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I - INTRODUÇÃO
II – FONTES DE DIREITO
IV - A FAMÍLIA ROMANA
1. Noção; 2. Evolução; 3. Constituição; 4. Poder paternal e parentesco; 5.
Dissolução; 6. Relações pessoais; 7. Relações patrimoniais; 8. Filiação; 9. Tutela e curatela.
V – TUTELA JURÍDICA
VII– OBRIGAÇÕES
VIII – SUCESSÕES
BIBLIOGRAFIA
CAPÍTULO I - INTRODUÇÃO
Sumário:
seus direitos) alterum non laedere (não prejudicar ninguém), e de suum cuique tribuere
(atribuir a cada um o que é seu; o devido, nem mais nem menos). Este estudo dá
verdadeira formação jurídica, educando:
a) para uma certa liberdade e uma relativa independência perante a lei, ensinando
a valorar a jurisprudência;
3. Opção metodológica
Dado o alto valor formativo do estudo desta matéria, como referido, a orientação a
imprimir a essa abordagem deverá ser histórico-dogmática. Histórica, para, a traços lagos,
relevar a evolução das instituições jurídicas de Roma e das respectivas fontes, isto é, o
sentido genético do sistema do Ius Romanum; analisar os factos que concorreram para a
criação, modificação ou extinção das suas normas e dos seus conceitos; e sobretudo
dogmática, porque apesar de ser ordenamento do passado, é ainda um ordenamento
vivente, enquanto encerra princípios fundamentais – perenemente válidos e universais -,
de que não podemos de forma alguma afastar-nos sob pena de ficarmos a ignorar as
verdadeiras bases jurídicas de convivência humana. Por conseguinte, o grande aspecto
dogmático do Ius Romanum está em este conter a orientação geral da ciência jurídica, é
não reside apenas no facto de nesse Ius existirem institutos que correspondem a institutos
modernos.
No ciclo ininterrupto de vigência (753 c.C – 565 d.C.), o sistema jurídico romano teve de
sofrer alterações profundas, para corresponder às transformações sociais dos tempos. No
início, o Ius Romanum forma um sistema fechado, próprio só dos quirites, duro e feroz
como aquela gente guerreira, impelida a lutar pela sua subsistência; formalístico e
rigoroso como a ordem que impera numa sociedade agrícola e patriarcal. Pouco a pouco,
devido não só à transformação social da civitas, aos contactos com usos e costumes
doutras gentes, mas sobretudo ao génio criador dos grandes juristas de Roma, esse
Direito, embora mantendo-se fiel à sua estrutura originária, torna-se apto a resolver as
situações criadas pelas novas exigências da vida e pelo alargamento do comércio. E esse
Direito nunca mais pára na sua evolução e adaptação às realidades sociais: nasce, cresce,
atinge o apogeu, decai; retoma uma fase de certo esplendor, para, depois, se codificar.
a) Época arcaica (ou do direito quiritário) : decorre entre os anos 753 e 130 a.C. e
caracteriza-se pela mistura do jurídico com a religião e a moral e pela existência de
instituições jurídicas rudimentares, sobre as quais, muitas vezes, somente podem
formular-se hipóteses, devido à escassez de documentos. Merece destaque a criação do
pretor urbano e do pretor peregrino, respectivamente em 367 e 242.
b) Época clássica: situa-se entre os anos 130 e 230 e compreende as seguintes etapas:
c) Época pós-clássica: situa-se entre os anos 230 e 530. Não tem individualidade própria:
ou é referida à epoca anterior e daí o chamar-se pós-clássica, ou à seguinte e daí também
o ser denominada pré-justinianeia. É uma época de franca decadência do Ius Romanum.
Compreende duas etapas:
1
Justiniano quis restaurar em toda a sua amplitude a tradição jurídica dos romanos. Manda elaborar
uma grande colectânea com o escopo de dirimir controvérsias e optar por uma entre diversas opiniões.
Assim o ius ficaria certo, concorde, uniforme e apto a ser codificado. Essas determinações destinavam-
se fundamentalmente a resolver legislativamente velhas questões doutrinais, revogar expressamente
antigas normas já caducas e estabelecer novos critérios bem como fixar orientações para a solução de
vários problemas jurídicos.
2
Chamado assim por Dionísio Godofredo em 1583.
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
7
Sumário:
1. Preliminares
Fonte de Direito Romano é tudo aquilo onde nos aparece algo para o Ius Romanum: ou
produção ou modos de formação ou mero conhecimento, disto se inferindo que se pode
falar de fontes do direito em várias acepções.
2. Costume
O costume foi a primeira fonte do direito romano e, no seu processo evolutivo, assinalam-
se duas espécies:
b) Consuetudo: surge mais tarde, na época pós-clássica, e pode definir-se como uma
prática constante observada durante largo tempo pela generalidade do populus romanus
com a força obrigatória da lei.
3. Lei
A lei (lex) é uma declaração solene com valor normativo, feita pelo populus romanus que,
reunido nos comícios, aprova a proposta que o magistrado (presidente) apresenta e o
Senado confirma.
c) dicta: proferida por um magistrado em virtude dos seus próprios poderes, consistente
num acto de disposição solene acerca duma coisa sua.
4. Plebiscito
Nos primeiros tempos, não teve carácter vinculativo. Posteriormente, a lex Valeria de
plebiscitis (449 a.C.) atribuiu-lhe força vinculativa entre os plebeus; e, no ano 286 a.C. a lex
Hortensia de plebiscitis estendeu-a aos patrícios, ficando, portanto, equiparado às leis
rogadas.
5. Senatusconsulto
6. Edicto
Era o comando ditado por um magistrado no uso do imperium, sobre matérias de sua
competência. Os mais importantes eram os do Pretor, que deram origem ao ius
praetorium3.
7. Jurisprudência
Ulpiano definde jurisprudência como conhecimento das coisas divinas e humanas, ciência
do justo e do injusto4.
8. Constituição imperial
3
O ius praetorium era constituído pelo conjunto de normas surgidas (sempre para casos concretos não
disciplinados directamente pelo ius civile) da actividade interpretativa dos pretores urbano e peregrino.
