O contrato de trabalho analisa-se num acordo por meio do qual um
trabalhador se obriga, contra uma retribuição, a prestar a sua activida- de laboral a um empregador (art.º 11.º do CT e art.º 1152.º do Código Civil).
Uma tal noção é manifestamente tributária da concepção clássica
que apreende este contrato como uma relação patrimonial de troca en- tre cujos termos a prestação de actividade e o pagamento de uma re- tribuição se verifica um nexo causal.
A lei portuguesa não define o que é o contrato de trabalho, limitan-
do-se a indicar os elementos que permitem qualificar um contrato como contrato de trabalho.
1.2. Elementos essenciais
A prestação de trabalho, a retribuição e a subordinação jurídica
são os três elementos essenciais ou constitutivos do contrato de traba- lho.
a) A prestação de trabalho a principal obrigação do trabalhador
emergente do contrato é uma obrigação de fazer, uma obrigação de adoptar um determinado comportamento positivo que se traduz na rea- lização de uma actividade laboral.
Para melhor caracterização do objecto do contrato de trabalho, pa-
rece útil acrescentar as precisões seguintes:
Desde que seja lícita e apta à satisfação de um interesse digno de
protecção legal, qualquer actividade pode constituir o objecto do contrato de trabalho. Para efeitos de qualificação e de validade do contrato é indi- ferente que a actividade prometida seja de natureza predominantemente intelectual ou predominantemente manual, que se traduza exclusiva- mente em operações materiais, como sucederá, por exemplo, com o me- cânico de automóveis, ou envolva também a prática de negócios jurídi- cos, como é o caso do empregado de comércio;
A obrigação do trabalhador traduz-se no exercício de uma activi-
dade mas não abrange o seu resultado nem o fim prosseguido pelo em- pregador. Por certo, o empregador espera obter da actividade do traba- lhador um certo resultado (por exemplo, o fabrico de uma peça de auto- móvel) com o qual procura atingir um determinado fim (um lucro, um reforço da sua posição no mercado, etc.). Sucede, porém, que o resulta- do esperado não faz parte da obrigação, o mesmo se podendo dizer quanto ao interesse final que o empregador procura satisfazer com a ac- tividade do trabalhador. Quer dizer, o trabalhador cumpre a sua obriga- ção de realizar, com diligência e boa fé, a actividade prometida, mesmo que, por qualquer circunstância, se não atinja o resultado esperado (a peça em fase de fabrico perdeu-se) ou o empregador não alcance o fim por si visado (não vende a peça produzida);
O exercício da actividade é a forma normal, mas não exclusiva, de
cumprimento do contrato. Naturalmente, o contrato celebra-se para se cumprir e cumpre-se, em regra, com a execução da actividade prometi- da. Para que tal seja possível é, porém, indispensável a cooperação do empregador, é necessário, designadamente, que este distribua o serviço ao trabalhador, lhe forneça os meios e lhe dê as devidas instruções, etc. A recusa da prestação por parte do empregador ou a falta, por mo- tivos alheios ao trabalhador, das condições que a tornem possível ou exigível, implicam uma inactividade do trabalhador pela qual este não é responsável. Por isso se diz que o trabalhador cumpre a sua obrigação quando realiza a actividade prometida ou quando, para o efeito, se en- contra à disposição do empregador mas a não realiza porque este a re- cusa injustificadamente ou porque não cria as condições indispensáveis para que a mesma seja possível ou exigível.
b) A retribuição a prestação retributiva (a obrigação de pagar o sa-
lário acordado) é outro elemento essencial do contrato de trabalho. A re- tribuição constitui a obrigação principal do empregador, entendendo-se por retribuição “a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho” (art.º 258.º n.º 1 do CT).
A retribuição pode ser certa (calculada em função do tempo) ou va-
riável (calculada em função do rendimento pagamento por peça pro- duzida, percentagem por objecto vendido, etc.) ou mista (parte certa e parte variável). A retribuição deverá ser paga sempre em dinheiro ou em dinheiro e em espécie, caso em que a parte em dinheiro não pode ser in- ferior à parte paga em espécie, salvo o disposto em convenção colectiva de trabalho (art.º 259.º n.º 2 do CT).
c) A subordinação jurídica diferentemente do que sucede com os
demais contratos em que uma pessoa se obriga a realizar em benefício de outrem uma determinada actividade ou a prestar-lhe um certo servi- ço, no contrato de trabalho é ao credor (o empregador) que cabe progra- mar, organizar, dirigir e fiscalizar a actividade do devedor (o trabalha- dor). Àquele cabe, com efeito, não apenas a distribuição das tarefas a realizar, como também a definição do como, quando, onde e com que meios o trabalhador as deve executar.
É esta diferente posição que é designada, correntemente, por subor-
dinação jurídica ou por supremacia jurídica, conforme se privilegie o la- do passivo ou o lado activo da relação. Quer dizer, se a supremacia jurí- dica se analisa no poder de um organizar e dirigir a prestação do outro, a subordinação traduz-se no dever deste de conformar a actividade la- boral prometida com as ordens e instruções daquele.
O conteúdo e a intensidade deste poder do empregador variam em
função de vários factores, em especial em função da natureza da activi- dade em causa (tendem a ser tanto menores quanto mais complexa for a actividade) e das condições em que é exercida (tenderá a ser mais té- nue a daquele que exerce a sua actividade fora do espaço físico-organi- zacional da empresa, como poderá suceder com o motorista, etc.).
Em alguns casos, a subordinação é menos ampla e menos intensa
por razões de diversa natureza, designadamente por razões deontológi- cas e de responsabilização pessoal pela prática da actividade correspon- dente, como sucederá, por exemplo, com os médicos, que gozam de uma total autonomia técnica nos actos médicos.
1.3. Contrato de prestação de serviços considera-
ções gerais
A comparação do contrato de trabalho com outros contratos cujo
objecto se traduz também numa obrigação de actividade remunerada continua a ser útil na medida em que ajuda a melhor compreender e delimitar cada uma das figuras em causa e a enquadrar correctamente muitos casos da vida situados em zonas de fronteira de difícil demarca- ção.
