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RECONHECIMENTO DA UNIÃO

HOMOAFETIVA
SUMÁRIO: . Introdução. 2. União Homoafetiva – Conceito. 2.1. Conflito existente
entre as disposições da Constituição Federal e a União Homoafetiva. 3. O instituto da
União Estável e sua comparação com a União Homoafetiva. 4. Causas do não
reconhecimento da União Homoafetiva. 4.1 A influencia da Igreja Católica na união
entre pessoas do mesmo sexo. 4.2 As características de nossos tribunais. 4.3 Os
tribunais Gaúchos. 5. As mudanças no Direito de Família com o reconhecimento da
União Homoafetiva. 5.1 Conclusão – Da necessidade do reconhecimento da União
Homoafetiva.

1. Introdução

União entre pessoas do mesmo sexo é um tema que apesar de ser uma realidade há
vários anos, na ultima década tomou maiores proporções, por inúmeros motivos, dentre
os quais: o movimento tem se organizado melhor promovendo marchas para reivindicar
seus direitos e as ações judiciais em busca do reconhecimento da União Homoafetiva
tornaram-se uma realidade.

É necessária uma legalização para o referido tema e como, infelizmente, esta não existe,
pretende-se discorrer sobre a necessidade do reconhecimento da União Homoafetiva e
as barreiras que esse tipo de união enfrenta.

2. União Homoafetiva – Conceito

A união homoafetiva nada mais é do que a união de duas pessoas do mesmo sexo, que
traz consigo todas características de um relacionamento, ou seja, um convívio público e
duradouro, conceito este que muito se assemelha com o da união estável, se não
vejamos:

Art. 1.723, CC. É reconhecida como entidade familiar à união estável entre o homem e
a mulher, configurada na convivência pública, duradoura e estabelecida com o
objetivo de constituição de família.

Portanto, a União Homoafetiva pode ser caracterizada também como união estável entre
pessoas do mesmo sexo, pois sua única diferença com a União Estável prevista no
artigo supramencionado é a questão dos componentes serem do mesmo sexo.

Como é sabido, não se tem no Brasil uma lei específica para este referido assunto,
embora exista um projeto de lei que tenta regulamentar a união civil entre pessoas do
mesmo sexo.

Nesse sentido, traz a baila trecho desse projeto:

Art. 1º. As relações pessoais e com terceiros decorrentes de uma união familiar estável
ou de uma união civil homoafetiva se regerão pela presente lei e pelas normas da
legislação civil que com ela não conflitem(1).
Aprovar esse projeto de lei, hoje, não seria de grande utilidade, pois como será
mostrado com maior riqueza de detalhes em momento oportuno, apesar de não
existirem muitas decisões judiciais a favor do tema, as existentes já estão em um
patamar muito mais elevado do que o referido projeto de lei.

2.1 Conflito existente entre as disposições da Constituição Federal e a União


Homoafetiva.

Reza o art. 226º, § 3º, CF

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(...)

§ 3º: Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e
a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
(grifo nosso)

O artigo 226 da Constituição, ao restringir o reconhecimento da união estável apenas


para o relacionamento entre o homem e a mulher, colide e confronta diretamente com o
"caput" do artigo 5º da Constituição Federal, o qual garante a igualdade sem nenhuma
distinção de qualquer natureza, assegurando, ainda, a inviolabilidade do direito à
igualdade e à liberdade, dentre outros direitos da pessoa humana.

Se todos são iguais perante a lei sem qualquer distinção, há de se convir que a união
entre pessoas do mesmo sexo é perfeitamente possível. Ademais, a relação afetiva entre
duas pessoas é um tema de interesse particular, e não público, logo, o Estado deve
proteger e não proibir ou fechar os olhos para tal assunto.

Portanto, não há fundamento em se sustentar restrições ao reconhecimento da união


entre pessoas do mesmo sexo.

3. O instituto da União Estável e a sua comparação com a União Homoafetiva

Para se entender como será o processo de reconhecimento da União Homoafetiva é


necessário analisar como foi o processo de reconhecimento da União Estável. Tal
comparação não é por acaso, pois a União Estável é um tema que se assemelha muito
com união homoafetiva não apenas por tratarem do assunto de uniões afetivas, mas
também porque o reconhecimento da união estável passou por preconceitos e barreiras
similares aos que a união homoafetiva enfrenta atualmente.

A União Estável não era reconhecida no Código Civil de 1916, pois apenas o casamento
civil era reconhecido como entidade familiar. Havia ao instituto do concubinato, o qual
era caracterizado por uma união com os mesmo traços do casamento só não atendendo a
formalidade do casamento.

O concubinato poderia ser puro, onde as pessoas não tinham nenhum impedimento para
se casar, ou impuro, o qual se dava quando as pessoas tinham impedimentos legais para
a realização do matrimônio, ou seja, quando alguma das partes já fosse casada, ou
estivesse presente qualquer outra peculiaridade que impedisse o casamento civil.

Ao se caracterizar o concubinato, a teoria que prevalecia para solução do caso era a da


"Sociedade de Fato", solução esta que originou do direito comercial, ou seja, os
concubinos eram tratados como sócios. Se a concubina provasse a vida em comum, a
constituição de família, enfim, se provasse que realmente houve a sociedade de fato, ela
recebia metade dos bens constituídos na constância do relacionamento afetivo.

Caso não fosse provada, em juízo, a constituição da sociedade de fato, era concedida à
parceira uma indenização pelos serviços prestados. A concubina era tratada como
empregada doméstica, ou seja, confundia-se a relação de afeto com uma relação de
trabalho.

Um relevante avanço ocorreu com a edição da sumula 380 do STF, pois, pela primeira
vez, foi reconhecido o direito da concubina. A sumula diz que: "Comprovada a
existência da sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial,
com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum".

Entretanto, a União Estável, como entidade familiar protegida pelo Estado, apenas foi
reconhecida na Constituição de 1988, através de seu art. 226. Tal dispositivo
constitucional revolucionou o direito de família, uma vez que cria um novo conceito de
família, a qual passa a basear-se em três princípios: Afeto, Solidariedade e Cooperação.

Mais tarde, veio a Lei 8.971 de 1994, a qual exigiu o lapso temporal de no mínimo 5
(cinco) anos de relacionamento afetivo para o reconhecimento da União Estável, ou a
constituição de prole entre os companheiros.Vejamos:

Art. 1º A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente,


divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole,
poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não
constituir nova união e desde que prove a necessidade.

Parágrafo único. Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro


de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva.

A critica feita pela doutrina a essa norma se refere ao lapso temporal, alega-se ser
inconstitucional a determinação de prazo mínimo de relacionamento, uma vez que o art.
226 não exige tal lapso para a configuração de União Estável e, se a Constituição não
restringiu o direito, não caberia à lei ordinária restringir. Ademais, no parágrafo terceiro
do referido dispositivo constitucional, a Constituição ressalta que a lei deve facilitar a
conversão de tal união em casamento, entendendo-se que lei ordinária não deve criar
empecilhos.

Em seguida, foi editada a Lei 9.278 de 1996, a qual deixou de exigir o lapso temporal
de 5 (cinco) anos e trouxe um conceito de União Estável com os requisitos básicos para
seu reconhecimento. Nesse sentido, ficou mais fácil para magistrado julgar e analisar o
caso concreto, pois, para se reconhecer a União Estável é preciso a concorrência dos
requisitos expressos em lei.

Vejamos o conceito de União Estável criado pela Lei 9.278 de 1996:


Art. 1º É reconhecida como entidade familiar à convivência duradoura, pública e
contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de
família.

O novo código civil, em seus art. 1.723 e seguintes, mantém o mesmo conceito de
União Estável e seus requisitos, instituindo como regime de bens entre os companheiros
o da comunhão parcial de bens, ou seja, todos os bens que forem adquiridos na
constância do relacionamento estável será divido em partes iguais entre os cônjuges. A
polêmica, nesse caso, dá-se pelo fato do código se omitir a respeito da legislação
anterior, daí surgiu a duvida se ele revogou ou não as leis anteriores.

Com isso, surgiram duas correntes doutrinárias, a primeira dizendo que revogou, pois
regulamentou totalmente a matéria, e a outra dizendo que não, pois o novo Código Civil
e as leis especiais são complementares, por isso não há de se falar em revogação da
legislação anterior.

Ademais, vale ressaltar a Sumula 382 do STJ, a qual afirma que o fato das pessoas não
morarem sob o mesmo teto, não desqualifica o concubinato:

"A vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à
caracterização do concubinato" (sum. 382 do STJ).

Essa sumula mostra os avanços da jurisprudência no sentido de adequar a lei à


realidade.

Finalmente, ressalta-se que a exposição da evolução do reconhecimento da União


Estável faz-se devido à semelhança desta união com a União Homoafetiva, pois ambas
nada mais são do que uniões entre pessoas baseadas no vínculo de afeto, distinguindo-se
apenas pela diversidade de sexos das partes envolvidas.

4. Causas do não reconhecimento da União Homoafetiva.

Não há como se falar de União Homoafetiva e seu reconhecimento sem esbarrar em


inúmeros preconceitos, impostos pela sociedade e também pela igreja, e ao se falar de
igreja, faz-se num sentido geral, sem especificar uma religião ou outra.

Os preconceitos existentes em uma determinada sociedade relacionam-se, muitas vezes,


com a pressão que a igreja exerce em seus seguidores sobre certo assunto. Na verdade, o
que acontece é que a sociedade, influenciada pela Igreja, pressiona os legisladores, os
quais ficam com receio da desaprovação de seu eleitorado e, por conseqüência, temem a
perda de votos na próxima eleição. Estes, então, acabam não aprovando projetos para
reconhecimento de direitos e institutos, como o da união estável entre pessoas do
mesmo sexo, por temer a reprovação de seu eleitorado.

4.1 A influencia da Igreja Católica na União Estável entre pessoas do mesmo sexo.

É notório o preconceito existente na igreja contra união de pessoas do mesmo sexo, a


qual combate abertamente a União Homoafetiva. Alega-se que os homossexuais não
estão nos planos de Deus, que as uniões devem objetivar a procriação e, por isso,
sustentam a imoralidade da união entre pessoas do mesmo sexo.

Teoricamente nosso Estado é laico, ou seja, não sofre influência de nenhuma religião,
cabendo a ele proteger as religiões e não positivar seus princípios. Entretanto, existe
uma grande distância entre o plano teórico e o prático, não que isto necessariamente
represente um problema, só que para questão da união homoafetiva é a confusão entre
direito e moral religiosa é um problema para o seu reconhecimento, pois nossos
legisladores e operadores do direito são, em sua maioria, conservadores e afetados pela
opinião da igreja, o que provoca o atraso do nosso ordenamento em regular o questão
fática da união entre homossexuais.

4.2 As características de nossos Tribunais.

De acordo com um relatório feito pela ONU, constatou-se que nosso poder Judiciário é
extremamente conservador. Asma Jahangir, representante da ONU, a qual esteve no
Brasil e deixou nosso país dizendo que recebeu queixas da falta de acesso a Justiça(2).

Ela não é a única a se pronunciar neste sentido. Dr. Claudio Baldino Maciel, presidente
da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), foi mais longe ao afirmar que a
postura dos tribunais se assemelha com a do século XVIII: magistrados extremamente
reativos a mudanças e bastante conservadores, o que acaba excluindo o caráter
científico do direito. Ele afirmou ainda que esta postura abalou a credibilidade no Poder
Judiciário e promoveu uma fuga de investimentos(3).

Diante desse depoimento, questiona-se: um tribunal que é considerado extremamente


conservador é capaz de julgar com a imparcialidade necessária causas minoritárias
como a da união entre pessoas do mesmo sexo? Entende-se ser inconcebível que se
admita uma postura machista e conservadora do Judiciário, o qual deve atuar com
imparcialidade, dirimindo os conflitos sociais e promovendo a justiça.

Devido a esta postura, a maioria esmagadora das decisões referentes à União Estável
entre pessoas do mesmo sexo não reconhece esse tipo de união. As decisões são no
sentido de alegar que a matéria ainda não foi normalizada, dizendo os magistrados que
não podem julgar favoráveis à União Homoafetiva com base no art 226 da CF, pois tal
artigo é claro ao dizer que o reconhecimento se dá quando exista união estável entre
homem e mulher.

Ocorre que tais decisões não merecem prosperar, pois ignoram o princípio mais
importante do nosso ordenamento, que é a dignidade da pessoa humana, fundamento do
nosso Estado Democrático de Direito. O princípio da dignidade da pessoa humana
garante que toda pessoa tem direito de realizar os seus atributos inerentes à
personalidade e concretizar os direitos previstos na Constituição. Sendo assim, o não
reconhecimento da União Homoafetiva constitui-se em afronta ao princípio da
dignidade da pessoa humana, na medida em que ofende o princípio da igualdade das
pessoas independente do sexo e, ainda, impede que as pessoas tenham seu
relacionamento afetivo reconhecido pelo ordenamento, o que as coíbe também de ter
acesso à divisão de bens em eventual partilha, aos alimentos, à sucessão e à pensão
previdenciária.

A analise feita pelos tribunais do art 226, da Constituição, denota o conservadorismo do


Judiciário. Além disso, quando o legislador se depara com um tema que ainda não foi
legalizado, ele deve utilizar a analogia, os costumes e os princípios gerais de direitos
para balizar a sua decisão, conforme o art. 4° da LICC. Caso o julgador não encontre
fundamento para julgar a união homoafetiva por analogia, o que não seria plausível uma
vez que existe o instituto da União Estável, ele poderia se atrelar aos princípios básicos
do direito, dentre eles, a liberdade e a igualdade.

4.3 Os Tribunais Gaúchos.

Os Tribunais Gaúchos, principalmente os do Paraná e do Rio Grande do Sul, merecem


uma atenção em especial, pois são os primeiros Tribunais com decisões favoráveis ao
reconhecimento da União Estável Homoafetiva.

Os Tribunais sulistas são reconhecidos como os pioneiros no direito de família, servindo


como referência para o restante do país. Atualmente, esses Tribunais tem ganho
destaque por constituírem-se nos primeiros a reconhecerem a União Homoafetiva, como
mostra a jurisprudência abaixo colacionada do Tribunal do Rio Grande do Sul:

EMENTA:APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO.


PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser
reconhecida judicialmente à união homoafetiva mantida entre dois homens de forma
pública e ininterrupta pelo período de nove anos. A homossexualidade é um fato social
que se perpetuou através dos séculos, não podendo o judiciário se olvidar de prestar a
tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A
união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de
gêneros. E, antes disso, é o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma
que a marginalização das relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui
forma de privação do direito à vida, bem como viola os princípios da dignidade da
pessoa humana e da igualdade. AUSÊNCIA DE REGRAMENTO ESPECÍFICO.
UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA E DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO. A
ausência de lei específica sobre o tema não implica ausência de direito, pois existem
mecanismos para suprir as lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos a analogia,
os costumes e os princípios gerais de direito, em consonância com os preceitos
constitucionais (art. 4º da LICC). Negado provimento ao apelo. (4)

No mesmo sentido, temos:

EMENTA:UNIÃO HOMOAFETIVA. POSSIBILIDADE JURÍDICA. Observância dos


princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana. Pela dissolução da união havida,
caberá a cada convivente a meação dos bens onerosamente amealhados durante a
convivência. Falecendo a companheira sem deixar ascendentes ou descendentes caberá
à sobrevivente a totalidade da herança. Aplicação analógica das leis nº 8.871/94 e
9.278/96. POR MAIORIA, NEGARAM PROVIMENTO, VENCIDO O REVISOR. (5)

Por derradeiro, vale ressaltar a importância dessas decisões para o reconhecimento da


União Homoafeitva, pois elas reconhecem a existência do requisito da possibilidade
jurídica do pedido, ou seja, o Tribunal reconheceu que, mesmo ausente norma expressa
sobre o tema no ordenamento, as leis vigentes nos dão meios para legitimar a união
entre pessoas do mesmo sexo.
5. As mudanças no Direito de Família com o reconhecimento da União
Homoafetiva

Com já foi dito, há uma tendência de se equiparar analogicamente a União Homoafetiva


com a União Estável. Com isso, torna-se necessário também vislumbrar o direito aos
alimentos para os companheiros homoafetivos. Alguns doutrinadores estão aderindo a
esta corrente, baseados nos princípios constitucionais da solidariedade, igualdade,
isonomia e dignidade humana.

Vejamos a posição de Cristiano Chaves Farias:

Assim, mesmo não contemplados no art. 1.694 do novo Código Civil – que prevê sua
possibilidade apenas entre parentes, cônjuges ou companheiros – os alimentos são
devidos na união homoafetiva, eis que decorrem, logicamente, de princípios
constitucionais, especialmente do dever de solidariedade social e da afirmação da
dignidade humana, que, repita-se à exaustão, não pode ser vislumbrado como valor
abstrato, desprovido de concretude. Ora, se a relação homoafetiva, como qualquer outro
relacionamento heterossexual, lastrei-se no afeto e na solidariedade, não há motivo para
deixar de reconhecer o direito a alimentos, em favor daquele que necessita de proteção
material.

Deste modo, com espeque nos primordiais e inafastáveis valores constitucionais e tendo
em mira que é objetivo fundamental da República construir uma sociedade solidária,
justa e igualitária, visando a promoção do bem estar de todos, indistintivamente, sem
preconceitos, não se pode negar a possibilidade de alimentos nas uniões homoafetivas,
sempre que um dos parceiros deles necessitar, como forma de manter sua integridade,
tal como sói ocorrer em qualquer outra união familiar(6).

Não é apenas na doutrina que se encontra respaldo para afirmar a necessidade do direito
aos alimentos na União Homoafetiva. A jurisprudência gaúcha recente reconhece ainda
o direito à sucessão:

UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. DIREITO SUCESSÓRIO. ANALOGIA.


Incontrovertida a convivência duradoura, pública e contínua entre parceiros do mesmo
sexo, impositivo que seja reconhecida a existência de uma união estável, assegurando ao
companheiro sobrevivente a totalidade do acervo hereditário, afastada a declaração de
vacância da herança. A omissão do constituinte e do legislador em reconhecer efeitos
jurídicos às uniões homoafetivas impõe que a Justiça colmate a lacuna legal fazendo uso
da analogia. O elo afetivo que identifica as entidades familiares impõe seja feita
analogia com a união estável, que se encontra devidamente regulamentada. Embargos
infringentes acolhidos, por maioria. (7)

Infelizmente este tipo de jurisprudência é minoritário, mas mostra que o direito tem
caminhado lentamente para o reconhecimento do direito aos alimentos e à sucessão em
união homoafetiva, o que já é uma vitória visto que a própria união homoafetiva ainda
não foi regulamentada.

5. Conclusão – Da necessidade do reconhecimento da União Homoafetiva.

Diante do exposto, verifica-se a necessidade da legalização da União Homoafetiva, pois


é uma realidade que o Estado tenta fechar os olhos, situação que não será possível
sustentar por muito tempo, pois cresce, a cada dia, o número os casais homossexuais
que saem às ruas para protestar e reivindicar seus direitos.

É verdade que a omissão da legislação quanto à matéria não é o único fator responsável
pela marginalização dos casais homoafetivos, mas, sem dúvidas, ela serve para reforçar
o preconceito existente. O reconhecimento da União Homoafetiva seria um forte aliado
na luta contra o preconceito.

Ademais, o reconhecimento dessa matéria não implicará somente no fim da questão do


preconceito, existe outra realidade que é tão importante quando o preconceito, que é a
questão do direito à pensão e à sucessão, pois, sem uma legislação para o tema, com o
término de um relacionamento entre pessoas do mesmo sexo não há nada que obrigue a
partilha dos bens ou o pagamento de pensão, caso se faça necessário, fato este que
acarreta o enriquecimento ilícito de uma das partes em detrimento do estado de miséria
da outra, o que é vedado pelo ordenamento jurídico.

Finalmente, defende-se que, enquanto não seja regulamentada a união entre pessoas do
mesmo sexo, os aplicadores do direito deveriam utilizar-se do princípio constitucional
da dignidade da pessoa humana e do art. 4° da LICC para, através da aplicação da
analogia, reconhecer a União Homoafetiva, concedendo aos companheiros do mesmo
sexo os mesmo direitos previstos para a União Estável.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ARAÚJO, Luiz Alberto David. A Proteção Constitucional do Transexual. 1ª ed. São


Paulo: Saraiva, 2000.

ASSIS, Reinaldo Mendes de. União entre homossexuais: aspectos gerais e patrimoniais.
In: Jus Navigandi, n.52. Disponível em <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?
id=2441>. Acesso em: 11 mar. 2002.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros,


1997.

BRANDÃO, Débora Caus. Parcerias homossexuais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília, DF: Senado, 1988.

BRASIL. Decreto-lei 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução ao Código


Civil Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

BRASIL. LEI No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Código Civil.

Brasília, DF: Senado, 2002.

BRASIL.LEI No 8.971, DE 29 DE DEZEMBRO DE 1994.


Brasília, DF: Senado, 1994.

BRASIL LEI Nº 9.278, DE 10 DE MAIO DE 1996.

Brasília, DF: Senado, 1996.

NOTAS:

1. BRASIL. Projeto de lei nº1151/95. Disponível em www.planalto.gov.br. Acessado


em 10 de julho de 2005.

2. Asma Jahngir, ONU questiona a independência do Judiciário. Acessado em:

3. Baldino, Claudio,

4. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível numero 70009550070,


RELATOR: MARIA BERENICE DIAS, julgado em 17.11.2004

5. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível numero 70006844153,


RELATOR: CATARINA RITA KRIEGER MARTINS julgado em 18.12.2003

6. FARIAS, Cristiano Chaves. Os alimentos nas uniões homoafetivas: uma questão


de respeito à constituição. In: Jus Podium. Disponível em: e Acesso em: 20 out 2003.

7. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Oitava Câmara Cível, Embargos


Infringentes nº 70006984348, Relator: Des. Breno Moreira Mussi, julgado em 14/06/99.

Texto confeccionado por


(1) João Paulo Knychala(2) Ana Carolina Reis Paes Leme

Atuações e qualificações
(1) Bacharelando do 9º período de Direito da Faculdade Politécnica de Uberlândia.
(2) Professora.

E-mails
(1) jpknychala@hotmail.co

União homoafetiva e regime de bens


http://jus.uol.com.br/revista/texto/3441

Publicado em 11/2002

Tiago Batista Freitas

Sumário:1.Introdução; 2. Ausência de Legislação Específica no Brasil; 3. Princípio da


Dignidade da Pessoa Humana e da Sociedade de Fato; 4. Instrução Normativa 25/2000
(INSS); 5. Projeto de Lei; 6. Conclusão; 7. Bibliografia
1. Introdução

Tornou-se comum no Brasil a figura da sociedade de fato caracterizada pela


convivência entre pessoas com o ânimo de formar família. A evolução conceitual (e
legislativa) sobre o tema foi bastante lenta. Nunca foi crime o "concubinato", mas a
nossa legislação costumava desprezá-lo. O ordenamento jurídico pátrio não reconhecia
(hipocritamente) a família havida fora do casamento

A Constituição Federal de 1988 veio a sepultar de uma vez essa celeuma, reconhecendo
como entidade familiar, passível de proteção estatal a união estável entre homem e
mulher. (art. 226 art. § 3.º) A matéria foi regulamentada pela Lei n.º 8971, de 29 de
dezembro de 1994 e pela Lei n.º 9278, de 10 de maio de 1996.

Sob esse mesmo prisma, é fundamental também, entender que a diversidade de sexos
não é "conditio sine qua non" para a percepção conceitual da família. O principal fator
de formação familiar é a afetividade. E a própria interpretação histórica nos prova isso.
Vale lembrar-nos do clássico helênico Édipo Rei, onde o protagonista, Édipo, mata seu
próprio pai, Laio, desconhecendo a relação de parentesco; e, em seguida, casa-se com
Jocasta (sua mãe), ignorando também esses laços. Mais ainda; notório era na Roma
Antiga a filiação afetiva evidenciada na escolha do sucessor do imperador pelo próprio
CÆSAR através de uma adoção ficta. Observa-se, no primeiro exemplo, que a
paternidade biológica não define necessariamente a relação familiar. Por outro lado, no
segundo exemplo, o afeto e a confiança, determinavam porém, o direito e poder
sucessórios. A desembargadora do TJ-RS, Maria Berenice Dias sustenta opinião
conceitual semelhante afirmando que:

"A família não se define exclusivamente em razão do vínculo entre um homem e uma
mulher ou da convivência dos ascendentes com seus descendentes. Também pessoas do
mesmo sexo ou de sexos diferentes, ligadas por laços afetivos, sem conotação sexual,
merecem ser reconhecidas como entidades familiares. Assim, a prole ou a capacidade
procriativa não são essenciais para que a convivência de duas pessoas mereça a proteção
legal, descabendo deixar fora do conceito de família as relações homoafetivas. Presentes
os requisitos de vida em comum, coabitação, mútua assistência, é de se concederem os
mesmos direitos e se imporem iguais obrigações a todos os vínculos de afeto que
tenham idênticas características." (Dias; 2001. p. 102)

Assim, torna-se louvável o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio


Grande do Sul, ao entender a competência da Vara de Família para julgar ações que
envolvem união entre pessoas do mesmo sexo. Nesse sentido, torna-se bastante
ilustrativo a decisão da Oitava Câmara Cível transcrita abaixo:

"Ementa: Relações homossexuais. Competência para julgamento de separação de


sociedade de fato dos casais formados por pessoas do mesmo sexo. Em se tratando de
situações que envolvem relações de afeto, mostra-se competente para o julgamento
da causa uma das Varas de Família (grifos nossos), a semelhança das separações
ocorridas entre casais heterossexuais. Agravo provido. (Agravo de Instrumento nº
599075496, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Breno
Moreira Mussi, julgado em 17/06/99)"
Ora, a partir da interpretação da jurisprudência acima transcrita, parece-nos claro que o
principal elemento de constituição da família não são laços de parentescos de natureza
biológica ou civil, mas sim a afetividade. Mais do que isso. Uma vez que foi
reconhecida a competência da Vara de Família para julgar a separação da
sociedade de fato formada por pessoas do mesmo sexo, parece-nos cristalino o
reconhecimento dessa referida sociedade como um ente familiar. Entretanto, parece
que continuam a ser ignorados pelo legislador brasileiro o relacionamento e a
convivência entre pessoas do mesmo sexo. É notória a discriminação velada feita à
pessoa homossexual (homem ou mulher) através de muitos setores do meio social.
Influenciada de valores das tradições judaico-cristãs, a sociedade passou a repudiar a
atração por pessoas do mesmo sexo. A própria Bíblia entende como pecaminoso e
impuro a atração física por pessoas do mesmo sexo.

"Com homem não te deitarás como se fosse mulher: é abominação." (Levítico 18:22)

" Pelo que Deus os abandonou às paixões infames. Porque até as suas mulheres
mudaram o uso natural, no contrário à natureza.

E, semelhantemente, também os varões, deixando o uso natural da mulher, se


inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros, varão com varão, cometendo
torpeza e recebendo em si mesmos a recompensa eu convinha ao seu erro." (Romanos
1:26-27)

O saudoso mestre Orlando Gomes, em seu magistério, ressalta a forte influência das
religiões cristãs na composição legislativa de proteção à instituição familiar e, por
conseqüência, na instituição do Direito de Família:

"Afinal, é todo o direito de família, que revela, em suas principais regras, a influência
do cristianismo, seja a do direito canônico, seja a do direito protestante, seja ainda, para
a área mais limitada, a do direito canônico da Igreja ortodoxa" (Gomes, 2000. p.41)

O homossexualismo até mesmo a ser considerado doença (Código Internacional de


Doenças – CID, art. 302), somente o deixando de ser no ano de 1985. Com efeito, Maria
Berenice Dias, de maneira muito feliz salienta que: "Na última revisão, de 1995, o
sufixo "ismo", que significa doença, foi substituído pelo sufixo "dade", que significa
modo de ser." (Dias, 2002)

O fato é que a Carta Política de 1988 reafirmou como laico o Estado brasileiro,
separado da Igreja Católica desde a Proclamação da República em 1891. Mas a lacuna
legislativa permanece, contrariando o preceito constitucional da dignidade da pessoa
humana, consagrado no art. 1.º, IIIe tem colocado muitas pessoas, que mantêm com
outrem do mesmo sexo uma relação, não só de afetividade, mas também de vida
comum, numa situação de total desamparo, configurando assim, uma veemente
injustiça.

2. Ausência de Legislação Específica no Brasil

A falta de dispositivo legal sobre a matéria tem tornado cada vez mais importante a
atuação do operador do direito a fim de solucionar, com eqüidade, tais questionamentos.
Dessa forma, é vital o entendimento do "fenômeno social jurídico" em epígrafe. A fria
exegese legal não deve ser confundida pelo jurista como aplicação do Direito. Este deve
ser, primeiramente, entendido como fato social; produto da atuação dos atores sociais
em seu meio. Assim, é imprescindível a inteligência de Pontes de Miranda sobre o
tema:

"Diante das convicções da ciência, que tanto nos mostram e comprovam explicação
extrínseca dos fatos (isto é, dos fatos sociais por fatos sociais, objetivamente), o que se
não pode pretender é reduzir o direito a simples produto do Estado. O direito é produto
dos círculos sociais, é fórmula da coexistência dentro deles. Qualquer círculo, e não só
os políticos, no sentido estrito, tem o direito que lhe corresponde." (Miranda, 1955
p.170)

Nesse contexto, faz-se mister a releitura do entendimento do art. 4.º da Lei de


Introdução ao Código Civil, a qual transcrevemos in verbis:

"Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes
e os princípios gerais de direito."

Ora, claro nos parece que, dentro do corte epistemológico na sociedade brasileira
contemporânea, o fenômeno da união estável homossexual está claramente evidenciado
e aceito. Cabe então, aos magistrados, advogados e doutrinadores, o entendimento desse
fenômeno como parte do meio social para a utilização dos princípios e métodos
adequados à defesa dos interesses dessas pessoas.

3. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e Sociedade de Fato

Independentemente de reconhecer ou não a união entre pessoas do mesmo sexo como


entidade familiar, faz-se necessário a discussão sobre possíveis soluções jurídicas a
serem propostas para fins patrimoniais. Embora, o Estado não reconheça legalmente a
união homoafetiva, é notório que, diversas vezes, esse tipo de relacionamento acaba por
gerar um patrimônio comum construídos pelos companheiros.

A Constituição Federal, consagra, em seu artigo 1.º, inciso III, o princípio da Dignidade
da Pessoa Humana. Esse princípio de direito natural, positivado em nosso ordenamento
jurídico, ressalta a necessidade do respeito ao ser humano, independente da sua posição
social ou dos atributos que possam a ele ser imputados pela sociedade. Sempre é válido
citar o comentário do prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho sobre o tema:

"Dignidade da pessoa humana. Está aqui o reconhecimento de que, para o direito


constitucional brasileiro, a pessoa humana tem uma dignidade própria e constitui um
valor em si mesmo, que não pode ser sacrificado a qualquer interesse coletivo."
(Ferreira Filho, 2000. p. 19)

O professor Alexandre de Moraes dispõe de maneira semelhante:

"O princípio fundamental consagrado pela Constituição Federal da dignidade da pessoa


humana apresenta-se em dupla concepção. Primeiramente, prevê um direito individual
protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em
segundo lugar, estabelece verdadeiro dever de tratamento igualitário dos próprios
semelhantes (grifos nossos)".

Este dever configura-se pela exigência de o indivíduo respeitar a dignidade de seu


semelhante tal qual a Constituição federal exige que lhe respeitem a própria. A
concepção dessa noção de dever fundamental resume-se a três princípios do
Direito Romano: honestere vivere (viver honestamente), alterum non laedere (não
prejudicar ninguém) e suum cuique tribuere (dê a cada um o que lhe é devido)
(grifos nossos)". (Moraes, 2002. p. 129)

Ora, se o ser humano constitui por si próprio um valor, que deve ser respeitado e
preservado, é fundamental que o qualquer tipo de relacionamento de seres humanos,
desde que lícito, deve ser reconhecido pelo ente estatal, uma vez que os valores
humanos fazem parte de seu próprio substrato emocional e intelectual. Essencial
relembrar o grande Ortega Y Gasset em sua máxima: "Eu sou eu e minhas
circunstâncias; se não as salvo, não me salvo."

Como corolário desse princípio, a nossa Carta Magna também outorga, em seu art. 5.º,
inciso I, a isonomia legal entre homens e mulheres. Isso significa que a lei não pode
instituir tratamento desigual entre pessoas que se encontrem em mesma situação fática
e/ou jurídica. Partindo desse entendimento, indispensável reconhecer a coragem e a
lucidez da oitava câmara cível do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande
do Sul, ao reconhecer a união homossexual a partir da inteligência do dispositivo
constitucional.

"EMENTA: Homossexuais. União Estável. Possibilidade jurídica do pedido. É


possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre homossexuais,
ante princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam
qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida discriminação
quanto à união homossexual.(grifos nossos) E é justamente agora, quando uma onda
renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso país, destruindo
preceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade científica da
modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e
amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as
individualidades e coletividades, possam andar seguras na tão almejada busca da
felicidade, direito fundamental de todos. (grifos nossos) Sentença desconstituída para
que seja instruído o feito. Apelação provida.. (9 FL S) (Apelação Cível Nº 598362655,
Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des José Ataídes Siqueira
Trindade., Julgado em 01/03/00)"

Apesar desse tipo de decisão ser exceção na jurisprudência do país, muitos magistrados
têm interpretado a união homoafetiva como uma sociedade de fato, uma vez que há um
esforço dos companheiros destinados a um fim comum. Dessa forma, têm-se
multiplicado as sentenças fundamentadas na Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal,
transcrita a seguir:

"Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua


dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum."
Nesse sentido, os tribunais têm entendido válida a partilha de bens após a dissolução da
união homossexual. Nesse sentido já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia,
em acórdão que transcrevemos abaixo:

"Ementa: Apelação Cível. Ação de Reconhecimento de Dissolução de Sociedade de


Fato cumulada com partilha. Demanda julgada procedente. Recurso improvido".

Aplicando-se analogicamente a Lei 9278/96 (grifos nossos), a recorrente e sua


companheira têm direito assegurado de partilhar os bens adquiridos durante a
convivência, ainda que dissolvida a união estável. O Judiciário não deve distanciar-se
de questões pulsantes, revestidas de preconceitos só porque desprovidas de norma
legal.(grifos nossos). A relação homossexual deve ter a mesma atenção dispensada às
outras ações. Comprovado o esforço comum para a ampliação ao patrimônio das
conviventes, os bens devem ser partilhados. Recurso Improvido" (Tribunal de Justiça da
Bahia. Apelação Cível n.º 16313-9/99. Terceira Câmara Cível. Relator: Des. Mário
Albiani. Julgado em 04/04/2001).

Acreditamos muito lúcida essa decisão através da utilização da analogia da Lei 9278/96
e da Súmula 380 do STF. De fato, é indiscutível a existência da sociedade de fato.
Entretanto, a maioria dos tribunais ainda não reconhece à união estável homoafetiva no
tocante à concessão de alimentos, sendo omissa no reconhecimento de outros aspectos
de caráter não-patrimonial. Muitas prestações que são fornecidas pelo(s)
companheiro(s) não são passíveis de apreciação pecuniária. São prestações de caráter
doméstico, afetivo ou emocional que não se incorporam ao patrimônio, mas são
INDISPENSÁVEIS à convivência harmoniosa e pacífica de pessoas que possuem vida
comum e à própria constituição do patrimônio.

Tendo como base esse entendimento, criticamos o acórdão proferido pela Oitava
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que negou a prestação de
alimentos a uma mulher por sua ex-companheira com base, unicamente, pela natureza
homossexual do relacionamento.

"Ementa: Agravo de Instrumento. O relacionamento homossexual não está amparado


pela Lei 8971 de 21 de dezembro de 1994, e Lei 9278, de 10 de maio de 1996, o que
impede a concessão de alimentos para uma das partes, pois o envolvimento amoroso de
duas mulheres não se constitui em união estável, e semelhante convivência traduz uma
sociedade de fato. Voto vencido. (21 fls) (Agravo de Instrumento nº 70000535542,
Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Antônio Carlos Stangler
Pereira, Julgado em 13/04/00)".

Data maxima venia, discordamos em absoluto com esse entendimento. Ora, se o mesmo
Tribunal reconheceu competência das Varas de Família o julgamento de questões
relativas às uniões homoafetivas, (entendendo, por conseguinte, essa instituição como
familiar) e mais; se o Tribunal entendeu válida a aplicação analógica da Lei 9278/96
(que regula o regime de bens da união estável heterossexual), torna-se incoerente a não-
aplicação analógica do dispositivo referido para a concessão de alimentos a ex-
companheiros do mesmo sexo.
4. A Instrução Normativa 25/2000 (INSS)

O Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) já admite a possibilidade de


concessão de benefício às pessoas que convivem em relação homoafetiva. A Instrução
Normativa n.º 25, de 07 de Junho de 2000 veio a disciplinar a matéria, fundamentada na
Ação Civil Pública n.º 2000.71.00.009347-0.

O art. 2.º do referido dispositivo legal assegura a equiparação entre as uniões


homossexuais e heterossexuais, regulando ambas pelo mesmo dispositivo normativo
(Instrução Normativa n.º 20/2000).

"As pensões requeridas por companheiro ou companheira homossexual, reger-se-ão


pelas rotinas disciplinadas no Capítulo XII da IN INSS/DC n° 20, de 18.05.2000,
relativas à pensão por morte."

Parece-nos claro o reconhecimento da união estável homossexual pelo Estado


brasileiro, através do referido instrumento normativo. Nota-se a preocupação estatal em
assegurar o amparo necessário à subsistência dos conviventes, independentemente da
natureza da relação afetiva entre eles. Tendo a pensão por morte natureza alimentar e,
sendo já claramente admitida pela Previdência Social, parece-nos evidente a
necessidade dos Tribunais reconsiderarem as suas decisões no tocante a concessão de
alimentos a ex-companheiros do mesmo sexo.

5. Projeto de Lei

Já existem iniciativas de positivar em nosso ordenamento jurídico, a união civil entre


pessoas do mesmo sexo. O Projeto de Lei 1151/95, de iniciativa da então deputada
federal Marta Suplicy é um deles. O seu texto traz dispositivos que regulamentam a
matéria patrimonial garantindo inclusive, o direito de proposição de ação de cobrança
de alimentos por parte por algum dos ex-conviventes. O projeto sofreu algumas
alterações e substitutivo está em fase de votação no Congresso Nacional. Nele, está
assegurado, em seu art. 1.º, o registro civil da parceria de pessoas do mesmo sexo, bem
como a lavratura desse registro no Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais.

"Art. 1º. É assegurado a duas pessoas do mesmo sexo o reconhecimento de sua parceria
civil registrada, visando à proteção dos direitos à propriedade, à sucessão e aos demais
regulados nesta Lei.

Art. 2º. A parceria civil registrada constitui-se mediante escritura pública e respectivo
registro em livro próprio, nos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais na forma
que segue.

(...)

§ 2º. Após a lavratura do contrato a parceria civil deve ser registrada em livro
próprio no Registro Civil de Pessoas Naturais.

§ 3º. O estado civil dos contratantes não poderá ser alterado na vigência do
contrato de parceria civil registrada."
Entendemos ser inconstitucional esse projeto de lei. Não pelo registro da parceria civil
da parceria entre pessoas do mesmo sexo, mas pela alteração do seu estado civil.
Compreendemos que esse tipo de registro nada mais é que a desnaturação do instituto
do casamento, uma vez que a lei não apenas reconhece a união estável entre pessoas do
mesmo sexo, como também garante a elas o direito de realizar um tipo de união civil
sem previsão constitucional. Ademais, fica a dúvida de tamanha incoerência: qual seria
o estado civil daqueles que realizassem esse tipo de registro? Segismundo Gontijo
também tece críticas a respeito, afirmando que esse tipo de registro de parceria
ofereceria espaço para simulações de natureza patrimonial.

"Critico é a iliquidez da estranha figura da parceria civil registrada, erigida naquele


Projeto sem ter como condição qualquer tipo de convivência homossexual, muito
menos uma união com um prazo mínimo de duração, nem soma de esforços dos
parceiros, impedimentos por parentesco, ou deveres específicos. Mesmo conferindo
uma série de direitos aos que denomina parceiros, em nenhum ponto dá a entender se
aplicar a casais homossexuais contratantes da própria convivência. Por isso, quaisquer
duplas, masculinas ou femininas, se encaixarão no texto para gozar, pela fraude, os
importantes direitos que prodigaliza. Usarão dessa parceria para satisfazer interesses
subalternos e não como retribuição natural e legal da própria dedicação, ou como
reciprocidade compensadora de longo e continuado suprimento de carências afetivas e
sexuais numa convivência solidária, como se acreditava ser o escopo da matéria em
discussão. Bastará aos simuladores - que jamais foram gays ou pretenderam conviver
- se autodenominem parceiros civis e assim se registrem, aproveitando da redação
simplista: "é assegurado a duas pessoas do mesmo sexo, o reconhecimento de sua
parceria civil registrada, visando à proteção dos direitos à propriedade, à sucessão e
aos demais regulados nesta Lei". Seus requisitos se limitam a serem os parceiros
maiores de 21 anos, solteiros, viúvos ou divorciados, constituir-se a parceria por
escritura pública em Cartório de Notas, levada ao Registro Civil - e, se com
disposições patrimoniais, ao Registro de Imóveis para valer contra terceiros."
(Gontijo. COAD Informativo. Boletim Semanal n.º 19, maio 1997, p. 242)

Ives Gandra Martins também não poupou críticas ao referido projeto. Em sua opinião, o
projeto de lei é inconstitucional, uma vez que fere o § 3.º da Constituição Federal, uma
vez que equipara, segundo o autor, a união homossexual a entidade familiar. Sobre isso,
duramente afirma:

"À luz do referido dispositivo, parece-me de manifesta a inconstitucionalidade o


projeto de lei da (então) Deputada Marta Suplicy, pretendendo dar ares de entidade
familiar à união de pederastas e de lésbicas, visto que tal tipo de entidade não é
reconhecido pela Constituição, não representa a formação de uma entidade familiar e
agride, inclusive, o conceito de família hospedado na Lei Suprema.

Aqueles que entendem que a união pretendida pela parlamentar é apenas para garantia
patrimonial das pessoas que têm atração sexual contrárias às leis da natureza, com
manifesta distorção do uso de seu aparelho genital, desconhecem que tal garantia
patrimonial lésbicas e pederastas se podem auto-outorgar, através de contratos
inominados de caráter civil, com o que, para tais fins, o direito já lhes oferta uma
segurança adequada.
O projeto, todavia, não pretende apenas a segurança patrimonial entre os que não
têm atração pelo sexo oposto, mas lhes dar ares de entidade familiar, e, nesse aspecto,
a inconstitucionalidade é manifesta, vale dizer, fere o disposto no § 3.º do art. 226."
(Martins, 2000 págs 1021/1022)

Entendemos infeliz a crítica desse grande jurista em dois aspectos. Um deles é que não
existem provas de que a homossexualidade seja algum tipo de disfunção de natureza
psíquica ou biológica. A Organização Mundial de Saúde (OMS) inclusive não entende
mais a homossexualismo como doença. O outro é que, apesar no projeto de lei ser
notoriamente mal feito, em nenhum momento, menciona expressamente como família a
parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo. Assim sendo, torna-se leviana tal
afirmação.

Há também um esboço de projeto de lei sobre o mesmo tema. O texto redigido em abril
de 2002, pelos juristas e professores Fernando Malheiros Filho (RS); Paulo Lins e Silva
(RJ); Roberto Rodrigues Alves (DF); Segismundo Gontijo (MG) e Sérgio Marques da
Cruz Filho (SP), a pedido da Deputada Laura Carneiro, Presidente da Comissão de
Família e Seguridade Social, da Câmara Federal, como substitutivo de outros projetos
sobre a matéria, em tramitação na Casa. O texto apresenta uma propriedade técnica
muitíssimo superior ao primeiro e, não atribui caráter familiar a uniões homossexuais,
mas apenas de união civil, atribuindo competência às Varas Cíveis para o julgamento de
matérias relativas a estas. Dispõe também sobre a união estável heterossexual, seu
regime de bens e sua conversão e casamento, revogando, expressamente, as leis
referentes à união estável. Equipara a união homoafetiva à união estável em todos os
direitos e obrigações inclusive no que se refere a cobrança judicial de alimentos (art.
8.º). Transcrevemos a seguir trechos do esboço do projeto de lei, para uma análise mais
depurada.

CAPÍTULO III:DO REGIME DE BENS

SEÇÃO I : DO REGIME LEGAL

Art. 4º. Salvo estipulação diversa, os bens móveis e imóveis adquiridos onerosamente
por qualquer dos conviventes, na constância da união familiar estável, regem-se pelas
disposições sobre o regime da comunhão parcial de bens estabelecidas na legislação
civil, abrangendo direitos, deveres e responsabilidades.

Parágrafo único. Observados idênticos impedimentos desta liberalidade entre


cônjuges, as doações feitas por um dos conviventes ao outro serão computadas como
adiantamentos da respectiva meação, caso não haja convenção em contrário.

(...)

CAPÍTULO VI: DOS ALIMENTOS

Art. 8º. Conforme previsão legal que rege o instituto, o convivente pode pedir ao outro
os alimentos de que necessite, deferindo-os o juiz provisionalmente depois de audiência
prévia de justificação.

(...)
SUBTÍTULO II: DA UNIÃO CIVIL HOMOAFETIVA

CAPÍTULO VIII: DO CONCEITO

Art. 10. Duas pessoas do mesmo sexo poderão constituir união civil nos mesmos
termos, condições, direitos e obrigações desta lei, excetuado o que se refere a filhos
comuns e à conversão em casamento.

Parágrafo único. Aplica-se, no que couber, aos companheiros homossexuais a


disposição desta lei relativa ao supérstite de união familiar estável na sucessão
hereditária.

CAPÍTULO IX: DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS

Art. 11. Os direitos sucessórios dos conviventes reger-se-ão na conformidade do


disposto na legislação civil para a sucessão entre cônjuges.

