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Direito Penal

Antônio Cerqueira

DIREITO PENAL
PARTE GERAL

AUTOR: ANTÔNIO CERQUEIRA

PROCURADOR DE JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO, PROFESSOR


DE DIREITO PENAL DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO E PÓS-
GRADUAÇÃO DA UNIFOR, PROFESSOR CONVIDADO DA
ESCOLA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
NORTE – ESMARN, ESCOLA DA MAGISTRATURA DO ESTADO
DO PIAUÍ-ESMEPI, PROFESSOR DA ESCOLA SUPERIOR DO
MINISTÉRIO PÚBLICO DO CEARÁ, PROFESSOR DA FUNDAÇÃO
ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA DO CEARÁ-FESAC,
MESTRE EM DIREITO - UFC.

REVISOR: JOÃO MARCELO DA COSTA PAIXÃO,


ADVOGADO, ESPECIALISTA EM DIREITO PENAL E DIREITO
PROCESSUAL PENAL.

CADERNO DE APONTAMENTOS

FORTALEZA
2006

ÍNDICE

1 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

UNIDADE I – MODELO GARANTISTA CONSTITUCIONAL PENAL


BRASILEIRO

1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
2. O DIREITO PENAL COMO SUBSISTEMA DO CONTROLE SOCIAL
FORMAL
3. O DIREITO PENAL NO ESTADO SOCIAL E DEMOCRÁTICO DE DIREITO

I - DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO PENAL-------03

II - DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL---------------------------------------------06

III - DA TEORIA DO CRIME-------------------------------------------------------24

IV - DO CONCURSO DE PESSOAS----------------------------------------------109

V - DAS PENAS: COMINAÇÃO. PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE.


RESTRITIVAS, DE DIREITOS PENAS DE MULTA
-----------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------127

VI – APLICAÇÃO DA PENA------------------------------------------------------164

VII – DO SURSIS – ART. 77, CP -------------------------------------------------171

VIII – DO LIVRAMENTO CONDICIONAL ----------------------------------172

IX – EFEITOS DA CONDENAÇÃO ---------------------------------------------173

X – DA REABILITAÇÃO-----------------------------------------------------------176

XI – MEDIDAS DE SEGURANÇA -----------------------------------------------177

XII – DA AÇÃO PENAL ------------------------------------------------------------182

XIII – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE ---------------------------------------184

2 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

UNIDADE I – MODELO GARANTISTA CONSTITUCIONAL PENAL


BRASILEIRO

1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Nem sempre os mecanismos de controle social informal


(família, escola, Igreja, partido político, opinião pública, vizinhança,
imprensa etc.) são suficientes para equacionar os conflitos cuja
complexidade ou até mesmo gravidade requerem, com freqüência, para a
tutela e preservação da ordem social, um tipo mais adequado e enérgico de
controle. O fracasso do controle social informal recomenda o
funcionamento de um controle social institucionalizado, no qual devem
estar previamente definidos os comportamentos provocadores de reação
(normas), o conteúdo dessa reação (sanção) e a forma pela qual se verifica
a infração desses comportamentos com a determinação da sanção
(processo). Norma, sanção e processo constituem, portanto, o tripé de
suporte do controle social.

2. O DIREITO PENAL COMO SUBSISTEMA DO CONTROLE SOCIAL


FORMAL

O Direito Penal constitui uma das espécies do sistema de


controle social formal. Cuida-se, no entanto, de uma modalidade com
características próprias, pois se submete, necessariamente, a três níveis de
formalização. Nem toda conduta causadora de um conflito, em nível de
convivência, é de seu interesse. Não basta que um comportamento gerador
de atrito exista no grupo social para que o Direito Penal passe a operar. O
mero “desvio” não é pedra de toque do exercício dessa forma controladora.
Não são as atividades que fogem aos padrões sociais, mas apenas as que
o Estado estrutura numa moldura legal, que constituem o objeto desse
particular controle social.

O controle social jurídico-penal é, além disso, um controle


normativo, ou seja, exercido através do conjunto de normas criadas
previamente ao efeito. A formalização do mecanismo de atuação penal
deixa, portanto, evidente que o exercício do Jus Puniendi não é uma
atividade social, mas regida apenas por critérios de utilidade social, assim,
é algo que se submete a um diligente controle com vistas às garantias
(formais e materiais) devidas ao direito de liberdade do cidadão. O
indivíduo, cuja conduta desviada se acomodou a uma figura criminosa, tem
garantias penais e processuais penais, diante do Estado repressor.

O Estado, por outro lado, não pode abrir mão do controle


penal, pois a sua missão é de proteger a convivência social, mantendo-a ao
nível do suportável, e não há, até o momento, outro tipo de controle com

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Direito Penal
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capacidade de tutelar, com eficácia, os bens jurídicos mais valiosos dos


ataques mais intoleráveis.

O fenômeno crime é uma presença constante e real no


contexto de toda sociedade, e a pena é, e será pelos tempos afora, como
se afirma no Código Penal Alternativo da Alemanha, “uma amarga
necessidade da comunidade de seres imperfeitos que são os homens”.

3. O DIREITO PENAL NO ESTADO SOCIAL E DEMOCRÁTICO DE


DIREITO

Não há um único modelo social. Inúmeros fatores (políticos,


culturais, sociais, religiosos, econômicos etc.) determinam a existência de
uma pluralidade de modelos de Estados. A existência dessa diversidade de
opções condiciona, portanto, a orientação dos sistemas de controle social.

Decidir por uma delas é uma manifestação política e, a partir


desta, é possível identificar o modelo social a que pretende responder a
ordem jurídica, ou seja, quais são as expectativas, os fins que esperam
alcançar os membros de uma comunidade determinada. O modelo de
sociedade eleito por uma comunidade como sendo mais idôneo para a
satisfação de suas aspirações materializa-se no conteúdo de sua
Constituição. Só a Constituição permite identificar em função de qual
modelo social foi elaborada a ordem jurídica.

Dentre os modelos de Estados, ocupa especial destaque no


mundo atual o Estado Social Democrático de Direito, que representa uma
concepção sintética de Estado, produto da união dos princípios próprios do
Estado Liberal e do Estado Social. Dito de outro modo, o Estado de Direito
é um Estado constitucionalmente conformado. Pressupõe a existência de
uma Constituição e a afirmação inequívoca do Princípio da
Constitucionalidade.

A Constituição é uma orientação normativa fundamental,


dotada de Supremacia, e é nesta que o primado do Estado de Direito
encontra uma primeira e decisiva expressão. O Estado é, por último, um
Estado de direitos fundamentais. A constituição garante a efetivação dos
direitos e liberdades fundamentais do homem, na sua complexa qualidade
de pessoa, cidadão e trabalhador.

Em resumo, o Estado Social Democrático de Direito é aquela


concepção sintética que reúne, em uma relação dialética, a idéia de Estado
de Direito, isto é, de um Estado regido pelo Direito que provém da vontade
geral expressa pelo povo, e de um Estado Social que interfere, direta e
imediatamente, no jogo social; é a fusão entre o Estado-guardião do
cidadão e do Estado intervencionista nas relações sócias, a que se acresce
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Direito Penal
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a idéia da democracia, isto é, do Estado que exclui a prepotência e é, por


sua formação e por seu conteúdo organizacional democraticamente
legitimado.

A lei penal, na medida em que incide na liberdade pessoal


dos cidadãos, está obrigada a vincular a sim mesma não apenas às formas,
mas também à substância e aos conteúdos dos atos que aplicam. Esta é a
garantia estrutural que diferencia o direito penal no Estado de Direito do
Direito Penal dos Estados simplesmente legais no qual o legislador é
onipresente, e, portanto, são válidas todas as leis vigentes, sem nenhum
limite substancial à primazia destas. E é esta a diferença que marca
atualmente o critério de distinção entre a garantia e o autoritarismo penal,
entre formalismo e substancialismo jurídico, entre direito penal mínimo e
direito penal máximo.

4. O MODELO JURÍDICO ADOTADO PELO BRASIL

A Constituição Federal de 1988 deu forma, na República


Federativa do Brasil, a um tipo de estado que recebeu a denominação de
“Estado Democrático de Direito”.

O Estado Democrático de Direito tem uma dimensão


antropocêntrica na medida em que se arrima, fundamentalmente, na
dignidade da pessoa humana, ou seja, num ser com dignidade, um fim e
não um meio, um sujeito e não um objeto.

A dignidade da pessoa humana, como valor reconhecido em


nível constitucional, deve ser amparada pela dupla via de sua proteção em
concreto, enquanto direito subjetivo pertencente a um titular determinado e
de sua proteção, em abstrato, enquanto um bem jurídico de superior valor e
pressuposto de toda uma ordem social justa e pacífica.

Destarte, o Princípio da Dignidade da pessoa humana


constitui a viga mestra de todo o arcabouço jurídico, porque confere
unidade de sentido ao conjunto de preceitos relativos aos direitos
fundamentais e há de ser interpretado como referido a cada pessoa
(individual), a todas as pessoas sem discriminações (universal) e a cada
homem como um ser autônomo (livre).

5. O DIREITO PENAL BRASILEIRO NO ESTADO SOCIAL E


DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Quando o legislador se propuser a criminalizar esta ou aquela


conduta por considerá-la danosa à preservação de certos bens sociais, há
de se ter em mente alguns princípios insertos na Carta Magna, sob pena de
produzir leis inconstitucionais. Estes princípios, alguns, como o da RESERVA
5 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
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LEGAL, erigido a verdadeiros dogmas, é que irão respaldar a aplicação da


norma penal pelo julgador. Ao contrário do que pensa o leigo, o direito
penal objetiva garantir a liberdade, não a sua supressão. Quando se retira a
liberdade de alguém, condenando-o à prisão em razão do cometimento de
um delito, objetiva-se, sobretudo, garantir a liberdade daqueles que não
delinqüem. Logo, é fundamental que se saiba, com precisão, dos direitos e
deveres para, assim, o indivíduo ter a escolha de delinqüir ou não. Ainda
mais: mesmo condenado, ele não perde a sua condição de ser humano e
como tal deve ser visto.

Logo, o legislador, por assim dizer, ao propor a criminalização de


certa conduta deve estar com a Constituição Federal à vista para que a
norma proposta obedeça, formal e materialmente, os princípios nela
contidos.

A Carta Magna formalizou, sob a ótica penal, quatro princípios


fundamentais, quais sejam:

1. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE OU RESERVA LEGAL (Art. 5.º, XXXIX);


2. PRINCÍPIO DA IGUALDADE (Art. 5.º, caput);
3. PRINCÍPIO DA HUMANIDADE DA PENA;
4. PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PESSOAL.

Cada um desses princípios merece um exame particularizado,


conforme se demonstra a seguir:
5.1. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE OU RESERVA LEGAL (Art. 5º, XXXIX, CF): esse
princípio consagra a máxima nullum crimem, nula poena sine lege. Com
o que se quer dizer que o arbítrio judicial, analogia, os costumes e os
princípios gerais do direito não podem instituir delitos e cominar penas, só a
lei. Mas esse princípio basilar do direito penal não se esgota aí:

Lex estrita: significa que a lei há que ser formal, portanto em sentido estrito
do termo conforme prevê a Constituição Federal.

Lex certa: significa que a conduta tipificada como delito deve evitar, tanto
quanto possível, a utilização dos chamados tipos abertos, que apresentam
definições incompletas, possibilitando ao julgador, não raro, exatamente o
que a CF quer evitar: uso do arbítrio judicial. O saudoso Heleno Fragoso
costumava dizer em sala de aula que o “tipo penal deveria ser tão claro no
seu conteúdo que qualquer pessoa devesse ser capaz de compreender a
proibição nele contida; tão claro que até uma criança tivesse essa
percepção...”. Exageros à parte, o tipo criminalizador não deve, por
exemplo, repetir o contido na lei 7.170/83, art. 20 (lei de segurança
nacional) que apenas prevê : “praticar atos de terrorismo”. O que são atos

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de terrorismo? Os tipos abertos têm sido veementemente combatidos pela


doutrina face à insegurança que eles geram.

Lesividade: esse princípio decorrente da reserva legal, quer dizer que


somente as condutas que efetivamente lesem bens jurídicos devem ser
criminalizadas. O Princípio da Lesividade, a que se deve vincular o
legislador, v.g., repudia os denominados “crimes de perigo abstrato”.
Assim, delitos em que o legislador pune a simples conduta partindo de
mera possibilidade (não probabilidade) de dano a um determinado bem
jurídico, seriam inconstitucionais, por ferir o princípio da lesividade.
Exemplos: Artigos 130, 262 etc. do CP.

Intervenção mínima, fragmentariedade e subsidiariedade: O direito


penal deve intervir minimamente na vida das pessoas. Deve restringir-se
em criminalizar apenas aquelas condutas incapazes de serem coibidas
através de outras vertentes do Direito.

O Direito Penal também é fragmentário por natureza. Significa


dizer que o legislador não deve querer resolver todos os problemas do país
com ele. Assim, já se tentou no passado até mesmo resolver a
problemática da inflação criminalizando a conduta de se vender mercadoria
por preço acima do tabelado.

Idoneidade: deve o legislador, antes da feitura da lei, verificar se a sanção


que se pretende impor a alguém pela prática de certa conduta, de fato seria
a última ratio, pois do contrário poderá criar normas sem aplicação.
Exemplos: Artigo 215 do CP - norma em desuso.

Proporcionalidade: Na cominação da pena, deve o legislador atentar para


a relação que deve existir entre o fato a ser criminalizado e o dano
efetivamente causado e também o bem jurídico que se quer proteger com a
norma penal. Presentemente, esse princípio vem sendo reiteradamente
desrespeitado.

Exemplos: artigos 214, 273 etc. do CP - Cominam penas desproporcionais


à condutas tão diversas que compõem os delitos em questão. O atentado
violento ao pudor vai desde um beijo lascivo ao coito anal forçado; o art.
273, CP, prevê como crime hediondo até mesmo a simples falsificação de
um shampoo.

Toda vez que o legislador desobedece a esse princípio a


tendência é gerar impunidade. Tais princípios, conquanto não previstos
expressamente, nem por isso perdem sua condição de garantia
fundamental, face o que preceitua os §§ 1º e 2º, do artigo 5º, CF.

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Princípio da anterioridade: Também insculpido no inciso XXXIX, art. 5º,


CF, quer dizer que a lei só poderá punir as condutas praticadas após o seu
viger. Qualquer lei que pretendesse punir conduta anterior à sua vigência
seria flagrantemente inconstitucional;

5.1.1 O PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL E AS ESPÉCIES


NORMATIVAS

De acordo com o art. 59, CF, o processo legislativo compreende a


elaboração de:

I-emendas à Constituição;
II – leis complementares;
III – leis ordinárias;
IV – leis delegadas;
V – medidas provisórias;
VI – decretos legislativos;
VII – resoluções.

Em princípio, a tarefa de definir crimes e contravenções compete


à Lei Ordinária. Contudo, nada impede que a lei complementar também o
faça. Se a Lei Complementar criar tipos penais, terá natureza de Lei
Ordinária, podendo, portanto, ser revogada por Lei Ordinária, segundo o
entendimento doutrinário.

Cumpre ainda lembrar que a Constituição, no seu art. 22, p.u.,


prevê a hipótese de Lei Estadual versar sobre questões específicas de
Direito Penal. Não se conhece nenhum caso ainda, mesmo porque tal
autorização para que o Estado–Membro legisle em matéria penal
dependeria de Lei Complementar da União. Entende-se por “questões
específicas”, por exemplo, o Estado do Ceará ser autorizado a editar lei
incriminando o desperdício de água ou a destruição de suas dunas. Não se
trata de competência concorrente. A competência continua sendo da União,
ocorre mera delegação ao Estado-Membro.

O Princípio da Reserva Legal não se aplicaria às normas penais


não incriminadoras, em regra. Assim, medida provisória, em tese, poderia
ampliar o rol das causas extintivas da punibilidade, segundo alguns
autores. O tema, contudo, é polêmico. Cremos não ser possível.

5.2. PRINCÍPIO DA IGUALDADE: Art. 5º, caput, CF. O legislador deve prever
condições igualitárias para os iguais. Recentemente, através da lei
8.072/90, esse princípio foi violado. Assim, embora também previstos com
idêntica definição legal, os crimes de estupro, atentado violento ao pudor,
latrocínio, etc., transformados em delitos hediondos pela citada lei, só o
foram para os crimes previstos no Código Penal; para aqueles tipos

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idênticos previstos no Código Penal Militar, não. Violou-se a citada norma


Constitucional.

5.3. PRINCÍPIO DA HUMANIDADE DAS PENAS: tal princípio, previsto em vários


incisos do artigo 5º, CF (III, VII, LXIX, XL), obriga o legislador não somente
a não poder cominar penas humilhantes, cruéis, de morte, etc., mas
também a prever tratamento humanitário para condenado durante o
cumprimento da pena.

De um lado, o Princípio da Humanização da Pena está introjetado


na proibição da tortura e do tratamento cruel ou degradante (art. 5. º, III CF)
e na proibição da pena de morte, das penas de caráter perpétuo, de
trabalhos forçados, de banimento ou cruéis (art. 5. º, XLVII); de outro lado,
está refletido no processo individualizador da pena, na sua fase executória
(art. 5. º, XLVI), no asseguramento aos presos do respeito à integridade
física ou moral (art. 5. º, XLIX), no direito ao preso de cumprir a pena em
estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o
sexo do apenado (art. 5. º XLVIII); no asseguramento às presidiárias de
condições para que possam permanecer com os seus filhos durante o
período de amamentação.

A exclusão do sistema progressivo, como ocorre no caso da Lei


dos Crimes Hediondos, conflita com o princípio de conotação
constitucional, na medida em que extrai da pena sua ótica ressocializadora
para lhe atribuir, com exclusividade, o caráter aflitivo. Para tanto, o
legislador infraconstitucional não estava autorizado, pois o regime
progressivo não é matéria que deva ser cogitada apenas no âmbito
penitenciário, porque é uma decorrência do princípio constitucional da
humanização da pena.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal tem manifestado


entendimento no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade do § 1. º do
Art. 2. º da Lei Nº.8072/90, concedendo, aos condenados, progressão no
regime de cumprimento da pena (HC 82959 – Informativo 418).
Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, deferiu pedido de
habeas corpus e declarou incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do
art. 2º da Lei 8.072/90, que veda a possibilidade de progressão do regime de
cumprimento da pena nos crimes hediondos definidos no art. 1º do mesmo
diploma legal — v. Informativos 315, 334 e 372. Inicialmente, o Tribunal resolveu
restringir a análise da matéria à progressão de regime, tendo em conta o pedido
formulado. Quanto a esse ponto, entendeu-se que a vedação de progressão de
regime prevista na norma impugnada afronta o direito à individualização da pena
(CF, art. 5º, LXVI), já que, ao não permitir que se considerem as particularidades
de cada pessoa, a sua capacidade de reintegração social e os esforços aplicados
com vistas à ressocialização, acaba tornando inócua a garantia constitucional.
Ressaltou-se, também, que o dispositivo impugnado apresenta incoerência,
porquanto impede a progressividade, mas admite o livramento condicional após o
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cumprimento de dois terços da pena (Lei 8.072/90, art. 5º). Vencidos os Ministros
Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim,
que indeferiam a ordem, mantendo a orientação até então fixada pela Corte no
sentido da constitucionalidade da norma atacada. O Tribunal, por unanimidade,
explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal
em questão não gerará conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas
nesta data, uma vez que a decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento
do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da
apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos
pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão.
HC 82959/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 23.2.2006. (HC-82959)

5.4. PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE: por esse princípio (artigo 5º, XLV, CF),
fica o legislador proibido de criar lei penal em que se pretenda
responsabilizar objetivamente certas condutas: “nullum crimem sine
culpa”.

Ninguém pode ser castigado senão pelas conseqüências


desejadas (dolosas) ou previsíveis (culposas) de seus próprios atos.

O fundamento dessa exigência culpabilística reside na própria


função do direito penal: proteger bens jurídicos através da ameaça, do
castigo, da dissuasão. Castigar a causa objetiva de resultados imprevisíveis
e inevitáveis seria inútil, desnecessário e ineficaz.

Pode-se entender, então, que a culpabilidade é fundamento da


pena, isto é, ela deve existir para que possa aplicar uma pena ao autor de
um fato delituoso previsto por lei. Além disso, ela funciona para limitar a
pena, evitando que esta seja aplicada fora dos limites legais. Por fim, a
culpabilidade evita a aplicação da responsabilidade objetiva, ou seja, a
responsabilidade independente de culpa.

Resumindo: Pelo princípio em exame, não há pena sem


culpabilidade, decorrendo daí três conseqüências materiais: a) não há
responsabilidade objetiva pelo simples resultado; b) a responsabilidade
penal é pelo fato, não pelo autor; c) a culpabilidade é a medida da pena.

Após considerar todos esses princípios, agora sim, o legislador


propõe a criação da lei penal que deve contê-los, sob pena de ser argüida a
sua inconstitucionalidade. Diante da lei Penal inconstitucional o juiz, que é o
garantidor dos direitos fundamentais, deve repudiá-la decretando
“incidenter tantum” a sua inconstitucionalidade. Pelo menos deveria.

A lei penal, por sua vez, possui características próprias que


analisaremos por ocasião do estudo sobre sua aplicação.

10 Caderno de Apontamentos
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Por igual, o princípio da Reserva Legal, voltará a ser abordado por integrar
o Título I, do CP: “da aplicação da lei penal”.

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA CONFORME


ENTENDIMENTO DO PRETÓRIO EXCELSO.
PRINCÍPIO DA INSIGINIFICÂNCIA. O princípio da insignificância,
vetor interpretativo do tipo penal, é de ser aplicado tendo em conta a
realidade brasileira, de modo a evitar que a proteção penal se restrinja aos
bens patrimoniais mais valiosos, ordinariamente pertencentes a uma
pequena camada da população. A aplicação criteriosa do postulado da
insignificância contribui, por um lado, para impedir que a atuação estatal vá
além dos limites do razoável no atendimento do interesse público. De outro
lado, evita que condutas atentatórias a bens juridicamente protegidos,
possivelmente toleradas pelo Estado, afetem a viabilidade da vida em
sociedade. O parâmetro para aplicação do princípio da insignificância, de
sorte a excluir a incriminação em caso de objeto material de baixo valor, não
pode ser exclusivamente o patrimônio da vítima ou o valor do salário mínimo,
pena de ensejar a ocorrência de situações absurdas e injustas. No crime de
furto, há que se distinguir entre infração de ínfimo e de pequeno valor, para
efeito de aplicação da insignificância. Não se discute a incidência do princípio
no tocante às infrações ínfimas, devendo-se, entretanto, aplicar-se a figura
do furto privilegiado em relação às de pequeno valor.
O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR
DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. - O princípio da
insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da
fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem
o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na
perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado - que considera
necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de
certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente,
(b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de
reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica
provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no
reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e
impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção
mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO
DO DIREITO PENAL: "DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR". - O sistema
jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da
liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando
estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de
outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos
em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou
potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve
ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não
importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente,
por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado,
seja à integridade da própria ordem social.

DIREITO PENAL MINIMALISTA (ARTIGO DOUTRINÁRIO)


A Criminologia Minimalista acha-se amparada em dois fundamentos.
O primeiro fundamento, que porta a tese de LOLA ANIYAR DE CASTRO,
sustenta a necessidade do estabelecimento de uma legislação penal de conteúdo

11 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
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mínimo, destinada à preservação dos direitos humanos e liberdades individuais


para garantir a defesa dos mais fracos e evitar reações injustas e indesejáveis,
não só por parte do Estado, mas também de qualquer órgão de natureza pública
ou privada e até mesmo da vítima.
O segundo fundamento Minimalista, enriquecido pelas lições de ALESSANDRO
BARATTA, aprofunda a concepção de que é preciso limitar o Direito Penal, que
está a serviço de grupos minoritários, tornando-o mínimo, porque a pena,
representada em sua manifestação mais drástica pelo Sistema Penitenciário, é
uma violência institucional que limita direitos e reprime necessidades
fundamentais das pessoas, mediante a ação legal ou ilegal de servidores do
poder, legítima ou ilegitimamente investidos na função.
ALESSANDRO BARATTA adiciona que as instituições do controle formal,
atuando nos diversos níveis da organização da Justiça Penal (Legislador, Polícia,
Ministério Público, Juízes e Órgãos de Execução Penal) não representam nem
tutelam interesses comuns a todos os cidadãos, e sim interesses de grupos
minoritários socialmente privilegiados. Por outro lado, reafirma, o Sistema Penal é
altamente seletivo, seja no que diz respeito à proteção dos direitos humanos, dos
bens e interesses sociais, seja em relação ao processo de criminalização
(incriminalização e descriminalização), seja no que tange ao recrutamento da
clientela, o que fortifica a ilação de que o sistema punitivo é absolutamente
inadequado para atuar de maneira útil e saudável na sociedade, conforme é
sempre declarado no discurso oficial.
Vê-se que a Criminologia Minimalista grita pela legitimação de uma intervenção
mínima das agências formais de controle e das garantias do Direito Penal e do
Direito Processual Penal, de maneira a agir com a prudência de um modelo
punitivo alternativo que satisfaça o sistema social global e não como fórmula
punitiva que se apóie na pena com sentido ontológico, conforme bem lembrou
RAÚL ZAFFARONI no seu interessante livro Em busca de las Penas Perdidas.

MISSÕES DO DIREITO PENAL:

1. PROTEÇÃO DE BENS JURÍDICOS


2. CONTENÇÃO DA VIOLÊNCIA DO ESTADO
3. PREVENÇÃO DA VINGANÇA PRIVADA
4. CONJUNTO DE GARANTIAS PARA TODOS
(DELINQUENTES E NÃO DELINQUENTES)

FUNÇÕES DO DIREITO PENAL.

A função legítima do Direito penal é a instrumental, ou seja,


servir como instrumento de proteção aos bens jurídicos.

Entretanto ao lado desta função legítima aparecem outras


funções que o Direito Penal vem cumprindo e que não

12 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
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condizem com sua verdadeira atribuição, dentre elas


poderíamos citar:

→ Função promocional: através do Direito Penal o Estado


tenta incutir na sociedade a sua importância para a tutela de
determinados bens jurídicos. Exemplo que bem retrata esta
assertiva ocorre com a lei de proteção ao meio ambiente, onde
estão previstos mais de sessenta tipos penais incriminadores.
Verifica-se com este fato o fenômeno da administrativização
do direito penal, ou seja, ilícitos administrativos passam a
integrar a seara do direito penal.

→ Função simbólica: Basicamente consiste no uso do direito


penal para amenizar a ira da sociedade em momentos de altas
demandas por penas mais severas, leis mais repressivas. O
exemplo basilar desta função ocorreu com a promulgação da
lei dos crimes hediondos. E hodiernamente pode vir
novamente a ser utilizada por exemplo para dar uma resposta
a população sobre as ações da facção criminosa PCC.

UNIDADE II - DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL

INTRODUÇÃO:

A lei, como já afirmado, é a fonte mais importante do direito penal,


pois só ela pode criar delitos e penas. O direito penal é um conjunto de
condutas impostas coativamente pelo Estado. Tais regras chamam-se
normas jurídicas. As normas jurídicas caracterizam-se por emanarem do
Estado; pelo seu caráter de generalidade e abstração (no sentido de
constituírem uma regulamentação genérica de relações ou fatos, sem
referência a casos concretos); pela bilateralidade, já que estabelecem
sempre direitos e deveres jurídicos; pela sua coercibilidade e
imperatividade, e, por fim, por sua irrefragabilidade, o que significa que
somente através de outra norma jurídica poderão deixar de ser aplicadas.
São normas asseguradas pelo Poder Público, constituindo um conjunto de
imperativos dirigidos a todos, indistintamente.

As leis penais por sua vez classificam-se em:

13 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Lei penal incriminadora: São as que criam crimes e contravenções e


cominam penas. Estão contidas na parte especial do código penal e em
algumas leis extravagantes (fora do código).

Lei penal não incriminadora: São as que não criam crimes ou


contravenções nem penas. Subdividem-se em:

a. Leis Penais Permissivas: autorizam o cometimento de certas condutas


típicas: legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do
dever legal, exercício regular do direito (art. 23, CP). Ainda são também
previstas na Parte especial embora excepcionalmente (artigos 128, 142 e
156, § 2º, CP);

b. Leis Penais Exculpantes: desculpam, por assim dizer, afastando a


culpabilidade ou punibilidade, em certas condutas típicas e antijurídicas:
doença mental ( art. 26); menoridade (art. 27); erro de proibição (art. 21);
coação moral irresistível e obediência hierárquica (art. 22); excludentes
putativas ( art. 20, § 1º), prescrição (art. 107, IV), perdão judicial(art. 107,
IX) etc. Também são encontradas na parte especial (art. 342, § 2º, 312 §
3º), etc.

c. Leis Penais Interpretativas: Esclarecem o conteúdo de outras leis:


conceito de funcionário público (art. 327), casa (art. 150, § 4º); Explica
como deve ocorrer a contagem de prazos (art. 10); conceitua o que é
“causa”(art. 13 , 2ª parte) etc.

d. Leis Penais de Aplicação: fixam o limite das leis penais incriminadoras


(art. 2º e 5º).

e. Leis Penais de Extensão: complementam a tipicidade do fato em


relação à tentativa (art. 14, II), o partícipe (art. 29), omissão imprópria (art.
13, § 2º, “a”, “b”, “c”), do CP.

f. Leis Penais Completas: São as que definem todos os elementos da


conduta criminosa: Art. 121, CP0.

g. Leis Penais Incompletas: reservam o complemento da definição da


conduta criminosa a outra lei, ato administrativo, ou ao próprio juiz. Quando
o complemento está em outra norma, são chamadas normas penais em
branco, v.g.art. 237, CP (complementada pelo CC, Art. 1521, que diz o que
é “impedimento” para casar.); Art. 12, lei 6368/76 (é a portaria do Ministério
da Saúde que diz o que é substância entorpecente) etc.

Norma penal em branco é aquela cuja definição da conduta


criminosa é complementada por outra norma jurídica. Seu preceito

14 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

secundário (pena) é completo, mas o preceito primário (conduta) carece


de complementação. Pode ser de duas espécies:

a. Lei Penal em Branco em Sentido Estrito: ocorre quando o


complemento emana de órgão distinto daquele que elaborou a norma
penal. Exemplo: o complemento do art. 12, Lei 6368/76, não provém de
outra lei, mas de portaria (ato administrativo) emitida pelo Serviço Nacional
de Fiscalização da Medicina e Farmácia, do Ministério da Saúde. É esse
órgão que diz o que se deve entender por “substância entorpecente”. Esse
complemento é, por assim dizer, a “alma” do art. 12, da Lei 6368/76, que
por sua vez é o “corpo”.

b. Lei Penal em Branco em Sentido Amplo: dá-se quando o


complemento do tipo penal encontra-se em outra norma proveniente da
mesma fonte criadora da lei penal. Exemplo: o complemento do art. 237,
CP, é encontradiço no art. 1521 do CC, que também tem como fonte
criadora o Congresso Nacional. Ambas são leis em sentido estrito.

NÃO CONFUNDIR O “TIPO PENAL EM BRANCO” COM O “TIPO ABERTO”.


NO PRIMEIRO, O COMPLEMENTO É ENCONTRADO EM OUTRA NORMA EM SENTIDO
AMPLO OU ESTRITO; NO SEGUNDO, COMO SE DÁ NO CRIME CULPOSO, V.G., O
COMPLEMENTO É FEITO PELO PRÓPRIO JUIZ. NÃO É NORMA PENAL EM BRANCO.

DA INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA E DA ANALOGIA

Admite-se a interpretação analógica da lei quando o texto da


norma abrange numa fórmula genérica os fatos semelhantes aos
enunciados numa fórmula casuística. Nesse caso, o intérprete, ainda que
se trate de norma penal incriminadora, deverá ampliar o texto da lei para
fato semelhante. Exemplo: o artigo 121, § 2º, IV, CP, prevê hipótese de
homicídio qualificado se cometido: “a traição, de emboscada, ou mediante
dissimulação ou outro recurso que torne impossível a defesa do ofendido”.
A fórmula casuística fornecida pelo legislador é “a traição, de emboscada,
dissimulação”. A fórmula genérica é “ou outro recurso que torne impossível
a defesa do ofendido”. Logo, qualquer outro recurso semelhante aos
mencionados na fórmula casuística, como por exemplo: surpresa, dar
sonífero à vítima e depois matá-la, matar alguém que se encontra preso,
amarrado, doente, etc., qualifica o homicídio.

E o que seria analogia, que é amplamente aplicada em outras


vertentes do direito, mas, quando para prejudicar é vedada em direito
penal? Analogia é a aplicação ao caso não previsto em lei de lei reguladora
de caso semelhante.

Segundo o ínclito Prof. Luiz Régis Prado, “por analogia costuma-


se fazer referência a um raciocínio que permite transferir a solução prevista
15 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

para determinado caso a outro não regulado expressamente pelo


ordenamento jurídico, mas que comparte com o primeiro certos caracteres
essenciais ou a mesma ou suficiente razão, isto é, vinculam-se por uma
matéria relevante simili ou pari”. Exemplo: O art. 163, caput, CP, (dano)
prevê as seguintes condutas: “destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia”.
Figure agora que um agente desejando causar dano ao seu proprietário,
solte um valioso pássaro avaliado em R$ 100.000,00 que, imediatamente
após ter aberto, a porteira de sua gaiola, desaparece. Qual delito cometeu
o agente? Nenhum! O tipo em comento não prevê a conduta “fazer
desaparecer”. Contudo, lá no Código Penal Militar – Art. 259, caput, existe
a seguinte previsão legal para o crime de dano simples: “Destruir, inutilizar,
deteriorar ou fazer desaparecer coisa alheia”. Poderia o juiz valer-se dessa
previsão do CPM para, por analogia enquadrar a conduta do agente no
exemplo dado? Não. Aqui há uma vedação absoluta.

Todavia a analogia, mesmo em caráter penal, é permitida para


beneficiar. Frederico Marques nos ensina que é inadmissível, por aplicação
analógica, a aplicação de penas e figuras típicas, o mesmo não se pode
dizer para a analogia, cujas conseqüências jurídicas sejam outras e
beneficiem o réu. É assim possível o procedimento analógico em relação à
licitude do ato e às causas de diminuição de pena”. Ex: O código de trânsito
não prevê o perdão judicial nos casos previstos no código penal – Art. 121,
§ 5º e 129, § 8º. Neste caso, dês que presentes as circunstâncias
autorizadoras deve o juiz, por analogia in bonam partem, estender o
instituto aos casos previstos na Lei do Trânsito. (artigos 302 e 303, por
analogia aos artigos 121, § 5º e 129, § 8º do CP).

A LEI PENAL NO TEMPO

A lei permanece em vigor até que outra lei a revogue (com


exceção das leis excepcionais ou temporárias). É o denominado PRINCÍPIO
DA CONTINUIDADE DAS LEIS. Se a revogação for total denomina-se ab-
rogação; se parcial, derrogação. Decisão judicial declarando a
inconstitucionalidade de uma lei ainda que proferida pelo STF, não revoga a
lei. Apenas cancela a sua eficácia. A lei continua em vigor sem produzir
efeitos. Toda lei é revogável. Não há lei que não possa ser revogada por
isso que a função legislativa é irrenunciável.

A lei penal, como todas as leis, nasce, vive e morre. Cada artigo é
uma norma penal per se.

A revogação pode ser expressa ou tácita. As leis podem ser


Excepcionais ou Temporárias (art. 3º, CP), trazendo no próprio texto o
término de sua vigência. Ocorre, assim, a auto-revogação. São exceção à
regra segundo a qual uma lei só pode ser revogada por outra lei posterior.

16 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

A lei geral, em regra, não revoga a lei especial e vice-versa. A


especial é revogada por outra lei especial e a geral por outra lei geral.
Sendo compatíveis, devem conviver no ordenamento jurídico. Se uma lei for
mista: geral e especial ao mesmo tempo e em havendo incompatibilidade
absoluta com outra lei, ocorrerá a revogação da lei anterior na parte em que
houver tal incompatibilidade. Exemplo: O CP revogou, com a reforma de
1984, o artigo 14 da LCP. A LCP é lei especial que contém dispositivos
gerais.

A lei penal não se revoga por uso contrário ou por inexecução de


seus mandamentos.

CONFLITOS DE LEIS PENAIS NO TEMPO

Às vezes o agente comete o fato sobre o império da Lei “X”, mas


quando vai a julgamento já se encontra em vigor a lei “Y”, que pode dar
ensejo às seguintes hipóteses:
A lei (X) era mais benéfica ao agente;
A lei (Y) é mais benéfica;
A lei (K) passou a não mais considerar o fato praticado como crime ou
contravenção pela lei (X), etc.

Surgem então os conflitos intertemporais de leis no tempo e


algumas regras para solucioná-los:

Em regra o conflito é solucionado pelo princípio tempus regit


actum, isto é, aplica-se a lei vigente ao tempo do delito. Se, porém, a nova
lei beneficiar o autor, impõe-se a sua retroatividade – art. 5º, XL, CF.

Pode-se dar retroatividade da lei penal em duas hipóteses:

Abolitio Criminis: o fato deixou de ser delito pela nova lei;


Novatio Legis in Mellius: a nova lei torna mais benigna a
situação do réu, embora mantenha a incriminação da conduta.
Tais hipóteses estão previstas no art. 2º e seu § único, do CP.

A Abolitio Criminis afasta todos os efeitos penais da


condenação (se já houver), considerando-a inexistente. Perduram,
entretanto, os efeitos cíveis, valendo como título executivo judicial - art. 584,
II, do CPC.

Pode ocorrer, contudo, de a nova lei, mantendo criminalizada a


conduta, ser mais benigna para o réu, nas hipóteses a seguir:

comina pena mais branda;


cria circunstância atenuante;
17 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

extingue circunstância agravante;


extingue medida de segurança;
extingue efeitos da condenação;
aumenta as causas extintivas da antijuridicidade ou culpabilidade, etc.

Nestes casos, a lei nova também retroagirá para alcançar fatos


pretéritos. A apreciação da lei mais benéfica deve ser identificada diante do
caso concreto. Persistindo dúvida, deve o juiz consultar o interessado.
Discute-se a possibilidade de se combinar leis, aproveitando-se o que de
mais benigno oferece cada uma. Alguns se posicionam contrariamente,
outros, em contrapartida, posicionam-se favoravelmente. Pessoalmente, sou
favorável. Ex: A lei (X) cominava pena 2 a 4 anos de reclusão e 50 a 100
dias-multa. Nova lei passou a cominar pena de 1 a 3 anos de reclusão e 100
a 200 dias-multa.

O réu ficaria com a nova lei tocante à pena de 1 a 3 anos, mas


manteria a lei antiga no respeitante à multa.

Já a lei nova incriminadora e a que agrava a situação do acusado


são irretroativas – art. 5º, XL, CF.

Considerando que o nosso sistema jurídico não adota o Princípio


da Repristinação da Lei, é possível a aplicação de uma lei ao caso
concreto, não obstante cessada a sua vigência, não sendo esta uma lei
excepcional ou temporária? Depende. Se a lei revogada for mais benéfica
em face de outra posterior, sim. Dês que , claro, o fato tenha ocorrido sob
seu império. Se a lei revogada for mais gravosa, não! A essa qualidade dá-
se o nome de ULTRATIVIDADE. A lei mais benéfica, além de Ultrativa, é
também retroativa. A essas duas qualidades da lei mais benéficas dá-se o
nome de EXTRA-ATIVIDADE.

O que se deve entender por lei mais benigna? Somente a lei


penal? Não! Também a norma extrapenal, quando exclui o tipo, ao suprimir
a conduta incriminada. Ex: (A) praticou o crime de “conhecimento prévio de
impedimento ao casamento – art. 237 CP”. É norma penal em branco, de
vez que é o CC, art. 1521, I a VII, quem define as hipóteses de
impedimento. Ora, se o artigo 1521 do CC for ab-rogado, poderá retroagir
para beneficiar o autor do crime previsto no art. 237 do CP? Pode.

Todavia, esse exemplo não prevalece nos casos de simples


atualização de tabela de preços. Não há que se falar, nesses casos, em
abolitio criminis, face à alteração da norma extrapenal (nova tabela de
preço). Neste caso, o preço continua tabelado, o que se alterou foi apenas o
novo preço.

18 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

O resultado mais benéfico deve ser apurado concretamente. Ex:


(A) praticou crime cuja pena é de detenção de 1 a 2 anos. Vem a ser
condenado à pena de 1 ano e 8 meses, em virtude de uma circunstância
legal genérica. Não pode obter o sursis por ser reincidente em crime doloso.
Não poderá obter o livramento condicional, eis que a pena é inferior a 2
anos. Após, surge nova lei cominando, para o mesmo crime, pena de 2 a 3
anos de detenção. Pergunta-se: qual a lei mais benéfica neste caso? A
posterior. Pela lei anterior teria que cumprir a pena integralmente. Já pela
nova lei, ajustando-se a condenação, por exemplo, em 2 anos e 8 meses,
poderá, após cumprir 1 ano , 4 meses e 1 dia (mais da metade da pena),
obter o livramento condicional.

A quem compete aplicar a Lei mais benéfica? Antes da sentença,


não há dificuldades: o Juiz do processo. Após a sentença, o Juiz da
execução. Ao Tribunal somente se houver recurso da decisão do Juiz de
Primeira instância – art. 197/LEP.

Cabe ainda comentar a hipótese da LEI INTERMEDIÁRIA. Pode


acontecer que alguém pratique um fato na vigência de uma Lei, surgindo
depois outras duas, sendo a mais favorável, não a última e sim a
intermediária, que é uma Lei que não estava vigendo nem ao tempo do fato
delitivo, nem no momento da solução do caso. No caso, tendo em mente
que o PRINCÍPIO DA ULTRATIVIDADE E DA RETROATIVIDADE DA LEI MAIS
BENÉFICA são absolutos, analisando os efeitos das três leis, veremos que a
primeira é ab-rogada pela intermediária e, sendo mais severa, não tem
Ultratividade; a intermediária, mais favorável que as outras duas, retroage
em relação à primeira e possui Ultratividade em face da última; esta, mais
severa, não retroage.

LEI TEMPORÁRIA OU EXCEPCIONAL

Reza o art. 3º, CP: “A lei excepcional ou temporária, embora


decorrido o período de sua duração ou cessada as circunstâncias que a
determinaram, aplica-se ao fato praticado durante a sua vigência”.

A norma prevê a regra da ultratividade das leis excepcionais ou


temporárias, que consiste na aplicação da lei penal aos fatos praticados
sob a sua vigência, embora o julgamento se efetue após a sua revogação.

Poderíamos afirmar que aqui existe uma exceção ao PRINCIPIO


DA RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENIGNA, isto é, mesmo quando cessada
sua vigência, as Leis Temporárias ou Excepcionais aplicam-se aos fatos
ocorridos na sua vigência, ainda quando uma Lei menos severa seja
promulgada posteriormente para um crime previsto naquelas, esta NÃO
retroage. Luiz Régis Prado define esse fenômeno como sendo uma
Ultratividade gravosa.
19 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Temporária: é a lei promulgada para ter vigor somente dentro de


certo período de tempo, previamente fixado no próprio texto da lei, pelo
legislador.

Excepcional: é a lei promulgada para ter vigor enquanto persistir


certa situação anormal (terremoto, guerra, inflação estado de sítio, etc.)

Presentemente não temos em vigor nenhuma lei excepcional ou


temporária, razão pela qual não nos estenderemos mais em sua
apreciação.

TEMPO DO CRIME

Diz o artigo 4º, CP: “Considera-se praticado o crime no momento


da ação ou omissão ainda que outro seja o do resultado”.

Três são as regras existentes a respeito do momento do crime:


ATIVIDADE, RESULTADO, UBIQÜIDADE. O Código penal adotou a TEORIA DA
ATIVIDADE. Se tivesse adotado a teoria do resultado ou da ubiqüidade,
conforme o caso, o sujeito que praticasse uma conduta lícita poderia ser
punido na hipótese de a consumação ocorrer após a entrada em vigor da
lei penal incriminadora do fato.

EXCEÇÕES A TEORIA DA ATIVIDADE:


O Código implicitamente, adota algumas exceções à teoria da
atividade, como, por exemplo: O marco inicial da prescrição abstrata
começa a partir do dia em que o crime se consuma; nos crimes
permanentes, do dia em que cessa a permanência; e nos de bigamia, de
falsificação e alteração de assentamento de registro civil, da data em que o
fato se torna conhecido. (exemplos citados por Cezar Roberto Bitencourt)

Efeitos:

 Aplica-se a lei vigente ao tempo da conduta, salvo se ao tempo do


resultado for mais benéfica.

 A imputabilidade é auferida ao tempo da conduta, não do resultado.

 No crime permanente (seqüestro etc.), em que a conduta se tenha


iniciado sob a vigência de uma lei, prosseguindo sob a vigência de
outra, aplica-se a nova lei ainda que mais severa.

 No crime continuado aplica-se a nova lei ou a lei velha, conforme o


número maior de delitos consumados sob o império da primeira ou da

20 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

segunda. Não é pacífico este entendimento. É que o crime


continuado é considerado uma unidade. Havendo quem entenda que
deva ser aplicada a lei nova ainda que mais grave.

 Crime habitual aplica-se também a nova lei mesmo que mais severa
caso o agente continue reiterando a conduta. Há quem discorde nos
termos acima expostos.

 Medida de segurança: Embora segundo alguns autores entendam


que não cabe aqui o princípio da anterioridade, mas apenas
legalidade, aplica-se-lhe na íntegra o PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE
DA LEI MAIS GRAVOSA. Assim, se ao tempo do fato a lei previa como
internação inicial, o período de 1 a 3 anos (como é atualmente), e a
lei nova aumenta esse período para 2 a 4 anos, por ser prejudicial,
não retroagirá para alcançar o internando. É que agora a CF, diz: “A
lei não retroagirá, salvo para beneficiar”. Medida de segurança
embora não seja pena, é sanção penal, que é o gênero. Por isso
alguns autores afirmam que vige também para as medidas de
segurança o princípio da anterioridade da lei para sua aplicação.

 Observação final: Súmula 711 do STF. “Retroatividade da lei


penal mais grave em crimes continuados e permanentes”.” A lei
penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime
permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da
continuidade ou da permanência”.

 O crime permanente é uma entidade jurídica única, cuja execução


prolonga-se no tempo, e é exatamente por esta característica que se
justifica que sobrevindo lei nova, mesmo que mais grave, tenha
aplicabilidade imediata, pela razão evidente de que o fato delituoso
está sendo executado em sua integralidade. Cezar Roberto
Bitencourt adverte: “É necessário, convém destacar, que entre
em vigor o novo diploma legal mais grave antes de cessar a
permanência da infração penal, isto é, antes de cessar a sua
execução”.

 O crime continuado por seu turno é integrado por diversas ações,


cada uma em si mesma criminosa, que a lei considera, por motivos
de política criminal, como um crime único. Esclarecendo o
entendimento declinado acima “o crime continuado é uma ficção
jurídica concebida por razões de política criminal, que considera
que os crimes subseqüentes devem ser tidos como continuação
do primeiro, estabelecendo, em outros termos, um tratamento
unitário a uma pluralidade de atos delitivos, determinando uma
forma especial de punição” (Cezar Roberto Bitencourt)

21 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

 Continuando na lição do renomado doutrinador “o crime continuado


é composto por mais de uma ação em si mesmas criminosas,
praticadas em momentos, locais e formas diversas,que, por ficção
jurídica, são consideradas crime único, tão somente para efeitos de
dosimetria penal”. Neste sentido o texto da súmula 711,
determinando a aplicação retroativa de lei penal mais grave, para a
hipótese do crime continuado, estará impondo pena (mais grave)
inexistente na data do crime para aqueles fatos cometidos antes de
sua vigência, conclui Cezar Roberto Bitencourt. Finaliza seu
arrazoado entendendo que é inconstitucional referida súmula no que
se refere ao crime continuado.

LEI PENAL NO ESPAÇO

Diz o art. 5º, Cp: “Aplica-se a lei brasileira sem prejuízo de


convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido
no território nacional”.

Assim adotou o Código Penal a regra da TERRITORIALIDADE para


aplicação da lei penal. Adotou ainda, como exceção, os princípios
extraterritoriais da nacionalidade, defesa, justiça penal universal e
representação no artigo 7º, CP. Diz-se, portanto, que o Brasil adotou o
PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE TEMPERADA.

A regra segundo a qual a lei brasileira aplica-se a todos os crimes


praticados no território nacional (art. 5º e §§ 1º e 2º, CP), sofre exceções
também. Nem todo crime praticado no território brasileiro é aplicável à Lei
Penal brasileira:

a) Imunidades diplomáticas: No âmbito da missão diplomática,


tanto os membros do corpo diplomático de carreira (do Embaixador ao
Terceiro Secretário) quanto os membros do quadro administrativo e técnico,
estes últimos desde que oriundos do Estado Acreditante (País de origem),
e não sendo recrutados in loco, ou seja, no Estado Acreditado (País em
que servem), desfrutam de ampla imunidade de jurisdição penal e civil, e
mais são fisicamente invioláveis e em caso algum podem ser obrigados a
depor como testemunhas. Tal imunidade estende-se aos seus familiares e
funcionários administrativos da representação diplomática. Não se estende
ao nacional ainda que integre o corpo funcional da representação
diplomática. Cuida-se de imunidade absoluta. Não significa que o agente
ficará impune, apenas que irá responder pelo delito perante as leis de seu
país. No que se refere aos Cônsules gozam eles de inviolabilidade
física e de imunidade ao processo – penal ou cível – apenas no que diz
22 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

respeito aos atos de ofício. As embaixadas estrangeiras não são


extensão do território que elas representam. Contudo, gozam de
inviolabilidade. Tanto que, se alguém que não goze de imunidade e lá
cometa um crime, poderá ser preso e irá responder perante as leis
brasileiras. Só não podem ser objeto de buscas sem prévia autorização do
representante diplomático.

ATENÇÃO: A IMUNIDADE DIPLOMÁTICA É RENUNCIÁVEL.

Só quem pode renunciar a imunidade diplomática é o Estado


Acreditante, em momento algum o representante diplomático ou
consular pode dela dispor.

O conceito de território é jurídico não físico. As relações


diplomáticas estão disciplinadas na Convenção de Viena, de 18/04/1961,
aprovada pelo decreto N.º 56. 435, de 08/06/1965.

Observe-se ainda que é possível o asilo político na sede da


embaixada. O asilo político tem a finalidade de proteger a pessoa contra a
perseguição e violência de natureza política. Não se concede em casos de
criminosos comuns. Está previsto no decreto n.º 55.929/56, que promulgou
a convenção de Caracas sobre Asilo Diplomático.

b) Imunidades parlamentares: Além das imunidades diplomáticas, outras


existem: as parlamentares. Diferem, entretanto, daquelas, pois são causas
de irresponsabilidade ou condições de procedibilidade, ao passo que as
diplomáticas não excluem o crime; deferem apenas a outro País sua
apreciação. O art. 53, caput, CF consagra as imunidades absolutas dos
parlamentares federais nos denominados crimes da palavra; o § 1º do
mesmo artigo consagra as chamadas imunidades relativas, que na
verdade são condições de procedibilidade.

Da extraterritorialidade: é a aplicação da lei penal brasileira aos crimes


praticados no exterior. Registre-se desde logo que somente o Direito Penal
pode ser extraterritorial, Direito Processual Penal, jamais. Pode ser:

Condicionada: neste caso a lei penal brasileira é aplicada subsidiariamente


aos crimes cometidos no estrangeiro, referidos no art. 7º, II e § 3º, CP.
Nesses delitos, além de outras condições, exige-se, para aplicação da Lei
Penal brasileira, que o agente entre no território nacional.

Os delitos sujeitos a extraterritorialidade condicionada são os seguintes:

23 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

 os que por tratado ou convenção o Brasil se obrigou a reprimir


(Princípio da Justiça Penal Universal), art. 7º, II, “a”, CP; ex. Tráfico
de drogas, tráfico de mulheres, etc.;

 os crimes praticados por brasileiros no estrangeiro (“Princípio da


Personalidade Ativa ou da Nacionalidade”), art. 7º, II, “b”, CP;

 os praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras mercantes


ou de propriedade privada quando em território estrangeiro e aí não
sejam julgados (Princípio da Representação), art. 7º, II, “C”, CP;

 os cometidos por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil


(Princípio da Personalidade Passiva), art. 7º, §, 3º, do CP.

Diz-se extraterritorialidade condicionada, porque a aplicação da


lei brasileira depende, cumulativamente, das condições previstas no artigo
7º, § 2º, “a”, “b”, “c”, “d” e “e”, e ainda destas condições cumulativas com as
previstas no § 3º, “a” e “b”, na hipótese do crime ser cometido por
estrangeiro contra brasileiro, fora do país.

Vejamos um exemplo atual: algum tempo atrás, a imprensa


noticiou o caso de um “garoto de programa”, que insistia em se referir como
“artista plástico”, o qual teria assassinado um outro brasileiro nos EUA.
Após o crime, referido “artista” teria evadido-se para o Brasil.

No caso:

- o crime é de homicídio - Art. 121, CP;

- Praticado por brasileiro no estrangeiro - art. 7º, II, b, CP;

- Entrou no território Nacional - art. 7º, § 2º, a, CP;

- O fato também é previsto como crime nos EUA, art. 7º, § 2º, b, CP;

- O crime está relacionado entre os que o Brasil autoriza extradição, mas


como o Brasil não autoriza extradição de seus nacionais, salvo se
naturalizado e nas hipóteses previstas em lei, razão por que obriga-se a
punir o criminoso, art. 7º, § 2º, c, CP;

-O agente sequer foi processado no exterior, art. 7º, § 2º, d, CP;

-O agente não foi perdoado, tampouco se deu a extinção da punibilidade,


art. 7º, § 2º, e, CP;

24 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Neste caso especial, a lei brasileira será aplicada, podendo o


“artista plástico” ser processado, julgado e condenado perante as leis
brasileiras, conquanto tendo praticado o crime no estrangeiro. Cuida-se de
extraterritorialidade da lei penal.

Se a vítima fosse brasileira e o autor estrangeiro, além das


condições do art. 7º, § 2º, seriam necessárias, cumulativamente, também
às do § 3º, do mesmo artigo.

b) Incondicionada: Nesse caso, a simples prática do delito no exterior,


quem quer que seja o agente, já autoriza a aplicação da lei brasileira,
independentemente de qualquer outro requisito ou condição, ainda que o
autor também seja processado e condenado no país onde cometeu o delito,
ou mesmo lá absolvido.

De acordo com o art. 7º, I, CP, “ficam sujeitos à lei brasileira,


embora cometidos no estrangeiro os seguintes crimes”:

1. Contra a vida (homicídio v.g.), ou liberdade (v.g. ameaça, seqüestro,


etc.) do Presidente da República (Princípio da Defesa ou Proteção),
art. 7º, I, a, CP.

2. Contra o patrimônio (art. 155 ao 180) ou a fé pública (art. 289 ao


311) da União, DF, Estados, Territórios, Municípios, Empresa Pública,
Sociedade de Economia Mista, etc. (Princípio da Nacionalidade)
ART. 7º, I, b, CP.

3. Contra a administração pública, por quem está a seu serviço ( art.


312 ao 326, CP), Princípio da Representação, Art. 7º, I, c, CP.

4. De genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no


Brasil. O genocídio está previsto na lei 2.889/56 (Princípio da Defesa
ou Proteção), Art. 7º, I, d, CP.

Em relação a esses delitos, como já referido, o agente é punido


segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro
(art. 7º, § 1º, CP). Mas a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena
imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é
computada, quando idênticas (art. 8º, CP).

LUGAR DO CRIME

Prescreve o artigo 6º, CP: “Considera-se praticado o crime no


lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como
onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado”.
25 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

O dispositivo procura dar solução aos denominados “crimes à


distância”, ou de espaço máximo, que são aqueles em que a conduta é
perpetrada num país e o resultado produzido noutro. Exemplo: Um soldado
brasileiro na fronteira com o Uruguai atira matando um soldado Uruguaio do
outro lado da fronteira, ou vice-versa.

A Doutrina aponta três teorias:

 ATIVIDADE: Lugar do crime seria onde ocorreu a ação. No exemplo


acima, quando o brasileiro atirou, lugar do crime seria o Brasil.

 RESULTADO: Lugar do crime seria onde ocorreu o resultado. No


exemplo acima, lugar do crime passaria a ser o Uruguai onde se deu
a morte.

 UBIQÜIDADE (TEORIA PURA DA UBIQÜIDADE, MISTA OU UNITÁRIA):


considera-se cometido o crime tanto no local da ação, quanto onde
ocorreu ou deveria ocorrer o resultado. No exemplo acima o crime
teria ocorrido tanto no Brasil quanto no Uruguai. No Brasil a ação; no
Uruguai o resultado. Quase todas as legislações penais do mundo
incluindo o Brasil, adotam a teoria da ubiqüidade, para estabelecer o
lugar do crime, nos crimes à distância. Sinteticamente: Lugar do
crime pode ser tanto o da ação como o do resultado, ou ainda o lugar
do bem jurídico atingido.