Três ordens de razões têm contribuído para tornar difícil a tarefa de
qualificação jurídica de muitas situações em que uma das partes se obriga a realizar uma determinada actividade remunerada:
a flexibilização do elemento da subordinação jurídica característi-
co do contrato de trabalho resultante, em boa parte, do próprio alarga- mento do âmbito do direito do trabalho;
o condicionamento do devedor nos demais contratos de activida-
de resultante das cláusulas acordadas e das instruções legítimas do credor aproximando-os, deste modo, do contrato de trabalho;
a multiplicação dos casos situados em zonas de fronteira, de difí-
cil demarcação, resultante da crescente flexibilização do emprego. Indicar-se-ão seguidamente três vias de análise na distinção entre o contrato de trabalho e as várias modalidades do contrato de prestação de serviços, muitas vezes designadas por contratos de trabalho autóno- mo: a do conteúdo da obrigação, a da natureza das instruções e a dos indícios.
1.3.1. Confrontadas as noções dos arts. 1152.º e 1154.º do Código
Civil, resulta claramente que uma das diferenças a sublinhar é a de que a obrigação do devedor se traduz, no contrato de trabalho, numa activi- dade intelectual ou manual e, no contrato de prestação de serviços, no resultado do trabalho devido. Quer dizer, enquanto naquele o que está in obligatio é a própria ac- tividade, neste o que está in obligatio é o resultado de uma actividade.
O objecto de uma relação obrigacional consiste sempre numa pres-
tação, isto é, traduz-se no comportamento, positivo ou negativo, a que o devedor está adstrito perante o credor. Nas prestações de coisa é fácil distinguir entre a actividade que cumpre o contrato acto de entrega ou de cedência ou de restituição da coisa (objecto imediato) e a própria coisa que o devedor está obrigado a entregar, a ceder ou a restituir (ob- jecto mediato). Mas quando a prestação consiste num facto do devedor, a distinção entre objecto imediato e mediato torna-se “evanescente ou mesmo fantasiosa” (Manuel de Andrade). Agora, a prestação analisa-se, mas também se esgota, no comportamento, na conduta, na actividade do devedor. É, patentemente, o caso da prestação devida pelo trabalhador su- bordinado (prestação de facto positivo) mas é igualmente o caso de mui- tas outras prestações resultantes de diferentes contratos, designada- mente de várias modalidades de contrato de prestação de serviços, co- mo, por exemplo, o contrato de prestação de serviços do advogado, do médico, do professor.
Simplesmente, isto não significa que não seja possível estabelecer
uma distinção entre o contrato de trabalho e os restantes contratos cuja obrigação se analise numa prestação de facto positivo. É que, diferente- mente do que sucede nestes últimos, a actividade em que se traduz a obrigação do trabalhador subordinado fica na disponibilidade do empre- gador, isto é, o trabalhador obriga-se então a colocar à disposição da en- tidade patronal a sua força de trabalho, cuja concreta aplicação ou, se se preferir, cujo uso é por esta determinado. É por isso que no contrato de trabalho não é ao trabalhador que cabe organizar e dirigir a respectiva actividade e é igualmente por isso que se pode concluir que o trabalha- dor não deixa de cumprir o contrato sempre que, por razões que lhe não sejam imputáveis, se encontre temporariamente inactivo, desde que per- maneça à disposição do empregador. Já nos restantes contratos cuja obrigação se analisa igualmente numa prestação de facto positivo, o autor dos serviços não se coloca à disposição do respectivo beneficiário, embora se tenha obrigado a de- senvolver uma certa actividade tendente à satisfação de um interesse da outra parte. Daí que caiba agora ao devedor programar a sua actividade e definir os meios e o tempo de execução, ainda que com observância do contratualmente estabelecido e das instruções legítimas que lhe sejam dirigidas. Pode, por isso, dizer-se que, no contrato de trabalho, a espe- cial conformação da actividade do trabalhador ou a sua concretização é definida pelo empregador, enquanto nos restantes contratos é definida pelo devedor. Daí que o acento tónico se coloque, no primeiro caso, na própria actividade do devedor e se desloque, nos restantes, para o resul- tado da actividade.
Só que a obrigação assumida pelo devedor num contrato de presta-
ção de serviços não pode tornar-se, sem mais, numa obrigação de resul- tado. Sem dúvida, no contrato de prestação de serviços, o devedor obri- ga-se, nos termos do art.º 1154.º do Código Civil, a proporcionar um certo resultado ao respectivo credor. Mas não se obriga, necessariamen- te, nem se obriga normalmente a conseguir o resultado (final) que o cre- dor tem em vista. Ele obriga-se apenas, em regra, a prestar um serviço. O resultado que, nestes casos, está in obligatio pode consumir-se no serviço prestado mesmo que com ele se não alcance o fim a que tende. É o que sucede, claramente, com o advogado que se obriga a patro- cinar uma causa mas não a ganhar a causa. Ele não assume, neste sen- tido, uma obrigação de resultado. O advogado obriga-se apenas a desen- volver uma actividade, com a diligência devida, tendente à defesa dos interesses do mandante.
1.3.2. A possibilidade jurídica de o credor dar instruções ao deve-
dor não é uma característica exclusiva do contrato de trabalho. Pode mesmo dizer-se que é comum a uma generalidade de contratos (de em- preitada, de mandato, de prestação de serviços não tipificados). No en- tanto, mesmo neste aspecto, o contrato de trabalho não se confunde com os restantes contratos. Na verdade, enquanto nestes as instruções são de natureza genéri- ca, são instruções através das quais o beneficiário leva ao conhecimento do devedor do serviço a orientação geral que deve presidir à sua activi- dade, no contrato de trabalho elas dizem respeito à própria actividade que cumpre o contrato. Por certo, também neste se verificam situações em que o trabalhador goza de uma grande independência técnica esca- pando às “artes” da actividade e o núcleo da própria actividade à esfera das instruções do empregador. Mas não goza de autonomia na progra- mação e na organização da sua actividade: o tempo, o local e os meios de realização da prestação são definidos pelo credor e não pelo devedor.
