dos trabalhadores, veja-
se o disposto no Art. 411º, nº1 do CT, em cujo se lê que “o trabalhador membro de estrutura de
representação cole9va dos trabalhadores não pode ser transferido de local de trabalho sem o seu
acordo, salvo quando tal resultar de ex9nção ou mudança total ou parcial do estabelecimento onde
presta serviço”. Tendo em conta o que acima se escreve sobre o regime geral da mobilidade geográfica
dos trabalhadores, logo se conclui o alcance da tutela reforçada concedida, nesta matéria, aos
representantes dos trabalhadores: em sede de transferência individual, a prerroga9va patronal de
transferir trabalhador, contanto que tal transferência não lhe cause prejuízo sério, não existe. Assim
Ana Luísa Mar+ns 61
1º Turma
2020/2021
sendo, ainda que não haja prejuízo sério, quando se trate de um representante dos trabalhadores a
respe9va transferência individual sempre carecerá do seu acordo, por força do Art. 411º, nº1 do CT.

A lei procura alcançar um duplo obje9vo:


1. Neutralizar quaisquer decisões persecutórias ou retaliatórias do empregador nesta matéria;
2. Evitando, do mesmo passo, que o representante seja afastado dos trabalhadores que o
elegeram;

E justamente porque estes inconvenientes não existem nas hipóteses de transferência cole9va, a
especial tutela dos representantes dos trabalhadores em matéria de modificação do local de trabalho
já não é aplicada.

Em suma, o Art. 411º, nº1 do CT, do mesmo passo que circunscreve a tutela reforçada dos
representantes dos trabalhadores às hipóteses de transferência individual, consagra, quanto a estas
hipóteses, a garan9a da inamovibilidade em toda a sua extensão. Em qualquer caso, haja ou não
prejuízo sério, o trabalhador poderá opor-se à transferência desejada pela sua en9dade
empregadora. Esta transferência jamais lhe poderá ser imposta, mas apenas proposta pelo
empregador, e só com aprovação do trabalhadorrepresentante poderá vir a ocorrer.

QUID IURIS se um determinado trabalhador aceita a inclusão de uma cláusula de mobilidade no seu
contrato de trabalho, aquando da celebração do contrato, e, mais tarde, vem a ser eleito para
desempenhar funções numa qualquer estrutura de representação cole9va? Poderá o empregador
transferir este trabalhador para outro local de trabalho, baseando-se naquela es9pulação contratual
e prescindindo do consen9mento (atual) do trabalhador-representante?

Para o curso impõe-se uma resposta nega9va. Quando eleito representante dos
trabalhadores, o trabalhador torna-se mais do que uma simples parte do contrato. Ele representa
uma cole9vidade de trabalhadores. Caso se permi9sse à en9dade empregadora transferir o
trabalhador de local de trabalho, prescindindo do seu acordo e apoiando essa decisão na cláusula de
mobilidade inicialmente estabelecida, isso autorizaria o empregador a fazer, justamente, aquilo que
a lei quer evitar: usar a transferência como mecanismo persecutório/retaliatório e como meio de
desenquadrar o trabalhador do cole9vo que representa. Ou seja, a cláusula de mobilidade geográfica
não pode ser a9vada enquanto o trabalhador exerce funções de representação dos outros
trabalhadores. Ela é, de certa forma, suspensa.

A transferência como direito do trabalhador

O atual CT inovou em matéria de transferência de local de trabalho, dado que veio prever e
regular uma hipótese em que o trabalhador terá o direito de ser transferido para outro local de
trabalho. Trata-se da hipótese recortada pelo Art. 195º, nº1 do CT: “o trabalhador ví9ma de violência
Ana Luísa Mar+ns 62
1º Turma
2020/2021
domés9ca tem direito a ser transferido, temporária ou defini9vamente, a seu pedido, para outro
estabelecimento da empresa, verificadas as seguintes condições:
a) Apresentação de queixa-crime;
b) Saída da casa de morada de família no momento em que se efe9ve a transferência.”

Nesta situação, como se lê no nº2 do mesmo ar9go, “em situação prevista no número anterior,
o empregador apenas pode adiar a transferência com fundamento em exigências imperiosas ligadas
ao funcionamento da empresa ou serviço, ou até que exista posto de trabalho compaivel disponível”.

Para que o trabalhador goze do referido direito de transferência, ao abrigo da disposição


citada, torna-se necessário que se verifiquem dois pressupostos:
a) Tratar-se de uma empresa plurilocalizada;
b) Ter sido apresentada queixa-crime por violência domés9ca.

Em rigor, a exigência formulada na al. b) do preceito, no sen9do de que o trabalhador saia da


casa da morada da família, não parece perfilar-se como um pressuposto legal do referido “direito de
transferência”, visto que essa saída apenas terá de se verificar aquando da transferência, no momento
em que a mesma se efe9ve. Assim para que o trabalhador alvo de violência domés9ca possa requerer
ao empregador a transferência, importa, acima de tudo, que a empresa possua mais do que um
estabelecimento e que aquele tenha apresentado queixa-crime.

Atendendo à razão de ser do ar9go, compreende-se que, nos casos em que o empregador se
baseie no Art. 195º, nº2 do CT em ordem a adiar a transferência requerida pelo trabalhador, este
tenha direito a suspender o contrato de imediato, até que a transferência ocorra (Art. 195º, nº3,
confirmado pelo Art. 296, nº2 b) do CT). De resto, o CT concede ao trabalhador ví9ma de violência
domés9ca a possibilidade de suspender o contrato de trabalho, mesmo quando não exista outro
estabelecimento da empresa para o qual possa ser transferido (Art. 296º, nº2 a) do CT).

Meios de tutela à disposição do trabalhador ví9ma caso o empregador inviabilize a transferência


solicitada:
1. A suspensão imediata do contrato de trabalho até que ocorra a transferência, ao abrigo
do Art.
195º, nº3 do CT;

2. Uma ação judicial de cumprimento, pedindo ao tribunal a condenação do empregador na


viabilização da respe9va transferência, bem como, se for caso disso, o pagamento de uma
indemnização pelos danos causados;

3. A resolução do contrato com justa causa subje9va, ao abrigo do Art. 394º, nº2 do CT;

Ana Luísa Mar+ns 63


1º Turma
2020/2021
O tempo da prestação de trabalho: Trabalhar quanto e
quando?
Tempo de trabalho e tempo de repouso

Quando celebra um contrato de trabalho, o trabalhador, podemos dizê-lo, vende parte do seu
tempo.

Compreende-se, por isso, que o OJ se preocupe com esse tempo cedido, com determinar que
tempo será esse e quanto tempo será esse. A este propósito, devemos começar pela CRP: todos os
trabalhadores têm direito “ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao
descanso semanal e a férias periódicas pagas” (Art. 59º, nº1 d) da CRP), e o nº 2, al. b) do mesmo
ar9go acrescenta incumbir ao Estado “a fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho”.

Trata-se, aliás, de preocupações que acompanham o Direito do Trabalho desde a sua génese:
limitar o tempo de trabalho, tutelar a saúde, garan9r períodos de repouso para o trabalhador,
salvaguardar a sua autodisponibilidade, enfim, criar e preservar a própria noção de tempo livre.

Nesta matéria, a lei assenta no binómio tempo de trabalho/período de descanso, sendo certo
que o tempo de trabalho compreende dois módulos diferentes: o tempo de trabalho efeEvo (Art.
197º, nº1 do CT) e os períodos de inaEvidade equiparados a tempo de trabalho (os intervalos e
interrupções previstas no Art. 197º, nº2 do CT). Por sua vez, aquele tempo de trabalho efe9vo
corresponde, não apenas ao desempenho da prestação (“período durante o qual o trabalhador exerce
a sua a9vidade”), mas também ao tempo de disponibilidade para o trabalho (“ou permanece adstrito
à realização da prestação”). O período de descanso é recortado nega9vamente pela lei, consis9ndo,
nos termos do Art. 199º do CT, em todo aquele que não seja tempo de trabalho.

Depois de esclarecer o que se entende por tempo de trabalho e por período de descanso, a
lei procede à organização da dimensão temporal da prestação recorrendo a um conjunto de conceitos
operatórios básicos, dos quais cumpre destacar os dois que se seguem:
• Período normal de trabalho (Art. 198º do CT): Tempo de trabalho que o trabalhador se obriga
a prestar, medido em número de horas por dia e por semana (o quantum da prestação, a
determinação do volume de trabalho);

• Horário de trabalho (Art. 200º do CT): Determinação das horas de início e termo do período
normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal (o
quando da prestação, a distribuição das horas que compõem o período normal de trabalho
ao longo do dia).

Ana Luísa Mar+ns 64


1º Turma
2020/2021
Período normal de trabalho e flexibilidade do tempo de trabalho: adaptabilidade e banco de
horas

A fixação, em concreto, do período normal de trabalho cabe às partes, mas, em princípio, esse
período não poderá exceder oito horas por dia e quarenta horas semanais, segundo o Art. 203º, nº1
do CT.

Na era da nova economia globalizada, altamente compe99va e muito instável, reclama-se a


adoção de modelos mais flexíveis de gestão do tempo de trabalho, que permitem uma resposta
pronta (e menos onerosa) das empresas aos dis9ntos ciclos produ9vos que enfrentam.

Daí a emergência, em primeiro lugar, da figura da adaptabilidade do tempo de trabalho,


mecanismo elás9co através do qual o período normal de trabalho é definido em termos médios, com
base num período de referência alargado (não semanal). Assim, o trabalhador poderá prestar, por
exemplo: 50 horas de trabalho em algumas semanas, compensadas com a prestação de 30 horas
noutras semanas, assim se respeitando, em média e no período de referência em causa, o limite das
40 horas semanais, mas assim se conseguindo modular a u9lização da força de trabalho na empresa
em função dos respe9vos ciclos produ9vos.

O CT prevê e disciplina três modalidades dis9ntas de adaptabilidade, atendendo à génese


desta úl9ma:
1. Adaptabilidade por via de regulamentação coleEva (Art. 204º do CT);
2. Adaptabilidade individual (Art. 205º do CT);
3. Adaptabilidade grupal (Art. 206º do CT), que autoriza o empregador, verificados
certos requisitos, a aplicar o regime de adaptabilidade a trabalhadores não
abrangidos por IRCT previsto no Art. 204º do CT ou que não aceitem a proposta
patronal prevista no Art. 205º do CT.

Mecanismo flexível e elás9co, a adaptabilidade desperta natural interesse junto dos


empregadores, mas é lógico que, em regra, não seja vista com par9cular entusiasmo pelos
trabalhadores. É certo que com ela o trabalhador não trabalhará mais do que sem ela, mas isto,
apenas em média, o que implica que nas épocas de maior intensidade, o trabalho se avolumará (e
sem a contrapar9da financeira inerente à prestação de trabalho suplementar), com repercussões
consideráveis em matéria da conciliação da vida profissional com a vida pessoal do trabalhador. Com
este mecanismo, a situação de heterodisponibilidade do trabalhador agudiza-se par9cularmente.

O banco de horas consiste igualmente num mecanismo flexibilizador da organização do tempo


de trabalho, conferindo ao empregador o poder de alargar o período normal de trabalho diário e
semanal até certo limite (por exemplo: até duas ou até quatro horas diárias, podendo a9ngir 50 ou
60 horas semanais), de acordo com as conveniências da empresa. A compensação do trabalho assim
Ana Luísa Mar+ns 65
1º Turma
2020/2021
prestado em acréscimo poderá ser feita mediante diversas formas, seja através da redução
equivalente do tempo de trabalho, seja mediante pagamento em dinheiro, seja, até, através do
aumento do período de férias do trabalhador.

O ins9tuto do banco de horas apresenta, sem dúvida, marcadas similitudes com a


adaptabilidade do tempo de trabalho. Em todo o caso, o banco de horas revela-se um instrumento
ainda mais flexível do que o da adaptabilidade do tempo de trabalho, quer por permi9r que a
compensação do trabalho prestado em acréscimo seja feita por diversas formas e não apenas através
da redução ao equivalente do tempo de trabalho, quer pelo facto de a en9dade empregadora poder
determinar o aumento da jornada de trabalho a qualquer momento, contanto que o comunique ao
trabalhador com a antecedência devida.

O banco de horas foi introduzido pelo CT de 2009, na sua redação original, permi9ndo que
este mecanismo fosse gerado e moldado mediante instrumento de regulamentação cole9va (Art.
208º do CC). Só a autonomia cole9va poderia, pois, dar vida a este mecanismo.

Podemos ainda falar da existência de um “banco de horas grupal” (Art. 208º-B do CT) em que
dispensa o próprio acordo do trabalhador, caso se verifiquem determinados requisitos, na linha do
disposto em matéria de adaptabilidade grupal (Art. 206º do CT)

Ou seja, em nome da necessidade de moldar o regime do tempo de trabalho, possibilitando à


empresa uma melhor u9lização dos seus recursos humanos, a lei enfraquece a autonomia cole9va
em matéria de banco de horas, permi9ndo que este esquema de organização temporal da prestação,
o qual suscita delicados problemas em matéria de respeito pelo período de descanso e de conciliação
entre o trabalho e a vida pessoal e familiar, seja criado por mero acordo inter-individual ou, até,
prescindindo do acordo do trabalhador em causa, nas condições predispostas no Art. 208º-B do CT.

Horário de trabalho, descanso semanal e isenção de horário

Estabelece o Art. 212º do CT que compete ao empregador determinar o horário de trabalho


do trabalhador (dentro dos limites legais e tendo em conta o regime de período de funcionamento
aplicável). Em princípio, o período de trabalho diário deverá ser interrompido por um intervalo de
descanso, de duração não inferior a uma hora nem superior a duas, de modo que o trabalhador não
preste mais de cinco horas de trabalho consecu9vo (Art. 213º, nº1 do CT), tendo o trabalhador direito
a um período de descanso de, pelo menos, 11 horas seguidas entre dois períodos diários de trabalho
consecu9vos (Art. 214º, nº1 do CT).

No que diz respeito à alteração do horário de trabalho, a lei manda aplicar o disposto sobre a sua
elaboração, com as especificidades constantes do Art. 217º do CT. Assim sendo:

Ana Luísa Mar+ns 66


1º Turma
2020/2021
a) Em princípio, o empregador goza da faculdade de alterar o horário de trabalho por decisão
unilateral;

b) Essa alteração deve ser precedida de consulta aos trabalhadores envolvidos e à respe9va
estrutura representa9va;

c) A alteração deve ser afixada na empresa com antecedência de sete dias rela9vamente ao
início da sua aplicação, ou três dias em caso de microempresa;

d) Não poderá ser unilateralmente alterado o horário que tenha sido individualmente
acordado;

e) A alteração que implique acréscimo de despesas para o trabalhador confere direito a


compensação económica;

Nos termos do Art. 232º, nº1 do CT, “o trabalhador tem direito a, pelo menos, um dia descanso por
semana” (descanso semanal obrigatório). Esse dia de descanso semanal coincidirá, em regra, com o
Domingo, mas, tendo em conta que a nova economia funciona 24h sobre 7 dias por semana, a lei não
deixa de prever diversos casos em que o descanso semanal pode deixar de ser gozado ao Domingo
(nº 2 do mesmo ar9go). Acresce que, por IRCT ou por contrato de trabalho individual, pode ser
ins9tuído um período de descanso semanal complementar, coninuo ou desconinuo (nº 3 do mesmo
preceito), geralmente ao Sábado.

Acontece que nem todos os trabalhadores dispõem de um horário de trabalho. Com efeito, o Art.
218º, nº1 do CT prevê que, por acordo escrito, poderá ser isento de horário de trabalho o trabalhador
que se encontre numa das seguintes situações:
a) Exercício de cargo de administração ou direção, ou de funções de confiança,
fiscalização ou apoio a 9tular desses cargos;

b) Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que, pela sua natureza, só


possam ser efetuados fora dos limites do horário de trabalho;

c) Teletrabalho e outros casos de exercício regular de a9vidade fora do estabelecimento,


sem controlo imediato por superior hierárquico;

Neste quadro situacional, as partes poderão acordar numa das seguintes modalidades de
isenção de horário, previstas no Art. 219º do CT:
a) Isenção total: Sem sujeição aos limites máximos do período normal de trabalho (esta é, a
modalidade suple9va, como resulta do disposto no nº2 do mesmo ar9go);

Ana Luísa Mar+ns 67


1º Turma
2020/2021
b) Isenção parcial ou limitada: Possibilidade de determinado aumento do período normal de
trabalho, diário ou semanal;

c) Isenção modelada ou relaEva: Observância do período normal de trabalho acordado;

O trabalhador isento de horário não ganha, antes perde, autodisponibilidade: é que o horário
baliza a situação de heterodisponibilidade do trabalhador, o qual sabe que, fora desse horário não
terá de se sujeitar ao poder dire9vo do empregador e prestar-lhe a correspondente a9vidade laboral.
Daí que a lei só admita a isenção num círculo rela9vamente limitado de situações prevendo o direito
a uma retribuição específica para o trabalhador isento de horários, em contrapar9da da
disponibilidade acrescida que lhe é exigida (Art. 265º do CT).

Trata-se de mais uma ferramenta de flexibilidade temporal oferecida ao empregador, o que


explica que este, se quiser u9lizá-la, tenha de recompensar o trabalhador.

A isenção de horário de trabalho é uma situação reversível:


- Quando o acordo for sujeito a um termo resoluto, não será possível a cessação antecipada do
mesmo por decisão unilateral de qualquer dos sujeitos;

- Não exis9ndo termo, qualquer deles o poderá fazer cessar a todo tempo, contando que o
comunique à outra parte com a antecedência exigida pelo princípio da boa-fé.

Trabalho por turnos, trabalho noturno e trabalho suplementar

Sempre que o período de funcionamento ultrapasse os limites máximos do período normal


de trabalho, deverão ser organizados turnos de pessoal diferente, como prescreve o Art. 221º, nº1
do CT. Nos termos do ar9go 220º do CT “considera-se trabalho por turnos qualquer organização do
trabalho em equipa em que os trabalhadores ocupam sucessivamente os mesmos postos de trabalho,
a um determinado ritmo, incluindo o rota9vo, coninuo ou desconinuo, podendo executar o trabalho
a horas diferentes num dado período de dias ou semanas”. Trata-se de uma forma de organização do
trabalho par9cularmente desgastante para os trabalhadores, sobretudo na modalidade de turnos
rota9vos (estes perturbam o ritmo biológico das pessoas). A lei revela preocupação com a salvaguarda
da segurança e saúde destes trabalhadores (Art. 222º do CT), mas não reconhece o direito a qualquer
9po de retribuição especial nestes casos, o que, evidentemente, não impede que tal não seja previsto
por IRCT.

Ao contrário, no trabalho noturno, o compreendido entre as 22 horas de um dia e as 7 horas


do dia seguinte (Art. 223º do CT), a lei não só se preocupa com a proteção do trabalhador noturno
(Art. 224º e 225º do CT) como, em regra, prevê o pagamento de uma retribuição acrescida para quem
preste esse 9po de trabalho (Art. 266º do CT). Trata-se, no entanto, de uma regra sujeita a várias
Ana Luísa Mar+ns 68
1º Turma
2020/2021
exceções, desde as que respeitam a a9vidades exercidas exclusiva ou predominantemente durante o
período noturno, ou que devam funcionar à disposição do público durante esse período, até aos casos
em que a retribuição já tenha sido estabelecida atendendo à circunstância de que o trabalho dever
ser prestado em período noturno (Art. 266º, nº3 do CT).

Em todo o caso, esta é uma matéria em que importa ter em atenção as “proteções
discriminatórias”. Com efeito, até há poucos anos, as normas jus-laborais proibiam o trabalho noturno
das mulheres na indústria. Tal proibição, apesar de se inspirar numa preocupação protetora, tendiam
a reproduzir determinados estereó9pos sociais. Foi a aplicação do direito comunitário, com o seu
entendimento exigente do princípio da igualdade e da não discriminação em função do sexo, que pôs
termo a este 9po de normas discriminatoriamente tutelares.

Quanto ao trabalho suplementar, o mesmo encontra-se regulado nos Arts. 226º a 231º do CT,
com os seus efeitos retribu9vos a serem previstos no Art. 268º do CT. Destacam-se as seguintes notas
do respe9vo regime jurídico:

• Noção (Art. 226º do CT): Em princípio, considera-se trabalho suplementar todo aquele que é
prestado fora do horário de trabalho. Tratar-se-á, pois, de situações em que se verifica um
desvio em relação ao programa normal de a9vidade do trabalhador;

• Caráter excecional (Art. 227º, nº1 e 2 do CT): A lei consagra, ainda 9midamente, o caráter
excecional deste 9po de trabalho, visto que o mesmo apenas poderá ser prestado em dois
9pos de situações: quando a empresa tenha de fazer face a acréscimo eventual e transitório
de trabalho e não se jus9fique para tal a admissão de trabalhador (nº 1, critério da
necessidade) e em caso de força maior ou quando seja indispensável para prevenir ou reparar
prejuízo grave para a empresa ou para a sua viabilidade (nº 2, critério de indispensabilidade).

Estas são as situações em que a lei admite o recurso ao trabalho suplementar, quer o mesmo seja
unilateralmente decidido pelo empregador, quer haja acordo do trabalhador. Porém, não basta o
simples acordo do trabalhador para legi9mar o recurso a este 9po de trabalho, uma vez que, para
além de estar em jogo direitos fundamentais do trabalhador, estão também presentes interesses
gerais, supraindividuais (razões económicas e de polí9ca de emprego). Isto, claro, sem prejuízo de o
trabalho suplementar prestado contra a lei não isentar o empregador dos efeitos correspondentes
face ao trabalhador, seja em matéria de descanso compensatório, seja em matéria de majoração
remuneratória.

• Caráter obrigatório (Art. 227º, nº3 do CT): Preenchidos os requisitos jus9fica9vos, a lei
estabelece que “o trabalhador é obrigado a realizar a prestação de trabalho suplementar,
salvo quando, havendo mo9vos atendíveis, expressamente solicite a sua dispensa”. A letra da
lei é suficientemente ambígua para deixar a dúvida sobre se, afinal, basta que o trabalhador
invoque e prove a existência de mo9vo atendível para se poder escusar, licitamente, à
Ana Luísa Mar+ns 69
1º Turma
2020/2021
prestação de trabalho suplementar, ou se, pelo contrário, o acento tónico deve ser colocado
na dispensa a conceder pelo empregador, o qual seria juiz da atendibilidade do mo9vo
invocado.

• Efeitos: A prestação de trabalho suplementar produz dois 9pos de efeitos jurídicos:


1. Confere ao trabalhador, ainda que em muitos casos muito limitados, direitos a
descanso compensatório remunerado (Arts. 229º e 230º do CT);
2. Confere-lhe também direito a retribuição acrescida (Art. 268º do CT);

Estes efeitos, ao mesmo tempo que desincen9vam o empregador de recorrer a esse 9po de
trabalho, es9mulam o trabalhador a prestá-lo. Talvez por isso, a lei esclarece que só será exigível o
pagamento de trabalho suplementar “cuja prestação tenha sido prévia e expressamente
determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador” (Art. 268º, nº2
do CT). O trabalhador não goza, portanto, de qualquer “direito a prestar trabalho suplementar”.

