Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Direito Romano
(IUS ROMANUM)
Sebastião Cruz
ÉPOCA ARCAICA
753 a.C (?) - 130 a.C 2 etapas: Ius Civile exclusivo; Ius Civile + Ius gentium
ÉPOCA CLÁSSICA
130 a.C - 230 d.C 3 etapas: Pré-clássica; Clássica Central; Clássica Tardia
ÉPOCA POST-CLÁSSICA
230 - 530 Características especiais: No ocidente; No oriente
ÉPOCA JUSTINIANEIA
530 - 565
O Ius Romanum, ou seja, o Direito romano stricto sensu, estende-se por 13 séculos, sofrendo,
a nível do sistema jurídico, alterações profundas correspondentes às transformações sociais
dos tempos. No início apresenta as seguintes características:
É um sistema fechado;
Próprio só dos quirites (primitivos cidadãos romanos), conhecidos pela sua
ferocidade, durez e pela sua luta pela subsistência;
Formalístico e Rigoroso como uma ordem que impera numa sociedade agrícola e
patriarcal.
Ao longo do tempo, influenciado pela evolução social dos civitas, pelo contacto com
usos e costumes e o aparecimento de grandes juristas em Roma, o Ius Romanum torna-se apto
a lidar com o alargamento do comércio e novas exigências da vida, mantendo, porém, a sua
estrutura originária.
Critério Político
As fases do Ius Romanum são tantas quantos os períodos da história política, ou seja:
Apesar de ser utilizado frequentemente no século passado, viu-se abandonado pois não
pode ser utilizado como critério-base/exclusivo porque: as transformações políticas em Roma
não são as únicas influencias do Ius Romanum e a evolução deste não é simultânea com a
evolução das instituições (são as primeiras a evoluir).
Não deve ser totalmente posto de parte pois poderá ser utilizado como critério secundário
ou principal, quer seja para ajudar a estabelecer uma periodização fundamental ou a dividir
determinadas épocas, respetivamente.
Critério Normativo
Segundo este critério, há tantas épocas do Ius Romanum quanto os modos de formação
das normas jurídicas. Deste modo teríamos:
Não deve, contudo, ser usado como critério principal pois não indica de uma forma direta
a evolução do direito privado de Roma (característica principal dos Direito romano), mas uma
evolução do direito publico (evolução das fontes manifestandi). No entanto, pode ser utilizado
como critério secundário para caracterizar épocas.
Critério Jurídico
a) Arcaica;
b) Clássica;
c) Post-clássica;
d) Justinianeia.
A cessação da época arcaica é apontada para 130 a.C. por duas razões:
1ª Razão: é a data aproximada da Lex Aebutia de formulis, lei que introduz um novo
processo judicial, característica da próxima época a estudar (época clássica);
2ª Razão: nessa altura, Roma já se tinha tornado uma grande potência com um vasto
território incluindo, por exemplo, o Norte de Itália e a Grécia, estabelecendo as
bases do seu império e do seu poder político (critério político utilizado como
critério secundário para estabelecer o termo deste período).
I.
Vai desde 730 a.C. até 242 a.C. (data da criação do pretor peregrino);
O Ius Romanum apresenta-se como um direito fechado, privativo dos cives;
Apenas prevê a regulamentação das relações entre os cives, o Ius Romanum era
exclusicamente ius civile (próprio dos cives);
Os non-cives (os estrangeiros), residentes em território romano, não eram sujeitos
ao Ius Romanum.
II.
Vai desde 242 a.C. a 130 a.C., sendo o período do Ius Civile e do Ius Gentium;
Necessidade de regulamentação das relações entre cives e perigrini (antes
denominados non-cives), e entre os próprios peregrini, que, sujeitos a novas
necessidades comerciais e ao desenvolvimento da vida social e civil se encontravam
O fim da época clássica é apontado para 230 d.C. por duas razões:
Esta época pode ser definida como o período de verdadeiro apogeu e culminação do
épocas posteriores e etapa final da evolução jurídica precedente. Apresenta como principal
característica a sua exatidão e precisão, sendo por isso mesmo considerada o modelo
específico da grandeza do Direito Romano nesta época. Aqui, o Ius Romanum utiliza a
Investe-se na criação de normas para casos específicos que surjam, pois estes anteriormente
não estavam previstos nas normas já existentes – a ciência jurídica (iurisprudentia) da época
1 Praetor peregrinos: Resolve conflitos entre civis e peregrini e entre os próprios peregrini; permite conciliar vários
sistemas políticos (já é república).
2 Ius Gentium: Normas de direito romano que eram aplicáveis aos estrangeiros; “Direitos das Gentes”.
3 Ius Civile: Direito romano aplicado aos cidadãos, ou seja, homens livres residentes na república, o que exclui
escravos e estrangeiros.
4 Uma das definições: Em linguagem jurídica, normalmente, diz-se casuístico o que é «feito caso a caso» ou o
que é «feito num caso concreto com atenção por todas as suas especificidades»; será uma «apreciação feita com
minúcia».
5 Em 212 verifica-se a «inflação da cidadania», levando à «inflação do ensino do Direito», levando à decadência.
Algumas definições:
O imperador Justiniano sucede o seu tio Justiniano I em 527, tendo como aspiração a
restauração da unidade, da ordem e da glória do império através da política e da legislação e, para
além disso, restaurar todo o saber clássico. Relativamente ao plano jurídico, Justiniano percebeu a
importância de salvaguardar a herança do direito romano e, aproveitando a prosperidade
económica e comercial que lhe proporcionavam as novas conquistas, empreendeu o mais
importante trabalho legislativo e de recompilação jurídica, através da elaboração de uma coleção
de ius e de leges.
«Inicia-se no ano 530, quando o Imperador Justiniano encarregou uma comissão de juristas,
encabeçada por Triboniano, de elaborar uma compilação dos melhores momentos da história do
direito romano, que seria chamada de Digesto ou Pandectas. Esta fase, a última da história do
direito romano, termina em 565, com o falecimento de Justiniano. É uma época em que o Império
já havia se deslocado para Bizâncio, no Oriente, e está, como o período pós-clássico inteiro,
marcada por uma grande decadência do antigo e clássico direito romano. Justamente são essas
as preocupações que moveram Justiniano: em razão da grande decadência, tentar resgatar um
pouco da tradição e história do direito romano, compilando as mais famosas frases e citações
dos grandes jurisconsultos romanos, como Papinianus, Ulpianus e Gaius.»
