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Diretrizes Fundamentais do Trabalhismo

Brasileiro

1° A política e a ação do Poder Público deverão ser conduzidas no sentido do desenvolvimento da


economia nacional, das forças da produção e do progresso social. Na realização desses objetivos,
o Estado terá precipuamente em vista as necessidades e os interesses das classes trabalhadoras, a
justiça e a solidariedade social.
2º O desenvolvimento da economia e a justiça social somente poderão ser realizados pela adoção de
meios eficazes tendentes a elevar o nível econômico e cultural das massas trabalhadoras rurais e
urbanas, pela melhor distribuição e aplicação da renda e da riqueza nacional.
3º No campo econômico será mantida a iniciativa privada e, portanto, a propriedade e a exploração
privada dos meios de produção, porém com as limitações que a Constituição autoriza e os
encargos exigidos pelos interesses coletivos.
4º A exploração das riquezas do subsolo e das fontes de energia de relevante interesse econômico e
social deverá, progressivamente, tornar-se um empreendimento do Poder Público e ser realizada
em benefício da coletividade nacional e da coletividade humana.
5º O capital privado terá a garantia e proteção do Estado quando interessado em promover a
expansão da economia e o bem-estar coletivo. Será reconhecido aos seus detentores o direito à
percepção de uma justa retribuição pela iniciativa e risco dos empreendimentos e pela
coordenação dos fatores da produção. O lucro não deverá proporcionar a alguns, possibilidades
de consumo sem limites, mas deverá encontrar sua aplicação natural em inversões socialmente
úteis.
6º A posse de riquezas e de meios de produção impõe o dever de contribuir para a realização de
finalidades assistenciais e para corrigir os desequilíbrios econômicos e sociais.
7º Deverá ser energicamente reprimido, nos termos do art. 148 da Constituição vigente, o abuso do
poder econômico e todas as formas de exploração do povo.
8º Deverão ser reduzidas as despesas e atividades improdutivas e combatidas todas as causas de
usura social, dando-se às rendas públicas uma destinação socialmente útil.
9º A garantia ao trabalho que a Constituição assegura deve ter como pressuposto a garantia ao
acesso dos meios de realizá-lo. A igualdade de oportunidade deve ser assegurada principalmente
pelo acesso ao poder aquisitivo.
10ºDeverá ser constituído um Fundo Social ou Fundo de Poder Aquisitivo que será utilizado,
mediante o fornecimento de crédito sem juros, para as seguintes finalidades:
a) financiamento da construção e aquisição da moradia destinada ao trabalhador;
b) financiamento a trabalhadores rurais, pequenos agricultores e colonos, para a aquisição da
terra e meios de produção;
c) financiamento de cooperativas de pequenos agricultores, horticultores e granjeiros;
d) financiamento de cooperativas de bens ou serviços e cooperativas de consumo constituídas de
trabalhadores;
e) financiamento de obras e serviços de assistência social;
f) financiamento de obras e serviços de utilidade social executados pelas entidades públicas;
g) financiamento de obras, serviços ou empreendimentos de relevantes interesses sociais ou
reclamados pelas conjunturas econômicas.
11º O Fundo de que trata o item anterior, que terá organização autônoma, será constituído de
dotações orçamentárias da União, dos Estados e, facultativamente, dos Municípios, por uma
tributação adicional dos artigos de luxo e da renda, excluídos da taxação os rendimentos da
pessoa física aquém de certo limite e, eventualmente, pelas reservas dos Institutos de
Previdência.
12º O capital estrangeiro aplicado no desenvolvimento econômico do país terá as mesmas garantias
e estará sujeito aos mesmos ônus do capital nacional.
13° Deverão ser mantidos e tornados efetivos os princípios, direitos e garantias constantes dos
Títulos IV, V e VI da Constituição vigente, bem como os direitos e garantias que sejam uma
decorrência do regime democrático e da ordem econômica e social por ela instituída.
14º A organização do crédito deverá ter em vista torná-lo acessível a todos os que se propõem
realizar empreendimentos de utilidade social. As taxas de juros deverão ser progressivamente
reduzidas. Para esse fim os estabelecimentos oficiais ou semi-oficiais de crédito, com o auxílio
do capital público, fixarão taxas diferenciais de acordo com as finalidades dos financiamentos e a
necessidade de estimular estes ou aqueles empreendimentos. As reservas dos Institutos de
Previdência e as disponibilidades das Caixas Econômicas só poderão ser aplicadas em
financiamentos de utilidade social.
15.° A legislação trabalhista deverá ser mantida e aperfeiçoada, tornando-se extensivos os seus
benefícios a todo o proletariado. As organizações trabalhistas gozarão de autonomia, devendo o
Poder Público auxiliá-las e orientá-las no sentido de alcançarem as suas verdadeiras finalidades.