Feriados

Feriados são dias em que, pelo seu especial significado, se comemoram determinados
acontecimentos com projeção nacional (ou, em certos casos, local). Ora, nos termos do Art. 236º, nº1
do CT, nos “dias considerados como feriado obrigatório, têm de encerrar ou suspender a laboração
todas as a9vidades que não sejam permi9das aos domingos”. Daí que, reflexamente, os respe9vos
trabalhadores fiquem isentos do dever de prestar trabalho. E, conforme o Art. 269º, nº1 do CT “o
trabalhador tem direito à retribuição correspondente a feriado, sem que o empregador a possa
compensar com trabalho suplementar”.

A lei diz-nos quais são os feriados obrigatórios no Art. 234º, nº1 do CT, mas, acrescenta que,
“mediante legislação específica, determinados feriados obrigatórios podem ser observados na
segunda-feira da semana subsequente” (nº 3 do Art. 234º).

Além dos feriados obrigatórios, a lei admite que sejam observados, a itulo faculta9vo, mais
dois dias por ano (em princípio, a terça-feira de Carnaval e o feriado municipal da localidade), desde
que tal se encontre previsto em IRCT ou no contrato de trabalho (Art. 235º do CT). Note-se que os
feriados consagrados na lei (nos Arts. 234º e 235º do CT) são-no a itulo absolutamente impera9vo,
visto que as fontes inferiores não poderão estabelecer feriados diferentes desses (Art. 236º, nº2 do
CT).

Ana Luísa Mar+ns 70


1º Turma
2020/2021
O direito ao repouso e ao lazer: O Regime Jurídico das
Férias
O direito de todos os trabalhadores a férias periódicas pagas encontra-se expressamente
consagrado na nossa Lei Fundamental, surgindo como manifestação e concre9zação do direito ao
repouso e ao lazer (Art. 59º, nº1 d) da CRP).

As férias analisam- se, por um lado, num tempo de recuperação de energias e, por outro, num
tempo de autodisponibilidade do trabalhador-pessoa. Como se lê no Art. 237º, nº4 do CT, “o direito
a férias deve ser exercido de modo a proporcionar ao trabalhador a recuperação fsica e psíquica,
condições de disponibilidade pessoal, integração na vida familiar e par9cipação social e cultural”.

O trabalhador tem direito, em cada ano civil, a um período de férias retribuídas, que em regra
se vence no dia 1 de Janeiro (Art. 237º, nº1). E o nº 2, desse mesmo ar9go, acrescenta que o direito
a férias, em regra, se remonta ao trabalho prestado no ano civil anterior, mas não está condicionado
à assiduidade ou efe9vidade de serviço.

A duração das férias

Em matéria de férias, a principal alteração introduzida pela Lei nº 23/2012 prende-se,


justamente, com o respe9vo período de duração. Neste ponto o legislador eliminou o acréscimo legal
de até 3 dias e passou a prever que o período anual de férias tem a duração mínima de 22 dias úteis
(Art. 238º, nº1 do CT). Esta duração é uma duração mínima, por isso, nada impede que um IRCT
aumente este período legal anual de férias (Art. 3º, nº3 h) do CT).

No entanto, existem duas hipóteses em que as faltas podem influenciar a duração das férias:
1. Imaginemos que um trabalhador dá um X número de faltas injus9ficadas e o
empregador aplica-lhe um processo disciplinar, tendo como sanção a perda de dias de
férias (Art. 328º, nº1 d) do CT);

2. Há faltas injus9ficadas (todas elas) e faltas jus9ficadas (dependendo do mo9vo


jus9fica9vo) que implicam perda de retribuição, no entanto, o trabalhador pode fazer
uma troca, em vez de perder a retribuição, perde dias de férias (Art. 257º, nº1 a) do
CT);

Retribuição durante as férias: Retribuição e Subsídio de Férias

Ana Luísa Mar+ns 71


1º Turma
2020/2021
O trabalhador tem direito, segundo a CRP e a lei, a férias periódicas pagas. E, a este propósito,
o Art. 264º, nº 1 do CT estabelece que “a retribuição do período de férias corresponde à que o
trabalhador receberia se es9vesse em serviço efe9vo”, consagrando o chamado princípio da não
penalização retribuEva, segundo o qual, e nas palavras de Andrade Mesquita, “em termos de
contrapar9da pelo trabalhador, tudo se passa como se não exis9sse tempo de repouso”.

Como as férias consistem numa rutura drás9ca com o quo9diano laboral e extralaboral, isso
irá gerar, inevitavelmente, um acréscimo de despesas para o trabalhador e respe9va família
(deslocação, alojamento, etc.). Em ordem a possibilitar que o trabalhador enfrente este previsível
aumento de gastos, o nº 2 do Art. 264º do CT, determina que, além da retribuição de férias prevista
no nº 1, o trabalhador terá, igualmente, direito a auferir um subsídio de férias.

O preceito vigente prevê que o montante deste subsídio compreende a “retribuição base outras
prestações retribu9vas que sejam contrapar9da do modo específico da execução do trabalho”.

O CT tenta auxiliar o intérprete quanto à noção de “retribuição base”, no seu Art. 262º, nº2
a) do CT: “prestação correspondente à a9vidade do trabalhador no período normal de trabalho”.

Mas o que deverá entender-se pelas tais “outras prestações retribuEvas que sejam
contrapar9da do modo espeífico da execução do trabalho”?
• Diuturnidades: prestação de natureza retribu9va a que o trabalhador tenha como direito
com fundamento na an9guidade;
• Subsídio por trabalho noturno ou em regime de turnos;
• Subsídio de risco;
• Subsídio de isolamento; • Subsídio de toxicidade;
• Etc.

A primeira parte do nº 3 do Art. 264º do CT consagra, ainda que apenas em moldes


complementares, o princípio do vencimento antecipado do subsídio de férias, solução reclamada
pela lógica através da qual se procura garan9r ao trabalhador que disponha, em tempo ú9l, do
montante necessário para fazer face às despesas acrescidas inerentes ao gozo das férias.

A estrutura complexa do direito a férias e a cessação do contrato

Em regra, o direito a férias vence-se o no dia 1 de Janeiro e reporta-se ao trabalho prestado


no ano civil anterior. As férias consistem, assim, num direito de formação sucessiva e de vencimento
diferido (adiado). Como, em regra, as férias devem ser gozadas no ano civil em que se vencem (Art.
240º do CT), isso significa que, em princípio, as férias que o trabalhador goza, por exemplo, em Agosto

Ana Luísa Mar+ns 72


1º Turma
2020/2021
de 2020 se reportam ao trabalho prestado ao longo de 2019, tendo-se vencido esse direito no dia 1
de Janeiro de 2020.

No nosso exemplo, supondo que o contrato de trabalho se ex9nguiu, por qualquer mo9vo,
em Abril de 2020, isso implicará que o trabalhador deva auferir a retribuição e o subsídio
correspondentes às férias vencidas no dia 1 de Janeiro de 2020, férias que o trabalhador não chegou
a gozar (Art. 245º, nº1 a) do CT), bem como um montante proporcional ao tempo de serviço prestado
em 2020, pois a par9r do dia 1 de Janeiro começou a formar-se um novo direito a férias, que se
venceria plenamente a 1 de Janeiro de 2021, mas que se vence antecipada e parcialmente aquando
da ex9nção do vínculo laboral em Abril de 2020 (nº 1, al. b) do mesmo preceito).

Caso o contrato de trabalho cesse no ano civil subsequente ao da admissão, ou cesse no


próprio ano em que o trabalhador foi admi9do, aplicar-se-á o disposto no Art. 245º, nº 3 do CT, que
manda atender a um critério de proporcionalidade.

A marcação das férias

Diz o CT, no Art. 241º, nº1 que: “O período de férias é marcado por acordo entre o empregador
e o trabalhador”. Mas, na falta de acordo, quem marca as férias é o empregador, após audição da
estrutura representa9va dos trabalhadores (nº 2). Porém, neste caso a lei estabelece alguns marcos
temporais que o empregador deverá respeitar: o de marcar o período de férias entre 1 de maio e 31
de outubro. Só assim não será se o IRCT ou o parecer dos representantes dos trabalhadores admi9r
época diferente, ou caso se trate de uma microempresa (Art. 241º, nº3 do CT).

O CT prevê ainda um regime especial para as empresas ligadas ao turismo, cujos


empregadores só estarão obrigados a marcar 25% do período de férias dos trabalhadores entre 1 de
maio e 31 de outubro (Art. 241º, nº4 do CT). Deduz-se que os restantes 75% poderão ser marcados
para qualquer outra época do ano, por decisão unilateral do empregador.

Os períodos de férias mais pretendidos devem ser repar9dos, sempre que possível,
beneficiando alternadamente os trabalhadores em função dos períodos gozados nos dois anos
anteriores (nº 6).

Tendo os cônjuges e as pessoas que vivam em união de facto ou economia comum, que
laborem na mesma empresa, existe um direito a gozar férias simultaneamente, salvo se houver
prejuízo grave para a empresa (nº 7).

Ana Luísa Mar+ns 73


1º Turma
2020/2021
O gozo do período de férias poderá ser interpolado, mas só se nisso acordarem as partes e
desde que sejam gozados, no mínimo, 10 dias úteis consecu9vos (nº 8). É o chamado princípio da
conEnuidade das férias.

Tendo o período de férias sido marcado nos moldes supra descritos, a verdade é que o período
de férias poderá ser alterado, seja por moEvos relaEvos à empresa (Art. 243º do CT), seja por moEvos
relaEvos ao trabalhador (Art. 244º do CT).

Nesta matéria, a solução que tem gerado maior polémica doutrinal é a que concede ao
empregador a faculdade unilateral de alterar a marcação das férias, determinando que o respe9vo
gozo tenha lugar imediatamente antes da cessação, nos casos em que a cessação do contrato de
trabalho esteja sujeita a aviso prévio (Arts. 241º, nº5 e 243º, nº3 do CT). No essencial, trata-se, das
situações de denúncia do contrato por inicia9va do trabalhador e dos casos de despedimento por
razões obje9vas, em que o empregador poderá antecipar as férias do trabalhador, o que lhe permi9rá
fazer algumas economias, ainda que à custa do trabalhador. Dir-se-á, com razão, que durante o
período de aviso prévio a produ9vidade do trabalhador tende a ser afetada.

O ano da contratação

Aqui chegados, dir-se-ia: se o direito a férias se vai formando progressivamente ao longo do


ano e só se vence no dia 1 de janeiro, então isso significa que, no ano da contratação, o trabalhador
jamais gozará férias. Assim, mesmo que o trabalhador seja contratado em Janeiro ou Fevereiro, o seu
primeiro direito a férias apenas se venceria no dia 1 de janeiro do ano civil seguinte.

Para evitar este 9po de situações, a lei introduz um importante desvio à regra segundo a qual
as férias se vencem, apenas, no dia 1 de Janeiro. Assim, nos termos do Art. 239º, nº1 do CT, “no ano
da admissão, o trabalhador tem direito a dois dias úteis de férias por cada mês de duração do
contrato, até 20 dias, cujo gozo pode ter lugar após seis meses completos de execução do contrato”.
E o nº 2 acrescenta que, “no caso de o ano civil terminar antes de decorrido o prazo referido no
número anterior, as férias são gozadas até 30 de Junho do ano subsequente” – Regime especial do
direito às primeiras férias.

Figure-se a hipótese do trabalhador que é admi9do no dia 1 de Agosto: por força daquele nº 1,
ele terá direito a 10 dias úteis de férias, mas, como o respe9vo gozo só pode ter lugar após seis meses
de execução do contrato, as mesmas transitarão para o ano seguinte, nos termos do nº2. Sucede que,
entretanto, se vence outro direito a férias, pelo que o trabalhador, nesse ano, poderia desfrutar de
um período demasiado generoso de férias (in casu, 10+22). Daí que o nº 3 estabeleça o princípio

Ana Luísa Mar+ns 74


1º Turma
2020/2021
segundo o qual, da aplicação dos números anteriores, não poderá resultar o gozo, no mesmo ano
civil, de mais de 30 dias úteis de férias.

Registe-se que o regime consagrado Art. 239º, nº1 e 2 do CT vale também na hipótese de
terminar o impedimento prolongado do trabalhador que se tenha iniciado em ano anterior, por força
do disposto no nº6. Se, no ano em que se iniciou, aquele impedimento 9ver determinado a
impossibilidade de gozo das férias já vencidas, aplicar-se-á o nº 3 do Art. 244º do CT (o trabalhador
terá direito à retribuição correspondente ao período de férias não gozado ou ao gozo do mesmo até
30 de Abril do ano seguinte e, em qualquer caso, ao respe9vo subsídio). E, se o contrato cessar após
o impedimento prolongado do trabalhador, a norma aplicável será o Art. 245º, nº4 do CT (o
trabalhador terá direito à retribuição e ao subsídio de férias correspondentes ao tempo de serviço
prestado no ano de início da suspensão).

A tutela do direito a férias

Dado o elevado calibre dos valores envolvidos na matéria das férias, compreende-se que o
ordenamento jurídico rodeie o correspondente direito de uma par9cular tutela. Assim é que:
• Em princípio, o direito a férias é irrenunciável, não podendo o seu gozo ser subs9tuído
por qualquer compensação, económica ou outra, ainda que com o acordo do trabalhador (Art.
237º, nº3 do CT);

• A violação do direito a férias é punida com severidade, visto que, caso o empregador
obste culposamente ao gozo das férias, “o trabalhador tem direito a compensação no valor
triplo da retribuição correspondente ao período em falta, que deve ser gozado até 30 de Abril
do ano civil subsequente” (Art. 246º do CT);

• Segundo o Art. 247º, nº1 do CT, “o trabalhador não pode exercer durante as férias
qualquer outra a9vidade remunerada, salvo quando já a exerça cumula9vamente ou o
empregador o autorize”. A lei procura, assim, evitar que a teleologia das férias seja posta em
causa pelo trabalhador. Dir-se-ia que o trabalhador, durante as férias, pode fazer o que bem
entender, salvo dedicar-se a qualquer outra a9vidade remunerada, sob pena de perder a
retribuição e o subsídio de férias, bem como de responder disciplinarmente perante o
empregador (Art. 247º, nº2 do CT);

O dever de assiduidade e o regime jurídico das faltas


O trabalhador deve comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade, como se encontra
previsto no Art. 128º, nº1 b) do CT. Caso o trabalhador não se apresente ao serviço, no local e tempo
Ana Luísa Mar+ns 75
1º Turma
2020/2021
acordados, então, ele estará a faltar ao trabalho. Como se lê no Art. 248º, nº1 do CT, “considera-se
falta a ausência do trabalhador no local em que devia desempenhar a a9vidade durante o período
normal de trabalho”.

A noção de falta pressupõe, assim, a conjugação de um elemento material (ausência fsica do


local de trabalho) e de um elemento norma9vo (durante o período de trabalho devido). Por isso
mesmo, se o trabalhador comparecer ao serviço mas es9ver “psicologicamente ausente”, ele violará,
provavelmente, o dever de diligência, mas não o dever de assiduidade.

A disciplina jurídica das faltas ao trabalho cons9tui um desafio permanente para o legislador,
pois nesta matéria regista-se uma forte tensão entre os impera9vos de caráter económico e as
exigências de cariz social. É este equilíbrio delicado que o legislador deve tentar alcançar.

Como alcançar este equilíbrio? Através da previsão de dois grandes 9pos de faltas: as
jusEficadas e as injusEficadas. De acordo com o Art. 249º, nº1 do CT, a falta poderá ser jus9ficada ou
injus9ficada. O nº 2 do mesmo ar9go diz-nos que faltas poderão ser jus9ficadas, concluindo o nº 3
que qualquer falta não prevista no nº 2 será considerada injus9ficada. Existe, pois, um catálogo
taxa9vo de mo9vos jus9fica9vos para faltar ao trabalho.

Neste ponto, o regime jurídico das faltas mostra-se, por conseguinte, mais duro na forma do que
na substância. Assim, se a comparência do trabalhador significa assiduidade, a sua ausência não
equivale, necessariamente a uma violação deste dever. A falta só será jus9ficada se a ausência for
tempes9vamente comunicada ao empregador, com a indicação do mo9vo jus9fica9vo, nos termos
do Art. 253º do CT. E o empregador poderá, nos termos do Art. 254º do CT, exigir a prova do facto
invocado para a jus9ficação da falta.

Por força do Art. 250º do CT, as disposições legais rela9vas aos mo9vos jus9fica9vos de faltas e à
sua duração possuem um caráter absolutamente impera9vo, não podendo ser afastadas por IRCT ou
por CTI. Vale dizer, as partes não podem, por exemplo, conceder ao trabalhador o direito de faltar no
dia do seu aniversário. Tal cláusula será nula, à luz deste Art. 250º do CT. Mas isto, claro, não impede
que o empregador autorize ou aprove essas faltas, o que as tornará jus9ficadas ao abrigo da al. j) do
nº2 do Art. 249º do CT. As partes também não poderão, por exemplo, aumentar o número de faltas
jus9ficadas que o trabalhador poderá dar por mo9vo de luto, nos termos do Art. 251º do CT.

A natureza jurídica das faltas ao trabalho oscila, portanto, entre o exercício de um direito, quando
se trate de uma falta jus9ficada, e o incumprimento contratual, quando a ausência seja injus9ficada.
Daí que, em princípio, a falta jus9ficada não afete qualquer direito do trabalhador, como se lê no Art.
255º, nº1 do CT. Mas é claro que esta afirmação do legislador tem de ser diversificada, porque o
mesmo preceito prevê diversas hipóteses em que a falta, apesar de jus9ficada, determina a perda
retribuição (nº 2).

Ana Luísa Mar+ns 76


1º Turma
2020/2021
Tratando-se de falta injus9ficada, esta cons9tui uma violação do dever de assiduidade,
determinando a perda da retribuição correspondente ao período de ausência, o qual não será
computado na an9guidade do trabalhador (Art. 256º, nº1 do CT). Para além disto, a falta injus9ficada
traduzir-se-á, em princípio, numa conduta infracional do trabalhador, mais ou menos grave de acordo
com as circunstâncias concretas de cada caso, podendo levar à aplicação da correspondente sanção
disciplinar por parte do empregador, respeitando, como é óbvio, o princípio da proporcionalidade.
No limite, as faltas injus9ficadas poderão consubstanciar justa causa de despedimento do trabalhador
(Art. 351º, nº1 e 2 g) do CT).

Trabalhar a troco de quê? A retribuição


Noção e estrutura da retribuição

“Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem
ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapar9da do seu trabalho”, lê- se no Art. 258º, nº1 do
CT.

A retribuição ou salário traduz-se, afinal, no preço da mercadoria da força de trabalho,


cons9tuindo um elemento essencial do contrato de trabalho, enquanto obrigação capital e nuclear a
cargo da en9dade empregadora.

A afirmação legal de se que considera retribuição aquilo a que o trabalhador tem direito “em
contrapar9da do seu trabalho” terá, no entanto, de ser encarada com as devidas cautelas, visto que
é fácil apresentar exemplos em que o dever de pagar a retribuição não corresponde ao trabalho
efe9vamente prestado, como por exemplo: férias (Art. 264º do CT), feriados (Art. 269º do CT),
algumas faltas jus9ficadas (Art. 255º do CT), etc., os quais cons9tuiriam outras tantas exceções ao
sinalagma trabalho-retribuição.

O Art. 258º, nº2 do CT dá conta da grande complexidade assumida pelo salário, nele se
dis9nguindo a chamada “retribuição base” de todo um conjunto de prestações complementares e
acessórias, tais como diuturnidades, subsídios de risco, de penosidades, de toxicidade, de
alojamento, de alimentação, de transporte, de turno, de férias, de Natal, etc.

O salário é, pois, uma realidade mul9forme e heterogénea, integrada por numerosas


prestações pecuniárias, mas também, não raro, por prestações em espécie, a este propósito se
falando em “retribuição complexiva”, de modo a abranger todas aquelas prestações.

De todo o modo, e como facilmente se conclui, a nossa lei procura evitar que a parte não
pecuniária da retribuição assuma proporções demasiado vastas. De facto, foram estabelecidas
algumas limitações a este respeito, designadamente exigindo-se que as prestações não pecuniárias
se des9nem á sa9sfação das necessidades pessoais do trabalhador ou da respe9va família (Art. 259º,
nº1 do CT - parte inicial), não lhes podendo ser atribuídos valor superior ao corrente da região (Art.

Ana Luísa Mar+ns 77


1º Turma
2020/2021
259º, nº1 do CT - in fine) e não podendo ainda, em princípio (salvo se outra coisa for estabelecida em
IRCT), exceder a parte paga em dinheiro (nº 2 do mesmo preceito).

Como se vê, temos aqui várias disposições tendentes a limitar o pagamento da retribuição em
prestações diferentes do dinheiro. Com efeito, só o pagamento em dinheiro preserva a liberdade de
escolha dos seus consumos por parte do trabalhador.

Qualificação

A presunção estabelecida no Art. 258º, nº3 do CT (“presume-se cons9tuir retribuição qualquer


prestação do empregador ao trabalhador”) está em perfeita sintonia com o caráter oneroso do
contrato de trabalho.

Nas palavras de Bernardo Xavier, “há que ter o maior cuidado com uma polí9ca patronal de
relações de trabalho assente no disfarce de atribuições remuneratórias com outro itulo ou com
diverso invólucro (reves9mento)”. Polí9ca patronal, esta, que pode ser ditada pelas mais variadas
razões, desde mo9vos de ordem fiscal até à finalidade de possibilitar ao empregador a supressão, no
futuro desta ou daquela atribuição patrimonial, caso as circunstâncias assim o recomendem.

Provando-se a existência de uma prestação patrimonial efetuada pelo empregador ao


trabalhador, recairá, pontanto, sobre o empregador o ónus da prova de demonstrar que não se
verificam, neste caso, os elementos próprios e caraterizadores da retribuição.

O CT fornece um vasto conjunto de prestações patrimoniais, no seu Art. 260º, no qual o


qualificando umas e desqualificando outras como retribuição. É, desde logo, o que sucede com as
importâncias a que alude o nº1, al. a), desse preceito. As várias figuras contempladas nesta disposição
têm em comum com a retribuição o facto de serem juridicamente devidas ao trabalhador, assumindo
caráter patrimonial. Todavia, “tais importâncias não visam pagar o trabalho ou sequer a
disponibilidade para o trabalho e não representam qualquer ganho efe9vo do trabalhador, não sendo,
por isso, retribuição”.

O segmento final da norma admite, porém, que as mencionadas importâncias integrem a


retribuição do trabalhador, contanto que:
a) Se trate de deslocações ou despesas frequentes;
b) As importâncias em causa excedam os montantes normais de tais deslocações ou despesas;
c) Aquelas importâncias tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos
como retribuição;

Ana Luísa Mar+ns 78


1º Turma
2020/2021
Do que se trata, em suma, é de tentar evitar que as partes, através da simples manipulação
do nome das prestações, impeçam a correta qualificação jurídica de tais prestações.

