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0.1 AV1
A dissolução do casamento no Brasil, prevista no Capítulo X do Código Civil
Brasileiro, especificamente nos artigos 1.571 a 1.582 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de
2002, apresenta diversos entendimentos e argumentações sobre a legalidade da extinção
dos vínculos conjugais.
Há o argumento pela continuidade da legitimidade do instituto da Separação
Judicial. Esse argumento se baseia principalmente em dois fatores: a possibilidade de
arrependimento e o potencial de reconciliação do casal. Os defensores do instituto da
Separação Judicial defendem que a separação judicial dissolve apenas a sociedade conjugal,
que abrange a totalidade dos direitos e obrigações existentes entre os cônjuges, inclusive
o afeto e o costume de viver sob a mesma família. No entanto, o vínculo matrimonial
permanece intacto, facilitando o processo para os cônjuges que se arrependem de sua
decisão e optam por restabelecer o casamento. Eles não precisariam se casar novamente,
mas simplesmente encerrar a separação legal. Esse argumento encontra respaldo na previsão
legal do artigo 1.577 do Código Civil, que dispõe:
"Art. 1.577. Seja qual for a causa da separação judicial e o modo como esta se faça,
é lícito aos cônjuges restabelecer, a todo tempo, a sociedade conjugal, por ato regular em
juízo.
Parágrafo único. A reconciliação em nada prejudicará o direito de terceiros, adqui-
rido antes e durante o estado de separado, seja qual for o regime de bens."
Essa linha argumentativa também levanta a questão da autonomia de vontade
dos indivíduos envolvidos. Sugere que a mudança trazida pela EC nº 66/2010 atenta
contra a capacidade de autogoverno da vontade humana. Parte-se da premissa de que, se
houver consenso entre os envolvidos em optar pela separação judicial ao invés do divórcio,
a negação dessa escolha é vista como uma violação de sua autonomia de vontade. Esta
perspectiva é apoiada por muitos juristas. Nesse contexto, enfatiza-se a ideia de evitar
possíveis arrependimentos pela decisão do divórcio. A separação judicial serve a esse
propósito, oferecendo uma opção para os casais que estão incertos sobre a ruptura do
vínculo matrimonial. Esses casais podem não querer manter seu relacionamento como
está atualmente, mas também não querem romper permanentemente seu vínculo conjugal.
Nesses casos, a separação judicial fornece uma solução temporária até que uma decisão
final possa ser tomada.
Outro raciocínio no que se refere à dissolução dos vínculos matrimoniais pauta-se
no princípio da máxima eficácia do Texto Constitucional, que é um princípio operativo
chave em relação a todas as normas constitucionais. Este princípio afirma que a uma
norma constitucional deve ser atribuído o significado que lhe confere a maior eficácia.
Embora sua origem esteja ligada à tese da atualidade das normas programáticas (Thoma),
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ela é hoje invocada prioritariamente no âmbito dos direitos fundamentais. Em caso de


dúvida, deve-se dar preferência à interpretação que reconheça a maior eficácia dos direitos
fundamentais.
A dissolução do casamento no Brasil era tradicionalmente um modelo bifásico,
envolvendo separação judicial seguida de divórcio. No entanto, este modelo tem sido
criticado por sua natureza burocrática e falta de eficácia. ??) argumenta que a persistência
da categoria de separação judicial é injustificável, haja vista que sua finalidade sempre foi
a de acabar com o casamento. A Norma Superior agora estipula apenas o divórcio como
conteúdo, sem complicações excessivas. A exigência de uma fase inicial de dissolução já
não se sustenta, pois a Constituição incide apenas numa fase que antes era secundária.
O argumento pela permanência da separação das leis está vinculado a uma Lei Civil
excessivamente burocrática, desvinculada da Constituição Federal, excessivamente formal
e carente de substância. Esta abordagem é vista como excessivamente teórica e carente de
eficácia prática. A Emenda Constitucional (EC) nº 66/2010 trouxe mudanças significativas
nessa área. Melhorou a qualidade de vida dos casais que desejam dissolver o casamento,
eliminando a necessidade do doloroso processo de separação judicial antes de se divorciar.
Isso permite que os casais sigam em frente e comecem uma nova vida com mais rapidez e
facilidade. No entanto, esta mudança não foi universalmente bem-vinda. Muitos intelectuais,
operadores do direito e estudiosos não reconhecem a extinção tácita da Separação Judicial.
