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SUPRAINDIVIDUAIS
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NOSSA HISTÓRIA
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Sumário
1 – INTRODUÇÃO .................................................................................................... 4
2- TEORIA CAUSAL CLÁSSICA OU SISTEMA NATURALISTA DE AÇÃO 6
3- DA NOÇÃO DE PECADO COMO CRIME À IDEIA DE BEM JURÍDICO
COMO OBJETO DE TUTELA ................................................................................ 7
3.1- A disparidade da discussão propedêutica de Binding e Liszt sobre o “bem” 9
4- DO ADVENTO DAS TEORIAS CRÍTICAS NO PERÍODO DA PRETENSA
“SUPERIORIDADE DA RAÇA ARIANA” ÀS TEORIAS SOCIOLÓGICAS
DO PÓS-GUERRA ................................................................................................... 10
5- AS TEORIAS CONSTITUCIONAIS COMO FRONTEIRA AO CAMPO DE
ABRANGÊNCIA ESTATAL NA SELEÇÃO DOS BENS JURÍDICOS ............ 12
6- AS NOVAS CATEGORIAS DE BENS COMO BENS JURÍDICOS
SUSCETÍVEIS DE TUTELA PENAL? ................................................................. 13
7- UM ESTUDO SOBRE OS CRIMES CONTRA AS RELAÇÕES DE
CONSUMO ............................................................................................................... 16
7.1- O direito penal econômico e suas características: bens jurídicos
supraindividuais e antecipação da tutela penal ..................................................... 16
8- OS CRIMES CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO COMO
INTEGRANTES DO DIREITO PENAL ECONÔMICO (LEIS N. 8.078/90 E N.
8.137/90) ..................................................................................................................... 18
9- (IN)CONSTITUCIONALIDADE DOS CRIMES DE PERIGO ABSTRATO
NO DIREITO PENAL DA OFENSIVIDADE ....................................................... 21
10- OS BENS JURÍDICOS SUPRAINDIVIDUAIS E OS CRIMES DE PERIGO
ABSTRATO: UMA RELEITURA À LUZ DE UMA CONCEPÇÃO
PERSONALISTA DO BEM JURÍDICO ............................................................... 24
11- O PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E OS CRIMES CONTRA A
ORDEM DE CONSUMO ........................................................................................ 26
12-REFERÊNCIAS .................................................................................................. 33
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1 – INTRODUÇÃO
O Direito Penal tem como função primordial a proteção dos bens jurídicos como
sabemos. Esta característica própria do direito penal liberal é aceita majoritaria-
mente pela doutrina. Ou seja, o exercício do poder penal supõe uma lesão ou
uma ameaça de lesão aos bens jurídicos postos em perigo, como é cediço.
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Em um Estado Democrático de Direito de fundo liberal, a liberdade é a regra, há
mesmo uma preocupação em tutelar as garantias individuais, assim como, de
valorizar o pluralismo e a tolerância. Contudo, só devem ser punidas aquelas
condutas que realmente se afigurem como imprescindíveis para a manutenção
da paz social.
Um sistema punitivo deve ser construído com base em princípios e esse sistema
vai servir a uma determinada forma de Estado. O Direito Penal observa esta
recomendação que confere coerência aos subsistemas com relação ao ordena-
mento como um todo.
Além disso, cabe à norma constitucional determinar quais são os bens jurídicos
objetos de tutela penal, o que parece ser o critério mais adequado na cunhagem
do bem jurídico penal, ou seja, para justificar a atuação do Direito Penal o bem
jurídico deve ser avaliado sob à luz da nossa Carta Maior.
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O estudo da determinação do bem jurídico tutelado nos tipos penais é de muita
relevância no Direito Penal contemporâneo, vez que não mais se admite uma
criminalização sem a indicação segura de um valor ou interesse protegido, ou
seja, sem que haja a delimitação de um bem jurídico lesado a justificar uma re-
ação penal, o que se traduz no chamado “Princípio da Lesividade” e no “Princípio
da exclusiva tutela de bens jurídicos”.