Figure ainda o exemplo acima e imagine que o Brasil adotasse


para “o lugar do crime à distância”, a teoria do Resultado. O fato ficaria
impune.

A Teoria da Ubiqüidade prevista no art. 6º, CP, contudo, não se


preocupa com os atos preparatórios nem com o exaurimento. Requer ato
de execução ou consumação.

Em relação ao partícipe e co-autor, realizando-se os atos de co-


participação no território nacional, aplica-se a lei brasileira, mesmo que o
delito tenha sido inteiramente executado no estrangeiro. Se um partícipe no
Brasil induz um americano a matar outro americano nos EUA, aplica-se a
lei penal brasileira ao partícipe brasileiro.

Não confundir “lugar do crime” previsto no art. 6º, CP, com “lugar
do crime” previsto no Art. 70 do CPP. Nos delitos plurilocais dentro do
território nacional ou transnacional, a regra de competência é firmada pelo

26 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

referido dispositivo processual. Fixada a jurisdição brasileira para o


julgamento do crime à distância, cumpre agora, à luz do art. 70, §§ 1º e 2º,
do CPP, desvendar o foro competente para esse julgamento dentro do
Brasil.

PENA CUMPRIDA DO ESTRANGEIRO

O artigo 8º, CP, procura evitar o bis in idem. Dispensa maiores


comentários. Objetiva evitar a duplicidade de repressão pelo mesmo fato.

EFICÁCIA DA SENTENÇA PENAL ESTRANGEIRA

Compete ao STJ homologar sentença penal estrangeira - art.105,


i, CF, redação conforme alteração decorrente da emenda constitucional nº
45/2004.
As sentenças absolutórias estrangeiras por crimes cometidos fora
do Brasil nos casos de extraterritorialidade condicionada, têm o efeito de
impedir que o crime seja novamente julgado no Brasil - Art. 7º, § 2º, d, CP.

Nos casos de extraterritorialidade incondicionada, as sentenças


estrangeiras, sejam absolutórias ou condenatórias, não tem eficácia de
coisa julgada. Entretanto, no caso de condenação, o cumprimento da pena
no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil ou nela computa-se, nos
termos do art. 8º, CP. Conquanto o direito brasileiro reconheça a sentença
estrangeira em relação aos crimes cometidos no estrangeiro, tocantemente
a dois efeitos da condenação, o artigo 9º, CP, exige a sua homologação
perante o STJ: 9º, I e II, CP. Para os demais efeitos não requer
homologação.

DISPOSIÇÕES FINAIS DO TÍTULO PRIMEIRO DO CP.

Contagem do prazo: prazo é o lapso de tempo entre o termo “a


quo” (início) e o termo “ad quem” (final). Em matéria penal, conta-se o dia
do começo e do fim. Preceitua o art. 10, CP: “O dia do começo inclui-se no
cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário
comum”. Se por exemplo, alguém foi preso às 23:59 h de determinado dia,
em matéria penal esse minuto que faltava para o novo dia é considerado
um dia inteiro.

Qualquer que seja a fração do dia do começo, computa-se como


se fosse um dia inteiro. Uma pena de dez dias que tenha tido início às
18:00 h do dia 01/12/98, terá seu término as 00:00 h, do dia 09/12/98. Essa
27 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

regra beneficia o réu. Uma pena de um ano que se iniciou às 23:00h, do dia
10/10/98, terminará às 00:00h, do dia 09/10/99.

Diferentemente, nos prazos processuais não se computa o dia do


início, (art. 798, § 1º, CPP).

Figure um prazo de cinco dias para o réu oferecer alegações


finais, cuja intimação deu-se no dia 05/11/98: terminará no dia 10/11/98.
Exclui-se o dia da intimação. Se o prazo fosse penal, terminaria no dia
09/11/98.

Em caráter processual, quanto mais extenso o prazo, mais


vantajoso é para o réu; no direito penal quanto menor o prazo, melhor para
o réu. Mormente se estiver preso. “Contam-se os dias, os meses os anos
pelo calendário comum” (2ª parte do artigo 10, CP).

No calendário comum (gregoriano), entende-se por dia o espaço


de tempo que decorre entre meia-noite e meia-noite. Os meses não têm,
necessariamente, 30 dias, e, sim 28, 29, 30 ou 31, na forma do calendário.
Idem com relação aos anos, que não tem, invariavelmente, 360 dias, mas
sim 365 ou 366, se for ano bissexto. O juiz, ao condenar o réu a um mês ou
a um ano, não pode dizer “30 dias” ou “365 dias”. A condenação só pode
ser fixada em dias quando for inferior a um mês. O mês, em matéria penal,
é contado até a véspera do mesmo dia do mês subseqüente, encerrando o
prazo às 00:00 h. Se, por exemplo, o réu condenado a 2 meses, iniciar o
cumprimento da pena às 17:00h, de 10/08, o prazo terminará às 00:00h, do
dia 09/10. Se iniciasse a pena no dia 31/12, o prazo terminaria no dia 28 ou
29 de fevereiro, conforme o caso. Verifica-se assim que, no primeiro caso, o
tempo de prisão foi maior. Mas é preferível assim a adotar-se um calendário
especial para o direito penal. Haveria muita confusão.

O ano é contado até o mesmo mês do ano seguinte, terminando o


prazo às 00:00h da véspera do dia idêntico ao do início.

Exemplo: Uma pena de 05 anos que teve início às 17 horas do


dia 10 de janeiro de 1995, terminará as 00:00 horas do dia 09 de janeiro de
2000.

FRAÇÃO NÃO COMPUTÁVEL DA PENA

Diz o artigo 11, CP: “Desprezam-se, nas penas privativas de


liberdade e nas restritivas de direitos, as frações de dia, e, na pena de
multa as frações de cruzeiro”.

O dispositivo contém três regras:

28 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

a) Desprezam-se, nas penas privativas de liberdade, as frações de dia, que


são as horas.

Exemplo: Uma pena base fixada pelo juiz em 20 dias, aumentada de 1/3,
totalizaria 26 dias e 16 horas de detenção. Face o disposto no artigo 11,
CP, será apenas de 26 dias. A fração de horas será desprezada.

b) Desprezam-se, nas penas restritivas de direitos, as frações de dia. Essa


previsão é desnecessária. A pena restritiva de direito é substituta da pena
privativa de liberdade. O juiz já desprezou a fração de dia ao fixar a pena
privativa de liberdade substituída pela restritiva de direitos.

c) Desprezam-se, na pena de multa, as frações de cruzeiro. Atualmente


frações de real. São os centavos. A pena de multa é fixada em duas fases.
Na primeira, de acordo com o artigo 49, CP, o juiz fixa a quantidade de dias
multa que varia entre 10 e 360 dias multa. Na segunda, estabelece o valor
de cada dia multa que varia de 1/30 do salário mínimo, a até 5 vezes, esse
salário ( artigo 49, § 1º, CP ).

Na fixação da quantidade de dias-multa, o juiz aplica a regra que


manda se desprezem as frações de dia: Ao fixar o valor, se for o caso,
despreza as frações de real (centavos). Exemplo: Juiz condena a uma pena
de 10 dias, e multa a qual deve ser aumentada em razão de uma
circunstância em 1/6. Ora, uma pena de 10 dias-multa acrescida de 1/6,
restará 11 dias e frações de horas. Neste caso o juiz suprime a fração de
horas, restando 11 dias-multa. Suponha-se que o salário mínimo possua o
valor de R$ 350,00, e o juiz fixou o valor de cada dia-multa em 1/30 do
valor desse salário. 11 x 1/30 de R$ 350,00, dará número fracionário. Pois
bem: o juiz também aqui deve desprezar as frações de real, fixando valor
redondo. Se o resultado for R$ 128,90, deve ser mantido R$ 128,00; não
arredondá-lo para R$ 129,00.

LEGISLAÇÃO ESPECIAL

Estabelece o artigo 12, do Código Penal: “As regras gerais deste


código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não
dispuser de modo diverso”.

As leis Especiais existem para complementar o Código Penal. O


código não abrange todos os delitos. Mas ele é a base do Sistema Penal. É
a Lei Penal Fundamental.

A ele aglutinam-se todas as leis especiais, visto que estas sofrem


a incidência de suas regras gerais. As regras gerais do Código Penal estão
previstas na sua parte geral (artigos 1º ao 120). Também na sua parte
29 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

especial são encontradas normas não incriminadoras de caráter genérico:


Artigos 327, 150, §§ 4º e 5º, 297, § 2º. No primeiro caso fica-se sabendo o
que é “funcionário público” para efeitos penais; no segundo “casa” e o que
não é “casa”; no último o conceito de “documento público”. Exemplo: O
artigo 14, II, CP, diz quando uma infração restará tentada. Essa regra é
válida para qualquer delito previsto ou não no Código Penal. Basta que
referida infração comporte tentativa, em tese. Contudo, a LCP, no seu
artigo 4º, diz que “não é punível a tentativa de contravenção”. Cuida-se,
portanto, de disposição prevista em lei especial. Prevalece sobre a regra
geral contida no art. 14, II, CP. Não significa que no plano factual não
pudesse ocorrer tentativa de contravenção. Apenas a lei das contravenções
penais, que é lei especial, entendeu de não punir a tentativa.

Todavia, a própria LCP não trata do concurso de pessoas,


concurso de infrações, agravantes, atenuantes, etc. Nestes casos aplicam-
se as regras do Código Penal que tratam do tema às contravenções penais.
O critério é o mesmo para todas as leis penais especiais: lei de abuso de
autoridade, código de trânsito, lei de tóxicos, etc.

TEORIA GERAL DO CRIME

INTRODUÇÃO:

Para se entender o fenômeno crime, é necessária a formação de


uma teoria que nos possibilite, estratificadamente, identificá-lo. A fórmula
apresentada pela lei de introdução ao Código Penal no seu artigo primeiro,
também denominada de “teoria formal” do crime não é satisfatória. Por
igual não atende os anseios do estudioso a chamada “teoria material” do
crime. Para seus defensores, “crime é a violação da norma a que
corresponde uma sanção penal”.

Depois de muito esforço, chegou-se à denominada “teoria


analítica do crime”.

Para esta teoria (a que melhor propicia um estudo sistemático


deste fenômeno), crime é o fato típico, e antijurídico (Damásio, Mirabete
e outros), ou fato típico, antijurídico e culpável (Doutrina Majoritária):

Efetivamente, quando o juiz, o promotor de justiça, o defensor, ou


seja, quem for se encontram diante da necessidade de determinar se existe
em um caso concreto, como por exemplo, a conduta de um sujeito que se
apoderou de uma jóia em uma joalheria, incubindo-lhe averiguar se essa
conduta constitui ou não delito, a primeira coisa que deve saber é que
caráter deve apresentar uma conduta para ser considerada delito.

30 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Pode argumentar-se que é delito a conduta do sujeito em


questão, porque se ajusta ao preceituado no art. 155 do CP, mas pode
suceder que apesar de ajustar-se a esta disposição, no caso concreto, o
sujeito tivesse se apoderado da jóia por engano, ou porque necessitava de
dinheiro para a cirurgia de seu filho que corria perigo de vida, ou que a jóia
fosse sua e acreditasse que pertencia ao joalheiro, ou que a tivesse tomado
para ameaçar o joalheiro de que a destruiria se não lhe entregasse uma
carta comprometedora com que este vinha lhe extorquindo dinheiro. Em
qualquer destas hipóteses, igualmente terá que dar uma resposta: o sujeito
cometeu um delito ou não cometeu nenhum delito?

Para dar esta resposta, será imprescindível saber que


características devem ter um delito (aspecto positivo) como primeiro e
indispensável passo para poder averiguar se, em cada uma dessas
hipóteses, de fato falta um caráter delitivo (aspecto negativo) ou não chega
a faltar.

Tudo isto nos indica que, para averiguar se há delito em um caso


concreto, teremos que nos formular uma série de perguntas, ou seja, não
basta nos perguntar “houve delito”? Essa interrogação deve ser
decomposta em um certo número de perguntas. Estas perguntas e suas
respectivas respostas devem ocorrer numa certa ordem, porque não tem
sentido que perguntemos algumas coisas quando ainda não respondemos
outras.

Vimos que as perguntas, a que devemos responder para saber se


em cada caso concreto houve delito, são várias. Não conseguimos nada se
pretendemos resolver tudo com uma única resposta a uma única pergunta
(há delito?). Daí ser necessário que as perguntas tenham que ser a
conseqüência de uma análise em que seja imperioso proceder por passos
sucessivos.

Quando queremos averiguar se o que temos diante de nós é uma


zebra, antes devemos dispor de conceito geral de zebra, isto é, do conjunto
de caracteres que deve ter um ente para ser qualificado de “zebra”.
Supondo que este conceito geral fosse o de “cavalo listrado”, primeiro nos
perguntaríamos se o ente que vemos é um animal, e, só no caso de uma
resposta afirmativa, nos perguntaríamos se reúne as características do
conceito “cavalo” e, depois, também só no caso da resposta ser afirmativa,
nos perguntamos se seu pêlo apresenta listras de cor mais escura. Não
fará sentido que nos perguntemos se um pato (que não responde ao
conceito cavalo) ou uma pedra (que não responde ao conceito animal) tem
pêlo com listras de cor mais escura.

Deve ficar bem claro que, quando afirmamos que o conceito ou a


explicação que damos do delito é estratificado, queremos dizer que se
31 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

integra em vários estratos, níveis ou planos de análise, mas isto de


nenhuma maneira significa que o estratificado seja o delito: o
estratificado é o conceito que do delito obtemos por via da análise.

Quando dizemos que a zebra é “um cavalo listrado”, teremos um


conceito estratificado: será “zebra” o ente que seja – antes de tudo – um
“animal” (caráter genérico), que, além disso, seja “cavalo” e que seu pêlo
sempre apresente listras de cor mais escura (caracteres específicos). O
“estratificado” será, pois, o conceito de zebra, mas não a zebra. Assim, uma
zebra não se “compõe” da soma de um animal, um cavalo e umas listras;
estes não são elementos da zebra, e sim de seu conceito obtido
analiticamente. A zebra é uma unidade; os planos não estão na zebra, e
sim na sua análise, da qual obteremos o conceito.

Com o delito acontece o mesmo. O que haveremos de enunciar


serão suas características analiticamente obtidas, formando diversos
planos, níveis ou estratos conceituais, mas o delito é uma unidade e não
uma soma de “componentes”.
Quando queremos averiguar o que é “delito” (isto é, quais são
as características que deve ter um fato para ser considerado delito),
necessariamente devemos buscar a resposta no Código Penal. Ainda
sem necessidade de abrir o Código Penal, sabemos que os delitos não
podem ser outra coisa que condutas humanas, pois carece hoje de
sentido falar de “delitos” que não sejam condutas humanas.

Afirmando que o delito é a conduta de um homem, sabemos que,


entre uma infinita quantidade de condutas possíveis, somente algumas são
delitos. Para poder distinguir as condutas que são delitos daquelas que não
são, recorremos à Parte Especial do Código Penal (arts. 121 em diante),
onde dispositivos legais descrevem – assim afirmamos provisoriamente –
as condutas proibidas a que se associa uma pena como conseqüência.
Não haverá delito, pois, quando a conduta de um homem não se ajuste a
algum destes dispositivos.

Quando uma conduta se ajusta a algum dos tipos legais, dizemos


que se trata de uma conduta típica ou, o que é o mesmo, que a conduta
apresenta a característica de TIPICIDADE.

Não obstante, somente com a característica da tipicidade não se


individualiza suficientemente a espécie delito, porque à medida que lemos
atentamente o texto nos apercebemos de que nem toda conduta típica é
um delito, posto que nos arts. 13 a 28 há casos em que não há delito
porque não há conduta (coação irresistível), (inconsciência), outros em que
não há delito porque não há tipicidade (algumas hipóteses de erro,
cumprimento de dever jurídico), em que pese haver conduta típica.

32 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Com efeito, se reparamos nas hipóteses enumeradas no art. 23


(artigo que é necessário memorizar) vemos que operam permissões para
a realização de ações típicas. São os casos de estado de necessidade (art.
23, I), de legítima defesa (art. 23, II) e de estrito cumprimento do dever legal
ou exercício regular de direito (art. 23, III). Tecnicamente, dizemos que em
todos estes casos opera uma causa de justificação que exclui o caráter
delitivo da conduta típica.

Quando a conduta típica não está permitida, diremos que, além


de típica, será também contrária à ordem jurídica considerada como
unidade harmônica, porque de nenhum de seus preceitos surge uma
permissão para realizá-la. Esta característica de contrariedade à ordem
jurídica funcionando como conjunto harmônico – que se comprova pela
ausência de permissões – chamaremos de antijuridicidade e dizemos que a
conduta é, além de típica, antijurídica.

Conseqüentemente, para que haja delito, não será suficiente que


a conduta apresente a característica da tipicidade, mas se requererá que
apresente também um segundo caráter específico: a ANTIJURIDICIDADE.

Apesar disso, se lermos novamente o disposto nos arts. 13 a 28


do CP, veremos que há hipóteses das quais que se deduz que nem toda
conduta típica e antijurídica é um delito, porque se referem a condutas que
são claramente típicas, para as quais ninguém pode razoavelmente dizer
que há uma permissão e, no entanto, ainda assim não constituem um
delito. Por exemplo, aquele que por sua incapacidade psíquica não pode
compreender a antijuridicidade de seu ato (o vulgarmente chamado
“louco”), não comete um delito, mas sua conduta é típica e não se encontra
amparada por nenhuma causa de justificação (porque o louco – pelo mero
fato de ser louco – não tem “permissão para matar”). O “louco” realiza uma
conduta típica e antijurídica, que não é delito.

Na doutrina, chamamos a conduta típica e antijurídica um


“injusto penal”, reconhecendo que o injusto penal não é ainda delito, e
sim que, para sê-lo, é necessário que seja também reprovável, isto é, que o
autor tenha tido a possibilidade exigível de atuar de outra maneira, requisito
que não se dá, por exemplo, na hipótese do “louco” (de quem, em razão de
sua incapacidade psíquica, não se pode exigir outra conduta). Esta
característica de reprovabilidade do injusto ao autor é o que denominamos
CULPABILIDADE e constitui a terceira característica específica do delito.
Desta forma esquemática construímos o conceito de delito como conduta
típica, antijurídica e culpável.

Esta definição do delito como conduta típica, antijurídica e


culpável nos dá a ordem em que devemos formular as perguntas que nos
servirão para determinar, em cada caso concreto, se houve ou não delito.
33 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Em primeiro lugar, devemos perguntar se houve conduta, porque se falta o


caráter genérico do delito então nos encontramos diante de uma hipótese
de ausência de conduta e não cabe formular qualquer outra pergunta.

Se estivermos lidando com uma conduta típica, caberá então


indagarmos se esta conduta é antijurídica, porque, em caso negativo, não
tem sentido perguntar-se pela culpabilidade, visto que o direito não se
ocupa da reprovabilidade das condutas que não são contrárias a ele (que
estão justificadas).

Somente quando temos uma conduta típica e antijurídica (um


injusto) é que tem sentido perguntar se esta conduta é reprovável ao autor,
isto é, se é culpável. Nos casos de inculpabilidade, o injusto não é delito.

Esta exposição igualmente abarcará, é claro, os casos em que


estas características estão ausentes e, portanto, em que não há delito (o
chamado “aspecto negativo” do delito: ausência de conduta, atipicidade,
justificação e culpabilidade).

Esta é a Teoria do Crime, exposta por Eugênio Raul Zaffaroni e


José Henrique Pierangeli, que adotaremos nestas notas de aula como
orientação, embora adaptando-a ao nosso próprio pensar. No passado,
com Damásio, tinha-mos o crime como fato típico e antijurídico. Mudamos,
entendendo que a culpabilidade também integra o crime.

Crime é um fato jurídico. Não há distinção no direito brasileiro


entre crime e delito.

Conceito: Para a teoria preponderante no país, o crime é


integrado pelo fato típico, pela antijuridicidade e culpabilidade. É o
conceito analítico, estratificado de crime ou delito, que adotamos, bem
como, a maioria da doutrina e jurisprudência. Ou seja: não há crime sem
culpabilidade.

Para alguns doutrinadores, contudo, o crime é integrado pelo fato


típico e pela antijuridicidade. A culpabilidade deixa de integrar o crime
para figurar como juízo de reprovação: ou seja, pressuposto de aplicação
da pena (Damásio, Mirabete etc.). Não concordo, com a maioria da doutrina
e jurisprudência: crime é o fato típico, ilícito, culpável.

Sumarizando:

1. “Para que haja crime, em primeiro lugar, é necessário a existência de um


fato produzido por uma conduta humana ( positiva – ação, ou negativa –
omissão). Não pode ser qualquer fato: há que estar previsto em um tipo
penal . Primeiro requisito do crime, portanto, é o fato típico. O segundo
34 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

requisito do crime é a antijuridicidade. Todo fato típico, em principio, é


antijurídico. O ônus de provar que a sua conduta não foi antijurídica (agiu
acobertado por uma das excludentes do art. 23) cabe ao autor. Podemos
então afirmar: “O fato típico, também será antijurídico, salvo prova em
contrário”. O terceiro requisito do crime é a culpabilidade. A culpabilidade
é pessoal, incomunicável. Estudaremos cada um dos requisitos do crime,
estratificadamente, separadamente.”

Nas próximas páginas tentaremos fazer esta análise sob a ótica


dos que compreendem o crime como sendo o fato típico, antijurídico e
culpável, entendimento que adotamos, denominados elementos ou
requisitos do crime. Pessoalmente, cremos mais adequada a referência
que prefere a expressão requisitos, haja vista que o crime é uno.

Passemos então à análise de cada uma das características que


compõem o fenômeno crime, começando pelo fato típico.

Antes, porém, vejamos algumas classificações doutrinárias dos


crimes, as quais no decorrer destas notas de aula procurarão explicar
melhormente.

A título de informação outras teorias existem na doutrina acerca


do conceito analítico – formal de delito que serão aqui sumariamente
expostas:

1. Um fato típico e antijurídico, sendo a culpabilidade apenas


um pressuposto de aplicação da pena (principais
expoentes: René Ariel Dotti, Damásio de Jesus, Julio
Fabbrini Mirabete, Celso Delmanto, dentre outros).
2. Um fato típico, antijurídico, culpável e punível (principais
defensores: Basileu Garcia, Muñoz Conde).
3. Um fato típico e culpável, estando à antijuridicidade ínsita
ao próprio tipo (Miguel Reale Júnior, entre outros adeptos
da teoria dos elementos negativos do tipo).
4. Um fato típico, antijurídico e punível, sendo a culpabilidade
a ponte que liga o crime à pena (principal articulador Luiz
Flávio Gomes).

Última observação: TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO


DELITO (DOUTRINADOR LUIZ FLÁVIO GOMES).
Pensamento literal do doutrinador publicado na Revista IOB de
Direito Penal e Processual Penal em maio de 2006.

“Com a teoria constitucionalista do delito (TCD) que estamos


subscrevendo, o fato formal e materialmente típico é composto
de um aspecto formal-objetivo (quatro primeiro requisitos),
35 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

outro normativo (quinto requisito) e um subjetivo (sexto


requisito). Para que haja fato típico requer-se 1º) conduta
humana voluntária (realização formal ou literal da conduta
descrita na lei; concretização da tipicidade formal); 2º)
resultado naturalístico (nos crimes materiais – exemplo:
homicídio; 3º) nexo de causalidade (entre a conduta e o
resultado naturalístico); 4º) relação de tipicidade (adequação
do fato à letra da lei); 5º) resultado jurídico desvalioso, que
implica uma ofensa: a) objetivamente imputável à conduta
( leia-se: criação ou incremento de um risco proibido
penalmente relevante e objetivamente imputável à conduta); b)
concreta ou real ( lesão ou perigo concreto ao bem jurídico); c)
transcendental ( afetação de terceiros); d) grave ( significativa);
e) intolerável; e f) objetivamente imputável ao risco criado pelo
agente ( imputação objetiva do resultado jurídico): 1. conexão
direta do resultado jurídico com o risco proibido criado ou
incrementado; 2.que esse resultado esteja no âmbito de
proteção da norma; 6º) Nos crimes dolosos, ainda se faz
necessária a imputação subjetiva.

Traduzindo essa complexa criação doutrinária:


No sistema da teoria constitucionalista do delito, a tipicidade
penal exige, além da subsunção formal da conduta (tipicidade
formal-objetiva), a efetiva lesão ou perigo concreto de lesão ao
bem jurídico protegido, a criação ou incremento de um risco
proibido relevante, assim como a imputação objetiva desse
resultado.

CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA DOS CRIMES

CRIME MATERIAL: Todo crime possui resultado de acordo com a TEORIA


NORMATIVA DO RESULTADO; somente os crimes materiais, aduzem os
defensores da TEORIA NATURALÍSTICA DO RESULTADO. Defendemos que todo
crime possui resultado. Alguns, a exemplo do crime de homicídio — art.
121, CP — a lei exige um resultado determinado sobe pena de não haver
consumação: no exemplo acima, a lei exige que a conduta tenha causado a
morte de alguém. São os denominados crimes materiais.

CRIME FORMAL: Outras vezes, a lei descreve a conduta, individualizando-a


mediante um verbo que torna a própria ação inseparável do resultado
(alteração Física do membro exterior) : o crime de estupro por exemplo,
reclama que o sujeito ativo tenha “conjunção carnal”— art. 213, CP. O “ter
36 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

conjunção carnal” está implícito no resultado de “haver penetrado”. Não se


pode separar o resultado da conduta. São os denominados crimes
formais.

CRIME DE MERA CONDUTA: Finalmente, em outras ocasiões, a lei limita-se a


descrever a conduta típica, admitindo qualquer resultado que afete o bem
jurídico, como ocorre, v.g., no crime de violação de domicilio – art. 150,
caput, CP. Aqui não importa o efeito causado pela violação. São os
denominados crimes de mera conduta.

CRIMES INSTANTÂNEOS: são aqueles cujo resultado fica logo definido e


encerrado a partir de certo instante, como no furto, por exemplo, que se
consuma e termina com a subtração art. 155, CP.

CRIMES PERMANENTES: são aqueles em que a consumação, embora já


realizada, continua acontecendo e se renovando sem fim, prolongando-se
no tempo. Ex.: seqüestro: Consuma-se com o arrebatamento da vítima,
prolongando-se o processo consumativo indefinidamente, até a libertação
da mesma, art. 159, CP. Enquanto durar, não ocorre prescrição — art. 111,
III, CP. Pode ser efetuada prisão em flagrante.

CRIMES INSTANTÂNEOS DE EFEITOS PERMANENTES: se as conseqüências do


crime instantâneo são duradouras e não podem ser alteradas pelo próprio
agente, fala-se em crime “instantâneo de efeitos permanentes”. Ex.:
homicídio – art. 121, CP. Bigamia – art. 235, CP. Aqui, o agente não pode
reparar o dano por já ser casado.

CRIMES SIMPLES: segundo Nelson Hungria e Francisco de Assis Toledo: “É


simples o crime que se identifica com um só tipo legal.” Ex..: lesão corporal
– art. 129. Crimes simples são ainda as formas básicas dos delitos, como no
art. 121, caput, (homicídio simples).

CRIMES QUALIFICADOS: são crimes em que a Lei acrescenta alguma


circunstância que agrava a sua natureza , elevando os limites da pena. Não
surge a formação de um novo tipo penal, mas apenas uma forma mais
grave de ilícito. Ex.: art. 121, § 2º , I – homicídio qualificado. Art. 155, § 4 º.

CRIMES SECUNDÁRIOS OU DERIVADOS: dependem da existência dos


chamados CRIMES PRESSUPOSTOS. Ex.: Receptação – art. 180 (necessário
furto, roubo, estelionato, peculato, etc. ). Favorecimento pessoal – art. 348.
Favorecimento real – art. 349. Uso de documento falso – art. 304, etc.

CRIME VAGO: é aquele em que o sujeito passivo é uma coletividade sem


personalidade jurídica, como a família, o público ou a sociedade. O correto
seria dizer: sujeito passivo vago ou indefinido e não crime vago. O crime não
é vago. Ex. Ato obsceno – art. 233, art. 273, art. 209, art. 210 etc.
37 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

CRIMES PRIVILEGIADOS: são aqueles em que o acréscimo de uma


circunstância ao tipo básico serve para diminuir a pena, como no art. 121, §
1º , do CP.

CRIME PROGRESSIVO: é aquele cujas etapas anteriores também constituem


crimes, como no homicídio em relação às lesões corporais, que são por este
absorvidas.

PROGRESSÃO CRIMINOSA: Há progressão criminosa quando o agente pratica


um crime e depois, em nova resolução, resolve praticar outro mais grave,
como lesões corporais – art. 129, e homicídio – art. 121, ou lesões – art.
129, e estupro – art. 213, CP.

CRIMES HABITUAIS: são os que exigem habitualidade, com a reiteração


seguida da conduta, como no crime de exercício ilegal da medicina – art.
282, CP, ou no crime de manutenção de casa de prostituição – art. 229, CP.
Não comportam tentativa.

CRIME PROFISSIONAL: é qualquer delito praticado por aquele que exerce uma
profissão utilizando-se dela para a atividade ilícita. Ex.: O aborto praticado
por médicos ou parteiras; O furto qualificado com chave falsa ou
rompimento de obstáculo praticado por serralheiro, etc. Não se deve
confundir o crime profissional com criminoso profissional ou habitual, que
pratica o crime como se exercesse uma profissão (pistoleiro, por exemplo).

CRIME EXAURIDO: ocorre quando, após a consumação, o agente leva-o a


conseqüências mais lesivas. Ex.: o recebimento do resgate no crime de
extorsão mediante seqüestro – art. 159, CP – exaure o delito que se
consumara com a subtração da vítima. O exaurimento não integra o iter
criminis, que se esgota com a consumação.

CRIME UNISUBSISTENTE: O crime unisubsistente realiza-se com apenas um


ato, ou seja, a conduta é una e indivisível. Não comportam tentativa. Ex.:
Injúria (verbal ) – art. 140, ameaça (verbal) – art. 147, uso de documento
falso – art. 304, etc. Tais crimes não permitem o fracionamento da conduta.
Por isso é inadmissível a tentativa.
CRIME PLURISSUBSISTENTE: o crime plurissubsistente, ao contrário, é
composto de vários atos que integram a conduta ou seja, existem fases que
podem ser separadas, fracionando-se o crime. São a grande maioria dos
delitos. Ex.: Homicídio – art. 121, CP. Furto -- art. 155, CP. Roubo – art. 157,
CP, etc. Em regra comporta a forma tentada.

CRIME COMPLEXO: são aqueles que sofrem a fusão de mais de um tipo. Ex..:
Roubo – art. 157, CP, no qual se fundem o constrangimento ilegal – art. 146,
CP, e a subtração – art. 155, CP e eventualmente, lesões corporais leve –
38 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

art. 129, caput, CP. Os crimes complexos são em geral pluriofensivos por
lesarem ou exporem a perigo de lesão mais de um bem juridicamente
tutelado. Assim, no roubo atinge-se a um só tempo o patrimônio, através da
subtração; a liberdade individual, por meio do constrangimento ilegal; ou a
integridade física, por meio de lesões corporais.

CRIME COMUM: (Francisco de Assis Toledo): Crime comum seria aquele


delito em que o agente do fato pode ser qualquer pessoa, não uma classe
determinada de autores. (Pela CF, art. 52, I e II e 102, I, “b”, v. g., crime
comum seria aquele diverso do crime de responsabilidade. Contudo,
não é este conceito que nos interessa aqui).

Crime próprio: São os que exigem do agente uma determinada qualidade,


como a de mãe, no infanticídio, ou de funcionário público, no peculato. O
tipo penal limita o circulo do autor , que deve encontrar-se em uma
determinada posição juridica, como funcionário público, etc. Ex..: Art. 312 e
seguintes; Art. 269 – Médico, Art. 123 – Mãe da vítima, Art. 246 – Pai e mãe.

Crime próprio de mão própria: os crimes de mão própria (ou de atuação


pessoal) diferem dos crimes próprios. O crime próprio pode ser cometido
valendo-se o agente da terceira pessoa para executá-lo. No crime de mão
própria ninguém pode praticá-lo por intermediário de outrem. No crime
próprio pode haver co-autoria e participação; no crime de mão própria só
cabe participação, nunca co-autoria. Ex.: Falso testemunho – art. 342,
Adultério – art. 240, Estupro incestuoso – art. 213 c/c 226 , II, Deserção –
art. 187, do CPM, etc.

Crime principal: Os crimes principais independem de delito anterior. Ex.:


Lesão corporal, art. 129, CP, etc.

Crime acessório: Os crimes acessórios, como a denominação indica,


sempre pressupõem a existência de uma infração penal anterior, à ela
ligada pelo dispositivo penal que, no tipo, faz referência àquela.
Ex.: Receptação – Art. 180, CP; Favorecimento Pessoal – art. 348, CP,
art. 304, etc. Estes delitos necessitam para sua existência, da existência
anterior de outro crime.

Crimes remetidos: são os tipos penais que fazem expressa remissão a


outros: Ex: uso de documento falso (art. 304), que remete aos delitos
previstos nos arts. 297 a 302 do Código Penal.

Crimes condicionados: são os que dependem do advento de uma


condição qualquer, prevista no tipo (interna) ou não (externa), para se
configurarem. Ex.: o delito de induzimento, instigação ou auxílio ou suicídio
depende do advento do suicídio ou, em caso de tentativa de suicídio, da

39 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

ocorrência de lesões graves para a vítima (art. 122. CP). Importante: NÃO
ADMITEM TENTATIVA.

Crimes de atentado ou de empreendimento:


São os delitos que prevêem, no tipo penal, a forma tentada equiparada à
modalidade consumada. Atente para o art. 352 do CP.

FATO TÍPICO

1. A conduta ou ação: A respeito da conduta ou ação desenvolveram-


se várias teorias sendo que sobresaem-se duas:

Teoria naturalística ou causalista: Para esta escola, basta que o


comportamento seja voluntário (não pode ser reflexo). Esta corrente
considera a ação humana um processo mecânico regido pelas leis
da causalidade. Não se indaga neste momento (apreciação do Fato
Típico), se era a intenção do agente, por exemplo, “matar alguém”.
Esta análise será efetuada por ocasião da verificação da
culpabilidade, eis que o dolo e a culpa, de acordo com o causalismo,
não estão inseridos no fato típico, mas na culpabilidade. A pergunta
seria: Fulano foi o causador da morte de Beltrano? Se a resposta for
sim, o fato será típico, se presentes os demais elementos.

Teoria finalista: Para esta escola, ao contrário do causalismo, ação


é atividade psiquicamente dirigida. Teleologicamente orientada para
a consecução de fins pré-determinados. É preciso verificar, desde
logo, se a conduta tinha ou não, como fim, a realização do fato
típico. Não se trata ainda de um “fim culpável”. Mas de um “fim
típico”. Para o finalismo, o dolo e a culpa estão inseridos na conduta,
primeiro elemento do fato típico. A pergunta seria: Fulano quis
matar Beltrano? Se a resposta for sim: fato típico. Ou então : Fulano,
embora não querendo matar Beltrano, conduziu-se com as cautelas
objetivas devidas ? Se a resposta for não: também haverá fato típico.

Assim, se alguém, supondo estar atirando em um animal, termina por


matar um homem, confundindo com aquele, de acordo com o
finalismo, não terá praticado um “fato típico” eis que não teve a
consciência de “estar matando alguém”. Não agiu com dolo ou culpa.
Como o dolo no finalismo está inserido na ação, primeiro elemento do
fato típico, ausente aquele, ou o fato torna-se atípico, ou poderá,
conforme o caso, resultar em culpa, se o indivíduo não tomou as
cautelas de praxe, agindo com “imprudência” , “negligência” ou
“imperícia”.
40 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Já para a escola Causalista, no mesmo exemplo, o indivíduo teria


agido sem culpabilidade. Para esta escola, o dolo e a culpa estão
alojados na culpabilidade. Também não haveria crime. (Para
Damásio haveria o crime. Para ele a culpabilidade não integra o
crime como um de seus requisitos).

Os que defendem a teoria causalista, diz Damásio, “... não poderiam,


por exemplo, falar em tipo culposo, eis que estando o dolo e a culpa
na culpabilidade, somente no exame da culpabilidade é que seriam
distinguidos. Isso significa, de um ponto de vista processual, que
somente na sentença que absolvesse o réu, poderia ser reconhecido
a existência de crime culposo por ausência de previsão legal, v.g.,
um dano culposo, que não é previsto na norma penal.”

Prossegue Damásio “... qual juiz receberia uma denúncia, que por
exemplo, descrevesse um inequívoco furto culposo, não previsto
em lei (alguém que por comprovado equívoco, mas com negligência,
apanhasse um objeto alheio, e o levasse para casa?) Concordo
plenamente com Damásio. Só não concordo quando ele afirma que
a culpabilidade não integra o crime. Também não concordo quando
ele afirma que esta análise só seria efetuada na sentença que
absolvesse o réu. É exagero. Nada impediria que tal juízo fosse
exercido por ocasião do oferecimento da denúncia pelo promotor, ou
por ocasião do seu recebimento pelo juiz.

RESUMINDO O EX. N. º 1:

Finalismo: o fato seria atípico. Não haveria crime.


Causalismo: O fato seria inculpável. Também não haveria crime.

Já a culpa que também integra o fato típico no finalismo, a finalidade da


ação desenvolvida pelo agente é lícita (atípica).

O fato se tornará típico pela ausência das cautelas devidas. Suponha o


exemplo anterior, e figure que o local onde o caçador pretendia atirar no
animal havia homens trabalhando ao derredor e tal circunstância era de seu
conhecimento, não tomando ele as cautelas devidas antes de efetuar o
disparo. Vindo a matar alguém, estaremos diante de um homicídio culposo.

A finalidade do agente no exemplo, era lícita (caçar), portanto atípica.


Quando ele não tomou as cautelas devidas, matando alguém
acidentalmente, sua conduta passou a ser típica (portanto ilícita). Dizemos
que a finalidade “caçar” era lícita, se o caçador estivesse autorizado, pois
caso contrário teria cometido, em princípio, delito ambiental (Lei 9.605/98).
41 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Características da conduta:

Só o homem pode realizar uma conduta. O animal pode, quando muito, ser
instrumento do crime. A criminalização da pessoa moral (Lei 9.605/98, Art.
3º e § Único), dependerá sempre de uma conduta humana.

Só a conduta voluntária interessa ao direito penal.


Só os atos projetados no mundo exterior ingressam no conceito de
conduta. A simples cogitação (querer interno) não é conduta.

Elementos da conduta:

Ato de vontade dirigida a um fim.


Manifestação da vontade no mundo exterior por meio de uma ação ou
omissão dominável pela vontade (culpa), ou dominada (dolo).

NÃO HÁ DELITO SEM CONDUTA:

Pierangeli e Zaffaroni assim esclarecem a afirmação supra: “o direito


pretende regular conduta humana, não podendo ser o delito outra coisa
além de uma conduta. O princípio” nullum “crimen sine conducta” é uma
garantia jurídica elementar. Se fosse eliminado, o delito poderia ser
qualquer coisa, abarcando a possibilidade de penalizar o pensamento, a
forma de ser, as características pessoais etc. Finalizam seu entendimento
afirmando “ a base do delito é a conduta”.

TEORIA DA AÇÃO SIGNIFICATIVA:

Surgiu com o pensamento de Wittgenstein e Jürgen Habermas e sendo


posteriormente finalizado por Vives Antón, esta teoria aponta para uma
nova direção do conceito de conduta penalmente relevante.
Consoante esta teoria somente se pode perquirir se houve ação humana
quando se puder relacioná-la a determinado tipo penal incriminador
(quaisquer dos tipos previstos na parte especial ou legislação extravagante)
Apenas quando coexistir a reunião dos requisitos exigidos pela norma
penal tipificadora teremos o significado jurídico do que denominamos de
homicídio, furto, receptação, etc.
A concepção significativa da ação sustenta fundamentalmente que os fatos
humanos somente podem ser compreendidos por meio das normas, ou
seja, as normas devem ser prévias às ações, o significado da ação existe
essencialmente em virtude das normas.
Cezar Roberto Bitencourt fornece um exemplo definitivo sobre esta teoria,
vejamos: “não existe ação de impedimento (na linguagem futebolística),
42 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

sem que antes exista uma norma regulamentar que defina o que é
impedimento”.
Continuando na lição do ilustre penalista “ primeiro são as normas ( regras)
que definem o que entendemos socialmente por esta ou aquela ação, a
partir daí então, segundo estas regras, podemos identificar que matar
constitui um homicídio e assim por diante”.

Ausência de conduta:

Movimentos reflexos que consistem numa reação motora (muscular) ou


secretora (glandular). Ex. espirro, tosse, etc.
Comportamento realizado em completo estado de inconsciência
(sonambulismo, hipnose); a embriaguez não afasta a conduta (artigo 28, II,
CP).
Coação física irresistível.
Caso fortuito ou força maior que são acontecimentos imprevisíveis e
inevitáveis.
Erro de tipo essencial escusável – art. 20, CP.
O conceito de ação na concepção finalista cumpre uma função limitadora,
excluindo todo o movimento corporal excluindo todo movimento corporal ou
toda atividade passiva que não se subsumam ao conceito de ação ou
omissão, que ficam excluídos do âmbito do direito penal.

Formas de conduta:

Ação: atuação positiva de fazer.


Omissão: pode ser própria ou imprópria.
Própria: A conduta omissiva é descrita no próprio tipo penal. Ex. omissão
de socorro (art. 135), abandono material (art. 244), abandono intelectual
(art. 246), omissão de notificação de doença contagiosa (art. 269).
Consuma-se com a simples omissão independentemente de qualquer
resultado. O resultado está embutido na própria conduta omissiva.
Imprópria: A tipicidade consiste na violação do dever jurídico de impedir o
resultado. O omitente responde por não impedir o resultado embora
pudesse. O artigo 13, § 2º, “a”, "b" e "c", diz quem tem o dever jurídico.

Quem deixa de prestar socorro à criança que a mãe se recusa a


amamentar causando-lhe a morte, responde pelo delito de omissão de
socorro (CP, art. 135), já que viola o dever genérico de solidariedade
humana, ao passo que a mãe comete crime de homicídio (CP. Art. 121)
porque infringe o dever específico de evitar a morte do filho. ( Art. 13, § 2º,
“2”, CP ). Naturalmente aqui presume-se que ambos tinham condições de
alimentar a criança não o fazendo.

2. RESULTADO:
43 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Já foi dito que não há crime sem conduta. Todavia, nos denominados
delitos materiais, o aperfeiçoamento do crime depende ainda da ocorrência
de determinado resultado naturalístico previsto no tipo penal. De acordo
com o artigo 13, CP, todo crime possui resultado consistente no dano ou
perigo de dano ao bem jurídico. Nos denominados crimes materiais o
legislador diz qual o resultado que é exigido. Ex. No homicídio: a morte, etc.

Duas teorias ganharam destaque: A normativa e naturalística.

Teoria Normativa do Resultado: Para os defensores desta teoria toda


conduta tem uma manifestação no mundo físico; esta manifestação no
mundo físico é uma alteração que se opera nele. Antes da conduta, as
coisas estavam num estado diferente daquele que se encontravam depois
da conduta. Antes de acender um cigarro, o fósforo não estava queimado;
antes de falar, as ondas não haviam transmitido meus sons e não haviam
provocado uma reação no tecido nervoso do ouvinte; antes de sentar-se
não havia descolocado uma certa massa de ar que agora ocupa um outro
lugar.

O legislador sabe que cada conduta causa uma mudança no mundo


externo.

O resultado é um iniludível fenômeno físico que acompanha toda conduta:


não há conduta sem resultado.

O legislador encontra-se em frente à tarefa de individualizar as condutas


com os tipos. Para fazê-lo, às vezes se vale da exigência de um resultado
determinado: art. 121: requer que a conduta tenha causado a morte do
sujeito passivo. Outras vezes individualiza a conduta mediante um verbo
em que a própria ação se torna inseparável do resultado (da alteração
física): o tipo de estupro reclama que o sujeito ativo “tenha conjunção
carnal”( art. 213). O “ter conjunção carnal” está implícito no resultado de
“haver penetrado”, não se pode separar o resultado da ação. Por último, em
outras ocasiões, limita-se a descrever a conduta, admitindo qualquer
resultado que afete o bem jurídico, como ocorre na ameaça tipificada
somente com o “ameaçar alguém”(art. 147 do CP): aqui não importa o
efeito da ameaça.
Em resumo, o que ocorre é que todos os tipos requerem um resultado,
só que os individualizam de maneiras distintas: alguns os mencionam
expressamente, outros vinculam-nos inseparavelmente à conduta,
outros preferem limitar-se ao puro resultado da conduta,
desinteressando-se de qualquer outro que possa causar.

Esta é a teoria de nossa preferência e defendida, dentre outros, por Vicente


Cernicchiaro, Eugênio Raul Zaffaroni e Mirabete.
44 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Sumarizando: De acordo com a teoria normativa ou jurídica do resultado,


nenhum delito prescinde dele. Nem mesmo os denominados delitos formais
ou de mera conduta.

Exemplos:

Omissão de socorro – art. 135, CP. Em que consiste o resultado? Violação


do dever de solidariedade que a norma quer proteger. (Mera conduta).

Ameaça – art. 147, CP. Em que consiste o resultado? Violação à paz de


espírito da vítima, ainda que ela não se sinta ameaçada (formal).

Homicídio – art. 121, CP. Em que consiste o resultado? Morte da vítima já


que a norma protege a vida, etc. (material), etc.

b) Teoria Naturalística do Resultado: Para seus defensores nem toda


conduta requer resultado, somente os delitos materiais, aduzem. Para essa
teoria, já que o legislador insculpiu tipos penais formais ou de mera
conduta, contentando-se com o simples atuar do agente para que se dê a
consumação, ao lado de outros para os quais se exige um resultado
naturalístico (homicídio, furto, roubo, lesões, etc.), era necessário a
existência de uma norma que regulasse o que é e a quem deve ser
imputado o resultado naturalístico. Logo, nem todo crime o possui, apenas,
como já dito, os materiais. Os crimes formais e de mera conduta
prescindem de qualquer resultado contentando-se com a conduta e a
tipicidade. Esta teoria é defendida, principalmente, por Damásio E. de
Jesus. Goza de grande aceitação também.
Exemplos: Homicídio. Há que haver o resultado naturalístico para que se
dê a consumação. O art. 13, CP, existe em razão desses delitos, aduzem.
Injúria. Não haveria necessidade de resultado. Bastam a conduta de
injuriar e a tipicidade.
Omissão de socorro. Não haveria resultado.
Ameaça. Não haveria necessidade de resultado, conquanto previsto, por
ser delito formal a exemplo da injúria, etc.

Prevalece o entendimento adotado pelos normativistas: todo crime tem


resultado, conquanto a teoria naturalística do resultado, como já afirmado,
goze também de grande aceitação na doutrina.

3 RELAÇÃO DE CAUSALIDADE:

Pela teoria da equivalência dos antecedentes causais ou conditio sine qua


non, considera-se causa todo fato sem o qual o resultado não se teria
produzido. Não há distinção entre causa, concausa, ocasião e condição.

45 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
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"Causa é todo fato que, suprimido mentalmente, o resultado não teria


ocorrido como ocorreu" – Thyrén.

Imputa-se ao agente o resultado ainda quando para a produção deste


tenha concorrido uma concausa, isto é, uma outra causa preexistente,
concomitante ou superveniente.

Preexistente: vítima é portadora de hemofilia.


Concomitante: vítima sofre ataque cardíaco no momento do tiro.
Superveniente: vítima morre de infecção hospitalar. Em todos esses casos
o agente responderá pelo resultado morte se quis praticar homicídio.

Responderá ainda mesmo quando o resultado viesse ocorrer por causas


naturais em momento subsequente.

Exemplo: vítima está ligado a aparelho que a mantinha vivo. A morte é


iminente. Agente desliga o aparelho. Sem a sua conduta a morte da vítima
não ocorreria no momento em que ocorreu.

Causa superveniente relativamente independente - art. 13, § 1º, CP:

Só se justifica a exceção quando a causa superveniente relativamente


independente por si só produziu o resultado.

Desnecessário dizer que não há se invocar o art. 13, § 1º, CP, quando se
tratar de causas absolutamente independentes, sejam preexistentes
concomitantementes ou supervenientes, que por si só causou o resultado.

Preexistente: (A) atira em (B) desejando matá-lo. Quando era conduzido ao


hospital morre da ingestão de veneno anterior ao disparo. Responderá por
tentativa.
Concomitante: (A) atira em (B) no momento em que este é atacado por
animal feroz vindo a morrer em razão dos ferimentos do animal.
Responderá por tentativa.
Superveniente: (A) atira em (B) que morre em razão de afogamento
causado por um furacão que o pegou em seguida. Responde por tentativa.

Em todos esses casos (A) não responde pelo resultado morte porque
suprimindo a conduta deste, (B) morreria de qualquer modo. Se ficar
comprovado, contudo, que suprimida a conduta de (A), (B) não morreria,
responde pelo resultado.

Vejamos agora as causas relativamente independentes que se dividem


também em preexistentes, concomitantes e supervenientes.
46 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
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Preexistente:

(A) atira em (B), hemofílico, que falece em razão da hemorragia. Responde


pelo resultado.

Concomitante:

(A) atira em (B) que morre em razão de parada cardíaca causada pelo
disparo. Responde pelo resultado.

Superveniente:

(A) atira em (B) que vem a morrer em razão da imperícia dos médicos em
operá-lo. Responde pelo resultado.

Em todas as hipóteses acima, suprimida a conduta do agente, o resultado


não ocorreria. Não se aplica o § 1º do artigo 13, CP.

Figure agora que (A) dispara em (B) ferindo-o. Ao ser conduzido ao hospital
a ambulância capota, vindo (B) a morrer de fratura craniana causada pelo
acidente. Neste último caso, a aplicação da conditio sine qua non levaria
(A) a responder pelo resultado, pois se suprimida a conduta de (A), (B) não
estaria na ambulância.

Todavia, aqui o código abre uma exceção: artigo 13, § 1º, CP. Exige-se
autonomia da causa superveniente. Ela há de "por si só" causar o
resultado. Na verdade não há rompimento causal do nexo, o que há é um
rompimento imposto pela lei.

Causalidade na omissão: para uns o CP adotou a teoria naturalístico -


causal, para outros a normativa pura, afirmando: "Do nada, nada surge".
O CP, inclina-se pela naturalístico - causal.

"O resultado teria sido impedido pela ação omitida? Se a resposta for
afirmativa, é porque a omissão é causal em relação ao evento".

4. TIPICIDADE :

É a adequação entre a conduta da vida real e o tipo legal.

Tipicidade: direta ou imediata. Art. 121, etc. Não há necessidade do


aplicador da lei de valer-se de outra norma para imputar a alguém o crime
de homicídio, se houve consumação, e o agente não é partícipe.

47 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Tipicidade: indireta ou mediata (tentativa participação e crimes omissivos


impróprios). Os artigos 14, II, 29 e 13, § 2º, CP, são denominados “normas
de reenvio”, ou complementares de tipicidade. Aqui, para imputar o delito a
alguém o aplicador terá que se valer de outra norma da parte geral. Não há
o delito “tentar matar alguém”, v.g.

JUÍZO DE TIPICIDADE:
Quando a conformação da conduta humana se subsumir ao tipo legal
estaremos diante de uma conduta que se reveste de tipicidade. A contrario
sensu , quando não houver a conformação entre a conduta e o tipo legal
abstrato obteremos um juízo de tipicidade negativo, ou como prefiram
concluiremos que o fato é atípico.

DO CONFLITO APARENTE DE NORMAS

As vezes alguns fatos concretos adequam-se, aparentemente, em mais de


um tipo legal, surgindo então o conflito aparente de normas e regras para
resolvê-los.

Especialidade.

subsidiariedade: expressa ou tácita.

consunção

O problema não está focalizado na lei, que sequer elenca os princípios


determinantes. A doutrina, contudo, costuma resolvê-lo através dos três
princípios acima.

Lei especial: É a que contém todos os elementos de outra (geral), e ainda


alguns elementos especializantes.

Além de conter todos os elementos especializantes, para que uma lei seja
especial em relação a outra é ainda preciso que ambas tutelem o mesmo
bem jurídico e que haja entre elas relação de gênero e espécie.

Princípio da subsidiariedade: de acordo com esse princípio, a norma que


prevê a ofensa maior do bem jurídico exclui a aplicação da norma que
prevê a ofensa menor desse mesmo bem jurídico.

A subsidiariedade pode ser:

tácita;
expressa

48 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Expressa: a própria lei declara formalmente que ela só será aplicada se o


fato não constituir crime mais grave. Ex. artigos 132, 163, § único, II, 177, §
1º, 238, 239, 249, 307, 325, e ainda artigos 21, 29 e 46, da LCP, etc.

Tácita: o fato previsto em uma norma menos grave funciona como


elemento constitutivo, circunstância qualificadora ou causa de aumento de
pena de outra norma mais grave.

Assim, o dano (art. 163), é subsidiário do furto qualificado (art. 155, § 4º, I);
o seqüestro e a extorsão (arts. 148 e 158), são subsidiários da extorsão
mediante seqüestro (art. 159); a grave ameaça é subsidiária do roubo; o
porte ilegal de arma de fogo – art. 10, lei 9.437/96 – é subsidiário do roubo
qualificado pelo uso de arma, etc.

Os princípios da subsidiariedade e da especialidade são parecidos mas não


são idênticos. Na especialidade, a norma especial é aplicada ainda que
mais branda do que a norma genérica.

Na subsidiariedade, ao inverso, a norma subsidiária é sempre excluída pela


norma mais grave.

Princípio da consunção: Dá-se a consunção quando uma norma, também


incriminadora, é meio necessário, fase normal de preparação ou execução,
ou conduta anterior ou posterior de outro crime.

A doutrina separa em 4 grupos a classificação dos fatos absorvidos pela


norma consuntiva.

Crimes progressivos: Ocorre quando a prática de um delito pressupõe,


necessariamente, a prática de outro. Não há homicídio sem lesões
corporais, bigamia sem falsidade ideológica, furto residencial sem violação
de domicílio, etc.

Progressão criminosa: Ocorre quando no mesmo contexto o dolo do


agente sofre mutações. Quem, após injúrias, resolve matar a vítima,
responde só por homicídio.

Antefato impunível: Dá-se o antefato impunível quando um delito é fase


normal de preparação ou execução de outro crime. O crime descrito no
artigo 297 é absorvido pelo descrito no artigo 171, caput, quando neste se
exaure; o do artigo 291 é absorvido pelo do 289, etc. Note que difere do
crime progressivo porque lá a incursão pelo crime menos grave é
obrigatória. Aqui não. Cuida-se de política criminal.

49 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Pós - fato impunível: É aquele que se insere na intenção normal do


agente, realizando realmente o que se propunha realizar. O ladrão que
vende como sua a coisa furtada não responde por furto e estelionato (art.
171, § 2º, I, CP). A disposição da coisa pelo ladrão era objetivada desde o
momento da ideação do crime. Só se reconhece a existência do conflito
aparente de normas se presentes os seguintes requisitos:
Unicidade de fato;
Pluralidade de normas que, aparentemente, regulam aquele fato. Objetiva
evitar que o agente responda por concurso de crimes. Daí porque este
tema normalmente é estudado em conjunto com o concurso de crimes, em
regra. Prefiro aqui.

Muitas vezes também os tipos legais se compõem não só de elementos


descritivos, alojando em seu texto também elementos normativos que
demandam indagações de ordem cultural e jurídica, além de elementos
subjetivos, referentes ao estado anímico do agente. Assim, um ferimento
doloso, dependendo do "animus" do agente tanto pode ser tentativa de
homicídio ou lesão corporal. Nestes casos o conflito é resolvido.
Indagando-se qual o dolo do agente: se queria matar, tentativa de
homicídio, etc.

TEORIA DO TIPO

É a descrição abstrata da conduta criminosa ou da conduta permitida.


Interessa-nos aqui a análise do tipo incriminador.

Procura o Legislador concentrar no tipo legal apenas a essência comum de


cada espécie punível. É o modelo sintético da conduta criminosa. O verbo é
o ponto de partida. Em torno do verbo agregam-se outros elementos
objetivos, normativos e subjetivos complementando a definição abstrata do
crime.

O tipo legal é um só, não três: um objetivo, um normativo e outro subjetivo.

EVOLUÇÃO DO TIPO (FASES)

1. FASE DA INDEPENDÊNCIA
Concebida por Beling, o tipo penal possuía caráter puramente descritivo,
era absolutamente desvalorado, tendo por escopo tão somente
descrever as condutas proibidas (comissivas ou omissivas) da lei penal.
Estava completamente separada da antijuridicidade e culpabilidade, sua
finalidade única era definir delitos.

2. FASE DA RATIO COGNOSCENDI DA ANTIJURIDICIDADE.

50 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Surgiu com Mayer, consoante esta fase de evolução do tipo o mesmo


não possui simplesmente função descritiva (definidora de delitos), mas
constitui, sobretudo indício da antijuridicidade. Mayer mantém a
independência entre a tipicidade e antijuridicidade, todavia admite que a
circunstância de uma conduta ser típica já representa um indício de sua
antijuridicidade.
Para esta teoria a tipicidade é a ratio cognoscendi da antijuridicidade,
isto é, a adequação do fato ao tipo faz surgir o indício de que a conduta
é antijurídica, a qual somente cederá estando presente uma causa
justificadora.

