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Filiação e
reconhecimento
de filhos, poder
familiar e guarda
Filiação e reconhecimento de filhos, poder
familiar e guarda

Introdução

O presente capítulo abordará a filiação e os meios de prova de filiação no


Direito Brasileiro, traçando um paralelo civil-constitucional sobre o tema diante
de sua relevância no ordenamento jurídico.
O reconhecimento espontâneo da filiação e sua irrevogabilidade serão vistos
sob a ótica do vínculo socioafetivo. O não reconhecimento da filiação acaba por
afetar a dignidade da pessoa humana; assim, visando minimizar os efeitos nefastos
do não reconhecimento da filiação ou da paternidade/maternidade, passou o or-
denamento jurídico a dispor de mecanismos, como a presunção contra o suposto
genitor em caso de negativa de realização do exame de DNA.
A guarda sempre foi um instituto utilizado na proteção da figura da mulher
na relação familiar. No entanto, não há dúvidas de que a evolução da sociedade
e a igualdade trazida pela Constituição Federal de 1988 entre homem e mulher
clamaram por mudanças no instituto da guarda, deixando para trás a tradicional
guarda unilateral para se ter como regramento, que mais atende aos interesses da
criança e do adolescente, o compartilhamento da guarda ou direito de convivência
de forma equilibrada com ambos os genitores.
O poder familiar também foi motivo de mudança ao longo dos anos, deixan-
do para trás uma sociedade extremamente patriarcal, em que o poder sob a família
era concentrado na figura do marido, para se chegar a uma relação familiar em que
a mulher tem voz e divide direitos e deveres em relação à prole. O irregular exer-
cício desse poder ou a omissão em exercê-lo pode acarretar graves riscos aos filhos,
podendo os genitores serem sujeitos de suspensão e destituição do poder familiar.

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OBJETIVOS
• Compreender a filiação no Direito Brasileiro sob a ótica civil-constitucional;
• Analisar a presunção de paternidade e maternidade e entender o seu alcance, compreen-
dendo a averiguação oficiosa da paternidade;
• Identificar a prova da filiação, compreendendo as formas de reconhecimento de filhos pre-
vistas no Código Civil, bem como seus efeitos;
• Compreender o conceito de poder familiar e sua evolução no ordenamento brasileiro, en-
tendendo os seus efeitos;
• Analisar as causas de suspensão e de destituição do poder familiar;
• Conceituar a guarda, identificando suas espécies e efeitos e a correlação com a Síndrome
da Alienação Parental.

Filiação sob a ótica civil-constitucional

A filiação é a relação jurídica existente entre ascendentes e descendentes de primei-


ro grau. Os artigos da CF/88 226, §5º, e 227, §6º, provocaram profundas mudanças
no Direito de Família brasileiro, pondo fim a um sistema estruturado na família pa-
triarcal e hierarquizada, extinguindo qualquer classificação a respeito dos filhos.
O novo olhar sobre a filiação passa a ser fundamentado na igualdade, tanto
formal quanto substancial, entre os filhos e genitores e na solidariedade, visando
a garantir a prevalência do desenvolvimento da personalidade humana no seio da
família, com o acesso à dignidade da pessoa humana.
Na mesma toada da Constituição, o artigo 1.596 do CC/02 estabeleceu a
igualdade entre os filhos, em todos os direitos, sem distinção e com proibição de
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Na contramão da igualdade entre os filhos, inexplicavelmente, foi mantido
pelo legislador o artigo 1.597 do CC/02 quanto ao sistema de presunções de
paternidade atrelado ao casamento, com um rol que, inclusive, torna-se incompa-
tível com os avanços da biotecnologia (reprodução humana assistida).

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Afirmam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2009, p. 474):

Não se trata mais de reconhecer o direito à filiação. Negá-lo seria


fechar os olhos a uma realidade concreta e presente e, assim, por
via oblíqua, negar a própria inteligência e capacidade humanas. A
grande questão que toca ao jurista do novo tempo é a proteção a ser
conferida ao direito à filiação. É de se buscar a maneira mais eficaz
de assegurar o exercício da filiação nesse novo quadro de relações
sociais, econômicas e jurídicas, impedindo sua violação. Todo e
qualquer tipo de filiação paterno-filial merece proteção especial no
cenário descortinado pela Constituição da República, o que, em última
análise, corresponde à tutela avançada da pessoa humana e de seu
[sic] intangível dignidade.

A Constituição Federal de 1988, portanto, foi um grande marco na ques-


tão da isonomia entre os filhos, não havendo que se falar, sob o prisma da lei,
em qualquer distinção entre filho consanguíneo ou adotivo, bem como não deve
haver qualquer discriminação entre o concebido em casamento, união estável,
concubinato ou em relação eventual, prevalecendo o princípio do melhor interesse
da criança, já que o foco não é mais de questão patrimonial ou de prevalência das
relações decorrentes do casamento, concentrando, agora, na pessoa humana.
Com o artigo 1.593 do CC/02, foram ampliadas as possibilidades fáticas de
filiação, tendo o Superior Tribunal de Justiça decidido “... Por filhos de qualquer
condição deve-se entender, também, aquela pessoa que foi acolhida, criada, man-
tida e educada pelo militar, como se filha biológica fosse, embora não tivesse com
ele vínculo sanguíneo...”. (REsp. nº 370067/RS, 5ª Turma, rel. Min. Laurita Vaz,
J. em 09.08.2005, pub. em 05.09.2005, DJ, p. 452)

Presunção de paternidade (pater is est)

A doutrina distingue três critérios de aferição de paternidade: a biológica, a


jurídica e a socioafetiva. O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.597, apresenta
um rol de presunções de paternidade que decorrem da relação de casamento (pa-
ter is est), ou seja, sobre aquele que é casado com a mãe (fundado em princípio
de probabilidade), presunções que acabam por sobrepor a verdade biológica à

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verdade socioafetiva e que não se coadunam com os avanços biotecnológicos ca-
pazes de esclarecer a real filiação.
A presunção do artigo 1.597 é apenas relativa, juris tantum, podendo ser ilidi-
da por prova em contrário (o que contraria a determinação constitucional de não
discriminação dos filhos); no entanto, em face de terceiros, a presunção torna-se
absoluta, juris et de jure, uma vez que apenas é dada ao marido ou companheiro a
iniciativa de questionar a paternidade.
Na forma do artigo citado, presumem-se filhos (paternidade determinada pelo
critério biológico), na forma do artigo citado: 1) os nascidos 180 dias, pelo menos,
depois da sociedade conjugal ter sido estabelecida, considerando 180 dias um
período mínimo de gestação; 2) como aqueles cujo nascimento tenha se dado nos
300 dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal por morte, separação
judicial, nulidade e anulação do casamento (período máximo de gestação), cuja
contagem de prazo tem início a partir da separação de fato, independentemente
de decisão judicial ou dissolução extrajudicial.
No caso do inciso II, do artigo 1.597, do CC/02, é requisito se pressupor a
coabitação do casal nos 120 dias iniciais do prazo de 300 dias, diante do período
de verificação da concepção. Ademais, justifica-se a paternidade em casos de nas-
cimento prematuro ou atraso no parto consoante a existência de laudo médico.
O exame de DNA é o método que oferece a necessária certeza jurídica
da paternidade: com ele, praticamente as presunções legais perdem a sua im-
portância, uma vez que, realizado o exame de DNA, é possível a confirmação
exata da paternidade.