Referência para o efeito é a definição de Papiniano: ius praetorium est quod praetores introduxerunt
adiuvandi vel supplendi vel corrigendi iuris civilis gratia propter utilitatem publicam (direito pretório é o
que foi introduzido pelos pretores para propiciar, através de auxílios, integrações e correcções uma
melhor aplicação do ius civile pela razão da utilidade pública) D. 1,1,7, 1. Toda essa actividade era
sempre orientada pelos grandes princípios jurídicos (D. 1,1,10,1): o de não abusar dos seus poderes
(honeste vivere); o de não prejudicar ninguém (alterum non laedere); o de atribuir a cada um o que é
seu (suum cuique tribuere).
4
Iuris prudentia est divinarum atque humanarum rerum notitia, D. 1, 1,10, 1.
5
Por provir formalmente da autoridade do príncipe, obrigava o juiz a segui-lo; de princípio tinha valor
apenas em relação ao caso para que era pronunciado; depois, a eficácia estende-se aos casos análogos.
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
10
Sumário:
1. Preliminares
Os termos usados pelos romanos para indicar a posição do sujeito face ao ordenamento
jurídico são caput e status. Caput, literalmente cabeça, com o sentido de indivíduo,
Indiferentemente de condição servil (servile caput) ou livre (liberum caput), engendra,
deste os tempos mais antigos, a expressão técnica capitis deminutio, significando
modificação de status, de situação jurídica do sujeito, nomeadamente da liberdade (capitis
deminutio maxima), da cidadania (capitis deminutio media) e da posição que ocupava na
família (capitis deminutio minima). No direito justinianeu, caput assumiu um significado
que transmite a ideia moderna de capacidade jurídica. Status indica a posição: ou de
homem livre (status libertatis), ou de cidadão (status civitatis), ou de membro da família
(status familiae).
2. Pessoa Física
2.1.Vicissitudes
A pessoa física origina-se no nascimento, que deve obedecer aos requisitos de:
Vida própria: O ser humano deve nascer vivo, porque os que nascem mortos não são
considerados nem nascidos nem procriados. Vale aqui referir as teses das escolas
proculeiana (do gemido, choro) e sabiniana (dos sinais vitais – respiração, movimento do
corpo) discordantes quanto ao modo de aferir quando é que o indivíduo fosse ou não
nascido vivo, tendo prevalecido a última, acolhida também por Justiniano.
Forma humana: quem nasceu deve ter forma humana, pois não são filhos os que são
procriados contra a habitual forma do género humano.
Do exposto, resulta que o nasciturus não é considerado pessoa: ainda não está in rerum
natura, i.é., actualmente inexistente. Porém, a sua futura humanidade não deixou de ser
relevante para determinados efeitos jurídicos e justificou que ao momento da concepção
fosse dada uma atenção especial.
Assim, v.g., para o nasciturus instituído herdeiro, a lei previa a nomeação de uma curador
especial, curator ventris (curador ao ventre), que cuidava de conservar os bens a si
destinados; para determinar o status do nascido de justas núpcias tem-se em conta a
condição do pai no momento da concepção; e, por aplicação do favor libertatis, nasce livre
o filho duma escrava que seja livre no momento do nascimento, da concepção ou em
qualquer momento da gestação.
Desta casuística clássica, elaborou-se a regra justinianeia segundo a qual quem está no
ventre materno é considerado como se tivesse nascido, sempre que se trate das suas
próprias vantagens e disto os jurisconsultus medievais elaboraram o princípio nasciturus
(conceptus) pro iam nato habetur, si de eius commodo agitur, i.é., o nascituro é tido por já
nascido, quando se trate de vantagem própria.
A pessoa física extingue-se por morte que, constituindo um facto, deve ser provado por
quem o invoque para fundamentar a sua pretensão.
Para ser sujeitos de direito, impunha-se pertencer à categoria das pessoas livres, não
ser escravos.
A cidadania romana é o segundo requisito exigido para a capacidade jurídica plena. Até à
época clássica, por conta da expansão territorial progressiva de Roma, muitas eram as
pessoas livres, todavia desprovidas desse requisito. Os peregrinos achavam-se sujeitos ao
seu direito nacional e eram, face ao ius civile, incapazes; as suas relações patrimoniais com
os cidadãos romanos eram reguladas pelo ius gentium.
6
Radical e originariamente, a escravidão surge por descendência. O filho nascido de mãe escrava é
escravo e pertence ao dono da mãe.
7
É negócio jurídico privado do dono. Consagravam-se modalidades de aquisição da liberdade por
disposição legal: concessão para compensar quem se distinguiu ao serviço do bem comum, em obras
beneméritas, por prescrição aquisitiva em benefício de quem vivesse durante vinte anos na condição de
livre, ao escravo abandonado pelo dono por enfermidade grave.
8
Com as alterações já vistas.
9
O desertor, considerado como não-cidadão sem direitos, e vendido como escravo para o estrangeiro
(trans Tiberim vendere). Na época imperial, escravos dentro do país: toda a condenação à morte, a lutar
com as feras implica a redução a escravo.
10
Os estrangeiros prisioneiros de guerra tornam-se propriedade do Estado. Porém, o cativo romano
perde a libertas, mas não se torna servus iustus (escravo segundo o ius civile), salvos restando os efeitos
dos ius postliminium e da fictio legis Cornelia.
11
Constitutio Antoniniana.
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
14
2.4.Estatuto de família
É sui iuris a pessoa que não se encontra sujeita ao poder (potestas) familiar de outra.
Tratando-se de homem, denomina-se pater familias, sendo indiferente que tenha ou não
descendentes e seja solteiro ou casado, criança ou adulto porque pater familias não
significa genitor, mas chefe de família. A mulher, mesmo que sui iuris, não pode ser pater
familias.
É alieni iuris a pessoa sujeita ao poder (patria potestas ou manus) de um pater familias: os
filhos e filhas (próprios ou adoptados) não emancipados, a esposa sujeita à manus do
marido ou do paterfamilias a quem se encontra sujeita.
2.5.Capitis deminutio
Reveste várias espécies, cada uma das quais produzindo determinados efeitos:
12
Torna-se peregrinus. V.g. desterro por traição à pátria.
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
15
Destacamos:
13
Afastando-se assim a possível variabilidade.
14
Todavia, para se proteger os menores de vinte e cinco anos contra negócios lesivos realizados por
inexperiência, tornou-se prática o recurso à assistência de um terceiro, curador, como mero cooperador.
15
Honra civil é o estado de íntegra dignidade que um indivíduo goza na sociedade.
