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A Administração Tributária dos Municípios

A Constituição brasileira promulgada no ano de 1988 tornou o Município parte da estrutura


da Federação, o tornando ente federativo, dotado de autonomia política, legislativa, administrativa
e financeira. Ainda, responsabilizou este ente federativo para a instituição de diversas políticas
públicas, tais como desenvolvimento da política urbana, execução de políticas sociais e um maior
cuidado com a Educação e a Saúde, dentro das necessidades locais.
Ocorre que essa independência trazida pela Carta Magna aos Municípios acabou tornando-
se meramente formal, tendo em vista a dificuldade da grande maioria dos municípios, sobretudo os
de porte pequeno (até 20 mil habitantes), não possuírem recursos suficientes para gerir e colocar
em prática todos direitos sociais elencados pelo extenso texto constitucional.
Realizando uma breve análise da sistemática imposta pela Constituição Federal do Brasil,
por intermédio dos dispositivos que tratam das competências próprias para instituição dos tributos,
facilmente se observa uma atitude centralizadora da União, concentrando a maior parte da
instituição dos tributos para si, conquanto as responsabilidades e encargos estejam sendo
descentralizados para as outras unidades federativas, revelando um claro desequilíbrio vertical.
A tal fato, o doutrinador Sérgio Prado (2006) denomina como brecha vertical. Esta brecha é
facilmente compreendida como a disparidade de encargo e receita própria, que neste caso será
mais bem analisada em capítulo ulterior, levando o caso ao Município de São Miguel do Oeste,
apresentando dados obtidos por intermédio do portal de transparência, relativo aos gastos
executados e receitas obtidas no ano de 2017.
Retornando ao debate acerca da autonomia fiscal do munícipio, conforme alhures já debatido
existem transferências estipuladas de forma prévia pela legislação, de natureza impositiva e outras,
que de forma discricionária, são instituídas nas leis orçamentarias anuais.
Ocorre que tal repasse, que deveriam ser precedidos de estudos e norteados por critérios
orçamentários, realizando a análise de receitas e despesas, a fim de mitigar a brecha vertical, rege-
se na realidade por critérios exclusivamente políticos, tornando dificultoso que seja aferido as reais
necessidades de cada ente federativo, dificultado pela imensidão do Brasil, que possui uma
dimensão continental, tendo cada canto do país características peculiares e uma realidade social
diversa.
Importante frisar que a carta magna promulgada em 1988, buscando uma nova ordem social
pós-regime de exceção vivido até àquela época, primou pelo estado do bem estar social, instituindo
diversos direitos sociais, serviços públicos e, como anteriormente já citado, descentralizando estes
encargos com os entes federativos locais, que veem uma discrepância entre o que arrecadam e o
que necessitam colocar em prática, consumindo seus orçamentos e tornando-se aprisionados a
injeção da União, por intermédio de transferências de receitas, para que assim possam executar os
encargos e as políticas públicas necessárias para tentar tornar efetivas as diretrizes sociais
impostas na Constituição Federal de 1988.
Posto isso, torna evidente que o grande desafio do Federalismo Fiscal é a de tentar
harmonizar as incumbências que os entes federativos possuem frente à carta magna e quais os
instrumentos fiscais arrecadatórios eficazes para custear, de maneira responsável, as políticas
públicas necessárias para efetivar o bem estar social proposto pelo poder constituinte originário.
Ademais, é importante que tanto administradores públicos como os legisladores sejam guiados por
critérios objetivos, buscando a eficiência e operacionalidade nas escolhas que devem ser feitas.
Diante do que foi exposto até o momento, a autonomia citada no início deste capítulo acaba
por se tornar frágil e muitas vezes ineficiente, diante da clara falta de autonomia financeira dos
entes federativos locais, que não conseguem ainda, em sua maioria, de forma plena, sustentar-se
sem a dependência econômica dos demais. Muito embora, no decurso temporal venha aumentando
as transferências de receitas advindas dos Estados e da União, este ganho financeiro, apesar de
contribuir, estão aquém de satisfazer, em sua integralidade, as necessidades dos entes federativos
locais (municípios), tornando enfraquecida a autonomia chancelada na Constituição de 1988.
Esta chancela da autonomia municipal está disposta no art. 34, VII, alínea “c”1 da
Constituição Federal e o não cumprimento deste dispositivo acarreta em desrespeito a ordem
federativa constitucional, passível da ação extrema de ser realizada a intervenção da União,
exceção à regra de tudo que é preconizado pela carta constitucional brasileira. Sendo assim, a
autonomia municipal é assegurada no contexto constitucional.
Seguindo, é de suma importância explanar acerca das competências estatuídas pelo poder
constituinte originário aos Municípios, elencados nos artigos 29 e 30 da Constituição Federal, que
se caracterizam por serem normas de eficácia imediata, devendo ser de imediata cumprida, sem
que haja a necessidade de outra legislação para regularizar suas competências.
Entretanto, para que sejam desde logo postas em prática, dependem dos cofres municipais
estarem abastecidos com riquezas suficientes para os gastos advindos dos encargos impostos pela
carta constitucional. Volta-se à brecha vertical, alhures mencionada.
As responsabilidades explicitadas para os Municípios na Constituição Federal estão
dispostas nos artigos 29 a 30, que trazem uma série de disposições para que fosse dado o devido
reconhecimento ao poder de auto-organização, novidade trazida pelo poder constituinte originário.
Dentre essas competências, importante frisar as competências implícitas que decorrem da cláusula

