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Artigo original

Riscos ocupacionais de uma empresa


de embalagens plásticas (*)
Occupational risks in the plastic packages industry (*)

Michelle Cristina Ichida1, César Augusto Patta1, Luiz Carlos Morrone2


(*) Monografia apresentada ao término do curso de especialização em Medicina do Trabalho da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSC-SP).

RESUMO
Contexto: A produção de plásticos no Brasil alcançou 3,4 milhões de toneladas em 1999. Este trabalho
pretende avaliar os principais riscos para a saúde neste ramo de atividade com atenção maior para a indús­
tria de embalagens – PEAD (polietileno de alta densidade). Objetivos: Avaliar os principais riscos de prob­
lemas de saúde e de desconforto identificados em empresa de embalagem plástica instalada na cidade
de São Paulo e eventuais impactos destes riscos para a saúde dos trabalhadores ali ocupados. Métodos:
Trata-se de um estudo descritivo. Foram feitos: inquérito preliminar, análises do Programa de Prevenção
de Riscos Ambientais (PPRA) e do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), aná­
lises prévias de cinco postos de trabalho e do processo produtivo, avaliação dos níveis de ruído, calor,
iluminamento e riscos ergonômicos e avaliação clínica de 28 trabalhadores. Resultados: O nível de ruí­
do foi excessivo em três das seis máquinas e em todos os moinhos. Apenas seis trabalhadores usavam
protetor auricular. Os níveis de calor não superaram o permitido pela norma regulamentadora, mas de
acordo com o cálculo de temperatura efetiva esta é desconfortante. O iluminamento é deficiente em
todas as máquinas e no setor de serigrafia. As ferramentas ergonômicas não apontaram riscos impor­
tantes. Destaque para os 75% de etilistas, 46% de funcionários com vacina antitetânica atrasada e 25%
dos trabalhadores apresentaram níveis elevados de pressão arterial. Conclusões: O processo produtivo
deve ser modificado e diversas medidas devem ser tomadas, como limitar a jornada de trabalho e re­
duzir as horas extras, instituir programas de segurança, investir em medidas de proteção do maquinário,
instalar ventiladores, exaustores e lâmpadas e acompanhar e exigir PPRAs e PCMSOs mais completos.
Palavras-chave: Riscos ocupacionais, medicina do trabalho, indústrias, plásticos.

Recebido: 10/6/2009 – Aceito: 26/6/2009


1
Médico(a) do Trabalho.
2
Professor adjunto do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSC-SP).
Endereço para correspondência: Michelle Cristina Ichida. Rua Dr. Cesário Mota Jr., 61, 5º andar – Santa Cecília – 01221-020 – São Paulo, SP. E-mail: mi_ichida@yahoo.com.br
Ichida MC, Patta CA, Morrone LC

ABSTRACT
Background: Plastic production in Brazil, had reach 3,4 million tons. This work pretends to evaluate, the main
health’s risks on this activity branch focusing with more attention for the packages industries which use the
– PEAD (High Density Polyetilen). Objectives: Evaluate the main occupational risks and uncomfortableness
conditions that are identified in one enterprise of plastic packages established at the city of Sao Paulo and
the possible results of these problems for the health of the workers. Methods: This is a descriptive study.
Firstly it was applied one formulary – the Preliminary Inquire. This instrument is and enquire habitually used
in Brazil, in the first visit on the enterprises, when the visit propose is to study the occupational hygiene fac­
tors that may be irregular according the legislation. Also it was analyzed the structure of the Environment
Risk Prevention Program (PPRA) and the Occupational Health Control Program (PCMSO) – that are two legal
compulsory programs that all the enterprise must do and review every year. There were studied five work
places for evaluation of the levels of noise, heat, illumination, ergonomic risks. The clinical evaluation of 28
workers was made. Results: The level of noise were higher the LT in three of the six machines and in all
the mills. Only six of the workers used auricular protectors. The heat levels did not exceed the LT but the Ef­
fective Temperature (TE) was higher the comfort level. The illumination level was lower the recommended
in all the machines and in the serigraphy sector. The ergonomic study did not point for important risks. At
the clinical examination, 75% of the examined was alcooholists, 46% had the anti-tetanic vaccine not com­
pleted and 25% higher levels of arterial tension. Conclusions: The productive process may be modified in
the sense of limiting the work journey, reducing extra hours, and the application of educational programs
of safety in work. Even so is necessary more protection to the machines, ameliorate ventilation, and in­
creasing lighting lamps. The PPRA and PCMSO programs may be more adequate to the reality of the plant.
Keywords: Occupational risks, occupational medicine, industry, plastics.

