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DIREITO DAS

FAMÍLIAS
Dissolução da
sociedade conjugal
Karin Cristina Kramer Pereira

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Analisar o divórcio frente à Emenda nº 66/2010.


>> Reconhecer a dissolução da sociedade conjugal.
>> Descrever os efeitos da dissolução da sociedade conjugal.

Introdução
Neste capítulo, você vai estudar a significativa transformação pela qual passa
o instituto do divórcio com o advento da Emenda Constitucional nº 66, de 13
de julho de 2010, que tem impacto na separação judicial, no divórcio e nos
deveres do casamento.
A dissolução da sociedade conjugal traz uma série de consequências jurídicas
de ordem pessoal e patrimonial à família desconstituída, preocupando-se o
ordenamento jurídico não apenas com a garantia das igualdades do ponto
de vista formal (tratamento igualitário para os iguais), mas também com a
justiça substancial/material (proteção maior aos desiguais). Nesse sentido, a
proteção trazida à mulher pela Lei Maria da Penha (suas medidas protetivas
e preventivas) é também tema situado no ambiente da dissolução do vínculo
conjugal e se relaciona com os direitos e deveres na separação e as hipóteses
de impossibilidade de coabitação por motivos graves, envolvendo a violência
no ambiente familiar.
2 Dissolução da sociedade conjugal

Finalmente, a ruptura desde vínculo faz surgir o aspecto de proteção aos


direitos patrimoniais, como partilha de bens e alimentos, e os direitos pessoais
de família, como direito ao nome. Há também os direitos relativos aos filhos,
visando a contemplar, além dos direitos dos genitores, a proteção ampla e
irrestrita à criança e ao adolescente, na linha da doutrina da proteção integral
dos mesmos.

Divórcio frente à EC nº 66/2010


É indubitável a mudança pela qual passou o instituto do casamento e da
separação, ao longo do tempo. A família clássica, oriunda do Estado liberal
e presente nas previsões do Código Civil de 1916, tem conceito único/singu-
lar (só o casamento era tido como entidade familiar legítima) e é pensada
para a eternidade, na noção da indissolubilidade do vínculo, para atender
a tendência sacra que a acompanhava. Neste sentido, comenta Wald (2005,
p. 225): “Durante mais de três séculos ficou o Brasil sujeito, em matéria de
casamento, às determinações do Concílio de Trento, e, portanto, somente a
Igreja Católica tinha competência para celebrar casamento, que havia sido
elevado à condição de sacramento”.
Os institutos da separação e do divórcio eram tratados de forma bem deli-
mitada e, até 1977, prevaleceu a preocupação do legislador com a manutenção
da família pela indissolubilidade do casamento, que era um princípio norteador
do sistema jurídico, inclusive pelas previsões do art. 144 da Constituição
Federal de 1934. Isso foi repetido nas cartas constitucionais de 1937, 1946 e
1967, e se reproduziu nas direções do Código Civil de 1916. A ideia partia da
concepção canônica da Igreja Católica, que entendia o matrimônio como algo
divino e que não poderia ser dissolvido por ato dos cônjuges (LÔBO, 2011).
Na linha da indissolubilidade da sociedade conjugal, até 1977, só existia a
figura do desquite, que não rompia o vínculo conjugal, ou seja, a pessoa não
poderia se casar de novo. O desquite daquela época equivalia à separação
antes da Emenda Constitucional (EC) nº 66, de 13 de julho de 2010, pois, nos
dois casos, ocorria a separação dos cônjuges e de seus bens, mas não a
dissolução do vínculo matrimonial. Determinava o Código Civil de 1916, no
art. 315, com redação repetida no art. 2º da Lei do Divórcio (Lei nº 6.515, de 26
de dezembro de 1977), o seguinte (BRASIL, 1977, documento on-line):
Dissolução da sociedade conjugal 3

Art. 315. A sociedade conjugal termina:


I – pela morte de um dos cônjuges;
II – pela nulidade ou anulação do casamento;
III – pela separação judicial;
IV – pelo divórcio.

A finalidade dos institutos da separação e do divórcio é, na verdade, a


mesma, a de pôr fim à relação. Entretanto, embora a lei tenha determinado
que a sociedade conjugal termina com a morte, o divórcio e a separação, ao
mesmo tempo, no parágrafo único do artigo citado, diz que apenas a morte e
o divórcio dissolvem definitivamente o vínculo (inclusive, nem faz referência
à invalidação do casamento — nulidades ou anulabilidades —, que também
dissolvem o vínculo). Assim, estar separado a partir de 1977 era correlato ao
antigo desquite, pois, nessa condição, a pessoa ainda não poderia casar de
novo. Nesse ínterim, assevera Lôbo (2011, p. 150): “[...] em solução de com-
promisso com os antidivorcistas, a legislação manteve o desquite, sob a
denominação eufemística de separação judicial”.

A Lei nº 6.515/1977 prevê quais são os efeitos da separação e do


divórcio, diferenciando-os nos arts. 3º e 24 (BRASIL, 1977, documento
on-line):
Art. 3º. A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação, fidelidade re-
cíproca e ao regime matrimonial de bens, como se o casamento fosse dissolvido.
Art. 24. O divórcio põe termo ao casamento e aos efeitos civis do matrimônio religioso.

Serviria a separação tão somente para definir a partir de quando a relação


terminaria no mundo dos fatos, no intuito de fixar termo a partilha e outros
direitos, por exemplo. Dias (2005) faz alusão à contradição desses conceitos,
que mereciam ser tratados juntos e não com essa diferença — afinal, termina,
mas não dissolve?

