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Latina
9º
Período
José Ernesto de Vargas
Thais Fernandes
Florianópolis - 2013
Governo Federal
Presidência da República
Ministério de Educação
Secretaria de Ensino a Distância
Coordenação Nacional da Universidade Aberta do Brasil
Comissão Editorial
Tânia Regina Oliveira Ramos
Silvia Inês Coneglian Carrilho de Vasconcelos
Cristiane Lazzarotto Volcão
Equipe de Desenvolvimento de Materiais
Ficha Catalográfica
V297l Vargas, José Ernesto de
Literatura clássica latina: 9º período / José Ernesto de Vargas, Thais
Fernandes. - Florianópolis : UFSC/CCE/LLV, 2013.
144 p. : il., grafs, tabs.
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-61482-62-6
Unidade B............................................................................................49
Introdução..............................................................................................................51
3 Poesia................................................................................................................59
3.1 A Poesia Épica.....................................................................................................60
3.2 A Poesia Dramática...........................................................................................67
3.3 A Poesia Lírica......................................................................................................84
3.4 A Poesia Satírica...............................................................................................109
3.5 A Poesia Didática..............................................................................................118
4 Prosa......................................................................................................131
P
or motivos de tempo e, em parte, de distância entre nós,
mas não necessariamente de espaço, uma vez que o cibe-
respaço é infinito, o conteúdo a ser focalizado nesta dis-
ciplina é a Literatura Latina, tomada aqui stricto sensu. Ou seja,
a literatura que mais interessa num curso de Letras, a ficcional, a
poesia e a prosa latina. Delimitando um pouco mais este vasto uni-
verso, o período enfocado será o de quatro séculos, de II a.C, mo-
mento ainda de formação da literatura latina, até II d.C, quando se
inicia a derrocada das artes e da própria cultura romana. Dentro
desse corpus encontraremos os principais autores e obras latinas,
aqueles que compõem a era clássica romana e que se tornaram mo-
delos para os escritores posteriores e para outras literaturas.
Thais Fernandes
Unidade A
História e Cultura Romanas
Introdução
Nesta unidade iremos relembrar os principais elementos da História de
Roma para um melhor aproveitamento dos conteúdos de literatura, tanto da
crítica quanto da ficcional, para que o aluno perceba a permanência e a im-
portância da cultura latina no mundo ocidental.
1.1 A religião
“A religião nunca deixou de ser o laço mais forte da cidade romana; com
esta identificou-se a tal ponto que foi uma forma de patriotismo. Os interes-
ses de uma eram os da outra. Tanto para o cidadão quanto para o Estado,
o temor dos deuses era o princípio da sabedoria e o ponto de partida para
toda a atividade política. O serviço dos deuses e o da República eram uma
só e mesma coisa. O espírito prático dos romanos, pouco preocupados
com coisas abstratas, conduziu-os a uma concepção apenas administrati-
va e formalista das relações do homem com a divindade. Era um contrato
que ligava as duas partes. Nada de fantasia nem de interpretação entregue
ao arbítrio individual, mas um ritual minucioso, obrigatório, verdadeiro ins-
trumento de terror, que assegurava pelo medo a docilidade popular”.
Mas esse processo de adoção de deuses estrangeiros, segundo Bran- Quirite era o nome dado
dão (1993), nunca foi uniforme: “o perfilhamento se realizou e se concre- aos antigos cidadãos de
Roma.
tizou entre os quirites em planos diversificados, em dosagem e velocidade
desiguais. Os aristocratas e plebeus nem sempre cultuaram os mesmos
deuses e estes tampouco recebiam tratamento análogo” (p.7-8).
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Literatura Clássica Latina
cada homem tinha seu gênio que olhava por ele, tomava parte em suas
alegrias e tristezas; do mesmo modo, cada lugar, cada Estado, tem seu
gênio, intimamente unido à própria existência. O gênio acaba por assi-
milar-se completamente à pessoa em certas expressões, como genium
curare ou indulgere genio, ‘embriagar-se’. Nos dias de festa faziam-se sa-
crifícios ao gênio.
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História de Roma Capítulo 01
As cerimônias religiosas eram muito frequentes. Os romanos
acreditavam que se os deuses não fossem honrados e invocados da
maneira correta, estes se vingariam daqueles através de prodígios
como pedras em chamas caídas dos céus, crianças nascendo com três
pernas ou seis dedos, chuva de sangue, etc. Os romanos também ti-
nham a crença de que os deuses forneciam sinais, os presságios. Era
possível adivinhar o futuro através da compreensão desses sinais. A
maioria dos presságios era compreendida através dos movimentos dos Auis, ‘pássaro’, mais spicere
‘olhar’
pássaros, a isso se chamava ‘tirar os auspícios’.
Asclépio Esculápio
Crono Saturno
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Literatura Clássica Latina
Deméter Ceres
Eros Cupido
Géia Terra
Hebe Juventude
Hefesto Vulcano
Héstia Vesta
Leto Latona
Moira Fado
Posídon Netuno
Tânato Morte
Úrano Céu
1.2.1 A Monarquia
Esta foi a primeira experiência que Roma viveu como forma de fazer
política. Certamente você estudou esse conteúdo na escola, assim vamos
apenas relembrar as questões mais importantes. A monarquia foi vivencia-
da desde a fundação da cidade, em 753, mesmo que não comprovada his-
toricamente, até o ano de 509 a.C. É um período de que não se tem muito
conhecimento, nem os próprios romanos tinham, razão pela qual as lendas
falam mais alto. Uma delas muito famosa, a qual certamente você já ouviu Rômulo e Remo
alguma vez, a dos irmãos gêmeos Rômulo e Remo, que foram amamenta-
dos por uma loba. Outra, se você não conhece, o fará quando do estudo da
poesia épica romana, a Eneida, ou a epopéia de Eneias, o troiano.
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Literatura Clássica Latina
“Onde a História hesi- Tito Lívio, um dos principais historiadores romanos, também de-
ta, a lenda continua.” monstra clareza no que diz respeito ao que é lenda e história. Podemos
dizer que ele é um dos responsáveis pela tradição de iniciar a História
de Roma pela lenda da loba e dos gêmeos, comum até os nossos dias,
basta lembrar nossos livros didáticos. Entretanto, ele aponta, embora
não afirme categoricamente (e quem ousaria?), que a loba poderia não
ter sido quadrúpede, mas antes bípede, uma prostituta, como podemos
ver através de suas próprias palavras:
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História de Roma Capítulo 01
De todo modo, só podemos contar com dados mais concretos so-
bre essa parte da vida romana a partir dos dois ou três séculos finais da
era monárquica. Dos primórdios, sabe-se que os romanos eram pastores
e pequenos agricultores. Os etruscos (um povo do norte da Itália) foram
uma das etnias que mais teve influência e importância na formação po-
lítica e cultural de Roma. Dos momentos finais dessa era os dados nos
dizem ser de origem etrusca os últimos reis romanos. Eles detinham o
poder político, judiciário e religioso, motivo de forte descontentamento
de parte da classe mais elevada, os patrícios, ávida por dividir o poder,
quando da decadência monárquica. Mesmo havendo uma representa-
ção do povo (não necessariamente popular, tendo em vista que defen-
diam as elites) na figura do Senado e seus senadores (os homens mais
velhos da cidade), o monarca possuía o poder total e a última palavra.
Isso levou os patrícios a praticarem um golpe de Estado, aproveitando-
se de um ato criminoso no governo de Tarquínio, o Soberbo. Segundo
consta, seu filho Sexto teria estuprado a mulher de um senador, gerando
a revolta e o subterfúgio para o desfecho da era monárquica.
