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Giscard F.

Agra

A INVENÇÃO DA PRÉ-HISTÓRIA

CAMPINA GRANDE - PB
2009
GISCARD F. AGRA

A INVENÇÃO DA PRÉ-HISTÓRIA
a recente produção de um suposto passado remoto

Orientador: Prof. Dr. ALARCON AGRA DO Ó

CAMPINA GRANDE - PB
2009
Dedicado a
Fábio Gutemberg Ramos Bezerra de Sousa
SUMÁRIO

Introdução ........................................................................................................ 09

CAPÍTULO I. A FABRICAÇÃO DE UM CONCEITO ..........................................


15

CAPÍTULO II. PRODUZINDO REVOLUÇÕES – a invenção de “marcos pré-

historicos” ......................................................................................................... 38

Considerações Finais .......................................................................................78

Anexos ............................................................................................................ 89

Referências .................................................................................................... 92
A INVENÇÃO DA PRÉ-HISTÓRIA: a recente produção de um suposto passado
remoto.

Autor: Giscard Farias Agra – UAHG/UFCG


Orientador: Prof. Dr. Alarcon Agra do Ó – UFCG

RESUMO

O presente texto consiste em um ensaio que objetiva analisar os fios que


teceram e construíram o que costumeiramente é conhecido como Pré-História.
Analisam-se, desta maneira, os cenários intelectuais que permitiram a invenção
de um conceito e a significação de eventos caracterizadores desse período, na
tentativa de desnaturalizar os enunciados elaborados pela ciência e instituídos
enquanto verdades por meio de convenções. Neste intento, a década de 1960
aparece como o momento em que os modelos de produção que informavam a
ciência de maneira geral são alterados, o que, pela presente leitura, acaba
tendo ressonância na própria maneira de ver e dar a ler a pré-história,
demonstrando como o passado, histórico ou pré-histórico, não existe enquanto
tal, mas consiste, de fato, em um discurso inventado pelos interesses que
permeiam o presente.

Palavras-chave: pré-história; invenção; cultura.


PREFÁCIO

A Pré-História povoa nosso imaginário de modo muito intenso:


“brucutus”, clavas, mulheres sendo arrastadas pelo cabelo, vulcões, ausência
de língua estruturada (o onipresente “uga-buga”), convivência com
“dinossauros” e até visita de extraterrestres, entre muitas outras imagens.
Segundo um quase centenário curta-metragem com Stan Laurel e Oliver
Hardy, essa era a época em que os elefantes voavam. Desde tenra idade,
essas percepções nos chegam por meio do cinema, da televisão, dos livros,
das histórias em quadrinhos, dos desenhos animados, etc. No entanto, quando
começamos receber nossa formação científica – ao menos, espera-se que seja
assim -, entendemos que muitas dessas noções sobre a Pré-História nada
mais são do que construções produzidas livremente, ou seja, artisticamente.
Passamos a saber, por exemplo, que homens e dinossauros não viveram no
mesmo período, que nem todo animal não mais existente é um dinossauro e
que não há nenhuma prova científica da visita de extraterrestres aos nossos
ancestrais. Contudo, alguém poderia perguntar, as noções científicas de Pré-
História também não são construções ou invenções? A polêmica tem início:
uns diriam que, como toda noção científica, as concepções sobre a Pré-História
são concebidas e provadas por métodos rigorosos e, portanto, elas seriam
verdadeiras (ao menos, até prova em contrário); outros diriam que a ciência,
como toda atividade humana, é falível e, portanto, que seus conceitos são
construções que não diferem muito das produções artísticas.
Foi exatamente essa suspeita que me fez aceitar de bom grado o
convite de escrever este prefácio do livro do professor Giscard Farias Agra: A
invenção da Pré-História: a recente produção de um suposto passado remoto.
Confesso que, logo que me chegou o convite, fiquei com dúvidas se devia
aceitá-lo, única e exclusivamente devido a nós pertencermos a áreas distintas:
eu, um professor de Filosofia, e o professor Agra, de História. Porém, a leitura
do texto revelou uma afinidade entre nossas pesquisas: uma busca pelo
desvelamento da construção histórica dos conceitos científicos, tidos como
absolutos ou irretocáveis. Mais do que isso, a leitura lembrou-me da
inadequação dos limites impostos entre as áreas e as disciplinas, pois esses
compartimentos também são construções. O que era dúvida passou a ser um
interesse teórico, uma oportunidade de refletir sobre algo que talvez não se
desse mais. Trata-se de mais uma confissão: em grande medida, minha
pesquisa sobre temas científicos, e mesmo sobre a filosofia de Nietzsche, tem
um pressuposto nietzschiano. Ele encontra-se explicitado pelo próprio filósofo
no parágrafo 13, da Segunda Dissertação de Genealogia da moral:

Todos os conceitos, nos quais se colige semioticamente um


processo inteiro, esquivam-se à definição: definível é somente
aquilo que não tem história.

Acredito que o presente livro tem exatamente esse espírito. Ele mostra
a construção histórica do conceito de Pré-História e, em conseqüência, sua
multiplicidade de sentidos e seu engajamento na visão de mundo e nos
interesses daqueles que o criavam ou recriavam. A noção de Pré-História e
seus marcos não são dados imediatamente àqueles que se dispõem a estudar
e pesquisar os eventos passados. Eles não estão isolados e ocultos à espera
de serem revelados por um intrépido cientista à la Indiana Jones, mas são
interpretações. Outra faceta nietzschiana: “não há fatos, apenas interpretações”
(fragmento póstumo 7 [60] final 1886-primavera 1887). Isso significa que as
coisas não estão separadas umas das outras, ou seja, que não há um conceito
puro de Pré-História, válido para todas as épocas e todos os lugares, e que não
há marcos claros e distintos. Os conceitos são fenômenos históricos ligados às
suas condições de surgimento, aos pressupostos e ás necessidades de seus
criadores. Justamente por isso, eles podem ser modificados e assumir
significados diferentes.
O professor Agra, de forma muito consistente, liga essas questões ao
contexto do ensino de História. Deveria uma disciplina de Pré-História constar
na grade curricular de um curso superior de História? É a partir dessa reflexão
que o autor percebe – e faz-nos perceber – o quanto a história contemporânea
perpassa o conceito de Pré-História. Assim, o autor “desnaturaliza” essa noção,
mostrando sua construção pelos historiadores positivistas franceses do século
XIX, pelos historiadores da Escola dos Annales do início do século XX e pelos
historiadores dos anos 1960. Surge daí questões muito interessantes que
atingem o âmbito filosófico, como, por exemplo: “Se a pré-história tem início
com o aparecimento da humanidade, a qual espécie devemos atribuir o início
da pré-história?”. Essa questão toca no próprio conceito de humanidade.
Lembrar que, geralmente, chamamos de pré-históricos animais que se
extinguiram muito antes do aparecimento do homem. Já nos perguntamos qual
o significado disso? Enfim, no final do Capítulo I, lemos: “A Pré-História,
portanto, é um combate: combate travado entre vários grupos que almejam
ocupar os espaços autorizados de produção do conhecimento e da história,
confrontando os seus enunciados e visando estabelecê-los como a verdade
sobre o passado remoto da humanidade”. Essa abordagem nos remete tanto à
microfísica do poder de Foucault quanto ao pensamento de Nietzsche.
Os grandes marcos pré-históricos, a “Revolução do Neolítico” (a
sedentarização do homem) e a “Revolução do Paleolítico Superior” (surgimento
da capacidade de simbolização e significação), têm sobre eles lançados o olhar
de suspeita. Essas “revoluções” são também invenções que atendem aos
interesses de seus inventores. Aqui, noções contemporâneas de pensamento,
inteligência e arte entram em jogo. Na conclusão, aparece mais uma faceta
nietzschiana: quem não sabe rir de si próprio não é confiável. No final do livro,
o autor apresenta algumas representações cinematográficas da Pré-História e
reflete sobre seu próprio texto:

Rir, portanto, da pré-história e da crença de que ela foi tal qual


nos apresentam os livros didáticos, os escritos de arqueólogos,
os estudos de pré-historiadores, os documentários, filmes ou
desenhos que vemos na televisão ou em outras mídias
semelhantes. Rir também por acreditar que a pré-história se
deu tal qual apresentei ao longo deste texto. [...] Outros olhares
são possíveis e devem ser produzidos, posto que o meu
discurso, por ser humano, é uma verdade temporária, a minha
“história” é temporária, é perecível, assim como todos os
enunciados produzidos sobre a “pré-história”, venham eles do
ambiente acadêmico ou do meio social, venham produzidos por
arqueólogos, psicólogos ou pré-historiadores, sejam frutos de
documentários ou de filmes de comédia.

Durante todo o livro, o professor Agra mostra como a produção de


conceitos cria significados para o mundo e para nossa existência. Eis algo que
também muito me agradou intelectualmente. Por ser meu objeto de pesquisa
mais constante nos últimos anos, não tenho como escapar de Nietzsche, e, por
isso, volto a ele. Em Da utilidade e da desvantagem da história para a vida, o
filósofo alemão diz haver um limite para o sentido histórico, a partir do qual ele
se torna danoso para a vida. A “cultura histórica” privilegia os acontecimentos e
personagens do passado, o que resulta na desconsideração da efetividade do
presente e, conseqüentemente, na poda das raízes do futuro. Ao exacerbar o
sentido histórico, as coisas não recebem um novo sentido, ou seja, são
mantidas sempre iguais. Eis o prejuízo para a vida: para Nietzsche, o impulso
fundamental da vida é a superação, sendo que a busca apenas da
conservação é sinal de declínio ou decadência. O aprisionamento ao passado,
que impede a realização plena da vida no presente por meio justamente da
superação do passado, ocorre por que não há esquecimento. A desmedida da
história, o acúmulo de conhecimento histórico, degenera a vida. O homem da
“cultura histórica” arrasta consigo, por toda parte, uma quantidade descomunal
de saber que não corresponde a nada: este é um homem cindido pela oposição
entre um interior que não corresponde a nenhum exterior e um exterior que não
corresponde a nenhum interior. A formação com exagero do sentido histórico
não organiza as informações, dá apenas um “verniz” de cultura que recobre um
vazio; enfim, é apenas uma convenção, uma imitação.
A saída é recriar o significado das raízes históricas, fazer com que o
exterior corresponda ou volte a corresponder ao interior ou ao novo interior. Se
ficarmos presos a um passado com caráter absoluto e imutável, estaremos
mortos, pois paralisamos nossas capacidades criativas. Nietzsche, no mesmo
texto, afirma para perguntar: “o atrevimento do pequeno verme humano é o que
há de mais jocoso e de mais hilariante sobre o palco terrestre; mas para que tu,
indivíduo, estás aí?”. Nossa resposta é que estamos aqui para rirmos de
nossas raízes históricas quando elas não nos servirem mais e para dar-lhes
novos significados. E querer fazer isso de novo e sempre. Essa é, para nós, a
arte de viver. E isso é o que ensina, em última análise, o livro do professor
Agra.

Paris, janeiro de 2010


Wilson Antonio Frezzatti Jr.
9

INTRODUÇÃO

“Em algum remoto recanto do universo, que se


deságua fulgurantemente em inumeráveis
sistemas solares, havia uma vez um astro, no qual
animais astuciosos inventaram o conhecimento.
Foi o minuto mais audacioso e hipócrita da
“história universal”: mas, no fim das contas, foi
apenas um minuto. Após alguns respiros da
natureza, o astro congelou-se, e os astuciosos
animais tiveram de morrer. Alguém poderia, desse
modo, inventar uma fábula e ainda assim não teria
ilustrado suficientemente bem quão lastimável,
quão sombrio e efêmero, quão sem rumo e sem
motivo se destaca o intelecto humano no interior
da natureza; houve eternidades em que ele não
estava presente; quando ele tiver passado mais
uma vez, nada terá ocorrido”.
1
Friedrich Nietzsche

O presente texto é fruto de uma relação que se estabeleceu há


pouquíssimo tempo. Faz apenas pouco mais de um ano que, por razões
profissionais, passei a ler textos sobre o período que tradicionalmente é
conhecido como “pré-histórico”. Até então, via com total rejeição a possibilidade
de voltar a ler sobre um tempo que, para os meus interesses enquanto
historiador, voltados aos séculos XIX e XX, nada acrescentaria.
O quão não surpreso fiquei, entretanto, ao perceber que não estava só
nesse pensamento. Tanto alunos quanto professores olham para a “Pré-
história” com uma carga enorme de preconceitos os quais não parecem sequer
dispostos a problematizar. Assim, enunciam, dentre várias outras coisas, que
uma disciplina sobre a Pré-História não deveria sequer constar no currículo de
um curso de História – o que parece não estar efetivamente distante de
acontecer no caso da presente instituição de ensino –, mas deveria ser
relegada ao curso de Arqueologia, posto ela “nada ter a ofertar” a estudantes
de história, interessados em um conhecimento mais “possivelmente verificável”,

1
NIETZSCHE, Friedrich. Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral [trad. Fernando de
Moraes Barros]. São Paulo: Hedra, 2008, p. 25.
10

seja lá o que isto esteja significando em tempos pós-modernos como se quer


crer que vivamos hoje. Até mesmo em reuniões institucionais de historiadores,
debatendo acerca de relações entre disciplinas, Pré-História consegue ser a
única a ser vista como não se relacionando com nenhum outro campo
historiográfico.
Acredito que, com apenas pouco mais de um ano estudando diversos
aspectos relacionados à pré-história, tais preconceitos expostos no parágrafo
anterior que, conforme disse, eram também meus, não deixaram vestígios.
Permiti-me, neste curto tempo, mudar as minhas concepções sobre a disciplina
e as temáticas nela envolvidas, estabelecendo relações que jamais pensei que
fosse poder fazer nesse campo que enxergava como extremamente ortodoxo.
É neste novo contexto que posso me permitir afirmar que a Pré-História
é, acima de qualquer outra coisa, uma história contemporânea. Estudá-la é
estudar os valores que informavam as sociedades que produziram esse
conhecimento. É, portanto, estudar história contemporânea, posto que a noção
de pré-história nasce no século XIX apenas, e não antes disso.
Desta maneira, tudo o que sabemos sobre a pré-história – ou
pensamos saber sobre ela – é, em suma, conhecimento elaborado nos séculos
XIX, XX e início do XXI. Foram os cenários intelectuais que permearam as
ciências desses séculos que estabeleceram os pontos de análise
característicos da produção do conhecimento “pré-histórico”. Se, por exemplo,
a evolução do homem foi vista, no final do século XIX, enquanto uma
progressão linear caracterizada especialmente pelo aumento do tamanho do
cérebro, isto em muito se deveu ao contexto científico da prevalência dos
saberes frenológicos e craniológicos que elegeram o tamanho do cérebro e do
crânio como modelos matemáticos de determinação da normalidade e da
superioridade dos homens2. Por outro lado, se, para os cientistas do século
XIX, a emergência do bipedalismo relacionou-se diretamente à liberação das
mãos para produção de instrumentos, esta leitura da evolução biológica deitava
raízes justamente na influência dos escritos socialistas de Marx e Engels que

2
Cf. DARMON, Pierre. Médicos e assassinos na Belle Époque [trad. Regina Grisse de
Agostino]. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1991.
11

valorizavam acima de tudo o trabalho e a capacidade humana de produzir por


meio das mãos como elementos que diferenciavam o homem do macaco3.
Entretanto, tais concepções mudaram conforme mudou o cenário
intelectual. É assim que, ao longo do século XX, elementos que o século XIX
havia estabelecido enquanto paralelamente promotores da evolução humana
foram revistos e colocados em outros espaços no movimento que levou à
emergência do homem.

Até meados da década de 1970, apostava-se que todo o repertório


que hoje nos diferencia dos grandes símios (leia-se orangotango,
gorila e chimpanzé) tivesse aparecido, mais ou menos ao mesmo
tempo, ainda que em grau incipiente, logo no início de nossa carreira
evolutiva própria. Em outras palavras, meus colegas de poucas
décadas atrás acreditavam que bipedia, capacidade tecnológica e
cérebros grandes já estariam presentes de uma vez só em nossos
primeiros ancestrais, já que se tratam de características muito
marcantes do Homo sapiens.
4
Eles não poderiam estar mais equivocados!

Desta maneira, se, segundo Neves, até a década de 1970 acreditava-


se que o primeiro hominídeo bípede já teria um cérebro relativamente grande e
possuiria capacidade de produzir instrumentos de pedra, a partir daquela
década a grande quantidade de fósseis encontrados levando à invenção e
nomeação de diversas outras espécies de hominídeos diferentes fez tal
enunciado se tornar obsoleto.
Agora, no início do século XXI, a ciência admite que bipedalismo,
cérebro grande e capacidade tecnológica não foram exclusividades do Homo
habilis, há cerca de 2 milhões de anos, nem mesmo que foram eventos
paralelos que possam distinguir e caracterizar uma única espécie. Para o atual
estágio do conhecimento, tem-se que o bipedalismo apareceu a primeira vez
no Sahelanthropus tchadensis, mais antigo fóssil de hominídeo encontrado,
que teria vivido há 7 milhões de anos; a capacidade tecnológica remontaria ao
Australopithecus garhi, há 2,5 milhões de anos; e o aumento considerável do
cérebro teria ocorrido apenas com o Homo habilis, há 2 milhões de anos,

3
Cf. ENGELS, Friedrich. “Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem”.
Domínio Público – biblioteca digital desenvolvida em software livre. Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraDownload.do?select_action=&co_obr
a=2272&co_midia=2. Acesso em: 28 jun. 2009.
4
NEVES, Walter Alves. “E no princípio... era o macaco!”. Estudos Avançados, São Paulo, v.
20, n. 58, 2006, pp. 253.
12

especialmente devido à inclusão em sua dieta de carniça animal – um início


nada honroso para uma humanidade que se construiu por séculos como reflexo
de um deus providencial.
Os supostos acontecimentos da pré-história, desta maneira, nada mais
são do que convenções estabelecidas como verdade em um determinado
tempo e espaço. Convenções que podem ser falseadas com a mudança do
cenário, a descoberta de novos fósseis, a reclassificação de tantos outros, a
invenção de novas espécies para classificar ossos que não se enquadram nas
espécies já inventadas e nomeadas, etc., dando lugar a outros enunciados que
são convencionados enquanto verdade até que sejam novamente falseados e
assim por diante5. Um dos mais recentes exemplos consiste na reclassificação
do homem de Neandertal, antes considerado uma subespécie de Homo
sapiens, nomeado Homo sapiens neanderthalensis, e hoje considerado uma
espécie distinta da do Homo sapiens, nomeado agora tão somente de Homo
neanderthalensis6.
Desta maneira, é com a intenção de promover esse debate,
problematizando, desconstruindo e desnaturalizando as verdades produzidas
sobre esse suposto período inventado e nomeado de “Pré-História” que ofereço
o presente texto. Texto, este, que proponho mais como um ensaio, alguns
primeiros resultados de uma relação cujos fios começaram a ser tecidos
recentemente.
Assim, no primeiro capítulo, trabalho com uma desnaturalização do
próprio conceito de “Pré-História”, historicizando-o para analisar o não-dito no
termo, identificar o lugar social e os interesses que o produziram para minar os
efeitos que ainda hoje tal nomeação acarreta. Proponho, ao longo de todo o
capítulo, uma atitude crítica perante as convenções que estabeleceram uma
verdade sobre esse tempo, informada por uma certa tradição à qual me
referirei por meio do nome da Escola Metódica francesa, mas que é mais
conhecida como escola positivista. Com este primeiro texto, pretendo expor os
fios que costuraram um nome, um termo, um conceito, operando na construção

5
Cf. POPPER, Karl. A Lógica da Pesquisa Científica [trad. Leônidas Hegenberg e Octanny
Silveira da Mota]. 12 ed. São Paulo, Cultrix, 2006.
6
PRESSE, France. "Neandertal e Homo sapiens são efetivamente espécies distintas". Folha
on line. Abril/2004. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u11650.s
html. Acesso em: 30 jul. 2009.
13

de uma realidade que passa a existir enquanto discurso valorativo,


preconceituoso e etnocêntrico, e que é apropriada por certos discursos
contemporâneos na pretensão política de exclusão e classificação da
diferença.
Já no segundo capítulo, analiso como a escrita da Pré-História
produziu dois eventos singulares em tempos e espaços diferentes: a Revolução
do Neolítico, que teria sido responsável pela sedentarização do homem e pela
colonização da natureza, e a Revolução do Paleolítico Superior, que teria sido
responsável pela emergência da criatividade e da capacidade de significação.
Proponho a leitura de ambos os momentos partindo justamente dos cenários
intelectuais que produziram cada um desses “eventos”, investigando como o
contexto intelectual que inventou a Revolução do Neolítico, no início do século
XX, preocupado acima de tudo com a busca por um conhecimento objetivo e
político, opunha-se completamente ao contexto do final do século XX, mais
voltado à busca de conhecimentos subjetivos e culturais.
Em ambos os capítulos, de maneira geral, trabalho com a idéia de
ruptura, ao analisar como uma forma de produzir conhecimento científico que
vinha desde o século XIX passou a ceder espaço para a emergência de um
novo modelo de produção, que começou a se instaurar por volta da década de
1960, já sendo sentida no espaço da arqueologia na década seguinte,
conforme constatou Walter Neves.
É, portanto, para a década de 1960 que devo recorrer para demonstrar
a alteração do cenário de produção do conhecimento que se estabelece e
promove as condições de possibilidade para a crítica mais enfática ao conceito,
discutida no primeiro capítulo, bem como para a emergência dos estudos sobre
as origens da criatividade no homem, conforme demonstro no segundo
capítulo.
Para poder construir esse meu espaço de discussão, precisei buscar
apoio em autores das mais diversas áreas, da história à arqueologia, passando
pela filosofia, psicologia cognitiva, psicologia evolutiva, arqueologia cognitiva,
biologia evolucionista, dentre outras.
Nietzsche e Foucault, por exemplo, informam várias linhas deste
ensaio, nem tanto pelo conteúdo do que escreveram, mas mais enquanto
ferramentas metodológicas que me autorizam a apropriação de certos
14

enunciados, oriundos dos vários campos científicos, para poder lê-los


diferentemente.
É, portanto, lendo especial, mas não exclusivamente, com Foucault e
com Nietzsche que me aproprio especialmente dos textos de Steven Mithen,
Richard Dawkins, Steven Pinker, Stephen Jay Gould, Pedro Paulo Funari e
Walter Alves Neves, entrelaçando-os, estabelecendo aproximações e
distanciamentos, construindo novas relações, produzindo novos significados –
inventando, assim, uma nova “pré-história”.
15

CAPÍTULO I:

A fabricação de um conceito

A pré-história é uma invenção. Quando falo em “invenção”, estou me


apropriando de um termo que tem sido muito utilizado na História e em outras
ciências humanas nas últimas décadas, que denota o caráter laborativo do
conceito, a “dimensão genética das práticas humanas”1, segundo uma
abordagem genealógica do saber. “Invenção” no sentido de ter sido produzida,
elaborada, fabricada em algum momento e lugar históricos e, desta maneira,
ser historicizável.

Esta expressão remete a uma temporalização dos eventos, dos


objetos e dos sujeitos, podendo se referir tanto à busca de um dado
momento de fundação ou de origem, como a um momento de
emergência, fabricação ou instituição de algo que surge como novo.
O termo invenção, portanto, também remete a uma dada ruptura, a
uma dada cesura ou a um momento inaugural de alguma prática, de
2
algum costume, de alguma concepção, de algum evento humano .

