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UNIVERSIDADE LICUNGO

FACULDADE DE LETRAS E HUMANIDADES

CURSO DE LICENCIATURA EM DIREITO

BIJÚ CARLOS GONÇALVES


DÉRCIO JOSÉ SALATO
REALINO OLIVEIRA MUNDEFO NHAMPA
TEQUIMO VENÁCIO EDUARDO
ZITO AUGUSTO OFINAR

Extinção e Modificação da Relação Matrimonial.

Quelimane

2023
BIJÚ CARLOS GONÇALVES
DÉRCIO JOSÉ SALATO
REALINO OLIVEIRA MUNDEFO NHAMPA
TEQUIMO VENÁCIO EDUARDO
ZITO AUGUSTO OFINAR
(4º Grupo)

Extinção e Modificação da Relação Matrimonial.

Trabalho em grupo a ser submetido à Faculdade de


Letras e Humanidades - Universidade Licungo, Curso
de Licenciatura em Direito, como requisito para a
avaliação na disciplina de Direito da Família.

Docente: Dr.ª Minora Tape Mafuta Dique

Quelimane

2023
Sumário

1 Introdução................................................................................................................................3
2 Extinção e Modificação da Relação Matrimonial....................................................................4
2.1 Breve contextualização.....................................................................................................4
2.2.Extinção da relação matrimonial......................................................................................4
2.2.1 A morte como causa da dissolução da relação matrimonial......................................5
2.2.2 O divórcio como causa da dissolução da relação matrimonial..................................6
2.2.2.1 Modalidades do divórcio.....................................................................................6
2.2.2.2 Características do direito ao divórcio.................................................................6
2.2.2.3 Divórcio não litigioso.........................................................................................7
2.2.2.4 Divórcio litigioso................................................................................................7
2.2.2.5 Conversão de separação em divórcio..................................................................8
2.2.2.6 Conteúdo da sentença.........................................................................................9
2.3 Modificação da relação matrimonial................................................................................9
2.3.1 Separação de pessoas e bens......................................................................................9
2.3.1.1 Simples separação judicial de bens...................................................................10
2.3.1.2 Separação judicial de pessoas e bens................................................................11
2.3.1.3 Separação litigiosa de pessoas e bens...............................................................13
2.3.1.4 Separação por mútuo consentimento................................................................15
3 Conclusão...............................................................................................................................16
4 Referências Bibliográficas.....................................................................................................17
3

1 Introdução
O presente trabalho de pesquisa, com o tema Extinção e Modificação da Relação
Matrimonial, busca analisar, no escopo do Direito da Família, as figuras da extinção e
modificação da relação matrimonial, sendo que a primeira irá atender, nesta pesquisa, à morte
de um dos cônjuges e ao divórcio como causas de extinção da relação matrimonial, sendo que
a segunda atendará ao regime da simples separação judicial de bens, da separação judicial de
pessoas e bens, da separação litigiosa e da separação por mútuo consentimento.

Para o efeito, este trabalho embasa-se na legislação da família, mormente às


disposições vertidas nos artigos 174 e seguintes da Lei da Família, aprovada pela Lei n.º
22/2019, de 11 de Dezembro, e na doutrina, em especial atenção às elaboração de Francisco
Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira1 para a sua efectivação.

O casamento, ou relação matrimonial, é, nos termos do disposto no artigo 8 da Lei da


Família, “a união voluntária e singular entre um homem e uma mulher, com o propósito de
constituir família, mediante comunhão plena de vida”. E como qualquer outro tipo de relação
jurídica, a relação matrimonial está sujeita à constituição, modificação e extinção, sendo certo
que neste trabalho iremos abordar sobre os seus elementos modificativos e extintivos.

Este é um trabalho académico de cariz bibliográfico, o que implica afirmar que a


metodologia aplicada para a sua realização foi baseada na pesquisa bibliográfica. Aliás, já
assenta Lima (1997, p.24) que “a pesquisa bibliográfica é a actividade de localização e
consulta de fontes diversas de informações escritas, para colectar dados gerais ou específicos
a respeito de um tema”.