1.2.2 A República
No ano de 390 a.C, Roma foi invadida pelos gauleses, com certeza
os antepassados de nossos famosos personagens Asterix, Obelix e com-
panhia. Invadida não, em verdade foi quase que destruída. Foi o sinal
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Literatura Clássica Latina
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História de Roma Capítulo 01
Nessa, o grande destaque está no lado cartaginês. Chama-se Aní-
bal. É considerado até os nossos dias o pai da estratégia militar, justi-
ficado pelas muitas escaramuças, marcadas por movimentos e ataques
rápidos, como os de uma guerrilha. Impôs tamanho susto e medo aos
romanos a ponto de existir uma expressão latina para conferir a ideia “Aníbal às portas” (de
de medo, empregada em muitas ocasiões: Anibal ad portas. Seu gran- Roma).
Era quase impossível não recuar diante da carga daqueles enormes ani-
mais, que soltavam ruídos agudos, agitando, entre seus dois dentaços,
a tromba imensa, em forma de serpente, e atacando vigorosamente,
apesar das setas que se eriçavam em seus corpos. Os cavalos que não
haviam sido preparados para enfrentá-los não podiam suportar sua sim-
ples presença ou seu odor forte.
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Literatura Clássica Latina
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História de Roma Capítulo 01
cos foram se tornando magistrados encarregados da administração
do tesouro), a forma inicial do regime republicano repousava na so-
brevivência dos institutos políticos da realeza etrusca: Senado, Assem-
bléia Curiata. Por outro lado em virtude da importância do exército
desenvolveu-se o Comitatus Maximus.
Segundo o vocabulário
(MENDES, 1988, p. 11) crítico, no livro da autora
(p. 78), Comitatus Maxi-
mus “era uma reunião do
Assim, o Senado era uma assembleia formada por homens mais ve- exército para deliberar ou
lhos. A própria raiz da palavra já indicava, a mesma de senex, que significa receber ordens” e foi “con-
siderado o embrião da
velho. O número de senadores variou muito ao longo dos tempos. Tito Assembléia Centuriata”.
Lívio fala no aumento para trezentos logo no processo de instauração do
novo sistema, visto que Tarquínio havia diminuído a quantidade desses
em seu governo. Para o final da era republicana, na época de Cícero eram
seiscentos, tendo atingido a cifra de novecentos, posteriormente.
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Literatura Clássica Latina
Os questores,
Os edis tinham como função cuidar das ruas, dos mercados, edi-
fícios públicos e templos, do abastecimento e preço dos alimentos, bem
como dos jogos públicos. Atribuições próprias de nossa edilidade, ou da
câmara de vereadores no Brasil atual.
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Literatura Clássica Latina
1.2.3 O Império
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História de Roma Capítulo 01
Costuma-se dividir o Império em dinastias. O poder era repassado
seguindo a norma da hereditariedade, conforme herança política. O car-
go era vitalício, mas não havia necessariamente consanguinidade. Sem-
pre houve intenção de, mas nem sempre foi possível, cumprir o desejo
do testamentário. Desse modo, foram duas dinastias: a júlio-claudiana e
a dos antoninos. Depois disso, a situação ficou como que incontrolável.
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Literatura Clássica Latina
1.3.1 Os Escravos
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História de Roma Capítulo 01
Transcorrera a parte maior do dia, e eu estava deveras fatigado, quando
me levantaram uma parte dos tirantes de fibra, e, livre da manivela à
qual estivera ligado, puseram-me na manjedoura. Meu cansaço era ex-
tremo; sentia uma imperiosa necessidade de refazer as forças e estava
perdido de fome. Não obstante, minha curiosidade natural me mantinha
fascinado, com o espírito alerta. Negligenciando o alimento que estava
diante de mim em abundância, observava com deleite a disciplina a que
se submetia essa oficina indesejável. Bons deuses! Quantos cativos com
a epiderme toda zebrada pelas marcas lívidas do chicote, e cujas ma-
chucaduras de pancada estavam mais escondidas que protegidas por
uns trapos remendados! Alguns levavam uma faixa exígua, que não lhes
cobria senão o púbis, e todos vestiam só farrapos, entre os quais nada
deles ficava desconhecido. Tinham as frontes marcadas de letras, os ca-
belos raspados de uma banda, os pés carregados de anéis, terrosa a tez,
as pálpebras queimadas pelo tenebroso ardor de uma espessa fumaça,
a ponto de mal enxergarem. E, tal como os pugilistas que se empoam
para combater, por todo o seu corpo se espalhava a brancura encardida
da poeira de farinha.
Espártaco era um gla-
diador que liderou uma
(APULEIO, [s.d.], p. 143-144) revolta entre 73 e 71
a.C. Seu exército rebelde
contava com homens,
Por outro lado, empregados domésticos, médicos, professores, ad- entre gladiadores e
escravos, revoltados com
ministradores, excetuando-se a privação de liberdade e de direitos, não os maus tratos que re-
sofriam pelo excesso de esforço físico e escassez de alimento. Entretan- cebiam de seus patrões.
Foi derrotado por Crasso,
to, não estavam livres dos espancamentos e maus tratos, nem mesmo da embora Pompeu tenha
morte decorrente destes, como nos informa o verso de Juvenal, na Sátira atribuído a vitória a si. Há
versões sobre a revolta
I: “Morrer deixando ao frio o nu escravo!” (JUVENAL, 1945, p. 10). O de Espártaco para a tele-
que motivava muitas revoltas. A mais famosa delas, a de Spartacus. visão e para o cinema.
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Literatura Clássica Latina
1.3.3 Os clientes
[...]
Acontece que um
dispute as eleições
com outro menos virtuoso e com menos fama.
Acontece que um
concorra com número maior de clientes
do que outro [...]
A guerra criou também uma nova classe de cidadãos ricos que não
pertenciam à classe dos senadores. Já falei dos fornecedores do
exército, comissários e vivandeiros. Esse tipo de negócio, impróprio
a um senador e contrário às tradições da aristocracia, não era apro-
vado pelo Estado, que graças a uma lei claudiana aprovada em 220
a.C. acabou proibindo aos senadores se dedicarem ao comércio ou
fazerem contratos com o Estado. Este, à medida que enriquecia, tinha
necessidade cada vez maior de pessoas experimentadas em negócios.
Após as guerras púnicas e orientais, Roma acumulara uma quantidade
imensa de bens de raiz – florestas, minas, pedreiras, direito de pesca,
salinas, pastagens. Essas propriedades precisavam ser usadas, e o úni-
co método de conservá-las em atividade era transferi-las a terceiros,
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Literatura Clássica Latina
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Cultura de Roma Capítulo 02
2 Cultura de Roma
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Cultura de Roma Capítulo 02
2.1.2 A Cultura Romana dos/nos Povos Latinos
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Literatura Clássica Latina
O Direito Romano
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Cultura de Roma Capítulo 02
de cultura, de um tipo de espírito que o mundo grego de nenhum modo
havia pressentido’.” (GIORDANI, 1976, p. 254). E, citando Von Ihering,
Giordani acrescenta:
A Filosofia
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Literatura Clássica Latina
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Cultura de Roma Capítulo 02
próprios de investigação, onde essas ciências são cultivadas, por
exemplo: Alexandria, Antioquia, Pérgamo, Rodes. O objeto da
Filosofia continua sendo as grandes questões que Platão e Aris-
tóteles tinham indicado como propriamente filosóficas: a lógica,
a ética e a metafísica. Assim, essas questões são aprofundadas,
ocupa-se a Filosofia com o homem como tal e, nesse período
tão incerto, tempestuoso pelas guerras, busca ela a salvação e a
felicidade no homem interior, o que já não podia ser buscado nas
relações externas... Por isso prevalece nessa época a discussão so-
bre o papel da ética, que, ao mesmo tempo, acaba por exercer a
função desempenhada antigamente pelo mito religioso, que se
extingue aos poucos, dando lugar ao pensamento racional.