Quando afirmo que a pré-história foi inventada, portanto, estou dizendo


que o recorte temporal o qual costumeiramente chamamos de “pré-história”
nem sempre foi conhecido dessa maneira. Estou também afirmando que o
termo “pré-história”, longe de ser um conceito natural, pré-existente ao homem,
dado o momento a que se refere, consiste, em verdade, em um conceito

1
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado. Bauru,
SP: Edusc, 2007, p. 19. Para uma relação de obras acadêmicas que trabalharam com o tema
sobre invenção, conferir a primeira nota de rodapé do texto, nas páginas 36 e 37, onde o
autor enumera por volta de trinta e duas obras contendo o termo no título ou no subtítulo.
2
Ibid., p. 19-20.
16

inventado tardiamente, bem posterior aos eventos que pretende relatar. Desta
maneira, estou afirmando que o conceito é elaborado segundo uma convenção
humana, e não segundo uma lógica natural. Não pré-existe ao homem, mas é
produto de sua laboração.
Quando afirmo isto, estou dizendo que é apenas em um determinado
momento, fundado sob uma determinada racionalidade, que se fabricou o
conceito de “pré-história” para se referir a um tempo e a pessoas que ou
viveram nesse tempo, ou viveram em outros tempos mas como se naquele
vivessem.
A pré-história foi inventada pelos historiadores da Escola Metódica
francesa do século XIX, a chamada escola positivista da história3. Na
pretensão de tornar o conhecimento histórico uma ciência, distanciando-o das
abordagens mais filosóficas, os metódicos pretenderam “revelar” as “leis” que
regiam as sociedades, aplicando, desta maneira, à história, um modelo de
produção científica oriundo das ciências naturais desde pelo menos o século
XVI. Tal modelo de produção científica, o chamado paradigma dominante,
baseava-se na observação, na descrição e na sistematização dos eventos da
natureza, submetendo-os a uma determinada racionalidade que tinha como
pretensão central a redução dos elementos do mundo a um conhecimento
objetivo por meio da quantificação4. Era reduzindo a “realidade” do mundo a
números e dados empiricamente verificáveis que os cientistas pensavam ser
capazes de conhecer as leis que o regiam e, assim, ordená-lo e normatizá-lo
de acordo com esse conhecimento.
Se até o século XVIII esse modelo científico, cartesiano e newtoniano,
informou a produção do conhecimento nas chamadas ciências naturais –
Química, Física, Biologia, Matemática, Geometria, etc. –, foi no século XIX que
outros ramos do conhecimento galgaram o status científico e, para isto, tiveram
que adequar suas falas ao paradigma de produção vigente no campo. Refiro-
me à Antropologia, à Geografia, à Sociologia e, especialmente, à História que
pretenderam, lançando olhares para as sociedades humanas, descobrir as leis

3
Cf. REIS, José Carlos. A história entre a filosofia e a ciência. 3 ed. Belo Horizonte:
Autêntica, 2006.
4
Cf. SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. Porto, PT:
Afrontamento, 1998.
17

e regras que as regiam, aplicando, desta maneira, a racionalidade cartesiana


pautada na observação, na descrição e na sistematização aos eventos das
sociedades.
Foi essa leitura do social baseada no paradigma dominante nas
ciências naturais que levou a que as novas ciências dos oitocentos, chamadas
de Física Social, analisassem as sociedades humanas a partir de enunciados
importados de outras ciências. Como exemplo maior, a apropriação da idéia de
evolução biológica das espécies por meio da seleção natural e da
sobrevivência do mais adaptado, elaborada na Biologia, passou também a
informar a leitura sobre as sociedades humanas, gestando o Darwinismo Social
de Herbert Spencer5, e levou à classificação de tais sociedades em supostos
estágios evolutivos diferenciados – na escola Evolucionista da Antropologia,
nos estágios de selvageria, barbárie e civilização6; no Positivismo de August
Comte, nos estágios teológico, metafísico e positivo7.
Foi nesse contexto que emergiu a História enquanto ciência. Os
historiadores da Escola Metódica francesa foram responsáveis por adequar a
produção do conhecimento histórico ao paradigma científico e, principalmente,
por estabelecer as regras e os procedimentos do campo historiográfico. Isso
incluiu, dentre outras coisas, definir o objeto de estudo da nova ciência, bem
como a abordagem que deveria ser aplicada àquilo que se chamou de “fontes”.
Os metódicos, por meio da operacionalização científica sobre tais fontes,
pretendiam conseguir revelar a “verdade do passado”, contá-lo como ele
“realmente aconteceu” por meio de um discurso científico que buscava a
produção de um conhecimento supostamente “objetivo” e “imparcial”.
Essa objetividade e imparcialidade do conhecimento histórico-científico
só podia ser encontrada, segundo tal corrente, pela abordagem à mais
confiável fonte de acesso ao passado: os documentos escritos oficiais, ou seja,
as fontes escritas produzidas e legitimadas pelo Estado ou por órgãos ligados a
ele. O papel do historiador era o de produzir um texto que fizesse falar esses

5
Cf. DOMINGUES, Heloisa Maria Bertol; SÁ, Magali Romero; GLICK, Thomas (orgs.). A
recepção do darwinismo no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003 [História e Saúde]
6
Cf. LARAIA, Roque de Barros. Cultura – um conceito antropológico. 23 ed. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2009; REIS, 2006.
7
Cf. BRAGA, Marcos; GUERRA, Andréia et REIS, José Cláudio. Breve história da ciência
moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008 [Vol. 4: A belle epoque da ciência].
18

documentos, que unisse todos os fatos aí presentes a fim de contar a verdade


sobre o passado. O documento, para a Escola Metódica, aparecia enquanto
fonte segura de acesso ao passado, enquanto registro confiável dos fatos
históricos. Sua confiabilidade se baseava na perenidade da palavra escrita e na
aposição de uma escrita de Estado legitimando tal documento.
A escrita, desta maneira, aparecia para a Escola Metódica enquanto
centro em torno do qual gravitava a segurança das informações que os
historiadores recolhiam nos documentos. Pretendendo contar a história de
maneira objetiva e imparcial, os historiadores viam nos documentos escritos
produzidos pelo ente responsável pela segurança das relações sociais o
necessário distanciamento para tal8.
Desta maneira, a história contada pelo metódicos consistiu na
produção de narrativas de cunho político sobre a origem, a construção e a
consolidação do próprio Estado, visto o acesso a esse passado ter se dado
justamente por meio dos documentos oficiais, que, de maneira geral,
representavam a própria memória do Estado. Por sua vez, os personagens que
desfilavam por essas histórias eram aqueles que, de alguma maneira, haviam
sido responsáveis pela sua construção, merecendo o lugar de “grandes heróis
nacionais”.
Assim, se para os metódicos a única via de acesso ao passado se
dava por meio de documentos escritos oficiais, sociedades que não produziram
esse tipo de fonte, fosse por não possuírem a figura do ente estatal, fosse por
não possuírem uma escrita reconhecível, não poderiam ter sua história
contada. Faltavam-lhes as fontes que dessem acesso ao seu passado e,
assim, careciam da substância básica para recuperar suas histórias.
A história, portanto, só poderia ser contada se os homens do passado
houvessem produzido documentos escritos sobre si em que registrassem os
fatos importantes para as suas sociedades. Se tais fontes não existissem, a

8
Lembro, neste momento, que a escola Metódica esteve indissoluvelmente ligada ao Estado
em sua faceta liberal e, portanto, via-o enquanto o ente responsável pela segurança das
relações sociais, conforme havia sido estabelecido por pensadores do Iluminismo, como
Rousseau e Montesquieu. Foi justamente essa segurança, que tinha como fundamentos a
manutenção dos acordos, a proteção à propriedade privada, a dissolução dos conflitos e o
monopólio da força, que levou o Estado a ser considerado como protetor e guardião da
sociedade, e que levou também à confiança nas informações prestadas ou legitimadas por
sua escrita.
19

história não seria recuperável. A escrita, desta maneira, marcou, para os


metódicos, a possibilidade de narrar a história cientificamente. Foi com esse
pensamento que a própria Escola Metódica formulou a idéia de que as
sociedades que não possuíram maneiras de produzir as fontes históricas eram
sociedades pré-históricas. Foi nesse momento que a pré-história nasceu
enquanto conceito9.
A Pré-História, portanto, foi inventada pelos metódicos do século XIX
para representar um determinado período do passado da humanidade em que
a escrita ainda não havia sido elaborada. Assim, compreendia desde o
“passado mais remoto da humanidade, desde seu surgimento até o
aparecimento da escrita” (sic)10, no Egito e na Mesopotâmia, cerca de 6 a 4 mil
anos AP11.
Entretanto, o termo é altamente criticado pelas pesquisas
desenvolvidas ao longo do século XX. Por um lado, por considerar que o único
meio de acesso à história dos povos seja através de documentos escritos – de
extrema importância para esta crítica exerceu a Escola dos Annales a partir da
década de 1920, mas especialmente a partir da década de 1960 com a
“revolução documental” da Terceira Geração, ampliando a noção de fonte
histórica a todos os elementos da produção cultural humana, abandonando a
hierarquização do documento escrito como a mais legítima possibilidade,
senão a única, de acesso ao passado12. Desta maneira, a história dos povos

9
Discordo, portanto, de análises que afirmam que “a idéia de que as sociedade ágrafas, ou
seja, sociedades sem escrita, não teriam história nasceu com a vertente positivista da
historiografia ocidental do século XIX” (SILVA, Kalina Vanderlei et SILVA Maciel Henrique.
“Pré-história”. In: Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2005, p. 343). A
meu ver, isto é uma maneira simplista demais de abordar a vertente metódica. O que eles
negam não é a existência da história das sociedades sem escrita, mas a possibilidade de
essa história ser recuperada na inexistência de documentos escritos que, conforme visto,
consistiam no liame estabelecido entre presente e passado da sociedade. A história existia,
sim, mas sem fontes, ela não poderia ser acessada e, portanto, não seria recuperável.
10
Cf. SILVA et SILVA, 2005, p. 342.
11
Utilizo, ao longo de todo este texto, para datas muito anteriores, o formato “AP”, ou seja,
“antes do tempo presente”, e não mais “a.C.”, conforme a datação cristã, já há algum tempo
abandonada pelos estudos arqueológicos. O marco zero da periodização AP, segundo
convencionado pela comunidade científica internacional, é o ano de 1950, devido ao
desenvolvimento do teste de carbono-14, utilizado para datar grande quantidade de vestígios
fósseis, arqueológicos e paleontológicos, encontrados nas últimas décadas (NEVES, Walter
Alves. “Pioneiros da América”. História Viva, São Paulo, ano VI, n. 62, p. 40-45, dez/2008
[Dossiê Primeiros Humanos]).
12
Cf. BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da
Historiografia. São Paulo: UNESP, 1997.
20

tornou-se acessível através de outros elementos de produção humana, tais


como pinturas, gravuras, esculturas, instrumentos de caça e de coleta, adornos
pessoais, etc., não fazendo mais sentido falar-se na escrita como marco
fundador da história. O documento escrito, desta maneira, deixou de sobrepor-
se às demais fontes de investigação, deixou de conter a verdade, de ser o
discurso mais legítimo, tornando-se tão somente mais uma fonte,
hierarquicamente igual a tantas outras.
Por outro lado, ressalta-se a crítica em considerar-se a história por
meio de períodos que se sucedem linearmente no tempo, cujos marcos se
baseiam em eventos políticos do chamado Velho Mundo. Conforme já
explicitado, essa leitura da história vinha justamente em acordo com a própria
concepção de ciência que informava os conhecimentos sobre o social no
século XIX, uma leitura linear, acontecimental, de causas e conseqüências.
Assim, a linha temporal do processo histórico formulada pelos
metódicos estabelecia datas e lugares fixos para o início e o final de cada
período, tendo como marcos fundadores eventos políticos. Desta maneira,
sucediam-se: a Idade Antiga, que se estenderia da invenção da escrita, por
volta de 6 mil anos AP, até a queda do Império Romano do Ocidente, em 476;
a Idade Medieval, que teria iniciado no século V e perdurado até a queda do
Império Bizantino, em 1453; a Idade Moderna, iniciada no século XV e
finalizada em 1789 com a Revolução Francesa; e, finalmente, a Idade
Contemporânea, iniciada no final do século XVIII e que perduraria ainda nos
dias de hoje. Todos esses marcos, para os metódicos, representavam eventos
de importância universal, instauradores de uma nova ordem mundial e,
portanto, de um novo período histórico.
A crítica a essas nomeações e periodizações fixas, baseadas em datas
e acontecimentos políticos, é quase tão antiga quanto a própria proposta
metódica, conforme pode ser constatado na proposta materialista ainda do
século XIX, baseada nas formas de produção econômica e nas relações de
exploração entre os homens, estabelecendo novos marcos para a transição de
períodos históricos13. Acentuou-se, entretanto, no século XX, com o advento de
novos referenciais para se estudar o movimento da história, muitos oriundos do
13
Cf. REIS, 2006.
21

próprio seio dos Annales, propondo análises a partir de estruturas mais gerais,
tais como as econômicas, culturais, religiosas, ou mesmo políticas, informando
autores como Fernand Braudel, Philippe Ariès, Jacques Le Goff, Geoffrey
Barraclough e Eric Hobsbawm, cujos estudos extrapolaram as periodizações
tradicionais e produziram conceitos tais como “longo século XVI”, “longa Idade
Média”, “breve século XX”, dentre outros14.
O lugar estabelecido para a pré-história, neste ínterim, seria o de
anteceder o período histórico propriamente dito. Nas etapas sucessivas de
idades, a pré-histórica estaria no início dos tempos, no início da humanidade,
precederia a Idade Antiga. O uso do termo “pré”, portanto, dá idéia de uma
leitura linear dos tempos, conforme a sucessão de idades estabelecida pelo
conhecimento científico do século XIX. Expressa também a construção de um
tempo a partir de uma leitura que lhe é posterior, de um tempo que é
construído apenas em função daquele que lhe sucede. Afinal, qual seria a
validade de um termo como “pré-história” se não houvesse o termo “história”?
Desta maneira, a “pré-história” acabou sendo construída não enquanto um
tempo com legitimidade própria de existir por si mesmo, mas tão somente
enquanto um tempo que antecedeu a história.
Assim, o tempo vivido anterior à invenção da escrita foi nomeado e,
muitas vezes, estudado a contrapelo, em função não daquilo que ele
supostamente foi, mas em função daquilo que ele supostamente não foi: ele
não produziu a escrita, ele não instituiu Estados, ele foi uma “não-história”15. O
etnocentrismo do pesquisador, elemento condenado nos estudos sobre as
sociedades desde o início do século XX na Antropologia e mais recentemente

14
Cf. ARIÈS, Philippe. História da morte no Ocidente da Idade Média aos nossos dias [trad.
Priscila Viana de Siqueira]. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003; BARRACLOUGH, Geoffrey.
Introdução à história contemporânea [trad. Álvaro Cabral]. 5 ed. Rio de Janeiro: Zahar,
1983; BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na época de Felipe
II. São Paulo: Martins Fontes, 1983; HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. O breve século
XX: 1914-1991. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003; LE GOFF, Jacques. Uma
longa Idade Média [trad. Marcos de Castro]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
15
Nesta linha de pensamento, interessante é a leitura de Pierre Clastres ao enunciar, por meio
da experiência com povos tribais da América do Sul, que o Estado é figura prescindível da
vida em sociedade, podendo, esta, solucionar seus litígios por outros meios que não a
invenção dessa entidade abstrata tão exaltada pelo pensamento moderno (Cf. CLASTRES,
Pierre. A sociedade contra o Estado – pesquisas de antropologia política. São Paulo: Cosac
Naify, 2003). Confira também, com este mesmo raciocínio, ROCHA, José Manuel de
Sacadura. Antropologia jurídica – para uma filosofia antropológica do Direito. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2008.
22

na própria História, em favor do relativismo cultural, continua aparecendo


fortemente já na própria nomenclatura inventada para se referir às sociedade
ágrafas.
Estudar uma sociedade pelo que ela supostamente não foi consiste
exatamente em uma postura que os conhecimentos sobre a sociedade
adotaram quando se tornaram ciências no século XIX e que paulatinamente
foram abandonando ao longo do século XX por enxergarem que tal postura
apenas fazia com que as leituras produzidas sobre o outro fossem leituras
estigmatizantes, preconceituosas, que não permitiam ver o outro pelo olhar
dele próprio, mas que o classificavam pelo olhar do pesquisador. Segundo a
concepção adotada no século XIX, o cientista deveria se distanciar o máximo
possível de seu objeto para ser capaz de estabelecer um enunciado científico
sobre ele. A objetividade só seria possível se o objeto fosse analisado de
maneira “neutra”, implicando isto na total separação entre objeto e
pesquisador, a fim de que este não fosse “contaminado” por aquele, o que
poderia levá-lo a estabelecer uma leitura repleta de paixões que interfeririam na
busca por um conhecimento científico. O olhar científico, desta maneira,
deveria ser panorâmico, numa escala geral, global, distanciado do seu objeto
para não se corromper com as subjetividades que dele pudessem advir. Isto
consistia exatamente numa atitude científica, destinada apenas àqueles com o
espírito preparado para tal16.
Entretanto, se o afastamento entre pesquisador e objeto tinha por
pretensão levar àquele a objetividade necessária para a atividade científica, fez
também com que o conhecimento produzido por essa atitude fosse um saber
perpassado pelos próprios valores do pesquisador, valores que consideravam
a ciência a única forma verdadeira de conhecimento e deslegitimavam todas e
quaisquer outras maneiras de produzir saber, classificando-as como inferiores
e enganosas. Como conseqüência, as diversas sociedades que produziam
discursos não-científicos de explicação do mundo eram qualificadas como

16
Cf. BACHELARD, Gaston. A Formação do Espírito Científico: contribuição para uma
psicanálise do conhecimento [trad. Estela dos Santos Abreu]. 6 ed. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2005, 315p.
23

“menos evoluídas” nas diversas linhas evolutivas que eram formuladas pelas
ciências sociais, conforme já anteriormente visto.
A atitude científica do século XIX, portanto, na pretensão de obter um
conhecimento mais objetivo sobre o seu objeto, acabou produzindo o próprio
objeto a partir das lentes dos pesquisadores. Na medida em que pensavam
estar meramente descrevendo objetivamente as sociedades e comunidades
que não escreviam relatos sobre si próprias, os cientistas estavam
interpretando o cotidiano de tais sujeitos a partir de um lugar, que era o de
pesquisadores que pensavam ser a ciência e o método científico os degraus
mais altos da evolução do pensamento humano. Desta maneira, esses
cientistas narraram as vidas de tais sociedades olhando de cima, um olhar que
se instituía enquanto superior, civilizado. Quando “descreviam” as práticas
sociais, estavam, de fato, lendo-as a partir de seus lugares. Estavam aplicando
os seus valores a sociedades que professavam outros valores, que praticavam
o cotidiano informadas por outros lugares. Tais pesquisadores, portanto, ao
descreverem seus objetos de estudo, estavam, em verdade, inventando tal
objeto17.
Tal leitura, entretanto, trazia consigo diversos problemas de ordem
prática. Primeiro, se há que se considerar a pré-história enquanto um período
anterior à história, que teria terminado quando da invenção da escrita há 6 ou 4
mil anos, então como enxergar a existência de povos que não elaboraram a
escrita posteriormente a tal data? Tem-se, por exemplo, como convenção o
enunciado que afirma que a pré-história no chamado Novo Mundo apenas
terminou quando da chegada dos portugueses e espanhóis no século XV, que
trouxeram consigo a escrita e, portanto, a história. Afirma-se que certos povos,
ainda nos dias de hoje, vivem na pré-história justamente por não terem
desenvolvido a escrita. Desta maneira, enquanto para os europeus a pré-

17
Interessante aqui ressaltar a crítica que Foucault faz a essa produção que o cientista faz de
seu objeto, atitude que não apenas fica restrita ao tratamento sobre a produção do
conhecimento, mas que, de maneira geral, ressoa nas práticas realizadas em nome da
ciência, legitimadas pela produção do conhecimento, tais como as práticas psiquiátricas que
inventam os corpos e os sintomas dos loucos ao nomearem-no e classificarem-no sob a “luz”
da ciência (Cf. FOUCAULT, Michel. O poder psiquiátrico [trad. Eduardo Brandão]. São
Paulo: Martins Fontes, 2006).
24

história terminou há 6 ou 4 mil anos, para alguns povos ela ainda persiste.
Como interpretar essa multiplicidade de tempos em que vivem as sociedades?
Simplesmente, partindo dessa premissa, enxergo como a pré-história
não pode ser vista enquanto um “período” ou uma “idade” de pretensão
universal como pretendiam os metódicos, mas que ela consiste em um
conceito que visa identificar a relação cultural que certos grupos estabelecem
com a forma escrita de gravar informações em um determinado suporte
material. Se essa relação existiu, então não há que se falar em pré-história,
mas em história propriamente dita; se não existiu, então os grupos serão
considerados “pré-históricos”, tenham eles existido milênios atrás ou sejam
eles contemporâneos nossos.
Novamente, portanto, vejo como o conceito trabalha a contrapelo: não
representa aquilo que uma sociedade foi, mas o que ela não foi. E considerar a
escrita como elemento diferenciador é justamente exaltar um único elemento
da cultura como instaurador de uma diferenciação estabelecida pela própria
ciência. Hoje se sabe que as sociedades legaram diversas maneiras de
investigação de seu passado por meio da produção da cultura material,
podendo até mesmo a ciência investigar elementos da cultura imaterial a partir
da formulação de hipóteses as mais diversas sobre as maneiras de ver e ler o
mundo daqueles homens. De todos esses elementos sobre os quais se pode
debruçar para investigar tais povos, a escrita é tão somente um deles, e nem
mesmo o mais importante para essas próprias comunidades, já que foi um
elemento que sequer nasceu com pretensões de registrar histórias e cotidiano
de seus inventores, mas teve como berço o comércio e o registro de
mercadorias, numa possível pretensão de propiciar maior segurança para as
relações econômicas18. Se, portanto, foi em nome da segurança dessas
relações que os sumérios passaram a registrar as atividades comerciais e
agrícolas em placas de barro por meio da escrita cuneiforme há milhares de
anos, foi também em nome da segurança da produção do conhecimento

18
JEAN, Georges. A escrita – memória dos homens [trad. Lídia da Motta Amaral]. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2008, 160p. [Coleção Descobertas]
25

científico que os registros escritos foram considerados a fonte privilegiada para


a escrita da história pelos metódicos do século XIX19.
O problema reside justamente na elaboração do conceito tomando
como base um elemento cultural específico que nem todas as culturas
produziram e que diversas culturas desenvolveram diferentemente. A escrita
cuneiforme, como já afirmei, foi um elemento produzido por uma determinada
sociedade com um determinado fim. Outras sociedades desenvolveram,
contemporânea, anterior ou mesmo posteriormente aos sumérios, outras
formas de escrita, radicalmente distintas da cuneiforme. O que parece importar,
entretanto, não é a maneira como a escrita é produzida, mas a possibilidade de
que ela seja compreensível aos demais, posto que, caso não seja, não haverá
comunicação. Se a escrita consiste, para os metódicos, justamente na maneira
de acessar o passado e a cultura dos povos, em não sendo essa escrita
reconhecível, então não haverá acesso e, portanto, não haverá comunicação.
Que não se enganem os estudiosos pensando que os hieróglifos eram vistos
enquanto escrita egípcia antes da descoberta da Pedra de Roseta em 1799,
em que constavam os símbolos gráficos representativos da escrita egípcia
traduzidas para as línguas demótica e grega. Apenas a partir dessa descoberta
foi que se pôde adentrar o mundo cultural da escrita do Antigo Egito e perceber
que aqueles vários e diversos pequenos desenhos de pessoas, animais e
coisas eram, de fato, elementos de uma linguagem oral inscritos em um
suporte como símbolos gráficos. Foi apenas a partir daí que se reconheceu
uma escrita antiga para o Egito.
A leitura, portanto, de que a pré-história não consiste em um período
datável, mas consiste numa relação de um certo grupo humano com a escrita
enquanto elemento cultural, leva a que se veja a pré-história ainda existindo
nos dias de hoje em grupos que desconhecem a escrita e vivem de tradições
orais. Enquanto, portanto, majoritariamente as civilizações atuais viveriam na
Idade Contemporânea, em tempos “pós-modernos”, alguns grupos menores,
chamados de “sociedades primárias” ou “sociedades simples”, viveriam ainda

19
Para considerações sobre a construção da sociedade moderna pautada na escritura e na
segurança que esta fornece em contraposição à desconfiança da oralidade, cf.
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. “As dobras do dizer: da (im)possibilidade da
história oral”. In: ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007, p. 229-234.
26

na pré-história20. O problema desta assertiva reside exatamente no que falei


parágrafos atrás: ao afirmar isto, a ciência está repisando sua postura do
século XIX e início do XX, que consistia em classificar as sociedades em
etapas evolutivas, com algumas mais avançadas e evoluídas do que outras. E,
de uma ou de outra maneira, faça-se a crítica que se fizer, a manutenção do
termo “pré-história” para análise das sociedades, de acordo com o que analisei
até o presente momento, consiste, sim, numa atitude preconceituosa,
estigmatizante, evolutiva e etnocêntrica.
Partindo de uma atitude científica mais contemporânea, mais próxima
das discussões da antropologia da segunda metade do século XX, os homens
que viveram no período a que os metódicos chamaram de “pré-história” devem,
portanto, ser estudados pelo que eles supostamente foram ou realizaram, pelas
maneiras como eles viviam, como praticavam o seu cotidiano, como viam e
interpretavam, como davam sentido e significavam o mundo ao seu redor,
atitude, esta, que implica em uma série de relações entre as diversas
disciplinas que possam contribuir a dizer algo de como eram as vidas desses
homens que viveram séculos antes do nosso tempo, e sobre os quais o que
restou foram fósseis, instrumentos de caça, pinturas, gravuras, esculturas,
dentes e DNA.
Outra questão, aparentemente não discutida e problematizada pela
literatura sobre este período, impõe-se: se o fim da pré-história é extremamente
controverso, posto que as diversas sociedades inventaram a sua escrita em
momentos históricos completamente diferentes e distantes uns dos outros, o
que dizer de seu início? Quando e onde teria começado a pré-história?
Recorro novamente às definições apresentadas por alguns autores que
parecem não ter sido reelaboradas nas últimas décadas. Desta maneira, a Pré-
História era definida, no final da década de 1980, como sendo

a ciência cujo objetivo é conhecer os acontecimentos ocorridos com a


humanidade, ou que sobre ela influíram, no longo período que
medeia entre o aparecimento sobre a Terra de hominídeos dotados
21
de cultura e a descoberta da escrita pelo homem

20
Cf. ROCHA, 2008.
21
ENCICLOPÉDIA BARSA. Rio de Janeiro, São Paulo: Encyclopaedia Britannica do Brasil
Publicações Ltda., 1987, p. 487 [vol. 12] (grifo meu).
27