Deste modo, nesta época, o Ius Romanum chega ao termo da sua evolução e codifica-
Romanum na forma tendente a seguir o clássico, sendo muitas vezes considerado todo ele
clássico, embora se saiba que em muitos pontos está interpolado; por outro lado, a
O Ius Romanum surge como uma expressão do poderio político de Roma visto que a sua
vigência só atinge períodos de grandeza ou de rejuvenescida vitalidade quando protegido
pelo imperium, sendo considerado um direito tipicamente imperial. Se tivermos em conta o
Ius Romanum «stricto sensu», ou seja, as épocas históricas, podemos verificar que a época
clássica central (período de esplendor) coincide com o auge do poderio romano; verifica-se
também que as oscilações da sua grandeza, são precedidas e acompanhadas de oscilações
similares do poder político em Roma. Mas outro tanto se verifica também com o Ius
Romanum «lato sensu», ou seja, na sua tradição.
6 Generalização: Tendência das escolas da época post-clássica oriental, acentuando-se mais ainda na época
justinianeia, podendo originar «confusões» ou dissonâncias.
a) «Ius» e «auctoritas»
A conexão entre o Ius Romanum e o imperium reside na própria noção de ius, pois ius é
uma vis, ou seja, é uma força, força que necessita de uma auctoritas para ser eficiente. E essa
autoridade, que se traduz num «impor-se» e um «não se desobedecer», tem de verificar-se,
não só quando o ius é criado por uma identidade pública, mas também quando é criada pelos
próprios juristas que, para além de ciência, precisam de autoridade social (aristocrática,
política, burocrática, académica, etc.) para que as suas doutrinas se imponham e triunfem, ou
seja, se sustentem.
10
Dominado
ou
Verifica-se ainda uma
Monarquia
Monarquia República Principado divisão no Império
Absoluta de
Romano
tipo heleno-
oriental
11
E antes de civitas, que era Roma? Considera-se que, em Roma, os grupos políticos anteriores à
civitas seriam a família, a gens, a curia e a tribus.
A civitas surge quando as tribus, por acordo ou necessidade de se unirem para se defenderem,
se coligam e escolhem um chefe (rex), que tem como grande missão ser o «sumo sacerdote», pois,
para os romanos, a religião era o vínculo que originava e mantinha a união entre os seus
membros.
Nos primeiros tempos, Roma estava sob um regime monárquico, sendo quase todos os
reis lendários e, apenas, os últimos três históricos: Tarquínio (o antigo), Sérvio Túlio e
Tarquínio (o soberbo). O poder político (soberania) estava repartido em três órgãos:
1. Rei (Rex):
O seu cargo é vitalício, mas não hereditário (cada rei podia designar o sucessor);
Só era considerado rei, depois de investido pelo povo reunido no comício das cúrias -
12
2. Senado:
O rex, além de outros auxiliares11,era assistido principalmente pelo senatus (deriva de senex, ou
seja, velho) que, inicialmente, foram constituídos pelos patres das gentes fundadoras da civitas
Foi criado sobretudo para aconselhar o Rei formando assim uma espécie de junta consultiva
do rex;
Posteriormente, teve ainda atribuições de nomear o interrex (membro do senado que havia de
exercer o poder supremo durante o interregnum existente entre a morte de um rei e a
proclamação do sucessor pela «lex curiata de imperio») e a de conceder a auctoritas patrum
(consentimento, ratificação) às leis votadas nos comícios, para que elas fossem válidas;
A resposta do senado, dada ás consultas que lhe eram feitas, chama-se Senatusconsultum.
3. Povo (esquematicamente):
Confrontos
Populus Romanus constantes entre
patrícios e plebeus
A SOCIEDADE
ROMANA
-> A classe humilde;
-> Desejavam a equiparação aos
Plebeus patrícios, já que, embora da classe
inferior, desde sempre nunca foram
considerados estrangeiros, mas sim
parte do povo romano.
13
Plebeus: sob certo aspeto, eram tão cidadãos como os patrícios; possuíam a condição
militar);
O povo era detentor duma parcela do poder político, exercia os seus direitos
parte das curie, mas, bem cedo, os plebeus conseguiram também acesso;
a investidura do rei no poder por meio da «lex curiata de imperio»13; é bastante duvidoso
A partir da República, as atribuições dos comitia curiata foram absorvidas pelos comitia
Nos comícios não se contam votos por cabeça, mas, respetivamente, por cúrias,
centúrias ou tribos: cada um destes agrupamentos, por maior que seja, possui um
único voto.
A constituição política de Roma nos primeiros tempos da república não sofre grandes
alterações, sendo que, pode-se considerar que a república só principiou em 367 a.C., quando
se estabeleceu uma verdadeira divisão de poderes pelas várias magistraturas criadas nessa
altura. A partir de 510 a.C. o poder supremo não pertence somente a um único chefe (o rex),
12 A plebe servia-se principalmente da tribus para estabelecer uma organização à parte, e com chefes próprios
(os tributos da plebe), formando como que um Estado dentro do Estado; a luta entre plebeus e patrícios durou
séculos, mas os plebeus acabaram por triunfar.
13 «Lex curiata de imperio»: era a lei que confirmava os direitos dos magistrados mais elevados para manter o
14
mas, geralmente, a dois (os cônsules), exercendo estes últimos um cargo por um ano (e não
um cargo vitalício), sendo eleitos pelo povo (ao invés de serem designados pelo antecessor
o senado e o povo.
