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1. Conceito
O casamento, como todas as instituições sociais, varia com o tempo e os povos. WASHINGTON
DE BARROS MONTEIRO afirma não existir, provavelmente, em todo o direito privado
instituto mais discutido. Enquanto numerosos filósofos e literatos o defendem, chamando-o de
“fundamento da sociedade, base da moralidade pública e privada” ou “a grande escola fundada
pelo próprio Deus para a educação do gênero humano”, outros o condenam, censurando-lhe a
constituição e a finalidade, como SCHOPENHAUER, para quem, “em nosso hemisfério
monógamo, casar é perder metade de seus direitos e duplicar seus deveres”.
PORTALIS, um dos elaboradores do Código Civil francês, pretendendo ser objetivo, assim
definiu o casamento: “É a sociedade do homem e da mulher, que se unem para perpetuar a
espécie, para ajudar-se mediante socorros mútuos a carregar o peso da vida, e para compartilhar
seu comum destino”.
Várias críticas foram feitas a essa conceituação, especialmente por apresentar a vida como um
fardo e não se referir ao caráter legal e civil do casamento, podendo servir também para certas
uniões de fato.
Esta última, por se referir à capacidade dos nubentes e aos efeitos do casamento, tornou-se muito
extensa, como o seu próprio autor reconhece. Por essa razão, afirma o notável jurista citado,
poderia ser ela simplificada da seguinte forma: “Casamento é o contrato de direito de família que
regula a união entre marido e mulher”.
Impossível ser original, diante de tantas definições, antigas e modernas. Por essa razão,
entendemos desnecessário formular qualquer outra, preferindo aderir, por sua concisão e
precisão, à apresentada por JOSÉ LAMARTINE CORRÊA DE OLIVEIRA, que considera
casamento “o negócio jurídico de Direito de Família por meio do qual um homem e uma mulher
se vinculam através de uma relação jurídica típica, que é a relação matrimonial. Esta é uma
relação personalíssima e permanente, que traduz ampla e duradoura comunhão de vida”.
Esclarece o saudoso mestre paranaense que o casamento é negócio jurídico bilateral e que não
utilizou a expressão “contrato” pela circunstância de que, no Brasil, a palavra “contrato” tem, de
regra, aplicação restrita aos negócios patrimoniais e, dentre eles, aos negócios jurídicos bilaterais
de direito das obrigações.
NATUREZA JURÍDICA
Não há um consenso, na doutrina, a respeito da natureza jurídica do casamento. A concepção
clássica, também chamada individualista ou contratualista, acolhida pelo Código Napoleão e que
floresceu no século XIX, considerava o casamento civil, indiscutivelmente, um contrato, cuja
validade e eficácia decorreriam exclusivamente da vontade das partes. A Assembleia
Constituinte, instalada após a eclosão da Revolução Francesa de 1789, proclamou que “la loi ne
considère le mariage que comme um contrat civil”.
Em oposição a tal teoria, surgiu a concepção institucionalista ou supraindividualista, defendida
pelos elaboradores do Código Civil italiano de 1865 e escritores franceses como HAURIOU e
BONNECASE.
Para essa corrente o casamento é uma “instituição social”, no sentido de que reflete uma situação
jurídica cujos parâmetros se acham preestabelecidos pelo legislador. Na lição de PLANIOL e
RIPERT, atribuir ao casamento o caráter de instituição significa afirmar que ele constitui um
conjunto de regras impostas pelo Estado, que forma um todo ao qual as partes têm apenas a
faculdade de aderir, pois, uma vez dada referida adesão, a vontade dos cônjuges torna-se
impotente e os efeitos da instituição produzem-se automaticamente.
O casamento constitui assim “uma grande instituição social, que, de fato, nasce da vontade dos
contraentes, mas que, da imutável autoridade da lei, recebe sua forma, suas normas e seus
efeitos... A vontade individual é livre para fazer surgir a relação, mas não pode alterar a
disciplina estatuída pela lei.
No Brasil, LAFAYETTE, demonstrando aversão à corrente contratualista, afirmou que o
casamento, “atenta a sua natureza íntima, não é um contrato, antes difere dele profundamente,
em sua constituição, no seu modo de ser, na duração e alcance de seus efeitos”.
Nessa polêmica surgiu uma terceira concepção, de natureza eclética ou mista, que considera o
casamento ato complexo, ao mesmo tempo contrato e instituição.