1.3.3. Admitindo-se, porém, que, percorridas as vias de análise re-
feridas, subsistam dúvidas de qualificação, deve o intérprete, na sua ta- refa de qualificação, recorrer a determinados elementos de facto respei- tantes à relação em causa. Trata-se, obviamente, de meros indícios que não têm mais valor do que isso: o de melhor confortarem uma das hipó- teses colocadas. São, no entanto, elementos que podem desempenhar um papel importante, sobretudo nos casos situados nas zonas mais cinzentas da fronteira entre o contrato de trabalho e outros contratos cujo objecto se analise também numa prestação de actividade. Agrupar-se-ão os referidos elementos em elementos relativos às partes, elementos relativos às condições de execução do trabalho e ele- mentos relativos à remuneração.
a) Elementos relativos às partes
No que respeita ao credor da prestação a lei impõe às entidades
empregadoras certos deveres não extensivos a outros beneficiários de serviços. É o que se passa, por exemplo, com o dever de retenção, e con- sequente envio às entidades competentes, de uma determinada percen- tagem do salário dos trabalhadores para pagamento do imposto sobre o rendimento do trabalho (categoria A) e com o dever de desconto, reten- ção e envio de uma percentagem do salário para pagamento das quotas devidas à segurança social. O mesmo se diga do dever da entidade pa- tronal de pagamento de determinado montante, para fins de segurança social, calculado com base no salário do trabalhador. O cumprimento dos referidos deveres é normalmente entendido co- mo indicador da existência de uma relação de trabalho subordinado por revelar, por via indirecta, que o beneficiário e o devedor da prestação se comportam mutuamente como empregador e trabalhador assalariado;
No que respeita ao devedor da prestação a condição do devedor
do serviço, a sua dependência económica, o facto de a remuneração constituir a sua exclusiva ou principal fonte de rendimentos não consti- tuem hoje critério de qualificação do contrato de trabalho. No entanto, tais elementos são frequentemente tidos em consideração nos casos em que a qualificação do respectivo contrato se apresente duvidosa.
b) Elementos relativos às condições de execução do trabalho
Local de trabalho sabe-se que, habitualmente, o trabalho subor-
dinado é prestado em local pertencente ao empregador ou por este colo- cado à disposição do trabalhador. É por isso que, correntemente, se en- tende que o exercício da actividade profissional em instalações do bene- ficiário da prestação é melhor indício da existência de um contrato de trabalho subordinado do que de um contrato de trabalho autónomo. Lembra-se, porém, que a execução do trabalho em estabelecimento ou em instalações do respectivo credor é tão compatível com o contrato de trabalho como é com o contrato de prestação de serviços, tal como a execução do trabalho em local não pertencente ao beneficiário é compa- tível com o contrato de trabalho;
Horário de trabalho trata-se de um dos elementos mais forte-
mente indiciadores do contrato de trabalho. A duração do trabalho (pe- ríodo de trabalho) e a sua distribuição diária (horário de trabalho) e mesmo semanal “constitui um dado inerente ao contrato sucessivo de trabalho em que se inscreve necessariamente a prestação do assalaria- do”. A fixação do início e do termo do trabalho constitui uma garantia do trabalhador na medida em que lhe permite conhecer, antecipada- mente, a partir de que horas e até que horas está obrigado a manter-se à disposição da entidade patronal, sendo por isso melhor indício dos contratos de trabalho dependentes;
Pessoal assalariado dependente do devedor do serviço entende-
-se que é um trabalhador autónomo, e não um trabalhador assalariado, o devedor de serviço que recorre ao trabalho de outrem para cumprir o contrato. A existência de assalariados exercendo actividades integradas no âmbito da relação a que se encontra vinculado o devedor constitui, igualmente, um elemento fortemente indiciador do trabalho autónomo;
Propriedade dos instrumentos de trabalho é corrente ser o em-
pregador quem fornece ao assalariado os instrumentos de trabalho ne- cessários à actividade deste. A presunção da existência de subordinação nos casos em que a propriedade dos instrumentos de trabalho pertence ao beneficiário dos serviços resulta do facto de, normalmente, serem propriedade da entidade patronal os instrumentos de trabalho com que laboram os seus trabalhadores;
Exclusividade constitui um forte indício do laço de subordina-
ção a aceitação, por parte do devedor do serviço, de reserva da sua acti- vidade profissional a uma única entidade. Um tal elemento é revelador da dependência económica do trabalhador e indicia uma situação ca- racterística do contrato de trabalho.
c) Elementos relativos à remuneração
A remuneração constitui um elemento essencial do contrato de tra-
balho. Tal elemento não é, porém, exclusivo deste tipo de contrato. É também remunerada a prestação de serviço a que alguém se obriga por contrato de empreitada, de mandato oneroso, de agência, etc. Nestes casos, o que importa analisar é a modalidade da remuneração a que tem direito o devedor dos serviços. Considera-se, em geral, que a remu- neração certa, isto é, a remuneração calculada em função do tempo, in- dicia a existência do contrato de trabalho. Por certo, existem outras mo- dalidades de remuneração compatíveis com o contrato de trabalho: a re- muneração à tarefa, à comissão, à percentagem. A remuneração em função do rendimento não pode, por isso, considerar-se como factor de- cisivo para excluir o contrato de trabalho. O que é razoável defender-se é que a remuneração calculada em função do tempo (pagamento à hora, ao dia, à quinzena, ao mês) é mais sugestiva da existência de um con- trato de trabalho dependente, enquanto a remuneração em função do rendimento é mais corrente nos contratos de prestação de serviços, em- bora não seja incompatível com o contrato de trabalho. 1.4. Outras figuras próximas
Importa fazer uma breve referência a outros contratos cujo objecto
se analise também numa prestação de actividade remunerada. Estão neste caso os contratos de prestação de serviços tipificados no Código Civil, alguns contratos de prestação de serviços não tipificados ou tipifi- cados em outros diplomas, designadamente no Código Comercial, e ain- da os contratos de sociedade.
a) O mandato sendo o mandato um contrato pelo qual uma das
partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da ou- tra (art.º 1157.º do Código Civil), que, além de mais, se presume gratui- to, não será difícil apurar as notas que o distinguem do contrato de tra- balho, um contrato sempre oneroso e que se edificou à volta de presta- ções de actividade predominantemente intelectual ou manual. Quer dizer, o objecto do mandato é sempre constituído pela prática de actos jurídicos, ao passo que o objecto do contrato de trabalho é constituído pela realização de actividades que se não traduzem, por via de regra, em actos jurídicos.