No final do século XIX e início do século XX, as ideias da teoria causal clássica
floresceram na Alemanha. Os maiores expoentes do sistema causal-naturalista
foram Franz von Liszt e Ernst von Belling. É o primeiro sistema penal com a es-
trutura analítica do crime, ou seja, com a sistematização da tipicidade, ilicitude e
culpabilidade, que trouxe uma proposta formalista de interpretação dessas cate-
gorias jurídico-penais (CABRAL, 2017).
os bens são, pois, coisas reais ou objetos ideais dotados de ‘valor’, isto
é, coisas materiais e objetos imateriais que, além de serem o que são,
‘valem’. Por isso são, em geral, apetecidos, procurados, disputados,
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defendidos, e, pela mesma razão, expostos a certos perigos e ataques
ou sujeitos a determinadas lesões.
7
na filosofia penal iluminista, o problema punitivo estava completamente
desvinculado das preocupações éticas e religiosas; o delito encontrava
sua razão de ser no contrato social violado e a pena era concebida
somente como medida preventiva.
Assim, o ilícito penal tornara-se uma lesão de um direito subjetivo alheio, quer
dizer, pratica um crimen aquele que atentar contra a liberdade garantida pelo
contrato social. Dessa forma, como era entendido por alguns autores, o crime,
em lato sensu, é uma ação contrária ao direito alheio, cominada na lei penal. Ou
seja, a partir da teoria contratualista inserida na atmosfera penal, surge o delito
entendido como uma ofensa a um direito subjetivo e individual, sendo este direito
um propenso garantidor da liberdade pessoal. Seguindo esse raciocínio, Car-
rara, ilustre representante da Escola Clássica Italiana, também considera o crime
como violação a um direito subjetivo. Segundo Cesare Bonesana, o marquês de
Beccaria,
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são, o essencial é, e ponho acento nisso, relacionar necessariamente este con-
ceito com a sua natureza; não com um direito, senão como um bem (...) é sempre
bem, não o direito, o que se vê diminuído”. Desse modo, o que resulta ofendido
no homicídio é o bem vida, e não o direito subjetivo à vida, como diziam os ilu-
ministas.
Para Binding, o bem jurídico é de criação livre do legislador, tudo aquilo que é
importante para a ordem jurídica. O autor o define da seguinte maneira:
Tudo o que em si mesmo não é um direito, mas que aos olhos do le-
gislador é de valor como condição da vida sana da comunidade jurí-
dica, em cuja manutenção incólume e livre de perturbações tem inte-
resse desde seu ponto de vista e que por isso faz esforços por meio de
suas normas para assegurar-lhe diante de lesões ou perigos não de-
sejados.
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cada um... faz da situação da vida (Lebensverhältnis) uma situação do
Direito (Rechtsverhältnis) (...) a proteção jurídica que presta a ordem
do Direito aos interesses da vida é a proteção pelas normas (Normens-
sachtz). Bem jurídico e norma são os conceitos fundamentais do Di-
reito.
Sobre o tema, em seu livro, o saudoso Luiz Flávio Gomes, afirmou “(...) o núcleo
do delito se afasta do conceito de bem jurídico e passa a ser constituído (a) pela
violação de um dever, ou (b) pelo desvalor de uma intenção interior, ou (c) pelo
rompimento da fidelidade do sujeito ou, ainda, (d) pela violação de um valor cul-
tural.
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A teoria finalista de Welzel pode ser inserida dentro da concepção das referidas
teorias, pois relativizou a noção do bem jurídico, uma vez que, conforme o
mesmo autor, a proteção de bem é um meio para se chegar a uma proteção
ético-social. Já para Jakobs, o Direito Penal não protege o bem jurídico, mas
somente a norma. É a ideia do funcionalismo sistêmico do Direito Penal.
