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DIREITO DA FAMÍLIA

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DIREITO

DA

FAMÍLIA

POR

CLOVIS BEVILÁQUA

Ex-Lente Catedrático de Legislação Gomparada

NA

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Sétima edição correta e aumentada de acordo com o Código


Civil e a legislação posterior yP

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'Rua 15 de HWevembeo, 62^66 — S, Ruulc
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DO AUTOR

DIREITO CIVIL

— GODIGO CIVIL COMENTADO, em seis volumes. Editora


Livraria Francisco Alves.
— THEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL, 2.* edição. Editora
Livraria Francisco Alves. 1 vol.
— EM DEFEZA DO PROJECTO DO GODIGO CIVIL BRASI-
LEIRO. Editora Livraria Francisco Alves. 1 vol.
— DIREITO DA FAMÍLIA. 7.» edição. Livraria Freitas Bastos^
— DIREITO DAS OBRIGAÇÕES. 5.a edição. Livraria Freitas'
Bastos.
— DIREITO DAS COISAS. Livraria Freitas Bastos. 2 vols.
—< DIREITO DAS SUCESSÕES. 3* edição. Livraria Freitas
Bastos.
— PROJECTO DE CODIGO CIVIL BRASILEIRO. Publicação
oficial. 1 vol.
— L'ÉVOLUTION DU DROIT CIVIL DU BRÉSilL de 1869 a 1919,
no livro TRANSFORMATION DU DROIT, com que a Sociedade de
Legislação Comparada celebrou os seus cinqüenta anos de existência.
Paris, 1923.

DIREITO PENAL

— CRIMINOLOGIA E DIREITO, Editor José Luiz da Fonseca


Magalhães, Bala. 1 vol.
— PROJECTO DE CODIGO PENAL para a Armada. Publicação
oficial,

DIREITO INTERNACIONAL

— DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. 3.a edição. Editora


Livraria Freitas Bastos.
— DIREITO PUBLICO INTERNACIONAL. 2.» edição. Editora
Livraria Freitas Bastos. 2 vols.
— PROJECT D'ORGANIZATION D'UNE COUR PERMANENTE
DE JUSTICE INTERNATIONALE. Opúsculo.
— DIREITO INTERNACIONAL BRASILEIRO. Conferência.
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— ESTUDOS DE DIREITO E ECONOMIA POLÍTICA. Editor-


H. Garnier. 1 vol.
— COLLEiCTANEA JURIDICO-LITERARIA. Livraria Editora.
Freitas Bastos & Cia. 1 vol. publicado.
~ JURISTAS PHILOSOPHOS. Editor José Luiz da Fonseca Ma-
galhães, Baía. 1 vol.
— ESTUDOS JURÍDICOS. Editora Livraria Francisco Alves. 1 vol.
—> LITERATURA E DIREITO em colaboração com Amélia de
Freitas Beviláqua. 1 vol.
— SOLUÇÕES PRATICAS DE DIREITO. Livraria Editora Frei-
tas Bastos. 3 vols. publicados.

LEGISLAÇÃO COMPARADA

LIÇoES DE LEGISLAÇÃO COMPARADA sobre direito privado..


2.a edição. Editor José Luiz da Fonseca Magalhães, Baía. 1 vol.

FILOSOFIA, LITERATURA E HISTÓRIA

— ESBOÇOS E FRAGMENTOS. Editores Laemert & Comp., 1 voL


— ÉPOCAS E INDIVIDUALIDADES. 2.R edição. H. Garnier.
1 vol. 1
PHRASEIS E PHANTASilAS. Editores Hugo & Comp. Recife
1 vol. '
noeT SÍA^IIIÍOSGYvo?.IC0S 1)0 DBSEMBAEGAD0R MA-
SYLVIO ROMERO. Opúsculo.
GUERRAS E TRATADOiS (memória histórica para o Livro do*
Quarto Centenário do Brasil).
— HISTORÍA DA FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE.
Editora Livraria Francisco Alves. 2 vols.

TRADUÇÕES

— HOSPITALIDADE NO PASSADO, de R. von Jhering. Opúsculo


— O BRASIL NA LEGISLAÇÃO PENAL COMPARADA (de Franzi
von Liszt). Contribuição de João Vieira de Araújo e tradução de Cio via;
Beviláqua.
— JESUS E OS EVANGELHOS, de Jules Soury. 1 vol.
On ne saurait se faire une idée com- -
plète des relations sociales, sans en
étudier ia genèse; on ne saurait non
plus se faire une idée complete des
relations domestiques sans apprendre
comment elles commencent; pour
cela, nous devons remonter dans le
passé aussi loin que Thistoire dey
Fhomme le permet.
Herbert Spencer (Príncipes de
sociologie, trad. Cazelles et
Gerschel).
Quaeramus iisdem de rebus aliquid
uberius, quam forensis usus desiderat, .
Cícero (De legibus). .
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PALAVRAS INICIAIS DA PRIMEIRA
EDIÇÃO

Possue a literatura jurídica brasileira um livro clás-


sico sobre o direito da família, devido à pena de preclaro
jurista, o Conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira.
cuja segurança de doutrina e lucidez de exposição cativam
a todos os que o lêem, A ele solicitei, continuamente, sub-
sídios para a composição do meu DIREITO DA FAMÍLIA.
que não vem, absolutamente, pedir-lhe meças, porem, sim-
plesmente, apresentar uma outra forma de pensamento.
O elemento histórico e o comparativo transformam,
presentemente, o estudo do direito, e o meu pensamento
tentou abeberar-se deles, para seguir a orientação do mo-
mento histórico atual.
A essa diferença de método, acrescentem-se as mo-
dificações fundamentais introduzidas pelo decreto de 24
de janeiro de 1890, que nos deu o casamento civil, e com-
preender-se-á, sem dificuldade, a razão de ser deste livro,
que apenas irá prestando serviços, enquanto um jurista
de maior competência não tomar a si a tarefa de escrever
outro.
Recife, novembro de 1895.
Clovis Beviláqua
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PREFÁCIO DA SEGUNDA EDIÇÃO

A edição deste livro, aparecida em 1896, foi rece-


bida pelos competentes com tão fidalga generosidade que
nem sei como lhes traduza aqui o meu profundo reconhe-
cimento. Aceito-lhes as bondosas expressões, como en-
corajamento a um labor, que visa mais às recompensas de
ordem moral do que a vantagens de outro gênero.
Em primeiro lugar, destacarei a Congregação da Fa-
culdade de Direito do Recife, que, por unanimidade, apro-
vou o Parecer dos doutos colegas, Drs. Henrique Ml-
LET (relator). Augusto VAZ e EPITACIO Pessoa.
Deixo de honrar as páginas deste \livro com a pu-
blicação do aludido Parecer, tão simpático à obra quanto
gentil em relação ao escritor, porque já o imprimiu a Re-
vista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife, no
volume correspondente ao ano de 1896, pág. 108-109.
JOÃO Vieira em artigo publicado no Jornal do Co-
mércio, do Rio de Janeiro; Araripe Júnior, em longa
e amavel carta que me dirigiu, assim como no prefácio dos
Esboços e fragmentos; o Dr. COELHO RODRIGUES, em
carta escrita ao distinto livreiro-editor José Luiz da Fon-
seca Magalhães, da Baía, e por este publicada em opús-
culo que é um punhado de flores colhidas por sua ami-
zade transbordante de afetos; ADHERBAL DE CARVALHO,
no Jornal do Comércio e nos Esboços literários; o Sr.
Visconde de Ouro Preto, o Conselheiro Barradas, o
Dr. Freire de Carvalho, e ainda outros fizeram li-
songeiras referências ao Direito da Família.
XIV

Mesmo fora do Brasil houve quem se manifestasse


favoravelmente a respeito deste modesto livro. Refiro-me,
particularmente, ao ptedaro Raoul DE LA Grasserie.
que lhe dedicou uma ligeira análise tão inteligente quanto
amavel (Revue internationale de sociologie),
A todos aproveito a oportunidade para me confes-
sar profundamente agradecido.

Recife, 11 de agosto de 1904.

Clovis Beviláqua
CAPÍTULO I

DA FAMÍLIA

§ L0

NOÇÃO DA FAMÍLIA

A palavra família, como já o notara ÜLPIANO (1),


tem várias acepções jurídicas, que se desprendem do vo-
cábulo, em gradações cromáticas, segundo a situação, em
que se acha o observador. Compreende, num sentido, o
complexo das pessoas, que descendem de um tronco an-
cestral comum, tanto quanto essa ascendência se conserva
na memória dos descendentes. Nesta forma ampliada, a
família corresponde à gens dos romanos, a genos dos gre-
gos e, aproximadamente, a essas outras modalidades de
expansão da sociedade doméstica, o scept dos celtas, a co-
munhão famílial indú, a comunhão famílial eslava, a pa-
rentela teutônica (2). Outras vezes, o círculo.é mais es-

(1) D. 50, 16, fr. 195.


(2) Sumner Maine, Études sur Vancien droit et la coutume
primitive, pág. 322; Beauchet, Histovre du droit prive de la Re-
publique athénienne, I, tít. I, § 1.
16 DIREITO DA FAMÍLIA

treito, abrangendo um número consideravelmente mais li-


mitado de parentes, porem, de envolta com eles, outras
pessoas economicamente vinculdas ao grupo, como os es-
cravos sujeitos à autoridade do chefe. E' o verdadeiro
sentido da palavra perante o direito romano, onde, aliás,
a primeira acepção se encontra repetidas vezes, assim como
outras muitas. E' comum, por exemplo, que seja a pa-
lavra família empregada para significar um conjunto de
pessoas e um acervo de bens, Esta é a significação etimo-
lógica da dição, pois que a raiz sânscríta — dha, a que se
prende, designa uma comunhão de casas (3), E, para cor-
roboração deste asserto, aí se acham os documentos re-
lativos ao viver dos antigos povos da estirpe ária, os quais
no-los representam agrupados em torno de um chefe, que
é o administrador do patrimônio comum, e já presos ao
solo pelos sentimentos religiosos, porque a casa era o tem-
plo do culto doméstico. "Se nos transportarmos, pelo
pensamento, para o meio dessas antigas gerações de ho-
mens, acharemos, diz Fustel DE CiOULANGES, em cada
casa um altar, e, em redor desse altar a família reunida.
Ela congrega-se todas as manhãs, para dirigir, ao lar, suas
primeiras preces, e todas as tardes, para invocá-lo uma úl-
tima vez. No correr do dia, ela congrega-se ainda junto
a ele para a refeição que, entre si, piedosamente reparte,
depois da prece e da libação" (4). Daí a palavra grega
—• epistion — o que está junto ao lar, para designar a
família.
No direito moderno, família é o conjunto de pessoas
ligadas pelo vínculo da consangüinidade, cuja eficácia se
estende ora mais larga, ora mais restritamente, segundo as
várias legislações. Outras vezes, porem, designam-se, por
família, somente os cônjuges e a respectiva progênie.

(3) Padelcetti-Cogijoi.o, Storia dei diritto romano, pág. 163,


nota a.
(4) La cité antique, pág. 39. A família ateniense, é designada
pelo nome oikos, casa (Beauchet, op. cit., pág. 13),
DA FAMÍLIA 17

Os fatores da constituição da família são: em pri-


meiro lugar, o instinto genesíaco, o amor, que aproxima
os dois sexos; em segundo, os cuidados exigidos para a
conservação da prole, que tornam mais duradoura a as-
sociação do homem e da mulher, e que determinam o surto
de emoções novas, a filoprogênie e o amor filial, entre pro-
criadores e procriados, emoções essas que tendem todas
a consolidar a associação familiaL
Estes dois primeiros elementos, que são duas ma-
nifestações diferentes do mesmo instinto fundamental, a
conservação da espécie, deparam-se tanto na família hu-
mana, quanto nos esboços de associação familial, que nos
oferecem os animais. Realmente, não vemos os moluscos
e os aracnídeos velar, solicitamente, pelos depósitos de
onde vai surgir a futura propenie? Quem leu o livro So-
ciétés animales de SPINAS sabe de que admiráveis com-
binações é capaz o instinto maternal de seres minúsculos,
que o nosso orgulho despreza, rnax:me das abelhas e das
formigas.
A esses fatores biológicos e psíquicos se veem aliar
outros de natureza sociológica. E sua indicação é fácil de
apresentar a quem não pretenda descer a uma análise mi-
nuciosa. A família primitiva é vacilante, inconsistente,
não toma um carater fixo e dissolve-se em pouco tempo,
ligada que se acha somente pelas energias biológicas. Mas
a disciplina social, pouco a poua>, intervem, pela religião,
pelos costumes, pelo direito, e a sociedade doméstica se
vai, proporcionalmente, afeiçoando por moldes mais se-
guros, mais definiveis e mais resistentes. Somente depois
dessa elaboração é que alguns escritores querem que exis-
ta a família, que assim seria um produto seródico da vida
social. Penso, ao contrário, que não passa ela de uma
criação natural, que a sociedade amolda e aperfeiçoa.
Estudando as várias forma da família, achou efe-
tivamente SPENCER que a evolução dos tipos familiais
está em correlação com a evolução da inteligência e do
sentimento; que as relações domésticas mais elevadas, sob
— 2
18 DIREITO DA FAMÍLIA

o ponto de vista ético, são também as mais elevadas, sob


o ponto de vista biológico e sociológico (5),

§ 2.°

FORMAS DE FAMÍLIA

Os diferentes modos pelos quais se podem estabele-


cer as relações entre os cônjuges e os filhos determinam .
várias formas de família. Umas delas dependem, direta-
mente, da modalidade que reveste a união conjugai e daí
a poligamia, ora monândrica, ora poliândrica, e a mono-
gamia. Outras procedem já das relações de dependência,
parentesco e autoridade que se tecem entre os membros
da associação familial. Daí as formas incoerentes dos pri-
meiros tempos, o patriarcado, e o tipo da família atual,
que se poderia chamar igualitário, embora a sociedade do-
méstica, à semelhança de todas as outras, tenha necessi-
dade de um chefe, ao menos em algumas situações, e que
esse seja o homem.
E' certo que, entre a dispersão e incoerência dos pri-
meiros tempos e o rígido familismo patriarcal, medeou
uma forma de transição — a família materna, de que
alguns escritores quiseram fazer um tipo, distinto e com-
pleto, mas que só aparece, na realidade, como apresen-
tando um modo de determinar o parentesco e as relações
oriundas da filiação. Desde muito que espíritos graves se
não mostravam submissos a essa concepção de um ma-
triarcado, mas os trabalhos de Westermarck parecem
que vieram terminar a contenda em favor destes descrentes,
em cujo número me havia eu inscrito (1).

(S) Príncipes de sociologie, II, págs. 210-211 e 402-404.


(1) Westermarck, Storia dei matrimônio uniano, trad. de
Giulio Rossi, caps. I e III. Vide minhas Lições de Legislação com-
parctda, n. 97, da 2.n edição.
DA FAMÍLIA 19

Em vários clãs da África, da Oceania e da América,


encontra-se a filiação com o carater de relação puramente
femínil. Nas triibus túpís, pode-se afirmar que o paren-
tesco unilateral uterino existiu em tempo anterior à con-
quista. Certos costuntes, como a coavada (la), certas
lendas e mesmo algumas palavras {jací, coarací, cunhã-
membiva, etc.) induzem-nos a pensar assim. Abraihão pou-
de esposar Sara, sua irmã paterna; Solon vedava os con-
sórcios entre irmãos uterinos, permitindo-os entre irmãos
consanguíneos; os lícios e os lócrios, segundo o testemu-
nho de Herodoto e POLYBIO, adotavam os nomes de
suas mães e não os de seus pais. Fundados nestes e em ou-
tros fatos análogos, muitos escritores pressupuseram a
preponderância da mulher na família primitiva e fanta-
siaram o matriarcado. Se, alguma vez, se depara, na his-
tória, com um exemplo, de ginecocracia, como se diz que
há entre os koechs da Ásia; se, como acontece entre os be-
chuanas e bantús, a mãe de família toma parte no conse-
lho administrativo, não é possível negar o carater ex-
cepcional desses fatos, sobre os quais é mais que aventuroso
construir qualquer generalização. Porque Joanna d'Are
se pôs à frente de um exército francês, num momento
angustioso de sula pátria, não é possível asseverar que os
generais franceses, ao tempo de Carlos VII, eram entu-
siastas dominicellas como essa valorosa camponesa.
O patriarcado já constitue uma forma familial mais
consistente e definida. Repousa sobre a autoridade de um
chefe dcspótíco, sendo, ao mesmo tempo, o ascendente mais
velho, ao menos em regra geral, e o pontífice do grupo a
que preside. E', principalmente, nos povos arianos que o
patriarcado se afirma de modo rigoroso; vemo-lo, porem,
igualmente espontar em diversos outros ramos étnicos.
A forma igualitária atual, se não é a mais forte e
se espera modificações do tempo para acentuar-se melhor.

(1-a) Sobre a couvada, leia-se Carlos hivmo de Carvaeho,


separata do tomo XVI da Revista do Museu paulista, S. Paulo, 1929..
20 DIREITO DA FAMÍLIA

é, certamente, mais própria do que as suas precursoras,


para satisfazer às necessidades hodiemas da conservação
da espécie, assim como piara dar maior expansão à vida
física, econômica e moral do indivíduo.

§ 3.°

DIREITO DA FAMÍLIA

Constituida a família pela associação do homem e


da mulher, em vista da reprodução e da necessidade de
criar os filhos, consolidada pelos sentimentos afetivos e
pelo princípio da autoridade, garantida pela religião, pe-
los costumes e pelo direito, é fácil de ver que se torna ela
potente foco de onde irradiam múltiplas relações, direitos
e deveres, que é preciso conhecer e firmar. E' um círculo
dentro do qual se agitam e se movem ações e reações esti-
muladas por sentimentos e interesses especiais, que lhes
emprestam, feição suficientemente caracterizada, para exi-
girem classe à parte, na distribuição das matérias do di-
reito privado.
A regulamentação do casamento, seus efeitos pessoais
e econômicos, sua duração e dissolução, a determinação
do parentesco, do dever alimentar, do pátrio poder, da
tutela e da curatela, são os enfeixamentos de relações prin-
cipais, que se originam da família e cuja exposição per-
tence a esta parte do direito civil, a que se dá o título de
-— direito da familia (1).

(1) Vide Sanches Roman^ Derecho civil, V, l.a parte, n. 9,


e Endemann, Binfuehrung in das Studium des huergerlische Gc-
setzhuch, II, § 147, Qs juristas alemães discutem se a tutela deve
ser indluida no 'direito da família, ou se merece livro à parte.
Pode ser visto em Endemann, cit. § 149, um eco dessa con-
tenda .
O Código Civil alemão, no entanto, aceitou a doutrina tradi-
cional .
DA FAMÍLIA 2Í

A sucessão legítima é também um instituto, que se


prende, mui diretamente, à família; mast porque somente
dela tira, por assim dizer, a sua base, desenvolvendo-se, de-
pois, em outra esfera, segundo regras oriundas de outra
fonte, e ainda porque não deve ela achar-se afastada da
sucessão testamentária, que representa a consagração do
elemento econômico individual, cumpre reservá-la para di-
visão diferente, a do direito sucessório.
Ainda no direito das corsas e no das obrigações se
fazem sentir influxos das relações familiais, mas de modo
acidental, como se terá de ver, mais de uma vez, no prosse-
guimento desta exposição.
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CAPITULO II

ESPONS AIS

§ 4.° c

NOÇÃO E HISTÓRIA DO INSTITUTO


DOS ESPONSAIS

A família constitue-se pelo casamento, que, outrora,


era regularmente precedido pelos esponsais, como ainda o
é, certamente, no seio de limitado número de povos, e o
pode ser no de muitos outros.
A palavra esponsais nos veio do direito romano
(sponsalia dieta sunt a spondendo) e significa, em direito
moderno, o contrato, pelo quial duas pessoas de sexo di-
ferente se prometem uma à outra em casamento. Sunt
mentio et repromtssio futuravam nuptiarum, definiu
Florentino (D. 22, I, fr. 1).
Se estudarmos a história deste instituto, veremos que
ele nem sempre foi promessa recíproca, tendo apresentado
diversas fases em sua evolução, a qual, depois de com-
pletar-se, vai, hoje, tornando-se acelerada involução senil.
Devemos considerar este pacto a transformação da
compra das mulheres para o casamento. A princípio, rea-
lizou-se entre o grupo familial do noivo e o da noiva, ou
»entre os chefes das respectivas famílias e, só mais tarde.
24 DIREITO DA FAMÍLIA

apresentou-se em forma de contrato entre os futuros con-


sortes (1), para reduzir-se, em alguns sistemas jurídicos,
a um simples ajuste de casamento, que não transpõe, se-
não indiretamente, as raias das relações extra-judiciais.
Alguns povos celebram esponsais, desde o momento
em que nasce a criança. FRANKLIN, citado por WESTER-
HARCK, refere que, entre os esquimós, apenas vem ao mun-
do uma criança do sexo feminino, "apresenta-se na tenda
do pai um pretendente; se é bem aceito, firma-se uma pro-
messa, que é verdadeira obrigaçãoi jurídica e, n!a idade
conveniente, a rapariga é consignada ao noivo". Seme-
lhantemente, procedem muitas tribus africanas e ameri-
canas. Os turcos, os samoiedas e os hebreus da Rússia
oriental conhecem costumes análogos; estes últimos usam
mesmo fazer promessas esponsalícias em relação a filhas,
que esperam ter (2). A civilização precolombiana da
América não desconhecia os esponsais, como se depreende
de muitas passagens de cronistas e historiadores (3).
No dreito hindú, eslavo, talmúdico, helênico, fize-
ram aparição os esponsais, como entre celtas e germanos.
Na Germânia, ds prometidos em casamento eram, sob
muitas relações, equiparados aos cônjuges. Aí, como nos
ensinla SoHM, eram os esponsais um contrato pelo qual o
mundialdo, o Gewalthabet, se obrigava a transmitir, ao
marido de sua filha ou da mulher, que estava em seu
mundium, o poder que sobre ela tinha, mediante uma so-
ma de dinheiro, que era, ao mesmo tempo, o wevgéd e o
withum. Mais tarde o withum apresenta-se, exclusiva-
mente, sob o cara ter de doário.

(1) ,H. Post, Grundlagen des Rechts, página 235 e segs. ;


Ethnologische Jurisprudenz, II, pág. 54 e segs.
1(2) Westermarck, Matrimônio imiano, pág. 184 e segs.
(3) Hermann Post, Grundlagen, pág. 235 e segs. ; Pres-
cott. Conquista de México, II, pág. 339.
Quanto aos aborígenes brasílicos, veja-se Rocha Pombo, His-
tória do Brasil, II, pág. 271 da primeira edição.
ESPONJAIS 25'

Os anglo-saxões, transportando-se para a Inglaterra,


não olvidaram o costume de contrair esponsais, pelo sis-
tema, do ptetium uxoris, sendo o instituto minuciosamen-
te regulado por uma lei atribuida a Edmundo. Mas, ao
tempo desse documento legislativo, já desaparecera a idéia
de compra e preço, para dar espaço às de presentes como
o dote, o doário e o morgengabe (4).
Considerando a eficácia deste instituto em vários
sistemas jurídicos, determinou HermanN Post as curvas
de sua variação (5). O pacto é munido de uma sanção
enérgica: a coação ao casamento ou a vindita da família,
que, com o passar dos tempos, tolerou a substituição de
qualquer pena criminal, a privação da liberdade ou da
vida do infrator, por uma composição econômica. Mais
^ tarde, essa coação ao casamento desaparece, porem, a re-
tratação de um dos desposados cria, para o outro, o direito
a uma indenização. Finalmente, extingue-se a eficácia ju-
rídica dos esponsais.
Mas encaremos a história dos esponsais no direito
romano, onde, claramente, se apresentam as fases dessa
evolução extintiva. Pelo que sabemos dos outros povos
arianos, desde tempos remotíssimos, praticavam-se aí os
esponsais. E PLAUTO nos dá testemunho desse fato, quan-
do afirma — moris fuit vetertbus stipulare et spondere
sibi uxores futuras. Certas formalidades subsistentes, os
presentes esponsalícios, como se usavam também na Gré-
cia (5a), a palavra manus aplicada para designar a auto-

(4) Glasson, Hist. du droit et des institutions de l'Angle-


terre, vol. I, pág. 115 e segs. Aí vem transcrita, in extenso, a.
lei de Edmundo.
(5) Post, Bthnologische Jurisprudens, II, pág. 55 e segs.
(5-a) Segundo Beauchet, a engyesis ateniense, contrato pelo-
qual a pessoa, que exercia autoridade sobre a mulher, combinava o
seu casamento, não corresponde aos esponsais romanos (op. cit.,
pág. 120 e segs.). As semelhanças são dignas de nota entre os
dois institutos, porem, Beauchet considera a engyesis a forma nor-
mal do casamento.
36

ridade marital, depõem, convincentemente, que, também,


ali, a evolução passou da captura à compra, a princípio
real, depois simbólica, e finalmente, ao acordo das partes.
Contratavam-se os esponsais, na época do direito
clássico, entre pessoas maiores de sete anos; mas fatos nar-
ram-se, que nos fazem crer que, muito mais cedo, ainda,
era permitido trocar promessas de futuros casamentos, em
épocas anteriores. Já no tempo do império, não se vê Ti-
bério desposar Agripina vix annicula?
A confirmação do compromisso de futuras núpcias
materializava-se pela dação de arras ou pela simples troca
de anéis. Sua sanção apareceu, no domínio do direito,
com a actio de spomu. Mas, desenvolvendo-se o princípio
de que às relações matrimoniais deve presidir a máxima
liberdade, ao menos antes de serem elas firmadas e para
o efeito de firmá-las, preceituou, em breve, o direito ro-
mano que — inhonestum visam est vinculo poenae ma-
trimoma abstrtngi, sive fatura sive jam contracta: e mais
ainda: suffictt nadas consensus ad constitaenda sponsaha.
Diante desses preceitos, nenhum valor jurídico tinham mais
os esponsais, podendo ser rescindidos, ainda sem justa
causa, por uma das partes, que apenas ficava obrigada às
indenizações estipuladas.
Algumas vezes a dação das arras era selada por uma
troca de beijos (osctilo interveniente), e, em tal circuns-
tância, tornando-se impossível o casamento por superve-
níência da morte de um dos futuros cônjuges, mandava a
L. 16 Cod. 5, 3, que as arras se restituissem somente pela
metade. Essa intervenção do ósculo radicou-se nos cos-
tumes da idade média, como forma, não direi mais solene,
porem, mais garantidora da persistência do compromisso.
O direito canônico distinguia os sponsalia de prae-
sente que, antes do concilio tridentíno, constituíam uma
verdadeira forma de matrimônio indissolúvel, embora dis-
pensando a assistência de um sacerdote, e os sponsalia de
futuro que eram a promessa de futuro casamento. Deviam
estes ser contraídos por pessoas hábeis, isto é, maiores de
ESPONSAIS 27

sete anos e desimpedidas para o enlace matrimonial. Sen-


do os contraentes menores, podiam seus pais realizar, em
nome deles, os esponslais com a condição de prestarem os
interessados seu consentimento; mas permitia a lei ecle-
siástica, a esses menores, a celebração de seus esponsais, in-
dependientemente da intervenção dois pro^enitores (6),
Dos esponsais do direito canônico, resultam as con-
seqüências seguintes: 1.° obrigação de cumprir a promessa
feita, isto é, de celebrar o casamento; 2.° um impedimento
de honestidade pública, inhabilitando os desposados a con-
trair consórcio com outra pessoa, e, em particular, com
parentes do seu prometido, em primeiro grau de qualquer
das linhas, reta ou oblíqua. Dissolvem-se por mútuo con-
senso, por profissão em religião iaprovada, pela recepção
de ordens sacras, pelo casamento validamente contraído,
embora ilicitamente e contra vedação proibitiva, com ou-
tra pessoia que não o desposado, e pela recusa de uma das
partes, fundada em justa causa.
Foi o direito canônico a fonte próxima da teoria dos
esponsais, tal como se acha objetivada na lei portuguesa,
de 6 de Outubro de 1784, que foi, antes da República,
a reguladora do assunto, em direito pátrio. Mas, aí mes-
mo, se faz sentir a ação do direito romano, como é fácil
reconhecer com a exposição, que se vai seguir.

§ 5.'

TEORIA DOS ESPONSAIS PELO DIREITO PÁTRIO


ANTERIOR Â CODIFICAÇÃO CIVIL

Legislação comparada

Podiam contrair esponsais, por direito pátrio, as pes-


soas maiores de sete anos, entre as quais não houvesse im-
pedimento para o casamento futuro. Os menores, poretm

(6) Monte, Direito eclesiástico, II, § 874. ,1


28 DIREITO DA FAMÍLIA

deviam ser autorizados por seus pais ou tutores, com re-


cursos para o juiz (lei de 6 de Out., § 4,°). Aos maiores
de vinte e um anos ocorria o dever de solicitarem o con-
sentimento de seus pais, para a efetuação de tão grave
compromisso, mas a recusa deles nenhum efeito produzia
(lei cit., § 6.°).
O contrato esponsalício pedia escritura pública, assi-
nada pelos contraentes, seus pais ou tutores e duas teste-
munhas, designação da idade, da naturalidade, o lugar
da residência e do nascimento dos desposados. Devia a
escritura consignar o livre consentimento dos contraentes,
se fossem maiores, ou de seus pais ou tutores, se menores,
ou o suprimento dessa autorização, dado pelo juiz (lei

Não havendo tabelião no lugar da residência dos


contraentes, nem até duas léguas de distância, era permi-
tida a escritura particular, mjas com a condição de ser
reduzida à forma autêntica dentro de um mês. Decorrido
esse lapso de tempo, sem que o casamento se efetuasse ou
sem que houvesse a redução, perdia todo o seu valor o
escrito.
Era facultada a troca de arras esponsalícias; e tam-
bém a estipulação de indenização pelo não cumprimento
da promessa, quando não o motivava uma causa justa.
Não repugnava à natureza desse contrato a estipulação de
condições, contanto que não fossem impossiveis, torpes,
ou ilegais, porque, então, o vicio delas invalidaria o con-
trato.
Dos esponsaís válidos resultava ação para ia celebra-
ção do casamento, dentro do prazo estipulado, ou a pena
convencionada, ou, não existindo esta, satisfação das per-
das e danos (lei § 8.°). Essa ação, pela lei de 6 de Outu-
bro de 1784, era de assinação de dez dias, se a indeniza-
ção fosse estipulada e seria ordinária se fosse ilíquida
n
í R £ o\
O contrato esponsalício dissolvia-se por mútuo dís-
senso, por morte de um dos contraentes, por superveniên-
ESPONJAIS 29

cia de impedimento, pelo não implemento da condição


estabelecida, pela expiração do prazo, pela retratação fun-
dada em justa causa. Consideravam-se justas causas para
esse efeito, o aparecimento de moléstias contagiosas ou ví-
cio repugnante em um dos prometidos, a ausência prolon-
gada, a infidelidade, os desregramentos. O desposado que,
sem justa causa, se retratava ou dava lugar, por culpa sua,
à retratação justa do outro, incidia sob a pena convencio-
nada ou tornava-se responsável por perdas e danos, per-
dendo as prendas com que houvesse gratificado o outro
e devendo restituir as que dele recebera. Não havendo cul-
pa, os donativos restiui!am-se reciprocamente (1).
E' fora de dúvida que os esponsais se tornaram obso-
letos entre nós, como sabem todos e já o testemunhara
Teixeira de Freitas (2). O dec. de 24 de Janeiro de
1890 não fez menção deste contrato, mas de seu silêncio
não se pode concluir abrogação (3), até porque ífaz re-
ferência ã lei de 6 de Outubro, que regula essa matéria.
Lançando os olhos para os códigos vigentes, melhor
se convence o jurista de que se acha em frente a um ins-
tituto em decomposição.
O Código Civil francês fez silêncio a respeito, desa-
lojando assim esse gênero de convenção dentre as for-
mas jurídicas em vigor. Outros Códigos, porem, não pre-
tendendo galvanizar um instituto fenecido, providenciam,
exclusivamente, sohre os prejuízos, que dos contratos de
futuro casamento possam provir. O Código Civil por-
tuguês refere-se aos donativos recebidos do futuro espo-
so, para mandar restituí-los, e às despesas autorizadas

(1) Lafayette, Direitos de família, § 7.°; Coei(ho da Ro-


cha, Instituições de direito civil, § 212.
(2) Consolidação das leis civis, nota 1 ao art. 76.
(3) O projeto Coelho Rodrigues, arts. 1,835-1.836, não quis
erradicar, de rriodo completo, essa instituição que já desaparecera
dos costumes em nosso país, o que veio a fazer, afinal, o Código
Livfl.
30 DIREITO DA FAMÍLIA

para algum preparativo de consórcio, as quais devem ser


indenizadas (art. 1.057). Mas é possivel que se efetuem
despesas não positivamente autorizadas, e que não ocorre-
riam, se a promessa de próximo casamento não interviesse.
Os princípios gerais das obrigações são suficientes para
estabelecer o equilíbrio jurídico nesses casos; mas alguns
Códigos consagram disposições especiais garantidoras des-
sas indenizações. Assim o italiano, artigos 78 e 79 atuais;
assim o holandês, art. 113.
Outros prejuízos, outros danos resultantes da in-
execução da promessa de casar devem ser igualmente ga-
rantidos por lei? Por exemplo, uma senhora, por achar-
se vinculada por uma promessa esponsalícia, recusa um
partido, que se lhe apresenta; mas seu prometido, mu-
dando em seguida de sentimentos, dá por não existente o
pacto celebrado, e prossegue no caminho da vida, sem mais
se preocupar com esse acontecimento, página voltada que
não pretende reler. Deve a desposada em abandono ser
autorizada a pedir indenização? E' escabrosa a questão,
porque, se respondermos abertamente pela afirmativa,
obedecendo aos princípios gerais do direito obrigacional,
parece que mercantilizarnos uma relação, que repugna, por
natureza, a quaisquer apreçamentos. Alem disso, abrire-
mos uma fonte perene de dúvidas e demandas. E elas
íeem aparecido na União americana, onde a lei as tolera
(4). O Código Civil espanhol também dá guarida a
essas pretensões (art. 44), como dava a nossa lei de 6 de
Outubro de 1784, § 8,°. Se respondermos negativamente,
iremos, não raro, cavar a ruina de quem depreca embalde
a proteção da justiça. Mas o legislador argentino, preocu-

(1) _ Smith, Blements of the lanvs, pág. 139: If two per sons
of opposite sexes enter into a valid agreement to marry, and either
shall afterward refuse to perform the engagement, he or she will
íbe answarable to the other, for such damages as rnay have been
sustained by the non performance of the contract.
Veja-se também Walker, American law, § 102.
ESPONISAIS

pado com extirpar um instituto considerado perturbador


da euritmia do direito matrimonial, não recuou perante es-
ta segunda solução e declarou que não são admissíveis, de-
mandas sobre tal matéria, seja para indenização de prejuí-
zos causados, seja para outro intuito (lei de 2 de Novem-
bro de 1888, art. 8.°).
Entre os povos germânicos é que este contrato con-
serva ainda alguma vida; mas aí mesmo, vai ele, incontes-
tavelmente, marchando para o desaparecimento. Assim é
que a lei de 24 de Abril de 1854, § 22, revogou, para a
Prússia, ias disposições do Landrecht, que garantiam aos
Brautkinder (filhos de desposados), direitos de fi^ios le-
gítimos. Assim é que o Código Civil de Zurich, ainda que
mantendo, sob certas condições, os direitos dos Brautkin-
der, e estatuindo (art. 576) que os esponsais criam, entre
os desposados, relações de família (Famihenverhaeltnisse
der Brautleute), contudo garante-lhes inteira'liberdade,
para, à sua vontade, retirarem sua promessa, não permi-
tindo mais que uma indenização por perdas e danos, fi-
xada pelo juiz, quando a retratação não for suficiente-
mente motivada. Em outros cantões suíços, os esponsais
conservam mais rigor, sendo que, em Berna, o desposado,
que repudiar o outro, caprichosa ou escandalosamente, in-
correrá em pena de 2 a 20 dias de prisão.
O Código Civil suiço, arts. 90 e 95, ocupa-se com
os esponsais. Eles não produzem lação nem para obrigar
ao casamento, nem para exigir as penas convencionais
Fundamentam, porem, ação de indenização no caso de
rutura sem causa, e de restituição dos presentes. Prescreve
essa ação em um ano.
No reino da Saxônía, existia até uma espécie de le-
gitimação per suhsequentia sponsalia (Cód., art. 1.578).
Mas, para confirmar a convicção da decadnêcia em que
vai o instituto, mesmo na Alemanha, bastam os artigos
que lhe consagra o Código Cwd (1.297-1.302). Não se
pode propor ação fundada em esponsais, para obter a ce-
lebração do casamento. As cláusulas penais para coagir a
32 DIREITO DA FAMÍLIA

vontade dos desposados é nula. Entretanto, aquele que.


sem justa causa, rompe uma promessa de casamento, deve
indenizar a outra parte, de todas as despesas razoáveis, que
tenham sido realizadas na previsão desse ato. Se, porem,
a rutura dos esponsais foi determinada por culpa de um
dos desposados, é a este que incumbe ressarcir os prejui-
zos ocasionados ao inocente. A rutura determina a res-
tituição recíproca dos presentes esponsalícios. A noiva
que permitiu ao seu noivo cohabitar com ela, pode, em
caso de rompimento, reclamar indenização, se outra falta
se lhe não pode arguir.
As ações fundadas em esponsais prescrevem dentro
de dois anos.
As disposições da lei húngara de 9 de Dezembro de
1894, arts. 1.° a 5.° são muito semelhantes às do Código
Civil alemão (Annuaire de íég. étrang., 1894, páginas
355-356).
O Código Civil mexicano, arts. 139 a 145, e o chi- >
ncs, arts. 972 a 979, regulam o contrato de esponsais.
O moderno Código Civil do Perú (promulgado em
1936) consagrou sete dispositivos (75 a 81) ao instituto
dos esponsais. Da promessa de casamento não resulta
obrigação de contrair matrimônio; porem o que se recusar
a cumprir os esponsais sem justa causa, é obrigado a res-
sarcir as despesas, que a outra parte, os pais ou terceiros
tiverem feito, dé boa fé, e os prejuizos decorrentes da pro-
messa de casamento. A esta matéria Emílio Valverde,
El derecho de família, Lima, 1941, consagra interessante
explanação.
CAPÍTULO III

DO CASAMENTO

§ 6.°

NOÇÃO DO CASAMENCO

O casamento é a regulamentação social do instinto


de reprodução, trabalhada de um modo lento, através de
muitas e diversíssimas vicissitudès, até à acentuação de sua
forma vigente entre os povos cultos. Mas parece fora de
dúvida que, caracterizando-se o matrimônio pela dura-
ção mais ou menos prolongada da união, em que se acham
o homem e a mulher, suas formas rudimentares e grossei-
ras apareceram com os primeiros homens, que tiveram de
viver em agrupamentos sociais, urgidos pelas necessidades,
e que, aliás, encontravam exemplos a seguir entre os ani-
mais, que, em torno deles, andavam aos pares, cuidando
da prole, enquanto frágil e incapaz de subsistir entregue
aos próprios esforços (1). Deixando, porem, de lado essas
variações do instituto, considerá-lo-ei, neste parágrafo,
somente em sua feição última.

(1) Westermarck, Storia dei matrimônio, pág. 12.

— 3
34 DIREITO DA FAMÍLIA

Os romanos deixaram-nos duas definições notáveis


do matrimônio. Uma, dada por MODESTINO (D. 23, 2,
fr. 1), exprime-se nestes termos: Nuptiae sunt conjunctio
maris et foeminae, consortium omnis vitae: divini et hu~
maní júris communicatio. Outra, contida nas Institutas dc
JusTINlANO (1, 9, § 1.°), fala assim: Nuptiae sive matti-
monium est vivi et mulietis conjunctio, individuam vitae
consuetidinem continens. Há, nessas definições, alguma
coisa de elevado e nobre, capaz de bem traduzir a santi-
dade dos sentimentos, que devem existir entre os que se
conjugam pelo matrimônio, alguma coisa que vibra, como
se fossem dísticos solenes de poema antigo. Mas falta-lhes
rigor científico para serem mantidas. Não é somente para
completar a vida dos cônjuges e legalizar suas relações que
existe o casamento; é também para proteger a débil exis-
tência da prole, que dele há de surgir, a qual exige desveles;
assíduos e prolongados de seus progenitores, a qual sucum-
biria em sua fragilidade, se o amor materno não fosse um
verdadeiro culto como disse MlCHELET. Julgo, por isso,
mais completa esta outra definição: O casamento é um
contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma
mulher se unem indissoluvelmente, legalizando por ele
suas relações sexuais, estabélecendo a mais estreita comu-
nhão de vida e de interesses, e comprometendo-se a criar
e educar a prole, que de ambos nascer (2).
Tendo a religião, por muito tempo, monopolizado
a celebração do casamento, e tendo o cristianismo elevado
este ato à categoria de sacramento, ainda hoje há juris-
tas, que se arreceiam de declará-lo um contrato (3). Co-

(2) Comparem-se as definições dos Códóigos Civis da Áustria,


art. 44, português, art. 1.056, chileno, 102, e mais as de Littre,
Dictionaire de médecine, vb. Mariage; Teixeira Bastos, A Família,
Porto, 1884, pág. 201; e Endemann, Binfuehrung, § 150.
(3) Savigny, Système de droit romain, ITI, § 42; Lafayette,
Direitos dc família, §' 8.°; D'Aguano, Gene se e evolusione dei di-
ritto civile. n. 97; Sanches Roman, Derecho civil, V, l.a parte,
DO CASAMENTO 3S

mo era impossível manter, hoje, no direito defitivamente


secularizado, esse exotismo de sacramento, dizem que é
um ato. Mas o contrato é também um ato jurídico, dife-
renciado, especificamente, dos outros por se constituir me-
diante acordo de interesses, coincidência de vontades. E,
justamente, esse consentiímento recíproco é, atualmente,
o ponto central da celebração do casamento.
Será um contrato mais solene do que qualquer
outro, pois que envolve, como dizia lord Robertson^
a mais importante de todas as transações humanas, e é
a base de toda a constituição da sociedade civilizada; terá
efeitos mais estensos, valor social maior, pois que legi-
tima a família e faz tecer-se uma rede extensíssíma de re-
lações, direitos e deveres; mas, em todo o caso, é um con-
trato. Não tenhamos os escrúpulos de SAVIGNY, e colo-
quemos o matrimônio "ao lado da venda como um con-
trato consensual", pois não é a posição dada a um rebento
jurídico, que lhe empresta importância e elevação; esses
atributos são-lbe algo de mais íntimo (4).

§ 7.°

PRIMEIRAS FORMAS DO CASAMENTO

Querem muitos antropologístas e etnólogos, depois


de Mac Lenan e Morgan, que a evolução familial te-

397 404. Este último escritor, não pretendendo esconder a


evidência, recoire a um subterfúgio, dizendo que o casamento não
é um contrato e sim uma convenção jurídica. Hauriou e Bonne-
case propõem que se veja no casamento uma instituição em vez de
um contrato (Planiol, Ripert et Rouast, Traité de droit civil irar
1
çais, II, n. 69).
a
. N) pôio da doutrina do texto, vejam-se Huc, Cominen-
taire, II, n. 4; Cimbali, Nuova fase dei diritto civile n 63 e
segs.; Planiol, Traité de droit civil, III, n. 3 e 4; Champeau e
Uribe, Derecho civil colombiano, I, pág. 156; A. Herculano Ca-
samento civil, p as sim e, especialmente, pág. 268- Martinho Car-
cez Filho, Direito de família, I, pág. 31 e segs.
36 DIREITO DA FAMÍLIA

nhã começado pela comunhão das mulheres, e que o casa-


mento, união mais ou menos permanente, mais ou menos
transitória, proceda de um estado anterior de hetairismo.
Este postulado, por satisfazer as necessidades lógi-
cas da construção de uma teoria da evolução da família
€ por apoiar-se, aparentemente, em documentos esparsos
de um extremo a outro do mundo habitado, obteve um
verdadeiro sucesso nos arraiais científicos (1).
Povos de vánios matizes étnicos guardaram remi-
niscências ou vestíígios mal apagados de uma antiga pro-
miscuidade sexual, ou, antes, de uma originária comu-
nhão de mulheres. Na China, dizem que devia ter perdu-
rado esse estranho regime social até o reinado de Fu-hi;
na Grécia, viam-no, esfumado e confuso, para alem da
época do lendário Cecrops. Para a índia, há textos do
Mahabarata, que são mais positivos do que essas tradições
vacilantes em relação aos chins e helenos. "Outrora não
era um crime ser infiel a seu esposo, ressoa o cantar desse
Vetusto poema, era mesmo um dever. Este costume ainda
existe entre os kurús do norte. As mulheres de todas as
classes são comuns sobre a terra". HerODOTO fala-nos da
comunhão das esposas entre os lídíos e messagetas, e narra

(1) Vide Giraud Teulon, Lcs origines dn mariage et de la


famille; D'Aguano, Genese cit. ; Hermann Post, Grundlagen des
Rechts, Bthnologische Jurisprudenz, etc. ; Lubbock, Les origines
4e la civilisation, etc. ; Baschofen, Das Mutterrecht; alem dos ci-
tados Mac Lenan e Morgan. Spencer, embora não repila for-
malmente a hipótese do hetairismo primitivo, não se pode afirmar
que o aceite, francamente.
Vejam-se mais: Teixeira Bastos, A Bamilia; Gama Rosa, Bio-
logia e sociologia do casamento, Rio de Janeiro, 1887; Abel Hove-
lacque, Les' débuts de 1'humanité; Salles y Ferre, Estúdios de
sociologia; Sanches Roman, Derecho civil, V, l.a parte, págs. 60
e segs., faz um substancioso resumo das diversas teorias sobre as
origens da família.
Num belo estudo, transbordante de simpatia, feito a propósito
da quinta- edição deste livro, Odylo Costa Filho {Ensaio, n. 1)
opõe objeções à teoria evolucionista quanto à origem da família.
DO CASAMÍENTO 37,

casos de prostituição religiosa, dados em Bãbilônia em


honra a Milita. DlODORO SlCULO, StrabÃO e outros his-
toriadores antigos referem costumes semelhantes obser-
vados entre os cípriotas, assírios e baleares.
Para alguns povos incultos, o casamento é alguma
coisa de inatural e ilícito. Por ocasião de grandes catás-
trofes, como que para aplacarem a cólera celeste suscitada
pela imoralidade do casamento, voltam-se, pussilânimes e
contritos, para os costumes dos maiores, e, ao menos tem-
porariamente, quebram essas cadeias com que pretende-
ram subjugar a natureza (2). Assim, os locrios recorriam
à prostituição das mulheres no templo de Afrodite, por
ocasião de perigos ameaçando a população inteira; pelo
mesmo impulso, alguns australianos entregam-se a uma
promiscuidade transitória, para afastar de si uma epide-
mia devastadora ou outra calamidade, que igualmente os
aterre. Outros casos semelhantes podem-se ainda respigar
entre narrações de viajantes e exposições de sociólogos.
Mas o que importa saber é se o hetairismo teve a ge-
neralização, que se lhe atribue.. E é somente contra os que
o afirmam que se levantam objeções sérias; a promiscui-
dade temporária ou como fato observado, algumas vezes,
na história destes ou daqueles povos, seria estulto, -pegar.
Em primeiro lugar, é fácil apontar, entre selvagens con-
temporâneos, seja em tribus brasileiras atuais ou das que
ao longo de nosso país vagabundeavam, no tempo da des-
coberta, o uso da monogamia, ao lado da poligamia. Dir-
se-á que são os inferiores, os inaptos para a vida social,
como esses míseros habitantes da Terra do Fogo, pois
caiu em graça perante os etnologistas a proposição de
Giraud TEULONS "é uma conseqüência lógica do esta-
belecimento da vida social que ninguém possa monopo-
lizar, em seu proveito, uma mulher da comunhão". Mas,
como lembrou Darwin, dado o ciúme de todos os machos
mamíferos, é extremamente improvável a promiscuidade

(2) EI. Post, Bthnolog. Jurisprudenz, I, pág. 19 e segs


38 DIREITO DA FAMÍLIA

no estado de natureza. "E, a julgar pelos hábitos sociais


dos homens de hoje e pela poligamia de quase todos os
selvagens, acrescenta o eminente observador, a opinião
mais provável é que o homem primitivo viveu em peque-
nas comunidades, cada macho tendo tantas mulheres quan-
tas podia obter" (3).
Assim exclama orgulhoso S, Maine, também ad-
versário da hipótese do hetairismo primitivo, "o maior
nome da ciência contemporânea apoia a teoria patriarcal"
y (4), Le Bon igualmente combateu essa hipótese, e Wes-
TERMARCK, depois de acumular fatos e argumentos para
destroná-la, conclue declarando-a "essencialmente anti-
científica (5). Realmente, não se pode obscurecer que ne-
nhum estado é mais impróprio para a fecundação do que
a promiscuidade, o hetairismo.
A verdade está, por certo, com SPENCER, quando
escreve: "Nos grupos humanos mal unidos, como são ori-
ginariamente, não há ordem alguma estabelecida, nada é
definido, nada ê organizado. As relações entre homens e
mulheres não o são mais do que as relações de homem
a homem. Nos dois casos, os guias únicos são as paixões
< 0 r
^ ^)r^ent:o' sem freio algum, a não ser o medo das con-
seqüências ' (6). Em tais condições, pode-se afirmar que
a característica desses primeiros momentos da evolução das
relações conjugais foi a indisciplina, a irregularidade, a
transitoriedade, a existência de modalidades diversas; e o
hetairismo, de que se fala, é uma regulamentação rigorosa,
inflexivel. A comunhão da posse territorial compreende-
se corno necessária; porque, para defender o terreno, de
que a tribu haure a sua subsistência, é forçoso que todos
se alinhem prontos para o combate. A mesma exigência
não se dá, senão excepcionalmente, em relação às mulheres.

(3) Descendence de Vhomme, II, .págs. 380-381.


(4) Sumner Maine, op. cit., pág. 274.
(5) Westermarck, op. cit., pág. 114.
(6) Spencer, Príncipes de sociologie, II, pág. 213.
DO CASAMENTO 39

Há, 'VnGontotavelmente, povds atrasadíssimos que


são monogamos (os fogueanos, por exemplo), e há po-
vos, relativamente adiantados, que são poliândricos (os
tibetanos, por exemplo) ; mas parece de contestação di-
fícil que a transitoriedade nas úniões sexuais fosse a nota
predominante nas sociedades primitivas. Não nos diz ou-
tra coisa um transunto generalizado das notícias colhidas
por historiadores e viajantes; nada se ajusta mais adequa-
damente com a psicologia humana. Se por promiscuidade
se estendem relações de pouca duração, monógamas ou
polígamas, podemos ter por certo que foi essa a manifes-
tação incongruente de onde surgiram as formas disciplina-
das posteriores. Mas, se comunhão de mulheres importa
em direitos iguais e simultâneos, só podemos crer que ela
existisse, anormal e passageiramente, pois, se fosse estabe-
lecida como regime único, ocasionaria a esterilidade, alem
de outras consequnêcias danosas, de cujo concurso resul-
taria, dentro em pouco, a supressão do grupo, que a pra-
ticasse de um modo sistemático.
Já assinala a ação de uma certa disciplina a forma
polígama, adotada como regime comum. Apresenta ela
duas feições, a poliginia monândrica, e a poliandria mo-
nogínica, algumas vezes poligínica. Mais brevemente, a
poliginia e a poliandria.
Esta última forma, a poliandria, tem sido assina-
lada nos usos de certos povos incultos, os caraibas, os es-
quimós, os aleucianos, os cossacos zarápagos e entre esses
pacíficos e felizes tibetanos, a que fazia alusão ainda há
pouco. CEZAR afirma que os bretões praticavam uma po-
liandria fraterna que põe revoltas na conciência moderna
(7), e StrabÃO conta que, nas tribus da Arábia feliz,
havia também o casamento poliândrico.

(7) De bello gallico, V, 13: Uxores habent deni duodenique


inter se communes, et maxime fratres cum fratribus, parentesque
cum liberis; sed, si qui sunt ex his nati, eorum habentur liberi, quo,
primum virgo quaeque deducta est.
40 DIREITO DA FAMÍLIA

A poliandria poligínica é mais comum do que geral-


mente se imagina. E' grande o número dos povos incultos,
entre os quais, muitos homens, principalmente irmãos,
possuem, com direitos de co-senhores, um harém de es-
posas (8). E, não cause estranheza, em certos momentos
e em certos paises, a poliandria foi vantajosa, No Tibet,
por exemplo, pensam WlLSON e TURNER que, em vista
da esterilidade do solo, somente uma forma conjugai pou:
co prolifera seria tolerável. Encontraram-na os tibetanos
na poliandria, e com ela vivem felizes.
Sobrevivência da poliandria fraterna, fortificada pelo
sentimento de solidariedade familial, é esse costume do
levtrato, pelo qual o irmão do marido premorto deve es-
posar sua cunhada viuva. Na Nova Caledônia, entre os
índios da América do Norte, entre os ostiaks da Sibéria e
entre os afghans, depara-se esse costume. O Código de
Manú prescreve-o, quando o irmão premorto não deixa
posteridade para satisfazer o ceremonial do culto domés-
tico. A mesma preocupação inspira usanças semelhantes
aos helenos e aos hebreus, que, nos seus livros santos, nos
deixaram muitos exemplos deste costume (9),
Mais geral do que a poliandria é a poliginia mo-
nândrica. "Ela existe em todos os climas, nas regiões ár-
ticas, nos países áridos e abrasados pelo sol, nas férteis ilhas
oceânicas, sob os trópicos, onde o.sol é asfixiante" (10).
Mas, como é sabido que, embora o contínuo tributo de
vidas pago às guerras incessantes, jamais o número dos
homens se mantém, de um modo permanente, em nivel
muito inferior ao das mulheres, porque muitos fatores,

(8) H. Post, Bthnol. Jurisprudenz, I, pág. 55 e segs.


(9) Todo o livro de Ruth é instrutivo a respeito. Consultem-
se, acerca do levirato: Sumner Maine, L, ancien droit et la coutume
primitive, pág. 138 e segs. ; Dareste, Études historiques, I, pág. 61,
(nota 1), 87 e segs. ; 144; Post, Rechtswissenschajt, pág. 55; Var-
ínhagen. História geral do Brasil, pág. 46 da 2.a ed. e 86 da 3.a.
[Veja-se ainda Bvang. de S. Matheus, cap. XXII, ver. 25 a 30,
, (10) Spencer, Principes de sociologie, II, pág. 278.
DO CASAMENTO 41

entre os quais o ínfanticídio das meninas, eram postos em


ação para restabelecer o equilíbrio, torna-se indubitavei
que, onde prepondera esta forma de casamento, as mulhe-
res são atribuídas somente a alguns, os notáveis, os domi-
nadores, os chefes, os valentes, ficando muitos sem glórias,
e sem mulheres (11).
Apesar desse e de outros inconvenientes, que viciam
esta forma de relações conjugais, incontestavclmente ela
é superior às outras até agora consideradas. Como obser-
va SPENCHR, na poliginia é que a paternidade e a mater-
nidade começam a ser igualmente consideradas, é com ela
que se estabelece uma linha direta de ascendentes masculi-
nos, de geração em geração, obtendo assim a família uma
coesão mais forte (12).
Afinal, prepondera a monogamia, que é a forma de
união conjugai de mais forte coesão entre os consortes,
a melhor organizada para a manutenção da prole, a mais
consentânea com a dignidade da mulher e com a morali-
dade social, finalmente, "a mais adaptada ao desenvolvi-
mento da simpatia humana", como diz D^AGUANO.
São essas as formas principais do matrimônio. Mas,
examinando com teem sido elas praticadas pelos povos,
encontram-se modificações, combinações especiais, que é
mister indicar.
Umas vezes, os enlaces matrimoniais devem ser rea-
lizados, obrigatoriamente, dentro do mesmo grupo. Ou-
tras, é justamente o contrário que se estatue. No primei-
ro caso, dá-se a endogamia, e, no segundo, exogamia. Os
grupos, cujas raias servem de órbita ao giro da seleção
sexual, variam tanto na endogamia quanto na exogamia.
Tem-se observado que, preocupados com a pureza
do sangue, os povos restringem os casamentos a um cír-
culo estreito de consangüinidade. Assim fizeram deuses e
heróis nos inícios de todas as civilizações, assim teem ge-

(11) Spencer, Op. cit., pág. 271.


(12) Spencer, op. cit., pág. 286.
- 42 DIREITO DA FAMÍLIA

ralmente, praticado as famílias reinantes, em todos os tem-


pos e em todos os paises, sejam cultos, sejam de broncos
selvícolas.
No Japão, outrora, o casamento com a irmã mais
moça era obrigatório, pelo que se deduz de certas narra-
ções e do nome (/mo) dado às mulheres, o qual signi-
fica — irmã mais jovem (13). Muitos dos selvagens bra-
licos, assim como os caraíbas, praticavam a endogamia,
efetuando casamentos, mais ou menos necessários, os tios
maternos com as sobrinhas. Esse dever de desposar paren-
tas próximas se reproduz, em grande número de regimes
jurídicos, na índia, na Arábia, por vários outros paises.
Mais estensa é, certamente, a prática da exogamia.
Muito comumente, o membro de uma família totemista,
de um parcelamento de tribu, de uma agregação familial,
está inibido, de tomar, por mulher, uma consócia do mes-
mo grupo, e terá necessidade de ir alem, ao agrupamento
vizinho, para efetuar seu casamento (14).
A primeira explicação que ocorre à mente, em rela-
ção a estes usos da endogamia e da exogamia, é a seguinte.
E provável que os povos de índole pacífica se tenham
sempre contentado com as mulheres de suas respectivas
nações; se abundantes, seriam monógamos ou poligínicos;
no caso contrário, políândricos. Mas acontecia, muitas ve-
zes, maxime nas agremiações belicosas, que os chefes e os
anciãos, estabelecendo a poligamia em seu proveito, dei-
xavam os jovens solteiros e sem esperança de consórcio. O
recurso, que lhes restava, era o de irem procurar mulheres
em outros bandos, ainda que nessas excursões amorosas
comprometessem, não raramente, a tranqüilidade e a pró-
pria existência de sua ação. O roubo das sabinas, o rapto
de Helena e o daquela índia baiana, a que se referem as
crônicas de nossa pátria, relatando a guerra implacável, que
se ateou entre duas tríbus estanceadas nas proximidades

(13) Hermann Post, Bthnol. Jurisprudenz, I, pág. 35, nota 1.,


(14) Hermann Post, op. cit., pág. 37.
DO CASAMENTO 43

da baía de Todos os Santos, são amostras de como as


coisas se faziam. Ainda hoje, os raptos de moças devem
ser remíniscências persistentes das façanhas desses rudes
primitivos.
Assim, a exogamia teve, naturalmente, por primeira
manfestação, a catura, da qual se conservam tenazes re-
cordações nos símbolos dos ritos matrimoniais, em tempos
em que, já de muito, se apagara a prática dessas empresas.
Nas guerras travadas por qualquer razão ou pretex-
to, os vencedores tomavam conta dos despojos dos ven-
cidos, e no meio deles estavam as mulheres. SUMMER
MAINE chama a atenção para um exemplo frisante des-
sas apropriações após a derrota. E' uma inscrição egípcia,
conservada numa esteia do museu de Berlim, que no-lo
oferece. Há cinco diversas comemorações de vitórias. Em
todas elas, à carnificina segue-se a tomada dos bens e das
mulheres, geralmente poupadas (15).
Mais tarde, vai-se introduzindo um elemento de pa-
cificação. Os raptos são pagos por multas, e, por último, o
roubo das mulheres transforma-se em compra. Mas, ain-
da ao tempo em que o casamento já era precedido de acor-
do, entre o noivo e o chefe da família da noiva, havia
raptos simulados e amúos fingidos entre as duas famílias.
Principalmente a sogra não falava, de frente, ao genro,
em sinal de arrelíamento. Não sei se nessas malsínaçÕes
das sogras, com que se entreteem os galhofeiros de gaze-
tas e almanaques, haverá alguma sobrevivência dessas an-
tigas usanças.
A compra efetuava-se por bens, por moedas, mais
tarde, por prestações de serviço. Desta última forma é clás-
sico o exemplo de Jacob. Mas, na Califórnia, no Yucatan,
entre os maías, repetiram-se, ameudadamente, casos seme-
lhantes.
Estabelecida a exogamia e firmada por costume in-
veterado, é um crime não se submeter às suas injunções;
—)
(15) Études sur 1'ancien droit, pág. 283.
44 DIREITO DA FAMÍLIA

é mesmo urna ignomínia capaz de acarretar infortúnios.


Os delinqüentes devem ser exemplarmente punidos; e não
é raro vê-los condenar à morte. Entretanto, combinam-se
os dois sistemas, e endógamo e o exógamo. Dentro da mes-
ma tribu endógama se estabelece a exogamia, porque ela
se divide em secções, e os membros dessas divisões são obri-
gados a casar fora de um grupo especial, mas dentro de
uma das outras secções da mesma tribu. E' natural acre-
ditar que, para esse modo de proceder, haja contribuído a
repugnância do mesmo sangue, alem de princípios de mo-
ral doméstica já em formação.
Finalmente, diluem-se esses diferentes sistemas, sub-
sistindo apenas os impedimentos matrimoniais provenien-
tes do parentesco. Em Roma, nos tempos clássicos, essa
combinação atenuante dos exageros da endogamía e da
exogamia se nos revela no jus connubii. O cidadão ro-
mano, para casar, validamente, devia escolher sua esposa
entre suas concidadãs; mas não podia, com seu direito de
seleção, transpor os limites de certo grau de parentesco.
A idéia do çonnubium, explica RUDOLF VON JHERING,
repousa sobre o horror aliem, que é o reverso de uma
união de família estreita, e sobre a tendência da gens a
afastar todos os elementos estranhos e a completar-se por
si mesma" (16).
Essas mesmas idéias repontam em outros muitos po-
vos. O hindú, por exemplo, não pode esposar mulher que
pertença ao mesmo gatra, mas é seu dever não aspirar
consorte de casta estranha à sua, porque lh'o vedam as leis
e a religião (17).
Modalidades curiosas de casamento são ainda as de
prévia experiência e a título de ensaio, que usam povos
bárbaros. Em Ceílão, a experiência, narram viajantes, du-
ra quinze dias. Decorrido esse prazo, confirma-se o casa-

(16) Uesprit du droit romain, trad'. Meulenaere, 3.a ed., vo-


lume II, pág. 15.
(17) S. Maine, op. cit., pág. 295.
DO CASAMENTO 45

mento ou separam-se os contraentes, indo cada qual para


seu lado, como se se tratasse de uma compra ou de outro
contrato, sobre o qual não chegassem a acordo. Os índios
do Canadá, os árabes, os otomios do México praticavam
também esse sistema de consórcio. Os tártaros alongavam
o prazo da experiência até um ano, o que faz lembrar o
matrimônio romano pelo usus.
Diferentes são os casamentos temporários, que, ain-
da hoje, os judeus de Marrocos acariciam, os casamentos
parciais dos naires, e os de aluguel dos persas.

§ 8.°

CERIMONIAIS DO CASAMENTO ANTIGO

Não é de estranhar que aos homens mais chegados


à animalidade sejam desconhecidas quaisquer cerimônias,
com que solenizem os seus conúbios. Em sua maior parte,
as tribus dos chamados tupis assim praticavam, e é bem
certo que não se acham isoladas nesse modo de pro-
ceder (1).
Entretanto, à proporção que a disciplina social co-
meça a se exercer sobre as uniões sexuais, por meio dos
costumes, da religião e do direito, os cerimoniais intro-
duzem-se, alastram, avassalam a celebração do matrimô-
nio, envolvendo-a num complicado formalísmo, que, de-
pois, vai-se, pouco a pouco, diluindo até deixar ao ato
a sua natural gravidade e simpleza-
A ficção da catura, quando ela já não mais uma
realidade, é, sem dúvida, a mais antigo cerimonial dos

(1): Sobre o casamento dos índios do Brasil, vejam-se: Gon-


çalves Dias, O Brasil e a Oceânia, pág. 196 e segs. ; Varnhgen,
História geral, 3.a ed., págs. 86-87; Rocha Pombo, História do
Brasil, I, págs. 268 e seguintes; Anchieta, Revista do Instituto
Histórico, VIII, págs. 254-262; e as minhas Contribuições para a
história do direito, na Revista do Norte, Recife, 1891, págs. 68-69.
46 DIREITO DA FAMÍLIA

casamentos. Os chineses, os romanos, os gregos e vários


outros povos usaram-na, como é geralmente sabido. De-
pois vão aparecendo outras idéias mais complexas, sim-
"bolismos religiosos de purificação, indicações da natureza
e fins de casamento. Entre essas cerimônias, é notável,
por sua generalização, o banquete em comum, ou um sim-
ples bolo que os esposos teem de comer conjuntamente.
Não foram somente os romanos e os helenos que usaram
dele na celebração do casamento; muitos outros povos pro-
cediam do mesmo modo, como sejam os macedônios en-
tre os antigos, e os iroqueses, em tempos recentes. Na ín-
dia, a noiva prepara uma bebida especial para o seu casa-
mento. Na ocasião da solenidade nupcial, senta-se ao colo
do noivo, empunha uma taça, em que derramou porção do
licor preparado por ela, bebe a metade e entrega o restante
ao noivo, que, avidamente, o sorve até a última gota. E'
simples, mas é expressivo.
Estes costumes persistem, sob a forma de bodas nup-
ciaís, ainda em nossos dias.
Em um certo momento, a religião tomou, exclusiva-
mente, a si a presidência das cerimonias do casamento,
principalmente na família índo-européia, que, desde muito
cedo, considerou o matrimônio o ato mais solene da reli-
gião doméstica. O direito, entretanto, não se deixa, por
muito tempo, no segundo plano, e, penetrando pelas dis-
junturas dos sistemas religiosos, vai, pouco a pouco, in-
tervindo no ato da celebração do casamento, até seculari-
zá-lo de todo. Mas esta é já a feição última da evolução
jurídica, bem que o civilismo se manifeste em períodos
remotos e entre povos de baixa cultura.
Em Sumatra, deparam-se três formas de casamento,
todas contratuais: o jugut, pelo qual o homem faz aqui-
sição de sua mulher, como de uma propriedade; o ambe-
lanak, que produz o efeito inverso, submetendo o marido
ao poder da mulher; e o sernando, que é a associação con-
jugai a título igualitário. Nas ilhas Malgraves, todo ca-
samento deve ser aprovado pelo clã reunido, como devera
DO CASAMENTO

ter sido em Roma, antes que se inventasse a representação


das tribus pelas testemunhas.
No Egito, onde, aliás, gozaram as idéias religiosas
de alta preponderância, o casamento adquiriu feição con-
tratual. Havia, no país dos faraós, um casamento servil,
cujas fórmulas se podem ler nos livros dos egiptólogos, o
igualitário e o dotal, sem as peculiaridades romanas este
último.
No México antigo, era o casamento um ato solenís-
simo, que o direito não abandonava, exclusivamente, aos
ritos religiosos. "Celebravam-se com tanta solenidade,,
escreve PRESCOTT, como em nenhum país cristão, e era
tida em tanta veneração esta instituição que havia um tri-
bunal especialmente destinado a resolver as questões a ela
referentes" (1).
No Perú, antes da descoberta da América, os casa-
mentos eram puramente civis. O rei, de dois em dois anos,
convocava, em Cuzco, os súditos, que haviam atingido a
idade matrimonial, unia-lhes as dextras por pares e man-
dava-os ir embora. Nas províncias, efetuavam os gover-
nadores a mesma operação (2).
A forma jurídica da celebração do casamento, no an-
tigo direito germâncio, era a compra da noiva feita ao seu
pai ou ao seu sippe, e assim a mulher entrava para
mundium do marido. Algumas vezes, o casamento se efe-
tuava pelo rapto de uma estrangeira, mas não era esta uma
forma simpática aos espíritos. Nas solenídades, com que
se procurava cercar de prestígio e significar o valor social
do casamento, aparecia a apresentação da lança como sím-
bolo de poder e domínio (3).

(1) Conquista de México, nueva ed., pág. 23.


(2) Westermarck, op. cit., pág. 376. ver em Emílio Val-
verde, El derecho de família, I, p- 24 e seguintes, a história do
matrimônio, na época incáica, onde se descrevem outras formas de
casamento.
(3) Endemann, Einfuehrung, § 154.
4S DIREITO DA FAMÍLIA

§ 9.°

DIREITO ROMANO

Nos tempos históricos de Roma, era o casamento um


ato, ao mesmo tempo, civil e religioso, como, anteriormen-
te, parece ter sido um ato, em que, exclusivamente, pre-
ponderaram influições sacerdotais. Mas, em breve, esse
povo enérgico e viril, desenvolvendo, mais do que qual-
quer outro, os princípios da jurisprudência, revestiu o ca-
samento de um carater puramente secular e profano.
O mattimonium júris gentium, próprio dos peregri-
nos, e o contubernium, especial dos escravos, são modali-
dades excrescentes, que não gozam da suprema sagração
do direito. Este as tolera, é certo; mas não lhes atribue os
consideráveis efeitos que faz brotar das justas núpcias,
contraídas entre pessoas que gozam do jus conriubii.
Havia três formas de casamento, que devem ser des-
tacadas pela importância das conseqüências, a que davam
lugar: a confarreatio, a forma matrimonial dos patrícios,
segundo VoiGT e GLASSON, ou, antes, a forma religiosa,
como asseveram Padelletí, OOGLIOLO e RuDOLF VON
JHERING; a coemptio, em que a secularização já se faz do-
minante; e o asus, em que os elementos profanos são ex-
clusivos (1).
A confarreatio era celebrada perante o pontifex má-
ximas e o flamen dialis, com assistência de dez testemu-
nhas representando as dez gentes da cúria ou as dez cúrias
da tríbu, a que pertencia o marido. O nome confarreatio
provinha de um bolo de trigo {pannis farreus) que apa-
recia na ocasião da celebração para ser dividido e comido
pelos dois contraentes.
A coemptio era uma venda simbólica imaginaria ven-
dido, da mulher, realizada pelo pater-famílias, em cujo

(1) Vejam mais: Gaio; Inst., I, §§ 111 e 114; e Endemann,


Binfuehrung, II, § 154.

ê
DO CASAMENTO 49

:podet ela se achava. Bem claro, por trás desse curioso


simbolismo, patenteia-se um costume antigo de compra
real, que deviam ter praticado os romanos, como pratica-
ram os babilônios, os gregos, os hindús, os judeus.
O usus era simplesmente a usucapio aplicada à posse
da mulher. Se a posse durava um ano, a propriedade esta-
va adquirida, como se se tratasse de qualquer objeto mo-
vei, e a mulher estava sob a manus do marido. Mas era-
Ihe facultado interromper a continuidade da posse, per-
noitando fora do teto comum, por três noites seguidas du-
rante o ano.
Essas formas, de que resultava sempre a manus, fo-
ram-se tornando obsoletas e tomando seu lugar os casa-
mentos por mero consenso, acompanhados da mens ma-
trtmonii, da manta lis affectio e concretizado na tr adi tio
■e na deduetio uxoris in domam mariti, casamentos que,
nos primeiros tempos, apareceram sob um aspecto inju-
rídico (2), e só com o abrandamento dos costumes e me-
lhor compreensão da sociedade conjugai, receberam a con-
sagração do direito. Com a transformação, ganhou, por
certo, a causa da civilização, pois elevou-se a condição da

(2) E indubitavel que, originariamente, existiram casamentos


sem manus, resultando esta, exclusivamente, das três formas apon-
tadas no texto. Muitos escritores falam desta espécie, acrescentan-
do que há dois gêneros de mulheres: as matres familias (eae quae
m manum convenerunt) e as que são designadas simplesmente pelo
nome de uxores (tanfummodo uxores habentur). Mas, como observa
CoGLioivO (Storia, pág. 165, n. /), deveriam ser nulos, perante o
direito, esses casamentos, e 'só o seu grande número fez, afinal, reco-
nhecer a sua validade. Sanches Roman, Derecho civil, V, prim.
parte, págs. 134-137. Vejam-se mais; Endemann, Binfuekrung,
II, § 145; Dernburg, Pand., III, § 6.°, nota 2; Ed. Cuq, Bes ins-
titututions juridiques d es romains, I, págs. 58-59, e II, págs. 85-86;
Bonfanti, Istitu.zioni di dir. romano, § 58. No casamento livre
a mulher considerava-se ainda ligada a sua família de origem e em-
bora sujeita às ordens do marido, no que concernisse à direção da
vida conjugai, conservava a livre disposição da sua pessoa e de seus
"bens.

— 4
50 DIREITO DA FAMÍLIA

esposa, e o casamento não perdeu sua elevada importância


social, continuando a ser o consortiwn omnis vitce., e ten-
do ,por principal fim, o nobre sentimento, que os roma-
nos souberam, tão belamente, traduzir em linguagem ex-
pressiva, a cuptdo sobolts procreandt.
As solenidades costumeiras, com que eram celebra-
dos os casamentos em Roma, e que subsistiram, muito
tempo após o desaparecimento das formas matrimoniais,
que costumavam acompanhar, a confarreatio e a coemptto,
são semelhants às que se usaram na Grécia. Podem ser
colhidas, em resumo, nos escritores, que se ocuparam do
assunto (3).
O cerimonial começava pelos preparativos nupciais.
Marcado o dia, em época apropriada e propícia ao casa-
mento, a noiva despia seus trajes de virgem (toga pre-
texta) , vestia uma túnica recta, apertada por um cinto de
lã (singulum), e oferecia aos deuses lares da casa paterna
seus brincos infantis. No dia do casamento efetuavam-se
os núptiarum auspicia, a consulta aos deuses, desde as pri-
meiras horas da manhã. Era também usado fazer o sacri-
fício de uma ovelha, cujas entranhas eram consultadas
pelos arúspices, cerimônia esta obrigatória na confarrea-
tio, porque a pele da vítima tinha de servir no momento
da celebração do matrimônio. Depois, congregados os
amigos e convidados, compareciam os noivos. A jovem
trazia um véu rubro (flammeum), que lhe caía da cabeça
coroada por uma grinalda de flores redolentes, os cabelos
se achavam penteados de um modo particular e nobre, pre-
sos por um grampo simbólico, a hasta celtbaris. Seguia-se
a troca dos consentimentos e a redação das tabulae naptia-

(3) Fustel de Coueanges, La cité antique, págs. 41-48;


Glasson, Le mariage civil et le divorce, págs. 168 e segs. ; Miche-
Let, Les origines du droit jrançais, págs. 19 e segs. ; Beauchet,
Hist■ du droit prive de la republique tahénienne, I, págs. 112 e segs.,
que é minucioso quanto às formas e solenidades do casamento ate-
niense.
DO CASAMENTO 51

les, uteís para a prova do dote, mas desnecessárias para a


perfeição do ato, e tanto que não apareciam nos tempos
anteriores, por falta de objeto, não havendo absolutamen-
te um dote a constituir. Para o completo acabamento e
perfeição do ato, era assáz o mútuo consenso. Nihil ohstat
etiamsi tabulae stgnatae non fuerint. . .
Era nesse momento que a mulher, para testemunhar
que sua existência se tranfundia na de seu marido, pro-
nunciava a célebre fórmula antiga: Quando tu Gatus, ego
Gaia. Intervinha uma senhora casada, que não tivesse pas-
sado a segundas núpcias (pronuba) e aproximava os dois
esposos, que se davam as mãos (dexteratum junctio).
Seguiam-se as formalidades, da confarteatio ou da
coemptio, conforme o caso, enquanto não cairam em desu-
so essas formas, como já ficou observado.
Concluidas essas cerimônias, davam-se a aclamação
dos noivos e o festim nupcial (coena), em casa do pai da
noiva, findo o qual, ao tombar da noite, procedia-se à
deductio uxoris in domum mariti, simbolismo que recor-
da, lucidamente, o rapto primitivo. Com simulada violên-
cia,arrancavam a noiva do regaço da mãe aflita, e condu-
ziam-na em ruidosa passeata, com música, descantes e ar-
chotes, até à porta da casa conjugai, cujos umbrais ela
transpunha soerguida pelos braços de outrem. Penetrava
a mulher no atrium, onde ia participar da água e do fogo,
para afirmar sua entrada na posse do novo lar e da nova
família.
No dia seguinte, compareciam, novamente, os ami-
gos, que já encontravam a dona da casa no exercício de
suas funções, efetuado o sacrifício aos deuses do marido,
e celebrava-se, então, um outro festim, a que era dado o
nome de repotia.
E essas solenidadcs, inventadas para revestir-
rcm de pompa e grandiosidade o casamento, reproduziam-
se em todos os consórcios dos cidadãos romanos, mesmo
depois dos casamentos livres, e embora se prendessem, por
origem, aos antigos ritos da confarteatio, não lhes re-
52 DIREITO DA FAMÍLIA
/

conhecia a lei nenhum efeito jurídico. O patet famílias


era, nas núpcias ordinárias, o sumo sacerdote, cujas fun-
ções tinha um culto privado, de que o seu chefe era o pon-
tífice.
Desde os mais afastados momentos da história co-
nhecida, no mundo romano, o casamento foi monógamo.
Encontram-se fatos, como o de Catão, o moço, empres-
tando sua esposa, Martia, e que LuBBOCK aproxima de
usos semelhantes entre esquimós e outros povos bárbaros,
que se não pejam de oferecer aos hóspedes a própria mu-
lher, ou, mais comumente, a filha. A exquisíta aquies-
cência de Catão, a seu amigo Hortêncio, foi determinada
pela necessidade de obter este a produção de filhos de boa
estirpe, a julgar pela narração, que nos tranmitiu Plu-
TARCHO (4), a quem não maravilhou o estranho fato.
E era tão imperiosa, no entender dos romanos, a ne-
cessidades de deixar descendentes, que, ainda nos tempos
clássicos, o espírito público e os magistrados, seus intér-
pretes, reagiam, energicamente, contra o celibato, impon-
do-lhe multas e censuras. Já no começo do império, a lei
JtMia de maritandis ordinibas retirava, aos celibatários, o
jtis capiendi, direito de entrar na propriedade dos bens que
lhes fossem deixados em testamento. Mesmo os orbi. os
casados estéreis, gozavam do jas capiendi, somente para
a metade da sucessão testamentária, que lhes fosse defe-
rida (5),
A faculdades de contrair justas núpcias (yus con-
nubii) era, a princípio, muito restrita, dominando idéias
de uma endogamia temperada. Os patrícios deviam casar
dentro de sua própria classe. Mais tarde houve conúbio
entre eles e os plebeus; depois dilatou-se, gradualmente, a
faculdade, abrangendo os latinos, os italiotas, os provin-
cianos.

(4) Vie des hommes illustres, trad. Al. Pierron, vol. III, pá-
ginas 468-469.
(5) Bonjean, Institutes, I, págs. 686-687.
,■ í ■ '

DO CASAMENTO

Desde então, os impedimentos matrimoniais refe-


rem-se a um casamento anterior subsistente; à condição
civil, porque o casamento com escravo era impossivel; à
idade, somente aos pújberes sendo permitido contrair
núpcias, ao parentesco, consanguíneo, afim ou puramente
civil, dentro de certos graus; a determinadas funções ou
encargos púbicos, visto como eram vedados os consór-
cios entre os magistrados provinciais e as mulberes que
residiam dentro da circunscrição, territorial de sua autori-
dade, entre tutores e suas pupilas, entre curadores e suas
curateladas, proibição que atingia aos descendentes mas-
culinos dos tutores e curadores (D. 23, 2, frs. 36, 37 e
59). Acrescente-se que o alteni júris necessitava, para ca-
sar-se, da autorização do pater famílias; que a viuva, so-
mente decorridos doze meses depois da dissolução de seu
casamento pela morte do marido, podia contrair segun-
as núpcias (D. 3, 2. fr. 10, § 1.°); e que os peregrinos
se não enlaçavam com os romanos por justas núpcias, mas,
simplesmente, por um mattimonium non legitimum (6).
Pela ação do cristianismo, aparecem impedimentos novos;
a diferença de religião, o rapto, o parentesco espiritual.
Como se verá depois, muitas dessas figuras de impedimen-
tos reproduzem-se no direito moderno.
Quanto ao adultério, era primitivamente punido pe-
la relegação de cada cúmplice para uma ilha diferente, e
mais a confiscação da metade do dote da mulher e de um
terço dos bens do codelinquente. Constantino elevou esta
penalidade à morte de ambos os criminosos. Dado o adul-

(6) Ao tempo de Justiniano, peregrinos são, exclusivamente,


os bárbaros, que marginam e apertam o império romano, em cons-
tante ameaça de esfacelamento, o que afinal se realizou por inteiro. O
casamento com os bárbaros fora punido com a pena de morte por
Valentiniano e Valente. Mas Justiniano deixou de inserir em
suas compilações essa penalidade excessiva.
Sobre o casamento segundo o direito romano, veja-se ainda
NíEtto Campello, Prel. de direito romano, liç. XVI.
54 DIREITO DA FAMÍLIA

térío, era dever do marido dívorcíar-se, senão podia arris-


car-se a incorrer nas penas do lenocínio (D. 48, 5, fr. 2,
-§ 2.°, e fr. 26).

§ 10

DIREITO CANÔNICO E PÁTRIO

A Igreja, mesmo depois de vitoriosa e elevada às su-


midades do poder em Roma, não tratou, com precipita-
ção, de eliminar o carater civil que, ao casamento, havia
atribuido o direito. Teve de contemporizar com as idéias
romanas, como devia fazer concessões laos bárbaros, E
foi concessão considerar o casamento completo pela sim-
ples troca do consentimento por parte dos nubentes, in-
dependentemente da benção do sacerdote e da publicação
dos proclamas, condições, aliás, prescritas por concílios lo-
cais, porque a ausência dessas solenidades privava o casa-
mento da necessária publicidade. Mas. assim procedendo,
não só agiam os diretores do cristianismo no sentido da
propaganda religiosa, como conseguiram tornar desneces-
sário o concubinato. Se entre o homem e a mulher havia
considerável diferença de posição social, em vez de con-
cubinato regulado pelo direito germânico e tolerado pelo
romano, podia efetuar-se o casamento morganático, da
mão esquerda, particular aos povos germânicos, e que não
constituía uma família com os direitos comuns à heran-
ça, à comunicação dos bens e à consideração civil do seu
chefe (1).
Os povos tedescos, avassalando a Ibéria, nela intro-
duziram o casamento morganático de que usaram tam-
bém portugueses. Em Portugal, nos primeiros séculos da
monarquia, subsistiam três formas de casamento, deixan-
do agora de lado o morganático. São elas: 1.°, o casamen-
to celebrado segundo' as solenidades todas do ritual, o

(1) Shulte, Institutions de l'Alleniagne, § 174.


DO CASAMENTO 55

que o elevava à categoria de vero sacramento; 2.% o casa-


mento realizado sem essas solenidades mas com a apro-
vação da família; 3.a, o casamento sem a sanção do direito
canônico e sem a aprovação dos parentes, constituido so-
mente pelo consentimento das partes, acompanhado da
intenção de viverem os consortes como casados (2).
Mas o concilio reunido em Trento (1563), toman-
do uma atitude mais firme que os seus antecedentes, de-
cretou a rigorosa observânda de certas solenidades ex-
ternas, tendentes a dar ao casamento toda a necessária pu-
blicidade e conseqüente garantia. Assim foi prescrito por
essa assembléia religiosa; 1.°, que o casamento fosse pre-
cedido por três enunciações feitas pelo pároco do domi-
cílio de cada um dos contraentes; 2.°, que fosse feita, de
modo inequívoco, diante do pároco celebrante, a manifes-
tação livre do mútuo consentimento; 3.°, que a celebra-
ção fosse realizada pelo pároco de um dos contraentes ou
por um sacerdote dividamente autorizado, na presença de
duas testemunhas, pelo menos; 4.°, finalmente, que o ato
se concluísse pela solenidade da benção nupcial. O livre
consentimento dos contraentes, a presença do pároco e das
testemunhas é que são essenciais para que haja casamento
católico.
Foi esta, por longo tempo, a forma de matrimônio,
exclusivamente , recebida pelo jdireito pátrio. Enquanto
a quase totalidade dos brasileiros era católica, ao menos
por tradição, nenhum grave inconveniente havia em mos-
trar-se o Estado desconhecedor ou descuraao de seus di-
reitos nesta matéria. A imigração, porem, e o derrama-
mento de novas crenças vieram impor a necessidade de ser
decretada uma forma de casamento, mais ampla e mais
compatível com os reclamos da civilização.
Houve um choque de opiniões divergentes, e desse
combate, que é o período inicial de toda evolução jurí-

(2) Viterbo, Blucidario, verbo: marido conoçudo.


56 DIREITO DA FAMÍLIA

dica, surgiu a lei de 11 de Setembro de 1861, estabelecen-


do o chamado casamento acatóhco, entre pessoas perten-
centes a seitas cristas não católicas, e celebrado segundo
o rito respectivo. Foi uma concessão, por certo, mas ainda,
muito limitada, pois a competência da religião ainda per-
manecia integral, em matéria de casamento, e todos aque-
les que não pertencessem ao grêmio da cristandade con-
tinuavam na impossibilidade de contrair, no país, matri-
mônios com efeitos civis, perante o direito nacional.
Com a publicação dessa lei e seu decreto regulamen-
tar, de 17 de Abril de 1863, três formas de matrimônio
contou o direito pátrio: 1.°, o católico, celebrado segundo
as prescrições do concilio de Trento e disposições consti-
tucionais do arcebispado da Baía {Ovd., 4, 46, § 1.°, e lei
de 3 de Novembro de 1827); 2.°, o casamento misto,,
contraído segundo essas mesmas disposições e preceitos,
porem conjugando um católico e um cristão dissidente;
3.°, finalmente, o casamento acatólico da lei de 11 de Se-
tembro de 1861. Deu-se assim um passo, meticuloso é
certo, para a intervenção da autoridade civil em matéria
de casamento, pois que a citada lei dava aos juizes secu-
lares, competência para resolverem sobre o conhecimento
e as dispensas de impedimentos, assim como sobre a nuli-
dade do ato.
Fazia-se, dia a dia, mais urgente uma reforma le-
gislativa mais radical. Desde 1854, apareceram tentativas
de secularizar-se o casamento. Uruguai, Nabuco, Diogo
de Vasconcellos, Tavares Bastos, Taunay, Araripe, Sal-
danha Marinho, Maciel, Eufrasio Correia, esforçaram-se
pela realização desse ideal, no Conselho de Estado, no
parlamento, em panfletos (3); mas, somente com a trans-
formação do sistema de governo, com a proclamação da

(3) Pode ser lida a história dessa campanha em Herculano


de Sousa Bandeira Filho, Comentário à lei de 11 de setembro •
$0 1861; em Escragnole Taunay, Casamento civil; e em Ma-
cedo Soares, Casamento civil.
-TO' ..'

DO CASAMENTO 57.

República, é que tivemos o decreto de 24 de Janeiro de


1890, criando o casamento civil, como uma conseqüência
necessária da separação dos poderes, o temporal e o espi-
ritual, objetivada no decreto de 7 de Janeiro de 1890.
Completou essa evolução o Código Civil, regulando o ca-
samento de acordo com os princípios estabelecidos na
Constituição republicana.

11

CONDIÇÕES PARA A VALIDADE DO CASAMENTO

O nosso, como todos os direitos, exige condições es-


peciais para a validade do casamento. Essas condições são
estabelecidas de modo a firmar e salientar a moralidade,
a segurança, a publicidade e a importância do 'casamento
e das relações, que dele promanam. Distribuem-se elas por
três categorias: l.a, requisitos exigidos à pessoa, que pre-
tende contrair justas núpcias; 2.a, solenidades preliminares
tendentes à verificação desses predicamentos e à publici-
dade do ato; 3.a, a celebração segundo as prescrições legais.

§ 12

DOS IMPEDIMENTOS MATRIMONIAIS


Parentesco

A ausência dos requisitos essenciais às pessoas que


se pretendem casar constitue os impedimentos matri-
moniais.
Segundo o Código Civil, art. 183, os impedimentos
matrimoniais compreendem dezesseis figuras. Oito deles
são dirímentes, tornando nulos, de pleno direito, os casa-
mentos, em que são eles infringidos (§§ I a VIII); os
restantes meramente impedientes, no sentido, ou de que
são apenas anulaveis os casamentos celebrados em oposi-
"58 DIREITO DA FAMÍLIA

'Ção a seus preceitos (§§ IX a XII).. ou de que contra a


sua celebração se decretam penas, respeitando-se, todavia,
a sua eficácia e validade (§§ XIII a XVI). Não teem,
portanto, estes qualificativos — dirimente e impediente
— significação completamente idêntica a que lhes atribue
o direito canônico, mas podem ser mantidos com vanta-
gem pela técnica jurídica.
O primeiro impedimento, de que nos fala o Código
Civil, art. 183, é o que resulta do parentesco em linha
reta, quer seja legítimo, quer natural (1). Seguem-se: a
afinidade em linha reta, seja o vínculo legítimo ou ilegí-
timo; e o parentesco civil (ns. I e II).
A afinidade resultante de filiaçãcj^espúria (2), ex-
plica o art. 184 do Código Civil, somente pode provar-se
por confissão espontânea dos ascendentes da pessoa impe-
dida, que a podem fazer em segredo de justiça. A afinidade
resultante de filiação natural não reconhecida, também po-
de ser provada por confissão espontânea dos ascendentes.
A adoção impede o casamento entre o adotante e o
cônjuge do adotado, assim como entre o adotado e o côn-
juge do adotante.
Na linha colateral, não se tem que atender à afini-
dade, mas, simplesmente, à consangüinidade, legítima ou
natural; irmãos e os outros colaterais ,até o terceiro grau,

(1) O decreto-lei n. 3.200 de 19 de abril de 1941, art. 1.°,


alterou o Código Civil, permitindo o casamento de colaterais, legí-
timos ou ilegítimos, do terceiro grau. K, no art. 2.°, instituiu o
•exame prenupcial para o cônjuge menor desta classe.
(2) O Sr. senador Ruy Barbosa censurou a expressão afi-
nidade ilícita, usada em documentos legislativos (emenda do ar-
tigo 188 do Projeto de Código Civil), mas que, aliás, tem por si o
uso jurídico e a autoridade de conspícuos escritores, como demonstrou
Oliveira Fonseca em suas eruditas Observações, Rio, 1904, pá-
gina 26, onde transcreve trechos do abade André {Cours de droit
can., vb. affinité) e de Manoel do Monte, BI. de direito ecle-
siástico, § 971. j
DO CASAMENTO 59

incíusíve (n. IV); assim como à adoção, sendo proibido o


•casamento do adotado com o filho do adotante (n. V).
Parentesco é a relação que vincula entre si as pessoas
procedentes de um mesmo tronco ancestral {cognação,
consangüinidade) ou aproxima cada um dos cônjuges dos
parentes do outro {afinidade). Muitas vezes essa relação
é criada artificialmente sob os auspícios da lei e por in-
termédio da adoção. Toma, então, o nome de parentesco
civil .
O parentesco por cognação ou afinidade pode ser le-
gítimo ou ilegítimo, conforme provem de justas núpcias
ou de união sexual ilícita (2-a).
Difunde-se em linhas o parentesco, e as linhas com-
põem-se de graus. Linha é a série de pessoas provindas, por
filiação, de um tronco ancestral comum; é toda a irradia-
ção de relações consanguíneas, que se expande desse foco.
Grau, elemento das linhas de parentesco assim como os
pontos o são das geométricas, deixa-se definir — a dis-
tância que medeia entre cada duas gerações, que se tocam.
A línha é reta, quando a série de pessoas, que a cons-
tituem desce diretamente do (progenitor aos procriados,
ou diretamente sobe destes àqueles. Na primeira hipótese,
toma o nome de descendente, e, na segunda, o de ascen-
dente. E' transversal, colateral, ou oblíqua, quando se con-
sideram pessoas, que proveem do mesmo tronco, mas que
dele se afastam para os lados, como linhas oblíquas bai-
xadas do mesmo ponto, porque essas pessoas não são en-
tre si procriadores e procriados- Na linha colateral, ten-
do-se em vista estabelecer o parentesco de duas pessoas,
pode uma delas distar mais e outra menos do progenitor

(2-a) Não existe nenhum laço de afinidade entre os parentes


dos cônjuges: ajfines inter se non sunt affines; affinifas non parit
affinitatem.
-Na Itália, em virtude da definição dada pelo art. 76 do Có-
digo Civil, não existe afinidade ilícita. O vínciilo da afinidade re-
sulta exclusivamente do matrimônio.
60 DIREITO DA FAMÍLIA

comum, e, então, dír-se-á que é desigual, como será igual


se a distância for a mesma.
Para estabelecer os graus de parentesco, na linha
reta, contam-se as gerações; e quantas forem elas, tantos
serão os graus. Nesta contagem, coincidem as operações
aritméticas do direito romano com as do canônico, Na
linha transversal, porem, há desacordo. O direito romano
remonta do indivíduo ao tronco ancestral comum, e de-
pois, desce pela outra ramificação genealógica, até encon-
trar o outro indivíduo cuja relação de parentesco, para com
o primeiro, tem de ser determinada. O canônico limita-se
à metade dessa operação, mas adotando sempre a linha mais
longa, se houver desigualdade entre as duas consideradas.
De modo que os irmãos, que se acham em segundo grau,
pelo direito romano ou civil, são parentes em primeiro grau
pelo canônico; os primos, filhos de irmãos, acham-se no
quarto grau civil e em segundo canônico.
No parentesco transversal, cumpre ainda assinalar al-
gumas relações que teem valor para o direito. Quando os
irmãos descendem dos mesmos progenitores (3), pai e
mãe, chamam-se germanos, isto é, irmãos completos, bila-
terais,. Quando somente se vinculam por um progenitor,
são unilaterais; utertnos, se esse progenitor é a mãe; con~
sangüíneos, se é o pai.
E' duplicado o parentesco transversal, quando os in-
divíduos considerados procedem de outros que já eram
parentes. Assim os primos, filhos e dois irmãos, que se
casaram com mulheres que são também irmãs entre si,
acham-se no quarto grau duplicado, porque, tanto pelo
lado paterno quanto pelo materno, há um mesmo procria-
dor comum, e na mesma distância.

(3) Da discussão filológica provocada pelo Projeto de Código


Civil, resultou a legitimidade do emprego desta palavra no sentido
em que aqui é tomada (Oliveira Fonseca, Observações, nági-
nas 15-20).
DO CASAMENTO

Por estas noções, evidencia-se que o sangue paterno


e o materno, mesclando-se, transfundindo-se para o pro-
duto da geração, o parentesco deve ser, aproximadamente
igual para ambas as linhas, a paterna e a materna. Neste
ponto, o direito moderno acha-se em acordo com a biolo-
gia. Mas nem sempre se entendeu assim.
Primitivamente, em conseqüência da predominância
da coletividade, encontra-se o parentesco de classe ou de
grupo, sem. aliás, excluir o individual. MORGAN, Lub-
BOCK, Post, estudando essas relações antigas, adotaram a
distinção entre o sistema classificatório e o sistema descri-
tivo de parentesco. O descritivo assinala a relação paren-
tal por um número de gerações até um stamm-parens, um
progenitor de tribu, umas vezes masculino e outras femi-
nino, segundo parece. O classificatório distribue os indi-
víduos em classes de parentela ou séries de gerações, e,
dentro dessas classes ou séries, não se distinguem os graus,
porque todos são considerados como estando no mesmo
grau.
Por outro lado, a transitoriedade das uniões sexuais
e o hetairismo, onde e quando existiu, faziam enxergar
melhor o parentesco pelo lado feminino. Realmente, ve-
mo-lo vigorar, exclusivamente, ou quase, em alguns po-
vos, outras vezes, ladear o sistema de parentesco agnatí-
cio, com o qual, afinal, se combina. O sistema de paren-
tesco maternal é usado, em parte, na Oceania, e deixou
vestígios entre povos americanos, do que nos dá testemu-
nho a couvada, assim como entre congoleses e outros bár-
baros africanos. Não ifoi também estranho aos fenícios, lí-
cios, hebreus, egípcios, etruscos, árabes e indogermânicos
de várias feições. O sistema-paternal preponderou entre
japoneses, chineses, hotentotes e grande número de outros
povos. Na supremacia dos agnados, nos tempos clássicos
do direito romano, está um exemplo desta espécie de pa-
rentesco, e, se aí vemos a cognação ter algum valor, po-
demos crer que, por toda a parte, por preponderar um sis-
tema, não era condição que o outro fosse completamente
62 DIREITO DA FAMÍLIA

eliminado. Assim é que os eslavos distinguiam o parentes-


co de grande sangue e de pequeno sangue. O primeiro re-
sulta da descendência, que entronca em um antepassada
comum, seja natural, seja adotivo. E o segundo resulta,
exclusivamente, da descendência pelas mulheres.
Afinal, assim como, antecedentemente, se havia in-
dividualizado a relação parental, combinam-se os dois sis-
temas, de que acabo de falar, e constitue-se o vigente, hoje
em dia, nas legislações dos povos cultos.
O parentesco de consangüinidade em linha reta e na
colateral, até ao segundo grau, é um impedimento matri-
monial imposto pela necessidade de sentimentos castos e
elevados, de estrita moralidade, que devem dominar no
regaço da família. Sua infração constitue o incesto que a
conciência moderna considera ato nefando.
Na linha reta, sempre foi assim entendido (4), bem
que se possam apontar os persas e outros povos, aos quais
não repugnavam conúbios entre pais e filhas (5). Natu-
ralmente, onde preponderava o parentesco maternal,
pai era quase um estranho, e, pois, não é de pasmar sua
conjunção matrimonial com as filhas.
Na linha colateral é que os escrúpulos são de data
muito mais recente, mormente se o parentesco é unilaterah
A Bíblia está repleta de casamentos fraternos (6), e, co-
mo é, sem dúvida, esse livro uma das bases da constitui-
ção moral do cristianismo, e, portanto, da humanidade
culta atual, pode-se dizer que foi, apesar dela, que as idéias

(4) Sobre a evolução dos impedimentos é digno de consulta


Hermann Post, Grundlagen, págs. 245 e segs.
(5) Sanches Roman, Der. civil, V, prim. parte, pág. 111.
Também aos hebreus não foi estranho esse transviamento de cos-
tumes, como prova o que se passou entre Toth e suas filhas (G ene sis
XIX, págs. 31 a 36).
(6) Sanches Roman, op. cit., pág. 117, nota 5; H. Post,
Ethn. Jurisprudenz, II, § 21, nota 4; Genesis, XX, 12: Sara era
irmã paterna de Abrahão; os filhos do primeiro casal não tiveram,
onde escolher companheiras senão entre irmãs.
DO CASAMENTO 63

e sentimentos contrários a esses enlaces teem prevalecido.


Seja, porem, como for, e a despeito da abundância de
exemplos de casamentos incestuosos, que deparamos nas
origens da civilização, é fora de dúvida que a disciplina
social os relegou para a classe das imoralidades raras, no
que foi, certamente, auxiliada pela própria natureza. Po-
dem ser repetidas as palavras de WESTERMARCK: "O' hor-
ror do incesto é um sinal característico quase universal do
gênero humano, porque os casos, em que este sentimento de
repulsa não dá indício de existir são tão raros que podem
considerar-se como desvios anormais de uma regra geral"
(7). Não, talvez, por esse modo raros; mas, certamente, a
conclusão é verdadeira como a afirmação em seu ponto
fundamental.
Encarando, agora, a questão em seu aspecto fisioló-
gico, cumpre dizer que não são absolutamente concluden-
tes as observações dos doutos. Lacassagne, VoisíN, Pe ■
RIER, MiCHEL, afirmam que os males atribuídos aos ca-
samentos entre parentes próximos não estão demonstra-
dos. WESTERMARCK, apoiado em dados estatísticos e até
em observações de naturalistas como DARWIN, e psicolo-
gístas de alto coturno, afirma que "a repugnância ao in-
cesto não tem relação alguma com os dados da experiência
e da educação". PLATÃO, SCHOPENHAUER e Mante
GAZZA dão-lhe razão. Eis um debate que não pode o ju-
rista decidir. E' forçoso que se abstenha de emitir opinião,
antes que os especialistas se ponham de acordo.
Mas julgo que é necessário tornar conhecida a dis-
tinção que sobre esta matéria propõem LACASSAGNE e
outros biologistas, Nos meios urbanos, sempre doentios,
afirmam eles, parece que o comércio restrito a um círculo
de parentes próximos, torna-se, com a continuação, fe-
cundo em perigos. Mas nos meios salubres, no campo,
muito pelo contrário, essa restrição auxilia a seleção e apu-

I
(7) Westermarck, op. cit., pág. 252.
DIREITO DA FAMÍLIA

ra a raça. Assim não é a consangüinidade que é sadia ou


doentia, é o terreno onde ela se produz, escreve Laças-
SAGNE. Mas convém, igualmente, ponderar, com Alex,
Bain, que o amor procura o contraste na compleição e na
estatura, sendo essencialmente dominado pelo prestígio da
díssemelhança, o que também dissera SCHOPENHAUER,
como antes, dele, Bernardin DE SAlNT-PlERRE, e esses
contrastes não se deparam tão facilmente na mesma família
quanto algures, é palpável (8).
Examinarei agora como nos códigos modernos se
tem refletido esta questão do incesto (9), ou, em termos
mais positivos, do impedimento por parentesco de con-
sangüinidade, de afinidade e de adoção.
Quanto ao impedimento entre parentes consanguí-
neos e afins, em linha reta, não há discrepância nas le-
gislações dos povos cultos (10). A adoção também é, ge-
ralmente, considerada impedimento matrimonial; porem
há legislações que não reconhecem esse instituto, e outras
que não lhe adjetivam a qualidade de impedimento (11).

(8) La grande encídopédie; verbo — consanguinité; Wester-


marck, op. cit., caps. XIV e XV; Schopenhauer, Le monde
. comme volonté et conwne représentation, vol. III; Bain, Les émo~
tions et la volonté, págs. 130-134.
Ver também Gama Rosa, op. cit., págs. 221 a 238, e Pi-
nheiro Guimarães, A hereditarieddde normal e patológica, pági-
nas 103 e segs.).
(9)1 O direito romano proibia o casamento entre ascendentes
e descendentes até ao infinito, e, na linha colateral, entre irmãos e
centre tio e sobrinha (Inst. I, 10, §§ l.0-5.0) ; BonfaNti, Istituzioni
di diritto romano, § 59; Ed. Cuq, Institutions jur. d es romains,
II, pág. 89; Netto Campeeeo, pág. 285; Huc, Commentaire, II,
n. 58.
(10) E' certo que o direito canônico permite o casamento entre
o padrasto e a viuva do enteado {Condi. Trid., sess. 24). Mais
moralizadora doutrina seguira o direito romano, condenando tais en-
laces (D. 23, 2, fr. 15). E o principio romano prevalece, atual-
mente, entre nós.
(11) Apsini é na Áustria, por exemplo, como pode ser visto
.em Roth, System., II, pág. 6.
DO CASAMENTO 65

E' com o parentesco em linha transversal que as diferenças


se acentuam.
O direito canònico, vigente ainda em muitos paises,
estabelece impedimentos na linha colateral entre consan-
guíneos e afins, salvo dispensa, até ao quarto grau ou so-
mente até ao segundo para a afinidade ilícita.
Alem disso, o parentesco espiritual, o vínculo resul-
tante de esponsais válidos, e a quase afinidade da mesma
fonte oriunda, são outras tantas relações, que o direito
canônico considera impedimentos. E' um sistema de gran-
des restrições, do qual se distancia, consideravelmente, a
tendência atual do direito civil: lei argentina de 1889.
art. 9.°; §§ 1.° a 3.°; Código Civil alemão, arts. 1.310 e
1.311; o nosso decreto de 24 de Janeiro de 1890, e o
Código Civil.
O direito francês (Cód., arts. 162-163) e o italiano
(Cód., art. 85) manteem-se no meio termo., Na linha
colateral, o casamento é proibido entre irmãos e irmãs le-
gítimas ou naturais, entre afins do mesmo grau, entre tios
e sobrinhas ou tias e sobrinhos, entre irmãos adoti.-
vos (12).
Na Áustria, são vedados os casamentos entre primos
(4.° grau civil), entre sobrinhos e tio (3.° grau civil).

(12) Convém notar que estes Códigos (franc., art. 348; ita-
liano, art. 85) também falam, em termos expressos do impedimento
existente entne o adotado e a muilher do adotante e reciprocamente,
do mesmo modo que o Cód. espanhol, art. 84, § 5.°. Esta proi-
bição baseia-se na moral, na pureza idos costumes, e doutrina ro-
mana, exposta nas Institutos, I, 10, §§ 1.° e 2.°, lhe dá apoio. Na
Alemanha, porem, a adoção é impedimento somente entre o adotado,
o adotante e os descendentes do primeiro (Cód. Civ., ait. 1.311).
O Cód. italiano ainda acrescenta a interdição de casarem-se, entre
si, os filhos adotivos da mesma pessoa. Não está em nossa lei este
último impedimento.
O Código Civil brasileiro, art. 183, III e V, consigna o impe-
- dimento entre o adotado e o cônjuge do adotante, entre o adotante
e o cônjuge do adotado, assim como ejitre este e o filho sobrevindo
.ao adotante. Foi sua fonte o Cód. Civil italiano.
— 5
66 DIREITO DA FAMÍLIA

qu^r o parentesco seja legítimo, quer natural. O cunhadk>


é também uma vedação para casamento que o allgemeines
Buergerliches Gesetzbuch consagra (§§ 64-65). Mas os
judeus do ex-império austro-húngaro se regulam, nesta
matéria, por seu direito próprio (§ 125), pelo que não
se referem a eles os aludidos impedimentos.
Os judeus, dispersos, como se acham, pelo mundo
inteiro, manteem sua religião e seus costumes com admirá-
vel pureza e tenacidade. Os impedimentos na linha colate-
ral, segundo a lei hebráica, limitam-se aos irmãos e aos fi-
lhos ou netos de irmãos (14). Na linha colateral afim, em
vez de impedimento, existe o levirato, direito e dever do
irmão sobrevivente ou, em falta dele, do parente mais pró-
ximo do marido premorto.
Na Rússia, havia vários regimes. A religião do Es-
tado, que era grego-russa, não reproduzia todos os im-
pedimentos do direito canônico. Eram impedidos de con-
trair núpcias os colaterais até ao quarto grau canônico,
os cunhados, e os afilhados com os padrinhos. As outras
proibições canônicas, se acharam colocação no velho Có-
digo russo, foi sem carater obrigatório; aí se inscreveram
para que os bispos as dispensassem, diz Lehr (14).
Quando o casamento se tinha de efetuar entre obsequen-
tes de outras seitas, que não a grego-russa, os respectivos
ritos determinavam os impedimentos (15)'.

t —j—
(13) TurpiUidimen sororis tuae ex paire sive ex matre, quae
domi vel foris genita est, non revelabis (Lev., 18, 9). Nos pri-
meiros tempos, assim não era, como se vê da nota 6 acima. É o
direi to talmúdico não tem por incesto a ligação^, quando a irmã "
é filha, de escrava ou estrangeira, porque, em tal caso, desconhece
todo vínculo parental ( Castelij, in Clunet, 1893, págs. 1.112-1.115).
Compreende-se, entretanto, que a opinião pública se revoltará, cer-
tamente, contra um tal casamento, no seio de uma sociedade civili-
zada.
(14) Lehr, Éléments de droit civil russe, I, pág. 21.
(15) Lehr, op. cit., págs. 31 e 36. Para mais particulari-
dades, consulte o leitor curioso O1 livro citado.
DO CASAMENTO 67

O Código atual, das leis sobre os atos de estado ci-


vil, o casamento, a família e a tutela, proibe o casamento
entre ascendentes e descendentes e entre irmãos, provenha
o parentesco de casamento ou não (art. 60).
No direito português, não podem contrair casamento
entre si os parentes por consangüinidade ou afinidade na
linha reta, ainda que o casamento, causa da afinidade, te-
nha sido dissolvido; os irmãos legítimos ou ilegítimos
(dec. de 25 de Dezembro de 1910, art. 4.°). Os parentes-
em terceiro grau, na linha colateral, podem obter dispensa
para contrair casamento (art. 8,°). Da adoção o Código
Civil português não se ocupa.
Pelo direito espanhol, as proibições se estendem, falo
do casamento civil, até ao quarto grau em linha colatetal
consanguínea ou afim, se a família for legítima, e até ao
segundo, se for natural (Cód. art. 84).
Na Inglaterra, dominam os princípios religiosos, as-
similados e algo modificados pelo Estado. E' proibido o
casamento entre irmãos, tios e sobrinhos; mas é facultado
entre primos germanos. O cunhadio, em parte, desapare-
ceu dentre os impedimentos matrimoniais (16).
Nos Estados Unidos da América do Norte, diz
Story que a união entre cunhados é não somente permi-
tida, mas julgada moral e conforme à doutrina cristã, Na
Alemanha, também não existe semelhante impedimento.
Pelo direito norte-americano, o impedimento da li-
nha colateral alcança os primos segundos (WALKER,
American law, § 102, n. 2).
O Código Civil japonês, art. 769, transporta o im-
pedimento matrimonial entre colaterais até o terceiro grau*
e não se refere aos irmãos adotivos.

(16) GrAssQN, Hist. du droit et d es institutions de VAnqle-


terre, VI, pág. 176; leis de 28 de Agosto de 1907 e de 28 de Julho
de 1921. A lei inglesa não permite ao divorciado casar-se com a
irmã da sua ex-mulher, nem à divorciada com o irmão de seu ex-
marido (Annuaire de législation étrangère, 1921, pág. 13)
DIREITO DA FAMÍLIA

O chinês proibe o casamento entre parentes na linha


reta, inclusive afins, assim como entre colaterais até ao oi-
tavo grau, ou até ao quinto por afinidade (art. 893).
Aliás, há distinção entre colaterais pelo lado masculino
e pelo feminino.
O Código Civil do Perú (art. 83, ns. 2.° e 3.°), proi-
be o casamento entre colaterais por consangüinidade até
terceiro grau, inclusive, e entre o adotante com o adotado,
entre qualquer deles com o viuvo do outro, e do adotado
com o filho, que sobrevenha ao adotante.