Levantam diversos argumentos para legitimar a permanência do instituto da Separação
Judicial, alguns destes já explanado alhures.
Todavia, o princípio da máxima eficácia do Texto Constitucional continua a ser
um princípio orientador fundamental, acentuando a necessidade de interpretações que
reconheçam a maior eficácia dos direitos fundamentais, o que pode ser aplicado à compre-
ensão das mudanças advindas da EC 66/2010 que introduziu o conceito de divórcio direto,
eliminando assim a necessidade de uma etapa preliminar, permitindo que os cônjuges
terminassem o casamento imediatamente, sem quaisquer requisitos de separação prévia.
Esta alteração reflete uma mudança para uma abordagem mais liberal, reconhecendo a
autonomia dos cônjuges para terminar o casamento sem obstáculos processuais. Além disso,
eliminou a necessidade de provar a culpa ou um motivo específico para o divórcio. Isso
agilizou o processo, reduzindo os estigmas associados às antigas justificativas. Em essência,
a EC 66/2010 trouxe uma significativa transformação no cenário jurídico, permitindo que
os cônjuges exerçam sua autonomia de forma mais efetiva, em consonância com a evolução
da realidade das relações familiares no Brasil.
Outra significativa transformação proveniente dessa emenda constitucional, além da
supracitada elevação da possibilidade de divórcio a um nível constitucional - marcando um
afastamento significativo do passado impregnado de tradições religiosas e conservadoras -,
foi a expansão do discurso em torno do divórcio para abranger outras áreas relacionadas
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a esse processo, particularmente à luz das mudanças nas percepções dos direitos das
mulheres, incluindo direitos de propriedade. Nestes casos, é fundamental salvaguardar
a resolução do património do casal. Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto
Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), entidade responsável pela elaboração da EC
66/2010, explica que as disputas por divisão de bens podem durar mais de 20 anos. A
parte economicamente mais forte costuma ser a preferida, pois tem mais recursos para
sustentar a luta. Numa sociedade que muitas vezes privilegia o trabalho masculino com
melhor remuneração, geralmente se suspeita que os homens terão melhores condições de
lutar pela divisão dos bens. Isso é ainda mais complicado pela dupla carga de trabalho
que muitas vezes as mulheres carregam, marcada pela prevalência do trabalho doméstico
não remunerado. Vê-se, portanto, como difícil e improvável resolver o patrimônio do casal
de forma justa e igualitária. Isso destaca a necessidade de reformular a legislação sobre o
divórcio, a fim de proteger os direitos coletivos.
Essa necessidade de reformulação demonstra que somente tal emenda, bem como
legislações anteriores, não são suficientes para enfrentar o tradicional sistema binário
de casamento no Brasil. Desde o início da sociedade, a moral e os costumes, que são
inerentemente conservadores e tradicionais, estão interligados com a política estrutural na
formação da identidade nacionalista e cultural de um país. Esse é o caso do Brasil, onde
os costumes se adaptaram à realidade local, mas foram influenciados principalmente por
ideais estrangeiros, principalmente o modelo americano de bem-estar social. Esse modelo,
que impõe papéis sociais específicos, está profundamente arraigado na política brasileira,
moldando o conceito de "família ideal". Este ideal de família é baseado principalmente
em uma relação heteroafetiva entre um homem e uma mulher. No entanto, esta concep-
ção tradicional tem frequentemente colidido com a autonomia privada dos indivíduos,
nomeadamente no que se refere à dissolução do vínculo conjugal. Como argumenta ??), a
intrusão do Estado na vida privada das pessoas, particularmente no contexto do casamento
e do divórcio, muitas vezes encontrou resistência. As justificativas apresentadas para essa
intromissão muitas vezes não são convincentes, pois conflitam com a autonomia privada
dos indivíduos, impedindo-os de tomar decisões que sejam melhores para suas próprias
vidas. Isso é particularmente evidente no contexto do divórcio, onde os casais interessados
em dissolver o casamento tiveram que se submeter ao sistema binário ou suportar mais
de dois anos de separação. A promulgação da Lei do Divórcio (6.515/1977), em 26 de
dezembro de 1977, marcou uma mudança significativa no ordenamento jurídico brasileiro.