Art. 12. Assegurado o segredo de justiça em todos os casos a matéria relativa à união
familiar estável é de competência do juízo da Vara de Família e é do juízo da Vara
Cível a da união civil homoafetiva..

(...)

Art. 15. Ficam revogadas as Leis nºs 8.971, de 29 de dezembro de 1994 e 9.278 de 10
de maio de 1996 e as disposições em contrário às desta lei. (texto disponível em
http://www.gontijo-familia.adv.br)

Aplaudimos os redatores do texto do referido projeto de lei pela lucidez e ousadia do


texto. Notória é a convivência fática entre pessoas do mesmo sexo ou de sexo oposto. E
o texto em epígrafe, habilmente, estabeleceu a isonomia entre os dois tipos de uniões de
fato no tocante ao regime de bens e obrigações entre os conviventes. Manteve a
discriminação entretanto, ao não conferir à união homoafetiva caráter familiar, mas
apenas civil, respeitando assim o § 3.º do art. 226 da Constituição Federal.

6. Conclusão

A partir da análise dos argumentos no presente trabalho, é possível concluir que a existe
a necessidade de se reavaliar determinados conceitos em Direito de Família. Mais ainda;
é preciso destituir-nos do moralismo que circunda o meio jurídico e encarar o fato da
existência da união entre pessoas do mesmo sexo e da necessidade desse tipo de união
receber amparo legislativo, e não ficar entregue apenas ao entendimento judicial.

É preciso que o operador do Direito esteja cada vez mais atento às transformações que
ocorrem em nossa sociedade, a fim de que venha ele, efetivamente, ser um instrumento
de transformação social e não apenas um técnico em legislação. É este o único modo de
reduzirmos os abismos que separam o cidadão do Estado a fim de alcançarmos uma
sociedade mais igualitária e justa para todos.
7. Bibliografia

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FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Comentários à Constituição Brasileira de 1988.


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GOMES, Orlando. Direito de Família. Ed. Forense. 12ª Edição. Rio de Janeiro, 2000.

GONTIJO, Segismundo. A Parceria dita Gay. COAD Informativo. Boletim Semanal


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MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil Volume 8. 2.ª Edição.


Saraiva. 2000

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Volume 7. Editor Borsoi. Rio de
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MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação


Constitucional. Ed. Atlas S.A. São Paulo. 2002. ]

Sobre o autor

Tiago Batista Freitas

acadêmico de direito da Universidade Federal da Bahia, em Salvador (BA)

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

FREITAS, Tiago Batista. União homoafetiva e regime de bens. Jus Navigandi,


Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em:
<http://jus.uol.com.br/revista/texto/3441>. Acesso em: 7 mar. 2011.

A união homoafetiva no direito brasileiro


contemporâneo
http://jus.uol.com.br/revista/texto/4210

Publicado em 10/2003
Enéas Castilho Chiarini Júnior

Palavras-chave: Homossexual; Homossexualismo; Homossexualidade; União


Homoafetiva; Casamento Homossexual; Direito de Família.

Venho defender a possibilidade jurídica da união homoafetiva (união entre


homossexuais), não pretendo dizer que tais uniões sejam corretas, mas também não
venho condenar tais uniões, venho apenas dizer que tais uniões são, sob o ponto de vista
jurídico, legítimas e, portanto, devem ser protegidas pelo Poder Judiciário, e por toda a
sociedade.

Homossexualismo, como nos ensina Delton Croce, é "a atração erótica por indivíduos
do mesmo sexo", podendo o homossexual praticar atos libidinosos ou apenas exibir
fantasias sexuais com relação à indivíduos do mesmo sexo, apresentando certa
indiferença ou repugnância por indivíduos do sexo oposto. Pode atingir ambos os sexos,
de onde recebe a denominação de masculina, se praticada entre homens, ou feminina, se
praticada entre mulheres.

Não existe um padrão comportamental típico que defina o homossexualismo,


apresentando-se na prática, diversas gradações no aspecto físico, que podem ir, no caso
de homossexualismo masculino, por exemplo, desde a completa efeminação
exteriorizada por gestos e maneiras de se comportar, até a exterior aparência viril e
heterossexual.

Conforme Renato Posterli, "É oportuno, agora, ressaltar que homossexualismo deixou
de ser doença. Á décima revisão da Classificação Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde (CID), da Organização Mundial de Saúde, exclui, depois de
quase vinte anos, o homossexualismo como doença.''... o então presidente do Conselho
Federal de Medicina, psiquiatra Ivan Moura Fé, afirmou que ''muitas vezes, os próprios
pais levam os filhos homossexuais ao médico, porque acreditam que eles são doentes; a
situação deixa os profissionais confusos, já que não é encontrado nenhum sinal que
indica a existência de uma anomalia.''" mais adiante, conclui que "É, comprovadamente,
uma opção de vida."

É tão bem aceito o fato de a homossexualidade ser uma escolha, que Delton Croce
chega a lembrar: "Freud afirma que todo indivíduo, homem ou mulher, tem uma
tendência ponderável, íntima e oculta à homossexualidade. Tal-qualmente, opina
Abrachamsen (Delito y psique, p. 181 usque 183): ‘Não existe, provavelmente,
nenhuma pessoa normal que não possua algumas inclinações homossexuais
inconscientes.’"

Nos países "de primeiro mundo", sobre tudo da Europa Ocidental, a homossexualidade
já é encarada como preferência pessoal de cada indivíduo, sendo, inclusive em alguns
países, permitida, reconhecida e até mesmo protegida a união entre pessoas do mesmo
sexo.

A Constituição Federal no seu artigo 226, § 3º afirma que "para efeito da proteção do
Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade
familiar..."
Os intérpretes costumam entender que através de tal dispositivo constitucional, a lei
protege apenas "a união estável entre o homem e a mulher", não protegendo outras
espécies de união (homem com homem e/ou mulher com mulher).

Porém, tais intérpretes seguem o que os lógicos denominam de argumento à contrário, o


que do ponto de vista lógico é inconcebível; pois, se digo que amo minha esposa, não
significa, necessariamente, que não amo meus filhos, posso, ou não amá-los (no meu
caso, é claro que também os amo).

Se a lei, não exclui, expressamente, a proteção das uniões homoafetivas, então caímos
no que Bobbio chamou de Norma Geral Exclusiva, que é uma das premissas básicas do
pensamento Kelseniano, que afirma que "tudo o que não está explicitamente proibido,
está, implicitamente, permitido", idéia protegida pela Constituição Federal que afirma
que "ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei" (artigo 5º, inciso II).

A respeito de tal posicionamento, Fábio Ulhoa Coelho afirma que "...como todas as
normas são reduzidas à estrutura de um imperativo sancionador (dado certo
comportamento, deve ser uma sanção), para o pensamento kelseniano, aquele juiz que
enxerga lacuna no direito está, na verdade, pretendendo aplicar sanção a uma conduta
não-sancionada ou deixar de aplicar sanção a conduta sancionada. Ou seja, ele pretende
inverter o sentido da norma [...] em Kelsen, o julgador só considera que há lacunas no
ordenamento quando não o satisfaz a solução oferecida..."

Apesar disso, os que acreditam haver lacuna no direito brasileiro, devem, uma vez que
pelo princípio da indeclinabilidade, consagrado no artigo 126 do Código de Processo
Civil, o juiz não pode deixar de solucionar o caso concreto alegando lacuna na lei,
recorrer ao artigo 4º da Lei nº 4.657/42 (Lei de Introdução ao Código Civil) que ordena:
"quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e
os princípios gerais de direito", completando em seu artigo 5º que "na aplicação da lei, o
juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".

Analogia, segundo Ferrara, apud R. Limongi França, "...é a aplicação de um princípio


jurídico que a lei estabelece, para um certo fato, a um outro fato não regulado, mas
juridicamente semelhante ao primeiro."

Pela analogia, devemos admitir tais uniões através do seguinte raciocínio que possui
duas premissas básicas:

1ª) todo ser humano possui o sagrado direito de constituir uma família (direito este
garantido pelo artigo XVI da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de
1948);

2ª) todo deficiente físico, se desejar, pode recorrer a uma cirurgia plástica reparadora
para minimizar seus déficits físicos.

A partir de tais premissas, nos levam a outras duas:

a) todo deficiente físico (que é membro da espécie humana) pode constituir uma
família;
b) todo hermafrodita, por ser uma espécie de deficiente físico, pode, se assim desejar,
recorrer a uma cirurgia plástica para definição de seu sexo (fenotípico), sendo
imperiosa, neste caso, a permissão para retificação de seu registro de nascimento;

Estas duas últimas premissas nos levam a conclusão de que todo hermafrodita, por ser
uma espécie de deficiente físico, pode constituir uma família, independente de cirurgia
plástica reparadora, com um homem ou uma mulher, sob pena de criar-se uma restrição
de direitos ao hermafrodita que é contrária ao ordenamento jurídico nacional;

Assim, abrindo-se uma exceção à regra constitucional do § 3º do artigo 226 da


Constituição Federal para aceitar-se a união que possua um, ou porque não dois,
hermafroditas, deve-se concluir que é igualmente possível, e imperioso, aceitar-se a
união que possua um transexual, pois este, assim como os hermafroditas, possui o
direito de recorrer à cirurgia plástica de redesignação de sexo, com posterior
possibilidade de retificação do seu registro de nascimento (como inclusive já é aceito
pela jurisprudência nacional), uma vez que segundo Pontes de Miranda, apud Maria
Berenice Dias, "...a conformação viciosa ou a mutilação dos órgãos sexuais não torna
impossível a existência do casamento..."

Cumprindo ressaltar, porém, que a união do transexual, não deve ser aceita apenas no
caso de cirurgia, uma vez que este não pode ser compelido a se submeter a uma
operação plástica para possuir o direito de se unir com aquele que ama;

Logo, do mesmo modo, o homossexual deve ser livre para unir-se com a pessoa amada,
independente do sexo (genético), sob pena de se autorizar-lhe a união com um indivíduo
do mesmo sexo (genético) que o seu, se este submeter-se a uma cirurgia de
redesignação de sexo, o que é anti-jurídico.

Caso não seja compreendida a analogia proposta, pela observância dos costumes, torna-
se imperiosa a admissão das uniões homossexuais, uma vez que é bastante comum a
união fática de dois homossexuais, sendo inclusive de aceitação popular, uma vez que
no dia 10 de agosto de 2000, no programa de televisão Você Decide, o público, de todo
o país, votou a favor e um "casal" de mulheres que desejavam dar à luz a uma criança,
para constituírem uma família (o placar foi 63.649 votos contra, e 100.547 - 61,2% - a
favor), sendo, ainda que, no dia 17 de janeiro de 2002, no site do portal Terra, até as 16
horas e 45 minutos, obteve-se uma aprovação de 82,78% (10.376 votos) a favor de que
o filho da cantora Cássia Eller permanecesse com a sua ex-companheira, Maria eugênia.
Fatos estes que evidenciam a abertura da sociedade brasileira à união entre
homossexuais.

Caso os costumes também não sejam suficientes para convencer acerca da


admissibilidade das uniões homossexuais, chega-se a aplicação dos Princípios Gerais de
Direito, que para Bobbio são normas generalíssimas do sistema, ou seja, uma
modalidade de normas gerais e não escritas.

Destes princípios gerais de direito, o mais importante é o princípio de liberdade,


amplamente recepcionado pela Constituição Federal que além de trazer a liberdade
como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, na tentativa de "construir
uma sociedade livre" (artigo 3º, inciso I), traz ainda, em vários momentos a idéia de
liberdade, como é por exemplo o caso do caput do artigo 5º que apresenta "aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito [...] à
liberdade", ou, também é o caso da "livre manifestação do pensamento" (artigo 5º,
inciso IV), da "liberdade de consciência e de crença" e do "livre exercício dos cultos
religiosos" (artigo 5º, inciso VI), da "livre expressão da atividade intelectual" (artigo 5º,
inciso IX), do "livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão" (artigo 5º,
inciso XIII), da "livre locomoção no território nacional" (artigo 5º, inciso XV), da
"plena liberdade de associação para fins lícitos" (artigo 5º, inciso XVII). Isto apenas
para apresentar-se alguns exemplos, ficando, apenas, com alguns direitos do artigo 5º.

Outro princípio geral é o da inviolabilidade do direito à intimidade e à vida privada,


que, segundo José Adércio Leite Sampaio poderia ser apresentado como uma "regra e
princípio", que poderia ser expressada da seguinte maneira: "estão proibidas as
intervenções do estado na esfera da intimidade e da vida privada das pessoas, se não
forem previstas em lei ou se não forem necessárias ao cumprimento dos princípios
opostos que, devido às circunstâncias do caso, tenham precedência frente ao princípio
da inviolabilidade da intimidade e vida privada."

Celso Ribeiro Bastos afirma que "não sendo possível suprir a lacuna mediante a
utilização dos instrumentos acima citados, deverá lançar mão a autoridade competente
da eqüidade, que é uma apreciação subjetiva, cujo critério reside no senso de justiça. O
Código de Processo Civil de 1939, no seu art. 114, conceituava a eqüidade nos
seguintes termos: ‘Quando autorizado a decidir por eqüidade, o juiz aplicará a norma
que estabeleceria se fosse legislador’."

Caso seja necessária a aplicação da eqüidade, cumpre ressaltar que, atualmente, apesar
de uma nova onda de contaminação pelo vírus da AIDS, sobre tudo nos Estados Unidos
da América (Conforme noticiado pela revista Veja de 14 de fevereiro de 2001), mais
precisamente na cidade de São Francisco, "capital mundial dos homossexuais", a AIDS
não está relacionada com a opção sexual, e sim com a vida sexual, com a
promiscuidade, de maneira que não se pode afirmar que o homossexual está mais, ou
menos, propenso à ser infectado pelo HIV. O que está acontecendo, nestes casos, é que,
atualmente, a AIDS não é mais vista como uma sentença de morte. O preconceito aos
aidéticos está diminuindo. Os médicos estão conseguindo, graças aos recentes avanços
da medicina, prolongar e, principalmente, melhorar a qualidade de vida dos infectados,
o que causa uma diminuição do "medo" que cada indivíduo tem de ser infectado,
fazendo com que este indivíduo venha a diminuir a prevenção, causando desta forma a
contaminação pelo não uso de preservativos.

A verdade é que, aquele que mantém uma vida sexual ativa com vários parceiros, quer
seja ele homossexual ou heterossexual, está dentro do chamado "grupo de risco",
denominação esta que hoje já é combatida por muitos especialistas que dizem não mais
existir este "grupo de risco", e que todos são passíveis de contaminação. Tanto é
verdade esta afirmação que, no dia 6 de setembro de 2000, a revista Istoé trouxe uma
reportagem a respeito do crescente número de casos de donas de casa infectadas pelo
HIV, e que foram contaminadas pelos próprios maridos, sendo que estes casos
representavam cerca de 57% dos casos registrados entre dezembro de 1999 e junho de
2000.

Cumpre ressaltar ainda, que Antônio Joaquim Werneck de Castro, Secretário de


Assistência e Saúde do Governo Federal, conforme ofício dirigido ao Presidente da
Câmara dos deputados, é a favor da união homoafetiva como medida eficaz na luta
contra a AIDS.

No site www.aids.gov.br, encontramos uma tabela referente aos números oficiais do


contágio pelo vírus da AIDS no Brasil, nos últimos anos, segundo a referida tabela, em
1984, o número de homossexuais contaminados representava 54,2% do total de casos
registrados, enquanto que o número de heterossexuais era de apenas 2,5% Em 1999, o
número relativo aos homossexuais caiu para 19,3%, enquanto que o número de
heterossexuais subiu para 29,7%, de forma que a contaminação pelo vírus da AIDS não
pode ser motivo para se proibir a união entre homossexuais.

O argumento de que se o Congresso Constituinte quisesse autorizar tais uniões teria


feito expressamente também não convence, uma vez que no final de 1985 travou-se um
grande debate em torno da escolha entre as duas espécies de Assembléia Constituinte , a
Assembléia Constituinte autônoma, e a Assembléia Congressual Constituinte, aquela
sendo eleita única e exclusivamente para elaborar a nova Constituição, e esta sendo
formada pelos integrantes do Congresso Nacional, que deveriam votar a Constituição,
além de cumprir seu mandato normal.

Segundo João Baptista Herkenhoff, "a principal vantagem de uma Assembléia


Constituinte exclusiva seria a de possibilitar uma eleição fundada apenas na discussão
de teses, princípios e compromissos ligados ao debate constituinte [...] Na fórmula da
Constituinte congressual (ou Congresso constituinte), os candidatos poderiam prometer
estradas, empregos, benefícios pessoais, pois a eleição deixa de ser de constituintes
exclusivos para ser de deputados e senadores", concluindo mais adiante que tal esquema
"...facilitaria a eleição dos velhos políticos, ligados às máquinas eleitorais, e
desencorajaria a participação de elementos descompromissados com esquemas..."

Mas, segundo o mesmo autor, "o aspecto mais chocante da decisão governamental, que
optou pela Constituinte congressual e, ao mesmo tempo, uma das razões mais fortes
para que o Governo tomasse essa decisão, constitui no fato de que a Constituinte
congressual teria a participação, como constituintes, dos senadores eleitos em 1982.
Esses senadores, de direito, não poderiam ser membros natos da Constituinte, pois
ninguém pode ser constituinte sem mandato específico"

Diante desse quadro histórico, é fácil notar que a Assembléia Nacional Constituinte de
1988 não possuía a liberdade necessária para aprovar a Constituição conforme deveria,
sendo influenciada pelo regime militar que na época dava seus "últimos suspiros", o que
explica por que não existe em toda a constituição vigente qualquer norma explícita que
aprove e proteja a união homoafetiva.

Para reforçar tal argumento, cumpre trazer o texto que fora aprovado pela subcomissão
dos Negros, Populações Indígenas e Pessoas Portadoras de Deficiência do Congresso
Constituinte para o que seria o artigo 2º da Constituição Federal, que, ao final fora
substituído sob o argumento de "enxugar" o texto da Constituição. O texto era o
seguinte: "Art. 2º - Todos, homens e mulheres, são iguais perante a lei, que punirá como
crime inafiançável qualquer discriminação atentatória aos direitos humanos e aos aqui
estabelecidos. Parágrafo 1º - Ninguém será prejudicado ou privilegiado em razão de
nascimento, etnia, raça, cor, sexo, trabalho, religião, orientação sexual, convicções
políticas ou filosóficas, ser portador de deficiência de qualquer ordem e qualquer
particularidade ou condição social..." (Maria Berenice Dias)

Aliás, tais argumentos valem também para o Novo Código Civil que entrou em vigor
em 2003, uma vez que seu projeto vem de 1975, ou seja, desde a época da Ditadura
Militar, não tendo sofrido grandes alterações de lá para cá.

Também não convence o argumento de que tais uniões não devem ser liberadas por
serem um mal exemplo para a juventude, posto que os exemplos de heterossexuais são
em número muito maior, seria mais fácil para o jovem que ele seguisse o exemplo da
maioria, ademais, todo mal exemplo caí frente a uma boa educação.

Também não pode ser aceito o argumento de que tais uniões não são capazes de gerar
filhos, uma vez que, atualmente, já é possível que duas mulheres que vivem juntas dar á
luz um filho inseminado artificialmente. Além de que, frente as mais recentes
descobertas acerca da existência, embora raríssimas, de crianças geradas fora do útero
materno (chamada de gravidez ectópica), é possível ter-se uma visão futurística
fantástica segundo a qual seria possível, ao menos em tese, de que um homem possa dar
à luz um filho fertilizado in vitro e inserido, posteriormente, em seu abdômen,
semelhante ao que já se pode ocorrer com as mulheres (lembre-se de que Júlio Verne foi
chamado de louco quando escreveu histórias sobre viagens à lua, assim como Eistein
também foi chamado de louco quando disse que o tempo é relativo, assim como alguns
achavam que Jesus Cristo era louco por dizer que era filho de Deus e rei dos Homens).

Deve-se lembrar ainda que, a respeito do Contrato Social de Rousseau, Beccaria afirma
que "...somente a necessidade obriga os homens a ceder parcela de sua liberdade; disso
advém que cada qual apenas concorda em pôr no depósito comum a menor porção
possível dela, quer dizer, exatamente o que era necessário para empenhar os outros em
mantê-lo na posse do restante."

Darcy Azambuja concorda com Beccaria quando afirma que "...se a vontade geral,
criada pelo contrato, fosse ilimitada, seria criar o despotismo do Estado, ou melhor, das
maiorias, cuja opinião e decisão poderia arbitrariamente violentar os indivíduos..."

O próprio Rousseau alerta que "...o maior bem de todos, que tal deve ser o fim de todo o
sistema de legislação, achá-lo-eis resumido nestes dois objetos principais, a liberdade e
a igualdade..."

Segundo Darcy Azambuja, "...toda a intervenção do estado é nociva ao bem comum; ele
apenas deve dar segurança aos indivíduos e não intervir na vida social senão para
manter a ordem. Liberdade de profissão, liberdade de trabalho, liberdade de comércio,
toda a atividade livre: o estado não deve pretender conhecer melhor do que eles próprios
os direitos dos indivíduos..."

Se o fim do Estado é, conforme a nossa Constituição Federal, a realização do bem


comum, com a criação de uma sociedade livre justa e solidária, sem distinção de
qualquer natureza (artigo 3º, caput e incisos I e IV), então, novamente mostra-se claro
que o direito de liberdade de opção sexual deve ser respeitado, acolhendo-se a
possibilidade de união entre pessoas do mesmo sexo, sob pena de quebra do "Contrato
Social", o que legitimaria o povo a se rebelar e a voltar ao primitivo estado de natureza
(conforme é aceito pelo terceiro CONSIDERANDO do preâmbulo da Declaração
Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948).

Cumpre ainda assinalar que Direito e religião são duas coisas distintas, tanto é verdade
que o legislador contrariou alguns escritos bíblicos, como por exemplo este trecho que
manda à mulher obedecer ao marido:

"Vós, mulheres, submeti-vos a vossos maridos, como ao Senhor, porque o marido é a


cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, sendo ele próprio o
Salvador do corpo. Mas, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as
mulheres o sejam em tudo a seus maridos." (Efésios 5:22-24).

Quem, em pleno século XXI seria capaz de afirmar que o homem é superior à mulher, e
que portanto esta deve submeter-se àquele? Hoje em dia já está consagrado no mundo
jurídico o princípio de igualdade entre os sexos.

Mais uma vez o Direito contraria a religião quando autoriza o divórcio, pois, conforme
Marcos 10:7-9: "por isso deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e unir-se-á a sua
mulher. E serão os dois uma só carne: e assim já não serão dois, mas uma só carne.
Portanto o que Deus ajuntou não separe o homem."

Desta forma, o Direito contraria a Bíblia Sagrada algumas vezes, posto que, conforme
salientado, Direito e religião são coisas distintas. Se o Direito não obedece aos
mandamentos Bíblicos que ordenam a mulher a submeter-se ao seu marido, e que
impedem o divórcio, porque os juristas se preocupariam com o fato de ser o
homossexualismo contra a vontade de Deus? Se o ordenamento jurídico já contrariou a
Bíblia em nome da igualdade entre os sexos, porque não pode, mais uma vez, contrariá-
la, afirmando a igualdade entre hetero e homossexuais?

A igreja, portanto, combate abertamente a homossexualidade, baseando-se em escritos


bíblicos, porém, os mesmos cristãos se esquecem é que, na mesma bíblia de onde tiram
os motivos para combater os homossexuais, existe uma passagem que diz "não julgueis,
para que não sejais julgados" (Mateus 7:1).

Mesmo que o homossexualismo seja combatido pela Bíblia, e, consequentemente contra


a vontade de Deus, quem será suficientemente bom e sem pecados para ser digno de
julgar alguém? Se, nem mesmo Jesus teve a ousadia de julgar as pessoas, quem seremos
nós, míseros mortais e pecadores para fazermos o julgamento de alguém? Ademais,
"...aquele dentre vós que está sem pecado que lhe atire uma pedra" (João 8:7).

Só a Deus cabe julgar, à nós, seres humanos, cabe amar ao próximo como a nós
mesmos, fazendo o bem, sem olhar a quem, conforme a parábola do Bom Samaritano,
narrado em Lucas 10:1-42.

Acrescente-se, ainda, que não cabe ao defensor do direito à união homossexual que
aponte os benefícios da liberdade homossexual, mas ao contrário, cabe àquele que é
contra à união homossexual apontar quais são os males que podem ser causados à
sociedade, no caso de uma legalização do direito de união homossexual, pois in dubio
pro reo, ou, mais acertadamente, in dubio pro libertatis.
Deve-se ressaltar, ainda, que a OITAVA CÂMARA CÍVEL do TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO RS, em julgamento do dia 01/03/00 julgou ser juridicamente possível o
pedido de reconhecimento de união estável entre homossexuais "...ANTE PRINCÍPIOS
FUNDAMENTAIS INSCULPIDOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL QUE VEDAM
QUALQUER DISCRIMINAÇÃO, INCLUSIVE QUANTO AO SEXO, SENDO
DESCABIDA DISCRIMINAÇÃO QUANTO A UNIÃO HOMOSSEXUAL [...] UMA
ONDA RENOVADORA SE ESTENDE PELO MUNDO, COM REFLEXOS
ACENTUADOS EM NOSSO PAIS, DESTRUINDO PRECEITOS ARCAICOS,
MODIFICANDO CONCEITOS E IMPONDO A SERENIDADE CIENTÍFICA DA
MODERNIDADE NO TRATO DAS RELAÇÕES HUMANAS, QUE AS POSIÇÕES
DEVEM SER MARCADAS E AMADURECIDAS, PARA QUE OS AVANÇOS NÃO
SOFRAM RETROCESSO E PARA QUE AS INDIVIDUALIDADES E
COLETIVIDADES, POSSAM ANDAR SEGURAS NA TÃO ALMEJADA BUSCA
DA FELICIDADE, DIREITO FUNDAMENTAL DE TODOS..."

Não se pode esquecer, também, que a grande maioria dos atentados terroristas que
acontecem no mundo, inclusive os ocorridos no dia 11 de setembro de 2001, e que
deram origem à guerra entre os EUA e o Afeganistão, são fruto da intolerância, e esta
sim deve ser completa e definitivamente banida de todo o ordenamento jurídico, pois
como já dizia a Declaração dos Direitos Humanos a mais de cinqüenta anos, todo
indivíduo nasce livre e igual em direitos e deveres.

Um Estado só se torna uma grande nação, quando o povo que o compõe, age por amor à
pátria. Só é possível amar, e respeitar um Estado, respeitando e admirando seus
governantes (entendendo-se governantes no sentido mais amplo da palavra, abrangendo
os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário). E, para isso, é necessário que os
governantes sigam os ideais deste povo, sejam ou não, contrários aos seus próprios
ideais particulares. Só assim, quando os governantes de um Estado, ouvem o clamor do
povo, e agem conforme os anseios de seus súditos, mesmo contrariando suas convicções
pessoais (jogando por terra a teoria de Carl Marx), é que conseguirão a admiração e
respeito por parte dos governados, para que possam, juntos, governantes e governados,
formarem, definitivamente, uma grande nação.

Por fim, gostaria de citar meu grande professor Dr. Paulo Duarte Lopes Angélico (Juiz
de Direito titular da 3ª Vara Cível da Comarca de Pouso Alegre/MG), que pergunta de
maneira incisiva:

"Deve existir lei que limite a capacidade de amar? Quem pode afirmar ou firmar este
dogma?" (in Boletim Universitário do 3º Simpósio da Faculdade de Direito do Sul de
Minas - Inovações no Direito Material Civil - "Fatos e Mitos", "União entre
homossexuais")

Referências Bibliográficas

AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 36ª ed., São Paulo: Globo, 1997;

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito financeiro e tributário. 7ª ed., São Paulo:
Saraiva, 1999;
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 1ª ed., São Paulo: Editora Martin Claret,
2000;

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10ª ed., Brasília: Editora


Universidade de Brasília, 1997;

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 21ª ed., São Paulo:


Saraiva, 1999;

CROCE, Delton. Manual de medicina legal. (trechos) 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 1998;

DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. 2ª ed., Porto


Alegre: Livraria do Advogado, 2001;

FRANÇA, R. Limongi. Hermenêutica jurídica. 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 1997;

HERKENHOFF, João Baptista. Fundamentos de direito. 1ª ed., Rio de Janeiro:


Forense, 2000;

LEITE SAMPAIO, José Adércio. Direito à intimidade e a vida privada: uma visão
da sexualidade, da família, da comunicação e informações pessoais, da vida e da
morte. 1ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 1998;

MARX, Karl., ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. 1ª ed., São


Paulo: Editora Martin Claret, 2000;

POSTERLI, Renato. Transtornos de preferência sexual: aspectos clínico e forense.


1ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 1996;

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. 1ª ed., São Paulo: Editora Martin


Claret, 2000;

ULHOA COELHO, Fábio. Roteiro de lógica jurídica. 3ª ed., São Paulo: Max
Limonad, 1997.

Sobre o autor

Enéas Castilho Chiarini Júnior

advogado e árbitro em Pouso Alegre (MG), especialista em Direito


Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC) em
parceria com a Faculdade de Direito do Sul de Minas Gerais (FDSM)

é capacitado para exercer as funções de árbitro/mediador pela Sociedade


Brasileira para Difusão da Mediação e Arbitragem (SBDA) e membro fundador
da Câmara de Mediação e Arbitragem do Sul de Minas (Camasul).
Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

CHIARINI JÚNIOR, Enéas Castilho. A união homoafetiva no direito brasileiro


contemporâneo. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 112, 24 out. 2003. Disponível em:
<http://jus.uol.com.br/revista/texto/4210>. Acesso em: 7 mar. 2011.

UCAM - Universidade Candido Mendes


2008

RESUMO

A união homoafetiva é uma realidade que merece tutela jurídica, não podendo ficar
excluída de nossa legislação. O presente estudo conceitua a homossexualidade, sua
denominação e a ausência de legislação específica no Brasil. Tal abordagem justifica-se,
visto que o tema tem pertinência, atual e possui grande relevância social. Não somente
pela repercussão na esfera jurídica, mas também por afetar vidas, já que pessoas iguais a
todos encontram-se a margem da sociedade por puro preconceito.

Traz em seu contexto, o posicionamento jurídico brasileiro diante das relações


homoafetivas. Isto porque estas lides estão cada vez mais constantes no judiciário, e
cabe aos operadores do direito solucionarem os conflitos existentes de forma justa, ou
seja, deferindo direitos para quem tem o Direito.

O trabalho analisa em quatro capítulos a família brasileira e sua evolução; a união


homoafetiva como entidade familiar; a união estável e seus elementos caracterizadores;
partilha de bens e sucessão patrimonial e o respectivo cabimento em união homoafetiva.

Visa traçar um paralelo entre o instituto da União estável e União Homoafetiva,


considerando as circunstancias caracterizadoras e semelhanças existentes entre ambos.
Sendo os princípios constitucionais da dignidade humana, da não discriminação e da
igualdade os alicerces fundamentais para sustentar uma futura regulamentação das
uniões de pessoa do mesmo sexo conferindo - lhes o status de família.

O preconceito ainda impõe barreiras para que a união homoafetiva seja equiparada à
união estável e consequentemente os parceiros não se beneficiam dos direitos por ela
garantidos.

Este estudo foi realizado através de pesquisas bibliográfica, doutrinária e


jurisprudencial.

Palavras chaves: União Homoafetiva, União Estável, Partilha de bens, sucessão


patrimonial.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO
1 – CAPITULO I: A FAMÍLIA BRASILEIRA
1.1 Evolução histórica da família
1.2 Fontes
1.3 Evolução no Ordenamento Brasileiro
1.4 A Constituição Federal de 1988
1.5 Conceito atual de família
2 – CAPITULO II UNIÃO HOMO-AFETIVA
2.1 primeiro passo para a regularização
2.2 As barreiras existentes
2.3 Sociedade de fato
2.4 União Homoafetiva como entidade familiar
2.5 Repercussão Social
2.6 Análise da União Homoafetiva frente aos Direitos Humanos
3 – CAPITULO III DA UNIÃO ESTÁVEL
3.1 Conceito
3.2 Elementos caracterizadores
3.3 Temporalidade
3.4 Evolução da união Estável
3.5 Divergência em relação a entidade familiar
3.6 cabimento da União estável na relação Homoafetiva
3.7 Dissolução da União Estável
4 – CAPITILO IV PARTILHA DE BENS E SUCESSÃO PATRIMONIAL
4.1 Partilha e bens e Sucessão em geral
4.2 Partilha de bens e Sucessão do convivente
4.3 União Homoafetiva e partilha de bens
4.4 União Homoafetiva e sucessão patrimonial
4.5 Evoluções Jurisprudenciais
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
ANEXO A - Projeto de lei nº. 1.151, de 1995. Da Deputada Marta Suplicy (PT-SP)...48
ANEXO B - Substitutivo da lei 1.151 de 1995 adotado pela comissão. Do Deputado
Roberto Jéferson
ANEXO C – Acórdão, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS

INTRODUÇÃO

O tema em tela, apesar de polemico, está muito evidenciado nos dias atuais e está sendo
de extrema importância sua explanação. Longe de procurar esgotar o assunto a ser
abordado, o presente trabalho discorrerá de maneira a tentar elucidar a evolução das
uniões extramatrimoniais e o preconceito sob a ótica do Direito, com enfoque específico
na união homoafetiva. Esta, por não ser uma união convencional, sofre muitos
preconceitos e barreiras até hoje.

O casamento tradicional vem perdendo cada vez mais o seu valor na atualidade da
sociedade brasileira, e a união sem burocracias vêm cada vez mais ganhando espaço e
predileção nos relacionamentos modernos. Diante disso, faz-se substancialmente,
necessário que o operador do Direito ajuste sua visão e percepção para as relações
homoafetivas e suas questões jurídicas; uma vez que não se pode esquecer que as
relações onde envolvem pessoas do mesmo sexo e que se unem com o intuito de
desenvolverem uma vida familiar, ou seja, de constituir uma família, são regidas pelo
amor, fidelidade, harmonia, respeito e pela construção patrimonial.

Abordamos então a união homoafetiva e toda a sua evolução para o caminho de um


regulamento desprovido de preconceito e fazendo valer todos os direitos inerentes à
união estável, como por exemplo, a partilha de bens e sucessão patrimonial, isso no caso
de rompimento do vinculo ou falecimento de um dos companheiros ou companheiras.

É verdade que, a sucessão de bens na atualidade acaba muitas vezes beneficiando


familiares distantes, que rejeitaram e desprezaram o falecido em virtude de sua
orientação sexual, mas que a partir de sua morte correm atras dos bens constituídos na
constância da união. Ainda pior, na ausência de parentes, a herança é agregada aos bens
do Estado, tornando ainda mais revoltante a situação.

A escolha do tema tem por objetivo fazer valer os direitos garantidos a todo indivíduo,
seja ele heterossexual ou homossexual, pois são cidadãos, pagam tributos, votam sem
distinção de sua sexualidade todos contribuindo de igual maneira e fazendo desta forma
valer o princípio da igualdade.

A sociedade precisa deixar a hipocrisia de lado e entender que a união homoafetiva faz
parte da realidade e não tem como fingir que ela não exista.

Quantos se suicidam ou optam em viver um casamento heterossexual fracassado,


mesmo que não se realizem, mas vivem assim devido ao preconceito existente na
sociedade e dentro da própria família. Tendo em vista a discriminação e o preconceito, é
justificável e pertinente a escolha do tema em questão, uma vez que apenas uma
pequena minoria dos operadores do Direito trata a homoafetividade com o devido
respeito e justiça necessários.

“A Justiça, mantendo-se indiferente diante das diferenças, só faz cometer enormes


injustiças”

CAPÍTULO 1 – A FAMILIA BRASILEIRA

1.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FAMILIA

Inicialmente a família possuia um perfil conservador, era uma entidade


matrimonializada, patriarcal, patrimonializada, indissolúvel, hierarquizada e
heterossexual, o casamento era indissolúvel, nascia da vontade dos nubentes, mas
muitas vezes independia da vontade deles, as vezes eram até arranjados pelas famílias e
assim era mantido. A finalidade de regular a família através do casamento, sempre teve
interesse econômico de proteger a permanência dos bens para os herdeiros, ou até
mesmo juntar patrimônios, geração de filhos, em especial filhos homens, para que
sucedessem os pais nos negócios. Os casais que não podiam ter filhos sentiam-se
humilhados e envergonhados.

Os relacionamentos que fugissem ao molde legal estavam sujeitos a severas sanções,


além de não adquirir visibilidade social. Eram chamados de marginais, tais vínculos
afetivos extramatrimoniais nunca foram reconhecidos como família e sim
marginalizados pela sociedade. Os filhos que eram gerados fora do casamento também
sofriam discriminações e chamados de bastardos ou ilegítimos, com isso sofriam uma
série de restrições.

Atualmente a União de duas pessoas fora do casamento já possui o conceito de entidade


familiar com amparo na Constituição Federal que o chamou de União Estável, com
direitos e deveres equiparados aos advindos do casamento, com isso a família brasileira
sofreu grandes modificações., não somente mudou em nível constitucional, mas no
plano social, visto que o tamanho e a sua composição vêm sofrendo um rápido processo
de transformação.

O legislador constitucional proporcionou a muitas famílias constituídas à margem do


direito a oportunidade de merecerem o mesmo respeito antes admitidos somente ao
casamento. Em muito contribuiu sem dúvida alguma a liberação sexual para a formação
deste novo conceito de família. A atual família dentro dos moldes reais existentes na
sociedade é mais liberal e justa, tem um conceito diferenciado do conceito tradicional
histórico, pois se apresenta de inúmeras formas, com inúmeras variações que a lei deve
levar em conta quando tenta regulamentá-la e protegê-la. O objetivo destas uniões não é
mais a geração de filhos, mas o amor, afeto e prazer.

O mesmo não acontece com a União Homoafetiva, a homossexualidade existe, é um


fato que merece tutela jurídica. O estigma do preconceito não pode fazer com que um
fato social não se submeta à efeitos jurídicos, sendo assim injustiçado. Independente do
pensamento da sociedade tradicional, o mundo se transforma rapidamente, velhos
conceitos cedem lugar a novos.

A união afetiva e sexual entre duas pessoas é um fato natural, chama-las de União
estável, Concubinato ou Homoafetiva é um fato cultural, taxativo, ou seja, uma
valoração moral para diferenciá-las do casamento. A família acompanha a evolução dos
costumes e, por isso, apresenta-se de formas diferentes para atender as necessidades
humanas de cada época.

O Ordenamento Jurídico moderno defrontou-se com a necessidade de reduzir o


formalismo, tentando viabilizar a realização social e afetiva das pessoas, provocando
transformações nas relações extras matrimoniais.

A sociedade se desenvolve de acordo com o momento histórico que vive, sendo assim,
o direito não cria a realidade, são os fatos e as situações que acabam se tornando tão
evidentes ao ponto do legislador regulamenta-las. A convivência homossexual é uma
realidade que não pode mais ficar à margem da devida tutela jurídica. Precisa ser
reconhecida pelo Estado como entidade familiar.
A família está em constante e incessante transmutação e essas mudanças se fazem
necessárias para que a entidade familiar possa acompanhar a evolução, agregando novos
valores que despontam a cada dia nas diversas sociedades.

1.2. FONTES

As principais fontes do Direito de Família são o Direito Português e o Direito Canônico,


os dois voltados para o casamento como única fonte de formação legítima de família.
Mesmo nos dias atuais, a Igreja Católica ainda tem grande influência do Direito de
Família, exemplo disso são os impedimentos para o casamento do Código Civil atual
advindo do Direito canônico. A Igreja identifica o casamento como um sacramento, e o
Estado o nomina de Instituição.

Vale ressaltar que no último século houve grandes transformações sociais e a família
brasileira começou a tomar novo molde, alargando o conceito de família, não mais
sendo ele restringido ao casamento. O papel da autonomia da vontade no Direito de
Família é residual, pois os efeitos já estão estabelecidos em lei, exemplo, as pessoas não
são obrigadas a se casarem, mas o fizer, os efeitos do casamento estão estabelecidos em
lei, consequentemente deverão ser cumpridos.

1.3. EVOLUÇÃO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO

A Constituição de 1824, outorgada pelo Imperador D. Pedro I não fez nenhuma


referencia à família ou ao casamento, a Constituição de 1981, apenas reconheceu
meramente efeitos ao casamento civil. Mas foi a Carta de 1934, a primeira a dedicar um
capítulo especial a família, estabelecendo em quatro artigos o casamento indissolúvel,
sendo eles artigos 144, 145,146 e 147. A partir desta Constituição que as demais
passaram a dedicar capítulos à família e trata-la em separado, conferindo lhe maior
importância e significado.

Este princípio foi mantido nos textos constitucionais seguintes, quais sejam de 1937,
1946, 1967, 1969, o casamento era a única forma legítima para se constituir uma
família. Na Constituição de 1988, temos a família contemporânea, famílias mais
igualitárias, supremacia do afeto, o termo família legítima passou a ser somente
didático.

No Código Civil de 1916, a família é hierarquizada e matrimonializada, voltada para


procriação, formação de mão de obra, obtenção e transmissão de patrimônio com base
essencialmente no casamento que possuia hierarquia e as relações eram verticais. . A
Lei 883 de 1949 permitiu o reconhecimento do filho nascido fora do casamento. A Lei
4121 de 1962 Estatuto da Mulher Casada, que consolidou o inicio da emancipação da
mulher dentro do casamento, fazendo com que ela deixasse de ser relativamente
incapaz, para ser absolutamente capaz para os atos da vida matrimonial, reconhecendo-a
como colaboradora da sociedade conjugal. Contudo a base principiológica está na
Constituição, sendo esta o marco fundamental do Direito de família, constata-se que a
Constituição da República de 1988 pode ser considerada como um divisor de águas.
Atualmente existe uma nova concepção de família, conseqüência da queda do modelo
patriarcal que vigorou no Brasil por todo século passado, não somente no Direito, mas
também nos costumes, o casamento perdeu o status único meio de formação familiar.

A evolução do concubinato deu origem à união estável, pois conforme os tribunais


reconheciam os direitos, a legislação tentava acompanhar. Num primeiro momento não
existia este reconhecimento, exemplo, um casal convivia junto por 20 anos e na morte
de um deles, não existia nenhum direito. Num segundo momento, os tribunais começam
a deferir indenizações por serviços prestados, era um salário mínimo por ano de
convivência, a relação afetiva não era considerada. No terceiro momento, não se usa
mais a expressão concubinos e sim companheiros, direitos equiparados aos cônjuges.

Mas foi a Lei 6515 de 1977 Lei do Divórcio a grande revolucionária ao permitir a
dissolução do casamento quebrando os valores religiosos embutidos até então na família
brasileira.

A Lei 11.441 de 2007 , que dispões sobre Separação e Divorcio realizados em cartório
veio a facilitar ainda mais a dissolução destas uniões, desde que sejam consensuais e
sem filhos menores.

1.4. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Após A Constituição Federal de 1988 (marco fundamental do Direito de família), a


família brasileira sofreu modificações consideráveis, legislador constituinte introduziu
no campo do Direito de Família o direito à igualdade entre homem e mulher. A União
estável foi reconhecida como família legítima, o legislador proporcionou a oportunidade
de muitas famílias já constituídas à margem do Direito merecerem o respeito antes
admitido apenas ao casamento e também equiparando seus direitos. O casamento
passou a ser algo dissociado do legítimo, a legitimidade da família não se relaciona mais
com a união oficial e sim com a constituição de uma vida familiar independente de ser
oficializado pelo casamento ou não, a afetividade ganhou mais peso.

A família continua a ser a base absoluta da sociedade, contando com especial proteção
do Estado. A grande mudança foi a dissociação do casamento como única forma de
constituição de família legítima, pois a relação extra matrimonial estável entre um
homem e uma mulher antes não possuía conceito de família, pois se tratava de uma
união não reconhecida.

A Constituição alterou substancialmente a história traçada pelo Código Civil, pois


abraçou uma situação fática existente e que não tinha o devido reconhecimento jurídico.
Conviver com as diferenças e o direito das minorias são pressupostos para a
democracia. Preconceito e discriminação contra os homossexuais significam um grande
retrocesso que necessita de combate, para que se tenha uma sociedade mais humana.

Dentro do moldes reais existentes na sociedade, a família atual é mais liberal e mais
justa, contudo, o Código Civil contribui para as divergências doutrinárias e
Jurisprudenciais sobre o tema ao criar um capítulo próprio e específico ao tratamento e
regulamentação da união estável, distinto do casamento.
No que pertine às uniões homoafetivas, verifica-se absoluta ausência de
regulamentação, seja em legislação constitucional como infraconstitucional, pois nem
mesmo o Novo Código Civil foi capaz de acompanhar a necessidade de regramento que
as referidas uniões ensejam.

1.5. CONCEITO ATUAL DE FAMILIA

Atualmente, a família tem um conceito diferenciado do conceito tradicional histórico, os


atuais modelos de constituição familiar não advêm obrigatoriamente do casamento, pois
se apresenta sob inúmeras formas e variações, que o legislador deve levar em conta,
quando tenta regulamentar e protegê-la.

O número de casamentos caiu de forma significativa, os indivíduos têm procurado


formas de constituição de família alternativa, na maioria das vezes marcada pela
informalidade, e delimitadas por fatos sociais, econômicos e jurídicos.

A sociedade se desenvolve de acordo com o momento histórico que vive sendo assim o
Direito não cria a realidade, são as situações fáticas que se tornam tão evidentes ao
ponto do legislador regulamanta-las. Existe um anseio social muito grande em priorizar
a vontade do indivíduo frente ao moralismo rigoroso das normas, visando à liberdade de
cada um em busca da realização afetiva e da felicidade, sem o risco da exclusão causada
pelo preconceito do moralismo, surgindo assim um novo perfil nas entidades familiares,
que se molda dia a dia.

As uniões extra-matrimoniais têm como característica principal a realização afetiva,


mesma característica das uniões matrimoniais, visto que todos são iguais diante da lei,
ou seja, os requisitos para a caracterização das uniões extra-matrimoniais, independe de
raça, sexo, cor ou qualquer outro critério que diferencie um ser humano do outro. O
vinculo afetivo que tem relevância social na formação da família brasileira, originando
o princípio da solidariedade, reciprocidade.