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
16
3. Pessoa Colectiva
3.1.Personalidade jurídica
Por isso, o direito reconhece organizações mais ou menos vastas, com esferas jurídicas
próprias que não se identificam com a soma das relações jurídicas e dos interesses das
pessoas que as integram. E, para poderem realizar eficazmente a sua função, são-lhes
reconhecidas a personalidade e a capacidade jurídica, embora limitadas às relações
compatíveis com a sua natureza e teleologia.
Especificam-se em:
3.2.Corporações
3.3.Fundações
Requisitos necessários:
a) Existência de um património;
Sumário:
1. Noção
A Família romana constitui uma associação jurídica monocrática, composta pelo pater
famílias como chefe e pelas pessoas que estão submetidas ao seu poder doméstico16
O pater famílias era quem não tinha ascendente directo varão, ou o emancipado e
Ulpianus aponta-o como aquele que tem o domínio da casa e é assim chamado mesmo
que não tenha filho, pois o termo não é só de relação pessoal, mas de posição de direito17
O poder dessa figura central manifesta-se em graus diversos consoante os seus objectos.
Este poder doméstico chama-se potestas, originariamente também manus, domina e ao
mesmo tempo protege. Mais tarde manus usa-se apenas para o poder sobre a mulher
casada (uxor in manu, isto é, casada no regime de sujeição jurídica ao marido, sobre a qual
exerce a manus maritalis), desde que esta pertença (o que não é necessário) à associação
doméstica do marido. O poder sobre os filhos (filii, filiae), suas mulheres e descendentes é
a patria potestas, sobre os escravos e património dominica potestas (poder senhorial),
traduzido na propriedade.
2. Evolução
A família romana registou uma profunda evolução. Até à época clássica, tem na sua base
um vínculo jurídico dito agnatício que une as pessoas sujeitas ao poder do mesmo pater
famílias e acabou por ser uma comunidade unida fundamentalmente por laços de sangue.
16
A concepção romana da família, não apenas na época arcaica como também ao longo da evolução do
direito romano, é marcadamente patriarcal:
17
D. 50, 16, 195,2.
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
18
Ou seja, o primitivo vínculo jurídico agnatício foi substituído pelo novo vínculo de sangue,
dito cognatício.
Vários agentes realizaram esta longa e profunda evolução, deste o pretor até aos
Imperadores que iam pondo a família em sintonia com os novos ambientes culturais. Já na
época clássica, por exemplo, assinala-se a decadência da família agnatícia e a progressiva
importância da família natural ou cognatícia; a mulher pode não se vincular ao poder
marital (manus); estabelece-se a sucessão hereditária entre mãe e filhos.
3. Constituição
4.1.Poder paternal
a) Origem
18
Sobre adopção, ad-rogação e legitimação, cfr. anexos.
19
Sobredita hegemonia suavizada mediante a vigilância, pelo Censor, dos costumes e, já no principado,
por normas restritivas e punitivos dos excessos da patria potestas.
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
19
O filho está sujeito ao pátrio poder: por descendência legítima (quando concebido em
matrimónio válido); quando pai e filho estão sujeitos ao ordenamento jurídico romano;
por adopção, ad-rogação e legitimação.
Quanto ao direito das pessoas, os filhos-família são livres, podem contrair matrimónio e
ter filhos legítimos.
Desde os tempos antigos os filhos não têm capacidade patrimonial. Só pode ser titular de
direitos patrimoniais quem for sui iuris. Dessa incapacidade deriva que tudo quanto
adquiram por negócio ou qualquer facto, reverte necessariamente para o pater familias.
Vinculando-se por negócios obrigacionais, os filhos podem ser demandados por estranhos
à família, mas a execução forçada contra eles naufraga na patria potestas; analogamente,
pelos delitos responde o pater famílias.
O pater famílias costuma ceder aos filhos (e aos escravos) um peculium, ou seja, um
património autónomo, que estes podem administrar autonomamente. Partindo do pecúlio
foi-se desenvolvendo na época clássica e especialmente na pós-clássica uma capacidade
patrimonial limitada dos filhos-família sobre certos bens. Todavia, nem na época tardia os
filhos alcançaram a plena capacidade patrimonial sobre todo o património.
O poder paternal extingue-se com a morte do seu titular, a sua perda de liberdade ou
cidadania, a sua ad-rogação; o pátrio poder sobre cada filho-família termina com a sua
entrega em adopção ou (em caso da filha) em manus20.
A libertação do filho do pátrio poder, que o torna pessoa sui iuris, dá-se através da
emancipação, que é a renúncia à patria potestas, comportando a saída do filho/filha da
família de origem. Sui iuris, o filho adquire a correlativa capacidade de agir, tem
capacidade patrimonial21 perdendo porém os direitos respeitantes à família originária22.
20
A extinção sem capitis deminutio dá-se quando o filho se torna sacerdote de Júpiter e a filha vestal.
Justiniano faz extinguir o pátrio poder quando o filho se torna alto Dignitário do Estado ou da Igreja. Em
alguns casos, leis pós-clássicas prevêem a perda da patria potestas como pena para o pai, v.g., em caso
de maus tratos aos filhos, indução da filha à prostituição. No direito justinianeu, o princípio da
perpetuidade da patria potestas cai em desuso, e se difunde a prática de emancipar o filho uma vez
alcançada a maioridade. Cfr. Sergio, Istituzioni…, 392.
21
Em regra o paterfamilias que emancipa doa-lhe um património (v.g. o que era peculium)
22
Esta consequência foi atenuada na sequência da intervenção pretoriana e a legislação imperial, que
tomaram em consideração a cognação, i.é. o parentesco natural, cfr. Kaser, p. 347.
4.2. O Parentesco
Atenuando-se cada vez mais as fortes vinculações que unem a família como associação
jurídica, consolidada sob a direcção monocrática do paterfamilias, a partir da República e
ainda mais nos princípio do Império, perde também relevo o parentesco agnatício,
fundado na pertença às associações familiares. Em seu lugar ganha cada vez mais
importância o parentesco de sangue (cagnatio). Este parentesco desprendido das
relações de poder manifesta-se em múltiplos deveres de lealdade e protecção, pelos
quais, por exemplo, os pais (em geral) não podem ser demandados pelos filhos em
tribunal, pais e filhos não podem testemunhar uns contra os outros23.
5. Dissolução da Família
A família romana dissolve-se com a morte ou capitis deminutio maxima, média e mínima
do paterfamilias.