Essa lei introduziu a possibilidade da dissolução oficial do casamento, acarretando grandes
mudanças na sociedade brasileira. No entanto, o período de 1977 a 2010, e até os dias
atuais, foi caracterizado por mudanças graduais que se adaptaram à evolução das demandas
da sociedade. Se a Lei do Divórcio representou uma ruptura social significativa, permitindo
a possibilidade de divórcio em condições burocráticas, somente em 2010 houve um avanço
significativo com a Emenda Constitucional 66, como já abordamos.
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No entanto, a introdução desta emenda suscitou um debate entre os juristas sobre


a validade da Lei Ordinária. Alguns juristas, como Gilberto Schafer e Fernando Henri-
que Pinto, defendem que a retirada de um tema do Texto Constitucional não implica
necessariamente revogação, especialmente quando a matéria é regulada no âmbito de
leis ordinárias. Eles alegam que a legislação ordinária não foi explicitamente revogada e,
portanto, permanece válida. Essa perspectiva, porém, desconsidera a Lei de Introdução
ao Código Civil, que dispõe que leis posteriores podem revogar as anteriores quando
expressamente declaradas, quando houver incompatibilidade, ou quando a nova lei re-
gular integralmente a mesma matéria tratada pela lei anterior. Desde 1977, quando a
EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 9, DE 09 DE NOVEMBRO DE 1995 permitiu o
divórcio, seguida da aprovação da "Lei do Divórcio", houve uma mudança significativa
na legislação, indicando certa aceitação de revisões nesse campo. Juristas como Sérgio
Gischokow Pereira argumentam que a Constituição Federal não mencionou a separação
judicial, que posteriormente foi eliminada como requisito para o divórcio. No entanto,
permanece válido para aqueles cujas crenças religiosas não permitem o divórcio. Um caso
no Rio Grande do Sul chamou a atenção ao manter a separação judicial enquanto a
legislação não muda, apesar de tal decisão contrariar a hierarquia jurídica, uma vez que a
Constituição prevalece sobre as leis ordinárias. O Supremo Tribunal Federal reforça a ideia
de que a nova Constituição revoga as leis ordinárias anteriores que entram em conflito.
Autores como Paulo Lôbo concordam que a eliminação da separação judicial também
eliminou a dissolução da sociedade conjugal como era conhecida, restando agora como
única opção a dissolução do vínculo conjugal. Essa mudança no cenário jurídico reflete a
evolução das normas e valores sociais no Brasil, enfatizando a autonomia dos indivíduos
para decidir o destino de seus casamentos.
Mais especificamente sobre o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, este
tem consistentemente defendido a supremacia da Constituição, afirmando que tem o
poder de revogar quaisquer leis ordinárias que conflitem com suas disposições. Apesar de
algumas resistências a esse princípio, é claro que quaisquer dispositivos incompatíveis com
a Constituição são ineficazes. Isso é corroborado pela jurisprudência, que afirma a aplicação
imediata da nova ordem, invalidando assim o conceito de separação judicial previsto na
lei comum. ??), em seu Manual de Direito Civil, concorda com essa visão, argumentando
que as alterações trazidas pela Emenda Constitucional 66/2010 são autoexecutáveis e não
necessitam de “ponte infraconstitucional” para sua eficácia. Esta perspetiva reconhece
a força normativa da Constituição e alinha-se com o princípio da máxima eficácia ou
eficiência do Texto Constitucional, como originalmente apontado por ??).
Este princípio afirma que uma norma constitucional deve ser interpretada de forma
que lhe confira a maior eficácia, particularmente no contexto dos direitos fundamentais.
A nova Constituição também levou à revogação de alguns artigos do Código Civil que
anteriormente regulavam a dissolução do casamento. Esses artigos perderam a validade
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por conflitar com o novo dispositivo constitucional, reforçando ainda mais a supremacia
da Constituição.