1. Magistratura (Magistrados):
reis, sendo que o imperium é um poder absoluto/soberania do qual os cidadãos não se podem opor;
Apesar da efetividade do poder absoluto do imperium, este estava sob a maiestas do Populus Romanus,
entendido como entidade política. Numa situação mais grave, um cidadão poderia, em ultimo recurso,
apelar para a assembleia do povo (nesta altura, os comitia centuriata) contra as decisões até dos magistrados
de mais altos níveis detentores de imperium (os cônsules). Essa apelação chamava-se provocatio ad populum,
não sujeita apenas ao ditador (isto só acontecia dentro dos limites defensivos de Roma).
honorum»)15;
15
A ordem hierárquica, contando do cargo inferior, estava instituída desta forma: 1.º
questor, ordem publica; 2.º edil curul, governador em sentido autárquico; 3.º pretor,
administrava a justiça; 4.º cônsul; 5.º censor (por exemplo, velavam pela moral e bons
costumes dos cidadãos), ou seja, o grau supremo do cursos honorum; para chegar ao
grau superior, o indivíduo terá que ficar um ano no cargo inferior e ir subindo.
Como se verifica, o pretor era um magistrado que tinha três poderes: potestas, imperium
e iurisdictio. No aspeto jurídico, a magistratura mais importante (excetuado sob certo aspeto
a dos cônsules) é a dos pretores, depois a dos edis curúis e a dos questores.
A princípio era uma designação genérica para indicar o chefe de qualquer organização:
16
exércitos;
Após a criação da questura (cerca do ano 450 a.C.) e da censura (em 443 a.C.), a palavra
«praetor» ainda conservou um certo caráter genérico, pois era nome comum de
Magistratura dos pretores: criada a 367 a.C. pelas Leges liciniae sextiae16;
Com a Magistratura dos pretores, «praetor» deixa de ter carater genérico para significar
forma normal ou corrente, nas causas civis, através de duas fases: a «fase in iure» e a
organizar (dentro das normas do ius civile) os processos civis em que só interviessem
(mas dentro das normas do ius gentium) os processos em que pelo menos uma das
17
Quando se fala de pretor, sem mais nada, entende-se o pretor urbano: figura genial
pelo espírito de justiça, sempre com a ânsia e com o escrúpulo de atribuir a cada um o
que é seu (suum cuique tribuere); é o elemento de ponderação colocado entre o ius e a
lex;
2. Senado
Nas relações internacionais de Roma, vem indicado em primeiro lugar não o povo, mas o senado;
Constituído pelas pessoas mais influentes da civitas, tinha um verdadeiro carater aristocrático;
Não era dotado de funções prepotentes, na aparência, mas na realidade, o senado republicano,
No aspeto jurídico, as suas decisões (senatusconsulta) tinham a forma de conselho, mas na prática,
A sua atribuição mais importante era a da concessão da auctoritas patrum para que as leis, depois
de votadas e aprovadas nos comícios, tivessem validade; a partir de lex Publilia Philonis (339 a.C.),
essa aprovação do senado passa a ser concedida antes de ser votada pelos comícios a proposta de
lei;
O povo nos comícios, agora, como que se limita a sancionar (a dar, portanto, um mero
consentimento e não já um verdadeiro iussum) aquilo que na realidade é a vontade dos senadores
18
3. Povo
magistrados e o de votar, nos termos acima referidos, as leis propostas por aqueles magistrados;
(esquematicamente):
Comitia curiata
Comitia centuriata
•Intervêm na eleição dos cônsules, dos pretores, do ditador e dos censores, e na votação das leis propostas
por estes magistrados;
Comitia tributa
Concilia plebis
•Decisões, plebiscita,a princípio não tinham caráter vinculativo nem sequer em realção à plebe;
•Lex Valeria Horacia (449 a.C): é lhe reconhecida força obrigatória em relação à plebe;
•Lex Hortencia (287 a.C.): passam a obrigar todo o povo romano (patrícios também);
•Plebiscito: equiparados às leis comiciais.
19
c) Principado (27 a.C. – fins do séc. III [284]): «Princeps», Senado, Povo
entra em sucessivas crises, tem de recorrer frequentemente à magistratura, que deveria de ser
Após inúmeras desilusões com quem estava no poder, por exemplo, a monarquia de
César, o povo romano considera Octávio César Augusto o princeps civitatis, o primeiro entre
os cives, o mais indicado para restaurar a paz e a justiça, apos um período de caos moral,
politico e económico. Este mostra-se um politico hábil e instaura uma nova forma
constitucional – o principado. A origem desse nome ainda hoje é discutida, não devendo
andar muito longe da realidade, pensando que, logo de inicio, o principado era uma
monarquia sui generis, de tendência absolutista, baseada no prestigio do seu fundador, mas
soberania de Roma: a paz romana, mais conhecida na altura por pax augusta.
20
1. Princeps
Acumula uma série de títulos (Augustus, Imperator) e de faculdades que lhe são
(cônsules e pretores);
2. Senado
No tempo de Augusto, perde grande parte da sua autoridade politica que vai
21
3. Povo
Os comitia não foram abolidos, mas pouco a pouco, deixam de funcionar, e vêm a
As suas atribuições passam para o senado, mas, sobretudo, para um novo elemento
que se vem afirmando no tempo de Adriano, cada vez mais decisivo – o Exército;
burocrática.
poderes»;
(esquematicamente):
Inicialmente Posteriormente
•O governo de todos esses territórios extra- •Augusto nomeia diretamente os
itálicos era confiado pelo senado a um governadores daquelas províncias que
magistrado dotado de imperium (cônsul ou ainda requeriam atenção especial do tipo
pretor); militar, por não se encontrarem totalmente
•A cargo do senado: províncias senatoriais; pacificadas;
•A cargo do imperador: províncias imperiais.
22
Aplicação do Ius Romanum nas províncias: não era pura, era adaptado às varias
a Roma;
23
24
Ius civile
• origina;
Ius romanum
• interpretado por
Ius
honorarium
• Criação genial do pretor Urbano
Ius
Ius Civile
Praetorium
Ius
Romanum
25
1) Fontes exsistendi: são os órgãos produtores (geração de normas, mas não a sua criação)
costume; a lei, num sentido amplo, compreendendo não só as “leges sensu scricto”, mas
também as “leges sensu lato”; e sob certo aspeto, a jurisprudência enquanto não foi
Interessa-nos particularmente conhecer, para além desta primeira espécie de fontes, quais
i. Fontes do ius civile: é o que provém das leis, dos plebiscitos, dos senatusconsultos, dos
prudentes(jurisprudência).
ii. Fontes do ius praetorium: o direito pretório é o que os pretores introduziram com a
26
2. Extra-jurídicas.
Estas podem ser:
1) Historiadores, v.g. Tito;
2) Gramáticos e etimologistas, v.g. Festo;
3) Escritores dramáticos, v.g. Plauto;
4) Filósofos, retóricos, oradores, v.g. Cícero;
5) Padres da Igreja, v.g. Santo Agostinho.