6. Relações pessoais
6.1. Matrimónio
6.1.1. Requisitos
23
Na época pós-clássica estas limitações aumentam, por motivos cristãos.
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
21
6.1.2. Impedimentos
a) Absolutos
Primeiro, matrimónio anterior ainda não dissolvido, pois dizem as fontes que “uma mulher
não pode estar casada ao mesmo tempo com dois homens nem o mesmo homem pode ter
duas mulheres”24. Por isso, a celebração do segundo matrimónio subsistindo o primeiro
torna a pessoa infame;
b) Relativos
24
GAIUS, 1,63.
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
22
Quarto, por afinidade, i. é, o vínculo entre uma pessoa e os parentes do seu cônjuge, na
linha directa: padrasto e enteada, sogro e nora, sogra e genro25.
b.2. Adultério e rapto: entre a mulher adúltera e o seu cúmplice. Também o raptor não
pode contrair matrimónio com a mulher raptada.
b.3. Outros por razões várias, v.g., entre tutor e a pupila, enquanto esse não prestar contas
e antes de esta completar 25 anos, entre senadores (e seus descentes) e libertas, a mulher
antes de decorrido dez e depois um ano de luto ou divórcio (tempos lugendi)
A união conjugal como facto social teve como destacáveis efeitos que:
6.1.4. Dissolução
25
Na pós-clássica e por influência cristã, também entre cunhados assim como entre o irmão do defunto
e a viúva ou irmã. Estes impedimentos foram afastados pelo direito justinianeu.
26
O adultério do marido é sancionado, embora considerado atenuante do adultério da mulher e tenha
implicações patrimoniais: restituição do dote, perda das doações nupciais.
27
O simples desaparecimento não equivale à morte. Todavia, se um dos cônjuges não tiver notícias do
paradeiro do outro por tanto tempo e em tais circunstâncias que o possa considerar morto, o
casamento considera-se dissolvido, por ter terminando a relação fáctica da comunidade de vida baseada
na intenção matrimonial, cfr. D. 48, 5, 12, 12.
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
23
Quanto ao divórcio, regista-se uma longa evolução. Pensa-se que, na antiga sociedade
romana, devia ser muito raro e só terá sido praticado entre personagens importantes.
Todavia, com a decadência da moralidade romana, o número de divórcios cresceu
enormemente, chegando a invocar-se motivos fúteis. Por fim, Justiniano ordenou esta
matéria, seguindo novos critérios e fixando novas causas justificativas29.
6.2. Esponsais
6.3. Concubinato
28
Doutro modo incorre em divórcio sem causa com a sanção correspondente: a perda da doação
antenupcial (mulher) e do dote (marido): D. 24, 2, 6.
29
Completar com a leitura de Santos Justo, Breviário…, p. 412 – 416.
30
Completar com a leitura de Santos Justo, Breviário…, p.407 - 408.
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
24
- mantém-se o critério rigoroso da monogamia: quem tiver mulher não pode ter
concubina; e o homem solteiro não pode ter duas concubinas;
- o concubino pode doar à concubina e aos seus filhos determinadas quotas do seu
património e a estes se confere o direito de sucessão intestada no montante de um sexto,
se não houver filhos legítimos nem esposa com legitimidade sucessória;
- À morte do dominus, a escrava sua concubina e os filhos nascidos desse concubinato são
considerados livres, salvo se aquele tiver disposto diferentemente.
7. Relações Patrimoniais
Para que a família proveja às próprias necessidades, como sustento dos seus
componentes, educação dos filhos etc., necessita de sustentação patrimonial: daí falar-se
de regime patrimonial da família relativamente aos bens destinados a cumprir tais funções
que transcendem o interesse dos componentes singulares da mesma.
31
Configurou-se como uma união conjugal inferior ao matrimónio legítimo.
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
25
7.1. O Dote
O uso exige, desde tempos antigos, que o paterfamilias da mulher, e se esta for sui iuris
ela própria, faça doações ao marido, por ocasião do matrimónio, de valores patrimoniais
como dos (dote)32. Objecto do dote pode ser tudo o que tem valor patrimonial: coisas
corpóreas, créditos, remissão de dívidas etc., e tem como fim originário servir ao marido
como contributo para os encargos matrimoniais, já que o marido é moralmente obrigado
em qualquer matrimónio – mesmo no sui iuris – a sustentar a mulher e fazê-la participar
no seu nível de vida33.
Depois de longa evolução, o direito justinianeu aprimorou o regime da doação nupcial, nos
seguintes termos de maior relevância:
- Se o matrimónio não se realizar por morte do noivo, a noiva tem direito a metade dos
bens;
- a mulher viúva, em segundas núpcias goza do direito de usufruto dos bens doados, cuja
propriedade passa a pertencer aos filhos do primeiro matrimónio;
- Cabe ao marido a administração dos bens, sem os poder alienar nem hipotecar.
Segundo precedentes clássicos que remontam a modelos helenísticos, são bens da mulher
trazidos para o matrimónio, além do dos, que são coisas pessoas (roupas, joias, utensílios
domésticos etc.). Continuam propriedade da mulher mas são administrados pelo marido,
32
Qualquer terceiro pode também constituir dos em favor da mulher.
33
Os encargos do matrimónio (onera matrimonii) deviam ser suportados pelo marido ou pelo seu
paterfamilias.
34
Animus donandi
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
26
8. Filiação
Com o vocábulo filiação indica-se a geração de uma pessoa física resultante da união de
um homem com uma mulher e relações de filiação, as relações jurídicas que nascem
reciprocamente entre os progenitores e a pessoa procriada, em consequência da
concepção e do nascimento.
- o filho tem os deveres de obséquio para com os seus progenitores. Por isso, os filhos são
os podem demandar com uma acção infamente (salvo injúria atroz) nem testemunhar uns
contra os outros e são gravemente punidas as lesões ou injúrias contra os progenitores 37;
- o pater pode intentar uma acção para obter o reconhecimento da sua paternidade;
35
Para este fim, a mulher gozava de hipoteca legal sobre os bens do marido e podia agir contra este
mediante a rei vindicatio (acção de reivindicação).
36
É provável que o filho gozasse da mesma condição se o pater perdesse a cidadania e a liberdade
depois da concepção.
37
Um lei antiga punia o parricídio com a pena do culleus: o parricida era açoitado, metido num saco com
um cão, um macaco e uma serpente e lançado a um rio ou mar.