Muito mudou ao longo do tempo, e novos arranjos familiares começaram


a surgir. Os valores sociais foram sendo repensados, na linha da valorização
dos sentimentos e dos afetos e na busca pela preservação das dignidades
e do bem-estar. Assim, o espaço familiar deve ser o ambiente para o pleno
desenvolvimento dos seus membros e a proteção das dignidades.
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Chamamos de personalização e despatrimonialização a tendência


contemporânea do Direito Privado (muito evidente em família) de
primazia da pessoa e de interesses existenciais, que devem estar acima dos
interesses patrimoniais, quando em choque.

Separação e o divórcio: a antiga dicotomia e os


diferentes requisitos autorizadores
É interessante traçarmos um panorama das espécies de separação e divórcio,
seus prazos, condições de ocorrência e procedimentos, para que possamos
entender qual a polêmica que se instaurou após 2010, com o advento da
EC nº 66/2010, e qual o estado atual do tema.
A Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977, institui o divórcio, e a
Lei nº 6.515/1977 o detalha nas suas regras e condições. Assim, a partir disso, é
permitida a dissolução do vínculo conjugal em situações específicas — nesse
momento, a regra geral ainda era a da indissociabilidade —, desaparecendo, ao
menos nominalmente, a figura do desquite e ficando estabelecida a diferença
conceitual e de efeitos para a separação e o divórcio.
As legislações constitucionais (art. 226, § 6º da Constituição Federal de
1988) e infraconstitucionais (art. 1.580, caput e § 2º do Código Civil de 2002
[CC] e arts. 4º e 5º, §§ 1º e 25 da Lei nº 6.515/1977) exigiam lapso temporal
mínimo para que fosse possível o término da relação conjugal pela separação
ou a dissolução da mesma pelo divórcio, ou a caracterização da “culpa” do
outro cônjuge para que fosse possível a separação antes de determinados
prazos. Essa exigência tinha relação com a tentativa de manutenção da família
(reflexos e herança do princípio da indissolubilidade dos vínculos familiares),
que, segundo a própria Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), era de
interesse do Estado, havendo uma clara expectativa do sistema jurídico de
que o casamento poderia ser “salvo” nesses prazos e os cônjuges pensassem
melhor sobre sua decisão, voltando atrás e seguindo no projeto de vida em
comum.
Assim, a legislação dividia a questão temporal, ligada à exigência de ob-
servância de prazos pelos cônjuges (uma espécie de compasso de espera que
geraria o direito de se separar e depois divorciar), nas espécies de separação
existentes, quer na conversão da separação em divórcio, quer no divórcio
direto. O instituto da separação era dividido em espécies: mútuo consenti-
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mento, sanção, falência, remédio. Cada uma ocorria em uma situação e com
requisitos diferentes, acompanhe:

„„ Separação por mútuo consentimento: poderia ocorrer quando fossem


casados há mais de dois anos, sendo, após esse prazo, solicitado ao
judiciário homologação do pedido para produção dos efeitos legais de
dissolução (art. 4º, Lei nº 6.515/1977).
„„ Separação-falência: exigia a ruptura de vida em comum há mais de um
ano e a impossibilidade de sua reconstituição.
„„ Separação-remédio: ocorria quando o outro cônjuge estava acometido,
no mínimo, há dois anos de doença mental grave e de cura improvável
(art. 1.572, § 2º do CC).
„„ Separação-sanção: ocorria quando houvesse grave violação dos deveres
do casamento e insuportabilidade da vida em comum (art. 1.572, caput
do CC e art. 5º da Lei nº 6.515/1977).

Nesse sentido, os arts. 1.566 e 1.573 da lei codificada elencam os deveres


do casamento e as condutas que estão aptas a gerar a impossibilidade da
vida em comum, conforme se transcreve (BRASIL, 2002, documento on-line):

Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:


I – fidelidade recíproca;
II – vida em comum, no domicílio conjugal;
III – mútua assistência;
IV – sustento, guarda e educação dos filhos;
V – respeito e consideração mútuos.
[…]
Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência
de algum dos seguintes motivos:
I – adultério;
II – tentativa de morte;
III – sevícia ou injúria grave;
IV – abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo;
V – condenação por crime infamante;
VI – conduta desonrosa.

Desse modo, fica clara a preocupação do sistema em encontrar um culpado


para a erosão da sociedade conjugal, em típica posição de Estado dirigente
e intervencionista nas relações de família. O autor da ação deveria então
comprovar o motivo pelo qual gostaria de se separar, e se a justificativa não
fosse plausível para o sistema jurídico, poderia ser considerado “culpado”
6 Dissolução da sociedade conjugal

pela separação, sofrendo perdas patrimoniais (partilha, alimentos) e podendo


ter direitos pessoais também afetados (direito ao nome, sobre os filhos).
Instaurado o processo judicial de separação e reconhecida esta por sen-
tença, após um ano, a contar dessa data ou da data da decisão que concedeu
medida cautelar correspondente (art. 8º, Lei nº 6.515/1977), o cônjuge poderia
requerer sua conversão em divórcio, conforme art. 25 da Lei nº 6.515/1977, o
art. 1. 580 do CC e o art. 226, § 6º da CF. Já o divórcio direto seria aquele que
independe de medida anterior de separação; permitia o ingresso diretamente
com a ação de divórcio, podendo ser consensual ou não, no prazo de mais
de dois anos de separação de fato (art. 226, § 6º, CF, e art. 1.580, § 2º, CC).

EC nº 66/2010, a nova redação do art. 226, § 6º da CF


e a releitura dos deveres do casamento
A EC nº 66/2010 modificou a redação do art. 226, § 6º do texto constitucional.
Veja no Quadro 1 uma comparação entre a redação do art. 226 antes e depois
da EC nº 66/2010.