3. Costume
O costume, na ordem do tempo e até certo ponto, é a primeira fonte manifestandi. A
sua fonte exsistendi é o «Populus».
Como todos os direitos primitivos, também o Ius Romanum, principiou por ser
consuetudinário, isto é, um direito cuja fonte única inicialmente era o costume.
O conceito «costume» para os romanos teve bastante divergência entre autores.
O costume primitivo dos romanos é diferente, no conceito, do costume atual, que por
sua vez deverá ter surgido só nos princípios da época pós-clássica. Ideia de costume nas
fontes jurídicas e extrajurídicas: usus, mos (mos maiorum, mores maiorum) e consuetudo.
27
ii. Mores maiorum foi a primeira expressão usada para exprimir a ideia de costume.
Significa essencialmente a «tradição de uma comprovada moralidade». É uma tradição
inveterada (antiga) que se impunha aos cidadãos como norma e como fonte de normas nas
suas relações recíprocas, limitando cada um sobre a superfície da terra romana: regra
distribuidora. Portanto quando se fala em mores maiorum, para os romanos os princípios
novos derivavam dos antigos para as novas regras, de acordo com as novas necessidades.
Competia aos prudentes (juristas) interpretar os mores maiorum: revelar. A primitiva ciência
do direito emanava toda dos mores maiorum.
Etapas:
i) 753-242 a.C.
ii) 242-130 a.C.
iii) 130 a.C.- 230 d.C.
i) Primeira etapa da época arcaica. Nesta etapa é importante distinguir dois períodos:
28
1. Antes da Lei das XII Tábuas os mores maiorum eram a fonte única do Ius
Romanum. O essencial era revelar/descobrir/interpretar.
2. Depois da Lei das XII Tábuas, os mores maiorum ainda continuam como fonte
importante do Ius Romanum, sobretudo no que respeita ao Direito Público.
Quanto ao Direito privado, a fonte principal passa a ser a Lei das XII Tábuas.
Por isso, em questões de Direito Privado, a interpretatio volta-se exclusivamente
para a Lei das XII Tábuas, e raramente para o mores maiorum.
ii) 2ª etapa da época arcaica até a época pós-clássica. Nesta fase, o costume (mores
maiorum), como fonte do Ius Romanum, em Direito Privado reduz-se a um mínimo;
Em Direito Público, sobretudo em direito constitucional e direito administrativo,
ainda prossegue.
iii) Época Clássica. Nesta sua última fase, os mores maiorum quase desaparecem por
completo como fonte autónoma, para se sumirem noutras fontes do Ius Romanum.
O Direito Romano sempre defendeu que a lei é uma das fontes de direito, mas
não é a única nem deve ser a mais importante, precisando sempre de um corretivo. Até
a época pós-clássica, esse corretivo foi desempenhado pelo Ius praetorium e sobretudo
pela jurisprudência. Na época pós-clássica, a lei tornou-se a única fonte de direito.
Surgiu como corretivo a consuetudo (costume), como resultado de «os atos contínuos e
prolongados, com o consentimento de todos, têm valor de lei».
Nas fontes pós-clássicas e justinianeias descobrem-se algumas das caraterísticas
que a atual ciência jurídica formula a respeito do costume, nomeadamente:
i) Observância geral (consensus omnium);
ii) Prática durante largo tempo (vetustas, diuturni actus, longa ou inveterata
cosuetudo);
iii) Persuasão do seu carater obrigatório (opinio necessitatis ou opinio iuris);
iv) Âmbito da sua eficácia (legem imitatur, vim habetaeque legi consuetudo).
29
a) A lei das XII Tábuas é a primeira “lei” do “Ius Romanum”?; Problema das “leges
regiae”
A “Lei” (= lei pública) é percebida como uma lex rogata, que se traduz numa determinação
geral (=norma) aprovada pelo povo e proposta pelos magistrados.
No período mais antigo do Direito Romano existiram leis comiciais (= votadas pelos
comícios).
A lei das XII Tábuas é uma verdadeira lei comicial: votada e aprovada pelos
comícios.
Antes da Lei das XII tábuas existiram as «leges regiae», terão sido verdadeiras leis
(=votadas pelos comícios)? Levanta-se a dúvida.
2. Estas leis não são votadas pelos comícios, pelo que não são verdadeiras leis, por três
motivos:
i. São atribuídas sobretudo à iniciativa dos 6 primeiros reis (reis lendários, sem
veracidade);
30
ii. Todos os fragmentos dos quais nós temos posse atualmente são de carácter
sagrado, pelo que os comícios não teriam competência para criar tais leis
sagradas;
iii. Já antes da época Imperial, escritores antigos tinham chegado à conclusão que
a lei das XII Tábuas foi a 1ª lei, pois até aí só tinham existido os mores maiorum.
Conclusões:
b) O que dizer à tradição, e qual o seu valor, a respeito da Lei das XII Tábuas
Este documento teve reivindicações jurídicas dos plebeus: na interpretativo dos mores
maiorum, os plebeus eram quase sempre maltratados, sendo tudo deveres e dificuldades,
enquanto que para os patrícios era tudo facilidade e direitos. Assim, os plebeus começaram-
se a “revoltar”, exigindo uma lei escrita (em regime de igualdade). Contudo, essa exigência
demorou muito para que fosse concretizada, pelo que só mais tarde se iniciou a preparação
dessa tal lei.
Em 451 a.C. o povo reunido nos comícios das cúrias e das centúrias nomeia uma
magistratura extraordinária composta por 10 cidadãos patrícios (decemviri patrícios).
Estes, durante o ano em que tinham que fazer o tão desejado código, gozariam de
plenos poderes. Nesse ano ficaram realizadas 10 Tábuas ou capítulos de leis que foram
aprovadas pelos comícios das centúrias.