O trabalho comporta três partes fundamentais, sendo a primeira a presente introdução,


onde se procede a apresentação do seu objectivo e a metodologia utilizada para a sua
efectivação. A segunda parte, concernente ao desenvolvimento, identifica e descreve,
fundamentalmente, as modalidades de modificação e extinção da relação matrimonial
constantes na legislação moçambicana, bem assim os fundamentos doutrinários que se
assumem para esta matéria. A terceira parte do trabalho, relativa à conclusão, apresenta de
forma expressa as principais ilações tiradas na realização deste estudo.

1
Ver. Coelho, F. P.; Oliveira, G. (2016). Curso de Direito da Família. Vol. I. 5.ª ed. Coimbra: Imprensa da
Universidade de Coimbra. pp. 647-806.
4

2 Extinção e Modificação da Relação Matrimonial

2.1 Breve contextualização


A relação matrimonial pode ser conceituada como a união de duas pessoas, de sexo
oposto, reconhecida e regulamentada pelo Estado, formada com o objectivo de constituição de
uma família baseada no afecto.

Para Pontes de Miranda2 o casamento tem como conceito a relação contratual solene,
por pessoas capazes e com diversidade de sexo, onde legalizam as relações sexuais através de
um vínculo indissolúvel, bem como estabelecem as regras ao patrimônio de acordo com a
norma vigente, como também assegura aos filhos nascidos desta união a criação e educação.

Washington de Barros Monteiro3 define o matrimónio sendo uma união permanente


nos termos da legislação civil entre homem e mulher, para reproduzirem e se ajudarem
mutuamente, além de criarem seus filhos em conjunto.

Por uma questão de escolhas legislativas, o casamento é definido, no artigo 8 da Lei da


Família, como sendo a união voluntária e singular entre um homem e uma mulher, com o
propósito de constituir família, mediante comunhão plena de vida.

Deste modo, é cristalino que há uma vasta gama de definições para o conceito de
casamento e não há, contudo, regularização universal para sua definição, pois seu conceito
sempre sofrerá influência de factores religiosos, sociológicos, geográficos e, fortalecendo tudo
isso, no decorrer da história houve várias premissas orientadoras dos juristas, religiosos e
sociólogos que tentaram e tentam uma definição do matrimônio universal.

2.2.Extinção da relação matrimonial


De acordo com Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira 4, a relação
matrimonial pode extinguir-se por dissolução ou por invalidação. A primeira é consequência
de um acto ou facto superveniente, a que a lei atribui esse efeito, sendo que não tem efeitos
retroactivos; já a segunda, é consequência de um vício originário do acto através do qual se
2
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. (2001). Tratado de Direito de Família. 3º ed., Vol. I. São Paulo:
Max Limonad Editor, p. 15.
3
MONTEIRO, Washington de Barros. (2004). Curso de Direito Civil. Direito de Família. vol. 2, 37ª ed., Ed.
Saraiva. São Paulo, p. 22.
4
Ver. Coelho, F. P.; Oliveira, G. (2016). Obra citada. p. 675.
5

constituiu, podendo ser nulo ou anulado. Se a extinção por dissolução dá azo ao estado civil
de divorciado ou viúvo, quando tratar-se de extinção por invalidação regressa-se ao estado
anterior, ao estado de solteiro.

Neste trabalho, iremos tomar em consideração a extinção da relação matrimonial por


dissolução, o qual admite, nos termos do disposto no artigo 198 da Lei da Família, duas
formas de dissolução: a morte de um dos cônjuges ou o divórcio.

2.2.1 A morte como causa da dissolução da relação matrimonial


De acordo com Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira 5, com a morte,
dissolve-se o casamento e extingue-se a relação matrimonial. Pode dizer-se que, regra geral,
cessam todos os efeitos do casamento, os pessoais como os patrimoniais. Mas não é uma regra
absoluta. Há efeitos do casamento que não caem mesmo depois de caída a causa que lhes deu
origem. Assim, o cônjuge sobrevivo continua a poder usar os apelidos do outro que tenha
adoptado e, se o declarar até à celebração do novo casamento, mesmo depois das segundas
núpcias; a relação de afinidade mantem-se depois da dissolução do casamento (artigo 15 da
Lei da Família).