Quadro 1. Redação do art. 226, § 6º da CF antes de depois da EC nº 66/2010

Antes da EC nº 66/2010 Depois da EC nº 66/2010

Art. 226. A família, base da sociedade, tem Art. 226. A família, base da
especial proteção do Estado. sociedade, tem especial
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo proteção do Estado.
divórcio, após prévia separação judicial por § 6º O casamento civil pode
mais de um ano nos casos expressos em lei, ou ser dissolvido pelo divórcio.
comprovada separação de fato por mais de dois
anos.

Fonte: Brasil (1988, art. 226, § 6º, documento on-line).

A mudança trazida pela EC nº 66/2010 é visível e profunda, uma vez que


deixa clara que, atualmente, o divórcio é a medida para dissolver a sociedade
conjugal, independentemente de requisitos, condições ou prazos. É possível
casar em um dia e se divorciar uma semana depois, ou um dia depois, pois
passa a valer a autonomia, a liberdade e a dignidade dos cônjuges, sem mais
intervenção do Estado nesse sentido. Assim, com o advento da EC nº 66/2010,
as separações que estavam em curso no judiciário foram automaticamente
convertidas em divórcio, corroborando com o entendimento de que não
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existe mais a figura da separação no sistema jurídico brasileiro, em qualquer


espécie que seja.
No entanto, esse entendimento, desde o surgimento da EC nº 66/2010, não
navega em águas tranquilas, tendo sido levantada a tese de que o instituto
da separação persistiria no ordenamento; o que a EC nº 66/2010 traria de
novo é a exclusão do prazo para o divórcio e a possibilidade de utilizá-lo
diretamente. Quem sustenta a manutenção do instituto alega o direito dos
cônjuges de exercer a autonomia privada, usando o instituto da separação
quando, por exemplo, não quiserem impor ainda a dissolução definitiva à
relação, ou por questões religiosas, dado ao fato de vertentes religiosas
rechaçarem o divórcio (PEREIRA, 2010). Entretanto, precisamos considerar
a laicização e secularização do Estado, que não pode ter suas premissas
calcadas em elementos religiosos.
Então, qual seria a utilidade da separação judicial hoje? A doutrina, de
forma majoritária, pugna pela extinção do instituto da separação em todas
as suas espécies, mantendo no sistema jurídico apenas o divórcio, tanto
pela interpretação do art. 226, § 6º da CF, com a alteração promovida pela
EC nº 66/2010, quanto pelas novas tendências no Direito de Família. Também
considera a inutilidade prática que tal instituto teria atualmente, tendo se
esvaziado com a possibilidade de se ingressar com ação de divórcio baseada
unicamente no elemento volitivo e sem exigência de prazo de espera para
buscar a dissolução. Nesse sentido, complementa Lôbo (2011. p. 152–153):

O resultado da sobrevivência da separação judicial é de palmar inocuidade, além de


aberto confronto com os valores que a Constituição passou a exprimir, expurgando
os resíduos de quantum despótico: liberdade e autonomia sem interferência esta-
tal. Ainda que se admitisse a sobrevivência da sociedade conjugal, a nova redação
da norma constitucional permite que os cônjuges alcancem suas finalidades com
muito mais vantagem. Por outro lado, entre duas interpretações possíveis, não
poderia prevalecer a que consultasse apenas o interessado individual do cônjuge
que desejasse instrumentalizar a separação para o fim de punir o outro, compro-
metendo a boa administração da justiça e a paz social.

Na mesma trilha, Farias e Rosenvald (2015, p. 353a), chamando a atenção


para o fato de que nem mesmo o argumento de mantença da separação para
preservar autonomias e colocar termo à relação sem dissolvê-la oficialmente
se justifica, pois seus efeitos podem ser obtidos pela separação de fato.
Acompanhe:
8 Dissolução da sociedade conjugal

Sem dúvidas, não fazia mais sentido (prático ou jurídico) manter a (obsoleta)
separação. É que a ratio essendi da separação era posterior à possibilidade de
sua conversão em divórcio. Ora, se, com a Emenda Constitucional multicitada,
já é possível a obtenção do divórcio, independentemente de qualquer prazo ou
causa, cessa, por conseguinte, a utilidade do instituto da separação. Pensar de
modo contrário atenta contra a mens legis da EC 66, conferindo sobrevida a um
instituto (separação) esvaziado de funcionalidade, na medida em que não poderá
mais conduzir a conversão em divórcio. Ou seja, a separação se revela inócua
juridicamente, e além disso, os efeitos que são pretendidos por meio dela, podem
ser, comodamente, obtidos através da separação de fato.

Mesmo que se admitisse a manutenção do instituto da separação (que


não é a tendência, como visto) não se discute mais quem é o culpado pelo fim
da relação. Não é papel do Estado apontar o dedo para o casal e fazer essa
apreciação, haja vista que a responsabilidade pela erosão de um casamento
é, geralmente, de ambos, tratando-se de assunto de esfera íntima, privada,
das pessoas. A discussão de quem é o culpado para fins de retirada de direitos
— quer sejam patrimoniais (partilha, alimentos), quer sejam pessoais (sobre
os filhos) —, existente durante tanto tempo como efeito direto da violação
dos deveres do casamento, não se justificam mais diante das transformações
ocorridas no Direito de Família, como a tendência de repersonalização, que
coloca a afetividade como elemento nuclear.
Assim, os deveres do casamento são vistos hoje sob outra ótica, não ser-
vindo, na maioria esmagadora dos casos, para imputar culpa e retirar direitos.
Inclusive porque o próprio Código Civil de 2002 insere o parágrafo único no
art. 1.573 (que traz as situações de impossibilidade de vida em comum), deter-
minando que: “[...] o juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a
impossibilidade da vida em comum” (BRASIL, 2002, documento on-line). Dessa
forma, consagra, entre outras possibilidades fáticas a serem avaliadas pelo
julgador, a falta de amor como causa possível para a dissolução do vínculo,
e ninguém é culpado por deixar de amar (ou, direta ou indiretamente, ambos
são), por isso a discussão da culpa deve ser abandonada e o Estado não deve
intervir em relações pessoais de família, como o casamento.
Infelizmente, o Código Civil de 2002 traz passagens que ressuscitam a figura
da culpa, o que é totalmente inadequado para o Direito de Família contem-
porâneo. Nesse tom vai a redação dos arts. 1.564, 1.578 e 1.704, tratando de
efeito da anulação do casamento, perda do nome do outro cônjuge e perda de
direito a alimentos. Acompanhe (BRASIL, 2002, grifo nosso, documento on-line):
Dissolução da sociedade conjugal 9