No ano seguinte, não sendo suficiente só as 10 Tábuas, foi convocado um novo
decenvirato (constituído pelos patrícios e pelos plebeus), que elaborou mais duas; mas
a sua forma de governo não agradou o povo, pelo que, após o seu mandato (do qual
não queriam abdicar) tiveram que ser expulsos através de uma revolta popular.
Consequentemente, o povo não aprovou estas duas Tábuas nos comícios.
31
Posteriormente, em 449 a.C. o povo elegeu, de forma normal dois cônsules: Valério e
Horácio, que mandaram afixar no Forum as XII Tábuas (10 aprovadas + 2 não
aprovadas), apesar do descontentamento do povo: as doze tábuas traduziam “a fonte
de todo o direito público e privado” (Tito Lívio);
Por último, o relato da tradição, diz que estas XII Tábuas teriam sido destruídas no
incêndio de Roma.
Visto que a tradição aponta como datas da promulgação e feitura as de 451 a 449 a.C.,
é de aceitar a data de 450 a.C. Razões:
Os arcaísmos presentes nos fragmentos dos quais nós temos posse, indicam que estes
documentos são do séc. V a.C.;
Estes fragmentos expõem disposições de uma certa rudeza de costumes que não vai
além do séc. V a.C.;
32
Algumas disposições revelam um estado social e político a indicar uma época, e até
mesmo uma certa data; Ex: «trans Tiberium» significa «estrangeiro» na época das doze
tábuas, o que permite que a data 450 a.C. seja admissível.
Antes da Lei das XII Tábuas, o “Ius Romanum” era um Ius Consuetudinarium (= baseado
nos “mores maiorum”). Agora é Ius Legitimum (fundamentado na Lei das XII tábuas), onde
os iuris prudentes criavam direito novo e instituições novas que não estavam contidas nas doze
tábuas;
33
identificando-se com ela, não desapareceu com a promulgação da Lei das XII Tábua, como à
Esta tábua contém 6 leis, sendo a 5ª uma reconstituição não textual, mas quanto ao
sentido:
4ª «Se (o vinculado) quiser, viva por sua conta. Se O endividado, agora '' prisioneiro '' do seu credor,
não vive por sua conta (à sua custa, do que é seu), recebe, pelo menos, uma libra de farinha por dia. O
quem o tem preso dê-lhe (seja obrigado a dar- credor pode depois decidir se lhe dá mais ou não;
passados 30 dias aplicava-se o «manus iniectio».
lhe) uma libra de farinha por dia. Se quiser, dê-
lhe mais»
5ª «Havia, entretanto, o direito de pactuar e, se não A partir do momento que credor levava o endividado
chegassem a um acordo, então (os vinculados) para sua casa, esperando que alguém viesse pagar a
(devedores ou simples responsáveis) ficavam
divida, durante um prazo de 60 dias, levava o a 3
presos com suplícios (nos cárceres privados
21«manus iniectio»: apoderamento da pessoa do responsável, feita pelo credor; Cárcere privado: privação da
liberdade.
34
dos credores), durante sessenta dias. Dentro feiras publicas com a expectativa que alguém lá fosse
desses 60 dias, eram levados a 3 feiras públicas para pagar. Passadas as 3 feiras eram reduzidos
seguidas e, perante o pretor reunido em comício
agora sim a verdadeiros escravos dos seus credores,
apregoava-se a quantia em que tinham sido
condenados (e por que poderiam ser ou eram vendidos como escravos.
resgatados, na esperança de que alguém a Conclusão: no espaço de 60 dias, ou era libertado, ou
satisfizesse e assim remisse os vinculados).
havia um pacto entre o vinculado ou o credor, ou era
Passando as 3 feiras, sofriam penas (de
diminuição) da personalidade (reduzidos a resgatado por alguém da sua gens ou por um amigo
escravos do credor) ou eram vendidos como numa das três feiras públicas consecutivas onde
escravos (no estrangeiro)»
tinha de ser levado.
6ª «Passadas as três feiras, seja (morto e até) Passadas as 3 feiras, o vinculado pelo menos a
esquartejado (sobretudo, no caso de serem princípio, não continuava mais preso, ou era vendido
vários credores). Se (estes) cortassem mais ou ou, no máximo, o endividado era morto e
esquartejado, dado que poderia existir mais do que
menos (do que devido), isso não era
um credor.
considerado fraude» (prejuízo doloso).
5ª Lei: se até a terceira feira alguém pagar ou mesmo o endividado conseguir pagar a sua
5ª Lei: A 5.ª Lei é uma reconstituição de AULO GÉLIO, não literal, mas apenas de conteúdo;
e, ao contrário das outras cinco leis – que estão na forma imperativa e a referir-se ao
Relativamente ao esquartejamento referido que esta lei era muito utilizada para intimidar os
individuados, tendo acontecido, mas, no entanto, era para efeito de ameaça. Até porque o
credor poderia efetivamente torna lo escravo. Esta ameaça tinha também como fim não
35
Após a Lei das XII Tábuas o «Ius Romanum» deixou de ser um ius consuetudinarium –
para passar a ser um ius legitinum (direito legítimo, ou seja, baseado fundamentalmente na
lex, tomado este termo num sentido muito amplo). O costume cedeu o seu lugar às leis (leges).
Noção etimológica - Ainda hoje os autores não se encontram de acordo a uma definição
Primeira definição, LER: Lex deriva de legere, ou seja, ler, pois na «lex publica» tínhamos
a leitura da proposta (rogatio), e, na «lex privada» lia-se o acordo antes de ser assinado
o negócio; era também costume a leitura das tábuas públicas para que as mesmas
privados) para que estivesse presente o conteúdo verdadeiro, de modo a não haver
falsas interpretações;
definição funda se na própria natureza da lei que é uma eleição (escolha) dos meios e
Quarta definição, LEGADO: Lex vem de legare, ou seja, legar (ou dar um
Quinta definição, FIXAR: Lex deriva de lagh, ou seja, fixar/estabelecer: a lei estabelece
a ordem.