É certo que a execução do contrato de trabalho pode envolver a
prática de actos jurídicos, considerando-se então que aquele implica a concessão dos poderes necessários, como o prevê expressamente o art.º 115.º n.º 3 do CT, ou seja, que o contrato de trabalho habilita o traba- lhador a celebrar os negócios jurídicos e a praticar os actos jurídicos compreendidos no objecto do seu contrato, sem necessidade de os espe- cificar. Sucede, porém, que, na prática dos actos jurídicos correspon- dentes, a autonomia de que goza o mandatário falta ao trabalhador;
b) A empreitada, contrato pelo qual uma das partes se obriga a rea-
lizar certa obra, mediante um preço (art.º 1207.º do Código Civil), tam- bém se não confunde com o contrato de trabalho, sobretudo na medida em que naquele, diferentemente do que sucede neste, o que avulta é a obra e não a actividade. Além disso, o dono da obra não pode interferir directamente na actividade através da qual o empreiteiro cumpre o con- trato. Pode, é certo, fiscalizar a obra, mas a fiscalização não só não pode perturbar o andamento ordinário da empreitada, como também não im- pede o dono da obra de, findo o contrato, fazer valer os seus direitos contra o empreiteiro, salvo se tiver havido concordância expressa sua com a obra executada (art.º 1209.º);
c) O depósito, uma das três modalidades de contrato de prestação
de serviços tipificadas no Código Civil, através da qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que esta a guarde e a restitua quando for exigida (art.º 1185.º), também se não confunde com o contrato de trabalho. Aliás, dificilmente se poderia configurar o depo- sitário aquele cuja principal obrigação se traduz na guarda de coisa móvel ou imóvel como um trabalhador por conta de outrem, mesmo quando a obrigação deste se traduza também na guarda de certos bens ou a execução do contrato implique o uso e a guarda de bens do empre- gador. No primeiro caso, os bens cuja segurança está a seu cargo não são bens entregues ao trabalhador e, no segundo caso, a obrigação de custódia dos bens entregues é meramente acessória da obrigação de prestação de trabalho (art.º 128.º n.º 1, al. g), do CT);
d) O contrato de sociedade o contrato em que duas ou mais pes-
soas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros entre si (art.º 980.º do Código Civil) distin- gue-se do contrato de trabalho, mesmo quando algum ou alguns dos sócios se obrigue a contribuir apenas com serviços (sócios de indústria), por razões de vária ordem. No contrato de sociedade não há, propria- mente, uma troca de bens entre os sócios. Ao contrário, estes põem em comum bens e/ou serviços para obter e repartir lucros correndo tam- bém os riscos de perdas , animus ausente no contrato de trabalho, mesmo quando da retribuição faça parte a participação nos lucros;
e) O contrato de agência finalmente, o contrato de trabalho distin-
gue-se também do contrato de agência, ou seja, do contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, po- dendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes (art.º 1.º do DL n.º 178/86, de 3 de Julho), mais pelo particular modo de realização da actividade do que pela própria actividade. Com efeito, a prestação de um trabalhador pode traduzir-se tam- bém numa mera actividade de promoção de venda de um dado produto ou de promoção negocial de bens ou serviços por conta do empregador. Só que no contrato de agência, diferentemente do que sucede no contra- to de trabalho, o agente goza de uma autonomia própria, não estando a sua actividade sujeita à direcção e autoridade do principal, ainda que, como dispõe o art.º 7.º, o agente esteja obrigado a respeitar as instru- ções da outra parte que não ponham em causa a sua autonomia.
1.5. Características jurídicas
O contrato de trabalho participa das seguintes características jurí-
dicas:
a) É um contrato sinalagmático porque dele resultam obrigações pa-
ra ambas as partes, sendo cada uma delas a “causa” da outra. Esta in- terdependência, correspectividade ou nexo causal entre as obrigações principais (prestação de trabalho e prestação de retribuição) tende a atenuar-se no contrato de trabalho. Com efeito, são frequentes as situa- ções em que o trabalhador mantém o direito à retribuição apesar de não ter prestado trabalho; b) É um contrato oneroso porque, do ponto de vista das partes, há entre as obrigações dele emergentes correspectividade, equivalência ou equilíbrio;
c) É um contrato de execução sucessiva porque o seu cumprimento
se traduz numa sucessão de actos escalonados no tempo. Esta característica reflecte-se nalguns aspectos do regime da rela- ção contratual de trabalho: (i) o contrato nulo ou anulado produz os efeitos a que tende durante a sua execução (art.º 122.º do CT); (ii) a im- possibilidade temporária de receber ou de prestar trabalho não determi- na a extinção do contrato porque não determina necessariamente a per- da do interesse na sua conservação; (iii) a duração ou tempo de vigência do contrato tem influência na situação jurídica do trabalhador através, designadamente, dos efeitos ligados, por lei ou convenção, à sua anti- guidade;
d) É um contrato intuitus personae na medida em que as qualidades
profissionais do trabalhador são, ou podem ser, tidas em consideração. O contrato de trabalho é um contrato em que contam as qualidades do trabalhador para o desempenho do posto de trabalho oferecido. Esta característica tem alguma tradução jurídico-positiva: admissi- bilidade de um período de prova durante o qual o empregador pode des- pedir o trabalhador por falta de aptidão profissional, intransmissibilida- de da obrigação de prestar trabalho por morte do trabalhador, proibição de substituição, salvo por acordo da entidade empregadora, etc.;
e) É corrente caracterizá-lo ainda como um contrato de adesão. Se-
guramente que, em termos práticos, o contrato de trabalho da generali- dade dos trabalhadores participa desta característica, pelo menos relati- vamente à maior parte das condições de trabalho. A necessidade econó- mica de concluir o contrato retira ao trabalhador a capacidade de nego- ciação do conteúdo contratual. A sua liberdade limita-se à liberdade for- mal de aceitar as condições que a outra parte lhe apresenta como mode- lo contratual. Este modelo tem a sua expressão formal no regulamento interno, o qual apresenta uma dupla natureza: é, em parte, uma manifestação do poder de direcção do empregador, poder que exerce por esta via “geral e abstracta” de modo a uniformizar e a normalizar a organização e disci- plina técnica do trabalho, e é, ao mesmo tempo, uma forma de proposta de conteúdo contratual na medida em que respeita a condições de tra- balho sujeitas, por definição, ao acordo das partes.