Resulta do princípio plasmado no Art. 258º, nº1 do CT, que só se considera retribuição aquilo
a que o trabalhador tem direito em contrapar9da do seu trabalho. A retribuição analisa-se, portanto,
numa obrigação a cargo do empregador, numa prestação juridicamente devida ao trabalhador. Em
conformidade, as als. b) e c) do nº1 do Art. 260º do CT, excluem do conceito de retribuição as
gra9ficações ou prestações concedidas pelo empregador a itulo de recompensa ou prémio, na
medida em que tais atribuições patrimoniais sejam marcadas por um espírito de liberalidade, não
exis9ndo qualquer prévia vinculação patronal ao respe9vo pagamento.

O nome u9lizado pelas partes (gra9ficação, prémio, recompensa, etc.) para iden9ficarem estas
atribuições patrimoniais não basta, porém, para as descaracterizar enquanto elemento integrante da
retribuição do trabalhador, sempre que tais atribuições patrimoniais lhe sejam juridicamente devidas,
assumindo caráter vincula9vo para o empregador. Disso mesmo se ocupa o nº 3 do Art. 260º do CT,
esclarecendo que as gra9ficações e prémios podem ser retribuição, desde que sejam devidas ao
trabalhador por força do contrato, das normas legais ou convencionais que o regem, dos usos laborais,
etc.

A obrigação retribu9va recai sobre o empregador, pelo que quaisquer gra9ficações concedidas
ao trabalhador por terceiros, por exemplo: “gorjetas”, ainda que correspondam a uma parcela não
negligenciável do rendimento daquele, não integram a retribuição do trabalhador. A retribuição
consiste numa prestação obrigatória a cargo do empregado. Se a prestação em causa não é
juridicamente obrigatória ou não é efetuada pelo empregador, então, não estaremos perante uma
prestação de natureza retribu9va.

Modalidades

“A retribuição pode ser certa, variável ou mista, sendo esta cons9tuída por uma parte certa e
outra variável” (Art. 261º, nº1 do CT). E é sabido que o critério dis9n9vo destas várias modalidades
de retribuição radica na respe9va unidade de cálculo ou de medida.

1. A retribuição certa é calculada com base no tempo (a hora, o dia, a semana, a


quinzena, o mês), como prescreve o nº2 do Art. 261º do CT;

2. A retribuição variável é calculada com base em critérios diversos da medida temporal,


sobretudo o rendimento (rendimento do trabalhador individualmente considerado ou
de um de um grupo de trabalhadores). Será o caso do salário à peça, salário à tarefa,
das comissões, etc;
Ana Luísa Mar+ns 79
1º Turma
2020/2021
3. A retribuição mista é cons9tuída por uma parte certa (calculada em função do tempo)
e por uma parte variável (calculada em função do rendimento);

Em qualquer contrato de trabalho, independentemente da modalidade de retribuição


pra9cada, o respe9vo objeto consiste na prestação de uma a9vidade labora9va por parte do
trabalhador, sendo a realização desta a9vidade, e não a obtenção do respe9vo resultado, aquilo que
se encontra em obrigação.

Todavia, e ao invés daquilo que sucede quando estamos perante a retribuição certa, o
resultado da a9vidade desenvolvida pelo trabalhador assume extrema importância em sede de
retribuição variável, não tanto para apurar se o trabalhador cumpriu ou não as suas obrigações, mas
sim para determinar o montante da contrapar9da patrimonial devida pela en9dade empregador.
Assim, na hipótese de retribuição variável, o trabalhador não deixa de cumprir o contrato caso não
a9nja os resultados pretendidos, mas o certo é que o seu inêxito acaba por se repercu9r
nega9vamente em sede remuneratória.

Em qualquer caso, é óbvio que a retribuição certa, calculada em função do tempo, é a mais
segura para o trabalhador, visto que torna a sua posição menos dependente do inêxito da empresa e
das flutuações do mercado, assim, atenuando, de algum modo, o poder patronal.

A retribuição variável, pelo contrário, embora possa invocar a seu crédito o argumento do
incen9vo à produ9vidade, tem inconvenientes conhecidos: provoca ritmos de trabalho desumanos;
es9mula a compe9ção, por vezes não saudável, entre trabalhadores; etc.

Perante este quadro de interesses contrapostos, vê-se com bons olhos a chamada retribuição
mista, possivelmente por se traduzir num compromisso aceitável entre a necessidade de contribuir
para a elevação dos níveis de produ9vidade e a tutela de uma certa segurança para o trabalhador.

Prestações complementares ou acessórias: a base de cálculo

O Art. 262º, nº1 do CT estabelece que, “quando disposição legal, convencional ou contratual
não disponha em contrário, a base de cálculo de prestação complementar ou acessória é cons9tuída
pela retribuição base e diuturnidades”.

Ao fixar uma base de cálculo para o apuramento das prestações complementares e acessórias
devidas ao trabalhador, este disposi9vo legal traduz-se numa resposta às dificuldades resultantes da
rela9vidade da própria noção de retribuição.

Ana Luísa Mar+ns 80


1º Turma
2020/2021
No Art. 262º, nº2 do CT, o legislador apresenta uma definição para as noções de retribuição
base e diuturnidade. Porém, se rela9vamente a esta úl9ma a missão legisla9va parece ter sido
concluída com êxito, já o mesmo não se poderá dizer no tocante à primeira daquelas noções.

Ora, esta norma entende por retribuição base a prestação “correspondente à a9vidade do
trabalhador no período normal de trabalho”. A formulação legal parece pouco esclarecedora,
deixando de fora aquilo que, para Jorge Leite, cons9tui o cerne da retribuição base: o seu caráter de
“contrapar9da da prestação standard”, isto é, de contrapar9da da prestação laboral realizada em
condições consideradas normais ou comuns.

Assim, segundo Jorge Leite, deve entender-se por retribuição base “a prestação que de acordo
com o critério das partes, da lei, do IRC ou dos usos, é devida ao trabalhador com determinada
categoria profissional pelo trabalho de um dado período realizado em condições consideradas
normais ou comuns para o respe9vo setor ou profissão”.

Em conformidade com este entendimento, serão prestações complementares à retribuição


base “todas as restantes devidas ao trabalhador em razão de fatores diferentes do da prestação de
trabalho em condições consideradas normais ou comuns: por mo9vo de acréscimo de despesa real
ou presumido, em determinadas épocas do ano, por an9guidade na empresa ou na categoria, em
razão da par9cular penosidade, isolamento ou risco em que o trabalho é prestado, etc.”.

Determinação do valor da retribuição

No que diz respeito à determinação do valor da retribuição, importa atender aos seguintes
parâmetros norma9vos:

1. “É garan9da aos trabalhadores uma retribuição mínima mensal, seja qual for a modalidade
pra9cada, cujo valor é determinando anualmente por legislação específica, ouvida a Comissão
Permanente da Concertação Social” (Art. 273º, nº1, do CT). Este preceito legisla9vo situa-se
na linha do disposto no Art. 59º, nº2 a) da CRP.

Trata-se, pois, de estabelecer uma retribuição mensal mínima, em ordem a garan9r um


rendimento mínimo aos trabalhadores mais desfavorecidos e com menor poder negocial face
aos empregadores. Assim sendo, nada impedirá as fontes juslaborais inferiores (como a CCT
e os contratos individuais de trabalho) de fixar salários mais elevados, mas já lhes será
proibido estabelecer salários inferiores ao mínimo legal.

Qualquer cláusula convencional ou contratual que fique aquém deste valor mínimo
será nula, por violar uma disposição de natureza rela9vamente impera9va.

Ana Luísa Mar+ns 81


1º Turma
2020/2021
A retribuição mínima mensal garan9da deverá ainda assumir um caráter nacional e
interprofissional ou intercategorial. A definição dos valores da retribuição mínima deverá
obedecer a diversos fatores, nem sempre facilmente conciliáveis entre si, de ordem social e
de ordem económica, sendo certo que a lógica subjacente a esta retribuição mínima é a de
permi9r sa9sfação das necessidades básicas dos trabalhadores e garan9r uma existência
condigna destes.
Atendendo à supramencionada rela9vidade da noção de retribuição, o Art. 274º do CT
procura esclarecer o intérprete sobre as prestações patrimoniais incluídas e as prestações
patrimoniais excluídas do conceito de retribuição, para efeitos do salário mínimo nacional.

2. “Na determinação do valor da retribuição deve ter-se em conta a quan9dade, natureza e


qualidade do trabalho, observando-se o princípio que, para trabalho igual ou de valor igual,
salário igual” (Art. 270º do CT). Este preceito traduz-se na transposição para a legislação legal
do essencial do princípio enunciado no Art. 59º, nº1 a) da CRP, nos termos do qual todos os
trabalhadores, sem dis9nção de sexo, raça, cidadania, etc., têm direito à retribuição do
trabalho, segundo a quan9dade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para
trabalho igual salário igual, de forma a garan9r uma existência condigna.

Em sede de determinação do valor da retribuição, o conhecido e consagrado princípio


trabalho igual, salário igual tem gerado bastantes dificuldades no que toca à exata delimitação
do seu sen9do e do seu alcance prá9co. Em termos gerais, parece adquirida a afirmação de
que com tal princípio não se visa alcançar um qualquer igualitarismo extremo.

O que este princípio proíbe não é a diferenciação salarial, mas sim a discriminação
salarial, ou seja, a diferenciação injus9ficada, baseada, por exemplo, em fatores como o sexo
e a raça.

Já cons9tuem fundamento bastante para a diferenciação e itulos legi9madores da mesma os


fatores ligados à dis9nta quan9dade (duração ou intensidade), natureza (dificuldade ou
penosidade) e qualidade (mérito ou produ9vidade) do trabalho prestado. Há, pois, diferenças
admissíveis e diferenças inadmissíveis, traduzindo-se o princípio da igualdade de tratamento
na exigência de um fundamento material para a diferenciação salarial.

3. O CT consagra a chamada “garan9a da irredu9bilidade da retribuição” no seu Art. 129º, nº1


d) do CT, nos termos do qual é proibido ao empregador “diminuir a retribuição, salvo nos casos
previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação cole9va de trabalho”. Esta
proibição de regressão salarial significa que não é lícita a diminuição da retribuição, nem por

Ana Luísa Mar+ns 82


1º Turma
2020/2021
decisão unilateral do empregador, nem mesmo por mero acordo inter partes. Dir-se-ia que a
lei procura poupar o trabalhador a possíveis pressões da en9dade empregadora, num domínio
que para aquele é vital.

Cumprimento da obrigação retribuEva

• Forma e prova do cumprimento

O modo como pode ser paga a retribuição encontra-se regulado no Art. 276º do CT, norma
esta que revela um dos mais importantes atributos do salário: o seu caráter intrinsecamente
patrimonial, mas não necessariamente (apenas tendencialmente) pecuniário. Na verdade, de acordo
com o nº 1 deste ar9go, “a retribuição é sa9sfeita em dinheiro ou, estando acordado, em prestações
não pecuniárias, nos termos do Art. 259º”, prestações estas que, como é óbvio, não sendo pecuniárias
não deixam de assumir um caráter patrimonial, e que por isso mesmo são reduiveis a um equivalente
pecuniário. Aliás, como já vimos, o Art. 258º, nº2 do CT refere poder a retribuição compreender
prestações em dinheiro ou em espécie.

No que à obrigação retribu9va diz respeito, é ponto pacífico que cabe ao empregador fazer a
prova do respe9vo cumprimento. Para tal efeito, é admissível qualquer meio de prova, porém,
também aqui se confirma a tese de que o melhor meio de prova do cumprimento é representado
pela quitação. Na verdade, a en9dade empregadora pode exigir a quitação do trabalhador, nos termos
gerais do Direito con9dos no Art. 786º, nº1 do CC, podendo ainda recusar-se a cumprir enquanto a
quitação não for dada (nº 2 do mesmo ar9go).

Esta é uma matéria em que a singularidade da dívida salarial se vem a revelar em toda a sua
extensão:
o ordenamento juslaboral obriga, com efeito, à passagem de um “recibo” aquando do pagamento da
retribuição. O documento a que alude o Art. 276º, nº3 do CT não se traduz numa qualquer quitação,
não visa facilitar a prova do cumprimento ao devedor-empregador, mas, ao invés, consiste numa
obrigação estabelecida no interesse do credor-trabalhador, visando permi9r-lhe um controlo a
posteriori sobre os seus créditos e respe9va (in)sa9sfação.

Nada disto invalida o que se escreveu supra, isto é, que o empregador pode, pagando o salário,
exigir a quitação. Esta quitação será, aliás, normalmente dada mediante a assinatura, pelo
trabalhador, do duplicado do documento previsto nº nº 3 do Art. 276º do CT, assim se cons9tuindo
um documento par9cular que prova o recebimento, pelo credor, das importâncias nele anunciadas.

• Lugar e tempo do cumprimento

Ana Luísa Mar+ns 83


1º Turma
2020/2021
No que diz respeito ao local onde deverá ser efetuada a prestação retribu9va, deve dizer-se
que este é um domínio em que vigora com grande amplitude o princípio da autonomia privada,
podendo as partes convencionar livremente esse local, esta é a regra geral estabelecida no CC (Art.
772º, nº1) e é também o princípio acolhido no Art. 277º, nº1 do CT.

Estamos perante uma norma suple9va, porém, ainda assim, os interesses dos trabalhadores
não são descurados pela lei, pois esta não se desinteressa totalmente da situação na hipótese de as
partes es9pularem um outro local para o pagamento do salário: o nº 2 do Art. 277º do CT prescreve
que, “caso a retribuição deva ser paga em lugar diverso do local de trabalho, o tempo que o
trabalhador gastar para receber a retribuição considerar-se tempo de trabalho”.

Quanto à matéria do tempo do cumprimento, regulada no Art. 278º do CT, é sabido que o
contrato de trabalho apresenta como uma das suas caraterís9cas mais relevantes a de ser um
contrato de execução sucessiva. A obrigação retribu9va insere-se, assim, na categoria das chamadas
obrigações duradouras, mais concretamente na sua modalidade das obrigações periódicas ou
reiteradas. Significa isto que o tempo se revela um fator de extrema importância no tocante à
conformação global da prestação do empregador, influenciando decisivamente o respe9vo conteúdo.
Esta influência faz-se sen9r a dois níveis:
1. Por um lado, de acordo com o Art. 261º do CT, o tempo traduz-se na unidade de cálculo
da retribuição certa;
2. Por outro lado, nos termos do Art. 278º, nº1 do CT, o tempo funciona também como
unidade de vencimento da retribuição;

E, tal como sucede em matéria de lugar do cumprimento, também aqui a lei demonstra grande
flexibilidade, admi9ndo diversa es9pulação das partes e a relevância dos usos, bem como indicando
como possíveis unidades de vencimento tanto a semana, como a quinzena, como ainda o mês.

A referida maleabilidade legal tem, contudo, limites, não afetando esta afirmação: a obrigação
retribu9va há-de vencer-se sempre “por períodos certos e iguais” (exigência ineliminável).

A obrigação retribu9va vence-se automa9camente, isto é, sem necessidade de prévia


interpelação por parte do credor-trabalhador, solução que decorre logicamente da existência de

uma data predeterminada para o respe9vo cumprimento (Art. 805º, nº1 e 2 al. a) do CC). Nos termos
do Art. 278º, nº4 do CT, o montante da retribuição deve estar à disposição do trabalhador na data do
vencimento ou em dia ú9l anterior, pelo que o empregador ficará cons9tuído em mora se o
trabalhador, por facto que não lhe seja imputável, não puder dispor do montante da retribuição na
data do vencimento (nº 5 do mesmo preceito legal).

Como se vê, toda a disciplina jurídica do tempo do cumprimento da obrigação retribu9va


estruturase com base na ideia da pós-remuneração: o salário deve ser pago posteriormente à

Ana Luísa Mar+ns 84


1º Turma
2020/2021
correla9va prestação de trabalho, não antecipadamente. Isto traduz-se numa posição de certo
privilégio para a en9dade empregadora.

A especial tutela da retribuição

Atendendo à função alimentar desempenhada pela retribuição, compreende-se que o ordenamento


jurídico conceda uma par9cular proteção a este direito. De resto, o próprio Art. 59º da CRP estabelece
que cabe ao Estado assegurar a retribuição a que os trabalhadores têm direito (nº2), sendo que o seu
nº3 acrescenta que “os salários gozam de garan9as especiais, nos termos da lei”. Vejamos, algumas
soluções regimentais reveladoras daquela especial proteção.

Prescrição dos créditos laborais

• A prescrição dos créditos (ideias sumárias)

Nos termos do disposto no Art. 337º, nº1 do CT, “o crédito de empregador ou de trabalhador
emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a par9r
do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.

Nas palavras de Orlando de Carvalho, “a prescrição é uma forma de ex9nção de direito de


crédito, área do Direito das Obrigações, direitos que deixam de ser judicialmente exigíveis, passando
a obrigação civil a obrigação natural”.

Na verdade, o decurso do tempo é um acontecimento natural juridicamente relevante, ou


seja, é produtor de efeitos jurídicos. E um dos seus efeitos consiste, precisamente, em fazer cessar a
exercitabilidade dos direitos subje9vos. Depois de decorrido o prazo da prescrição e de esta ser
invocada pelo devedor, o crédito não fica propriamente ex9nto, mas a obrigação de o pagar passa de
civil a natural. Quer dizer: invocada a prescrição (note-se que o tribunal não pode suprir, de ofcio, a
prescrição, carecendo esta de ser invocada por aquele a quem aproveita (Art. 303º do CC), pelo que,
se o devedor vier a pagar depois de completado o prazo prescricional, mas antes de invocar a
prescrição, a sua prestação corresponde ao cumprimento de uma obrigação civil) o vínculo não se
ex9ngue, mas a sua juridicidade resulta algo reduzida, imperfeita, pois a respe9va garan9a limita-se
à soluGo retenGo, a não poder o obrigado repe9r o que haja prestado, não valendo a prestação como
liberalidade, mas sim como pagamento (Art. 340º do CC).

O verdadeiro alcance do ins9tuto prescricional reside em tornar o cumprimento da obrigação


inexigível ou incoercível.

Quanto aos fundamentos em que assenta a prescrição de créditos:


Ana Luísa Mar+ns 85
1º Turma
2020/2021
1. A posição da doutrina dominante tende a apontar como seu fundamento específico a
punição da negligência do 9tular do direito de em exercê-lo durante o período de
tempo indicado na lei;

2. Outro fundamento também está na probabilidade de ter sido feito o pagamento, na


presunção de renúncia do credor, na consolidação de situações de facto, na proteção
do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento ou sossegado quanto à
exigência da dívida, na necessidade social da segurança jurídica e certeza de direitos
pra9camente caducos, na de promover o exercício oportuno de direito;

No que concerne ao curso da prescrição, cabe dizer que, regra geral, o seu início dá-se quando
o direito puder ser exercido, conforme determina o Art. 306º, nº1 do CC. Em princípio, para que o
prazo da prescrição comece a correr torna-se necessário, mas também suficiente, que a dívida seja
exigível, que a obrigação vença.

O respe9vo início pode, no entanto, ser impedido por determinados mo9vos, isto é, pelas
chamadas suspensivas da prescrição. De facto, o CC prevê, entre os Arts. 318º a 322º, diversas causas
da suspensão da prescrição, causas essas que, dir-se-ia, “adormecem” esta úl9ma. Consiste tal
suspensão em não se contar para o efeito da prescrição do tempo decorrido enquanto durarem certos
factos ou situações. Fala-se em suspensão do curso quando ela impede o início ou o curso da
prescrição e em suspensão do termo quando ela impede que tempo da prescrição se complete.

• A ra*o do Art. 337, nº1 do CT

Após estas ideias sumárias, sobre o ins9tuo da prescrição, cumpre analisar o disposto do Art.
337º, nº1 CT, que logo nos revela que:
1. Não existe um regime específico de prescrição para os créditos do trabalhador (salariais
ou não), pois o ar9go estabelece um tratamento uniforme para todos os créditos oriundos
da relação de trabalho, independentemente do seu 9tular ser o trabalhador ou o
empregador;

2. A nota alimentar possuída pelo direito ao salário não implica respe9va imprescri9bilidade,
visto que a lei não declara o crédito salarial isento de prescrição (por exemplo: Art. 298º,
nº1 do CC);

3. Os créditos laborais são, porém, imprescriiveis na vigência da relação de trabalho, dado


que o prazo prescricional só começa a correr a par9r do dia seguinte àquele em que cessou
o contrato de trabalho;

Ana Luísa Mar+ns 86


1º Turma
2020/2021
Com efeito, deparamo-nos com uma verdadeira suspensão do curso da prescrição
enquanto vigorar o contrato de trabalho. Esta solução prende-se com a desigualdade das
forças em presença nesta relação: à normal superioridade económica e social do
empregador acrescentase, ao celebrar-se o contrato de trabalho, a subordinação jurídica
do trabalhador, o que tudo vai ter importantes reflexos a nível psicológico, originando
fenómenos de inibição e receio do trabalhador face ao empregador (a maioria dos casos
em que o trabalhador aparece a fazer valer os seus direitos verifica-se após a cessação do
contratos, quando os fatores referidos deixam de ter suporte e o trabalhador já não receia
com as consequências da sua inicia9va). A relação de trabalho subordinado é uma
daquelas que, não se torna impossível o exercício do direito prescribendo, torna-o
par9cularmente oneroso.

Como é evidente, as ponderosas razões que solicitam uma disciplina especial para a
prescrição dos créditos do trabalhador não estão presentes na hipótese do 9tular dos
créditos resultantes do contrato de trabalho ser o empregador. Não se vislumbra, por isso,
fundamento válido para submeter a tratamento uniforme todos os créditos oriundos da
relação laboral, independentemente de pertencerem ao trabalhador ou ao empregador,
como faz o ar9go. Tratar-se-á, porventura, de uma questão de “mera simetria”.

• A críEca ao Art. 337º, nº1 do CT

O que fica escrito é, segundo se pensa, suficiente para sustentar a bondade da ideia central
ver9da no Art. 337º, nº1 do CT. Contudo, tal não significa, que esta disposição legal seja insusceivel
de reparos:

1. Caráter infundadamente simétrico do preceito. A ver de Leal Amado, a matéria da


prescrição dos créditos laborais há-de ser modelada pelo legislador tendo em conta,
basicamente, dois fatores:
• Por um lado, a situação de dependência em que o trabalhador-credor se encontra
rela9vamente ao devedor-empregador, a qual aponta para a necessidade de não
permi9r que a prescrição se consome na vigência da relação laboral – aspeto este
que o preceito dá uma solução;

• Por outro lado, o tão engradecido caráter alimentar da retribuição, isto é, a


eminente função social por esta desempenhada, que aponta para a conveniência
do prazo prescricional não ser demasiado curto – aspeto este a que a presente
norma já não dá uma resposta sa9sfatória;

Ana Luísa Mar+ns 87


1º Turma
2020/2021
2. O prazo de prescrição dos créditos laborais é de apenas um ano. Assume aqui par9cular
acuidade o problema dos trabalhadores contratados a termo. Com efeito, um trabalhador
contratado, por hipótese, pelo prazo de seis meses, vê prescrever os créditos de que é
9tular um ano após o termo deste contrato (ou seja, um ano, ou pouco mais, após o
vencimento desses créditos) Ora, isto revela-se injusto, até porque, na maioria dos casos,
são estes os trabalhadores menos conscientes dos seus direitos e mais carentes de
proteção legal. Bem como, não se compreende a razão pela qual os créditos laborais
prescrevem num prazo mais curto do que o das já de si chamadas prescrições de curto
prazo, previstas no Art. 310º do CC;

A solução defendida por Leal Amado para esta situação seria a de uma maior dilatação
do prazo prescricional (por exemplo: de cinco anos, à imagem do estabelecido no Art. 310º
do CC), conjugado com uma suspensão do termo (mediante a qual a prescrição apenas se
pudesse completar, por hipótese, um ano após a cessação do contrato).