Aplicação da presunção de paternidade na reprodução assistida (inseminação


artificial e fertilização in vitro)

O inciso III do artigo 1.597 do CC/02 traz a presunção de paternidade con-


soante a existência de fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o mari-
do. Ao referir-se à fecundação, o Código Civil, nos incisos III, IV e V, está abran-
gendo qualquer uma das técnicas de reprodução humana medicamente assistida
(RMHA ou RHA), que é termo mais abrangente que se refere a qualquer prática
médica que interfira no processo natural de reprodução, conforme entendimento
do Enunciado 257 da III Jornada de Direito Civil.
De acordo com o Enunciado 106 da I Jornada de Direito Civil do STJ, para
que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a

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mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com material
genético do falecido, esteja na condição de viúva e haja autorização escrita do ma-
rido para que se utilize seu material genético após sua morte.
Também é reconhecida a presunção de paternidade dos filhos havidos a qual-
quer tempo; quando se tratar de embriões excedentários decorrentes de concepção
artificial homóloga, são aqueles embriões excedentes resultantes de fecundação in
vitro que restaram congelados para que os pais resolvam seu destino, já que não
implantados na mulher. A Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/05) disciplina a
destinação e conservação dos embriões excedentários.
De acordo com o Enunciado 107 da I Jornada de Direito Civil, para os casos
de extinção da sociedade conjugal, em se tratando do inciso IV do artigo 1.597 do
CC/02, somente poderá ser aplicado se houver autorização prévia, por escrito, dos
ex-cônjuges para a utilização dos embriões excedentários, só podendo ser revogada
até o início do procedimento de implantação.
O inciso V do artigo 1.597 do CC/02 prevê, ainda, a presunção de paterni-
dade por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do
marido, e, mediante sua existência, não será possível impugnar a paternidade ou
retratar a autorização.
Ainda, sobre o tema presunção de paternidade, o Código Civil mantém regra-
mento incompatível com o desenvolvimento tecnológico e legislativo, bem como
sobrepõe a verdade biológica à afetiva, permitindo a existência do artigo 1.598,
CC, quase uma aberração jurídica (considerando a existência de prova de exame
de DNA e a filiação socioafetiva), mas que traz íntima ligação com o artigo 1.523,
II, do CC/02, que trata da causa de suspensão de casamento, sabendo-se que, se
a mulher não respeitar o prazo internupcial e vier a ter um filho, traz o artigo a
presunção de paternidade de que pai é o primeiro marido se o filho for nascido
nos trezentos dias contados da dissolução do casamento; será considerado do se-
gundo marido se nascido após esse período e se já houver decorrido o prazo do
artigo 1.597, I, do CC/02. O prazo de trezentos dias deve ser considerado não
apenas a partir do falecimento do ex-cônjuge, mas, genericamente, na dissolução
da sociedade conjugal.
O artigo 1.599, CC, trata da impotentia generandi, bastando provar sua
existência no momento da concepção, independentemente de ter sido ela
superada depois ou não.
Diante do sistema de presunção de paternidade adotado pelo Código Civil, a
confissão da mulher sobre a origem biológica do filho (artigo 1.602 do CC/02) ou

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o adultério demonstrado não são por si só suficientes para afastá-la (artigo 1.600
do CC/02), sendo certo que, pelo exame de DNA, hodiernamente, todas as pre-
sunções apresentadas pelo Código Civil podem ser ilididas.

Investigação de paternidade

A Lei Civil confere ao marido o direito de contestar a paternidade dos fi-


lhos nascidos da esposa, sendo a ação imprescritível, na forma do artigo 1.601 do
CC/02 e artigo 27, ECA, tratando-se de um direito personalíssimo. A imprescri-
tibilidade trazida pelo Código Civil de 2002 pode, no entanto, gerar situações
injustas quando a impugnação da paternidade se der, por exemplo, aos 40 anos de
idade do filho, sendo certo que a filiação socioafetiva deve, sem dúvida, se sobre-
por à filiação biológica, sob pena de flagrante violação ao princípio da dignidade
da pessoa humana.
Portanto, é necessário não confundir a possibilidade de propositura de ação
negatória a qualquer tempo com a procedência do pedido formulado. O fato de
ser possível demandar em juízo e da confirmação de inexistência de vínculo ge-
nético, por meio de realização de DNA, por exemplo, não significa a certeza de
procedência quanto ao pedido negatório da paternidade, pois poderá restar evi-
denciada a existência de uma relação socioafetiva.
Apenas na paternidade por adoção não será possível a contestação, sendo,
contudo, permitido alegar a invalidade no negócio jurídico que instituiu a
paternidade adotiva.
Quanto à paternidade gerada diante da realização de inseminação artificial ho-
móloga, admite-se a contestação sob o fundamento de que os gametas masculinos
utilizados na fecundação pertenciam à terceira pessoa; tratando-se de inseminação
artificial heteróloga, a contestação apenas será admitida pelo fundamento de au-
sência de autorização para o procedimento.
A ação negatória de paternidade não possui procedimentos específicos; por-
tanto, seguirá o procedimento comum do Código de Processo Civil, sabendo-se
que a legitimidade ativa é exclusiva da figura paterna, já que se trata de um direito
personalíssimo do marido. Caso tenha esse optado pela propositura da ação nega-
tória, o seu eventual falecimento no curso da ação permitirá aos herdeiros a sub-
-rogação no polo ativo da relação processual, na forma do artigo 1.601, parágrafo
único, do CC/02.

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No polo passivo, figurará o filho; sendo absoluta ou relativamente incapaz,
será representado ou assistido por seu representante legal. O Ministério Público
deverá acompanhar todas as fases do processo, sob pena de nulidade, cabendo ao
final opinar sobre o mérito do pedido.
Sabe-se que é possível o ajuizamento de ação negatória de maternidade, ha-
vendo dispositivo legal vigente que autoriza a propositura da demanda, conforme
se depreende da leitura do artigo 1.608 do CC/02, em que pese sua raridade.
Nesse caso, a ação será movida pela figura materna, provando a falsidade do termo
ou das declarações nele contidas. Da mesma forma que ocorre com a ação nega-
tória de paternidade, caso tenha sido a ação proposta e venha a autora a óbito no
curso dela, será possível a sub-rogação pelos herdeiros.

Recusa ao exame de DNA - Lei 12.004/09 e Súmula 301 do STJ

A importância do exame de DNA nas questões referentes à filiação é inques-


tionável. Tal é seu papel que a Súmula 301, STJ, determina que, “em ação investi-
gatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção
‘juris tantum’ de paternidade”, o que não quer dizer que em todo e qualquer caso
a recusa implicará a determinação da filiação (tudo dependerá do caso concreto).
O exame de DNA não deve ser considerado prova absoluta, sobrepondo-se
em todos os casos à verdade socioafetiva, lastreada por princípios éticos que têm
por fundamento o respeito e afeição mútuos (esse movimento denomina-se des-
biologização da filiação). O critério científico é frio e, por isso, por si só, não pode
afastar outras análises que se fizerem necessárias no caso concreto.
O exame de DNA veio substituir a fragilidade de outras provas em questão de
filiação, como a prova testemunhal, por exemplo. Em relação à obrigatoriedade de
realização do exame com a condução coercitiva do investigado, o STF, em julgado
histórico, entendeu pela impossibilidade da coerção. A decisão, por maioria de
votos, concluiu que o direito à intimidade biológica prevalece sobre a busca da
verdade biológica. Por outro lado, a recusa na realização do DNA trouxe também
a presunção relativa de paternidade/maternidade na forma da Súmula 301 do STJ.
Em tempos mais recentes, passou a vigorar no ordenamento pátrio a Lei nº
12.004/2009, que fixou uma presunção relativa de paternidade, disciplinando a
realização de DNA e introduzindo na Lei 8.560/1992, expressamente, a presun-
ção para as hipóteses que o suposto pai se negar a realizar o exame, exigindo-se, no
entanto, uma análise do contexto probatório constante dos autos.

