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DIREITO E LEGISLAÇÃO SOCIAL

Fundação Biblioteca Nacional


Código Logístico
ISBN 978-85-387-6674-2

59541 9 788538 766742

MIRIAM OLIVIA KNOPIK FERRAZ


Direito e
legislação social

Miriam Olivia Knopik Ferraz

IESDE BRASIL
2021
© 2021 – IESDE BRASIL S/A.
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detentor dos direitos autorais.
Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Monster Ztudio/SewCream/Shutterstock

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SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
F434d

Ferraz, Miriam Olivia Knopik


Direito e legislação social / Miriam Olivia Knopik Ferraz. - 1. ed. - Curi-
tiba [PR] : Iesde, 2021.
130 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6674-2

1. Direitos sociais. 2. Seguridade social - Brasil. 3. Previdência social -


Brasil. I. Título.
CDU: 349.3(81)
21-69855

Todos os direitos reservados.

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Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
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0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Miriam Olivia Knopik Doutoranda, mestre e graduada em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Ferraz Especialista em Direito Constitucional pela Academia
Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) e em
Legal Tech: Direito, Inovação e Start Ups pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
Editora adjunta da Revista da Academia Brasileira de
Direito Constitucional e coordenadora adjunta do
Grupo de Estudos em Análise Econômica do Direito da
PUCPR. Professora de ensino superior nas disciplinas
de Direito do Trabalho, Direito Empresarial e Pesquisa
Científica. Advogada. Fundadora da NÔMA - Norma e
Arte que procura discutir a relação entre Direito e Arte.
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SUMÁRIO
1 Fundamentos e história dos direitos sociais  9
1.1 Direitos humanos e direitos fundamentais   10
1.2 Direitos sociais e seguridade social   14
1.3 O seguro social e a seguridade social: evolução histórica   19
1.4 Modelos de seguridade social   23

2 Direitos e garantias fundamentais constitucionais  31


2.1 Direitos fundamentais na Constituição de 1988   31
2.2 Regime jurídico dos direitos fundamentais   37
2.3 A seguridade social na Constituição de 1988   41
2.4 A seguridade social como direito fundamental   47

3 Seguridade social  56
3.1 A seguridade social no Brasil   56
3.2 A estruturação do direito à saúde   61
3.3 A estruturação do direito à previdência   66
3.4 A estruturação do direito à assistência social   71

4 As instituições de direito no Brasil e a seguridade social  80


4.1 Compreensões gerais   80
4.2 Instituições de direito e sistema de saúde   83
4.3 Instituições de direito e previdência social   87
4.4 Instituições de direito e assistência social   101

5 Seguridade social nas políticas públicas, na judicialização e no terceiro setor  109


5.1 Políticas públicas voltadas à seguridade social  109
5.2 Judicialização da seguridade social   114
5.3 Atuação do terceiro setor na seguridade social   120
5.4 Desafios à efetivação da seguridade social   122
Vídeo
APRESENTAÇÃO
Esta obra busca demonstrar a complexidade da seguridade
social e como cada estrutura sua é essencial para a efetivação da
saúde, previdência e assistência social. A seguridade, subdividida
nesses eixos, deve ser abordada em seus mais diversos vieses:
Constituição, lei, instituições jurídicas, cada um dos benefícios,
políticas públicas, judicialização e atuação da sociedade.
Nesse sentido, no primeiro capítulo, discorremos sobre
as diferenciações teóricas de direitos humanos e direitos
fundamentais, além das abordagens sobre direitos sociais,
demonstrando que cada abordagem terá consequências na
efetividade dos direitos, o que torna necessária a compreensão
das teorias para fortalecimento dos direitos da seguridade social.
Ainda, demonstramos as evoluções a respeito do seguro social e
da seguridade social, relacionando-as a características históricas
dos modelos utilizados até hoje.
No segundo capítulo, abordamos as consequências centrais
da acepção da seguridade social como um direito social
fundamental e como a estrutura da Constituição protege de
modo diferenciado esses direitos. Em seguida, apresentamos sua
estrutura em três eixos – saúde, assistência e previdência – e os
princípios que os norteiam.
No terceiro capítulo, propomos reflexões sobre as estruturas
de cada um dos eixos da seguridade social e pontuamos
legislações, órgãos e competências, bem como a abrangência
das coberturas referentes à saúde, à assistência e à previdência.
É possível vislumbrarmos a complexidade de cada um desses
sistemas, que se relaciona no âmbito do custeio, das competências
e, principalmente, das vivências humanas.
No quarto capítulo, abordamos as instituições de Direito,
seguindo a ordem construída de cada eixo da seguridade social,
especificando os benefícios de cada um e demonstrando como
eles se materializam na prática dos indivíduos.
Por fim, no quinto capítulo, afastamo-nos das noções teóricas e
abrangemos de modo crítico as políticas públicas, a judicialização
e a atuação do terceiro setor na seguridade social, demonstrando que as
fragilidades do Estado e suas insuficiências vêm sendo combatidas pela
própria sociedade.
Dessa forma, o estudo traça uma linha de abordagem que parte dos tópicos
mais teóricos e basilares para, em cada capítulo, demonstrar o crescimento
da complexidade por meio da legislação e, ao fim, os movimentos de proteção
desses direitos em virtude das insuficiências estatais.
Bons estudos!