INTRODUÇÃO na propriedade plástica dos materiais. O processo


O plástico é uma matéria sintética dotada de grande inicia-se com o aquecimento do material ativando
maleabilidade e facilmente transformável mediante o estado plástico, seguido de constrição mecânica,
o emprego de calor e pressão1. São materiais deriva- gerando a forma que terá após o esfriamento.
dos da transformação do petróleo e por isso houve No molde por sopro de ar comprimido, quando
grande aumento da oferta a partir da segunda guer- se atinge a plasticidade é feito um tubo plástico
ra mundial2. A produção de plásticos no Brasil al- dentro do molde aberto, depois fecha-se o molde
cançou 3,4 milhões de toneladas em 1999, em com- e expande-se o tubo com a pressão de ar, fazendo
paração com 26,3 milhões de toneladas na Europa com que o material adquira a forma do molde; há
e 41,6 milhões de toneladas nos Estados Unidos,
o resfriamento do frasco e a liberação do artigo pela
onde o consumo de plásticos para embalagens foi
máquina2.
equivalente a 31%3.
Os principais riscos descritos no processo de pro-
O enfoque deste trabalho é a indústria de embala-
dução que envolva material plástico são as lesões em
gens em polietileno de alta densidade (PEAD), com
moldes por sopro de ar comprimido. O PEAD é um máquinas, queimaduras, disposição inadequada de
tipo de plástico, portanto derivado do petróleo bru- máquinas e acidentes por queda por causa de óleos
to, que sofre processos de destilação, é transportado ou grãos no solo2,4. O ruído também é um risco
para a unidade de quebra e, então, origina o etileno, descrito nesse tipo de empresa5.
que é material direto do polietileno. Este é vendi- A empresa estudada neste estudo encontra-se no
do em forma de grãos, completamente formulados, mercado há 12 anos, sendo considerada como in-
pronto para o uso em máquinas. O processo de con- dústria de pequeno porte e com produção mensal
versão do PEAD em frascos prontos fundamenta-se de 650 mil frascos, em média.

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Riscos ocupacionais de uma empresa de embalagens plásticas