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Cultura de Roma Capítulo 02
Quando então dizemos que o fim último é o prazer, não nos referimos
aos prazeres dos intemperantes ou aos que consistem no gozo dos
sentidos, como acreditam certas pessoas que ignoram o nosso pensa-
mento, ou não concordam com ele, ou o interpretam erroneamente,
mas ao prazer que é ausência de sofrimentos físicos e de perturbações
da alma. Não são, pois, bebidas nem banquetes contínuos, nem a pos-
se de mulheres e rapazes, nem o sabor dos peixes ou das outras igua-
rias de uma mesa farta que tornam doce uma vida, mas um exame
cuidadoso que investigue as causas de toda escolha e de toda rejeição
e que remova as opiniões falsas em virtude das quais uma imensa per-
turbação toma conta dos espíritos. De todas essas coisas, a prudência
é o princípio e o supremo bem, razão pela qual ela é mais preciosa do
que a própria filosofia; é dela que originaram todas as demais virtudes;
é ela que nos ensina que não existe vida feliz sem prudência, beleza
e justiça, e que não existe prudência, beleza e justiça sem felicidade.
Porque as virtudes estão intimamente ligadas à felicidade, e a felicida-
de é inseparável delas.
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Literatura Clássica Latina
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Cultura de Roma Capítulo 02
tisse por oposição à outra. O mais interessante é que ambas as escolas
se propunham alcançar os mesmos resultados, ou seja, viver com sa-
bedoria. A única diferença é que, para os epicuristas, essa sabedoria se
identificava com o prazer e, para os estóicos, com o dever. Nada mais.
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Cultura de Roma Capítulo 02
De uita beata (Sobre a vida feliz), De tranquilitate animi (Sobre Os textos em espanhol
a tranqüilidade do espírito), De prouidentia (Sobre a providên- ao longo deste material
foram traduzidos pelo
cia), Quaestiones naturales (Questões naturais), Ad Lucilium Prof. Dr. José Ernesto de
epistolae (Cartas a Lucílio). Para Jacques Gaillard, Vargas.
A Historiografia
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Literatura Clássica Latina
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Cultura de Roma Capítulo 02
• Tito Lívio
Titus Liuius (59 a.C – 17 d.C) é, sem dúvida, o mais importante his-
toriador romano. Viveu sob o governo de Augusto e dele se beneficiou.
Sua extensa e grandiosa obra propõe abarcar desde a fundação de Roma
(por isso é reconhecida como História de Roma Ab Urbe Condita) até
a sua contemporaneidade. São cento e quarenta e dois livros, dos quais De acordo com Pöppel-
apenas trinta e cinco chegaram até nós. O francês Jacques Gaillard o dis- mann, “Ab urbe condita
(Desde a fundação da
tingue como o “Virgílio da História”, já que sua obra pode ser colocada cidade – Roma) é o
no mesmo nível da Eneida. título da maior epopeia
histórica de Roma, que
Tito Lívio (c. 59 a.C.-17
• Públio Cornélio Tácito d.C.) escreveu em 142
volumes. Apresenta a
história de Roma desde
As datas em que Tácito nasceu e morreu não são precisas, mas se a lendária origem até o
ano 9 a.C. Mas ‘Ab urbe
acredita que entre os anos de 55 e 120 da nossa era. Além de história, condita’ foi também o
o autor escreveu também sobre retórica, Dialogus de oratoribus, uma ponto de partida de uma
época, estabelecido pelo
biografia, um ensaio sobre a geografia física e humana da Germânia. erudito Varrão. Colocou
Seus textos historiográficos são Anais (Annales), em que narra os acon- a fundação de Roma
no ano de 753 a.C., 440
tecimentos políticos durante os governos de Tibério, Calígula, Cláudio e anos depois da suposta
Nero, e Histórias (Historiarum libri), que faz referência ao período entre queda de Troia, no ano
1193 a.C., portanto, 440
as mortes de Nero (68 d.C.) e Domiciano (96 d.C.). anos como um perío-
do de renascimento e
Roma era vista como um
• Caio Suetônio Tranquilo renascimento de Troia.
Se, no caso de Troia, se
pudesse calcular com
De Suetônio igualmente não se sabe precisamente as datas de nas- mais exatidão sua idade,
cimento e morte, costuma-se citar os anos de 69 e 141 da nossa era. Foi Roma poderia ser, na
verdade, de duzentos
secretário do imperador Adriano. Escreveu Homens ilustres (De uiris a trezentos anos mais
illustribus), obra que se perdeu em grande parte e Vidas dos doze Césares, antiga. A cronologia de
Varrão ‘ab urbe condita’
ou seja, a vida dos doze primeiros imperadores, livro que o imortalizou. foi estabelecida apenas
por volta do ano 400. Na
Antiguidade, contava-se
E assim encerramos aqui o nosso Capítulo sobre a literatura lato o ano segundo os cônsu-
sensu, bem como a primeira Unidade, a História do mundo romano. A les reinantes.” (PÖPPEL-
MANN, 2010, p. 5)
literatura latina strictu sensu, por oposição, é a que diz respeito à pro-
dução de caráter ficcional, objeto central de todo curso de Letras, e do
nosso próximo capítulo.
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Unidade B
Literatura Latina
Introdução
Nessa segunda unidade faremos uma leitura panorâmica da Literatura
Latina apresentando rapidamente os principais autores e obras da literatura
latina em latu sensu. Observaremos, igualmente, a manifestação dos gêneros
literários em Roma e também as heranças e a permanência de ideias
e temas na literatura, nas artes e na cultura do Ocidente.
Grécia vencida
venceu seu feroz vencedor:
trazendo as artes ao agreste Lácio.
Assim desapareceu aos poucos
aquele verso horrível e saturnino
e a limpeza levou a sujeira nociva.
Contudo ficaram por muito tempo
e perduram ainda alguns traços rústicos daquele mau gosto.
Tarde, muito tarde, chegamos a apreciar os escritos gregos.
Apenas depois de feita a paz com Cartago,
descobrimos o que de útil nos trazem Sófocles, Tespis e Ésquilo.
Foi então que os traduzimos para o latim
e o trabalho agradou a todos:
talento temos para o sublime,
o patético não nos falta,
temos inspiração para o trágico,
nossos atrevimentos têm êxito feliz:
naturalmente, temos preguiça para o trabalho de lima
e consideramos a lima desnecessária e até vergonhosa.
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Literatura Clássica Latina
(Virgílio, En., I, 1)
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Poesia Capítulo 03
-se a acontecimentos históricos, ocorridos há muito tempo, para que
o lendário se forme ou/e permita que o poeta lhe acrescente com
liberdade o produto da sua fantasia; o protagonista da ação há de ser
um herói de superior força física e psíquica, embora de constituição
simples, instintivo, natural; o amor pode inserir-se na trama heróica,
mas em forma de episódios isolados; e, sendo terno e magnânimo,
complementar harmonicamente as façanhas de guerra. Do ponto de
vista da estrutura, o poema épico se desdobraria em três partes autô-
nomas: a proposição, ou seja, o apelo aos deuses para que auxiliem o
poeta na sua empreitada criadora; a narração, parte central e mais ex-
tensa, que contém o relato minucioso da ação executada pelo herói; a
narração deve obedecer a uma seqüência lógica; entretanto, à ordem
cronológica seria preferível à artificial, que surpreende a ação em meio
(in media res); o epílogo, fecho da ação, deve guardar um imprevisto,
mas ser verossímil e coerente, além de conter um final feliz.