§ 13

OUTROS IMPEDIMENTOS DA LEI BRASILEIRA

Prosseguindo na exposição dos impedimentos, de-


clara o Código Civil, art. 183, que também não podem
contrair justas núpcias:
1.° As pessoas casadas, ou, como dizia a lei ante-
rior, que estiverem ligadas por outros casamento ainda não
dissolvido (n. VI). Esta vedação da bigamia e, mais
forçosamente, da poligamia, é geralmente consagrada nas
" kis dos povos cultos. E' uma conquista definitiva da
disciplina social, que a biologia aprova, diga embora o
contrário GUSTAVO LE Bon. Exceções, que apresentavam
os muçulmanos e mormóes, não infirmavam a regra. E
estes, já hoje, se são polígamos na realidade, são-no contra
a lei e contra expresso compromisso tomado.
O fato de contrair dolosamente, novas núpcias, sem
que o vínculo matrimonial das anteriores esteja dissolvi-
do, constitue crime de bigamia ou poligamia (Código Pe-
nal, art. 135,) (1).

(1) Sobre a possibilidade de se casarem no Brasil os estran-


geiros legitimamente divorciados, veja-se § 62 deste livro.
DO CASAMENTO 69'

2.° Nem o cônjuge adúltero com o seu co-réu como


tal condenado (n. VIIÍ). Este impedimento, que depara
similar no direito romano, e a que o canônico imprimiu
a feição, que hoje lhe conhecemos, não se encontra em
' muitos regimes jurídicos. No direito francês, Cód., arti-
go 298, modificado pelo lei de 27 de Julho de 1884, exis-
tia o impedimento de que agora nos ocupamos: o conde-
nado por adultério não se podia casar, depois de dissolvi-
do o casamento, com o seu cúmplice no crime de infide-
lidade conjugai; mas a lei de 6 de Dezembro de 1904
abrogou esse dispositivo, No sentido da nossa lei, legisla-
ram o Código austríaco, § 167, o alemão, art. 1.312, o
espanhol, art. 84, § 7.°, o português, art. 1.058, § 3.°,
a lei chilena, art. 7.°, o Cód. do Japão, art. 768, e o me-
xicano, art. 156, V. Mas, no italiano, argentino, peruano
e vários outros, essa interdição não foi contemplada^ Na
França, há muito haviam aparecido tentativas para eli-
miná-la (2). E na Inglaterra, "julga-se até que faltou
aos princípios da honra o homem, que, depois de haver
seduzido uma senhora casada, não repara sua falta des-
posando-a" (3).
3.° O cônjuge sobrevivente com o condenado como
delinqüente no homicídio, ou tentativa de homicídio, com
tra seu consorte (n. VÍII). Veio-nos do direito canônico
este impedimento que muitos códigos modernos (4) repro-

(2) Em 1891, M. Cijché propôs a supressão do art. 298 do


Código Civil francês (Aiinuaire de législation jrançaise, 1891, pá-
gina 11. V. Planiol, Rippert et Rouast, Droit Civil français,
III, n. 105, n. 1.
(3) Olasson, Le mariage civil, pág. 261.
(4) Cód. Civil austríaco, art. 68; italiano, 84; espanhol, 84,
§ 8.°; português, 1.058, § 4.°; lei argentina, art. 9.°, § 6.0V chi-
lena, 6.°; Cód. Civil urug., 91, n. 6; mexicano, 156, n. 6, pe-
ruano, 83, 4.°; no Paraguai, vigora o Cód. Civil argentino.
O direito canônico pressupõe conivência do cônjuge, no crime ;
qui mutua opera physica vcl mar ali etimn sine adultério, mor tem
70 DIREITO DA FAMÍLIA

duzem. como um aditivo penal à punição daqueles a quem


a paixão amorosa arrastou até aos atentados sanguinários,
através da lama, em que se iam rebolcando. Mas, embora
baseada em ditames da moral, não se encontra essa inter-
dição no Código Civil francês, nem no russo, nem na lei
alemã.

4.° As pessoas por qualquer motivo coatas e as in-


capazes de consentir, ou manifestar, de modo inequívoco,
o consentimento (n. IX). O casamento, como todos os
contratos, baseia-se no consentimento recíproco, o qual
deve ser tanto mais extreme de vícios quanto constitue um
enlace de gravíssimas conseqüências, assim para os côn-
juges como para terceiros. O coato consente; mas sob a
ação deprimente do medo, da violência. Não há, entre a
declaração, que faz e as tendências espontâneas do eu, uma
concatenação natural e contínua. Não é esse o consenti-
mento psicologicamente livre, sério e convicto, que se deve
exigir para o casamento. Entretanto, está no poder dos
constrangidos inutilizarem o efeito da coação, promoven-
do a anulação do ato, a que foram arrastados, do con-
sórcio, a que foram compelidos. E' a providência tomada
pelo Código Civil brasileiro (art. 210) ; é o remédio que,
igualmente, oferecem os Códigos modernos. A coação deve
ser grave e atual, como pondera Ludgero COELHO, com
apoio no D. 4, 2, frs. 5 e 9, para viciar o consentimento
e tornar o casamento anulavel (5).
Os loucos, tomada esta expressão em sua significa-
ção mais lata, isto é, os alienados de qualquer matiz, são
incapazes de consentir; por isso que lhes falece a inteireza
da mentalidade, a identidade da psiquê. Mas, se essa men-

conjugi intuierunt (Codex Júris Canonici, can. 1.075, 3.°). São


três as figuras de impedimento considerado neste artigo do Codex
júris canonici: o adultério com promessa de casamento; adutério e
homicídio do cônjuge; homicídio do cônjuge.
(5) Casamento civil, Rio de Janeiro, 1899, págs, 48-49.
DO CASAMENTO 71

talidade for fracionada por intervalos de lucidez? (6).


Penso que, ainda durante esses intervalos se deve impe-
dir o casamento de tais pessoas, pois que, dentro em pouco
terão de volver à dolorosa condição de onde somente emer-
giram para mais, agora, lhes doer a própria miséria. Alem
disso, em que base, repousariam as gravíssimas responsa-
bilidades próprias da vida conjugai? O direito civil bra-
sileiro, anterior ao Código Civil tinha por suspensa a in-
capacidade na constância dos lúcidos intervalos (Ord. 4,
103, § 3.°). O projeto Felicio dos Santos pôs clara a ca-
pacidade matrimonial nos periódicos recobros da razão
(art, 685), e é também essa a doutrina do direito inglês,
como do canônico (7) e do espanhol, art. 83, § 3.°. No di-
reito -francês, dada a interdição por enfermidade mental,
é duvidoso que se possam casar os indivíduos a ela sub-
metidos, embora gozem de intervalos de discernimçnto,
pois que a incapacidade não se suspende (8). No direito
argentino, se faz especial menção da loucura como impe-
dimento matrimonial (lei, art. 9.°, § 7.°), do que se deve
concluir, por uma clara hermenêutica, o desprezo dos lú-
cidos interstícios (9). O italiano, art. 83, proibe o casa-
mento do interdito por enfermidade mental; e durante o
proceso dk ántejrdição, o miinjístério público pode pedir
que se suspenda a celebração do matrimônio.

(6)- "Hão se deve tomar por lúcido intervalo a tranqüilidade


superficial ou, na frase de Celso (D. 41, 2, fr. 18, § 1.°), a som-
bra do repouso, inumbrata quies, que, algumas vezes, não é mais
do que a prostração produzida pela própria enfermidade; só como
tal deve considerar-se o pleno restabelecimento da luz da razão,
eclipsada pelas trevas da demência; este é o estado que Justiniano
denomina perfectissima intervaüa" (Cód. 5, 70,^ I, 6). São palavras
de Ribas em seu Curso de direito civil brasileiro, II, pág. 72.
(7) Monte, Direito eclesiástico, § 945.
^ (8) Laurent, Cours élémentaire, I, pág. 222, não tem essas
dúvidas que, aliás, assinalam outros, como Glasson, por exemplo.
(9) O direito pátrio atual não suspende a curatela do louco
durante os lúcidos intervalos.
m

72 DIREITO DA FAMÍLIA

Entre os que não podem manifestar o seu consenti-


mento, de modo inequívoco, estarão os surdos-mudos que
não sabem ler nem escrever? E' uma interrogação que, em
face do direito anterior, levantara o Dr. Materno (10),
sem respondê-la, querendo, assim, mostrar que a lei era
obscura e vacilante. Não há dúvida que estávamos dian-
te de um edito gerador de perplexidade. O direito roma-
no permitia ao surdo-mudo contrair justas núpcias. Diz,
abertamente, o fr. 73, D. 23, 3: Mutus, surdas, coeccus
dotis nomine obliguatar, quia et nuptiis contrakere pos-
sante E em geral, os códigos não se referem aos surdos-mu-
dos no capítulo dos impedimentos para o matrimônio, ou
quando o fazem é para exigirem a autorização de seus
pais ou tutores, o que é natural, uma vez que estejam
eles equiparados aos menores. Assim o faz, por exemplo,
a lei argentina, art. 10, e a mesma doutrina é para seguir-se
em todos os regimes em que essa incapacidade é assinalada.
Seja, porem, assim, parece incontestável que o decreto bra-
sileiro de 24 de Janeiro teve em vista os surdos-mudos
(11), que não se sabem dar a entender por escrito, quando
vedou o casamento aos que não podem manifestar seu
consentimento por palavras oa por escrito, de modo ine-
quívoco (12). Os surdos-mudos, que não puderem expri-
mir a sua vontade, são absolutamente incapazes por nosso
direito atual (13) ; seus tutores ou seus pais ou o juiz in-
quando o fazem é para exigirem a autorização de seus
tervirão com suas luzes, com sua proteção para evitar
quaisquer inconvenientes da fraqueza mental desses infeli-
zes, mas não podem substituir o seu consentimento para

(10 Prontuário da lei do casamento civil.


1(11) Outros casos patológicos se podem dar, em que a co-
municação de pensamentos se dificulte ou torne impossível; mas a
surdo-mudez entrará na mesma categoria.
(12) O Código Civil, art. 183, IX, diz: ou não puderem ma-
nifestar, de modo inequívoco, o consentimento, suprimindo as ex-
pressões —- por palavras ou por escrito- Tornou-se, assim, mais
claro e mais amplo* o dispositivo.
(13) Código Civil, art. 5o III.
DO CASAMENTO 73:

o matrimônio. Como, porem, há surdos-mudos educados,


capazes de exprimir, inequivocamente e com acerto, a sua
vontade, a estes será permitido o consórcio matrimo-
nial (13-a).

5.° O raptor com a raptada enquanto esta não se


ache fora do seu poder e em lugar seguro (14). E' um
caso especial de coação, que o nosso legislador, ad instar
do direito canônico, entendeu de coinveniência destacar,
como igualmente o fizeram outros. Sirva de exemplo o-
austríaco, §§ 55-56 eo peruano, 83, 5.°. E' ociosa, entre-
tanto, a particularização, uma vez que esta figura de coa-
ção não produz efeitos especiais. Se não há, propriamente,
coação, é porque os dois noivos, de acordo, pretendem
escapar à vontade inflexivel de um pai, ou de um tutor
que, por boas razões ou por mero capricho, se recusa a
anuir no consórcio almejado. E, neste caso, basta d im-
pedimento resultante da falta de consentimento do ascen-
dente, ou tutor, sob cujo poder se acha algum dos noivos,
ou ambos. Se, finalmente, não há coação, nem se traía de
menores, o rapto é escusado, dificilmente se dará; mas,
surgindo, mão obstante, motivado por uma compressão,
que transpôs os limites do jurídico, por que erigí-lo em ve-
dação matrimonial, quando o raptor é justamente o ma-
rido indicado para a raptada?

i(13-a) Muito acertadamente, o atual Código Civil do Perú dis- '


tinguiu os que não podem contrair casamento, art. 82, e os que
não o podem contrair entre si. Na primeira categoria estão: 1.° Os
varões menores de idade e as mullieres .menores de dezoito anos;
2.° Os que padecem, habitualmente, de enfermidade mental, ainda que
tenham lúcidos intervalos; 3.° Os que sofrerem mdléstia crônica con-
tagiosa, transmissível por herança, ou viicio, que constitua perigo-
para a prole; 4.° Os surdos-mudos, que não souberem exprimir sua.
vontade de maneira inequívoca; 5.° Os casados.
A segunda categoria será considerada nos casos corresponden-
tes aos do direito brasileiro.
(14) Código Civil, art. 183, X.
.

74 DIREITO DA FAMÍLIA

Compreende-se que se afastam as hipóteses do Có-


digo Penal, arts. 222 a 219. Ali o que caracteriza o rapto
não é o fim de casar, mas sim o fim libidinoso, que tanto
pode visar as solteiras, quanto aos casadas; e, se a mulher
maior de vinte e um anos prestar seu consentimento, não
haverá crime de rapto.
Não há razão plausivel para que essa figura de im-
pedimento seja mantida como no-la transmitiram os di-
reitos romano e canônico. E, realmente, na generalidade
dos códigos modernos está ela obliterada (15).

6.° Os sujeitos ao pátrio poder, tutela ou curateia,


enquanto não obtiverem, ou lhes não for suprido o con-
sentimento do pai, tutor, ou curador (16). Trata-se aqui
dos que se acham sob o poder paterno, tutelar ou mesmo
curatelar. Esta necessidade do consentimento dos pais ou
tutores nos vem do direito romano, ou de legislações ain-
da mais antigas, e teve consagração especial em leis portu-
guesas. O direito canônico, se não tratava com favor os
casamentos contraídos pelos filhos-famílias ou menores
sob tutela, contra a vontade de seus pais ou tutores, co-
minava anatema contra aqueles que — falso affirmant
matnmonia a ftlits famílias s:.ne consensu parentum con-
tracta, irrita esse et parentes ea rata vel irrita facere posse

(15) Sejam apontados, o Código Civil francês, o italiano, o


espanhol, o português, o alemão e a lei argentina. O Projeto pri-
mitivo, art. 218, n. 9, assim conciliava a tradição com a lógica:
"'Não podem contrair casamento; — As pessoas que, por qualquer
motivo, se acharem coatas, incluindo-se entre estas a raptada, en-
quanto não se achar em lugar seguro e fora do poder do raptor"..
Não foi aceito, porem, esse alvitre. As penas editadas pelo direito
canonico contra o rapto (condução violenta da mulher com o jim
e casc
jjj ou não) são severíssimas: excomunhão ipso jacto, perpé-
tua infamia, incapacidade para todas as dignídades e, se forem clé-
»t01^ dePosi(Ã0 do próprio grau (Monte, Dir. eclesiás-
Vejam se 08 arts
Xmdl - - 2-553 e 2-554 do Codex júris ca'
16
( ) Código Civil, art. 183, XI.
DO CASAMENTO 75

(17). O direito moderno, porem, guia para outro rumo


as suas disposições, exigindo o consentimento dos pais
para a validade mesma do casamento e dando aos progeni-
tores contrariados o direito de pedir a sua anulação.
Aos filhos-famílias, o consentimento deve ser dado
por amhos os pais, se forem casados, ou no caso de di-
vergência entre eles, ao menos pelo pai. Sendo separado o
casal, por desquite ou anulação do casamento, prevalecerá
a vontade do cônjuge, com que estiverem os filhos. Sendo,
porem, ilegítimos os pais, bastará o consentimento do que
tiver reconhecido o menor, ou, se este não for reconhecido,
o consentimento materno (18). Sufragam a doutrina se-
guida, pela lei pátria, no atinente à necessidade da permis-
são dos dois progenitores, para que se casem validamente os
filhos-famílias, o Código Civil francês, art. 158, o italia-
no, art. 63, e o russo antigo (19). Outros sistemas jun i-
cos, ao contrário, pedem apenas a autorização do pai, ^s0-
mente em falta deste poderá intervir a mãe. Assim dispõem
o Código alemão, arts. 1.305 e 1.306, a lei argemina,
art. 10, o Código austríaco, §§ 52 e 162 e o direito in-
glês; mas apartam-se da sã doutrina.
Da recusa de consentimento dos pais, concede o nos-
so direito recurso para o juiz, que, na qualidade de oigão
do direito em função, intervém para mitigar as desastro-
sas conseqüências do desvio caprichoso da autoridade pa-
terna (24). Há, porem, alguns regimes jurídicos, que nao

(17) Vide Monte, op. cit., §§ 225-228. Artigos 1.081 e


1.082 do Codex júris canonici-
(18) Código Civil, arts. 185 e 186 .
)ir>\
(19) rLehr, op. cit.,
h i1, pag.
-Ao- í?-
i g V.
O Codigo
& soviético da fa-
rnília não faz referência a este ponto. .
(20) Código Civil, art. 188. Consideram-se justos motivos
para a denegação do consentimento dos pais e tutores: a existência
de impedimento Ilegal, algum perigo ameaçando a saúde do menoi ,
costumes desregrados; e incapacidade para obter com que alimen-
tar a família (Correia Telles, Digesto português, art. 352; C.
da Rocha, Instituições, § 223, escholio; Lafayette, Direitos de ja-
mília, § 27, nota 3).
'

76 DIREITO DA FAMÍLIA

toleram essa intervenção ;do poder público, receosos de


enfraquecer a autoridade dos pais como responsáveis pela
direção da sociedade familial. Assim o Código Civil por-
tuguês, art. 1,062, edita: "Da concessão ou denegação
da licença (dos pais), em nenhum caso, há recurso". E o
espanhol, art. 49: "Nenhuma das pessoas chamadas a dar
sua autorização, ou seu consentimento, é obrigada a in-
dicar os motivos sobre os quais se funda para concedê-la
ou recusá-la. Contra sua recusa não se faculta recurso al-
gum". No mesmo sentido, a lei argentina, art. 13.
A idade, em que esse consentimento é necessário, va-
ria nos diversos sistemas jurídicos. Nosso direito exige-o
somente até à extinção da menoridade, salvo tratando-se
de maiores inibidos do governo da própria pessoa e bens.
Na mesma doutrina se abeberam o Código português (ar-
tigo 1.058), o austríaco (§§ 21 e 172), o alemão (arti-
gos 1.304 e 1.305), a lei argentina (art. 10), e o direito
inglês. Este sistema é o mais justo e razoável, pois não se
compreende bem que o indivíduo tenha plena capacidade
para empreender, por si e segundo o seu alvedrio, todos
os atos da vida civil e não a tenha para contrair casamento,
O Código Civil italiano, art. 88, aderiu ao mesmo siste-
ma. O1 direito francês estabelece a mesma idade que o ita-
liano (art. 148) : mas, alem dos 21 até aos 25 anos, se não
é mais precisa autorização dos pais para a validade do ca-
samento, contudo se fazia necessário que o filho pedisse
conselho ou assentimento a seus ascendentes. E' a isso que
se chamava ato de respeito (artigo 151), revogado pela
lei de 7. de Fevereiro de 1924. O ato de respeito devia ser
repetido, por três vezes, se a filha maior de 21 anos ainda
não tivesse passado dos 25, ou o filho maior de 25 ainda
não tivesse transposto os 30. Daí em diante bastaria um
ato respeitoso e denegado o asseníimento, podia o casa-
mento efetuar-se (arts. 152-153). A lei de 20 de Junho de
1896 revogou o art. 153 do Código Civil. Desapareceu o
ato de respeito, do artigo 151, mas há necessidade de noti-
ficação aos pais, não podendo o casamento ser realizado
DO CASAMENTO 77

senão depois de quinze dias da recusa de assentimento, por


parte dos ascendentes (lei de 17 de Julho de 1927). Essa
antígualha inútil, que os redatores do Código italiano re-
jeitaram, sobrevive no Código espanhol, embora sem o
rigor e sem o formalismo primitivo da legislação francesa.
Se os filhos maiores não obteem resposta de seu pai ou
de sua mãe, quando solicitam seu consentimento para ca-
sarem-se, ou se essa resposta lhes é desfavorável, não se
poderá celebrar o matrimônio senão três meses após o pe-
dido, eis o que estatue o Código Civil espanhol, art. 47.
Na Rússia imperial, não havia época, em que fosse ocioso
o consentimento dos pais. Em todas as idades ele era neces-
sário; bem que, em algumas províncias, houvesse certo
abrandamento ao rigor deste preceito (21).
Os menores sob tutela e os maiores sob curatela ne-
cessitam, igualmente, do consentimento dessas pessoas, que
sobre eles exercem o aludido munus público, para que
possam, validamente, contrair núpcias, facultado o recurso
para o juiz em caso de denegação. determina o direito pá-
trio. Há aqui uma inovação ao direito preexistente. O
curador não era chamado a dar seu consentimento para o
matrimônio dos curatelados. Os dementes, durante a mor-
bose patente, não se podiam casar, e, nos lúcidos interva-
los, achava-se em suspensão a curatela; os pródigos po-
diam casar, porque estava a sua incapacidade limitada à ge-
rência dos bens, e entendia-se que o casamento era uma re-
lação envolvendo, somente ou preponderantemente, dis-
posição de pessoa (22). Hoje, usando a lei da expressão
genérica — os sujeitos à curatela, está claro que o pró-
digo interdito não se pode casar, sem o consentimento do
curador (23) ,

(21) Lehr, op. cit., I, 19-20.^


(22) Lafayette, Dir. de família, § 169.
(23) ^ Podia casar-se o pródigo; mas não podia celebrar pactos
antenupciais, sem intervenção do curador, ou do juiz, Ord. 4 107
§ 6.°. Ora, em qualquer casamento há regime de bens, ou expresso
em pacto ou pressuposto em lei; e este último não é mais do que
78 DIREITO DA FAMÍLIA

Alem dos menores e dos interditos, há ainda pes-


soas que necessitam da autorização de outrem para se po-
derem casar. O casamento dos militares está sujeito a nor-
mas especiais (24). Os funcionários diplomáticos e con-
sulares, devem pedir licença ao Governo (24-a).

7.° Os menores de 16 e 18 anos, salvo se o casa-


mento for realizado com o fim de evitar a imposição ou
cumprimento de pena criminal (25). Neste caso, porem, o
juiz de orfãos poderá ordepar a separação dos corpos, até
que os cônjuges alcancem a idade legal (art. 214).
Pelo direito romano e canônico, antes da Codificação
de Bento XV (25-a) a idade nupcial era de 12 anos para
a mulher e de 14 para o homem. Hoje a tendência é exi-
gir maior idade, porque um menino apenas púbere, casado
com uma criança apenas nubil, há de produzir progênie
fraca, e não terá ainda capacidade para assumir a direção
da casa e dos negócios da família (26). Eis uma lista m-

um pacto subentendido. Consequentemente, havia uma contradição


na doutrina antiga. Acrescente-se ainda que, de envolta com o ca-
samento, vai um acervo de obrigações econômicas de máxima im-
portância, nas quais pode o pródigo comprometer a sua fortuna.
De tudo isso resulta que, ou devemos abrir mão dessa obsoleta in-
terdição por prodigallidade, ou, mantendo-a, cumpre que não seja
ilusória.
(24) Decreto-lei n. 23.806, de 1 de março de 1941 (Estatuto
dos militares), arts. 110-115.
(24-a) Dem n. 24.239, de 15 de 'maio de 1934, art. 52. Este
decreto veda aos funcionários diplomáticos e consulares contrair ma-
trimônio com pessoa de nacionalidade estrangeira.
(25) Código Civil, arts. 183, XII, e 214.
(25-a) O Cddex júris canonici de 1917, art. 1.067, exige 16
anos para o homem e quatorze para mulher.
(26) O Projeto primitivo, art. 218, n. II, elevara a idade
matrimonial a 15 anos para as mulheres e a 18 para os homens,
parecendo, aliás, ao seu autor, que, em reílação às mulheres, era
ainda muito baixa essa idade. Aos dezesseis, a puberdade já se
acha completa e o espírito pode compenetrar-se da gravidade das
obrigações, que se contraem pelo casamento. E' no interesse da so-
ciedade, da família e dos próprios cônjuges que a lei deve exigir
DO CASAMENTO

bicando a variação da idade matrimonial em diversos Fc.


tados modernos (27).

Idades Idades
< Estados para ho- para mu-
mens lheres
Inglaterra 16 anos 16 anos (Age of mariage
Espanha 14 anos 12 anos act, 1929)
Grécia 14 anos 12 anos
República Argentina .. . 14 anos 12 anos
'Colômbia 14 anos 12 anos
Uruguai 14 anos 12 anos
México 16 anos 14 anos
Itália . 17 anos 14 anos (Cód. vigente,
art. 82)
áapão 17 anos 15 anos
Erasil 18 anos 16 anos
Portugal 18 anos 16 anos (lei de Í9I0)
França 18 anos 15 anos
China 18 anos 16 anos
Hungria 18 anos 16 anos
Turquia 18 anos 17 anos
Rússia 18 anos 16 anos
Rumânia 18 anos 16 anos
Alemanha 21 ou 18 16 anos
Suiça 20 anos 18 anos
Estados Unidos da América,
varia de 14 a 21 e de 12 a 21
Perú 21 anos 18 anos (Cód. Civ. de 1936)

idade mais elevada 'da parte dos nubentes, pois importa exigir de-
senvolvimento físico e mordi correspondente ao bom êxito do casa-
mento.
Vejam-se as minhas Observações para esclarecimento do Pro-
jeto de Código Civil, reeditadas no livro Bm Defesa do Projeto de
Código Civil, págs. 90-92; Planiol. Traité, III, ns. 17 e 18, e
Th. Huc, Comnientaire, II, n. 25; Champeau e Uribe, Derecho
civil colombiano, I, pág. 161; Martinho Garcez Filho, Direito de
família, I, ns. 74 a 77 do Cap. II.
(27) Entre os povos antigos e os selvagens contemporâneos,
é notável a precocidade, com que se celebram os casamentos. O Có-
digo de Maná contentara-se com a idade de oito anos para a mu-
lher, os groenlandeses casam-se antes da puberdade. Muitos, po-
rem, são mais discretos e julgam necessário que os noivos atinjam
uma ildade mais adequada à vida conjugai, do que podemos ver exem-
plos numerosos em Westermarck, Matrimônio umano, pá^ 118
(28) Walicer, American law, apresenta como idade nubil nos .
so DIREITO DA FAMÍLIA

Na Inglaterra, como naqueles Estados da União


norte-americana, onde ainda persiste intacta a cornmon
law, o casamento contraido antes dos 12 ou 14 anos valia
como esponsais, que os desposados podem desfazer, logo
que cheguem à puberdade (29).

8.° O viuvo ou a viuva que tiver fihos do cônjuge


falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal
e der partilha aos herdeiros (30). E' uma especialidade
da lei ibrasileira, digna de encômios, esta disposição. O
Código Civil francês retira do pai ou da mãe, que se casa
antes do inventário dos bens do casal, por ocasião e em
conseqüência do falecimento do cônjuge predefunto, a ad-
ministração e o usufruto dos bens dos filhos do primeiro
leito. Pelo direito alemão (Gód. Civil, arts. 1.314 e
1.669), assim como pelo chileno (Cód. Civ., arts. 124-
127), o peruano (Cód. Civ., art. 86), e em alguns outros
regime jurídicos, há também a exigência da partilha pré-
via; mas a providência da lei brasileira tomou um torneio
mais preciso e eficaz, impôs a vedação do casamento sem
a apresentação da prova de que o inventário está feito e
puniu (art. 225) o infrator desse preceito com a perda
do usufruto dos bens dos filhos. O dec. n. 181, de 24 de

Estados Unidos, 18 anos para o homem e 14 para a mulher, sendo


necessário o consentimento dos pais ou tutores para aqudies, quando
menores de 21 anos, e para estas, quando menores de 18.
,;A lei de 13 de maio de 1896, para o Distrito Federal da Co-
lúmbia, art. I.0, diz simplesmente: "O homem menor de 21 anos
e a mulher abaixo de 18, que não tenham sido anteriormente ca-
sados, não podem contrair casamento sem autorização de seu pai
ou de seu tutor. N'a falta de pai ou de tutor, o consentimento da
mãe é necessário".
Deixou de indicar a lei com que idade podem as pessoas, auto-
rizadas por seus pais ou tutores, contrair núpcias.
Recentemente, alguns Estados fixam a idade nupciall, para am-
bos os sexos, aos 21 anos.
(29) Ulasson, Inst. de lAngleterre, VI, páginas 171-172;
Smith, op. cit., pág. 139.
(30) Código Civil, art. 183, XIII.,

' )
DO CASAMENTO 8Í

.Janeiro de 1890, art, 99, era mais rigoroso. Privava o


cônjuge infrator de duas terças partes dos bens, que lhe
deviam caber no inventário do casal
9.° A viuva ou a mulher, cujo casamento se desfez
por ser nofo, ou ter sido anulado, até dez meses depois
do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade con-
jugai, salvo se, antes de findo esse prazo, der à luz algum
filho (31). As últimas palavras destas disposições reve-
lam-nos a sua razão de ser. Preocupa-se, legitimamente, o
direito com evitar a confusão de sangue, por isso assinala
o prazo máximo da gestação, trezentos dias, para que so-
mente depois dele possa ter lugar o novo casamento. Real-
mente, passado esse prazo, não pode mais ser atribuido,
ao primeiro marido, o filho, que sobreviver. Se, a des-
peito da vedação legal, a mulher se casasse antes de esgotado
o lapso do tempo, que a lei estabelecera, não podia fazer
testamento nem comunicar com o marido mais da terça
parte de seus bens presentes e futuros (dec. cít., art. 110).
Esta cominação editada pelo direito pátrio em salvaguarda
dos direitos eventuais do filho do leito anterior, não foi
mantida pelo Código Civil, por excessivamente rigorosa.
Este mesmo impedimento é consagrado pelo Código
Civil francês, art. 228; espanhol, art. 45, § 2.°; italiano,
art. 87; alemão, art. 1.313; peruano, 85; lei argentina,
art. 99; acrescentando-se o caso do divórcio, onde ele é
admitido.
Alguns escritores acham vexatória essa inibíção, e al-
guns regimes jurídicos deixaram-na de parte. Mas a pro-
vidência, tendente a evitar a turhatio sanguinis, a genera-
tionis incertitudo ,tem por si a tradição doutrinai, teve
ingresso no direito romano, no qual o prazo era de um
ano (32), e apoia-se, alem disso, êm razões de alta con-
veniência. O Código Civil da Áustria, § 120, determina
que, no caso de anulação do casamento, ou de morte do

(31) Código Civil, art. 183, XIV.


(32) D. 3, 2, fr. 11, §§ 1.° e 2.°; Cód., 1, 3) p 53^ § 3_o>

— 6
83 DIREITO DA FAMÍLIA

marido, ou de divórcio, a mulher, que ficar grávida ou so-


bre cuja gravidez apareçam dúvidas, não se possa nova-
mente consorciar, antes de decorridos 180 dias, prenden-
do-se, por tal modo, ao prazo mínimo da gestação, que
termina pela expulsão de um ser viável. Se, porem, as cir-
cunstâncias afastarem a possibilidade de gravidez, o prazo
de espera será encurtado para três meses.
10. O tutov ou curador e os seus descendentes, as-
cendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa
tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou
curatela e não estiverem saldadas as respectivas contas, sal-
vo permissão paterna ou materna, manifestada em escrito
autêntico, ou em testamento (33). O infrator deste pre-
ceito era obrigado a dar ao cônjuge do pupilo ou curate-
lado quanto bastasse para igualar os bens daquele aos deste,
estatuia o art. 101 do dec. de 24 de Janeiro. O Código Ci-
vil dispõe diferentemente; impõe o regime da separação de
bens, não podendo o cônjuge infrator fazer doações ao
outro (34).
Esta proibição foi estabelecida no intuito: 1.°, de evi-
tar que o tutor ou curador procurasse, no casamento, ocul-
tar a dilapidação da fortuna, cuja administração lhe fora
confiada; 2.°, de por freio à sua cobiça; 3.°, de pre-
venir coação sobre o ânimo da pessoa em relação à qual te-
nha adquirido ascendência por suas funções. Vemo-la con-
sagrada em muitos códigos (35); outros, porem, julga-
ram-na ociosa (36).

(33) Código Civil, art. 183, XV. O projeto Coelho Ro-


drigues, art. 1.848, § 12, para maior clareza, substituía a palavra
curatelado pela — interdito.
(34) Código Civil, art. 226.
(35) D. 23, 2, frs. 66 e 67, § 3.°; Cód. Civil espanhol, ar-
tigo 45, § 3.°; chileno, 116; uruguaio, 113; peruano, 84; mexicano,
170 e 173; lei argentina, art. 12.
(36) O direito francês, o italiano e o austríaco, por exemplo,
não conhecem este impedimento. No Código Civil alemão, também
DO CASAMENTO 83

11.° O juiz, ou o escrivão e seus descendentes, as-


cendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos com órfão ou
viuva da ctrcunscrtção territorial, onde um ou outro tiver
exercício, salvo licença especial da \autoridade judiciária
superior (37). Perda do emprego com inhabílitação para
exercer outro por dez anos e a obrigação de dar ao côn-
juge do órfão ou viuva, na situação a que se refere a lei,
quanto baste para que sua fortuna iguale à do outro côn-
juge, eis a pena cominada ao infrator desta disposição
pelo art. 102 do dec. n. 181, de 1890. Mas o Código Ci-
vil é menos duro. Impõe apenas o regime da separação,,
como no caso do número anterior (38).
O direito romano vedava ao funcionário civil ou mi-
litar de uma província e a seus filbos, o casarem-se com,
qualquer mulher originária dela, ou, sequer, nela domici-
liária. Tinha-se em vista afastar, desses funcionários, in-
fluências locais, que se firmassem pelo entrelaçamento 'de
parentesco e assim os tornassem tíbios na administração ou
ambiciosos de poderio (D. 23, 2, frs. 38, pr. 57, e 65,
§ 1.°). Mas os esponsais eram facultados (D. 23, 2,
fr. 38), assim como o concubinato (D. 25, 7, fr. 5). As
leis portuguesas também continham disposições análogas
em relação as suas colonias de ultramar, menos quanto ao
concubinato; mas cairam elas em desuso.
Hoje, os códigos ou exigem de alguns funcionários
civis a autorização dos seus superiores hierárquicos, como
acontecia na Rússia e acontece na Alemanha, ou nada dis-
põem a respeito, como é a regra geral do direito civil mo-
derno. Quanto ao militares, geralmente é exigida a licença
ou autorização, como já foi dito em relação ao Brasil,
neste mesmo parágrafo.

nao está contemplado, e a 'lei de introdução, art. 64, expressamente


revoga o art. 37 da lei de 6 de fevereiro de 1875, que o consa-
grava .
(37) Código Civil, art. 183, XVI.
(38) Código Civil, art. 226.
84 DIREITO DA FAMÍLIA

§ H

DE ALGUNS IMPEDIMENTOS ESTRANHOS


 NOSSA LEI

Desapareceram do direito pátrio, com a reforma do


dec. de 24 de Janeiro de 1890, e com o Código Civil,
que manteve a mesma orientação, muitos dos impedimen-
tos nele anteriormente enxertados pelo direito canônico.
TTodos aqueles que se fundavam em motivos ou precon-
ceitos puramente religiosos não podiam, em verdade, ser
mantidos. Assim não se encontram, na lei vigente, os im-
pedimentos concernentes ao parentesco espiritual; ao voto
de castidade, simples e solene; à disparidade de culto; à
recepção de ordens sacras maiores. O voto solene e as or-
dens maiores ainda eram impedimentos exarados nos Có-
digos Civis de Portugal (artigo 1.058, § 5.°) e EspanHa
[(art, 83, § 3.°), para o casamento civil. Na França, dian-
te da mudez do Código Civil, a jurisprudência tinha-se re-
velado titubeante, ora declarando a prêtrisse um impedi-
mento matrimonial aconselhado pela moral, ora adotando
a doutrina contrária, que, afinal, parece ter prevalecido
(1). A Bélgica, apesar desse exemplo, tomou, desde logo,
a orientação liberal da não intervenção do Estado na eco-
nomia e nos interesses íntimos do culto, e, consequente-
mente, os tribunais civis se recusaram a prestar apoio ju-
dicial às oposições de impedimentos de ordens. E com ex-
ceções raras, esta é a doutrina vitoriosa em toda a parte,
onde há casamento civil, muito embora vá ela chocar pre-
conceitos de alguns crentes.
O direito russo interdizia o matrimônio aos membros
do clero regular, enquanto perdurassem as suas funções
eclesiásticas. Mas aos membros do clero secular, do clero

(1) Th. Huc, Commentaire, II, n. 78.


DO CASAMENTO 85

branco, era facultado obter uma consorte antes da consa-


gração. Até pouco tempo, era mesmo uma obrigação im-
posta por lei, era uma necessidade legal esse consórcio (2).
O Código soviético da família, porem, expressamente de-
clara que o estado monástico, o sacerdócio ou o diaconato
não impedem o casamento (art. 72).
A disparidade de cultos, outro impedimento canô-
níco, mas certamente comum a todas as religiões, e a to-
dos os regimes jurídicos, influenciados pelo elemento re-
ligioso, não podia ter entrada em nossa legislação atual,
mas persiste em outras. Naqueles sistemas jurídicos em
que o direito canônico é mantido, a cultus disparitas é im-
pedimento em pleno vigor e eficácia. No direito judáico,
vivaz em muitos países ou secções de países asiáticos, afri-
canos e europeus, igualmente, esse horror do sectarismo,
pela crença alheia, ostenta-se intratável.
Mas não são somente os motivos religiosos que abrem
cláusulas impedíentes ao matrimônio, estranhas ao nosso
direito vigente. Como entre nós, os agentes diplomáticos
de alguns países não se podem casar com estrangeiras. As-
sim acontece, nomeadamente, na Alemanha e em outros
países (3). Mas há casos, com que as divergências são bem
pronunciadas.
Na Rússia, havia uma figura de impedimento, que
merece ser lembrada: Quem pela terceira vez enviuvava
não tinha direito de tentar novamente a quarta expe-
riência (4).
O ódio, a repugnância étnica, entre pretos e brancos
nos Estados Unidos, criou um curípso impedimento. A
lei de 5 de Julho de 1894 interdiz, sob pena de nulidade
absoluta, o casamento na Luizianía, entre brancos e pes-

(2) Lehr, op. cit., I, pág. 21.


(3) Clunet, 1893, pág. 257.
(4) Lehr, op. cit., I, pág. 20.
86 DIREITO DA FAMÍLIA

soas de côr (5). Na Pennsylvania, é proibido o casamento


entre primos germanos (6).
O Código Civil italiano, edição de 1938, proibe o
casamento entre pessoas de raça diferente, ou, antes, sub-
mete-as a disposições limítativas estabelecidas em leis espe-
ciais. Essas mesma leis estabelecem as condições a serem
observadas no casamento de italiano com estrangeira.

§ 15

OPOSIÇÃO DOS IMPEDIMENTOS

Para o efeito de sua oposição, a lei pátria distribue


os impedimentos em dois grupos. Os do § 12 e os dos
números 1 a 7 do § 13 deste livro podem ser opostos pelo
oficial do registro civil, por quem presidir à celebração
do casamento (1), ou por qualquer outra pessoa (2), Os
outros indicados nos números 8 a 11 do citado § 13 da
presente obra só poderão ser opostos pelos ascendentes,
descendentes e colaterais, ou afins, dentro do segundo grau
civil, de um dos contraentes, sejam uns e outros consan-
guíneos (3).

(5) Annuaire de lég. étrangère, leis de 1894, pâg. 907.


(6) Annuaire cit., 1904, página 566 (lei de 24 de junho
de 1901).
(1) Os impedimentos de incesto, bigamia, adultério e homi-
cídio consumado ou meramente tentado, podem ser opostos pela au-
toridade que presidir ao casamento, no próprio ato da celebração dele-
No mesmo ato, antes de proferida a fórmula do casamento pelos
contraentes, a mesma autoridade pôde receber qualquer impedimento
legal, cumpridamente provado e oposto por pessoa competente. ■ São
disposições do decreto n. 181, de 1890, arts. 12 e 13, que, por
sua justeza, continuam a ser observadas. V. Martinho Garcez
Filho, op. cit., Cap. III, n. 11.
(2) Código Civil, art. 189.
O1 Código Civil, art. 190. A pessoa de cujo consentimento
depender o casamento, poderá retratar-se, embora tenha anterior-
DO CASAMENTO STj

As pessoas que pretenderem opor impedimentos de-


verão declará-lo à autoridade, sob sua assinatura devida-
mente reconhecida, com as provas do fato que alegarem,
ou indicação precisa do lugar onde existam, ou a nomea-
ção de duas testemunhas residentes no lugar, que o saibam
de ciência própria (4), Sendo o próprio oficial do regis-
tro quem suscite o impedimento, é claro que não estará
adstrito a essas formalidades, mas terá de dar aos nubentes
ou a seus procuradores, uma declaração dos motivos, que
teve, para assim proceder, instruindo as suas alegações das
provas necessárias e assumindo, com a sua assinatura, a
responsabilidade do ato (art. 10) (5). Essa mesma de-
claração será dada, quando o opoente for outra pessoa,
cujo nome e residência serão indicados nela, assim como
os nomes e residências das testemunhas (6).
Para provar os impedimentos, a lei aponta os meios,
ora especiais, ora os comuns do direito. Prova especial
teem o parentesco (legítimo, natural e civil) e a afinidade
legítima ou natural. A afinidade ilícita prova-se, exclusi-
vamente, por confissão espontânea. A paternidade natu-
ral também poderá ser provada, alem de outros modos
(7), por essa confissão, aliás somente permitida a um as-
cendente da pessoa impedida a quem é, alem disso, facul-
tado reclamar segredo de justiça, quando não lhe quiser
dar outro efeito mais do que evitar um incesto iminente,
por ignorância dos que o vão cometer (art. 7.° al. e arti-
go 8.°) (8), O parentesco legítimo consanguíneo ou afim,
quando não for notório ou confessado, tem meios de pro-
va naturais e convincentes no ato do nascimento dos con-

mente consentido,■ sendo sempre possível o suprimento pelo juiz (Có-


digo Civil, artigo 188). Ver Planiol, Traité, III, n. 86.
(4) Cód. Civil, art. 189, III, e parágrafo único.
(5) Cód. Civil, art. 191.
(6) Cód. Civil, arts. 189, parágrafo único, e 191.
(7) Vide os §§ 67 usque 79 deste livro.
(8) Cód. Civil, art. 184.
88 DIREITO DA FAMÍLIA

traentes ou no de casamento de seus ascendentes (9). O


parentesco civil só pode ser provado pela escritura de
adoção.
Para outros impedimentos as provas usadas no pro-
cesso civil são aplicáveis.
A época idônea para a apresentação dos impedimen-
tos é aquela em que teem lugar as formalidades prelimi-
nares do casamento, as quais visam, principalmente, in-
vestigar se os pretendentes estão em condições de receber-
se, legalmente, na qualidade de marido e mulher. Mas,
ainda na ocasião de serem celebradas as núpcias, serão acei-
tas as oposições de impedimento, pois que, ainda nesse úl-
timo instante, é tempo de evitar uma união contrária ao
direito.
Conhecido o impedimento pelos interessados, cabe-
lhes promover, no foro comum, a destruição das provas
apresentadas, assim como a responsabilidade civil pelos
danos sofridos em conseqüência da oposição e mesmo a
criminal se existir (10). Tratando-se de confissão de pa-
ternidade, o juiz procedia de acordo com a lei de 6 de*
Outubro de 1784, § 5.°. Esta lei, no parágrafo citado, que-
ria que as informações, obtidas pelos juizes, as inquiri-
ções de testemunhas e contestações feitas "não pudessem
sair das mãos dos respectivos juizes, ou dos seus escri-
vães; que as sentenças proferidas se referissem, indistinta-
mente, às provas do processo, "sem que se individuassem
fundamentos alguns"; que, nos recursos interpostos, fos-
sem os processos entregues pessoalmente pelos juizes infe-
riores aos superiores e remetidos pelo correio em segredo
de justiça; e que, finalmente, passados seis meses depois das
decisões e de haverem as partes tomado conhecimento de-
las, "fossem mandados queimar os processos, pelos presi-
dentes dos tribunais ou pelos magistrados que houvessem

\r-— —-
(9) Vide os §§ 64 a 66.
(10) Cód, Civil. art. 191, parágrafo único.
DO ■CASAMENTQ 89'

proferido as últimas sentenças". Tal de^e continuar a ser


o processo.
O direito canônico atribuia a qualquer pessoa essa
faculdade perigosa de opor impedimentos. Por ocasião de
serem lidos os proclamas, concitavam-se os fiéis a que de-
clarassem os impedimentos de que tivessem notícia, sob
pena de excomunhão. O direito moderno restringiu, em
geral, essa atribuição, e, ao mesmo tempo, cercou-a de for-
malidades garantidoras dos direitos daquelas pessoas, a
que poderiam prejudicar as leviandades ou os infundados
estorvos caprichosamente erguidos.
A lei brasileira não permite dispensa de impedimen-
tos, a não ser em relação ao juiz ou escrivão que pode pedir
licença ao presidente do tribunal de apelação de seu Es-
tado, quando pretender consorciar-se com alguma órfã ou
viuva da circunscrição territorial onde tiver exetcícic
(11). Realmente, é um luxo legislativo injustificável esse
de criar impedimentos para solver os quais se apresenta,
em seguida, o fácil expediente das dispensas (12),

§ 16

OUTRAS EXIGÊNCIAS PERMITIDAS

Alem da isenção de impedimentos matrimoniais, a


lei brasileira autorizava os pais, tutores ou curadores a
exigirem, do noivo ou noiva de seu filho, pupilo ou cura-
telado, garantia de sanidade comprovada por um atestado
de profissional que afirmasse estar o pretendente vacina-
do e não ter lesão, que pusesse sua vida em perigo próximo,

(11) Cód. Civil, art. 183, art. 183, XVI.


(12) Sobre a matéria deste parágrafo vejam-se: Cód. Civil
francês, arts. 172-179; italiano, 100-103.
90 DIREITO DA FAMÍLIA

nem moléstia incurável ou transmissível por contágio ou


herança (dec. n. 181 de 1890, art. 20). Alem disso, po-
diam ainda exigir do pretendente documentos comproba-
tórios de sua moralidade e de sua estabilidade domiciliar.
1 ais documentos são: 1.° a folha corrida passada no
domicílio atual e naquele em que tiver passado a maior
parte dos últimos dois anos, se dele se mudou depois de
púhere; 2.°, certidão de isenção de serviço público, que o
sujeite a domicílio necessário incerto e por tempo indeterr
minado (dec. cit., art. 21).
Eram essas exigências tendentes a precaver a vida, o
bem estar e a felicidade do futuro casal, e mormente da
mulher, a quem visavam beneficiar as últimas providências
legais, de que me ocupei. Demais havia recurso para o po-
der judiciário verificar até que ponto eram legítimas as re-
lutâncías dos pais, tutores ou curadores, e, finalmente, é
claro que não eram, propriamente, impedimentos essas
exigências, o que vem a dizer que sua infração não pro-
duzia conseqüências do mesmo valor. Todavia, o Código
Civil nao as manteve. Apareceram, depois do Código Ci-
vil, projetos de exame prenupcial; mas não tiveram se-
guímento.
A Constituição de 1934, no art. 145, estatuía: A lei
regulará a apresentação pelos nubentes de prova de sani-
dade física e mental, tendo em atenção as condições regio-
nais do país. A de 1937, porem, não se refere a essa
matéria.
Mas o decreto-lei n. 3.200, de 10 de Abril de 194Í,
art. 2.°, estabeleceu, para os colaterais do terceiro grau o
direito de requererem, por si ou por seus representantes le-
gais, se forem menores, exame de sanidade, afim de veri-
ficar que o casamento não trará inconveniência para o
outro cônjuge ou para a prole.
Na Alemanha, permite a lei que se tomem cautelas
semelhantes e até que se exija garantia de uma certa for-
tuna. Na Inglaterra, muitas vezes, os pais obrigam os
DO CASAMENTO 91

gentlemen, que se lhes apresentam, como aspirantes a mão


de suas filhas a constituírem settlements à futura consor-
te, os quais serão seus alfinetes (pin money) (1).
Certas legislações proibem o casamento aos alcóla-
tras, aos loucos e aos tuberculosos (2), outras o vedam aos
epiíéticos (3),

§ 17

SOLENIDADES PRELIMINARES DO CASAMENTO

Afim de dar divulgação ao casamento, cuja realização


se projeta, e verificar se os nubentesí se acham limpos de
impedimentos e em condições de juridicamente consorciar-
se, preceitua a lei que sejam publicadas enunciações ou
proclamas indicadores dessa pretenção. Estes proclamas
consistem num ato, em forma de edital, redigido pelo ofi-
cial do registro, à vista dos documentes, que os preten-
dentes apresentarem, por si ou por seus procuradores, em
prova de que se acham habilitados para o casamento, se-
gundo as prescrições legais (1).

(1) Taine, Notes sur l'Angleterre, pág. 96.


(2) Afranio Peixoto, Revista da Faciddade de Direito, do
Recife, 1901, pág. 107.
(3) Sanches Roman, op. cit., pág. 46 (nota 1). Mesmo
aos povos ainda pouco desenvolvidos culturalmente, não tern pas-
sado despercebida a necessidade dessas precauções. Sirvam de exem-
plo a legislação árabe (Saistches Roman, op. cit., pág. 196) ç do
Anuam (Paul d'Enjoy, in Clunet, 1904, pág. 96).,
(1) Os documentos exigidos pelo direito pátrio são: 1.° a pro-
va da idade matrimonial por certidão ou documento que a substitua;
2.° a declaração de estado, ido domicílio, e da residência não só dos
pretendentes como de seus pais; se estes não forem conhecidos ou
residirem em lugar não sabido, a explicação dos motivos do des-
conhecimento de ambos os fatos; se tiverem morrido, a declaração
do lugar onde se deu o óbito; 3.° a autorização dos pais, tutores ou
curadores, se os nubentes forem menores ou interditos'; 4.° a de-
claração de duas testemunhas maiores, parentes ou estranhos de-
que não teem impedimentos, que lhes iniba o matrimônio: 5.° a'cer-
tidão de óbito do cônjuge falecido, se tiver precedido algum casa-
mento válido, ou da anulação, se o casamento precedente tiver sido
anulado (Cód. Civil, art. 180),
62 DIREITO DA FAMÍLIA

O edital será afixado, durante 15 dias, em lugar os-


tensivo do edifício, onde se celebrarem os casamentos, e se"
publicará pela imprensa, onde houver (2). Decorrido esse
prazo, sem reconhecimento ou oposição de algum impe-
dimento, o oficial do registro certificará às partes que estão
habilitadas para casar-se dentro dos três meses seguintes
(3). Se, descurando os seus deveres, der tal certidão antes
de apresentados os documentos do art. 180, ou na pen-
dência de algum impedimento, incorrerá em culpa que a
lei pune com Cr S 100,00 a Cr | 500,00 de multa (4).
Na hipótese de não morarem os contraentes na mes-
ma circunscrição territorial, deve haver uma publicação
dupla de proclamas. E' possível ainda que um dos contra-
entes haja residido, grande parte do último ano anterior
à publicação do edital, em outro Estado, Como não é
mais ali a sua residência, não produziriam o efeito dese-
jado as publicações dos bandos, bem que não sejam para
desprezar. Mas o legislador entendeu obviar as dificulda-
des exigindo que, em tal emergência, o contraente vindo
de outro Estado provasse que saira dele desimpedido (5).
Os proclamas podem, excepcionalmente, ser dispen-
sados pelo juiz. Em primeiro lugar, quando algum dos
contraentes achar-se em perigo iminente de vida, ou for
obrigado a ausentar-se precipitadamente, no desempenho
de serviço público obrigatório, apresentados os documen-
tos, que a lei exige para a organização do edital, verificado
que não há impedimento, que obste à realização do casa-
mento, e justificada a urgência por meio de provas docu-

(2) Cód. Civil, art. 181, pr.


(3)i Cód. Civiil, art. 181, § 1.°.
(4) Cód. Civil, art. 227. Na mesma punição incorre o ofi-
cial que publicar proclamas sem autorização de ambos os contraentes
ou deixar de declarar os impedimentos, que lhe forem apresentados
ou lhe constarem com certeza e puderem ser por ele expostos. (Có-
digo Civil, art. 227),
(5) Cód. Civil, arts. 180, § único e 181, § 2.°.
DO CASAMENTO 93

mentais ou depoimentos de testemunhas, autorizará o juiz


ao oficial do registro a passar o certificado de habilita-
ção (6).
Leis estrangeiras concedem, igualmente, dispensa
de proclamas (7), mas creio que não é chauvinismo dizer
que nenhuma apresenta providências tão particularmente
acertadas quanto a brasileira. De uma rápida vista de
olhos sobre as legislações de alguns povos cultos, ressaltará
a verdade dessa asserção.
O direito inglês exige três publicações de banhos
feitas aos domingos, na paróquia de cada um dos contra-
entes, segundo prescreve o direito canônico, e mais outras
três feitas, em nome da autoridade secular, pelo secretário
da tutoria dos pobres. Estas últimas serão, porem, dispen-
sáveis, todas as vezes que o casamento se celebrar perante
a igreja anglicana (8),
O direito italiano (Cód., art. 70) e a lei argentina
(art. 22), pedem duas publicações. O Código alemão
contenta-se com uma só publicação (art. 1.316), e seme-
lhantemente dispõem o Código francês, art. 63 (lei de
8 de Abril de 1927), o espanhol (art. 89) e o português
|(art. 1.066).
Havendo causa grave, o Cód. Civil francês (art. 169
cit lei de 1927) permite hoje a dispensa da publicação e
do prazo. Assim, porem, não era antes da reforma de
1927.
Quanto à duração da eficácia dos proclamas, e de
três meses, pela lei brasileira (art. 181, pr.); de cem dias,
pela argentina (art. 25); de cento e oitenta dias, pelo
Cód. italiano (art. 97); de seis meses, pelo direito alemão

(6) Cód. Civil, art. 182, § único, e 199.


(7) Cód. Civil francês, art. 169; italiano, 98; lei alemã, ar-
tigo 50; argentina, art. 52; Cód. espanhol, arts. 91-95, alem do
direito canônico.
(8) GiyAsson, Droit €t instiiutions de l'Angleterre VI pá-
gina 164.
94 DIREITO DA FAMÍLIA

(Cód. Civil, art. 1.316); de um ano, pelo francês (Có-


digo, arí. 65); e espanhol (Cód., art. 96, 2.a parte).

§ 17 A

A CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO POR DIREITO PÁTRIO

Para a conveniente solenidade do casamento, pu-


blicidade ampla e perfeita autenticidade, não basta, evi-
dentemente, que o poder público, em sua qualidade de re-
presentante da sociedade, intervenha, exigindo as formali-
dades preliminares, de que tratou o parágrafo anteceden-
te. São inícios, que estão a solicitar complementos. E' ne-
cessário que esse contrato especialíssimo do casamento se.
conclua de um modo correlativamente solene, perante a
autoridade pública, assistida por testemunhas, e tanto
quanto possível, cotam populo. A perpetuidade do enlace,
os importantes interesses que aí se jogam, a própria mora-
lidade do grupo social, a que os nubentes pertencem, assim
o reclamam.
O Código Civil, art. 192, confiou a celebração do
matrimônio a um juiz privativo, onde existe essa entidade,
c a outra autoridade, onde não tiver sido criado esse orgão
especial da vida jurídica. Sendo, porem, este assunto ma-
téria da competência dos Estados confederados, não teem
estes adotado a mesma norma, atribuindo a função de
celebrar o casamento a autoridades de categorias diferentes,
O casamento deve, alem disso, celebrar-se na casa das
audiências, durante o dia, a portas abertas, presentes, pelo
menos, duas testemunhas que podem ser parentes dos con-
traentes. E' concedido, entretanto, o casamento em outro
edifício público, ou particular, convindo nisso o juiz ce-
lebrante, ou sendo necessário, por não poder um dos con-
traentes sair de casa (1). Sendo a celebração realizada em

(1) Cód. Civil, art. 193.


DO CASAMENTO

casa particular, as portas deverão estar francamente aber-


tas, durante o ato, e o número das testemunhas elevar-se a
quatro, se algum dos contraentes não souber escrever (2).
Serão seis testemunhas, se algum dos contraentes estiver em
iminente risco de vida, e o casamento se celebrar, sem a pre-
sença da autoridade ,a quem incumbe presidir ao ato (3).
Onde quer que se celebre o casamento, presentes os
nubentes, em pessoa ou procurador especial, as testemu-
nhas e o oficial do registro, o presidente do ato, ouvida
dos nubentes a afirmação de que persistem no propósito
de casar, por livre e espontânea vontade, declarará efetua-
do o casamento, nestes termos:
"De acordo com a vontade, que ambos acabais de
afirmar, perante mim. de vos vreceberdes por njarido e mu-
lher, eu, em nome da lei, vos declaro casados" (4).
A celebração do casamento será, imediatamente sus-
pensa, se algum dos contraentes recusar a solene afirma-
ção da sua vontade; declarar que esta não é livre e espon-
tânea; ou manifestar-se arrependido (5). Nem admite a
lei retratação no mesmo dia, porque traria aparências de
uma sugestão, atuando, poderosamente, contra a espon-
taneidade, que se procura apurar, na medida do possível.
Em seguida, será lançado, no livro do registro, um
termo circunstanciado do ato (6). Permite a lei que um
dos contraentes se faça representar no ato da celebração
por um procurador, com poderes especiais (7); se c

(2) Cód. Civil, art. 193, § único. Permite o Côd. Civil, ar-
tigo 198, que, no caso de moléstia grave de um dos contraentes, c
casamento se celebre à noite, se houver urgência. Nesse caso, o
juiz terá obrigação de ir à casa do doente, e as testemunhas serão
quatro. * , [
(3) Cód. Civil, art. 199, § único.
(4) Cód. Civil, art. 194.
(5) Cód. Civil, art. 197.
(6) Cód. Civil, art. 195,
(7} Cod. Civil, arts. 194 e 201. A lei anterior somente
permitia o casamento por procuração, em caso urgente e de força
maior. O Cód. não alude a essas circunstâncias.
90 DIREITO DA FAMÍLIA

nubente for estrangeiro, só poderá usar dessa faculdade se


a sua lei pessoal admitir a validade do casamento por pro-
curação, dizia o Código Civil, mas a nova lei de introdução
ao Código Civil (decreto-lei n. 4.657, de 4 de Setembro
de 1942, art. 7, revogou essa norma com preferir, para
o direito internacional privado, a lei domiciliar à nacional,
de longa tradição entre nós (8).
Quando um dos contraentes estiver em iminente
risco de vida, não sendo possivel obter com a necessária
urgência, a presença da autoridade competente, nem de
seus legítimos substitutos, para a celebração do casamento,
poderá ser ela dispensada. Celebrar-se-á, então, o casa-
mento, em presença de seis testemunhas, que não sejam
parentes em lin^ia reta, ou colateral em secundo grau.
Dentro em cinco dias, estas testemunhas deverão apresen-
tar-se à autoridade judiciária mais próxima, para que esta
faça tomar por termo as suas declarações referentes ao casa-
mento celebrado com sua assistência (9). Essas declara-
ções devem afirmar a existência das condições neces-
sárias para que o casamento seja possível sem as for-
malidades preliminares dos proclamas e sem a presença da
autoridade competente para funcionar como celebrante. E?
necessário que um dos contraentes se ache em perigo de
vida, sem que, entretanto, a enfermidade lhe perturbe a
lucidez do espírito; que as testemunhas tenham sido con-
vocadas para o ato, e tenham ouvido, de ambos os con-
traentes, a declaração livre e espontânea, de se receberem
por marido e mulher (10). O juiz procederá a uma in-
vestigação cuidadosa da idoneidade dos contraentes para
o casamento. Verificada a idoneidade dos cônjuges, assim
o decidirá a autoridade competente, com recurso volun-
tário às partes (11). Solvidos os recursos, que porventura
forem opostos, será o casamento registrado no livro com-

(8) Cód. Civil, art. 8 da Introdução.


(9) Cód. Civil, art. 200.
(10) Cód. Civil, art. 200, § 1.°. •
(11) Cód. Civil, art. 200, § 2.°.
DO CASAMENTO 97

petente, com efeito retroativo, em relação aos cônjuges,


desde a data do casamento, e, em relação aos filhos co-
muns, desde o nascimento (12), Se o enfermo convales-
cer, será ratificado o casamento perante o juiz e o oficial
do registro, e as testemunhas ficarão dispensadas de levar
as suas declarações perante a autoridade, pelo modo ex-
posto (13). Dada a convalescença e o restabelecimento
sem a ratificação, não terá valor o casamento assim cele-
brado, visto como se trata de uma providência excepcional
e unicamente admissivel in articulo mortis.
Era facultado aos cônjuges sancionar, religiosamente,
a sua união antes ou depois do ato civil. Esta foi a dou-
trina primitivamente estabelecida (dec. n. 181, de 1890,
art. 108, § único). Em breve apareceram os inconvenien-
tes dessa liberdade incondicionada e o decreto de 26 de
Junho de 1890, corroborado pelo Código Penal, art. 284,
proibiu a celebração religiosa do casamento antes da ci-
vil. Mais tarde, promulgada a Constituição, entendeu o
governo que pelo art. 72, §§ 4.° e 7.° desta se havia resta-
belecido a doutrina anterior (av. circular de 15 de Abril
de 1891). O apoio dessa interpretação são as palavras
do art. 72, § 7.°, da Constituição: — nenhum culto ou
igreja terá relações de dependência com o Governo da União
ou dos Estados. No Congresso federal a questão foi, por
várias vezes, debatida, sem se chegar a um resultado prá-
tico (14). Mas, não tendo o Código Civil feito qualquer
referência ao ato religioso, é claro que ele podia anteceder
ou não ao ato civil.
A Constituição de 1934 alterou, profundamente,
nesta matéria, o sistema da Constituição de 1891 e do

(12) Cód. Civil, art. 200, §§ 3.° e 4.°.


(13) Cód. Civil, art. 200, § 5.°, Champeau y^Uribe, Derc
cho civil colombiano, I, págs. 171-172, levanta objeções a esta dis-
posição que de certo modo corresponde ao art. 136 do Código Civil
cdlombiano.
(14) Vejam-se João Barbajcho, Constituição federai, com.
cao art. 72, § 4.°; Sylvio Romero, Discursos, pág, 42 e segs.
98 DIREITO DA FAMÍLIA

Código Civil, que somente reconheciam, como válido, o


casamento civil, por isso que era completa a separação en-
tre o temporal e o espiritual.
O art. 146 dessa Constituição preceituava: — O
casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casa-
mento perante ministro de qualquer confissão religiosa,
cujo rito não contrarie a ordem pública ou os bons costu-
mes, produzirá, todavia, os mesmos efeitos que o casa-
mento civil, desde que, perante a autoridade civii), na ha-
bilitação dos nubentes, na verificação dos impedimentos e
no processo da oposição, sejam observadas as disposições
da lei civã e seja ele inscrito no Registro Civil. O regis-
tro será gratuito e obrigatório.
E\ pois, somente a celebração do casamento, depois,
de cumpridas as formalidades preliminares, que se realiza,
perante ministro da confissão religiosa, dos nubentes.
A inovação constitucional foi amplamente explana-
da por Waldemar Ferreira, no livro — O casamento*
religioso de efeitos civis. V. o dec, n. 379, de 16-1-37,
que regula esta matéria.
A Constituição de 1937 não se referiu a essa forma,
religiosa do casamento, mas o decreto-lei n. 3.200, de 19
de Abril de 1941, regulando-a nos arts. 4 e 5, mantem~na
com pequenas alterações. São reconhecidos efeitos civis ao
casamento religioso.
A doutrina da precedência do ato eivei ao religioso
ifoi considerada necessária na França, cujo Código Penal,
arts. 199 e 200, pune o sacerdote que transgredir esse
preceito. Na Itália, em homenagem ao princípio de com-
pleta independnêcía entre os poderes, o civil e o eclesiástico,
consagrou o Código a doutrina da ampla liberdade a esse
respeito; porem, aí mesmo, "as sugestões e instigações, re-
presentando o casamento civil como um ato irreligioso e
contrário à igreja", fizeram com que se haja tentado, por
várias vezes, modificar a doutrina que primeiro vencera.
Assim é que, em 1879, passara vitoriosa na Câmara dos
Deputados e seguira para o Senado um projeto de lei comi-
DO CASAMENTO 9&

nando penas ao sacerdote que celebrasse o casamento re-


ligioso antes do civil (15). Na Suiça, na Alemanha, na
Holanda, na Argentina, adotaram as leis a doutrina da
precedência do casamento civil.
Mas, se o marido se recusar a receber a benção nup-
cial, apesar de se ter comprometido a isso para com a mu-
lher, antes da celebração do casamento civil? Há, por
certo, aí um sobressalto de conciência que merece acata-
mento e um abuso que pede correção. A jurisprudência
francesa firmou o princípio de que há, na hipótese, injú-
ria grave, capaz de autorizar um pedido de separação, o
que é perfeitamente justo. Se, porem, não houve promessa
alguma, não há a que atender.
O Código Civil do Uruguai ,art. 91, n. 7, consi-
dera impedimento dirimente, melhonfora dizer causa de
nulidade absoluta, — a falta de consagração religiosa
quando estipulada no contrato de casamento, se o cum-
primento dessa cláusula for exigido no mesmo dia da ce-
lebração,
No Equador, o casamento civil deve preceder ao reli-
gioso, mas a autoridade civil pode permitir que este últi-
mo seja celebrado imediatamente depois do primeiro (16).

§ 18

CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO NO DIREITO ESTRANGEIRO

Sem querer que a inscrição deste parágrafo induza o


leitor em erro, pois não pretendo esgotar o assunto, nem

(15) Glasson, Le mariage civil, págs. 287-289. Em 1919,.


uma lei admitiu a forma religiosa do matrimônio- E o Código Civil
em vigor declara, em seus arts. 80 e 81, a validade da celebração'
do matrimônio perante ministro do culto católico-, segundo a Con-
cordata com a Santa Sé e leis especiais sobre a matéria, e, também,,
perante ministro de culto admitido no Estado, de acordo com o mesmo
Código e leis especiais.
(16) Lei de 28 de outubro de 1902 {Annuaire étrang., 1903,
pág. 732).
100 DIREITO DA FAMÍLIA

percorrer toda a gama da legislação comparada, entendi


de bom método destacar o assunto agora enfrentado, para
que, em melhor relevo, pudesse o leitor fazer o confronto
entre as disposições de algumas legislações estranhas e as
do direito pátrio.
O Código Civil português reconhecia duas espécies
de casamento, o religioso para os católicos e o civil para
os não católicos, sendo este último celebrado pelo oficial
do registro civil (arts. 1.057 e segs.). O casamento cató-
lico, para produzir efeitos civis, devia ser celebrado em
conformidade com as leis canônicas recebidas no reino, que
são justamente as editadas ou roboradas pelo Concilio
tridentino. O casamento civil era realizado em Portugal,
como que por favor e a contra-gosto; mas as suas forma-
lidades nada encerravam que peça menção especial.
Em 1910, porem, sob o regime republicano, foi pu-
blicado o decreto de 25 de Dezembro, que declara ser o ca-
samento um contrato puramente civil (art. 2). A pro-
curação para a celebração do casamento civil era admitida
(art. 1.081 do Cód Civil).
O sistema adotado pelo Código Civil português não,
era lógico, nem justo. Não era lógico, porque considerava
o casamento um contrato, reconhecia a necessidade da in-
tervenção civil e do registro, e, ao mesmo tempo, entre-
gava-o, de modo completo, à autoridade eclesiástica, sem-
pre que os contraentes pertencessem ao grêmio da religião
preferida, Não era justo, porque os súditos portugueses
não católicos deviam, com iguais direitos aos que profes-
sam o catolicismo, merecer que se lhes atendessem aos escrú-
pulos de conciência (1). A verdadeira doutrina é a que

(1) Sanches Roman, V, (primeira parte, págs. 420-422, com-


batia o sistema português, com argumentos valiosos, acusando-o:
1.° de desconhecer que o estabelecimento do casamento civil é mm
conseqüência necessária das funções do Estado e não mero arbítrio
político e legislativo; 2.° de derivar a idéia do matrimônio civil de
um fundamento errôneo, qual é o direito do indivíduo, debaixo do
DO CASAMENTO 101

tem sido adotada pela maioria dos povos cultos e, hoje,


pela lei portuguesa citada. O casamento civil é o que o Es-
tado reconhece e celebra, exclusivamente. Aos crentes cabe
procurar a intervenção religiosa, de acordo com as suas
convicções. A secularização do direito e imperiosa necessi-
dade, que já se acha completamente traduzida em fato.
O Código Civil espanhol, onde ainda se encontra a
dualidade das formas de celebração, a canônica e a civil,
regulou mais racional e previdentemente esta última do
que fizera o outro legislador ibérico, antes da república.
Quem preside ao ato é o juiz municipal de ambos
os contraentes ou, sequer, de um deles, perante o qual com-
parecerão (2) acompanhados de duas testemunhas maio-
res e capazes (arts. 87, 88 e 100). O juiz lê os artigos
do Código referentes aos deveres dos cônjuges e à posição
do marido na sociedade conjugai, consulta se persistem na
resolução de contrair casamento; recebida a resposta afir-
mativa, efetua a celebração e lavra um termo, em que se
mencionarão todas as circunstâncias comprobatórias de
que a lei foi fielmente cumprida.
Para os que se acham em perigo iminente de morte
autorizará o juiz municipal o casamento, sem as formali-
dades comuns preliminares e concomitantes da celebração.
Mas esse casamento será condicional, até que se faça a pro-
va da liberdade dos contraentes por ocasião do ato (arti-
go 93). A bordo dos navio de guerra ou de mercância, os
respectivos comandantes teem competência para dar essa
autorização, assim como os chefes de corpos militares em
campanha, em falta de juiz municipal (arts. 94-95 (3).

ponto de vista do respeito à crença religiosa prejerente> por ser a


mais generalizada no país; 3.° de, por isso mesmo, não respeitar o
princ"pio da liberdade de conciência, concedendo privilégio a uma
certa fé religiosa; 4.° de criar uma causa de desigualdade civil, mo-
ral e social; 5.° de ser ocasião de violências morais, quando houver
discordância nos sentimentos religiosos dos contraentes.
(2) A representação é aceita para um dos cônjuges, havendo
constituição especial de poderes.
102 DIREITO DiA FAMÍLIA

O movimento de secularização do casamento que vai


avassalando o direito civil moderno,, partiu da França re-
volucionária, nos fins do século passado, pois que a laici-
dade romana havia, desde muito desaparecido, para dar
lugar à competência exclusiva da Igreja. A Constituição
de 1791, art. 7.°, dizia: "a lei considera o casamento como
ato civil", e esse princípio fecundo caiu na conciência mo-
derna como boa semente em torrão ubertoso.
Na república francesa, o matrimônio deve ser cele-
brado perante quatro testemunhas, efetuando-se as soleni-
dades comumente prescritas nas leis reguladoras desta ma-
téria, a consagração do enlace pela autoridade e a redação
do termo, em que se especificam todas as circunstâncias,
que, de fato, se deem, assim como aquelas que constituem
base de algum direito.
Embora em muitos pontos semelhante ao nosso, con-
tudo apresenta o direito francês assinalaveis diferenças, as
quais, em geral, indicam um progresso realizado e cujos
frutos soube colher o legislador brasileiro, aproveitando a
lição dos fatos e da doutrina, para inserir cláusulas não
contidas no velho Código Napoleão, mãe fecunda de vasta
progênie. Eíntre as dissemelhanças, apontarei as seguintes:
calou o Código francês o casamento por procuração, aliás
acolhido pelo antigo direito. Desse fato, concluem os ju-
ristas que foi intenção do legislador abolir a espécie (4).
Quanto aos casos urgentes, foi também mais completa e
melhor orientada a lei brasileira, eliminando, excepcional
e condicionalmente, solcnidades estorvantes, diante da gra-
vidade da situação.
O Cód. Civil Italiano, reforma de 1936, arts. 104 a
114, determina que o matrimônio seja celebrado publíca-

(3) Veja-se em Chmei, 1896, pág. 60, e 1898. pág. 212, o


que a respeito prescreve o direito grego.
(4) Demolombe, III, n. 210.
DO CASAMENTO 103

mente na casa comunal, perante o oficial do estado civil,


estando presentes duas testemunhas. As testemunhas serão
quatro, se um dos nubentes não puder comparecer na
casa comunal. Os militares e as pessoas que, em razão de
serviço, seguem as forças armadas em tempo de guerra,
podem celebrar o casamento por procuração. O casamento
do rei e da família real terá por oficial o Presidente do Se-
nado. O lugar da celebração será fixado pelo rei, e esta
pode realizar-se por procuração.
Na Alemanha, regulava-se a matéria do casamento
pela lei de 6 de Fevereiro de 1875, que generalizou, para
todo o império, a obrigação de contraí-lo perante a auto-
ridade civil. Mesmo escritores franceses opinam que as for-
malidades preliminares da lei alemã são melhor organiza-
das do que as do direito francês. Atualmente, vigora o
Código Civil, art.. 1.303 e segs., subsistindo da lei ante-
rior os artigos não revogados pela lei de introdução (ar-
tigo 46) (5).
O casamento é celebrado perante duas testemunhas
e o oficial do registro civil, que recebe as afirmações dos
nubentes, declara-os legitimamente casados e inscreve, no
registro competente, o ato da celebração do casamento.
Não é admitido o casamento por procuração (art. 1.317).
A lei alemã simplificou, incontestavelmente, com
vantagem, as melindrosas providências refrentes aos casos
de muita gravidade, contentando-se com o atestado médi-
co (6) ; mas a lei brasileira e a argentina (art. 52) sao
mais completas a este respeito.
Na Áustria, subsistem, mesmo depois das últimas
reformas, e da lei de 25 de Maio de 1868, as duas formas
de casamento, a civil e a religiosa, intimamente coligadas
e constituindo um tipo compósito (Cód., § 75 e segs.).

(5) A citada lei, art. 46, abrogou os arts. 28 a 40, 42, 43, ol
a 53 da lei anterior e substituiu por outros os arts. 41, 44, 50 e 55.
(6) Lei de Introdução, art. 46; Endemann, Einjuchrung, II,
■§§ 155-157,
104 DIREITO DA FAMÍLIA

Mas, se o pastor evangélico se recusar a cele.brar o casa-


mento por causa de um impedimento não reconhecido pela
lei civil, ia união conjugai se poderá realizar perante a au-
toridade secular. Alem disso, o casamento religioso não
é exclusivamente concedido aos cristãos. Os judeus tam-
bém participam dessa regalia, realizada a cerimônia nup-
cial perante um rabino (§§ 127-131). Para aqueles que
não professam alguns dos cultos reconhecidos pelo Es-
tado, estabeleceu-se o casamento civil (lei de 9 de Abril
de 1870) (*).
Na Hungria, a secularização do casamento foi rea-
lizada pela lei sancionada a 9 de Dezembro de 1894 e pro-
mulgada a 18 do mesmo mês. O casamento é celebrado
perante o oficial do registro civil e diías testemunhas,
comparecendo, pessoalmente, os nubentes, que declaram
ter combinado casar-se um com o outro (arts. 29 e 39).
Em caso de se achar um dos contraentes em perigo de vida
por moléstia, o casamento pode ser celebrado independen-
temente de publicações, declarando os dois futuros côn-
juges que não sabem da existência de impedimento algum
ao seu consórcio (art. 36).
Na Dinamarca, o sistema aceito é mixto, como na
Áustria e na Rumânia. Quanto à forma, o casamento é
religioso, na Dinamarca; é a lei civil, entretanto, que lhe
regula os efeitos e os casos de nulidade, estabelecendo até
sua dissolução por divórcio.
Na Rumânia, o Código Civil reconhece o casamento
sob sua forma leiga, mas a Constituição considera a ben-
ção religiosa como requisito para a sua validade.
Na Suiça, foi a lei de 24 le Dezembro de 1874 que
regulou, zelosa e sabiamente, o estado civil e a celebração
do casamento, livre de toda a interferência religiosa, e fir-
mando um preceito único para toda a confederação, em
■substituição à legislação católica anterior. O Código Ci-

(*) Ver Arq., vol. VI, pág. 198 e segs.


DO CASAMENTO 10£

vil, arís. 116 a 118, regula a celebração, a publicidade e o


certificado do casamento, pelo oficial do estado civil.
Na Inglaterra, o casamento religioso mantem-se ao
lado civil, para que os contraentes, a seu alvedrio, es-
colham a forma que lhes aprouver. Mas o casamento re-
ligioso não é independente de certas formalidades civis,
ainda quando celebrado segundo os ritos da igreja anglica-
na, que é a privilegiada. Assim é que, para efetuar-se a
celebração, se faz indispensável um atestado do registrar,
referente às proclamações civis e ausência de impedimen-
tos, e, depois da benção nupcial, lavra-se um termo do
ato no registro da paróquia, e mais outro no civil. A lei
de 12 de Agosto de 1898 equiparou, sob o ponto de vista
da celebração do casamento, as religiões não conformistas
à religião do Estado. Celebram-se os casamentos nos lu-
gares inscritos, que são os estabelecimentos destinados aos
cultos não conformistas, perante duas testemunhás e a
pessoa autorizada. Os contraentes fazem a declaração so-
lene de que não existe impedimento matrimonial entre eles
e de que se recebem um ao outro por legítimos consortes
(7). O casamento civil celebra-se em presença do registrar,
com assistência de duas testemunhas.
Note-se ainda que, na Escócia e na Irlanda, se en-
contram formas divergentes. Na Escócia, conservaram-se
as formas do casamento cristão, anteriores ao Concilio
tridentino. Hoje não há mais os chamados casamentos de
Qreetna-Green, tão célebres, e cujo nome veio de uma lo-
calidade na fronteira escocesa, para onde afluiam os in-
gleses, que encontravam qualquer embaraço, em recebe-
rem-se matrimonialmente, e que o vinham fazer perante
um ferreiro arvorado em ministro religioso, ou, antes, em

(7) Annuaire de lég. étrangère, leis de 1898, págs. 73-79.


Os judeus e os quakers dispensaram os favores da nova lei, porque,
antes dela, já podiam casar-se na Inglaterra segundo os seus ritos
Também não se aplica a lei de 1898 à Escócia, nem à Irlanda.
106 DIREITO DA FAMÍLIA

mera testemunha, porque a intervenção sacerdotal era es-


cusada (8).
O casamento civil tornou dispensável esse recurso;
mas a Escócia tomou, ainda assim, uma providência, exi-
gindo a residência de três semanas a quem se queira uti-
lizar das facilidades de sua legislação (18 e 20, Vitória,
cap. 96). E são grandes essas facilidades, visto como é,
nesse país, tolerado o casamento irregular sem formalida-
des preliminares, sem autorização dos ascendentes e sem a
presença do pároco, sendo suficiente o concurso da vonta-
de dos contraentes {verba de praesenti). Esta forma de
casamento é facultada aos escoceses como a quaisquer ou-
tras pessoas, ainda que estrangeiras (9).
Na Irlanda, há diversas espécies de casamentos, o an-
glicano, o católico, o dos quaquers, todos eles com efeitos
civis reconhecidos.
Na Rússia, celebravam-se os matrimônios na igreja,
presentes os dois futuros cônjuges, que não podiam ser
substituidos por procuradores, diante de duas ou de três
testemunhas, com a troca dos anéis e segundo o rito
greco-russo. Mas, havendo grave motivo, o bispo conce-
dia que a cerimônia se realizasse em casa particular. De-
pois da celebração, devia o ato ser inscrito no registro da
paróquia.
Os súditos russos, não cristãos, podiam livremente,
contrair núpcias, segundo seus costumes e crenças, não ten-
do que intervir no ato a autoridade civil, nem a eclesiás-
tica, salvo quando havia algum impedimento. Assim é
que os muçulmanos e os judeus eram obrigados a esperar
a idade legal fixada pela lei russa para o matrimônio. A
não serem essas limitações, muito restritas aliás, era am-
plo o respeito à conciêncía dos crentes.

(8) Glasson, Le mariagc civil, pág. 315 e segs. ; Hist. chi


i droit ct des inst. de l'Angleterre, VI, pág. 162 e segs.
(9) Glasson, Hist., cit., pág. 166.
DO CASAMENTO 107

Quando somente um dos futuros cônjuges era sectá-


rio do rito greco-russo, o divergente devia comprometer-se,
de modo solene, a respeitar as convicções religiosas do ou-
tro, em ato escrito que era entregue ao bispo da paróquia.
Na Finlândia, entretanto, esses casamentos celebravam-se.
duplamente, devendo o filho seguir a religião do pai
(10). Pelo Código Soviético da família, os casamentos se
celebram perante os órgãos locais do registro dos atos civis
(art. 53).
Na República Argentina, o Código Civil só conhecia
o casamento religioso. Veio, depois, a lei de 22 de No-
vembro de 1888 que estabeleceu o casamento civil, celebra-
do pelo oficial do registro civil, em seu escritório ou em
casa particular, se algum dos cônjuges tiver impossibilida-
de para ali comparecer. São duas as testemunhas, na pri-
meira hipótese, e quatro na segunda. No ato da celebra-
ção, como é adotado por muitos outros sistemas jurídicos
o oficial público faz a leitura dos preceitos legais, em que
se estabelecem os principais direitos e deveres dos cônju-
ges. Depois do ato civil, mesmo em seguida, é permitido
bendizer a união por um ministro do culto, a que per-
tençam os cônjuges. A representação de um dos cônjuges
por procurador especial é aceita (lei cit., arts. 44-45).
A legislação norte-americana considera também o ca-
samento como ato civil, embora de natureza especial. As
formas solenes, assistência de um sacerdote ou de um ma-
gistrado, são usadas e servem para prova do ato, mas nao
as exige o direito, que se satisfaz com o simples acordo
das partes (11).

(10) Lehr, Droit civil russe, I, págs. 22-36.


(liy Smith, Blements, pág. 138. Walker, American law,
§ 102, n. 4, ainda que declare que somente os ministros das reli-
giões existentes no Hstado e os juizes de paz, nos seus distritos, são
competentes para celebrar casamentos, cita autoridades que sufragam
108 DIREITO DA FAMÍLIA

No Perú existia, a princípio, somente o casamento


católico. A lei de 23 de Dezembro de 1897, porem, es-
tabeleceu ao lado dele o casamento civil para os que não
professam a religião católica (12). Hoje a matéria está
regulada pelo Código Civil, de 1936, art. 114, que assim
dispõe: "O matrimônio celebrar-se-á na Municipalidade,
publicamente, perante o alcaide que recebeu a declaração,
comparecendo os contraentes, na presença de duas teste-
munhas maiores de idade e vizinhas do lugar. O alcaide
depois de ler os arts. 158 a 164 do Código (deveres dos
cônjuges), perguntará a cada um dos contraentes, se per-
siste na resolução de celebrar o matrimônio, e, responden-
do ambos afirmativamente, lavrará o termo de casamento.
O termo será assinado pelo alcaide, pelos contraentes e pe-
las testemunhas".
O art. 124 dispõe: — O casamento civil poderá cele-
brar-se, também, perante o pároco ou o ordinário do lu-
gar, ou perante o sacerdote a quem algum dos dois dele-

a opinião transcrita no texto e dá notícia de julgados, que declaram


válidos casamentos não contraídos perante pessoas autorizadas.
Nota-se, entretanto, uma tendência no sentido de cercar o ma-
trimônio de soilenidades garantidoras do direito individual e da re-
gularidade das relações famiiiais. E' assim que a lei de 13 de Man
de 1896 (Annuaire de lég. étrangère, leis de 1896, págs. 748-749),
somente reconhece competência, para celebrar casamentos, aos juizes
de paz, ou de um tribunal de record, e aos ministros de cultos, ou
outros representantes de seitas, mas estas pessoas estranhas às fun-
ções judiciais devem ser autorizadas pelo tribunal. Esta lei é espe-
cial para o distrito da Cdlômbia, mas, por isso mesmo, é significa-
tiva. Alem disso, em Massachusetts há disposições semelhantes
{Annuaire cit., pág. 756). Em New York, o casamento pode ser
celebrado por contrato assinado pelas partes e duas testemunhas.
(12) Annuaire de lég. étrangère, leis de 1897, pág. 971. Ex-
plicando esta lei, declaram a de 25 de Outubro e a de 23 de No-
vembro de 1903 que, para ser admitido ao benefício desta reforma
da legislação basta que um dos nubentes declare perante o alcáide
que nunca pertenceu ou não pertence mais à religião católica {An-
nuaire, cit., 1904, pág. 746).
DO CASAMENTO

gou essa faculdade. Ao ato assistirá o funcionário do re-


gistro civil, para efetuar a imediata inscrição do matri-
mônio. No Equador, em conseqüência da lei de 28 de Ou-
tubro de 1902, somente o casamento civil é reconhecido
(13). No Paraguai, aplica-se o disposto na lei argentina,
que entrou para a legislação dessa república (H). Na Bo-
lívia, também, o casamento é exclusivamente civil, depois
da lei de 11 de Outubro de 1911 (Revue de Tlnst. de droit
compare, 1912, ns. 259 a 262).

§ 19

DAS SEGUNDAS NÚPCIAS

Nas sociedades selvagens, onde a mulher é proprie-


dade do marido, e nas outras mais cultas, em que predo-
minam os rigores do familismo, alentados pela crença
numa existência de alem-túmulo, é costume generalizado
imolar as viuvas juntos aos cadáveres dos maridos, para
que ninguém se locuplete com o alheio, ou para que se
prolongue alem da vida, que os cônjuges arrastaram por
este mundo. y
Não trasladarei para aqui os copiosos exemplos, que
se poderão encontrar em WESTERMARCK (1) e outros es-
critores. Escolherei apenas alguns suficientemente elo-
qüentes, para corroborarem a afirmação feita. No Darien
e no Panamá, por ocasião da morte do chefe, eram com
ele sepultadas as suas concubinas.

(13) Annuaire, cit., 1903, pág. 729.


(14) Zubizarreta, Derecho civil, Assunción, 1899, I, pági-
na 197 e segs.
(1) Matrimônio umano, págs. 107-111.
110 DIREITO DA FAMÍLIA

A morte do um dos incas acarretava uma hecatombe


no Perú, pois acompanhavam-no ao túmulo sua espo-
sas, seus servos e seus oficiais de maior estimação. Na ín-
dia, até há pouco tempo, era observado o costume de sa-
crificarem-se as mulheres dos rajás nas fogueiras, que in-
cineravam os corpos de seus maridos, sem que, aliás, viesse
constrangê-fas o aguilhão de uma lei obrigatória. Mas
é que, às vezes, o costume e a opinião pública falam mais
persuasivamente do que a própria lei escrita, quebrando-
se, de encontro a essas energias, todas as resistências. Na
Germânia, houve costume semelhante. Na China, até as
noivas, que não somente as casadas, abalançaram-se a tão
grave sacrifício. No Congo, no Dahomei, nas regiões do
Niger, na Polinésia e na Melanésia, pensou-se do mesmo
modo, se é que de todo se não pensa ainda.
Dominando essas idéias e sentimentos, as segundas
núpcias raiam pelo impossível ou quase. Outros povos,
não impelindo as viuvas ao vítimário, entenderam que
elas se devem antes devotar ao culto do esposo falecido,
perpétua ou temporariamente. \E' muito curioso o que a
respeito nos refere BANKROFT, falando da tribu dos mos-
quitos: a viuva tinha obrigação, diz ele, de prover de ví-
veres a tumba do marido, por uma ano, findo a qual, to-
mava-lhe os ossos e guardava-os, por mais um ano, junto
a si, depois colocava-os sob o teto da própria casa, e es-
tava habilitada a remaridar-se".
Na índia atual, diz-nos Dubois, que é um insulto
falar a uma viuva em segundas núpcias, e é repelida pela
sociedade a que se desrespeita a ponto de aceitar substi-
tuto ao primeiro marido. Os antigos helenos e romanos,
como os eslavôníos do sul, consideravam o segundo casa-
mento como uma injúria irrogada ao primeiro marido.
Não é desconhecido quanto eram desconceituadas pelo di-
reito romano antigo as segundas núpcias. Alem do ano
de luto que diziam imposto por Numa, e durante o qual
se devia a viuva mostrar desolada pelo golpe, que a pros-
trara, sem poder pensar em outro casamento, consíderava-

i
DO CASAMENTO 111;

se um despudor que o realizasse, mesmo depois dessa


época (2).
Também o direito canônico e pátrio não tinham sim-
patias pelas segundas núpcias. O decreto de 24 de Ja-
neiro de 1890, art. 94, preocupava-se, particularmente,
com a mulher bínuiba, a quem retirava os direitos de diri-
gir as pessoas e de administrar os bens dos filhos do leito
anterior. O Código Civil, embora mais benevolente, neste
particular, também retira o pátrio poder à bínuba, res-
tabelecendo-o, quando, novamente, enviuvar (art. 393).
A lei argentina dispõe semelhantemente, responsabilizando
a bínuba e seu segundo marido pelos prejuízos ocorridos
aos filhos do primeiro matrimônio, se não pedirem a no-
meação de um tutor para os menores (art. 101).
O mesmo decreto de 24 de Janeiro, art. 7.°, §§ 9.°'
e 10, também tomava certas providências para evitar que
as segundas núpcias prejudicassem os filhos das primei-
ras, impedindo o novo casamento antes do inventário dos
bens do casal, e impondo à mulher dez meses de espera
depois da dissolução do casamento por morte do marido,
ou da separação por nulídade ou anulação, como já foi
exposto no lugar competente. As mesmas cautelas consa-
gra o Código Civil, art. 183, ns. XIII e XIV.
Por outro lado, o direito fílipino (3), recusava, ao
pai ou mãe bínuba, a herança da propriedade dos bens,
que, por intermédio de filhos do primeiro matrimônio,
viessem do cônjuge predefunto ou por parte dele, enquan-
to restassem outros filhos irmãos do falecido. Somente o
usufruto cabia em tal hipótese ao bínubo.

(2) Padeixetti e Cogliolo, Storia dei diritto romano, pági-


nas 162-171; Windscheid, Pandectas, § 511.
(3) Ord. 4, 91, §§ 2.° e 4.°; C. da Rocha, § 342. Concorda
em parte a lei argentina, art. 123. O Código Civil, porem, nãc
manteve esse preceito.

k
■112 DIREITO DA FAMÍLIA

20

CASAMENTO DOS BRASILEIROS NO ESTRANGEIRO


E DOS ESTRANGEIROS NO BRASIL

Segundo o direito anterior ao decreto-lei n. 4.657,


de 4 de Setembro de 1942, lei de introdução ao Código
Civil, o brasileiro, que se achasse no estrangeiro, preten-
dendo consorciar-se, havia de escolher ou uma pessoa da
mesma nacionalidade ou de nacionalidade estranha. No
primeiro caso, podia realizar seu casamento por um dos
dois modos seguintes: ou adotaria, para seu casamento, a
forma usada no pais, onde se achava com o outro contra-
ente; ou preferiria a forma estabelecida no direito pátrio
(1). Neste último caso, o agente consular do Brasil era a
autoridade competente para a celebração; as formalidades
e os impedimentos seriam os prescritos pelo direito pátrio,
e por autoridade judiciária brasileira solvidos estes últimos
(2). No segundo caso, como somente um dos nubentes era
brasileiro, a lei reguladora da forma do casamento era,
como preceituava o dec. de 24 de Janeiro, a do lugar on-
de fosse celebrado (3).
Estabelecendo, porem, a nova lei de introdução, que
a lei do domicílio e não a da nacionalidade regula a capa-
cidade c o direito de família: a) o casamento do brasileiro
domiciliado no estrangeiro regula-se pela lei de seu domi-
cílio; b) o celebrado perante agente diplomático ou con-
sular brasileiro, ainda regerá, quanto ao mais, a lei do do-
micílio (art. 7.°).
Os códigos estrangeiros, em regra, se teem mostrado
fiéis ao princípio da ultraterritorialidade das leis relativas

(1) Cód. Civil, art. 204, pr.


(2) Cód. Civil, art. 204, § único.
(3) Cód. Civil, art. 11, da Introdução, Circular do Ministé-
rio das Relações Exteriores, n. 33, de 20 de dezembro de 1920;
« Cândido de Oliveira, Manual do Código Civil, V, §§ 81 a 83.
DO CASAMENTO 113

à capacidade e ao direito da famíla, estatuindo que o ca-


samento do nacional possa realizar-se de acordo com a
lex loci actus, quanto às formalidades externas, e segun-
do a lei pessoal, quando se tiver de verificar a aptidão le-
gal, a capacidade. E, por isso, faz-se necessária a publica-
ção de proclamas de casamento no país, sempre que os na-
cionais pretenderem realizar seu matrimônio no estran-
geiro, sob pena de ser ineficaz esse ato dentro das frontei-
ras nacionais (4).

Quanto ao casamento dos estrangeiros no Brasil, di-


zia o dec. de 24 de Janeiro, art. 48: "As disposições rela-
tivas às causas de impedimentos e às formalidades prelimi-
nares são aplicáveis aos casamentos de estrangeiros celebra-
dos no Brasil". E' claro que somente a celebração ficava
ressalvada, podendo ser confiada tanto à autoridáde bra-
sileira quanto à estrangeira, alternativa que a lei firmou
também, como foi visto, em relação ao brasileiro que se
achasse no estrangeiro. As formalidades preliminares e os
impedimentos regulavam-se pelo direito brasileiro.
O Código Civil não consagrou dispostivos a res-
peito dos impedimentos. Deixou que a matéria se regu-
lasse pelos princípios gerais e pelo art. 8 da Introdução.
Se o casamento era celebrado perante autoridade brasileira,
observar-se-ia, certamente, a lei brasileira quanto às for-
malidades preliminares, impedimentos e celebração, aten-
dendo-se à capacidade das pessoas, segundo a sua lei na-

(4) E' a doutrina do Código francês, art. 114, italiano, 100;


português, 1.065-1.066; espanhod, 9-100, 2.'1 al. A lei argentina
deixa que o assunto se regule pelo direito internacional privado. A
lei alemã de Introdução ao Código Civil, nos arts. 13-40, regula
a matéria. O primeiro desses artigos submete a celebração do ca-
samento à lei nacional dos nubentes e o segundo modifica a lei de
•4 de Maio de 1870, regulando o modo pelo qual os alemães efetuam
.seus casamentos na presença do funcionário competente.
114 DIREITO DA FAMÍLIA

cional (Introdução, art. 8.°). Celebrado perante o cônsul


ou representante diplomático do pais dos dois cônjuges,
teria plena aplicação a lei estrangeira, respeitados os pre-
ceitos de ordem pública e bons costumes, e as formalidades
preliminares.
O Código Bustamante consagrou, a respeito desta
matéria, as disposições seguintes:
Art. 36. Os nubentes estarão sujeitos à sua lei pes-
soal, em tudo quanto se refira à capacidade para celebrar
o matrimônio, ao consentimento ou conselhos paternos,
aos impedimentos e à sua dispensa.
Art. 37. Os estrangeiros devem provar, antes de
se casar, que preencheram as condições exigidas pelas suas
leis pessoais, no que se refere ao artigo precedente. Podm
fazê-lo mediante certidão dos respectivos funcionários di-
plomáticos ou agentes consulares, ou por outros meios
julgados suficientes pela autoridade local, que terá, em to-
do o caso, completa liberdade de apreciação.
Art. 38. A legislação local é aplicável aos estran-
geiros, quanto aos impedimentos, que, por sua parte, es-
tabelecer e que não sejam dispensáveis, à forma do con-
sentimento, à força obrigatória ou não dos esponsais, a
oposição ao matrimônio, ou obrigação de denunciar os
impedimentos, e às conseqüências civis da denúncia falsa,
à forma das diligências preliminares e à autoridade compe-
tente para celebrá-lo.
Art. 39. Rege-se pela lei nacional comum das par-
tes, e, na sua falta, pelo direito local, a obrigação, ou não
de indenização em conseqüência de promessa de casamento
não executada, ou de publicação de proclamas em igual
caso.
O Código Civil italiano exige que o estrangeiro, pre-
tendendo contrair casamento na Itália, prove estar em con-
dições de contraí-lo, segundo a lei do seu país. Entretanto,
o estrangeiro acha-se também submetido aos impedimentos
estabelecidos pelo Código, e, se domiciliado ou residente,
deve fazer as publicações estabelecidas pelo Código.
DO CASAMENTO 115

O Código espanhol, art. 91, faz uma distinção. Se


os nubentes estrangeiros residem, desde dois anos na Es-
panha, submetem-se à lei territorial, combinada com a
pessoal firmado pelo art. 9. Se não há residência de dois
anos é necessário que o estrangeiro prove que em seu país
foram feitas publicações do casamento de que se trata.
Esta exigência, aliás, está na sistemática do Código Civil
brasileiro, pois, exigindo ele que o brasileiro, que vem de
outro Estado, se mostre expungido de impedimento (ar-
tigo 180), aplicando os preceitos reguladores das forma-
lidades preliminares aos estrangeiros, tornou estensiva a
estes aquela necessidade (5).
Oes internacionalistas, empenhados em dar uma so-
lução definitiva a estas dúvidas e conflitos, pouco teem
conseguido de legisladores de propósito surdos à voz da
razão e do direito. Nas conferências da Haia, em 1893 e
1894, foram propostos, em relação ao casamentó de es-
trangeiros, os princípios seguntes:
" 1.0 O direito de contrair casamento é regulado pela
lei nacional de cada um dos futuros cônjuges, devendo-se
ter em conta, quer a lei do domicílio, quer a lei do lugar
da celebração, se a lei nacional o permite. Consequente-
mente, salva esta reserva, para que o casamento possa ser
celebrado em outro país, que não o dos dois esposos, ou
de um deles, é preciso que ambos se achem nas condições
previstas pela lei nacional respectiva.
"2.° A lei do lugar da celebração pode interdizer o
casamento dos estrangeiros, que seja contrário às suas dis-
posições concernentes aos graus de parentesco ou de afini-
dade, para os quais haja uma proibição absoluta; à necessi-
dade da dissolução de um casamento anterior; à proibição'
absoluta de se casar, editada contra os culpados de adul-

(5)- Na França, a circular de 4 de Março de 1831 estabelece


o mesmo preceito (Huc, II, n. 103). Vejam-se os arts. 170-171
do Código Civil francês.
116 DIREITO DA FAMÍLIA

tério em razão do qual o casamento de um dos dois foi


dissolvido
"3.° Os estrangeiros devem, para casarem-se, esta-
belecer que as condições necessárias, segundo a lei nacio-
nal, para a celebração do casamento, estão satisfeitas,
"Poderão fazer essa prova, quer por um atestado
dos agentes diplomáticos ou consulares, de autoridades
competentes de seus paises, quer do outro modo julgado
suficiente pela autoridade local, que terá, salvo conven-
ção internacional contrária, toda liberdade de apreciação
nos dois casos,
"4.° Será reconhecido por toda a parte como váli-
do, quanto à forma, o casamento celebrado segundo a lei
do país onde se efetuar.
"Todavia poderão os paises que exigem uma cele-
bração religiosa não reconhecer como válidos os casamen-
tos contraidos por seus nacionais no estrangeiro, sem a ob-
servância desta prescrição,
"As disposições da lei nacional em matéria de pu-
blicação deverão ser respeitadas.
"Uma cópia autêntica do ato do casamento será
transmitida às autoridades do país, a que pertencem os
cônjuges,
/ " %0 Será, igualmente;, reconhedído como Válido,
quanto à forma, o casamento celebrado perante um agen-
te diplomático ou consular, conforme à sua legislação, se
as duas partes contratantes pertencerem ao Estado de que
depende a legação ou o consulado, e se a legislação do país
onde o casamento for celebrado não se opuser" (6).

(6) Clunet, 1893, págs. 1.276-1.277; 1895, pág. 196. Re-


lator, Mr. Renault, delegado francês. No mesmo Clunet, 1901,
págs. 13 e segs., vem transcrito o Projeto de convenção a ser con-
cluida entre 14 Estados da Europa, para regular os conflitos de
leis em matéria de casamento. E na mesma revista, 1904, pági-
nos 572 e segs., vem o texto da convenção celebrada,
Procurando consignar as idéias vencedoras no Congresso de
Haya, sem romper com os princípios consagrados em nossa legislação
DO CASAMENTO 117

Esta quinta proposição toca em um ponto, que tem


sido fertilíssimo em ilogismos, no domínio das legislações
ocidentais.
A questão reduz-se ao seguinte: A maior parte dos
Estados conferem, aos seus agentes consulares ou diplo-
máticos, a faculdade de celebrarem casamentos de seus na-
turais, no estrangeiro, e, às vezes, de um natural com
uma alienígena. Entretanto, esse direito, que firmam para
si, desconhecem para as outras nações, e recusam validade
aos casamentos, que, em seus territórios, celebram, entre es-
trangeiros, os cônsules estrangeiros, ou outras autoridades
competentes para esse ato, segundo disposições da ei es
trangeira. Ainda em 1893, o tribunal do Sena senten-
ciava que não eram válidos, na França, os casamentos ai
celebrados entre um estrangeiro e uma francesa, no inte-
rior do palácio da embaixada do país, a que pertencia o
estrangeiro, por sua nacionalidade.
Atendendo, entretanto, a boa fé dos cônjuges, foi o
casamento julgado^ putatívo (7). Os repositórios de ju-
risprudência, de quando em vez, apresentam decisões se-
melhantes, variando ligeiramente as hipóteses, mas sub-
sistindo inalterável o princípio ilógico, em que se es-
1
tribam. . „ u
E' lamentável que a proposição quinta nao tenha
aproveitado a oportunidade para cortar cerce esta causa
de conflitos. Nem o projeto de Convenção sobre a mes-

e seguindo a orientação do Código Civil italiano, Pronto primitivo


estatuía, nos artigos 25-26 da sua lei de Introdução: ^ s isposiçoes
do Código Civil brasileiro sobre os impedimentos e as ormandades
preliminares do casamento são aplicáveis aos estrangeiros, que se
casarem no Brasil. O estrangeiro, que se quiser casar no Lrasu,
deverá, alem disso, provar que se acha em condições de contiair
casamento, segundo a lei nacional. Esta prova far-se-a por meio de
certificado, quer do agente consular ou diplomático,^ quer de autori-
dade competente de seu país, quer por outro modo julgado suficiente
pela autoridade local".
(7) Clunet, 1893, págs. 880 e segs. ; 1894, pág. 986.
118 DIREITO DiA FAMÍLIA

ma matéria, organizado pelos congressistas de Haia, to-


mou orientação melhor. (8).
Nossa lei nada dispondo sobre o ato da celebração
do casamento dos estrangeiros deixava-lhes a liberdade, que
facultava, igualmente aos nacionais no estrangeiro, isto é,
permitia-lhes recorrer à autoridade local ou à nacional (9).
Fugiu assim ao ilogismo criticado (10).
A lei de introdução atual ao Código Civil, art. 7.°.
§ 2.°, permite a celebração do casamento do estrangeiro,
perante a autoridade diplomática ou consular do país, em
que um dos contraentes seja domiciliado.

21

DAS PROVAS DO CASAMENTO'

O Código Civil brasileiro admite seis categorias di-


versas de provas, para ser legalmente determinada a exis-
tência do casamento: 1.°, certidão extraida do registro
civil, para os que forem celebrados perante as autoridades

:(8) Clunet, 1901, pág. 30; "Será reconhecido como válido,


quanto à forma, o casamento celebrado perante um agente diplomá-
tico ou consular, conforme a sua legislaçbo, se nenhum dos con-
traentes for cidadão do Estado onde o casamento se celebrar e se
este Bstd,do se não opuser.
(9) Contra —■ Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 1.426.
Mas, em data de 21 de Dezembro de 1904, o ministro da justiça
{Relatório de 1905) declarava ao das relações exteriores, que o dec.
n. 181 de 24 de Janeiro de 1890 (como o Código Civil, atualmente)
não se opunha a que os agentes consulares e diplomáticos da Suécia
celebrassem, no Brasil, casamento entre súditos daquele país ou en-
tre súditos de outra nação, excetuada a brasileira. Veja-se o meu
Direito internacional privado, § 40. O Código Civil retirou dos mi-
nistros diplomáticos a faculdade de assistir, com autoridade, à cele-
bração de casamento de brasileiros no estrangeiro.
(10) Legislação comparada: Código Civil francês, arts. 170-
171, modificados pela lei de 29 de Novembro de 1901; italiano, ar-
tigos 100-103.
DO CASAMENTO 119

brasileiras, no país ou no estrangeiro (I); 2.°, para os


contraidos anteriormente ao estabelecimento do casamento
civil, a certidão extraida dos livros paroquiais; 3.°, para
os celebrados perante autoridade estrangeira, as provas le-
gais admitidas no respectivo sistema jurídico; 4.°, se as-
sentos não tiverem sido feitos, por desleixo ou fraude do
oficial público ou do pároco, ou quando se extraviar o li-
vro do registro civil ou paroquial, qualquer gênero de
prova convincente; 5.°, a posse do estado de casado (2)
também será subsidiária, mas suficiente, em caso de con-
testação não convincente, e para os que morrerem durante
ele, salvo provando-se que um dos pretensos cônjuges es-
tava ainda vinculado por casamento anterior; 6.°, a sen-
tença que julgou real a existência do casamento em uma
contestação judiciária.
Comparando este sistema da lei brasileira com o
aceito por legislações estranhas, notar-se-á, que se ele se
conforma, ao menos parcialmente, com o de algumas le-
gislações, contrasta, pela variedade dos meios de prova,
com o de outras, como a da lei alemã de 6 de Fevereiro

(1) Arts. 202-206.


(2) Na dúvida entre as provas pro e contra, julgar-se-á pelo
casamento, se os cônjuges, cujo matrimônio se impugna, viverem ou
tiverem vivido na posse do estddo de casados (art. 206). O casa-
mento de pessoas, que faleceram na posse do estado de casadas, não
se pode contestar em prejuízo da prole comum, salvo mediante cer-
tidão do. registro civil, que prove que já era casada alguma delas,
quando contraiu o matrimônio impugnado.
Denomina-se posse de estado de càsado a situação, em que se
acham cuas pessoas, que vivem publicamente como marido e mulher,
sendo como tais reputadas, geralmente, pela sociedade (Huc, Com-
mentaire, II, n. 171). Vemos uma consagração da posse de estado
de casado na Ord. 4, 46, § 2.g:.. • provado que estjverem em casal
teúda e manteúda por tanto tempo que, segundo direito, haste para
presumir matrimônio entre eles, posto se não provem as palavras de
presente.
120 DIREITO DA FAMÍLIA

de 1875, por exemplo, que só reconhece um meio de pro-


var o casamento, que é inscrição no registro civil (ar-
tigo L0). Mas, sendo o registro civil uma instituição nova
entre nós, era indispensável uma disposição de carater
transitório, como é a do art. 202 de nosso Código Civil
que encontra similares na lei civil portuguesa do casamen-
to civil, art. 45, e no Código espanhol, art. 53.
Por outro lado, um extremo rigor nesta matéria po-
deria trazer graves embaraços, mesmo perturbações hs fa-
mílias. E, por essas razões poderosas, inclinou-se a lei
pátria pelo sistema dos Códigos da França e da Itália,
modificando-o, porem, ligeiramente. A primeira modifi-
cação está em que aqueles Códigos só admitem a prova
resultante da posse do estado de casado, quando é confir-
mada pelo ato da celebração, ou quando é solicitada pelos
filhos que se acham, por seu turno, na posse do estado
de filhos legítimos, não contraditada pelo ato de nasci-
mento. A lei brasileira é mais benigna. Â semelhança do
Código Civil; português, art. 1.084, considera reais os ca-
samentos dos que falecerem na posse do estado de casa-
dos, não admitindo prova em contrário, em prejuízo dos
filhos de tais pessoas, salvo provando-sc por certidão ex-
traída do registro civil ou dos livros paroquiais, que algu-
ma delas era casada com outra pessoa. O Código espanhol,
art. 54, não reproduz, a doutrina do francês, antes apro-
xíma-se do português.
A segunda modificação ou, antes, ampliação, é a
prova resultante de um processo. O Código Civil francês
(art. 198) de acordo com o sistema restritivo que adota-
ra, cogita de um processo criminal intentado contra o ofi-
cial de registro, por culpa ou dolo. O julgamento condena-
tório do empregado desidioso ou fraudulento, é inscrito no
registro do estado civil e faz as vezes do termo que falta.
Mas é possível que o registro desapareça, sem culpa do
oficial a cuja guarda e direção é ele confiado; é também
possível, entre nós, o desaparecimento dos assentos paro-
DO CASAMENTO

quíais por casos fortuítos. Como providenciar? O citado


Código (francês, art. 46), prevendo a hipótese de perda,
destruição ou interrupção do registro, aceita a prova por
documentos, escrituras ou testemunhas, como faz o nosso.
Porem, a lei brasileira é mais competa, estabelecendo (3)
que, no caso de contestação do casamento, se as provas exi-
bidas pró e contra a sua existência se contrabalançarem,
a dúvida será resolvida em favor do casamento, se os côn-
juges tiverem vivido ou viverem na posse desse estado. De
onde se vê que a posse do estado de casado não aproveita
exclusivamente aos mortos, como no sistema daqueles dois
Códigos.
E' mais amplo, mais liberal o sistema da lei ^pátria,
e mais consentâneo com as nossas próprias condições.
O atual Código Civil italiano admite a prova do ca-
samento, no caso de destruição, perda ou falta, por outra
causa, do registro, por outro qualquer meio (arts. 130 e
446).
No direito russo, alem do registro, admitiam-se as
provas por inquirição, cujo resultado se registrava, por
certificados de confissão, por documentos civis de outra
natureza, justificando a posse de estado de casado, ç pelos
efeitos produzidos pelo casamento alegado (4). Pelo atual
Código soviético da família, arts, 13 a 15, o casamento
se inscreve no registro dos atos do estado civil. E no caso
de não poderem os cônjuges exibir extratos do seu casa-
mento, declaram ao oficial do registro, que são casa .os €
essa declaração serve de base à inscrição, que, por sua vez.
autoriza a certidão.
A lei argentina (art. 102-e segs.) adstringiu-se ac
sistemo do Código Civil francês.