No presente estudo objetiva-se avaliar o setor de


Tabela 1. Distribuição dos funcionários.
produção da empresa, identificando, no processo,
Função Funcionários Funcionários
riscos para a saúde, higiene e segurança no traba- examinados no setor
lho. Os setores administrativo e comercial não fo-
Almoxarifado 3 3
ram estudados. Objetiva-se, também, sugerir me-
Encarregado de manutenção 1 1
didas para benefícios embasadas nas análises, se
for necessário. Ajudante de produção 18 21
Encarregado de produção 3 3
MÉTODOS Ajudante da serigrafia 3 3
Trata-se de um estudo descritivo, em que foi reali- Total 28 31
zado o reconhecimento preliminar de riscos, para
análise inicial da empresa e dos postos de trabalho; apontados como uma contínua e múltipla fonte de
as análises do Programa de Prevenção de Riscos problemas de saúde, comportamentais e de pertur-
Ambientais (PPRA) e do Programa de Controle bação sociofamiliar.
Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), enfo- Sob uma rotina noturna, os trabalhadores são
cando os riscos existentes e posterior comparação obrigados a modificar o período sono-vigília, os rit-
com o encontrado neste estudo; a avaliação dos ní- mos endógenos não se ajustam à nova rotina com
veis de ruído, utilizando-se um decibelímetro Sper tamanha velocidade, produzindo sintomas como fa-
Scientific 840029, classe 2, com circuito de com- diga, nervosismo, variações de humor, dificuldade
pensação A, com circuito de resposta lenta 80-130 para dormir, falta ou aumento de apetite, dificulda-
dB; a avaliação dos níveis de calor, utilizando um de para realizar o trabalho habitual e perturbações
termômetro Wibget IST RSS-214; a avaliação dos de memória.
níveis de iluminamento, realizada com um luxíme- É interessante notar que a demora dessa adapta-
tro com fotocélula dirigida para a sensibilidade do ção é proporcional ao número de jornadas de traba-
olho humano Sper Scientific 840020, na escala de lho que obrigam o trabalhador a inverter o ciclo6.
200-2000 lux; e a avaliação dos riscos ergonômicos Algumas empresas têm contado com o quarto turno
por meio do check-list de Suzanne Rodgers e critério e outras com uma quarta equipe para que seja redu-
quantitativo de Moore e Garg. zida a jornada de trabalho, conforme sugerido na
nova Constituição de 1988.
RESULTADOS E DISCUSSÃO Ainda em relação à jornada de trabalho, notou-se que
o terceiro turno, de sexta-feira para sábado, trabalha
Informações gerais mais do que 8 horas seguidas, o que não é permitido
A empresa foi fundada em 1994. Tem grau de risco de acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho.
3 e conta com 40 funcionários, sendo nove do setor Além disso, do ponto de vista da saúde ocupacional,
administrativo e, portanto, fora do objetivo deste a exposição aos riscos por 12 horas seguidas é extre-
estudo. Todos os funcionários da produção são do mamente prejudicial, não havendo sequer parâmetros
sexo masculino. A faixa etária variou de 18 a 60 para limites de tolerância, já que estes são dados fun-
anos, com média de 30,5 anos. A distribuição dos damentados em, no máximo, 8 horas diárias. Esse tipo
funcionários é dada pela tabela 1, três funcionários de prática deve ser desencorajada mesmo com o des-
não entraram no estudo por estarem em férias. contentamento dos funcionários.
A empresa funciona 24 horas, sendo a jornada Outro tema a ser discutido são as frequentes horas
de trabalho um dos grandes problemas encontra- extras feitas pelos trabalhadores. Ressalta-se que o
dos na empresa. A cada mês um grupo de trabalha- prolongamento da jornada de trabalho é causa de
dores estará trabalhando no terceiro turno, o que hipertensão arterial sistêmica e doenças cardiovas-
causa grande desconforto e alterações do ritmo bio- culares, independente do ambiente de trabalho7, e
lógico. Os trabalhos em turnos noturnos têm sido que o estresse ocupacional é fator adicional para hi-

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pertensão em operários8. Outra consequência pode Durante a observação dos postos de trabalho,
ser a chamada síndrome de burn-out ou esgotamen- verificou-se que apenas seis trabalhadores (21,4%)
to profissional6, gerando estafa, fadiga e frustração. utilizavam todo o uniforme e o equipamento de
proteção individual (EPI) fornecido, dois (7,2%)
Saúde ocupacional estavam sem uniforme, pois eram funcionários re-
A empresa não possui Serviço de Engenharia, Se- centes, um (3,6%) estava sem bota e protetor auri-
gurança e Medicina do Trabalho (SESMT). Ocor- cular e 19 (67,9%) estavam sem protetor auricular.
reram dois acidentes por prensamento de mão em
máquina, sem perda de substância, mas com discre- Avaliação quantitativa dos níveis de ruído
ta diminuição funcional (um caso em 2006 e outro Foram realizadas avaliações nos postos de trabalho,
em 2007). Não há Comissão Interna de Prevenção próxima à zona auditiva do trabalhador (Tabela 2).
de Acidentes (Cipa) na empresa. A empresa não
possui um programa ativo de segurança e os dois Tabela 2. Níveis de ruído (em decibéis).
únicos acidentes que a empresa possuiu ocorreram
Local Ruído aferido Ruído no PPRA
recentemente, indicando a necessidade de progra-
Almoxarifado 59
mas que instruam melhor os trabalhadores, além de
Máquina 1 75-89 87,7
mecanismos de proteção de maquinário mais efe-
tivo. Não há sistema de bloqueio de acionamento Máquina 2 77-85 80-84
das prensas contra acidentes de trabalho em mãos, o Máquina 3 76-89 80-83,9
atual constitui de grades que fecham o local onde se Máquina 4 76-88 80-81,2
encontra o molde, mas se a grade é aberta não há in- Máquina 5 79-84
terrupção de funcionamento da máquina. É impor- Máquina 6 80-85
tante ressaltar que em agosto de 2007, o sindicato Serigrafia 75 73,7-80
da indústria, juntamente com os representantes dos Ferramentaria 79-82 67,6-80
trabalhadores, assinou uma convenção coletiva para
Moinho 1 97 80-83
prevenir acidentes em máquinas sopradoras de plás-
Moinho 2 96 80-81,8
tico, que prevê a instalação de diversos dispositivos
Moinho 3 93 80-85
para prevenção de acidentes. Essa preocupação com
os acidentes de trabalho é justificada, pois em estu-
do feito em 2000 no estado da Bahia9, a indústria O nível de ruído nas máquinas sofre grande au-
de transformação foi responsável por mais de 15% mento quando há o sopro de ar comprimido, por
dos benefícios por acidente de trabalho. isso a variação de valores nas máquinas e na ferra-
No PPRA da empresa não foram realizadas medi- mentaria, por sua proximidade com elas. O PPRA
das de temperatura na fábrica e as avaliações quan- da empresa acusou que apenas uma máquina gera
titativas do ruído e do iluminamento não foram ruídos acima do permitido pela norma regula-
feitas em todas as máquinas. As tabelas de risco mentadora (85 decibéis). Nem mesmo os moinhos
detectadas encontram-se em branco no PCMSO, encontraram-se ruidosos no PPRA. É importante
o que chama atenção para a qualidade de ambos. destacar que duas máquinas não foram avaliadas.
Os autores de um trabalho que verificou 30 PPRAs Ressalta-se que apesar dos moinhos serem mais rui-
e PCMSOs de empresas com mais de 100 funcio- dosos, o tempo a que os trabalhadores ficam expos-
nários da Bahia10 constataram a baixa qualidade tos a eles é menor, e que os moinhos se encontram
técnica desses programas e apontaram a evidente devidamente isolados do setor de produção. O ideal
necessidade de ampliar a cobertura da fiscalização para esse caso seria o uso de dosímetro de ruído
estatal, assim como de estimular a participação dos para melhor avaliação.
trabalhadores e dos seus representantes no desen- A literatura especializada internacional aponta que
volvimento dos programas. trabalhadores expostos ao ruído ocupacional inten-

