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98 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 32, 2014

EFEITOS DO CASAMENTO E DA
UNIÃO ESTÁVEL
EFFECTS OF MARRIAGE AND STABLE UNION

David Adriano Nota1

1. INtRODUçãO A definição exata do casamento


varia historicamente e entre as culturas,
O casamento é a união voluntá- mas, na maioria dos países, é uma união
ria e singular entre um homem e uma voluntária entre um homem e uma mu-
mulher, com o propósito de constituir lher com ou sem filhos mediante comu-
família, mediante comunhão plena de nhão de vida e de bens. Na antiguidade
vida2. Ele constitui uma das institui- o casamento era visto como um acordo
ções mais importantes e fundamentais comercial entre duas famílias sem que
do Direito Privado, em virtude dos os noivos tivessem muita liberdade de
fins que se propõe e, sobretudo, pelos escolher com quem casar.
efeitos de natureza social, pessoal e Esta concepção foi abalada pelo
patrimonial que dele irradiam3. romantismo, que alterou tais pressu-

1 Mestrando em Direito pela UFRGS, Porto Alegre, Brasil. Licenciado em Ciências


Policiais pela Academia de Ciências Policiais (ACIPOL), Moçambique. Bolsista do
CNPq/MCT. Pesquisador do Grupo de Direito Penal Contemporâneo (PROPESQ/
CNPq)/ UFRGS. Oficial da Polícia da República de Moçambique com a patente de Su-
binspetor da Polícia. E-mail: davidadrianonota@yahoo.com.br ou davidadrianonota@
gmail.com. Telefone: +555182324470.
2 Art.7 da Lei n.º 10/2004 de 25 de Agosto, Lei da Família Moçambicana.
3 LORENA, Mesquita Silva. “Casar pra quê?”. En: Contribuciones a las Ciências So-
ciales. Julio, 2013. Disponível em: <www.eumed.net/rev/cccss/25/casamento.html>.
Acesso em: 15 de julho de 2014.
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postos dando primazia ao afeto, ou diferenciado a partir do Regime de


seja, o amor é que legitima o casa- Bens adotado pelo casal. Independen-
mento. Até o século XX era comum temente do regime de bens, o casa-
que o casamento fosse visto como mento civil também tem impacto na
algo indissolúvel embora pudesse obrigação de apoio e responsabilida-
ser anulado, não havendo reconheci- des perante filhos e em outras áreas,
mento legal do divórcio. Essa ideia como a herança, esse último no direi-
é comungada hoje em dia pela igreja to das sucessões.
católica ao não reconhecer o divór- O presente artigo tem como tema
cio nem casamentos civis realizados “Efeitos do casamento e da união
posteriormente, impedindo, dessa for- estável” e foi elaborado numa pers-
ma, comunhão a quem estiver nesta pectiva de fazer uma análise sobre
condição. os efeitos do casamento e da união
Contudo, existem duas formas de estável e ainda verificar as diferenças
casamento reconhecidas legalmente, e semelhanças entre os efeitos desses
dentre elas, o casamento civil e o ca- dois tipos de casamento.
samento religioso com efeitos civis, O tema em estudo é de relevante
como também existe outra forma de importância no que concerne ao apri-
união entre duas pessoas sem nenhum moramento do conhecimento no cam-
impedimento para contrair matrimô- po jurídico aos operadores de Direito
nio e que vivam em condições aná- de Família, possibilitando-os a uma
logas às dos cônjuges, numa relação melhor compreensão sobre os efeitos
contínua, que é a união estável. do casamento e da união estável, por
As pessoas que se casam são meio de uma análise das diferenças e
comumente chamadas de cônjuges semelhanças entre essa duas formas
sendo identificados por marido e mu- de uniao entre o homem e a mulher.
lher ou esposo e esposa, assim como O artigo baseou-se numa pesqui-
existem outros mecanismos legais sa bibliográfica, que consistiu no le-
de proteção da família de forma me- vantamento e na leitura de diversas
nos restritiva como a União Estável. obras de caráter científico de diferen-
Depois de reconhecidas essas formas tes autores que abordam sobre o tema
de união entre o homem e a mulher, em estudo, tais como: Gomes, 1992;
automaticamente causam efeitos Diniz, 1995; Dias, 2001; Magalhães,
jurídicos. 2002; Pereira, 2013. Também foram
Juridicamente, a principal conse- analisadas leis, legislações e códigos
quência do casamento é a situação dos que versam sobre os efeitos do ca-
bens passados, presentes e futuros dos samento e da união estável (Lei da
cônjuges, que receberão tratamento Família n. 10/2004 de 25 de dezem-
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bro; Código brasileiro de Família de 2. O CASAmENtO