(3) Cód. Civil, art. 206.


(4) Lehr, Droit civil russe, l, pag. 24.
122 DIREITO DA FAMÍLIA

§ 22

CASAMENTO NULO

Casamento nulo é o que. inquinado por alcjum vício


essencial, não produz efeito algum, nem para os contra-
entes, nem para os filhos, nem para terceiros. (1), A de-
claração da nulídade pode ser provocada por qualquer pes-
soa, que tenha interesse nela, ou ex-officio, pelo ministé-
rio público. Considera-se como não existente e o que não
existe nenhum efeito produz, segundo afirma conhecida
regra jurídica, A relação sexual resultante desse casamento
não passa de um concubinato. Entretanto, atendendo à
boa fé dos cônjuges, pode ser ela declarada casamento pu-
tativo, beneficiando os próprios cônjuges e os filhos (2).
Os vícios, que determinam a nulidade do casamento
são: o incesto, a bigamia ou poligamia, o adultério e o
crime (3). Acrescente-se a essas causas de nulidade a inob-
servância dos preceitos legais quanto à celebração. Ef
também nulo o casamento contraído perante autoridade
incompetente (arts. 192, 194, 195 e 198) (4). Os casa-
mentos, que não forem celebrados pela autoridade comoe-
tente, nem com as solenidades legais julgadas essenciais,
serão radicalmente nulos. Referia-se a lei, diretamente, aos
casamentos feitos segundo as prescrições religiosas. Para

(lj) Cód. Civil, art. 207. V. Almachio Diniz, Nulidades e


anulações do casamento, § 1.°.
(2) Cód. Civil, art. 221.
O) Cód. Civil, art. 207, com referência ao art. 183, ns. I
..a VIII. Desses vícios ocupa-se este livro em seus §§ 12-13 nú-
meros la 3. Estes fatos, excetuando o incesto, constituem, igual-
mente figuras de crimes punidos pelo Código Penal.
CÓd
' PviI' art- 208' ^ acrescenta: esta nulidade se
i 'C rara sanada, se não se alegar dentro em dois anos da ceie-
4 d tciçao»
DO CASAMENTO 123

a lei civil, eles passavam despercebidos, não existiam. Mas


o preceito era bastante amplo para abranger outros casos
de autoridade incompetente.
Uma dúvida natural soergue-se ao cogitar-s no que
preceitua este dispositivo. E é: terá, por ventura, força
para anular os efeitos desta nulidade a boa fé dos côn-
juges?
O art. 221 do Código Civil diz: Embota anulavel,
ou mesmo nulo, se contraído de boa fé por ambos os côn-
juges, o casamento, em ralação a estes, como aos filhos,
produz todos os efeitos civis, até o dia da sentença anu-
lai ór ia,
A regra é ampla. Ainda que a autoridade seja in-
competente, mas, por erro comum, esteja exercendo as fun-
ções legais, de presidência dos casamentos, a boa fé sal-
vará a prestabilidade do ato. Não havendo esse erro co-
mum, a nulidade será radical e a boa fe estará excluída.
Por outro lado, a possibilidade do erro comum, somente
se admitirá com relação à autoridade civil. Mas é claro que
a lei se refere, exclusivamente, às nulidades provenientes de
impedimentos matrimoniais.
O Código Civil alemão distinguiu: 1.°. a nulidade
radical, por vício nas formalidades legais da celebração
do casamento e cujos efeitos a boa fé dos contraentes não
atenua: 2.°, nulidades por incapacidade absoluta, incesto
e bigamia; 3.°, a simples anulabilidade, por violência, ao-
lo, erro, insuficiência de idade e falta de autorização qo re-
presentante legal daqueles a quem a lei não atribue^ su-
ficiência para valídamente consentirem (artigos 1.323-
1.347) (5).

(5) Ver também Th. Huc, Commentaire, II, ns. 100, 124,
161 e 162; Kndemann, II, §§ 150 e 160-162; e Martin Ho Garcez
Filho, op. cit., I, Cap. VI.
124 DIREITO DA FAMÍLIA

E? perfeitamente aceitável essa classificação. Cabe;


porem, fazer referência aos casamentos inexistentes (6)0

§ 23

CASAMENTOS ANULAVEIS

O casamento é anuíavel quando contraído com al-


gum vtcto capaz de determinar sua ineficácia, porem, que
poderá ser eliminado, restabelecida, assim a normalidade

(6)- Devem considerar-se inexistentes os casamentos celebra-


dos em fraude à lei, como os cdlebrados por desquitados, que se apro-
veitam da facilidade de leis estrangeiras, tendo conciência de que
tais casamentos não teem validade. Haverá nesses casos meros con-
cubinatos. Os autores também se referem à identidade de sexos.
Não há possibilidade de casamento nessa hipótese. Haverá ocasião
de engano em casos raríssimos de hermafroditismo. Ver o meu Có-
digo Civil comentddo, H, ao art. 207).
Se, porem, pessoas domiciliadas, no Brasil, em círcunscrição ter-
ritorial; diferente daquela, em que a autoridade competente, ration<s
matéria, exerce as suas funções, veem, perante ela e dentro do dis-
trito da sua jurisdição, cdebrar o seu casamento, o ato é indiscuti-
velmente válido, tendo-se sempre reconhecido que, dentro dos li-
mites da circunscrição territorial, onde exerce as suas atribuições, a
autoridade tem competência para assistir aos casamentos de quaisquer
pessoas legalmente habilitadas, ainda que residentes em outro dis-
trito. E' a doutrina do aviso de 10 de Fevereiro de 1891 e a que
resultava da leitura dos arts. 4.° e 5.° do dec. de 24 de Janeiro
de 1890, assim como dos preceitos de nossa organização poUítico-ju-
rídica.
0 casamento celebrado perante autoridade civil sem as forma-
lidades dos arts. 192 a 194 e 198 a 200 será radicalmente nulo,
porque essas solenidades são substanciais.
Por falta ou defeito, porem, das formalidades preliminares não
há motivo para ser anulado o casamento.
1 Vejam-se no Direito, vol. 94, pags. 330 a 333, um parecer do
Dr. Bulhões de Carvalho, em sentido contrário à doutrina aceita
na presente nota. No mesmo volume, pags. 483-488, encontram-se
as opiniões do Dr. Coelho Rodrigues e do autor deste livro, que
se conformam com o que aqui vai exposto.
DO CASAMENTO 125

do enlace rnatrimoniuL São anulaveis os casamentos con-


traídos com infração de preceitos legais relativos à verdade
€ à clareza do consentimento, ao rapto, ao consentimento
das pessoas, sob cujo poder e cuidado se acham os con-
traentes, à idade matrimonial (Código Civil, art. 209).
Em relação à verdade do consentimento são anu-
laveis:
1.° O casamento do coacto, inclusive a raptada, por
presumir-se a extorsão da vontade. Mas, cessando a coa-
ção, moral ou física, é possível que se harmonizem as
vontades; por isso a lei só ao coacto permite o direito de
pedir a anulação de seu casamento. E, mesmo para ele,
desaparece esse direito, decorridos dois anos contados da
data da celebração do casamento. (1). A ação torna-se,
então, caduca e o casamento válido, inatacavel. Este prazo
é de seis meses no direito francês (Cód., art. 181) e no es-
panhol (Cód., art. 102); é de um mês no italiano ( Códi-
go, art. 120), se houve cohabitação por um mês, depois de
cessar a coação; e no argentino (lei, art. 90, § 3. ). Este
último faz uma distinção digna de nota, pois determina a
extinção da (ação concedida ao varão coacto no fim de
três dias, depois de suprimida a violência, havendo coha-
bitacão e no fim de trinta dias para a mulher. A condi
ção da'cohabitação estagno Código italiano, mas e dis-
tinção quanto ao sexo não se encontra aí.
2.° O casamento do incapaz de consentir, isto é, do
alienado, do surdo-mudo, que não sabe ler nem escrever,
e de outros enfermos mentais. Esta anulaçao so pode
ser promovida: a) pelo próprio incapaz, quando recupe-
rar a capacidade; b) por seus representantes legais, nos
seis meses seguintes ao casamento; c) por seus herdeiros,
até seis meses depois de sua morte, se esta verificar con-

(1) Decreto-lei n. 4.529, de 30 de Julho de 1942, que re-


vogou o Cód. Civil, arts. 178, § 5.°, I, e 210. Ai,m • •<) Diniz,
Nulidades e anulações do casamento, § 2.°.
Í2G DIREITO DA FAMÍLIA

tinuando a incapacidade (2). A ratificação do casamen-


to retrotrái os seus efeitos até alcançar a data em que foi
celebrado (3).
Se alguém casar durante o estado de insanidade men-
tal não manifesta, não tendo, por esse motivo, reconhe-
cido, desde logo, a autoridade celebrante, que se achava
diante de quem não podia responder satisfatoriamente se
queria casar-se por sua Iwte e espontânea vontade, como
pede a lei? Não obstante, o casamento será mantido, até
que a ação de anulação seja proposta pelo próprio enfer-
mo de espírito, depois de recuperado o uso da razão, ou
pelos representantes legais, nos seis meses seguintes ao ca-
samento ou pelos herdeiros depois da morte (4).
Não parece mais lógico e mais justo que seja um tal
casamento julgado nulo, inexistente, por conter um vicio
essencial, uma irreparável mácula na ausência absoluta do
consentimento? (5),
No direito canônico, era a loucura um dirimente ab-
soluto, enquanto perdurava (6). Pelo direito francês o
casamento do louco, não em lúcido intervalo, é inadmi-
sivel, é inexistente, por força do princípio — "il n'y a
pas de mariage, lorsquhl n'y a pas de consentement" (7).

(2) Cód. Civil, arts. 178, § 5.°, II, e 210,


(3) Cód. Civil, art. 211.
(4) Cód. Civil, art. 178, § 5.°, II. K' digno de ser recordado-
que a lei brasileira permite, neste caso, a anulação do casamento,
depois da morte do cônjuge incapaz; mas, no art. 208S declara, aliás,
com o' Código francês, art. 190, o italiano, art. 144, e lei argen-
tina, art. 91, que a nulidade não poderá ser pedida ex-ojficio, de-
ppis da morte de um dos cônjuges.
(5) Assim o determinava o Projeto primitivo, arts, 247, 1.°,
e 248, com apoio no direito romano, D. 23, 2, fr. 2, e no Código
alemão, art. 1.325.
(6) Monte, Direito eclesiástico, § 945.
(7) Laurent, Cours élémentaire, I, página 219; Th. Huc,
Commentaire, II, ns. 16-18; Aubry et Rau, Cours, VII, § 451, Èis ;
Baudry-Lacantinerie et Houques Fourcades, III, ns. 1.691 e
segs, Mas a Corte de Cassação decidiu que o casamento de um louco
DO CASAMENTO

Aquele que se acha em estado de alienação mental está


psiquicamente impossibilitado de consentir. A lei alemã
diz, semelhantemente, que o casamento pressupõe o con-
sentimento dos esposos, donde resulta que se não podem
casar validamente aqueles que a lei considera absoluta-
mente incapazes de consentir. E não é preciso insistir nes-
te ponto, porque esta doutrina é inteiramente elementar.
Mas, então, não é conseqüente a teoria dos que con-
sideram o casamento do louco simplesmente anulavel, co-
mo fazem a lei brasileira (Cód. Civil, art. 183, IX), a ar-
gentina (art. 90, § 2.°) e o Código Civil italiano (arti-
go 118.).
A consideração da cohabitação é, sem dúvida, de
grande valor, em relação à mulher. Mas há expedientes
para lenir as más conseqüências, que dela possam resultar,
no casamento putatívo, se a loucura persistir, na revali-
dação do ato, se houver cessação. Não vejo, porem, re-
curso lógico para dar como existindo o que real, visivel,
notoriamente não existe.
E não é de pura teoria a questão agora ventilada.
Há legislações que obedeceram ao princpio, por cuja in-
teireza pugno. Sirva de exemplo a lei federal suiça de 24
de Dezembro de 1874, art. 51 (8).

era simplesmente nulo e não inexistente. V. Puàntoo, Ripert et


Rouast, no vol. II do TTãité de droit civil jfctnçQJis, Ixi famille ,
n. 290.'
(8) Aí se diz que deve ser pedida de ofício (von Amtes) a,
Utilidade do casamento, quando celebrado em conti avenção dos pre-
ceitos do art. 28, §§ 1.°, 2.° e 3.°. Ora, justamente o § 3-0 do ar-
tigo 28 da citada lei refere-se à enfermidade do espírito e à imbeci-
lidade {Geisteskranken nnd Blodsinnigen).
O Código Civil suíço, art. 97, declara que as pessoas atacadas
de moléstias mentais são absolutamente incapazes de contrair casa-
mento, e no art. 121 determina que a ação de nulidade de casa-
mento pode ser pedida de ofício ou por qualquer interessado.
De acordo com a nossa lei estatue o direito americano (Wapker
American lazv, § 101, 2).
128 DIREITO DA FAMÍLIA

3.° Quando houver erro essencial sobre a pessoa.


Entenda-se erro de um dos cônjuges em relação à pessoa
do outro (9). A lei encarrega-se de determinar o que de-
vemos entender por erro essencial em relação ao casamento
(10). Quatro hipóteses foram destacadas:
a) O que diz respeito à identidade do outro côn-
juge, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu
conhecimento ulterior torne insuportável a vida em
comum. _ , .
A identidade da pessoa pode ser física ou civil. Fí-
sica se se refere ao individuo como entidade corpórea. Civil,
se se trata do ser moral, considerado no modo pelo qual
existe na sociedade. Mas, no estado atual da civilização,
a classificação social da pessoa, apenas em casos restritos,
pode ter importância para autorizar, dado o erro de um
dos cônjuges, a anulação do casamento. Podemos resu-
mir os casos de erros sobre a pessoa civil, aos que se refe-
rirem ao estado de família e ao estado religioso, comple-
tados com a honra e a boa fama, que a lei menciona, ex-
pressamente.
h) A ignorância de crime inafiançável, anterior ao
casamento e definitivamente julgado por sentença conde-
natória.
c) A ignorância, anterior ao casamento, de defeito
físico irremediável, ou de moléstia grave e transmissível,
por contágio ou herança, capaz de por em risco a saúde
do outro cônjuge, ou de sua descendência.
A expressão — defeito físico irremediável, anterior
ao casamento, sem excluir outros, refere-se, particularmen-
te, à incapacidade coeundi. A esterilidade não se considera

(9) Cód. Civil, art. 218. Sobre este assunto é digno de con-
sulta o que expende Th. Huc, Commentaire, II, ns. 69-8T V mais
Acmachio Diniz, Nulidüdc e dfiuiüção do casantcnto,, pág. /o íw
fine e ségs.
(10) Cód. Civil, art. 219.
DO CASAMENTO 129

defeito físico, visto não constituir deformidade. Aliás não


realiza também a condição de anterioridade ao casa-
mento (11).
A gravidade da moléstia transmissivel, para funda-
mentar, quando ignorada, a anulação do casamento, há
de ser tal que ponha em risco a saúde do outro cônjuge,
ou de sua descendnêcia.
d) O defloramento da mulher ignorado pelo ma-
rido. A virgindade da mulher, que contrai primeira núp-
cias, por isso mesmo que é indício de honestidade e re-
cato, é considerada condição essencial pressuposta para o
casamento. A sua falta autoriza a anulação do casamento
por parte daquele que acreditara na sua existência, e que,
certamente, ficará gravemente ofendido com a verificação
da realidade.
A ação para anular o casamento contraido com erro
essencial sobre a pessoa extingue-se: em deze dias, no caso
de que acabamos de tratar (Cód. Civil, art. 178, § 1.°),
e em dois anos, nos outros casos do art. 219 (Cód. Civil,
art. 178, § 7.°, I).
Somente o cônjuge enganado pode pedir a anulação
do casamento contraido com erro sobre a pessoa cio outro
cônjuge (Cód. Civil, art. 220).
4.° Quando o casamento for contraído sem auto-
rização daquelas pessoas a quem compete dá-la, terão elas,
como sanfção cresse difeito, faculdade para promover á
anulação do casamento, dentro de seis meses, o contar da
época em que tiverem conhecimento dele (12). Mas, se ti-
verem assistido ao ato da celebração, presume a lei, sem

(11) Sobre o assunto desta incapacidade nsaca, maptiGão para


gerar ou para conceber, consultem-se: Angiooo , Medicina
legal, § 13; Lacassagne, Médecine judicMÍre, pag. 100; Brouar-
del. Aí? mariage, pags. 115 e segs. ; Legrand du Saulee, Traite
de médecine légale; Souza Lima, Médicina legal, 4.'x ed., págs. 18a
e segs. ; Aeranio Peixoto, Medicina legal, pág. 14,8 e segs.
0
(12) Cód. Civil, arts. 183, n. XI, 212 e 178, § 5.°, II.
— 9
130 DIREITO DA FAMÍLIA

^™tlrrPfova. elI contrário, que deram tácita aquiescência


(13). Pelo direito pátrio anterior ao decreto n. 180, de
1890, não era possível essa anulação; o casamento subsis-
tia válido, embora contraído contra expressa vontade dos
pais ou tutores. Mas aqueles acbavam-se munidos de um
meio de fazerem valer seu direito, que, talvez, por indi-
reto, excessivo e tardio, tinha pouca aplicação. Refiro-me
à desherdação (Ord. 4, 88, § 1.°). Mais prudente é o sis-
tema atual da anulação, que importaria, implicitamente,
na extinção daquele outro direito de desherdação conferido
pelo Código fiüpino, se ao Código Civil tivesse faltado
a providência.
5. Também podem ser ana\!ados os casamentos da
menor de 16 anos e do menor de 18 (14). Teem direito
de promover a anulação; o próprio cônjuge menor, até
seis meses depois que atingir a idade legal do matrimônio;
os ascendentes, os descendentes, os parentes consanguíneos
e os afins dentro do^ segundo grau civil do contraente me-
nor, na ordem aqui indicada, e até seis meses depois do ca-
samento; e, no mesmo prazo, os representantes le-
gais (15).
Se for o casamento anulado por ação de terceiro, fica
salvo aos cônjuges o direito de ratificá-lo, quando atingi-
rem à idade legal do matrimônio. Em tal hipótese, é dis-
pensado o consentimento dos pais ou tutores, pois que a
lei, conferindo aos cônjuges o direito de ratificação, não o
subordina senão à condição do regime de bens, que será o
da separação (16).
Para evitar imposição ou cumprimento de pena, po-
dem casar-se menores de 18 e 16 anos; mas, neste caso, o

(13) Pelo Código Civil francês, arts. 182-183, o prazo é de


um ano; pelo italiano, arts. 108-109, o lapso é de seis meses.
(14) Vide o que a propósito ficou dito no § 13.
(15) Cód. Civil, arts. 213, 178, § 5.°, III e 190.
(16) Cód. Civil, arts. 216 e 258, I.
DO CASAMENTO 131

juiz poderá ordenar a separação dos corpos, até que os


cônjuges alcancem a idade legal (17).
E por defeito de idade não se anula o casamento de
que resultou gravidez (18).
Este prazo de seis meses encontra-se, igualmente, no
Código francês, arts. 184-185 e na lei argentina, art. 90,
§§1.°, e2.0aL v
Na Inglaterra e nos Estados Unidos, onde ainda so-
brevive o velho direito costumeiro dos anglo-normandos,
os impúberes, que se casam, podem também, chegando à
puberdade, anular o matrimônio. Se um dos cônjuges é
púbere ou nubil e o outro ainda não atinguiu à idade ade-
quada ao conúbio, mesmo ao capaz, ao que tinha a ida-
de conveniente, é facultado o direito de desfazer o casa-
mento, diferentemente do que estatue a lei pátria. Mas,
neste caso, o autor da anulação do casamento sujeita-se a
uma ação de perdas e danos (19).
A teoria da nulidade do casamento, pelo direito in-
glês, oferece algumas diferenças notáveis da que se vê ado-
tada, com variantes pouco sensiveis, entre as legislações
dos povos latinos. No assunto restrito de que agora me
ocupo, deve-se acrescentar que se, atingida a idade legal,
o menor continua a cohabitar com o outro cônjuge, não
tem mais direito de propor anulação do casamento. Nem
ele, nem outra qualquer pessoa, pois que, em princípio,
qualquer interessado pode pedir a anulação de um casa-
mento contraído com infração de impedimentos garantidos
por essa sanção. Mas pouco importa a concepção, se ela
for anterior à idade legal do casamento. Apesar dela, tanto
a mulher quanto o marido podem promover a anulação do
casamento, enquanto não é ultrapassado o prazo que a
lei estabelece, e o filho concebido é bastardo, sem as ate-

(17) Cód. Civil, art. 214.


(18) Cód. Civil, art. 215.
(19) GrAS&ON, Inst. de VAngleterre, Vil, páginas 171-172;
Smith, Éléments, pág. 137.
132 DIREITO DA FAMÍLIA

nuações do casamento putativo que a lei inglesa mal re-


conhece em casos limitados e com efeitos restritos (20).

§ 24

CONSEQÜÊNCIAS DA NULIDADE
E DA ANULAÇÃO DO CASAMENTO

Dada a nulidade ou anulação do casamento (1)


este desfaz-se, tão completamente, como se não tivesse
existido, salvo algumas restrições, que a equidade impõe
e a lei pátria aceita.
A simples anulação não determina a ilegitimidade
do filho concebido, ou havido, antes ou na constância do
casamento, que assim se desfez (2). Mas, se o caso é de
nulidade, nenhum efeito subsistirá perante o direito, e os
filhos serão ilegítimos. Entretanto, quer nulo, quer anu-
lavel, sendo o casamento contraído em boa fé, produzirá
seus efeitos civis como se fosse válido, beneficiando, as-
sim, não somente os filhos, como também os cônjuges.
E a esta especie que se denomina casamento putativo, e se
apenas um dos cônjuges estiver de boa fé, somente em re-
lação a ele e aos filhos o casamento será declarado putati-
vo (3). Aquele que estiver de má fé, ou por cuja culpa for
anulado o casamento, perderá todas as vantagens havidas,

(20) Gcasson, op. cit., pág. 175.


(1) Cód. Civil, art. 222; A nplidade do casamento proces'
sar-se-á por ação ordinária, na qual será nomeado curador, que o
defenda- A expressão nulidade do casamento, neste artigo, abranoe
a nulidade propriamente dita e a anulação. Estas ações, assim como
a de desquite, serão precedidas da separação de corpos, concedida
pelo juiz com a possível brevidade (art. 223). A mulher, conce-
dida a separação, poderá pedir alimentos provisionais (art. 224).
V. Almachio Diniz, Nulidade e anulações do casamento, §§ 16
e 17.
(2) Cód, Civil, art. 217.
(3) Cód. Civil, art. 221.
DO .CASAMENTO 133

do cônjuge inocente, ficando, não obstante, adstrito ao


cumprimento das promessas que lhe fez no contrato ante-
nupcial (4). Não havendo pacto, por ter sido aceito o re-
gime legal, a conseqüência é a mesma. O cônjuge de má fé
terá de ceder a metade dos seus bens e dos bens adquiridos
pelo casal. O cônjuge inocente pode pedir ou a ineficácia
absoluta do casamento em relação aos bens, ou invocar,
em seu benefício, todos os efeitos oriundos do casamento
válido, tais como a comunhão de bens ou a observância dos
pactos antenupciais. Não lhe é, porem, permitido estabe-
lecer distinção de validade até certo ponto e nulidade daí
em diante, observância de um regime para um lado e inob-
servância para outro (5). A lei é clara quando estatue
que o cônjuge culpado perderá todas as vantagens, mas
que ficará, não obstante, obrtgctdo a cumprir as promessas
feitas no respectivo contrato antenupcial. E a comunhão,
por ser o regime da lei, não pode achar-se em posição me-
nos favorecida do que outras quaisquer promessas. A in-
tenção da lei é não prejudicar o cônjuge inocente, em sua
fortuna, quando o casamento naturalmente o prejudicou
sob outras relações, e, ao mesmo tempo, cominar pena
ao culpado.
Do casamento nulo, resulta somente um parentesco
ilegítimo, seja consanguíneo, seja afim. Do anulado ema-
na um vínculo parental legítimo em relação aos filhos;
mas a afinidade será forçosamente ilegítima. Dado, porem,
o casamento putatívo, quer haja nulidade, quer anulabili-
dade, como se equipara esta hipótese à do casamento dis-
solvido, o parentesco é legítimo em suas duas feições, a da
consangüinidade e a da afinidade (6).

(4) CÔd. Civil, art. 232.


(5) Mourcon, Répétitions écrites, n. 703; Lafayette, Di-
reitos de família, § 339; Huc, Commentaire, 11, ns. 159-170; Pra-
Nior, Ripert et Rouast, Traité de droit civil, n. 334; Baudry-La-
cantinerie et Fourcades, III, ri. 1.926.
(6) Teixeira de Freitas, Esboço, arts. 164 e 165.
134 DIREITO DA FAMÍLIA

As legislações, desde o direito romano (Cód. 5, 5,


1, 4), e principalmente, por influência do canônico, teem
consagrado a teoria do casamento putativo com miaior
ou menor latitude (7). A lei inglesa, por exemplo, é res-
tritiva. Os efeitos do casamento putativo não vão alem
dos cônjuges; porem a mulher de um bígamo, ainda es-
tando de boa fé, não pode reclamar os direitos reconhecidos
às viuvas (8).
Em relação à guarda dos filhos, ainda oferece conse-
qüências apreciáveis a nulidade, ou anulação do casamen-
to. Havendo culpa que atribuir a ambos os cônjuges, ca-
berá à mãe a guarda dos filhos de ambos os sexos até seis
anos, depois ficar-lhe-ão as filhas até ser atingida a maior
idade. Ao pai restará, portanto, a guarda dos filhos do
sexo masculino, desde seis anos até à maioridade (9). Che-
gada essa época, obtém a pessoa a plenitude de sua capa-
cidade civil, podendo fixar-se, onde lhe aprouver.
Havendo culpa de um dos contraentes, ao inocente
cabe, exclusivamente, a guarda dos filhos de ambos os
sexos (10).
Rematarei este assunto das conseqüências da nuli-
dade ou anulação dos casamentos com certas práticas a res-
peito usadas no direito russo, anterior à República. Quan-
do o casamento era anulado por subsistir um casamento
anterior, o esposo culpado podia reatar suas relações con-
jugais com aquele que havia abandonado, se obtivesse o
assentimento deste. Mas, se o cônjuge abandonado se re-
cusasse a partilhar novamente a sua existência com o bí-

(7) O Código Civil francês, arts. 201-202; italiano, 126; por-


tuguês, 1.091-1.092; espanhol, 69; chileno, 122; peruano, 157; lei
argentina, 93, 94 e 97. A teoria desta ultima lei é um tanto com-
plexa e inconseqüente.
(8) Giasson, Inst. de l'Angleterre, pág. 176.
(9) Cód. Civil, art. 328, combinado com o art. 326. Ha-
vendo motivos graves, poderá o juiz, a bem dos filhos, regular, por
maneira diferente, a situação (art. 327).
(10) Cód. Civil, art. 226, pr.
DO CASAMENTO 133

gamo, ficava este incapaz para contrair outro consórcio,


punida, assim, a sua condenável incontinência, ao passo
que os dois cônjuges, que com ele se achavam ligados, tan-
to o segundo quanto o primeiro, eram declarados para isso
desimpedidos, E' certo, porem, que o primeiro cônjuge,
como seu casamento era o verdadeiro, necessitava de au-
torização do diocesano, qualndo pretendesse casar-se de
novo. O mesmo princípio era observado, quando um côn-
juge se ausentava por cinco anos, sem dar notícias suas ao
outro. Quando havia culpa da parte dos dois, a lei man-
tinha a primeira união e interdizia o casamento ulterior,
ainda depois da viuvez (11). O Código soviético da fa-
mília não manteve essas disposições.

(.11) Lehr, Droit civil russa, I, pág. 26.


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CAPÍTULO IV

DOS EFEITOS DO CASAMENTO

§ 25

EFEITOS DO CASAMENTO

São múltiplos os efeitos que decorrem do^ casamento


validamente contraido. Destacam-se como principais:
1.°, as relações pessoais e econômicas entre os cônjuges, as
quais constituem um enfeixamento de importantes direi-
tos e deveres; 2.°, a legitimidade da união sexual e da fa-
mília, que dela procede, abrangendo até os filhos nascidos
à. celebração do consorcio de seus pais,
3.°, as relações pessoais e econômicas entre pais e filhos le-
gítimos. as quais formam um grupo não menos considerá-
vel de direitos e deveres: d.0, o parentesco, do qual defluem
muitas conseqüências jurídicas, como os impedimentos nia-
trimoniais já referidos, os direitos alimentares,^ que seião
considerados mais tarde, e os direitos de sucessão legítima
suficientemente vastos e importantes para, tom a sucessão
testamentária, formarem uma das grandes divisões do di-
reito civil: 5.°, a emancipação dos casados.
A legitimidade da família resulta do casamento va-
lido (1). E' um fato que se impõe claro, patente em
todas as suas conseqüências, dispensando comentários, que

(1) Cód, Civil, art. 229.


138 DIREITO DA FAMÍLIA

.as evoque. Basta afirmá-lo. Apenas a extensão de sua efi-


cácia aos filhos comuns, havidos anteriormente ao casa-
mento, poderá pedir uma explicação à história e um apoio
às necessidades sociais. Essa explicação, porem, tem me-
lhor cabimento, quando se estudarem as relações pessoais
e econômicas entre pais e filhos. Outros efeitos do casa-
mento, alem dos acima apontados, serão considerados
particularmente, nos parágrafos seguintes.

26

EVOLUÇÃO DAS RELAÇÕES PESSOAIS ENTRE CÔNJUGES

O direito dos povos antigos, em suas remotas mani-


festações, consagra a incapacidade jurídica, a inferioridade
doméstica e civil da mulher, embora se possam descobrir
vestígios de um tempo ou de um grupo de povos, em que
a família repousou, essencialmente, sobre o vínculo do pa-
rentesco feminino, e em que certa classe de mulheres go-
zava de alta consideração. Mas esses fatos, já foi afir-
mado em capítulo anterior, não nos autorizam a dar como
real um estado jurídico de supremacia da mulher, o ma-
triarcado, a ginecocracia, antecedendo, na história do gê-
nero humano, o governo varonil, na cidade e na família.
Aquela mesma consideração, especial da mulher, ao
tempo em que o vínculo do parentesco só se prendia pela
linha feminina, é excepcional e transitória, diminuindo e
desaparecendo, quando os homens estabeleceram a famí-
lia patriarcal sobre as bases da religião e do direito inci-
piente. O marido era, então, o pontífice do lar e a mu-
lher lhe era hierarquicamente inferior, porque não podia
exercer os ofícios da liturgia doméstica; o marido era o
administrador da justiça, o representante da autoridade
civil no pequeno círculo de organização social, a que per-
DOS EFEITOS DO CASAMENTO 139

tenda, com a mulher e os filhos (2). "No direito persa,


diz DARESTE, vê-se uma esposa legítima comparada aos
pais, ao lado de tantas concubinas quantas comporta a
fortuna do chefe de família, e, sobre todas, tem ele di-
reito de vida e morte, sobre a mulher, como sobre^ a con-
cubina e sobre os filhos". No Código de Manú, lê-se que
a mulher, durante sua infância, depende do pai, durante
a mocidade, de seu marido, morrendo este, de seus filnos,
não havendo filhos, do parente mais próximo de seu ma-
rido, porque a mulher nunca deve governar-se por seu al-
vedrio. E' fértil este velho Código em passagens asseve-
rantes da inferioridade feminina. "Uma virtuosa^ mulher,
ainda que o seu marido tenha conduta reprovável, ordena
ele, deve, todavia, reverenciá-lo, constantemente, como
a um deus". O marido tem, para com a mulher, o dever
de sustentá-la, ampará-la sempre, tratá-la com afeto, mas,
por outro lado, extensos direitos se lhe conferem, inclusive

(2) Há, por certo, exceções, a que já se aludiu em parágrafo


anterior. Recordemos um curioso caso. Quando Anibal atravessou
a Gália para transpor os Alpes e cair sobre as hostes romanas as-
sombradas, celebrou com os gauleses um tratado de paz memorável
por sua singularidade. Estipulou-se que quaisquer pendências entre
gauleses e cartagineses fossem submetidas ao julgamento de mulhe-
res da Gália. Pausanias refere um fato semelhante, quando houve
uma grave discórdia entre elianos e pisões. Formou-se um comeh o
de dezesseis mulheres, e tão a contento sentenciaram que foi jugac o
conveniente fundar um colégio permanente de dezesseis senhoras paia
presidirem aos jogos e distribuirem os prêmios (C. Ç-antu, iríonn
Universal, ed. reformada por Antonio Ennes, vol- Hl, pag zidA
Adde, quanto ao Egito: Sanches Roman, Derecho civil, V, pri-
meira parte, págs. 94-98; quanto à Babilônia e Nmne, o mesmo
livro, pág. 102," e o célebre Código de Hammurabi, do qual existe
uma tradução portuguesa de Alves de Sá, noticiada pelo Arquivo de
Jurisprudência, do Recife, vol. IH, págs. 255-269, e outra de Her~
silio de Souza, no livro Novos direitos e velhos códigos, págs. 117
a 159, feita esta xiltima sobre a italiana de P. Bonfante. Sobre
esse velho Código, leia-se um extenso traballho de Teloni, na Rivista
italiana de sociologia, 1903, Setenibro-Dezembro, págs. 516-532, e
outro de E. Besta, cit., Rivista, 1904, págs. 179 e segs.
140 DIREITO DA FAMÍLIA

o de punir (3). O direito hebráico, ao invés disso, parece


já ter o germe, que havia de expandir-se no ocidente. Cerca
a mulher de certa consideração, comina penas a quem a
ofende, fisicamente, a quem seduz uma virgem, a quem
maldiz sua mãe. Há mesmo uma tal ou qual reciprocidade
de deveres entre marido e mulher, que não os distancia
muito na participação do direito. Na legislação grega, re-
produz-se a doutrina da indiana, como nos instrue De-
MOSTHENES (3a). Na Germânia, ainda o mesmo princí-
pio se afirmou, senão com o rigor de outros regimes, ao
menos o suficiente para que a inferioridade feminina ecoas-
se nas páginas da lei; se a mulher formava uma associação
com o marido, se era tida em alta estima no grêmio social,
o marido era sempre o chefe (Haupt), que exercia sobre
ela o complexo de direitos, a que se dava o nome de
mundium.
Em Roma, as formas conjugais, jurídicas, dos pri-
meiros tempos {confarrèatío, coemptio, usas) atribuem
todas, ao marido, uma autoridade extraordnária (ma-

(3)! Entretanto, há disposições no mesmo Código que obede-


ceram a um espírito mais henévolo e mais galante. "Não batereis
numa mulher, nem mesmo com uma flor", é um exemplo frisante.
O marido não forma, com a mulher, mais do que uma pessoa única,
afirma também a lei de Maryú.
|No direito anamita, segundo no-lo descreve Paul d'Enj jy
(Clunet, 1904, págs. 92-170), o marido é o senhor absoluto da fa-
mília por ele fundada, mas a primeira de suas mulheres é conside-
rada a mulher legítima e igual ao marido, ao passo que as outras
são concubinas, que devem obediência à mulher de primeira classe.
Se o marido tratar a sua mulher legítima, como se fosse uma con-
cubina, incorrerá na pena de cem bastonadas. Dentro do lar é a
senhora, dirigindo os serviçais e mantendo a ordem na casa.
(3-a) Alguns autores, como Dareste, afirmam que o marido
é o kyrios da mulher, isto é, exerce sobre ela autoridade, que não
é propriamente um poder. Breauchet, porem, sustenta que, no di-
reito ateniense, nem sempre o marido será o kyrios da mulher, que
exercerá a sua autoridade ao lado daquele que, anteriormente, já a
possuía sobre a mulher (Droit prive de la Rép. athénienne I. -ná-
gina 214 e segs.).
DOS EFEITOlS DO CASAMENTO 141

nus) (4) sobre a mulher, que era tida como filha do ma-
rido, podendo ser por ele julgada e punida (5), sob a
garantia única, em casos graves, do conselho dos parentes,
e nada lhe sendo permitido adquirir, nem possuir como
próprio,
Com a introdução dos casamentos livres, sine manus
conventione, bem que se mantivesse ainda o direito de mor-
te, decretado pelo judiei um domesticum, para as culpas
mais graves, como o adultério, a magia, o homicídio, a fal-
sificação das chaves, a embriaguez, e mesmo o direito de
morte sine judicio, no caso de adultério in flagvanti, con-
tudo a condição econômica da mulher transformou-se de
modo completo, pois que os seus bens não passaram mais
para o patrimônio do marido, criando-se, então, o regime
dotal; e dessa condição econômica resultaram conseqüên-
cias notáveis, tendentes a erguer a individualidade da mu-
lher na família. O progresso da cultura humana assinalou
à mulher uma posição mais vantajosa no lar doníéstico,
cercando-a de direitos e impondo-lhe obrigações, visando
consolidar e enobrecer a sociedade familiar. Demais, no
período clássico do direito romano, já participa a mulher

(4) A palavra manus, em direito romano, indica visivelmente,


como lembra Jehring, Bsprit du droit ronnin, I, pág. 115, a força
física efetiva, criando uma soma de poderes, de onde surgiu o di-
reito primitivo. No tempo do direito meramente, famdlial, é prová-
vel que significasse o poder de cada chefe em frente a outro.^ No
jus quiritium, porem, já se ostenta, diz-nos Carle, como uma con-
cepção jurídica e abstrata, que compreende o complexo jdos podei es
pertencentes a uma pessoa, na sua qualidade de quirite . { Oi iqíne
dei diritto romano, pág. 247) . Restringiu-se esse conjunto de ai-
reitos para designar somente um poder particdlar, a que se acna-
vam submetidas as mulheres (Gaio, I, § 108). ^ Finalmente, caiu
cm desuso a manus e ao tempo de Justiniano, já não existe mais.
(5) As Ords. filipinas, 5, 36, ainda concediam, ao marido,
o direito de castigar a mulher; mas esse uso tão repugnante à dig-
nidade humana", segundo se expressa Lafayette, abolido pelo Có-
digo Criminal brasileiro de 1830, desaparecera dos costumes do país,
desde muito.
142 DIREITO DA FAMÍLIA

legítima das honras e da condição social do marido, e nisto


difere da concubina. Ilude-nos o rigor do direito na infle-
xibilidade de sua letra, segundo veio até nós. A mulher era
a companheira do marido. Os costumes, a religião, a vida
agrícola, dizem os escritores, fizeram, da família, em Ro-
ma, um frouxelado ninho de paz, de afetos e de nobres vir-
tudes, ao menos nos tempos áureos da vida romana (6)...

§ 27

ESTADO ATUAL DAS RELAÇÕES PESSOAIS


ENTRE CÔNJUGES

Para maior clareza e mais fácil compreensão das re-


lações pessoais entre os cônjuges, tais como se refletem,
nas leis pátrias e estrangeiras, serão elas distribuída em
três categorias.

Direitos e devores comuns a ambos os cônjuges. Os


deveres comuns são: a) de fidelidade recíproca; h) de
convivência perpétua, salvo se, pela autoridade compe-
tente, foi concedida a separação; c) de mútua assistência

(6) Vide Jhering, Esprit du droit romain, II, § 37; Padel-


letti e Oogeiolo, Storia, cap. XIII e pág. 175, nota d; Endemann,
Einfuehrung, II, § 154. Mesmo com a separação dos bens, referem,
alguns historiadores que os patrimônios dos cônjuges eram utiliza-
dos como se fossem comuns, não se traduzindo, geralmente, na vida
o egoísmo do direito. wihtl cofisptcichcitwK tyv doitio dti/i—
duum. Quanto ao respeito e afeto que às suas consortes tributavam
os homens, atestam-nos as inscrições tumulares, num laconismo ele-
vado e doce, que bem traduz a cálida emotividade daqueles puros
latinos. Eis aqui alguns exemplos: Jucunda suis, omnibus officiosa;
—• fmgi, bona, pudica; — amantissima suis, fide maxima, pia.
DOS EFEITOS DO CASAMENTO 143

,(D. 24, 3, fr. 22, § 7.°); d) de sustento, guarda e edu-


cação dos filhos (1).
De deveres comuns e recíprocos resultam direitos
igualmente recíprocos, contidos, aliás, na mesma idéia e
noção. Inútil é, portanto, alongar considerações a respeito.

II

Direitos especiais do marido. Por nossa legislação, os


direitos que competem, particularmente, ao marido, são:
a) a representação legal da família; b) a administração
dos bens comuns e dos particulares da mulher, que ao
marido competir administrar, em virtude do regime ma-
trimonial adotado ou do pacto antenupciaí; c) o direito
de fixar e mudar o domicilio da família. Compete-lhe
mais: prover à mantença da família (1).
A administração do marido é a mais ampla em re-
lação aos moveis do casal, podendo validamente obrigá-
los, aliená-los, e por causa deles estar em juizo como autor
ou como réu, por direito próprio. Não obstante, a lei não
quis que esse poder, por ilimitado, degenerasse em abu-
sivo. Assim é que, sem consentimento da mulher, qualquer
que seja o regime dos bens, não pode prestar fiança, nem
fazer doação, não sendo remuneratória, ou de pequeno

(1) Cód. Civil, art. 231. Estes direitos e deveres comuns a


ambos os cônjuges pouco discrepam nas legislações ocidentais. Ve-
jam-se o Código Civil francês, arts. 212-214; português, art. 1.184
suiço, 159; italiano, art. 141; espanhol, art. 56; lei argentina, ar-
• tigos 55, 56 e 58; Código báltico, art. 7.°; chileno, art. 131; uru-
guaio, arts. 127-129; mexicano, arts. 169 e segs. e boliviano, ar-
tigo 129.
O Código soviético, art . 104 declara; a mudança de residência
de um dos cônjuges não cria para o outro a obrigação de seguí-io' .
(1) Cód. Civil, art. 233. Disposição^ previdente do Código
Civil peruano, art. 166: Quando o marido não cumpre o dever, que
lhe impõe o art. 164 (ministrar o sustento da mulher e da família) o
juiz poderá ordenar aos devedores do marido e da sociedade conjugai
que façam os seus pagamentos à mulher.
144 DIREITO DA FAMÍLIA

valor, com os bens ou rendimentos comuns (2). Valem,


porem, os dotes ou doações nupciais feitos às filhas e as
doações feitas aos filhos, por ocasião de se casarem, ou çs-
tabeíecerem economia separada (3).
,Em relação aos imóveis, o direito pátrio cercou a ad-
ministração do marido de maiores restrições, justificáveis,
certamente, como um meio de evitar que seus desmandos
levassem de rojo todos os haveres, amassados à custa de
penosos labores por seus antepassados ou pelos da mu-
lher, e cujo natural destino é servir de sustentáculo à fa-
mília, no presente, e de amparo, no futuro. A mulher tem
de intervir, por sua autorização, qualquer que seja o re-
gime do casamento, todas as vezes que o marido pretender
alienar, hipotecar ou gravar de ônus real, bens imóveis ou
direitos reais sobre bens alheios, sejam do casal, sejam pró-
prios. Também não pode pleitear como autor ou réu, a res-
peito desses bens (4).
A falta de consentimento invalida o ato; e a mulher,
ou seus herdeiros, poderá reivindicar os bens para cuja

(2) Cód. Civil, art. 235, III e IV.


(3) Cód. Civil, art. 236. _ r . .
A miilher tem direito de anular as fianças e doações feitas pelo
marido, sem a sua outorga (Cód. Civil, art. 248, 111).
Se a doação é feita à concubina, ainda que disfarçada em alie-
nação onerosa, a mulher meeira tem direito de reivindicar os bens
doados, sejam moveis ou imóveis (Cód. Civil, art. 248, IV).
(4) Cód. Civil, art. 235, I e II. A origem histórica dessa au-
torização ver-se-á quando for estudada a história da comunhão de
bens. S Alguns juristas prendem-na a velhas usanças concernentes ao
culto dos penates. E' uma parte da verdade, é um fundamento mais
remoto.
O consentimento da mulher devia provar-se por escritura pú-
blica, opinavam T. de Freitas, Consolidação das leis civis, art. 121,
e Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 1.473. Lafayette, sus-
tentava doutrina diferente {Dir. de família, pág. 71). O consen-
timento deve ser por escritura pública ou particular, dizia ele, se-
gundo a espécie do instrumento, que o ato exigir".
Prevaleceu a sua doutrina, no Código Civil, por aplicação dos
arts. 243 e 252, § único, e 132, que estabelece regra geral.
145

alienação não haja concorrido (5). Mas, como é justa-


mente um direito em proteção e favor da mulher, po-lo-á
por obra ou não, segundo parecer-lhe mais conveniente;
e, se der o seu consentimento depois de efetuado o ato
alienatório, este se revalidará como se fora sem vício, desde
o primeiro momento (6).
Da recusa do consentimento da mulher tem o mando
recurso para a autoridade judiciária, que, ouvidas as razões
de ambos os lados, confirmará a recusa ou dar-lhe-a su-
primento, seja para alguma alienação a operar, seja para
algum litígio a propor. O mesmo processo terá Dgan
quando à mulher for impossível dar consentimento (, ).
Estacionando um momento neste ponto, e antes ae
prosseguir no desenvolvimento ulterior das relações pes-
soais entre os cônjuges, lancemos um ligeiro oíriar soore
as legislações, a ver com que feição mocielaram elas esses
direitos de marido, de que se ocupa este paragraro_
S^o amplos, no direito francês, os pocieres QO' ma-
rio A síntese que deles faz o art. 213 (8)
é própria a dar-lhes um cunho de maior ngonsmo do que,
em verdade, comportam as idéias atuais, que devem ir
produzindo benéfica erosão sobre as fragosidades ásperas

(5) iCód. Civil, art. 239. ^7^


(6) Lafayette, op. cit., § 39; T. de Freitas, Consohdaçao
art. 121, nota 14; Coelho da Rocha, Instituições §§ ' —
Anulada a alienação por ausência de outorga ca mu '
responde, individualmente, pelos prejuízos causados ao adqu
medida da vantagem que tenha colhido, ou que_ tenha propo c onaüo,
seja ao casal, sej^ à mulher. Se o marido não tiver bens particulares,
que bastem, o dano aos terceiros de boa e se comporá Pe os co
muns, na razão do proveito, que lucrar o casai. ( o . ivi , ai
tigo 255). - o ™ ~
(7> Cód. Civil, art. 237. Lafayette, op. at., § 39; Coe-
Lho da Rocha, op. cit., § 233.
O suprimento judicial da outorga autoriza o aco do marido,
mas não obriga os bens próprios da mulher (Cod, Civil, art. 2o8).
(8) Le mari doit protection à sa femme, la femme obéissance
•ã son mari.
— 10
14Q DIREITO DA FAMÍLIA

dos códigos que se avelbantam. Ao passo que, em nosso


direito, a superioridade marital desapareceu da í^i, dos
costumes, da vida real, o Código Civil francês, sem no-
meá-lo com todas as sílabas, mantem-na, em rústica dure-
za, quando afirma, no art. cit.: "o marido deve proteção
à mulher e esta obediência a seu marido", como que pro-
curando acentuar a relação de subordinação perpétua em
que esta se acha. Se o Código italiano deixou em silen-
cio a segunda parte do trecho transcrito (9) não a esque-
ceram os de Portugal, art. 1.185, de Espanha, art, 57,
da Rússia monárquica, arts. 107 e 108 (10), das provín-
cias bálticas, art. 8.°.
"A mulher é obrigada a habitar com o marido e a
seguí-lo para onde ele julgar conveniente residir", diz ain-
da o Cód. Civil, francês, art. 214 e sua doutrina, que. aliás
nada tem de anormal, é reproduzida pelo italiano, art. 142,
espanhol, 38, português, 1.196, e lei argentina, 58. Mas,
a não ser o italiano, todos esses sistemas de leis oferecem
abrandamentos ao rigor da regra geral. Quando há peri-
go de vida na execução desse dever, necessário será escusar

(9) Art. 142: II marito è il capo delia faroigiia; la moglie segue


la condizione civile di lui ne assume il cognome e è obMígata ad acom-
pagnarlo dovunque egli crede opportuno de fissar la sua residenza.
Art. 143. II marito ha il dovere di proteggere la moglie, di tenerla
presso di se, e sumministrarle tutto cio. che è necessário ai bisogni
ddlla vita in proporzione delle sue sostanze.
O Código Civil do Peru assim dispõe: El marido dirige la so-
ciedad conjugai. La mujer debe al marido ayuda y consejo para la
prosperidad comun y tiene el derecho. y el deber de atender perso-
nalmente el hogar (art. 161).
(10) Eehr, Droit civil msse, diz-nos que os direitos maritais
eram bem acentuados» na legislação russa, embora por eüa, como
pela germânica, seja tida a mulher como sócia (Genosin), e apesar
do que aconselha o art. 106 do antigo Código Civil russo: "O ma-
rido deve amar a mulher como sua própria carne, viver com ela em
bom acordo, honrá-la, defendê-la, desculpar suas faltas, mitigar suas
dores" (Pág. 38).
O Código atual não contem essas exortações cavalheirescas.
DOS EFEITOlS DO CASAMENTO 147

a mulher de cumprí-lo, como preceituava o Código Civil


de Zurich, art. 585, e preceituam o do Chile, art. 133 e a
lei argentina, art, 58, in fine. A retirada do marido para
o estrangeiro é também, na Espanha, em Portugal, e no
México, escusa legítima (Cód. port., art. 1,186, esp.,
art. 58, mexicano, 163, in fine).
A jurisprudência francesa, porem, com o apoio de
que não se deparam exceções àquele preceito, no Código
napoleônico, tem facultado aos maridos a requisição da
força pública afim de constrangerem a mulher a manter-
se sob o teto conjugai. E' uma desastrosa confusão de
idéias. Como bem observa LaurENT, a sanção única do
dever de cohabitação, tanto para a mulher quanto para o
marido, é o pedido de divórcio (11) com ou sem dissolu-
ção do vínculo matrimonial, segundo o sistema preferido
pela legislação do país, onde a desharmonia doméstica se
dá. E' incompatível com a natureza das relações conju-
gais esse constrangimento pela força; e é pasmoso que a
espíritos cultos não tenha repugnado apresentá-lo como
emanação direta da lei, na atualidade. O Código Civil de
Zurich expressamente o rejeitava, e nisso é apoiado pelo
voto dos civilístas. ^
Volvamos os olhos, um instante, para o direito de
administração, conferido ao marido, direito que, embora
de manifestação economíca, tem uma base essencialmente
pessoal. E eis por que aqui teve entrada. E certo que os
poderes de administração conferidos ao^ mando variam
com os regimes de bens e somente poderão ser bem apre-

(11) Cours élémcntaire, I, n • 201; Th . Huc, Comntentaire,


II, ns. 238 e 239; Planiol, Ripert et Rouast, Droit civil fran-
çais, II, n. 372. Informam estes últimos autores que^ desde 1884,
a jurisprudência se inclinou a não admitir o constrangimento manu
militari, para forçar a regressar à casa do marido, meio, que eles, re-
petidamente, qualificam de brutal e repugnante à conoiência moderna.
Dão, porem, notícia de que, ainda recentemente, em 1920, arestos
bouve, autorizando a mulher a recorrer à força pública afim de cons-
tranger o marido a recebê-la.
148 DIREITO DA FAMÍLIA

ciados, quando forem estes expostos; mas há uma parte


fundamentai, que se mantém sempre, apesar dessas va-
riações,
O direito francês concede ao marido, no regime da
comunhão, o direito de dispor, livremente, sem concurso
da mulher (art. L421), de todos os bens comuns, se o
faz a título oneroso, e com responsabilidade, se o faz a tí-
tulo gratuito (12). No mesmo sentido o Código italiano,
art. 1.438. O espanhol, art. 59, o chileno, art. 135, o
uruguaio, art. 132 e o peruano, art. 180, atribuem, ex-
clusivamente, ao marido ,a administração dos bens da so-
ciedade conjugai. O que caracteriza estes sistemas, é, salvo
exceções, a dispensa de outorga da mulher para as aliena-
ções dos imóveis, que nossa legislação exige (13). Mas ou-
tros sistemas encontram-se, em que também se faz sentir
essa doutrina afagada pelo dirèito pátrio.
O djíreito português vigente prescreve, para a ad-
ministração do marido, as mesmas restrições que foram
indicadas quando tratamos do direito pátrio, não tendo o
Código Civil alterado, de modo sensível, o direito pre-
existente. Acrescentou, simplesmente, que, se o marido
alienar bens imobiliários, que lhe sejam próprios, sem ou-
torga, da mulher, só se poderão anular tais alienações,
"achando-se o marido constituído em obrigação para com
os herdeiros dela, e não tendo outros bens pelos quais'res-
ponda". (Cód. Civil, art. 1.191, § 2.°). A lei de 25 de
Dezembro de 1910 ergueu mais alto a condição moral da
mulher, dizendo: ''A sociedade conjugai baseia-se na li-

(12) Não pode, porem, dispor entre vivos a título gratuito dos
imóveis da comunhão, nem da universalidade, nem de uma quota
parte dos moveis, a não ser para o estabelecimento dos filhos co-
muns (art. 1.422).
(13) O Código Civil mexicano atual autoriza o marido e a
mulher maiores, a administrarem e disporem, livremente, dos seus
bens próprios, sem necessidade de consentimento um do outro, sal-
vo estipulação em contrário, nas capitulações matrimoniais, quanto
à administração dos bens (art. 172).
DOS EFEITOS DO CASAMENTO 140

berdade e na igualdade, incumbindo, ao mando, especial-


mente, a obrigação de defender a pessoa e os bens da mu-
lher e dos filhos, e à mulher, principalmente, o governo do-
méstico e uma assistência moral tendente a fortalecer e
aperfeiçoar a unidade familiar". No direito alemão, depa-
ra-se, igualmente, com a necessidade do consentimento da
mulher para a alienação dos imóveis e a responsabilidade
do marido pelas doações unilaterais, porem, somente, en-
tende-se, quando o regime dos bens for a comunhão ( 14).
A lei de Basiléa — campo, exigia, também a autorização
formal para alienações e ônus de imóveis, com recurso
para o conselho comunal e tribunal superior. Pelo Có-
digo de Zurich, o marido era o administrador dos bens da
mulher e devia representá-la nos atos judiciários e extra-
judiciáríos. Quanto aos bens, ele era um tutor (artigo
580). Os imóveis da mulher, porem, somente podiam ser
alienados com a sua outorga (art. 591). Em certos casos,
alem do consentimento da mulher, era necessário o de um
tutor nomeado ad hoc. Era assim, por exemplo, quando
a alienação recaía sobre imóvel de que ela tinha somente
a nua propriedade (art. 592). O marido tinha direito de
uso e gozo sobre todos os bens da mulher, salvo os reser-
vados, expressamente, pelo contrato {Sondetgut) ou pelo
uso, como as suas economias e as ooaçoes do marido a ti-
tulo de afinetes (Spargut) (arts. 593-597). Cessava o di-
reito de usufruto, se o marido não provia ao sustento da
família, podendo até ser-lhe retirada a tutela marital, pas-
sando a mulher, com sua fortuna, para a tutela pública
(art. 594). Estas últimas disposições já se acham em ati-
tinência com a incapacidade da mulher casada, que será
enfrentada em parágrafo posterior.
O Código Civil suíço atribue ao marido a adminis-
tração dos bens matrimoniais; porem, não pode dispor

(14) Cód. Civil, arts. 1.444-1.445. Ver-se-ão melhor os ma-


tizes do direito alemão nos §§ 35 a 40.
150 DIREITO DA FAMÍLIA

dos bens trazidos ou adquiridos pela mulher, sem o con-


sentimento dela (arts. 200-202).
Nos Estados Unidos, como na Inglaterra, com a pre-
ferencia dada, ultimamente, jà separação e independência
dos patrimônios, a liberdade plena ou restrita da admi-
nistração do marido, que agora se examina, perdeu o in-
teresse. Mas, na União norte-americana, é bem certo que
a uniformidade está muito longe do ser um atributo das
legislações civis. A par da independência, está a submissão
dos velhos tempos de rigor. Ainda em 1891, as Câmaras
legislativas oa Califórnia votaram uma lei relativa aos po-
deres de administração do mando, no regime da comu-
nhão, os quais foram conservados com grande latitude. O
direito de disposição, a não ser por testamento, é livre,
como se os bens fossem próprios. Entretanto, as alienações
que não forem a título oneroso (withour a vãluahle con-
sideration) necessitam, para sua validade, que a mulher dê
o seu consentimento por escrito (15).
Na Alemánha, Víariam consideravelmente os siste-
mas reguladores dos direitos do marido, mesmo se o re-
gime é o da comunhão de bens; mas, pelo regime legal,
esses poderes são muito estensos, sem, contudo, aniquilar
os direito da mulher.

III

Direitos especiais da mulher. Se aos direitos do ma-


rido correspondem deveres da mulher, esta, por seu lado,
é também um foco, de onde se irradiam direitos, que vi-
sam assegurar o seu bem estar e a sua dignidade na vida
conjugai. Como direitos próprios da mulher, reconhece a
nossa lei os seguintes: a) usar do nome de família do ma-
ndo e gozar das honras e direitos, que se lhe possam co-

1
(15) Annuaire de législation étrangère, 1891, pág. 130.
DOS EFEITOiS DO CASAMENTO 151

mttnicar; exigir do marido sustento e defesa para a sua


a sua pessoa e para os seus bens (16).
Ae legislações dos povos ocidentais manteem todas,
sem discrepância, os dois grupos de direitos, que acabam de
ser indicados. Na variedade possivel da linguagem, man-
tem-se a unidade substanciai dos princípios. Pode-se fazer
apenas uma exceção para o direito alemao. E certo que,
desde o tempo de Tácito, os cônjuges se consideram, pelo
direito germânico, associados com direito iguais, dada ao
marido a preponderância natural, que lhe caoe como che-
fe da sociedade doméstica e representante da família. Por
isso mesmo, a mulher, se tem o dever de acompanná-lo,
participa de seu nome e estado. O Código Civil não re-
conhece, no círculo do direito privado, distinção entre ma-
rido e mulher para considerar o primeiro superior à se-
gunda. São sócios com direitos iguais (17). Mas, se o ca-
samento é feito segundo a lei sálica ou morganática,^ deixa
a mulher de ter direito ao nome e â posição do marido,
sendo-lhe, apenas, consignada uma diminuta quota nos
bens dele (18),


(16) Cód Civil art. 240, diz: "A mulher assume, pelo casa-
mento, com os apelidos do marido, a condição de sua companheira,
-consorte e auxiliar nos encargos da fanulm. h o art. 2A5. poe a
cargo do marido a mantença da família, cabendo a mnlher, no regime
de separação de bens, a obrigação de contribuir com os rendimentos
dos seus haveres na proporção do seu valor, relativamente aos ao
marido. _ s i r-n
(17) Endemann, Einjuehrung, II, § lãü.
(18) Geeber, System., § 224. Roth faz notar, fundado no
art. 72 da lei de 6 de Fevereiro de 1875. que esses casamentos sc^
mente se permitiam às famílias soberanas e a família Hohenzollern
{System, II, § 91, nota 4). EndemAnn, que escreveu já no do-
mínio do Código Civil, não acha razão em Koth, quando este res-
tringe o casamento da mão esquerda às famílias dos soberanos. Em
face dos arts. 57-58, da lei de Introdução, que manteve o privilégio
das famílias reinantes e dos nobres, era possivel para umas e outras
o casamento mrrrganático_ {Einjuehrung, II, § 150, 3 e notas 16-17).-
Com a República desapareceu esse privilegio.
152 DIREITO DA FAMÍLIA

Ainda cabe à mulher: c) desobrigar ou reivindicar


os bens de raiz gravados ou alienados, sem sua autorização
ou suprimento do juiz (19). Esse direito nasce da exi-
gência que faz nossa lei da outorga da mulher, para a alie-
nação de bens imóveis, no que está de acordo, segundo
foi visto neste mesmo parágrafo, com algumas outras
legislações, e em desacordo também com outras, como a
francesa, a espanhola, a argentina.
A ação da mulher prescreve em quatro anos (20).
d) Anular as fianças ou doações feitas pelo marido
sem a sua outorga (21); e) Rehaver, para si, indepen-
dentemente de indenização, as coisas moveis ou imóveis
comuns doadas ou alienadas pelo marido à concubina
(22). Para esta ação como para as indicadas nas letras
c e d, prescinde ela de autorização marital. Morto o ma-
rido, ou havendo separação por desquite, a ação deve ser
proposta dentro de quatro anos depois desse acontecimen-
to. Se falece a mulher antes do marido, aos seus herdeiros
passa o direito de demandar, perdurando, igualmente, até
quatro anos após o falecimento. Em direito francês, ita-
liano, alemão e outros, as disposições a título gratuito,
dos bens comuns são, em geral, vedadas ao marido. Não
se encontra aí, porem, um princípio equivalente ao do di-
reito pátrio.
f) Anular a doação feita pelo marido à sua cúm-
plice de adultério (23).

(19) Cód. Civil, art. 248, II. Para o direito anterior : Ord. 4,
48, § 2.°; Carlos de Carvalho, Direito civil art 1 483 S 1°
letra c. ' s •.
(20) Cód. Civil, art. 178, § 9, I, a.
(21) Cód. Civil, art. 248, III. A prescrição é de quatro
anos (Cód. dt., art. 178, § 9, I, b).
(22) Cód. Civil, art. 248, IV. Também de quatro anos é
a prescrição (Cód. cit., art. 178, § 9, I,„ c).
(23) Cód. Civil, arts. 1.177 e 178, § 7, VI. Prescrição
<le dois anos. O mesmo direito cabe ao marido, quando a doadora
e a mulher.
DOS EFEITOIS DO CASAMENTO 153

g) Exercer o direito, que lhe competir sobre as


pessoas dos filhos do\leito anterior (24).

h) Dispor dos bens que lhe forem doados ou deixa-


dos sob a condição de ficarem sob sua livre disposição, e
administrar, onerar, alienar aqueles que, por pactos ante-
nupcial, lhe ficarem reservados com essa cláusula, que dis-
pensa a autorização marital, assim como os adquiridos na
conformidade (25) da letra e.
í) Propor ação de nulidade ou anulação de casa-
mento e desquite; pedir os alimentos; provisionais, que o
direito lhe assegura; fazer testamento; promover os meios
assecuratódos e as ações garantidoras dos seus direi-
tos (26).
j) A mulher, que exerce profissão lucrativa, tem di-
reito a praticar todos os atos inerentes ao seu exercício e
à sua defesa, bem come, a dispõe, livremente, do produto
do seu trabalho (27).
&) A mulher considera-se outorgada, para com-
pras ainda a crédito,das coisas necessárias à economia do-
méstica- para obter, por empréstimo, as quantias que a
aquisição dessas coisas possa exigir: para contrair as obri-
gações concernentes à indústria, ou profissão, que exer-
cer (28).

(24) Cód. Civil, art. 248, I.


(25) Cód. Civil, art. 248, V. Para alienai- mi gravar imó-
veis é sempre necessária a outorga marita .
(26) Cód. Civil, art. 248, VI a X.
(27) Cód. Civil, art. 246.
(28) Cód. Civil, art. 247. Para receber o que lhe for de-
vido por pensão, meio-soldo ou montepio, assim como paia constituir
e retirar depósitos nas Caixas econômicas federais a mulher não ne-
cessita de exibir autorização do marido.
154 DIREITO DA FAMÍLIA

§ 28

INCAPACIDADE DA MULHER CASADA

Do que ficou afirmado em relação aos direitos espe-


ciais do marido, já se pode concluir a situação jurídica da
mulher casada. Agora, é conveniente acentuar as linhas
do quadro e mostrar como, perante o maior número das
legislações vigentes, a liberdade de disposição de sua pessoa
e bens lhe é parcimoniosamente concedida, investido o ma-
rido de uma certa autoridade ou tutela sobre sua consorte.
Aliás, em face do Código Civil brasileiro, apesar do seu
artigo 6, ÍI, não podemos afirmar que a mulher casada
sofra incapacidade civil. Que muito influe para a perma-
nência da sua situação em outros regimes a poderosa ação
do passado, que, infiltrada nos costumes, dificilmente se
erradicará, é incontestável. Que o futuro trará modificações
razoáveis a esse regime de caturrice, estou convencido, sem
aliás pensar numa emancipação incompatível com o re-
cato e os melindres próprios do sexo feminino. Mais belas
estrofes do que essas que o lapídário dos Emaux et Camées
ouviu cantar num "belo corpo", ressumam do pudor e do
resguardo, em que a civilização abriga a mulher das bru-
talidades do conflito vital,
Outrora, a mulher era indapaz, simplesmente, em
razão do sexo. E persistem dessas formas antiquadas da
civilização incrustações bem firmes ainda, em algumas le-
gislações.
Atualmente, a mulher goza de capacidade civil a par
do homem. Pórem, casando-se, sofre limitações na sua ca-
pacidade civil (como, aliás, também sofre o homem), pa-
ra recobrar a inteireza de sua personalidade, quando se que-
bra o vínculo matrimonial ou, sequer, se afrouxa pelo di-
vórcio canônico ((1). E' que, em muitas legislações, pro-

(1) Veja-se Arthur Orlando, Bnsáios de crítica, Recife, 1904,


pag. 49. Cita ele urna observação de I hulie, que merece ser 1 em-
DOS EFEITOiS DO CASAMENTO 155

cede da autoridade marital a incapacidade com que o direi-


to civil fere a mulher casada. Mas é sempre bom recordar
que há nessa incapacidade da mulher muito de proteção e
desvelo tutelar.
Segundo o direito constante do nosso Código Civil, a
mulher casada não poderá: 1.°, alienar ou gravar de ônus
real os imóveis do seu domínio particular (aliás também
não pode o marido), assim como direitos reais sobre imó-
veis de outrem; 2.°, aceitar ou repudiar herança ou lega-
do; 3.°, aceitar tutela ou curatela; 4.°, litigar em juizo, a
não ser nos casos indicados no § anterior, letras c, m ^
f, g, h, i, j; 5.°, exercer profissão e contrair obrigações,
que possam importar em alheação de bens do casal; 6. ,
aceitar mandato (1-a). .
Como lhe cabe a direção interna dos negócios do-
mésticos, com tal ou qual amplitude, constituia costume
aceito, valendo por direito, hoje expresso em lei, que^ eia
está autorizada a comprar os objetos, que pertencem à eco-
nomia do lar, ainda que os adquira por crédito (2).
A autorização do marido pode ser gerai ou especial
e constar de instrumento publico ou particuiar autên-
tico (2-a). 'UAI
Quando a marido, por capricho ou aolo, recusa auto-
rização a um ato necessário, conveniente, pode a mulher

brada: "é no momento em que eía (a mulher) devia entrar no seu


apogeu de grandeza e dignidade, é quando ela desempenha o maioi
dos deveres humanos, vai ser mãe, consagrando sua^ vida a perpetuai
a espécie, que é amesquinhada". Por isso o Projeto primitivo re-
cusou-se a incluir a mulher casada na classe dos incapazes, h se
o Código Civil a incluiu entre as pessoas relativamente incapazes, do
conjunto das suas disposições ressalta a improp r i e da d e dessa classi-
ficação, e como se vê, especialmente, do paiágrafo anterioi.
(1-a) Cód. Civil, art. 242. _ o /«o n •
(2) Lafayette, Direitos de farndiã, § 42, Projeto, art. 253;
Cód. Civil, art. 247.
(2-a) Cód. Civil, art. 243. Esta autorização é revogavel, res-
peitados os direitos de terceiro e os efeitos necessários dos atos ini-
ciados (244).
I
150 DIREITO DA FAMÍLIA

recorrer dele para o juiz. Se se traía de fazer valer direito,


que a lei, expressamente, confere à mulher, como nas hipó-
teses de pretender ela rehaver imóveis alienados sem sua
outorga, ou os bens dotais ou os de sua exclusiva pro-
priedade, ilegalmente alienados, de requerer a inscrição da
hipoteca sobre imóveis do marido, para garantia do seu
dote e bens parafernais, e em outras análogas, a autori-
zação é dispensada, como se viu no parágrafo anterior.
Nos casos, porem, mencionados acima, a autorização é
necessária, mas pode ser suprida pelo juiz. O Código Ci-
vil estabelece a seguinte distinção: o juiz concede autori-
zação, nos casos do art. 242, I a V, se lhe parecer justo,
e nos casos dos ns. VII e VIII, se o marido não ministrar
subsistência à mulher e aos flhos (3).
Esta distinção perdera a razão de ser com a Consti-
tuição de 1934, que, no art. 113, n. 1, determinou não
haver distinção por motivo de sexo, em face da lei. A
Constituição atual diz apenas que todos são iguais perante
a lei, como preceituava a de 1891, na vigência da qual
foi publicado o Código Civil. Entendo, por isso, que fi-
caram restaurados os dispositivos deste, na parte agora
examinada.
A mulher assume a plena direção do casal, quando
o marido se acha em lugar remoto ou não sabido; está en-
carcerado por mais de dois anos; ou é declardo interdito.
Nestes casos, cabe-lhe administrar os bens comuns e os
próprios do marido; dispor dos seus e dos moveis tanto
comuns quanto do marido; alienar os moveis comuns e
os do marido. Somente para a alienação dos imóveis co-
muns ou do marido é que necessita de autorização do juiz.
Para os outros atos de gestão e disposição, procede livre-
mente (4).

(3) Cód. Civil, art. 245. Lafayette, ap. cit., § 44, des-
taca, para exemplificaçao, vários casos. Adde: Carlos de Carvalho,
Direito civil, art. 1.483, § 1.°.
(4) Cód. Civil, art. 251. Provisão semelhante no Cód. Civil
do Perú; art. 174.
157

A mulher comerciante pratica todos os atos relati-


vos a seu comércio, sem que tenha necessidade da interven-
ção do marido, nem do juiz, não podendo, porem, alhear
o seu dote, revogada a segunda parte do art. 1/ ao L.OCÍ1-
go Comercial (5). > . 1 .
Os atos praticados sem permissão marital ou juai-
ciária, quando é exigida essa formalidade, são anulaveis.
Ao marido e aos seus herdeiros, cabe ação para demanda-
rem essa anulação. Se, porem, o ato é relativo ^
incomunicáveis da mulher, é óbvio, como ja observava
Lafayette (6), que o direito de anulá-lo nao pas^a^a
aos herdeiros do marido. ,
A autorização deve preceder o ato, mas vm P _ r
dormente tem força para revalidá-lo. Quer, pomm, o o
digo que seja expressa em instrumento publico ou pa.

O Código Civil francês, arts. 215 a 22o, mantém


feição restritiva à capacidade civil da mulher casada,
O alemão somente restringe a capacidade civil da mu
lher casada quanto ao direito de dispor dos oens comuns e
de estar em juizo a respeito desses bens (7). O suíço, em-
bora conceda à mulher, juntamente com o mando, a re-
presentação da sociedade conjugai, no que respeita as ne-
cessidades correntes da vida 'do^estlca,(a h . r
ao marido o direito de retirar esses poderes da mmher (ar-
tigo 164). Se lhe permite estar em juízo, impoe-lhe o -
rido como procurador'(168). Para o exercício de uma pro-

r- -1 or+c ">46 e 293; Vampre, Direito comercial,


I, pág 123° AcmCs Beviláqua, Código Comercial nota 13 ao
art 27; CaWalho oe Mendonça, Tratado ie D.reüo
VI, primeira parte, n. 38. vitoria intere^e fnn-
(6) Lafayette, op. cit., § 49. Faltaria interesse para tun
líamentar a ação. r .
(6-a) Cód. Civil, art. 252, § único. ^
(7) Na vida conjugai, o homem e a mulher sao associados
com direitos iguais, e a direção do lar é direito seu. (E o Schluesel-
gewalt). Vejam-se os arts. 1-354 a 1.358 do Código Civil.
158 DIREITO DA FAMÍLIA

fissão ou indústria, necessita do consentimento do marido


(167). O mexicano coloca o marido e a mulher em posi-
ção igual no lar; em caso de divergirem no que concerne
a educação dos filhos e à administração dos bens destes,
providenciará o juiz (art. 167). Os trabalhos do lar es-
tão a cargo da mulher (168). A mulher poderá exercer
qualquer emprego, indústria ou profissão, que não pre-
judique a sua missão no lar (art. 169). Se o marido, que
subvencione as necessidades da família, a isso se opuser,
fundado em causas graves, o juiz resolverá (arts. 170 e
171). Para contratar com o marido, a mulher necessita
de autorização judicial, salvo para conferir-lhe mandato
(art. 174).
Outras legislações assinalam tendência acentuada a
dar franquias à mulher casada, alargando o círculo de sua
capacidade, sem, contudo, afastar a intervenção marital.
Citarei deste grupo, a lei norueguesa, de 20 de Junho de
1888. Esta lei, no art. 11, diz: "A mulher casada tem
a mesma capacidade que a solteira e pode dispor de seus
bens, com as restrições, que na presente lei se estabelecem".
A common law inglesa eliminara de modo absoluto
a personalidade jurídica da mulher casada, que ficava ab-
sorvida na de seu marido. Até por crimes dela respondia
ele. De 1870 a esta parte, tem-se operado, no direito in-
glês, um forte movimento feminista, que já forçou as por-
tas de gpnzos perros da legislação, hasteando ali o rubro
estandarte da leí de 18 de Agosto de 1882. Estando no
fundo escuro do vale, onde se projetavam espessas as tre-
vas da idade média, o direito inglês, de um jato, por as-
sim dizer, galgou o cimo da montanha. Segundo o novís-
simo direito inglês, "a mulher pode realizar por si, livre-
mente, todos os atos da vida civil", diz-nos Ernesto
Lehr 7a).

(7-a) Teiir^ Droit civil anglais; Grande encyclopédie, verb.


femme mariee; Rridei,, Dercchos de la mnjer, pág. 76; Sanches
Roman, Derecho civil, V, l.a parte, pág. 296. A lei de 1882 foi
DOS EFEITOlS DO CASAMENTO 15^

Nos Estados Unidos da América do Norte, há gran-


de variedade legislativa a este respeito. Ora encontra-se a
restrição da capacidade feminina, ora a independência do
novo direito inglês. E', porem, esta última forma do di-
reito, que se tem acentuado e dilatado (8).
A lei dinamarquesa de 7 de Abril de 1899 declara
a mulher casada plenamente capaz, como a solteira, para
realizar, por si, os seus negócios jurídicosl Somente para
obrigar-se pelos atos do marido necessita de autorização
do juiz (9).
Na Argentina, a lei n. 11.357, de 22 de Setembro
de 1926, conferiu k mulher casada capacidade para exer-

ligeiramente modificada pela de 5 de Dezembro de 18Jo {Annuaire,.


íeis de 1893, págs. 9-10). rvd o i rV
(8) A lei de 1 de Junho de 1896, para o Distrito da Colum-
bia, reflete esta feição do direito novo. Transcreverei alguns de seus
artigos;
Art 1 0 Todos os bens, moveis ou imóveis, que uma mulher
possa ter no Distrito da Colúmbia, seus rendimentos e aquisições de
qualquer natureza, sejam a título gratuito ou oneroso, constituem,
apesar do casamento, sua propriedade exclusiva {her sole and se-
p ar ate property) da qual não poderá dispor o mando.
Os credores do marido não podem exercer direito algum sobre
os bens da mulher, exceto os que lhe vieram do mando por doação.
Art. 2.° A muilher casada pode, na constância do casamento,
comprar, vender, permutar e celebrar qualquer contrato relativo a
seus bens. Tem, para isso, a mesma capacidade que o homem ca-
sado.
Art. 3.° A respeito de seus bens, a mulher casada tem, para
contratar e comparecer em juizo, quer como autora, quer como ré,
a
mesma capacidade que a solteira. Somente quando ato jurí-
dico interessar também ao marido é que este poderá agir juntamente
cem ela.
Sobre este assunto é digno de consultar o livro de Leitr, —
Êtudes sur le droit civil des États-Unis de 1'Amérique du Nord,
1906, n. 34 e segs.
(9) lahrbuch der internationalen Vereinigung fuer vergleiohen-
den Rechtswissenschaft, 1904, pág. 661.
160 DIREITO DA FAMÍLIA

cer todos os direitos e funções civis, que as leis reconhe-


cem ao homem (10).
Código Civil do Perú, art. 172: — A mulher pode
contratar e dispor dos seus bens sem outras limitações que
não sejam as derivadas do regime legal Ela pode com-
parecer em juizo.

§ 29

A QUESTÃO DA MISOGINIA E DA FILOGINIA

Examinando os efeitos do casamento sobre as re-


lações pessoais recíprocas dos cônjuges, determinando os
direitos que a cada um compete, os deveres a que se acham
submetidos, assoma ao espírito a debatida questão, a que
alude a inscrição deste parágrafo e que não é,^ de todo,
estranha a um livro de jurisprudência, embora não tenham
por hábito os juristas comuns fazer destas digressões,
preocupados, como se acham, com as minúcias da análise,
a que submetem a letra e o espírito das leis escritas.
Consoante este modo de ver, examinemos, ligeira-
mente, o assunto.
As mulheres, em sua grande maioria, e muitos homens
de saber tão vasto quanto a generosidade de seus corações,
se íeem revoltado contra a partilha dos direitos e deveres
feita pela organização atual da sociedade. Parece a esses
nobres insurretos que pesa, esmagadoramente, sobre a
mulher, um amontoado de deveres, a que não corresponde
a exiguidade dos direitos, que lhe são permitidos. Até
onde lhes assiste a razão, se é que a teem?
Não quero intervir no debate como entusiasta, que
se arregimenta sob uma das bandeiras. Não cabe aqui o
grito apaixonado, mas, simplesmente, a frase comedida

(10) Ver a íntegra dessa lei em Ferreira Coelho, Código


Civil, XIX, pág. 326 a 328.
DOS SFEITOlS DO CASAMENTO 161

2 fria da ciência, que pode errar, porem nunca exaltar-se,


abalada pelos ímpetos emocionais da paixão; que deve ter
a firmeza dos convictos, porem nunca as ilusões dos fa-
náticos.
Afaste-se, desde logo, a questão política, porque nada
tem que ver com ela este livro. Aliás os direitos políticos
da mulher estão hoje, geralmente, reconhecidos, e, entre
nós, definitivamente consagrados. O Codigo h ei oral
(dec. n. 21.076, de 24 de Fevereiro de 1932), art. 2
declarava: é deitor o cidadão maior de 21 anos, sem dis-
tinção de sexo (1). Melhormente, ainda, dispõe a Cens-
titúição atual art. 117: São eleitores os brasdeuos. ae
um e de outro sexo, maiores de 18 anos, que se a is arem
na forma da lei. 1 . . ./r-
Como era natural, num século de zimose cienuiica,
foram chamados os biologistas a pronunciar se na ques
tão feminista, cabendo-lhes dizer se a natureza apoiava
todas as ambições, que agitavam os espíritos, se, anatômica
e fisiologicamente, o cérebro da mulher eqmvaha ao do
homem, já que, hoje, é o cérebro o instrumento principal
do combate pela existência, áspero combate em que ele
se tem depurado, é certo, e também esgotado. Os hos-
pícios regergitam e a degenerescência vai lavrando, filha
da exhaustão, pelas criações da mente humana.
O cérebro da mulher pesa menos do que o do
mem, disseram sábios consultados (l-«). Porem, outros,

(!) ' iVer: João Cabral, Código Eleitoral, pág. 21 a 25; Iito
Fulgencio, Anotações ao Código Eleitora, n° ^ '
(l-a) Eis, segundo Bischoff, citado poi Lombros , o peso co
parado do cérebro da mulher e do homem .
pes0 Homem Mulher
tiirc • 1.925 1.565 grs.
Máximo . o/ro 1010 "
1.362 1.219
M ínimo '*. *. *.'.'. *.'. *• '• '• '• '• '* i'018 720
"
Outros dão. em média, 1.150 gramas para o homem e 950 para
•a mulher.
162 DIREITO DA FAMÍLIA

não menos competentes, disseram que essas 130 ou 150


gramas de diferença em favor do homem, se compensavam
pela diferença do volume, desfazendo-se a desigualdade
aparente numa igualdade real.
Voltaram à carga os rebatidos misoginistas, decla-
tando que, na mulher, os lóbulos frontais eram reduzidos
c os parietais excessivamente desenvolvidos, ao passo que
no homem, eram os primeiros que ocupavam maior es-
paço, em prejuízo dos segundos. Ora, sendo os lóbulos
frontais a sede da intelectualidade, residindo nos outros a
motilídade e a emocionalidade, a inversão era favorável ao
homem como ser inteligente.
Mas todas essas afirmativas foram derruidas pelos
estudos de BROCA, EBERSTALLER e CUNNIGHAM.
Um jovem brasileiro, sábio ainda no verdor da mo-
cidade, tomando parte na contenda, afirmou, depoiss de
Clemence Royer e outras notabílidades européias, mas
com abundância de argumentação, admiravelmente eru-
dita e preponderantemente original, que a inferioridade
intelectual feminina existe, com seu substratum cerebral,
por efeito das forças combinadas da adaptação e da he-
redítariedade. "A mulher pouco precisou do cérebro, re-
sume ele, pouco se serviu dele, por isso pouco se desen-
volveu cerebralmente. A biologia nos ensina o meca-
nismo das atrofias por inação. A disteología multiplica
os exemplos das reduções anatômicas, uma vez suprimida
a necessidade funcional. A seleção explica-nos a lei que.
na gênese dos organismos, precede à eliminação dos ele-
mentos e orgãos inúteis" (2).

(2) Livio de Castro, A mulher e a sociogênia. Este livro,


editado em 1894, foi escrito em 1887.
Esteijjta Tapajós coloca-se no mesmo ponto de vista, para
explicar a pretendida inferioridade intelectual da mulher. "A mu-
lher teve de retardar-se, em sua evolução psíquica, principalmente
por seu afastamento da luta, que foi o que assegurou ao homem a
supremacia mental, acrescendo mais que a sua cultura teve de fazer-
se para o lado da emocionalidade e do instinto, que era favorecido.
DOS EFEITOS DO CASAMENTO 163

Mas me parece que o ilustre escritor, como seus con-


frades europeus, faz repousar a discussão sobre um mal
entenda. A verdade histórica é, incontestavelmente, que
o homem tem chamado a si um quinhão mais vultoso na
partilha dos direitos, que a educação da mulher tem sido
parcimoniosa, sob o ponto de vista do desenvolvimento
intelectual, de modo que, nesse terreno, sua atividade não
se tem podido expandir com o vigor de que talvez possa
dispor, a não ser talvez na Inglaterra e na América do Nor-
te, onde as spinsters se acham desembaraçadas de todos os
obstáculos, que empecem a espontaneidade das mulheres
em outros países. Admitindo que dessa educação atro-
fiante resulte um apoucamento mental, transmissível pela
hereditariedade, o que se conforma com as presunções cien-
tíficas, melhor fundamentadas, julgo indubítavel que não
seria somente a mulher a prejudicada, mas conjuntamente
ss duas parcelas, em que o sexo divide a humanidade'. Que
hereditariedade unilateral é essa que acumula na célula
germinativa, que tem de ser a mulher, exclusivamente as
qualidades adquiridas, que veem do elemento feminino?
Não compreendo muito essa misteriosa operação de aná-
lise e separação, contra a qual protestam as fusões étnicas
observáveis por todos os olhos. O que é natural é que os
dois elementos, o masculino e o feminino, se combinem
em dosagem variavel, o que não recusa nem poderia re-
cusar Livio de Castro (2a).
Se assim é, o resultado será, visivelmente, um dese-
quilíbrio produzido pela adaptação de cada geração, que
v
ive e se educa impulsionando as faculdades mentais do
homem e recalcando, por falta de exercício, as da mulher,
mas um desequilíbrio seguido logo-de um restabelecimento

pela sua característica sexual" (Ensaios de filosofia e ciência, São


Paulo, 1894, pág. 17).
(2-a) Pinheiro Guimarães, A hereditariedade normal e pa-
tológica, 1935, no capítulo Bases físicas da hereditariedade fornece
apoio à observação do texto.
164 DIREITO DA FAMÍLIA

de igualdade, em virtude da herança, que realiza a^ con-


fluência das duas correntes. Cada geração herdará, de
seus pais, qualidades progressivas, intelectualidade apu-
rada, e, das mães, qualidades conservadoras, e todas as que
formam a rútila grinalda das mães e das esposas, mas todas
fundidas e distribuídas, a esmo, pelos dois sexos, produ-
zindo, às vezes, fenômenos de teratologia moral capazes
de impressionar, dolorosamente, os observadores mais pre-
parados para receber os imprevistos da natureza. E, assim,
o que a adaptação acentua, vem ser diluído pela heredita-
riedade. Essa é a tese geral; os pormenores trazem com-
plexidade, que não podem ser destrinçadas com facilidade.
Nem disso havemos agora mister.
Se, portanto, a anatomia e a fisiologia assinalam di-
ferenças cerebrais .nos dois sexos, essas nao se explicam por
aquisições seculares; eis a conclusão a que forçosamente
somos levados, por ser rigorosamente lógica. Alem disso,
os biologistas vacilam, e se inclinam, nestes últimos tem-
pos, a negar a existência dessas diferenças apreciáveis e ca-
pazes de servir de base a uma teoria, porque devem ser elas
antes reflexas do que essenciais (3).
Mas, que a mulher não foi talhada para as mesmas
tarefas que o homem, para funções absolutamente iguais,
tenho -por irrecusável. Basta atender para a organização

(3) Maebius e Iombroso mostram-se, entretanto, irredutí-


veis A muiher, dizem eles, tem o crânio menor, do que o homem,
quer absoluta, quer relativamente. Sua moral deriva do sentimento
e não do raciocínio. O amor e a devoção fazem-lhe praticar mi-
lagres mas raramente, possue o sentimento lo justo. Sua memória
é fácil e sua inteligência pronta, mas as suas faculdades nao rea-
lizam as promessas, que fazem. Ela será sábia sem, contudo, con-
seguir inventar novos métodos.
Como se vê, são antigas afirmações que se reeditam.
A razão dessa inferioridade mental da mulher, diz Lombroso,
não deriva da escravidão intelectual em que tem sido conseivada,
mas do fato de terminar mais cedo do que o homem a sua evolução
mental. A mulher tem apenas 30 anos de vida completa. Revuc,
1904, Aôut, pág, 375.
DOS EFEITOlS DO CASAMENTO 165

física de ambos, que dessa dissemelhança estática resultam,


forçosamente, diferenças funcionais3 umas fisiológicas,
outras puramente psíquicas. Como desconhecê-lo? Por
que não afirmá-lo?
O homem, por sua própria organização, será mais
apto para certos misteres, terá capacidade mais valiosa
para certa classe de atos, mas não conseguirá igualar sua
companheira em muitas outras aplicações de sua atividade.
A este respeito, adoto as conclusões de VARIGNY quando
escreve: "Essa diferença é de ordem natural; é inevitável
e necessária. Ela comporta um elemento mental, segura-
mente a inteligência da mulher é de ordem diversa da ao
homem; mas a diferença é de ordem, de natureza, e não
de grau. Não se comparam elementos diferentes, um an-
cinho e um pente, por exemplo; cada um tem sua fun-
ção diversa e não há razão para colocar um acima cio
outro" (4).
Consequentemente, se a campanha feminina corres-
ponde a uma real necessidade, e uma educação mais 3,de-
quada, deve, com justiça, ser concedida a mulner, e abnr-
se-lhe mais vantajosa situação na sociedade, é yisivel que
os exageros, a que levam as paixões e o partidarismo ferem
de frente a'própria natureza. Ah! mas quão duramente
se vinga ela dessas afrontas, deliquesccndo as energias do
grupo social, que lh'as assaca por sistema, ou, pelo menos,
retribuindo-o com verdadeiros fenômenos de teratologia
moral ou social! Esse terceiro sexo da sociedade inglesa
atual, segundo a feliz denominação de FERRERO, é um
caso bem digno de reparo. A ele devem-se, no pensar do
citado escritor, muitos ridículos, a que^ não tem podido
fugir a grave e digna sociedade-britânica. Essa doentia
sensibilidade, que não tolera os ligeiros maus tratos a um

(4) Revue des Revues, 1895, Janeiro, pág. 20. No mesmo


sentido pronunciou-se Benedict, o eminente professor da Universi-
dade de Viena (La question fénthme, Revue, cit., 1895, Agosto).
DIREITO DA FAMÍLIA

cão (5), mas que se não comove, com o morticínio dos


rudes africanos e dos ingênuos asiáticos, que os batalhões
ingleses, heroicamente, varrem a metralha, não é tanto um
ridículo quanto um fenômeno revelador de acentuado de-
sequilíbrio nas faculdades mentais.
E não são somente os críticos e sociólogos estran-
geiros que nos dão conta desse estado de incongruência,
em que se acha o espírito da sociedade inglesa. George
Barlow, por ter nascido na Inglaterra, não teve os olhos
embaciados para vê-la também sob todos os seus aspectos
e expô-la, em termos acres às vezes, mas nunca injustos.
Tudo isso é ridículo, exclama ele, depois de uma resenha
de fatos mais ou menos extravagante, "mais até do que
ridículo, — escandaloso!"
E qual a causa desse desequilíbrio?
A influência das sptnsters, afirma-nos PERRERO, as
quais desfiguram o sexo, fazendo-se quase homens.
Olhemos de frente a natureza e amoldêmo-la às ne-
cessidades sociais sem desvirtuá-la. Ela está, claramente,
a dizer-nos que indivíduos diferentemente conformados
estão destinados a funções diferentes. Na família e pe-
rante o direito, a mulher deve ser igual ao homem, ca-
bendo a cada um desses dois seres uma esfera própria de
ação, dentro da qual se movam de harmonia, porque si-
nergicamente impulsionados devem ser os dois elementos
fundamentais do organismo familial.
Mas, se uma divergência se levantar no domínio em
que coincidir a competência de ambos, é natural que a um

(5) Ferrero, Reme, cit. Maria Coreeei em The murder of


Dilicia, e em outros livros, encara a questão ipor outro aspecto, mos-
trando o esforço digno de algumas nobres e inteligentes mulheres, a
lutar contra os preconceitos que as torturam.
Afinal, o período de luta já se extinguiu; a vitória coroou os
esforços.
Este parágrafo foi escrito em 1895.
Reflete o estado de espirito do tempo. As coisas mudaram;
mas a documentação deve ser conservada.
DOS EF.EITCHS DO CASAMENTO 167

caiba a decisão última, se o negócio não for daqueles sobre


os quais deva intervir o poder judiciário.
Há de SPENCER, um trecho que, por sua lucidez,
consubstancia quanto poderia dizer uma larga discussão.
Embora pareça que a ação do meio não permitiu dar o
filósofo, à sua doutrina, toda a largueza liberal, que era
de esperar: "Quando recordamos que, partida dos últimos
graus do estado selvagem, a civilização chegou a isentar
a mulher dos labores do ganha-pão e que, nas sociedades
mais adiantadas, se adstringem elas, unicamente, às ocupa-
ções domésticas e à educação dos filhos, podemos achar es-
tranho que, atualmente, elas se queixem, como de uma in-
justiça, que sua atividade se ache restrita aos trabalhos do
interior, e reclamem o direito de concorrer com os ho-
mens em todas as ocupações do exterior. Esta anomalia
provem, em parte, do excesso anormal do número das
mulheres..." "E' preciso consentir que todo obstáculo,
que lhes impede o caminho, seja abolido; mas, ao mesmo
tempo, é preciso afirmar que nenhuma alteração essencial
na carreira das mulheres, em geral, pode nem deve ser tra-
zida por essa abolição, e, mais, que é perniciosa toda mo-
dificação importante na educação das mulheres no intuito
de torná-las próprias,' para o comércio ou para a indús-
tria" (6).

(6) Spencer, Sociologie, II, pág. 415-415. O progresso so-


cial distanciou-se do grande pensador. A sociedade vai se renlode-
lando no sentido da igualdade político-jurídica entre o homem e a
mtilher. Esperemos que não sacrifique essa evolução as qualidades
rtiorais características dos dois sexos. O livro de Alfredo Fouillée,
0
insigne escritor da Psychologie des ideés forces, confirma asserções
sustentadas neste parágrafo, pois demonstra, por um engenhoso es-
tndo de etnologia, que o sexo masculino se -caracteriza pelo movimento
Qpelo dispêndio de energias a que é conduzido pelas necessidades or-
gânicas, enquanto que o sexo feminino se caracteriza pela reserva,
P^Ia economia, que conserva e acumula. A mulher, por isso, é mais
paciente e o homem mais explosivo. Porem, as funções de ambos,
embora diversas, são solidárias, embora individualizadas, são inter-
~pendentes, embora irredutíveis entre si, são equivalentes (Tempéra-
ment et caractere, 1895) .
168 DIREITO DA FAMÍLIA

Não vejo razão para afastar-se, de modo sistemático,


a atividade da mulher, do comércio e da indústria. Num
e noutro campo tem-se ela revelado capaz de lutar, van-
tajosamente. encontrando recursos para manter-se com
dignidade e para prover às necessidades da prole, quando
lhe falta o arrimo do marido, que a morte arrebatou, ou
o vício levou de arrasto.
Teixeira Bastos faz a este respeito umas ponde-
rosas observações, sobre as boas disposições femininas para
as concepções artísticas, onde prepondera o sentimento, e
acha que, afinal, reconhecida a igualdade das funções dos
dois sexos, sob o ponto de vista social, "desaparecerá a in-
ferioridade política e doméstica da mulher, sem, contudo,
se cair no exagero contrário" (7).

§ 30

OUTROS EFEITOS PESSOAIS DO CASAMENTO


INFLUÊNCIA SOBRE A NACIONALIDADE
. EMANCIPAÇÃO

Foi objeto de longos debates e de dúvidas sempre


renascentes a perda da nacionalidade da brasileira que se
casasse com estrangeiro, imposta pelo art. 2.° da lei de 10
de Setembro de 1860, em virtude das palavras do seu
edito: —• seguirá a condição deste (do marido estrangei-
ro) e, — se enviuvar, recobrará a sua condição brasileira,
O decreto n.0 3.509, de 6 de Setembro de 1865, insistiu na
mesma doutrina. Mas, preceitos de lei ordinária e de re-
gulamentos, não podiam tais editos derrogar um princí-
pio estabelecido na carta constitucional do império: c
sempre sofreu contestação a constitucionalidade da lei de
10 de Setembro de 1860. Vindo a República, e sendo

(7) A família, pág. 210. E' leitura recomendável, sobre o as-


sunto deste .parágrafo, o livro de Adonias Lima, A vitória do fe'
minismo.
DOS EFEITOIS DO CASAMENTO

votada uma outra Constituição, na qual não se cogita


desa espécie de desnacionalização, menos consistente ainda
ficou a doutrina da citada lei (!)♦
A Constituição federal não consagra a norma de que
a brasileira perca a sua nacionalidade pelo fato de^ unir-se,
matrimonialmente, a um estrangeiro, e na letra c do artigo
115 considera brasileiros também os que já haviam adqui-
rido a nacionalidade em virtude do art. 69, m 5, da Cons-
tituição de 1891, isto é, os esttaiigsitos que possttitem
imóveis no Brasil e forem casados com brasileiras ou ti-
verem filhos brasileiros.
Outra orientação teem seguido muitas das legislações
européias com as quais se harmoniza o direito norte-ameri-
cano: a mulher casada aquire a nacionalidade de seu ma-
rido (2). A Rússia soviética seguiu orientação semelhante
à do direito brasileiro (2a).

(1) Resultava a conclusão aceita no te^LÜ, não somente do


art. 71, § 2.°, que não se referia à perda da nacionalidade pelo ca-
samento, mas ainda do art. 69, § 5.°, onde se falava de estrangeiros
casados com brasileiras. Na eladoraçao do Oodigo Civil, tentou—se
galvanizar o principio derrogado da lei de 10 de Setembro de 1860.
Não era essa a orientação do Projeto primitivo. Felizmente, frus-
trou-se a tentativa pouco feliz. Hoje vale o art. 116 da Constituição
vigente que não consigna a perda da nacionalidade da brasileira
em virtude de casamento com estrangeiro.
(2) O Código Civil, português, art. 22, § 4Ç; espanhol, ar-
tigo 22; lei italiana de 13 de Junho de 1912, lei inglesa de ^2 de
maio de 1870; Wharton, Privafe internacional latv, 2.a ed., § 11;
BiAjntschu, Revue de Droit internacional, 1870, pâg. 107; Despa-
gnet, Droit intern. prive, n. 258. Vejam-se, sobre este assunto,
um interessante artigo de Rivaroea, no Biiletun argentin de droit in~
temational prive, 1906, pág. 19 e segs. ; e A. Weiss, Manuel de
droit International prive, Suplemento de 1928, sobre a lei de 10 de
Agosto de 1927, que modificou, radicalmente, o sistema francês. Por
essa lei, art. 8, a francesa, que se casa com estrangeiro, conserva
a sua nacionalidade, se não declara, expressamente, querer adquirir a
nacionalidade do marido na conformidade da lei pessoal deste. E a
estrangeira, que se casa 'com francês, somente adquire a nacionali-
dade do marido, se o requerer, de acordo com a sua lei pessoal..
(2-a) Cód. da família, art. 103.
170 DIREITO DA FAMÍLIA

Com a entrada na vida conjugai, constituindo o ho-


mem e a mulher uma família, cuja direção lhes deve caber,
é natural que sejam tidos por emancipados, diversamente
do que preceituava a legislação romana, excessivamente ri-
gorosa nesta parte, a qual mantinha o indivíduo sob o pá-
trio poder, embora já progenitor de larga descendência (3) .
O código filipino, deliberadamente, afastou-se da teoria
romana, concedendo a emancipação, de pleno direito, pelo
fato do casamento, sem que cessassem os seus efeitos pela
viuvez (4). No mesmo sentido se afirmam, em sua ge-
neralidade, as legislações modernas (5). Mesmo na Rús-
sia, onde o Svod imperava severo e rígido, o casamento
emancipava ou podia emancipar os filhos, e restringia o pá-
trio poder em relação às filhas, porque uma pessoa, ex-
plicava a lei, não pode estar, ao mesmo tempo, submetida
a dois poderes ilimitados, o dos pais e o do marido (6).
Na Alemanha, discutiam os escritores sobre se a doutrina
romana encontrara aceitação no direito comum; e, dos

(3) Por direito romano, o pátrio poder extinguia-se. exclusi-


vamente, pela morte do chefe da família, pela capitis diminufio má-
xima ou média, quando o filho exercia certas funç5es públicas de
alta consideração, quando era solenemente emancipado pelo pai, quan-
do este o dava em adoção a outrem. Vide Endemann, Binf., II,
§ 170, n. 2 e nota 13.
(4) Ord., 1, 88, § 6.°... "porque segundo stilo de nosso
Reino, sempre, como o filho é casado, he havido por emancipado e
■fora do poder de seu pai". Projeto, arts. 9, § único, II, e 237.
(5) Código Civil francês, art. 476; espanhol, 314; § 1.°: por-
tuguês, 304, § 1.°; italiano, 310; das províncias bálticas, 225; lei
polaca de 1825, 467; Código chileno, 266, § 2.°, argentino, 131;
uruguaio, 280, § 2.°; mexicano, 671 (simples emancipação); boli-
viano, 248.
(6) Lehr, Droit civil russe, I, pág. 103-104. Os detalhes não
cabem de modo algum, neste momento. Deslizemos, por entre eles,
sem atritos.
O Código soviético da família não faz referência a este efeito
do casamento, porque o direito de pai e mãe sobre os filhos se ex-
tingue aos dezesseis anos para os do sexo feminino, e aos dezoito para
>os do masculino, precisamente a idade nupcial (arts. 67 e 149)
DOS EF,EITO)S DO CASAMENTO 171

Landrechte, uns tinham a emancipação como conseqüên-


cia forçosa do casamento para ambos os sexòs (Baviera,
Bremen, etc.)» ou, sequer, para o feminino (Wurtem-
berg), outros deixavam perdurar a minoridade (Prússia,
Saxônia) (7).
Pelo Código Civil atual, o casamento não determina
aumento na capacidade dos cônjuges. O princípio ger-
mânico da emancipação pelo casamento foi posto de lado,
mas como ao homem somente é permitido o casamento
quando maior, as conseqüências dessa inovação recaem,
exclusivamente, sobre a mulher, que, entretanto, adquire,
pelo casamento celebrado com assentimento dos progeni-
tores, o usufruto de seus bens próprios (8).
Também o Código Civil da Áustria, art. 175, não
admite que o casamento determine por si a emancipação
da mulher.

§ 31

RELAÇÕES ECONÔMICAS ENTRE CÔNJUGES

O casamento não origina somente relações pessoais


«ntre os cônjuges. Promanam dele, igualmente, relações
econômicas, que se submetem a normas especiais e que,
não raro, se acham intimamente entrelaçadas com as
pessoas, de modo a não ser possível levar muito longe a
distinção, sob pena de desnaturarem-se os institutos.
O conjunto dos princípios jurídicos, que regulam as
relações econômicas dos cônjuges, constitue o que se de-
nomina — regime dos bens no casamento. Da lei ou da
convenção origínam-se esses princípios, pelo que o regime
será legal ou convencional.
Mas relações de carater econômico existem que, em-
bora muito influenciadas pelo regime dos bens, por ele

(7) Roth, System, II, § 91, n. 5, pág. 19.


(8) Endemann, Einf., I, § 27 e II, § 170.
172 DIREITO DA FAMÍLIA

modificadas ou dele dependentes formam, não obstante,


categorias distintas, exigindo um tratamento a parte, em-
bora perfunctório e destinado apenas a dar maior acen-
tuação ao posto, que na vida familial assumem os dois
consortes. Refiro-me, particularmente, à faculdade de
fazer doações e ao direito sucessório, entre cônjuges.

§ 32

DO REGIME DOS BENS NO CASAMENTO

A Ord. 4, 46, permitia que se fizessem quaisquer


convenções antenupciais, para regular o modo de admi-
nistrar e dispor dos bens de ambos os cônjuges, na cons-
tância do matrimônio. A essa ampla liberdade do velho
Código filipino, apenas opunham-se as restrições, nas-
cidas da ofensa às leis, aos bons costumes e aos fins na-
turais e sociais do casamento. Se cláusulas, por esses
motivos ilícitas, fossem adicionadas ao pacto aníenupcial,
pelo qual se haviam de regular as relações econômicas ou
não, entre os cônjuges, ter-se-iam por não escritas; e,
anuladas elas, nulas eram todas as estipulações delas de-
pendentes; mas subsistira o pacto em tudo o mais que
fosse substancial e desrelacionado com as partes vi-
ciosas (1).
O dec. de 24 de Janeiro de 1890 manteve esse pre-
ceito, mas não sem restringí-lo, impondo o regime dotal,
em alguns casos, e o da separação, se se tratasse de cônjuges
divorciados, que se reconciliassem (arts. 58, 59 e 89).
Seguiu essa mesma orientação o Código Civil, ar-
tigo 256, declarando; é lícito aos nubentes, antes de cele-
brado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que
lhes aprouver. Apenas nas convenções matrimoniais não

(1) Lafayette, Dir. de família, pág. 105; Código Civil por-


tuguês, art. 1.103.
DOS EFEITOS DO CASAMENTO 173

se admitem cláusulas, que prejudiquem os direitos con-


jugais ou os paternos, ou contravenham disposição abso-
luta da lei (art. 257).
Esta liberdade para a regulamentação contratual do
direito dos bens no casamento, que é garantida por nosso
direito e que não nos veio da legislação romana, teve im
gresso na maior parte dos sistemas jurídicos dos povos
ocidentais; na Alemanha (Cód. Civ., art. 1.432), em
França (Cód. Civ., arts. 1.387-1.389), na Espanha (Có-
digo Civ., arts. 1.315 e segs.), em Portugal (Cód. miv.,
art. 1.096). Outras legislações, ao contrário, não deixam
à livre disposição das partes a determinação do modo pelo
qual se devem regular os bens; que levam para a vida con-
jugai ou durante ela adquirem. O legislador julgou prover
melhor às necessidades e interesses de todos, estabelecendo
Um regime ao qual se íeem de submeter os que se conjugam
pelo matrimônio. , , ' „
Na Suíça, a liberdade dos pactos antenupciais não
existia em muitos cantÕes, ou porque não se facultasse
aos cônjuges derrogarem o regime iegal por um contrato,
e esta era a regra geral, que o Código Civil suíço adotou,
ou porque se exigisse a homologação do juiz, como em
Zurich e Aopenzel, ou, finalmente, porque os limites oa
liberdade contratual eram muito restritos como no camão
dos Grisões (Cód., art. 47). O Código Civil suiço esta-
belece três tipos de regimes entre os quais os cônjuges teem
de escolher: união dos bens, comunhão, e separação (ar-
tigos 178 e 179). Naqueles Estados da União norte-ame-
ricana, onde ainda vigora o commomjaw, a lei toma a si,
igualmente, regular as relações econômicas dos cônjuges.
O Código Civil argentino tambem deve ser mcluiuo neste
grupo, porquanto só permite que os cônjuges façam con-
venções antenupciais, para designarem os bens que cada
üm possue ao tempo da celebração do casamento; para re-
servarem, a favor da mulher, a administração de algum
bem de raiz seu; para firmarem as doações, que o mando
fizer à sua consorte, ou as que ambos se fizerem dos bens
174 DIREITO DA FAMÍLIA

que deixarem por morte. Fora deste círculo, não é admis-


sível convenção alguma outra sobre os bens dos cônjuges
(art, 1.217 e parágrafos). Na Itália, a liberdade conce-
dida aos nubentes pelo art. 157 sofre a limitação consa-
grada pelo art. 213. Não podem eles estipular a comunhão
universal de bens. No México, há somente sociedade con-
jugai ou separação de bens (Cód. Civil, art. 178).
No Perú, o casamento determina a sociedade, que se
aproxima de nossa comunhão limitada (Cód. Civil, ar-
tigos 176 e 177). São bens próprios: 1.° Os que o côn-
juge traz para o casamento; 2." Os que adquire durante
o casamento a título gratuito, 3.° Os que adquire a título
oneroso, quando a causa de aquisição é anterior ao casa-
mento; 4.° A indenização por acidentes ou seguro de vida,
deduzidos os prêmios pagos durante a sociedade.
Os contratos antenupciais devem ser lavrados por es-
critura pública, anterior ao matrimônio, e não poderão ser
alterados na constância deste. E' a doutrina de nosso di-
reito (la), com o qual concordam, em grande maioria, os
Códigos vigentes. Citarei o francês, arts. 1.394-1.395, o
português, 1.097-1.105; o argentino, 1.217-1.219; o chi-
leno, 1.716-1.722; o italiano, 150; o espanhol, 1.320 a
1.324, e o uruguaio, 1.943 e 1.944.
Estes princípios, no entanto, não vigoram para a
Alemanha, cujo Código Civil, art. 1.432, tolera que os
pactos reguladores do regime de bens se alterem e se dis-
solvam, respeitando-se, todavia, os direitos adquiridos de
terceiros. A mesma doutrina, quanto à possibilidade de
sua alteração e dissolução dos contratos matrimoniais na
constância do matrimônio, com ressalva dos direitos de
estranhos, depreende-se do silêncio do Código Civil da
Áustria (2).

(1-a) Cód. Civil. art. 256, § único, I, e 230.


(2) Roth, System, II, 93, nota 11.
DOS EFEITOS DO CASAMENTO 17&

Também o Código Civil mexicaíio, art. 180, admite


que os pactos reguladores da vida econômica dos cônjuges
sejam concluidos antes da celebração do casamento, ou na
constância dele,
Mas, dada a inalterabilidade dos regimes de bens no
casamento, será admissível fazê-los modificar por condi-
ções suspensivas ou resolutórias ? Parecerá talvez estra-
nha a interrogação: mas, uma vez que LAFAYETTE julgou
possível a subordinação da comunhão a uma condição re-
solutiva, é lícito que seja formulada a pergunta em termos
gerais, porque não há motivo plausível para admití-la em
relação a um regime, excluindo-a dos outros. Portanto, é
lícito perguntar: é possível modificar os regimes dos bens
por meio de condições resolutórias ou suspensivas? Apesar
das conhecidas hesitações do indigesto causídico "de curta
inteligência e nenhuma filosofia" que, por instinto, adivi-
nharam "os Bernardos e os Cruzios", no dizer de ALE-
XANDRE HerCULANO, e apesar da concessão de LAFAYÉT-
TE (3), a questão não podia ser duvidosa, antes da Co-
dificação civil (4).
Teixeira DE Freitas mostrara que os interesses de
terceiros estariam sempre ameaçados pela condição reso-
lutória de um contrato matrimonial. E era doutrina ge-
ralmente aceita entre os escritores pátrios e franceses que,
pelo fato do casamento, tornavam-se irrevogáveis as con-
venções relativas aos regimes de bens dos cônjuges (5). A

(3) Dir. de família, pág. 115, nota.


(4) O Cód. Civil, art. 230, consagra, expressamente, a irre-
vogabilidade dos pactos antenupciais. O de<sreto-.lei n. 4.657, de
4 de Setembro de 1942 [Introdução ao Código Civil), art. 7, § 5.°,
íaculta ao estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, adotar o
regime da comunhão universal de bens.
(5) Teixeira de Freitas, Consolidação, art. 88 e notaj C.
r>A Rocha, Instituições, § 256; B. Carneiro, Dir. civil, § 133;
Moureon, Rép. écrites, liv. 3, T. 5, n. 23; Laurent, Cours élé-
mentaire n. 384; Código Civil francês, art. 1.395; holandês, 202,
e italiano, 1.385; Projeto Coelho Rodrigues, 1.977. Este último
170 DIREITO DA FAMÍLIA

condição resolutória ou suspensiva redundaria em alte-


ração do regime adotado.
São nulas as convenções matrimoniais não se lhes
seguindo o casamento (5a). Desaparece o fim para o qual
foram celebradas, se não houver o casamento.
As convenções antenupciais devem ser transcritas no
registo de imóveis, para valerem contra terceiros (artigo
261),
Os regimes de bens no casamento, embora afetem mo-
dalidades diversíssimas (6) , reduzem-se todos a dois tipos,
o da comunhão e o da separação, os quais, combinando-se,
fazem surgir essa expansão polimórfica de tantos regimes
diferentes, consignados nos Códigos e engendrados pelas
convenções dos indivíduos.