Em meados da década de 1990, livros didáticos de História a definiam


como “o período compreendido entre o aparecimento dos primeiros homínidas,
há mais ou menos 3 milhões de anos, e os primeiros registros escritos,
datados, mais ou menos, de 4500 a.C.”22, e como “o período registrado desde
o aparecimento do homem na Terra até a invenção da escrita”23. Já do novo
milênio, cito duas definições, uma trazida por uma obra acadêmica e a outra
extraída de um livro didático. A primeira, de 2006, que já citei no início deste
capítulo, afirma que “pré-história é o campo de estudos do passado mais
remoto da humanidade, desde seu surgimento até o aparecimento da
escrita”24. Já na segunda, de 2007, escrita por um professor especialista na
área, lê-se que “Pré-História é uma área do conhecimento que visa estudar a
evolução do ser humano no período em que não há escrita”25.
Lendo todas essas definições e buscando nelas o momento em que a
pré-história teria se iniciado, não se vêem contradições: de maneira geral,
parece consenso na academia que a pré-história tem início com o
aparecimento do homem. A presença humana é constante em todas as
definições que se fizer de pré-história. Seja entendida enquanto um período,
conforme os didáticos da década de 90, seja entendida enquanto um campo de
produção do conhecimento sobre aquele período, conforme as definições aqui
trazidas da década de 80 e dos anos 2000, na definição de pré-história a
presença humana é indispensável. E não poderia ser diferente, já que pré-
história, conforme analisei, nasce como antecessora da história, e esta própria
consiste numa análise envolvendo o homem e suas produções materiais e
imateriais.
Assim, parece consolidado na academia que a Pré-História, enquanto
um campo de conhecimento, tem como objeto de estudo um período, chamado

22
CÁCERES, Florival. História Geral. 4 ed. São Paulo: Moderna, 1996, p. 12 (grifo meu).
23
MOTA, Myriam Becho; BRAICK, Patrícia Ramos. História das cavernas ao Terceiro
Milênio. São Paulo: Moderna, 1997, p. 04 (grifo meu).
24
SILVA et SILVA, 2006, p. 342 (grifo meu).
25
MELO, Josemir Camilo de. “A pré-história da Paraíba”. In: SOUZA, Antonio Clarindo Barbosa
de et al. História da Paraíba. Campina Grande, PB: EDUFCG, 2007, p. 15 (grifo meu). Sobre
a relação de Melo com a disciplina Pré-História, confira o texto de sua autoria que prefacia a
obra AZEVEDO, Carlos Alberto. Arqueologia – estudos & pesquisas. João Pessoa: Idéia,
2008.
28

pré-histórico, que teria como início o aparecimento do homem ou da


humanidade sobre a superfície da Terra. Se não se enxerga muita divergência
entre os autores no tocante ao início da pré-história, observa-se que, devido ao
desenvolvimento do conhecimento científico, tais definições apresentam, sim,
questões problematizáveis. O enunciado continua o mesmo, mas o conteúdo
que ele representa se modificou radicalmente. Se a pré-história teve início com
o aparecimento do homem sobre a Terra, resta perguntar: há quanto tempo
isso aconteceu? Ao longo dos séculos XIX, quando o conceito foi formulado, e
XX as respostas para essa pergunta foram sendo reformuladas
constantemente.
Identificar quando o homem surgiu na Terra era fácil para os homens
do início do século XIX. A resposta, tanto dos populares quanto dos cientistas
seria a mesma: o homem surgiu na Terra no sexto dia da criação, que teria
ocorrido, segundo alguns cálculos, por volta de 4 a 5 mil anos a.C., ou seja, há
seis ou sete mil anos26. Assim, a pré-história se estenderia do sexto dia bíblico,
momento em que Deus teria criado tanto os homens quanto os demais animais
terrestres, até a invenção da escrita, ou seja, o recorte pré-histórico seria mais
ou menos de 7.000 AP a 4.000 AP. Falar em pré-história, portanto, era falar
das ações do homem sobre a natureza conforme desígnios divinos, falando
também de tudo o que o rodeava, até mesmo de dinossauros, pois, segundo
essa visão, que ainda persiste hoje nos criacionistas da Terra jovem,
dinossauros e homens teriam coabitado a Terra27.
Essa visão foi reformulada em meados do século XIX, especialmente
com o impacto da publicação de A Origem das Espécies, de Charles Darwin.
Até o final do século, a visão criacionista iria paulatinamente ser abandonada
em nome da visão evolucionista que enunciava uma longa e lenta evolução dos
seres vivos a partir de um ancestral comum. A leitura dos tempos da Terra a

26
HAFF, Günter. “Tese 1: Deus criou a terra e o homem”. In: A origem da humanidade – a
maravilhosa história da criação do homem. São Paulo: Círculo do Livro/ Livros Abril, 1979, p.
08; MORAIS, Jomar. “O desenho inteligente”. Superinteressante, ed. 177, São Paulo: Abril,
Junho/2002, pp. 95-99.
27
Para mais detalhes sobre o criacionismo no Brasil, confira a homepage oficial da Sociedade
Criacionista Brasileira, no endereço http://www.scb.org.br/, cujo mais recente encontro, o 6º
Seminário “A Filosofia das Origens”, em que foram reafirmadas várias postulações do
criacionismo clássico, dentre eles a juventude da Terra, ocorreu na cidade de Campina
Grande, Paraíba, em outubro de 2008.
29

partir de uma abordagem evolucionista levou a que os cientistas refizessem


seus cálculos e chegassem mais recentemente à conclusão de que a idade do
planeta era, não 6 ou 7 mil anos, mas 4,56 bilhões de anos. De todo esse
tempo, a vida só teria começado a se formar há cerca de 3,5 bilhões de anos,
que seriam ainda seres procariontes simples de reprodução assexuada. Dali
para a formação de seres mais complexos, milhões e milhões de anos foram
necessários.
No que o evolucionismo influi na leitura sobre o início da pré-história? A
primeira implicação, e a de mais simples resolução, consiste em perceber que,
segundo o que a ciência passou a enunciar no século XX, os seres vivos, os
terrestres especificamente, foram formados em momentos diferentes, e não no
mesmo “dia”, conforme o criacionismo defendia e defende. Desta maneira,
algumas espécies de animais não coexistiram com outras. O exemplo mais
clássico e gritante é a convivência entre humanos e dinossauros. Segundo o
atual estágio de nosso conhecimento científico, os dinossauros foram extintos
há cerca de 65 milhões de anos, época em que os mais remotos antepassados
do homem ainda eram pequenos seres mamíferos, peludos e arborícolas
parecidos com os prossímios de nossos dias. O homem só entraria em cena
quase 60 milhões de anos depois da extinção dos grandes dinossauros,
portanto, a convivência entre eles é real tão apenas nas telas de cinema e nas
cabeças dos criacionistas. A pré-história, portanto, não abrangeria todo o
tempo anterior à produção da escrita pelo homem, mas somente aquele a partir
do surgimento do ser humano. Portanto, dinossauros não teriam vivido na pré-
história, visto que o homem ainda não existia.
O problema é que autores e editores de algumas literaturas produzidas
que levam o nome de “pré-história” parecem não ter percebido esse pequeno
detalhe de bilhões de anos e continuam falando de “pré-história” para se referir
a todo o tempo anterior à invenção da escrita desde a própria origem da Terra
com o Big Bang. Cito, por exemplo, o livro de Theodore R. Entwistle, intitulado
Vida na Pré-História, de 1993, em cuja capa visualiza-se a imagem de um belo
e infantil espécime de Tiranossauro com seus pequenos membros superiores
30

erguidos como se querendo dizer ao leitor “eu não deveria estar aqui!”... 28; a
obra de Dorling Kindersley, intitulada A vida na pré-história, de 1995, que traz
na capa cerca de quatro imagens relativas a dinossauros rodeando a figura
central de um provável Homo habilis, lascando uma pedra29; a publicação de
Douglas Palmer, de nome Atlas do mundo pré-histórico, de 2000, também
repleta de dinossauros terrestres e pterodáctilos ilustrando a capa de uma obra
que se propõe analisar a “história da terra ao longo de quatro mil (sic) e
quinhentos milhões de anos”30; o livro de Robert Muir Wood, A pré-história e os
dinossauros, de 200531, bem como o de Maria Lorente, Atlas de dinossauros,
animais pré-históricos e outros, publicado em 200832, que deixam a confusão
bem clara já no próprio título; A Pré-História, de 2008, da coleção Perguntas e
Respostas, dirigido a um público infanto-juvenil, que traz em sua capa a
imagem de um velociraptor bem ao estilo Steven Spielberg, com a boca aberta
e os dentes à mostra para o leitor, como se pego em plena ação de caça33; e,
fora do mundo estritamente acadêmico, para o grande público, notícias como
as veiculadas pelo Jornal da Paraíba que dão conta das “marcas da pré-
história bem vivas na Paraíba” como sendo os fósseis dos animais que teriam
aí vivido há cerca de 40 milhões de anos34; para o público infantil, o lançamento
da obra Manual da Pré-História do Horácio, de 2003, onde o dinossauro
Horácio, personagem da Turma da Mônica, apresenta o “mundo pré-histórico”,
ou seja, mostra como era o planeta desde o seu surgimento até o advento dos
homens, passando, é obvio, pelos dinossauros35; e na internet encontra-se o
portal Atlas Virtual da Pré-História, basicamente dedicado a animais extintos,

28
ENTWISTLE, Theodore Rowland. Vida na Pré-História. Lisboa, PT: Estampa, 1993, 66p.
[Biblioteca Informação Juvenil].
29
KINDERSLEY, Dorling. A vida na pré-história. Lisboa, PT: Verbo, 1995 [Enciclopédia
Visual].
30
PALMER, Douglas. Atlas do mundo pré-histórico. Lisboa, PT: Estampa, 2000, 224p.
[Atlas].
31
WOOD, Robert Muir. A pré-história e os dinossauros. [s.l.]: Impala, 2005, 64p. [Primeira
Enciclopédia Familiar].
32
LORENTE, Maria. Atlas de dinossauros, animais pré-históricos e outros. [s.l.]: Girassol,
2008, 44p.
33
A PRÉ-HISTÓRIA. [s.l.] Todolivro, 2008, 32p [Perguntas e Respostas].
34
SANTOS, Jacqueline. “Marcas da pré-história bem vivas na Paraíba” et “Há 45 milhões de
anos, João Pessoa estava sob o mar”. Jornal da Paraíba. Caderno Economia, edição de
02/08/2009, pp. 17-18.
35
MANUAL da Pré-História do Horácio. Rio de Janeiro: Globo, 2003, 224p. [Coleção
Manuais da Turma da Mônica, vol. 10]
31

dentre eles, os dinossauros, sempre figurando na primeira janela do


navegador36. A confusão é tão grande que autores como Rosicler Rodrigues
acabam achando necessário especificar no título de suas obras que, quando
tratam de pré-história, estão falando do homem, e não de outros animais37.
Falar em pré-história, no sentido tradicional e evolucionista, não é,
portanto, tratar de animais ou de tempos que antecederam o aparecimento do
homem na Terra, mas falar tão somente entre a ocorrência desse evento e a
invenção da escrita. Falar de pré-história, mesmo com todas as críticas ao
termo, ainda é falar na existência e na ação de homens. Entretanto, toda essa
confusão pode ter gestado uma solução alternativa viável: se o conceito for
revisto devido a todos os problemas que apresenta, conforme analisei neste
capítulo, e o marco fundador do início da história for justamente o aparecimento
daquele que é o seu objeto privilegiado, o homem, “pré-história” pode passar a
representar o tempo anterior ao aparecimento do homem na Terra, ou seja,
todos esses trabalhos que se intitulam como análises da vida na pré-história e
que focam suas atenções em dinossauros ou outros animais extintos,
anteriores ao homem, teriam legitimidade de se intitularem “pré-históricos”.
Portanto, em vez de o termo cair por completo, ele seria redefinido para
significar uma outra coisa, tendo, desta maneira, novos limites: a pré-história
iniciaria com a formação da Terra e findaria quando do advento da
humanidade, início da história.
Entretanto, aí reside o maior problema colocado pelo marco inicial da
visão tradicional da pré-história: quando tem início a humanidade? Pergunta de
simples resposta para os criacionistas: a humanidade tem início quando o
sopro divino dá vida ao primeiro homem, no sexto dia da criação. Entretanto, já
analisei páginas atrás como o criacionismo foi suplantado pelo evolucionismo
no século XIX, o que acarretou tremenda complexidade àquela pergunta de
aparente simples resposta.
Com o evolucionismo, passou-se a conhecer, década após década,
mais e mais sujeitos disputando o lugar de elo perdido, ou seja, o antepassado

36
ATLAS VIRTUAL da Pré-História. Disponível em: http://www.avph.com.br. Acesso em: 12
jul. 2009.
37
RODRIGUES, Rosicler Martins. O homem na pré-história. 23 ed. São Paulo: Moderna,
2003, 56p. [Desafios].
32

comum entre o homem e o macaco. A ciência passou a classificar e nomear


diversas espécies que teriam existido ao longo de milhões de anos de
evolução, e percebeu que certas espécies não fizeram parte da evolução do
homem, sumindo e sucumbindo ante a seleção natural. A leitura de evolução
linear presente na produção do conhecimento científico do início do século XX,
quando se tinha apenas Australopiteco, Homo habilis, Homo erectus, Homo
sapiens neanderthalensis e Homo sapiens sapiens foi reformulada, gerando
uma verdadeira árvore evolutiva com diversas ramificações, umas se tornaram
mais bem sucedidas, enquanto outras eram podadas. A família de parentes
evolutivos do Homo sapiens cresceu de maneira tal que a ciência hoje em dia
trabalha com mais de trinta espécies do que ela chama de hominídeos –
primatas bípedes de onde apareceria, há cerca de 200 mil anos, a nossa
espécie38.
O problema está no seguinte: dentre todos os nossos parentes
evolutivos que a ciência nomeou e identificou, em algum deles já pode ser
reconhecida a humanidade? Se a pré-história tem início com o aparecimento
da humanidade, então a qual espécie devemos atribuir o início da pré-história?
Ao Homo sapiens, nossa espécie propriamente dita, datando o início da pré-
história há cerca de 200 mil anos39? Ou ao aparecimento do gênero Homo,
com a espécie Homo habilis, habilidoso em produzir instrumentos de pedra
lascada e comer carniça, há 2 milhões de anos? Ou ao Australopithecus
afarensis, há 3,5 milhões de anos, mais antigo ancestral direto reconhecido
pela ciência da linhagem que geraria o gênero Homo? Ou ao Sahelanthropus
tchadensis, há 7 milhões de anos, possuidor dos mais antigos fósseis
atribuídos a um primata bípede, portanto, atualmente, o mais antigo
hominídeo?

38
Para uma relação das espécies, cf. NEVES, Walter Alves. “E no princípio... era o macaco!”.
Estudos Avançados, São Paulo, v. 20, n. 58, 2006, pp. 249-285.
39
Em apresentação à obra O Colar do Neandertal, de Arsuaga, Walter Neves, paleantropólogo
brasileiro critica o que ele diz ser a “posição da arqueologia espanhola” que admite uma
“humanização demasiada dos hominídeos que precederam nossa espécie, sobretudo os
neandertais”. Segundo ele, “a maioria dos autores concorda, hoje, que não se pode atribuir o
status de humanidade a ancestrais que não apresentavam em sua mente a capacidade de
expressão simbólica”, o que teria acontecido apenas há cerca de 50 mil anos (NEVES, Walter
Alves. “Apresentação ao público brasileiro”. In: ARSUAGA, Juan Luis. O colar do neandertal
– em busca dos primeiros pensadores [trad. André de Oliveira Lima]. São Paulo: Globo, 2005.
33

Das definições que apresentei há algumas páginas, portanto, muitas


remetiam-se ao “surgimento do homem no planeta”. Há que se considerar a
diferença de conceituação em duas: na primeira, havia a referência ao
“aparecimento dos primeiros homínidas”40, no que, para a época em que tal
texto foi produzido, quando o A. afarensis ainda permanecia como sendo a
espécie mais antiga catalogada pela ciência, remetia-se a datação para 3
milhões de anos. Para tal definição, portanto, ter-se-ia que adequar a data para
7 milhões de anos devido à identificação do S. tchadensis. A segunda definição
que devo considerar, por sua vez, remetia-se ao “aparecimento sobre a Terra
de hominídeos dotados de cultura”41, restando saber o que o autor entendia por
cultura, se qualquer tipo de produção deliberada realizada pelo hominídeo,
fazendo retroceder até a espécie H. habilis, há 2 milhões de anos, ou mesmo
aos Australopithecus gahri, já capazes de usar instrumentos, mas
provavelmente não de produzi-los, há 2,5 milhões de anos, ou instrumentos
mais elaborados, mais requintados, como lanças para caçar, produzidas pelos
H. ergaster, há 2 ou 1,5 milhões de anos, ou uma cultura ainda mais
aprimorada, em que os mortos já eram enterrados, com os H. neanderthalensis
ou os H. sapiens, há 200 mil anos, ou uma cultura efetivamente simbólica,
produzida pelos H. sapiens apenas muito tempo depois de seu aparecimento
enquanto espécie, há cerca de 50 mil anos.
Extremamente complexa, portanto, tornou-se a realidade elaborada
pela ciência. Os metódicos, ao proporem o termo pré-história para representar
sociedades “simples”, talvez não fizessem idéia do quão insatisfatório o termo
se tornaria já no século seguinte. Para nossos dias, a insistência de algumas
literaturas em usar o nome cunhado pelos metódicos vem apenas de autores
que ou não mantêm diálogos críticos com as temáticas que envolvem o nosso
passado mais remoto, ou que pensam não haver saída, não haver
possibilidade de se referir a tal passado sem usar o nome tão amplamente
divulgado pela academia oito e novecentista que se encontra disseminado e
naturalizado pela sociedade42.

40
CÁCERES, 1996, p. 12.
41
ENCICLOPÉDIA BARSA, 1987, p. 487.
42
SILVA et SILVA, 2006, p. 11.
34

Alguns autores, entretanto, mais críticos do termo, sequer o usam em


seus escritos, preferindo referir-se ao período estudado meramente enquanto
“passado”, ou utilizar outros termos envolvendo relações sociais, e não uma
periodização macroestrutural. É assim que certos autores preferem classificar
esse passado estudado como o tempo dos “caçadores-coletores” ou
“agricultores-ceramistas”43. Entretanto, também considero essas terminologias
problemáticas porque analisam as sociedades através de um viés materialista,
nomeando os modos de vida a partir das ações pragmáticas exercidas pelos
homens: em um momento, nômades, caçavam, coletavam, produziam
esculturas e pintavam e gravavam imagens nas paredes das cavernas; no
seguinte, sedentários, trabalhavam a terra, domesticavam animais e produziam
cerâmicas. Essa nomeação acaba por reproduzir a oposição entre Paleolítico e
Neolítico, ela própria produto de uma visão funcional das sociedades por meio
de identificar o que os homens produziam, se pedras lascadas ou pedras
polidas. Além do mais, o termo “caçadores-coletores” não incorporaria toda a
diversidade de hominídeos que nasceram nos galhos da árvore evolutiva, mas
representaria tão apenas os hominídeos que caçavam, ou seja, apenas a partir
do H. ergaster, há 2 milhões de anos, deixando de fora todos os bípedes que o
antecederam, entre eles, os australopitecíneos e até mesmo o H. habilis, este,
carniceiro, e não caçador.
Por que não incorporar a leitura desse passado remoto ao que se
convencionou chamar de Idade Antiga? Afinal, os principais eventos da
chamada pré-história, como a invenção do tempo, da religião, da cultura, das
artes, a colonização da natureza, a sedentarização, a agricultura, a
domesticação, a vida em sociedade, a construção dos pequenos povoados, a
formação das primeiras cidades, o nascimento dos primeiros aglomerados
políticos autônomos que deram origem à figura do Estado e, finalmente, a

43
Cf. FOLEY, Robert. Os humanos antes da humanidade – uma perspectiva evolucionista.
São Paulo: Unesp, 2003; ARSUAGA, Juan Luis. O colar do neandertal: em busca dos
primeiros pensadores. São Paulo: Globo, 2005; KLEIN, Richard G. et EDGAR, Blake. O
despertar da cultura – a polêmica teoria sobre a origem da criatividade humana [trad. Ana
Lúcia Vieira de Andrade]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005; NEVES, Walter Alves et PILÓ,
Luís Beethoven. O povo de Luzia – em busca dos primeiros americanos. São Paulo: Globo,
2008; dentre outros.
35

fixação e a cristalização da memória desses povos por meio das inscrições que
originaram a escrita foram eventos que possibilitaram o nosso passado
nomeado de Antigüidade. O período pré-histórico, portanto, teria lançado a
base sobre a qual se fundaram as grandes civilizações da Idade Antiga, então
por que não considerá-lo como parte integrante dessa Antigüidade?
Ora, essa é uma alternativa, mas que acaba não resolvendo uma
questão premente: ao incorporar a Pré-História à Idade Antiga, atualiza-se a
leitura metódica de ler a história por meio de períodos sucessivos com marcos
fundadores. Apenas some o nome, mas a problemática de uma certa leitura de
história que não se sustenta mais nos dias de hoje persiste.
Por que não nomear como História Contemporânea? Pode parecer
estranho chamar a pré-história de História Contemporânea, mas conforme
tenho dito desde as primeiras linhas deste capítulo, a pré-história é uma
invenção discursiva nascida no século XIX, e todo o conhecimento sobre esse
passado remoto foi, em verdade, elaborado ao longo dos séculos XIX, XX e
XXI segundo o que cada um desses momentos da história entendia por modelo
de produção do conhecimento científico. Conforme veremos mais à frente,
foram as noções de ciência presentes na academia nos dois últimos séculos
que legaram à nossa sociedade as leituras de pré-história que temos hoje. Não
escrevem os arqueólogos exatamente o que aconteceu nesse passado pré-
histórico, mas escrevem tão somente aquilo que eles imaginam que aconteceu
a partir do contato com as diversas fontes arqueológicas, genéticas, artísticas,
etc. Elaboram eles um discurso fundado nesses elementos, mas elaborado a
partir do lugar social que ocupam, informados por uma tradição científica que
os possibilita ler tais vestígios do passado de uma maneira, e não de outra.
Esses lugares foram sendo modificados ao longo dos últimos séculos, por isso
mesmo a leitura sobre o período “pré-histórico” também foi sendo modificada,
reelaborada, reinventada. Essa reelaboração fez com que o que pensavam os
arqueólogos no início do século XX fosse considerado equívoco no final do
mesmo século. E cada um destes lugares é informado por modelos de
produção científica presentes em cada momento em que se elabora o
enunciado. E a invenção da pré-história está intrinsecamente ligada aos
enunciados que foram elaborados pela ciência nos últimos dois séculos. Desta
36

maneira, repito: por que não considerar a pré-história enquanto História


Contemporânea?
Primeiro, porque mesmo assim ainda não seria solucionado o problema
da visão periodista da história. Ainda se estaria trabalhando com a velha
divisão metódica de que vários autores têm tentado fugir. Segundo, porque
uma abordagem como essa é contrária à construção do pensamento moderno,
que, apesar das críticas acadêmicas à sociedade gestada na modernidade e
aos seus produtos, dentre eles o próprio positivismo, ainda somos
acostumados a pensar da maneira como nos ensinou o Iluminismo, de modo
cartesiano, linear, classificatório. Pretender, portanto, que se veja a pré-história
intrinsecamente ligada à história contemporânea é, para muitos, um absurdo
sem precedentes. Para essas pessoas, a pré-história é tão somente um
vestígio de um passado incerto, que não pode produzir certezas sobre os seus
eventos e, desta maneira, o trabalho sobre ela é tão somente um exercício de
formulação de hipóteses não comprováveis a partir das fontes que esse
passado deixou.
Mas, afinal, será que estudar qualquer “período histórico” difere muito
disto? Será que efetivamente o historiador também não trabalha apenas com
vestígios de um passado incerto e precisa, em seu ofício, utilizar de muita
imaginação e criatividade para formular hipóteses sobre o que pode ter
acontecido?
É essa distinção que opõe uma presumida possibilidade de segurança
na informação prestada pelo passado à insegurança e inverificabilidade
prestada pelos tempos remotos que acaba legitimando ainda a divisão entre
História e Pré-História, oposição que não vejo mais como sustentável no atual
estágio do pensamento ocidental, especialmente depois da década de 1960
quando os trabalhos visando desconstruir conceitos consolidados e
naturalizados passaram a se tornar mais numerosos e ganhar visibilidade na
academia. Esse novo contexto expôs justamente como nossa sociedade se
ergueu sobre bases frágeis, sobre enunciados problemáticos, sobre elementos
que, pretendidos sólidos elementos de segurança, desfizeram-se no ar44.