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Riscos ocupacionais de uma empresa de embalagens plásticas

so apresentam risco aumentado de se acidentarem funcionário realiza a atividade, e para os funcionários


quando comparados a trabalhadores não expostos11. que circulam no setor, foram feitas medidas a 75 cm
do chão em diversos pontos da sala e feita uma média
Avaliação quantitativa dos níveis de calor aritmética. A tabela 4 mostra os resultados.
A exaustão é feita por meio de cinco exaustores de teto
Tabela 4. Níveis de iluminamento (em lux).
e a ventilação por intermédio de três ventiladores.
Local Nível de Nível de iluminamento
A avaliação de calor foi realizada no primeiro turno
iluminamento no PPRA
por volta das 12 horas e demonstrada na tabela 3.
Almoxarifado 370 375
Máquina 1 260 300
Tabela 3. Níveis de temperatura de bulbo úmido termômetro de Máquina 2 230 290
globo (em graus Celsius).
Máquina 3 220 260
Local IBUTG IBUTG máximo Temperatura
permitido efetiva Maquina 4 210 170

Almoxarifado 22,8 30 23 Máquina 5 270 NR

Máquina 1 25,3 30 25,8 Máquina 6 250 NR

Máquina 2 25,7 30 26,6 Serigrafia 205 90

Máquina 3 26,3 30 27,1 Ferramentaria 540 450

Maquina 4 26,8 30 27,5 Moinho 1 600 484

Máquina 5 27,5 30 28 Moinho 2 520 509

Máquina 6 27,6 30 28,2 Moinho 3 515 411

Serigrafia 23 26,7 22,5


Ferramentaria 27,2 30 27,6 A iluminância é deficiente em quase todos os se-
tores da fábrica (mínimo exigido de acordo com a
Moinho 1 27,3 30 27,4
Associação Brasileira de Normas Técnicas é de 300
Moinho 2 27,4 30 27,4
lux). Isso pode estar relacionado ao número alto de
Moinho 3 27,9 30 27,7
queixas de diminuição de acuidade visual. Novamen-
te houve discordância entre as medidas do PPRA.
Quanto aos níveis de calor, não foi possível a
comparação com o PPRA, pois esta medida não Riscos químicos
foi feita neste. Apesar da fábrica ser aparentemente Quanto aos riscos químicos, de acordo com o Berufs-
muito quente, os índices de bulbo úmido termôme- genossenschaftliches Institut für Arbeitssicherheit12,
tro de globo (IBUTGs) apresentados não superaram os produtos voláteis da decomposição do polietileno
o permitido para o tipo de trabalho, de acordo com seriam os hidrocarbonetos alifáticos insaturados e os
a norma regulamentadora. A temperatura efetiva aldeídos alifáticos. Porém, não há referência de con-
foi realizada para que possa ser comparada à tem- centrações tóxicas dessas substâncias nesse tipo de
peratura de conforto (20-23 °C). Sabe-se que essa é processo, em que a temperatura no interior da má-
utilizada para atividades que exijam solicitação in- quina durante o sopro é de mais ou menos 150 °C
telectual, mas o cálculo foi feito somente para título e o resfriamento se dá no interior dela. O risco de
de demonstração do calor do pátio de máquinas. toxicidade é descrito em processos que exigem tem-
A exaustão e a ventilação deficientes são facilmente peratura mais elevada, por exemplo, quando soldam-
notadas em visitas ao setor de produção. se peças metálicas em peças plásticas.