2. Conclusão do contrato de trabalho
2.1. Condições de validade
Para que o contrato de trabalho, como, aliás, qualquer outro, pro-
duza os efeitos a que tende, é preciso que se verifiquem certos pressu- postos que avalizem a sua existência e a sua validade. Quer dizer, uma vez que a esta forma de exercício da autonomia negocial vão ser ligados, por vontade das partes, determinados efeitos sob a tutela do direito, é necessário que se observem determinadas regras por este estabelecidas sob pena de os efeitos produzidos não coincidirem com os efeitos pre- tendidos.
Alguns daqueles pressupostos, como os sujeitos, a declaração de
vontade e o objecto, são comuns aos vários negócios jurídicos, enquanto outros respeitam apenas a cada particular negócio jurídico. Para que um concreto negócio jurídico, no nosso caso, para que um concreto contrato de trabalho produza os efeitos a que tende é necessário, no momento da sua conclusão, não apenas a presença daqueles três pres- supostos ou elementos, como também a verificação das condições ou requisitos exigidos por lei para cada um deles.
2.1.1. Elementos relativos aos sujeitos
Os sujeitos do contrato de trabalho são, por um lado, trabalhado-
res, isto é, pessoas físicas que se propõem trabalhar para outrem para conseguirem os rendimentos de que precisam, e, por outro lado, empre- gadores, normalmente empresários, ou seja, pessoas físicas ou jurídicas que dirigem uma empresa, que necessitam da força de trabalho de ter- ceiros para porem em funcionamento a sua organização produtiva, dis- pondo-se, para o efeito, a pagar um determinado preço (salário). De ca- da um deles a lei exige um requisito essencial a capacidade , poden- do exigir ainda a presença de outra ou outras condições de algum deles ou de ambos.
a) A capacidade, ou seja, a aptidão jurídica para celebrar negócios
jurídicos, pressupõe a capacidade natural (maturidade e desenvolvi- mento mental) para compreender o significado e o alcance do acto a praticar e para se determinar (formar correctamente a sua vontade) de acordo com a representação das vantagens e desvantagens dele emer- gentes, designadamente os compromissos assumidos por essa via.
A idade é uma das mais importantes circunstâncias relativas à ca-
pacidade dos sujeitos. Para nos limitarmos ao campo do direito do tra- balho, interessa salientar que a lei distingue, no que respeita ao traba- lhador, três situações distintas conforme a idade: a da incapacidade, a de capacidade limitada ou assistida e a de capacidade plena.
A situação de incapacidade, ou seja, de falta de aptidão para cele-
brar contratos de trabalho, é a situação daqueles que não tenham atin- gido a chamada idade de admissão ao trabalho 16 anos (art.º 68.º n.º 2 do CT). A lei proíbe o trabalho assalariado de menores por razões de protecção do desenvolvimento físico, intelectual, afectivo do menor e por razões de educação e de formação. A lei portuguesa permite, porém, ex- cepcionalmente, a admissão ao trabalho de menores com menos de 16 anos que tenham concluído a escolaridade obrigatória ou estejam ma- triculados e a frequentar o nível secundário de educação, desde que os trabalhos a prestar sejam trabalhos leves, isto é, trabalhos que consis- tam em tarefas simples e definidas que, pela sua natureza, não sejam susceptíveis de prejudicar a sua saúde ou o seu desenvolvimento físico ou mental (art.º 68.º n.º 3 do CT). Carecendo, por determinação da lei, da capacidade para trabalhar, será nulo o contrato de trabalho celebra- do pelo menor ou por outrem em sua representação (art.º 294.º do Có- digo Civil).
Porém, para gozar de capacidade plena, não basta atingir a idade
de admissão. Na verdade, enquanto não atingir a maioridade, o menor goza de uma capacidade que se pode designar como limitada ou assisti- da. O menor com idade de admissão ao trabalho pode, por si, concluir um contrato de trabalho, mas, para que este seja válido, carece de um acto, positivo ou negativo, dos seus representantes legais (pais ou tuto- res). Para assistir o menor na conclusão do contrato prevê a lei dois me- canismos jurídicos distintos: o da autorização escrita ao contrato do menor que ainda não con- cluíu a escolaridade obrigatória ou não esteja matriculado e a frequen- tar o nível secundário de educação, ou do menor com menos de 16 anos que tenha concluído a escolaridade obrigatória ou esteja matriculado e a frequentar o nível secundário de educação se, neste caso, o contrato respeitar a trabalhos leves (art.º 70.º n.º 2 do CT); o da não oposição ao contrato do menor que tenha completado 16 anos de idade e tenha concluído a escolaridade obrigatória ou esteja matriculado e a frequentar o nível secundário de educação (art.º 70.º n.º 1 do CT).