1
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: VII - assegurar a observância dos seguintes
princípios constitucionais: c) autonomia municipal. (BRASIL, 1988).
do art. 30, inciso I2 da Constituição Federal, que atribui aos Municípios legislar sobre assuntos de
interesse local, referindo-se a fatos de interesse predominantemente municipal, visto que não há
fato local que não reverbere, de alguma maneira, em outros entes federativos. Dentre esses
assuntos de interesse local, pode-se citar fatos pertinentes a transporte coletivo, coleta de lixo,
ordenação de solo, fiscalização a bares e restaurantes, dentre outros (MENDES; BRANCO, 2015,
p. 842).
Ainda, aos municípios é dado a oportunidade de legislar, de forma suplementar, a assuntos
de interesse local que não são tratados por lei federal ou estadual, ou de aprofundar a normatização,
desde que respeitados os preceitos impostos nas legislações dos outros entes da Federação. Tais
responsabilidades, oportunizadas para legislar de forma concorrente, estão dispostas no art. 243 da
Constituição Federal. Importante frisar as mais importantes, tais como cuidar da saúde e assistência
pública, garantindo proteção e assistência a portadores de deficiência, proteger documentos, obras
e outros bens de valor histórico, proteger o meio ambiente e combater a poluição, promover
programas de saneamento básico, proporcionar meios de acesso à cultura, à educação e à ciência,
dentre outros não menos importantes, mas não sendo citados para evitar maiores delongas para o
que este artigo realmente deseja tratar.
Logo, após essa breve conceituação a respeito da competência constitucional e a sua
autonomia fiscal mitigada, passa-se a analisar o cerne deste artigo, qual seja a análise dos valores
arrecadados e gastos pelo município de São Miguel do Oeste, Estado de Santa Catarina, no ano

2
Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local (BRASIL, 1988).
3
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
II - orçamento;
III - juntas comerciais;
IV - custas dos serviços forenses;
V - produção e consumo;
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e
controle da poluição;
VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico;
IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 85, de 2015)
X - criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas;
XI - procedimentos em matéria processual;
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;
XIII - assistência jurídica e Defensoria pública;
XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;
XV - proteção à infância e à juventude;
XVI - organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis.
§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas
peculiaridades.
§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário. (BRASIL,
1988).
fiscal de 2017, demonstrando àquilo que foi trazida neste capítulo, mormente a situação que foi
denominada como brecha vertical, que será mais bem demonstrado com os números extraídos do
Portal de Transparência do Município que será estudado.