Art. 1.564. Quando o casamento for anulado por culpa de um dos cônjuges, este
incorrerá:
I – na perda de todas as vantagens havidas do cônjuge inocente;
II – na obrigação de cumprir as promessas que lhe fez no contrato antenupcial.
[…]
Art. 1.578. O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o
direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo
cônjuge inocente e se a alteração não acarretar:
I – evidente prejuízo para a sua identificação;
II – manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da
união dissolvida;
III – dano grave reconhecido na decisão judicial.
[…]
Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimen-
tos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso
não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial.
Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos,
e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o
outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável
à sobrevivência.

Andou mal a legislação codificada ao trabalhar a questão da culpa nova-


mente, de forma irrestrita. A doutrina majoritária relativiza tais dispositivos
para afirmar que a discussão da culpa resta abandonada, só sendo cabível
perquiri-la em casos extremamente graves e, ainda assim, os efeitos serão
de outras áreas do Direito, não cabendo ao Direito de Família esse debate e
apreciação. Nesse tom, explica Dias (2020, p. 123):

A apenação de um culpado só tem significado quando o seu agir coloca em risco a


vida ou a integridade física, moral, psíquica ou patrimonial de outra ou de outras
pessoas, ou de algum bem jurídico tutelado pelo direito. Fora disso, não há motivos
que levem o Estado a perseguir culpados, e muito menos, tentar puni-los. A culpa
dispôs de espaço próprio no âmbito do Direito Penal. No Direito Comercial e no
Direito Civil, cabe ser perquirida tão só na órbita obrigacional e contratual, em que
o agir está ligado a um ato de vontade.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), mesmo que na contramão da doutrina


majoritária, algumas vezes decide contemplando a dicotomia existente entre
separação e divórcio, como se a primeira ainda existisse após a EC nº 66/2010;
considera a decretação da separação, mas sem atribuição de responsabilidade
a nenhum dos cônjuges, ou seja, não ingressa na seara da culpa, apenas
considerando a insuportabilidade da vida em comum, conforme o que dispõe
o parágrafo único do art. 1.573 do Código Civil (BRASIL, 2002).
10 Dissolução da sociedade conjugal

São exemplos desse olhar do STJ os seguintes:


„„ Recurso Especial (REsp) 783.137/SP, julgado em 25/09/2006;
„„ REsp 467.184/SP, julgado em 05/12/2002;
„„ Embargo de Divergência de Recurso Especial (EREsp) 466.329/RS, julgado em
14/09/2005;
„„ Embargo de Declaração no Agravo de Recurso Especial (EDcl no AREsp) 78.716/
RJ, julgado em 17/09/2013.

Leite (2020) faz um estudo pormenorizado da matéria a partir do olhar do


STJ e seus julgados, enfatizando que a culpa é elemento totalmente excluído
de consideração na jurisprudência do STJ. Chama a atenção para o teor do
julgado do REsp 1.483.841/RS, julgado em 17/03/2015:

As tintas jogadas pelo Superior, especialmente no julgado de relatoria do Ministro


Moura Ribeiro (REsp 1.483.841/RS), reforçam a tese segundo a qual a análise da
culpa nos desenlaces é desnecessária. De fato, nesse processo desagregador — de
rompimento de vidas e de sonhos — esse tipo de discussão deveria passar des-
percebido por ser dado de somenos importância diante da complexa discussão
que está sendo travada. O julgado indica, na esteira da doutrina majoritária, que é
preciso deixar de lado a exposição desnecessária e vexatória que a culpa leva à
intimidade do casal (BRASIL, 2015, documento on-line).

É incontroverso que a EC nº 66/2010 retira os prazos para o divórcio e é


pacífico que as discussões sobre culpa nos desenlaces afetivos devem ser
abandonadas pelo Direito de Família, como se viu. Mas a dúvida que persiste
é se a separação foi extinta do ordenamento jurídico, restando apenas a
figura do divórcio (sem imposição de prazos e sem atribuições de culpas), e,
neste caso, não existe mais nenhuma das modalidades de separação (sanção,
remédio, falência), ou se persistem ambos os institutos autonomamente, se-
paração e divórcio. O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não se pronunciou
sobre o tema para apaziguá-lo de vez, mas reconheceu sua repercussão geral
e deve se manifestar em breve sobre o assunto.
Dissolução da sociedade conjugal 11

Dissolução da sociedade conjugal e


seus efeitos
A sociedade conjugal poderá ser dissolvida então por meio do divórcio, exis-
tindo hoje, em virtude da EC nº 66/2010, basicamente três tipos, listados a
seguir (BRASIL, 2010):

„„ divórcio judicial litigioso;


„„ divórcio judicial consensual;
„„ divórcio extrajudicial consensual.