Trata-se de um contrato especial, um contrato de direito de família. Nessa linha, afirma
CARVALHO SANTOS: “É um contrato todo especial, que muito se distingue dos demais
contratos meramente patrimoniais. Porque, enquanto estes só giram em torno do interesse
econômico, o casamento se prende a elevados interesses morais e pessoais e de tal forma que,
uma vez ultimado o contrato, produz ele efeitos desde logo, que não mais podem desaparecer,
subsistindo sempre e sempre como que para mais lhe realçar o valor”
Em suma, o casamento é um contrato que se constitui pelo consentimento livre dos esposos, os
quais, por efeito de sua vontade, estabelecem uma sociedade conjugal que, além de determinar o
estado civil das pessoas, dá origem às relações de família, reguladas, nos pontos essenciais, por
normas de ordem pública”.
Efetivamente, como salienta CAIO MÁRIO, considerado como ato gerador de uma situação
jurídica (casamento-fonte), é inegável a sua natureza contratual; mas, como complexo de normas
que governam os cônjuges durante a união conjugal (casamento-estado), predomina o caráter
institucional.
Não há, realmente, inconveniente de chamar o casamento de contrato especial, um contrato de
direito de família, com características diversas do disciplinado no direito das obrigações, uma
vez que, como afirma SILVIO RODRIGUES, assume ele “a feição de um ato complexo, de
natureza institucional, que depende da manifestação livre da vontade dos nubentes, mas que se
completa pela celebração, que é ato privativo de representante do Estado”.
PONTES DE MIRANDA, com sua indiscutível autoridade, chega à mesma conclusão: “Por
outro lado, por meio de contrato faz-se o casamento, mas contrato de direito de família; no caso
de celebração confessional, conforme a concepção do seu direito matrimonial. Mas o registro
civil é que em verdade lhe dá existência jurídica e os efeitos civis; e tais efeitos não são, de regra,
contratuais — resultam do instituto mesmo”. Não se pode deixar de enfatizar que a natureza de
negócio jurídico de que se reveste o casamento reside especialmente na circunstância de se
cuidar de ato de autonomia privada, presente na liberdade de casar-se, de escolha do cônjuge e,
também, na de não se casar. No plano dos efeitos patrimoniais, têm os cônjuges liberdade de
escolha, através do pacto antenupcial, do regime de bens a vigorar em seu casamento. Esse
espaço reservado ao livre consentimento é exercido, entretanto, dentro dos limites
constitucionais e legais, que traduzem o modelo social de conduta determinado pela ordem
jurídica.
Caracteres do casamento
O casamento reveste-se de diversos caracteres, sendo alguns peculiares a determinados sistemas
jurídicos. Podem ser destacados os seguintes:
a) É ato eminentemente solene. O casamento e o testamento constituem os dois atos mais
repletos de formalidades do direito civil, devido à sua reconhecida importância. Destinam-se elas
a dar maior segurança aos referidos atos, para garantir a sua validade e enfatizar a sua seriedade.
O ato matrimonial é, desse modo, envolvido numa aura de solenidade, que principia com o
processo de habilitação e publicação dos editais, desenvolve-se na cerimônia em que é celebrado
e prossegue no registro no livro próprio.
Destaca-se a formalidade da celebração, presidida pelo representante do Estado que, depois de
ouvida aos nubentes a afirmação de que pretendem casar por livre e espontânea vontade, declara
efetuado o casamento mediante palavras sacramentais (CC, art. 1.535). As formalidades exigidas
constituem elementos essenciais e estruturais do casamento, cuja inobservância torna o ato
inexistente.
b) As normas que o regulamentam são de ordem pública. Ipso facto, não podem ser derrogadas
por convenções particulares. Com efeito, o casamento é constituído de um conjunto de normas
imperativas, cujo objetivo consiste em dar à família uma organização social moral compatível
com as aspirações do Estado e a natureza permanente do homem, definidas em princípios
insculpidos na Constituição Federal e nas leis civis. Por essa razão, malgrado a liberdade
concedida a toda pessoa de escolher o seu cônjuge, não é dado aos nubentes discutir com o
celebrante o conteúdo e a extensão dos seus direitos e deveres, nem impor regras sobre a
dissolução do vínculo ou reconhecimento de filho.
c) Estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos
cônjuges. Assim o proclama o art. 1.511 do Código Civil. Implica necessariamente união
exclusiva, uma vez que o primeiro dever imposto a ambos os cônjuges no art. 1.566 do
mencionado diploma é o de fidelidade recíproca. A aludida comunhão está ligada ao princípio
da igualdade substancial, que pressupõe o respeito à diferença entre os cônjuges e a consequente
preservação da dignidade das pessoas casadas. Em complemento, dispõe o art. 1.565 do novo
Código que, por meio do casamento, “homem e mulher assumem mutuamente a condição de
consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família”.
e) Exige diversidade de sexos. A Constituição Federal, com efeito, só admite casamento entre
homem e mulher. Esse posicionamento é tradicional e já era salientado nos textos clássicos
romanos. A diferença de sexos constitui requisito natural do casamento, a ponto de serem
consideradas inexistentes as uniões homossexuais. A Lei Maior veda, inclusive, a união estável
entre pessoas do mesmo sexo, só a admitindo entre homem e mulher. Há, no entanto, em
tramitação no Congresso Nacional, projeto de lei apresentado pela então Deputada MARTA
SUPLICY, com o objetivo de disciplinar, todavia, somente as uniões estáveis, não se propondo a
dar às parcerias homossexuais um status igual ao do casamento, como consta da justificativa
encaminhada.
f) Não comporta termo ou condição. Constitui, assim, negócio jurídico puro e simples.