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
27
c) O filho espúrio não tem juridicamente pater e, por isso, não existem entre o
genitor e esse filho quaisquer direitos e obrigações. Integra-se na família materna e, em
relação à mãe, cuja condição segue, tem os mesmos direitos que os filhos legítimos:
direitos a alimentos, direito sucessório.
9. Tutela e Curatela
9.1. Tutela
Os impúberes e as mulheres39 estão sujeitos a tutela. O tutor tem sobre eles e o seu
património um poder de protecção, similar ao poder doméstico do paterfamilias, mas
atenuado pela finalidade de protecção do pupilo.
38
Cfr. supra, ponto 4.1. b): situação jurídica do filho-família. Sobre aquisição estatuto de sui iuris,
Breviário, p. 446 ss.: Se o pf morresse no cativeiro, tornavam-se si,…se no da morte, ou retroac… na capt
39
Com a progressiva independência da mulher na vida social, a tutela das mulheres regride cada vez
mais. Na época clássica subsistem alguns vestígios, que desaparecem com o termo dela. À tutela da
mulher liberta é chamado o patrono, à da emancipada o parens manumissor. Nestes dois casos a tutela
subsiste mais tempo. A tutela legal das mulheres pode ser cedida por in iure cessio. Cfr. Kaser, p. 359.
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
28
- Legítima, ou legal, definida imediatamente, ipso iure, quando ainda não se tem tutor, não
sendo necessária a designação, e se acha ligada estritamente à pessoa. O tutor legal não a
pode recusar, salvas as causas justificativas da escusa40;
- Testamentária, que passa a vigorar quando é instituído um suus heres (herdeiro) com a
morte do testador, ou um extraneus (estranho), em regra com a aceitação da herança por
este. O tutor testamentário tem um cargo honorífico, que deve à confiança do testador;
por isso, não pode cedê-lo mas pode recusá-lo;
- autorização41 para o pupilo praticar actos jurídicos, sendo necessário presença no acto ou
negócio e consentimento. A auctoritas não pode ser dada quando o tutor tem interesse no
negócio, por força do princípio de que “o tutor não pode interpor a sua autoridade em
negócio seu” 42. Os actos realizados pelo pupilo sem a assistência do tutor são válidos na
parte que importem um ganho e nulos na desfavorável43.
- responder por má administração dos bens pupilares, obrigando-se a prestar contas e, por
danos causados ao pupilo, poder ser demandado pela acção de tutela44;
- o pupilo dispõe de uma hipoteca legal geral sobre os bens do tutor e tem a faculdade de
reivindicar os bens adquiridos pelo tutor com o seu dinheiro, como se por ele adquiridos.
40
A escusa traduz a possibilidade de o agnado próximo (avô, irmãos) obter a dispensa do ofício de tutor
com base num motivo justificativo (idade v.g. 70 anos ou mais, litígio grave com o pupilo, debilidade
física, pobreza extrema, analfabetismo).
41
Originariamente revestindo forma solene, e depois por meras palavras ou actos alusivos da
aprovação.
42
Tutor in rem suam auctor esse non potest.
43
O pupilo que actuasse sem a auctoritas do tutor torna-se responsável nos limites do seu
enriquecimento.
44
Esta acção produz a infâmia e só pode ser intentada no termo da tutela.
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
29
c) Incapacidades
- quem for excluído por acto de última vontade do pater ou mater do pupilo, quem se
oferecer para exercer a tutela, pagando dinheiro; o inimigo do pupilo ou dos seus
ascendentes;
d) Extinção
A tutela termina com a morte do pupilo, com a capitis deminutio (mesmo mínima) em que
tenha incorrido e com a sua chegada à puberdade. Cessa também o ofício do tutor com a
sua morte ou capitis deminutio.
9.2. Curatela
As fontes conhecem uma cura (curatio) do doente mental e do pródigo. O curador detém
um poder fiduciário sobre um maior sui iuris considerado excepcional e limitado ao seu
objectivo, afectando a pessoa e o património no caso de doente mental, e apenas os bens
familiares no caso do pródigo. Nos princípios da república acresce a cura dos menores (aos
que ainda não completaram 25 naos).
45
O que supõe concessão tácita da liberdade.
46
E renunciarem ao benefício do sc. Velleianum (sobre este, cfr. Sebastião Cruz, Direito Romano I, p. 235
ss).
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
30
Até ao século II a.C., o cidadão romano sui iuris e púbere tinha capacidade de agir.
Somente as mulheres sui iuris estavam sujeitas à tutela perpétua. Nesses tempos, em que
a sociedade romana estava pouco evoluída, a inexperiência de quem atingia a puberdade
era protegida pelo escasso número de negócios em que participasse e pela sua
publicidade. Porém, a sociedade evoluiu e, noa no 191 a.C., a lei Letória introduziu uma
acção contra quem, numa relação patrimonial, tivesse enganado um púbere sui iuris com
menos de 25 anos, colhendo vantagens da sua inexperiência, embora sem realizar acto
propriamente doloso. No direito justinianeu, os menores de 25 anos estão
obrigatoriamente sujeitos a curatela e o curador é um administrador estável.
47
Segundo fontes clássicas, os magistrados nomeiam outros curadores para mudos, surdos e
deficientes, e ainda para o nascituro. Kaser, p. 363.
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
31
CAPÍTULO V–SUCESSÕES
Sumário:
Na época clássica, o direito romano só conheceu a sucessão universal que podia ser inter
vivos e mortis causa.
2. Herança
2.1 – Noção
A herança (hereditas) é assim definida por IULIANUS: não é outra coisa do que a sucessão no
direito universal que o defunto haja tido.
2.2 - Origem
48
Esta expressão é síncope de outra: is de cuiús hereditate agitur (aquele acerca de quem a herança se
trata). Designa, portanto, o falecido que deixou bens, também denominado causante ou autor da
herança. Contrapõe-se a mortuus: o que faleceu sem deixar bens.
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
32
3. Bonorum possessio.
A bonorum possessio é a herança reconhecida pelo pretor que ora confirmou, ora
integrou, ora corrigiu o sistema sucessório do direito civil. Quanto à sua origem, é um
efeito da evolução da antiga família agnatícia para a família consanguínea e do estatismo
do direito civil que levou o pretor a abrir o direito sucessório aos familiares consanguíneos
até então afastados, como os filhos emancipados e a mãe.