Além disso, à morte de um dos cônjuges a lei atribui ao sobrevivo determinados


direitos, que ainda se podem dizer efeitos do casamento. O cônjuge sobrevivo tem direito à
legítima ou a parte dela como herdeiro legitimário do falecido (artigo 137 da Lei das
Sucessões6) e integra a 1.ª, a 2.ª ou a 3.ª classe de sucessíveis como seu herdeiro legítimo
(artigo 118 da Lei das Sucessões). Tudo isto reflete, de alguma maneira, no entender de
Coelho, F. P.; Oliveira, G. (2016), a ideia de perpetuidade do matrimónio, mesmo do
matrimónio civil, o qual estabelece entre os cônjuges uma ligação tão forte que não se rompe
senão pela morte do último.

Outro instituto que importa analisar aqui é o da morte presumida. Coelho, F. P.;
Oliveira, G. (2016) admitem que a declaração de morte presumida não dissolve o casamento,
mas o cônjuge do ausente tem a faculdade de contrair novo casamento, dissolvendo-se o
primeiro pela celebração do segundo. Se o ausente regressar ou houver notícia de que era vivo
quando foram celebradas as novas núpcias, considera-se o primeiro matrimónio dissolvido

5
Ver. Coelho, F. P.; Oliveira, G. (2016). Obra citada. p. 677.
6
Moçambique. Lei n.º 23/2019, de 23 de Dezembro.
6

por divórcio à data da declaração de morte presumida, conforme se extrai do disposto nos
artigos 115 e 116, ambos do Código Civil.

2.2.2 O divórcio como causa da dissolução da relação matrimonial


De acordo com Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira 7, o divórcio consiste
em uma inteira ruptura da relação matrimonial, da qual os cônjuges ficam desvinculados.
Entende-se por divórcio, justamente, a dissolução do casamento decretada pelo tribunal ou
pelo conservador do registo civil, a requerimento de um dos cônjuges ou dos dois, nos termos
autorizados por lei.

2.2.2.1 Modalidades do divórcio


Nos termos do n.º 1 do artigo 200 da Lei da Família, o divórcio pode ser não litigioso
ou litigioso. A doutrina de Coelho, F. P.; Oliveira, G. (2016) caracteriza como sendo divórcio
por mútuo consentimento, aquele que deve ser requerido na Conservatória do registo Civil
da área de residência dos cônjuges, por ambos e de comum acordo, não sendo necessário
mencionar as causas da dissolução da relação matrimonial (ver n.º 2 e 4 do artigo 200 da Lei
da Família); e sem consentimento de um dos cônjuges, aquele que é requerido n o Tribunal,
por um dos cônjuges contra o outro, mediante algum dos fundamentos constantes do artigo
186 da Lei da Família ou por conversão da separação judicial de pessoas e bens (ver n.º 5 do
artigo 200 da mesma Lei).

2.2.2.2 Características do direito ao divórcio


A doutrina de Coelho, F. P.; Oliveira, G. (2016, pp. 692-694) apresenta três
características do direito ao divórcio: é um direito potestativo, pessoal e irrenunciável.
a) Direito potestativo extintivo: traduz-se no poder de produzir determinado efeito
jurídico, não por mero acto de vontade do titular, mas que carece de ser integrado por
ulterior acto de uma autoridade judicial ou administrativa, visando não a criação nem a
modificação, mas a extinção de uma relação jurídica;
b) Direito pessoal: traduz-se num direito relativo ao estado das pessoas, ou seja, a lei
atribui exclusivamente aos cônjuges ou a um deles, sendo, por via disso,
intransmissível, salvo em caso de ausentes, que poderão ser representados, nos termos
previstos na Lei;

7
Ver. Coelho, F. P.; Oliveira, G. (2016). Obra citada. p. 681.
7

c) Direito irrenunciável: a lei quer que o cônjuge a quem pertença esse direito tenha,
sempre, a faculdade de decidir, com inteira liberdade e em face das circunstâncias
actuais, sobre a oportunidade do divórcio.