1988; Constituição da República de
Moçambique de 2004; Constituição Há várias definições de casamento
Federal do Brasil de 1988; e, Código que às vezes não se limitam a
Civil de 2002. conceituá-lo (Pereira, 2013, p. 69-74;
O método usado para se chegar às Gomes, 1992, p. 45-46; e, Dias, 2011,
conclusões constantes neste artigo foi p. 134), pois refletem concepções
o método dedutivo4. O levantamento naturais ou tendências filosóficas,
da literatura foi realizado segundo as dado que todos os sistemas jurídicos
abras que versam sobre o tema em que o regula não são unânimes na sua
estudo disponibilizado na disciplina definição ou caracterização.
durante o semestre, e outra literatura No Direito Romano, no século
independente da disciplina em estudo, III, o casamento era tido como “[…],
desde que fundamentasse o tema em nuptiae sunt coniunction maris et fe-
questão. minae, consortium omnis vitae, divin
Assim, o artigo está estruturado et humani iuris communication5”,
em cinco capítulos, a saber: o primei- pois, observa-se a comunhão de di-
ro capítulo é o da introdução, no qual, reito humano divino. Com o tempo, a
de uma forma resumida, debruçou-se concepção de divindade desfez-se, de-
sobre o tema em estudo, a justificativa saparecendo a referência à subsistên-
da escolha do tema e o objetivo geral cia do vínculo matrimonial por toda a
que se pretende alcançar. O segun- vida dos cônjugues, na mesma altura
do capítulo fala do casamento e seus que nascia a invocação dos costumes.
efeitos jurídicos; o terceiro debruçou- Assim, foi construída a segunda de-
-se sobre igualdade de direitos e de- finição de casamento romano, consa-
veres do marido e da mulher; o quarto grada nas instituições do Justiniano e
capítulo incide sobre a união estável e depois adotado pelo direito canônico:
seus efeitos. O quinto é o de conside- “[…] nupitiae autem sive matrimo-
rações finais. ninum est viri et mulieris coniunc-

4 Método dedutivo consiste na modalidade de um raciocínio lógico que faz uso da


dedução para obter uma conclusão a respeito de determinadas premissas (GIL, António
Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1994).
5 DIGESTO apud PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições do Direito Civil. V. V.
Direito de Família. p. 69. 21. ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2013.
6 Idem, p. 69.
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tion individuam vitae consuetudinem bilidade de romper um casamento era


continens.6” O que dominava-se, na com o desquite, que não dissolvia o
concepção romana, de matrimônio, vínculo matrimonial e, com isso, im-
era mais a ideia da relação jurídica do pedia outro casamento8. Até hoje em
que a de celebração, e defendia-se que dia a igreja católica não reconhece o
o casamento se efetua com a manifes- divórcio nem casamentos civis rea-
tação da vontade dos nubentes. lizados posteriormente, impedindo,
Já no direto Brasileiro, o casa- dessa forma, comunhão a quem esti-
mento é um ato solene pelo qual duas ver nesta condição, pois a igreja en-
pessoas de sexo diferente se unem tende que o casamento deve ser uma
para sempre, sob promessa recíproca união duradoura e indissolúvel, enrai-
de fidelidade no amor e da estreita co- zada na união plena de vida, na fide-
munhão de vida.7 A mesma ideia é co- lidade e na assistência mútua, porque
mungada por Gomes (1992), quando ela acredita que o casamento é fruto
considera que o casamento é um vín- de Deus e o que Deus uniu ninguém
culo jurídico entre um homem e uma pode dissolver.
mulher com a finalidade de constituir Com a entrada em vigor da lei do
família legítima mediante comunhão divórcio, a visão do casamento perma-
plena de vida. neceu, mas o desquite transformou-se
Durante muitos séculos, o casa- em separação, passando a existir duas
mento era considerado instituição de formas de se romper o casamento: a
natureza da religião da Igreja Católi- separação e o divórcio. Na tentativa
ca, e até os meados do século XVIII, de evitar a dissolução da família, era
a única forma de casamento era a re- exigido que o casamento durasse um
ligiosa, sendo assim, os não católicos longo tempo, ou a identificação de um
não tinham o direito ao casamento; culpado entre os cônjugues para a se-
nessa época o casamento era indisso- paração, o qual, o culpado, não podia
lúvel. O casamento civil no Brasil só intentar a ação para dar fim ao casa-
surgiu em 1891. A resistência do Esta- mento9.
do em admitir outros relacionamentos Atualmente, o casamento é funda-
era de tal ordem, que a única possi- do no princípio de livre união, ou seja,

7 LAFAYETTTE apud PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições do Direito Civil.


V. V. Direito de Família. 21. ed. p. 69. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2013.
8 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 8. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2011.
9 Idem.
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o casamento é livre e resulta do con- Lei n. 10/2004 de 25 de agosto, lei de


sentimento dos nubentes, da mesma família). Em contrapartida, no Brasil
forma que um deles querendo rompê- são admitidas duas formas de celebra-
-lo é livre de o fazer, se certos fatos ção do casamento12: o casamento ci-
justificarem, ficando extinta a ideia vil13 e o religioso com efeitos civis14,
de indissolubilidade do casamento. E quando tenham sidos seguidos todos
também não é permitida a bigamia10, os requisitos que a lei observa para o
quer dizer, a quem é casado não é per- casamento civil.
mitido contrair segundo casamento Para que o casamento religioso te-
antes de dissolver o primeiro. nha validade, esta estará condicionada
Se um dos cônjugues formalizar a registro no cartório, sendo que esse
outro relacionamento antes de se dis- registro pode acontecer antes ou de-
solver o anterior, o segundo relacio- pois do ato de celebração. A busca dos
namento passa a ser concubinato11, efeitos civis ao casamento religioso é
pois, eles estão impedidos por lei de admitida a qualquer tempo, feita a ha-
contrair outro matrimônio antes da bilitação e o registro no cartório civil;
dissolução do primeiro matrimônio. ainda que tardios, os efeitos civis apli-
cam-se retroativamente desde a data
2.1 modalidades do casamento da consagração do casamento religio-
so15. No caso de prévia habilitação, o
Em Moçambique, o casamento prazo para o registro é de 90 dias, mas,
pode ser civil, religioso ou tradicio- ainda depois desse prazo, é possível o
nal, sendo que ao casamento religioso registro, desde que efetuada nova habi-
e tradicional são reconhecidos valor litação. Realizado o casamento religio-
e eficácia igual à do casamento civil, so sem as formalidades legais, poderá
isto quando tenham sido observados ser inscrito no cartório, bastando que
os requisitos que a lei estabelece para se proceda a devida habilitação perante
o casamento civil (Art. 16, n. 1 e 2 da a autoridade competente16.