3. FASE DA RATIO ESSENDI DA ANTIJURIDICIDADE.

Desenvolvida por Mezger, a tipicidade é muito mais do que um indício


da antijuridicidade constituindo-se na base desta, isto é, na sua razão de
ser.
Há para esta teoria uma fusão entre o fato típico e a antijuridicidade, de
modo que, afastada a ilicitude restaria esvaziado o próprio fato típico.

4. FASE DO FINALISMO: TIPICIDADE COMPLEXA.

Com o finalismo de Welzel, pode-se cogitar desta fase, na qual se


admitem tipos dolosos e culposos, com dolo e culpa respectivamente
integrantes destes.
O tipo na visão finalista passa a ser concebido como uma realidade
complexa, integrada por uma parte objetiva, composta pela descrição
legal e uma outra subjetiva – tipo subjetivo – formada pela vontade, com
dolo ou culpa.
A parte objetiva forma o componente causal, e a parte subjetiva o
componente final que domina e dirige o componente causal.

FUNÇÕES DO TIPO

1. Garantia individual.
Todo e qualquer cidadão, antes de realizar um fato, deve ter a
possibilidade concreta de saber se sua conduta é ou não punível.
O tipo consoante Welzel tem o seguinte significado
“o tipo tem a função de descrever de forma objetiva a execução de
uma ação proibida”.

2. Fundamentar a ilicitude.
Por intermédio do tipo o Estado fundamente suas decisões, fazendo
prevalecer o direito de punir, ao mesmo tempo em que exerce uma
função limitadora do penalmente relevante, desta forma toda conduta

51 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

que não corresponder a um determinado tipo de injusto será


considerada um irrelevante penal.

3. Função Diferenciadora do erro.


Em síntese, o autor somente poderá ser punido pela prática de um
fato doloso quando conhecer as circunstâncias que o constituem.
O eventual desconhecimento de qualquer dos elementos
constitutivos do tipo implica em erro de tipo, excludente do dolo.

4. Função Selecionadora.
Ao tipo compete selecionar as condutas que deverão ser proibidas ou
impostas pela lei penal sob ameaça de sanção.

ELEMENTOS DO TIPO LEGAL

Objetivos ou descritivos: São termos ou expressões utilizadas pelo


legislador que dispensam qualquer valoração quanto ao seu real
significado. Ex. “matar alguém”. Qualquer pessoa compreende o significado
dessas palavras.

Normativos: são termos ou expressões utilizadas pelo legislador de


natureza jurídica ou cultural, cujo significado é aferido por um especial
juízo de valor da situação de fato.

Os elementos normativos do tipo podem referir-se:

Quanto a antijuridicidade: "indevidamente" (ar. 151, 316, 317, 319, etc.), a


termos ou expressões jurídicas: "documento" (arts. 297, 298, 299)
"funcionário público" (art. 328); "cheque" (art. 171, 2º, VI), "duplicata" (art.
172), etc. É a própria norma jurídica quem conceitua.

Quanto a termos ou expressões extrajurídicos: "dignidade" e "decoro" (art.


140), "mulher honesta" (art. 219), "moléstia grave" (art. 131) "saúde" (art.
132), etc. Extrajurídicos porque o seu significado não está em nenhuma
norma jurídica mas nos costumes ou em normas sociais.

Presentemente o crescimentos exacerbado dos elementos normativos, por


enfraquecer a função garantidora do indivíduo, vem preocupando os
juristas.

Subjetivos: São os termos ou expressões relacionadas com o mundo


anímico do agente. Pode ser: tácito (dolo) e expresso. Estes últimos
referem-se a intenção do agente. Ex. “com intuito de obter...” (art. 158),
“para o fim de cometer crimes” (art. 288), “com o fim de prejudicar direitos"
(art. 299), "para si ou para outrem" (art. 155), etc. No passado era

52 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

conhecido por “dolo específico”. O agente pratica o fato visando um fim


especial.

Tipo normal: contém apenas elementos objetivos.

Tipo anormal: contém também elementos normativos ou subjetivos.

Falava-se nestas espécies de tipos quando prevalecia no Direito Penal


Brasileiro a Teoria causal, natural ou mecanicista da ação.

Obs: Considerando que, de acordo com o finalismo, o dolo e a culpa estão


alojados no fato típico, todo tipo legal é anormal.

Dolo: elemento subjetivo tácito.


Culpa: elemento normativo.
Tipo fundamental ou básico: é a forma mais simples da descrição da
conduta proibida ou imposta pela lei penal, caput, em regra.
Tipo derivado: tipo básico acrescido de circunstâncias que agravam,
atenuam, aumenta, diminuem, qualificam.
Tipo fechado: é aquele que possui a descrição completa da conduta
proibida pela lei penal. Independe de valoração quanto ao significado das
expressões usadas.
Tipo aberto: são aqueles onde não há a descrição completa e precisa do
modelo de conduta proibida ou imposta. Depende de um juízo de valor a
ser exercido pelo aplicador da lei quanto ao significado das palavras e
expressões contidas no tipo penal. Exemplo clássico: Crimes culposos,
onde é necessária a sua complementação pelo intérprete.
Tipo congruente: conforme Santiago Mir Puig ocorre: “se a parte subjetiva
da ação corresponde com a parte objetiva, concorre um tipo congruente”.
Normalmente acontece com os crimes dolosos, nos quais a o elemento
volitivo alcança a realização objetiva do tipo. Congruência pode então ser
definida como a coincidência entre o dolo e o acontecer objetivo.
Tipo incongruente: Segundo Assis Toledo ocorre quando “a lei estende o
tipo subjetivo além do objetivo”. Exemplificando: Era o que acontecia com o
rapto do art. 219 (hoje revogado pela lei 11.106/2005), para cuja
consumação bastava que o fim libidinoso estivesse na intenção do agente,
não necessitando concretizar-se no mundo exterior. Ocorre também defeito
de congruência “quando a lei restringe o tipo subjetivo frente ao objetivo”,
por exemplo, nos delitos qualificados pelo resultado, nos quais o dolo vai
até o resultado parcial, ou ainda, no caso concreto na ausência de
coincidência exigida pelo tipo legal entre a parte subjetiva e a objetiva, cujo
exemplo é a tentativa.
Tipo Complexo: surgiu com a transferência do dolo e culpa para a conduta
típica, neste diapasão o tipo penal passou a ser integrado não só de
elementos objetivos, mas também de elementos subjetivos. Fala-se então

53 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

em tipo complexo quando ocorre o encontro de elementos objetivos com


elementos de natureza subjetiva.

INJUSTO PENAL (INJUSTO TÍPICO)

Analisados o fato típico e a ilicitude e chegando-se a conclusão que a


conduta do agente é realmente típica e ilícita, ocorre o que se chama de
injusto penal.
Quando há referência a expressão injusto típico ou injusto penal, afirma-se
que o fato típico e a antijuridicidade já foram objeto de perquirição, faltando
agora o exame da culpabilidade.
Sintetizando: Injusto típico é a conduta valorada como ilícita. O injusto típico
existirá quando se chegar à constatação de que inexiste qualquer causa de
justificação. Realiza-se objetivamente em duas fases distintas: Fato típico e
ilicitude.

TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO.

Com a adoção da teoria de ser o tipo a razão de ser (ratio essendi) da


antijuridicidade, surgiu à teoria em comento.
Resumidamente toda vez que não for ilícita a conduta do sujeito ativo não
haverá o próprio fato típico. Elucidativamente: estando a antijuridicidade
compondo o tipo penal, se a conduta do agente for lícita em decorrência da
existência de uma justificadora o fato deixará de ser típico.

O DOLO

"Diz-se o crime doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco


de produzi-lo"- art. 18, I, CP.

O CP, como se vê, ao conceituar o crime doloso, findou, por via indireta,
também definindo o que é dolo.

A definição do que é dolo contido no art. 18, I, CP, reforça a tese dos que,
como eu, defendem que todo crime possui resultado, por isso que o
legislador vincula o dolo à “vontade do agente de produzir o resultado ou
assumir o risco de produzi-lo”. Pode-se, portanto, afirmar que o CP adotou
a teoria normativa ou jurídica para o resultado: Todo crime possui resultado
(art. 13, caput, 1ª parte c/c art. 18, I, CP).

54 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Os defensores da teoria naturalística do resultado (nem todo crime possui


resultado, apenas os crimes materiais), propõem a seguinte interpretação
do art. 18, I: "Diz-se o crime doloso , quando o agente quis a conduta, ou o
resultado, ou assumiu o risco de produzi-los". Os crimes formais e mera
conduta se consumam com a conduta prescindindo-se de qualquer
resultado.

Assim, dizem, “estaria preservada a dicotomia de crimes de mera conduta


ou formais (conduta), e de resultado (materiais)”.

TEORIAS DO DOLO:

Representação, vontade, assentimento.

Representação: para esta teoria, bastaria a previsão do resultado para


configurar o dolo. Bastaria a representação do resultado ainda que o
agente não o desejasse ou assumisse o risco de produzi-lo. Esta teoria é
falha, pois confunde dolo com culpa consciente.

Vontade: O dolo pode ser definido como a vontade consciente de realizar o


fato criminoso.

Assentimento: Há também dolo quando o agente, embora não querendo


propriamente o resultado, ainda assim realiza a conduta prevendo e
aceitando que ele ocorra, ou seja, assumindo o risco de produzi-lo.

O CP filiou-se à teoria da vontade complementada pela do assentimento no


art. 18, I, CP. No primeiro caso: dolo direto; no segundo: indireto.

CONCEITO DE DOLO: NATURALÍSTICO E NORMATIVO.

Dolo natural: vontade consciente de realizar o fato criminoso. Para essa


teoria, conceituado o dolo, basta a consciência de estar realizando fato
criminoso desprovido de qualquer análise quanto à ilicitude ou potencial
consciência quanto à ilicitude. Esta é a teoria adotada pelos defensores do
finalismo da ação ou conduta.

Dolo normativo: é o que exige, para sua caracterização, a consciência da


ilicitude do fato, ou pelo menos a possibilidade de consciência da ilicitude.
Esta teoria é defendida pelos causalistas. Para esta escola, o dolo estaria
alojado na culpabilidade.

Para os que defendem o conceito normativo do dolo, por exemplo, se uma


mulher que morasse em um País onde o aborto é autorizado viesse para o
55 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Brasil aqui fazendo um aborto por desconhecer ser ilícito, não teria agido
com dolo por isso que embora conscientemente aja com vontade de
praticar o fato, não tinha consciência da ilicitude. Logo não haveria fato
típico, por ausência de conduta dolosa.

Defendemos a teoria naturalística do dolo. A consciência da ilicitude


pertence à culpabilidade, não ao fato típico. Também não haveria crime no
caso supra, segundo nosso pensar, por ausência de potencial consciência
da ilicitude (culpabilidade). Contudo o fato seria típico e antijurídico. Porém
não culpável (erro de proibição).

Sumarizando: dolo é a simples vontade de realizar o fato típico desprovido


de qualquer análise quanto à consciência ou potencial consciência da
ilicitude. Esta é apurada por ocasião da análise da culpabilidade. Assim, se
(A) atira em (B) em legítima defesa, agiu com dolo, portanto praticou fato
típico.
Se (A), supondo estar agindo em legítima defesa, atira em (B), quem
supunha na iminência de roubá-lo quando na verdade (B) queria apenas
pedir esmola, agiu com dolo embora não tivesse consciência de estar
praticando uma ilicitude (supunha estar agindo em legítima defesa). Em
ambos os casos o fato será típico, doloso, porém no primeiro, lícito, e no
segundo inculpável. Não há crime.

Logo o dolo é natural não normativo.

ELEMENTOS DO DOLO

O conhecimento (elemento intelectual) e a vontade (elemento volitivo), são


os dois elementos do dolo.

Deve o conhecimento abranger todos os elementos constitutivos do tipo


legal.

Quanto ao elemento volitivo, o dolo é a vontade de, mesmo tendo


consciência de que a conduta é prevista como criminosa na lei, querer
realizá-la. Deve projetar-se, inclusive, sobre:

os elementos subjetivos expressos do tipo, ou objetivo da conduta;


o meio empregado para alcançar esse objetivo;
As conseqüências derivadas do emprego desses meios.

Para os adeptos da teoria naturalística do resultado nos crimes materiais e


formais o dolo deve abranger:

consciência da conduta e do resultado;


consciência do nexo causal entre a conduta e o resultado;
56 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

vontade de realizar a conduta e produzir o resultado.

Nos crimes de mera conduta o dolo deve abranger:

consciência da conduta;
vontade de realizar a conduta criminosa.

Para os adeptos da teoria normativa do resultado não haveria tal dicotomia.

Espécies de dolo: Vejamos algumas definições.

Dolo direto ou determinado.


Dolo indireto ou indeterminado.

No dolo direto ou determinado o agente visa produzir um evento certo. O


objeto do dolo direto é o fim proposto, os meios escolhidos e os efeitos
colaterais representados como necessários à realização do fim pretendido.
O dolo direto em relação ao fim proposto e aos meios escolhidos é
classificado como de primeiro grau, e em relação aos efeitos colaterais
como de segundo grau.
Cezar Roberto Bitencourt assim explica o dolo direto de primeiro e segundo
grau e “exemplifica:” Enfim, quando se trata do fim diretamente desejado
pelo agente, denomina-se dolo direto de primeiro grau, e, quando o
resultado é desejado como conseqüência necessária do meio escolhido ou
da natureza do fim proposto, denomina-se dolo direto de segundo grau ou
dolo de conseqüências necessárias.”.
“Haverá dolo direto de primeiro grau, por exemplo, quando o agente,
querendo matar alguém, desfere-lhe um tiro para atingir o fim pretendido.
No entanto, haverá dolo direto de segundo grau quando o agente,
querendo matar alguém, coloca uma bomba em um trem, que explode,
matando todos”.
O dolo direto de primeiro grau e segundo grau têm influência na fixação da
pena base.

No dolo indireto ou indeterminado, a vontade do agente não se fixa num só


sentido ou direção. Subdivide-se em: dolo alternativo e dolo eventual.

Verifica-se o dolo alternativo quando o agente visa produzir, com igual


intensidade, um ou outro resultado.

Exemplo: (A) atira em (B) para ferir ou matar. Ser-lhe-á imputado o


resultado mais grave, pois sua vontade projetou-se também nesse sentido.
Quase sempre o meio empregado é que irá definir o resultado a ser
imputado.

57 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

No dolo eventual o agente não quer propriamente o resultado, mas assume


o risco de produzi-lo. Ele prevê a hipótese de produzir o resultado e mesmo
assim realiza a conduta, assumindo e aceitando o risco de produzi-lo. Ele
não quer diretamente o resultado, caso contrário o dolo seria direto.

O dolo eventual tem em comum com a culpa consciente o fato de que em


ambos o agente tem previsão do resultado. Contudo, no primeiro (dolo
eventual) o agente aceita o resultado; na Segunda (culpa consciente) o
agente não aceita. É muito sutil. Quase sempre o MP denuncia por dolo
eventual deixando a apuração do elemento volitivo por ocasião da instrução
criminal

Registre-se, ainda, que o grau de probabilidade da produção do resultado


previsto pelo agente (por exemplo, embriagar-se e, em seguida, sair
dirigindo veículo automotivo) é insuficiente para a caracterização do dolo
eventual. É preciso ainda a sua anuência em realizar o resultado, isto é,
que ele assuma o risco de produzi-lo (dirigir embriagado, em alta
velocidade, em local com grande trânsito de pessoas).
Segundo Frank, em sua conhecida teoria do conhecimento, sintetiza a
definição de dolo eventual, nos termos seguintes: “se o agente diz a si
próprio : seja como for, dê no que der, em qualquer caso, não deixo de agir,
é responsável a título de dolo”.

O código no artigo 18, I, equiparou dolo direto e o dolo eventual: quis o


resultado (direto); assumiu o risco de produzi-lo (eventual).

Alguns crimes não admitem dolo eventual: art. 180, caput; 237; 289, §2º;
339 etc. Em regra, contudo, as maiorias dos crimes admitem tanto o dolo
direto quanto o eventual.

Dolo de Dano: o agente quer causar o dano ao bem jurídico protegido: Ex.
Matar alguém - art.. 121, CP.

Dolo de Perigo: o agente quer submeter o bem jurídico apenas a perigo de


dano. Ex. art. 132 CP.

Contudo, se ocorre o dano, o agente responde pelo resultado mais grave a


título de culpa. Ex. atiro próximo aos pés de alguém querendo causar
perigo, a bala resvala e mata a vítima, respondo por crime de homicídio
culposo que é crime de dano.

Dolo genérico: verifica-se nos crimes em que a vontade do agente se


esgota com a prática da conduta objetivamente criminosa. Ex. matar
alguém - art. 121, CP.

58 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Dolo específico: verifica-se nos tipos penais que exigem uma finalidade
específica que ultrapassa os limites do fato material. Ex. raptar mulher
honesta para ato libidinoso - art. 219, CP. Outros exemplos: "com o fim de
transmitir..." - art. 131; para satisfazer interesse ou sentimento pessoal - art.
319, etc. Presentemente tem-se preferido às denominações “elemento
subjetivo expresso”, “especial fim de agir”, “elemento subjetivo do
injusto”.

ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL DO TIPO OU ELEMENTO


SUBJETIVO ESPECIAL DO INJUSTO (ESPECIAL FIM OU MOTIVO DE
AGIR).

O especial fim ou motivo de agir, embora amplie o aspecto subjetivo do


tipo, não integra o dolo nem com ele se confunde, uma vez que, como
vimos o dolo esgota-se com a consciência e a vontade de realizar a ação
com a finalidade de obter o resultado delituoso, ou na assunção do risco de
produzi-lo.
Enquanto o dolo materializa-se no fato típico, os elementos subjetivos
especiais do tipo especificam o dolo, sem necessidade de se
concretizarem, sendo suficiente que existam no psiquismo do autor (Cezar
Roberto Bitencourt).

DELITOS DE INTENÇÃO

São delitos que requerem um agir com ânimo, finalidade ou intenção


adicional de obter um resultado ulterior ou uma ulterior atividade, distintos
da realização do tipo penal.
Resumindo é uma finalidade ou ânimo que vai além da realização do tipo
penal.
Exemplificando: para si ou para outrem (art.157), com o fim de obter
(art.159), em proveito próprio ou alheio (art. 180).

DELITOS DE TENDÊNCIA

Nestes delitos a ação do autor encontra-se envolvida por determinado


ânimo cuja ausência impossibilita sua concepção. Exemplos: o propósito de
ofender, arts. 138, 139, 140, CP; propósito de ultrajar, art.212 CP.

59 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Posição do dolo na teoria geral do crime: A orientação mais tradicional


localiza o dolo e a culpa na culpabilidade. A doutrina moderna,
acertadamente, desloca o dolo e a culpa para o interior da conduta que, por
sua vez, integra o fato típico. Por conseqüência a ausência de dolo ou
culpa gera a atipicidade do fato.

O dolo e a pena: O artigo 59, CP, ao fixar os critérios de dosagem da pena,


não faz alusão à menor ou maior intensidade do dolo. Também não faz
distinção se o dolo é direto ou eventual. O dolo não se confunde com os
motivos do crime. Este último, sim, é critério de fixação da pena - base (art.
59).

TEORIA DA DUPLICIDADE DO DOLO (ARTIGO DE JOSÉ HENRIQUE


PIERANGELI)
A partir dos anos 80, principalmente na Espanha, onde tem entre os seus
maiores defensores, JUAN CÓRDOBA RODA e JOSÉ CEREZO MIR, a
teoria da duplicidade do dolo ou do dolo duplo, ou, ainda, da dupla posição
do dolo na dogmática. Para esta teoria, como próprio nome indica, na teoria
do delito existem duas espécies de dolo, um formando o elemento subjetivo
do injusto, e outro, que faz parte da culpabilidade, quando constitui a
"expressão de disposição de ânimo hostil ou indiferente ao direito, como
estimam GALLAS, JESCHECK E WESSELS" (JOSÉ CEREZO MIR –
Problemas fundamentales del derecho penal, Madrid: Ediciones Tecnos,
1982, p. 199).
São inegáveis as relações entre o injusto e a culpabilidade até porque as
características ou "elementos" do delito não formam compartimentos
estanques. É importante, parece-nos, transcrever o ensinamento de
JOHANNES WESSELS": "Assim como 'injusto' e 'culpabilidade' se
correspondem um ao outro, subsiste uma relação de trocas entre a forma
de conduta e a forma de culpabilidade do acontecimento punível. A
realização dolosa ou negligente do tipo de injusto constitui como forma de
conduta, o correlato para a forma de culpabilidade estampada pelas
ponderações da censurabilidade (estágios da culpabilidade), à forma de
comissão dolosa ou negligente corresponde o tipo de culpabilidade dolosa
ou negligente".
"Em virtude de sua dupla função, o 'dolo' forma-se no setor da
culpabilidade, o portador do desvalor do ânimo atualizado no fato. Sua
característica como tipo de culpa é a adversa ou indiferente posição do
autor em face das normas de conduta do Direito."
Marcante, para a culpabilidade por negligência, ao contrário, é a desatenta
ou descuidada posição de autor em face das exigências de cuidado da
ordem jurídica. O dolo no tipo, como forma de conduta e elemento subjetivo
do injusto, concede ao tipo de culpa que lhe corresponde, da dolosa e
defeituosa posição para com a ordem jurídica (culpabilidade dolosa,
somente um refutável “indício”). E conclui o professor da Universidade de
60 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Münster: "Como a realização do tipo constitui um indício para a valoração


definitiva do fato como 'injusto', que se suprime com a incidência de uma
causa justificante, da mesma forma 'a culpabilidade é dolosa' torna-se
'indiciada' através do dolo do tipo" (Direito Penal parte geral, tradução de
JUAREZ TAVARES, SÉRGIO FABRIS editor, Porto Alegre: 1976 pp. 89-
90).
Esta teoria, pelo menos até agora não sensibilizou a doutrina pátria, e
mesmo na Espanha, onde ganhou maior significação, encontra forte
oposição de RODRÍGUEZ DEVESA e RODRÍGUEZ MOURULLO, dois
ilustres autores daquele país. De nossa parte, ao fazermos uma incursão
por estas sendas, queremos ressaltar um ponto que se nos parece
importante: a adoção do duplo posicionamento do dolo não encontra
qualquer obstáculo no plano ontológico, até porque o dolo, sendo criação
do direito, não encontra qualquer obstáculo na sua dupla função.

28 Revistas Síntese de Direito Penal e Processual


Penal – Nº 1 – Abr-Mai/2000 – DOUTRINA

Por fim, as críticas em que alhures se inseriu de que adotando tal


posicionamento, o finalismo como que retrocede de suas convicções,
temos de afirmar que tal afirmação improcede. Como a culpabilidade é a
medida da pena, evidente que a intensidade do dolo ou o grau da culpa
serão examinados para os fins da individualização da pena, em nada se
desfigura a teoria finalista da ação com tal proceder, posto que com tais
elementos também se conclui quanto ao grau do juízo de censura. Não
será demais recordar que a culpabilidade apresenta graus, e a intensidade
do dolo e o grau da culpa influem poderosamente na fixação da pena no
caso concreto.
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Passado quase vinte anos, parece-nos ainda atual e importante à leitura de
um trabalho desenvolvido pelo penalista espanhol ENRIQUE GIMBERNAT
ORDEIG que, pelo seu próprio nome, já se tem a dimensão do estudo:
"Tiene futuro la dogmática juridicopenal?". O ilustrado professor madrilenho,
depois de enveredar pelas mais complexas e obscuras sendas da ciência
do saber penal, ao intérprete faz a advertência de que se deve buscar a
interpretação correta da lei não "nas verdades paralelas", e sim na "verdade
como um todo". E, antes de sua conclusão final, escreve o doutor
professor: Porque a existência do Direito penal é imprescindível e não
depende em nada de demonstrar a livre decisão humana no caso concreto,
porque toda idéia jurídica progressiva necessita uma formulação legal que
será tanto mais perfeita e eficaz quanto mais elevado seja o nível científico-
jurídico, porque uma ciência desenvolvida do Direito penal é a que torna
possível controlar os tipos penais, porque a pena é um meio necessário e
terrível de política social, porque temos que viver com o Direito penal, ainda
que por isso. E conclui "A dogmática jurídico-penal tem um futuro" (Estudios
de Derecho Penal, 3ª edición, Madrid: Ed. Tecnos, 1990, pp. 140/161;
61 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

também em pequena monografia publicada na Colômbia: "Tiene futuro la


dogmática juridicopenal?", Bogotá: Ed. Temis, 1981).
É evidente que também a culpabilidade não se apresenta na ciência
jurídico-penal de maneira perfeita e acabada. Como se trata da
característica – para muitos, elemento -, mais complexa da teoria do delito,
ela continua a reclamar novos estudos, e, certamente novas e profundas
reflexões da doutrina. Mas isto já será objeto de novas meditações.

A CULPA

"Diz-se o crime culposo, quando o agente deu causa ao resultado por


imprudência, negligência ou imperícia - art. 18, II, CP".

O CP, ao contrário do que fez com o dolo, não define a culpa, mas, sim, o
crime culposo. Porém, é possível extrair os modos reveladores da culpa:
imprudência, negligência e imperícia.

Embora a maioria dos crimes culposos exija resultado projetado no tipo,


(por serem materiais), existem crimes de mera conduta e formais que
comportam a forma culposa: art. 270, §2º e art. 280, § único, CP, v.g.

Alguns autores propõem a seguinte definição de crime culposo:

"Diz-se o crime culposo quando o agente, deixando de observar o cuidado


necessário, realiza conduta voluntária que produz resultado, não previsto
nem querido, mas previsível (culpa inconsciente), e excepcionalmente
previsto (culpa consciente), e alguns poucos casos querido (culpa
imprópria), que podia, com a atenção devida, ter evitado".

Assim, em regra, crime culposo apresenta os seguintes elementos:

Conduta inicial voluntária;


Previsibilidade objetiva do resultado;
Ausência de previsão (culpa inconsciente), excepcionalmente previsto
(culpa consciente);
Nexo causal entre a conduta inicial voluntária e o resultado;
Violação do dever de cuidado objetivo por imprudência, negligência ou
imperícia;
Resultado lesivo involuntário;
Tipicidade.

Conduta inicial voluntária: No crime culposo a vontade do agente limita-


se à realização da conduta perigosa. Não há vontade dirigida ao resultado
naturalístico caso contrário haveria dolo.

62 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Violação do dever de cuidado: Na essência de todo crime culposo


encontra-se uma falta de atenção inescusável, consistente na violação
do dever de cuidado por imprudência, negligência, imperícia. Vejamos
essas espécies:

Imprudência: é a culpa in agendo, que consiste na prática de uma ação


perigosa sem as cautelas devidas.
Ex. municiar arma de fogo na frente de outras pessoas; dirigir na contra -
mão, etc.

Negligência: é a culpa in omitendo, consistente na inobservância dos


cuidados exigidos pelas circunstâncias. Negligência é omitir a ação que o
caso requer.
Ex. deixar arma carregada sobre mesa da sala em casa com crianças ou
doente mental; dirigir manuseando o toca-fitas do carro desviando a
atenção, etc.

Imperícia: é a chamada culpa profissional, que consiste na falta de aptidão


para o exercício de arte, profissão ou ofício.

Exemplo: médico que, sem possuir habilidade técnica, causa a morte de


paciente ao operá-lo; motorista de táxi que não sabe dirigir bem, etc.

Se o profissional exerce a arte, profissão ou ofício sem estar autorizado


para tanto, será imprudência.

Resultado Involuntário: Não havendo resultado lesivo, salvante as duas


hipóteses já citadas (art. 270, § 2º e 280, § único), não há que se falar em
crime culposo. A simples conduta voluntária não caracteriza crime culposo.

Nexo causal: Como nos demais crimes materiais, o nexo causal,


consistente na relação de causa e efeito entre a conduta imprudente,
negligente, imperita, e o evento torna-se imprescindível à tipicidade do fato
culposo.

Previsibilidade Objetiva: O crime culposo reside na imprevisão do


previsível. Deve ser apurada tomando-se como partida de acordo com o
grau de atenção do homem médio (qualquer homem capaz de poder
prever).

Ausência de Previsão: o agente não prevê o resultado previsível ao


homem comum. Excepcionalmente, contudo, o agente chega a prever o
resultado embora não o admita ou aceite (culpa consciente), ou mais
excepcionalmente o quer (culpa imprópria por erro de tipo inescusável –
art.. 20, § 1º, 2ª parte, CP).

63 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Tipicidade: os crimes culposos são tipos abertos dependendo de


complementação da definição da figura típica pelo juiz que faz um juízo
valorativo. Ele “fecha” o tipo, por assim dizer, dizendo qual a cautela que
deixou o agente de observar.

Como se sabe a regra é o crime doloso; a exceção o crime culposo. É o juiz


quem irá completar o tipo dizendo se houve ou não culpa por negligência,
imperícia ou imprudência, e em que consistiu o dever de cuidado omitido no
caso concreto. Por isso diz-se “tipo aberto”.

Espécies de culpa: consciente, inconsciente, culpa imprópria. Nesta


última, se escusável ficará isento de pena. Não haverá culpabilidade.
Ocorre com as descriminantes putativas (a culpa imprópria).

Culpa consciente: também denominada culpa com previsão, ocorre


quando o agente deixando de observar o dever de diligência que estava
obrigado, prevê um resultado, mas confia plenamente que ele não ocorrerá.
Reforce-se, na culpa consciente o agente não quer o resultado e nem
assume o risco de produzi-lo.
Segundo a doutrina dominante a censurabilidade da conduta é maior
na culpa consciente do que na inconsciente.

Culpa consciente: É a culpa sem previsão, em que o autor da conduta não


prevê o que era previsível. É a culpa por excelência.

Culpa Imprópria: (também conhecida como culpa por extensão, por


equiparação ou por assimilação).
Decorre do erro de tipo evitável nas descriminantes putativas ou do
excesso nas causas de justificação. Nestes casos o agente quer o
resultado em razão de a sua vontade se encontrar viciada por um erro, que
poderia com mais cuidado ser evitado, ou seja, o agente por erro de tipo
inescusável, supõe estar diante de uma causa de justificação que lhe
permita praticar um fato típico licitamente.
A bem da verdade a conduta do agente é dolosa, mas este incorre em erro
de tipo essencial, o que exclui o dolo de sua conduta, subsistindo a culpa
em virtude da evitabilidade do erro. Por motivos de política criminal se
aplica as penas do crime culposo.

Obs.: A denominada culpa imprópria são as hipóteses de erro do tipo


inescusável. Na verdade o agente age com dolo. Por questões de política
criminal aplica-se a pena do crime culposo, se inescusável o erro – art. 20,
§ 1º, CP.

64 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Culpa presumida: não mais existe no Ordenamento Penal Brasileiro. Só


no Direito Privado.

Compensação de culpa: só é admitida no âmbito do Direito Civil. No


Direito Penal não há compensação. Cada um responde por sua própria
culpa "per si".

Concorrência de culpas: dá-se a concorrência de culpas quando dois ou


mais agentes, culposamente, contribuem para a eclosão do resultado.
Todos respondem pelo resultado lesivo por força da conditio sine Qua
non - art. 13, CP. A indagação é: excluída a culpa de um dos agentes o
fato teria ocorrido da forma que ocorreu?

CAUSAS DE EXCLUSÃO DA CULPA

Caso fortuito ou força maior: é o acontecimento imprevisível. Ex. Estouro


de um pneu do carro, embora em bom estado.

Erro profissional: é o que decorre da fabilidade das regras da ciência.

Princípio da confiança: quem respeita as normas presume que todos


respeitem. Se vier a causar dano à alguém por desrespeito daquele não
responde por crime culposo, dependendo do caso concreto. Não se
admitiria que um pedestre que atravessa a rua com sinal fechado para ele
seja atropelado por motorista que, embora tivesse condições de frear, mas,
porque estava com sinal aberto para si, simplesmente resolvesse matar o
pedestre. Haveria homicídio doloso ou culposo dependendo de certas
circunstâncias. Mas em havendo culpa exclusiva da vítima não há crime
culposo.

Culpabilidade nos crimes culposos: é idêntica à dos crimes dolosos,


exigindo-se os seguintes requisitos:

Imputabilidade;
potencial consciência da ilicitude;
exigibilidade de conduta diversa.

Crimes culposos de perigo: o resultado exigido para caracterização do


crime culposo pode ser de dano ou perigo de dano. Nada impede, por
isso, a existência de crime culposo de perigo.
Exemplos:

incêndio (art. 250. § 2º)


explosão (art. 251, § 3º)
art. 252, § único
artigos 254; 256, § único; 259, § único.
65 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Crime preterdoloso: ocorre quando o agente com sua conduta produz


resultado além do querido. Há como se vê, dolo no antecedente, e culpa no
conseqüente. No crime preterdoloso o agente não quer nem assume o risco
de produzir o resultado mais grave, porém este sobrevem por sua culpa. É
espécie do gênero crime agravado pelo resultado.

São seus elementos:

Conduta dolosa direcionada a resultado menos grave;


Resultado além do desejado;
Nexo causal entre a conduta dolosa e o resultado culposo.

Diz o artigo 19: "pelo resultado que agrava especialmente a pena, só


responde o agente que o houver causado ao menos culposamente".
Afastou-se assim a responsabilidade objetiva em matéria penal.

Exemplo: 127, 129, § 3º, 133 §§ 1º e 2º, 135, § único, 136, §§ 1º e 2º, 137,
§ único, etc.

Crimes preterdoloso e preterintencional são a mesma coisa.

Por último cumpre acrescentar que nem todo crime agravado pelo resultado
(gênero) é preterdoloso (espécie).

Assim, os crimes agravados pelo resultado podem ter:

Dolo no antecedente mais culpa no conseqüente - art. 129, § 3º, CP


(preterdoloso).

Dolo no antecedente + dolo no conseqüente - art. 129, § 2º, III, CP (crime


qualificado).

Culpa n o antecedente + dolo no conseqüente - art. 121, § 4º (homicídio


culposo qualificado pela omissão de socorro).

Culpa no antecedente + culpa no conseqüente - artigo 258, 2ª parte, CP


(qualificado pelo resultado).

PARTICIPAÇÃO NO CRIME CULPOSO:

Existem duas posições acerca da participação no crime culposo:

► Para uma corrente não é possível à participação em crime culposo, pois,


como o tipo penal é aberto, não há que se falar da conduta acessória e da

66 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

conduta principal. A tendência quase unânime da doutrina hodiernamente é


pela impossibilidade de participação em crime culposo.

► para uma segunda corrente é possível à participação em crime culposo,


sendo autor aquele que realiza o núcleo do tipo doloso e partícipe quem
concorre para tal.

Posicionando-se em favor da primeira corrente o magistério de Cezar


Roberto Bitencourt:
“A doutrina brasileira, à unanimidade, admite a co-autoria em crime
culposo, rechaçando, contudo, a participação. Pode existir na verdade um
vínculo subjetivo na realização da conduta, que é voluntária, inexistindo,
contudo, tal vinculo em relação ao resultado, que não é desejado. Os que
cooperam na causa, isto é, na falta do dever de cuidado objetivo, agindo
sem a atenção devida, são co-autores”.

O ERRO

Em Direito Penal o erro do agente no cometimento da infração divide-se em


erro essencial e erro acidental.

O erro essencial por sua vez subdivide-se em escusável ou invencível e


inescusável ou vencível.

A existência de qualquer uma das espécies acima de erro (essencial), gera


efeitos para o autor, seja excluindo o próprio fato típico por ausência de
dolo ou culpa, ou ambos; seja afastando o dolo, mas mantendo a culpa;
seja afastando a culpabilidade, ou ainda atuando como redutor da pena.

Já as espécies de erro acidental previstas no Código Penal nenhum reflexo


cria na existência do crime ou mesmo na punibilidade do agente.

Vejamos sucintamente cada espécie de erro previstos no Código Penal:

ERRO DE TIPO

Ocorre o erro de tipo quando o agente no momento do cometimento do


delito se engana sobre os elementos que compõem o tipo legal.

Exemplo: o caçador acredita estar matando um animal e, no entanto, mata


um homem.

67 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

O agente se crê dono de um certo sobretudo e, ao sair do restaurante, leva


o sobretudo de outrem.

O agente supondo ser Mariel maior de 18 anos, mantém com ela conjunção
carnal, seduzindo-a, quando na verdade a vítima tinha apenas 17 anos, etc.

O erro de tipo também pode incidir sobre circunstâncias:

Exemplo: o agente, "necandi animus" dispara em Caio, menor de 13


anos, supondo-o maior de 14. Não incidirá a causa de aumento de pena
prevista no artigo 121, § 4º, "in fine", CP.

Como já dito o dolo do agente deve alcançar o crime no seu todo, incluindo
as circunstâncias genéricas e específicas de agravação, aumento ou
qualificação do delito (há quem discorde, entendendo que o erro deve
abranger apenas os elementos constitutivos do tipo, não as
circunstâncias). Não é a melhor doutrina .

Circunstâncias genéricas: agravantes e atenuantes, causas de aumento


e diminuição da pena da parte geral;

Circunstâncias específicas: causas de aumento e diminuição da pena e


qualificadoras da parte especial. As agravantes e atenuantes só são
encontradiças na parte geral do CP e algumas leis especiais.

O erro de tipo pode ser como já afirmado, invencível/escusável ou


vencível/inescusável.

Erro invencível é o que não emana de culpa do agente. Ainda que ele
empregasse a atenção do homem comum o erro ocorreria.

Já o erro vencível é o que emana de culpa do agente. Para evitá-lo bastaria


a atenção do homem comum. É a análise do caso concreto que irá concluir
pela vencibilidade ou invencibilidade do erro.

No erro de tipo essencial sempre ocorrerá o afastamento do dolo. Podendo,


conforme o caso, subsistir a culpa. É o que dispõe o artigo 20, caput:

“O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o


dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei”.

Face o contido no dispositivo supra, conclui-se que o erro


escusável/invencível exclui além do dolo, também a culpa, permanecendo o
agente impune, ao passo que o erro inescusável/vencível elimina apenas o

68 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

dolo, subsistindo a culpa, mas a punição por crime culposo só ocorre se o


fato, na modalidade culposa, estiver previsto em lei.

No exemplo do caçador se tiver agido com culpa, responderá por homicídio


culposo.

Já no exemplo do sobretudo, ainda que o agente tenha agido com culpa


sua conduta ficará impune por inexistir furto culposo.

Idem com relação ao exemplo da sedução por inexistir modalidade culposa.

Antes da reforma de 1984, usava-se a expressão "erro de fato" que


abrangia apenas os elementos factuais da figura típica. Ocorre que alguns
tipos penais contém elementos normativos jurídicos ou culturais e/ou
elementos subjetivos expressos referentes à ilicitude. Assim, gerava
impropriedades por isso que o "erro de fato" não alcançava todos os
elementos da figura típica.

A partir de 1984, com a criação do "erro sobre elementos constitutivos do


tipo legal" o problema foi solucionado haja vista que dentro do tipo legal não
há apenas elementos factuais, mas também termos jurídicos, que a nova
redação consegue abarcar com perfeição.

Exemplo: Tício, funcionário público, omitindo esta qualidade à Caio,


convida este a praticar uma subtração em sua repartição. Caio aceitou
praticar o crime de furto, não peculato-furto. Contudo, como o erro de
Caio recaiu sobre o elemento normativo do tipo "funcionário público”,
que nada tem a ver com o elemento factual “subtrair dinheiro valor ou bem",
art. 312, § 1º, CP, - responderia por peculato-furto, que é crime mais grave
que o furto.

Atualmente, em razão do seu erro sobre o elemento constitutivo normativo


do tipo "funcionário", Caio responderia por furto e Tício por peculato-furto.

ERRO DETERMINADO POR TERCEIRO

Dispõe o artigo 20, CP, § 2º, CP:

"Responde pelo crime o terceiro que determina o erro"

Face esse dispositivo podemos concluir que o erro pode ser:

a. espontâneo: quando o agente erra sozinho, isto é, sem ter sido


provocado por outrem;
69 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

b. provocado: quando uma terceira pessoa, por dolo ou culpa, induz o


agente a cometê-lo.

Atuando o provocador dolosamente, ser-lhe-á imputado, a título de dolo, o


delito cometido pelo provocado. Este, por sua vez, se o erro for inevitável,
ficará impune; se evitável, responderá por culpa, em havendo previsão
legal.

DESCRIMINANTES PUTATIVAS

Dispõe o artigo 20, §1º, CP: “É isento de pena quem, por erro,
plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato
que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena
quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo".

O agente supõe por erro, que sua conduta é lícita. Cuida-se, assim, de erro
sobre a ilicitude do fato, não sobre os elementos constitutivos do tipo. Ou
seja: no erro sobre elementos constitutivos do tipo "o agente não sabia o
que fazia; se soubesse não teria feito". No erro sobre a ilicitude do fato
(descriminantes putativas), o agente sabe o que faz e quer fazer. Apenas
supõe, erradamente, que a sua conduta é lícita.

Bem por isso a maioria dos autores dizem que não se trata de "erro de
tipo" mas "erro de proibição". Reconhecida, afasta a culpabilidade por
ausência de potencial consciência da ilicitude, não o fato típico nem a
antijuridicidade. Voltaremos ao tema mais adiante.

ERRO ACIDENTAL

Versa sobre a pessoa ou objeto, bem como o nexo causal e a execução do


crime, ou então sobre circunstâncias qualificadoras. Deixa intacto o crime e
não afasta a responsabilidade penal.

Hipóteses:
erro sobre o objeto (error in objecto)
erro sobre a pessoa (error in personae)
erro sobre o nexo causal (aberratio causae)
erro na execução (aberratio ictus)
resultado diverso do pretendido (aberratio delicti)

70 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

ERRO SOBRE O OBJETO

Ocorre quando o agente acredita que sua conduta recai sobre uma coisa e
na verdade recai sobre outra. Pretendendo furtar um relógio de ouro, furta
relógio apenas dourado. Ou vice-versa. De qualquer forma subtraiu coisa
alheia móvel. Responderá pelo crime.

ERRO SOBRE A PESSOA

Ocorre quando a conduta do agente recai não sobre a pessoa objetivada,


mas sobre outra parecida. Desejando matar Caio, confunde-o com Ticio,
seu irmão gêmeo e o mata. Praticou homicídio. Responderá como se
tivesse cometido o crime contra sua vítima virtual, no caso, Caio - artigo 20,
§ 3º, CP. É de difícil ocorrência, porém não impossível de acontecer.

ERRO SOBRE O NEXO CAUSAL

Ocorre quando o resultado dá-se, não em razão da forma pretendida pelo


agente, mas de outra decorrente desta. Caio desejando matar Tício,
desfecha-lhe um tiro. Supondo-o morto, atira-o ao rio, vindo este a morrer
afogado, eis que ainda vivia. Não há previsão legal. Resolve-se através do
artigo 13, CP.

ERRO NA EXECUÇÃO

Ocorre quando o agente erra no uso dos meios de execução, em regra por
imperícia. Aqui não há confusão quanto a pessoa objetivada com sua
conduta. O agente sabe quem quer atingir, o tem no seu campo visual, mas
"erra na mira" no dizer de Nelson Hungria. Pode dar-se as seguintes
situações:

Atira em (A), erra, acerta (B), matando-o: responde como se tivesse matado
(A), (artigo 73, 1ª figura, CP).

Atira em (A), mata-o, e, acidentalmente, fere ou mata (B): responde em


concurso formal próprio - artigo 70, 1ª parte, CP. Não houve erro na
execução. Acertou em quem queria.

Atira em (A) "necandi animus", fere este, e mata culposamente (B). Na


verdade teríamos uma tentativa de homicídio em relação a (A) e homicídio
culposo em relação a (B). Contudo , a solução é diversa face a redação do
artigo 73, CP: responderá como se tivesse matado (A) dolosamente,
aplicando-se ainda a regra do artigo 70, 1ª parte, CP, por força do que
dispõe o artigo 73, 2ª parte, CP.
71 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Atira em (A) "necandi animus", desejando também atingir (B) ou


assumindo o risco de atingi-lo: aqui não se trata de erro na execução, mas
concurso formal impróprio - artigo 70, 2ª parte. CP.

Resultado diverso do pretendido: ocorre quando o agente pretendendo


atingir uma pessoa atinge uma coisa, ou pretendendo atingir uma coisa,
atinge uma pessoa, artigo 74, CP.

(A), desejando quebrar uma janela alheia, atira uma pedra, erra, e fere uma
pessoa. No caso ele responde apenas por lesão culposa face a regra
contida no artigo 74, CP. Na verdade ocorreu 2 delitos: tentativa de dano e
lesão culposa. O CP, todavia, artigo 74, pune apenas a lesão culposa.

Em ocorrendo ambos os resultados, haveria, no exemplo acima, concurso


formal próprio de crimes: artigo 70, 1ª parte, CP, na forma disposta na parte
final do artigo 74, CP.

Suponha agora, que o agente desejando lesionar, atire a pedra em outrem,


erre, acertando e quebrando janela alheia. Agora responderá apenas por
tentativa de lesões corporais dolosa, por inexistir o dano culposo.

E se desejando atingir sua vítima que está atrás da janela, atira a pedra
sabendo que somente conseguirá lesioná-la quebrando a janela? Aqui não
há resultado diverso do pretendido. Ambos os resultados são queridos.
Aplica-se a regra do concurso formal impróprio - artigo 70, 2ª parte, CP.

Em todas as hipóteses acima mencionadas de erro acidental o agente


responde pelo crime.

FASES DA REALIZAÇÃO DO CRIME

O "iter criminis" ou "caminho do crime" compreende o conjunto das fases


desenvolvidas pelo delinqüente. Para chegar à fase de consumação (meta
optata), o agente realiza uma série de atos, que se sucedem,
seqüencialmente, no desenvolvimento da conduta criminosa: cogitação ,
atos preparatórios, atos executórios, consumação.

Cogitação: é puramente subjetiva e impunível por si só. É quando o agente


idealiza o crime. É também conhecida como fase interna.

Atos preparatórios: deliberado o crime, o agente inicia sua preparação


(fase externa). Excepcionalmente o legislador pune o ato preparatório. Ex.
artigos 286, 288, 291, etc., CP; artigo 13, lei 6 368/76, e outros. Em regra,
contudo, os atos preparatórios são atípicos. Ex. comprar caneta para

72 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

escrever carta injuriosa; adquirir legalmente revolver objetivando matar


alguém, etc.

Atos executórios: iniciada a execução, o crime restará consumado - artigo


14, I; ou tentado, artigo 14, II, do CP. Ex.: disparo da arma em direção da
vítima; brandir o punhal; colocar o veneno no alimento, etc.

Consumação: "diz-se o crime consumado quando nele se reúnem todos os


elementos de sua definição legal - artigo 14, I, CP". O momento
consumativo varia conforme a natureza do crime:

CRIMES MATERIAIS

Incluindo-se os culposos e os omissivos impróprios, a consumação ocorre


com o resultado projetado pelo tipo penal. Ex. Homicídio, estelionato, furto,
etc.

CRIMES FORMAIS E MERA CONDUTA

Incluindo-se os omissivos próprios, a consumação ocorre com a prática da


conduta típica, já que o resultado nestes casos está presumido no tipo. Ex.
Estupro simples, calúnia, extorsão, etc.

CRIMES AGRAVADOS PELO RESULTADO

Consuma-se com a ocorrência do resultado agravador. Ex. art. 129, § 3º,


etc.

No crime agravado pelo resultado, este, o resultado mais grave,


pode decorrer de dolo ou de culpa.

Os crimes agravados pelo resultado podem ocorrer das


seguintes formas:

Dolo no antecedente e dolo no conseqüente: art. 129, § 2º, III, CP,


v.g. O agente tem dolo de lesionar e de causar a perda de membro,
sentido ou função. Portanto dolo na conduta e dolo no resultado:
Qualificado.

Dolo no antecedente e culpa no conseqüente: art. 129, § 3º, v.g. O


agente queria apenas lesionar; o resultado morte não era querido.
Responde pela morte a título de culpa: Qualificado (preterdoloso).

Culpa no antecedente e Dolo no conseqüente: art. 302, § único, inciso,


III, da Lei 9.503/97 (CTB), v.g. O sujeito pratica a conduta culposamente
73 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
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(atropelar). Em seguida, dolosamente, omite socorro à vítima, vindo


esta a morrer (Causa de aumento de pena).

Culpa no antecedente e Culpa no conseqüente: art. 258, 2ª parte.


Crime de perigo comum culposo seguido de morte também culposa. O
sujeito responderá culposamente tanto pela conduta quanto pelo
resultado (causa de aumento de pena). Porém, somente ocorrerá
hipótese de crime preterdoloso, quando o resultado excede
culposamente a intenção do agente. Dos exemplos citados apenas o
da “C” é hipótese de preterdolo, do latim “praeter-intentio”.

CRIMES PERMANENTES

A consumação se protrai no tempo. Ex. seqüestro, etc.

CRIMES HABITUAIS

Consuma-se com a repetição de condutas demonstrativas do estilo de vida


do agente. Ex. curandeirismo, rufianismo, etc.

CRIME TENTADO

"Diz-se tentado o crime quando, iniciada a execução, não se consuma


por circunstâncias alheias à vontade do agente - artigo 14, II, CP".

Na tentativa, o "iter criminis" cessa ainda na fase da execução, por


circunstâncias alheias à vontade do agente, não alcançando este a "meta
optada" (consumação).

No crime tentado o dolo é o mesmo do crime consumado. Requer:

Início de execução;
Não-consumação por razões alheias à vontade do agente;
Vontade de consumar o crime.

O Código Penal adotou a teoria realística ou objetiva para a tentativa, por


isso que exige o início da execução.

Natureza jurídica da tentativa: a tentativa é um tipo penal ampliado, um


tipo penal aberto, um tipo penal incompleto, todavia é um tipo penal.
Constitui então ampliação temporal da figura típica. É o exemplo perfeito de
adequação típica de subordinação mediata.
A norma insculpida no art. 14, II, do CP tem caráter extensivo, pois sem ela,
a tentativa de roubo seria um fato atípico, por força do princípio da reserva
legal.
74 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Punibilidade da tentativa: duas teorias têm procurado fundamentar a


punibilidade da tentativa:

Escola subjetiva: busca na vontade do agente o fundamento da sua


punição, afirmando que a pena da tentativa deve ser a mesma do crime
consumado;

Escola objetiva: ensina que a tentativa deve ser punida com pena mais
branda que o crime consumado, porque neste último o dano ao bem
jurídico é muito maior.

O Código Penal Brasileiro adotou a teoria objetiva como regra, obrigando a


diminuição da pena, ressalvando disposição em contrário - artigo 14, §
único, CP. Excepcionalmente consagra em alguns tipos a teoria subjetiva,
punindo a tentativa com a pena da consumação (artigos 352, CP, 309, do
Código Eleitoral, etc.).

Melhor seria se, a exemplo do Código Penal Militar, permitisse ao juiz, em


razão do dano causado com a tentativa, pudesse este aplicar a pena sem
diminuição. Veja um exemplo: (A), "necandi animu", alveja (B), que
embora sobreviva, fica tetraplégico ou então passe a depender de
aparelhos para continuar vivendo vegetativamente. No CPM o juiz estaria
autorizado a aplicar a pena do crime consumado sem diminuição (Art. 30, §
Único, Código Penal Militar).

A diminuição pela tentativa (1/3 a 2/3), depende dos atos praticados pelo
agente, ou seja do caminho percorrido antes da interrupção.

Inadmissibilidade da tentativa: Algumas infrações penais não comportam


tentativas, a saber:

Crime culposo: o evento ocorre contra a vontade do agente. Na tentativa o


agente queria consumar o crime.

Crime omissivo próprio: não exige um resultado naturalístico produzido


pela omissão.

Crimes preterdoloso: o evento mais grave ocorre a titulo de culpa.

Contravenções penais: o artigo 4º, da LCP diz que a tentativa


contravencional é impunível.

Crimes unisubisistentes: porque se consuma com um só ato


inviabilizando a interrupção do "iter", como por exemplo a injúria verbal e
todos os crimes omissivos próprios.
75 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Crime habitual: porque ou o agente repete as condutas e o crime está


consumado, ou não repete e inexiste o crime.

Crimes de atentado: porque se cuida da ressalva de que nos fala o artigo


14, § único. A lei pune a tentativa como consumação. Ex. artigo 352, CP, e
todos os crimes previstos no artigo 3º, da lei 4898/65, etc.

Tentativa perfeita e imperfeita: ocorre a primeira quando o agente esgota


os meios necessários disponíveis à consumação do crime e esta não
ocorre por razões alheias à sua vontade; a segunda, quando não chega a
exaurir os meios, mas também, não consegue consumá-lo por razões
igualmente alheias à sua vontade.

A tentativa perfeita não comporta desistência voluntária; a imperfeita, sim.


Ambas comportam o arrependimento eficaz.

Tentativa branca: ocorre quando o objeto material visado não é atingido.


Ex. (a), desejando matar (B), atira neste, errando o alvo. A distinção entre
tentativa perfeita e imperfeita tem importância, dependendo do caso
concreto, na diminuição: 1/3 a 2/3 da pena, art. 14, § único, CP.

DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ

Vimos que na tentativa o delito não se consuma por circunstâncias alheias


à vontade do autor.

Se a consumação não se der por vontade do próprio autor mesmo após


iniciada a execução do crime, não há tentativa Ocorre a desistência
voluntária ou arrependimento eficaz, conforme tenha o agente interrompido
a execução ou, mesmo após exaurir os meios disponíveis impede a
ocorrência do resultado inicialmente pretendido. Em ambos os casos, se a
despeito da interrupção voluntária ou dos esforços para evitar o resultado,
este ainda assim advir, o agente responde pelo crime consumado.

Dispõe o artigo 15, CP:

"o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou


impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já
praticados".

Exemplo: (A) atira uma vez em (B) querendo matar. Acertou de raspão.
Ainda dispunha de mais 5 tiros mas desistiu de prosseguir: desistência
voluntária. Não responde por tentativa de homicídio, mas pelos atos já
praticados, ou seja lesão leve - artigo 129, caput, CP.
76 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Se, ao contrário, efetuar todos os 6 disparos na vítima mas agora


penalizado, resolve socorrê-la, vindo esta a salvar-se, a solução é a
mesma: responderá pelo atos já praticados que poderá ser lesão leve,
grave ou gravíssima, não homicídio tentado.

A razão do instituto é estimular a não consumação do crime, oferecendo ao


agente a chamada "ponte de ouro” de que falava VON LISZT.

Natureza jurídica da desistência voluntária e do arrependimento eficaz:


causa de exclusão da tipicidade, para alguns; para Nelson Hungria, seria
causa de extinção da punibilidade não elencadas no artigo 107, CP.

Preferimos a primeira corrente. Exclui-se a tentativa do crime mais grave,


cuida-se de causa de exclusão da tipicidade daquele crime.

Atualmente uma concepção mais moderna acerca da natureza jurídica dos


institutos em estudos entende que tanto a desistência voluntária como o
arrependimento eficaz são causas de exclusão da adequação típica.
Fundamentam seu raciocínio da seguinte forma: Tanto na desistência
voluntária como no arrependimento eficaz não se atinge o momento
consumativo do crime por vontade do agente. Ocasionando com isto a falta
de adequação típica pela inexistência do segundo elemento da tentativa,
que é “a não consumação do crime por circunstâncias independentes da
vontade do agente”.

Resta dizer sobre a desistência voluntária, que basta a voluntariedade, não


necessitando espontaneidade. Assim, desde que o agente desista de
prosseguir embora podendo fazê-lo, ainda que a contragosto, mas sem
coação externa (pode até haver coação interna), e em sendo sua
desistência eficiente na não consumação, deve ser reconhecida.

Comunicabilidade da desistência voluntária e do arrependimento


eficaz: o partícipe realiza uma conduta acessória, cuja punição depende de
um crime (consumado ou tentado) a ser realizado pelo autor principal. Se
este não comete o crime diante da destipificação da tentativa, não há como
responsabilizar o partícipe. Aplica-se a máxima “o acessório segue a sorte
do principal”. Há quem discorde (Heleno Fragoso) afirmando: "a
desistência e o arrependimento tem caráter subjetivo, alcançando apenas
aquele que desistiu ou arrependeu-se”.

Assim, o mandante de um homicídio responderia na forma tentada se


iniciada a execução o autor-executor desistisse ou se arrependesse,
impedindo a consumação. Apenas ele, autor-executor faria jus ao instituto;
o mandante, não. Fico com a primeira corrente, entre nós defendida por
Nelson Hungria, também chamada teoria objetiva-subjetiva ou mista.
77 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Finalizando, tanto na desistência voluntária como no arrependimento


posterior, o agente responderá pelos atos já praticados que isoladamente
constituem crimes. Doutrinariamente denomina-se isto de “tentativa
qualificada”.

