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CONTRATO DE DOAÇÃO DE SÊMEN E O CONHECIMENTO DA

ORIGEM GENÉTICA NO BRASIL

SEMEN DONATION CONTRACT AND KNOWLEDGE OF GENETIC ORIGIN IN


BRAZIL

GRUPO DE TRABALHO 1 – RELAÇÕES NEGOCIAIS NO DIREITO PRIVADO

Gabriela Eduarda Marques Silva 1


Júlia Gaioso Nascimento2

Resumo
Houve uma grande evolução da área médica na genética, isso permitiu que casais inférteis
pudessem gerar um filho, por meio das modalidades de reprodução humana assistida,
constituindo a família desejada. O estudo parte dos aspectos gerais da reprodução humana
assistida, principalmente a heteróloga, visto que é a partir desta que surge a problemática do
tema, se o filho gerado pela reprodução assistida que se utilizou do material fecundante de
doador anônimo, poderá buscar sua origem genética. Para isso será elucidado o direito ao
estado de filiação e o contrato de doação de material genético para a reprodução assistida.
Tema relevante atualmente devido a acentuada demanda por tratamentos nas clínicas de
reprodução humana assistida e a carência de legislação. Para a realização deste trabalho, o
método utilizado foi o dedutivo, o qual corresponde à extração discursiva do conhecimento a
partir de premissas gerais aplicáveis a situações concretas, através da técnica de revisão
bibliográfica.

Palavras-chave: Contrato de doação de sêmen. Origem genética. Filiação.

Abstract
There was a great evolution of the medical area in genetics, this allowed infertile couples to
be able to generate a child, through the modalities of assisted human reproduction,
constituting the desired family. The study starts from the general aspects of assisted human
reproduction, mainly the heterologous one, since it is from this that the issue of the theme
arises, if the child generated by assisted reproduction that used the fertile material of
anonymous donor, will be able to search for its genetic origin. To this end, the right to a state

1
Graduada em Direito, pela Universidade Estatual de Londrina (UEL), Londrina/PR. Pós-Graduanda em direito
da família pela mesma instituição. Vinculada ao projeto de pesquisa “11742 – Do acesso à Justiça no Direito das
Famílias”, do Departamento de Direito Privado do Centro de Estudos Sociais Aplicados – CESA, da UEL. E-
mail: gabrielamarquesadv@hotmail.com
2
Graduada em Direito, pela Universidade Estatual de Londrina (UEL), Londrina/PR. Pós-Graduanda em Direito
Civil e Processo Civil pela mesma instituição. Vinculada ao projeto de pesquisa "11797 – Negócios Biojurídicos:
as Tecnologias e o Direito Civil", do Departamento de Direito Privado do Centro de Estudos Sociais Aplicados –
CESA, da UEL, sob orientação da Profª. Drª. Rita de Cássia Resquetti Tarifa Espolador. E-mail:
julia_gn_@hotmail.com
of affiliation and the contract for the donation of genetic material for assisted reproduction
will be elucidated. Currently a relevant topic due to the marked demand for treatments in
assisted human reproduction clinics and the lack of legislation. For the accomplishment of
this work, the method used was the deductive one, which corresponds to the discursive
extraction of knowledge from general premises applicable to concrete situations, through the
bibliographic review technique.

Key-words: Semen donation contract. Genetic origin. Affiliation.

INTRODUÇÃO

O avanço da medicina na área genética permite o acesso a todo material genético


humano. A partir dessa conquista alcançada pelas técnicas de reprodução assistida,
naturalmente, há uma ameaça a identidade humana ao possibilitarem a geração de novos seres
por meio de um planejamento científico.
As novas técnicas de reprodução assistida inserem-se nesse contexto e geram
problemas concretos no âmbito jurídico, criam questões biojurídicas não regulamentadas, que
requerem soluções por parte do direito, sob pena de haver violação de liberdades e garantias
de direitos inerentes a própria existência dos indivíduos. Assim, há muitas questões não
solucionadas sobre a filiação, relações de parentesco biológicas e afetivas, o anonimato do
doador de material genético.
É preciso analisar os efeitos e conseqüências prováveis da reprodução assistida, sob o
parâmetro dos direitos humanos, suas implicações nos direitos fundamentais, como o direito à
vida. Este, é um valor fundamental que precisa de tutela para resultar em benefício, não só
para a pessoa como para a humanidade como um todo. O tema é relevante atualmente, dada a
acentuada demanda por tratamentos nas clínicas de reprodução humana assistida, assim, deve
se buscar o equilíbrio entre a vida humana, a ética e os direitos humanos.

