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Momento da celebração do casamento

consentimento dos nubentes ou declaração do juiz?

Momento da celebração do casamento: consentimento dos nubentes ou declaração do juiz?

Paloma Braga Araújo de Souza

Publicado em 01/2014. Elaborado em 08/2013.

Delimitar a natureza jurídica do casamento é tarefa importante para se verificar em que momento os
nubentes mudam o seu estado civil, em outras palavras, em que momento exato adquirem o status de
casados.

O casamento é um vínculo jurídico que une duas pessoas[1] numa relação regulada pelo Direito de Família. Muito ainda se discute
acerca da sua natureza jurídica, se de contrato, de instituição ou de ambos.

A teoria clássica é a contratualista, marcada pela forte influência individualista pós Revolução Francesa (por essa razão também
chamada de teoria individualista). Embora o casamento civil já fosse admitido para os protestantes desde 1787 com o Édito de
Tolerância, a Constituição francesa de 1791, querendo eliminar a forte conotação religiosa do matrimônio, afirma: La loi ne considère
le mariage que comme contrat civil. [2]

Para essa teoria, pois, prevalece a natureza negocial do casamento, consubstanciada no consentimento indispensável à sua
concretização. Assim, por exemplo, dizem Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona:

Quando se entende o casamento como uma forma contratual, considera­se que o ato matrimonial, como todo e qualquer contrato,
tem o seu núcleo existencial no consentimento, sem se olvidar, por óbvio, o seu especial regramento e consequentes peculiaridades.
[3]

Para Maria Berenice Dias, para quem a discussão acerca da natureza jurídica do casamento se revela estéril e inútil, “talvez, a ideia
de negócio de direito de família seja a expressão que melhor sirva para diferenciar o casamento dos demais negócios de direito
privado.” [4]

Para a teoria institucionalista, surgida em oposição à teoria clássica, o casamento é uma instituição social. Segundo Venosa, “O
casamento faz com que os cônjuges adiram a uma estrutura jurídica cogente predisposta. Nesse sentido apresenta­se a conceituação
institucional.”[5] Ao lado desse argumento, os defensores da corrente institucionalista sustentam, ainda, a necessidade de uma
autoridade pública para conferir aos nubentes o status de casados.

Assim como na dialética hegeliana, do embate das duas teorias, surge a terceira, denominada de teoria eclética ou mista. Nas
palavras da professora, Martha Saad,

Na tentativa de conciliar as duas teorias principais, a teoria eclética ou mista considera o casamento como contrato em sua formação,
pela imprescindibilidade do acordo de vontades, e instituição em sua duração, pela intervenção do poder público na fixação
imperativa das regras e na celebração e pela inalterabilidade de seus efeitos. Para seus adeptos o casamento é um ato complexo. [6]

Com algumas variações, transitando entre a teoria clássica e a eclética, a grande maioria da doutrina parece concordar que o
casamento é, enfim, um contrato especial de direito de família.

Delimitar a natureza jurídica do casamento é tarefa importante para se verificar em que momento os nubentes mudam o seu estado
civil, em outras palavras, em que momento exato adquirem o status de casados.

Não há qualquer controvérsia acerca das formalidades que revestem a celebração do casamento. A inobservância delas, afora as
hipóteses previstas na própria lei, torna o casamento inexistente, consoante entendimento doutrinário. [7] Mas diante de tantas
formalidades, em que momento exatamente o vínculo conjugal é estabelecido?

Diz o art. 1.514 do Código Civil: O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua
vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.

Uma primeira leitura do dispositivo leva a crer que o vínculo apenas se estabelece quando a autoridade celebrante declarar efetuado
o casamento. Esse é o entendimento esposado, por exemplo, por Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald:

Após áridas discussões doutrinárias, através das quais alguns optavam por entender existente no momento da declaração de vontade,
Após áridas discussões doutrinárias, através das quais alguns optavam por entender existente no momento da declaração de vontade,
enquanto outros exigiam a leitura da fórmula sacramental, foram dissipadas as dúvidas através da clarividência do art. 1.514 [...].
Optou, portanto, o direito positivo em reconhecer a existência do casamento no exato instante em que a autoridade promove a leitura
da fórmula sacramental, declarando­os casados. [8]

Para Venosa, a redação do art. 1.514 não dissipou a controvérsia, embora realmente uma primeira interpretação exija o
pronunciamento da autoridade celebrante. [9]

De acordo com o Código Civil, o presidente do ato, ouvida aos nubentes a afirmação de que pretendem casar por livre e espontânea
vontade, declarará efetuado o casamento. [10] Ou seja, os atos ocorrem de forma sucessiva e imediata. Por que, então, o
questionamento? Bem explica Venosa: A dúvida pode ter efeitos práticos, pois qualquer um dos circunstantes pode morrer nesse
ínterim. É importante saber se morreram no estado de casados. [11]

Em que pese o relevo dos autores que não prescindem da declaração da autoridade celebrante, sendo o casamento um contrato de
direito de família, como endossa a maioria da doutrina, a melhor exegese parece ser a que diz que ele se aperfeiçoa com o
consentimento, tendo o pronunciamento estatal efeito meramente declaratório. Nesse sentido, Stolze e Pamplona prelecionam:

[...] é bom frisar que a concretização do ato matrimonial decorre do


consentimento dos noivos, quando manifestam a vontade de se
receberem reciprocamente, e não da chancela oficial do presidente do
ato, de natureza simplesmente declaratória.