§ 33

DOAÇÕES ENTRE CÔNJUGES (*)

Nosso direito recebeu do romano a desconfiança


pelas doações entre cônjuges. Somente se tolerava, rne-

só admite uma exceção à regra da inalterabílidade; é a renúncia da


comunhão pela mulher, quando verificar que lhe é prejudicial. La-
fayette, igualimente, fazia uma só exceção em relação à comunhão,
sustentando, com sólidos argumentos, a irrevogabilidade dos pactos
.antenupciais (§ 53).
(5-a) Cód. Civil, art. 256, parágrafo único, II.
(6) Os redatores do Projeto do Código Civil alemão, para
darem idéia da abundância de soluções legislativas a respeito do re-
gime prefierido, avaliaram em mais de cem os sistemas vigentes nas
raias do próprio império germânico. Bridel, professor em Genebra,
a quem devo esta informação, acrescenta que, em proporção, a Suiça
oferece ainda maior variedade; "os 25 carutÕes de que se compõe a
Confederação teem regime especial para cada um deles, com uma
população de três milhões de habitantes" {Derechos de la mujer, pá-
ginas 83-84). Hoje, o Código Civil, reduziu essa variedade aos dois
tipos acima indicados.
(*) Como este assunto é mais desenvolvidamente tratado no
meu Direito das obrigações, § 92, para ele se remete o leitor.
mm

DOS EFEITOiS DO CASAMENTO 177

diante as condições de revogabilidade, até à morte do


doador, de anulação por superveniência de filho e de res-
cisão por ínoficiosidade (Ord 4, 65). Essa inoficiosi-
dade aparecia quando o cônjuge doador vinha a falecer,
deixando herdeiros, que se considerassem desfalcados em
suas legítimas. Estas deviam ser completadas com os
bens doados, e o restante era restituído ao cônjuge dona-
tário (Ord. cit. e Consolidação das leis civis, arts. 138
e 139).
Consideravam-se, no entanto, como eficazes e a co-
berto de revogabilidade os atos benéficos: 1.°, que não
faziam o doador mais pobre, embora tornassem o dona-
tário mais rico; 2.°, que, diminuindo o patrimônio do
dador, não aumentavam o do donatário; 3.°, que cons-
tituíssem doações módicas ou wottis causa (1).
O Código Civil fez tábula raza de todas essas
normas, e deixou que a espécie fosse regulada pelo direito
comum.
Quando o regime do casamento é o da comunhão
universal de bens, não teem objeto, são impossíveis as
doações entre cônjuges durante a vida. Mesmo as ante-
riores ao casamento resolvem-se com ele, se não tiverem
a cláusula da incomunícabílidade. Se o regime é de sepa-
ração ou dotal, a doação é possível, salvo se a separação é
imposta por lei (art. 25, § único).
Nas legislações estranhas, encontra-se uma grande
divergência. Aceitam umas a possibilidade das doações
de que agora me ocupo, rejeitam-nas em absoluto algumas
outras, enquando um terceiro grupo se harmoniza com a
doutrina da lei pátria (2).

(1) D. 24, 1, fr. 5, § 16; Repertório das Ordenações, pá-


.gina 176; Borges Carneiro. § 154, ns. 21 e segs. ; Cafayette
-Direitos de família, § 99.
(2) Vide o cit. § 92 do Direito das obrigações.

— 12
178 DIREITO DA FAMÍLIA

§ 34

DIREITO SUCESSÓRIO ENTRE OS CÔNJUGES

No direito romano decemviral, a mulher, sob a


manas marítal, era chamada a sucessão loco Hlice, e, por-
tanto, era herdeira legal na sucessão intestada de seu ma-
rido. Dí-lo, em termos positivos, Ulpiano: Sai heredes
sunt libeti qaos tn potestate hahemus, tam natatales qaam
zdoptioi item uxot quce in mana est. Não havendo con-
venção de manas, a mulher era, até certo ponto, como
que estranha à família do marido, e, consequentemente,
sem direitos hereditários em relação ao patrimônio dela.
Com o desaparecimento gradual das formas solenes
de casamento, das quais resultava a manas, interveio o
pretor, deferindo a sucessão ao cônjuge sobrevivo, todas
as vezes que o premorto não deixasse herdeiros, que pu-
dessem invocar a bonorum possessio, na qualidade de cog-
nados. Exigia, porem, o direito pretoriano que, no mo-
mento da morte do cônjuge sucessível, subsistisse um
jastam matnmonias, afim de ser concedida a bonoram
possessio ande vir et uxor,
Com as inovações introduzidas por JUSTINIANO no
direito hereditário, tornou-se difícil a sucessão dos côn-
juges, porque os colaterais eram preferidos, sem distinção
de graus. Por isso mesmo, o imperador resplveu remediar,
de certo modo, o mal, conferindo, à mulher pobre e in-
dotada, o direito de suceder ao marido abastado. A quota
hereditária tomava, cm tal circunstância, a designação de
qaarta uxoria, mas sua determinação quantitativa diver-
sificava, segundo a qualidade e o número dos herdeiros
com os quais concorresse a mulher indotada. Se havia
filhos comuns em número superior a trés, a porção uxoria
era uma quota viril no usufruto; se havia três ou menos
de três filhos comuns, era de uma quarta parte, no usu-
DOS EFEITOS DO CASAMENTO 179

fruto; se outros eram os herdeiros, câheria a viuva uma


quarta parte na propriedade dos bens deixados (1).
Ao marido pobre não julgou o imperial legislador
que necessitasse de favores sucessórios. Bastava-lbe a con-
cessão pretoriana da bonorum possessio ande vív et axov,
embora falivel.
No direito germânico, a sorte das viuvas encontrou
amparo em várias instituições, mormente no Morgengabe
e no doário, t
O direito pátrio chamava o cônjuge sobrevivo a su-
cessão do predefunto, somente na ausência de parentes co-
laterais até ao décimo grau, exigindo, alem disso, a coha-
bitaçâo ao tempo da morte (Ord., 4, 94) (2). E assim,
na melhor hipótese, quando o regime de bens aceito erao
da comunhão universal, a metade da fazenda comum po ia
ir ter a mãos de pessoas já quase estranhas à família, em
prejuízo daquele que talvez fosse o principal fator dela,
pela habilidade com que dirigira os haveres conjugais, ou
mesmo por tê-los trazido em sua totalidade! Mas, na hi-
pótese de um regime de separação, era possível que um
dos côniuges se achasse, por ocasiao da morte do outro,
na privação completa de bens. E, ao menos em atenção
à fragilidade feminina, ao menos em atenção aos precon-
ceitos sociais, dominantes, que, em parte, ainda afastam a
mulher da agitação dos negócios, dever-se-ia providenciar
no sentido de obter-lhe uma situação melhor. Uma re-
versão ao vetusto direito pretoriano já seria um progresso.

(1) Novclla, 53, cap. 6, et 117, cap. 5


para a sucessão
(2) A ordem estabelecida pelo Código Cml,
a
legítima é a seguinte: 1 . , os descendentes ;■ A os ascendentes; 3.°, o
cônjuge sobrevivente; 4.a, os colaterais; 5. a União ou os Es-
tados.
O Projeto primitivo, arts. 1.772 e segs., colocava o cônjuge su-
pérstite na terceira classe dos chamados à sucessão, mas permitia-lhe
concorrer com as duas primeiras, quando o regime matrimonial dos
bens não fosse a comunhão.
180 DIREITO DA FAMÍLIA

Mas o Código Civil alterou, nesta parte, considera-


velmente, o direito anterior, chamando o cônjuge sobre-
vivo à sucessão do premorto, depois dos descendentes e dos
ascendentes (2a)»
Mereceu todos os encômios do ilustre ClMBALl, o
legislador italiano, por se afastar do Código Civil francês,
cujo arL 767 firmava doutrina semelhante à do direito
brasileiro anterior à Codificação, e, "animado por alto
sentimento de justiça reparadora", conseguiu organizar "a
sucessão dos cônjuges sobre uma base", mais justa e ra-
cional, "dando satisfação às íntimas relações nascidas da
tenacidade do vínculo conjugai, da comunhão de afetos,
da participação assídua e comum nos trabalhos da vida,
do cuidado díuturno e freqüente, enfim, prestado à prole
comum" (3)»
São estas as disposições do Código Civil italiano,
em relação ao direito do cônjuge superstite diante da su-
cessão intestada do premorto: Art. 753: "Quando o fa-
lecido, deixa filhos legítimos, o outro cônjuge tem, sobre
sua sucessão, o usufruto de uma porção hereditária igual
à de cada um dos filhos, incluído, no número destes, o
próprio cônjuge sobrevivente. Se vierem filhos naturais
à sucessão, em concorrência com os legítimos, o cônjuge
tem o usufruto de uma porção igual à de cada filho legí-
timo. Esta porção de usufruto não poderá exceder à quarta
parte da sucessão". Art. 754: "Se não há filhos lefítimos,
mas ascendentes ou filhos naturais, irmãos, irmãs, ou des-
cendentes destes, o cônjuge sobrevivo tem direito à terça
parte da sucesão". Art. 754: "Se não há filhos legítimos,

(2-a) <Cód. Civil, art. 1.603. O decreto-lei n. 3.200, de 19


de Abril de 1940, art. 17, confere à brasileira casada com estran-
geiro, sob regime, que exclua a comunhão universaíl, o usufruto da
quarta parte da herança deixada pelo marido, se houver filhos brasi-
leiros, e a metade, se não houver. O art. 18 desse decreto refere-se
à sucessão do filho brasileiro, matéria a ser apreciada no direito he-
reditário.
(3) Ci m bali, La nu ova fase dei diritto civile, pág. 257.
DOS EFEITOS DO CASAMENTO 18Í

cônjuge vem à sucessão concorrentemente com os ascen-


dentes legítimos e filhos naturais, só tem direito a um
quarto da sucessão". Art. 755: "Quando o defunto deixa
outros parentes sucessiveis, a sucessão é deferida ao côn-
juge por dois terços. Se o defunto não deixa herdeiros
sucessiveis, a sucessão é devolvida ao cônjuge, por inteiro".
Art. 756: "Se o cônjuge se acha em concorrência com
outros herdeiros, deve imputar sobre sua porção heredi-
tária as vantagens resultantes de suas convenções matri-
moniais e os ganhos dotais". Art. 757: "Os direitos da
sucessão concedidos ao cônjuge sobrevivo não pertencem
àquele contra o qual o defunto haja obtido sentença de se-
paração corporal passada em julgado".
Perante a sucessão testamentária, conservou o Có-
digo Civil italiano a qualidade de herdeiro reservatário ao
cônjuge superstite, concedendo-lhe, porem, somente uma
quota de usufruto, que não poderá exceder jamais à quarta
parte, no caso de concorrer com herdeiros legítimos, e da
terça, na hipótese de concorrer com outros herdeiros (4).
Para essas equítativas disposições, haviam o Código
Civil da Áustria (arts. 757 e segs.) e alguns dos códigos
civis italianos, anteriores à unificação do reino, preaberto
o caminho aos eruditos colaboradores do Código vigente.
H a força da razão e da justiça atuou mais tarde em
Crança, onde apareceram as leis de 9 de Março de 1891
€ 29 de Abril de 1925, vazadas em moldes, que se apro-
ximam das disposições com que o Código italiano firmou
^ reserva do cônjuge superstite. As particularidades e mi-
núcias do assunto, porem, cabem mais adequadamente
na exposição do direito hereditário do que no da fa-
mília (5).

(4) Cck%o Civil italiano, arts. 812-814 e 820. Quanto à na-


tureza e valor jurídico da reserva conjugai, vejam-se as luminosas
Ponderações do egrégio Cm bali, Nuova fase, págs. 260 e segs.
(5) Veja-se o Direito das sucessões, §§ 48 e 49.
182 DIREITO DA FAMÍLIA

Na Suíça, antes do Código Civil federal, o cônjuge


sobrevivo concorria, geralmente, com os mais favorecidos
dentre os herdeiros. Em Berna, chegava a excluí-los mais
ou menos completamente (6). Em Zurich (Cód. Civ.,
arts. 899 a 905), alem dos presentes de núpcias e dos
objetos doméstcos (Hausrath), tinha o cônjuge direito
a uma quota de usufruto ou de plena propriedade sobre
a herança deixada, a qual variava de extensão, conforme
a qualidade dos herdeiros, com que entrava em partilha.
Na falta de parentes sucessiveis, a herança era, por in-
teiro, deferida ao cônjuge sobreexistente. No cantão dos
Grisões, o cônjuge sobrevivo tinha direito ao usufruto dos
bens deixados pelo premorto, enquanto permanecesse em
viuvez. Era de um terço esse usufruto se o defunto dei-
xasse descendente e de dois terços no caso contrário.
O Código Civil, atualmente em vigor, deixa ao côn-
juge sobrevivente a escolha da metade do usufruto ou da
quarta parte da propriedade da herança, se o premorto
deixa descendentes. Em concurso com os ascendentes ime-
diatos do morto, ou os descendentes destes, cabe-lhe um
quarto em propriedade (art. 462) (6 a).
Em Portugal (Cód. Civ., art. 2.003), o cônjuge
sucedia na falta de descendentes, ascendentes, irmãos e
descendentes de irmãos do falecido, salvo achando-se ju-
dicialmente separado por culpa sua. A lei de 31 de Ou-
tubro de 1910, art. 6.°, deu-lhe posição mais vantajosa,
logo após os ascendentes. No Chile (Cód. Civ., artigos
1.172-1.180), a porção conjugai, que compete mesmo
ao cônjuge divorciado, quando inocente, é de um quarto
do acervo hereditário, exceto se existem, descendentes le-
gítimos, porque, nessa hipótese, a quota do cônjuge será
igual à de um filho. Na República Argentina (CÓd. Civ.,
arts. 3.570-3.576), o viuvo (ou viuva) concorre com os
descendentes e ascendentes legítimos, providos de direitos

(6) lyEHR, Code Civil de Zurich, IntroHuction, pág. XLVI.


(6-a) V. o Direito das sucessões, § 43.
DOS EFEITOS DO CASAMENTO 183

iguais, e exclue a todos os parentes naturais. E o sistema


que me parece ter melhor acertado, no empenho de tra-
duzir, em dísticos legislativos, a verdade de sentimentos
que sobrenadam na conciência dos que meditam sobre as
dolorosas contingências da vida humana (7).
O Código Civil alemão, art. 1.931, chama o côn-
juge sobrevivo à sucessão, concedendo-lhe uma quarta
parte, se em concorrência com herdeiros legítimos da pri-
meira ordem, conferindo-lhe a metade, se em concorrência
com os da segunda ordem. Não havendo herdeiro das
classes indicadas, nem avós, o cônjuge recolhe toda a he-
ran a
Ç - . , ,
Pelo Código Civil do Perú, o cônjuge e herdeiro da
quarta ordem, mas concorre com os herdeiros das classes
■superiores e é reservatário (arts. 700-705 e 765 a 770).

(7) Consultem-se ainda: o Código Civil espanhol, arts. 834-


839, que assinala como reserva ao cônjuge^ sobrevivo, sempre, uma
parte de usufruto, e que o chama a sucessão apos os descendentes,
ascendentes, irmãos e descendentes de irmãos, o direito russo antigo,
que assegurava direitos hereditários, bem consi eraveis, aos cônjuges
(Lehr, Droit civil russe, I, págs. 424 e segs.). O Código Civil
■soviético chama o cônjuge sobrevivo à sucessão em concorrência com
■os descendentes (art. 418), limitada a sucessão a 10.000 rublos-
ouro. O excedente dessa quantia pertence ao Estado (art. 417).
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CAPÍTULO V

REGIME DA COMUNHÃO DE BENS

§ 35

/ NOÇÃO E ORIGEM DA COMUNHÃO DE BENS

a) Manifestações prodrômicas

Depois das noções gerais, que acabam de ser dadas;


sobre as relações pessoais e econômicas entre os cônjuges,,
durante a permanência da vida em comum e após a sua
cessação mesmo, tem-se uma ligeira, mas suficiente, noção
para apanhar, em seu conjunto, esse tecido de direitos e
obrigações, que se urde com o casamento, e é possivel pe-
netrar mais aprofundadamente em certos detalhes, sem
temor de que a especialização conturbe a vista do obser-
vador. Entramos, portanto, agora, no exame direto, em-
bora não exhaustivo, embora não minucioso, dos regimea
de bens em particular. Não ambiciona traçar este livro
mais do que as linhas essenciais dos vários institutos que
se englobam na órbita do Direito da família.
Consideraremos, em primeiro lugar o regime da co-
munhão ,por ser o preferido pelo nosso direito, e por estar
mais em harmonia com a transfusão de interesses que deve-
180 DIREITO DA FAMÍLIA

caracterizar a vida conjugai, que faz do marido e da mu-


lher uma só pessoa, cato una. Realmente, a comunhão de
hens unifica os patrimônios dos cônjuges, ou totalmente,
formando com eles um acervo, sob a propriedade e posse
indivisas de ambos, quando é universal, ou limitadamente,
abrangendo somente certa classe de bens, quando é parcial.
Muitas objeções teem sido levantadas contra o regime da
comunhão de bens. E' de todos o mais perigoso, diz Brí-
DEL (1), porque deixa os interesses da mulher à mercê do
marido, como chefe da sociedade, sem que as garantias da
lei os possa proteger. E' dos maiores enganos consignados
nas leis, acrescenta ACOLLAS, pois que a mulher traz para
essa comunhão abusiva e desleal, tudo quanto possue, mas
de nada pode dispor e, quando se dissolve a sociedade con-
jugai, reconhece, muitas vezes, que foi esbulhada.
Por ocasião de se discutir o Código Civil alemão,
ainda se alegou em desfavor desse regime, que impede a
conservação das propriedades territoriais nas famílias.
Afastemos esta última objeção de ordem puramente
econômica, por se não apoiar nos dados da respectiva
ciência, os quais aconselham antes a distribuição mais
fácil, a circulação mais rápida dos bens, como remédio
contra as torturas dos necessitados e a injusta desigual-
dade dos benefícios ligados à detenção das riquezas.
As outras teem algo de fundado, mas os inconve-
nientes que elas destacam, podem ser evitados. Podemos
conceder à mulher casada maior autonomia e cercar o pa-
trimônio da sociedade doméstica de garantias mais sérias.
E o que se não pode contestar é que este regime,
sobretudo a comunhão universal, é o que melhor cor-
responde à natureza do casamento, como fundamento da
mais estreita união de vida e de interesses entre o homem

(1) Derechos de la mujer, pág. 100. Do mesmo parecer se


.mostra Th. Huc, Commentaire, IX, tis. 14 a 19.
REGIME DA COMUNHÃO DE BENS 187

€ a mulher. "E', no dizer de ENDEMANN (2), a expressão


mais perfeita da comunhão de vida estabelecida pelo ma-
trimônio sobre as bases da confiança plena . Aquele a
quem a mulher confia seu corpo, confia^ também a sua
fortuna", acrescenta o mesmo escritor: Wem die Frau
ihren Leib trauet, dem trauet sie auch ihr Gut^.
O regime da comunhão de bens entre cônjuges en-
contra-se, vicejando, em quase todas as legislações dos
povos europeus e seus descendentes; ora sendo o regime
preferido, como na França, ora sendo apenas tolerado,
como na Itália, ora tendo maior largueza, como entre nós,
direito, encontra-se o condomínio, a compropriedade na
Espanha, por exemplo, e nos países germânicos, onde está
cm prática, simplesmente, a parttcataere Guetergemein-
schaft em antítese à allgemetne Guetergemetnschaft.
Mas de onde nos veio esse regime de bens, que povo
o engendrou primeiro, para transmiti-lo aos modernos
como uma das mais belas conquistas do direito familial ?
Mergulhando fundo na história das instituições e do
direito, encontra-se o condomínio, a compropriedade na
família, constituindo a base da sucessão legítima entre
povos antigos, base que era, aliás, corroborada pelo ele-
mento religioso. Devemos prender a comunhão de bens
entre cônjíiges a esse antiquíssimo costume, que os histo-
riadores atestam haver existido entre antigos árias, gregos
e romanos dos tempos primitivos? _ • i j r
Parece que não. Essa comunhão patrimonial da fa-
mília primitiva era, simplesmente, o reflexo de sua orga-
nização naqueles tempos, em que o indivíduo, ainda não
tinha uma vida jurídica distinta da coletividade, estado
social para o qual, poderosamente^ concorreu o culto dos
antepassados. Esses agrupamentos de homens, a família

(2) Binfuehrung, II, § 184. Vejam-se também os pareceres


favoráveis de Baudry-Lacantinerie, III, n. 15; Planiol, Traité,
III, ns. 907-911; Laurent, Avant Pr o j et; Martinho Garcez Fi-
cho, Direito de família, I, tít- III, cap. II.
188 DIREITO DA FAMÍLIA

ou a gens ou o clã, estavam todos organizados de forma'


a constituírem uma verdadeira unidade, na qual estavam,,
absorvidas todas as manifestações vitais dos átomos que-
os perfaziam. Em um tal sistema parece essencialmente
distinto daquele em que se atribuem largas prerrogativas
A mulher, igualando-a, na esfera do direito civil, a seu ma-
rido.
O que se pode afirmar, com plausível razão, é que
essa comunhão patrimonial da família primitiva preabríu
o caminho para a comunhão dos bens entre cônjuges, de-
positando, na conciêncía dos povos, sedimentos simpáticos
aoi recebimento dessa nova instituição, filha dos senti-
mentos de benevolência marital e dessa longuíssima evo-
lução, que vem, desde muitos séculos, trabalhando por
emancipar a mulher dos rigores da tutela viril, colocan-
do-a em condições de preencher, dignamente, os fins a que
se destina dentro da sociedade doméstica e civil.
E' assim que, mesmo em Roma, depois de individua-
lizada a propriedade, encontram-se afirmações de um re-
gime de comunhão de bens, entre os que se casavam pela-
forma solene da confarteatio, como anteriormente as co-
nhecera o direito egípcio e ainda o de outros povos (3).
Mas foram vegetações que não puderam enraizar na crosta
róchea dos costumes, e, em breve, feneceram sem legar se-
mentes, de onde espigassem novas hastes.

(3) E' certo que, a despeito da manus, havia, no viver dos ro-
manos, ainda nas épocas sadias de modéstia e virtude, pelo menos,
irídivisão de interesse e fortuna: Nihil conspiciehatur in domo divi-
duuni, nihil quod maritus a-c joemina proprium esse júris sui diceret:
sed in commune conspiciehatur ab utroque. N!ão era o viver jurídico,
mas era o real esse de que nos fala Columkca, De re rústica, Praef.
do liv. XII, citado por Jhering, Bspiritu dei derecho romano, II,,
§ 37, e por Cogliolo, nota (d) ao cap. XIII da história de Padel-
letti . Aliem disso, diz Dionysio que, desde Romulo, se firmara o
princípio de que uxorem. quae nuptiis sacratis (confarreatione) m
manum marii convenisset. communionem cum eo habere omnium bo-
norrnn ac sacrorum (apud Carle, Origini dei dir. rom., págs. 329-
REGIME DA OOMIXNHÃO DE BENS 189

Se a comunhão, de bens entre cônjuges não se prende,


por elos diretos, à compropriedade primitiva, nem a esses
malogrados ensaios, a que acabo de me referir, só um ca-
minho nos resta a seguir, e esse deve ser norteado para as
florestas lendárias, onde estanciavam as tribus germânicas,
das quais brotaram fontes fecundíssimas do direito mo-
derno, quando puseram em contacto suas usanças, ainda
mal polidas com o artístico e harmonioso poema jurídico
dos romanos.

§ 36

NOÇÃO E ORIGEM DA COMUNHÃO DE BENS

b) Desdobramento evolutivo

A comunhão de bens, é um ponto liquidado na his-


tória do direito, nos veio dos germanos, que a derramaram

330). Mas bem se vê que não é a comunhão igualitária do direito


e •sim a dos sentimentos, que os costumes consolidam.
'.No Egito, uma das formas do casamento assemelhava-se à con-
jarreatio, e determinava uma certa comunhão (patrimonial entre os
cônjuges (d'Aguano, Gene si, pág. 285).
Era Babilônia, segundo o Código 'de Hammurabi, havia uma co-
munhão limitada aos frutos e rendimentos (F. Besta, Le leggi de
Hammurabi, na Revista italiana de sociologia, 1904, pág. 203).
Nla Grécia, dizem os historiadores que o dote trazido pela mu-
lher se tornava propriedade comum dos dois cônjuges, mas, como
o marido tinha de restituí-ilo, depois, esvaiu-se a comunhão parcial
desse sistema jurídico. Peutarcho e Xenophonte elogiam, com emo-
cionante eloqüência, a comunhão matrimoniãl dos bens; mas Beau-
chet, que os cita, declara que jamais esse regime foi praticado entre
os gregos (Histoire du droit prive de Ia rép. athénienne, I, pá-
ginas 246 e seguintes).
Em Sumatra, o casamento pela forma do sentando origina uma
verdadeira comunhão de acquestos (Grande encyclopédie verb.
-Pamille ).
190 DIREITO DA FAMÍLIA

por quase toda a Europa. Profundas pesquisas realizadas


por escritores tedescos, especialmente por SCHROEDER,
SOHM e Schulte, deixaram o assunto perfeitamente elu-
cidado.
Em Roma, tal instituição não poude medrar, e a evo-
lução jurídica orientou-se para outro rumo, neste parti-
cular. Ao tempo dos casamentos cum mana, a mulher
nada podia adquirir, nada possuía para si, quaisquer que
fossem as atenuações introduzidas na intimidade do lar,
em benefício dela. Com os casamentos livres, passou a
ter a propriedade exclusiva de seus bens, sendo, afinal,
destinados para a sustentação dos encargos matrimoniais,
somente os rendimentos do seu dote.
Na Germânia, ao tempo do mundtum, o marido
tinha direitos de senhor sobre os bens da mulher, em-
bora não fosse proprietário exclusivo; mas o rigor desse
princípio, era abrandado pelo antiquíssimo costume das
mútuas doações. Com o desaparecimento do mundium,
os cônjuges foram considerados como uma unidade, ou
como associados de direitos iguais sobre o patrimônio do
casal. Desse princípio resultaram: a comunhão meramente
administrativa do direito saxônio e a comunhão real de
outras estirpes, principalmente franca. Esta comunhão
foi-se, dia a dia, acentuando, no sentido de uma compro-
priedade efetiva, diz SCHULTE (4). Mas é intuitivo que
esse resultado não foi alcançado de um jato. A evolução
foi lenta, ascendendo por estádios sucessivos. Para acom-
panhá-la, em traços ligeiros, cumpre a qualquer tomar por
guia SCHROEDER, em que se apoia ROTH.
"Está, hoje, fora de dúvida, diz este último escritor,
que o ponto central da formação da comunhão de bens
do direito alemão deve ser procurado entre os francos".
E, para comprovar a tese assim enunciada, acrescenta: "O
regime dos bens no casamento, segundo o direito franco.

(4) Shulte, Hist. du droit et des Inst. de l'Allemagne,,


§§ 168-171.
REGUMiE DA COMUNHÃO DE BENS 19]

tem como ponto de partida, a comunhão dos aquestos,


que, já no século IX, se manifesta entre os francos n-
puários. O costume de obter a mulher, por Motgengabe,
uma parte dos bens adquiridos {tertta collaboratioms),
transforma-se, com o correr dos tempos, em um direito
da mulher {gesetzltcher Ansprucht der Ehefrau) a uma
parte dos mesmos bens, em todos os casos em que não foi
tomada outra deliberação por contrato antenupcial . E
mais adiante: "Enquanto pela comunhão de administra-
ção, a disposição do marido em referência aos seus bens
próprios, de modo algum era dependente de consentimento
da mulher, o antigo direito franco dava a esta uma ga-
rantia, para que o marido não a prejudicasse, em sua parte
nos adquiridos, por uma disposição unilateral de ^seus
próprios imóveis. Essa garantia consistiu em exigir que
o mando pedisse outorga de sua mulher para a alienação
dos bens imóveis, quer fossem seus, quer trazidos por ela.
Logo, porem, firmou-se o princípio de que nenhum dos
cônjuges podia, durante o casamento, dispor de seus imó-
veis por ato unilateral, e a conseqüência natural dele foi
a aceitação de uma comunhão da propriedade imovei, a
qual encontrara sua expressão no costume, já anterior-
mente estabelecido, de inscreverem-se os bens de raiz nos
livros públicos {oeffenthche Buecher), sob o nome de
ambos os cônjuges, . . " Alem de que já o uso da assi-
nação de uma parte dos bens adquiridos importava, para
a mulher, em uma pretensão jurídica sobre os mesmos,
efetuou-se, por meio de recíprocas doações entre os côn-
juges, uma expansão da comunhão sobre os moveis, e,
mais tarde, sobre todos os bens, de sorte que deviam, em
sua totalidade, ser partilhados entre_ o cônjuge sobrevi-
vente e os filhos, quer fossem moveis, quer imóveis, quer
quotas (5).
■— 1
(5)' Roth, System des deutschen Privatrechts, 11^ § 101, pá-
ginas 59-60. A demonstração continua baseada em Schroeder, Gcs~
chichte des chelichen Gueterechts; mas o que deixei transcrito é su-
ficiente. Os curiosos recorrerão às fontes.
192 DIREITO DA FAMÍLIA

Ser-me-á escusada esta longa citação, atendendo-se a


que se vê, nos trechos transcritos, perfeitamente traçada
a marcha do instituto, desde a sua formação no Morgen-
gabe, até seu último estádio, primeiro, uma simples ga-
rantia, depois, a comunhão somente dos imóveis, e, final-
mente, de todo o patrimônio do casal, marcha que, ver-
se-á, não discrepa da que seguiu o mesmo instituto em
Portugal, e também porque muitos institutos jurídicos,
conservados em nossas leis civis, aí encontram a explicação
histórica de sua existência, como seja, por exemplo, o que
exige a necessidade da outorga da mulher para a aliena-
ção dos imóveis, mesmo próprios do marido.
Mas, não é somente para a Alemanha, que a origem
do regime da comunhão de bens entre cônjuges deve ser
procurada nos costumes jurídicos dos germanos. A tese
é também exata para a França, onde esse princípio passou
do direito costumeiro, principalmente do costume de Pa-
ris, para o Código Civil, no qual se fundiram as duas
principais correntes divergentes do direito francês, a ger-
mânica infiltrada ou, antes, consubstanciada no direito
costumeiro e a romana expressa no direito escrito.
A tese ainda é verdadeira para os paises escandina-
vos, onde as antigas leis já estabelecem uma certa comu-
nhão, cabendo, na Islândia, um terço da totalidade dos
bens do casal à mulher; começando a comunhão, alguns
meses depois do casamento, na Noruega. Na Suécia, exis-
te a comunhão dos adquiridos, com certas garantias, para
a mulher, quando o marido não puder administrar, con-
venientemente, os bens dõ casal (6). Na Dinamarca, o re-
gime legal" de bens entre cônjuges é a comunhão uni-
versal (7).

(6) Lei de 27 de Maio de 1898, Annuaire de législation étran-


gère, leis do mesmo ano, pág. 585 e segs.
(7) Jahrbuch der internationalen Vereinigung fuer vergl. Re-
xhtswissenscíuift, 1904, pág. 661.
REGIME DA COMUNHÃO DE BENS 193

E assim por toda a parte.


Em Portugal, também está fora de dúvida que o
regime da comunhão procede de origem germânica, por
intermédio dos visigodos (8) cujas doutrinas, no que diz
respeito a dotes e outros regimes de bens, conservaram-se
tenazmente,através do domínio árabe e dos tempos
em seguida, como no-lo atesta ALEXANDRE Hercu-
LANO (9).
Dos visigodos passou essa instituição aos espanhóis
e portugueses. Começara por ser, entre os visigodos, sim-
ples comunhão de adquiridos, com fundamento na mútua
colaboração, como diz Mello Freire, e ainda sob esta
forma consagra-a, moderadamente, o Código Civil espa-
nhol. Em Portugal, porem, o instituto assumiu um de-
senvolvimento mais completo, arraigando-se nos costu-
mes, consolidando-se, dia a dia, alargando-se numa ex-
pansão de pujante florescência. As Ordenações Afonsinas
referem-se à comunhão universal, como uso penetrado, in-
teiramente, nas populações, que a faziam vigente pelo
simples fato da entrada na vida conjugai, em algumas
partes, e, por convenção, como criteriosamente nota COE-
LHO DA Rocha, deixou vestígio indelevel na dualidade de
expressão usada pelo Código Filípino: — segundo o cos-
tume do reino; por carta de ametade.
As Ordenações Manuehnas determinaram que a co-
munhão fosse o regime legal, sempre que as partes não
estipulassem outra coisa; a mesma doutrina reproduziram
as Filipinas. E de tal forma inoculou-se e alastrou este re-
gime nos costumes portugueses, que o citado COELHO DA
Rocha, se julgou habilitado a dizer que legislação seme-
lhante somente se poderia deparar na Holanda, referin-

(8) Código visigótico, IV, título 2, lei 16; Wiijíena, Raças


históricas \da península ibérica, pág. 136; Mello Freire, Institui-
ções de direito civil; Liz Teixeira, Curso, vol. 1, págs. 376-379.
(9) História de Portugal, I, nota VI.
194 DIREITO DA FAMÍLIA

do-se à universalidade da comunhão legal (10). Essa afir-


mação do erudito civiiista português tem sido repetida por
juristas pátrios, mas a verdade é que, em vários Estados
da Alemanha, também a comunhão universal de bens foi
regime legal, como, por exemplo, em muitas províncias
da Prússia, em vários pontos da Baviera, em Bremen, on-
de este regime remonta a um estatuto de 1433, em Ham-
burgo e mais ainda (H).
De Portugal, passou para nós outros brasileiros, o
regime da comunhão universal de bens, que é, atualmen-
te, tão decisivamente preferido a quaisquer outros, que
os tomamos já por pactos de exceção, onde alguns enxer-
gam até um como desar para qualquer dos cônjuges.
Este favor especial, esta pronunciada predileção pelo
regime da comunhão, entre nós, explica-se bem por estar
ele em acordo mais pleno com a índole da união conju-
gai, individuam vitae consuetidinem continens, e pela he-
reditariedade jurídica, que no-lo transmitiu dos portugue-
ses. Mas creio que, para esse resultado, também muito
contribuiu a índole dos íncolas brasileiros, que os portu-
gueses dominaram e adaptaram à sua civilização.
Entre os selvagens brasileiros, entre os tupis, menos
broncos que os tapuias, permitam-me usar destes nomes
consagrados, as famílias viviam promiscuamente em suas
ocas, como se formassem um só todo, de modo que a caça
por uma delas obtidas era devorada, irmãmente, por to-
dos os parceiros. Isto, dir-se-á, nada mais é do que um cos-
tume comum a todos os povos no estado de cultura, em
que se achavam os túpís. Certamente; mas o que se quer
dizer é que ele corroborado, alem disso, por certas notas
de psicologia étnica especial, preparou os espíritos a re-
ceberem a comunhão de bens no casamento. Os outros re-
gimes não disfarçam a dose de egoismo e desconfiança,,
que os engendrou; o da comunhão é francamente altruis-

(10) Coei,ho da Rocha, Instituições, I, nota M.


(11) Roth, op. cit., TI, §§ 103-104.
REGIME DA COMUNHÃO DE BENS 195

ta, E o aspecto meramente econômico do altruísmo é uma


das belas facetas do carater desses pobres antepassados,
que no-la transmitiram desdobrada em despreocupação,
transformada em acídía. Thevet, que muitíssimo conhe-
ceu os nossos selvícolas, deixou, a respeito, o seu testemu-
nho: "Reputar-se-ia, para sempre, deshonrado o selva-
vagem que, possuindo qualquer coisa, não suprisse o vi-
zinho ou parente, que carecesse dela".
Por outro lado, é certo ainda que, entre os tupis, a
condição da mulher, embora precária, era, contuao, menos
miserável do que na maioria das sociedades selvagens, e
D^ORBIGNT não trepidou em afirmar que ela era menos
desgraçada do que a das classes industriais da Europa,
Acrescenta o ilustre viajante: "A condição da mulher,
quanto ao trabalho, é penosa, o mais que é possível.
porem, não sofre iamats censura, pela maneira por que
governa a casa' (1*2). Se é verdadeira esta arirmação, ser-
ve-nos ainda mais do que quanto ficou anteriormente^ adr-
tnado,para explicar a fácil e profunda aclimatação ao re-
gime comunionista, não direi na lei escrita, mas nos cos-
tumes brasileiros.
Não seria impossível que, por um natural desenvol-
vimento das instituições, viessem esses povos, alcançada^
espontaneamente, a civilização de que fossem capazes, a
consagrar um regime de bens semelhante para a vida con-
jugai, pois que, no-lo narra BANCROFT, os nutkas, cm
caso de divórcio ou morte, e os spoknes partilham equita-
tivamente a propriedade do casal; semelhantemente proce-
dem os khasias, no afirmar de STEEL; e^ os dayks fazem a
mulher participar dos trabalhos do marido, dando-lhe di-
reito à metade dos bens acumulados pelo trabalho comum,
quando o casamento se dissolve (1-3). São tentativas vi-
sando, ao longe, o mesmo alvo. Se os germanos foram
mais felizes por terem mais energia, e porque foram cha-

(12) Uhomme américain, pág. 176.


(13) São citações de Spencer, Sociologie, II, págs. 329-330.
-198 DIREITO DA FAMÍLIA

mados a dar seu contingente ao patriotismo geral da civi-


lização, não julguemos que, totalmente, se perderam os
ensaios de outros povos. E eu somente quero ver, na ín-
dole e nos costumes desses povos rudes, que povoavam
nossas matas americanas, um elemento que preparou o
brasileiro, psíquica e etnologicamente, para abraçar, como
abraçou, o regime, que a lei portugesa lhe ditava.

§ 37

COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS

O regime dia comunhão é legal ou convencional. E'


legal, quando é a lei que o estabelece na ausência ou na
invalidade de qualquer contrato. E' convencional, quan-
do expressamente escolhido pelos contraentes, em pacto
para esse fim celebrado.
No direito pátriio, a comunhão é o regime legal por
excelência, porque, salvo casos especializados em lei, ele
prevalecerá, reputando-se adotado, sempre que não existir
um pacto derrogatório dele (1).
A comunhão legal, por direito pátrio, é universal,
porque agrange a totalidade dos bens, que os cônjuges tra-
zem para a sociedade conjugai e os que, na constância dela
adquirem.
Para que se dê eista comunhão, faz-se necessário:
1.°, que se tenha realizado um casamento válido, ou tido
como tal; 2.°, que não tenham os cônjuges estipulado al-
guma coisa em contrário, ou que seja nulo o pacto con-
cluído. No direito anterior, as Ordenações exigiam mais
que se tivesse passado um dia, após a celebração do casa-
mento, ou que se provasse a consumação deste. Tal exi-
gência era persistência de falsas idéias introduzidas pelo di-
reito canôníco e creio que também vestígio, sobrevivência,

(1) Cód. Civil, art. 258,


REGIME da comunhão de bens 197

atestando a origem da comunhão de hens entre cônju-


ges, que foi o Morgengabe, o presente do dia seguinte (2).
Em três casos dispensava a lei a prova de conjunção
após a celebração do casamento; quando os cônjuges tives-
sem filhos comuns, antes do casamento; quando, mesmo
sem filhos, fossem concubinados um com o outro; e quan-
do o casamento fosse precedido de rapto (dec. de 24 de
^an. de 1890, art. 57, ai.). Afastava assim a lei uma
tantas dúvidas ociosas, com que se entrelinham demandas
juridicamente fúteis, embora socialmente desastrosas.
Apesar de ter o regime preferido pelo nosso direito
e
scrito e o de que mais profundamente se acham satura-
dos os costumes em nosso país, faz-lhe o Código Civil al-
gumas reservas. Não é permitida a comunhão legal ou
convencional; 1.°, se a mulher for menor de 15 anos ou
ttfâior de 60; 2.°, se o marido for menor de 18 ou maior
de 60; 3.°, se os cônjuges efetuarem o seu consórcio,'sem
0
consentimento dos seus representantes legais; 4.°, se,
sendo viuvo ou viuva, com filhos do cônjuge falecido,
enquanto não tiver feito inventário e dado partilha dos
dens do casal; 5.°, se a mulher viuva, ou cujo casamento
hver sido desfeito por nulidade ou anulação, contrair no-
Vo
casamento, antes de findo o décimo mês depois da
tnorte do marido ou da dissolução da sociedade conjugai;
d-0, se o casamento for contraído entre tutor ou curador,
0
n seus parentes em grau proibido, e a pessoa tutelada ou
curatelada; 7.°, se for contraído entre o juiz ou o escri-

'(2) No tratado entre D. João VI de Portugal e Francisco I


a
Áustria, para os desposórios de D. Pedro de Alcântara com a
r
quiduquesa D. Carolina, assinado em Viena, a 29 de Novembro
nnn6'florins,
60 •000 Prometeque
~se> serão
a
título de pr seàente
assinados, do casamento,
noiva, depois de aconsumado
soma de
o casamento. Diverso e mais nobre era o pensamento que dominava
Ja matéria no direito romano. "A vontade marital, diz Bonfante
0 romano
^■T ' § 58)E era
tido matenalístico". a leientendida em nuptias
declarava; sentido non
éticoconcubitus
e não no
Sed c
onsensus facit (D. 50, 17, fr. 30). '
r
' ■ ^ ^ . - , <• ^ :í íS .

198 DIREITO DA FAMÍLIA

vão, ou seus parentes em grau proibido, e a viuva ou órfã


da circunscrição territorial onde um ou outro tiver exer-
cício, ainda que baja licença especial da autoridade judi-
ciária superior. Em todos esses casos o regime imposto é
o de separação (3).
A comunhão universal de bens é também o regime
da lei em Portugal (Cód. Civil, arts. 1.098 e 1.108), na
Holanda (Cód. Civil, art. 174), na Dinamarca, como
era em Narva, nas cidades livônias da Rússia, em Basiléia-
campo (lei de 20 de Abril de 1891, § 2.°), em Turgovia.
Nestes sistemas jurídicos, não subsiste mais o prazo que
as antigas leis assinalaram para o começo da comunhão,
nem a necessidade da consumação do matrimônio. E, para
cessarem as dúvidas, o Código Civil holandês, art. 174,
a semelhança do francês, 1.399, recorda que a comunhão
se estabelece de direito entre bs cônjuges, desde a celebra-
ção do casamento.
O direito francês connhece e regula a comunhão uni-
versal, porem somente quando determinada por um pacto
antenupcial (Cód. Civil, art. 1.526).
O alemão também só reconhece a comunhão univer-
sal de bens, quando firmada por contrato (arts. 1.437 a
1.518).
Quanto às reservas proibitivas da conmunhão, re-
cordarei que o Código Civil português fê-las em relação
aos menores casados, sem o consentimento de seus pais ou
das pessoas sob cuja direção estiverem; aos tutores ou pa-
rentes destes com os tutelados, antes de finda a tutela ou
prestadas as respectivas contas, salvo consentimento do
pai ou da mãe do menor, dado em testamento ou em outro
escrito autêntico (art. 1.098, combinado com o 1.058),
§§ 1.° e 2.°). Preferiu, nestes casos, o legislador portu-
guês a comunhão dos adquiridos, ao passo que o brasi-
leiro se decidiu pela separação.

(3) Cód. Civil, art, 258, § único.


REGIME DA COMUNHÃO DE BENS 199

Mais radical mostrou-se o Código espanhol, que im-


pôs, como pena, ao tutor que se casar com sua pupila ou
aos parentes dele em grau, que a lei proibe: 1C o regime
da separação absoluta de bens, ficando cada cônjuge pro-
prietário e administrador independente do que lhe per-
tencer; 2.°, proibição de doações e liberalidade testamen-
tárias entre os cônjuges; 3.°, não reconhecimento da eman-
cipação do menor pelo fato do casamento; 4,°, perda, por
parte do tutor, da administração dos bens da pupila com
quem casar,

§ 38

bens excluídos da universalidade da comunhão

A comunhão universal importa a comunicação de


todos os bens presentes e futuros, assim como das dívidas
(1); mas a lei estabelece exceções a esta regra fundamen-
tal. Assim não se comunicam; as dívidas passivas anterio-
res ao casamento, salvo se nascerem de despesas com os
seus preparativos, ou se o outro cônjuge participar das van-
tagens delas (2) ; as pensões, meio-soldos, montepios, ten-
ças e outras rendas semenhantes; os bens doados ou lega-
dos com a cláusula da incomuncabilidade; os bens grava-
dos de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissá-
rio, antes de realizada a condição suspensiva; o dote cons-
tituído ou prometido a filho de outro leito, o dote cons-
tituído ou prometido por um só dos cônjuges; as obriga-
ções provenientes de atos ilícitos; as doações antenupciais,
feitas com a cláusula da íncomunícabilidade; as roupas de
uso pessoal, as jóias esponsalícias, os livros e instrumentos
de profissão, os retratos de família; a fiança prestada pelo

(1) Cód, Civil, art. 262.


(2) Cód. Civil, art. 263, VII. Se o cônjuge devedor não ti-
ver bens próprios, com os quais pague essas dívidas, serão efas
pagas pela sua meação, isto é, imputadas nela.
200 DIREITO DA FAMÍLIA

marido sem outorga da mulher; os bens da herança, a que


se impuser a cláusula de inalienabilídade (3).
Estas exceções correspondem às do Código Civil por-
tuguês (arts, 1.109-1.110), com ligeiras variações. Aí
não se fala de tenças, pensões e fideícomissos, aliás, por sua
natureza, bens incomunicáveis, em vista de seu carater per-
sonalíssimo. Por outro lado, tornou o Código português
incomunicáveis duas terças partes dos bens, que possuir o
cônjuge que passar a segundas núpcias, ou dos que herdar
de seus parentes, tendo, de anterior casamento, filhos ou
outros descendentes (art. 1.109, § 3.°).
No direito alemão, os bens subtraídos à comunhão
são em número mais limitado. Os feudos, os fideicomis-
sos familiares, as roupas de uso, os bens reservados a cada
cônjuge (Einhands-oder-Sondergueter) são os objetos in-
comunicáveis (Cód., arts. 1.439-1.440).

§ 39

ADMINISTRAÇÃO DOS BENS NA COMUNHÃO

Na constância do matrimônio, a propriedade e a pos-


se dos bens da comunhão pertencem, conjuntamente, a
ambos os cônjuges. Mas essa composse e compropriedade
apresentam um carater especial: não podem ser transfe-
ridas a terceiro, enquanto perdura a sociedade conjugai,
e por ato inter vivos, a meação que a cada cônjuge perten-
ce. Essa translação importaria na dissolução do regime de
bens estabelecido.
Mas a administração desse condomínio pertence ao
marido ^somente (1). Apenas algumas limitações se

(3) Cód. Civil, art. 263, I a VI e VIII a XI.


(1) Cód. Civil, art. 266. O Código Civil consagrou o cos-
tume; porem a lógica do direito diz que a administração dos bens
comuns deve caber a ambos os consortes.
REGJMiE DA COMUNHÃO DE BENS 201?

opõem a essa faculdade, como já vimos nos parágrafos 27


e 28. Avulta, entre essas limitações, a outorga uxória, ne-
cessária para todas as alienações de imóveis e gravames;
sobre eles impostos. Também só por exceção cabe à mu-
lher a administração dos bens do casal, como foi exposto
no citado parágrafo 28, ao qual remeto o leitor.
Nos vários sistemas, em que existe a comunhão de
bens, esse direito de administração é conferido ao marido,
ora com amplitude maior, como na França (Código, ar-
tigo 1.421 e segs), ora com as restrições do direito pátrio
ou ainda outras semelhantes.
O Código Civil alemão (arts. 1.443-1.465) deu
unidade aos diversos sistemas outrora existentes na vigên-
cia dos Landrechte. Os bens comuns estão submetidos à
administração exclusiva do marido, sob a condição de im-
petrar assentimento da mulher, quando tiver de dispor de
um imóvel comum ou da totalidade dos bens da comu-
nhão, e quando a disposição for a título gratuito.
Pelo que se vê, recuou o Código Civil ante a con-
sagração do princípio liberal e lógico, segundo o qual
ambos os cônjuges, compropríetários neste regime, gozem
de igual direito de disposição. E no entanto, encontraria
o caminho aberto nesse sentido por leis germânicas, alem
õo apoio moral do Avant Projet de LAURENT.

§ 40

CESSAÇÃO DA COMUNHÃO

Cessa a comunhão de bens entre cônjuges, segundo


o direito pátrio: 1.°, pela morte de .um deles; 2.°, pela sen-
tença que anula o casamento, declarando-o putativo:
3.°, pelo desquíte. Neste último caso, se os cônjuges se re-
conciliam, os respectivos bens retornam ao regime ante-
rior (1).

(1) Cód. Civil, arts. 267 e 323.


202 DIREITO DA FAMÍLIA

Se a comunhão cessa por morte, o cônjuge sobre-


vivo fica em posse dos bens comuns, como cabeça de casal
até que se efetue a partilha entre ele e os herdeiros do pre-
morto (2). Os bens incomunicáveis, porem, deverão ser
entregues aos herdeiros do outro cônjuge, desde logo (Ord.
4. 95, pr. e § 1.°)» salvo o direito de retenção por ben-
feitorias.
Cessando a comunhão por outra causa, continua o
marido a deter os bens indivisos sob seu poder, até que se
ultime a divisão. Os acréscimos, rendimentos e produtos
desses bens durante o processo da partilha são igualmente
comuns, porque prendem-se a coisas indivisas ou delas
brotam. Mas as aquisições obtidas pela própria indústria
de cada cônjuge, por herança e por todos os meios, que
não afetem os capitais comuns, deixam de entrar na par-
tilha, porque a sociedade conjugai já terminara (3).
Efetuada a divisão do ativo e passivo, cessará a res-
ponsabilidade de cada um dos cônjuges para com os cre-
dores do outro, por dividas que este houver contrai-
do^ôa).
O direito alemão, alem dos casos de dissolução^ por
morte, nulidade do casamento e divórcio, conhece mais os
seguintes:
, a) Por ação da mulher: 1.°, quando as disposições
do marido, sem consentimento da mulher, ameaçam pôr
em grave perigo os bens desta; 2.°, ou empobrecer a co-
munhão, no intuito de prejudicar a mulher; 3.°, quando
o marido viola a sua obrigação de alimentar a mulher e
os filhos; 4.°, ou é pródigo; 5.°, ou, por fim, opera a co-
munhão de dívidas, ameaçando absorver os ganhos ulte-
riores cia mulher (Cód. Civil, art. 1.468).

(2) Direito das sucessões, § 106; Cód. Civil, art. 1.579.


(3) Lafayette, Direitos de família, § 67; Coelho da Ro-
-cha. Instituições, §§ 249-250; Código Civil português, arts. 1.121-
1.123.
(3-a) Cód. Civil, art. 268.
RE,GI|M(E DA COMlUNHÃO DE BENS 203

b) Por ação do marido: quando, em conseqüência


de obrigações da mulher, os bens comuns se acham de
tal modo sobrecarregados de dividas, que os ganhos ulte-
riores do marido corram grave perigo de ser absorvidos
(Cód, Civil, art, 1.469) (4).
A ausência definitiva é também designada especial-
mente como um dos modos de terminar a comunhão, co-
mo pelo direito francês e italiano; mas, eqüivalendo ela à
morte, está logicamente incluida nas hipóteses da legisla-
ção pátria.

(4) O direito francês (Cód., unt. C443 e segs.), o italiano


(Cód. art. 1.442 e segs.), o dinamarquês e outros estatuem que
a comunhão pode ser dissolvida na constância do casamento, a pe-
dido da mulher somente, quando os esbanjamentos do maridp amea-
çam abismar toda a fortuna do casal. K uma garantia concedida à
mulher. Goei/ho da Rocha, Instituições, § 2-t-O, falava-nos também
de uma hipótese de separação oe oens, apoiado em ^ Guerreiro e
Pegas. Mas, não estava na lei pátria essa espécie. Se o marido é
pródigo, o remédio é a interdição. No Projeto do senador Coeeho
Rodrigues, ■ vejo aproveitada essa providência, no art. 1.997; mas,
alem de ser diversa a hipótese, aí se trata de construir direito, en-
quanto que aqueles reinicolas falam de jure constituto. Se a re-
núncia é para ter efeito somente em caso de morte, anulaçao do
casamento ou divórcio, não percebo o seu alcance. Morre a_mulher
primeiro, tendo renunciado a comunhão; eis o caso, que figura o
jurista português. Assim evitará que seus bens pessoais sejam ab-
solvidos, alem dos comuns, pelas dívidas contraídas. Mas esses bens
escapam à ação do passivo da comunhão e a lei, garantindo-os com
privilégios hipotecários, fá-los justamente entrai ^ na categoria das
•dívidas mais fortemente asseguradas. Sem a renúncia da comunhão
-estão salvos, ou não estarão mesmo, _apesar dela. Dada, porem,
a renúncia na constância do casamento, compreende-se que a mi-
séria entrevista ao longe poderá ser evitada. A situação é inteira-
mente outra.
No Projeto primitivo, arts. 313-315, vinha consignada a idéia
da cessação da comunhão, a pedido da mulher, quando os esbanja-
mentos do marido a tornassem prejudicial. Foi, porem, eliminada
assa providência garantidora dos direitos da mulher num regime em
que a administração está entregue, exclusivamente, ao marido.
204 DIREITO DA FAMÍLIA

§ 41

COMUNHÃO PARCIAL

Sob a denominação de cómunhão parcial, o Có-


digo Civil brasileiro regula um regime, em que se comu-
nicam somente os bens adquiridos a título oneroso, por
fato eventual, as benfeitorias, e os bens doados, ou deixa-
dos a ambos os cônjuges. Os bens possuidos por cada
um dos cônjuges ao casar, os adquiridos na constância do
casamento a título gratuito e os subrogados em bens par-
ticulares, não se comunicam (1).
Alguns dos nossos civilistas denominavam este re-
gime de simples separação. Encontram-se, nas legislações
estrangeiras, vários tipos de comunhão limitada, uns que
procedem de disposições legislativas e outros que podem
surgir das múltiplas combinações possiveís entre os côn-
juges. Destacarei alguns e lapontarei outros.

1.° Em primeiro lugar, ergue-se a comunhão legal


do Código Civil francês (art. 1.339), da qual se excluem
os imóveis possuidos anteriormente ao casamento e os ad-
quiridos posteriormente a título gratuito. Adotaram-na,
igualmente, ou tal qual, ou com alterações pouco sensiveis,
a Bélgica, o Luxembrugo, Genebra, Jura bernês, a Luisia-
nia e a Califórnia, nos Estados-Unidos da América do
Norte (la).
Este sistema é muito mais complicado do que parece
pela indicação, que acaba de ser feita, e muito mais do que
o da comunhão universal. No direito francês, que tem
sido o modelo para muitas legislações, veem-se os moveis

(1) Cód. Civil, arts. 269 a 275.


(1-a) Bridel, Derechos de la mujer, págs. 89-90; Warthon,
Private International law, § 190; Annuaire de législation étrangère,
.1889 a 1891; Lehr, Droit civil des États-Unis, pág 30 e segs.
regime da comunhão de bens 205

distribuídos em várias categorias, e em várias outras os


imóveis. Pela definição, os mobiliários são comuns; po-
rem, há não menos de quatro classes de moveis não co-
muns, segundo no-lo mostra o próprio Code Civil, São
elas: 1,°, a dos pensões, dotações, ordenados, aposentado-
rias (Cód. Civil, art, 580), que, dissolvida a comunhão,
pertencerão, exclusivamente, aos titulares, como entre nós;
2.°, os moveis que proveem dos imóveis próprios, sem que
sejam frutos; 3.°, os que substituem os bens próprios (Có-
digo Civil, art. 1.433) ; 4.°, os dados ou legados a um dos
eônjuges, sob a condição de permanecerem estranhos à co-
munhão.
Por outro lado, os imóveis também se distribuem por
categorias diferentes. Cs possuídos antes do casamento,
os que são adquiridos a título gratuito (doação ou suces-
são), os cedidos por ascendente a um dos cônjuges, em pa-
gamento do que lhe deve, ou para pagamento das dívidas
do doador (art. 1.406), os permutados por bens próprios
e
os retirados de indivisão, manteem-se na propriedade e
posse exclusiva do cônjuge proprietário.
2,° A comunhão dos adquiridos, na qual, cada
cônjuge conserva a propriedade dos bens, que possuía an-
tes do casamento, assim como os que, posteriormente, víe-
re
m a caber-lhe por doação ou sucessão, comunicando-se
a
penas os aquesíos, o produto da indústria de cada cônju-
ge, os rendimentos dessas aquisições e dos bens próprios,
a
ssim como os grangeios a título oneroso. Este é o regi-
me comum na Espanha (Código Civil, art. 1.401) e o
era nos cantões suíços de Neuchâtel, Vaiais, Shaffhausen
e Grisões (Cód. Civ., arts. 41-43), com pequenas varian-
tes. 1 ambem o é no Chile, na Argentina, na Colômbia e
tto Paraguai, sob o nome de sociedade conjugai, embora
com desenvolvimento mais sistemático e regulamentação
tnais minuciosamente acurada (Cód. Civil chileno, artigo
•725 e segs., argentino, art. 1.262 e segs.).
O Código Civil italiano (art. 213 e segs.) recmla
'«pede. se bem que, na Itália, não haja um regiL /JS
DIREITO DA FAMÍLIA

preferido pelo legislador (2)» Mas dá o Código uni mo-


delo da comunhão contratual e não permite que se estenda
ela à totalidade dos bens. Também no Código Civil ale-
mão está regulado este regime (arts. 1.519-1.548)^
3,° Alem da comunhão universal e das parciais de
que se fez menção neste parágrafo, muitas outras moda-
lidades são possiveis, algumas particularmente reguladas
no direito alemão e francês, outras, resultados de combi-
nações variadas. Indicarei a comunhão dos moveis e dos
imóveis (ameablissement), a dos moveis somente (Mo-
biliargemeinschaft), e a comunhão meramente admims-
tiva (Verwaltungsgemetnschaft) que do Código saxônico
(arts. 1.630-1.770) passou para o Código Civil alemão
(arts. 1.363-1.431) e pela qual cabe ao marido o direito
de administrar e usufruir os bens da mulher, conjunta-
mente, com os seus, excluídos os reservados {Sondergut,
Vorbehalt). E' este, hoje, o regime legal da Alemanha.
Nas províncias bálticas da Rússia e em cantões da Suíça
germânica, dominava, igualmente, esse regime, do qual se
aproxima, consideravelmente, o estabelecido na Polônia
(lei de 27 de Junho de 1825). Algumas vezes o chamam
— regime sem comunhão, e com mais propriedade, porque
os bens de ambos os cônjuges se conservam apenas reuni-
dos para o efeito de serem administrados pelo marido. Não
se confundem, nem se associam. O Código Civil suiço, dá-
lhe preferência, sob a denominação de união dos bens
(union des biens, Gueter Vetbindung, unione dei beni,
arts, 194 c segs.).

(2) Non ammette nel silenzio dei contrahenti ne tácito regime


\egaie sia dotale sia delia communione; milla impone e mdla sup-
pone, lasciando in piena balia alie convenziom dei contrahenti, diz
Gaiauppi, La dote, secondo il dintto ciznle italiano, 1876, pag. ZV.
Mas, nada convencionando os cônjuges, é óbvio que permanecerão
distintos e separados os respectivos patrimônios, sem que, alias o
Código regulamente esse regime de pura separação. Chironi, ir
tituzioni, §§ 394-395.
REGIME DA OOMsUNHAO DE BENS 207

A administração dos bens do casal, nestas várias hi-


póteses de comunhão limitada, pertence ao marido, em
regra geral, como chefe da sociedade conjugai (2a); ape-
nas excepcional ou transitoriamente será atribuído esse di-
reito à mulher.
As causas determinantes da dissolução da comu-
nhão, pelo direito francês, italiano, espanhol e argentino,
são, alem da morte, nulidade e divórcio, comuns ao nos-
so direito: 1.°, a separação de bens pedida pela mulher,
quando a fortuna comum ameaça soçobrar, e a que já
se fez alusão, em parágrafo anterior, sendo de notar que
as providências do Código argentino e do espanhol são
mais extensas, embora não satisfatórias (3); 2. , pelo Có-
digo italiano, 1.441, a perda dos direitos civis, ou a inter-
dição civil, como preferiu dizer o legislador espanhol (Có-
digo, art. 1.433).

(2-a) Cód. Civil, art. 274.


(3) Código Civil francês, art. 1.443; italiano, 1.442; argen-
tino, 1,292 e segs. ; espanhol, 1.432 e segs.
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GAPÍTULO VI

REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS

§ 42

SEPARAÇÃO DE BENS

Regime de separação é aquele em que os patrimô-


nios dos cônjuges afetam uma forma existencial distinta,
c
onservando-se em segregação completa, independente, sob
a
propriedade, posse e administração de cada um. A ele
íeferem-se o Código Civil francês (arts, 1.536-1.539), o
es
panhol (art. 50) e o Código Civil brasileiro, arts. 276
e
277, como regime convencional. Em certos casos, o nos-
So
Código ímpõe-no obrigatoriamente (art. 258, pará-
grafo único).
E' este o regime adotado na Rússia (1), na Ingla-
tsrra, em muitos Estados da União norte-americana, no
Canadá, e em parte na Austrália. Em compensação, mui-
las legislações repelem-no como dissolvente da união con-
jugai. E Bridel pasma de que assim procedessem alguns

(1) O Código soviético da família declara no art. 105: "o


casamento não gera comunhão entre os cônjuges". Na ausência de
pactos, os bens continuam na propriedade e sob administração de cada
'■conjüge.
— 14
210 DIREITO DA FAMÍDIA

legisladores suíços, sendo a Helvécia a terra clássica da


liberdade. O Código Civil do México, arts. 207 a 218,
regula, minuciosamente, este regime.
O regime da separação se pode apresentar sob três
feições principais: a separação pura, a que acabo de aludir;
a separação com cláusula de dotalização, que será exami-
nada em parágrafos ulteriores; e a separação limitada.
A separação pura, importando segregação completa
dos bens de cada cônjuge, quer havidos, quer futuramente
obtidos por qualquer título, espontou em Roma, com o
desaparecimento da manm e o surgir dos casamentos li-
vres, para ser logo modificada pela cláusula dotal, que pre-
ponderou naquela sociedade agitada e nimiamente práti-
ca. No direito germânico, também aparece esse regime usa-
do por algumas tribus, firma-se, de certo modo, no Sach-
senpiegel, e, mais acentuadamente, nos casamentos morga-
náticos, que também não foram desconhecidos no Portu-
gal de outrora, sob a denominação de motganheira, com
o mesmo carater de exclusão da comunhão, embora sob
um aspecto um tanto diverso do que apresentava em Ro-
ma a separação dos patrimônios no casal. Os casamentos
morganáticos, porem, foram cedo hostilizados e elimina-
dos pelas- legislações civis, ou expressamente, como pelo
Código Civil francês (arts. 1.388-1.389), e outros, ou
implicitamente, como por direito pátrio.
Hoje, por direito brasileiro, a separação pura ou re-
sulta, contratualmente, do acordo dos cônjuges, ou, em
virtude da lei, do casamento celebrado com infração do
preceituado no art. 183, ns. XI a XVI; do maior de ses-
senta anos e da maior de cinqüenta; do orfão de pai e mãe
ou menor cujos pais tenham perdido o pátrio poder, ou
tenham sofrido a suspensão dele nos termos dos artigos
394 e 395; de todos os que, para casar, dependerem de
autorização judiciária (la).

(1-a) Cód. Civil, art. 258, parágrafo único.


REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS 211

No regime da separação convencional, os adquiri-


dos se comunicam (art. 259). Se, porem, a separação é
imposta por lei, não há comunicação. O art. 259 não per-
mite dúvida a respeito. Diz ele: "Embora o regime não
seja o da comunhão de bens, prevalecerão, no silêncio do
contrato, os princípios dela, quanto à comunicação dos
adquiridos na constância do casamento,^ No silêncio do
contrato preceitua a lei; portanto, quando a separação é
imposta por dispositivo legal, não tendo os nubentes di-
reito de pactuar o seu regime de bens, os adquiridos não se
comuncam. Invocar, contra a lógica irretorquivel desta
solução, o direito anterior, que consagr;ava preceito1 se-
melhante ao do art. 258, § único do Código Civil, seria
descabido. Aliás o fim moral do dispositivo não permite
outra interpretação.
Este sistema é muito simples, muito claro, assumin-
do os cônjuges posição perfeitamente definida, sem que
um possa julgar-se prejudicado por desleixo, acídia, desre-
gramento ou má fé do outro. Cada um deve esperar colher
o que semeou. E' uma vantagem essa, não há negá-lo; e
explica-nos ela bem por que alguns povos preferiram o
regime da separação de bens. Mas é comprada caríssimo
essa incontestável vantagem, pelo afrouxamento dos laços
da sociedade conjugai, pela dissolução da família a que,
infelizmente, vão tendendo alguns povos. E abismar-
se-ão, por certo, nesse tremedal, que estão incautos chapí-
nhando, se uma força poderosa não lhes imprimir outro
rumo ao curso da vida. A indispensável solidariedade en-
tre os cônjuges só a pode, robustamente, dar a comunhão
de bens, da qual não é condição absolutamente a incapa-
cidade da mulher. Se, como diz BRIDEL, entrênuo defen-
sor da separação, nenhuma regime é tão justo quanto o de
sua preferência, "porque é o único que atende aos direitos
da mulher" (2), é que o ilustre professor não acredita na

(2) Op. cit., pág. 104.


212 DIREITO DA FAMÍLIA

possibilidade da comunhão com direitos iguais entre os


cônjuges. Entretanto é, sem dúvida, esse o verdadeiro
conceito do regime; e, praticamente, o vimos aplicado em
algumas comarcas alemãs.
A separação limitada pode\variar, conforme a dosa-
gem que receber de outros regimes. E' seu tipo, entretanto,
o regime que os nossos civilistas, impropriamente, deno-
minavam de simples separação (3); no qual a fortuna
trazida por cada cônjuge se mantém distinta e incomuni-
cável, mas se comunicam os frutos e rendimentos dela, as-
sim, como os bens adquiridos na constância do matri-
mônio.
E', visivelmente, um regime misto ,em que se com-
binam princípios divergentes, o da comunhão e o da se-
paração, já o fizera notar Teixeira DE FREITAS (4).
Dele se ocupou o § 41 desta obra.
Neste regime de separação e comunhão, as dívidas,
em regra, aderem ao cônjuge que as contraiu sem reper-
cussão sobre o outro. Mas, se voluntariamente, assumir
a responsabilidade delas, se, com elas, tiver vantagens
apreciáveis, obrigar-se-á, segundo a extensão dessa respon-
sabilidade e em correspondência com essas vantagens. Se
forem as dívidas contraidas para despesas comuns, para
sustento do casal (5), melhoramento dos aquestos, a cada

(3) Lafayette, Direitos de família, § 68, acompanhando dou-


trina professada por Meelo Freire e Coelho da Rocha ; Felicio
dos Santos, Projeto de Codigo Civil, art. 1.979. Acrescente-se o
Código Civil francês, art. 1.530 e segs.
(4) Consolidação das leis civis, nota 16 ao art. 88. Igual-
mente correto foi o Projeto do senador Coelho Rodrigues, arti-
gos 2.005-2.015 e 2.068-2.078. O Código CivitI, arts. 276 e 277,
chamou regime da separação aquele em que os hens permanecem sob
a exclusiva administração do proprietário, que os poderá livremente
alienar, excetuados os imóveis. Mas, se os cônjuges não pactuarem
o contrário, prevalecerão os privilégios da comunhão quanto aos ad-
quiridos na constância do casamento (art. 259).
(5) _ Na separação limitada dos bens que cada cônjuge traz
por ocasião do casamento, a parte comum dos adquiridos entra por
regime da separação de bens 213

cônjuge cabe suportar a metade delas, pelos bens próprios,


se os comuns não forem suficientes para saldá-las.
A administração dos bens, salvo cláusula especial,
cabe ao respectivo dono (5a). O marido, para alienar seus
imóveis, necessita, entretanto, de outorga uxória, assim
como a mulher não poderá alienar os seus bens de raiz,
sem que o marido o permita.
Dissolvida a sociedade conjugai, continua o cônjuge
sobrevivente na posse de seus bens e na dos adquiridos,
até serem estes partilhados. Deverá, porem, entregar ime-
diatamente, os que pertencerem, exclusivamente, ao ou-
tro cônjuge. Para garantia da restituição dos bens da mu-
lher, que se acharem sob a administração do marido fi-
cam os imóveis deste gravados por hipoteca legal (6),
Essa hipoteca existe em segurança de todos os pactos ex-
clusivos da comunhão. Porem, sendo estabelecida a sepa-
ração pura, absoluta, por pacto ou em virtude da lei, no
caso em que ela impõe esse regime, é claro que essa hipoteca
perde sua razão de ser. Ela é concedida à mulher para asse-
gurar-lhe a restituição de seus bens entregues à gestão do
uiarido; supondo que a mulher manteve sempre seus di-
reitos e os exerceu pessoalmente, é ociosa a providência.
E' certo que a lei não distingue essa hipótese, e, atendendo,
ao que é comum entre nós, impõe a hipoteca legal em fa-
Vo
r da mulher sobre os imóveis do marido, "pelos pactos
antenupciaís exclusivos da comunhão". Mas, evidente-
rnente, ela não se refere à separação absoluta contratual e,
ainda menos, à legal (7).

Quotas indistintas para as despesas do lar. Mas, na separação ab-


soluta? Cada cônjuge contribuirá em proporção com a sua fazenda,
dizem alguns civilistas, e esta foi a doutrina aceita pelo Código CiviL
art. 277.
(5-a) Cód. Civil, art. 276.
(6)' Cód. Civil, art, 827, L
(7) Cód. Civil, art. 276:- os poderá, livremente, alienar se fo~
reni m
oveis. Se forem imóveis, o consentimento do outro cônjuge,
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P imento, é indispensável.
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-CAPÍTULO Vil

REGIME DOTAL

§ 43

-NOÇÃO, ORIGEM E DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO


ATÉ AO DIREITO ROMANO, INCLUSIVE

Regime dotal é aquele em que os patrimônios de am-


bos os cônjuges se acham distintos, sob a propriedade e ad-
ministração exclusiva de cada um, recaindo o ônus da sus-
tentação da família sobre os bens do marido e sobre os
rendimentos do dote, cuja administração é direito especial
do marido. E', como se vê, um regime de separação modi-
ficado pela cláusula dotal, que, recaindo sobre uma certa
porção de bens, imprime-lhes carfater, feição peculiar.
Dote é a porção de bens que a mulher, ou alguém por ela,
transfere ao marido para, dos rendimentos deles, tirar sub-
sídio à sustentação, dos encargos matrimoniais, sob a con-
dição de restituí-lo depois de dissolvida a sociedade con-
jugai.
A dotalização de alguns bens determina o regime do-
tal, por via de regra, mas, se os contraentes quiserem, po-
derão combinar o dote com a comunicação dos adquiri-
dos, o que em nada repugna à natureza de ambos os regi-
mes, para o que basta silenciarem a respeito, porque a re-
216 DIREITO DA FAMÍLIA

gra é se comunicarem os adquiridos na constância do ma-


trimônio, se outra coisa não se estipula (1).
Surgiu o regime dotal de custosa e lenta elabora-
ção, não se assemelhando as suas primeiras manifestações
às formas que, posteriormente, afetou, parecendo estas até
produções de elementos diversqs, guiados por diferente
finalidade, o que sobremodo embaraça o historiador ju-
rídico, em sua tentativa de determinar-lhe a origem e
acompanhar-lhe a cenogênese.
Ensaiarei, contudo, apontar os elos principais da evo-
lução deste instituto, sem dúvida uma das mais interes-
santes de quantas opulentam os fastos da história jurídica.
A princípio, sabemo-lo já, cessada a usança da ca-
tura, tinham os maridos de comprar suas mulheres, e, as-
sim fazendo, transformaram-nas em instrumentos econô-
micos de que procuraram tirar o maior proveito. E' céle-
bre e bem característica a frase de um cafre: "ela foi com-
prada, portanto deve trabalhar". Mudando, em seguida,
as condições econômicas da sociedade, crescendo o movi-
mento comercial, e, por outro lado, desenvolvendo-se os
sentimentos éticos, o gosto artístico, o valor da mulher
foi deixando de ser aquilatado por seus talentos de serva^
para sê-lo por suas qualidades morais e beleza física, de-
vendo-se, aliás, ter por indubitavel que essa última pren-
da foi, em todos os tempos, tomada em consideração, não
podendo o homem colocar-se, neste assunto, em escala in-
ferior aos outros animais, cujo sentimento do belo nos é
revelado por fatos conhecidos de seleção sexual.
Corno, a esse tempo, já não podia o varão tirar de
sua mulher os lucros, que outrora hauría senhorilmente,
como a sociedade ia-lhe impondo a monogamía, e, com
ela, mais rigorosas obrigações em relação à família, perdeu
a mulher o valor venal, na maioria dos casos. Operou-se,
então, uma inversão completa nas situações respectivas

(1) Cód. Civil, art. 259.


REGIME DOTAL 217

dos nubentes. Em vez de ser comprada, passou a mulher


a comprar seu marido.
Aquele curioso costume dos babilônios, que excitou
a admiração dos escritores antigos, e que consistia em for-
mar, para as moças feias, um dote com os preços, que aos
pretendentes custava a posse das bonitas, se me afigura
um precioso testemunho, conservado pela tradição, do pe-
ríodo transicional entre o casamento por compra da mu-
lher e o dote como compensação dos encargos matrimo-
niais. Vemos aí os dois sistemas coexistindo em acordo,
transitório. Para as belas, o sistema da compra pelo mari-
do; para as feias, o sistema do dote. ,
Compreende-se quanto é fácil um transviamento a
quem vai, embora meticulosamente, pentrando nesse lusco-
fusco da paleontologia jurídica. Entretanto, julgo que a
interpretação aqui dada aos fatos, longe de constrange-los.
amoldando-os a uma teoria preconcebida, desprende-se de-
les natural, logicamente, tanto mais se acrescentarmos que
aos pais se afiguraria de melhor alvitre ceder a filha com
uma' parcela de sua fazenda, do que mantê-la, indefinida-
mente, sob seu teto e deixá-la, após a morte, sem um arri-
mo seguro para a vida econômica e para a vida moral,
principalmente.
O dote assim constituido, como simples doação prop-
ter nuptias, era propriedade do marido, como tudo que a
mulher viesse a adquirir na constância do matrimônio. O
único distintivo, que se lhe pode, assinalar, então, é. ex-
clusivamente, a sua finalidade, aliás, restrita, a torná-lo
chamariz de noivos.
Em muitos povos antigos abrolhou esta instituição,
evocada do caos para o cosmos jurídico por necessidades
idênticas. Entretanto, só os romanos e os atenienses, leva-
ram a termo essa empresa. Em todos os outros povos, a ve-
getação jurídica do dote fenecera no primeiro estádio de
diferenciação, não passando de um período muito rudi-
mentar. Ve-la-emos, assim, entre os árias, os hindus, os.
antigos helenos, os toltecas e os aztecas.
:218 DIREITO DA FAMÍLIA

No Rig-Veda, se diz que o pai da recem-casada ofe


rece ao genro uma vaca destinada ao festim nupcial. Seja
isso um símbolo ou uma dádiva real, o que é certo é que,
posteriormente, entrou para o patrimônio exclusivo do
marido, constituindo, o gôdâma, nome sânscrito do dote,
que, traduzido literalmente, significa — presente da vaca
(1 a). Em Homero, as virgens são chamadas alphesi-
boiai, isto é, as que encontram bois, e, por extensão, as
que podem encontrar um bom partido, ricas e belas (2).
Entre alguns germanos, o dote trazia o nome de fa~
derfio e, entre os escandinavos faedheringfeoh, o que vem
a ser gado paterno i (3 ).
Os aztecas e toltecas, por seu lado, também conhe-
ciam o dote neste sentido; não consistente, especialmente,
em rebanhos, mas sim em quaisquer bens. Quando o ti-
rano Maxtla pôs a prêmio a cabeça do príncipe Netza-
huakoytl, o herói tezcucano, oferecia a quem lha entre-
gasse uma nobre dama acompanhada de opulento dote
(4). Herrera diz que os antigos americanos, quando as
raparigas se tornavam núbeis, enviavam-nas a ganhar seu
dote pelo amor venal (5).

(1-a) Glasson, Le mariage civil et le divorce, pág. 140.


(2) Homero, Iliada, 18, vrs. 593. Michelet como que su-
põe que o gado trazido pelas virgens aproveita ao pai (Les origines
du droit français, pág. 14), mas é, certamente, equívoco. Não se
trata mais do preço, que os pais de família exigem pela cessão de
suas filhas, clientes ou mulheres; mas, ao contrário, de um donativo
por eles feito aos genros. E, justamente, a palavra dote prende-se
à raiz sânscrita — da — que significa presentear, de onde o dos dos
gregos e dos latinos.
(3) Geasson, op. cit., pág. 141.
(4) Prescott, Conquista de México, pág. 111 e em outros
lugares.
(5) Este costume de obter o dote pela cessão das primícias
do amor é mais comum entre os povos rudes do que se poderia tal-
vez supor. Citarei um só exemplo.
Na Argélia, as moças de Ouled-Nail empreendem excursões fora
Ho país, para a obtenção de um dote, e voltam para casar, logo que
REGIME DOTAL 219

Em todos esses povos, o dote não passa do que co-


mumente, ainda hoje, recebe também entre nós, o nome
de dote: — a porção de bens que a mulher traz para o
casal, sem implicar um regime peculiar.
A pouco e pouco, porem, o dote foi-se destacando do
acervo marital, para constituir-se à parte. E em Roma
que podemos apreciar melhor essa fase evolucional do
instituto, porque foi, justamente, aí, que ele recebeu sua
consistência vital e os traços característicos de sua morfolo-
gia. E' por esse motivos que se pode chamar o dote uma
instituição essencialmente romana. Realmente, nenhum
outro povo soube tirar dessa usança primitiva, amorfa,
incolor, uma criação jurídica independente e de alta im-
portância social.
Convém, entretanto, notar que, na Grécia, particu-
larmente em Atenas, havia o costume de ser restituido o
dote recebido pelo marido, se os cônjuges viessem a sepa-
rar-se ou a divorciar-se, costume a que os historiadores
atribuem a .força de evitar grande número de dissoluções
matrimoniais. Alem disso, o regime dotal adquiriu, em
Atenas, considerável desenvolvimento, pela preferência e
garantias de que era cercado (6).

teem a fortuna julgada necessária. Não lhes faltam maridos, posto


que todos saibam que a origem desses ganhos só podia ser e fo1 so~
mente a prostituição. Um escritor afirma que, mesmo na culta Ale-
manha, ainda agora, em certas coimarcas, as moças se entregam à
prostituição urbana, até que hajam acumulado certa soma, época em
que voltam para a aldeia natal, onde casam, embora seus encantos
já estejam em visivel declínio.
(6) Mahafey, Antiquité greeque, trad. Mme Waklteufel, pá-
gina 76; Sanches Roman, Derecho civil, V, primeira parte, pá-
ginas 129-130. Beauchet consagra longo estudo ao dote no direito
ateniense. Na época histórica, afirma, quase não há casamento sem
dote, apesar de que Soeon e Platão não lhe foram simpáticos. Che-
gou-se ao ponto de se considerar o dote como sinal distintivo' do
•casamento legítimo (Droit prive de Ia republique athénienne, I, pá-
.ginas 247 a 337).
220 DIREITO DA FAMÍLIA

Dizem alguns romanistas que o dote aparece em Ro-


ma, ao tempo dos casamentos livres (7). Essa afirma-
ção, apesar do acatamento, com que se deve ouvir o ensi-
namento desses distintíssimos mestres, não deve passar
sem reparo. Creio que se pode asseverar, sem receio de en-
gano, que, antes dessa época, já o marido recebia do pai
da esposa, certos bens, com que este procurava facilitar-lhe
o casamento, em uma sociedade de costumes nimiamente
tolerantes, que já se debatia nas agruras do problema eco-
nômico, a rugir nas praças da grande cidade e rolando,
truculento, pelos campos da Itália.
Seja, porem, como for, o que se levanta acima da
poeira de todas as dúvidas é que, com os casamentos livres,
o dote se generalizou e se tornou obrigatório, podendo ser
até constituido pela própria mulher que era, quando sut
júris, proprietária com direitos equivalentes aos do ho-
mem. Sacudindo o pesado e ferrenho jugo da manus, ad-
quirindo direitos de proprietária, deixando, portanto, de
ser instrumento de aquisição nas mãos do marido, era pre-
ciso que a mulher trouxesse compensação, senão completa,
ao menos capaz de abafar as revoltas de sua cobiça de se-
nhoraço indolente. Essa compensação outra não podia ser
senão a obrigatoriedade, para o pai, de presentear o es-
poso de sua filha, com certa porção de bens, mediante os
quais, o homem se dava por indenizado dos direitos per-
didos e consentia em tomar sobre si o custeio da vida do-
méstica.
Nessa época, o dote não passava de uma doação sim-
ples pela qual o marido se tornava proprietário dos bens
doados. Algumas vezes, porem, estipulou-se a restituição
do dote, não obstante o que, o marido, em caso de divór-
cio, por culpa da mulher, podia reté-lo: a) totalmente,
quando o motivo da separação era o desregramento dos
costumes {retentio propter mores); b) somente em parte,

(7) Por exemplo, Padelletti e Cogeiolo.


REGIME DOTAL 221

para a educação dos filhos (retendo propter liberos). Est^s


retenções, porem, caíram, pouco a pouco, em desuso, per-
manecendo, somente, a que provinha do direito comum,
-— a retenção por despesas necessárias realizadas pelo ma-
rido na constância do matrimônio.
Com o aumento progressivo dos divórcios, esta con-
venção adminicular da restituição, que, até então, apare-
cera acidentalmente, passou a ser uma concomitância obri-
gada, uma condição necessária, condição que deu, ao ins-
tituto dotal, seu carater próprio, que lhe criou a existência
fisiológica e morfológíca de verdadeiro instituto jurídico,
diferenciado e apto a desenvolver-se, daí em diante, ao con-
tacto fecundante da vida comum.
AULG Gello assinala, como documento indicador
dessa transformação, as palavras de SÍLVIO SULPICIO, de-
clarando serem necessárias as cauções dotais, por ocasião
do célebre divórcio de Carvilius Ruga: — tum primum
VQudones rei uxuriae necessárias esse aisas scnpsit.
De então em diante, a instituição do dote foi, dia a
dia, consolidando-se, cercando-se de garantias contra a
cvicçãos e tomando, com as leis Julia et Papia Popoea, a
destinação especial de servir ad sustinenda onera matri-
monü (8). Afinal, vendo Justiniano que as estipulações
para a restituição do dote se haviam infiltrado nos costu-
mes, deu-lhes a sanção do direito escrito, considerando-as,
parte integrante do contrato ou, melhor, fazendo supor,
por uma ficção legal, que todo contrato de dote era acom-
panhado da estipulação de restítuí-lo, após a dissolução
do casamento, por divórcio ou morte (9).

(8) Cogliolo, Saggi sopra revolucione dei diritfo privato, pá-


.gina 39. Veja-se mais Cuc, Inst. juridiques des romains, II, pá-
ginas 101-103.
(9) Cód., 5, 13, I, 1, Rei uxoriae itaque actione sublata sanc-
cirrius, omnes \dotes per ex stipulatu actionem exigi, sive scripta fue-
ót stipulatio, sive,, non: ut intelligatur re ipsa stipulatio esse subse-
cuta... § 1.° Sicut enin et stipulationes et hypothecae inesse dotihus
intelIiguntuT.
222 DIREITO DA FAMÍLIA

Completou-se, por essa forma, o instituto que se


consubstanciou tanto com os costumes romanos, que che-
gou a ser considerado de utilidade pública. Reipublicae
interest malieres dotes salvas habete, propter qam nubere
possint, diz PAULO (D. 23, 3, fr. 2), Do direito romano
passou para o português, apesar de um tanto avesso à
sua índole, e deste para o nosso.

§ 44

DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO REGIME DOTAL NO


ANTIGO DIREITO ÍBERO, NO DIREITO PÁTRIO E NAS
LEGISLAÇÕES MODERNAS

Desde a invasão dos visigodos que, na Ibéria, se es-


tabeleceu o uso dos dotes, mas no sentido que à palavra
davam os germanos,, isto é, de um presente do noivo à fu-
tura mulher. No Código vistgóttco (3, 1, lei 5.a), está
regulada essa usança, e ALEXANDRE Herculano, autori-
dade eminente, em tudo que diz respeito à história, antiga
da península, nos afirma que esse costume dos visigodos,
em relação aos dotes, se manteve em vigor, através do do-
mínio árabe, até à publicação do Código das sete partidas,
no que o confirmam os estudos de MARINA. Acresce que,
embora o direito árabe não se tivesse enraizado na Espa-
nha, deixando apenas alguns vestígios na designação de
certas autoridades municipais {alcaide, almotacê, alvazil),
e, talvez, por dose mínima, em algum instituto, é certo que
só poderia corroborar a tradição germânica, no ponto ago-
ra em análise.
Se, pois, antes da lei das sete partidas, se encontra
a palavra dote, não é senão no sentido do direito germâni-
co, ou como sinônimo de doação, segundo se vê em alguns
documentos do século undécimo.
Assim, pois, o regime dotal não foi transmitido pela
dominação romana aos povos da península ibérica, mas
REGIME DOTAL 223

aí penetrou com a renascença do direito romano, que tão


fortemente dominou na organização do Código das sete
partidas de Espanha e nas Ordenações portuguesas.
E, sendo omissa a legislação portuguesa, assim como
a brasileira posterior à independência, regulava-se a ma-
téria dotal, entre nós, pelos princípios do direito romano
compendiados nos títulos do Digesto e do Código, sob a
rubrica — de jure dotium, com as modificações trazidas
por nossas leis em geral e pelo uso das nações cultas con-
temporâneas.
Não alcançou o dote fazer-se uma instituição de que
se saturassem os costumes do povo brasileiro. Não entrou
para os nossos hábitos, não tem funcionado com a fre-
qüência e a constância do regime da comunhão. Entre-
tanto faz parte integrante de nosos direito, e o Código
Civil a regula cuidadosamente (1).
Realmente, segundo a legislação pátria vigente, o
dote se constitue: por ato antenupcial celebrado em es-
critura pública, intervindo nele, alem dos cônjuges futu-
tos, as testemunhas necessárias, e o doador, se é uma ter-
cera pessoa, que faz essa liberalidade, e não a mulher, que
separa uma porção de seus bens próprios para imprimír-
daes a natureza de dotais.
Quase todos os povos modernos receberam a insti-
tuição do dote em suas respectivas legislações, como se ve-
rá, por exemplo, no Código Civil português, arts. 1.134-
1.165), no espanhol (1.336-1391), no francês (1.540-
1.580), no austríaco (§§ 1.218-1.231), no italiano (ar-
tigos 1.338-1.432) (2). No direito germânico, depara-
mos o dote com uma origem e uma destinação diversas das
que lhe assinou a evolução do direito romano. Desde os
tempos originários, isto é, desde o momento, em que fi-
zeram irrupção na história, as tribus germânicas, era uso

(1) Arts. 278 a 311.


(2) O Código Civil" mexicano em vigor jjaniu esse regime, que
era regulado pelo anterior.
224 DIREITO DA FAMÍLIA

entre elas, que o marido comprasse a mulher do mundtum


de seus pais, como, aliás, acontecia entre outros povos de
origem indo-européia e já foi dito em outro lugar. Mas,
alem desse preliminar comum, que se transformou no con-
trato esponsalício, usavam os germanos, na mesma oca-
sião, de outros preliminares do casamento, e tais eram os
vários modos de o marido assegurar à mulher um doário,
de lhe constituir um dote (Mahlschatz), e aos quais, ge-
ralmente, se seguia o presente de núpcias na manha seguin-
te ao consórcio {Morgengabe). Esse dote, está indicado,
sendo consíituido pelo marido, não se destinava principal-
mente, como entre os romanos, à sustentação dos ônus ma-
trimoniais. Aplicou-se, mais diretamente, ao sustento da
mulher durante a viuvez, constituindo o seu withum, e
regulando-se por vários modos. Somente no direito lom-
bardo é que encontramos o dote, sob o nome de fadet-
fium, como propriedade execlusiva da mulher (3).
Assim o dote, pelo primitivo direito germânico, ou
seja uma doação a parte, como entendem ScHULTE e ou-
tros ou seja a transformação do mesmo preço pelo qual
era comprado o mandium, como opinam SCHROEDER e
RiOTH com os quais parece também concordar SOHM, é
certo que divergia, consideravelmente, da instituição que,
em Rjoma, trazia o mesmo título.
Depois que o dote passou a ser constituiclo pelos
bens que a mulher trazia para o casal, apareceu o contra-
dote (ccmtra-dos, Wideríegung, Heimstem, Wiederwurft,
Ehegeld), que se manteve, apenas, no casamento das pes-
soas nobres (4).
/ E', portanto, claro que não nos devemos iludir com
a semelhança, com a identidades de nome. Sem grande es-
forço, reconheceremos que o dote, segundo a concepção dos

(3) Consultem-se Grimm, Rechtsalterthuemer, pág. 420 e se-


guintes; Schulte, Hist. dn droit et des institutions de l'Allemagne,
§§ 110-166; Roth, System des dent. Privatrechts, II, § 94.
(4) Schulte, op. cit., § 170.
REGIME DOTAL 225

germanos, transmítíndo-se ao direito de outros povos, com


os quais se mesclaram, constituiu, em algumas partes, o
doátio, que ainda subsiste no direito inglês, e, em outras,
veio a formar o que chamávamos, em direito pátrio, atras,
da mesma forma que o Aussteur, ou enxoval, que, aliás,
também se encontra nas tradições helênicas, se transfor-
mou, com outros presentes, comuns entre os germanos, nos
bens próprios da mulher, nos ctlfinetes de nossa avelhan-
tada legislação portuguesa, no Sondetgut e no Spargut
da Saxônia, da Suiça germânica, dos povos bálticos, e em
várias outras formas.
Depois vieram modificações, e o regime dotal se foi
conformando com o tipo romano, ao menos tanto quanto
isso se coadunava com os costumes do povo. Foi com esta
feição que existiu ele em muitos pontos da Alemanha.
Para dar uma noção mais tangivel do modo por que
aí se erigiu o instituto dotal, límitar-me-ei a transcrever a
definição completa e exata, que oferece PAUL VOH Roth.
Regime dotal, diz ele, é aquele em que os bens de ambos
os côn juges se acham distintos de modo que, entrando pa-
ra o casamento, nenhum deles adquire direitos sobre os
bens do outro e em que os ônus do matrimônio recaem
somente sobre o marido, que tem, simplesmente, direito de
exigir um subsídio do mesmo dote, ficando à mulher a
livre disposição de seus bens próprios (5). Eis aí o ver-
dadeiro regime dotal, extreme de vegetações exóticas.
O regime dotal era subsidiário no domínio jurídico
ho direito comum, sempre que a comunhão de bens ou a
de administração fosse excluida por pacto antenupcial, sem
substituição de outro regime (6). Hoje, porem, as idéias
germânicas suplantaram as romanas nestes particular, e o
dote foi de tal modo excluido do direito atual, que o Có-
digo Civil não somente o não regula como a ele se não
"tefere.

(5) System, II, § 93.


(6) System, cit., § 95,
— 15
236 DIREITO DA FAMÍLIA

Outras nações não aceitaram ou repeliram, mesmo o


regime dotal, Na Suiça, a legislação, em geral, o desconhe-
cia mas o Código Civil fala de um dote convencional, sem
as particularidades do direito romano (art 247). O Có-
dígo Civil do Chile e o da Colômbia como o da Alemanha
não lhe consagram disposições, O dote de que se ocupa o
Código Civil argentino só tem de comum com a célebre
instituição romana o nome, que, na linguagem desse corpo
de leis, designa os bens próprios da mulher, a parte com
que ela entra para a sociedade conjugai, que não passa de
uma comunhão de aquestos.
O regime dotal é também estranho ao direito inglês.
As filhas, diz Glasson (7), quase nunca recebem dotes
de seus pais". Em lugar do dote, desenvolve-se, na Ingla-
terra, a obrigação imposta ao mando de constituir um
settlewent à sua mulher, nos informa TAINE, em suas
Notasjobre a Inglaterra. E vê-se que é uma tendência de
tradições germânicas em estado de stírvival. Acresce que as
preferências inglesas são hoje pela separação de bens, mas
sem a cláusula dotal.
Também na União norte-americana o dote romano
não se enxertou na legislação, nem nos costumes.

§ 45

POR QUEM PODE SER CONSTITUÍDO O DOTE

O dote pode ser constituído pela nubente, por seus


pais ou por terceiro estranho. O direito quer somente que
o constituinte seja pessoa capzziprornittendo dotem, di-
zia Paulo, omnes obVgantur, cujuscumque sexus, condi-
ttonisque sint (D. 23, 3, fr. 41),
Em Roma, desde o império, o dote começou a ser
uma obrigação imposta ao pai e ao avô paterno, em fa-

(7) Inst. de VAngleterre, VI, pág. 185.


REGIME DOTAL 227

vor da filha ou neta submetida a seu poder, ou mesmo da


emancipada, que não tivesse fortuna (D. 23, 2, fr. 19).
Essa obrigação estendeu-se à própria mãe, mas não de mo-
do imperioso nem geral, ex magna et prohahili causa vel
lege speciahter expressa. Se a mãe era opulenta e nenhum
ascendente paterno existia vivo ou em condições de oferecer
um dote, eis uma causa magna, segundo SCHUPER, Ces-
sava, para o pai, a obrigação de dotar, se a filha se casava,
indecorosamente, antes dos 25 anos, ou se prostituía por
causa, que não implicasse responsabilidade de seu progeni-
tor (1). Excetuadas essas escusas em punição da filha, e
salvo o caso de impossibilidade material, subsistia inde-
clinável, para o pai, a necessidade de prestar o dote, fosse a
filha rica ou pobre: Omni no paternum esse officium do^
tem pro sua date progenie. As outras pessoas eram cha-
madas a constituir o dote somente cm subsidio, se a moça
fosse pobre, e, por outro modo, não tivesse adquirido sua
maquia total.
No direito pátrio, como no português, no francês,
no italiano e, em geral, na legislação moderna, não sub-
sistem esses princípios (2), até porque o dote não é o re-
gime mais largamente espraiado.

(1) Galwjpi, La dote secondo il diritto civile italiano 1876


Pág. 55. • _ _ ' '
(2) Nossos civilistas antigos, imbuídos de romantismo, afir-
maram o contrário; mas, não com fundamento em lei e ainda me-
nos em costume. Mostrou-o Lafayette, Direitos de família, nota
VIII, no fim do volume.
Por violação da honra e da virgindade, sim, há, no direito mo-
derno, obrigação de dotar a ofendida, como dispõe o nosso Código
Civil, art. 1.548. Mas não é, aliás., dote propriamente, essa inde-
nização.
Por direito espanhol (Cód., art. 1.340) ao pai ou à mãe ocorre
o dever "de dotar a filha legítima, salvo se ela se casar contra sua
vontade. Também o Projeto, Coelho Rodrigues, art. 1.578 e se-
guintes, consagrava a obrigação de dotar.
O Código Civil alemão, art. 1.620, determina que o pai dê à
a, que se casa, um dote (Aussteuer) suficiente para a organização
228 DIREITO DA FAMÍLIA

Não há, portanto, obrigação de dotar; há plena li-


berdade. Em relação à dotada, diversa pode ser a situa-
ção do dotador, e dessa situação resultam influxos, que
atuam sobre a constituição e a natureza do dote. Cumpre,
por isso, examinar as várias hipóteses possiveis.

a) Se o dote é constituído pela mulher, poderá


abranger a totalidade de seus bens ou somente uma quo-
ta parte, deduzidas as dívidas passivas (3), sejam esses
bens presentes, sejam futuros (Cód. Civil francês, artigo
1.542) (4). Mas esses bens futuros não poderão ser
uma herança determinada, ainda não aberta, porque im-
portaria o contrato dotal em um pacto sucessório, e, con-
sequentemente, sem eficácia jurídica (5).
h) Se o dote é constituído pelo pai ou pela mãe
da nubente, considera-se como adiantamento da legítima,
€, portanto, deverá vir à colação para que, se exceder à quo-
ta hereditária da dotada, seja o excesso imputado na por-
ção disponível do dotador. Sendo, porem, superior à le-
gítima e à porção disponível, assume o carater de inofício-
so, para o efeito de ser restituida a diferença, porquanto as
legítimas dos outros herdeiros não podem ser desfalcadas

de sua casa, se a mesma não tiver de seu com que o faça. Não se
trata de dote no sentido romano, mas de doação à filha, em aten-
ção ao casamento, que éla realiza, e à nova família, que por ele
;se funda.
(3) Cód. Civil, art. 280. Lafayette, op. cit., § 76; Cód. 5,
12, 14; D. 23, 3, fr. 62; Código Civil francês art. 1.542; ita-
liano, 1.389.
(4) Cód. Civil, art. 280: os bens futuros só se consideram
compreendidos no dote, quando adquiridos a título gratuito.
(5) Anulado o dote, seguir-se-á o regime da comunhão uni-
versal de bens. Se, porem, a nulidade for parcial, sobre uma parte
dos bens, subsistirá o pacto na parte sã. Portanto, se, do pacto,
resulta o regime dotal, os bens advindos à mulher e que, por qual-
quer circunstância, se acham excluídos da dlasse dos dotais, entrarão
para a categoria dos parafernais.
REGIME DOTAL 226*

(6). Quando o dote é constituído, conjuntamente, pelo


pai e pela mãe, ambos contribuem com a metade, qualquer
que seja o regime do casamento, salvo, é óbvio, se cada
um demarcou a extensão de sua responsabilidade (ord. dv
97 pr.) (7);
No regime da comunhão, o dote consistente em mo-
veis sai dos bens comuns, ainda que constituído somente
pelo marido, pois que é ele o administrador da fortuna do
casal com poderes de alienar os moveis livremente. Consis-
tindo em imóveis, é indispensável a intervenção da mulher.
No regime de separação, o dote recai sobre a fazenda de
quem o constituiu.
Mas, dado o regime de completa e pura separação,
suas doações dispensam a intervenção do marido, salvo
quando tiverem imóvel por objeto. E o mesmo se dará,
todas as vezes que o dote se referir a bens cujay livre dis-
posição lhe garanta uma cláusula de seu contrato ante-
nupcíal, ou a lei.
c) Se o dote é constituído pelos avós paternos ou
maternos, terá de vir à colação ou confernêcia, quando
a dotada suceder aos mesmos, seja por direito próprio, seja
representando pai ou mãe (8).
d) Se o dote é constituído por estranho, obedecerá
às regras gerais das doações com encargos, pelo que não é
revogavel por ingratidão e sim pelo não cumprimento do
prometido \(seja o casamento na hipótese), o que dá a
semelhantes doações o carater de contratos onerosos ,(9)-

(6) Cod. Civil, arts. 1.786 e 1.790.


(7) Cód. Civil, art. 284.
(8) Cód. Civil, art. 1.791.
(9) Lafayette, op. cit., § 76; Peanioe, Traité, III, nú-
mero 854; Teixeira de Freitas, Consolidação, nota 9 ao art. 417,
§ 1.° e 13 ao art. 419; Galluppi, La dote cit., pág. 31; Consti-
tuído pela mulher, tem o dote um carater de convenção sinalagmá-
tica... Constituido por terceiro, tem um carater duplo, correspon-
dente à natureza diversa das relações que se tecem entre o marido
e
o constituinte, entre este e a mulher. Fntre o terceiro e o ma-
230 DIREITO DA FAMÍLIA

§ 46

QUANDO DEVE SER CONSTITUÍDO O DOTE SUAS FOR-


MALIDADES ESTIMAÇÃO E INSINUAÇÃO

Como todo pacto antenupcial, deve o dote ser cons-


tituído antes do casamento, tornando-se irrevogável com
a realização deste. Durante o casamento não é possível
constituí-lo, nem modificá-lo, segundo já foi afirmado,
quando se tratou dos pactos antenupciais. Porem, no
dote, ainda é mais imperioso esse preceito, porquanto ve-
mos, no regime da comunhão, ser possível a um terceiro
dar, por ato entre vivos ou por testamento, certa porção
de bens a um dos cônjuges com a condição de serem eles
incomunicáveis. No regime da separação, dado um bem,
conjuntamente, aos dois cônjuges, estabeltor-se-á entre
eles um condomínio, uma sociedade limitada à proprieda-
de desse bem, até que se efetue a partilha. Mas, não é ad-
missível que uma liberalidade por doação ou testamento,
seja recebida a título de dote, após a celebração do casa-
mento (1). A razão é óbvia. Nos outros regimes de bens,
uma liberalidade dessas, que acabam de ser figuradas, em-
bora se não submeta ao direito comum, que regula os ou-
tros bens do casal, não acarreta modificações sobre a pró-
pria natureza do regime. Porque haja alguns parafernais
não é que a comunhão deixa de sê-lo, pois que abrange to-
dos os outros bens. Mas na cláusula da dotalização está a
esseêncía do regime dotal. Decretá-la só é possível, portan-
to, na época assinalada pelo direito para a formação dos

rido, é uma convenção a título oneroso, .pela qual o terceiro se


obriga a dar, ao marido, certos bens em dote, e o marido se obriga
por seu turno, a tomar sobre si os encargos do matrimônio. Entre
o constituinte e a mulher, assume o carater de verdadeira doação.
(1) Pensa diferentemente Lafayette, Direitos de família, § 7.°,
nota 4 e pág. 147. Em contrário, sustentam a boa doutrina T. de
Freitas, nota 15 ao art. 420 da Consolidação, e Liz Teixeira,
Curso, 1, pág. 513,
REGIME DQTAL 231

pactos antenupciais. Por essa mesma consideração, embo-


ra o regime adotado seja o dotal, não deveriam as liberali-
dades ulteriores aumentar o dote. Deveriam beneficiar, so-
mente, a fortuna própria e pessoal de qualquer dos côn-
juges. O acréscimo único possivel seria o que proviesse ao
dote de acessão natural (2).
Todavia, o Código Civil permite que terceiros pos-
sam não somente aumentar como' até constituir o dote
(arts. 281 e 282). Somente os cônjuges é que não po-
dem aumentar o dote. Mas, sendo constituido por terceiro,
na constância do casamento, não altera, quanto aos ou-
tros bens, o regime preestabelecido.
Alem da anterioridade ao casamento e da escritura
pública, é formalidade necessária ao dote a estimação. A
lei hipotecária (art. 3.°, § 9.°) , e o seu regulamento (ar-
tigo 173), diziam que os dotes não valeriam coritra ter-
ceiros, sem escritura pública, sem expressa exclusão da co-
munhão, sem insinuação nos casos em que a lei exige e
sem estimação.
O Código Civil, art. 278, exige, igualmente, essa
formalidade, mas de modo absoluto. A estimação é for-
malidade substancial.
Estimação é a fixação do valor do dote, para deter-
minar, seguramente, o que ou quanto deverá restituir o
marido. Pode ser feita pura e simplesmente para que seja
conhecido o montante dos bens dados em dote (dos taxa-

(2) Entenda-se, no caso de não se referir o dote a bens fu-


turos, o que é admissível (veja-se o § 47, n. 1). Considerar-se-á
uão escrita, no testamento, a condição da dotaiização, para que os
bens assumam a natureza que lhes determinar o direito comum {Pro-
jeto Felicio dos Santos, art. 2.0Ó1).
Código Civil português, art. 1.141; Civil francês, art. 1.543.
O Código espanhol diz, art. 1.339, que o dote constituido após o
casamento valerá como doação comum. O Código italiano, art. 176,
permite constituir ou aumentar, o dote, ainda na constância do casa-
uiento, seja pela mulher seja por estranho, contanto que não se al-
terem as convenções matrimoniais já estabelecidas.
232 DIREITO DA FAMÍLIA

tionis causa aesúmata) ou para efetuar sua alienação ao


marido (dos venditionis causa aestimata). Qualquer que
seja a modalidade da estimação, tem sempre o marido de
restituir o dote, após a dissolução da sociedae conjugai.
Mas são diferentes os seus direitos na constância do matri-
mônio, conforme a estimação importe venda ou não. Se
importa venda, sua posição é a de um proprietário endi-
vidado, como havemos de ver mais tarde; se não importa
venda, sua posição é a de um administrador com direito
aos frutos e estensos poderes de mandatário. Por isso é
da máxima conveniência pôr fora de dúvida esse ponto.
Aquela disposição legal, dejsconhecendo a ineficácia, do
dote inestimado, é um meio de compelir à estimação, de mo-
do expresso; mas, embora estimado o dote e assim reco-
nhecida a obrigação do marido para o efeito da restituição,
ainda resta a dúvida possivel sobre seus direitos em relação
ao dote, Para fixá-los e esclarecê-los, é necessário que, no
pacto, seja declarado o fim, que se teve em vista com a
estimação.
Na ausência dessa declaração, devemos recorrer a in-
terpretações. Os Códigos Civis e os escritores firmaram,
a este respeito, regras cuja exatidão lhes valeu acolhimen-
to geral, inclusive do Código Civil brasileiro, art. 290;
l.a a estimação dos imoves não importará venda sem de-
claração expressa; 2.a, a estimação dos moveis tem por
efeito transferi-los ao marido, se outra coisa não se esti-
púlou.
Pediam a formalidade da insinuação os dotes exce-
dentes a Cr$ 180,00, se fossem constituidos por mulher, e
a Cr$ 360,00, se o fossem por homem (3). Dispensa-
vam-na: 1.°, os que se formassem com os bens das pró-
prias nubentes ou daqueles que, para esse fim, lhes fossem
deixados; 2.°, os que fossem liberalidade dos pais e outros
ascendentes, dos quais fosse herdeira legítima a dotada,
»
(3) Era o que se chamava taxa Jegal (Ord. 4, 62, e Alv. der
16 de Seteinibro de 1814).
■■■ m

REGIME DQTAL 233

quando se mantivessem dentro da órbita das legítimas e


mais a taxa da lei (4); 3,°, os consistentes em prazos en-
fitêuticos, se o dotador mantivesse para si, durante a vi-
da, o usufruto, porque tomariam o carater de ^doações
rnortis causa, as quais não se aplicava a insinuação (5);
4.°, os que resultassem da determinação da lei (6). »
O Código Civil suprimu essa formalidade, que per-
dera a sua razão de ser.

§ 47

CLÁUSULAS ADJECTAS AO CONTRATO DOTAL

No contrato dotal, podem estipular-se quaisquer


cláusulas, que não contrariem disposições de lei, nem a
natureza mesma do dote.
Lafayette apresenta em destaque as cinco cláusu-
das seguintes (1):

1.° Que sigam a natureza de dotais os bens que a


mulher adquirir na constância do casamento por quais-
quer títulos (2). E' perfeitamente admissivel essa cláu-

(4) Lafayette, Divcitos de fawdi-O', § 77. Assento de 21 cie


Julho de 1797. ' . _ .■
(5) Teixeira de Freitas, Cousohdação, art. 41/, § 3.°, e
Fafayette, loc, cit. i
(6) A insinuação era um meio de dar maior fixidez e auten-
ticidade ao ato. Ora, se o dote resultasse da imposição da lei, seria
ociosa qualquer outra formalidade no sentido ^ de corroborar o ato
de sua constituição, pois que nenhuma teria mais valor do que a pró-
pria lei. V |
(1) Direitos de família, § 79.
(2) Felicio dos Santos, Projeto de Código Civil, art. 1.993,,
oxige que a sucessão seja de ascendente^ para prestar-se à cláusula
da hipótese aqui figurada. Não há razão suficiente para essa res-
trição .
O Código Civil italiano (1838), não permite que a constituição
compreenda bens futuros (art. 177).
•234 DIREITO DA FAMÍLIA

sula. Sem ela os bens advindos à mulher seguiriam a con-


dição de parafernais, se o regime adotado fosse o dotal,
sem mescla, ou a dos comuns, se a dotalização viesse em
combinação com ia comunhão dos adquiridos. Ef preciso,
portanto, que as partes claramente o estipulem, se lhes
querem dar um destino diverso. Compreende-se que a he-
rança futura possa entrar nessa previsão, mas se não se re-
ferir a certa e determinada pessoa, sucedenda, porque, en-
tão, como já observei noutra parte, incorreria o contrato
no vício condenado dos pactos sucessórios.
O Código Civil, art. 280, admite, expressamente,
. esta cláusula, quando estatue que o dote pode compreender
os bens futuros da mulher; mas de entre os bens futuros,
neste caso, exclue os adquiridos a título oneroso.
2.° Que tenham igual destino os havidos com di-
nheiro dotal ou com o preço dos bens dotais, que forem
vendidos. E' um caso de subrogação admitida pelos arti-
gos 291 e 293, parágrafo único,
3.° Que o dote reverta ao dotador, dissolvida a so-
ciedade conjugai. O art. 283 do Código Civil consigna
esta cláusula. Se o dotador for pai ou mãe da mulher
dotada, a reversão somente atingirá ao excesso da legí-
tima, porque o dote se entende adiantamento da legítima e
virá à colação (2 a).
4.° Que, promorrendo a mulher, sem deixar her-
deiros necessários, passe o dote ao patrimônio do mari-
do. Felicio DOS Santos, em seu Projeto, art. 1.994,
reputa essa cláusula como contrária à índole do dote. Não
é verdadeiro esse reparo, quando é certo que a restituição
do dote pelo marido, só se tornou obrigatória a geral nos
últimos tempos, e quando o próprio Justiniano, dando a
última feição e as maiores garantias ao dote, permitiu esse
favor ao marido, sempre que o estipulasse por um pacto

(2-a) Ver o Código Civil comentado, II, obs. 2 ao art. 283..