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Antes do advento da Lei nº 12.004/2009, o STJ já vinha adotando, nos
casos de recusa de realização de DNA, o princípio da inversão do ônus da
prova; assim, cabia ao investigado realizar prova contrária à alegação dos
autos; dessa forma, conclui-se que a Lei veio a consagrar o entendimento já
sumulado pelo Superior Tribunal.
Por outro lado, embora não muito frequente, é possível ao pai mover ação
com pedido de negatória de paternidade, em que requer a produção de prova de
exame de DNA, com vista à exclusão da paternidade. Nesse caso, havendo a recusa
da mãe ou do filho na realização do exame de DNA, há a inversão do ônus da
prova – e, portanto, a presunção milita em favor do pai, conforme entendimento
resultante do julgamento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no
REsp.nº. 786.312, em maio de 2009, sendo desconstituída a paternidade, e, no
caso em questão, não se reconheceu a paternidade socioafetiva, já que a ação foi
proposta quando a criança se encontrava, ainda, com dois anos de idade.

Reconhecimento voluntário do filho e sua irrevogabilidade

Tratando-se de voluntário de reconhecimento de paternidade, que não raro


se encontra (conhecida, popularmente, por adoção à brasileira), em que a pessoa
registra em seu nome filho de outra pessoa, mas consciente de tal particularida-
de, o entendimento é de que será incabível a ação negatória de paternidade, sen-
do tal ato de nobreza realizado em benefício do menor, tornando-o irrevogável
(artigo 1.610 do CC/02).
Caso o reconhecimento materno tenha sido realizado espontaneamente, sem
qualquer vício, será incabível a contestação em juízo, considerando as mesmas
razões expostas em relação ao pai, já que o gesto de nobreza se deu em favor do
menor e não poderá ser revogado.
O reconhecimento voluntário dos filhos decorre da própria vontade do(s) ge-
nitor(es) (ato personalíssimo), podendo ocorrer em conjunto ou sucessivamente
(artigo 1.607 do CC/02 e artigo 26 do ECA), sendo seus efeitos erga omnes.
O artigo 1.609 do CC/02 prevê quatro formas de reconhecimento voluntário
dos filhos, todas irrevogáveis e irretratáveis, que sequer podem estar submetidas
a termo ou encargo, conforme artigo 1.613 do CC/02, sendo ainda de eficácia
declaratória e erga omnes (confissão do vínculo).

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O ato de reconhecimento voluntário de filhos pode preceder ao nascimento
(artigo 26, parágrafo único, ECA; artigo 1.609, parágrafo único, CC/02) e, em
qualquer hipótese, deve ser considerado ato jurídico unilateral e personalíssimo.
Nas lições de Maria Berenice Dias:

O reconhecimento voluntário da paternidade independe da prova da


origem genética. É um ato espontâneo, solene, público e incondicional.
Como gera o estado de filiação, é irretratável e indisponível. Não pode
estar sujeito a termo, sendo descabido o estabelecimento de qualquer
condição (CC 1.613). É ato livre, pessoal, irrevogável e de eficácia erga
omnes. (DIAS, 2015, p. 415)

Em que pese estar a jurisprudência numa forte tendência de prevalência da


paternidade socioafetiva, é possível encontrar algumas decisões divergentes, tendo
a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decido pela procedência do pedido
negatório de paternidade sob o fundamento de que, com a descoberta da ine-
xistência do vínculo biológico, rompeu-se a socioafetividade, descaracterizando,
assim, a paternidade (Informações da Assessoria de Imprensa do STJ, conforme
Consultor Jurídico, edição de 24.02.2015).
Por outro lado, muitos são os julgados que reconhecem a prevalência da filia-
ção socioafetiva: no processo 2013.06.1.001874-5, j.06.06.2014, cuja sentença
foi proferida pela Vara da Família de Sobradinho, no Distrito Federal, atribui-
-se a dupla paternidade, para todos os fins jurídicos, tanto para o pai biológico
quanto para o socioafetivo; outra sentença foi prolatada pela 15 ª Vara da Família
da Capital do Rio de Janeiro, reconhecendo o direito de três irmãos terem duas
mães, a biológica e a socioafetiva, em seus registros de nascimento; outra decisão
de igual importância foi proferida pela 3ª Vara Cível de Santana do Livramento,
Rio Grande do Sul, tendo a juíza decidido que, na certidão de nascimento de uma
criança de cinco anos, passaria a constar o nome do pai biológico e do pai que a
registrou (o socioafetivo) e que com a criança convive desde o nascimento.
Cabe destacar que, quanto ao reconhecimento dos filhos, todo nascimento
deve ser registrado, obrigatoriamente, em cartório, sendo o ato de reconhecimento
um dever jurídico do pai, considerando que a mãe ainda está em recuperação pós-
-parto; em sua falta ou impedimento, o dever será da mãe, conforme regramento
contido na Lei nº 6.015, de 31.12.1973, artigos 50 a 66.

capítulo 4 • 118
Embora o sistema de prova da filiação adotado pelo Código Civil seja o da
prova pré-constituída, ou seja, a filiação se prova pela certidão do termo de nasci-
mento registrada no Registro Civil, na forma do artigo 1.603 do CC/02, que tem
efeito declaratório, essa prova é “quase” absoluta, podendo o registro ser invalida-
do por erro ou falsidade ou a filiação ser provada por outros meios (artigo 1.605,
CC/02, cujo rol é exemplificativo).
É certo que o registro de nascimento não é a única forma de reconhecimento
voluntário da paternidade. A escritura pública, o escrito particular, o testamento e
a declaração manifestada perante o juiz também comprovam a filiação de acordo
com o artigo 1.609 do CC/02, sendo o ato voluntário e que gera os deveres de-
correntes do poder familiar.
Ademais, entre os meios de prova admitidos, confere-se a posse do estado
de filho, pois, se tratando de filiação, além de se prestigiar a filiação socioafeti-
va, prestigia-se o princípio da aparência, em que, inexistindo registro ou defei-
to de termo de nascimento, deve prevalecer a posse do estado de filho (quando
a pessoa desfruta de situação jurídica que não corresponde à verdade), que se
revela pela convivência familiar, passando a existir o afetivo (artigo 1.593 do
CC/02), mesmo porque a comprovação de origem genética, ainda que com
o exame de DNA, por si só, não é suficiente para demonstrar a existência de
relação de parentesco (dessacralização do DNA), uma vez que a paternidade
pode ser determinada pela afetividade.
De acordo com o artigo 1.606 do CC/02, é cabível a propositura de ação de
prova de filiação, cuja legitimidade é conferida ao filho enquanto viver, passando
aos seus herdeiros se morrer menor ou incapaz. Iniciada a ação pelo filho, os her-
deiros poderão dar continuidade, salvo se julgado extinto o processo.
Segundo Maria Berenice Dias (2015, p. 396), “O direito de conhecer a
origem genética, a própria ascendência familiar, trata-se de preceito funda-
mental, um direito da personalidade: direito individual, personalíssimo, que é
necessariamente o direito à filiação”.
A ação de prova de filiação se difere em vários aspectos da investigação de pa-
ternidade ou maternidade. A primeira se dá nos casos do artigo 1.606 do CC/02, e
há o relacionamento socioafetivo. Por outro lado, na investigação de paternidade,
em grande parte dos casos, há animosidade entre as partes, pois trata dos casos em
que a figura paterna ou materna recusou-se ao reconhecimento espontâneo.
O reconhecimento de filho que tenha atingido a maioridade apenas pode
se dar com o seu consentimento, em que pese a recusa imotivada não impedir o