ARREPENDIMENTO POSTERIOR

Diz o artigo 16, CP: “nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça
à pessoa, reparado o dano ou restituída à coisa, até o recebimento da
denúncia ou queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de
um a dois terços". Sua natureza jurídica é de causa obrigatória de redução
da pena. O dispositivo revogou a súmula 554, STF. A reparação há que
ser pessoal, completa e voluntária. Não pode ser efetuada por terceira
pessoa. A devolução há também que ser voluntária, completa e pessoal.
Se a coisa estiver em poder do agente, ainda que a vítima concorde com a
sua não devolução, não aproveita ao agente a diminuição. O crime não
pode ter sido cometido mediante violência ou grave ameaça à pessoa.
Pode até ter sido cometido mediante violência à coisa.

Exemplo: furto qualificado pelo rompimento de obstáculo - artigo 155, § 4º,


I, CP. Tampouco impede a sua incidência quando a violência resulta de
crime culposo. Homicídio culposo.

A reparação do dano ou restituição da coisa ao seu dono efetuado por um


dos co-autores ou participe, é circunstância objetiva que a todos se
comunica, nos termos do artigo 30, CP.

Por último, vale insistir, que basta a voluntariedade, não se exigindo


espontaneidade do agente na reparação ou devolução.

CRIME IMPOSSÍVEL

Diz o artigo 17, CP: “Não se pune a tentativa quando, por ineficácia
absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é
impossível consumar-se o crime”.

Por primeiro há que se distinguir "crime ou delito putativo", que ocorre


quando o agente pensa que está delinqüindo, quando está, na verdade,
realizando algo penalmente irrelevante, do crime impossível, em que a
conduta do agente está prevista na lei como delito que ele quer realizar,
não o conseguindo pela inidoneidade do meio por ele utilizado ou do objeto
visado. Ex. o agente mantém conjunção carnal com a irmã maior de 18
anos sem violência ou grave ameaça, após, arrependido, apresenta-se à
78 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

polícia e confessa ter "praticado um crime de incesto". Conquanto repulsivo


sob o ponto de vista moral, não é crime. Aqui temos o delito putativo.

Suponha-se agora, que (A) querendo matar (B), adquira glicose supondo
ser veneno, ministra-a à sua "vítima", que não sendo portador de diabetes,
ingere o líquido oferecido por (A), acha “gostoso e agradece”. (A) queria
matar. Contudo o meio foi absolutamente ineficaz. Ou ainda: (A) atira em
(B) querendo matá-lo, ocorre que (B) já estava morto quando recebeu o
disparo. Absoluta impropriedade do objeto.

A natureza jurídica do crime impossível é de atipicidade, pois o fato não se


amolda em nenhum tipo legal.

Sobre o crime impossível desenvolveram-se 3 teorias a saber:

Teoria sintomática: o crime impossível deve ser punido como tentativa


porque o seu autor revela periculosidade criminal;

Teoria objetiva: no crime impossível, em face da inidoneidade do meio


ou inexistência do objeto material, o bem jurídico não sofre perigo,
excluindo-se, portanto, a tentativa.

Teoria objetiva temperada: de acordo com a teoria objetiva, também


denominada de “Teoria Objetiva Pura”, tanto faz que o meio ou o objeto
seja relativa ou absolutamente ineficaz ou impróprio cuidar-se-á de
crime impossível. O CP adotou a teoria objetiva – temperada: o meio ou
o objeto hão que ser absolutamente ineficaz ou impróprio. Se for
relativamente, haverá tentativa.

O nosso CP adota a teoria Objetiva, não pune o crime impossível.

DA ANTIJURIDICIDADE OU ILICITUDE

CONCEITO

Vimos que do ponto de vista analítico, crime é a conduta humana


(comissiva ou omissiva), típica, ilícita ou antijurídica e culpável. Na
conceituação da antijuridicidade, duas correntes doutrinárias merecem
destaque: a formal e a material.

a. Antijuridicidade formal: é a simples contrariedade entre a conduta e a


norma. É, pois, a simples violação da norma penal. Tem sido rejeitada
porque confunde antijuridicidade com tipicidade. Até porque, há casos em
que embora típico, o crime é excluído por ausência de lesão ou perigo de
lesão ao bem jurídico, conquanto a norma penal tenha sido violada.
79 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

b. Antijuridicidade material: na verdade só existe antijuridicidade


material. A chamada antijuridicidade formal nada mais é que a tipicidade.
Antijuridicidade material ou substancial, é a lesão ou o perigo de lesão ao
bem jurídico protegido pela norma penal violada. É, portanto, o caráter anti-
social do fato típico. Nessa concepção material permite-se a construção
das chamadas causas supralegais de exclusão da ilicitude. Assim, com a
teoria da antijuridicidade formal, a cirurgia permitida pelo transexual para
extirpação da genitália masculina, por exemplo, seria antijurídica. Já pela
teoria material da antijuridicidade, o Juiz poderá, embora conduta típica,
considerá-la jurídica, lícita, por isso que socialmente aceita. O fato seria
típico (lesão corporal), mas não haveria antijuridicidade embora não
prevista expressamente como causa da exclusão da ilicitude. Seria uma
causa supralegal de exclusão da antijuridicidade.

Injusto: a antijuridicidade é “una” para todo o Ordenamento Jurídico. Não


se concebe que um fato permitido pelo Direito Civil encontre proibição no
Direito Penal e vice-versa. Já o injusto sofre mutações quantitativas e
qualitativas. O injusto pode ser penal, civil, trabalhista ou administrativo,
alterando-se a sua gravidade conforme a relevância do interesse tutelado
pela norma violada.

Para alguns doutrinadores (dentre estes ZAFFARONI), o injusto penal é a


conduta valorada como típica e antijurídica. É, pois, o somatório da
tipicidade e antijuridicidade. Para outros, o injusto penal somente existiria
com o somatório também da culpabilidade. Prevalece o primeiro
entendimento. O que não significa dizer que injusto penal é o mesmo que
crime. Para a Segunda corrente sim: todo injusto penal seria crime.

CARÁTER DA ANTIJURIDICIDADE

Duas são as teorias que versam sobre o tema: subjetiva e objetiva.

Subjetiva: o comando da lei só é dirigido às pessoas imputáveis, pois só


elas podem assimilar as ordens e proibições contidas na norma jurídica.
Assim, o louco, o menor, e demais inimputáveis não realizariam condutas
antijurídicas, ainda que venham a lesar interesse penalmente protegido.
Não é a melhor doutrina. Confunde antijuridicidade com culpabilidade.

Objetiva: consiste no juízo de valoração acerca da lesividade do fato


praticado contrário ao direito. A qualidade de imputável do autor não influi
na antijuridicidade. Assim, os loucos e menores realizam condutas
antijurídicas, isto é, contrárias ao direito. Tanto é assim que o louco pode
sofrer medida de segurança e o menor medida social-educativa. Da mesma
forma que, se atuar conforme o Direito, por exemplo, matando alguém em
80 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

legítima defesa, o louco ou o menor, terão praticado conduta típica (matar


alguém), porém lícita, juridicamente permitida (legítima defesa – artigo 23
c/c 25, CP). Para os que defendem o caráter subjetivo da antijuridicidade, o
louco nunca poderia invocar a excludente da legítima defesa: lhe faltaria a
consciência de estar praticando fato típico, porém lícito.

CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ANTIJURIDICIDADE OU ILICITUDE

Se o fato é típico, presume-se, desde logo, a ilicitude. Isso porque a


tipicidade é indício da antijuridicidade. Cuida-se de presunção relativa, e
não absoluta. Nada impede que o fato típico seja jurídico, lícito, vez que
presente uma causa de exclusão da antijuridicidade prevista no artigo 23,
CP, ou mesmo uma causa supralegal como já exposto acima, neste último
caso a ser valorada pelo Juiz.

As expressões utilizadas para designar as causas de exclusão da


antijuridicidade são: “justificantes” “causas de justificação”,
“descriminantes”, “eximentes”, “tipos permissivos”. Todas essas
expressões são sinonímias doutrinárias. Os termos “exculpante”,
“dirimentes”, “causas de exculpação”, e outros que veremos no momento
oportuno, referem-se às causas de exclusão da culpabilidade.

É comum na doutrina a utilização das expressões “Legítima Defesa


Justificante” e “Legitima Defesa Exculpante”. A primeira refere-se ‘a
excludente de antijuridicidade do art. 23, II, c/c art. 25, CP; a Segunda
refere-se à descriminante putativa do art. 20, § 1º, CP, que afasta a
culpabilidade.

Justificantes: Art. 23, CP.


Exculpantes: Art. 20, § 1º, CP.

As causas de justificação consagram a licitude do fato, excluindo o crime,


por faltar um de seus requisitos: a antijuridicidade.

Francisco de Assis Toledo ensina que onde houver uma causa de


justificação (excludente) já suficientemente caracterizada, faltará uma
condição da ação penal (interesse de agir), pois se o fato, que deve ser
narrado com todas as suas circunstâncias (CPP, art. 41), não constitui
crime por falta da antijuridicidade, autorizado está o pedido de
arquivamento pelo MP ou a rejeição da Denúncia ou Queixa pelo Juiz
(CPP, art. 43, I).

As causas legais de exclusão de ilicitude, elencadas no art. 23, CP, são:

Estado de necessidade;
81 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Legítima defesa;
Estrito cumprimento do dever legal;
Exercício regular do direito.

Discute-se ainda na doutrina se as hipóteses presentes nos artigos 128 e


142, CP, seriam causas de exclusão da antijuridicidade ou da própria
tipicidade. Damásio, elenca-as como causa de exclusão da própria
tipicidade. “Ora, se no primeiro caso (art. 128, CP), diz não se pune e na
Segunda não constitui injúria, é porque as condutas não são típicas”,
aduz. Contudo o tema não é pacífico havendo os que entendem tratar-se
de excludentes da antijuridicidade não previstas no art. 23, CP. Penso com
estes últimos.

A lei não esgota as hipóteses de exclusão da antijuridicidade, surgindo,


ainda, o que se denomina na doutrina de causas supra legais de
exclusão da antijuridicidade, cuja identificação requer o auxílio das
chamadas “normas de cultura” que tem seu fundamento nos usos e
costumes sociais e na analogia. Ora, se a característica da antijuridicidade
deve ser entendida como sendo o juízo de valor acerca da lesividade do
fato típico (conduta contrária ao Direito), na identificação da lesão ou perigo
de lesão ao bem jurídico contrário ao Direito, o Juiz deve ter em mente os
fins sociais a que a lei se dirige e as exigências do bem comum, consoante
dispõe o art. 5o, da lei de Introdução ao Código Civil, isto porque o
dinamismo do Direito não pode ficar restrito apenas ao que está escrito na
norma, fechando os olhos e atando as mãos dos Magistrados, impedindo-o
de valorar o caráter social do fato. O tema é polêmico tanto na doutrina
como na jurisprudência. Havendo, inclusive, os que não a aceitam.

Os estudiosos elencam as causas supra legais de exclusão da licitude em


quatro grupos:

Princípio da adequação social: Ação socialmente adequada. Ex.


pequenas lesões ocorridas em jogos de futebol, fora das regras esportivas;
corte de cabelo do calouro, etc.. Assis Toledo já citado, entende que as
hipóteses acima cuidam de causas de atipicidade. Não lhe assiste razão.
As condutas encontram enquadramento em tipos legais: art. 129, caput e
146, CP. A Antijuridicidade, todavia, ficaria afastada em razão da aceitação
social;

Princípio da insignificância: Embora alguns autores inclua o Princípio da


Insignificância ou bagatela dentre as hipóteses de exclusão supralegal da
antijuridicidade, fico com os autores que entendem, na verdade, tratar-se
de causa excludente da tipicidade. O Direito Penal não pode ocupar-se de
bagatelas.

82 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Princípio do balanço dos bens: “Segundo esse princípio, a licitude pode


se dar quando o sacrifício de um bem tem por fim preservar outro mais
valioso. Inspira-se, à semelhança do estado de necessidade, na avaliação
dos bens, não exigindo, porém a atualidade do perigo ou outros requisitos
inerentes ao estado de necessidade”- (Flávio Augusto Monteiro de Barros).
O autor não cita nenhum exemplo prático, de sorte que confesso minha
ignorância: não sei quando poderia se dar a hipótese!

Consentimento do ofendido: o Estado monopoliza as decisões sobre o


destino dos bens jurídicos indispensáveis, defendendo-os sem aceitar
qualquer tipo de transigência, neutralizando o consentimento do ofendido.
Assim, nos delitos em que há interesse público preponderante: v.g.,
homicídio, aborto, lesão grave, e muitos outros, não há falar-se em
consentimento do ofendido como causa supralegal de exclusão da licitude.
Ele é nulo.

Cuidando-se, todavia, de bens disponíveis, caracterizado pelo interesse


preponderante privado: v.g., honra patrimônio, o Estado já não tem a
preocupação de exercer monopólio da sua proteção, permitindo que o
ofendido decida (particular) sobre a conveniência da defesa do bem.

Requer como pressupostos:

Momento do consentimento: A aquiescência deve ocorrer antes da


consumação do crime; se após: irrelevante;

Capacidade de Consentir: há de ser maior, em princípio, de 18 anos;


excepcionalmente (arts. 213 e 214 CP) em sendo a vítima maior de 14
anos, o seu consentimento podem afastar o estupro ou atentado violento ao
pudor.

Obs.: quando o dissenso funcionar como elemento constitutivo do tipo, v.g.


art. 150, CP, consentido pelo sujeito passivo, ocorre atipicidade da conduta;
se não está previsto como elemento constitutivo do tipo, ocorre uma
excludente supralegal da ilicitude nos casos de bens disponíveis.

ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DAS CAUSAS DE


EXCLUSÃO DA ANTIJURIDICIDADE

Alguns doutrinadores, dentre estes Damásio E. de Jesus, preconizam que o


reconhecimento da excludente de antijuridicidade deve estar vinculado ao
conhecimento do agente em estar atuando em legítima defesa, estado de
necessidade, etc..

83 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Assim, de acordo com esse pensar, se (A) atirar em (B) por vingança, no
momento que (B), sorrateiramente, prepara-se para assassinar (A) pelos
mesmos motivos, vindo (B) a morrer, (A) responderia por crime de
homicídio “pois lhe faltaria o elemento subjetivo, consistente no
conhecimento de que atuava conforme o Direito, embora houvesse uma
injusta agressão iminente contra ele”.

A título de enriquecimento de informação acerca da necessidade por parte


do agente do conhecimento de estar diante uma causa justificadora, a
posição de Cezar Roberto Bitencourt.
“A antijuridicidade, entendida como relação de contrariedade entre o fato e
a norma jurídica, tem sido definida, por um setor doutrinário, como
puramente objetiva, sendo indiferente à relação anímica entre o agente e o
fato justificado”.
No entanto, segundo o entendimento majoritário, assim como há elementos
objetivos e subjetivos no tipo, originando a divisão em tipo objetivo e tipo
subjetivo, nas causas de justificação há igualmente componentes objetivos
e subjetivos. “Por isso, não basta que estejam presentes os pressupostos
objetivos de uma causa de justificação, sendo necessário que o agente
tenha consciência de agir acobertado por uma excludente, isto é, com
vontade de evitar um dano pessoal ou alheio.”

Posição de Rogério Greco:


“Além dos referidos elementos objetivos, deve o agente saber que atua
amparado por uma causa que exclua a ilicitude de sua conduta, sendo
este, portanto, o indispensável requisito de ordem subjetiva.”
Finalizando seu entendimento: “o elemento subjetivo é indispensável à
caracterização das excludentes de ilicitude”. Quando, através do finalismo
de Welzel, o elemento subjetivo foi transportado da culpabilidade para o
fato típico, mais precisamente para a conduta do agente, na verdade o foi
para o próprio injusto penal. “Sim, porque a antijuridicidade é um predicado
da conduta típica.”

Posição de Heleno Cláudio Fragoso, atualizado por Fernando Fragoso.


“As causas de exclusão da antijuricidade exigem sempre um momento
subjetivo, que é dado pela vontade e pela consciência de que ocorrem os
pressupostos de justificação. Hoje, a doutrina e a jurisprudência nacionais
são amplamente majoritárias no sentido de que as causas de exclusão da
antijuridicidade exigem um componente subjetivo.”

Por fim posicionamento de Eugenio Raùl Zaffaroni:


“De nossa parte, e afirmando a qualidade pessoal do injusto, não podemos
deixar de sustentar a estrutura complexa do tipo permissivo, com
elementos subjetivos que integram um aspecto subjetivo paralelo ao
objetivo”.

84 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Outros, com maior acerto (a meu juízo), repudiam a necessidade do


elemento subjetivo para que seja reconhecida a excludente.
Contentam-se com os requisitos puramente externos do fato
(objetivos).

Assim, no exemplo supra, (A) não teria cometido crime por ausência do
requisito antijuridicidade, pois sua conduta foi conforme o Direito.

A Segunda corrente, inclusive, lembra que o CP não faz qualquer menção


ao requisito subjetivo do “agente ter conhecimento de estar atuando de
conformidade com o Direito”.

ESTADO DE NECESSIDADE

CONCEITO

Diz o artigo 24, CP: “Considera-se em estado de necessidade quem


pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua
vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo
sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”.
Num conceito mais singelo de necessidade, “é a situação de perigo
para determinado bem jurídico cuja preservação depende do sacrifício
inevitável de outro bem jurídico de igual valor ou de valor inferior”.

CARACTERÍSTICA FUNDAMENTAL;
Colisão de interesses juridicamente protegidos, devendo um deles ser
sacrificado em prol do interesse social( Cezar Roberto Bitencourt)

Natureza jurídica: é causa de exclusão da antijuridicidade. O Código Penal


Brasileiro consagra o Estado de Necessidade como excludente de
criminalidade, desta forma não estabelece expressamente a ponderação de
bens em colisão (ambos protegidos pelo ordenamento jurídico), bem como
não qualifica a natureza dos bens e tampouco a condição dos titulares dos
respectivos bens. Adotou a teoria unitária.

Em alguns países, e também no Código Penal Militar Brasileiro, adota-se a


chamada teoria diferenciadora: se o bem jurídico sacrificado é igual ao
protegido a excludente é da culpabilidade; se o bem jurídico sacrificado é
inferior ao protegido, a excludente é da antijuridicidade.

O Brasil, através do CP, adotou a teoria unitária. Tanto faz que o bem
jurídico sacrificado seja igual ou menor que o protegido, aplica-se a
excludente da antijuridicidade.
85 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Se o bem jurídico sacrificado for superior ao protegido, ocorre a diminuição


da pena, em tese: artigo 24, parágrafo 2o, CP.

Em tese porque quase sempre o agente é absolvido por inexigibilidade de


conduta diversa, que é causa supralegal da exclusão da culpabilidade.
Supralegal porque não existe previsão na lei.

Requisitos:

a - Perigo atual: perigo é a probabilidade concreta de um fenômeno lesar


um bem jurídico. O perigo há que ser atual, isto é, presente, está
acontecendo. A atualidade é do perigo, não do dano. Se o dano já se
iniciou, com maior razão o agente poderá invocar o estado de necessidade.
Se o dano já ocorreu, não mais poderá invocar o E.N.

Discute-se se o perigo iminente autoriza o reconhecimento do E.N.

Iminente é o perigo prestes a acontecer que, conforme a doutrina


majoritária equivale ao perigo atual. Concordamos que sim. Neste sentido
posiciona-se Fernando Capez “a lei só fala em perigo atual, mas a doutrina
considera que o agente não precisa aguardar o perigo surgir efetivamente
para só então agir. Admite, portanto, o estado de necessidade quando o
perigo for iminente”.

b - Perigo não provocado pela vontade do agente: "vontade" aqui


segundo alguns doutrinadores, não significa "ter provocado dolosamente" o
que de pronto permitiria àquele que atuou culposamente poder invocar o
estado de necessidade, porque não teria provocado o perigo "por sua
vontade". Filiamos-nos à corrente que entende que a expressão "vontade"
inserida no art. 24, CP, é sinonímia de "voluntariamente". Quem agiu
dolosamente, v.g., danificando a lancha em que viajava ele e seu desafeto
querendo matá-lo, não poderá invocar o estado de necessidade por tê-lo
matado para tomar-lhe o único salva-vidas existente no barco. O perigo foi
causado dolosamente por ele. Responderá por homicídio. Todavia tem-se
aceito a tese do estado de necessidade quando, ainda que agindo
culposamente, o agente criou o perigo e sacrifica bem menor para salvar
sua vida.
Atualmente alguns doutrinadores admitem a possibilidade de invocar-
se estado de necessidade tanto nos crimes dolosos como nos crimes
culposos, desde que a situação de perigo não tenha sido provocada
intencionalmente. (Cezar Roberto Bitencourt)
Outros autores rechaçam a tese acima exposta, vejamos:
Damásio de Jesus “entende que somente o perigo causado
dolosamente impede seu autor de alegar o estado de necessidade”.

86 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Assis Toledo “entende que o perigo culposo também obsta a alegação


de estado de necessidade, uma vez que a conduta culposa também é
voluntária em sua origem.”.
Neste contexto três posições aparecem na doutrina recente:
1. O perigo não pode ser gerado nem dolosa nem culposamente.
Posição de Nélson Hungria.
2. O perigo não pode ser produzido dolosamente, admitindo-se a forma
culposa. Parcela considerável da doutrina, quando examina o art. 24
leciona que o perigo não pode ser gerado pela vontade do agente do
fato necessário (quem se vale do estado de necessidade), faz-se
referência ao dolo, mas nunca à culpa. Posição de Aníbal Bruno.
3. O perigo, por vezes, pode ser gerado culposamente. Defendida por
Magalhães Noronha.

Como regra, o perigo não pode ser nem doloso nem culposo.
Hodiernamente grande parte da doutrina tem preferido a corrente que
afasta a aplicação do estado de necessidade somente quando o perigo
foi causado dolosamente pelo agente. (Guilherme de Sousa Nucci)

Exemplo: Vigia dorme com cigarro aceso que caindo ao chão dá início à
incêndio. Cercado pelo fogo e na iminência de morrer, para salvar-se
destrói parede alheia. É possível reconhecer-se no caso o estado de
necessidade para que o agente não venha a responder por crime de dano -
art. 163, CP.

Não poderia se reconhecer a excludente no mesmo exemplo, se houvesse


outra pessoa e apenas uma máscara de oxigênio e viesse o causador do
perigo por culpa, a matar a outra pessoa para tomar-lhe a máscara de
oxigênio com a qual lograsse salvar-se. Responderia por homicídio. O bem
sacrificado agora teria o mesmo valor do bem protegido: a vida. E foi
causado voluntariamente, embora sem dolo, pelo agente.

c - Ameaça a direito próprio ou alheio: o estado de necessidade pode ser


invocado na proteção de qualquer direito: vida, patrimônio, honra paz
pública, etc., próprio ou de terceiro. Quando a conduta do agente dirige-se
à fonte geradora do perigo, diz-se estado de necessidade defensivo;
quando se direciona contra terceiro inocente, diz-se estado de
necessidade agressivo.

Exemplo: Cão feroz avança contra (A), que saca sua arma e o mata:
Estado de necessidade defensivo. Atacou a fonte do perigo. Se, contudo,
para fugir do cão, (A) arromba a porta da casa de (B), violando domicílio
alheio: Estado de necessidade agressivo.

87 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

d - Inexistência do dever legal de enfrentar o perigo: diz o § 1º do artigo


24: "Não pode alegar estado de necessidade quem tenha o dever legal de
enfrentar o perigo".

A pessoa que, por lei, tem o dever de expor-se ao perigo, não pode, para
salvar-se, sacrificar o bem jurídico alheio. Exemplo: Bombeiro (que tem o
dever de enfrentar o fogo para salvar vidas em perigo); policial (que deve
enfrentar o bandido), etc. Admite-se, entretanto, v.g.: policial que em
perseguição a perigoso bandido, para salvar a própria vida, destrói
propriedade alheia, etc.

Que se deve entender por "dever legal"? Para uns a expressão deve
receber interpretação restrita: é o emanado de lei, decreto ou regulamento.
Para outros, a expressão abrange qualquer dever jurídico, ainda mesmo
decorrente de norma contratual. Prevalece a corrente restritiva. Pensamos,
contudo, com a corrente ampliativa, que o "dever legal" de que nos fala o
artigo 24, § 1º, deve alcançar as pessoas previstas no artigo 13, § 2º,
alíneas "a", "b", "c", do CP.

O fato praticado pelo agente necessitado deve revestir-se ainda de dois


atributos:

a) Inevitabilidade: não havia outra alternativa face as circunstâncias; o


agente sequer podia fugir; se podia não há estado de necessidade.

b) Proporcionalidade: o bem jurídico sacrificado não pode ser de maior


valor que o bem jurídico preservado. Ex. mato um homem para salvar meu
cão de estimação. Haverá o crime.

ESPÉCIES:

quanto à titularidade do bem jurídico protegido, o estado de necessidade


pode ser:

Próprio: para preservar bem jurídico pertencente ao autor do fato.


Terceiro: para preservar bem jurídico alheio.

quanto à pessoa que sofreu o sacrifício do bem jurídico, o estado de


necessidade pode ser:

agressivo: quando, para preservar bem jurídico próprio ou alheio, o agente


sacrifica bem jurídico pertencente a um terceiro inocente.

defensivo: quando, para preservar bem jurídico próprio ou alheio, o agente


sacrifica bem jurídico pertencente ao causador da situação de perigo.
88 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

quanto ao conhecimento da situação de perigo pelo necessitado, o estado


de necessidade. pode ser:

Real: quando, de fato, se verificam todos os requisitos da situação de


necessidade previstas no art. 24, CP, excluindo, portanto, a antijuridicidade.
Não há repercussão no juízo civil.

Putativo: quando não existem, de fato, todos os requisitos exigidos pelo


art. 24, CP. Só existe no pensamento do agente. Ele julga que há, de fato,
uma situação de necessidade, que não existe. Aplica-se a regra prevista no
artigo, 20, § 1º, CP. Também não haverá crime sob a nossa ótica, por
ausência de culpabilidade. Haverá obrigação, ou, ao menos, discussão
quanto a reparação do dano no civil. Somente estado de necessidade real
afasta a obrigação de reparar no civil, salvo quando ocorre erro na
execução – art. 73, CP.

Pode ocorrer que uma pessoa atue em estado de necessidade contra outra
que também agiu em estado de necessidade. Denomina-se estado de
necessidade recíproco.

Quem tiver melhor instinto de conservação invocará o estado de


necessidade. Ou ambos se sobreviverem lesionados.

Quem reage a ataque de alguém que atua em estado de necessidade,


também age em estado de necessidade. Não poderia ser legítima defesa,
pois essa requer para o seu reconhecimento a injusta agressão. Quem atua
em estado de necessidade pratica agressão justa. Não há legítima defesa
recíproca. Somente no estado de necessidade admite-se a reciprocidade.

EFEITOS CIVIS DO ESTADO DE NECESSIDADE


Tratando-se de uma situação em que ambos os bens em colisão são
tutelados pelo ordenamento jurídico, seria uma contradição em seus termos
uma conduta ser lícita perante o direito penal e ilícita quanto ao direito civil.
Neste caso o terceiro que sofreu com a conduta do agente, caso não tenha
sido ele (o terceiro) o causador da situação de perigo, permanecerá a
obrigação de indenizar os prejuízos em face de quem agiu em estado de
necessidade.
A contrario senso, caso o perigo tenha sido originado por aquele que sofreu
o dano, não caberá indenização alguma.

COMUNICABILIDADE DAS EXCLUDENTES DE ANTIJURIDICIDADE

Estende-se a todos os co-autores e partícipes do fato necessitado. Não


haverá crime para nenhum deles.
89 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

LEGÍTIMA DEFESA

A legítima defesa e o estado de necessidade têm um ponto em comum: a


situação de perigo ao bem jurídico. Todavia na legítima defesa, a causa do
perigo promana de agressão injusta do homem e a reação é praticada
contra o autor da agressão.

No estado de necessidade a conduta tanto pode se dar contra o autor do


perigo, quanto terceiro inocente. É que no estado de necessidade a
situação de perigo pode emanar do homem, da natureza e até de seres
irracionais.

Exemplo: alguém fugindo de animal feroz que o persegue, tenta tomar


montaria de outro com a qual pretendia escapar. Logra-se derrubar o dono
da montaria, matando-o, estará em estado de necessidade.

Note que não havia injusta agressão por parte do dono da montaria. Se, ao
contrário, o dono da montaria resiste, matando o necessitado, também terá
agido em estado de necessidade, por isso que a agressão daquela era
justa, não injusta. Se, ao contrário, o sujeito pretendesse roubar a montaria,
e o dono o matasse, estaríamos diante de legítima defesa, não estado de
necessidade. Agora havia uma injusta agressão humana.

Do exposto conclui-se não haver legítima defesa contra quem atua em


estado de necessidade. Quem repele agressão contra quem atua em
estado de necessidade, também está em estado de necessidade.

Mas é perfeitamente possível estado de necessidade contra estado de


necessidade, como já vimos.

CONCEITO DE LEGÍTIMA DEFESA REAL:

Diz o artigo 25, CP. "Entende-se em legítima defesa quem, usando


moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual
ou iminente, a direito seu ou de outrem".

REQUISITOS

Agressão humana injusta atual ou iminente;


Direito próprio ou alheio atacado ou posto em perigo de agressão;
Reação com os meios necessários;
Uso moderado dos meios disponíveis;

90 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

A ausência de um desses requisitos descaracteriza a legítima defesa.

Agressão injusta, atual ou iminente: a agressão é o ato humano que lesa


ou põe em perigo um interesse juridicamente protegido. A agressão deve
partir de uma pessoa, pois a reação ao ataque de seres irracionais constitui
estado de necessidade. A agressão deve ser ainda injusta, isto é, que
contraria as normas do direito. Comporta contra qualquer pessoa: louco,
menor. Deve ser atual ou iminente. Atual é a que já começou a lesar o bem
jurídico; iminente é a que está para acontecer. Não há como invocar-se a
legítima defesa quando a agressão já cessou.

Direito próprio ou alheio atacado ou posto em perigo de agressão:


todos os bens jurídicos podem ser defendidos pela legítima defesa, e não
apenas a vida ou integridade corporal. A legítima defesa de terceiro
consagra o sentimento de solidariedade humana. Não é necessário relação
de parentesco ou amizade com terceiro em favor de quem se exercita a
legítima defesa. O terceiro pode ser uma pessoa física, jurídica, o nascituro,
a coletividade, o Estado.

A legítima defesa é uma forma de autotutela, que auxilia o Estado na luta


pela preservação do direito.

Se o bem jurídico for disponível a recusa do terceiro em preservá-lo impede


a legítima defesa.

Reação com os meios necessários: meio necessário é o que o agredido


dispõe no momento para repelir o perigo. Requer possibilidade de escolha
do meio menos traumático. Não havendo possibilidade de escolha, o meio
necessário será o que dispuser o agente.

Exemplo: Alguém avança contra mim para me esfaquear. Disponho de um


revólver e uma metralhadora. O meio menos traumático é o revólver. Se,
contudo, só disponho da metralhadora, este é o meio necessário. Era o
único que eu dispunha. O agredido, ainda que possível, não está obrigado
a fugir do agressor, ao contrário do que ocorre com o estado de
necessidade.

Uso moderado dos meios: é a proporcionalidade existente entre a


agressão e a repulsa. Se para afastar o perigo basta ferir o agressor, a
moderação implica em não matá-lo. Não se pode ferir a criança que furta
uvas no pomar, já que para afastar o perigo bastaria admoestá-la. Na
avaliação de qual teria sido o meio necessário indicado, deve-se ter em
conta o homem médio, indagando-se qual deveria ser a sua atitude nas
circunstâncias do caso concreto.

91 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Ainda em relação à proporcionalidade, não se pode perder de vista o valor


dos bens em conflito. Não é qualquer bem jurídico que pode ser defendido
com a morte do agressor.

Não se justificaria, por exemplo, a morte do ladrão de uma caixa de


fósforos em legítima defesa do patrimônio. Evidente que se cuidasse de
bem valioso, poderia se justificar a morte do agressor, dependendo do caso
concreto.

Provocação da agressão e legítima defesa: o provocador pode agir em


legítima defesa contra o provocado.

Exemplo: (A) surpreende (B) com sua mulher. Irado atira em (B), que para
não morrer saca sua arma e mata (A).

Nem o Direito, menos ainda a moral, autorizam o provocado (chifrudo) a


matar o provocador (ricardão), de maneira que este pode reagir em
legítima defesa matando o provocado (chifrudo).

Se ao contrário, (A) tivesse matado (B), ocorreria hipótese de homicídio


privilegiado pela violenta emoção - artigo 121, § 1º, CP.

O desafio para a luta constitui provocação. Quem o aceita pode invocar


legítima defesa desde que não inicie a luta. Se der início à luta terá sido o
agressor, não podendo invocar legítima defesa.

ESPÉCIES DE LEGÍTIMA DEFESA

Própria - defende bem que lhe pertence.

Imprópria - defende bem de terceiro.

Real - quando existe a agressão humana injusta, atual ou iminente. É a


verdadeira legítima defesa, que exclui a antijuridicidade (artigos 23, II e 25,
CP).

Putativa: quando o agente, erroneamente, supõe existir a agressão injusta,


atual ou iminente.

Exemplo: (A), supondo que (B), com péssima aparência está sacando do
bolso um revólver, quando na verdade busca um lenço, saca seu revólver e
o lesiona gravemente. Aqui subsiste a antijuridicidade. Se o erro for
escusável (art. 20, § 1º, CP) exclui-se a culpabilidade por ausência de
potencial consciência da ilicitude; se inescusável, responde por crime
culposo se houver previsão legal. É a chamada "culpa imprópria". Na
verdade o agente agiu com dolo, porém por questão de política criminal, o
92 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

agente responde por crime culposo. No exemplo supra há quem identifique


erro de proibição (Mirabete).

e) Excessiva: existe a agressão atual ou iminente, o agente por erro


escusável, excede-se nos limites da legítima defesa. É o chamado excesso
acidental. Na forma prevista no artigo 23, § único, CP, o agente responde
pelo excesso a título de dolo ou culpa conforme o caso.
O excesso pode ser conceituado como a intensificação desnecessária de
uma ação inicialmente justificada.
Exemplo: Excesso culposo: (A) avança para agredir (B). (B) saca sua
arma, dispara um tiro no peito de (A) lesionando-o gravemente. Em seguida
com (A) já caído, continua disparando em sua direção porém sem se
certificar se já cessou a injusta agressão, acertando outro tiro na perna da
vítima que já se encontrava imóvel. (B) cometeu excesso relativamente à
lesão causada na perna do agressor. Responderá por lesão culposa.
Quanto ao disparo efetuado no peito da vítima agiu em legítima defesa real.

Exemplo: Excesso doloso: (a) avança contra (B) para agredi-lo. (B)
defende-se o apunhalando gravemente. Em seguida, por maldade, fere-lhe
o rosto levemente. Responderá por lesão corporal leve dolosa. A lesão
grave fica impune porque foi praticada em legítima defesa.

Legítima defesa sucessiva: ocorre quando o agressor passa, no momento


seguinte, a ser o agredido. É a repulsa contra o excesso

Exemplo: (A) entra na residência de (B) para roubar. (B) reage, saca sua
arma e dispara na direção de (A). (A) pego de surpresa, guarda sua arma e
foge sem nada subtrair. (B), agora por maldade, mesmo cessada a injusta
agressão de (A) persegue-o disparando para matá-lo. (A) então, para não
morrer, saca novamente sua arma e dispara contra (B), matando-o. Agiu
em legítima defesa sucessiva contra (B). Responderá apenas por tentativa
de roubo.

Legítima defesa recíproca (ou legítima defesa contra legítima defesa):


inexiste legítima defesa real recíproca. Um é o injusto agressor. Contudo
às vezes é impossível determinar quem iniciou a agressão. Neste caso o
juiz absolve ambos por insuficiência de provas, não por reconhecer a
legítima defesa real recíproca.

Todavia é possível reconhecer-se a legítima defesa real contra quem age


em legítima defesa putativa.

Exemplo: (A), supondo que (B) enfia a mão no bolso para sacar um
revólver com o qual pretende abatê-lo, quando na verdade (B) buscava um
cigarro, dispara seu revolver contra (B). (B), agora se sentindo injustamente
93 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

agredido, também saca sua arma e dispara contra (A). Ambos caem
gravemente feridos.

É de reconhecer-se a legítima defesa putativa em favor de (A), e legítima


defesa real em favor de (B). Em ambos os casos, no meu pensar, não
haverá crime: (A) por ausência de culpabilidade - Art. 20 § 1º, e (B)
ausência de antijuridicidade - Art. 25, ambos do CP. (A) deverá reparar o
dano em relação à (B) no civil; (B) nada terá que reparar.

Legítima defesa contra pessoa jurídica:

Parcela da doutrina entende admissível esta espécie de defesa legítima,


tendo em vista que a vontade do ente moral se materializa através de seus
representantes legais ou estatutários, constituindo então uma abertura para
a ação justificada. Exemplo fornecido por De Marsico “ Se um funcionário
vê, no mural da empresa em que trabalha, dependurado um aviso,
contendo flagrantes impropérios contra sua pessoa, poderá destruir o vidro
que o separa do referido aviso para elimina-lo, em defesa de sua honra”.
Segundo esse entendimento não cometeria o crime de dano.

Legítima defesa contra agressão de inimputáveis:

Perfeitamente admissível, pois a lei exige tão somente a existência da


agressão injusta, e pessoas inimputáveis podem agir ilicitamente, embora
não sejam culpáveis.

Legítima defesa contra multidão:

Há duas correntes acerca da existência sobre a causa de justificação:


1º - Que a admite, pois o que é exigido é uma agressão injusta,
proveniente de seres humanos, pouco interessando sejam eles
individualizados ou não.

2º - Outra inadmite, porque vislumbra na hipótese, estado de


necessidade, fundamentando sua assertiva no fato de a multidão não ter
personalidade jurídica, provocando somente perigo, nunca uma
agressão.

Legítima defesa e aberratio ictus (erro na execução):

Há quem entenda incompatível a legítima defesa com a “aberratio ictus”.


O artigo 25 do CP exige que a repulsa seja praticada contra o próprio autor

94 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

da agressão. Assim, segundo Nelson Hungria, não se pode reconhecer a


“aberratio ictus” na legítima defesa.

Outros doutos entendem perfeitamente aplicáveis a regra contida no artigo


73, CP. Deve-se considerar a vítima inocente atingida, como a pessoa do
agressor.

Exemplo: (A) avança para apunhalar (B), que saca sua arma, dispara, erra
o tiro e acerta (C), transeunte inocente. Aqui houve erro na execução. O
alvo era (B), não (C).

De acordo com Magalhães Noronha aplica-se a regra do artigo 73, CP.

De acordo com Aníbal Bruno, a questão é de estado de necessidade - art.


24 - em relação à vítima inocente. Preferimos o magistério de Magalhães
Noronha: aplica-se a regra do Art. 73, CP. Neste caso, conquanto presente
a excludente real de antijuridicidade, (B) ficará obrigado a reparar o dano
em relação à vítima inocente, após, regressivamente, buscará ressarcir-se
com o injusto agressor, se for o caso.

OFENDÍCULAS OU OFENDÍCULOS

São meios defensivos predispostos à defesa da propriedade.

Exemplo: Correntes elétricas, cacos de vidro, cerca de arame farpado,


arma de fogo que dispara automaticamente, armadilhas, etc. O proprietário
prepara a defesa visando fatos futuros, mas o aparelho só é acionado no
momento da agressão atual ou iminente.

Discute-se se seria hipótese de legítima defesa ou exercício regular do


direito. Nelson Hungria, Magalhães Noronha e Assis Toledo a entendem
como Legítima Defesa preordenada. Bethiol e Anibal Bruno a incluem no rol
do exercício regular de direito. Mirabete também. Pensamos tratar-se de
legítima defesa preordenada. Somos que se a ofendícula atinge pessoa
diversa do agressor haverá crime culposo. Há, contudo, quem defenda a
tese de que, neste caso, ocorreria legítima defesa putativa. Não
concordamos.

LEGÍTIMA DEFESA ANTECIPADA

Ocorreria quando, diante de grave ameaça irrogada por perigoso


assassino, v.g., o ameaçado se anteciparia ao ataque e o abateria.
Equipara-se ao perigo iminente. Discutível. A defende o professor e Juiz
Federal no Rio de Janeiro, William Douglas Resinete, mencionado pôr
Mirabete.
95 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO

O fato típico praticado no exercício regular do direito não constitui crime,


consoante dispõe o artigo 23, III, CP, parte final.

O Direito é um só. A divisão em ramos visa sua operacionalização didática.


As normas penais devem harmonizar-se com as normas extras penais.
Uma não exclui a outra. Ato lícito para o direito civil não pode ser ilícito para
o direito penal. Caso contrário haveria contradição jurídica. Assim, o fato
lícito diante do direito extra penal jamais poderá ser ilícito diante do direito
penal. A recíproca é verdadeira, porque onde houver ilicitude penal sempre
haverá ilicitude extra penal.

Cezar Roberto Bitencourt assim conceitua referido instituto:

“O exercício de um direito, desde que regular, não pode ser, ao mesmo


tempo, proibido pelo direito. Regular será o exercício que se contiver nos
limites objetivos e subjetivos, formais e materiais impostos pelos próprios
fins do direito. Fora desses limites, haverá o abuso de direito e estará,
portanto, excluída essa causa de justificação. O exercício regular de um
direito jamais poderá ser antijurídico.”
“Qualquer direito, público ou privado, penal ou extra penal, regularmente
exercido, afasta a antijuridicidade”.

Vejamos alguns exemplos de licitude extra penal que torna o fato lícito
também no penal:

Prisão pelo particular do bandido em flagrante - artigo 301, CPP: não


comete constrangimento ilegal - art. 146, CP.

Retenção de coisa alheia para ressarcir-se de dívida - artigo 516, CC: não
pratica apropriação indébita - art. 168, CP.

O castigo corporal moderado praticado pelos pais - artigo 384, I, CC: não
comete o crime de maus tratos - art. 136, CP.

O possuidor esbulhado que logo após a perda da posse a recupera pelo


desforço, até com violência - art. 502, CC: não comete o crime do art. 345,
CP.

Em todos esses casos a conduta do agente não é antijurídica porque a lei


penal ou extra penal a autoriza. Cuida-se, portanto do exercício de um
Direito. É uma faculdade. Também está incluído no rol de exercício regular
do direito as lesões e até mesmo a morte, dês que mantidas as regras do
desporto, causadas no jogo pelo atleta e no boxe pelo lutador.
96 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

O médico, por igual, no exercício de suas atividades, atua no exercício do


direito, não estado de necessidade de terceiro.

Somente poderá haver a invocação do estado de necessidade em matéria


cirúrgica em duas hipóteses:

A executada pelo leigo para salvar a vida de alguém, dada à ausência de


profissional especializado;

Quando executada pelo médico contra a vontade do próprio paciente ou


seu representante legal, para salvá-lo de perigo de vida art. 146, § 3º, I, CP.

Se não houver iminente ou atual perigo de vida, o médico somente poderá


realizar o ato cirúrgico com autorização do paciente ou de seu
representante legal, sob pena de responder por constrangimento ilegal -
artigo 146, CP.

ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL

O cumprimento de um dever legal exclui a antijuridicidade, pois seria ilógico


que a lei punisse quem cumprisse um dever que ela mesma impõe. No
estrito cumprimento do dever legal não há apenas a faculdade, mas a
obrigação de agir, diferindo, nesse passo, da excludente do exercício
regular do direito. O dever de agir emana da lei. Esta, porém, deve ser
entendida em sentido amplo: lei penal, lei extra penal, decreto,
regulamento, e qualquer norma de caráter geral formulada por autoridade
púbica na esfera de sua competência, se a norma tiver caráter particular,
de cunho administrativo, poderá configurar a obediência hierárquica,
mas não o dever legal. Deve cingir-se aos estritos limites permitidos
na lei. Se houver excesso o funcionário responde por ele. Por oportuno,
diga-se, não existe a justificante do estrito cumprimento do dever legal para
excluir a antijuridicidade no caso de homicídio, pela simples razão de
inexistir norma autorizando matar alguém por dever legal. Poderia existir se
o Brasil, por exemplo, adotasse a pena de morte. O executor da pena de
morte atuaria no estrito cumprimento do dever legal. Não haveria crime.

Conquanto Nelson Hungria entendesse que o estrito cumprimento do dever


legal requereria sempre a condição de agente público do autor, a doutrina
tem defendido a tese de sua possibilidade envolvendo particular.
Neste sentido de o destinatário dessa excludente de criminalidade envolver
o particular a lição de Cezar Roberto “Bitencourt: “Apesar de os
destinatários dessa excludente de criminalidade

Exemplo: Advogado processado por desobediência porque se recusa a


depor sobre fato envolvendo segredo profissional, pode invocar a
97 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

excludente do estrito cumprimento do dever legal; se o cliente autorizou a


divulgação do segredo, pode ainda o advogado invocar o exercício regular
do direito para não fazê-lo.

Em regra, a incidência do estrito cumprimento do dever legal dá-se nos


seguintes casos:

Policial que cumpre mandado de prisão não responde por constrangimento


ilegal ou abuso de autoridade;

Oficial de justiça que executa mandado de despejo;

Policial que evita fuga de preso;

Policial que efetua prisão em flagrante , etc.

Em qualquer caso, o agente responde pelo excesso a título de dolo ou de


culpa, Art. 23 § Único, CP.

Lembrando que o excesso, em qualquer das excludentes, pode se dar em


razão:

Da desnecessidade dos meios empregados;

Da imoderação no emprego dos meios;

Emprego desnecessário e imoderado dos meios.

DA CULPABILIDADE

Na culpabilidade examina-se se o fato típico e antijurídico deve ser


censurado pessoalmente ao agente. É o juízo de censura que analisa a
relação entre o autor e o fato praticado, indagando se ele tinha capacidade
penal; possibilidade de conhecer o caráter ilícito dele e se podia evitar o
mal cometido. O nosso Código Penal não define o que é culpabilidade.
Dessa tarefa encarrega-se a doutrina.

A respeito da matéria, desenvolveram-se três grandes teorias:

Teoria psicológica da culpabilidade: de acordo com essa teoria,


culpabilidade é o nexo psíquico que liga o delito ao seu autor, fazendo-o
penalmente responsável. Dolo e culpa são as duas espécies de
culpabilidade, que tem como pressuposto a imputabilidade do agente. Para
esta teoria, dolo e culpa estão na culpabilidade. O crime só seria doloso se
o agente tivesse ainda consciência da antijuridicidade. Referida teoria,
98 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

atualmente, tem interesse apenas histórico pelo que não vamos nos
estender muito na sua abordagem. Para esta teoria a culpabilidade é
composta de dolo abrangendo a consciência da ilicitude, e culpa,
tendo como pressuposto a imputabilidade.
Sintetizando: Para esta teoria, o dolo e a culpa não só eram as duas únicas
espécies de culpabilidade, mas também a sua totalidade, na medida em
que esta (culpabilidade) não apresentava nenhum outro elemento
constitutivo. A culpabilidade admitia somente como seu pressuposto a
imputabilidade, entendida como a capacidade de ser culpável.

Teoria normativa da culpabilidade ou psicológico-normativa: Para o


reconhecimento da culpabilidade, não basta o dolo ou a culpa, urge ainda a
possibilidade de a conduta realizar-se contrária ao Direito. Exclui-se a
culpabilidade quando não se pode exigir do agente um comportamento
conforme o Direito. Essa teoria diz, em síntese, que a culpabilidade é o
juízo de censura que se faz ao autor pela prática de um fato lesivo que
podia ter sido evitado. Dolo e culpa continuam integrar a culpabilidade,
exigindo-se ainda que o dolo contenha a consciência da ilicitude. Também
é teoria superada. A culpabilidade seria composta do dolo ou culpa
abrangendo a consciência da ilicitude, inexigibilidade de conduta
diversa, e do pressuposto da imputabilidade.
Sintetizando: A culpabilidade psicológica – normativa compõe-se dos
seguintes elementos:
1. Imputabilidade
2. Elemento psicológico – normativo (dolo ou culpa)
3. Exigibilidade de conduta conforme o direito

Teoria normativa pura, extremada ou estrita da culpabilidade: para esta


teoria (mais aceita pelo nosso código) dolo e culpa integram o tipo legal,
não a culpabilidade, ou seja, dolo e culpa integram a conduta humana,
portanto o fato típico. A culpabilidade, então, estruturada em
imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de
conduta diversa, passa a ser juízo normativo desprovida de qualquer
valoração psicológica. É juízo de valor a ser exercido pelo juiz ao autor do
fato típico e antijurídico. Culpabilidade é, em síntese, juízo de valor de
quem julga. Concentra-se na cabeça do juiz e não no psiquismo do réu.

DA TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO.

Para os defensores dos elementos negativos do tipo também denominada


de “Teoria do tipo total”, a ilicitude encontra-se fundida no fato típico. O fato
típico já traz a ilicitude. O crime possuiria como requisitos o fato típico e a
culpabilidade. A explicação para este pensar funda-se no princípio de que
uma conduta não pode, ao mesmo, ser proibida (fato típico), e permitida

99 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

(lícita, no caso de presente uma excludente de ilicitude: estado de


necessidade, legitima, etc.). Seria uma antinomia.

Logo, aduzem: “o fato só será típico se não estiver presente uma causa
de exclusão da ilicitude”. Daí, “Teoria dos elementos negativos do
tipo”. Assim, de acordo com esta teoria, o sujeito que matasse alguém,
v.g., em legitima defesa teria praticado conduta atípica eis que presente
uma causa de justificação. O fato só será típico se não for justificado (pela
existência de uma causa de justificação, de exclusão da antijuricidade ou
ilicitude).

Esta teoria tem pequena aceitação no Brasil. Entre nós prepondera a


dicotomia entre Fato Típico e Ilicitude ou Antijuricidade para efeito da
análise estratificada do crime. Contudo, não podemos deixar de reconhecer
certa lógica nesta teoria.

Alguns autores distinguem a teoria normativa da culpabilidade em Teoria


Normativa Pura Extremada e Teoria Normativa Pura Limitada da
culpabilidade. A distinção localiza-se na natureza do erro nas excludentes
putativas – art. 20, § 1º, CP. Se o erro do agente recair sobre elemento
fático do tipo permissivo (existência de injusta agressão, v.g., na legítima
defesa), cuidar-se-ia de verdadeiro erro de tipo escusável, aplicando-se o
disposto no caput do art. 20, CP. Ficaria afastado o dolo e a culpa. O fato
seria atípico por falta de conduta.

Se todavia o erro recair sobre a permissão quanto ao momento ou


extensão da excludente, será erro de proibição, excluindo-se a
culpabilidade por ausência de potencial consciência da ilicitude.

Exemplos: a) O agente supõe que seu inimigo vai sacar uma arma, e saca
a sua e o mata. Supôs, por erro, que havia uma injusta agressão iminente
(erro quanto um elemento fático – injusta agressão iminente do tipo
permissivo de legitima defesa). Neste caso, de acordo com os defensores
da Teoria Normativa Pura Limitada, ocorreria a atipicidade da conduta
por ausência de dolo e culpa, se escusável, ou apenas culpa, se
inescusável;

b) No mesmo caso, o inimigo, de fato, sacou um revólver, disparou


e o feriu levemente. Em seguida afastou-se, abandonando a consumação.
Agora saca sua arma e dispara matando o injusto agressor de momentos
antes. O erro agora não recaiu sobre elemento fático do tipo permissivo por
isso que a injusta agressão existiu; recaiu sobre a permissão temporal para
a repulsa. A lei autoriza a repulsa a injusta agressão atual ou iminente. No
caso sob análise a injusta agressão já havia cessado. Contudo o agente
supôs, por erro, que ainda estava autorizado a defender-se. Agora o erro
seria de proibição com as mesmas conseqüências do art. 21, caput, CP.
100 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Para nós as excludentes putativas do art. 20, § 1º, CP, serão sempre erro
de proibição afastando a potencial consciência da ilicitude, jamais o dolo, e
nem conseqüência a conduta. A defendem, todavia, Damásio, Fernando
Capez e outros adeptos da Teoria Normativa Limitada da Culpabilidade.
Defendem a Teoria Normativa Extremada Mirabete, Flávio Augusto
Monteiro de Barros, César Roberto Bittuicourt e outros.
Limitada porque quando o erro fosse sobre elemento fático do tipo
permissivo o juiz teria que analisar o fato sobre a ótica do autor (dolo que é
juízo psicológico) para dizer se houve ou não consciência e vontade que
são elementos do dolo; extremada, porque o erro é de proibição que afasta
a potencial consciência da ilicitude, elemento da culpabilidade, ensejando
um juízo normativo sob a ótica do juiz, não do autor.
Sumarizando: a) Limitada: As excludentes putativas podem ora ensejar o
erro de tipo escusável – art. 20, caput, ora o erro de proibição – art. 21,
caput, CP. No primeiro caso o juízo é psicológico: está na cabeça do autor;
no segundo é normativo puro: está na cabeça do juiz;
b)Extremada: As excludentes putativas serão sempre erro de
proibição. Jamais retiram o dolo. Excluem apenas a potencial consciência a
ilicitude que é elemento da culpabilidade. O juízo será sempre normativo.
Estará sempre na cabeça do juiz. A conduta sempre será dolosa. Mesmo
porque a lei diz “é isento de pena”.

Alguns autores chegam a afirmar que o “Código Penal adotou a Teoria


Normativa Limitada da Culpabilidade”. Não adotou.

CULPABILIDADE FORMAL E CULPABILIDADE MATERIAL


A culpabilidade formal é o juízo de censura atribuído ao autor do fato típico
e antijurídico, dentro dos critérios vetores que a viabilizam, quais sejam: A
existência de imputabilidade, a consciência potencial da ilicitude e a
exigência de atuação conforme o ordenamento jurídico penal.
Sob o aspecto formal a culpabilidade é o princípio basilar do legislador para
construir o tipo penal na parte sancionadora.

Já a culpabilidade material é o juízo de reprovação da conduta realizado “


in concreto”, quando verificado a ocorrência do fato típico, antijurídico e
sendo certo o seu autor apresentando as configuradoras da imputabilidade,
do potencial conhecimento do injusto e que valendo-se de sua livre
determinação escolheu optar pelo injusto, sem estar fundamentado em
qualquer causa de exclusão da culpabilidade. Serve a culpabilidade
material para fundamentar a pena.

C0- CULPABILIDADE:

Guilherme de Sousa Nucci assim a define: “Trata-se da reprovação


conjunta que deve ser exercida sobre o Estado, tanto quanto se faz com
101 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

relação ao autor de uma infração penal, quando se verifica não ter sido
proporcionada a todos igualdade de oportunidades na vida, significando,
pois, que alguns tendem ao crime por falta de opção”

Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, esclarecem, “Há


sujeitos que têm um menor âmbito de autodeterminação, condicionado
desta maneira por causas sociais. Não será possível atribuir estas causas
sociais ao sujeito e sobrecarregá-lo com elas no momento da reprovação
da culpabilidade” . Sintetizando o pensamento dos ilustres autores deveria
haver a aplicação da atenuante inominada do art. 66 do CP “A pena poderá
ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou
posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei”.

CULPABILIDADE DE ATO E CULPABILIDADE DE AUTOR.

Pode-se falar em um direito penal de fato e de um direito penal do autor.


No direito penal do fato aprecia-se o fato praticado pelo agente (homicídio,
por exemplo), e não o agente do fato (sujeito ativo da infração penal).
Ao contrário mo direito penal do autor, o foco não será precipuamente o
fato praticado pelo agente, mas sim a própria pessoa que cometeu a
infração penal.
Claus Roxin talvez seja quem deu a melhor definição para estes institutos:
“Por direito penal do fato se entende uma regulação legal, em virtude da
qual a punibilidade se vincula a uma ação concreta descrita tipicamente
e a sanção representa somente a resposta ao fato individual, e não a
toda a condução da vida do autor ou aos perigos que no futuro se
esperam do mesmo. Ao contrário, se tratará de um direito penal do autor
quando a pena se vincule à personalidade do autor e seja a sua anti –
sociedade e o grau da mesma que determine a sanção.”

SINTETIZANDO: A culpabilidade do ato seria a reprovação do sujeito ativo


da infração penal por aquilo que realizou, considerando sua capacidade de
autodeterminação.
Na culpabilidade do autor o que é censurado ou reprovado é o homem
como ele é , e não aquilo que fez.

Definida a culpabilidade cabe agora analisar os vários elementos que


a compõe: Imputabilidade, Potencial Consciência da Ilicitude, Exigibilidade
de Conduta Diversa.

DA IMPUTABILIDADE

102 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

CONCEITO

O nosso Código Penal não se preocupou em definir o que seja


imputabilidade. O conceito é obtido por exclusão ao se analisar o conceito
de inimputável contido no art. 26, caput; 27; 28, § 1º, CP e 19 lei 6368/76.

"Assim, imputável é o homem que, ao tempo da conduta, apresenta


maturidade mental para entender o caráter criminoso do fato e determinar-
se de acordo com esse entendimento."

A imputabilidade torna o agente responsável pela prática do delito,


sujeitando-o à imposição da pena, desde que presentes os demais
elementos da culpabilidade.

CAUSAS DE EXCLUSÃO DA IMPUTABILIDADE

Três teorias procuram resolver a questão da imputabilidade:

Sistema biológico ou etiológico: para esse sistema a inimputabilidade


decorre do simples fato de ser o agente portador de causa mental
deficiente. Não há qualquer indagação quanto ao agente possuir
capacidade de compreender o caráter ilícito do fato, no momento da ação
ou omissão. Em resumo o simples fato de alguém ser portador de doença
mental ou possuir desenvolvimento incompleto é razão suficiente para ser
considerado inimputável.