REGIME DOTAL 235

■expresso (3). Também não vale o argumento de que se


trata, na hipótese, de um pacto sucessório, porque é jus-
tamente esta uma exceção consignada por todos os civi-
listas pátrios (4), que o Código Civil não repele. E' in-
dispensável, porem, quando o dote for instituído pela mu-
Uier ou por ascendente dela, que a dotada não deixe her-
deiros necessários, porque os pactos não podem alterar a or-
dem legal da sucessão. Instituído por estranho, pode este,
perfeitamente, estipular que o marido lucre o dote, se, an-
tes dele, falecer a mulher, deixando, ou não, herdeiros ne~
eessários.
5.° Que seja a mulher a administradora dos bens
dotais, contanto que contribua, com os frutos deles, para
a
sustentação dos encargos do matrimônio. Esta última
c
láusuia, porem, é inadmissível em alguns sistemas jurídi-
co
s, inclusive o nosso, por contrária à natureza 'do re-
Sime (5).

§ 48

OBRIGAÇÕES DO DOTADOR E DIREITOS DO MARIDO


PARA HAVER O DOTE — EVICÇÃO
(
Do contrato dotal resulta, para o dotador, a obri-
gação de dar o dote no prazo e pelo modo estipulado.

(3) Cód., 5, 13, I, única, § 6.° ...si decesserit mulier cons-


tante matrimônio dos non in Incrum mariti cedai nisi ex qurbusdmn
Pactionihus.
(4) Teixeira de Freitas, Consolidação,_ artigo 354; Coelho
hx
t Rocha, § 731 e nota HH; Mello Freire, 2, 9, § 25 e ou-
ros
, que todos se fundam na lei de 17 de Agosto de 1761, § 8.°,
a
cuja disposição se faziam restrições impostas pelo direito novo,
a
l como o consolidava o ilustre Teixeira de Freitas, quando disse
9ue à nulidade absoluta dos pactos sucessórios escapam os contratos
fttenupciais sobre a sucessão recíproca dos cônjuges.
Vide o Código Civil francês, 1.540; Galluppi, La dote,
t o • Ho; Glasson, loc. cit.
236 DIREITO DA FAMÍLIA

Se não houver prazo estabelecido, deve-se realizar a en-


trega logo após o casamento, porque constitue ele a fato,
a que está subordinada essa, obrigação. Todas as obriga-
ções resultantes de pactos antenupciais se acbam modifi-
cadas pela condição, — se o casamento se efetuar, si nup-
tiae fuerint secutae (1).
Se o dotador não cumpre, no momento preciso, a
obrigação, que tomou sobre si, acba-se o marido provido
(1 a) de ação competente para coagí-lo à entrega do ob-
jeto do dote, acrescido dos frutos havidos desde o tempo
da mora.
A propriedade do objeto dado em dote não se des-
prende da esfera da ação jurídica, de quem o constituiu, se-
não após a tradição, ou transcrição. Tal é a doutrina de
nosso direito, em acordo com o romano e o de outros povos
da atualidade, e em desacordo com o francês e os que re-
fletiram essa inovação posta em prática pelos autores do
Code Civil. Antes dessa entrega, só existe um direito de
crédito por parte do marido e uma obrigação de dar por.
parte do dotador, a qual se submete aos princípios gerais
que dominam esta espécie. Mas, como a obrigação se faz
exigivel, desde o momento em que o casamento se realiza,
os frutos e acréscimos beneficiarão o marido, desde o mo-
mento em que se constituir o dotador em mora.
Depois de entregue o objeto do dote, pode acontecer
que seja reivindicado por terceiro que sobre ele tenha di-
reito real. Pergunta-se: qual deve ser, na hipótese, a res-
ponsabilidade do dotante? Os nossos civilistas haviam tri-
lhado, a meu ver, falsa rota, para o fim de obterem a so-
lução deste ponto duvidoso. LafayettE e BORGES Car-

(1) Cód. Civil, art. 256, § íúnioo, II.


(1-a) Esta ação compete, diretamente, ao marido, por ser o
primeiro interessado, por si e por sua mtilber; mas "pode ser in-
tentada pela mulher dotada ou por qualquer estranho com interesse
nas estipulaçÕes do contrato dotal", escreve Teixeira de Freitas,
em nota à Doutrina das ações de Correia Teu.es, § 141. A Ord. 3,
25, § 5.°, dava-lhe o carater de decendiária.
REGIME DOTAL 237

NEIRO opinavam que, segundo o preceito da lei 1, Cod, de


jure dotium, o dotador não é obrigado pela evicção, a não
ser que tenha procedido dolosamente, ou que haja con-
vencionado tomar sobre si essa obrigação. Outros acres/-
centavam a essas duas cláusulas, a hipótese de ser o do-
tador pai ou mãe da dotada. Assim, no dote profecticio,
poderia o dotador responder pela evicção:no adventício,
considerado pura liberalidade, não. Mas este segundo mo-
do de pensar só se distanciava daquele, porque partia do
falso pressuposto da obrigação de dotar, imposta aos pais
ou às mães (dote profecticio dos modernos) (2).
Entretanto, um estudo mais aprofundado do direi-
to romano, a apreciação da evolução do instituto dotal, a
ponderação de que o dote não é uma simples liberalida-
de, mas uma doação com encargo ou, antes, um instituto
distinto, por sua natureza e por sua finalidade, e a consi-
deração, finalmente, de que ele forma uma espécie de pa-
trimônio, exclusivamente destinado à sustentação dos en-
cargos da vida conjugai, induzem a pensar de modo di-
verso.
A verdadeira inteligência e a doutrina, que resulta
da citada lei 1, Cod, de jure dotium (5, 12), é que, em
regra, o dotador é obrigado à evicção, no que se acha o
citado preceito de harmonia com a lei única, Cod., de rei
uxoriae actione (5, 13) (3).
Se, porem, estava o dotador de boa fé, nada mais
justo do que eximi-lo dessa responsabilidade, da qual po-

(2) Coelho da Rocha, Instituições, § 271; Lafayette, Di-


reitos de família, §81.
(3) Leem-se, na citada lei única, § 1.°, Cód. 5, 13, as se-
guintes palavras: ita et hujusmodi aciione damus ex ntroque latere
hypothecam, sive ex parte mariti pro restitutione do tis, sive ex parte
mulieris por ipsa dote praestanda, vel rebus dotalibus evictis; sive
ipsae principales personae dotes dederint, veíl promiserint, vel sus-
ciperint, sive aliae pro bis personae. Teixeira de Freitas, em nota
21 ao art. 424 da Consolidação, firmara também a verdadeira dou-
trina.
238 DIREITO DA FAMÍLIA

derá ele mesmo também isentar-se, estipulando sua irres-


ponsabilidade,
E' verdade que o Código Civil português (artigos
1.142-1.143) seguiu a doutrina de COELHO DA Rocha;
mas o italiano (art. 1.396, antigo, e 178, atual) diz cla-
ramente: coloro che constituiscono una dote sono tenute-
a gatantire i beni assegnati in dote. O Código francês (ar-
tigos 1.440 e 1.547), já mostrara essa orientação.
"O dotador, diz Lafayette, nada recebe em com-
pensação do dote, fora, pois, iniqüidade obrigá-lo à
evicção". Este argumento estriba-se num conceito falso
do dote que, segundo já ficou afirmado, não é uma doa-
ção pura e simples. E Troplong, com antecedência, dera-
Ibe inatacavel resposta: "Sob os auspícios desse donativo,
funda-se uma família: dois cônjuges ligam a essa libera-
lidade a esperança de seu bem estar; filhos educam-se com
a perspectiva de colher os frutos dela. E tudo isso pode
esvair-se sem que o dotador responda?" (4). Se a natu-
reza própria do dote não fosse perfeitamente suficiente
para postular a necessidade da evicção, torna-la-iam, por
certo, evidente essas razões indiretas acolhidas e revigora-
das pela teoria geral do direito das obrigações.

§ 49

CLASSIFICAÇÃO DOS BENS DO REGIME DOTAL

Estabelecido o regime dotal, os bens dos cônjuges


distribuem-se por categorias diversas, regidas por princí-
pios diferentes:

(4) Contrai de Mariage. n.0 1.247. No mesmo sentido Lau-


rent, Cours élémentaire, III, n.0 401; Demolombe, XX, n.0 546;
Planiol, III, n.0 867; Guilhouard, I, n.0 161; Gaeeuppi, La dote,
n.0 52; E. Glasson, Grande encyclopédie, verb. dot. A ação de ga-
rantia deve ser exercida, durante o matrimônio, pelo marido; dissol-
vido ele, pela mulher.
EEiGIME DOTAL

La Os bens dotais, que são os constitutivos do do-


te, e, por força da estipulação, ou da lei, se acham subme-
tidos ao nexo dotal. Devem ser descritos e estimados, como
já ficou observado.
2.a Bens parafernais, que são os particulares da mu-
lher, não incluídos no cômputo do dote, incomunicáveis e
sobre os quais ela tem a propriedade e a administração (1).
Embora tenha a mulher a administração dos para-
fernais, não os pode alienar, quando imóveis, nem por
causa deles comparecer em juizo, sem obter de seu mari-
do a necessária autorização (2). A administração pode
ser exetcitada pela própria mulher, ou por terceiro, a quem.
ela confira mandato. Esse mandatário poderá ser estra-
nho, ou, mais naturalmente, o marido. Se o marido for
constituido procurador para administrar os bens parafer-
nais, e, por cláusula expressa, se achar isento de prestar

(1) Cód. Civil, art. 310. A garantia da hipoteca legal, só se


aplica aos parafernais, quando, no pacto antenupciaü, é concedida a
sua administração ao marido, como preceitua o art. 827, I, do Código
Civil brasileiro e é doutrina do português, art. 1.154.
(2) Cód. Civil, art. 310, in fine e 242, 11 e VI. Ord. 3, 47, pr. e
4, 48; COELHO da Rocha, Instituições, § 280; Código Civil francês,
art. 1.576; italiano, 210; espanhol, 1.387. Não era aceitável o parecer
de Lafayette, § 82 (nota 2), à pág. 158 e § 91, segundo o qual,
a administração dos parafernais, pelo direito anterior, cabia ao marido.
"Salvo se a mulher reservou-se um tal direito no pacto antenupcial",,
acrescenta. Mas, justamente a parafernalidade importa essa reserva,
em virtude da natureza, que lhe deu o direito romano, e que não lhe
retirou, de modo algum, o direito pátrio. "Permanecem sob a posse
e domínio da mulher", diz ainda (§ 91) ; no entanto, falta-lhe o poder
de administração ligado à posse, a qual devera se mostrar mais vigo-
rosa aqui do que na comunhão, porque lhe faltam os motivos de
excecão, mais próprios àquele regime.- E' um ilogismo que deve ser
rejeitado.
O Código Civil, art. 310, declara; "A mulher conserva a pro-
priedade, administração, o gozo e a livre disposição dos bens para-
fernais; não podendo, porem, alienar os imóveis". A mulher não
pode alienar imóveis, em qualquer regime, sem autorização do ma-
rido.
%
DIREITO DA FAMÍLIA

contas, será somente obrigado a restituir, contos mencio-


nados bens, os frutos existentes, quando a mulher lhe pe -
dir contas, revogar o mandato, ou se dissolver a sociedade
conjugai (3). Se for tácito o mandato, com aquiescên-
cia dela, diz o Código Civil francês (art. L578), segui-
do pelo italiano (art. 210, 3.a ah), são será obrigado a
restituir, ao tempo das contas ou da dissolução do casa-
mento, os frutos existentes, sem responder pelos consumi-
dos até então.
3.a Bens próprios do marido, também incomunicá-
veis. Comprleendem-se nesta classe todos os haveres do
marido, quer existentes antes do casamento, quer adquiri-
dos depois. Sem outorga da mulher, não pode o mando
aliená-los, quando imóveis.
4.a Os adquiridos na constância dó matrimônio,
Apesar da boa doutrina sustentada por MELLO FREIRE
c Barbosa, entre os antigos juristas, e por TEIXEIRA DE
FREITAS entre os contemporâneos (4), alguns civilistas
como Coelho da Rocha e Laeayette, esposaram a
opinião de VALASCO e Gama, segundo a qual os aquestos
se comunicam no regime dotal (5). E não os a ngava o
argumento de que a incomunicabilidade é de exceção em

(3) Cód. Civil, art. 311. ^


(4) Jnstitutiones júris civilis, 2, 8, § 10; Consolidação, nota lo
ao art. 88. Veja-se também Correia Telles, Digesto português, II,
art 172. TV- ^
(5) Laeayette, Direitos de família, § 82; e nota IX; Coelho
da Rocha, Instituições, § 281. Adde: Carlos de Carvalho, Dir.
civil, art. 1.492. ,
Este autor dizia, no entanto, no art. 1.532 que, sendo valido
contra terceiros o contracto antenupcial constitutivo do dote, presu-
mem-se incomunicáveis os bens adquiridos na constância do casa-
mento. . . . , . .,n1 -jno
A João Monteiro, Aplicações do direito^ paginas ovl-ovA tanv
bem parece melhor a opinião de que os adquiridos se comunicam, no
regime dotal.
I
REGIME DOTAL 241

nosso direito, pois que ela fora deliberadamente querida,


quando os prometidos esposos estipularem o regime dotal.
Nem é lícito invocar a princípio — quod contra rationem
júris receptum est non producendum ad consequentias,
pois que o recebido contra o direito seria a comunicação
dos bens em um regime de separação deles, segundo no-lo
transmitiu o direito romano, legislação fundamental para
o assunto, na deficiência de leis pátrias, antes da codifca-
ção cvil.
E acrescente-se: os Códigos e legislações modernas,
que aceitaram o regime dotal, regulam-no como regime
de separação. Sob esse aspecto, vemo-lo na França, na Ale-
manha, em Portugal, na Espanha, a despeito de que, nes-
tes dois últimos paises, comunicam-se os frutos dos para-
fernais. Mas, em todo o caso, os bens que os cônjuges ad-
quirem, por outro qualquer título, são-lhes pessoais (Có-
digo português, arts. 1.153-1.155; espanhol, arts. 1.381-
1.385).
Apesar das razões expostas, prevaleceu, no Código
Civil brasileiro, a doutrina de V AL ASCO, COELHO DA Ro-
CHA e LafaYETTE, pois, expressamente, dispõe o artigo
259: embora o regime não seja da comunhão de bens, pre~
Vqtecerão, no silêncio do contrato, os princípios dela,
quanto à comunicação dos adquiridos na constância do ca-
samento.

§ 50

DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO MARIDO


EM RELAÇÃO AOS BENS DOTAIS

Por direito romano, o marido era considerado pro-


prietário dos bens dotais, embora fosse resoluvel o seu do-
mínio: Constante matrimôn:o dos tn bonts mantt est. Em
direito moderno, porem, esse princípio não pode ser acei-
to, tendo mesmo, na antiga jurisprudência, levantado uma
— 16
" í '• ■ . 1 ,
-

242 DIREITO DA FAMÍLIA

gmve controvérsia (1). A propriedade, do dote perten-


ce, indubitavelmente, à mulher, em princípio. As derro-
gações a essa regra dependerão de cláusulas estipuladas no
pacto dotal.
Firmado esse princípio, inútil é, por certo, indagar
se os direitos do marido são os de um credor anticrético,,
à semelhança do que fizeram TOULLIER e PROUDHON. O
que importa é saber se o dote foi estimado e se a estima-
ção foi meramente taxativa do valor em numerário, ou
com intenção de estipular um preço. Dessas circunstâncias
depende a determinação dos direitos do marido.
I. Se a estimação importa venda (venditionis cau-
sas) , efetua-se por ela a translação da propriedade. O ma-
rido é dono, tendo todas as garantias, todas as vantagens,
salvo a restrição da necessidade do assentimento da mulher
para a disposição dos imóveis, e também todos os precalços
da propriedade.
II. Se a estimação é meramente taxativa do valor
do dote, o marido é um usufrutuário do dote, c, ao mes-
mo tempo, um representante legal, do verdadeiro proprie-
tário que é, em regra, a mulher. Os objetos dados em dote
podem ser moveis, imóveis ou consumíveis. Os que per-
tencem a esta última classe, se teem sempre como de pro-
priedade do marido, apesar de ser meramente taxativa a
estimação. E' que o gozo de tais objetos acarreta o seu
consumo, e, pois que o marido deve ter o gozo, necessaria-
mente terá seu domínio (2). Quanto aos moveis, é prin-
cípio geral aceito, que sua estimação importa venda, trans-
ferência da propriedade (3); mas as partes podem resol-
ver o contrário, por uma declaração expressa, tornando-
se, então, os moveis inalienáveis.

(1) Vide Gacluppi, La dote, pág. 88 e segs.; Mackeçdey,


Droit romain, § 556, nota 3.
(2) D. 12, 1, fr. 2, § 1.°.
(3) Vide o § 46.
REGIME DOTAL 243

Os imóveis são, nesta hipótese, inalienáveis, o que


constitue um dos privilégios mais notáveis do dote, e uma
de suas característcas. Sendo o dote destinado à susten-
tação dos ônus do casamento, à garantia da manutenção
da família, é, por sua natureza, inalienável, e não pode ser
onerado (3a). O rigor deste princípio da inalíenabilidade
dos imóveis flexiona-se, porem, em alguns casos: 1.°, para
dotar filhos comuns; 2.°, quando não há outros meios,
com que manter a família; 3.°, para pagamento de dívidas
da mulher, anteriores ao casamento, na falta de outros bens
dela; 4.°, quando é preciso dispor deles para evitar a ruina
de bens dotais de mais importância para a família; 5.°,
quando se acharem indívisos e a divisão for impossível ou
prejudicial; 6.°, no caso de desapropriação; 7.°, quando es-
tiverem situados em lugar distante, e por isso convenha
vendê-los (4).
Alem dos sete casos apontados, a alienação cios imó-
veis dotais pode ocorrer, nas disposições de última vonta-
de, porque vão produzir efeito depois de dissolvido o ca-
samento, e deixam aos bens dotais livre aplicação a seu na-
tural destino.
III. A estimação importando venda, o marido tem
a administração e o usufruto dos bens dotais, e, em re-
lação a eles, representa, legalmente, o proprietário cujas
vezes faz. Age contra os detentores do dote, de cujo po-
der tem competência para reivindicá-lo; divide os bens do-

(3 a) Cód. Civil, art. 293, pr.


(4) Cód. Civil, art. 203. Lafayette, Direitos de famüia, § 83;
D. 23, 3, fr. 26. Diversamente do que ensina Lafayette, loco citado,
a ação pauliana ou revocatória só terá lugar^ se^ o dote foi estabele-
cido em fraude a credores. Quando a aquisição e por HmIo lucrativo,
basta a fraude do devedor; quando é por título oneroso, é necessária
também da parte do adquirente. Mas, em qualquer hipótese, a frauda
é necessária (Correia Telees, Doutrina das ações, ed, T. de Freitas,
§ 54), salvo se se der uma presunção legal (dec. de 24 de Outubro
de 1890, art. 26, a). E acrescente-se que o dote não é, regular-
mente, uma liberalidade pura, como já ficou afirmado.
244 DIREITO DA FAMÍLIA

tais comuns com os de outras pessoas, provocando a ação


communi dividundo (5) ; vende os moveis e utiliza-se dos
fungiveis, se os moveis não são expressamente declarados
inalienáveis; cobra as dívidas dotais e passa quitação de-
las; percebe os frutos e rendimentos do dote, dos quais dis-
põe a seu talante (6). Mas, não pode transigir nem criar
ônus reais gravando o dote, porque tais atos importam
alienação, e o marido não pode alienar. Nem lhe é permi-
tido comparecer em juízo, em relação a imóveis, sem acor-
do da mulher.
Não são somente direitos que adquire o marido em
relação ao dote. Importantes obrigações também assume
ele com administrá-los, atentos o destino do dote e a sua
propriedade, que pertence a outrem. Cumpre-lhe olhar
solícito para a boa conservação dos bens dotais, como se
velasse por sua própria fazenda, para que não se deterio-
rem, nem se percam por prescrição (7), porque os credo-
res se tornaram insolvaveis ou por outro modo. Sua res-
ponsablidade em tais casos é irrecusável. Não assim, quan-
do se arruinam ou desaparecem os bens por um caso for-
tuito, ainda que lhe seja imputavel uma certa negligência,
como se ele deixou de segurá-los.

(5) Se a estimação é feita, para o fim de alienar, o imóvel


deve ser transorito em nome do marido, que procede como proprie-
tário. Se a estimação não importa venda, na ação de divisão com-
parecem aiffibos os cônjuges.
(ó)1 A aquisição dos frutos civis faz-se dia por dia, e a dos
naturais pela percepção, salvo os do último ano (Vide o § 53).
(7) O direito aos imóveis dotais não prescreve durante o ma-
trimônio. Mas prescreve, sob a responsabilidade do marido, o direito
aos moveis dotais, declara, o art. 298 do Código Civil.
Pelo direito anterior, a prescrição somente corria contra os bens
dotais, se tinha principiado antes do casamento; e nada havia que
imputar ao marido, se poucos dias faltavam para consumar-se, quando
■tíle se casara (D. 23, 5, fr. 16; Coelho da Rocha, Instituições § 273;
Cód. Civil francês, art. 1,561). O Código italiano, art. 190, admite
a prescrição dos bens dotais, sob a responsabilidade do marido.
REGIME DOTAL 245

§ 51

CONSEQÜÊNCIAS DA ALIENAÇÃO ILÍCITA


DOS BENS DOTAIS

A inalienabilídade dos imóveis dotais, criada pela lei


Júlía de adülteriis e desenvolvida por Justiniano, foi re-
cebida pelas nações modernas como uma conseqüência na-
tural da instituição do dote. Se houver quebra desse pre-
ceito, a lei dá recursos para restabelecê-lo ou, ao menos,
para evitar as danosas conseqüências de sua inobservância,
porque a inalienabilidade é uma garantia para a mulher e
para a família.
Assim, todas as vezes que se der a alienação de um
imóvel dotal, fora dos casos autorizados por lei, o ato será
anulavel e a sua anulação pode ser promovida pela mu-
lher ou por seus herdeiros (1) ♦ ^ reivindicação dos mo-
veis, porem, só é permitida se o marido não tiver bens,
com que responda por seu valor, ou quando a alienação
tiver sido feita a título gratuito ou de má fé (2).
O marido fica obrigado por perdas e danos aos ter-
ceiros prejudicados com a nulidade, se no contrato de alie-
nação não declarou a natureza dotal dos imóveis (3).

(1) Cód. Civil, arts. 248, VI e 295.


(2) Cód. Civil, art. 295, § único.
(3) Cód. Civil, art. 296.
O direito anterior, contra a lógica e a ética, dava ação ao ma-
rido ,para anular a alienação do -dote, que ele mesmo realizava.
Somente depois de dissolvida a sociedade conjugai, cabia esse direito
à mullher. Vejam-se C. da Rocha, _ Instituições, § 273; Correia
Teeles, Doutrina 'das ações, ed. T. de Freitas, §§ 40-43; o Código
Civil francês, arts. 1.560-1.561; italiano, 189. Cumpre notar que a
ação conferida por estes Códigos é a de nulidade e não a de reivin-
dicação.
Morrendo a mulher e ficando o marido senhor do dote por he-
rança ou por outro título, a alienação revalida-se; morto o marido e
sendo a mulher sua herdeira, tamíbem revalidar-se-á o ato alienatório
em virtude da confusão, no mesmo patrimônio, de obrigação e direitos
antitéticos.
24G DIREITO DA FAMÍLIA

§ 52

DIREITOS DA MULHER EM RELAÇÃO AOS BENS DOTAIS

A mulher é a proprietária do dote. Mas, como ao


marido cabe a administração, fornece-lhe o direito uma
garantia hipotecária sobre os imóveis desse administrador
e usofrutuário (1). E tanto mais necessária se faz essa
garantia, quando o dote pode ser entregue ao marido com
estimação venditionis causa, tendo o marido sobre ele os
direitos de um proprietário pleno, obrigado simplesmente
pelo preço, ao tempo da dissolução da sociedade conjugai.
A esse tempo, recobra sua plenitude, vigor e limpidez, o
domínio da mulher. Se o marido tiver ilicitamente aliena-
do imóveis, sobre os quais não lhe havia sido concedida
essa faculdade, tem a mulher, ou seus herdeiros, como já
foi dito, o direito de reivindicá-los do poder de quem os
detenha.
Outro importantíssimo direito, conferido à mulher,
é o de exigir, do marido, a entrega do dote, ainda na cons-
tância do matrimônio, se ele se recusa a dar-lhe os alimen-
tos necessários, ou se, caindo cm pobreza ameaça dilapi-
dar os bens dotais (la). Tem a mulher, para esse ereuo,
ação de reivindicação contra o marido ou contra terceiro
possuidor, se o dote é estimado taxationis causa. Se a esti-
mação tiver conferido direito de venda, sua ação é a hipo-
tecária vinculada aos imóveis do marido, ainda que se
achem na posse de outrem. Readquirido o dote por qual-
quer desses modos (2), entra ele para a administração da

(1 > Cód. Civil, art. 827, 1. rv • v


(la) Cód. Civil, art. 308; Carlos de Carvalho, Uzr. civu,
irt. 1.535. Fioa salvo aos credores o direito de se oporem à sepa-
-acão, quando frauduíienta (Cód. Civil, art. cit.) .
(2) O Cód. Civil, art. 309, manda converter em imóveis os
valores entregues pelo marido em reposição dos bens dotais; e aver-
bar, no registro de imóveis, no livro especial, destinado ao regisi.ro
das convenções matrimoniais, a sentença da separação.
REGIME DOTAL 247

mulher, com a mesma natureza e aplicado sempre ao mes-


mo destino de subsidiar à manutenção da família. Se, satis-
feita. sobrarem frutos ou rendimentos, não deve a mulher
administradora entregá-lo ao marido, segundo já precei-
tuava o direito romano ( 2a), e sim deverão essas reser-
vas ser consideradas bens comuns, por força do art. 259
do Código Givil (3). • ■ c
 mulher comerciante conferia o nosso direito a fa-
culdade exorbitante de alhear e hipotecar seu dote (Cód.
Com., art. 27, al.), pondo assim por terra as garantias,
a destinação e a própria natureza dos bens dotais. O de-
creto de 24 de Janeiro de 1890 (art. 60) restringiu essa
faculdade às mulheres, que antes do casamento já eram
comerciantes. Mais justificável era, certamente, esta nova
doutrina, mas ainda assim, não era satisfatória (3 a ) ; por
isso, o Código Civil, art. 293, não manteve essa faculdade
ainda com a restrição do dec. de 1890.

(2 a) D. 24, 3, fr. 24, pr.; Cód. 5, 12, 1, 29; Lafayette,


Direitos de família, § 87; Correia Terces, Doutrina das ações,
§ 42 e notas da ed. de Teixeira de Freitas ; Carros de Carvalho,
Dir. civil, art. 1.535. ...
(3) Vejam-se: o meu Código Ciml comentado, II, obs. 3 ao
art. 309; Ferreira Coerho, Codigo Civil, XXIII, com'. 151, p. 197
a 198. À solução do direito francês é no sentido de serem as sobras
consideradas parafernais, salvo disposições especiais para a aplicação
dos bens (Pranior, Trdté, III, n. 1.621; Flanior, RiperT et
Kast, Regimes matrimoniaux, II (IX do Traité pratique), núme-
ro 1.254). * „
(3 a) O novo Código Comercial português, art. 16, nao con-
cede à mulher comerciante a faciildade de empenhar, hipotecar ou
alhear seus bens dotais. Também pelo direito italiano assim 6, salvo
se. no contrato matrimonial, foi permitida a alienação ou a hipoteca
(Cód. Civ., artigo 185, Com., art. 14, al. 3). Ei a já esta a doutrina
do direito francês, cujo Código Comercial, art. 7.°, em termos claros
diz: ... leurs biens stipulés dotaux, quand elles sont mariées sous
le regime dotal, ne peuvent étre hypothéqués ni alienés que dans
les cas determinés et avec les formes reglés par le Code Civil
(arts. 1.554-1.557).
248 DIREITO DA FAMÍLIA

§ 53

RESTITUIÇÃO DO DOTE

Afirmada a teleologia do dote, que é subsidiar à obri-


gação pessoal do marido, na sustentação da família, é ób-
vio que, cessando a sociedade conjugai, deve ser ele resti-
utido.
Assim, o dote deve ser restituido, quando se dissol-
ve a sociedade conjugai, por morte ou desquite (1), quan-
ao o casamento é anulado; quando é declarada a ausência
de algum dos cônjuges; e quando ocorre a entrega do dote
à mulher, por ser o marido perdulário ou não aplicar o dote
aos fins, a que o direito o destina. Também se o casamento
se anula, dá-se a restituição, cumprindo, nesta hipótese,
examinar, se houve ou não má fé, para ser apurada a res-
ponsabilidade de quem a tenha.
A obrigação de restítuir cabe ao marido, em cujas
mãos foi depositado o dote; mas a seus herdeiros transmite
ele o vínculo obrigacional, quer faleça antes de sua mulher,
quer antes de consumar a restituição. Esses mesmos her-
deiros ou representantes do ausente, são os incumbidos da
restituição motivada por ausência, que é um falecimento
presumido.
Antes desse tempo, não pode o marido eximir-se da
sua responsabilidade, entregando, antecipadamente, o dote
na constância da vida conjugai. Ainda que o fizesse, che-

(1) Cód. Civil, art. 300.


O desquite, segundo a lei pátria anterior, só coagia à restituição,
quando os cônjuges não tinham filhos comuns. Tendo-os, continua-
vam os bens dotais sujeitos aos ônus do casamento, até à morte de
um dos cônjuges, mas, passavam a ser administrados pela mulher, se,
no desquite litigioso, ella fosse o cônjuge inocente. Sendo o divórcio
amigável, a administração do dote era regulada por acordo entre os
cônjuges, apresentados na ocasião do pedido do divórcio e homolo-
gado pelo juiz (dec. de 24 de Janeiro, arts. 91-85). No Código Civil
não se encontra disposição similar.
REGIME DOTAL 249 ■

gado o momento legal da restituição, com o mesmo im-


pério veria erguer-se a obrigação de restituir, como se man-
tivesse em seu poder o conjunto dos bens dotais, deduzido
somente o que a mulher tivesse conservado da primeira
restituição, por força do principio de que a ninguém é
dado enriquecer-se, injustamente, à custa alheia. Mas, se
não tem o marido o direito de restituir o dote, antes das
épocas indicadas, poderá, entretanto, ser a isso constran-
gido, quando malbaratar a sua fortuna, ou negar à mulher
os alimentos necessários, ou indicar pretenções de engol-
far também o dote em ruinas (2).
B' à mulher, ou a seus herdeiros, que, em regra, se
deve restituir o dote, qualquer que seja a sua origem; sal-
vo quando, por uma cláusula expressa no contrato dotal,
se estipulou a reversão ao dotador, ou a sua aquisição pe-
lo marido, se, premorrendo a mulher, não deixar herdei-
ros necessários.
Para garantia da restituição, a lei confere à mulher
uma hipoteca legal, sobre os imóveis do marido (Código
Civil, arts. 827, I), a qual deve ser inscrita e especializada
para valer contra terceiros (art. 828) (3).
Para sabermos como deve eer efetuada a restituição
do dote, convém predeterminar a natureza dos bens e a da
estimação, a que eles se submeterem na ocasião da consti-
tuição do dote. Se o dote consta de coisas fungiveis, de
moveis estimados, ou de imóveis, com estimação impor-
tando venda, a restituição deve ser feita em dinheiro ou
em outros bens de valor equivalente ao recebido em dote.
A estimação vale como preço de venda; a ela submete-se,
necessariamente, o marido, sem poder alegar diminuição

(2) Vide os §§ 50-52, in fine.


(3) Bsta hipoteca não é mais privilegiada como o era por di-
reito romano (Cód. 8, 18, 1. 12). Sua inscrição deve ser pedida pelo
marido ou pelo pai; pode ser pela mulher, pelo doador ou por um
parente da mulher (dec. n. 4.857, de 9 de Novemlbro de 1939, arti-
go 266) ; Cód. Qvil, art. 839).
250 DIREITO DA FAMÍLIA

superveniente no valor, mesmo porque os acréscimos lhe


serão também adquiridos em compensação (4). Se não
pagar o preço da estimação, tem a mulher, como qualquer
vendedor, o direito de, por assim dizer, resilir a venda,
pedindo a restituição dos bens em espécie, respondendo o
marido pela deterioração, para as quais tenha concorrido
por sua negligência ou dolo.
Os imóveis estimados taxationis causa e os moveis,
que por sua estípulação devem ser conservados, restituem-
se em espécie, no estado em que se acharem, acrescidos com
as acessões e melhoramentos, ou depauperados com as de-
teriorações (4 a). Benefícios e maléficos correm por con-
ta da mulher, salvo culpa ou dolo do marido, nas deterio-
rações (5), Também nos melhoramentos ocasionados
por ele, se lhe devem levar em conta as despesas úteis e ne-
cessárias, para o fim de indenizá-lo, segundo o seu valor,
ao tempo da restituição (5a). Para garantia dessa inde-
nização, tem ele direito de retenção sobre os bens dotais,
que se acham em seu poder (6). As despesas voluptuá-
rias, de mero ornamento, podem ser retiradas pelo mari-
do, sob a condição de não danificar o objeto a que ade-
rirem.
Os frutos civis adquire-os o marido na proporção
do curso do tempo, dia por dia, e os naturais pela per-
cepção. Mas, os naturais do último ano de casamento es-

(4) iCód. 5, 12, 1 5; 5, 13, 1. única, § 9.°.


(4a) Cód. Civil, art. 302. ^
(5) Cód. Civil, art. 307, pr. in jine. Por maioria de razão, o
perecimento do objeto do dote, será imputado ao marido, se esse acon-
tecimento provier de sua fraude ou negligência e não do acaso ou
de força maior.
(5 a) Cód. Civil, art. 307,
(6) D. 23, 3 fr., 56, § 3.°; Lafayette, D ir. de família, § 88.
As despesas ordinárias e comuns, de pequena monta, "reputam-se
compensadas pelo rendimento do dote" (Cód. Civ. português, ar-
tóigo 1.164). /
REGIME DOTAL 251

tão, neste departamento do direito, sujeitos a um princí-


pio especial de relação com o tempo (7). Partilham-se
esses frutos do último ano, sejam pendentes ou já percebi-
dos, entre os dois cônjuges ou entre o sobrevivente e os
herdeiros do falecido, conforme o caso, proporcionalmente
à duração do casamento nesse ano (7a), A razao desta
disposição é óbvia. O fim, a que se destina o dote, é a sus-
tentação da família durante a constância do casamento.
E' natural que, ao marido, somente aproveitem os iratos e
rendimentos na proporção do tempo em que desempenhou
esse encargo. Não se lhe deve dar mais; nem se lhe po-
deria dar menos. E a partilha feita^ por outro modo, po-
deria ocasionar um desses inconvenientes.
Mas, se o princípio é verdadeiro e justo, convém le-
vá-lo até ao esgotamento de suas naturais conseqüências.
Assim entendem os escritores que, nas colheitas que se fa-
zem de dez em dez anos, como o corte das madeiras,^ ou
outras de tempo superior a um ano, os frutos ao ultimo
ano se entendem com amplitude maior, de modo a serem
abrangidos todos os que se distribuem pelo tempo do ca-
samento, depo^is da ultima colheita, feita a divisão da
quantidade dos frutos pelo espaço de tempo intermediá-
rio a duas colheitas. Assim, um viveiro despesca-se de três
em três anos. Suponha-se, que o casamento durasse dez
anos N* época de sua dissolução, ainda faltava um ano
para'realizar-se a última pesca, visto como os períodos da
colheita não correspondiam aos anos do casamento. Rea-

(7) Lafayette, Op. cit, § f; Coelho da Rocha Institui-


ções 8 278; D. 24, 3, frs. 5, 6 e 7; Roth, System, II, § 99. No
direito0 francês (Cód. Civ., art. 1.571) adotou-se esse sistema, porem,
somente em relação aos bens de raiz. O Co igo ivi poitugues lefe-
re-se, exclusivamente, aos frutos pendentes e qualquer natureza,
(art. 1.162). O Código italiano regula o caso semelhantemente ao
brasileiro. Assim o Projeto Coelho Rodrigues, art. 2.0o2. O ano,
de que aqui se trata, é contado da data do casamento e não da colheita.
(7 a) Cód. Civil, art. 306.
252 DIREITO DA FAMÍLIA

lizada essa pesca, um ano depois de dissolvida a sociedade


conjugai, tem o marido direito a dois terços dela. Seja um
bosque destinado a corte de dez anos; tendo o casamento
durado cinco ou menos, de modo que não se haja verifi-
cado um corte durante esse tempo. O marido terá direito
a uma parte do corte futuro, proporcional à duração do
casamento. O mesmo raciocínio será aplicado se o período
da colheita for menor de um ano (8).
Quando o dote consiste em gozo de direitos reais ou
obrigacionais, como usufrutos, foros, pensão, apólices,
ações comerciais, o marido deve restituir os títulos respec-
tivos, cessando de receber as prestações, e respondendo pela
extinção do direito, ocasionada por culpa sua (9). Con-
sistindo o dote em um crédito, deve restituir o dinheiro
recebido, e, se nada conseguiu receber, restituir o título;
mas responderá por perdas e danos, se, por culpa sua, se
extinguiu a dívida (10). A renúncia de um crédito, de que
o marido era devedor, foi o dote concedido; dissolvida a
sociedade conjugai, deve o marido pagar à mulher ou a seus
herdeiros, a importância devida (11). Estas e outras re-
gras apresentadas, são elucidativas de casos particulares,
servem como exemplificações. Os princípios gerais, po-
rem, são suficientes para resolver as dúvidas possiveis, nos
diversos casos emergentes, sem que haja necessidade de es-

(8) Cód. Civil, art. 306, § único; D. 24, 3, fr. 7, § 6.°. Quod
in anno dicitur potest dici in sex mensibus, si bis in anno fructus
capientur: ut est in loeis irriguis. § 7. Ut in pluríbus annis idem dici
potest; ut in sylva cacdnla. Gallupi, Op. dt., pág. 290; Lafayette,
Qp. cit, § 88; Laurent. Cours, n. 669; Peaniol, Traité III, n. 1.650;
Th. Huc, Commeniaire, IX, n. 500.
(9) Cód. Civil, art. 304, § único. Lafayette, Op. cit., § 88;
Mourlon, III, n. 433; Cód. Civil português, art. 1.160. Projecto,
art. 311.
(10) Lafayette, cit., § 88; Cód. 4, 10, 12, 1, 2; Código Civil
português, art. 1.161,
(11) Lafayette, § cit.; D. 23, 3, fr. 12, § 2.°, e fr. 43.
REiGDME DOTAL 253

merílharem-se oasos e hipóteses prováveis. O que é sim-


ples evidencia-se ao mais leve toque de luz.
O Código Civil presume o dote recebido: 1.°, Se o
casamento se tiver prolongado por cinco anos, depois do
prazo concedido para a entregá; 2.°, se o devedor for a
mulher. Todavia, o marido poderá provar que não o re-
cebeu, apesar de ter exigido (12).
No direito romano, considerava-se o dote consigna-
do ao marido, embora simplesmente prometido. Se, po-
rem, na realidade, ele nada recebera, na ocasião de lhe ser
exigida a restituição, opunha a exceção non numeratae
pecuntae. Mas Justiniano (Nov. 100) não quis que essa
exceção fosse invocada, senão com as restrições seguintes:
dentro do ano seguinte à dissolução do matrimônio, se
este durasse menos de dois anos: dentro de três meses, se
perdurasse por mais de dois e menos de dez anos. Pro-
longando-se por mais de anos o casamento, cessaVa, para
o marido, o direito de opor a excepção non numeratae pe~
cuniae: Si vero transcurrerit decenmum; tunc neque man-
to neque heredibus ejus quaerela ent, têmpora ad omnia
sufficiente mulieri (Nov. 100, cap. II). Esta última pro-
vidência foi aceita pelos códigos modernos, como uma pu-
nição à diuturna negligência do marido, a qual, por con-
tumaz, assemelha-se a dolo; mas contando o prazo, desde
o momento em que o dote se torna exigivel (13).

(12) Cód. Civil, art. 305. O direito francês faz também dis-
tinção entre o dote constituído pela mulher e por terceiro, e mais
sobre bens presentes ou futuros, compreendendo quantia superior ou
inferior a 150 francos.
,(13) Código Civil francês, art. 1.569; italiano, 195; portu-
guês, 1.145; Projecto Coelho Rodrigues, art. 2.050, Fica sempre
salvo ao marido provar que empregou inutilmente as diligências que
-estavam a seu alcance, para obter o pagamento do dote. Também se
a mulher fôr a devedora do dote, não poderá fazer-se forte com sua
própria falta, e portanto, deverá prOvar que entregou o dote. Planiol,
Traité, III, n. g. 1.645; Chironi, Istituzioni, § 401.
n-^ ç ■

254 DIREITO DA FAMÍLIA

§ 54

tempo da restituição

Os bens que teem de ser restítuidos em espécie, como


os imóveis estimados taxaUonis causa e os moveis m-
fungiveis, a que o pacto antenupcíal adjetivou a inalie-
nabilidade, devem ser entregues à mulher ou a seus her-
deiros, desde o momento em que se dissolve a sociedade
conjugai (1). Para aqueles, porem, que teem de ser res-
tituidos em dinheiro, pelo preço da estimação, a lei con-
cede o prazo de seis meses (2). Não é esse um prazo
fatal que não possa admitir diminuição ou ampliarão
por parte do marido ou por estipulação no pacto do-
tal (3); é apenas um meio de não colocar o marido em
posição aflitiva, pela obrigação de pagar de chofre uma

(1) ,0 prazo do Cód. Civil neste caso, é de uim mês (art, 300Ç
(2) Cód. Civil, art. 301: o preço dos bens jungiveis ou não
fungíveis, quando legitimamente alienados, só pode ser pedido,^ seis
meses depois da dissolução da sociedade conjugai. Cód. a, 13, 1. nnica.
§ 7; Código Civil francês, arts. 1.564-1.565; espanhol, 1.369-1.370;
português, 1.158; Projeto Coelho Rodrigues, 2.044-2.045; Ea-
fayette, Direitos de família, § 89; Galluppi, La dote, pág. 271,
Américo Mendes de Oliveira Castro, Regimes matrimoniais, pá-
o-ina 461. Ferreira Coelho, Código Civil, XXIII, art. 301, ns, 38
e seus. Se o marido se torna insolvente, perde o direito ao beneficio
do prazo (cit. Galluppi, pág. 272, com apoio no Código italiano,
art. 1.176, e francês 1.188). Vide o meu Direito das obrigações,
§ 19.
O Código Civil italiano, em vigor, arts. 191 a 193, determina
que se os bens dotais conservarem na propriedade da mulher, a resti-
tuição deve ser feita sem dilação; se passaram para a propriedade
do marido, a restituição não poderá ser pedida antes de um ano depois
da dissolução do casamento; dos moveis consumiveis, restitue-se o que
restam, salvo havendo dolo do marido, _
(3) O direito romano estatuiu (D. 23, 4, fr. 14) ; De die rea-
dendae dotis hoc júris est, ut liceat pacisce, qua die reddatur; dum
no mulieris deieriõr condi tio jiat, F no fr. 15, e o ciem, acrescenta expli-
cando: Id est ut citeriori die reddatur; insistindo ainda, no ír. 16;
Kç"/
REGIME DOTAL 255

dívida de vencimento inesperado e numa ocasião, em que


menos propícias IHe sejam as circunstâncias, para esse dis-
pêndio. ' i ' i
Mas, se a mulher tem a obrigação de esperar para
receber o preço de seu dote, pode, desde logo, desde a dis-
solução da sociedade conjugai, exigir a liquidação, para
que, após o prazo da lei, não sofra mais demoras resul-
tantes desse processo.

ut cintem longiore die salvatur dos non poíest non magis, quam non
omnino reddatur. Os civilistas modernos, porem, apoiados na liber-
dade concedida aos nubentes de pactuarem o que lhe aprouver, sobre
o regime dos bens na constância de seu casamento, acham admissível
uma cláusula, prolongando o prazo assinado à restituição do dote
(Galluppi, cit., pág. 273; Rodiere et Pont, II, n.0 626; Deevin-
court, III, pág. 115).

'■
;
V " ■' ;


CAPÍTULO VIII

ARRAS

§ 55

NOÇÃO E EVOLUÇÃO DAS ARRAS

Ainda menos que o dote penetraram as arras nos há-


bitos brasileiros. Segundo o testemunho de nossos juristas
mais competentes, estavam elas, de muito, em completo
desuso antes da codificação civil, que não as menciona.
Entretanto, não constituem menos interessante problema
histórico.
Atras, na acepção de acessório de um regime de bens,
era o nome dado à pensão, ou coisa certa, que o mando,
no contrato dotal, assinava à mulher, para o caso de esta
lhe sobreviver.
Não é fácil tarefa atar os elos partidos da cadeia
evolucional deste instituto, remontando às suas afastadas
origens.
Duas soluções foram dadas a este problema de his-
tória jurídica, mas ambas se me antolham como inexatas.
A primeira é a de SANTA Rosa DE VITERBO, que não é.
rigorosamente, uma solução, mas, simplesmente, o início,
o preparo aproveitável por quem se aprouver em prosse-
— 17
258 DIREITO DA FAMÍLIA

guir pela senda apontada. Em seu Elucidário (1), verbo


— compra do corpo, havia ele identificado como sinô-
nimos os vocábulos — arras e dote com aquela expressão
-— compra do corpo, usada em muitos documentos por-
tugueses do século XII e do XIIÍ. Depois, no Suplemen-
to, à vista de outros documentos, retratou-se da opinião
emitida, dizendo que compra do corpo é diferente de
arras,
Mas o que vem a ser compra do corpo?
Entre quase todos os povos, encontramos o costume
de fazer o marido um presente à esposa em seguida ao
casamento. Na Islândia, esse presente é denominado
munde. Na França, os escritores mostram-nos, entre
outros, o caso de Hilperik, no dia seguinte ao de seu ca-
samento, tomando a mão de sua jovem esposa, e, diante
de testemunhas convocadas para esse fim, fazer-lhe a
doação de cinco cidades. MlCHELET diz-nos que essa
doação recebia o nome de osculum, oscleum, oscleia, oscle.
porque era sempre acompanhada por um beijo (2).
Balzac fala-nos de um antiquíssimo costume, subsis-
tente em seu tempo, na França central, que é um caso es-
pecial de persistência do costume, a que aludo, denominado
douzain, por constar sempre de doze moedas ou doze
centos de moedas, fossem de ouro, prata ou cobre, con-
forme os haveres da família (3).
Este costume interessante abrolhou, espontaneamen-
te, entre diversos povos de origem árica. Foi, entretanto,
na Germânia, que ele apresentou os caracteres de um ver-
dadeiro direito consuetudinário geral, sob a invocação de
Morgengabe, presente da manhã, ou Bankgabe, presente

(1) Frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, Elucidário das


palavras, termos e frases que em Portugal antigamente se usaram e
que hoje regularmente se ignoram. Lisboa mdccxcviii.
(2) Les origines du droit français, pág. 47; Ducange, Glossa-
rium, osculum, IV.
(3) Eugenia Grandet, trad. Silva Pinto, pág. 54,
ARRAS 259

do banco, porque "a mulher se tornava a companheira do


leito e do banco".
Estes presentes consistiam em moveis ou numa
pensão. Entravam para o patrimônio da mulher, e, de-
pois de sua morte, eram transmitidos a seus herdeiros ou,
aos do marido, se consistiam em pensão. Não tinha ca-
ráter de obrigatoriedade o Morgengabe; era, antes, um ato
benéfico, de pura liberalidade, mais comum no campo do
que nas cidades (4). •
E' esta instituição que VlTERBO identifica à compra
do corpo dos velhos códices portugueses. Diz ele: "Esta
compra do corpo, a meu ver, era o que chamavam, em
Aragão e outras partes, herança do marido ou confir-
mação do dote; era feita pelo marido à mulher, passada
a primeira noite de casados e, por isso, se nomeou tam-
bém "pretium virginitatis" (verb. marido conoçudo). Di-
zendo, em outra parte, que arras e compra do corpo eram
termos equivalentes, firmara a doutrina de que as três ex-
pressões eram, afinal, modos diversos de traduzir o Mor-
gengabe ou Morganagiba, segundo escreve ele, Voltando,
porem, a dizer no Suplemento que arras se diferençam de
compra de corpo, sem entrar em mais largas explicações,
sobre o que sejam em particular, deixou, entretanto, esta-
belecido que — compra do corpo e Morgengabe são dições
equivalentes e que arras veem a ser um outro gênero de
doações. E' a conclusão necessária, que se pode colher de
suas afirmações.
O argumento, em prol desta nova opinião do velho
lexicógrafo, sendo tirado de documentos dos séculos XIII
e XIV, onde as duas expressões — compra do corpo e
arras, são tomadas como indicando coisas distintas, todos
se deram por convencidos. No entanto, como não ficaram
claramente estabelecidos os termos todos da questão, um

(4) Schulte, Hist. du droit et des institutions de VAlleviag-


ne, § 170; Roth, System, II, § 94; Gerber, System, § 2.388, A obri-
gatoriedade apareceu, diz este último escritor, em alguns costumes
locais, e, mais tarde, nos casamentos nobres, na Saxônia (nota 2).
260 DIREITO DA FAMÍLIA

outro erudito investigador português, o sr. LEVY Maria


JORDÃO, levantou-a, colocando-a noutro terreno, e sua so-
lução tem sido geralmente aceita, segundo parece (5)-
O ponto de apoio do trabalho deste escritor é a ex-
pressão camera cerrada, de que se servem as ordenações fí-
lipinas e outros documentos dos séculos XV a XVII e
que, em épocas anteriores a esta última, se ortografava —
camera garrada ou carrada. Realmente, fôra tal expressão
um pesadelo para a erudição de muitos reinícolas. Fôra
mais que um embaraço, chegara a ser um indecifrável
enigma lingüístico, onde se embotaram os esforços de
PEGAS e não sei quantos outros. LEVY JORDÃO intentou
desfazer as dificuldades, mostrando que camera cerrada
era como que um eufemismo para designar o presente da
manhã, se bem que, a meu ver, Mongengabe seja um vo-
cábulo expressivo, sem chatismo, nem grosseria, tresca-
lando, antes, um suave e fresco aroma de manhã clara e
sorridente que surge.
Para comprovar sua tese, o escritor português trans-
creve um trecho da carta dc embaixador luso, B. Lopo de
Almeida, ao rei D. Afonso V, sobre o casamento de Fre-
derico III, da Alemanha, com a infanta portuguesa Dona
Leonor, em 1452, onde se lê: "foi o imperador à camera
da dita senhora onde ela já estava desde ante-manhã e aí
deu a renda da camera conteuda no contrato". Em outro

(5) Memórias sobre a câmera cerrada, na coleção das memó-


rias da Academia real das ciências de Lisboa, 1863. Há uma tradução
francesa: Le Morgengabe portugais. Cândido Mendes perfilhou as
idéias do erudito português, no Cód. filipino, liv. 4, tit. 47, notas.
Lafayette, porem, manteve-se no que alegara Viterbo, aliás sem
dar as raz5es de seu parecer. Theophilo Braga, que também se
ocupou do assunto {Forais, pág. 68 e segs.), tem uma opinião um
tanto vacilante, porque nos dá a compra do corpo e as arras, ora como
coisas idênticas, ora como diferentes. A Herculano, nas Arras por
foro de Espanha, faz Leonor Telles dizer ao rei Fernando: "Quero
que me dês as minhas arras: quero o preço do meu corpo, conforme
o fôro de Espanha". De onde se conclue que, para o sábio histo-
riador, arras e compra do corpo são expressões equivalentes.
ARRAS 26 í

documento referente ao casamento do mesmo Afonso V


com D. Isabel, em 1447, diz-se: "e querendo outrossim
prover a ela dita Senhora rainha, acerca das terras e vilas
que as rainhas destes reinos, nos tempos passados, em eles
costumavam haver por cametas, por razão de seus casa-
mentos". ,
Ora, camera e arras são dições equipolentes, sob certa
relação, como se induz do disposto na Ord. filipína (4,
47); logo, conclue JORDÃO, arras e Morgengabe, são
nomes diversos designando a mesma coísa. O primeiro dos
documentos citados é sugestivo, sem duvida, e inclina o
pensamento no sentido indicado; mas o espírito aperce-
be-se logo de que fez uma inferência precipitada, porque
ainda não viu a prova de que Morgengabe se traduz por
camera em português; pois mera afirmação não vale por
prova. Certo que há inegáveis analogias entre os dqís ins-
titutos. Ambos são atos de pura liberalidade, ao menos
em regr&, ambos podem consistir em coisas ou em pessoas,
ambos vieram a ter, em alguns sistemas, certa fixação de
máximo. Essas semelhanças explicam a identificação feita;
mas não convencem, não satisfazem a mente investiga-
dora, que, alem do mais, encontra documentos e ponde-
rações, que a distanciam da conclusão apresentada.
E' melindrosa esta discussão, toda ela arquitetada
sobre uns poucos escombros, que restam de longínquas
eras, e, por isso mesmo, não convém precipitar as decisões.
Mas falem os fatos. Entre os documentos, empoados e
desbotados pela ação do tempo, que SANTA Rosa de Vi-
TERO teve entre as mãos, alguns há que apresentam a
compra do corpo como instituição diversa de arras, D.
Gonçalo Garcia compromete-se a dar à sua esposa, "por
compra corporis sai, metade de todos os seus herdamentos,
com todos os seus direitos e pertenças. E por arras sex Qui-
tanas et sexagínta casalia sicut est consuetudo inter Do-
ríum et Miníum". No testamento de D. Violante, lê-se;
"cinco libras que meu marido há a dar por arras e por
262 DIREITO DA FAMÍLIA

compra de meu corpo". Estes documentos são, o primeiro


de 1258 e o segundo de 1310 (6).
Também o contrato de casamento de D. Leonor com
Frederico III, da Alemanha, a que alude JORDÃO, e que,
se não é tão jocosamente descritivo como a citada carta de
Lopo de Almeida, é mais interessante ainda para a solução
do problema histórico agora enfrentado. Nesse contrato,
fala-se de camçras, no valor do dote, et ultra donationem
matutinam in crastinum (7).
Eis aí um motivo poderoso para não identificarmos
arras e compra do corpo, pois que nô-las dão os documen-
tos citados em primeiro lugar como coisas diferentes. E se
arras é camera cerrada, como supor que câmara cerrada é
eufemismo para designar compra de corpo? O último dos
documentos referidos mostra, por outro lado, que as câ-
maras e as doações da manhã também se não identificam.
Mas, evidenciado que arras ou câmara cerrada diferem
de compra do corpo, corresponderá alguma dessas duas fi-
guras ao Morgengabet Penso que não. Não é que o cos-
tume de fazer um presente à mulher, no dia seguinte ao
casamento, não fosse introduzido na península ibérica. Ao
contrário; sabemos por VlTERBO que esse uso existia em
Leão, sob a denominação de herdamento do mando; por
outras fontes, nos é conhecido que em Catalunha seu nome
era screix, e, em Valença, greix; e no contrato de casa-
mento de D. Leonor com Frederico III fala-se em donatio
matutina tn crastinum,
Não é, pois, extraordinário que, também no reino
de Portugal, se tivesse ele propagado, sob a influência dos
povos de origem teutônica aí estabelecidos, desde os sé-
culos V e VI, Mas já, em capítulo anterior, ficou pa-
tenteado que o Morgengabe, na Alemanha e em outros
países, onde se estabeleceram povos germânicos, se trans-

(6) Viterbo, Elucidário, Supl. verb., compra do corpo.


(7) Apüd Theophiu) Braga, Forais; Souza, a propósito ci-
tado {Provas, I, pág. 643).
263

formou em comunhão de bens por desenvolvimento evo


lucíonal, cujos estádios se indicam. Em Portugal, deu-se
o mesmo, porque essa é a marcha natural do desenvolvi-
v menío cio instituto e porque também aí se podem destacar
os vestígios indicadores desse desenvolvimento, semelhan-
temente ao que fizeram as doutíssimas investigações de
ScHROEDER, em relação à Alemanha (8). A necessidade
do assentimento da mulher, para a alienação dos imóveis,
não se nos apresenta no direito português como no alemão r
Não existiu no português como no alemão antigo, a tertia
pars collaborationis? E', pois, irrecusável que também no
reino luso, a comunhão de bens é uma bela transformação
do morganagiba, do Morgengabe.
Julgando esse ponto definitivamente assentado, ve-
rificarei o que serão compra de corpo e arras, nos primeiros
tempos da monarquia italiana.
Esta compra de corpo, de que nos falam os vetustos
diplomas portugueses, não pode, certamente, ser o que em
direito hebreu, por exemplo, se denominava compra de
uma virgem. Este uso tem lugar em dois casos: 1.°, quan-
do se verifica o estupro de uma virgem não unida a outrem
por laços esponsalícios; o violentador é coagido a pagar
cinqüenta siclos de prata ao pai da virgem, e a casar com
ela qttia humiliaüit illam, sem poder repudiá-la em caso
algum (9). E a isto que ainda hoje se chama dotar na
linguagem do Código Penal; 2.°, quando o senhor, depois
de tomar a cativa de guerra por mulher, abandona-a, não
tem direito de vendê-la, e, antes, é obrigado a provê-la de
roupa, nao lhe negando o pretium pudxitice (10). A
compra do corpo, de que agora se fala, sendo uma doação
nupcial, não pode ser uma correspondência desse dote
penal.

(8) Vide o § 36.


(9) Deuteronómio, XXII, vers. 28-29.
(10) Deut, XXI, vers. 14.
264 DIREITO DA FAMÍLIA

Afastada esta semelhança, resta-nos somente apro-


ximar a compra do corpo da compra do mundium, usada
entre os germanos e que encontra similares entre quase
todos os povos arianos, semitas e outros, constituindo
uma das solenidades da forma original dos esponsais, se-
gundo foi apreciado em capítulo anterior. Não é uma hi-
pótese gratuita-esta da identificação da compra do corpo,
do direito português, com a compra do mundium ou da
manus, pois que tal compra vinha afinal a ser a da própria
pessoa da esposa. E as leis antigas dos saxônios e bor-
gúndios conservaram o nome de pretium uxoris, que pouco
difere da expressão portuguesa, compra do corpo. Se-
gundo escritores de autoridade, o preço, pelo qual era ob-
tido o mundium entre os germanos, transformou-se no
dote germânico, isto é, no donativo feito pelo marido à
mulher, na ocasião em que firmavam o contrato do casa-
mento (11). E a prova dessa asserção nô-la oferece, con-
vincente, o Código visigótico, com as expressões pretium
nuptice, pretium dotis, das indistintamente empregadas
para significarem a mesma coisa (12).
Quanto às arras, creio que são a metábole de uma
outra instituição germânica, a do doário ou dotalício (do.-
darium, dotalitium, wittum), que era instituido, geral-
mente, na ocasião em que se celebravam os esponsais (13)
e que, mais tarde, tomara certa feição obrigatória.
De acordo com Schulte e SoHM, pode-se dizer
que o casamento germânico era precedido de esponsais
(Verlobung) que, segundo as fontes antigas, eram o con-
trato pelo qual o possuidor da autoridade familial (Ge-
walthaber) se obrigava a dar, ao pretendente, a mão de

'(11) Roth, System, II, 94. Dotem non uxor marito, sed uxori
maritus offert, diz Tácito, De morihus germ., cap. 18.
(12) Schulte, Hist., cit., § 11; Glasson, Hist., du droit et
des inst., \de VAnçfieterre, I, pág. 117.
(13) Schulte, Hist. cit., § 11; Glasson, Hist. du droit et
des inst. de l'Angleterre, I, pág. 117.
ARRAS 265

uma joven, transmitindo-lhe a autoridade, que sobre ela


tinha, mediante uma indenização pecuniária. Esta soma
perdeu, com o tempo, o carater de preço de uma compra,
para tornar-se, simplesmente, um donativo do marido à
mulher; mas, como já vimos, no direito português antigo,
o nome se manteve, mesmo depois que o pacto por ele
significado havia desaparecido. Ainda na ocasião em que
se celebrava o pacto esponsalício, era de costume estipular
uma doação especial à mulher, que era o seu doário, e des-
tinava-se a mantê-la durante a viuvez. Eis por que vemos,
nos documentos citados por VlTERBO, dizer-se que tal
quantia foi dada por compra do corpo (dote germânico)
e tal outra por urras (doário, wittum). Esta interpretação
solve a dificuldade que se levantava, quando considerá-
vamos que as arras eram estipuladas por contrato ante-
nupcíal, enquanto que o Morgengabe era um presente pos-
terior ao casamento, não incluído, a princípio ao menos,
no pacto esponsalício.
E' certo que, em leis e documentos antigos, vemos
várias vezes confundidas estas duas líberalidades do ma-
rido à mulher: — o presente do dia seguinte e o doário;
mas, com certa atenção, é fácil distingui-las, mesmo quan-
do elas se estipulam na mesma^ ocasião, como parece resul-
tar da lei de sponsaVis contrahendis, atribuída a Edmundo
da Inglaterra (14).
O Morgengabe tornava-se propriedade da mulher e
o doário era, simplesmente, um meio de mantê-la na
viuvez, portanto, uma propriedade ou pensão passageira,
que terminava com a entrada em segundas núpeias.
Na Suécia, onde também houve o presente da manha
seguinte à primeira noite nupcial, transformado, poste-
riormente, em comunhão de bens, existiu, simultanea-

(14) Postea dicat bridguma, i. e. sponsus, quU ei dare disponat


cur ejus eligat voluntatem et qtiid ei distinet si superfuerit ipsum.
2m DIREITO DA FAMÍLIA

mente, o doário consistente no gozo transitório, no usu-


fruto de bens, sob a condição de não passar a viuva a se-
gunda núpcias.
Ora, vemos em contratos de arras do direito por-
tuguês primitivo, essa condição de não contrair segundo
casamento. Nestas condições está a carta de arras que, no
ano de 1190, fez D. Soeiro Viegas à sua mulher, do que
nos dá notícia SANT Rosa DE ViTERBO (verb. marido co-
noçudo).
E', pois, certo que arras corresponde ao doário, que
não é a mesma coisa que Morgengabe, como parece supor
o sr. Jordão.
Assim, existiram, no direito português primitivo,
alem do presente do dia seguinte, duas formas principais
de donativos prometidos pelo noivo, por ocasião de con-
tratar o casamento e, naturalmente, realizado pelo marido
depois dele efetuado; — a compra do corpo e as arras;
porquanto a compra do corpo não era mais, como ori-
ginariamente devera ter sido, a compra do mundiam;
perdera sua significação primitiva para metamorfosear-se
em uma simples doação marital. Estabelecida esta dupli-
cidade de donativos, por parte do marido, duplicidade, já
então, perfeitamente ociosa, era natural que, com o correr
dos tempos, uma tivesse de ceder o espaço à outra. Na luta
luta pela existência, pois que também os institutos obe-
decem a essa lei darviniana, desapareceu a compra do corpo,
o dote germânico, se é que não se fundiram as duas ins-
tituições em uma só. Sob a influência do egoísmo, de
mais em mais esclarecido e perspicaz, tal donativo, então
unificado sob a invocação de arras, aliou-se ao dote ro-
mano, do qual constituiu um adminículo.
A expressão camera cerrada, mera qualificação de
arras, quândo não taxadas em quantidade certa, oblite-
rou-se, pouco a pouco, precedendo a marcha que o próprio
instituto ia fazendo, para o desaparecimento, desde que
os costumes não lhe incutiram mais o calor da vida, até
que o Código Civil lhe desferiu o último golpe, elimi-
ARRAS 267

nando-a de seu corpo e apenas referindo-se aos apanágios


com significação um tanto modificada (art. 1.231).
Um outro problema que atrai a atenção é o que en-
volve a explicação do motivo, pelo qual se deu a esta
espécie de donativos o nome de arras, que, desde o sé-
culo XIL pelo menos, figura nos contratos antenupciais.
Este vocábulo é tomado em várias acepções.
A significação originária e etimológica é a de penhor
em segurança de um contrato ou de uma promessa. Neste
sentido, a palavra foi empregada pelos romanos, nomeada-
mente em relação aos contratos de compra e venda (15),
havendo recebido o vocábulo e o fato por ele traduzido,
dos fenícios, por intermédio dos gregos.
O arrhabon dos gregos é o nosso sinal, adiantamento
em garantia de execução de um contrato, e esta palavra é
reconhecida como de origem semítica. "E' uma das poucas
palavras indo-européias, derivadas do semítico", ^escreve
Rudolf VON Jhering, que nela vê uma prova convin-
cente da transmissão das instituições fenícias, para os
gregos e romanos, porquanto o arrhabon dos gregos se
apresenta com as mesmas consonâncias nos léxicos hebráico
e fenício.
E sabe-se o partido que o preclaro romanista pôde
titàr desta circunstância, tendo a palavra, pqra ele, "a
mesma importância que, para o paleontologista, um frag-
mento fóssil de raça animal do mundo primitivo, por que
lhe explicou acontecimentos realizados além da história,
e lhe ofereceu um ponto de apôío para transportar-se de

(15) D, 19, 1, fr. 11, § 6.°: Is'qui vina emit arrhae nomme
certam summmn dedit; postca convenerunt ut emptio irrita fierit;
Julianus ex empto agi posse ait ut arrha restituatur. No D. 18, 3, frs.
6 e 8, encontramos também as expressões id quod arrhae vcl ali no-
mine d atum esset... pactus est ut arrham per der et...
Ainda no D. 14, 3, fr. 5, § 15, se diz: annulum arrhae nomine
acciperet.
268 DIREITO DA FAMÍLIA

fatos, imediatamente conhecidos, a combinações mais


vastas" (16).
Minhas indagações não se dirigem, neste momento,
para esse polo. O assunto, aliás, está esgotado pelo mestre.
O que, presentemente, me preocupa, é assinalar que
a acepção originária do termo arras é a entrega de algum
objeto em garantia da execução de um negócio ajustado,
e que essa significação mantém uma cadeia ininterrupta
entre as línguas indo-européias e semíticas, através do
latim e do grego. Neste sentido, o termo arras corresponde
ao Handgeld dos germanos (17).
Fácil foi transportar dos contratos mercantis ou civis
em gênero, para o pacto esponsalício em particular, o nome
dado ao penhor, com que uma das partes expressava a se-
gurança de sua fé. O anel simbólico que os desposados,
em quase todos os países antigos, por si ou por seus pais,
davam à desposada, nomeadamente na Judéia, na Grécia,
em Roma (annulus pronuhus), na Germânia, e que, antes,
fôra, simplesmente, moeda também simbólica dada, pelo
noivo, ao chefe da família, é uma persistência da compra
da mulher, e, depois, da autoridade, do mundium, cuja
recordação se ia, paulatinamente, obliterando pelo desa-
parecimento do fato a que aludia. Era natural chamar de
arra esponsalícia a esse anel, a essa moeda simbólica, ou
qualquer soma dada em garantia da palavra empenhada
(arrha sponsaidorum nomine data).
Mas, como alargar a significação do termo, para que
ele abrangesse, um outro objeto, uma doação que havia
de aproveitar à mulher, principalmente após a viuvez, o
seu doário?
Parece-me que se poderá explicar o fato pelo modo
seguinte. Na ocasião de se celebrarem os esponsaís, foi

(16) A hospitalidade no passado, trad. port. Recife, 1891, pá-


gina 62.
(17) Sobre outras significações de arras, vide o Dicionário de
antigüidades gregas e romanas, por Darenberg e Saglio.

i
ARRAS 269

costume fazer-se uma doação a que, às vezes, se dava o


nome de osculum (18), um dos modos mais interessantes
de presentearem-se os desposados. Esta doação, ocmo
quaisquer presentes, com que os noivos se gratificavam,
originaram o gênero de doações chamado ante nupcias no
direito antejustíniano, e que veio a ser, em sua última
fase, mais uma garantia do dote romano, ao qual andava
aliado e do qual era um como que arremedo, Era como
que um contra-dote, que, param a mulieris dote differehat,
como diz Mello Freire.
Os povos ocidentais não aceitaram, em geral, essas
doações propter naptias, com o carater, que lhe imprimira
o direito romano do Oriente, mas conheceram o osculum,
ao qual foram, ao que parece, dando uma feição germâ-
nica de doário. E' assim que vemos, em muitos documen-
tos citados por DuCANGE, expressões como estas: ut uxor
mea teneat. . . itla omnia quce stbi dedt in osculum; e
mais . . . quantum ego ipse uxori mece tradidi ad haben-
dum sive per osculum sive per cartam traditionis, post
wortem ejus S. Pedro remaneat . . . etc.
Que, pois, há de estranhavel em se ter efetuado na
península ibérica uma evolução análoga, tomando a do-
ação antenupcíal o nome de arras, aliás já empregado
para designar qualquer soma oferecida, por ocasião do des-
posório, em garantia da realização do casamento? Houve
assim, pela ocasião em que se efetuava e por várias cir-
cunstâncias, que as aproximavam, uma certa assimilação
entre o doário de origem tudesca e arras esponsalícias de
origem greco-latina. E como às idéias germânicas predo-
minavam então, maxímé no direito da família, da junção

(18) Osculum donatio propter nuptias, quam solet sponsus in~


tervenient osculo, dare sponsae, in lege 5, cód. Theod. spons. (35)
mm ut est in Novella Alexi Comeni, eodem titulo, et apud Matheum
Monach. lib. 8, jure graecorum, pág. 510, spons dia peraguntur meta
arrhabonos kai toy philion tois menster si philamatos (Ducange,
Glossarium, vol. VI. verb. osculum, IV, ed. nov., 1886).
270 DIREITO DA FAMÍLIA

dos dois elementos — o romano e o teutôníco, resultaram


as arras tal como a conheceram o direito espanhol e o por-
tuguês: uma instituição germânica sob um nome semítico
importado de Roma (19).
A língua portuguesa teve, certamente, uma expressão
para designar esse donativo, —^a carneva cerrada, mas que,
por não corresponder a todas as modalidades dele ou por
outras várias causas, se apagou do vocabulário jurídico,
para deixar o lugar ao nome estranho.
E' o que me parece resultar do estudo dos fatos.
O que fica aí apresentado, sob o aspecto de hipóteses,
tanto para a explicação da gênese das arras portuguesas,
problema cativante da história ou, antes, da arqueologia
jurídica, quanto para a explicação de como essa instituição
de origem tudesca por sua aproximação e certa semelhança
com outra de procedênca greco-itálica, revestiu o invólucro
de um nome estrangeiro, problema não menos curioso do
que se poderia chamar glótica jurídica, o que aí fica, tenho
por . largamente justificado com o depoimento dos fatos,
que me foi dado consultar. Entretanto, como já se tcem
transviado nestas obscuridades históricas, alguns investi-
gadores, não apresento o resultado de minhas pesquisas,
senão sob a face de hipótese, que espera a confirmação de
ulíeriores estudos. Até lá, até que esses novos estudos

(19) A palavra recabedo, usada no século XIII, para significar


arras (regime de bens) confirma esta aproximação. Recabedo signi-
fica recebimento solene e quitação . Quem dava recabedo à sua noiva
como que lhe dava, ao mesmo tempo, confirmação solene do contrato
de casamento, e também quitação do dote recebido.
Arras, em um sentido lato, compreendem também os apaná-
gios (C. da Rocha, § 282). Ora, os apanágios são rendimentos que
a mulher, durante a sua viuvez, tem direito de receber da casa de
seu marido predefunto. Portanto, ainda encontro uma confirmação
à última interpretação, nesta significação mais lata do vocábulo.
Pertille, cit., por GalLUPPI, {La dote, pág. 18) recorda, seme-
lhantemente, que a meta dos lombardos, dote. do direito germânico,
assume depois o carater de contra-dote, sob o nome de antefatto e de
incontro. Foi alguma coisa de semelhante que se passou em Portugal.
ARRAS 271

corroborem ou infírmem a hipótese por mim apresentada,


aí permanecerá ela tal como pareceu-me ressumar dos do-
cumentos e da história.

§ 56

PRINCÍPIOS REGULADORES DAS ARRAS NO DIREITO


PÁTRIO ANTERIOR Â CODIFICAÇÃO CIVIL

Pela Ord., 4, 47, as atras só podem ser constituídas


no contrato dotal, e devem ser determinadas por quanti-
dade certa, não excedendo à terça parte do dote. A parte
excedente será considerada inoficiosa, bem que nos diga
Teixeira de Freitas que essa proibição não teve uso
entre nós. Se a quantia fosse superior à taxa legal (Cr$
360,00), era indispensável a insinuação. Se fosse incerta,
a doação seria nula (cameta cerrada),
Não havendo tradição do dote, dispensa-se o marido
de satisfazer a promessa de arras, salvo se esse fato resul-
tasse de culpa sua. Havendo tradição parcial do dote, a
exigência das arras podia ser levada a efeito somente dentro
dos limites correspondentes ao terço da parte entregue.
Na constância do casamento, ficavam as arras sob a
administração e usufruto do marido, garantida a mulher
por hipoteca legal.
Dissolvido o casamento, por morte da mulher, rever-
tiam as arras em favor do marido, por não se ter realizado
a condição, a que estavam subordinadas, — se a mulher
enviuvar. Premorrendo o marido, entravam as arras para
a posse da mulher, que as usufruia durante a vida, mas
voltariam aos herdeiros do marido, quando falecesse a
niulher, salvo acordo em contrário (1). O mesmo devia

(1) Meixo Freire, 2, 9, § 31; Liz Teixeira, I, § 31;


Fafayette, Op. cit., § 95. No direito espanhol, anterior ao Código
atual, eram sempre os herdeiros da mulher que levavam as arras,
o que Lobão e C. da Rocha entenderam aplicável também a Por-
tugal.
272 DIREITO DA FAMÍLIA

praticar-se em caso de divórcio amigavel, apesar de que a


lei não cogitava desta espécie; mas seria revogavel a doação
de atras, quando o divórcio fosse ocasionado por culpa da
mulher.
O pouco uso que, entre nós, teve este pacto de atras,
dispensa mais delongas sobre o assunto.
Essa mesma razão, corroborada, aliás, por uma re-
vogação implícita, faz-me deivar em silêncio: L0, os apa-
nágios ou pensões, que a viuva tinha direito de receber
da família do marido; 2.°, os alfinetes, que eram certas
mesadas prometidas pelos maridos às mulheres para gastos
particulares e adornos, quando os cônjuges pertenciam à
nobreza (2).
O Código Civil português (arts. 1.231 e segs.) fala
ainda de apanágios, mas, entendendo, por este nome, o di-
reito, que tem o cônjuge, que se achar sem meios, por
ocasião da morte do outro, de ser alimentado pelos ren-
dimentos dos bens deixados pelo falecido, qualquer que
fosse o regime dos bens no casamento dissolvido, sejam os
bens de que natureza forem. E' uma providência, que diz
com os direitos sucessórios dos cônjuges c a que já me
referi em parágrafo anterior.

(2) Quanto ao datalicio, já no parágrafo anterior ficou indi-


cada a sua posição em relação às arras- Nesta expressão se compieen-
dem os apanágios e os alfinetes. Vejam-se; Mello Freire, Inst.
júris civilis, liv. I, art. 9, §§ 35-36; Liz Teixeira, I, págs. 496-500.
CAPÍTULO IX
V

REGIMES DE BENS NO DIREITO INTER-


NACIONAL PRIVADO í

§ 57

OS REGIMES DE BENS PERANTE O DIREITO


INTERNACIONAL PRIVADO

L Quando o casamento de um nacional for cele-


brado no eistrangeífo, sem que Regulem os interessados
as suas relações econômicas por um pacto antenupcial,
qual deve ser o regime de bens a que se submetem os côn-
juges? ), í
Se recorreram os contraentes ao representante con-
sular de seu país de origem, para a celebração do casa-
mento, manifestaram clara intenção de adotar, em tudo,
a lei nacional. Se, ao contrário, a celebração foi feita pe-
rante a autoridade e segundo a lei do país, onde se acham
os contraentes, parece que a intenção deles já não tem
a mesma clareza. E maior obscuridade aparece, quando,
após o enlace realizado no estrangeiro e segundo a lei es-
trangeira, sendo os cônjuges de nacionalidade diferente,
vão fixar-se alem. Se a intenção dos cônjuges é que se
procura determinar pelo concurso das circunstâncias, visto
como falha a prova direta da estipulação, nessa hipótese,
cia é fugaz, quase incoercivel.
A opinião dominante, a princípio, era que, verifi-
cada a hipótese, presumia-se ter sido adotada a lei do do-
— 18
274 DIREITO DA FAMÍLIA

micílio conjugai, isto é, do país onde os cônjuges foram


fixar seu domicílio. E' a opinião de SAVIGNY, Demou-
LIN e Asser, confirmada pela jurisprudência alemã ante-
rior ao Código Civil, pelo Código prussiano, §§ 350-35E
pelo saxônio, § 14, e pelos tribunais franceses (1). E'
também a doutrina preponderante na Inglaterra e nos Es-
tados Unidos da América do Norte, mas somente em re-
lação aos moveis.
WESTLAKE acha que a opinião de SAVIGNY e dos
outros juristas alemães e franceses é inatacavel (unassai-
laUle), quando estabelecem que, pelo casamento, concor-
dam os cônjuges submeter-se ao domicílio do marido, que
é aquele onde vão habitar, e que não é de supor quisessem
eles dispersar a sua fortuna, para ser regida, em parte, por
uma lei, e, em parte, por outra, tão graves são os inconve-
nientes, que daí surgiriam, forçosamente. Não obstante,
pensa o eminente jurista inglês que a doutrina é inapli-
cavel à propriedade real {real state) do direito inglês, que
é, em seus traços fundamentais, a do norte-americano. E
esta opinião é abraçada pela maioria dos juristas daqueles
dois países (2) : os imóveis devem ser regidos pela lex rei
sitas.

(1) Savigny, Droit romain, VIII, 379; Asser Rivier, Élé'


ments, § 49; Baehr, in Clunet, 1895, pág. 29; Chausse, idem, 1897,
págs. 28-29. Julgados franceses em Clunet, 1893, págs. 415, 816,
8,80 e 1.196, ano de 1894, pág. 876. Há, entretanto, certa vacilação
nesses arestas da jurisprudência francesa. O citado Clunet nos ofe-
rece decisões que ora adotam a lei do domicílio conjugai para de-
terminar as relações econômicas do cônjuges (exemplos: — 1898,
págs. 571-746; — 1899, págs. 385-825; — 1900, pág. 982; — 1901,
pág. 534), ora se inclinam pelo estatuto pessoal do marido (exemplos:
-- 1897, págs. 153-579; — 1898, págs. 565-931; — 1902, pág. 358;
— 1903, pág. 366, 380 e 872).
(2) Westlake, Privaie int. law, n.0 369; Wharton, Private
int. lazv, § 191, pág. 283 e segs.. Story, admitindo a lei da situação-
para a propriedade real, quer à lei do lugar da celebração para regular
os bens moveis.
REGIMES DE BENS NO DIR. INTERNAC. PRIVADO 275

A escola internacíonalísta italiana, também consi-


dera, como a francesa e a alemã, o patrimônio conjugai
uma unidade submetida a regras uniformes, porém pre-
fere a lei nacional do marido à do domicílio (3). Não
esconderei que esta solução desfaz algumas dificuldades;
mas, incontestavelmente, neste assunto de regime de ca-
samentos realizados no estrangeiro, e fixação de domi-
cílio, em lugar diferente do da celebração, a lei domiciliar
teve preferências mais extensas e mais abundantes. E é
bem simples explicar a razão desse fato. Não se procurava,
na hipótese, outra coisa que não fosse descobrir a vontade
presumível dos contraentes. Justamente, pareceu à maioria
dos escritores que, neste particular, a lei do domicílio,
quero significar o primeiro domicílio, traduzia melhor
«ssa intenção pressuposta das partes contraentes, do que
mesmo a nacional (4).

(3) Fiori, Droit inf. prive, trad. Antoine, número 366-368;


Grasso, Diritto intern., pág. 248. No mesmo sentido Bar, em Cujnet,
1895, pág. 30, e PlEEET.
(4) A questão em sua essência reduz-se ao seguinte: se os
cônjuges são da mesma nacionalidade, a sua lei pessoal deve regular
as suas relações econômicas, em virtude do princípio de que o estado
c a capacidade se determinam pela lei pessoal do indivíduo. Mas, se
os cônjuges são de nacionalidade diferente, já não nos pode servir
esse critério. E' certo que a maioria das legislações desnacionalizam
a mulher quando se casa com estrangeiro; mas algumas há, como a
brasileira, que não adotam esse sistema. E', portanto, forçoso pro-
curar um princípio regulador que satisfaça a todas as hipóteses.
Esse princípio não pode ser outro senão o da autonomia da vontade,
isto é, cumpre, quanido a vontade não fôr expressa, no pacto ante-
wupcial, presumí-la. E' por isso que," se o casamento for celebrado
perante o representante diplomático ou consular de um dos cônjuges,
se diz que a lei do país que essa autoridade representar deve ser a
reguladora. Faltando esse elemento, aparece o domicílio matrimonial.
Neste sentido fora redigido o Projeto primitivo, arts. 27-28 da
Sei de introdução. O Código Civil adotou outra regra.
Vejam-se também os meus Elementos de direito internacional
privado, § 43.
270 DIREITO DA FAMÍLIA

Mas, poderia acontecer que os cônjuges mudassem


uma e duas vezes de domicílio. Seria inconveniente que
outras tantas vezes pudessem mudar de regimes de bens,
outras tantas vezes alterassem sua situação econômica em
relação aos terceiros, interessados por qualquer titulo. A
mais razoavel opinião, e a mais jurídica, é a daqueles que
sustentavam que, uma vez fixada a lei reguladora das re-
lações econômicas dos cônjuges, pela fixação do primeiro
domicílio, não teem os outros a menor influência para
alterá-la. Na data do casamento, eram os cônjuges livres
para estipular as condições, que entendessem melhor res-
guardarem seus interesses. Não o fazendo, presume-se
que lhes conveio o regime legal, que viria a ser, neste caso,
o do domicílio conjugai. O abandono posterior desse do-
micílio, depende, exclusivamente, da vontade do marido;
se, por esse fato, entrarem os cônjuges sob o império de
uma lei diferente, ter-se-á, desarrazoadamente, admitido
que, exclusivamente, da vontade deste depende a fixação
ou alteração do regime, sem atenção aos direitos da mulher,
sem atenção aos de terceiros. Não tem faltado, entretanto,
quem adote essa doutrina cambiante e movediça, como as
ondas ou as areias da Líbia (5).
II. O Código Civil seguiu outra norma. O art. 8
da Introdução determina que o regime de bens no casa-
mento se regule pela lei nacional dos cônjuges, sendo lícito
optarem pela lei brasileira.
Ressurge a dificuldade, quando os cônjuges são de
nacionalidade diferente. Entendeu-se, neste caso, de acordo
com as soluções de Haia, que, em tal emergência, prepon-
derasse a lei do marido. O Código Bustamante, porem,
desviou-se desta regra e estabeleceu a seguinte: Os con-
tratos matrimoniais regem-se pela lei pessoal comum aos
contratantes, e, na sua falta, pela do primeiro domicílio
conjugai Essas mesmas leis determinam, nessa ordem., o
regime Jegal supletivo, na falta de estipulação.
)
(5) Vide Warthon, Op. cit., pág. 279 e segs.
REGIMES DE BEINS NO DIR. INTERNAC. PRIVADO 277

Assim, em face dessa convenção, o regime dos bens,


no casamento, rege-se pela lei pessoal comum dos côn-
juges; se, porem, forem eles de nacionalidade diferente, do-
minará, na falta de contrato, a lei do primeiro domicílio
conjugai.
Sendo lei mais recente, o Código Bustamante é o que
prevalece.
E tal era, também, a doutrina adotada pelo Projeto
primitivo, Lei de Introdução, art. 27, e pelo Revisto, Tx-
tulo preliminar, art. 27.
III. O decreto-lei n. 4.657, de 4 de Setembro de
1942, art. 7.°, § 4.°, preccítua: "O regime de bens, legal
ou convencional, obedece à lei do país, em que tiverem os
nubentes domicílio conjugai . Devemos entender o pri-
meiro domicílio do casal. E, assim, o decreto-lei n. 4.657,
de 4 de Setembro de 1942, adotando para todos os casos,
a lei do domicílio, está de acordo com o Projeto primitivo
do Código Civil Brasileiro, art. 27 da Lei de Introdução,
quanto ao regime de bens dos que, nao tendo lei pessoal
comum, deixaram de celebrar pacto antenupcial.
ií". • ■■ ■ < .! :

115 i

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V . ...
CAPÍTULO X

DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL '


E DO MATRIMÔNIO

§ 58

NOÇÕES HISTÓRICAS DO DIVÓRCIO E DO DESQUITE

Em dois sentidos é tomada a palavra — divórcio.


Ou importa a dissolução do vínculo matrimonial, desfa-
zendo o casamento, com habilitação dos cônjuges a con-
trair novas núpcias, ao menos dadas certas circunstâncias;
ou significa simplesmente a separação dos corpos, sem dis-
solução do vínculo matrimonial, situação jurídica ade-
quadamente denominada desquite, pelo Código Civil.
Ainda hoje vacilam os espíritos entre esses dois remédios
a aplicar, quando uma grave perturbação penetra no lar,
tornando impossível a vida sob o mesmo teto e a conti-
nuação da fusão dos interesses dos dois cônjuges. Antes
de emitir minha- opinião, julgo necessário, para a posição
mesma do problema, recordar sucintamente as linhas gerais
da história do divórcio.
Os selvagens e os homens primitivos não faziam do
casamento união permanente, e, por isso, o divórcio era.
280 DIREITO DA FAMÍLIA

entre eles, fatos de todos os dias (1). Mesmo quando


certa disciplina havia já intervindo na regulamentação da
vida conjugai, encontram-se esses casamentos temporários,
nos quais há, notoriamente, o divórcio preestabelecido.
Com as primeiras civilizações, o repúdio da mulher
ainda é fácil, quando ela não preenche o fim reputado
principal, senão único, do matrimônio, a procriação dos
filhos. Vê-se o Código de Manú declarar repudiavel a
mulher que se mostra estéril, durante oito anos de casada.
Também o são aquelas, cujos filhos morrem ao nascer,
feita a experiência em dez anos sucessivos, e as que, du-
rante onze anos, somente geram filhas. A que fala com
azedume é repudiavel desde logo.
Na Grécia antiga, a esterilidade foi também justa
causa de repúdio. Herodoto fala-nos de dois reis espar-
tanos que, por essa razão, foram coagidos a abandonar
suas consortes. Entretanto, afirmam os historiadores que,
nos gloriosos tempos homéricos e na época da grandiosa
juvenilidade helênica, aberta em seguida, o divórcio era
fato incógnito, ou de extrema raridade. Mas, com a gran-
deza, o luxo, os requintes de ceticismo, que vieram depois,
as dissoluções matrimoniais tornaram-se uma embria-
guez, que a todos os espíritos toldara (2).
O direito mosáico não discrepa desse modo de ver,
facilitando, extraordinariamente, o divórcio, que dependia,
nos primeiros tempos, simplesmente da vontade do ma-

(1.) Excepcionalmente, encontram-se exemplos de casamentos


perpétuos, entre os primitivos. Westermarck, {Matrimônio humano,
pag. 454) cita os habitantes das ilhas de Adamã, os da Nova Guiné
e os Vedas, para os quais a regra é a perpetuidade da união con-
jugai. Os aztecas eram também hostis ao divórcio, e somente o con-
cediam por sentença dos tribunais (Prescot, Conquista do México,
1, cap. I).
(2) Beauchet, Droit prive de Ia Republique athéniene, I,
pag. 376 e segs. O direito ateniense conhecia o divórcio pela vontade
do marido (repúdio) ou pela da mulher (abandono), por mútuo con-
sentimento, e pelo kyrios da mdlher (pai, irmão, avô, etc.).
-DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJÜGAL 281

rido. Em casos de (adultério, o repúdio deixava de ser um


direito do marido, para tornar-se um dever juríico e re-
ligioso, ao cumprimento do qual, a lei o constrangia, se-
não o impulsionasse a embotada dignidade. Segundo o
direito originário dos hebreus, a infecundidade observada
no espaço de dez anos, era causa de repúdio necessário;
mais tarde, constituiu este fato, simplesmente, um motivo
aceitável para o divórcio facultativo. As outras causas,
que o autorizavam, eram o desvirginamento ignorado pelo
marido, a suspeita de adultério, a violação da lei mosáica,
a inobservância do dever conjugai, a ausência prolongada
e uma enfermidade contagiosa. A mulher podia, igual-
mente, recorrer a alguns desses motivos e mais à alegação
de ter sofrido sevícias, para solicitar o divórcio. Quando
os hebreus se retiravam da pátria, como não podiam cons-
tranger suas mulheres a segui-los, tinham, muitas vezes,
de romper o vínculo matrimonial.
Muitos desses preceitos da lei mosáica se transmi-
tiram às legislações ocidentais, como é fácil de ver, em se-
guida.
Em Babilônia, segundo o Código de Hammurabi, o
divórcio era facultado ao homem e à mulher, sem freio?
algum para aquele, dentro de estreitos limites para esta,
que somente o podia reclamar, com faculdade para remari-
dar-se, quando sevícíada ou abandonada pelo marido (3).
Em Roma, o divórcio foi sempre uma instituição con-
comitante com o casamento. Somente o casamento do fla-
mino de Júpiter era indissolúvel, e, nos primeiros tempos,
o contraído pela cerimônia da confarreatio. Porém, para
este último caso, inventou-se, mais tarde, uma dissolução?
religiosa, a diffarreatio (4).

(3) E. Besta, Revista italiana de sociologia, 1904, ,pág. 203:


Hersilio de Souza, Novos direitos e velhos códigos, pág. 138 e segs'
(4) Diffarreatio genus erat sacrificii quo inter virum et mulie-
rem jiebat dissolutio.
282 DIREITO DA FAMÍLIA

Pouco usado, a princípio,, o divórcio, como se con-


due do fato de ser apontado Carvilius Ruga, no século
VI, como o primeiro a usar desse direito, se tornou, pos-
teriormente, uma epidemia, em Roma, afrouxando os laços
da família romana, pervertendo os costumes, dissolvendo
a sociedade (5).
Nos primeiros tempos, somente o marido tinha a fa-
culdade de repudiar a mulher (6), mas, depois, se admitiu
que o divórcio tivesse lugar pelo mútuo consenso, ou pela
vontade de um só dos cônjuges (7).
O cristianismo iniciou a campanha contra o divórcio,
que se infiltrara nos hábitos dos romanos e que o direito
germânico, igualmente, facultava em casos de adultério e
homcídio, assim como por acordo recíproco (8). Embora
a Igreja tenha tido necessidade de contemporizar, sua in-
fluência ressalta, claramente, das providências tendentes a
dificultarem o divórcio, que adotaram alguns imperadores
romanos adeptos do cristianismo. A mulher que se divor-
ciava, sem justa causa, era deportada; o homem, que tinha
igual procedimento, perdia o direito de contrair segundas
núpcías. Se o divórcio era fundado em motivo frívolo,
a mulher que o requererá, se tornava inhabíl para con-
trair novo consórcio, e o homem, nas mesmas condições,
sofria a mesma pena, mas somente por espaço de dois
anos.

(5) Juvenal nos fala de certa mulher que tivera oito maridos
•em cinco anos, Sic jiunt octo marito, quingue per autumnos: titulo res
digna sepulcri.
(6) E' atribuida a Romiulo, o que vem a dizer, aos inícios de
Roma, essa lei de repúdio. Diz Plutarco: Constituit quoque (Ronlu-
lus) leges quasdam, quarum illa dura est quae uxori non permittit
divertere a marito, at marito permittit uxorem repudiara (Rom., 22).
(7) Cód. 8, 32, I. 2; Endemann, Binfuehrung, § 154; Sohm,
Bheschliessung, § 97.
(8) Vide Glasson, Be mariage civil et le divorce, pág. 185 e
seguintes).
DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGiAL 283

Esta transformação no direito romano se foi acen-


tuando, até que, no último período, desapareceu o divór-
cio, por consenso mútuo (Nov. 140), e se estabeleceram
os casos em que é permitido o divórcio, por queixa de
cada uma das partes, O marido poude repudiar a mulher
por adultério, por tentativa de assassinato contra ele, por
abandono do domicílio conjugai, por ter ela assistido a
jogos e espetáculos públicos, e, finalmente, por ter tomado
parte em conspiração contra os poderes públicos. A mulher
teve o direito de se divorciar, quando o marido fosse cons-
pirador, quando atentasse contra a existência dela, quando
procurasse corrompê-la ou mantivesse concubina. A in-
capacidade de procriar e o voto de castidade, apareceram
também como causa, para dissolver o vínculo matri-
monial.
Afinal, porem, a Igreja sentiu-se forte e proclamou,
francamente, a supressão do divórcio, no concilio de
Trento, impondo sua doutrina aos povos católicos. Pelas
determinações desse concilio, o casamento ainda não con-
sumado, poderá ser rompido, para facultar, a um dos côn-
juges, a entrada para a vida religiosa. Consumado o ma-
trimônio, seu vínculo se torna absolutamente indissolúvel,
admítindo-se, apenas, a separação qaoad thorurn et ha-
bitattonern, perpétua ou temporária, por causa de adul-
tério, sevícias, heresia ou apostasia, e para professarem
ambos os cônjuges, em religião aprovada, ou um só, acei-
tando o outro fazer voto de castidade (9).
Nosso direito anterior à proclamação da República,
adotando em matéria de casamento, a doutrina do canô-
nico. desconheceu o divórcio no sentido amplo da palavra.
Até a separação de corpos, a que acabo de referir-me, viu
abolidas algumas de suas causas determinantes, a heresia
e a apostasia, por efeito do desuso e do espírito liberal da
Constituição de 1824.

(9) Monte, Hlem. de dir. eclesiástico, §§ 904 e 1.003


2S4 DIREITO DA FAMÍLIA

Declarada a separação pelo juiz competente, se era


temporária, o marido continuava na administração dos
bens comuns, com a obrigação de alimentar a mulher; se
era perpétua, procedia-se à separação dos bens, podendo
cada um administrar os seus, livremente, como se não sub-
sistisse o vínculo matrimonial.
O dec. de 24 de Janeiro de 1890, secuíarizando o
direito em suas atinencias com o casamento, não admitiu
o divórcio a vinculo, mas reconheceu outras causas para a
separação perpétua dos cônjuges, sem dissolução do ma-
trimônio.
A Constituição de 1934 declarou: "A família, cons-
tituída pelo casamento indissolúvel está sob a proteção es-
pecial do Estado" (art. 144). A de 1937, art. 124, re-
produz esse preceito.

§ 59

O PROBLEMA DO DIVÓRCIO

Não tem sido fácil decidir qual das duas instituições,


a separação de corpos e o divórcio, deve ser preferida,
pela razão simplissima de que os problemas sociais se
não devem resolver em abstrato, mas, sempre em vista das
condições e das necessidades morais, intelectuais, físicas e
econômicas do povo ou dos povos a que vai ser aplicada
a solução dada.
A separação cria uma situação legal que, alem dc
impor um injusto constrangimento ao cônjuge inocente,
impelirá, muitas vezes, os cônjuges a contraírem relações
ilícitas e a procurarem filhos extramatrimoniais, o que im-
porta numa perturbação da moralidade e da vida social.
Eis o seu flanco vulnerável. Mas, essa mesma separação
corrobora a perpetuídade da vida familial; mas, essa mes-
ma separação, afastando as funestas conseqüências da vida
em comum, obrigatória, quanto cessaram de todo os la-
DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL 285

ços da afeição e do respeito mútuos, p5e um freio às pai-


xões, prestes sempre a irromperem nesses domínios, onde
a animalidade mostra, por exemplos freqüentes, que não
acha inquebrantavel o açamo, que lhe põe a civilização,
O divórcio, alega-se de outra parte, é ''uma con-
dição moralizadora da união sexual, por tirar ao casa-
mento toda idéia de imposição ou de força bruta, ao passo
que o funda na espontaneidade do sentimento e na re-
ciprocidade do afeto" (1). "Encarada a família por seu
aspecto social, diz-nos um gentílissimo espírito (2), se se
torna, por ação de um de seus órgãos, ínfecunda, fonte
de degenerescêncía, escola de degradação, então a indisso-
lubilidade do casamento não pode nem deve subsistir".
Mas considere-se que essa espontaneidade do senti-
mesto é respeitada pela separação, na medida do social-
mente possível; que é missão do direito canalizar os im-
pulsos humanos para os fins da conservação e dp bem
estar social; que não é somente a procnação que postula
a necessidade da duração da união sexual humana; que,
alem da aspiração de obter uma prole sadia e forte, as-
piração cuja alta importância ninguém pôs em dúvida,
há outros interesses e outros sentimentos respeitáveis, a
que é necessário atender para abroquelar; que esses mes-
mos interesses econômicos e morais da prole, opõem-se,
com energia, contra a dissolução do vínculo matrimonial;
que, finalmente, acenar com o divórcio, na acepção lata da
palavra, e provocar, talvez, desuníões freqüentes, que ain-
da mais profundamente dissolverão a coesão da família e
da sociedade em geral, do que os desregramentos possíveis,
com a simples separação (3).

(1) Teixeira Bastos, A Família, pág. 187. Vêr também Gama


Rosa, Biologia e sociologia do casamento, págs. 120 a 159 e 289 a 296.
(2) Arthur Ore ando, Discurso proferido na Câmara dos
Deputados, a 27 de Setembro de 1894.
(3) Em França, por exemplo, depois do restabelecimento do
divórcio, a duração média dos casamentos dissolvidos, segundo a es-
286

Estamos, portanto, diante de duas soluções, que teem


convenientes manifestos e desvantagens notórias, E é ne-
cessário escolher uma delas, pois que ainda não foi encon-
trada uma terceira, nem o mal, que pretendem remediar,
pode permanecer em abandono, pois que, desse abandono
poderia resultar o desmoronamento da construção social
que repousa diretamente sobre a família.
A solução melhor, afigurou-se-me, quando se publi-
cou a primeira edição deste livro, seria permitir o divór-
cio com a máxima parcimônia (4), em casos graves e ta-
xativamente limitados pela lei, interdizendo-se, ao côn-
juge culpado, contrair novas núpcias. Não achava, po-
rem, essa solução aplicável aos povos, senão quando as
circunstâncias, vale dizer, as condições de vida, em que se
acham, a exigirem de modo inequívoco. Hoje, a meditação
ievou-me a não fazer mais essa concessão. B quanto ao
Brasil, parece-me que são especiais as condições de nosso
meio, não querendo afirmar, entretanto, que outros não
existam nas mesmas condições. A respeitabilidade, com
que é cercada a família brasileira, a honestidade de nossas

tatística, não excede a 12 anos. E se eram as classes de profissão


liberal as que mais abusavam do divórcio, boje parece que são os
negociantes e os operários os que mais facilmente rompem o vín-
culo matrimonial, segundo se vê em Roo, Évolution du divorce Paris
1905, págs. 459-466.
;A progressão do divórcio tem sido impressionante, na França.
Em 1885, houve 4.277 divórcios; em 1924, a cifra ascendeu a 21.033
(PLAr-fior, Rippert et Rouast, Trai té pratique de droit civil francais
II, n.0 495. ' '
(4) Ao próprio Mahomet nao haviam escapado os inconvenien-
tes da facilitação do divórcio. Se faltam boas razoes, diz Ibrahim
PIalebi, o muçulmano não pode aprovar o divórcio, nem religiosa
nem juridicamente. Abandonando a mulher, caprichosaimente, o ma-
ndo^ chama sobre si a ira divina, diz o profeta. E não podem os
Jegisiadores atuais mostrar-se menos previdentes do que o fundador
do islamismo.
DISSOLUÇÃO DA SODIEDADE CONJUGAL 287

patrícias, os costumes de nosso povo, enfim, não somente


dispensam o meio extremo do divórcio, como o tornariam
sobremodo nefasto.
Alem disso, não é talvez inexato afirmar que há in-
divíduos predestinados ao divórcio como os há para o
crime; e que outros, passando por sucessivas dissoluções
matrimoniais, adquirem a incorrigibilidade. Para uns tais,
permissão de novos casamentos seria lamentável impre-
vidência (5).

(5) Por ocasião de discurtir-se o Projeto do Código Civil,,


perante a comissão especiall da Câmara, abriu-se largo debate sobre
este tema inesgotável, manifestando-se as opiniões pró e contja o di-
vórcio. Vejam-se os Trabalhos da comissão especial da Câmara,
vol. V, págs. 1-81. Aí, mais desenvolvidamente, expús minha opinião.
i E apraz-me recomendar aos leitores um livro, que mereceu o
epíteto de "impressionante", BI câncer de la sociedade) do escritor
argentino Arturo Bas, que combate o divórcio com- argumentos de'
ordem filosófica, histórica, estatística, política e moral (2.a ed.
em 1932).
No livro — Código Civil comentado, vdl. II, ao art. 315, con-
densei os argumentos, que me pareceram mais valiosos contra o di-
vórcio.
Aleguei que o divórcio é injusto, porque prejudica muito mais
à mulher do que ao homem, precisamente quando recatada e honesta;
que a indissolubilidade do matrimônio atua sobre os cônjuges como
elemento moderador das paixões e consolidador da amizade recípro-
ca dos cônjuges, porque diante dela se amainam as pequenas disputas,
que tomariam grande vulto com a possibilidade de se desfazer o vín-
culo; que a sorte dos filhos é dolorosa e prejudicial ao desenvolvi-
mento dos bons sentimentos, quando o divórcio os atira do lar onde
nasceram para o seio de família estranha; que o divórcio não diminue
o número de crimes por paixão sexual, como houve quem dissesse;
a estatística prova o contrário; que é com a moral, que se evitam
uniões ilícitas,, e não com o divórcio.
Substancioso estudo sobre este assunto escreveu o Padre Eeonel
Eranca, O divórcio, 1931.
£88 DIREITO DA FAMÍLIA

§ 60

MOTIVOS E EFEITOS DO DESQUITE


SEGUNDO A LEI PÁTRIA

São motivos para pedir (1) desquite, ou seja a se-


paração de corpos e de bens, segundo o direito brasileiro:
adultério, tentativa de morte, sevícias ou injúria grave,
abandono voluntário do domicílio conjugai, por mais de
dois anos contínuos, e o mútuo consentimento dos côn-
juges, se forem casados a mais de dois anos (la). Exami-
nemos essas diferentes figuras de causa, das quais, as três
primeiras dão lugar à declaração do desquite litígioso e a
última à do desquite amígavel.
Adultério é a quebra da fidelidade matrimonial
Chamam-ino os alemães, muito expressivamente, Ehe-
bruch.
Desde que se firmou a família em suas bases essen-
ciais, e que os legisladores antigos compreenderam o seu
valor social, o poder público chamou a si a punição do
adultério. No Egito, foi ele, primitivamente, punido com
a morte; mais tarde, ao tempo de Herodoto e DiODORO
da Sicília, a pena aplicada era a rinotomia. O direito he-
breu mandava lapidar a mulher adúltera; na índia, fa-
ziam-na devorar por cães famintos, e queimavam seu
cúmplice ainda em vida. Em Atenas, a esposa infiel não
tinha, para seu delito uma sanção penal prefixada; qual-
quer pena que não fosse a de morte, podia ser-lhe aplica-
da. Em Roma, foi o adultério, primeiramente, um crime
doméstico, cujo conhecimento pertencia ao tribunal da fa-

(1) A ação de desquite somente compete aos cônjuges, extin-


guindo-se pela morte de qualquer deles. Se o cônjuge, a quem com-
petir a ação, for incapaz de exercê-la, poderá ser representado por
qualquer dos seus ascendentes, ou irmãos, observada a ordem, em
que são mencionados (Cód. Civil, art. 316),
(la) Cód. Civil, arts. 317 e 318.
mm*

DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL 289

mília; e por ele podia ser imposta a pena de morte, assim


como o marido, por si exclusivamente, podia impô-la. se
encontrasse os maculadores de sua honra em flagrância.
Mais tarde, o adúltero foi considerado crtmen publicam,
a punição, do qual, a relegação, podia ser provocada por
qualquer pessoa. Constantino restringiu o direito de acio-
nar por adultério, à família infamada pela torpeza desse
ato, mas elevou a penalidade à privação da vida.
Justiniano, ainda modificou essa penalidade, man-
dando fustigar a adúltera, e, depois, encerrá-la num con-
vento (Nov. 134, c. 10).
O antigo direito português punia o adultério, com
a pena de morte, tanto para a mulher casada, quanto para
o seu cúmplice (Ord. 5, 25). Mas o adultério do marido
não mereceu tão grave repulsa por parte do velho Código
fílipino; as infidelidades descontínuas e transitórias se não
consideravam atos puniveis; somente os barregueiros casa-
dos, eram passíveis de degredo acrescido de multa nas rein-
cidências (Ord. 5, 28). Para a acusação da mulher, por
esse crime, só o marido era o competente, e isso desde os
mais antigos documentos jurídicos do reino. E até podia
ele fazer justiça por sí, matando a mulher e seu cúmplice,
se os encontrasse cm flagrante, ou mesmo sem essa circuns-
tância, mas sendo certo que cometeram adultério.
O Código criminal brasileiro de 1890 (arts. 250
usque 253) mantém a distinção entre o adultério do ma-
rido e o da mulher. Para haver o primeiro, é necessário o
concubinato; para haver o segundo, basta um desvio do
preceito da fidelidade (2). A pena, prisão com trabalho

(2) Esta distinção acha-se igualmente consignada no Código


Penal francês, arts. 337-339; no italiano, 353-355; no espanhol, 450-
452. Outros países tratam o adultério simples como delito igual-
mente punivel, quer praticado pelo homem, quer pela mulher. Assim
é na Áustria, Holanda, Alemanha e em vários cantÕes suíços. Algu-
mas legislações desclassificaram o adultério da categoria dos delitos,
como em Genebra e Nova York. (Vide Bridep, Los derechos de la
— 19
290 DIREITO DA FAMÍLIA

de um a três anos, aos codelinquentes. A acusação só c


permitida ao cônjuge ofendido, e sob a condição de não
ter pactuado com o adultério. O Código de 1890 (arti-
gos 279 usque 281), mantém a mesma doutrina, esten-
dendo, porem, a sanção penal sobre a concubina e esta-
belecendo prescrição para esse crime dentro do prazo de
três meses. O atual, de 1940, art. 240, pune o adulté-
rio, sem distinguir se da mulher ou do marido, com a pena
de detenção por 15 dias a seis meses, estendendo-a ao co-
réu. A ação penal compete, exclusivamente, ao cônjuge
ofendido, e se extingue dentro de um mês após o conheci-
mento do fato (art. cit., § 2.°).
Civilmente, o adultério poderá dar motivo ao di-
vórcio. Realmente, constitue ele a lesão mais direta e mais
grave à santidade do matrimônio, à moralidade e disci-
plina das relações conjugais. E, se pode ser admitida a
sua eliminação dentre as figuras dos crimes punidos pelos
Códigos penais, por considerações atinentes ao melindre da
honra e ao decoro das famílias, esses mesmas considerações
exigem que a sociedade conjugai se possa dissolver, quan-
do um dos seus membros falta, dolosamente, à fidelidade
prometida.
Para que o adultério fosse motivo jurídico da sepa-
ração pessoal e econômica dos cônjuges, declarava o de-
creto de 24 de Jan. de 1890, art. 83, 1.°, é necessário que
tenha havido liberdade na prática do delito. Assim, se a
mulher tiver sido violentada, o marido não poderá ale-
gar esse fato, para o qual ela não concorreu deliberada-
mente, fundamentando um pedido de divórcio. Essa dis-
posição de lei podia, embora equitativa, facilitar que a
chicana desvirtuasse, facilmente, a intenção do legislador.

mujer, pâg. 37, usque 47, e as eruditas explanações do dr. João Vieira,
na Exposição de motivos, que precede o seu Projeto de Código cri-
minal, na Revista Acadêmica do Recife, 1893). Adde: Arthur
Orlando, Ensaios de crítica, págs. 3 a 67,
DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL 291

alem de que parece que a mácula, embora sem culpa, sub-


siste sempre, tal é o melindre extremo da honra feminii,
e a dignidade do homem brioso é muito suscetivel para
curvar-se a semelhante disposição de lei. E' uma infelici-
dade, para a qual não concorreu a mulher, mas que se não
pode, dignamente, eliminar. E, assim, o compreendeu Lu-
crécia, a heroina da lenda romana. Em todo o caso, a vio-
lência escusavel não podia ser senão a capaz de tolher,
de um modo positivo e insuperável, o movimento de re-
pulsa da vítima, como a coação material, o estado de so-
nambulismo, de completa inconciência; mas não a suges-
tão nascida de súplicas ou ameaças, como, por exemplo, a
tentativa de suicídio, em presença da solicitada (3).
No Código civil, não se encontra referida disposição
do direito anterior.
Não poderá ser alegado o adultério, se o queixoso
houver concorrido para que o réu o cometesse, nem quan-
do tiver dado seu perdão. Presume-se perdoado o adul-
tério, sempre que o cônjuge inocente, depois de ter conhe-
cimento dele, continuar a cohabitar com o culpado (3a).
Quando a lei fala em adultério, pressupõe o ato con-
sumado, a violação material do dever de fidelidade. En-
tretanto, a conduta leviana ou irregular, do cônjuge, pode
ser tal que ofenda a dignidade da família, que irrogue
injúria grave ao outro, e, por esse motivo, é admissível o
pedido de desquíte (4).
Tentativa de morte. O Código Civil destacou esta
causa de desquite, por ter carater distinto das sevícias e
injúria grave.
Sevícias, são maus tratos,, ofensas físicas revestidas
de escusada crueza; mas, nas relações pessoais entre côn-

(3) Lecornec, Le divorce, Paris, 1892, páginas 23-24. A ju-


risprudência francesa tem decidido que a embriaguez não exclue a
imputabilidade, nem também a cólera. E' perfeitamente justa esta
decisão.
(3 a) Cód. Civil, art. 319. Ver o penal vigente, art. 240, § 3.ü, II.
(3) C. de Toupouse, 1 Aôut 1890, apud Eecornec, pág. 22.
292 DIREITO DA FAMÍLIA

juges, que se devem mutuamente respeito, sem que seja


mais facultado ao marido o bárbaro direito de correção
sobre sua mulher, é desnecessário esse característico da fla-
gelação. Até ofensas físicas de pequena importância em
si, mas reiteradas, assumem proporções vexatórias, que
tornam impossivel a vida em comum (5).
Injuria grave é toda ofensa à honra, à respeitabili*
dade, à dignidade do cônjuge, quer consista em atos, quer
em palavras (6).
Um outro motivo do desquite é o abandono volun-
tário do domicílio conjugai, prolongado por dois anos
contínuos. Dois são os requisitos que a lei exige para que
o abandono do teto conjugai constitua motivo suficiente
para a ação de divórcio: a espontaneidade e a diuturnidade
alem de dois anos. Assim, quando a retirada do lar é de-
terminada pela expulsão, pelo receio de violências iminen-
tes, ou que se prenunciam por ameças positivas, não está
em condições de autorizar a decretação do desquite, nem

(5) Marcei, Barthe dizia, no parlamento francês,,aliás sem


bons fundamentos, que o fato de ter um dos cônjuges carater bi-
zarro, bábitos reprováveis, tendência a irritar-se, freqüente e facil-
mentè, pode constituir sevícias. Donde se vê que o vocábulo toma
aqui uma latitude maior do que a comum ou, antes, uma significação
especial. Veja-se também, sobre esta matéria, Brouardel, Mariage,
34
-
(6) Também a injúria, para o efeito do divórcio, deve ser en-
tendida do ponto de vista especial, em que se acham colocados os
cônjuges, um em frente ao outro, no seio da família. Vejam-se
Brouardel, loco citado; Rol, Vévolution du divorce, pág. 127 e segs. ;
Planiol, Traité, III, ns. 507-508 e 517-524. Este último autor des-
taca, entre os principais fatos injuriosos: 1.°, recusa de consentir na
celebração religiosa do casamento; 2.°, recusa voluntária e persistente,
da parte de um dos cônjuges, de consumar o matrimônio ; 3.°, comu-
nicação voluntária da sífilis ao outro cônjúge; 4.°, recusa persistente
da parte do marido, de receber a mulher os parentes dela; 5.°, tén-
tativa de adultério ; 6.°, recusa do marido, de consentir no batiza-
mento dos filhos; 7.°, o desvirginamento ou a gravidez anterior ao
casamento, quando uma ou outra dessas duas circunstâncias não é
conhecida do marido.
DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL 293

tão pouco se resultou o abandono do lar da necessidade de


fugir a depravações, a que pretenda um dos cônjuges arras-
tar o outro. Essa tentativa constitue mesmo uma injúria
grave, autorizando o desquite contra quem a praticou.
Algumas legislações, como a francesa, não destacam
esta hipótese do abandono do lar, de modo que a juris-
prudência tem necessidade de incluí-lo na classe das injú-
rias graves. Mas, visivelmente, esta é uma figura que exige
tratamento à parte e que mal se localiza entre as injú-
rias ao , menos em grande número de hipóteses de fácil
verificação.
O mútuo consentimento dos cônjuges, se forem ca-
sados por mais de dois anos, é o quinto motivo, que, por
nosso direito, autoriza o pedido de desquite. "Para obte-
rem o desquite por mútuo consentimento, deverão os côn-
juges apresentar ao juiz sua petição escrita por um e as-
sinada por ambos, ou ao seu rogo, se não souberem es-
crever, e instruída com os seguintes documentos: 1.°, a cer-
tidão do casamento e do contrato antenupcial, se houver;
2.°, declaração de todos os seus bens e a partilha que hou-
verem concordado fazer deles; 3.°, a declaração do acordo
que houverem tomado sobre a guarda dos filhos menores,
se os tiverem; 4.°, a declaração da contribuição com que
cada um deles concorrerá para a criação e educação dos
mesmos filhos, ou da pensão alimentícia do marido à mu-
lher, se esta não ficar com bens suficientes para man-
ter-se" (6a).
O juiz, de posse dessa petição documentada, ouvirá,
separadamente, cada um dos cônjuges e lhes fixará um
prazo de 15 a 30 dias, para que ainda meditem sobre a
decisão definitiva a tomarem e, depois, venham perante
ele, ratificar ou retratar o seu pedido. Se persistirem na
intenção de levar por diante a dissolução da sociedade con-
jugai, o juiz, depois de fazer autuar a petição, com todos
os documentos, e, ouvido o Ministério Público, julgará

(6 a) Cód. do Processo Civil, art. 642.