O justo conceito que respeite os princípios constitucionais básicos da família brasileira


nos dias atuais, seria, caracteriza-la como união de duas pessoas, com convivência
duradoura e contínua, baseada no respeito e companheirismo próprios da cumplicidade,
com objetivo da realização afetiva independente da sexualidade.

“O formato hierárquico da família cedeu lugar à sua democratização, e as relações são


muito mais de igualdade e de respeito mútuo. O traço fundamental é a lealdade” .

CAPITULO II – UNIÃO HOMO-AFETIVA

2.1. O PRIMEIRO PASSO PARA A REGULARIZAÇÃO


Tendo o Direito fim social, não é justo que o mesmo deixe alguns a margem da
sociedade condenando os a desigualdade de tratamento, é fato que o Direito regula
vidas, e tais vidas estão sempre em constantes mudanças. Portanto o papel maior de
uma lei é acompanhar estas evoluções regulando aquilo que está acontecendo, porém
percebemos exatamente o oposto, ou seja, vidas estão afetadas por leis que estão
estáticas, em total desacordo com as reais situações.

Desta forma, iremos abordaremos no presente trabalho pontos de fundamental


importância para reflexão, a fim de fazer entender a máxima de que somos todos iguais
perante a lei independentemente da sexualidade, e que esta não deve ser partidária de
preconceitos e exclusões, ideologias ou crenças de qualquer natureza, deve apenas
cumprir o seu fim social de bem estar para todos.

Percebe-se que a maior barreira contra a regulamentação da convivência de casais


homossexuais é o preconceito, sendo que a maior carga advém da igreja católica que só
admite a família constituída pelo casamento, como se esta modalidade fosse a única
dotada de legitimidade. A homossexualidade existe e não tem que ser explicada, apenas
existe e merece o respeito mutuo da sociedade. Seguindo essa linha de raciocínio,
acabaria com alguns problemas causadores de infelicidade e frustrações na vida das
pessoas que sofrem com a discriminação preconceito.

Não é de agora que as uniões entre pessoas do mesmo sexo se formam em múltiplos
números, e no ordenamento pátrio ainda se encontram à margem da lei, da mesma
forma que já estiveram às uniões estáveis antes do reconhecimento estatal.

Entendendo isso, não haveria porque não legalizar as relações afetivas já existentes, ou
seja, devemos exigir do legislador soluções efetivas para a realidade social, não devendo
esta ser ignorada, pois não há dúvidas que o tratamento diferenciado aos homossexuais
configura evidente discriminação.

Por outro lado a evolução da Ordem Jurídica neste tema sofreu e sofre grandes
obstáculos face as características da nossa sociedade, fortemente influenciada pela
religião católica, a qual impões certos limites, notadamente porque o Direito de Família
é talvez o ramo de Direito mais sensível às influencias dos costumes locais e princípios
religiosos. Isto porque conforme a doutrina Cristã, a homossexualidade representa um
pecado, é vista como um desvio dos padrões éticos de conduta, além de ser considerada
como um comportamento ultrajante nas sociedades que se pautam na moral e bons
costumes.

A tendência de nossa legislação sempre foi no sentido de proteger ou resguardar o


casamento entre homem e mulher, fruto de uma sociedade conservadora. De fato é uma
evolução muito lenta, mas já se tem diversas jurisprudências que trazem algumas
mudanças favoráveis, como por exemplo, em 2004 – Parecer da Corregedoria Geral do
Tribunal de Justiça permite que cartórios gaúchos registrem a união de casais
homossexuais; em 2002 a Justiça Federal gaúcha anuncia sentença que entende
garantias previdenciárias como pensão por morte e auxilio-reclusão a casais
homossexuais. O INSS - Instituto Nacional de Seguro Social fica obrigado a reconhecer
companheiros do mesmo sexo como dependentes previdenciais dos segurados do
Regime Geral de Previdência; também temos como exemplo a guarda do filho de Cássia
Eller que permaneceu com a companheira.
Então, concluí-se que essas evoluções são grandes conquistas, todavia, é um passo
muito modesto para uma civilização que considera-se evoluída em termos sociais. O ser
humano anseia por liberdade de modo geral, principalmente a liberdade de ter seus
direitos respeitados, suas “diferenças sexuais” sendo respeitadas, pois a falta deste é
fruto de grande preconceito, e também uma forma de imensa crueldade.

Está na hora de se ter um ordenamento mais justo e livre de injustiças, pois o que os
homossexuais reivindicam é poder ter acesso aos direitos da parceria legalmente
reconhecida. Além disso, tal aceitação representaria um avanço no reconhecimento
como cidadãos, visto que, o Direito deve acompanhar as transformações ocorridas e, em
favor delas, afastar o preconceito e criar leis em nível de compatibilidade com os reais
interesses da sociedade.

2.2. AS BARREIRAS EXISTENTES

Quando se trata de homossexualismo, há um ciclo vicioso de apelo à consciência,


produz um sentimento de pecado, preconceito, de rótulo, ou seja, são séculos e séculos
de induzimento, que de certa forma nos fazem crer que a união de pessoas do mesmo
sexo é algo errado, é algo abominante. E acaba por não perceber a coerção sobre as
idéias, mas é certo dizer que a homossexualidade sempre esteve presente nas mais
diversas e remotas civilizações.

Existe um receio, que através, da união dos homossexuais devidamente reconhecidas,


venha aumentar sua proporção na sociedade, pensamento este totalmente sem
fundamento. Isso porque o desejo e orientação sexual de um indivíduo independem de
legislação, e sim, de foro intimo. O que de fato pode acontecer é uma maior visibilidade
dos casais homossexual em função de sua melhor aceitação pública.

Não há lei expressa que impeça a união estável entre homossexuais, porém o que
impede tais uniões são as disposições na Constituição e do Novo Código Civil que
colocam a união entre homem e mulher equiparada ao casamento e que não pode se dar
entre pessoas do mesmo sexo devido a finalidade primordial do casamento ser a
reprodução. Consequentemente com isso regular a união de homossexuais, sem
capacidade reprodutiva seria inviável. Todavia, outros discordam deste pensamento que
designa como meta a reprodução apenas, desconsiderando o vinculo afetivo e o
companheirismo, visto que nossa legislação permite situações em que os casos de
reprodução não se fazem possível.

Há quem sustente ser a procriação exclusiva finalidade do matrimônio. Não procede,


todavia, semelhante ponto de vista, que deixa sem explicação plausível o casamento in
extremis vitae momentis e o de pessoas em idade avançada, já privadas da função
reprodutora. Além disso, aceito que a reprodução constitua o fim exclusivo do
matrimonio, Ter-se-ia logicamente de concluir pela anulação de todos os casamentos em
que não advenha prole, conclusão profundamente perturbadora da estabilidade do lar e
da segurança da família.

(...) não tem exclusividade por fim a procriação; visa também ao estabelecimento de
união afetiva e espiritual entre os cônjuges. Uma vez que essa união pode ser alcançada,
inexistirá motivo para anular o casamento, só porque dele não adveio prole, em razão da
esterilidade de um dos cônjuges. A jurisprudência é pacífica a respeito, tanto para a
mulher como para o homem.

Desta feita, não se apresenta motivos para impedir o casamento, ou união entre
homossexuais exclusivamente pela impossibilidade de procriar. Talvez a maior barreira
depois do inconsciente coletivo de reprovação da sociedade, seja exatamente a barreira
religiosa, imposta principalmente pela igreja, visto que a mesma prega o casamento
como a única forma possível de constituir uma família, com o interesse máximo de
procriação, intitulando as uniões fora deste padrão como atos imorais. Mas o termo é
subjetivo, visto que o conceito de moral é de foro intimo de cada individuo.

Uma das críticas mais comum contra a união homoafetiva é a seguinte: diz que contraria
à natureza, argumentando em de se tratar de desvio sexual ou doença. Desta forma
vivemos então numa falsa democracia, já que está fora da realidade cotidiana, pois
mesmo diante de significativos avanços, ainda não se pode falar em exercício efetivo da
democracia no âmbito das relações familiares.

Atualmente, decisões pioneiras da Justiça impulsionaram o avanço no reconhecimento


de direitos dos homossexuais, mas na sua grande maioria advindas do Rio Grande do
Sul. Mas mesmo diante destes avanços se percebe principalmente no Congresso
Nacional enorme critica que de certa forma barra toda e qualquer esperança de
mudanças, e que são sempre sustentadas por setores religiosos e que por incrível que
pareça são detentores de grande poder, barrando desta forma qualquer tipo de lei que
venha a facilitar ou reconhecer a união civil homossexual em nosso país.

A regulamentação da união civil entre homossexuais é fundamental para assegurar os


direitos que decorrem de uma vida em comum protegidos pela constituição, como o
direito à identidade, igualdade e a liberdade individual. Estas regulamentações são de
extrema necessidade, pois determinados direitos somente são reconhecidos no âmbito
do direito de Família.

A união homoafetiva é um tema acharcado de preconceitos, mitos, tabus e


discriminação, isso porque a democratização em sede de Direito de Família ainda não se
democratizou, visto que excluem uma minoria, e entre esta minoria estão os
homossexuais.

Existem valores culturais dominantes em cada época, gera sistema de exclusões e


muitas vezes baseado em preconceitos, pois isso tudo que está fora dos padrões
tradicionais da sociedade e acaba por ser rotulado, marginalizado e consequentemente
vitima de rejeição, preconceito, injustiças e abandono.

Com a evolução dos costumes, a mudança de alguns valores sociais, e estando as uniões
homoafetivas cada vez mais presentes em nossa sociedade, visto que é um fato que se
impõe que não pode ser negado. Devem estes então merecer a tutela jurídica necessária
para ser visto como entidade familiar, fazendo jus a todos os direitos inerentes à mesma.

Encontra-se no Rio Grande do Sul a i Desembargadora Maria Berenice Dias, que com
sua sensibilidade, busca e luta para que os homossexuais tenham seus direitos
reconhecidos e resguardados.
No mesmo Estado tem justos julgados reconhecendo a união homossexual como união
estável e, inclusive permitindo que sejam julgados em varas especializadas em Direito
de Família, e não em Varas Cíveis. Infelizmente nem todos vêm desta forma, e com isso
muitas barreiras terão ainda de serem derrubadas para que se tenha uma legislação mais
justa e coerente com a realidade social.

2.3. SOCIEDADE DE FATO

A sociedade de fato é um instituto jurídico que surgiu na jurisprudência, consistindo em


duas pessoas que coabitam juntas, com uma vida comum e patrimônio comum,
visualiza-se um vinculo similar ao comercial e não afetivo É um direito obrigacional e
não direito de família.

Existem diferentes correntes sobre o registro da sociedade de fato:

Corrente minoritária, fala sobre a impossibilidade do registro, pois entende que a


Constituição Federal não o amparou ou lhe estendeu a proteção do Estado, nem tão
pouco equiparou a união estável entre pessoas do mesmo sexo à família. Nesta mesma
visão percebe-se que também o direito natural não acolhe a livre opção sexual e nem
esta se amolda aos critérios de moral e bons costumes.

Mesmo que seja admitida a livre disposição de bens no âmbito do Direito Patrimonial
privado por ato inter vivos ou causa mortis, esta, disposição não se confunde com as
liberdades de disposição por doação ou legado, (onde o proprietário ou autor da herança
pode dispor da parte disponível de seus bens), com o pacto de convivência entre pessoas
do mesmo sexo, que, ainda na sociedade brasileira é vista como afronta à moral e bons
costumes.

Entendem ainda, que a relação pública entre pessoas do mesmo sexo configura em tese,
crime de ato obsceno ou atentado público ao pudor, entretanto, admitem que tal assunto
possa vir a ser regrado caso seja aprovado lei específica permitindo o que na visão desta
minoria é incoerente.

Outro entendimento, este majoritário, fala sobre a possibilidade do registro da sociedade


de fato, visto que entende por analogia com o regulamento da união estável entre
pessoas de sexo oposto. Para pessoas do mesmo sexo caberia fazer o registro no caso de
haver união estável, sem impedimentos, tal registro teria mero efeito patrimonial, para
que a prova da união fosse preservada.

Primeiramente, ainda se vê uma vinculação ao conservadorismo, ou seja, não se aceita a


união de pessoas do mesmo sexo, apenas tolera-se, assim sendo, continua o pensamento
viciado, que apenas tenta dar uma visão patrimonial ao assunto, deixando o sentimento
de lado.

Para eles a coabitação ou convivência habitual, pode ocorrer entre duas pessoas mesmo
que entre elas não exista um vinculo sexual. É uma visão meramente societária do
assunto, é uma outra possibilidade de transferencia de patrimônio a quem se quer bem.
Não se pode negar a possibilidade da existência de sociedade de fato entre pessoas do
mesmo sexo, isso porque, esta sociedade pode acontecer mesmo sem coabitação ou
convivência habitual, sendo então dispensável o intuito de constituir família. Ainda que
possa negar que, a união de patrimônios decorra como fruto desta convivência. É
evidente que explorando atividade profissional conjunta, haverá a sociedade de fato, na
medida da colaboração de cada um dos sócios. Porém, da simples convivência entre
pessoas do mesmo sexo, é certo que não resulta em patrimônio comum, isso porque a lei
assim dispôs.

Devemos observar que é direito fundamental do ser humano a igualdade, se a lei não
veda o pacto sobre os efeitos patrimoniais entre pessoas físicas, porque dificultar a livre
disposição patrimonial entre pessoas do mesmo sexo?

Deve se prevalecer a segurança jurídica pretendida pelas partes, com prévia estipulação
de direitos e deveres, um frente ao outro, dando a cada um o que é seu, na medida do
que entendem ser advindo do esforço comum. Por isso entende-se que não havendo
vedação legal à constituição de entidade familiar ao separado de fato, nem à
constituição de sociedade de fato entre pessoas do mesmo sexo, entendemos que estes
possuem direito liquido e certo, amparado por Mandado de Segurança, ao registro, o
que somente irá trazer segurança jurídica à sociedade.

A união homoafetiva não sendo uma sociedade de fato, quando os laços são apenas
afetivos, também não pode dar a ela equiparação ao casamento, visto que este é a união
legalmente constituída entre homem e mulher, com a observância das formalidades
previstas em lei. Assim sendo, embora a Constituição Federal de 1988, em seu artigo
226 parágrafo 3º, define a união estável como a entidade formada entre homem e
mulher, o que a primeira vista exclui a possibilidade de incluir as uniões homoafetivas.
Se analisarmos mais detalhadamente, existirá uma lógica na inclusão da união
homoafetiva na união estável, vez que, acima das leis estão os princípios
constitucionais. E quando o artigo mencionado outorga proteção estatal apenas para as
uniões entre pessoas heterossexuais, contraria o princípio constitucional que prevê o
respeito à dignidade humana, onde proíbe qualquer discriminação em razão de raça,
credo, convicção política e sexo.

Desta feita, incluir a união homo-afetiva nessa categoria é o que parece a decisão mais
acertada e justa, visto que inúmeras decisões judiciais têm reconhecido aos integrantes
de uniões homoafetivas os mesmos direitos de união estável.

Entende-se que é inadmissível afrontar a liberdade fundamental do indivíduo,


principalmente no que diz respeito a sua orientação sexual, inerente ao direito de
privacidade, não podendo de forma alguma deixá-los desamparados frente ao Judiciário,
pois é necessário saber distinguir as questões jurídicas das questões morais e religiosas.

2.4. UNIÃO HOMO-AFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR

O Projeto de Lei n.º.1.151 DE 1995 – Projeto Suplicy, que regula os efeitos jurídicos
das uniões entre pessoas do mesmo sexo, veio de encontro a uma realidade que não é
despercebida pelos operadores do Direito.
È certo que inicialmente é preciso entender que a Constituição Federal veta qualquer
possibilidade desta espécie de relacionamento ser introduzido no Direito de família com
características de entidade familiar, pois embora não proíba, também não ampara a
formação de entidades familiares entre pessoas do mesmo sexo. Percebe-se então, que o
relacionamento entre homossexuais sob o ponto de vista jurídico está submetido ao
regime das sociedades civis, tal como era o regulamento da união estável antes do
advento da Constituição Federal de 1988. Vale dizer que a omissão da lei alimenta a
discriminação, o preconceito e acaba servindo de fundamento para dar legitimidade a
atos de violência praticados pelos homofóbicos contra os homossexuais.

Não se faz possível vislumbrar a possibilidade de uma entidade familiar formada por
homossexuais somente por fruto do preconceito e de atrofia intelectual da sociedade.
Este subdesenvolvimento intelectual, que nos obriga a se contentar com a idéia de uma
sociedade civil para essas relações, como sendo uma idéia perfeita, no momento
impedindo que seres humanos iguais a todos os outros fiquem à margem da lei. Neste
passo se dirigiu o projeto Suplicy ao determinar em seu artigo 3º que O contrato de
união estável será lavrado em Oficio de Notas, sendo livremente pactuado.
Permanecendo assim, a aparência contratual, que dará ensejo ao surgimento da
sociedade civil entre as pessoas do mesmo sexo.

Mesmo com algumas evoluções legislativas e Jurisprudenciais, não se deu a união


estável privilégios superiores ao casamento, desta forma também ocorreu com a união
civil entre os homossexuais, ficando a margem das uniões preexistentes, que são lícitas
e legitimas. Todavia, se faz necessário refletir que o antigo entendimento sobre família
esta atrelado ao Direito Positivo, enquanto que a união estável e até mesmo a união civil
estão atreladas ao Direito Natural, que institui uma relação de fato. Contudo, nenhuma
forma de convivência pode ser ignorada pela justiça.

O casamento constitui a família legítima e confere aos seus parceiros direitos e garantias
próprias do ato solene que é o casamento, quais sejam: vinculo de afinidade no
parentesco; formação da sociedade conjugal; nova ordem de vocação sucessória; em
determinados casos a emancipação; disciplina das relações patrimoniais dos cônjuges
através do regime de bens adotado, e impõe aos cônjuges os deveres matrimoniais.
Assim sendo toda forma de união ilegítima esta a margem da legítima.

O projeto Suplicy, visa disciplinar a união civil entre homossexuais, num esboço
contratual de parceria, assegurando a duas pessoas o reconhecimento de sua relação,
versando à proteção de direitos à propriedade, sucessão, previdenciários e fiscal. Desta
forma, legitimando a nova família, que passará a ter registro em livro próprio nos
Cartórios de Registro Civil de Pessoas naturais, conforme dispõe o artigo 2º do projeto
lei n.º.1515 / 1995, fazendo figurar um novo conceito denominado de unido, tomando
feição de contrato público, versando sobre questões patrimoniais, deveres,
impedimentos e obrigações mútuas.

Ignorar e repudiar esse tipo de relacionamento não faz a realidade menos visível; pelo
contrário, gera mais preconceito, discriminação e violência.

Com o decorrer do tempo e com todas as revoluções até aqui travadas, os conceitos e
atitudes mudaram, levando a outros tipos de pensamentos e posicionamentos em relação
as diversas formas de união.
Na atual vida moderna, está sendo estritamente necessário que o operador do Direito
ajuste sua visão e percepção para as relações homoafetivas e suas questões jurídicas;
uma vez que não se pode olvidar que as relações que envolvem pessoas do mesmo sexo
e que se unem com o intuito de desenvolverem uma vida familiar, são regidas pelo
amor, fidelidade, harmonia e pela construção patrimonial.

Mas enquanto a lei não chega, por maiores que sejam os preconceitos, cabe a justiça
assegurar a igualdade e a dignidade humana. A insistência de uma sociedade
conservadora não pode impedir que o judiciário reconheça direitos das uniões
homoafetivas.

Essa responsabilidade de ver o novo assumiu a justiça ao emprestar juridicidade às


uniões extraconjugais. Deve agora, mostrar igual dependência a coragem quanto às
uniões de pessoas do mesmo sexo. Ambas são relações afetivas, vínculos em que há
comprometimento amoroso.

2.5. REPERCUÇÃO SOCIAL

A homossexualidade convive conosco, em nosso dia a dia e ninguém pode fechar os


olhos para isso. Fechar os olhos é demonstrar ignorância diante de um fato que existente
na vida social desde o princípio da humanidade, ou seja, o homossexualismo não
apareceu ontem. Indivíduos homossexuais sempre existiram e existirão. Seja no
trabalho, na vida social ou mesmo no seio familiar, a homossexualidade precisa ser
encarada como algo natural e livre para se expandir, viver e desfrutar de seus direitos
livremente como qualquer cidadão.

As idéias preconceituosas e as errôneas noções religiosas são as principais vilãs deste


problema, sendo que na idade média o homossexualismo predominava nos mosteiros,
acampamentos militares. No entanto a Igreja foi a maior perseguidora dos
homossexuais.

Infelizmente, muito ainda há que ser discutido, seja social ou juridicamente, mas o
importante é que já existe uma pré-disposição da sociedade para discutir este tema tão
polêmico para alguns, mas tão natural para outros, até porque não deixa de ser natural.
Hoje, a liberação sexual toma corpo o ganha terreno numa busca frenética para alcançar
respeito e ordem social, e não existirá respeito sem igualdade, sem liberdade.

Na verdade, não são os valores que estão perdidos como pregam alguns doutrinadores,
mas sim o bom senso dos homens é que encontra-se alterado, pois muitos acham que
são perfeitos e se acham no direito de julgar de forma a marginalizar todos àqueles que
vivem de forma diversa dele. Diante disso é que temos tantos ataques violentos dos
homofóbicos aos homossexuais pelo simples fato de serem homossexuais.

Neste fim de milênio, sente-se uma necessidade no homem de se encontrar. E não é


reprimindo ou liberando sua sexualidade que isso se dará, mas o fato de dar a ele a
liberdade de ser o que é realmente dando a ele o direito de viver livre de discriminação e
consequentemente injustiças.
Na verdade, ainda existe muito preconceito contra o indivíduo que possui uma
orientação sexual distinta dos demais, isso porque a nossa sociedade ainda está
enraizada numa cultura cheia de influências religiosas e machistas, não deixando que
esses homossexuais, ou seja, seres humanos com direito e deveres como qualquer um,
possam viver de forma mais digna.

Daí o papel fundamental da doutrina e da própria jurisprudência. Ambas necessitam


desempenhar sua função de agente transformador dos estagnados conceitos da
sociedade. Analise o que ocorreu com o concubinato, antigo e discriminado modo de
viver substituído pelo conceito moderno de união estável.

A alteração do conceito das chamadas relações concubinárias foi provocada pelos


operadores do Direito, devido a estarem cada vez mais evidente em nossa sociedade,
então se faz jus que estivessem sido regulamentadas, porque não fazer o mesmo em
relação às uniões homo-afetivas?

Indispensável é reconhecer que os vínculos homoafetivos, são muito mais do que meras
relações homossexuais, são constituídas de afeto, lealdade, respeito. Em verdade,
representam uma categoria social que não pode mais ser discriminada ou marginalizada
pelo preconceito. Deve ser cuidado pelos conceitos científicos do Direito, sob pena de o
Direito falhar como Ciência e, o que é pior, como Justiça.

A sociedade mundial, com o passar dos tempos, sofreu inúmeras transformações que
podem ser atribuídas ao desaparecimento de dogmas anteriormente inabaláveis. A única
forma de união afetiva tradicional era o casamento, que passou a conviver com outros
tipos de união como, por exemplo, a união estável e a união de pessoas do mesmo sexo.
Por que então, todas não usufruem os mesmos direitos? Mesmo diante desses fatos, tais
relacionamentos tidos como "imorais" e "anormais", foram ignorados pelo legislador,
carecendo de respostas jurídicas e legais.

No entanto, uniões homoafetivas vêm a cada dia, tornando-se incontestáveis,


demonstrando a exigência de amparo legal para casos desse tipo, principalmente no que
tange à união de fato, refletindo na construção de um patrimônio comum. Assim sendo,
neste trabalho procura-se demonstrar a relevância dos relacionamentos entre pessoas do
mesmo sexo no âmbito social, e analisar as conseqüências jurídicas e patrimoniais que
essa união produz. Analisando também a existência da homossexualidade e a
transformação da família porque uma coisa que está realmente comprovada é que nossa
sociedade passou por transformações e que essa união homo-afetiva é cada vez mais
comum, necessitando, com a maior urgência, de amparo legal e de uma consciência
menos preconceituosa da sociedade em geral.

2.6. ANÁLISE DA UNIÃO HOAFETIVA FRENTE AOS DIREITOS HUMANOS

Ao se falar em Direitos Humanos, logo se vêm à cabeça os direitos fundamentais, como


o direito a liberdade, de tomar decisões, de viver da maneira que melhor lhe convir,
afirmando a personalidade, direito a igualdade, sem distinções e preconceitos. Para que
se exista o tal direito entende-se que os direitos humanos pregam a liberdade, desde que
essa não prejudique ninguém e seja ela dentro do que determina o Ordenamento
Jurídico Pátrio. Portanto, não há nada de errado com as uniões homoafetivas, pois na
prática elas não prejudicam em nada as outras pessoas, sendo parte da liberdade de cada
individuo viver como queira viver.

Não se pode falar em liberdade sem pensarmos no direito a intimidade, ou vida privada
mencionados da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, dispondo o
seguinte, que ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, todo homem
tem direito a proteção da lei. Diante disso podemos afirmar que não existe nada mais
privado do que a vida sexual de cada um, ou seja, cabe a cada pessoa viver sua própria
sexualidade. Sendo assim, se o sujeito tem o direito de ser homossexual, também deve
tem o direito de ter sua união regulamentada juridicamente, com todo amparo legal
necessário para que não haja injustiças.

Impedir esse direito é o mesmo que impedir o direito a liberdade e igualdade, ferindo
desta forma princípios constitucionais.

Deve-se entender que a proporcionalidade consiste que, para se impedir um direito, esta
restrição não pode ser descabida, têm que ter motivos fortes e plausíveis, motivos estes
que não se sustentam quando se pensa em união homoafetiva, pois esta seria apenas o
gozo do princípio da liberdade e igualdade inerente a todos.

É espantoso quando se analisa que nada mudou, em se tratando de relações


homossexuais após a Declaração dos Direitos Universais conforme afirma a ilustre
Desembargadora Maria Berenice dias.

Passados mais de cinqüenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que
teve como meta principal consagrar o princípio da igualdade, é de surpreender a
ausência de enfrentamento dos aspectos jurídicos das expressões da afetividade
homossexual no panorama legal, na jurisprudência e mesmo na literatura jurídica. De
forma injustificável, persiste a resistência, ainda marcada por forte traço de
conservadorismo, em respeitar quem simplesmente busca a felicidade fora do modelo
convencional de família.

Após o ano 2000, algo aconteceu, e artigos admitindo a possibilidade de inserir os


relacionamentos homo-afetivos no âmbito de Direito de família, começaram a ser
publicados com mais freqüência, desta forma demonstrando a importância da
regulamentação Diante disso verificam-se alguns avanços, principalmente nos Tribunais
do rio Grande do sul.

E isso é de grande importância no combate ao preconceito, pois, este é uma arma que
fere a dignidade humana, direitos são desrespeitados. Buscamos uma ordem jurídica
mais justa, mais humana. São muitas as lacunas, mas devemos tentar encontrar a
solução nos direitos fundamentais elencados na Constituição. Cabe à jurisprudência
interpretações mais modernas. Todavia, o conservadorismo impera e desta forma,
ocorre a marginalizarão do que só deveria ser afeto.

(...) não assegurar garantias nem outorgar direitos às uniões de pessoas do mesmo sexo
infringe o princípio da igualdade escancarando postura discriminatória ao livre
exercício da sexualidade. A omissão acaba por consagrar a violação aos direitos
humanos, pois afronta a liberdade sexual, direito fundamental do ser humano que não
admite restrições de qualquer ordem.

3 - CAPITULO III – DA UNIÃO ESTÁVEL

3.1. CONCEITO

A união estável nasce do afeto entre homem e mulher, sem a existência do casamento
civil, porém com a finalidade de entidade familiar. Exercida de forma contínua e
pública, tem que ser duradoura e sólida, jamais podendo ser efêmera.

Esta união tem que prolongar no tempo, isso é um requisito temporal. Por um longo
período na estória foi denominada como concubinato, tal expressão é hoje utilizada
apenas para designar o relacionamento amoroso envolvendo pessoas casadas, infiéis e
adulteras.

3.2. ELEMENTOS CARACTERIZADORES

Caracteriza-se pelo objetivo de constituir família, estabilidade, notoriedade,


continuidade, estes são alguns dos elementos que determinam uma união estável. São
difíceis de serem definidos diante da complexidade de cada caso, mas para
considerarmos que um casal viva em união estável é necessário que tenham uma vida
em comum, com obrigações e deveres como se casados fossem. Esta união tem que ser
pública, devendo existir coabitação, todavia não é imprescindível, pois não se faz
necessária a coabitação de leito, mas sim, a comunhão de vida sexual permanente
somado a comunhão de interesses entre os companheiros.

Nesta relação deve existir igualdade, com poderes de direção no aspecto sócio-jurídico
para ambos, vinculação afetiva, psicológica e material, de caráter estável e duradouro,
sem o casamento civil. É este tipo de comunhão de vida que irá resultar numa entidade
familiar, que não precisa em nada se assemelhar ao casamento. A união estável não é
definida como estado civil, pois se o companheiro for viúvo, solteiro, etc. permanecerão
neste estado civil.

O Novo Código Civil legitimou as mudanças radicais pela qual a família brasileira
passou desde a vigência do Código Civil de 1916. Um destes temas é o “casamento
ilegítimo”, ou seja, a união de pessoas que já haviam casado anteriormente e eram tidos
como concubinos. Durante longos 86 anos o termo ganhou diversas interpretações, mas
depois do referido Código Civil de 2002, a relação entre companheiros e companheiras
ganhou status de união estável, com direitos e deveres assegurados.

3.3 TEMPORALIDADE
A questão do tempo parece-nos uma lacuna. Quanto tempo seria necessário para
configurar este tipo de união?

A união precisa ser ininterrupta, o período aproximado de dois anos tem que ser
contínuos, pois se houver interrupções o prazo anterior será desconsiderado e começara
contar deste tempo em diante. Mas é necessário analisar a situação de cada caso, para
que se perceba se há a existência de outras características que configuram que há uma
entidade familiar com convivência de igualdade. A Lei 8.971/94 foi a primeira que
disciplinou a união estável, fez referencia em seu artigo 1º ao prazo de cinco anos de
convívio em comum, hoje em dia não é mais assim, conforme citado o prazo mínimo de
convivência é de dois anos.

3.4 EVOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL

O homem é uma criatura sociável, portanto a família á a base da sua estrutura religiosa e
psicológica, em termos de convivência. Todavia nas últimas décadas a concepção de
família vem se desatrelando dos dogmas religiosos; as mudanças são radicais e
acompanham a evolução tecnológica atual, pois hoje tudo requer a praticidade na
corrida contra o tempo, e com isso a família sofre mudanças ano a ano. O Direito, como
regulador do convívio social acompanha essas mudanças, porém de forma lenta, face ao
protecionismo e conservadorismo próprios de sua cautela como instituto.

O conceito de família sempre esteve atrelado ao casamento sacramentado, e sempre


sofreu influencia do cristianismo, e é exatamente esta visão, que se vê presente no
Código Civil de 1916, em que se via reconhecida juridicamente como família apenas o
casamento entre homem e mulher, estando qualquer outro tipo de união, repudiada,
rechaçada e desprotegida legalmente, todavia ainda trazia uma série de restrições a esse
tipo convivência, proibindo, por exemplo, benefícios do homem casado à concubina,
doações, inclusão como beneficiária em segura de vida, reconhecimento de filho fora do
casamento, etc.

Tais situações existiam e era incontestável, o que fez com que muitos juizes criassem
alternativas para evitar que injustiças fossem cometidas. Uma delas foi aplicar por
analogia, através do Direito Comercial o reconhecimento da sociedade de fato entre
conviventes não casados e, também, a jurisprudência admitiu a meação dos bens
adquiridos em esforço comum.

Aos poucos, as restrições existentes no Código Civil de 1916 passaram a ser aplicadas
apenas no concubinato adulterino, ou seja, o impuro. Aquele em que o homem vivia
com a esposa e ao mesmo tempo com a concubina. Porém, se estivesse separado de fato
da esposa e vivesse com outra pessoa um relacionamento de marido e mulher, tais
restrições não eram aplicadas, e esta passava a ser chamada de companheira.
Concubinato puro ou companheirismo seria a convivência duradoura, como marido e
mulher sem impedimentos decorrentes de outra união.

Felizmente, a Constituição Federal adotou definitivamente a posição de valorização da


relação afetiva e amorosa, considerando, portanto, casamento e união estável como
entidades familiares com a mesma consistência jurídica, visto que a união estável é uma
família com os mesmos propósitos do casamento. Portanto percebe-se, que a visão da
instituição familiar almeja privilegiar seus membros na busca da satisfação afetiva.
Nada mais justo, tendo em vista a grande importância das relações afetivas na vida do
ser humano.

3.5. DIVERGENCIA EM RELAÇÃO À ENTIDADE FAMILIAR

A nova legislação foi feliz ao dedicar um capítulo em separado para tratar da União
Estável como algo dissociado do casamento, mas com o mesmo valor de uma
instituição familiar convencional. Mas, apesar de ser um marco que tem o seu valor, o
erro cometido pelo legislador pareceu proposital ao deixar para a doutrina e a
jurisprudência o encargo de determinar quais seriam ou não os efeitos da União Estável
em situações do dia a dia.

A partir da previsão da União Estável pela Constituição Federal, duas correntes em


doutrina e jurisprudência, surgiram em torno da referida questão. A primeira delas se
posiciona no sentido de que os direitos concedidos as família extra matrimoniais
deveriam ser equiparados aos direitos decorrentes da família fundada no casamento,
bastando apenas que provassem a existência da relação. Estes são os liberais. A segunda
corrente majoritária, são os conservadores, entendem que o legislador não criou direitos
subjetivos imediatamente exigíveis, tratando a União Estável apenas para efeito de
proteção estatal. Assim, a União Estável deve ser regulamentada apenas em legislação
futura, o que também serviria para as outras espécies de uniões extramatrimonializadas,
o que de certa forma é extremamente amplo e abrangeria todas as carências de Direito
de Família diante da evolução atual do convívio entre as pessoas.

Cabe salientar que alguns doutrinadores adotam uma posição um tanto quanto
conservadora, no sentido de encarar a União Estável como uma forma indireta de
desagregação da família constituída pelo matrimonio.

3.6. CABIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL NA RELAÇÃO HOMOAFETIVA

A união homo afetiva, apesar de não aceita em nossa legislação pátria, está se
consolidando e conseguindo alguns avanços importantes pata ter seu reconhecimento. O
Novo Código Civil, em seu artigo 1.723 e seguintes, incluiu em sua estrutura o instituto
da União Estável, mas não foi o suficiente para regular a situação dos casais
homossexuais. A legislação ainda permanece conservadora ao reconhecer como União
Estável somente aquela existente entre homem e mulher, desta forma. Fechando os
olhos para uma parcela minoritária, porém, significativa da sociedade brasileira que
compõem uma entidade familiar diferenciada. Os homossexuais estão cada vez mais se
organizando, se associando no intuito de se faça valer seus direitos, não aceitando mais
ser considerados cidadãos de segunda classe.

A sociedade aprovando ou não, a verdade é que o mundo está se transformando


rapidamente, antigos conceitos cedem lugar a novos; preceitos acerca das relações
humanas se pulverizam na busca da felicidade plena, levando os seres humanos à
liberdade de escolha de seus parceiros sexuais.

Enquanto no âmbito da ordem jurídica só se reconhece como entidade familiar apenas


aquela formada por pessoas de sexos distintos, no plano dos fatos, as famílias
homossexuais têm proliferado, e a maioria delas vive com dignidade, amor e respeito.

Preconceitos de ordem moral não podem levar à omissão do Estado, nem tão pouca a
ausência de leis e o conservadorismo do Judiciário servem como justificativa para negar
direitos aos vínculos afetivos que não têm a diferença de sexo como pressuposto. É
certamente discriminatória afastar a possibilidade de reconhecimento das uniões
homossexuais, pois são relacionamentos que surgem de um vinculo afetivo, gerando o
enlaçamento de vidas com desdobramento der caráter pessoal e patrimonial, estando a
reclamar regramento jurídico.

Nada justifica, por exemplo, entregar uma herança a parentes distantes em prejuízo de
quem muitas vezes dedicou uma vida ao companheiro (a) e participou da formação do
patrimônio.

Descabido estabelecer a distinção de sexo como pressuposto para o reconhecimento da


união estável. A não equiparação, arbitraria e aleatória é exigência claramente
discriminatória. O próprio legislador denominou de entidade familiar merecedora de
proteção do Estado também a comunidade formada por qualquer dos seus pais e seus
descendentes. Diante dessa abertura conceitual, nem o matrimonio, nem a diferenciação
de sexo ou a capacidade de procriar servem de elemento identificador de família. Por
conseqüência, não há como ver entidade familiar somente à união de pessoa de sexo
oposto.

Não mais se diferencia pela ocorrência do matrimonio, também a existência de filhos


não é essencial para que a convivência mereça reconhecimento e proteção
constitucional. Como filhos ou capacidade procriativa não são mais essenciais para que
a convivência de duas pessoas mereça proteção legal, não se justifica deixar de abrigar
sob o conceito de família as relações homoafetivas.

Quando duas pessoas ligadas por um vinculo afetivo manter uma relação duradoura,
pública e contínua, como se casados fossem, formando um centro familiar à semelhança
do casamento, merece identifica-la como geradora de efeitos jurídicos independente do
sexo a que pertencem.

A aversão da doutrina dominante e da jurisprudência majoritária de se socorrerem das


leis que regem a união estável ou o casamento tem levado singelamente ao
reconhecimento da União Estável como mera Sociedade de fato. Sob o fundamento de
se evitar enriquecimento injustificado, invoca-se o Direito das obrigações, o que acaba
diminuindo a possibilidade da concessão de um leque de direitos que só existem no
âmbito do Direito de Família. Presentes os requisitos legais, quais sejam, vida em
comum, coabitação, laços afetivos, não se pode deixar de conceder às uniões
homoafetivas os mesmo direitos deferidos às relações heterossexuais que tenham
características iguais.
Se duas pessoas passam a ter vida em comum, cumprindo os deveres de assistência
mutua, em um verdadeiro convívio estável caracterizado pelo amor e respeito, com o
objetivo de construir um lar, inquestionável que tal vinculo, independente do sexo de
seus participantes, gera direitos e obrigações que não podem ficar à margem da lei.

Não é ignorando a realidade, deixando-a de lado da sociedade e fora do Direito, que irá
desaparecer a homossexualidade. Enquanto a lei não acompanha a evolução da
sociedade, as mudanças de mentalidade, a evolução do conceito de moralidade,
ninguém tem o direito de fechar os olhos e assumir uma postura preconceituosa ou
discriminatória. Os aplicadores do Direito não pode ser fonte de injustiças. Não se
devem confundir questões jurídicas com as questões morais e religiosas. É necessário
mudar os valores, abrir espaços para as novas discussões, resolver princípios, dogmas e
preconceitos.

O fato de não existir norma legal que regule alguma situação colocada em julgamento
não significa inexistência de direito à tutela jurídica, ausência de lei não quer dizer
ausência de direito, e nem impede que surtam efeitos. A falta de previsão específica nos
regramentos legislativos não pode servir de motivo para deixar de reconhecer a
existência de direitos.

Na omissão legal o juiz deve se valer da analogia, dos costumes e princípios gerais de
direito para que se faça valer a justiça.

A homossexualidade existe, sempre existiu, e cabe à justiça emprestar-lhe visibilidade,


pois em nada se distinguem os vínculos heterossexuais e os homossexuais que tenham o
afeto como elemento estruturante.

Consagrar os direitos em regras legais, talvez seja a maneira mais eficaz de romperem
tabus e derrubar preconceitos. Mas enquanto a lei não vem, é o Judiciário que deve
suprir a lacuna legislativa, mas não por meio de julgamentos permeados de preconceitos
ou restrições morais de ordem pessoal. A Justiça não é cega e nem surda, precisa ter os
olhos abertos para ver a realidade social e os ouvidos atentos para ouvir o clamor dos
que por ela esperam.

As normas e os princípios constitucionais devem ser interpretados dentro de um


contexto histórico, não podendo ignorar as transformações da sociedade, notadamente
da relação entre pessoas do mesmo sexo, até porque a análise constitucional não é
formada apenas pelo juiz, mas também pelos cidadãos e todos aqueles que participam
da sociedade (...)

Ora, a família, da segunda metade do século XX, passou por uma transformação, na
qual o afeto, ao invés do vinculo formal, passou a ser o elemento caracterizador da
família. A união homoafetiva é uma realidade e merece proteção do Estado. O § 3º do
Artigo 226 da Constituição Federal, ao exigir a diversidade de sexo, para a configuração
da união estável, está em desconexo com a realidade, ferindo, portanto a dignidade
humana.

3.7. A DISSOLUÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL


A União Estável é uma forma livre de convivência, ou seja, desvinculada de
formalidades normativas, todavia, podendo terminar de uma hora para outra, contudo
não necessitando das mesmas formalidades existentes no casamento para a sua
dissolução. Entretanto a nossa legislação tenta guarnecer de proteção os bens adquiridos
na constância dessa união, conforme disposto no artigo 1.725 do Código Civil.

“Na União Estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações
patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”.

O artigo citado informa que, não existindo estipulação em contrato escrito, os bens
móveis e imóveis adquiridos onerosamente, por um ou ambos os companheiros, no
período em que durar a união estável, são considerados frutos do trabalho e da
colaboração comum, pertencendo a ambos, em partes iguais. Assim o caso o casal
compre um imóvel e queira ressaltar o direito de um dos dois maior do que o do outro,
podem mencionar na escritura pública ou no compromisso particular desta aquisição um
percentual diferenciado, ou então, conforme possibilita este artigo, podem fazer um
contrato, programando toda a sua vida econômica e financeira. Aplica-se no que couber
o regime de comunhão parcial de bens.

Existirá união estável quando houver associação homem e mulher, ambos livres e
desimpedidos, com a finalidade de constituir família, convivendo com se casados
fossem por um lapso temporal juridicamente razoável, ininterrupto e não clandestino,
gerando entre eles direitos e deveres de respeito e consideração mútuos; assistência
moral e material recíproco; guarda; sustento e educação dos filhos comuns. Esta mesma
união poderá a qualquer tempo ser desfeita, seja por vontade de ambos os
companheiros, seja pela pré-disposição unilateral quando o outro descumprir seus
deveres da convivência, seja enfim, pelo evento da morte.

4 - CAPITULO IV – PARTILHA DE BENS E SUCESSÃO PATRIMONIAL

4.1. PARTILHA DE BENS E SUCESSÃO EM GERAL

A partilha de bens se dá com o rompimento da vida em comum, seja pelo casamento


(dependera do regime adotado), união estável, sociedade de fato. Normalmente é o
patrimonio adquirido na constancia da união e formado pelo esforço de ambos a titulo
oneroso. A união entre um homem e uma mulher inicia com a afeição recíproca, que
gera assistência mútua e a conjugação de esforços para alcançar o bem comum com a
convivência.

A legislação brasileira visa a qualidade da relação familiar, o principal critério é a


intenção do casal de constituir uma família. O motivo da separação do casal não
influencia a partilha dos bens, ou seja, a existência ou não de culpa dos companheiros
não excluiu o seu direito na parte que lhe compete no imóvel. Na falta de um acerto
amigável, as questões meramente patrimoniais são solucionadas com o ingresso de ação
declaratória de reconhecimento da união estável e a conseqüente dissolução da união,
respeitando a meação ou outra disposição contratual.
A Lei 9.278 de 1996 (artigo 5º) estabeleceu que imóveis adquiridos na constância do
casamento pertencessem aos conviventes em partes iguais, desde que adquiridos a título
oneroso e que não exista contrato escrito que disponha de forma diversa. O Código
Civil fala que na união estável aplica-se o regime da comunhão parcial de bens, no que
couber como ocorre no casamento.

Não há necessidade de provar o trabalho e colaboração de ambos para que fique


caracterizada a meação dos bens, pois esta é presumida. Tal presunção não é absoluta, já
que cabe prova contrária e ainda pode ser disposto de forma contratual.

No regime de comunhão parcial de bens no casamento, assim como na união estável há


excludentes da meação dos bens. Por exemplo, os bens adquiridos à título gratuito
(como nas doações ou recebidos por herança) ou quando o bem foi adquirido com
recurso provido anterior à vida em comum não serão considerados na partilha dos bens.
Da mesma forma, não se comunicam os bens de uso pessoal, livros ou instrumentos de
trabalho, os rendimentos do trabalho ou pensões de cada um.

Já o Direito das Sucessões é o ramo do Direito de familia que trata da transmissão de


bens, direitos e obrigações em decorrencia do falecimento de alguém.

Sucessão de forma genérica significa o ato jurídico pelo qual uma pessoa substitui outra
em seus direitos e obrigações, podendo ser tanto em consequencia de uma relação entre
pessoas vivas quanto da morte de alguém. Admitindo o Direito então duas formas de
sucessão: inter vivos e causa mortis.

Não podemos confundir sucessão com herança, primeira é o ato de alguém substituir
outrem nos direitos e obrigações em função da morte, ao passo que herança é o conjunto
de bens, direitos e obrigações que se transmitem, em virtude do felecimento a uma
pessoa ou várias pessoas que sobreviveram ao falecido.

Este ramo do direito tem origem aos mais remotos tempos, sempre ligado à idéia de
comunidade da família. O direito das sucessões é fundamentado no direito de
propriedade, em razão da possibilidade de perpetuar seu patrimonio, o homem se vê
incentivado a conservá-lo e a aumentá-lo. Em nosso ordenamento, as normas
concernentes ao Direito das Sucessões estão estabelecidas no artigo 5º da Constituição
Federal, inicsos XXX e XXXI, nos artigos 1784 a 2027 do Código Civil, Lei n. 10.406,
de 10 de janeiro de 2002.A sucessão é aberta na morte de alguém ou na presunção da
mesma. Surge então o direito hereditário acontecendo a substituição do de cujos pelos
seus sucessores na relações juridicas em que o falecido figurava.