A suspensão do contrato de trabalho: o vínculo relaxado


Noção, fundamento e efeitos gerais da suspensão

Sendo um contrato duradouro, o contrato de trabalho pode sofrer modificações de diversa


índole, algumas subje9vas (por exemplo: nas situações de transmissão da empresa ou
estabelecimento, com a inerente subs9tuição legal do transmissário na posição contratual do
transmitente) outras obje9vas (por exemplo: o caso da mobilidade geográfica, com a inerente
transferência do trabalhador para outro local). Porém, o vínculo jurídico-laboral pode ainda conhecer
outras vicissitudes, de 9po suspensivo. Com efeito, o contrato de trabalho pode ficar transitoriamente
suspenso.

A suspensão do contrato de trabalho consiste, nas palavras de Jorge Leite, na “coexistência


temporária da subsistência do vínculo contratual com a paralisação de algum ou alguns dos principais
direitos e deveres dele emergentes”. Trata- se de um ins9tuto que legi9ma o princípio da conservação
do contrato, traduzindo-se numa manifestação do direito à estabilidade no emprego e, em certos
casos, num mecanismo de proteção do devedor transitoriamente impossibilitado de cumprir, através
da garan9a do chamado “direito ao lugar”.

Quanto aos efeitos da suspensão do contrato, o Art. 295º do CT determina que:

Ana Luísa Mar+ns 88


1º Turma
2020/2021
1. Durante a suspensão, mantêm-se os direitos, deveres e garan9as das partes que não
pressuponham a efe9va prestação de trabalho (nº 1). Assim sendo, deveres como os
de assiduidade, obediência ou diligência ficam paralisados durante a suspensão
contratual, mas já o dever de lealdade, nas suas diversas manifestações (não
concorrência, sigilo, etc.), mantém-se atuante. Por outro lado, se o poder direção
patronal fica suspenso, já o poder disciplinar permanece, intocado, ao dispor do
empregador. Quanto à retribuição, depende do 9po de suspensão contratual em
causa;

2. O tempo de suspensão conta-se para efeitos de an9guidade (nº 2) e a suspensão não


tem efeitos no decurso do prazo de caducidade, nem obsta a que qualquer das partes
faça cessar o contrato nos termos gerais (nº 3). Isto significa que, apesar do contrato
estar “adormecido”, o tempo não pára e qualquer dos sujeitos poderá, nos termos
gerais, ex9nguir esse contrato;

3. Terminado o período de suspensão, são restabelecidos os direitos, deveres e garan9as


das partes decorrentes da efe9va prestação de trabalho (nº 4). Uma vez terminada a
suspensão, o trabalhador deverá voltar a laborar, cumprindo todos os deveres a que
está adstrito, sendo que o mesmo se aplica ao empregador;

Importa, ainda, dis9nguir as várias modalidades de suspensão do contrato previstas pelo CT:
a este respeito, decorre do Art. 295º que a suspensão do contrato de trabalho poderá fundamentar-
se na impossibilidade temporária da prestação de trabalho por facto rela9vo ao trabalhador
(suspensão individual) ou por facto rela9vo ao empregador (suspensão coleEva). Também o acordo
entre as partes poderá originar a suspensão do vínculo (suspensão consensual). E o CT prevê ainda
uma hipótese, algo aipica, de suspensão do contrato por iniciaEva do trabalhador, fundada na falta
de pagamento pontual da respe9va retribuição.

Suspensão individual, por facto respeitante ao trabalhador

No Art. 296º, nº1 do CT consagram-se as hipóteses clássicas de suspensão do contrato,


exigindo a lei, para que tal suspensão se verifique, os seguintes pressupostos:
1. Que o trabalhador se veja impossibilitado de prestar trabalho, contanto que esse seu
impedimento tenha um caráter temporário (se e quando for defini9vo, o contrato
caducará, nos termos do nº 4);

2. Que este impedimento se prolongue por mais de um mês (se o impedimento durar
menos de um mês, terá aplicação o regime das faltas ao trabalho - Art. 249º, nº 2 d)
do CT);
Ana Luísa Mar+ns 89
1º Turma
2020/2021
3. O facto gerador de impedimento não deverá ser imputável ao trabalhador. A doutrina
entende que este requisito de não imputabilidade se prende com uma relação de
equivalência entre a não imputabilidade e a não voluntariedade, isto é, que o
impedimento de prestar trabalho surja como uma consequência não desejada pelo
trabalhador, como uma consequência involuntária;

O contrato suspender-se-á se sa9sfazer este triplo teste: ser temporário (não defini9vo), ser
prolongado (superior a um mês) e ser involuntário (contrário à vontade do trabalhador).

O cumprimento do serviço militar pelo trabalhador implicará a suspensão do contrato de trabalho?

Numa primeira leitura, o CT parece inclinar-se nesse sen9do, mas a verdade é que, para que o
contrato seja suspenso ao abrigo do nº 1 do Art. 296º do CT, é necessário que o impedimento do
trabalhador seja involuntário. Ora, se tal requisito se mostrava sa9sfeito quando o serviço militar era
obrigatório, já não se mostra preenchido na hipótese de o serviço militar ser voluntário. Neste caso,
a prestação de serviço militar cons9tui uma opção para o trabalhador, pelo que, se do livre exercício
de tal opção pelo trabalhador resulta uma impossibilidade transitória de prestar trabalho, tal
impossibilidade ser-lhe-á imputável;

A prisão do trabalhador determinará a suspensão do seu contrato de trabalho?

No tocante a esta controver9da questão, pensa-se que, tratando-se de prisão preven9va, o


contrato não poderá deixar de se considerar suspenso, quanto mais não seja por força da presunção
da inocência de que goza o trabalhador-arguido nesse período. Já em relação ao cumprimento de
pena de prisão, aí as opiniões dividem-se. Para Leal Amado, e em consonância com a leitura do
requisito da não imputabilidade que fizemos, julga-se que o cumprimento da pena de prisão se traduz
num impedimento involuntário da prestação de trabalho (o trabalhador pode ter come9do o crime
dolosamente, mas se não o fez com a intenção de o impedir de prestar trabalho, este facto não lhe
será imputável). Pelo que, se preenchidos os outros requisitos do Art. 296º, nº1 do CT, a prisão
determinará a suspensão do vínculo jurídico-laboral. Naturalmente, o que vem a ser dito não obsta a
que o trabalhador possa ser despedido com justa causa, nos termos gerais, caso a conduta criminosa
se analise, igualmente, numa infração disciplinar por si pra9cada.

Segundo o Art. 296º, nº5 do CT: “o impedimento temporário por facto imputável ao
trabalhador determina a suspensão do contrato de trabalho nos casos previstos na lei”. Trata-se, nesta
hipótese, da suspensão do contrato em virtude de um impedimento voluntário do trabalhador,
através do qual se visa proteger outros direitos fundamentais cujo exercício se mostra incompaivel
com a normal execução da prestação de trabalho.

Ana Luísa Mar+ns 90


1º Turma
2020/2021
Se o contrato não ficasse suspenso, com a inerente garan9a do “direito ao lugar”, tais direitos
fundamentais só muito dificilmente poderiam ser exercidos pelo trabalhador, pense-se, desde logo,
no desempenho de certos cargos públicos (como o de deputado, de governante, autarca), mas
também, por exemplo, no desempenho de funções em associações sindicais (Art. 468º, nº8 do CT). É
também o caso da licença parental, inicial ou complementar, em qualquer das suas modalidades, bem
como das demais licenças previstas na lei em sede proteção da parentalidade (Art. 33º e ss. do CT).
Nestes casos, o contrato não se suspende em virtude do Art. 296º, nº5 (ao contrário do que sucede
nas situações do nº 1), o contrato suspender-se-á ao abrigo do nº 5, porque tal vicissitude se encontra
prevista nas disposições legais per9nentes.

Suspensão coleEva por facto respeitante ao empregador

O contrato de trabalho pode, também, suspender-se por facto rela9vo ao empregador, seja
porque se verifique uma impossibilidade temporária deste receber a prestação de trabalho (Art. 294º,
nº1 do CT), seja porque tal se mostre necessário para assegurar a viabilidade da empresa e a
manutenção dos postos de trabalho, em situação de crise empresarial (nº 2, al. a), do mesmo ar9go).

• Situações de crise empresarial

Nos termos do Art. 298º, nº1 CT: o empregador poderá suspender os contratos de trabalho
“por mo9vos de mercado, estruturais ou tecnológicos, catástrofes ou outras ocorrências que tenham
afetado gravemente a a9vidade normal da empresa, desde que tal medida seja indispensável para
assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção dos postos de trabalho”.

Caso isto aconteça, o empregador deverá comunicar a sua intenção de suspender a prestação
de trabalho à estrutura representa9va dos trabalhadores ou, na sua falta, a cada trabalhador a
abranger, disponibilizando, para consulta, os documentos em que suporta a alegação de situação de
crise empresarial, designadamente de natureza contabilís9ca e financeira (Art. 299º do CT). Em
seguida, o empregador deverá abrir uma fase de informações e de negociação entre as partes, com
vista à obtenção de um acordo sobre a matéria (Art. 300º do CT).

A suspensão do contrato, resultante de um acordo, deve ter uma duração previamente


definida, não superior a 6 meses, prazo que poderá ser prorrogado por mais seis meses, mediante
decisão escrita e fundamentada do empregador (Art. 301º do CT). O prazo de suspensão pode ser de
um ano, em caso de catástrofe ou outra ocorrência que tenha afetado gravemente a a9vidade normal
da empresa.

Direitos e deveres durante a suspensão:

Ana Luísa Mar+ns 91


1º Turma
2020/2021
a) Trabalhador (Art. 304º e 305º do CT):
- Auferir mensalmente um montante mínimo igual a dois terços da sua
retribuição normal ilíquida, ou valor da retribuição mínima mensal garan9da
correspondente ao seu período normal de trabalho, consoante o que for mais elevado
(Art. 305º, nº1 a) do CT);
- Exercer outra a9vidade remunerada (Art. 305º, nº1 c) do CT);
- Encontra-se adstrito a frequentar as ações de formação profissional previstas
no plano de formação elaborado pelo empregador (Art. 302º e 304º, nº1 c) do CT);

b) Empregador (Art. 303º do CT):


- Efetuar pontualmente o pagamento da compensação retribu9va;
- Não distribuir lucros;

A decisão de suspender os contratos de trabalho, com a inerente redução de custos salariais,


provém do empregador e não depende de qualquer autorização administra9va. Para o empregador,
os custos salariais reduzem-se por uma dupla via:
1. A compensação retribu9va a pagar ao trabalhador será de montante inferior à sua
retribuição normal;
2. A Segurança Social compar9cipa nessa compensação retribu9va suportando 70% da
mesma, cabendo os restantes 30% ao empregador (Art. 305º, nº4 do CT);

É o empregador quem decreta o lay-off, ainda que esta seja uma decisão vinculada, pois só
pode ser tomada, nos termos da lei: “indispensável para assegurar a viabilidade da empresa e a
manutenção dos postos de trabalho” (Art. 298º, nº1 do CT).

Não basta que ocorra uma crise grave na empresa, é ainda necessário que o lay-off seja o
instrumento adequado para assegurar a recuperação da mesma. Tal medida deve ser acompanhada
e fiscalizada pelo serviço com competência inspe9va do ministério responsável pela área laboral. Este
serviço poderá pôr termo à suspensão dos contratos, por inicia9va própria ou a requerimento de
qualquer interessado.

• Encerramento temporário do estabelecimento

Fora do círculo de situações de grave crise empresarial, a suspensão do contrato de trabalho


pode resultar do encerramento temporário da empresa ou do estabelecimento. Neste caso, por
facto rela9vo ao empregador, o trabalhador conserva direitos em matéria retribu9va (Art. 309º do
CT):

Ana Luísa Mar+ns 92


1º Turma
2020/2021
1. Terá direito a receber 75% da retribuição, se o encerramento temporário se ficar a dever a
caso fortuito/imprevisível ou de força maior/inevitável (por exemplo: encerramento devido a
consequência direta da destruição das instalações ou equipamentos, mo9vada por um
desastre natural, incêndio, da falta de combusivel, de energia, de matérias-primas, etc.);

2. Terá direito a receber 100% da retribuição, se o encerramento for causado por facto imputável
ao empregador ou a mo9vo do interesse deste (encerramento para obras de remodelação,
para subs9tuição ou reparação de equipamentos, por delitos contra a saúde pública ou por
violação de normas sobre a segurança no trabalho, etc.);

De qualquer modo, o Art. 309º, nº2 do CT manda subtrair ao valor da retribuição “o que o
trabalhador receba no período em causa por outra a9vidade que tenha passado a exercer por efeito
do encerramento”. Diga-se que esta subtração não deixa de desincen9var fortemente o trabalhador
suspenso de se dedicar a uma outra a9vidade produ9va.

Suspensão consensual, por mútuo acordo

O relaxamento do vínculo contratual pode também acontecer com base no mútuo acordo das
partes. Será o caso, em princípio, da licença sem retribuição, bem como da chamada “pré-reforma”.

• Como se lê no Art. 317º, nº 1 do CT, “o empregador pode conceder ao trabalhador, a pedido


deste, licença sem retribuição”, a qual determinará a suspensão do contrato de trabalho, com
os efeitos previstos no Art. 295º do CT. Trata-se de uma faculdade discricionária das partes,
isto é, qualquer que seja o mo9vo subjacente ao pedido, as partes poderão determinar a
suspensão do vínculo jurídico-laboral, para tanto sendo necessário e suficiente, que nisso
acordem;

• As partes poderão celebrar um acordo de pré-reforma, suspendendo o contrato de um


trabalhador com idade igual ou superior a 55 anos e passando este a receber do empregador
uma prestação pecuniária mensal (Art. 318º do CT). O acordo de pré-reforma está sujeito a
forma escrita, devendo conter, entre outras indicações, a do montante da prestação de pré-
reforma (Art. 319º do CT), que não poderá ser inferior a 25% da retribuição do trabalhador na
data do acordo (Art. 320º do CT).

Se o empregador não pagar pontualmente a prestação da pré-reforma, o trabalhador


terá o direito de retomar as funções ou, em alterna9va, o de resolver o contrato, com direito
a indemnização (Art. 321º do CT). As hipóteses de cessação da pré-reforma encontram-se

Ana Luísa Mar+ns 93


1º Turma
2020/2021
previstas no Art. 322º do CT, entre elas se destacando, naturalmente, a da reforma do
trabalhador, por velhice ou invalidez.

Suspensão por decisão do trabalhador

A falta de pagamento pontual da retribuição confere ao trabalhador a faculdade de


suspender o contrato (Art. 323º, nº3 do CT). Segundo o nº1 do Art. 325º do CT, “no caso de falta de
pagamento pontual da retribuição por período de 15 dias sobre a data do vencimento, o trabalhador
pode suspender o contrato de trabalho, mediante comunicação por escrito ao empregador e ao
serviço com competência inspe9va do ministério responsável pela área laboral, com a antecedência
mínima de oito dias em relação à data de início da suspensão”.

Esta modalidade de suspensão consiste numa modalidade aipica de suspensão do contrato


de trabalho. Na verdade, encontramos aqui, uma adaptação da figura civilís9ca da exceção de não
cumprimento do contrato ao âmbito juslaboral. Ao contrário do que sucede com a ipica suspensão
do contrato de trabalho, este é um meio rea9vo-defensivo à disposição do credor insa9sfeito,
diferentemente das outras figuras de suspensão que são um expediente à disposição do devedor.

A faculdade do trabalhador suspender a prestação de trabalho consiste, por conseguinte, num


regime especial de exceção de não cumprimento do contrato, a invocar pelo trabalhador no caso da
falta de pagamento da retribuição. A exceção do não cumprimento do contrato traduz-se num
mecanismo que encontra o seu campo de eleição nos contratos bilaterais, com prestações
correspe9vas ou correla9vas. Ou seja, a exceção traduz-se numa resposta legí9ma do credor-
trabalhador à falta de cumprimento do empregador.

Durante a suspensão, mantêm-se os direitos, deveres e garan9as das partes na medida em


que não pressuponham a efe9va prestação de a9vidade, podendo o trabalhador exercer outra
a9vidade remunerada, desde que não viole o dever de lealdade para com o empregador originário
(Art. 326º do CT).

A suspensão contratual pode cessar por qualquer das vias previstas no Art. 327º do CT:
1. Por atuação patronal (pagamento integral das retribuições dívida e juros de mora);
2. Por acordo entre as partes (tendente à regularização das retribuições em dívida e
juros de mora);
3. Por vontade do trabalhador (comunicando ao empregador e ao serviço com
competência inspe9va que põe termo à suspensão a par9r de determinada data);

Acresce, contudo, que a vontade de o trabalhador terminar a suspensão do contrato tanto


poderá resultar no seu regresso ao trabalho, como, pelo contrário, traduzir-se na dissolução do
vínculo contratual mediante resolução, ao abrigo do disposto no Art. 394º do CT.
Ana Luísa Mar+ns 94
1º Turma
2020/2021
Na verdade, e em tese, nada impede que o trabalhador use sucessivamente estes dois meios
rea9vos: primeiro suspende o contrato e depois resolve-o. No entanto, o atual CT vem dificultar a
u9lização sucessiva destes dois meios, pois o prazo para a resolução do contrato esgotar-se-á
rapidamente, ao que parece, após 90 dias de mora patronal, como resulta do disposto nos números
1 e 2 do Art. 395º do CT.

A cessação do contrato de trabalho: o vínculo dissolvido


Significado e alcance do regime da cessação do contrato de trabalho

A ex9nção do contrato de trabalho significa, para o trabalhador, a perda do emprego. E é


sabido que, quando a perda do emprego ocorre sem ou contra a vontade do trabalhador, as
consequências dessa perda, a nível social e humano, podem ser devastadoras, sobretudo quando se
trate de trabalhadores pouco qualificados e já não muito jovens.

No regime jurídico da cessação do negócio duradouro, que é o contrato de trabalho, verifica-


se uma tensão permanente entre dois princípios an9nómicos: o princípio da liberdade de
desvinculação contratual e o princípio da estabilidade do vínculo laboral.

A este propósito, o nosso marco cons9tucional fornece indicações incontornáveis, pois os Arts.
47º e 51º da CRP consagram, respe9vamente, os princípios estruturantes da liberdade de trabalho e
profissão e da segurança no emprego. Os princípios cons9tucionais em apreço apontam, assim, para
uma ní9da diferenciação de regimes, consoante a inicia9va de rutura contratual parta do empregador
(despedimento) ou do trabalhador (demissão). Ainda que, insistamos, que não haja aqui valores
absolutos, pois a estabilidade não significa inamovibilidade (o trabalhador pode perder o emprego
contra a sua vontade), assim como a liberdade não implica luz verde para uma rutura contratual
inopinada por parte do trabalhador (este pode ter de aguardar para se desvincular licitamente).

Formas de cessação do contrato de trabalho

São quatro as formas de cessação do contrato de trabalho, previstas no Art. 340º do CT. Com
efeito, este ex9nguir-se-á:
1. Por vontade do empregador (despedimento);
2. Por vontade do trabalhador (demissão);
3. Por vontade de ambos os sujeitos (revogação);
4. Pela verificação de certo evento superveniente a que a lei atribui esse efeito
(caducidade);

Ana Luísa Mar+ns 95


1º Turma
2020/2021
As formas de ex9nção do contrato são apenas as previstas na lei (no CT ou em outro diploma
legal), atenta a impera9vidade absoluta. O terreno norma9vo da ex9nção contratual encontra-se, em
princípio, vedado à contratação cole9va e ao contrato de trabalho individual (Art. 339º, nº1 do CT).

ExEnção por caducidade

Segundo o Art. 343º do CT: “o contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente:
1. Verificando-se o seu termo;
2. Por impossibilidade superveniente, absoluta e defini9va, de o trabalhador prestar o seu
trabalho ou de o empregador o receber;
3. Com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez”.

O contrato a termo (Art. 344º e 345º do CT), dir-se-ia, “nasce para caducar”: se tudo correr
de acordo com o previsto aquando da celebração do contrato, este caducará quando se verificar o
respe9vo termo final ou resolu9vo. Mas, como é óbvio, a caducidade não é figura exclusiva do
contrato a termo. Um contrato sem termo, também se poderá ex9nguir por via da caducidade. E, de
resto, o próprio contrato a prazo também poderá caducar antes de se verificar o termo resolu9vo.

Com efeito, a lei estabelece que o contrato de trabalho caducará “por impossibilidade
superveniente, absoluta e definiEva” (Art. 343º b) do CT), seja de o trabalhador prestar o seu
trabalho, seja de o empregador o receber.

Terá de se tratar, pois, de uma situação de impossibilidade que preencha, cumula9vamente,


estes três requisitos:

1. Superveniente: se a impossibilidade for originária o contrato será nulo (Art. 401º do CC);
2. DefiniEva: se a impossibilidade for temporária, isso poderá implicar a aplicação do regime
da suspensão do contrato;
3. Absoluta: requisito algo redundante, visto que se a impossibilidade não for absoluta, mas
rela9va é porque não se tratará de uma impossibilidade, mas de uma mera dificuldade
ou onerosidade da prestação;

A situação que melhor ilustra a hipótese prevista na alínea b) do Art. 343º do CT será a morte
do trabalhador. Com efeito, se a morte do trabalhador determina a caducidade do respe9vo contrato,
devido, precisamente, ao caráter intrinsecamente pessoal da obrigação assumida por aquele, já a
morte do empregador não implicará semelhante efeito ex9n9vo. Assim, se o empregador em nome
individual falecer, mas se os seus sucessores con9nuarem a a9vidade para que o trabalhador se
encontre contratado, ou caso se verifique a transmissão da empresa, o contrato manter-se-á em vigor,
registando-se apenas uma mudança subje9va do mesmo (Art. 346º, nº1 do CT). E também assim será
no caso da ex9nção da pessoa cole9va empregadora, como refere o nº 2 do preceito.

Ana Luísa Mar+ns 96


1º Turma
2020/2021
Para o CT, o facto opera9vo da ex9nção do vínculo contratual reside, não naquela ou nesta
morte, mas antes no encerramento da empresa. Assim, nos termos do nº3 do Art. 346º do CT, “o
encerramento total ou defini9vo da empresa, determina a caducidade do contrato de trabalho,
devendo seguir-se o procedimento previsto nos Arts. 360º e seguintes, com as necessárias
adaptações”. Em qualquer destes casos, e porque o contrato caducará por facto não imputável ao
trabalhador, este terá direito à compensação devida em caso de despedimento cole9vo, pela qual
responde o património da empresa (Art. 346º, nº5 do CT). Acresce que, no caso das microempresas,
as exigências procedimentais são dispensadas pela lei, requerendo-se apenas que o trabalhador seja
informado do respe9vo encerramento com uma determinada antecedência (Art. 346º, nº4 do CT).

