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A EXTENSÃO DA LICENÇA MATERNIDADE A HOMENS EM

UNIÃO HOMOAFETIVA

Ananda Pereira

A Lei 12.873/2013 trouxe a possibilidade de extensão da licença maternidade aos


homens, tanto aos pais biológicos como ao homem adotante, seja ele solteiro ou em união
homoafetiva.
A referida Lei alterou a CLT, instituindo entre outros o art. 292-A, § 5º, que
determina que a adoção ou guarda conjunta enseja o direito de licença maternidade ao
guardião e ao empregado. Presumivelmente, a licença maternidade foi estendida a um dos
pais adotantes, tanto em união heteroafeitva quanto em homoafetivas, deixando a cargo
do casal a escolha de quem deverá gozar da licença.
Apesar disso, essas pessoas ainda encontram dificuldades para efetivarem seus
direitos de forma natural, devendo ainda, em alguns casos, pleitear em juízo sua
efetivação.
Perceber que o usufruto do direito à licença maternidade pelos pais que
compõem uma relação homoafetiva muitas vezes é dificultado e até mesmo negado, causa
grande incomodo, o que acaba por elevar o interesse sobre o tema, uma vez que quanto
mais um assunto é estudado, mais o compreendem, sendo essa pesquisa uma ferramenta
para propagar os direitos dos casais homoafetivos, provocando a sociedade a atentar para
a importância dessas pessoas e seus direitos.
A partir dessa inquietação e da ideia de que o direito do trabalho, como direito
das relações sociais, deve evoluir de acordo com os anseios da realidade que lhe é própria,
garantindo que os integrantes de sua dinâmica tenham pleno conhecimento e acesso aos
seus direitos e deveres, foi que surgiu o seguinte problema: quais os parâmetros que
legitimam a extensão do instituto da licença maternidade aos homens adotantes em união
homoafetiva?
Para responder a essa indagação, em razão do tema ser amplo e como resultado
a presente pesquisa ter assumido um viés interdisciplinar, apesar da licença maternidade
ser um instituto do direito do trabalho, o estudo aqui proposto visitou diversas áreas do
direito, tais como, o Direito Constitucional e o Direito de Família. Onde foi feito um
levantamento bibliográfico que proporcionou uma maior intimidade com os assuntos
relacionados ao tema.
A licença maternidade, ou licença gestante, como também é chamada, é prevista
no art. 7º da Constituição da República Federativa do Brasil (CF), e terá a duração de
cento e vinte dias, sem prejuízo do emprego e do salário.O referido instituto tem previsão
legal também na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no art. 392, que determina
que a empregada deve informar seu empregador da gravidez, e apresentar atestado médico
que informe acerca da data de início do afastamento do emprego, que poderá ser entre o
parto e o 28º dia antes dele.
Apesar do parto ser usado como referencial para marcar o início da licença, nos termos
do art. 392-A da CLT fazem jus ao instituto na sua integralidade, referindo-se, para além da
empregada gestante, à que obtiver a guarda judicial para fins de adoção e à que adotar,
independentemente da idade da criança, sendo concedida nesse caso mediante apresentação do
termo judicial de guarda.
Como já visto, a licença maternidade não é concedida apenas a mulheres. A Lei
12.873 de 2012 prevê a extensão da licença aos homens. Dessa forma, de acordo com o
art. 392-B a licença maternidade será estendida ao pai da criança em caso de falecimento
da mãe, pelo período da licença em referência, ou pelo tempo que seria concedido à mãe.
Porém, a extensão da licença aos homens não se limitou apenas a essa
circunstância, isso porque, como bem prevê a CLT em seu já mencionado art. 392-A, §5º:
“A adoção ou guarda judicial conjunta ensejará a concessão de licença maternidade a
apenas um dos adotantes ou guardiães empregado ou empregada”.
Assim,é presumível que se um casal homoafetivo masculino constituir família e
adotar em conjunto uma criança, um dos pais terá direito a gozar do período de licença
maternidade, nos mesmos termos da mãe adotiva.
Em razão do benefício não visar apenas a recuperação da mãe e sim também a
saúde, o bem-estar e o desenvolvimento da criança (SILVA, 2013, p. 173), a licença se
faz fundamental nos casos de adoção. Ao longo desse período de cuidados do ou da
adotante e do guardião ou da guardiã para com a criança é que irão se desenvolver os
lanços afetivos entre eles, fato que contribui para a adaptação do adotado à nova casa e à
nova família, independentemente de sua idade, construindo dessa forma o vínculo
familiar.
Um destaque foi o julgamento da ADI 4277, que em conjunto com a ADPF 132
que igualmente tinha por objetivo a aplicação análoga das uniões estáveis às uniões
homoafetivas foipor unanimidade julgadas procedentes. Diante dessa decisão, o STF
estabeleceu que presentes os pressupostos legais, quais sejam a continuidade, a
durabilidade da convivência e o desejo de constituição de família, que configuram a
união estável, as partes que compõem a união homoafetiva seriam detentoras dos mesmos
direitos que emanam das respectivas uniões estáveis formadas por pessoas de sexos
opostos. Tal decisão, pode ser cristalizada no seguinte trecho do voto do Ministro Relator
Ayres Brito (2013, p. 241):
No mérito, julgo procedentes as duas ações em causa. Pelo que dou ao art.
1.723 do Código Civil interpretação conforme à Constituição para dele excluir
qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública
e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida
esta como sinônimo perfeito de “família”. Reconhecimento que é de ser feito
segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável
heteroafetiva