10 Art. 235 do C. P. Art. – Decreto Lei 2848/40, diz que se considera concubinato quan-
do alguém, sendo casado, contrai outro casamento.
11 De acordo com o art. 1.726 do Código Civil, constitui concubinato a relação não
eventual entre homem e mulher impedidos de casar.
12 Art. 226, incisos 1º e 2º da Constituição Federal de 1988.
13 Art. 1.512 do Código Civil de 2002.
14 Art. 1.515 e 1.516 do Código Civil de 2002.
15 Art. 1516, inciso 3, do Código Civil de 2002.
16 Art. 1516 do Código Civil de 2002.
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Contudo, o casamento religioso celebra múltiplos casamentos de uma


é suscetível de anulação, mas deve- mesma pessoa20.
se observar os preceitos da lei civil. Quanto ao casamento civil, esse é
Anulado o ato religioso, isso não afe- realizado perante o cartório do registro
ta a validade do casamento civil, se civil, na presença dos contraentes, ou
ocorrido o respectivo registro pelo de um deles e o procurador do outro;
cartório17. Portanto, entre a celebração de, no mínimo, duas testemunhas21.
do casamento religioso e o registro, se
um dos cônjugues tenha contraído ou-
tro casamento civil, e que não tenha 3. EFEItOS jURÍDICOS
sido absorvido, haverá impedimento DO CASAmENtO (CIVIL E
para efetuar-se o registro18. RELIGIOSO COm EFEItOS
A celebração do casamento reli- CIVIS)
gioso deve ser efetuada em rito que
não seja contrário à ordem públi- Pelo casamento, os cônjuges se
ca ou a bons hábitos e costumes da pertencem um ao outro, isso quer
convivência social, considerando-se dizer que, entre eles, se estabelece
legalmente idôneas as confissões re- um vínculo mais forte do que a
ligiosas que permitam o controle da de consanguinidade. Através dele,
autoridade civil sobre o concurso das nascem os deveres e direitos próprios
condições de validade e de regulari- e recíprocos dos consortes que na
dade do matrimônio19. Deixa de se ad- doutrina e na legislação constituem os
mitir, aos casamentos celebrados por efeitos do casamento22.
qualquer religião, que se afaste dos Os efeitos do casamento não se
princípios estruturantes e de boa con- limitam à vida conjugal, pois através
vivência da sociedade, por exemplo, do casamento legitima-se o filho con-
uma religião que admite a poligamia e cebido, ou havido, antes da sua reali-

17 DIAS, Maria. Manual de Direito das Famílias. 8. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais. 2011.
18 Art. 1516, inciso 3, do Código Civil de 2002.
19 GOMES, Orlando. Direito de Família. 7. ed. 4ª triagem. Rio de Janeiro: Forense,
1992.
20 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 8. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2011.
21 Art. 47 da Lei n.º 10/2004 de 25 de agosto, de família moçambicana.
22 GOMES, Orlando. Direito de Família. 7. ed. 4ª triagem. Rio de Janeiro: Forense, 1992.
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zação; estabelece-se o vínculo de afi- Os outros efeitos que vamos tratar


nidade entre os cônjuges e os parentes a seguir são simples consequências
do outro; emancipa-se o cônjuge de lógicas do casamento. Partindo de
menor idade, atribuindo-lhe a plena tais pressupostos, o casamento pode
capacidade, como se houvesse atingi- ter três efeitos jurídicos conforme se
do a maioridade; confere-se eventual tenha em vista a projeção do matri-
direito hereditário ao cônjuge sobrevi- mônio no âmbito social, nas relações
vente além de algumas prerrogativas sociais dos nubentes ou nos interesses
na sua sucessão aberta; asseguram-se econômicos que o próprio casamento
vantagens de ordem patrimonial com- desperta: efeitos sociais, pessoais e
preendidas na legislação de assistên- patrimoniais.
cia a previdências sociais23. Observa-
dos esses critérios, todos os efeitos se 3.1 Efeitos pessoais do casamento
reduzem a um só: a criação de uma
família legítima e a procriação. Esses efeitos se consistem na
Esses efeitos do casamento são fidelidade recíproca entre ambos os
consequências que se projetam no am- cônjuges, ter uma vida em comum e
biente social, nas relações pessoais e um domicílio conjugal, mútua assis-
econômicas dos cônjuges, nas relações tência, velar pelos filhos na guarda,
pessoais e patrimoniais entre pais e fi- educação e sustento dos mesmos,
lhos, dando origem a direitos e deveres também no respeito e consideração
próprios e recíprocos, disciplinados mútua entre os cônjuges26. A fideli-
por normas jurídicas24. Nesse sentido, dade recíproca tem como objetivo
o casamento, seja ele civil ou religioso condicionar e moralizar o comporta-
com efeitos civis, por ser um contrato mento do casal, garantir a estabilida-
especial de Direito de Família na qual de e a estrutura da entidade familiar;
os cônjuges formam uma comunidade A mútua assistência compreende a
de afeto e existência, mediante institui- obrigação alimentar, material, moral
ção de direitos e deveres25. e afetiva entre as partes; o sustento, a