CONTRATO DE DOAÇÃO DE SÊMEN E O DIREITO DE BUSCAR A ORIGEM


GENÉTICA

A reprodução humana assistida consiste em um “conjunto de operações para unir,


artificialmente, os gametas feminino e masculino, dando origem a um ser humano” (DINIZ,
2014, p. 679), solucionando problemas de fertilidade humana. As técnicas de reprodução
humana assistida têm a função de auxiliar na resolução dos problemas de reprodução humana,
facilitando o processo de procriação, já que a infertilidade humana é um problema de saúde,
com implicações médicas e psicológicas.
Há duas espécies de técnicas de reprodução assistida: a inseminação artificial e a
fecundação artificial in vitro. Na inseminação artificial homóloga, a mulher é inseminada
artificialmente com o sêmen do próprio marido ou companheiro, o material genético
fornecido é oriundo do próprio casal interessado no projeto parental e na heteróloga, a
inseminação da mulher se realiza com o material genético de pessoa diversa da do seu
cônjuge ou companheiro podendo ser anônimo ou não, é realizada com material genético de
pelo menos um terceiro, aproveitando ou não os gametas de um ou de outro cônjuge.

Na reprodução humana assistida heteróloga, percebemos que será pai biológico, ou


mãe biológica, aquele, ou aquela, que, de maneira anônima, promoveu a doação de
seu material genético, masculino ou feminino, embora não receba o reconhecimento
legal de pai, ou de mãe, o qual será conferido, na forma socioafetiva [...] (FUGITA,
2011, p.64)

A origem genética é um fato natural, biológico, logo, imutável. Todo indivíduo tem
direito a descobrir sua ascendência genética, trata-se de um direito de personalidade
sopesando que, mesmo não havendo tratamento direto do direito à identidade pelo Código
Civil, os direitos de personalidade abrangem tudo o que é referente à pessoa humana.
Como bem expressa Dimas Messias de Carvalho (2017), o direito a conhecer a
ancestralidade independe de cláusulas sobre o anonimato de doadores de material fecundante,
observando que a origem genética não modifica a filiação jurídica, visto que esta é fundada na
socio afetividade, os vínculos de parentesco são mantidos.

[...] o direito de conhecer a ascendência familiar é um dos atributos do direito de


personalidade: direito à filiação. Seu exercício não significa inserção em uma
relação de família. Uma coisa é vindicar o conhecimento da origem genética, outra é
investigar a paternidade. (DIAS, 2017. p. 417)

É importante esclarecer que a paternidade não coincide, necessariamente, com


ascendência genética, trata-se de uma construção cultural e afetiva, baseada na convivência
diária dos pais com o filho. Os pais criam, educam e amam sua prole, enquanto os genitores
são, apenas, aqueles que geram o filho.
Ademais, quando se trata de crianças ou adolescentes, não há dúvidas do seu direito ao
conhecimento de sua origem genética, devido o princípio da proteção integral e no princípio
do melhor interesse do menor, assegurado pela Constituição Federal e pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente.
Um contrato que tem como objeto o material genético humano, não é um negócio
jurídico simples, sujeito ao regime clássico do direito civil dos contratos, visto que o
procedimento de acesso ao patrimônio genético não é uma relação unidimensional, mas sim
um complexo de vínculos jurídicos entre as partes, materializado em um instrumento de
consentimento prévio informado.

[...] em se tratando de material humano, o anonimato dos doadores e dos dados


referentes à saúde ou à constituição genética dos indivíduos contribui para sua
despersonalização ou “coisificação”. (SILVA, 2010, p. 225-226)

É uma questão que envolve a formação de um patrimônio genético humano, isolado e


destacado do corpo humano e a necessidade de dissociação entre o elemento coletado de um
corpo humano e a própria pessoa. A doação de sêmen, como bem destaca Camilo Barbosa
(2013, p. 47-50), deve observar os requisitos necessários de: boa saúde física e mental do
doador, idade entre 18 e 45 anos, livre vontade manifestada, gratuidade do ato e anonimato do
doador. Os doadores passam por exames clínico e biológico a fim de obter o máximo de
garantias para suprimir todos os riscos de enfermidades hereditárias e de consanguinidade.
Diante da falta de lei que regulamente a reprodução humana assistida, o Conselho
Federal de Medicina instituiu a Resolução n° 2.121/15, IV.4, “[...] Em situações especiais,
informações sobre os doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente
para médicos, resguardando-se a identidade civil do(a) doador(a).”
A Resolução trata do anonimato do doador de gameta nos casos de reprodução
heteróloga, estabelecendo o sigilo sobre os envolvidos como regra e apenas em situação
excepcionais os dados serão divulgados.