A partir dessa leitura, é possível intuir que não há nenhum tipo de vedação legal
para adoção de crianças por casais homoafetivos, bem como por uma pessoa
homossexual, seja ela homem ou mulher, onde a ADI passa a confirmar ser inadmissível
que essa adoção seja negada.
Além disso, ao exigir que na adoção conjunta os adotantes sejam casados ou
mantenham união estável, o legislador acabava impossibilitando que casais homoafetivos
adotassem em conjunto, já que antes da ADI 4277 essas pessoas, não estavam inseridas
nem no âmbito do matrimônio, nem no da união estável, cabendo aos Tribunais o dever
de garantir esse direito para que a adoção viesse a se concretizar, como se pode ver no
AC 5824999 PR 0582499-9 onde o Tribunal de Justiça do Paraná resolveu:
Ementa:
APELAÇÃO CÍVEL. HABILITAÇÃO PARA ADOÇÃO. CASAL
HOMOAFETIVO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA
AFASTADA. POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DE UNIÕES
HOMOAFETIVAS COMO ENTIDADES FAMILIARES. AUSÊNCIA DE
VEDAÇÃO LEGAL. ATRIBUIÇÃO POR ANALOGIA DE
NORMATIVIDADE SEMELHANTE À UNIÃO ESTÁVEL PREVISTA
NA CF/88 E NO CC/02. HABILITAÇÃO EM CONJUNTO DE CASAL
HOMOAFETIVO. POSSIBILIDADE, DESDE QUE ATENDIDOS AOS
DEMAIS REQUISITOS PREVISTOS EM LEI. IMPOSSIBILIDADE DE
LIMITAÇÃO DE IDADE E SEXO DO ADOTANDO. AUSÊNCIA DE
PREVISÃO LEGAL. NÃO-DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. MELHOR
INTERESSE DO ADOTANDO QUE DEVE SER ANALISADO DURANTE
O ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA NO PROCESSO DE ADOÇÃO, E NÃO
NA HABILITAÇÃO DOS PRETENDENTES. APELAÇÃO PROVIDA.
RECURSO ADESIVO PREJUDICADO.
Acordão:
ACORDAM os Magistrados integrantes da 11ª Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná, por maioria de votos, em afastar a preliminar de
ilegitimidade ativa e, no mérito, também por maioria, dar provimento ao
recurso de apelação, julgando prejudicado o recurso adesivo. Restou vencido
o Presidente e Relator originário, Des. Mendonça de Anunciação (com
declaração de voto), que votava preliminarmente pela extinção do processo
sem resolução do mérito por ilegitimidade ativa das autoras e, no mérito, pelo
provimento do recurso adesivo, restando prejudicada a apelação.

É possível observar que apesar dos Tribunais serem tendentes a reconhecer a


legitimidade de casais homoafetivos como adotantes, alguns personagens do judiciário,
desprovidos de sensibilidade, acabam por impedir a adoção, o que, sem dúvida, torna o
sonho de constituir uma família um processo doloroso e cansativo. Essa recusa era
justificada na ausência de previsão legal que normatizasse o assunto e em afirmações
preconceituosas e discriminatórias (DIAS, 2005), sem qualquer amparo científico, que
afirmavam que essa adoção seria prejudicial ao desenvolvimento sexual e social da
criança.
Quando um casal homoafetivo supera todas essas dificuldades e enfim consegue
adotar uma criança, sua luta pela efetivação de direitos não se pode dar por encerrada,
posto que estes ainda precisam pleitear na justiça, em muitos casos, o direito de um dos
adotantes de gozar do período de licença maternidade, pois muitas vezes o direito não é
concedido de forma natural, como ocorre para os casais heteroafetivos. Nesse sentindo,
tem-se AI 32763 MS 0032763-15.2012.4.03.0000:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR. ADOÇÃO OU GUARDA DE
CRIANÇA. LICENÇA REMUNERADA DE 120 DIAS. CONCESSÃO.
DIREITO DO FILHO. CASAL HOMOAFETIVO. DISCRIMINAÇÃO.
VEDAÇÃO.
1. A licença é direito também do filho, pois sua finalidade é "propiciar o
sustento e o indispensável e insubstituível convívio, condição para o
desenvolvimento saudável da criança" (TRF da 3ª Região, MS n.
2002.03.00.026327-3, Rel. Des. Fed. André Nabarrete, j. 24.11.05), razão pela
qual a adotante faria jus ao prazo de 120 (cento e vinte dias) de licença
remunerada.
2. Pelas mesmas razões, é razoável a alegação de que importaria em violação
à garantia de tratamento isonômico impedir a criança do necessário convívio e
cuidado nos primeiros meses de vida, sob o fundamento de falta de previsão
constitucional ou legal para a concessão de licença de 120 (cento e vinte) dias,
no caso de adoção ou de guarda concedidas a casal homoafetivo. De todo
modo, após a ADI n. 132 não mais se concebe qualquer tipo de discriminação
ou mesmo restrição legal em razão de orientação sexual. E, como consectário
lógico, à família resultante de união homoafetiva devem ser assegurados os
mesmos direitos à proteção, benefícios e obrigações que usufruem aquelas que
têm origem em uniões heteroafetivas, em especial aos filhos havidos dessas
uniões (STF, ADI n. 4277, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05.05.11).
3. Assim, a licença remunerada de 120 (cento e vinte dias), com a prorrogação
de 60 (sessenta) dias prevista no art. 2º, § 1º, do Decreto n. 6.690/08, deve ser
estendida ao casal homoaefetivo, independentemente do gênero, no caso de
adoção ou guarda de criança de até 1 (um) ano de idade.
4. Agravo de instrumento provido, restando prejudicados o pedido de
reconsideração e o agravo legal da União.