Considera-se dever do Estado:

a) assegurar a cada cidadão uma ocupação em consonância com as suas aptidões, tomando as
medidas adequadas para combater o desemprego;
b) assegurar a cada trabalhador salário-mínimo de acordo com as suas necessidades e as da família.

16º Deverá ser incentivado o desenvolvimento do cooperativismo, mediante a assistência financeira


prevista no item n° 10.
17º A União e os Estados, com o auxílio do Fundo Social, promoverão a rápida recuperação das
populações desamparadas e organizarão planos de colonização tendo em vista a solução dos
problemas econômicos, sociais, educacionais e técnicos das populações rurais.
18º A distribuição da propriedade territorial terá por objetivo o seu maior rendimento econômico e
social. Para esse fim, poderá ser desapropriada mediante justa indenização.
19º As Universidades e as Escolas oficiais deverão ser providas dos necessários recursos para o seu
reaparelhamento e para o contrato de cientistas, técnicos e especialistas de renome a fim de
preparar professores e especialistas, tornando-se centros de pesquisas técnico-científicas e de
expansão cultural. O Poder Público instituirá bolsas que permitam o acesso às Escolas
Superiores a todos os que, desprovidos de recursos, demonstrem aptidões para qualquer forma de
atividade científica ou artística.
20º O Partido Trabalhista Brasileiro bater-se-á:

a) pela educação do povo, e, principalmente da juventude nos princípios da cooperação e da


solidariedade social;
b) pela difusão da cultura, tornando-a mais acessível ao povo e, sobretudo, às massas trabalhadoras;
c) pela elevação dos debates políticos e pela observância, nesse particular, de certas normas éticas
fundamentais;
d) contra o profissionalismo político e todas as formas de parasitismo social;
e) contra todas as causas de corrupção social, política e administrativa;
f) contra a guerra e os interesses que, direta ou indiretamente, a possam provocar;
g) contra todas as formas de imperialismo;
h) por uma política de desarmamento, de cooperação e de intercâmbio entre todos os povos,
devendo ser estreitados cada vez mais os vínculos de solidariedade continental, removidas as
barreiras econômicas e todas as causas que possam gerar ambiente de desconfiança entre os
povos da América.
i) pela preservação do regime democrático, dos direitos fundamentais do homem e dos princípios
cristãos.

Justificação
O programa do Partido Trabalhista Brasileiro, fundado em março de 1915, tinha em vista,
em muitas das suas disposições, a nova ordem constitucional que se iria instituir. A preocupação
fundamental do Partido, preocupação justa e legítima, era que não fossem diminuídos os direitos e
as garantias assegurados aos trabalhadores pela legislação trabalhista do Presidente Getúlio Vargas.
Com a promulgação da Constituição, em 18 de setembro de 1946, numerosos itens do
programa trabalhista tiveram acolhida nos textos constitucionais. Trata-se, portanto, atualmente, de
tornar efetivos esses preceitos.
Das circunstâncias apontadas surge a necessidade de uma revisão do programa do Partido,
suprimindo disposições já corporificadas em princípios da nossa organização política e incluindo
outros que melhor caracterizem a índole de nosso Trabalhismo, configurem os seus objetivos, as
suas diretrizes, a sua orientação e o localizem dentro dos sistemas econômicos e sociais que se
defrontam no mundo.
Poderíamos admitir que existem atualmente três sistemas ou regimes fundamentais: - o
capitalismo, o socialismo e o comunismo. Pondo de lado este último, cuja tática e cujos processos
não se poderiam coadunar com a ideologia Trabalhista, é de perguntar qual o regime preconizado
pelo Trabalhismo brasileiro, se o capitalismo ou o socialismo. Sobre esse ponto não existem idéias
muito claras, o que impõe a necessidade de fixar a verdadeira doutrina e as soluções que se
formulam para os nossos problemas fundamentais.