294 DIREITO DA FAMÍLtA

por sentença o acordo, no prazo de 5 dias e apelará ex-


officio (7),
O desquite não produz o rompimento do vínculo
matrimonial; somente à morte é dado esse efeito; mas de-
termina; 1.°, a separação dos corpos, tendo, não obstante,
os cônjuges faculdade de se reconciliar, em qualquer tem-
po; 2.°, a cessação do regime dos bens e sua conseqüente
partilha, como se o casamento fosse dissolvido por morte.
Reconciliando-se os cônjuges, o regime dos bens se res-
tabelecerá, contanto que o façam por ato regular, no juizo
competente.
Quanto aos filhos, se o desquite for amigavel, concor-
darão os cônjuges sobre a sua criação e educação, acordo
que, uma vez homologado pelo juiz, tem força de lei (8).
Se o desquite for litigioso, a sentença que o julgar man-
dará entregar os filhos comuns e menores ao cônjuge ino-
cente e fixará a quota com que o culpado concorrerá para
a educação déjes.
Se ambos forem culpados, a mãe terá direito de con-
sertar em sua companhia as filhas, enquanto menores, e
os filhos até à idade de seis anos. Os maiores de seis anos
serão entregues ao pai (9).
Sendo a mulher inocente e pobre, > pfestati-lhe-á o
marido a pensão alimentícia que o juiz arbitrar (10).

§ 61

^LEGISLAÇÃO COMPARADA

Em França, o divórcio, à moda romana, foi estabe-


lecido com extraordináma facilidade, pela lei de 20 de

(7) Cód. do Proc. cit, art. 643.


(8) Cód. Civil, art. 325.
(9) Cód. Civil, art. 326. Havendo motivo grave .poderá o juiz,
em qualquer caso, regular por majneira diferente a situação dos
filhos (art. 327).
(10) Cód. Civil, art. 320.
DISSOLUÇÃO DA SOOIEDADE OONJUGAL 295

Setembro de 1792. Diz um escritor que, nos vinte e sete


meses seguintes a promulgação dessa lei, os tribunais pro-
nunciaram 5.994 divórcios, e, nos três primeiros meses de
1793, houve tantos divórcios quantos casamentos (1).
O Código Civil foi mais cauteloso, admitindo o divórcio
somente em casos especificados (art. 229 e segs.); o adul-
tério da mulher, a concubinagem do marido (2), seví-
cias e injúrias graves, condenação a penas infamantes e o
consentimento mútuo (3). Alem do divórcio, o Código
francês manteve a separação de corpos, que pode terminar
por uma dissolução do vínculo matrimonial, se os côn-
juges não se reconciliarem. A lei de 8 de Maio de 1816

(1) Gcasson, Le mariage civil, pág. 261.


'{2y E' certamente injusta esta distinção para o efeito do di-
vórcio. Se, realmente, o adultério da mulher é mais grave,'porque
sua honra é mais profundamente golpeada por ele, e porque dará,
com o seu procedimento incorreto, ingresso na família a filhos es-
tranhos, contudo a injúria, que para a mulher resulta do desregra-
mento do marido, é igualmente atroz. E a lei francesa de 1884 não
fez mais essa distinção': o adultério de quailquer dos cônjuges pode
acarretar a declaração do divórcio (arts. 229 e 230). E esta é a feição
preponderante nas legislações atuais (lei suiça de 24 de Dezembro
de 1874, art. 46; Cód. Civil da Áustria, arts. 115-119; Cód. holandês,
arts. 264-288, e no mesmo sentido as leis escandinava, romáica e ar-
gentina) . Na Inglaterra, a infidelidade de qualquer dos cônjuges é
suficiente para o pedido de separação; mas, para o divórcio a vinculo,
se é suficiente o adultério simples da mullher, o do homem necessita
de ser revestido de certas circunstâncias que o tornam, por assim
dizer, escandaloso, como a bigamia, o incesto, o rapto e o estupro.
O Código do Uruguai também pede, para o adultério do marido,
um escândalo público (art. 140). Em outras legislações, a desigual-
dade ainda é mais acentuada.
(3)l Quando se elaborava o Código Civil francês, a opinião
dos juristas, do povo e do próprio conselho de Estado era contrária
ao divórcio. Foi a vontade imperiosa do primeiro cônsul que o impôs,
até sem causa determinada, pelo mútuo consentimento das partes;
dizem que com a intenção de romper o seu casamento com Josephina
(Ppaniol, Traité, III, n.0 501; L. BerrY, Moralité du divorce, pá-
ginas 9-10).
DIREITO DA FAMÍLIA

aboliu o divórcio, deixando apenas subsistir a separação


de corpos. Depois de muitas vicissitudes e calorosas discus-
sões, na imprensa e no parlamento, foi o divórcio restabe-
lecido com a lei de 27 de Julho de 1884, segundo os prin-
cípios do Código de 1804, salvo quanto ao mútuo con-
senso que não foi considerado pela nova lei; quanto à re-
conciliação para os divorciados, que foi admitida, em con-
trário à doutrina do Código (4) ; e à equiparação do adul-
tério dos dois cônjuges como causa determinante do di-
vórcio. A mulher divorciada não se poderá remaridar, se-
não 300 dias depois do divórcio (4a). O cônjuges culpa-
do não podia consorciar-se com o seu cúmplice, mas esta
restrição desapareceu ultimamente (5).
Do que acaba de ser dito, vê-se que a legislação fran-
cesa vigente entra no grupo das que admitem o divórcio
a vínculo. Nesse grupo geral, porem, uma distinção é
preciso ter em vista: uns sistemas aceitam o mútuo con-
sentimento como força capaz de desíatar o elo conjugai
que antes atara; outros não lhe querem reconhecer essa
virtude, que a lógica, certamente, reclama, porem, que a
utilidade socilal e o próprio decoro das famílias repelem.
Se a vontade, por si só, é motivo aceitável de dissolução
da sociedade conjugai, não se pode o mesmo dizer, sem
grave perigo social, para o divórcio a vinculo. A sociedade
tem necessidade, justamente, de ir contendo essas expansões

(4) O art. 295 do Código Napoleão proibia a reunião dos di-


vorciados. A lei de 1884 permite-a, sob a condição de que os côn-
juges não hajam contraído segundo casamento seguido de divórcio;
mas exige nova celebração do casamento, e não consente que façam
novo pedido de divórcio depois de reunidos,, a não ser por condena-
ção à pena infamante.
(4 a) Lei de 9 de Agosto de 1919. Este prazo pode ser enr
curtado, se sobrevem o nascimento de filho póstumo (lei de 9 de De-
zembro de 1922), ou se das circunstâncias resulta que decorreram
300 dias sem a cohabitação dos cônjuges (lei de 4 de Fevereiro
de 1928).
(5) Lei de 15 de Novembro de 1904; Rol, Évohdion du dir
vorce, pág. 319 e segs.
DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL 297

do írrequietísmo humiano, para não se ver desmoronar


na selvageria anárquica, de onde tão custosamente emergiu.
Mas examinemos rapidamente as duas sub-classes de
legislações que admitem o divórcio a vínculo, Ver-se-á
que algumas delas, ,à semelhança da francesa, afastam o
mútuo consentimento do número das causas do divórcio,
enquanto que outras o incluem.
A legislação inglesa mantém a separação a wensa
et thoro ao lado do divórcio a vínculo, São causas da se-
paração: o adúltero voluntário e não tolerado, sevícias,
moléstias incuráveis, e o abandono do lar por mais de dois.
anos (6). O divórcio propriamente dito não goza dc
favores na Inglaterra, e o ato de 1857, que o regulamen-
tou, não se esqueceu de cercá-lo de restrições tendentes a
diminuir-lhe o número (7). Quando o divórcio é pro-
nunciado por causa de adultério, o cônjuge culpado po-
derá desposar seu cúmplice, particularidade do direito in-
glês que não encontra similar em outros. Se ambos os
cônjuges adulteraram, não poderão obter nem o divórcio*
nem a separação.
Na Rússia, as causas de divórcio reduziam-se às se-
guintes: adultério de um dos cônjuges, condenação a uma
das penas que importam na cessação da personalidade ci-
vil, e a ausência do lar prolongada por cinco anos. A lei
não aceitava o divórcio por consentimento recíproco, e
providenciava mesmo para que não fosse este erigido, in-
diretamente, em causa de divórcio. E' assim que não fa-
zia prova, perante a lei civil russa, a confissão de adulté-
rio feita pelo acionado. O Código soviético da família
permite o divórcio por mútuo consentimento dos cônju-
ges, assim como pela vontade de um só (art. 87). E o pe-
dido de divórcio pode ser apresentado por escrito ou ver-
balmente (art. 88).

(6) O consentimento recíproco autoriza a simples separação


somente, mediante caução de uma terceira pessoa.
(7) Este ato foi completado pelo que entrou em vigor a 1 de
Janeiro de 1896 (Ror, Op. cit., pág. 479, Annuaire, 1896, págs. 3-4).
298 DIREITO DA FAMÍLIA

Também na Sérvia, as causas do divórcio eram as do


direito francês, com acréscimo do abandono do lar e da
abjuração da fé cristã. O consentimento estava excluido.
Já na Áustria, vamos encontrar esse motivo de dis-
solução do vínculo matrimonial, a simples vontade dos
cônjuges, embora somente para os judeus. Para os não ca-
tólicos, que ao mesmo tempo não abraçam a religião is-
raelita, são causas determinantes do divórcio: o adultério,
a condenação à reclusão acompanhada de trabalhos for-
çados, por cinco anos, ou à pena mais grave, o abandono
do domicílio conjugai por um ano depois da intimação
feita pelo cônjuge reclamante, sevícías e injúrias graves,
e, finalmente, aversão invencível, contanto que seja con-
firmada essa invencibilidade por separações de corpos su-
cessivas a reconciliações repetidas. Para os católicos, o
casamento é indissolúvel durante a existência de um dos
cônjuges. Para eles só há o recurso da separação de pes-
soas e bens, no caso de adultério, sevícias e injúrias gra-
ves, delapidação da fortuna, ofensa aos bons costumes da
família, moléstias contagiosas, e o acordo das vontades
(Cód. Civil, arts. 103 e 115).
Na Holanda, o divórcio existe ao lado da separação
de corpos. Esta pode ser obtida por consenso dos cônjuges,
que tenham mais de dois anos de vida conjugai. E se.
após cinco anos de separação, não se reconciliarem ,trans-
formar-se-á, então, ela em divórcio. As outras causas que
dão o mesmo resultado são, alem do adultério de qualquer
dos cônjuges, as sevícias que devam pôr em risco de vida
o cônjuge vitimado, a condenação ,à pena infamante, e as
injúrias graves.
O direito ibelga admite a sepla,ração e o divórcio,
permitindo mais que este se obtenha por mútuo consenti-
mento, assim como a reconciliação mediante novo ato (8),

(8) Planiol, Traité, III, n.0 503 e nota; Annuaire de 1906,


pág. 376.
DISSOLUÇÃO DA SOOIEDADE CONJUGAL 299

O Código Civil alemão regula o divórcio nos arti-


gos 1.564 a 1.587, mantendo ao lado dele a separação de
corpos {Aufhebung der ehelichen Gemeinschaft). As cau-
sas do divórcio são: l.a, o adultério, a bigamia e a imora-
lidade contra a natureza, não havendo conivência do ou-
tro cônjuge (art. 1.565); 2.3, tentativa de assassinato
contra o outro cônjuge (art. 1.566); 3.a, abandono mali-
cioso do lar doméstico (art. 1.567); 4.a, violação grave
dos deveras oiliundos do casamento; (5A procedimento
imoral; 6.a, sevícias graves (art. 1.568); 7.a, alienação,
tendo durado três anos, pelo menos, e tendo atingido a
um grau, em que sejam impossiveis a comunhão intelectual
dos cônjuges e a esperança do restabelecimento da integri-
dade mental (art. 1.569).
No divórcio por alienação mental, o outro cônjuge
deve prestar alimentos ao doente, tal como o que foi de-
clarado culpado (art. 1.583).
Na Suiça, o divórcio é regulado pelo Código Civil,
arts. 137 e seguintes. As causas do divórcio são. o adulté-
rio de um dos cônjuges, contanto que o cônjuge ofendido
não tenha conhecimento desse fato, desde mais de seis me-
ses; atentado contra a vida; sevícias e injúrias graves;
condenação a pena infamante; procedimento deshonroso,
que torne insuportável a vida em comum; alienação men-
tal, perdurando mais de três anos e declarada incurável;
abandono malicioso do lar, por mais de dois anos; e a
desunião profunda dos cônjuges, que torne insuportável
a vida em comum. O cônjuge, contra o qual foi pronun-
ciado o divórcio, não tem direito de contrair novas núpcias
antes da expiração de um ano, prazo que o tribunal sen-
tenciador poderá aumentar até dois anos, ou até três, se
a causa do divórcio for adultério.
A lei norueguesa, de 20 de Agosto de 1909, sobre o
divórcio, é considerada uma das mais radiciais (8a).

(8 a) Annuaire, de 1909, pág. 433.


300 DIREITO DA FAMÍLIA

Nos Estados Unidos da América do Norte, existem


o divórcio a vínculo e 'a simples separação, mas o assunto
e regulado por cada Estado, particularmente. Em geral, as
causas do divórcio são: adultério, sevícias, injúrias graves,
abandono voluntário e prolongado do teto conjugai, em-
briaguez habitual, e, algumas vezes, os atos fraudulentos
e a negligência dos deveres inerentes à qualidade de pai ou
mãe de família (9). Em Nova York, a lei de 17 de Maio
de 1897 proibe o ex-cônjuge adúltero casar-se, enquanto
viver o ex-cônjuge inocente, salvo se, durante cinco anos,
a sua conduta for uniformemente boa çlO).
Na Guatemala, o divórcio foi estabelecido pela lei de
12 de Fevereiro de 1894, que aceita como causa determi-
nante dele, o mútuo consentimento dos cônjuges e certos
fatos indicados pelo legislador: o adultério da mulher;
a mancebia do marido; o ódio manifestado pelas creldades
e disputas freqüentes; tentativa de morte contra o outro
cônjuge; abandono maliciosos do lar, ou ausência sem
razão, durante três anos; impotência posterior à celebra-
ção do casamento; recusa persistente e desarrazoada de sa-
tisfazer o dever conjugai.
A par do divórcio, subsiste a separação de cor-
pos (11).
Igual reforma sofreu a legislação do Salvador, com
as leis de 20 de Abril de 1894 e 19 de Abril de 1902. As
causas, porem, que autorizam o pedido de divórcio dife-
rem. O acordo dos cônjuges é suficiente para dissolver o

\(9) .Brn sua curiosa obra, The divorce problem, mostra um es-
critor americano, com os dados da estatística, que a União norte-
americana é o país do mundo onde mais se verificam divórcios. Eiri
1885, deram-se aí 23.472, enquanto que, na Alemanha, se realiza-
ram apenas 6.161, na Rússia, 1.789, e na Suiça 920. Theodore
Woolsey já o fizera sentir, anteriormente, em seu 'livro, On divorce,
onde mostra que um quase nada {until almost anything) pode servir
de Lase para o divórcio.
(10) Annuaire de législation étrangère, leis de 1897, pág. 912.
(11) Annuaire cit., leis de 1894, págs. 960-963.
. ' ' ' . ■■

DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL 301

vínculo matrimonial. O adultério do marido não neces-


sita de revestir a forma diuturna do concubinato. E' ne-
cessário, entretanto, que seja escandaloso ou atompanha-
do do abandono do mulher. A gravidez e as relações ilí-
citas anteriores ao casamento; a violência moral para obri-
gar o outro cônjuge a mudar de religião; a corrupção dos
filhos; a tentativa de prostituir a mulher; o proxenetis-
mo; a embriaguez; o assassianto de filho, são as causas de
divórcio, que, na lei do Salvador, oferecem particularidade
digna de menção (12).
No Equador, o divórcio a vínculo foi admitido pela
lei dè 28 de Outubro de 1902, e a de 4 de Outubro de
1910 acrescentou, como causa dele, o mútuo consenti-
mento (13).
Em Portugal, o divórcio foi instituído desde 3 de
Novembro de 1910. As causas legítimas do divórcjo são;
adultério da mulher ou do marido; condenação de um
dos cônjuges a qualquer das penas maiores de prisão e de-
gredo ou de expulsão do país (arts. 55 a 57 do Código
Penal), sevícias e injúrias graves; abandono do domicílio
conjugai, por três anos; ausência por quatro anos, lou-
cura incurável, decorridos três anos; separação de fato, por
dez anos; vício de jogo; doença contagiosa; mútuo con-
sentimento.
Adotaram, também, o divórcio: Cuba (lei de 29 de
Julho de 1918 c de 6 de Fevereiro de 1930); Perú (lei
de 4 de Outubro de 1930 e, agora, o Código Civil, ar-
tigos 253 e seguintes) e México (Cód. Civil, arts. 266 e
seguintes) .
Outras legislações, como a. brasileira, rejeitaram o
divórcio romano, contentando-se com a simples separação
de pessoas e bens, ou divórcio canônico.
Assim preceítuaram o Código Civil italiano, o chile-
no, o colombiano, a lei argentina e outras.

(12) Annuaire cit., págs. 964-967.


(13) Annuaire, 1903, pág. 731; de 1910, pág. 668.

I
302 DIREITO DA FAMÍLIA

O Código Civil italiano (arts. 147 e segs.) admi-


tindo a separação de corpos, estabeleceu os casos únicos em
que ela é possivel. São eles: o adultério, o abandono vo-
luntário, os excessos, as sevícias, as ameaças e injúrias gra-
ves, e a condenação a uma pena criminal. O adultério dõ
homem deve ser concubinato ou um ato escandaloso. A
vagabundagem do marido pode, igualmente, autorizar a
mulher a separar-se dele, judicialmente. O acordo de am-
bos é suficiente para esse efeito, desde que haja homologa-
ção do tribunal (art. 158).
Apresentando o mesmo ponto de vista, era mais
abundante em motivos de separação de corpos o Código
Civil espanhol (art. 1.004 e segs.). Alem do adultério
com a distinção do direito francês, português (14). e ou-
tros, segundo é da mulher ou do homem, para exigir cer-
tas qualificações neste último, alem dos maus tratos, das
'injúrias graves e da condenação a penas perpétuas ou in-
famantes, adicionava o Código Civil espanhol três outras
causas do divórcio: l.a, a proposição do marido feita à
mulher, para corromper os filhos ou prostituir as filhas,
assim como sua conivência para essa corrupção ou pros-
tituição; 3.a, a violência exercida pelo marido sobre a mu-
lher, para obrigá-la a muldar de religião.
A lei de 2 de Março de 1932 instituiu o divórcio
a vínculo na Espanha, por mútuo acordo ou por causas
já indicadas.
Na Argentina, são causas de separação pessoal dos
cônjuges: La, o adultério da mulher ou do marido; 2.a, a
tentativca de um dos cônjuges contra a vida do outro, seja
como autor, seja como cúmplice; 3.a, a provocação de um
dos cônjuges ao outro para fazê-lo cometer adultério ou

(14) Nos sistemas jurídicos que conservam o casamento ca-


tólico ao lado do civil, cumpre notar que as causas de separação,
para o casamento religioso, devem ser as do direito canônico, o qual
não distingue, para esse efeito, entre o adultério do marido e o da
mulher.
DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL

outros delitos; 4.a, as sevícias; 5.3, as injúrias graves, para


cuja apreciação deve tomar-se em consideração a educa-
ção, a posição social e as demais circunstâncias, que pos-
sam caracterizá-las; 6.a, os maus tratos freqüentes ainda
que não graves; 7.a, o abandono voluntário e malicioso do
teto conjugai. O mútuo consentimento não entra nessa
enumeração, mas, para evitar quaisquer dúvidas a res-
peito, o legislador platino teve o cuidado de declarar:
"no hay divorcio por mutuo consentimento de los espo-
sos" (lei de 22 de Novembro de 1888, art. 71). Os di-
vorciados podem reconciliar-se em qualquer tempo e a re-
conciliação "restítue todo o estado anterior à demanda do
divórcio" (art. 76) (15).

§ 62
#
O DIVÓRCIO PERANTE O DIREITO INTERNACIONAL
PRIVADO

Interessante e complexa é a questão do divórcio, cm


face do direito internacional privado. Não me preocupa-
rei, entretanto, com o seu exame completo. E, contentan-
do-me com indicar o essencial, remeto o leitor aos especia-
listas (1).
Há paises que admitem o divórcio a vínculo e ou-
tros que não o toleram, como ficou indicado no pará-
grafo anterior. Um conflito legal é fácil, portanto, de

(15) A ki argentina de 22 de* Novembro de 188 foi rece-


bida pelo Paraguai como .parte integrante do Código Civil. Veja-se
Zubizarreta, Derecho civil, I, pág. 208 e segs. Para a Colômbia,
veja-se: Champeau y Uribe, Derecho civil, I, págs. 214-231,
(1) Vide Wharton, Private internacional law, § 204 usque
236, que traz uma exposição minuciosa e bem deduzida da questão,
embora uma vez ou outra não seja sua opinião a mais consentânea
com o meu modo de vêr. Veja-se o meu Direito internacional privado
§ 45.
304 DIREITO DA FAMÍLIA

se dar e, na realidade, não só teem eles aparecido, como


sofrido soluções diferentes.
Para sabermos se o casamento é divorciavel, opinam
alguns escritores que se deve consultar a lei do país, onde
o processo se julga (lex fori), contanto que os pleitean-
tes sejam aí domiciliados (2). E as razões, de assim de-
cidirem, proveem de que o juiz daqueles países, onde o
divórcio é repelido por lei, não poderá pronunciar o di-
vórcio, e o juiz daqueles países, onde o divórco existe
na lei, não poderá recusá-lo a quem o pede, segundo os
preceitos do direito.
Mas, em contrário, erguem-se valiosas considerações
que teem sido postas em evidência por FlORl e toda a es-
cola italiana. O divórcio, dizem, determina radical mu-
dança no estado da pessoa, e, por isso, deve ser regulado
por sua lei nacional. Se assim não decidirmos, acbar-nos-
emos assaltados por dificuldades insoluveis, pois, pode
muto bem acontecer que o divórcio não seja reconhecido
pelo país da nacionalidade, onde os cônjuges ainda pos-
suam grande soma de interesses. Foi atendendo a essa
embaraçosa situação que a lei suiça de 24 de Dezembro
de 1874 só permite ao juiz helvético pronunciar o di-
vórcio entre estrangeiros, quando esses provarem que a sen-
tença será reconhecida como válida em seu país. E a ju-
risprudência francesa, depois de algumas vacilações, en-
veredou pelo bom camiuho, decidindo, acordemente, nes-
tes últimos anos, que, entre cônjuges estrangeiros, a apli-
-e as causas do divórcio deviam ser determinadas pela lei

(2) Asser, Éléments de droit int. prive, § 53; Wharton, Op.


cit., § 208 e segs. No mesmo sentido, Story, Laurent e a jurispru-
dência inglesa. Entretanto, nos Estados Unidos, onde a lei domiciliar
é a preferida, encontram-se casos de comipetência (baseada na nacio-
nalidade. Um estatuto da Pensilvânia (8 de Junho de 1891) am-
pliou a jurisdição do tribunal das Common Pie as, em casos de divórcio,
até à mulher autora, que era cidadã do Estado, antes de casada
(Ceunet, 1898, págs. 911-915).
DISSOLUÇÃO DiA SOOIEDADE OONJUiGAL 305

estrangeira (3). Se, porem, abandonarem sua nacionali-


dade e adquirirem a de um país que aceita o divórcio a vín-
culo, é manifesto qué esses mesmos cônjuges perderam,
com a nacionalidade, o dever de submissão à lei de seu país
de origem, e, portanto, ser-lhes-á facultada a dissolução
do casamento pelos meios admitidos na legislação de sua
pátria adotiva.
Os cônjuges, legalmente divorciados, serão conside-
rados tais, inclusive nos países em que o divórcio é desco-
nhecido. Este preceito é uma conseqüência forçosa, dos
princípios fundamentais do direito internacional privado,
segundo os quais o indivíduo pode exercer, no país onde
se acha, direitos adquiridos em vista de um ato passado
no estrangeiro e segundo a lei estrangeira, contanto que
não haja ofensa à soberania do Estado, nem aos bons
costumes, nem à ordem pública. Os escritores e a juris-
prudência já se teem pronunciado neste sentido (4). As-
sim, se o divórcio foi legalmente declarado em um país,
habilita os ex-cônjuges à realização de novas núpcias em
um Estado, onde essa instituição não tem existência. E'
claro que se trata de casamento civil, pois que o direito ca-
nôníco não aceita abrandamentos para suas injunções, a
respeito deste assunto. Convém notar também que, se o
casamento tiver sido celebrado em país cuja legislação não
adotar o divórcio, a decretação dele no estrangeiro, em-
bora segundo os preceitos do direito, não poderá habili-
tar os cônjuges a novo casamento no mesmo país. E a sã
doutrina contida na lei argentina, art. 7.°.
O Código Bustamante, art. 52, submete à lei do do-
micílio conjugai o direito regulador do divórcio e da se-

(3) Vide Clunet, 1891, pág. 1.194; 1892, pág. 662; 1893,
pág. 849; 1894, pág. 132.
(4) Os tribunais italianos (de Milão e Veneza) teem decidida
que o divórcio pronunciado no estrangeiro, entre estrangeiros, estende
seus efeitos à Itália, onde apenas a lei admite a separação pessoal
(Clunet cit., 1894, págs. 182-917). O Projeto primitivo, art. 29 da
— 20
306

paração de corpos; mas o Brasil apresentou resservas a esse


e ao art 54.
O nosso decreto-lei n. 4.657, de 4 de Setembro de
1942, art. 7.°, § 6.°, declara: "Não será reconhecido no
Brasil o divórcio, se os cônjuges forem brasileiros, Se um
deles o for, será reconhecido o divórcio, quanto ao outro
cônjuge, que não poderá, entretanto, casar-se no Brasil".

§ 63

DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO

Perante o nosso direito, o casamento só se dissolve


pela morte de um dos cônjuges (Cód. Civil, art. 315,
§ único. Apesar, porem, dos termos desta disposição pa-
recerem inflexíveis, é irrecusável que os casamentos dos
estrangeiros, dissolvidos fora do nosso país, segundo a
lei estrangeira, não podem ser considerados subsistentes
no Brasil, segundo já ficou estabelecido no parágrafo an-
terior. A lei pátria refere-se, particularmente, aos casamen-
tos celebrados dentro da órbita de sua ação.
Afastemos, portanto, essa questão e enfrentemos ou-
tra não menos interessante. E' sabido que a ausência de-
finitiva eqüivale, por direito, à morte, dando lugar à aber-
tura da sucessão do ausente. Pergunta-se, porem, se ela

lei -de Introdução consagrava o mesmo princípio. A sua justificação


está feita no relatório por mim apresentado ao Congresso jurídico
americano, reunido no Rio de Janeiro em 1900, e depois publicado
nos Bstüdos de direito e economia política, 2.a ed., 1902, pági-
na 247 e seg.: — o divórcio no direito internacional privado. Veja-se
ainda o Direito internacional privado, § 45.
A jurisprudência do Supremo Tribtinal é no sentido de homo-
logar as sentenças de divórcio pronunciadas no estrangeiro, de acordo
com a lei pessoal dos cônjuges. V. KeiJvY, Jurisprudência Federal,
IV, n.0 492 e o art. 7, § 6, do decreto-lei n. 4.657, de 4 de Setembro
de 1942, transcrito no parágrafo anterior.
DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE OONJUiGAL 307

e suficiente para habilitar o cônjuge do ausente a contrair


novas núpcias.
Pelo prescrito no capítulo 11 da Novela 117, não
era permitido a um cônjuge contrair novas núpcias, por
mais longa que fosse a ausência do outro, sem provar
diretamente o óbito. Esta disposição passou para o ar-
tigo 139 do Código Civil francês (1), para o art. 88 da
lei argentina de 2 de Novembro de 1888, para o Código
Civii do Uruguai, art. 78, e ainda para outras legislações.
E, evidentemente, consagra ela a doutrina mais razoável.
Portanto, pode-se afirmar: a ausência dissolve a sociedade
conjugai, como o divórcio canônico, mas não o vínculo
do matrimônio (2). O Código Civil brasileiro enveredou
por essa trilha estatuindo, no art. 315, § único, a inaplica-
bilidade da presunção de morte (art. 10), para autorizar
o casamento. Outra, porem, é a doutrina do Código Ci-
vil da Áustria, artigos 112 a 114, e alemão, art. 1.348,
assim como da lei chilena de 10 de Janeiro de 1884, arti-
go 38.

(1) Huc, Cowímentaire, I, ns. 455-456; Planiol, Traité 1


n.0 464. *
(2) Vide mais o § 93. Mas, se se efetuar o casamento, não
obstante à proibição, dizem o Código Civil francês, art. 139 e'o do
Uruguai, art. 78, só o cônjuge ausente, por si ou por um seu man-
datário especial, poderá atacar a validade do matrimônio,
O Código Civil, art. 315, § único, estatue: O casamento só se
dissolve pela morte de um dos cônjuges, não se lhe aplicando a
presunção estabelecida neste Código, art. 10, parte segunda.
- ■»: I

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CAPÍTULO XI

1 RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS

64
: : §

FILIAÇÃO LEGÍTIMA

A relação de parentesco existente entre a prole e os


progenitores chama-se filiação, quando considerada, as-
cencionalmente, dos filhos para seus imediatos ascenden-
tes; patettitdade, quando considerada, descencionalmente,
do pai para o filho; e rnütstmdade, quando ainda descen-
cionalmente, se tem em mira a mãe em face do filho.
A filiação é legítima: 1.°, se, no momento da con-
cepção, o pai e a mãe se acham vinculados por casamento
válido; 2.°, ou putativo; 3.°, ou anulavel, embora não pu-
tativo, isto é, nos casos em que subsistiria, sc p vício de-
terminante da anulação não tivesse sido utilizado para
esse efeito, no prazo e segundo os preceitos da lei (1).

(1> D. 1, 5, fr. 2; dec. de 24 de Janeiro, arts. 61, 70 e 76;


Lafayette, Direitos de família, § 104; Mello Freire, 2, 6 e § 2.°;
Cód. Civil, art. 337. Convém recordar que os expostos,_ até prova em
contrário, eram considerados legítimos. Infantes expositi, diz Mello
Freire, legitimorum juribus fruuntur; Liz Teixeira, Curso, I, nu-
310 DIREITO DA FAMÍLIA

Esta é uma das diferenças essenciais entre o casamento


nulo e o meramente anulavel. "A anulação não obsta
à legitimidade do filho concebido na constância dele"; a
nulídade faz cessar, absolutamente, todos os vestígios le-
gais do casamento, a não ser que, atendendo à boa fé dos
cônjuges, seja ele declarado putativo.
Para determinar o momento da concepção e saber
se ela se verificou, achando-se o pai e a mãe, legalmente,
unidos por vínculo de casamento, só dispomos da presun-
ção da união sexual na constância do casamento, e da du-
ração do período da gestação da mulher. Três princípios
jurídicos condensam os resultados da observação neste
ponto: 1.°, o filho gerado na constância do casamento
reputa-se oriundo do concubito dos dois cônjuges, e, por-
tanto, legítimos, Pater is est quem justas nuptiae de-
monstrant, diz o direito romano (Cód. Civil, art, 337,
D. 2, 4, fr, 5); 2.°, o filho que nasce 180 dias após o
casamento é tido como engendrado já na constância dele
(Cód. Civil, art. 338, D. 1, 5, fr. 12); 3.°, e o que
nasce até 300 dias depois da separação dos cônjuges, por
morte de um deles, desquite ou anulação do casamento,
presume-se, igualmente, concebido ao tempo da legítima
cohabitação (Cód. Civil, art. 338, D. 38, 16, fr. 3, § 11).
O primeiro desses prazos é, segundo a opinião corrente,
a duração mínima da gestação da mulher, desde o mo-
mento da fecundação até ao parto; e o segundo é a du-
ração máxima, sobre a qual, entretanto, não existe pleno
acordo entre os competentes (2).

mero 330; AIv. II, de 31 de Janeiro de 1775, § 7.°; Loureiro, Direito


civil, § 81.
O Código de Menores (dec. n. 5.083, de 1 de Dezembro de 1925,
arts. 14 a 25, define o que sejam expostos; dispõe sobre a sua entrega
as instituições destinadas a recebê-los; o registro civil do nascimento;
a apresentação deles pelas mães, que podem fazer declarações a res-
peito ou reservá-las em documento secreto para ser aberto em cir-
cunstância, que determinar.
(2) Dizem Littré e Robin, Dictionnaire de médecine, verb.
grossesse, que, geralmente, a gravidez não se prolonga alem de 270
EELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 311

E' óbvio que a presunção do concubito dos côn-


juges, ao tempo da concepção, é a base de todos esses
princípios. Mas, tal presunção desfar-se-á, diante de uma
prova irrecusável da impossibilidade material da cohabi-
tação, nos primeiros cento de vinte dias, dos tresentos an-
teriores ao nascimento, pois que, se mater sempet certa est,
não é possivel asseverar o mesmo em relação ao pai. Essa
impossibilidade resulta ou da impotência absoluta do ma-
rido, ou da separação dos cônjuges, judicial ou de fato,
como se um deles se acha ausente do lar, sem poder a ele
volver pela grande distância ou por alguma reclusão in-
comunicável, ou por ter-se dado a dissolução da sociedade
matrimonial (3). Entretanto, convém notar, é possivel
que os cônjuges, apesar de divorciados, se reconciliem, se-
quer momentânea e despercebidamente, e desse coníacto
resulte um filho. Como o vínculo conjugai não foi dis-
solvido, provada a conjunção, o filho dele proveniente
deve ser considerado legítimo (4).
O adultério por si somente, ainda que provado e au-
torizando a decretação do desquite, não é suficiente para
destruir a presunção legal da paternidade e da filiação le-

dias, mas que não é muito raro vêr seu termo afastado até atingir
308 e 316 dias. Foi atendendo a isso que alguns escritores julgaram
prorrogável o praxo máximo, por mais alguns dias (de 3 a 7), em
favor da legitimidade.
Vejam-se: Brouardeu, Mariage, pág. 172 e segs.; Lacassagne,
Précis de médecine judiciaire, pág. 515; Angiouo Fiuippi, Medicina
iegale, pág. 54; Nina Rodrigues, Direito, vol. 88, pág. 5 a 25; e
a minha resposta a este notável médioo-legista, nos Trabalhos do se-
nado, III, pág. 68-71; reeditada no livro — Bm defesa do Projeto
de Código Civil, páginas 360-370. Adde: Martinho Garcez Filho.
Direito de família, II, pág. 73 e segs..
(3) Cód. Civil, arts. 340 e 342.
(4) Cód. Civil, art. 341. Este artigo diz: se os cônjuges hou-
verem convivido algum dia, sob o teto conjugai. Devera dizer: sob o
mesmo teto. Vejam: Lafayette, Direitos de família, § 105; Có-
digo Civil francês, 313, in fine; italiano, português, 104; do Chile,
art. 190; da Argentina, 250; da Luiziana, 207; Rivaroua, Derecho
civil argentino, !, n.0 318.
312 DIREITO DA FAMÍLIA

gítima (4a), porque "o filho Ibem podia ser do marido. er ,


na dúvida, prevalece a presunção em favor da legitimida-
de", diz LafaYETTE (5), ainda mesmo que a mulher
declare que o filho não é do marido (6). E' necessário
que outras circunstâncias venham demonstrar a impossi-
bilidade material do concubito dos cônjuges, para que da
ínfidelidade feminina se origine a ilegitimidade da filiação.
Feche este parágrafo uma rápida vista sobre a le-
gislação de outros povos. A presunção da paternidade
resultante do casamento, segundo no~la apontou o direito
romano, é geralmente admitida. Mas os casamentos nulos
e anulaveis não apresentam os mesmos efeitos por toda a
parte, e os prazos estabelecidos para a duração da gravidez
não coincidem nas diversas leis, que providenciam a esse
respeito.
Assim, pelo direito alemão (Cód., art. 1.699), os
filhos de casamentos nulos, concebidos antes de ser decla-
rada a anulação, se consideram legítimos, se, ao menos, um
dos cônjuges estava de boa fé. Semelhantemente dispõe o
Código Civil da Áustria (art. 160). No direito francês,
os filhos de pais, cujo casamento foi anulado, são tidos
por naturais reconhecidos (7), e também por legítimos, se
houve boa fc de um dos cônjuges (8).
Segundo preceitua o direito alemão (Código, artigo
1.592), o termo da natividade legítima é, aproximada-
mente, o do direito romano. 180 dias, a contar da cele-
bração do casamento, e 302, a contar da separação (9).

(4 a) Cód. Civil, art. 343.


(5) Direitos de família, § 105; 13. 48, 5, fr. 11; Código Civil
(português, art. 103; espanhol, 108; francês, 313; Rivarola, Op.
cit., n.0 316.
(6) Cód. Civil, art. 346; B. Carneiro, I, 20, § 177, n.0 7;
Código Civil espanhol, art. 109; argentino, 255; de Zurich, 653.
(7) Zachariae, § 463; Aubry et Rau, § 459, n.0 5.
(8) Código Civil francês, arts. 211 a 220. E' também essa a
doutrina do Código italiano, art. 126.
(9) Roth, System, págs. 277-279-, D. 38, 16, fr. 3, § 12:
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 313

A teoria mais largamente abraçada é a que fixa os dois


aludidos prazos em 180 e 300 dias. Assim fizeram: o
Código Civil geral da Áustria (§ 138); o da França, ar-
tigos 312-314; da Itália, 230-231; da Espanha, 108;
de Portugal, 101; da Argentina, 240; suiço, 252 e 254;
do Chile, 76; da Colômbia; do Uruguai, 191; do Mé-
xico, 324; da Bolívia 160 (10).
0 direito russo antigo não recusava a legitimidade
ao nascimento prematuro, o que importa dizer, anterior
aos aludidos 180 dias depois da celebração das núpcias,
e espaça até 306 o lapso de tempo concedido para a fixa-
ção do término da gravidez (11). Atualmente, essa ma-
téria foi posta de lado.

§ 65 0

CONTESTAÇÃO DA LEGITIMIDADE DA FILIAÇÃO

A três reduzem-se os fundamentos para a contesta-


ção da legitimidade da filiação.
1 — Afirma-se que o marido não podia ter tido con-
cubito com stia mulher no período legal da concepção, e
dessa afirmação provada resulta que o filho não tem por
pai aquele que a lei pressupunha c a sociedade esperava
que fosse. Qualquer que seja a causa que torne material-
mente impossíveis as relações sexuais entre os cônjuges, o

de eo autem qui centésimo octogesimo secundo die natus est, Hippo-


crates scripsit et suis pontificibus rescripsit justo tempore videri na-
tum; e no § 11: post decem menses montis natus non admittur ad le-
gitimam hereditatem.
,'(10) Vêr tamíbem o Esboço de Teixeira de Freitas, arti-
go 1.460; Projeto Felicio dos Santos, 378; Coelho Rodrigues,
2.151 e 3.134.
(11) Lehr, Droit civil russe, I, pág. 71.
.314 DIREITO DA FAMÍLIA

adultério, consíderem-no crime social ou não, é uma fra-


nqueza ígnominiosa que infama a culpada e macula a fa-
mília. Mas nosso direito (Cód. Civil, art. 344) não per-
mite que outro, senão o próprio marido, afrontando o es-
cândalo e o ridículo, venha ostentar a infidelidade de sua
consorte indigna, que não soube manter o culto da honra,
com que se abroquelam e se engrinaldam as famílias. Os
interesses morais e econômicos que o adultério vem con-
turbar, pertencem, diretamente, ao marido e aos filhos le-
gítimos; mas, enquanto perdura o casamento, é aquele
o chefe da família, o responsável por seu decoro e fortuna,
e, dissolvido o matrimônio por morte de um dos cônjuges,
mais conveniente é não revolver a vasa desse pântano, que
o olvido cobriu de vegetações virentes (1).
Assim, somente o marido poderá contestar a legiti-
midade do filho de sua mulher. E esse seu direito res-
tringe-se aos casos seguintes: — a) se, por moléstia ou
outra qualquer causa se achava, no tempo da concepção,
incapaz de realizar a fecundação (la); b) se, na mesma
época, a ausência tornava impossível a aproximação dos
cônjuges (2).

(1) Cód. Civil, arts. 342 e 344.


;(1 a) D. I. 6, fr. 6. .. si constet marihmi aliqumvdiu cum uxore
non concubisse infirmitate interveniente, vel ali causa; vel si ea va-
le tudine pater famílias fuit ut generare non possité hunc qui in domo
natus est lie et filium non esse.
(2) Cód. Civil, art. 340.
O Código Civil francês, art. 313, e o italiano, art. 233, 4.°, admi-
tem que o marido possa desconliecer, (desavouer) o filho, por causa
de adultério, quando o nascimento dele tenha sido ocultado. A ocul-
tação do nascimento, porem, pode resultar, não da convicção do adul-
tério, mas do receio de violências por suspeitas infundadas. Por isso,
cabe ao marido provar que houve adultério, sendo-Ihe, nesta hipó-
tese, franqueados todos os meios de provar que não é realmente pai,
podendo ser invocada até a impossibilidade moral da cohabitação
(Vipe Laurent, Cours élémentaire, I, página 307). O Projeto do
dr. Coelho Rodrigues aceitou, igualmente, este caso, a que acabo
de aludir (art. 2, 117, § 2.°).
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 315

Tratando-se de filhos nascidos antes de se comple-


tarem 180 dias após a celebração do casamento, não po-
derá o marido contestar-lhe a legitimidade, se expressa ou
tacitamente os reconheceu como seus (3).
Dissolvida a sociedade conjugai por qualquer causa,
exceto a morte do marido, ainda cabe a este o direito de
contestar a legitimidade do filho que, nascendo dentro do
prazo legal, da concepção, deveria ter tido por seu, se
não sobreviesse a sua contestação.
Em ;ambas es tias hipóteses, a ação da contestação
da legitimidade não prescreve, com o efeito de determi-
nar o es fado da pessoa, no sentido de que o marido a pode
propor em qualquer tempo, não a tendo perdido (4).
Morrendo o marido, sem proceder contra o estra-
nho introduzido no seu lar, por um desvio do dever, a que
se deixou arrastar a mulher, a presunção é que o aceitou

(3) Cód. Civil, art. 339; D. L, 5 fr. 12; 38, 16 fr, 3, § 11-12 ;
Nov. 39, cap. ult.; Código Civil francês, art. 314; português, 102;
espanhol, 110; argentino, 252; uruguaio, 192.
(4) Lafayette, Direitos de família, § 106. E' uma ação pre-
judicial e por isso considerada knprescritivel. Mas extingue-se com
a morte do marido, se ele, em vida, não a propôs. O marido não pode
contestar a legitimidade do filho nascido antes de se completarem 180
dias após a celebração do casamento, se, antes de casar, tinha co-
nhecimento da gravidez da mulher; se, assistindo ao termo do nas-
cimento do filho, não contestar a sua paternidade (art. 339).
Os Códigos modernos, em sua maioria, estabelecem prazos curtos
dentro dos quais deve ser proposta a ação de contestação da pater-
nidade. O Código Civil francês, art. 316, e o italiano, art. 242, esta-
belecem os prazos de dois meses, se o marido se acha no lugar do
nascimento do filho; de 3 meses após sua volta a esse lugar, se se
achar ausente; de 3 meses depois do descobrimento da fraude, se o
nascimento llhe fora oculto. Morrendo o marido, sem propor ação,
mas antes de sua prescrição, terão os herdeiros dez meses para
fazê-la boa perante a justiça, a contar da época, em que o filho sus-
peito entrar na posse dos bens do defunto. O Projeto Coelho Ro-
drigues (arts. 2.130-2.131), aceitou esses prazos, que noutros siste-
mas jurídicos variam de estensão, como acontece no Código Civil por-
tuguês, art. 107, no argentino, 258, no zurichense, 651-652.
316 DIREITO DA FAMÍLIA

como seu, perdoando a injúria sofrida. A ninguém, por-


tanto, deve ser conferido o direito de insultar a sua me-
mória, tentando fazer uma prova que ele recusou fazer.
E' perigoso concedê-la aos herdeiros do marido, que se
supõe ultrajado. Estes só devem ter direito de contestar
a legitimidade do filho daquele a quem sucedem, se a ação
já fôra iniciada em vida do autor da herança (5), ou se
o filho nasceu depois de sua morte, fora do prazo legal
ou mesmo dentro dele, mas tendo havido no momento
presumivel da concepção, algumas das impossibilidades de
concubito, acima referidas (5a).

11 — A primeira hipótese que acaba de ser consi-


derada, refere-se â contestação da paternidade. Também
a maternidade pode ser posta em dúvida. E' a isso que
os franceses chamam contestação de estado, porque, real-
mente, o que se procura demonstrar é a existência de um
embuste, seja praticado pela mulher, que não recuou pe-
rante um parto suposto (6), seja pelo pretenso filho, que
se arroga, perante a sociedade, um título, a que não tem
direito.
Esta contestação de estado pode ser oposta por qual-
quer pessoa que possa ter interesse na apuração da ver-
dade em atinência a esse ponto, isto é, o pai, a mãe e os
herdeiros de qualquer deles. Mas estes últimos só pode-
rão propor a ação de contestação da legitimidade da filia-
ção, na hipótese agora considerada, como ação prejudicial
para firmarem um direito, como o de sucessão, o de ali-
mentos, ou outro dependente da qualidade de parente (7).

(5) Cód. Civil, art. 345.


(5 a7 Código Civil, art. 340.
(6) Código Penal, art. 242. Dar parto alheio por seu; ou,
tendo, realmente, dado à luz filho vivo ou morto, sonegá-lo ou subs-
tituí-lo : pena de reclusão de seis meses a dois anos.
(7) Lafayette, Direitos de família, § 106, pág. 212: A
outras quaisquer pessoas, a quem a ação alludida possa competir,,
como os herdeiros do pai ou da mãe, não é lícito propô-la, senão conv
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 317

líl — Em terceiro lugar, é possível contestar, não


mais a paternidade, nem a maternidade, porem, a exis-
tência do casamento, de onde resulte a legitimiaade da
união entre os pais da pessoa, cuja qualidade de filho legí-
timo é negada. Como no caso antecedente, a ação nega-
tória da legitimidade, neste último aspecto, pode ser pro-
posta pelos herdeiros do pai ou da mãe do contestado,
sempre como prejudicial, isto é, para a verificação do es-
tado de família, quando este for a base de algum direito
a cuja posse pretendam.

66

AÇÃO DE FILIAÇÃO LEGÍTIMA — SUA PROVA

A qualidade de filho legítimo prendem-se * interes-


ses morais de alta valia, e direitos de vários matizes. Con-
testada ela por qualquer dos modos indicados no pará-
grafo anterior, ou simplesmente desconhecida, em mo-
mento, que reclama sua clareza, fornece o direito os meios
conducentes a firmá-la, seja por uma vindicação de esta-
do, seja por uma defesa. Esses meios constituem a ação
de filiação legítima.
Tem direito de recorrer a eta o fílho, passando aos
herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz, sem haver ne-
cessidade da distinção estabelecida ^por Lafayette, fun-
dado em LlOBÃO (1), da vindicação do estaao por si ex-
clusivamente, ou para o fim de fundamentar direitos su-
cessórios. Nbssso direito era silencioso a estes respeito e,
pois, não era lícito fazer essas "distinções, que não decor-
rem da própria natureza dos fatos, nem se impõem pelo

carater prejudicial, isto é, como fundamento de ou Lia que dela de-


riva, como é a petição de herança .
(1) Cód. Civil, art. 350; Lafayette, op. cü., § 107.
318

acordo das legislações. O que se vê, nas legislações mo-


dernas, é a determinação de um prazo para dentro dele
ser intentada a ação de filiação legítima (2). Mas, como
as ações relativas à determinação do estado familial das
pessoas são imprescritíveis, também não era possivel que
adotássemos estas restrições para o direito pátrio, sem o
apoio de uma disposição expressa. Entretanto, os direi-
tos hereditários inerentes ao estado da pessoa extinguiam-
se por prescrição.
O Código Civil preencheu a lacuna existente na le-
gislação anterior, dispondo: , Art. 350: A ação de prova
da filiação legítima compete ao filho, enquanto viver, pas-
sando aos herdeiros, se ele morrer menor, ou incapaz.
Art. 351: Se a ação tiver sido iniciada pelo filho, pode-
rão continuá-la os herdeiros, salvo se o autor desistiu ou
a instância foi perempta. Um ano depois do falecimento
do filho, se houver morrido ainda menor ou incapaz, es-
tará prescrita a ação (art. 178, § 6.°, XII).
Para defender a sua posição de filho legítimo, con-
tra os ataques daqueles que o pretendem desalojar dela»
ou para obtê-la, e afastar os usurpadores de seus direitos,
tem o indivíduo necessidade de provar que, na realidade,
é o que afirma, e não um simples intrujao.
Para que seja legítima a filiação, é preciso que haja
nascimento depois de um casamento válido, putaíivo ou

(2) Dizem o Código francês, art. 328, o espanhol, 118, o por-


tuguês, 111, e o italiano, 177: "a ação de reclamação do estado é
iimprescriptivei em relação ao filho". "Esta ação só poderá ser inten-
tada pelos descendentes do filho, se ele morrer menor ou demente,
ou nos cinco anos depois de sua maioridade" (Código Civil francês,
art. 328; italiano, 178, espanhol, 116). O Código Civil português,
art. 112, em vez de cinco, pede apenas quatro anos, e faz prescrever
a ação de filiação também no espaço de quatro anos, contados do
falecimento do filho. O Código argentino, art. 260, acrescenta que
a ação de filiação deve ser intentada contra o pai e a mãe comun-
tamente, e, por falecimento deles, contra seus herdeiros.
RELAÇÕES EETRE PAIS E FILHOS 31 &>

desfeito por anulação (3). Consequentemente, o primeiro


fato a provar é a existência desse casamento (4).
Se, porem, a dúvida não se refere ao matrimônio
dos pais, e sim ao reconhecimento da pessoa, deverá ela
provar, segundo as necessidades impostas pela contesta-
ção ou pela situação- 1 0, por testemunhas, a sua identi-
dade; 2.°, pelo termo de seu nascimento inscrito no re-
gistro público, quais são seus pais; 3.°, que nasceu no
prazo da presunção legal da paternidade.
Na falta de registro civil, seja por extravies dos li-
vros respectivos, seja por outro motivo, é admissivel em
direito: I — quando houver começo de prova por escri-
to, proveniente dos pais, conjunta ou separadamente:
II — quando existirem veementes presunções resultantes
de fatos já certos (4a).
Não se refere o Código Civil à prova pela posse de
estado (5).
"A posse "de estado, diz o Projeto do senador COE-
LHO Rodrigues, art. 2.136, de acordo com o Código Ch
vil francês, art. 345, e italiano, art. 235, resulta de uma
série de fatos que, no seu conjunto, bastem para demons-
trar as relações de filiação e paternidade entre um indiví-
duo e o chefe da família a que ele pretende pertencer".
Podem esses fatos variar muito de aspecto, mas sobres-
sáem alguns dentre eles por se reproduzirem mais freqüen-
temente. São: 1.°, a nominatio, isto é, o uso constante do
nome de família do pretendido pai; 2.°, o tratactus, que
é a situação resultante de ser o indivíduo criado, educado,
tido e apresentado como filho legitimo, pelo pai e pela
mãe; 3.°, a reputatio, que é a situação resultante de ser o

(3) Vide o § 64.


(4) As provas do casamento foram indicadas no § 21.
(4a) Cód. Civil, art. 349.
(5) Lafayette, Direitos de família, § 108; Coelho da Rocha,
Instituições, § 293; Código Civil argentino, art. a63; francês, 321:
italiano, 235; espanhol, 116; português, 114-115.
£20 DIREITO DA FAMÍLIA

indivíduo sempre considerado, na família e na sociedade,


como filho legítimo das pessoas de quem ele afirma ser.
Deve, porem, a posse de estado, para não ser inoperante,
apresentar-se-nos sem interrupção e sem incongruência. O
Código Civil repeliu essa prova; mas declarou: ninguém
será admitido a reclamar um estado contrário ao constante
de seu termo de nascimento (6).
Em falta de termo de nascimento, por não existir
ele ou por ser defeituoso, e não podendo ser estabelecida
a posse de estado, admitem os diversos Códigos Civis que
haja recurso à prova por meio de testemunhas, mas so-
mente "quando haja um começo de prova escrita ou quan-
do as presunções ou indícios, resultante de fatos já certos,
pateçam bastante graves para determinar a sua admis-
são" (7).
E' a doutrina do direito pátrio, eliminada, porem,
a posse de estado.

§ 67

FILIAÇÃO ILEGÍTIMA

Fithos ilegítimos são todos aqueles que procedem de


união sexual, a que o direito não presta seu reconheci-
mento. Se o pai ou ia mãe, ao tempo da concepção ou
do parto, se achava ligado por matrimônio com outrem,
o fliho se diz adulterino (1); se os progenitores são, en-

(6) Cód. Civil, art. 348. Vejam-se: o Código Civil francês,


art. 322; italiano, 236; português, 117; Contra: o Código uruguaio,
art, 200.
(7): Código Civil francês, art. 323; italiano, 239; português,
116; argentino, 263; Projeto Coelho Rodrigues, art. 2.188; Coelho
da Rocha, Instituições, § 293; Zachariae, 163.
(1) Os filhos de cônjuges divorciados, havidos de outras pes-
soas, são entre nós adulterinos (João Monteiro, Aplicação do di-
reito, pág. 17). Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 128, § 2.°,
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 321

tre si, parentes em grau tão próximo, que não se pode-


riam, validamente, casar, o filho se denomina incestuoso,
Estas duas espécies, a dos adulterinos e a dos incestuosos,
formam a espécie dos bastardos, ou antes, espúrios. Aque-
les cujos procriadores estavam em condição de realizar
matrimônio legal entre si, ao tempo da concepção ou do
parto, por outros termos, aqueles que não forem adulte-
rinos, nem incestuosos, tomam a nome de simplesmente
naturais ou naturais em espécie (2).
O direito antigo, depois que firmou, em moldes rí-
gidos, o familismo e a regulamentação social das uniões
de sexos, mostrou-se agressivo contra os bastardos e to-
lerou os ásperos maroiços, que os preconceitos sobre eles
desencadraeam. Em Atenas, ao filho natural (nothoi, em
latim nothus), excluido da família e da sucessão paterna,
recusava-se até o direito de solicitar alimentos, e o infeliz,
que via fecharem-se-lbe as portas do lar, deparava a mes-
ma repulsa por parte do Estado, que não lhe consentia o
acesso das funções públicas. Em Roma, o stuprum, o
adultério e a união com uma pellex dístinguiam-se do con-
cubinato que, com a lei Julia et Papia, obteve uma feição
jurídica acentuada, e que era de uso geral, em muitos ca-
sos, em que a lei vedava o matrimônio, como entre as
provincianas e os magistrados das respectivas províncias,

opinou diversamente, mas a sua afirmação é aberrante dos prin-


cípios. Se o vínculo matrimonial subsiste, os filhos de divorciado são
filhos de pessoa casada, concebidos ou gerados com ruptura desse
vínculo. Houve dúvidas, aliás injustificáveis, a respeito; mas o Su-
premo Tribunal Federal firmou a verdadeira doutrina, declarando
que o filho de mulher desquitada é adulterino. {Jornal do Comércio,
do Rio de Janeiro, ed. de 16 de Março de 1933) . O que se diz da
mulher desquitada vale para o homem. A razão é a mesma: a indis-
solubilidade do matrimônio.
(2)i Não há mais, perante a lei, a filiação sacrílega; nem teem
mais razão de ser as expressões deprimentes — de punivel e damnado
coito, de que usou a OM. 4, 93, reproduzindo o direito romano {nati
ex damnato coitu vel nejariis nuptiis).
— 21
322 DIREITO DA FAMÍLIA

entre ingênuos e libertos (3). Os filhos nascidos do con-


cubinato efam naturãles, podiam ser legitimados e tinham
um direito hereditário, embora limitado e condicional, em
relação ao espólio paterno, e na vida social, não lhes trazia
esse nascimento nenhuma dificuldade, se aspirassem gal-
gar os degraus da hierarquia judiciária, administrativa ou
política. Também aos vulgo concepti, em relação aos
quais a paternidade é desconhecida e como inexistente pe-
rante a lei, o direito romano não é desfavorável.
O mesmo, porem, se não poderé afirmar em relação
aos adulterinos e incestuosos, a quem Justiniano denegara
o direito de pedir alimentos aos pais. O direito canônico,
nos primeiros momentos benévolo e tolerante, em breve
começou a reagir contra o concubinato e contra os filhos
naturais, tanto dos clérigos quanto dos leigos, sobre os
quais atirou a mácula de infâmia, que tomara de emprés-
timo ao direito germânico, mas a que dera uma outra fei-
ção. Porem, para que o direito da Igreja cristã não fosse
de todo constritor da evolução jurídica, neste assunto,
aparece a legitimação por subsequente matrimônio, intro-
duzida em Roma por Constantino. Durante a idade mé-
dia, a indignidade da bastardia se enxerta em quase todas
as legislações, sob a influência do direito germânico e do
canônico. No regime feudal, dominou a paremia canônico-
germânica semper qui nascitur deteriorem conditionem su-
mit, que nos transmitiu o Decreto de Graciano, em con-
traposição ao benévolo adágio romano — partas seqwtur
ventrem, que afinal veio novamente a conquistar a perdida
preeminência.
O direito moderno ainda mantém resquícios dessas
idéias de injusto desconseito, com que se estigmatizam os
bastardos. A ilegitimidade é ainda também, para a con-
ciência média da sociedade moderna, um labéu afrontoso.
Sente-se que ainda se lhe não afigura anacrônica a sentença

(3) PadeIvLetti, Cogijolo, Storia dei dir. romano, pág. 486-


487, nota g; Bonfante, Diritto romano, § 63.
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 323

do velho jurista: — Sputii et bastardi ex jure communs


vtles et infames. Mas é outra, não obstante, a orientação,
que a conduz e a vai, em breve, pojar em terreno mais li-
vre de preconceitos. Na generalidade dos Códigos Civis,
embora não subsistam os exageros de outrora, aferram-se
ainda princípios que provocaram a revolta muitas vezes
fremente do ilustre CiMBALLI (4). Mas, já muíto se tem
feito em bem da lógica e da justiça, e legislador houve que
sentiu necessidade de afirmar que a ilegítimdade não pre-
judica a estimação civil (Cód. Civil da Áustria, § 162),
e que elidiu toda distinção entre ilegítimos, sejam adulte-
rinos, incestuosos ou simplesmente naturais: "Die unehe-
liche Geburt kann einem Kinde an seiner buergerlichen
Achtung und an seinem Fortkommen keinen Abbruch
tbun."

§ 68

LEGITIMAÇÃO

Legitimação ç o meio de tornar legítimos os filhos


que não o são. O direito romano conheceu quatro modos
de legitimação, a oblação à cúria, o casamento subsequen-
te, o rescrito do príncipe e o testamento, todos vegetações
recentes, que espontaram no mundo jurídico, depois do
estabelecimento do império. O direito civil moderno, po-

(4) La nuova fase dei diritto civile, ipágs. 144 e segs. Strana
dawero la lógica de questa società, e la gustizia de questi legislatod
che, con cinismo si sfacciato, capovolgono dei tutto i prindpii piü sacri
deirumana responsabilità, facendo dei 'reo la vittima, delia vittima il
i"eo condemmato ad espiare inesorabilmeníe la pena di um delitto che
non ha giammai consumato: paires nostri peccaverunt et nos peccata
eorum portamus (pág. 148). As mesmas idéias expuseram Rosmini,
na Filosofia dei diritto, e Laurent, nos Príncipes de droit civil. A
convenção francesa declarara que os filhos naturais e os legítimos
tinham direitos iguais (Vide Rivet, La Recherche dfe la paternité
pág. 184).
324 DIREITO DA FAMÍLIA

rem, com exceções raras (11), somente deixou subsistir


o matrimônio subsequente dos progenitores, relegando
os outros para a classe dos reconhecimentos, que não ori-
ginam tão vastos direitos, quando não os deixou esqueci-
dos entre as instituições mortas.
O efeito principal do casamento, formado segundo
os requisitos legais, é a constituição da família legítima.
Esta legitimidade enobrece as relações naturais dos cônju-
ges entre si, e se projeta sobre a prole, quer nasça após o ca-
samento, quer lhe seja anterior. O direito, neste último
caso, remonta o curso da vida, apaga, expunge a nota de
ilegitimidade, que nodoava os filhos, e finge supor que o
casamento se verificou antes da concepção.
Foi o imperador Constantino quem primeiro ofere-
ceu aos pais esse meio de legitimarem sua descendência,
procurando conseguir, assim, o casamento de muitos con-
cubinários. Não era, porem, na mente do imperador cris-
tão, mais do que uma providência transitória, que desa-
pareceria em pouco, se não contivesse um bom preceito
de utilidade e lógica destinado a frutificar. Zenão, em

(1) ,Na Alemanha, alem da legitimação durch michjolgcnde


Ehe der Brzeuger, existiam a que resultava de um rescripto do prínci-
pe e a que era concedida aos filhos de desposados (Brautkinder). Esta
última espécie, que era consagrada pela praxe no direito comum, teve
ingresso no Código Civil saxônio, § 1.578, e de alguma forma exis-
tiu no Landrecht prussiano até 1878. (Roth, System, II, págs. 285-
289) . Hoje, o Código Civil somente reconhece duas espécies de le-
gitimação; por subsequente matrimônio, cujos efeitos são mais latos
(arts. 1.719-1.722); e por declaração da autoridade {Ehelich'
keitserklaerung), cujos efeitos são mais restritos (arts. 1.723-1.740).
Nos cantões suíços dos Grisôes, de Vaud e de Zurich, os filhos con-
cebidos após esponsais regulares adquiriam o nome e a burguesia
do pai (Vide o Cód. de Zurich, art. 686; dos GrisÕes, 84, 2.°, e lei
federal de 24 de Dezembro de 1874). O Código Civil suiço, art. 260,
manteve essa forma de legitimação, devendo ser declarado perante
o juiz, no caso <fe se ter impossibilitado o casamento ajustado. O ar-
tigo 258 consagra a legitimação por casamento subsequente.
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 325

746, renova a constituição de Constantino; Anastácio


generaliza-a, sob a restrição de não haver o concubinário
filhos legítimos procedentes de outra união; Justiniano
suprime essa restrição, dando ao instituto a forma que foi
transmitida ao direito civil moderno.
O benefício da legitimação resulta, por direito pá-
trio, de um casamento válido, putativo, ou ainda desfei-
to por anulação, sem os requisitos exigidos para ser de-
clarado putativo. Se, porem, o matrimônio for nulo ,o
direito o considera inexistente, e, portanto, não trará, quer
para os filhos, quer para os cônjuges, nenhuma conse-
qüência jurídica favorável, das que decorrem de um en-
lace geral, salvo intervindo a boa fé, em atenção à quax
se o declare putativo,
Da legitimidade da família, que implica a da filia-
ção, procedem relações originando regalias, direitos e de-
veres para os filhos, como sejam o direito à educação, aos
alimentos, à herança, como seja o dever de respeito e obe-
diência, como seja o parentesco por consangüinidade e afi-
nidade. Nascem também dos pais para com os filhos, di-
reitos e devcres que se enfeixam no instituto do pátrio po-
der. E' preciso, pois, indicar que pessoas podem ser le-
gitimadas pelo casamento subsequente de seus pais.
No último estado do direito civil pátrio, anterior ao
Código Civil, depois de longas discussões sobre o modo
de interpretar a Ord. 2, 35, § 12, nas palavras — contanto
que esse filho fosse tal quet com direito, pudesse ser legiti-
mado por seguinte matrimônio — (2), haviam os civi-
listas chegado à conclusão de que os filhos incestuosos, os
adulterinos e os sacrílegos não podiam receber o bene-

(2) Vide essa discussão em Coelho da Rocha, Instituições,


§ 296, e nota P. ; em Teixeira de Freitas, Consolidação, notas 10
e 11 aos arts. 215-216; em Oliveira Fonseca, Legitimação de fi~
lhos ãdulterinos, Rio de Janeiro, 1902; e nos Trabalhos da Câmara,
vol. V, págs. 196-197 e 216-218.
326 DIREITO DA FAMÍLIA

fício desse meio de legitimação, porque o casamento entre


seus pais era impossivel ao tempo da concepção,
O dec, de 24 de Janeiro de 1890, art. 56, § 1.°, dá,
como primeiro efeito do casamento, "constituir família
legítima e legitimar os filhos anteriormente havidos de
um dos contraentes com o outro, salvo se um destes, ao
tempo do nascimentos ou da concepção dos mesmos filhos,
estiver casado com outra pessoa". Por esta disposição,
acham-se excluídos da legitimidade somente os adulteri-
nos. Mas, como os progenitores dos incestuosos não se
podiam validamente casar, também não podiam eles go-
zar desse benefício, a não ser que houvesse o casamento de
ser declarado putativo. E nem aos adulterinos recusava a
lei essa concessão.
Quanto aos chamados sacrílegos, isto é, aos nasci-
dos de pessoas que estavam impossibilitadas de contrair
núpcias, por força de investidura de ordens sacras maio-
res ou da entrada em religião aprovada, não havia mais
que dizer a respeito, a não ser que a espécie se extinguira,
em nosso direito, com a secularização do casamento e se-
paração entre a Igreja e o Estado.
A legitimação por casamento subsequente, agindo
por força da lei, dispensava, no direito pátrio, qualquer
ato expresso dos pais para produzir seus efeitos. Tanta
est vis matrrmom, ut qui antea sunt geniti, post con-
tracturn matdmorvum legitimi habeantur. O Código Ci-
vil, art. 353, consagrou, francamente, este princípio, de-
clarando: a legitimação resulta do casamento dos pais,
estando concebido, ou depois de havido o filho. Assim,
todos os ilegítimos podem ser legitimados, desde que en-
tre os pais se realize casamento válido, posterior à sua
concepção ou nascimento. Para evitar çsse efeito, tem
o marido o recurso de contestar a paternidade, ou no pró-
prio ato do casamento ou posteriormente, pois que, em
favor dos filhos, de que agora se trata, não existe a pre-
sunção jurídica editada em favor dos procriados após a
celebração do matrimônio.
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 327

Não havendo contestação por parte do marido, o


filho tem por si a situação legal de legitimado, que será
inatacavel pelos herdeiros daquele.
Por direito francês (Cód., art. 331), os filhos nas-
cidos fora do casamento, não provindos "de um comércio
incestuoso ou adulterino", podem ser legitimados pelo ca-
samento subsequente de seus progenitores, contanto que
sejam reconhecidos, legalmente, antes do casamento ou no
ato de sua celebração. Por onde se vê que o direito fran-
cês não faz operar a força legitimlante do matrimônio
com a plenitude ostentada no direito pátrio, pois que a
condição do reconjhecimento é necessária à sua eficácia.
Mas essa exigência não é tal que estorve a legitimação do
filho falecido, que tenha deixado descendentes, sendo para
beneficiar a estes (Cód., art. 332).
O Código Civil português (art. 119), também esta-
tue a necessidade do reconhecimento para que o casamento
opere a legitimação dos filhos nascidos antes dele; mas,
desenvolvendo o princípio, admite o reconhecimento pos-
terior ao matrimônio, quer provenha de escritura públi-
ca, quer de testamento, e concede aos filhos o direito de
provar sua filiação por meio de ação e sentença judicial.
A legitimação aproveita aos descendentes dos filhos, se
estes já não existirem, como também admitia, ençre nós,
a doutrina dos civilistas, e estatue o Código Civil (3).
Na Alemanha, havia, antes da unificação do direito
civil, uma grande variedade de formas neste instituto. Em
uns países do império germânico, a legitimação pelo casa-
mento dos progenitores abrangia todas as espécies de fi-
lhos, cujos pais se pudessem casar, inclusive os adulterinos
récophecidos; em Sleswig-Holsíjeín, somente os rústicos
se acobertavam sob a largueza desse benefício; segundo o
Landrecht bávaro, tal legitimação não aproveitava senão

(3) Cód. Civil, art. 354; Coelho da RjOcha, Instituições,


§ 296; Lafayette, Direitos de família, § 110; Borges Carneiro,
§ 203, n. 10. "A legitimação prevalece ainda que tivesse inter-
meado casamento com outra pessoa".
328 DIREITO DA FAMÍLIA

aos liberi natarales; em outras regiões, dominava o direito


francês.
A legitimação dava-se de pleno direito, em geral;
somente na Baviera se fazia necessário o assentimento do
filho, o qual, entretanto, se presumia enquanto não havia
manifestação em contrário. Aos descendentes dos filhos
falecidos antes do casamento de seus procriadores, também
beneficiava a legitimação, segundo é princípio geralmente
aceito (4). Estes últimos princípios passaram para o Có-
digo Civil (arts. 1.710-1.722), O casamento é o requi-
sito único, para que se dê a legitimação. O consentimento
do filho é dispensável. O legitimado está equiparado ao
legítimo. Os efeitos da legitimação estendem-se aos des-
cendentes do legitimado, mesmo quando este tiver falecido
antes do casamento de seus pais.
Não sendo possivel a legitimação por casamento sub-
sequente, é possivel a legitimação por disposição da auto-
ridade (arts. 1.723-1.740), cujos efeitos são mais res-
tritos.
Na Suiça, o princípio da legitimação por casamento
subsequente passou a fazer parte do direito federal, pela
lei de 24 de Dezembro de Í874 (art. 25). Em alguns
cantões, havia também a legitimação por sentença judi-
cial, quando a mãe já falecera (Cód. de Zurich, art. 709)
e a legitimação em favor dos que já foram gerados sob a
fé de esponsais válidos, porem cujos progenitores se não
puderam casar, por ter um deles morrido. O Código Ci-
vil suiço, segundo já foi referido, manteve essa orientação.
Na Itália (Cód., art. 278 e segs.), a legitimação por
casamento posterior não aproveita, como no direito fran-
cês, aos filhos adulterinos, nem aos incestuosos, e sub-
mete-se aos masmos princípios consagrados no Código
Napoleão, salvo quanto a ser possivel o reconhecimento

(4) Código austríaco, § 161; de Zurich, 708; do Chile, 213;


italiano, 196; argentino, 316; holandês, 334; e uruguaio, 206.
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 323

posterior ao matrimônio. Subsiste no Código italiano a


legitimação por decreto real, quando não é possivel por
casamento. Mas não deverá prejudicar os filhos legítimos
ou legitimados por casamento; e, se o progenitor reque-
rente de legitimação está vinculado por casamento, o con-
sentimento de seu consorte deve ser provado (5).
O direito russo até 1891 desconhecia tanto a» legiti-
mação por casamento ulterior quanto a resultante de um
decreto imperial, pois que esta última espécie, depois de
largamente posta em efetividade por Alexandre I, foi eli-
minada pelo akase de 29 de Julho de 1829. Cumpre, en-
tretanto, notar que os camponeses, os rústicos, submeti-
dos a seus costumes locais, reconheciam a eficácia do casa-
mento para legitimar a família, ainda retroagindo a um
tempo anterior à sua celebração. Mas foi a lei de 1891,
que estendeu a todas as classes da população russa o be-
nefício da legitimação por casamento subsequente, excluin-
do somente os adulterinos. O casamento é, entretanto,
força inoperante para o efeito de legitimar os filhos con-
cebidos antes dele, se os cônjuges não reclamam do poder
judiciário uma sentença declaratória dessa conseqüên-
cia (6).
O Código soviético da família, não distinguindo en-
tre filhos nascidos de matrimônio e filhos de pais não
casados, eliminou o instituto da legitimação.
A legislação argentina também conhece, exclusiva-
mente, a legitimação por ulterior'casamento, e mediante a
condição do reconhecimento prévio, concomitante com a

(5) No projeto do senador Coelho Rodrigues, art. 2.161,


aparece a legitimação por sentença mediante as seguintes condições:
"l.a, que o pedido seja feito pelos próprios pai e mãe, ou por um
deles; 2.a, que o suplicante se ache, então, em estado de não poder
legitimar o filho por subsequente matrimônio". Alem disso, no ar-
tigo 2.162, ainda se contempla a legitimação por efeito de dispo-
sição testamentária.
(6) Vide Lehr, De la légitimation et de 1'adoption d'après les
nouvelles lois russes, de 1891, Clunet, 1891, págs. 518 e segs.; An-
nuaire de législation étrangère, 1891, pág. 822,
330 DIREITO DA FAMÍLIA

celebração do matrimônio ou até dois meses depois dela


(Cód., arts. 311a 323).
A legislação chilena torna bem claro: 1.°, que o ca-
samento putativo não basta para legitimar os filhos antes
dele concebidos (Cód., art. 203); 2.°, que os filhos de
parentes afins em linha reta, ainda que lhes seja facultado
o casamento pela autoridade eclesiástica, não poderão ser
legitimados, porque a lei civil não reconhece a validade
de tal consórcio (art. 204) ; 3.°, que os adulterinos tam-
bém estão excluidos da possibilidade dessa legitimação,
ainda que possam alegar boa fé dos pais, que adulteraram
por ignorância do estado de um deles, ou por suporem in-
subsisíente um matrimônio válido (art. 205). O matri-
mônio legitima, ipso jure, os filhos anteriormente conce-
bidos, mas vindo à luz após a celebração, contanto que o
marido não conteste a filiação (art. 207). Tendo, po-
rem, nascido o filho antes do enlace conjugai, a legitima-
ção não se opera ipso jure; exige um reconhecimento por
escritura pública, outorgado na época da celebração ou até
um mês depois (art. 208).
Na União norte-americana, encontra-se a legitima-
ção por subsequente matrimônio, ao menos em alguns Es-
tados (7), apesar da influência adversa da lei inglesa.
Algumas vezes também as legislaturas estaduais conferem
decretos de legitimação, à semelhança do que fazem os so-
beranos em outros paises.
Na liglaterra, são'pouco freqüentes e de efeitos li-
mitados os atos do parlamento, considerando legítimo
um bastardo, um fihus nulltas, como o considera a lei
do país, e a legitimação by subsequent mariage dos pais
do ilegítimo, ainda não se aclimatou de modo algum. To-

(7) Massachusetts, Kentucky, Luiziana, por exemplo. Vide


Wharton, International priv. law, § 242 e segs. Walker, Ame-
rican lazv, § 107, expõe o assunto da legitimação como geralmente
introduzido no direito americano, sendo apenas necessário que os pais
reconheçam como seus os filhos anteriores e nada importando que o
casamento seja depois anulado.
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 331

dos os esforços nessa direção teem sido baldados, bem


que a Escócia reconheça e mantenha essa instituição (8):
O art. 1,604 do Código Civil chinês tem a simpli-
cidade do nosso: "O filho nascido fora de casamento se
considera nascido do casamento, se os seus pais se casam".
O peruano admite a legitimação por subsequente ma-
trimônio e por declaração do juiz (art. 314).

§ 69

RECONHECIMENTO DOS FILHOS NATURAIS

A maternidade, mesmo para os filhos naturais, é ha-


bitualmente manifesta. Os casos duvidosos são raros, re-
sultando, quase sempre, da ocultação de um fruto de co-
mércio ilícito, cuja existência se procura, a todo transe,
rebuçar; do abandono de um ser, que a imprevidência da
paixão evocou do nada, mas diante de cujo aparecimento
se apavorou a pusilanimidade ou a desídia dos progenito-
res; de um rapto, de um desaparecimento ou de outro fato
semelhante. Dessa circunstância resulta que poucas opor-
tunidades se apresentarão às mães para reconhecerem seus
filhos ilegítimos. Aparecendo, porem, nada impede a que
o façam, usando para esse efeito, dos meios legais; testa-
mento, escritura pública, outro documento autêntico, ou
a confissão espontânea ( 1). Esta confissão espontânea
poderá ser feita em segredo de justiça, segundo o processo
da lei de 6 de Outubro de 1784, quando a mãe não quiser
dar-lhe outro efeito, alem de evitar a consumação de um
incesto.

(8) Dessa divergência entre a lei inglesa e a escocesa teem


resultado conflitos legais não despidos de interesse para o jurista.
Vide Wharton, op. cit., pág. 242 e nota 2.
(1) O Cód. Civil, arts. 355 a 367, regula o reconhecimento
dos filhos ilegítimos, sem distinguir entre o reconhecimento do pai
e o da mãe, salvo quando a filiação materna resultar do termo do
332 DIREITO DA FAMÍLIA

Quanto ao filho, para garantia de seus direitos, con-


cede a lei que seja aceita a sua qualidade por simples no-
toriedade, não sendo necessárias provas, nem títulos de re-
conhecimento (2). Mas, não havendo notoriedade ou sur-
gindo alguma contestação, lhe são facultados os seguin-
tes meios para provar a sua filiação materna: 1.°, a ins-
crição do nascimento no registro civil; 2.°, o depoimento
de testemunhas; 3.°, quaisquer provas admitidas em di-
reito (3).
Quanto à determinação da paternidade ilegítima, a
lei pátria fá-la depender, normalmente da espontaneida-
de do pai. Para a compreensão do que a respeito dispõe
nosso direito, cumpria, outrora, fazer algumas distinções.
Em primeiro lugar, distinguía-se o reconhecimento
paterno da perf.lhação solene,
O reconhecimento era ato privado, que podia reves-
tir a forma autêntica, pelo qual o pai espontamente afir-
mava a sua quáfidade de procriador de uma determinada
pessoa. Podia o reconhecimento resultar; 1.°, de uma es-
critura pública; 2.°, de um testamento válido, fosse embora

nascimento, porque, então, somente poderá ser contestada provan-


do-se a falsidade do termo ou de suas dedlaraçÔes (art. 356).
(2) Av. de 17 de Dezembro de 1853. Tornou-se direito con-
suetudinário, que o art. 356 do Cód. Civil pressupõe.
(3) Argumento do art. 364 do Cód. Civil, que somente veda
a investigação da maternidade, para atribuir prole ilegítima à mu-
lher casada, ou incestuosa à solteira. Ver mais o cit. av. ; a prov.
de 3 de Fevereiro de 1848; o dec. de 17 de Abril de 1863; La-
fayette, Direitos de família, § 121; Consolidação das leis civis, por
Teixeira de Freitas, arts. 214-963; Borges Carneiro, § 180,
ns, 10-11. Os filhos naturais independentemente de reconhecimento
expresso, desde que a sua filiação esteja baseada no registro civil,
concorrem à sucessão materna com os filhos legítimos. Quando,
porem, os macula a nota de espuridade, isto é, quando são adulte-
rinos ou incestuosos, não sucedem às mães, nem aos parentes ma-
temos, salvo o adulterino oriundo de mulher solteira com homem
casado,^ cujo direito à sucessão materna é inconcusso, por não ser
adulterino em relação à mãe. V, o Direito das sucessões, § 42.
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 333

nuncupativo, ou de um codícilo; 3.°, do termo do nasci-


mento ou de outro documento autêntico, em que se con-
signasse a filiação; 4.°, da confissão espontânea (4).
As duas primeiras formas de reconhecimento, a es-
critura pública e o testamento, aplicadas aos filhos natu-
rais em espécie, conferiam-lhes direitos sucessórios, com ex-
clusão dos ascendentes e colaterais (Consolidação das leis
civis, arts. 960, §1.°, e961). Eo reconhecimento por es-
critura pública, sendo a concorrer com os legítimos que
procedessem dessa união legal (5).
As outras formas de reconhecimento não originavam
direitos sucessórios, mas conferiam, juntamente com estas,
a que acabo de me referir, o de pedir alimentos, por isso
que estabeleciam o parentesco; submetiam o reconhecido
ao dever de reverência, obrigando-o, segundo o decreto de
24 de Janeiro de 1890, art. 18, a impetrar ao pai permis-
são para contrair casamento, exigindo que ele solicitasse,
ao juiz da causa, licença para citar o pai (Ord. 3,9, pará-
grafos Í.0-2.0), e, enfim, colocando-o em situação de filho,
com direitos restritos e isento da ação do pátrio poder.
Se, porem, o pai reconhecente não quisesse mais do que
afirmar a existência de parentesco, para fundamentar um
impedimento matrimonial, "podia fazê-lo em segredo de

(4) Decs. de 2 de Setembro de 1847 e de 24 de Janeiro de


1890, arts. 7.0-8.0.
(5) "O reconhecimento do pai, feito por escritura pública, an-
tes do seu casamento, é indispensável para que qualquer filho na-
tural possa ter parte na herança paterna, concorrendo com filhos 'legí-
timos do mesmo pai" (dec. de 2 de Setembro de 1847, art. 2.°).
"A prova de filiação natural, nos outros casos, só se poderá fazer
por um dos seguintes meios: escritura pública ou testamento (cit.
dec., art. 3.°). O dec. de 24 de Janeiro de 1890 ampliou os meios
de provar a filiação ilegítima, porem não lhes atribuiu direitos su-
cessórios.
Os naturais reconhecidos por escritura pública ou testamento,
.sucediam aos parentes pelo lado paterno. Os filhos naturais suces-
siveis podiam ser desherdados nos caso em que igualmente o po-
diam os legítimos (Ord., 4, 88).
334 DIREITO DA FAMÍLIA

justiça, por termo lavrado pelo oficial do registro, perante


duas testemunhas e em presença do juiz que, no caso de
recurso, procedia de acordo com o § 5.° da lei de 6 de
Outubro de 1784, na parte que lhe fosse aplicável" (de-
creto de 24 de Janeiro de 1894, art. 8).
Se ex vi do dec. de 24 de Janeiro de 1890, havia
tão variados modos de reconhecimentos, não produziam
eles os mesmos efeitos, como já foi observado, nem se
aplicavam, indistintamente, a qualqutr ordem de filhos
ilegítimos. Os reconhecimentos por escritura pública e tes-
tamento, que produziam direitos mais estensos e até cer-
to ponto equiparavam os filhos nascidos extra matrimo-
niwn e os procedentes de justas núpcias, aplicavam-se,
particularmente, aos naturais em espécie, isto é, oriundos
ex soluto et soluta. As outras formas de reconhecimento
referem-se, indistintamente, a qualquer categoria de ilegí-
timos (6).
Não determinando a lei, particularmente, em que
época devia ser realizado o reconhecimento, entendia-se,
implicitamente concedido, que pudesse verificar-se em
qualquer tempo, fosse durante a vida do filho, fosse após
sua morte, em proveito da sua prole, fosse mesmo antes
de nascer, já estando concebido (7). A condição do tem-

(6) T. de Freitas, Consolidação, art. 212 e notas; Lafatet-


te, Direitos de família, § 126.
(7) O dec. de 24 de janeiro ampliou os meios recognicitivos
da paternidade, mas não lhe adjectivou as vantagens atribui das aos
dois modos especiais do dec. de 2 de Setembro de 1847: 1.°, porque
aquele decreto não legislou, particularmente, sobre direitos sucessó-
rios ; 2.°, porque uma lei geral posterior não opera revogação, nem
alteração essencial sobre outra especial anterior, sem fazer disso ex-
pressa menção {Ord., 2, 44), ou sem estabélecer princípios repug-
nantes aos preestabelecidos. Por estes motivos, rigorosamente jurí-
dicos, não me rendi à autoridade dos drs. Carlos de Carvalho {Di-
reito civil, art. 1.773) e Coelho Rodrigues {Jornal do Comércio,
agosto de 1898), que sustentavam doutrina, sem dúvida mais libe-
ral; porem, incontestavelmente, menos jurídica.
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 335

po só importava para, no caso do reconhecimento por es-


critura pública, dar direito sucessório em concorrência com
filhos legítimos.
O Código Civil, art. 357, estabeleceu três formas de
reconhecimento voluntário do filho: declaração no termo
do nascimento, escritura pública e testamento.
O reconhecimento pode ser anterior ou posterior ao
nascimento do filho (art. 357, § único),
Não podiam ser reconhecidos, os incestuosos e os
adulterinos (art. 358).
O decreto-lei n. 4.737, de 24 de Setembro de 1942,
facultou o reconhecimento, depois do desquite, dos filhos
dos desquitados, havidos na constância do matrimô-
nio (7a).
O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu
consentimento, e o menor pode impugnar o seu reconhe-
cimento, até quatro anos após a maíoridade ou emanci-
pação (art. 362).
O reconhecimento pode ser impugnado sob o fun-
damento da incapacidade do pai reconhecente; da inobser-
vância de formalidades essenciais, no ato do reconhecimen-
to; e da ínveracidade da afirmação da paternidade.
A impugnação pode ser oposta pelo próprio filho
reconhecido; pelos descendentes, ascendentes e colaterais do
reconhecedor, porque são econômica e moralmente interes-
sados;* enfim, por todas as pessoas que tenham interesse
legítimo na contestação (8).

(7-a) Ver a justificação deste decreto-lei, pelo Ministro Mar-


condes Filho, no Jornal do Brasil, de 25 de Setembro de 1942, e
em outros jornais e revistas jurídicas.
(8) Lafayette, Direitos de família, § 124. O reconhecimen-
to válido não é revogavel, nem mesmo o que se firma em testa-
mento, porque o testamento só produz efeito depois da morte do
testador (T. de Freitas, Consolidação, nota 7, art. 212); porem,
aqui, se trata da nulidade.
A impugnação independe de ação judicial, quando feita em vida
do pai reconhecente, que concorda.
336 DIREITO DA FAMÍLIA

Quando o reconhecimento era confirmado por carta


expedida pelo juiz competente (9), tomava o nome de
perfilhação solene, cujos efeitos não iam alem dos confe-
ridos pelo simples reconhecimento. Por isso, alguns ci~
vilistas pátrios, com plausiveis fundamentos, diziam que
ela se tornara verdadeira inutilidade. Subsistia como o
vestigio de instituto atrofiado, a legitimação per res-
criptum principis do direito romano e do antigo direito
português, mas perdidos os vastos efeitos, que lhe eram
outrora adjetivados. Nem era mister que novos disposi-
tivos lhe viessem insuflar alentos de vida, pois que o re-
conhecimento gozava de toda a eficácia, independente-
mente dela; maiormente, em um país democrático, não
pode haver questão sobre a transmissão de honms de país
a filhos, em, conseqüência de perfilhação solene.
A Constituição de 1937, art. 126, determina que a
lei assegure igualdade entre os filhos legítimos e os reco-
nhecidos, quanto a direitos e deveres em relação aos pais.
Conhecidas as linhas gerais do direito pátrio em re-
lação ao assunto deste parágrafo, vejamos em frases li-
geiras, a suma das legislações estranhas, segundo o método
adotado neste livro.
O direito francês (Cód., arts. 334-339), aceita:
1.°, o reconhecimento feito no ato de nascimento, perante
o oficial do registro civil; 2.°, o feito por ato autêhtico,
escritura, testamento público, ou termo de celebração de
casamento. O reconhecimento, porem, não poderá apro-
veitar aos incestuosos, nem aos adulterinos. O efeito do
reconhecimento, no direito francês, é mais restrito do que
no pátrio, pois que os direitos sucessórios do filho reco-

(9) Pela lei de 22 de setembro de 1828 e dec. de 15 de


Março de 1842, art. 2.°, § 5.°, o juiz competente era o municipal
(art. 2.°, § 1.°).
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 337

nhecido, se modificam segundo concorrem com filhos le-


gítimos, ascendentes, irmãos (10). Em compensação, a
legislação francesa, velando melhor pela sorte do reco-
nhecido, enquanto subsiste o pai, submete-o à sua tu-
tela (11). Os filhos adulterinos e incestuosos, que não
podem ser reconhecidos, teem, contudo, direito aos ali-
mentos (art. 762). Mas, como observam os civilistas, o
exercício desse direito é quase impossivel, porque os es-
púrios só poderão fazê-lo valer, nos casos em que a fi-
liação é estabelecida por determinação legal, independente-
mente de reconhecimento. Esses casos são os seguintes:
1.°, quando o marido nega que seja pai de um filho de
sua mulher, concebido na constância do matrimônio, pois
neste caso, em virtude do julgamento estatuindo a vera-
cidade da alegação do marido, fica estabelecida a filiação
adulterína em relação à mulher; 2.°, quando o casamento
é declarado nulo (12).

Direito português vigente, lei de 25 de Dezembro


de 1910: Podem ser perfilhados todos os filhos ilegí-
timos, exceto os incestuosos (art. 22). A perfilhação pode
ser feita por ambos os pais, de comum acordo, ou por qual-
quer deles, separadamente, no registro de nascimento, no

(10) O Código Civil francês, art. 758, concede ao filho na-


tural reconhecido a metade da porção hereditária que teria se fosse
legítimo, quando concorre com quaisquer descendentes legítimos,
Quando concorre somente com ascendentes, irmãos e descendentes
destes, tem direito a três quartos (art. 759). Não havendo paren-
tes dessas classes, estender-se-á o seu direito à totalidade da herança
(art. 760). Não havendo reconhecimento, os filhos nao são her-
deiros, nem de seus pais, nem mesmo de suas mães (art. 757, mo-
dificado péla lei de 25 de Março de 1896).
(11) Código Civil francês, arts. 58o-584; italiano, 166-186;
português, 166-167; chileno, 276-279; argentino, 227 e segs.
(12) Sohre o assunto do reconhecimento e dos direitos dos
filhos ilegítimos, o Código italiano pautou-se pelo francês.
— 23
338 DIREITO DA FAMÍLIA

próprio ato desse registro, ou, posteriormente, por aver-


bação (art. 23) (13),
A legislação argentina, que admite a investigação da
paternidade dos filhos naturais, que lhes assegura direitos
hereditários, revelando-se, assim, desprovida de precon-
ceitos, não obstante, não quis estender todas essas van-
tagens à classe cios espúrios, Estes, se forem espontanea-
mente reconhecidos por seus pais, terão direito aos ali-
mentos até à idade de dezoito anos, mas não sucederão a
nenhum de seus progeniíores, nem aos pais, nem às mães,
porque, perante a lei, no tienen padre o madre ni panentes
alganos por parte de padre o madre (Cód. Civil, arts 338
e 344).
O Código Civil do Uruguai consagra, alem do re-
conhecimento por escritura pública e por testamento, o re-
sultante da posse de estado (art. 233).
O Código chileno considera o reconhecimento como
ato voluntário do pai ou mãe, porem admite, igualmente,
a demanda ao filho não reconhecido, para pedir alimentos.
O reconhecimento espontâneo poderá ser feito por escri-
tura pública ou por testamento, e não abrangerá os es-
púrios (arts. 270-292).
O espanhol coage o pai natural ao reconhecimento do
filho: 1.°, quando existe um escrito emanado do pai, no
qual o reconhecimento é feito expressamente; 2.°, quando
o filho se acha na posse do estado de filho natural; 3.°, no
caso de estupro, atentado e rapto. A mãe é obrigada ao
reconhecimento nas mesmas circunstâncias, e mais quando
se provem, perentoriamente, o parto e a identidade do
filho (arts. 135-139),
O peruano, art. 366, admite a declaração judicial da
paternidade.

(13) Sobre a sucessão dos ilegítimos, veja-se a lei de 31 de


Outubro de 1910.
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 339

§ 70

A INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE
PERANTE OS PRINCÍPIOS E A LEI

Admitiam alguns de nossos civilistas que, para o


efeito da consecução de alimentos, pudesse a paternidade
ilegítima, quer meramente natural, quer espúria, ser pro-
vada por todos os meios jurídicos, ainda que fossem sim-
ples indícios ou conjeturas graves, capazes de convencer
o juiz (!)♦ Contra uma tal opinião levanta-se a auto-
ridade de Teixeira de Freitas (2), que só reconhecia
como provas legais da paternidade: La, a escritura pú-
blica e o testamento, as quais se referiam, exclusivamente,
aos filhos naturais; 2.a, as sentenças passadas em julgado
que provassem a filiação, sentenças que, aliás, não podiam
ser provocadas pelos filhos, como quando o casamento era
declarado nulo.
A opinião restritiva de TEIXEIRA DE Freitas não
se manteve hermeticamente fechada a todas as concessões,
como bem o prova o art. 45, § 5.°, do reg. de 17 de Abril
de 1863, obra sua, declarando o registro do nascimento,
a cargo dos escrivães do juiz de paz, título hábil para de-
terminar o vínculo da paternidade natural, confessada no
ato do registro. Também a opinião ampliativa de La-
FAYETTE não avassalara os espíritos.
Com o dec. de 24 de Janeiro de 1890, arts. 7.° e 8.°,
novas modificações foram introduzidas nesta matéria, e
o ponto de litígio se esclareceu. Realmente, dizendo o ar-
tigo 7.°, do citado decreto, que a "filiação natural paterna,
pode provar-se ou por confissão espontânea ou pelo re-
conhecimento do filho; facultando que esse reconheci-

(1) C. da Rocha, Instituições, § 300; Lafayette, Direitos


de família, § 126; Perdigão Malheiros, Comentários, pág. 15;
João Monteiro, Direito das ações, n. 33, nota 129.
(2) Consolidação das leis civis, art. 212 e nota.
340 DIREITO DA FAMÍLIA

mento seja feito em escritura pública, no ato do nasci-


mento ou em outro documento oferecido pelo pai; e per-
mitindo que este (art. 8.°) restrinja os efeitos de sua
confissão espontânea à simples determinação de um im-
pedimento matrimonial; é claro que deixou, incontrasta-
velmente, firmada a doutrina de quç. o reconhecimento
dependia da vontade do pai, e que podiam ser reconhecidos
quaisquer filhos ilegítimos, fossem simplesmente naturais
ou espúrios.
E' certo que, algumas vezes, resultava a determina-
ção da paternidade de um fato jurídico independente da
vontade paterna, como já o tinha reconhecido TEIXEIRA
DE FREITAS. Assim acontecia, quando o casamento era de-
clarado nulo, por ser contraido com infração de algum dos
§§ 1.° a 4.°, art. 7.°, do dec. de 24 de Janeiro de 1890, sem
que houvesse atenuação do rigor da lei, por motivo de
boa fé dos cônjuges. O casamento não produzia efeitos,
nem entre os cônjuges, nem entre estes e os filhos, mas o
vínculo natural da filiação estava manifesto. Assim acon-
tecia também, quando, de uma ação de contestação da le-
gitimidade do filho, resultava a evidência da paternidade
natural.
Mas, se não era possivel recusar, para os efeitos de
alimentos e impedimentos matrimoniais, a força impera-
tiva dessas provas judiciais indiretas, não era menos certo
que elas não infirmavam o princípio da espontaneidade
do reconhecimento, e, portanto, da inadmissibilidade legal
da investigação da paternidade natural. Ainda mesmo
que, em algumas hipóteses, a fifiação se manifestasse evi-
dentemente, e se firmasse judicialmente, sem influxo da
vontade do pai, era inconcusso que o nosso direito não au-
torizava a investigação da paternidade ilegítima.
Foi o Código Civil que trouxe a inovação, reclamada
pela justiça, da investigação da paternidade, em favor dos
filhos ilegítimos, dando-lhes ação contra o pai ou seus
herdeiros; 1.° Se ao tempo da concepção, a mãe estava
concubinada com o pretendido pai; 2.° Se a concepção do
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 34Í

filho reclamante coincidia com o rapto da mãe pelo su-


posto pai, ou suas relações sexuais com ela; 3.° Se existia
escrito daquele a quem se atribula a paternidade, reconhe-
cendo-a, expressamente (art. 363) (2a). Aos inces-
tuosos e adulterinos é, porem, recusado esse direito (artigo
358). A investigação da maternidade só se não permite,
quando tenha por fim atribuir prole ilegítima à mulher
casada, e incestuosa à solteira (art. 364).
O Código Civil francês interdizia a investigação da
paternidade, exceto em caso de rapto (art. 340). A lei
de 16 de Novembro de 1912 ampliou o direito do filho
ilegítimo para reclamar o reconhecimento paterno, nos
casos de estupro, sedução, de prova por escrito emanado
do pai, de concubinato, e de ter sido sustentado e educado
pelo pretendido pai.
O italiano autoriza a investigação nos casos em que
concorrem indícios tais que justifiquem a declaração ju-
dicial da paternidade ou maternidade (art. 272). A lei
portuguesa de proteção dos filhos (25 de Dezembro de
1910) admite a investigação nos casos de rapto, estupro,
no de haver escrito do pai expressamente reconhecendo a
paternidade; a posse de estado; sedução praticada com
abuso de autoridade ou de confiança; e concubinato (ar-
tigo 34). Não teem ação para investigar a paternidade os
incestuosos e adulterinos (art. 36).
Na Inglaterra, admite-se a pesquisa para a determi-
nação da paternidade; mas, porque o filho ilegítimo não
goza do direito sucessório em relação a seu pai, é a mãe

(2-a) V. Pinheiro Guimarães, Hereditariedade, pág. 163


e seguintes, onde o distinto biologista expõe a teoria da transfusão
do sangue, como instrumento de perícia, para a determinação da
paternidade. O sangue do filho é uma testemunha incoiruptivel e
imparcial, diz ele. Mas reconhece que há elementos modificadores
do tipo sangüíneo, o que torna o depoimento biológico duvidoso.
Por isso Ymas, por ele citado, afirma que "o tipo sangüíneo não
é característica fixa do indivíduo, não é um aspecto de sua perso-
aialidade". I
342 DIREITO DA FAMÍLIA

quem sempre intenta a ação para forçar o pai a ajudá-la


na sustentação do filho. Provada a cohabitação, e não po-
dendo o suposto pai abroquelar-se com a exceção plurium
construpatorum, será condenado a pagar 5 shillings por
semana, até que o filho tenha treze ou dezesseis anos (3).
Na Áustria, o § 163 do Código Civil diz, em termos
peremptórios: "Presume-se pai dos filhos aquele que, se-
gundo o modo estabelecido pelas leis sobre o processo, é
convencido de ter cohabitado com a mãe do mesmo, du-
rante os sete meses, no mínimo, que precederam o parto..."
"Também presume-se pai o que confessa um tal fato,
mesmo fora da justiça".
O Código Civil alemão concede a investigação da pa-
ternidade, para os efeitos de obrigar o pai a prestar ali-
mentos ao filho (arts. 1.717-1.718).
Mas se, entre o filho ilegítimo e a mãe, as relações
jurídicas são as mesmas, que existem quando o filho pro-
cede de justas núpcias (art. 1.705), em frente ao pai ele
e um como que estranho (art. 1.589).
O Código espanhol admite a investigação da pater-
nidade, facultando ao filho natural acionar o suposto pai
em certos casos. Mesmo aos ilegítimos que não se acham
nas condições de naturais, é permitido provar a paterni-
dade em ciadas hipóteses, como já ficou afirmado no final
do parágrafo anterior.
O Código da Luíziana não distingue entre filhos na-
turais e adulterinos, a ambas as classes sendo permitida a
investigação da paternidade.
O Código Civil da Argentina atribue francamente,
aos filhos naturais, o direito de reclamarem de seus pro-
genítores que os reconheçam, admítindo-se, na investi-
gação da paternidade ou maternidade, todas as provas
conducentes a esse fim. Não havendo posse de estado, esse
direito só pode ser exercido enquanto viverem os procria-

, (3) G-u st ave Rivet, La recherche de la paternité, 3.a ed.,


pag. 282.
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 343

dores (art. 325). Porem, essas regalias são injustamente


recusadas aos filhos adulterinos, incestuosos e sacrílegos,
aos quais é interdita toda indagação sobre a respectiva pa-
ternidade ou maternidade; e, sendo voluntariamente reco-
nhecidos por seus pais, só podem pedir-lhes alimentos até
a idade de dezoito anos (arts. 338 e 344).
Pelo Código soviético da família (arts. 140 a 144) a
mãe, casada ou solteira, tem o direito de declarar ao oficial
do registro civil quem é o pai do seu filho. Se o indicado
pai contesta, o juiz examina o caso e decide.
Como resulta da rápida resenha, que acaba de ser feita,
maior é o número das legislações que autorizam a coação
ao reconhecimento dos filhos naturais do que o daquelas
que a condenam; e, mesmo nos países de interdição, não
são raras, nem demeritórias, as tentativas em prol da in-
vestigação (4).
Mas não se faça cabedal desse argumento meramente
quantitativo e considerem-se as razões da divergência, em
. seu valor intrínseco.
A investigação da paternidade, dizem os que a con-
denam, dá ocasião de se ferirem pleitos imorais e escan-
dalosos, que fazem estremecer e vacilar a base mesma, em
que assenta a organização da família, Mas esse próprio
escândalo se oferece na pesquisa da maternidade, res-
pondem outros, quando, com a quebra do recato e do de-
coro, que é a atmosfera dentro da qual vivem as famílias,
se verificar ser a mãe natural uma senhora casada, que,
tendo um desvio na quadra descuidosa da juventude,
ocultara as conseqüências de seu mau passo, e conseguira
casar-se, vivendo honestamente, sendo reputada imacula-

(4) Na França, a vitória foi alcançada depois de muitos es-


forços. Berenger, Belcastee, Foucher de Carcie, Dupré IvA-
tour e, principalmente, Gustave Rivet, bateram-se, valentemente,
■para que, a justiça entrasse nestes domínios. Na Bélgica, temos o
•valioso esforço de Laurent, que, no seu Avant-projet, aceita o prin-
cípio de investigação da paternidade.
344

damente virtuosa e laonrada por seu marido, pelos novos


filhos e pela sociedade (5). Portanto, não é suficiente,
não convence o argumento dos pleitos imorais e escanda-
losos para motivar a proibição legal da indagação da pa-
ternidade.
Mas, retrucam os adversários dessa indagação, é uma
vulgaridade da jurisprudência antiga corroborada por todo
o império do bom senso e da observação diária, que a ma-
ternidade é sempre induvidosa. Portanto, é licito afrontar
o escândalo, quando, através dele, se tem a convicção de
empolgar a verdade. Ao contrário, a paternidade não se
manifesta com a mesma intensidade de certeza, e, muitas
vezes, uma contenda judiciária sob esse motivo não passa
de indecorosa exploração, quando meras aparências for-
tuítas podem iludir o julgamento; e outras, ainda, uma
vil chantage assume, aos olhos dos sentimentalistas,'as-
proporções de crüciante e injusto martírio imposto à boa
fé ingênua de uma incauta rapariga, que não se poude ar-
rancar, em tempo, das garras de açòr de um D. Juan qual-
quer. Essas ponderações, inconíestavelmente valiosas, são,
geralmente, contraditadas por um argumento conciliador;
nao^ se faculte a investigação da paternidade, senão na-
qoeies casos, em que ela se imponha pelo império mesmo
das provas taxativamente indicadas por lei.
Ainda, em desfavor da investigação da paternidade,
invocam alguns escritores o apôio da estatística. Segundo
MAYR, citado por 1 ARDE (6), a França, interdizendo a

(5) Atendendo a isso, logicamente proibe o Código Civil do


Uruguai, que se investigue a maternidade "quando se tratar de atri-
buir o filho a uma senhora casada", ainda que não seja ele pro-
duto de relações ãdulterinas (art. 219). Q nosso Código Civil
■contem disposição semelhante, como já foi referido (art. 364).
(6) La philosophie pénale, pág. 469. Cumpre, todavia, notar
que a progressão tem aumentado na França de modo sensível. De.
nascimentos ilegítimos sobre 100, de 1815-1830, elevou-se a
proporção a 8,07, no período de 1872-1900 (Rop Évolution du di-
vorce, pag. 463).
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 345

indagação da paternidade, não tem mais do que sete ou


oito nascimentos ilegítimos, por cento, enquanto que a
Baviera, por exemplo, que a faculta, conta vinte e dois ou
ainda mais; donde conclue o egrégio criminologista fran-
cês, que a diferença resulta, em grande parte, do artigo do
Código Civil de um país, em que aquela indagação é proi-
bida, porque, "mesmo na ebriedade suprema da paixão,
os amantes não perdem de todo a cabeça, e uma mulher
apaixonada por um homem, por mais irresistivelmente,
segundo dizem, que seja impelida a atirar-se aos braços
dele, retem-se em número considerável de vezes, no pendor
do desejo, quando sabe que, no caso de abandono por parte
de seu amante ,ela não tem o direito de faze-lo partilhar
as conseqüências possíveis de seu amor". Pode ser que não
seja falsa essa observação; tem claramente uma certa dose
de exatidão; mas a estatística dir-nos-á coisa diversa, se,
em vez da Baviera, fosse a Inglaterra o nosso ponto de
confronto, bem que aí a condição do bastardo seja pe-
nosa.
Não quero tornar interminável esta discussão. Re-
cordando os mais valiosos argumentos de um e de outro
lado, não visei outro objetivo, senão indicar que há in-
teresses respeitáveis a considerar por quem pretenda ofe-
recer solução a este litígio, o que quase importa dizer que
as opiniões extremas se alongam, por igual, da verdadeira
justiça.
Afastemos quaisquer idéias preconcebidas, sem o
apôio dos fatos, segundo no-los apresenta a natureza, re-
cordemo-nos de que, biologicamente, todos os filhos são
iguais, quer procedam de justas núpcias, quer de simples
ajuntamentos furtivos, quer sejam naturais, quer es-
púrios, tenhamos em consideração que a culpa dos pais
não deve ser punida na pessoa dos filhos que não con-
correram para ela; mas não haja também menoscabo de
circunstâncias, que, mantendo a inteireza da justiça, sal-
vaguardam a honorabilidade das relações de família.
348 DIREITO DA FAMÍLIA

Sendo assim, foram bem inspirados aqueles que,


como ClMBALl, Gabba e Laurent (7), assentando o
princípio do reconhecimento forçoso, que se resolve na
obrigação de indenizar um dano causado, desde que seja
legalmente verificado, o envolvem numa série de condições
tendentes não a estorvar o exercício do direito, mas a
evitar os abusos^ que sob suas aparências possam acaso
surgir. A questão não é, propriamente, do princípio a
firmar, porem, como diz o citado ClMBALl, ' somente de
limites, isto é, de admitir e ordenar a indagação da pa-
ternidade de modo a representar, nos casos em que é
admitida, o exercício legítimo de um direito, mas não o
abuso" (8).
As condições, a que se deve submeter o princípio do
reconhecimento da paternidade, podem-se reduzir a um
número limitado, pois que visam elas, simplesmente, au
convencimento da verdade, sem perturbações morais dignas
de consideração.
Em primeiro lugar, deve ser admitida a investigação
da paternidade, quando o filho, que se pretende reconhecer,
estiver na posse do estado de filho natural da pessoa cuia
paternidade reclama.
A posse de estado, isto é, o concurso de circunstân-
cias indicadoras da relação de filiação, é, por si só, um fato
de valor demonstrativo muito considerável. Como disse

(7) Cimbali, Nuova fase, págs. 104 e segs. ; Baurent Avant-


projet, arts. 319, 335 e 337).
O Projeto 'do senador Coelho Rodrigues, art. 2.512, adotou nm
meio termo, ou antes, alargou o círculo da teoria francesa.' O Código
Civil, art. 363, teria alcançado a exata expressão do direito, se não
recuasse perante a necessidade de extirpar o preconceito contra a es-
puridade, admitisse a prova da posse de estado e limitasse a ação do
nino contrap pai, não a estendendo contra os herdeiros, ou, pelo menos,
dando-lhe limites temporais restritos.
. ^obre ®sta matéria, veja-se a memória de Tito Rosas. B' con-
■vemente a investigação da paternidáde? {Cultura acadêmica, Recife
1905, pags. 176-196).
(8) ClMBALl, op. cit., pág. 117.
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 347

Demolombe, ela é um verdadeiro reconhecimento.