2.2.2.3 Divórcio não litigioso


De acordo com Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira 8, o divórcio não
litigioso ou divórcio por mútuo consentimento é verdadeiramente um divórcio por causa não
revelada, porque a lei permite aos cônjuges manter secreta. Na verdade, divórcio por mútuo
consentimento também tem uma causa, mas uma causa que os cônjuges “não têm de revelar”.
Dir-se-á que a lei acredita (com alguma ingenuidade…) que os cônjuges, ou algum deles,
poderiam pedir o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges nos termos legais, ou que o
seu acordo indicia uma situação irremediável de ruptura da vida em comum; verificado certo
condicionalismo, e na ideia de desdramatizar o divórcio e poupar aos cônjuges a revelação
dos motivos dos seus desentendimentos, permite-lhes não tornar públicos esses motivos.

Assim, o único pressuposto de que depende o divórcio por mútuo consentimento, para
além da vontade comum dos cônjuges, é que estes estejam de acordo sobre o exercício do
poder parental relativamente aos filhos menores, a prestação de alimentos ao cônjuge que
deles careça, o destino da casa de morada da família e a relação dos bens do casal, com
indicação do seu valor, efectivamente partilhados ou a serem submetidos à partilha, nos
precisos termos do disposto no n.º 1 do artigo 201 da Lei da Família.

O divórcio não litigioso tem a forma de processo administrativo, e não sendo possível
a reconciliação, caberá ao Conservador do Registo Civil verificar se os acordos reflectem a
vontade livre e consciente de ambos os cônjuges e se protegem os interesses dos filhos,
podendo sugerir as alterações necessárias e sem os quais o divórcio não pode ser decretado,
nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 201 da Lei da Família.

2.2.2.4 Divórcio litigioso


Diz-se litigioso o divórcio pedido por um dos cônjuges contra o outro e com
fundamento em determinada causa, mormente àquelas descritas no artigo 186 da Lei da
Família. Nisto se distingue do divórcio por mútuo consentimento, que é pedido pelos dois
cônjuges de comum acordo e sem indicação da causa por que é pedido. Outra diferença é que
8
Ver. Coelho, F. P.; Oliveira, G. (2016). Obra citada. p. 695.
8

o divórcio por mútuo consentimento pode ser judicial ou administrativo, enquanto o divórcio
“litigioso” é sempre judicial.

Segundo Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira 9, na tentativa de


conciliação ou em qualquer outra altura do processo os cônjuges podem acordar no divórcio
por mútuo consentimento quando se verifiquem os necessários pressupostos, termos em que a
lei permitiu em qualquer altura do processo a conversão do divórcio litigioso em divórcio por
mútuo consentimento, conversão que, para verdadeiramente o ser, exige que não se inicie
novo processo, o que sempre seria permitido aos cônjuges mesmo que a lei não o dissesse,
mas que se aproveitem o mais possível os actos já praticados no âmbito do processo litigioso
(ver artigo 202 da Lei da Família).

A doutrina de Coelho, F. P.; Oliveira, G. (2016, pp. 717-720) apresenta três


concepções do divórcio litigioso: como sanção, como remédio ou como simples constatação
da ruptura do casamento.
a) Divórcio-sanção: pressupõe um acto ou procedimento culposo de algum dos cônjuges
e quer ser a sanção contra esse acto ou procedimento;
b) Divórcio-remédio: pressupõe apenas uma situação de crise do matrimónio, um estado
de vida conjugal intolerável, e quer ser o remédio para um tal estado ou situação;
c) Divórcio-constatação da ruptura do casamento: a causa do divórcio é a própria
ruptura em si, independentemente das razões que a tenham determinado (posição que
acreditamos ser base da legislação moçambicana).