8 Direito e legislação social


1
Fundamentos e história
dos direitos sociais
O estudo da seguridade social, enquanto direito humano e fun-
damental, passa pela sua compreensão histórica. Na vida cotidiana
é comum a utilização do termo direitos sociais como sinônimo de
direito para a sociedade, mas essa compreensão reduz em muito
o que o Direito tem a dizer sobre cada um deles, especialmente
sobre a seguridade social.
Nesse sentido, cabe o questionamento sobre se há diferenças
reais entre essas denominações e se essas diferenças têm conse-
quências práticas. Para esse estudo, é necessário compreender a
teoria e a prática que envolvem a temática dos direitos humanos e
dos direitos fundamentais.
A confusão terminológica não se encerra nessa compreensão,
tornando necessário o estudo sobre uma das maiores discussões
jurídicas no Brasil: direitos sociais versus direitos de liberdade, ou
ainda, direitos de prestação e direitos de abstenção (por parte do
Estado). A quebra dessa dicotomia traz consigo o entendimento
mais complexo e robusto dos direitos sociais, especialmente da
seguridade social, que também se encontra nesse âmbito.
A seguridade social, hoje pautada no tripé saúde, previdência e
assistência pública, possui uma longa trajetória histórica. O mode-
lo atual revela, em verdade, não uma estrutura finalizada, e sim o
resultado de tentativas, erros e acertos bem como da absorção de
várias correntes teóricas.
Feitas essas considerações, este capítulo tem como objetivo
aprofundar e traçar uma linha de raciocínio para o entendimento
do fundamento e da história dos direitos sociais, especialmente a
seguridade social.

Fundamentos e história dos direitos sociais 9


1.1 Direitos humanos e direitos fundamentais
Vídeo O conceito de direito não é unívoco. Diversos doutrinadores apon-
tam que expressões como direitos humanos, direitos do homem, direi-
tos subjetivos públicos, direitos individuais, liberdades fundamentais e
direitos humanos fundamentais são utilizadas como sinônimos, mas na
prática não são.
Glossário
Esse não é um problema exclusivamente dos jornais ou dos pesqui-
unívoco: que só tem uma expli-
cação ou interpretação; sem teor sadores, a própria Constituição da República Federativa do Brasil de
ambíguo, uniforme, homogêneo. 1988 utiliza terminologias diferentes – direitos humanos (art. 4º, inc. II);
direitos e garantias fundamentais (epígrafe do Título II, e art. 5º, § 1º);
direitos e liberdades constitucionais (art. 5º, inc. LXXI) e direitos e garan-
tias individuais (art. 60, § 4º, inc. IV) – para um mesmo conceito.

O questionamento é: há diferenças reais entre essas denomina-


ções? E essas diferenças resultam em consequências? Se sim, quais?