36
Conclusão: A primeira definição é a que se enquadra melhor. Lex, segundo uma noção
Noção real - A lex é toda a declaração solene como valor normativo, baseada num acordo
A lex vincula num duplo sentido: vincula aquele que a declara, e a pessoa ou as pessoas
ás quais se destina.
Lex Privata
• É a declaração solene com valor normativo, que tem por base um negócio privado;
• Verifica-se quando al´guém faz um ato de disposição solene acerca de uma coisa sua;
• Cria direito em virtude de um princípio consagrado pelas XII Tábuas: "Quando alguém
celebra um contrato, assim, seja direito" [solemente, ou seja, com forma jurídica];
• A lex privata cria direito privado (ius privatum).
Lex Publica
•Só surge depois da «lex privata», mas, sempre que se fala de lex, entende-se por antonomásia a lex
publica e de um modo geral a lex rogata;
•Deriva duma promessa solene da comnidade social: baeia-se num negócio público;
•Lex publica = Lex rogata, por antonomásia (substituição de algo por outro nome que seja
facilmente identificável);
•Definição: Lex Publica é uma declaração solene com valor normativo, feita pelo povo, pelo facto de
aprovar em comum, nos comícios, com uma autorizalão responsável, a proposta aprentada pelo
magistrado («rogatio»);
•Tem por base um acordo entre o magistrado que propõe a norma e povo que a aprova,
responsabilizando-se; vincula os dois;
•A lei é pública mas sem a necessidade de ser publicada, sendo que a publicação não é um requesito
essencial da lei; a prática é que impôs a forma de a publicar em tábuas expostas ao público.
37
I. Do século V (450) ao século III (242) a.C., as leis que existiam era as leis comiciais
ou rogatae e plebiscitos.
1. Promulgatio
Os projetos de leges a propor à votação dos comitia geralmente eram feitos pelos
magistrados que tinham o poder de convocar os comícios. O texto do projeto deveria
ser afixado num local público de modo a que todas as pessoas o pudessem ler e ter
conhecimento, esta afixação da proposta deveria durar pelo menos três semanas;
afixação da proposta = promulgatio;
O projeto da lex, uma vez promulgado, tornava-se inalterável. Para se poderem fazer
38
alterações tinha que se fazer um novo projeto e voltar ao início, para garantir esta
inalterabilidade foi introduzida pela lex Licinia Iunia (62 a.C.), a obrigação sob pena de
um iudicium publicum (julgamento público), de deixar uma cópia do projeto no aerarium
(erário, ou seja, conjunto dos recursos económicos e financeiros de um Estado; tesouro).
2. Conciones
Reuniões que eram feitas em praça pública, não tinham caráter oficial nem jurídico,
discutia-se o projeto da lex;
Era o magistrado que convidava qualquer cidadão que fizesse parte de uma destacada
posição social, económica, política, etc.
As conciones realizavam-se no período entre a promulgatio e a convocação dos comícios.
Tinham uma duração variável, mas nunca podiam estender-se depois do pôr do sol e
o local ficava à escolha da pessoa que convocava.
Tinham este nome (conciones) porque ninguém podia falar sem que a pessoa que
presidia conceder a palavra.
Os discursos favoráveis ao projeto da lex chamavam-se suasiones e os discursos
desfavoráveis chamavam-se dissuasiones.
3. Rogatio
Terminado o prazo do trinundinum (3 semanas) da promulgatio convocavam-se os
comícios e reuniam-se em assembleia. O magistrado que presidia, depois de ter
cumprido várias formalidades de caráter religioso, lia ou mandava ler por um arauto
(mensageiro oficial) o texto do projeto da lex;
O pedido de aprovação da lex era a rogatio.
4. Votação
O voto afirmativo ou negativo tinha que ser feito com as seguintes palavras
sacramentais: “como pedes” (uti rogas), “voto favorável” (antiquo), “voto desfavorável”
(non liquet, o assunto não está claro) e abstenção;
No início a votação era feita oralmente. Com a lex Papiria Tabellaria (131 a.C.), o voto
passou a ser escrito e secreto.
39
veredicto);
A partir da lex Publilia Philonis do ano 339 a.C., essa auctoritas passou a ser dada antes
de a proposta ser votada pelos comícios, ou seja, logo a seguir às conciones. O projeto
da lex tinha de ser aprovado ou rejeitado totalmente e as emendas ou alterações
(sugeridas nas conciones, votadas nos comitia ou exigidas pelo senatus) faziam com que
se tivesse que elaborar um novo projeto.
6. Afixação
Depois de concedida a auctoritas patrum, o projeto transformava-se em lex e era então
afixada no Forum em tábuas de madeira ou bronze para que o povo pudesse ler, tomar
conhecimento e observar as suas prescrições.
As leges rogatae citam-se pelo nome do magistrado, por exemplo lex Cornelia significa que
o magistrado tinha o nome de Cornelius. Se por acaso houvesse mais alguém (magistrado)
com o mesmo nome, para os distinguir, acrescentava-se o respetivo cognomen (cognome)
ou praenomen (nome pessoal).
Se o projeto da lex for apresentado por um cônsul, então estão presentes os nomes
adjetivados e unidos dos dois colegas, por exemplo, a lex Poetelia Papiria foi votada no
tempo dos cônsules Poetelius e Papirius.
As leges costumavam levar uma indicação sumária do seu conteúdo para evitar confusões
entre leis com designações iguais ou semelhantes.
3) Sanctio - Parte final da lex que estabelece os termos da sua eficácia e a sua relação com outras
normas declarando respeito:
Pelos mores maiorum (código não escrito da qual os antigos romanos derivavam as suas
normas sociais, conceito central do tradicionalismo) pois a lex não se considera uma inovação, mas
sim uma confirmação e defesa da “tradição de uma comprovada moralidade”;
Pelas velhas leis que não se podem anular (inderrogáveis), como por exemplo, as leges
sacratae (leis juradas por patrícios e plebeus para acabarem com as suas lutas).