A bonorum possessio era regulada pelo ius pretorium ao passo que a hereditas pelo ius
civile.
4. Herdeiro
4.1 - Noção
O herdeiro (heres) é o sucessor in locum et ius do de cuis, cujo património activo e passivo
adquire49.
5. Capacidade e indignidade
5.1 - Capacidade
49
Cf. D, 50, 16, 39, 1.
50
Cf. D. 38, 16, 14.
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
33
Para que a sucessão hereditária seja possível, é necessário que o de cuius e o heres
tenham capacidade sucessória. Porém, o seu regime não é unitário. Os jusrisconsultos
romanos não elaboraram uma doutrina sobre a capacidade de ter herdeiros, de fazer
testamento e de adquirir; e tão-pouco utilizaram uma terminologia adequada.
Quanto ao status familiae, inicialmente só o paterfamilias podia ter herdeiros, por ser o
único titular de relações jurídicas patrimoniais. Os filiifamilias não gozavam de capacidade
e as suas aquisições pertenciam ao respectivo paterfamilias. Todavia, este princípio foi
sendo superado. Constitui momento importante o reconhecimento, por Augusto, dos
pecúlios que implicou a concessão aos filiifamilias da capacidade de disporem por
testamento. E quanto à capacidade de terem herdeiros legítimos, Justiniano consagrou o
novo princípio de que podem ter herdeiros ab intestato, extinguindo a antiga
incapacidade.
b) Na sucessão testamentária
O direito civil exigia que o testador possuísse a testamenti factio no momento da feitura
do testamento e devia conservá-la ininterruptamente até à sua morte; por isso, depois da
redacção do testamento, o testador se tornasse incapaz e, ainda que, antes de morrer,
readquirisse a sua capacidade, o testamento era considerado inválido51.
A capacidade que se exigia ao testador era a mesma que o herdeiro devia possuir. Da
parte do herdeiro, quanto à sucessão testamentária, fala-se de testamenti factio passiva,
51
Cfr. Excepção da lex cornelia.
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
34
5. Indignidade
Fala-se deste instituto para designar a situação em que um dos herdeiros não pode tomar
a sua posição por força da deserdação. Este instituto surgiu e desenvolveu-se na época
imperial.
6. Delação
Entende-se como o chamamento de uma ou mais pessoas para adquirem a herança que
lhes é deferida ou oferecida. Constitui a causa ou base jurídica da aquisição. Supõe
necessariamente a morte de uma pessoa, sem a qual não há herança; exige-se que o
herdeiro a conheça. Por isso, não se permite a sucessão do ausente nem a pressuposição
da morte: é necessário prová-la.
7. Aquisição da herança
7.1 – Modalidades
a) Ipso iure
b) Aceitação da herança
8. Modalidades de sucessão
a) Sucessão testamentária
Sumário:
A. O PROCESSO CIVIL
b) Conceito de Actio
Constituiu a primeira forma em que a justiça privada foi ordenada sob a direcção e o
controlo da autoridade estatal. Só podia ser utilizado por cives romani em Roma ou no raio
duma milha da cidade e protegia direitos reconhecidos pelo ius civile. As partes
(demandante e demandado) devia praticar os actos solenes (formais e orais) prescritos
pela Lei da Doze Tábuas: daí, o nome de legis actiones.
a) In iure
Perante o magistrado, tinha por escopo fixar com certeza e precisão os termos do litígio,
exigindo-se, por isso, a necessária presença de ambas as partes. O autor dirigia-se ao
demandado e, onde quer que o encontrasse, ordenava-lhe, com palavras solenes, que o
acompanhasse ao magistrado (in ius vocatio).
b) Apud iudicem
A fase in iure termina com a designação do iudex que o magistrado mandatava para julgar
(iussum iudicandi). Abre-se a fase apud iudicem que decorria na presença do juiz, árbitro
ou colégio de juízes. Nesta fase, procura-se determinar a verdade dos factos alegados pelo
demandante.
O processo começava com uma breve exposição do litígio (causae collectio) nos termos em
que tinha sido fixado na fase in iure, com a intervenção das testemunhas que estiveram
presentes da litis contestatio. Seguia-se uma exposição ampla e pormenorizada do assunto
(peroratio), normalmente por oratores que falavam em nome das partes. As alegações de
facto eram objecto de prova sobretudo testemunhal e reforçadas com a invocação de
opiniões de jurisconsultos que, por vezes, compareciam pessoalmente como advocati ou
oratores.
E com base nas alegações e nas provas o juiz formava livremente a sua opinião e
pronunciava a sua sentença (parere), a que seguia a execução.
3.1. Noção
A fórmula é uma ordem que, por escrito, o pretor dirige ao juiz, para condenar ou absolver
o demandado se provarem ou não determinado facto. Fixa os termos do litígio e
determina a actuação do juiz no julgamento do caso litigioso, em forma hipotética ou
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
38
condicional. Assim, a fórmula simplificada duma actio em que se pede a condenação numa
certa pecunia tem a seguinte redacção: “se resulta que Numério Negídio (demandado)
deve dar dez mil sestércios a Aulo Agério (demandante), tu, juiz, condena Numério Negídio
a dar dez mil sestércios a Aulo Agério. Se não resulta, absolve”.
As frases típicas e intangíveis que integravam cada uma das legis actiones são substituídas,
no novo processo, por outras também pré-estabelecidas (concepta verba) que, na forma
escrita e de modo preciso e simples, contêm os termos da questão litigiosa exactamente
como resultam das alegações das partes na presença do magistrado. E ao juiz cumpre
conhecer e decidir o litígio segundo a orientação que a fórmula lhe oferece.
Simplesmente, enquanto no processo das legis actiones essas frases tinham sido pré-
estabelecidas por leges e constituíam a essência do ritual de cada uma das legis actiones,
no agere per fórmulas os termos em que as fórmulas são redigidas dependem do poder
discricionário do pretor que, todavia, costumava fixar no seu edictum esquemas ou
modelos abstractos de fórmulas que deveriam ser utilizadas nas várias actiones.
3.2. Estrutura
a) Exceptio, é uma parte inserida entre a intentio e a condemnatio que contém uma
alegação do demandado que, embora reconheça a pretensão do demandante, é
susceptível de a paralisar.