A sucessão tem como pressuposto a morte do autor da herança e a vocação hereditária.


É entendido como herança todo o conjunto dos bens deixados pelo falecido,
considerados na totalidade para efeitos legais como bem imóvel até que seja realizada a
partilha.

Existem dois tipos de herdeiros, os da sucessão legitima, que são os herdeiros legitimos
também chamado de necessário determinado pela lei na seguinte ordem, em primeiro
lugar os descendentes, ou seja, filhos biologicos e adotados, se forem falecidos serão os
filhos destes; caso não haja herdarão em segundo lugar os ascendentes, na falta dos
mesmos herdam os avós; em terceiro lugar o conjuge sobrevivente e em quarto lugar os
parentes colaterais, quais sejam, irmãos, tios, sobrinhos, primos nesta ordem. Além
destes, temos também os legatários ou testamentários, que são beneficiados por
testamento. A lei faculta qualquer pessoa a dispor de parte de seus bens através de
testamento, cahamada de parte disponível, que no máximo chegará até à metade do que
possui. No caso de não haver herdeiros necessários o testador poderá testar seu
patrimonio em sua integralidade.

4.2. PARTILHA DE BENS E SUCESSÃO DO CONVIVENTE

Os efeitos patrimoniais da união estável decorrem do fato de ser tal união


constitucionalmente prevista como uma das entidades familiares na Carta Magna de
1988.

Na vigência do Código Civil de 1916, a existência de União estável não transformava o


companheiro ou companheira em herdeiros. A referida união poderia gerar efeitos
matrimoniais, mas não a título de herança e sim de dissolução de condomínio, a fim de
que não existisse enriquecimento de uma das partes em relação à outra. No caso de
falecimento somente os descendentes, ascendentes, o cônjuge sobrevivente, e até os
colaterais poderiam fazer jus ao direito de sucessão. Sendo através de testamento em seu
favor a única maneira do companheiro adquirir bens do outro após seu falecimento. Se o
falecido não tivesse esta preocupação em vida, nada receberia o supérstite.

Através da Constituição Federal de 1988 a união estável foi elevada à condição de


entidade familiar, fazendo jus a receber igualdade de tratamento do casamento.
Entretanto, somente em 1994 foram reconhecidos os direitos sucessórios ao
companheiro através da Lei nº. 8.971/94. Esta lei conferiu ao convivente direito ao
usufruto nos bens do falecido, nos moldes do que eram conferidas ao cônjuge, repetidas
as mesmas frações, quando concorria com descendentes e ascendentes.

O novo Código Civil em seu artigo 1.790 insere o companheiro sobrevivente na


sucessão do de cujos no que se refere aos bens adquiridos a titulo oneroso durante a
convivência, em cota variável conforme a qualificação dos herdeiros em que concorra.
No inciso IV defere-se ao supérstite a totalidade de herança na ausência de parentes
sucessíveis, mas somente sobre a totalidade dos bens adquiridos onerosamente na
vigência da união. Desta forma, se o falecido tiver deixado somente bens particulares, o
sobrevivente não terá direito a nada.

A meação dos bens comuns adquiridos na constância da união se apresenta da mesma


forma tanto para cônjuges como companheiros.

4.3. UNIÃO HOMOAFETIVA E PARTILHA DE BENS

O mundo se transforma e atualmente o casamento não mais é a única maneira para a


legitimação das relações afetivas. A família é um compartilhar de intimidade,
companheirismo, cumplicidade, amor, é um compartilhar de vidas.
Quando uma família é dissolvida, não importa se há casamento, união estável ou união
homoafetiva, deverá ocorrer a partilha de bens. Sendo esta uma questão bastante
complicada, mas se tratando de união homoafetiva se torna ainda mais complicada, pois
não existe legislação que a tutele, desta feita, dependerá de que forma a justiça
enxergará e entenderá tal relação.

Caso seja acertadamente considerada a união homoafetiva análoga à união estável, os


sujeitos da relação serão considerados companheiros, e será aplicado o regime legal da
separação parcial de bens. Não será necessário fazer prova da contribuição de cada um
na formação do patrimônio, visto que este regime determina que pertençam ao casal os
bens adquiridos onerosamente durante o casamento ou união estável, consequentemente
por analogia na união estável também. Estes bens adquiridos onerosamente serão
divididos em partes iguais entre os companheiros, os bens recebidos por herança,
doação, etc, não pertencem ao patrimônio dos parceiros.

A união homoafetiva merece tutela jurídica, visto que, traz em sua essência o afeto entre
dois seres humanos, semelhante a qualquer união, sendo então merecedores da partilha
igualitária em caso de dissolução, desta forma realizando a verdadeira justiça.

A ausência de lei específica não significa ausência de direitos, pois existem


mecanicismos para completar as lacunas legais, aplicando aos casos concretos a
analogia, os costumes e os Princípios Gerais de Direito.

4.4. UNIÃO HOMOAFETIVA E SUCESSÃO PATRIMONIAL

A união homoafetiva implica uma situação de representação de entidade familiar


quando, decorrente de convivência duradoura, pública e continua. Logo deve ter a
mesma atenção dispensada às outras ações. No Estado do Rio de Janeiro ainda são
tratadas em varas cíveis, que muitas vezes reconhece a união homoafetiva como mera
sociedade de fato. Se esta relação for vista como sociedade de fato, compara-se a uma
sociedade comercial, e neste caso não há que se falar em sucessão, já que sócios não são
herdeiros uns dos outros.

Portanto, precisa-se ser visto de outra forma, pois os companheiros possuem direito a
herança em concorrência com filhos, pais ou parentes sucessíveis do falecido até quarto
grau, se existirem. Se esta união homoafetiva for reconhecida como união estável
poderá existir a possibilidade de se falar em herança e consequentemente sucessão,
sendo os companheiros herdeiros um do outro em relação aos bens adquiridos na
constância da união.

Fato este que seria muito justo, visto que, em muitos casos o falecido não tem herdeiros
legítimos e não faz testamento, acabando seus bens a mercê do Estado, ou muitas vezes
a herança fica nas mãos de parentes distantes que o rejeitavam e o excluíam do convívio
familiar.

Tais soluções, cabe repetir, geram descabido beneficiamento dos familiares distantes,
que, normalmente, rejeitavam, rechaçavam e ridicularizavam a orientação sexual do de
cujos. De outro lado, na ausência de parentes, a solução leva a um resultado ainda mais
injusto. A herança é recolhida ao Estado pela declaração de vacância, em detrimento de
quem deveria ser reconhecido como sendo o titular dos direitos hereditários.

4.4. EVOLUÇÕES JURISPRUDENCIAIS

Os avanços jurisprudenciais farão com que as relações homoafetivas sejam tratadas em


Varas de Família, como já acontece no Rio Grande do Sul, pioneiros nesta seara.

Embora o projeto de Lei 1.151/95 ainda se encontre no Congresso aguardando


apreciação, a parceria civil a que se refere tem sido acolhida pela jurisprudência e por
parte da doutrina como sociedade de fato, desta forma alcançando resultados de ordem
previdenciários e patrimonial.

Os Tribunais brasileiros, em destaque o do Rio Grande do Sul têm concedido direitos


próprios do direito de Família aos que vivem uma união homoafetiva, baseando-se em
interpretações principiológicas, sendo os responsáveis por uma Justiça mais justa, mais
humana, acolhendo fatos sociais relevantes e convivendo com a diversidade de forma
racional.

Todas as espécies de vínculo afetivo que tenham o afeto e respeito como base são
merecedoras da proteção do Estado. Assim sendo, a Justiça gaúcha definiu a
competência dos juizados especializados da família para apreciar as uniões
homoafetivas, desta forma às inserindo no âmbito do Direito de Família, nota-se que
este foi um grande marco que ensejou grandes e importantes mudanças das orientações
jurisprudenciais Riograndense.

A primeira decisão brasileira que deferiu herança ao parceiro do mesmo sexo também
foi do Rio Grande do sul, como tantas outras.

O caminho está aberto, é necessário que os juizes cumpram a missão de fazer justiça
acima de tudo. É preciso ter sensibilidade para cuidar de assuntos tão delicados como
são as relações homoafetivas, as quais demandas precisam ser julgadas com menos
preconceito e mais humanidade.

Com maior atenção à justiça, à igualdade e ao humanismo é que deve presidir as


decisões judiciais.

A imparcialidade não pode servir de empecilho para reconhecer que a diversidade da


sexualidade necessita de respeito. Nos dias atuais, não se concebe conviver com a
exclusão, preconceito e discriminação. A sociedade como um todo precisa ser mais
justa, e menos preconceituosa.

CONCLUSÃO

Os homossexuais brasileiros são cumpridores da lei, contribuintes de impostos,


eleitores. Portanto, detentores de direitos inalienáveis, porém, ainda são vistos como
cidadãos inferiores. Não possuem proteção legal em suas relações de afeto como
possuem os demais indivíduos.

Faz-se necessário que o operador do Direito esteja atento às transformações que


acontecem em nossa sociedade, afim de que seja ele efetivamente um instrumento de
transformação social e não apenas um técnico em legislação.

O Ordenamento Jurídico brasileiro deve-se voltar a Carta Magna em seu artigo 3º


parágrafo IV que proíbe e não admite qualquer tipo de discriminação, seja ela de
qualquer natureza. A expressão qualquer natureza inclui orientação sexual
implicitamente, observa-se também que é objetivo da Constituição Federal promover o
bem de todos, sem preconceito de origem, raça, cor, idade. Etnia, sexo ou qualquer
outra forma de discriminação. Em seu artigo 5º a Carta Magna adota o Princípio da
Igualdade, no entanto falta regras sobre a união homoafetiva, o que de certa forma
infringe tal princípio.

Na verdade, o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar não é


apenas um problema jurídico, pois implicitamente a Constituição fornece elementos
suficientes para seu reconhecimento implícito. O problema em aceitar estas relações é o
preconceito social, visto que o homossexualismo rompe com a estrutura da família
patriarcal.

Enquanto não existir nenhuma norma que regule as uniões homoafetivas caberá aos
juizes aplicar a justiça fazendo uso dos costumes, analogia e princípios, cabe ao
operador do direito se adequar aos novos fatos que surgem em a evolução da sociedade.
A união homoafetiva é na maioria das vezes ligada a idéia de promiscuidade,
libertinagem e depravação, sem que tais fatos sejam verdadeiros. Ao contrario, de sua
maioria os companheiros compartilham uma vida de amor, carinho, afeto e respeito de
forma duradoura e fiel. É necessário deixar de lado os falsos moralismos e preconceitos
e proteger as relações homoafetivas, resguardando o Princípio da Dignidade Humana,
que é um direito de todos e não apenas daqueles que seguem este ou aquele
comportamento tido como “normal” ou aceitáveis.

Percebe-se que é cada vez mais comum sentirmos a presença do estado em nossas vidas,
e esta, cada vez mais longe da igreja que traz o caráter sacro de conceito de família.
Desta forma, nos leva a uma liberdade cada vez maior dos costumes, ocorrendo um
redirecionamento no conceito de família.

O preconceito é uma arma que fere a dignidade humana, direitos são desrespeitados.
São muitas as lacunas, mas tenta-se encontrar a solução nos direitos fundamentais
elencados na Constituição Federal. Cabe a jurisprudência interpretações mais modernas,
entretanto, o conservadorismo prevalece e ocorre a marginalização do que deveria ser
amor e respeito.

Não importa a forma de amar, e sim o amor ao próximo, pois as relações entre duas
pessoas baseiam-se em companheirismo, cumplicidade e responsabilidades. Dever ter
seus direitos e obrigações resguardadas, sejam eles morais ou materiais, patrimoniais.
Ainda existe um longo caminho para se percorrer, mas será questão de tempo para a lei
admitir direitos às relações homoafetivas, afinal, a lei não se adianta aos fenômenos
sociais, vem sempre ao encontro deles.

Diante do exposto, conclui-se que, é fundamental a criação de uma legislação urgente


que verse sobre direitos dos parceiros homossexuais, pois esta ausência causa dúvidas
tanto aos reflexos patrimoniais quanto aos morais. É necessário encarar a realidade
como ela é, e fornecer tutela jurídica a quem exerce uma união homoafetiva, e não ficar
esta entregue apenas ao entendimento jurisprudencial.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

DIAS, Maria Berenice Manual de Direito das Famílias, 4. Edição – São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais 2007.

MONTEIRO, Washington de Barros, Curso de Direito Civil, vol. II Editora Forense,


edição 2005

MARIA, Berenice Dias, União Homossexual, O Preconceito & a Justiça, 3ª edição 2006
Editora Livraria do advogado.

SPENCER, Colin – Tradução MACHADO, Rubem Mauro. Homossexualidade: Uma


história. RJ editora Record 1995.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil vol. VI Direito de Família, edição 29ª São Paulo
editora Saraiva

VENOSA, Silvio. Direito Civil. Vol. V Direito de Família, edição 1ª 2004 São Paulo,
editora Atlas.

WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre filiações biológicas e socioafetiva,, edição


2003. Editora RT

GIORGIS, José Carlos Teixeira. Uniões Homossexuais – Efeitos Jurídicos, edição


2004, Editora Método.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 5, edição 19ª 2004. São
Paulo. Editora Saraiva.

MIRABETE, Julio Fabrine. Manual de Direito Penal, São Paulo, edição 2005. Editora
Atlas.

União homoafetiva como entidade familiar


por Davi Souza de Paula Pinto

Sumário: Introdução; 1.0 Disposições Gerais Sobre Sexualidade; 2.0 Família


Homoafetiva Sob a Ótica Constitucional; 3.0 União Homoafetiva não é Sociedade de
Fato; 4.0 Necessidade ou Não de Equiparar a União Homoafetiva Como União Estável;
5.0 Correspondentes Legais e Jurisprudências; Conclusão; Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa irá abordar sobre a família homoafetiva. Contudo, para maior apreensão e
entendimento do leitor, iremos primeiramente dispor sobre a sexualidade através Sexologia,
inclusive do Direito.

As questões que iremos focar primeiramente girarão em torno das seguintes indagações: O
que é sexualidade? O que é sexo? Como se exterioriza a sexualidade? O exercício da
sexualidade fora dos padrões culturais (“considerado correto”) gera conseqüências para a
pessoa? O que é a sexualidade para o Direito? Quais são as proteções jurídicas a respeito do
livre exercício da sexualidade?

Conscientizaremos que para trabalhar acerca da família homoafetiva devemos considerá-la


como entidade familiar, tal como é. Qualquer resquício de preconceito abalará toda a pesquisa.

Tópico próprio de nossa pesquisa abordará a família homoafetiva através de uma ótica
constitucional, onde iremos dispor a norma do artigo. 226 da Constituição, pertinente ao tema
família. Analisaremos, inclusive, os desdobramentos do artigo mencionado, para abordarmos
as questões doutrinárias que fazem um estudo crítico de nossa Constituição.

Pressupõe a pesquisa mostrar que a união homoafetiva sofre preconceitos não só por parte da
sociedade, mas por parte de uma doutrina conservadora que persiste equiparar tais relações
como uma sociedade de fato.

Outra parte do nosso trabalho mostrará um impasse doutrinário - Há ou não necessidade de


equiparar a união homoafetiva como união estável? Maria Berenice Dias luta para a
equiparação, já o autor Paulo Lôbo afirma não haver tal necessidade. Veremos que o problema
decorre ou da interpretação que damos à norma constitucional ou de identificar se a
Constituição ao tratar a união estável é taxativa ou exemplificativa.

Por fim, mostraremos que a omissão legal do legislador não implica em ausência de proteção
constitucional da família homoafetiva. Esta entidade familiar além de forte apoio jurisprudencial
possui correspondentes legais, tais como: art. 126 do Código de Processo Civil, art. 4º da Lei
de Introdução ao Código Civil do Decreto-lei nº 4.657, art.1º, inciso III da CF, art.5º da CF, e por
fim, o art. 5º e desdobramentos da “Lei Maria da Penha” (Lei nº.: 11.340/06).

1.0 DISPOSIÇÕES GERAIS SOBRE SEXUALIDADE

Um dos “problemas” da Família Homoafetiva é visualizado pela projeção da sexualidade dos


sujeitos que a compõe. Por serem do mesmo sexo, acarreta uma onda de preconceitos diante
da sociedade.

Antes de analisarmos as questões jurídicas acerca do tema, importante, passar algumas


colocações a respeito de sexualidade.

Daniel Walker, Biólogo e especialista em Sexologia mostra em sua obra intitulada de


“Introdução ao Estudo da Sexologia” que sexualidade.

“É a atividade, a expressão, a disposição ou o potencial dos impulsos sexuais do


indivíduo. Simples e ao mesmo tempo complexa, a sexualidade envolve tudo o que
cerca o indivíduo. Ela acompanha o indivíduo por toda a sua vida e não se restringe
apenas os órgãos genitais” (WALKER, p.06, 2007)
Veja que a conceituação de sexualidade vai além da definição de sexo. O referido autor dispõe
o conceito com propriedade, senão vejamos:

“Sexo – É o caráter que distingue os gêneros masculino e feminino. Refere-se


basicamente às características biológicas e fisiológicas dos aparelhos reprodutores do
homem e da mulher, ao seu funcionamento e também aos caracteres sexuais
secundários decorrentes da ação hormonal” (WALKER, p.06, 2007)

Sexo, conforme vimos, refere-se às características primarias e secundarias para identificarmos


se o sujeito é homem ou uma mulher. Há também seres que apresentam uma ambigüidade de
sexo é o caso do hermafrodita, que possui órgãos de ambos os sexos (poderá ser definido o
sexo através de tratamento cirúrgico e hormonal).

A sexualidade é mais abrangente porque não trata de um fator meramente físico, integram
também na sexualidade fatores psicológicos do indivíduo que expressará seus impulsos
sexuais de forma livre, não se restringindo, apenas aos órgãos genitais que possui.

Por ser expressão livre da vontade do individuo há varias formas de exteriorizar a sexualidade,
definindo-se, portanto, por: homossexualidade, heterossexualidade, bissexualidade,
transexualidade.

Maria Berenice Dias, em sua obra “Manual de Direito das Famílias”, assegura juridicamente,
que a sexualidade “integra a própria condição humana. É direito humano fundamental que
acompanha o ser humano desde o seu nascimento, pois decorre de sua própria natureza”
(DIAS, p. 176, 2006). O exercício da sexualidade é um direito natural, que nasce com o
indivíduo e o acompanha por toda a sua vida, compreende também a sua dignidade, portanto,
ninguém “pode se realizar como ser humano, se não tiver assegurado o respeito ao exercício
da sexualidade” (DIAS, p.31, 2008).

Vê-se que pelo desenrolar da pesquisa a sexualidade demonstra-se tema relevante para o
Direito, possuindo assim tutela jurídica. A luta no que tange a livre manifestação da sexualidade
(não-heterossexual) é conquistar o respeito à dignidade humana, igualdade e liberdade.

O nosso texto Constitucional refere à sexualidade em vários pontos. O preâmbulo é um deles,


porém, o único despido de força normativa, pois é apenas a exposição de motivo da
Constituição, mas que ainda sim não deixa de ser importante, vejamos:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte


para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (Preâmbulo, CR/1988) (grifo nosso)

Veja que lutam os bissexuais, homossexuais e transexuais, por igualdade, justiça, bem-estar,
liberdade, direitos individuais e em certos casos por direitos sociais. Importante lembrar que
todos estes direitos mencionados no Preâmbulo da Constituição são garantidos e elencados
nas disposições dos artigos do texto Constitucional.

A dignidade humana é um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, é por este


princípio que os demais se fundamentam. Estabelecido na Constituição, na norma do art.1º,
inciso III, possui força normativa, devendo o Estado assegurar a dignidade de todos, sem
discriminação e preconceito de uma minoria. E nem pode o Estado tolerar tais comportamentos
nocivos à dignidade humana.
Neste sentido o art. 3º, Inciso IV da Constituição determina um dos objetivos da Republica
Federativa do Brasil que é “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art.3º,IV,CR/1988), tais como,
preconceitos referentes à sexualidade. Este é o ideal da luta dos não-heterossexuais,
simplesmente de não serem alvos de preconceitos, buscando assim igualdade e liberdade
perante o Estado e a Sociedade.

Quanto à igualdade e liberdade, podemos observa o art. 5º da Constituição, que expõe que
todos “são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade (...)” (Art.5º, Caput, CR/1988).

Seriam tais direitos, já expostos, respeitados? Importante apontarmos a reflexão de Maria


Berenice Dias em artigo publicado na Revista Jurídica Areópago da Faculdade Unifaimi, senão
vejamos:

“(...) de nada adianta assegurar respeito à dignidade humana e à liberdade. Pouco vale
afirmar a igualdade de todos perante a lei, (...), que não são admitidos preconceitos ou
qualquer forma de discriminação. Enquanto houver segmentos alvos da exclusão
social, tratamento desigualitário entre homens e mulheres, enquanto a
homossexualidade for vista como crime, castigo ou pecado, não se está vivendo em
um Estado Democrático de Direito” (DIAS, p.30, 2008)

Portanto não podemos ter nenhuma sombra de dúvida, que a sexualidade de um indivíduo não
deve ser alvo de preconceito e inclusive motivo de exclusão de direitos. As normas jurídicas
além de disporem proteção, devem garantir a efetividade de direitos inibindo atos nocivos a
estes. – Garantindo assim, os pilares de um Estado Democrático de Direito. O problema da
discriminação quanto à sexualidade é visível, porém reparável.

Já exposto algumas peculiaridades sobre a sexualidade, inclusive suas disposições normativas


que garante proteção ao seu livre exercício, veremos em tópico específico as principais
dificuldades encontradas pelos homossexuais que almejam constituir-se em família, e
felizmente, ressaltaremos os avanços jurídicos referentes ao tema.

2.0 FAMÍLIA HOMOAFETIVA SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL.

Já é sabido que devemos encarar a homoafetividade sem discriminação, mesmo porque a


homossexualidade sempre existiu na história da humanidade. Em algumas épocas históricas
foi amplamente exaltado, a exemplo da Grécia antiga, e noutras foi rigorosamente reprimido. A
homoafetividade “não é doença nem uma opção livre” (DIAS, p. 43, 2006) e também não é “um
mal contagioso” (DIAS, p.174, 2006). Portanto, porque tanto preconceito ou discriminação?

Em se tratando de questões históricas, o preconceito é oriundo da cultura e principalmente da


religião, que influenciou e atingiu os textos normativos – O Direito.

O matrimônio era única fonte de união, que se daria entre homem e mulher com especial
objetivo de procriação. Esta instituição possui suas raízes na religião, que fundou os traços da
“normalidade”, manifestada pela heterossexualidade. Este fato fez com que o Direito tutelasse
somente esta união, não prevendo assim, mudanças e avanços morais, como também,
científicos e tecnológicos.

Maria Berenice Dias, aponta os fundamentos da Igreja afirmando que foi através do casamento
que se propagou a “fé cristã: crescei e multiplicai-vos. A infertilidade dos vínculos
homossexuais levou a Igreja a repudiá-los, acabando por serem relegados à margem da
sociedade” (DIAS, p. 174, 2006).

O Direito representado pela figura do legislador (que poderia ter solucionado todo problema)
seguiu os mesmos passos adotados pela religião e das exigências culturais, mesmo com a
existência de relações homoafetivas, que cada dia aumenta no seio da sociedade. O motivo
torna-se óbvio “o legislador, com medo da reprovação de seu eleitorado, prefere não aprovar
leis que concedam direitos às minorias alvo da discriminação” (DIAS, p.174, 2006). – Não há
leis específicas para as uniões homoafetivas no Direito Positivo Brasileiro! ?

Estabelece a Constituição em capitulo próprio sobre a família, a começar pelo artigo. 226 e
desdobramentos. Entende-se pelo caput do artigo mencionado que família é uma instituição
protegida pelo Estado, por ser a base formadora da sociedade. O problema doutrinário
encontra-se nos desdobramentos presente artigo, vejamos:

“§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o


homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento

§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por


qualquer dos pais e seus descendentes” (art. 226, CR/ 1988)

A maior parte da doutrina entende que é expresso o descaso do Estado ao reconhecer como
união estável somente entre homem e mulher, ainda que “em nada se diferencie a convivência
homossexual da união estável heterossexual” (DIAS, p 43, 2006), fato este, que possa dificultar
a proteção da relação homoafetiva como entidade familiar.

Nota-se atualmente, que a família toma novos aspectos obedecendo tão somente aos
princípios da afetividade, ostensibilidade e estabilidade. Veja que o parágrafo 4º do artigo 226
da Constituição entende não ser necessário à presença de um homem e uma mulher para
poder constituir uma entidade familiar. Esta entidade é denominada “monoparental, que
dispensa a existência do casal (homem e mulher)” (LÔBO, p.68, 2008), basta-se que comprove
os requisitos exigidos no conteúdo do parágrafo.

Outro grupo familiar que podemos encontrar na doutrina são as famílias recompostas ou
famílias reconstituídas. Esta entidade é formada por “um cônjuge ou companheiro e os filhos do
outro, vindos de relacionamento anterior” (LÔBO, p.73, 2008). Sem dúvida há uma figura
familiar diferente da monoparental e da família decorrente do parágrafo 3º do art. 226 da
Constituição. Na família reconstituída surgem relações diferentes, os filhos, por exemplo,
“passam a ter novos irmãos. Os cônjuges, companheiros ou parceiros passam a ter novos
parentes por afinidade” (FARIAS, ROSENVALD; p.62, 2008).

O que queremos comprovar é que o matrimônio, o sexo, ou a capacidade de procriar não são
expressos como elementos fundadores da família, ou seja, que justifique ou não a existência
de um núcleo familiar.

De forma alguma, está expresso na Constituição que é vedado relações homoafetivas, porém,
já é sabido que o legislador não regulamentou tais uniões. Lôbo afirma que apesar da
“ausência de lei que regulamente essas uniões não é impedimento para sua existência, porque
as normas do art.226 são auto-aplicáveis independentemente de regulamentação” (LÔBO,
p.68, 2008). Portanto, leva-nos a crer que esta omissão não significa a ausência de tutela
jurídica.

No mesmo sentido, Farias e Rosenvald na obra Direito das Famílias, afirmam que uma relação
homossexual “poderá produzir efeitos no âmbito do ordenamento jurídico seja no âmbito
patrimonial, seja na esfera pessoal” (FARIAS, ROSENVALD, p.53, 2008).

À luz dos valores constitucionais a família “ganhou uma dimensão mais ampla, espelhando a
busca da realização pessoal de seus membros” (FARIAS, ROSEVALD, p.54, 2008), ou seja, da
dignidade humana (Art.1º, inciso III, CF, 1988). Outros princípios constitucionais também são
levados em consideração, a titulo de exemplo: principio da igualdade (art.5º, CF 1988), que
veda qualquer tipo de discriminação.
Definir dignidade, não é tarefa fácil, pois o termo possui para o Direito natureza principiológica,
podemos fazer, porém, com a contribuição magistral de Gagliano e Pamplona Filho. Para os
autores a dignidade

“traduz um valor fundamental de respeito à existência humana, segundo as suas


possibilidades e expectativas, patrimoniais e afetivas, indispensáveis à sua realização
pessoal e à busca da felicidade”(GAGLIANO; PAMPLONA, p.21, 2006)

Logo podemos perceber que o termo é bastante amplo, repercute nas relações patrimoniais e
afetivas do individuo. Tal motivo nos leva a crer que é correto a visão esposada de Farias e
Rosenvald ao afirmarem que as relações homoafetivas produzem efeitos no âmbito jurídico.

3.0 UNIÃO HOMOAFETIVA NÃO É SOCIEDADE DE FATO

A doutrina conservadora quanto ao tema procura equiparar a relação homoafetiva como


sociedade de fato. É importante fazer esta alerta, pois é demonstrado na obra de Farias e
Rosenvald que os autores são de renome, tais como: Carlos Roberto Gonçalves e Maria
Helena Diniz.

Reconhecer esta entidade familiar como sociedade de fato, é levar as uniões homossexuais
para o “âmbito puramente obrigacional, (...) – do qual decorreriam efeitos tão-somente
patrimoniais” (FARIAS; ROSENVALD, p.53, 2008). Esta visão não é correta, pois o parceiro
deveria comprovar efetivamente que houve participação sua quanto à aquisição de bens que
se perfez no tempo de convivência.

Ora, pois, a relação existente é movida por traços eminentemente afetivos, não de sócios.
Logo, é infundado o reconhecimento da união homoafetiva como sociedade de fato.

4.0 NECESSIDADE OU NÃO DE EQUIPARAR A UNIÃO HOMOAFETIVA COMO UNIÃO


ESTÁVEL

Todo o trabalho de Maria Berenice Dias gira em torno da equiparação da união homoafetiva
como união estável descrita no parágrafo 3º do art. 226 da Constituição.

Por outro lado, Paulo Lôbo entende não haver “necessidade de equipará-las à união estável,
que é entidade familiar completamente distinta” (LÔBO, p.68, 2008). Quanto a este impasse,
concordamos com Paulo Lôbo.

As uniões homoafetivas não deixam de ter tutela jurídica simplesmente por não estarem
expressas nos desdobramentos do art. 226 do Texto Constitucional, além do mais, conforme
Paulo Lôbo observou, esta entidade familiar é completamente diferente. O problema de ser ou
não equiparada à União Estável deriva do art. 226 da Constituição. - Sua enumeração seria
taxativa ou simplesmente exemplificativa? - O Texto Constitucional estaria sendo
discriminativo?

Farias e Rosenvald, afirmam a “não taxatividade do rol contemplado no art.226 da Lei das Leis,
sob pena de desproteger inúmeros agrupamentos familiares não previstos ali” (FARIAS,
ROSENVALD, p.36, 2008). Logo, a Constituição não discrimina e nem exclui nenhuma outra
entidade familiar existente.

Outra observação importante realizada pelos autores que justifica a não equiparação desta
União a União Estável é que o problema pode ser originário da interpretação dada ao Texto
Constitucional, senão vejamos:

“a exclusão das outras formas de entidades familiares não decorre da lei expressa do
Texto Constitucional, mas de uma interpretação do Texto Magno” (LÔBO, citado por
FARIAS; ROSENVALD, p. 36, 2008)
O Texto Constitucional diz tão-somente aquilo o que queremos compreender. Portanto, o que
devemos compreender é que não há limitação, discriminação, ou exclusão de entidades
familiares não previstas nos desdobramentos do art.226 do Texto Magno.

5.0 CORRESPONDENTES LEGAIS E JURISPRUDÊNCIAS

Até aqui foi demonstrado que há uma omissão do legislador quanto às uniões homoafetivas,
porém, conforme vimos esta omissão não implicará em ausência de tutela jurídica.

Conforme vimos o desdobramento do art.226 da Constituição é apenas exemplificativo, pois


por força da realidade, de sustentações doutrinárias, e inclusive de princípios constitucionais,
podemos verificar uma nova ótica sobre a entidade familiar. Apesar da omissão, não deixa de
ter a união homoafetiva correspondentes legais e jurisprudências que acompanham a realidade
social.

Segundo o art. 126 do Código de Processo Civil, “o juiz não se exime de sentenciar ou
despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei (...)” (CPC, art.126). O mesmo sentido pode
ser notado na Lei de Introdução ao Código Civil do Decreto-lei nº 4.657, de 4 de Setembro de
1942. Quando a lei for omissa “o juiz decidirá o caso de acordo com analogia, os costumes e
os princípios gerais do direito” (LICC, art.4º). Ressalvando que no caso dos costumes, não
valerá para o Direito “preconceitos de ordem moral” (DIAS, p.179, 2006)

As normas do Art.1º, inciso III, CF, (relata sobre a dignidade da pessoa humana) e a norma do
Art.5º da CF (expõe sobre a Igualdade), são utilizadas como pilares justificadores da família
homoafetiva, mais especificamente da expressão sexual.

Outra disposição normativa do art. 5º da “Lei Maria da Penha” (Lei nº.: 11.340/06), a nosso ver,
deu um grande passo ao reconhecer a união homoafetiva pelo menos, entre mulheres. Senão
vejamos:

“art.5º: Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a
mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e de dano moral ou patrimonial:

I – (...)

II – no âmbito familiar, compreendida como a comunidade formada por


indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais,
por afinidade ou por vontade expressa;

III – (...)

Parágrafo único. As relações enunciadas neste artigo independem de orientação


sexual” (art. 5º, Lei nº.: 11340/06) (grifo nosso)

O inciso II da referida Lei, diferente da exemplificação Constitucional apresenta um conceito


bastante moderno de entidade familiar. À vontade, ou união natural, ou a consideração da
existência de vínculos parental, ou ter realmente este vínculo, são elementos básicos para
formação de uma entidade familiar. Logo percebemos que tal conceituação é bastante abstrata,
dispensando assim, exemplificações.

O parágrafo Único do art.5º da “Lei Marinha da Penha” é de extrema importância, pois ali,
certificamos o reconhecimento da união homoafetiva, ainda que seja entre mulheres.

No âmbito jurisprudencial, podemos afirmar que a Justiça Gaúcha foi pioneira ao tratar da
união homoafetivas. Já no ano de 1999 foi definido “a competência dos juizados especializados
da família de apreciar as uniões homoafetivas” (DIAS, p.181, 2006).
Para finalizarmos nosso trabalho, segue abaixo algumas jurisprudências:

“APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA


DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE.

É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre dois homens de


forma pública e ininterrupta pelo período de nove anos. A homossexualidade é um fato
social que se perpetuou através dos séculos, não podendo o judiciário se olvidar de
prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de
família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a
diversidade de gêneros. E, antes disso, é o afeto a mais pura exteriorização do ser e
do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre pessoas do
mesmo sexo constitui forma de privação do direito à vida, bem como viola os princípios
da dignidade da pessoa humana e da igualdade.

AUSÊNCIA DE REGRAMENTO ESPECÍFICO. UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA E DOS


PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO.

A ausência de lei específica sobre o tema não implica ausência de direito, pois existem
mecanismos para suprir as lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, em consonância com os
preceitos constitucionais (art. 4º da LICC)”. (TJ, Estado do Rio Grande do Sul, AC
70009550070, Des. Luiz Felipe Brasil Santos, DESA. MARIA BERENICE DIAS, 2004)

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA


DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida
judicialmente a união homoafetiva mantida entre duas mulheres de forma pública e
ininterrupta pelo período de 16 anos. A homossexualidade é um fato social que se
perpetua através dos séculos, não mais podendo o Judiciário se olvidar de emprestar a
tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A
união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de
sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a
marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos por
ser forma de privação do direito à vida, violando os princípios da dignidade da pessoa
humana e da igualdade. Negado provimento ao apelo. (TJ, Estado do Rio Grande do
Sul, AC 70012836755, Dês. Luiz Felipe Brasil Santos (revisor), Des. Ricardo Raupp
Ruschel, Desa. Maria Berenice Dias, 2005)

REGISTRO DE CANDIDATO. CANDIDATA AO CARGO DE PREFEITO. RELAÇÃO


ESTÁVEL HOMOSSEXUAL COM A PREFEITA REELEITA DO MUNICÍPIO.
INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Os sujeitos de uma
relação estável homossexual, à semelhança do que ocorre com os de relação estável,
de concubinato e de casamento, submetem-se à regra de inelegibilidade prevista no
art. 14, § 7º, da Constituição Federal. Recurso a que se dá provimento. (Ac. Unân, Rec.
Especial Eleitoral 24564/PA, Gilmar Ferreira Mendes 2004)

AÇÃO ORDINÁRIA - RECONHECIMENTO DE DIREITO AO RECEBIMENTO DE


BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - CONTRATO FIRMADO COM ENTIDADE DE
PREVIDÊNCIA PRIVADA - UNIÃO HOMOAFETIVA COMPROVADA - TENTATIVA DE
INCLUSÃO DO COMPANHEIRO COMO DEPENDENTE - INÉRCIA DA
CONTRATADA - AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL QUE VEDE A
POSSIBILIDADE DO SEGURADO POSSUIR UM COMPANHEIRO OU
COMPANHEIRA - VEDAÇAO QUE CASO EXISTISSE SERIA NULA DE PLENO
DIREITO - PRÁTICA DISCRIMINATÓRIA QUE NÃO É ACEITA NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO - INTERPRETAÇÃO CONTRATUAL RESTRITIVA DE
DIREITOS DO CONTRATANTE - FRUSTAÇÃO INDEVIDA DE SUAS EXPECTATIVAS
- OBRIGAÇÃO DE PAGAR A PENSÃO PREVIDENCIÁRIA DECORRENTE DA
MORTE DO COMPANHEIRO QUE DEVE SER DECRETADA PELO PODER
JUDICIÁRIO. - Comprovada a existência de união estável homoafetiva, bem como a
Comprovada a existência de união estável homoafetiva, bem como a dependência
entre os companheiros e o caráter de entidade familiar externado na relação, é de se
reconhecer o direito do companheiro sobrevivente o direito de receber benefícios
previdenciários decorrentes de plano de previdência privada. Tolher o companheiro
sobrevivente do recebimento do benefício previdenciário, ensejaria o enriquecimento
sem causa da entidade de previdência privada, que permitia quando da celebração do
contrato que o segurado possuísse companheiro e ainda garantia, que este seria
beneficiário do plano quando algum sinistro ocorresse, portanto, o fato de tal
companheiro ser do mesmo sexo do contratante (união homoafetiva) jamais enseja um
desequilíbrio nos cálculos atuariais a impedir o pagamento pleiteado, prejuízos esses,
os quais sequer foram comprovados nos autos. Negaram provimento ao recurso. (TJ
do Estado de Minas Gerais, A.C. 1.0024.07.776452-0/001(1), Dês. Unias Silva,
10/10/2008)

PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO


DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO
132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI
9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA
LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO
INTEGRATIVO. 1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a
magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias,
quando da prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas
ações principal e cautelar. 2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a
possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no
ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta. 3. A despeito da
controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço,
onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o
prosseguimento do feito. 4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a
possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as
condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua,
sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o
legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união
entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal.
Contudo, assim não procedeu. 5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro
grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de
situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada. 6. Ao
julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de
previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim
de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com
outros tratados pelo legislador. 5. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, REsp
820475/RJ, Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Ministro Luis Felipe Salomão,
06/10/2008)

CONCLUSÃO

Concluímos com a pesquisa que para trabalhar acerca da família homoafetiva é mister
entender o os problemas advindo da manifestação sexual, que pode se dar por quatro
maneiras: homossexualidade, heterossexualidade, bissexualidade, transexualidade.

A heterossexualidade manifestada, em nada acarreta, mesmo porque é aceita e traçada pela


cultura, e até mesmo, pela religião. Já as demais manifestações, enfrentam problemas do
preconceito, marginalização etc. Por isso, entender a sexualidade do ponto de vista da
sexologia comparando com as disposições doutrinárias e legais é extremamente importante.

Vimos que a sexualidade é a manifestação livre do indivíduo que integra não só os fatores
físicos, mais psicológicos. Logo a sexualidade é mais abrangente do que o sexo, que é
compreendido tão-somente pelas características biológicas e fisiológicas do individuo.
O respeito à sexualidade é importante para o indivíduo. Como direito fundamental do ser
humano, torna sua vida digna e feliz. Motivo este, que levou o Direito a buscar princípios que
tutelassem a livre manifestação sexual. Sua proteção é destacada pelo nosso texto
Constitucional em vários pontos, mas apesar da proteção, se a homossexualidade,
bissexualidade e transexualidade forem alvos de preconceito ou discriminação não efetivará a
vontade do nosso Texto Maior.

Concluímos que o a omissão do legislador constitucional ao tratar sobre a família no artigo. 226
e desdobramentos não proíbe as relações homoafetivas, e muito menos significa dizer que a
entidade familiar homoafetiva esta despida de tutela jurídica.

Vimos que não é necessário homem e mulher para se ter uma entidade familiar. O grupo
familiar pode ser monoparental ou composto por famílias recompostas, ou formado por
membros do mesmo sexo – Família Homoafetiva, que surte efeitos sociais e jurídicos, pois
atualmente a família é compreendida tão-somente por valores constitucionais da dignidade,
igualdade, afetividade, ostensibilidade e estabilidade.

A família homoafetiva é uma entidade que deve ser visualizada tal como se apresenta, não há
necessidade de equiparar com a união estável. A família homoafetiva possui proteção
Constitucional, mesmo que esta não esteja expressa nos desdobramentos do art. 226 da
mencionada Lei. A Constituição não é taxativa. Em outras palavras ela não exclui nenhuma
entidade familiar. A família descrita no parágrafo terceiro e quarto do art. 226 são apenas
exemplificativos.

Concluímos que atualmente é pacífico o entendimento de que a família homoafetiva é uma


entidade familiar e não uma sociedade de fato. O STF e a tendência jurisprudencial
reconhecem as uniões homoafetivas como família.

Por fim, vimos que a família homoafetiva, apesar da omissão do legislador, mesmo porque o
parágrafo terceiro e quarto do art.226 da Constituição é apenas exemplificativo, não deixa ter
correspondentes legais e jurisprudências que justifiquem esta união.

A “Lei Maria da Penha” ou Lei nº.: 11.340/06 no art. 5º, e desdobramentos, avançou muito na
definição e no reconhecimento da família homoafetiva, mesmo que somente entre mulheres.
Concluímos que a definição de comunidade familiar no inciso II do referido artigo possui uma
conceituação bastante ampla e moderna de entidade familiar, não ocorrendo problemas de
interpretação ou da necessidade exemplificativa apresentada na Constituição.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Leis

CRFB/1988 - Constituição da Republica Federativa do Brasil – 1988

CPC - Código de Processo Civil, art.126.

LICC - Lei de Introdução ao Código Civil do Decreto-lei nº 4.657, de 4 de Setembro de 1942,


art. 4º.

Lei nº.: 11340/06 – Lei Maria da Penha

Jurisprudências

STJ, REsp 820475/RJ, Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Ministro Luis Felipe Salomão,
06/10/2008
TJ, Estado do Rio Grande do Sul, AC 70009550070, Des. Luiz Felipe Brasil Santos, Desa.
Maria Berenice Dias, Porto Alegre, 2004.

TJ, Estado do Rio Grande do Sul, AC 70012836755, Dês. Luiz Felipe Brasil Santos (revisor),
Des. Ricardo Raupp Ruschel, Desa. Maria Berenice Dias, Porto Alegre, 2005.

TJ do Estado de Minas Gerais, A.C. 1.0024.07.776452-0/001(1), Dês. Unias Silva, 10/10/2008

TSE, Ac. Unân, Rec. Especial Eleitoral 24564/PA, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 1.10.04 RJTSE -
Revista de jurisprudência do TSE, Volume 17, Tomo 1, Página 234

Doutrina

DIAS, Maria Berenice, Manual de Direito das Famílias, RT, 3º edição atual e ampliada, São
Paulo, 2006

____, Maria Berenice, Direito à Diferença, Revista Jurídica Areópago da Faculdade Unifaimi,
Ano I (2008), Edição nº 3, disponível em:
http://www.faimi.edu.br/v8/RevistaJuridica/Edicao3/Homoafetividade%20e%20o%20direito
%20à%20diferença%20-%20berenice.pdf

FARIAS, Cristiano Chaves de Farias; ROSELVALD, Nelson, Diretos das Famílias, De acordo
com a Lei nº 11.340/06 – Lei Maria da Penha e com a Lei 11.441/2007 – Lei de Separação,
Divórcio e Inventário Extrajudiciais, Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 2004.

GAGLIANO, Paplo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil, Contratos,
Tomo I, Volume IV, 2º Edição revista e atualizada e reformada, Saraiva, São Paulo 2006.

LÔBO, Paulo, Direito Civil, Famílias, Saraiva, São Paulo, 2008.

WALKER, Daniel, Introdução ao Estudo da Sexologia, disponível para download


em:http://www.4shared.com/file/17434626/d47ca8f1/d_wr-sea.html?cau2=403tNull publicado
em 2007.

Revista Jus Vigilantibus, Sabado, 13 de dezembro de 2008

A união homoafetiva sob o enfoque dos direitos


humanos
por Enéas Castilho Chiarini Júnior

1.0 - Introdução

O presente trabalho visa – como o próprio nome indica – analisar a questão


das uniões homoafetivas (neologismo criado por Maria Berenice Dias, em
seu livro União homossexual: o preconceito e a justiça, para designar as
uniões entre pessoas de mesmo sexo) sob a ótica dos Direitos Humanos.

Assim é que se pretende verificar como é vista a questão de tais uniões sob
o ponto de vista dos Direitos Humanos, na tentativa de se descobrir se,
perante a legislação vigente no Brasil – notadamente a Constituição Federal
de 1988 –, seria possível considerar-se tais relacionamentos como
juridicamente protegidos, ou se, face as declarações internacionais de
Direitos Humanos – notadamente a Declaração da ONU de 1948 – seria
juridicamente possível negar-se o “direito à união homossexual”.

2.0 - Direitos Humanos

2.1 - Origem

Os autores, de um modo geral, concordam em traçar um paralelo entre o


surgimento do constitucionalismo e o surgimento dos Direitos Humanos,
uma vez que o objetivo de toda Constituição é, além de “dar forma” ao
Estado, criando os órgãos estatais e descrevendo sua forma de atuação;
limitar o Poder estatal, garantindo uma parcela “intocável” de direitos
individuais e/ou sociais, a qual não poderia ser, arbitrariamente, suprimida
pelos agentes estatais.