44
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São
Paulo: Companhia das Letras, 1997.
37

A oposição entre História e Pré-História, por fim, não encontra mais


sustentação teórica legítima no atual cenário de produção do conhecimento.
Resta apenas aos mais tradicionais estudiosos perceberem que tal oposição
não é mais funcional, e que a pré-história não se trata de um passado distante
de nossos dias, mas é inventada e reinventada dia após dia por questões que o
nosso presente coloca para a ciência. Resta, portanto, tão somente perceber
que, acima de qualquer outra classificação possível, o que se convencionou
estudar sob o nome de Pré-História é propriamente a história.
O que chamamos de “Pré-História”, portanto, é a fabricação de um
conhecimento humano sobre um tempo anterior à produção de registros cujas
informações possam ser identificadas pelo homem enquanto comunicação.
Sendo, portanto, uma forma de conhecimento, a Pré-História é uma invenção
da contemporaneidade, datada do século XIX e em constante reelaboração até
os dias de hoje. Foram os interesses na produção científica destes dois últimos
séculos que determinaram o que se falava, escrevia e produzia sob o nome
“pré-histórico”.
A Pré-História, portanto, é um combate: combate travado entre vários
grupos que almejam ocupar os espaços autorizados de produção do
conhecimento e da história, confrontando os seus enunciados e visando
estabelecê-los como a verdade sobre o passado remoto da humanidade.
38

CAPÍTULO II:

Produzindo revoluções
– a invenção de “marcos pré-
pré-históricos”
históricos”

Desde o século XIX, quando o conceito de pré-história foi inventado


pelos historiadores metódicos para representar um período de sociedades
“simples”, “rústicas”, “primitivas”, “ágrafas” e sem Estado, as maneiras com que
os estudiosos representaram esse período basearam-se no modelo vigente de
produção científica. Da origem do homem à invenção da escrita, elegeram-se
certos eventos ocorridos nesse ínterim em que se podiam visualizar as bases
para a formação das grandes civilizações que marcaram a Idade Antiga.
A fixação do homem em um determinado espaço físico-geográfico para
habitar, no qual pôde começar a trabalhar a terra, produzindo alimentos por
meio da agricultura e levando à possibilidade do aumento populacional que, na
época dos homens caçadores-coletores, era freado devido à escassez de
comida que atingia as pequenas comunidades. Por outro lado, os homens
passaram a domesticar animais, o que servia também como possibilidade de
manter a carne da qual podiam se alimentar próxima a eles, não necessitando
obtê-la por meio da caça, tal qual faziam seus antepassados. A domesticação
de certos animais implicou na certeza em poder obter carne para comer na
hora que se quisesse.
Esses elementos, vistos sob uma óptica metódica, consistiram em um
ponto de viragem da “pré-história” da humanidade, pois lançaram as bases em
que iriam se assentar as grandes civilizações: a fixação de grupos humanos
em um território geográfico formaria, com o tempo, aldeias, tribos,
39

comunidades, sociedades, as primeiras cidades e, desta maneira, os primeiros


Impérios. Se aquelas sociedades eram estudadas a contrapelo, então buscou-
se identificar o momento em que elas passaram a possuir tudo o que era dito
que não tinham ou, pelo menos, numa leitura evolucionista e teleológica,
quando elas começaram a se organizar com vistas a isso.
Nem mesmo Marx fugiu a esta lógica, pois, em seu esquema também
evolutivo de periodização, a fixação do homem num espaço geográfico e o
aumento populacional possibilitado por meio do aumento da produção levaram
à constituição da propriedade privada e, desta maneira, ao fim do que ele
chamou de “comunismo primitivo”. A história, assim, passou a girar em torno de
pequenos grupos possuidores de bens e acumuladores de riquezas, e de uma
grande massa de despossuídos que não podia mais usufruir comunitariamente
daqueles bens. O desrespeito a essa nova ordem levou muitos à escravidão,
em que a relação de exploração não se dava mais tão somente de um bem
pelo seu proprietário, mas de um homem por outro homem.
Foi devido à importância atribuída a esse momento, datado de cerca de
10 mil anos AP, que o arqueólogo inglês Gordon Childe, nas primeiras décadas
do século XX, propôs nomeá-lo de “Revolução do Neolítico”1. Até o final do
século XX, tal nomeação foi tomada pelos estudiosos como um evento
verdadeiro e devidamente datado, bem como estipulado como o principal
momento da chamada “Pré-História” e naturalizado pelos textos produzidos
que trataram desse tempo.
Em texto de 1987, por exemplo, lê-se:

Neolítico. Caracteriza-se pelo fato, de imensa importância, de


começar o homem a produzir alimentos. Descobrindo, no Crescente
Fértil, a agricultura (inclusive a fruticultura) e a domesticação de
animais além do cão (cabras, carneiros, bovinos e porcos, nessa
ordem) – pois tanto os cereais (diversos trigos e cevada), as
leguminosas (feijões, favas, ervilhas, lentilhas), as oleaginosas (linho)
e as frutas (uvas, figos, amêndoas etc.), como esses mamíferos ali se

1
O nome Neolítico advém da observação da mudança na produção de instrumentos líticos que
passaram a ser mais requintados do que os seus antecessores. Coloca-se, tradicionalmente,
que no Paleolítico, período que teria antecedido o Neolítico, o homem produzia instrumentos
como furadores, raspadores, pontas de flechas, cunhas, buril, etc., por meio do lascamento
da pedra, enquanto que no Neolítico a produção de machadinhas, pedras de mó, etc., era
feita por meio do polimento da pedra (Cf. MELO, Josemir Camilo de. “A pré-história da
Paraíba”. In: SOUZA, Antonio Clarindo Barbosa de et al. História da Paraíba. Campina
Grande, PB: EDUFCG, 2007, p. 18).
40

encontravam em estado selvagem – o homem passou de nômade a


sedentário e deu mais um passo decisivo para o domínio do meio
natural ambiente, que o conduziria à civilização. É, pois, verdadeira
revolução, e uma das de maior alcance ocorridas em toda a
existência humana no planeta, de vez que àquelas descobertas
básicas – agricultura e domesticação de animais – seguiram-se, a
intervalos relativamente curtos, as da cerâmica e da tecelagem (linho,
lã).
Em conseqüência, surgiram as primeiras aldeias permanentes, a
noção de propriedade privada, a possibilidade de dispor de
excedentes alimentares e guardá-los, ou então de usá-los para
sustentar especialistas, pessoas que não precisassem consagrar-se
apenas à produção de alimentos. Isto levaria à paulatina acumulação
de riqueza, ou a acelerar o ritmo do progresso, e permitiria o
adensamento demográfico; mas em contrapartida exigiria melhor
organização na estrutura social e a coordenação dos esforços
2
coletivos, p. ex., na defesa das aldeias contra incursões .

Em livros didáticos do final da década de 1990, afirma-se que o


Neolítico caracterizou-se pelas “transformações aceleradas nas relações entre
o homem e o ambiente”3, posto que o homem do Paleolítico era “basicamente
um parasita da natureza, cuja sobrevivência estava ligada à predação”4. “A
prática da agricultura e a domesticação dos animais permitiu às sociedades
primitivas o controle da produção de alimentos, a sedentarização e,
conseqüentemente, o aumento da população”, modificações que “são
conhecidas como revolução neolítica ou revolução agrícola, e marcaram o
progressivo aumento do domínio do homem sobre a natureza” 5.

No Período Neolítico, o homem estabeleceu novas relações com a


natureza. Ele já não era apenas um predador. Passou a ser também
produtor de alimentos. Selecionou animais e vegetais que lhe
interessavam e desenvolveu técnicas agrícolas e pastoris. Começou
a irrigar e estrumar a terra, a enxertar os vegetais e criou pastagens e
cercados para o rebanho, gerando assim meios para desenvolver
ainda mais as aldeias. Com isso, a pesca, a caça e a coleta deixaram
de ser as principais fontes de alimentos. Esse conjunto de
transformações é conhecido como Revolução Neolítica, e é um dos
6
mais importantes processos da história da humanidade.

2
ENCICLOPÉDIA BARSA. Rio de Janeiro, São Paulo: Encyclopaedia Britannica do Brasil
Publicações Ltda., 1987, p. 496 [vol. 12] (grifo meu).
3
MOTA, Myriam Becho; BRAICK, Patrícia Ramos. História das cavernas ao Terceiro
Milênio. São Paulo: Moderna, 1997, p. 06.
4
CÁCERES, Florival. História Geral. 4 ed. São Paulo: Moderna, 1996, p. 16-17.
5
MOTA et BRAICK, op. cit., p. 06.
6
CÁCERES, op. cit., p. 16-17 (grifo do autor).
41

Analisando a obra de Fernand Braudel, especificamente O


Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Filipe II (1949), o mexicano
Carlos Antonio Aguirre Rojas detém-se sobre a significação do conceito de
“longo século XVI” cunhado por Braudel. Para este, sob a óptica de Rojas, o
século XVI marcou as bases sobre as quais fundou-se o mundo moderno e, de
maneira geral, o “desenvolvimento histórico da humanidade”, só havendo um
outro evento que rivalizaria em importância com ele: a revolução neolítica.

Se olharmos detidamente o real significado desse longo século XVI,


nos daremos conta de que se trata de um dos dois grandes nós que
marcam toda a curva do desenvolvimento histórico da humanidade.
Ao observarmos esta curva integral, procurando marcar nela os
principais pontos de trânsito civilizatório, podemos verificar que são
dois os primeiros grandes pontos a assinalar: o primeiro coincide com
a revolução neolítica e leva das sociedades nômades às sociedades
sedentárias. Ele remete às enormes mudanças civilizatórias que
implicam o nascimento da agricultura, a substituição dos vínculos de
sangue como elementos de coesão da comunidade, por vínculos
estritamente sociais, a abertura da diferenciação e da dialética entre
campo e cidade, ou os importantes desenvolvimentos tecnológicos
que acompanham esse novo sedentarismo. O segundo grande marco
é precisamente a passagem da pré-modernidade e do pré-capitalismo
para a atual modernidade capitalista, passagem que se dá justamente
a partir desse longo século XVI, acompanhada de profundas
transformações. Entre elas, destacam-se o nascimento da verdadeira
história universal, o fim da milenar submissão humana ao domínio da
natureza e a inversão radical desta relação. Ou ainda a conformação
de um tipo de sociedade, na qual, pela primeira vez na história,
domina o elemento social, historicamente criado, e não o elemento
natural-social, assim como a dessacralização do mundo natural e a
substituição das antigas concepções mágicas, míticas ou religiosas
7
pelo novo racionalismo característico do mundo moderno

A Revolução do Neolítico, portanto, consiste na nomeação atribuída a


um conjunto de eventos que se crê terem ocorrido senão simultânea, mas
sucessivamente8, cujos vestígios arqueológicos estimam datarem de pelo

7
ROJAS, Carlos Antonio Aguirre. Fernand Braudel e as ciências humanas [trad. Jurandir
Malerba]. Londrina: Eduel, 2003, p. 55 [Biblioteca Universitária].
8
Grahame Clark, já na década de 1970, criticava a expressão “revolução neolítica” por
perceber que os elementos que caracterizariam esse evento se deram de maneira aleatória,
com grandes intervalos de tempo distanciando um do outro, além de não terem relação direta
com a produção de pedras polidas que dá nome ao “período”. “(...) O desenvolvimento da
agricultura dificilmente pode ser descrito como ‘neolítico’, pois foi anterior ao surgimento das
comunidades que fizeram uso de uma tecnologia neolítica integral, tal como esta tem sido
entendida há mais de um século. (...) A ‘revolução neolítica’ não foi nem uma revolução nem
tampouco neolítica; foi, acima de tudo, uma transformação iniciada pelas culturas do
Paleolítico Superior e completada pelas comunidades mesolíticas” (CLARK, Grahame. A Pré-
História [trad. Edmond Jorge]. Rio de Janeiro: Zahar, 1975, p. 77).
42

menos 10 mil anos atrás, em regiões como a Europa e o norte da África. Esse
evento, que consiste, na visão tradicional, em marco fundador do “período pré-
histórico” chamado Neolítico, é considerado revolucionário por ter levado a
modificações profundas nas maneiras de viver dos grupos de caçadores-
coletores. Reúne, desta maneira, elementos aparentemente simples, mas que
alteraram drasticamente o modo de vida e as relações com a natureza que tais
homem mantinham há tempos.
Se por um lado a revolução neolítica levou o homem a sedentarizar-se,
a fixar-se em um espaço geográfico, sendo justamente este um requisito para a
formação dos primeiros grupos aldeados e, com o tempo, das primeiras
cidades de onde nascerão os primeiros Impérios, por outro lado vê-se a
modificação da relação do homem com a natureza que, conforme já apontado
por alguns autores citados anteriormente, também se alterou. Tanto a
agricultura como a domesticação de animais consistiram em maneiras de o
homem exercer o seu poder e controle sobre elementos do mundo natural. Ao
trabalhar a terra por meio do plantio, o homem trazia para si a responsabilidade
que fora da natureza por bilhões de anos. Era a natureza que, por meio de
diversos eventos climáticos, cultivava a terra, fazendo dela nascer vida vegetal
que serviria de alimento para tantas espécies espalhadas pelo mundo. Quando
o homem passou a cultivar a terra ele próprio, tomou para si aquela função.
Estava, portanto, controlando a ação natural, acelerando seus resultados a fim
de obter mais rapidamente os produtos que desejava. Passou a distanciar-se
do lugar que havia ocupado por milhares de anos, de ser natural, inserido no
contexto do mundo virgem, intocável, e tornou-se colonizador, produtor de
cultura e, desta maneira, transformador da natureza9.
É, portanto, o papel de colonizador da natureza que se sobressai como
ponto de viragem do Neolítico. Não que o homem não a alterasse antes, mas
os estudiosos compreendem que foi com a sedentarização que ele passou a
modificar mais drasticamente o espaço natural, pois seccionou certos espaços
para trabalhar a agricultura, alterando, portanto, nesses espaços, os tempos
naturais de produção de elementos que servissem como alimento animal.

9
Cf. DUARTE, Regina Horta. História & Natureza. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. [História
&... Reflexões]
43

A domesticação de animais segue a mesma lógica: foi com a


delimitação dos espaços por onde animais poderiam circular que fez com que o
homem mantivesse poder sobre eles, estabelecendo os limites de sua ação e
deixando-os facilmente acessíveis aos humanos, que poderiam abatê-los e
transformá-los em comida sem a necessidade de saírem em caçadas que
muitas vezes chegavam a durar dias, durante os quais os caçadores
precisavam afastar-se de suas tribos, deixando-as desprotegidas e vulneráveis
a ataques de tribos rivais.
Assim, tanto na produção agrícola quanto na domesticação de animais,
sobressai o poder que o humano passou a exercer sobre a natureza a partir de
um determinado momento na história. Poder esse que fez com que o homem
se diferenciasse dos demais animais e reelaborasse sua condição no mundo
natural, abandonando a situação de mero produto, “parasita da natureza”,
caçador, e ocupando o lugar de produtor de espaços, criador de animais,
elaborador de cultura. A Revolução do Neolítico, desta maneira, representa o
momento em que o homem começou a produzir cultura para exercer o seu
domínio sobre os elementos da natureza – os espaços, a vida vegetal e a vida
animal.
A revolução neolítica, assim, consistiu em um evento inventado pelos
arqueólogos e pré-historiadores do século XX para representar o momento em
que o homem começou a tornar-se menos dependente dos tempos da
natureza, exercendo sobre ela um certo controle. Por que esses estudiosos
elegeram esse elemento para caracterizar o fim de um suposto período para
dar início a outro?
Porque, assim como afirmei no primeiro capítulo, a pré-história é uma
invenção do mundo contemporâneo, ou seja, a leitura que estabelecemos
sobre a chamada pré-história assenta bases no pensamento moderno. E a
separação entre mundo natural e mundo racional é uma das dicotomias
fundadas na modernidade, especialmente no pensamento ilustrado, a partir do
século XVIII. Separar os opostos, purificar e classificar os elementos, opor o
racional ao irracional, o humano ao animal, a sociedade à natureza, a ciência à
religião, a cidade ao campo, eram elementos que permeavam o pensamento
44

científico moderno10. O homem moderno, por sua vez, deveria ser um sujeito
comandado pela racionalidade que não dependesse da natureza para
sobreviver, mas que conseguisse produzir de maneira autônoma tudo aquilo de
que necessitasse através do bom uso da ciência. Enquanto o homem fosse
subjugado pelos fenômenos naturais estaria no estágio de menoridade,
conforme enunciava Kant, em análise de Foucault11. O homem, portanto, por
meio da razão ilustrada, deveria ser capaz de superar a sua milenar
dependência da natureza, posto que esta era caótica e imprevisível, enquanto
a ação racional do homem era ordenada e previsível. Inverter a relação com a
natureza, saindo do estado de subjugado para o de colonizador, era uma
atitude de modernidade, e isto deveria ser feito através das ciências naturais
que permitiriam ao homem conhecer os fenômenos naturais em sua “essência”,
em sua pureza, para que, assim, pudesse prevê-los ou intervir sobre eles, e
não estar mais apenas submetido a eles. De coadjuvantes, os homens
passaram, mais do que antes, a protagonistas numa história que pretendeu
superar a natureza e primar pela construção de um mundo não mais natural,
mas científico12.
Assim, foi com essa preocupação do final do século XIX e início do XX
que os cientistas tentaram estabelecer quando, na história, o homem começou
a se tornar mais autônomo em sua relação com a natureza. Enunciaram,
assim, que isso aconteceu quando ele inventou maneiras de controlar e
organizar a produção de alimentos vegetais por meio do plantio, bem como se
tornou mais autônomo em relação aos demais animais quando passou a
domesticá-los, exercendo, portanto, livre controle sobre eles.
Por outro lado, a sedentarização respondia a preocupações mais
diretamente relacionadas à vertente teórica que inventou o próprio conceito de
pré-história, conforme discuti no primeiro capítulo . A formação de todo e

10
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. [trad. Carlos Irineu da Costa]. Rio de Janeiro:
34, 1994, 152p.
11
FOUCAULT, Michel. “O que são as Luzes?” In: Arqueologia das ciências e história dos
sistemas de pensamento. (seleção e organização dos textos por Manoel Barros da Motta). 2
ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, pp. 335-351 (Ditos & Escritos, vol. II).
12
Para maiores discussões a respeito deste tópico, cf. AGRA, Giscard F. Modernidade aos
goles: a produção de uma sensibilidade moderna em Campina Grande, 1904 a 1935.
Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal
de Pernambuco, 2008, 220p.
45

qualquer Estado nacional, objeto de investigação dos metódicos, deitava


origens na fixação de um determinado povo em um lugar geográfico. Sob uma
abordagem linear e cronológica, do assentamento de uma única família
poderiam ser formados grupos, comunidades, sociedades e Estados. Cabia,
portanto, à Pré-História investigar esses primeiros assentamentos. Se a
História era vista como uma etapa superior à Pré-História, dentro da própria
Pré-História estabeleceram-se etapas sucessivas e lineares mais evoluídas
que as anteriores. O Neolítico, portanto, por demonstrar, numa leitura
teleológica, uma tendência à formação de estados, por meio da fixação ao solo
de grupos humanos, foi considerado uma etapa mais evoluída do que o
Paleolítico de caçadores-coletores nômades.
Foram, portanto, a sedentarização e o controle sobre a natureza que,
seguindo a leitura arqueológica e pré-histórica do século XX, marcaram o início
de um novo período da humanidade, elementos que forneceram certa
estabilidade para os aglomerados humanos e precederam a formação dos
estados. Foram, assim, seguindo o pensamento de Rojas ao comentar Braudel,
o primeiro principal “ponto de trânsito civilizatório”, um ponto de viragem, uma
“verdadeira revolução”, “um dos mais importantes processos da história da
humanidade”.
Entretanto, se a revolução neolítica figurou por mais da metade do
século XX como principal evento da chamada pré-história, ocupando páginas e
páginas de estudos de arqueólogos, pré-historiadores e antropólogos, os
estudos produzidos no final do século XX e início do século XXI alteraram esse
cenário.
Steven Mithen, por exemplo, dedica apenas quinze das 425 páginas de
sua principal obra, “um dos livros de arqueologia mais significativos dos últimos
anos do século XX”13, às origens da agricultura, e como último tópico abordado,
como encerramento do livro. Para ele, o momento de maior importância para
os estudos arqueológicos não se encontra 10 mil anos atrás com a emergência
do Neolítico, mas cerca de 30 mil anos antes dessa datação. “É essa época-
chave, e não o período de nascimento da atividade agrícola, que contém as

13
AZEVEDO, Carlos Alberto. Arqueologia – estudos & pesquisas. João Pessoa: Idéia, 2008,
p. 29.
46

raízes do mundo moderno. É por isso que tratei as origens da agricultura como
não mais que um epílogo do meu livro”14.
Mithen poderia ser uma voz dissonante no espaço arqueológico, mas
não é. Analisando a literatura pré-histórica publicada nos primeiros anos do
século XXI, verifica-se que a revolução neolítica tem deixado de figurar como
principal evento do período “pré-histórico”. O neolítico sequer é tratado por
obras dedicadas ao estudo dos primeiros humanos ou, quando muito, é
trabalhado em segundo plano, destituído do lugar que lhe foi construído no
século XX, em obras como Os humanos antes da humanidade, de Robert
Foley, de 2003, O despertar da cultura, de Richard Klein e Blake Edgar, e O
colar do Neandertal, de Juan Luis Arsuaga, ambos de 2005, assim também
como não aparece no “Dossiê: A odisséia dos primeiros humanos”, publicado
pela revista História Viva, de 200815.
Até mesmo Richard Dawkins, um dos maiores nomes vivos do
evolucionismo, em seu livro A grande história da evolução, publicado no Brasil
em 2009, apesar de tratar do neolítico, faz para descaracterizar o caráter
revolucionário atribuído pelos pesquisadores do século XX, trazendo inclusive
para o debate os nomes de outros dois autores.

Colin Tudge, em seu livro Neanderthals, bandits and farmers: how


agriculture really began, concorda com Jared Diamond (autor de The
third chimpanzee) em que a passagem da caça e coleta para a
agricultura não foi, de modo nenhum, o avanço que nós (...)
poderíamos pensar. Para esses dois autores, a Revolução Agrícola
não aumentou a felicidade humana. A agricultura sustentou
populações maiores do que o estilo de vida dos caçadores-coletores
que ela desbancou, porém não em graus obviamente maiores de
16
saúde ou felicidade.

E continua negando a rapidez geralmente atribuída ao evento,


afirmando que “a Revolução Agrícola, independentemente de ter sido uma

14
MITHEN, Steven. A pré-história da mente – uma busca das origens da arte, da religião e da
ciência [trad. Laura Cardellini Barbosa de Oliveira]. São Paulo: Unesp, 2002, p. 363.
15
NEVES, Walter Alves. “Pioneiros da América”. História Viva, São Paulo, ano VI, n. 62, p. 40-
45, dez/2008 [Dossiê Primeiros Humanos].
16
DAWKINS, Richard. A grande história da evolução – na trilha dos nossos ancestrais. São
Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 47. Nenhum dos dois livros citados por Dawkins
possuem traduções no Brasil nem em língua portuguesa.
47

mudança para melhor ou para pior, não foi um evento súbito”17. Para Dawkins,
séculos e séculos de caça e coleta levaram espontaneamente ao pastoreio e à
agricultura, de maneira gradativa, sem que o homem percebesse que estava
produzindo uma “revolução” nas relações que estabelecia com o mundo
natural.

Sem dúvida, houve momentos de descoberta criativa, como quando


as pessoas pela primeira vez notaram que, se pusessem sementes
no solo, elas geravam plantas semelhantes àquelas das quais
provinham. Ou como quando alguém pela primeira vez observou que
é bom regar as plantas, adubá-las com esterco e extrair as ervas
daninhas (...). Mas, em grande medida, a transição de coletor para
cultivador passou despercebida pelos envolvidos, e o mesmo se pode
18
dizer da transição de caçador para pastor.

Todos esses autores, entretanto, apesar de admitirem a importância


dos eventos atribuídos a uma suposta revolução do neolítico – a fixação de
comunidades em um espaço geográfico e a manipulação da natureza pelas
mãos do homem –, retiram dela o lugar de “o principal acontecimento da pré-
história”, estabelecendo outro em seu lugar, propondo um outro marco, um
outro evento fundador da humanidade, datado, conforme visto com Mithen, por
volta de 40 mil anos19.
Refiro-me ao “Grande Salto para a Frente na Cultura”, segundo
nomeação de Jared Diamond ratificada por Richard Dawkins20; ao “big bang da
cultura”, de Steven Mithen21; ao “despertar”, de Richard Klein e Blake Edgar22;
ou à Revolução Criativa do Paleolítico Superior, conforme refere-se Walter
Alves Neves23. “Aqui a sociedade humana, composta inteiramente de

17
DAWKINS, 2009, p. 48.
18
Ibid., p. 53.
19
No tocante a datas, os autores não entraram em um consenso. Assim é que Walter Neves,
por exemplo, provavelmente o maior divulgador da revolução criativa no Brasil, em texto de
2002 admite a possibilidade de ela haver ocorrido há cerca de 80 mil anos (Cf. NEVES,
Walter. “Prefácio à edição brasileira”. In: MITHEN, 2002, pp. 09-12), enquanto em texto de
2006 afirma categoricamente sua datação em 45 mil anos (NEVES, Walter Alves. “E no
princípio... era o macaco!”. Estudos Avançados, São Paulo, v. 20, n. 58, 2006, pp. 249-285);
por sua vez, Steven Mithen a localiza entre 60 e 30 mil anos atrás (Cf. MITHEN, op. cit., pp.
247-303), e Richard Dawkins, em 40 mil anos (Cf. DAWKINS, op. cit.).
20
Cf. DAWKINS, op. cit.
21
Cf. MITHEN, op. cit., 2002.
22
Cf. KLEIN, Richard G. et EDGAR, Blake. “Natureza ou evolução antes do despertar”. In: O
despertar da cultura – a polêmica teoria sobre a origem da criatividade humana [trad. Ana
Lúcia Vieira de Andrade]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
23
NEVES, op. cit., pp. 249-285.
48

caçadores-coletores, passou pelo que pode ter sido uma revolução maior que a
da agricultura, o ‘Grande Salto para a Frente na Cultura’”24.
É Walter Neves quem mais detidamente descreve as conquistas
materiais desse momento:

(...) o kit de ferramentas de pedra que antes se limitava a vinte


instrumentos especializados subiu para cerca de 75; a forma das
ferramentas, além de atenderem a necessidades funcionais, passou
também a expressar estilos pessoais ou grupais, dando a elas o
poder de marcar identidade individual ou coletiva (etnicidade); osso,
chifre e dente passaram a ser usados cotidianamente como matéria-
prima; adornos começaram a ser usados popularmente; os mortos
passaram a ser enterrados sob a vigência de rituais extremamente
elaborados; os instrumentos de osso passaram a receber rico
adornamento; e, por último, mas não menos importante, esculturas e
25
pinturas parietais passaram a abundar.