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Literatura Clássica Latina
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Poesia Capítulo 03
Canto os combates e o herói que, por primeiro, fugindo do destino, veio
das plagas de Tróia para a Itália e para as praias de Lavínio. Longo tempo
foi o joguete, sobre a terra e sobre o mar, do poder dos deuses supe-
riores, por causa da ira da cruel Juno; durante muito tempo, também
sofreu os males da guerra, antes de fundar uma cidade e de transportar
seus deuses para o Lácio: daí surgiu a raça latina e os pais albanos e as
muralhas da soberba Roma.
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Literatura Clássica Latina
riador Tito Lívio, por falta de dados comprobatórios, deixa que as len-
das falem mais alto e se estabeleçam. Entretanto, o histórico também
se faz presente na obra, seja de forma ficcional, seja como projeção de
um futuro distante. A história ficcionalizada pode ser vista no episódio
recém mencionado, o do amor entre Dido e Eneias. Apesar da existência
histórica da rainha, a relação amorosa é criação virgiliana. Por outro
lado, não há como esquecer o enfrentamento entre Roma e Cartago. A
respeito disso, Gaillard diz o seguinte:
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Poesia Capítulo 03
p. 178). Nele o deus da forja havia inscrito o resultado, num futuro
remoto, dos feitos de Eneias e o tempo presente de Roma:
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Literatura Clássica Latina
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Poesia Capítulo 03
Aquele, vencedor de Corinto, conduzirá seu carro sobre as alturas triun-
fais do Capitólio, ilustre para sempre por causa do massacre dos aqueus.
Aqueloutro destruirá Argos e a Micenas de Agamenão e o próprio Eá-
cida descendente de Aquiles poderoso pelas armas, vingando seus an-
tepassados de Tróia e o templo ultrajado de Minerva. Quem poderia, o
grande Catão, ou tu, Cosso, vos não mencionar? Quem poderia esque-
cer a família dos Gracos, ou aqueles dois raios de guerra que foram os
dois Cipiões, flagelo da Líbia, ou Fabrício, glorioso pelas suas pequenas
posses, ou tu, Serrano, semeando teu campo? Fatigado, para onde me
levas, Fábio? Tu, famoso Máximo, és o único que, sozinho, em tempori-
zando, nos restabeleceste a república.
Aqui, pela primeira vez na grandiosa obra, Virgílio mostra aos seus
contemporâneos e conterrâneos o espelho para que esses se mirem e
se vejam, aqui ele justifica para o mundo a grandeza dos romanos e os
motivos da escritura: propagar os ideais da pátria e igualar-se aos gregos
neste gênero literário.
(Nei Duclós)
Se para os gregos a poesia dramática foi como que a menina dos olhos,
a ponto de Aristóteles enxergar na tragédia um gênero superior a todos os
demais, Sófocles o seu maior nome e Édipo o melhor texto, o mesmo não
podemos falar da poesia dramática em Roma. Nem o teatro teve tanto su-
cesso, e tampouco a tragédia foi representativa naquele solo. R. M. Rosado
Fernandes (1984) afirma a respeito da Arte Poética que Horácio, cultor da
poesia lírica, formula regras para a poesia dramática e o que ele acha mais
estranho é que isso acontece numa cidade “onde o teatro não fazia parte
integrante da vida social, como na Grécia” (FERNANDES, 1984, p. 27).
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Literatura Clássica Latina
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Poesia Capítulo 03
conter um significado específico. Aristóteles, na Poética (tr. de Eudoro
de Sousa, s.d., 1448 a 28), distingue a imitação, ou mimese, “na forma
narrativa” daquela em que as “pessoas agem e obram diretamente”, ou
seja, em que se processa a imitação da ação. Ao segundo tipo confere o
apelativo de drama. Portanto, em sentido amplo, a qualquer peça desti-
nada a representar-se caberia análoga denominação.
Isto é, para Aristóteles, uma das diferenças entre a poesia épica e a que
hoje determinamos como dramática (para ele comédia e tragédia), diferen-
ça esta que reside na natureza da ação: enquanto que, na epopeia, a ação
é descrita por um narrador, na arte que atualmente denominamos drama
é representada e mostrada in loco por atores. Outra variação entre os dois
tipos diz respeito ao tempo, ou extensão segundo o pensador grego, “[...] a
tragédia procura, o mais que é possível, caber dentro de um período do sol,
ou pouco excedê-lo, porém a epopeia não tem limite de tempo – e nisso
diferem, ainda que a tragédia, ao princípio, igualmente fosse ilimitada no
tempo, como os poemas épicos.” (ARIS- TÓTELES, 1984, p. 205).
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Literatura Clássica Latina
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Poesia Capítulo 03
qual toda a arte e entretenimento se fazem importantes, neste caso para
exorcizar os sentimentos de terror. No mundo romano a política do cir-
co, juntamente com a do pão, serviu a esses princípios.
Gaillard, por sua vez, nos ajuda a entender o porquê de ter restado
tão pouco da produção teatral latina:
Por efeito, como ocorria na Grécia, as obras são escritas para uma re-
presentação “oficial”, teoricamente única. É uma questão fundamental
saber em que medida estas obras voltavam a ser representadas pos-
teriormente. Na maioria das vezes os textos não eram editados, salvo
no caso dos melhores autores, o que permite deduzir que havia “repo-
sições” oficiais ou privadas, parciais pelo menos, e que, à falta de dis-
por de um repertório no sentido moderno da palavra, as companhias
(greges) de atores, em seus “giros” (por exemplo, por províncias e mu-
nicípios) propunham, senão reestreias, pelo menos adaptações. Mas
a regra geral era que a obra de teatro, ingrediente de uma cerimônia,
é utilizada somente uma vez: marca o acontecimento, e somente se
dissocia dele raras vezes por uma conservação literária.
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Literatura Clássica Latina
A Comédia
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Poesia Capítulo 03
portanto, não causa problemas muito sérios. Posteriormente, irrompe
no cenário a chamada comédia nova. O objeto do riso não são mais
personagens históricas ou mitológicas, mas a personagem-tipo.
• Plauto
Comum à época e ainda aos nossos dias, Plauto não somente escre-
veu como experimentou a direção, atuação e outras funções do meio.
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Literatura Clássica Latina
EUCLIÃO: Fora daí, minhoca! que saíste agora debaixo da terra. Há bo-
cado nem aparecias, mas agora, apareces para morrer. Por Pólux! meu
feiticeiro! vou dar-te um tratamento desgraçado.
ESTRÓBILO: Mas que fúria te agita! Que tenho eu que ver contigo, ve-
lho? Por que é que me insultas? Por que é que me puxas? Por que é que
me bates?
74
Poesia Capítulo 03
Apesar disso, os romanos conseguem se ver em determinados pon-
tos das histórias. O responsável pelo prólogo da Comédia da Panela, o
deus Lar, é uma divindade tipicamente romana.
tradução literal, nada prática nem produtiva, seria “o que por qual”, ou
“isto por aquilo”, insinuando a idéia de troca. São inúmeras as ocor-
rências nos textos de Plauto, das quais citaríamos algumas. Em As Bá-
quides, as duas irmãs, de mesmo nome, são gêmeas. Só isto já é motivo
para muitas confusões... Em Anfitrião, enquanto Anfitrião se encontra
na guerra, o deus Júpiter toma a forma deste, a fim de fazer amor com
sua esposa, por quem se apaixonara. Por sua vez, Mercúrio, fiel escu-
deiro do deus supremo, se transforma em Sósia, escravo de Anfitrião.