23 Idem.
24 IDELI R., Di Tizio. Casamento nuncupativo e sua eficácia. Disponível em: <https://
www.yumpu.com/pt/document/view/12002726/casamento-nuncupativo-e-sua-efica-
cia>. Acesso em: 14 de julho de 2013.
25 GAGLIANO, Pablo Stilze et all. Novo curso de Direito Civil. Direito de Família, as
famílias em perspectiva constitucional. 3. ed. p.119. São Paulo: Saraiva, 2013.
26 Art. 1.566, Código Civil de 2002.
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guarda e a educação dos filhos com- por casamento. À luz da CRM (Cons-
preende a educação e a obrigação de tituição da República de Moçambi-
ambos os cônjuges com relação aos que) no seu art. 26, n. 1, alínea a e b
filhos. Contudo, nos efeitos pessoais e, n. 2, que diz: adquire a nacionali-
de casamento, respeito e considera- dade moçambicana o estrangeiro ou a
ção mútua, reforçam os direitos e as estrangeira que tenha contraído casa-
obrigações entre os cônjuges, articu- mento com um moçambicano ou uma
lando, principalmente, da fidelidade e moçambicana há pelo menos cinco
do respeito que os cônjuges devem ter anos, salvo nos casos de apátrida, des-
um para com o outro. de que declare querer adquirir a na-
Ainda no que se refere aos efei- cionalidade moçambicana e preencha
tos pessoais, com o ato do casamen- os requisitos e ofereça as garantias fi-
to nascem, automaticamente, para xadas por lei. E também a declaração
os consortes, situações jurídicas que de nulidade ou a dissolução do casa-
impõem direitos e deveres recíprocos, mento não prejudica a nacionalidade
reclamados pela ordem pública e pelo adquirida pelo cônjuge. Considera-se
interesse social, e que não se medem essa cláusula como efeito pessoal do
em valores pecuniários tais como: casamento por beneficiar pura e ex-
fidelidade recíproca, vida em co- clusivamente o cônjuge que adquire a
mum no domicílio conjugal e mútua nacionalidade por casamento.
assistência. O dever moral e jurídico
de fidelidade mútua decorre do cará- 3.2 Efeitos sociais do casamento
ter monogâmico do casamento e dos
interesses superiores da sociedade, Dada a sua maior relevância, o
pois constitui um dos alicerces da vida casamento gera consequências que
conjugal e da família legítima; a coa- alcança toda a sociedade onde os nu-
bitação é o estado de pessoas de sexo bentes estejam inseridos. Todavia, te-
diferente que vivem juntas na mesma mos a destacar que a constituição da
casa, convivendo sexualmente27. família e a procriação é o primeiro e o
Também constituem efeitos pes- grande efeito do casamento dado que
soais do casamento a aquisição de ou- a família é a base da sociedade28. Pelo
tra nacionalidade de uns dos cônjuges casamento se constitui a família legí-

27 IDELI R., Di Tizio. Casamento nuncupativo e sua eficácia. Disponível em: <https://
www.yumpu.com/pt/document/view/12002726/casamento-nuncupativo-e-sua-efica-
cia>. Acesso em: 14 de julho de 2014.
28 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituicoes do Direito Civil. V. V. Direito de Famí-
lia. 21. ed. p. 69. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2013.
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tima, base da sociedade, e o homem individuais. No casamento, os direitos


e a mulher assumem mutuamente a e deveres devem ser iguais e, ainda,
condição de consortes, companheiros devem disciplinar a vida em comum30.
e responsáveis pelos cargos da famí- Tomando e considerando que a famí-
lia; também há uma imposição de de- lia é a base da sociedade e tem espe-
veres aos cônjuges a partir da celebra- cial proteção do Estado, o principal
ção e a imediata vigência do regime objetivo do casamento é a formação
de bens.29 da família e a procriação, de modo à
Também constituem efeitos so- criação da sociedade31. Do casamento
ciais do casamento o acréscimo dos nasce o status do casado32, condição
sobrenomes do outro; a criação da em que os cônjuges passam a ser co-
família legítima, considerada como o nhecidos na sociedade, onde, inclusi-
primeiro e principal efeito matrimo- ve, tal como foi referido antes, um dos
nial; a emancipação do cônjuge me- cônjuges pode acrescer o seu nome no
nor de idade, tornando-o plenamente do outro. O planejamento familiar é de
capaz, como se houvesse atingido a livre decisão do casal, devendo o Esta-
maioridade e estabelece; o casamento do facilitar e propiciar condições para
estabelece o vínculo de afinidade en- o exercício desse direito.
tre cada consorte e os parentes do ou-
tro; confere aos cônjuges um estatuto, 3.3 Efeitos patrimoniais
o estado de casado, fator de identifica-
ção na sociedade. São os relacionados economi-
A relação matrimonial impõe a camente ao regime matrimonial de
mútua convivência, a reciprocidade bens. O regime de bens está contem-
de interesses na organização da vida e plado em 4 (quatro) partes: O regime
na obrigação de atitudes ou condutas da comunhão parcial33, o regime da