Sistema psicológico: para essa teoria é suficiente que o agente no


momento do fato não possua capacidade de compreender o caráter ilícito
dele. Não se indaga se essa incapacidade decorre de deficiência mental
preexistente ou de outra causa, v.g., embriaguez. Indaga-se de acordo com
esta teoria se ao tempo da conduta humana reprovável estava abolida no
agente, seja qual for à causa, a faculdade de apreciar a criminalidade do
fato e de determinar-se de acordo com este entendimento.

Sistema biopsicológico: adotado como regra pelo código penal nos


artigos 26, caput, 28, § 1º CP; 19 Lei 6368/76. Requer a combinação dos
dois sistemas anteriores: inimputável será aquele que, em razão de doença
mental era ao tempo do fato incapaz de compreender o caráter ilícito, ou
em razão de embriaguez completa causada por caso fortuito ou força
maior, ou ainda em razão da dependência toxicológica e sob seu efeito,
não possui capacidade de se autodeterminar.

Contudo, o nosso CP abriu uma exceção ao critério biopsicológico ao


admitir o critério biológico puro para o menor de 18 anos - art. 27, CP. Aqui
há uma presunção absoluta de que o menor de 18 anos não possui
103 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
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capacidade de autodeterminar-se. A imputabilidade do agente é aferida no


momento da conduta.

EFEITOS

À exceção dos menores de 18 anos, os demais inimputáveis são


processados e julgados pela justiça penal. A sentença, conquanto
absolutória, impõe-lhes uma medida de segurança - art. 96 e seguintes, do
CP, ou tratamento médico no caso do toxicômano, Art. 19, Lei 6.368/76,
salvo no caso previsto no art. 28, § 1º, CP, em que a sentença é absolutória
pura. Não há medida alguma.

Em se tratando de inimputabilidade, o juízo de culpabilidade é substituído


pelo de periculosidade. O fato, contudo, há que ser típico e antijurídico.

EMBRIAGUEZ E IMPUTABILIDADE

Embriaguez é a intoxicação produzida pelo álcool ou substâncias de efeitos


análogos (maconha, cocaína, heroína, etc.).

O ébrio patológico, crônico, deve ser tomado a conta de doente mental -


artigo 26, caput.

Desse tipo de embriaguez não cuida o artigo 28, CP.

SITUAÇÃO DA EMBRIAGUEZ PERANTE O CÓDIGO PENAL.

A embriaguez voluntária ou culposa, quer seja completa, quer seja


incompleta, não exclui a imputabilidade penal. A embriaguez preordenada
ainda provoca o agravamento de pena - artigo 61, II, L, CP.

A embriaguez acidental completa desde que suprima a capacidade de o


agente entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com
esse entendimento, exclui a imputabilidade penal (artigo 28 § 1º, CP); mas
se apenas diminui a capacidade de entender ou de querer, a pena será
reduzida de 1/3 a 2/3 (art. 28, §2º, CP).

DA "ACTIO LIBERA IN CAUSA"

Nem sempre a embriaguez suprime ou diminui a capacidade de o agente


entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento no momento da ação ou da omissão. Assim, quando não há
104 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
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supressão nem diminuição da capacidade intelectual-volitiva para justificar


a punição do ébrio, não há necessidade de invocar a teoria da "actio libera
in causa”. Nessas situações o dolo e a culpa, conforme os casos, já se
encontram presentes no momento da conduta ou ação.

Se, ao contrário, o ébrio, ao tempo da ação ou omissão, encontra-se em


estado de inconsciência ou semiconsciência, a Ciência Penal, para justificar
a sua punição, invoca a teoria da "actio libera in causa” (ações livre na
sua causa), responsabilizando o agente por momentos que antecederam o
delito, quando se embriagou.

De acordo com essa teoria, imputa-se-lhe o delito por dolo ou culpa


existente no período anterior a pratica do crime, isto é, no momento anterior
à embriaguez. Exemplo clássico é o da embriaguez preordenada, em que o
agente põe-se em estado de inconsciência para a prática de determinado
crime, que lhe é imputado em virtude do dolo manifestado no momento
anterior à embriaguez. Aplica-se a máxima: "a causa da causa é também
causa do que foi causado".
Há quem entenda e nesta linha de raciocínio citam-se os magistérios de
José Frederico Marques, Magalhães Noronha, Munhoz Neto que a teoria
da “actio libera in causa” (ação livre na sua origem) somente é cabível
nos delitos preordenados (cuidando-se do dolo), ou com flagrante
imprudência no momento de ingerir substâncias alcoólicas.
Finalizando trazemos a colação o magistério de Narcelio de Queiroz ao
conceituar as ações livres na “causa:” São os casos em que alguém, no
estado de não imputabilidade, é causador, por ação ou omissão, de algum
resultado punível, tendo se colocado naquele estado, ou propositadamente,
com a intenção de produzir o evento lesivo, ou sem essa intenção, mas
tendo previsto a possibilidade do resultado, ou ainda, quando a podia ou
devia prever”.

Vejamos alguns exemplos:

o guarda-chaves da estrada de ferro querendo provocar um choque entre


os trens, embriaga-se, propositadamente, para, no momento oportuno e
que era exigida sua atuação, deixar de abrir os desvios ocasionando a
colisão e causando várias mortes;

o motorista embriaga-se, voluntariamente, e depois pega a direção do


automóvel, adormecendo no volante, provocando acidente em que morre
terceiro.

Em ambos os casos os agentes estavam inconscientes no momento dos


fatos, portanto agiram sem dolo ou culpa. Para puni-los devemos retroagir

105 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
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no tempo para alcançarmos o instante em que se embriagaram e indagar


da vontade de cada um respeitante aos fatos ocorridos:

Queria o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo: responde por crime


doloso, com a agravante do artigo 61, II, L, CP, se dolo direto
(preordenada).

Não queria nem assumiu o risco de causar o resultado, mas agiu com
imprudência: homicídio culposo.

Por outro lado, a "actio libera in causa” não se limita à embriaguez. Aplica-
se também a outras hipóteses em que o agente dolosa ou culposamente,
põe-se voluntariamente ou propositadamente, em estado de inconsciência.

Há quem afirme, e com razão, que o nosso Código consagrou a


responsabilidade objetiva ao prever "que a embriaguez voluntária ou
culposa não fasta a imputabilidade".

De algum tempo e até esta data a doutrina, apoiada no princípio Nullum


crimem sine culpa, tem excluído a responsabilidade penal nos casos em
que o agente comete o crime em total estado de inconsciência, desde que
ao tempo da embriaguez o resultado lesivo não pudesse nem mesmo ser
previsto pelo homem médio. É discutível...

A "actio libera in causa” pode ocorrer nos seguintes casos:

O agente se embriaga para cometer o crime: dolo direto, com a


agravante do art. 61, II, "L", CP, preordenação.

O agente se embriaga assumido o risco de vir a cometer o crime: dolo


eventual. Não há agravação.

O agente se embriaga prevendo a possibilidade da prática do crime,


mas acredita sinceramente que não irá praticá-lo: culpa consciente.

O agente se embriaga sem prever a prática do crime, embora devesse


prevê-la, uma vez que o resultado era previsível ao homem médio
(embriaga-se e depois sai dirigindo seu automóvel): culpa inconsciente.
A grande maioria.

Nas hipóteses previstas nas letras "c" e "d", só responderá pelo crime
se este for previsto na forma culposa a doutrina, há que se reconhecer
três fases na embriaguez: 1ª fase: da excitação ou fase do "macaco; 2ª
fase. Convém lembrar, ainda, que de acordo com: da depressão, ou fase
do "leão"; 3ª fase: do coma, ou fase do "porco". O agente cai em sono
profundo.
106 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Na terceira fase o agente só comete crime omissivo impróprio, ou comissivo


por omissão. Deve figurar no rol previsto no artigo 13, § 2º, alíneas "A", "B"
e "C", do CP.

Nesta fase, (do porco), o agente não responde por crime omissivo puro
ou próprio.

CLASSIFICAÇÃO DA EMBRIAGUEZ

Quanto a sua intensidade:

Completa (Plena): é a que atingiu a 2a ou a 3a fase;


Incompleta (Semiplena): atingiu apenas a 1a fase.

Quanto a origem:

Voluntária: o agente bebe porque quer se embriagar;

b. Culposa: o agente quer apenas beber, sem embriagar-se, mas excede-


se no limite, ou possui especial condição patológica que o impediria de
beber, agindo com imprudência.

Preordenada ou dolosa: o agente embriaga-se com o fim especial de


cometer o crime. Neste caso, apenas neste, aplica-se a agravante genérica
já citada;

Acidental: quando decorrente de caso fortuito ou força maior. Neste último


caso, se parcial ou incompleta haverá o crime com a diminuição da pena
prevista no art. 28, parágrafo 2o, CP; Se total ou completa e que em sua
decorrência impede o agente de se auto determinar, exclui a imputabilidade
do agente: art. 28. Parágrafo 1 o, CP. Aqui se dá a absolvição pura e
simples sem imposição de medida de segurança.

Caso Fortuito: o agente desconhece o efeito embriagante da bebida, ou


não sabe que é portador de particular condição fisiológica que o torna muito
sensível ao álcool.

Força Maior: o agente é coagido a beber ou ingerir substância análoga ou,


então, por motivos de trabalho ou outro qualquer (moradia, por exemplo), é
obrigado a permanecer no local que contém vapores embriagantes.

A embriaguez admite todo tipo de prova, incluindo a prova testemunhal. O


mais seguro, contudo, ainda é o exame de sangue. Todavia ninguém é
obrigado a extrair sangue ou submeter-se ao bafômetro, face os princípios
107 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
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constitucionais da ampla defesa e do direito ao silêncio. Ninguém está


obrigado a produzir prova criminal contra si mesmo.

Inclusive o médico que presta os primeiros socorros ao motorista


embriagado que acabou de cometer dano à alguém, não pode revelar às
autoridades policial e judicial o estado de embriaguez do paciente, sob
pena de cometer crime de violação de segredo profissional - art. 154, CP.

A EMOÇÃO E A PAIXÃO

CONCEITO

Emoção é a perturbação psíquica transitória: fúria, pavor, alegria,


ansiedade, prazer sexual, vergonha, surpresa, etc.

Paixão é a perturbação psíquica duradoura: amor, vingança, ódio,


ciúme, inveja, fanatismo, ambição, etc.

Ambas provocam instabilidade tocante ao autocontrole. A diferença entre


uma e outra está apenas na duração. Ainda que revestidas de grande
intensidade, não excluem a imputabilidade penal. Contudo, em razão de
sua natureza: social ou anti-social, poderá, dependendo do caso concreto,
operar uma circunstância contra ou a favor do agente.

Exemplos:

Emoção: após ofensas à sua honra o agente mata o ofensor presa de


grande cólera: art. 121, parágrafo 1o, CP: “violenta emoção”. (circunstância
favorável), social;

Paixão: por inveja, mata seu desafeto: artigo 121, parágrafo 2 o, I, CP:
“motivo fútil” (circunstância desfavorável), antisocial.

Registre-se, por oportuno, que estamos falando da paixão ou emoção


normais. Quando estas são de tal ordem que suprimem a capacidade de
autodeterminar-se do agente, impedindo-o de compreender o caráter ilícito
do fato, equiparam-se às psicoses, numerando-se no rol das doenças
mentais presentes no caput do artigo 26, CP, podendo o indivíduo ser
enquadrado como inimputável ou semi-imputável, conforme o caso.

2. DA POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE

108 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

CONCEITO

Presentemente, face o princípio nullum crimem sine culpa, não se


concebe uma culpabilidade desprovida de seu requisito “potencial
consciência da ilicitude”. A pena só se justifica em relação ao agente que,
ao cometer o fato típico tinha, ao menos, a possibilidade de entender o seu
caráter ilícito. No passado duas teorias tiveram prevalência respeitante à
consciência da ilicitude:

Teoria Formal: defendida por liszt, binding e beling, exigia-se que o


agente conhecesse a norma penal violada. Ausente esse conhecimento do
artigo legal da lei excluía-se a culpabilidade;

Teoria Material: defendida por Mayer e Arthur Kaufmann, exigia-se o


conhecimento do fato praticado. Não era necessário o conhecimento da
norma legal violada. Era a também denominada “consciência real da
ilicitude”. Ausente esse conhecimento excluía-se a culpabilidade.

c) Teoria Intermediária ou Jurídica da Ilicitude: posteriormente surgiu


nova escola apoiada por Welzel e outros, também denominada de “teoria
intermediária ou jurídica da consciência da ilicitude”, que passaram a
analisar a questão sob novo prisma: não é preciso o conhecimento real da
ilicitude do fato. Basta a possibilidade de conhecer esta ilicitude, ou seja,
basta o conhecimento potencial da ilicitude. Ninguém está obrigado a
conhecer o artigo 121, CP; mas se o indivíduo possuir potencial de
conhecer que o ato é anti-social (porque não é louco, etc.), então sua
conduta será culpável, se lhe for exigível conduta conforme o direito.
Em síntese: Consciência real e consciência potencial sobre a ilicitude do
fato: A diferença crucial reside no fato de que na consciência real o agente
deve efetivamente saber que a conduta praticada é ilícita, ao passo que na
consciência potencial é suficiente a possibilidade que o agente tinha de no
caso concreto, alcançar este conhecimento.

Assim, dificilmente alguém poderia ignorar a proibição de matar, roubar,


estuprar, furtar, etc., embora não tenha conhecimento dos artigos da lei.
(artigo 3o, LICC e 21 CP): “ninguém se escusa de cumprir a lei alegando
que não a conhece”. Esta é a Teoria adotada atualmente.

CAUSAS QUE EXCLUEM A POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE

Erro de Proibição - art. 21, CP: a distinção entre ignorância e erro da lei é
puramente psicológica. Ignorância é o total desconhecimento sobre a
existência de certo objeto; Erro é a apreciação errônea acerca desse objeto.

109 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

No plano jurídico, todavia, as duas expressões equiparam-se. O erro ou


ignorância da LEI (artigo) é o mero desconhecimento da norma.

Em regra, não exclui a culpabilidade. Produz, contudo, alguns efeitos


no plano penal:

funciona como atenuante genérica (art. 65, II, CP);

autoriza o perdão judicial nas contravenções penais, se escusáveis (art. 8 o,


LCP).

Fora desses casos, o erro ou ignorância da Lei é inócuo sob o ponto de


vista penal.

O erro de proibição, porém, consiste na ausência de consciência da


ilicitude do fato, afasta a potencial consciência da ilicitude, excluindo a
culpabilidade por inexistência desse requisito.

O agente até pode conhecer o artigo da lei. O que ele não tem é a
possibilidade de conhecer a ilicitude do fato.

Vejamos alguns exemplos:

agente que conduz arma de fogo, legalmente registrada em seu nome, na


cabine do caminhão onde mora, supondo, por erro, que a cabine do
caminhão é “casa” para os efeitos da lei, praticando porte ilegal de arma
de fogo;

estrangeira que descobre-se grávida no Brasil e resolve praticar o auto-


aborto que em seu país é legal errando quanto a proibição do aborto;

o rurícula que resolve matar uma raposa, errando quanto a proibição de


matar animais silvestres;

o estrangeiro que resolve trazer consigo para uso próprio cigarros de


maconha que em seu país é permitido, errando quanto ao crime previsto no
artigo 16, da Lei 6368/76, etc...

Observe que em todos os exemplos citados o agente sabe o que faz,


porque se não soubesse seria erro de tipo. Apenas ele julga lícita a
conduta. Há que ser escusável o erro. Assim, se o motorista do caminhão
fosse, v.g., um advogado, não poderia invocar o erro de proibição. Haveria
uma presunção “iuris tantum” de que ele sabia que estava cometendo
crime; a estrangeira não poderia, v.g., morar em algum estado dos EUA,
que proíbe o aborto enquanto outros o admitem; o rurícula não poderia,

110 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

v.g., ser pessoa esclarecida; o estrangeiro não poderia ser pessoa com
farta entrada e permanência no Brasil, etc.

O erro de proibição deve, para ser reconhecido, estar amplamente provado


pelo autor do fato.

No erro de proibição sempre a conduta será dolosa. Se escusável afasta a


culpabilidade; se inescusável haverá diminuição da pena.

No erro de tipo o dolo sempre será afastado, seja escusável ou inescusável


o erro, respondendo o agente, caso o erro seja inescusável, por crime
culposo se houver previsão legal. No erro de proibição inescusável o
agente responde pelo crime doloso, com a diminuição presente no caput do
artigo 21, CP; se escusável não haverá crime por ausência de
culpabilidade.

Descriminantes putativas - artigo 20, § 1º, CP: o agente supõe uma


situação de fato que, se existisse, tornaria a sua ação legítima. Ele se
imagina em uma das situações fáticas de legítima defesa, estado de
necessidade, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular do
direito do artigo 23, Código Penal, que tornaria sua conduta jurídica,
legítima.

Se escusável o erro, exclui-se a culpabilidade; se inescusável, responde


por crime culposo, se houver previsão legal. Quando erro é inescusável e
há previsão de crime culposo, é quando se dá o fenômeno da chamada
“culpa imprópria”. Imprópria porque o agente queria praticar o fato. Cuida-
se de política criminal.

Exemplos:

Segurança de uma loja prende em flagrante mulher que recolocava


preciosa jóia de sua propriedade de volta à bolsa de onde a tirara para
fazer comparações com outras ali expostas, supondo, por erro, que
estava em curso um furto: exercício regular de direito putativo;

Sujeito atira em seu desafeto quando aquele enfia a mão no bolso do


paletó, supondo que procurava sua arma, quando na verdade
procurava um lenço: legítima defesa putativa;

Agente que vê um imenso cão vindo em sua direção e supondo


prestes a ser atacado, desconhecendo que o animal é manso e
adestrado, além de estar sendo conduzido por seu dono à distância,
arromba a porta e ingressa na casa de alguém para “fugir” do
cachorro: estado de necessidade putativo;

111 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

Policial vê alguém brincando com outro com a mão no bolso


simulando um assalto e atira-se sobre o “ladrão” e o algema
imaginando estar em curso um roubo: estrito cumprimento do dever legal
putativo.

Em todos esses casos o erro escusável exclui a culpabilidade. Se


inescusável o erro, o agente responde por crime culposo, em havendo
previsão legal. Se não houver, o agente fica impune. Dos exemplos citados
o único que prevê forma culposa é o da letra “b”: homicídio culposo. Artigo
121, parágrafo 3o, CP.

Obediência hierárquica - diz o artigo 22, 2a parte, do CP:

“Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência


a ordem, não manifestadamente ilegal, de superior hierárquico, só é
punível o autor da coação ou da ordem”.

A ordem do superior hierárquico pode ser:

legal: não há crime para nenhum dos dois;

manifestamente ilegal: ambos respondem pelo crime. O subalterno terá a


seu favor a atenuante presente no artigo 65, III, “c”, do CP. Há entre eles
concurso de pessoas;

Não manifestamente ilegal: só responde o mandante. É necessário,


contudo, que o executor não exceda os limites da ordem; e que o executor
da ordem não manifestamente ilegal não tenha potencial consciência da
ilicitude do fato no momento que executou-a.

A ordem para ser legal deve preencher os seguintes requisitos:

emanar da autoridade pública competente e hierarquicamente superior;


apresentar conteúdo lícito;

observar as formalidades legais;

ter o subalterno competência para executá-la.

Se a ordem não preencher esses requisitos é ilegal. A ilegalidade da


ordem, contudo, por ausência desses requisitos, pode ser manifesta ou
não manifestamente ilegal. A exclusão da culpabilidade por ausência de
potencial consciência da ilicitude (o agente achava que sua conduta era
lícita) somente ocorrerá se a ordem for não manifestamente ilegal.

112 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

Exemplo: Delegado de polícia, por vingança, manda que se invada


domicílio de seu desafeto onde, segundo ele, “foi informado existir grande
quantidade de cocaína”, levando seu subalterno a praticar fato previsto na
lei 4898/65, como crime de abuso de autoridade. Só responde o superior. A
ordem aqui não era manifestamente ilegal.

A exclusão da culpabilidade em comento somente aproveita aquele que se


encontra ligado ao superior por relação de Direito Público. Se o agente for
particular, conforme o caso poderá invocar a excludente da coação moral
irresistível prevista no mesmo artigo 22, do CP, mas que com aquela não
se confundem. Ambas, contudo, excluem a culpabilidade; a primeira por
ausência de potencial consciência da ilicitude; a Segunda por
inexigibilidade de conduta diversa.

3. DA EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA

Conceito: Não basta, no campo da culpabilidade, que o agente seja


imputável e possua potencial consciência da ilicitude. É necessário que a
conduta ilícita tenha sido realizada em circunstâncias normais, de modo
que o agente podia e devia proceder conforme o direito, não contrário a ele.

Assim, a inexigibilidade de uma conduta conforme o direito, exclui a


culpabilidade do autor. Essa eximente possui, sobretudo, razões de
humanitarismo. Não se podia exigir dele outra conduta senão aquela.
Principalmente na análise da exigibilidade de conduta diversa é que
sobressai a teoria normativa pura como opção para o legislador na análise
da culpabilidade: caberá ao Juiz à luz das provas e evidências outras,
concluir se era ou não exigível do agente outra conduta que não a levada a
termo por ele. Por isso diz-se que o nosso Código Penal adotou a teoria
normativa pura para tratar do juízo de culpabilidade.

O grande imbróglio para os acadêmicos de Direito, principalmente, é


entender a expressão normativo, sob o ponto de vista etimológico.

Normativo deriva de norma, ou seja: tudo que tem sua origem em certo
assunto escrito na lei ou que se origina de conceitos petrificados, embora
não previstos em lei, no sentido amplo ou estrito, pela sociedade ou outras
vertentes científicas. Assim, o incesto embora não seja crime, é,
normativamente, através dos tempos, considerado um ilícito moral, e até
mesmo um ilícito civil.

Quando se diz que a teoria adotada pelo Código Penal para análise da
culpabilidade é a normativa pura, quer se afirmar com isso que ao
Magistrado caberá fazer um juízo de valor sobre o homem autor do
113 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

fato, tendo como supedâneos deste juízo a lei (norma em sentido


estrito), os valores sociais contrariados com a conduta do agente,
bem como de todas as circunstâncias que envolvem o fato e seu autor
(norma em sentido amplo), mas sob a sua ótica, não do réu.

SUMARIZANDO ESSE ESCLARECIMENTO:

quando o juiz, verificando que o autor de determinado fato previsto na lei


como crime, por isso que tem nos autos a certidão de nascimento, é menor
de 18 anos, exerce um Juízo puramente normativo (com base na lei artigo
27, CP), ao declarar sua inimputabilidade. Não indagará mais nada. Anula o
processo e o remete ao juízo da infância e da juventude.

Se o autor é portador de doença mental que o torna incapaz de


compreender, parcial ou totalmente, o caráter ilícito do fato, o Juiz exercerá
aqui um juízo normativo: primeiro verifica a hipótese legal (artigo 26, caput,
ou parágrafo único), ao depois novamente analisa à luz da normatividade
social e até mesmo de outras ciências (psicologia, psiquiatria, medicina,
etc.), se a doença, face o ocorrido e da forma que ocorreu, de fato, o
impediu de compreender o caráter ilícito da conduta cometida. Quem diz se
ele é “doido” é o Juiz, não o acusado. Ainda quando a psiquiatria disser que
ele é “doido”, será o Juiz quem normatizará o tema dizendo: é “doido” ou
“não é doido”.

Quando, finalmente, diante da alegação da ausência, em tese, de


“potencial consciência da ilicitude” ou de “inexigibilidade de conduta
diversa”, caberá também ao Juiz, diante do caso concreto normatizar o
seu “decisum” reconhecendo ou não o alegado pelo acusado. A sua
normatização naquele caso específico, obrigatoriamente, terá
embasamento em normas legais e normas sociais. As primeiras
encontradiças na lei; as segundas na convivência social, e no seu próprio
sentir.

Assim, se alguém invoca “coação moral irresistível” como motivação da sua


conduta de matar outrem, o Juiz verifica se está prevista na lei essa
excludente de culpabilidade (norma legal), ao depois se a coação invocada
de fato ocorreu e, se ocorreu, foi de tal ordem que justificasse o fazer do
acusado (norma social). Estando presente estas premissas o Juiz prolatará
sua decisão, condenando ou absolvendo (juízo normativo da culpabilidade).

CAUSAS SUPRALEGAIS DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE

114 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

Conceito: As causas legais de exclusão da culpabilidade são aquelas


previstas em lei: artigos 20, parágrafo 1o, 21 caput, 22, 26, caput, 27, 28,
parágrafo 1o, do Código Penal; 19, Lei 6368/76.

Discute-se, todavia, se a inexigibilidade de conduta diversa pode extinguir a


culpabilidade de outros casos não previstos em lei, ou se deve ficar restrita
à coação moral irresistível. O Código só prevê como causa legal a coação –
artigo 22, CP.

Alguns doutrinadores posicionam-se contrários à sua aplicação. Outros,


contudo, a aceitam.

Pessoalmente penso que se deve ter muita cautela na sua aceitação,


embora não seja totalmente contrário. Não há como deixar de se
reconhecer, por exemplo, diante da vedação do estado de necessidade
para quem tem o dever legal de arrostar o perigo – artigo 24, parágrafo 1º,
CP – a inexigibilidade de conduta diversa supra legal quando “enfrentar o
perigo” fosse o mesmo “que enfrentar a morte”. Hipotise um soldado do
corpo de bombeiros diante da seguinte situação: se deixar o local em
chamas sozinho poderá salvar-se; mas se levar consigo o velho enfermo
que carrega nos braços, morrerá com ele. Deixa o velho que de fato morre,
e salva-se. Neste caso não poderá ele invocar a inexigibilidade de conduta
diversa como excludente da culpabilidade? Sou que poderá. Neste e em
outros casos, porém, com cuidado para não transformar o instituto numa
verdadeira “caixa de pandora”.

Ausente qualquer dos requisitos da culpabilidade também inexistirá crime a


nosso pensar.

Alguns doutrinadores (Damásio, Mirabete, entre outros) como já ditos,


adotam entendimento diferente: “A culpabilidade é puro juízo de
aplicação da pena. O crime é o fato típico e antijurídico. A culpabilidade não
o integra. Tanto é assim que o Código Penal ao referir-se à imputabilidade,
erro de proibição, descriminantes putativas, diz “é isento de pena”, mas
quando refere-se as excludentes de crime – artigo 23, CP – afirma: não há
crime”, aduzem.

Não concordamos com esse pensar, com a maioria dos doutrinadores do


país. Crime é fato típico, antijurídico e culpável. Não há crime sem
culpabilidade.

Ademais o legislador usa a expressão “é isento de pena” para referir-se às


escusas absolutórias (artigos 181 e 348, parágrafo 2o, CP), embora o crime
permaneça intacto, e “não é punível”, para excluir o crime dos artigos 128,
I, 156, parágrafo 2o, 146, § 3º, CP (segundo a cátedra do próprio Damásio),
havendo dissenso quanto a tratar-se nestes últimos de exclusão da
115 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

tipicidade ou antijuridicidade. Acresça-se também em reforço à nossa tese,


de que o inimputável não comete crime, face o disposto no art. 97, do CP,
que na Segunda parte do dispositivo em comento o legislador diz: “... Se,
todavia o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o
juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial”. Logo o inimputável comete
fato previsto como crime, não crime.

A previsão contida no artigo 180, parágrafo 4º, CP, segundo a qual “a


receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do
crime de que proveio a coisa”, invocada como suporte por aqueles que
defendem que o crime é fato típico e antijurídico, também por si só não
convence. Mesmo porque, como já foi dito, a lei usa a expressão “isento de
pena” tanto para referir-se às exculpantes quanto às escusas absolutórias.
E o artigo 181, CP, prevê hipótese de escusa absolutória nos crimes
patrimoniais.

Outras considerações poderiam ainda ser trazidas à lune. Todavia este não
é o espaço adequado por pretender o autor apenas passar noções
elementares sobre a teoria do crime.

Todavia, uma última “quaestio” se nos apresenta: quais as implicações


residuais de natureza penal, que restaria para aquele que foi absolvido com
fundamento em excludente ou eximente no juízo penal? Com exceção da
inimputabilidade, artigos 26, caput, CP, e 19, caput, lei 6368/76, aos quais
se aplica, no primeiro caso, medida de segurança e no segundo tratamento
médico compulsório, e ainda no caso do adolescente – menor de 18 e
maior de 12 anos – a que se aplica, se for o caso, medida sócio-educativa
(lei 8.069/99), não há outras de natureza penal. No juízo Civil, restará, para
o que foi absolvido por ausência de culpabilidade, a eventual obrigação
residual de recompor o dano causado. Se foi absolvido com base em uma
das excludentes reais previstas no artigo 23, CP, por força do que dispõe o
artigo 65, CPP, tal decisão faz coisa julgada no civil, afastando essa
recomposição, em regra. Em regra porque em ocorrendo erro na execução
a obrigação não seria afastada como já afirmado linhas atrás. Tal previsão
também encontra supedâneo no Código Civil, artigo 1525. Finalmente o art.
386, V, do CPP, não distingue como fundamentação de absolvição a
excludente de antijuridicidade da de culpabilidade.

Vale ressaltar, por derradeiro, que a eventual obrigação de indenizar a


vítima no civil pelo agente absolvido com fundamento em uma causa
esculpante não é absoluta: requererá um processo de conhecimento
naquele juízo, garantida a ampla defesa. Assim, ainda que em tese seja
possível à vítima vir a ser indenizada, lá se discutirá o dolo e a culpa civil do
autor, podendo este, inclusive, eximir-se desta obrigação.

116 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

Conclui-se, portanto, que no juízo penal, ser absolvido em razão de uma


excludente de antijuridicidade ou de culpabilidade tem o mesmo efeito. Os
artigos 91 e 92, do CP, cuidam “dos efeitos da condenação”.

Sendo assim, pergunta-se: qual a distinção relevante, sob a perspectiva


penal, em afirmar-se que o crime é fato típico e antijurídico apenas, e
não fato típico, antijurídico e culpável?

Aduzirão alguns: “ora, sendo o crime composto do Fato Típico e


Antijurídico, funcionando a culpabilidade como mero juízo de aplicação da
pena, não seria possível ao promotor e ao Juiz, por exemplo, apreciar
eventual eximente por ocasião da oferta de denúncia ou queixa ou de seu
recebimento, por isso que tal apreciação somente seria possível após a
instrução criminal, ocasião adequada para se valorar questões envolvendo
a culpabilidade, o que presumiria a existência de um processo regular, por
isso que a culpabilidade é voltada para a análise do homem autor de um
fato típico e antijurídico”.

Se por um lado concordamos que na maioria dos casos da análise de


algumas das excludentes de culpabilidade sua apreciação só é possível
após a instrução, o que de resto também ocorre nas hipóteses de
exclusão da ilicitude e mesmo do fato típico, não é menos verdade que
nada impede, em alguns casos especiais tal juízo possa ser efetivado
mesmo antes do oferecimento da denúncia ou queixa, ou ainda por ocasião
do recebimento da denúncia, rejeitando-a o Juiz.

Vejamos um exemplo:

“- Cerca de seis anos atrás, um jornal alemão noticiou o seguinte fato:


Quatro cientistas trabalhavam já alguns anos na pesquisa de certo
medicamento, manuseando diariamente certas substâncias que
exalavam poderosa toxina altamente nociva ao homem em razão de
seus excepcionais efeitos inebriantes. Em razão disso, antes da
equipe ingressar no laboratório todos vestiam roupagem especial que
incluía oxigenação própria. Certo dia, um dos cientistas, por sinal pai
de uma sua colega que também fazia parte da equipe, ao entrar no
laboratório que era imediatamente lacrado, sem se aperceber, teve sua
mangueira de oxigenação perfurada por um objeto preso na porta de
acesso. Passadas algumas horas, os demais empregados que ficavam
na parte externa viram, estarrecidos, quando referido cientista,
munido de uma espátula utilizada em seu trabalho, enlouquecido,
desfechou um golpe no peito da própria filha, prosseguindo
completamente descontrolado a agredir os outros colegas, tendo sido
necessários oito homens para conseguir dominá-lo. O saldo desta
tragédia: dois mortos, (incluindo sua filha), um gravemente ferido, e
cinco seguranças com ferimentos menores.”
117 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Os fatos foram presenciados por dezenas de pessoas; a perícia


comprovou, sem margem de qualquer dúvida, que o descontrole daquele
homem foi provocado pelos gases absorvidos por ele no interior do
laboratório; após cessado o efeito da substância o homem retornou à
absoluta normalidade.

Figure agora:

O fato é típico (matou alguém);

É antijurídico (não há nenhuma das causas de exclusão previstas no artigo


23, CP);

Não é culpável (por ausência da imputabilidade – artigo 28, parágrafo 1º,


CP);

Os fatos estão sobejamente provados.

Deve-se instaurar uma ação penal para, somente ao final de meses senão
anos, declarar-se o óbvio? Ou, neste caso em particular estaria o promotor
autorizado a propor o arquivamento do feito com base na inexistência de
crime por ausência de culpabilidade, ou se preferir, dependendo da teoria
adotada, pela existência de crime, mas não culpável, e por inexistir
interesse de agir, também propor o arquivamento?

O bom senso nos indica que o arquivamento, qualquer que seja a teoria
adotada para o caso, seria o caminho adequado.

Dirão os adeptos daqueles que entendem o crime como sendo o fato típico
e antijurídico apenas: “o crime continua a existir, embora seu autor não seja
culpável”. E diremos nós: Sim... Mas e daí “cara pálida?!”...

POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO NO JÚRI DAS CAUSAS


EXCULPANTES SUPRA LEGAIS (Inexigibilidade de conduta diversa)

Assis Toledo ex – Ministro do STJ, defendendo a tese sobre a possibilidade


de alegação da inexigibilidade de conduta diversa como causa supra legal
de exclusão da culpabilidade assim se posicionou:

‘’ Inexigibilidade de outra conduta. Causa “legal e supra legal de exclusão


de culpabilidade cuja admissibilidade no Direito Brasileiro já não pode ser
negada”

118 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

Júri – Homicídio – Defesa alternativa baseada na alegação de não


exigibilidade de conduta diversa – Possibilidade em tese, desde que se
apresentem ao Júri quesitos sobre fatos e circunstâncias, não mero
conceito jurídico.
Para aprofundar pesquisar Recurso Especial nº. 2.492, julgado em
23/05/1990 e publicado no DJU em 06/08/1990.

OUTRAS CAUSAS SUPRA LEGAIS DE EXCLUSÃO DA


CULPABILIDADE DOUTRINARIAMENTE ADMITIDAS:
1. Estado de Necessidade exculpante: é uma situação particular de
inexigibilidade de conduta diversa, quando o autor da infração penal
escolhe salvar bem de menor valor, deixando perecer outro, de maior
valor, pela singela razão de que não lhe era razoável exigir que
tivesse outra atitude.
2. Excesso exculpante: decorre de uma perturbação de ânimo ou
surpresa no ataque, neste caso o agente termina exagerando na
reação porque outra conduta não lhe era razoável exigir no caso
concreto.
3. Excesso acidental: decorre do fortuito, não merecendo censura, o
agente exagera minimamente na reação.

DO CONCURSO DE PESSOAS

INTRODUÇÃO

Um só fato criminoso pode ser praticado por uma pluralidade de pessoas


em diversas situações. A teoria do concurso de pessoas foi desenvolvida
em torno dos crimes de concurso eventual, que são aqueles praticados
por duas ou mais pessoas, mas que poderiam ser cometidos
individualmente.

Exemplo: homicídio, roubo, estelionato, lesão corporal, etc. Sua


característica reside no caráter unissubjetivo do tipo que não exige, na
definição da conduta criminosa, pluralidade de pessoas no seu
cometimento.

DEFINIÇÃO

Segundo Mirabete, é “a ciente e voluntária participação de duas ou mais


pessoas na mesma infração penal”.

119 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

Com relação aos crimes de concurso necessário, também denominados


delitos plurissubjetivos, que só podem ser cometidos por duas ou mais
pessoas.

Exemplo: quadrilha ou bando – art. 288; rixa – art. 137; adultério – art. 240,
etc.. Sem o número de agentes exigidos no tipo penal, não há o delito. O
nosso estudo versa sobre o concurso eventual de pessoas.

A lei penal brasileira resolveu em termos simples a questão da co-


delinqüência, partindo da teoria da equivalência dos antecedentes
causais, adotada quanto à relação de causalidade, complementada pelo
art. 29, CP. Assim, não se distingue entre os vários co-delinquentes na
empresa delituosa comum: todos são co-autores e responderão pelo crime
segundo a mesma pena cominada a ele. Somente se distingue entre os
vários co-delinqüentes na aplicação da pena que dependerá do grau de
culpabilidade de cada um “per si”. Vale dizer: no grau de contribuição na
realização do fato delituoso por cada associado.

Diz o artigo 29, caput, do Código Penal:

“Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a


este cominadas, na medida de sua culpabilidade.”

TEORIAS SOBRE O CONCURSO DE PESSOAS:

►Pluralística. Conforme esta teoria, a cada participante corresponde uma


conduta própria, um elemento psicológico e um resultado igualmente
particular.
À pluralidade de agentes corresponde à pluralidade de crimes, existiriam
tantos crimes quantos forem os participantes do fato delituoso. Esta é uma
teoria subjetiva.

►Dualística. Para esta teoria há dois crimes: um para os autores, aqueles


que realizam a atividade principal, ou seja, a conduta nuclear descrita no
tipo penal, e outro para os partícipes que desenvolvem uma atividade
secundária, não realizam a conduta descrita no núcleo do tipo.
Esta teoria apesar de diferenciar autor e partícipe, para ela o crime continua
sendo um só, distinguindo somente as condutas, uma principal a do autor
ou co-autores e uma secundária a dos partícipes.

►Monista ou unitária. Esta teoria não faz qualquer distinção entre autor e
partícipe, instigação e cumplicidade. Todo aquele que concorre para o
crime origina-o em sua totalidade e por ele responde integralmente.
Consoante esta teoria o delito embora praticado por diversas pessoas,
permanece único.
120 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Para ela o delito é a conjugação do resultado da conduta de todos.

Adotou assim o Código Penal como regra quanto aos realizadores do crime
à teoria monista ou igualitária. Não faz qualquer distinção entre autor, co-
autor ou partícipe. Todos são co-autores em sentido amplo. Como exceção
adotou a teoria dualística mitigada, distinguindo a atuação de autores e
partícipes, permitindo uma melhor adequação quando da dosagem da pena
de acordo com a efetiva participação e eficácia causal da conduta de cada
partícipe, de acordo com a culpabilidade perfeitamente individualizada.

Mas se a lei não distingue entre autor e partícipe (para ela todos são co-
autores), tal distinção, no entanto, está na natureza das coisas e não pode
ser desconhecida pela doutrina, pois dela resultam conseqüências jurídicas
graves.

DA AUTORIA

Segundo a precisa definição de Cezar Roberto Bitencourt:


“ O conceito de autoria não pode circunscrever-se a quem pratica pessoal e
diretamente à figura delituosa, mas deve compreender também quem se serve de
outrem como” instrumento” ( autoria mediata). É possível igualmente que mais de
uma pessoa pratique a mesma infração penal, ignorando que colabora na ação de
outrem (autoria colateral), ou então, consciente e voluntariamente, coopere no
empreendimento criminoso, quer praticando atos de execução ( co-autoria), quer
instigando ou auxiliando ( participação) na realização da conduta punível. “Várias
teorias procuram definir o conceito de autor.”

Várias são as teorias que procuram explicar o conceito de autor (em


sentido estrito). Sendo que três ganharam prevalência, a saber:

a) Teoria extensiva: de acordo com esta escola, não há distinção entre


autor e partícipe. Para essa teoria autor é todo aquele que ou executa o
núcleo do tipo (mata, subtrai lesiona), contrata o matador, o que vai subtrair
etc., ou participa do crime ainda que de forma, acessória. Baseia-se na
doutrina causal. Não distingue autor de partícipe. Tem como fundamento a
teoria da equivalência das condições. Resumidamente é autor todo aquele
que contribui com alguma causa para o resultado, para ela instigador e
cúmplice são igualmente autores, já que não distingue a colaboração de
cada um na empreitada criminosa.

b) Teoria restritiva ou formal - objetiva: essa escola sustenta que autor é


apenas aquele que pratica a conduta típica representada pelo núcleo do

121 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

tipo. A base da autoria não seria a causação do resultado, mas a realização


do tipo.

Para essa doutrina autor e partícipe não se confundem. O primeiro executa


diretamente o núcleo do tipo; o segundo, concorre, de qualquer modo, para
o crime, sem realizar o núcleo do tipo. Peca, contudo, por não explicar a
figura do autor mediato, ou o que detém o domínio do fato (mandante chefe
de quadrilha, etc.).

O Código Penal adotou a teoria restritiva. Os artigos 29 e 62 CP. Fazem


distinção entre autor e participe (62, IV e 29, § 1º).

Autor, assim, é quem realiza a conduta típica prevista no verbo (núcleo do


tipo).

Ao contrário, partícipe é aquele que concorre, de qualquer modo, para o


crime, sem realizar diretamente o núcleo do tipo.

Teoria do domínio do fato ou objetivo-subjetivo: Essa escola que surgiu


com Welzel, em 1939, diz que “autor é quem tem o controle final do fato,
domina finalisticamente o decurso do crime e decide sobre a sua prática,
interrupção e circunstâncias (se, quando, onde, como, etc.)”. Não se
assenta no resultado, necessariamente, mas na conduta. Não se confunde
com o partícipe que não tem controle do fato. Esta teoria complementa a
restritiva ou formal objetiva adotada pelo Código Penal. Objetiva,
sobretudo, a dar solução adequada as questões envolvendo chefes de
quadrilha, sentinelas, etc. Em síntese, as autorias materiais e intelectuais.

Para esta teoria, o autor é quem realiza diretamente o núcleo do tipo ou


tem o domínio de realizá-lo através de outrem. No primeiro: autor material;
no segundo: autor intelectual.

Já o partícipe, segundo esta teoria “é quem efetiva um comportamento que


não se ajusta ao verbo do tipo e não tem poder de decisão sobre a
execução ou consumação do crime” (Damásio, Teoria do domínio do fato
no concurso de pessoas, pág. 25).

Esta teoria conta com adesão de grandes nomes do Direito Penal dentro e
fora do Brasil, sendo que o último a aderir foi Damásio E. de Jesus, que a
propósito publicou recente opúsculo. Ela complementaria a teoria restritiva.

Por derradeiro, vale ressaltar que esta teoria só é aplicável aos delitos
dolosos. Aos culposos, não.

AUTOR DE DETERMINAÇÃO:

122 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

Pierangeli e Zaffaroni trazem uma hipótese através da qual se permite punir


o agente pelo fato de ter determinado a prática da infração penal, sendo
chamado, em razão disso, de autor de determinação.
Esclarecem seu raciocínio, trazendo a colação o seguinte exemplo:

“Alguém que se valha de outro, que não realiza conduta para cometer um
delito de mão própria: uma mulher dá sonífero a outra e depois hipnotiza
um amigo, ordenando-lhe que com aquela mantenha relações sexuais
durante o transe. O hipnotizado não realiza conduta, ao passo que a mulher
não pode ser autora de estupro, porque é delito de mão própria. Tampouco
é partícipe, pois falta o injusto alheio em que cooperar ou a que
determinar”.

Como resolver essa situação criada pela mulher que ministrou sonífero, já
que não se pode falar em autoria mediata, ou mesmo co-autoria, nos
delitos de mão própria, considerando ainda de acordo com a doutrina ser o
estupro um crime de mão própria?

Os mesmos autores acima citados apresentam a solução:


“Para essas hipóteses em que não se pode falar em autoria ou
participação, surge uma outra figura, vale dizer, a do autor de
determinação. Será punido, segundo os renomados tratadistas, com as
penas correspondentes à infração penal que houverem determinado, e não,
segundo eles, como autores dessa infração penal.”

AUTORIA DE ESCRITÓRIO:

Pierangeli e Zaffaroni dissertam sobre outra modalidade de autoria,


chamada autoria de escritório.
Essa nova modalidade de autoria, tida como mediata pelos renomados
autores,
“ Pressupõe uma” máquina de poder”, que pode ocorrer tanto num Estado
em que se rompeu com a toda legalidade, como numa organização
paraestatal ( um Estado dentro do Estado), ou como uma máquina de
poder autônoma “ mafiosa” por exemplo.”

Na exposição que se seguem sobre o tema, os vocábulos co-


delinqüência, autor imediato, autor mediato, partícipe, serão sempre
empregados com os seguintes significados:

Co-delinqüentes: todos que participam da empreitada criminosa, sem


distinção quanto ao atuar de cada um.

Autor imediato: quem executa a figura típica (núcleo do tipo) diretamente.


123 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Autor mediato: quem se utiliza de pessoa sem culpabilidade para


realização do delito (menor, louco, etc.)

Autor intelectual: quem tem o comando do fato criminoso, embora sem


realizá-lo diretamente. Ele tem o domínio do fato.

Partícipe: quem, de qualquer forma, concorre, acessoriamente, para o


crime, sem executá-lo diretamente ou tendo o domínio do fato.

Co-autor: o mesmo que autor. Divide o trabalho com o autor, executando o


crime diretamente, ou dividindo tarefas na sua execução, também
denominada de co-autoria parcial ou funcional, no último caso.

FORMAS DE CONCURSO DE PESSOAS

A co-autoria e a participação são as duas formas de concurso de pessoas


ou agentes.

DA CO-AUTORIA

Co-autor é quem executa diretamente, ou tem o domínio do fato,


juntamente com outros, a ação típica prevista no núcleo representado pelo
verbo. Não se exige ajuste prévio, bastando à consciência de cooperar na
ação comum. Cada um dos co-autores realiza uma parcela da conduta
típica, respondendo cada um pelo todo.

Exemplos:

(A), ameaça (B), enquanto (C) o despoja de seus haveres. Ambos


responderão pelo crime descrito no artigo 157, § 2º, II, CP, em co-autoria.

(A) segura (B), para que (C) o esfaqueie, matando-o. Ambos serão co-
autores do crime de homicídio.

(A) contrata (B) para matar (C). Ambos são co-autores: (A) tem o
domínio do fato; (B), autor direto, material.

CO-AUTORIA SUCESSIVA

Quando duas ou mais pessoas se reúnem com o escopo de cometer a


mesma infração penal, começa a nascer à figura do co-autor.

124 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

Todavia só é correto falar-se em co-autor se cada agente, dentro de um


critério de divisão de tarefas, possuírem o domínio funcional do fato,
sintetizando se a tarefa que lhe for relacionada é importante a ponto de, se
deixada de lado, interferir no sucesso da infração penal.

REGRA: É de que todos os co-autores iniciem junto, o empreendimento


criminoso.
Todavia, pode acontecer que alguém, ou mesmo o grupo, já tenha
começado a percorrer o caminho do crime, adentrando na fase dos atos de
execução, quando uma outra pessoa adere à conduta criminosa daquele, e
agora unidos pelo liame psicológico resolvem praticar conjuntamente a
infração penal. Neste caso quando o acordo de vontade vier a ocorrer após
o início da execução, surge a então co-autoria sucessiva.

DA PARTICIPAÇÃO

A participação pode ser moral e material. Na participação moral o agente


se limita a induzir ou instigar alguém a cometer o crime. Induzir é incutir
na mente de alguém o propósito criminoso, até então inexistente. Instigar é
reforçar, potencializar a idéia criminosa já existente em outrem. Em ambos
os casos deve dirigir-se à prática de crime determinado. Na participação
material, o agente presta auxílio ao autor do crime. O partícipe que auxilia
é também chamado na doutrina de cúmplice. Auxiliar é facilitar a execução
do crime, sem nele tomar parte diretamente, ou seja sem executar a
conduta típica prevista no núcleo. Se tiver o domínio do fato, como já
vimos, será considerado autor ou co-autor, conforme o caso.

Exemplo: Emprestar arma, fornece meio de transporte, fornece o veneno,


etc.

Do ponto de vista objetivo, a participação constitui contribuição causal


(embora não indispensável) ao delito. Não há participação inócua.
Igualmente inexiste participação depois que o crime já se consumou. Se o
agente ajuda a assegurar o proveito do crime, intervindo somente após a
consumação, praticará o crime de favorecimento real – art. 349, CP. Se
auxiliar autor do crime a subtrair-se à ação da autoridade, comete o crime
de favorecimento pessoal – art. 348, CP.

Note-se, contudo, que o auxílio prometido antes da realização do crime


eqüivale a instigação para o crime. É participação. O crime permanente (art.
148, CP, v.g.), admite concurso de pessoas enquanto durar o cativeiro da
vítima. Do ponto de vista subjetivo, a participação requer vontade livre e
consciente de cooperar na ação delituosa de outrem, embora este até

125 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

desconheça que recebeu auxílio, por isso que não é exigível prévio acordo,
bastando que o partícipe tenha consciência de contribuir para o crime.

Tal consciência pode faltar ao autor, como no exemplo da empregada


doméstica que desejando causar prejuízo ao patrão sabedora que ladrão
ronda a casa, deixa a porta aberta para facilitar o furto. Note que o autor
neste caso desconhece o auxílio. Ela responderá como partícipe do furto
cometido pelo ladrão (autor).

Não há participação culposa em crime doloso. A eventual participação


culposa constituiria, em realidade, autoria autônoma de crime culposo,
independentemente do crime doloso realizado pelo autor.

Exemplo: peculato culposo – art. 312, § 2º, CP. O autor responde pelo
crime doloso e o funcionário público por peculato culposo. Por igual inexiste
participação dolosa em crime culposo. A hipótese seria de autoria mediata
daquele que agisse com dolo, por isso que teria o domínio final do fato.

EXEMPLOS DE PARTICIPAÇÃO

empresta arma;

conduz o autor até o local do crime;

ensina a fórmula do veneno;

deixa a porta aberta para facilitar o furto, etc.

PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA

Art. 29, § 1º, CP: nem toda participação será tomada à conta de “menor
importância”. Somente aquelas cuja relevância na realização do crime, de
fato, foi pequena. A participação de menor importância que funciona como
causa de diminuição da pena deve ser mensurada, concretamente, caso a
caso.

FIGURE A SEGUINTE HIPÓTESE

(A), com desejo de matar (B), comenta com (C) sua intenção, vindo este a
aprovar a empreitada, eis que também é inimigo daquele. Sabedor das
intenções de (A), (D), oferece-lhe a arma de presente, por isso que devedor
de (B) e, morrendo este, sua dívida estará liquidada. (E), também inimigo
de (B), prontifica-se a levar (A) até a casa de (B) em seu automóvel, vindo
126 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

(A), de fato, a matar (B). Situação de cada um perante o artigo 29, caput e
§ 1º, CP:

Autor imediato. (executor);

c: Partícipe menor fará jus, em tese, a diminuição prevista no § 1º, art.


29, CP;

d: Conforme o caso, embora partícipe, poderá sofrer a mesma pena do


autor (A);

e: idem.

Não é o fato de ser partícipe de um crime que, automaticamente, fará com


que alguém faça jus a redução prevista no art. 29, § 1º, CP. Somente nos
casos em que, concretamente, apurar-se a participação menor. Por “menor
participação” deve-se entender “menor contribuição na realização do
crime”.

AUTORIA MEDIATA

O Código Penal Brasileiro não disciplinou expressamente a autoria


mediata. Tal tarefa coube aos penalistas pátrios, através da adoção da
teoria do domínio final do fato, embora também abordada pelos que não
adotam tal teoria.

A idéia dominante é a de que, na autoria mediata, o agente, para cometer o


crime, utiliza-se de outra pessoa que atua sem culpabilidade.

Hipóteses: a) menoridade penal; b) inimputabilidade por doença mental; c)


coação moral irresistível; d) obediência hierárquica; e) erro provocado por
terceiro – art. 20, § 2º, CP.

Em todos esses casos o executor (autor imediato) atua sem culpabilidade.


É a teoria do domínio do fato. Quem tem o controle do fato é o autor
mediato. Aqui não há concurso de pessoas, pertencendo à ação delituosa
integralmente a quem se serve do executor (autor imediato) não culpável,
que atua como mero instrumento do autor mediato. O autor mediato
responde sozinho pelo crime. Alguns delitos não comportam autoria
mediata: adultério, deserção, vadiagem, etc. Trata-se de delitos em que a
ilicitude está em função da execução pessoal da conduta punível. São os
denominados crimes próprios de mão própria. O desertor não pode
correr com as pernas de outros; ninguém pode cometer adultério através de

127 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

outro, etc. A autoria mediata, pelas razões já expostas, também é


incompatível com os crimes culposos.

Embora não podendo haver concurso entre autor mediato e executor na


autoria mediata, nada impede a presença de co-autores mediatos e de
partícipes da autoria mediata.

OBS: Vale não deslembrar, ainda, que nos crimes agravados pela
pluralidade de pessoas no seu cometimento, a agravação incidirá mesmo
quando se der o fenômeno da autoria mediata, por isso que mesmo
inculpável, o autor imediato perfaz pluralidade de pessoas, aumentando o
temor da vítima ou potencializando o dano ao bem jurídico. Exemplos: art.
155, § 4º, IV; 157, § 2º, II, CP, etc.

O autor mediato responde sozinho pelo crime com a agravação decorrente


da pluralidade de pessoas na realização da infração penal.

Pierangeli e Zaffaroni assim se posicionam acerca da autoria mediata ou


autoria indireta:
“É aquela realizada por quem se vale de outro, que não comete o injusto,
seja porque age sem dolo, atipicamente ou justificadamente”.
“A expressão autoria mediata indica autoria mediante determinação de
outro.”
Finalizam sua explanação com este quadro resumo:

► É autor direto, imediato: Quem realiza pessoalmente a conduta típica,


ainda que utilize outro, que não realiza a conduta, como instrumento físico.
►É autor indireto, mediato: Quem se vale de um terceiro que:
1. Age sem dolo
2. Age atipicamente
3. Age justificadamente

REQUISITOS DO CONCURSO DE PESSOAS

São quatro os pressupostos para existência do concurso eventual de


pessoas:

1. Pluralidade de agentes culpáveis

A pluralidade de pessoas é essencial ao concurso de agentes. Contudo,


quando de dois participantes, um é inimputável, ou atua sem
128 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

culpabilidade (ausência de potencial consciência da ilicitude ou


inexigibilidade de conduta diversa), não há falar-se em concurso de
pessoas: aqui se cuida de autoria mediata daquele que apresenta
requisitos de culpabilidade. O executor não comete crime.

2. Relevância causal das condutas

Dispõe o artigo 29, CP:

“Quem de qualquer modo concorre para o crime incide nas penas a


este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

Concorrer para o crime significa dar causa à sua realização, dizem a


maioria dos autores, se a conduta levada a efeito por um dos agentes não
possuir relevância para o cometimento da infração penal, será
desconsiderada e concluir-se-á que o agente não concorreu para sua
prática. Contudo, para outros, dentre eles Damásio, não se trata de causa
naturalística, mas normativa, tratando-se do partícipe.

A conduta do partícipe há que ser relevante dentro da cadeia causal


prevista no artigo 13, caput, CP, de maneira que sem ela o crime não teria
ocorrido como ocorreu? Para Damásio não. Segundo ele a participação
resolve-se pelo art. 29, sem necessidade do art. 13, CP. O tema é
controvertido. Para o ilustre doutrinador não haveria necessidade de
invocar-se a “conditio qua non” para justifica-se a participação. Bastaria à
regra contida no art. 29, caput, CP.

Para Damásio, com seu novo posicionamento, a relação de causalidade,


em se tratando do partícipe, é normativa não naturalística.

Figure o seguinte exemplo:

(A), empregado de (B), é procurado por (C), que lhe informa que irá furtar a
casa daquele naquela noite, e solicita-lhe a chave da porta de acesso à
mesma. (A) empresta a chave à (C). Contudo, na hora do furto, (C) resolve
penetrar na casa pelo telhado e pratica a subtração.

Pergunta-se: eliminada mentalmente a conduta de (A), ainda assim o furto


teria se realizado? A resposta é sim. Logo a participação de (A) seria
inócua, impunível, à luz da “conditio sine qua non”. Adotado o
entendimento de Damásio, (A) responderia como partícipe à luz do art. 29,
CP, já que teria contribuído ao menos instigando (C). Tal pensar ainda não
é majoritário na doutrina.

Nada obsta, por outro lado, a existência de participação da participação.

129 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

Exemplo: (A) induz (B) a instigar (C) a seqüestrar (D). Todos, (A), (B), (C),
respondem pelo crime de seqüestro. (A) e (B) partícipes e (C), autor.

É possível ocorrer à participação por omissão quando o partícipe omitente


tem o dever jurídico de impedir o resultado, Art. 13, § 2º, a, b, c, CP.

Um policial que assiste inerte alguém sendo roubado sem nada fazer,
responde como partícipe do roubo. Contudo, requer dolo do policial em
aderir subjetivamente à conduta do ladrão. Se não intervier por medo, não
responde como partícipe. Não havendo dever jurídico, conforme o caso
poderá responder pelo crime autônomo de omissão de socorro.

