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História do Direito Português

2ª Parte

Catarina Lopes Pimentel


Regente: Profª. Miriam Brigas
Assistente: Prof.ª Teresa Morais
2019/2020 – 2º Semestre

História do Direito Português, II Volume, Rui de


Albuquerque e Martim de Albuquerque

Catarina Lopes Pimentel 1


2º Semestre 2019/2020
Índice

História do Direito Português, Volume II – 2º Período ............................................................................4


As fontes de Direito .................................................................................................................................4
A lei – fundamentação e teorização................................................................................................................... 4
Espécie de leis................................................................................................................................................. 4
A elaboração da lei ......................................................................................................................................... 5
Publicação da lei, registos de leis, introdução da imprensa ....................................................................... 6
Vigência da lei ................................................................................................................................................. 6
Dispensa da lei ................................................................................................................................................ 6
Compilações de leis – generalidades ............................................................................................................ 7
Regimento quatrocentista da Casa da Suplicação ............................................................................................ 7
Séc. XIV e XV – aparecimento das Ordenações do reino.............................................................................. 7
Ordenações Afonsinas (1446)....................................................................................................................... 9
As Ordenações Afonsinas – elaboração ................................................................................................. 9
Sistematização das Ordenações Afonsinas ............................................................................................ 9
Apreciações das Ordenações Afonsinas................................................................................................. 9
Fontes subsidiárias .................................................................................................................................. 10
Ordenações Manuelinas (1521) .................................................................................................................. 12
Sistematização das Ordenações Manuelinas (1521) ............................................................................ 12
Apreciação das Ordenações Manuelinas .............................................................................................. 12
Fontes subsidiárias .................................................................................................................................. 12
Ordenações Filipinas ................................................................................................................................... 14
Sistematização das Ordenações Filipinas ............................................................................................. 14
Apreciação das Ordenações Filipinas ................................................................................................... 14
Fontes subsidiárias .................................................................................................................................. 14
Leis extravagantes .............................................................................................................................................. 16
Compilações de extravagantes – a coleção Duarte Nunes de Leão ....................................................... 16
Assentos, órgãos promanantes, valor, espécies. ............................................................................................. 16
Os forais – a sua reforma ................................................................................................................................. 17
Conteúdo....................................................................................................................................................... 18
Direito canónico ................................................................................................................................................ 18
Posição da coroa perante a Igreja e o Papado........................................................................................... 18
Direito canónico como direito subsidiário ................................................................................................ 19
Direito prudencial .............................................................................................................................................. 19
A função do direito romano-prudencial enquanto direito subsidiário ................................................... 20
Opinião comum dos doutores .................................................................................................................... 20
A cultura jurídica – 1415-1820.................................................................................................................... 20
Tendências bartolistas .................................................................................................................................. 21
O efémero momento humanista ................................................................................................................ 21
Importância do jus naturalismo e jusracionalismo das escolas jurídicas seiscentista por detrás da
escola humanista ..................................................................................................................................... 24
O racionalismo jurídico – Verney .............................................................................................................. 25
Lei da Boa Razão .................................................................................................................................... 26
O século XVIII ficou conhecido como o período do iluminismo. Este é o período por excelência da
importância da razão e do racionalismo – razão associado ao próprio conhecimento. ............................ 26
Reforma dos estudos de direito ....................................................................................................................... 29
Compendio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra (1771) ................................................. 29
Reforma dos estatutos da Universidade de Coimbra (1772) ................................................................... 30
Humanitarismo jurídico (séc. XVIII – ordenações filipinas) ............................................................. 31
A questão do novo código ............................................................................................................................... 33
O Decreto de 31 de março de 1778 – a Junta de Ministros .................................................................... 33
Participação de Mello Freire nos trabalhos da Reforma .......................................................................... 34
A Junta de Censura e Revisão ..................................................................................................................... 34
A censura de Ribeira dos Santos ........................................................................................................... 35
Linhas gerais da disputa ideológica .................................................................................................. 36

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O movimento geral da codificação .................................................................................................................. 36
Direito comercial .......................................................................................................................................... 40
Direito administrativo .................................................................................................................................. 41
A Constituição de 1822 e Carta Constitucional................................................................................... 41
Constituição de 1822 ......................................................................................................................... 41
Carta Constitucional de 1826 ........................................................................................................... 41
O decreto nº23 – a extinção dos forais. Os códigos administrativos ............................................... 41
Código administrativo de 1836 ............................................................................................................. 42
Código Administrativo de 1842 ............................................................................................................ 42
Código Administrativo de 1878 ............................................................................................................ 42
Códigos Administrativos de 1886 e de 1896 ....................................................................................... 42
Transição para a República .................................................................................................................... 43
Direito penal ................................................................................................................................................. 43
Código Penal de 1852 ............................................................................................................................. 45
Direito civil ................................................................................................................................................... 47
Direito processual ........................................................................................................................................ 49

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História do Direito Português, Volume II – 2º Período
As fontes de Direito
A lei – fundamentação e teorização
A atividade legislativa, que teve um incremento a partir de Afonso III (séc. XIII),
desenvolveu-se sempre progressivamente e de modo a ser possível assinalar uma tendência
da lei para se impor a todas as demais fontes jurídicas. Isto está de acordo com o alargamento
da esfera de ação régia e o fortalecimento do poder do soberano, harmónico com o
desenvolvimento do Estado como noção e realidade em si própria, tratando isto de uma
consequência lógica.

Estado – entidade política, juridicamente construída e diversa da pessoa do monarca.

O Estado representa um centro aglutinador e centrípeto de interesses, ou seja, um


polo da vida política e jurídica. No séc. XVI e XVII, firma-se toda uma nova terminologia
relativa ao Estado – razão de Estado, secretários de Estado, conselho de Estado. Neste
período aperfeiçoam-se também noções como:

Soberania – poder máximo, típico, integrador e englobador de todas as faculdades em que


o fenómeno político se desdobra.

Esta ideia representa na ordem político-jurídica uma tendência unitária, tal como a
ideia de Estado. Assim, a fragmentação política medieval principia a ser substituída por uma
tendência convergente do poder, também o pluralismo jurídico da Idade Média cede passo a
uma linha unitária, de que a predominância da lei é expressão.
Passa a existir, portanto, apropriação das fontes criadoras do direito pelo
príncipe/coroa/reino/Estado.
A lei passa a ser definida essencialmente como um preceito autoritário.

Lei – norma ou regra obrigatória imposta pela vontade do superior (imperador, rei, príncipes
ou comunidades não submetidos a um poder superior na esfera internacional – o império –
nem igual na esfera interna).

Existe uma identificação entre a lei e a vontade do soberano, que é o membro


principal do corpo político ou do Estado. No entanto, não se deve assumir que a lei era a
emanação da vontade do governante, ou seja, que é um ato arbitrário. Pois, por um lado,
existe a necessidade da sua conformação a conjuntos normativos superiores ao direito
positivo, como o direito divino e o natural. Por outro lado, o poder do príncipe deve orientar-
se para o bem comum.
Mesmo assim, algumas matérias, nomeadamente as de índole financeiro e tributários,
permaneceram como prerrogativa legislativa das cortes.

Lei fundamental – Certas leis constituem o cerne da sociedade e do aparelho político, pelo
que não podem ser derrogadas ou alteradas por desejo próprio dos governantes sem o
consentimento dos estados do reino. Estas são os precedentes da lei constitucional.

Nota-se, então, uma marcha crescente para o fortalecimento da posição do legislador,


que atinge o seu cume no tempo de D. José I.

Espécie de leis
O conceito lei abrange preceitos jurídicos de diversa espécie:

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• Cartas de leis ou patentes
o Duração – deviam durar mais de um ano.
o Forma – principiavam-se pelo nome próprio do soberano
o Para ter validade necessitavam de passar pela Chancelaria, mas também
nem sempre se praticava este preceito.
o Antes de serem assinados pelo soberano, deviam ser referendados pelo
ministro de Estado respetivo ou pelos presidentes dos tribunais.
• Alvarás
o Duração – haviam de se efetuar dentro de um ano.
o Forma – principiava-se pelo nome do soberano, mas não o seu nome
próprio.
o Para ter validade necessitavam de passar pela Chancelaria, mas também
nem sempre se praticava este preceito.
• Decretos
o Não levavam no princípio o nome do rei.
o Dirigiam-se ordinariamente a algum ministro ou tribunal.
o Eram empregues para estabelecer alguma coisa singular a respeito de
certa pessoa ou negócio, ou interpretar alguma lei.
o Havia alguns casos em que introduziam direito novo e geral.
• Cartas régias
o Principiavam pelo nome da pessoa a quem se dirigiam.
o Seguia-se um formulário variável segundo a graduação da pessoa.
o Costumavam remeter-se fechadas em aviso do secretário de Estado.
• Provisões
o Diplomas expedidos pelos tribunais.
o Eram expedidas em consequência de decretos e resoluções régias.
o Constituíam um meio adaptado para tornar notórias em todo o reino
aquelas determinações.
o Não era a provisão que era lei, mas sim o decreto ou resolução que ela
referia.
• Resoluções
o Determinações do soberano em que ele respondia às consultas que lhe
faziam nos tribunais.
o Eram acompanhadas de pareceres dos seus membros.
o Eram muitas vezes consideradas como leis gerais.
• Portarias e avisos dos secretários de Estado
o Ordens por estes expedidas em nome do soberano.

A elaboração da lei
A elaboração da lei devia obedecer a vários requisitos:
• Observância do bem comum – indispensável para a justiça da norma.
o A lei injusta não tinha valor, pelo que não coagia em consciência e podia
Doutrina de Diogo resistir a esta.
Lopes Rebelo sob • Ser honesta, justa e possível.
influência de S. Isidoro
– séc. XV • Ser conforme a natureza – segundo a razão natural.
• Ser conforme aos costumes da pátria, conveniente ao tempo e ao lugar.
• Ser necessária, útil e clara.

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Quatro condições fundamentais – Summa Caistana Tresladad ao Português, com
muitas Anotações, e casos de consciência e Decretos do Sagrado Concilia Tridentino, por
Diogo do Rosário
• Fim – bem comum.
• Agente – não pode exceder a autoridade do legislador.
• Matéria – não deve proibir a virtude ou preceituar o vício
o Se a lei é injusta quanto à matéria se for contrária ao direito divino,
natural, positivo.
• Forma de lei – terá de fazer-se de modo a que na concessão das honras e na
imposição dos encargos a lei guarde aquela proporção que se observa nos
súbditos em ordem à república.
Luís Cerqueiro conclui como o povo há-de proceder com a lei dos tiranos. Começa
por distinguir os tiranos em:
• Quoad titulum – se as leis forem ditadas, apesarem de ser justas, por
carecerem de legislador legítimo, não obrigam em consciência. A única
exceção é por razão de escândalo ou detrimento da república.
• Quoad dominium – se as leis por este ordenadas forem justas, obrigam de si
em consciência, do mesmo modo que as do bom príncipe.
Para alguns autores não basta que uma lei seja justa para obrigar, tem que reunir
outros requisitos como:
• Tem que ser publicada, recebida e não derrogada – pode ilustrar a supremacia
do povo sobre o rei.

Publicação da lei, registos de leis, introdução da imprensa


A publicação de uma nova lei fazia-se através do registo nos livros de Chancelaria
Régia e notificação a certas autoridades – como consta das Ordenações Manuelinas e
Filipinas. Nos registos das câmaras faziam-se transladar as normas de interesse geral e local
respetivo. Os tribunais também possuíam registos próprios – a Casa da Suplicação tinha o
Livro de Posses ou Livrinho da Rolaçam, que continham várias posses, assentos e
providências régias.
Com o aparecimento da imprensa, ainda no século XVI, muitas normas passaram a
ser difundidas por este meio. Sendo que até muito tarde não existiu qualquer jornal oficial
obrigatório, andando a legislação dispersa ou recolhida apensa em coleções parcelares e
incompletas.

Vigência da lei
O sistema, no que toca à vigência da lei, é o da efetividade em todo o país decorridos
três meses após a publicação na Chancelaria da Corte e independente da publicação nas
comarcas – este princípio é reforçado nas Ordenações Manuelinas e Filipinas. Existia,
contudo, a questão se a lei obrigava aqueles que não tivessem conhecimento dela. Este
problema era equacionado em função da realidade factual.

Dispensa da lei
Se a lei é uma manifestação da vontade do príncipe com força vinculante, este pode
isentar ou dispensar do seu cumprimento certa ou certas pessoas.
A dispensa tinha como requisito a justa causa. Sendo que o entendimento mais
generalizado da doutrina é que sem esta, o ato de dispenso era inválido

Justa causa – racionalidade e realização do bem comum.

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Contra a dispensa podia-se atacar com os institutos de:
• Subrepção
• Obrepção

Compilações de leis – generalidades


Compilações pré-Ordenações:
• O Livro de Leis e Posturas.
• Ordenações de D. Duarte (séc. VX) – este acrescentou-lhes um índice e um
discurso sobre o bom julgador.
o Contém leis dos reinados anteriores.
o Está organizada por reinados.
Foi D. João I quem atentando às queixas do povo contra o estado caótico da
legislação, decidiu que se procedesse a uma sistematização legislativa.

Regimento quatrocentista da Casa da Suplicação


O Regimento da Casa da Suplicação é, por vezes, atribuído a D. Duarte. Este tinha
como fim a regulamentação interna do mais alto tribunal do país.
Este encontra-se dividido em duas partes:
• Competência orgânica e funcionamento da Casa da Suplicação
• Alegações gerais para julgar – o rei mandava que as sentenças aplicassem a
lei, mas em casos especiais o juiz deve recorrer às próprias investigações,
tendo como base o Corpus Juris Civilis

Séc. XIV e XV – aparecimento das Ordenações do reino


Influência da conquista de Ceuta
• Início dos Descobrimentos.
É neste período que se deteta o aparecimento dos direitos nacionais no quadro das
fontes. Assim, os direitos divino, natural, romano, canónico, visigótico, o foraleiro e o
consuetudinário, começa progressivamente a ficar em segundo plano.
Surge uma nova definição de direito comum – direito produzido pelos reinos – não
estando totalmente distanciado do direito romano e do canónico, visto que os direitos
nacionais resultam da própria influência destes dois direitos.
Começa a haver uma compilação dos costumes existentes, através da positivação do
costume. Esta dá-se por causa da preocupação do monarca com a questão da estabilidade e
da segurança, porque através da positivação teria uma aceitação da comunidade.
As compilações e as tentativas de harmonização entre o direito romano justinianeu e
os direitos nacionais, começam a dar frutos.
Começa a haver aspetos culturais que são diferenciados. Começa a haver uma crítica
a algumas soluções habitualmente aplicadas, estas eram de natureza argumentativa com
referência à doutrina. Afirmavam que essa solução acabava por não ser eficaz, não resolver
os problemas e não estar adaptada à atualidade.
Matérias que surgem no séc. XIV/XV exigiam da parte do discurso jurídico uma
sofisticação que estava associada ao próprio conteúdo da argumentação, especialmente em
situações que o direito romano não conseguia resolver. Estas estavam ligadas a questões
financeiras.
Torna-se indispensável alterar a argumentação, visto que esta já não estava de acordo
com o pensamento dos juristas desta altura.
No séc. XIV e XV, a maioria da população era iletrada e não tinha conhecimento do
direito vigente.
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• Direito erudito
o Os juristas consideravam que este era o direito superior.
o Não era um discurso especialmente inovador – tinha pouca permeabilidade
à inovação.
o Temas da fiscalidade, finanças, administração económica.
o Aprendido nas universidades.

• Direito rústico
o Precariedade dos meios de coerção utilizados – a reação aos conflitos não
provinha do poder estatal. Os próprios tribunais eram presididos por
indivíduos que não tinham formação superior. Os juízes eram escolhidos
pelos monarcas, sendo que estes tinham noção da falta de conhecimento
das pessoas que estava a escolher. Houve uma certa tolerância régia.
o Linguagem não era técnica, nem especializada. Era apelidado pelos juristas
como ignorantes, descuidado e sem qualquer noção da realidade jurídica.
O rei combate este facto ao dotar os tribunais de conhecimento da lei para a sua
aplicação, através:
• Positivação dos costumes – já era direito conhecido, por isso, tornava-se
assim fácil aplicá-los.
• Ação dos juízes de fora – eram nomeados pelo monarca para tentar diminuir
ao máximo o desconhecimento dos juízes locais. Apesar disto, eles não eram
bem recebidos na maioria desses municípios.
Compilações de leis pré-ordenações:
• Livro das leis e posturas.
o Não é uma compilação rigorosa.
o Tendem a estar organizadas cronologicamente.
• Ordenações de D. Duarte.
o Estão organizadas por reinados.
• Regimento quatrocentista
o Pode ter sido organizado por D. Duarte.
o Há duas partes distintas
o Estrutura orgânica e funcionamento do tribunal da Casa da suplicação.
Surgem da atividade legislativa desenvolvida pelo monarca, que começou bem antes
do século XV (ex.: Curia de Coimbra). As ordenações tentam arrumar as matérias que já
existiam reguladas.
O conceito de ordenação é bastante diferente do conceito de código.
• Código
o Preenche determinadas regras. É suposto ser científico, sintético e é
suposto haver uma lógica de coerência.
• Ordenações
o Não são códigos em sentido rigoroso e estrito.
o Tinham o objetivo de perpetuar a autoridade de quem as produziu.
o Levavam a uma consciencialização da atividade legislativa, como
atividade normal e corrente do monarca.
o Não cumprem estas regras.