Terminada, em função da idade, a situação de capacidade limitada,
segue-se a situação de capacidade plena, situação a que ascende com a maioridade ao completar 18 anos ou com o casamento (aos 16 ou 17 anos). O menor emancipado pelo casamento passa, assim, a gozar de capacidade plena para gerir, como se fosse maior, a sua pessoa e bens e, portanto, para celebrar contratos de trabalho, sem prejuízo, como dispõe o n.º 4 do art.º 66.º do CT, da aplicação das normas relativas à protecção da saúde, educação e formação dos trabalhadores menores;
b) Outros requisitos relativos ao trabalhador para certos trabalha-
dores ou para certas profissões a lei exige outros requisitos além do da capacidade. É o que sucede com os trabalhadores estrangeiros que não sejam nacionais dos Estados membros da UE ou dos Estados membros do espaço económico europeu para os quais a lei exige autorização de entrada e de permanência ou de residência em Portugal. Outras vezes a lei exige, para que o contrato seja válido, um título profissional, ou seja, um certificado de habilitação profissional passado por instituições às quais a lei reconheça competência para o efeito. O título profissional é, assim, uma certificação de aptidão profissional suficiente para o exercí- cio de determinadas profissões, exigências determinadas por razões de segurança ou de saúde públicas ou mesmo por razões de ordem deonto- lógica.
2.1.2. Elementos relativos à declaração
Para que haja um contrato de trabalho, ou qualquer outro, é ne-
cessária uma declaração negocial de cada umas das partes envolvidas, ou seja, é necessário que cada uma delas exteriorize uma vontade nego- cial uma vontade de celebrar o negócio jurídico em causa e de concor- dância com o seu conteúdo. O contrato é a síntese, que não a soma, das respectivas declarações cujo procedimento mais simples se analisa nu- ma proposta a que se segue a correspondente aceitação. Porém, para que o contrato celebrado seja válido, a lei exige ainda a verificação de certas condições relativas à deslocação e à vontade nego- cial; exige, em especial, uma vontade livre (não sujeita a coacção) e es- clarecida. Quer dizer, para sancionar os efeitos correspondentes à de- claração negocial, a lei supõe que a vontade se formou de um “modo considerado normal e são”, modo que se analisa, fundamentalmente, no facto de a vontade negocial se determinar com exacto conhecimento de causa e com liberdade exterior.
2.1.3. Elementos relativos ao objecto
Quando se fala de objecto do contrato de trabalho fala-se da presta- ção que uma das partes se obriga a realizar.
Pelo menos à primeira vista, o objecto do contrato de trabalho não
suscitaria quaisquer problemas especiais. Com efeito, as leis do traba- lho não estabelecem quaisquer regras específicas a ele respeitantes, pe- lo que lhe seria aplicável, como aos demais contratos, o disposto nas normas do Código Civil. Sucede, porém, que a singularidade do objecto do contrato de tra- balho não se compadece com uma leitura tão simplista. Na verdade, se não se pode ignorar que, em certa medida, todo o contrato compromete a pessoa do devedor, já que todo o contrato implica o compromisso do devedor de realizar a prestação a que fica adstrito, também se não po- derá esquecer que o contrato de trabalho é o único cuja prestação se define, se individualiza, no momento da sua execução e, sobretudo, que esta concretização se opera através de um poder do credor de que ne- nhum outro credor goza: o poder de dirigir a actividade do devedor, de conformar a conduta contratualmente prometida. Com razão se salien- ta, por isso, que, neste contrato, o que avulta é a actividade e não o re- sultado. Quer dizer, o que torna sui generis o contrato de trabalho não é o facto de o seu objecto ser constituído por uma actividade, mas o facto de nele avultar a actividade enquanto tal ou, talvez mais rigorosamente, o facto de o seu objecto ser constituído por uma actividade heteroconfor- mada apreendida no preciso momento da sua exteriorização. É nulo, dispõe o art.º 280.º do Código Civil, o negócio jurídico cujo objecto seja física (por exemplo, plantar batatas em Marte) ou legalmen- te impossível (por exemplo, celebrar casamentos), contrário à lei (vender estupefacientes) ou indeterminável, entendendo-se como tal o objecto que, não tendo sido individualizado, não é susceptível de concretização por aplicação de um qualquer critério legal ou convencional.
A suma generalidade, isto é, a delimitação do objecto por mera refe-
rência a uma genérica obrigação de trabalho, não corresponde às exi- gências daquela norma do Código Civil. Não corresponde, desde logo, ao requisito da sua predeterminabili- dade, não tanto por impossibilidade de individualização das actividades a prestar pelo trabalhador, mas porque uma tão ampla margem de de- terminação por parte do empregador a parte a que cabe a individuali- zação do objecto do contrato comportaria o risco do arbítrio e, conse- quentemente, o risco de perturbação do equilíbrio contratual. Mas não corresponde também, e sobretudo, ao requisito da ordem pública contemplado no n.º 2 do art.º 280.º já que, no caso do contrato de trabalho, a exigência de predeterminabilidade se justifica por razões de possibilidade de individualização da prestação ou de equilíbrio con- tratual. Com efeito, a suma generalidade deixaria o trabalhador, assim su- jeito aos poderes genéricos e indiferenciados do empregador, numa si- tuação atentatória da sua dignidade e, por isso mesmo, condenada pela consciência ético-jurídica dos nossos tempos. Na verdade, o homem não pode expor-se ou ser exposto a uma sua utilização indiscriminada, co- mo se pudesse reduzir-se a uma variável das arbitrariedades ou mesmo das necessidades empresariais.
2.2. Condições de forma
No domínio do contrato de trabalho vigora a regra da consensuali-
dade ou da liberdade de forma. Na verdade, o art.º 110.º do CT estabe- lece que “o contrato de trabalho não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei determina o contrário”.
As excepções à regra enunciada podem dividir-se em dois grupos.