A doação de gametas não gera ao seu autor nenhuma consequência parental


relativamente à criança advinda. A doação é abandono a outrem, sem
arrependimento sem possibilidade de retorno. É medida de generosidade, medida
filantrópica. Essa consideração é o fundamento da exclusão de qualquer vínculo de
filiação entre o doador e a criança oriunda da procriação. É, igualmente, justificação
do princípio do anonimato. (LEITE,1995, p.41)

No Brasil, a doação de gametas deve ser gratuita e ao doar o material genético, há


renúncia a qualquer direito e obrigação sobre o futuro feto. Dessa forma, o doador não será
surpreendido com uma reclamação de paternidade. Não é somente uma proteção para o
doador, mas também para aquele que recebe a doação, que, por não terem sua identidade
relevada ao doador, não correrão o risco que este doador venha influenciar na criação da
criança ou entrar com pedido de guarda desta.
No Brasil, inexiste legislação elaborada pelo Poder Legislativo específica que vede o
conhecimento da origem genética. Há apenas as Resoluções do Conselho Federal de Medicina
(CFM) que não são leis.
O projeto de Lei 115/2015, tem objetivo de instituir o Estatuto da Reprodução
Assistida, a fim de regular a aplicação e uso das técnicas de reprodução humana assistida.
Nesta Resolução o anonimato do doador é garantido, mas, também é assegurado à criança
gerada da técnica de reprodução assistida o direito de busca à sua origem genética, mediante
autorização judicial, em certas hipóteses.
Deve-se observar o direito de personalidade, a busca pela origem genética do doador
na reprodução assistida heteróloga é um direito indisponível, que se assemelha à busca
realizada pela pelo filho adotado prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente.

CONCLUSÃO

Os avanços biotecnológicos utilizados no procedimento de reprodução humana


assistida geram a ocorrência de novos conflitos que afetam a criança concebida mediante
doação de material de terceiro. O que agrava ainda mais tal situação, é a falta de
regulamentação jurídica sobre esse tema.
É necessário e enriquecedor a produção científica sobre essa temática visando
desenvolver projetos de regulamentação sobre a reprodução humana assistida, suas
consequências e implicações. A busca pela ascendência genética não leva ao reconhecimento
de filiação, nem mesmo a direitos sucessórios
Nos casos de reprodução assistida heteróloga, o vínculo de paternidade apenas pode
ser estabelecido pelo elemento socio afetivo, inexistindo a possibilidade de adotar a presunção
de paternidade, quando há certeza da inexistência de coabitação. O ascendente biológico da
mera concepção não pode ser considerado pai, pelo fato de ter fornecido material fecundante
para o nascimento do filho que nunca desejou e nunca zelou.
A preocupação em proteger o anonimato do doador se baseia, sobretudo, no
argumento de que, a quebra do sigilo, resultará em uma queda acentuada no número de
doações de sêmen. O foco não deve ser a vontade dos pais inférteis de ter um filho, em
detrimento das próprias necessidades desse filho.
Com isso, proibir a pessoa de buscar a sua origem genética seria contrário ao princípio
da dignidade da pessoa humana, deve-se proteger aquilo que mais importa na reprodução
assistida, ou seja, a pessoa por ela gerada.
REFERÊNCIAS

BARBOZA, Heloisa Helena. Direito à identidade genética. In. III CONGRESSO


BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. 2001, Belo Horizonte. Anais... Disponível em
<http://www.ibdfam.org.br/ publicacoes/anais/detalhes> Acesso em 02 dez. 2020.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Emedas Constitucionais de


Revisão. Diário Oficial da União. Brasília, 05 out. 1988.

______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da
União. Brasília, 10 jan. 2002.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projetos de Lei e Outras Proposições. Disponível em: <
https:// www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=945504>.
Acesso em: 02 dez. 2020.

CARVALHO, Dimas Messias de. Direito das famílias. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
Disponível em: <https://app.saraivadigital.com.br/leitor/ebook:613301>. Acesso em: 02 dez.
2020.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 12. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017.

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

FUGITA, Jorge Shiguemitsu. Filiação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriação artificiais e o direito: aspectos médicos,


psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1995.

SILVA, Evelise Leite Pâncaro da. Contratos de “bens vivos”: uma realidade desafiadora e
instigante a provocar transformações sociais e jurídicas, e o diálogo das fontes. Revista de
Direito Privado, São Paulo, ano 11, v. 44, p 223-272, out./dez. 2010.

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