Ademais, já apontamos algumas teses de sustentação da visão do conceito de
separação judicial, conforme previsto no Código Civil brasileiro, como uma oportunidade
para que os cônjuges reconsiderem a ideia do divórcio. Essa perspectiva vê a separação
judicial como uma pausa, uma chance de reflexão e uma proteção potencial contra a angústia
do arrependimento após um divórcio apressado. Esse entendimento está alicerçado na crença
de que a separação judicial permite a possibilidade de reconciliação a qualquer momento,
sem a necessidade de novo casamento. Daí, mesmo após a EC 66/2010, que enfraqueceu essa
visão, alguns ainda argumentam que, embora essa emenda tenha simplificado o processo
de divórcio, ela não aboliu a instituição da separação judicial. Este argumento baseia-se
na premissa de que a reconciliação continua a ser uma possibilidade, independentemente
do estatuto jurídico da relação. Apesar dessas interpretações divergentes, é importante
observar que o ordenamento jurídico brasileiro não impede a reconciliação entre os cônjuges,
independentemente de terem passado por separação judicial ou divórcio. O fim do afeto, do
amor e do afeto entre um casal não deve impedir o respeito e o potencial de reconciliação. Em
situações em que o amor foi substituído pela animosidade, pode ser necessário reconsiderar
o casamento. O ordenamento jurídico brasileiro, conforme alterado pela EC 66/2010,
permite que os cônjuges se divorciem sem qualquer exigência de prazo prévio. No entanto,
isso não impede que os casais escolham a separação de fato se não tiverem certeza sobre o
divórcio. Esta opção lhes dá tempo para refletir e tomar uma decisão ponderada. Durante
este período de separação de fato, quaisquer bens adquiridos por qualquer das partes
não são considerados bens comuns. Se a separação de fato não resolver os problemas do
casal, eles podem se divorciar. É importante ressaltar que o divórcio não constitui uma
barreira para uma possível reconciliação. O ordenamento jurídico brasileiro não mantém o
instituto da separação com o único objetivo de preservar um conceito obsoleto. Em vez
disso, reconhece as complexidades das relações humanas e fornece uma estrutura legal que
permite a reflexão, a tomada de decisões e a possibilidade de reconciliação.
Agora focando mais no conceito de culpa no divórcio e na quantificação do valor da
pensão alimentícia, temos que a emenda 66/2010 levou a uma mudança na percepção das
relações matrimoniais, com a maioria dos estudiosos e profissionais do direito considerando
o afeto como a base dessas relações, ao invés da culpa. O conceito de culpa no divórcio tem
sido uma questão controversa no ordenamento jurídico brasileiro. Antes de tal emenda, a
culpa era um fator significativo nos processos de divórcio. No entanto, a emenda levou a
uma mudança nessa perspectiva, com a maioria dos estudiosos e profissionais jurídicos
agora argumentando que a culpa não deve mais ser um fator no processo de divórcio. Apesar
dessa mudança, ainda há quem acredite na relevância da culpa no divórcio, argumentando
que ela pode impactar em questões como alimentos, indenização e nome do cônjuge. O
responsável pelo fim do casamento, de acordo com o Código Civil Brasileiro, só tem direito
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aos alimentos necessários se nenhum parente puder ajudar e se estiver incapacitado para o
trabalho. Esta disposição tem suscitado debates sobre a quantificação do valor da pensão
alimentícia.
De acordo com o artigo 1.694, § 2º do Código Civil, os alimentos só são concedidos
se a necessidade resultar de culpa de quem os requer. Isso levou a diferentes abordagens
para lidar com essa situação. Alguns sugerem que a discussão da culpa deva ser feita
em ação própria, separada do divórcio, enquanto outros acreditam que o divórcio deve
ser prioritário e a discussão de outros temas pode ser feita posteriormente. A separação
judicial, apesar de sua natureza contenciosa, fornece um mecanismo para tornar a separação
ineficaz em caso de arrependimento. Se um casal decide se divorciar e depois se arrepende,
eles podem se casar novamente, o que não só é mais prático e barato, mas também mais
romântico.
Ademais, novamente em relação ao papel da culpa nos processos de divórcio e à
relevância contínua da Separação Judicial no ordenamento jurídico brasileiro, uma minoria
de juristas, incluindo Silva e Ênio Zuliani, argumenta que a Separação Judicial continua
sendo um conceito jurídico válido no Brasil. Eles afirmam que esse mecanismo legal fornece
um caminho apropriado para discutir a questão da culpa em casos de divórcio. Regina
Beatriz Tavares da Silva, destacada defensora dessa perspectiva, cita inúmeros julgados
que têm mantido o conceito de separação e, em alguns casos, permitido a apuração de
culpa na dissolução do casamento, mesmo após a promulgação da Emenda do Divórcio
(EC 66/2010).