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o Podemos ficar com dúvidas do âmbito de aplicação de alguma legislação
que lá consta.
A organização vai mantendo-se comum ao longo dos vários livros das 3 Ordenações.
As Ordenações têm um tipo de organização que denunciam alguma preocupação
com a tal. A mesma estrutura encontra-se em todas as ordenações – são divididas em livros,
que são divididos por títulos e por sua vez em parágrafos.
• Primeiro livro encontramos um tratamento desenvolvido relativo aos cargos
públicos.
• O segundo livro relativamente às relações entre o Estado e a Igreja.
• O terceiro livro aos cargos públicos e matéria relativas ao processo civil.
• O quarto livro matérias relativas ao direito civil – matérias relativas por
exemplo as questões de família, de obrigações, reais. Esta referência carece
de rigor, não se podendo ligar diretamente ao conceito atual de direito civil.
• Quinto livro relacionadas com o direito penal e criminal – livro vermelho.
• O tratamento das diferentes matérias vai ser variado.

Ordenações Afonsinas (1446)


As Ordenações Afonsinas – elaboração
D. João I encarregou da ordenação das leis o corregedor da Corte João Mendes –
redigiu o livro 1 (estilo decretório/legislativo) –, posteriormente D. Duarte incumbiu-o ao
Doutor Rui Fernandes, que concluiu a obra em julho de 1446, durante a regência do infante
D. Pedro. No resto dos livros as leis anteriores são referidas como tal, transcritas na integra
e seguidas de uma especificação quanto à sua vigência, alteração, revogação ou derrogação
(estilo compilatório).

Sistematização das Ordenações Afonsinas


As Ordenações Afonsinas estão divididas em 5 livros, que se subdividem em títulos,
que se desdobram em parágrafos:
1. Ocupa-se dos cargos públicos
2. Concerne à Igreja, clérigo, direitos do rei, fico, donatarias, nobreza, judeus e
mouros.
3. Processo civil.
4. Direito civil.
5. Direito penal.
As Ordenações compilam:
• Leis
• Decisões de cortes.
• Concordatas.
• Preceitos canónicos.
• Preceitos romanos.
• Etc.

Apreciações das Ordenações Afonsinas


As próprias ordenações compilam várias fontes de direito.
• Concórdias e concordatas.
• Costumes.
• Normas contidas nas7 Partidas

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• Direito romano.
• Direito canónico.
Fontes principais:
• Lei do reino
• Estilo da corte
• Costume antigo
Fontes subsidiárias:
• Direito imperial.
• Direito canónico.
• Glosa de Acúrsio.
• Opinião de Bártolo.
• Solução régia.
A sua importância como fonte de direito provém da tentativa de redução do direito
nacional a um corpo devidamente sistematizado e ordenado, tendo em conta o
conhecimento histórico do direito anterior, apesar dos seus defeitos.
Quanto à vigência real do corpo de leis de D. Afonso V, temos que ter em conta que
havia uma resistência à volta de tudo o que estava ligado ao Infante D. Pedro, para além
disso a obra era bastante extensa e numa altura em que ainda não existia imprensa. Isto leva
a que muitos questionem a sua vigência e aplicabilidade, apesar disso o número de exemplares
que chegaram até nós, fazem acreditar que houve de facto vigência.
Fontes subsidiárias
Apesar de existir, de facto, um crescimento do direito legislativo em Portugal, mesmo
depois da promulgação das Ordenações, o direito português não abarcava todos os casos
possíveis e todas as matérias jurídicas. Assim, para preencher estas lacunas era necessário
recorrer a outras ordens jurídicas, como:
• Direito canónico
• Direiro romano
A partir do reinado de D. João I o sistema de fontes de direito subsidiário sofreu um
processo de redefinição, que começou com a valorização da opinião de Bártolo. Esta é
evidenciada no Livro dos Pregos (alvará) de 19 de maio de 1425, apesar deste evidenciar,
segundo o professor Braga da Cruz, que já havia um certo acatamento da obra de Bártolo.
Um diploma mais conclusivo à cerca deste assunto é a carta régio de 18 de abril de 1426,
nesta o rei começa por explicar as medidas tomadas para se alcançar a unificação
jurisprudencial, determina que as causas deviam ser julgadas com base na tradução e
translação das leis do Código de Justiniano, entendidas conforme a interpretação conferidas
pelas glosas de Acúrsio e pelas conclusões de Bártolo.
No entanto, continua a não ser claro se os comentários de Bártolo eram fonte
principal e direta ou apenas fonte subsidiária de direito.
O Regimento Quatrocentista da Casa da Suplicação dita que as declarações de
Bártolo se antepunham o direito romano ao direito pátrio. Assim, no mais alto tribunal
nacional o que se entendia prevalecente de aplicar era o direito romano, com a lição dos
juristas intermédios, onde se destaca Bártolo. Isto não significa que o mesmo acontecesse
em todos os tribunais, pois tal não era possível devido à escassez de preparação jurídica dos
magistrados e a raridade dos livros.
De certa forma, devido a este facto fica justificada a preocupação do legislador a
acentuar nas Ordenações Afonsinas a prioridade do direito nacional sobre o romano e dos
seus cultores.

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As Ordenações Afonsinas tratam o problema das fontes subsidiárias, como está
evidenciado na epígrafe “quando a lei contradiz a decretal, qual delas se deve guardar”, que
toca nas relações entre a Igreja e o Estado. A partir daqui podia distinguir-se como:
https://ebooks.aafdl.pt/69/#zoom=z
• Fontes imediatas de direito – mesmo que as fontes subsidiárias contrariem
estas fontes, elas prevalecem
o A lei do reino.
o O estilo da corte – costume judicial e a forma como os juízes
resolviam os casos.
Este era formado nos tribunais de última instância ou
superiores.
Devia obedecer a certos requisitos:
 Não devia contrariar a lei.
 Devia ser prescrito – existir há mais de dez anos.
 Devia ser plural – não bastava um ato judicial para se ter
um estilo, impunha-se a multiplicidade de atos.
o O costume.
Requisitos:
 Tempo decorrido desde um primeiro momento em que a
sua existência fosse comprovada – 10 anos, segundo o prof.
Espinosa. Mas 40 anos, no que toca ao costume contra
legem.
 Número de atos nos quais se demonstrasse a sua invocação
– mínimo de dois atos.
• Fontes subsidiárias – direito imperial (direito romano justinianeu), canónico,
a glosa de Acúrsio, a opinião de Bártolo e a resolução régia, de acordo com
esta hierarquia.
o Direito romano – matérias temporais, exceto se ao contrariar o
direito divino incorre-se em pecado (ex.: usucapião). Se se
guardassem as leis imperiais a pessoa morria em pecado. Se não se
cair em pecado, o direito romano pode contrariar o direito canónico.
o Direito canónico – matéria espiritual.
o Glosa de Acúrsio.
o Opinião de Bártolo.
o Resolução do rei.
o No entanto o Dr. José Artur Duarte Nogueira contradiz, ao afirmar
que em casos de falta de lei romana se devia passar logo à glosa e à
opinião e não ao direito canónico, como era defendido.
o No entanto, se houve rivalidade entre o direito canónico e o romano,
também houve simbiose, pois em falta de direito nacional, se devia
decidir conjuntamente pelo direito romano e canónico – tese
defendida por Pierre Lagendre.
o Apesar disso, o legislador tinha noção que estes direitos podiam
entrar em conflito e ser contraditórios, por essa razão, define a cada
um deles as áreas relativas a cada um deles conforme a lição de
Bártolo. Só numa situação de esgotamento de todas as possibilidades
se passava à glosa e à opinião.
o Podemos, portanto, concluir que o direito canónico era fonte
subsidiária ante de Acúrsio e Bártolo, em acordo com o Direito
Romano.

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o Prof. Braga da Cruz admite hesitação por parte do legislador nesta
matéria, pois
As glosas e opiniões dos doutores, de certo modo, fazem parte
ainda das próprias leis imperiais – isto dar-lhes-ia preferência
sobre o direito canónico.
Mas, de certa forma, elas são fontes autónomas e distintas,
chegando a prever soluções que não estão contidas no direito
imperial – este argumento leva a que se dê preferência ao direito
canónico.
Caso nenhuma das fontes apresente uma solução, deve-se aplicar a solução régia.
Importa sublinhar que nas Ordenações não se encontra o quadro completo das
fontes de direito, não é mencionado, por exemplo, o direito foraleiro.
Das Ordenações pode-se deduzir que a opinião de Bártolo valeria mesmo que contra
ela tivesse a dos demais doutores. Porque:
• Argumento de antiguidade – o rei está seguro de que a opinião de Bártolo foi
usada também pelo pai e o avô
• A opinião era comumente aceite como sendo a mais conforme com a razão.
Apesar disso, a opinião dos doutores constituía fonte jurídica suscetível de ser
atendida pelo rei em desfavor do direito canónico, logo, o direito prudencial continuava a
vigorar como fonte de direito.

Ordenações Manuelinas (1521)


Sistematização das Ordenações Manuelinas (1521)
A sistematização das Ordenações Manuelinas no que toca à divisão interna é idêntica
à anterior compilação.
A principal diferença de forma reside no estilo decretório ou legislativo das
Ordenações Manuelinas, visto que só o primeiro livro das Afonsinas ostentava semelhante
estilo.
Relativamente ao conteúdo, houve alterações no tríplice sentido de eliminações,
acrescentos e mudanças propriamente ditas. Um dos cortes mais relevantes é o que respeita
às normas concernentes com os judeus.

Apreciação das Ordenações Manuelinas


No que consta às Ordenações Manuelinas, há quem. Acredite que já não são uma
mera recolha de leis transcritas, segundo certa ordem mais ou menos sistemática, mas sim de
uma compilação onde as leis surgem como determinações novas, ainda quando, na verdade,
proviessem de reinados anteriores. Alguns defendem que estamos perante um código, mas
esta asserção não pode ser tomada em termos absolutos, sendo que depende do conceito de
código. De qualquer forma, estas Ordenações representam um progresso no que toca à
técnica jurídica. Apesar disso, José Anastásio Figueiredo defende que elas perdem interesse
como fonte histórica.

Fontes subsidiárias1
Há uma alteração com a introdução de uma nova fonte – opinião comum dos
doutores.
A epígrafe na versão de 1521 do segundo livro passa a ser “como se resolverão os
casos que não forem determinados pelas nossas Ordenações”. Esta é continuada nas
Ordenações filipinas – livro 3º. Há, portanto, uma tomada de consciência por parte do novo

1 Ver a página 31.

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legislador, de que o problema em questão transcende o restrito âmbito entre as leis e as
decretais, entre o direito romano e o direito canónico ou entre a jurisdição do poder temporal
e do poder espiritual.
Nestas encontramos uma alteração muito relevante, as fontes principais mantêm-se.
Mas nas subsidiárias
• As leis imperiais devem ser guardadas pela boa razão – há quem veja como
uma manifestação do jusracionalismo. ideia de que o direito romano é
aplicado pela sua qualidade, quando respeita a boa razão e não porque há
qualquer tipo de reconhecimento de autoridade imperadores. Assenta,
assim, na sua autoridade intrínseca (a boa razão em que os seus preceitos
são fundados) e não na autoridade extrínseca (que advinha das suas normas
procederem do Imperador).
• Cânones
• Manda que se guardem as glosas de Acúrsio incorporadas nas ditas leis
quando por comum opinião dos doutores não forem reprovadas
• Quando não for reprovada pela opinião comum dos doutores, diz que se
guarde a opinião de Bártolo – até à altura em que Bártolo deu a sua opinião
(séc XIV), os autores não podem ser opostos ao pensamento deste. Quem
escreveu depois já pode.
o Continua a ser-lhe reconhecida uma autoridade muitíssimo grande, visto
que a sua opinião se sobrepõe à de todos os que vieram antes de si.
o É aceita que a opinião comum dos doutores é mais conforme a razão.
o Prof. Braga da Cruz afirma que esta devia prevalecer mesmo quando
contradita por alguns doutores.
o No entanto, a opinião comum dos doutores passa a prevalecer sobre a
glosa de Acursio e a opinião de Bártolo.
o A fixação da opinião comum dos autores não deixa de ser um critério
puramente qualitativo, visto que é limitada a certos autores, a maioria
qualificada que tivesse versado, analisado e discutido o assunto em
causa, não sendo da maioria que simplesmente o tivesses referido.
• Apela-se à solução do monarca para resolver um caso concreto que as
outras fontes não conseguem resolver. Esta solução é considerada, também,
para outros casos futuros que surjam. Reconhecimento da autoridade do
monarca na resolução de casos.

As Ordenações Manuelinas clarificaram o sistema de pontos subsidiários


inequivocamente o valor da Glosa e de Bartoli opinio, dando mais valor à opinio comunis
doctorum.
Quis-se já ver nesta inovação um compromisso com o humanismo, frente ao
bartolismo, opinião, todavia, de todo em todo improcedente. A adoção da opinião comum
como critério retor subsidiária se representava uma limitação de opinio de Bartoli,
representava também a vénia devida à escola dos comentadores. Em bom rigor, a limitação
apresentava-se menor do que podia julgar-se à primeira vista. Fez-se depender a opinião do
jurista Sassoferrato apenas da opinião comum dos doutores. Quer isto dizer que de toda a
literatura jurídica medieval precedente a Bártolo só podia antepor-se-lhe a opinião de
Acúrsio. Assim, com a exclusão da Glosa, se fez tábua raza de tudo o que ficava para trás de
Bártolo, admitindo-se contra ele apenas a opinião comum dos juristas posteriores, ou seja,
dos pósteros. Rejeitava-se o passado em benefício de Bártolo, mas sem fechar a porta ao

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2º Semestre 2019/2020
futuro. Houve, assim, uma delimitação da autoridade de Bártolo pela opinião comum dos
doutores.
Numa primeira e mais simples formulação, a opinião comum era aquela que obtivesse
o maior sufrágio ou maior número de pareceres dos doutores – critério meramente
quantitativo.
Contudo, ainda na vigência da escola dos comentadores, utilizaram-se outros critérios
para a fixação do conceito. Tendo em conta o critério qualitativo, a opinião comum
determinar-se-ia não pelo maior número, mas pelo seu peso, pela dose de verdade verificada
em cada um dos pareceres que a integravam. – Apoiada por autores nas fileiras do
humanismo jurídico no séc. XVI
Entre o critério quantitativo e o qualitativo, encontrava-se o critério misto/maioria
qualificada – apoiado por autores dos sécs. XVII e XVIII.

Ordenações Filipinas
Durante o reinado de Filipe I verificou-se uma atividade renovadora no campo do
Direito. Isto verifica-se através da criação de:
• Relação do Porto.
• Lei da reformação da Justiça.
• Reforma das Ordenações – alguns dos juristas responsáveis por estas são
Jorge Cabedo, Afonso Vaz Tenreiro e Duarte Nunes de Leão.
As Ordenações estavam terminadas em 1595, visto que uma lei de 5 de junho desse
ano manda observá-las. Apesar disso, só com Filipe II se iniciou a vigência das Ordenações
Filipinas, lei de 11 de janeiro. Estas mandavam cessar todas as leis extravagantes, exceto:
• Ordenações da Fazenda – 1516.
• Artigos das Sisas.
• As que se encontrassem transcritas num livro da Casa da Suplicação.
Apesar do preceito da revogação, na prática consideravam-se em vigor muitas outras
disposições.

Sistematização das Ordenações Filipinas


A sistematização das Ordenações Filipinas é essencialmente idêntica à das anteriores.
Trata-se de uma simples atualização e adaptação da compilação de D. Manuel, pelo
acrescento das leis posteriores.

Apreciação das Ordenações Filipinas


As Ordenação Filipinas apresentam-se genericamente como uma cópia atualizada e
retocada. Apesar disso, o trabalho dos compiladores foi, por vezes, pouco e não estava isento
de contradições. José Veríssimo Álvares da Silva apontou na Introdução ao Novo Código os
defeitos mencionados, que ficaram conhecidos como filipismos.
A despeito de todos os filipismos, as Ordenações de 1603, que não são de algum
modo filipistas no sentido de espanholizantes, tiveram longa duração em Portugal, visto que
D. João IV as confirmou a 19 de janeiro de 1643.
Fontes subsidiárias
Esta matéria deixa de estar inserida na parte das relações entre a Igreja e o Estado e
passa a estar tratada na matéria relativa ao processo civil – livro 3º. Segundo o Prof. Braga
da Cruz, isto que dizer que só no séc. XVII é que se rompeu a ligação do direito subsidiário
à ideia de um conflito entre o poder temporal, simbolizado pelo direito romano, e o poder
eclesiástico, simbolizado pelo direito canónico.