6. Estudo de caso: a arrecadação fiscal e as despesas no Município de São Miguel do


Oeste/SC no ano de 2017

Após essa superficial conceituação de assuntos que se fazem necessários para elucidar o
escopo deste trabalho, se passa a analisar os valores de receitas e despesas que o Município de
São Miguel do Oeste teve no ano de 2017.
Para que se fosse permitido à obtenção desses valores, foi entrado em contato com o
Secretário de Administração da gestão 2017/2020. O secretário, solícito em seu atendimento,
informou que era possível obter todos os dados necessários para confecção deste artigo através
do Portal de Transparência (https://transparencia.saomiguel.sc.gov.br/). Portanto, todas as tabelas
que serão expostas a seguir, são oriundas do endereço eletrônico acima informado, qual seja o
Portal de Transparência do Município de São Miguel do Oeste, estado de Santa Catarina.

6.1. A Execução de Despesas no ano de 2017

No ano de 2017, a execução de despesas do município de São Miguel do Oeste/SC foi no


valor de R$ 95.282.217,25 (noventa e cinco milhões, duzentos e oitenta e dois mil, duzentos e
dezessete reais e vinte cinco centavos). A especificação do destino dos valores gastos pode ser
observada na tabela abaixo:
Tabela 1
Dos gastos acima elencados, três pontos merecem destaque. O primeiro ponto é o valor
gasto pela Secretaria Municipal de Urbanismo. Foram gastos no ano de 2017 aproximadamente
doze milhões e meio de reais. Além dos gastos básicos, com quadro de pessoal e obrigações, foram
quase oito milhões destinados a serviços realizados por Pessoas Jurídicas, cuidando da
ornamentação, limpeza, além de realização de obras e serviços de conservação e pavimentação
urbana, o que pra quem mora neste Município pôde ser facilmente observado com a pavimentação
asfáltica de novas ruas e reparos em outras.
Enquanto os outros dois itens que merecem destaque não são motivo de surpresa, pois são
os valores destinados as pastas de Saúde e Educação, representando aproximadamente das
despesas totais, respectivamente, 25% (vinte e cinco por cento) e 29% (vinte e nove por cento) da
destinação das execuções de despesas. Tais valores estão dentro da vinculação de receitas as
quais os administradores públicos são obrigados a observar, quais sejam 15% (quinze por cento)
para saúde e 25% (vinte e cinco por cento) para educação.
Porém, como foram arrecadados os valores para que fosse coberta as despesas acima
elencadas? Apenas os tributos destinados ao Município dão conta de manter a máquina pública do
Município de São Miguel do Oeste/SC em funcionamento? É o que passará a ser discutido no
próximo item.

6.2. A Arrecadação do Município de São Miguel do Oeste/SC

Este tópico irá analisar as fontes de receita, no ano de 2017, do Município de São Miguel do
Oeste/SC para o pagamento das despesas realizadas e já discutidas alhures.
Conforme pode se denotar do portal transparência, o ente municipal possui dois tipos de
receita: as correntes e de capital. Estas não são objeto deste estudo, mas apenas a título de
informação, tratam-se de receitas oriundas de alienação de bens públicos e transferência de
recursos de convênio, como o do Sistema único de saúde.
Tabela 2

Tabela 3
Retornando, este artigo ira adentra na análise das receitas correntes, onde como se pode
observar estão englobadas as receitas tributárias e as transferências correntes, escopo deste
artigo.
Tabela 4