De qualquer modo, existem limites ao divórcio litigioso, como seja o facto do marido
não podere requerer durante a gravides da mulher e até um ano depois do parto, salvo se o
requerimento fundar-se na atribuição da gravidez ao adultério, nos termos do artigo 204 da
Lei da Família.

2.2.2.5 Conversão de separação em divórcio


Na conversão de separação em divórcio, o casal já definiu a partilha de bens ao se
separar, mas continua com vínculo conjugal. Então, para que seja convertido em divórcio,
devem os cônjuges, em caso de não ter havido reconciliação, aguardar que tenham decorrido
três anos sobre o trânsito em julgado da sentença que tiver decretado a separação judicial de
9
Ver. Coelho, F. P.; Oliveira, G. (2016). Obra citada. p. 710.
9

pessoas e bens, quer seja litigiosa ou por mutuo consentimento, para que qualquer deles
requeira que a separação seja convertida em divórcio, nos termos do n.º 1 do artigo 203 da Lei
da Família.

No entanto, exceptua-se o prazo acima referido, quando verificado que um dos


cônjuges tenha cometido adultério depois das separação, conforme se extrai do n.º 2 do artigo
203 da mesma lei.

2.2.2.6 Conteúdo da sentença


A sentença que julga procedente o pedido em ação de divórcio sem consentimento de
um dos cônjuges não se limita muitas vezes a decretar o divórcio. Aliás, nos termos do artigo
205 da Lei da Família, pode o tribunal, independentemente do pedido, decidir por separação
judicial de pessoas e bens, se entender a viabilidade de uma reconciliação.

2.3 Modificação da relação matrimonial


Se por um lado a extinção da relação matrimonial faz cessar o vínculo existente entre
os cônjuges, entendem Coelho, F. P.; Oliveira, G. (2016, p. 649) que a modificação da relação
matrimonial corresponda a um afrouxamento ou relaxamento dessa relação. Entende-se que
afecte só os efeitos pessoais do casamento, só os efeitos patrimoniais ou uns e outros, sendo,
pois, concebível uma simples separação de pessoas, uma simples separação de bens e uma
separação de pessoas e bens.

2.3.1 Separação de pessoas e bens


O nosso ordenamento jurídico, conforme as disposições vertidas nos artigos 174 e
seguintes da Lei da Família, admite quatro possibilidades na modificação da relação
matrimonial, como sejam: simples separação judicial de bens, separação judicial de pessoas e
bens, separação litigiosa e separação por mútuo consentimento.

2.3.1.1 Simples separação judicial de bens


Conforme ensinado por Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira 10,
caracteriza-se por ser uma separação restrita aos bens, que deixa imperturbados os efeitos
pessoais do casamento. Quanto às pessoas a relação matrimonial não se modifica,
continuando os cônjuges a ter os direitos e a estar vinculados pelos deveres previstos no
10
Ver. Coelho, F. P.; Oliveira, G. (2016). Obra citada. p. 650.
10

Código Civil. A relação matrimonial só se modifica quanto aos bens, na medida em que se
procede a uma separação de bens, nos termos que vamos precisar adiante.

Por detrás desta discussão doutrinária estão alicerçados os fundamentos previstos no


artigo 174 da Lei da Família, na qual esta medida pode ser requerida por qualquer um dos
cônjuges sempre que haja perigo de perder bens próprios ou comuns por má administração
imputável ao outro cônjuge, e que poderá ser decretada judicialmente em acção intentada
contra o cônjuge administrador (artigo 175 da mesma Lei).

A simples separação de bens é fundamentalmente uma medida preventiva; supõe uma


ameaça, mas não a consumação dessa ameaça, consumação que justamente se destina a evitar.

Só tem legitimidade para requerer a acção, nos termos do artigo 176 da Lei da Família,
o cônjuge lesado, ou:
a) O seu representante, em caso de interdição, ouvido o Conselho de Família;
b) Parentes na linha recta ou até ao terceiro grau da linha colateral, se o representante
legal acima descrito for o cônjuge administrador; e
c) Em caso de inabilitação, pelo próprio cônjuge lesado, ou pelo curador com autorização
judicial.