Com base no que foi dito, importa não esquecer que:


1. Podendo uma empresa ter diversos estabelecimentos, o encerramento de um deles não
determinará a caducidade dos contratos de trabalho, pois a caducidade exige o
encerramento total da empresa;

2. O encerramento defini9vo da empresa que ocorra sem respeito pelas exigências


procedimentais ou sem respeito pelo competente aviso prévio sujeitará o empregador
a responsabilidade penal, nos termos dos Arts. 315º e 316º do CT.

Nos termos do Art. 343.º c) do CT, o contrato de trabalho caduca com “a reforma do
trabalhador, por velhice ou invalidez”. A reforma surge como uma das causas de caducidade do
contrato de trabalho.

Pergunta-se: poderá o trabalhador reformado, mas não incapacitado, con9nuar a


desempenhar a sua a9vidade? Apesar de contra as razões de polí9ca de emprego a resposta ser,
tendencialmente, nega9va, a verdade é que a salvaguarda dos interesses do trabalhador reformado,
e dos benefcios que a sua experiência profissional podem trazer para o empregador, fazem com que
a lei, nesta matéria, dê uma resposta tendencialmente posi9va de 9po compromissório. De acordo
com o Art. 348º, nº1 do CT: “considera-se a termo o contrato de trabalho de trabalhador que
permaneça ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma
por velhice”. Ou seja, a lei autoriza que o trabalhador reformado por velhice permaneça ao serviço e
converte o respe9vo contrato de trabalho num contrato a termo, assim tornando precária a relação
laboral em causa e assim facilitando a desvinculação ao empregador, quando este entender que a
presença do trabalhador reformado no seu posto deixa de ser ú9l.

Trata-se, como a doutrina assinala, de um “termo impróprio”, resultante da lei e não de


es9pulação contratual. Segundo o nº2 do Art. 348º, esse contrato ficará sujeito ao regime codicís9co
do contrato a termo resolu9vo, mas “com as necessárias adaptações e as seguintes especificidades:
a) É dispensada a redução do contrato a escrito;
b) O contrato vigora pelo prazo de seis meses, renovando-se por períodos iguais e sucessivos,
sem sujeição a limites máximos;

Ana Luísa Mar+ns 97


1º Turma
2020/2021
c) A caducidade do contrato fica sujeita a aviso prévio de 60 ou 15 dias, consoante a inicia9va
pertença ao empregador ou ao trabalhador;
d) A caducidade não determina o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador”;

Quid juris se o trabalhador envelhece sem desencadear o seu processo de reforma? A resposta
encontrase no nº 3 do Art. 348º, segundo o qual o regime dos números 1 e 2, dirigido para o
trabalhador que se reforma por velhice e permaneça ao serviço, é também aplicável “a contrato de
trabalho de trabalhador que a9nja 70 anos de idade sem ter havido reforma”. Tenha ou não
consciência disso, o trabalhador que a9nja 70 anos de idade passa a ter um contrato que se
transforma num contrato a prazo.

A disciplina jurídica constante do Art. 348º do CT suscita uma outra questão. Pergunta-se: e se o
trabalhador, já reformado ou com 70 anos de idade ou mais, celebrar um contrato de trabalho com
outro empregador? Será este contrato, forçosamente, um contrato a termo, sujeito às especificidades
do nº2 do Art. 348º do CT? O ponto suscita dúvidas, mas, para Leal Amado, nem a letra nem a raGo
do preceito legal permitem aplicar a respe9va estatuição à contratação de um trabalhador reformado
ou com mais de 70 anos, pois as situações, até na ó9ca do risco empresarial, não são idên9cas nos
dois casos.

ExEnção por mútuo acordo

• A cessação por acordo

“O empregador e o trabalhador podem fazer cessar o contrato de trabalho por acordo” (Art. 349.º,
nº1 do CT). Com efeito, a qualquer momento, em qualquer modalidade de contrato de trabalho, por
qualquer razão e sem necessidade de apresentação de qualquer mo9vo para rutura, o empregador e
o trabalhador podem proceder à revogação bilateral do vínculo jurídico-laboral.

Assis9mos aqui a um autên9co despedimento negociado, significando isto que, no nosso


ordenamento, a revogação do contrato tende a funcionar como verdadeira válvula de escape ao
serviço do empregador. Isto é, se o empregador não é livre de, por sua inicia9va unilateral e com base
em razões insindicáveis, despedir o trabalhador, mas se isso mesmo já puder suceder caso a inicia9va
da rutura provenha do trabalhador, então, é lógico que a revogação por acordo surja como um
expediente técnico-jurídico altamente atra9vo para o empregador, permi9ndo-lhe, assim superar as
dificuldades materiais e contornar as incomodidades procedimentais ligadas ao despedimento, de
forma expedita.

Tudo isto explica que, na prá9ca, a proposta de acordo revogatório provenha, sistema9camente,
do empregador, e que o interesse em alcançar tal acordo seja, quase invariavelmente, do empregador.

Ana Luísa Mar+ns 98


1º Turma
2020/2021
• A exigência da forma escrita

A exigência de forma escrita formulada pelo nº 2 do Art. 349º do CT, existe para facilitar a prova
do acordo de cessação. Esta exigência da forma escrita tem em vista a proteção do trabalhador e da
própria estabilidade do vínculo laboral, procurando assegurar que a sua vontade se forma de modo
livre, esclarecido e ponderado.

Por isso a lei exige que o acordo revogatório conste de um documento escrito, ou seja, exige-se
uma solenidade superior àquela que, em regra, é exigida para a própria celebração do contrato de
trabalho. A inobservância da forma escrita implicará a nulidade do acordo revogatório, nos termos
gerais do Art. 220º do CC.
Os efeitos ex9n9vos do acordo revogatório poderão ser imediatos, isto é, coincidir com a data da
celebração da rescisão, mas também poderão ser adiados para momento posterior, caso em que o
acordo revogatório será aplicado um termo suspensivo. Na verdade, o nº 3 do Art 349º do CT
dis9ngue com clareza ambos os momentos, exigindo que o documento mencione expressamente a
data da celebração do acordo e a de início da produção de efeitos.

No documento escrito poderão ser previstos outros efeitos, para além da ex9nção do vínculo
contratual. As partes poderão, por exemplo, estabelecer um pacto de não concorrência (Art. 136º,
nº2 a) do CT), assim como poderão (é o que normalmente sucede) prever o pagamento ao
trabalhador de uma compensação pecuniária, pelo fim do contrato ou pela perda do emprego, bem
como os termos em que esta compensação deverá ser paga. Ponto é, em qualquer caso, que os efeitos
previstos pelas partes não contrariem o disposto na lei, conforme ressalva o nº 4 do Art. 349º do CT.

• Compensação pecuniária global

O nº 5 do Art. 349º do CT refere-se, precisamente, à chamada compensação de fim de contrato,


tantas vezes acordada entre as partes. Não sendo esta uma compensação devida por força da lei, a
grande frequência com que esta é es9pulada deve-se ao facto de ela surgir como uma espécie de
“preço do despedimento negociado”.

Sendo estabelecida uma compensação pecuniária global para o trabalhador, “presume-se que
esta inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta”. Trata-
se, pois, de uma presunção legal que opera em benefcio do empregador. Na ausência desta
disposição legal, o estabelecimento de uma compensação pecuniária para o trabalhador em nada
interferiria com o pagamento dos restantes créditos que lhe fossem devidos por força do contrato
(salários em atraso, pagamento de horas suplementares, etc.) ou da sua cessação (retribuição e
subsídio de férias, etc.). A compensação pecuniária seria um extra, algo que acresceria àquilo que o
trabalhador teria direito a receber em função do contrato e/ou respe9va cessação.

Ana Luísa Mar+ns 99


1º Turma
2020/2021
Com efeito, o trabalhador a quem seja proposta a compensação pecuniária de x em caso de
revogação do contrato tenderá a pensar que, aceitando a proposta patronal, terá direito a receber x
(valor da compensação) mais y (salários em atraso) e z (montante rela9vo a créditos de formação
sucessiva, como férias e subsídios de Natal). A lei, porém, presume que x já engloba y e z, o que, até
tendo em atenção a função alimentar desempenhada pelo salário, parece dificilmente sustentável.

É certo que:
a) A presunção legal só opera caso as partes estabeleçam uma compensação de natureza global,

pelo que nada as impede de esclarecer a compensação de x, sem prejuízo dos créditos de y e
z;

b) A natureza global da compensação não se presume se as partes especificarem o itulo ao


abrigo do qual o montante acordado será pago (indicando, por exemplo, que este será devido
a itulo de “indemnização pela cessação do contrato”, já à referida compensação não será
atribuída uma natureza global, esta será antes parcial;

c) Por outro lado, o trabalhador apanhado de surpresa pela presunção legal pode lançar mão do
direito potesta9vo previsto no Art. 350º do CT (cessação do acordo de revogação), desfazendo
o negócio ex9n9vo do contrato – o chamado direito de arrependimento.

Ao trabalhador deverá ser admi9da a prova de que, apesar de ter sido estabelecida uma
compensação pecuniária de natureza global, as partes não pretenderam incluir nesta os demais
créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua cessação.

• A cessação do acordo de revogação

O Art. 350º do CT concede ao trabalhador o direito potesta9vo de fazer cessar os efeitos do acordo
revogatório. A atribuição deste direito ao trabalhador parece associar-se a uma dupla ordem de
razões: 1. Em primeiro lugar, tenta garan9r que o trabalhador não se precipite, isto é, que pondere
devidamente sobre as consequências do acordo revogatório, gozando de um prazo razoável para se
arrepender e desfazer o acordo da cessação do contrato de trabalho;

2. Em segundo lugar, trata-se de uma resposta legisla9va ao chamado “despedimento


dissimulado”, vale dizer, com este direito potesta9vo reconhecido ao trabalhador
procura evitar-se a prá9ca da dissimulação do despedimento sob a aparência da
rescisão extorquida ao trabalhador através da obrigatoriedade de assinatura por este
de um documento sem data, com o conteúdo de um acordo revogatório. - Combate à

Ana Luísa Mar+ns 100


1º Turma
2020/2021
fraude do empregador e garan9a da ponderação para o trabalhador, eis o duplo móbil
do nº1 do Art. 350º do CT.

Nos termos da lei, os efeitos do acordo revogatório poderão cessar por inicia9va do trabalhador
“até ao sé9mo dia seguinte à data da respe9va celebração”, mediante comunicação escrita dirigida à
en9dade empregadora (Art. 350º, nº1 do CT). Porém, se tal não for possível, esta comunicação terá
de ser feita através de carta com aviso de receção, no dia ú9l subsequente ao fim desse prazo (Art.
350º, nº2 do CT).

Pergunta-se: a par9r de que momento se conta o prazo para exercer este direito? A par9r da data
da celebração do acordo ou a par9r da data do começo da produção de efeitos?

Se a letra da lei parece inequívoca (“até ao sé9mo dia seguinte à data da respe9va celebração”),
devemos atentar à razão do preceito legal: por um lado, o obje9vo de garan9r uma adequada
ponderação por parte do trabalhador exige a distanciação deste rela9vamente ao ambiente de
trabalho e à sua subtração à presença; o obje9vo de combater o “despedimento dissimulado” seria,
por seu turno, facilmente frustrado por semelhante interpretação literal. Por tudo isto, Leal Amado
interpreta que, ao estabelecer que o trabalhador poderá exercer o seu “direito de arrependimento”
até ao sé9mo dia seguinte à data da celebração do acordo revogatório, a lei terá, porventura, tomado
que a data da celebração do acordo revogatório é coincidente com a data da produção de efeitos. Em
suma, e pelas razões expostas, julga-se (ainda com dúvidas) que o prazo para o trabalhador exercer
este direito potesta9vo deverá ser contado a par9r do dia seguinte à data da produção de efeitos do
acordo revogatório, independentemente de esta ser coincidente com a data da sua celebração ou
não.

A cessação dos efeitos do acordo revogatório implica a reposição em vigor do contrato de


trabalho, pelo que se compreende que o trabalhador deva, ao exercer o seu direito, res9tuir ao
empregador aquilo que este lhe tenha pago em virtude da ex9nção do contrato. A devolução de tais
quan9as está prevista no nº 3 do Art. 350º, e é estabelecida como condição de eficácia da cessação
dos efeitos do acordo revogatório.

Segundo o nº 4 do referido preceito, o trabalhador não gozará de direito de arrependimento caso


este seja devidamente datado e as respe9vas assinaturas sejam alvo de reconhecimento notarial
presencial. Ao introduzir esta ressalva, o CT denuncia que, mais ainda do que garan9r uma adequada
ponderação do trabalhador sobre as consequências do acordo revogatório, a razão do nº 4 consiste,
sobretudo, na tenta9va de garan9r a genuinidade de tal acordo, combatendo o fenómeno do
“despedimento dissimulado”.

ExEnção por despedimento com justa causa

Ana Luísa Mar+ns 101


1º Turma
2020/2021
• Noção de justa causa de despedimento

“É proibido o despedimento sem justa causa ou por mo9vos polí9cos ou ideológicos”, lê-se no
Art. 338º do CT), na sequência do disposto no Art. 54º da CRP.

Em termos simples, dir-se-á que o despedimento com justa causa se traduz na sanção disciplinar
máxima susceivel de ser aplicada ao trabalhador. “Cons9tui justa causa de despedimento o
comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e
pra9camente impossível a subsistência da relação de trabalho” (Art. 351º, nº1 do CT). A justa causa
de despedimento assume, portanto, um caráter de infração disciplinar.

As diversas condutas descritas nas várias alíneas do nº 2 do Art. 351º possibilitam uma certa
concre9zação ou densificação da justa causa de despedimento, muito embora deva sublinhar-se que
a verificação de alguma dessas condutas não é condição necessária (dado que a enumeração é
meramente exemplifica9va), nem é condição suficiente (visto que tais alíneas cons9tuem
“proposições jurídicas incompletas”, contendo uma referência implícita à norma geral do nº 1 para a
existência de justa causa.

Esta traduz-se num comportamento censurável do trabalhador, numa qualquer ação ou omissão
que lhe seja imputável a itulo de culpa (não se exige dolo, ainda que a negligência deva ser grosseira)
e que viole deveres de natureza laboral (Art. 128º do CT), quando esse comportamento seja de tal
modo grave, em si mesmo e nos seus efeitos, que torne a situação insustentável, sendo inexigível ao
empregador que lhe responda de modo menos drás9co.

Na apreciação da justa causa, deve atender-se no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão
dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os
seus companheiros às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes (Art. 351º, nº3 do CT). De
todo o modo, o juízo sempre será casuís9co, guiado por uma ideia de proporcionalidade e de jus9ça
individualizante.

• Os deveres do trabalhador

Cabe, agora, dis9nguir o dever principal do trabalhador (a obrigação de prestar trabalho) de


outros deveres secundários meramente acessórios, integrantes da prestação principal, e de deveres
laterais, autónomos da prestação principal. Vejamos alguns desses deveres:
a) Dever de obediência (Art. 128º, nº1 e) do CT): Trata-se do dever que mais fielmente carateriza
o par9cular modo de cumprimento do contrato de trabalho, representando o lado passivo da
subordinação jurídica. Para o trabalhador, “cumprir é, essencialmente, obedecer”. A
“desobediência ilegí9ma às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores”

Ana Luísa Mar+ns 102


1º Turma
2020/2021
(Art. 351º, nº2 a) do CT), lidera o catálogo de situações eventualmente cons9tu9vas de justa
causa de despedimento;

b) Dever de diligência (Art. 128º, nº1 c) do CT): O trabalhador deve “realizar o trabalho com zelo
e diligência”. Trata-se de um dever que se prende com o modo de cumprimento da prestação
principal, significando que trabalhador deverá realizar a prestação com atenção, com esforço
e com o cuidado exigível a um trabalhador normal. Assim, desinteresse repe9do pelo
cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto
de trabalho a que está afeto (Art. 351º, nº2 d) do CT) está na lista de condutas passíveis de
cons9tuir justa causa de despedimento;

c) Dever de assiduidade e pontualidade (Art. 128º, nº1 b) do CT): Trata-se de deveres que
recortam em termos geográficos e temporais, a situação de heterodisponibilidade do
trabalhador. Porém, é certo que, a mera ausência do trabalhador não significa por si só, a
violação do dever de assiduidade (por exemplo: poderá tratar-se de uma falta jus9ficada). As
faltas injus9ficadas, bem como as falsas declarações rela9vas à jus9ficação de faltas, poderão
cons9tuir justa causa de despedimento (Art. 351º, nº2 f) e g) do CT);

d) Dever de lealdade (Art. 128º, nº1 f) do CT), o dever de lealdade tem um conteúdo bastante
ambíguo. O dever de lealdade, manifesta-se hoje, basicamente, nos deveres de não
concorrência e de sigilo profissional, sendo expressão da boa fé contratual e significando que
o trabalhador não deverá aproveitar-se da posição funcional que ocupa na empresa em
detrimento do empregador (desviando a sua clientela, revelando segredos à concorrência,
etc.). A violação de tais deveres poderá, nos termos gerais, jus9ficar o despedimento do
trabalhador por justa causa devido a lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa (Art.
351º, nº2 e) do CT).

Não se deve confundir dever de não concorrência com pacto de não concorrência. Este
úl9mo é um pacto celebrado entre as partes, em ordem a limitar a a9vidade do trabalhador
durante um certo período de tempo subsequente à cessação do contrato (Art. 136º do CT). O
dever de não concorrência não apresenta qualquer obstáculo ao pluriemprego, tal obstáculo
exis9rá, apenas, se for clausulado o chamado pacto de exclusividade.

e) Dever de respeito, urbanidade e probidade (Art. 128º, nº1 a) do CT): O dever de respeito,
urbanidade e probidade, trata-se de um dever que opera em múl9plas direções (empregador,
colegas e terceiros), o que, em certos casos, pode suscitar problemas de conflito de deveres,
sendo certo que a sua violação pode convocar a aplicação de diversas alíneas do Art. 351º,
nº1 do CT (violação de direitos e garan9as de trabalhadores da empresa, provocação repe9da
de conflitos com estes, prá9ca de violências fsicas, injúrias ou outras ofensas, etc.);

Ana Luísa Mar+ns 103


1º Turma
2020/2021
f) Dever de custódia (Art. 128º, nº1 g) do CT): Traduz-se na obrigação de zelar pela guarda,
conservação e boa u9lização dos instrumentos de trabalho que lhe foram fornecidos ou
confiados pelo empregador. Com a cessação do contrato de trabalho, o trabalhador deverá
devolver imediatamente ao empregador os instrumentos de trabalho e quaisquer outros
objetos pertencentes a este, sob pena de incorrer em responsabilidade civil pelos danos
causados (Art. 342º do CT);

g) Dever de produEvidade (Art. 128º, nº1 h) e m) do CT): Recai sobre o trabalhador o dever de
“promover ou executar atos tendentes à melhoria da produ9vidade da empresa”. As
“reduções anormais de produ9vidade” só poderão ser alvo de censura se forem provenientes
de uma conduta culposa do trabalhador. Caso tal baixa de produ9vidade se fique a dever, por
exemplo, à perda de capacidade fsica ou técnico-profissional derivada do avanço da idade,
essa diminuição não será susceivel de uma qualquer punição disciplinar.

A produ9vidade do trabalhador depende, aliás, de muitos fatores, encontrando-se o


empregador adstrito a contribuir para a respe9va elevação, “nomeadamente
proporcionando-lhe formação profissional adequada a desenvolver a sua qualificação” (Art.
127º, nº1 d) do CT). Em matéria de formação profissional estamos, portanto, perante um
direito-dever visto que este é concedido pelo CT como objeto de obrigação para ambas as
partes: ao empregador cabe proporcionar à contraparte as devidas ações de formação
profissional; ao trabalhador cabe par9cipar de modo diligente em tais ações de formação, nos
termos do Art. 128.º, nº1 d) do CT. A violação de qualquer um destes deveres representará
um incumprimento contratual, com as consequências inerentes, sobretudo em sede de
eventual resolução do vínculo pelo contraente lesado. Esta perspe9vação de formação
profissional como objeto de um direito-dever, acaba por se filiar no disposto no Art. 126º, nº2
do CT.

• As condutas extra-laborais do trabalhador: candidatas posiEvas a consEtuir justa causa de


despedimento?

A questão acima formulada mostra-se, à primeira vista, algo paradoxal, isto se aceitarmos o
dogma da separação radical entre a vida profissional e vida pessoal do trabalhador: nesta ó9ca, o
espaço-tempo profissional surge como espaço-tempo de heterodisponibilidade, ao passo que
espaço-tempo de autodisponibilidade surge como espaço-tempo de liberdade pessoal.

O dogma da separação radical entre vida profissional e vida pessoal não pode, contudo, ser aceite,
pois não existem muros insuperáveis nesta matéria, pelo que o supramencionado corte absoluto
entre vida pessoal e vida profissional é simplista e desacertado.

Ana Luísa Mar+ns 104


1º Turma
2020/2021
Insinua-se, então, um outro dogma, o da absorção integral da esfera pessoal do trabalhador pela
sua esfera profissional: nesta perspe9va, o trabalhador surge como um ser humano absolutamente
laboralizado e a autoridade patronal, confunde-se com a autoridade paternal. Tal perspe9va
paternalista, revela-se inaceitável a todas as luzes do Direito do Trabalho, ramo do ordenamento
jurídico que, desde o seu nascimento, tem procurado controlar e circunscrever o exercício dos
poderes patronais sobre pessoa do trabalhador.

Em síntese, conclui-se que não há, nesta matéria, fórmulas simples e mágicas que consigam
resolver todos os problemas: a verdade é que, por um lado, o trabalhador não deixa de ser pessoa-
cidadão no espaçotempo laboral, mas é igualmente verdade que, por outro lado, a pessoa-cidadão
também não deixa de ser trabalhador fora do espaço-tempo laboral. Para se resolver esta questão,
tem, portanto, de se apelar às ideias de razoabilidade, de justa medida e de proporcionalidade.

• O procedimento disciplinar

Em sede de regime jurídico do despedimento, o nosso sistema de tutela de segurança no emprego


vem assentando num conhecido tripé:
1. Na exigência de mo9vação do despedimento, sendo desde logo proibidos os
despedimentos sem justa causa ou por mo9vos polí9cos ou ideológicos;

2. Na processualização ou procedimentalização do despedimento, sendo que a inexistência


ou a nulidade do processo/procedimento disciplinar determinam a ilicitude do
despedimento, que, apesar de tudo, tenha sido proferido pela en9dade empregadora;

3. Na técnica sancionatória do despedimento contra a lei, designadamente através da


aquisição da ideia de invalidade do despedimento, implicando, entre outras
consequências, o direito à reintegração do trabalhador ilicitamente despedido.