Para responder a esses questionamentos, vamos primeiramente li-


mitar nosso estudo à compreensão do que são direitos humanos e do
que são direitos fundamentais.

Direitos humanos, para Bobbio (1988, p. 20), “não nascem todos de


uma vez e nem de uma vez por todas”, e para Arendt (2006, p. 30), “não
são um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constan-
te processo de construção e reconstrução”. O que eles querem dizer é
que, com o desenvolvimento da sociedade, a compreensão de direitos
humanos pode mudar, e o maior exemplo disso é o desenvolvimento
dos direitos das mulheres.

Então como definir esse direito? Partiremos da concepção contem-


porânea de direitos humanos, que, segundo Piovesan (2009, p. 107),
foi “introduzida com a Declaração Universal de 1948 e reiterada pela
Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993”. Essa visão de direi-
tos humanos surge como um movimento de fortalecimento e recons-
trução, após as atrocidades vivenciadas na Segunda Guerra Mundial,
principalmente diante do nazismo. A crítica se instaurou ao positivismo
desvinculado de valores éticos e morais, ou seja, questionou-se a pos-
sibilidade de se admitir o uso da lei para cometer atrocidades: “o nazis-
mo e o fascismo ascenderam ao poder dentro do quadro da legalidade
e promoveram a barbárie em nome da lei” (PIOVESAN, 2009, p. 108).

10 Direito e legislação social


Para romper com esse cenário, a Declaração de 1948 traz a con-
cepção contemporânea de direitos humanos, que está pautada sobre
dois mantos: a universalidade, a qual diz respeito à compreensão de
que toda pessoa é titular de direitos humanos; e a indivisibilidade,
no sentido de que os direitos humanos formam um bloco indivisível,
quando um é violado os demais são, pois estão inter-relacionados
(PIOVESAN, 2009).

Dessa forma, os direitos humanos estariam eminentemente vincu-


lados a esse caráter universal, por isso, Sarlet (2012) define a expressão
direitos humanos como direitos com estrita relação com os documentos
de direito internacional, portanto, não vinculados a um país e a uma or-
dem constitucional. Conforme Sarlet (2012, p. 3), os direitos humanos
“aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sor-
te que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional)”.

Atenção: direitos humanos não são a mesma coisa que direitos na-
turais. Embora haja uma corrente que defenda que os seres humanos
possuem direitos inatos (naturais), essa concepção não se adequa ao
que vimos sobre o desenvolvimento e a construção dos direitos huma-
nos no decorrer da história. Hoje podemos até discutir se o acesso à
internet seria um direito humano, não é?

Por fim, embora haja uma severa crítica sobre a positivação (in-
serção em um documento oficial com validade jurídica) dos direitos
humanos, ainda hoje, como um requisito para sua aplicação como so-
lução para que eles pudessem ser exigíveis, os direitos humanos são
descritos (positivados) em tratados internacionais. Dessa forma, Sarlet
(2012, p. 24) traça a seguinte distinção didática: direitos do homem
seriam aqueles “direitos naturais não, ou ainda não[,] positivados” e
direitos humanos seriam aqueles “positivados na esfera do direito
internacional”.

A compreensão dos direitos fundamentais pode ser feita de di-


versas maneiras, mas em suma há dois planos de visualização: o plano
axiológico e o plano dogmático (SCHWARZ, 2014).

O plano axiológico compreende os direitos fundamentais como


aqueles que buscam tutelar direitos/interesses básicos e que estariam
ligados a um princípio de igualdade real. Nesse sentido, os direitos fun-
damentais e os direitos humanos seriam compreendidos como sinô-
nimos, configurando um direito fundamental, pois sem ele não seria

Fundamentos e história dos direitos sociais 11


possível a existência humana. Observe que essa compreensão parte da
necessidade humana para o papel, a concretização enquanto norma.

Por outro lado, o plano dogmático compreende os direitos funda-


mentais como aqueles que estão positivados no ordenamento jurídico,
em específico, na Constituição Federal. Nesse sentido, seriam direitos
fundamentais aqueles que estivessem escritos na Constituição, e ao
contrário da compreensão anterior, parte-se do papel para a concreti-
Livro
zação na realidade.