Em termos gerais, pode dizer-se que a simples separação de bens opera uma
modificação do regime de bens do casamento e, portanto, uma modificação, no plano dos
bens, do estado de casado, ficando os cônjuges, embora casados, no “estado de separados de
bens”, podendo essa partilha ser feita extrajudicialmente ou por inventário judicial, nos
termos do disposto no artigo 177 da Lei da Família.

Nota importante é que estes efeitos são irrevogáveis. não sendo permitido restabelecer
o regime de comunhão anterior à separação judicial de bens, nem por convenção nem por
nova decisão judicial (artigo 178 da Lei da Família).

2.3.1.2 Separação judicial de pessoas e bens


Para Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira 11, na separação de pessoas e
bens, como as palavras estão a dizer, a separação não afeta simplesmente os bens mas as
11
Ver. Coelho, F. P.; Oliveira, G. (2016). Obra citada. p. 655.
11

próprias pessoas dos cônjuges, sendo, pois, muito mais extensa e profunda, em relação à que
se opera na simples separação judicial de bens, a modificação que se verifica na relação
matrimonial. Dir-se-ia que as malhas do vínculo, agora, se relaxam ou distendem tanto que
quase se partem.

A separação de pessoas e bens pode revestir duas modalidades, nos termos do artigo
180 da Lei da Família, a saber: separação de pessoas e bens sem consentimento de um dos
cônjuges e separação de pessoas e bens por mútuo consentimento. A primeira supõe um
litígio; é, portanto, pedida por um dos cônjuges contra o outro e funda-se numa determinada
causa, que a lei faz prever no artigo 186 da Lei da Família. A segunda não implica litígio
algum, sendo requerida pelos dois cônjuges de comum acordo e sem indicação da causa por
que é pedida.

Quanto aos efeitos da separação judicial de pessoas e bens, é necessário ter em conta
que a separação se destina a solucionar uma crise da vida matrimonial e que, portanto, é
preciso que o vínculo conjugal se relaxe o suficiente para que a crise seja resolvida através da
separação. Mas não pode esquecer-se também que a separação não é o divórcio e, portanto,
não pode autorizar os cônjuges a exercer antecipadamente direitos dependentes da dissolução
do matrimónio. Daí que o artigo 181 da Lei da Família acautele nesse sentido, ao explicitar
que a separação de pessoas e bens não dissolve o casamento, apesar de, relativamente aos
bens, produzir os mesmos efeitos que produz a dissolução do casamento.

Assim, mantêm-se todos os efeitos considerados essenciais do casamento, tal é o caso


dos deveres conjugais como:
a) A fidelidade: que só cessará volvidos três anos após a separação de facto, mediante
acção de divórcio intentada por um dos cônjuges, nos termos do artigo 182 da Lei da
Família;
b) Deveres recíprocos de respeito e cooperação também se mantêm, embora, claro, o
respectivo conteúdo se modifique em consequência da separação;
c) O dever de alimentos mantém –se, me observância ao disposto na alínea a) do n.º 1 do
artigo 423 e artigo 430, ambos da Lei da Família.

Quanto ao seu termo, a separação judicial de pessoas e bens termina pela reconciliação
dos cônjuges ou pela dissolução do casamento (artigo 183 da Lei da Família). Contudo, fica
12

claro que a lei encoraja e protege a reconciliação dos cônjuges separados, termos em que a
mesma presume ter havido reconciliação dos cônjuges se não tiver sido requerida no prazo
legal a conversão da separação judicial de pessoas e bens em divórcio (n.º 1 do artigo 184 da
Lei da Família).

Os cônjuges que pretendam reconciliar-se devem formular o pedido, devidamente


fundamentado, em requerimento a submeter no tribunal. A reconciliação, que pode ser
requerida a todo o tempo, efetua-se por acordo dos cônjuges, que o tribunal deve homologar
se verificar que estão preenchidos os pressupostos legais, devendo a respectiva sentença ser
oficiosamente registada, nos termos do n.º 3 do artigo 184 da Lei da Família.