A existência do procedimento disciplinar cons9tui uma das verdadeiras traves-mestras do direito


disciplinar. “A sanção disciplinar não pode ser aplicada sem audiência prévia do trabalhador” (Art.
329º, nº6 do CT, é aqui consagrado o importante princípio do contraditório. Compreende-se, assim,
que a lei regule com especial minúcia o despedimento, exigindo que decorra um procedimento
disciplinar (um conjunto encadeado de atos dirigidos ao apuramento da verdade dos factos) em
ordem a habilitar o empregador a tomar a decisão final.

Fases do procedimento disciplinar:


a) Acusação: O empregador desencadeia o procedimento disciplinar, entregando ao trabalhador
a chamada “nota de culpa”, documento escrito do qual deverá constar “a descrição
circunstanciada dos factos que lhe são imputados” (Art. 353º, nº1 do CT). A nota de culpa

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1º Turma
2020/2021
deverá ser entregue ao trabalhador dentro dos prazos estabelecidos nos números 1 e 2 do
Art. 329º do CT (em princípio, dentro do ano subsequente à prá9ca da infração disciplinar e
nos 60 dias subsequentes à tomada de conhecimento de tal infração), devendo conter a
descrição, tão concreta quanto possível, do comportamento infraccional do trabalhador,
incluindo as condições de modo, tempo e lugar em que este terá ocorrido.

Juntamente com a nota de culpa, o empregador deverá comunicar ao trabalhador, por


escrito, “a intenção de proceder ao seu despedimento” (Art. 353º, nº1 do CT).
Manifestamente, a lei pretende evitar que o trabalhador venha a ser surpreendido por uma
decisão patronal ex9n9va com a qual não contava. É claro que, se o empregador realmente
manifestar essa intenção ex9n9va, nem por isso fica obrigado a despedir o trabalhador, no
termo do processo (afinal o procedimento serve, precisamente, para se apurar a verdade).
Mas a situação inversa já não é aceitável, pois, a falta de comunicação da intenção de
despedimento, junta à nota de culpa, torna ilícito o despedimento que venha a ser proferido,
por invalidade do respe9vo procedimento disciplinar (Art. 328º, nº2 b) do CT);

b) Defesa: Tendo sido acusado, é lógico que ao trabalhador seja reconhecido a faculdade de se
defender. Nos termos do nº 1 do Art. 355º do CT “o trabalhador dispõe de 10 dias úteis para
consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que
considera relevantes para esclarecer os factos e a sua par9cipação nos mesmos, podendo
juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem per9nentes para o
esclarecimento da verdade”. Trata-se, de um direito do trabalhador, não de um ónus jurídico
que sobre si recaia, nada impedindo aquele de reservar a sua defesa para as instâncias
judiciais;

c) Instrução: A instrução deixou de ser faculta9va, após uma declaração de


incons9tucionalidade por parte do TC da anterior norma que assim a consagrava, e passou a
ser obrigatória. Isto é, o empregador deverá proceder, sempre, às diligências probatórias
requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa, a menos que as considere
patentemente dilatórias ou imper9nentes, devendo, nesse caso, alegá-lo
fundamentadamente por escrito (Art. 356º, nº1 do CT). Havendo lugar à instrução, a prova
testemunhal obedecerá ao disposto nos números 3 e 4 do Art. 356º do CT;

d) Parecer da estrutura representaEva dos trabalhadores: Após a conclusão das diligências


probatórias, o empregador apresenta cópia integral do processo à comissão dos
trabalhadores, que pode, no prazo de cinco dias úteis, fazer juntar ao processo o seu parecer
fundamentado (Art. 356º, nº5 do CT). Trata-se, pois, de um parecer cuja emissão não é
obrigatória, nem o seu conteúdo será vincula9vo para o empregador.

e) Decisão do empregador: Recebidos os pareceres das estruturas representa9vas dos


trabalhadores (ou decorrido o prazo para esse efeito), o “empregador dispõe de 30 dias para
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1º Turma
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proferir a decisão de despedimento, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção”
(Art. 157º, nº1 do CT). O empregador dispõe, assim, de um período de tempo razoável, não
muito dilatado, para tomar a decisão (30 dias).

A decisão do empregador deve ser fundamentada e constar de documento escrito (Art.


357º, nº5 do CT), nela devendo ser ponderadas as circunstâncias do caso, a adequação do
despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos
trabalhadores, “não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da
resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade” (nº 4 do mesmo preceito).
Trata-se de mais uma manifestação do princípio do contraditório, o qual seria
manifestamente violado se o trabalhador acusado dos factos x e y, e tendo exercido a sua
defesa em relação a esses mesmos factos, acabasse por ser despedido com base nos factos z
ou w, em relação aos quais não se pôde defender. Neste sen9do, diz-se que a nota de culpa
fixa o objeto do procedimento disciplinar. Outra, porém, já será a solução no caso de este
trabalhador vir a ser despedido com base nos factos x, y, z e w, isto é, na hipótese de o
despedimento se fundar em mais factos do que os constantes da nota de culpa. Esta
ampliação não se mostra, por si só, bastante para acarretar a invalidade do procedimento
disciplinar, determinando apenas a inatendibilidade desses novos factos para aferir da justeza
do despedimento, isto é, a impossibilidade de tais factos serem tomados em consideração em
ordem a jus9ficar a decisão do empregador.

A decisão determina a cessação do contrato logo que chega ao poder do trabalhador ou é dele
conhecida ou, ainda, quando só por culpa do trabalhador não foi por ele oportunamente
recebida (Art. 357º, nº7 do CT, que se situa na linha do Art. 224º do CC).

O empregador deve acertar as contas após o despedimento por justa causa. Se este não o
fizer, o trabalhador tem o prazo de 1 ano para reclamar de tais verbas.

Microempresas: Quando se trate de uma microempresa (Art. 100º do CT), a lei simplifica o
procedimento disciplinar, desde logo deixando de neste fazer intervir as estruturas de
representação cole9va dos trabalhadores (Art. 358º, nº1 do CT). Para além disso, os critérios
orientadores da decisão da en9dade empregadora são os que valem nas restantes empresas (nº2
do mesmo ar9go), dispondo esta dos seguintes prazos para proferir a decisão:
1. Se o trabalhador não responder à nota de culpa, 30 dias a contar do termo do prazo para
resposta à mesma;
2. 30 dias a contar da conclusão da úl9ma diligência probatória realizada (Art. 358º, nº3 do
CT);

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Se o empregador não proferir a decisão até ao termo dos supramencionados 30 dias, o direito
de aplicar a sanção caduca (Art. 358º, nº4 do CT). A decisão deve ser comunicada por cópia ou
transcrição, ao trabalhador, como decorre do nº5 do ar9go.

Importa referir que o procedimento disciplinar (Art. 352º e ss. do CT) é um procedimento interno,
realizado dentro da empresa, não se tratando de um procedimento judicial. É ainda de realçar que,
durante a fase processual, poderá haver uma suspensão preven9va do trabalhador (Art. 354º do CT).

Causas objeEvas do despedimento

A proibição legal e cons9tucional do despedimento sem justa causa não significa que o nosso OJ
apenas considera lícito o despedimento com justa causa. A par do despedimento com justa causa
(causa subje9va, baseada em factos imputáveis ao trabalhador), a lei admite e regula várias
modalidades de despedimento por causas objeEvas, isto é, por mo9vos da esfera da empresa, por
razões económicas, de índole ges9onária. Essas modalidades de despedimento por causas obje9vas
são três: despedimento cole9vo, o despedimento por ex9nção do posto de trabalho e o
despedimento por inadaptação.

• Despedimento coleEvo

Considera-se despedimento cole9vo a cessação de contratos de trabalho promovida pelo


empregador e operada simultânea ou sucessivamente no período de três meses, abrangendo, pelo
menos, dois ou cinco trabalhadores, conforme se trate, respe9vamente, de micro-empresa ou de
pequena empresa, por um lado, ou de meia ou grande empresa, por outro, sempre que aquela
ocorrência de lugar a encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente ou a redução
do número de trabalhadores e seja determinada por mo9vos de mercado, estruturais ou tecnológicos
(Art. 359º, nº1 do CT). Sobre o que deva entender-se por mo9vos de mercado, estruturais ou
tecnológicos, explica-nos o nº2 do mesmo ar9go.

Trata-se de mo9vos definidos em moldes bastante amplos e indeterminados, que revelam a


especial vocação do despedimento cole9vo para fazer face a situações de crise da empresa que
implique a reestruturação ou o redimensionamento desta, bem como a respe9va reorientação no
mercado. O despedimento cole9vo surge, pois, como um mecanismo de resposta a situações: de crise
empresarial, em ordem a assegurar a viabilidade da empresa (despedimento-expediente), ou como

Ana Luísa Mar+ns 108


1º Turma
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um mecanismo des9nado a prevenir uma crise empresarial, em ordem a assegurar que a empesa
permaneça saudável e vivaz (despedimento-eficiente).

A noção legal de despedimento cole9vo revela-nos que o elemento fundamental de dis9nção


deste despedimento face ao despedimento com justa causa não reside propriamente no aspeto
quan9ta9vo, mas sim na natureza dos mo9vos subjacentes a cada um deles: mo9vos disciplinares no
caso do despedimento com justa causa, e mo9vos económicos no caso do despedimento cole9vo.

O procedimento a observar é, também por isso, muito dis9nto:


1. O empregador que pretenda promover um despedimento cole9vo deve comunicar essa
intenção, por escrito, à estrutura representa9va dos trabalhadores, nos termos do Art.
360º do CT;

2. Nos cincos dias posteriores à data da comunicação, segue-se uma fase de informações e
negociação “com vista a um acordo sobre a dimensão e efeitos das medidas a aplicar e,
bem assim, de outras medidas que reduzam o número de trabalhadores a despedir” (Art.
361º do CT). Nesta negociação par9cipará o serviço competente do ministério responsável
pela área laboral
(Art. 362º do CT);

3. Caso o despedimento se consome, este deverá ser comunicado, por escrito, a cada
trabalhador abrangido, com a antecedência mínima, rela9vamente à data da cessação, de
15, 30, 60 ou 75 dias, consoante a an9guidade do trabalhador (Art. 363º do CT). Caso o
empregador não observe o prazo mínimo de aviso prévio, o contrato só cessará uma vez
decorrido o período de aviso prévio em falta, devendo o empregador pagar a retribuição
correspondente a esse período (Art. 363º, nº4 do CT). Segundo o Art. 364º do CT, durante
o prazo de aviso prévio, o trabalhador tem direito a um crédito de horas correspondente
a dois dias de trabalho por semana, sem prejuízo da retribuição (um tempo dedicado à
procura de um novo emprego). Mas o trabalhador também poderá denunciar o contrato
durante este aviso prévio, mediante declaração com a antecedência mínima de 3 dias
úteis, mantendo o direito à compensação prevista no Art. 366º do CT (Art. 365º do CT).

O despedimento cole9vo confere aos trabalhadores a9ngidos o direito a uma compensação pela
perda do emprego, calculada nos termos do disposto no Art. 366º do CT. A atual redação do Art. 366º
do CT, estabelece que o trabalhador tem direito a receber uma compensação pecuniária
correspondente a 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de an9guidade.
A oferta desta compensação pecuniária ao trabalhador cons9tui uma condição indispensável à
licitude do despedimento, nos termos da Art. 383º c) do CT.

Segundo Art. 366º, nº4 do CT, “presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando
recebe do empregador a totalidade da compensação prevista neste ar9go”. Trata de uma presunção

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ilidível, re9randose isso do nº 5 do mesmo ar9go. No entanto, esta norma é algo estranha e
perturbadora, ainda assim, vejamos:

Antes de mais, colocam-se dúvidas interpreta9vas. Afinal, o que é que o trabalhador pode fazer
para ilidir a presunção? Bastará, para esse efeito, que o trabalhador devolva ao empregador a
totalidade da compensação recebida? Não parece. Mas, ainda que assim se entenda, não se
descor9na fundamento bastante para tal devolução. É que, note-se, o trabalhador sempre receberá
esta compensação, caso o despedimento cole9vo seja lícito. Se o não for, o trabalhador receberá um
montante pecuniário superior ao desta compensação, por força do disposto nos Arts. 389º e 392º do
CT. Assim sendo, Leal Amado demonstra alguma dificuldade em entender a razão dos números 4 e 5
do Art. 366º do CT.

• Despedimento por exEnção do posto de trabalho

“Considera-se despedimento por ex9nção de posto de trabalho a cessação de contrato de


trabalho promovida pelo empregador e fundamentada nessa ex9nção, quando esta seja devida a
mo9vos de mercado, estruturais ou tecnológicos, rela9vos à empresa” (Art. 367º do CT). Dir-se-ia,
em termos simples, que o despedimento por ex9nção de posto de trabalho se perfila como uma
espécie de variante individual do despedimento cole9vo.

Para que este despedimento possa ter lugar, o Art. 368º, nº1 do CT exige que se verifiquem os
seguintes requisitos:
1. Os mo9vos indicados não sejam devidos a conduta culposa de qualquer das partes (se
houver culpa do trabalhador, isso legi9mará, possivelmente, um despedimento com justa
causa; se houver culpa do empregador, isso inibi-lo-á de desencadear um despedimento
por ex9nção do posto de trabalho que, em úl9ma análise, resultaria de uma conduta
censurável do respe9vo autor);

2. Seja pra9camente impossível a subsistência da relação de trabalho (nº 4, do Art. 368º do


CT);

3. Não existam, na empresa, contratos a termo para tarefas correspondentes às do posto de


trabalho ex9nto;

4. Não seja aplicável o despedimento cole9vo;

Verificando-se estes requisitos, mas havendo na secção estrutura equivalente a uma pluralidade
de postos de trabalho de conteúdo funcional idên9co, a lei estabelece uma ordem de prioridades a
observar pelo empregador, para concre9zação do posto de trabalho a ex9nguir, a qual se baseia, em
Ana Luísa Mar+ns 110
1º Turma
2020/2021
grande medida, no elemento da an9guidade do trabalhador (Art. 368º, nº2 do CT). Trata-se de uma
regra que procura garan9r que o despedimento por ex9nção do posto de trabalho radica, realmente,
numa causa obje9va, não sendo esta figura usada como expediente para que o empregador
“desembarace” de um certo e determinado trabalhador. Na mesma linha, note-se ainda que se, nos
três meses anteriores ao início do procedimento para o despedimento, o trabalhador 9ver sido
transferido para o posto de trabalho que venha a ser ex9nto, ele terá direito a ser reafetado ao posto
de trabalho anterior, caso o mesmo ainda exista, com a mesma retribuição base (Art. 368º, nº3 do
CT).

Depois de ter procedido às comunicações previstas no Art. 369º do CT, e após ter decorrido a fase
de informação e consulta, regulada no Art. 370º do CT, o empregador poderá proferir a decisão de
despedimento, por escrito, nos termos do Art. 371º, nº1 e 2 do CT. À imagem do que sucede com o
despedimento cole9vo, este despedimento carece de aviso prévio (Art. 371º, nº3 do CT), gozando o
trabalhador dos mesmos direitos que são concedidos àqueles que sejam abrangidos por um
despedimento cole9vo: crédito de horas e faculdade de denúncia contratual durante o prazo de aviso
prévio, direito a uma compensação pecuniária calculada em função da respe9va retribuição e
an9guidade (Art. 372º do CT).

• Despedimento por inadaptação

O despedimento por inadaptação consiste na cessação do contrato de trabalho promovida pelo


empregador e fundamentada em inadaptação superveniente do trabalhador ao posto de trabalho
(Art. 373º do CT).

O Art. 374º do CT consagra os sintomas dessa inadaptação:


1. Redução con9nuada de produ9vidade ou de qualidade;
2. Avarias repe9das nos meios afetos ao posto de trabalho;
3. Riscos para a segurança e saúde do trabalhador, de outros trabalhadores ou terceiros;

Quando alguma destas situações for determinada pelo modo de exercício de funções do
trabalhador e torne pra9camente impossível a subsistência da relação de trabalho, verifica-se a
inadaptação do trabalhador.

A inadaptação do trabalhador não se reconduz a qualquer situação de inap9dão superveniente


do trabalhador, resultante da perda de faculdades profissionais deste, acontece, apenas que as
funções inerentes ao seu posto de trabalho tenham sido modificadas, sobretudo através da
introdução de novas tecnologias ou de equipamentos e, neste novo e alterado contexto produ9vo, o
trabalhador não consegue adaptar-se. O ar9go 375º do CT prevê os requisitos necessários para o
despedimento por inadaptação.
Ana Luísa Mar+ns 111
1º Turma
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A Lei 23/2012 veio ampliar a figura do despedimento por inadaptação, fazendo surgir a figura da
“inadap9dão” (inap9dão). Aqui a inap9dão relaciona-se com a circunstância do trabalhador passar a
ser menos apto, diminuindo sua produ9vidade.

Também aqui, depois ter procedido às comunicações previstas no Art. 376º do CT, e após ter
decorrido a fase de consultas, regulada no Art. 377º do CT, o empregador poderá proferir a decisão
do despedimento, por escrito, nos termos do Art. 378º, nº1 do CT. E, à imagem do que sucede com o
despedimento cole9vo, este despedimento carece de aviso prévio (Art. 378º, nº2 do CT), gozando o
trabalhador despedido por inadaptação dos mesmos direitos que são concedidos àqueles que sejam
abrangidos por um despedimento cole9vo: crédito de horas e faculdade de denúncia contratual
durante o prazo de aviso prévio, direito a uma compensação pecuniária calculada em função da
respe9va retribuição e an9guidade (Art. 379º do CT).

Meios de reação contra o despedimento

O CT consagra, nos Arts. 386º a 388º do CT, os meios de reação contra o despedimento
disponíveis para o trabalhador:
1. O trabalhador pode, desde logo, requerer a suspensão preven9va do despedimento, no
prazo de 5 dias úteis, mediante providência cautelar regulada no Código de Processo do
Trabalho (Art. 386º do CT). Nas palavras de Jorge Leite, a suspensão judicial do
despedimento consiste:
• Numa providência cautelar que visa proteger a aparência do direito invocado, no
caso, o direito à segurança do emprego e à perceção regular dos rendimentos do
trabalho;
• Tem como razão determinante evitar, ao menos provisoriamente, os efeitos da
mudança operada com o despedimento, fim que a ação principal não é adequada
a preservar por ser de resolução mais lenta;
• É célere, bastando-se, por isso, com uma averiguação sumária do processo;
• É instrumental ou dependente da ação principal, neste caso da ação de
impugnação de despedimento;

2. Tenha ou não u9lizado a via da providência cautelar, o trabalhador que pretenda combater
um despedimento que considere ilícito terá de intentar a correspondente ação judicial
(Arts. 387º, nº1 e 388º, nº1 do CT);

3. Para esse efeito, o trabalhador dispõe de um prazo de 60 dias (Art. 387º, nº2 do CT), salvo
tratando-se de um despedimento cole9vo, cuja ação de impugnação poderá ser intentada
no prazo de 6 meses (Art. 388º, nº2 do CT).

Ana Luísa Mar+ns 112


1º Turma
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Note-se que a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento
se encontra prevista nos Arts. 98º-B a 98º-P do CPT. Trata-se de uma ação declara9va com
processo especial e natureza urgente, cujo âmbito de aplicação se circunscreve, contudo,
aos casos em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento
individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por ex9nção do posto de trabalho,
seja por inadaptação (Art. 98C do CPT). Exige-se, pois, para que o trabalhador tenha acesso
a esta ação que tenha havido decisão patronal de despedimento inequívoca e formalizada.
Se es9vermos perante uma decisão de despedimento meramente verbal ou perante uma
outra via de cessação do contrato, o trabalhador não tem acesso a esta ação judicial. Neste
9po de casos, parece que o trabalhador terá de recorrer a uma ação com processo comum,
dispondo de 1 ano para intentar a correspondente ação, ficando, nestes casos, abrangido
pelo regime da prescrição previsto no Art. 337º, nº1 do CT;

4. Na ação de apreciação judicial do despedimento, assim como na ação de impugnação do


despedimento cole9vo, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos
constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador (Arts. 387º, nº3 e
388º, nº3 do CT);

5. Em caso de apreciação judicial do despedimento com alegação de justa causa (por facto
imputável ao trabalhador), e sem prejuízo da apreciação de vícios formais, o tribunal
deverá sempre pronunciar-se sobre a verificação e origem dos fundamentos invocados
para o despedimento (Art. 387º, nº4 do CT). Este dever de apreciação judicial das questões
de fundo, não se ficando pela forma, compreende-se á luz da figura do “despedimento
irregular”, con9da no nº2 do Art. 389º do CT. Casos há, todavia, em que as falhas
procedimentais implicam a invalidade/ilicitude do despedimento (e não a mera
irregularidade deste). Pense-se, desde logo, noa própria inexistência do procedimento
(Art. 381º c) do CT), bem como nas hipóteses de invalidade do procedimento disciplinar
(Art. 282º, nº2 do CT). O tribunal analisa os fundamentos do despedimento, além da uma
análise da formalidade procedimental do mesmo, para se verificar o grau de ilicitude e,
por via disso, calcular o montante da “indemnização de an9guidade” devida ao
trabalhador (Arts. 391º, nº1 e 392º, nº3 do CT), bem como para fixar uma eventual
indemnização por danos não patrimoniais (Art. 381º, nº1 a) do CT in fine).

Ilicitude do despedimento: causas e efeitos da ilicitude

• As causas de ilicitude do despedimento

Entre os Arts. 381º a 385º do CT estão enunciadas as causas de ilicitude do despedimento:

Ana Luísa Mar+ns 113


1º Turma
2020/2021
Qualquer despedimento, baseado em causas subje9vas ou obje9vas, será ilícito no caso de:
• Ter como fundamento mo9vos polí9cos, ideológicos, étnicos ou religiosos (Art. 381º
a) do CT). Os chamados despedimentos discriminatórios, par9cularmente reprováveis,
afigurando-se que o catálogo legal deve ser integrado pelos restantes fatores de discriminação
consagrados no Art. 24º, nº1 do CT;

• O respe9vo mo9vo jus9fica9vo ser declarado improcedente (Art. 381º b) do CT). A


inexistência de justa causa ou ausência de razões legi9madoras de um despedimento por
despedimento cole9vo, por ex9nção do posto de trabalho ou por inadaptação. Sendo
defensável que este não tenha de consis9r numa condição sine qua non para sobrevivência
da empresa;

• Não ser precedido do respe9vo procedimento (Art. 381º c) do CT). Inexistência de


procedimento disciplinar ou do procedimento de informação e consulta exigido nos casos de
despedimento baseado em causas obje9vas;

• Não ser solicitado o parecer prévio da en9dade competente (Art. 381º d) do CT). Em
caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, ou de trabalhador durante o gozo da
licença parental inicial (Art. 63º, nº1 do CT);

Para além destes fundamentos gerais de ilicitude, a lei prevê causas específicas de ilicitude,
consoante o 9po de despedimento.

No caso de despedimento com justa causa, a respe9va ilicitude pode resultar da circunstância
de já terem decorridos os prazos estabelecidos no Art. 329º do CT, ou de o respe9vo procedimento
disciplinar ser inválido (Art. 382º, nº1 do CT).