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No entanto, a redação presenta na Ordenações Manuelinas que regula o problema
do direito subsidiário transitou na integra paras as Ordenações Filipinas, com meros retoques
formais na modernização da linguagem.
Aqui a epígrafe é plenamente concretizada.
A prioridade dada às fontes primárias continua presente e igual.
Fontes subsidiárias:
• As leis imperiais mandamos somente guardar pela boa razão – ideia de que
o direito romano é aplicado pela sua qualidade, quando respeita a boa razão
e não porque há qualquer tipo de reconhecimento de autoridade aos
imperadores.
o Há quem defenda, portanto, que os tribunais deviam recusar aplicar
os preceitos do direito romano que porventura não se verificasse que
fossem fundados na lei da boa razão.
o No entanto, a maioria dos autores não vai tão longe
• Cânones
• Glosa de Acúrsio e opinião de Bártolo em conformidade com a opinião
comum dos doutores – dá lugar à discutibilidade se esta é um critério
autónomo ou se existe apenas associado quando pensamos na hierarquia de
fontes.
o Há quem entenda que ao as próprias Ordenações validarem tanto a
glosa de Acúrsio como a opinião de Bártolo com a opinião comum
dos autores, pode justificar uma autonomização desta como fonte.
o Todavia, a maior parte dos autores não aceita este entendimento.
Dizendo que a ligação feita no texto não leva a que esta seja
autonomizada, não sendo uma fonte autónoma. – a regente acha que
não é um critério autónomo, tem que ser avaliado em consonância
com estas duas fontes e só assim deve ser interpretado.
o A fixação da opinião comum dos autores não deixa de ser um critério
puramente qualitativo, visto que é limitada a certos autores, a maioria
qualificada que tivesse versado, analisado e discutido o assunto em
causa, não sendo da maioria que simplesmente o tivesses referido.
As Ordenações Filipinas conservaram na íntegra o sistema de fontes de direito
subsidiário estabelecido na Ordenações Manuelinas, embora tivessem deslocado a matéria
para outra sede. Passa da parte consagrada às relações da Igreja com o Estado para o livro
dedicado ao direito processual.
Segundo o Prof. Braga da Cruz, isto que dizer que só no séc. XVII é que se rompeu
a ligação do direito subsidiário à ideia de um conflito entre o poder temporal, simbolizado
pelo direito romano, e o poder eclesiástico, simbolizado pelo direito canónico.
As Ordenações Manuelinas (1521) já tinham conseguido superar substancialmente
essa ideia, através de uma nova epígrafe e redação, mas tinha ficado ainda preso a ela pelo
respetivo enquadramento formal, entre os títulos referentes às relações do Estado com a
Igreja. Assim, com esta alteração, ficou patente que se tratava de um problema independente
de qualquer conflito de jurisdições.
Apesar da delimitação da autoridade de Bártolo pela opinião comum dos doutores,
que persistiu nas Ordenações Filipinas, pode dizer-se que o bartolismo atinge com aquela
codificação jurídica o início do momento de maior intensidade. Impera, não só nos tribunais
e, por isso, na jurisprudência, como no ensino, onde se institucionaliza.

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Leis extravagantes
O aparecimento de compilações, como as Ordenações, não impediu o facto que se
continuasse a legislar.
Leis extravagantes – diversas leis que não ficaram incluídas nos grandes corpos legais.

Compilações de extravagantes – a coleção Duarte Nunes de Leão


Também neste núcleo de leis se procederam a várias recolhas, das quais apenas uma
teve valor oficial. Esta foi levada a cabo por Duarte Nunes de Leão, por ordem do Cardeal
D. Henrique, regente do reino na menoridade de D. Sebastião.
Trata-se de uma compilação única no seu género pela metodologia seguida. Nesta
não se transcreveram as leis ipsis verbis2, mas procedeu-as a um resumo ou relatório de cada
uma, sendo a esse resumo que se conferiu força de lei. Para além das leis, Duarte Nunes de
Leão extratou também o essencial dos assuntos da Relação.
A compilação divide-se em seis partes que se ocupam, sucessivamente:
• Ofícios e oficiais régios.
• Jurisdições e privilégios.
• Causas.
• Delitos.
• Fazenda real.
• De outros assuntos.
A compilação das leis extravagantes impressas em 1569 diverge notavelmente de uma
compilação manuscrita que o mesmo autor concluíra já em 1566, ordenada por D. Henrique.
A compilação manuscrita de Duarte Nunes foi chamada por José Anastácio de
Figueiredo de I Compilação, para a distinguir do impresso, II Compilação. A I Compilação
é mais abreviada e apresenta sistematização diversa. Segundo José Anastácio de Figueiredo,
esta era uma fonte histórica superior à outra, pois por ela poderiam emendar vários lugares,
que nas Ordenações Manuelinas e nas II Compilações, se convencem de menos exatos e
algumas vezes defeituosos. Isto justifica-se porque Duarte Nunes procedeu inicialmente a
uma recolha dos textos segundo uma certa ordem e só mais tarde realizou o trabalho de
abreviatura das leis.
A Compilação I está dividida em quatros partes:
1. Sobre ofícios, jurisdições e privilégios.
2. Causas judiciais.
3. Delitos e penas.
4. Causas extraordinárias.

Assentos, órgãos promanantes, valor, espécies.


Uma das fontes de direito deste período é os assentos.
Os monarcas possuíam o direito de interpretar as suas leis. Faziam-no em Relação
dos tribunais superiores. Até porque as dúvidas de interpretação da lei foram remetidas para
o monarca nos termos das Ordenações Afonsinas.
D. Manuel, pela lei de 10 de dezembro de 1518 delegou na Casa o poder resolver por
assento e com autoridade legal os casos duvidosos. Desta lei resulta, também, o valor legal
genérico dos assentos.
Com a extinção da Casa do Civel e a criação de uma Relação do Porto (1582), as
dúvidas passaram também a ser competência desta. O mesmo aconteceu as Relações
Ultramarinas – duas no Brasil e uma no Oriente.

2 Palavra a palavra; tal e qual.

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Os assentos das Relações subalternas – Porto e Ultramar – cabia, no domínio da Lei
da Boa Razão, recurso para a Casa da Suplicação. Já o assento da Suplicação ficava sempre
aberto o recurso para o monarca.
O papel dos assentos era meramente interpretativo, assim, não constituíam vias
adequadas para resolução dos casos dos omissos. Estes deviam ser levados ao conhecimento
do soberano, para estes os integrar.
Tipos de assentos:
• Assentos de autos – tinham por objeto a decisão particular de uma dúvida
em certa causa, sem que se originasse uma regra autêntica para outras causas.
• Assentos legais – os seus efeitos passavam a ser genéricos. Apenas estes
passavam a ser considerados leis.
• Assentos económicos – respeitantes à própria disciplina da Casa que
emanavam.

Os forais – a sua reforma


(ver matéria referente aos forais -pág. – COMPLETAR)
Passados cinco séculos sobre o início da concessão dos forais, encontravam-se estas
cartas de privilégio desfasadas3 da realidade do séc. XV.
Pouco depois dos meados desse século começaram a chegar às Cortes os agravos4
dos concelhos em que se pedia ao monarca a sua intervenção.
Tanto em Coimbra-Évora em 1472, em Évora-Viana em 1481 e em Montemor-o-
Novo em 1497 se salientaram os danos que dessa situação decorria:
• Por um lado, a permanente elaboração de leis avulsas a regulamentar matérias
que antes eram nelas contidas – levou a que caísse em desuso.
• Por outro, o desuso em que muitas das suas referências tinham caído.
o Prestações que tinham perdido a razão de ser, medidas e moedas que o
tempo desatualizara, a própria linguagem dos sécs. XII e XIII que, 200
anos depois, suscitava dificuldades de interpretação.
Pediam os povos ao monarca que os mandasse recolher à Corte e corrigir, sob pena
de serem mais gravosos do que úteis na função a que se destinavam.
D. João II, em 1481, respondeu aos agravos, dizendo ter mandado já recolher os
forais à Cortes. Apesar disso, esta manifestação de interesse não foi prosseguida5.
Em 1497, na sequência de novos agravos nas Cortes, D. Manuel mandou recolher à
corte todos os forais e demais documentação onde estivessem consignados direitos reais,
cometendo o acervo6 documental a um conjunto de juristas:
• Rui Boto – chanceler-mor.
• João Façanha – desembargo real.
• Fernão de Pina.
• Rui da Grã.
• Diogo Pinheiro.
• João Pires
Estes estavam encarregues de proceder à sua reforma. Para tal, o monarca mandou
indagar7 junto dos concelhos as questões objetadas, para as resolver após audição da Casa da
Suplicação e do Cível.

3 Desatualizadas
4 Pedidos de revisão
5 Não foi continuado o que se tinha começado.
6 Conjunto
7 Informar

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Este trabalho de reformados forais é, ainda, acompanhado pela elaboração, entre
1502 e 1504, de dois diplomas destinados a facilitar a o trabalho de unificação:
• Ordenação e Regimento dos Pesos.
• Regimento dos Oficiais das Cidades, Vilas e Lugares destes Reinos.
Em 1520, foram devolvidos os textos reformados aos municípios. Estes passaram a
chamar-se de forais novos para os distinguir dos anteriores – os antigos –, e dos concedidos
posteriormente, os novíssimos.

Conteúdo
Do texto novo foi retirado o que ao longo dos séculos tinha sido objetivo de lei.
Mantendo-se principalmente prestações e serviços a que a comunidade devia continuar
sujeita. Também se encontram algumas leis gerais – ex.: lei da vizinhança – onde, sem
prejuízo dos usos locais, se definiam:
• Os requisitos de condição de vizinho.
• Indicações relativas a funcionários e aos tabeliães de cada vila.
• Indicações relativas às quantias que se deveriam pagar.
A escassa originalidade transformou-os em documentos significativos para o
conhecimento da vida a instituições locais, mas não se tornou menos importante, visto que
os povos continuavam a considerá-los a carta dos seus privilégios e um símbolo de
autonomia municipal.

Direito canónico
A relevância do direito canónico no contexto das fontes jurídicas está intimamente
ligada com o posicionamento da Coroa frente à Igreja e ao Papado.
Esta ordem normativa é fundamentada pela ideia de que a Igreja representava uma
sociedade distinta da sociedade civil, pelo que tinha a sua disciplina jurídica própria.
A verdade é que a existência simultânea de duas sociedades colocava um problema
de articulação entre as várias realidades em presença, entre as normas que a elas respeitavam
e que delas emanavam.

Posição da coroa perante a Igreja e o Papado


A monarquia portuguesa retirou originariamente da auctoritas pontifícia sua
legitimidade nos quadros internacionais da época, o que, desde logo, levou ao
reconhecimento implícito da superlatividade do Papa em relação aos governantes seculares.
Ao caminhar para a Idade Média e para os tempos modernos, parte dos nossos
monarcas continuou a subsistir um interesse na manutenção do papado como autoridade
nacional, devido à expansão portuguesa. Este posicionamento era justificado com base nas
bulas pontífices, cuja força provinha da autoridade política internacionalmente ao Sumo
Pontífice.
As teorias favoráveis à superlatividade do Papa receberam acolhimento em Portugal.
O país, por conveniência, era obrigado a acatar, ao menos no campo teórico, a autoridade
romana, embora os nossos monarcas, ciosos da sua independência, na prática estavam
sempre prontos a fugir-lhe.
Dentro de semelhantes parâmetros de necessidade ou acomodação e de
independência, devem ser entendidas as considerações subsequentes. Como são exemplo:
• O beneplácito régio – instituto jurídico de autorização de publicação das
letras apostólicas no reino.
o Em vigor, pelo menos, desde o tempo de D. Pedro I (1357 – 1367).
o Suscitou da parte da Igreja múltiplas diligências tendentes a uma
revogação pelos monarcas portugueses. Mas estes resistiram a todas
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tentativas, até que D. João II (1477 – 1485) foi consentido o desejo de
revogação.
Esta deu-se de forma a que existisse uma otimização de relações entre
Portugal e a Igreja.
o No entanto, o monarca, poucos anos depois, restabeleceu-o, embora por
via indireta. Fê-lo ao fazer depender do Desembargo do Paço a execução
dos rescritos apostólicos. Este sistema foi mantido nos reinados seguintes
e foi adotado nas Ordenações Filipinas.
o D. João V alargou a solução a outras letras apostólicas.
o No tempo do Marquês de Pombal o beneplácito foi frontalmente
reafirmado.
o O constitucionalismo manteve-o em vigor.
• Os decretos do concílio de Trento
o Concílio aberto em 1545 e encerrado em 1563.
o Legislou em matéria dogmática, litúrgica e disciplinar, dentro de uma
linha ideológica de defesa da ortodoxia face à Reforma8.
o As resoluções tridentinas foram aprovadas em consistório decreto e delas
dado conhecimento aos católicos pela bula Benedictus Deus – 3 de julho
de 1564.
Nesta apela-se para a ajuda dos príncipes no sentido de apoiarem a
observância das disposições conciliares.
o Na mesma data pelo breve Sacri Tridentini Concillii era enviado um
exemplar dos decretos tridentinos ao rei de Portugal.
Este citava outras letras apostólica, que seguiram todas com vista à
receção e aplicação das disposições de Trento no nosso país.
Traduzidos e impressos para português os preceitos conciliares, teve
lugar a receção solene em que foi lida e publicada a bula Benedictus
Deus – 7 de setembro de 1564.
o A 12 de setembro um alvará régio ordena às justiças que prestem aos
prelados na execução das determinações tridentinas.

Direito canónico como direito subsidiário


Durante este período, o direito canónico manteve o seu caráter de direito subsidiário
em termos idênticos àquele que lhe era reconhecido pelas Ordenações até à Lei da Boa Razão
– 18 de agosto de 1769. Esta lei veio a pretexto de uma contradição no livro 3 das Ordenações
Filipinas, vindo vibrar o golpe mortal no sistema vigente.
A partir daqui o direito canónico passou a ter aplicação apenas em quatro hipóteses:
• Nos casos em que a lei civil o mandasse expressamente aplicar.
• Nos casos em que os seus preceitos fossem aplicáveis pelo uso das nações
civilizadas em correção ao direito romano.
• Nos casos de impossibilidade de recurso a outros ordenamentos.
• Nos casos em que os ministros dele devessem conhecer para obviar à
opressão ou força dos juízes eclesiásticos – o que abria recurso ao Juízo da
Coroa.

Direito prudencial
O direito prudencial, trabalhando principalmente sobre o direito romano, em grande
parte deste período continuou a ser importante fonte jurídica.

8 Protestante

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2º Semestre 2019/2020
A função do direito romano-prudencial enquanto direito subsidiário
A partir das Ordenações Afonsinas – 1446-1447 – o direito romano é relegado,
legalmente, para a posição de direito subsidiário, em que se manterá até à Lei da Boa Razão
– 18 de agosto de 1769.
É certo que na prática do foro e da magistratura, não raro, se esqueceu o direito
nacional para se adotarem soluções do direito romano ou dos seus intérpretes, isto é, um
direito prudencial. Trata-se de um desvio em contradição com o preceito nas diversas
Ordenações.
No plano legislativo, o Corpus Iuris Civilis e o direito romano-prudencial
permanecem admitidos apenas subsidiariamente, papel este que vai ser reduzido ao mínimo
com a Lei da Boa Razão.

Opinião comum dos doutores9


Não é aceitável o entendimento que procura ver na adoção pelas Ordenações
Manuelinas da opimio communis com prejuízo da autoridade de Bártolo um compromisso
entre o bartolismo e o humanismo jurídico.
A adoção da opinião comum nas Ordenações Manuelinas obedece ao espírito da
escola dos comentadores, a própria escola a que Bártolo pertencia e era expoente máximo.
Este era o da sobrevalorização da auctoritas dos prudentes.
Foram, aliás, os discípulos de Bártolo que elevaram a communis opinio em critério
absoluto. Se o próprio Bártolo sustentava que, na dúvida, se deveria recorrer à opinio
communis. Apesar disso, negava a obrigatoriedade da sujeição do juiz a ela.
O Prof. Braga da Cruz afirma que a consagração legislativa da opinio communis pelas
Ordenações Manuelinas, com prioridade absoluta sobre a Glosa de Acúrsio e a opinião de
Bártolo:
• Por um lado, representava o primeiro golpe sério no prestígio pessoal de que
Bártolo entre nós gozara durante um século.
• Por outro, representava a glorificação do próprio Bártolo, através da
consagração do pensamento da escola simbolizada pelos seus partidários.

A cultura jurídica – 1415-1820


Fator interno que contribuiu para esta:
• Papel desempenhado pela Universidade.
o Desde 1377 fixada em Lisboa, foi mudada para Coimbra por D. João III
em 1537.10
o Graças ao clima de renovação cultural do humanismo e à reforma joanina,
o ensino jurídico em Coimbra conheceu certo esplendor, mas
momentâneo e sem larga projeção.
o No tempo de D. João III, além da Faculdade de Cânones, continuou a
existir uma Faculdade de Leis. Já ao ensino do direito nacional não era
consagrada qualquer disciplina.
o O esquema do ensino continua, na sua essência, a ser o tradicional da
escolástica.
o Havia uma preocupação evidente de minar pela raiz no ensino
universitário o próprio instituto da opinião comum – o que interessava
era a qualidade, não a quantidade.