capítulo 4 • 119
reconhecimento via judicial. Sendo o filho menor, terá, ao alcançar a maioridade,
o prazo de 4 (quatro) anos para impugná-la por meio de ação judicial, caso não
tenha sido feito anteriormente por seu representante legal, conforme se verifica na
análise do artigo 1.613 do CC/02, cujos efeitos serão extunc.
Necessário, ainda, tratar do tema quando não houver o reconhecimento espon-
tâneo pela figura paterna ou mesmo pela materna (esse último, mais raro). Sendo a
filiação um direito da personalidade e que envolve a dignidade da pessoa humana, cabe
ao filho o direito de ver reconhecida a paternidade e, consequentemente, a filiação.
Vale salientar que a genitora, ainda que casada, ao registrar o filho, não está
obrigada a fazê-lo no nome do marido, não precisando sequer declinar quem é
o pai. No entanto, caso indique no ato do registro como genitor quem não é
o seu marido, será instaurado procedimento oficioso e informal, podendo gerar
ação judicial de investigação de paternidade na forma da Lei 8.560/92, em que o
Ministério Público atuará nos interesses da criança, caso a mãe não intente ação
de investigação de paternidade representando o filho menor.
O filho havido fora do casamento (pois no casamento há a presunção - arti-
go 1.597 do CC/02), em cujo registro não tenha o nome do genitor (a), poderá
demandar, visando a obter judicialmente a regularização de seu registro de nas-
cimento, a inclusão do nome paterno/materno. O rito da ação é o comum, po-
dendo ser intentada a qualquer tempo, pois não está sujeita a prazo decadencial.
Sendo uma ação de Estado, obrigatoriamente, funcionará o Ministério Público,
sob pena de nulidade.
A legitimidade para propor a ação é do filho, sendo um direito persona-
líssimo, devendo estar representado ou assistido por seu representante legal,
se menor de idade, e, havendo negligência do representante legal, poderá o
Ministério Público ajuizar a ação investigatória em nome próprio, operando-
-se a substituição processual (Lei nº 8.560/90).
Por se tratar de ação personalíssima, diverge a doutrina quanto à possibilidade
de substituição do polo ativo em caso de falecimento, sendo que Paulo Nader,
Carvalho Santos, Clóvis Beviláqua, Arnoldo Medeiros da Fonseca e outros dou-
trinadores admitem o prosseguimento da ação pelos herdeiros, enquanto Carlos
Maximiliano posiciona-se de forma contrária.
É legitimado passivo na ação de investigação (reconhecimento) de paternida-
de/maternidade o suposto pai ou suposta mãe, ou seus herdeiros necessários (não
é em face do espólio, e sim de cada um dos herdeiros), em caso de falecimen-
to (artigo 27 do ECA), pois, ainda que não haja herança, o reconhecimento do

capítulo 4 • 120
vínculo é também de ordem moral; ademais, o Código Civil atual não condiciona
a propositura da ação a nenhuma exigência (existente no artigo 363 do CC/16 –
REVOGADO), prevalecendo o princípio da verdade real.
No que tange ao polo passivo da ação, o investigado poderá se opor ao pe-
dido de reconhecimento, negando a existência de relação sexual com a figura do
outro genitor; nesse caso, decisiva será a realização de prova por exame de DNA.
No entanto, conforme estudado anteriormente, poderá o investigado se negar a
submeter-se ao exame, o que gerará a presunção, ainda que relativa, de filiação, na
forma da Lei nº 12.004/09 e Súmula 301 do STJ.
Considerando ser a filiação um direito da personalidade e que ela representa
a dignidade da pessoa humana, Maria Berenice Dias (disponível em Consultor
Jurídico- <https://goo.gl/1j8aKR>, edição de 5.8.2009), ao tecer comentários so-
bre a Lei nº 12.004/09, pondera que, em vez de apenas confirmar a orientação
jurisprudencial, caberia ao legislador de plano

[...] autorizar o registro da paternidade no procedimento de averiguação


oficiosa da paternidade, que se instaura quando a genitora informa,
no ato do registro, quem é o genitor. A medida seria extremamente
salutar, a exemplo do que acontece em outros países. Ante a negativa
de quem foi indicado como genitor a submeter-se ao exame do DNA,
o juiz deveria determinar o registro. (DIAS, 2009)

Portanto, em caso de recusa à realização do DNA, deveria haver a imediata


presunção de paternidade/maternidade diante de averiguação oficiosa, cabendo ao
interessado, se não estiver de acordo com a decisão judicial, o ajuizamento de ação
negatória de paternidade, ou seja, em vez de o filho ter de ingressar com a ação de
investigação, estando sujeito à recusa de realização do exame de DNA pelo inves-
tigado, caberia ao último, se entendesse não ser pai, ingressar com a ação negatória
de paternidade, provando a não filiação por meio de DNA, e assim, certamente,
haveria uma redução drástica da recusa de realização do exame, facilitando o reco-
nhecimento de um direito essencial à dignidade da pessoa humana.

capítulo 4 • 121
Poder familiar

Com o advento da Constituição Federal de 1988 e a igualdade entre homem


e mulher (artigo 5º, I, e artigo 226), foi alterada de forma significativa, também,
a figura do poder familiar, que, até então, concentrava, na sociedade conjugal, a
hierarquia na figura paterna, tendo a Constituição derrogado inúmeros artigos do
CC/1916 que se referiam à condução da sociedade conjugal e familiar exclusiva-
mente ao pai, passando a substituir o termo pátrio poder por poder familiar ou
responsabilidade parental, sendo, na realidade, um poder-dever parental, alcan-
çando ambos os genitores, na forma do artigo 226, § 5º, da CF/88.
No casamento ou na união estável, o poder familiar caberá igualmente aos
pais, e, na ausência, falta ou impedimento de um deles, será exercido pelo outro
genitor com exclusividade: é o que prevê o artigo 1.631 do CC/02. Caso ocorra
alguma divergência no que tange ao exercício do poder familiar, a via judicial
poderá ser acionada para que o juiz venha dirimir o conflito; no entanto, antes de
qualquer imposição judicial, deverá se tentar os meios autocompositivos de confli-
to, em especial a mediação, considerando a manutenção do vínculo e necessidade
de relação continuada.
Em se tratando de união homoafetiva, o exercício do poder familiar ca-
berá aos dois homens ou às duas mulheres, não havendo qualquer ressalva
quanto à matéria.
Sustenta Paulo Nader (2009, p. 401-402) que:

poder familiar é o instituto de ordem pública que atribui aos pais a função de
criar, prover a educação de filhos menores não emancipados e administrar
eventuais bens. [...]. O poder familiar, modernamente, é concebido como
instituto de proteção e assistência à criança e ao adolescente e não como
fórmula autoritária de mando para benefício pessoal.

Hodiernamente, não se fala mais em poder dos pais, mas em conduta de


proteção, de orientação e acompanhamento dos pais, estando os filhos sujeitos,
enquanto menores, ao poder familiar, conforme dispõe artigo 1.630 do CC/02.
O artigo 1.634 do CC/02, alterado pela Lei 13.058/2014, traz a competência
dos pais em relação à pessoa dos filhos e ao exercício do poder familiar, que, sendo

capítulo 4 • 122
uma função de ordem pública, não pode ser negligenciada pelos pais, valendo
ressaltar que os poderes-deveres dos pais não se esgotam no rol do artigo citado,
pois, em conjunto, há no Estatuto da Criança e Adolescente os artigos 8º, 19, 22,
33 e 237, assim como no próprio Código Civil os artigos do CC/02 1.517, 1.630,
1.729, 1.730, 1.689 a 1.693 e 1.634.
No que tange ao inciso IX do artigo 1.634 do CC/02, a possibilidade dos pais
de exigir dos filhos que lhes prestem obediência, respeito e serviços próprios de
sua idade e condição, ser analisada e exercida sob a luz dos princípios do melhor
interesse da criança e do adolescente, e da dignidade da pessoa humana, sendo ve-
dados maus-tratos e relação ditatorial, pois, comprovado o excesso no exercício do
poder familiar, acarretará a perda ou suspensão do mesmo, além de configurar ato
ilícito passível de responsabilidade civil e indenização por danos morais aos filhos
quando comprovada a ocorrência de maus-tratos, passando a vigorar, no Brasil,
a Lei 13.010/2014, também conhecida como Lei da Palmada ou Lei Menino
Bernardo (criança que era vítima de violência praticada pela mãe e pelo padrasto).
Ademais, cabe aos pais, segundo artigo 1.634, VII, e artigo 1.690 do CC/02,
representar os filhos menores judicial e extrajudicialmente, sendo representados
quando a incapacidade for absoluta e assistidos quando relativa. Caso haja diver-
gência entre os pais no que se refere a decisões que deveriam ser comuns em ques-
tões relativas aos filhos, poderá o interessado buscar a via judicial para a solução,
sempre considerando o melhor interesse da criança e do adolescente.