No caso do despedimento coleEvo, do despedimento por exEnção do posto de trabalho ou do


despedimento por inadaptação, as causas específicas de ilicitude do respe9vo despedimento estão
consagradas nos Arts. 383º, 384º e 385º do CT, respe9vamente, consis9ndo, essencialmente, em
falhas procedimentais ou na falta de colocação da compensação pecuniária devida à disposição do
trabalhador despedido.

Os efeitos da ilicitude do despedimento

• A ilicitude/invalidade do despedimento

Os Arts. 389º a 393º do CT cons9tuem o bloco normaEvo regulador dos efeitos da declaração
judicial da ilicitude do despedimento.

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1º Turma
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Nas suas grandes linhas, o CT configura o despedimento contra a lei como um despedimento
ilícito e inválido:
• Porque pra9ca um ato ilícito, o empregador tem de indemnizar o trabalhador por todos
os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais (Art. 389º, nº1 a) do CT);
• Porque o ato ex9n9vo é inválido, o empregador será, em princípio, condenado a
reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua
categoria e an9guidade (Art. 389º, nº1 b) do CT);

Em matéria indemnizatória, surge a controver9da questão da ressarcibilidade dos danos não


patrimoniais eventualmente causados ao trabalhador pelo despedimento ilícito. O Art. 389º, nº1 a)
do CT esclarece que o despedimento contra a lei pode ocasionar danos sérios da mais variada
natureza, inclusive de ordem não patrimonial, ao trabalhador.

De acordo com o Art. 389º, nº1 a) do CT, também os danos patrimoniais causados pelo
despedimento ilícito deverão ser indemnizados, devendo notar-se que o legislador não se refere aos
chamados “salários intercalares”, isto é, às retribuições devidas ao trabalhador desde a data do
despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que o declara ilícito. Com feito, esses
salários intercalares, devidos ao trabalhador em virtude da eliminação retroa9va do despedimento,
deverão ser pagos ao trabalhador por força do Art. 390º do CT. No Art. 389º, nº1 a) do CT, o legislador
prevê que o trabalhador pode ser a9ngido por outros danos patrimoniais: pense-se, por exemplo, nas
gorjetas que o trabalhador deixou de receber por causa do despedimento ilícito. Poderá tratar-se
também de danos patrimoniais indiretos: pensemos, por exemplo, na hipótese de um despedimento
“injurioso”, em que o trabalhador é falsa e publicamente acusado de ser ladrão ou men9roso, o qual,
além dos danos não patrimoniais não resultantes da humilhação sofrida e da ofensa à honra e à boa
reputação, pode ainda causar danos patrimoniais ao trabalhador, por exemplo, dificuldades
acrescidas em arranjar um novo emprego ou para conseguir um emprés9mo bancário.

Mas, o despedimento contra a lei não é só ilícito é também inválido, compreendendo-se, assim,
a tutela reintegratória que consta do Art. 389º, nº1 b) do CT. Assim, o trabalhador objeto de
despedimento ilícito e inválido goza, não só do direito de ser indemnizado por todos os danos que
lhe são causados, mas goza também do direito a ser reintegrado na empresa, sem prejuízo da sua
categoria e an9guidade. Ao declarar o despedimento ilícito, o tribunal priva o despedimento do seu
efeito ex9n9vo da relação laboral, por isso, tendencialmente, vai-se tudo passar como se o
despedimento nunca 9vesse sido proferido pelo empregador. Assim, para além do direito aos salários
intercalares, o trabalhador tem o direito de retomar a sua a9vidade profissional ao abrigo de um
contrato de trabalho que, ao invés daquilo que o empregador pretendia, não foi dissolvido pelo
despedimento (princípio da coercibilidade do vínculo jurídico-laboral). Esta parece ser a solução
mais compaivel com a garan9a cons9tucional da segurança no emprego.

De qualquer maneira, importa não confundir invalidade do despedimento com direito à


reintegração do trabalhador despedido. Este úl9mo pressupõe a invalidade do despedimento, mas a

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invalidade do despedimento pode viver sem a reintegração do trabalhador despedido. Ora, se o
princípio da invalidade do despedimento ilícito se encontra solidamente definido no CT, o pilar
reintegratório da segurança do emprego, não tendo sido destruído, foi gravemente abalado pelo CT,
pois, em certos casos, o CT faculta ao empregador a oposição à reintegração do trabalhador
ilicitamente despedido (Art. 392º do CT).

• Os “salários intercalares”

Visto que a declaração judicial de ilicitude/invalidade do despedimento produz efeitos retroa9vos,


o empregador, para além de ter de indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, tem ainda
de o compensar pagando-lhe os chamados “salários intercalares”. Estamos, pois, perante o
cumprimento atendido da obrigação retribu9va a cargo do empregador. O pagamento dos salários
intercalares pelo empregador reconduz-se assim, à realização, a posteriori, da prestação retribu9va a
que estava obrigado por efeito do contrato de trabalho e que, indevidamente, não cumpriu durante
o espaço de tempo que decorreu entre a rutura ilícita de tal contrato e a sentença que, decretando a
ilicitude/invalidade da decisão patronal, reafirmou simultaneamente a con9nuidade, no plano
jurídico, do vínculo contratual.

Em princípio, os salários intercalares (e os correspondentes juros de mora) são, então, as


retribuições devidas ao trabalhador desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da
decisão do tribunal que declare a ilicitude/invalidade do despedimento, e não apenas até à data da
sentença da primeira instâncoa (Art. 390º, nº1 do CT). Isto quer o trabalhador tenha optado pela
reintegração na empresa, que ele tenha optado pela chamada indemnização de an9guidade.

É claro que os salários intercalares serão devidos até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal
nas situações-padrão, ou seja, nas situações em que a declaração de invalidade do despedimento
implica a recons9tuição do vínculo jurídico-laboral até à data da referida decisão judicial. Porém, nada
impede que o contrato de trabalho se ex9nga antes da data de trânsito em julgado da decisão, por
ocorrência de outros factos ex9n9vos do mesmo (por exemplo, falecimento ou reforma do
trabalhador despedido). Quando isto acontece, os salários intercalares serão devidos, não até a data
de transição em julgado da decisão, mas sim até à data em que o contrato se ex9nguiu (naqueles
casos exemplifica9vos, por caducidade).

Ao montante dos salários intercalares devem ser feitas as seguintes deduções (Art. 390º, nº2 do
CT):
1. As importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia
se não fosse o despedimento (Art. 390º, nº2 a) do CT);
2. A retribuição rela9va ao período desde o despedimento até 30 dias antes da propositura
da ação, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento (Art. 390º,
nº2 b) do CT);
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3. O subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador, devendo o empregador entregar essa
quan9a à segurança social (Art. 390º, nº2 c) do CT);

Suscitam-se algumas dúvidas pela redação dada ao Art. 390º, nº2 a) do CT. As dúvidas que surgem
nesta matéria prendem-se com o facto de autores, como o Dr. Leal Amado, considerarem que o
despedimento terá de ser, de acordo com esta nova redação, condição suficiente e necessária dos
rendimentos auferidos pelo trabalhador a deduzir. Esta parte da doutrina entende que não devem
ser aqui integrados rendimentos ob9dos com novo contrato de trabalho, pois o despedimento não é
condição suficiente da celebração de um novo contrato de trabalho (o trabalhador pode não optar
por arranjar um novo emprego). Este preceito aplicar-se-ia apenas nas situações em que se verifica
um forte nexo causal entre despedimentos e novos rendimentos, como seria o caso dos seguros para
cobrir perda involuntária do emprego.

Quanto ao Art. 390º, nº2 c) do CT, o Dr. Leal Amado refere que mereceu fortes aplausos por parte
da doutrina, embora seja evidente as dificuldades, de ordem prá9ca, que se colocam à sua efe9vação.
Daí que o tribunal deva no9ficar a Segurança Social, sob pena de este organismo nunca chegar a ter
conhecimento do sucedido, pois nem o trabalhador nem o empregador terão interesse em fazer tal
comunicação.

No âmbito das deduções que devem fazer parte integrante do Art. 390º, nº2 a) do CT, o Dr. Leal
Amado considera que também a “compensação de ina9vidade” paga ao trabalhador despedido em
cumprimento de um pacto de não concorrência (Art. 136º, nº2 c) do CT), não pode deixar de ser
deduzida no montante dos salários intercalares.

Quanto ao Art. 390º, nº2 b) do CT, este visa pressionar o trabalhador a propor a ação judicial. De
facto, sendo o trabalhador objeto de um despedimento, ele só tem 60 dias para intentar a respe9va
ação de impugnação (Arts. 387º, nº2 e 388º, nº2 do CT). Este preceito configura uma espécie de ónus
jurídico de segundo grau: além do ónus de impugnar tempes9vamente o despedimento, para que o
tribunal possa sindicar a respe9va conformidade legal, sobre o trabalhador recai ainda o ónus
suplementar de propor a ação no prazo de 30 dias para que não fique sujeito a deduções adicionais,
caso o tribunal venha a declarar ilícito tal despedimento. O termo inicial do direito a salários
intercalares coincidirá, portanto, com a data do despedimento, caso o trabalhador o impugne no
máximo de 30 dias, ou, no caso contrário, coincidirá com o 30º dia anterior à data da propositura da
ação.

O empregador deve suportar os custos do despedimento ilícito, mas não os custos derivados da
excessiva morosidade dos tribunais, pelo que em certos casos de “jus9ça tardia”, o Estado deve
assumir esses custos. Com efeito, quando a ação judicial se prolongar por mais de 1 ano, é o Estado
que deve suportar aqueles custos, no entanto, com limitações em três planos:

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1. O pagamento de retribuições intercalares só é assumido pelo Estado no âmbito da ação
especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, não já no
âmbito da ação com processo comum;
2. No período de 12 meses após o qual o Estado responde pelos salários intercalares não se
inclui o período correspondente à mediação, tenta9va de conciliação e ao
aperfeiçoamento dos ar9culados, bem como os períodos de suspensão da instância e das
férias judiciais;

3. O Estado apenas responde até à decisão em primeira instância, o que significa que a
morosidade subsequente a esta data (podem decorrer anos até o trânsito em julgado)
volta a correr por conta do empregador;

• A reintegração do trabalhador

Na ação de apreciação judicial do despedimento, o trabalhador poderá optar pela reintegração


na empresa ou pela chamada “indemnização de anEguidade”. Esta opção pode ser feita até ao
termo da discussão em audiência final de julgamento, como indica o Art. 391º, nº1 do CT. Mas, julga-
se que a opção, uma vez exercida, é irrevogável. Esta irrevogabilidade da escolha resulta da aplicação
das disposições civilís9cas rela9vas às obrigações alterna9vas (Art. 549º do CC).

De qualquer modo, a reintegração detém primazia rela9vamente à indemnização, cons9tuindo a


solução-regra quando um despedimento é declarado ilícito. Por isso mesmo, o Art. 389º, nº1 b) do
CT estabelece que, em princípio, sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador será
condenado a reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa sem prejuízo da sua
categoria ou an9guidade. Assim, a reintegração cons9tui a solução legal suple9va, visto que na
ausência de escolha por parte do trabalhador, o tribunal condenará o empregador na reintegração.

No entanto, apesar da regra suple9va adotada pelo CT ser a reintegração do trabalhador na


empresa, o CT prevê ainda que, estando em causa a reintegração do trabalhador, nalgumas situações,
o empregador se oponha (Art. 392º, nº1 do CT). O CT admite que o empregador venha opor-se a tal
reintegração, requerendo ao tribunal que a exclua, com fundamento em factos e circunstâncias que
tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da
empresa.

O CT revela uma certa prudência rela9vamente a esta questão, dado que:


1. A referida faculdade de oposição patronal à reintegração só existe rela9vamente a certos
trabalhadores;
2. Os seus fundamentos são necessariamente apreciados pelo tribunal;

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3. Aquela faculdade decai em diversas hipóteses – ou seja, estamos a falar de exceções à
regra de uma faculdade que não se analisa num direito potesta9vo do empregador e da
existência de várias exceções às exceções. Vejamos:
a) O universo subje9vo das exceções à regra da reintegração compreende dois grupos
de casos: trabalhadores de microempresas (Art. 100º do CT) e o caso dos
trabalhadores que ocupam cargos de administração ou de direção (Art. 392º, nº1
do CT). Mas o CT não esclarece o que se deve entender por estes cargos. Estamos
perante conceitos indeterminados, cuja concre9zação deverá ser feita em moldes
minuciosos e em face das par9culares formas organiza9vas adotadas por cada
empresa, tendo sempre em consideração as funções correspondentes ao cargo em
questão e a posição hierárquica ocupada pelo respe9vo 9tular na estrutura
empresarial, no que toca ao grau de autonomia e de responsabilidade inerente ao
desempenho desse cargo. Nas restantes hipóteses, ou seja, quando es9vermos
perante trabalhadores que não exerçam cargos de direção ou administração ou
que laborem em pequenas, médias e grandes empresas, a faculdade de oposição
patronal à reintegração encontra-se excluída;

Exceção à exceção: O direito do trabalhador a reintegração prevalecerá


sempre que a ilicitude do despedimento se fundar em mo9vos polí9cos, ideológicos,
étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de mo9vo diverso (despedimento
discriminatório), bem como quando o juiz considere que o fundamento da oposição
à reintegração foi culposamente criado pelo empregador (Art. 392º, nº2 do CT).

b) A palavra final compe9rá ao tribunal, sendo certo que ónus da prova recai, aqui,
sobre o empregador. O Art. 392º do CT não esclarece se, em reforço da sua
declaração de oposição, o empregador apenas pode invocar factos posteriores ao
despedimento, ou se, pelo contrário, também factos anteriores ao despedimento
ilícito podem mobilizados pelo empregador para convencer o tribunal de que o
regresso do trabalhador teria efeitos muito prejudiciais para a prossecução da
a9vidade empresarial. De qualquer maneira, parece claro que os factos a invocar
pelo empregador terão de incidir naquilo que jus9fica esta exceção à tutela
reintegratória, persuadindo o tribunal de que, em virtude dos laços pessoais e da
nota fiduciária que caracteriza estas relações de trabalho, não se mantêm
condições relacionais e intersubje9vas para reatar a prestação laboral. O
fundamento invocado pelo empregador terá, então, de ser apreciado pelo tribunal,
o qual será chamado a fazer um juízo de prognose, avaliando se o regresso do
trabalhador seria ou não prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa.

O que parece separar a oposição à reintegração das restantes hipóteses (das hipóteses
“normais”) de despedimento patronal é:

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1. Nos casos ipicos, o controlo judicial dos fundamentos invocados pelo empregador é
meramente eventual (só existe na hipótese de o trabalhador despedido recorrer ao
tribunal) e é feito a posteriori (primeiro a en9dade empregadora despede, e o tribunal
debruçar-se-á sobre a situação mais tarde, depois do despedimento ser consumado);

2. Neste caso par9cular, a apreciação judicial dos fundamentos invocados pelo empregador
tem sempre lugar (a oposição à reintegração manifesta-se durante o decorrer do processo
judicial) e é efetuada previamente, antes de a rutura do contrato se verificar;

A declaração de oposição patronal à reintegração traduz-se, portanto, numa espécie de


despedimento sujeito a uma dupla condição suspensiva: só produz os seus efeitos se e quando:
1. O tribunal considerar o despedimento ilícito;
2. O tribunal vier a julgar procedente a oposição à reintegração, assim deferindo o
requerimento patronal;

Não se trata, portanto, em rigor, de um caso de resolução judicial do contrato de trabalho, mas
sim de um caso de resolução patronal por via judicial.

Repare-se, que quase o mesmo acontece quando o trabalhador é alvo de um despedimento ilícito
e impugna judicialmente esse despedimento, mas opta pela “indemnização de an9guidade”. Também
nesta hipótese o contrato termina na sequência da decisão judicial que declara o despedimento ilícito,
mas temse entendido que a causa da ex9nção contratual aqui presente é a resolução por inicia9va
do trabalhador.

Esquema9camente dir-se-á então, estabelecendo um paralelismo entre a opção indemnizatória


exercida pelo trabalhador e a oposição à reintegração manifestada pelo empregador:
• Impugnação do despedimento + opção indemnizatória por parte do trabalhador + declaração
judicial da ilicitude do despedimento = resolução do contrato por iniciaEva do trabalhador;

• Impugnação do despedimento + opção reintegratória por parte do trabalhador +


declaração/requerimento patronal de oposição à reintegração + declaração judicial de
ilicitude do despedimento e de procedência da oposição à reintegração = resolução do
contrato por iniciaEva do empregador;

É importante evidenciar, por fim, que o direito à reintegração é expressamente ressalvado no CT


quando se trate de um despedimento ilícito de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante (Art. 63º,
nº8 do CT). E, ainda que o CT não cons9tua um modelo de clareza a este respeito, considera-se, ainda,
que também não se poderá verificar qualquer oposição patronal à reintegração do trabalhador
ilicitamente despedido quando este seja um representante dos trabalhadores (Art. 410º, nº6 do CT).

Ana Luísa Mar+ns 120


1º Turma
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Resumo: Na hipótese de o despedimento ser declarado ilícito, o tribunal poderá ser confrontado com um
requerimento patronal de oposição à reintegração do trabalhador, tendo de se debruçar em questões
como:
1. A de saber se o trabalhador labora numa microempresa ou se ocupa um cargo de administração ou
direção;
2. A de prognos9car se o eventual regresso do trabalhador seria ou não gravemente prejudicial e
perturbador do funcionamento da empresa;
3. A de ajuizar se se trata de um simples despedimento ilícito ou de um despedimento baseado em mo9vos
polí9cos, ideológicos, étnicos ou religiosos;
4. A de avaliar se não terá sido o empregador a criar, culposamente, as condições jus9fica9vas da sua
oposição à reintegração do trabalhador;

• A indemnização de anEguidade

A prá9ca vem demonstrando que na maioria dos casos, o próprio trabalhador despedido acaba
por não pretender o seu reingresso na empresa da qual foi ilicitamente despedido. Compreende-se,
por isso, que a lei preveja uma alterna9va à reintegração, estabelecendo que, em lugar desta, o
trabalhador poderá optar por uma indemnização, cujo montante será fixado pelo tribunal. (Art. 391º,
nº1 do CT).

Quanto ao critério de cálculo desta indemnização de an9guidade, o Art. 391º, nº1 do CT prescreve
que o montante da indemnização será fixado pelo tribunal “entre 15 e 45 dias de retribuição base e
diuturnidades por cada ano completo ou fração de an9guidade”.

Entre o mínimo e o máximo anuais, como deverá o tribunal graduar a indemnização? O Art. 391º,
nº1 do CT estabelece dois fatores de ponderação a que o tribunal deverá atender, combinando-os,
na definição do quantum indemnizatório:
1. Deverá ser levado em conta o valor da retribuição do trabalhador: para um trabalhador
que aufira uma retribuição elevada, o tribunal tenderá a graduar a indemnização “em
baixa”, para um trabalhador que aufira um salário modesto, o tribunal tenderá a modulá-
la em alta;

2. O tribunal deverá avaliar o grau de ilicitude do despedimento, decorrente da ordenação


estabelecida no Art. 381º do CT;

O Art. 391º, nº2 do CT estabelece ainda que a an9guidade deve ser calculada tendo em conta o
tempo decorrido entre o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial. A opção
indemnizatória traduz-se num caso par9cular de resolução contratual por inicia9va do trabalhador,
uma resolução sob condição suspensiva, cujos efeitos ex9n9vos só de produzirão se e quando o
tribunal vier declarar a invalidade do despedimento. Verificada a condição, o contrato ex9ngue-se,

Ana Luísa Mar+ns 121


1º Turma
2020/2021
mas o certo é que ele foi reposto em vigor até essa data, pelo que esse período temporal - até ao
trânsito em julgado da decisão - deve relevar para a an9guidade do trabalhador.

Atentemos ainda que o Art. 391º, nº3 do CT impõe um limite à margem de liberdade de que os
tribunais dispõem na fixação da indemnização. Independentemente da an9guidade do trabalhador,
a indemnização a que ele terá direito não pode ser inferior a 3 meses de retribuição base e
diuturnidades.

Questão interessante com que os tribunais já foram várias vezes confrontados é a de saber se,
ocorrendo um outro facto ex9n9vo da relação jurídico-laboral na pendência da ação judicial do
despedimento, quais são os efeitos? Imaginemos que durante esse tempo o trabalhador morre,
sendo a reintegração impossível, deverá o empregador ser condenado a pagar ao trabalhador (aos
seus herdeiros) aquela indemnização?

A declaração de ilicitude do despedimento que mais tarde venha a ser proferida pelo tribunal
implicará, tão só, reposição do vínculo contratual até à data da morte do trabalhador. Nesta data, o
contrato caduca. Caducando, deixa de fazer sen9do falar na reintegração do trabalhador como
consequência da anulação do respe9vo despedimento. Se é assim, deixa igualmente de fazer sen9do
falar numa opção pela indemnização, pois a opção indemnizatória supõe a possibilidade
reintegratória, se está não exis9r, outro tanto sucederá com aquela. Neste caso não há opção: à data
da sentença o contrato já caducou.

O que se diz rela9vamente à morte do trabalhador, diz-se também quanto a outros factos
ex9n9vos da relação laboral, pense-se na reforma do trabalhador despedido.

Assim, a indemnização subsEtuEva da reintegração surge, porém, no CT, composta por duas
espécies:
1. A espécie tradicional, em que a indemnização resulta de uma opção feita pelo trabalhador;

2. Uma nova espécie, introduzida pelo CT de 2003, em que a indemnização é devida ao


trabalhador despedido que, tendo optado pela reintegração na empresa, vê o empregador
opor-se a essa reintegração, sendo esta oposição julgada procedente pelo tribunal, nos
termos do Art. 392º do CT. Quando tal aconteça o trabalhador tem direito a uma
indemnização aumentada rela9vamente ao disposto no Art. 391º do CT: será calculada entre
30 a 60 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de
an9guidade, tendo como limite mínimo o valor correspondente a 6 meses (Art. 392º, nº3 do
CT).

• Despedimento irregular

Ana Luísa Mar+ns 122


1º Turma
2020/2021
De acordo com o Art. 387º, nº1 do CT, o tribunal aprecia não só a licitude do despedimento,
aprecia também a sua regularidade. Daqui decorre que, na ó9ca do legislador, poderão idenEficar-se
despedimentos válidos/lícitos que, ao mesmo tempo, são irregulares. Os 9pos de situações em que
isto pode acontecer estão previstos no Art. 389º, nº2 do CT.

Assim, o ponto de par9da obrigatório para que estejamos perante um despedimento irregular é
o de que se trate de um despedimento materialmente jusEficado. Trata-se, portanto, de um
despedimento lícito em que os mo9vos jus9fica9vos foram apreciados e confirmados pelo tribunal
(Art. 387º, nº4 do CT), sendo que os vícios deste despedimento se situam não no plano substan9vo,
mas no plano adje9vo, ou seja, no plano formal.