Esta parcela de direitos, a priori insuprimíveis é, justamente, o conteúdo do


que hoje é conhecido por Direitos Humanos, assim como afirma Hewerstton
Humenhuk: “é notório que os direitos fundamentais constituem a base e a
essencialidade para qualquer noção de Constituição”

João Baptista Herkenhoff defende a idéia de que o processo de “criação”


dos Direitos Humanos seria fruto da História da Humanidade, iniciando-se
nos tempos mais remotos, e ainda hoje em permanente evolução (Conforme
defende nos livros “Direitos Humanos: a construção universal de uma
utopia” e “Direitos Humanos: uma idéia muitas vozes”), afirmando em
determinado momento que “o que hoje se entende por Direitos Humanos
não foi obra exclusiva de um grupo restrito de povos e culturas,
especialmente, como se propala com vigor, fruto do pensamento norte-
americano e europeu. A maioria dos artigos da declaração Universal dos
Direitos Humanos foi verdadeira construção da Humanidade, de uma
imensa multiplicidade de culturas, inclusive aquelas que não integram o
bloco hegemônico do mundo.” (Gênese dos Direitos Humanos, pág. 182)

2.2 - Conceito

A maioria dos autores (Paulo Gustavo Gonet Branco, op. cit.; Alexandre de
Morais, op. cit.; e João Baptista Herkenhoff, Gênese dos Direitos Humanos)
concordam em dizer que a idéia de Direitos Humanos está intimamente
ligada à idéia de dignidade da pessoa humana.
Para João Baptista Herkenhoff: “por direitos humanos ou direitos do homem
são, modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o
homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana,
pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma
concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a
sociedade política tem o dever de consagrar e garantir. Este conceito não é
absolutamente unânime nas diversas culturas. Contudo, no seu núcleo
central, a idéia alcança uma real universalidade no mundo
contemporâneo...” (Gênese dos Direitos Humanos, págs. 30 e 31)

Cumpre assinalar que Fábio Konder Comparato lembra que, segundo


doutrina Alemã, os Direitos Fundamentais seriam uma espécie do gênero
Direitos Humanos, que consistiriam nos Direitos Humanos positivamente
reconhecidos.

Assim, apesar de que grande parte da doutrina considerar como sendo


sinônimos os termos “Direitos Humanos” e “Direitos Fundamentais”,
chegando uns (Alexandre de Morais e Manoel Gonçalves Ferreira Filho, por
exemplo) a considerar adequada a terminologia de “Direitos Humanos
Fundamentais”, estes termos não são, nos moldes apresentados, termos
equivalentes. Concorda com esta idéia, Hewerstton Humenhuk.

2.3 - Valores da Declaração Universal dos Direitos Humanos

A Declaração de Direitos Humanos da ONU abriga e apresenta certos


“valores”, os quais deveriam ser buscados e respeitados por todos os povos.

Segundo concepção de João Baptista Herkenhoff, estes valores seriam em


número de oito (Gênese dos Direitos Humanos, págs. 111 et seq.) e
permeariam toda Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU.

Um destes valores é o valor “igualdade e fraternidade” que estaria presente


nos dois primeiros artigos da Declaração.

Sobre o valor “igualdade” escreveu o ilustre jurista: “o valor ‘igualdade’


constituiu-se através da História por meio de dois movimentos
interdependentes: a) o da afirmação da igualdade intrínseca de todos os
seres humanos; b) o da rejeição de desigualdades específicas, particulares.”
(Gênese dos Direitos Humanos, pág. 124).

Nesse sentido, o autor lembra, mais adiante, que “Jefferson, nos Estados
Unidos, afirmou, como democrático, que a vontade da maioria fosse a base
do poder. Mas completou que essa vontade da maioria, para ser legítima,
deveria ser razoável. A minoria possui direitos iguais, também protegidos
pela lei, sentenciou Jefferson. Violar esses direitos é agir como opressor.”
(Gênese dos Direitos Humanos, pág. 127).

Outro o valor seria o da “liberdade” seria o suporte dos artigos III, IV, XIII,
XVIII, XIX e XX, onde o autor afirma que ”...a liberdade deve conduzir à
solidariedade entre os seres humanos. Não deve conduzir ao isolamento, à
solidão, à competição, ao esmagamento do fraco pelo forte, ao homem-
lobo-do-homem, à ruptura dos elos. Essa ruptura leva tanto à esquisofrenia
individual quanto à esquisofrenia social. Garantir a liberdade dentro de uma
sociedade solidária é o desafio que se coloca. Liberdade para todos e não
apenas para alguns. Liberdade que sirva aos anseios mais profundos da
pessoa humana. De modo algum a liberdade que seja instrumento para
qualquer espécie de opressão.” (Gênese dos Direitos Humanos, pág. 136).

Um terceiro valor a ser apontado seria o valor “dignidade da pessoa


humana” – que segundo nossa visão implica na concretização de todos os
outros valores – seria a chama que alimenta os artigos III, V, VI, XIV, XV, XVI,
XVII, XXII, XXVI e XXVII;

Assim seriam estes, e os outros cinco (os outros valores seriam: “paz e
solidariedade universal”, “proteção legal dos direitos”, “Justiça”,
“Democracia” e “dignificação do trabalho”) valores, os grandes objetivos a
serem alcançados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU,
em seus trinta artigos.

2.4 - Características dos Direitos Humanos

Na visão de Alexandre de Morais (op. cit., pág. 41), os Direitos Humanos


seriam: imprescritíveis, inalienáveis, irrenunciáveis, invioláveis, universais,
interdependentes, complementares e que buscam uma efetividade máxima
dentro do ordenamento jurídico.

2.5 - A não-estabilização dos Direitos Humanos pela Carta da ONU

João Baptista Herkenhoff, no seu livro Direitos Humanos: a construção


universal de uma utopia, demonstra de forma irrefutável a noção de que o
processo de reconhecimento e declaração dos Direitos Humanos não se
estabilizou após a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU.
Muito pelo contrário, a noção de Direitos Humanos continua se
desenvolvendo, apresentando-se, na prática, a necessidade de declaração
de mais direitos como sendo inerentes aos seres humanos.

Assim, ele apresenta vários documentos jurídicos que foram assinados após
a promulgação da referida Declaração da ONU, e que trazem, em relação a
esta mesma Declaração, uma ou outra ampliação da noção de Direitos
Humanos. Seriam os principais documentos: A Carta Africana dos Direitos
Humanos e dos Povos, A Declaração Islâmica Universal dos Direitos do
Homem, a Declaração Universal dos Direitos dos Povos, a Declaração
Americana de Direitos e Deveres do Homem, e a Declaração Solene dos
Povos Indígenas do Mundo.

Assim, este autor afirma que “a idéia de ‘Direitos Humanos’ não se


estabilizou no texto aprovado em 1948. Esta estabilização contraria o
sentido dialético da História.” (Direitos Humanos: a construção universal de
uma utopia, pág. 15) uma vez que “a História não caminha dentro de
parâmetros fixos...” (Ibid., pág. 17).

A noção de “gerações” ou “dimensões” de Direitos Humanos comprova o


alegado: em um primeiro momento, cuidou-se dos direitos civis e políticos,
depois vieram os direitos sociais, para depois chegar a vez dos direitos
supra-individuais, tais como os relativos ao meio-ambiente, à saúde, à paz,
etc...

Concorda com esta tese o jurista Paulo Gustavo Gonet Branco, que, em
determinado momento, chega a afirmar que: “De fato, o catálogo dos
direitos fundamentais vem-se avolumando, conforme as exigências
específicas de cada momento histórico...” (Op. cit., pág. 115)

Apenas com o intuito de clarear esta idéia de não-estabilização dos Direitos


Humanos, cumpre assinalar que Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirma que
“o reconhecimento dos direitos sociais não pôs termo à ampliação do
campo dos direitos fundamentais. Na verdade, a consciência de novos
desafios, não mais à vida e à liberdade, mas especialmente à qualidade de
vida e à solidariedade entre os seres humanos de todas as raças ou nações
redundou no surgimento de uma nova geração – a terceira –, a dos direitos
fundamentais. [...] Na verdade, não se cristalizou ainda a doutrina a seu
respeito. Muita controvérsia existe quanto a sua natureza e a seu rol. Há
mesmo quem os conteste como falsos direitos do Homem. Tal hesitação é
natural, pois foi somente a partir de 1979 que se passou a falar desses
novos direitos cabendo a primazia a Karel Vasak.” (Op. cit., págs. 57 e 58).

Ora, se os direitos de terceira geração somente foram assimilados pela


consciência dos juristas mundiais a partir de 1979, é sinal que a tese
apresentada por João Baptista Herkenhoff da não-estabilização dos Direitos
Humanos com a simples Declaração Universal dos Direitos Humanos da
ONU é correta, pois esta foi promulgada trinta e um anos antes, em 1948.

Existe quem defenda até mesmo uma quarta geração de direitos, a qual
estaria apenas em estágio embrionário.

A não-estabilização dos Direitos Humanos é tão nítida que, Manuel


Gonçalves Ferreira Filho aponta para a necessidade de não-vulgarização dos
Direitos Fundamentais que surgiria da multiplicação destes direitos (Op. cit.,
pág. 67).

2.6 - As “gerações” ou “dimensões” dos Direitos Humanos

Deve-se ter em mente que com a idéia de “gerações” de Direitos Humanos,


uma nova “geração” não exclui a anterior, muito pelo contrário, esta nova
“geração” – por força da interdependência que existe entre os Direitos
Humanos – vem reforçar a anterior.

O que acontece é que, em momentos históricos distintos, o povo percebe


que o atual estágio de Direitos Humanos é insuficiente para garantir-lhes a
dignidade condizente com sua condição de pessoa humana.

Assim, muda-se o enfoque da busca de Direitos, saindo-se da primeira para


a segunda geração, e desta para a terceira, ou, em termos históricos: na
época das Revoluções Francesa e de Independência da Treze Colônias, o
que se buscou foi a garantia dos Direitos Civis e Políticos; depois, à época
da Revolução Russa e pós-Primeira Guerra Mundial, buscou-se a garantia
dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais; e, presentemente, busca-se a
consagração dos Direitos de Fraternidade – o que, como dito anteriormente,
reforça a idéia de não-estabilização dos Direitos Humanos pela simples
Declaração da ONU em 1948.

Os Direitos de primeira geração seriam as liberdades públicas; os de


segunda geração, seriam os direitos econômicos e sociais, enquanto que os
de terceira geração seriam os ligados à solidariedade entre os seres
humanos: direito à paz, ao meio ambiente, à propriedade sobre o
patrimônio comum da humanidade...

Há, ainda – como dito anteriormente –, quem pregue o surgimento de uma


quarta geração de Direitos Humanos que, conforme Paulo Bonavides apud
Hewerstton Humenhuk, seriam “o direito à democracia, o direito à
informação, e o direito ao pluralismo”

2.7 - Novos e velhos direitos

Ao contrário do que pode parecer, não existe qualquer contradição entre a


luta por novos direitos e a luta pela efetivação dos direitos já proclamados.
É o que se verifica com a teoria das gerações dos Direitos Humanos: uma
nova geração não substitui, nem exclui a anterior, pelo contrário, soma-se a
ela.
Segundo, novamente o grande jurista João Baptista Herkenhoff, (Direitos
Humanos: a construção universal de uma utopia., págs. 15 a 18) não existe
contradição entre a luta pelos direitos já consagrados, mas ainda não
efetivados, e a luta por novos direitos, pois todas estas lutas seriam lutas
pela dignidade da pessoa humana.

É justamente a tese da não-estabilização dos Direitos Humanos com a


Declaração da ONU de que tratamos acima, e sobre a qual o referido autor
comprovou a veracidade, onde se pode comprovar que os Direitos Humanos
ainda estão em fase de expansão, existindo quem propugne por uma quarta
gestação de direitos.

Idéias estas que se somam no sentido de comprovar a tese de que ainda


existem Direitos Humanos a serem universalmente proclamados, e dos
quais um deles é, justamente ,o reconhecimento jurídico das uniões
homoafetivas.

3.0 - Da homossexualidade

A homossexualidade não é, de forma alguma, uma característica exclusiva


da espécie humana, estando presente também entre os animais. Segundo o
cientista inglês George V. Hamilton, a homossexualidade está presente não
só entre os primatas, mas também em inúmeros animais mamíferos.
(Fernanda de Almeida Brito, União afetiva entre homossexuais e seus
aspectos jurídicos, pág. 48).

Conforme reportagem da revista Superinteressante de agosto de 1999, o


biólogo americano Bruce Bagemihl, em seu livro Exuberância Biológica -
Homossexualidade Animal e Diversidade Natural, lançado naquele mesmo
ano, apresentou provas mais do que convincentes e irrefutáveis de que
existe homossexualidade e vasta diversidade de comportamentos sexuais
entre os animais de diversas espécies.

As leis da Grécia, severas, condenavam a pederastia, que somente era


tolerada para os gregos adultos que tutelavam meninos para fins
educacionais e de sua inserção no convívio social. A pederastia era
apresentada através do mito de Orfeu que após a morte de Eurídice vem a
se apaixonar por meninos. Às esposas era somente permitido o papel de
procriadoras, sendo aceito o prazer na prática sexual apenas para as
prostitutas.

Conforme Luiz Alberto David Araújo (Op cit., pás 36 à 45), com o surgimento
do cristianismo, com o surgimento do ideal da virgindade, inspirado na vida
de Maria, que teria concebido seu filho sem ter mantido relações sexuais
com José, tornando-se um modelo a ser seguido por todas as mulheres do
mundo; o casamento, a sociedade e a sexualidade passam a ter uma
interpretação cristã. A Igreja Católica pregou o sexo como algo mau, o
prazer seria obra do Diabo; o sexo seria admitido unicamente com a
finalidade de procriação, sendo ainda hoje condenado pela Igreja o uso de
preservativos, mesmo durante relações sexuais entre marido e mulher. O
pecado original seria fruto de uma relação sexual. Por isso ele é mau. O
celibato é o modo pelo qual os homens se redimem do pecado original.

Pouco mais adiante na história, durante o período Renascentista, vários


intelectuais da época, cultivaram paixões homossexuais, como é, por
exemplo, os casos de Miguel Ângelo e Francis Bacon (Fernanda de Almeida
Brito, Obra citada, pág. 47).

Mais tarde, Freud postula a existência da sexualidade desde o nascimento;


inicialmente assimiladas às funções fisiológicas de nutrição, as relações com
a mãe, o pai, a família e o meio social vão-se integrando como um todo,
transformando-se num longo processo, que culminaria na fase adulta. Os
instintos sexuais, com base orgânica ligada às zonas erógenas do corpo,
que constituem uma fonte ininterrupta de estímulos, que não podem ser
eliminados pela fuga. A noção de perversão perde seu sentido original para
englobar características preliminares ao ato sexual, sendo que todo adulto
lança mão das perversidades para alcançar o ato sexual em si, que desta
forma se desvincula da necessidade de procriação, o fundamental é a
realização do desejo, a busca do prazer. Segundo Freud, os homossexuais,
os voyers, os fetichistas, etc... são considerados perversos no sentido que
buscam o prazer dentro dá ótica infantil e não adulta.

Desta forma, a homossexualidade existe, não só entre os homens, como em


inúmeras espécies animais, desde os tempos mais remotos da história da
humanidade, sendo desta forma, uma característica inerente ao ser
humano, havendo até mesmo quem sustente que todas as pessoas têm
desejos homossexuais reprimidos, e que só não os deixam aflorar por puro
preconceito pessoal.

O certo é que, "desde que o mundo é mundo", a homossexualidade existe, e


não será proibindo-a que se acabará com ela. Quem defende que a
homossexualidade é algo errado, contra a natureza, deve ter em mente que
durante séculos e séculos esta atitude foi, e ainda é, combatida pela igreja,
como será apresentado a seguir, mas ela continua resistindo e existindo.
Não será "varrendo" a homossexualidade para "debaixo do tapete" que se
acabará com esta prática. Mesmo porque, se até os animais têm relações
homossexuais, como pode alguém dizer que esta é uma prática contra a
natureza? Ou será que foram os homens quem ensinaram os animais à ter
relações homossexuais? Claro que não, isto faz parte do instinto animal, e o
ser humano, sendo igualmente animal, deve, igualmente, possuir instintos
semelhantes aos da maioria dos animais.
A religião sempre combateu o sexo apartado da idéia de procriação, sendo
contra, portanto, não só a homossexualidade, como também o adultério, a
prostituição, e mesmo contra o sexo durante o casamento sem ter em
mente a ampliação da família.

É claro que na Bíblia Sagrada não existe a palavra homossexual, ou


qualquer outra do gênero, quer seja para criticar, quer seja para apoiar, pois
este termo é moderno, e o seu texto, antigo, não poderia conter uma
palavra que ainda não existia na época em que foi escrito.

Mas pode-se encontrar, por exemplo, em Corintios 6:9 "Não sabeis que os
injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem os devassos,
nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os
sodomitas". Devendo os termos "efeminados" e "sodomitas" ser entendidos
e identificados com o que hoje se entende por homossexuais. Desta forma,
está claro que os homossexuais não "herdarão o reino de Deus", e por isso,
serem, todas as igrejas, quer sejam a Católica ou outras igrejas Evangélicas,
radicalmente contra a homossexualidade.

Outro exemplo pode ser colhido em Levítico 18:22, onde lê-se: "Com o
homem não te deitarás, como se fosse mulher: É abominação". Este
versículo, mais ainda que o anterior, deixa claro, que a homossexualidade é
contrário à vontade divina.

A igreja, portanto, combate abertamente a homossexualidade, baseando-se


em escritos bíblicos. Porém, o que os mesmos cristãos se esquecem é que
na mesma bíblia de onde tiram os motivos para condenar os homossexuais,
existe uma passagem que diz "Não julgueis, para que não sejais julgados."
Mateus 7:1

Mesmo que a homossexualidade seja combatida pela bíblia, e,


consequentemente contra a vontade de Deus, quem será suficientemente
bom e sem pecados para ser digno de julgar alguém? Se, nem mesmo Jesus
teve a ousadia de julgar as pessoas, quem seremos nós, míseros mortais e
pecadores para fazermos o julgamento de alguém? Ademais, "...aquele
dentre vós que está sem pecado que lhe atire uma pedra" (João 8:7).

Só a Deus cabe julgar, à nós, seres humanos, cabe amar ao próximo como a
nós mesmos, fazendo o bem, sem olhar a quem, conforme a parábola do
Bom Samaritano, narrado em Lucas 10:1-42.

Ademais, não se deve misturar Direito e Religião, pois são coisas diferentes.
Bem andou o legislador ao contrariar alguns escritos bíblicos, como por
exemplo este trecho que manda à mulher obedecer ao marido: “Vós,
mulheres, submetei-vos a vossos maridos, como ao Senhor; porque o
marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja,
sendo ele próprio o Salvador do corpo. Mas, assim como a igreja está sujeita
a Cristo, assim também as mulheres o sejam em tudo a seus maridos.”
(Efésios 5:22-24).

Quem, em pleno século XXI, seria capaz de afirmar que o homem é superior
à mulher, e que portanto esta deve submeter-se àquele? Hoje em dia já está
consagrado no mundo jurídico o princípio de igualdade entre os sexos.

Deve-se lembrar ainda, que o Direito não está submisso à Religião, tanto é
verdade que o Direito, mais uma vez, contraria os ensinamentos da Bíblia
ao autorizar o divórcio, pois, conforme Marcos 10:7-9: “Por isso deixará o
homem a seu pai e a sua mãe, e unir-se-á a sua mulher. E serão os dois
uma só carne: e assim já não serão dois, mas uma só carne. Portanto o que
Deus ajuntou não separe o homem.”

Assim sendo, o Direito não está, de forma alguma, ligado à Religião,


contrariando-a às vezes, e, portanto, já que o Direito não obedece aos
mandamentos bíblicos que ordenam a mulher a submeter-se ao seu marido,
e que impedem o divórcio, porque os juristas se preocupam com o fato de
ser a homossexualidade contra a vontade de Deus? Se o ordenamento
jurídico já contrariou a Bíblia em nome da igualdade entre os sexos, porque
não pode, mais uma vez, contrariá-la, afirmando a igualdade entre hetero e
homossexuais?

4.0 - A ligação entre homossexualidade Direitos Humanos

Um dos Direitos Humanos de primeira geração, o qual já era posto a salvo


das intromissões estatais desde a Magna Charta Libertatum de João Sem
Terra em 1218 é o Direito à Liberdade.

É possível perceber os traços básicos do moderno direito de liberdade


analisando-se a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de agosto
de 1789, onde no artigo 4º, declara-se que qualquer indivíduo pode fazer
tudo o que não afete a liberdade dos demais.

Quanto ao direito à liberdade, escreveu João Baptista Herkenhoff: “O direito


à liberdade é complementar do direito à vida. Significa a supressão de todas
as servidões e opressões. A liberdade é a faculdade de escolher o próprio
caminho, de tomar as próprias decisões, de ser de um jeito ou de outro, de
optar por valores e idéias, de afirmar a individualidade, a personalidade. A
liberdade é um valor inerente à dignidade do ser, uma vez que decorre da
inteligência e da volição, duas características da pessoa humana. Para que
a liberdade seja efetiva, não basta um hipotético direito de escolha. É
preciso que haja a possibilidade concreta de realização das escolhas.”
(Direitos Humanos: uma idéia, muitas vozes, pág. 108).
O direito à liberdade, que no ordenamento jurídico brasileiro está presente
na Constituição Federal desde o seu preâmbulo, constituindo-se um dos
objetivos da República Federativa do Brasil (art. 3º, I da CF/88), e garantido
a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país, através do caput do
artigo 5º da Carta brasileira, está, também, intimamente ligado ao princípio
da legalidade, também estabelecido pela atual Constituição Federal, no
inciso II do artigo 5º, o qual estabelece que “ninguém será obrigado a fazer
ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Este “princípio” da legalidade é a consagração jurídica do que Bobbio


chamou de “Norma Geral Exclusiva”, que é uma das premissas do
pensamento kelseniano, segundo a qual "tudo o que não está
expressamente proibido, está implicitamente permitido", e que constitui
uma maneira “fácil” de se evitar lacunas no ordenamento jurídico.

Uma vez que o legislador é impossibilitado, pela própria natureza intrínseca


de ser humano, de prever todas as possibilidades de ações, este mesmo
legislador preferiu, implicitamente, reconhecer que tudo o que não for
expressamente normatizado através do ordenamento jurídico positivo,
enquadra-se na categoria de ações "facultativas", as quais, podem, ou não,
ser realizadas, de acordo, única e exclusivamente, com a vontade do
indivíduo diretamente interessado, posto que é um princípio intimamente
ligado com o da liberdade.

A Constituição Federal, além de trazer – como visto – a liberdade como


objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, na tentativa de
“construir uma sociedade livre” (artigo 3º, inciso I), traz ainda, em vários
momentos a idéia de liberdade; como é por exemplo – além do já visto
caput do artigo 5º – o caso do artigo 5º que apresenta o direito à “livre
manifestação do pensamento” (artigo 5º, inciso IV), da “liberdade de
consciência e de crença” e do “livre exercício dos cultos religiosos” (artigo
5º, inciso VI), da “livre expressão da atividade intelectual” (artigo 5º, inciso
IX), do “livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão” (artigo 5º,
inciso XIII), da “livre locomoção no território nacional” (artigo 5º, inciso XV),
da “plena liberdade de associação para fins lícitos” (artigo 5º, inciso XVII).
Isto apenas para apresentar-se alguns exemplos, ficando, apenas, com
alguns direitos do artigo 5º. Fica claro, desta forma, que a Constituição
Federal de 1988, traz expressamente o princípio da liberdade como fazendo
parte dos “direitos [...] individuais e coletivos”.

Com relação à Declaração Universal dos Direitos Humanos, o direito à


liberdade está presente, especialmente, no preâmbulo, nos artigos I a III.

Assim, segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, “todos os


homens nascem livres”, tendo a “capacidade para gozar os direitos e as
liberdades estabelecidas nesta Declaração”, e tendo, ainda, “direito à vida,
à liberdade e à segurança pessoal”.

Ora, o direito à liberdade afirma que toda pessoa humana pode fazer o que
bem lhe aprouver desde que, com suas ações, não prejudique ninguém.
Uma vez comprovado que a união homoafetiva não prejudica ninguém,
trata-se, portanto, de parcela, nitidamente, ligada à liberdade pessoal de
cada indivíduo.

Assim, a homossexualidade é, indiscutivelmente, parte do Direito de


Liberdade, do qual todos os indivíduos são – por força internacional e
constitucional – portadores, não sendo possível que o Estado crie, ou
imponha limites a referido direito, exceto em situações extremas, ou de
choques com outros direitos fundamentais como se verá logo adiante.

Os direitos à intimidade e à vida privada são meros corolários do direito à


liberdade. Não seria possível falar-se em liberdade sem as garantias do
direito à intimidade e/ou vida privada.

Na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, estão previstos no


artigo XII que estabelece que “ninguém será sujeito a interferências na sua
vida privada [...] Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais
interferências ou ataques”

Quanto ao conteúdo do direito à vida privada, esclarece José Adércio Leite


Sampaio que: “No centro de toda vida privada se encontra a
autodeterminação sexual, vale dizer, a liberdade de cada um viver a sua
própria sexualidade, afirmando-a como signo distintivo próprio, a sua
identidade sexual, que engloba a temática do homossexualismo, do
intersexualismo e do transexualismo, bem assim da livre escolha de seus
parceiros e da oportunidade de manter com eles consentidamente, relações
sexuais...” (José Adércio Leite Sampaio, op. cit., pág. 277).

“Integra a liberdade sexual a faculdade de o indivíduo definir a sua


orientação sexual, bem assim de externá-la não só de seu comportamento,
mas de sua aparência e biotipia. Esse componente da liberdade reforça a
proteção de outros bens da personalidade como o direito à identidade, o
direito à imagem e, em grande escala, o direito ao corpo. De Cupis define
identidade sexual, no desdobramento do direito à identidade pessoal, como
o ‘poder’ de aparecer externamente igual a si mesmo em relação à
realidade do próprio sexo, masculino ou feminino, vale dizer, o direito ao
exato reconhecimento do próprio sexo real, antes de tudo na documentação
constante dos registros do estado civil.” (Op. cit., pág. 313).

Nota-se que o direito à vida privada, e à intimidade, são, a muito tempo,


considerados como direitos fundamentais do Homem, de maneira que,
atualmente é mundialmente reconhecido este direito, inclusive – como já
visto – pela Constituição Federal de 1988, além de que: “A Corte européia
de Direitos do Homem reconheceu como atentatória ao direito ao respeito
da vida privada a incriminação pela legislação da Irlanda do Norte das
relações entre homens maiores de 21 anos de idade, pois feria “uma
manifestação essencialmente privada da personalidade humana”, não
sendo a proteção da moral motivo suficiente para sustentar a existência de
uma tal lei. Não há como negar que a chamada preferência sexual ou, na
dicção estadunidense, a sexual orientation também se instale no âmbito das
decisões de foro íntimo, embora haja certa vacilação jurisprudencial não só
nos Estados Unidos como em outros países nesse sentido...” (José Adércio
Leite Sampaio, op. cit., pág. 310).

Frente ao que foi exposto sobre intimidade e vida privada está claro que o
indivíduo tem o direito de ser homossexual, pois esta é uma escolha que
apenas a ele diz respeito, faz parte de sua vida mais íntima, e ninguém tem
o direito de dizer como este ou aquele indivíduo deve viver sua privacidade.

Não parece, por outro lado, contraditório o fato de um indivíduo ter direito
de ser homossexual e não poder “exercer” esta homossexualidade através
de união – juridicamente reconhecida – com outro indivíduo homossexual,
contrariando o que afirmou João Baptista Herkenhoff sobre as reais
possibilidades de exercício do direito à liberdade?

Por outro lado ainda sobre o direito à liberdade, cumpre lembrar o


ensinamento – aparentemente esquecido – da Declaração Francesa dos
Direitos do Homem e do Cidadão, que, em seu artigo 5º estabelecia, entre
outras coisas, que “a lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade”. E,
assim sendo, a lei não poderia proibir – por não ser nocivo à sociedade – o
reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas.

A igualdade é estabelecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos


nos artigos I e II, sendo que, afirma João Baptista Herkenhoff quanto ao
artigo II: “O artigo consagra assim a absoluta igualdade de todos os seres
humanos para gozar dos direitos e das liberdades que a Declaração
Universal assegura. O artigo II, neste seu primeiro parágrafo, completa o
artigo I. [...] A cláusula “sem distinção de qualquer espécie”, no início do
parágrafo, e a cláusula “ou qualquer outra condição”, no final do parágrafo,
são cláusulas generalizadoras da maior importância. Essas cláusulas, a meu
ver, proíbem todas as discriminações, mesmo aquelas não enunciadas no
texto. Assim, atentam contra os Direitos Humanos as discriminações contra
o homossexual, contra o aidético, [...] Todas as discriminações, mesmo
veladas, que visem a rotular pessoas afrontam os Direitos Humanos.
Nenhuma exclusão ou marginalização de seres humanos pode ser tolerada.”
(Direitos Humanos: uma idéia, muitas vozes, págs. 84 e 85).

Na Constituição Federal, o direito à igualdade é previsto, também, desde o


preâmbulo, estando presente, ainda, dentre os objetivos da República
Federativa do Brasil – promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação
(artigo 3º, IV) – além, é claro do caput do artigo 5º que começa
estabelecendo que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza”.

Assim, a igualdade implica no tratamento igualitário de todos os indivíduos,


quer sejam hetero ou homossexuais.

Com esta afirmação não se pretende – como os opositores do


reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas acreditam – dizer-se que
hetero e homossexuais são iguais, pois é obvio que não são. O que se quer
afirmar com o princípio de isonomia é que todos os indivíduos, como seres
humanos que são, têm o sacro direito de se unir com quem desejar, não
importando a sua preferência sexual. Ou, por outras palavras, homossexuais
possuem o mesmo direito que os heterossexuais de conviver com outro
indivíduo, e ter esta união reconhecida e protegida.

Assim, o que se pretende é que ambos tenham o direito de reconhecimento


jurídico das uniões estáveis a qual pertençam, uma vez que a razão jurídica
do reconhecimento jurídico de uma união estável é, como lembra a Des.
Maria Berenice Dias, a afetividade. Aqui está a razão maior para a analogia
entre a união estável heterossexual e a união estável homossexual. Se
ambos podem cumprir os requisitos para a constituição e reconhecimento
de uma união estável – convivência, mutua assistência, notoriedade da
relação, relação relativamente duradoura e estável – não há razões jurídicas
plausíveis para excluir-se dos homossexuais a possibilidade de
reconhecimento de suas uniões, sob pena de quebra do princípio da
isonomia através da hipótese de exclusão de benefício incompatível com o
princípio da isonomia – que se verá logo a diante.

Pode ser indicado, ainda, como diretamente ligado à homossexualidade o


direito ao casamento, garantido pelo artigo XVI da Declaração Universal dos
Direitos Humanos nos seguintes termos: “Os homens e as mulheres de
maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm
o direito de contrair matrimônio e fundar uma família...”

O grande João Baptista Herkenhoff, sobre o artigo, escreveu: “O artigo 16


trata do casamento e da família. este artigo é subdividido em 3 parágrafos:
o primeiro trata do direito ao casamento e à fundação da família e da
igualdade de direitos de homens e mulheres; [...] A família é depositária da
vida, e não só da vida biológica, mas da vida espiritual, afetiva, num plano
existencial que suplanta definições limitadas, moralistas e preconceituosas.
[...] A família não é somente, nem principalmente uma instituição jurídica.
Daí merecer todo respeito a família que se forma sem casamento legal.
Também é família, sagradamente respeitável, a da mãe solteira e do filho
ou filhos que advenham em tal situação. E mesmo a união homossexual em
clima de amor e respeito, tem a nosso ver direito de proteção. Não cabem
nesta matéria julgamentos morais exclusivas. Não cabe atirar a primeira
pedra, procedimento que Jesus Cristo condenou com tanta veemência. O
amor tudo justifica e tudo santifica, como está escrito na célebre epístola de
Paulo [...] A primeira afirmação do parágrafo consagra o direito que todas as
pessoas têm de se casar e de fundar uma família. Em outras palavras:
ninguém pode ser impedido de casar e de fundar uma família, se esse for
seu desejo.” (Direitos Humanos: uma idéia, muitas vozes, págs. 207 a 211).

Cumpre lembrar que as linhas principais deste direito estão asseguradas na


Constituição Federal, quer seja através da liberdade – que garante o direito
ao matrimônio, se assim o indivíduo desejar – da igualdade – onde todos,
indistintamente, têm o direito de formar uma família – e do artigo 226, §3º,
que estabelece a proteção à família fática, não constituída por casamento.

Assim, tanto pela Declaração de 1948, quanto pela Constituição Federal, o


homossexual têm direito à se unir com quem quer que seja – dependendo,
única e exclusivamente do consentimento de seu parceiro – e de, juntos,
constituírem uma família digna de proteção pelo Estado, pois, onde o
legislador não diferenciou, não cabe ao intérprete fazê-lo.

E mais, uma vez que não foi tal hipótese expressamente vedada pelo
constituinte, cumpre concluir pela possibilidade jurídica do reconhecimento
deste tipo de união, pois se trata de hipótese restritiva de direito onde não
cabem interpretações extensivas (todos os autores que tratam de
hermenêutica jurídica são unânimes em reconhecer tal impossibilidade).

Outro princípio que está ligado à homossexualidade é o da dignidade


humana, que está presente em toda a Declaração Universal dos Direitos
Humanos.

Reconhecer a dignidade humana implica em considerar o indivíduo como


sendo um valor em si mesmo, é reconhecer-lhe todos aqueles direitos já
analisados: a liberdade, intimidade, vida privada, igualdade, o matrimônio,
além do princípio da legalidade. Não há falar-se em dignidade humana sem
a estrita observância destes princípios.

A Constituição Federal consagra a dignidade humana de forma implícita no


seu preâmbulo, além de, expressamente declarar este valor como sendo um
dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III), o que, por
isso, deve ser fonte de interpretação de todo o ordenamento jurídico
nacional.

5.0 - Limites dos Direitos Fundamentais


Nenhum direito é absoluto, mesmo em matéria de Direitos Fundamentais.

A limitação de um Direito Fundamental será necessária, portanto e,


principalmente, quando acontecer o choque entre dois direitos que, apesar
de absolutamente compatíveis – de um modo geral –, em determinado caso
concreto se apresentem como incompatíveis entre si.

E a conseqüência desta possibilidade de limitação a Direitos Fundamentais


da pessoa humana é o surgimento de teorias cujo intento é descobrir
critérios justos e válidos para a averiguação de como se deve proceder
quando exista, na prática, uma colisão entre dois Direitos Fundamentais.

5.1 - Limites dos limites

As possíveis limitações que podem ser feitas aos Direitos Fundamentais não
são ilimitadas, devendo-se na prática, sempre, preservar um mínimo de
direito compatível com o Direito Fundamental o qual se pretende limitar. É a
idéia de “núcleo essencial” de um Direito Fundamental, que, nas palavras
do Ministro Gilmar Ferreira Mendes: “De ressaltar, porém, que, enquanto
princípio expressamente consagrado na Constituição ou enquanto postulado
constitucionalmente imanente, o princípio da proteção do núcleo essencial
destina-se a evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental
decorrente de restrições descabidas, desmesuradas ou desproporcionais.”
(Op. cit., pág. 245).

Lembra, ainda, o Ministro que: “... propõe Hesse uma fórmula conciliadora,
que reconhece no princípio da proporcionalidade uma proteção contra as
limitações arbitrárias ou desarrazoadas (teoria relativa), mas também
contra a lesão ao núcleo essencial dos direitos fundamentais. É que,
observa Hesse, a proporcionalidade não há de ser interpretada em sentido
meramente econômico, de adequação da medida limitadora ao fim
perseguido, devendo também cuidar da harmonização dessa finalidade com
o direito afetado pela medida.” (Op. cit., pág. 245).

O importante é notar-se que, deve-se evitar, ao máximo, impedir que um


direito seja “destruído”, impedindo-se seu gozo por seu titular. Assim, deve-
se ter em mente que o direito de liberdade do homossexual não pode ser
sumariamente tolhido, sem que haja fortes razões para fazê-lo, de forma
que, a menos a princípio, a liberdade homossexual deve ser garantida e
protegida pelo ordenamento jurídico.

Não se pode esquecer que, garantir no papel o direito à liberdade


homossexual (por exemplo, artigo 5º, inciso II da CF/88), mas impedir-se
que lhes seja juridicamente reconhecida a união homoafetiva, é o mesmo
que impedir sua liberdade.
5.1.1 - Proibição de limitações casuísticas

A proibição de limitações casuísticas está diretamente ligada ao princípio da


isonomia, garantido expressamente no caput do artigo 5º da Constituição
Federal.

Seu significado implica na proibição de estabelecer-se, por via legislativa, a


restrição preconceituosa a determinado direito.

Nas inigualáveis palavras do Ministro Gilmar Ferreira Mendes: “Outra


limitação implícita que há de ser observada diz respeito à proibição de leis
restritivas de conteúdo casuístico ou discriminatório. Em outros termos, as
restrições aos direitos individuais devem ser estabelecidas por leis que
atendam aos requisitos da generalidade e da abstração, evitando, assim,
tanto a violação do princípio da igualdade material, quanto a possibilidade
de que, através de leis individuais e concretas, o legislador acabe por editar
autênticos atos administrativos. [...] Diferentemente das ordens
constitucionais alemã e portuguesa, a Constituição brasileira não contempla
expressamente a proibição de lei casuística no seu texto. Isto não significa,
todavia, que tal princípio não tenha aplicação entre nós. Como amplamente
admitido na doutrina, tal princípio deriva do postulado material da
igualdade, que veda o tratamento discriminatório ou arbitrário. Resta
evidente, assim, que a elaboração de normas restritivas de caráter
casuístico afronta, de plano, o princípio da isonomia. É de observar-se,
outrossim, que tal proibição traduz uma exigência do Estado de Direito
democrático, que se não compatibiliza com a prática de atos
discriminatórios ou arbitrários [...] Segundo Canotilho lei individual restritiva
inconstitucional é toda lei que: 1) - imponha restrições aos direitos,
liberdades e garantias de uma pessoa ou de várias pessoas determinadas;
2) - imponha restrições a uma pessoa ou a um círculo de pessoas que,
embora não determinadas, podem ser determináveis através de
conformação intrínseca da lei e tendo em conta o momento de sua entrada
em vigor. O notável publicista português acentua que o critério fundamental
para a identificação de uma lei individual restritiva não é a sua formulação
ou o seu enunciado lingüistico, mas o seu conteúdo e respectivos efeitos.
Daí reconhecer a possibilidade de leis individuais camufladas, isto é, leis
que, formalmente, contém uma normação geral e abstrata, mas que,
materialmente, segundo o conteúdo e efeitos, dirigem-se, efetivamente, a
um círculo determinado ou determinável de pessoas. (Op. cit., págs., 276 a
278).

Assim, percebe-se que a impossibilidade de reconhecimento jurídico das


uniões homoafetivas seria fruto de preconceito incompatível com o Estado
Democrático de Direito (art. 1º, caput, da CF/88), além de incompatível com
o princípio da igualdade material (art. 5º, caput, da CF/88), o que de não
seria condizente com os objetivos da República Federativa do Brasil, os
quais seriam, entre outros, promover o bem de todos sem qualquer tipo de
discriminação (art. 3º, caput e inciso IV da CF/88).

Desta forma, pela proibição de limitações casuísticas, chega-se a inevitável


conclusão de que o não-reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas
deve ser evitado se não houver motivos que sejam capazes de, em
conformidade com as normas da proporcionalidade e da razoabilidade,
dizerem o contrário.

5.2 - Colisão entre Direitos Fundamentais

Quanto à colisão entre Direitos Fundamentais cumpre analisar as normas da


proporcionalidade da razoabilidade, as quais se destinam especificamente a
solucionar os problemas referentes ao choque entre dois, ou mais, Direitos
Fundamentais.

5.2.1 - O proporcional e o razoável

Existem duas normas, as quais são comumente chamadas de princípios pela


doutrina e jurisprudência, as quais se destinam a impor um critério científico
para avaliação de, na hipótese de colisão entre dois Direitos Fundamentais,
qual deles deverá prevalecer.

Estas duas normas são as regras da proporcionalidade e da razoabilidade.

Porém, antes de falar-se sobre as normas da proporcionalidade, ou da


razoabilidade, deve-se, antes de qualquer coisa, fazer-se uma distinção
entre regras e princípios.

Segundo Alexy, regras são deveres definitivos, onde só existem duas


possibilidades: ou são aplicáveis, ou são não-aplicáveis; enquanto que os
princípios são deveres prima facie, ou seja, flexíveis, de forma a poderem
ser aplicados em maior, ou menor, grau.

As regras são aplicadas através da subsunção, enquanto que os princípios


são normas que impõem a aplicação na maior medida possível, dentro das
possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto.

Segundo esta diferenciação de Alexy, estaríamos diante da “Regra” da


Proporcionalidade, e não do “princípio” da proporcionalidade como
defendem a doutrina e a jurisprudência nacional; uma vez que ou se aplica
a norma da proporcionalidade, ou não se aplica a norma da
proporcionalidade, sendo impossível uma “aplicação em parte” ou “até
certo ponto” da norma da proporcionalidade.

Enquanto que a colisão entre regras é resolvida pelos critérios da


especialidade, hierarquia ou pelo critério cronológico; a colisão entre
Princípios é resolvida por sopesamento, e é, justamente para decidir-se os
conflitos entre princípios, que surge a norma (regra) da proporcionalidade,
cuja origem remonta ao direito germânico.

A regra da proporcionalidade implica na aplicação de três sub-regras: da


adequação, da necessidade e a sub-regra da proporcionalidade.

Pela sub-regra da adequação, deve-se procurar saber se a medida que


implica no limite à determinado direito é adequada. A medida será
adequada quando fomente a realização da finalidade desejada.

Pela sub-regra da necessidade, deve-se procurar saber se inexiste outra


medida tão eficaz quanto a pretendida, porém menos danosa ao direito
limitado.

E, pela sub-regra da proporcionalidade, deve-se investigar se os ganhos


oferecidos pela medida limitadora do direito justificam as perdas, que no
caso são as limitações impostas ao direito em questão.

É necessário destacar-se que existe uma certa ordem necessária para o


exame das três sub-regras acima, de forma que somente se chegará à
aplicação da sub-regra da necessidade se, antes, tiver-se chegado, na
aplicação da sub-regra da adequação, a um resultado que justifique seu
valoramento; e, só se chegará à sub-regra da proporcionalidade, se antes o
justificarem as sub-regras da adequação e da necessidade.

Quanto à fundamentação da regra da proporcionalidade no Direito


brasileiro, degladiam-se a doutrina e jurisprudência nacional, não se
chegando a qualquer resposta melhor que a apontada pelo prof. Luiz Virgílio
Afonso da Silva – com a qual concordamos – e que afirma que a regra da
proporcionalidade é uma decorrência lógica do ordenamento jurídico como
formado por regras e princípios.

Enquanto que a regra da proporcionalidade implica na utilização das três


sub-regras acima, a regra da razoabilidade está diretamente ligada à
simples idéia de bom senso.

O STF, ao utilizar-se da regra da proporcionalidade não costuma utilizar-se


das três sub-regras, equiparando a regra da proporcionalidade à da
razoabilidade, transformando-as em sinônimos.
5.2.2 - A homossexualidade e a regra da proporcionalidade

Aplicando-se a regra da proporcionalidade às uniões homoafetivas, chega-


se a inevitável conclusão de que não existe qualquer motivo plausível para
limitar-se o direito dos homossexuais, impedindo-se o reconhecimento
jurídico de suas uniões.

Principalmente porque, neste caso, não existe choque entre Direitos


Fundamentais, uma vez que os únicos Direitos Fundamentais em questão
são os direitos dos homossexuais, tais como o direito à liberdade, à
intimidade e à vida privada.

O que ocorre é, no máximo, um choque entre os referidos Direitos


Fundamentais dos homossexuais de um lado, com os interesses
“individuais” de alguns grupos sociais, principalmente os religiosos.

Mas, apenas para demonstrar a fragilidade destes “diretos fundamentais”


que, em tese, se chocam com a liberdade homossexual, será demonstrada a
sua fragilidade perante a regra da proporcionalidade.

Como visto, na aplicação da regra da proporcionalidade deve-se,


primeiramente, verificar-se a adequação da medida.

Quanto à aplicação da sub-regra da adequação às uniões homoafetivas,


perguntar-se-á: a impossibilidade do reconhecimento jurídico das uniões
homoafetivas como sendo equivalentes às uniões estáveis entre
heterossexuais – garantidas pelo § 3º do artigo 226 da CF/88 – é adequada
para o fim a que se destina?

Por outro lado: qual é o fim a que esta limitação se propõe?

Deve-se começar respondendo-se a segunda indagação.

De um modo geral, é fácil verificar quais os objetivos perseguidos com tal


tentativa de limitação. Estes objetivos são os argumentos utilizados contra a
legalização das uniões homoafetivas: a preservação da moral e dos bons
costumes; a proteção da sociedade contra uma disseminação do vírus da
AIDS; a obediência aos ordenamentos religiosos; e o impedimento da
adoção de crianças por homossexuais, na tentativa de se preservar o bom
desenvolvimento psicológico e social infantil.

Nenhum destes objetivos pode se considerado como Direito Fundamental,


mas como dito, apenas para se demonstrar a fragilidade destes
argumentos, serão considerados como sendo Direitos Fundamentais em
choque com o reconhecimento jurídico da uniões homoafetivas: o “bem
social” – quando se diz que o objetivo das limitações em análise sejam
justificadas pela preservação da moral e dos bons costumes, ou da
obediência aos ordenamentos religiosos –, a “saúde” – quando se afirma
que o objetivo desta limitação é diminuir o risco de contágio pelo vírus da
AIDS – e o de “proteção ao bom desenvolvimento da criança e do
adolescente”.

Ao analisar-se cada um destes objetivos, verificar-se-á que não existe uma


adequação da medida às diversas finalidades propostas.

Quanto à preservação da moral e dos bons costumes, facilmente se verifica


na prática que a simples proibição de reconhecimento jurídico das uniões
homoafetivas não é uma medida capaz de fomentar a preservação da moral
e dos bons costumes.

A inadequação é óbvia: mesmo não sendo a união homoafetiva reconhecida


juridicamente os homossexuais continuam, e continuarão, a se relacionarem
entre si, não resultando em qualquer alteração da moral e dos bons
costumes sociais.