Todos esses elementos, entretanto, podem parecer meramente,


conforme afirmei há pouco, “conquistas materiais”, mas nos dias de hoje a
ciência não se detém tão somente em analisar o “avanço cultural” por meio da
análise de novas formas com as quais se passou a produzir instrumentos líticos
ou novas tintas usadas nas pinturas nas cavernas. Segundo os estudiosos,
arqueólogos, pré-historiadores e paleantropólogos, esses elementos só foram
possíveis devido à introdução na história do desenvolvimento humano de uma
capacidade até então inexistente: a criatividade.
O cenário científico em que nasceu a Revolução Criativa, na segunda
metade do século XX, foi um cenário completamente diferente daquele em que
nasceu a Revolução do Neolítico. Em primeiro lugar, no contexto das ciências
biológicas, o evolucionismo passou por diversas releituras. Destacaram-se,
especificamente, duas formulações: a tese do Equilíbrio Pontuado, ou
pontualismo, por Stephen Jay Gould e Niles Eldrege, em que a evolução é vista
a partir de “saltos”, ocorridos depois de séculos de pouca ou nenhuma
mudança morfológica perceptível26; e o Neodarwinismo que, unindo as idéias

24
DAWKINS, 2009, p. 55. A expressão é retirada da obra de Jared Diamond citada
anteriormente.
25
NEVES, 2006, p. 275.
26
Cf. GOULD, Stephen Jay. Darwin e os grandes enigmas da vida. 2 ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1999; GOULD, Stephen Jay et ELDREGE, Niles. “Punctuated equilibrium comes of
age”. The Unofficial Stephen Jay Gould Archive [on line] Disponível em:
http://www.stephenjaygould.org/library/gould_comes-of-age.html. Acesso em: 30 jul. 2009.
49

de Darwin à genética de Mendel, produzindo a chamada “síntese moderna”,


levou a seleção natural para o nível genético, analisando como a luta pela
sobrevivência se dá também na prevalência dos genes mais adaptados27.
No cenário das humanidades, por sua vez, a década de 1960
representou o momento em que a cultura veio à tona como objeto de estudo
para os cientistas da sociedade, em muito devido a todos os movimentos de
reivindicação social que emergiram nessa década, especialmente no ano de
1968, ainda hoje marco das manifestações sociais daquele momento, nomeado
por alguns como “o ano que não acabou”28 porque as sementes então
plantadas ainda estão germinando neste início do século XXI. A cultura, desta
maneira, apareceu enquanto preocupação privilegiada de estudos para as
diversas ciências da sociedade, como a Filosofia, com a emergência de
pensadores como Michel Foucault29 e Michel de Certeau30; a Antropologia, com
Clifford Geertz31; a História, com a emergência da terceira geração dos Annales
e estudiosos como Robert Darnton32, Phillipe Ariès33, Jacques Le Goff34, Alain
Corbin35, Roger Chartier36, dentre vários outros campos. A própria arqueologia

27
Cf. DAWKINS, 2009.
28
Cf. MATOS, Olgária C. F. Paris 1968: as barricadas do desejo. São Paulo: Brasiliense, 1981;
KURLANSKY, Mark. 1968: o ano que abalou o mundo [trad. Sônia Coutinho]. Rio de
Janeiro: José Olympio, 2005; VENTURA, Zuenir. 1968 - o ano que não terminou. 3 ed. São
Paulo: Planeta do Brasil, 2008; Idem. 1968 – o que fizemos de nós. São Paulo: Planeta do
Brasil, 2008; ZAPPA, Regina et SOTO, Ernesto. 1968, eles só queriam mudar o mundo.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
29
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 4 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1979; Idem.
História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 1997; Idem. Os Anormais.
São Paulo: Martins Fontes, 2001; Idem. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 2004.
30
Cf. CERTEAU, Michel de. Cultura no Plural. 3 ed. Campinas, SP: Papirus, 2003.
31
Cf. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989;
MEIRA, Danilo Christiano Antunes. “Clifford Geertz - o impacto do conceito de cultura sobre o
conceito de homem”. Jurisciência – direito, política e cultura. Disponível em:
http://www.jurisciencia.com/artigos/clifford-geertz-o-impacto-do-conceito-de-cultura-sobre-o-
conceito-de-homem/73/. Acesso em: 30 jul. 2009.
32
Cf. DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos e outros episódios da História Cultural
Francesa [trad. Sonia Coutinho]. 5 ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006.
33
Cf. ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família [traduzido por Dora Flaksman].
2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981; Idem. História da morte no Ocidente da Idade
Média aos nossos dias [trad. Priscila Viana de Siqueira]. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
34
Cf. LE GOFF, Jacques. Para um novo conceito de Idade Média: Tempo, Trabalho e
Cultura no Ocidente. Lisboa, PT: Estampa, 1980; Idem. O maravilhoso e o cotidiano no
Ocidente medieval. Lisboa, PT: Edições 70, 1985; Idem. História e Memória [trad. Bernardo
Leitão]. 2 ed. Campinas, SP: UNICAMP, 1992.
35
Cf. CORBIN, Alain. Saberes e Odores. O olfato e o imaginário nos séculos dezoito e
dezenove. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
36
Cf. CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações [trad. Maria
Manuela Galhardo]. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.
50

permitiu-se modificar, alterando as concepções que a caracterizavam desde o


seu nascimento no século XIX enquanto técnica. De um ramo científico que se
preocupava tão apenas com os resquícios culturais e materiais deixados por
comunidades “pré-históricas”, a arqueologia passou a permitir-se estudar
questões não tão empiricamente verificáveis como o caráter paradigmático
oitocentista sob o qual assentava a sua cientificidade lhe determinava. Houve,
assim, o nascimento de ramos dentro da própria arqueologia que passaram a
se preocupar também com questões subjetivas tanto de comunidades “pré-
históricas” quanto de comunidades “históricas”37, confundindo-se, por vezes,
com os objetos de outras ciências, especialmente a antropologia. Nesse
contexto, nasce, dentre outros ramos, a arqueologia cognitiva, tendo como
expoente Steven Mithen em sua busca pela “pré-história da mente” e, desta
maneira, do nascimento da capacidade de produzir cultura imaterial38.
Foi assim, nesse cenário de valorização da cultura como objeto de
estudo, que o olhar sobre a história dos primeiros povos humanos também foi
alterado. Objetivou-se identificar o nascimento das primeiras manifestações
propriamente culturais, não somente por meio da produção de uma cultura
material, mas a possibilidade humana de inventar e significar os elementos do
mundo, criando símbolos e signos representacionais, inventando a noção de
tempo, adquirindo uma linguagem articulada, produzindo crenças religiosas e
inscrições hoje denominadas de “arte rupestre”, etc.
A “revolução do Paleolítico Superior”, desta maneira, corresponderia ao
momento em que o homem passou a ter a possibilidade de pensar em um
mundo desprendido da materialidade, livre das necessidades imediatas, e, por
pensar nesse mundo enquanto real, passou a expressar indícios dessa crença
na cultura material que produzia.
Essa mudança, não morfológica, mas comportamental39, teria
proporcionado ao homem a criação de um mundo simbólico de significação

37
Cf. FUNARI, Pedro Paulo. Arqueologia. São Paulo: Contexto, 2003; SILVA, Kalina Vanderlei
et SILVA Maciel Henrique. “Arqueologia”. In: Dicionário de conceitos históricos. São Paulo:
Contexto, 2005, pp. 23-26
38
Cf. MITHEN, 2002.
39
Discute-se ainda qual teria sido a origem da capacidade simbólica do homem, se teria
ocorrido por meio da fixação de um novo módulo mental, que teria passado a integrar os
módulos anteriormente fixados pela seleção natural (inteligência naturalista, inteligência
51

baseado em idéias abstratas como, por exemplo, as idéias de passado e


futuro, amor, amizade, parentesco, grupo, comunidade, etc. Idéias sobre as
quais as sociedades históricas se construíram. Assim, a revolução criativa, ao
proporcionar ao homem a possibilidade de criação de idéias e conceitos
abstratos, seria o mais importante momento da “pré-história”.

(...) não há provas de que o ‘despertar’ tenha sido suscitado por uma
inovação técnica comparável à invenção da agricultura. A arqueologia
não consegue revelar essa inovação e ainda sugere que o ‘despertar’
representa de fato o início da capacidade humana de produzir essas
inovações marcantes. Portanto, de uma perspectiva arqueológica, o
‘despertar’ não foi simplesmente a primeira de uma série de
‘revoluções’ menos espaçadas no tempo, começando pela agricultura
e chegando à urbanização,à indústria, aos computadores e aos
genomas; foi a revolução seminal sem a qual nenhuma outra poderia
40
ter ocorrido .

Foi, portanto, devido ao pensamento abstrato e à capacidade simbólica


que o homem pôde desenvolver a cultura material da maneira como Walter
Neves apresentou páginas atrás, aplicando sua criatividade à produção de
novos instrumentos de pedra, em formas específicas demarcadoras de
identidades do grupo produtor; fez com que o homem imaginasse novas
maneiras de produzir os instrumentos de que necessitava para responder a
necessidades futuras, e não apenas, tais quais seus antepassados,
reproduzisse formas tradicionais, respondendo tão somente a necessidades
presentes; imaginasse um mundo além do físico, um mundo espiritual, e
passasse a enterrar os seus mortos de maneira ritualizada, crendo que isso
interferiria nos destinos do espírito do falecido; produzisse pinturas, gravuras e
esculturas como maneiras de evocar animais para serem caçados, capturar
para a tribo a força física de tais animais, representar o cotidiano dos grupos
humanos ou mesmo tão somente pelo mero prazer de produzir “arte”41.

técnica e inteligência social), ou se teria sido provocado pela quebra das barreiras que antes
separavam esses módulos, permitindo uma “fluidez cognitiva” (Cf. MITHEN, 2002) entre as
formas de inteligência fixadas na mente humana. “Tal fluidez teria feito aflorar, como
propriedade emergente em sistemas complexos, significação e criatividade ilimitadas”
(NEVES, 2006, p. 274).
40
KLEIN et EDGAR, 2005, p. 224.
41
Cf. MAGALHÃES, Roberto Carvalho de. O grande livro da arte [trad. Gilson B. Soares]. Rio
de Janeiro: Ediouro, 2005; MITHEN, 2002; “Entrevista Niède Guidon”. Memória Roda Viva.
2003. Disponível em: http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/60/entrevistados/niede_guidon_
2003.htm. Acesso em: 18 mar. 2009.
52

Aqui, algumas considerações devem ser feitas. A interpretação de que


a chamada “arte rupestre” era produzida por simples “amor à arte” consiste
numa leitura idealizada da espécie humana, que a coloca desde a sua
emergência como produtora de cultura artística socialmente valorizada. Estou
me referindo à valoração atribuída pela sociedade ocidental moderna à pintura
e à escultura, consideradas arte de “primeira grandeza”. Já afirmou Marcel
Proust que é graças à arte que, “em vez de contemplar um só mundo, o nosso,
o vemos multiplicar-se e dispomos de tantos mundos quantos são os artistas
originais, mais diversos entre si do que aqueles que giram no infinito”42.
Roberto Magalhães, por sua vez, ressalta o aspecto individualista na produção
da arte que, mesmo podendo ser estudada por meio de “tendências”, abre
possibilidade para a emergência de artistas originais em meio à generalização
de uma maneira estética de criar. Para ele, “todo artista original merece
especial atenção, pois ele não é apenas a expressão de uma tendência geral,
mas o portador de uma nova visão de mundo”43.
As produções consideradas artísticas existem desde pelo menos 40 mil
anos atrás. Desta maneira, posso afirmar que os homens produzem “arte” há
cerca de 40 mil anos. Entretanto, é impossível que a história da arte contemple
todos os artistas, da pré-história aos dias de hoje. Por que, então, estudam-se
alguns e relegam-se outros ao esquecimento? Segundo as definições com as
quais trabalham os estudiosos da área, destacam-se como “grandes artistas” e,
conseqüentemente, merecem ser estudados, aqueles que conseguiram
promover um desvio no padrão estabelecido e, desta maneira, criar o novo,
esteticamente belo, apreciável, sem uma real utilidade, no sentido pragmático
de ser, senão a de servir para o engrandecimento da própria arte, que encontra
um fim em si mesma.
Acontece que tal definição de arte só é encontrada retrospectivamente
nas produções realizadas no máximo a partir do Renascimento do século XVI,
quando a arte se tornou decorativa e apreciativa. Aplicar tais conceituações a
períodos anteriores ao século XVI é problemático. Pensar, desta maneira, na
“arte pré-histórica” é complicado por vários motivos: primeiro, porque os

42
Proust apud MAGALHÃES, 2005, p. 10.
43
MAGALHÃES, 2005, p. 10.
53

próprios termos que compõem essa nomenclatura, conforme já explicitado, são


historicizáveis e não podem ser aplicados ao momento histórico ao qual se
remete tal expressão sem que se incorra em um grande anacronismo;
segundo, porque ainda nos dias de hoje, apesar de todas as hipóteses
lançadas, desconhecemos as motivações que levaram homens a se arriscarem
em cavernas extremamente inóspitas “apenas” para produzirem tais inscrições
gráficas.
Se, por um lado, a leitura que vê a “arte pré-histórica” como fim em si
própria, que serviria como mero registro do cotidiano dos grupos humanos –
ações como caça, colheita, reuniões, atividades sexuais, etc. – ou como
método de experimentação estética tem sido abandonada na academia nas
últimas décadas, outras leituras têm se colocado como alternativas viáveis,
leituras que lançam um olhar mais pragmático a esses registros. Uma forte
posição da academia que vendo consolidada nos dias de hoje é considerar que
as inscrições rupestres não foram produzidas para representar eventos
ocorridos na história do grupo que o produziu, não funcionando, portanto, como
registros do cotidiano de tal grupo. Esta refutação em muito se deve à
observação de certas pinturas rupestres em que são representados animais
que, à época de sua produção, não perambulavam pelo território em que tais
registros foram encontrados, tendo ou sido extintos, ou migrado daquela região
décadas ou séculos antes, não sendo, portanto, possível ao “artista pré-
histórico” ter tido contato com eles, muito menos tê-los caçado. Nas palavras
de Leakey, “os pintores do Paleolítico Superior tinham cavalos e bisões em
suas mentes, mas renas e ptármigas em seus estômagos”44.
Desta maneira, no seu cotidiano, tais grupos não mantiveram contato
com tais animais, mas, mesmo assim, eles foram representados nessas
inscrições rupestres. Assim, ou tais animais haviam se afastado do contato
com os humanos, ou os humanos, nômades, haviam se afastado de tais
animais. Creio que a segunda hipótese, mesmo sendo possível, é improvável,
visto que tais povos, ao viverem da caça e da coleta, precisavam manter-se
próximos aos grandes animais que lhes serviam de alimento, e não se afastar
deles. Creio que também não se sustenta a hipótese de que os homens, por

44
LEAKEY, Richard. A origem da espécie humana. Rio de Janeiro, Rocco, 1995, p. 108.
54

meio da caça, teriam levado esses animais à extinção. Por serem seres que
viviam no mundo natural e com ele se relacionavam, é extremamente provável
que os homens tivessem conhecimento do impacto que iriam provocar sobre o
meio ambiente se caçassem desmedidamente tais animais. A extinção da
mega-fauna deve estar mais associada às mudanças climáticas que assolaram
o globo naquele período – final da Era Glacial e reaquecimento da Terra –,
consistindo a caça humana apenas em um elemento que pode ter ajudado a
eliminar alguns desses animais, mas não sendo a principal causa de sua
extinção45.
Por sua vez, existem registros arqueológicos de interações do homem
com seres que, pelo próprio conhecimento científico moderno baseado no
registro paleontológico, teriam sido extintos mesmo antes da existência do
próprio homem. É assim que algumas inscrições trazem, por exemplo, um
guerreiro inca montando um animal que se assemelha muito a um
Tricerátops46. Isto serve ainda hoje como bandeira política na defesa da
postura criacionista que afirma que homens e dinossauros conviveram a partir
do sexto dia da criação, e na refutação do evolucionismo que defende que
dinossauros foram extintos há 65 milhões de anos e que os primeiros
hominídeos datam, no máximo, de 8 milhões de anos. Admitir que o registro
prova a coexistência entre humanos e dinossauros consiste em desconsiderar
a capacidade criativa dos homens, assumindo uma postura que só consegue
admitir uma representação de eventos realmente ocorridos e de seres
efetivamente existentes e visíveis, e não de eventos imaginados ou criados
pela mente humana.
Os arqueólogos e pré-historiadores, entretanto, desde que tomaram
como objeto de estudo o nascimento da criatividade humana passaram a
enunciar que o referente não necessariamente é um elemento do mundo
material presente, ou seja, aquilo do mundo natural que é representado na
inscrição pode estar presente ou ausente no momento da atividade, pois esta é

45
Cf. NEVES, Walter Alter et PILÓ, Luís Beethoven. O povo de Luzia – em busca dos
primeiros americanos. São Paulo: Globo, 2008; FUNARI, Pedro Paulo et NOELLI, Francisco
Silva. Pré-história do Brasil. São Paulo: Contexto, 2006.
46
THOMAS, Art. “Did Dinosaurs and Human Exist?”. Supernatural Truth. 26 ago. 2008.
Disponível em: http://apologetics.supernaturaltruth.com/uploaded_images/Inca-Burial-Stone-
1-721653.jpg. Acesso em: 6 jun. 2009.
55

criativa, e não apenas reprodutiva47. Desta maneira, a possibilidade de


abstração da materialidade do mundo para produção artística é informada pela
capacidade criativa que o homem tem de reelaborar mentalmente a matéria e,
conforme seu desejo, produzir algo diferente.
Desta maneira, os caçadores-coletores não precisavam estar
efetivamente olhando para tais animais, ou terem eles por perto, para pintar ou
esculpir suas imagens na pedra ou em qualquer outro suporte material.
Poderiam tão somente ter tais imagens em suas mentes e produzir as
inscrições a partir de tal abstração. Essa constatação abre a possibilidade de
que tais animais possam ter se afastado dos lugares ocupados pelos humanos,
ou mesmo ter sido extintos há tempos.
Não havia, portanto, a necessidade de os homens terem convivido com
dinossauros ou quaisquer outros animais para representá-los em suas
produções. Bastaria que nos grupos circulasse, por meio da tradição oral, uma
determinada imagem, um modelo mental abstrato construído sobre um
determinado animal, que seria representado quando da inscrição no suporte
material48. A linguagem, portanto, como elemento de comunicação e sistema
simbólico referencial possibilitado, segundo os arqueólogos, pela Revolução
Criativa, deve ter exercido esse papel.

[É possível que] antes do Salto, a linguagem pudesse ser usada


apenas para falar sobre coisas que estivessem presentes na cena
naquele momento. Talvez algum gênio esquecido tenha percebido a
possibilidade de usar palavras referencialmente, como símbolos de
49
coisas que não estivessem presentes .

Posso citar alguns exemplos conhecidos de registros arqueológicos


que representam seres ausentes, existentes apenas nas mentes dos

47
Cf. MITHEN, 2002.
48
Por outro lado, a leitura de que tais imagens representam dinossauros é uma leitura da
contemporaneidade, uma leitura a partir do lugar social que ocupamos. Enxergamos uma
determinada imagem e lemo-la a partir do que conhecemos hoje, então tendemos a pensar
que ali estaria representado um dinossauro posto que a seqüência de traços delineados nos
faz lembrar da imagem de um dinossauro conforme construída pelo nosso conhecimento
científico. É nossa cultura, portanto, que lê tais traços enquanto um desenho de um
dinossauro. Outras culturas poderiam lê-lo com outros referenciais e interpretá-lo de outra
maneira. Não temos, portanto, como saber o que o artista inca quis, na verdade, representar
quando fez tais traços na pedra.
49
DAWKINS, 2009, p. 57.
56

caçadores-coletores do Paleolítico Superior, ou como lembrança, ou como


criação. A pintura que ficou conhecida como “o Feiticeiro”, encontrada na
caverna de Trois-Frères, na região de Midi-Pyrénées, sudoeste da França, é
talvez o registro mais conhecido de todos. “A criatura está ereta apoiada sobre
suas patas traseiras, sua face voltada para quem a contempla”, informa
Leakey50. “Uma figura pintada de pé, com pernas e mãos que parecem
humanas, mas com costas e orelhas de um herbívoro, os chifres de uma rena,
a cauda de um cavalo e um pênis posicionado como o de um felino”, segundo a
descrição de Mithen51. Consiste, desta maneira, em um híbrido de vários
animais presentes na natureza formando um ser inexistente, uma mistura de
elementos que não existe efetivamente – e, até improvável demonstração em
contrário, jamais existiu. Até algumas décadas atrás, entretanto, quando os
arqueólogos não se debruçavam sobre o estudo do nascimento da criatividade,
o Feiticeiro de Trois-Frères era considerado como uma representação de um
“homem disfarçado como corça”52.
Tem-se ainda como exemplos a criatura pintada no Salão dos Touros
da caverna de Lascaux, em Périgord, também no sudoeste francês, conhecida
como “o Unicórnio”, podendo representar, segundo Leakey, “um humano
disfarçado de animal ou pode ser uma quimera”53, assim como a estatueta de
30 centímetros de um “homem-leão” encontrada em Hohlenstein-Stadel, no
sudoeste da Alemanha, “uma figura fantástica com uma cabeça de leão
plantada inequivocamente num corpo humano”54, todos com datas estimadas
do Paleolítico Superior.
Interpretar, portanto, as inscrições como retratos do dia-a-dia dos
povos caçadores-coletores é uma leitura que já não mais se sustenta no meio
científico nos dias hoje. A tentativa de vinculá-las a uma atividade mística e
religiosa que influenciasse na caça, hipótese nascida da comparação com a
produção e as intenções “artísticas” dos povos australianos observadas pelos

50
LEAKEY, 1995, p. 107.
51
MITHEN, 2002, p. 264.
52
COON, Carleton S. A história do homem – dos primeiros humanos aos que podem ser os
últimos [trad. Milton Amado]. Belo Horizonte: Itatiaia, 1960, s.p. (Gravura 4, entre as páginas
80 e 81).
53
Cf. LEAKEY, op. cit.
54
KLEIN et EDGAR, 2005, p. 217.
57

antropólogos do início do século XX, ganhou força com a influência acadêmica


de Henry Breuil, mas passou a declinar com a sua morte, na década de 196055.
Segundo esta leitura, a representação da imagem de um animal na pedra
durante um ritual xamânico teria poderes mágicos de evocar tal animal para
próximo ao grupo que o produzisse. Assim, a posse da imagem no plano
cultural propiciaria a posse do animal no mundo natural. Se os caçadores
podiam “dominar” a caça por meio da manipulação de sua imagem, podiam
também dominar a caça no plano concreto. A representação do animal,
portanto, teria como efeito imediato a subjugação da caça56.
Nesta linha de raciocínio, os rituais de produção artística teriam como
objetivo primordial produzir uma imagem mágica funcional para aqueles
grupos. Por um lado, poderia servir como evocação do animal real, isto num
contexto em que os animais para a caça haviam deixado o território habitado
pelos humanos e migrado para regiões distantes. A representação na pedra,
fosse pela pintura, fosse pela escultura, teria, conforme essa leitura, a função
de evocá-los de volta às regiões ocupadas pelos homens. Por outro lado, a
própria imagem poderia vir a se transformar no animal representado, fazendo
com que a caça se materializasse da maneira como havia sido pintada ou
esculpida. Estas explicações responderiam por que os animais são em geral
mais ricamente representados do que os humanos, que na maior parte das
vezes não passam de rabiscos na pedra – já que o ritual se destinaria a uma
ação sobre os animais, e não sobre os humanos. Explicaria também por que
muitas vezes os animais são representados já feridos, enfraquecidos, mais
fáceis de serem caçados pelos homens caso fossem evocados pela magia ou
se materializassem da pedra, como o “Cervo Ferido”, em San Román de
Candamo, em Astúrias, Espanha, e a “Corça Ferida”, em Laugerie Basse,
França57.
A posse e a elaboração da imagem do animal, assim, por meio de sua
produção artística, fariam com que o homem tivesse posse sobre o animal real.
Representá-lo, portanto, na pedra, parece exercer uma função pragmática para

55
LEAKEY, 1995, p. 108.
56
Cf. JANSON, H. W. Iniciação à história da arte. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
57
“ARTE pré-histórica”. Portal da Arte. Disponível em: http://www.portaldarte.com.br/artepre
historica.htm. Acesso em: 26 jul. 2009.
58

esses grupos, estando a produção dessa “arte” indissoluvelmente atrelada à


atividade ritual comandada por xamãs, que seriam os sujeitos que mais
facilmente teriam acesso a um mundo espiritual e às práticas de magia58.