Muitos vícios procedimentais implicam uma verdadeira e própria ilicitude do despedimento,


sendo, neste sen9do, vícios invalidantes (Art. 382º, nº2 do CT). Porém, falamos aqui de vícios
procedimentais de “segunda linha”, não invalidantes. Julga-se vícios de segunda linha:
1. A omissão, sem apresentação do fundamento, das diligências probatórias requeridas pelo
trabalhador em resposta à nota de culpa. Veja-se o exemplo da falta de instrução, falta de
audição de uma das testemunhas indicadas pelo trabalhador, etc. Analisam-se em deficiências
procedimentais de segunda linha que não são suficientes para determinar a ilicitude do
despedimento, antes determinando a mera irregularidade do mesmo;

2. A omissão, com apresentação de fundamento julgado improcedente, das diligências


probatórias requeridas pelo trabalhador (sempre que o empregador considere aquelas
diligências dilatórias ou imper9nentes, nos termos do Art. 356º, nº1 do CT, mas o tribunal
refute essa análise feita pelo empregador), o despedimento será considerado irregular;

Quando se verifiquem estas situações, sendo o despedimento válido e lícito (relembre-se que o
despedimento não é ilícito, é meramente irregular), o trabalhador terá apenas direito a metade do
valor indemnizatório que resultaria da aplicação do Art. 391º, nº1 do CT. Ou seja, não haverá lugar ao
pagamento de qualquer outra indemnização, ao pagamento de salários intercalares, à eventual
reintegração do trabalhador, etc. Na definição do valor indemnizatório a ser pago pelo empregador
ao trabalhador despedido, o tribunal atenderá, unicamente, ao critério do valor da retribuição do
trabalhador, isto porque o outro fator atendível, o referente grau de ilicitude do despedimento,
mostra-se de todo imprestável quando estamos a lidar com um despedimento irregular, mas lícito.

Logicamente que aqui o tribunal, calculando a indemnização com base na an9guidade do


trabalhador, deva contabilizá-la até à data do despedimento e não até à data do trânsito em julgado
da decisão judicial, à qual se refere o nº 2 do Art. 391º do CT (aliás, se bem virmos, o Art. 389º, nº2
remete para o Art. 391º, nº1 e não para o nº2). Mas duvidosa é a questão de saber se o limite mínimo
estabelecido no nº3 desse ar9go (três meses) vale também, ainda reduzido a metade, no caso de
despedimento irregular. É certo que a letra do nº2 do Art. 389º sugere que não, pois o legislador não
Ana Luísa Mar+ns 123
1º Turma
2020/2021
remete para o nº3 do Art. 391º. Porém, atendendo à razão da norma e à estreita ligação entre os nº1
e 3 do Art. 391º, talvez o argumento literal não seja o decisivo.

• Despedimento ilícito e contrato a termo

O contrato a termo é um contrato nascido para caducar, vale dizer, é um negócio jurídico cuja
causa normal de ex9nção consis9rá na verificação do termo resolu9vo. Nada obsta, no entanto, a
opera9vidade das outras formas de cessação do contrato de trabalho, sobretudo o despedimento
patronal, em sede do contrato a termo, caso em que serão aplicadas as correspondentes regras gerais
(Art. 393º, nº1 do CT).

Quanto aos efeitos de ilicitude do despedimento o princípio é o da aplicação das regras gerais
neste campo, mas o Art. 393º, nº2 do CT introduz algumas alterações de relevo, procurando adaptar
aquelas regras às especificidades resultantes do aprazamento do contrato de trabalho:
1. Por força da Art, 393º, nº2 a) do CT, em caso de despedimento ilícito o empregador será
condenado ao pagamento da indemnização pelos prejuízos causados, tendo o quantum
indemnizatório como limite mínimo o valor dos salários intercalares devidos ao trabalhador
desde a data do despedimento

até à verificação do termo do contrato ou até ao trânsito em julgado da decisão judicial,


consoante o que ocorra primeiro.

2. Na linha do que em geral se encontra estabelecido no Art. 393º, nº2 b) do CT, o empregador
que despeça ilicitamente um trabalhador contratado a prazo deverá também ser condenado
a proceder à respe9va reintegração na empresa, sem prejuízo da sua categoria e an9guidade,
mas isto apenas na hipótese de o termo do contrato ocorrer depois do trânsito em julgado da
decisão judicial. Caso o termo ocorra depois da sentença, nada impede o trabalhador de optar,
em subs9tuição da reintegração, por receber a “indemnização de an9guidade” prevista no
Art. 391º do CT, assim como nada impede que na hipótese de o trabalhador ter optado pela
reintegração, o empregador venha a requerer a recusa da reintegração do trabalhador na
empresa, nos termos do Art. 392º do CT. Porém, se o termo do contrato ocorrer antes da
decisão do tribunal, não haverá lugar a reintegração, naturalmente, o contrato cessará então
aquando da verificação do termo, por caducidade, pelo que o empregador, exonerado embora
da obrigação reintegratória e da alterna9va obrigação indemnizatória, deverá, todavia, ser
condenado a pagar ao trabalhador uma compensação pela caducidade do contrato, por força
dos Arts. 344º, nº2 e 345º, nº4 do CT.

ExEnção por iniciaEva do trabalhador (demissão)


Ana Luísa Mar+ns 124
1º Turma
2020/2021
• Demissão com aviso prévio (denúncia)

- O princípio da livre demissão

Consagra-se Art. 400º, nº1 do CT, o princípio basilar da demissão ad nutum: num OJ em que a
liberdade de trabalho e profissão é cons9tucionalmente reconhecida (Art. 47º da CRP) e perante um
contrato em que o devedor-trabalhador compromete tão intensamente a sua pessoa na execução da
respe9va prestação, compreende-se que ao trabalhador seja reconhecida a faculdade de fazer cessar
o vínculo, por sua inicia9va unilateral, sem necessidade de para o efeito invocar qualquer mo9vo
jus9fica9vo. E este princípio da livre demissão vigora, entre nós, quer rela9vamente aos contratos
indeterminados quer aos contratos a termo.

De qualquer forma, importa sublinhar que a liberdade de demissão do trabalhador não deixa, ainda
assim, de estar subme9da a uma certa compreensão legal. Ou seja, o trabalhador pode, decerto,
matar o vínculo contratual, em ordem a recuperar a sua liberdade pessoal, mas a morte do vínculo,
não deve registar-se de imediato, antes carece de aviso prévio. A lei obriga o trabalhador a anunciar
essa morte com uma certa antecedência, isto é, a lei procura garan9r algum tempo de sobrevivência
ao contrato de trabalho. Em ordem a proteger os legí9mos interesses da en9dade empregadora,
evitando que esta seja surpreendida e prejudicada por uma rutura contratual inopinada, a figura do
aviso prévio surge, então como uma espécie de disposi9vo retardador da relação contratual.
(Recorde-se que, nestes casos, o empregador poderá determinar que o gozo das férias do trabalhador
tenha lugar imediatamente antes da cessação do contrato – Arts. 241º, nº5 e 243º, nº3 do CT)

Atente-se que, apesar de assim o ser definido pela lei, na prá9ca, é frequente as en9dades
empregadoras depois de receberem a comunicação da denúncia pelo trabalhador, dispensarem-no
do cumprimento do aviso prévio. Nestes casos, uma de duas:
1. Ou se trata de um ato unilateral do empregador, caso em que a dispensa não o eximirá de
pagar ao trabalhador a retribuição correspondente ao período de aviso concedido;

2. Ou exis9rá acordo das partes no sen9do de não submeter a denúncia ao termo suspensivo
previsto na lei, caso em que o vínculo contratual terminará de imediato, não ficando o
empregador obrigado a pagar salários para além dessa data;

Tudo dependerá, pois, da vontade das partes.

A duração do aviso prévio poderá oscilar em função de diversos fatores:


1. No contrato por tempo indeterminado (Art. 400º, nº1 do CT), os prazos mínimos são de
30 dias se o trabalhador 9ver até dois anos de an9guidade e de 60 dias se a respe9va
an9guidade for superior;

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2. Tratando-se de um trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direção, bem
como função de representação ou de responsabilidade (nº2 do mesmo ar9go), a lei
admite, contudo, que, quer através de IRCT, quer mesmo mediante contrato individual de
trabalho, o prazo de aviso prévio seja alargado até ao limite máximo de seis meses;

3. Nos contratos a termo (nº3), o aviso prévio será de 30 dias, salvo se o contrato 9ver
duração inferior a seis meses, nesse caso o aviso prévio terá de ser de 15 dias;

4. Nos contratos a termo incerto (nº4), a regra é a mesma, só que em lugar de se atender à
duração do prazo es9pulado, atender-se-á à duração do contrato já decorrido.

Em princípio, o incumprimento, por parte do trabalhador, do prazo de aviso prévio tem como
consequência o dever de pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e
diuturnidade correspondentes ao período de antecedência em falta, de acordo com o disposto no
Art. 401º do CT. A denúncia sem aviso prévio perfila-se, portanto, válida e eficaz, mas irregular: é
válida e eficaz porque produz o efeito ex9n9vo pretendido pelo trabalhador, e é irregular porque
sujeita o seu autor à obrigação de indemnizar a contraparte. Esta indemnização não impede, porém,
que o trabalhador responda civilmente pelos danos causados ao empregador devido à inobservância
do prazo de aviso prévio (Art. 401º do CT), danos estes que são somente os resultantes do
incumprimento do aviso prévio e nunca da rutura do contrato de trabalho.

É importante, ainda, notar que a liberdade de demissão do trabalhador pode ser comprimida
pelo chamado “pacto de permanência” (Art. 137º, nº1 do CT), pacto este em que o trabalhador se
obriga a não denunciar o contrato de trabalho até 3 anos, como compensação pelas despesas do
empregador na sua formação profissional. O trabalhador pode desobrigar-se deste pacto mediante
pagamento do montante correspondente àquelas despesas (Art. 137º, nº2 do CT). Ainda que os danos
causados pelo incumprimento do pacto sejam manifestamente superiores àquelas despesas, o
trabalhador só responderá até esse limite. Note-se, por úl9mo, que a lei não exige a redução a escrito
deste pacto, mas será de toda a conveniência celebrá-lo por escrito, seja para facilitar a prova da
existência da cláusula, seja para evitar as dúvidas quanto ao respe9vo conteúdo.

- A revogação da denúncia

No Art. 402º do CT, a lei concede ao trabalhador a faculdade de proceder à revogação unilateral
da sua declaração demissória. Este “direito de arrependimento”, assenta em duas ordens de ideias:
1. Visa garan9r que o trabalhador pondere devidamente sobre as consequências da sua
declaração, possibilitando-lhe o exercício do chamado direito de arrependimento caso
conclua, dentro de um certo prazo, que aquela foi uma declaração precipitada e não ajustada
aos seus verdadeiros interesses;
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2. Tenta dar resposta ao fenómeno do chamado despedimento dissimulado, ou seja, ao
expediente de o empregador, aquando da celebração do contrato, condicionar a admissão do
trabalhador à assinatura, por este, de uma declaração demissória sem data, assim ficando o
empregador com a possibilidade de, mais tarde, determinar livremente o momento da
cessação do contrato, datando o documento em conformidade.

Assim, o Art. 402º, nº1 do CT determina que o trabalhador pode revogar a denúncia do contrato
até ao 7º dia seguinte à data em que a mesma chegar ao poder do empregador, mediante
comunicação escrita dirigida a este.

Com efeito, se a denúncia do contrato pelo trabalhador carece de obedecer a um determinado


aviso prévio e se o trabalhador apenas poderá revogar a denúncia até ao 7º dia seguinte à data em
que a mesma chegar ao poder do empregador, então isso significa que o empregador con9nua com
o caminho livre para, aquando da admissão do trabalhador, lhe extorquir uma declaração demissória
sem data. Ao empregador bastará, mais tarde, completar a referida declaração, datando-a em termos
tais que impeçam o trabalhador de a revogar. Assim, por exemplo, o empregador produz/exibe no dia
20 de outubro uma declaração escrita, assinada pelo trabalhador e supostamente
emi9da/transmi9da em 30 de setembro, nos termos do qual o contrato cessará em 31 de outubro,
caso em que o trabalhador já não poderia revogar tal declaração, pois o prazo de sete dias sobre a
data em que a declaração havia chegado ao poder do empregador teria já expirado. Assim, considera-
se ser mais per9nente um prazo cuja contabilização se iniciasse após a produção de efeitos da
denúncia.

Nos termos do Art. 402º do CT, a revogação da declaração ex9n9va do contrato por inicia9va do
trabalhador:
1. Deverá ser efetuada mediante declaração escrita dirigida ao empregador;
2. Poderá ser efetuada até ao sé9mo dia seguinte à data em que a denúncia chegar ao poder do
empregador, sendo que, caso não seja possível assegurar a receção da comunicação, o
trabalhador deverá remetê-la ao empregador, por carta registada com aviso de receção, no
dia ú9l subsequente ao fim desse prazo (Art. 402º, nº2 do CT – Art. 350º, nº2 do CT);
3. Deverá ser acompanhada da entrega ou da colocação à disposição do empregador, por
qualquer forma, da totalidade das compensações pecuniárias que lhe tenham sido pagas em
consequência da cessação do contrato (Art. 402º, nº2 do CT – Art. 350º, nº3 do CT);

A faculdade de revogação unilateral da declaração ex9n9va do trabalhador não exis9rá, em


princípio, na hipótese de a assinatura do trabalhador ser objeto de reconhecimento notarial
presencial (Art. 402º, nº1 do CT). Na ó9ca da lei, esta medida garante a genuinidade e atualidade da
declaração ex9n9va proferida pelo trabalhador, evitando prá9cas fraudulentas por parte do
empregador e exigindo do trabalhador uma reflexão maior, pelo que, numa situação como esta, o

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trabalhador não gozará daquele direito potesta9vo de desfazer o declarado. Porém, esta situação
raramente se verificará, representando um encargo para o próprio trabalhador.

No entanto, nos Arts. 400º, nº5 e 395º, nº4 do CT o legislador vem atribuir ao empregador o poder
de exigir que a assinatura do trabalhador, constante do documento que formaliza a sua declaração
demissória, seja objeto de reconhecimento notarial presencial. Embora a lei não preveja um prazo
para esta exigência, entende-se que deverá ser instantânea e imediata, pressupondo-se que a inércia
do empregador após a reação da denúncia se traduz na dispensa da formalidade. Nas situações
previstas no Art. 395º, nº4 do CT, o direito de arrependimento, ainda que as assinaturas tenham sido
reconhecidas, não desaparece (quando o reconhecimento aconteceu num período superior a 60 dias
antes data da cessação do contrato).

O direito de arrependimento do trabalhador desaparecerá no caso de entre a primeira e a úl9ma


destas datas mediar um período igual ou inferior a 60 dias, bem como no caso de já terem decorrido
mais de 7 dias sobre a segunda daquelas datas.

• Demissão com justa causa (resolução)

- A noção de justa causa

De acordo com o Art. 394º, nº1 do CT, ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar
imediatamente o contrato. A ocorrência de justa causa habilita o trabalhador, a dissolver licitamente
e imediatamente o contrato. A ocorrência de justa causa dispensa o trabalhador do dever de respeitar
o prazo de aviso prévio (Art. 400º do CT), podendo ainda conferir-lhe o direito a uma indemnização
pelos danos sofridos, de acordo com o disposto no Art. 396º do CT.

O Art. 394º, nº2 e 3 do CT procede à dis9nção entre as duas grandes espécies de justa causa de
cessação do contrato por inicia9va do trabalhador:
• Justa causa subjeEva: Comportamentos ilícitos e culposos do empregador (despedimento
indireto), enunciados de forma não taxa9va (meramente exemplifica9vos) consagrados no
Art. 394º, nº2 do CT;

• Justa causa objeEva: Descrita em moldes aparamente taxa9vo, poderá consis9r na prá9ca de
um ato lícito do empregador (alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no
exercício de poderes patronais, tal como, por exemplo, alterações no horário de trabalho);
prá9ca de um ato ilícito mas não culposo do empregador (falta não culposa do pagamento
pontual da retribuição); circunstâncias alheias ao empregador e relacionadas com o próprio
trabalhador (necessidade de cumprimento de obrigação legal incompaivel com a
con9nuação do contrato);

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Assim, a falta de pagamento pontual da retribuição perfila-se, nos termos do Art. 394º do CT, quer
como justa causa subje9va (nº 2 a)), quer como justa causa obje9va de demissão (nº3 c)). Neste
contexto, a culpa do empregador presume-se ao abrigo do Art. 799º, nº1 do CC. Além disso, a mora
patronal que se prolongue por mais de 60 dias implica a consideração do incumprimento como
culposo (Art. 394º, nº5 do CT), neste caso, estabelece-se uma presunção inilidível.

Segundo o Art. 394º, nº4 do CT, a justa causa de resolução deverá ser apreciada nos termos do
Art. 351º, nº3 do CT. Esta remissão deve ser entendida com as devidas cautelas, pois a justa causa de
resolução é, logicamente, bem mais ampla do que a justa causa de despedimento. De facto, a justa
causa de despedimento corresponde tão só a infrações disciplinares, enquanto que a justa causa da
resolução abrange um leque bem mais amplo de situações, incluindo questões que em nada se
relacionam com o empregador (recorde-se o disposto no Art. 394º, nº3 a) do CT).

- Procedimento para a resolução do contrato

Ocorrendo justa causa, nos termos do Art. 395º, nº1 do CT o trabalhador deve comunicar a
resolução do contrato ao empregador, por escrito, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos
factos que a jus9ficam. Não é indispensável proceder a uma descrição circunstanciada dos factos,
porém, basta uma indicação sucinta dos mesmos, de modo a permi9r, se necessário, a apreciação
judicial da justa causa invocada pelo trabalhador.

Quanto ao prazo (30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos), à par9da, perante um
comportamento do empregador cons9tu9vo de justa causa de resolução do contrato pelo
trabalhador, o trabalhador deve atuar naquele prazo, sob pena de caducidade. Suscitam-se algumas
dificuldades no âmbito da caducidade do comportamento do empregador cons9tu9vo de justa causa.
Há muitos casos em que as violações contratuais do empregador são con9nuadas e só com o tempo
se tornam mais graves, assim, enquanto o comportamento persis9r, o prazo não deve começar a ser
contado, podendo o trabalhador resolver o contrato a todo o tempo. Em matéria de falta de
pagamento, o prazo começa a contar após o período de 60 dias que se exige para que o
comportamento seja culposo.

O desrespeito das exigências formuladas no Art. 395º do CT (inobservância de forma escrita,


indicação insuficiente dos factos jus9fica9vos da resolução, ultrapassagem do prazo de caducidade)
determina a ilicitude/irregularidade da rutura contratual promovida pelo trabalhador. Note-se que,
no entanto, o trabalhador pode ainda suprir algumas daquelas lacunas, ao abrigo do disposto no Art.
398º, nº4 do CT.

- Indemnização devida ao trabalhador


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Verificando-se resolução do contrato por justa causa subjeEva, isto é, com fundamento em
comportamentos culposos do empregador, o trabalhador terá direito a uma indemnização, nos
termos do Art. 396º do CT. O valor dessa indemnização deve ser fixado entre 15 e 45 dias de
retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de an9guidade, tendo em conta a retribuição
do trabalhador e o grau de ilicitude do empregador (Art. 396º, nº1 do CT). No caso de fração de
an9guidade, o valor de referência será calculado proporcionalmente (Art. 396º, nº2 do CT). A
indemnização nunca poderá ser inferior a 3 meses de retribuição base e diuturnidades,
independentemente da an9guidade do trabalhador (Art. 396º, nº1 do CT).

O valor da indemnização poderá, porém, ser superior ao que resultaria da aplicação do nº1,
“sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado”
(nº3). Neste âmbito, tanto os danos patrimoniais como os danos não patrimoniais são ressarcíveis,
podendo, por isso, o montante da indemnização ser superior ao que determina o nº1 (Art. 396º, nº3
do CT).

Quando estamos perante um contrato a termo, valem as regras gerais, mas o limite mínimo da
retribuição corresponde às retribuições vincendas (Art. 396º, nº4 do CT), assim se criando um limite
mínimo abaixo do qual a indemnização não poderá descer.

- Indemnização a pagar pelo trabalhador

Caberá ao trabalhador fazer a prova dos factos cons9tu9vos da justa causa de resolução do
contrato, em conformidade com o disposto no Art. 342º do CC. Não se provando tal justa causa, a
resolução contratual será considerada ilícita, conferindo ao empregador o direito a uma indemnização
pelos prejuízos causados (Art. 399º do CT).

A justa causa de resolução por inicia9va do trabalhador não se analisa numa condição de validade
da mesma, isto é, ainda que irregular a resolução do contrato pelo trabalhador não será inválida, pelo
que não se coloca o problema da eventual recons9tuição da relação laboral por força de uma
qualquer decisão judicial que declare a ilicitude da resolução.

Se o trabalhador resolver o contrato, invocando justa causa, mas esta não se provar, ou se o
trabalhador denunciar o contrato, independentemente de justa causa, mas sem pré-avisar o
empregador, em qualquer destas hipóteses estaremos perante uma rutura contratual ilícita/irregular,
parecendo que a indemnização a pagar ao empregador deverá ser calculada nos mesmos moldes. A
lei sugere que a indemnização calculada ao abrigo do Art. 399º do CT não poderá ser inferior ao
montante calculado nos termos do Art. 401º do CT, mas pode ser superior.

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• O abandono do trabalho

O abandono do trabalho surge como uma hipótese de rutura ilícita/irregular do contrato por
iniciaEva do trabalhador.

Nos termos do Art. 403º, nº1 do CT, os elementos cons9tu9vos do abandono do trabalho são dois:
a ausência do trabalhador do serviço e tem de ser acompanhada de factos reveladores da intenção
de o não retomar.

Para os casos de ausência prolongada e sem noicias, o Art. 403º, nº2 do CT estabelece uma
presunção rela9va, válida até prova em contrário de abandono do trabalho. Tal presunção legal
verificar-se-á quando a ausência do trabalhador se prolongue durante, pelo menos, 10 dias úteis
seguidos. A conclusão de abandono extrai-se de uma ausência mínima de 10 dias consecu9vos, pelo
que os dias de descanso semanal intercorrentes, os dias de férias ou os feriados não relevam para
este efeito, e mais do que um mo9vo da ausência, basta, para evitar a presunção, que o trabalhador
comunique a ausência.

A presunção de abandono poderá ser ilidida pelo trabalhador, segundo o nº4 “mediante prova de
ocorrência de mo9vo de força maior impedi9vo da comunicação ao empregador da causa da
ausência”.

Valendo o abandono do trabalho como cessação irregular do contrato por inicia9va do


trabalhador, compreende-se que este deva indemnizar o empregador pelos prejuízos causados,
conforme indica o Art. 403º, nº5 do CT. A lei remete para a norma referente à indemnização devida
em caso de falta de cumprimento do prazo de aviso prévio por parte do trabalhador (Art. 401º do
CT).

O abandono vale como denúncia do contrato por inicia9va do trabalhador, mas só o empregador
poderá invocar tal abandono e só após ter sa9sfeito as exigências estabelecidas no Art. 403º, nº3 do
CT: comunicação ao trabalhador dos factos cons9tu9vos do abandono ou da presunção do mesmo,
por carta registada com aviso de receção para a úl9ma morada conhecida deste. Quanto ao momento
em que se verifica a ex9nção do contrato, em caso de abandono, é aquele em que a ausência do
trabalhador teve início.

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1º Turma
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