29 Art. 1.565 a 1.566, Códigos Civis de 2002.


30 RIZZARD, Arnaldo. Direito de Família. p. 227. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
31 Art. 226 do Código de Família de 1988.
32 BAHENA, Marco; LA SCOSK, Rosangela. Manual de Direito de Família. Novo
Código Civil comentado artigo por artigo. p. 65. São Paulo: Editora Cronus, 2009.
33 Art.1.658 a 1.666 do Código Civil de 2002.
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comunhão universal34, o regime de incomunicabilidade. As exceções dos


participação final dos aquestos35 e o bens mencionados não se estendem
regime de separação de bens36. aos frutos, quando se percebam ou
No regime de comunhão parcial avançam durante o casamento.
formam-se três cervos diferentes de Arnaldo Rizzardo explica que
bens: os bens da mulher, os bens do ocorre uma fusão entre os bens
marido e os bens comuns37. Com as trazidos para o casamento pela
núpcias comunicam-se a massa dos mulher e pelo homem, formando
bens comuns, dela ficando excluídos uma única massa38. Esse regime
quando findo o casamento. São caracteriza-se pela integração total
excluídos da comunicabilidade os do patrimônio particular de cada
bens que cada cônjuge já possuía cônjuge com o comum, constituindo
ao casar e os que sobrevierem na um acervo único em que ambos são
sequência do matrimônio por doação, titulares de metades ideais. Desta
sucessão ou sub-rogados. forma, é indiferente a origem dos
No regime de comunhão valores de aquisição, particular ou
universal importa a comunicação não, dos móveis ou imóveis, dado
entre os cônjuges e todos os seus que, enquanto os cônjuges forem
bens presentes e futuros, e suas casados, os bens fazem parte do
dívidas passivas, salvo os bens casal39. Se na data do matrimônio,
doados ou herdados com a cláusula de o marido já herdara bens, ainda que
incomunicabilidade e os sub-rogados não partilhados, a mulher tem direito
em seu lugar; os bens gravados de à meação, qualquer que tenha sido a
fideicomisso e o direito do herdeiro duração do casamento.
fideicomissário, antes de realizada No regime de participação final
a condição suspensiva; as doações dos aquestos, cada cônjuge possui pa-
antenupciais feitas por um dos trimônio próprio durante o casamento,
cônjuges ao outro com a cláusula de tocando-lhe, por ocasião da dissolução

34 Art. 1.667 a 1.671 do Código Civil de 2002.


35 Art.1.672 a 1.686 do Código Civil de 2002.
36 Art.1.687 a 1.688 do Código Civil de 2002.
37 DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família e o Novo
Código Civil. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2001.
38 RIZZARD, Arnaldo. Direito de Família. p. 227. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
39 Art. 1.667 do Código Civil de 2002.
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da sociedade conjugal, direito a metade sas do casal na proporção do rendi-


dos bens adquiridos pelo casal, a título mento de trabalho de cada um e dos
oneroso, na constância do casamento. seus bens, salvo contrário no acordo.
Trata-se de um regime misto, pois no De salientar que um dos efeitos
curso do casamento aplicam-se, em do casamento, não menos importante
síntese, as regras de separação. Trata- que devemos analisar é a aquisição da
se, em realidade, de um regime de se- nacionalidade de um estrangeiro por
paração de bens, no qual cada consorte casamento. À luz da CRM, nas suas
tem a livre e independência adminis- alíneas a e b, n. 1, do art. 26 adquire a
tração do seu patrimônio pessoal, dele nacionalidade moçambicana o estran-
podendo dispor quando for bem móvel geiro ou a estrangeira que tenha con-
e necessitando da autorga dos cônjuges traído casamento com o moçambica-
se for um bem imóvel. Apenas na hi- no ou a moçambicana há pelo menos
pótese de ocorrer a separação judicial cinco anos, salvo nos casos de apátri-
é que serão apurados os bens de cada da, desde que, cumulativamente: a)
cônjuge, separando e tocando a cada declare querer adquirir a nacionalida-
um deles a metade dos bens adquiridos de moçambicana; b) preencha os re-
pelo casal, a título oneroso, na cons- quisitos e ofereça as garantias fixadas
tância do casamento40. por lei. O art. 2 do mesmo dispositivo
O regime de separação de bens, legal diz que a declaração de nulida-
representa, em efeito, a ausência de de ou a dissolução do casamento não
um regime patrimonial, caracterizado prejudica a nacionalidade adquirida
justamente pela existência de patri- pelo cônjuge.
mônio separado.41 Em suma, os efeitos jurídicos do
Estipulada a separação de bens, casamento advêm do contrato conju-
estes permanecerão sob a administra- gal entre os cônjuges e esse contrato
ção exclusiva de cada um dos conju- consiste em fidelidade recíproca; as-
gues, que os poderá livremente alie- sistência mútua; o sustento, guarda
nar ou gravar de ônus real42. e cuidado dos filhos; construção e
Nesse regime, os cônjuges são cuidado dos bens comuns da famí-
obrigados a contribuir para as despe- lia adquiridos antes e na constância

40 DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família e o Novo


Código Civil. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2001.
41 Idem.
42 Art. 1687 do Código Civil de 2002.
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do casamento, desta forma, a quebra dos danos morais, porque os fatos