Quanto ao regime de bens que fica a vigorar entre os cônjuges depois da reconciliação,
o legislador foi preciso ao dispor no n.º 2 da norma supra mencionada que a partir da
reconciliação os cônjuges se consideravam casados “segundo o regime da separação de bens”,
restabelecendo a vida em comum e o exercício pleno dos direitos e deveres conjugais. Os
efeitos da reconciliação verificam-se a partir da homologação judicial, nos termos do n.º 4 do
artigo 184 da Lei da Família.

Os preceitos relativos à separação judicial de pessoas e bens aplicam-se igualmente


aos casamentos religiosos e tradicionais (ver artigo 185 da Lei da Família).

2.3.1.3 Separação litigiosa de pessoas e bens


O pedido de separação litigiosa de pessoas e bens tanto pode ter como fundamento as
disposições gerais do n.º 1 do artigo 186 da Lei da Família, traduzida na violação culposa dos
deveres conjugais, como as causas objectivas enumeradas no n.º 2 do mesmo artigo.

Dispõe o artigo 97 da Lei da Família que os deveres (pessoais) dos cônjuges são os
seguintes: o respeito, a fidelidade, a coabitação, a assistência e a confiança. A doutrina de
Hélder Martins Leitão12 sustenta que, respeitar o outro cônjuge é não lesar a sua integridade
física ou moral, os seus direitos individuais, conjugais e familiares. Já de acordo com Coelho,
F. P.; Oliveira, G. (2016), o dever de fidelidade apresenta uma dupla vertente: fidelidade
física e fidelidade moral (ou seja, a mera ligação sentimental e platónica). Os mesmos autores

12
Leitão, H. M. (2004). Da acção de divórcio e da separação judicial de pessoas e bens. 7.ª edição, rev. e act.
Porto: Almeida & Leitão, Lda. p. 38.
13

entendem que o dever de coabitação pressupõe a comunhão de leito, mesa e habitação, regime
explicitado mo artigo 100 da Lei da Família.

Ora, a explicação dos deveres acima descritos visava circunstanciar as causas da


separação litigiosa de pessoas e bens, que o legislador largamente enumerou no n.º 1 do artigo
186 da Lei da Família, como sejam:
a) Violência doméstica;
b) Adultério do outro cônjuge;
c) Vida e costumes desonrosos do outro cônjuge;
d) Abandono completo do lar conjugal por parte do outro cônjuge, por tempo superior a
um ano;
e) Condenação definitiva por crime doloso que ofenda seriamente a manutenção do
vínculo conjugal;
f) Qualquer outro facto que constitua violação grave dos deveres conjugais.

Veio ainda o legislador acrescer outras causas objectivas enumeradas no n.º 2 do


mesmo artigo, como sejam:
a) a separação de facto por mais de três anos;
b) a demência notória superveniente e incurável, mesmo com intervalos de lucidez.

As circunstâncias acima só são atendíveis se comprometerem a possibilidade de vida


em comum dos cônjuges, devendo o tribunal ter em conta a condição social dos cônjuges, o
seu grau de educação e sensibilidade moral e quaisquer outras circunstâncias atendíveis,
conforme se extrai do artigo 187 da Lei da Família.

O legislador também entendeu que existem circunstâncias que concorrem para a


exclusão do direito de requerer a separação, previstas no artigo 188 da Lei da Família, como
sejam:
a) se o cônjuge que requer tiver instigado o outro a praticar o facto invocado como
fundamento do pedido ou tiver intencionalmente criado condições propícias à sua
verificação;
b) se houver revelado, pelo seu comportamento posterior, designadamente por perdão
expresso ou tácito, não considerar o acto praticado como impeditivo da vida em
comum.
14

Só tem legitimidade para requerer a acção, nos termos do artigo 189 da Lei da Família,
o cônjuge ofendido, ou:
d) O seu representante legal, em caso de interdição, se for autorizado pelo Conselho de
Família;
e) Parentes na linha recta ou até ao terceiro grau da linha colateral, se o representante
legal acima descrito for o outro cônjuge, mediante autorização do Conselho de
Família.