Liame subjetivo entre os agentes (nos crimes dolosos) e normativo


(nos crimes culposos)

Nos crimes dolosos, os participantes devem atuar com vontade de realizar


o mesmo tipo penal, denominado Princípio da Contingência. Como já
dito, não se exige o prévio acordo, embora quase sempre este ocorra entre
os co-delinqüentes.

Nos crimes culposos também é possível o concurso de pessoas na forma


de co-autoria quando houver a consciência de estar contribuindo para a
conduta culposa de outrem. Na culpa, a vontade não é direcionada para o
resultado criminoso. Respondem os agentes por crime culposo por agirem
com imprudência, negligência ou imperícia. O Liame é apenas normativo já
que todos agem com imprudência, negligência ou imperícia.

Figure dois médicos realizando cirurgia para a qual não possuem


especialidade, vindo o paciente a morrer. Ambos responderão por
homicídio culposo em concurso de pessoas - co-autoria. A participação que
é sempre dolosa, não é possível no crime culposo, e vice-versa, como já
afirmado. Só existe participação, em sentido estrito, em crimes dolosos.

A ausência deste liame subjetivo ou vínculo subjetivo desconfigura o


concurso eventual de pessoas, transformando-o em condutas isoladas e
autônomas.

4. Identidade de infração penal para todos os agentes

Não se pode falar em concurso de pessoas ou agentes se não houver um


crime, ainda que tentado - artigo 31, CP.

De acordo com a teoria adotada pelo Código Penal no artigo 29, todos os
co-autores e partícipes se enquadram no mesmo tipo penal.

130 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

A propósito, o arrependimento eficaz e a desistência voluntária do autor ou


co-autores principais estendem-se ao partícipe porque em tal caso opera-
se a exclusão da tentativa - artigo 15, CP. E sem ao menos tentativa não
há concurso de pessoas. Ao contrário, o arrependimento ou desistência do
partícipe, ou de quem ter o domínio final do fato, só irá lhe aproveitar se for
eficaz, isto é, se impedir a consumação do crime. Se não impedir, embora
após arrependido ou tiver desistido, mas tendo o autor material ao menos
iniciado a execução, responderá pelo delito, consumado ou tentado,
conforme o caso.

TEORIA MONISTA OU UNITÁRIA QUANTO AO CRIME A SER


IMPUTADO AOS CONCORRENTES

Embora tenha adotado a Teoria Unitária ou Monista quanto ao concurso de


pessoas, afastando a teoria dualista que prega a existência de um crime
para autores e co-autores, e outro para o partícipe, o nosso Código
apresenta resquícios da chamada Teoria Pluralista (combatida por Nelson
Hungria). De fato tal ocorre quando a mesma infração material se enquadra
em tipos legais distintos para cada um dos protagonistas do mesmo fato
delituoso.

Vejamos algumas exceções:

a) aborto - Artigo 126, CP: o executor responde na forma do artigo 126, e a


gestante na forma do artigo 124, 2ª parte, CP.

b) bigamia - artigo 235, CP: o agente casado responde pelo caput; o


solteiro, na forma do § 1º, do mesmo dispositivo.

c) corrupção: o funcionário público responde pelo crime previsto no artigo


317, o corruptor pelo do artigo 333, CP.

d) facilitação a Contrabando ou descaminho - o funcionário responde na


forma do artigo 318; o particular por contrabando - artigo 334, CP.

Nestes casos não existe concurso de pessoas. Há crime autônomo para


cada um dos agentes. Os processos serão reunidos apenas em razão da
Conexão probatória.

TEORIA DA ACESSORIEDADE:

O partícipe realiza uma conduta sempre acessória. Ele não executa o


crime. Nem tem o domínio final do fato. A conduta dele em princípio é
atípica até que o autor inicie, ao menos, a execução do crime. Esse pensar
encontra supedâneo no próprio artigo 31, CP. Surgiram, então, algumas
“quaestios”: suponha-se que o autor apenas realize fato típico, mas
131 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

jurídico; ou ainda: fato típico e antijurídico, mas não culpável. Como ficaria
a situação do partícipe?

A partir daí, para tentar resolver tais questões, criou-se algumas teorias,
denominadas teorias da acessoriedade, objetivando dar solução ao
problema envolvendo o partícipe (somente ele; co-autor é igual ao autor),
vejamos:

DA PARTICIPAÇÃO: Cezar Roberto Bitencourt assim define o que seja


participação:

“A participação em sentido estrito, como espécie do gênero concurso de


pessoas, é a intervenção em um fato alheio, o que pressupõe a existência
de um autor principal. O partícipe não pratica a conduta descrita pelo
preceito primário da norma penal, mas realiza uma atividade secundária
que contribui, estimula ou favorece a execução da conduta proibida. Não
realiza atividade propriamente executiva”.

Continua o mesmo autor: “Para que a contribuição do partícipe ganhe


relevância jurídica é indispensável que o autor ou co-autores iniciem, pelo
menos, a execução da infração penal”.

1. TEORIA DA ACESSORIEDADE MÍNIMA

Para a existência penal da participação basta que o autor material realize


fato típico. Exemplo: (A) vendo que (B) será morto por (C) injustamente,
instiga-o a defender-se, matando (C). (B) de fato mata (C) em legítima
defesa. (B) teria praticado fato típico, porém lícito. Não haveria crime em
relação a (B). Contudo, (A) responderia como partícipe na morte de (C).
Essa teoria foi totalmente superada.

2. TEORIA DA ACESSORIEDADE LIMITADA

Exige-se, para que o partícipe seja incriminado, que o autor realize fato
típico e antijurídico. O autor até pode atuar sem culpabilidade, que é
sempre pessoal. O partícipe somente não responderia pelo delito se
também tiver a seu favor alguma causa de exclusão da culpabilidade.

É a teoria que merece a minha preferência, além de contar com a


preferência da maioria dos doutrinadores. Não concorda com ela Flávio
Augusto Monteiro de Barros (Direito Penal, parte geral, vol. 1, Saraiva,
1999), que defende a Teoria da acessoriedade máxima ou extremada.

3. TEORIA DA ACESSORIEDADE EXTREMADA

132 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

O fato praticado pelo autor, para que a participação fosse punível, haveria
que ser típico, antijurídico, culpável. Essa teoria deve ser repudiada, pois
ao contrário do que afirma o ilustre penalista acima citado, deixaria impune
algumas espécies de participação. Exemplo: (A), desconhecendo a
condição de inimputável de (B), e desejando a morte de (C), instiga-o a
matar este. Posteriormente descobre-se que (B) é inimputável. (B) foi o
autor material. Pela teoria da acessoriedade extremada (A) ficaria impune,
porque o fato praticado por (B) é típico, antijurídico, mas não culpável.
Este e outros problemas poderiam surgir com a adoção desta teoria. É
óbvio que tal teoria não precisaria ser invocada no caso de (A) saber da
condição de inimputabilidade de (B), porquanto agora se trataria de autoria
mediata. Não haveria concurso de pessoas. Só um autor mediato. (A) teria
o domínio final do fato.

4. TEORIA DA HIPERACESSORIEDADE

Exige-se, para a existência da participação, que o autor principal tenha sido


efetivamente condenado no caso concreto. Essa teoria sequer é cogitada,
porque afastaria a punibilidade do partícipe sempre que a do autor fosse
extinta por qualquer modo.

O Código Penal não filiou-se a nenhuma dessas teorias expressamente. A


questão é eminentemente doutrinária e jurisprudêncial. Sendo certo,
contudo, que a teoria da acessoriedade limitada é que goza de
prevalência.

O concurso de Pessoas ora agrava a pena ( artigo 62), ora aumenta


( artigos, 146, § 1º; 150 § 1º; 155 § 4º, IV; 157, § 2º, II; 158, § 1º , etc. ), ora
qualifica o crime ( artigo 351, § 1º, CP).

DA COOPERAÇÃO OU PARTICIPAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA, OU


AINDA DESVIO SUBJETIVO DE CONDUTAS ENTRE OS AGENTES -
ARTIGO 29 § 2º, CP.

Diz o artigo 29, § 2º, CP:

“Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave,


ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até
metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave”.

Alguns entendem que no caso o CP adotou uma exceção à regra monista;


outros que cuida o dispositivo apenas de mera “suavização” da lei; outros,
ainda, que nem uma coisa nem outra.

133 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

Na verdade ficamos com o último pensar. Se o agente quis participar de


crime menos grave é porque não houve Liame subjetivo. Logo não houve
Concurso de Pessoas em relação ao delito mais grave.

Exemplos:

a) (A) manda (B) espancar (C). Por crueldade, (B) mata (C) de pancadas.
(A) não queria a morte de (C). Responderá (A) por lesões e (B) por
homicídio. Se contudo (A) era sabedor da truculência de (B), com tendência
ao homicídio, agiu, ao menos, com dolo eventual, respondendo pelo
resultado morte por dolo eventual. Haveria neste último caso concurso de
pessoas; no primeiro, não.

Se, finalmente, (A) manda (B), homem forte, aplicar surra em (C), homem
franzino, vindo (B) a exceder-se na surra, a ponto de (C) vir a morrer em
razão das lesões, por ser previsível a possibilidade, embora não querida da
morte de (C), (A) responde por lesões leves, graves ou gravíssimas, e (B)
por lesões corporais seguida de morte. Contudo, a pena de (A) será
aumentada até a metade Art. 29, § 2º, 2ª parte, CP.

A questão é tormentosa, gerando discussões infinitas. Em alguns casos


sua identificação é fácil, em outros, dificílimo. Senão vejamos:

(A), funcionário público, escondendo sua condição, convida (B) para


furtarem um computador de certa repartição pública a qual tem livre acesso.
Furtam o equipamento. (A) quis praticar peculato-furto; (B), apenas furto.
Aqui a solução nos parece fácil.

Figure agora que (A) convida (B) para roubarem uma agência bancária. (A)
ingressa na agência anunciando o roubo. (B) fica do lado de fora ao volante
do automóvel da fuga. No interior da agência, (A) que não contava com a
reação do vigilante, é obrigado a matá-lo, consumando a subtração.

Pergunta-se: (B) quis participar de roubo simples, ou, até qualificado pelo
uso de arma ou pelo concurso de pessoas, ou também assumiu o risco de
participar de latrocínio, já que quem ingressa em agência bancária para
roubar assume o risco de travar tiroteio com seguranças, ou tal
possibilidade era apenas previsível (não prevista)?

Em casos tais a solução é complexa. No meu pensar ambos responderiam


por latrocínio - art. 157, § 3º, 2ª parte, CP. Contudo, poder-se-á, também,
aplicar a fórmula do art. 29, § 2º, 2ª parte, CP, tocantemente à (B). Este
responderia por roubo com o duplo aumento de pena: concurso de pessoas
e pela previsibilidade do resultado, ou ainda apenas pelo roubo com

134 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

aumento pelo concurso, sem a previsibilidade do artigo 29, § 2º, 2ª parte,


CP.

É tormentoso o tema na prática. Em tese não há dificuldade em


compreendê-lo. (A), naturalmente, responderá pelo crime praticado:
latrocínio.

PARTICIPAÇÃO EM CADEIA
Também denominada participação de participação. Ilustrativamente: é
possível que A, induza B a induzir C matar D. O importante da participação
em cadeia refere-se ao fato de que somente será punível se o autor da
figura delitiva vier a praticar a infração para a qual foi estimulado pelo
partícipe, observando-se a regra contida no art.31 do CP.
Sendo a participação conceitualmente atividade acessória e sendo
inadmissível a tentativa de participação, o partícipe somente será
responsabilizado se o autor tiver pelo menos tentado praticar a infração
penal.

PARTICIPAÇÃO SUCESSIVA

Existe a possibilidade de participação sucessiva. Neste sentido preleciona


Damásio de Jesus: “a participação sucessiva ocorre quando, presente o
induzimento (determinação) ou instigação do executor, sucede outra
determinação ou instigação. Ex.: A instiga B a matar C. Após essa
participação, o agente D, desconhecendo a precedente participação de A,
instiga B a matar C. Se a instigação do sujeito D foi eficiente em face do
nexo de causalidade, é considerado partícipe do homicídio”.

PARTICIPAÇÃO POR OMISSÃO

Inicialmente deve ser feita distinção atinente às duas espécies de


participação: Moral (induzimento/determinação e instigação) e material
(cumplicidade/auxílio materiais).
A participação moral consoante lição de Rogério Greco corroborada por
Nilo Batista, segundo posição amplamente majoritária é impossível de ser
realizada por omissão.
Já quanto à segunda espécie assim se posiciona Rogério Greco,
novamente seguido por Nilo Batista.
“Já a participação material, contudo, pode concretizar-se numa inação do
partícipe, que, com a sua omissão, contribui para a ocorrência da infração
penal. Merece ser frisado que o partícipe que contribui para o fato
auxiliando materialmente a sua execução não pode, em qualquer hipótese,
ser considerado garantidor da não ocorrência desse mesmo fato, pois, caso
contrário, se, tendo o dever de agir para impedir o resultado, nada faz,
responderá pela infração penal a título de autoria, e não de participação.”

135 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

DA PARTICIPAÇÃO IMPUNÍVEL

ART. 31, CP: O caráter acessório do comportamento de partícipe gera a


impunidade de seus atos quando o crime não chega, pelo menos, a ser
tentado. Não se pune, por exemplo, o oferecer-se para matar alguém.
Em alguns casos, contudo, expressamente previstos em lei, o ajuste, a
determinação, a instigação e o auxílio são puníveis como delitos
autônomos.

Exemplos: quadrilha ou bando - art. 288; incitação ao crime - art. 286, CP,
etc. Em regra, todavia, prevalece o disposto no art. 31, CP.

DA AUTORIA COLATERAL
Definição: Há autoria colateral quando dois agentes, convergindo suas
condutas para a prática de determinada infração penal, não atuam unidos
pelo liame subjetivo.
Aqui não há concurso de pessoas. Os agentes atuam desconhecendo a
conduta do outro. Cada qual responde pelo seu próprio atuar.

Exemplos: (A) e (B), desconhecendo cada um a presença do outro,


tocaiam (C). Quando (C) se aproxima, disparam suas armas que atingem o
coração da vítima, matando-a. Cada qual responderá por homicídio, “per
si”. Não há concurso de pessoas. O processo será um só em virtude da
conexão probatória, apenas.

AUTORIA INCERTA

Espécie do gênero autoria colateral, ocorre quando mais de uma pessoa é


apontada como autora, porém não se consegue estabelecer qual delas
produziu o resultado. Rogério Greco bem define o que seja autoria incerta:
“Sabe-se quais são os possíveis autores, mas não se consegue concluir,
com a certeza exigida pelo Direito Penal, quem foi o produtor do resultado.
Daí dizer-se que a autoria é incerta.”.

Exemplos:

1. (A) e (B) postam-se de tocaia, cada um desconhecendo a presença do


outro, aguardando (C), a quem pretendem matar. A arma de (B), sem que
ele soubesse, está carregada com balas de “festim”. No momento em que
(C) aparece, cada um efetua disparo e abandonam as armas.
Posteriormente são presos como suspeitos da morte de (C) que recebera
um único tiro no coração desferido por (A). Ambos negam a autoria. Não se
consegue provar a quem pertence a arma da qual partiu o projétil causador
da morte de (C), menos ainda a quem pertence a arma inútil. Solução ? (B)
136 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

cometeu crime impossível ( absoluta impropriedade do meio ). Mas como


não se conseguiu estabelecer a autoria de (A), absolve-se ambos:
Crime impossível, artigo 17, CP.

2. Suponha-se no mesmo caso que ambas as armas estavam em bom


estado; a bala disparada por (A) atingiu o coração causando a morte de
(C); e a disparada por (B), feriu a vítima levemente. Não se conseguiu
provar quem era o proprietário da arma que causou a morte. Solução ?
ambos responderão por tentativa.

3. Figure, por derradeiro, que (A) desejando matar (B) por envenenamento,
coloque uma quantidade de veneno na bebida deste, “per si” inócua, para
causar o resultado morte de (B). (C) desconhecendo o desiderato de (A),
mas também desejando a morte de (B), coloca igual quantidade de veneno
na mesma bebida enquanto (B) estava no banheiro. As quantidades de
veneno colocadas por cada um dos agentes, separadamente, eram
inócuas; ao se somarem, causou a morte de (B) por envenenamento.
Solução ? Absolve-se os dois por existência de crime impossível. E se
tivesse havido prévio acordo ? Homicídio qualificado para ambos em
concurso de pessoas. E se o indivíduo (A), percebendo a conduta de (C),
completasse o veneno colocado por aquele ? (A), homicídio qualificado;
(C), crime impossível.

COMUNICABILIDADE DAS ELEMENTARES E CIRCUNSTÂNCIAS

Diz o artigo 30, CP:

“Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter


pessoal, salvo quando elementares do crime”.

Conceito: Elementar é tudo aquilo que compõe a definição do crime, ao


passo que circunstância é o dado acessório que apenas agrava, atenua,
aumenta, diminui ou qualifica a pena. Exemplo: Furto - Art. 155, CP.
Elementares: “Subtrair coisa alheia móvel para si ou para outrem”
Circunstâncias: § 1º “A pena aumenta-se de um terço se o crime, é
praticado durante o repouso noturno”; § 2º “Se o criminoso é
primário, e é de pequeno valor a coisa furtada ...”; § 4º , incisos I, II, III e
IV.; § 5º. O parágrafo terceiro é norma explicativa ou de equiparação.

As circunstâncias podem ser:

a) Objetivas ou Materiais: São as que referem-se ao aspecto exterior do


crime, como o modo de execução ( asfixia, tortura, etc ), tempo ( durante a
noite ), lugar onde o delito é cometido ( local ermo), qualidades da vítima
( velho, criança ), etc.

137 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

b) Subjetivas ou Pessoais: São as que referem-se as qualidades do


agente, seu estado anímico ( motivo fútil, motivo torpe, reincidência, motivo
de relevante valor social ou moral, etc ). Parentesco com a vítima ( filho,
pai, cônjuge, irmão, etc ).
À luz do que dispõe o artigo 30, CP, podemos fixar 3 regras básicas:

1) As circunstâncias subjetivas ou pessoais jamais se comunicam com os


co-autores ou partícipes.

Exemplo: (A) contrata (B) para matar seu próprio pai. Ainda que (B) tenha
conhecimento que está matando o pai de (A), não incidirá para ele, (B), a
agravante prevista no artigo 61, II, “e”, CP. A condição de ascendente da
vítima é respeitante apenas a (A).

2) Comunicam-se as circunstâncias objetivas ou materiais, bastando que


os co-autores ou partícipes dela tome conhecimento.

Exemplo: (A) contrata (B), pistoleiro conhecido, para matar (C) a tiros. Por
crueldade, (B) resolve matar (C) por asfixia. (A) não responde pela
qualificadora da asfixia porque não teve conhecimento. Se, contudo, tivesse
mandado matar por esse modo, por ser de caráter objetivo ou material essa
circunstância haveria a comunicabilidade entre os agentes e ambos
responderiam pela qualificadora da asfixia - Art. 121, § 2º, III, CP.

3. As elementares, ainda que de caráter pessoal ou subjetivo, se


comunicam com os co-autores ou partícipes que dela tenham
conhecimento.

Exemplo: (A), funcionário público ( circunstância pessoal ), em concurso de


pessoas com (B) e (C), particulares, apropriam-se de dinheiro que se
encontrava com (A) em razão do cargo público. Se (B) e (C) sabiam da
condição de funcionário público de (A), responderão todos por crime de
peculato - Artigo 312, caput, CP. Se (B) e (C) desconheciam, responderão
por apropriação indébita - Artigo 168, CP ( desvio subjetivo de conduta ), e
(A) por peculato.

Convém lembrar, por oportuno, que alguns delitos não comportam


participação ou co-autoria.

a) Crimes culposos: não admitem participação, só co-autoria.

b) Crimes próprios de mão própria: não admitem co-autoria, nem autoria


mediata, só participação.

Exemplo: deserção - 187, CPM; falso testemunho, etc.

138 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

c) Crimes omissivos: não comportam co-autoria. Cada agente responde


pela sua conduta, “per si”. A participação, embora criticada, em tese, é
possível. Figure um paciente portador de moléstia contagiosa que induza o
médico a deixar de notificá-la, incidindo no tipo previsto no artigo 269, CP.

Os crimes omissivos impuros, ou Comissivos por omissão, por igual,


segundo a maioria da doutrina, não comporta co-autoria. Há, contudo quem
a entendam possível. Não concordo. Se co-autoria é divisão de trabalho,
como dividir o nada fazer? Aqui cada um responde, isoladamente, pela sua
conduta se todos estiverem na situação do artigo 13, § 2º, alíneas, a, b ,c,
CP.

Poderá, todavia, comportar participação daqueles que não tiverem o dever


jurídico de impedir o resultado na modalidade instigação ou induzimento.
Porque se tiver o dever jurídico será sempre autor, respondendo “per si”.

DAS PENAS: COMINAÇÃO. PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE.


RESTRITIVAS DE DIREITOS. PENAS DE MULTA.

INTRODUÇÃO

Por óbvio não pretendemos abordar a pena nos seus aspectos sócios –
filosóficos. Essa tarefa deixamos com os estudiosos desse tema. Aqui
buscaremos apenas tentar compreender os métodos de aplicação e
execução das diversas sanções penais conforme previsões da lei.

TEORIAS DA PENA:

Abolicionismo Penal.
Teoria surgida na Europa, que em linhas gerais propõe um novo modo de
pensar o Direito Penal, questionando o real significado das punições e
instituições, bem como pretende formular outras formas de liberdade e
justiça.
Sustenta sua tese em dois postulados: Descriminalização (deixando de
considerar infrações penais determinadas condutas) e Despenalização
(eliminação da pena para a prática de certas condutas, embora continuem
delituosas). Objetiva com isto evitar o encarceramento de pessoas a
pretexto de castigá-las ou promover sua recuperação.

Direito Penal Máximo.


Diametralmente oposta à teoria acima comentada, busca um modelo de
Direito Penal caracterizado pela excessiva severidade, pela incerteza e
imprevisibilidade de suas condenações e penas, tendo por finalidade
primordial a certeza de que nenhum culpado fique impune. Esse sistema

139 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

atualmente vem sendo adotado pelos Estados Unidos da América, onde é


conhecido como “tolerância zero”.

Garantismo Penal.

É um sistema que procura conciliar a aplicação do Direito Penal,


reservando seu campo de atuação somente para as infrações mais graves,
extinguindo tipos penais que correspondam delitos de menor potencial
ofensivo, mas sempre dentro dos princípios do devido processo legal e
seus consectários.

Direito Penal do Inimigo.

Modelo que procura selecionar dentre os cidadãos aqueles que devam ser
considerados como inimigos (terroristas autores de crimes sexuais
violentos, crime organizado). Conforme esta teoria os inimigos do estado
não estariam amparados pelas mesmas garantias fundamentais, como
estão os membros da sociedade civilizada.

Pena: É a perda de bens jurídicos imposta pelo órgão da justiça a quem


comete crime.
A sanção penal é, em essência, retributiva e preventiva.

Retributiva: porque opera causando um mal ao transgressor.

Preventiva: porque retira do meio social o criminoso objetivando evitar que


ele cometa novo delito, ou intimidando os que ainda não delinqüiram para
que não o façam.

O mal justo da pena, em retribuição ao mal injusto do crime praticado pelo


agente, consiste na perda de bens jurídicos, a saber:

A vida – pena de morte em tempo de guerra (CPM).

A liberdade – pena de prisão.

Direitos – restritivas de direitos (art. 43, CP).

O patrimônio – pena de multa.

Na aplicação da sanção penal, prevalece, dentre outros, os seguintes


princípios:

Legalidade – art. 5º inciso XXXIX da CF, e art. 1º do CP.


140 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
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Personalidade – art. 5º, inciso XLV da CF.

Duplo – Binário: Permite a aplicação de pena e medida de segurança,


sucessivamente. O Brasil adotou este sistema até 1984. Hoje não existe
mais no Direito Penal brasileiro: imputável, só pena; inimputável, medida de
segurança; semi-imputável, medida de segurança ou pena. Ou seja, o Brasil
adotou com a reforma de 1984, o denominado “Sistema Vicariante”.

Pena – Princípio da reprovabilidade.

Medida de segurança – Princípio da periculosidade.

Da pena: Não existe mais, com a reforma de 1984, distinção entre penas
principais e penas acessórias. Todas são penas principais.

Na legislação especial (CPM), ainda existem penas acessórias. Algumas


leis especiais também. Exemplo: lei de abuso de autoridade, n.º898/65.

ART. 32: AS PENAS SÃO:

– Privativas de liberdade.

– Restritivas de direitos.

– De multa.

A CF, art. 5º, XLVI, alínea “b” c/c art. 243, prevê uma outra espécie de pena
(perda de bens), que inclusive, já foi regulamentada por lei ordinária – Lei
8.257/91, e lei 9.714/99, atual art. 45, § 3º, CP.

A perda dos instrumentos do crime prevista no art. 91, II do CP e 779 do


CPP, não é pena. É conseqüência da condenação.

Penas privativas de liberdade:

– Reclusão (crime doloso).

– Detenção (crimes dolosos e culposos).

A pena de reclusão deve ser cumprida em regime:

– Fechado;

– Semi-aberto;

141 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

– Aberto (art. 33, 1ª parte).

A pena de detenção deve ser cumprida em regime:

– Semi-aberto; ou

– Aberto (salvo necessidade de transferência para regime fechado – art. 33,


2ª parte). A pena de detenção jamais será cumprida, inicialmente, em
regime fechado. Poderá, contudo, haver regressão para o regime fechado.

Diferenças entre reclusão e a detenção:

– Quanto à espécie de regime.

– Quanto ao estabelecimento penal (segurança máxima, média e mínima).

– Quanto à seqüência de execução no concurso material (art. 69, caput),


inicia-se pela reclusão.

– Quanto a incapacidade para o exercício do pátrio poder – art. 92, II.

– Quanto à medida de segurança (art. 97, caput).

– Quanto à concessão de fiança (art. 323, I, CPP).

– Quanto à decretação da prisão preventiva (art. 313, II e II, do CPP).

O parágrafo 1º alíneas “a”, “b” e “c”, do art. 33 informa os diversos regimes:


fechado, semi-aberto e aberto.

Regime fechado a execução da pena se dará em estabelecimento de


segurança máxima e médio (LEP art. 87).

Regime semi-aberto a execução da pena se dará em colônia agrícola,


industrial ou estabelecimento adequado (LEP – art. 91)

Regime aberto a execução da pena se dará em casa de albergado ou


estabelecimento adequado (LEP – art. 93.

O juiz, já na sentença condenatória, deve determinar a espécie de regime


para início de cumprimento da pena, observadas as circunstâncias judiciais
do art. 59 (é o que manda o art. 33, parágrafo 3º).

Obedecendo a forma progressiva determinada no parágrafo 2º, art. 33, de


acordo com o mérito do condenado, o início do cumprimento da pena se
dará da seguinte forma:
142 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

– Condenado a pena de reclusão superior a 8 (oito) anos: Deverá


começar, obrigatoriamente, a cumpri-la em regime fechado (alínea “a”).

– Pena de reclusão superior a 4 (quatro) anos, até 8 (oito) anos:


condenado não reincidente, (poderá); o condenado a pena de detenção
(reincidente), qualquer que seja a quantidade da pena (deverá), desde o
princípio, cumpri-la em regime semi-aberto (alínea “b”). Atualmente está em
vigor a Súmula 269 do STJ que assim preconiza: “ É admissível a adoção
do regime prisional semi-aberto aos reincidentes condenados a pena igual
ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais”.

– Pena igual ou inferior a 4 (quatro) anos de reclusão ou detenção:


condenado não reincidente poderá, desde o início, cumpri-la em regime
aberto (alínea “b”).

Se o condenado a pena de reclusão for reincidente nas hipóteses II e III,


inicia o cumprimento da pena em regime fechado. Se o crime for hediondo
ou assimilado, por força da lei 8.072/90, o condenado cumprirá a pena em
regime fechado, seja ou não reincidente.

Ao condenado a pena de detenção, ainda que reincidente, não se poderá


aplicar, inicialmente, o regime fechado; somente o semi-aberto, qualquer
que seja a quantidade da pena – art. 33, caput.

A pena imposta por crime hediondo ou assemelhado, (tortura,


tráfico ilícito de entorpecentes e terrorismo), deve ser cumprida em regime
fechado (art. 2º, parágrafo 1º, da lei 8.072). Consideramos inconstitucional
esta disposição legal. Contudo, tem tido larga aplicação. O próprio STF não
considera esta lei inconstitucional. Sendo que para o crime de tortura
apenas o início do cumprimento se dará em regime fechado. A lei 9.455/97,
no seu artigo 1º, § 7º, restaurou a progressão de regime para os
condenados por esse tipo de crime. Para os demais (hediondos, tráfico e
terrorismo) o cumprimento da pena se dará, integralmente, em regime
fechado. Todavia recentemente o STF mudou seu entendimento quanto à
progressão de regime nos crimes hediondos ou assemelhados conforme
HC 82959/SP, Rel.min. Marco Aurélio, 23.2.2006. (HC-82959). Em virtude deste
recente posicionamento do STF parece que perdeu eficácia a Súmula 698 que
assim entendia: “Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade
de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura”.

Lei 10.763/03 e a exigência da reparação do dano ou devolução


do produto do ilícito para a progressão do regime.
Introduziu referida lei mais um óbice ao condenado por crime contra a
Administração Pública exigindo do mesmo a reparação do dano ou
devolução do produto do ilícito para requerer a progressão de regime.
143 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

REGRAS:

Regime fechado: No início do cumprimento da pena em regime fechado, o


condenado será submetido a exame criminológico de classificação para
individualização da execução – art. 34, caput.

Regime semi-aberto: Pode também ser submetido a exame criminológico


de classificação para individualização da execução. O art. 35, caput, fala
em “obrigatoriedade”, toda via, prevalece o art. 8º, parágrafo, da LEP, que
fala apenas em “faculdade”. Prevalece a LEP, por ser lei especial.

Regime aberto: Baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade


do condenado – art. 36, caput.

A legislação especial de que nos fala o artigo 40, CP, é a LEP – Lei de
Execuções Penais, N.º.210, de 11/07/84, artigos 28 a 37 e 40 a 43.

Regime Disciplinar Diferenciado (RDD).

Introduzido pela lei 10.792/03, é em síntese caracterizado pelo seguinte:


1. Duração máxima de 360 dias, sem prejuízo de repetição da sanção
por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da
pena aplicada.
2. Recolhimento em cela individual.
3. Visitas semanais de duas pessoas, sem contar crianças, com
duração de duas horas.
4. Direito de saída da cela para banho de sol por duas horas diárias.

Âmbito de Abrangência do Regime Disciplinar Diferenciado.

A esse regime serão encaminhados os presos que praticarem fato previsto


como crime doloso (atente: fato previsto como crime e não crime, pois caso
esta fosse à previsão legal deveria se aguardar o pronunciamento definitivo
do Judiciário o que invibializaria a rapidez que o regime exige). Fato este
considerado falta grave, desde que ocasione a subversão da ordem ou
disciplina interna, sem prejuízo da sanção penal cabível.

“Art. 52”. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e,
quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso

144 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar


diferenciado, com as seguintes características.

§ 1o O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios


ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a
ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.
§ 2º Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso
provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de
envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas,
quadrilha ou bando.

Três são, portanto as hipóteses para a inclusão no RDD:


1. Quando o preso provisório ou condenado praticar fato previsto como crime
doloso, conturbando a ordem e a disciplina interna do presídio onde se
encontre.
2. Quando o preso provisório ou condenado representar alto risco para a
ordem e à segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.
3. Quando o preso provisório ou condenado estiver envolvido com
organização criminosa, quadrilha ou bando, bastando fundada suspeita.

O RDD somente poderá ser decretado pelo juiz da execução penal, desde que
proposto:

“Art. 54”. As sanções dos incisos I a IV do art. 53 serão aplicadas por ato
motivado do diretor do estabelecimento e a do inciso V, por prévio e
fundamentado despacho do juiz competente.
§ 1o A autorização para a inclusão do preso em regime disciplinar dependerá
de requerimento circunstanciado elaborado pelo diretor do estabelecimento
ou outra autoridade administrativa.
§ 2o A decisão judicial sobre inclusão de preso em regime disciplinar será
precedida de manifestação do Ministério Público e da defesa e prolatada no
prazo máximo de quinze dias

Embora o Juiz da Execução tenha o prazo máximo de 15 dias para decidir a


respeito da inclusão no RDD, a autoridade administrativa, em caso de urgência,
pode isolar o preso preventivamente, por até 10 dias, aguardando a decisão
judicial, art.60 da LEP.

145 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

A autoridade administrativa poderá decretar o isolamento preventivo do faltoso


pelo prazo de até dez dias. A inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado,
no interesse da disciplina e da averiguação do fato, dependerá de despacho do
juiz competente.
Parágrafo único. O tempo de isolamento ou inclusão preventiva no regime
disciplinar diferenciado será computado no período de cumprimento da sanção
disciplinar.

Superveniência de doença mental.

Ocorre (art. 41, CP) quando o agente que ao tempo do crime era imputável
ou semi-imputável e foi condenado a pena privativa de liberdade, e durante
o seu cumprimento eclode doença mental que agora o torna inimputável.
Neste caso o juiz da execução interrompe o cumprimento da pena privativa
da liberdade e o submete a medida de segurança internativa.

DETRAÇÃO.
É a contagem no tempo da pena privativa de liberdade e da medida de
segurança do período em que ficou detido o condenado em prisão
provisória, no Brasil ou no exterior, de prisão administrativa ou mesmo em
hospital de custódia e tratamento.

Figure que um indivíduo foi preso em fragrante por 6 meses pela prática de
determinado crime. Findo o processo ele restou condenado a 7 meses de
pena privativa da liberdade. Neste caso cumprirá apenas mais 1 mês.
Também no caso anterior (superveniência de doença mental) sobrevindo a
cura do internando, o período que passou cumprindo a medida de
segurança detrairá o que ainda lhe restar de pena a cumprir art. 42, CP. É o
fenômeno da detração.

PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS E AS ALTERAÇÕES IMPOSTAS


PELA LEI n.º.714/98. (O tema a seguir abordado foi extraído da cátedra
de diversos doutrinadores sobressaindo-se os ensinamentos do
professor LUIZ FLÁVIO GOMES).

Contávamos no nosso Código Penal, antes do advento dessa lei, com seis
penas alternativas substitutivas (multa, prestação de serviços à
comunidade, limitação de fim de semana, proibição do exercício de cargo
ou função, proibição do exercício de profissão e suspensão da habilitação
146 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

para dirigir veículo). Quatro novas sanções restritivas foram acolhidas pela
lex nova (prestação pecuniária em favor da vítima, perda de bens e
valores, proibição de freqüentar determinados lugares e prestação de outra
natureza). Logo, agora, no total, temos dez sanções substitutivas.

São sanções autônomas que, como o próprio nome diz, substituem a de


prisão. Doravante, quando a pena aplicada não for superior a quatro anos,
excluídos os crimes cometidos com violência ou grave ameaça à
pessoa, ou, qualquer que seja a pena, se o crime for culposo, têm
cabimento tais sanções.

Mas réu reincidente em crime doloso, em princípio, não faz jus à


substituição. Tampouco conta com esse direito quando sua culpabilidade,
antecedentes, conduta ou personalidade ou ainda os motivos e
circunstâncias não o recomendarem.

Doravante, para bem se compreender o sistema de Justiça Penal brasileiro


deve-se partir da premissa de que dentro dele existem dois subsistemas: o
clássico, que privilegia o encarceramento porque acredita na função
dissuasória da prisão, e o alternativo, que procura sancionar o infrator
conforme a gravidade da infração, com penas e medidas alternativas, isto
é, sem retirá-lo do convívio familiar, profissional e social.

As penas alternativas podem ser consensuais (é o que ocorre na


transação penal, por exemplo, em que se exige consenso do autor do fato)
ou não consensuais.. As penas alternativas não consensuais, por seu
turno, podem ser diretas ou substitutivas. As primeiras possuem tal
designação porque são aplicadas diretamente pelo juiz, sem passar pela
pena de prisão (é o caso da multa, por exemplo, no art. 135 do CP); nas
segundas o juiz primeiro fixa a prisão para depois substituí-la. As penas
substitutivas, por sua vez, compreendem as penas restritivas de direitos
(hoje são nove as modalidades) e a multa.

Do ponto de vista penal resultou agora bem demarcada, entre nós, a


seguinte classificação: a) infrações de lesividade insignificante (devem
ser regidas pelo princípio da insignificância, com a conseqüência de que
ficam excluídas da incidência do Direito Penal); b) infrações de menor
potencial ofensivo (crime com pena de prisão até um ano e todas as
contravenções, que admitem as soluções consensuadas da lei dos
juizados criminais); c) infrações de médio potencial ofensivo (as que
admitem a suspensão condicional do processo – pena mínima não
superior a um ano – ou penas substitutivas – crimes culposos e crimes
dolosos com pena até quatro anos, excluídos os crimes cometidos com
violência ou grave ameaça à pessoa); d) infrações de grande potencial
ofensivo (crimes graves, mas não definidos como hediondos – homicídio

147 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

simples, por exemplo); e) infrações hediondas (às quais se aplica o regime


especial da lei dos crimes hediondos).

ARTIGO 43 DO CÓDIGO PENAL – ELENCO DAS PENAS RESTRITIVAS


DE DIREITOS

Redação anterior: Penas restritivas de direitos – Art. 43. As penas


restritivas de direitos são: I – prestação de serviços à comunidade; II –
interdição temporária de direitos; III – limitação de fim de semana.

Redação atual: Penas restritivas de direitos – Art. 43. As penas restritivas


de direitos são: I – prestação pecuniária; II – perda de bens e valores; III –
vetado; IV – prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; V
– interdição temporária de direitos; VI – limitação de fim de semana.

O art. 43 do Código Penal foi o primeiro dispositivo alterado pela Lei


9.714/98. Quem lê o novo preceito legal tem a superficial e enganosa
impressão de que teria havido uma única mudança: de três teriam passado
para cinco as penas restritivas de direitos. Nada mais falacioso. Primeiro
porque antes não tínhamos apenas três penas restritivas de direitos. Não
se pode esquecer que a pena de interdição temporária subdividia-se em
três. Logo, tínhamos cinco penas restritivas. E no art. 60, § 2º, estava
prevista a multa substitutiva. Desse modo, contávamos antes com seis
penas substitutivas (cinco restritivas mais a multa).

Agora, após a reforma legislativa, temos dez (nove restritivas mais a


multa): seis já foram indicadas (prestação pecuniária, perda de bens e
valores, prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas,
interdição temporária de direitos, limitação de fim de semana e multa
substitutiva). Se considerarmos que a interdição temporária de direitos
subdivide-se doravante em quatro (proibição do exercício de cargo,
proibição do exercício de profissão, suspensão da habilitação para dirigir
veículo e proibição de freqüentar determinados lugares), já chegamos a
nove. A última sanção cominada é a prestação de outra natureza – art. 45,
§ 2º.

Na referência às “entidades públicas” como possíveis beneficiárias do


serviço a ser prestado pelo infrator, deve-se interpretar essa locução na sua
acepção mais ampla, para abarcar tanto as diretas como as indiretas
(empresas públicas, sociedades de economia mista, entidades fiscalizadas
ou subvencionadas pelo poder público etc.).

De qualquer maneira, fica claro que a prestação de serviços, como tal, não
pode ser a entidades privadas que não cumprem nenhum programa
comunitário ou estatal.
148 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

ARTIGO 44 DO CÓDIGO PENAL – HIPÓTESES DE CABIMENTO,


REQUISITOS, FORMAS DE SUBSTITUIÇÃO, MULTA SUBSTITUTIVAS E
CONVERSÃO.

Redação anterior: Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas


e substituem as privativas de liberdade, quando: I – aplicada pena privativa
de liberdade inferior a um ano ou se o crime for culposo; II – o réu não for
reincidente; III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a
personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias
indicarem que essa substituição seja suficiente. Parágrafo único. Nos
crimes culposos, a pena privativa de liberdade aplicada, igual ou superior a
um ano, pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou
por duas penas restritivas de direitos, exeqüíveis simultaneamente.

Redação atual: Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e


substituem as privativas de liberdade, quando: I – aplicada pena privativa
de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com
violência ou grave ameaça à pessoa ou qualquer que seja a pena aplicada,
se o crime for culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso; III – a
culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do
condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa
substituição seja suficiente.

§ 1º Vetado.

§ 2º Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita


por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a
pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de
direitos e multa ou por duas restritivas de direitos.

§ 3º Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição,


desde que, em face da condenação anterior, a medida seja socialmente
recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática
do mesmo crime.

Sobre a natureza jurídica das penas restritivas de direitos temos, no


art. 44, duas indicações: são autônomas e substitutivas. Quando se diz
que as penas restritivas são autônomas, isso significa que não são
acessórias à pena de prisão.

As penas restritivas de direitos são de outro lado, substitutivas, é dizer,


“substituem as privativas de liberdade”.

149 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

Quando aplicadas, passam a ocupar o lugar da pena de prisão, que


desaparece. Deve haver, portanto, uma troca. Daí a conseqüência de que
não podem ser aplicadas cumulativamente com a pena de prisão: ou o juiz
mantém a prisão fixada na sentença (e passa a ditar os parâmetros da sua
execução) ou, de outro lado, substitui tal pena privativa de liberdade pela
restritiva de direitos ou multa, acolhendo-se, desse modo, a via alternativa
que a lei lhe possibilita.

HIPÓTESES DE CABIMENTO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS:

Primeira: tratando-se de crime doloso (não importa se trata de dolo direto


ou eventual), é possível a substituição da pena de prisão por restritiva
quando: a) a pena aplicada não for superior a quatro anos; b) o crime não
for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa. O que importa é a
pena aplicada (final), não a pena cominada (em abstrato). De outro lado,
que não seja superior a quatro anos. Pena até quatro anos, inclusive,
admite a substituição. Não interessa se é reclusão ou detenção ou mesmo
prisão simples. A lei exige que seja privativa de liberdade.

Na hipótese de concurso de crimes (formal ou crime continuado), o que


interessa é a pena final imposta. Se não excede (no seu total, já computado
o aumento decorrente do concurso formal ou crime continuado) quatro
anos, em tese, pela pena aplicada, cabe a substituição, sem embargo da
necessidade de se verificar a presença dos outros requisitos exigidos pela
lei.

Segunda: a exigência legal quanto ao crime doloso é que não seja


cometido com violência ou grave ameaça à pessoa. Violência à coisa,
privada ou pública (furto mediante rompimento de obstáculo), em
conseqüência, não impede a substituição. A violência, como se sabe, pode
ser própria ou imprópria; de outra parte, pode ser física (vis corporalis) ou
moral (vis compulsiva). O art. 44, I, com a nova redação, refere-se
exclusivamente à violência física (vis corporalis) e à grave ameaça (vis
compulsiva). Não alcança, assim, a violência ficta (presumida). Em
conseqüência, crimes sexuais tentados cometidos com violência ficta, em
tese, pela pena aplicada, podem admitir a substituição, sem prejuízo do
posterior exame dos demais requisitos legais.

É da violência dolosa que se trata, ademais (porque, no caso de crime


culposo, sempre é possível a substituição da prisão por pena restritiva,
qualquer que seja a pena aplicada).

Pouco importa se são crimes consumados ou tentados, sendo violentos,


impossível a substituição.

150 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

Mas a rigidez do critério, no entanto, pode dar ensejo a injustiças e


assimetrias. Crimes como constrangimento ilegal e ameaça, v.g., que, pela
pena cominada, admitem as soluções consensuais da lei dos juizados não
são suscetíveis de substituição.

A contradição só pode ser desfeita com uma interpretação


contextualizada, que concluiria: de fato, crimes cometidos com grave
ameaça não admitem a substituição, exceto quando já admitem a aplicação
de outras formas alternativas de sanção porque nesse caso o legislador já
fez alhures uma valoração menos severa dessa infração.

Terceira: cabe também a substituição da pena de prisão nos crimes


culposos. Qualquer que seja a pena aplicada, admite-se a substituição.
Mesmo que a infração tenha um certo conteúdo de afetação dos bens
jurídicos, vida ou integridade física (tal como se dá no homicídio e lesão
culposos), em tese, nada impede a substituição, desde que presentes todos
os requisitos legais.

REQUISITOS LEGAIS EXIGIDOS PARA A SUBSTITUIÇÃO DA PENA.

Uma vez constatado o cabimento, em tese, da substituição da prisão por


pena restritiva de direitos, impõe-se o exame concreto dos outros requisitos
legais exigidos.

Primeiro: que o réu não seja reincidente em crime doloso. Linearmente:


réu reincidente em crime doloso, em princípio, não faz jus à substituição da
pena. Não basta a reincidência ou melhor dito: não é qualquer reincidência
que impede a substituição. É preciso que o réu não seja “reincidente em
crime doloso”, isto é, que não tenha sido condenado antes definitivamente
por um crime doloso e, agora, dentro do lapso de cinco anos, haja cometido
outro crime doloso.

Não importa se trata de dolo direto ou eventual. O que a lei exige é que não
haja reincidência “em crime doloso” (leia-se: dois crimes dolosos).

Ocorrendo um crime doloso e outro culposos, pode dar-se a substituição,


desde que presentes os outros requisitos legais.

A reincidência em crime culposo, ainda que específica, não impede a


substituição da pena de prisão.

Devemos sempre dizer “em princípio” pelo seguinte: se de um lado o


inc. II do art. 44 exclui o instituto da substituição para o “réu reincidente em
crime doloso”, de outro, o § 3º do mesmo dispositivo abriu a possibilidade
de exceção, nesses termos: “Se o condenado for reincidente (em crime
doloso, evidentemente, porque o § 3º está em conexão lógica, topográfica e
151 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
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sistemática com o inc. II citado), o juiz poderá aplicar a substituição, desde


que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente
recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática
do mesmo crime”.

A valoração que o juiz deve fazer, em suma, é a seguinte: tendo em


vista a condenação anterior, bem como as circunstâncias objetivas e
subjetivas do fato novo, é “socialmente recomendável” a substituição? De
qualquer maneira, há uma hipótese de exclusão absoluta: cuidando-se de
reincidência (dolosa) em “virtude da prática do mesmo crime” está
definitivamente afastada a possibilidade de substituição da prisão por
qualquer pena alternativa.

Segundo: o segundo requisito exigido informa que a substituição somente


é possível quando “a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a
personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias,
indicarem que essa substituição seja suficiente”. É praticamente a repetição
do art. 59 do CP (excepcionando-se as conseqüências e o comportamento
da vítima).

Culpabilidade é o grau de reprovação da conduta (dolosa ou culposa). Por


antecedentes devemos entender tão-somente a condenação definitiva
pretérita que já não gera reincidência (qualquer outra interpretação
ampliativa desse requisito viola o princípio da presunção de inocência –
“processo em curso” – O princípio da presunção de inocência significa que
ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da
sentença penal condenatória).

Todos os requisitos legais (réu não reincidente em crime doloso,


culpabilidade, antecedentes etc.) são exigidos simultaneamente, é dizer,
não são alternativos, senão cumulativos. Uma vez preenchidos todos, pode-
se falar em direito público subjetivo do acusado à substituição da pena de
prisão por pena restritiva de direito. Na eventualidade de que o juiz não
proceda à substituição ou não a fundamente adequadamente, não há dúvida
de que cabe apelação, observando-se que em casos de ameaça iminente
ao ius libertatis até mesmo o habeas corpus resulta apropriado.

Momento da substituição. A pena privativa de liberdade pode ser


substituída por pena restritiva de direitos em dois momentos:

na sentença condenatória (CP, art. 59);

na fase executiva da pena de prisão (LEP, art. 80).

Nos termos do art. 59 do CP o juiz deve escolher a pena (I), quantificar a


pena (inc. II), fixar o regime (inc. III) e, quando cabível, substituí-la por outra
152 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
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espécie de pena (inc. IV). A ordem da enumeração legal deveria ser outra:
escolha da pena, quantificação da pena, eventual substituição e, não sendo
o caso, fixação do regime, sem prejuízo de virtual cabimento do sursis.
Aliás, assim deve ser lido hoje o art. 59.

A pena alternativa (substitutiva) deve ser clara, precisa, isto é, não pode
haver dúvida sobre seu conteúdo ou extensão. Se no plano da cominação
exige-se lex clara, na fase de aplicação torna-se imprescindível uma
poena clara. Tomemos como exemplo a nova pena de proibição de
freqüentar determinados lugares: ao juiz cabe esclarecer quais são os
lugares, porque somente assim se delimita o âmbito do proibido e do
permitido.

Não é possível deixar por conta do réu optar por uma ou outra pena
restritiva de direitos. Cabe ao juiz fixar a pena alternativa com clareza,
respeitando sempre o limite da culpabilidade, bem como o princípio da
proporcionalidade. A única pena em que é indispensável o consenso do
beneficiário da medida alternativa é a prestação de outra natureza.

FORMAS DE SUBSTITUIÇÃO

Previa o § 1º do art. 44 que a pena inferior a seis meses poderia ser


substituída por advertência, freqüência a curso ou submissão a tratamento.
Três novas penas alternativas estavam contempladas nesse preceito, que
foi vetado pelo Presidente da República. Logo, as formas de substituição da
prisão pela restritiva acham-se disciplinadas tão-somente no § 2º do
mesmo artigo. Duas hipóteses devem ser distinguidas:

Primeira forma de substituição: pena aplicada igual ou inferior a um ano:


nesse caso a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena
restritiva de direitos. Pressuposto lógico da multa substitutiva é a aplicação
da pena privativa de liberdade antes (reclusão, detenção ou prisão
simples).

Está revogado o § 2º do art. 60 do CP, que previa a possibilidade de


substituição da prisão por multa em relação à pena privativa de liberdade
não superior a seis meses. Agora, pena até um ano pode ser substituída
por multa. Ampliou-se o limite da multa substitutiva. Caberá ao juiz, depois
de valorar cada concreto (culpabilidade, antecedentes, personalidade etc.),
optar pela multa ou por uma pena restritiva de direitos. Uma só, não mais.
Não é possível, portanto, quando a pena aplicada não excede um ano, nem
cumular a multa com pena restritiva, nem aplicar duas restritivas. O modus
procedenti é vicariante: ou multa ou restritiva.

Essa multa (“vicariante”), nos termos do parágrafo único do art. 58 do CP,


aplica-se independentemente de cominação na parte especial. Sua fixação
153 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
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fundamentada segue os mesmos parâmetros do art. 49, caput e § 1º, e


ainda art. 60 do CP (sistema bifásico: imposição do número de dias-multa e
determinação do valor de cada dia-multa), observando-se que não existe
nenhuma simetria ou correspondência compulsória (equivalência) entre a
quantidade da pena de prisão (a ser substituída) e a quantidade de dias-
multa que o juiz deve fixar em substituição.

Quando o tipo penal prevê a prisão e multa cumulativamente, nada impede


que o juiz substitua a pena de prisão aplicada até o limite de um ano por
multa ou restritiva. O fato de o juiz ter fixado na sentença duas penas
(prisão e multa), em atenção à cominação cumulativa abstrata, não é
obstáculo para a substituição da pena privativa de liberdade por outra
medida alternativa. Desse modo, no final, o réu será condenado a uma
pena restritiva substitutiva mais a multa original ou a uma multa substitutiva
juntamente com a multa original (são duas multas, mas cada uma com sua
natureza própria).

A nova regra prevista no art. 44, § 2º, sendo de caráter geral, é aplicável
para crimes previstos no Código Penal, assim como na legislação especial
(CP, art. 12), salvo disposição em contrário.

Segunda forma de substituição: pena aplicada superior a um ano: nesse


caso, a pena pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e
multa ou por duas restritivas de direitos. Antes da Lei 9.714/98 essa forma
de substituição somente era autorizada para os crimes culposos com pena
igual ou superior a um ano (antigo art. 44, parágrafo único). Cabe ao juiz
optar por uma das duas formas previstas: uma pena restritiva mais multa ou
duas penas restritivas. Levando em conta, evidentemente, o grau de
censurabilidade do fato e do agente.

No antigo art. 44, parágrafo único, falava-se em duas penas restritivas de


direitos exeqüíveis simultaneamente. Essa exigência desapareceu. Logo,
nada impede, na nova lei, que sejam duas penas restritivas exeqüíveis
sucessivamente.

A forma de cumprimento da pena restritiva sempre pode ser alterada na


fase executiva (LEP, art. 148).

Conversão das penas restritivas de direitos.

Art. 44, § 4º. A pena restritiva converte-se em privativa de liberdade quando


ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da
pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da
pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de
detenção ou reclusão.

154 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

Art. 44, § 5º. Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por


outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo
deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva
anterior.

Era o art. 45 do CP, antes, que cuidava da conversão das penas restritivas
de direitos. Vinha, portanto, precedido dessa indicação superior. O tema da
conversão, agora, vem disciplinado nos §§ 4º e 5º do art. 44.

Três são as hipóteses de conversão da pena restritiva de direitos:

Primeira: quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição


imposta;

Segunda: quando sobrevier condenação a pena privativa de liberdade, por


outro crime, incompatível com a pena substitutiva anterior;

Terceira: quando sobrevier condenação a pena privativa de liberdade, por


outro crime, compatível com a pena substitutiva anterior.

Além dessas hipóteses previstas nos dois parágrafos acima mencionados,


não se pode esquecer que o art. 181 da LEP prevê outras específicas.

A importância de se distinguir as três citadas modalidades de conversão


está no seguinte: enquanto as duas primeiras possuem natureza obrigatória
(leia-se: são causas obrigatórias de conversão da pena restritiva em
prisão), a última conta com caráter facultativo (isto é, pode o juiz deixar de
fazer a conversão quando, apesar da condenação posterior, for possível ao
condenado cumprir a pena substitutiva anterior).

O único descumprimento da restrição imposta que autoriza a conversão é o


injustificado.

FORMA DE CONVERSÃO

A garantia da pena restritiva de direitos é a própria pena privativa de


liberdade substituída, que pode retornar em caso de conversão. No
momento da substituição a pena de prisão sai de cena, mas não
completamente. Fica como soldado de reserva, à espera do cumprimento
da pena alternativa. A prisão cumpre o papel de garantia. Caso não
funcione o sistema alternativo, volta-se ao clássico. Antes de se fazer a
conversão diretamente para a pena privativa de liberdade, deveria o
legislador ter previsto outras medidas alternativas, colocando a prisão no
seu devido lugar, isto é, como medida de extrema ratio.

155 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

Como regra geral, pode-se afirmar que a pena restritiva de direitos


converte-se em pena privativa de liberdade.

Mas essa regra possui uma exceção: a multa substitutiva. Em caso de


descumprimento da multa substitutiva (que está prevista no § 2º do art. 44),
pensamos não ser possível sua conversão em prisão.

DEDUÇÃO DO TEMPO CUMPRIDO

No cálculo da pena privativa de liberdade a executar, diz o § 4º, segunda


parte, do art. 44, será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de
direitos, respeitado o saldo mínimo de 30 (trinta) dias de detenção ou
reclusão.

Das dez penas substitutivas que temos agora, uma, desde logo, e
como vimos acima, está fora de qualquer possibilidade de conversão:
é a multa substitutiva. Há uma pena restritiva que não admite
descumprimento porque não se exige nenhuma obrigação de fazer ou não
fazer do condenado: é a pena de perda de bens. Das oito penas
substitutivas restantes seis são temporalmente mensuráveis (prestação de
serviços à comunidade, limitação de fim de semana e as quatro interdições
temporárias de direitos) e duas são temporalmente imensuráveis
(prestação pecuniária e prestação de outra natureza - § 2º, art. 45).

No que diz respeito às penas mensuráveis, não existe nenhuma dificuldade


para a feitura do “cálculo” da pena privativa de liberdade a executar. Se o
sujeito foi condenado a dois anos e cumpriu dez meses de prestação de
serviços à comunidade, por exemplo, esse tempo é deduzido no momento
da conversão. Ele somente irá cumprir o restante da pena. Tudo se
complica quando se trata de penas não mensuráveis: prestação pecuniária
e prestação de outra natureza (§ 2º do art. 45).

Se o sujeito não cumpriu absolutamente nada dessa prestação, a


conversão dar-se-á pela pena integral de prisão. Mas e se ele cumpriu uma
parte? Por analogia in bonam partem o juiz deve debitar algo da pena de
prisão a ser executada, aplicando, na falta de outro critério mais adequado,
a equidade, tal como já reivindicava Alberto Silva Franco no sistema
anterior.

SALDO MÍNIMO DE TRINTA DIAS

Cremos que o saldo de que nos fala a lei refere-se ao que faltava ao
condenado cumprir de pena restritiva. Não poderia ser outro o
entendimento sob pena de ser inconstitucional. Senão vejamos: suponha
alguém que faltando uma semana para o término da pena de prestação de
serviços, deixa-a de cumprir. Numa primeira interpretação tem-se que a
156 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

conversão se daria e o condenado teria de cumprir, não uma semana, mas


trinta dias de pena privativa da liberdade. Nos parece absurdo!

Penso que o melhor entendimento, face o equívoco legislativo é deixar


impune o condenado, não se declarando extinta a punibilidade senão após
decorridos o prazo prescricional de 2 anos.