desse contrato por um dos cônjuges delituosos de infidelidade não são
não pode acarretar indenização pelos recentes, nem são a causa direta do
divórcio movido pelo apelado. A ape-
danos causados a outra parte. O en-
lante somente veio alegar os danos de-
tendimento do Tribunal de Justiça do correntes da infidelidade do apelado,
Rio Grande do Sul, quanto a esse po- em reconvenção, na ação de divórcio
sicionamento, é o seguinte: direto ajuizada pelo apelado, quando
já está separada de fato do apelado
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE há mais de três anos e já convivendo
DIVÓRCIO LITIGIOSO DIRETO. com outro companheiro. Preliminar
INDENIZAÇÃO POR DANO MO- rejeitada, e agravo retido e recurso de
RAL. CERCEAMENTO DE DEFE- apelação desprovida. (Apelação Cí-
SA. PRELIMINAR REJEITADA. vel nº 70023479264, Sétima Câma-
AGRAVO RETIDO DESPROVIDO. ra Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Cabe ao julgador apreciar, com base Relator Des. Ricardo Raupp Ruschel,
no artigo130, lei n. 5.869, de 11 de julgada em 16/07/2008)43.
Janeiro de 1973, quais as provas ne-
cessárias para a instrução do feito, A fidelidade no domínio de uma
sendo-lhe facultado o indeferimento relação conjugal, qualquer que seja a
daquelas que entenda inúteis ou en- sua natureza, deve ser recíproca, mu-
tão protelatórias. INFIDELIDADE.
tuamente acordada e acedida. Implica
DANO MORAL. DESCABIMEN-
TO. A apelante pretende a conde- necessariamente mútua confiança, ado-
nação do apelado ao pagamento de tada e considerada como a base da esta-
indenização por danos morais, em bilidade relacional. Contudo, a fidelida-
razão da conduta ilícita do apelado: de conjugal não deve se cingir apenas
infidelidade, isto é, relação extracon- na sexualidade, na inexistência de trai-
jugal do apelado com a mãe e tia da ção, mas também na transparência do
apelante. Esta Corte entende que a
cumprimento dos deveres da família,
quebra de um dos deveres inerentes
ao casamento, a fidelidade, não gera no tocante a respeito mútuo, no cuidado
o dever de indenizar. Além disso, não comum dos filhos e na administração
evidenciada a ocorrência dos alega- transparente dos bens do casal.

43 Apelação Cível nº 70023479264, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,


Relator Des. Ricardo Raupp Ruschel, julgada em 16/07/2008. Disponível em: <http://
tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20893160/agravo-agv-70045439494-rs-tjrs/intei-
ro-teor-20893161>. Acesso em: 15 de julho de 2014.
110 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 32, 2014

4. UNIãO EStÁVEL E SEUS uma das partes, e também permite


EFEItOS jURÍDICOS como prova da união estável a prova
testemunhal. Na união estável, o casal
A união estável é a união de duas pode escolher livremente o regime de
pessoas que, não sendo casadas entre bens que lhes apetecer, pois a lei não
si ou com outrem, ou não tendo ne- cria nenhuma restrição quanto à ado-
nhum impedimento para contrair ma- ção do regime de bens, ao contrário
trimônio, vivam em condições aná- do que acontece no casamento civil,
logas às dos cônjuges, numa relação no qual os maiores de sessenta anos
contínua, duradoura e pública44. são obrigados a adotar o regime de se-
A constituição de uma entidade fa- paração de bens.
miliar por união estável não depende Para o reconhecimento da união
de qualquer ato solene, bastando para estável é necessário haver alguns re-
tal a vontade das partes de constituir quisitos que estão previstos no art.
família, viverem de baixo do mesmo 1723 do C. C.:
teto e gerar filhos, ao contrário do
casamento civil que para a sua cele- É reconhecida como entidade
bração deve cumprir a lei e dos atos familiar a união estável entre o
homem e a mulher, configurada na
solenes que envolvem a sua celebra- união pública, contínua e duradoura e
ção, sob pena de não surtir efeitos e estabelecida com o objetivo de cons-
ser anulável45. tituir família47.
Outra forma de constituição da
união estável é por contrato escrito, Além desses requisitos é neces-
no qual os conviventes celebram um sário que não existam impedimentos
contrato do regime de bens que me- matrimoniais entre os conviventes,
lhor lhes convém46. caso contrário estaria havendo concu-
O contrato escrito vai ajudar na binato impróprio48.
separação dos bens do casal em caso O regime de bens da união está-
da dissolução da união ou morte de vel segue a mesma orientação do ca-

44 C. F. de 1988, art. 226, parágrafo 3º.


45 MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito de Família no novo Código Civil Brasilei-
ro. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002.
46 MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito de Família no novo Código Civil Brasilei-
ro. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002.
47 Art. 1.723 do Código Civil de 2002.
48 Artigo 1.727 do Código Civil de 2002.
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 32, 2014 111

samento, prevalecendo a comunhão estável pertencem a ambos os com-


parcial de bens de acordo com o arti- panheiros, exceto os sub-rogados no
go 1725 do C.C., pois qualquer outro lugar dos preexistentes, salvo contra-
regime poderá ser adotado na união to escrito em contrário. Tornando-se
estável desde que se dê por contrato assim as regras patrimoniais dos insti-
escrito. tutos da união estável e do casamento
Assim como no casamento, a ainda mais semelhantes; beneficiário
união estável está passível de direitos de seguro de vida: pode considerar
e obrigações entre os companheiros, convivente como beneficiário de se-
pois se configura como entidade fami- guro de vida, conforme estabelecido
liar, sendo, portanto, legal o direito a no art. 793 do Código Civil e Inclusão
alimentos: quando ocorre a dissolução em plano de saúde: admite-se incluir
da união estável, a Lei 8.971/94 de 29 o companheiro em plano de saúde49.
de Dezembro de 1994, art. 1° garante
alimentos à companheira comprovada 4.1 Efeitos da união estável
de um homem solteiro, separado ju-
dicialmente, divorciado ou viúvo que Os efeitos da união estável se-
com ele viva há mais de cinco anos guem a mesma orientação do casa-
ou dele tenha prole, que necessite, mento civil e do casamento religioso
enquanto não constituir nova união com efeitos civis, pois o fim último da
e desde que prove a necessidade; di- união estável é constituir família, ge-
reito a herança: o benefício da heran- rar filhos e ter uma convivência har-
ça está previsto no art. 2° da referida moniosa dentro da família constituída
lei citada acima, sendo concedida na e na própria sociedade. Assim como
totalidade ao companheiro quando o no casamento civil e religioso, os
de cujo não possuir descendentes ou efeitos da união estável estão dividi-
ascendentes; consolidação do regime dos em três categorias: efeitos sociais,
da comunhão parcial de bens: confor- pessoais e patrimoniais.
me prevê o artigo 1.725 do Código Os efeitos sociais e pessoais da
Civil de 2002, os bens adquiridos, a união estável são os mesmos efeitos
título oneroso, na constância da união constantes do casamento civil e reli-