Geralmente, as questões que entornam o interesse das partes em se


divorciar dizem respeito a regulamentações e definições sobre partilha de
bens e direitos envolvendo os filhos (alimentos, guarda, visitas), e ainda sobre
direitos pessoais, como a troca do sobrenome, por exemplo. Pode ocorrer, no
entanto, de se tratar de situação fática, na qual há um elemento de urgência
em relação ao afastamento do casal, e não se pode esperar. Nesses casos, não
está em jogo apenas um interesse patrimonial (sobre os bens), ou definições
de direitos pessoais como os filhos ou o nome, mas situações que podem
comprometer em definitivo a integridade física/psíquica e até mesmo a vida
de um dos envolvidos.
Trataremos das espécies de divórcio existentes no ordenamento jurídico,
em relação às quais os envolvidos podem se socorrer para dissolver a socie-
dade conjugal. Após, veremos as chamadas medidas protetivas, aplicadas em
matéria de Direito de Família, especialmente com foco na Lei Maria da Penha.

Espécies de divórcio contempladas atualmente


pela legislação e suas peculiaridades
Basicamente, no divórcio judicial, o objetivo é dissolver a sociedade conjugal,
liberando os cônjuges para estabelecer novos vínculos, para fins de fato e de
direito. Oficializa-se nova condição relativa ao estado civil junto ao registro
de pessoas naturais (pois, no pedido da petição inicial, já consta “que o juiz
oficie o registro para averbar a situação da dissolução”). Ainda, é objeto da
referida ação judicial definir questões atinentes ao âmbito familiar diante
da nova situação dos cônjuges divorciados, como guarda e demais questões
relativas ao convívio e cuidado com os filhos (por exemplo, regulamentação
de visitas), alimentos, partilha dos bens e utilização ou não do sobrenome
do cônjuge quando este foi agregado por ocasião do casamento.
12 Dissolução da sociedade conjugal

O divórcio judicial consensual ocorre quando os cônjuges decidem, con-


juntamente, todas essas questões e chegam a um acordo amigável sobre
tudo. É um procedimento de jurisdição voluntária, pois não há lide, conflito
ou partes. Os cônjuges definem todos os termos na petição inicial e ambos
assinam, representados pelo mesmo advogado, via de regra.
No divórcio consensual há mera regulamentação de interesses por meio
do acerto dos termos previamente por eles definidos e homologados judicial-
mente, a fim de surtirem os devidos efeitos jurídicos. Essa mínima intervenção
do Estado é necessária exatamente pelo que dispõe o caput do art. 226 da CF,
no sentido de que “A família, [...] tem proteção especial do Estado” (BRASIL,
1988, documento on-line). Exatamente por isso não é permitido que ações de
família tramitem nos juizados especiais, pois são mais abreviados em tempo,
recursos, provas e se destinam as causas de pouca complexidade. Igualmente,
é necessária a promoção do Ministério Público nas ações de família, para
emitir pareceres, quando houver interesse de incapazes envolvidos na ação
(se litigiosa) ou procedimento (se consensual) — filhos, por exemplo.
No divórcio judicial litigioso há lide/conflito, autor e réu, partes con-
trapostas. Costuma ser um processo que exige emocionalmente de todos,
respingando seus efeitos, não raro, nos filhos. É portanto bem mais demorado
no seu trâmite e muito mais complexo que a via consensual. Aqui haverá
divergência em relação a muitos pontos, senão todos, e daí a importância
cabal das audiências de conciliação, buscando o entendimento entre eles
e a composição do conflito, bem como a utilização de novos e eficazes ins-
trumentos para alcançar este fim, como a mediação familiar. Lôbo (2011,
p. 155) relembra um dado fundamental: “Se a divergência resumir-se apenas
à partilha, poderão os cônjuges submetê-la a processo autônomo. Somente
sobre questões essenciais pode haver contestação ao pedido, sendo incabíveis
argumentos relacionados às causas da separação”.
O divórcio extrajudicial consensual é uma nova possibilidade desburo-
cratizada de dissolver o vínculo matrimonial, sem precisar recorrer ao poder
judiciário. Trata-se do procedimento previsto na Lei nº 11.441, de 4 de janeiro
de 2007, que permite a lavratura de escritura pública notarial nas situações
em que estão presentes os seguintes requisitos (BRASIL, 2007):

„„ os cônjuges devem, necessariamente, estar acompanhados por


procurador/advogado;
„„ deve existir consenso sobre todas as questões envolvendo o divórcio;
„„ só é cabível utilizar este meio se não tiverem filhos ou estes sejam
capazes;
„„ seja o ato lavrado por escritura pública (é formal e solene).
Dissolução da sociedade conjugal 13

A medida extrajudicial para obter o divórcio por meio da utilização de


serviços notariais é salutar e atende à tendência de desjudicialização dos
conflitos, simplificando e encurtado procedimentos, abrandando burocracias
e auxiliando o judiciário em desafogar sua demanda. Basicamente, as provas
são a certidão de casamento e a certidão de nascimento dos filhos, quando
capazes. Havendo bem imóvel transmitido de um cônjuge a outro, incidirá
o respectivo tributo (ITBI), e o divórcio, “[...] após a lavratura do ato, produz
efeitos imediatos (não depende de homologação judicial), sendo o instrumento
público documento hábil para averbar o divórcio junto ao registro público
do casamento e para o registro de imóveis, se houver” (LÔBO, 2011, p. 159).

Importante mudança ocorreu também no texto legislativo do Código


de Processo Civil de 2015, na tendência de haver menos intervenção
estatal, ao definir que a promoção no Ministério Público para dar pareceres em
ações de família só ocorrerá quando estiverem presentes incapazes.