Resultado: muita confusão. Imagine as cenas, ou melhor, leia, se pos-
sível e, com sorte, veja-as como espectador, no teatro, ou quem sabe
reproduza-as para os colegas do pólo, para a escola em que você traba-
lha ou para a sua comunidade: imagine Sósia encontrando-se consigo
mesmo em frente de sua casa, apanhando de outro Sósia, igualzinho a
ele e tendo que explicar tudo isso ao amo!
75
Literatura Clássica Latina
já se descobriu a coisa. Creio que a filha dele já deve ter tido o menino.
E agora estou aqui sem saber o que hei de fazer: vou ou fico? Aproximo-
me ou fujo? Por Pólux, não sei que hei de fazer, por Pólux!
EUCLIÃO: Mas ouve, moço, que mal te fiz eu para procederes assim e me
perderes a mim e aos meus filhos?
LICÔNIDAS: Foi um deus que me impeliu, foi ele que me atraiu a ela
LICÔNIDAS: Confesso que errei, e sei que mereço castigo, mas venho
pedir-te que tenhas a bondade de me perdoar.
EUCLIÃO: Mas como é que tu ousaste fazer isto? Tocar no que não te
pertencia?
76
Poesia Capítulo 03
LICÔNIDAS: Que queres tu? Aconteceu. Não se pode negar o que é um
fato. Eu acho que os deuses o quiseram. Sei bem que, se o que não qui-
sessem, nada teria havido.
EUCLIÃO: Não gosto dos homens que depois de terem feito o mal vêm
pedir desculpa. Tu sabias que ela não te pertencia, não lhe devias ter
tocado.
LICÔNIDAS: Eu não a exijo contra tua vontade. O que eu acho é que deve
ser minha. Tu mesmo vais concordar, Euclião, que ela deve ser minha.
77
Literatura Clássica Latina
LICÔNIDAS: Por Pólux! Eu nunca disse isso, nem fiz uma coisa dessas. [...]
• Terêncio
Públio Terêncio Afer teve uma vida curta. Embora não se tenha
certeza do ano de seu nascimento, os dados são desencontrados, de
todo modo não chegou a viver quarenta anos (De 185? a 159 a.C.).
Mesmo assim teve tempo de produzir seis obras: A moça de Andros
(Andria), Os Adelfos (Adelphoe), A sogra (Hecyra), O eunuco (Eu-
nuchus), O au- topunidor (Heautontimoroumenos) e Fórmio (Phor-
mion). Assim como Lívio Andronico, foi também escravo, trazido da
África, possivelmente de Cartago. Por conta de sua habilidade com
78
Poesia Capítulo 03
as palavras foi liberto e recebeu formação literária. Gaillard observa
que “a aristocracia romana gostava de formar ‘seus’ artistas como
se fossem uma espécie de ‘botim intelectual’” (GAILLARD, 1997, p.
37). Poderíamos pensar em atitude típica de emergentes econômico-
-sociais, de novos ricos.
79
Literatura Clássica Latina
tro para [assistir] palhaçadas, ou para satisfazer seu paladar estético com
os sabores intolerantemente picantes dos mimos, ou para os combates
de gladiadores.
80
Poesia Capítulo 03
A Tragédia
• Sêneca
81
Literatura Clássica Latina
Medeia
82
Poesia Capítulo 03
deste tipo de castigo; e com justa razão: é o crime supremo, eu
reconheço-o; e é preciso que minha alma se prepare para isso. Vós,
que fostes antes meus filhos, vós deveis expiar os crimes de vos-
so pai! – O horror fez bater, meu coração, meus membros tremem
pelo gelo, meu peito sente calafrios. Meu ódio abandonou-me e o
amor materno reaparece inteiro em mim, afastando os sentimen-
tos da mulher. Eu, eu vou derramar o sangue dos meus próprios
filhos, de minha própria prole? Inspira-te melhor, ó minha demente
cólera. Este espantoso crime deve ficar longe de meu pensamento.
Qual seria a culpa que estes infelizes iriam expiar? – O seu crime é
ter Jáson como pai; e um crime ainda pior; ter Medeia como mãe.
Eles devem ser mortos, não são meus... Devem morrer: são meus...
Eles não têm culpa, não fizeram nada de mal: são inocentes, con-
fesso-o... Mas também meu irmão era inocente! – Ó minha alma, tu
vacilas. Por quê? Por que as lágrimas banham o meu rosto, por que
sou arrastada por impulsos contraditórios, entre o ódio e o amor?
Uma dúplice agitação produz esta incerteza. Assim como quando
os ventos lutam entre si cruelmente e lançam para opostas dire-
ções as ondas do mar, umas contra as outras, e o oceano se agita
indeciso, assim são as indecisões de meu coração: a ira expulsa a
piedade, a piedade expulsa a ira. Ó minha dor, cede à piedade.
85
Literatura Clássica Latina
86
Poesia Capítulo 03
possível compartilhamento de sentimentos e sensações entre o poeta e
seu leitor/receptor. Além da individualidade, Staiger salienta a solidão
do poeta lírico:
• Catulo
Caio Valério Catulo teve uma breve vida entre as décadas de oitenta
e cinquenta antes de Cristo, não se sabe com precisão as datas. Nasceu
em Verona junto a uma família da alta burguesia. Fez parte, e foi um dos Poetae noui, ou neote-
roi, em grego.
mais importantes nomes, de uma geração denominada “poetas novos”.
Gaillard (1997, p. 60) observa que esta geração se mostra nova não
somente naquilo que propunha, poesia lírica em confronto com as poe-
sias mais nobres, coletivas e coletivistas até então, mas também pelo fato
de muitos virem da Itália setentrional. Antes disso, a grande maioria dos
autores provém do sul, da Magna Grécia.
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Literatura Clássica Latina
88
Poesia Capítulo 03
Entretanto, Lésbia não é o único amor professado, há vários outros,
alguns nomeados, outros não.
89
Literatura Clássica Latina
• Horácio
O termo mecenato é co- Mas, ao mesmo tempo, a Fortuna, a sorte para os antigos, lhe sorri.
mum até os nossos dias
para designar proteção Por esta época ele conhece os poetas Vário e Virgílio, que o apresentam
às artes. a Mecenas, o grande colaborador de Otávio Augusto em sua política de
incentivo e prestígio às artes, principalmente à literatura.
90
Poesia Capítulo 03
nosso modo de ver, é a divisão entre as obrigações para com o Estado e
a vontade de escrever poesia que marcará a poesia de Horácio. Não há
como negar que seus compromissos como vate ele cumpre.
[...]
Quem dignamente pintará a Marte,
da adamantina túnica coberto?
E Meríone negro ao pó de Tróia?
E o filho de Tideu, graças a Palas,
aos próprios deuses súperos erguido?
Os banquetes e os prélios, onde as virgens,
unhas cortadas, contra os jovens lutam,
é que, ociosos, cantamos, quando, acaso,
ao coração leviano, como sempre,
algo de fogo as fibras lhes aquece.
91
Literatura Clássica Latina
92
Poesia Capítulo 03
macerados nas lutas lascivas do amor
regado a vinho, ou se nos lábios inda levas,
marcado a dente, o sensual furor de um jovem.
93
Literatura Clássica Latina
94
Poesia Capítulo 03
há de escapar, por certo, à Deusa Libitina.