40
Assim, ao contrário do que acontece hoje em dia em que a nova lei abole a antiga, a
infração dessas normas inderrogáveis implicava, maioritariamente, a nulidade das leges novas.
iv. Classificação das leges rogatae quanto à sanctio (sanção)
Normalmente o ius não pode ser alterado por uma lex, por isso as leges rogatae não declaram
nulos os atos praticados contra as suas disposições, mas sim limitam-se a impor multas ao infrator ou
a reprovar. Classificação das leges rogatae quanto à sanctio:
1. Perfectae- declaram-se nulos os atos contrários às suas disposições;
2. Minus quam perfectae- apenas se impõem multas aos transgressores;
3. Imperfectae- não se anulam os atos contrários nem se impõe nenhuma sanção; não significa que
possa ser transgredida à vontade: os magistrados dispõem de expedientes para tornar
ineficazes essas transgressões.
II. Depois do século III (ano 242 a.C.) e a partir do século I d.C. para além das leges rogatae
existiam outras, as leges publicae.
41
III. A partir do século II d.C., as leges publicae principalmente as leges rogatae, começam a ficar
para trás para darem lugar aos senatusconsultos e às constituições imperiais.
As leges rogatae começam a ser cada vez menos devido à decadência dos comícios. No século I
d.C., o senado inicia a sua atividade legislativa e no século II d.C. começa a afirmação e a consagração
do poder imperial. Assim a lex rogata acaba de vez antes do século III d.C.
No final do século II d.C. existe um novo tipo de lei, a vontade absoluta do imperador
(constituições imperiais).
IV. Nos séculos IV-V, Baixo Império, a palavra leges significa ius novum e opõe-se a ius ou a ius
vetus.
A palavra leges tem outro significado que são as constituições imperiais (Corpus Iuris Civilis é
uma coletânea de leges, ou seja, constituições imperiais). Estas a partir dos séculos IV-V são a única
fonte de direito e, o imperador, com a sua vontade absoluta, é o único criador de ius e o seu único
intérprete.
O ius ou o ius vetus é todo o direito antigo ou tradicional criado pelas leges rogatae, datae, dictae,
pelos senatusconsultos, pela iurisprudentia, pelo mandato dos magistrados e até pelas constituições
imperiais anteriores ao século IV.
a) Conceito de senatusconsultos
Inicialmente, esta palavra tem como significado uma consulta feita ao senado:
antigamente certos magistrados para resolverem determinados assuntos eram obrigados a
consultar o senado, mas não seguiam a sua opinião.
Desde que a opinião do senado começou a ter um certo valor, na prática, e a não ser
indiferente ao magistrado o senatusconsultum começou a significar uma decisão do senado.
O senatusconsultos são uma fonte de Direito Civil (ius civile) muito importante,
gradualmente ganhando categoria de norma jurídica.
42
43
- Denominação:
44
e) Exemplos de senatusconsultos
Existem cerca de 225 senatusconsultos pelo que os que irão ser mencionados seguidamente dão
uma ideia do ambiente social romano: Senatusconsultos de Bacchanalibus, do ano 186 a.C, Senatusconsultos
Claudianum, do ano 52 d.C., Senatusconsultos Tertullianum, cerca do ano 120 d.C. e Senatusconsultos
Orfitianum, ano 178 d.C. (esquematicamente):
Senac. De Bacchanalibus
•Proibia as festas nocturnas, as bacanais (em honra do Deus Baco), que resultavam em orgias
escandalosas;
•As penas contra os bacanais («bacchanalis») eram graves e contra os filiados eram ainda mais
graves: em geral, pena de morte.
Senac. Claudianum
•Determina que uma mulher livre romana pode perder a sua liberdade em três situações: (1)
envolvendo-se sexualmente com um escravo alheio; (2) Se ela confrontar a vontade expressa pelo
propriétario do escravo; (3) Se ignorar e continuar com os seus atos após 3 intimações do
proprietário do escravo;
•Se estas três acontecerem, então a mulher romana é reduzida ao dominus do escravo.
•Concede à mãe que não é casada ou a mãe consanguínia, ou seja, que realizou o seu matrimónio
sine manu (continua sob o poder de seu do "pater" originário) o direito de suceder iure civili na
herança dos seus filhos;
•Houveram 4 alterações essenciais que vieram a alterar a forma como a sucessão da herança
familiar é realizada: A reafirmação da superioridade da linha masculina na sucessão da herança
familiar;
•O estabelecimento, excepcional, do direito de representação na linha feminina, no segundo grupo;
•Permitiu a passagem da mãe consanguínea do 3º I.P. para o 2º I.C. desde que se verificassem
cumulativamente dois requisitos: a) de cuis (ou seja, o indivíduo que passa a herança), não tivesse
deixado descendentes, nem irmãos homens e os seus descendentes; b) a mãe consanguínea goza-
se do ius liberorum (direito de filhos),ou seja, no caso de ter sido sempre uma mulher livre, tinha
de ter 3 filhos, no caso de ser liberta ( nasceu escrava e adquiriu a liberdade ) tinha de ter 4 filhos;
•E, finalmente, se a mãe consanguínea passar ao 2º grupo I.C. tem direito a metade da herança.
Senac. Orfitianum
45
Este S.C. é assim denominado por ter sido proposto ao Senado pelo cônsul Velleus, forte
defensor desta posição, sendo atribuído assim o seu nome à proposta, embora esta tivesse
sido coadjuvado pelo Cônsul Silarus. A sua data é incerta, pelo que se atribui principalmente
ao tempo de Nero, ano 58 d.C.
O principal interesse deste S.C. era a proibição, a todas as mulheres, da prática de atos
Intercessio a favor de qualquer homem, ou seja, proibiu que elas se responsabilizassem, de
qualquer forma, pela dívida ou pelas dívidas contraídas por um homem.
desempenharem cargos viris, já que constituem o sexo frágil e, por outro lado, é vergonhoso
para o homem ser garantido por uma mulher. Porém, a verdadeira justificação, cobre a
mulheres muitas vezes com base em promessas de casamento intercediam a favor dos
homens, pagavam as suas dívidas e ficavam na miséria, dedicando-se á prostituição, daí que
Este S.C. vem proteger as mulheres e age com animus donandi, ou seja, age com espírito
mulher, esta ainda era realizada muitas vezes, mas era ineficaz, pois embora válido não
Velleianum efetivava-se por força do ius civile, mas através de expedientes criados pelo pretor,
sendo que este podia inutilizar o pedido do credor ao demandar a mulher intercessora a
denegatio actiones ou então a mulher, quando demandada pelo credor, podia opor-lhe a
Exceptio senatusconsulti Velleiani. Para além disso, havia a possibilidade de reclamação através
46
Casos de não aplicação do S.C. Velleianum: Este senatusconsultos não proibiu as mulheres
de serem livres, ou seja, não proibiu o pagamento duma dívida alheia, nem a doações
nem até a alienação ou mesmo a garantia a favor de terceiro, desde que o fizesse com
e não as doações.