Avaliação quantitativa dos níveis de iluminamento Análise ergonômica


A medida foi realizada no terceiro turno por volta das Foram utilizadas ferramentas para a quantificação
22 horas. O aparelho foi posicionado no local onde o dos riscos. O check-list de Suzanne Rodgers foi o es-

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colhido para uma avaliação geral de vários segmen- xam-se de acuidade visual diminuída seis trabalha-
tos do corpo, por ser completo, de fácil utilização dores (21,4%) e não fazem uso de correção.
e renomado. Logo após foi aplicado o critério de A pressão arterial encontrou-se em níveis normais
Moore e Garg, por ser mais específico para mem- em 21 trabalhadores (75%) e atingiu valores alte-
bros superiores. rados (máximo de 160 × 100 mmHg) no restante
De acordo com o check-list de Suzanne Rodgers, dos trabalhadores. A pressão arterial alterada en-
a pontuação dos ajudantes de produção apresentou contrada pode estar relacionada à jornada de traba-
prioridade baixa para riscos ergonômicos (pontuação lho prolongada, conforme discutido anteriormente.
5 em todos os seguimentos corpóreos, levando-se A literatura também revela que o excesso de ruído
em conta o nível e o tempo de esforço e o número e o calor podem ser responsáveis pela elevação da
de esforços por minuto). Os ajudantes da serigrafia pressão arterial13.
também apresentaram a mesma pontuação, exceto Quanto ao aparelho osteomioarticular, cinco
para os seguimentos de ombros e costas, em que a (17,9%) apresentaram crepitação assintomática de
prioridade foi moderada (pontuação 6). O critério de ombros, outros cinco, lordose de coluna lombar e
Moore e Garg apresentou índices baixos para ajudan- dois, crepitações sintomáticas em joelho. As dores
tes de produção (1,125) e duvidosos para ajudantes osteomusculares não foram compatíveis às ferra-
de serigrafia (5,0625). Isso ocorre porque os ajudan- mentas ergonômicas não sendo encontradas nos aju-
tes de produção trabalham sentados, em cadeira er- dantes de serigrafia e distribuídas equilibradamente
gonomicamente adequada, e o número de movimen- nos outros cargos. Os motivos podem ser o número
tos que exigem esforço e mesmo o de movimentos pequeno de trabalhadores avaliados e o fato de que,
repetitivos é relativamente baixo. Já os ajudantes de em geral, a faixa etária dos ajudantes da serigrafia
serigrafia apresentam maior número de movimentos ser jovem. De acordo com a literatura14, um novo
antiergonômicos, principalmente para as costas e os perfil patológico configura-se, o qual é caracteriza-
ombros, por transportarem as pranchas com frascos do pela maior prevalência, na população trabalha-
que foram serigrafados para o local de secagem e en- dora, de agravos à saúde marcados pelas doenças
sacarem os frascos com a tinta já seca; a maioria do crônicas, cujo nexo de causalidade com o trabalho
trabalho é feita em pé e em movimento. não é mais evidente como ocorria com as doenças
(e acidentes) classicamente a ele relacionadas. Proli-
Avaliação clínica dos funcionários feram, então, as doenças cardiocirculatórias, gastro-
São tabagistas 14,3% e ex-tabagistas 28,6% dos fun- cólicas, psicossomáticas, os cânceres, a morbidade
cionários. Quanto ao etilismo, somente 25% dos musculoesquelética expressa nas lesões por esforços
funcionários não ingerem bebidas alcoólicas, visto repetitivos (LERs), às quais somam-se ao desgaste
que um deles está em programa de reabilitação. mental e físico patológicos e mesmo às mortes por
Em relação ao estado emocional dos trabalhado- excesso de trabalho, além das doenças psicoafetivas
res: 71,4% sentem-se calmos; 21,4%, estressados (a e neurológicas ligadas ao estresse. Por meio do le-
causa maior referida é o excesso de trabalho provo- vantamento das doenças encontradas neste estudo,
cado pelas horas extras feitas aos finais de semana); foi observada essa tendência bem caracterizada. Um
3,6%, ansiosos; e 3,6%, deprimidos. outro autor15 sugere até que este novo perfil seja
Quando interrogados a respeito da presença de usado como um dos indicadores de qualidade de
patologias, são hipertensos 14,3%. Sobre a vacina- vida no trabalho.
ção de tétano, 13 trabalhadores (46,4%) negaram
estar com a vacinação devidamente regularizada. Análise dos prontuários
As queixas apresentadas pelos trabalhadores fo- A análise dos prontuários demonstrou que os exa-
ram: quatro lombalgias (14,3%), dor no ombro, mes médicos realizados são bastante sumários, com
pré-cordialgia esporádica, dor no joelho e epigas- poucas informações e os exames físicos extrema-
tralgia, cada uma em um trabalhador (3,6%). Quei- mente resumidos.