Como bem se vê, o TRF da 3ª região reconheceu o direito à licença maternidade


há uma das adotantes em razão do princípio do melhor interesse da criança, do princípio
da igualdade e, sobretudo, em razão dos termos da decisão da ADI 4277, segundo a qual
os casais homoafetivos merecerem os mesmos direitos que os heteroafetivos.
No que concerne à licença maternidade para homens que compõem essas
uniões, os Tribunais seguem o mesmo entendimento, reconhecendo favoravelmente esse
direito, como ocorreu na seguinte decisão:
É inquestionável a possibilidade de concessão de "licença adotante" ao
servidor público ou segurado do regime geral, independentemente do gênero,
em vista da interpretação evolutiva conferida ao conceito de família.[...] Em
razão do exposto, uma vez presentes os requisitos do artigo 273 do CPC,
DEFIRO, EM PARTE, O PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA para
determinar que o INSS: a) Conceda ao autor, na qualidade de servidor público
federal, o benefício de "licença adotante", no âmbito do RPPS, pelo período de
120 (cento e vinte) dias, prorrogável por 60 (sessenta) dias; b) Mantenha ativo
o benefício de "salário maternidade adotante" em favor do autor, na qualidade
de segurado do RGPS, pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias a contar da
concessão. Ressalvo, porém, a impossibilidade de recebimento do benefício
equivalente ao "salário maternidade" pelos dois pais adotivos, conforme artigo
71-A, 2º da Lei 8.213/91, devendo a autarquia previdenciária observar tal
circunstância no momento da implantação. Indefiro o pedido de justiça
gratuita, devendo o autor, no prazo de 10 (dez) dias, comprovar nos autos o
recolhimento das custas processuais. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cite-
se.

Na decisão em referência, é concedida a tutela ao servidor público adotante em


união homoafetiva, o direito de usufruir da licença maternidade, visto que a concessão
desta não pode ser restrita pelo gênero, sendo a prática, inclusive, uma ofensa ao conceito
de família.
Diante do exposto, é possível afirmar que figuram como elementos legitimadores
da licença maternidade aos pais adotivos em união homoafetiva, sobretudo os princípios
constitucionais, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, a Lei
12.873/13 e a ADI 4277.
A orientação sexual, como visto, não é elemento que justifique o tratamento
normativo desigual, não podendo de forma alguma uma pessoa ser privada de seus
direitos em razão de raça, cor, sexo, religião e orientação sexual. Dessa forma, os
princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade e não-discriminação são sem dúvida
ratificadores da extensão da licença maternidade aos homens em união homoafetiva, visto
que estes buscam garantir que todo o ser humano tenha uma vida digna, sendo tratado
com respeito, tendo seus direitos e garantias protegidos.

Palavras-chaves: licença maternidade. Pais adotantes. Família homoafetiva.

REFERÊNCIAS
DIAS, Maria Berenice. O direito a um lar. Disponível em:
<http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_694)7__o_direito_a_um_lar.pdf
>. Acesso em: 22 de setembro de 2016.

SILVA, Thiago Moura da. A Evolução dos Direitos das Mulheres nas Relações de
Trabalho. Revista Fórum Trabalhista, Belo Horizonte, ano 2, n. 6, mai./jun. 2013, p. 173.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. AI 32763 MS 0032763-15.2012.4.03.0000.


Relator Desembargador NEKATSCHALOW, André.. Julgado em 10/06/2013.
Disponível em: <http://trf-3.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23544930/agravo-de-
instrumento-ai-32763-ms-0032763-1520124030000-trf3>. Acesso em: 22 de setembro
de 2016.

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