Os objetivos básicos do Trabalhismo


O objetivo básico do trabalhismo, em todo o mundo, é a organização da sociedade de tal
forma que se assegure a crescente eliminação da usura social. E preciso que essa expressão “usura
social” seja compreendida no seu verdadeiro sentido e que se não confunda com “usura monetária”
(isto é, a cobrança de juros excessivos sobre empréstimos), que é apenas uma modalidade de “usura
social”.
Existe usura social quando as relações econômicas entre os membros de uma sociedade
não estão baseadas nos princípios da justiça social, tais como hoje os formulamos e admitimos. A
usura social é o que comumente se costuma denominar “exploração do homem pelo homem” e que
todos reconhecem que deve ser banida do seio da sociedade.
A coletividade humana, do ponto de vista econômico, é baseada na troca: troca de
utilidades por utilidades, de utilidades por serviços, de serviços por serviços. O homem vive em
sociedade justamente por não ser auto-suficiente. A sociedade é, portanto, uma forma de
cooperação e a atividade de cada um deve ser uma atividade cooperante, isto é, não deve ter apenas
um sentido de utilidade individual, mas também um sentido de utilidade social. A forma individual
da cooperação, é o trabalho. Eis porque a sociedade, em última análise, é um intercâmbio de
trabalho, intercâmbio que, nas modernas coletividades humanas, assume as formas mais variadas e
complexas.
Desde logo seria lícito concluir que poderia haver, na sociedade, duas formas de usura
social: uma, conseguindo uns os meios de viver sem a prestação de um trabalho socialmente útil, e
outro conseguindo obter esses meios sem que haja uma correspondência entre eles e o valor social
do trabalho produzido.
Há usura social toda vez que uns vivem à custa do trabalho alheio ou que as relações de
trabalho (ou de intercâmbio de trabalho) ferem os princípios da equidade, tais como são hoje
compreendidos.
Se, por exemplo, alguém tem a seu serviço outras pessoas e lhes paga salários miseráveis,
obtendo à custa do trabalho das mesmas, bons resultados econômicos, pratica uma forma de usura
social. Toda vez que as remunerações de determinadas formas de atividade não correspondem ao
grau de sua utilidade coletiva, há usura social.
Aqueles, por exemplo, que, no sistema baseado na iniciativa privada, (sistema capitalista)
combinam os fatores da produção (empresários ou capitalistas), fazem jus a uma remuneração
(lucro) pela iniciativa, organização, direção e risco dos empreendimentos. Se, porém, para obterem
maiores benefícios, explorarem o trabalhador e o consumidor, cometem uma forma de usura social.
O lucro que deriva da atividade empreendedora, deduzida aquela parcela que se pode considerar a
justa remuneração do empreendedor, deve ser invertido na aplicação da empresa ou em novos
empreendimentos.
Relativamente, à remuneração de atividades, poderíamos dizer que há duas formas de
usura social: uma positiva e outra negativa. Há usura positiva quando alguém obtém ganhos que
estão acima do valor social de sua atividade ou trabalho; há usura negativa, quando os ganhos são
inferiores ao valor social do trabalho. No conjunto das relações sociais, as duas formas de usura, são
necessariamente correlatas, isto é se há exploradores há, necessariamente explorados.
Suponhamos uma sociedade de três indivíduos, onde dois trabalham e produzem e o
terceiro nada faça, e não obstante, percebe os mesmos benefícios. Tal sociedade seria justa?
Evidentemente não esse terceiro estaria exercendo uma espécie de usura sobre os demais.
Quando, pois, se afirma que o objetivo fundamental do trabalhismo, em todo o mundo, é a
redução senão a eliminação crescente da usura social, a palavra “usura” é empregada no sentido
indicado. Mas existem modos diversos de chegar a esse resultado. Sabemos que há os que
consideram o lucro uma forma de usura social e entendem, por isso, que a sociedade deve ser
organizada de forma que o lucro seja eliminado.
Sabemos também que o lucro é o objetivo do empreendimento privativo do capitalista.
O capitalista é o proprietário dos meios de produção, isto é, da terra, dos estabelecimentos
industriais, das máquinas, dos instrumentos de trabalho, das matérias primas - enfim, do capital.
Mas, os meios de produção precisam ser acionados pelo braço e pela inteligência do homem. São os
trabalhadores que os acionam e aos quais o empregador paga determinado salário. Afirma-se que a
remuneração paga ao trabalhador nunca corresponde mas é sempre inferior à sua contribuição real