"Quando um homem, acrescenta ele, constante e publica-
mente, tratou um filho como seu, quando o apresentou
como tal em sua família e na sociedade, quando na qua-
lidade de pai proveu sempre às suas necessidades, à sua
manutenção, à sua educação, é impossivel não dizer que
o reconheceu".
Em segundo lugar, deve ser aceita a pretenção ao re-
conhecimento, quando, entre os progenitores do preten-
dido filho, haja ou tenha havido concubinato (9), pois
como dizia LoYSEL, sintetizando o antigo direito:

Boire, manger, coucher ensemble


Est mariage, ce me semble.

Não será o casamento legal e disciplinado, não será


o casamento segundo o exige a sociedade; mas, desde que
o concubinato realiza como que a manifestação aparente
do casamento legítimo, vivendo dois entes como se fossem
marido e mulher, more uxotio, a presunção é que os filhos
procriados por essa mulher, durante a vida em comum,
são igualmente do homem, que a seu lado vive, pois que
ela é honesta, apesar da irregularidade da união, é porque
ele a reconhece por sua companheira, tal como se fosse

(9) Cód. Civil, art. 363, I. O concubinato, hoje não é um


delito, senão quando em concorrência afrontosa com o casamento
legítimo (Cód. Penal, art. 240). Não obstante, alguns Códi-
gos teem editado meios coercitivos para impedy-lo. Assim, o Civil
de Zurioh, art. 646, declara que "o concubinato é interdito", e que
as prefeituras devem empregar as medidas necessárias para fazer
cessar essè estado, quando algum caso 'lhe constar,
Na Grécia, esse estado nada tinha de deshonroso, mesmo em
concomitância com o casamento legítimo. Em Roma, o concubinato,
não em concorrência com o matrimônio, era um estado de fato, sem
conseqüências, a princípio, e, mais tarde, um como casamento in-
ferior, uma hemigamia ou, segundo os próprios termos legais,
legitima conjunctio sine honesta celehratione matrimonii. Bonvante,
Direito romano, § 63.
345 DIREITO DA FAMÍLIA

sua consorte. Consequentemente, se não se determinar o


pai a reconhecer os filhos .oriundos dessa união, é de in-
teira justiça que a estes conceda a lei os meios de estabe-
lecer a sua posição, o seu estado. Em tal hipótese, diz
com exatidão ENRICO Cimbali, "trata-se apenas de tra-
duzir em verdade legal o que já constitue verdade real,
ou o que, ao menos, do complexo de todas as circuns-
tâncias, parece indubitavelmente ser" (10).
Ainda mais valiosas razões mílitam em favor dos
filhos daqueles que apenas se ligaram em face da Igreja,
que apenas sancionaram, religiosamente, a sua união, sem
cumprir o dever cívico de legalizá-la perante a autoridade
secuiar competente. Tal união é um concubinato; porem
concubinato de classe especial, mais elevada, pois que a
intervenção religiosa atua sobre a conciência dos indi-
víduos assim unidos, compelindo-os ao cumprimento das
respectivas obrigações, e dando à sua união o carater da
perpetuidade (11).
Em terceiro lugar, cumpre favorecer a investigação
da paternidade nos casos de defloramento forçado, de es-
tupro ou de rapto, "quando a data destes fatos corres-
ponder ao tempo da concepção". Esta hipótese, que está
legalmente consagrada em alguns países, que interdizem
a investigação da paternidade, como no Uruguai (Código
Civil, art. 218), acha-se exarada, atualmente, em nosso
Código Civil, apesar do defeito da fórmula empregada.

(10) Nu ova jase, pág. 138; Projeto Coelho Rodrigues, ar-


tigo 2.152. li tanto mais razoavel este modo de pensar quanto, em
nossas Ords., 4, 46, § 2.°, se consideravam com efeitos jurídicos os
ajuntamentos daqueles que vivem "em pública voz e fama de ma-
rido e mulher por tanto tempo, que, segundo o direito, baste para
presumir matrimônio entre eles, posto se não provem as palavras,
de presente". E o dec. de 24 de Janeiro de 1890, art. 53, admitia
a posse de estado como prova suficiente da existência do casamento,.,
em falta de meios mais diretos.
(11) Cimbali, op. cit.
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 349

Fugindo à expressão técnica — estupro, usa da locução ex-


cessivamente lata: relações sexuais (12).
O caso da sedução não é tão líquido quanto os outros
de que acabo de ocupar-me, salvo se ela receber os carac-
teres de abuso de autoridade ou de confiança. A sedução
pressupõe rnenoridade, ou inexperiência e honestidade por
parte da vítima; ardis fraudulentos da parte do sedutor.
Mas essas circunstâncias podem ser artifíciosamente arran-
jadas com astúcía, e transformar-se-á, muitas vezes, um
princípio de equidade em repugnante chantage. A história
do cadí, a quem uma jovem turca pedia justiça contra c
homem que a tinha violentado, é bem sugestiva (13).
Se a mulher defender a sua honra como defenderia seu
pão, não haverá muito que regular neste assunto. E' ad-
missível, em alguns casos, a possibilidade de violência;
mas, quanto à sedução propriamente, ponderava Dumas
filho que não passa, presentemente, de recordação de
outras eras. "Não há mais seduções na hora atual, escreve
ele, há simples arrastamentos. Todos os meios de sedução
estão conhecidos, arquiconhecidos por todas as moças,
mesmo antes de atingirem a idade em que possam receá-los
ou provocá-los, graças aos noticiários, aoá romances e aos
processos publicados nos jornais de preço ínfimo. Toda
moça, a quem se fala de amor, sem, ao mesmo íem-

(12) Art. 363,'11.


(13) Ei-la tal quail a leio no prefácio escrito por Dumas para
o livro de Rivet, sobre a Recherche de la paternité: "Tu te defen-
deste mal, diz o cadi à queixosa. — Defendi-me com todas as mi-
nhas forças. — Pois bem; toma esta bolsa repleta de ouro. — E'
uma primeira compensação; vai para casa, e volta a ver-me nestes
oito dias. A mulher beija a mão do cadi e retira-se. Uma hora de-
pois reaparece assarapantada, com as mãos e o rosto a sangrar. —
Quando me dirigia para casa, quatro homens emboscados no caminho
atiraram-se sobre mim, para tomar-me a bolsa que me deste. —-
E tomaram-na? — Não; debatí-me e consegui escapar correndo.
-—■ Pois bem; se tivesses defendido tua honra, como defendeste teu
dinheiro, não a teriam tomado; principalmente porque, dada a sua
situação, é mais difícil tomá-la do que uma bolsa".
350 DIREITO DA FAMÍLIA

poa falar-se de casamento a seus país, sabe o que dela se


quer" (14).
Não é proveitosa, para a determinação da paterni-
dade a prova testemunhai, ainda que acompanhada de um
começo de prova escrita, segundo querem alguns escritores.
Como reconhece o próprio LAURENT, quase nunca se en-
contrará esse começo de prova por escrito (15). E é in-
contestável que as testemunhas são, a seu turno, muito
faliveis em seus depoimentos. Porem, aiíida admitindo
que sejam verazes, repugna mesmo à natureza das coisas
a prova testemunhai, para a determinação da filiação. E'
certo que o Código italiano aceitou-a, em relação à mater-
nidade (art. 270); mas não é preciso agudeza de espírito
para ver que as hipóteses divergem muitíssimo. A mater-
nidade resulta de um ato sujeito, normalmente, à inspeção
ocular; a paternidade, porem, não se acha em situação se-
melhante.
nm conclusão: ao Estado, como poder tutelar dos
direitos, cabe garantir, aos filhos ilegítimos, a faculdade
de determinarem a existência jurídica de seus progenitores,
sempre que a filiação se patentear por fatos incontrasta-
veis; porem deve ser, ao mesmo tempo, cauteloso, para
não ferir aqueles que, na realidade, se acham extremes de
mácula. E, parece-me, conseguirá esse nobre desidetatum,
restrmgmdo-se aos casos apontados neste paragrafo, pro-
curando traçar seu caminho, guiado, exclusivamente, pela
justiça, e sem perturbar-se com o clamor da calorosa con-
trovérsia levantada neste domínio (16),

(14) Prefácio citado, pág. XIV.


(15) O Código atual, art. 363, III, refere-se à existência de
um escrito de qualquer natureza, emanado do pretenso pai e re-
conhecendo expressamente a sua paternidade. E' diferente a hipó- 1
tese .
(lô) A matéria deste parágrafo tem sido abundantemente de-
batida no foro brasileiro, dando origem a arrazoados de grande bri-
lho, como, por exemplo: Virgílio Barbosa, Euiz Novaes e Gas-
tao Neves, Investigação da paternidade, 1934.
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 35 í

§ 71

ADOÇÃO NO ANTIGO DIREITO E NO


DIREITO PÁTRIO

Adoção é o ato civil pelo qual alguém aceita um es-


tranho na qualidade de filho.
Nasceu esta instituição da necessidade de ser man-
tido o culto doméstico. O direito dos povos antigos co-
gitava de muitos modos de prover à falta de filhos, que
fossem, de geração em geração, perpetuando o culto dos
deuses familiares. O levirato do direito hebreu, que na
índia toma o nome de ntyoga, e as perfilhações, extrava-
gantes do direito hindú (1), teem essa origem. De todos,
porem, conseguiu projetar-se mais longe, com a civilização
humana, essa ficção pela qual, para usar de uma frase de
S. Maine, "se enxerta, numa família, um filho de casa
estranha".
As leis de Manú proclamam: "Aquele a quem a na-
tureza não deu filhos pode adotar um, para que as ceri-
mônias fúnebres não cessem. No velho direito ateniense,
encontramos, igualmente, esta instituição fundada nos
mesmos princípios. F. DE COULANGES, na Cité antique,
um dos livros de mais profunda erudição que já se escre-
veram sobre as antigüidades jurídicas, nos fala dos pro-
cessos de Menecles, de Leochoris, e da herança de Asty-
philos, em que a teoria da adoção é discutida e justi-
ficada pela dialética dos advogados atenienses. Em uma
dessas discussões se diz: "Se anulardes minha adoção,

(1) Refiro-me especialmente às ficções pelas quais podiam to-


mar o lugar do filho, para os efeitos cultuais: •— alguém que hou-
vesse nascido, clandestinamente, ou. de uma moça solteira, ou de
uma noiva grávida, ou de uma mulher casada duas vezes, e todos
os ilegítimos ou adulterinos, que, aliás, não fossem engendrados pelo
pai cujos penates iam adorar. (Vide S. Maine, Études sur Vancien
droit et la coutume primitive, pág. 105) .
•352 DIREITO DA FAMÍLIA

fareis com que Menecles haja morrido sem deixar filhos,


de modo que ninguém fará sacrifícios em sua honra, nin-
guém lhe oferecerá os repastos fúnebres e ele ficará sem
culto" (2).
O direito árabe pre-islamita favorecia a adoção! Ma-
homet, porem, apaixonando-se por Zainab, esposa de
Zaid, seu filho adotivo, não podia ver o instituto com
muitos bons olhos (3).
Em Roma, ainda o princípio é o mesmo. Cícero diz
do filho adotivo, que ele se torna heres sacrorum, depois
de ter perdido o culto de sua família natural (amissts
sacris paternis).
O direito romano conheceu duas formas de adoção:
a que se aplicava aos aliem júris (u datio in adoptionem),
e a que se aplicava aos sul júris (adrogatio), sem falar na
adoptio per testamentum, que necessitava da confirmação
curial, como aconteceu com a a.doçâo de Otávio por Júlio
César.
Na últma fase desse direito, se exigiam as seguintes
condições para a validade da adoção: l.a, que o adotante
fosse sui júris e dezoito anos mais velho do que o ado-
tado (4) ; 2.a, que o adotante não tivesse filhos legí-
timos, porque a adoção era destinada a suprir a natureza;
3.a, que o adotado não fosse filho ilegítimo do adotando,
porque, neste caso, devia legitimá-lo; 4.a, que o consenti-
mento do adotante e o do pai natural precedessem à ce-

(2) La cité antique, pág. 55. O processo primitivo da ado-


ção, simulava o parto (per pcdlium et indusium), segundo referem
Diodoro e Grimm.
(3) Lambert, Droit civil compare, I, páginas 300 e 301.
No Egito e na Mesopotamia quando se conheceu a adoção, assim
como ainda hoje a vemos em uso na China (Sanches Roman, Dc
recíio civil, V, págs. 99, 103 e 114). O Código Civil chinês, ar-
tigos- 1.072 a 1.083, regula a adoção .
(4) Embora, por vício de organização, não pudesse gerar. Os
casara ti, porem, não podiam adotar.
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 353

rimônía; 5.a, que esta fosse feita na presença da autori-


dade competente.
Se a adoção era feita entre estranhos, apenas criava
parentesco civil entre o adotante e o adotado, e conferia
a este direito unilateral de sucessão. Esta espécie parece
ser mais recente. Se, porem, fosse feita por ascendente do
adotado, alem do parentesco civil, que estreitava o na-
tural (jus legitimo adoptionis nodo constrictum), criava
o vínculo do pátrio poder, e todos os direitos e^deveres
comuns entre pais e filhos (5). Chamava-se, então,
adoção plena.
A mulher não tinha, finalmente, o direito cie
adotar, mas, depois, perdida a noção originária do ^insti-
tuto, lhe foi concedido esse direito, para consolação da
perda dos filhos {ad solatium liberorum amissorum),
dizem as Institutas (6).
A arrogaçâo só se podia realizar depois.de averi-
guado se trazia utilidade ao arrogado; de ser obtido o
consentimento expresso das duas partes, ou, sendo o ar-
rogado ainda impúbere, o de seus próximos parentes e o
do tutor. Um rescrito do príncipe fazia-se necessário para
confirmá-la (7).
Os efeitos da arrogaçâo eram: 1.°, fazer entrar para
a família e sob o pátrio poder do arrogante, não só o
arrogado, mas ainda os filhos que lhe estavam submetidos;
2.°, dar ao arrogado todos os direitos de filho-famílías.
Entre os povos bárbaros, também deparamos exem-
plos numerosos de adoção pelas armas, escolhendo o guer-
reiro um sucessor de suas façanhas belicosas, quando a
natureza não lhe concede filhos. Menos freqüentes eram
as adoções propriamente civis, que, afinal, desapareceram
com as suas congêneres militares, por influência do di-
reito canônico, pois que a Igreja considera a adoção um

(5) Inst., 1, 9, § 2.°.


(6) Inst., h. t., § 10.
(7) Inst., h. t., § 1.°.
— 23
354 DIREITO DA FAMÍLIA

obstáculo ao casamento legítimo. Somente com a reação


da crise revolucionária de 1789, é que readquiriu vigor o
instituto da adoção. Em Portugal, não caiu ele, porem,
em desuso, principalmente entre as famílias nobres; e as
Ordenações filipinas, sem regulamentá-lo conveniente-
mente, dizem bastante para que não pensemos que ele
ameaçava soçobrar (8). Mas os princípios romanos não
subsistiram em sua integridade. A distinção entre adoção
e arrogação eliminou-se, e quer o adotado fosse filho-fa-
mílías, quer emancipado, a adoção devia ser confirmada
pelo príncipe, a quem cabia conceder todas as graças.
Dessa circunstância concluía o Dr. DlNO Bue-
NO (9) que o direito romano não podia mais ser chamado
a regular a espécie, e, portanto, que a adoção não con-
feria, no direito pátrio, nem autoridade paterna, nem fa-
culdade sucessória. Segundo ele, a adoção, no direito con-
substanciado pelo Código filipino, reduzia-se a "um tí-
tulo de filiação, sem outro efeito alem de dispensar a prova
desse fato, nos casos em que era exigida, isto é, para pedir
alimentos e suceder nas distinções gentílicas. Por graça
ou concessão do príncipe, por dispensa na lei ou por lei
especial, podia ter todas as conseqüências que o direito ro-
mano lhe assinalava, todos os efeitos, que o pai adotante
impetrasse e que o príncipe quisesse facultar, pois era
donum pauis et actas principis". Ora, com os princípios
constitucionais adotados pelo Brasil, desde a indepen-
dência, não sendo mais possível a dispensa na lei por parte
do monarca, aquelas concessões extraordinárias torna-
ram-se impossíveis. Acrescia que, pela lei de 12 de Se-
tembro de 1828 (art. 2.°, n. I.0), eram os juizes de pri-
meira instância os incumbidos de confirmar as adoções, e,
"para conhecer os efeitos da adoção, presentemente, bas-

(8) Ord., 2, 35, § 12; 2, 56, >pr. ; 3, 9, § 2.°; 3, 59; § 11;


3, 85, § 2.°.
(9) Direito, vol. XXX, 1883; A adoção que efeitos produz
atualmente?
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 355

taria inquirir o que poderia conceder esse juiz". Con-


clusão: a adoração não era mais do que um título de fi-
liação concedendo, ao filho adotivo, apenas o direito de
pedir alimentos.
Esta opinião fundava-se numa base falsa. O juiz
nenhum poder concede ao adotado; apenas confirma, ho-
mologa, isto é, dá cunho de solenidade ao ato, visando a
sua firmeza e segurança, e faz declaração pública de sua
legitimidade. A concessão de direitos, quem a faz é o
adotante. Alem disso, não é lícito confundir, sob o ponto
de vista jurídico, a perfilhação e a adoção, institutos, que
visam fins diversos, embora, muitas vezes, tenha o se-
gundo substituído o primeiro. Finalmente, era aventu-
roso afirmar, sem apoio em preceito legal, que o direito
romano perdera a sua virtude de fonte subsidiária nesta
matéria.
Também não era exato dizer, com LAFAYETTE, que
as adoções "caíram, entre nós, em total desuso, como em
geral tem acontecido em toda a Europa", e que, "sendo
a adoção uma instituição obsoleta, seria uma verdadeira
inutilidade tratar dela (10). Certo não era essa uma ins-
tituição em plena expansão de juvenilidade, mas não era
também instituição obsoleta, pois que a víamos pro-
vocar, considerável número de vezes, a intervenção dos
tribunais, e contemplada em disposições legislativas, ao
menos tanto quanto bastava para lhe reconhecerem a exis-
tência (11). Dentre as novas leis estrangeiras, umas há
que silenciam sobre o assunto, enquanto outras o re-
gulam.
A conclusão que se nos impõe é a da vitalidade do
instituto d^ adoção; e, como não a regulavarn nossas leE
anteriores ao Código Civil, cumpria-nos suprir a lacuna

(10) Direitos de família, § 130. Observação.


(11) Vide o Direito, vols. III, VI, VII, X, XII e XXX;
dec. de 24 de Janeiro de 1890, art. 7.°, § 1.°; reg. do selo para
6 Estado de Pernambuco, tabela B, n. 20.
356 DIREITO DA FAMÍLIA

com o direito romano (12) interpretado e modificado


pelo uso moderno.
O Código Civil consagrou ao instituto de adoção os
arts. 368 a 378.
Podem adotar tanto os varões quanto as mulheres
maiores de cinqüenta anos, no pleno gozo de sua capaci-
dade civil, contanto que não tenham filhos dados pela
natureza, ou que já tenham morrido os que procriaram.
Podem ser adotados tanto os menores, quanto os eman-

. (12) Liz Teixeira, I, pág. 294; Loureiro, Direito civil bra-


sileiro, I, § 82; Borges Carneiro, Direito civil, §§ 210-211.
Tendo o Projeto dè Cód. Civil, arts. 375-385, regulado a ado-
ção, o dr. Gonçalves Chaves, membro da Comissão do Senado,
opôs algumas objeções à inclusão desse instituto no Código Civil
brasileiro. Em artigo inserto no Direito, vol. XCIV, págs. 53-63,
procurei desfazer o efeito dessas objeções, notando;
1.° Que, se alguns dos nossos civiiistas eram contrários à ado-
ção, outros lhe reconheciam conveniência e valor, como 1 eixeira
de Freitas, que a incluirá no seu Esboço, Borges Carneiro, Liz
Teixeira, Loureiro; e que o próprio Mello lhe não era franca-
mente hostil;
2.° Que, entre nós, não estava em desuso o instituto; segun-
do se via pela lição dos mestres citados, e pelos atos legislativos;
3.° Que os Códigos Civis da França, Itália, Espanha, Áustria,
Zurich, Alemanha, Uruguai, Peru, Bolívia e Japão, assim como o
direito russo e o norte-americano, regulam a espécie, sendo muito
menor o número das legislações que a excluem, acrescentando que
o Avant-Projet de Laurent, e o suiço não a esqueceram;
4.° E que, segundo mostravam Bluntschlt {apud Schnei-
der, Priv. Gesetzbuch, f. d. K. Zurich) e Sanches Roman {De-
recho civil, V), a adoção tinha ainda uma alta função social a de-
sempenhar, como instituição de beneficência destinada a satisfazer e
desenvolver sentimentos afetivos do mais doce matiz, dando filhos
a quem os não tem e desvelos paternais a quem, privado deles pela
natureza, estaria talvez condenado, sem ela, a descer, pela escada
da miséria, ao abismo dos vícios e dos crimes.
Veja-se também o meu livro — Em defesa do Projeto de Có-
digo Civil, págs. 533-535.
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 357

cipados (13), mas o pai ou a mãe, civil, deve ser mais


velho do que o filho dezoito anos, pelo menos (13 a).
O consentimento do adotado, se for de maior idade, do
seu pai, ou tutor, se ainda se conservar na menoridade, é in-
dispensável para a eficácia da adoção (13 b).
O filho adotivo, quando menor, fica sob o pátrio
poder do adotante (13 c).
Alem desse efeito, produz a adoção: L0, parentesco
civil, aliás limitado ao pai e o filho adotivos, salvo quanto
aos impedimentos matrimoniais, em relação aos quais esse
parentesco se faz sentir mais latamente (14) ; 2.°, o direito
de sucessão (15) e o de alimentos, que são recíprocos entre
o pai adotante e o filho adotivo, sem que, aliás, este venha,
por isso, a perder seus direitos hereditários em relação à
sua família natural, assim como, igualmente, não adquire
direitos sucessórios em relação aos parentes do adotante.
A adoção far-se-á por escritura pública (16) e pode
ser dissolvida: 1.°, pelo menor ou interdito, no ano ime-
diato ao em que cessar a interdição ou a menoridade (17);
2.°, quando as partes convíerem, e quando o adotado co-
meter ingratidão contra o adotante (18).

(13) Cód. Civil, arts. 368 e 373; Teixeira de Freitas, Con-


solidação, nota 3 ao art. 217, 3.a ed. ; Loureiro, op. cit., § 82.
(13-a) Cód. Civil, art. 369.
(13-b) Cód. Civil, art. 372.
(13-c) Cód. Civil, art. 379.
(14) Vide o § 12.
(15) Cód. Civil, art. 1.605, Loureiro, op. cit., § 82, dizia;
"temos que, entre nós, os direitos dos filhos adotivos e arrogados
são os mesmos que os dos legítimos a respeito do pai cu mãe per-
filhante; e, consequentemente, tais filhos sucedem na nobreza e bens
do pai ou mãe perfilhante..
(16) Cód. Civil, art. 375.
(17) Cód. Civil, art. 373.
(18) Cód. Civil, art. 374.
358 DIREITO DA FAMÍLIA

§ 72

ADOÇÃO NO DIREITO ESTRANGEIRO ATUAL

Não obedece ao mesmo tipo a constituição do ins-


tituto das adoções nos diversos sistemas legislativos da
atualidade. Umas legislações eliminaram-no de seu seio,
como não correspondendo mais a uma necessidade, em
nossos dias, e assim fizeram o Código holandês, o por-
tuguês, o argentino e o chileno. Na Inglaterra, diz um
escritor, não passa de um nome, deixou de ser uma ins-
tituição. Há, porem, uma usança, que, pode-se afirmar,
toma o lugar da adoção, embora limitada e incompleta-
mente. E' o costume que teem as pessoas abonadas de
tomar, sobre si, a educação de crianças pobres, e de fa-
zerem-se doações ou legados com a condição de o dona-
tário ou legatário usar do nome do doador. Mas é patente
que os efeitos desta espécie de adoção muito se res-
tringem (1).
Outras legislações, mantendo o instituto, segundo os
lineamentos gerais do direito romano, modificaram-no,
contudo, para melhor acomodarem-no ao meio onde tem
de funcionar.
Uma lei de 1792 o estabeleceu em França, e, depois,
o Código Napoleão. No sistema deste Código, a adoção
produz somente o parentesco civil, que não destrói o na-
tural, um direito natural sucessório e o de transmitir,
ao adotado, o nome do adotante, sem introduzí-lo na
família deste. Não obstante, há proibição de casamento
entre o adotado e o adotante ou seus descendentes, entre
o adotado e o cônjuge do adotante e reciprocamente.
Diz LaureNT que essa instituição "não entrou nos cos-

(1) Glasson, Inst. de tAngleterre, VI, pág. 213.


RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 359

tumes 0 que é apenas praticada para legitimar filhos na-


turais" (2).
Destas primeiras observações, já se vê que o direito
francês se afastou do romano. Ver-se-á melhor essa nova
orientação, tendo-se em mira que o direito francês esta-
beleceu uma adoção por testamento e que diferem as
condições por ele exigidas para a realização deste vínculo
pessoal.
As condições para a adoção entre vivos são as se-
guintes: v.
Só podem adotar os maiores de quarenta anos, qual-
quer que seja o sexo a que pertençam (Cód. Civil. art. 344,
modificado pela lei*de 19 de Junho de 1923). O adotante
deve ter, pelo menos, quinze anos mais que o adotado e
não ter filhos, nem quaisquer outros ascendentes legítimos
(art. cit.). As pessoas casadas não podem adotar sem c
consentimento de seu cônjuge (art. 347). A adoção deve
ter por fundamento justos motivos e apresentar vantagens
ao adotado (art. 343, lei cit.)..
Ninguém pode ser adotada por mais de uma pessoa,
exceto se estas forem marido e mulher (art. 346, lei çit.).
O ato da adoção deve ser homologado pelo tribunal
civil do domicílio do adotante ^rt. 362, lei cit.).
A adoção por testamento "o pode ser feita pelo tutor
oficioso e com as condições T^umíes: l.a, que durante
cinco anos haja ele prestado cuidados paternais a seu pu-
pilo; 2.a, que não tenha filhos legítimos; 3.a, que o testa-
mento seja válido.
O Código Civil italiano (arts. 289-296) também não
aboliu esta instituição; porem, como não lhe deu caracteres

(2) Cours êlémentaire, I, n. 303. Este autor, porem, re-


gulou a adoção no seu Avanf-Projet, arts. 344-346. Mo direito fran-
cês a adoção tomou o aspecto de instituição filantrópica, visando ser,
ao mesmo tempo, consolo para os casais estereis e socorro para os
meninos pobres (Plantol, I, Traité, n. 2.327).
360 DIREITO DA FAMÍLIA

novos, salvo para os orfaos da guerra (lei de 31 de Juiho


de 1919) passemos sobre ele.
O direito alemão apresentava muitas variantes neste
assunto. Em primeiro lugar, encontrava-se a adoção do
direito comum (Gemeinrecht) que conservava a teoria ro-
mana com algumas modificações mantendo as distinções
entre a arrogação e a adoção propriamente dita, e reconhe-
cendo, nesta, duas espécies, a plena e a menos plena.
Este direito comum, no entanto, não era rigorosa-
mente observado por toda parte, antes sofria algumas al-
terações em diversos Estados.
Em segundo lugar, notava-se a adoção dos novos di-
reitos regionais {Adoptíon der neueren Landesrechte), no-
meadamente o prussiano, o saxônio, o austríaco, que se
aproximavam do direito francês, o qual, por sua vez, cons-
tituía direito regional em algumas partes da Alemanha.
Atualmente, o assunto é regulado pelo Código Civil
(arts. 1.741 a 1.772). Podem adotar os que não teem des-
cendentes legítimos, se forem maiores de cinqüenta anos e
dezoito anos mais idosos do que o adotado. A adoção é
um contrato, mas deve ser homologada pelo juiz.
Dela resulta, para o adotado, a situação de filho le-
gítimo do adotante com os direitos e deveres correspon-
dentes. Mas o adotante não é sucessor hereditário do ado-
tado, quebrando-se, neste caso, o preceito da reciprocidade.
O laço jurídico da adoção pode romper-se por pacto
entre pai e filho adotivos, ou por se ter realizado casamento
entre eles ou entre um deles e os parentes do outro em grau
proibido.
O Código Civil suiço (arts. 264 a 269) seguiu o sis-
tema do francês, do qual não é mais do que uma variante,
neste ponto. A adoção é permitida a quem tenha, pelo
menos, quarenta anos de idade: — Podem ser adotados in-
divíuos maiores ou menores. Se o adotado toma o nome
do adotante, entra para a família deste, e se acha colocado
em relação a ele, sob o duplo ponto de vista dos direitos e
das obrigações, na situação de um filho legítimo. Toda-
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS

via, a adoção não cria nenhum direito de sucessibilidade


recíproca, entre o adotado e os outros parentes de seus pai
e mãe adotivos, nem destrói os direitos de sucessão recí-
proca entre o adotado e os membros de sua família na-
tural, embora os modifique (art. 727) (3). O vínculo da
adoção pode ser rompido e os direitos da família natural
restabelecidos.
A adoção se efetua por ato autêntico c deve ser per-
mitida pela autoridade competente do domicílio do ado-
tante. Inscreve-se no registro dos nascimentos. Deve
fundar-se em motivos justos e ser vantajosa para o ado-
tado.
Muitas outras legislações se ocupam da adoção com
extensão ora maior, ora menor, com tais ou quais grada-
ções. Assim, na Bulgaria, em New-York, na Pennsylva-
nia, na Califórnia (4), na Espanha (5), no Uruguai (6).
Será ocioso percorrê-las. todas. Mas não pode 'ser sem in-
teresse que me detenha, ainda um momento, diante da le-
gislação russa pre-soviética.
Variava, no império russo, o valor e a extensão da
adoção, conforme era um nobre, um burguês ou um cam-
pônio quem a exercia. Depois, a lei a uniformizou para
todas as classes. Os que não tinham filhos legítimos ou
legitimados, podiam adotar, inclusive as mulheres. So-
mente as pessoas votadas ao celibato, pelo estado religioso
em que viviam, estavam excluidas desta regra geral.
O adotante devia ter trinta anos de idade, pelo menos,
e dezoito anos mais do que o adotado. Ninguém podia ser

(3) Se o adotado concorrer com filhos legítimos à herança do


pai ou mãe natural, sua parte é "reduzida à metade.
(4) Annuaire de législcition etrangère, 1889, págs. 860-9o8;
1891, págs. 922-930.
(5) Cód. Civil, arts. 173-180.
(6) Cód. Civil, arts. 243-251. E amda no Perú, o Código
Civil, arts. 326-347; Bolívia, Código Civil, arts. 179-187; Japão,
Código Civil, arts. 837 e 876; e Colômbia,: arts. 269-286. Para a
América do Norte, veja-se Walker, American law, § 160, nota b.
362 DIREITO DA FAMÍLIA

filho adotivo de duas pessoas, a não ser que estas se


achassem unidas pelo casamento.
A disparidade de culto era uma causa impediente da
adoção.
Se o adotado ainda tinha pais naturais vivos, deviam
estes dar seu consentimento. O próprio adotado, sendo
maor de quatorze anos, também havia de ser ouvido. O
adotante, se fosse casado, devia pedir o consentimento de
seu cônjuge; se fosse padre ou servidor da Igreja, o do bispo
diocesano (7).
O filho adotivo adquiria o nome de seu pai civil;
mas a transmissão da nobreza estava subordinada a uma
autorização do tzar. Os direitos sucessórios do adotado,
em face do adotante, eram equiparaveis aos de um filho
legítimo, e se transmitiam aos seus descendentes. Se o ado-
tado morresse sem filhos, todos os bens por ele adquiridos
passavam ao adotante em usufruto, salvo se proviessem dele
mesmo, caso em que os retomava em plena propriedade.
Em relação à sua família natural, conservava o adotado
todos os seus direitos hereditários (8).
O Código soviético da família não permite a adoção
de membros da própria família, nem de filhos de estran-
geiros (art. 183).
Desta excursão rápida pelos domínios legislativos de
vários povos conclue-se que não é, de modo algum, insti-
tuição obsoleta, órgão morto, a adoção. Se em algum país
feneceu e se desfez, noutros reflora cm estos de vida nova,
apesar de que escritores notabilíssimos fazem votos para
sua abolição (9).

(7) Na Espanha, a adoção é vedada aos padres (Cód. Civil,


art. 474, § 1.°).
(8) Eehr, De la légitimation et de Vadoption d'après les nou-
velles lois russes, de 1891, in Clune t, 1895, págs. 521 e segs.
(9) D'Aguano, Gene se, pág. 326.
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 363

§ 73

NOÇÃO DO PÁTRIO PODER

O conjunto dos direitos que a lei confere ao pa: sobre


a pessoa e os bens de seus filhos legítimos, legitimados, na-
turais reconhecidos ou adotivos (1), toma a denominação
de pátrio poder.
Procurando apanhar o primeiro surto deste instituto,
na história da civilização humana, reconheceremos que ele
tomou as feições rígidas e severas, que se tornaram tradi-
cionais entre os romanos, com o patriarcado, influindo,
poderosamente, para esse resultado, as crenças religiosas,
que, então, envolviam os espíritos em liames indestru-
tiveis.
Em um período de mais profunda barbaria, dife-
rentes são os moldes da autoridade paterna, outra é a con-
dição dos filhos. Enquanto são débeis, dependem dos pais,
de um modo absoluto, as crianças de ambos os sexos,
Podem ser mortas ao nascer, vendidas, ou de outra forma
utilizadas pela vontade dos progenitores, particularmente
do pai, ou mesmo da tribu inteira. Passaaa, porem, a
quadra mal segura da adolescência, adquirem os varões a
posse de si mesmos, enquanto as mulheres esperam apenas
mudar de patronos (2). Se a superioridade muscular é o
principal suporte da autoridade, seria estranhavel que ela
se prolongasse indefinidamente, quando a senilidade avança
abatendo os organismos, e rijos se levantam, ao seu lado,
os rebentos viçosos, a que deram o ser.

(1) Cód. Civil, art. 379; Const. de 1937, art. 126. Em re-
lação aos adotivos que se acham sob o pátrio poder, veja-se o que
foi dito no § 71, in fine.
O filho natural, enquanto menor, ficai a sob o poder cio pro-
genitor, que o reconheceu; e, se ambos o reconhecerem, sob o do
pai, salvo se o juiz decidir de outro modo, no interesse do menor
(dec.-lei n. 5.213, de 21 de Janeiro de 1943).
(2) Westermarck, Matrimônio umano, pág. 194.
364 DIREITO DA FAMÍLIA

Mas, já na antiga civilização mexicana, a autoridade


paterna assenta sobre outras bases, e revestida de tal rigor
se nos ostenta que, no dizer de um cronista, os filhos, já
casados, ainda não ousavam proferir palavra diante da fi-
gura, para eles terrificante, de seu pai. No Pcrú, mantem-
se a mesma doutrina, talvez com alguma atenuação. O
filho tem de servir ao pai até completar vinte e cinco
anos, e não se pode casar sem o consentimento dos pro-
genitores, sob pena de ser nulo o matrimônio e ilegítima a
prole (3).
Na China, o respeito pelos pais assume a forma de
um verdadeiro culto, a piedade filial confunde-se com o
sentimento religioso. A desobediência às ordens emanadas
dos pais é infração de um preceito de religião, cuja punição
é a morte (4),
Não diverso é o pensar dos japoneses, para os quais
a piedade filial é o primeiro dever do homem. E assim,
entre muitos outros povos. F. DE COULANGES fez ressal-
tar bem nitidamente, a influência da religião sobre a consti-
tuição do pátrio poder, quando escreveu: "Nos tempos
antigos, o pai não é somente o homem que tem a força,
aquele que pode impor a submissão, é também o sacer-
dote, o herdeiro do lar doméstico, o continuador dos an-
tepassados, o tronco da descendência, o guarda dos ritos
misteriosos do culto e das fórmulas sagradas. A religião
inteira reside nele (5).
Por isso é que, na índia, como na Grécia, e entre
os antigos povos latinos, o pátrio poder foi uma insti-
tuição de carater misto, tendo muito de religiosa e muito
de civil, e é ainda por isso que a autoridade do chefe da

(3) Westermarck, op. cit., págs. 195-196.


(4) Westermarck, op. cit., pág. 196. O Cód. Civil chinês,
arts. 1.084 e segs., regula o pátrio poder à semelhança do que fa-
zem as legislações modernas, mantendo, ainda, de modo expresso, o
direito de punir.
(5) La cité antique, págs. 97 da ed. de 1885.
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 365

família tem a inquebrantabilidade da soberania, nesse mo-


mento histórico, a que agora me reporto. Ainda hoje, em
algumas províncias da índia, afirma-nos SuMNER Maine,
o pai é o radjah, o soberano absoluto da sociedade fa-
milial (6).
Entretanto, como é sempre necessário que à autori-
dade corresponda a capacidade, encontram-se exceções e
abrandamentos a essa lei. Na índia, como na Grécia, a
direção do grupo familial é, algumas vezes, transferida ao
filho mais apto ou mais valoroso do que o pai. SUMNER
MAINE lembra a posição de Ulisses em frente a Laertes,
na Odisséia, como uma caso de transferência da autoridade
suprema da família, de um pai decrépito para um filho ro-
busto e sagaz. E o direito helênico avançou um passo, em
seguida, restringindo a autoridade paterna, assim na in-
tensidade como no tempo, não podendo ela protrair-se
alem da época em que cessasse a inferioridade física e men-
tal do filho (7).
Em Roma, apesar do que nos diz Justininano (Inst.,
1, 4, § 2.°), não apareceu o pátrio poder sob feição espe-
cial; mas é certo que manteve mais longamente sua rude
feição primitiva. Era de uma amplitude que se nos afi-
gura hoje odiosa a autoridade conferida aos pais, tendo
mais em vista o egoismo dos chefes da sociedade domésti-
ca, do que o benéfico altruísmo em arnmo à debilidade dos
filhos. E' certo que muitas e profundas alterações se fo-
ram introduzindo, ao tempo do império, e principalmen-
te sob o influxo do cristianismo, porem, mesmo ao tem-
po de Justiníano, os pais em miséria extrema, podiam
vender seus filhos recem-nascidos, ainda sanguinolentos,
restando a estes o direito de re*cobrar a própria ingenuida-
de, desinteressando o comprador (Cód., 4, 43, 1, 2).

(6) Études sur Vancien droit et la coufume primitive, pàgs. 165-


167, da ed. de 1884.
(7) Uancien droit, trad. Courcelle Seneuil, pág. 129.
306 DIREITO DA FAMÍLIA

Entre os germanos, se o pai tinha, originariamente,


o direito de expor e vender o filho, assim como este podia
matar o pai velho e enfermo, segundo no-lo refere GríMM,
é conhecido que o poder paterno cessava com a capacidade
obtida pelo filho para prover às próprias necessidades, e
que o mundiurn não tinha o rigor, nem a extensão da pá-
tria potestas. Foram estes povos os introdutores de um
princípio novo que, modificando o sistemo romano, deu
a orientação moderna do pátrio poder, fazendo-o consis-
tir numa relação dupla, indicada, segundo POTHIER, pelo
modo seguinte: 1.°, direito comum ao pai e à mãe de di-
rigir a pessoa e administrar os bens do filho até à eman-
cipação ou maioridade; 2.°, direito, igualmente comum
a ambos os progenitores, ao respeito e acatamento, mani-
festado, principalmente, na ocasião em que os filhos pre-
tendem constituir família.
Estas idéias implantadas no direito costumeiro dos
franceses e de outros povos, foram estranhas à nossa an-
tiga metrópole, onde preponderou, neste assunto, a con-
cepção romana, conferindo, exclusivamente ao pai, o di-
reito de dirigir a pessoa e a fortuna do filho, qualquer que
fosse a idade destes, até que o poder paterno se dissolvesse
por alguns dos modos estabelecidos em lei.
Com a resolução de 31 de Outubro de 1831, que
fixou a idade de vinte e um anos para o termo da me-
noridade e aquisição da capacidade civil plena, achou-se
profundamente alterado o direito português, que fòra
transplantado para o Brasil. Em 1890, completou-se a
reforma do instituto com a concessão feita à mulher viu-
va, se não for bínuba, de suceder nos direitos do marido
sobre a pessoa e bens dos filhos. Pouco teve o Código
Civil de acrescentar ao que já consagrara lei pátria an-
terior. Estão sob o pátrio poder os filhos legítimos, os
legitimados, os reconhecidos e os adotivos, enquanto me-
nores ou não emancipados (Cód. Civil, art. 379). Du-
rante o casamento, exerce o pátrio poder o marido e, na
sua falta, a mulher (art. 380). O desquite não altera as
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 367

relações entre pais e filhos, senão quanto ao direito, que


aos primeiros cabe, de ter os segundos, em sua companhia
(arts. 381, 326 e 327), O filho ilegítimo, não reconhe-
cido pelo pai, fica sob o poder materno. Se a mãe não
for conhecida, ou capaz de exercer o pátrio poder, dar-se-á
tutor ao menor (art. 383).
Com a Constituição de 1937, art. 117, foi concedida
ã capacidade política aos brasileiros de um e outro sexo,
maiores de 18 anos, que se alistarem eleitores na forma
da lei. O mesmo preceito consignava o Código eleitoral
(lei n. 48, de 4 de Maio de 1935). Dessa capacidade po-
lítica resulta, necessariamente, a civil.

74

DIREITOS COMPREENDIDOS NO PÁTRIO PODER

Para analisar os elementos, cuja conglomeração cons-


titue o pátrio poder, é necessário distribuí-lo em dois
grupos: direitos que se referem à pessoa do filho-famílias,
e direitos que recaem sobre seu patrimônio, cujo exercício
compete ao pai no constância do matrimônio, e, depois de
sua morte ou declarada sua incapacidade, se transfere à
mãe.
São direitos do pai sobre o pessoa do filho-famílias:
1.°, dirigir a sua educação; 2.°, tê-lo em sua companhia,
e guarda (1); 3-°, conceder ou negar consentimento para

(1) No caso de desquite amigável, os pais convencionarão so-


bre a posse dos filhos menores; sendo litigioso, tal posse é direito do
cônjuge inocente, que o poderá ceder a bem do filhos. Sendo am-
bos culpados a mãe terá direito de conservar em sua companhia as
filhas, enquanto menores e os filhos até a idade de seis anos (Cód.
Civil' art. 326). Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qual-
quer caso, a bem dos filhos, regular a situação por maneira dife-
rente . Em caso de nulidade ou anulação, seguir-se-á o estabelecido
no S 24 deste livro.
368 DIREITO DA FAMÍLIA

o seu consórcio, direito este que é compartilhado pela mãe


ainda durante a constância do casamento; 4.°, nomear-lhe
tutor em testamento ou documento autêntico, quando
não lhe sobreviver o outro cônjuge; 5.°, representá-lo nos
atos da vida civil e nas queixas contra crimes que sobre
ele recaiam; 6.°, reclamá-lo de quem injustamente o de-
tenha; 7.°, exigir que lhe preste obediência, respeito e os
serviços próprios de sua idade e condição (2).
Para a exposição dos direitos atribuídos ao pai, so-
bre a fazenda do filho, recorriam os civiüstas pátrios à
teoria romana dos pecúlios, nome dado ao patrimônio dos
filhos-famílias, separado da fortuna do pai.
Havia quatro categorias de pecúlios: o castrense, o
quase castrense, o adventíc.o e o profectício.
Pecúlio castrense era o conjunto dos bens que o
filho-famílias adquiria no serviço militar ou por motivo
dele (Ord. 3, 9, § 3.° e 4.°, § 18). Quase castrense era
o adquirido no exercício de profissões industriais, arlístv-
cas ou literárias, entrando no número destas últimas os
empregos ou funções públicas. Assumiam a natureza de
quase castrenses, os bens doados ou deixados aos filhos-
famílias para auxílio de seus casamentos (Ord. 4, 97,
§ 10), assim como as pensões e remunerações conferidas
pelo Estado (3).
Pecjio adventício era a totalidade dos bens de pro-
priedade do filho, não adquiridos no serviço militar, nem
pelo exercício de profissões liberais. Assim, todas as aqui-
sições provenientes de doações,, de heranças, da adminis-
tração de bens do pai, e até os que procediam do exercício
de artes mecânicas se incluiam nesta classe.
Pecúlio profectício era uma porção da fortuna pater-
na ou comum ao casal, que o filho administrava em seu
nome, mas por ordem do pai.

(2) Código Civil, art. 384. Não há, no sistema do Código,


a chamada substituição pupilar, que as Ordenações consagravam.
(3) Ord. 3, 9, § 3.°; Lafayette, Direitos de família, § 115.
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 369

Sobre o pecúlio castrense e sobre o quase castrense,


tinha o filho a propriedade plena, mas se conservavam
eles sob a guarda e administração dos pais, até à maio-
ridade dos proprietários (4). Em relação ao adventício,
tinham os pais administração e usufruto, até à maiori-
dade dos filhos (5). Mas não podiam aliená-lo, nem one-
rá-lo, sem autorização do juiz, salvo para pagamento de
dívidas radicadas no pecúlio; para alimento seu ou do fi-
lho, na carência de outros meios; para evitar ruma do pe-
cúlio, ou para seu melhor aproveitamento (6). á
Como administrador e usufrutuário do pecúlio ad-
ventício, não era obrigado o pai a prestar caução, mas de-
via zelar por sua boa conservação/beneficiá-lo, defendê-lo
em juizo, reivindicá-lo. Os danos ocasionados por dolo
ou culpa sua, exigiam satisfação, sendo apurada essa res-
ponsabilidade, normalmente, no momento de ser entre-
gue o patrimônio ao filho que se emancipa (Ord. 1, 88,
§ 6.°). E para garantia dessa entrega e dessa responsabi-
lidade, gravava a lei os imóveis do pai com uma hipo-
teca (dec. de 19 de Janeiro de 1890, art. 3.°, § 3.°).
Se o pai malbaratasse, perdulário, a fortuna do filho,
ser-lhe-ia retirada a administração, aliás, sem perda do
usufruto (Ord., 3, 9, § 4.°) (7).
Havia, entretanto, bens pelos autores incluídos na
categoria dos adventícios, que escapavam à regra geral da
submissão ao usufruto e à administração do pai, e for-
mava a caiegoria à parte do chamado pecúlio adventício
extraordinário ou irregular.
Pertenciam a esta classe: 1.°, os bens deixados ou
dados, com a condição de não aproveitar ao pai o seu usu-

(4) Lafayette, Direitos de família, § 116, II.


(5) Pelo direito alemão, este usufruto não é um direito real,
e, portanto, dispensa a inscrição no registro predial (Endemann'
Binfuehrung, II, § 147, nota 5).
(6) Lafayette, op. cit., § 116, III; Pereira de Carvalho,
Proc. orfanológico, ad. 75 da ed. Macedo Soares.
(7) Vide Projeto, art. 401.
— 24
370 DIREITO DA FAMÍLIA

fruto (Ord. 4, 98, § 1.°); 2,°, os consistentes em usu-


fruto (Ord. cit., § 4.°) ; 3.°, os adquiridos por doação ou
legado, contra a vontade do pai (Ord. cit., § 3°.);
4.°, aqueles em relação aos quais renunciava o pai o di-
reito de usufruto (Ord. cit., § 2.°); 5.°, os oriundos de
herança materna ou paterna, quando o pai ou a mãe não
tivesse feito o inventário nos prazos da lei (Ord. cit.,
§ 6.°, e dec. de 24 de Janeiro, art. 99) (8).
Como se tratava de uma pena, nesta última hipó-
tese, a perda do usufruto e da administração dependia
de uma sentença, legalmente proferida, em termo de uma
ação proposta.
O pecúlio profectício era um bem do pai. Portan-
to, o filho só tinha sobre ele o poder de gestão mais ou
menos estensa, que lhe facultava o pai, que respondia pe-
las dívidas contraidas pelo filho, nessa administração, até
ao valor do pecúlio. Emancipado o filho, revertia o pe-
cúlio ao pai, salvo se este queria doá-lo a quem, até então,
o administrara. E presumia-se doado, se, depois da eman-
cipação, o pai não chamava o pecúlio a si.
Ateoria dos pecúlios apareceu, no direito romano,
como abrandamento pouco a pouco introduzido no rigo-
rismo esmagador do pátrio poder. Hoje que os antigos
moldes de autoridade paterna se decompuseram e se trans-
formaram, sob o impulso de mais altruística orientação,
tendo o pai maior soma de deveres do que de poderes, man-
tendo-se a capacidade do filho apenas sob a restrição im-
posta por sua falta de discernimento, e expandindo-se em
pleno vigor ao término da menoridade ou advento da
emancipação, seria incongruência a conservação do anti-
quado regime dos pecúlios.
Os códigos modernos rejeitaram-no, preferindo sis-
temas, por certo, mais conformes com a atualidade do di-

(8) Projeto, arts. 369-398.


RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 37 í

reito, mais simples, e alguns juristas pátrios julgaram-se


autorizados a pô-lo de lado (9).
O Código Civil pôs de lado a doutrina dos pecúlios,
ainda que alguns vestígios dela aí se encontrem (9a),
O pai, e a mãe são os administradores legais dos
bens dos filhos, que se acham sob o seu poder, salvo se
se tiver casado antes de fazer inventário do casal (arti-
go 385). Não pode, porem, alienar, hipotecar, ou gravar
de ônus real, os imóveis do filho, nem contrair, em nome
dele, obrigações que ultrapassem os limites da simples ad-
ministração, exceto por necessidade, ou evidente necessi-
dade utilidade, mediante prévia autorização do juiz (ar-
tigo 386) (9b).
Achando-se no exercício do pátrio poder, o pai (ou
a mãe) tem o usufruto dos bens do filho (art. 389), ex-
ceto se os bens foram deixados com exclusão desse usu-
fruto, ou para determinado fim (art. 390). 'O pai não
terá usufruto, nem administração dos bens do filho, quan-

(9) Coelho da Rocha, Instituições, § 304 e segs. e nota Q


no fim do 1.° vol. O Código Civil português, arts. 144-149, e o
chileno, art. 243 e segs., manteem o regime dos pecúlios, embora
simplificado. Em outros, ainda subsistem vestígios do sistema; mas,
em geral, o assunto se acha consideravelmente modificado e simpli-
ficado. Vide o Código Civil francês, arts. 384-387; italiano, 322; ar-
gentino, 287-295; espanhol, 159-166; Projeto Coelho Rodrigues,
arts. 2.192-2.198. A tendência é dar ao pai a administração e usu-
fruto sobre todos os bens do filho, com exceção daqueles que são
adquiridos, como diz o Código Civil francês, art. 387 "par un tra-
vai! et une industrie separes... ou donnés ou legués sous la condi-
tion expresse que leur père et mère n'en jouiront pas".
(9-a) Art. 391, II.
(9-b) Somente o filho, os seus herdeiros, ou o representante le-
gal do filho, se durante a menoridade do filho cessar o pátrio poder
do infrator do pteceito acima exposto, é que podem propor a anu-
lação do ato infringente do mesmo preceito (art. 388). Rssa ação
prescreve em um ano, contado do dia, em que o filho atingir à
maioridade, ou do seu falecimento, se morreu menor, ou no dia
em que o pai tiver decaído do pátrio poder, segundo a hipótese (Cód
Civil, art. 178, § 6.°, ns. III e IV).
372 DIREITO DA FAMÍLIA

do adquiridos antes do reconhecimento; ou no serviço mi-


litar, no magistério, ou em qualquer função pública; se
deixados ou doados com a condição de não serem admi-
nistrados pelo pai; se herdados pelo filho, quando os pais
forem excluidos da herança (art. 391).

§ 75

RESPONSABILIDADE DO PAI PELOS ATOS DO FILHO

Nos atos da vida civil, se os filhos agem por man-


dato expresso ou por assentimento dos pais, responderão
estes dentro dos limites da autorização, podendo ser de-
mandados pela ação quod jussu, ou ex mandato. Nao
havendo autorização expressa, nem tácita, exime-se o pai
da responsabilidade, salvo se tiver proveito do ato não
consentido, porque, então, se obrigará para com os credo-
res do filho, até a importância das vantagens auferidas,
sendo-lhe aplicável a ação de in vem verso (1).
Responde também o pai pelos adiantamentos de me-
sadas aos filhos, que se acham em lugar afastado, por mo-
tivo de estudo, ou outra razão semelhante. São alimen-
tos dados por empréstimo (Cód. Civil, art. 1.260, 11).
Afora este caso, o empréstimo de dinheiro feito aos
filhos- famílias é nulo, não se obrigando por eles, nem os
menores mutuários, nem seus pais, nem os próprios fia-
dores. Outrora, ex~vi do senatus-consulto macedoniano,
aceito pela Ord. 4, 50, § 1.°, hoje ex-vi do art. 1.259
do Código Civil.

(1) Consulte-se Loureiro, Direito civil I, § 45 e^ notas.


Ord. 4, 50, § 3.°. Não responde, porem, o pai pelas dívidas mer-
cantis do filho, que comercia por sua autorização e segundo as pres-
crições legais (Cód. Com. bras., art. 1.°, § 3.° e 26. Orlando,
nota 6 ao art. 1.°).
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 373

E' bem de ver, porem, que o pai poderá ratificar


o empréstimo contraido pelo fildo (Código Civil, ar-
tigo 1.260, I).
Se o filho tiver bens próprios, excluidos da admi-
nistração do pai (Cód. Civil, art. 391), responderão
esses bens pelo empréstimo que tiver contraido (arti-
go 1.260, III). -
Pelos atos ilícitos do filho, sob o pátrio poder, res-
ponde o pai, se o tem na sua companhia (art. 1.521, 1)^

§ 76

fc>A SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PÁTRIO PODER

í — Quando aquele a quem a lei atribue o exercí-


cio do pátrio poder se acha, transitoriamente^ na impos-
sibilidade de exercê-lo, dá-se, a bem dos interesses do fi-
lho e da própria sociedade, a suspensão dessa autoridade.
A matéria da suspensão e perda do pátrio poder está
regulada, atualmente, pelo Código de Menores (dec. nú-
mero 17.943-A, de 12 de Outubro de 1927), arts 34
a 36.
Suspende-se o pátrio poder ao pai ou à mãe (1) :

í — Condenado por sentença irrecorrivel ou crime,


cuja pena exceda de dois anos de prisão (Código Civil,
art. 394, § único), salvo o disposto em seguida quanto
a perda desse poder.
II — Que deixar o filho em estado habitual de va-
diagem, mendicidade, libertinagem, criminalidade; ou ti-

(1) Art. 32.


Bibliografia: Lemos de Brito, As leis de menores no Brasil •
Alvarenga Netto, Código de Menores; Sophia Mineiro, Código
dos Menores; Ataulpho de Paiva, Justiça e assistência; Evaristo
de Moraes, Criminalidade da infância e da adolescência * Franco
Vaz, A infância abandonãda; Moncorvo Filho, História da pro-
teção à infância no Brasil.
374 DIREITO DA FAMÍLIA

ver excitado, favorecido, produzido o estado em que se


achar o filho ou, de qualquer modo, tiver concorrido pa-
ra a perversão deste, ou para o tornar alcoólico.
III — QUe, por maus tratos, ou por privação de ali-
mentos, ou de cuidados indispensáveis, puser em perigo a
saúde do filho.
IV — Que o empregar em ocupações proibidas, ou
manifestamente contrárias à moral e aos bons costumes,
ou que lhe ponham em risco a saúde, a vida, a morali-
dade.
V — Que, por abuso de autoridade, negligência, in-
capacidade, impossibilidade de exercer o seu poder, faltar,
habitualmente, ao cumprimento os deveres paternos.
Termina o pátrio poder:
1.°, Pela morte do pai e da mãe (la). Durante a
subsistência da sociedade conjugai, o pai e a mãe teem o
exercício do pátrio poder.
Quando o marido se acha em lugar remoto, ou não
sabido, e quando sofre interdição, a mulher assume a di-
reção do lar e da família (1b).
Peta passagem da mãe a segundas núpctas. Recea-
va a lei que a bínuba se deixasse influir pelo seu segundo
marido, se preocupasse mais com os renovos do seu se-
gundo leito, e descurasse da família, a que dera nascimento
com o primeiro matrimônio. Enviuvando, porem, recu-
perava a plenitude dos direitos sobre a pessoa e bens dos
filhos (2). Embora, porem, destituída do pátrio poder,
não perdia o direito de ter consigo os filhos, do leito an-
terior, salvo se ela ou o padrasto os maltratasse (3).

1-a) Cód. Civil, art. 392.


Id3) Cód. Civil, arts. 251, I e 454.
(2) Cód. Civil, art. 393. _ , .
(3) Cód. Civil, art. 329. Discutia-se, antes do Código Ciyii,
se à bínuba era mantido o usufruto sobre os bens do filho do leito
anterior. O Código Civil resolvera a dúvida, declarando que so-
mente ao progenitor, que exerce o pátrio podei-, é concedido usu-
RELAÇõEiS ENTRE PAIS E FILHOS 375

Pelo direito anterior ao Código Civil, era caso de


perda do pátrio poder, quando o pai ou a mãe, que tivesse
filho de matrimônio anterior, se casasse, antes de fazer
inventário dos hens do casal. Alem de perder, "em pro-
veito dos filhos, duas terças partes dos bens que lhe de-
veriam caber no inventário do casal, se o tivesse feito antes
do seguinte casamento", sofria o progenitor, nesse caso,
a privação da administração e do usufruto. O Código
Civil, porem, mostra-se menos rigoroso, e somente retira
ao viuvo ou viuva, que se casa, sem fazer o inventário e
dar partilha dos bens do casal, o usufruto dos bens dos
filhos (4). Os outros direitos do pátrio poder subsistem.
2.° Quando o filho atinge à maioridade, ou se
emancipa (5). A maioridade começa aos vinte e um anos
completos.
Alguns acontecimentos operam, perante o direito, o
mesmo resultado que a maioridade, determinando a eman-
cipação legal dos filhos-famílias. Assim, são tidos por

fruto sobre os bens dos filhos (art. 389). Portanto, a bínuba, na


constância do casamento, não tendo o exercício do pátrio poder sobre
os filhos do leito anterior, estava privada do usufruto dos bens des-
ses filhos.
(4) Cód. Civil, art. 225.,
(5) Cód. Civil, art. 392, II e III. Os expostos eram decla-
rados maiores aos 20 anos, pelo Alv. II, de 31 de janeiro de 1775.
§ 8.° (Liz Teixeira, Curso, I, pág. 330). O Cód. Civil não faz
exceção para os expostos.
A menoridade termina: na Suiça, aos 20 anos (Cód. Civil,
art. 14) ; aos 21 na Inglaterra; na França (Cód. Civ., art. 498; na
Itália (art. 2); na Alemanha (Cód. Civ., art. 2); em Portugal
(art. 311); no Uruguai (art. 259); na Colômbia (Cód., art. 314,
n. 3); na Áustria (Cód. Civil, art. 21, atual). Aos 22 na Ar-
gentina (art. 126); aos 23 na Holanda (art. 385), e na Espanha
(art. 920) ; aos 25 na Dinamarca e no Chile (art. 266). Nos Es-
tados Unidos, a maioridade é, geralmente, fixada aos 21 anos, para
ambos os sexos; mas, em alguns Estados, ela é reduzida aos 18 (Whar-
ton, § 113, n. 3). Código Civil da Rússia soviética, art. 7: A maio-
ridade começa aos dezoito anos.
376 DIREITO DA FAMÍLIA

maiores os fiihos-famílias casacios (6)» Os que exercem


funções públicas, os que tiverem recebido graus científi-
cos e os que tiverem estabelecimento civil ou comercial
com economia própria, são tidos por maiores (7).
Por efeito do alistamento e sorteio militar cessa a in-
capacidade do menor, que houver completado dezoito
anos (7a).
A emancipação ainda resulta para os menores, que
tiverem dezoito anos cumpridos: da inscrição na lista dos
eleitores; de concessão do pai, ou, se for morto, da mãe;
de sentença do juiz, ouvido o tutor, se estiver sob tu-
tela (8).
III — Perde o pátrio poder o pai, ou a mae:
j — Condenado por crime contra a segurança da
honra e honestidade das famílias.
11 — Condenado a qualquer pena como coautor,
cúmplice, encobridor ou receptador de crime perpetrado
pelo filho, ou por crime contra este.
III — Que castigar, imoderadamente, o filho.
IV — Que o deixar em completo abandono.
V — Que praticar atos contrários à moral e aos
r
bons costumes (9).

(6) Vide o § 30. Diz-se que essa espécie de emancipação


é legal, porque resulta da lei. E tanto se refere ela aos íilhos-fa-
nlfíias, quanto aos orfãos. ^ ...
(7) Cód. Civil, art. 9.°, § único, V; Consolidação das leis Ci-
vis art. 202, § 3.°; Lafayette, Dir. de jam., § 119. Ver as mi-
nhas Observações ao senado nos Trabalhos respectivos, vol. III, pá-
ginas 58 a 60, e no meu livro Bm defesa, págs. 349 e 355.
(7-a)í 'Dec. n. 20.330, de 27 de Agosto de 1931.
(8) Const., art. 117; Cód. Civil, art. 9, § 1.°. A. emancipa-
ção solene, entre os romanos consistia, a princípio, numa venda fictícia
do filho, repetida por três vezes, para romper a patria potestas. Anas-
tácio introduziu a emancipação per rescriptum principis, e Justinia-
no reformou o direito anterior, mandando que os pais se apresen-
tassem aos juizes ou magistrados competentes, e perante eles demitis-
sem os filhos de seu poder, sua manu demitterent (Inst., 1, 12, § 6.°).
(9) Código de menores, art. 32.
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 37#

A perda do pátrio poder é decretada pela autoridade


competente, estende-se a todos os filhos, e abrange todo^
os direitos, que a lei confere ao pai ou à mãe sobre a pessoa
e os bens do filho (10).
Em qualquer destas hipóteses, dar-se-á um tutor ao
filho, se não for caso de transmissão da autoridade pater-
nal ao outro cônjuge.

§ 77

TRAÇOS DE LEGISLAÇÃO COMPARADA EM RELAÇÃO


AO PÁTRIO PODER (*)

No direito francês, é o pai quem exerce o pátrio poder


durante a vida conjugai (Cód., art. 373), salvo o caso
de ausência prolongada (art. 141), alienação ou interdi-
ção. Morrendo um dos cônjuges, o pátrio poder passa ao
sobrevivente, mas, ao mesmo tempo, abre-se a tutela, e,
passando o viuvo ou a viuva a segundas núpcias, conserva
a autoridade paternal, embora mais restritamente.
Apesar de certos rigores do Código, os melhores in-
térpretes hão firmado a doutrina de que o pátrio poder,
no direito francês, não é mais do que o dever de educa-
ção, e que os direitos conferidos aos pais tendem somente
a torná-los aptos a cumprir esse dever. Esta doutrina foi
confirmada pela lei de 24 de Julho de 1889, que decre-
tou a dissolução do pátrio poder contra os país, ou mães,
julgados indignos de exercer estes direitos, de acordo com

(10) Código de menores, art. 33.


Para a bibliografia, veja-se a nota 1 deste mesmo parágrafo.
Já o alvará de 31 de Janeiro de 1775 estatuía: O pai, que en~
geita ou abandona o filho, perde o pátrio poder; nem poderá mais
recobrá-lo depois.
(*) Veja-se Lehr, De la puissance et de la tutelle paternelle,
étude de législation comparée, na Révue de droit international et d»
législation comparée, 1907, pág. 52-76.
,378 DIREITO DA FAMÍLIA

os interesses superiores de educação e bem estar do fi-


lho (1).
Entre os direitos, que constituem o pátrio poder no
direito francês, está o de correção. Se o filho tem menos
de dezesseis anos, o pai tem o direito de fazê-lo deter por
via da autoridade pública. Esta prisão não poderá exce-
der de um mês. Se o filho é maior de dezesseis anos, o pai
pode somente requerer sua detenção, podendo a autorida-
de jurídica negá-la. O máximo de duração desta pena,
que o pai pode perdoar, mas da qual não há recurso, é
seis meses. A mãe também tem direito de fazer deter o
filho, mas sempre por via de requisição e mediante o con-
curso dos dois mais próximos parentes paternos do menor.
Perderá, porem, esse direito em relação aos filhos do pri-
meiro leito, quando passar a segundas núpcias (arts. 376
a 382).
Felizmente, não conhecem nossas leis tais disposi-
ções, mais perversoras do que garantidoras.
Uma outra diferença entre o direito pátrio e o fran-
cês, neste assunto, consiste na cessação do usufruto do pai
sobre os bens do filho, quando este atinge à idade de de-
zoito anos. Ainda neste ponto não temos que invejar o
direito francês.
Finalmente, o Code Civil concede o pátrio poder
ao pai e à mãe naturais, em virtude do princípio de que
-esse poder é estabelecidp no interesse dos filhos; porem, esse
pátrio poder não contem o direito do usufruto, nem a am-
plitude que, em relação às pessoas, lhe dá o casamento
válido ou putativo. Disposição idêntica se encontra cm
outros Códigos Civis, como no português (art. 166), e
no espanhol (art. 154). Na Argentina, (Cód., art. 264),
e no Chile (Cód., art. 240), a doutrina adotada é outra.
Os ilegítimos não estão sob o pátrio poder, embora re-
conhecidos. Mas, ao passo que, na Argentina (Cód., ar-

(1) Esta lei foi comipletada pela de 5 de Abril de 1898. Ver


,Pr,ANiOL, I, n. 2.490; Huc, Commentaire, III, ns. 204-233,.
RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS 379

íigo 308), a mãe goza do pátrio poder, no Chile, o di-


reito não Ifro reconhece (Cód., art. 240).
O Código Civil italiano deu um passo alem do fran-
cês, colocando, sob esta relação, em posição idêntica, o pai
e a mãe, não só quanto ao direito de correção como quan-
to à perda do usufruto legal pela passagem a segundas
núpcias. O Código francês, nestas circunstâncias, só re-
tira o direito de usufruto à mãe bínuha, o italiano, mais
justo, estendeu a imposição ao pai bínubo (art. 232).
Entretanto, se contenta com o consentimento do pai para
o casamento dos filhos.
Dissolvido o matrimônio pela morte de um dos côn-
juges, o pátrio poder passa ao sobrevivo (art. 220).
O Código Civil português (arts. 137 e segs.), como
o espanhol (art. 154), atribue o pátrio poder ao pai e à
mãe, a qual deve ser ouvida em tudo o que diz respeito aos
interesses do filho. Mas é ao pai que, especialmente, com-
pete, durante o matrimônio, como chefe da família, diri-
gir, representar e defender seus filhos menores, tanto em
em juizo como fora dele (art. 137). No caso de ausência
ou impedimento do pai, fará a mãe as suas vezes (artigo
139). No caso de abuso, os pais poderão ser punidos, na
conformidade da lei penal, e inibidos de reger as pessoas
e bens de seus filhos, a requerimento dos parentes ou do
ministério público. Neste caso, será dado tutor ou admi-
nistrador ao filho, por nomeação do conselho de família
(art. 141). O direito de recolher o filho à casa de correção
até trinta dias, por intermédio da autoridade pública, é
também conferido pelo Código português (art. 143) e
pelo espanhol (art. 156). Passando o cônjuge a segun-
das núpcias, deve proceder- ao inventário dos bens, que
pertencem ao menor, ou que tiverem de ser repartidos com
ele( art. 156), sob pena de perder o usufruto a que tem
direito; mas não perde a autoridade, nem o direito de ad-
ministração, salvo em alguns casos, a bínuba que, aliás,
não usufrue os bens o filho. O pai pode nomear, em seu
testamento, um ou mais conselheiros que auxiliem a mãe.
380 DIREITO DA FAMÍLIA

no estado vidual, com suas luzes e experiência (art. 159).


Não seguindo ela os conselhos desse mentor, e se, por sua.
contumácia ou por qualquer outro modo, abusando de
sua autoridade, prejudicar o filho, poderá ser inibida, por
deliberação do conselho de família, de reger a pessoa e o
patrimônio dele (art. 161).
No direito alemão, o poder paterno consiste, como
diz ROTH, cm relações de proteção equiparaveís à autori-
dade do tutor sobre o pupilo, acrescentadas com o direito
do usufruto (2). Na constância do casamento, cabe ao
pai o exercício do pátrio poder. Todavia, a mãe tem o
direito e o dever de cuidar do filho, prevalecendo a von-
tade do pai em caso de desacordo (Código Civil, artigo
1.634). Comprende o pátrio poder direito sobre a pes-
soa e os bens do filho, mas, em relação a determinados ne-
gócios, pode ser limitada a autoridade paterna, nomeando-
se um curador. Quanto à pessoa do filho, tem o pai o
direito de representação, o de educação, que compreende
também a parte correcional, e o de reivindicá-lo do poder
de quem injustamente o detenha (arts. 1.628-1.632).
Suspende-se o pátrio poder pela incapacidade do pai,
e termina pela morte ou condenação em conseqüência de
contudo usufruir os bens do filho (art. 1.685).
Por morte do pai, ou sendo este destituido do pá-
trio poder por sentença judicial, dissolvendo-se o casa-
mento, assume a mãe o exercício pleno dos direitos, que
constituem a autoridade paterna (art. 1.684). Mesmo du-
rante o casamento se há, simplesmente, suspensão do po-
der do pai ou impedimento, compete à mãe exercê-lo. sem
contudo usufruir os bens do filho (art. 1.685).
Na Suiça, o pátrio poder é regulado pelo Código Ci-
vil, arts. 273 e seguintes. O pai e a mãe o exercem, junta-
mente, durante o casamento; mas, em caso de divergência,
o pai decide. Falecendo um dos cônjuges, cabe ao sobre-
vivo o pátrio poder; dado o divórcio, compete o pátrio

(2) Koth, System, II, § 169.


381

podsr, ao cônjuge a quem foram confiados os filhos, O


pai e a mãe teem o direito de correção.
O Código Civil do Perú? art. 391, dispõe: "O pátrio
poder é exercido pelo pai e pela mãe, durante o casamento.
Em caso de divergência, prevalece a opinião do pai". Mas
o art. 392, acrescenta: "o representante legal do filho e
administrador de seus bens será o pai".
Na Inglaterra, o pátrio poder também consiste no
dever de criar, educar e proteger os filhos menores. Para
cumpri-lo, tem o pai o direito de determinar o lugar da
residência do filho, corrigí-lo enquanto menor, encarcerá-lo
em sua própria casa, e, numa palavra, toda autoridade
necessária para bem cumprir seu dever de educação. Em
caso de abuso do pai, a lei o destitue do pátrio poder e
transfere os filhos para a proteção tutelar. Demais, a In-
glaterra possue, como a França e outros países, leis que
asseguram à infância proteção social contra os pais des-
naturados, ou tutores indignos e os parentes perversos,
que a maltratam ou exploram (3).
Sobre os bens do filho, o pai não tem mais direito
do que um tutor comum. Administra-os, colhe seus fru-
tos, e os restitue logo que o filho chega à maioridade (21
anos). Em compensação, tem direito ao trabalho do fi-
lho, enquanto viver em sua companhia, e de indenizar-
se das despesas extraordinárias, que com ele fizer.
A mãe substituirá ao pai nesses direitos e deveres,
se não tiver ele nomeado um tutor; mas poderá o tutor
ser apenas um auxiliar. Tudo depende da última vonta-
de do chefe da família.
O Código soviético da família desconhece o insti-
tuto do pátrio poder, segundo o organizam as Nações
do Ocidente. FIá, todavia, direitos e deveres entre pais e

(3) Atos de 26 de Agosto de 1889, no Annuaire de législation


.étranyère, do mesmo ano, e de 6 de Agosto de, 1897 (The infant
life proiection) no Annuaire deste último ano, pág. 49 e segs.
382 DIREITO DA FAMÍLIA

filhos. Os pais podem entender-se a respeito da religião,


que o filho há de seguir; na falta de acordo, entende-se
que o filho, até quatorze anos, não pertence a religião
alguma (art. 148). Os pais exercem poderes sobre os fi-
lhos varões até dezoito anos, e sobre as mulheres até dezes-
seis (art. 149). O pai e a mãe exercem esse poder em
comum (art. 150). Em caso de desacordo, decide o juiz
(art. 151). Abusando de seus poderes, será destituído
o pai (cu a mãe) dos direitos que a lei lhe confere (ar-
tigo 153).
O pai e a mãe são obrigados a velar pela pessoa e
educação dos flhos menores, e a prepará-los para uma
atividade útil (art. 154). A lei lhes confere a representa-
ção legal para a defesa dos interesses pessoais e patrimo-
niais dos filhos (art. 155) (4).

(4) Tem-se avolumado, ultimamente, uma corrente legislativa


em benefício das crianças, vítimas dos maus costumes ou da perver- ■
são moral de seus pais, guardas e tutores. Já no correr do pará-
grafo, foram citadas leis francesas e inglesas obedecendo a esse in-
tuito de proteção social. Entre nós, alem das providências consig-
nadas no dec. de 17 de Janeiro de 1894 e no Projeto do Código
Civil cumpre lembrar um projeto de lei apresentado pelo dr. Lopes
Trovão ao Senado Brasileiro, em 1902.
Filiam-se à mesma orientação: — as leis de Genebra, de 20 de •
Maio de 1891, particularmente, nos arts. 20-39 (Annuaire de légis-
lation étrangère, leis de 1891, pág. 727 e segs.) e de 28 de Maio
de 1898 {Annuaire, 1898, pág. 539 e segs.) ; os atos de 1893, cons-
titutivos do Cap. 45 dos estatutos da província de Ontario ('Canadá)
(Annuaire, 1893, pág. 900 e segs.) e de 1895, Cap. 52 dos mes-
mos estatutos (Annuaire, 1895, pág. 983) ; a lei norueguesa de 2 de
Maio de 1896 (Annuaire, 1896, pág. 611 e segs.) ; a lei da Luiziana,
de 7 de Julho de 1894 (Annuaire, 1894, pág. 908; a lei do Can-
tão de Vaiais, de 3 de Dezembro de 1898 (Annuaire, 1898, pág. 562).
€ #

CAPÍTULO XII

ALIMENTOS

§ 78

NOÇÃO DE ALIMENTOS — VOCAÇÃO A PRESTÁ-LOS

\
A palavra alimento tem, em direito, uma acepção
técnica, de mais larga extensão do que a da linguagem,
comum, pois que compreende tudo que é necessário à vi-
da: sustento, habitação, roupa, educação e tratamento de
moléstias, A Ord., liv. 1, tit, 88, § 15, o faz sentir bem
nas palavras de que usa: "o que lhes for necessário para
mantimento, vestido e calçado". O Código Civil francês
serve-se das expressões nourrir, entretenir et élever. O Có-
digo Civil português, art. 171, parágrafo único, acompa-
nhado por outros, acrescenta que os alimentos compreen-
dem também educação e instrução, se o alimentário é me-
nor (1).

(1) O Código Civil chileno, art. 323, distingue os alimentos


em congruos, que habilitam à subsistência modesta do indivíduo em
correspondência com a sua posição; e necessários, quando bastam
simplesmente, para manter a vida. Nossos civilistas chamam civis
e naturais.
3S4 DIREITO DA FAMÍLIA

O direito romano consagrava a obrigação de alimen-


tar somente em relação aos pais, ascendentes, e reciproca-
mente. As ordenações filipinas (liv. 4, tit. 99, e liv. 1,
tít. 88) seguiram, neste ponto, a doutrina romana. O
assento de 9 de Abril de 1772 ampliou a obrigação e fir-
mou a base do nosso direito anterior ao Código Civil,
que o regulou nos arts. 396 e seguintes.
A obrigação de prestar alimentos incumbe, na cons-
tância do matrimônio, ao pai e h mãe, qualquer que seja
o regime do casamento, pelo dever em que estão de con-
servar e felicitar aqueles que fizeram vir ap mundo. Os
bens comuns e os dotais devem concorrer para isso, na
falta desses os bens próprios do marido, e, finalmente, os
parafernais. Não cessa tal obrigação por anulação ^do
casamento ou desquite. Se o desquite for amigavel, os côn-
juges poderão convencionar, entre si, o modo de manterem
os filhos comuns e farão, perante a autoridade competen-
te, a declaração da contribuição, com que cada um deles
concorrerá para a criação e educação dos mesmos filhos. Se
o desquite for litigioso, o juiz que o pronunciar mandará
entregar os filhos comuns, ainda menores, ao cônjuges
inocente, e fixará a quota com que o culpado deverá con-
correr para a educação deles (Código Civil, arts. 320,
325 e 326).
Se ambos os cônjuges forem culpados, a mãe terá
direito de conservar em sua companhia as filhas, enquan-
to menores, e os filhos, até à idade de seis anos, quando
passarão para a guarda do pai (arts. 326, §§ 1.° e 2.°)»
Se todos os filhos, por determinação do juiz, cou-
berem a um só dos cônjuges, fixar-se-á a contribuição
com que deva concorrer o outro para o sustento deles (ar-
tigo 327, parágrafo único).
Morto um dos genitores, a obrigação subsiste para
o sobrevivente, e, na falta deste, para os outros ascen-
dentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau
(Cód. Civil, art. 397). Na falta de ascendentes, cabe a
ALIMENTOS 385

obrigação aos descendentes, guardada a ordem da sucessão


(2), e, faltando estes, aos irmãos (art. 398).
Os filhos ilegítimos, sejam naturais ou espúrios,
teem direito a alimentos. Os primeiros, quando reconhe-
cidos, espontaneanlente ou por ação que os declare filhos
de determinada pessoa; os segundos, quando a filiação re-
sultar de confissão ou declaração escrita do pai ou de sen-
tença não provocada pelo filho (3). Quanto aos adulte-
rinos, podem ser reconhecidos, depois do desquite do pro-
genitor (dec. n. 4.73 , de 24 de Setembro de 1942).
Entre casados, subsistindo o casamento, cabe preci-
puamente, ao marido, o dever de prover à subsistência e
bem estar da mulher. Dissolvida a sociedade conjugai,
por desquite amigavel, continúa o marido na obrigação
de alimentar a mulher, se por demasiado exígua, a fortuna
dela não for suficiente para mantê-la. Se o divórcio for
litigioso, exige-se, alem da condição de pobreza, mais a
inocência da mulher, para que tenha direito a alimentos
da parte do marido (4).
Em regra, os alimentos são somente devidos, se o
alimentário não tem recursos e está impossibilitado de
prover à sua subsistência, e quando o alimentador possue
bens alem dos necessários para a sua própria sustentação.
Este princípio é comum a todas as legislações. Excetuam-
se os casos do filho menor em relação ao pai, e da mulher
em relação ao marido, cujo direito é mais imperioso, é ab-

(2) No Egito, às filhas e não aos filhos incumfbia a obrigação


de proverem ao sustento dos pais (Pauly, Realencyclopaedie, apud
Eeist, Graecoitalische Rechtgeschichte, I, pág. 13) .
(3) Freitas, Consolidação das leis civis, art. 222 e nota 18;
Cód. Civil, arts. 398 e 405.
Na Grécia antiga, não tinham os filhos de cortezãs a obrigação
de manter seus progenitores, como também estes se eximiam de to-
dos os deveres paternais. Resultavam desse fato exposições fre-
qüentes de crianças, que se confiavam aos cuidados de estranhos ou
da República.
(4) Cód. Civil, art. 320.

— 25
336 DIREITO DA FAMÍLIA

soluto. E' certo, entretanto, que a mulher afortunada de-


ve prover à subsistência do marido carecente, como é de
razão, e o preceituaram, expressamente, alguns Códigos,
como o do Chile, art. 134, o do Uruguai art. 129, e outros.
Pelo direito anterior ao Código Civil, cessava, para
os pais, a obrigação alimentar: 1.°, se contra eles haviam
cometido os filhos alguma ingratidão, pela qual pudes-
sem ser desherdados; 2.°, se, sem justa causa, abandonas-
sem a casa dos país, faltando-lhes com os obséquios e res-
peitos devidos; 3.°, se casassem contra a vontade dos pais,
não tendo sido a falta do consentimento suprida pelo juiz
(5), Para os irmãos cessava, quando o alimentário se
retirava da casa do irmão, a quem os pedira, e quando
se casava sem consentimento dos pais comuns.
O Código Civil não manteve esses preceitos.
Há duas regras, que dominam o instituto de alimen-
tos: — Devem ser fixados na proporção das necessidades
do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada (Código
Civil, art. 400). — Pode-se deixar de exercer, mas não
se pode renunciar o direito a alimentos (art. 404).
O Código Civil português estabeleceu, a este res-
peito, regras semelhantes às do direito pátrio antigo; mas
estendeu a obrigação de alimentar, em favor dos filhos
legítimos menores de dez anos, aos transversais até dez
graus de afastamento (art. 177). Em regra geral, extin-
gue-se o dever de prestar alimentos nos casos, em que é
admitida a desherdação (art. 179). Cessa igualmente,
quando a necessidade deles resulta de procedimento re-
preensivel do alimentado. Se, porem, sua emenda já não
puder fazer com que deixe de carecer dos alimentos, o ato
repreensivel será tido em consideração somente para se lhe
diminuírem os alimentos (art. 180).
O direito civil francês torna estensíva a obrigação
recíproca de alimentar a certos parentes afins como sogros,

i
(5) T. de Freitas, Consolidação, art. 170, §§ 3.®, 4.° e 5,°.
ALIMENTOS 387

genros e noras (Cód. Civil, art. 206) e lembra a exis-


tência dela entre o adotante e o adotado (art. 349); mas
isenta os colaterais desse encargo. Quanto aos ilegítimos,
houve lacuna no Código Civil, mas a jurisprudência e a
doutrina estabelecem que o pai e a mãe devem alimentos
a seu filhos naturais reconhecidos, tendo direito à recipro-
cidade, e sem essa reciprocidade devem-nos aos adulteri-
nos e incestuosos, cuja filiação for judicialmente provada,
embora por meios indiretos (6).
Cessa a obrigação alimentar, como em nosso direito,
quando desaparece a necessidade, ou quando o alimenta-
dor não está mais em condições de cumprí-la (Código,
art. 209),
Cessa também, quando a sogra passa a segundas
núpcias, ou quando morrem o cônjuge, que produzia a
afinidade e os filhos nascidos de sua união com o outro,
O Códgo Civil alemão consagra a obrigação ali-
mentar dos pais e ascendentes (arts. 1.601-1.615), em
favor dos legítimos descendentes, dos legitimados e dos
filhos adotivos, providência para os casos de divórcio (ar-
tigo 1.585), refere-se aos cônjuges (arts. 1.360 e segs) e
ocupa-se da reciprocidade entre parentes de linha reta.
Esta instituição não existia, de modo ciam e dis-
tinto, no Código de Zurich. A obrigação de auxiliar os
indigentes, que compete à sua família, é regulada pelas
leis de assistência. Somente os parentes em linha reta esta-
vam na obrigação de auxiliar-se fora dos casos em que
pode ser reclamada a assistência pública. Cessava esse de-
ver para a família, por atos de desrespeito à piedade e à
honra pessoal ou da família.^ Porem, mesmo neste caso, o
dever normal de assistência por causa de indigência conti-
nuava a subsistir (arts. 441-442).

(6) Laurent, Cours, I, n. 194; Planiol, Traité, I, n. 2.055.


Ver também Huc, Commentaire, II, ns. 210-215.
388 DIREITO DA FAMÍLIA

No cantão dos Grisõcs (Cód., art. 68), a dívida ali-


mentar era regulada de modo mais completo. Eram por
ela obrigados os ascendentes, os descendentes e os irmãos.
Com esta feição, passou para o Código Civil o ins-
tituto, que aí é denominado dívida alimentar (art. 328).
O Código Civil uruguaio (arts. 116-126) mante-
ve-se nos moldes do francês, estendendo a mutualidade
alimentar aos parentes afins, dentro de certo grau, mas
afastou-se do modelo chamando os irmãos ao cumprimen-
to desse dever. O argentino (arts. 367-368) já, preceden-
temente, havia adotado o mesmo sistema, que obtivera as
preferências do projeto de Goyena (7). O chileno (arti-
gos 221 e 337) exclue os parentes afins, e confere direito
unilateral de pedir alimentos ao doador empobrecido e ao
religioso egresso. Alem disso, acrescenta este último Có-
digo que, somente ao cônjuge, aos descendentes, ao doador
e ao religioso egresso, são devidos alimentos congruos.
Na Inglaterra, os colaterais e os afins não são cha-
mados à prestação de alimentos, exceto em relação a estes
últimos, os padrastos, na hipótese de se acharem os fi-
lhos de sua mulher, anteriores ao enlace conjugai, sejam
legítimos, sejam ilegítimos, em luta com a miséria. Alem
disso, a lei dos pobres providencia, cuidadosamente, para
que não se vejam os indivíduos em completo abandono,
impõe penas aos pais desnaturados, autorizando a venda
forçada de bens dos parentes abastados para subministrar-
se o pagamento da dívida alimentar. E estatutos mais re-
centes impõem, aos pais e a todas as pessoas incumbidas
da educação de crianças, a obrigação de pagarem uma certa

(7) A ordem estabelecida no Projeto Coecho Rodrigues, ar-


tigo 196 é a seguinte: "A obrigação de prestar alimentos incumbe:
1.°, ao outro cônjuge; 2.°, aos descendentes; 3.°, aos ascendentes;
4.°, ao genro e à nora; 5.°, ao sogro e à sogra; 6.°, finalmente, aos
irmãos".
O Projeto primitivo (arts. 404-405) manteve o direito vigente,
deixando a distinção entre a linha materna e a paterna. A proxi-
midade do grau é o princípio regulador.
ALIMENTOS 389

soma, todas as vezes que essas crianças forem recolhidas a


uma casa de correção ou a uma escola industrial (8).

' § 79

FIXAÇÃO DOS ALIMENTOS E AÇÃO PARA OBTÊ-LOS

A obrigação de alimentar, se cumpre por meio de


prestações periódicas de uma certa soma, cuja fixação
se determina, judicialmente, segundo os recursos do de-
vedor e as necessidades do credor (1).
A pensão de alimentos, seja mensal, trimensal ou
anual, paga-se em dinheiro, em gêneros, por meio de ren-
dimentos de prédios (2), conforme as circunstâncias. O
direito francês estatue que esta pensão seja em dinheiro,
salvo se o devedor não se acha em condições de prestá-la
por esse modo, porque, então, o juiz autorizará a forne-
cer os alimentos em gêneros ou em natureza, abrigando
o alimentário em sua própria casa (Cód., art. 210). Esta
regra não se aplica aos pais quando teem de alimentar seus
filhos, ainda que maiores. A lei lhes dá a faculdade de
chamar o filho, desde logo, para a casa, sem a necessidade
de justificarem falta de outros meios, salvo se o juiz enten-

(8) Glasson, Hist. du droit et des inst- de lAngleterre, pá-


gina 215.
(1) Cód. Civil, art. 400. Ord. 1, 88,^ 15; D. 25, 3. fr. 5,
§ 7.°; Código Civil francês, arts. 208-209; italiano, 432; uruguaio,
122; alemão, 1.602, l.a al., 1.603; austríaco, 143; argentino, 372;
português, 178; espanhol, 147j Lafayette, Direitos de jamílL
§ 137,
(2) Os alimentos expressamente consignados em imóvel por
cláusula testamentária ou contratual, constituem vinculo real, Cód.
Civil, art. 674, VI. Aqui se trata, porem, particutlarmente, dos ali-
mentos devidos jure sanguinis, e não daqueles que se originam de
convenções ou de última vontade, os quais obedecem a princípios di-
ferentes, não constituindo, como os legais, uma figura jurídica à
parte.
390 DIREITO DA FAMÍLIA

der que os interesses da moral e a dignidade do filho não


lhe permitem aceitar esta cohabitação. Nossos escritores
falam também de uma justa causa para os filhos aparta-
rem-se da casa paterna, nestas circunstâncis (3).
O nosso Código Civil, art. 403, permite à pessoa
obrigada a suprir alimentos, a dar certa soma, ou, se pre-
ferir, fornecer hospedagem e sustento. Compete, porem, ao
juiz, se as circunstâncias o exigirem, fixar a maneira da
prestação devida (art. cit., parágrafo único).
Tanto pelo nosso quanto pelo direito português
(Cód., art. 181) e pelo francês (Cód. Civil, art. 209), os
alimentos podem ser aumentados ou diminuidos, ou mes-
mo dispensados, na razão da necessidade do credor e ren-
dimentos do devedor (4).
A obrigação de prestar alimentos não é solidária, nem
indivisivel, porque, como diz LAURENT, não há solida-
riedade sem declaração expressa da lei, nem obrigação indi-
visivel que recáia sobre objeto divisivel.
O direito estabelece, como ficou indicado, uma or-
dem, segundo a qual as pessoas são sucessivamente cha-
madas à prestação dos alimentos. Porem, mesmo assim,
podem concorrer muitas pessoas, que estejam colocadas
no mesmo grau para o cumprimento dessa obrigação.
Neste caso, a dívida alimentar será dividida entre todos os
co-obrigados, em quotas proporcionais aos seus haveres.
Esta quota constitue uma dívida especial, que não
se transmite aos herdeiros do devedor (Cód. Civil, arti-
go 402).

(3) Si recedant ob novercas, vel ob inimicitias cum alio fra-


tre, aut propter litem cum patre, vel ob culpam ejusdem patris, qui
sit forte nimis saevus; meretrices aut collusores male morigeratos in
domo habet, filliumve ipsum a domo vel mensa ejecerit (Arouca ao
fr. 3 D. de eis qui sunt sui, n. 3).
(4) Cód. Civil brasileiro, art. 401. Igualmente pelo Código
Civil italiano, art. 434; espanhol, 147; uruguaio, 125; mexicano, 224,
e por outros ainda.
ALIMENTOS

A ação de alimentos era sumária, se se pediam futu-


os, e ordinária, se se pediam pretéritos, ou quando os ali-
mentos não eram devidos por direito de sangue (jure san~
guinis) (5),
Proposta a ação, e em qualquer estado da causa, po-
derá o autor pedir ao juiz que obrigue o réu a prestar-lhe
alimentos provisionais, durante a lide (alimenta ad (i-
tem). E' necessário, porem, que justifique, sumariamen-
te, o parentesco alegado e a pobreza. Depois do que o
juiz arbitrará a quota devida, que há de ser paga com an-
tecipação.
São pouco comuns estes pedidos de alimentos pro-
visionais. T. DE FREITAS dizia que, no seu tempo, não
conhecera exemplo deles, em nosso foro (6). Salvo em
casos de desquite, creio que continua a ser exata a obser-
vação do insigne jurista (7).

(5) Correia Teixes, Doutrina das ações, § 99, e nota 502


da ed. de T. de Freitas.
^o) Teixeira de Freitas, loc. cit., nota 489, ad.
(7) Sobre alimentos provisionais na ação de divórcio, veja-
se Paulo de Lacerda, no Direito, vol. 102, págs. 345-347.'
:
' , '■
.t
CAPÍTOLO XIII

DA TUTELA

§ 80

NOÇÕES DA TUTELA

Tutela é o encargo civil conferido a alguém pela lei,


ou em virtude de suas disposições, para que administre
os bens, proteja e dirija as pessoas dos menores, que não
se acham sob a autoridade de seus pais ou mães, quando
a estas competem direitos, que a lei atribue aos pais sobre
a pessoa e os bens dos filhos (1).
O direito romano antigo conhecia uma tutela dos
impúberes e outra das mulheres, com exclusão das ves-
tais (2). Os púberes menores estavam em curatela, cujo
conceito é diverso.

(1) O nome, com que o antigo direito português designava


este instituto, era — guarda; e guardadores chamavam-se os tutores
(Ord. Af., 4, 82; Loureiro, Dir. civ. bras., § 161, nota.
(2) O direito indiano também mantinha a mulher, secundo a
lei de Manú, em uma tutela perpétua. Durante a infância, achava-
se sob a guarda do pai; sob a do marido, depois de casada; e sob a
dos filhos maiores, na viuvez, para que, em tempo algum, se não
pudesse dirigir por seu arbítrio. E é ao elemento religioso, tão pre-
394 DIREITO DA FAMÍLIA

A tutela parece ter sido criada mais para impedir a


dissipaçáo da fortuna, que devia passar para os agnados,
sendo como era o direito de tutela intimamente ligado ao
de sucessão: ubi emolumentum successionis. ibí ônus tu-
telae. Os agnados, porem, só eram chamados a gerir a
tutela, se o pai por testamento não havia nomeado tutor
para seu filho. Subsidiariamente, o pretor nomeava um
tutor, que era chamado atiliano.
Com o evolver da sociedade, firmando-se mais po-
derosamente as relações nacionais e públicas em substitui-
ção aos estreitos vínculos da sociedade familial, a tutela
da mulher desapareceu e a dos impúberes foi adquirindo
seu carater de verdadeiro jus alium tuendi e de rnunus
publicum.
Sua aceitação é imposta, salvo escusa legal, quer se
trate da testamentária, quer da legítima ou dos agnados,
quer da dativa (atiliana).
Chegando o menino à puberdade, extinguia-se a
tutela.
Eram, no último período do direito romano, inca-
pazes de exercer tutoria: os escravos, os estrangeiros, as
mulheres, os dementes, os pródigos, os surdos-mudos,
os menores (3), os bispos, os monges, os inimigos do
pupilo ou de seu pai, os soldados em serviço, os credores
ou devedores do pupilo, os que com ele sustentassem qual-
quer demanda, aqueles aos quais fòra interdita a tutela
pelo pai, e os judeus em relação aos cristãos.
Para os escravos, abriu-se uma exceção: se o senhor
nomeava seu escravo tutor de seu filho. Igualmente, a

ponderante no direito indú, que devemos, principalmente, atribuir


essa pupilagem perpétua da mulher. Ainda no direito germânico
a mesma concepção dominava.
Vide mais os §§ 2.° e 26 deste livro.
(3) No direito primitivo encontra-se a anomalia de poderem
os impúberes e os mentecaptos do sexo masculino ser tutores das mu-
lheres. 4
DA TUTELA 3G5

incapacidade sexual encontrava uma exceção, quando a


mulher era mãe ou avó do pupilo.
Nosso direito atual é o direito romano com algumas
ligeiras modificações. O Código Civil (art. 406), consi-
dera tutores os que velam sobre a pessoa e os bens dos me-
nores. Desapareceu a distinção entre tutores e curadores de
menores.
E' a tutela encargo público, porque é a sociedade
que, no interesse dos menores, lhes dá um defensor e guia,
em substituição aos que perderam na pessoa de seus pais.
Devem, portanto, incidir em tutela: 1.°, os filhos legí-
timos, órfãos de pai e mãe; 2.°, os filhos legítimos, órfãos
de pai, e cuja mãe é bínuba ou passou a segundas nupcias;
3.°, os filhos-famílias menores cujos pais e mães se acham
impossibilitados de exercer o pátrio poder, por incapaci-
dade moral, ou ausência em lugar remoto ou não sabido;
4.°, os enjeitados, os abandonados e os ilegítimos não re-
conhecidos, órfãos de mãe (4).

(4) Cód, Civil, arts. 379, 383, 393 e 406. Era questão muito
debatida entre nós, se a mãe natural exercia o pátrio poder, e, assim,
os seus filhos não necessitavam de tutores, enquanto as tivessem
para protegê-los. Em sentido favorável, pronunciaram-se: o Tribu-
nal da Relação do Maranhão, em acordão de 25 de Novembro de
1895 {Jurisprudência do citado íribunai), sendo relator do feito o
notável cultor das letras jurídicas, desembargador Cunha Machado;
O Supremo Tribunal de Justiça do Amazonas, em acordão inserto
no Direito, vol. 82, pág. 190; a Relação da Baía, em luminoso acor-
dão publicado no Direito, vol. 87, págs. 657-660; o dr. Gabriel
Ferreira, em valioso parecer estampado no Direito, vol. 83, pá-
ginas 473-480, etc.
Doutrina oposta aceitaram.: o acórdão do Supremo Tribunal Fe-
deral, em 29 de Julho de 1898 {Direito, vol. 76, pág. 82) ; o acor-
dão do Tribuna!! da Relação do Maranhão, de 25 de Outubro de 1898
{Jurisprudência do mesmo Tribunal, vol. 9, págs. 44-47) ■ o acór-
dão do Tribunal Civil e Criminal da Capital Federal, de 25' de Ou-
tubro de 1900 {Direito, vol. 73, pág. 400) ; o dr. Raja Gabaglia
em observações insertas na Revista de Jurisprudência, vol. I pá-
ginas 222 e 224; e o acórdão do Tribunal de Apelação da Baía,'pro-
396 DIREITO DA FAMÍLIA

L0 Testamentária, feita em testamento ou codi-


cilo pelo pai, ou mãe, no exercício do pátrio poder; ou

ferido a 19 de Novembro de 1895 {Revista de Jurisprudência, vol. 2y


págs. 287-295), etc.
Nas edições anteriores deste livro, sustentei que o dec. n. loi,
de 24 de Janeiro, alterara profundamente o direito civil pátrio, nesta
parte, concedendo à mãe viuva, não binuba, os direitos constitutivos
do poder paterno e exigindo do filho que impetrasse licença a sua
mãe natural, quando tivesse de casar. A primeira das aludidas re-
formas elevou a mulher, conferindo-lhe direitos, que, anteriormente,
lhe eram negados, aproximando-a da condição civil do homem,
segunda estendeu as vantagens da primeira à mãe natural. De fato.
leiam-se e comparem-se os arts. 7.°, § 7.°, 14 e 18 do citado de-
creto, e lúcida resultará a idéia propugnada. 070
São proibidos de casar, determinava o art._ 7.°, ^ — as
pessoas que estiverem sob o poder ou sob a administração de outrem,
enquanto não obtiverem o consentimento ou o suprimento do con-
sentimento. . 1J. ^ + 7o 8 70
Acrescentava o art. 14 que o impedimento cio art. • > 8 '
poderia ser oposto pela pessoa de cujo consentimento dependesse
um dos contraentes, e o artigo 18, estabelecia que a mãe natural eri
uma dessas pessoas de cujo consentimento podia dependei um os
contraentes. _ . _ ,
Ora, se o casamento necessitava da prévia autonzaçao da mae
naturál (art. 18), e se a pessoa, cujo consentimento é necessário,,
exercia sobre o nubente, poder ou administração, segundo se ex-
prime o art. 7.°, § 7.°, claro era que a mãe natural havia de ter um
desses dois atributos. Mas administrador das pessoas, na linguagem
da lei é curador, e os casos de curadoria são os de prodigalidade ou
alienação mental; portanto à mãe devia competir outra razão de au-
toridade. Esta não podia ser senão o pátrio poder.
Dir-se-ia que se colocava, desse modo, a mãe natural em me-
lhores condições do que a legítima. Respondia-se, porem, a essa ob-
jeção, fazendo notar que a qualidade de mãe coloca a mulher nas
melhores condições para dirigir a pessoa e os bens do filho, e por
isso bem fizera a lei chamando-a, quando viuva, ao exercício do
pátrio poder. Durante a vigência do casamento, à mãe legítima re-
cusava a lei o pátrio poder, porque não queria diminuir a autoridade
do pai, que é o chefe da família. A mãe natural está nas condições
da viuva, que não passa a segundas núpcias; pode por isso, dedú ar-
se à educação de seus filhos, sem ser nessa nobre função perturbada
pela autoridade do marido e, consequentemente, não havia razão
DA TUTELA 397

pelo avô, sendo já falecidos o pai e a mãe do menor (5).


Independem de confirmação do juiz as nomeações de tu-
tores feitas por essas pessoas. Se, porem, o pai natural
nomeasse tutor para seu filho em testamento, era preciso,
pelo direito anterior, que o juiz confirmasse a nomeação
para produzir efeitos jurídicos.
A nomeação também pode ser feita por outro do-
cumento autêntico (Cód. Civil, arts. 407 e 408).
2.° Tutela legítima, deferida aos parentes, segundo
a ordem da proximidade em graus, sendo, em primeiro
lugar, preferido o avô, depois a avó, se quiser, e viver ho-
nestamente (6). De acordo com o direito romano, tem-se

para arredá-la, e em seu posto colocar um estranho, que não poderá,


normalmente, ter pelos menores o mesmo interesse.
Depois, na ausência de uma disposição expressa de lei, o que se
reclamava para a mãe natural eram os direitos dedorrentes de sua
qualidade de mãe, e os quais constituem os elementos do pátrio poder,
isto é, o direito de conservar os filhos em sua guarda e o de edu-
cá-los. O usufruto sobre os bens do filho e pierrogativa normalmente
conferida por lei ao progenitor legitimo, quando exerce o pátrio po-
der, mas nada impede que seja atribuído ao ilegítimo, no caso de
que aqui se trata.
Finalmente, se a mãe ilegítima for incapaz, moralmente, de ter
os filhos sob sua guarda e direção, compete ao juiz dar-lhe tutor,
como daria se fosse ela viuva, como daria, tratando-se de pai legitimo.
O Código Civil solveu esta dúvida determinando, no art. 379,
que o filho ilegítimo, legalmente reconhecido, está sob o pátrio poder
do pai; e, no art. 383, que, não sendo reconhecido o filho pelo pai,
exercerá sobre ele o pátrio poder a sua mãe.
(5) Este direito do avô, consagrado no Código Civil, art. 407,
como fora na Ord. 4, 101, § 1.°, é reminiscência do direito ro-
mano, que se não compadece com o estado atual do nosso.
(6) A mãe sobrevivente, -não sendo bínuba, tem o pátrio po-
der enquanto não passa a segundas núpcias. (Dec. de 24 de Janeiro
de ^890, art. 94). Deste modo, ampliadas as atribuições da mãe
de família, avultaram também as suas obrigações e responsabilidades.
Mas, se essa cominação da perda da administração dos bens
deve ferir a mãe bínuba, haverá a mesma razão para ferir o pai que
contrai segundas núpcias? Brideç reclama um tratamento igual para
os dois cônjuges; mas, incontestavelmente, a influição do segundo
DIREITO DA FAMÍLIA

entendido, diz LAFAYETTE, apoiado em LOBÃO e BORGES


CARNEIRO, que a Ord., 4, 102, § 3.°, somente convida a
avó para o exercício da tutela, na ausência de avô, quer
paterno, quer materno. E' também esse o pensar de LOU-
REIRO; nem seria razoavel uma excepcional precedência do
sexo feminino, neste caso particular. O Código Civil, ar-
tigo 409, I, pôs clara a ordem, em que devem ser chama-
dos os avós, para a tutela dos netos.
Entre os outros parentes, são preferidos os mais che-
gádos e os mais idôneos: os irmãos, preferindo os bilate-
rais aos unilaterais, o do sexo masculino ao do feminino,
o mais velho ao mais novo (art. 409, II); os tios, na
falta de irmãos, sendo preferido o do sexo masculino ao
do feminino, e o mais velho ao mais moço (artigo cita-
do, III).
O parente que, sem justa causa, se escusasse da tu-
tela perdia o direito de suceder ao menor, no caso deste fa-
lecer na idade pupilar (Ord., 4, 102, § 6.°). O Código
Civil não manteve esta exclusão.
3.° Tutela dativa, conferida pelo juiz, na falta de
tutoria testamentária e não havendo parentes do órfão,v
com a precisa idoneidade, a um estranho, residente no do-
micílio do menor, que esteja nas condições de bem gerir
os bens e dirigir a pessoa do mesmo (7). O juiz de ór-
fãos, dentro de um mês, a contar do dia, em que o menor
entrou em orfandade, ou do dia em que sua mãe passou
a segundas núpcias, ou daquele, enfim, em que se achou
privado de seus protetores naturais, por qualquer cir-
cunstância, deve providenciar para que não fique ele, nem

matrimônio é mais poderosa para a mulher do que para o homem.


Em todo o caso, é justo, como fez o Código italiano, art. 232, que
se retire, ao bínubo de qualquer sexo, o usufruto legal sobre os bens
do filho do leito anterior. .
(7) O juiz competente para dar tutor ao orfão é o de seu
domicílio {Revista forense, vol. V, 1906, pág. 33 e segs.).
DA TUTELA 3Q9

a sua fortuna, ao desamparo, nomeando-lhe um tutor


capaz.
A nomeação do tutor far-se-á logo que ocorra a cau-
sa da tutela; mas o tutor testamentário entrará em exercí-
cio depois de cumprir-se o testamento, que os houver ins-
tituido (Cód. do Processo Civil, art. 600).

§ 81

DA INCAPACIDADE PARA EXERCER A TUTELA

Não podem ser tutores (1) :


I. Os que não tiverem a livre administração de seus
bens. II. Os que, no momento de lhes ser deferida a tu-
tela, se acharem constituídos em obrigação para com o me-
nor, ou tiverem que fazer valer direitos contra este; e
aqueles cujos pais, filhos, ou cônjuge tiverem demanda
com o menor. III. Os inimigos do menor, ou de seus
pais, ou que tiverem sido por estes, expressamente, excluí-
dos da tutela. IV. Os condenados por crime de furto,
roubo, estelionato ou falsidade, tenham ou não cumprido
a pena. V. As pessoas de mau procedimento, ou falhas em
probidade e as culpadas de abuso em tutorias anteriores.
VI. Os que exercerem função pública incompatível com a
boa adminístfação da tutela.
O estrangeiro achava-se, igualmente, afastado do
exercício da tutela sobre um nacional (2); mas, diante
da igualdade estabelecida pelo art. 72 da Constituição
federal, entendia-se que essa proibição não se refera ao
estrangeiro residente no país (3), O Código Civil tor-

(1) Cód. Civil, art. 413.


(2) Aviso de 8 de Junho de 1837; Lafayette, Direitos de fa-
mília, § 148; Loureiro, Dir. civ., § 163; Pimenta Bueno, Dir.
int. priv., § 85.
(3) Carros de Carvalho, Dir. civil, art. 1.652. Não há
razão, diz Fiori, para excluir o estrangeiro das funções tutelares
e o direito italiano o não exclue {Droit int. prive, I( n. 467).
400 DIREITO DA FAMÍLIA

nou clara a capacidade do estrangeiro para o encargo da


tutela. _
Ainda aos doutores em direito ou em medicina era
interdita a tutoria pela Ord., 4, 104, § 5.°. Mas uma
tal disposição, desarrazoada na atualidade, ja perdera, de
todo, a sua força pelo desuso, que o soterrara (4), antes
mesmo do Código Civil.
Finalmente, a mulher, de modo geral, era excluída
da tutela, exceto a avó, se. viuva honesta, renunciasse o
benefício veleiano.

§ 82
(
DAS ESCUSAS

Aqueles, a quem a lei não interdiz o exercício da tu-


tela. poder-se-ão, entretanto, escusar dela, se em seu fa-
vor'militarem as razões que ela considera aceitáveis para
esse efeito. Sem uma condição, a tutela impõe-se, porque
é um encargo, um munas público.
As escusas de nosso direito são ainda as do direito
romano, com alterações de pequeno valor.
Assim, estão dispensados do encargo da tutela testa-
mentária, legítima ou dativa (1)' os que tiverem a seu
cargo mais de cinco filhos; os maiores de 60 anos; os en-
fermos temporários de moléstia grave, enquanto durarem
os efeitos da moléstia; os que habitarem longe do lugar,

(4) Lafayette, op. cit., § cit. ; Teixeira de Freitas,


Consolidação, nota ao art. 262, § 7.°. Por direito romano, os dou-
tores tinham uma escusa, mas não eram feridos de incapacidade
(1) Cód. Civil, art. 414. Para o direito anterior: Ord. 104,
88, §§ 1.° a 4.°; Lafayette, op .cit., § 146; Loureiro, op. cit.,
§ 177; Teixeira de Freitas, Consolidação, art. 263.
Nesta edição se deixa de incluir a miilher, entre os que podem
escusar-se da tutela, porque não há mais fundamento para esta ex-
ceção.
DA TUTELA 401

onde se haja de exercer a tutela; os que já exercerem tu-


tela (la) ou curatela; os militares em serviço.
Quem não for parente do menor, não poderá ser
obrigado, a aceitar tutela, se houver no lugar parente idô-
neo, em condições de exercê-la (2).
O direito romano ainda continha algumas escusas
que haviam sido recebidas pela prática do fôro e pelos tra-
tadistas, como fossem: a administração de três tutelas
{Inst., 1, 25, pr,); e a ausência a serviço público
cit, § 2.°). As Ordenações, por sua vez, se referiam aos
magistrados e auxiliares da justiça.
As escusas devem ser alegadas dentro de dez dias,
a contarem-se da intimação feita ao que, sendo nomeado
tutor, se acha em alguma das condições previstas pela lei.
Descurando-se de fazer valer seu direito em tempo, en-
tende-se que fez renúncia dele (3). Em geral, porem, é
preciso notar, as escusas, embora ocorridas depois de aceita
a tutela, podem ser utilizadas, contando-se o prazo do dia
em que sobrevier.