A julgar pelo que sabemos sobre raças primitivas, é muito provável


que o estímulo para a produção dessas pinturas fosse mágico, sendo
seu objetivo fixar na parede ou no teto de uma caverna um evento –
usualmente a morte de um animal – cuja realização se esperava no
59
futuro, em outro lugar.

Mas isto não explica por que são retratadas cenas que não têm a ver
com caça, conforme pode ser constatado com a imensa quantidade de mãos
negativas nas cavernas européias, mãos positivas nas pinturas americanas,
bem como com as cenas sexuais e ritualísticas, muito menos as
representações geométricas encontradas em praticamente todos os sítios
arqueológicos pelo mundo, que incluem “pontos, grades, asnas, curvas,
ziguezagues, curvas similares que se encaixam uma dentro da outra e
retângulos”60. Este estilo, o geométrico, geralmente visto como “arte menor”
quando comparado às demais pinturas, pode, por sua vez, representar
efetivamente o grande avanço da vida social dos caçadores-coletores,
conforme será visto mais à frente.
Alguns arqueólogos, entretanto, presos demais ainda à idéia de
objetividade que caracteriza a sua ciência, posto ela ter nascido enquanto
técnica, refutam tal leitura por considerar que não existem indicações empíricas
que a ratifiquem – André Leroi-Gourhan, por exemplo, recusava-se a interpretar
as pinturas rupestres como símbolos de crenças e sentimentos religiosos,
afirmando que fazê-lo seria uma temeridade, pois, sem verificabilidade
empírica, tal coisa seria “trair o homem das cavernas”61.
Não temos como saber exatamente o que queriam aqueles homens
quando se arriscavam pelos interiores de cavernas como Lascaux, Chaveut,
Cosquer, Trois-Frères e Niaux, na França, Altamira, em Espanha, Hohlenstein-

58
Cf. JANSON, 1996.
59
WHITROW, G. J. O tempo na história: concepções do tempo da pré-história aos nossos
dias [trad. Maria Luiza X. de A. Borges]. Rio de Janeiro: Zahar, 1993, p. 35.
60
LEAKEY, 1995, p. 112.
61
LEROI-GOURHAN, Andre. Religiões da Pré-História. Lisboa, PT: Edições 70, 2007, p. 134
(Perspectivas do homem).
59

Stadel, na Alemanha, ou em quaisquer outras das mais de trezentas cavernas


pintadas já conhecidas na Europa, bem como também não temos como saber
com quais interesses os nossos antepassados americanos produziam também
pinturas e gravuras em pedras ao ar livre, muitos no decurso de rios, no
chamado “novo mundo”, podendo tão somente conjecturar sobre sua
importância. As hipóteses levantadas pelos estudiosos, de arqueólogos a
historiadores da arte, passando por antropólogos e psicólogos, dentre outros,
são as mais diversas possíveis, e em determinados momentos conquistaram
mais fortemente o cenário acadêmico como enunciados verdadeiros.
De necessidade humana pela criação, da “arte pela arte”, como vista
no início do século XX, a uma necessidade utilitária, como tem sido visto nas
últimas décadas, o que parece não ser refutado mais nos dias de hoje é que as
pinturas e gravuras rupestres eram meios de gravar em um suporte material
uma determinada informação, fosse relativa ao passado, ao presente ou ao
futuro de certo grupo. O próprio ato de pintar demonstrava que as noções de
tempos diferenciados já começavam a ser elaboradas na cabeça daqueles
homens, mesmo ainda não se podendo afirmar serem elas devidamente
definidas por eles. Foi por meio da elaboração abstrata do pensamento que o
homem passou a elaborar imagens que representavam eventos ocorridos,
trabalhados enquanto memória, e elaborar imagens de eventos que poderiam
vir a acontecer, trabalhados enquanto planejamento62.
Desta maneira, em algum momento do passado, o homem, por meio
da elaboração de pinturas e gravuras, estava registrando informações que só
existiam na sua cabeça, enquanto memória ou enquanto planejamento,
enquanto passado ou enquanto futuro. Estava, assim, diferenciando-se dos
animais ao deixar de viver tão somente na imediatidade do tempo presente e
ao elaborar um conceito abstrato mais complexo sobre o qual ainda se vive nos
dias de hoje63.

62
Cf. WHITROW, 1993.
63
Cf. NIETZSCHE, Friedrich. “II Consideração Intempestiva sobre a utilidade e os
inconvenientes da História para a vida”. In: MELO SOBRINHO, Noéli Correia de (org.)
Escritos sobre a História – Friedrich Nietzsche. Rio de Janeiro: PUC-RJ, São Paulo:
Loyola, 2005,pp. 67-178.
60

Se olho para as pinturas das cavernas européias datados de antes de


quinze mil anos atrás e vejo lá retratados com extrema riqueza de detalhes
vários animais como bisões, cervos, veados, etc., e olho para os registros
rupestres mais recentes, do final do Paleolítico Superior, muitos encontrados
no Brasil, especialmente os registros classificados como “tradição
geométrica”,que abandonaram as representações de animais e pessoas e
passaram a compor gravuras não-figurativas, sou levado a pensar que ambos
fazem parte de um mesmo – não intencional e não finalista – movimento: o
movimento que culminou com a produção da escrita.
Whitrow, ao analisar a emergência do ato de pensar sobre a
experiência, que caracteriza os primeiros pensadores, afirma que pensar sobre
um mundo que está constantemente em mudanças é difícil para uma mente
que se proponha a tal. O próprio pensamento para poder ser formulado precisa
tornar o mundo algo estável, então precisa ver o mundo a partir de formas
estáticas, a fim de possibilitar a formulação de um pensamento sobre ele.

De fato, a própria linguagem introduziu inevitavelmente um elemento


de permanência num mundo evanescente. Pois, embora a fala seja
em si mesma transitória, os símbolos sonoros convencionados da
linguagem transcenderam o tempo. No nível da linguagem oral,
entretanto, a permanência dependia exclusivamente da memória.
Para obter um maior grau de permanência, os símbolos da fala oral
tiveram que ser convertidos nos símbolos espaciais da fala escrita.
Os primeiros registros eram simples representações pictóricas de
objetos naturais, como aves e animais. O passo seguinte foi a
ideografia, pela qual os pensamentos eram simbolicamente
representados por desenhos de objetos concretos. A etapa decisiva
na evolução da escrita ocorreu quando esses sinais se converteram
em ideogramas, isto é, representação de coisas que são ouvidas.
Essa conversão de símbolos sonoros no tempo em símbolos visuais
64
no espaço foi o maior passo singular na busca da permanência.

A escrita aparece na história como meio de tornar estática uma


determinada realidade, determinadas formas de comunicação que se dão por
meio da fala, oralmente, que são transformadas em símbolos gráficos e
inscritas em suportes materiais, tais como pedra, ossos e, com o tempo, placas
de barro, placas de argila, papiro, papel, etc. Mesmo que a historiografia não
reconheça enquanto escrita as inscrições rupestres do Paleolítico Superior,

64
WHITROW, 1993, p. 37.
61

conhecidas como “arte rupestre”, datadas de pelo menos 40 mil AP, e


reconheça a origem da escrita apenas com a invenção da forma cuneiforme de
comunicação, na suméria por volta de 6 mil AP, em ambos os momentos
reconheço a elaboração de uma série de inscrições gráficas que tinham por
propósito estabelecer alguma comunicação relacionando tais símbolos a
eventos do mundo natural.
Seriam, portanto, essas informações extraídas das cabeças dos
homens do passado e registradas na pedra, as primeiras formas de escrita
produzidas por nossa espécie? Em que se diferenciam as inscrições rupestres
de 40 mil AP da escrita cuneiforme de 6 mil AP?
Conforme visto acima, os estudiosos afirmam que, para a elaboração
da escrita cuneiforme, foram necessários certos movimentos na história,
iniciando com a elaboração de certos símbolos gráficos e convencionando-se
que eles representavam fonemas da linguagem oral – estes mesmos já
convencionados como representativos de eventos do mundo identificáveis pelo
grupo65. Ou seja, em um momento de nosso passado, passou-se a
convencionar que certas idéias, então expressas tão somente por meio da
linguagem oral, poderiam ser expressas por meio de símbolos representativos.
Tais símbolos, inicialmente imagens de animais, plantas ou mesmo pessoas,
com o tempo foram sendo reelaborados até perderem completamente a
relação com o referente que representavam e permanecerem tão somente
enquanto símbolos identificados apenas por aqueles que tenham acesso aos
códigos culturais inventados pelas sociedades que os produziu, posto que as
formas de registro se tornaram tão somente convenções, perdendo o seu
caráter referencial direto. O leitor deste texto, por exemplo, só tem acesso às
informações aqui presentes porque, em algum momento de sua formação, a
ele foram ensinados os símbolos gráficos da língua em que está escrito,
fazendo com que cada traço que aqui vê represente para ele um fonema da
língua oral, a união de traços, uma palavra, a união de palavras, uma certa
idéia. Para, portanto, poder ligar símbolos a idéias, é preciso que o sujeito
pense por meio da abstração, em termos simbólicos, só assim ele poderá ver
65
Para uma discussão acerca das hipóteses de origem da linguagem, cf. FRANCHETTO,
Bruna et LEITE, Yonne. Origens da linguagem. Rio de Janeiro: Zahar, 2004 (Ciências
Sociais, passo a passo, vol. 41).
62

traços escritos e lê-los enquanto idéias e informações. O chamado


“analfabeto”, por sua vez, é justamente aquele que desconhece o código
lingüístico, ou seja, aquele a quem não foram ensinadas as correspondências
entre significante e significado, impossibilitando-o de ligar o símbolo gráfico à
idéia que ele representa na cultura em que se insere66.
Entretanto, a própria linguagem, oral ou escrita, é um produto cultural,
sendo produzida a partir de necessidades locais de cada grupo, e muitas
vezes, quando comparadas diferentes línguas, percebe-se que grupos
diferentes podem se referir a idéias semelhantes por meio de símbolos
distintos67, mas, por outro lado, podem também se referir a idéias distintas por
meio de símbolos semelhantes68. Refiro-me, no primeiro exemplo, às palavras
cognatas, e, no segundo, aos falsos cognatos, conhecidos dos estudantes de
línguas estrangeiras. Da mesma maneira, até quando escritas iguais ou de
formas semelhantes, certas palavras representam fonemas orais falados
distintos, mesmo quando as línguas possuem um tronco comum semelhante e
sua separação se deu recentemente69. Ainda, palavras que sejam escritas da

66
Cf. HORCADES, Carlos M. A evolução da escrita: história ilustrada. Rio de Janeiro: Senac
Rio, 2004, 126p.
67
O mais comum, com milhares de exemplos, que consiste justamente nas diferentes maneiras
de cada língua se referir aos seus elementos. “Pai”, portanto, é assim escrito em Português,
mas é o “pater” do latim, o “padre” do Espanhol e do Italiano, o “father” do Inglês, o “Vater” do
Alemão, o “Père” do Francês, etc.; a “mãe” do Português que é a “madre” do Italiano, a
“mother” do Inglês, a “Mutter” do Alemão, a “Mère” do Francês, e assim por diante.
68
Por exemplo, a palavra “will” é um verbo comum tanto à língua inglesa quanto à americana,
mas, enquanto no Inglês representa o futuro do verbo to be (“ser” ou “estar”) para qualquer
pronome pessoal (I, you, he, she, it, we, you e they), no Alemão representa o verbo “querer”
(wöllen) no presente apenas para a primeira pessoa pronominal (ich). A palavra francesa
“despuis” pode parecer aos falantes da língua portuguesa o nosso “depois”, mas significa o
nosso “desde”. Por sua vez, o caso mais conhecido pelos brasileiros de falso cognato é o
verbo inglês to push, que, na verdade, não representa o verbo português “puxar” (no Inglês,
to pull), mas “empurrar”.
69
Um exemplo é a pronúncia de palavras com a letra “w” em duas línguas próximas, o Inglês e
o Alemão, ambos do tronco Germânico. Enquanto no Inglês o “w” representa um som
semelhante ao da letra “u”, no Alemão seu som é próximo ao da letra “v” (portanto, a palavra
“will” é pronunciada como “uil” para o Inglês, enquanto que para o Alemão sua pronúncia
corresponde a “vill”). Posso citar também, dentre vários outros exemplos, o “v” como falado
no Português (“vê”) e como falado no Espanhol (com som aproximado ao “bê” português, daí
a grafia das cidades de “Córdova” e “Vivar” muitas vezes aparecerem como “Córdoba” e
“Bivar” nas traduções brasileiras), ambos do tronco latino (Cf. FRANCHETTO et LEITE,
2004). Semelhantes são as formas inglesa e alemã de dizer o nome (My name is... e Mein
name ist...), mas distintas são as pronúncias como as palavras são ditas (a pronúncia alemã
se assemelha mais à pronúncia de um falante da língua portuguesa lendo a frase – “name” é
“nãmé”, enquanto no Inglês “name” é “neime”).
63

mesma forma, na mesma cultura, mas que sejam faladas ou que representem
elementos diferentes70.
Assim, penso ser possível enxergar as pinturas e gravuras rupestres
como formas de guardar uma informação, de torná-la estática e acessível
àqueles que compartilhem o mesmo código. A diferença entre as pinturas do
início do Paleolítico Superior para as gravuras não-figurativas do final do
Neolítico assenta-se no requinte da elaboração representativa abstrata: as
primeiras estabeleciam uma relação ainda próxima com os referentes,
enquanto as últimas já haviam passado por um enxugamento da forma, haviam
perdido a relação direta com o referente e passado por novas atribuições de
significado. Passaram, assim, a representar uma idéia abstrata, mesmo não
tendo mais vínculo com o referente. Esse movimento, entretanto, não foi
premeditado, nem linear. Não consistiu num “processo evolutivo”, mas foi
sendo modificado pelas sociedades a partir das relações que estas mantinham
com seus símbolos. Ainda hoje, por exemplo, o mandarim continua a ser uma
língua cujo alfabeto mantém relações diretas com os referentes, distintamente
do alfabeto que usam as línguas de origem indo-européia71.
Para que esse movimento possa ser possível, portanto, é necessário
que o homem use sua capacidade de pensar abstratamente e que tenha
acesso aos códigos lingüísticos que a cultura convencionou para referenciar o
mundo. Apenas assim é que alguém poderá olhar para os símbolos gráficos
“lápis” e pensar em um elemento que serve para escrever, ou olhar para “cão”
e imaginar um mamífero quadrúpede ou, ainda mais abstratamente, um sujeito
com chifres, rabo vermelho e tridente.
Neste último exemplo reside outro elemento que, segundo os
arqueólogos e pré-historiadores, só foi possível com a Revolução Criativa do
Paleolítico Superior: para os estudiosos, foi apenas com o Salto que o homem
começou a atribuir sentido e significado aos elementos do mundo. A atribuição
de significado é, ainda hoje, talvez o aspecto mais importante da vida social,

70
No Brasil, os regionalismos inventaram maneiras diferentes de se referirem a elementos
semelhantes, assim como pronúncias distintas para os mesmos elementos. A pronúncia da
vogal “e”, aberta nos estados do Nordeste, é mais fechada no Sudeste, por exemplo. No
Inglês, o caso mais exemplar é o da palavra “get”, com diversas possibilidades de uso.
71
Dentre alguns autores que corroboram esta idéia, cf. MITHEN, 2002; AZEVEDO, 2008.
64

pois é por meio da significação que cada cultura faz ler e ver as coisas do
mundo, elegendo algumas como parte integrante de suas vidas, relegando
outras e inventando elementos que não existem no mundo natural para integrá-
los na vida comunitária. A Revolução Criativa está intrinsecamente ligada à
significação: o homem passou a atribuir sentido a pintar na rocha, a gravar
certas informações, assim como também os próprios símbolos gráficos que
estudei nas últimas páginas,que deram origem à palavra escrita, são símbolos
permeados de sentido porque significados foram atribuídos a eles.
A antropologia, desde os seus estudos de campo do início do século
XX, investiga como certas práticas culturais foram sendo elaboradas nos
pequenos grupos tribais que viviam isolados das “sociedades civilizadas”.
Passou-se a perceber que essas comunidades atribuíam poderes mágicos a
elementos do mundo natural, como o Sol, a Lua, os riachos, as montanhas,
etc., assim como as primeiras grandes sociedades da Antigüidade também o
faziam. Mithen, ao analisar o nascimento desse comportamento, afirma que a
sua ocorrência adveio de uma certa confusão entre dois tipos distintos de
inteligência, a naturalista, construída pela relação do homem com os elementos
da natureza, e a social, construída pelo desenvolvimento de relações entre os
sujeitos do grupo. Para ele, a crença em uma vida espiritual e a união dessas
duas formas de inteligência, propiciadas pela fluidez cognitiva que derrubou as
barreiras que separavam as especialidades na mente do homem, levou o
homem a atribuir sentido mágico a elementos que lhe proporcionavam vida –
luz, calor, água, alimento, etc. Unindo, portanto, esses elementos, o homem
passou a considerar que eles eram responsáveis pela vida e por sua
continuidade, atribuindo-lhe significado divino, fazendo nascer, desta maneira,
o que podemos conceber como as primeiras crenças religiosas72.
Para Mithen, entretanto, a noção de religião centra-se na crença de
seres não-físicos os quais são responsáveis pela ordem do mundo natural,
sendo preciso realizar certos rituais para que tal ordem não seja alterada73.
Tanto na divinização de certos elementos do mundo natural, quanto na
invenção de deidades sobrenaturais, incide a atribuição de significados

72
Cf. MITHEN, 2002.
73
Ibid., p. 279.
65

possibilitada pela fluidez cognitiva. No segundo caso, incide mais fortemente a


abstração: entre olhar para o Sol e dizer que ele é uma divindade por dar ao
homem calor e luz necessários para a manutenção da vida e olhar para o Sol e
afirmar que ele é, em verdade, um elemento criado por um ser metafísico que
ninguém nunca viu, mas que é o responsável pela vida, é preciso que a
capacidade de se desprender do mundo material esteja bem desenvolvida.
É esse não desprendimento completo que, segundo Mithen, leva ao
antropomorfismo e ao totemismo, presentes nas comunidades tribais e em
algumas sociedades maiores, que consistem, respectivamente, em atribuir
comportamentos humanos – desejos, vontades, angústias, racionalidade, etc. –
a seres não-humanos, bem como em representar seres imaginários como a
fusão entre humanos e não-humanos – como o Feiticeiro de Trois-Frères,
mistura de homem com animais, conforme já visto. Se o leitor olhar para as
religiões da Antigüidade, verá como elas estão repletas tanto de um quanto de
outro desses comportamentos – veja, por exemplo, no Egito, Rá, o deus que é
o próprio Sol, representado com uma cabeça de falcão; o culto ao boi e ao gato
como divindades; Amon, que se manifestava sob a forma de um carneiro ou de
um ganso; Hórus, que era representado como um falcão cujos olhos são a lua
e o sol; Toth, representado como um íbis ou um homem com uma cabeça e
íbis, etc.74; na mitologia greco-romana, seres como o minotauro, mistura de
homem com touro, e os faunos, com formas humanas, mas com orelhas e
cauda de cavalo; o deus Pã, com chifres e pernas de bode, etc.75. Por outro
lado, os deuses da Antigüidade comportam-se tais quais humanos,
demonstrando ciúme, inveja, raiva, ódio, amor, vingança, etc. – a mitologia
greco-romana é talvez o maior exemplo disto, especialmente nas figuras de
Zeus e Hera.
O antropomorfismo, assim, se por um lado é produzido devido à
interação entre inteligência naturalista e inteligência social, por outro lado é
também produto de uma criação humana, tal qual a arte. Os estudiosos

74
“RELIGIÃO Egípcia”. Portugal Místico. Disponível em: http://portugalmistico.com/artigos-por
-temas-mainmenu-56/temas-religiosos-mainmenu-33/religimainmenu-34/57-outras/102-
religiao-egipcia.html. Acesso em: 27 jul. 2009.
75
COMMELIN, P. Mitologia grega e romana [trad. Thomaz Lopes]. Rio de Janeiro: Ediouro,
[s.d.].
66

afirmam que, ao produzir arte, o homem deixa impregnado nela o seu próprio
olhar sobre o mundo, este, possibilitado pela cultura em que se insere. Isto é
observável quando se lê, a partir de Mithen, que a produção cultural é
determinada pelo modelo mental que se estabelece pela abstração da
materialidade do mundo. Ou seja, o referente, aqui entendido enquanto a coisa
como tal, a coisa material que existe no mundo concreto, passa por um
processo de reelaboração na mente do sujeito, resultando num modelo
abstrato que não existe enquanto natureza, mas apenas enquanto idéia. É
essa imagem abstrata, informada e formada pela cultura, que será o modelo da
produção de cultura artística. O resultado disto, por sua vez, o produto cultural,
será diferente do referente justamente porque este é elemento natural,
enquanto aquele é cultural. Entre a pintura de um bisão na pedra e o bisão do
mundo natural incidiu a abstração mental do sujeito que o pintou a partir do
modelo que ele elaborou informado por sua cultura.
As maneiras de elaborar esses modelos, ou seja, as maneiras de ver o
mundo, são possibilitadas pela cultura, que estabelece o que deve ser visto e o
que não deve ser visto, o que deve ser registrado e o que não deve ser
registrado. O olhar, portanto, é histórico e culturalmente possibilitado. É
justamente esse possibilismo que faz com que as produções culturais sejam
identificadoras da cultura onde foram desenvolvidas. A cultura é produto
humano, portanto, nela identificam-se traços de seu criador76.
Com a religião não é diferente: enquanto produção cultural, nela
podemos identificar os elementos que permeiam a sociedade que a produziu.
Disto, percebo que o antropomorfismo dos deuses antigos nada mais é do que
a própria sociedade antiga produzindo sujeitos a partir de seus valores: se os
deuses gregos, romanos e egípcios sentiam raiva, ciúme, amor e ódio, era
porque as sociedades gregas, romanas e egípcias sentiam raiva, ciúme, amor
e ódio. Os deuses gregos não são sujeitos divinos que sentem as mesmas
emoções dos mortais, mas sujeitos inventados pelos mortais para corresponder
a certas necessidades humanas. Se apresentam as mesmas emoções dos
humanos é porque eles são produtos das cabeças dos humanos, que não

76
Cf. MITHEN, 2002.
67

tinham como pensar diferente naquele momento, então produziram deidades


que eram resultado de sua própria cultura.
Não é diferente quando se analisa o deus judaico-cristão. Aliás, aqui há
que se estabelecer sim uma diferença: o deus judaico não é o mesmo deus
cristão. O primeiro, do Velho Testamento, foi produto de uma sociedade
guerreira que vivia em conflitos com as outras sociedades estabelecidas na
antigüidade e que, para se manter coesa, produziu um deus forte e impiedoso
que levaria o povo hebraico à vitória por meio da luta77. Já o segundo, do Novo
Testamento, foi produto de uma sociedade completamente diferente, uma
sociedade que pretendeu estabelecer conciliação com o Império Romano a
qual estava subjugada e que acabou produzindo um deus cujo incentivo maior
era a paz e o amor aos próximos78. Em cada deus, portanto, podem-se
identificar traços da cultura que o produziu. Desta maneira, inverte-se o
postulado cristão clássico, alterando a lógica religiosa e impondo-se uma lógica
humanista79. Enuncia-se o que já aparecia no século XIX pela filosofia de
Nietzsche, mas que foi apenas retomado com seriedade a partir da década de
1960, quando o autor de Ecce Homo foi trazido para o âmbito das discussões
acadêmicas. Foi no final do século XX, portanto, especialmente pela atuação
acadêmica de estudiosos como Michel Onfray e Richard Dawkins, que ganhou
forte espaço científico a máxima nietzscheana de que “o homem, em seu
orgulho, criou Deus à sua imagem e semelhança”80.

77
Para um amplo e aprofundado estudo sobre as lutas do povo judeu e as perseguições de
que foi vítima, cf. JOHNSON, Paul. História dos judeus. 2 ed. [s.l.]: Imago, 1995, 683p.;
SCHEINDLIN, Raymond P. História ilustrada do povo judeu. Ediouro, 400p. Para
referências bíblicas de o deus hebraico tendo comportamentos humanos, como ira, vingança
e arrependimento, cf. FREITAS, João de. “O homem criou Deus à sua imagem e
semelhança”. Usina de Letras. Mar. 2002. Disponível em: http://www.usinadeletras.com.br/
exibelotexto.php?cod=6649&cat=Artigos. Acesso em: 27 jul. 2009. Leia também
SCHWARTSMAN, Hélio. “Deus e o jardim das delícias”. In: Folhaonline. Jul. 2009.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/helioschwartsman/ult510u595384.
shtml. Acesso em: 29 jul. 2009.
78
Cf. NIETZSCHE, Friedrich. O anticristo [trad. Pietro Nassetti]. São Paulo: Martin Claret,
2000, 112p. [Obra Prima de Cada Autor, v. 50]; JOHNSON, Paul. História do cristianismo.
[s.l.]: Imago, 2001, 680p.
79
Cf. FEUERBACH, Ludwig. A essência do cristianismo [trad. José da Silva Brandão].
Petrópolis: Vozes, 2007, 344p.
80
“DEUS – o que existe acima de nós?”. Superinteressante especial. Ed. 263, ano 23, n. 3,
São Paulo, 2009, p. 65. Cf ONFRAY, Michel. Tratado de ateologia – física da metafísica
[trad. Monica Stahel]. São Paulo: Martins Fontes, 2007; DAWKINS, Richard. Deus, um
delírio [trad. Fernanda Ravagnani]. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, 528p. Contra,
68

Se a Revolução Criativa foi responsável por levar o homem a fazer


associações entre sons e coisas, levando à origem da linguagem articulada, e
a inventar mundos e seres abstratos, retratando-os por meio da produção
“artística” ou celebrando rituais religiosos em homenagem a eles e aos
espíritos dos seus mortos, a significação que fez com que passado e futuro
passassem a existir na vida desses homens também levou a mudanças até
mesmo em práticas naturais, instintivas.
A psicanálise já há algum tempo se debruça sobre as origens do
comportamento sexual humano e, mesmo que não se fale especificamente em
Revolução Criativa, os autores buscam identificar em que momento o homem
passou a ser um ser sexual, não somente um ser sexuado. Em outras palavras,
tenta-se identificar quando o ser humano dissociou a atividade sexual do ato
reprodutivo.