Após a Segunda Guerra Mundial, a teoria do bem jurídico foi sendo novamente
inserida no contexto da problemática penal. Inclusive na Alemanha, onde o na-
cionalismo e a Escola Kiel haviam abandonado tal proposição. De acordo com
Toledo, “no Projeto Alternativo, da Alemanha Federal, chegou-se a incluir um
parágrafo estabelecendo, pra não deixar dúvidas, que ‘as penas e medidas se
destinam à proteção dos bens jurídicos’”.
Nessa mesma ótica, Mir Puig evidencia que a limitação conceitual do Estado
está na sociedade. Assim, “bem jurídicos, assim, são condições necessárias de
um correto funcionamento dos sistemas sociais e sempre que tais condições se
traduzem em concretas possibilidades de participação do indivíduo nos proces-
sos de interação social”.
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Diversas são as concepções modernas sociológicas sobre o tema em questão,
porém, nenhuma delas conseguiu extrair um conceito material preciso a respeito
do bem jurídico. Também não houve convincentes estudos sobre a razão de uma
sociedade criminalizar determinados atos e outros não. Contudo, grande parte
da doutrina atual proclamou a Constituição como um adequado meio para que a
noção do bem jurídico venha a funcionar como uma limitação do poder punitivo
do Estado. Surgem, assim, as teorias constitucionais.
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a legitimidade da sanção penal somente diante da presença de uma
violação de um bem que, ainda que não tenha o grau de relevância da
liberdade pessoal que é sacrificada, está ao menos dotada de signifi-
cação constitucional.
Por fim, ainda que alguns autores afirmam que a própria sociedade é quem de-
termina quais bens necessitam de tutela penal, muitos autores elencaram a
Constituição como o instrumento mais hábil para a determinação dos interesses
jurídicos realmente merecedores da intervenção estatal.
Para responder essa pergunta precisar traçar um breve esboço da divisão dos
valores considerados jurídicos, vamos lá:
Vimos até aqui que os bens jurídicos podem ser da seguinte forma:
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individuais, quer dizer, relacionados à própria pessoa (vida, liberdade,
propriedade, honra etc.);
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Alguns autores, como Strantenwerth e Jakobs, sugerem, inclusive, o abandono
da teoria do bem jurídico para o Direito Penal. O segundo afirma que o Direito
Penal não protege o bem jurídico, senão a norma.
Para Roxin, a definição de bem jurídico não pode ser limitada a bens jurídicos
individuais, ela abrange também bens jurídicos gerais. Contudo, conforme o
mesmo autor, estes bens somente são legítimos quando convêm terminante-
mente ao próprio cidadão.
Por fim, o referido assunto demonstra sua maior importância geralmente em ra-
zão de acontecimentos que causam certo repúdio na sociedade, em especial os
danos causados ao meio ambiente. Momento pelo qual os legisladores o utilizam
para criarem leis com o objetivo de proteção a tal bem jurídico, como a Lei dos
Crimes Ambientais, Lei nº 9.605, de 1998, e mais com a nova Lei de Biossegu-
rança, Lei nº 11.105, de 2005, inclusive com a observação de um novo postulado
jurídico, de preponderante proteção ambiental: o princípio da precaução.
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7- UM ESTUDO SOBRE OS CRIMES CONTRA AS RELAÇÕES DE
CONSUMO
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E o Direito Penal Econômico, como esclarecem os mencionados autores, pode
ser entendido “como defesa penal ‘da economia nacional no seu conjunto ou das
suas instituições fundamentais’. Seriam assim delitos econômicos os “que dani-
ficam ou põem em perigo a ordem económica como um todo”. (Apud SILVA,
2010).