A proibição em tela é absolutamente irrelevante para fomentar este


objetivo. E a prova histórica é absolutamente válida para se demonstrar
este entendimento defendido, uma vez que mesmo na Idade Média, época
onde a Igreja perseguia e condenava à morte os homossexuais, a
homossexualidade continuava existindo “às escuras”. Cite-se como exemplo
Michelangelo e Leonardo Da Vinci, que são, por alguns historiadores,
apontados como célebres homossexuais da história da humanidade.

Quanto à contaminação pelo vírus da AIDS, deve-se ter em mente que,


quando a AIDS foi descoberta, a cerca de duas décadas, a maior parte dos
casos registrados eram, realmente, de homossexuais, e acreditava-se
portanto que esta seria uma doença típica de homossexuais, uma forma de
Deus punir os que transgrediam seus ensinamentos.

Com o passar do tempo, ficou claro que esta era uma doença comum,
causada por vírus, e transmitida pelo sangue. Todos estão sujeitos a ela. Os
casos de heterossexuais contaminados cresceram, chegando-se mesmo, a
ponto de poder-se dizer que, atualmente, a maioria dos casos novos
registrados são de heterossexuais. E não se quer dizer com isso que estes
casos são de drogados ou hemofílicos, e sim de heterossexuais casados,
que não usam drogas, nem praticam relações homossexuais.

A verdade é que, aquele que mantém uma vida sexual ativa com vários
parceiros, quer seja ele homossexual ou heterossexual, está dentro do
chamado "grupo de risco", denominação esta, que, hoje já é combatida por
muitos especialistas que dizem não mais existir este "grupo de risco", e que
todos são passíveis de contaminação. Tanto é verdade esta afirmação que,
no dia 6 de setembro de 2000, a revista Istoé trouxe uma reportagem a
respeito do crescente número de casos de donas de casa infectadas pelo
vírus HIV, e que foram contaminadas pelos maridos, sendo que estes casos
representavam cerca de 57% dos casos registrados entre dezembro de
1999 e junho de 2000.

Assim, no site www.aids.gov.br, está disponível uma tabela referente aos


números oficiais do contágio pelo vírus da AIDS no Brasil, nos últimos anos,
segundo a referida tabela, em 1984, o número de homossexuais
contaminados representava 54,2% do total de casos registrados, enquanto
que o número de heterossexuais era de apenas 2,5% Em 1999, o número
relativo aos homossexuais caiu para 19,3%, enquanto que o número de
heterossexuais subiu para 29,7%, de forma que o medo do aumento da
contaminação pelo vírus da AIDS não é motivo adequado para a proibição
do reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas.

Desta forma, a proibição, ou não, do reconhecimento jurídico das uniões


homoafetivas é, também no caso da contaminação pelo vírus da AIDS,
absolutamente irrelevante.

Quanto à questão da obediência aos ordenamentos religiosos, deve-se


lembrar que, segundo inciso IV, do artigo 5º da Constituição Federal: é
garantida a liberdade de religião, não sendo possível coagir um
homossexual na tentativa de fazê-lo seguir os ensinamentos desta, ou
daquela religião.

Por outro lado, como já dito anteriormente, porquê se preocupar com o fato
de as uniões homoafetivas serem contra os textos bíblicos, quando é de
conhecimento geral que isto não foi argumento bastante para impedir-se a
legalização do divórcio?

Deve-se ter sempre em mente que Direito e Religião são – e devem


continuar sendo – coisas distintas, não sendo recomendável a submissão de
um ao outro, sob pena de repetição dos erros cometidos pela “Santa”
Inquisição.

Assim, este também é um fim que não é, de forma alguma, fomentado pelo
não-reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas.

Por fim, esta limitação também não é adequada para fomentar o outro fim a
que se destina: a proteção do bom desenvolvimento psicológico e social das
crianças.

O argumento que justifica tal afirmativa é a existência de estudos realizados


que afirmam que não existe qualquer razão para se acreditar que uma
criança criada por homossexuais terá um desenvolvimento diferente das
crianças tradicionalmente criadas por heterossexuais.
Assim, conclui-se que a proibição do reconhecimento jurídico das uniões
homoafetivas não é uma medida adequada para os fins a que se destina.

Como visto anteriormente, não seria necessária a avaliação da necessidade


da limitação aos direitos dos homossexuais, uma vez que esta não é uma
medida adequada para os fins a que se destina, mas, mais uma vez por
amor à dialética, e numa tentativa de se demonstrar cabalmente que a
proibição do reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas é
absolutamente incompatível com a regra da proporcionalidade, serão
gastas algumas palavras para se fazer a análise quanto a (des)necessidade
da medida.

No tocante às uniões homoafetivas, a sua proibição seria necessária quando


não existissem outras medidas menos danosas ao direito de liberdade
homossexual que fossem capazes de atingir o mesmo objetivo pretendido
pela referida proibição.

Assim, quais seriam os objetivos perseguidos pela limitação em análise?


Seriam os objetivos já apontados no item anterior: a preservação da moral e
dos bons costumes; a proteção da sociedade contra uma disseminação do
vírus da AIDS; a obediência aos ordenamentos religiosos; e o impedimento
da adoção de crianças por homossexuais, na tentativa de se preservar o
bom desenvolvimento psicológico e social infantil.

A desnecessidade da medida é verificada quando se percebe que, todos os


objetivos desejados podem ser, facilmente, alcançados através de
campanhas educativas, quer sejam através de campanhas publicitárias
pagas pelos cofres públicos, quer sejam por adequação de grade curricular
das escolas de nível fundamental ou médio.

O único objetivo que, talvez, não fosse alcançado através da educação, ou


de campanhas de esclarecimento é a proteção da criança e adolescente,
mas nestes casos, não surgiriam problemas que um simples
acompanhamento de psicólogos e assistentes sociais não seriam capazes
de resolver.

Assim, está, definitivamente, demonstrado que não existe necessidade de


proibição da união homoafetiva para se alcançar os objetivos desejados por
tal medida.

Apesar de não ser preciso analisar a sub-regra da proporcionalidade, isto


será feito, também com o intuito de não restarem dúvidas acerca da
incompatibilidade da proibição do reconhecimento jurídico das uniões
homoafetivas com a regra da proporcionalidade.

Assim, pela sub-regra da proporcionalidade stricto sensu, deve-se


perguntar: os ganhos com a aplicação da medida desejada justificam as
perdas causadas pela referida medida? No caso em questão: as proteções
analisadas seriam capazes de justificar o não-reconhecimento jurídico das
uniões homoafetivas e conseqüente desrespeito ao direito de liberdade dos
homossexuais?

Esta sub-regra da proporcionalidade pode ser – apesar de esta não ser


opinião do prof. Luiz Virgílio Afonso da Silva – equiparada à regra anglo-saxã
da razoabilidade, a qual diz respeito ao bom senso, à razão, à racionalidade.

Está claro que, por ser uma limitação que não se adequa às finalidades a
que se propõe, e mais, por ser uma medida desnecessária, uma vez que
existem outras medidas menos danosas aos direitos homossexuais que
sejam tão eficientes na busca destes objetivos quanto a limitação analisada,
não é razoável que esta proibição seja acolhida, estando, portanto,
demonstrada a plena incompatibilidade entre a regra da proporcionalidade
e o não-reconhecimento das uniões homoafetivas.

Mas, como dito, por amor à dialética, cumpre perguntar: mesmo que a
limitação analisada fosse necessária, seria proporcional ao dano imposto
aos homossexuais? Seria razoável, no intuito de se alcançar os objetivos
apontados, impedir o legítimo desejo de união entre duas pessoas de
mesmo sexo, as quais pretendem, em última análise, apenas serem felizes?

Qualquer pessoa de inteligência mediana responderia negativamente a tais


indagações, concluindo que a media impeditiva de reconhecimento de
uniões homoafetivas não é, nem de longe, proporcional aos danos causados
ao direito de liberdade dos homossexuais, não sendo, assim, razoável a sua
adoção por um ordenamento jurídico qualquer.

5.3 - Hipótese de exclusão de benefício incompatível com o


princípio da isonomia

A hipótese de exclusão de benefício incompatível com o princípio da


isonomia, como o próprio nome indica, e assim como a proibição de
limitações casuísticas, está diretamente ligada ao princípio de igualdade
material.

Objetivas e indubitáveis são as palavras do Ministro Gilmar Ferreira Mendes,


para quem: “Tem-se uma ‘exclusão de benefício incompatível com o
princípio da igualdade’ se a norma afronta ao princípio da isonomia,
concedendo vantagens ou benefícios a determinados segmentos ou grupos
sem contemplar outros que se encontram em condições idênticas. Essa
exclusão pode verificar-se de forma concludente ou explícita. Ela é
concludente se a lei concede benefícios apenas a determinado grupo; a
exclusão de benefícios é explícita se a lei geral que outorga determinados
benefícios a certo grupo exclui sua aplicação a outros segmentos. [...] Essa
peculiaridade do princípio da isonomia causa embaraços, uma vez que a
técnica convencional de superação da ofensa (cassação; declaração de
nulidade) não parece adequada na hipótese, podendo inclusive suprimir o
fundamento em que assenta a pretensão de eventual lesado.” (Op. cit.,
págs. 207 e 208).

Assim, o não-reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas decorrentes


da circunstância de a união homossexual não estar expressamente
abarcada pelo §3º do artigo 226 da Constituição Federal deve ser tida como
uma hipótese de exclusão de benefício incompatível com o princípio da
isonomia.

Ora, o motivo é claro: não existe qualquer diferenciação entre um casal


heterossexual em relação a um “casal” homossexual, a não ser a identidade
sexual que existe entre os membros do segundo.

Não é desconhecido o argumento de alguns doutrinadores, como por


exemplo o ilustre Miguel Reale, segundo os quais se houvesse interesse do
Constituinte de proteger tais uniões, ele teria feito de forma expressa.
Porém, tal argumento não convence, mesmo que se leve em conta outro
argumento, segundo o qual não existe, por força do princípio hermenêutico
da unidade constitucional, norma constitucional inconstitucional.

Os motivos são os seguintes: 1º) a Constituição Federal não vedou o


reconhecimento jurídico, e conseqüente proteção às uniões homoafetivas,
de forma que é absolutamente possível tal reconhecimento; 2º) o Congresso
Constituinte, que possuía membros “biônicos”, não eleitos para participar
da promulgação de uma Constituição, até tentou expressar que “ninguém
será prejudicado ou privilegiado em razão de [...] orientação sexual...”,
porém, por falta de técnica legislativa acabou por ter o texto “enxugado”,
de forma que não é possível a afirmação de que o Congresso Constituinte
não quis proteger as uniões homoafetivas; 3º) a melhor interpretação
constitucional deve ser, sempre, a sistemática, de forma a se levar em
consideração, entre tantos outros dispositivos constitucionais, o que
considera como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade
da pessoa humana (art. 1º, III); ou que constitui como objetivo da República
Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre (art. 3º, I), sem
qualquer de discriminação (art. 3º, IV); além dos direitos de igualdade e
liberdade (art. 5º, caput).

Assim, a melhor interpretação do artigo 226, §3º da Constituição Federal


deve ser no sentido de entender-se o não-reconhecimento jurídico das
uniões homoafetivas como sendo uma hipótese de exclusão de benefício
incompatível com o princípio da isonomia, estendendo-se aos “casais”
homossexuais a proteção concedida pelo referido dispositivo constitucional
àquilo que chama de “união estável entre homem e mulher”.

6.0 - Os Direitos Humanos na Constituição de 1988

A Constituição de 1988, indubitavelmente, deu ampla acolhida à idéia de


Direitos Humanos.

Além das ligações já analisadas no presente estudo, cumpre destacar outros


pontos.

João Baptista Herkenhoff – em seu livro Direitos Humanos: uma idéia,


muitas vozes onde ele estuda detalhadamente cada um dos artigos da
Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU – traça uma linha de
semelhanças entre a Constituição Federal e a Declaração de 1948, desde o
preâmbulo de ambas, e concluindo que a Constituição Federal, não só
agasalhou os valores assinalados pela Declaração da ONU, como foi mais
longe.

É claro que, como bem lembra Alexandre de Morais (Op. cit., págs. 56 et.
seq.), o preâmbulo não tem força normativa obrigatória, mas, como este
mesmo jurista bem observou, o preâmbulo constitucional “consiste em uma
certidão de origem e legitimidade do novo texto e uma proclamação de
princípios” (Ibid., pág. 57) além de que: “...o preâmbulo não é juridicamente
irrelevante, uma vez que deve ser observado como elemento de
interpretação e integração dos diversos artigos que lhe seguem.” (Ibid.,
pág. 57).

Por outro lado, como bem assinala Valério de Oliveira Mazzuoli: “Como

Fonte: Cedido pelo autor via online.

Revista Jus Vigilantibus, Sabado, 24 de janeiro de 2004

União homossexual, família e a proteção


constitucional à dignidade da pessoa humana
por Adriane Stoll de Oliveira
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.1 A FAMÍLIA.1.1 A origem do instituto;1.2 Conceito e


espécies; 1.3 A Constituição Federal de 1988 e a família; 1.4 A Família Atual;
1.5 Família e Homossexualidade. 2 PRINCÍPIOS E DIREITOS
FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. 2.1 O Direito
Desdobrado em Gerações; 2.1.1 Primeira Geração; 2.1.2 Segunda Geração;
2.1.3 Terceira Geração; 2.2 Os Direitos Humanos e a livre Opção Sexual. 3.
A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA.3.1 A Dignidade da Pessoa Humana nas Relações Homossexuais
e o Direito de Família; 3.2 A União Homossexual e a Constituição Federal de
1988. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

INTRODUÇÃO

O sistema jurídico nacional tem suportado, nas últimas décadas, inúmeras


alterações objetivando adapta-lo às constantes mudanças ocorridas em
nossa sociedade nesse período.

No presente trabalho, procuraremos elencar alguns aspectos do tema


“União Homossexual” no cenário jurídico nacional, principalmente sua
relação com a noção de Família e com o Princípio Fundamental da
Dignidade da Pessoa Humana alencados em nossa Constituição Federal.

As dificuldades de abordagem do tema são de todos conhecidas, porém o


estigma do preconceito não deve ensejar que um fato social não se sujeite a
efeitos jurídicos. As uniões homossexuais não podem ser ignoradas, pois
trata-se de uma opção pessoal que o Estado deve respeitar.

O objetivo deste trabalho é desenvolver, sem qualquer pretensão de


esgotar a matéria, algumas idéias para a reflexão sobre a
homossexualidade e o direito, a partir do princípio fundamental da
dignidade alencado em nossa Carta Magna.

Veremos a origem da família, tida como célula fundamental da sociedade e


base do Estado, primeiramente tendo como figura principal o pater famílias
e sua estrutura hierarquizada; e o moderno direito de família que tem como
objetivo a comunhão de vida, afeto e interesses em comum.

Faremos uma breve passagem de olhos sobre o catálogo de direitos


humanos inseridos em nossa Constituição que revela implicações evidentes
entre a livre expressão da sexualidade por parte de homossexuais e o
princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil. Isso para não falarmos do direito à
intimidade e à vida privada, da liberdade de expressão, do principio da
igualdade, presente não só nos direitos fundamentais do artigo 5º da
Constituição, como enunciado nos princípios fundamentais, quando elencam
como objetivo fundamental da Republica em seu artigo 3º, inciso IV
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Estes princípios estruturantes necessitam estar sempre em mira, forjando


na sociedade em geral uma verdadeira mentalidade democrática em que,
no âmbito público e na esfera da vida privada, possam ser vigas da
verdadeira democracia.
Os postulados constitucionais não podem ignorar o respeito às diversas
modalidades de orientação sexual socialmente existentes, dentre as quais a
homossexualidade se insere. Isso seja pelo respeito à vida privada e à
intimidade, seja pelo caráter plural e participativo inerentes ao Estado
Democrático de Direito delineado constitucionalmente.

A homossexualidade é um fato que se impõe e não pode ser negado,


merecendo a tutela jurídica. Acreditamos que deve haver uma mudança de
valores, abrindo espaços para novas discussões com a queda de dogmas e
preconceitos, com o surgimento de uma sociedade que terá como base o
respeito a quaisquer indivíduos.

1 A FAMÍLIA

1.1 A Origem do Instituto

Reconhecida como a “célula primordial” da sociedade, a família é objeto de


preocupação mundial, posto que fundamental para a própria sobrevivência
da espécie humana, bem como a organização e manutenção do Estado.
Evidentemente a família não é o alvo de reflexões apenas no campo
jurídico, diante de sua importância como organismo ético, religioso, moral e
social. E a visão acerca do organismo familiar deve sempre levar em
consideração o caráter nacional do Direito de Família, diante das
especificações de cada país, as diversas culturas, civilizações, regimes
políticos, sociais e econômicos, repercutindo nas relações familiares.

Segundo Orlando Gomes1 :

“A organização da família passa por importantes transformações. Novos


princípios e regras emprestam fisionomia nova ao Direito de Família, mas, ainda
assim, continua a ser a parte do direito civil que mais reclama reforma, para
atualização”.

Podemos acrescentar que as transformações também se deram no âmbito


da instituição familiar, no que se refere aos seus componentes, às
mudanças quando à natureza da relação, à função da família, seu governo.

Outrossim, no âmbito nacional, o tratamento constitucional sobre a família


não pode ser esquecido, primordialmente nos dias atuais quanto a doutrina,
à unanimidade, reconhece as profundas e relevantes mudanças que a
Constituição Federal promulgada em 1988 introduziu no contexto da família
brasileira.

A necessidade de se abordar a temática referente à família se mostra


evidente diante da constatação de que na visão atual do Direito de Família,
as relações familiares não se baseiam unicamente no casamento,
companheirismo ou no parentesco, como vinham sendo estudadas e
consideradas até então. Infelizmente há ainda aqueles que propugnam a
manutenção da união homossexual fora das considerações acerca das
relações familiares, por considerarem o casamento civil e a união estável
entre homem e mulher como os únicos institutos legítimos, formadores e
mantenedores da família. Ao analisamos o instituto da união estável,
mesmo antes da Constituição Federal em vigor, a maioria dos juristas
especializados em Direito de Família já cuidava do tema rotulando-o de
concubinato, nas obras destinadas a tal parte do Direito Civil. É certo que a
despeito da colocação topográfica do companheirismo nos escritos de
Direito de Família, os autores ressalvavam que tal instituto tinha seus
efeitos voltados ao Direito das Obrigações, ora sob o argumento da
existência de sociedade de fato com contribuições dos companheiros na
formação do patrimônio para fins de partilhamento judicial, ora sob a
justificativa de que, não havendo constituição patrimonial, a concubina
tinha direito a indenização por serviços prestados, seguindo construção dos
nossos tribunais. Orlando Gomes já havia tomado posição clara no sentido
de incluir o companheirismo como espécie de família, não apenas sob o
aspecto formal, mas também quanto aos efeitos da união extra-matrimonial
constituída e mantida:

“Deriva a família de três fontes: o casamento, o concubinato e a adoção. Diz-se,


em conseqüência, que há três espécies de família, a família legitima, a família
natural e a família adotiva. De regra, porém, o termo família usa-se para designar
a família legitima. Entende-se que somente o grupo oriundo do casamento deve
ser denominado família, por ser o único que apresenta os caracteres de
moralidade e estabilidade necessários ao preenchimento de sua função social.
Mas é forçoso reconhecer que uniões constituídas fora do casamento, à sua
imagem e semelhança, também justificam a designação e merecem proteção
jurídica”.2

Após o advento da Constituição Federal de 1988, com a previsão contida no


artigo 226, §3º, consoante a qual “para efeito da proteção do Estado, é
reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade
familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”, o Poder
Judiciário do país foi acionado, quando então várias interpretações foram
exteriorizadas. Nesse contexto, deve ser transcrito trecho do voto da
Relatora Maria Berenice Dias, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul3 :

“...
A família é reconhecida como base da sociedade, recebendo proteção especial
do Estado. O conceito de família é alargado no texto constitucional. A família é a
união estável entre homem e mulher devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento. (Pinto Ferreira, Lui. Manual de Direito Constitucional, p. 429).
O fato de outorgar à lei a obrigação de facilitar a conversão da referida união em
casamento, não subtrai da mesma a qualificação de família, merecedora de
proteção do Estado, deixando, entrever, tão-só a preferência de ser regularizada
tal situação de fato que, no entanto, na linguagem já consolidada por Pontes de
Miranda, tornou-se suporte fático suficiente para a sua integração no campo do
Direito de Família, subtraído que foi da gama obrigacional onde havia sido
acomodado pelos juristas.
Pacifico o reconhecimento de todos que atentaram para tal dispositivo
constitucional de que houve o enquadramento do instituto no Direito de Família,
assim Sérgio Gilberto Porto (Palestra proferida no curso de Direito de Família,
promovido pelo Instituto dos Advogados do Brasil, em 14.10.89) e Sérgio
Gischkow Pereira (Algumas questões de família na nova Constituição, Ajuris
45/146), com o conseqüente deslocamento da competência para o julgamento
das ações para as varas especializadas.
...”.

Vê-se, pois, que a entidade familiar prevista no texto constitucional ao se


referir ao companheirismo, há de ser analisada, pois a conclusão extraída
quanto à correta exegese do texto constitucional tem o condão de afastar
dúvidas porventura existentes, no sentido de corroborar o reconhecimento
oficial e constitucional de que as uniões fundadas no companheirismo estão
sob a égide do Direito de Família, merecendo, assim, o tratamento
adequado dentro de espaço familiar.

No Brasil, desde o início da colonização, as condições locais favoreceram o


estabelecimento de uma estrutura econômica de base agrária, latifundiária
e escravocrata. Essa situação, associada a vários fatores, como a
descentralização administrativa local, excessiva concentração fundiária e
acentuada dispersão populacional provocou a instalação de uma sociedade
do tipo paternalista, onde as relações de caráter pessoal assumiram vital
importância.

A família patriarcal era a base desse sistema mais amplo e, por suas
características quanto à composição e relacionamento entre seus membros,
estimulava a dependência na autoridade paterna e a solidariedade entre os
parentes.

De acordo com esse modelo, a família brasileira, no período colonial,


apresentava uma feição complexa, incorporando ao seu núcleo central
componentes de várias origens, que mantinham diversos tipos de relações
com o dono da casa, sua mulher e filhos legítimos. Assim, todos viviam
juntos sob o mesmo teto.
Na periferia da família patriarcal apareciam diversos indivíduos ligados ao
proprietário, por laços de parentesco, trabalho ou amizade, que, por sua
vez, definiam a complexidade do modelo, pois a composição do núcleo
central estava, até certo ponto, bem delimitada.

A anexação de outros elementos, como filhos ilegítimos ou de criação,


parentes, afilhados, serviçais, amigos, agregados e escravos, é que conferia
à família patriarcal uma forma especifica de organização, já que a
historiografia utiliza o conceito de família patriarcal como sinônimo de
família extensa.

Concentrando em seu seio as funções econômico-sociais mais importantes,


a família desempenhou um papel fundamental na sociedade colonial,
aparecendo também como solução para os problemas de acomodação
sócio-cultural da população livre e pobre.

Localizada nos primeiros séculos da história brasileira, principalmente no


ambiente rural, dispersa pelos latifúndios monocultores, condicionou seus
membros a uma certa trama de relações aparentemente estáveis,
permanentes e tradicionais. Nesse contexto era quase uma contingência
para os indivíduos de se incorporarem às famílias ou grupos de parentesco,
que funcionavam ao mesmo tempo como organizações defensivas e centros
de propulsão econômica.

O chefe da família ou grupo de parentes cuidava dos negócios e tinha por


principio preservar a linhagem e a honra familiar, procurando exercer sua
autoridade sobre a mulher, prole e demais dependentes sob sua influência.

Isso significa que, na monotonia da vida colonial voltada para o lar e


impregnada por esse familismo, o retrato da família traçado por Capistrano
de Abreu parece adequado: “pai soturno, mulher submissa, filhos
aterrados”.

A casa grande foi o símbolo desse tipo de organização familiar que se


implantou na sociedade colonial, sendo o núcleo doméstico para onde
convergia a vida econômica, social e política.

Segundo essa concepção, a Igreja, o Estado e as instituições econômicas e


sociais eram afetados e até muitas vezes controlados pela influência e
preponderância de certas famílias ao nível local.

Essa descrição de família explorada por estudiosos como Gilberto Freire e


Oliveira Vianna, embora característica para a sociedade colonial circunscrita
ao ambiente rural, desde que aceita pela historiografia foi utilizada como
um exemplo válido para toda a sociedade brasileira. Dessa maneira
confundiram-se aí vários conceitos: o de família brasileira, que passou a ser
sinônimo de patriarcal, e mesmo o de família patriarcal, que passou a ser
usado como sinônimo de família extensa. Nessa mesma perspectiva, ainda
genericamente falando, família e parentela passam a ter um significado
comum.

A análise estrutural desse mesmo modelo vem, portanto, confirmar o


anteriormente exposto, permitindo vigorar o consenso de que a família
brasileira era uma vasta parentela que se expandia, verticalmente, através
da miscigenação e, horizontalmente, pelos casamentos entre a elite branca.
Assim, a sua composição apresentava de uma forma simplificada uma
estrutura dupla: um núcleo central acrescido de membros subsidiários.

O núcleo central era composto pelo chefe da família, esposa e legítimos


descendentes (filhos e netos da linha paterna ou materna). A estrutura da
camada periférica era menos delineada, pois a absorção de membros
subsidiários tal como parentes, filhos ilegítimos ou de criação, afilhados,
amigos, serviçais, agregado e escravos; é que tornava esse modelo
complexo, já que uma mesma unidade domiciliar agrupava componentes de
várias origens.

Incorporando ainda as fileiras da família patriarcal ou extensa e sob sua


influência, por razões econômicas, políticas, ou laços de compadrio,
estavam os vizinhos (pequenos sitiantes, lavradores e roceiros) e os
trabalhadores livres e migrantes. Esses últimos grupos, embora vivendo fora
da casa grande, podem ser considerados como parcelas da camada
periférica, na medida em que projetavam em alguns níveis os mesmos tipos
de laços de dependência e solidariedade existentes entre os dois primeiros.

A anexação desses elementos e a manutenção de relações entre seus


diversos componentes estavam basicamente relacionadas com laços de
sangue, parentescos fictícios e um complexo sistema de direitos e deveres.
Dada a sua importância, a vinculação a esses agrupamentos permitia uma
maior participação política, social e econômica na ordem paternalista. E se
por um lado para esses indivíduos era interessante procurar a proteção de
uma família, para o patriarca também era importante a sua manutenção,
que significava projeção política em um tipo de sociedade em que o
prestígio era medido pela quantidade de pessoas sob a sua influência.
Cabia, portanto, estar cercado de parentes, amigos, afilhados, agregados e
escravos e manter um vasto círculo de aliados.

Esse modelo de estrutura familiar necessariamente enfatizava a autoridade


do marido, relegando à esposa um papel mais restrito ao âmbito da família.
As mulheres depois de casadas passavam da tutela do pai para a do marido,
cuidando dos filhos e da casa no desempenho da função doméstica que lhes
estava reservada. Monocultura, latifúndio e mão-de-obra escrava
reforçavam essa situação, ou seja, a da distribuição desigual de poderes no
casamento, o que conseqüentemente criou o mito da mulher submissa e do
marido dominador, também impropriamente usado como válido para toda a
sociedade brasileira até o século XIX.

Em uma análise criteriosa, em trabalhos dedicados ao estudo da família


rural brasileira pertencente às camadas abastadas, são ressaltadas as
variações quanto a estrutura e valores em função do tempo, espaço e
respectivos grupos sociais. Assim o autor Oliveira Vianna mostra uma nítida
distinção entre a organização das famílias de ricos e pobres, já que
predominavam entre esses últimos às ligações transitórias e os
concubinatos, o que, segundo o autor, seria para enfraquecer a autoridade
paterna.

Por outro lado, podemos ver a predominância nos séculos XVIII e XIX de
famílias com estruturas mais simplificadas e menor número de
componentes. Tal fato, entretanto, parece não ter alterado a intensidade
das relações familiares e a importância da família como unidade social
básica no decorrer desse período.

Isso significa que, ao estudar a família brasileira, deve-se levar em conta os


aspectos mencionados, especialmente no que tange à institucionalização do
termo família patriarcal ou extensa como sinônimo de família brasileira.

1.2 Conceito e Espécies

A palavra “família” , como instituição ou organismo, possui pluralidade de


conceituação, não apenas em decorrência da abordagem ser ínsita a uma
série de ciências humanas, como também, no universo jurídico, por força
dos variados ramos do Direito em que a mesma repercute. Da mesma
forma, a família como modalidade de agrupamento humano, sofreu
profundas mudanças no decorrer dos tempos, implicando numa mudança
de noção. Todos os estudiosos são unânimes ao considerar a família como
célula fundamental da sociedade, razão pela qual a preocupação em
conceitua-la e apontar as suas espécies sempre existiu.

Discorrendo a respeito das diversas acepções do vocábulo família, Orlando


Gomes entende que nos dias atuais o significado de grupo de pessoas que
vivem sob o mesmo teto, com economia comum não é mais empregado
para designar o organismo familiar, verbis4 :

“Em acepção lata, compreende todas as pessoas descendentes de ancestral


comum, unidas pelos laços do parentesco, às quais se ajuntam os afins. Neste
sentido, abrange, além dos cônjuges e da prole, os parentes colaterais até certo
grau, como tio, sobrinho, primo e os parentes por afinidade, sogro, genro, nora,
cunhado”.

No mesmo sentido é a orientação de Caio Mário da Silva Pereira, ao


mencionar que5 :

“Em sentido genérico e biológico, considera-se família o conjunto de pessoas


que descendem de tronco ancestral comum. Ainda neste plano geral, acrescenta-
se o cônjuge, aditam-se os filhos do cônjuge (enteados), os cônjuges dos filhos
(genros e noras), os cônjuges dos irmãos e os irmãos do cônjuge (cunhados)”.

Numa acepção mais restrita, a família consiste no grupo composto dos


cônjuges e seus filhos. Nesse grupo mais restrito se desenvolvem maiores
efeitos nas relações familiares, sendo de se destacar que sob tal
significação a família desenvolve o princípio da solidariedade doméstica, de
vida em comum e cooperação recíproca. As noções atuais sobre o vocábulo
“família”, segundo Arnoldo Wald, são diversas daquelas existentes no
Direito Romano, como segue6 :

“Atualmente, conhecemos, ao lado da família em sentido amplo – conjunto de


pessoas ligadas pelo vinculo da consangüinidade, ou seja, os descendentes de
um tronco comum - , a família em sentido estrito, abrangendo o casal e seus
filhos legítimos, legitimados ou adotivos. Alguns autores incluem no grupo
familiar os domésticos que vivem no lar conjugal”.

Para Clóvis Bevilaqua, família é7 :

“O conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da consangüinidade, cuja eficácia


se estende ora mais larga, ora mais restritamente, segundo as várias legislações;
outras vezes, porém, designam-se por família somente os cônjuges e a
respectiva progênie”.

Heloísa Helena Barboza, afirma que8 :

“O homem ao nascer torna-se integrante de uma entidade natural formada por


um grupo de pessoas que mantém um complexo de relações pessoais e
patrimoniais, qual seja, o organismo familiar – a família, mas o que realmente
configura o organismo familiar é ‘a reunião de um grupo de pessoas composto
de pais e filhos e outros parentes próximos, unificados pela convivência e
comunhão de afetos, em uma só e mesma economia, sob a mesma direção, na
feliz concepção de Ferrara”.

A família é objeto de referência expressa na legislação civil, em diversas


passagens, muitas vezes com diferentes campos de abrangência, razão pela
qual deve-se sempre ter em mente o verdadeiro alcance do vocábulo
utilizado na lei. A legislação tributária e fiscal, como bem lembra Caio Mário
da Silva Pereira9 , especialmente em matéria de imposto sobre a renda, leva
em consideração como família o marido, a mulher, os filhos enquanto
menores (ou se inválidos, ou ainda até os vinte e quatro anos de idade caso
estejam se preparando para a vida laborativa às expensas paternas) e as
filhas (enquanto solteiras).

Constata-se assim uma variedade de acepções da palavra família, sendo


possível extrair-se algumas conclusões quanto ao organismo familiar, em
geral: a família pode ser constituída pelo parentesco ou pelo casamento; o
companheirismo não é alcançado pelas definições, nem tampouco as uniões
homossexuais. A despeito de tais conclusões, a realidade fática vem
demonstrando as limitações dos conceitos apresentados pela doutrina a
respeito da família, ao excluir as situações envolvendo os companheiro e,
principalmente, as uniões de pessoas do mesmo sexo, motivo pelo qual
impende seja reformulado o conceito de família, de modo a se adequar à
realidade dos fatos, nos dias atuais.

Quanto às espécies de família, a doutrina adotava a classificação levando


em consideração a qualificação dos filhos.10 Deste modo, a família legitima
era aquela integrada pelos pais unidos pelo vínculo do casamento e pelos
filhos daí advindos, ou seja, era a família fundada única e exclusivamente
no casamento e nos efeitos daí decorrentes. Conforme advertência feita por
Orlando Gomes11 , em escrito anterior à Constituição de 1988, “as filiações,
o parentesco, o pátrio poder são ordenados para a família legitimamente
fundada”.
No outro lado situava-se a família ilegítima, produto de relações extra-
matrimoniais, diante da adoção de critério excludente: a família constituída
fora do casamento. Já se considerava com o nome de “família” a união com
aparência de casamento, revestida das características de duração e
estabilidade da relação. “Não deixam de ser a família as relações entre
concubinos e entre eles e a sua prole, regidas, atualmente, por disposições
que se assemelham às da família legitima”12 . Caio Mário se refere ainda à
denominada família adotiva, constituída através do vinculo da adoção,
gerando parentesco civil entre as partes da adoção.13

As observações feitas por Rodrigo da Cunha Pereira14 acerca de uma


conceituação não estritamente jurídica da família são de todo pertinentes
para a perfeita compreensão da realidade atual. Após citar o conhecido
psicanalista francês Jacques Lacan, o citado jurista afirma que“... podemos
dizer que a família não é natural, mas cultura. Ela não se constitui de um
macho, de uma fêmea e filhos. O elemento que funda a família é o elo
psíquico estruturante, dando a cada membro um lugar definido, uma
função”. Lembrando o vinculo da adoção como exemplificativo das
colocações feitas. Assim, é importante considerar o estabelecimento de uma
estrutura familiar, existente por si só, antes do Direito, onde o individuo se
forma, adquire capacidade de direito, submetendo-se às normas morais.

Segundo Rodrigo da Cunha, verbis15 :

“A partir do momento em que consideramos a família como estrutura, veremos


que a sua importância está antes e acima das normas que determinam sobre a
formalidade de um casamento, por exemplo. É preciso não confundir família com
casamento, noções equivocadas daqueles que afirmam que esta é constituída
pelo casamento, quando na verdade é apenas uma das formas de sua
constituição.”

Realmente, a preocupação da maioria dos juristas em se apegar a conceitos


rígidos, tradicionais, não observando as mudanças ocorridas no âmago da
sociedade, na célula básica social, não pode prevalecer em detrimento do
reconhecimento de novas noções, novos princípios que vem orientando o
mundo moderno.

O Direito não pode se furtar às transformações já realizadas e aquelas a


realizar. Desnecessário destacar o fundamental papel da doutrina e, nas
uniões homossexuais, da jurisprudência, na evolução e engrandecimento da
ciência jurídica e em matéria de família, em particular ao objeto deste
trabalho, a convivência de pessoas do mesmo sexo e sua repercussão no
ordenamento jurídico.

1.3 A Constituição Federal de 1988 e a Família

A Constituição, como lei fundamental do Estado, retrata o perfil ideológico


de um agrupamento humano (população), ocupante de um certo espaço
físico (território), submetido à autoridade instituída (governo), com objetivos
preciosos e determinados (finalidade), quais sejam, a regulamentação dos
principais aspectos da vida em sociedade. Nas palavras de José Afonso da
Silva16 :

“A Constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a


organização dos seus elementos essenciais: um sistema de estabelecimento de
seus órgãos e os limites de sua ação. Em síntese, a Constituição é o conjunto de
normas que organiza os elementos constitutivos do Estado”.

Lembrando a concepção de Hans Kelsen, segundo o qual no sentido lógico-


jurídico a Constituição significa a norma fundamental hipotética, alicerce de
todo fundamento lógico-jurídico transcendental de validade das normas de
um ordenamento, enquanto que no sentido jurídico-positivo a Constituição
consiste na norma positiva suprema, reguladora da criação de outras
normas.

Celso Ribeiro Bastos17 elenca uma série de conceitos da Constituição,


consoante o sentido que lhe é atribuído, apontando que, em sentido
“normas jurídicas”, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a
forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o
puramente substancial:

“A Constituição é um complexo de normas jurídicas fundamentais, escritas ou


não, capaz de traçar linhas mestras de um dado ordenamento jurídico.
Constituição, nesta acepção, é definida a partir do objeto de suas normas, vale
dizer, a partir do assunto tratado por suas disposições normativas”.

Esclarece que as regras e os princípios, objeto da Constituição, devem ser


aqueles relativos à estruturação do Estado, à organização de seus órgãos
supremos e à definição de competências.

Hoje em dia, o rol de matérias elencadas nos textos constitucionais vem


sendo alargado, extrapolando as questões relativas à estrutura do Estado, à
organização dos poderes, ao modo de exercício do poder e aos direitos e
garantias do homem.

Nesse sentido discorre José Afonso da Silva18 :

“As Constituições têm por objeto estabelecer a estrutura do Estado, a


organização de seus órgãos, o modo de aquisição do poder e a forma de seu
exercício, limites de sua atuação, assegurar os direitos e garantias dos
indivíduos, fixar o regime político e disciplinar os fins socioeconômicos do
Estado, bem como os fundamentos dos direitos econômicos, sociais e
culturais”.

Hans Kelsen, após cuidar da norma hipotética fundamental, adentrando na


analise da Constituição sob o contexto da estrutura escalonada do
ordenamento jurídico, observou19 :
“Da Constituição em sentido material deve distinguir-se a Constituição em
sentido formal, isto é, um documento designando como ‘Constituição’ que -
como Constituição escrita – não só contém normas que regulam a produção de
normas gerais, isto é, a legislação, mas também normas que se referem a outros
assuntos, politicamente importantes e, além disso, preceitos por força dos quais
as normas contidas neste documento, a lei constitucional, não podem ser
revogadas ou alteradas da mesma forma que as leis simples, mas somente
através de processo especial submetido a requisitos mais severos”.

Atualmente é despicienda a diferenciação entre o conteúdo materialmente


constitucional e formalmente constitucional feita em outras épocas, posto
que o critério de reforma dos preceitos constitucionais é uno, valendo para
todas as normas materiais ou formalmente constitucionais. Assim, desde
1934, observa-se que a Constituição Federal vem se preocupando com a
família brasileira, a despeito das críticas relacionadas à natureza da
matéria: extrapola o âmbito de normas materialmente constitucionais.
Heloisa Helena Barboza lembra, no entanto, que na Constituição de 1891, a
primeira da República, houve a inserção do casamento no texto
constitucional com o objetivo tão somente de reconhecer o casamento civil,
sendo que tal previsão foi repetida na Emenda de 1926.20

Nas palavras de Paolo Biscaretti di Ruffia21 :

“A Constituição italiana dedicou três artigos (29 a 31) à família, baseando toda a
regulamentação desta instituição no reconhecimento dos direitos que lhe
pertencem enquanto ‘sociedade natural fundada sobre o matrimônio’ (do qual se
deduz que a família assim tutelada é a legitima, ou seja, monogâmica; que deriva
de um matrimônio regular)”.

O autor comenta em sua obra que a estrutura interna da família se funda no


principio da igualdade moral e jurídica dos cônjuges, em decorrência da
previsão constitucional do princípio da isonomia no artigo 3º.

1.4 A Família Atual

Verifica-se uma completa reformulação do conceito da família atual, não


apenas no Brasil, mas sendo um fenômeno mundial. Em grande parte do
planeta, verifica-se que o modelo de família tradicional vem perdendo
terreno para o aparecimento de uma nova família. Esta nova família
continua sendo imprescindível como célula básica da sociedade,
fundamental para sobrevivência desta e do Estado, mas que tem como
fundamento valores e princípios diversos daqueles outrora alicerçadores da
família tradicional.

O reconhecimento constitucional, no sentido de declarar a existência de


outras espécies de família, incluído a comunidade formada por qualquer dos
pais e seus descendentes, além do companheirismo – infelizmente a carta
Magna não discorre sobre a convivência entre pessoas de mesmo sexo –
nada mais representa do que a busca incessante da adequação do
ordenamento jurídico à realidade social e cultural.
Há tempos o tratamento ministrado pelo Estado às relações entre
companheiros homossexuais deveria ter se adequado à nova realidade. Sob
esse aspecto é importante realçar a relevância do papel desempenhado
pela doutrina que, sob a liderança de alguns juristas com visão atualizada e
sensível – entre eles podemos citar a Desembargadora Maria Berenice Dias
– que tentam identificar a união homossexual como uma nova espécie de
família.

O jurista Orlando Gomes, antes mesmo da Constituição de 1988, já


anunciava a mudança dos tempos, informando que a proteção à família não
mais se resumia às disposições relativas ao matrimônio, incluindo também
referencias à família originada à margem do ato solene e formal do
casamento.

Funda-se o casamento na vontade inicial, solenemente declarada ao juiz, e


irretratável, da qual nasce, incontinenti, a família legítima, subordinadas as
relações assim criadas às normas inderrogáveis pela vontade das partes.
Mas a tendência para facilitar o divórcio, permitido pelo mútuo
consentimento em muitas legislações e favorecido pela multiplicação de
suas causas, está deslocando o fundamento do matrimônio para uma
vontade contínua. Não se regride, evidentemente, à concepção romana, que
vinculava seus efeitos à combinação de dois elementos: a convivência e a
affectio maritalis, dos quais nascia e se cimentava o mundo da família.

Caetano Lagrasta Neto comenta22 :

“Somente atingiremos a justiça se abandonarmos o formalismo neutral do


processo e enveredarmos – junto com as partes – pelo nebuloso caminho da
solidão e do limbo. Neste caminho não há lucros ou prejuízos: há a tentativa
desesperada de se atingir um ponto de repouso, que possa fazer com que uma
família retome o caminho da civilidade, (...) A igualdade entre cônjuges ou entre
homem e mulher – elevada à condição de preceito constitucional – somente
poderá ter livre trânsito nos foros se à mulher não for atribuída a carga maior na
orientação dos filhos e condução dos afazeres domésticos, com exclusividade.
Deverá ser enfatizado que deverão dividir (com os homens) as tarefas de
educação, higiene, saúde, além da orientação espiritual e ideológica, enquanto
que a mantença de um estado de beligerância revela-se fator de desagregação
familiar mais profundo e conduz a uma convivência neurótica”.

Confirma-se a visão moderna acerca das relações familiares, dissociada dos


valores antiquados, ultrapassados, materiais e patrimoniais que
prevaleceram em tempos passados.

No contexto atual não mais se pode identificar como família apenas a


relação entre um homem e uma mulher ungidos pelos sagrados laços do
matrimônio. Rompidos os paradigmas identificadores da família, que se
esteavam na tríade casamento, sexo e reprodução, necessário buscar um
novo conceito de família. Esta não se restringe ao relacionamento com o
selo da oficialidade, pois o Judiciário, ao emprestar juridicidade ao que era
chamado de concubinato, impôs ao constituinte o alargamento do conceito
de entidade familiar.

No momento em que se enlaça no conceito de família, além dos


relacionamentos decorrentes do casamento, também o que a Constituição
Federal chamou de uniões estáveis e as famílias monoparentais, mister
agregar mais um gênero de vínculos afetivos – as relações homossexuais –
que merecem ser inseridas no âmbito do Direito de Família.

Devemos salientar que o modelo moderno de conceber a família não advêm


exclusivamente do casamento, e nem poderia ser. O paradigma
contemporâneo mais tem a ver com as razões de fundo subjetivo, como o
amor e a busca da felicidade, este pressuposto não se restringe a modelos
pré-estabelecidos, pois que é grande, livre e importante demais para
enclausurar-se.

1.5 Família e Homossexualidade

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, em seu artigo “Família e


Casamento em Evolução”, citando o jurista Virgílio de Sá Pereira:

“A família é um fato natural. Não a cria o homem, mas a natureza (...) O legislador
não cria a família, como o jardineiro não cria a primavera. Fenômeno natural, ela
antecede necessariamente o casamento, que é um fenômeno legal, e também por
ser um fenômeno natural é que ela excede à moldura em que o legislador a
enquadra. Agora, dizei-me: que é que vedes quando vedes um homem e uma
mulher, reunidos sob o mesmo teto, em torno de um pequenino ser, que é fruto
de seu amor? Vereis uma família. Passou por lá o juiz, com a sua lei, ou o padre,
com o seu sacramento? Que importa isso? O acidente convencional não tem
força para apagar o fato natural. De tudo que acabo de dizer-vos, uma verdade
resulta: soberano não é o legislador, soberana é a vida. Onde a fórmula
legislativa não traduz outra cousa que a convenção dos homens, a vontade do
legislador impera sem contraste. Onde, porém, ela procura regulamentar um
fenômeno natural, ou o legislador se submete às injunções da natureza, ou a
natureza lhe põe em cheque a vontade. A família é um fato natural, o casamento é
uma convenção social. A convenção é estreita para o fato, e este então se produz
fora da convenção. O homem quer obedecer ao legislador, mas não pode
desobedecer à natureza, e por toda a parte ele constitui a família, dentro da lei, se
é possível, fora da lei, se é necessário”23

Entre nós ocidentais existem duas grandes tradições jurídicas formadoras


da concepção jurídica de família. Na Europa continental a compreensão
jurídica do termo “família” tem como base o Código de Napoleão, enquanto
que o direito da Common Law possui como base formadora o que
chamamos de “família vitoriana”.

O Código Civil Napoleônico mostra a configuração jurídica entre a família e o


modelo de Estado. Foi instaurada entre a família e o Estado uma forte
conexão, sendo assinalado a família uma relevância política e a função de
formação dos futuros cidadãos e proprietários.