Crescerei sempre mais, remoçando-me sempre,
no aplauso do futuro, enquanto ao Capitólio
silenciosa ascender a virgem e o pontífice.
Celebrado serei, lá onde estrondeia
o impetuoso Áufido e onde Dauno reinou
sobre rústicos povos, em áridas terras,
como o primeiro que, de humilde feito ilustre,
o canto eólio trouxe às cadências da Itália.
O justo orgulho por teu mérito alcançado,
ó Melpômene, assume e, propícia, dispõe-te
a cingir-me os cabelos com délficos louros.
96
Poesia Capítulo 03
Que queres tu, mulher dos elefantes
negros digníssima! Por que a mim, não
vigoroso, mas cujo olfato é vivo
mandas tu cartas, mandas tu presentes?
Pois, mais sagaz o cheiro mau percebo,
quando se aninha em cabeluda axila,
pólipo ascoso ou fétido bodum,
do que o cão de bom faro, quando junto
ao lugar, onde o javali se oculta.
Que suor! que cheiro mau tresanda e cresce
dos murchos membros, quando, ensarilhadas
minhas armas, indômita, se apressa,
para acalmar o fogo, em que se agita;
quando já lhe não fica sobre o corpo
o úmido pó de gesso e aquela cor
tirada às excreções do crocodilo;
e quando, em tanta afobação, se rompem
e colchão e dossel que cobre o leito!
Ou, quando, com palavras de violência,
censura o meu fastio: “Assim, não lhe falhas,
com Ínaca; com ela, podes, bem,
três vezes e, uma só, comigo, e mal!
Miserável pereça aquela Lésbia,
a quem, pedindo um touro, a ti me trouxe,
fraco, impotente, quando eu tinha Amintas
de Cós, em cujo corpo se implantava
nervo mais rijo e forte do que nova
árvore, nas colinas. A que, pois,
essa pressa em, três vezes, mergulhar,
no múrice de Tiro, a lã de esponja?
Para ti, sim, para que não houvesse
conviva igual, que mais quisesse a sua
amada do que tu! Ah! como sou
infeliz! Foges-me assim, como foge
do lobo a ovelha e do felino as cabras.
• Ovídio
98
Poesia Capítulo 03
aos infernos buscar sua amada Eurídice, já morta. É ele que proporciona
o longo definhar de Narciso, apaixonado por si mesmo, e a posterior
transformação em flor.
Poeta do corpo, eis o que ele é. Quem sabe não fosse por isto que des-
contentasse tanto Augusto. Não sabemos o que aconteceu, é verda-
de, e o método de Augusto que consiste em fingir reger os costumes
para melhor reduzir o espaço da palavra se revelou, com o tempo,
99
Literatura Clássica Latina
O termo “elegia” aparece pela primeira vez com o poeta Clonas, mas
considera-se Calinos (século VII a.C.) o mais antigo autor de po-
esia elegíaca, de assunto bélico. A elegia melancólica e sombria,
introduziram-na Arquíloco e Simônides de Ceos, nos séculos VII e
VI a.C., respectivamente. Derivada da poesia épica, e com ela man-
tendo apreciável semelhança, a elegia, na sua origem, girava em
torno dos mais variados assuntos: em realidade, consistia numa das
fôrmas líricas “onde a pessoa do poeta mais francamente se põe
em cena. Ele queixa-se e louva; moraliza; geralmente exorta. Qua-
se atua como orador: seja o orador político e popular, que busca
desencadear nas almas sentimentos belicosos e patrióticos; seja o
orador filósofo, que disserta acerca da vida humana, seus prazeres
e males; sempre voltado para a prática e pressuroso de concluir. A
elegia é, freqüentemente, como uma primeira manifestação do gê-
nio oratório” entre os gregos (Alfred Croiset, Histoire de la litérature
100
Poesia Capítulo 03
grecque, t.2, Paris, 1890, pp. 90-91). Outras vezes, o poeta demo-
rava-se a carpir sua mágoa pelo passamento de alguém ilustre ou
seu amigo. Todavia, quer glosando temas festivos, quer meditando
gravemente, a elegia identificava-se por seu caráter sentencioso,
ou, como diziam os gregos, gnômico: encerrava conceitos e máxi-
mas morais que visavam fornecer aos ouvintes regras de bem servir
e suportar os transes da fortuna.
A Gruta do Sono
(Livro XI, 592-645)
101
Literatura Clássica Latina
• Virgílio
102
Poesia Capítulo 03
A Grécia, desde os primórdios de sua história, conheceu muitos tipos
de canções. As condições geográficas parecem ter contribuído para o
desenvolvimento do canto, especialmente favorecido pela existência
de intensa atividade pastoril. Diferentemente do que ocorre com o la-
vrador, labutando o dia todo na lida com a terra e extenuando-se com o
trabalho pesado que lhe exaure as forças, o pastor vigia simplesmente o
gado, permanece solitário muitas vezes e tem disponibilidade suficien-
te para cantar ou tocar.
MELIBEU
103
Literatura Clássica Latina
TÍTIRO
Para Gaillard,
104
Poesia Capítulo 03
de viver. A Arcádia é transportada indene ao campo italiano, pois, nos
versos dos poetas alexandrinos, havia deixado de ser definitivamente
uma rude região situada no coração do Peloponeso para se conver-
ter em uma paisagem imaginária: a da pastoral. Segundo uma antiga
tradição, os pastores da Arcádia freqüentavam [os bosques, campos e
montanhas] de Pan e de Ártemis, e se entregavam com fervor à músi-
ca. As circunstâncias históricas contribuíram não pouco a colocar em
moda, na Roma do final do século I, esta estilização do paraíso terreno:
demasiadas guerras e enfrentamentos políticos, excessivas tensões
também na vida urbana, alimentaram o desejo de um país maravi-
lhoso no qual as únicas rivalidades que enfrentavam seus habitantes
eram poéticas e musicais.
105
Literatura Clássica Latina
TÍTIRO
• Marcial
106
Poesia Capítulo 03
Marcial escreve Epigramas (Epigrammaton libri), cerca de mil e quinhen-
tos pequenos poemas sobre assuntos diversos que nos fornecem, em
traços rápidos mas executados com precisão e maestria, preciosos re-
tratos da vida romana da época. Realistas e divertidos, pitorescos e ori-
ginais, revelam o talento de um artista, de estilo vivo, criativo e elegante,
simultaneamente conciso e rico, variado e natural.
16 (Livro I)
[...]
40 (Livro I)
[...]
63 (Livro I)
107
Literatura Clássica Latina
[...]
91 (Livro I)
8 (Livro 3)
[...]
38 (Livro 2)
108
Poesia Capítulo 03
Me dá esse lucro, Lino:
não vejo você por lá.
22 (Livro 4)
DA SÁTIRA
(Mario Quintana)
110
Poesia Capítulo 03
Muitas elucubrações lingüísticas foram feitas em torno da palavra sa-
tura. Alguns nela viram uma possível origem grega, aproximando-a
do nome dos sátiros (satyroi), divindades campestres associadas aos
faunos e presentes nos dramas satíricos. De outro lado, como a pala-
vra satura designava também a cesta de primícias de frutas de várias
qualidades, ofertada aos deuses no início do outono, e uma espécie
de patê em cuja composição eram usados diferentes tipos de carne,
a aproximação metonímico-catacrética possivelmente foi feita. A ca-
racterística da satura – dramática ou literária – seria a exploração de
assuntos variados em sua composição e a utilização de diversidade de
metros e de tons. Em ambos os casos a satura pode ser considerada
como criação latina.