Esquematicamente, até a aparição do homem a sexualidade e a


reprodução mantêm-se quase confundidas; com a hominização, em
decorrência do descompasso entre a sexualização neuropsíquica e a
tardia maturação das gônadas, necessária à reprodução, instaura-se
uma possibilidade de dissociação entre reprodução e sexualidade,
que passa então a poder se manifestar fora do domínio da
reprodução, isto é, nos do psiquismo e do comportamento, o que
transforma profundamente as relações entre os sexos e entre filhos e
81
pais.

Bourguignon, desta maneira, tenta perceber o processo de


transformação dos hominídeos em homens, ou seja, identificar, conforme já
estudado no capítulo anterior, a partir de que momento podemos falar em
nascimento da “humanidade”, entendida enquanto um conceito subjetivo que
pretende se referir à emergência de comportamentos que identificamos
enquanto humanos. A análise centra-se especificamente no nascimento do
comportamento sexual que consideramos humano, opondo-o ao
comportamento sexual animal.
Interessa-me recuperar daquele autor o que é dito acerca da mudança
na posição do coito, de dorso-ventral, comum a diversos animais sexuados,

cf. MCGRATH, Alister et MCGRATH, Joanna. O delírio de Dawkins – uma resposta ao


fundamentalismo ateísta de Richard Dawkins. [s.l.]: Mundo Cristão, 2007, 156p.
81
BOURGUIGNON, André. “Hominização e sexualidade”. In: História natural do homem [trad.
Maria Borges]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990, p. 187 [vol. 1: O Homem Imprevisto].
69

para ventre a ventre, ou face a face, apenas observável nos humanos, em


orangotangos e em chimpanzés. Em sua análise psicanalítica, Bourguignon
afirma que a nova posição, “impondo (...) a posição do repouso e do abandono,
tornou-se (...) uma relação muito mais rica, muito mais complexa”, isto porque
os olhares passaram a se falar, os lábios a se unir, as mãos a se acariciar e a
cerrar-se, passando o ato sexual a ser “uma ocasião de comunicação íntima
entre dois seres que se encaram”82.
A nova posição, “papai-e-mamãe”83, proporcionou também o acesso
dos parceiros à visualização do corpo do outro, aos “seios, o triângulo
desenhado pelos pêlos pubianos (...), a silhueta e o olhar”84, tornando o prazer
sexual algo incrementado pelo sentido do olhar, e não, como em outros
animais, pelo olfato, tendo este perdido muito de sua importância quando da
instauração do bipedalismo.
A atividade sexual humana, portanto, tornou-se extremamente rica
porque, devido a esses e outros elementos que aproximaram cada vez mais os
parceiros, a ela foram atribuídos outros significados que não somente o da
reprodução ou do mero prazer corporal por meio da estimulação dos órgãos,
conforme é caracterizada a atividade sexual animal85.

82
BOURGUIGNON, 1990, p. 190.
83
SIMONNET, Dominique et COURTIN, Jean. “Cena 1: A pré-história – a paixão do Cro-
Magnon”. In: SIMONNET, Dominique et al. A mais bela história do amor – do primeiro
casamento na Pré-História à Revolução Sexual no século XXI [trad. Rejane Janowitzer]. Rio
de Janeiro: Difel, 2003, p. 26.
84
BOURGUIGNON, op. cit., p. 190.
85
Até há poucas décadas, os cientistas caracterizavam o sexo dos animais como visando
exclusivamente a reprodução. Este enunciado em muito serviu de embasamento científico e
religioso para grupos conservadores condenarem o comportamento homoafetivo nos
humanos como “não natural”, como “perversão da natureza”. Até o final do século XX,
entretanto, com a observação de práticas sexuais entre animais do mesmo sexo, inclusive em
primatas como os chimpanzés, por exemplo, reviu-se essa posição, percebendo que o ato
que consideramos sexual pode não visar apenas a reprodução, mas também o prazer por
meio do estímulo dos órgãos, bem como servir como elemento apaziguador de tensões entre
sujeitos de um grupo social (Cf. DURHAM, Eunice Ribeiro. Chimpanzés também amam: a
linguagem das emoções na ordem dos primatas. Rev. Antropol. V. 46, n. 1, 2003, pp. 85-154.
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-7701200300010
0003. Acesso em: 20 mar. 2009; NEVES, Walter Alves et RAPCHAN, Eliane Sebeika.
Chimpanzés não amam! Em defesa do significado. Rev. Antropol. [online]. Vol. 48, n. 2,
julho/dez. 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-
77012005000200008&script=sci_arttext. Acesso em: 20 mar. 2009; WAAL, Frans. Eu,
primata – por que somos como somos [trad. Laura Teixeira Motta]. São Paulo: Companhia
das Letras, 2007; MORRIS, Desmond. O macaco nu – um estudo do animal humano [trad.
Hermano Neves]. 17 ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2008).
70

Mesmo um ato natural, até mesmo instintivo, visto levar à


sobrevivência da espécie, ao prolongamento da própria vida pela disseminação
dos genes, como o sexo, ganhou conotações extremamente complexas
quando passou a ser significado pelos humanos, quando passou a ser
atribuído um sentido diferente daquele a que naturalmente devia servir,
passando inclusive a ser desvinculado desse sentido. A significação do sexo
pelos homens, portanto, fez com que o ato sexual fosse constituído não mais
como um ato natural, mas um ato propriamente cultural, repleto de significados,
permissões e interdições.
A cultura, assim, como resultado do ato de atribuir significados aos
elementos do mundo, age também como maneira de conter certas vontades,
de calar certos instintos, de interditar certos desejos.
O pensamento moderno construiu uma dicotomia que opunha cultura a
natureza86, estabelecendo o progresso como carro chefe que levaria à
civilização entendida como projeto último da humanidade, pretendeu formar o
homem puramente cultural, destituído de sua natureza, negador de seus
instintos. No século XX, com o reconhecimento da falência das teorias
formuladas pela frenologia, craniometria e antropologia criminal, que tentavam
relacionar a anormalidade e a criminalidade à natureza humana, buscando
descobrir, como o próprio Césare Lombroso pretendeu, o “criminoso nato”87,
estabeleceu-se que a criminalidade não vinha da natureza humana, mas
consistia em um elemento bem mais complexo que era gestado no seio da
própria sociedade. A busca pelo desvio, portanto, nas ciências sociais, deixou
de ser feita na natureza do homem e passou a ser realizada nos elementos da
sociedade que poderiam gestar esse comportamento desviante. A cultura,
assim, foi eleita enquanto principal elemento formador dos sujeitos, e muitos
estudos passaram até mesmo a considerá-la o único elemento, a panacéia
para todos os comportamentos humanos. Relegava-se, assim a própria

86
Cf. LATOUR, 1994.
87
DARMON, Pierre. Médicos e assassinos na Belle Époque [trad. Regina Grisse de
Agostino]. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1991.
71

natureza humana, como se esta não existisse, como se o homem não fosse um
animal, tal qual os demais animais da natureza88.
Assim como o século XIX havia inventado o determinismo geográfico e
o determinismo biológico, o século XX inventou, especialmente a partir da
década de 1960, o determinismo cultural, elegendo a cultura como elemento
que determinaria todo o comportamento humano. A mente do recém nascido,
portanto, seria uma tábula rasa que deveria ser escrita pelos pais e pela
sociedade, pela cultura que estes produzirem.
Esse tipo de leitura, entretanto, entrou em declínio ainda no final do
século que o produziu, por pensadores que criticaram a postura privilegiada
que a espécie humana continuava a ter nessa teoria. Se desde Darwin sabe-se
que o homem não é nada mais do que um animal, então por que ele seria o
único animal da árvore evolutiva a não possuir uma natureza?
Aqui se dá uma das grandes querelas científicas do final do século XX,
que identifico como sendo entre os estudos sociais que reduzem o homem à
determinação social e os estudos biológicos, especialmente na área da
psicologia evolutiva, para identificar o porquê de nossos comportamentos.
Para os chamados psicólogos evolutivos, tais como Richard Dawkins e
Steven Pinker89, a melhor maneira de compreender algumas características
mentais e psicológicas dos seres humanos, tais como a linguagem, a memória,
a percepção, a agressividade, o desejo sexual, etc., é olhar para a evolução da
espécie e como ela foi se adaptando por meio da seleção natural e sexual às
situações. Para este ramo da ciência, que tem como base a teoria da evolução
de Darwin unida à genética de Mendel – o que se convencionou chamar de
“síntese moderna da evolução” ou “neodarwinismo” –, as respostas
psicológicas, tais como as adaptações morfológicas, inscrevem-se nos genes
dos sujeitos e, desta maneira, são transmitidas à sua descendência. Vista daí,
a mente, diferentemente do que defendem alguns estudos sociais, já viria com
uma ampla gama de conhecimentos e respostas a situações herdados das
gerações anteriores e transmitidos pelos genes.

88
Cf. LATOUR, Bruno. A esperança de Pandora – ensaios sobre a realidade dos estudos
científicos [trad. Gilson César Cardoso de Sousa. Bauru, SP: EDUSC, 2001.
89
Cf. PINKER, Steven. Tábula Rasa – a negação contemporânea da natureza humana [trad.
Laura Teixeira Motta]. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
72

Desta maneira, vários dos comportamentos humanos não estariam


inscritos nos homens pela experiência, pela cultura ou pela sociedade, nem
teriam sido aprendidos em seu próprio tempo de vida, mas seriam respostas
que os seus antepassados encontraram e, por terem se mostrado bem
sucedidas para a sobrevivência da espécie, inscreveram-se nos genes e
tornaram-se responsáveis por aqueles comportamentos.
Transcrevo, logo abaixo, um excerto de uma reportagem veiculada no
Brasil no ano de 2007 que analisa os resultados de uma experiência realizada
por psicólogos evolucionistas nos Estados Unidos.

O sexo, hoje, tem pouca relação com o ato de fazer filhos. Você sabe.
Nenhum adolescente pensa em engravidar 10 meninas quando vai
viajar para o Carnaval. Mas os genes dele não fazem idéia de que
existem camisinhas e tudo o mais, então deixam o rapaz com
vontade de transar com 10 garotas e pronto. Se tudo der certo, esses
genes poderão instalar-se no útero de um monte de meninas e
construir um monte de bebês (várias máquinas de sobrevivência
novinhas em folha!).
Do ponto de vista das fêmeas a história é outra: transar com 10
sujeitos num feriado não vai "render" 10 filhos para os genes dela se
instalarem. Vai dar é uma baita dor de cabeça. Os contraceptivos
poderiam deixá-las livres para fazer sexo só pelo prazer com um
monte de seres do sexo oposto, como qualquer homem faz (ou tenta
fazer). Mas não. O cérebro delas evoluiu para selecionar os melhores
parceiros, ter poucos (e bons) filhos, não para tentar a sorte com
qualquer um. Sem falar que, do tempo dos nossos ancestrais
caçadores coletores até o século 20, sexo casual para elas era correr
o risco de acabar com um bebê indesejado. Aí não tem ideologia
liberal nem pílula que dê conta de superar esse "trauma" evolutivo.
Psicólogos da Universidade Stanford, nos EUA, checaram isso com
uma experiência simples. Contrataram homens e mulheres atraentes
para abordar estudantes e dizer: "Você gostaria de ir para a cama
comigo hoje?" Nenhuma mulher aceitou. Já as garotas tiveram
resultados melhores: 75% dos homens toparam no ato. Dos 25%
restantes, a maioria pediu desculpas, explicando que tinha marcado
de sair com a namorada. Pois é: do ponto de vista da seleção natural,
uma bela fêmea disponível é um bem valioso demais para ser
desperdiçado. Nenhum homem se surpreende com isso (o pessoal da
obra não está só brincando quando diz "ô, lá em casa!"), mas para as
mulheres a verdade da psicologia evolucionista pode soar
assustadora: "O desejo de variedade sexual nos homens é insaciável.
Quanto maior for o número de mulheres com quem um homem tiver
relações, mais filhos ele terá [pelo menos é o que "pensam" os
genes]. Então demais nunca é o bastante", escreveu outro guru do
neodarwinismo, o psicólogo Steven Pinker, da Universidade Harvard,
90
nos EUA.

90
VERSIGNASSI, Alexandre et REZENDE, Rodrigo. “A evolução da evolução”.
Superinteressante. Ed. 240, jun/2007. Disponível em: http://super.abril.com.br/revista/240/
materia_revista_234211.shtml?pagina=4. Acesso em: 29 jul. 2009.
73

Desta maneira, para a psicologia evolutiva, o comportamento sexual


evoluiu em dois sentidos diferentes: para os homens, a quantidade; para as
mulheres, a qualidade. Se para os homens importa espalhar os genes o
máximo possível, para as mulheres importa selecionar os melhores genes. Isto
é explicado também pelo próprio fato de que quem irá cuidar da prole durante a
gestação é a fêmea, então não há vantagens evolutivas em gastar tantos
esforços por uma prole imperfeita; para os homens, não importa perfeição,
apenas garantia de sobrevivência de seus genes. Com a psicologia evolutiva,
tem-se a explicação científica para o desejo sexual “insaciável” do homem.
Naturaliza-se, desta maneira, a “promiscuidade” masculina.
Mais à frente, no mesmo artigo, os redatores explicam, à luz da
psicologia evolutiva, a gênese da violência, que é atribuída à própria natureza
humana, a de um animal lutando pela sobrevivência desde a mais tenra
infância.

E esse é o ponto: às vezes a violência é, sim, o melhor jeito de


conseguir alguma coisa. Então não há mistério para a psicologia
evolucionista: como a violência funcionou ao longo da história, está
impregnada nos nossos genes. "Os bebês só não matam uns aos
outros porque não lhes damos acesso a facas e revólveres", disse o
pediatra e psicólogo Richard Tremblay, da Universidade de Montreal,
em uma entrevista à revista americana Science. A grande questão,
ele completa, não é como as crianças aprendem a agredir, mas como
91
elas aprendem a não fazer isso.

Mesmo que não se concorde com todas as conclusões a que chegam


os psicólogos evolucionistas, naturalizando tantos comportamentos que ainda
hoje são vistos como produtos sócio-culturais92, creio que eles ajudam a operar
uma questão de extrema importância nos nossos dias: a tentativa de incluir
novamente a natureza como elemento produtor, mas não determinante, dos
comportamentos humanos. Pensar o homem enquanto um sujeito formado não
apenas pela cultura, mas pela cultura, pela sociedade e pela natureza acaba
sendo o desafio.
Como relacionar, portanto, natureza e cultura, elementos separados e
antagonizados pela modernidade? Simplesmente não pensá-los enquanto
91
Cf. VERSIGNASSI et REZENDE, 2007.
92
Cf. BULLER, David J. “Equívocos da psicologia evolutiva popular”. Scientific American
Brasil. Ano 7, n. 81, fevereiro de 2009, pp. 62-69.
74

opostos. Pensar que o homem, enquanto um animal, possui instintos que foram
formados e continuam sendo formados a partir de sua experiência com a
natureza e todos os elementos que são gestados nela – inclusive o próprio
homem –, e enquanto ser social, desde pelo menos a Revolução Criativa de 40
mil anos atrás, é produtor de cultura, material e imaterial. Cultura, esta,
funcional, pois produzida como mecanismo de adaptação artificial ao ambiente
e de transformação do espaço e de si próprio. Essa adaptação, por meio da
produção cultural, acaba interferindo também na própria adaptação biológica,
suprindo, por exemplo, certas deficiências biológicas por meio da produção
artificial de medicamentos, o que leva a ver o homem tanto enquanto produtor
como enquanto produto da cultura, conforme ensina Celso Piedemonte de
Lima93.
Mas a cultura também pode ser vista com outra funcionalidade, muito
ignorada pelos psicólogos evolucionistas – e aqui creio responder ao
questionamento final da última citação transcrita há alguns parágrafos. A
cultura, em seu aspecto imaterial, entendida enquanto conjunto de valores
formulados por uma sociedade em torno do qual esta gira, funciona também
como mecanismo de interdição dos instintos, como silenciamento da natureza
humana.
Como visto anteriormente, desde A origem das espécies o homem
perdeu o lugar central da criação e foi relegado a um mero galho na árvore
evolutiva. Mesmo, entretanto, com a pretensão da ciência moderna de forjá-lo
puramente racional, isto jamais foi alcançado, até mesmo porque, enquanto
animais, os homens carregam consigo toda uma carga de instintos naturais
adquiridos ao longo dos milhões de anos que foram necessários para
transformar os descendentes do nosso ancestral comum ao macaco em Homo
sapiens morfológica e comportamentalmente modernos, nas acepções de
Walter Neves. Milhões e milhões de anos de acúmulo de adaptações à e
experiências com a natureza simplesmente não somem do dia para a noite,
nem devem ter sumido completamente nos últimos 200 mil anos, data estimada
para a origem da espécie do homem moderno.

93
LIMA, Celso Piedemonte de. Evolução humana. São Paulo: Ática, 1990 (Série Princípios).
75

Os humanos, como animais que são, carregam consigo, seja em seus


genes ou em quaisquer outros locais que a ciência possa vir a inventar nos
próximos anos, experiências as mais diversas, que, por no passado terem se
mostrado vantajosas para a sobrevivência da espécie, permaneceram
informando a descendência. Quais experiências passaram a ser transmitidas e
transformaram-se em “instintos” ou entraram para a constituição da “natureza
animal-humana”, ainda não podemos ter certeza. Talvez algumas das
experiências estudadas pelos psicólogos evolutivos, talvez nem todas.
Entretanto, se para esses cientistas o macho humano é “naturalmente
promíscuo e violento”, por exemplo, como explicar que nem todo homem é
promíscuo e violento, apesar de sua natureza? A explicação é encontrada nas
maneiras como a sociedade se organiza como uma entidade buscando a
estabilidade e a manutenção da ordem. Se a experiência de estudo com outros
animais mostra ao cientista que a poligamia e a violência são elementos
comuns à maior parte dos seres, o homem, em algum momento de sua
história, inventou certas regras que deveriam ser seguidas por seu grupo na
manutenção da paz e dissolução dos conflitos. Essas regras de convivência
foram formuladas provavelmente a partir do que cada grupo entendia enquanto
valor, a partir de como cada grupo dava a ler e dizer o mundo e os seus
elementos. Foi, portanto, a partir de um olhar sobre o mundo que os valores
dos grupos sociais foram sendo formados, e o conjunto de regras, tácitas ou
expressas, baseadas nas maneiras de significar o mundo, passou a formar o
que estamos aqui chamando de cultura, em seu aspecto imaterial.
Assim, as múltiplas culturas produzidas pelas diversas sociedades
podem ser vistas enquanto elementos constitutivos de valores sociais e, desta
maneira, produtoras de normas e regras de convivência, estabelecendo
permissões e interdições na vida social. Algumas dessas regras, entretanto,
parecem ferir a própria natureza humana. Se os psicólogos evolucionistas
crêem que naturalmente o homem, por ser animal, é poligâmico e violento,
algumas culturas estabeleceram como regras de valor a monogamia e a
resolução não-violenta dos conflitos. Desta maneira, creio que, apesar do que
pode estar inscrito nos genes humanos, a produção de valores sociais por meio
da cultura imaterial funciona para silenciar os instintos, calar a natureza
76

humana e estabelecer o homem como apenas movido por normas e regras


sociais. Assim, por exemplo, a ciência já demonstrou que, em uma situação de
conflito entre dois machos na sociedade moderna, os seus corpos
instintivamente se preparam para um conflito iminente, havendo alteração na
respiração, nos batimentos cardíacos, contração dos músculos dos punhos,
etc. Entretanto, mesmo a natureza humana promovendo essas alterações, não
necessariamente o embate físico ocorrerá, posto que os sujeitos, inseridos em
uma cultura promotora da resolução amistosa dos conflitos, podem recorrer a
outras medidas que não a violência física – a figura do Estado moderno é
inventada justamente para ser a autoridade legítima para dissolver os conflitos
entre os particulares.
Portanto, acredito que a invenção da cultura tenha funcionado também,
desde a mais tenra história do homem, como elemento de controle social, de
docilização dos corpos, de silenciamento dos instintos e da natureza humana.
Foi justamente a invenção da cultura que levou à diferenciação entre o animal
humano e os demais animais, ao “processo de hominização”94, fazendo nascer
o que entendemos por humanidade, por homem “comportamentalmente
moderno”95, capaz de atribuir sentidos aos elementos do mundo, capaz de
significar o tempo e as suas relações, de produzir “arte” e escrita.
Desta maneira, conclusivamente, trabalhei ao longo deste capítulo a
invenção de dois eventos ligados à “pré-história”: a Revolução do Neolítico, que
teria ocorrido há cerca de 10 mil anos, e a Revolução do Paleolítico Superior,
datada por volta de 45 mil anos atrás. Entretanto, como tenho tentado
demonstrar, tanto uma quanto outra nasceram não nessas datas longínquas,
mas foram convenções científicas de momentos bem recentes, informadas por
preocupações e leituras contemporâneas.
Foi a influência da visão política da Escola Metódica que levou à
invenção da Revolução do Neolítico como o momento da “pré-história” em que
o homem se sedentarizou e passou a exercer o seu poder colonizador sobre a
natureza, por meio da elaboração da agricultura e da domesticação de animais.
Por outro lado, foi o cenário científico instaurado na segunda metade do século

94
Cf. LIMA, 1990.
95
Cf. NEVES, 2006.
77

XX, tanto nas ciências humanas, com a emergência da cultura como objeto de
estudo de historiadores, antropólogos, filósofos, etc., quanto nas ciências
biológicas, com o desenvolvimento do pontualismo, do neodarwinismo, da
psicologia evolutiva, da arqueologia cognitiva, etc., que possibilitou a invenção
da Revolução do Paleolítico Superior, momento em que o homem, por meio de
um “salto evolutivo”, teria adquirido a capacidade de significação e, desta
maneira, a possibilidade da invenção da cultura imaterial. Esta mesma cultura
que permitirá ao homem se diferenciar dos demais animais na medida em que
passa a pretender ser guiado não mais pela sua natureza instintiva e animal,
mas pelas normas de convivência elaboradas por ele próprio.
Se, portanto, a Revolução do Neolítico representa o momento em que
o homem passou a domesticar alguns animais, a Revolução do Paleolítico
Superior me parece representar o momento em que o homem passou a tentar
domesticar a si próprio, a domesticar a sua natureza instintiva, o seu animal
interior e, desta maneira, diferenciar-se por meio da elaboração da cultura.
78

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim Falou Zaratustra (Also sprach Zaratustra), sinfonia de Richard


Strauss composta em 1896, inspirada pelo poema filosófico homônimo de
Nietzsche, de 1885, embala, em uma das cenas mais clássicas que Hollywood
produziu, o momento mais significativo da história: o distanciamento da
natureza animal e o nascimento da humanidade.
Refiro-me à cena presente no filme de Stanley Kubrick de 1968, 2001:
Uma Odisséia no Espaço1, logo ao final da primeira parte intitulada “A aurora
do homem”, em que um homem-macaco, sozinho em meio à carcaça de uma
anta, após uma longa observação da mesma, começa a mexer curiosamente
nos ossos do que havia restado do animal, até encontrar um que lhe parece um
pouco diferente dos demais. Segurando este com suas patas superiores, passa
a batê-lo contra os demais ossos, percebendo que, com ele, que era mais
grosso, conseguia quebrar os mais finos e, finalmente, que conseguia quebrar
até mesmo o crânio do animal. Na euforia da descoberta, talvez o que
Nietzsche possa considerar “o minuto mais audacioso e hipócrita da ‘história
universal’”2, e buscando reunir suas forças nas patas superiores as quais
seguram o osso e continuam, entusiasticamente, lascando-o contra as demais
partes da carcaça da anta, o homem-macaco por vezes se coloca apoiado
apenas em suas duas patas inferiores, assumindo a postura bípede.