Expliquemos.

Ao consentirem, recebendo­se um ao outro como marido e mulher, os nubentes passam à condição de cônjuges, de maneira que a
fórmula oficial dita pela autoridade celebrante, ‘declarando­os casados, na forma da lei’ não tem uma finalidade integrativa ou
constitutiva do ato, mas tão somente declaratória da união conjugal. [12]

A reforçar o entendimento contrário, há o argumento da possibilidade de suspensão do casamento se algum dos contraentes se
manifestar arrependido, como prevê o art. 1.538, III do diploma civil. Entretanto, seguindo a mesma linha de raciocínio, parece ser
mais robusto o argumento pró momento do consentimento, uma vez que a mesma lei civil “admite o casamento sem a presença do
celebrante no casamento nuncupativo e, da mesma forma, atribui efeitos civis ao casamento realizado perante autoridade
eclesiástica.”[13]

Desse modo, considerando ser o casamento um contrato e considerando, ainda, que nem todas as formas de casamento exigem a
presença de autoridade estatal como requisito de existência, uma segunda leitura do art. 1514 do Código Civil permite concluir que,
de fato, o casamento se realiza no momento em que os nubentes manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo
conjugal. O juiz apenas declara­os casados, tendo tal declaração efeito semelhante ao de uma homologação.

Referências Bibliográficas:

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 9 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2013.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, volume 6: Direito das Famílias. 5 ed. rev., atual. e
ampl. Salvador: Editora Juspodivm, 2013.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, volume 6: As famílias em perspectica
constitucional. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 6: Direito de Família. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

SAAD, Martha Solange Scherer. A disputa entre as teorias que pretendem explicar a natureza jurídica do
casamento in Artigos ­ F. de Direito da U. Presbiteriana Mackenzie, 2008. Disponível em:
<http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FDir/Artigos/A_DISPUTA_ENTRE_TEORIAS__NATUREZA_JURIDICA_CASAMENTO­
artigo­site­nov­2008.pdf>. Acesso em 28.08.2013.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2013

[1]
Conforme art. 1° da Resolução 175/2013 do CNJ: É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de
casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.
[2]
Art. 7° da Constituição Francesa de 1791. Em tradução livre: A lei considera o casamento um contrato civil.

[3]
GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012. p. 117­118.
[4]
DIAS, 2013. p. 157.
[5]
VENOSA, 2013. p. 26.

[6]
SAAD, 2008. Acesso em 28.08.2013
[6]
SAAD, 2008. Acesso em 28.08.2013
[7]
Nesse sentido, VENOSA, 2013, p. 106 e GONÇALVES, 2012, p.140. Vale aqui destacar a opinião de Cristiano Chaves e Nelson
Rosenvald, que reputam exageradas as formalidades da celebração: Merece críticas a obsessão do legislador por exageradas
solenidades na celebração do casamento. Com efeito, a vocação plural e aberta emprestada à família pela Carta Maior (art. 226,
caput) é inconciliável com um apego exacerbado à solenidade nupcial que termina por dar a falsa ideia de uma superioridade
jurídica (não existente no sistema constitucional) à família formada pelo matrimônio. In: FARIAS; ROSENVALD, 2013. p. 275.
[8]
Op. Cit., p. 279. No mesmo sentido, DIAS, p. 169 e GONÇALVES, p.101.
[9]
Op. Cit., p. 92.
[10]
Art. 1.535
[11]
Op. Cit., p. 92.
[12]
Op. Cit., p.184.
[13]
VENOSA, Ibidem, p.92

Autor

Paloma Braga Araújo de Souza

Possui graduação em Direito pela Universidade Federal da Bahia (2002), especialização em Direito
do Estado pelo Juspodivm / Unyahna (2007) e é aluna regular do mestrado em Direito pela
Universidade Federal da Bahia. Atualmente é membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família e
conselheira seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Bahia. Sócia do Braga Cartaxo
Carvalho & Matos Escritório de Advocacia. Professora na Faculdade Apoio/Unifass e de cursos preparatórios para
concursos.

Site(s):

www.bccm.adv.br

Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT)

SOUZA, Paloma Braga Araújo de. Momento da celebração do casamento: consentimento dos nubentes ou declaração do juiz?.
Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3859, 24 jan. 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/26497>. Acesso
em: 13 abr. 2016.

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