para a produção e que, dessa forma, o empregador como que se apropria de uma parcela desse
trabalho, deixando de remunerá-la. O lucro, por exemplo, em última análise, nada mais seria do que
essa parcela de trabalho que não é remunerada, o que constituiria uma modalidade de usura social.
Afirma-se, além disso, que a produção capitalista visa exclusivamente o lucro, ao passo
que a produção deve ter em vista a satisfação de necessidades humanas.
A forma preconizada para eliminar todos esses inconvenientes seria a socialização dos
meios de produção. Nessas condições, os meios de produção deixariam de ser propriedade
individual ou privada para tornar-se propriedade social ou coletiva. Deixando de existir o
empreendimento privado mas sendo este organizado pelo Estado, deixaria também de existir o
lucro, e, conseqüentemente, a exploração do trabalhador. Dessa forma, afirma-se, a produção se
realizaria para o consumo e não para o lucro e o trabalhador receberia, pelo menos teoricamente, o
valor integral do seu trabalho.
E assim que muitos apontam o socialismo como um meio de eliminar certos elementos de
usura social (ou conseguir o máximo dessa eliminação) considerando-se como tais, a intermediação
ou a exploração privada dos meios de produção, distribuição e troca.
Pondo de lado quaisquer considerações sobre a orientação filosófica de certas formas de
socialismo, mas encarando apenas o tipo de estrutura econômica que ele apresenta com o objetivo
de obter a eliminação crescente da usura social ou da exploração do homem pelo homem,
deveremos observar que, no Brasil, não existiriam condições materiais, objetivas, nem condições
psicológicas e políticas para a instituição do socialismo, isto é, não lograria aqui alcançar os
objetivos visados.
Fazendo sempre abstração de quaisquer considerações de caráter filosófico, que aqui não
interessam, é preciso observar que socialização "a posteriori" pressupõe sempre algo que se possa
socializar. E necessário um certo desenvolvimento industrial, que não existe no Brasil, e que esse
desenvolvimento tivesse atingido aqueles limites em que já não seria conveniente que se mantivesse
sob o regime da iniciativa privada.
Pretender, por outro lado, criar um desenvolvimento econômico, sob a forma socialista,
seria, no Brasil, um contra-senso. Nem existem meios técnicos, nem meios financeiros, nem
educação para tal empresa.
Isso não significa que o Estado, em certos casos, não deva tomar a iniciativa dos
empreendimentos econômicos, sobretudo quando estes transcendem os limites das possibilidades ou
das conveniências do empreendimento privado. Para isso, porém, é sempre necessária uma
preparação técnica e o treinamento de homens que sejam capazes de dirigir, com elevado espírito
público, empresas dessa natureza. Possuímos, sem dúvida, bom material humano, mas este,
geralmente, não é aproveitado pelos que governam o país. Enquanto não se modificar a mentalidade
dominante não temos esperança de que, sob este aspecto, a situação se possa modificar. Será esse,
portanto, um cometimento mais para as novas gerações.
Vê-se, pois, que, embora o objetivo fundamental do trabalhismo possa ser o mesmo em
todo o mundo, a maneira de atuar e realizar-se, será diferente conforme as condições peculiares e o
grau de civilização e cultura de cada país. Na Inglaterra, o trabalhismo é socialista. No Brasil, não
poderia sê-lo pela ausência dos pressupostos.
A economia socialista é uma técnica, não um fim. Poderá dar, eventualmente, bons
resultados em países evoluídos social e materialmente, mas daria resultados negativos em países
como o nosso, que figura entre os mais atrasados do planeta. Será desnecessário esclarecer que nos
referimos aqui a um socialismo do tipo do trabalhismo inglês e não a outras formas de socialismo.
A soma dos ganhos de todos os indivíduos de um país é o que poderemos chamar, de uma
maneira simplista, a renda nacional, que não deve ser confundida com renda ou receita pública. O
trabalhismo sustenta o princípio de que nenhum ganho é justo desde que não corresponda a uma
atividade socialmente útil. Eis porque a renda nacional deve ser distribuída e aplicada de tal forma
que se atenda a esse princípio. Nem sempre o que constitui um ganho legal é um ganho justo. No
sistema da livre iniciativa, é difícil evitar essas injustiças na sua origem. Cumpre, por isso, ao
Estado corrigi-las. E essa a função social precípua do Estado. Todo ganho deve estar sempre em
