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DIREITO À VISIBILIDADE
Sávio Bittencourt1
Sumário:
1. Introdução.
1 Sávio Renato Bittencourt Soares Silva é Procurador de Justiça, Professor da FGV/EBAPE e Diretor do
Instituto de Ensino e Pesquisa do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Graduado em Direito
(UFF) e Filosofia (UNISUL), mestre em História Social (USS) e Doutor em Geografia (UFRJ).
crianças impede ou dificulta o exercício legítimo de outros direitos seus, que dependem
de sua visibilidade e identificação para que possam ser defendidos, definidos ou
constituídos. É imperioso que se perscrutem quais os limites entre a proteção justa e
necessária da imagem da criança e o aniquilamento social que se pode provocar por sua
indevida ocultação.
2DESCARTES, René. Discurso do método: regras para a direção do espírito. São Paulo: Martin Claret, 2001,
p. 31.
realidade de crianças e adolescentes, como encerramento do esforço do método dedutivo
que se passa a empregar.
3CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. Lisboa: Livraria Morais Editora, 1961, p. 17.
4 GOMES, O. Introdução ao direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 18ª Edição, 2002, p. 141.
5 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Introdução ao direito civil: teoria geral do direito civil. Rio de Janeiro:
6 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição. (grifamos).
abrindo-se mão daquilo que seria também alvo de proteção, se não concorresse com algo
mais importante para a dignidade.
O direito à imagem se relaciona com outros direitos que com ele estão
atrelados, de acordo com o escopo específico de sua proteção. Por um lado, se preserva a
imagem da utilização econômica indevida, por outro, a intimidade que a pessoa faz jus
em sua vida privada. Esses atributos pessoais podem ser atingidos por ato de terceiro em
conjunto ou separadamente, merecendo resposta da ordem jurídica em proteção ao lesado.
Se a foto de uma pessoa pública é vinculada a um produto sem sua autorização, em
propaganda comercial, sua intimidade a princípio não é violada, mas há uma manifesta
ilicitude em se explorar a sua imagem economicamente, sendo cabível a reparação
econômica deste ilícito. Em outro exemplo, pode-se imaginar a publicação em uma
revista de notícias sobre celebridades, de fotografias de uma pessoa, em momento privado
em sua casa, batidas sorrateiramente, revelando insidiosamente aspectos de sua
intimidade.
(...)
7 NEVES, Rodrigo Santos. O direito a imagem como direito da personalidade. In Revista dos Tribunais, vol.
936/2013, pp. 21-39, 2013.
8 Idem, p. 22.
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;
(...)
Mais uma vez é necessário recordar que tal direito à imagem deve ser
lido em cogitação com os demais direitos, oferecidos no mosaico do artigo 227, que
sempre impõe uma interpretação integrativa do Ordenamento Jurídico para que se extraia
a melhor solução, que é aquela que ampara mais globalmente o que é essencial para seu
titular. Além disso, é preciso se ter em mente a supremacia do interesse da criança sobre
os eventualmente titularizados pelos adultos que o cercam, inclusive e principalmente de
seus pais e parentes. Estas premissas são fundamentais para que não se faça tábula rasa
dos dispositivos legais em comento e simplesmente se vete a utilização e divulgação da
imagem das crianças e adolescentes, em qualquer caso, criando-se uma falsa sensação de
proteção.
9 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. São Paulo: Editora Campus, 2008, p.21.
10 Lei 8.069/90.
famílias, mas se revela uma atitude pouco produtiva para o atendimento de outros direitos,
mais importantes para sua saúde, evolução e amadurecimento. E esta é a questão crucial
a ser pensada pelos estudiosos do tema: quando e como se pode utilizar a imagem da
criança (ou do adolescente) nas hipóteses em que ele esteja sendo violado em outro direito
fundamental, mais urgente e dramático para sua existência, e o conhecimento amplo de
sua situação seja parte da solução do problema ou, ao menos, etapa sine qua non para
enfrentá-lo?
11Lei 8.069/90 - Art. 143. E vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam
respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional.
Parágrafo único. Qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente,
vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco, residência e, inclusive, iniciais do
nome e sobrenome.; e
Art. 247. Divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por qualquer meio de comunicação,
nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou
adolescente a que se atribua ato infracional:
Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
§ 1º Incorre na mesma pena quem exibe, total ou parcialmente, fotografia de criança ou adolescente
envolvido em ato infracional, ou qualquer ilustração que lhe diga respeito ou se refira a atos que lhe sejam
atribuídos, de forma a permitir sua identificação, direta ou indiretamente.