Medidas preventivas e protetivas em matéria de


família e a Lei Maria da Penha
O art. 1.562 do Código Civil de 2002 autoriza a concessão de separação de
corpos, preparatória (proposta autonomamente, antes do divórcio, ou até
independente deste) ou incidental, dela decorrendo todos os efeitos práticos
da separação, como cessação do regime de bens, extinção dos deveres do
casamento, colocação de termo no que toca a partilha, interrupção de direitos
sucessórios, entre outros.
Segundo a doutrina, a separação de corpos, é a medida que traria os
efeitos da extinta separação judicial e pode ser tranquilamente utilizada “[...]
para atender os casais que querem dar um tempo na relação, deixando uma
decisão definitiva para um momento posterior” (LÔBO, 2011, p. 357). Ainda que
sejam medidas que guardam muita similitude, a separação de corpos deve,
em termos conceituais, e devido ao objetivo que busca, ser diferenciada do
chamado afastamento do lar.
O afastamento do lar tem natureza emergencial. Ocorre sempre que houver
sérios indícios ou provas de que um dos cônjuges se encontra em situação
de perigo e pode ter sua integridade física (inafastável da psíquica) ou até
mesmo sua vida posta em risco devido à mantença da convivência com o outro.
14 Dissolução da sociedade conjugal

A linha entre as duas é muito tênue, pois separar corpos também significa
afastar, mas a separação de corpos tem relação com a proteção à liberdade e
dignidade, o direito de estar só, sendo possível a chancela judicial no sentido
de separar do mesmo espaço físico duas pessoas que já não se amam mais
(MADALENO, 2006), pois é frequente nesses casos que um queira estar só e o
outro resista a sair. É uma tutela inibitória e preventiva, que visa a proteger
o direito de personalidade, nos moldes do art. 12, parágrafo único, do CC.
O afastamento do lar é um a medida muito presente nas ações que en-
volvem violência doméstica e é, infelizmente, uma situação recorrente na
atualidade. A matéria é regulada para proteger a mulher, pela vulnerabilidade
que a acompanha tanto em relação à discrepância de força física, típica
da diferença entre os gêneros masculino e feminino, quanto em virtude da
situação do ambiente doméstico e familiar, que, povoado por sonhos e projetos
de vida, fragiliza e vulnerabiliza frente a situações graves, como a violência
física, levando não raro a vítima à negação e receio de denunciar.
A ideia da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da
Penha, de se calcar no ideal da igualdade material ou substancial para eleger o
sujeito de direito vulnerável (mulher) e protegê-lo de forma diferenciada, deve
andar junto com a concepção de igualdade formal (todos são iguais perante
a lei e homens e mulheres são iguais em direitos e deveres). Isso porque a
proteção a ser conferida dialoga com a situação fática, que pode apontar
para a vulnerabilidade dos filhos e do próprio marido, quando a violência no
ambiente familiar for gerada pela mulher, devendo o afastamento ser dela.
Tudo depende das provas do processo e da peculiaridade dos fatos. Vejamos
julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, trazido por Farias e Rosenvald
(2015, p. 360) para ilustrar uma situação da necessária proteção do marido
e da prole:

Ementa: Separação. Decisão que determina a retirada do marido do lar. Inadmissibi-


lidade. Permanência da mulher que apresenta risco de graves agressões ao marido
e aos filhos. Decisão reformada, para determinar-se o afastamento da mulher e
a permanência do varão e prole no imóvel. TJSP, Ac 7ª Câmara de Direito Privado,
Agr. Instr. 71.361-4/6. Rel Des. Rebouças de Carvalho, j. 22.4.1998.

Na Lei Maria da Penha, o pedido de afastamento do lar é efetivamente


a chamada medida protetiva, que tem por escopo a proteção das mulheres
vítimas de violência (física ou psíquica, conforme art. 7 da lei) (BRASIL, 2006)
e a determinação de que o réu mantenha distância mínima da mulher e dos
filhos. Outras medidas específicas podem ser determinadas, como proibição
de entrar em contato por telefone ou se aproximar do local de emprego da
Dissolução da sociedade conjugal 15

mulher. É precedida de boletim de ocorrência, podendo ocorrer exame de


corpo delito. O descumprimento da ordem judicial acarreta prisão de três
meses a dois anos.

Efeitos da dissolução da sociedade conjugal


O Código Civil de 2002 dividiu o livro relativo ao Direito de Família em Direito
Pessoal e Direito Patrimonial de Família, não havendo essa designação no seu
antecessor, o Código Civil de 1916. A dissolução da sociedade conjugal gera
efeitos de ordem patrimonial e extrapatrimonial. Com o divórcio, o casamento
se dissolve e várias questões são resolvidas conjuntamente, não apenas o
término do vínculo conjugal.
As definições que podem ocorrer juntamente com o divórcio dizem respeito
a direitos patrimoniais, como partilha de bens, e extrapatrimoniais, que se
referem a direitos de personalidade/extrapatrimoniais, pois são insuscetíveis
de valoração monetária, já que situados em âmbito mais existencial. São
direitos extrapatrimoniais os seguintes:

„„ direito ao nome;
„„ direito à guarda dos filhos;
„„ regulamentação de visitas em relação aos filhos.

Os alimentos trazem uma natureza mista, visto que têm uma parte patrimo-
nial — suscetível de apreciação em pecúnia, que é o valor fixado mensalmente
a ser pago como verba alimentar — e extrapatrimonial, pois garantir direito
a alimentos é preocupação com mantença da subsistência e preservação do
direito à vida e dignidade (embora seja tratado na parte do Direito Patrimonial
de Família no CC).