É preciso, porém, fazer uma distinção entre as sátiras literárias que che-
garam até nossos dias, trazendo preciosas informações sobre a vida
cotidiana do romano, e a satura dramática da época primitiva. As sáti-
ras literárias, produzidas por diversos autores, são composições poéti-
cas narrativo-dissertativas ou dialogadas, que, apresentando fatos ou
pondo pessoas em foco, ridicularizam os vícios e defeitos de maneira
jocosa ou indignada e assumem não raro um tom filosófico-moral; a
satura dramática, à qual já nos referimos, é uma modalidade teatral
rudimentar, que nunca encontrou expressão escrita e resulta da com-
binação de cantos fesceninos com danças mímicas.
111
Literatura Clássica Latina
• Horácio
112
Poesia Capítulo 03
O Cérvio, se está irado, ataca as leis e a urna judiciária,
Canídia de Albúcio ataca com seus venenos potentes,
Túrio, juiz cruel e corrupto, a todos aterra
na hora de julgar a causa que defendes.
Assim, por aquilo em que alguém é mais versado,
ele se defende,
e a própria natureza manda que seja assim.
Raciocina comigo:
o lobo se defende com o dente,
o touro ataca com os chifres,
Quem lhes ensina assim?
se não fossem ensinados por sua própria natureza?
Confia a Ceva a mãe de longa vida,
ela faz uso de sua mão direita impiedosa...
Eupolis,
Cratino,
Aristófanes
e todos os poetas da antiga comédia
descreviam com muita liberdade
a quem merecia ser descrito
por ser mau, ladrão, adúltero, assassino
ou famoso por outra qualquer infâmia.
[...]
e arremata
[...]
113
Literatura Clássica Latina
HORÁCIO
114
Poesia Capítulo 03
não sei em que bagatelas,
todo abismado nelas...
Quando, de repente, vem correndo para mim
um sujeito conhecido apenas de nome,
agarrou-me pelo braço e me disse:
IMPORTUNO
HORÁCIO
IMPORTUNO
Deverias conhecer-me...
Sou também um grande letrado.
HORÁCIO
Estimo...
enquanto me esforçava desesperadamente para livrar-me dele:
ora caminhando mais depressa,
ora parando,
ora dizendo qualquer coisa ao ouvido de meu servo,
com o suor a correr-me até os tornozelos.
Pensava, então, com os meus botões:
“Ó Bolano, feliz de ti que tens um gênio explosivo”...
enquanto ele tagarelava qualquer bobagem,
louvando os bairros e a cidade...
Como eu nada lhe respondesse, disse-me em tom magoado:
115
Literatura Clássica Latina
IMPORTUNO
Queres esquivar-te?
Já estou percebendo...
Não vai adiantar nada!
Não te largarei, ficarei sempre a teu lado...
Para onde vais agora?
• Juvenal
116
Poesia Capítulo 03
são – unicamente – mortas; ataca seus vícios, mas seleciona os maio-
res extremismos nos costumes dos reinados precedentes. As últimas
sátiras respondem melhor à regeneração moral da alta sociedade sob
o império de Trajano, mas não foram escritas até Adriano. Juvenal não
é um satírico de “atualidades”, combina sempre leituras e experiências
do passado com as do presente.
117
Literatura Clássica Latina
ARTE POÉTICA
(Mário Quintana)
118
Poesia Capítulo 03
Entre os primeiros autores dessa linha de escritura, a autora cita
Ápio Cláudio Cego, ao final do século IV a.C., o polivalente Ênio e Ca-
tão. Mas destes muito pouco de suas obras chegou até nós. Passemos
então aos principais nomes.
• Lucrécio
• Horácio
119
Literatura Clássica Latina
Mas Horácio não toma partido por qualquer posição extremista: não
é arcaizante, mas tão-pouco é modernizante em todo o sentido. Se
é helenizante, é porque julga que a cultura refinada dos Helenos po-
derá trazer algum bem ao talento agreste dos Romanos. Quanto à
função do poeta na sociedade, acha que este lhe pode ser útil, sem
que, contudo, perca todo o seu individualismo. Tudo o que apregoa,
já Horácio pusera em prática na poesia até então publicada e isto
era a garantia de que os princípios que teorizava levavam, de facto, a
uma poesia cuidada e de excelente nível, qualidades que ele prezava.
Sobre a poesia dramática ele salienta a famosa lei dos cinco atos,
regra que os estudiosos supõem ter surgido no período helenístico e que
se faz presente muitas vezes até os dias de hoje: “Que a peça nunca tenha
120
Poesia Capítulo 03
mais do que cinco actos nem menos do que esse número, se acaso dese-
jar que voltem a pedi-la e tornar à cena depois de estreada” (HORÁCIO,
1984, p. 83). Sobre o papel do coro Horácio afirma:
Da poesia lírica ele apenas cita alguns tipos, como a elegia. E o ob-
jeto da Lírica: “A Musa concedeu à lira o cantar deuses e filhos de deu-
ses; o vencedor no pugilato e o cavalo que, primeiro cortou a meta nas
corridas, os cuidados dos jovens e o vinho que liberta dos cuidados”
(HORÁCIO, 1984, p. 67-68). Observe, discipule, que, tal como Aristóte-
les, o autor não define o que é poesia lírica.
• Fedro
122
Poesia Capítulo 03
humanos. Escrita em versos até o século XVIII, em seguida adotou a
prosa como veículo de expressão. De longeva origem, talvez oriental, a
fábula foi cultivada superiormente na Antiguidade clássica por Esopo,
escravo grego do século VI a.C., e por Fedro, escritor latino do século I
da era cristã. Modernamente La Fontaine destaca-se como o mais im-
portante dos fabulistas: suas histórias, dadas a lume entre 1668 e 1694,
foram largamente traduzidas, aplaudidas e imitadas.
123
Literatura Clássica Latina
Para ilustrar, aí vão duas fábulas de nosso amigo Fedro, que talvez
você já conheça em versões modernas de La Fontaine, Monteiro Lobato
ou, quem sabe, em versão mais irônica e debochada de Millôr Fernan-
des, autores que também cultuaram o gênero:
O Lobo e o Cordeiro
124
Poesia Capítulo 03
— Nesta fábula o retrato
Se exibe dos prepotentes
Que com frívolos pretextos
Oprimem os inocentes.
Tal como a anterior, a próxima também trata do poder cruel dos que se
julgam superiores sobre os mais fracos. Entretanto, não é só para este vício
que as fábulas apontam, mas para muitos que são próprios da humanidade.
125
Literatura Clássica Latina
• Ovídio
126
Poesia Capítulo 03
Caco, a Concórdia, Término, Mater Matuta, os Lares, a deuses latinos
assimilados a gregos, como Marte, Vênus, Ceres, Juno e Vesta, e, ainda,
sobre festas comemorativas a figuras histórico-lendárias como Quiri-
no, Numa, Ana Perena e Túlia.
Só para você ter uma ideia, temos a seguir uma amostra do texto,
a abertura, com o mês de Janeiro. A palavra é derivada de Januarium,
homenagem a Janus, o deus de duas faces, uma voltada para a entrada,
outra para a saída, ou para o começo e para o fim. Ele era a divindade
que protegia as portas de entrada de Roma, por isso o deus que abre e
fecha o ano. Em discurso direto, sem intermediários nem musas, Janus
fala de si para o poeta Ovídio:
127
Literatura Clássica Latina
(OVÍDIO, p. 109-110).