Suspensão, Destituição e Extinção do Poder Familiar

O poder familiar é função munus irrenunciável, intransmissível e indelegável,


instituído em favor dos filhos e, por isso, sujeito a fiscalização e controle do Estado.
A suspensão do poder familiar pode ocorrer quando, por ordem judicial, se
priva um ou ambos os pais, temporariamente, do exercício (total ou parcial) do
poder familiar em benefício do filho, a quem poderá ser nomeado curador especial,
tratando-se a suspensão e a destituição do poder familiar de sanção imposta àquele
que deixar de cumprir, ou cumprir indevidamente, seu poder perante os filhos.
Tais restrições ao exercício do poder familiar visam à proteção do bem-estar do
filho menor ou incapaz, conforme dispõe o artigo 1.637 CC/02 e o artigo 22 do ECA.
As medidas de suspensão (artigo 1.637 do CC/02) aplicadas são consideradas
temporárias, perdurando enquanto verificadas as causas que lhe deram origem.

capítulo 4 • 123
A destituição (perda) do poder familiar decorre de graves sanções impostas aos
pais pela quebra do exercício (artigo 1.638 do CC/02).
Segundo Flavio Tartuce (2016, p. 1.413), citando Jones Figueirêdo Alves e
Mário Luiz Delgado:

O novo dispositivo veio alterar substancialmente o tratamento do tema,


não havendo mais um rol taxativo (numerus clausus) a fundamentar
a destituição do poder familiar. Como se sabe, é nova tendência do
Direito Privado atual entender que as relações constantes em lei não
são taxativas, mas exemplificativas (numerus apertus).

A perda do poder familiar, em regra, é permanente e imperativa. No en-


tanto, tem entendido a jurisprudência que, embora permanente, não é defini-
tiva, podendo o seu exercício ser restabelecido se demonstrado judicialmente
a regeneração do pai ou mãe, ou o desaparecimento da causa que lhe deu ori-
gem. Frise-se que, havendo a perda do poder familiar, os genitores não estarão
exonerados da obrigação alimentar.
Vale salientar que artigo 23 do ECA prevê que a falta ou carência de recursos
não constitui, por si só, motivação para a perda do poder familiar, devendo, assim,
ser analisada toda a situação que envolve a relação familiar.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê regras processuais relacionadas
à propositura da ação de suspensão ou de perda do poder familiar, aplicando-se,
de forma supletiva, as normas do Código de Processo Civil, devendo a iniciativa
de propositura da ação se dar por meio do Ministério Público ou pela parte inte-
ressada, e, havendo motivo grave, poderá pelo juiz ser concedida medida liminar
suspendendo o poder familiar até o julgamento definitivo da causa, sendo a crian-
ça ou adolescente confiada a uma pessoa idônea ou à casa de acolhimento.
No artigo 1.635 do CC/2002, estão listadas as hipóteses de extinção do poder
familiar: morte dos pais ou do filho, considerando o caráter personalíssimo do
poder familiar; emancipação, conforme previsão do artigo 5º, parágrafo único,
do CC/02; pois estará se antecipando, também, os efeitos da maioridade para fins
civis; maioridade, aos 18 anos, diante da independência obtida; adoção, conside-
rando que restará rompido o vínculo familiar anterior; decisão judicial, nos casos
do artigo 1.638 do CC/02.

capítulo 4 • 124
Jurisprudência
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: Ap. Cível nº 70010114601, 7ª Câm. Cível, rel.
Des. Luiz Felipe Brasil Santos: “ECA. A destituição do poder familiar de pais que expõem
filhos pequenos à negligência e maus-tratos, ambiente familiar marcado por incesto e
abuso sexual, milita em favor dos interesses da criança na medida em que abre nova
perspectiva com a colocação em família substituta e possibilidade de adoção. Negaram
provimento. Unânime.” J. em 22.12.2004, consulta ao site do TJRS 14/03/2017.

Cabe ainda trazer à baila um instituto correlato ao poder familiar, podendo ser
motivo de perda da guarda pelo genitor, chegando-se a hipóteses de destituição do
poder familiar, e que, hodiernamente, vem sendo amplamente debatido na dou-
trina e na jurisprudência contemporâneas, que é a síndrome da alienação parental
(SPA) ou implantação das falsas memórias, sendo promulgada a Lei nº. 12.318,
de 26 de agosto de 2010, conhecida como Lei de Alienação Parental.

Jurisprudência
Regulamentação de visitas. Guarda da criança concedida ao pai. Visitas provisórias da
mãe. Necessidade. Preservação do superior interesse da menor. Síndrome da alienação
parental. Sentença de improcedência mantida. Recurso improvido, com determinação.
TJSP, Apelação com Revisão 552.528.4/5, Acórdão 2612430, Guarulhos, 8ª Câmara
de Direito Privado, Rei. Des. Caetano Lagrasta, j. 14.05.2008, DJESP 20.06.2008).

Nos termos do artigo 2º da Lei 12.318/2010:

Considera-se alienação parental a interferência na formação psicológica


da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores,
pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua
autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause
prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
(Disponível em: <https://goo.gl/Jv9o0R>. Acesso em: 15 mar. 2017)

capítulo 4 • 125
A prática do ato de alienação parental viola a dignidade da pessoa humana,
pois retira do filho o direito fundamentável de convivência familiar, que é base
para a formação saudável de um indivíduo, devendo ser preservada sua saúde
emocional. O abuso moral contra a criança e o adolescente deve ser rechaçado,
sendo a conduta altamente reprovada pela sociedade, pois põe em risco a saúde
emocional do filho, podendo, inclusive, gerar responsabilidade civil do alienador.
Caso seja detectado o ato de alienação parental, caberá ao Ministério Público re-
querer a tomada de medidas urgentes para a preservação da integridade psicológica da
criança ou do adolescente, devendo se dar a garantia mínima ao filho e ao genitor de
visitação, ainda que assistida, como forma de garantir a reaproximação, se for o caso.
O Código de Processo Civil trouxe capítulo próprio destinado às ações de
família e, em especial, abordou a questão do abuso ou alienação parental, caso em
que o juiz, ao tomar o depoimento do incapaz, se fará acompanhar por especialista
(artigo 699 do CPC/15).
Em que pese não haver previsão expressa na Lei 12.318/2010 quanto à des-
tituição do poder familiar, nos casos em que restar comprovada a ocorrência de
ato de alienação parental, preocupou-se a lei em estabelecer a possibilidade de
suspensão do poder familiar, havendo casos na jurisprudência de inversão de guar-
da e até mesmo perda do poder familiar nos casos avançados de Síndrome de
Alienação Parental.