49 COSTA, Monaliza. União Estável e seus efeitos jurídicos. Abril de 2011. Disponível
em: <http://www.bahianoticias.com.br/justica/artigo/154-uniao-estavel-e-seus-efeitos-
juridicos.html>. Acesso em: 15 de julho de 2014.
112 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 32, 2014

gioso com efeitos civis, tais como, a união estável eles continuam no pleno
constituição da família legítima, base gozo das suas capacidades mentais e
da sociedade, o homem e a mulher de livre escolha do regime de separa-
assumem mutuamente a condição de ção de bens que lhes convém.
consortes, companheiros e respon- Para os efeitos patrimoniais da
sáveis pelos cargos da família, pela união estável, para que seja efetivada,
educação e pelo desenvolvimento dos será necessário um contrato entre as
filhos do casal e dos filhos de fora do partes ou mesmo a presença de, no
casamento; deve existir a fidelida- mínimo, duas testemunhas para que,
de mútua. O planejamento familiar é em caso da morte de um dos compa-
de livre decisão do casal, tocando ao nheiros, o outro consiga gozar os seus
Estado proporcionar recursos educa- direitos. Esse é o entendimento do
cionais e financeiros para o exercício Tribunal de Justiça do Rio Grande do
desse direito, vedado qualquer tipo Sul - TJ-RS:
de coerção por parte de instituições
privadas ou públicas. A relação matri- […] No Recurso Especial 646.259, o
monial impõe a mútua convivência, a ministro Luis Felipe Salomão, relator
do recurso, entendeu que, para a união
reciprocidade de interesses na organi- estável, à semelhança do que ocorre
zação da vida e na obrigação de atitu- com o casamento, é obrigatório o
des ou condutas individuais; os direi- regime de separação de bens de
tos e deveres devem ser iguais e ainda companheiro com idade superior a
devem disciplinar a vida em comum. 60 anos. O recurso foi julgado em
2010, meses antes da alteração da
Nesse sentido, iremos desenvolver
redação do dispositivo que aumentou
com maior detalhe os efeitos patrimo- para setenta 70 o limite de idade
niais da união estável, dado que são os dos cônjuges para ser estabelecido o
que merecem maior realce por serem regime de separação obrigatória. Com
diferentes do casamento civil e do ca- a morte do companheiro, que iniciou a
união estável quando já contava com
samento religioso com efeito civil.
64 anos, sua companheira pediu, em
Qualquer outro regime de bens juízo, a meação dos bens. O juízo de
poderá ser adotado na união estável, primeiro grau afirmou que o regime
desde que ocorram pela forma de con- aplicável no caso é o da separação
trato, de acordo com o art. 1.725 do obrigatória de bens e concedeu a ela
Código Civil, diferentemente no casa- apenas a partilha dos bens adquiridos
durante a união estável, mediante
mento civil que obrigar os maiores de
comprovação do esforço comum. A
70 anos a adotarem o regime de sepa- companheira interpôs, então, recurso
ração de bens, ou seja, os idosos com no Tribunal de Justiça do Rio Grande
70 anos ou mais são presumidos men- do Sul. O TJ-RS reformou a decisão
tecaptos civis, enquanto para o caso da do primeiro grau e deu provimento ao
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 32, 2014 113

recurso. Afirmou que não se aplica à esforço ser comum. Com o término
união estável o regime da separação da relação, seja por qualquer causa, a
obrigatória de bens previsto no artigo
mulher fica numa situação de desvan-
258, parágrafo único, inciso II, do
código de 1916. “Descabe a aplicação tagem, pois acaba não sendo a herdei-
analógica de normas restritivas de ra do patrimônio apesar de adquirido
direitos ou excepcionastes. E, ainda com esforça comum.
que se entendesse aplicável ao caso
o regime da separação legal de bens,
forçosa seria a aplicação da súmula
4.2 Igualdade de direitos e
377 do Supremo Tribunal Federal deveres do marido e da mulher
(STF), que igualmente contempla
a presunção do esforço comum na Do casamento decorrem certos
aquisição do patrimônio amealhado direitos e deveres, pois os cônjuges
na constância da união”. O espólio
do companheiro apresentou recurso são os titulares deles em virtude da lei,
especial no STJ alegando ofensa e devem exercê-los conjuntamente. O
ao artigo mencionado do código de exercício desses direitos e deveres
1916 e argumentou que se aplicaria às pertence, igualmente, a ambos51.
uniões estáveis o regime obrigatório
Por isso, o Código Civil, art.
de separação de bens, quando um dos
conviventes fosse sexagenário, como 1.567, ao conferir o exercício da di-
no caso […].50 reção da sociedade conjugal a ambos,
não colocando qualquer dos cônjuges
Da relação da união estável sur- em posição inferior ou superior, nesse
gem problemas de natureza jurídica, contexto, a lei teve a preocupação de
que precisam ser resolvidos, princi- harmonizar o interesse comum da fa-
palmente aqueles relacionados com a mília, pois, o mesmo artigo acrescen-
questão patrimonial. Porque normal- ta que a função de dirigir a sociedade
mente é o homem que exerce ativi- conjugal deve ser exercida, em cola-
dades remuneradas ou lucrativas, e o boração pelo marido e pela mulher,
patrimônio construído no decurso da no interesse comum do casal e dos
união estável muitas vezes fica regis- filhos, procurando atingir o bem-estar
trado em nome do homem apesar do de toda a família52.