A conversão da pena restritiva em pena privativa de liberdade deve sempre


ser fundamentada, expondo-se com clareza a razão da conversão. A
prescrição da pena restritiva conta-se pelo tempo da pena aplicada e não é
possível, após a conversão, a aplicação direta do sursis. Converte-se a
restritiva primeiro em prisão. Depois cabe ao juiz analisar cada caso
concreto para determinar a forma ou o regime de cumprimento dessa pena.

ARTIGO 45 DO CÓDIGO PENAL – PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA,


PRESTAÇÃO DE OUTRA NATUREZA E PERDA DE BENS E VALORES

Art. 45. Na aplicação da substituição prevista no artigo anterior, proceder-


se-á na forma deste e dos arts. 46, 47 e 48.

§ 1º. A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vitima, a


seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social,
de importância fixada pelo juiz, não inferior a 01 (um) salário mínimo nem
superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será
deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil,
se coincidentes os beneficiários.

§ 2º. No caso do parágrafo anterior, se houver aceitação do beneficiário, a


prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza.

A pena restritiva de direitos substitutiva prevista no art. 43, I (prestação


pecuniária), vem explicitada no § 1º do art. 45 e consiste em um pagamento
em dinheiro. Aliás, “prestação” significa precisamente ação de satisfazer ou
pagamento. Prestação pecuniária sempre envolve algum valor, alguma
importância, alguma quantia, em suma, um quantum monetário.

O objeto dessa prestação pecuniária pode ser diversificado: dinheiro,


títulos, pedras preciosas, ouro etc. Na sua forma principal, a prestação
pecuniária, ex vi legis (§ 1º citado), deve ser em dinheiro, isto é, em moeda
corrente.

A forma desse pagamento pode ser à vista (de uma só vez) ou em parcelas
(mesmo porque até a multa estatal pode ser parcelada). Pode o pagamento
ser efetuado, de outro lado, em dinheiro vivo, em cheque, em depósito
judicial, etc. O fundamental é que a prestação seja satisfeita, para que o réu
se desobrigue da pena substitutiva.
157 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Os destinatários (beneficiários) da prestação, em ordem de preferência, são


a vítima, seus dependentes, entidade pública ou entidade privada com
destinação social (que preste algum tipo de serviço social ou beneficente:
creches, hospitais, asilos, etc.). No que diz respeito à vítima ou seus
dependentes, a prestação pecuniária possui cunho indenizatório, seja de
danos materiais, seja de danos morais. Quanto às entidades públicas e
privadas com destinação social, a referida prestação tem cunho
beneficente. Na eventualidade de que o crime não tenha vítima certa, cabe
ao juiz escolher as entidades públicas ou privadas que possam ser
beneficiárias da prestação.

A importância da prestação pecuniária é fixada pelo juiz, na mesma


sentença condenatória. Os limites legais são: um salário mínimo no
patamar inferior a trezentos e sessenta salários mínimos no superior. Não é
possível ultrapassar esses limites. Nem para mais, nem para menos.

O condenado desonera-se da sanção substitutiva quitando a prestação


pecuniária. Deve documentar-se e informar ao juízo, isto é, sempre que
possível, deve juntar aos autos a quitação fornecida pelo beneficiário da
prestação.

DIREITO DE COMPENSAÇÃO

O valor pago (efetivamente pago) será deduzido do montante de eventual


condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários (§
1º, in fine). O que esse dispositivo significa, em primeiro lugar, é que a
prestação pecuniária não impede a vítima de ingressar no cível com a ação
reparatória correspondente. Ainda que a vítima receba o dinheiro objeto da
pena substitutiva, mesmo assim, nada impede que utilize a via civil para a
satisfação do seu crédito total. Isso se explica sobretudo porque o
quantum fixado pelo juiz criminal é meramente estimatório.

Mas o condenado somente conta com o direito de compensação do quanto


pago no âmbito criminal “se coincidentes os beneficiários”, é dizer, se a
prestação pecuniária foi paga exatamente a quem, depois, ingressou com
a ação civil. Não sendo coincidentes os beneficiários, nenhuma
compensação pode ser feita.

PRESTAÇÃO DE OUTRA NATUREZA

A pena de prestação de outra natureza está prevista no § 2º do art. 45,


nestes termos: “No caso do parágrafo anterior, se houver aceitação do
beneficiário, a prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra
natureza”.

158 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

Exposição de Motivos consta que uma dessas penas, além das cestas
básicas, seria a mão-de-obra que o sujeito pudesse prestar. Essa, aliás, é a
posição de Damásio E. de Jesus e Luiz Flávio Gomes.

Consenso do beneficiário. Pela letra da lei, a pena de prestação de outra


natureza depende de consenso do beneficiário, isto é, de quem vai usufruir
da prestação.

CONVERSÃO DA PENA

Na eventualidade de que o condenado, injustificadamente, não cumpra a


pena restritiva na forma e extensão determinadas, dar-se-á sua conversão
em pena privativa de liberdade. Volta a pena de prisão que foi
originariamente imposta e depois substituída. Caso tenha sido feito algum
pagamento (parcial), o juiz deve descontar uma parte da pena de prisão,
aplicando por analogia o § 4º do art. 44. O quantum do desconto deve ser
fixado com base na equidade.

Perda de bens e valores. Art. 45, § 3º. A perda de bens e valores


pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação especial,
em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto – o
que for maior – o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo
agente ou por terceiro, em conseqüência da prática do crime.

É uma pena destinada sobretudo ao denominado criminoso do colarinho


branco, isto é, ao autor de um crime de média potencialidade ofensiva que
tem patrimônio.

Os bens são móveis ou imóveis. Valores são os títulos de crédito, ações ou


outros papéis representativos de dinheiro e negociáveis na Bolsa de
Valores. São bens mobiliários (de renda fixa ou renda variável) Tão-
somente bens e valores do condenado é que podem ser perdidos. Jamais
de terceira pessoa (até porque a pena não pode passar da pessoa do
delinqüente).

A diferença fundamental entre a perda de bens e valores e o confisco do


Código Penal reside no seguinte: só cabe confisco dos instrumentos do
crime (instrumenta sceleris) e dos produtos do crime (producta sceleris)
ou do proveito obtido com ele (CP, art. 91), isto é, bens intrinsecamente
antijurídicos; por seu turno, a perda de bens não requer que sejam bens
frutos de crime (fructus sceleris).

O que o condenado vai perder são bens ou valores legítimos seus, os que
integram seu patrimônio lícito. Nesse caso, portanto, dispensa-se a prova
da origem ilícita deles.

159 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

A lei só estabeleceu limite máximo (teto) que será, o que for maior, o
montante do prejuízo causado (danos provocados) ou do provento (que
significa proveito, rendimento, lucro) obtido pelo agente ou por terceiro, em
conseqüência da prática do crime. Em um crime financeiro, por exemplo,
uma coisa é o prejuízo causado, outra bem diferente é o proveito (que inclui
todos os rendimentos e lucros) que o sujeito obteve com a vantagem
alcançada inicialmente.

PERDA DE BENS E PRINCÍPIO DA PERSONALIDADE DA PENA


(responsabilidade pessoal).

Nossa Constituição Federal referiu-se à perda de bens em dois incisos do


art. 5º. Inciso XLV (“nenhuma pena passará da pessoa do condenado,
podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de
bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles
executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”) e inc. XLVI, “b”
(“a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as
seguintes:... perda de bens).

Em conseqüência, tanto a pena nova de perda de bens (art. 45, § 3º) como
a prestação pecuniária (art. 45, § 1º), esta nada mais é que uma
antecipação da reparação dos danos, podem ser estendidas aos
sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio
transferido. Ambas exprimem as exceções constitucionais, valendo
observar que a mesma ilação não se pode extrair no concernente à multa.

Embora agora a multa estatal tenha, no que se relaciona com o quantum


“fixado”, natureza civil (CP, art. 51), mesmo assim, morrendo o autor do
fato, essa obrigação não pode jamais passar aos sucessores (precisamente
porque não existe para ela ressalva constitucional). E sem ressalva
constitucional ingressa-se na regra geral: nenhuma pena passa da pessoa
do delinqüente.

ARTIGO 46 DO CÓDIGO PENAL – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À


COMUNIDADE OU A ENTIDADES

Redação anterior: Art. 46. A prestação de serviços à comunidade consiste


na atribuição ao condenado de tarefas gratuitas junto a entidades
assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos
congêneres, em programas comunitários ou estatais.
Parágrafo único: As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do
condenado, devendo ser cumpridas, durante 8 (oito) horas semanais,
aso sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não
prejudicar a jornada normal de trabalho.

160 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

Redação atual: Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a


entidades públicas é aplicável às condenações superiores a 6 (seis) meses
de privação de liberdade.

§ 1º. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas


consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado.

§ 2º. A prestação de serviços à comunidade dar-se-á em entidades


assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos
congêneres, em programas comunitários ou estatais.

§ 3º. As tarefas a que se refere o § 1º serão atribuídas conforme as


aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de 1 (uma hora
de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a
jornada normal de trabalho.

§ 4º. Se a pena substituída for superior a 1 (um) ano, é facultado ao


condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca
inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada.

A pena de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas


consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado. È uma obrigação
de fazer algo pessoalmente (in personam actio). A diferença entre a
prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e a prestação
pecuniária reside no seguinte: esta é uma obrigação de dar (satisfazer);
aquela é uma obrigação de fazer algo (em pessoa).

Sobressai, desde logo, como se vê, o caráter personalíssimo da


prestação de serviços: ninguém pode prestá-lo no lugar do condenado
(nenhuma pena, aliás, pode passar da pessoas do delinqüente, consoante
o princípio da personalidade da pena – CF, art. 5º, inc. XLV). De qualquer
forma, importa sublinhar que essa pena restritiva não cria relação
empregatícia e tampouco admite o instituto da remição.
Nos termos do § 3º, as tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do
condenado. Devem ser condizentes com suas aptidões, sua situação, suas
habilidades, sua cultura, religião, etc. Nisso reside o princípio da
individualização da pena (CF, art. 5º, inc. XLVI), que deve ocorrer tanto no
plano da cominação como no da aplicação e execução. As tarefas
atribuídas, de outro lado, devem ser condizentes com os direitos
fundamentais da pessoa: impossível a imposição de qualquer obrigação
ofensiva à dignidade humana. Com muito acerto, a jurisprudência
brasileira vem glosando incontáveis imposições atentatórias à
dignidade: doação de sangue, prestação de serviços em templos
religiosos, etc.

161 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas,


diferentemente do que ocorre com as demais penas restritivas de direitos e
distintamente do que previa o antigo art. 46, agora somente é aplicável às
condenações superiores a 6 (seis) meses de privação da liberdade. Penas
inferiores a esse patamar não podem, em absoluto, ser substituídas por
prestação de serviços.

Quis o legislador destinar essa sanção para penas mais elevadas,


certamente por considerar que sanção até esse limite, tal como já se previa
no art. 60, § 2º, do CP, só justifica, em princípio, a imposição da multa
substitutiva.

A quantidade da pena aplicada, destarte, passa a figurar como requisito


insuperável para a fixação da prestação de serviços.

O § 2º do art. 46 proclama o rol das entidades beneficiárias dos serviços.


São elas: entidades assistenciais (filantrópicas), hospitais, escolas,
orfanatos e outros estabelecimentos congêneres.

Podem ser entidades comunitárias (privadas) ou públicas (da administração


direta ou indireta). Inclusive quanto aos estabelecimentos congênere, o
fundamental é que desempenhem programas comunitários ou estatais.
Impossível a prestação do serviço numa entidade privada que não cumpra
nenhum programa comunitário, pois nesse caso haveria apropriação
indevida de mão-de-obra.

A competência para substituir a prisão por pena restritiva é do juiz da


sentença; a execução compete ao juízo das execuções. Aliás, nos termos
do art. 149, I, da LEP, a ele cabe “designar a entidade ou programa
comunitário ou estatal, devidamente credenciado ou convencionado, junto
ao qual o condenado deverá trabalhar gratuitamente, de acordo com as
suas aptidões”. Como se vê, a entidade ou o programa deve ser
previamente selecionado e cadastrado.

Se for o caso, o juiz das execuções pode requisitar a colaboração de


entidades públicas ou solicitar a particulares (LEP, art. 147). A entidade
beneficiada com a prestação de serviços encaminhará mensalmente, ao
juiz da execução, relatório circunstânciado das atividades do condenado,
bem como, a qualquer tempo, comunicação sobre ausência ou falta
disciplinar (LEP, art. 150).

Sobre o cálculo da pena de prestação de serviços à comunidade ou


entidades públicas dispõe o § 3º o que segue: as tarefas serão cumpridas à
razão de uma hora por dia de condenação.

162 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

Regra geral: A pena restritiva de direitos, incluindo a prestação de serviços


à comunidade, deve durar o mesmo tempo da condenação privativa de
liberdade (CP, art. 55).

Regra específica: Em razão do disposto no § 4º do art. 46. Se a pena


substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena
substitutiva em menor tempo, nunca inferior à metade da pena privativa de
liberdade fixada, no entanto, quando a pena substituída for superior a um
ano, é facultado (mera faculdade) ao condenado encurtar a duração da
pena (leia-se: cumprir mais horas por dia ou na semana e desse modo
resgatar a pena em tempo menor). Exemplo: réu condenado a um ano e
um dia pode cumprir a restritiva em menor tempo, porém, não inferior a seis
meses (que é a metade).

Interpretando esse § 4º a contrario sensu, quando a pena fosse inferior ou


igual a um ano, esse mesmo direito, pela literalidade do dispositivo, não
seria possível. Réu condenado à pena menor não contaria com o direito de
“encurtar” a execução (duração); réu condenado à pena maior, sim. È uma
injustiça! Logo, para se fazer justiça, deve-se permitir a todos os
condenados que, querendo, “encurtem” a duração da pena de prestação de
serviços até a metade, respeitando-se o patamar mínimo de seis meses.

Quem fixa a entidade, os dias e o horário de cumprimento da pena é o juiz


das execuções (LEP, art. 149, II). No instante em que esse juiz vai
determinar os dias e o horário de cumprimento é fundamental: a) saber
quantas horas de tarefa serão prestadas (calculando-se à razão de uma
hora por dia de condenação (§ 3º); b) respeitar a jornada normal de
trabalho do condenado, que não pode ser prejudicado nesse ponto (§ 3º);
c) saber se o condenado quer ou não “encurtar” o tempo de duração da
pena restritiva (§ 4º), observado sempre o patamar mínimo de seis meses;
d) não esquecer que foi abandonado o critério antigo de oito horas
semanais (está revogado o § 1º do art. 149 da LEP).

Se descumprida injustificadamente a prestação de serviços à comunidade


dar-se-á sua conversão em prisão.

ARTIGO 47 DO CÓDIGO PENAL – INTERDIÇÃO TEMPORÁRIA DE


DIREITOS

Redação anterior: Art. 47. As penas de interdição temporária se


direitos são:

I – proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como


de mandato eletivo;

163 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

II – proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam


de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público;

III– suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo.


Redação atual: Art. 47.

IV – proibição de freqüentar determinados lugares.

A diferença entre a redação anterior e a atual está no acréscimo de mais


uma sanção temporária de direitos, que é a proibição de freqüentar
determinados lugares. Temos, assim, doravante, quatro penas de
interdição temporária.

São penas restritivas e substitutivas de prisão. Logo, jamais podem ser


aplicadas junto com a prisão, dentro do sistema do Código Penal. Já no
novo CTB, ao menos no que concerne à pena de suspensão da habilitação,
pode ser aplicada como pena principal, isolada ou cumulativamente com
outras sanções.

Como afirmávamos anteriormente, quatro são, agora, as interdições


temporárias: as três primeiras (proibição do exercício de cargo, proibição
do exercício de profissão e suspensão para dirigir) são específicas porque
somente podem ser impostas em determinadas situações e infrações; a
quarta (proibição de freqüentar lugares) é genérica, no sentido de que não
está atrelada ao cometimento de determinada infração.

Proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem


como de mandato eletivo.

O conceito de cargo, função ou atividade pública está no art. 327 do CP.


Essa pena restritiva é específica porque somente é aplicável “para crime
cometido no exercício do cargo, função ou atividade, sempre que houver
violação dos deveres que lhes são inerentes” (CP, art. 56). É uma pena que
somente se aplica a crimes nos quais se constata o nexo funcional.

Ao juiz das execuções cabe determinar o seu cumprimento, comunicando à


autoridade competente sua imposição, intimando-se o condenado (LEP, art.
154). A autoridade deverá, em vinte e quatro horas, contadas do
recebimento do ofício, baixar ato, a partir do qual a execução terá seu início
(LEP, art. 154, § 1º).

No que diz respeito à proibição para o exercício de mandato eletivo, impõe-


se observar o seguinte: a) a decisão do juiz (proibindo o exercício do cargo)
tem eficácia imediata, isto é, logo após o trânsito em julgado; isso é válido,
inclusive por força do art. 15, III, da CF, para todo e qualquer cargo eletivo
do país (vereador, prefeito, deputado estadual, governador, etc.); b) mas
164 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

essa regra comporta uma exceção: no que diz respeito ao deputado


federal e senador há regra específica, constitucional.

Para preservar seu mandato assim como a autonomia do Legislativo frente


aos demais poderes, todo e qualquer deslize desse parlamentar (falta de
decoro, violação de proibições, suspensão de direitos políticos e inclusive
caso de condenação criminal), nos termos do art. 55, inc. VI, § 2º, da CF,
só pode ser sancionado com a perda do mandato.

Portanto, constitucionalmente, não existe a figura da suspensão temporária


do mandato decretada por outro poder. O juiz criminal não pode proibir o
exercício do mandato desses parlamentares. Após o trânsito em julgado, a
sentença condenatória deve ser encaminhada à Casa respectiva para os
fins do § 2º do art. 55 (que cuida do procedimento da perda de mandato).

Proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam


de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público.

Várias profissões exigem habilitação especial (médico, advogado,


arquiteto, engenheiro, dentista, etc.) ou dependem de licença ou
autorização do poder público (despachante, por exemplo). Essa pena
restritiva é específica porque somente pode ser aplicada quando o crime
for cometido no exercício da profissão ou atividade ou ofício e sempre que
houver violação dos deveres que lhes são inerentes (CP, art. 56). O juiz
das execuções determinará a apreensão dos documentos que autorizam o
exercício do direito interditado (LEP, art. 154, § 2º). O réu condenado a
essa pena restritiva, desde que cumpra as exigências legais, pode, mesmo
durante o cumprimento da pena, exercer outra profissão, atividade ou
ofício, distinto do que ensejou a condenação. Concluída a sanção, pode
retomar sua profissão anterior, normalmente.

Suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo.

A parte do art. 47, III, que fala em “suspensão da habilitação”, resultou


afetada pelo novo CTB. Sabe-se que a pena restritiva de direitos só se
aplica aos crimes culposos de trânsito (art. 57). Ocorre que nos dois crimes
culposos de trânsito previstos no novo CTB (homicídio e lesão corporal) a
pena de suspensão da habilitação já vem cominada no tipo (é pena
cumulativa).

Logo, em razão de incompatibilidade manifesta, impossível nessa hipótese


substituir a prisão pela suspensão da habilitação. O art. 47, III, em suma, no
ponto em que se refere à suspensão da habilitação, foi derrogado.

Proibição de freqüentar determinados lugares.

165 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

Constitui obrigação impostergável do juiz individualizar corretamente essa


pena restritiva, é dizer, ao juiz cabe dizer com clareza inequívoca quais são
os lugares proibidos de freqüentar. Observe-se que a lei diz: proibição de
freqüentar determinados lugares. Se o juiz na sentença assim não
proceder, urge a interposição de embargos de declaração. Nenhuma pena
pode possuir conteúdo indeterminado.

O descumprimento injustificado das quatro penas restritivas previstas no


art. 47 leva à conversão da restritiva em prisão, debitando-se o tempo
cumprido. A autoridade deve comunicar imediatamente ao juiz o
descumprimento da pena (LEP, art. 155). Qualquer pessoa prejudicada
também pode fazer essa comunicação (parágrafo único do mesmo art.
155).

ARTIGO 48 DO CÓDIGO PENAL – LIMITAÇÃO DE FIM DE SEMANA

Redação inalterada: Art. 48. A limitação de fim de semana consiste na


obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por 5 (cinco) horas
diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado.
Parágrafo único. Durante a permanência poderão ser ministrados ao
condenado cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas.

O que a lei chama de limitação de fim de semana, na verdade, é uma


verdadeira “prisão de fim de semana”, porque o condenado fica privado da
liberdade durante o período da sua execução. A grande vantagem dessa
sanção restritiva alternativa consiste em o sentenciado não perder seus
vínculos profissionais, sociais, familiares, etc. Também evita o contato
nefasto do presídio. Deve ser cumprida, em princípio, aos sábados e
domingos, sendo cinco horas diárias (no total, dez horas semanais).
Havendo necessidade de algum ajuste quanto ao dia de cumprimento, o
juiz das execuções está autorizado a fazê-lo (LEP, art. 148).

Na prática essa pena substitutiva até hoje, tem sido um fracasso porque
não existe casa do albergado na grande maioria das comarcas.

Em caso de descumprimento injustificado, converte-se a pena restritiva em


prisão. Também o art. 181 da LEP prevê hipóteses de conversão.

ARTIGO 54 DO CÓDIGO PENAL – COMINAÇÃO NA PARTE GERAL

Redação inalterada: Art. 54. As penas restritivas de direitos são aplicáveis,


independentemente de cominação na parte especial, em substituição à
pena privativa de liberdade, fixada em quantidade inferior a 1 (um) ano, ou
nos crimes culposos.

166 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

As penas restritivas de direitos (aliás, pode-se dizer as penas substitutivas,


incluindo-se assim a multa substitutiva) possuem um sistema próprio de
cominação. Não aparecem no preceito secundário de cada tipo penal, na
parte especial, tal como se dá com a pena de prisão ou mesmo com a pena
de multa. A cominação está na Parte Geral, mais precisamente no artigo
ora sob exame, assim como no art. 58, parágrafo único.

Repete o dispositivo em questão que as penas restritivas de direitos são


aplicáveis em substituição às penas privativas de liberdade. Isso confirma
que elas não podem ser aplicadas diretamente, sem passar pela pena de
prisão. Essa pelo menos é a regra geral. Mas temos uma exceção, que
está precisamente na transação penal (art. 76 da Lei dos Juizados
Especiais Criminais). Como se sabe, na transação, a pena restritiva é
aplicada diretamente, sem prévia fixação da pena privativa de liberdade.
Isso é possível porque na transação existe consenso.

A parte final do art. 54 está derrogada. Dizia que só a pena privativa de


liberdade fixada em quantidade inferior a 1 (um) ano, ou nos crimes
culposos, é que se permitia a substituição. Agora esse preceito deve ser
lido da seguinte maneira: pena fixada não superior a 4 (quatro) anos, ou
nos crimes culposos.

ARTIGO 55 DO CÓDIGO PENAL – DURAÇÃO DAS PENAS


RESTRITIVAS DE DIREITOS

Redação anterior: Art. 55. As penas restritivas de direitos terão a mesma


duração da pena privativa de liberdade substituída.

Redação atual: Art. 55. As penas restritivas de direitos referidas nos


incisos III, IV, V e VI do art. 43 terão a mesma duração da pena privativa de
liberdade substituída, ressalvando o disposto no § 4º do art. 46.
Regra geral: As penas restritivas de direitos previstas nos incs. IV
(prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas), V (interdição
temporária de direitos) e VI (limitação de fim de semana) devem durar o
mesmo tempo da condenação privativa de liberdade. Se a pena é de oito
meses, a restritiva durará oito meses e assim por diante. A referência ao
inc. III perdeu sentido tendo em vista o veto presidencial.

Regra específica: Em razão do disposto na parte final do art. 55. Assim


como no § 4º, do art. 46 (“Se a pena substituída for superior a um ano, é
facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo,
nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada”), no que se
relaciona com a pena de prestação de serviços à comunidade ou a
entidades públicas, há uma regra específica quanto à duração da pena
substitutiva, que é a seguinte: quando a pena privativa de liberdade
substituída for superior a um ano, é facultado (mera faculdade) ao
167 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

condenado encurtar a duração da sanção restritiva (leia-se: cumpri-la em


tempo menor).

Exemplo: réu condenado a um ano e um dia pode cumprir a prestação de


serviços à comunidade em menor tempo, porém, não inferior a seis meses
(que é a metade).

Detração Penal. Por força do art. 42 do CP (“Computam-se, na pena


privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão
provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de
internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior”)
pensamos que nenhuma dúvida pode existir a respeito da incidência da
detração penal nas penas substitutivas.

O correto procedimento é o seguinte: uma vez fixada a pena privativa de


liberdade, com base na culpabilidade do agente e do fato, deve o juiz
computar o tempo de prisão cautelar, isto é, debitá-lo da pena aplicada.

Com isso, a duração da pena restritiva de direitos equivalerá ao saldo


remanescente (leia-se: prisão fixada menos o tempo da prisão cautelar).

Outra questão mais complexa é a seguinte: aplicada a pena superior a


quatro anos e feita a detração do tempo de prisão cautelar, chega-se ao
patamar igual ou inferior a esse quantum.

Pensamos que nessa hipótese não é possível a incidência das penas


alternativas, que têm por base “a pena aplicada” (art. 44), não a pena que
deva ser efetivamente cumprida.

ARTIGO 56 DO CÓDIGO PENAL – PROIBIÇÃO DO EXERCÍCIO DE


CARGO OU PROFISSÃO

Redação inalterada: Art. 56. As penas de interdição, previstas nos incisos I


e II do art. 47 deste Código, aplicam-se para todo o crime cometido no
exercício de profissão, atividade, ofício, cargo ou função, sempre que
houver violação dos deveres que lhes são inerentes. Esse art. 56 já foi
comentado.

ARTIGO 57 DO CÓDIGO PENAL – PROIBIÇÃO DE DIRIGIR

Redação inalterada: Art. 57. A pena de interdição, prevista no inciso III do


art. 47 deste Código, aplica-se aos crimes culposos de trânsito. A pena
interditória consistente na proibição de dirigir veículo já foi comentada.
Como vimos, em virtude do CTB (art. 292), a Segunda parte do inc. III do
art. 47 foi derrogada.

168 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

ARTIGO 58, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL – COMINAÇÃO


DA MULTA SUBSTITUTIVA

Redação inalterada: Art. 58, parágrafo único. A multa prevista no


parágrafo único do art. 44 e no § 2º do art. 60 deste Código aplica-se
independentemente de cominação na parte especial.

A Lei 9.714/98 expressamente nenhuma referência fez a esse parágrafo


único. Mas não há dúvida de que seu conteúdo está modificado. A multa
(substitutiva) a que ele se reporta já não se encontra no parágrafo único do
art. 44 (que já não existe) nem no § 2º do art. 60 (que foi revogado).

Essa multa está contemplada agora no art. 44, § 2º. Desse modo, onde
está escrito “parágrafo único do art. 44 e § 2º do art. 60” leia-se “§ 2º do art.
44”.

De qualquer modo, válida ainda resulta a parte final do dispositivo.


Efetivamente, a multa substitutiva está cominada exclusivamente na Parte
Geral do Código Penal, logo, diferentemente do que ocorre com as outras
multas ela não se acha no preceito secundário de cada tipo penal.

ARTIGO 59 DO CÓDIGO PENAL – INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

Redação inalterada: Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos


antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às
circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da
vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para
reprovação e prevenção do crime:

I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

IV – a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra


espécie de pena, se cabível.

Além da evidenciação de que cabe ao juiz, na sentença, verificar a


pertinência de eventual substituição da pena de prisão por outra pena
alternativa, importa observar que a ordem da enumeração contida no art.
59 do CP, a rigor, deveria ser outra: antes de cuidar do regime inicial de
cumprimento da pena de prisão, cabe ao juiz analisar o cabimento ou não
da substituição da prisão por outra pena. Logo, o inc. IV deveria ser o III e
vice-versa.

169 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

Particularmente agora, tendo em vista que a pena privativa de liberdade de


até quatro anos pode ser substituída, impõe-se ao juiz, logo depois de
quantificada a prisão, proceder a essa verificação, deferindo-a ou não, mas
sempre em decisão fundamentada.

ARTIGO 60, § 2º, DO CÓDIGO PENAL – MULTA SUBSTITUTIVA.

Redação inalterada: Art. 60, § 2º. A pena privativa de liberdade aplicada,


não superior a 6 (seis) meses, pode ser substituída pela de multa,
observados os critérios dos incisos II e III do art. 44 deste Código.

Expressamente o § 2º do art. 60 não foi revogado. De qualquer modo, não


se pode sustentar sua subsistência. O novo art. 44, § 2º, disciplinou
integralmente essa matéria. Logo, está tacitamente revogado (LICC, art.
2º).

ARTIGO 69, § 2º, DO CÓDIGO PENAL – FORMAS DE CUMPRIMENTO


NA PLURALIDADE DE PENAS RESTRITIVAS.

Redação inalterada: Art. 69, § 2º. Quando forem aplicadas penas


restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem
compatíveis entre si e sucessivamente as demais.

Cuida o dispositivo em questão das várias formas de cumprimento das


penas restritivas, quando várias foram aplicadas. Para além de comprovar
a possibilidade de o juiz, no concurso material, aplicar várias
restritivas de direitos (evitando-se, desse modo, ao máximo, a pena de
prisão), o preceito nos autoriza sistematizar duas regras: 1ª) se as
penas restritivas forem compatíveis entre si, o condenado as cumprirá
simultaneamente (por exemplo: multa substitutiva e prestação de serviços
ou prestação de serviços e prestação pecuniária); 2ª) se as penas
restritivas não forem compatíveis entre si, serão cumpridas
sucessivamente.

ARTIGO 77, § 2º, DO CÓDIGO PENAL – SURSIS HUMANITÁRIO.

Redação anterior: Art. 77, § 2º. A execução da pena privativa de liberdade,


não superior a 4 (quatro) anos, poderá ser suspensa, por 4 (quatro) a 6
(seis) anos, desde que o condenado seja maior de 70 (setenta) anos de
idade.

Redação atual: Art. 77, § 2º. A execução da pena privativa de liberdade,


não superior a quatro anos, poderá ser suspensa, por quatro a seis anos,
desde que o condenado seja maior de 70 (setenta) anos de idade, ou
razões de saúde justifiquem a suspensão.

170 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

Já contávamos no nosso ordenamento jurídico com o sursis simples (ou


comum – art. 78, § 1º), o especial (§ 2º) e o etário (art. 77, § 2º). A esses
acaba de se incorporar o sursis humanitário, que pode ser concedido
quando a pena não seja superior a quatro anos e desde que “razões de
saúde justifiquem a suspensão”. Em relação ao sursis simples, cabe
realçar duas diferenças: a pena que o admite é maior (até quatro anos) e
exige-se um requisito específico, qual seja, razões de saúde.

Cabe ao juiz, em cada caso concreto, avaliar a gravidade da patologia, para


deferir ou indeferir a suspensão. Sendo o caso, valer-se-á de laudos
médicos. A paraplegia, a tetraplegia, dentre outras, são hipóteses que
justificam o novo sursis.

O prazo de duração do período de prova varia de quatro a seis anos. Tudo


depende da pena concreta e do caso concreto. As condições são as
mesmas do sursis simples (ou do especial, caso tenha havido reparação
dos danos).

Penas substitutivas e outros institutos penais e processuais. A


questão da retroatividade da lex nova

Nos termos do parágrafo único do art. 2º do CP, “a lei posterior, que de


qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda
que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”. Também
existe mandamento constitucional a esse respeito (art. 5º, inc. XL). A lei
penal posterior, quando mais benéfica (lex mitior), deve retroagir, ainda
que haja coisa julgada.

A Lei 9.714/98, que entrou em vigor no dia 26 de novembro de 1998, acaba


de ampliar a possibilidade de aplicação das penas substitutivas, logo, em
princípio, é mais favorável. É uma lei que se insere na linha político-criminal
de despenalização, pressupondo-se que a prisão só deve recair em casos
de extrema gravidade. A prisão, depois desse diploma legal, foi colocada
no seu devido lugar: é medida de extrema ratio. Tudo que se puder fazer
para evitá-la deve ser feito.

Examinaremos, em seguida, algumas hipóteses em que a Lei 9.714/98


favorece o infrator:

Multa substitutiva: Era prevista, antes, no art. 60, § 2º, do CP e somente


podia se concretizar se a pena aplicada não fosse superior a seis meses.
Agora a multa substitutiva alcança a pena de até um ano (art. 44, § 2º).
Cuida-se de lei nova mais benéfica. Retroage.

Prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas: Nos


termos do art. 46, caput, exclusivamente a pena superior a seis meses é
171 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

que, agora, admite a pena de prestação de serviços à comunidade. Logo,


todos os casos de pena inferior a esse patamar em que o juiz fixou a
prestação de serviços à comunidade devem ser reexaminados.

Conversão da pena restritiva de direitos em prisão: Antes, ao se


proceder essa conversão (em razão de descumprimento da pena
alternativa), não se debitava o tempo cumprido. Agora existe expressa
disposição legal a respeito: art. 44, § 4º. Logo, quem teve alguma pena
restritiva convertida pode se beneficiar do novo dispositivo legal (que é
mais benéfico).

Condenação superveniente à pena privativa de liberdade: Consoante o


direito anterior, a condenação superveniente à pena de prisão implicava
sempre em conversão da pena restritiva em privativa da liberdade, salvo se
houvesse sursis (CP, art. 45, I, antiga redação). Agora cabe ao juiz, em
cada caso concreto, examinar se é ou não possível ao condenado cumprir
a pena substitutiva anterior junto com a prisão (art. 44, § 5º). Na hipótese
de ter havido conversão com base no art. 45, I, do CP, deve-se reexaminar
a questão, aplicando-se, quando o caso, a nova disciplina jurídica a
respeito da matéria.

LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS (9.099/95)

Nas infrações de menor potencial ofensivo e consoante o disposto no art.


76 dessa lei cabe ao Ministério Público fazer a proposta de aplicação
imediata de pena restritiva de direitos ou multa. Discutia-se muito a
extensão dessas penas restritivas de direitos. Censurava-se do ponto de
vista da legalidade a fixação da pena em cestas básicas, por exemplo.
Agora, diante do disposto no art. 45, § 2º, já não se pode questionar a
legalidade dessas sanções alternativas.

DA PENA DE MULTA

A quantidade dos dias-multa não é cominada pela norma penal


incriminadora, que só faz referência a multa.

Deve ser fixada pelo Juiz, variando de, no mínimo, dez-dias multa e, no
máximo, trezentos e sessenta dias-multa (art. 49, caput).

O art. 60, contudo, manda que o Juiz observe a condição econômica do réu,
permitindo, no seu parágrafo 1º, que a multa seja aumentada até o triplo,
dependendo da situação econômica deste.

O valor do dia - multa deve ser também fixado pelo Juiz na sentença, não
podendo ser inferior a um trigésimo do salário mínimo mensal vigente ao
tempo do fato, nem superior a cinco vezes esse salário (art. 49, parágrafo
172 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

1º). Ex: Suponha que sujeito de grandes haveres tenha praticado o crime de
furto, Art. 155, caput do CP. O juiz aplicou-lhe dois anos de reclusão e
multa, nos termos seguintes:

1º) 360 dias multas – Art. 49, caput, CP.

2º) Fixou o valor do dia multa em R$ 680,00 (cinco vezes o salário


mínimo): R$ 680.00 x 360 = 244.800.00 (Art. 49, §1º, CP).

3º) Como ainda julgou insuficiente face a condição econômica do réu a


multa aplicada nos termos do Art. 49 e § 1º, o juiz lançou mão do
disposto no Art. 60 § 1º : triplicou este valor. Resultado: R$ 734.400.00 de
multa.

CONVERSÃO DA MULTA EM PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE :

O art. 51 do CP previa: “a multa converte-se em pena de detenção, quando


o condenado solvente deixa de pagá-la ou frustra a sua execução”.
Atualmente, por força do que dispõe a Lei 9.268 de 01/04/1996, o art. 51
passou a ter a seguinte redação: “Transitada em julgado a sentença
condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhe as
normas da legislação relativa à divida ativa da Fazenda Pública, inclusive no
que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”. Portanto
não há mais se falar em conversão de multa em pena privativa da liberdade
conforme previa antes o art. 51 do CP.

O artigo 51 do CP, portanto, passou a ter a nova redação da Lei supra. Seus
parágrafos estão revogados.

APLICAÇÃO DA PENA.

O Brasil adotou o chamado “sistema trifásico” defendido por Nelson


Hungria – art. 68, CP. A inobservância pelo juiz do disposto no artigo 68,
CP, gera nulidade da sentença.

1ª Fase: Fixação da Pena Base – art. 68, 1ª parte, na forma do art. 59, CP.

2ª Fase: Apreciação das circunstâncias atenuantes e agravantes – art. 68,


2ª parte. C/C artigos 65,66 e 61, 62, todos do CP. Algumas leis especiais
possuem atenuantes e agravantes próprias também.

3ª Fase: Apreciação das causas de diminuição e de aumento – art. 68, 3ª


parte, CP. As causas de diminuição e aumento estão tanto na parte geral,
quanto especial. Concorrendo duas ou mais causas de aumento ou
diminuição previstas na parte especial do Código, poderá o Juiz limitar-se
173 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

apenas a uma causa de diminuição ou de aumento, prevalecendo a que


mais aumente ou diminua – art. 68, parágrafo único, CP. Se, contudo, as
causas concorrentes estiverem localizadas na parte geral, sua aplicação
será obrigatória. Na verdade o Juiz necessita efetuar mais de uma operação
na aplicação da pena, a saber:

1ª.) Pena base – art. 59, CP. Entre o mínimo e o máximo cominável à
espécie de delito praticado pelo autor, o juiz após analisar as circunstâncias
previstas no artigo 59, CP, fixará a pena base. É a primeira fase da fixação
da pena.

2ª.) Em seguida apreciará as atenuantes e agravantes, se for o caso. “ Se


for o caso”, porque pode ocorrer que o acusado não as possua. Em
possuindo, o juiz deve conduzir-se de acordo com o que dispõe o art. 67,
CP. Figure o seguinte exemplo: Tício praticou o crime descrito no artigo
155, caput, na forma dos artigos 61, I e 65, “d”, todos do Código Penal.
Comprovada a imputação, chegou o momento do juiz julgar Tício:

Primeira fase: conquanto reincidente, o juiz conclui que Tício tenha todas
as circunstâncias do artigo 59, CP, a seu favor e fixou a pena base no
mínimo: 1 ano de reclusão.
Segunda fase: o artigo 68, CP, determina que o juiz primeiro deve aplicar a
atenuante e depois a agravante. Neste exemplo, e para manter o princípio
constitucional da equidade, ele deve primeiro aplicar a agravante e depois a
atenuante, caso contrário o réu será prejudicado. Senão vejamos: é
entendimento majoritário, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, que as
circunstâncias atenuantes e agravantes não possuem o condão de reduzir a
pena aquém do mínimo ou agravá-la além do máximo cominável à espécie
legal de crime. Sendo assim, e porque o juiz no exemplo supra já fixou a
pena base no mínimo cominável ao crime de furto simples (1 ano), se ele
não inverter a ordem de aplicação das circunstâncias, o réu sofrerá prejuízo,
plicar a atenuante, mas porque ainda dispõe de margem eis que o máximo
cominável é de 4 anos no delito em análise, ele agravará pela reincidência.
Seria injusto. Todavia se houver margem tanto para a atenuante quanto a
agravante, o juiz deverá obedecer a ordem de aplicação porque agora nenhum
prejuízo causará ao réu. Considerando que no caso “sub oculi” a agravante
da reincidência é preponderante – art. 67, CP - (deve receber maior valor), e a
atenuante não é preponderante (deve receber menor valor), o juiz poderia, por
exemplo, agravar a pena base em 6 meses e atenuá-la em seguida em 4
meses, completando a segunda fase da fixação da pena: 1 ano e 2 meses. Se
não fizer a inversão, no mesmo exemplo, o réu será condenado, nesta fase, a 1
ano e 6 meses. O juiz não poderia aplicar a atenuante, mas aplicaria a
agravante. Há quem entenda que a atenuante sempre deverá ser aplicada. É
entendimento minoritário.

174 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

 Terceira fase: Nesta fase não há necessidade de discutir-se a ordem de


aplicação. Deve ser a prevista no artigo 68, última parte. Figure agora,
ainda no mesmo caso exemplificado, que Tício praticou o furto durante
o repouso noturno – artigo 155, § 1º - na forma tentada artigo - 14, II, -
ambos do CP. Como deve proceder o juiz ? Convém antes não
deslembrar, que cada operação é efetuada sobre o produto obtido com
a operação anterior.

 TOMANDO-SE O EXEMPLO ACIMA TEREMOS:

 1ª fase: Pena base: 1 ano de reclusão.

 2ª fase: 1 ano agravado em 6 meses (art. 61, I, CP) = 1 ano


e6 meses.
1 ano e 6 meses atenuado de 4 meses (art. 65, d, CP)
= 1 ano e 2 meses de reclusão. Concluída a
Segunda fase.

 3ª fase: 1 ano e 2 meses de reclusão, diminuída de metade por conta


da tentativa – artigo 14, § único, CP: teremos 7 meses de
reclusão.
7 meses de reclusão aumentado de um terço por conta
do que dispõe o artigo 155, § 1º, CP, teremos como
pena definitiva 9 meses e 10 dias de reclusão.

3ª.) Causas de diminuição e de aumento, se for o caso.

4ª.) Fixação do regime inicial a ser cumprido pelo condenado (fechado, semi-
aberto ou aberto) – art. 59, III, c/c artigo 33, 2º, “a”, “b” e “c”, do CP .

5ª.) Eventual substituição da pena privativa de liberdade (por restritiva de


direitos ou multa), se presentes os requisitos presentes nos artigos 43 e
seguintes, do CP. (Art. 59, III , CP):

6ª.) Eventual concessão do “sursis”, se presentes os requisitos do artigo 77, e


não sendo possível a substituição por restritiva de direitos (Art. 77, III, CP).
Atualmente o “sursis” encontra-se em franca decadência e restrito aos
crimes praticados com violência ou grave ameaça, já que a lei proíbe a
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva nos crimes dolosos
cometidos com violência ou grave ameaça (art. 44,caput,CP) e que não se

175 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

enquadre como infração de menor potencial ofensivo, presentes ainda os


demais requisitos para concessão da suspensão condicional da pena.

● LIMITES DE PENAS.

De acordo com a dicção do art.75 do CP o cumprimento das penas


privativas de liberdade não pode ser superior a 30 anos.

Todavia este limite temporal refere-se exclusivamente ao tempo de


cumprimento da pena, não podendo servir de base para o cálculo de
outros benefícios, como livramento condicional e progressão de
regime.

Na conformidade do enunciado acima exposto o Supremo Tribunal


Federal editou a Súmula 715 em 14/10/2003.
“A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de
cumprimento, determinado pelo art.75 do Código Penal, não é
considerada para concessão de outros benefícios, como
livramento condicional ou regime mais favorável de execução.”

O art. 9º da Lei 8072/90.


No caso da lei 8072/90, fora estabelecido o limite de 30 anos como o
máximo que o juiz da condenação poderá impor ao réu na sentença
condenatória por crime previsto nos arts. 157, §3º, 158, §2º, 159, caput
e §§, 213 e 214, quando a vítima estiver em qualquer das hipóteses do
art. 224 do CP. O limite, portanto não é para o cumprimento da pena
imposta, mas para sua imposição na sentença.

 DA REINCIDÊNCIA

 Conceito: Reincidente é o indivíduo que, após ter sido anteriormente


condenado definitivamente por um crime, é novamente condenado por
outro crime praticado posteriormente – art. 63, CP. A reincidência traz
diversas complicações para o agente: agrava a pena – art. 61, I, CP; impede
o “sursis” – art. 77, I, CP; aumenta o período de cumprimento da pena para
obtenção do livramento condicional – art. 83, II, CP, etc.

176 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

 A condenação anterior por crime propriamente militar (previstos no Código


Penal militar) ou políticos (lei 7.170/83 – Lei de Segurança Nacional) não
forja reincidência artigo 64, II, CP.

 A condenação anterior por prática contravencional também não gera


reincidência na hipótese do agente vir a ser condenado agora por crime.
Contudo se a nova condenação for pela prática de outra contravenção, será
reincidente na prática contravencional – art. 7º, da LCP.

 Exemplo:

1. Condenado por crime anterior, no Brasil ou no exterior, agora comete novo


crime: Reincidente.

2. Condenado por contravenção, agora comete crime: Primário.

3. Condenado por crime, agora comete contravenção: Reincidente – art. 7º,


LCP.

4. Condenado por contravenção (somente no Brasil), agora comete nova


contravenção: Reincidente – art. 7º, LCP.

 De acordo com o artigo 64, CP, o agente volta a ser primário nas
seguintes hipóteses:

1ª) “Se entre a data do cumprimento ou extinção de pena e a infração posterior


tiver decorrido período de tempo superior a cinco anos...”.

 Exemplo: Sujeito foi condenado a 2 (dois) anos de reclusão. Ficou preso


durante os dois anos. Iniciou o cumprimento da pena em 01.01.90. Em
01.01.92 operou-se a extinção da punibilidade pelo cumprimento da pena.
Em 01.01.97 voltou à sua condição de primário – art. 64, I, primeira parte,
CP.

2ª) “... computado o período de prova do “sursis” ou do livramento


condicional, se não ocorrer revogação” – art. 64, I, 2ª parte, CP.

 Exemplo: Sujeito foi condenado a 2 (dois) anos de reclusão. Obteve a


suspensão condicional da pena por 4 (quatro) anos. A prova teve início em
01.01.90. Em 01.01.94, foi declarada extinta a punibilidade por término do
período de prova sem revogação. Quando voltará à primariedade? Em
01.01.95. Neste caso o tempo que permanecer cumprindo a prova do

177 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

“sursis” computa-se no prazo de 5 (cinco) anos para retorno à


primariedade.

 Exemplo: Sujeito foi condenado a 10 (dez) anos de reclusão tendo iniciado


o cumprimento da pena em 01.01.90. Em 01.01.95 obteve o livramento
condicional. Em 01.01.2000 teve extinta sua punibilidade em razão do
término do período de prova sem revogação. Quando retornará à sua
condição de primário? No mesmo dia em que se operou a extinção da
punibilidade ele readquiriu a primariedade. Por igual aqui o período de
prova será computado nos 5 (cinco) anos. Como o período de prova no caso
vertente foi de 5 (cinco) anos, voltou a ser primário.

 Crime propriamente militar: São delitos previstos unicamente no Código


Penal Militar e que exigem a condição de militar em serviço ativo como
autor. Exemplo: deserção, abandono de posto, violência contra superior,
etc. Estes delitos não podem ter como autores civis ou mesmo militares da
reserva ou reformado.

 O militar, contudo, condenado por crime militar, próprio ou não, vindo a


ser condenado por outro crime militar, será considerado reincidente na
forma disposta no Código Penal Militar. Também será considerado
reincidente em havendo condenação anterior por crime comum.

OCORRÊNCIA:

→ Entre dois crimes culposos


→ Entre dois crimes dolosos
→Entre crime doloso e culposo
→ Entre crime culposo e doloso
→Entre crime consumado e tentado
→Entre crime tentado e consumado
→Entre crimes tentados
→Entre crimes consumados

ESPÉCIES DE REINCIDÊNCIA:

a) Reincidência real: ocorre quando o agente comete novo delito


depois de já ter efetivamente cumprido pena por crime anterior.
b) Reincidência ficta: ocorre quando o agente comete novo crime
depois de ter sido condenado, mas ainda sem cumprir pena.

IMPORTANTE:

178 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

A prática de infração penal no dia em que transita em julgado a


sentença condenatória por crime anterior não é capaz de gerar a
reincidência, até porque a lei é expressa ao mencionar “depois do
trânsito em julgado”. Portanto no dia em que transita em julgado a
sentença por crime anterior não se enquadra na hipótese legal.

REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA:

Prevista na seguinte legislação:

a) Na lei dos crimes hediondos, consistindo na prática de


qualquer dos crimes previstos na lei nº. 8072/90, após o autor
de a infração penal ter sido condenado por crime anterior nela
previsto.
b) No Código Penal, no art. 44, §3º, significando reincidente no
mesmo tipo penal. Conseqüência: Impede a substituição por
pena alternativa.
c) Previsto no art. 296 do CTB, quando o agente reincidir em
qualquer dos crimes de trânsito previstos na lei 9.503/97, tem
como conseqüência necessária possibilitar ao juiz aplicar a
penalidade de suspensão da permissão ou habilitação para
dirigir veículo automotor.

OBSERVAÇÃO FINAL:

O crime político seja ele puro (de exclusiva motivação política) ou


relativo (ofende simultaneamente a ordem político-social e um
interesse privado), próprio (atinge a organização política do Estado) ou
impróprio (ofende um interesse político do cidadão), não induzem
reincidência.
Atualmente, o conceito de crime político abrange não só os crimes de
motivação política, mas também os que ofendem a estrutura política do
estado e os direitos políticos individuais.

 CONCURSO DE CRIMES:

O concurso de crimes pode ocorrer entre crimes de qualquer


espécie: Comissivos ou omissivos, dolosos ou culposos,

179 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

consumados ou tentados, simples ou qualificados e ainda entre


crimes e contravenções.

 Espécies:

a) Material – art. 69, CP.

a) Formal – art. 70, CP.

b) Crime continuado – art. 71, CP.

 Material: Duas ou mais condutas (dolosas ou culposas, omissivas ou


comissivas) e dois ou mais resultados (idênticos ou não), art. 69. Pode
haver apenas uma ação penal, ou várias se não houver liame processual
(art. 76, do CPP). As penas deverão ser posteriormente somadas para
os efeitos do Art. 75 do CP. Por ocasião da condenação, em havendo
processo único, o juiz deverá obedecer ao disposto no artigo 68, CP,
para cada delito e, após, unificar a condenação para os demais efeitos
(artigos 44, 77, 75, 83, todos do CP). Se vários processos e juizes
diferentes, essa tarefa caberá ao juiz da execução.

No concurso material há uma pluralidade de condutas e pluralidades de


crimes.
Quando os crimes praticados forem idênticos surge o concurso material
homogêneo (dois furtos) e quando os crimes cometidos forem distintos
ocorre o concurso material heterogêneo (estupro e roubo).
A extinção da punibilidade no caso de concurso material incidirá sobre
a pena de cada crime isoladamente a teor do art. 119 do CP, em
qualquer espécie de concurso material.

SISTEMA DE APLICAÇÃO DA PENA NO CONCURSO MATERIAL:


Cúmulo material, onde se recomenda a soma das penas de cada delito
integrantes do concurso.
O concurso material é limitado pelo disposto no art.75 do CP, tendo-se
assim um concurso moderado que prevê o máximo de cumprimento da
pena em 30 anos. Pode acontecer que a soma das penas dos delitos
praticados ultrapasse o limite de 30 anos, mas em virtude do concurso
moderado o condenado não poderá passar mais do que 30 anos recluso,
por isto se denomina concurso material moderado.

180 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

 Formal: Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica


dois ou mais crimes, idênticos ou não. Doutrinariamente divide-se em:
Nesta espécie de concurso há unidade de ação e pluralidade de crimes.
a) Próprio: (art. 70, 1ª parte), sistema também conhecido como fenômeno
de exasperação da pena. Subdivide-se em:
É próprio ou perfeito quando o agente quer realizar apenas um crime,
obtiver um único resultado, neste caso não devem existir desígnios
autônomos.
Pelo sistema da exasperação aplica-se a pena mais grave, aumentada
de determinada quantidade em virtude dos demais crimes.
 Homogêneo – dois homicídios culposos, v.g. O juiz condena por um dos
crimes e aumenta a pena de 1/6 a ½.

 Heterogêneo – um homicídio doloso e uma lesão corporal culposa ou em


homicídio culposo e uma lesão também culposa. O juiz condena pelo
crime mais grave e aumenta a pena também de 1/6 a ½.

b) Impróprio: (art. 70, Segunda parte), quando o agente com uma só


conduta dolosa, causa dois ou mais resultados querendo estes
resultados, com desígnios autônomos. Ex.: amarra dois inimigos para
abatê-los com um só disparo. Neste caso as penas serão somadas, como
se concurso material fosse. É também conhecido na doutrina como o
fenômeno do “cúmulo jurídico”.
Também chamado de imperfeito, porque neste caso o agente deseja a
realização de mais de um crime, tendo consciência e vontade em relação
a cada um deles.
Ocorre aqui o que se denomina de desígnios autônomos.
Sobre o requisito de desígnios autônomos para a caracterização do
concurso formal imperfeito duas correntes se formaram para tentar
explicar a expressão:
a) Significa ter agido o agente com dolo direto no tocante aos vários
crimes praticados com uma única ação. Nesse sentido: “Entendeu
o legislador que, havendo desígnios autônomos, ou seja, vontade
deliberadamente dirigida aos diversos fins, não se justifica a
diminuição da pena, porque subsiste na íntegra a culpabilidade
pelos fatos diversos. A expressão desígnio exclui o dolo eventual”
(Heleno Cláudio Fragoso).
b) Quer dizer qualquer forma de dolo seja direto ou eventual. Por
isso, quando o agente atua com dolo no que se refere aos delitos
concorrentes, deve ser punido com base no concurso formal
imperfeito, ou seja, submete-se à soma das penas. Foi o sistema
adotado pelo Código Penal.

181 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

 Crime continuado

DEFINIÇÃO DE CRIME CONTINUADO

“Ocorre o crime continuado quando o agente, mediante mais de uma


conduta (ação ou omissão), pratica dois ou mais crimes da mesma
espécie, devendo os subseqüentes, pelas condições de tempo, lugar,
maneira de execução e outras semelhantes, ser havidos como
continuação do primeiro. São diversas ações, cada uma em si mesma
criminosa, que a lei considera, por motivos de política criminal, como
crime único”. (Cezar Roberto Bitencourt)

NATUREZA JURÍDICA DO CRIME CONTINUADO

O Código Penal adotou a teoria da ficção jurídica, teoria esta que


admite que a unidade delitiva é uma criação da lei, pois na realidade
existem vários delitos.O Código Penal adotou esta teoria para fins de
aplicação da pena.

O QUE VEM A SER CRIMES DA MESMA ESPÉCIE

Existem duas posições a respeito:

a) São delitos da mesma espécie os que estiverem previstos no


mesmo tipo penal. Nesse prisma, tanto faz sejam figuras
simples ou qualificadas, dolosas ou culposas, tentadas ou
consumadas. Estas são as posições de Nélson Hungria e
Frederico Marques – com a ressalva de que não precisam
estar no mesmo artigo (ex: furto e furto de coisa comum). É a
posição predominante na jurisprudência.

Roubo e extorsão não são crimes da mesma espécie e,


portanto, não caracterizam crime continuado. (RTJ
114/630; RT 539/392)

Roubo e furto não são crimes da mesma espécie e não


admitem crime continuado entre si (RTJ 109/345; STJ, 6º.
T; Resp nº. 4.733/PR).

Estupro e atentado violento ao pudor não são crimes da


mesma espécie, logo, não admitem continuidade delitiva
(STF, RE nº. 104.416-1/SP)

182 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

b) São crimes da mesma espécie os que protegem o mesmo


bem jurídico, embora previstos em tipos diferentes. Posição
de Delmanto, Heleno Cláudio Fragoso. Seriam por exemplo
os delitos de furto e roubo, pois ambos protegem o
patrimônio.

CONTINUIDADE DELITIVA NOS CRIMES CONTRA A VIDA.

Atualmente se admite a continuidade delitiva nos crimes contra


a vida, encontra-se, pois revogada a Súmula 605 do STF, que
não admitia. Hoje nos crimes praticados com violência ou grave
ameaça à pessoa se admite a continuidade delitiva.

CRIME CONTINUADO QUALIFICADO OU ESPECÍFICO (ART.71,


PARÁGRAFO ÚNICO DO CP).

Preleciona Cezar Roberto Bitencourt que “passou a regular o


art. 71, parágrafo único, a continuidade delitiva contra” bens
personalíssimos, desde que se trate de vítimas diferentes”.

Segundo o renomado autor o crime continuado específico prevê


a necessidade de três requisitos, que devem ocorrer
simultaneamente:

1) Contra vítimas diferentes


2) Com violência ou grave ameaça à pessoa
3) Somente em crimes dolosos

 REQUISITOS:

a) Que o mesmo agente pratique duas ou mais condutas.

b) Pluralidade de resultados de crimes da mesma espécie (furto simples +


furto simples; furto simples + furto qualificado; furto simples + furto
privilegiado, etc.). Tipos penais da mesma espécie são os que tutelam o
mesmo bem jurídico seja na forma simples, qualificada ou privilegiada,
doloso ou culposo, tentado ou consumado. Alguns autores entendem
que crime da mesma espécie seriam os tutelados pelo mesmo objeto
jurídico. Todos os crimes contra o patrimônio, v.g. seriam da mesma
espécie entre si, etc. Não concordo. Ficou com o entendimento de
Damásio E. Jesus.

183 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

c) Nexo de continuidade delitiva, que deve ser apurado pela circunstância


de tempo, lugar, maneira de execução, etc.