Por que essa distinção é importante? Porque se formos considerar


apenas o plano axiológico, todos os direitos fundamentais são huma-
nos, porque têm como titular o ser humano “ainda que representa-
do por entes coletivos (grupos, povos, nações, Estado)” (SARLET, 2012,
p. 25). Agora, no sentido dogmático, somente seriam direitos funda-
mentais aqueles que forem positivados no direito constitucional de
determinado Estado. Podemos concordar que nesse último caso esses
Em meio à Revolução direitos estariam mais próximos de tal povo, não é?
Francesa, as mulheres
reivindicaram seus Mesmo que reconheçamos e valorizemos os direitos humanos
direitos por meio da
Declaração dos Direitos advindos dos tratados internacionais, a positivação interna em cada
da Mulher e da Cidadã, país acaba elevando esses direitos e possibilitando sua materialização.
elaborada por Olympe
de Gouges. O livro Reivin- Essa é a principal distinção: os direitos fundamentais têm contornos
dicação dos direitos das
mulheres (A Vindication of mais precisos e restritos, uma vez que são garantidos e reconhecidos
the Rights of Woman: with institucionalmente por um Estado, e assim são delimitados espacial e
Strictures on Political and
Moral Subjects), publicado temporalmente (PÉREZ LUÑO, 1995). Nesse sentido, compreende-se
originalmente em 1792, é que “os direitos fundamentais nascem e acabam com as constituições”
uma resposta à promessa
de emancipação dos (VILLALON, 1989, p. 35).
homens feita por meio da
Declaração dos Direitos
Parte da doutrina utiliza o termo direitos humanos fundamentais com
do Homem e do Cidadão o objetivo de ressaltar que, assim como os direitos fundamentais po-
(1789), que inspirou boa
parte da Declaração
sitivados, os direitos humanos seriam fundamentais em seu sentido
Universal dos Direitos material (BARROS, 2003).
Humanos, aprovada pela
ONU em 1948. A obra Compreendidas as diferenciações e possíveis aproximações entre
versa sobre a necessi-
os termos, cabe agora estudarmos por que a distinção entre direitos
dade de emancipar as
mulheres e os desafios a humanos e direitos fundamentais é tão importante. A importância resi-
serem enfrentados para
de principalmente nas suas consequências.
essa conquista.

WOLLSTONECRAFT, M. Trad. de O grau de efetiva aplicação das normas é muito maior quando se
Andreia Reis do Carmo. São Paulo: considera os direitos fundamentais, uma vez que pertencem ao or-
Edipro, 2015.
denamento jurídico interno de cada país e estão respaldados por le-

12 Direito e legislação social


gislações infraconstitucionais que os complementam e materializam,
pelas políticas públicas como um todo e, também, pela possibilidade
de judicialização. Já os direitos humanos são compreendidos no âm-
bito do direito internacional e possuem menos mecanismos para sua
efetivação, destacando-se, todavia, o papel das Cortes Internacionais
de Direitos Humanos.

Vejamos, por exemplo, o direito à saúde, que está previsto no artigo 25


da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de


assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive ali-
mentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os ser-
viços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de
desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou outros casos Filme
de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de
seu controle.
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assis-
tência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do
matrimônio, gozarão da mesma proteção social. (UNICEF, 1948)