Direito à partilha de bens e alimentos


A parte do Direito Patrimonial de Família do diploma codificado civil já inicia
tratando das espécies de regime de bens, e muito se ocupa desse tema, de-
talhando suas previsões e o que se faz necessário. Isso porque, dependendo
do regime escolhido, ocorrerá a partilha entre aqueles que estão rompendo
o vínculo conjugal.
16 Dissolução da sociedade conjugal

A primeira questão que se traz à baila é a seguinte: a partilha tem que,


obrigatoriamente, ser feita no momento do divórcio ou pode ficar para mo-
mento posterior? Não há problema que a partilha seja definida em momento
posterior, conforme determinação do art. 1.581 do CC, que define: “O divórcio
pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens” (BRASIL, 2002,
documento on-line). Nesse sentido, toda a carga probatória será realizada
nessa ação autônoma, como o elenco dos bens, a prova da propriedade dos
mesmos e as discussões cabíveis sobre a comprovação da contribuição e
o esforço comum de cada um dos cônjuges para a aquisição dos mesmos.
O regime de bens terá que ser analisado para definir como se dará a
partilha. Vejamos:

„„ Regime da comunhão universal de bens: é regulado pelo art. 1.667 do


CC. Nele, todos os bens dos cônjuges se comunicam: os adquiridos
anteriormente ou na vigência no casamento, inclusive os passivos
(dívidas), com as exceções previstas no art. 1.668 do CC.
„„ Regime de comunhão parcial de bens: é o mais utilizado na sociedade
atual. Define que o que é adquirido a partir do casamento a título one-
roso divide-se 50 % para cada um. O art. 1.659 do CC detalha quais bens
são excluídos da comunhão e o art. 1.660, quais os que são incluídos.
„„ Regime da separação de bens: é regulado pelo art. 1.687 do CC e deter-
mina que nenhum dos bens se comunica, havendo a separação total
dos bens adquiridos antes da união ou durante a mesma.
„„ Regime da separação obrigatória: é tratado no art. 1.641 do CC e é
imposto a quem vai casar em situações específicas, não podendo
escolher o regime. São elas: cônjuge com mais que 70 anos na data
do início da união e quem precisa de suprimento judicial para casar.

Outro efeito direito da dissolução da sociedade conjugal é a estipulação de


pagamento de alimentos aos filhos do casal ou ao cônjuge (são titularidades
diferentes). A obrigação de pagar alimentos cabe àquele que tem possibilidade
de pagar e nos casos nos quais fica evidenciada ou comprovada a necessidade
de quem irá receber.
Quando se tratar de filhos menores, essa necessidade é presumida, não
sendo preciso comprová-la (filhos maiores devem provar a necessidade),
a não ser para fins de modulação do quantum a ser pago, demonstrando
custos extras, a exemplo de um filho que tem problemas de saúde contí-
nuos. Em regra, fixa-se a verba alimentar em 30% do salário do alimentante,
mas essa é apenas uma tendência da jurisprudência, podendo ser fixado
Dissolução da sociedade conjugal 17

em percentual maior ou menor, já que também deve atender ao critério da


possibilidade. Havendo emprego fixo, há ainda a possibilidade de solicitar
desconto em folha de pagamento, sendo, neste caso, a empresa empregadora
do alimentante oficiada a descontar os valores e depositar para aquele que
detém a guarda da criança.
Quando, no entanto, o(a) ex-cônjuge pleitear alimentos em seu nome,
é necessário comprovar a necessidade e que depende do cônjuge mate-
rialmente. Geralmente, são casos nos quais um contribui materialmente e
outro imaterialmente para a manutenção da família. O STJ já definiu que o
pagamento de alimentos para ex-cônjuge deve ser fixado por tempo certo
(e não indefinidamente) e se aplica em situações pontuais, como aquelas
que envolvem incapacidade profissional permanente ou a impossibilidade
de reinserção no mercado de trabalho.

Os alimentos são irrenunciáveis quando forem direito dos(as) filho(as)


e, sendo direito do(a) cônjuge, valerá pacto de renúncia a esse direito
apenas quando o(a) cônjuge ficar com bens e condições de se manter por ocasião
da separação, salientando Lôbo (2011, p. 375): “[...] fora desta hipótese, qualquer
cláusula de renúncia, apesar da autonomia dos que a celebraram, considera-se
nula, podendo o juiz declará-la de ofício”.

Guarda dos filhos, regulamentação de visitas e


direito a usar (ou não) o nome do outro após a
dissolução do vínculo
Nos direitos pessoais de família, repousam as questões relativas aos filhos
e ao direito ao nome. Claro que várias outras temáticas poderiam ser traba-
lhadas na esfera de proteção à personalidade, como os deveres de respeito
mútuos — e daí a jurisprudência, não raro, enfrentar situações de ataques a
integridades psíquicas advindas das relações de família, como é o caso das
ações indenizatórias por infidelidade e outras circunstâncias que exponham
a pessoa na sua privacidade e dignidade. Entretanto, essas são questões
que se situam no terreno da responsabilidade civil e seguem seus preceitos,
ainda que tenham relação com o Direito de Família. Por essa razão, neste
momento, como efeitos de caráter pessoal da dissolução do matrimônio,
18 Dissolução da sociedade conjugal