9 Ver a pág.
10 Ver página 18.

Catarina Lopes Pimentel 20


2º Semestre 2019/2020
o Com a morte de D. João III, o período áureo da Universidade e do ensino
jurídico acaba.
o A Reforma Filipina não conseguiu fazer renascer o seu esplendor.
Esta consagrou, de novo, o reinado de Bártolo – o ensino jurídico
continua a ser em latim e baseado na leitura e comentários de textos.
Este sistema continuou vigente até à Reforma Pombalina.
Fatores externos que contribuíram para esta:
• Movimento de renovação cultural – Humanismo.
• Linha intelectual – Racionalismo.

Tendências bartolistas
Nota-se uma forte tendência para arvorar Bártolo e a opinião comum em critérios
retores de toda a vida do Direito.
Apenas alguns juristas atraídos pelas novidades do humanismo conseguiram superar
a hegemonia ou ditadura intelectual do bartolismo. Porém, este não passou de um fenómeno
efémero, que não teve força para verdadeiramente alterar a marcha das coisas. Portugueses
que impulsionaram o humanismo jurídico:
• Luís Teixeira.
• Luís Álvares Nogueira.
• António de Gouveia.
A verdade é que a cultura jurídica portuguesa pouco respira da escola culta e não
consegue suplantar em definitivo o bartolismo.

O efémero momento humanista


O humanismo jurídico assumiu outras designações:
• Mos gallicus – por oposição a mos italicus.
o Visto que esta corrente se prende, sobretudo, a juristas franceses.
• Escola culta, elegante.
• Escola alciateia – do nome de André Alciato.
• Escola Cujaciana – de Cujácio ou Cujas.

Humanismo jurídico – uma contestação da metodologia medieval, nomeadamente da lição


de Bártolo e da escola por ele encabeçada, em nome de critérios de filologia.

Figuras representativas do humanismo:


• Ambrozio Camaldolense.
• Niccolò Niccoli.
• Maffeo Vegio.
• Lorenço Valla – mais polémico representante do antibartolismo na sua
primeira fase.
o Numa epístola-libelo a Candido Decembrio, condena Acúrsio, Dino e
vários homens do género do chefe da fila dos comentadores.
o Faz uma acusação gramatical básica aos juristas medievais – em que se
incluem Bártolo e bartolistas – chegando a afirmar que estes não sabiam
latim.
O libelo de barbarismo linguístico lançado aos medievais permitia, desde logo, a
inferência de que estes haviam obliterado e deturpado o direito romano. Daí chegar-se à
asserção de que o que se designara como tal não representava direito romano autêntico. O
que os juristas da Idade Média ensinavam e aplicavam como direito romano era para os

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2º Semestre 2019/2020
novos juristas um direito romano formado de glosas a glosas, onde a letra da lei se perdia. E
mesmo quando isso não acontecia, havia-se trabalhado em cima de textos legais adulterados
por esses medievais.
Impunha-se, assim, a necessidade de libertar o dos escólios, glossemas, interpolações,
ou seja, proceder a uma retitutio, segundo cânones rigorosos, para o regresso ao puro texto
da lei.
Esta escola defende, também, a conclusão de que de que o direito de Justiniano não
era, ele mesmo, o verdadeiro direito romano.
Puseram em causa o Corpus Iuris como livro autoritário e quase sagrado, abrindo-
se, assim, a porta à discussão e valoração crítica.
A autoridade era substituída pela razão.
O humanismo teve, desde cedo, reflexo nos juristas portugueses. Isto verifica-se,
pois, muitos dos estudantes portugueses estudaram em Itália e viveram no círculo de relações
dos iniciadores deste movimento.
De qualquer forma, e a despeito destes primórdios tão prometedores, o Humanismo
jurídico ficou entre nós extremamente limitado, pois:
• Por um lado, os juristas portugueses educados na prática dos humanistas e
na sua vivência direta, ou tiveram nula influência em Portugal, pois
o Se desnacionalizaram e não regressaram ao país de origem.
o Ou, uma vez regressados ao país de naturalidade, perderam, em contacto
com a vida prática, todas as ilusões filológicas, historicistas e racionalistas.
o Ou se desinteressaram definitivamente do Direito.
• Por outro lado, o facto de Bártolo continuar legislativamente consagrado
como fonte jurídica explica que os ataques do humanismo jurídico a este não
revestissem, entre nós, a virulência que assumiram em países como França
ou Itália.
É à medida que se caminha ao longo do séc. XVI, os louvores de Bártolo retomam
toda a sua força. Se da produção estritamente jurídica passarmos à literatura em geral ou às
fontes não jurídica de quinhentos, o quadro não é diverso. Bártolo ressalta delas como a
figura mais representativa do mundo do Direito. Decerto, outros nomes de grandes juristas
acompanham-no – Acúrsio, Baldo, Paulo de Castro, Jusão, etc. –, mas com menos frequência
e variando.
O conceito de humanismo abrange várias manifestações, não só uma.
Nas Ordenações Manuelinas e Filipinas já aparece esta corrente vagamente,
nomeadamente na introdução da opinião comum dos doutores. Esta era entendida como
uma possível manifestação de humanismo jurídico.
A existência de lacunas partia do pressuposto de não existir no período de ius
commune – ligação entre o direito romano e o direito canónico (séc. XII ao XV) – a ideia de
sistema jurídico autossuficiente. O direito nacional encontrava, de alguma maneira, o seu
prolongamento no direito romano e no direito canónico. Então, para este período, as fontes
do direito pátrio fazem de um conceito mais amplo e os próprios juristas mandavam aplicar
o direito que conheciam, ou seja, o que aprendiam na universidade, que era o direito romano
e o canónico.
As próprias interpretações das normas contidas nas Ordenações eram feitas à luz dos
próprios princípios da ius commune. O que, de alguma forma, era uma subversão completa
do que estava subjacente ao pensamento do legislador, visto que este pretendia que as normas
e duvidas devem ser suscitadas ao legislador/monarca, mas na prática não era assim.
A própria aplicação do direito subsidiário estava muito ligada com a aplicação feita
pelos juízes. Em vários momentos nas Ordenações apela-se aos juízes que apliquem o direito
nacional e deixem de lado o direito romano e canónico. Muitos destes juízes não têm
formação superior, não eram letrados e o próprio conhecimento ao Corpus Iuris Civilis e ao

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2º Semestre 2019/2020
conceito da opinião comum dos doutores era muito fraco. Apenas os juízes dos tribunais
superiores é que tinham formação para poder conhecer a Opinião de Bártolo e a Glosa de
Acúrsio. Nos demais tribunais a fonte que estava subjacente na maior parte dos casos era a
equidade e o direito local – o direito foraleiro, o direito outorgado e pactuado.
Mário Reis Marques distingue a aplicação teórica da aplicação prática do que estava
contido nas ordenações:
• Teoricamente – havia uma prioridade da lei nacional.
• Praticamente – o direito romano, que as ordenações estabeleciam como
direito subsidiário, era na maior parte dos casos o direito com aplicação
preferencial.
O próprio critério da opinião comum dos doutores é um critério que tem natureza
quantitativa, ou seja, atendia-se ao maior número de doutores. Mas também podia ser um
critério qualitativo, porque atendia à qualidade destes doutores, dando prevalência a este em
detrimento da quantidade. Mas na prática, nos tribunais, ter-se-á dado prevalência ao critério
da quantidade em detrimento do da qualidade.
Quando é mencionado que a Glosa de Acúrsio e a Opinião de Bártolo deviam ser
controladas pela opinião dos doutores, existiam vários juízes que recusavam esta aplicação e
sentiam que tinham alguma dificuldade em fazer este controle. Assim, alguns afirmam que
esta não é necessária, chegando a dizer que a opinião de Bártolo vale por si só e não tem que
ser aferida por critério nenhum.
A corrente humanista acaba por ficar muito detrás com a aplicação que é feita
relativamente aos critérios de direito subsidiário.
Vamos encontrar no discurso humanista uma grande crítica à ideia de autoridade,
dizendo que nem sempre a ideia de autoridade estava em sintonia com a ideia da própria
razão.
Características das críticas humanistas:
• Necessidade de ser efetuada uma exploração histórico-filosófica dos textos
romanos – os humanistas afirmam que é importantíssimo libertar os textos
romanos das glosas e comentários medievais e ao meso tempo corrigir alguns
erros que tinham sido introduzidos nos textos clássicos.
o Combinação do estudo histórico com o estudo jurídico – os prudentes
medievais eram desconhecedores da história romana e, portanto, muitas
vezes associaram a determinadas situações factos que podem ser
daquele período. Fazendo uma feroz crítica à forma como os textos
estão trabalhados por estes, sendo indispensável restabelecer o sentido
original das disposições jurídicas romanas.
o Diziam, também, que não se conhecia a própria construção das palavras
e, por vezes, atribuíram a um determinado período uma determinada
classificação que nada tem a ver com esse período. Utilizaram, portanto,
uma terminologia que estava fora do contexto da sua realidade histórica.
• Afirmavam que o trabalho feito pelos prudentes medievais foi um trabalho
de natureza atomista – não teve a noção do conjunto –, não foi metódico e
foi exclusivamente analítico, não teve em conta a dimensão de determinados
institutos numa lógica de sistema.
o Pode ser vista como uma crítica falaciosa – pois neste período ainda não
existia um entendimento do que era a ideia de sistema jurídico.
Os humanistas entendiam que se devia dar uma nova atenção ao direito natural, tendo
que se introduzir neste um cunho racionalista e sistemático. Apela-se a uma atenção

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redobrada com o conceito de lei natural. Era importante que os próprios estudiosos do
direito natural tivessem em conta os princípios subjacentes a este direito e encontrassem
alguns princípios de conteúdo racional que podiam ser identificados – ex.: princípio de não
prejudicar ninguém, de que os pactos devem ser cumpridos, etc.
O prof. Espinosa Gomes da Silva destaca a existência de várias orientações nas
correntes humanistas, nomeadamente:
• Corrente historicista – diz que a idade média nunca conhecera ou
compreendera o direito romano, os prudentes medievais tornaram-no
irreconhecível, porque efetuaram uma interpretação que não ia de acordo ao
período em que ele foi produzido. Nesse sentido, afirma que os prudentes
medievais não compreendiam os textos romanos, nomeadamente chega a
afirmar que os prudentes medievais não sabiam latim e, por isso, não podiam
ler estes textos. Assim, era muito importante olhar para o direito romano e
ver o que ainda fazia sentido aplicar e o que já não, pois a realidade, o
contexto político e histórico eram outros. Esta corrente reclama uma
verdadeira reforma legislativa.
• Corrente racionalista – afirma que o direito romano é a razão escrita. Sendo
aplicado pelo império da razão e não pela razão do Império, ou seja, não
resultava de nenhuma relação de subserviência dos monarcas portuguesas a
algum imperador romano ou a algum poder político que pretendesse
restaurar o Império romano (sacro império romano-germânico), mas sim
devido à sua racionalidade. Assim, quando olhamos para o Corpus Iuris
Civilis, temos que ver quais as leis estão de acordo ou não com essa razão,
sendo este um filtro muito importante. As que passariam neste filtro valeriam
e as que não passariam deviam ser afastadas.

Importância do jus naturalismo e jusracionalismo das escolas jurídicas seiscentista


por detrás da escola humanista
Direito natural – aquilo que permitia ao homem alcançar, através do seu intelecto, os
grandes princípios de direito divino.

Recordar S. Tomás de Aquino – lei natural, lei divina, lei eterna, etc.

A escola ibérica do direito natural, também conhecida por alguns autores como a
escola espanhola do direito das gentes – desenvolvimento peninsular da própria escolástica,
que tinha sido provocado pelo advento da contrarreforma, é a escola que prossegue à revisão
das posições de S. Tomás de Aquino, como é um exemplo o entendimento que vai fazer do
direito natural. Características:
• Laicização do direito.
• Importância dada à razão natural – as leis são suficientemente explícitas para
serem conhecidas pela razão humana. Há uma valorização muito grande da
capacidade racional do Homem para compreender os princípios do próprio
direito.
• Logicicação do direito – crença na razão e nos próprios mecanismos lógicos
que permitem encontrar o direito (Suaréz).
O Homem deve respeitar as suas inclinações naturais, que provêm da sua natureza
racional.

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O direito construído com base nesta influência é um direito constituído por normas
precisas, por leis gerais, claras, certas – não sendo necessário ser um técnico especialmente
habilitado para proceder à sua interpretação. O direito tem que ser acessível, na luz do
conhecimento que se alcança através do meio racional.
A área científica contribuiu assim para o próprio direito. A lógica escolástica é
impactada por este contributo, como por exemplo:
• Na substituição dos conceitos, que muitas vezes não implicavam uma
apreensão pela razão do seu verdadeiro sentido, por uma lógica dos factos, a
que se chega através da razão.
Ideal é de um sistema que é construído a partir de um conjunto de
princípios/conceitos que são retiradas da experiência sensível – relação entre o mundo
sensível e o mundo inteligível. Este ideal é seguido primeiro pela escola ibérica do direito
natural e depois o direito acaba por segui-lo também. Características:
• Evidência.
• Generalidade.
• Racionalidade.
• Tendência para a positividade – com elementos associados aos
prossupostos do próprio humanismo.
Na própria cultura jurídica do séc. XV e XVI, o trabalho feito pelos comentadores
procurou adaptar o direito romano à realidade do séc. XII, XII e XIV. A partir daí utilizaram
a dialética, a retórica, associando sempre o argumento de autoridade como aspeto dominador
do próprio pensamento jurídico da época. Associaram direito romano, canónico, local (cartas
de povoação, foros, forais) e consuetudinário. Vão ser estes princípios gerais de direito que
a própria corrente jusracionalista vai tomar e identificar para construir os princípios de
direito/axiomas jurídicos, através dos quais a tal operação de dedução vai ser trabalhada.
A entrada no séc. XV e XVI, o aparecimento de uma nova sociedade que, de alguma
forma, vai contrapor o direito de natureza geral, o direito construído nas ordenações, o
direito particular, nomeadamente a há ideia de abolir privilégios e de isenções, a ideia de que
as penas podiam ser transmissíveis.
A escola ibérica vai lidar com o aparecimento de novas normas, de novos institutos
jurídicos, muitos deles completamente diferentes do que tinha estado por detrás da
construção romana justinianeia. O que vamos encontrar é um contributo que a escola
humanista acabou por trazer e as críticas que fez ao trabalho dos glosadores e comentadores,
sendo que a crítica mais importante é a feita à escola dos comentadores.

O racionalismo jurídico – Verney


Depois do breve surto humanístico, o ensino e a cultura jurídica em Portugal caíram
num período de decadência, que só parou no séc. XVIII. Neste século, apareceram e
cruzaram-se várias linhas de pensamento:
• Escola racionalista do direito natural – defendia a existência de um direito
natural eterno e imutável, baseado na razão humana, na recto ratio, e que era
a forma a que se deveria moldar o direito positivo.
o Hugo Grócio.
• Usus modernus pandectarum – partia da ideia de que o direito das Pandectas
(direito romano) devia ser utilizado naquilo que tivesse de essencial à luz do
direito natural, de válido face ao direito estatuário ou nacional. Separava entre
o vivo e o morto, entre o perene e o caduco no direito romano. Ajustava-se
aos tempos modernos.

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o Carpzové.
o Struve.
o Stryk.
o Bohmer.
• Iluminismo – reconduzia-se à luz da Razão.
Como exponente desta renovação intelectual aparece Verney11, o autor do
Verdadeiro Método de Estudar, cuja crítica ao ensino em Portugal assenta:
• Na repetição de todas as acusações dos humanistas contra
o Bártolo e a opinião comum;
o A silogística jurídica – tipo de raciocínio que chaga a uma conclusão por
dedução;
o O amor pedantesco às citações;
o A exiguidade ou mesmo ausência de conhecimentos históricos;
o Os excessivos romanismos dos juristas.
• Na revelação do novo ideário do racionalismo e do iluminismo.