Visualizando somente esse recorte, não sabemos como cada Estado


aplicará em seu país os referidos direitos que advém dos instrumentos
internacionais, e é nesse sentido que se discute a abstratividade dos tra- Nise: o coração da loucu-
ra é um filme brasileiro
tados internacionais, o que também não seria possível de ser soluciona-
baseado na história da
do por meio de normas mais rígidas, afinal, cada realidade é diferente. psiquiatra Nise da Silveira,
que se recusava a utilizar
Por outro lado, vamos observar o direito fundamental à saúde pre- técnicas de eletrochoque
visto no artigo 196 da Constituição de 1988. em pacientes. Nise é
considerada uma das
precursoras do movimen-
to da reforma psiquiátrica
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, ga-
brasileira, inspirando
rantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à inclusive a estruturação
redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso dos modelos atuais dos
Centros de Atenção
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
Psicossocial (CAPS), que
proteção e recuperação. (BRASIL, 1988) hoje possuem um eixo de
visualização do sujeito en-
quanto pessoa no âmbito
Pode parecer um direito ainda muito genérico para guiar a atuação da saúde mental, e não
somente da doença.
do Estado brasileiro, mas ele não vem só, é resguardado pelo regime
Direção: Roberto Berliner. São
jurídico dos direitos fundamentais – que o protege de alterações le- Paulo: Imagem Filmes Produtora
sivas ou subtração e possibilita a exigibilidade em face do Estado – e Ltda – Epp; W Mix Distribuidora de
Filmes, 2015.
por diversas legislações, como: a Lei n. 8.080/1990, que dispõe sobre

Fundamentos e história dos direitos sociais 13


as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a
organização e o funcionamento dos serviços correspondentes; a Lei n.
8.142/1990, que dispõe sobre a participação da comunidade na ges-
tão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergo-
vernamentais de recursos financeiros na área da saúde; o Decreto n.
7.508/2011, que dispõe sobre a organização do Sistema Único de Saúde
(SUS), o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação
interfederativa, entre outras.

Além dessas legislações que materializam como o direito à saúde


será exercido no Brasil – advindas do Legislativo, majoritariamente –,
há o próprio Sistema Único de Saúde enquanto política pública – ad-
vinda do Executivo. Há ainda grandes discussões sobre a atuação e in-
fluência do Judiciário na garantia do direito à saúde, como o Recurso
Extraordinário n. 566.471, julgado pelo Supremo Tribunal Federal, que
abordou o dever do Estado de fornecer medicamentos de alto custo a
Atividade 1
portadores de doença grave que não têm condições financeiras para
Descreva em que ponto a com- comprá-los (BRASIL, 2020).
preensão de direitos humanos
e de direitos fundamentais se Dessa forma, compreendemos que, embora muitas pessoas uti-
aproxima e em que ponto se
lizem os termos direitos humanos e direitos fundamentais como sinô-
diferencia.
nimos, a sua diferenciação teórica possui consequências práticas: a
efetivação e a concretização dos direitos para a população.

1.2 Direitos sociais e seguridade social


Vídeo No Brasil, os direitos sociais estão previstos na Constituição, Título II
“Dos direitos e garantias fundamentais”, mais especificamente no Capí-
tulo II, intitulado “Dos direitos Sociais”, que abrange os artigos 6º ao 11º.
O artigo 6º será nosso principal objeto de estudo, pois aborda os
direitos sociais: “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a mo-
radia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à materni-
dade e à infância e a assistência aos desamparados [...]” (BRASIL, 1988).
Os artigos 7º ao 11º são voltados aos direitos dos trabalhadores, à
livre associação, à sindicalização, à greve e à participação dos trabalha-
dores em órgãos públicos e nas empresas, respectivamente.
Paralelamente, é necessário observar o artigo 5º, presente no
Capítulo I “Dos direitos e deveres individuais e coletivos”, que conta
com 78 incisos, estabelecendo um rol de direitos fundamentais.

14 Direito e legislação social


O primeiro ponto a abordarmos é que direitos sociais não devem Livro
ser compreendidos como direitos da sociedade, e sim como os direi-
tos que a Constituição consagra como sociais, quais sejam: saúde,
educação, moradia, alimentação, transporte, previdência, assistên-
cia social, trabalho, proteção da criança e do adolescente, do idoso,
da maternidade.