elencamos os que são típicos do Direito de Família, como a proteção aos


filhos e ao nome do cônjuge.
A proteção aos filhos repousa, basicamente, nos direitos e deveres oriundos
da parentalidade, deveres de cuidado e assistência. O direito a alimentos
integra essa proteção, juntamente com o regramento da guarda e de visitas,
como o direito do(a) filho(a) e do(a) genitor(a) que não a detém. Assim, os
arts. 1.583 e seguintes do CC determinam que a guarda pode ser de espécie
unilateral ou compartilhada.
A guarda será unilateral quando se constituir em favor de um dos genitores,
regulamentando-se o direito de visitas para o outro na ação de divórcio, que
costuma, em regra, ser fixado quinzenalmente, mas nada obstando que fique
convencionado de modo diverso, com intervalos maiores ou menores. Será
compartilhada quando fixada em favor de ambos os genitores, tendo o(a)
filho(a) toda a estrutura de casa e estabilidade necessária ao pleno desen-
volvimento de sua personalidade em ambos os lares. É a espécie de guarda
mais indicada atualmente, que melhor atende ao bem-estar e interesse de
todos os envolvidos, especialmente da criança, buscando-se a concretização
da doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente, constitucional-
mente prevista no art. 227 da CF.
Ainda que a modalidade compartilhada seja a mais indicada, haverá inter-
venção do Ministério Público para opinar sobre ela, mesmo havendo consenso
dos pais. Tal intervenção é necessária quando estiver em jogo interesse de
incapaz, no sentido de verificar a viabilidade da medida e constatar que é a
melhor opção para a criança, sendo comum, nesses casos, a perícia por meio
de laudo psicossocial.
A legislação começa a tratar da guarda compartilhada nesses termos,
mas vai mais longe, surgindo a seguinte questão: a guarda compartilhada
pode ser fixada mesmo diante da ausência de consenso dos genitores?
A partir da lei especial que trata da guarda compartilhada, Lei nº 13.058, de
22 de dezembro de 2014, que dispôs sobre sua obrigatoriedade, a resposta é
sim. Essa é a medida que melhor responde aos interesses da criança e, não
havendo situação fática contrária a isso, a guarda compartilhada se impõe.
Nesses termos, a jurisprudência dispõe:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. GUARDA COMPARTILHADA. RESIDÊNCIA HABITUAL MATER-


NA E REGIME DE CONVIVÊNCIA PATERNO-FILIAL. A redação atual do artigo 1.584, § 2º
Código Civil (introduzido pela Lei 13.058/14) dispõe que a guarda compartilhada é a
regra há ser aplicada, mesmo em caso de dissenso entre o casal, somente não se
aplicando na hipótese de inaptidão por um dos genitores ao exercício do poder
familiar ou quando algum dos pais expressamente declarar o desinteresse em
Dissolução da sociedade conjugal 19

exercer a guarda. Caso em que a guarda compartilhada vai regulamentada, com


fixação da residência habitual materna e regime de convivência paterno-filial em
finais de semana alternados com pernoite. DERAM PROVIMENTO. (Agravo de Ins-
trumento Nº 70065259194, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
José Pedro de Oliveira Eckert, Julgado em 20/08/2015) (RIO GRANDE DO SUL., 2015,
grifo nosso, documento on-line).

Ainda na esfera dos direitos pessoais, sabe-se que o casamento gera o


direito de adotar o nome do cônjuge, e também de retirá-lo no caso de se-
paração. Iniciamos chamando a atenção para o fato de que é prática comum
que a mulher adote o sobrenome do marido por ocasião do matrimônio;
ainda que, na atualidade, as tendências patriarcais já estejam enfraquecidas,
há um ranço cultural que persiste, sendo essa uma situação muito comum.
Nada obsta, todavia, que o homem adote o sobrenome da mulher, conforme
Fachin (1999, p. 153):

Ao casarem-se, marido e mulher podem adotar um o sobrenome do outro, e vice-


-versa. A regra da família patriarcal e hierarquizada, era sempre a da mulher
adotar o patronímico do marido. A superação desse modelo, notadamente por
força do princípio constitucional da igualdade, permite ao marido adotar o nome
de família da mulher.

Seja como for, também é comum que, com o término da relação, não se
tenha mais interesse de carregar o nome do outro, a fim de retomar a própria
vida e a identidade anterior ao casamento. O art. 1.571, que trata do término
da sociedade conjugal, direciona no § 2º o seguinte: “Dissolvido o casamento
pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de
casado; salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de sepa-
ração judicial” (BRASIL, 2002, documento on-line).
O nome é um direito de personalidade e encontra sua total proteção no
CC, arts. 16 a 20, e na Lei de Registro Públicos (Lei nº 6.015, de 31 de dezembro
de 1973). Assim, é ato volitivo do(s) cônjuge(s) adotar ou não o patronímico
de seu consorte e igualmente seu direito, se o fizer, pretender extirpá-lo por
ocasião da dissolução do vínculo, solicitando nos pedidos da ação de divórcio
essa providência judicial. Vimos que, no entanto, há uma previsão no CC que
atrela o direito de usar o nome do outro à culpa do cônjuge, conforme previsão
do art. 1.578, que determina que “o culpado” pela separação perde o direito
de usar o nome do outro, salvo as situações previstas no artigo, como o fato
de ter ficado reconhecido no âmbito profissional por aquele sobrenome.
20 Dissolução da sociedade conjugal

Após a EC nº 66/2010, as críticas que já existiam, no cenário doutrinário e


jurisprudencial, quanto à reformulação dos paradigmas da família e a neces-
sidade de abandonar a discussão da culpa se tornaram muito mais ferozes e
legítimas, sendo apontado tal dispositivo como inconstitucional, exatamente
porque nome é direito de personalidade, integrando a existencialidade da
pessoa (DELGADO, 2018). Assim, não só deve ser aplaudida a decisão que,
desde o primeiro grau de jurisdição, nega a aplicabilidade a esse artigo, como
se faz necessária tal postura dos julgadores, que devem estar comprome-
tidos com as novas tendências do Direito de Família e o controle difuso de
constitucionalidade.

Referências
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do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento
civil pelo divórcio, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1
(um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc66.htm.
Acesso em: 15 dez. 2020.
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sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos, e dá outras
providências. DF: Presidência da República, 1977. Disponível em: http://www.planalto.
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BRASIL. Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição
Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra
as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução
Penal; e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2006. Disponível
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de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, possibilitando a realização de inventário,
partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa. Brasília,
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Dissolução da sociedade conjugal 21

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