Apenas para não deixar de citar, as receitas de contribuições advêm de contribuições sociais
e a de intervenção no domínio econômico. A patrimonial vem de valores imobiliários, podendo dar
como exemplo aluguéis que a Prefeitura recebe de bens em seu domínio. Receita de serviços são
os valores angariados, sobretudo, de inscrições em concursos públicos. E, por fim, outras receitas
correntes são de multas, indenizações e outras dívidas quitadas no ano fiscal 2017.
Dando início a análise pertinente neste trabalho, as receitas tributárias possuem como fonte
dois tributos, os impostos e as taxas. As taxas se subdividem em duas, as exercidas do poder de
polícia e a de prestação de serviços, que arrecadaram estes valores, conforme pode se visualizar
na tabela abaixo.
Tabela 5
Já dos impostos, suas receitas especificadas vem dos três impostos estatuídos na
Constituição Federal, serem de competência dos municípios, quais sejam o IPTU, ITBI e o ISSQN.
Conforme a tabela abaixo especifica, os impostos sobre serviços de qualquer natureza, no ano de
2017, renderam aos cofres públicos os seguintes valores:
Tabela 6

Enquanto os valores arrecadados pelo os outros dois impostos estão dispostos na próxima
tabela, onde está incluso, também, os valores do imposto de renda sobre a pessoa física que é
retida em folha, dos funcionários públicos municipais, outra fonte de receita dos municípios.
Tabela 7
Conforme pode se desprender da análise dos valores arrecadados com Tributos, estes
ficaram, no ano de 2017, no importe de R$ 21.706.506,81 (vinte um milhões, setecentos e seis mil,
quinhentos e seis reais e oitenta e um centavos), muito aquém do valor de execução de despesas
acima já informado, que ficou na casa dos 95 milhões de reais.
Para cobrir esse rombo que ocasionaria nos cofres públicos, passa a se analisar os valores
das receitas oriundas das transferências correntes. Conforme restará clarividente na tabela que
abaixo será anexada, dessas transferências correntes, quase 100% dos 79 milhões arrecadados,
tem como origem as transferências intergovernamentais.
Tabela 8
Dessas transferências intergovernamentais, a tabela abaixo demonstra a origem dos valores
de cada ente federativo.
Tabela 9

A transferência dos municípios não interessa a este artigo, e pode se observar que é uma
quantia ínfima, não sendo necessário se delongar a respeito. Já as transferências
multigovernamentais são os valores oriundos do FUNDEB, fundo de manutenção da educação
básica e de valorização dos profissionais da educação, que são recursos provenientes dos impostos
e transferências dos estados, Distrito Federal e municípios, que são vinculados a educação por
força do art. 212 da Constituição Federal.4
Das transferências oriundas de outros entes da Federação, os que são da União
representam a maior fatia para o município de São Miguel do Oeste. As transferências realizadas
pela União estão esmiuçadas na tabela abaixo.
Tabela 10

4
Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por
cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e
desenvolvimento do ensino. (BRASIL, 1988)
O item “participação na Receita da União” são valores fruto da cota parte que São Miguel do
Oeste tem direito do Fundo de Participação dos Municípios e dos valores cobrados do imposto
sobre a propriedade Territorial Rural (ITR). Outro valor vultoso, que merece destaque, é a
transferência de recursos do sistema único de saúde (SUS), que representa quase um terço do
montante transferido pela União.
Das transferências dos Estados são duas as fontes, a participação na receita do Estado de
Santa Catarina e outras transferências. Estas são valores transferidos do Fundo Estadual de Saúde
e recursos transferidos do poder judiciário, especificamente da vara criminal de São Miguel do
Oeste. A participação na receita do Estado de Santa Catarina são as cotas partes dos tributos
arrecadados pelo Estado, que estão discriminados na tabela abaixo:
Tabela 11
Portanto, conforme pôde se observar durante todo este trabalho, apenas a arrecadação de
tributos feita pelo município não é suficiente para sustentar a máquina pública e por em
funcionamentos os direitos sociais e os encargos os quais os entes federativos municipais
possuem. Logo, fica clarividente que a autonomia conquistada pelos Municípios na promulgação
da Constituição Federal de 1988 é precária, pois não há autonomia financeira, pois como pode se
denotar, fez-se necessária a injeção de quase 80 milhões de reais pela União e pelo Estado de
Santa Catarina, para que dessa forma, a máquina pública do município de São Miguel do Oeste
continuasse a funcionar.

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