83

garantias da tutela

Deferida a tutela, e não havendo escusa a opor, de-


ve, desde logo, entrar o tutor em funções, sob pena de
responder por perdas e danos. Essa entrada em funções
consiste no compromisso prestado, perante o juiz, de bem
gerir a tutela e no recebimento, por inventário, do patri-

(1-a) Os tutores nomeados nos casos do Código de Menores,


arts. 41 a 44 não são obrigados a aceitar a tutela, e, aceitando-a,
serão dispensados da hipoteca legal, se o menor não tiver bens.
(2) Cód. Civil, art. 415.
(3) Código Civil, art. 416. Lafayette, op. cit.„ § 149,
apoiado em Lobão, Ac. sum-, § 383, nota.
— 26
402 DIREITO DA FAMÍLIA

mônio do pupilo. Antes, porem, de assumir a tutela, é


obrigado o tutor a especializar, em hipoteca legal, que
será inscrita, os imóveis necessários, para acautelar, sob a
sua administração, os bens do menor (1). . „ .
Se os imóveis do tutor não valerem o patrimônio
do menor, reforçará o tutor a hipoteca, mediante caução
real ou fideijussória; salvo se para tal não tiver meios, ou
for de reconhecida idoneidade (2).
O juiz responde, subsidiariamente, pelos prejuizos,
que sofra o menor, em razão4da insolvência do tutor, de
lhe não ter exigido a garantia legal, ou de o não haver
removido, tanto que se tornou suspeito (3) .
A responsabilidade será pessoal e direta, quando o
juiz não tiver nomeado tutor, ou quando a nomeação não
houver sido oportuna (4).
A hipoteca legal do tutor, como outra qualquer
não vale contra terceiros, não estando inscrita e especia-
lizada (5).

84

DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO TUTOR

I — A mais importante obrigação do tutor é, sem.


dúvida alguma, a de sustentar e educar o órfão, e dela
se desempenha ele segundo os ditames a moral, da razão
esclarecida e do direito, no que o auxilia e fiscaliza o juiz,
como representante imediato da sociedade e depositário
da autoridade pública.

(1) Cód. Civil, art. 418 e 827, IV. Ord. 4, 102, pr. e § 5.°,
T. de Freitas, Consolidação, art. 251 e notas; Lafayette, Dir.
de família, § 150.
(2) Cód. Civil, art. 419.
(3) Cód. Civil, art. 420.
(4) Cód. Civil, art. 421.
(5) Cód. Civil, art. 828.
DA TUTELA 403-

A criação do órfão poderá ser feita em companhia


dos parentes mais próximos, mas compete ao tutor, sob
a fiscalização do juiz, resolver a respeito (1).
A educação intelectual e profissional será dada, como
dizia a Ord., 1, 88, § 15, "segundo a qualidade de suas
pessoas e bens". Mas a instrução primária, sendo como
é gratuita, não deverá ser recusado aos órfãos de qual-
quer condição.
Aqueles que possuem bens serão alimentados e edu-
cados à própria custa, arbitrando o juiz as quantias que
para tal fim julgar necessárias, na proporção dos rendi-
mentos do órfão, se, porventura, o pai não tiver provi-
denciado nesse sentido, em seu tratamento (2) .
Aqueles órfãos, que não possuirem bens, poderão ser
alimentados por seus parentes, segundo os preceitos do
direito (3). Aqueles, porem, que não tiverem parentes
abonados, ou serão dados à soldada (4), ou recolhidos
em asilos de meninos desvalidos (5), ou nos arsenais (de-
creto de 29 de Dezembro de 1837).

(1) Cód. Civil, art. 422. Ord. 1, 88, §§ 10, 11, 15 e 16;
Carlos de Carvalho, Dir. civil, art. 1.654, pr. e §§ 1.° a 3.°.
(2) Cód. Civil, art. 425. Ord. 1, 88. § 15. Carlos de
Carvalho, Direito civil, art. 1.654, § 4.°.
(3) Vide § 78 deste livro.
(4) Nem o juiz de orfãos (nem o escrivão) pode tomar para
si, em soldada, orfãos de sua respectiva jurisdição (Ord. 1, 88,
§ 14).
(5) O dec. de 9 de janeiro de 1875 deu regulamento para essa
espécie de asilos. Diz o seu art. I.0: "O asilo é um internato des-
tinado a recolher e educar meninos de 6 a 12 anos de idade".
Depois de completa a educação, permanecerão ainda no asilo esses
meninos, trabalhando nas oficinas por três anos. Metade do pro-
duto de seu trabalho será recolhido à Caixa Econômica, para lhes
ser entregue por ocasião da sua saida (art. 5.°).
Os menores abandonados e delinqüentes são recolhidos aos Abri-
gos de menores, enquanto não se lhes dá destino definitivo (CódNo
de Menores, art. 189).
404 DIREITO DA FAMÍLIA

A idade, em que devem ser os orfaos dados a col-


diada, é de doze anos, em virtude do art. 101 do Có-
digo'de Menores. Aliás, entre doze e quatorze anos, os
menores não podem ser ocupados, se ainda não tiverem
completado a sua instrução primária; salvo se a autori-
dade competente considerar necessário o trabalho do me-
nor para a subsistnêcía dele, dos pais, ou irmãos, con-
tanto que recebam a instrução escolar, que lhes seja pos-
sível (Cód. cit., art. 102).
Antes da idade de quatorze anos, os menores nao
podem ser admitidos nas usinas, manufaturas, estaleiros,
minas ou qualquer trabalho subterrâneo, pedreiras, ofi-
cinas f5a) ainda quando esses estabelecimentos tenham
carater profissional ou de beneficência (art. 103). Exce-
tuam-se os estabelecimentos, em que sao empregados so-
mente os membros da família, sob a autoridade do pai, da
mãe ou do tutor (art. cit., § 2. ).
São proibidos aos menores de dezoito anos os tra-
balhos perigosos à saúde, à vida, a moralidade, excessiva-
mente fatigantes ou que excedam suas rorças ^art. 10 ).
Antes da idade de dezoito anos não poaem os ope
rários e aprendizes ser empregados em trabalhos notur-
nos (art. 109).
Os menores do sexo masculino, de menos de dezesseis
anos e os do feminino, antes de dezoito, não podem ser
empregados como atores, ou figurantes, em representa-
ções públicas (art. 111).
jj Cabe, em segundo lugar, ao tutor administrar
tão zelosamente os bens do pupilo como se fossem pró-
prios. E, portanto, cumpre-lhe conservá-los, utilizando-
os do melhor modo, desenvolvê-los e consolidá-los.

(5-a) Na indústria, eni geral, diz o dec. n. 22 042, de 3 de


novembro de 1932, que estabelece as condições do trabalho dos me-
nores na indústria, e que modificou algumas das disposições do Lo-
digo de Menores.
DA TUTELA 40o

Para arrendar os bens de raiz do pupilo, deverá pe-


dir a intervenção do juiz, que ordenará a licitação em
hasta pública (Cód. Civil, art. 427, V). Mas, não apa-
recendo uma proposta aceitável, ou por derisória no va-
lor ou por desprovida de garantias, quer de ordem econô-
mica, quer de ordem moral, ao tutor cumpre administrá-
los por si.
Quando for danosa ou improdutiva a conservação
dos moveis, tanto corpóreos quanto incorpóreos, reque-
rerá o tutor ao juiz para que sejam eles alienados em
praça (5b).
Os imóveis consideram-se como de mais sólida se-
gurança, e, por isso, devem ser conservados, salvo: a) alie-
nação forçada por necessidade ou utilidade pública;
b) quando houver manifesta vantagem, diz o art. 429.
Mais rigoroso, o direito anterior exigia inescusavel ne-
cessidade para alimento do pupilo, para pagamento de dí-
vidas, ou outro fato semelhante, quando fosse inadiável
e não existissem outros bens. Mas, ainda assim, estas alie-
nações devem recair, de preferência, sobre os bens de mais
difícil aproveitamento, exigem autorização do juiz, e re-
querem hasta pública assistida pelo tutor (Cód Civil
art. 429; Ord., 1, 88, § 26) (6).
Ainda necessita o tutor da autorização do juiz:
a) para ocorrer às despesas com a conservação e melho-

(5-b) Cód. Civil, art. 427, VI; Ord., I, 88, § 23; av. de 12
de Julho de 1844; Carlos de Carvalho, Dir. civil, art. 1.660..
Providenciará o juiz para que a importância das arremataçoes seja
logo recolhida à Caixa Econômica federal, ou alheada na aquisição
de imóveis, ou de títulos da União, ou dos Estados (art. 432, § 1 0)
As peças de ouro, prata, pedras preciosas serão vendidas em
hasta pública e ao produto será dado o mesmo destino (ibidem )
(6) Os tutores, curadores, juizes e escrivães de orfãos e jui-
zes de direito em correção não podem adquirir, por qualquer título
os bens dos menores e interditos Cód. Civil, art 428 I • Cód'
Civil francês, 450; argentino, 450; da Luiziana,' 327;' holandês,
457, etc.).:
406 DIREITO DA FAMÍLIA

ramentos dos bens do pupilo; ò) para solver as obriga-


ções do mesmo e receber as dívidas ativas; c) para propor
ações em benefício do menor ou defendê-lo das que lhe
forem propostas; d) e para todos os atos de maior vulto
que ocorrerem no decurso da administração, como aceita-
ção de herança, legado ou doação, transação, etc. (7).
E', porem, dispensável a autorização do juiz; a) para
a alienação dos objetos naturalmente destinados à venda,
como os produtos de quaisquer explorações industriais, e
os de fácil deterioração; b) para o recebimento e paga-
mentos de dívidas, que devem ser pagas em tempo fixo, co-
mo as rendas, foros, juros, pensões e outras sobre as quais
não pode haver dúvidas; c) fazer-lhe as despesas de sub-
sistência e educação, assim como as de administração 18).
As alienações gratuitas sã oabsolutamente vedadas ao
tutor, ainda quanto, porventura, as autorize o juiz, assim
como adquirir direitos contra o menor (9).
III Em terceiro lugar, cabe ao tutor representar
os pupilos menores de 16 anos, que são absolutamente
incapazes, e assisti-los, após essa idade, todas as vezes que
tenham eles de funcionar nos atos da vida civil, quer em
juizo, quer fora dele (10).
Os maiores de 16 anos teem certo desenvolvimento
mental, sua incapacidade é relativa, por isso quer a lei

(7) Código Civil, art. 427. Lafayette, Direitos de família,


S 153- Loureiro, Dir. civil, § 147. Sempre que a autorização do
iuiz é'necessária para a alienação dos bens do menor, sua falta anu-
lará o ato alienatório, salvo revalidação expressa ou tácita do menor,
depois de alcançada a maioridade (Ord. I, 88, §23).
(8) Cód. Civil, art. 426. Lafayette, Direitos de jamilia,
§ 153: Loureiro, Dir. Civil, § 174. . , . „
(9) Cód. Civil, art. 428, II e III. Disposição provisória de
29 de Novembro de 1832, art. 6.°.
(10) Cód. Civil, art. 426, I. Ord. 3, 41, §§ 8.° e 9.°; Lou-
reiro, cit., § 174; Lafayette, cit., § 152Pereira de Carvalho,
Proc. orfanalógico, nota 226. A autorização pode ser antexior, si
multânea ou posterior ao ato, expressa ou tácita.
DA TUTELA 407

que eles figurem nos atos da vida civil, intervindo o tu-


tor somente com o seu assentimento para competar a sua
capacidade restrita, limitada, e também o juiz nos negó-
cios de mais momento, como já vibos.
A falta de autorização vicia o ato, e o torna anula-
vel. Mas, somente o orfão pode intentar a sua anulação,
chegando à maíorídade,
IV — Tem ainda o tutor que prestar contas de sua
gestão, pelo modo que se verá noutro parágrafo, e que
indenizar o órfão dos prejuízos causados por culpa ou
dolo (11). Na falta do tutor, por morte ou insolvência,
responde o seu fiador, e, na falta deste último, o magis-
trado, que o nomeou ou confirmou. Exime-se, porem, o
magistrado de semelhante responsabilidade, provando que
tomou todas as precauções aconselhadas pelo direito, exi-
giu fiança idônea, não deixou de tomar contas, nem des-
curou de modo algum os interesses do órfão (12).
Cumpre notar que, se o juiz descura de nomear tutor,
deixa de ser subsidiária a sua responsabilidade para tor-
nar-se direta (13).
Os tutores, salvo os de menores abandonados, teem
direito a ser pagos do que, legalmente, despenderem, no
exercício da tutela, e à gratificação por seus serviços, que,
se não tiver sido fixada pelo pai do menor, será arbitrada

(11) Côd. Civil, art. 431, initio. Ord. 1, 88, §§ 26-29; 3,


41, § 3.°; 4, 102, § 9.°. "Não responde porem, pelos bens situados
sm diverso distrito, porque a respeito desses deve o juiz do inven-
tário oficiar ao do dito distrito para os fazer administrar por um
curador capaz" (Pereira de Carvaeho, cit., nota 225; Ord. 4, 102,
§ 2.°) . Acresce que deverá nomear tutor ou curador especial, todas
as vezes que sobrevier um conflito de interesses entre o tutor e o
pupilo.
(12) Cód. Civil, art. 420. Ord. 1, 88, § 3.°, in fine e §§ 7o
16, 18 e 24; 3, 41, § 2.°; 4, 102, §§ 5.0-8.0.
(13) Cód. Civil, art. 421. Reg. de 2 de Outubro de 1851,
art. 32, § 8.°; Ord. 1, 88, § 3.°.
408 DIREITO DA FAMÍLIA

pelo juiz, até dez por cento da renda líquida anual dos
bens por ele administrados (14).

§ 85 ^
«
DOS BENS DOS ÓRFÃOS

O direito anterior determinava que os tutores reco-


lhessem ao Cofre dos órfãos todo o dinheiro de seus pu-
pilos, qualquer que fosse a sua proveniênda, assim como
as peças de ouro ou prata, e as pedras preciosas com espe-
cificação do peso, qualidade e valor (1).
Esses valores não deviam ser retirados do Cofre se-
não nos casos autorizados por lei, isto é: 1.°, para des-
pesas necessárias com a criação e educação do pupilo;
2.°, para comprarem-se bens de raiz; 3.°, para compra de.
apólices da dívida pública; 4.°, para entregarem-se aos ór-
fãos, quando emancipados (2).
O Código Civil, extinguindo o Cofre dos órfãos.
ordenou que os objetos de ouro, prata, pedras preciosas
e moveis desnecessários sejam vendidos em hasta pública

(14) Cód. Civil, art. 431.


(1) Ord. I, 62, § 31; 88, §§ 31-44; T. de Freitas, Con-
solidação das leis civis, arts. 294-295. Projeto, art. 438.
(2) Ord. I, 88, § 37; T. de Freitas, Consolidação, art. 29ò;.
port de 31 de Março de 1846; ord. de 4 de Junho de 1853; lei de
13 de Novembro de 1841, art. 6.°, § 4.°, prov. de 12 de Outubro
de 1842. Não estava mais em uso empregar os dinheiros dos or-
fãos em bens de raiz; mas, desde que havia conhecida vantagem nessa
operação, era autorizada. O Av. de 26 de Março de 1855 também
autorizou a conversão de tais valores em ações de estrada de ferro.
Consultar-se-á com proveito a respeitoso Processo orjanológico de
Pereira de Carvalho, nota 315 e adições. Projeto, art. 439.
O dec. de 27 de Fevereiro de 1904, mandava considerar empres-
tado ao governo o dinheiro (em moeda corrente) recolhido ao Cofre
dos orjãos, não permitia outros empréstimos, estabdecia que o mú-
tuo vencia juros e firmava regras para o recolhimento e retirada
das quantias, sempre com a intervenção do juiz.
DA TUTELA

€ o seu produto convertido em títulos de responsabilida-


de da União, ou dos Estados, recolhidos às Caixas Eco-
nômicas federais, ou aplicados na aquisição de imóveis,
conforme for determinado pelo juiz. O mesmo destino
terá o dinheiro proveniente de qualquer outra procedên-
cia (art. 432). Os tutores respondem pela demora na apli-
cação desses valores, pagando os juros legais,desde o dia
em que lhes deveriam dar o destino indicado, o que não os
exime a obrigação, que o juiz fará efetiva, da referida
aplicação (art. 432, § 2.°).
Os valores recolhidos às Caixas Econômicas federais
não se poderão retirar, senão mediante ordem do juiz:
I. Para despesas com o sustento e educação do pupilo, ou
administração dos seus bens. II. Para se comprarem bens
de raiz e títulos da dívida pública da União, ou dos Es-
tados. III. Para se empregarem em conformidade com o
disposto por quem os houver dado, ou deixado. IV. Para
se entregarem aos órfãos, quando emancipados, ou maio-
res, ou, mortos eles, aos seus herdeiros (art. 433).

§ 86

DA CESSAÇÃO DA TUTELA

Termina a tutela, em relação ao pupilo:


1.° Quando chega à maioridade, isto é, ao com-
pletar 21 anos (Cód. Civil, art. 9.°), ou dezoito, achan-
do-se a pessoa alistada como eleitor. A capacidade que
se adquire pela idade legal independe de prova, pois que
é uma presunção jurídica, e dispensa qualquer ato espe-
cial de que resulte a emancipação. Basta a prova da idade,,
para que, ipso jme, se'verifique a emancipação.
2.° Pela emancipação, nos termos do art. 9.°, pará-
grafo único, do Código Civil; concessão do pai, ou da
mãe; sentença do juiz; casamento; exercício de emprego
público efetivo; colação de grau científico em curso de en-
■410 DIREITO DA FAMÍLIA

sino superior; estabelecimento civil ou comercial, com eco-


nomia separada»
3.° Se o menor, atingindo aos dezoito anos, for
alistado ou sorteado para o serviço militar (dec. número
20.330, de 27 de Agosto de 1931), para esse mesmo
efeito.
4.° Caindo o menor sob o pátrio poder, no caso
de legitimação, reconhecimento ou adoção (1).
Com a cessação da tutela, o órfão, perfeitamente ha-
bilitado para todos os atos da vida civil, recebe os bens,
que se acham em poder do tutor ou depositados nas Caixas
Econômicas, e passa a administrá-los e a dispor deles co-
mo entender.
Em relação ao tutor, finda-se a tutela;
1.° Transcorrido o lapso de tempo, que a lei pres-
creve, isto é, dois anos (la). Este prazo era apenas para
os atilianos, segundo a Otd., 4, 102, § 9.°. Quanto aos
legítimos e testamentários, era silenciosa a lei, mas enten-
dia Pereira de Carvalho que aqueles deviam ser exo-
rados do incômodo da tutela, desde que o requeressem, já
tendo servido por um trato razoável de tempo, de modo
que o ônus se repartisse, igualmente, por todos aqueles
que tinham de ser chamados à sucessão, uma vez que ofe-
recessem o necessário pressuposto da idoneidade (2). Em
relação às avós, não há dúvida alguma que dependia de
sua vontade a prolongação do incômodo, que tomavam
sobre si, de gerir a tutoria de seus netos, salvo se passassem
a segundas núpcías. Os tutores nomeados por testamento
serviriam, enquanto não sobreviesse justa causa de escusa.
O Código Civil estabeleceu um prazo só para as di-
ferentes classes de tutores, que aliás, podem continuar a
servir.

(1) Cód. Civil, art. 442.


(1-a) Cód. Civil, art. 443, I.
(2) Processo orfanalógico. nota 228.
DA TUTELA 411

2.° Por aparecer uma escusa legaL


3.° Pela remoção, quando o tutor malversar os bens
do pupilo, ou sequer se tornar suspeito por negligência,
desleixo, ou má conduta, ou incorrer em incapacidade (3).
A remoção, que se refere a qualquer tutor, seja tes-
tamentário, legítimo ou dativo, pode ser requerida pelo
Ministério Público (4). O juiz, aliás, tem competência
para decretá-la ex-officio, quando tiver conhecimento de
quaisquer irregularidades no exercício da tutela, que de-
vam fundamentar uma suspeição (4a).
O processo da remoção é administrativo, e deve ser
rápido (5); mas não será denegada defesa ao tutor, que,
entretanto, será suspenso, provisoriamente.
Sendo procedente a remoção, são logo tomadas as
contas do tutor culposo e nomeado um outro para subs-
tituí-lo. No caso contrário, volverá o tutor, injustamen-
te suspeitado, ao exercício de suas funções.
Se o tutor removido era testamentário e recebera do
pai do pupilo um legado remuneratório do incômodo,

(3) Cód. Civil, art. 443, II e III e o cit. 445. Guerreiro,


citado por Pereira de Carvalho, Processo orjanológico, nota 269,
indicou quarenta e duas causas de remoção. Mas ocioso é, por certo,
debutlhar tamanha cópia de casos, quando ao prudente arbítrio do
juiz podia ser deixada a apreciação dos motivos de suspeição. Os
tutores que se revelam incapazes, infiéis, perdulários, que infligem
maus tratos aos pupilos, que não os educam, ou que tentam perver-
tê-los, enfim todos os que não cumprirem, zelosamente, os deveres
inerentes ao exercício da tutela, devem ser removidos. O Código de
Menores, art. 37, determina os casos de destituição de tutores: I. a
condenação por crime de furto, roubo, estelionato ou falsidade;
II.. mau procedimento, falhas em probidade e abusos em tutorias
anteriores (Cód. Civil, art. 413, IV e V); III. prevaricação e in-
capacidade (Cód. Civil, art. 445) ; o rapto da menor pdo tutor
(Cód. Penal, art. 273, V) ; o lenocínio com relação à pupila (Cód.
Penal, art. 277, § único).
(4) Cód. do Proc. do Distrito Federal, art. 868. Pereira
de Carvalho, Processo orjanológico, § 142 e nota 271.
(4-a) Cód. do Proc. cit. ibidem.
(5) Ord. 1, 62, § 33; 1, 88, § 50; 3, 18, § 5ó; 4, 102.
412 DIREITO DA FAMÍLIA

que lhe deprecara, teria de restituí-lo; se era legítimo, per-


deria o direito à sucessão, morrendo o órfão ainda impú-
bere (6). Não foram mantidas pelo Código Civil essas
disposições.

§ 87

DA PRESTAÇÃO DE CONTAS

Todos os tutores, sem que os possa escusar dispo-


sição expressa do testador, estão sujeitos a prestar contas
de sua administração, afim de que se apure a sua respon-
sabilidade e melhor sejam zelados os bens dos pupilos.
As contas se tomam: 1.°, periodicamente, durante o exer-
cício da tutela; 2.°, quando termina a tutoria por qual-
quer motivo; 3.°, desde que se apresenta uma suspeição
capaz de determinar um processo de remoção.
O período para a prestação de contas é de dois em
dois anos, seja o tutor d,ativo, testamentáríio, on legí-
timo (1). Alem disso, no fim de cada ano de adminis-
tração, os tutores submeterão ao juiz o balanço respectivo,
que, depois, de aprovado, anexará aos autos de inven-
tário (la).
No momento próprio, deve o juiz ordenar a citação
do tutor, e, não comparecendo ele no dia aprazado, sem
apresentar uma escusa atendivel, devem as contas ser to-
madas à sua revelia.
Deve-se fazer-se carga ao tutor, como receita: 1.°, de
todos os bens que lhe foram entregues com o acréscimo

(6) Pereira de Carvalho, Processo orfanológico, § 147 e


notas 282-283; Ord. 4, 102, § 6.°.
(1) Cód.. Civil, art. 436. Pelo direito anterior, esse prazo
era de dois anos para o tutor dativo e para a avó; o tutor testa-
mentário e o legítimo, excetuada a avó, tinham obrigação de pi es-
tar contas de quatro em quatro anos. (Carlos de Carvalho, Dir.
civil, artigo 1.674).
(1-a) Cód. Civil, art. 435 e 436.,
DA TUTELA 413

dos frutos e rendimentos (2); 2.°, dos valores em nume-


rário ou em jóias, que haja regligenciado recolher à Caixa
Econômica; 3.°, dos alcances provenientes de sua presta-
ção de contas anterior (3); 4.°, das soldadas do orfão,
cujos serviços estejam locados; 5.°, das perdas e danos
imputaveis a dolo ou culpa sua (4).
Devem ser abonados ao tutor, como despesa: L0, os
gastos com a conservação, melhoramento e utilização dos
bens do pupilo; 2.°, os motivados com o sustento e edu-
cação do órfão, na medida de seus rendimentos e posição
social; 3.°, o prêmio em remuneração de seu trabalho, que
será arbitrado pelo juiz até dez por cento, no máximo,
da renda líquida dos bens administrados pelo tutor, se
os país do menor não tiverem fixado a gratificação pelo
seu trabalho (5).

(2) Os bens de raiz arrendados judicialmente teem, no preço


da arrematação, a indicação exata de seu rendimento, os que forem
diretamente, explorados pelo tutor pedem uma avaliação dos rendi-
mentos prováveis, por intermédio de peritos, ou uma determinação
por documentos que inspirem confiança.
(3) Os alcances das contas sobrecarregam-se com os juros le-
gais (Regul. de 2 de Outubro de 1851, art. 32, § 8.°; T. de Frei-
tas, Consolidação das leis civis, art. 307 e nota).
(4) Somente os piejuizos confessados pelo próprio tutor se
•contemplam na tomada de contas. Se de os impugna, a indenização
só poderá ser pedida por ação ordinária (Pereira de Carvalho,
Processo orfanológico, nota 306) .
(5) Cód. Civil, arts. 431-439, Este último dispositivo sinte-
tiza o que se analisa no texto: — Serão levadas a crédito do tutor
todas as despesas justificadas e reconhecidamente proveitosas ao
menor.
Para o direito anterior, vejam-se: T. de Freitas, Consolidação
das leis civis, art. 298, nota 1; Fafayette, Direitos de família
§ 160, pág. 331 da l.a tiragem; Macedo Soares, Observação (b)'
à nota 309, adição 94 do Processo orfanológico de Pereira de Car-
valho. Carlos de Carvalho, Dir- civil, art. 1.672, elevava a
vintena (prêmio do tutor) a 400$000, fundado no dec. 'n. 561 de
18 de Novembro de 1848. T. de Freitas e Macedo Soares'lhe
são contrários. Assim como não entrava em linha de conta para a
414 DIREITO DA FAMÍLIA

Não se deve pagar remuneração aos tutores remo-


vidos por malversação do patrimônio do pupilo, nem aos
que receberem legados remuneratóníos do incômodo da
tutela.
Ultimadas as contas e julgadas por sentença, depois
de admitidos os recursos legais, é o tutor obrigado a re-
colher, no prazo de nove dias, os alcances líquidos e juros,
e entregá-los ao orfão, se as contas forem motivadas pela
emancipação deste. Se não o fizesse, incorria outrora,
na pena de prisão (6). O Código Civil, porem, não man-
teve essa pena.
Nos casos de morte, ausência, ou interdição do tutor,
as contas serão prestadas por seus herdeiros ou represen-
tantes (6a).
As despesas com a prestação das contas serão pagas
pelo tutor (6b).

avaliação da vintena, o produto das soldadas, dos legados e e ou


tras aquisições extraordinárias do orfão, tanubem, os traJbal os o
tutor, que não se incluem normalmente na função tutelai, como os
serviços médicos ou de advogado, exigiam remuneração' especial, como
devem continuar a exigir. , 1QIÍ1
(6) Ord. 4, 102, § 9.°; reg. de 2 de Outubro de 1851, art. 32,
8 7o - T de Freitas, Consolidação das leis civis, art. 305 e nota 3;
Lafayette Direitos de família, § 160; Pereira de Carvalho, Pr o-
cesso wjmológico,§§ 159-160, nota 312 observação (a), e ads-
çao 96 Duvidaram os praxistas da aplicabilidade da pena de pri-
são nesta hipótese, ex-vi da presumida revogação da Ord. cit. pela
lei 'de 20 de Julho de 1774, § 19 e, entre eles, achava-se o autor
do Processo orfanvwqico. Cessou a duvida, porem, com o reg. de
judicial e por isso considerada imprescritível. Mas extmgue-se com
T. de Freitas, o caso é especial, semelhante ao do depositário ju-
dicial remisso e do extrajudicial condenado por sentença, contra os
quais se procede com prisão, nos termos da Ord. 4, 49, § 1. , e ,
76, § 5.°".
(6-a) Cód. Civil, art. 438.
(6-b) Cód. Civil, art. 440.
CAPÍTULO XIY

DA CURATELA

§ 88

NOÇÃO E ESPÉCIES DE CURATELA

Caratela é o encargo público conferido por lei a al-


guém, para dirigir a pessoa \e administrar os bens dos maio-
res que por si não possam fazê-lo.

Nosso direito reconhece as seguintes espécies de cura-


doria: a dos alienados, a dos surdos-mudos, a dos pró-
digos, a dos ausentes, a das heranças jacentes, a dos litígios
(ín Utem^), a geral dos órfãos, a que se dá ao réu ausente
(1) . Cabe, porem, tratar-se, neste momento, apenas das

(1) Pereira de Carvalho, Processo orfanalógico, § 150; Pe-


reira e Souza, Prim. linhas, nota 203 ; Ord. 3, 41, "§ 9.°'. ^
curadoria das viuvas que dissipãm seu patrimônio, de que falava
a Ord. 4, 107, não se distingue da dos pródigos em geral; a dos que
padecem moléstias perpétuas, destacada por Mello Freire, Pereira
de Carvalho e outros, não tinha assento em lei, a menos que en-
trem eles nalguma das classes apontadas no texto, como acontece
com os surdos-mudos. Curadoria dos póstumos, curadoria do ventre
raramente se verificará, pois que não se acham os nascituros em po-
sição diversa da do filhos já nascidos, tendo sobre todos estes a mãe
416 DIREITO DA FAMÍLIA

qujatro primeiras, porquanto as outras ou pertencem a


esferas diferentes do direito ou, como a dos póstumos, se
amoldam aos princípios gerais, que vão ser expostos.
O direito romano estabelecia uma curatela para os
púberes menores de vinte e cinco anos, da qual ficaram
vestígios, aliás incôngruos, nas Ordenações Filipinas,
Essas criação jurídica, hoje inútil c abandonada, na prá-
tica e na teoria, apareceu como uma providnêcia em bene-
fício dos varões púberes, a que o direito antigo atribuía
capacidade civil plena, desde que não estivessem subme-
tidos à patria potestas,
Essa capacidade precoce, concedida aos romanos de
quatorze anos, deu funestos resultados, por que os jovens
foram, muitas vezes, explorados por maléficos ganancio-
sos.. Imaginaram-se, por isso, diversos sistemas de prote-
ção aos cidadãos menores de vinte e cinco anos. O primeiro
foi o da lei Ptaetoria, estabelecendo uma ação criminal
pública contra aquele que abusasse da inexperiência do
menor, e permitindo a este solicitar, do magistrado, um
curador. Depois, os pretores, não satisfeitos com esse pri-
meiro ensaio tutelar, decidiram examinar todos os atos
jurídicos em que fosse parte um cidadão menor de vinte
e cinco anos, afim de decretarem a restitatio in integtum,
em favor dele, todas as vezes que o julgassem lesado.
Até então., os menores de vinte e cinco anos podiam
obter um curador a pedido seu, para atos determinados.
Marco Aurélio permitiu a nomeação de curadores gerais,
non redditis causis, isto é, sem necessidade de ser alegado
outro motivo alem da idade do solicitante. Mesmo depois
das reformas legislativas de Justiníano, inviti adolescentes
cuv ator es non accipiunt, praeterqmm in litem (Inst., E
23, § 2.°).

iguais direitos. E' preciso para que ela se dê, que a mãe não possa
.-exercer o pátrio poder. E' o caso previsto pelo Código Civil, ar-
:iiigo 462. No mesmo sentido, o Código Civil alemão, art. 1.912.
DA GURATELA 417

Dessa exposição se vê que a evolução do instituto


protetor, ainda não se tinda consumado no direito ro-
mano, mas que sua orientação era bem manifesta. Res-
tava tornar necessária a curatela até então voluntária.
Mas, desde que fosse dado esse passo, estaria ela perfeita-
mente assimilada à tutela. Foi o que executaram as le-
gislações modernas, segundo já ficou afirmado em pági-
nas anteriores.
O direito francês, o italiano e o de outros povos,
diferentemente do que acontece na Alemanha, como já
tive ocasião de afirmar, determinam a nomeação de cura-
dores para o menores antedipadamente emancipados do
pátrio poder ou da tutela, Apesar do que lecionam alguns
juristas (2), não existia essa inútil providência no direito
pátrio. A emancipação expressa dá-se aos dezoito anos
para os filhos-famílias, como para os órfãos tutelados.
Por identidade de razão, devíamos dizer que os su-
plementados sujeitavam-se, igualmente, à curatela, ou per-
sistiam na mesma pupííagem, io que é manifestamente
absurdo, contra o direito romano e contra a lei pátria
Ainda em idade menor do que dezoito anos, se dá a eman-
cipação legal pelo casamento. Estarão também esses em
curatela ou em tutela? Em qualquer dessas hipóteses,
supõe-se no indivíduo o discernimento preciso para guiar-
se por si nas dificuldades da existência, tanto que o pai
ou juiz o reconhece apto para tomar a posse e adminis-
tração de seu patrimônio; que se lhe permite a constitui-
ção e direção da família; que se lhe confiam funções pú-
blicas de responsabilidade.
Em relação às incapacidades, escusas, responsabilida-
des e garantias, vigoram, nesta matéria, os mesmos prin-
cípios da tutoria, da qual em pouco difere a curatela.

(2) IvAfayette, Direitos de família, § 145; Borges Carneiro,


1, 26, § 223, n. 9. Falam eles de tutela, para os filhos-famílias me-
nores emancipados do pátrio poder.

— 27
418 DIREITO DA FAMÍLIA

§ 89

CURATELA DOS ALIENADOS E DOS FRACOS DE ESPÍRITO

Sob a expressão de alienados e fracos de espírito,


compreendem-se todos aqueles que, por organização ce-
rebral incompleta, por moléstia localizada no encéfalo, le-
são somática ou vício de organização, não gozam de equi-
líbrio mental e clareza de razão suficientes para condu-
zirem-se, socialmente, nas várias relações da vida, como:
os idiotas, os imbecis, os surdos-mudos de nascença não
educados suficientemente, os vesânicos, os loucos, que a
nossa lei designa comumente pelos nomes gerais de mente-
captos, desassisados, dementes e furiosos, e cuja caracte-
rização científica incumbe aos alienistas e aos médicos-
legistas. A simplicidade, embora extrema, e a estupidez,
embora notáveis à primeira vista, não sendo acompanhadas
de perturbação mental, não determinam a necessidade de
uma curadoria, como acontece com os alienados e fracos
de espírito das diversas categorias, a que acabo de me're-
ferir (1).
A curadoria dos alienados e fracos de espírito é de-
cretada pelo juiz de órfãos, e promovida: 1. Pelo pai,
mãe ou tutor. I. Pelo cônjuge ou algum parente próxi-
mo. III. Pelo Ministério Público, se a loucura for furiosa
ou se os parentes acima designados forem incapazes ou não
existirem (2).
Esta curadoria é deferida na ordem seguinte: 1.°, ao

(1) O Cód, Civil, art. 446, reúne todos esses doentes men-
tais a duas classes: loucos de todo o gênero; e surdos-mudos sem
educação, que os habilite a enunciar, precisamente, a sua vontade.
A rusticidade dos índios fez que as nossas leis os equiparassem aos me-
nores (T. de Freitas, Consolidação das leis civis, art. 11, nota 12).-
Cód. Civil, art. 6, IV, submetendo-os, porem, a regulamentos es-
peciais .
(2) Cód. Civil, arts, 447 e 448. Cumpre notar que, sendo
a alienação um fato, são anulaveis os atos praticados pelo demente,
esteja ou não declarada judicialmente a interdição.
DA OURATELA 419

cônjuge do incapaz, se não estiver separado, judicialmen-


te; 2.°, ao pai, e, faltando este, à mãe; 3.°, ao descendente
maior de 21 anos.
Entre os descendentes, os mais próximos precedem
aos mais remotos, e, dentro do mesmo grau, os varões às
mulheres. Na falta dessas pessoas, o juiz escolherá o
curador (2a),
Decretada a interdição, fica o interdito sujeito à
curatela, à qual se aplicam os princípios da tutela, com
poucas modificações (Cód. Civil, art. 453),
Quando o curador for o cônjuge, não terá que apre-
sentar balanços anuais', nem a fazer inventário, se o re-
gime do casamento for o da comunhão, ou se os bens
do incapaz se acharem descritos em instrumento público,
qualquer que seja o regime do casamento (art. 455).
O marido terá, como curador, os mesmos direitos
que lhe competeiti na qualidade de chefe da sociedade con-
jugai (3); a mulher, no exercício da curatela, será a di-
retora da família (4); o pai, ou a mãe, na curadoria do
filho, não tem de apresentar o balança anual (5).
Cessará a curadoria logo que o demente recobrar sua
integridade mental e achar-se em condições de assumir a
direção de sua vida moral e econômica. Tendo a lou-
cura remissões de lucidez, não se suspende a curatela.

§ 90

LEGISLAÇÃO COMPARADA EM RELAÇÃO


Á CURADORIA DOS ALIENADOS

A lei das XII táboas ocupou-se apenas da curado-


ria legítima dos furiosos, is"to é, dos loucos exaltados e

(2-a) Cód. Civil, art. 454.


(3) V. o § 27, II.
(4) Cód. Civil, art. 455, § 2.°, com remissão para o ar-
tigo 251.
(5) Cód. Civil, art, 455, § 3.°.
420 DIREITO DA FAMÍLIA

completos, embora tendo lúcidos intervalos (1). Si fu-


riosas escit, adgnatum gentiliumque in eo pecuniaque ejus
potestas esto, editava o Código decemviral.
Mais tarde, o pretor, iluminado pelos progressos da
medicina, admitiu a curatela dos dementes e mentecaptos.
A incapacidade dos alienados cessava com os lúcidos
intervalos, e era restrita aos atos pelos quais se manifes-
tava a sua monomania.
Em França, a interdição dos alienados é regulada
pelo Código Civil, arts. 489 e segs., pelas leis de 30 de
Julho de 1838 c 16 de Março de 1893. O pedido de in-
terdição, baseado sobre o estado habitual de imbecilida-
de, demência ou furor, deve ser feito pelo cônjuge ou pe-
los parentes. A do furioso pode ser provocada pelo Mi-
nistério Público, se os parentes não o fizeram; a do im-
becil ou demente pode-lo-á ser também, se não existirem
parentes nem cônjuge.
Feitas as sindicâncias necessárias pelo juiz, ouvido
o conselho de família e o procurador da república, é pro-
nunciada a interdição, e o conselho de família, nomeará
um tutor efetivo e um subrogado. Se o indivíduo, em-
bora fraco de espírito, não se revela de todo incapaz de
usar de seus direitos, em vez de um tutor, ser-lhe -á dado
um conselho judiciário, pelo tribunal, a quem foi afetada
a sua causa.
Teem a preferência para a tutela: 1.°, o cônjuge, ma-
rido ou mulher; 2.°, os parentes. O cônjuge, os ascen-
dentes e os descendentes são obrigados a exercer a tutela
do interdito, salvo escusa legal, durante a vida; os outros

(1) Audibert, em um luminoso artigo publicado nos Archives


d'anthrepologie crvminelle, de 15 de Novembro de 1892, sobre a con-
dição dos loucos e dos pródigos em direito romano demonstra, apoia-
do em bons fundamentos, que a distinção entre o fonosus e o de-
mens ou mentecaptus é a que existe entre a loucura completa, a par-
cial e a monomania. Améns in totum caret mente, demens partem
retinet. diz Isidoro de Sevilha.
©A CURATELA

parentes podem solicitar sua substituição depois de dez


anos.
O alienado interdito recebe tratamento em casa par-
ticular ou em hospícios; e, desde o dia de sentença defini-
tiva, é aboslutamente incapaz, não pode casar, nem re-
conhecer filho natural, nem testar, atos que, aliás, pode
praticar um menor púbere. O alienado é equiparado ao
ímpúbere, e em tudo é substituído pelo tutor
A lei, assimilando aos alienados os condenados a
penas perpétuas, a trabalhos forçados, à detenção e à re-
clusão, estabeleceu, em relação a eles, uma interdição le-
gal, que importa um suplemento de pena. Mas a incapa-
cidade dos condenados não é tão extensa quanto a dos
alienados, pois que não abrange os direitos civis puramen-
te pessoais.
O Código Civil italiano interdiz aqueles que se acham
"em um estado habitual de enfermidade de espírito",
usando de expressões mais largas e mais compreensivas do
que as de seu modelo francês, ao qual se cinge em todas
as mais disposições deste capítulo, com ínsubmissões de
pequeno valor (arts. 709 e segs.).
Em relação à interdição dos condenados é que o le-
gislador italiano, com o Código Penal de 1888, assumiu
uma posição diversa. A condenação ao ergastolo ou à re-
clusão, por um tempo excedente a cinco anos, importa na
interdição legal durante o tempo da execução da pena,
sendo nomeado um tutor para administrar a fortuna do
recluso (art. 33). Alem disso que, como foi visto, igual-
mente estatue a legislação francesa, o condenado ao er-
gástulo é privado do pátrio poder, da autoridade marital,
da fação ativa do testamento, rompendo-se mesmo o tes-
tamento antecedentemente feito. E a morte civil repelida
pela ciência e pela civilização, são as penas aberrantes que
se restabelecem (2).

(2) Vide Lacointa, Code Pencd d'Italie, notas aos arts. 20-23.
Diz-nos este escritor que os corpos judiciários italianos se pronun-
422 DIREITO DA FAMÍLIA

O Código Civil português, art. 314, estatue: Se-


rão interditos do exercício de seus direitos os mentecaptos,
e todos aqueles que, pelo estado anormal de suas facul-
dades mentais, se mostrarem incapazes de governar suas
pessoas e bens. § único. Esta interdição pode aplicar-se a
maiores, ou menores, contanto que, neste ultimo caso,
se ia requerida dentro do ano próximo à maiondade .
A tutela do interdito é deferida na ordem adotada em
nosso direito (art. 320). ,
"Cessando a causa da interdição, sera esta kvan"
tada por sentença, observando-se^ as mesmas formalidades
prescritas para o seu julgamento (art. 33 ) ( ).
O direito inglês confere duas tutorias aqueles in-
divíduos que foram declarados dementes por um exame
judicial; uma pata os pessoas {committee to lunatx) que
deve ser confiada a um próximo parente, e outra para os
bens {committee to estats). Ambas estão sob a mspeça
dos masters in lunacy (4). . , , . „
As pessoas condenadas cnmmalmente incorrem e
certa incapacidade e a coroa designa-lhes um administra-
dor para os bens, na falta do qual os magistrados designam
um curador interino. Quando a condenação importa uma
prescrição {outlawcy), dá-se uma espécie de morte ci-
vil (5).

riaram no sentido da incapacidade de testar para os condenados ao


ergSuHe que as universidades de Bolonha e Turim opmaram em
sentido vigente> na Itália, a começar de 1.° de julho de

1931, manteve a pena de ergastolo, com a interdição legal (arts. l/,


2
' 2(23) 3Preceito semelhante no Código Civil francês, art. d12 ;
italiano, 338; argentino, 484- • neste
m E' notável a solicitude revelada pelo legislador inglês, nest ^
assunto como se pode verificar em Glasson. Hist. du droit et de*
149461
• Por brevidade, hmito-me
a fazer esta indicação. 1 on
(5) Glasson, op. cit., pag. 139.
DA CURATELA 423

Na Alemanha, podem ser declarados interditos


(Cód., art. 6, n. 3.°) : a) aquele que, em virtude de mo-
léstia mental ou fraqueza de espírito, está impossibilitado
de gerir os seus negócios; b) o que, por embriaguez, se
acha nas mesmas condições, ameaçando à família cair na
indigência ou comprometendo a segurança de terceiros. Os
interditos são submetidos à tutela (arts. 1.896-1.908).
A vocação à tutoria não difere da do direito pátrio, salvo
em não mencionar especialmente o irmão (arts. 1.898-
1.900). Alem da tutela dos maiores, conhece o Código
Civil a curatela do surdo, do cego, do mudo e outros doen-
tes do espírito ou do corpo (arts. 1.909 e segs.).
O Código Civil da Suíça regula a curatela dos maio-
res, que por moléstia, ou ausência, em caso de urgência, não
podem tratar de algum negócio ou designar um represen-
tante (art. 392). Se há moléstia mental, o caso é de tu-
tela (art. 369).
O Código Civil espanhol (arts. 213-220) ocupa-se
da tutela dos loucos e dos surdos-mudos. Quer que a de-
claração da incapacidade seja feita sumariamente, e que
em relação aos surdos-mudos, sejam fixados os limites
da tutela, segundo o maior ou menor desenvolvimento in-
telectual do incapaz, o que é uma feliz inovação, no pen-
sar de Leve. Na ordem da vocação ao exercício da tutela,
nota-se: que os filhos dos incapazes precedem aos ascen-
dentes, que não sejam pai ou mãe; que as irmãs solteiras
veem após os irmãos; e que o parentesco duplicado prefere
ao simples.
Os condenados, criminalmente, à pena de interdi-
ção, sujeitam-se a uma tutela restrita à administração dos
bens e à representação em j-ustiça (arts. 228-230).
O Código Civil argentino (arts. 468-484) conside-
ra incapazes os maiores dementes, ainda que tenham lúci-
dos intervalos, e os surdos-mudos, que não sabem ler nem
escrever, para o fim de lhes serem nomeados curadores, à
requisição do Ministério Público ou dos parentes do en-
fermo.
424 DIREITO DA FAMÍLIA

A ordem da vocação ,à curadoria é a seguinte: em


primeiro iugar o cônjuge, que é o curador legítimo e neces-
sário do outro cônjuge; em segundo, o filho varão em
maioridade; em terceiro, o pai, e, por sua morte ou inca-
pacidade, a mãe. Em todos os casos em que o pai, ou a
mãe, pode nomear, por testamento, tutor a seus filhos
menores, pode, igualmente, nomear curador aos maiores
dementes ou surdos-mudos .
O legislador chileno decretou a incapacidade dos de-
mentes, ainda que tenham lúcidos intervalos, e estatuiu
que a curadoria, para tais pessoas, pudesse ser testamen-
tária, legítima ou dativa (Cód. Civil, art. 456). A cura-
tela do demente é deferida: 1.°, ao cônjuge não divorciado;
2.°, aos descendentes legítimos; 3.°, aos ascendentss legí-
timos; 4.°, aos pais e filhos naturais, não sendo os pais ca-
sados; 5.°, aos colaterais legítimos até ao quarto grau;
6.°, aos estranhos (art. 462).
Também se acham em curatela os surdos-mudos que
não se podem dar a entender por escrito (art. 342), c
as regras desta espécie pouco diferem das da precedente
(arts. 469-472).
Cumpre notar, de passagem, que os menores adultos
estão, pelo Código Civil chileno, sujeitos à curadoria, aliás
não forçosamente; mas que, os que obttíveram habilita-
ção de idade, se acham isentos dessa prorrogação de pupi-
íagem (arts. 435-441).
Ainda perante a legislação uruguaia (Cód. Civil,
arts. 431-450), estão sujeitos à curadoria geral somente
os incapazes maiores, específicadamente os dementes e os
surdos-mudos, que não sabem ler nem escrever. A ordem
da vocação à curadoria legítima dos maiores incapazes é a
mesma estabelecida pelo Código argentino.
Merece especial menção a lei da Noruega de 28 de
Novembro de 1898, relativa à interdição. Por ela são
submetidos ,à tutela: 1.°, os fracos de espírito ou doentes
mentais, os ébrios habituais e os que se dão ao uso nocivo
de morfina e de outras substâncias que embriagam ou es-
DA OURATELA 425

tupidíficam, desde que tais pessoas se achem em condi-


ções de não poderem tomar cuidado de si e de seus bens;
2., os cegos, os afásicos e os que sofrem outros defeitos
corporais que lhes impossibilitem o cuidado com as suas
pessoas e bens, consentindo ele na tutela ou sendo esta
necessária para os proteger de manobras interessadas de
terceiros; 3.°, os que esbanjam ou dissipam o seu patrimô-
nio em bebidas, jogos, excessos, e, em geral, por atos de
inszensatez manifesta, a ponto de ameaçar a sua família
com a penúria; 4.°, os que, por si ou por seus cônjuges
ou filhos, recebem socorro da assistência pública, parecen-
do insuficiente a fiscalização ordinária, a que se acham sub-
metidos (6).

§ 91

CURATELA DOS PRÓDIGOS

Pródigo, segundo a definição da Ord, 4, 103, § 6t


é aquele que, desordenadamente, gasta e destrói a sua fa-
zenda, reduzindo-se ò miséria por sua culpa. A lei consi-
dera a prodigalidade a externação característica de um par-
ticular desarranjo mental, de uma psicopatia restrita ao
governo da fortuna bonitária. Por isso submete o pró-
digo, como se fora menor, à guarda de outrem, e fere-o
com a interdição, aliás também limitada (1) .
A interdição por prodigalidade somente se dará
quando promovida pelo cônjuge, ou por parente em linha
reta, ascendente ou descendente.

(6) Annuaire, leis de 1898, págs. 599 e segs.


'(1) Cód. Civil, arts. 459-461. O Projeto primitivo não con-
signara esta incapacidade pelas razoes expostas neste parágrafo, nas
Observações que esclarecem o citado Projeto, e na defesa oral feita
perante a Comissão especial da Câmara (Trabalhos, vol. I, pág. 18,
e vol. IV, págs. 114 a 116). Veja-se também o meu Bm defesa,
págs. 61-63 e 159-161.
426 DIREITO DA FAMÍLIA

A interdição do pródigo só o privará de emprestar,


transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou
ser demandado, e praticar, em geral, atos, que não sejam
de mera administração, sem ser assistido pelo curador (Có-
digo Civil, art. 459).
Se, não obstante, o pródigo interdito realizar quais-
quer contratos, serão eles anulaveis a pedido seu ou de
seus herdeiros (art. 461, § único). Anulado o contrato,
recobra o pródigo quanto haja entregue, e restitue o que
tiver recebido.
Como a incapacidade do pródigo tem por fundamen-
to exclusivo sua desvairada dissipação, lhe é facultado fa-
zer tudo que não entenda com a gestão de seus bens. As-
sim, pode viver onde lhe aprouver, com os rendimentos,
que lhe forem arbitrados, os quais lhe serão entregues so-
mente no caso de não haver perigo de pronta dilapida-
ção; pode exercer os atos de sua profissão, qualquer que
ela seja, enfim, conduzirá sua pessoa segundo seu próprio
alvedrio.
Dizia-se, outrora, que lhe era até permitido casar
sem consentimento do curador; mas, em vista do que dis-
põe o Código Civil, art. 183, XI, não é mais possivel essa
afirmação (2).
Perdura a interdição do pródigo, enquanto persiste
o desequilíbrio mental, que a motivou, ou não existindo
mais as pessoas, a quem a lei atribue o direito de promo-
ver a interdição por prodigalidade: cônjuge, ascendentes
ou descendentes legítimos.
Do direito romano, por intermédio das Ordenações
portuguesas, nos veio a curadoria dos pródigos. A lei das
XII táboas já mandava interdizer o perdulário, por de-
creto do magistrado, segundo sabemos pelas sentenças do
Paulo.

(2) Vide o que já ficou a este respeito afirmado à pág. 84,


deste livro.
DA CURATELA 427

A princípio, somente os que tinham agnados ou gen-


tios eram submetidos à curatela, pois que esta vinha res-
guardar os direitos eventuais da família ou da gens. De-
pois entendeu-se que a prodígalidade tinha uma reper-
cussão nociva mais extensa, prejudicando a própria socie-
dade, como a loucura; e, então, o pretor passou a dar cura-
dor aos pródigos, ainda que não tivessem herdeiros. Sur-
giram, então, duas categorias de pródigos, com incapaci-
dade diversamente determinada, categorias que, mais tar-
de, se fundiram em um sistema único.
Nas legislações modernas, tende a desaparacer esta
classe de interditos. O Código Civil argentino e o uru-
guaio nãoí:se ocupam delai. O da Luiziana aboliu-a de
modo expresso (art. 413); na Inglaterra, não existe.
Teixeira de Freitas, no seu Esboço,, e Nabuco, em
seu Projeto, deixaram-na de parte. Entretanto, ainda
subsiste ela no Código Civil português( arts. 340-352),
no chileno (arts. 442-455), no colombiano (arts. 534-
544), no báltico, no espanhol (arts. 221-227), no suiço
(arts. 370 e 374), no alemão (arts. 114-115) e no aus-
tríaco (§ 273).
Pelo Código Civil francês (arts. 513-515), o pró-
digo não é suscetível de ser posto em interdição, mas se
lhe nomeia um conselho para assistí-lo em certos atos. Este
conselho não administra os bens do pródigo nem o re-
presenta, limita-se a dar-lhe conselhos e a impedir, pela re-
cusa de sua autorização, que ele realize negócios jurídicos
prejudiciais aos seus interesses (3).
A inhabilitaçãc do Código Civil italiano é alguma
coisa de semelhante (arts. 410 e segs.). Dá-se um curador
ao pródigo inhabilítado, mas é ele que administra os seus
bens, podendo alienar os moveis e praticar todos os atos
que se incluem na administração simples.

(3) PrANior, Traité, I, ns. 2.949-2,959.


428 DIREITO DA FAMÍLIA

§ 92

CURATELA DOS AUSENTES

Ausente é todo aquele que está fora de seu domici-


lio; mas, no sentido em que agora se toma o vocábulo,
é aquela pessoa cuja habitação se ignora ou de cuja exis-
tência se duvida, e cujos bens ficaram ao desamparo. Para
os bens se considerarem abandonados e merecerem a qua-
lificação de bens de ausentes, é necessário que o proprie-
tário, achando-se fora do lugar, onde eles estão situados,
não tenha aí deixado mulher, ou pai sob cujo poder ainda
esteja, ou procurador. E nessa categoria, entravam as he-
ranças pertencentes a herdeiros ausentes, nomeadamente
instituídos, necessários ou mesmo colaterais sucessiveis, não
conhecidos notoriamente, não tendo procuradores legal-
mente autorizados para recebê-las (1).
O decreto-lei n. 1.807, de 26 de Dezembro de 1939
considera jacente a herança, quando o falecido não tiver
deixado testamento, nem ascendentes, descendentes, ou ir-
mão notoriamente conhecidos, nem cônjuge.
Seis meses depois da morte do de cujus, não haven-
do cônjuge superstite, nem se tendo habilitado à sua ces-
são os herdeiros acima nomeados, os bens da herança vaga
se consideram vacantes e deferem-se à União, onde quer
que tenha sido domiciliado o defunto ou aberta a sua su-
cessão.
O juiz de órfãos, a requerimento de interessado, ou
do Ministério Público, nomeará um curador, de preferên-
cia escolhido entre os parentes do ausente, para arrecadar
os bens em abandono, existentes nos limites de sua juris-
dição, inventariá-los e administrá-los, até que apareça o
ausente, ou seus herdeiros; ou seja instalada a curadoria

(1) Cód. Civil, arts. 1.591 e 1.592. T. de Freitas, Con-


solidação das leis civis, art. 31, § 2.°; Lafayette, Direitos de fa-
mília, § 172; Carlos de Carvalho, Direito civil, art. 1.700.
DA OURATELA
429

provisória; ou tenha lugàr a vacância dos bens por morte


certa ou presumida do proprietário; ou haja a prescrição
trintenária em favor da Fazenda Pública (2).
Passados quatro anos, depois das últimas notícías do
ausente, se tiver ele deixado procurador, ou dois, no caso
contrário, presume-se ter ele morrido, abre-se-lhe a suces-
são provisória, e defere-se a herança aos herdeiros legítimos
ou instituidos, conforme as circunstâncias (3).
O herdeiro chamado à sucessão provisória do au-
sente é o que tem esse direito, segundo os preceitos legais,
no tempo em que se completar o prazo da lei para a pre-
sunção da morte. Como porem, a presunção cede à ver-
dade, será determinada a sucessão pela época do falecimen-
to, se se puder precisar, de modo certo, o tempo em que se
realizou (4).

(2) Cód. Civil, arts. 463 a 465. Consolidação cit., art. 333-
IvAFAYETTE, Op. cit., §§ 173-175.
Bens vagos, a que não é achado senhorio certo, são os bens de
ausentes e as sucessões, quando não aparece quem as reclame com
fundamento jurídico. No domínio monárquico, eram tais bens de-
volvidos à Fazenda Nacional (Ord., 2, 26, § 17, e Reg. de 15 de
Janeiro de 1859). Hoje, porem, com a forma republicana federa-
tiva, os bens vagos, com as terras devolutas, passaram do domínio
do Estado geral para o dos Estados particulares, em cujo territó-
rio se achem, segundo resulta do art. 37 da Constituição federal e
da índole do sistema, que nos rege.
O Código Civil, art. 1.594, dedarava que, decorridos trinta anos
da abertura da sucessão, os bens da herança vaga passariam ao do-
mínio do Estado, ou ao do Distrito Federal, se o \de cujus tivesse
sido domiciliado nas respectivas cirounscriçÕes, ou se incorporariam
ao domínio da União, se o domicílio tivesse sido em território ainda
não constituído em Estado. Este dispositivo está revogado.
(3) Cód. Civil, art. 469; Ord., T, 62, § 38; lei de 15 de
Novembro de 1827; Reg. de 15 de Junho de 1859. Esses herdeiros
serão os que menciona o decreto-lei n. 1.907, de 26 de Dezembro
de 1939.
« ooi4) Lafayett
U op. cit., § 177; Coelho da Rocha, Inst.f
8 896.
430 DIREITO DA FAMÍLIA

O sucessor provisório assume a posição de herdeiro,


embora prematuro; pelo que não é obrigado a prestar con-
tas, a não ser que apareça o ausente ou parente mais pró-
ximo. Mas, atendendo a que é condicional o seu direito,
não se lhe podem dispensar as necessárias garantias de hi-
poteca ou penhor (5). Atendendo a que a sucessão pro-
visória não confere o domínio, mas somente a posse e o
direito de administração somente podem os curadores
alienar os bens de fácil deterioração e os destinados, por
natureza, à venda, como já foi exposto em relação à tute-
la. Os imóveis do ausente só se poderão alienar, quando o
ordene o juiz, para lhes evitar a ruina, ou quando conve-
nba convertê-los em títulos da divida pública (6).
Aparecendo o ausente, devem ser-lhe restituidas to-
dos os bens com seus produtos e rendimentos (7), de-
duzida somente a justa retribuição, arbitrada pelo ônus
da guarda e administração da fortuna do ausente (8).
Transforma-se a sucessão provisória em definitiva,
que faculta aos herdeiros a livre disposição dos bens, quan-
do a ausência exceda a trinta anos (9), ou quando o au-
sente completa oitenta anos, se de cinco anos datam as

(5) Cód. Civil, art. 473.


(6) Cód. Civil, art. 475.
(7) Cód. Civil, art. 480.
(8) Disputavam os nossos civilistas sobre se deviam ser en-
tregues todos ou somente alguns rendimentos (Pereira de Carva-
lho, Proc. or]., § 180 e nota 345). Preferi a opinião de Lafayette,.
Dir. de jamília, § 178, e Ribas, Curso, I, pág. 107, e nota.
(9) Cód. Civil, art. 481. E' o prazo da prescrição geral e
da dos dinheiros de ausentes em proveito do Estado (lei de 17 de
Setembro de 1851, art. 32). Perdigão Maeheiros, Manual do
proc. dos jeitos, §'381 e nota 695; Lafayette, Dir. de família, e
T. de Freitas, Consolidação, nota 12 ao art. 338, conformavam-se
com este modo de pensar. Pereira de Carvalho, Proc. orj., § 181,
aceitava-o também fundado no Código Civil francês, art. 129.
DA OURATELA 431

últimas notícias suas (10). Ocioso é dizer que o mesmo


acontece no caso em que há certez? da morte; assim como
que, cedendo a presunção à realidade, serão entregues os
bens ao ausente, desde que ele apareça, em qualquer tempo,
após a abertura da sucessão definitiva. Neste caso, porem.
como se consideram os derdeiros proprietários definitivos,
receberá o ausente os bens no estado em que estiverem, e o
preço das alienações, mas não os frutos, porque o sucessor
definitivo tem propriedade, embora resoluvel, é possuidor
de boa fé, visto que recebe os bens do ausente jure heridi-
tario (11).
O art. 483 do Código Civil dispõe: "Regressando o
ausente nos dez anos seguintes à abertura da sucessão de-
finitiva, ou algum dos seus descendentes, ou ascendentes,
aquele, ou estes haverão só os bens existentes, no estado
em que se acharem, os subrogados em seu lugar, ou o pre-
ço, que os herdeiros e demais interessados houverem rece-
bido pelos alienados depois daquele tempo".

Se o ausente não regressar e nenhum interessado pro-


mover a sucessão definitiva, os bens passarão para o Es-
tado ou para o Distrito Federal, se o ausente era domi-
ciliado nas respectivas circunscrições, ou à União, se o era
em território ainda não constituído em Estado (artigo ci-
tado, § único).

(10) Cód. Civil, art. 482. Pereira de Carvalho, Proc.


orf., § 181 e nota 347; Coelho da Rocha, Inst., § 398; Lafayette,
Dir. de família, § 179; Loureiro, D ir. civil, § 225; Ribas, Dir.
civil, pág. 24. Outros de nossos civilistas, apoiados no direito ro-
mano, preferiam a idade de 100 anos. Neste capítulo do direito
relativo à matéria de ausência, eram muito lacunosas as nossas leis.
O Código Civil, porem, procurou suprir essas definiências.
(11) Não era razoável a doutrina de Pereira de Carvalho,
Proc, orf., § 183, sobre os rendimentos legítimos, a serem resti-
tuidos nesta hipótese, pois que seu único apôio era o Código Civil
francês.
432 DIREITO DA FAMÍLIA

§ 93

LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA

O Código Civil francês distingue a presunção de au-


sência, a ausência declarada e a presunção de morte (ar-
tigo 112 e segs.). semelhantemente ao que estatuem nossas
leis, O prazo para a declaração da ausência é de quatro
ou dez anos, conforme o indivíduo tenha ou não deixado
procurador para cuidar de seus bens (arts. 120-121). De-
clarada a ausência, o cônjuge comum de bens pode optar
pela continuação do regime, impedindo, assim, a imissão
dos herdeiros na posse provisória da comunhão (artigo
124). A posse provisória é um verdadeiro depósito, con-
ferindo apenas o direito de administração (art. 125), mas'
não o de alienação dos imóveis (art. 128). Os deposi-
tários administradores, que são os herdeiros do ausente,
são obrigados a restituir os bens deste com o quinto dos
rendimentos,' se ele reaparecer, antes de quinze anos a
contar das últimas notícias, com o décimo, se o reapare-
cimento demorar mais de quinze anos.
Depois de trinta anos de ausência, a totalidade dos
frutos pertencerá ao administrador (art. 127).
Trinta anos depois de declarada, judicialmente, a
ausência, ou cem anos passados depois do nascimento do
ausente, devolvem-se as cauções e abre-se a sucessão de-
finitiva (art. 129). Porem, se o ausente reaparece ou é
provada a sua existência, mesmo depois da partilha defi-
nitiva, se lhe entregarão todos os bens, no estado, em que
se acharem, e o preço das alienações (art. 132).
O Código Civil italiano atual trata da ausência nos
arts. 45 a 71. Decorridos dez anos do dia em que se ti-
veram as últimas notícias referentes à pessoa, os presu-
midos sucessores legítimos e os que julgam ter direito
sobre bens do desaparecido, dependentes da morte dele",
podem pedir ao tribunal competente a declaração da au-
sência (art. 46). Tornada exeqüível a sentença declara-
ODA GURATELA 433

tóría da ausência, o tríburial, a pedido de interessado, ou


do Ministério Público, ordenará a abertura do testamento,
se houver, os presumiveis herdeiros podem pedir imissão
na posse provisória dos bens, mediante caução, ou outra
cautela determinada pelo tribunal (art. 47). Ao cônjuge,
alem do que lhe caiba, de acordo com o regime de bens,
poderá ser concedida pensão alimentar (art. 48). Os as-
cendentes, os descendentes e o cônjuge imitido na posse
provisória dos bens recolhem, em seu proveito, a totali-
dade das rendas; outros, devem reservar um terço delas
para o ausente (art. 50). Se o ausente aparece ou se prova
a sua existência, cessam os efeitos da ausência (art. 53).
Se se lhe prova a morte, abre-se a sucessão (art. 54). A
morte se presume, se decorreram dez anos da última no-
tícia do ausente; não podendo, porem, proferida sentença
a respeito, antes de transcorridos nove anos depois da
maioridade do ausente (art. 55). Outros casos de morte
presumida: 1.°, quando o desaparecido tofnou parte em
operação bélica e já decorreram dois anos do tratado de
paz, ou, em falta desse tratado, três anos contados do fim
do ano em que cessaram as hostilidades; 2.°, quando o de-
saparecido tenha caído prisioneiro do inimigo, ou tenha
sido por este internado, passados dois anos da vigência do
tratado de paz, ou três anos contados do fim do ano em
que cessaram as hostilidades; 3.°, quando alguém desapa-
rece num sinistro e passam dois anos, sem haver notícia
dele (art. 57). E continua o desenvolvimento da ma-
téria.
Firmando e desenvolvendo os princípios do direito
anterior, o Código Civil português (arts. 55-56), é dos
que mais detalhada e sabiamente providenciaram sobre a
ausência. A curadoria provisória é dada aos bens de todo
aquele que desaparece do lugar de seu domicílio ou re-
sidência, sem deixar outrem incumbido de velar por seu
patrimônio (art. 55). Decorridos quatro anos depois do
desaparecimento ou das últimas notícias, instala-se a
curadoria definitiva, cm favor dos herdeiros legítimos
— 28
434 DIREITO DA FAMÍLIA

ou testamentários, não tendo o ausente deixado procura-


dor (1), Se o tiver, a entrega dos bens aos herdeiros só
se fará, passados dez anos. Mas os herdeiros poderão,
ainda neste caso, intervir, passados três anos, requerendo
que o procurador preste caução suficiente, se ocorrer justo
receio de insolvencia, sob pena de destituição (art. 0*1).
Os curadòres definitivos fazem sua a quarta parte
dos rendimentos, se aparecer o ausente ou outro herdeiro
com direitos superiores, dentro de dez anos contados desde
o dia do desaparecimento ou da data das últimas notícias.
Adquirirão a metade, se ressurgir o ausente após dez anos.
Depois dessa época, ser-lhes-á concedida a totalidade dos
rendimentos (art. 73). Somente ao ausente ou ao her-
deiro preferido teem os curadores definitivos de dar contas
de sua gestão (art. 75). A alienação dos imóveis lhes e
vedada; exceto em casos excepcionais de urgente necessi-
dade (art. 76). Igualmente, não podem transigir sem au-
torização judicial, nem repudiar heranças em nome do au-
sente, aceitando-,as sempre a benefício do inventário (ar-
tigo 77).
Passados vinte anos de curadoria provisória, ou
completando o ausente noventa e cinco anos, presume-se
a morte, para o efeito de abrir-se a sucessão definitiva çar-
tígo 78). _ ,
O Código Civil argentino faz presumir a morte do
ausente, passados seis anos, a contarem-se do desapare-
cimento ou das últimas notícias, pouco importando que
haja ou não deixado procurador (arts. 110-111). Fá-la,
igualmente, presumir, na hipótese de desaparecimento
após um combate, um naufrágio, um incêndio ou outro
acontecimento semelhante, não havendo notícias por três
anos consecutivos (art. 112). Declarada a ausência, se-
gue-se a posse provisória e partilha dos bens, sem que os

(1) O Código Civil português ainda distingue os casos de ser


o ausente casado, e de deixar filhos ou não. São minúcias de so-
menos interesse (arts. 82-96).
DA OURATELA 435

possuidores tenham faculdade para aliená-los, sejam


moveis ou de raiz, sem autorização judicial (art 121).
A sucessão definitiva verifica-se quinze anos depois do
desaparecimento do ausente ou das últimas notícias, ou
oitenta anos depois de seu nascimento (art. 122).
Como se vê, não giram em órbitas muito divergentes
os vários Códigos, que teem assomado diante dos olhos
do leitor. Poucas e de pequeno vulto são as variantes apre-
sentadas. O mesmo resultado obteríamos se prolongás-
semos esta revista. Os prazos encurtam-se ou alargam-se,
as relações pessoais veem, às vezes, à tona, ao lado das eco-
nômicas, segundo se vê no Código Civil da República
oriental, porem a parte fundamental do assunto man-
tem-se a mesma.
Notarei, apenas, em aditamento ao que fica exposto,
que a duração presumivel da vida, segundo a maioria dos
Códigos Civis, é de oitenta anos, neste assunto especial da
ausência, pelo menos. Alem dos já anteriormente citados,
pronunciam-se por esse prazo: o Código Civil espanhol
(art. 191) e o uruguaio (art. 68). O Código Civil bál-
tico pronuncia-se pelos setenta anos.
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CAPÍTULO XV

DA RESTITUIÇÃO IN INTEGRUM (*)

§ 94

Poucas frases despenderei com este instituto que vai,


dia a dia, perdendo terreno, tanto nas páginas dos com-
pêndios como nos editos dos Códigos. Alem disso, a
teoria da restituição prende-se à das lesões e à dos recursos,
o que a transfere para outros departamentos do direito
civil, o das obrigações e o do processo.
Consagrada pelo direito romano, onde se originou
da necessidade de proteger os menores de vinte e cinco
anos, de atos ruinosos ao seu patrimônio, e sendo após
estendida aos pupilos em tutela (D. 4, 4, fr. 29, pr.) e
às pessoas equiparadas aos menores (1), a restituição por
inteiro viveu, algum tempo, nas legislações dos povos oci-
dentais, para ser, em seguida, eliminada parcial ou com-
pletamente.

(*)' O Código Civil aboliu a restituição in in te gr um (art. 8.°).


Mas aqui é conservado este parágrafo como elemento para a história
do direito.
(1) Sobre a teoria romana da restituição "in integrum", con-
sulte-se a substanciosa obra de Almeida Oliveira, Restituição "in
integrum", primeira parte.
438 DIREITO DA FAMÍLIA

O Código Civil português extinguiu expressamente


esse benefício, tanto em relação aos menores (art. 297),
quanto em relação ao Estado c a quaisquer outras cor-
porações (art. 38); o argentino deixou de contemplá-lo.
O francês (art. 1.305 esegs.), o italiano (1.303 e segs.),
o chileno (1.682 e segs.), o uruguaio (1.560 e segs.),
se o mantiveram, modificaram-no mais ou menos consi-
deravelmente. j >
Em todo o caso, como o nosso direito conservou, ate
ser abolido pelo Código Civil, o instituto da restituição,
entendendo ele, diretamente, com os menores e maiores in-
capazes, de que acabo de me ocupar, cabe esboçar aqui os
seus traços fundamentais.
Restituição por inteiro era o benefício concedido aos
menores e às pessoas que se lhes equiparam, afim de po-
derem anular quaisquer atos, ainda que válidos, nos quais
tivessem sido lesados durante a menor idade. O iUn a
mento desta matéra, por dreito pátrio, estava nas Ords. 3,
41 e 42, e no direito romano, em tudo que não fora mo-
dificado ou alterado pelas citadas Ords. ou leis poste-
riores. - a- • ■
Concedia-se a restituição em todos os atos judiciais
ou extrajudiciais, omissivos ou comissivos, contanto que
ocasionassem lesão ao menor, salvo, se esta proviera de
caso fortuito. Não importava que o ato fosse praticado
pelo tutor ou autorizado pelo juiz (Ord. 3, 41, § 2.°).
Se o ato era nulo, como se o menor fizesse algum contrato,
sem assistência do tutor, se nas alienações não tivessem
sido observadas as formalidades legais, e em todos os casos
feridos de nulidade, permitia o direito que se acumulassem
as acÕes de nulidade e restituição (2).
restituição beneficiava a todo menor, varao ou
mulher, estivesse sob o pátrio poder ou sob tutela; aos
alienados, fracos de espírito e pródigos interditos, ao bs-

(2) Coelho da Rocha, Inst., § 392; Admeida Oliveira, Res-


tituição, págs. 225-226.
DA RESTITíüIÇÃO IN INTEGR.UM 439

tado, ao Município e mais corporações juridicamente per-


sonificadas (3).
Podia o beneficiado, pelo recurso da restituição, usar
dele até quatro anos após o termo da menorídade ou da
incapacidade. Porem, se pudesse alegar algum impedi-
mento legítimo1 o tempo desse impedimento fosse ime-
diato à emancipação ou intercalado entre o começo e a se-
qüência da capacidade, não seria levado em conta (Ord/3,
41, § 6.°). Dada a emancipação por casamento, somente
depois dos vinte e um anos corria o quadriênio, apesar da
emancipação (Ord. 1, 88, § 28).
O direito de pedir a restituição transmitia-se ao her-
deiro do menor, contando-se para ele o quadriênio, ou
a parte que dele restasse, desde a aceitação da herança, ou,
se o sucessor era menor, desde que excedesse à menoridade.
Aproveitava, igualmente, ao cônjuge no regime da co-
munhão; ao condômino ou sócio da coisa individual. Não
aproveitava, porem, ao fiador (4).
Para que se concedesse esse benefício extraordinário
da restituição, não bastava, como já vimos, que o recla-
mante fosse menor, ou gozasse do privilégio por extensão:
vra necessário ainda: 1.°, que tivesse havido lesão pro-
vada, se o ato não era daqueles que supõem lesivos em si
mesmos, como os empréstimos gratuitos e inúteis, as do-
ações inconvenientes, as fianças, como as omissões de litís
contestação, prova, apelação, suspeiçao e outras que de-
terminam lesões (5): 2.°, em geral, que outro meio não
■existisse para nulificar o ato contra o qual se reclamava.

(3) Almeida Oliveira, op. ck., págs. 182 e segs., acres-


centava ainda os militares ocupados em serviço militar, os indiví-
duos que estivessem servindo em legações, embaixadas e outros.
(4) Coelho da Rocha, Inst., § 338; Almeida Oliveira
sustentava, em contrário, que a restituição aproveitava ao fiador.
pág. 220.
(5) Almeida Oliveira, op. cit., págs. 217 e segs. Pode
a lesão ser de pequeno valor; mas seria excessivo que, sendo in-
significante, determinasse a restituição.
440 DIREITO DA FAMÍLIA

Entretanto, nas partilhas, em que a lesão ia alem da sexta


parte, a restituição era meio ordinário de rescindi-la
(Ord. 4, 96, § 21).
Não podiam implorar a restituição: 1.°, o menor que,
maliciosamente, se fingira maior na ocasião de praticar o
ato contra o qual reclamava; 2.°, o que ratificara o ato ex-
pressa ou tacitamente; 3.°, o menor comerciante e o in-
dustrial pelas obrigações contraidas no exercício de sua
profissão; 4.°, o condenado por delito ou outros atos ilí-
citos, em relação às indenizações a quem foram constran-
gidos; 5.°, quaisquer menores, em relação aos esponsais c-
pactos antenupciais, tendo efetuado o casamento (6). ^
Podia ser pedida a restituição, diretamente, por açao,
ou simples petição, ou em defesa, por meio de réplica, ex-
ceção, embargos, apelação. (
Concedida a restituição, voltavam as coisas ao estado
anterior ao ato anulado, devendo cada uma das partes
repor o que tivesse recebido da outra, com seus ^rendi -
mentos, e indenizar as despesas necessárias e úteis (7).

(6) Coelho da Rocha, op. cit., § 391.


(7) Coelho da Rocha, op. cit., § 390; Almeida Oliveira
op. cit., págs. 251-253.
ÍNDICE ANALÍTICO
" - ,. ; ■

■.

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i:
ÍNDICE ANALÍTICO

Págs.

Palavras iniciais da primeira edição 11


Prefácio da segunda edição 13

CAPÍTULO I

DA FAMÍLIA

§ l-0

Noção da Família. Várias acepções da palavra família,


no direito antigo e no moderno. Fatores biológicos
e sociológicos da constituição da família. Correla-
ção existente, segundo Spencer, entre a evolução
dos tipos familiais e as da inteligência e do senti-
mento 15

§ 2.°

Formas de Família. Poligamia, monogamia, formas


incoerentes, o patriarcado, tipo igualitário. O ma-
triarcado não é mais do que um modo de deter-
minar o parentesco. Opinião de Westermarck.
Comparações históricas e etnológicas. 0 patriar-
cado. A forma igualitária atual 18
444 ÍNDICE ANALÍTICO

Págs.

§ 3.°

Direito da Família. A família é um foco de onde ir-


radiam múltiplas relações. Constituem elas o Di-
reito da Família 20

CAPÍTULO II

ESPONSAIS

§ 4.°

Noção e história do instituto dos esponsais. E' uma


transformação da compra das mulheres para o ca-
samento. Alguns povos celebram esponsais, desde
o momento em que nasce a criança. Westesmarck,
Hermann Post. Os germanos. Os anglo-saxões.
Curva da variação do Instituto segundo POST. Di-
reito romano. Arras esponsalícias. Osculum. Di-
reito canônico. Sponsalia de praesente e de fu-
turo . Conseqüências 23

§ 5.°

Teoria dos esponsais pelo direito pátrio anterior à co-


dificação civil. Legislação comparada. Que pes-
soas podem contrair esponsais. Requisitos legais
para sua validade. Arras, indenizações e condi-
ções. Ação resultante do contrato esponsalício.
Dissolução. E' um instituto em decomposição. O
Código Civil francês, o português, o italiano, o ho-
landês, direito americano do Norte, Código espa-
nhol, lei argentina, direito prussiano, Código de
Zurich. Os Brautkinder. Lei de Berna, Código sa-
xônio, o Código Civil alemão, a lei húngara 27
1
. ■ ' ' '■ ■ ■ " ■ /-■ ■■ Ç r. , '

ÍNDICE ANALÍTICO 445

CAPÍTULO III

DO CASAMENTO

§ 6.°

Noção do casamento. O casamento é a regulamentação


do instinto de reprodução. Definições romanas.
Definição adotada. E' um contrato. Opinião de
Savigny, Lafayette, d'Aguano, Sanches Roman.
Opinião contrária de Robertson, Huc, Cimbali,
Planiol, etc 33

§ 7.°

Primeiras formas do casamento. O hetairismo de M.


Lenan, Morgan ê outros. Chins, helenos, indús,
lídios, massagetas, babilônios, cipriotas, assírios ba-
leares, lócrios, australianos. O heitarismo não tem
a generalização que lhe atribuem alguns escritores.
Monogamia entre selvagens brasileiros, os foguea-
nos. Opiniões de Darwin, Maine, Le Bon, Wes-
termARCK, Spencer. Transitoriedade das relações
sexuais nas sociedades primitivas. Caraibas, esqui-
mós} aleucianos, cossacos, zoropogos, tibetanos, bre-
tões, árabes. O levirato. Poliginia. Considerações
de Spencer a respeito. Monogamia. Endogamia,
Exogamia. Captura e compra. O jus connubii.
Outras modalidades do casamento 35

§ 8.°

Cerimoniais do casamento antigo. A ficção da captura.


O banquete em comum, o bolo e o licor nupciais.
Intervenção da religião e do direito. Formas do
446 ÍNIDICE ANALÍTICO

Págs.

casamento em Sumatra, nas Ilhas Malgraves, no


Egito, no México e no Perú 45

§ 9.°

Direito romano. O rmtrimonium júris gentium e o con-


tuhernium. A confarreatio, a coemptio e o usus.
Casamentos por mero consenso. Solenidades cos-
tumeiras. Monogamia. Prescrições contra o celi-
bato. Os Orbi. Impedimentos matrimoniais. O
adultério • ^

§ 10

Direito canômco e pátrio. Concessões da Igreja. €a-


samento pela simples troca de consentimento. Car-
samento morganático. Formas do casamento usa-
das, outrora, em Portugal. Prescrições do Con-
cilio tridentino. Casamento acatólico. Casamento
54
civil

§ 11

Condições para a validade do casamento. Requisitos


pessoais, solenidades preliminares e celebração ... 57

§ 12

Impedimentos matrimoniais. Parentesco. Noção de


impedimentos matrimoniais. Suas diversas figu-
ras. Noção de parentesco. Suas espécies. Linha
e grau. Contagem dos graus segundo o direito civil
e o canônico. Irmãos germanos e unilaterais. Sis-
tema descritivo e classificatório. Parentesco ma-
trimonial. Observações dos fisiologistas. Direito
romano, francês, italiano, austríaco, russo, portu-
ÍNDICE ANALÍTICO 447 ■'

Págs.
guês, espanhol, inglês, norte-americano, japonês,
chinês L 57
#
§ 13

Outros impedimentos da lei brasileira. I.0 Casamento


ainda não dissolvido; 2.° Adultério; 3.° Atentado
contra o consorte; 4.° Coação e incapacidade em
manifestar o consentimento; os loucos e os surdos-
mudos; 5.° o rapto; 6.° A falta de autorização dos
pais, tutores ou curadores; Casamento de funcio-
nários, diplomatas, consulares e dos militares;
7.° A idade inferior a 16 ou 18 anos ,tábua da
idade nupcial em diversas legislações; 8.° A falta
de inventário; 9.° A falta de lapso de tempo de-
pois da viuvez ou separação judicial (je corpos;
10.° O vínculo tutelar ou curatelar; 11.° O vínculo
jurisdicional Código Civil brasileiro. Legislação
estrangeira 68

§ 14

De alguns impedimentos estranhos à nossa lei. Impedi-


mentos canônicos. Voto solene e ordens sacras
maiores diante da legislação de vários povos. A
disparidade de cultos. Outras figuras de impedi-
mentos. O código soviético. Direito inglês. O ódio
de raça nos Estados Unidos da América do Norte.
O novo Código Civil italiano, estabelece restrições
ao casamento de italiano com estrangeiro 34

§ 15

Oposição dos impedimentos. Quem os pode opor. Por


que modo. Em que tempo. Contestação. Dis-
ÍNDICE ANALÍTICO

Pá^s.

§ 16

Outras exigências permitidas. *Atestado de sanidade e


de moralidade. O Código Civil não os manteve.
Não são impedimento. Leis alemã e inglesa ... 89

§ 17

Bolenidades preliminares do casamento. Editais. Publi-


cação de proclamas. Sua dispensa, em casos ur-
gentes. A publicação e eficácia dos banhos no di-
reito inglês, francês, italiano, argentino, alemão, es-
9]
panhol e português

§ 17-A

A celebração do casamento por direito pátrio. Autori-


dade celebrante. Casamento religioso. Referência
a leis locais. Lugar da celebração. Testemunhas.
Formalidades da celebração. Casamento por pro-
curação. Casamento em iminente perigo de vida.
Sanção religiosa, anterior ou posterior ao ato civil.
A doutrina da precedência do ato civil ao religioso,
em França. Liberdade ampla na Itália. A pre-
cedência do ato civil, na Suiça, Alemanha^ Holanda
e Argentina. A falta de consagração religiosa quan-
do prometida. A celebração religiosa do casamento
com efeitos civis, em virtude do que preceituava
a Constituição. A jurisprudência francesa e o Có-
digo Civil do Uruguai 9

§ 18

Celebração do casamento no direito estrangeiro. Duali-


lidade de formas, religiosa e civil, em Portugal e
IN1DICÊ ANALÍTICO 449

,i Págs.
a reforma atual. Direito espanhol. Crítica de
. Sanches Roman. O casamento dos que se acham
em perigo iminente de vida. Origens do casamen-
to civil no direito francês. Sua atualidade. Dife-
renças entre o direito francês e o pátrio. Código
italiano. Lei alemã. Direito austríaco, húngaro,
dinamarquês, romáico, suiço, inglês, escossês, irlan-
dês, russo, argentino, norte-americano, peruano, bo-
liviano, equatoriano 99

§ 19

Das segundas núpcias. Imolação das viuvas. Culto do


cônjuge morto. Vedação das segundas núpcias no
direito antigo. Direito canônico e pátrio 109

§ 20

Casamento dos brasileiros no estrangeiro e dos estran-


geiros no Brasil. Ambos os contraentes brasilei-
ros, qual a lei aplicável e qual a autoridade cele-
brante. Se um só dos contraentes é nacional, O
Código Civil. O Código Bustamante. A continui-
dade como carater essencial das leis. Códigos es-
trangeiros a respeito. Casamento dos estrangeiros
no Brasil. O Código italiano e o espanhol. Prin-
cípios firmados na conferência de Haya. Validade
dos casamentos realizados perante agentes diplo-
máticos ou consulares 112

§ 21

Das provas do casamento. Diversas categorias de pro-


vas consagradas no direito pátrio. Outras legisla-
ções. Confronto e crítica X28

— 29
450 índice analítico

Págs
§ 22

Casamento nulo. O (iue é. Vícios que determinam a


nulidade. A inobservância dos preceitos legais en-
envolve uma questão de ordem social. Doutrina do
Código Civil alemão. Huc e Endemann. Nota so-
bre os casamentos celebrados por pessoa incom-
petente 122

§ 23
"A. '
Casamentos anulaveis. Quais são. Casamentos do co-
ato. Do incapaz de consentir. Se alguém casar
durante o estado de loucura. Direito francês, ale-
mão, argentino, italiano, espanhol e suiço. Erro
essencial sobre a pessoa; a) o que diz respeito a
identidade do outro cônjuge; b) ignorância de cri-
me inafiançável; c) ignorância de defeito físico ir-
remediável e anterior. Casamento contraido sem
autorização das pessoas a quem compete dá-la. Ca-
samento da menor de 16 anos e do menor de 18.
Legislação comparada 124

§ 24

Conseqüência da nulidade e da anulação do casamento.


Filiação. Casamento putativo. Parentesco. Guar-
da dos filhos. Legislação comparada e, em parti-
cular, o direito russo 132

CAPÍTULO IV

DOS EFEITOS DO CASAMENTO

. § 25

Efeitos do casamento. São múltiplos os efeitos que de-


correm do casamento. Classificação deles ...... 137
ÍNDICE ANALÍTICO 45j

Págs.
§ 26

Evolução das relações pessoais entre cônjuges. O di-


reito antigo consagra a incapacidade jurídica da
mulher, salvo exceções. Direito persa, indú, he-
bráico, helênico, germânico, romano. A manus, os
casamentos livres. Atenuações do direito pelos cos-
tumes 13S

§ 27

Estado atuai das relações pessoais entre cônjuges. I —


Direitos e deveres comuns a ambos os cônjuges.
II — Direitos especiais do marido. Quais são.
Administração dos moveis. Doações e fianças.
Alienações à concubina. Administração -dos imó-
veis. Necessidade da autorização da mulher, para
a alienação. A falta de autorização invalida o ato.
Meio de suprir a falta de outorga uxória. Direito
francês em relação aos direitos especiais do ma-
rido. O italiano, português, espanhol, russo, bál-
tico, argentino, zurichense, chileno, basileano, ame-
ricano do norte, inglês, alemão. III — Direitos es-
peciais da mulher. Enumeração deles. Legislação
comparada. O Código Civil 142

§ 28

Incapacidade da mulher casada. Influência do passado.


Atualidade. Direito pátrio. Autorização do ma-
rido para que a mulher possa agir juridicamente.
Inovação constitucional. Suprimento da autoriza-
ção pelo juiz. Casos em que a mulher se considera
autorizada. Anulabilidade dos atos não autoriza-
dos. Legislação comparada. Sistema da incapa-
452 ÍNDICE ANALÍTICO

Págs.

cidade restrita. Sistema da incapacidade comple-


ta. Sistema de franquias. Sistema de independên-
cia completa. Nota sobre o direito mussulmano .. 154

§ 29

A questão da misoginia e da filogínia. Posição da


questão. Debate entre os biologistas. Opinião de
Livro de Castro. Objeções. Adaptação e bere-
ditariedade. Maebius e Lombroso. Exageros da
campanha feminista. A sociedade inglesa. A in-
fluencia das spinsters. Conclusão de SpeNcer.
Nota sobre as confirmações de Fouilée 160

§ 30

Outros efeitos pessoais do casamento. Influência sobre


a nacionalidade. A lei de 10 de Setembro de 1860.
Constituição Federal. Outras legislações. Eman-
cipação. Legislações estranhas 168

31

Kelações econômicas entre cônjuges. Regimes de bens,


doações entre cônjuges, direitos sucessórios 171

§ 32

Do regime dos bens no casamento. Liberdade do di-


reito pátrio a respeito. Legislações estranhas. Ne-
cessidade da escritura pública e inalterabilidade
dos regimes de bens. Opiniões de Lafayette e
Teixeira de Freitas. Variedade dos regimes .. 172
índice analítico 453

Pags.
§ 33

Doações entre cônjuges. Condições de sua validade.


Atos que se não consideram doações. O regime
da comunhão

§ 34

Direito sucessório entre cônjuges. Direito romano e


germânico. Direito pátrio. O Código Civil. Di-
reito italiano. Inovações introduzidas no direito -
francês. Outras legislações 178

CAPÍTULO VV
v j. é
REGIME DA COMUNHÃO DE BENS

§ 35

Noção e origem da comunhão de bens: a) Manifesta-


ções prodrômicas. A comunhão de bens está em
mais harmonia com a transfusão dos interesses, rea-
lizada pelo casamento, do que qualquer outro re-
gime. Crítica a este regime. Sua defesa. Sua ori-
gem não é a comunhão patrimonial da família pri-
mitiva, Manifestações desse regime em Roma . 185

§ 36

b) Desdobramento evolutivo. Em Roma, a comunhão


de bens entre cônjuges não medrou. Na Germânia,
apareceu ela com a cessação do mundium. Evo-
lução do instituto, segundo Roth e Schboeder. Seu
germe é o Morgengabe. Comprovações tiradas da
história jurídica de vários paises. Em Portugal,
454 fNIDICE ANALÍTICO

Págs.

procede ela dos wisigodos. Costume e convenção.


Pronunciada predileção manifestada entre nós por
esse regime. Tem uma explicação lógica e outra
étnica e psicológica. A ação dos selvagens brasileiros 180

§ 37

Comunhão universal de bens. Quando é legal. Quan-


do convencional. Pressupostos de sua existência. Re-
servas que lhe faz o Código Civil. Paises que ado-
tam a comunhão universal de bens 196

§ 38

Bens excluídos da universalidade da comunhão. Enu-


meração deles. O Projeto de Código Civil. Direito
português, alemão, brasileiro 199

§ 39

Administração dos bens na comunhão. A quem per-


tencem a propriedade e a posse dos bens comuns.
O Código Civil brasileiro. O Código Civil alemão 200

§ 40

Cessação da comunhão. Quando se verifica. Por


morte. Por outras causas. Direito alemao. Ces-
sação da comunhão na constância do casamento.
O Código Civil 201

S 41

Comunhão parcial. I.0, Comunhão do Código Civil


francês, igualmente adotado na Bélgica, no Luxem-
burgo, em Genebra, no Jura bernês, na Luiziana e
ÍNDICE ANALÍTICO 455

Págs.
na Califórnia; 2.°, Comunhão dos acquestos. E' o
regimo comum na Espanha e em vários cantões
suíços, no Chile, na Argentina. O Código Civil ita-
liano regula esta espécie, mas não consagra regime
legal; 3.°, Outras modalidades. Dissolução da co-
munhão OA/I

CAPÍTULO VI

REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS

§ 42

Separação de bens. O que é. Legislações que'adotam


esse regime. Feições principais dele. A separa-
ção em Roma e na Germânia. Direito pátrio. Con-
siderações morais a respeito. Separação limitada
impropriamente chamada simples separação Dí-
vidas. Administração. Dissolução da sociedade
conjugai. O Código Civil

CAPÍTULO VII

REGIME DOTAL

§ 43

Noção, origem e desenvolvimênto histórico até ao direito


romano, inclusive. Qual é o regime dotal. A com-
pra da mulher transforma-se em compra do marido.
Transição dessa transformação entre os babilônios.
O dote como simples doação propter nuptias. O
Rig-Veda, Homero. Germanos, aztecas e toltecas.
Obtenção do dote pelo amor venal. O dote na Gré-
456 ÍNDICE ANALÍTICO

PágSo

cia. Sua oriigem em Roma. Estipulação para resti-


tuí-lo. Sua generalização. Destinação do dote. Le-
gislação justinianea 215 •

§ 44

Desenvolvimento histórico do regime dotal no antigo


direito ibero, no direito pátrio e nas legislações mo-
dernas. Código visigóíico. Lei das sete parti-
das. O sistema dotal penetrou na Ibéria com a re-
nascença do direito romano. E' ainda esse direito
a base do sistema dotal entre nós. Dote conven-
cional e legal. Direito germânico. Direito alemão
vigente, suiço, chileno, colombiano, argentino, in-
glês e norte-americano 222

§ 45

Por quem pode ser constituído o dote. Obrigação de


dotar em direito romano. Desaparecimento dessa
obrigação no direito moderno. Se o dote é consti-
tuído pela mulher. Pelo pai ou pela mãe da nu-
bente. Pelos avós paternos ou maternos. Por es-
tranho

§ 46

Quando deve ser constituído o dote. Suas formalidades.


Estimação e insinuação. Anterioridade ao casa-
mento e escritura pública O Código Civil permite
que um estranho constitua dote, durante o matri-
mônio . O que é estimação. Suas modalidades. Que
dotes dispensavam a insinuação, O Código Civil .
ÍNIDICE ANALÍTICO 457

Págis.

§ 47

Cláusulas adjectas ao contrato dotal. Cinco cláusulas


destacadas por Lafayette. Justificação e crítica 233

§ 48

Obrigações do dotador e direitos do marido para haver


o dote. Evicção. A obrigação do dotador é condi-
cional. Ação do marido para coagi-lo. Necessidade
da tradição para a translação da propriedade ao
marido 23B

§ 49

Classificação dos bens no regime dotal. Bens dotais.


Bens parafernais. Bens próprios do marido. Bens
adquiridos na constância do matrimônio. Doutrina
que prevaleceu no Código Civil 238

§ 50

Direitos e obrigações do marido em relação aos bens


dotais. A propriedade do dote pertence, normal-
mente, à mulher. Os direitos do marido dependem
da natureza do regime, do estipulado e da modali-
dade da estimação. Estimação que importa venda.
Estimação taxativa. Inalienabilidade dos imóveis.
Indicação dos principais direitos e deveres do ma-
rido 241

§ 51

Conseqüências da alienação ilícita dos bens dotais. São


anulaveis as alienações Ilícitas. Cabe à mulher
458 ÍNDICE ANALÍTICO

Págs.

e aos seus herdeiros o direito de promover a anu-


lação. Responsabilidade do marido 245

§ 52

Direitos da mulher em relação aos bens dotais. Garantia


hipotecária. A separação do dote e a sua admi-
nistração pela mulher. Em que casos se verifica.
Como se efetua. Miulher comerciante. Legisla-
ção estrangeira 246

§ 53

JRestituição do dote. Quando ocorre. Quem deve res-


tituir. Restituição prematura. Garantia da res-
tituição. Como deve ela ser feita. Aquisição dos
frutos. Os frutos do último ano. Ampliação do
princípio. Quando o dote consistir em gozos de
direitos reais ou obrigacionais. A restituição pres-
supõe a tradição. O Código Civil. Legislação es-
trangeira 248

§ 54

Tempo de restituição. Bens que se restituem em espé-


cie. Bens que se restituem pelo preço. Os prazos
da lei não são fatais. Nota sobre a doutrina ro-
mana a respeito 254

CAPÍTULO VIII

ARRAS

§ 55

JSÍoção e evolução das arras. Definição. Origem do


instituto, segundo Viterbo. Compra de corpo e
ÍNDICE ANALÍTICO 459

Pags.
Morgengabe. Opinião de Levy Maria Jordão.
Camera cerrada é um eufemismo para designar a
compra do corpo. Objeções a essa opinião. O
Morgengabe em Portugal, como na Alemanha,
transforma-se na comunhão de bens. A compra
do corpo no direito português não corresponde ao
pretium pudicitiae do direito hebreu. E', sim, a
compra do mundium. As arras são a metábole
do doário. De onde veio o nome de arras. Os-
culum. Doações propter nuptias. Fusão do doário
de origem tedesca e arras esponsalícias de origem
greco-latina 257

§ 56

Princípios reguladores das arras no direito pátrio ante-


rior à codificação civil. As arras só podiam ser
constituídas no contrato dotal. Seu quantum. Sua
administração. Seu destino após a dissolução da
sociedade conjugai. Apanágios e alfinetes 271

CAPÍTULO IX
DOS REGIMES DE BENS NO DIREITO INTERNACIONAL
PRIVADO

§ 57
Os regimes de bens perante o direito internacional pri-
vado. Casamento celebrado no estrangeiro perante
a autoridade estrangeira ou nacional. Fixação do
domicílio em outra parte. Lei do domicílio con-
jugai. Escritores e Códigos. Escolas divergentes.
Somente o primeiro domicílio conjugai teria força
para determinar o regime legal. A que se reduz a
questão. O art. 8 da Introdução do Código Civil.
O Código Bustamante 273
460 ÍNDICE ANALÍTICO

Pág8.

CAPÍTULO X

DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL


E DO MATRIMÔNIO

§ 58

Noções históricas do divórcio e do desquite. Dupla


acepção da palavra divórcio. Casamentos tempo-
rários entre os primitivos. Repúdio da mulher na
índia, na Grécia, na Judéia. Divórcio pelo Código
de Hammurabi. Divórcio em Roma. Reação do
cristianismo. Separação de corpos. Direito pátrio.
Secularização do direito matrimonial 279

59

O problema do divórcio. Vantagens e inconvenientes da


simples separação e do divórcio a vinculo. Solução
preferível. As condições da sociedade brasileira dis-
pensam o divórcio. Confronto entre o crime e o
divórcio. O divórcio por ocasião de se discutir o
Projeto de Código Civil, na Câmara dos Deputados.
Opinião de ARTURO Bas 284

§ 60

Motivos e efeitos do desquite, segundo a lei pátria.


Enumeração deles. Adultério. Sua punição no di-
reito antigo. Direito pátrio. Condições para que
o adultério autorize o desquite. Sevícias e injúrias
graves. Abandono do lar. Tentativa de morte.
Mútuo consentimento. Efeitos do desquite. A sor-
te dos filhos 288
ÍNDICE ANALÍTICO 461

Págs.
§ 61

Legislação comparada. Direito francês. Nota sobre a


distinção entre o adultério do homem e o da mu-
lher. O direito francês aceita o divórcio a vinculo.
Sistemas diversos. O mútuo consenso. Legislação
inglesa, russa, sérvia, austríaca, holandesa, belga,
alemã, suiça, norte-americana, da Guatemala e do
Salvador. Outras legislações rejeitaram o divór-
cio. A italiana, a espanhola, a argentina 294

§ 62

O divórcio perante o direito internacional privado. Que lei


se deve consultar para saber se um casamento é
divorciavel. Opiniões divergentes. Combinação da
lex fori com a da nacionalidade. Os cônjuges legal-
mente divorciados serão considerados tais, mesmo
nos paises em que o divórcio é desconhecido. O
Projeto primitivo 303

§ 63

Dissolução do casamento. A morte. O divórcio dos


estrangeiros pronunciado no estrangeiro. A ausên-
cia, embora definitiva, não dissolve o casamento.
Base desta decisão 306

CAPÍTULO XI

RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS

§ 64

Filiação legítima. O que é filiação. Quando é legítima.


Expostos. Modos de determinar se o momento da
462 ÍNDICE ANALÍTICO

PágSe

concepção ocorreu durante a constância do casa-


mento. Presunção do concúbito. Modo de desfa-
zê-la, O adultério, por si só, não destrói a presun-
ção legal da paternidade. Legislação comparada 309

§ 65

Contestação da legitimidade da filiação, I — Contes-


tação da paternidade. Quem tem direito de fa-
zê-la. Quando prescreve a ação para essa contestar-
ção. Quando se transmite ao herdeiro do marido.
IX — Contestação da maternidade, Quem pode pro-
pô-la. III — Contestação do casamento. Quem
pode propô-la. Legislação comparada 313

§ 66

Ação de filiação legítima. Sua prova. Em que con-


siste esta ação. Teem direito de propô-la o filho,
seus descendentes e herdeiros. O que deve provar
quem pretende fazer constar a legitimidade da fi-
liação. A posse de estado. Fatos de que resulta.
Direito estrangeiro 317

§ 67

Filiação ilegítima. Quem é filho ilegítimo. Sub-espé-


cies de ilegítimos. O direito ateniense e o romano
em relação aos ilegítimos. Direito canônico e ger-
mânico Direito moderno. Conceitos de Cimbali 320

§ 68

Legitimação. O que é. Suas espécies no direito roma-


no e moderno. Legitimação por subsequente matri-
mônio. Sua razão de ser e sua origem. Direito
"ÓT.

ÍNDICE ANALÍTICO 403;

pátrio. Que filhos pode ele beneficiar. A legiti-


mação por casamento subsequente atua no direito
ipso jure. Direito francês) português, alemão, suí-
ço, italiano, russo, argentino, chileno, norte-ameri-
cano, ingjlês 323

69

Reconhecimento dos filhos naturais. A maternidade é


habitualmente manifesta. Casos duvidosos. Seu
reconhecimento espontâneo ou forçado. Determi-
nação da paternidade!. Reconhecimento espontâ-
neo. Suas formas. Sendo por escritura pública ou
testamento, que direitos confere. A que espécie de
filhos especialmente se aplica. Época em que deve
ser realizado o reconhecimento. Como e por quem
pode ser impugnado. Legislações estranhas: fran-
cesa, portuguesa, argentina, uruguaia, chilena, es-
panhola 331

70

Investigação da parternidade perante os princípios e a lei.


Prova da paternidade ilegítima para efeito de ali-
mentos. Opiniões divergentes. Teixeira de Frei-
tas contra LAFAYETTE, Argumento tirado do de-
creto de 24 de Janeiro de 1890. O Código Civil
regula a investigação da paternidade. Fatos jurí-
dicos que provam a paternidade independentemente
da vontade dos pais. Legislações que interdizem
a investigação da paternidade. Casos em que a to-
leram. O direito português, inglês, austríaco, bá-
varo, espanhol, luiziano e argentino, aceitam a in-
vestigação. Argumentos pró e contra. Observação
de Tarde. Opinião de Cimbali, Gabba e Laurent.
Condições a que se deve submeter o princípio de
4*64 ÍNDICE ANALÍTICO

Págs.

reconhecimento forçado. Projeto Coelho Rodri-


gues. Posse de estado. Concubinato. Casamento
creligioso. Defloramento, estupro e rapto. A se-
dução como deve ser apreciada para autorizar a
investigação da paternidade. Observações de Du-
MAs-filho. A prova testemunhai. O Código atual 339

§ 71

Adoção no antigo direito e no direito pátrio. Definição.


Origem. Afirmações de Maine e de Coulanges-
Direitos dos povos antigos, direito romano. Espé-
cies, condições e efeitos. Povos bárbaros. Direito
português antigo. Opinião do dr. Dino Bueno.
Refutação. Opiniões de Teixeira de Freitas, Bor-
ges Carneiro, Lis Teixeira e Loureiro, contra
Lafayette e Coelho da Rocha. Direito pátrio em
vigor. O direito estrangeiro. Bluntschli e San-
ches Roman . Condições da adoção por direito
pátrio. Seus efeitos 351

§ 72

Adoção no direito estrangeiro atual. Legislação que


a puseram de lado. Legislações que a mantiveram.
Direito francês, alemão, suiço. Outras legislações
e, particularmente, a russa 384

§ 73

Noção de pátrio poder. Definição. Origens. No Mé-


xico, na China, no Japão, na Grécia, na índia em
Roma. Princípio novo introduzido pelos gèrmanos.
Direito pátrio 363
ÍNDICE ANALÍTICO 465

Págs.

§ V4

jDireííos compreendidos no pátrio poder. Direito sobre


a pessoa do filho. Pecúlios. Suas espécies. Direi-
tos do pai sobre os pecúlios do filho. Garantias.
Crítica à teoria dos pecúlios. O Código Civil pôs de
lado a doutrina dos pecúlios. Legislações estranhas 367

§ 75

Responsabilidade do pai pelos atos do filho. Os pre-


ceitos do direito romano e do Código filipino de-
vem ser entendidos de acordo com a feição nova
do direito. Se há mandato. Não havendo. Adian-
tamento de mesadas. Se o filho é comerciante.
Atos ilícitos 372

§ 76

Da suspensão e extinção do pátrio poder. Em que hipó-


teses se dá a suspensão do pátrio poder. O Código
de Mjenores. Termina o pátrio poder : 1.°, pela
morte do pai e da mãe; 2.°, pela passagem desta
a segunda núpcias; se a bínuba perde o usufruto
dos bens do filho. O Código Civil não considera
caso de perda do pátrio poder o fato de o pai ou
mãe casar sem prévio inventário; 3.°, quando o
filho atinge à maioridade; 4.°, pela emancipação
legal. Casos em que o progenitor perde a sua au-
, toridade paternal 373

§ 77

Traços de legislação comparada em relação ao pátrio po-


der. Direito francês. Poder de correção. Outras le-
gislações. Código Civil italiano, português e espa-
— 30
469 ÍNDICE ANALÍTICO

Págs.

nhol. Direito alemão, suiço, inglês, russo. Nota


sobre a legislação protetora da infância 377

CAPÍTULO XII

ALIMENTOS

§ 78

Noção de alimentos. Vocação a prestá-los. Acepção téc-


nica da palavra alimento. Teoria do direito ro-
mano. Direito pátrio. A quem incumbe prestar
alimentos. Ordem a seguir. Condições para serem
devidos os alimentos. Quando, pelo direito ante-
rior, cessava a obrigação de alimentar. Direito vi-
gente . Códigos Civis português e francês. Direito
romano, suiço, uruguaio, argentino, chileno, inglês 383

§ 79

Fixação dos alimentos e ação para obtê-los. Periodici-


dade da prestação dos alimentos. Como a pensão
deve ser prestada. A obrigação alimentar não é
solidária nem indivisível. A ação para pedir ali-
mentos 389

CAPÍTULO XÍII

DA TUTELA

§ 80

Noção da tutela. Definição. Direito romano. Direito pá-


trio. Quem incide sob tutela. Nota sobre o pá-
trio poder da mãe natural, pelo direito anterior ao
Código Civil. Espécies de tutela 393
ÍNDICE ANALÍTICO

Págs.

§ 81

Da incapacidade para exercer a tutela. Enumeração das


pessoas incapazes 390

§ 82

Das escusas. Enumeração dos casos de escusa. Quando


devem ser alegadas 400

\ § 83

Garantias da tutela. Entrada em funções. Os imóveis


do tutor acham-se hipotecados em garantia dos
bens do pupilo. Reforço dessa garantia 401

§ 84

Direitos e obrigações do tutor. Criação e educação do


orfão. Trabalho dos menores, segundo o Código
de Menores. Administração dos bens do pupilo.
Faculdade de alienar. Quando e por que modo é
conferida ao tutor. Autorização do juiz quando
é necessária. Quando é dispensada. O tutor não
pode doar nem transigir. Representação dos im-
púberes e autorização aos púberes. Prestação de
contas e indenização dos danos causados. Respon-
sabilidade do magistrado 402

" § 85

Dos bens dos orfãos. O direito anterior. Dfestino dado


aos valores pertencentes aos orfãos. Em que ca-
sos podem ser retirados das Caixas Econômicas .. 408
468 ÍNDICE ANALÍTICO

Págs.
§ 86
Da cessação da twtela. Maioridade. Emancipação. Sub-
missão do menor ao pátrio poder. Transcurso de
tempo. Escusa. Remoção. Avó bínuba 409

§ 87
Prestação de contas. Quando tem lugar. Como se opera.
Receita e despesa. Remuneração. Recolhimento
às Caixas Econômicas 412

CAPÍTULO XIV

DA CURATELA

§ 88
Noções e espécies de curatela. Definição. Espécies exis-
tentes em nosso direito. Direito romano. Lei plae-
toria. Ação dos pretores. Marco Aurélio. Mesmo
no direito justinianeo a curadoria não é obrigató-
ria. O direito moderno a respeito. Identidade de
princípios entre a tutela e a curatela 415

§ 89
Curatela dos alienados e fracos de espírito. Que pes-
soas compreendem as expressões — alienados e fra-
cos de espírito, ou loucos de todo o gênero. Quais
não compreendem. Decretação da curadoria dos
alienados. A quem é deferida. Seus direitos e
deveres. Quando cessa 418

§ 90

Legislação comparada em relação à curatela dos aliena-


dos. Lei das XII tábuas. Direito pretoriano. No di-
ÍNDICE ANALÍTICO 469

Págs.
reito francês, quem deve pedir a intervenção. Co-
mo é decretada. A quem é dada a curatela. Inca-
pacidade do interdito. Interdição legal dos aliena-
dos. Código Civil italiano. Interdição dos conde-
nados . A pena de ergástulo determina uma espécie
de morte civil. Direito português, inglês, alemão,
suíço, espanhol, argentino, chileno, uruguaio, russo.
A lei norueguesa de 28 de Novembro de 1898 ... 419

§ 91

Curatela dos pródigos. Conceito legal do pródigo. Decre-


tação da interdição por prodigalidade. Extensão
da capacidade do pródigo. Direito romano. De-
cadência do instituto. Várias legislações/ a respeito 425

§ 92

Curatela dos ausentes. Conceito de ausente. Curadoria


provisória. Seu termo. Bens vagos. Sucessão pro-
visória, Sucessão definitiva. Quando ocorre ... 428

§ 93
Legislação estrangeira. Doutrina do Código Civil francês,
do italiano, do português, do argentino. Pouca va-
riação na doutrina dos Códigos. Duração presumí-
vel da vida .. 432

CAPÍTULO XV

DA RESTITUIÇÃO IN INTEGRUM •

§ 94
Sua origem. Direito pátrio. Fundamento do benefício res-
titutório. A quem era concedido. Em que tempo.
A quem não aproveitava. Efeitos 437
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