Um desses grupos diz respeito a certos contratos de trabalho e o outro respeita apenas à inclusão de determinadas cláusulas nos contratos de trabalho. São exemplos do primeiro tipo de excepções o contrato dos médicos para empresas ou instituições de direito privado, o contrato en- tre empresas e profissionais de espectáculos, o contrato de trabalho a prazo; são exemplos do segundo tipo de excepções a aposição de condi- ção ou termo suspensivo (art.º 135.º do CT), a cláusula de exclusão da faculdade de livre rescisão durante o período experimental (art.º 114.º n.º 1 do CT). 2.3. Invalidades do contrato de trabalho
O contrato de trabalho, como qualquer outro negócio jurídico, é in-
válido (nulo ou anulável) quando, por falta ou irregularidade de algum dos seus elementos ou requisitos, não deva produzir os efeitos a que tende. No que toca ao contrato de trabalho importa distinguir, por um la- do, entre invalidade total e invalidade parcial e, por outro lado, entre in- validade de cláusulas com regime menos favorável aos trabalhadores do que o estabelecido em preceitos imperativos e a invalidade das demais cláusulas.
A invalidade diz-se total quando o vício inutiliza todos os efeitos a
que tende o contrato. Assim, por exemplo, um contrato de um menor de 13 anos é totalmente inválido, isto é, o vício em causa atinge todo o contrato, inutilizando todos os seus efeitos, o mesmo se podendo dizer de um contrato em que a actividade prometida é ilícita. A invalidade diz- -se, por sua vez, parcial quando o vício atinge apenas alguns dos efeitos do contrato. A invalidade parcial não determina a invalidade de todo o contrato, ou seja, a parte viciada não afecta a parte não viciada, pelo que os efei- tos não atingidos pelo elemento patológico não são inutilizados. O útil não é viciado pelo inútil, a não ser quando se demonstre que os contra- entes ou algum deles não teria concluído o contrato sem a parte viciada (o negócio jurídico fica, assim, reduzido à parte não viciada) art.º 121.º n.º 1 do CT.
Porém, a resposta das leis do trabalho será diferente nos casos em
que o vício resulte do facto de alguma cláusula do contrato estabelecer um regime menos favorável ao trabalhador do que o previsto em precei- to imperativo da lei ou da convenção colectiva. Quando tal suceder, a cláusula do contrato considera-se automaticamente substituída pelo correspondente preceito da lei ou da convenção colectiva. Assim, por exemplo, se se acordar um salário inferior ao que prevê a convenção co- lectiva, as cláusulas do contrato consideram-se substituídas pelos cor- respondentes preceitos da convenção, como dispõe o n.º 2 do art.º 121.º do CT.
Um contrato totalmente inválido declarado nulo ou anulado “pro-
duz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado” (art.º 122.º n.º 1 do CT).
3. Cláusulas Contratuais
3.1. Considerações gerais
Para além dos chamados elementos essenciais do contrato, a lei
prevê ou permite, expressa ou tacitamente, a faculdade de as partes re- gularem importantes aspectos da relação de trabalho. Embora não se- jam muito frequentes, as cláusulas contratuais são, algumas delas, in- dispensáveis à produção dos efeitos a que tendem, como sucede, por exemplo, com a condição e o termo, destinando-se outras a afastar ou a adequar o regime legal supletivo, como será o caso da cláusula de expe- riência. Todas, porém, são regras contratuais, ou seja, normas indivi- duais criadas por vontade das partes, embora em alguns casos o regime do aspecto da relação contemplado pela cláusula possa estar, total ou parcialmente, subtraído à autonomia contratual. Assim, por exemplo, a inclusão ou não de cláusula de termo resolutivo é, com os limites resul- tantes do disposto no art.º 140.º do CT, da esfera da autonomia das partes, mas o regime do contrato a termo escapa à liberdade contratual.
3.2. A condição e o termo
Designa-se por condição a cláusula por virtude da qual a eficácia
de um negócio jurídico é posta na dependência de um acontecimento fu- turo e incerto, por maneira a que só verificado tal acontecimento é que o negócio produzirá os seus efeitos (condição suspensiva) ou só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir (condição resoluti- va). A cláusula de termo é também uma cláusula acessória típica por virtude da qual os efeitos do negócio são postos na dependência de um acontecimento futuro mas certo. Tal como a condição, o termo pode ser suspensivo e, nesse caso, os efeitos do contrato são diferidos para mo- mento posterior ao da sua conclusão (A conclui com B um contrato de trabalho no dia 20 de Fevereiro para entrar em vigor na primeira Segun- da-feira que se seguir à Páscoa) e pode ser resolutivo, passando então o contrato a produzir efeitos logo após a sua conclusão e deixando de os produzir ao fim de certo tempo, isto é, verificado que seja o aconteci- mento previsto. O termo pode ser ainda certo ou incerto conforme seja ou não conhecida a data da sua verificação.
Entre condição e termo há apenas uma nota comum: ambos se re-
portam a um acontecimento futuro (posterior à conclusão do contrato). Porém, enquanto a condição é de verificação incerta (incertus an), o ter- mo é de verificação certa (certus an), podendo a data da sua verificação ser certa (certus quando) ou incerta (incertus quando).