função do valor social do trabalho de cada um. Onde há ganhos sem trabalho, há parasitismo e
usura social.
Essa é a razão pela qual também poder aquisitivo e trabalho deveriam ser expressões
equivalentes.
A renda nacional é resultado do trabalho produtivo. A distribuição dessa renda, porém,
nem sempre é feita na proporção desse trabalho. E preciso, pois, que cada um dela participe na justa
proporção do seu trabalho, isto é, na justa proporção dos benefícios com que contribuiu para a
coletividade. Trabalho significa aqui qualquer forma de atividade socialmente útil e não apenas o
trabalho assalariado. Onde há ganhos que não correspondam a um trabalho ou atividade útil, há,
como observamos, usura social, o que significa, pura e simplesmente, que uns se locupletam à custa
do trabalho de outros.
Poderíamos, pois, resumir os princípios gerais do trabalhismo nos seguintes termos:
a) o trabalho é a fonte principal e originária de todos os bens produzidos. A função destes é a
satisfação de necessidades. O valor dos bens reside, portanto, na sua utilidade e no trabalho que
concorre para produzi-los;
b) a coletividade humana é um sistema de cooperação. A cooperação realiza-se pelo trabalho e para
que a cooperação de cada membro da coletividade se torne efetiva, é necessário que se traduza
por uma atividade socialmente útil, isto é, que traga benefícios não apenas a quem exerce mas
também aos demais membros da coletividade e contribua, por esta forma, para o aumento do
bem-estar geral;
c) a forma de cooperação é um intercâmbio de trabalho. Quem de útil nada produz nada tem para
permutar;
d) o poder aquisitivo deve ser a contrapartida do trabalho socialmente útil. Esse trabalho é o único e
verdadeiro lastro da moeda. A posse de poder aquisitivo, que não deriva dessa forma de trabalho,
representa uma apropriação injusta do trabalho alheio e caracteriza-se como usura social;
e)o objetivo fundamental do trabalhismo deve ser a eliminação crescente da usura social e alcançar
uma tal organização da sociedade onde todos possam realizar um trabalho socialmente útil de
acordo com as suas tendências e aptidões, devendo a remuneração graduar-se pelo valor social
desse trabalho, com a garantia de um mínimo dentro dos padrões da nossa civilização, para as
formas de trabalho menos qualificado.
A função precípua do Estado deve ser hoje a realização da justiça social. Se a justiça
social, como comumente se admite, se traduz por uma eqüitativa distribuição da riqueza, isto
significa simplesmente que, garantido um mínimo fundamental, a participação de cada um no
produto social (isto é, no acervo dos bens produzidos) deve estar em relação ao valor social do seu
trabalho, isto é, ao grau de sua contribuição para a produção desses bens e para o bem-estar geral.
Essa parece ser a essência do trabalhismo.
Há uma tarefa social, que incumbe à sociedade ou à organização e outra que é individual.
A organização econômica e social deve assegurar um padrão objetivo mínimo, elevando-o sempre
mais à medida que a ciência e a técnica criam novos meios de bem-estar. Deve-se assegurar a cada
um a oportunidade efetiva (isto é, de meios) de ascender na escala dos padrões sociais de viver em
segurança quando já não possa trabalhar. Ao indivíduo caberá utilizar os meios que são postos à sua
disposição pela sociedade.
Vê-se, portanto, que o trabalhismo, quanto aos seus postulados e objetivos humanitários, é
uma doutrina social: quanto aos meios e procedimentos para alcançar esses objetivos, é uma técnica
econômica que se deverá socorrer dos dados e dos ensinamentos dos diferentes ramos da Economia.
Politicamente, o trabalhismo é um movimento de opinião tendente a obter a consecução dos seus
objetivos através da ordem e do mecanismo jurídico-constitucional, isto é, através dos poderes do
Estado. Os objetivos finais do trabalhismo são os mesmos em todo o mundo. As soluções concretas
é que podem variar de acordo com as circunstâncias de tempo e de lugar. Na realidade, o
trabalhismo somente poderá encontrar a sua integral realização no dia em que os seus princípios
dominarem em todas as grandes nações que controlam a vida internacional, o que determinará,
necessariamente, a eliminação do armamentismo, que é uma das principais causas de usura social,
de mal-estar e empobrecimento dos povos.
A cooperação que deve existir entre os membros de uma coletividade nacional deve existir
também entre os membros da comunidade internacional. Os princípios são os mesmos, o que
significa que o trabalhismo abrange também a ordem internacional.