• Virgílio
Várias foram as fontes de que Virgílio se valeu para compor seu poe-
ma. É sensível a influência de Hesíodo (Os trabalhos e os dias), Aris-
tóteles (História dos animais e História das plantas), Aratos (Fenôme-
nos), Catão (Sobre a agricultura), bem como em menor escala, das
obras de Teofrasto, Nicandro, Magão e Varrão. A criatividade artística
do poeta, entretanto, permitiu-lhe que inserisse, entre os versos in-
formativos, belas descrições, elogios e quadros. São famosos, entre
os versos outros, o elogio da Itália, a descrição do inverno na Cítia, a
da peste que acometeu os rebanhos do Nórico, a evocação do ve-
lho de Tarento e, sobretudo, no final do livro IV, o epyllion de sabor
nitidamente alexandrino, onde Virgílio relata a história do deus rústi-
co Aristeu, o primeiro que conseguiu restaurar um enxame, fazendo
nascer abelhas de uma carcaça de um boi oferecido em sacrifício.
Tal epyllion não constava da primeira versão do poema. Virgílio o
colocou na segunda, a fim de substituir um elogio a Cornélio Galo,
retirado das Geórgicas quando o poeta, pessoa de confiança do im-
perador, caiu em desgraça perante o Senado, acusado de alta traição.
129
Prosa Capítulo 04
4 Prosa.
O amor é prosa, sexo é poesia.
Rita Lee
131
Literatura Clássica Latina
• Petrônio
132
Prosa Capítulo 04
Gaillard inicia o seu texto sobre Satiricon destacando já no título
que esta é a obra em que desponta o nascimento do romance:
– Roubar tudo bem – me disse Ascilto –, mas sem sangue, por favor.
Ele conhecia bem o interior da casa, e nos levou direto para os lugares
onde coisas preciosas estavam nos esperando. Só passamos a mão
133
Literatura Clássica Latina
– O que vocês estão falando não tem pé nem cabeça. A fome ronda
em nossa volta. Não, por Hércules!, hoje, o dia inteiro, não consegui
um pedaço de pão para comer. Sabem por quê? A seca prossegue.
Faz um ano que eu passo fome. Malditos os vereadores que fazem
lá seus pactos com os padeiros. Você livra a minha, que eu livro a
sua, e o povo miúdo que se foda, enquanto as mandíbulas desses
sanguessugas mastigam banquetes. Ah, se tivéssemos ainda entre
nós aqueles homens fortes como leões, que encontrei aqui, quando
vim da Ásia! Aquilo que era viver. A Sicília estava seca, os campos sem
gota d’água, como se Júpiter a tivesse amaldiçoado. Me lembro de
Safinium, ele morava perto do aqueduto velho, eu, criança, ele, uma
verdadeira fera. Por onde ele passava, a terra tremia. Mas era gente
134
Prosa Capítulo 04
fina, limpo, amigo do amigo, o tipo de gente com quem você pode
tranqüilamente jogar par ou ímpar no escuro. E no tribunal? Precisa-
va vê-lo! Ele moía seus adversários. E não falava por esquemas, não.
Dizia direto. Quando falava no tribunal, sua voz crescia como uma
tuba que vai subindo de tom. Não suava, nem cuspia. Tinha alguma
coisa de asiático. E como era bem-educado! Cumprimentava, lem-
brava do nome de todo mundo, como se fosse um de nós. Naquele
tempo, não havia fome. Enquanto era edil, dois homens esfomeados
não conseguiam comer um pão que custava um centavo. Agora, por
esse preço, você compra um pão do tamanho de um olho de boi.
Ai, ai, ai, cada dia pior! Esse país cresce que nem cauda de vaca, para
baixo! E por que não? Temos um edil de meia pataca que dá mais
valor a um centavo do que a nossa vida. Em casa, vive na maior abun-
dância. Ganha num dia mais do que você vai ganhar em toda a sua
vida. Sei de uma negociata dele que, num dia, lhe rendeu mil dená-
rios de ouro. Se nós tivéssemos vergonha na cara, uma coisa dessas
não acontecia. Mas agora o povo é assim, em casa, uns leões, na
rua, rabo entre as pernas, como as raposas. Quanto a mim, já vendi
todas as minhas roupas para poder comer e, se a seca perdurar, vou
ter que vender a roupa do corpo. Que futuro nos aguarda, se nem
os deuses, nem os homens fizerem alguma coisa por nossa terra?
Os deuses que me perdoem, mas acho que é a vontade dos céus.
Hoje em dia, ninguém mais acredita em nada, ninguém observa os
dias de jejum, ninguém está dando a mínima se existe um Júpiter ou
não. Todos, olhos bem abertos, ficam contando seu dinheiro. Antiga-
mente, as mulheres iam descalças, cabelos soltos, um véu no rosto,
a alma pura, para orar a Júpiter que mandasse chuva. Logo, chovia
a cântaros, e todo mundo ficava com um sorriso de orelha a orelha.
Assim era então, hoje, jamais. Como os ratos, os deuses caminham
com os pés calçados em lã. É porque não temos mais fé nos céus que
não chove mais nos campos.
Que discurso mais estranho, não? Deve ser pela distância de quase
dois mil anos. Por acaso não parece o discurso de uma pessoa mais velha,
de um conservador e passadista? Um avô ou um tio nosso? Não parece
os nossos discursos enraivecidos contra os políticos de hoje, de sempre?
135
Literatura Clássica Latina
• Apuleio
Lúcio Apuleio viveu entre os anos 125 e 170 da nossa era, mais
uma vez não são precisas as datas. Nasceu de uma família rica em
Madaura, na Numídia (atual Argélia). Fez seus estudos superiores na
Grécia, retornando depois ao continente africano, para Cartago. Con-
forme Bayet, foi um homem singular e muito representativo de sua
época, apesar de estar acima dela. Viajou bastante e como bom obser-
vador esteve atento a tudo, de obras de arte do passado a costumes do
presente, ávido por detalhes, curioso pelas ciências, as naturais em es-
pecial, mas também pela magia, que vai estar muito presente no livro
que o fez notável. Sua obra comprova a diversidade e a curiosidade.
Ainda seguindo o raciocínio e as palavras do autor francês,
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Prosa Capítulo 04
enquanto burro, passa pelas mãos de diferentes donos, bandidos,
proprietário de padaria (episódio já exposto aqui, à página 16).
XXI. Ainda falando, abriu a caixa. Mas naquele cofre não havia nada. De
beleza nem sinal. Nada senão um sono infernal, um verdadeiro sono do
Estige, que, libertado de sua caixa, a tomou toda, infundindo em todos
os seus membros uma espessa letargia, e estendendo-a, em colapso, no
caminho, no próprio lugar onde pousara o pé. Ei-la, pois, jacente, imóvel,
como um cadáver adormecido.
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fensiva picada de uma de suas flechas, disse-lhe: ‘És vítima uma vez mais,
desgraçada criança, da curiosidade que já te perdeu. Agora vai, acaba a
missão de que te encarregou minha mãe. O resto compete a mim.’ Com
estas palavras, o amante alado retomou o vôo e Psiquê se apressou a
levar a Vênus o presente de Prosérpina.
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Referências
Referências Bibliográficas
APULEIO. O asno de ouro. Rio de Janeiro: Ediouro, s.d.
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Literatra Clássica Latina
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Referências
LONGINO. “Do sublime”. In: A arte poética. São Paulo: Cultrix, 1997.
NOVAK, Maria da Glória (org.); NERI, Maria Luiza. Poesia lírica lati-
na. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
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PENHA, João da. Períodos filosóficos. 4.ed., São Paulo: Àtica, 1998.
Série Princípios.
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Referências
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