Essa perspectiva, no entanto, não é amplamente compartilhada entre estudiosos e
profissionais do direito. A visão predominante é que o conceito de culpa perdeu sua rele-
vância no contexto do processo de divórcio após a promulgação da Emenda do Divórcio. A
maioria dos juristas e profissionais acredita que a culpa não deve ser um fator determinante
na concessão do divórcio no atual regime de direito de família no Brasil. Maria Berenice
Dias, uma voz importante neste debate, discorda veementemente da visão minoritária. Ela
critica a insistência em identificar um culpado em processos de divórcio como "odiosa".
Argumenta ainda que a determinação dos pagamentos de alimentos não deve depender da
culpa da parte que os requer, conforme disposto no art. 1.694, § 2º do Código Civil. Dias
também aponta que a relevância da culpa no processo de divórcio foi significativamente
diminuída pelas recentes mudanças na legislação. Ela observa que os artigos 1.702 e 1.704
do Código Civil, que antes exigiam a apuração da culpa, foram revogados. Essa mudança
legislativa, ela argumenta, sinaliza um afastamento do conceito de culpa no contexto do
processo de divórcio. No entanto, Dias enfatiza que a possibilidade de discutir a culpa
não deve impedir a concessão do divórcio. Ela argumenta que, embora a culpa possa ser
relevante em certos contextos, não deve ser usada como motivo para bloquear ou atrasar a
concessão do divórcio. Essa posição reflete a tendência mais ampla do direito de família
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brasileiro em direção a uma abordagem mais liberal do divórcio, que prioriza os direitos e
interesses das partes envolvidas sobre as noções tradicionais da culpa ou culpa de um ou
de ambos os cônjuges pelo divórcio, substituindo-as pelo simples fato do fim do afeto e da
comunhão de vidas. Essa mudança contribuiu para acelerar a dissolução dos casamentos,
pois o debate sobre a culpa, que antes travava o processo, foi definitivamente eliminado.
Isso, no entanto, não significa que a questão da culpa tenha sido completamente erradicada
dos processos familiares. Pelo contrário, ainda pode ser discutido, mas em um contexto
diferente.
Como já mencionado alhures, o debate sobre a culpa pode ocorrer em ações
autônomas, como processos separados, entre ex-cônjuges. Esses processos podem ser ações
específicas, como ações de alimentos ou indenizações por danos morais. Assim, embora a
culpa não seja mais um fator na obtenção do divórcio, ainda pode ser objeto de discussão
em outros processos, se necessário. A questão da culpa no Direito de Família, especialmente
nos casos de divórcio, tem sido tema de discussão entre os juristas. Um desses estudiosos,
José Fernando Simão, argumenta que a relevância da culpa no Direito de Família é uma
questão delicada que depende do contexto. Segundo Simão, a culpa já não é um fator
significativo na prevenção do divórcio. Quando acaba o afeto e a comunhão de vidas, acaba
também o casamento. As mudanças na Constituição reforçaram ainda mais essa mudança
de foco. Não é mais possível adiar a decisão de terminar um casamento discutindo a culpa.
O divórcio será concedido, e o motivo do fim do casamento não será objeto de discussão
no processo. A culpa de um ou de ambos os cônjuges pelo divórcio torna-se irrelevante.
Segundo Maria Berenice Dias, renomada jurista brasileira, a dissolução do casamento
deve ser tratada prioritariamente, com sentença parcial imediata que dissolva o vínculo
entre as partes. Essa estratégia processual foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça de São
Paulo, que acabou com a separação judicial no sistema. Esta decisão segue a premissa de
que as questões remanescentes podem ser resolvidas em partes, conforme sugerido por
juristas como Cândido Rangel Dinamarco. As demais questões decorrentes da dissolução
do casamento, como alimentos, uso do nome, partilha de bens, guarda e visitas aos filhos,
podem ser discutidas posteriormente. Estas questões podem ser abordadas quer na própria
ação de divórcio, quer em ações autónomas específicas para cada vertente. Esta abordagem
é considerada a mais viável e justa do ponto de vista legal. A discussão sobre alimentos, em
especial, deve ocorrer após o divórcio. Isso para garantir que a criança não seja prejudicada,
principalmente à luz da Emenda Constitucional 66/2010, que simplificou o processo de
divórcio. O consenso geral entre os juristas é que a discussão sobre alimentos após o
divórcio é a abordagem mais apropriada.