Lei da Boa Razão


O século XVIII ficou conhecido como o período do iluminismo. Este é o período
por excelência da importância da razão e do racionalismo – razão associado ao próprio
conhecimento.
Vamos encontrar uma visão crítica e antropocêntrica. A valorização dada à razão
resulta da influência feita pelas próprias ciências naturais.
Descartes tinha um pensamento com base nas matemáticas e valorizava a verdade
objetiva, que se contrapunha à verdade provável adotada pelos prudentes medievais.
As Ordenações do reino – neste momento estando as Filipinas em vigência – já
tinham iniciado um processo efetivo de crítica eficaz relativamente ao direito prudencial e ao
conhecimento provável, que resultava da opinião e baseado na autoridade – crítica que se
insere na corrente do jusracionalismo e em autores como Descartes.
No séc. XVIII há claramente uma visão racionalista do direito natural, o que significa
que se olha para este não como direito que resulta da vontade divina, mas como direito que
progressivamente se pode atingir através do recurso à razão e, nomeadamente, à razão
humana.
O critério da opinião comum dos doutores, introduzido nas Ordenações Manuelinas,
é um critério que vai, também, ser objeto de grandes críticas, embora o encontremos ainda
nas Filipinas. Mas a verdade é que toda a postura do monarca, como podemos ver também
na Lei da Boa Razão, é a ideia de um conhecimento certo, seguro e que afaste a lógica da
probabilidade. O monarca segue a ideia da importância da segurança jurídica, algo que o
conhecimento provável e baseado em opiniões não garantia.
Cada vez mais se vai condicionar mais a validade do critério da autoridade, vão
aparecer várias situações em que há uma crítica feroz a esta valorização feita à autoridade,
restringindo a aceitação em tribunal de determinados autores, os autores que podiam ser
invocados eram apenas Bártolo, Baldo, Acúrsio e poucos mais.

A Lei da Boa Razão é uma lei de 18 de agosto de 1769, quando surgiu não se chamava
assim, passou a ser assim conhecida no seguimento de um comentário feito por José Homem
Correia Teles – autor civilista do séc. XIX – que vem apelidá-la assim, exatamente pelas
referências contantes que encontramos ao longo da lei a este elemento.
Nesta encontramos uma restrição significativa da opinião comum dos doutores, da
autoridade e uma crítica feroz relativamente à aplicação feita pelos juristas e juízes

11 Filósofo, teólogo, padre, professor e escritor português do séc. XVIII.

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relativamente ao que estava nas Ordenações e tenta, assim, limitar as interpretações abusivas,
que ofendem a majestade das Leis. O monarca – D. José I – entende que, relativamente ao
que estava nas Ordenações, que dizia que em primeiro lugar se devia aplicar o direito
nacional, na prática, constava-se é que na maior parte das vezes se aplicava o direito romano
e canónico – direito subsidiário –, afastando o direito nacional/régio – fonte principal de
direito. Aquilo que se encontra constatado pelo monarca na Lei da Boa Razão é que em
termos práticos se aplicava em primeira linha o direito romano/canónico e o direito nacional
era aplicado apenas em situações de não existência desses dois direitos. Assim, grande parte
das passagens que encontramos ao longo da Lei da Boa Razão se podiam resumir na ideia
do monarca a mandar aplicar o que está nas Ordenações e condenando todo o
comportamento que afasta o direito nacional como fonte principal.
Outra coisa que encontramos é que a nova valorização do direito natural que deveria
passar por uma racionalidade que se baseia na capacidade humana para fazer um filtro, deve
ser cruzada com a corrente que surge dentro do jusracionalismo – usus modernus
pandectarum. Esta corrente é de origem alemã e procura relacionar o direito romano
diretamente com o direito natural. Esta corrente defende que o direito romano apenas tem
interesse se tiver um uso moderno, sendo aplicado no séc. XVII e XVIII, e deve-se afastar
as soluções que estão fora das necessidade e utilidades destes séculos.
A Lei da Boa Razão é, também, resultado da influência iluminista em Portugal,
nomeadamente da obra dos estrangeirados (portugueses que viviam no estrangeiro) – ex.:
Luís António Verney. Estas obras baseiam-se nas vivências destes autores no estrangeiro,
vivência essa que vai ao encontro dos ideias humanistas e racionalistas, que vão tentar
introduzir em Portugal. Características:
• Importância de estudar a história romana e o direito natural.
Passagens da Lei da Boa Razão:
• Parágrafo 9º
o Atividade ao nível dos tribunais superiores, nomeadamente da elaboração
de assentos.
o 1ª linha – Ordenações Filipinas, matéria relativa à aplicação do direito
subsidiário.
Há uma remissão para o texto das Ordenações – onde se diz que só
se deve aplicar as leis romanas/imperiais (1ª fonte de direito
subsidiário) pela boa razão em que são fundadas. Apesar disto, esta
ideia não está exatamente presente nas Ordenações. Mas o monarca
argumenta que se esquecem as normas de direito nacional, e invés
destas, aplicam-se sempre preferencialmente o direito romano. Por
tanto, o direito romano que devia ser um direito subsidiário está a
ser aplicado a título preferencial, afastando a lei do rei.
O monarca afirma que não deve ser assim, não é isso que as
Ordenações dizem. Critica, para além do mais o próprio direito
romano, ao dizer que tem princípios/hábitos/formas de
estar/costumes/tradições que nada têm a ver com o próprio direito
português – regente vê esta como uma crítica exagerada, não sendo
intelectualmente honesta, resulta de uma atuação de reprovação dos
Romanos de forma a atacar diretamente a autoridade do direito
romano.
Quando o monarca deseja chamar a atenção para uma situação utiliza
o “mando” – equivale a “estabeleço”, “determino que”. Utiliza

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quando se estipulam regras/princípios para aplicação destas
decisões.
Afirma que se deve invocar a lei régia e não os direitos subsidiários.
Afirma que, na atividade dos tribunais, o direito romano – boa razão
– era subsidiário. Não podendo atribuir-se-lhe validade e autoridade
só por serem textos de direito romano. Assim, temos que olhar para
os textos de direito romano e verificar se efetivamente têm
autoridade, no sentido se os textos fazem sentido na atualidade dos
períodos em que vão ser aplicados – usus modernus pandectarum.
Define boa razão.
 É a primeira vez que se faz referência às “Leis políticas,
económicas, mercantis e marítimas” – não há enunciação deste
tipo de normas nas Ordenações. Para se resolver os casos deve-
se recorrer às leis promulgadas pelas Nações Cristãs – uma das
críticas feitas a esta remissão é o facto de não serem especificadas
quais nações e de estas leis não serem conhecidas. Assim, ao
remeter nestas matérias está-se a aumentar a insegurança jurídica,
o que ia contra o objetivo expressado pelos monarcas,
primeiramente cada a elaboração das Ordenações e depois da
própria Lei da Boa Razão.
 Razões que se invocam para aplicar estas soluções:
 Não há normas expressas sobre esta matéria no nosso próprio
direito.
 Etc.
• Parágrafo 10
o Afirma que o que acontece é que invés de se analisar e se aplicar o direito
romano só nas tais situações subsidiárias, o que acontece muitas vezes é
que se interpreta as leis pátrias em conformidade com o direito romano,
e só quando há conformidade é que se dá esta aplicação.
o Deixa de ser possível fazer essas interpretações ou restrições de sentidos
das leis do monarca.
o O monarca tem a capacidade em última instância de dar resposta às várias
situações que lhe eram colocadas.
• Parágrafo 12
o São citadas novamente as Ordenações – livro 3º, título 64.
o Questão relativa ao critério do pecado – ao aplicarmos a situação prevista
no direito romano se trouxer pecado, deve ser afastada e devesse aplicar
o direito canónico ao caso.
o Diz que as matérias relativas aos pecados dizem respeito ao foro interior
e à espiritualidade da Igreja. Com isto o monarca delimita o âmbito de
aplicação destas matérias.
o A norma que estava nas Ordenações de aplicar o direito canónico nas
matérias de pecado considera-se não escrita, ou seja, deixa de existir.
o Assim, deixa de se aplicar direito canónico nos tribunais civis – não nos
eclesiásticos, visto que as matérias de pecado só a estes dizem respeito.
Pela primeira vez afasta-se uma fonte de direito subsidiário.

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o Nos Tribunais civis passam a aplicar-se apenas – as leis pátrias,
subsidiárias, costumes e estilos.
• Parágrafo 13
o Crítica humanista.
o Afasta-se a possibilidade de em tribunal se aplicar a Glosa de Acúrsio e a
Opinião de Bártolo, com base nas críticas acima referidas, que
contribuíam para a sua má interpretação do direito romano.
• Parágrafo 14
o Referência às principais fontes de direito – leis pátrias, estilo da corte e o
costume antigo.
Os estilos da Corte que tiverem sido aprovados pela Casa da
Suplicação12.
O costume tem que ter uma duração tão significativa que de alguma
forma só com ela é que de certa maneira já passou pelo tempo
necessário para poder ser validade como fonte de direito. De certa
forma, o monarca está a querer afastar a importância do costume
como fonte de direito – vem na linha da valorização que se deve
fazer relativamente à lei régia e da progressiva desvalorização de
fontes de direito que não são controladas pelo monarca.
Há uma crítica à autoridade do costume como fonte de direito.
• Ponto 7º - crítica à atividade dos advogados

Reforma dos estudos de direito


A Lei da Boa Razão vai provocar alterações a nível do ensino, em que se insere a
Reforma da Universidade (de Coimbra) no tempo de Pombal – esteve em funções entre 1756
e 1777.
• Em 1770 – foi criada a Junta de Providência Literária.
• Em 1771 – aparece o Compêndio Histórico do Estado da Universidade de
Coimbra ao tempo de invasão dos denominados Jesuítas.
• Em 1772 – os Estatutos da Universidade.
A reforma pombalina orientou-se pelo jusnaturalismo racionalista:
• Dá lugar predominante às cadeiras do Direito Natural e das Gentes, ao ensino
do direito pátrio, à história do direito.
• Ostenta a marca das ideias cujacianas – humanistas – e dos usus modernus
Pandectarum.
Vemos uma tentativa da parte do monarca/poder político de influenciar diretamente
o direito aplicável ao tentar alterar a forma como se formavam juristas em Portugal.

Compendio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra (1771)


No Compendio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra (1771) tentou
fazer-se uma análise do estado do ensino. Este está organizado em 2 partes, no sentido de,
ao longo dos vários capítulos, se encontrar uma referência aos vários estragos que tinham
sido introduzidos no ensino pela influência jesuíta, nomeadamente no curso de cânones e no
estudo da teologia.
A perspetiva de quem faz o Compendio é a de olhar para o trabalho que tinha sido
feito e demonstrar a urgência e que havia para o alterar. O Compendio vai incidir sobre
diversos temas – ex.: a metodologia de ensino.

12 Tribunal superior do Reino.

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Existe, portanto, uma identificação de alguns estragos:
• A falta de conhecimento de latim dos estudantes, por isso, não conseguiam
compreender a base do estudo dos cursos jurídicos – Corpus Iuris Civilis e
Corpus Iuris Canonici.
• Ideia da importância da história e do direito natural e das gentes, onde se
realça o conhecimento que deve haver por parte dos juristas.
• Importância do ensino direcionado para a prática – criar jurista com uma
natureza pragmática, a forma com trabalham e aplicam o direito através da
interpretação e de aplicação das leis.
• Corrupção do direito natural – apoiam a ideia de que o conhecimento do
direito natural vai levar a que haja um conhecimento mais sólido de todas
as leis positivas, divinas e civis.
Nota: nestes documentos, muitas vezes, invés de encontrarmos referências à escola
humanista é à ideia de escola elegante/culta/alciateia/cusaciana.

Reforma dos estatutos da Universidade de Coimbra (1772)


Nos novos estatutos da Universidade de Coimbra, no que toca às faculdades de leis
e de cânones, há uma intervenção régia na própria vida universitária, relativamente a diversos
assuntos da academia.
A grande preocupação na reforma dos estatutos é a de se ser capaz de criar juristas
que apliquem o direito nacional, romano (no que ainda faz sentido ser aplicado – usus
modernus pandectara), e que estes tenham um conhecimento prévio do que pode ser o seu
futuro na profissão jurídica.
Ideias que aparecem nos Estatutos:
• Idade que devem ter os estudantes, ao matricularem-se.
o Não tinha sido cumprida a idade mínima (16 anos) para poder haver o
ingresso.
o Há um aproveitamento claro dos pais para que os filhos cheguem a
posições que em acabam por ser beneficiados também.
o Se isto não for respeitado, será nula a matrícula e todo o tempo que
ingressou na universidade será dado como perdido.
• Requisitos relativamente à formação prévia que os estudantes deviam ter:
o Bom conhecimento da língua latina, retórica, lógica, metafísica e da
ética.
o Ideia de que a avaliação tem que ser séria e honesta.
o Nenhum direito pode ser compreendido sem um conhecimento prévio
do direito natural público universal das gentes, como da história civil
das nações e das leis para elas estabelecidas, conforme as alturas.
• Ideia de que o que se aprende nas aulas deve poder ser utilizado na prática.
• Disciplinas que se devem aprender.
o Em que termos se deve aprender direito romano como direito
subsidiário.
o O primeiro e principal na autoridade é o direito pátrio – princípio da
vontade do legislador.
o Ideia de que se tem que separar o ensino do direito pátrio do ensino do
romano.

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o Direito natural público universal e das gentes – nova cadeira, comum
aos dois cursos.
o História do Direito português – nova.
o História civil do povo e Direito romano
o Direito pátrio – novo.
o Direito canónico – a todos é evidente a necessidade para os juristas da
noção destes, apesar de ter sido abolido como fonte de direito
subsidiário nos tribunais civis.
• Método que devia ser seguido no próprio ensino:
o Os professores não podiam seguir as antigas e bárbaras escolas que para
as lições da jurisprudência romana abriram e estabeleceram Acúrsio e
Bártolo – crítica a ambas as escolas do direito prudencial.
o Deve ser ensinada e aplicada a escola cusaciana.
o Deve-se seguir um método sintético – dando-se as definições e as
divisões das matérias que mais se ajustarem às regras da boa dialética,
passando aos primeiros princípios e preceitos gerais mais simples,
procedendo-se deles para as conclusões mais particulares formadas da
combinação do maior número de ideias e mais complicadas (começasse
nos preceitos gerais para se chegar a conclusões particulares e mais
complicadas).
o Método compendiáro – os profs devem fazer cumprir os manuais
elaborados por si mesmos (claros e facilmente percetíveis) e ensinar a
jurisprudência de forma clara.
Ricardo Raimundo Nogueira acabou por elaborar um compendio
sobre direito pátrio.
o O novo método é sintético-demonstrativo compendiário.
Humanitarismo jurídico (séc. XVIII – ordenações filipinas)
Corrente com reflexos muito importantes ao nível do direito penal.
Já no séc. XIII existe legislação pontual sobre direito penal, nomeadamente da Cúria
de Coimbra de 1211. As normas relativas ao direito penal, até este ponto, englobam:
• Matérias ligadas a situações de vingança/traição/homicídio/maus
tratos/crimes religiosos.
• O sistema encontrado que até à positivação régia vigorava, era um sistema
de autotutela (defesa pelas próprias mãos) – não se encontra ainda o
monopólio da punição associado à figura do Estado central, porque existia
uma grande disseminação geográfica de poderes que estavam concentrados
em vários titulares. 2 mecanismos de reação à tutela privada numa situação
de ofensa:
o Perda de paz relativa.
o Perda de paz absoluta – aplicável a crimes mais graves.
o Nos séculos seguintes podemos verificar uma herança deste sistema de
autotutela.
• Tendencialmente o sistema foi sendo alterado, passando a haver uma
competência da parte do poder político de responsabilidade no que toca ao
direito penal, nomeadamente pois a reação a um comportamento ilícito não
podia ficar conduzido apenas à ideia de autotutela.
o Nomeadamente, nas ordenações (livro 5º)

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• Crueldade das penas, transmissibilidade das penas, falta de
proporcionalidade, penas infamantes (que se destinam a atingir a sua honra).
O movimento do Humanitarismo vem defender uma racionalização das penas
Cesare Beccaria é o grande precursor do humanitarismo jurídico – obra dos Delitos
e das Penas (1774).
Esta corrente, embora tenha previsão especial nas matérias de natureza penal, teve
uma expressão em várias áreas do direito.
Algumas das questões da corrente humanitarista:
• Como equacionar as relações entre o estado e o indivíduo?
• Como pensar as relações entre a autoridade e a liberdade?
• Qual a finalidade das penas?
• Qual o âmbito de aplicação do direito penal?
A corrente pretende introduzir uma alteração no quadro da herança da autotutela, da
pena desproporcional, arbitrária, não havendo um princípio de respeito pela legalidade, de
transmitibilidade das penas. Há assim, uma inversão do quadro geral das penas aplicadas,
pois toda a pena que não deriva da absoluta necessidade é tirânica.
A pena de morte devia ser utilizada em último recurso, e não aplicada como sistema
normal aplicada nas situações como acontece nas Ordenações.
Requisitos necessários para a validade de determinadas decisões:
• Só as leis podem determinar as penas correspondentes aos delitos, este
poder residia no legislador, pois representava toda a sociedade unida por
um contrato social – Ideia do princípio da legalidade e que compete ao
legislador estabelecer às penas.
• Se cada membro particular está ligado à sociedade, esta também está ligada
a todos os membros particulares através de um contrato. Assim, é do
interesse de todos que os factos úteis à maioria sejam observados.
• Poder de interpretar as leis penais não pode cair sobre os juízes criminais,
pois eles não são legisladores. Deve encarregar-se disso o soberano, ou seja,
o depositário das vontades de todos ou o juiz cuja única função é examinar
se alguém cometeu ou não um ato contrário às leis – crítica dos
aplicadores como intérpretes da lei.
• Se a interpretação das leis é um mal, a sua obscuridade é outro – a
obscuridade da lei é um perigo que deve ser evitado.
• É um mal as leis serem escritas numa língua estranha para o povo, ficando
dependente da interpretação dos outros sem poder julgar por si –
percetibilidade das leis.
• Sem a lei escrita, uma sociedade jamais terá uma forma fixa de governo em
que a força seja um resultado do todo.
• É do interesse comum que não se cometam delitos e que estes sejam mais
raros, devendo existir uma proporção entre o delito e a pena – ideia de
proporção, de consequências racionais.
• Beccaria defende, portanto, a:
o Não retroatividade
o Proporcionalidade.
o Adequação.
o Não transmissibilidade das penas.