Quando se fala em direitos, direitos fundamentais e direitos sociais,


invariavelmente nos vem à mente a ideia de dignidade humana, a qual
pode ser materializada por meio da proteção de direitos, garantindo
A narrativa do livro
que a pessoa não tenha seus direitos restringidos (abstenção) ou, ain-
A ocupação é construída
da, uma atuação mais proativa para que seu direito seja concretizado em torno de um edifício
ocupado no centro de
(ação). Dessa forma, a dignidade da pessoa humana exige atuações es-
São Paulo. O autor apre-
tatais positivas e negativas, como classicamente compreendido pelos senta diálogos ficcionais
entre moradores do
direitos de liberdade, por exemplo: liberdade de profissão, liberdade
prédio e o seu persona-
de crença etc. (PINTO E NETO, 2009). gem alter ego Sebastián,
o qual, ao mesmo tempo
Os direitos sociais alcançaram o patamar de positivação com o ad- que teme a perda do
pai hospitalizado, nutre
vento do Estado social, quando há o seu reconhecimento constitucional
expectativas em torno da
e, consequentemente, a sua imposição a todos os órgãos e atividades gravidez de sua mulher
e de uma possível pater-
estatais (NOVAIS, 2006). No entanto, ainda há críticas acerca desse re-
nidade. Nessa história
conhecimento, entre elas, que os direitos sociais seriam consagrados podemos observar como
ainda hoje há tantas rea-
por normas muito heterogêneas, já que são “indeterminados”, por isso
lidades desassistidas e,
apenas indicariam ações que o Estado poderia cumprir, como um ob- com base nisso, repensar
o direito social à moradia
jetivo a ser perseguido. Se compreendido dessa forma, ele não poderia
e como o Estado pode
1
ser exigido pelo cidadão (CANOTILHO, 2003) . Nesse sentido, eles tam- efetivá-lo.
bém não teriam aplicabilidade imediata, uma vez que o seu conteú- FUKS, J. São Paulo: Companhia das
do não está claramente determinado ou determinável, e careceriam Letras, 2019.

de uma determinação do legislador, por meio de leis mais específicas,


para que fosse possível exigir algo do Estado (NOVAIS, 2006). 1
Essas posições são amplamente rebatidas pela doutrina atual, no Canotilho (2003) expõe esse
entendimento, mas afirma ser
sentido de que a norma infraconstitucional – isto é, as leis – não seria o
contrário a essa compreensão,
instrumento criador do direito, mas sim o concretizador, e isso se daria entendendo que os direitos
tanto para os direitos de liberdade como para os sociais. Além disso, sociais são direitos subjetivos
constitucionais e, portanto,
mesmo que necessitem dessa concretização pelo Legislativo, não se
podem ser exigidos. Essa é uma
retira o seu caráter de dever por parte do Estado, cabendo a ele definir forma de chamar um documen-
como e quando efetivar esses direitos (PINTO E NETO, 2009). to jurídico como um tratado.

Há ainda uma visão clássica de que os direitos de liberdade exigi-


riam apenas uma abstenção do Estado, enquanto os direitos sociais

Fundamentos e história dos direitos sociais 15


– como saúde, educação e assistência – exigiriam uma prestação, ou
seja, uma ação e um custo. Essa ideia está superada, mas é um passo
importante para compreender que esses direitos ainda são vistos por
boa parte da sociedade como caros e custosos quando, em realidade,
todos os direitos têm um custo. Imagine a saúde (direito social) sem in-
vestimento do Estado. E a liberdade de expressão (direito de liberdade)
sem a criação de centros culturais, subsídio a publicações e concessão
de rádio e televisão, como seria? (HACHEM, 2014).

Dessa forma, os direitos sociais, assim como os clássicos direitos de


liberdade, impõem alguns limites e ações ao Estado, entre eles: revoga-
ção de atos anteriores à Constituição que contrariem o conteúdo des-
ses direitos; imposição ao legislador do dever de legislar; imposição da
declaração de inconstitucionalidade de atos contrários a esses direitos;
constituição de parâmetro de interpretação, integração e aplicação das
normas e atos; geração de uma posição jurídico-subjetiva que resulta
na possibilidade de se exigir esses direitos; proibição ao legislador de
abolir posições jurídicas já criadas (SARLET, 2012).
Podemos retomar a visão de que esses direitos sociais mencionados
também são direitos humanos, uma vez que são previstos em diversos
tratados internacionais e, por isso, devem ser vistos com unicidade,
como um todo. Nesse sentido, conforme Piovesan (2004, p. 26), “há de
ser definitivamente afastada a equivocada noção de que uma classe de
direitos (a dos direitos civis e políticos) merece inteiro reconhecimento
e respeito e outra (a dos direitos sociais, econômicos e culturais), ao
contrário, não”.