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sociedade como um todo, de forma que os indivíduos não têm disponi-
bilidade sem afetar a coletividade. São, igualmente, indivisíveis em re-
lação aos titulares. Os bens de natureza difusa trazem uma conflituo-
sidade social que contrapõe diversos grupos dentro da sociedade,
como na proteção ao meio ambiente, em que os interesses econômico
industriais e o interesse na preservação ambiental se contrapõem, ou
na proteção das relações de consumo, contrapostos os fornecedores
e os consumidores, na proteção da saúde pública, no que se refere à
produção alimentícia e de remédios, na proteção da economia popular,
da infância e juventude, dos idosos etc. (nossos os destaques).
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Brasil, em 1988, “com o reconhecimento expresso pela Constituição Federal de
que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor’ (artigo 5.º,
XXXII)”, sendo certo, outrossim, que, “no âmbito da ordem econômica, enfatiza-
se a necessidade de ser observada a defesa do consumidor (artigo 170, inciso
V, CF)”. (PRADO, 2004, p. 98).
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natu-
reza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes:
(....)
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I - favorecer ou preferir, sem justa causa, comprador ou freguês, ressal-
vados os sistemas de entrega ao consumo por intermédio de distribui-
dores ou revendedores;
(...)
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assegurada pela própria legislação consumerista. (FONSECA, 1999,
p. 26).
Não sendo objetivo aqui, o estudo individualizado e analítico dos tipos penais
integrantes do denominado “Direito Penal do Consumidor”, cabe-nos, então, te-
cer algumas críticas acerca dos crimes contra as relações de consumo.
Crimes de dano são aqueles que, para a sua consumação, deve haver
a efetiva lesão ao bem juridicamente protegido pelo tipo. A conduta do
agente, portanto, é dirigida finalisticamente a produzir o resultado,
acarretando dano ou lesão para o bem protegido pelo tipo penal, a
exemplo do que ocorre com os crimes de homicídio e lesão corporal.
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Já os chamados crimes de perigo concreto são aqueles cuja situação
de perigo supostamente criada pela conduta do agente precisa ser de-
monstrada no caso concreto. A sua visão, ao contrário daquela reali-
zada nos crimes de perigo abstrato, é sempre ex post, ou seja, analisa-
se o comportamento praticado pelo agente, depois da sua realização,
a fim de se concluir se, no caso concreto, trouxe ou não o perigo ao
bem juridicamente protegido pelo tipo. (GRECO, 2008a, p. 109).
Com efeito, não são poucas as objeções que a doutrina penal vem
apresentando contra a técnica do perigo abstrato. (...) Sem embargo,
não se pode deixar de reconhecer que boa parte da doutrina ainda de-
fende sua legitimidade, (...) fundamentalmente por razões de preven-
ção geral. (...)
Tal princípio “centra-se na ideia de que o controle social penal só deve intervir
quando ocorrer lesão ou perigo de lesão a bens jurídicos concretos” (FRANCO;
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STOCO (Coords.), 2007, p. 47), não sendo cabível, “portanto, acionar o instru-
mento estatal de controle se o comportamento, ativo ou omissivo, de alguém não
possuir nenhum laivo de lesividade”. (FRANCO; STOCO (Coords.), 2007, p. 47).
Acontece que nos delitos de perigo abstrato, nos quais não se exige
nenhuma verificação concreta da periculosidade para o bem protegido,
o injusto acaba se esgotando em um puro desvalor de ação. Nestes
casos a falta total e absoluta do desvalor do resultado representa uma
quebra inadmissível do princípio da ofensividade e, consequente-
mente, do limite máximo da antecipação da tutela penal dentro do Es-
tado de Direito dos direitos fundamentais.
Tal orientação, não invalida os crimes de perigo concreto indireto, que não se
confundem com os crimes de perigo abstrato: naqueles, e ao contrário do que
ocorre nestes, há, para além de um juízo de desvalor da ação, um juízo de des-
valor do resultado jurídico, consistente no perigo concreto de lesão – ainda que
indireto, coletivo, geral ou comum, envolvendo pessoas indeterminadas – ao
bem jurídico tutelado.