A ordem pública seria fundada sobre a ordem privada, a ordem social sobre
a ordem doméstica, a grande pátria sobre a pequena. Esta regulamentação
procedia-se segundo certas opções normativas, entre as quais são
salientados o reforço drástico do poder marital, a supremacia absoluta da
família legítima, a condição jurídica submissa da mulher e a criminalização
do adultério feminino. Além disso, a família repousava em uma disciplina
machista do pátrio poder sendo, ainda, reforçada por seu controle público.
Este poder-dever orientava-se para a consecução de fins públicos, daí a
possibilidade da intervenção estatal sempre que não fosse desempenhado
adequadamente.

A família jurídica caracterizada institucionalmente por este modelo, deve ser


vista como uma entidade fechada que pode ser considerada em si mesma,
sendo permanente no tempo, sendo que ocorra uma transformação de seus
elementos individuais, voltada para a consecução de objetivos econômicos
e afetivos internos e para a realização de finalidades externas e superiores,
sendo estas relacionadas com a manutenção e o progresso de toda a
sociedade.

Seguindo-se esta análise, não nos causa qualquer surpresa a negativa


absoluta de consideração da união entre pessoas do mesmo sexo no que
pertine ao direito de família, pois não há espaço para a aceitação de
qualquer espécie de relacionamento conflitante com o padrão estabelecido
para a família tradicional.
No contexto apresentado, não seria possível a existência de espaço
institucional para as uniões entre pessoas do mesmo sexo, pois elas
contrariam a lógica formadora da família juridicamente constituída. Sendo
que esta contradição não se limita aos rumos da economia e de suas
necessidades, a homossexualidade atinge também ditames religiosos
importantes.

Se na tradição jurídica do conceito de família não havia espaço para a


concretização das uniões de pessoas do mesmo sexo, na segunda metade
do século XX abrem-se novas perspectivas resultantes das transformações
que podem ser verificadas na sociedade e na evolução do Direito.

Na segunda metade do século XX, com as profundas mudanças na


organização familiar, diversas inovações legislativas foram pouco a pouco
alterando o modelo institucional hierárquico fundado no patriarcado. Dentre
estas mudanças podemos citar a igualdade entre os cônjugues e o divórcio.

Instaurou-se um novo tipo de relação familiar que privilegiava a satisfação


afetiva de ambos os cônjugues, informado pelas aspirações de intimidade e
reciprocidade no seio familiar, a chamada “família fusional”.
Com o passar do tempo, em meados da década de 80, este modelo familiar
alterou-se ainda mais configurando o que chamamos de “família pós-
moderna”, com a caracterização do predomínio da individualidade dos seus
membros sobre a comunidade familiar.24

Para o adequado conhecimento do atual Direito de Família, a percepção


dessas mudanças é de suma importância, pois este dinamismo culminou,
em nosso ordenamento jurídico, com a promulgação da Constituição da
República em 1988, onde foram inseridas diversas normas a respeito da
família.

Com esta evolução, devemos frisar a superação da visão que subordinava a


dinâmica familiar à consecução de determinados fins sociais e estatais,
estabelecidos no interior de uma única e determinada cosmovisão estatal.
Em virtude desta nova disciplina constitucional, pode-se conferir ao
ordenamento jurídico a abertura e a mobilidade que a dinâmica social lhe
exige, sem a rigidez de um modelo único que não contemple a pluralidade
de estilos de vida e de crenças que existem atualmente.

Os pilares da família moderna tem como fundamento as relações de


solidariedade e afeto, que vai além da função de reprodução, sustento e
educação dos filhos por esta gerados. Nota-se a existência de uma
valorização do direito pessoal dos membros da família sobre o direito
patrimonial.

Os filhos ou a capacidade procriativa não são mais fundamentais para que o


relacionamento entre duas pessoas mereça a proteção legal, deste modo,
não possui justificativa o fato de se deixar ao desabrigo do conceito de
família a união entre pessoas que possuem o mesmo sexo.

A base do moderno Direito de Família é o affectio maritalis (mútua


assistência afetiva), sendo sem sombra de dúvida possível encontrar este
núcleo em parceiros homossexuais. O que os difere dos casais senão a
diversidade de sexos? Dito como elemento essencial das relações entre
pessoas, o afeto é um aspecto do direito à intimidade garantido pela
Constituição Federal em seu artigo 5º, X. Ainda que se quisesse considerar
indiferentes ao Direito os vínculos de afeto que aproximam as pessoas, são
eles que geram os relacionamentos, que por sua vez, geram as relações
jurídicas.

A affectio maritalis supõe algo mais que o sentimento de afeto recíproco


entre os companheiros e menos que o vínculo conjugal na relação
matrimonial. Consiste na vontade específica de firmar uma relação íntima e
estável de união, compartilhando as vidas e os bens. Pressupõe uma
espontânea solidariedade dos companheiros em partilhar as
responsabilidades que naturalmente derivam da vida em comum.
O fato de se estabelecer uma autêntica affectio maritalis entre pessoas do
mesmo sexo não configura uma comunidade familiar? A união entre
pessoas do mesmo sexo, tendo como objetivo a comunidade de vida de
interesses, não merece o mesmo reconhecimento do Direito que tem as
uniões entre heterossexuais?

O Direito não regula os sentimentos dos indivíduos, mas sim as uniões que
agregam afetos a interesses em comum, que ao terem relevância jurídica,
merecem proteção legal, não importando se seus parceiros são hetero ou
homossexuais, deste modo, todos os vínculos que tem o afeto como base
são merecedoras da proteção do Estado.

O Estado para opor-se ao reconhecimento das relações homossexuais,


afirma que a base da sociedade moderna é a família heterossexual, assim
nega sua proteção a uniões entre pessoas do mesmo sexo, sob o
fundamento de que desvalorizaria o sentido social do sexo, tido como o fim
da vida familiar.

O Direito se encrava às uniões associadas ao afeto e a interesses comuns,


tornando crucial a proteção integral da família, independentemente da
orientação sexual de seus componentes.

O atual Direito de Família exige a superação do paradigma da família


tradicional, reconhecendo novos valores e novas formas de convívio nas
relações familiares contemporâneas. Não pode ser esquecido que o respeito
à dignidade da pessoa humana também se dá por intermédio do
reconhecimento da pertinência das uniões entre pessoas do mesmo sexo no
âmbito do Direito de Família.

2 PRINCÍPIOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO


FEDERAL DE 1988

A expressão “Princípios Fundamentais” do Título I da Constituição Federal


exprime a noção de “mandamento nuclear de um sistema”. A palavra
“princípio” também existe com o sentido de começo ou de início.

Os princípios fundamentais integram o Direito Constitucional positivo, aonde


se traduzem em normas fundamentais sendo que estas explicitam as
valorações políticas fundamentais do legislador constituinte. Estes princípios
visam, na sua essência, definir e caracterizar a coletividade política e o
Estado e numerar as principais opções político-constitucionais.

Já a expressão “Direitos Fundamentais do Homem” designa, no nível do


direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que concretizam em
garantias de uma convivência digna, livre e igual entre todas as pessoas. Na
palavra “fundamentais” acha-se a indicação de que se trata de situações
jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, convive ou mesmo
sobrevive. Tais direitos devido à sua natureza, são inalienáveis,
imprescritíveis e irrenunciáveis.

Firmando a Constituição Federal de 1988 a existência de um estado


democrático de direito, tende à realização dos direitos e liberdades
fundamentais.

O núcleo do atual sistema jurídico é o respeito à dignidade da pessoa


humana, que ocupa no inciso III do artigo 1º uma posição privilegiada no
texto constitucional.

O inciso I do artigo 5º estabelece que homens e mulheres são iguais em


direitos e obrigações, e o inciso IV do artigo 2º consagra a promoção do
bem de todos sem preconceitos de sexo.

A proibição da discriminação sexual, eleita como cânone fundamental,


alcança a vedação à discriminação da homossexualidade, pois diz com a
conduta afetiva da pessoa e o direito de opção sexual.

A identificação da orientação sexual está condicionada à identificação do


sexo da pessoa escolhida em relação a quem escolhe, e tal escolha não
pode ser alvo de tratamento diferenciado. Se alguém dirige seu interesse a
outra pessoa, ou seja, opta por outrem para manter um vinculo afetivo, está
exercendo sua liberdade.

O fato de direcionar sua atenção a uma pessoa do mesmo sexo, ou de sexo


diverso do seu não pode ser alvo de discriminação. O tratamento
diferenciado por alguém sentir atração por um ou outro sexo, nada sofrendo
se tender a unir-se a pessoa do sexo oposto ao seu ou recebendo o repúdio
social por dirigir seu desejo a pessoa do mesmo sexo, evidencia uma clara
discriminação à própria pessoa em função de sua identidade sexual.

Se todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, aí


está incluída, por óbvio, a opção sexual que se tenha.

Nesse sentido já se posicionaram as Cortes Supremas do Canadá, Estados


Unidos e Havaí: a discriminação por orientação sexual configura
discriminação sexual.

Diverso é o tratamento da homossexualidade a depender do nível do


desenvolvimento cultural dos Estados. Dinamarca, Suécia e Noruega
possuem leis que concedem à parceria os mesmos direitos das pessoas
casadas, só havendo impedimento à adoção. A Constituição da África do
Sul, de 1996, foi a primeira que expressamente proibiu a discriminação em
razão da opção sexual. A França, Austrália e alguns Estados americanos,
além da descriminalização proíbem medidas discriminatórias, sem adotar
iniciativas positivas. Já nos países islâmicos, o homossexualismo é
reconhecido como crime, podendo ser punido com pena de morte.

No Brasil, tramita a Proposta de Emenda à Constituição nº 139/95, da ex-


Deputada Marta Suplicy, de alteração dos artigos 3º e 7º da Constituição
Federal, para incluir a proibição de discriminação por motivo de orientação
sexual.

Podemos então afirmar, que os direitos fundamentais são os interesses


jurídicos previstos na Constituição Federal e que o Estado deve respeitar e
proporcionar às pessoas a fim de que elas tenham uma vida digna.

Dentro do conteúdo dos direitos fundamentais devem ser incluídos todos os


direitos necessários para a garantia de uma vida humana digna, sejam eles
direitos individuais, políticos, sociais e de solidariedade.

A Constituição Federal de 1988, como instrumento instituidor do Estado


Democrático de Direito, enuncia, após declinar os princípios e objetivos
fundamentais da República, os direitos e liberdades fundamentais. Dentre
eles, citamos a liberdade e a igualdade, sem os quais jamais se pode
sustentar a dignidade da pessoa humana, princípio fundamental veiculado
no artigo 1º, inciso III.

2.1 O Direito Desdobrado em Gerações

Usando uma expressão de Norberto Bobbio, vivemos em plena “era dos


direitos”, pois nunca se falou tanto em direitos fundamentais, direitos
humanos e universalização dos direitos. Passou-se a discutir em todos os
lugares a necessidade do respeito à esses direitos, cuja violação gera
retaliações e severas sanções por parte de organismos internacionais. A
nossa Constituição Federal elegeu o respeito à dignidade da pessoa humana
como seu dogma maior, com fundamento nos princípios da igualdade e
liberdade.

Em 26 de agosto de 1789, na França, foi editada a “Declaração dos Direitos


do Homem e do Cidadão”. O uso da expressão “declaração” evidencia que
os direitos enunciados não são criados ou instituídos, mas meramente
“declarados”, pois são direitos já existentes, que provêm da natureza
humana, sendo assim direitos naturais, abstratos e universais.

2.1.1 Primeira Geração

O núcleo dos direitos fundamentais, chamados primeiramente de “direitos


individuais”, configura a primeira geração de direitos, tendo como objetivo a
preservação da liberdade individual e a busca de uma postura não-
intervencionista, verdadeira imposição da obrigação de não-fazer ao Estado.
Esta visava a libertação do absolutismo de um ou de alguns sobre todos.
Inicialmente, na área política, para livrar do absolutismo do monarca e seus
agentes, aos quais se opõe a liberdade individual irrestrita, o absolutismo da
individualidade, que somente pode ser restringida pela lei, expressão da
vontade geral, estritamente em função do interesse comum.

A primeira geração de direitos humanos, cujo objetivo maior é alcançar a


igualdade formal entre os indivíduos, abrange os direitos fundamentais e as
liberdades clássicas individuais. A primeira geração identifica-se com o
direito à liberdade e com as liberdades de expressão coletiva, como
liberdade de reunião e de associação, por exemplo.

2.1.2 Segunda Geração

A segunda geração, voltada para as relações sociais, em que a


desigualdade se acentua por um fator econômico, físico ou de qualquer
outra natureza, identifica-se com o direito à igualdade. Continua o indivíduo
sujeito dos direitos fundamentais. Porém, não mais como individualidade
abstrata e absoluta, mas como integrante de uma categoria social em
concreto. Tais direitos parciais garantem uma prestação do Estado a
determinados indivíduos, a fim de promover a igualdade social, ou como
disse Rui Barbosa “a verdadeira igualdade, que não consiste em tratar
igualmente os desiguais, mas em tratá-los desigualmente na medida em
que se desigualam”.

A segunda geração tendo por escopo a igualdade material abarca os


chamados direitos sociais, aqui entendidos como direitos a prestações
concretas. Tais como os elencados no artigo 6º da Constituição Federal de
1988.

Os direitos econômicos, sociais e culturais que foram positivados a partir da


Constituição de Weimar de 1919, cobram atitudes positivas do Estado,
obrigações de fazer, com a finalidade de promover a igualdade entre as
partes ou categorias sociais desiguais. Não a mera igualdade formal de
todos frente à lei, mas a igualdade material de oportunidades, ações e
resultados, protegendo e favorecendo juridicamente os hipossuficientes em
relações sociais específicas.

2.1.3 Terceira Geração

Os direitos de terceira geração sobrevieram à Segunda Guerra Mundial,


reagindo aos extermínios em massa da humanidade praticados na primeira
metade do século XX, tanto por regimes totalitários como democráticos. Na
medida em que o gênero humano se mostrou técnica e moralmente capaz
de se auto destruir, voltaram-se os olhos para garantir a humanidade contra
ela própria.

Então os direitos humanos internacionalizaram-se com a finalidade de


reconstruir paradigmas éticos e restaurar o respeito à dignidade da pessoa
humana pelo implemento de todas as condições gerais e básicas que lhe
sejam necessárias. Diante desse possível extermínio, se conclama a
solidariedade de todos os indivíduos e categorias da sociedade humana.

No processo crescente da socialização do Estado contemporâneo, a


evolução do Estado Liberal para o Estado Social de Direito faz imperiosa a
conscientização de todos da indispensável participação ativa de cada
indivíduo, esse dever é um encargo de todos e de cada um perante cada um
e diante de todos.

Com esse passo a evolução dos direitos humanos atinge seu ápice, a sua
plenitude subjetiva e objetiva. São direitos humanos plenos, de todos os
sujeitos contra todos os sujeitos, para proteger tudo o que condiciona a vida
humana, fixados em valores ou bens humanos como patrimônio da
humanidade, segundo padrões de avaliação que garantam a existência com
a dignidade que lhe é própria.

Deste modo a terceira geração de direitos, tem como titulares grupos,


povos, etnias; seu espectro de proteção, os direitos difusos e coletivos,
como o direito ao meio ambiente equilibrado e ao patrimônio histórico e
cultural.

2.2 Os Direitos Humanos e a Livre Opção Sexual

Nos dizeres de Maria Berenice Dias:

“São direitos que compõem a dignidade pessoal e constituem a condição


humana, cuja valoração resulta nos valores fundantes da humanidade.
A evolução dos direitos atinge o seu ápice, a sua plenitude subjetiva e objetiva.
São direitos humanos plenos, de todos os sujeitos contra todos os sujeitos, para
proteger tudo que condiciona a vida humana, fixados em valores ou bens
humanos, patrimônio da humanidade, segundo padrões de avaliação que
garantam a existência com a dignidade que lhe é própria.”25

Ao serem visualizados os direitos de forma desdobrada em gerações, é de


se reconhecer que a sexualidade é um direito do primeiro grupo, do mesmo
modo que a liberdade e a igualdade, pois compreende o direito à liberdade
sexual, aliado ao direito de tratamento igualitário, independente da
tendência sexual. Trata-se assim, de uma liberdade individual, um direito do
indivíduo como todos os direitos de primeira geração, inalienável e
imprescritível. É um direito natural, que acompanha o ser humano desde
seu nascimento, pois decorre de sua própria natureza.

Também não se pode deixar de considerar a livre orientação sexual como


um direito de segunda geração, por dar origem a uma categoria social que
deve ser protegida, sendo considerada hipossuficiente. Quando se fala em
hipossuficiente, tende-se a pensar em hipossuficiência econômica, mas esta
não deve ser identificada somente nesta ordem. Devem ser reconhecidos
como hipossuficientes o idoso, a criança, o deficiente, o negro, o judeu, a
mulher, pois ela como as demais categorias de hipossuficientes, sempre foi
alvo da discriminação social.

A hipossuficiência sendo social, por reflexo, também é jurídica.

Os homossexuais não podem ser deixados de serem incluídos como


hipossuficientes, pois mesmo quando possuem uma condição econômica
suficiente, eles são socialmente e juridicamente hipossuficientes.

Igualmente o direito à sexualidade avança para ser inserido como um


direito de terceira geração. Esta compreende os direitos decorrentes da
natureza humana, mas não tomados individualmente, porém
genericamente, a fim de realizar toda a humanidade, integralmente,
abrangendo todos os aspectos necessários à preservação da dignidade
humana. Entre eles não se pode deixar de ver a presença do direito do ser
humano de exigir o respeito ao livre exercício da sexualidade. É um direito
de todos e de cada um, que deve ser garantido a cada indivíduo por todos
os indivíduos. É um direito de solidariedade, sem cuja implementação a
condição humana não se realiza, não se integraliza.

A sexualidade é elemento integrante da própria natureza humana, seja


considerada individualmente ou genericamente. Sem liberdade sexual, sem
o direito ao livre exercício da sexualidade, o indivíduo não se realiza,
restando marginalizado, do mesmo modo quando lhe falta qualquer outro
direito fundamental.

É totalmente descabido pensar em sexualidade com preconceitos, com


conceitos fixados pelo conservadorismo do passado e engessados para o
presente e futuro. As relações humanas não compactuam com preconceitos
que ainda se encontram encharcados da ideologia discriminatória, própria
de um tempo ultrapassado pela história da sociedade humana. Este é o
papel fundamental da doutrina e da jurisprudência, que necessitam
desempenhar seu papel de agentes transformadores dos conceitos antigos
da sociedade.

Como as relações heterossexuais, as relações homossexuais são relações


afetivas, enquanto não existir legislação que trate especificamente da
relação homossexual, deve-se aplicar a legislação pertinente aos vínculos
familiares, perfeitamente aplicável as uniões homossexuais.

Indispensável se reconhecer que os vínculos afetivos entre pessoas do


mesmo sexo são muito mais do que meras relações homossexuais. Na
verdade estas configuram uma categoria social que não pode mais ser
discriminada ou marginalizada pelo preconceito, mas sim, deve ser cuidada
pelos conceitos do Direito, sob pena deste falhar como Justiça. O Estado
deve dar juridicidade aos cidadãos que tem direito individual à liberdade,
direito social a uma proteção positiva do Estado e, acima de tudo, direito à
felicidade.

Imperioso reconhecer que a garantia do livre exercício da sexualidade


integra as três gerações de direitos, porque está relacionada com os
fundamentais postulados da igualdade, da liberdade e da solidariedade. As
gerações de direitos servem para alcançar a realização de todos os
cidadãos, havendo necessidade de que as relações homossexuais não
sejam excluídas do mundo jurídico.

Podemos citar também juntamente com a liberdade de expressão, como


garantia do exercício da liberdade individual, a segurança da inviolabilidade
da intimidade e da vida privada.

A exigência de respeito aos relacionamentos homossexuais pode-se


socorrer no princípio do respeito à dignidade humana, sendo que os pilares
que dão efetividade aos direitos humanos, são os princípios da liberdade e
da igualdade (dispostos no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de
1988), declara-se que os homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações, sendo estabelecida como objetivo fundamental do Estado a
promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 5º, inciso I, e
artigo 3º, inciso IV).

3 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Ingo Wolfagng Sarlet26 , conceitua a dignidade da pessoa humana como:

“A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do


mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,
implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que
assegurem à pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e
desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para
uma vida saudável, além da própria existência e da vida em comunhão com os
demais seres humanos”.

O princípio jurídico da proteção da dignidade da pessoa humana tem como


núcleo essencial à idéia de que a pessoa humana é um fim em si mesma,
não podendo ser instrumentalizada ou descartada em função das
características que lha conferem individualidade e imprimem sua dinâmica
pessoal. O ser humano, em virtude de sua dignidade, não pode ser visto
como meio para a realização de outros fins.

Vladimir Brega Filho, em sua obra “Direitos Fundamentais da Constituição


de 1988”, citando Paulo Bonavides afirma que:

“Escreve Paulo Bonavides que a ‘Velha Hermenêutica’ conferia aos princípios


caráter meramente programático, retirando deles a normatividade. A inserção
dos princípios na Constituição faz com que ocorra uma ‘revolução de
juridicidade’ e os princípios gerais transformam-se em princípios
constitucionais. Os princípios passam a ter caráter normativo e passam a
informar todo o sistema constitucional.
(...)
Dessa forma, ao serem inseridos nas Constituições, os princípios deixam de ser
consideradas normas destituídas de eficácia. Mesmo tendo o caráter de normas
programáticas, de declarações, de exortações, terão eficácia, pois servirão de
critério de interpretação e darão coerência ao sistema.”27

Nota-se, então, que o usuário da lei terá por obrigação interpretar a


Constituição observando o princípio da dignidade da pessoa humana, ou
seja, qualquer interpretação que não garanta a dignidade humana, deverá
ser tido como inconstitucional.

O reconhecimento da dignidade da pessoa humana é elemento central da


sociedade que caracteriza o conceito de Estado Democrático de Direito, que
promete aos indivíduos, muito mais que a abstenção de invasões ilegítimas
de suas esferas pessoais, a promoção positiva de suas liberdades.

A interpretação constitucional deve ter como ponto de partida os princípios


constitucionais, devendo-se partir do princípio maior que rege a matéria em
questão, e logo após, para o mais genérico, depois o mais específico, até
que seja encontrada a regra concreta que irá orientar a espécie.

O núcleo do sistema jurídico em vigor é o respeito à dignidade humana,


tendo por base os princípios da liberdade e da igualdade. A Constituição
Federal, em seu artigo 3º, inciso IV, assegura fundamentalmente a
promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação. A proibição da
discriminação sexual alcança a vedação à discriminação da
homossexualidade, porém, na maioria das vezes, estes princípios
constitucionais não são suficientes para assegurar o respeito à livre
orientação sexual.

A proteção constitucional da dignidade da pessoa humana está inscrita


como um dos fundamentos da ordem jurídica inaugurada com a
promulgação da Constituição da República de 1988. Este dado normativo
revela o caráter de centralidade da dignidade da pessoa humana diante de
outros conceitos, formulações ou idéias jurídicas, trata-se da valorização
superlativa do principio, eleito como fator fundante e motivador, em larga
escala, de toda a normatização atinente à esfera da vida juridicizada.

Assim sendo, a valorização da dignidade da pessoa humana como elemento


fundamental do Estado Democrático de Direito revela-se postulado da
consciência geral no atual estágio do desenvolvimento histórico da
humanidade e do ordenamento jurídico brasileiro, bem como dado
normativo ce
Fonte: Fevereiro de 2004. Cedido pela autora via online.

Revista Jus Vigilantibus, Sexta-feira, 30 de julho de 2004

PENSÃO POR MORTE – UMA VISÃO PARADIGMÁTICA

Tendo como ponto de partida a visão paradigmática acerca deste instituto, devemos,
primeiramente, estabelecer que a nossa Carta Constitucional constituiu em Estado
Democrático de Direito a República Federativa do Brasil (Art. 1º CR/88). E, em sendo assim,
toda análise do direito deve ter como pano de fundo justamente este contexto.

Neste sentido, analisaremos a pensão por morte a partir de uma visão paradigmática. Para
tanto, tomaremos como parâmetro três situações, sendo elas: a igualdade entre homens e
mulheres, a manutenção do benefício em caso de novas núpcias e a união homoafetiva. Muito
embora estejam disciplinadas e garantidas pela CR/88, ainda que implicitamente, bem como a
partir de uma interpretação teleológica da mesma, tais situações, na esfera previdenciária,
assumem conotações distorcidas e, na maioria das vezes, sem embasamento jurídico algum.

No que tange ao primeiro caso – igualdade entre homem e mulher para percepção do benefício
-, este talvez, dentre os três, seja o que possui menor grau de complexidade. Talvez, isto se
deva justamente ao fato de que o texto constitucional, de maneira expressa, assegurou esta
igualdade para o recebimento do benefício da pensão por morte (Art. 5º, caput c/c art. 201, V
CR/88). Neste sentido, tendo sido o segurado acometido da contingência morte, os
dependentes deste (art. 16, Lei 8.213/91) farão jus ao referido benefício, independentemente
de serem inválidos ou não.

Passando à situação seguinte, pode-se afirmar categoricamente que, para a grande maioria
das pessoas, existe uma informação equivocada acerca dos fatos em análise.
Corriqueiramente, o que vemos e presenciamos a todo o momento, é uma completa
paralisação das informações no tempo. Ocorre que, a partir da promulgação da Lei 8.213/91,
pôs-se fim à velha história de se perder o benefício em caso de um dos cônjuges virem a
contrair novas núpcias. Hodiernamente, a viúva que contrai novo casamento ou vive em união
estável, não perde o direito à pensão que recebe pelo falecimento de seu ex-marido, exceto se
da nova união derivar alteração econômica para melhor e, conseqüentemente, tornar
desnecessário o pensionamento. Nesta última hipótese, deve ser oportunizado à beneficiária
prévio contraditório a permitir-lhe comprovar que do novo casamento não resultou melhoria na
sua situação econômico-financeira.

Casar-se novamente, portanto, não tira o direito da mulher de receber pensão por morte do
primeiro marido, desde que ela possa provar que a nova união não melhorou sua situação
econômico-financeira, tornando dispensável o pagamento do benefício. 4

Ademais, a posição da magistratura é clara no enunciado da Súmula 170, do extinto Tribunal


Federal de Recursos: "Não se extingue a pensão previdenciária, se do novo casamento não
resulta melhoria na situação econômico-financeira da viúva, de modo a tornar dispensável o
benefício”.

Nos termos do art. 619 da Instrução Normativa nº 118, de 14 de abril de 2005, hoje vigente,
que baliza os atos do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS -, no tocante ao pagamento
de proventos previdenciários, “é vedada a percepção cumulativa da pensão mensal vitalícia
com qualquer outro benefício de prestação continuada mantido pela Previdência Social,
ressalvada a possibilidade de opção pelo benefício mais vantajoso”. Nestes termos, aquele que
for beneficiário da pensão por morte, caso case-se novamente, manterá o direito de percepção
referente ao mesmo. Entretanto, caso venha a falecer o novo cônjuge, o beneficiário não
poderá cumular tais proventos, podendo optar pelo benefício mais vantajoso.

Por fim, no que se refere à união homoafetiva5, embora esta não esteja expressamente prevista
na Constituição de 1988, implicitamente ela encontra-se assegura pela Carta Constitucional,
inclusive no que se refere ao benefício em comento. Tal assertiva tem como fundamento,
primeiramente, o direito e garantia fundamental da igualdade de todos perante a lei, esculpido
no art. 5º deste mesmo diploma.

Além disso, o art. 226, §3º do mesmo texto, reconhece a união estável como entidade familiar a
ser tutelada pelo Estado. Embora o mesmo diploma faça menção expressão à união entre
homem e mulher, ao tomar por base o já mencionado art. 5º, bem como o fundamento máximo
da CR/88, que é a promoção da dignidade humana, inserida neste dispositivo, implicitamente,
está a entidade familiar homoafetiva. Portanto, ao se estabelecer o direito à pensão por morte
ao cônjuge ou companheiro e dependentes, o inciso V do art. 201 CR/88, consequentemente,
incluiu aí a união homoafetiva.

Igual entendimento encontra-se, inclusive, pacificado na jurisprudência de nossos tribunais.

RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE.


RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO
BENEFÍCIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. PARTE LEGÍTIMA. Em que pesem as alegações
do recorrente quanto à violação do art. 226, §3º, da Constituição Federal, convém
mencionar que a ofensa a artigo da Constituição Federal não pode ser analisada por
este Sodalício, na medida em que tal mister é atribuição exclusiva do Pretório Excelso.
Somente por amor ao debate, porém, de tal preceito não depende, obrigatoriamente, o
desate da lide, eis que não diz respeito ao âmbito previdenciário, inserindo-se no
capítulo ‘Da Família’. Face a essa visualização, a aplicação do direito à espécie se fará
à luz de diversos preceitos constitucionais, não apenas do art. 226, §3º da Constituição
Federal, levando a que, em seguida, se possa aplicar o direito ao caso em análise. 5 -
Diante do § 3º do art. 16 da Lei n. 8.213/91, verifica-se que o que o legislador
pretendeu foi, em verdade, ali gizar o conceito de entidade familiar, a partir do modelo
da união estável, com vista ao direito previdenciário, sem exclusão, porém, da relação
homoafetiva. 6- Por ser a pensão por morte um benefício previdenciário, que visa suprir
as necessidades básicas dos dependentes do segurado, no sentido de lhes assegurar
a subsistência, há que interpretar os respectivos preceitos partindo da própria Carta
Política de 1988 que, assim estabeleceu, em comando específico: " Art. 201- Os planos
de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a: [...] V -
pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e
dependentes, obedecido o disposto no § 2 º. "7 - Não houve, pois, de parte do
constituinte, exclusão dos relacionamentos homoafetivos, com vista à produção de
efeitos no campo do direito previdenciário, configurando-se mera lacuna, que deverá
ser preenchida a partir de outras fontes do direito. 8 - Outrossim, o próprio INSS,
tratando da matéria, regulou, através da Instrução Normativa n. 25 de 07/06/2000, os
procedimentos com vista à concessão de benefício ao companheiro ou companheira
homossexual, para atender a determinação judicial expedida pela juíza Simone
Barbasin Fortes, da Terceira Vara Previdenciária de Porto Alegre, ao deferir medida
liminar na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, com eficácia erga omnes. Mais
do que razoável, pois, estender-se tal orientação, para alcançar situações idênticas,
merecedoras do mesmo tratamento 9 - Recurso Especial não provido.6

Data Publicação: 06/05/2010

UNIÃO HOMOAFETIVA PODE SER RECONHECIDA COMO UNIÃO ESTAVEL?

A união, para ser reconhecida como status de entidade familiar, valorizada e em várias situações
equiparada ao casamento, são exigidos o atendimento de quatro requisitos fundamentais: que a
convivência seja duradoura, seja pública, seja contínua, e finalmente, que a união tenha o objetivo de
constituir família.
Com isso a Lei 9.278/96, conjugou no artigo 1º é reconhecida como entidade familiar a convivência
duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de
constituição de família. O objetivo principal do legislador é prestigiar a família salvaguardando a
entidade familiar.

Do mesmo modo o código Civil, estabelece no artigo 1.723: é reconhecida como entidade familiar a
união estável entre homem e mulher, configurada na convivência pública, continua, e duradoura e
estabelecida como objetivo de constituir família.

A jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, estabelece para efeitos de direitos reais,
como seguro, previdência a possibilidade de serem alcançados como se fossem uma sociedade
familiar.

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2007/0256562-4 Relator(a)


Ministro ARI PARGENDLER (1104) Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA Data do
Julgamento 02/09/2008 Data da Publicação/Fonte DJe 05/11/2008 Ementa PLANO DE SAÚDE.
COMPANHEIRO. "A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a
inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica" (REsp nº 238.715, RS,
Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ 02.10.06). Agravo regimental não provido.
Acórdão Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os
Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar
provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros
Nancy Andrighi, Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator(1).

Assim entendendo que o casamento nada mais é do que um contrato, onde as partes convencionam
um dever de coafetividade, poderia ate se considerar a união homoafetiva, com estável. A razão
disso esta solidificado na própria constituição de 1988, em seu Art. 5º Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição;

Por outro lado se seguirmos a risca a sistemática da Lei 9.278/96, não encontraríamos amparo a
solidificar todos os requisitos da união estável, aja vista que por razões sistemáticas a própria
sociedade, ainda mantém certos pudores com relação a homoafetividade, razão por qual inexiste
todos os requisitos, (.convivência pública, continua, e duradoura e estabelecida como objetivo de
constituir família).

O primado é exigência da convivência, seja duradoura, ou contínua, tem a finalidade de não deixar
dúvida quanto aos relacionamentos eventuais, de curta duração e que não estão protegidos pela Lei.
A falta de publicidade do relacionamento, por outro lado, conduz a convicção de que se trata de
aventura furtiva, em que ambos sabem não ter consistência e que não pode, por conseqüência,
ensejar uma esperança de compromisso. Subterfúgios indica pelo menos a intenção de um
relacionamento mais sério.

Antes de enfrentar a questão propriamente dita, vale registrar os ensinamentos a respeito da


sociedade de fato, segundo as lições de Álvaro Villação Azevedo, em sua obra denominada Estatuto
da Família de Fato, na qual cita julgado do Desembargador José Carlos Barbosa Moreira, do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

O benefício econômico não se configura apenas quando alguém aufere rendimentos, senão
igualmente quando deixa de fazer despesas que, de outra maneira, teria de efetuar (Apelação Cível
38.956/85). E assim deve ser, porque o esforço comum, que caracteriza a sociedade de fato, pode ser
representado por qualquer forma de contribuição: pecuniária ou através de doação de bens materiais,
ou ainda por meio de prestação de serviços. Este sem dúvida, o sentido que o Código Civil
brasileiro, ao definir o contrato de sociedade, empresta a locução 'combinar esforços ou recursos
para lograr fins comum' (art. 1.363). Como é de primeira evidência, a expressão 'esforços ou
recursos' abrange todas as formas ou modalidades de contribuição para um fim comum. (f. 472)

Adiante, nas fls., 473 da mesma intitulada obra conclui o autor:

Pondere-se, neste ponto, que, provada a sociedade de fato, entre os conviventes do mesmo sexo, com
aquisição de bens pelo esforço comum dos sócios, está presente o contrato de sociedade,
reconhecido pelo art. 1.363 do Código Civil, independente de casamento ou de união estável, pois
celebram contrato de sociedade as pessoas que se obrigam, mutuamente, a combinar seus esforços
pessoais e/ou recursos materiais, para a obtenção de fins comuns. Grifei. (FILHO, Manoel
Gonçalves Ferreira. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Ed. Saraiva. 3.ª Edição. São
Paulo. 2000.)

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, quando oportunizada a
tecer comentários sobre a matéria, o fez, todavia declinando incisivamente apenas acerca das varas
residuais a competência para analisar o feito.

19.11.2009:Quinta Turma Cível: Conflito de Competência - N. 2009.023830-7/0000-00 - Campo


Grande. Relator- Exmo. Sr. Des. Luiz Tadeu Barbosa Silva Suscitante -Juiz de Direito da 16ª Vara
Cível da comarca de Campo Grande.Suscitado -Juiz(a) de Direito da 2ª Vara de Família da comarca
de Campo Grande.Intdos -Adenilson Batista Paes e outro. Advogado -Abel Nunes Proença Júnior. E
M E N T A - CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - UNIÃO HOMOAFETIVA - JUÍZO
DE FAMÍLIA - COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA - AVOCAÇÃO DA JUIZA DA
VARA DE FAMÍLIA - PERDA DE OBJETO - RECURSO NÃO CONHECIDO. Não se conhece
do conflito, por perda de objeto, se o juízo que inicialmente declinou da competência avoca o
processo para empreender sua marcha normal.A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os juízes da Quinta Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de
julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do
voto do relator. Decisão com o parecer. Campo Grande, 19 de novembro de 2009.Des. Luiz Tadeu
Barbosa Silva - Relator

Conquanto frágil o sistema, legal já vem admitindo certas benéfices, como direito patrimonial para
fins de seguro, e previdência, deixando de lado a questão familiar, conforme se denota pelo acórdão
transcrito abaixo:

REsp 395904 / RS RECURSO ESPECIAL 2001/0189742-2 Relator(a) Ministro HÉLIO QUAGLIA


BARBOSA (1127) Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA Data do Julgamento 13/12/2005 Data da
Publicação/Fonte DJ 06/02/2006 p. 365 RIOBTP vol. 203 p. 138 Resumo Estruturado
LEGITIMIDADE, MINISTÉRIO PÚBLICO, INTERVENÇÃO, COMO, PARTE PROCESSUAL,
EM, AÇÃO JUDICIAL, CONTRA, INSS / HIPÓTESE, PEDIDO, AUTOR, BENEFÍCIO,
PENSÃO POR MORTE, ORIGEM, RELACIONAMENTO, HOMOSSEXUAL / DECORRÊNCIA,
EXISTÊNCIA, DIREITO FUNDAMENTAL; NECESSIDADE, PROTEÇÃO, INTERESSE
SOCIAL, E, INTERESSE INDIVIDUAL INDISPONÍVEL; OBSERVÂNCIA, DIREITO À
IGUALDADE. POSSIBILIDADE, COMPANHEIRO, SEGURADO, RECEBIMENTO, PENSÃO
POR MORTE, INSS / HIPÓTESE, EXISTÊNCIA, COMPROVAÇÃO, RELACIONAMENTO,
HOMOSSEXUAL, COM, DEPENDÊNCIA, ENTRE, COMPANHEIRO, E, SEGURADO /
DECORRÊNCIA, ARTIGO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, REFERÊNCIA, PENSÃO POR
MORTE, NÃO, EXCLUSÃO, UNIÃO ESTÁVEL, RELACIONAMENTO, HOMOSSEXUAL;
CARACTERIZAÇÃO, MATÉRIA, NATUREZA PREVIDENCIÁRIA; EXISTÊNCIA,
PORTARIA, INSS, REGULAMENTAÇÃO, CONCESSÃO, BENEFÍCIO, COMPANHEIRO,
HOMOSSEXUAL; NECESSIDADE, OBSERVÂNCIA, DIREITO FUNDAMENTAL, DIREITO À
IGUALDADE; OBSERVÂNCIA, DOUTRINA, E, JURISPRUDÊNCIA, STF, E, STJ. (VOTO
VISTA) (MIN. PAULO MEDINA) POSSIBILIDADE, CONCESSÃO, PENSÃO POR MORTE /
DECORRÊNCIA, INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA, LEI DE BENEFÍCIOS DA PREVIDÊNCIA
SOCIAL; OBSERVÂNCIA, DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL, REFERÊNCIA, DIREITO À
IGUALDADE.
Constatando as partes tinham uma relação baseada no afeto e confiança mútuos, e não simplesmente
relação negocial, em que o patrimônio de ambas confundia-se, merece a relação duradoura se
equiparada a UNIÃO ESTAVEL , claro, intitulada como celebração de contrato de sociedade de
fato, na qual se obrigaram, mutuamente, a combinar seus esforços pessoais e/ou recursos materiais
para a obtenção de fins comuns.

Em função disso o nosso Estado de Mato Grosso do Sul, já pronunciou, conforme julgado proferido
pela Quarta Turma Cível, na Apelação Cível N. 2005.017442-7/0000-00 - enfrentada pelo Exmo. Sr.
Des. Elpídio Helvécio Chaves Martins como se demonstra o julgado por nos colecionado:

AÇÃO DE COBRANÇA - UNIÃO HOMOAFETIVA - RELAÇÃO EQUIVALENTE A


SOCIEDADE DE FATO - CONFUSÃO PATRIMONIAL - DÍVIDA CONTRAÍDA EM
BENEFÍCIO DA SOCIEDADE - RECURSO IMPROVIDO. Não se pode exigir comprovante de
pagamento de dívida contraída entre as partes, porquanto estas tinham uma relação baseada no afeto
e confiança mútuos, equivalente a uma celebração de contrato de sociedade de fato, e não
simplesmente negocial, em que o patrimônio de ambas confundia-se e se obrigaram, mutuamente, a
combinar seus esforços pessoais e/ou recursos materiais para a obtenção de fins comuns. A C Ó R D
à O Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Quarta Turma Cível do Tribunal
de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, negar provimento ao
recurso. Unânime. Campo Grande, 26 de setembro de 2006.Des. Elpídio Helvécio Chaves Martins -
Relator

E função disso, a convivência familiar resguardada pelo código civil, tem como escopo principal a
guardião da família enquanto mantenedora do próprio Estado. A União, quer seja afetiva, Estável, ou
Homoafetiva, quando redobrada de cuidados inseridos pela própria exegese da norma constitucional,
não deve adstringir a preconceitos.

Digo isso porquanto, a vontade do legislador, é sempre proteger a família, se ambos as pessoas
dividem o bem comum, para a sociedade (tanto homem quanto mulher) são sócios. O fato de suas
preferências sexuais não pode ser objeto de recusa ao reconhecimento de direitos, ainda que de
forma precária, é necessário que se resguarde por respeito ao próprio direito que como toda
sociedade esta em constante ebulição.

Portanto, embora, o Estado não regulamentou a união homoafetiva, não podemos eximir que
diversas vezes o relacionamento, angaria patrimônio, bens e, comum construídos pelos
companheiros. Com isso reconhecer ou não a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade
familiar, não mitigara as relações familiares, tão pouco, o patrimônio.

Por seu turno a nossa Constituição Federal, consagra, em seu artigo 1.º, o princípio da basilar da
Dignidade da Pessoa Humana positivado em nosso ordenamento jurídico a necessidade do respeito
ao ser humano, independente da sua posição social ou dos atributos que possam ser imputados pela
sociedade. Nesta senda é necessário ressaltar o acalorado manifesto do professor Alexandre de
Morais, em sua renomada obra "O princípio fundamental consagrado pela Constituição Federal da
dignidade da pessoa humana apresenta-se em dupla concepção. Primeiramente, prevê um direito
individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em
segundo lugar, estabelece verdadeiro dever de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. Este
dever configura-se pela exigência de o indivíduo respeitar a dignidade de seu semelhante tal qual a
Constituição federal exige que lhe respeitem a própria. A concepção dessa noção de dever
fundamental resume-se a três princípios do Direito Romano: honestere vivere (viver honestamente),
alterum non laedere (não prejudicar ninguém) e suum cuique tribuere (dê a cada um o que lhe é
devido) (grifos nossos)". (Moraes, 2002. p. 129)

No mesmo norte foi à aclamada decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Rio Grande do
Sul, no acertado julgamento por nos colecionado:
Rio Grande do Sul - EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE
UNIÃO ESTÁVEL ENTRE HOMOSSEXUAIS. PROCEDÊNCIA. A Constituição Federal traz
como princípio fundamental da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre,
justa e solidária (art. 3.º, I) e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3.º, IV). Como direito e garantia
fundamental, dispõe a CF que todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza
(art. 5.º, caput). Consagrando princípios democráticos de direito, ela proíbe qualquer espécie de
discriminação, inclusive quanto a sexo, sendo incabível, pois, discriminação quanto à união
homossexual. Configurada verdadeira união estável entre a autora e a falecida, por vinte anos, deve
ser mantida a sentença de procedência da ação, na esteira do voto vencido. Precedentes. Embargos
infringentes acolhidos, por maioria. (TJRS - EI 70030880603 - 4º G. Cív., Rel. Des. José Ataídes
Siqueira Trindade, j. 14.08.2009).

Comunga desse mesmo entendimento o mestre Manoel Gonçalves Ferreira Filho, "Dignidade da
pessoa humana. Está aqui o reconhecimento de que, para o direito constitucional brasileiro, a pessoa
humana tem uma dignidade própria e constitui um valor em si mesmo, que não pode ser sacrificado
a qualquer interesse coletivo." (Ferreira Filho, 2000. p. 19).

Corolário a esse preceito constitucional, em seu art. 5.º, inciso I, a constituição avocou o princípio da
isonomia legal entre homens e mulheres, o que importa em aceitamos, a lei é defeso instituir
tratamento desigual entre pessoas que se encontrem em mesma situação fática e/ou jurídica, por
simbiose é imperativo da própria segurança jurídica reconhecermos a validade da união
homoafetiva. Partindo desse entendimento, a oitava câmara cível do Egrégio Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul, reconheceu a união homossexual a partir do estudo sistemático da
própria constituição esteio máximo de nossa sociedade jurídica.

"EMENTA: Homossexuais. União Estável. Possibilidade jurídica do pedido. É possível o


processamento e o reconhecimento de união estável entre homossexuais, ante princípios
fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive
quanto ao sexo, sendo descabida discriminação quanto à união homossexual.(grifos nossos) E é
justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em
nosso país, destruindo preceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade científica
da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas,
para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e coletividades, possam
andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos. (grifos nossos)
Sentença desconstituída para que seja instruído o feito. Apelação provida.. (9 FL S) (Apelação Cível
Nº 598362655, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des José Ataídes Siqueira
Trindade., Julgado em 01/03/00)"

Outro não é o seguimento dos demais tribunais, se não vejamos:

Rio Grande do Sul - UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO. PARTILHA DE BENS


SEGUNDO O REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL. DIREITO À MEAÇÃO. APLICAÇÃO
DOS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA
IGUALDADE. ANALOGIA. PRINCÍPIO DA BOA FÉ OBJETIVA. Constitui união estável a
relação de fato entre duas mulheres, consistente na convivência pública e ininterrupta pelo período
de cinco anos, com o objetivo de formação de família, observados os deveres de mútua assistência,
lealdade, solidariedade e respeito. A homossexualidade é um fato social que acompanha a história da
humanidade e não pode ser ignorada pelo Judiciário, que deve superar preconceitos para aplicar a
tais relações de afeto efeitos semelhantes aos que se reconhecem a uniões entre pessoas de sexos
diferentes. Aplicação dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, além da
analogia, dos princípios gerais de direito e da boa-fé objetiva, na busca da concretização da justiça.
Possibilidade de partilha dos bens amealhados durante o convívio, de acordo com as normas que
regulamentam a união estável, utilizado como paradigma supletivo para evitar o enriquecimento sem
causa. (RS - 1ª Vara de Família e Sucessões de Alvorada - Proc. 003/1.07.0001956-8 - Ação de
Dissolução de União Estável - Juíza de Direito Evelise Leite Pâncaro da Silva - j. 13.01.2009).
Sentença Rio Grande do Sul - APELAÇÃO. UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO DE
UNIÃO ESTÁVEL. A união homossexual merece proteção jurídica, porquanto traz em sua essência
o afeto entre dois seres humanos com o intuito relacional. Uma vez presentes os pressupostos
constitutivos, de rigor o reconhecimento da união estável homoafetiva, em face dos princípios
constitucionais vigentes, centrados na valorização do ser humano. Via de conseqüência, as
repercussões jurídicas, verificadas na união homossexual, em face do princípio da isonomia, são as
mesmas que decorrem da união heterossexual.Negaram provimento ao apelo, por maioria. (TJRS -
AC 70021085691, 8ª C. Cív., Rel. Des. Rui Portanova, j. 2007.10.04).