50 Revista Consultor Jurídico, 21 de julho de 2013, disponível em: <http://www.con-


jur.com.br/2013-jul-21/direitos-separacao-obrigatoria-bens-estendem-uniao-estavel>.
Acesso em: 15/07/2014.
51 Art. 226, 5 C. F. de 1988.
52 MARIA Helena Diniz. Código Civil Anotado. p. 244. São Paulo: Saraiva, 1995.
114 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 32, 2014

Havendo divergência entre am- familiar, em que os noivos não tinham


bos, a qualquer dos cônjuges é res- muita intervenção na escolha do com-
salvado o direito de recorrer ao juiz, panheiro ou da companheira.
desde que se trate de assunto voltado Atualmente, o casamento é con-
ao interesse do casal e dos filhos.53 siderado como sendo uma união que
Desta forma, podemos dizer que depende do consentimento livre e
fica extinta a ideia de chefe de famí- voluntário dos contraentes (homem e
lia, que coloca a mulher em posição mulher) com a finalidade principal de
inferior a do homem, pois a mulher constituir família e gerar filhos, esse é
passa a ter direitos e deveres iguais o primeiro e principal efeito do casa-
aos do homem, sendo companheira, mento. As pessoas que se casam são
consorte e colaboradora54. tratadas de cônjuges, sendo identifica-
dos por esposo e esposa. Assim como
existem outras formas de constituição
5. CONSIDERAçÕES FINAIS da família de forma menos rigorosa
com a mesma finalidade de constituir
O presente artigo não é um tra- família e procriar, a União Estável.
balho acabado e nem teve a pretensão Consumado o ato matrimonial,
de esgotar o tema, mas sim estimular seja ele civil ou religioso com efeito
os operadores de Direito de Família civil, surgem efeitos jurídicos confor-
para novas pesquisas relacionadas me se tenha em vista a projeção do ma-
com o tema em estudo. trimônio no âmbito social, nas relações
Em tempos remotos, os seres hu- pessoais dos nubentes ou nos interes-
manos sempre tiveram a necessidade ses patrimoniais que o próprio casa-
de se unir para formar família com o mento desperta. Esses efeitos podem
intuito principal de gerar filhos. Nes- ser: sociais, pessoais e patrimoniais.
sa altura, o casamento era visto como Os efeitos sociais do casamento
uma união corporal de duas pessoas são aqueles relacionados com a posi-
de sexo diferentes, com a finalidade ção que os casados alcançam na so-
de oficializar a relação sexual e ge- ciedade onde estejam inseridos. Pelo
rar filhos. A escolha dos noivos para casamento se constitui a família legí-
o casamento era de competência dos tima, base da sociedade, o homem e a
familiares das nubentes, dado que o mulher assumem mutuamente a con-
casamento era visto como um negócio dição de consortes, companheiros e

53 Art. 1.567, parágrafo único do Código Civil de 2002.


54 Ibidem.
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 32, 2014 115

responsáveis pelos cargos da família. negativos do casamento estão relacio-


Os efeitos pessoais estão rela- nados com o divórcio ou a dissolução
cionados com a fidelidade de ambos do casamento, pois, a condição neces-
cônjuges, de modo a condicionar e sária para que haja divórcio ou disso-
moralizar o comportamento do casal lução de uma relação é o casamento
e a boa convivência, garantindo, desta ou a união estável.
forma, a estabilidade e a estrutura da Esses efeitos do casamento acima
entidade familiar. Os efeitos pessoais referidos devem ser recíprocos em
também têm a ver com a obrigação ambas as partes (homem e mulher) e
das partes em garantir alimentação, a isso faz com que não haja grau de su-
moral e o afeto ao outro; compreende perioridade entre ele, pois, havendo
a educação e a obrigação de ambos os divergência entre ambos, a qualquer
cônjuges no cuidado com os filhos. dos cônjuges é ressalvado o direito de
Os efeitos patrimoniais do casa- recorrer ao juiz para a reivindicação
mento são os que estão relacionados dos seus direitos, desde que se trate de
economicamente ao regime matrimo- assunto do interesse do casal ou filhos.
nial de bens. Nesse efeito, os nuben- Alguns efeitos do casamento, co-
tes antes de celebrarem o casamento mo a fidelidade mútua; o uso do sobre-
podem estipular, quanto ao seu patri- nome do outro cônjuge; o estado civil
mônio, o que lhes convêm. Depois de dos cônjuges e a necessidade de coabi-
escolher o regime e celebrado o ma- tar na mesma casa, são extintos após o
trimônio começam a vigorar, desde a divórcio ou a dissolução do casamento,
data do casamento, os efeitos patri- mas o sustento, a guarda e a educação
moniais. dos filhos continua sendo a obrigação
Esses efeitos acima arrolados po- de ambos os cônjuges mesmo depois
dem ser positivos ou negativos: os do divórcio ou da dissolução do casa-
efeitos positivos são aqueles que com mento ou da união estável, e só pode
a celebração do casamento se consti- cessar quando o(s) filho(s) atinge(m) a
tui a família legitima, a base da socie- maioridade ou quando é(são) emanci-
dade e os nubentes adquirem um grau pado(s) e tiver(em) condição de auto-
privilegiado na sociedade. Os efeitos sustento.

REFÊRENCIAS

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