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o Critica a aplicação da pena de morte – refutando-a, em princípio, a
não ser em situações excecionais que esta seja o único meio
existente para reparar o mal.
o Aquilo que se deve conseguir é que a pena deve permitir ao sujeito
perceber que errou e alterar o seu comportamento.

Em matéria processual penal, cobra particular força – em especial, no contexto


latino-americano – a voz do autor italiano que critica a tortura, os abusos da prisão
preventiva, as desumanas condições dos cárceres e todos aqueles institutos que questionam
o direito de defesa e a presunção de inocência, ou que se fundamentam em um sistema
inquisitivo puro.

Aspetos

• a exigência da garantia do princípio de legalidade dos delitos e das penas


• do princípio de proporcionalidade das penas
• a ideia de danosidade social para a reação punitiva
• o reclamo contra a pena de morte.
• crítica à tortura – não era concebida propriamente como uma pena, mas
como um modo de averiguar a verdade, pelo que foi objeto de fortes críticas
quando afirmava que, definitivamente, tratava-se de uma pena que se aplicava
a alguém que não tinha sido declarado culpado.
• a exigência do direito de defesa e da presunção de inocência, do juízo público
e do estabelecimento do júri.

A questão do novo código


A questão do novo código é considerada como o antecedente da codificação.
As ordenações funcionavam como uma tentativa de o monarca poder legitimar a
obrigatoriedade do direito produzido por ele. Apesar disso, os aplicadores (tribunais que não
os superiores) aplicariam direitos que não a legislação pátria.
Chegamos ao séc. XVIII e ainda estão em vigor as Ordenações Filipinas, já com
algumas alterações introduzidas, nomeadamente pela própria Lei da Boa Razão. Apesar
disso, havia partes que já não eram aplicadas, havendo, portanto, um grande
desconhecimento sobre o que estava em vigor ou não, assim estas estavam já em decadência
– por esta razão havia uma necessidade de reformar as ordenações.

O Decreto de 31 de março de 1778 – a Junta de Ministros


Em 1778, um ano depois da morte de D. José I e do consequente afastamento do
Marquês de Pombal, D. Maria I nomeou uma “Junta de Ministros” com o objetivo de
proceder a uma reforma geral da legislação vigente. Tendo como missão estabelecer a “clara
certeza e indubitável inteligência das Leis, a que hoje se tem feito mais difícil, tanto pela
multiplicidade umas, como pela antiguidade de outras que a mudança dos tempos tem feito
impraticáveis.
Comissão:
• Presidida pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino –
visconde de Vila Nova de Cerveira, D. Tomás Teles da Silva.
• Desembargador do Paço – Pereira de Castro.
• Desembargador dos agravos da Casa da Suplicação – Gomes Ferreira.
• Procurador da Fazenda do Ultramar – Geraldes de Andrade.

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• Procurador da Coroa – Azevedo Coutinho.
• 10 jurisconsultos – colaboradores na especialidade.
Pretendia-se averiguar:
• Quais leis estavam antiquadas e proceder à mudança de coisas inúteis para o
presente e futuro.
• Identificar as leis que estavam revogadas em todo ou em parte.
• Quais eram as que na prática tinham sofrido diversidade de opiniões na sua
inteligência (compreensão), causando variedade no estilo de julgar.
• As que por experiência pediam reforma e invocação em benefício público.
A missão era:
• Ver quais as normas desatualizadas.
• Ver as que estão revogadas total ou parcialmente.
• Ver quais as leis que tinha provocado uma variabilidade de interpretações –
ideia de restringir a forma como se interpretavam determinadas soluções
que vinha da Lei da Boa Razão.
• Ver as que pela experiência pediam reforma.
Havia, portanto, uma preocupação com a desatualização e pouca clareza das normas.
E através desta reforma se desse um aparecimento de um novo código.

Participação de Mello Freire nos trabalhos da Reforma


Esta comissão de hierarcas não produziu os frutos esperados, chegando Francisco
Mello Freire (sobrinho de Melo Freire) a considerar que nada tinha sido feito.
Por resolução régia de 10 de fevereiro de 1783, Pascoal José de Mello Freire dos Reis
passa a integrar a comissão revisora.
Seis anos depois – 1789 – Melo Freire apresenta os projetos de que fora incumbido
quanto à Reforma dos Livros II – Direito Público – e V – Direito Criminal – das Ordenações.
Concluindo um verdadeiro Código de Direito Público e Criminal português. As próprias
alterações introduzidas pelo humanitarismo tinham criado soluções que não estavam em
harmonia que o livro 5º tinha estabelecido, não sendo de estranhar que este exigisse uma
grande reforma.
Para além destes projetos, apenas se conhecem fragmentos da reforma do direito
testamentário, da autoria de Duarte Alexandre Holbeche.

A Junta de Censura e Revisão


Apesar disso, por Decreto de 3 de fevereiro de 1789, é nomeada uma Junta de
Censura e Revisão dos trabalhos efetuados, composta por uma comissão de cinco membros,
onde se integrava António Ribeiro dos Santos, e de uma conferencia superior de mais de dez
membros, maioritariamente recrutados entre os hierarcas da Junta de 1778.

Nota: nesta década de virada face ao consulado de Pombal, vive-se, na classe política, um
período de convulsão entre as vindictas saneadoras e os receios revolucionários.

Melo Freire, um dos maiores executadores das reformas de Pombal, teve de sofrer
as consequências da “despombalização”, em que se destaca José de Seabra da Silva, o
secretário de Estado dos negócios do Reino de D. Maria I e autor do decreto de 3 de fevereiro
e responsável pela censura que impediu que o Novo Código fosse promulgado.
Melo Freire refere que a própria Historia JusrisCivilis Lusitani – redigida em 1777,
mas apenas impressa em 1788 – fora objeto de censura severa conduzida por António Pereira

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de Figueiredo, académico e deputado da Real Mesa Censória, que quase fez perigar a
respetiva publicação.

A censura de Ribeira dos Santos


No que toca ao Novo Código, para além dos trabalhos de Melo Freire ficou-nos uma
das mais célebres polémicas jurídicas, entre o autor dos projetos e o lente de Cânones
António Ribeiro dos Santos, responsável pela principal censura a Melo Freire.
A outra censura surgida, de autoria do também canonista Francisco Pires de
Carvalho, incide apenas sobre aspetos formais relativos à arrumação dos títulos, não
merecendo particular destaque.
A polémica entre Ribeiro dos Santos e Melo Freire não se limita apenas à discussão
de abstratas escolas de pensamento jurídico ou de meros pormenores casuísticos do direito
positivo. Constitui, também, uma disputa jurídico-constitucional sobres as causas da crise
nacional da alvorada do séc. XIX. É uma contradição de argumentos jurídicos, onde, lado a
lado como os monstros sagrados do iluminismo estrangeiro, se invocam os nossos prudentes
e os nossos documentos fundamentais desde a fundação da nacionalidade, numa tentativa
de superação do impasse institucional então existente.
Cabra de Moncada defende que “eram a própria organização política da Monarquia
e o próprio direito divino que eram chamados ao crivo da revisão crítica perante a consciência
culta do país.”
A queda política de Pombal significou institucional do ancien regime português. As
circunstâncias da época exigiam, na verdade, uma profunda revisão legal e constitucional que
adaptasse o Estado e o Direito às novas realidades políticas, sociais e económicas.
A reconstrução já não se compadecia com conjunturais soluções de força exigindo
uma nova filosofia estrutura, como pronunciavam as recentes “revoluções” iluministas, era
o fim do tempo dos “déspotas iluminados”.
Coube aos juristas, no final do séc. XVIII, transformar as abstrações dos filósofos
em concretos normativos.
Os trabalhos de Melo Freire (executor das ideias de Pombal) vão, de alguma forma, ser
contrapostos pela posição de Ribeiro dos Santos. Matérias nas quais são discordantes:
• Forma do que se queria para Portugal no que toca a organização política –
monarquia pura (Pombal) ou consensualista (Ribeiro dos Santos).
• Matéria de conceito de lei
• Entendimento relativamente à codificação – MF propõe que os assentos da
Casa da Suplicação devem manter força para resolver dúvidas; RS considera
que esta perspetiva é inconveniente e que conceder esses poderes à Casa da
Suplicação é conferir-lhe uma grande porção do poder legislativo, que não
convém que saia das mãos do príncipe.
• Em matéria criminal – MF apesar de ter sido um crítico feroz do direito
criminal presente nas ordenações, a sua filosofia do humanitarismo acaba por
não estar presente, como podemos observar pela
consagração/admissibilidade de determinados tipos de penas que ficavam
aquém do que seria um autor humanitarista (ex.: esquadrejamento post
mortem).
Concordam:
• O Direito romano não devia ser considerado direito subsidiário
• Centralização do poder legislativo

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2º Semestre 2019/2020
O entendimento desta temática passa por se perceber que há duas perspetivas
relativamente à forma como o livro 2º e 5º deviam ser reformados e diferentes visões do
próprio direito.
A indicação que temos é que as Ordenações não sofreram nenhumas alterações
relativamente a essas temáticas, e quando se olha para a forma como o próprio movimento
da codificação surge ficamos com dúvidas sobre o que terá despertado todo o processo de
elaboração da codificação.

Linhas gerais da disputa ideológica


O último quartel do séc. XVIII, de que Melo Freire e Ribeiro dos Santos são típicos
representantes, constituiu um cadinho de visões contraditórias, que não se reduz à mera
tensão entre “revolucionários” e “contrarrevolucionários”. É que entre um adepto jacobino
e liberalismo vintista e um do despotismo esclarecido de Pombal há um objetivo estadualista
comum – neste é o príncipe iluminado a uniformizar a variedade pluralista das comunidades,
naquele são os parlamentos e as respetivas “vontades gerais” absolutas. Existe, portanto, o
mesmo tipo de razão iluminando dois processos apenas instrumentalmente contraditórios,
porque o real inimigo de ambos é a sociedade pluralista gerada na Idade Média onde o poder
dos reis nasceu através do consenso das ordens.
De outro modo, não se compreenderá, por exemplo, o culto prestado a Pombal pelos
nossos liberais que leva a que um pombalista como Melo Freire venha a ser indicado como
mestre de geração de Borges Carneiro ou de Fernandes Tomaz. Este pombalismo dos liberais
foi especialmente criticado por Camilo Castelo Branco que no seu perfil do Marquês de
Pombal (1882) lhe acentua a vertente despótica, porque diz que estes adulteraram-no “até às
condições do mito”.
Já Ribeiro dos Santos revela um outro tipo de mentalidade oitocentista. Iluminista,
sem dúvida, mas arcado pelo humanitarismo não agnóstico e defensor de formas reformistas
à anglo-saxónica. Ribeiro dos Santos é, na verdade, o contrário tanto na mentalidade
“revolucionária” como da “contrarrevolucionária”, procurando reformar a partir das raízes,
esse meio termo não absolutista, mas consensualista.
O pretenso liberalismo do Ribeiro dos Santos radica-se no jusnaturalismo dominante
com as suas raízes no tradicionalismo português. Ribeiro dos Santos era apenas, sob a capa
de um censor do projeto de novo código, o crítico moderado dos inconvenientes da
Monarquia absoluta.

O movimento geral da codificação


Os textos da Lei da Boa Razão, dos Estatutos da Universidade de Coimbra e a
questão do Novo Código preparam todo o movimento da codificação.
Princípios presentes na elaboração de um código:
• Princípio democrático – o poder tem origem no povo e que deve ser exercido
por este (ideia de contrato social de Rousseau).
o Vem estabelecer que a única legitimidade política é a que provêm da
vontade popular, manifestada pelos representantes do povo eleitos
(parlamentos).
o O parlamento tem um papel fulcral no aparecimento do direito e na
valorização deste.
o A ideia da concentração do poder no parlamento – principal missão é a
ideia de representação.
o Ao reconhecermos esta figura de legitimidade democrática, leva a que as
outras legitimidades (direito divino, tradição, autoridade) é algo que sofre
uma alteração ao longo do séc. XIX. Existe uma valorização da lei

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parlamentar, identificada com a vontade geral. A lei cada vez mais vai ser
equiparada com o próprio direito.
o As correntes do pensamento jurídico que encontramos ao longo do séc.
XIX:
Escola da exegese – surge com o aparecimento dos códigos
(nomeadamente do Código Civil francês de 1804).
 Devido à tardia elaboração de um Código Civil, houve momentos
em que se ponderou aplicar o Código Civil francês, apesar de nunca
ter chegado a acontecer.
Escola histórica –
o A lei passa a ser encarada como:
Produto da vontade popular – expressa como vontade geral de todo o
povo livre de despotismo e de espírito de fação.
Manifestação da lei como fonte máxima da felicidade.
A lei é a fórmula que racionaliza interesses privados divergentes, que
consubstanciam interesse público, que exprime normas socialmente
consensuais – prof. António Hespanha.
As leis devem ser claras, concisas.
Uma das consequências da valorização da lei é a colocação do costume
como fonte em segundo plano – ao contrário do que consta nas
Ordenações. Assim, não pode valer contra lei parlamentar que deve
estar em primeiro plano. O costume passa a representar uma tradição
que não é coincidente com a vontade da comunidade política, o que
ajuda à sua desvalorização.
o Desvalorização da jurisprudência:
De acordo com o princípio democrático, a legitimidade do juiz era de
ordem direta.
A própria revolução francesa também se tinha sido feita, de certa
forma, contra a tirania dos juízes, nomeadamente da ideia que estes
decidiam de forma casuística, arbitrária, desvalorizando determinado
direito nacional. Não havendo assim segurança jurídica – referido na
Lei da Boa Razão.
Crítica à incerteza; à falta de clareza e de compreensibilidade.
Cada vez mais os juízes são entendidos como a “longa mão da lei”, a
boca que prenuncia as palavras do legislador (escola de exegese) –
reduz de forma drástica a capacidade de intervenção dos juízes no
próprio processo de interpretação e integração de lacunas. Quem deve
fazer interpretação é o próprio autor da norma jurídica.
Crítica a tirania da magistratura judicial, reconduzindo à figura do
parlamento o papel de autoridade e de competência.
o A doutrina deia de ter legitimidade para fazer construções autónomas.
o O único poder com autoridade para estabelecer direito é o parlamento
em representação do povo e a única função da doutrina é a de descrever
a lei, interpretar e integrar as suas lacunas, propondo a norma que o
legislador histórico, se tivesse previsto o caso, teria formulado. Em alguns

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casos a interpretação doutrinal chegou a ser proibida, recorrendo-se à
interpretação autêntica pelo próprio órgão legislativo – Prof. Hespanha.
o Críticas:
Costume como fonte de direito – receio de que este já não ia de acordo
com a maioria parlamentar e, portanto, já não era tradutor daquilo que
era o pensamento e entendimento co base na legitimidade
democrática.
Atividade dos juízes como fonte de direito – jurisprudência.
Crítica à doutrina (já presenta na Lei da Boa Razão) – pouca segurança,
existe um medo de que os juristas possam integrar soluções não
pensadas pelo autor da norma, nomeadamente interpretações
abusivas.
Ideias a destacar no movimento de codificação:
• Ideia de certeza e segurança jurídica são valores pressupostos pela ordem
jurídica resultante da Revolução Francesa, desempenhando uma função
indispensável no Estado de Direito. A unificação num texto claro e preciso
de aplicação geral do Direito, nomeadamente o Civil, foi uma das grandes
reivindicações dos revolucionários franceses. Uma exigência justificada pela
necessidade de abolição dos privilégios e limitações da superestrutura
feudal, agora estiolada, e pela exigência de refundar as relações entre
privados sobre os princípios da igualdade, liberdade e da soberania
individual. Em causa estava igualmente a edificação de uma nova justiça
assente na primazia da lei, enquanto manifestação do Direito e da vontade
popular, e na desconfiança relativamente a todas as outras fontes jurídicas
o Rigor dos conceitos
o Valorização da lei como fonte de Direito.
o Na verdade, não é o que acaba por acontecer.
o Com a revolução de 1820 encontramos um novo enquadramento dado
à questão das alterações que surgem na forma como se vai positivar do
Direito.
o Abolição de privilégios.
o Ideia de controlar a atuação de alguns agentes, que se considerava que
punham em causa a autoridade do legislador que se queria implantar
através da codificação. Nomeadamente,
O aplicador – juízes
Fontes de direito – costume, doutrina, jurisprudência.
• Pretendia-se criar um discurso oficial em que se vê as bases de fundamento
de estrutura política, que depois vão permitir o aparecimento de uma
estrutura ao nível do direito privado.
• Dá-se o aparecimento da lei moderna e de um anova teoria da interpretação
jurídica.
o O grande receio que encontramos no legislador do séc. XIX é em
relação a uma interpretação que pode adulterar ou distorcer o produto
racional do legislador.