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Feitas essas observações acerca da (in)validade dos crimes de perigo abstrato,
cumpre, agora, examinar a sua utilização no âmbito do Direito Penal Econômico,
que envolve, como visto, bens jurídicos supraindividuais.
Uma vez que, a doutrina aponta o Direito Penal Econômico – incluídos, pois, os
crimes contra as relações de consumo – como um Direito Penal de tutela de
bens jurídicos supraindividuais. Inserido numa sociedade de riscos, o Direito Pe-
nal Econômico, antecipando preventivamente a tutela penal, vale-se, corriquei-
ramente, de crimes de perigo abstrato.
Entendemos que não, pois é possível “salvar” o Direito Penal Econômico da téc-
nica dos crimes de perigo abstrato.
De fato, há, para explicar a relação entre os bens jurídicos individuais e os bens
jurídicos supraindividuais, duas teorias básicas:
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em um Estado Democrático de Direito inquestionável constitui o fato
de dever ser a Relação de Consumo e a Saúde Pública fundadas em
uma concepção antropocêntrica, ou seja, em um monismo-pessoal,
apondo o homem no centro do problema, tutelando o consumo e a sa-
úde pública não em face do Estado per si, mas, sim, diante das neces-
sidades humanas, vez que o Direito do qual se inclui a relação consu-
merista deve ser produzido e aplicado pelo e para o homem, legiti-
mando-se a intervenção penal apenas quando presente a vinculação
com uma lesão ou com um perigo de lesão, essencial aos valores es-
senciais ao desenvolvimento humano, descartando por completo a cri-
minalização consumerista derivada da mera desobediência administra-
tiva.
De fato, “só uma teoria personalista do bem jurídico pode invocar com legitimi-
dade uma concepção liberal do Estado, quer dizer, uma concepção que legitime
a ação do Estado desde o ponto de vista da pessoa”. (Winfried Hassemer e
Francisco Muñoz Conde, apud GOMES; MOLINA; BIANCHINI, 2007, p. 602).
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1. Quando o tipo penal, além da tutela do bem jurídico supraindividual,
expressamente exige uma ofensa à pessoa (art. 306 do CTB) estamos
diante de um delito de ‘lesão’ ao bem jurídico supraindividual (segu-
rança do trânsito no caso, ou sanidade pública, ou saúde coletiva, etc.)
e de perigo concreto (não se pode esquecer que o tipo faz expressa
referência ao perigo) aos bens individuais; (...) esse perigo concreto
tanto pode ser individual (para uma pessoa determinada) ou co-
mum/geral (para pessoas indeterminadas), tudo dependendo de cada
figura típica; no primeiro caso teremos um perigo concreto direto (indi-
vidual), enquanto no segundo há um perigo concreto indireto (coletivo,
geral, comum).
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b) evidencia a chamada natureza subsidiária do Direito Penal, devendo
ser encarado como a ultima ratio de intervenção do Estado.
Não foram poucas nem suaves as críticas que se fizeram em torno dos
aspectos penais do novo Código de Defesa do Consumidor, já a partir
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da elaboração de seu anteprojeto. E elas já se iniciavam pela simples
oposição a que a lei dessa natureza contivesse dispositivos de caráter
penal, tendo-se mesmo chegado a dizer que o seu texto ‘instala o re-
gime de terror, já que prevê a prisão dos empresários responsabiliza-
dos por frade na venda de produtos’ (Manifestação do Sr. Mário Amato,
presidente da FIESP, in Folha de São Paulo, edição de 8.12.88, p. B-
3), ou então críticas à cominação de penas detentivas. (FILOMENO.
In: GRINOVER et al., 2001, p. 604).