Jurisprudência
APELAÇÃO CÍVEL. ALTERAÇÃO DE GUARDA. GUARDA INICIALMENTE CONCEDIDA
À AVÓ MATERNA. ALIENAÇÃO PARENTAL. PERDA DA GUARDA DE OUTRA NETA
EM RAZÃO DE MAUS-TRATOS. GENITOR QUE DETÉM PLENAS CONDIÇÕES DE
DESEMPENHÁ-LA. Inexistindo nos autos qualquer evidência de que o genitor não
esteja habilitado a exercer satisfatoriamente a guarda de seu filho, e tendo a prova
técnica evidenciado que o infante estaria sendo vítima de alienação parental por parte
da avó-guardiã, que, inclusive, perdeu a guarda de outra neta em razão de maus-tratos,
imperiosa a alteração da guarda do menino. Preliminar Rejeitada. Apelação Provida.
(Apelação Cível Nº 70043037902, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 29/09/2011). BRASIL - TJRS -
Apelação Cível Nº 70043037902. Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em
29/09/2011. Publicação 04.10.2011.

capítulo 4 • 126
Guarda

O termo guarda tem origem no termo alemão wargen, que significa guarda, espera.
Embora o vocábulo tenha significados plúrimos, a guarda dos filhos é uma
das atribuições do poder familiar, sendo certo que a dissolução da sociedade ou
do vínculo conjugal não modifica os direitos e deveres dos pais em relação aos
filhos, ou seja, mesmo quando a sociedade conjugal se desfaz, permanece o poder
familiar, em que pese o fato de que, por longos anos da história da sociedade, cos-
tumou-se atribuir apenas a um dos genitores a guarda do filho menor, conceden-
do-se ao outro a visitação. No entanto, mudanças foram ocorrendo na sociedade
e na forma de se enxergar o direito de guarda, chegando ao que se denominou
compartilhamento da guarda.
Nas lições de Maria Berenice Dias (2015, p. 522), “A palavra guarda significa
verdadeira coisificação do filho, colocando-o muito mais na condição de objeto do
que de sujeito de direito. Daí a preferência pela expressão direito de convivência”.
Segundo lições de Paulo Nader:

Por guarda deve-se entender não apenas o poder de conservar o


menor sob vigilância e companhia, mas fundamentalmente o de
orientá-lo no cotidiano, dando-lhe a assistência de que necessita,
sem com isto exonerar a responsabilidade de outrem. São muitas
as responsabilidades advindas da guarda, inclusive as decorrentes
de ilícito civil praticado pelo menor, desde que positivada a culpa in
vigilando do guardião. (NADER, 2016, p. 419).

Numa visão histórica, os filhos sempre estiveram sob os cuidados da mãe. Em


uma sociedade extremamente machista, aos meninos não era dada a possibilidade
de brincarem de boneca, de casinha ou mesmo entrarem na cozinha da casa, pois
eram vistos como provedores da família ao chegarem à fase adulta e, casados,
seriam os chefes da família; logo, seus brinquedos eram bolas, carinhos e armas.
Às meninas, era conferido o ofício da maternidade; assim, ganhavam bonecas e
panelinhas, ou seja, tarefas do lar. Com isso, formou-se a ideia de que a guarda
dos filhos deveria ser da figura materna, pois teria melhores condições de exercer
os cuidados necessários, e assim foi por longos anos.

capítulo 4 • 127
A sociedade, no entanto, veio se modernizando, tendo surgido a Lei do
Divórcio, e no Código Civil de 1916 previu-se que, em caso de dissolução da
sociedade conjugal, não tendo os cônjuges chegado a um acordo e havendo culpa
pela dissolução, a guarda ficaria com o cônjuge inocente como uma forma de
punição ao culpado pela separação. Sendo ambos culpados, os filhos menores
poderiam ficar com a mãe.
Mas os tempos mudaram, e os pais passaram a reclamar o direito à guarda dos
filhos; afinal, a Constituição Federal trouxe a igualdade entre homens e mulheres.
Assim, o primeiro avanço se deu com o advento da Lei nº 11.698/2008 (Lei
da Guarda Compartilhada), deixando de ser priorizada a guarda unilateral ou
individual, sendo essa mudança significativa.
O código Civil de 2002 trouxe a definição de guarda unilateral e guarda com-
partilhada (artigo 1.583, § 1º, do CC/02), bem como apontou a preferência pelo
compartilhamento (artigo 1.584, § 2º, do CC/02); no entanto, por não ser impo-
sição legal a fixação da guarda compartilhada, permanecia-se a ocorrer, na prática,
a guarda unilateral, seja por vontade das partes, quando a dissolução do casamento
se dava de forma consensual, seja por fixação legal, em caso de litígio.
A Lei nº 13.058/14, também conhecida como Lei da Igualdade Parental,
trouxe, então, como principal modalidade de guarda, o compartilhamento (artigo
1.583, §2º, do CC/02): o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de
forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições
fáticas e os interesses dos filhos. A lei veio priorizando o compartilhamento da
convivência (guarda) e estabelecendo igualdade parental entre genitores.

capítulo 4 • 128
Flavio Tartuce (2016, p.1.332, 1.333) apresenta uma explicação didática so-
bre as modalidades de guarda existentes de forma a diferenciá-las:

Guarda unilateral: uma pessoa tem a guarda enquanto a outra


tem, a seu favor, a regulamentação de visitas. Essa sempre foi a
forma mais comum de guarda, trazendo o inconveniente de privar
o menor da convivência contínua de um dos genitores. Em razão
desse inconveniente é que se operaram as mudanças legislativas
aqui expostas.
Guarda alternada: o filho permanece um tempo com o pai e um
tempo com a mãe, pernoitando certos dias da semana com o pai e
outros com a mãe. A título de exemplo, o filho permanece de segunda
a quarta-feira com o pai e de quinta-feira a domingo com a mãe. Essa
forma de guarda não é recomendável, eis que pode trazer confusões
psicológicas à criança. Com tom didático, pode-se dizer que essa é a
guarda pingue-pongue, pois a criança permanece com cada um dos
genitores por períodos ininterruptos. Alguns a denominam como a
guarda do mochileiro, pois o filho sempre deve arrumar a sua mala ou
mochila para ir à outra casa. O presente autor entende que é altamente
inconveniente, pois a criança perde seu referencial, eis que recebe
tratamentos diferentes quando na casa paterna e na materna [...].
Guarda compartilhada ou guarda conjunta: hipótese em que pai
e mãe dividem as atribuições relacionadas ao filho, que irá conviver
com ambos, sendo essa sua grande vantagem. Ilustrando, o filho tem
apenas um lar, convivendo sempre que possível com os seus pais,
que estão sempre presentes na vida cotidiana do filho. Essa forma de
guarda é a mais recomendável [...]
Guarda da nidação ou aninhamento: conforme explicam Pablo
Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, trata-se de modalidade
comum em Países europeus, presente quando os filhos permanecem
no mesmo domicílio em que vivia o casal dissolvido, revezando os pais
em sua companhia. A expressão aninhamento tem relação com a figura
do ninho, qual seja, o local de residência dos filhos. Além da falta de
previsão legal, tal forma de guarda encontra resistências econômicas,
eis que os pais manterão, além do ninho, as suas residências próprias.