Trabalhismo, Socialismo, Capitalismo


O trabalhismo não é, pois, necessariamente, um movimento socialista. Como vimos, o
socialismo não é um fim, mas um meio, isto é, uma forma de organização econômica tendo em
vista a eliminação da usura social.
Abstraindo das diferentes concepções socialistas - incompatíveis com os princípios cristãos
quando têm caráter materialista - e considerando socialismo simplesmente a socialização dos meios
de produção, de circulação e de troca, mediante uma planificação da economia, observamos que o
sistema seria inexeqüível num país como o Brasil.
Devemos, pois, permanecer no sistema da iniciativa privada, isto é, no regime capitalista.
Mas, se é conveniente que se mantenham em seus delineamentos gerais, a estrutura do regime
capitalista, isso não significa que seja qualquer tipo de capitalismo que o trabalhismo possa admitir
e defender. Em primeiro lugar, o trabalhismo brasileiro não poderia solidarizar-se com um
capitalismo de caráter individualista e parasitário; em segundo lugar, há certas atividades e
empreendimentos, certas riquezas e certas formas de poder econômico que devem ser socializados.
Nos sistemas individualistas, o capital visa exclusivamente o lucro, que poderá
proporcionar a seus detentores possibilidades de consumo sem limites, à custa do produto social,
isto é, do trabalho do proletariado. O trabalhismo não poderá admitir tal forma de capitalismo. Para
o trabalhismo, o capital deve ser um conjunto de meios instrumentais ou aquisitivos, dirigidos e
coordenados embora pela iniciativa e atividade privadas, tendo em vista o desenvolvimento da
economia, e o bem-estar coletivo. Conseqüentemente, o lucro não deverá ser O produto da
exploração do trabalhador, mas, deduzida a justa remuneração do empresário, deverá constituir
aquela parte do produto social que é invertida para a criação de novas riquezas e produção de bens.
O capital de caráter meramente especulativo e explorador não poderia encontrar guarida e tolerância
no verdadeiro pensamento trabalhista.
O capital é um conjunto de meios destinados à produção, à circulação e à troca. Uma
fábrica é capital, uma estrada de ferro também o é. Não se pode ser contra o capital, o que seria
absurdo. O capitalismo, porém, é uma relação de propriedade ou de exploração do capital. Se essa
propriedade ou essa exploração são exercidas contra o interesse coletivo, o capitalismo é,
evidentemente, um mal que deve ser combatido. Na constituição do capital há sempre uma parcela
de usura do trabalho, e que é representada por aquela parte que está cristalizada no aparelhamento
produtor.
Se alguém por exemplo, por meio de um empréstimo, constrói e instala uma fábrica, esse
empréstimo terá que ser amortizado com os lucros do empreendimento. Ora, o lucro representa a
não remuneração de uma parcela de trabalho e um sacrifício do consumidor. Para simplificar a
idéia, suponhamos que um sapateiro tome a seu serviço um oficial. Se lhe pagasse, como salário, o
que ele realmente produz, o dono da oficina não teria resultado algum. Isso significa que, para que o
sapateiro tenha lucro, é necessário que o empregado ganhe menos do valor que realmente produz.
Com relação ao lucro que invertido, essa usura existirá em qualquer sistema. O capital é
uma acumulação de lucro, isto é, de trabalho não remunerado. No sistema socialista de economia, o
capital não se constitui através do lucro ou rendimento privado, mas através de taxação. Ora, a
taxação produz idêntico efeito, pois equivale a uma redução do salário nominal. Se alguém, por
exemplo, percebe mil cruzeiros mensais, mas tem que pagar duzentos cruzeiros de impostos, o
salário real estará reduzido a oitocentos cruzeiros.
Se o Estado socialista pagasse ao trabalhador o valor integral do trabalho, não poderia