3.3. Espécies
a) Fórmula civil (ou in ius concepta), contém uma intentio concebida in ius porque o
direito invocado pertence ao ius civile.
b) Fórmula in factum concepta, através da qual o pretor protegeu situações de facto não
protegidas pelo ius civile, mas que considera dignas de protecção jurídica. Assim, concedia
actio no caso concreto.
c) Fórmula útil. Constituem um meio que o pretor utilizou para ampliar o campo de
aplicação das actiones civiles e praetoriae. Trata-se duma categoria de fórmulas sem
independência substantiva, a que pertencem todas as fórmulas através das quais o pretor
estendeu, a novos casos, a pessoas diferentes ou a situações distintas, os recursos
processuais que já existiam no ius civile e até no ius praetorium. Nelas distinguimos as:
1.2.Tramitação
b) interrogatio in iure
O pretor designa o juiz por decreto com a ordem de julgar (iussum iudicandi). O seu nome
é inserido na fórmula que passa a chamar-se iudicium: fórmula concreta e definitiva,
acomodada ao caso em julgamento, selada pelas partes e testemunhas.
g) Litis contestatio
b) quanto à relação litigiosa, produz os efeitos de: precisão, i.é, os termos dessa relação
são definitivamente fixados, proporcionando a base da sentença; consolidação, i.é, a
relação litigiosa torna-se intangível ou insensível a qualquer alteração que venha a
produzir-se nos seus elementos até à sentença.
a) Órgão judicial
b) Debate judicial
O debate da questão litigiosa ocorre na presença do juiz num local público e no dia e hora
por ele designados. As sessões são públicas e os debates orais.
1.3. A Sentença
Produzida a prova e depois de, em regra, se reunir com os seus conselheiros, o juiz ditará a
sentença se tiver uma ideia clara sobre a questão litigiosa.
c) constitutivas: realizam uma modificação substancial nos direitos das pessoas que
intervêm no litígio, adjudicando, v.g., a propriedade a uma ou algumas; cria direitos novos,
sendo um dos modos possíveis de aquisição da propriedade e de outros direitos reais.
a) Efeitos
Distinguem-se dois: o negativo (ou de exclusão), determina que o demandante não pode
voltar a instaurar a mesma actio, sendo indiferente que a sentença lhe tenha sido
favorável ou desfavorável; o positivo, traduz-se na autoridade do caso julgado (res
iudicata);
O que foi dito na sentença impõe-se como verdade entre as partes; por isso, pode ser
invocada e deve ser respeitada. Num futuro litígio, este efeito impunha-se também
através da exceptio rei iudicatae que cumpre agora a nova função positiva: a de fazer
respeitar a autoridade do caso julgado.
b) Impugnação
A setença do juiz deve ser acatata pelas partes não só porque foi mandatado para julgar
pelo magistrado, mas também em virtude do acordo de submissão contido na litis
contestatio. Por isso, a sentença não podia ser, em princípio, impugnada: o juiz emitiu a
opinião que lhe foi pedida e os efeitos de exclusão da litis contestatio impedem que a
questão seja recolocada perante o juiz diferente.
c) Execução
De todo o modo, era possível que o litigante vencido não se mostrasse disposto a cumprir
a sentença, sendo necessário executá-la.
No sistema da legis actiones, o litigante vitorioso podia recorrer à manus iniectio que
funcionava como uma verdadeira actio executiva no caso do iudicatus e do confessus
(dívidas de dinheiro reconhecidas por sentença e demandado que reconheceu a dívida na
fase in iure, respectivamente). Em casos especiais, poder-se-ia utilizar a legis ctio per
pignoris capionem.
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
44
4. Processo Cognitório
4.1. Origem
Na vigência do agere per formulas havia casos em que o magistrado conhecia a questão
litigiosa, fazia a prova dos factos e decidia o litígio através dum decretum. Portanto, o
processo não se separava nas fases in iure e apud iudicem e tão-pouco havia um iudex
privatus e o contrato arbitral que constituía a litis contestatio. Nesses casos não se tratava
de um iudicium propriamente dito, mas duma simples cognitio designada extra ordinem.
Não é fácil determinar a causa desta ampliação da actividade do magistrado, mas não será
alheia à paulatina transformação da constituição política desde a República ao Baixo
Império (passando pelo Principado), que fortaleceu, sempre mais, o poder central.
A figura de Augusto constituiu um momento crucial nesta evolução porque a sua função
de guarda das leis e dos costumes pressupõe um poder legislativo independente. Com
base na sua auctoritas, decidia ele próprio ou delegava em magistrados especiais a
faculdade de apreciar e resolver as controvérsias litigiosas. Essas cognitiones
extraordinariae tornaram-se numerosas e consagrou-se a possibilidade de qualquer
cidadão apelar ao princeps em relação a sentenças proferidas pelo iudex privatus no
processo ordinário.
Desde o século III, a tramitação dos processos ocorre através da cognitio extra ordinem.
4.2. Características
a) Não há as duas fases in iure e apud iudicem. O processo decorre perante o magistrado
que conhece e decide a questão litigiosa mediante sentença.
d) não há fórmulas, mas tão-só (e apenas até ao século III) certas instruções que o
magistrado dirige ao iudex.
O pretor fazia uma apreciação prévia dos factos (causae cognitio) e depois decidia. Se as
partes não cumprissem tais decisões, podia impor multas, autorizar alguém a apoderar-se
de bens alheios (missio in possessionem), constituir pignoris capiones e até recorrer à força
pública (manu militari).
1. Stipulatio Praetoria
É um contrato imposto pelo pretor para proteger um interesse digno de tutela ou reparar
um possível prejuízo futuro. Neste caso, uma das partes promete pagar à outra uma certa
quantia pecuniária se se produzir um determinado facto. Como exemplos: a caução
prestada pelo tutor para garantir a recta administração dos bens do pupilo e a sua
devolução no fim da tutela; a caução prestada pelo proprietário duma casa em ruínas para
garantir os possíveis danos que a sua eventual queda cause ao vizinho.
2. Restitutio in integrum
É um expediente utilizado pelo magistrado que, por motivos de equidade, declara não
reconhecer os efeitos a um facto ou acto jurídico formalmente válido e eficaz segundo o
ius civile. São exemplos: a que beneficiava os credores duma pessoa sui iuris que, por
efeito duma capitis deminutio mínima, se tornasse alieni iuris, permitindo reclamar os
créditos como se a capitis deminutio não se tivesse verificado; a que beneficiava quem
praticou um acto jurídico por ter sido gravemente ameaçado.