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Apenas o legislador, na sua máxima capacidade, é capaz de
interpretar, fazer uma leitura e dizer exatamente os termos e as
condições em que faz sentido o próprio Direito.
O séc. XIX e o liberalismo, ao criticar a atividade dos juízes, dos docentes, dos
peritos, o costume como fonte de direito, da desconfiança, da tentativa de reformar a ordem
estabelecida (já encontrada em Marques de Pombal), há uma ideia que ao romper com a
ordem estabelecida se estava a romper com determinadas características da forma de
produzir o direito. O direito até então era produzido com uma multiplicidade de poderes e
fontes (o Prof. Duarte Nogueira só aceita a figura do monismo a partir de 1820). Todos os
autores têm necessidade de firmar 1820 como uma data que produz alterações na história do
direito, sendo que se rompe com aspetos como a transmissibilidade de ofícios, penas,
privilégios, tendo em conta, em grande parte, o espírito liberal.
A noção de código nas Ordenações era muito mais uma compilação, uma reunião de
determinadas matérias, do que um corpo de normas coerente e organizado. Os códigos
devem ser científicos, sintético e coerente. O entendimento do código como um produto do
trabalho de racionalização do arbítrio de outras fontes de direito. As soluções jurídicas
encontradas no código devem ser adequadas, razoáveis, proporcionais. Há uma ideia de
estabilidade, consensualidade, sabedoria jurídica que os códigos espelham.
Os códigos combinavam a legitimidade democrática da lei com a legitimidade
científica da doutrina – incluíam também o que de melhor tinha sido produzido e que já
estaria vertido em muitas soluções. Há toda uma lógica de trabalho – nomeação da comissão
de juristas pelo parlamento e depois esta faria o trabalho fora das camaras.
As tentativas de codificação e de racionalização da ordem jurídica só se tronaram
realidade em meados do séc. XIX, quando a amenização da vida política e o amadurecimento
da ciência do direito permitiram a elaboração e discussão de diversos projetos de códigos.
As raízes deste movimento legislativo e científico em Portugal:
• Receção das conceções acerca da ordem jurídica e da produção doutrinal dos
autores da Escola do Direito Natural Moderno e do Usus Modernus
Pandectarum.
o Nomeadamente, a Lei da Boa Razão e a sua interpretação autêntica feita
pelos Estatutos da Universidade de Coimbra em 1772.
• A vontade política de se proceder a reformas profundas no corpo do direito
pátrio – no âmbito do movimento reformista e revolucionário em Portugal,
que abala as estruturas do antigo regime a partir de 1820.
Um alvará de 4 de setembro de 1810 vem dizer que toda a legislação deve ser
uniforme em sistema, coerente em princípio e ajustadão aos princípios do direito natural,
para que as suas decisões, ditadas conforme a razão e a justiça, sejam respeitadas e observadas
sem contradições e dificuldades.
O entendimento relativamente àquilo que foi o movimento da codificação em
Portugal passa por intender como se deu o fenómeno do liberalismo.
A história da codificação em Portugal é muito marcada pela influência da:
• Revolução francesa.
• Código civil francês.
Movimento da codificação do ponto de vista do direito privado (código comercial de
1833 e código civil de 1867), apesar de também se dar no direito público (com a Constituição
de 1822).
António Manuel Hespanha diz que os novos códigos procediam a um novo desenho
das instituições, correspondente à ordem social burguesa liberal, instituíam, por outro, uma
tecnologia normativa fundada na generalidade e na sistematicidade adequada a uma aplicação

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mais efetiva do direito também mais controlável pelo centro do poder, o Estado. A ideia de
reunir as leis em códigos sistemáticos e duradouros, levava a que aquela parte do direito que
se codificava constituía um núcleo normativo mais consensual e mais perene da vida em
sociedade.
O que acabou por acontecer foi diferente – primeiro um código constitucional e
depois outros.
O primeiro código de direito privado em Portugal é o Código Comercial elaborado
por José Ferreira Borges, embora, de alguma forma a própria Lei da Boa Razão já fizesse
referência ao direito comercial – matérias mercantis, económicas, etc. deviam ser reguladas
pelo direito estabelecido pelas nações cristãs iluminadas da Europa (aparente tentativa de
menor arbitrariedade na aplicação do direito). Neste encontramos já as matérias de natureza
mercantil – existia uma necessidade de um sistema de legislação comercial, uma coleção
sistemática da legislação própria ao comércio interno e marítimo

Direito comercial
O tema da codificação comercial em Portugal durante o século XIX está ligada ao
nome de Ferreira Borges, autor do projeto que haveria de converter-se no Código Comercial
de 1833.
A questão do Código Comercial aparece pela primeira vez debatida nas Cortes em
sessão de 3 de fevereiro de 1823, em que é discutido um projeto datado de 6 de dezembro
de 1822 em que se refere que o comércio é a principal fonte de riqueza de uma Nação e não
podia prosperar sem uma legislação adequada. Era necessário um código de comércio que:
• removesse obstáculos como fragmentação, a dispersão e a insuficiência.
• fixasse os princípios das transações mercantis.
• fizesse desaparecer os usos locais e estrangeiros, refundindo-se num sistema comum.
Era, portanto, necessário sistematizar num só código normas e princípios reguladores da
atividade mercantil, visto que esta exigia, para segurança das suas transações, um direito claro
e certo. Os princípios deviam ser os adotados por todas as nações comerciantes, a linguagem
pura e clara, a distribuição das matérias determinada pela sua maior ligação.
Depois de várias tentativas falhadas pelas Cortes de chegar a uma conclusão no que toca
ao Código Comercial, é num decreto assinado por Mouzinho da Silveira a 18 de agosto de
1832 que decide criar uma comissão composta por cinco membros e a fim de redigir o código
comercial e criminal. No entanto, meses depois Joaquim António Magalhães sugere que ao
regente D. Pedro uma reformulação total da comissão anterior. A esta comissão é também
atribuída a tarefa de proceder imediatamente à divisão judicial do Reino, começando pelas
províncias do Minho e de Trás-os-Montes. Estava mais uma vez inviabilizado o sucesso das
comissões parlamentares ou governamentais na feitura dos códigos.
Vai ser produto do trabalho individual de Ferreira Borges a elaboração do primeiro
código de Direito Comercial português, este foi elaborado em Londres no seu exílio e
aprovado por Decreto de 18 de setembro de 1833.
Assim, entra em vigor o primeiro dos códigos modernos portugueses. É constituído por
1860 artigos, dividido em 3 partes.
Fontes legislativas e doutrinais do Código de 1833:
• Os códigos conhecidos da Prússia, Flandres, França, Espanha e o projeto do
Código de Espanha.
• Leis comerciais de Inglaterra.
• Direito da Escócia.
• Ordenações da Rússia e da Alemanha
• Todas as coleções marítimas.

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No que toca à organização do código não se foi inspirar a lado nenhum, a não ser às
instituições já presentes.
A grande proteção presente neste é a das liberdades de comércio e de indústria e o
tratamento específico de como estas podiam ser equacionadas.
O Código Comercial de 1833 vem a vigorar até à entrada em vigor do atual Código
aprovado por cara de lei de 28 de junho de 1888, de autoria de Veiga Beirão e encontra-se
dividido em 3 livros:
• Comércio em geral.
• Contratos especiais de comércio.
• Comércio marítimo.

O código comercial é constituído por 3 partes – 1. Ligada por 3 livros (pessoas do


comercio, obrigações comerciais, ações comerciais e organização do foro mercantil das
quebras/falências); 2. Comercio livre; 3. Administração comercial.
O ensino do direito comercial na Universidade de Coimbra, durante muitos anos,
tinha como apoio o próprio Código Comercial.
Os autores justificam o aparecimento do Código Comercial em primeiro lugar:
• Muitos dizem ter sido por mero acaso.
• Outros dizem que se deve à rapidez ligada ao tráfego mercantil.
Críticas:
• Porque não havia um código civil prévio tinha que muitas vezes explicar
conceitos civis.
Direito administrativo
A preocupação sobre o direito administrativo no séc. XIX deu origem a vários
códigos, em que se oscilava, no que toca à atitude do poder central face ao poder local, entre
o modelo francês, centralizador, e a tradicional autonomia municipal.
A Constituição de 1822 e Carta Constitucional
Constituição de 1822
Os textos constitucionais da década de 20 aludiam à estrutura organizativa do país a
nível local.
A Constituição de 1822 propunha o enquadramento do território em circunscrições
maiores inominadas – distritos. À frente das quais estaria um administrador-geral, de
nomeação régia, auxiliado por uma junta administrativa, integrada por tantos membros
quantos os concelhos existentes no distrito. A competência respetiva não era, todavia,
discriminada, atribuindo-se-lhe, geralmente, intervenção em todos os objetos de pública
administração.
A nível concelhio mantinham-se as Câmaras, integradas por vereadores eleitos
diretamente, sendo o mais votado designado presidente, dotados de ampla autonomia.
Carta Constitucional de 1826
A Carta Constitucional de 1826 não introduziu grandes alterações à doutrina
constitucional anterior limitando-se a denominar as circunscrições maiores, províncias.
O decreto nº23 – a extinção dos forais. Os códigos administrativos
O tratamento minucioso da organização administrativa do reino, apenas teria, porém,
lugar no período que antecede a guerra civil.
O momento de partida foi, mais uma vez, a atividade legisladora de Mouzinho da
Silveira assessorada por Almeida Garrett, quando da estadia do governo liberal nos Açores.
Denota-se um claro aceitamento do modelo francês centralizador, no seu decreto nº 23, em
que determina a divisão do território em províncias, comarcas e concelhos, juntos dos quais

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funcionariam representantes do governo central respetivamente designados perfeitos,
subprefeitos e provedores.
Desta forma, dava-se um golpe na tradição nacional, visto que se substituíam as
magistraturas locais e que foram revogados definitivamente os forais. Chegando-se, assim,
ao fim do percurso autonómico dos concelhos, substituindo-se por uma dependência feroz,
sempre atendida como a favor do Estado.
Código administrativo de 1836
Reagindo ao centralismo de Mouzinho da Silveira, o movimento setembrista,
particularmente Manuel de Silva Passos, vai elaborar o em 1836 o primeiro Código
Administrativo português.
A orientação era então diversa face ao projeto anterior, embora não se esquecesse do
papel preponderante do governo central.
Propunha-se:
• Divisão do território em distritos, concelhos e freguesias.
o Tendo à sua frente, respetivamente, um administrador-geral, um
administrador e um regedor, escolhidos pelo governo entre listas votadas.
• Temperava-se o intervencionismo, com a existência também a nível local de
órgãos eleitos – a junta geral administrativa do distrito, a câmara municipal e
a junta de paróquia.
Na vigência deste código surgiria a Constituição de 1838, que apenas tocava de raspão
na matéria, mantendo os órgãos existentes no que concernia à estrutura distrital e concelhia.
Existia a coletividade local e um fenómeno de curta duração dos mandatos, que não
favoreciam a estabilidade administrativa. Assim, o governo de Costa Cabral redigiu um novo
Código Administrativo, em 1842.
Código Administrativo de 1842
A atitude foi centralizadora, passando a divisão administrativa a assentar em distritos
e concelhos, retirando-se às freguesias o estatuto que o código anterior lhes tinha dado, em
compensação da drástica redução do número de concelhos.
O centralismo detetava-se ainda na competência interventiva de agentes do governo,
em especial, do governador civil, representante da autoridade central do distrito.
A aplicação deste código fez-se aos territórios coloniais, nos quais se manteria em
vigor até à República, se bem que substancialmente alterado em 1869.
Apesar de novas tentativas de reforma, o Código de 1842 manteve-se em vigor
durante larga parte da terceira vigência da Carta Constitucional.
Código Administrativo de 1878
A sua substituição fez-se por iniciativa de Rodrigues de Sampaio em 1878, que no
novo Código Administrativo retomou a divisão local tripartida de Manuel de Silva Passos 13.
Favorecia a organização local, conferindo-lhe maior autonomia, suprimindo-se
genericamente a competência interventiva central.
Códigos Administrativos de 1886 e de 1896
Até ao fim da monarquia dois outros Códigos Administrativos entraram em vigência:
• Código Administrativo de 1886 – de Luciano de Castro.
o Próximo do anterior em orientações e conteúdo.
• Código Administrativo de 1896 – de João Franco.
o Retomava o movimento pendular, apenas não seguido pelo de 86,
adotando uma postura centralizadora, ao mesmo tempo que retirava ao
distrito a qualidade de ente administrativo local.

13 Ver Código Administrativo de 1836.

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Já no séc. XX, mas ainda antes da República, nova tentativa de reforma seria ensaiada
através de um projeto de Luciano de Castro. Tal não viria a verificar-se, contudo, devido à
suspensão do diploma logo após a sua publicação.
Transição para a República
A transição para a República far-se-ia através da reposição em vigor do Código de
1878, em conjunção com o de João Franco14, subsidariamente utilizado.

Direito penal
No começo do liberalismo, no primeiro quartel do séc. XIX, o direito penal
português assentava ainda, na sua base legislativa, no livro V das Ordenações Filipinas, sendo
que o sistema penal mantém as mesmas características que já apresentava nas Ordenações
Afonsinas e Manuelinas:
• A pena de morte é largamente utilizada, bem como as penas corporais e
infamantes.
• A prisão tem um caráter sobretudo preventivo, ainda que em alguns casos
assuma natureza repressiva, podendo a sua duração ser arbitrária.
• As penas são, em muitos casos, arbitrárias, de aplicação desigual, conforme a
condição social do réu e até mesmo transmissíveis.
• Punem-se factos absurdos e de escassa relevância ético-social.
• A tortura é extremamente admissível como meio de prova.

As alterações legislativas que os monarcas vinham fazer às ordenações Filipinas em


matéria penal, em nada se afastaram dos princípios que vinham caracterizando este domínio
até ao momento. Legislavam para suprimir alguma falta ou rigor das Ordenações Filipinas.
Contudo, em algumas disposições estabelecem-se princípios certos e louváveis:
• A pena deve ser conforme aos casos e culpas.
• A igualdade no que toca à sentença das penas.

No reinado de D. José, marcado pelo primado governativo do Marquês de Pombal e


pelo absolutismo político, surgem vários diplomas contemplando matéria criminal e que se
caracterizam pelo rigor punitivo.
Contudo, apesar destas tendências aqui reveladas em contradição com os
movimentos filosóficos que sustentavam o humanitarismo jurídico na determinação e
execução das penas, não deixou a legislação pombalina de refletir, por vezes, a influência
destas ideias. Por exemplo:
• Princípio de que as penas devem ser proporcionais ao delito.
• Princípio que as penas não admitem extensão por Direito.
• Não existindo culpa, não deve haver castigo.

No reinado de D. Maria I houve uma tentativa por Mello Freire de fazer uma reforma
geral às Ordenações e, em especial, ao Livro V destas. Contudo, esta tentativa não foi não
teve eficácia prática15.

O liberalismo em Portugal deve o seu trabalho no campo do direito penal a Francisco


Freire de Mello. As críticas feitas tanto por este, como por José Liberato, e que vão
aparecendo na imprensa liberal surgida após a revolução de 1820, visam:

14 Ver Código Administrativo de 1896.


15 Ver pág. 32.

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• O estado caótico da legislação e o obscurantismo da lei – que não garante a
univocidade da sua interpretação, nem a certeza na sua aplicação.
• A lei penal era considerada bárbara e sem critério – determinava a aplicação
de leis cruéis e sem relação lógica com a gravidade do delito.
• As Ordenações, no geral, são severamente condenadas.
O trabalho de Francisco Freire de Melo acaba por vir a ser editado em 1822 e vem
aplicar as ideias humanitarista de Beccaria16. Indo buscar as suas raízes filosóficas aos autores
racionalistas17 dos sécs. XVII e XVIII, o humanitarismo no direito penal é, de certa maneira,
a forma como o jusracionalismo18 se vai opor à intolerância religiosa da ortodoxia. Assente
numa ética racionalista, esta corrente vai lutar pela humanização do direito ao rejeitar formas
gravosas de reação social:
• Penas cruéis e infamantes.
• Tortura.
• Prisão perpétua.
• Em alguns casos da pena de morte.
• Condenação por motivos destituídos de fundamentos ético-sociais – crimes
religiosos, bruxarias, feitiçaria, alcovitaria, etc.
• Desproporção entre os delitos e as penas – fruto de leis criminais
desatualizadas.
A grande preocupação deste código diz respeito à liberdade e ao direito à segurança.
As alterações na matéria penal há muito que eram necessárias, o que se explica pela
difusão da corrente humanitarista, havendo uma necessidade de se adequar ao espírito do
tempo aquilo que já estava contido nessa corrente. As Ordenações continuavam com uma
estrutura anquilosada19, ainda com referências às penas cruéis e difamantes,
transmissibilidade das penas, aplicação retroativa das penas, tudo o que o humanitarismo, de
forma mais fundamentalista ou mais moderada, combatia, sendo necessário alterar esse
estado de coisas.
Freire de Mello defende que:
• A medida da pena devia ser determinada pelo fim que esta se propunha a
prosseguir – deve ser suficientemente dura para prosseguir tal fim e não mais
que isso.
• As penas cruéis são, pois, dentro desta lógica, afastadas.
• As penas infamatórias, defende que apesar de serem terríveis, sendo bem
aplicadas podem evitar alguns delitos.
• Defende a necessidade de clareza e segurança da lei penal – a
discricionariedade do juiz deverá ser reduzida ao máximo.
• A transmissibilidade das penas é igualmente contestada pelo jurista.
• Avesso à prisão perpétua.
• A pena deve ter um intuito de prevenção especial – função preventiva –
devendo contribuir para a regeneração do criminoso – perspetiva
correcionalista do direito penal.
• Consideração da necessidade da pena de morte – de acordo com o
fundamento da mesma:

16 Ver pág. 29.


17 Ver pág. 23.
18 Ver pág. 22.
19 Cristalizada.

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o Afasta a ideia de Beccaria – no que toca ao contrato social, nega que
alguém ao entrar no estado de sociedade tenha oferecido a esta o direito
de lhe tirar a vida
o Freire Mello restringe-a a dois casos:
No assassínio voluntário.
Na traição à pátria para estabelecer aí um poder arbitrário ou para
submeter a pátria a um poder estrangeiro.