3.3. O pacto de permanência
A lei portuguesa prevê expressamente este tipo de pactos no art.º
137.º do CT, nos termos do qual “as partes podem convencionar que o trabalhador se obriga a não denunciar o contrato de trabalho, por um período não superior a três anos, como compensação ao empregador por despesas avultadas feitas com a sua formação profissional” (n.º 1), podendo aquele desobrigar-se restituindo a soma das importâncias des- pendidas (n.º 2). Não obstante o CT estabelecer as condições de validade destes pactos com alguma precisão, afigura-se-nos oportuno tecer ain- da algumas observações:
a) A cláusula de permanência tanto pode ser contemporânea como
posterior à conclusão do contrato;
b) O compromisso de permanência tem como sua causa despesas
avultadas com a formação profissional do trabalhador, ou seja, despe- sas que exorbitam, manifestamente, do dever da entidade patronal de “contribuir para a elevação da produtividade e empregabilidade do tra- balhador, nomeadamente proporcionando-lhe formação profissional adequada a desenvolver a sua qualificação” (art.º 127.º n.º 1, al. d), do CT). Deve, pois, tratar-se de casos de uma espécie de “investimento” pa- tronal na especialização dos trabalhadores de que espera retirar poste- riores vantagens, mantendo-os ao seu serviço por um período de tempo considerado minimamente compensador. A saída do trabalhador após a acção de formação profissional e antes de decorrido o referido prazo frustraria tais expectativas da entidade empregadora;
c) A duração do compromisso deve corresponder, em termos de tra-
duzir alguma proporcionalidade, ao montante das despesas efectuadas pela entidade patronal, sendo certo que o seu limite é de três anos;
d) A obrigação de restituir, quando exista, deve ser reduzida pro-
porcionalmente ao tempo de serviço posterior à conclusão da prepara- ção profissional;
e) Em caso de conflito, cabe à entidade patronal a prova das despe-
sas extraordinárias por si suportadas com a acção de formação profis- sional.
3.4. O pacto de não concorrência
Com esta designação faz-se normalmente referência às cláusulas
inseridas num contrato de trabalho nos termos das quais o trabalhador se obriga a não exercer determinada actividade durante um certo perío- do de tempo após a cessação do contrato de trabalho.
A lei portuguesa prevê expressamente o referido pacto de não con-
corrência (art.º 136.º n.º 2 do CT), sujeitando a sua validade aos requisi- tos seguintes:
a) De tempo o período máximo de limitação da actividade do tra-
balhador subsequente à extinção do contrato é de dois anos;
b) De forma a cláusula de inactividade deve constar, por forma es-
crita, do contrato de trabalho ou do acordo de cessação deste; c) De objecto naturalmente, o compromisso objecto destes pactos não pode abranger todas e quaisquer actividades do trabalhador, mas apenas aquelas que, sendo de natureza económica, concorram com a da empresa em que o trabalhador se ocupa, isto é, as actividades cujo exercício como dispõe a al. b) do n.º 2 do art.º 136.º do CT possa causar prejuízo à entidade empregadora;
d) De lugar a nossa lei não faz referência expressa aos limites da
zona proibida de actividade económica, nem indica, de modo directo, qualquer critério de demarcação das correspondentes fronteiras geográ- ficas. Parece, contudo, dever entender-se que estas resultam indirecta- mente fixadas por referência ao objecto de cada concreto pacto de não concorrência;
e) De compensação económica nos termos do CT, o pacto só é váli-
do se for atribuída ao trabalhador uma compensação durante o período de limitação da sua actividade (art.º 136.º n.º 2, al. c)), que “pode ser reduzida equitativamente quando o empregador tiver realizado despesas avultadas com a sua formação profissional”.
3.5. A cláusula de exclusividade
A lei portuguesa é completamente omissa quanto ao problema da
exclusividade, ou seja, nada dispõe quanto à possibilidade de o traba- lhador se obrigar, através de cláusula contratual, a não trabalhar para outro empregador ou mesmo a não exercer qualquer outra actividade por conta de outrem e/ou por conta própria, deixando, assim, em aber- to, tanto a questão da licitude do duplo emprego como a da eventual cláusula de dedicação exclusiva. A cláusula de exclusividade pode pôr em causa a liberdade de trabalho e a liberdade de iniciativa económica do trabalhador e o duplo emprego pode, por sua vez, pôr em causa, por um lado, o interesse do empregador em não ver reduzida a capacidade produtiva do trabalhador e, por outro lado, a protecção da saúde e da segurança do trabalhador.
Salvo no que respeita ao emprego público, cujos trabalhadores ca-
recem, por via de regra, de autorização para o poderem cumular com outra actividade remunerada, tem sido considerado lícito tanto o duplo emprego como a cláusula de dedicação exclusiva. Embora a lei nada di- ga, deverá, porém, entender-se que a exclusividade deve ser economica- mente compensada e que o trabalhador poderá sempre alterar o status de dedicação plena.
3.6. A cláusula de experiência
Tendo em conta a duração do contrato e as características da res-
pectiva relação de trabalho, é natural que o trabalhador e o empregador necessitem de algum tempo para saberem se aquela relação correspon- de aos interesses de ambos, se o ambiente de trabalho agrada ao pri- meiro e se as suas qualidades profissionais e atitude laboral são as es- peradas pelo segundo. O período de vida do contrato que cumpre estes desígnios é, naturalmente, o do início da sua eficácia (art.º 113.º n.º 1 do CT).
A duração do período experimental está prevista no art.º 112.º do
CT. Nos contratos de prazo inferior a 6 meses, o período de experiência é de 15 dias, sendo de 30 dias nos contratos de prazo igual ou superior (n.º 2). Por sua vez, nos contratos sem prazo, o período geral de expe- riência é de 90 dias, sendo de 180 dias para os trabalhadores que exer- çam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como para os que desempenhem funções de confiança, estejam à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração, e de 240 dias para o traba- lhador que exerça cargo de direcção ou quadro superior (n.º 1). O n.º 5 do artigo 112.º do CT estabelece que a duração do período de experiência pode ser reduzida por convenção colectiva de trabalho ou por acordo escrito das partes. O n.º 3 do artigo 111.º do CT preceitua que o período de experiência pode ser excluído por acordo escrito das partes. A redução a escrito da diminuição ou supressão do período ex- perimental constitui formalidade ad substantiam, cuja omissão determi- na a nulidade da correspondente estipulação. Durante o período de experiência, qualquer uma das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio nem justa causa, não havendo lugar a qualquer indemnização (art.º 114.º n.º 1 do CT). Sendo o perío- do de experiência estabelecido em função de determinados motivos, a denúncia deverá ter como seu fundamento algum deles, não podendo, por isso, qualificar-se como arbitrária.