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UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE


PROGRAMA DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
DIREITO PROCESSUAL PENAL II
Prof. Bruno M. Morais

Rebeca Santos Queiroz. Mat.: 2019013517

TRABALHO DE DIREITO PROCESSUAL PENAL II: ANÁLISE DO FILME


“JUSTIÇA”

Em que sentido se pode dizer que a garantia do devido processo legal, no sistema penal, é
uma garantia de cidadania?

O filme “Justiça”, de Maria Augusta Ramos, perpassa por questões que exigem uma
profunda reflexão social acerca da estrutura onde se estabeleceu o judiciário. De início, a
partir das análises das audiências de custódia apresentadas no filme, observa-se os efeitos
subjetivos da marginalização, isto é, de como a pobreza, a violência, a impossibilidade de
inscrição simbólica e a “descaracterização do cidadão” são dimensões de processos de
exclusão e discriminação que levam ao não reconhecimento do outro como sujeito provido de
direitos, propiciando o surgimento de outros sintomas sociais geradores de sofrimento
humano, como a injustiça social, cuja ação implica na perda ou possibilidade de perda de
direitos fundamentais, tais como a saúde, o trabalho e o próprio objeto deste estudo: a
cidadania.
Esse processo de exclusão e de discriminação, contemplado no filme ao apresentar a
origem e a vivência dos réus, demonstra que, nos lugares onde faltam as condições mais
básicas de humanidade, impõe-se a violência e estratégias de sobrevivência inescrupulosas.
Dessa forma, destituídos da sociedade e reduzidos ao sobreviver, a invisibilidade desses
excluídos só se coloca em questão quando eles perturbam a ordem social através da violência.
Contudo, este indivíduo continua não sendo reconhecido como cidadão, já que o primeiro
sintoma do mecanismo da exclusão é o não pertencimento.

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Nesse sentido, observa-se a inobservância do princípio da cidadania, uma vez que,
segundo Mazzuoli, se entende que a Constituição abandona o conceito antigo de cidadania
ativa e passiva, incorporando em seu texto a concepção contemporânea de cidadania
introduzida pela Declaração Universal de Direitos Humanos, reiterada pela Conferência de
Viena. Desse modo, a Constituição deixa de ser apenas um depósito de metas vagas a serem
cumpridas para se constituir como um sistema de efetivação dos direitos, estabelecendo,
assim, um novo modelo de pensar a cidadania sendo um núcleo mínimo e irredutível de
direitos fundamentais que devem impor-se, obrigatoriamente, à ação dos poderes públicos.
Nesse diapasão, se infere o devido processo legal como garantia da cidadania, levando
em consideração a redação do artigo 5º da Constituição, nas qual aduz que a ordem jurídica
brasileira garante a inviolabilidade dos direitos à liberdade, à honra e à imagem das pessoas.
Ainda, afirma o direito ao devido processo legal e diz serem inadmissíveis as provas obtidas
por meios ilícitos e afirma, também, o princípio da presunção de inocência. Isto veio ao
encontro da ambição constitucional de estabelecer normas fundamentais e regras processuais
conectadas ao cidadão, produzindo um novo paradigma de processo, onde se assegure o pleno
exercício da cidadania, com suas prerrogativas e responsabilidades, e que viabilize a real
valorização da dignidade da pessoa humana.
Dessa forma, estar no processo é ser cidadão, com objetivo à superação do conflito
que representa uma quebra da normalidade, um rompimento com a ordem social, que precisa
ser resgatado. Este resgate, por sua vez, passa pela constitucionalização do processo, que é
quando são observadas a legalidade e a segurança jurídica do ordenamento, atentando-se para
a efetividade da tutela jurisdicional, que abdica do procedimento meramente formal para
respeitar os direitos processuais fundamentais. Nesse viés, só o processo que garantir o
exercício da cidadania e estiver voltado a concretizar a dignidade da pessoa humana pode se
qualificar como um processo justo.
Contudo, o procedimento de humanização não deve ser apenas do processo, como
também da sociedade, pois, se isto não se torna uma realidade, o exercício do direito e do
devido processo legal como garantia da cidadania não se concretiza. Nessa perspectiva,
observa-se no filme o uso da expressão “enxugar gelo”, proveniente da fala da Defensora
Pública, que reflete no questionamento do como teorizar um procedimento que atenda o
devido processo legal para que este garanta a efetividade da cidadania se, na prática, a
sociedade continua criando suas mazelas, fazendo com que haja condenações visando o que é
justo enquanto a estrutura está “falida”.

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Por fim, vale ressaltar a frase do professor Geraldo no filme analisado, aduzindo que a
atividade do processo penal é uma atividade de busca pela verdade. Desse modo, eis a
verdade: faz-se necessário pensar e agir sobre as questões que envolvem a sociedade, a
cidadania e a exclusão, tendo como referência uma ética do reconhecimento. Ser reconhecido,
aceito e legitimado é fundamental para uma existência digna. Esse indivíduo que está à
margem da inclusão social precisa do que precisam todos: de possibilidades identificatórias
não redutoras, de ser cidadão. Trata-se de um mandato jurídico, político e ético.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. São Paulo: Ed. Brasiliense, 2008. v. 1.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos, cidadania e educação. Uma


nova concepção introduzida pela Constituição Federal de 1988. Jus Navigandi, Teresina,
ano 6, n. 51, 1 out. 2001.

PIOVESAN, Flávia. A proteção dos direitos humanos no sistema constitucional.


In: CLÈVE, Clemerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto (org). Doutrinas essenciais ao
Direito Constitucional, vol. I: Teoria Geral da Constituição, São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011, p. 641-664.

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