Casos de exceção ao S.C. Velleianum: a proteção terminava se a mulher tinha agido com a
intenção de prejudicar juridicamente o credor, ou ainda, se tivesse agido com algum
interesse patrimonial próprio.
Cumulativa
•Quando alguém se responsabiliza pela dívida dum terceiro conjuntamente com ele: (1) mediante uma
obrigação correal, isto é, obrigando-se perfeitamente in solidum (solidária); (2) mediante uma garantia
pessoal na forma de ad promissio (exemplo: sponsio); (3) mediante uma garantia real (exemplo: hypotheca);
•Verifica-se que alguém se junta ao devedor principal, responsabilizando-se também pela dívida;
•Dois devedores: inicial e o intercedente, sendo que o credor pode exigir de ambos
Privativa
•Se alguém se coloca no lugar do devedor inicial, cuja a obrigação se extingue (expromissio);
Tacita
• Se alguém se obriga ab initio para que a pessoa, que naturalmente seria o devedor principal, não se
obrigue.
47
Adpromissio
•Surge um novo devedor que, por uma nova stipulatio (cria obrigações), se junta ao devedor principal;
Tem duas formas em que tanto uma como outra serviam para garantir apenas as dívidas nascidas duma
stipulatio, visto pressuporem uma promissio:
•(1) sponsio, forma solene de promessa, de origem sacral, só própria dos cidadãos romanos, feita com invocação
dos deus das partes negociantes;
•(2) fidepromissio, promessa, feita com a invocação da deusa fides, admitida por cives e non-cives;
Tem uma 3.ª forma, (3) fideiussio, surgiu no sec. I a.C. e não é uma promessa solene, mas sim uma autorização
responsável (iussio) sendo acessível a cives e peregrini, permite garantir todas as obrigações inclusive naturais e
futuras; aqui, o fiador tornava-se também devedor do contúdo da dívida principal.
• Ficam a existir duas obrigações, a do devedor principal, em que o objecto da obrigação é o debitum, a segunda
obrigação é a do fiador ( adpromitente) em que o objecto da obrigação é a promessa de o devedor principal
cumprir o seu débito. O adpromitente não fica responsável directamente pela dívida, mas pelo devedor, fica
responsável pela promessa que o devedor principal pagará, há portanto duas obrigações com igual conteúdo,
mas não com o mesmo conteúdo.
Expromissio
2. Garantias reais – Dado direta e exclusivamente por certos bens; o credor garante com
um bem certo e determinado; nas garantias reais o credor tem um direito sobre uma
coisa móvel ou imóvel de forma a assegurar o cumprimento da obrigação; podiam ser
três espécies: fidúcia (fidúcia), penhor (pignus) e hipoteca (hypotheca). Representadas
esquematicamente na página seguinte.
48
Fiducia
•Verifica-se uma datio (=transferência de propriedade) da coisa a favor do credor, propriedade que deverá cessar, logo que
se efetue o cumprimento da obrigação, aliás terá contra si a actio fiduciae, exatamente para o forçar a restituir a propriedade
da coisa; e até a sua posse, se, além de datio, também houve traditio;
•A datio da coisa não implica necessariamente a transfência da sua posse; a coisa, embora propriedade do credor, podia
continuar em poder do fiduciante;
•Credor em desvantagem: porque o fiduciante podia recuperar a propriedade através da usureceptio ex fiducia, ou seja,
usurpação pelo proprietário que deu uma garantia ao magistrado ou mancipatio, em seguida, retornar para possuir a coisa
por um ano, não sendo causa necessária ou iusta ou boa-fé.
Pignus
Hypotheca
Na intercessio cumulativa:
49
do devedor principal por impossibilidade do objeto, já que a coisa não pode ser dada
duas vezes;
Intercessio tacita: há uma obrigação, uma só stipulatio e um só devedor (o intercedente),
sendo que o devedor principal nunca surge como efetivo.
Senatusconsultum Neronianum
A palavra legado provem de legatum, que significa que o testador no seu nuncupatio
(declaração oral), ordenava o destino de determinados bens particulares. Estas ordens ou
mandos eram uma lex rei suae dita, verdadeiras leges (privatae ou legata).
Legado é uma disposição «mortis causa» contida num testamento a favor de terceiros
sobre bens concretos: o herdeiro cumpre estas disposições, por vezes de forma passiva (legado
senendi modo), ou para o não impedimento do exercício do direito legatário (legado per
vindicationem) devem ser reunindos varios requesitos (formulas).
50
A aquisição da coisa legada faz-se de forma direta, sem passar pelo herdeiro. Morto o
testador, e após a aceitação da herança, o escravo passa automaticamente para o
património do legatário que dispõe de acção real para lhe dar a utilidade que desejar
e ir buscá-lo onde quer que estivesse.
Para que este legado fosse válido, para além do emprego da fórmula exata, é necessário
que a coisa legada pertencesse ao testador: no caso de uma coisa fungível, ou seja,
identificável por peso, conta ou medida, devia ser propriedade do testador no
momento da sua morte; no caso de uma coisa não-fungível, de características
individuais (ex: um prédio na rua x), um bem identificado escravo deveria pertencer
ao testador no momento da morte bem como no momento da realização do testamento.
51
Senatusconsultum Macedonianum
52
53
A todo o filiusfamilias (ff), sem interesse algum pelo cargo ocupado, e mesmo que
tivesse bens próprios, e ainda mesmo depois de ser já sui iuris;
Ao pater, expeto nos números 4 e 5 dos “casos em que era negada a exceptio» (D);
Aos herdeiros do ff;
Ao garante da divida em dinheiro, contraída pelo ff.
54
55