Rio Grande do Sul - Ação de reconhecimento e dissolução de união homoafetiva. Desnecessidade de


dilação probatória quando a ré reconhece a procedência do pedido. Reconhecido pela ré a existência
da união homoafetiva entre as partes, não há justificativa para dilação probatória. Agravo provido,
por maioria, vencido o Relator. (TJRS - AC 70019391861, 7.ª C.Cív., Rel. Desª. Maria Berenice
Dias, j. 18.07.2007).

Minas Gerais - Ação Ordinária. União Homoafetiva. Analogia. União estável protegida pela
Constituição Federal. Princípio da igualdade (não-discriminação) e da dignidade da pessoa humana.
Reconhecimento da relação de dependência de um parceiro em relação ao outro, para todos os fins
de direito. Requisitos preenchidos. Pedido procedente. À união homoafetiva, que preenche os
requisitos da união estável entre casais heterossexuais, deve ser conferido o caráter de entidade
familiar, impondo-se reconhecer os direitos decorrentes desse vínculo, sob pena de ofensa aos
princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. O art. 226, da Constituição Federal não
pode ser analisado isoladamente, restritivamente, devendo observar-se os princípios constitucionais
da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Referido dispositivo, ao declarar a proteção do
Estado à união estável entre o homem e a mulher, não pretendeu excluir dessa proteção a união
homoafetiva, até porque, à época em que entrou em vigor a atual Carta Política, há quase 20 anos,
não teve o legislador essa preocupação, o que cede espaço para a aplicação analógica da norma a
situações atuais, antes não pensadas. A lacuna existente na legislação não pode servir como
obstáculo para o reconhecimento de um direito. (TJMG - AC 21.0024.06.930324-6/001(1), Rel. Des.
Heloisa Combat , j. 22.05.2007).

Rio de Janeiro - Família. União estável. Pessoas do mesmo sexo. Relação homoafetiva. Artigo 3º,
inc. IV, da CF. A Constituição Federal é expressa no sentido de que constitui objetivo fundamental
da República a promoção do bem de todos, tornando defeso qualquer tipo de preconceito ou
discriminação ligada a condições que sejam inerentes à pessoa humana. (TJRJ, AC 2006.001.06195,
Rel. Des. Marco Antonio Ibrahim, j. 04.07.2006).

Posto isso para concluir, ao enfrentar essa celeuma, devemos compreender, o ordenamento jurídico
brasileiro não disciplina expressamente a respeito da relação afetiva estável entre pessoas do mesmo
sexo. Da mesma forma, a lei brasileira não proíbe a relação entre duas pessoas do mesmo sexo.
Logo, está-se diante de lacuna do direito.

In casu, ocorrendo a colmatação da lacuna, cumpre recorrer à analogia, aos costumes e aos
princípios gerais de direito, detrimento ao renomado art. 126 do CPC e art. 4º da LICC. Na busca da
melhor analogia, o instituto jurídico, não é a sociedade de fato. A melhor analogia, no caso, é a com
a união estável. O par homossexual não se une por razões econômicas. Tanto nos companheiros
heterossexuais como no par homossexual se encontra, como dado fundamental da união, uma
relação que se funda no amor, sendo ambas relações de índole emotiva, sentimental e afetiva.

Na aplicação dos princípios gerais do direito a uniões homossexuais se vê protegida, pelo primado
da dignidade da pessoa humana e do direito de cada um exercer com plenitude aquilo que é próprio
de sua condição. Somente dessa forma se cumprirá à risca, o comando constitucional da não
discriminação por sexo. Numa análise perfuctória aos costumes não pode discrepar do projeto de
uma sociedade que se pretende democrática, pluralista e que repudia a intolerância e o preconceito.
Pouco importa se a relação é hétero ou homossexual. Importa que a troca ou o compartilhamento de
afeto, de sentimento, de carinho e de ternura entre duas pessoas humanas são valores sociais
positivos e merecem proteção jurídica.

Dito isso porquanto, o reconhecimento de que a união de pessoas do mesmo sexo geram as mesmas
conseqüências previstas na união estável. Negar esse direito às pessoas por causa da condição e
orientação homossexual é limitar em dignidade a pessoa que são. A união homossexual no caso
concreto. Uma vez presentes os pressupostos constitutivos da união estável (art. 1.723 do CC) e
demonstrada a separação de fato do convivente casado, de rigor o reconhecimento da união estável
homossexual, em face dos princípios constitucionais vigentes, centrados na valorização do ser
humano. Via de conseqüência, as repercussões jurídicas, verificadas na união homossexual, tal como
a partilha dos bens, em face do princípio da isonomia, são as mesmas que decorrem da própria união
heterossexual. (TJRS - AC 70021637145, 8.ª C. Cív., Rel. Des. Rui Portanova, j.13.12.2007).

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MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. Ed. Atlas
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http://www.consumidorbrasil.com.br/consumidorbrasil/textos/familia/uniao.htm#Uni%C3%A3

http://www.amaerj.org.br/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=228

http://blog.redel.com.br/leisetribunais/2007/10/29/stj-alimentos-responsabilidade-dos- -avos-
obrigacao-complementar -e-sucessiva-interpretacao-do-art-1698-do-novo-codigo-civil/

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http://www.jurisway.org.br/v2/cursoonline.asp?id_curso=653&pagina=13&id_titulo=8588

http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=uni
%E3o+homoafetiva&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3441
Nota

(1)http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=uni
%E3o+homoafetiva&&b=ACOR&p=true&t=&l=10

A família homoafetiva: a transformação da relação homossexual em união estável em


função (ou apesar) da lacuna da lei

Autor:Sandra Reis da Silva

Texto extraído do Boletim Jurídico - ISSN 1807-9008


http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1962

SUMÁRIO

1-Introdução; 2- Algumas recentes, progressivas e importantes conquistas; 3- A união


estável: uma renovação do conceito de família; 4- As dificuldades do reconhecimento
da relação homossexual; 5- A família homoafetiva: transformação da relação
homossexual em união estável; 6- A ausência de lei especial; 7- Conclusão;
Referências.

1. Introdução

A incessante luta dos homossexuais para adquirir o direito ao reconhecimento e


regulamentação das suas relações homoafetivas refere-se a tema que não mais pode ser
apresentado como pouco abordado pela área jurídico-acadêmica, vez que se trata de
assunto que tem despertado a atenção de muitos estudiosos da matéria, interessados em
oferecer sugestões de como preencher as omissões identificadas na lei.
E por existirem essas lacunas nas normas vigentes é que reiteradamente são elaborados
trabalhos sobre o tema, de tal forma que esses acadêmicos buscam lançar focos –
apresentados sob a ótica própria e muitas vezes isolada de seu autor – que, certamente,
têm em comum a intenção de que possam, somados, formar um amplo feixe de luz
sobre a questão e, espera-se, seja indicado o caminho a ser adotado para a grande
conquista.
Prova maior disso são algumas atuais explanações que se pode colher em textos
riquíssimos que a doutrina especializada tem apresentado, fruto de interpretações
sintetizadas das mais diversas conclusões doutrinárias e até mesmo jurisprudenciais que
têm sido ventiladas sobre a matéria, o que tem contribuído para freqüentemente
acrescentar à sua já importante coleção de expressivas vitórias, as representadas por
essas pequenas porém significativas conquistas.
Tem-se consciência de que ainda não se logrou o sucesso da batalha maior que seu
incansável exército de defensores tem travado, mas sabe-se também que, além deles,
outros tantos – por motivos muitas vezes meramente técnicos e jurídicos, portanto,
absolutamente diversos do caráter pessoal dos que seriam diretamente beneficiados pela
conquista pela qual se luta – têm se empenhado em encontrar soluções jurídicas capazes
de transformar esse tema em algo definitivamente já ultrapassado.
2. Algumas recentes, progressivas e importantes conquistas

Para o foco que se quer dar ao presente estudo, decerto não se faz necessário um
aprofundamento maior do que será aqui apresentado 1, no qual pretendemos demonstrar
o suficiente para expor o quanto a legislação pátria tem apresentado evoluções
importantes, ainda que lentas e de pequena monta.
Portanto, na narrativa que faremos neste capítulo nos limitaremos à breve demonstração
de um parcial histórico das evoluções dos textos de dois importantes Códigos: o Civil e
o Penal – evidentemente, à luz da Constituição Federal. E será através desse panorama
que se pretende pinçar alguns poucos, porém marcantes exemplos acerca das recentes e
progressivas conquistas alcançadas, independentemente de sermos homens ou mulheres,
quando mostrar-se-á suficiente que sejamos juridicamente reconhecidos como aqueles
seres que alcançaram a condição civil de pessoa2 , pois que todos somos iguais perante
a lei, sem distinção de qualquer natureza3.
Iniciemos pelo Código Civil Brasileiro, contudo não o Código vigente, nascido da Lei
nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 e que entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003;
mas o Código Civil Brasileiro ainda à época da vigência da Lei nº 3.071, de 1º de
janeiro de 1916; e percebe-se logo no seu art. 2º uma pista de um dos muitos motivos
que o levou a ser modificado, pois que patente o caráter discriminatório do seu teor.
Ocorre que essa é uma concepção que temos hoje, despertada não há muito tempo e que
somente presenciou o fim da vigência do texto discriminatório quando nos
aproximávamos de vermos completadas nove décadas da data em que passou a vigorar.
Contudo, à época em que entrara em vigor, não há dúvida de que se tratava da mais
atual e vanguardista das leis brasileiras, com expressões que atendiam perfeitamente à
cultura patriarcal da época.
Assim, quando lemos na sua redação original que “todo homem é capaz de direitos e
obrigações na ordem civil”, parece-nos óbvia a necessidade de alteração para a forma
atual, a qual consta do art. 1º do novo Código Civil que se limitou a substituir a
expressão homem por pessoa, quando se deixa simplesmente de subtender que por
homem pretendia o legislador referir-se ao ser humano, pelo que passou a lhe conferir
melhor designação genérica: pessoa.
Seguindo a mesma linha preconceituosa de uma sociedade patriarcal – como
naturalmente se esperaria de qualquer sociedade que, ainda com os pudores
remanescentes da cultura Imperial do final do século XIX, buscasse preservar os seus
valores éticos e morais – o revogado parágrafo único do art. 36 do Código Civil de 1916
determinava que “a mulher casada tem por domicílio o do marido”, apesar de ser tão
comum àquela época como o é nos dias atuais, independentemente do imóvel onde
ambos residissem ser adquirido pelo esforço comum ou, ainda, trazido pela mulher para
integrar o seu patrimônio pessoal, mas que seria usufruído por ambos – acaso adotado o
regime convencional de comunhão parcial de bens 4.
E aliás, em se tratando de bens trazidos pela mulher, é interessante fazer-se referência
ao extinto regime dotal, outrora previsto nos arts. 278 a 311 do Código de 1916.
A impressão que se tem é que à proporção que cresce a numeração dos artigos em
comento, aumenta o nível de preconceito neles contido, a exemplo do art. 219, IV 5 e de
todo o Capítulo VI, compreendido pelos arts. 379 a 3956 do Código de 1916 que, não
fugindo à regra, discriminavam a mulher permitindo ao marido que requeresse a
anulação do casamento acaso descobrisse ter sido enganado quanto ao nível de pureza
da sua esposa. Mas, se tudo corresse como o marido esperava – ou seja, se sua esposa
tivesse se guardado para a noite de núpcias – e o casamento prosseguisse, então o
homem sobre ela e os filhos legítimos, legitimados, os legalmente reconhecidos e os
adotivos exerceria todo o pátrio poder, pois que o parágrafo único do art. 380 previa
que “divergindo os progenitores quanto ao exercício do pátrio poder, prevalecerá a
decisão do pai”.
Entendendo suficiente o panorama comparativo apresentado entre os textos vigente e
revogado do Código Civil, busca-se arrematar o objetivo pretendido trazendo à
evidência apenas três artigos do Código Penal Brasileiro, a saber os arts. 215, 216 e 240,
quando os dois primeiros tiveram alteradas suas redações em função da discriminatória
utilização da expressão mulher honesta; enquanto o terceiro foi completamente
revogado, deixando o adultério de ser considerado como crime.
Para melhor comentar o teor discriminatório da expressão mulher honesta, faz-se
necessário que os acima referidos artigos do Código Penal sejam complementados com
um outro artigo do revogado Código de 1916: o art. 1.548. Afinal, para tratar dos atos
tidos como delituosos praticados contra a honra da mulher, o artigo 1.548 do Código de
1916 previa que "a mulher agravada em sua honra tem direito a exigir do ofensor, se
este não puder ou não quiser reparar o mal pelo casamento, um dote correspondente à
sua própria condição e estado: se, virgem e menor, for deflorada; se, mulher honesta,
for violentada, ou aterrada por ameaças; se for seduzida com promessas de casamento;
ou se for raptada”.
Observe-se que o Código esmerou-se em zelo ao acenar com ameaça de estabelecer um
valor correspondente ao dote como indenização, o que, à época, era medida eficaz, pois
que era notório o conhecimento de que se fazia por onde fosse cumprida. E, ainda, que a
expressão mulher honesta, para a realidade dos costumes da época em que eram
vigentes esses preceitos legais, repercutia mais como um predicativo do que o atual tom
discriminatório que passa a assumir.
E, por fim, deixar o adultério de ser crime beneficiou tanto aos homens como as
mulheres. Entretanto, não se pode deixar de observar quanto a prevalência na ineficaz
ameaça de punição ao homem por relacionar-se com outra mulher, mesmo em plena
constância do casamento – em função da sociedade política e juridicamente patriarcal,
fundada em conceitos e tendências machistas.
Ou seja, há de se reconhecer que foram representativas as conquistas que as mudanças
produzidas nos Códigos Civil e Penal7 trouxeram para a sociedade, como um todo.
Assim, se no contexto geral satisfatória foi sua recepção, no que se refere à tutela das
relações convivenciais muitos foram os progressos, particularmente no que se refere à
possibilidade de legitimação das relações outrora ilegítimas.
E há que se reconhecer, ainda, que absolutamente impossível seria prosseguirmos –
como até mesmo o seria iniciar – esse presente estudo, o qual se propõe tratar dos
direitos civis de indivíduos civil, penal e constitucionalmente reconhecidos, protegidos
e respeitados como pessoas, sem que trouxéssemos à luz flashes do suporte que a
Constituição Federal e o Código Penal conferem ao Código Civil, no que se apresentará
a seguir.
Isto posto, “permissa vênia”, requer possam aqui ser apropriada e necessariamente
combinados os dispositivos constitucionais com os civis, de forma a que se obtenha
harmônico resultado interpretativo da norma.

3. A união estável: uma renovação do conceito de família

Ainda em processo de enumeração acerca de algumas das recentes, progressivas e


importantes conquistas que nossa legislação nos trouxe, não se pode, em absoluto,
deixar de trazer a comento o reconhecimento da união estável como segunda forma
legalmente reconhecida de vínculo familiar – permanecendo o casamento como a
primeira delas.
A previsão legal da união estável consta dos arts. 1.723 a 1.727 do novo Código Civil,
estes combinados com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.
Mas, mesmo o ordenamento jurídico tendo acolhido a união estável como nova forma
legítima de reconhecimento de constituição familiar, em princípio a sociedade – ainda
não acostumada com a legalização da relação outrora não prevista pela norma –
somente conseguia reconhecê-la tal e qual pode-se encontrar definido pela doutrina:
como forma de concubinato puro, sendo as relações não eventuais entre o homem e a
mulher impedidos de casar 8 tidas como concubinato impuro.
Ou seja, o reconhecimento da união estável como forma de entidade familiar – apesar
de trazer enormes benefícios sociais, morais e até mesmo patrimoniais para os casais
que passaram a usufruir as garantias legais que o reconhecimento das suas relações
passou a ter assegurados com a nova norma – não consegue disfarçar seu caráter
discriminatório, quando não se consegue deixar de subentende que a omissão serviu
apenas para não se fazer uso dos sinônimos popularmente empregados de amante,
amásia, passando o Código Civil a denominar as partes como concubinos ou
companheiros e, conforme o § 3º do art. 226 da Constituição Federal, “devendo a lei
facilitar sua conversão (da união estável) em casamento”.
Se a união estável, para efeito da proteção do Estado, passa a ser reconhecida como
entidade familiar, então por que deve existir a sua transformação em casamento? Se o
Estado assegura direitos e confere proteção, qual a necessidade do casal evoluir a sua
relação, convertendo-a em casamento? A união estável, afinal, seria uma entidade
familiar plena, perfeita o bastante para ser reconhecida e assegurada pelo Estado, ou
apenas um estágio para o casamento, a instituição familiar consagrada desde os
primórdios da sociedade civil?
Alheios a isso, os casais que puderam colher da norma que instituiu a legalidade da
união estável os frutos da segurança jurídica e do reconhecimento social, obtendo a
garantia da estabilidade da relação e todas as repercussões que isso traz, pouco se
preocupam com a orientação do § 3º do art. 226 da Constituição Federal.

4. As dificuldades do reconhecimento da relação homossexual

Resultado de muitos séculos da exacerbada proteção que o Estado teve com a instituição
do casamento – sempre orientado pela Igreja – fez com que este fosse elevado ao
“status” de única forma lícita de constituição familiar, chegando-se ao extremo da
sociedade compartilhar os conceitos maliciosos que se procurou imputar ao
concubinato, transformando-o em elemento estranho ao direito, portanto incapaz de
produzir efeitos jurídicos.
Paralelamente a esse denso clima de preconceitos, encontramos o estigma do adúltero –
ou, ainda pior e mais pecaminoso, o da adúltera. Referia-se a conceito tipificado como
delito pelo Código Penal e tutelado conjuntamente pela Igreja e pelo Estado.
Entretanto, acalmadas as tensões resultantes das intensas transformações sociais,
políticas e culturais que a humanidade vivenciou, ao longo de séculos; e tendo sido
aplacadas as perseguições até mesmo inquisitórias às condutas estigmatizadas como
pecaminosas e nocivas à moral e aos bons costumes, encontramo-nos na
contemporaneidade do respeito aos direitos humanos universais, ratificados por uma
Constituição cidadã e um novo Código Civil que conseguiu retificar no texto do seu
antecessor inúmeros marcos preconceituosos – mas não todos.
Nesse ambiente propício às novas conquistas é que os homossexuais saem das sombras
da obscuridade, do anonimato que os pudores e preconceitos os empurravam e passam a
reunir forças para argüir o direito de se fazerem presentes na rotina da sociedade,
passando a conviver lado a lado com cidadãos como eles, capazes inclusive de
estabelecer-se familiarmente.
Com isso, lancemo-nos à análise de um outro tipo de união afetiva que sempre foi
genericamente discriminada pela sociedade: as relações homossexuais, também
denominadas relações homoafetivas ou homoeróticas.
Da mesma forma que não se pode ignorar que se por um lado há um notável
descompasso entre as evoluções que podem ser inquestionavelmente apontadas no
Direito Civil como um todo e, em especial, no que se refere ao Direito de Família; de
outro lado, não se pode negar a existência de algumas outras formas de entidades
familiares – famílias apenas de fato, e não de direito – insistentemente mantidas
marginalizadas à inclusão de seu reconhecimento no ordenamento jurídico,
representadas por famílias formadas por duas pessoas do mesmo sexo.
Ocorre que, inegavelmente, as pessoas que se apresentam em uniões homossexuais
ainda conseguem provocar sensação de afronta à sociedade, apesar de serem uma
realidade social datada de tempos remotos. O que se pensaria como argumento para
tentar justificar essa dificuldade para com o caráter normal que os homossexuais
procuram conferir às suas relações é que, afinal, o comportamento considerado como
sendo normal, ideal e aceito não apenas pela sociedade brasileira, mas em todas as
demais sociedades contemporâneas, são as relações homem-mulher. Há, então, pruridos
conservadoristas ante a presença de um casal formado por homem-homem ou mulher-
mulher e, infelizmente, não se pode censurar aos que ainda não se acostumaram com
essa realidade que se nos vem sendo apresentada, cada vez com maior freqüência.
E, ilustrando o quanto esse sentimento de normalidade dessas relações homem-mulher
é, além de universal, tido como normal, habitual e ideal, pode-se oferecer como
exemplo os registros lançados nas escrituras sagradas, sobre os quais são descarregados
toda a carga de censura social que fica evidenciada nos dois trechos da Bíblia Sagrada
que selecionamos, “in verbis”:

Levítico 19 :
"Com homem não te deitarás, como se fosse mulher, é abominação. Não te deitarás
com um animal, para te contaminares com ele. A mulher não se porá perante um
animal, para juntar-se com ele; é perversão."
======
Romanos 2:
"Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. Pelo que Deus os entregou às concupiscências
de seus corações, à imundícia, para desonrarem seus corpos entre si. Mudaram a
verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram a criatura em lugar do Criador,
que é bendito eternamente. Amém. Semelhantemente, também os homens, deixando o
uso natural da mulher, inflamaram-se em sua sensualidade uns para com os outros,
homem com homem, cometendo torpeza, e recebendo em si mesmos a penalidade
devida ao seu erro. E como eles não se importaram de ter conhecimento de Deus, ele os
entregou a um sentimento pervertido, para fazerem coisas inconvenientes.”

Contudo, contrariando todos os estigmas e preconceitos arraigados à cultura da


humanidade, dada a freqüência com que as manifestações homossexuais têm sido
externadas publicamente nos tempos atuais, torna-se tarefa difícil procurar tachá-las
meramente como uma situação excepcional na sociedade.
Enfim, é certamente em função disso que as pessoas que vivenciam relações
homossexuais buscam se afirmar socialmente e conquistar o reconhecimento jurídico
para a sua forma homossexual de comportamento – à semelhança dos direitos
conferidos à forma heterossexual. E, provavelmente, a fórmula para o reconhecimento
das relações homossexuais, sob a ótica do Direito de Família, vem representar mais uma
evolução, desta vez no conceito de cidadania, quando se traçará como objetivo a
perseguir que sejam assegurados, além de todos os demais direitos, também a liberdade
de desenvolvimento da personalidade.
Mas, apesar de toda a visibilidade que as relações homoeróticas têm conseguido impor
nos meios sociais, o que de alguma forma tem contribuído para que venha sendo
trilhado um já longo caminho para uma certa aceitação – ou tolerância –, perante a
sociedade brasileira esse assunto ainda é recente e tem gerado muita polêmica,
particularmente quanto ao tratamento que o tema tem conseguido no Direito de Família.

Como dito, pode-se perceber que a mútua hostilidade habitual vem progressivamente
cedendo espaço, quando passa a ficar evidente que ora grupos sociais interessados no
assunto lhes acenam com a oferta, ora os homossexuais têm demonstrado receptividade
quanto à aceitação de soluções jurídicas ajustadas às situações de fato.
Assim é que, através da – preconceituosa – distinção conceitual entre concubinato puro
e impuro, foi dado o motivo à edição da Súmula 380 do STF-Supremo Tribunal Federal,
que previu, quando comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos,
ser cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo
esforço comum.
Foram lentas e graduais as conquistas e até mesmo criativos os recursos utilizados para
se chegar ao primeiro e inesquecível estágio para o reconhecimento jurídico, social e
cultural de outras maneiras lícitas e socialmente aceitas de se estabelecer uma célula
familiar.
E, sobre isso, há que se exaltar que foi graças à perseverança e determinação dos
homossexuais – contando com significativas contribuições de pessoas outras que, por
motivos muitas vezes restritos a interesses técnicos e jurídicos, sem compartilhar do
caráter pessoal dos que seriam diretamente beneficiados pela conquista com a qual se
espera contribuir – conseguiu-se pressionar os operadores do Direito para que
encontrassem meios jurídicos lícitos e capazes de enfrentar e transpor o obstáculo do
reconhecimento de suas relações afetivas.
Finalmente, os homossexuais passam a ter alguma forma de reconhecimento legal de
suas relações homoafetivas, conquistado através da sociedade de fato, abaixo ilustrada
por meio de decisão unânime emanada do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, na relatoria do Des. Paulo Dimas Mascaretti:

“Sociedade de Fato - Relação homossexual - Meação - Pretensão à extensão a todos os


bens do falecido convivente - Simples sociedade de afeto mantida entre parceiros do
mesmo sexo que não induz efeitos patrimoniais, à falta de normatização específica -
Inexistência de respaldo a legitimar a aplicação analógica da Constituição da
República de 1988 ou legislação ordinária que regulamente a união estável, de modo a
conferir direito de herança ao apelante - Ruptura do liame informal que gera
conseqüências meramente no âmbito do Direito das Obrigações - Presença dos
pressupostos do artigo 1.363 do Código Civil - Necessidade da aferição da
contribuição de cada um dos sócios para se proceder à partilha na proporção de seus
esforços - Recurso parcialmente provido.”
(TJSP, Apelação Cível nº 179.953-4, 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Paulo
Dimas Mascaretti, j. 26.02.02 - V.U.)
Contudo, a sociedade de fato ainda não satisfaz as expectativas. Aceitam e reconhecem
a conquista, mas não desistem, pois querem o reconhecimento de suas relações como
união estável, como forma de reconhecimento de constituição familiar, capaz de lhes
assegurar os mesmos direitos conferidos aos demais casais.

5. A família homoafetiva: transformação da relação homossexual em união estável

Em conseqüência da inexistência de lei especial, há que se chamar a atenção para a


forma ousada e original com que algumas ações sobre os direitos ao reconhecimento da
relação homossexual vêm sendo decididas em alguns tribunais brasileiros, com
destacada predominância para o do Rio Grande do Sul – conhecido e reconhecido foco
de implementação da formulação alternativa na aplicação do Direito justo –
transformando-as em decisões jurisprudenciais que passam a conferir força jurídica para
suprir a lacuna legal.
Colacionamos a seguir algumas jurisprudências originadas do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul – estas das lavras dos DesembargadoresBreno Moreira
Mussi, José Siqueira Trindade, José Carlos Teixeira Giorgis e Rui Portanova – as
quais ratificam alguns dos pontos expostos, pelo que as transcreveremos, “in verbis”:

"Relações homossexuais. Competência para julgamento de separação de sociedade de


fato dos casais formados por pessoas do mesmo sexo. Em se tratando de situações que
envolvem relações de afeto, mostra-se competente para o julgamento da causa uma das
Varas de Família, à semelhança das separações ocorridas entre casais heterossexuais.
Agravo provido"
(TJRS, AI 599075496, Oitava Câmara Cível, Rel. Des. Breno Moreira Mussi, j.
17.06.1999).
======
"É possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre os
homossexuais, ante os princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal
que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida
discriminação quanto à união homossexual e é justamente agora, quando uma onda
renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso País, destruindo
preconceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade científica da
modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e
amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as
individualidades e as coletividades, possam andar seguras na tão almejada busca da
felicidade, direito fundamental de todos. Apelação provida".
(TJRS, APC 598362655, Oitava Câmara Cível. Rel. Des. José Siqueira Trindade, j.
01.03.2000).
======
“UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO. PARTILHA DO PATRIMÔNIO.
MEAÇÃO PARADIGMA. Não se permite mais o farisaísmo de desconhecer a existência
de uniões entre pessoas do mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos derivados
dessas relações homoafetivas. Embora permeadas de preconceitos, são realidades que
o Judiciário não pode ignorar, mesmo em sua natural atividade retardatária. Nelas
remanescem conseqüências semelhantes às que vigoram nas relações de afeto,
buscando-se sempre a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito,
relevados sempre os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade.
Desta forma, o patrimônio adquirido na constância do relacionamento deve ser
partilhado como na união estável, paradigma supletivo onde se debruça a melhor
hermenêutica. Apelação Provida, em parte, por maioria, para assegurar a divisão do
acervo entre os parceiros.
(TJRS, Apelação Cível 70001388982, Sétima Câmara Cível, Rel. Des. José Carlos
Teixeira Giorgis, j. 14.03.2001)
======
APELAÇÃO. UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL.
PARTILHA. Embora reconhecida na parte dispositiva da sentença a existência de
sociedade de fato, os elementos probatórios dos autos indicam a existência de união
estável. PARTILHA. A união homossexual merece proteção jurídica, porquanto traz em
sua essência o afeto entre dois seres humanos com o intuito relacional. Caracterizada a
união estável, impõe-se a partilha igualitária dos bens adquiridos na constância da
união, prescindindo da demonstração de colaboração efetiva de um dos conviventes,
somente exigidos nas hipóteses de sociedade de fato. NEGARAM PROVIMENTO.
(TJRS, Apelação Cível 70006542377, Oitava Câmara Cível, Rel. Des. Rui Portanova,
j. 11.09.2003)

Necessário se faz que seja dado o destaque que o próximo aresto requer, devendo-se de
logo ressaltar que – além do mesmo ser procedente do STJ-Superior Tribunal de
Justiça – a matéria, na espécie, refere-se ao direito previdenciário e não ao de família.
Trata-se de recurso interposto pelo INSS, por meio do qual nos é apresentada
interessante discussão sobre a possibilidade de um companheiro homossexual ter ou não
direito a receber pensão por morte como dependente de um segurado falecido. A
sentença julgou improcedente o pedido, declarando extinto o processo. Contudo, o
Ministério Público Federal – representando o companheiro homossexual do segurado
falecido – apelou da sentença, sob a alegação de que o § 3º do art. 226, da Constituição
Federal, não exclui a união estável entre pessoas do mesmo sexo, pelo que requereu
fosse observado o princípio da igualdade. Apelou, ainda, o autor, e o Tribunal “a quo”
deu provimento às apelações. Entretanto, a Turma negou provimento ao recurso do
INSS, confirmando a concessão do benefício, entendendo preenchidas as exigências
constantes da Lei nº 8.213/91, quando comprovadas a qualidade de segurado do “de
cujus” e de convivência afetiva e duradoura – ao longo de 18 anos – entre o falecido e o
autor. Na ementa, confirmou-se ainda a legitimidade do Ministério Público para intervir
no processo em prol de tratamento igualitário quanto a direitos fundamentais, tudo com
fulcro no art. 127 da Constituição Federal. Eis a ementa:

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE.


RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO
BENEFÍCIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. PARTE LEGÍTIMA.
1- A teor do disposto no art. 127 da Constituição Federal, ‘O Ministério Público é
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático de direito e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis.’ ‘In casu’, ocorre reinvindicação de pessoa, em prol de
tratamento igualitário quanto a direitos fundamentais, o que induz à legitimidade do
Ministério Público, para intervir no processo, como o fez.
2- No tocante à violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil, uma vez admitida
a intervenção ministerial, quadra assinalar que o acórdão embargado não possui vício
algum a ser sanado por meio de embargos de declaração; os embargos interpostos, em
verdade, sutilmente se aprestam a rediscutir questões apreciadas no v. acórdão; não
cabendo, todavia, redecidir, nessa trilha, quando é da índole do recurso apenas
reexprimir, no dizer peculiar de PONTES DE MIRANDA, que a jurisprudência
consagra, arredando, sistematicamente, embargos declaratórios, com feição, mesmo
dissimulada, de infringentes.
3- A pensão por morte é: ‘o benefício previdenciário devido ao conjunto dos
dependentes do segurado falecido – a chamada família previdenciária – no exercício
de sua atividade ou não (neste caso, desde que mantida a qualidade de segurado), ou,
ainda, quando ele já se encontrava em percepção de aposentadoria. O benefício é uma
prestação previdenciária continuada, de caráter substitutivo, destinado a suprir, ou
pelo menos, a minimizar a falta daqueles que proviam as necessidades econômicas dos
dependentes.’ (Rocha, Daniel Machado da, Comentários à lei de benefícios da
previdência social/Daniel Machado da Rocha, José Paulo Baltazar Júnior. 4. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora: Esmafe, 2004. p.251).
4- Em que pesem as alegações do recorrente quanto à violação do art. 226, §3º, da
Constituição Federal, convém mencionar que a ofensa a artigo da Constituição
Federal não pode ser analisada por este Sodalício, na medida em que tal mister é
atribuição exclusiva do Pretório Excelso. Somente por amor ao debate, porém, de tal
preceito não depende, obrigatoriamente, o desate da lide, eis que não diz respeito ao
âmbito previdenciário, inserindo-se no capítulo ‘Da Família’. Face a essa
visualização, a aplicação do direito à espécie se fará à luz de diversos preceitos
constitucionais, não apenas do art. 226, §3º da Constituição Federal, levando a que,
em seguida, se possa aplicar o direito ao caso em análise.
5- Diante do § 3º do art. 16 da Lei nº 8.213/91, verifica-se que o que o legislador
pretendeu foi, em verdade, ali gizar o conceito de entidade familiar, a partir do
modelo da união estável, com vista ao direito previdenciário, sem exclusão, porém, da
relação homoafetiva.
6- Por ser a pensão por morte um benefício previdenciário, que visa suprir as
necessidades básicas dos dependentes do segurado, no sentido de lhes assegurar a
subsistência, há que interpretar os respectivos preceitos partindo da própria Carta
Política de 1988 que, assim estabeleceu, em comando específico: ‘Art. 201- Os planos
de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a: [...] V -
pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e
dependentes, obedecido o disposto no § 2º.’
7- Não houve, pois, de parte do constituinte, exclusão dos relacionamentos
homoafetivos, com vista à produção de efeitos no campo do direito previdenciário,
configurando-se mera lacuna, que deverá ser preenchida a partir de outras fontes do
direito.
8- Outrossim, o próprio INSS, tratando da matéria, regulou, através da Instrução
Normativa nº 25 de 07/06/2000, os procedimentos com vista à concessão de benefício
ao companheiro ou companheira homossexual, para atender a determinação judicial
expedida pela juíza Simone Barbasin Fortes, da Terceira Vara Previdenciária de Porto
Alegre, ao deferir medida liminar na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, com
eficácia ‘erga omnes’. Mais do que razoável, pois, estender-se tal orientação, para
alcançar situações idênticas, merecedoras do mesmo tratamento.
9- Recurso Especial não provido.”
(STJ, REsp 395.904/RS, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, Sexta Turma, j. 13.12.2005,
DJ 06.02.2006 p. 365). Grifou-se.

6. A ausência de lei especial

A despeito das entrelinhas discriminatórias que a própria letra da lei não conseguiu
omitir em seu texto, os casais alcançados pelo reconhecimento da união estável são
gratos pelos direitos assegurados por meio de decisões jurisprudenciais. Contudo, ainda
é um direito que somente assiste aos que ingressarem em juízo e lograrem reiterada a
decisão anteriormente proferida a outros casais, o que os expõem ao risco de as ver ou
não repetidas – estando a inteiro arbítrio dos Desembargadores e Ministros que
compõem nossos Tribunais.
Mas não se pode ignorar quanto à existência de uma certa restrição constante nas duas
normas 9, pois que ambas previsões legais referem-se à “união estável entre o homem e
a mulher”.
Deparamo-nos, então, com o obstáculo que os operadores do direito tiveram que
conviver, até que fosse finalmente encontrada a fórmula para transpô-lo.
Se, por um lado, o texto das normas pode querer apresentar uma conotação restritiva,
por outro lado pode-se facilmente constatar que neles identifica-se a omissão, a lacuna
quanto a previsão que se busca. E, no que se refere à omissão, “quando a lei for omissa,
o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de
direito” 10, pois, ao constatar a “falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará
as regras de experiência comum subministradas pela observação do que
ordinariamente acontece e ainda as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto
a esta, o exame pericial” 11 e, afinal, “o juiz não se exime de sentenciar ou despachar
alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as
normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios
gerais de direito” 12.
Ou seja, se no quesito ser permitido a legislação brasileira mostrou-se fechada e
impermeável, ao não apresentar brechas que favorecessem uma interpretação que
interessasse aos casais homossexuais, percebe-se que o mesmo não ocorreria quanto ao
quesito ser possível, uma vez que não se pode menosprezar o princípio de que o que
não está formalmente proibido, subtende-se legalmente permitido.
Esse é o alicerce onde se encontra fincada a base de sustentação utilizada pelos
operadores do Direito que ousaram interpretar a norma positiva de forma a conseguir
identificar que sua lacuna tem, agora, seu espaço preenchido pelas decisões
jurisprudenciais emanadas dos nossos tribunais, resultado do entendimento do óbvio: se
não há a previsão legal, expressa, de proibição na união estável de casais homossexuais
– o que há, ressalte-se, é a previsão de que se admite a “união estável entre o homem e
a mulher” – então não há possibilidade jurídica de proibi-la, pelo que torna-se
legalmente permitida.
Acaso a redação do texto da norma, ao invés da atual forma – “união estável entre o
homem e a mulher” – nos fosse apresentada de maneira diversa, mais hermética, onde a
lacuna fosse previamente preenchida por uma única palavra – “união estável somente
entre o homem e a mulher” – capaz de restringir em absoluto qualquer possibilidade
dos casais homossexuais pleitearem em juízo a argüição de suas pretensões, inexistiria
questionamento quanto à lacuna, pelo que certamente se passaria a direcionar esforços
para a modificação da norma – e não mais pela sua omissão.
Certamente, com esse entendimento, o mais apropriado mostrou-se real: o primeiro dos
julgadores a assim entender somente pode fazê-lo por ter se desprovido de valoração
prévia e preconceitos, tudo isso fundado no princípio constitucional da legalidade,
segundo o qual ”ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei” 13 .

7. Conclusão
A legislação brasileira é considerada das mais amplas. Contudo, sua vastidão
necessariamente não quer aqui significar seu nível de amplidão, de abrangência. Afinal,
além da Constituição Federal, do Código Civil e do Código Penal, dispomos de um
número considerável de outros Códigos, como os de Processo Civil, Processo Penal,
Comercial, Eleitoral, Tributário Nacional e outros mais, além de uma relação
inacreditável de Estatutos e Leis Especiais, tomando como exemplo poucas, porém de
relevante importância, como os Estatutos do Idoso, da Criança e do Adolescente, do
Índio, ao que se acrescem Leis, Decretos, Decretos-Leis e Emendas Constitucionais, em
rol quase infinito. E, como se ainda bastante não fosse, além de todo esse elenco de
normas – devidamente inseridas no nosso ordenamento jurídico – as vemos
constantemente atualizadas ou complementadas através de outras fontes do Direito,
representadas pelas Súmulas e jurisprudências, todas inspiradas na doutrina que,
incansavelmente, procura oferecer interpretações das normas que traduzam o foco que
não se pode afastar: os direitos individuais e sociais.
Não obstante, inexiste no país legislação especial que trate das relações homossexuais,
regulando e protegendo seus direitos como casais. O motivo? Imagina-se óbvio o
suficiente até mesmo tendendo ao risco de causar mal estar, em conseqüência da
incômoda realidade de que não se consegue – ainda – tratar desse assunto com a mesma
desenvoltura e naturalidade que se trata na elaboração de textos normativos que
resultariam em Estatuto como o do Índio, da Criança e do Adolescente, do Idoso, talvez
porque um idoso não precise se apresentar como idoso para que se reconheça que ele
tem direitos assegurados pelo seu Estatuto – pois a característica que lhe confere
direitos é visível, externa; o mesmo ocorrendo quanto à criança, o adolescente e o índio.

Mas, seria possível – sem incorrer no risco de vir a ser processado por injúria14 –
dirigir-mo-nos a um homossexual e lhe oferecer os direitos que teria assegurados em um
Estatuto? Soaria estranho ou natural se perguntássemos a um homossexual que não se
nos apresentou como tal, algo que fosse natural apenas aos homossexuais – como, por
exemplo: “qual o nome do seu companheiro, para colocarmos no pedido de pensão do
senhor?”.
Associada aos preconceitos, esse certamente poderia ser um dos motivos que
dificultariam a elaboração de legislação especial que lhes assegurasse direitos
específicos. Pois se tanto para o idoso quanto para a criança e o adolescente, o que os
insere nos Estatutos que os protege é o fator idade; enquanto que para o índio seria o
fator étnico-racial; para o homossexual, qual seria o fator?
Observe-se, então, que além do aspecto jurídico e social, há a questão física, hormonal,
sexual e ainda a preocupação com o lado emocional e psicológico do indivíduo.
A título de exemplo, diríamos que da mesma forma que uma pessoa com obesidade
mórbida – que além dos aspectos físicos, externos, visíveis, que colocariam em risco a
sua vida, os obesos também sofrem de distúrbios e problemas emocionais graves,
relacionados com a sua auto-estima, com a deficiência na sua capacidade de se aceitar
como realmente são e, ainda, pela rejeição da sociedade à sua figura –, tanto quanto um
obeso, um homossexual que se comporta assumindo a sua condição de preferir
sexualmente pessoas do seu mesmo sexo é comumente rejeitada e discriminada pela
sociedade, pelo que advém como conseqüência a automática e inafastável sensação de
mal estar, enquanto que a Lei, que vê a todos como iguais, sem distinções de quaisquer
naturezas15 , existe para assegurar seu bem-estar, em caráter constitucional.
O obeso não pediu para nascer obeso, assim como o homossexual não teve a faculdade
de escolher como gostaria de ter nascido. Poderia até mesmo ao longo de toda a sua
vida não manifestar, não exteriorizar, a sua homossexualidade; mas seria o que se
vulgarmente designa de enrustido. Da mesma forma, o portador de alguma deficiência
física ou necessidade especial não pediu para vir ao mundo com a aparência física
diferente dos demais indivíduos. Mas tanto ao obeso quanto ao portador de qualquer
deficiência física ou necessidade especial são assegurados plenos e legítimos direitos,
constantes dos regimentos legais. À eles é assegurado, constitucionalmente, direitos
sociais e individuais, com a preservação de seu bem-estar.
Então, aos olhos da Constituição da República Federativa do Brasil – ao menos sob os
olhos vendados da figura mítica da justiça – todos somos iguais e não podemos ser
discriminados, sob qualquer alegação ou pretexto.
Enfim, que às importantes conquistas alcançadas pelos homossexuais na luta que
assumiram para o reconhecimento de suas relações homoafetivas como uniões estáveis
sejam acrescidas outras, esperando-se que a hermenêutica jurídica exercitada pelos
estudiosos, acadêmicos, doutrinadores, aplicadores, julgadores e profissionais do
Direito possa continuar a contribuir para que sejam consolidados direitos e garantias
específicos em Lei Especial que lhes assegure, dentre todos os direitos que buscam, o de
constituir dignamente as suas famílias, sem distinções, preconceitos ou tão somente
graças à aplicação alternativa do direito positivado, que conseguiu brilhantemente
identificar a possibilidade de aproveitamento da lacuna identificada na Lei.

Referências

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Saraiva / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio
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Paulo: Saraiva, 2006.
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Yussef Said Cahali, 5 ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: RT, 2003.
BRASIL. Código Penal. Texto do Decreto-Lei nº 3.914, de 9 de dezembro de 1941.
Vade Mecum Saraiva / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de
Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes.
– São Paulo: Saraiva, 2006.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal,
1988. Vade Mecum Saraiva / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a
colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e
Lívia Céspedes. – São Paulo: Saraiva, 2006.
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Jurídico das Uniões Estáveis Homoafetivas no Direito de Família Brasileiro.
Questões Controvertidas no Direito de Família e das Sucessões – Série Grandes
Temas de Direito Privado – Vol. 3, Coordenação Mário Luiz Delgado e Jones
Figueiredo Alves. – São Paulo: Método, 2005.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito de Família. vol. 5,
18. ed. – São Paulo: Saraiva, 2002.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional / Alexandra de Moraes. 13 ed. –São
Paulo: Atlas, 2003.
NEGRÃO, Sônia Regina. Direitos da personalidade. O direito à intimidade sexual.
Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 704, 9.jun.2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6829>. Acesso em: 19.mai.2006.
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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral / Sílvio de Salvo Venosa. 2 ed. –
São Paulo: Atlas, 2002 – (Coleção direito civil; v. 1)

1 Ainda mais porque o objetivo desse trabalho estará pautado em demonstrar o que
ainda se busca modificar na legislação ora vigente, e não o que já se modificou ou
revogou.

2 O art. 2º do Código Civil Brasileiro prevê que “a personalidade civil da pessoa


começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos
do nascituro.”

3 Art. 5º da Constituição Federal da República Federativa do Brasil.

4 Art. 258 do Código Civil de 1916 e art. 1.640 do Novo Código Civil, de 2002.

5 “Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge: (...) o defloramento


da mulher, ignorado pelo marido”.

6 O Capítulo VI do Código de 1916, através dos arts. 379 a 395 tratavam do “pátrio
poder”.

7 Aqui, neste presente estudo, os referidos Códigos foram simbolicamente nomeados


como parâmetros meramente exemplificativos do contexto legal geral.

8 Art. 1.727, do NCC.

9 Tanto no § 3º do art. 226 da CF, como no “caput” do art. 1.723, do NCC.

10 Art. 4º do Decreto-Lei nº 4.657/42, a LICC-Lei de Introdução ao Código Civil.

11 Art. 335, do Código de Processo Civil.

12 Art. 126, do Código de Processo Civil.

13 Art. 5º, II, da Constituição Federal.

14 Art. 140, do Código Penal: “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o


decoro. Pena: detenção, de um a seis meses, ou multa”.

15 Art. 5º, “caput”, da Constituição Federal.

Data de elaboração: junho/2006

Sandra Reis da Silva


Advogada.

Inserido em 1/1/2009

Parte integrante da Ediçao no 505

Forma de citação

SILVA, Sandra Reis da A família homoafetiva: a transformação da relação


homossexual em união estável em função (ou apesar) da lacuna da lei. Boletim
Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, no 505. Disponível em:
<http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=1962> Acesso em: 10
mar. 2011.

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