haver inversões, isto é, não seria possível constituir o aparelhamento produtor e os demais meios
correlatos, isto é, o capital.
A parte do lucro, que é invertida, não representa uma injustiça social. Pode haver injustiça
na parcela do lucro que é consumida pelo capitalista, sempre que o consumo exceda os limites
razoáveis da remuneração devida à atividade empreendedora.
O problema, pois, não é o da existência ou supressão do lucro e sim o de sua aplicação.
O capitalismo, portanto (isto é, a exploração privada dos meios de produção, circulação e
troca) será injusto na medida em que proporcione, a alguns, possibilidades de consumo sem limites,
à custa do produto social, isto é, do trabalho; será nocivo, na medida em que, para alcançar essas
possibilidades, use de métodos e processos anti-sociais; será, por fim, inconveniente na medida em
que tumultue o processo econômico, dando lugar às crises periódicas ou ciclos conjunturais, que
são uma conseqüência natural da liberdade de iniciativa e da livre concorrência.
E de perguntar como será possível corrigir, praticamente, as injustiças e inconveniências
do regime capitalista.
Poder-se-á responder que, se não é possível eliminá-las, será sempre possível atenuá-las.
Taxar, por exemplo, os rendimentos, e aplicar o produto da taxação em inversões
socialmente úteis será uma forma de canalizar o lucro e os rendimentos capitalistas para as suas
verdadeiras finalidades. Taxar fortemente os artigos de luxo é, em geral, o supérfluo, e, com o
produto da taxação custear serviços de assistência social, será outra forma de corrigir certas
injustiças. Será uma maneira de obrigar os que podem adquirir o supérfluo a contribuir para resolver
os problemas daqueles que não têm o necessário. E apenas isso que pretende o trabalhismo, isto é,
tornar efetiva a solidariedade social.
Onde o sistema socialista de economia desse piores resultados que o capitalista, não
haveria conveniência em substituir este por aquele. Suponhamos, por exemplo, que, numa fábrica,
os operários ganhem, em média, x e o patrão lucre y. Com sua socialização, poder-se-á, sem dúvida,
abolir o lucro, mas se a fábrica passar a ter uma administração pior, de modo que se encarecerá o
custo da produção e do modo que a eliminação do lucro, nem aproveite ao operário nem ao
consumidor, quais seriam as vantagens da socialização? Se a eliminação do lucro nem fizesse
aumentar o salário do trabalhador, bem diminuísse o preço para o consumidor, a abolição do lucro
seria perfeitamente inútil. A socialização só poderia dar resultados quando a administração daí
empresa socializada pudesse ser mais eficiente do que a empresa privada. Para isso, porém, seria
necessário um alto nível de educação social, que não existe ainda na maior parte dos homens.
A socialização integral dos meios de produção, no estado atual da humanidade, poderia
trazer ainda outros inconvenientes, pois o Estado se tornaria todo-poderoso e seria difícil encontrar
homens perfeitos para geri-lo. É certo que a tendência é para aumentar as funções do Estado,
evoluindo da função simplesmente policial à função social e à função econômica. Essa evolução,
porém, está condicionada a um maior grau de perfeição dos homens.
Por outro lado, não será demais observar que, se a forma socialista da produção pode ser
desaconselhada, não será para atender aos interesses capitalistas, mas para atender ao maior
interesse da própria coletividade.
Será desnecessário esclarecer que há setores da economia onde a socialização ou a
estatização se impõe. Não há hoje países onde impere o puro regime capitalista. Há países de
economia exclusivamente socialista e países de economia mista.

PASQUALINI, Alberto. Bases e Sugestões para uma política social. Porto Alegre, O Globo, 1948.

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