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Riscos ocupacionais de uma empresa de embalagens plásticas

CONCLUSÃO 10. Instituir a ventilação de fluxo laminar.


Conclui-se que o processo produtivo mostrou ser 11. Aumentar o número de lâmpadas no galpão.
incompatível com uma melhor qualidade de vida 12. Conscientizar os funcionários sobre os riscos
no trabalho para os trabalhadores examinados. Ele a que estão sendo submetidos e a importân-
poderia ser modificado a fim de garantir a seguran- cia das medidas de proteção.
ça de produção, diminuir os prejuízos financeiros e 13. Realizar a dosimetria de ruído.
tornar-se cada vez menos danoso à saúde do traba- 14. Implantar um programa de conservação au-
lhador, gerando assim melhora do desempenho da ditiva e realizar manutenção preventiva das
empresa como um todo. A empresa apresenta diver- máquinas, para que essas sejam o menos rui-
sos riscos físicos, como ruído excessivo, luminosida- dosas possível.
de deficiente e calor desconfortante. A seguir, são 15. Fornecer com regularidade protetores auri-
apresentadas diversas medidas que devem ser toma- culares e outros EPIs, fiscalizando seu uso.
das para gerar melhorias. 16. Rodiziar os funcionários que utilizam o moi-
nho.
Recomendações 17. Dar preferência para compra de máquinas
Algumas medidas se tomadas poderiam melhorar a menos ruidosas e com menor produção de
qualidade de vida no trabalho: calor.
1. Limitar a jornada de trabalho. Reestruturar 18. Realizar a troca do piso atual do pátio de
a troca de plantão no sábado. produção por um de mais fácil limpeza e cor
2. Fornecer folgas após um período de jornadas clara para que se possa até realizar o reapro-
de trabalho noturno. veitamento das farpas de PEAD que caem
3. Limitar o número de horas extras de cada no chão durante o processo produtivo.
funcionário. 19. Realizar mudanças no processo de produção
4. Criar sistema de pausas para descanso no
do ajudante de serigrafia a favor de um am-
trabalho noturno, pois reduzem os sintomas
biente mais ergonômico. Uma sugestão é a
provocados pela dessincronização.
instalação de uma bancada para a colocação
5. Instituir a Cipa.
das pranchas de frascos, de modo que o tra-
6. Implantar um grupo de brigadistas de in-
balhador possa trabalhar sentado ensacando
cêndio.
os frascos.
7. Dispor um quite de primeiros socorros pró-
20. Instituir a ginástica laboral.
ximos às máquinas e treinar funcionários
para seu uso. 21. Acompanhar e exigir PPRAs e PCMSOs
8. Implantar um programa ativo de seguran- mais completos e detalhados.
ça do trabalho, enfocando a prevenção de 22. Promover campanhas de vacinação, antieti-
acidentes e doenças com a participação da lismo e combate à hipertensão arterial sistê-
Cipa. mica.
9. Investir em medidas de proteção das máqui-
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