3. Missio in possessionem
4. Interdictum
É uma ordem dirigida a uma pessoa para praticar ou não praticar determinada acto.
b) restitutórios: ordenam que se restitua uma res a determinada pessoa ou que seja
reintegrada no seu primitivo estado uma res que foi modificada sem autorização;
Sumário:
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
47
Res, pode ter três significados: em sentido mais restrito, a coisa corporal, individual,
delimitada, juridicamente autónoma; em sentido mais amplo, tudo o que possa ser
objecto de um direito ou de um processo civil; outras vezes, o património como um todo,
i.é. um conjunto de coisas com valor monetário.
2. Classificação
Distinguem-se em:
3. Propriedade privada
Podemos definir a propriedade romana como sendo o domínio eminente entre os vários
domínios gerais sobre a coisa.
3.1. Caracterização
Quanto às suas características, e tomando como base o fundus – por constituir a sua
expressão mais genérica em relação aos imóveis – a propriedade romana apresenta as
seguintes notas específicas:
confinidade: fundus era limitado por um espaço livre que o rodeava. Assinalado
pela limitatio (cerimónia solene religiosa), este espaço era considerado res sancta
e, portanto, estava subtraído ao comércio privado;
absorvência: tudo o que está ou se incorpora no fundus (v.g. águas, metais,
tesouros, plantas, edifícios, aluviões etc.) pertence ao proprietário desse fundus;
imunidade: o fundus não está onerado por quaisquer impostos ou encargos;
perpetuidade: não é possível constituir um direito de propriedade ad tempus, v.g.,
determinando que, depois de certo tempo, retorna ao alienante.
Estas características não foram insensíveis à evolução histórica. Por exemplo, a força
absorvente, que justifica a aquisição de quanto se incorpora no fundus, perdeu eficiência.
A imunidade cessou com Diocleciano, que sujeitou os fundos a impostos.
Modos de aquisição são os factos jurídicos aos quais a lei atribui eficácia para determinar o
direito de propriedade.
a) ocupação: apreensão de uma res que não tem dono, acompanhada da intenção de o
adquirente a fazer sua.
b) acessão: resulta da união de uma res principal com uma res acessória que se torna parte
ou elemento constitutivo daquela;
d) especificação: é a transformação, pelo trabalho de uma matéria numa res nova que,
tendo essência própria e distinta, desempenha uma função economómico-social diferente
da que a matéria cumpria.
g) usucapião: é a anexação de uma res ao domínio próprio através da sua posse contínua
por um período de tempo estabelecido pela lei: dois anos para os fundos e um para as
restantes coisas.
h) adjudicação: ocorria nos juízos divisórios, em que o juiz gozava das faculdades de
determinar as partes da coisa comum e da herança e de as atribuir a cada litigante.
3.4. Protecção
O direito de propriedade podia ser violado por, quem, sem título, privasse o proprietário
da sua res e por quem, embora sem questionar o direito daquele, lhe limitasse o gozo e a
disponibilidade da res. No primeiro caso, o proprietário dispunha da rei vindicatio; no
segundo, da actio negatoria ou negativa e afins, de tutela das relações de vizinhança.
a) rei vindicatio: é a actio principal que defende a propriedade; com ela, o proprietário
pede o reconhecimento do seu direito perante o possuidor ilegítimo e, em consequência, a
restituição da res.
4. Propriedade Pública
5. Posse
A posse é um poder de disposição, de facto, de uma res que o possuidor exercia com
intenção de lhe pertencer exclusivamente. Nela distinguem-se dois elementos: corpus,
elemento material, que consiste na detenção material do bem pelo possuidor, e animus,
elemento psicológico ou subjectivo, que se traduz na intenção de o possuidor actuar como
se fosse proprietário (animus domini).
5.2. Protecção
Sumário:
A obligatio é um vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa (devedor) está adstrita
para com outra (credor) à realização de uma prestação. Difere de um direito real porque,
enquanto o seu titular obtém o benefício económico que este direito lhe proporciona
através da sua actividade directamente exercida sobre a res, o titular do direito de crédito
somente o obtém da conduta positiva ou negativa do sujeito passivo. Por isso, a actio in
Urbano da Cruz Gaspar, tópicos de Direito Romano, ad usum privatum, 2020
52
personam, que protege o direito de crédito, dirige-se contra uma pessoa determinada pela
sua relação não com a res (como na actio in rem), mas com a pessoa do demandante.
Segundo os jurisconsultos clássicos, o objecto duma obligatio podia consistir em: dare
(constituição ou transferência de uma direito real); facere (realização duam actividade que
não se traduz num dar; pode consistir também numa abstenção (non facere); praestare:
identifica-se com dar e fazer, mas designa especialmente a assunção de garantia duma
obrigação.
2. Fontes
As fontes das obrigações são os factos que criam um vínculo obrigacional entre duas ou
mais pessoas. São os contratos, quase contratos, delitos e quase delitos.
4. Contratos
4.1. Reais
Contrato real é aquele a cuja perfeição não basta o acordo (conventio) entre as partes para
produzir os seus efeitos jurídicos: é também necessária a prática de certo acto material
(datio ou traditio) em relação à coisa a que se refere (mútuo, fidúcia, depósito, comodato,
penhor).
4.2. Consensuais
Caracterizam-se pelo facto de a sua validade depender unicamente do acordo das partes,
que pode manifestar-se de qualquer modo (compra e venda, locação, sociedade,
mandato).
4.3. Formais
Os negócios formais (ou solenes) são aqueles cuja existência depende da observância
duma forma prescrita pelo ordenamento (verbais e literais).
4.4. Inominados
a) do ut dês;
b) do ut facias;
c) facio ut des;
d) facio ut facias.
Convenção;
Elementos Coisa;
2.Locação (locatio-conductio): contrato em que uma pessoa se obriga para com outra a
proporcionar-se o gozo temporário duma coisa, a prestar determinado serviço ou a
realizar uma obra, mediante o pagamento duma remuneração.
Convenção;
Realizada;
3.Mútuo (mutuum): contrato unilateral através do qual uma pessoa que recebe de outra a
propriedade de determinada pecunia ou de outra coisa fungível, se obra a restituir igual
quantidade do mesmo género e qualidade.
Convenção;
Elementos
Convenção;
Elementos
BIBLIOGRAFIA
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