 OBS.: O aumento pela continuação incide sobre o resultado obtido com a


aplicação das circunstâncias agravantes ou atenuantes sobre a pena base,
não sobre esta singelamente.

 As penas de multa são aplicadas distinta e integralmente (art. 72), para cada
crime “per si” da cadeia delitiva.

 Aberratio ictus, art. 73: Pode ocorrer também numa causa justificativa
como já exposto linhas atrás.

 Aberratio delicti, art. 74: Resultado diverso do pretendido. Atira em


uma pessoa querendo lesioná-la, erra o disparo, destruindo precioso
vitral: responde por tentativa de lesão corporal. Atira em vitral erra e
lesiona uma pessoa: responde por lesão culposa nos pormos do artigo
74, CP. No segundo caso em verdade teríamos dois delitos: tentativa de
dano doloso e lesão corporal culposa. Face o disposto no artigo supra, o
agente responderá apenas por lesão culposa.

 Se ocorrer também resultado pretendido, haverá concurso formal


próprio (art. 74, Segunda parte).

 Limite das penas: A pena aplicada pode chegar a centenas de anos em


razão de várias condenações por crimes diversos. O cumprimento da
pena privativa de liberdade é que, em princípio, não poderá
ultrapassar trinta anos. Dizemos em princípio, porque o agente pode
vir a cometer novo crime após o início do cumprimento da pena e em
sendo condenado, far-se-á nova unificação, desprezando o que já foi
cumprido. Ex. agente foi condenado a 100 anos de reclusão pela prática
de vários crimes. Faltando 2 anos para o término do cumprimento dos
trinta anos (na forma do art. 75, caput, CP), ele assassina um colega de
cela vindo a ser agora condenado a 20 anos por este novo crime. Agora
irá cumprir mais 22 anos: os dois que faltavam e mais 20 da nova
condenação.

PRESCRIÇÃO DO CRIME CONTINUADO:

184 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

Atentar “para a Súmula 497 do STF:” Quando se tratar de crime


continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na
sentença, não se computando o acréscimo decorrente da
continuação”.

DO SURSIS – ART. 77, CP:

 ESPÉCIES:

1) Simples – art. 77, caput, na forma do art. 78 e parágrafo 1º (mais rigoroso).

2) Especial – art. 77, caput, na forma do art. 78, parágrafo 2º (menos


rigoroso).

3) Etário e Humanitário – art. 77, parágrafo 2º, que poderá ser tanto na
forma do art. 78, parágrafo 1º ou parágrafo 2º. Deverá possuir 70 anos na
data da sentença condenatória, ou ser portador de moléstia grave. Só se
aplica “sursis” nas penas privativas de liberdade, art. 80, CP.

 Reincidência: por si só não impede a concessão do “sursis” – art. 77, I e


77, parágrafo 1º. Perdão judicial anteriormente concedido pela prática
anterior de crime também não.

 Damásio entende que o “sursis” deixou de ser incidente na execução para


ser “pena restritiva de liberdade” face à imposição de pena restritiva de
direitos no primeiro ano do “sursis” simples – art. 78, § 1º, CP. Na verdade
com a nova redação dada ao artigo 43 e seguintes do CP, o “sursis” restou
desmoralizado.

DO LIVRAMENTO CONDICIONAL

 A pena aplicada há que ser igual ou superior a 2 (dois anos), artigo 83, CP
além de:

1) Não ser reincidente em crime doloso: após cumprir mais de 1/3 da pena
(83 I).

185 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

2) Reincidente em crime doloso: após cumprir mais da metade da pena (83


II).

3) Crime hediondo ou assemelhado, e se o apenado não for reincidente


específico em crime desta natureza (hediondo ou assemelhado): Após
cumprir 2/3 da pena (83 V). Reincidente específico não terá direito ao LC.

 OBS.: Sendo Lei penal, a Lei 8.72/90 não deve retroagir para prejudicar
casos anteriores. Assim, não deve prevalecer à exigência de 2/3 de
cumprimento da pena para casos ocorridos anteriormente à vigência da Lei
8.072/90, nem a inaplicabilidade do LC, quando o outro crime ocorreu
antes dela.

 Ex.: Uma extorsão mediante seqüestro (antes de 1990) + um latrocínio


(após 1990). O condenado terá direito ao LC, após cumprir 2/3 da pena.

 Quando a lei 8.072/90 fala em “cumprimento integral em regime


fechado”, entenda-se: “enquanto não obtido o LC, o condenado cumprirá
a pena em regime fechado, sem direito a progressão no regime da pena”.
Discutível.

 Período da prova no LC: Será igual ao que resta para o término da pena.

 REVOGAÇÃO:

 a) Obrigatória – art. 86, CP.

 b) Facultativa – art. 87 CP.

 Efeitos da revogação – art. 88 gera 3 situações:


 1ª) Revogação por condenação irrecorrível em virtude de crime
praticado antes da concessão do LC: Computa-se o tempo em que o
apenado permaneceu cumprindo o LC. O condenado cumprirá apenas o
restante do tempo daquela pena. As duas penas podem ser somadas para
efeito de novo LC (art. 141 da LEP).

 2ª) Revogação por condenação irrecorrível em virtude de crime


praticado durante o período de prova: Não se permite novo LC em
relação à primeira pena (art. 142 da LEP). Também não se desconta na
pena anterior o tempo em que esteve solto.

186 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

 3ª) Revogação por ter deixado o liberado de observar alguma das


condições exigidas na sentença de concessão do LC: Terminará de
cumprir o restante da pena que estava suspensa; não terá o tempo em que
esteve solto computado; não obterá novo LC.

 Extinção da punibilidade: Vide arts. 89 e 90 que trata da extinção da


punibilidade pela cessação do período de prova. A extinção se dá no dia
posterior ao término do período de prova; não na data da sentença que é
meramente declaratória, e pode ser prolatada depois.

EFEITOS DA CONDENAÇÃO

EFEITOS DA CONDENAÇÃO:

 Condenação é o ato do Juiz através do qual este impõe uma sanção


penal ao sujeito ativo de uma infração.

 A condenação penal irrecorrível produz efeitos:

 Principais: Imposição das penas privativas de liberdade (reclusão,


detenção, prisão simples), restritivas de direitos, pecuniária e eventual
medida de segurança (art. 387, III e IV, do CPP), no caso de semi-
imputável que teve a pena substituída por medida de segurança.

 Secundários: A par dos efeitos principais, a condenação penal produz


outros efeitos secundários ou acessórios, de natureza penal e
extrapenal, a saber.

 SECUNDÁRIOS DE NATUREZA PENAL:

a) É pressuposto da reincidência (CP, art. 63).

b) Impede, em regra, o Sursis (CP, art. 77, I).

c) Causa a revogação do Sursis (CP, art. 81, I e parágrafo 1º)

d) Causa a revogação do LC (CP, art. 86).

e) Aumenta o prazo da prescrição da pretensão executória (CP, art. 110,


caput, in fine).

187 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

f) Causa a interrupção da prescrição da pretensão executória quando


caracterizar a reincidência (CP, art. 117, VI).

g) Revogação da reabilitação (CP, art. 95).

h) Tem influência na exceção da verdade nos crimes de calúnia e


difamação (CP, art. 138, parágrafo, 3º, I e III).

i) Produz o impedimento de benefícios vários (CP, arts. 155, parágrafo 2º,


171, parágrafo 1º, 180, parágrafo 3º, primeira parte, em relação ao
segundo crime, etc.).

j) Causa o aumento da pena na contravenção de porte ilegal de arma


branca (art. 19, parágrafo 1º, da LCP).

k) Constitui elementar da figura típica da contravenção de posse não


justificada de instrumento de emprego usual na prática de furto (art.
25, da LCP).

l) A inscrição do nome do condenado no rol dos culpados (art. 393, II, do


CPP).

m) O confisco (CP, art. 91, II). O confisco permitido pelo CP não incide
sobre bens particulares do sujeito, mas sim sobre instrumentos e
produtos do crime. Só é permitido em relação aos crimes, sendo
inadmissível nas contravenções.

 SECUNDÁRIOS EXTRAPENAL:

 (EFEITOS CIVIS):

a) Obrigação de reparar o dano (CP, art. 91, I).

b) O confisco, previsto no CP, art. 91, II (obrigação para com o Estado).

c) Incapacidade para exercício do poder familiar, tutela ou curatela (CP, art.


92, II).

 (EFEITOS ADMINISTRATIVOS):

188 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

a) Perda do cargo ou função pública (art. 92, I). Atualmente, por força do art.
1º da Lei 9.268/96, que deu nova redação ao art. 92 do CP, o dispositivo
passou a ter a seguinte previsão.

 Art. 92 – São também efeitos da condenação:

I – a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) Quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou


superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou
violação de dever para com a administração pública;

b) Quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a


quatro anos nos demais casos.

c) Inabilitação para dirigir veículos (CP, art. 92, III).

 (EFEITO POLÍTICO):

a) Perda do mandato eletivo (CP, art. 92, I, CF, art. 15, III ).

 Podem ainda ocorrer efeitos indiretos de caráter trabalhista (justa causa


rescisão de contrato de trabalho, etc.).

 Os efeitos da condenação podem ainda ser:

a) Genéricos: os elencados no CP, art. 91 (são automáticos).

b) Específicos: os elencados no CP, art. 92 (Não são automáticos, devendo o


juiz declará-los motivadamente na sentença – CP, art. 92, parágrafo único).

I- DA REABILITAÇÃO:
 Conceito: É a reintegração do condenado no exercício dos direitos
atingidos pela sentença.

 Pode ser requerida após 2 anos da extinção da pena ou do término da


execução (arts. 93 a 95). Alcança quaisquer penas.

189 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

 Ela não rescinde a condenação. Assim, vindo o reabilitado a cometer


novo delito dentro do prazo do art. 64, I, do CP, será considerado
reincidente.

REQUISITOS:

a) Tenha tido domicílio no País no prazo acima (dois anos).

b) Tenha dado, durante esse tempo, demonstração efetiva e constante de


bom comportamento público e privado.

c) Tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre absoluta


impossibilidade de fazer até o dia pedido, ou exiba documento que
comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida (art. 94, caput, I,
II, III do CP).

 Em alguns casos não há se falar em reparação do dano: ato obsceno,


por exemplo.

 Este instituto tornou-se inócuo face o que dispõe o artigo 202, da LEP:
“Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida,
atestados ou certidões fornecidas por autoridades policiais ou por
auxiliares da justiça qualquer notícia ou referência à condenação,
salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou
outros casos expressos em lei”.

I- MEDIDAS DE SEGURANÇA.
 É espécie do gênero sanção penal. Na sua aplicação deve ser observado
o princípio da legalidade somente sendo possível a imposição daquela
que estiver prevista em lei.

 Presentemente, com o advento da CF/88, vige segundo alguns autores,


também o princípio da irretroatividade para a medida de segurança. Diz o art.
5º, XL da CF: “A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Como a
medida de segurança está prevista em lei penal, logo esta há que ser anterior.
Este tema já foi discutido linhas atrás.

 A lei presume a periculosidade dos inimputáveis, determinando a


aplicação da medida de segurança àquele que cometeu fato típico e
190 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

antijurídico e se encontra nas condições do art. 26, caput. Neste caso a


aplicação da medida de segurança é obrigatória, não podendo o Juiz
dispensá-la.

 Quanto ao semi-imputável (art. 26, parágrafo único), a periculosidade não


será presumida, mas real, podendo ser reconhecida pelo Juiz que, após
aplicar a pena diminuída 1/3 a 2/3, a substitui pela medida de segurança.

 Ao plenamente imputável, ainda que demonstre periculosidade, a lei


permite a aplicação somente da pena. Nestes casos não há que se falar em
aplicação de medida de segurança.

 Quem aplica é o Juiz do processo condenatório. O Juiz da execução


somente em casos de doença superveniente (após a sentença), já na fase de
execução – art. 41, CP.

 Extinta a punibilidade (por qualquer meio), não se aplica medida de


segurança nem subsiste a que tenha sido imposta (art. 96, parágrafo único).

 O inimputável a quem tenha sido aplicada medida de segurança somente se


furtará a ela quando ocorrer uma causa qualquer de extinção da
punibilidade. Em regra a prescrição da pretensão punitiva abstrata, tendo
como parâmetro a pena máxima cominável ao fato previsto como crime ou
contravenção praticado pelo inimputável.

 Inimputável – pode ocorrer, por exemplo, a prescrição com base na pena


em abstrato. A prescrição para medida de segurança sempre será pela pena
máxima abstrata cominada ao crime.

 Semi-imputável – a prescrição se dará tomando-se por base a pena


concretizada substituída. Se ainda não houver sentença a prescrição é
regulada pela pena máxima cominada à espécie (prescrição da
pretensão punitiva abstrata).

 Deve o Juiz fixar o prazo mínimo da medida de segurança inicialmente


entre 1 e 3 anos, qualquer que tenha sido o delito (art. 97, parágrafo 1º).

 Não importa o número de delitos, sendo o agente inimputável, ou semi-


imputável que necessite de tratamento, o mínimo será de 1 ano, e o máximo
de 3, inicialmente, de internação ou tratamento ambulatórial, conforme o

191 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

caso. Após esse prazo inicial e não havendo cura, a medida de segurança
passa a ser por tempo indeterminado.

 Execução: A medida de segurança é executada, em princípio, por


tempo indeterminado, fixado apenas o prazo inicial, perdurando,
todavia, enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a
cessação da periculosidade.

 A perícia médica é realizada ao termo do prazo inicial ou até mesmo


antes, por requerimento do MP, interessado, seu procurador ou
defensor (art. 176 da LEP), e deverá ser repetida de ano em ano, ou a
qualquer tempo se assim determinar o Juiz da execução – art. 97,
parágrafo 2º, CP.

 Computa-se na medida de segurança para efeito de cumprimento do


prazo mínimo inicial, o tempo de prisão provisória, prisão
administrativa ou internação em qualquer dos estabelecimentos
mencionados no art. 42 do CP.

 Realizada a perícia e comprovada a cessação da periculosidade, o Juiz


determinará a suspensão da execução da medida de segurança.

 Da decisão que concede a liberação cabe agravo com efeito suspensivo


- art. 179 da LEP. Aliás, cabe agravo de todas as decisões do Juiz da
execução – art. 197 da LEP.

 A desinternação é condicional. A medida de segurança somente fica


extinta após 1 ano – art. 97, parágrafo 3º, CP.

 Assim, deve ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes de


decorrido 1 ano, pratica fato indicativo da persistência de sua
periculosidade.

 Não precisa ser crime; basta descumprimento de condições, recusa ou


ausência a tratamento curativo.

 O MP pode requerer a internação, a desinternação e o


restabelecimento da situação anterior (art. 68, inciso II, alínea “f”, da
LEP).

192 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

 Pode-se executar a medida de segurança imposta por sentença


estrangeira, devendo esta estar homologada, observando-se ainda o
disposto no art. 9º, II e parágrafo único, “b”, do CP.
 IMPORTANTE:
 As penas têm caráter retributivo-preventivo; as medidas de segurança
têm natureza preventiva.
 O fundamento de aplicação da pena é a culpabilidade, a medida de
segurança fundamenta-se na periculosidade.
 As penas são determinadas, as medidas de segurança são por tempo
indeterminado.
 As penas são aplicáveis aos imputáveis e semi – imputáveis, as medidas
de segurança são aplicáveis aos inimputáveis e em caráter excepcional
aos semi imputáveis, quando precisarem de especial tratamento
curativo.
 PRESSUPOSTOS PARA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE
SEGURANÇA.
1. Prática de fato punível: Resumindo não podem existir
excludentes de ilicitude, culpabilidade ou ausência de prova.
2. Periculosidade do agente: É necessário que o sujeito seja
dotado de periculosidade, que pode ser definida de acordo com
Cezar Roberto Bitencourt como “um estado subjetivo mais ou
menos duradouro de anti-sociabilidade”. A periculosidade pode
ser ainda real, também dita judicial quando se tratar de agente
semi imputável e for constatado que o mesmo necessita de
especial tratamento curativo, e ainda presumida que ocorre
quando o sujeito for inimputável nos termos do art.26 do CP.
3. Ausência de imputabilidade plena: O imputável jamais poderá
sofre aplicação de medida de segurança, somente imposição de
pena. O semi imputável, excepcionalmente estará sujeito à
medida de segurança, quando necessitar de especial tratamento
curativo.

 ESPÉCIES DE MEDIDAS DE SEGURANÇA

 Detentiva– art. 96, I, c/c art. 97, 1ª parte (internação em hospital de


custódia e tratamento psiquiátrico, ou à falta, em outro
estabelecimento adequado).

 Restritiva – art. 96, II c/c art. 97, 2ª parte (tratamento ambulatorial).

193 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

 Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, se a conduta do sentenciado


revela necessidade de providências para fins curativos, ele poderá ser
internado (art. 94, parágrafo 4º, da LEP).

 APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA:

 Inimputáveis: Absolvendo-se o réu em decorrência de sua


inimputabilidade (art. 26), é obrigatória a aplicação da medida de
segurança (art. 97).

 Semi-imputáveis: o Juiz deve aplicar a pena com a redução prevista no


art. 26, parágrafo único, e substituí-la pela medida de segurança, se o
sentenciado necessitar de especial tratamento curativo – art. 98, CP.

 Substituída a pena pela medida de segurança (no caso dos semi-


imputáveis), produzirá esta todos os seus efeitos. Passa o sentenciado à
situação de inimputável e, portanto, submete-se às regras previstas
pelos arts. 96 a 99.

 Inimputável ou semi-imputável o sentenciado, poderá o Juiz substituir


a internação por tratamento ambulatorial se o fato praticado previsto
como crime for apenado com detenção – art. 97. Não há se falar em
tratamento ambulatorial quando do fato previsto como crime for
cominada, abstratamente, pena de reclusão. Neste caso a medida de
segurança será internativa.

 Constitui constrangimento ilegal, sanável por via de H.C., o


recolhimento de pessoa submetida à medida de segurança em presídio
comum.

 É possível a substituição de pena por medida de segurança na 2ª


instância, ainda quando em recurso exclusivo da defesa.

 INÍCIO DA EXECUÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA:

 Transitada em julgada a sentença que as aplicou, é indispensável a


expedição da guia de execução, sem a qual não se poderá promover a
internação ou submissão a tratamento ambulatorial (arts. 171 a 173 da
LEP).

194 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

 Em curso a execução da medida de segurança, será efetuada,


obrigatoriamente, exame de cessação de periculosidade ao fim do
prazo mínimo, repetido de ano em ano, ou, facultativamente, se assim
determinar o Juiz da execução (arts. 97 parágrafo 2º, do CP e 175 e 176
da LEP). Estes prazos não são fatais ou peremptórios, não constituindo
a sua ultrapassagem constrangimento ilegal.

 EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DA MEDIDA DE


SEGURANÇA:

 Não há prazo de prescrição específica para medida de segurança,


regulando a matéria o parágrafo único do art. 96, do CP.

 Mas, segundo a orientação do STJ, se entre a data da imposição da


medida de segurança e a captura do inimputável decorrer tempo
superior ao prazo mínimo de duração da medida de segurança fixada
na sentença, a execução deverá ser precedida de exame de verificação
de cessação da periculosidade.

 Se a medida de segurança foi imposta em substituição a pena (semi-


imputáveis, art. 98), o prazo prescricional regula-se pelo tempo da
pena substituída.
 Atualmente conforme preleciona Cezar Roberto Bitencourt “ a medida
de segurança não pode ultrapassar o limite máximo de pena
abstratamente cominada ao delito, pois esse seria o limite da
intervenção estatal, seja a título de pena, seja a título de medida de
segurança”.

II - DA AÇÃO PENAL

 ESPÉCIES:

a) Pública Incondicionada – art. 100, caput do CP.

b) Pública Condicionada: Representação do Ofendido – art. 100, § 1º,


CP.
195 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

Requisição do ministro da Justiça –


Art. 100, § 1º, CP (2º parte).

c) Privada Exclusiva – Art. 100, § 2º, CP.

d) Privada Subsidiária da Pública – Art. 100, § 3º, CP e Art. 5º, LIX, CF.

e) Privada personalíssima – Arts. 236, § único e 240, § 2º, CP (apenas). Esta


denominação é doutrinária e decorre do fato de que somente a vítima, e
mais ninguém pode intentá-la.

 A regra é a ação pública incondicionada – art. 129, I, da CF.

O Ministério Público é o dominus litis da ação penal


pública, que tem seu início com o oferecimento da
denúncia em juízo e deverá conter a narração do fato
criminoso, circunstanciadamente, a qualificação do
acusado, a classificação do crime e o rol de
testemunhas. Como exposto acima à regra geral é de
que a ação penal seja pública incondicionada, tanto
para os delitos previstos parte especial do código bem
como em leis extravagantes.

 Ação Pública Condicionada também é exercida pelo MP, mas depende,


para a sua instauração, de representação do ofendido ou de requisição do
Ministro da Justiça, nas hipóteses previstas em lei.
Necessita, pois para sua propositura de uma condição de procedibilidade.

 Tanto a representação, quanto a Requisição pelo Ministro da Justiça, são


“Condições de Procedibilidade”. É irretratável após a denúncia – CP, art.
102, CP.

 Exemplos de crimes cuja ação penal somente se processa mediante


representação: ameaça – art. 147; violação de segredo profissional – art.
154; furto de coisa comum – art. 156; lesões leves e culposas (Lei.
9.099/95), etc.

 A representação pode ser feita por requerimento ou por manifestação


oral, que deve ser tomada a termo perante a autoridade (delegado,
promotor, juiz).
196 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

 A ausência de requerimento do ofendido ou de seu representante legal, de


representação ou requisição, impedem a prisão em flagrante ou, no mínimo,
a limitam a 24 h, como se tem entendido. Por óbvio também impede a
propositura de ação penal.

 AÇÃO PENAL PRIVADA EXCLUSIVA – ART. 100,


parágrafo 2º, DO CP:

 Somente pode ser movida pelo ofendido ou seu representante legal e


inicia-se com a queixa.

 No caso de morte do ofendido representante legal ou ausência judicial, o


direito de oferecer queixa ou de prosseguir na ação passa ao cônjuge,
ascendente, descendente ou irmão, nesta ordem. O número é taxativo. Não
comporta outras pessoas – art. 100, § 4º, CP.

 AÇÃO PENAL PRIVADA SUBSIDIÁRIA DA PÚBLICA –


ART. 100, parágrafo 3º, DO CP:

 Embora a ação penal continue de natureza pública (condicionada ou


incondicionada), permite-se que o particular a inicie, quando o titular
(MP), não a propõe no prazo legal – art. 5º, LIX, da CF.

 Quando é cabível? Somente quando ocorrer desídia do órgão Ministerial.


Não caberá na hipótese do MP, por exemplo, requerer o arquivamento do
feito.
 Para que o ofendido possa valer-se da ação penal privada subsidiária da
pública, tem ele o prazo de seis meses, a contar do esgotamento do prazo
para o Ministério Público oferecer a Denúncia. Convém ressaltar que tal
prazo não atinge o Estado Acusação, que pode oferecer a Denúncia até o
momento em que não ocorra a prescrição.

 AÇÃO PRIVADA PERSONALÍSSIMA:

 Em alguns casos a ação penal somente pode ser instaurada pelo


interessado e mais ninguém!

 Exemplos raros:

197 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

a) Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento – CP, art.


236.

b) Adultério - CP, art. 240. (atualmente revogado pela lei 11.106/2005)

 Neste caso, se o ofendido morrer, opera-se a extinção da punibilidade


para o sujeito ativo do crime. Estando já em curso a ação penal e o
ofendido vier a morrer o caso é de perempção (e extinção da
punibilidade)

 CRITÉRIOS PARA A IDENTIFICAÇÃO DA ESPÉCIE DE


AÇÃO PENAL CABÍVEL PARA CADA DELITO:

 Quando o Legislador silencia após descrever o delito, quanto à


natureza da ação penal, é porque ela é pública incondicionada. Ex. furto,
homicídios, estelionato, etc.

 Quando for condicionada a representação, ou requisição do ministério da


justiça, ou privada, a lei diz expressamente. Ex. ameaça art. 147, § único,
perigo de contágio venéreo – art. 130, § 2º, 145 e § único, etc., todos do
Código Penal.

 DECADÊNCIA DO DIREITO DE QUEIXA OU


REPRESENTAÇÃO – ART. 103 DO CP.

 Salvo disposição expressa em contrário, decai em 6 meses o direito de


queixa ou representação – art. 103. No que pertine, contudo, à
Requisição Ministerial, não há prazo decadencial a considerar, mas
sim prescricional. Pode ser intentada em qualquer tempo, enquanto
não operar a extinção da punibilidade pela prescrição, de vez que o art.
103, CP, fala em “queixa”, “representação” e “ação privada
subsidiária da pública” e, não, em requisição. O prazo decadencial
começa a fluir da data em que a vítima tomou conhecimento quem é o
autor do fato, exceto no caso do Art. 75, lei 9.099/95. Aqui, o prazo
decadencial começa a fluir da audiência preliminar, não na forma do
Art. 103 do CP, segundo penso e igualmente, Luiz Flávio Gomes.
Contudo o tema é controvertido, reconheço. Há quem discorde desse
pensar.
 A decadência é a perda do direito de agir, pelo decurso de determinado
lapso temporal previsto em lei, tendo como conseqüência necessária à
extinção da punibilidade do agente.

198 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

I- EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE
 O art. 107 não esgota as hipóteses de extinção da punibilidade: Alguns
exemplos não tipificados no art.107:
1. O ressarcimento do dano no peculato culposo, art.312, § 3º do CP.
2. O decurso do prazo do sursis, sem revogação (art.82, CP).
3. O término do livramento condicional (art.90, CP).
4. O cumprimento de pena no exterior por crime lá cometido (art.7, §
2º, d, CP).
5. A morte do ofendido no caso do art. 236 CP, pois a ação sendo
personalíssima, só pode ser intentada pelo contraente enganado.
6. O pagamento do tributo antes do oferecimento da Denúncia, nos
crimes de sonegação fiscal, art. 34, Lei 9.249/95.
7. A não representação do ofendido na Lei 9.099/95

CAUSAS DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE IMPLÍCITAS:


Guilherme de Souza Nucci entende ser possível a existência destas
causas e cita como exemplos o art.522 do Código de Processo Penal:
“No caso de reconciliação, depois de assinado pelo querelante o termo
de desistência, a queixa será arquivada.”.
“Nos crimes contra a honra, antes de receber a queixa, o juiz oferecerá
às partes a oportunidade para reconciliação”. Caso isto ocorra a
queixa será arquivada, ou seja, extingue-se a punibilidade
implicitamente, pois não se trata nem de renúncia, nem de perdão, que
são causas explícitas de extinção da punibilidade.

CAUSAS EXTINTIVAS DA PUNIBILIDADE E ESCUSAS


ABSOLUTÓRIAS.
Os institutos não devem ser confundidos embora tenham efeitos
semelhantes. As causas extintivas da punibilidade estão previstas na
parte geral do código e as escusas absolutória na parte especial.
As escusas absolutórias são condições negativas de punibilidade e são
fundadas em uma causa especial ou pessoal, em virtude de razões de
ordem utilitária ou sentimental. Tem efeito idêntico ao da condição
objetiva de punibilidade. Ex: arts. 181, incisos I e II e ainda art. 348, §,
2º do CP ( crimes contra o patrimônio e favorecimento pessoal).

199 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

 A extinção da punibilidade não se estende à prisão civil que não é pena,


mas mera medida coercitiva.

 PUNIBILIDADE:

 Conceito – É a possibilidade jurídica do autor de um crime sofrer a


imposição de uma sanção penal. Logo, extinta a punibilidade, não há
mais essa possibilidade. São as seguintes as causas extintivas da
punibilidade elencadas no art. 107, CP:
 CAUSAS GERAIS E ESPECÍFICAS DA EXTINÇÃO DA
PUNIBILIDADE:
São gerais as que se aplicam a todos os delitos (morte, prescrição), são
específicas as que somente se aplicam a alguns tipos de delitos
(retratação do agente nos crimes contra a honra).
IMPORTANTE:
Há duas exceções que permitem a exclusão do próprio delito: a anistia e a
abolitio criminis.

COMUNICABILIDADE DAS CAUSAS EXTINTIVAS DA


PUNIBILIDADE:
São causas que se comunicam aos co-autores e partícipes:
1. O perdão para quem o aceitar.
2. A abolitio criminis.
3. A decadência.
4. A renúncia ao direito de queixa.
5. A retratação no crime de falso testemunho

São causas que não se comunicam:


1. A morte de um dos co-autores.
2. O perdão judicial.
3. A graça, o indulto e a anistia.
4. A retratação do querelado na calúnia ou difamação.
5. A prescrição.

 Morte do agente – art. 107, I: “mors omnia solvit” – a morte dissolve tudo.

 O Juiz à vista da certidão de óbito, ouvido o MP, declarará extinta a


punibilidade – art. 62, do CPP.

 E se houver falsificação da certidão de óbito? O STF entende, contra a


doutrina predominante, que não faz coisa julgada. “Se não houve
200 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

morte, não há se falar em extinção da punibilidade”. Contudo, o


entendimento é que, declarada por sentença a extinção da
punibilidade, ainda que com base em certidão de óbito falsa, transitada
em julgado, esta decisão é imutável. Faz coisa julgada material. Não se
poderá mais punir o sujeito. Responderá tão somente pelo crime de
falso. Neste sentido de ser imputado tão somente o crime de falso
manifesta-se majoritariamente a doutrina sob o argumento de que
inexiste no direito brasileiro revisão pro societate. Daí por que não se
pode reabrir o processo contra o réu, sendo o caso de no máximo puni-
lo pela falsidade.
 Pena de multa: Com a nova redação do art. 51 do CP, morrendo o
sentenciado antes do pagamento, deve ser extinta não se transmitindo
aos herdeiros a obrigação de pagá-la. Somente os efeitos civis subsistem
a cargo dos sucessores.

 O STF entende que o CP fala em “Morte”. Se o sujeito não morreu


não há se falar em extinção da punibilidade. Este deve ser o
entendimento a ser adotado para os concursos públicos de Juiz e
Promotor. Defensor, não. O defensor deve adotar a tese mais liberal,
não a do STF.
 MORTE PRESUMIDA. (art. 6º Código Civil)
Relativo à morte presumida a doutrina diverge:

Alguns autores sustentam que, declarada a morte no campo civil, pode-


se aproveitar tal decreto no contexto criminal, extinguindo-se a
punibilidade. Defendem esta posição (Nélson Hungria, Heleno Cláudio
Fragoso, Magalhães Noronha).
Uma segunda corrente entendendo que deva ser aplicado o art.62 do
CPP, aceita somente a certidão de óbito para se ver reconhecida a
extinção da punibilidade. Adeptos desta segunda corrente (Delmanto,
Damásio).

 Anistia, graça ou indulto – art. 107, II: A graça em sentido amplo


abrange a anistia e a graça em sentido estrito e o indulto.

201 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

 Anistia: Exclui o crime, “apagando”, por assim dizer, a infração penal


(art. 48, VIII, CF). É uma lei penal de efeito retroativo que retira as
conseqüências de alguns crimes praticados.

 É competência exclusiva da União Federal (art.21, XVII, da CR) e


privativa do Congresso Nacional (art.48, VIII, da CR). Pode ocorrer
antes ou depois da sentença condenatória.

 Se antes, chama-se “própria”; depois, “imprópria”.


 A anistia é o esquecimento jurídico do ilícito e tem por objeto fatos
(não pessoas) definidos como crimes, de regra, políticos, militares ou
eleitorais, excluindo-se, normalmente os crimes comuns.
 A anistia apaga todos os efeitos penais, principais e secundários, mas
não os extra penais.

 Rescinde a condenação, ainda que transitada em julgado. Afasta


também a reincidência. Pode ser:

a) Geral

b) Restrita.

c) Condicionada (pode ser recusada).

d) Incondicionada (sua recusa é inócua).

 Não afasta os efeitos civis. Se já tiver havido sentença condenatória


transitada em julgado pode ser executada no juízo civil.
 REVOGAÇÃO.
Concedida, não pode mais a anistia ser revogada, pelo fato de que lei
posterior revogadora prejudicaria os anistiados, operando-se desta
forma uma clara violação preceito constitucional, qual seja, o de que a
lei não pode retroagir para prejudicar o acusado.

IMPORTANTE: A CR no art. 5º, XLIII afirma que é insuscetível de anistia a


prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e
os crimes definidos como hediondos.

 Indulto: Pressupõe, em regra, uma condenação com trânsito em


julgado. Contudo, pode ser concedido, em tese, ainda que não tenha
havido trânsito em julgado de sentença. Pode ser total ou parcial.

202 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

Quando parcial (diminuição no tempo de pena a cumprir) denomina-se


“comutação da pena”.

 Exclui apenas a punibilidade (a pena), e não o crime. É ato privativo


do Presidente da República – art. 84, XII, da CF – concedido, em
regra, por ocasião do natal, mediante decreto. É ato privativo do
presidente, não exclusivo, de sorte que ele pode delegar a ministros.

 Não afasta a reincidência se já houver sentença com trânsito em


julgado.

 É o mesmo que indulto individual previsto no art. 188 da LEP.


Também é ato privativo do Presidente da República. É concedido a
condenados em estados terminais de doenças. Vide artigo 188 e
seguintes da lei de execuções penais - LEP.
 O indulto coletivo, ou indulto propriamente dito, destina-se a um
grupo indeterminado de condenados, sendo delimitado pela natureza
do crime e quantidade da pena aplicada.
 A Graça embora prevista no Código Penal como causa de extinção da
punibilidade tem por objeto crimes comuns e dirige-se a indivíduo
determinado, condenado de forma irrecorrível.A atual Constituição
não mais consagra a graça como instituto autônomo, na prática porém
é uma espécie de indulto individual.
 Recusa da Graça ou Indulto.

IMPORTANTE: A CR no art. 5º, XLIII afirma que é insuscetível de graça


a prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins,
terrorismo e os crimes definidos como hediondos.

 Abolitio criminis – CP, art. 107, III e CP, art. 2º: A lei posterior deixa de
considerar o fato como crime. Já comentamos este instituto no capítulo
dedicado à aplicação da lei penal, para onde remetemos.

 PRESCRIÇÃO, DECADÊNCIA E PEREMPÇÃO – CP, 107, IV:

 Decadência: A regra é 6 meses (CP, art. 103). Há casos, porém, que a


extinção da punibilidade opera-se em 1 mês: adultério (CP, art. 240,
parágrafo 2º atualmente revogado pela lei 11.106/2005), 3 meses nos
crimes de imprensa contados a partir da data do fato (lei 5.250/67, art.
203 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

41, § 1º), no crime de induzimento a erro essencial e ocultação de


impedimento o prazo é de seis meses contados a partir do trânsito em
julgado da sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o
casamento, nos crimes contra a propriedade imaterial que deixar
vestígios, sempre que for requerida a prova pericial, o prazo será de
trinta dias contados da homologação do laudo pericial. A regra,
contudo, são 6 meses, conforme dispõe o Art. 103, do CP.

 A decadência inicia-se a contar na forma do art. 10, CP. Não se


suspende nem se interrompe o prazo por motivo algum. Computa-se o
dia do início ainda que domingos ou feriados. Idem quanto ao dia final.

 E na hipótese do ofendido ser menor de 21 e maior 18 anos?

 O direito de queixa ou representação pode ser exercido, simultânea ou


independentemente pelo ofendido ou seu representante legal.

 Contudo, o assunto é controvertido:

 1ª. Corrente: Existiriam dois prazos: um para o menor e outro para o


seu representante legal, contados da ciência de cada um da autoria do
fato.

 2ª. Corrente: o prazo é um só, comum para o menor e seu representante


legal. Naturalmente o “menor” aqui é o maior de 18, e menor de 21
anos; sendo menor de 18, o direito é exercido pelo representante legal
apenas.

 A primeira corrente prevalece na Jurisprudência; a segunda prevalece


na doutrina. Defendo a segunda. Para os concursos de Juiz e Promotor,
todavia, deve prevalecer a primeira corrente. Defensor deve optar pela
segunda. Por ser mais benéfica para o réu.
 Com o advento do novo Código Civil reduzindo a maioridade Civil
para 18 anos, alguns doutrinadores entre eles Fernando Capez
sustentam a inaplicabilidade da Súmula 594 do STF por entender que
“ao completar 18 anos, salvo se doente mental, somente o ofendido
poderá exercer o direito de queixa ou representação, pouco
importando se tem menos de 21 anos. É que, com o novo Código Civil,
aos 18 anos se adquire plena capacidade para a prática de quaisquer
atos da vida civil, inclusive os de natureza processual, sem assistência
de curador ou representante legal”.

204 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

 Perempção: É a perda do direito de prosseguimento da ação penal de


caráter exclusivamente privada por algum fato previsto na LEI,
geralmente por inércia do querelante. Ver casos no art. 60, do CPP.
Dispensam maiores comentários.

 Pela renúncia ao direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de


ação privada CP, 107, V:: A renúncia há que ser antes da ação penal
(art. 104): após será perdão (art. 105). Comunica-se aos co-autores e
partícipes. Somente poderá haver perdão na ação penal privada exclusiva.
(Ver ainda arts. 50/54 do CPP). Não confundir com perdão judicial que
é instituto diverso.

 Retratação do agente nos casos em que a lei a admite – CP, 107, IV: Cabe
nos crimes de calúnia, e difamação; falso testemunho ou falsa perícia –
art. 342, parágrafo 3º; nos crimes de calúnia, injúria e difamação por
meio de imprensa – Lei 5.250/67, art. 26. Não se trata de mero pedido
de desculpas. É verdadeira confissão do ofensor, ou do autor da
mendacidade no caso do art. 342, CP.

 A retratação deve ser clara e incondicional. Não depende de aceitação do


ofendido. Deve ser reduzida a termo nos autos. Não se comunica aos co-
autores. A sua natureza é de escusa absolutória.

 Casamento do agente com a vítima - CP, art. 107, VII: Nos crimes
praticados contra os costumes previstos nos capítulos I, II e III, do
Título VI, do CP (arts. 213 a 220, estupro, etc.), o casamento da vítima
com o agente extingue a punibilidade. Se o crime está elencado no
Capítulo IV, não. Ex.: estupro qualificado pela lesão grave – art. 223,
caput, CP. Discute-se na doutrina se na hipótese de lesões leves, face o
que dispõe a Súmula 608 do STF, também haveria a extinção da
punibilidade previsto no art. 107, VII. A resposta é sim. Por isso que,
apesar de neste caso a violência ser real, e a ação penal pública
(segundo o STF), o crime ainda estará incluído no rol dos Capítulos I,
II, III, do Título VI, do CP. Embora meu entendimento seja no sentido
de que esta súmula tenha sido revogada pela lei 9.099/95 (Art. 88).
“Vítima” tanto pode ser homem ou mulher. No atentado violento ao
pudor a vítima pode ser homem ou mulher. Idem os crimes dos artigos
216 e 218, do CP. O STF entende que o artigo 101, CP, é especial em
relação ao artigo 225, caput, do mesmo Diploma. (INCISO
REVOGADO PELA LEI 11.106/2005)

205 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

 Casamento da vítima com terceiro – CP, art. 107, VIII: Não havendo
violência real ou grave ameaça nos crimes contra os costumes, o
casamento da vítima com 3º também extingue a punibilidade se não
houver requerimento daquela pelo prosseguimento do inquérito, ou
ação penal dentro de 60 dias contados da data do casamento. A lei fala
em violência real ou grave ameaça (CP, art. 107, VIII). Logo, se a
violência for ficta – CP, art. 224 – também aproveita ao agente. Assim,
o casamento da vítima com terceiro poderá provocar a extinção da
punibilidade nos seguintes crimes: 215, 216, 217, 218; 219 (na
modalidade “... fraude”), e 220; também os arts. 213, 214 e 219, quando
se tratar de violência ficta (art. 224). “Vítima” aqui também deve ser
interpretado como homem ou mulher. O atentado ao pudor pode ter
como vítima homem ou mulher, idem os crimes previstos nos artigos
216 e 218, todos do CP.

 A vítima, na hipótese do art. 107, VIII, pode ser menor de 18 anos e,


ainda assim, poderá requerer o prosseguimento do inquérito ou ação
penal. Conta-se o prazo automaticamente da data do casamento
independentemente de notificação pela autoridade à vítima.( INCISO
REVOGADO PELA LEI 11.106/2005)

 Perdão judicial – CP, art. 107, IX: Afasta a reincidência. É um favor da


Lei. Não pode ser recusado. Não afasta os efeitos civis. Terá seu nome
lançado no rol dos culpados. Pagará custas. O STJ, todavia, editou a
súmula 18 onde diz que a sentença concessiva do perdão judicial é
declaratória da extinção da punibilidade, não sobreexistindo quaisquer
efeitos da condenação. Este deve ser a tese defendida para concurso de
Juiz e Defensor. Promotor, não. Para concurso de Promotor, a
natureza da sentença que concede perdão judicial é condenatória,
afastando somente a reincidência, na forma do art. 120 do CP, e o
cumprimento da pena – Art. 107, IX. É o entendimento também de
Damásio E. Jesus para quem a sentença concessiva do perdão judicial
tem natureza condenatória.
 Situações que ensejam o perdão judicial.
Na parte especial do CP encontramos os seguintes exemplos:
1. Homicídio culposo art. 121, § 5º.
2. Lesão corporal culposa art.129, § 8º.
3. Injúria art. 140, § 1º, I e II.
4. Outras fraudes art. 176, parágrafo único.
5. Receptação culposa art. 180, § 5º.
6. Parto suposto, supressão ou alteração de direito inerente ao
estado civil de recém nascido art. 242, parágrafo único.

206 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

7. Subtração de incapazes art. 249, § 1º.


8. Apropriação indébita previdenciária art. 168 - A, § 3º.
9. Sonegação de contribuição previdenciária art. 337- A, § 2º.

Alguns exemplos encontrados na Legislação Especial.


1. Lei de imprensa art. 22, parágrafo único, a e b.
2. Lei de Contravenções Penais arts. 8º e 39, § 2º.
3. Código Eleitoral art. 326, § 1º.
4. Lei dos Crimes Ambientais art. 29, § 2º.
5. Lei de Lavagem de Dinheiro art. 1º, § 5º.
6. Lei de Proteção à Vítima e à Testemunha art.13.

 DA PRESCRIÇÃO:

 A prescrição extingue a punibilidade baseando-se na fluência do


tempo.

 No sentido comum o verbo prescrever, significa “preceituar, fixar”, etc.


No sentido jurídico, quer dizer “ficar sem efeito um direito, por ter
decorrido certo prazo legal”.

 A prescrição é de ordem pública, devendo ser decretada de oficio ou a


requerimento do interessado. O art. 109 do CP trata dos prazos da
prescrição. Trata-se de matéria preliminar, ou seja, impede o
julgamento do mérito.

 Se ocorrer antes do trânsito em julgado de sentença condenatória,


salvo as hipóteses do art. 110, §§ 1º e 2º, não forja reincidência; após
forja. Atinge imediatamente o jus puniendi do Estado.

 Se o réu ao tempo do crime era menor de 21 anos, terá seu prazo


prescricional reduzido de metade – art. 115, CP. Também será
reduzido se na época da sentença tiver mais de 70 anos.

 Por outro lado, depois de transitada em julgado a sentença


condenatória, o prazo da prescrição é aumentando de 1/3, se o
condenado é reincidente.

 Só ocorre esse aumento na prescrição da pretensão executória (CP, art.


110, in fine). O STJ entende que incide também o aumento se

207 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

superveniente ou retroativa. A reincidência deve ser declarada na


sentença, caso contrário não haverá o acréscimo no prazo.

 Na pena de multa, sendo a única cominada, ou aplicada, o prazo da


prescrição é de 2 anos – art. 114, CP.

 As penas restritivas de direitos prescrevem nos mesmos prazos dos


previstos para as penas privativas de liberdade substituídas – art. 109,
parágrafo único, CP. Quanto aos crimes imprescritíveis remetemos ao
art. 5º, XLII e XLIV, da CF.

 Interrupção dos prazos prescricionais: CP, art. 117. Uma vez


interrompida, a prescrição volta a correr novamente por inteiro do dia
da interrupção.

 Excetua-se a interrupção provocada pelo início ou continuação do


cumprimento da pena. Se o condenado está cumprindo a pena não há
se falar em correr prazo prescricional. Se o condenado fugir da prisão
ou for revogado o LC (e ele se evadir), o prazo da prescrição não volta
a correr por inteiro, mas apenas pelo tempo que restar da pena – CP,
arts. 113 117 V e 117 parágrafos 2º. (César Roberto Bittencourt
entende que os §§ 1º e 2º do Art. 117, foram revogados). Não tem
prevalecido esse entendimento.

 Ex.: Condenado inicia cumprimento da pena de 3 Anos. Após cumprir 2


anos e 2 dias foge. O prazo da prescrição agora será de 2 anos (pena
restante inferior a 1 ano). O mesmo critério no caso de revogação do LC,
quando o apenado foge para não ser recolhido. No caso do sursis, não. A
prescrição regula-se pelo total da pena suspensa.

 Suspensão do prazo prescricional: CP, art. 116. A Lei 9.271, de 17 de


abril de 1996, no seu art. 1º, dando nova redação ao art. 366 do CPP,
introduziu nova causa de suspensão da prescrição ao dizer:

 “Art. 366 – Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir
advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional,
podendo o Juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas
urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto
no art. 312”.

208 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

 Logo, além das causas suspensivas do prazo prescricional já previstas


no artigo 116 do CP, deve-se acrescentar mais esta que, apesar de
prevista em norma processual, é de caráter material, portanto, penal.
A diferença entre suspensão e interrupção, é que na primeira o prazo
reinicia a contar a partir do momento em que foi suspenso; na Segunda
o prazo começa a contar do zero. Também, a CF, no Art. 53, § 2º; lei
9.099/95, Art. 89, § 6º, prevêem outras hipóteses de suspensão da
prescrição não relacionadas no artigo 116, CP.

 Ex.: A mata B no dia 01.01.80. No dia 01.05.85 ainda não havia


denúncia recebida. A elege-se Deputado. A Casa Legislativa não dá
autorização para que A seja processado. O prazo prescricional fica
suspenso. Terminado o mandato, o Estado disporá de apenas 15 anos
para processar A. Eis que quando o prazo foi suspenso, já haviam
decorridos 5 anos da consumação do homicídio praticado por A. O
homicídio, na forma do art. 109, inciso I, prescreve em 20 anos.

 Na mesma hipótese, se em 01.01.85 a denúncia tivesse sido recebida


contra A, os 5 anos já decorridos seriam interrompidos. Começaria a
contar do zero : 20 anos, a partir do dia em que A perdesse o mandato
por qualquer causa. Durante o mandato ficaria suspenso o prazo.

 Início da contagem dos prazos para a prescrição da pretensão punitiva


– CP, art. 111.

 Início da contagem dos prazos para a prescrição da pretensão


executória – CP, art. 112.

 ESPÉCIES DE PRESCRIÇÃO:

a) Prescrição da pretensão punitiva.

 Propriamente dita ou abstrata – art. 109, caput, CP.

 Prescrição retroativa – art. 109, caput c’/c art. 110, § 2º, CP.

 Prescrição superveniente – art. 109, caput c/c art. 110, § 1º, CP.

b) Prescrição da pretensão executória – art. 110, caput, CP.

 Propriamente dita ou abstrata: Começa a correr da consumação do


crime, em regra, até o recebimento da denúncia ou da queixa, ou a
209 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

partir deste momento até a sentença – art. 109, caput c/c art. 111, CP.
Pode ser declarada enquanto não houver trânsito em julgado de
sentença condenatória.

 Regula-se pela pena máxima em abstrato (art. 109 incisos I a VI, CP).
A contagem é efetuada na forma do art. 10. Afastam-se os efeitos
secundários. É como “se o crime nunca tivesse existido”.

 Retroativa: vide CP, art. 110, parágrafo 2º. – É a mesma superveniente


(art. 110, parágrafo 1º), só que às avessas, eis que se volta para
períodos anteriores à sentença condenatória. A sentença condenatória
tanto faz que seja proferida na 1ª, 2ª, ou 3ª instância (STJ ou STF).

 Regula-se pela pena aplicada em concreto, desde que haja trânsito em


julgado para a acusação ou seu recurso tenha sido improvido, ou ainda o
recurso mesmo que provido não altera os limites prescricionais
previstos no artigo 109, inciso I a VI, do CP. O réu não precisa ter
recorrido.

 É espécie do gênero prescrição da pretensão punitiva. Não há pena a


executar (efeito principal), nem inscrição no rol dos culpados, fixação
do pressuposto da reincidência, nem eventual pagamento de custas
(efeitos secundários).

 Exemplo:

 Fato: Furto, art. 155, caput, CP.

 Data da consumação: 01.01.80.

 Data do recebimento da denúncia ( primeira causa interruptiva – art. 117, I,


CP) : 01.01.82.

 Data da sentença condenatória recorrível: 01.01.86

 Pena aplicada: 1 ano de reclusão.

 MP não recorreu, transitando em julgado a sentença para a acusação


em 10.01.86.

 Há que se reconhecer neste exemplo alguma espécie prescricional?


Sim. Prescrição da pretensão punitiva retroativa. Entre o recebimento
210 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
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da denúncia e a sentença, decorreram-se mais de 4 anos. Diz-se


retroativa porque ela retroage da sentença condenatória (tanto faz que
seja primeira ou segunda instância) para trás, buscando entre o fato e
o recebimento da denúncia ou queixa, ou entre este e a sentença
condenatória, lapso temporal necessário para operar a extinção da
punibilidade. A sentença absolutória não interrompe a prescrição. O
marco é a sentença condenatória: para trás retroativa; para frente,
superveniente ou intercorrente.

 Superveniente: Começa a contar a partir da sentença recorrível até a


data do trânsito em julgado. É também conhecida como
“intercorrente”.

 Leva-se também em consideração a pena concretizada (CP, art. 110,


parágrafo 1º).

 Não requer, necessariamente, trânsito em julgado para o MP.


Contudo, seja por não ter havido recurso, seja por ter sido improvido,
ou ainda por evidenciar-se que não haveria aumento no prazo
prescricional mesmo se prosperasse o recurso do MP, deve ser
declarada extinta a punibilidade.

 Não pode (em princípio), estar transitada para a defesa. É também


espécie do gênero prescrição da pretensão punitiva. Apaga os efeitos
principais e secundários da condenação.
 DIFERENÇAS ENTRE SUPERVENIENTE E RETROATIVA:

a) Superveniente – dirige-se para adiante, período pós sentença


condenatória recorrível.

b) Retroativa – para períodos anteriores à sentença. Independe de recurso


do réu, e do momento processual em que é declarada.

 Há divergência se o Juiz de primeira instância pode declarar a


prescrição retroativa, vez que esgotaria o seu “munus” com a sentença.
A melhor doutrina entende que não. É a nossa posição também.
Contudo, a jurisprudência prevalente entende que sim. Esta é a tese a
ser adotada para concursos, salvo o de promotor.

 Prescrição da pretensão executória da pena: Ocorre após o efetivo


trânsito em julgado da sentença condenatória (para ambas as partes),

211 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

verificada, ainda, a inexistência de prescrição retroativa ou


superveniente.

 Regula-se pela pena em concreto, (CP, art. 110, caput). Extingue


somente a pena. Permanecem os demais efeitos da condenação.

 O prazo começa a correr a partir do dia em que a sentença transitou


em julgado para a acusação, ou a que revogou o sursis ou livramento
condicional – art. 112, I, CP. Nos dois últimos casos o “livramento
condicional” e o “sursis” foram revogados e os condenados fugiram.

 Exemplo:

 Figure que Tício tenha sido condenado a 1 ano de reclusão pela prática
de um furto em 01.01.80. O MP não recorreu entendendo que a
condenação estava justa. A sentença transitou em julgado para o MP
em 10.01.80. O réu, contudo, recorreu buscando absolvição. Em
10.01.81 o tribunal apreciando o recurso de apelação não lhe deu
provimento e manteve a condenação. Em 20.01.81 transitou um
julgado também para o réu que está foragido. Quando se dará a
prescrição da pretensão executória? Em 10.01.84. Aqui o prazo começa
a correr, não da data em que transitou em julgado em definitivo a
sentença, senão da data em que transitou em julgado para a acusação.
Salvo se coincidir para ambos. No caso o trânsito em julgado para a
acusação deu-se em 10.01.80, não em 20.01.81. Nesta data transitou em
julgado para o réu também.

 Medida de segurança e prescrição: Prescrita a pena em abstrato não se


impõe medida de segurança – CP, art. 96, parágrafo único.

 Imposta medida de segurança ao inimputável, o cálculo da prescrição


será feito pelo máximo da pena cominada abstratamente ao fato
previsto como crime praticado por ele.

 SEMI-IMPUTÁVEIS:

 Antes da sentença (prescrição da pretensão punitiva propriamente


dita ou abstrata), o princípio é o mesmo – CP, art. 96, parágrafo único.

 Nas demais espécies, contudo, (superveniente, retroativa e executória), há


que se verificar se a sentença, antes de ser efetuada a substituição da pena
pela medida de segurança, indicou ou não o “quantum” da pena aplicada :
212 Caderno de Apontamentos
Direito Penal
Antônio Cerqueira

 Se a sentença consignou a pena aplicada antes de fazer a substituição


desta pela medida de segurança, a prescrição regula-se pela pena
substituída.

 Se, contudo, o Juiz não indicou a pena aplicável, efetuando desde logo a
substituição pela medida de segurança, teremos que usar como índice a
pena mínima cominada abstratamente ao crime. Não se poderá inferir
que a pena aplicável fosse superior ou inferior ao mínimo legal
cominada abstratamente para o delito cometido pelo semi-imputável.

 Concurso material e prescrição, CP, art. 69: a prescrição corre


isoladamente para cada crime, como se concurso não houvesse – art.
119, CP.

 Exemplo: Em 01.01.80 Tício praticou um furto simples – art. 155,


caput, CP. No dia 01.06.80, praticou outro furto simples. Em 01.12.80,
outro. O primeiro estará prescrito em 01.01.88, o segundo em 01.06.88,
o terceiro em 01.12.88 – art. 119, CP. Esta regra vale para todas as
espécies de prescrição: abstrata, superveniente, retroativa e da
pretensão executória.

 Concurso formal e prescrição, CP, art. 70: a prescrição da pretensão


punitiva propriamente dita opera para cada crime isolamento
tomando-se como base as penas abstratas cominadas a cada um dos
crimes, como se concurso não houvesse – art. 119, CP. Após sentença, a
prescrição (superveniente, retroativa e executória), regula-se pela pena
concretizada, sem o acréscimo previsto no art. 70, 1ª . parte, CP. Esse é
o entendimento predominante.

 Crime continuado e prescrição, CP, art. 71: O tratamento é idêntico ao


concurso formal – súmula 497, STF, e art. 119, CP.

 Figure que Tício atropelou culposamente (A) e (B). (A) morreu; (B)
sofreu lesões. O juiz condenou Tício na forma do artigo 70, 1ª parte,
CP: 2 anos de detenção (art. 302, CTB), acrescida de metade por conta
do concurso formal. A pena definitiva restou em 3 anos. A prescrição
seja ela superveniente retroativa ou da pretensão executória será calculada
sobre a pena base aplicada, ou seja, 2 anos, não 3.

 PRESCRIÇÃO ANTECIPADA OU VIRTUAL.

213 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

É a verificação da ocorrência da prescrição de forma antecipada,


considerando-se a pena a ser virtualmente aplicada ao réu, ou seja, a pena
que em tese seria aplicada ao condenado.
A maioria da jurisprudência não aceita a tese da prescrição virtual, pois
entende que o Magistrado estaria se amparando em uma pena ainda não
aplicada, implicando, por conseguinte em um pré julgamento.

 PRESCRIÇÃO NO CASO DE CRIMES PREVISTOS EM LEIS


ESPECIAIS

 Crimes de imprensa: Art. 41, caput da lei 5.250/67 : “a prescrição da


ação penal, nos crimes definidos nesta lei, ocorrerá dois anos após a
data da publicação ou transmissão incriminada, e a condenação, no
dobro do prazo em que for fixada (...)§ 3º - “No caso de periódicos que
não indiquem data, o prazo referido neste artigo começará a correr do
último dia do mês ou outro período a que corresponder a publicação”.
A prescrição da ação é a mesma prescrição da pretensão punitiva.

 Crimes falimentares: Com o advento da lei 11.101/2005 a prescrição


extintiva da punibilidade regula-se pelas disposições do CP, tendo
início no dia da decretação da falência, da concessão da recuperação
judicial ou homologação do plano de recuperação extrajudicial.
A decretação de falência interrompe a prescrição cuja
contagem tenha sido iniciada com a concessão da recuperação
judicial ou com a homologação do plano de recuperação
judicial.

 Casos de imprescritibilidade: Art. 5º, XLII e XLIV. Somente nestes casos


(racismo e terrorismo).

214 Caderno de Apontamentos


Direito Penal
Antônio Cerqueira

NOTAS FINAIS

Esperamos, sinceramente, termos contribuído, ainda que de forma


singela, para a compreensão dos aspectos abordados neste caderno de
apontamentos.

ANTÔNIO CERQUEIRA

215 Caderno de Apontamentos

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