José Geraldo Brito Filomeno, a tais críticas (In: GRINOVER et al., 2001, p. 606),
um dos autores do anteprojeto que culminou na edição da Lei n. 8.078/90, afirma
que,
Fica a pergunta no caso: estaria tal compreensão afinada com a natureza subsi-
diária do Direito Penal?
De fato, é claro
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mera desorganização – dolosa, registre-se – de qualquer um desses dados con-
figura o crime, o que mostra, exemplificativamente, o exagero no qual incorreu o
legislador consumerista.
Percebe-se, pelo exame das condutas típicas das Leis n. 8.078/90 e n. 8.137/90,
que o legislador lançou mão de um Direito Penal marcadamente simbólico, dis-
tanciado da efetiva proteção de bens jurídicos relevantes ao convívio social:
A maioria das condutas típicas no âmbito das relações de consumo deveria ser
regulada por outros ramos do Direito, como o Direito Administrativo ou o Direito
judicial sancionador, que contam com medidas sancionatórias mais adequadas
do que a de privação de liberdade e com um instrumental mais flexível e ágil do
que o processo penal.
Com razão Eduardo Reale Ferrari (In: SOUZA (Coord.), 2007, p. 99), que, coe-
rentemente com o princípio da intervenção mínima, afirma:
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Pregamos por uma solução de mediação de conflito atuando o Direito
apenas quando imprescindível e ainda assim realçando o Direito Ad-
ministrativo Sancionador, substituindo, após a seleção de determina-
das condutas, a via criminal pelo âmbito administrativo sancionador,
deixando para o direito Penal do Consumidor condutas consumeristas
que efetivamente exijam a proteção penal, tais como a fraude alimentar
e a fraude nos medicamentos, figurando a tarefa do legislador ultimar
uma seleção de condutas que seriam protegidas excepcionalmente
pela via penal, inserindo a maioria da[s] infrações consumerista[s] no
âmbito da mediação de conflito e subsidiariamente por meio da tutela
administrativa sancionatória, figurando o papel da área penal apenas
excepcionalmente.
Entretanto, isso não significa a morte do Direito Penal Econômico, que pode lan-
çar mão de outras técnicas para cumprir, adequadamente, a sua missão de tu-
tela da ordem econômica. A esse respeito, é digna de nota a figura dos crimes
de perigo concreto indireto.
Dessa forma, percebe-se que o legislador, ao tratar dos crimes contra as rela-
ções de consumo, incorreu em claro excesso de tipificação, com agressão à na-
tureza subsidiária do Direito Penal, olvidando que, em muitos casos, o Direito
Administrativo ou o Direito judicial sancionador poderia, melhormente, tutelar os
interesses difusos dos consumidores.
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Dessa forma, o Direito Penal é um sistema direcionado exclusivamente ao indi-
víduo, é este que irá receber às suas costas o peso da grande e violenta inter-
venção punitiva estatal. Destarte, não podemos fazer-nos de conceitos exclusi-
vamente relacionados a interesses abstratos, sejam coletivos, gerais, difusos
etc. Ao menos, para estes bens supraindividuais serem suscetíveis de tutela pe-
nal pelo Estado, um requisito é indispensável: que eles tenham uma considerável
relação com o indivíduo, desempenhando um desenvolvimento pessoal no
mesmo.
Além do mais, o Sistema Penal nada mais é do que somente uma das soluções
possíveis para a garantia da ordem econômica e social. O controle social pode
ser exercido através da família, da medicina, da educação, da religião, da ativi-
dade artística, dos meios de comunicação etc. Ou seja, o controle social penal
só deveria entrar em funcionamento quando fracassarem os mecanismos primá-
rios, os quais devem interferir previamente, e restar gravemente ofendido um
bem jurídico relevante, de modo a proporcionar a intervenção de tal sistema pu-
nitivo mais incisivo.
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importância ante o surgimento e engrandecimento dos direitos difusos, ou se
preferir, de 3.ª geração.
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12-REFERÊNCIAS
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