capítulo 4 • 129
Considerando que os filhos necessitam do convívio com ambos os geni-
tores, salvo os casos em que isso se torne impossível ou inviável, é que se pas-
sou a ter como regramento a guarda compartilhada ou o direito de convivência
em compartilhamento.
Vale dizer que, quanto mais conflituosa a relação entre os pais, mais se deve
deixar regulamentado o regime de convivência, evitando, com isso, que um genitor
fique sob o poder de autorização do outro para que tenha o convívio com o filho.
O Código Civil de 2002 disciplina a guarda em dois momentos: de filhos
havidos fora do casamento (artigos 1.611 e 1.612) e quando decorrentes da disso-
lução matrimonial (artigos 1.583 a 1.590).
Quando a guarda decorre de dissolução do casamento, o Código Civil/02 prevê a
guarda unilateral (exclusiva ou monoparental), a guarda compartilhada ou conjunta.
Qualquer das formas de guarda pode ser requerida por consenso ou por qualquer
dos genitores em ação de separação ou divórcio, ou de forma autônoma; no entanto, o
judiciário tem entendido que a guarda compartilhada é, hoje, a regra no ordenamento
jurídico brasileiro, sendo preferencialmente fixada, indeferindo pedidos de guarda e
não homologando acordos que tratem da guarda na modalidade unilateral.
Vale, por fim, lembrar que: as novas núpcias do genitor não lhe fazem perder
o direito de ter consigo os filhos (artigo 1.588 do CC/02); que o direito de visita
é conferido ao genitor que não possui a guarda, mas, para além de um direito do
pai, é um direito dos filhos em manter a convivência afetiva com o seu genitor
(artigo 1.589, CC); o fator determinante na fixação de qualquer das modalidades
de guarda deve ser o melhor interesse do menor ou incapaz, não sendo decisivos
os fatores econômicos.
Não havendo consenso entre os genitores quanto à guarda dos filhos, caberá à
justiça a difícil tarefa de decidir, sempre preservando o melhor interesse da criança
e do adolescente, privilegiando a guarda compartilhada, de forma a manter um
equilíbrio quanto ao tempo de convivência dos filhos com os genitores.
Recomenda-se a oitiva da criança sempre que possível e, como forma de auxi-
liar o juiz, a elaboração de laudo (estudo social), socorrendo-se de profissionais de
outras áreas, como o psicólogo e assistente social.
No que tange à competência para a propositura de ação relacionada à guarda
dos filhos, o critério utilizado é o do local onde se encontra a criança ou o ado-
lescente (Súmula 383 do STJ), devendo tramitar junto à vara de família, e apenas
será de competência da vara da infância e juventude se a criança ou o adolescente
estiver com seus direitos ameaçados ou violados por ato de abuso ou ato omissivo

capítulo 4 • 130
dos genitores ou responsáveis. A ação tramitará em segredo de justiça e será obri-
gatória a participação de Membro do Ministério Público, quando esse não for
parte, sob pena de nulidade.
No entanto, os meios autocompositivos, em especial a mediação de conflitos,
são os mais adequados para solver o litígio, haja vista a chance de possibilitar às
partes uma reflexão sobre a situação em que se encontram, enfrentando seus con-
ceitos e preconceitos, suas decepções, sentimentos negativos, como raiva, rancor,
entre outros, conscientizando-se da necessidade de manutenção do vínculo entre
os envolvidos na controvérsia, bem como levando-os a assumir suas próprias res-
ponsabilidades, com uma solução alcançada por ambos e não ditada pelo juiz, em
que estarão preservando o melhor interesse dos filhos, numa visão de que os pais
sempre desejam o melhor para aqueles que amam.

Guarda Compartilhada

O Código Civil de 2002, ao ser promulgado, não trouxe a previsão expressa


de compartilhamento de guarda, embora a doutrina e a jurisprudência admitissem
a possibilidade, ainda que timidamente. Pela guarda compartilhada entendia-se
que os pais, embora não vivessem sob o mesmo teto, poderiam dividir entre si as
atribuições, cuidados, companhia e proteção dos filhos.
Com o advento da Lei nº 11.698, de 13.06.2008, é que se teve, inicial-
mente, disposição legal a esse respeito, alterando o conteúdo dos artigos 1.583
e 1.584 do Código Civil de 2002. A Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de
2014, mais uma vez alterou os artigos 1.583, 1.584, além de trazer também
mudanças aos artigos 1.585 e 1.634 do Código Civil/02, objetivando fixar o
termo “guarda compartilhada”, devendo o tempo de convivência entre pais e
filhos se dar de forma equilibrada.
Por disposição legal, a guarda compartilhada, também chamada de compar-
tilhamento da convivência, pode ser fixada de comum acordo entre os genitores
ou por disposição judicial, pois, na falta de acordo entre os genitores, o juiz dará
preferência ao compartilhamento da guarda sempre que possível, devendo, no
entanto, prevalecer o melhor interesse dos filhos no caso concreto.
Como o melhor interesse dos filhos nem sempre poderá se revelar ao juiz,
deverá esse valer-se de apoio técnico para embasar sua decisão por meio de laudo
técnico emitido por profissional ou equipe interdisciplinar, sendo dada a oportu-
nidade aos genitores de manifestação sobre as orientações fornecidas pelo laudo.

capítulo 4 • 131
Ademais, não sendo harmoniosa a relação entre os genitores, o compartilha-
mento necessitará de regulamento com vistas a ficarem bem definidas as atribui-
ções de cada genitor, definindo-se, ainda, quanto tempo de convivência terão os
filhos com um e outro.
No que se refere à verba alimentar para os cuidados do filho, a criação e a
educação deles, deve se ajustar às peculiaridades do caso concreto, levando sempre
em consideração a necessidade de quem depende dos alimentos e a possibilidade
de quem deve provê-los.

CURIOSIDADE
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão relatado pela ministra Nancy
Andrighi, negou à mãe o direito de levar consigo, para os Estados Unidos, os três filhos que
viviam em sua companhia e em regime de guarda compartilhada. Em suas alegações, a re-
querente havia esclarecido que fora contemplada com uma vaga para curso de mestrado e
que o seu novo companheiro, de quem se encontrava grávida, estava vivendo naquele País.
Em suas razões, a ministra declarou que “não é aconselhável que sejam as crianças privadas,
nesse momento de vida, do convívio paterno, fundamental para um equilibrado desenvolvi-
mento de sua identidade pessoal”. Não seria recomendável que os filhos, aduziu, ficassem
distantes de sua mãe, pelo que o desejável seria a composição dos interesses individuais em
harmonia com o bem-estar dos filhos. STJ, 3ª Turma, Medida Cautelar nº 16357/DF, j. em
02.02.2010, pub. DJe em 16.03.2010. (NADER, 2016, p. 423)

Guarda para fins exclusivamente previdenciários

O instituto da guarda deve ser visto com base no melhor interesse da criança
e do adolescente; assim, a legislação prevê hipóteses em que, sendo necessário, a
criança ou o adolescente será colocado sob a guarda de terceiro que não seja seu
pai ou mãe, podendo ser atribuída a um parente próximo ou mesmo colocado em
família substituta.
Na pratica, constata-se que inúmeros são os casos em que a guarda de fato
sempre esteve com os avós ou outros parentes da criança, que, somente longo
tempo depois de exercerem a guarda, buscam o judiciário para formalizá-la.
A guarda é concedida a terceiro quando os pais não apresentarem condições

capítulo 4 • 132
de exercer, com plenitude, seus deveres inerentes ao poder familiar, seja por
motivos temporários ou permanentes.
No entanto, quando a guarda for requerida apenas com fins previdenciários,
ou seja, para que o menor fique amparado no caso de óbito de algum parente
que pretende que a pensão por morte seja destinada a criança ou o adolescente, a
jurisprudência tem rechaçado o direito de concessão de guarda.
É possível se fazer uma breve evolução histórica no que concerne à guarda e à
relação previdenciária, sabendo-se que, em 1990, entrou em vigor o Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), que, no § 3º do artigo 33, passou a
prever que a guarda confere à criança e ao adolescente o direito a ser considerado
dependente para fins previdenciários. O ECA tem como objetivo a proteção inte-
gral das pessoas protegidas pelo estatuto.
A Lei nº 8.213/91, tratando sobre os Planos de Benefícios do Regime Geral
de Previdência Social, entrou em vigor, trazendo em seu artigo 16, § 2º, quem
seriam as pessoas a terem qualidade de dependentes dos segurados, entre eles o
menor sob guarda.
Em 1996, a MP 1.523/96, que posteriormente foi convertida na Lei nº
9.528/97, que alterou o texto do § 2º do artigo 16 da Lei nº 8.213/91, excluiu
do rol de dependentes o menor sob guarda; no entanto, não houve qualquer alte-
ração no que refere ao ECA, que continuou prevendo o menor sob guarda como
dependente para fins previdenciários, passando a haver um conflito de normas.
No entanto, o ECA não pode ser tratado como uma simples lei, pois objetiva
proteger e amparar o menor por meio de políticas públicas, cumprindo o artigo
227 CF/88; nesse sentido, o STJ decidiu, em recurso especial publicado em de-
zembro de 2016, que ao menor sob guarda é concedida a qualidade de dependente
para fins previdenciários, pois a norma jurídica não pode conter conteúdo que
atente contra a dignidade da pessoa humana, e, embora a lei previdenciária seja
considerada norma específica, o ECA é estatuto que disciplina a proteção integral
da criança e do adolescente, devendo prevalecer sobre a lei previdenciária.

capítulo 4 • 133
Julgado do Superior Tribunal de Justiça:

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA.


ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS. ART. 16 DA LEI N. 8.213/90.
MODIFICAÇÃO PELA MP N. 1.523/96, CONVERTIDA NA LEI N.
9.528/97. CONFRONTO COM O ART. 33, § 3º, DO ECA. ART. 227
DA CONSTITUIÇÃO. INTERPRETAÇÃO CONFORME. PRINCÍPIO
DA PROTEÇÃO INTEGRAL E PREFERENCIAL DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE. 1. Ao menor sob guarda deve ser assegurado o
direito ao benefício da pensão por morte mesmo se o falecimento se
deu após a modificação legislativa promovida pela Lei n. 9.528/97 na
Lei n. 8.213/90. 2. O art. 33, § 3º, da Lei n. 8.069/90 deve prevalecer
sobre a modificação legislativa promovida na lei geral da previdência
social porquanto, nos termos do art. 227 da Constituição, é norma
fundamental o princípio da proteção integral e preferência da criança
e do adolescente. 3. Embargos de divergência acolhidos. (STJ. Corte
Especial. EREsp 1141788/RS, Min. Rel. João Otávio de Noronha,
julgado em 07/12/2016. Disponível em: <https://goo.gl/HcwrJ7>.)

Deve-se atentar que ao menor sob guarda será assegurada a qualidade de de-
pendente para fins previdenciários; no entanto, não será concedida a guarda com
fins meramente previdenciários, ou seja, não cabe aos avós, tios, entre outros,
requerer a concessão da guarda sem qualquer motivação, apenas para resguardar o
direito do menor em receber a pensão em caso de morte do guardião, sob pena de
se estar cometendo fraude.

capítulo 4 • 134
Nesse sentido, têm decidido os Tribunais:

Ementa: APELAÇÃO. GUARDA PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS.


AVÔ MATERNO. Não se defere a guarda para o avô, apenas para que
o neto obtenha os favores da previdência social, que goza o avô. Os
pais biológicos, de fato, continuam com a guarda do filho, e só por
simulação se estabeleceria a guarda em favor do avô. Quem
têm obrigação com os filhos menores são os pais, a quem incumbe
o dever de sustento, guarda e educação. Apelo desprovido. (TJ-RS -
Apelação Cível AC 70010357986 RS (TJ-RS). Data de publicação:
10/02/2005. Apelação Cível Nº 70010357986, Oitava Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Carlos Stangler Pereira,
Julgado em 30/12/2004). (Disponível em https://goo.gl/ZX6jeq.
Acesso em16/02/2017). [Grifo nosso.]
Ementa: GUARDA – Avô que pretende a guarda da neta que vive em
sua companhia juntamente com sua genitora – Mãe que apresenta
condições de exercer a guarda da menor – Pedido que se subsume no
que se convencionou chamar de "guarda para fins previdenciários",
de forma a garantir ao menor o pagamento de pensão, em caso
de falecimento do parente mais remoto, o que não corresponde às
verdadeiras finalidades do instituto da guarda, conforme previsto no
art. 33 do ECA, mas via oblíqua, que resulta em prejuízo ao erário
– Indeferimento - Recurso desprovido. (TJ-SP - Apelação APL
00014417120118260538 SP 0001441-71.2011.8.26.0538 (TJ-
SP) Data de publicação: 24/02/2016. Disponível em: <https://goo.
gl/FP4FG4>. Acesso em: 16 fev. 2017)

A obrigação com os filhos menores é dada aos genitores; dessa forma, cabe
a esses o exercício da guarda, somente sendo estabelecida em favor de terceiros
quando os genitores estiverem impossibilitados ou impedidos de exercer o dever
que lhes compete.

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ATIVIDADE
Sobre o Poder Familiar (ou Parental), assinale com V (Verdadeiro) ou F (Falso):
( ) Poder familiar é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais no tocante à pessoa
e aos bens dos filhos menores não emancipados.
( ) Tal como no Direito Romano, o poder familiar ainda se destina à proteção do exclusivo
interesse do chefe da família.
( ) Havendo divergência entre os pais com relação ao exercício do poder parental, qualquer
um deles pode recorrer ao juiz para que esse resolva o impasse.
( ) A dissolução da sociedade conjugal altera o poder familiar.
( ) Morrendo o pai, o poder será exercido unicamente pela mãe. Caso a mãe se case nova-
mente, ao novo marido deverá ser estendido esse poder.
( ) Estão contidos no poder familiar, por exemplo: a criação e a educação dos filhos; tê-los em
sua companhia e guarda; sustento; concessão (ou não) de consentimento para o casamento;
nomeação de tutor por testamento ou outro documento autêntico; o poder de reclamá-los
por ação de busca e apreensão de quem ilegitimamente os possua; exigir que lhes prestem
obediência e respeito; exigir que realizem tarefas próprias da idade.
( ) São causas que podem extinguir o poder parental: morte de um ou de ambos os pais; mor-
te do filho; maioridade; entrega do filho para adoção; emancipação; destituição por sentença
judicial e que estão enumeradas exemplificativamente no art. 1635, CC.
( ) São causas de perda do poder familiar: castigo imoderado; abandono; prática de atos
contrários à moral e aos bons costumes; incidência reiterada nas causas suspensivas do
poder familiar.
( ) A perda do poder familiar é permanente e definitiva, e abrange toda a prole.

GABARITO
V, F, V, F, F, V, F, V, F

RESUMO
Neste capítulo, foi possível compreender que a mudança no conceito de família trouxe
consigo alterações substanciais para o Direito de Família, como a mudança do Pátrio Poder
para o Poder Familiar, como forma de efetivação do princípio da igualdade entre os genito-

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res, alterando, de igual forma, o instituto da guarda, que, em uma visão do Melhor Interesse
da Criança e do Adolescente, passou a equilibrar a convivência de ambos os genitores com
o filho, prevalecendo no ordenamento jurídico a guarda compartilhada em detrimento da
guarda unilateral.
Ainda foi possível estudar a filiação como um direito da personalidade, assim como re-
conhecimento da paternidade, impondo à legislação meios eficazes para se obter o reconhe-
cimento da paternidade/maternidade quando houver a negativa de qualquer dos genitores,
considerando que o desconhecimento da verdade biológica viola frontalmente o Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana.
A sociedade tem evoluído em conceitos sobre os institutos que permeiam as relações
familiares, sempre buscando como base o afeto, o respeito, a dignidade da pessoa humana e
a proteção integral da família em qualquer modalidade que se apresente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
________. https://goo.gl/6DC2fn, edição de 05/08/2009.
CHAVES, R.; FARIAS, C. C. de; ROSENVALD, N. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
DIAS, M. B. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
NADER, P. Curso de Direito Civil, v. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
______. Curso de Direito Civil, v. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
TARTUCE, F. Manual de Direito Civil. São Paulo: Método, 2016.

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