Dentre as diversas inovações trazidas pelo Código Civil de 2002 destacam-se as seguintes:
a) gratuidade da celebração do casamento e, com relação à pessoa cuja pobreza for declarada sob
as penas da lei, também da habilitação, do registro e da primeira certidão (art. 1.512);
b) regulamentação e facilitação do registro civil do casamento religioso (art. 1.516);
c) redução da capacidade do homem para casar para dezesseis anos (art. 1.517);
d) previsão somente dos impedimentos ou dirimentes absolutos, reduzindo-se o rol (art. 1.521);
e) tratamento das hipóteses de impedimentos relativamente dirimentes do Código Civil de 1916
não mais como impedimentos, mas como casos de invalidade relativa do casamento (art. 1.550);
f) substituição dos antigos impedimentos impedientes ou meramente proibitivos
pelas causas suspensivas (art. 1.523);
g) exigência de homologação da habilitação para o casamento pelo juiz (art. 1.526), limitada,
posteriormente, pela Lei n. 12.133, de 17-12-2009, aos casos em que tenha havido impugnação
do oficial, do Ministério Público ou de terceiros;
h) casamento por procuração mediante instrumento público, com validade restrita a noventa dias;
i) consolidação da igualdade dos cônjuges, aos quais compete a direção da sociedade conjugal,
com o desaparecimento da figura do chefe de família (arts. 1.565 e 1.567);
j) oficialização do termo sobrenome e possibilidade de adoção do utilizado pelo outro por
qualquer dos nubentes (art. 1.565, § 1º).
Finalidades do casamento
São múltiplas as finalidades do casamento e variam conforme a visão filosófica, sociológica,
jurídica ou religiosa como são encaradas. Segundo a concepção canônica o fim principal do
matrimônio consiste na procriação e educação da prole; e o secundário, na mútua assistência e
satisfação sexual.
Para a corrente individualista, a satisfação sexual, ou seja, o amor físico constitui o único
objetivo do matrimônio. Tal concepção avilta, evidentemente, a dignidade da união matrimonial.
Embora se possa considerar que o instinto sexual possa, segundo a lei da natureza, atuar como
mola propulsora e que o casamento representa uma possibilidade de pacificação e expansão do
sexo, que se torna convencionalmente permitido com a forma solene do casamento, segundo a
consciência religiosa, não resta dúvida ser a affectio maritalis, ou o amor que une um homem e
uma mulher, no qual se converte a atração sexual inicial, e a pretensão a um direcionamento
comum na vida, como salienta ARNALDO RIZZARDO, os motivos ou finalidades principais do
casamento.
Sustentam alguns ser a procriação a exclusiva finalidade do casamento.
Sem dúvida, a principal finalidade do casamento é estabelecer uma comunhão plena de vida,
como prevê o art. 1.511 do Código Civil de 2002, impulsionada pelo amor e afeição existente
entre o casal e baseada na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges e na mútua assistência. Já
LAFAYETTE proclamara que a procriação da prole, envolvendo no véu do direito a relação
física dos dois sexos, é um dos principais intuitos do casamento, mas que “o fim capital, a razão
de ser desta instituição, está nessa admirável identificação de duas existências, que, confundindo-
se uma na outra, correm os mesmos destinos, sofrem das mesmas dores e compartem, com
igualdade, do quinhão de felicidade que a cada um cabe nas vicissitudes da vida”.
O que define a família, como destaca SÉRGIO RESENDE DE BARROS, “é uma espécie de
afeto que, enquanto existe, conjuga intimamente duas ou mais pessoas para uma vida em
comum. É o afeto que define a entidade familiar. Mas não um afeto qualquer. Se fosse qualquer
afeto, uma simples amizade seria família, ainda que sem convívio. O conceito de família seria
estendido com inadmissível elasticidade”
A capacidade para o casamento deve ser demonstrada no processo de habilitação com a juntada da
certidão de nascimento. Podem casar quem já tem maioridade civil (18 anos completos) ou com 16 anos
(desde que exiba autorização de ambos os pais ou de seus representantes legais)
Exceção, pode casar abaixo dos 16 anos para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em
caso de gravidez (art. 1520)