1
2001: UMA ODISSÉIA no espaço. Direção: Stanley Kubrick. Intérpretes: Keir Dullea; Gary
Lockwood. [S.I.]: 1968. MGM, 1 DVD (149 min), son., color.
2
NIETZSCHE, Friedrich. Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral [trad. Fernando
de Moraes Barros]. São Paulo: Hedra, 2008, p. 25.
79

As cenas que se seguem mostram como o osso passa a funcionar


como arma de caça nas mãos desses homens-macacos. É por meio de sua
manipulação que eles serão capazes de abater outros animais e alimentar-se
da carne de tais seres, alterando profundamente a relação ecológica que
tinham com a natureza: de caça, poderão se transformar em caçadores. O
osso também funciona como instrumento de poder, tanto interna quanto
externamente ao grupo que o possui. Passa a ser constituída uma
hierarquização entre os membros do grupo, estabelecendo como líder aquele
que sabe manuseá-lo de maneira mais eficaz, aquele que melhor abate a caça,
aquele que mais eficientemente defende o grupo contra rivais, etc. Estes, por
sua vez, quadrúpedes, despossuídos de ossos e ainda hostilizados pelos
homens-macacos possuidores de ossos, tendem a perder seu lugar na
evolução, assim como perdem seu lugar próximo à fonte de água no filme. A
evolução seleciona para sobreviver aqueles homens-macacos bípedes que
seguram e manipulam o osso com suas patas dianteiras e que conseguem
passar tal conhecimento às novas gerações, representadas, então por
pequenos chimpanzés3.
É pela eficiência no uso de ferramentas que o homem-macaco passa
da sua condição de submissão à natureza para a situação de domínio e
transformação da mesma. É pelo uso de ferramentas que abandona a sua
situação de caça e se transforma em caçador. É o uso de ferramentas que irá
distanciá-lo evolutivamente dos demais animais: o homem-macaco se torna
bípede a fim de liberar cada vez mais as mãos para a manipulação de
instrumentos, dando início à produção cultural que fará com que o homem se
adapte artificialmente a praticamente todos os lugares do globo terrestre,
transformando e reelaborando a natureza a seu dispor, conforme as suas
necessidades. É, portanto, desta maneira que a “pré-história” viu o homem-
macaco se transformar em homem. Foi assim que nasceu a humanidade.

3
Cf. BRENER, Rosinha Spiewak. “2001: Odisséia no Espaço - trilha sonora”. Mnemocine –
memória e imagem. Disponível em: http://www.mnemocine.com.br/cinema/crit/2001trilha.htm.
Acesso em: 11 jun. 2009; OLIVEIRA, César Fernando de. “Análise 2001: Uma Odisséia no
Espaço, de Stanley Kubrick”. Asa Nisi Masa. Dez, 2005. Disponível em:
http://cesarfernando.multiply.com/reviews/item/2. Acesso em: 11 jun. 2009
80

Em um filme de comédia recentemente lançado nos Estados Unidos,


narrando o cotidiano de um grupo de supostos Homo erectus, os papéis
exercidos pelos homens consistem em caçar, pescar e “abater garotas”4.
Empunhar clavas e com elas abater garotas na cabeça para a prática sexual é
a atividade mais corriqueiramente ressaltada pela película. O personagem
principal do filme, um suposto “homem pré-histórico filosófico”, chamado Ishbo,
não consegue se encaixar nos valores dessa comunidade justamente por ser
“anti-abate”, afirmando sempre ter pensado no abate como
“desnecessariamente violento e desrespeitoso”, preferindo conhecer a garota a
“acertá-la na cabeça”5.
Ishbo, entretanto, é uma exceção em sua comunidade onde o ato do
abate encontra-se tão disseminado entre todos, dos mais jovens ao mais velho
membro da tribo, conhecido como “Velho Tolo”, um ancião de 30 (trinta) anos
representado como alguém que se recusa a acompanhar as “invenções
ultramodernas” das novas gerações que inventaram, dentre outras coisas, as
roupas. “Se os Deuses quisessem que usássemos peles, eles teriam nos dado
peles”6. Até as mulheres da tribo vêem o abate como normal, natural, e
sentem-se inclusive lisonjeadas com ele, sentindo-se desrespeitadas quando
não são abatidas. Fardart, a garota que Ishbo ama desde sua infância, revela-
lhe sua decepção ao ser a única da tribo a quem Thudnik, o irmão do
protagonista, o “mais perfeito espécime masculino”7, nunca abateu8.
O abate no filme aparece enquanto símbolo de masculinidade, de
vitalidade, de força física e sexual, de possibilidade da perpetuação da espécie,
de sobrevivência dos mais aptos, no sentido darwinista. Tanto é que, ao trocar
Thudnik por um melhor “abatedor”, Fardart afirma que tal decisão se trata de
lutar pela “sobrevivência do feto”9. Por outro lado, também representa a
atualização da idéia de que o papel social do homem esteve atrelado ao uso da

4
O termo vem da tradução livre de “club girls”, usado constantemente ao longo do filme.
5
HOMO erectus. Direção: Adam Rifkin. Intérpretes: Adam Rifkin; Giuseppe Andrews; Ali
Larter; Ron Jeremy. USA: Burnt Orange/Brad Wyman, 2007, meio digital (88 min), son.,
color. Todas as traduções relativas a este filme são livres, visto ele não ser comercializado no
Brasil.
6
Ibid., 00:10:39.
7
Ibid., 00:11:50.
8
Ibid., 00:12:51.
9
Ibid., 01:15:12
81

violência física contra os seus pares, em um período anterior ao “reino da


razão”. No filme, há apenas dois homens que se recusam a abater garotas: um
“homem das cavernas gay”, Rog, e um homem das cavernas filosófico, Ishbo.
Enquanto o primeiro representa uma negação ao “lugar natural” do homem,
inserido no filme com propósitos cômicos, o segundo representa a dicotomia
moderna que opõe o uso da violência ao uso da razão. Ishbo representa,
portanto, os primeiros passos da humanidade guiada pela razão e o paulatino
abandono das ações informadas pelos instintos. E o destino de Ishbo nos faz
perceber as dificuldades que a razão encontra para prevalecer em meio à
irracionalidade. “Como diabos eu poderei descobrir o sentido da vida quando
estou cercado de neandertais?”10.
O uso do termo “neandertais” no filme, entretanto, nada tem a ver com
a espécie Homo neanderthalensis. Conforme já mencionado, a película trata
apenas – supostamente – da espécie Homo erectus. A referência a neandertais
implica a atribuição de irracionalidade a tal espécie, o que faz com que a
pergunta lançada por Ishbo logo no início do filme seja, em verdade, uma
pergunta que constrói o neandertal como um sujeito irracional e violento.
A imagem do Homo neanderthalensis como sendo um sujeito rude,
selvagem, sempre empunhando uma clava na mão e pronto para abater
animais e fêmeas é tema também de um dos episódios da série de comédia
Cavemen11, veiculada pela rede de televisão norte-americana ABC no mesmo
ano do lançamento de Homo erectus, em 2007. Segundo o enredo
desenvolvido pela série, os neandertais jamais se extinguiram, mas coexistiram
com os sapiens ao longo de toda a história e vivem entre eles ainda nos dias
de hoje.
O quarto episódio da única temporada da série mostra um dos
neandertais protagonistas, Nick Hedge, trabalhando como professor substituto
da escola norte-americana Lake Murray High. Ao longo de todo o show, o que
vemos são as tentativas de Hedge de opor-se às representações sobre os
“homens das cavernas” produzidas pelos “sapiens” e disseminadas pela

10
HOMO erectus, 2007, 00:06:12.
11
CAVEMEN. Criação: Joe Lawson. Direção: Will Speck, Josh Gordon. Intérpretes: Bill English;
Nick Kroll; Sam Huntington. USA: ABC Studios, 2007, meio digital (22 min), son., color.
[episódio 4: The Mascot].
82

sociedade. Desde o primeiro contato com a sua turma, Hedge já expõe alguns
elementos que compõem tais representações:

Posso perceber, pelos seus olhares e queixos caídos, que vocês


jamais conversaram com um homem das cavernas antes, então
vamos para o básico, certo? Eu moro numa caverna? Não, eu moro
num excelente condomínio. Eu caço e mato minha própria comida?
Não, compro em um mercado de comidas orgânicas, pago bastante
por tomates orgânicos. Pinto animais nas paredes? Ocasionalmente,
12
quando estou suficientemente bêbado.

O auge da tensão criada pelo combate entre representações começa a


se formar quando a escola entra em clima esportivo e Hedge descobre qual é a
mascote da instituição: Grok-Grok, um estereotipado neandertal, rudemente
trajando restos de pele de felino e segurando uma grande clava, acompanhado
de seu bicho de estimação, o “estegossauro” Steggy, que são impulsionados
por gritos de guerra de “Vamos, Selvagens!” ou por simples “uga-uga”
proferidos por alunos, professores e funcionários da escola. Depois de
fracassar na tentativa de convencer a diretora Collin a mudar a mascote da
escola, Hedge ainda tenta racionalmente convencer a pessoa fantasiada de
Grok-Grok a largar a fantasia, no que também não obtém sucesso. Atônito e
acometido de um acesso de fúria ante a estereotipação de sua própria espécie,
toma a clava das mãos de Grok-Grok e passa a agredi-lo na frente de todos,
até que Grok-Grok cai ao chão indefeso e, entre lágrimas, mostra o rosto,
revelando a todos que a pessoa fantasiada é uma garota, aluna da instituição.
Neste momento, Nick Hedge percebe ter se tornado exatamente a
representação do homem das cavernas contra a qual lutou: um ser violento,
rude e irracional13.
Nick Hedge pode ser visto como a própria metaforização do trabalho
dos estudiosos da pré-história das últimas décadas. Tal trabalho consiste em
desconstruir a representação social que foi elaborada sobre os chamados
“povos pré-históricos” ou “homens primitivos” e substituir por outras
representações, elaboradas a partir do que a ciência tem enunciado nos

12
CAVEMEN, 2007, 00:02:30.
13
Ibid., 00:17:00.
83

últimos anos enquanto descobertas sobre os comportamentos social e mental


de nossos antepassados.
Tais representações, entretanto, estão sim atreladas aos discursos
produzidos no meio científico. A diferença é que tais representações se
baseiam em discursos científicos não mais em voga nos dias de hoje, mas que
foram sendo substituídos por outros enunciados ao longo das últimas décadas
do século XX.
Em 2001, por exemplo, tem-se a noção de que a humanidade nasceu,
propriamente, quando o homem-macaco liberou as mãos para manipular
instrumentos, tornando-se bípede e ereto ao mesmo tempo. Esta é uma leitura
que, como foi visto ao longo do presente texto, caiu na arqueologia na década
de 1970, estipulando-se grandes intervalos de tempo entre um evento e outro,
e não todos ocorrendo simultaneamente. Como o filme foi produzido no final da
década de 1960, a visão da evolução informada pelo enunciado funcionalista
de Engels estava ainda em voga. O filme, portanto, dialogava exatamente com
o discurso sobre a evolução que se mantinha vigente naquele momento.
Em Homo erectus, por sua vez, apesar de os “homens das cavernas”
não serem vistos como tão violentos e irracionais como a representação da
Lake Murray High propunha – afinal, eles conversavam, contavam histórias,
riam, divertiam-se, dançavam e festejavam solenidades –, os atos que nossa
sociedade enuncia como violentos, o abate, propriamente, são vistos enquanto
atos naturais, costumeiros, como visto. Aqueles que questionam essas práticas
acabam sendo banidos ou devorados pela tribo em época de escassez de
comida.
As comunidades “pré-históricas” aí são vistas como extremamente
simples e, comparativamente às sociedades contemporâneas, como
“inocentes”, “bobas”. Outro exemplo disto é o filme francês RRRrrrr!!! – na
Idade da Pedra14, em que os conflitos se dão entre a tribo dos Cabelos Limpos,
que passa os dias na maior tranqüilidade, e a dos Cabelos Sujos, que vive a se
queixar e se coçar, pois apenas a primeira tribo, composta de vários membros,
todos denominados “Pierre” numa sátira francesa a si mesmo, possui o
14
RRRrrrr!!! – na Idade da Pedra. Direção: Alain Chabat. Intérpretes: Marina Foïs, Gérard
Depardieu, Damien Jouillerot, Samir Guesmi, Cyril Casmèze, Jean Rochefort, Gilles Conseil e
Alain Chabat. FRA: Europa Filmes, 2005, 1 DVD (95 min.), son. color.
84

“segredo do xampu”. A tranqüilidade, entretanto, acaba quando ocorre um


assassinato – o primeiro assassinato da história, ou melhor, da “pré-história”,
segundo o filme – e alguns membros da tribo dos Cabelos Limpos passam a
investigar, buscando descobrir o responsável pelo crime. A questão que
aterroriza a tribo consiste em entender “por que matar alguém que, um dia, iria
morrer de qualquer forma”. A qualidade das perguntas feitas no trabalho
detetivesco, por sua vez, era a seguinte:

– Mais nada?
– Sim, vi um homem fugir [do local do assassinato].
– Como ele estava?
– Ele estava de costas.
15
– Vamos à aldeia prender todos que estavam de costas ontem.

Em contraposição às comunidades vistas como simples, recentemente


houve o lançamento do filme 10.000 a.C.16, fazendo uma leitura
diametralmente oposta a essas que trabalhei até aqui. No enredo do filme,
D’Leh, após ter sua tribo atacada e seqüestrada por um grupo de guerreiros
alados, precisa liderar uma expedição até “o fim do mundo” para recuperar a
sua amada Evolet, enfrentando a bem estruturada e complexa sociedade dos
guerreiros alados, constituída em torno de uma figura divinizada que promovia
o início da construção de um grande império e de grandes monumentos
arquitetônicos, destacando-se, algumas pirâmides.
Será mera coincidência que “o fim do mundo” ao qual D’Leh chega
após muito andar seja a África, pois é um espaço habitado por tribos de negros
Homo sapiens sem pêlo e sem tantas vestimentas devido ao calor? Ou será
coincidência ainda maior a escolha da data que nomeia o filme, considerando
que 10.000 a.C. é 12.000 AP, e esta data é emblematicamente representativa
para a comunidade arqueológica norte-americana que até hoje luta contra o
resto do mundo para mantê-la enquanto a data oficial da chegada dos
primeiros homens ao solo do novo mundo17?

15
RRRrrrr!!!, 2005, 00:46:00.
16
10.000 a.C. Direção: Roland Emmerich. Intérpretes: Steven Strait, Camilla Belle, Cliff Curtis,
Joel Virgel, Affif Ben Badra, Mo Zinal, Nathanael Baring, Marco Khan. USA: Warner Bros.,
2008, 1 DVD (109 min.), son. color.
17
Cf. NEVES, Walter Alves et PILÓ, Luís Beethoven. O povo de Luzia – em busca dos
primeiros americanos. São Paulo: Globo, 2008.
85

10.000 a.C., desta maneira, é um filme que pretende ser levado a sério,
que pretende contar a história do nascimento do “primeiro herói” que luta contra
um império estabelecido no período pré-histórico. Vejo-o, entretanto, mais
como um discurso que ratifica a luta da comunidade arqueológica norte-
americana contra a arqueologia internacional, que a coloca como D’Leh,
lutando contra os impérios estabelecidos, mesmo lá no “fim do mundo” da
África...
O mais clássico filme tratando de aspectos da pré-história, por sua vez,
é A Guerra do Fogo18. Produzido em 1981, o filme do francês Jean-Jacques
Annaud ainda hoje é considerado referência no ensino da pré-história no Brasil.
Este lugar é bem merecido, visto tratar-se talvez da mais fiel adaptação do
conhecimento arqueológico, paleantropológico e psicanalítico para as telas do
cinema. Em seu enredo, deparam-se várias tribos de seres que parecem
pertencer a espécies diferentes. Apesar de aparentemente o filme ser sobre o
uso do fogo e a importância que esse elemento tinha para as comunidades
paleolíticas de caçadores-coletores há 80 mil anos, ao afastar os animais
predadores, aquecer o grupo, permitir cozinhar os alimentos, etc., o que se
destaca no filme é o estranhamento do contato entre diferentes seres,
hominídeos de diferentes espécies, de costumes e hábitos distintos.
O grupo central do filme é uma tribo provavelmente de neandertais – a
identificação pode ser dada justamente pelas formas como eles são dados a
ver, com crânio alongado para trás, toro supraorbital proeminente, largas
narinas, todas características do Homo neanderthalensis. Após atacada por
uma espécie diferente de homens-macacos – mais macacos do que homens,
peludos e agressivos, mas bípedes, eretos e que se utilizam de ossos para
agredir, tal qual os macacos de 2001 –, o fogo da tribo neandertal acaba tendo
sua chama apagada, o que leva a que três de seus membros precisem se
aventurar por terras estranhas na tentativa de recuperá-lo. Essa busca leva ao
encontro com outra tribo, provavelmente também de neandertais, que tem em
seu poder fêmeas de uma espécie completamente diferente de todas as que

18
LA GUERRE du Feu. Direção: Jean-Jacques Annaud. Intérpretes: Everett McGill, Rae Dawn
Chong, Ron Perlman, Nameer El-Kadi, Gary Schwartz, Kurt Schiegl, Frank Olivier Bonnet.
FRA/CAN: Lume, 1981, 1 DVD (100 min.), son. color.
86

apareceram no filme até então: é uma espécie desprovida de pêlos em seus


corpos completamente pintados. É a emergência do Homo sapiens.
A partir daí, o tom do filme consiste na relação que se estabelece entre
essa fêmea Homo sapiens e os membros da tribo de neandertais que
continuam sua busca pelo fogo. A fêmea demonstra ter uma linguagem mais
complexa do que a maneira como os neandertais se comunicam, conhecimento
sobre a qualidade curativa de certos elementos da natureza, senso de humor,
ao rir das situações embaraçosas pelas quais os neandertais passam, uma
maneira diferente de praticar o sexo e, finalmente, conhecimento sobre como
produzir utensílios materiais e até mesmo o fogo. É com ela que os
neandertais, que no início do filme apresentam comportamentos basicamente
primatas, especialmente nas formas de linguagem, aprendem todos esses
elementos: a rir, a dançar, a produzir instrumentos mais eficazes, a comunicar-
se de maneira mais elaborada, a controlar o fogo.
O discurso que permeia o filme, portanto, é o da superioridade do
Homo sapiens que prevalece sobre o Homo neanderthalensis. O neandertal, ao
final do filme, é um sujeito diferente, pois aprendeu e apreendeu vários
elementos a partir do convívio com os sapiens, enquanto pouquíssima coisa ou
quase nada aprenderam os sapiens com o convívio com os neandertais. O
neandertal se torna um sujeito que controla o fogo, que conta histórias ao redor
de uma fogueira, que olha para o céu e pode vir a se questionar sobre o
destino de sua espécie, que seria extinta 50 mil anos depois. Acima de tudo, o
neandertal se torna um sujeito que é capaz de dar significado aos eventos de
sua vida e divertir-se com eles, rir de suas próprias histórias e de seu próprio
sofrimento – em uma das cenas, todos riem quando um dos neandertais é
atingido por uma pedra na cabeça, inclusive o próprio neandertal, mesmo
machucado e com sangue escorrendo pelo rosto, consegue, ainda assim, cair
na gargalhada.
Risos que o telespectador também consegue extrair da comédia A
História do Mundo – Parte 119, de 1981, que narra, em seus primeiros minutos,
a emergência do humano moderno, satirizando todas as principais discussões
19
A HISTÓRIA do mundo – Parte 1. Direção: Mel Brooks. Intérpretes: Mel Brooks, Dom
DeLuise, Madeline Kahn, Harvey Korman, Cloris Leachman, Ron Carey, Gregory Hines,
Orson Welles. USA: Fox, 1981, meio digital (92 min.), son. color.
87

da arqueologia, como a produção da arte, o nascimento do casamento, os


sepultamentos, a fabricação de lanças, etc. Aqui, ri-se tanto pelas datas
propostas, extremamente desconcertantes comparadas ao atual conhecimento
científico – pois coloca, por exemplo, o macaco se tornando homem há 20
milhões de anos, numa sátira direta à cena de 2001, com direito inclusive ao
uso da sinfonia de Strauss; o primeiro casamento ocorrendo em 1 milhão de
anos antes de Cristo, etc. –, bem como com o nascimento do casamento sendo
seguido pelo do “primeiro casamento homossexual”, o nascimento da arte
sendo seguido pelo “inevitável nascimento do ‘crítico’”, etc.
A necessidade de rir destaca-se ainda no enredo do filme. Conforme
afirma, “mesmo no homem primitivo, a necessidade de rir era vital para a
sobrevivência emocional”20. Sobrevivência esta que a que a película de Mel
Brooks se propõe garantir.
Rir, eis um elemento que nos humaniza. A possibilidade de rir de nossa
própria história. Elemento que comanda muito da produção imagética e
midiática sobre a nossa suposta “pré-história”. Rir das incertezas que a nossa
ciência estipula enquanto verdades, rir por perceber a fragilidade dessa vã
invenção humana que é o conhecimento. Rir por perder o caráter histórico dos
enunciados e pensá-los enquanto naturais, eternos, imutáveis. Rir pela
inocência que permeia as nossas crenças em enunciados que são elaborados
pelos próprios homens, sejam eles provindos da filosofia, da ciência ou da
religião – todos elementos produzidos pelo próprio homem em momentos e
situações distintas.
Rir, portanto, da pré-história e da crença de que ela foi tal qual nos
apresentam os livros didáticos, os escritos de arqueólogos, os estudos de pré-
historiadores, os documentários, filmes ou desenhos que vemos na televisão
ou em outras mídias semelhantes. Rir também por acreditar que a pré-história
se deu tal qual apresentei ao longo deste texto.
Tenha consciência o leitor de que, o que aqui fiz foi construir uma
narrativa sobre um passado incerto, apenas possível agora, em pleno século
XXI, devido a todos aqueles que me antecederam e com os quais pude
estabelecer um diálogo. Este é o meu olhar sobre o que pode ter acontecido

20
A HISTÓRIA do mundo, 1981, 06:20:00.
88

nesse passado e como isso foi possível, um olhar historicamente localizado,


devidamente datado. Outros olhares são possíveis e devem ser produzidos,
posto que o meu discurso, por ser humano, é uma verdade temporária, a minha
“história” é temporária, é perecível, assim como todos os enunciados
produzidos sobre a “pré-história”, venham eles do ambiente acadêmico ou do
meio social, venham produzidos por arqueólogos, psicólogos ou pré-
historiadores, sejam frutos de documentários ou de filmes de comédia.
Aprendamos, portanto, com Cavemen ou com Homo erectus, com Rrrrr
– Na Idade da Pedra ou com A História do Mundo – parte I, a rir, a gargalhar de
nossas histórias, de nossas supostas verdades. Permitamos que a sinfonia de
Strauss também toque para nós, trazendo-nos a mensagem que lhe deu nome.
Afinal, se até os neandertais de A Guerra do Fogo há 80 mil anos conseguiram,
por que nós, Homo sapiens do século XXI, não podemos?
89

ANEXOS
90

Iconografia 2: Pintura supostamente representando


um guerreiro inca montado em um tricerátops
estimada como tendo sido produzida antes da
chegada dos europeus ao “novo mundo”. Esta é
apenas uma das várias representações “pré-
históricas” de interações entre homens e
dinossauros que ainda hoje servem como justificativa
para a defesa da postura dos criacionistas da Terra
Jovem, segundo os quais todos os seres foram
criados segundo a ordem estabelecida pelo Gênesis,
numa leitura literal do primeiro livro da Bíblia
Iconografia 1: “O feiticeiro” da caverna de Trois- judaico-cristã.
Frères, sudoeste francês, talvez uma das pinturas
mais enigmáticas do Paleolítico Superior. Antes
da invenção da Revolução Criativa, no final do
século XX, lia-se que era um “homem disfarçado
como corça”. Com a invenção do Salto, passou a
ser visto como a produção criativa possibilitada
pela fluidez de regiões antes separadas no
cérebro humano, como as inteligências social e
naturalista. A fluidez cognitiva pode ter sido
responsável pelas bases da criação do homem
mentalmente moderno, possibilitando-o inventar
noções de tempo, linguagem, arte, escrita,
religião e ciência.

Iconografia 3: “O Unicórnio”, localizado na caverna de


Lascaux, no sudoeste francês. Segundo Leakey, “um
humano disfarçado de animal”; pensando por Mithen,
uma pintura que representa a possibilidade criativa e
inventiva do homem.
91

Iconografia 4, 5 e 6: Exemplos de abordagens midiáticas da “pré-história”, os filmes A História do Mundo


– Parte 1 (1981) e Homo erectus (2007) e a série de TV Cavemen (2007), todas comédias. Por que o
homem contemporâneo sente tanta necessidade de rir desse seu passado “primitivo”? Será resultado do
próprio estatuto do conhecimento científico elaborado sobre esse passado que estará sendo colocado em
questão toda vez que uma nova comédia é produzida satirizando a emergência de nossa humanidade?

Iconografia 7: Ao som de Assim Falou Zaratustra, o homem macaco se humaniza por passar a usar as
mãos para o trabalho e para a morte. Discurso presente no filme 2001: Uma odisséia no espaço (1968)
baseado numa leitura funcionalista e materialista da evolução humana, que passou a ser abandonada
na academia já na década de 1960 e mais especialmente na arqueologia na década seguinte. Talvez a
cena mais clássica que Hollywood já produziu sobre a evolução do homem, já diversas vezes parodiada
por filmes, séries, desenhos, propagandas, etc. Entretanto, segundo o que enuncia o conhecimento
científico do final do século XX, a cena está completamente equivocada, e a evolução humana passou
longe de seguir a seqüência filmada por Kubrick.
92

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