O direito á separação caduca no prazo de três anos a contar da data em que o cônjuge
ofendido ou seu representante tomou conhecimento do facto susceptivel de fundamento para o
pedido (n.º 1 do artigo 190 da Lei da Família).

Caberá ao tribunal, na sua sentença, nos termos do artigo 191 da Lei da Família,
declarar se ambos cônjuges são culpados ou apenas um deles, ou havendo culpa de ambos,
declarar aquele que tenha culpa consideravelmente superior à do outro, sendo excluída a
declaração de culpa nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 186 da mesma lei.

A declaração de culpa não impede o direito à meação, pelo qual os cônjuges têm
direito à metade ideal do património comum do casal, adquiridos na constância do casamento,
de conformidade com o artigo 192 da Lei da Família.

Perderá todos os benefícios recebidos ou por receber o cônjuge considerado culpado, e


preservará para si os mesmos benefícios o cônjuge inocente, podendo renunciá-los, por
simples declaração unilateral de vontade, exceptuando se existirem filhos, termos nos quais a
renúncia só poderá ser feita a favor destes (artigo 193 da Lei da Família).

2.3.1.4 Separação por mútuo consentimento


A separação judicial de pessoas e bens por mútuo consentimento só pode ser requerida
ao Conservador do Registo Civil da área de residência (artigo 197 da Lei da Família), pelos
cônjuges que estejam casados há mais de três anos e que tenham chegado a um consenso
quanto ao exercício do poder parental e à partilha dos bens do casal (artigo 194 da mesma lei).
O requerimento não carece de qualquer fundamentação e a separação só será homologada
definitivamente um ano após a separação provisória (artigo 195 e 196 da mesma lei). Ao
15

requerimento deve juntar-se o respectivo acordo sobre o exercício do poder parental e a


partilha dos bens do casal.
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3 Conclusão
Nesta pesquisa procurou-se, a primeira vista, conceber as modalidades de modificação
e extinção da relação matrimonial, tendo como suporte fundamental a Lei da Família em vigor
e os escritos de Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira (2016), entre outros
instrumentos legais aprovados e doutrinas relacionadas com a matéria.

Neste prisma, observa-se que a modificação da relação matrimonial verifica-se em


casos de simples separação de bens e separação judicial de pessoas e bens (podendo ser por
via litigiosa ou por mútuo consentimento), relevando um afrouxamento da relação, mantendo-
se, contudo, os deveres essenciais dos cônjuges previstos na lei.

Por seu turno, a extinção da relação matrimonial faz cessar todos os direitos e deveres
dos cônjuges que vigoravam na constância do casamento, com algumas excepções previstas
na lei, tais são os casos de prestação de alimentos, podendo assumir as modalidades de morte
de um dos cônjuges ou por divórcio (litigioso ou por mútuo consentimento).
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4 Referências Bibliográficas
Coelho, F. P.; Oliveira, G. (2016). Curso de Direito da Família. Vol. I. 5.ª ed. Coimbra:
Imprensa da Universidade de Coimbra.
Leitão, H. M. (2004). Da acção de divórcio e da separação judicial de pessoas e bens. 7.ª
edição, rev. e act. Porto: Almeida & Leitão, Lda.
Lima, M. C. (1997). A Engenharia da Produção Acadêmica. São Paulo: Unidas.
Monteiro, W. B. (2004). Curso de Direito Civil. Direito de Família, Vol. 2. 37ª ed. São Paulo:
Ed. Saraiva.
Pontes de Miranda, F. C. (2001). Tratado de Direito de Família. 3º ed., Vol. I. São Paulo:
Max Limonad Editor.

Legislação:
República de Moçambique. Lei n.º 22/2019, de 11 de Dezembro – Lei da Família. Maputo:
Imprensa Nacional de Moçambique.
República de Moçambique. Lei n.º 23/2019, de 23 de Dezembro – Lei das Sucessões.
Maputo: Imprensa Nacional de Moçambique.

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