Em resumo, o Código Civil Brasileiro, em seus artigos 1.571 a 1.582, estabelece
um conjunto de normas jurídicas para a dissolução do casamento, uma instituição social
definida por um conjunto de direitos e obrigações acordados entre duas pessoas cuja
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ruptura deste vínculo é legalmente conhecida como divórcio. Algumas dessas normas se
referem à divisão dos bens em caso de divórcio. A divisão dos bens é feita com base no
regime de bens conjugais escolhido pelo casal no momento do casamento. Os regimes
mais comuns no Brasil são o regime de bens parciais, o regime de bens totais e o regime
de bens separados. No regime de bens parciais, os bens adquiridos durante o casamento
são divididos igualmente entre os cônjuges, enquanto no regime de bens totais, todos os
bens, adquiridos antes ou durante o casamento, são divididos igualmente. No regime de
separação de bens, cada cônjuge mantém a propriedade de bens próprios, adquiridos antes
ou durante o casamento. No entanto, a divisão de bens pode ser uma questão controversa,
especialmente quando um dos cônjuges tem muito mais bens do que o outro. Nesses
casos, o cônjuge economicamente mais fraco pode ficar em desvantagem, pois pode não ter
recursos para lutar por uma divisão justa dos bens. Essa questão é ainda mais complicada
pelo fato de que as mulheres no Brasil muitas vezes ganham menos que os homens e são
mais propensas a serem responsáveis pelo trabalho doméstico não remunerado, o que pode
limitar sua capacidade de acumular bens.
Além da divisão de bens, a dissolução do casamento no Brasil também envolve a
determinação de pensão alimentícia. A pensão alimentícia é um apoio financeiro que um
cônjuge pode ser obrigado a pagar ao outro após o divórcio, para garantir que este último
possa manter um padrão de vida semelhante ao desfrutado durante o casamento. O valor da
pensão alimentícia é determinado pelo tribunal, com base nas necessidades do destinatário
e na capacidade do pagador de fornecer suporte. No entanto, a determinação da pensão
alimentícia pode ser uma questão polêmica, especialmente quando o pagador contesta a
necessidade de sustento do beneficiário ou sua própria capacidade de pagar. Nesses casos,
o tribunal pode precisar conduzir um exame detalhado das circunstâncias financeiras
das partes para determinar uma quantia justa de pensão alimentícia. A dissolução do
casamento no Brasil também envolve a determinação da guarda dos filhos e do direito de
visita. O Código Civil Brasileiro prevê que o melhor interesse da criança deve ser o princípio
norteador na determinação dessas questões. Isso significa que o tribunal deve considerar
fatores como a idade da criança, saúde, laços emocionais com os pais e a capacidade dos
pais de atender às necessidades da criança, a fim de determinar a melhor custódia e acordo
de visitação. No entanto, essas determinações podem ser alvo de disputas, especialmente
quando os pais não conseguem chegar a um acordo sobre o que é melhor para a criança.
Nesses casos, o tribunal pode precisar intervir para proteger os direitos e o bem-estar da
criança.
Por fim, a dissolução do casamento no Brasil, prevista no Capítulo X do Código
Civil Brasileiro, envolve um processo complexo que inclui a divisão de bens, a determinação
de pensão alimentícia, a determinação da guarda dos filhos e do direito de visitas. Esse
processo foi simplificado pela Emenda Constitucional 66/2010, que retirou a exigência de
separação judicial, um processo legal que permitia a coexistência separada sem a conclusão
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formal do casamento, antes do divórcio. Esta reforma tinha como objetivo aliviar o ônus
emocional e financeiro dos casais que desejavam encerrar seu casamento. Contrariando a
preocupação de que essa simplificação poderia desvalorizar a instituição do casamento, a
taxa de casamentos no Brasil permaneceu estável, sugerindo que o valor social atribuído
ao casamento não foi afetado pela facilidade do divórcio.
No entanto, a dissolução do casamento ainda envolve questões sensíveis que reque-
rem consideração cuidadosa, especialmente pelos legisladores. Apesar desses desafios, o
ordenamento jurídico brasileiro parece evoluir para garantir que a dissolução do casamento
seja realizada de forma justa e equitativa, respeitando os direitos e interesses de todas as
partes envolvidas, bem como nota-se sua evolução quando este reconhece diversas formas
de estruturas familiares, incluindo famílias matrimoniais, informais, homoafetivas, monopa-
rentais e uniparentais. Este arcabouço jurídico inclusivo reflete a diversidade das estruturas
familiares na sociedade brasileira contemporânea e alinha-se mais com os princípios da
Constituição Federal, a lei maior do país.

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