As próprias determinações constitucionais em matéria penal já iam no sentido


humanitarista, já havendo várias normas que proibiam algumas das coisas criticadas pelos
autores desta corrente. Assim, a Constituição de 1822 consignou alguns pontos importantes
para o direito penal:
• Igualdade dos cidadãos perante a lei.
• Nenhuma lei será estabelecida sem absoluta necessidade.
• Toda a pena deve ser proporcional ao delito
• Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente.
• Abole a tortura, a confiscação de bens, a infâmia, os açoites, o baraço e
pregão, a marca de ferro e as demais penas cruéis e infamantes.
A Carta Constitucional de 1826 repete a profissão de fé penalista em moldes idênticos
à da Constituição de 1822, vem, contudo, acrescentar de novo normas sobre as condições
das cadeias. No entanto, a Constituição de 1838 deixou de prometer que as cadeias seriam
seguras, limpas e bem arejadas.
Era muito importante que a codificação penal viesse individualizar as alterações
importantes que as Constituições já tinham feito.

No campo político e legislativo, as Cortes Constituintes também registam interesse


no que toca à elaboração de um código penal. A 23 de novembro de 1821, nomeiam uma
comissão à qual cometem o encargo de elaborar um projeto para esse mesmo código.
Essa comissão é formada por 5 jurisconsultos de Coimbra, que chegaram a elaborar
uma extensa parte do projeto que fora incumbida. Mas uma vez que os trabalhos desta não
estavam a ser suficientemente célebres, optou-se por estabelecer, em fevereiro 1823, um
prémio a favor de quem apresentasse até ao último dia do mês de fevereiro de 1824, sob
forma anónima, um projeto de Código Penal que fosse escolhido pelos deputados. Apesar
disto, o projeto da comissão também podia concorrer.
Em 1833, é um projeto de Código Penal oferecido ao Governo pelo jurista José
Manuel de Veiga. Em novembro de 1836, uma portaria instrói que este reveja o projeto
oferecido, contudo este pede que seja constituída uma comissão para o auxiliar na tarefa. Os
trabalhos desta comissão foram rápidos e intensos, pois a 31 de dezembro foram
apresentadas as suas conclusões ao Ministro da Secretaria de Estado dos Negócios
Eclesiásticos e de Justiça, António Vieira de Castro. Nesse relatório José Manuel de Veiga
refere que é contra sua vontade e do resto da comissão que foi introduzida a pena de morte,
ainda que economizada a muito poucas situações.
O projeto de José Manuel da Veiga é aprovado por decreto a 4 de janeiro de 1837,
mas, de certa forma, apenas devido à necessidade de revogar o anterior direito, não devido à
convicção profunda de bondade do projeto. Por esta razão há uma certa provisoriedade no
que toca ao código, visto que apenas estaria em vigência enquanto as Cortes Gerais não
aprovassem um projeto melhor, para o qual ainda se encontrava aberto concurso.
No entanto, este código nunca chegou a entrar em vigor.
Código Penal de 1852
Falhadas estas tentativas, vai-se novamente criar por decreto de 10 de dezembro de
1845 uma comissão encarregada de redigir os projetos do código civil e do código penal,
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dando, contudo, prevalência ao segundo. Tendo sido António Luís de Seabra sido encarregue
de elaborar o projeto do CC, ficando a Comissão livre desse encargo, tendo esta concluído
o CP, que foi promulgado por Decreto ditatorial de 10 de dezembro de 1852, sem ser,
contudo, devidamente revisto e aperfeiçoado. O Código Penal de 1852 é promulgado por
Decreto de 10 de dezembro de 1852, durante a ditadura do Marechal Saldanha, e foi
sancionado por carta de lei de 1 de junho de 1853.
O Código Penal era dividido em 2 livros.
• 1º - contém as regras gerais que dominam todas as matérias do Código e
estão neles reunidas as melhores doutrinas dos códigos e jurisconsultos
mais acreditados – parte geral.
• 2º - trata dos crimes em especial e oferece as incriminações de todos os
factos prejudiciais à sociedade que devam ser punidos, bem como a
designação das penas correspondentes – parte especial.
Pontos essenciais:
• A comissão que todos os crimes ofendendo a ordem da sociedade devem ser
perseguidos sempre pelo Ministério Público, com exceção dos casos que o
projeto especializa – a própria figura do Ministério Público como um
defensor com determinado tipo de competências.
• A consideração de que são variáveis as circunstâncias que aumentam ou
diminuem a culpabilidade – ideia de que existem circunstâncias agravantes e
atenuantes.
• A comissão não subdividiu em graus a duração das penas, mas a deixar aos
juízes o razoável arbítrio com quanto temperado pelo máximo e mínimo das
penas – a faculdade de ponderação é dada aos juízes, pois entende-se que só
este deve decidir a pena, pois só este aprecia as provas, mas fá-lo com base
num código que é aprovado pelo monarca, portanto, fá-lo nos termos em
que este anuncia e nas formas como este estipula. Não há, portanto, total
liberdade por parte dos juízes na sentença.
• Proibição que a analogia possa ser aplicada em matéria penal.
• Alteração significativa face às Ordenações, em que, de facto, a analogia era
aplicada
• O próprio legislador diz que ainda não é tempo de abolir a pena de morte
para todos os crimes, no entanto fá-lo para os crimes políticos, apesar de
remeter esta situação para uma lei ordinária.
Devido a esta situação e às várias críticas dirigidas ao código, a 6 de junho de 1853
foi nomeada uma comissão a fim de proceder ao exame deste. Sendo esta pouco produtiva,
veio a ser reformada 30 de dezembro de 1857, destacando-se desta Levy Mário Jordão,
considerado o mais destacado penalista do séc. XIX e o grande responsável das reformas
futuras no direito penal português. Do trabalho de desta comissão surge em dois volumes
um projeto de Código em 1959, praticamente de autoria de Levy Mário Jordão.
Tal projeto não vem a impor-se, mas influencia a reforma penal e das prisões em
1867, sendo nesta abolida a pena de morte em Portugal, para além de se proceder a
importantes reformas nos domínios penal e penitenciário.
À reforma de 1867 sucedeu a reforma penal de 1884.
O Código Penal de 1852 vai estar em vigor até à sua revogação pelo Código Penal de
1886, que foi aprovado por Decreto de 16 de setembro de 1886. Este faz uma reforma
importante penal e das prisões que vai abolir a pena de morte para os crimes civis. Apesar de

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muito alterado, revogado e completado por diplomas autónomos, vigorou até ser revogado
pelo atual código, o Código Penal de 1982.

Direito civil
Dentro das várias necessidades das novas perspetivas que vão surgindo no direito
privado liberal, há várias características:
• Questão da propriedade industrial e da literária.
• Admissibilidade da licitude do dano concorrencial.
• Ideia de estabelecimento comercial
• Ideia de liberdade na fixação dos juros nas obrigações comerciais.
• Importância da autonomia da vontade.
Estes princípios foram positivados em várias obras da época.

Foram várias as tentativas das Cortes para promoverem a codificação do Direito


Civil, quer através de designação de comissões, quer através da abertura de concursos
públicos:
• 11 de outubro de 1821 – constituída uma Comissão de Justiça Civil.
• 26 de novembro de 1821 – dá-se conta no Diário das Cortes Gerais e
Extraordinárias da Nação Portuguesa da entrada de uma carta do
jurisconsulto inglês Jeremias Bentham, em que oferece às Cortes um projeto
de CP, CC e Código Constitucional, tudo acomodado às circunstâncias do
país.
• Vicente José Cardoso da Costa – escreve um trabalho intitulado “Que he o
Codigo Civil”, em que critica os códigos estrangeiros até então promulgados
e propugna a feitura de um para Portugal, chegando a publicar em anexo uma
sistematização da organização das matérias a incluir no CC
• 19 de março de 1822 – deputado Bastos apresentou um projeto às Cortes,
em que propunha que se decretasse um prémio para quem dentro de um ano
conseguisse apresentar o melhor projeto de CC.
o 17 de agosto de 1822 – Trigoso de Aragão Morato apresenta o programa
do referido concurso, com o prazo de 1 de dezembro de 1824.
Programa que referia que as Ordenações do Reino feitas há mais de 2
sécs. já não podiam preencher o fim para que foram destinadas.
O projeto devia estar dividido em 2 partes, contendo uma o CC e a
outro o Código de Processo Civil.
Ambos os códigos deviam compreender um sistema luminoso da
jurisprudência civil, acomodado às circunstâncias particulares, tanto
físicas, como morais, da nação portuguesa.
Cada um dos artigos devia ser escrito com muita clareza, precisão e
pureza de linguagem – evidências do iluminismo jurídico e do
racionalismo.
A este apelo respondeu apenas o Desembargador da Relação do Porto,
Alberto Carlos de Menezes – a falta de participação dos juristas
portugueses deu-se pelo o clima político austero vivido e pela
perspetiva tradicionalista de muitos deles, que não permitia que se
sedimentasse uma tradição jurídica moderna que permitisse que sem
ruturas e com alguma originalidade o aparecimento de um CC, devido
grande parte ao método de ensino do direito na universidade.

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• Vilafrancada (27 de maio de 1823) – levou à dissolução das cortes, que,
consequentemente, fez com que o concurso caísse por terra.
• Carta Constitucional de 1826 – no seu título VIII, que trata das garantias dos
direitos civis e políticos dos cidadãos, estabelece no seu § 17º como suporte
dessas garantias a organização, quanto antes, de um CC e Criminal fundados
nas sólidas bases da Justiça e da Equidade.
o Algo que se tentou levar a cabo tanto na Câmara dos Pares, pelo Conde
ca Cunha, como na Câmara dos Deputados, por iniciativa de Borges
Carneiro.
• 20 de dezembro de 1826 – nomeada uma comissão formada por José
Homem Carreira Telles, Manuel da Rocha Couto e Caetano Rodrigues de
Macedo.
o 30 de janeiro de 1827 – esta comissão publicou o seu parecer, seguido de
um projeto de lei. A proposta era idêntica à já anteriormente feita,
prometendo um prémio a quem até 10 de janeiro de 1829 apresentasse
um projeto de CC a qualquer das câmaras legislativas.
Neste projeto preconizava-se que o código para além de matéria
substantiva, contivesse também uma segunda parte referente ao
processo civil; deveria ser conforme à Carta Constitucional e, na
medida dos possíveis, acomodar os costumes do Reino.
Este projeto foi objetivo de várias discussões tanto na Câmara dos
Pares, como na dos Deputados.
o 21 de março de 1827 – emendas adotadas pela Câmara dos Pares no que
toca ao prémio dado ao autor do projeto escolhido.
Estas emendas não foram bem recebidas quer pelos deputados, quer
pela comissão que propôs o projeto inicial.
As discussões continuaram e a legislatura terminou com a reação
absolutista, sem a alguma conclusão se ter chegado.
• 25 de abril de 1835 – rainha D. Maria I sanciona um projeto de lei que propõe
a existência de outro concurso, o prazo estipulado é de 10 de janeiro de 1837.
o Correa Telles apresenta às Cortes um projeto de CC, em que o Sr. José
Homem tinha redigido um projeto de Código do Processo Civil.
As Cortes remeteram o projeto à Comissão de Legislação, logo que
estivesse nomeada.
• 1 de julho de 1836 – artigo de Vicente Nunes Cardozo numa revista de
Direito, em que diz ter oferecido às Cortes, em 1835, um projeto do CC.
o Apesar disso, não há nenhuma referência a tal projeto no Diário das
Cortes.
• Decreto de 10 de dezembro de 1845 – constituída uma comissão para a
redação de projetos dos CC e CP.
o Comissão esta que acabou por redigir que acabou por redigir este último,
tendo preterido o primeiro.
• 9 de agosto de 1850 – publicado em Diário do Governo o decreto que
finalmente vai dar lugar à elaboração dos CC em 1867.
o O texto referia:
As Ordenações do Reino, Leis Extravagantes e mais Provisões que
constituem o Direito Civil português, hoje vigente, não só dificultam
pela sua multiplicidade e antinomia, o seu estado e aplicação, mas
ainda porque os princípios da forma de governo estão em desarmonia
com as ideias, costumes e princípios políticos da atual forma de

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governo e em contradição com os preceitos da Carta Constitucional
da Monarquia.
Os homens de Estado e os jurisconsultos concordam que a redação
dos códigos, para ser metódica, precisa e clara, deve ser feita por uma
só pessoa e revista, depois, por comissões.
A Comissão a que foi entregue a tarefa de redigir o projeto de CC, fica
agora aliviada deste, podendo, exclusivamente, continuar a ocupar-se
no do CP.
António Luiz de Seabra, juiz da Relação do Porto, é incumbido de
redigir o novo projeto de CC.
A comissão composta para rever os seus trabalhos é integrada por
lentes da Faculdade jurídica da Universidade de Coimbra. No entanto,
as relações entre o autor deixado de apresentar parcialmente o
resultado do seu trabalho à comissão de revisores.
• 31 de dezembro de 1856 – termina o seu projeto.
• 1858 – surge pela Imprensa da Universidade o “Código Civil Português”.

É, entretanto, aumentada a comissão revisora, não foram pacíficas as discussões em


torno do projeto, quer dentro, quer fora da comissão.
• 25 de maio de 1864 – a comissão considerou concluída a revisão geral.
• 22 de junho de 1867 – o CC foi aprovado na generalidade e publicado no
Diário de Lisboa.
• 22 de março de 1868 – entra em vigor, depois de um período de Vacatio
Legis de 6 meses.
O Código Civil foi, acima de tudo, fruto de uma obra de compromisso. Não podemos
olhar para este e vê-lo como um espelho do pensamento de António Luiz de Seabra, porque
sabemos que muitas das soluções que lá se encontram acabaram por resultar da
consensualização, reunião, articulação de determinadas influências da comissão revisora do
código. Sendo que o próprio projeto do CC acabou por ter vários projetos. Apesar disso, o
Código é rigoroso na lógica de exposição e sistematização das matérias, original no método
e fruto de trabalho e de conceção de um homem só.
A grande preocupação que encontramos ao olhar para a codificação civil é, de alguma
forma, a tutela da propriedade.
Está dividido em várias partes:
• 1ª – capacidade civil
• 2ª – aquisição dos direitos
o Vários livros.
o Matérias sucessórias.
o Matérias da família.
o Direito de propriedade.

Direito processual
O direito processual, adjetivo, é consequência da necessidade de dirimir conflitos
resultantes da violação do direito substantivo ou da insusceptibilidade de determinar o seu
real alcance, quer entre os privados, quer públicos.
Na época do direito português estudada, a tendência foi, durante algum tempo, de
manter uma certa proximidade formal entre os tradicionais ramos processuais, o civil e o
penal, fazendo-se incluir no mesmo código.

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Foi a partir das Reformas Judiciárias de 1832, 1837 e 1841, que também incluíam
disposições relativas à organização judiciária, que a tendência separadora se impôs.
Desse modo, surgiria em 1876 o primeiro Código Processual Civil, já completamente
distinto do penal, logo seguido de outro ligado ao âmbito comercial, mantido em vigor até
1939.
No âmbito penal, a codificação tardaria mais. Apesar das diversas tentativas ensaiadas
desde 1874 por Navarro de Paiva, por sua vez posteriores às remostas de 1853 e 1857, a
Novíssima Reforma Jurídica manter-se-ia em vigor. Alterada em numerosos pontos através
da legislação extravagante, apenas em 1929 viria a ser substituídas por um novo e primeiro
Código de Processo Penal.

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