A, 241 B e 241 C12. A proteção da imagem criança se faz nestas circunstâncias porque
ela é tomada como objeto de prazer, sendo este ato repugnante um ultraje a sua condição
de pessoa digna, fere sua privacidade e sua honra, além de se vislumbrarem a
possibilidade de outros malefícios, como as sequelas psicológicas decorrentes da
produção e circulação da imagem.
12Lei 8.069/90 - Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por
qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro
registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I – assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens de que trata
o caput deste artigo;
II – assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores às fotografias, cenas ou imagens de
que trata o caput deste artigo.
§ 2o As condutas tipificadas nos incisos I e II do § 1o deste artigo são puníveis quando o responsável legal
pela prestação do serviço, oficialmente notificado, deixa de desabilitar o acesso ao conteúdo ilícito de que
trata o caput deste artigo.
Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de
registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1o A pena é diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços) se de pequena quantidade o material a que se
refere o caput deste artigo
§ 2o Não há crime se a posse ou o armazenamento tem a finalidade de comunicar às autoridades
competentes a ocorrência das condutas descritas nos arts. 240, 241, 241-A e 241-C desta Lei, quando a
comunicação for feita por:
I – agente público no exercício de suas funções;
II – membro de entidade, legalmente constituída, que inclua, entre suas finalidades institucionais, o
recebimento, o processamento e o encaminhamento de notícia dos crimes referidos neste parágrafo;
III – representante legal e funcionários responsáveis de provedor de acesso ou serviço prestado por meio
de rede de computadores, até o recebimento do material relativo à notícia feita à autoridade policial, ao
Ministério Público ou ao Poder Judiciário.
§ 3o As pessoas referidas no § 2o deste artigo deverão manter sob sigilo o material ilícito referido.
Art. 241-C. Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica
por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de
representação visual:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, disponibiliza, distribui, publica
ou divulga por qualquer meio, adquire, possui ou armazena o material produzido na forma do caput deste
artigo.
13
em outros interesses da criança e do adolescente, previstos no artigo 100 do referido
Estatuto:
(...)
(...)
14 Lei 8.069/90 - Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família
e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em
ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.
15 Idem – Art. 227 (...)
§ 5º A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de
sua efetivação por parte de estrangeiros.
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e
qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
16 Inserir causas de institucionalização segundo o MCA
17 Inserir os dados do CNA
18Os dados constantes do CNA e do CNCA são os seguintes: crianças a adolescentes disponibilizados para
adoção – 7.359; crianças e adolescentes institucionalizadas – 47.341; habilitados para adotar – 39.287.
Disponível em: http://www.cnj.jus.br/cnca/publico/
ehttp://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf . Aceso em 30/03/2017.
“A consequência mais trágica do acolhimento institucional de crianças e
adolescentes, certamente, está no plano afetivo. Muito pior do que o abandono
material, é o abandono afetivo, que produz danos invisíveis, mas que
desestruturam, desorientam, tornando-as pessoas infelizes e inseguras.”19
19 KREUZ, Sérgio Luiz. Direito à convivência familiar da criança e do adolescente: direitos fundamentais,
princípios constitucionais e alternativas ao acolhimento institucional. Curitiba: Juruá, 2012. p. 52.
20 Lei 8.069/90 - Art. 206. A criança ou o adolescente, seus pais ou responsável, e qualquer pessoa que
tenha legítimo interesse na solução da lide poderão intervir nos procedimentos de que trata esta Lei,
através de advogado, o qual será intimado para todos os atos, pessoalmente ou por publicação oficial,
respeitado o segredo de justiça.
em regra, que devem ter seu atendimento submetido ao interesse prioritário da criança e
do adolescente. É necessário se ter em mente que a institucionalização é um desrespeito
á dignidade da criança, do qual o Estado frequentemente lança mão para evitar danos
maiores, mas que tem a obrigação de reverter para uma reintegração familiar ou colocação
em família substituta. O rompimento do direito à família por parte dos genitores
deslegitima sua pretensão à intimidade, porque é nesse âmbito – a intimidade – que as
lesões contra o principal sujeito de direitos – a criança – são cometidas.
5. Conclusões.
Este artigo não tem a pretensão de esgotar o tema, mas sim pontuar o
debate acadêmico. Ainda assim, é possível traçar algumas conclusões para nortear o
diálogo que ora se propõe. São as seguintes:
BITTENCOURT, Sávio. A nova lei da adoção. Rio de Janeiro: Lumen Jures, 2010.
CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. Lisboa: Livraria Morais Editora, 1961.
DESCARTES, René. Discurso do método: regras para a direção do espírito. São Paulo:
Martin Claret, 2001.
GOMES, O. Introdução ao direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 18ª edição, 2002.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Introdução ao direito civil: teoria geral do direito civil.
Rio de Janeiro: Forense, 23ª Edição, 2009.