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FAMÍLIAS
Dissolução da
sociedade conjugal
Karin Cristina Kramer Pereira
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
Neste capítulo, você vai estudar a significativa transformação pela qual passa
o instituto do divórcio com o advento da Emenda Constitucional nº 66, de 13
de julho de 2010, que tem impacto na separação judicial, no divórcio e nos
deveres do casamento.
A dissolução da sociedade conjugal traz uma série de consequências jurídicas
de ordem pessoal e patrimonial à família desconstituída, preocupando-se o
ordenamento jurídico não apenas com a garantia das igualdades do ponto
de vista formal (tratamento igualitário para os iguais), mas também com a
justiça substancial/material (proteção maior aos desiguais). Nesse sentido, a
proteção trazida à mulher pela Lei Maria da Penha (suas medidas protetivas
e preventivas) é também tema situado no ambiente da dissolução do vínculo
conjugal e se relaciona com os direitos e deveres na separação e as hipóteses
de impossibilidade de coabitação por motivos graves, envolvendo a violência
no ambiente familiar.
2 Dissolução da sociedade conjugal
mento, sanção, falência, remédio. Cada uma ocorria em uma situação e com
requisitos diferentes, acompanhe:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem Art. 226. A família, base da
especial proteção do Estado. sociedade, tem especial
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo proteção do Estado.
divórcio, após prévia separação judicial por § 6º O casamento civil pode
mais de um ano nos casos expressos em lei, ou ser dissolvido pelo divórcio.
comprovada separação de fato por mais de dois
anos.
Sem dúvidas, não fazia mais sentido (prático ou jurídico) manter a (obsoleta)
separação. É que a ratio essendi da separação era posterior à possibilidade de
sua conversão em divórcio. Ora, se, com a Emenda Constitucional multicitada,
já é possível a obtenção do divórcio, independentemente de qualquer prazo ou
causa, cessa, por conseguinte, a utilidade do instituto da separação. Pensar de
modo contrário atenta contra a mens legis da EC 66, conferindo sobrevida a um
instituto (separação) esvaziado de funcionalidade, na medida em que não poderá
mais conduzir a conversão em divórcio. Ou seja, a separação se revela inócua
juridicamente, e além disso, os efeitos que são pretendidos por meio dela, podem
ser, comodamente, obtidos através da separação de fato.
Art. 1.564. Quando o casamento for anulado por culpa de um dos cônjuges, este
incorrerá:
I – na perda de todas as vantagens havidas do cônjuge inocente;
II – na obrigação de cumprir as promessas que lhe fez no contrato antenupcial.
[…]
Art. 1.578. O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o
direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo
cônjuge inocente e se a alteração não acarretar:
I – evidente prejuízo para a sua identificação;
II – manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da
união dissolvida;
III – dano grave reconhecido na decisão judicial.
[…]
Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimen-
tos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso
não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial.
Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos,
e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o
outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável
à sobrevivência.
A linha entre as duas é muito tênue, pois separar corpos também significa
afastar, mas a separação de corpos tem relação com a proteção à liberdade e
dignidade, o direito de estar só, sendo possível a chancela judicial no sentido
de separar do mesmo espaço físico duas pessoas que já não se amam mais
(MADALENO, 2006), pois é frequente nesses casos que um queira estar só e o
outro resista a sair. É uma tutela inibitória e preventiva, que visa a proteger
o direito de personalidade, nos moldes do art. 12, parágrafo único, do CC.
O afastamento do lar é um a medida muito presente nas ações que en-
volvem violência doméstica e é, infelizmente, uma situação recorrente na
atualidade. A matéria é regulada para proteger a mulher, pela vulnerabilidade
que a acompanha tanto em relação à discrepância de força física, típica
da diferença entre os gêneros masculino e feminino, quanto em virtude da
situação do ambiente doméstico e familiar, que, povoado por sonhos e projetos
de vida, fragiliza e vulnerabiliza frente a situações graves, como a violência
física, levando não raro a vítima à negação e receio de denunciar.
A ideia da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da
Penha, de se calcar no ideal da igualdade material ou substancial para eleger o
sujeito de direito vulnerável (mulher) e protegê-lo de forma diferenciada, deve
andar junto com a concepção de igualdade formal (todos são iguais perante
a lei e homens e mulheres são iguais em direitos e deveres). Isso porque a
proteção a ser conferida dialoga com a situação fática, que pode apontar
para a vulnerabilidade dos filhos e do próprio marido, quando a violência no
ambiente familiar for gerada pela mulher, devendo o afastamento ser dela.
Tudo depende das provas do processo e da peculiaridade dos fatos. Vejamos
julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, trazido por Farias e Rosenvald
(2015, p. 360) para ilustrar uma situação da necessária proteção do marido
e da prole:
direito ao nome;
direito à guarda dos filhos;
regulamentação de visitas em relação aos filhos.
Os alimentos trazem uma natureza mista, visto que têm uma parte patrimo-
nial — suscetível de apreciação em pecúnia, que é o valor fixado mensalmente
a ser pago como verba alimentar — e extrapatrimonial, pois garantir direito
a alimentos é preocupação com mantença da subsistência e preservação do
direito à vida e dignidade (embora seja tratado na parte do Direito Patrimonial
de Família no CC).
Seja como for, também é comum que, com o término da relação, não se
tenha mais interesse de carregar o nome do outro, a fim de retomar a própria
vida e a identidade anterior ao casamento. O art. 1.571, que trata do término
da sociedade conjugal, direciona no § 2º o seguinte: “Dissolvido o casamento
pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de
casado; salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de sepa-
ração judicial” (BRASIL, 2002, documento on-line).
O nome é um direito de personalidade e encontra sua total proteção no
CC, arts. 16 a 20, e na Lei de Registro Públicos (Lei nº 6.015, de 31 de dezembro
de 1973). Assim, é ato volitivo do(s) cônjuge(s) adotar ou não o patronímico
de seu consorte e igualmente seu direito, se o fizer, pretender extirpá-lo por
ocasião da dissolução do vínculo, solicitando nos pedidos da ação de divórcio
essa providência judicial. Vimos que, no entanto, há uma previsão no CC que
atrela o direito de usar o nome do outro à culpa do cônjuge, conforme previsão
do art. 1.578, que determina que “o culpado” pela separação perde o direito
de usar o nome do outro, salvo as situações previstas no artigo, como o fato
de ter ficado reconhecido no âmbito profissional por aquele sobrenome.
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Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência
da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicao.htm. Acesso em: 25 nov. 2020.
BRASIL. Emenda Constitucional nº 66, de 13 de julho de 2010. Dá nova redação ao § 6º
do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento
civil pelo divórcio, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1
(um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc66.htm.
Acesso em: 15 dez. 2020.
BRASIL. Lei n° 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do
Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm. Acesso
em: 15 dez. 2020.
BRASIL. Lei n° 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Regula os casos de dissolução da
sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos, e dá outras
providências. DF: Presidência da República, 1977. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/l6515.htm. Acesso em: 30 nov. 2020.
BRASIL. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF:
Presidência da República, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
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BRASIL. Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição
Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra
as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução
Penal; e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2006. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso
em: 15 dez. 2020.
BRASIL. Lei n° 11.441, de 4 de janeiro de 2007. Altera dispositivos da Lei no 5.869, de 11
de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, possibilitando a realização de inventário,
partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa. Brasília,
DF: Presidência da República, 2007. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11441.htm. Acesso em: 15 dez. 2020.
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