Os direitos sociais são autênticos e verdadeiros direitos fundamen-


tais “acionáveis, exigíveis, e demandam séria e responsável obser-
vância. Por isso, devem ser reivindicados como direitos, e não como
caridade, generosidade ou compaixão” (PIOVESAN, 2004, p. 26). Por-
tanto, consideramos que os direitos sociais são, em realidade, direitos
fundamentais sociais e, por isso, devem ser compreendidos sob duas
formas de atuação do Estado: a função de defesa (abstenção) e a fun-
ção de prestação (ação), de modo concomitante e muitas vezes uma
sobressaindo mais do que a outra (HACHEM, 2004).

Construídas essas bases teóricas para a compreensão dos direitos


sociais fundamentais, podemos fazer um recorte para alguns direitos
específicos. A saúde, a previdência e a assistência aos desamparados
são os direitos sociais que compõem a seguridade social.

16 Direito e legislação social


O termo seguridade social não está relacionado às construções teó-
ricas sobre direitos fundamentais que estudamos anteriormente, e
sim a uma construção histórica de proteção à sociedade ou, ainda, de
proteção social. Ressaltamos a seguir a definição apresentada pela Or-
ganização Internacional do Trabalho na Convenção n. 102, em 1952,
conforme explicam Delgado, Jaccoud e Nogueira (2009, p. 22).

Proteção que a sociedade proporciona a seus membros, me-


diante uma série de medidas públicas, contra as privações
econômicas e sociais que, de outra maneira, derivariam do de-
saparecimento ou da forte redução de seus rendimentos em
consequência de enfermidade, maternidade, acidente de traba-
lho, enfermidade profissional, desemprego, invalidez, velhice e
morte, bem como da proteção em forma de assistência médica
e de apoio a famílias com filhos.

Apesar, então, de o conceito não ter a sua origem na consolidação


das teorias de direitos fundamentais sociais, a aplicação destas é pací-
fica nos momentos atuais, porque se compatibiliza diretamente com a
sua proteção e efetivação.

A raiz inicial da seguridade social no Brasil está no artigo 6º da Cons-


tituição de 1988, como visto, mas o seu conceito e os objetivos estão
dispostos no artigo 194:

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integra-


do de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade,
destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previ-
dência e à assistência social. (BRASIL, 1988)

Dessa forma, podemos considerar que a seguridade social é o gêne-


ro, e as espécies são a saúde, a previdência e a assistência social, cada
uma com suas disposições específicas e legislações infraconstitucionais.

Nesse sentido, compreender a seguridade social como direito social


traz algumas consequências.

Primeiramente, ela não pode ser vista como um direito que exija
somente a abstenção do Estado, assim, não é admissível compreender
que a saúde, a previdência e a assistência social trariam o dever apenas

Fundamentos e história dos direitos sociais 17


do Estado de “não fazer”. Se fosse assim, teríamos que ter somente
uma atuação privada e, ainda assim, o Estado teria que regulamentar
a iniciativa.

Em um segundo momento, o direito fundamental social à segurida-


de social também não pode ser compreendido como um direito que
exija somente o agir do Estado. Essa é uma faceta importante, mas
temos sim faces de abstenção do Estado com relação a esse direito.
Se fosse somente uma faceta prestacional, o Estado necessariamente
deveria monopolizar e intervir em todas as atividades relacionadas à
Filme
saúde, à previdência e à assistência social, assim, não teríamos planos
de saúde ou planos de previdência privada, por exemplo.

Dessa forma, o direito fundamental social à seguridade social deve


ser visto sob as duas formas de atuação do Estado: a função de defesa
(abstenção) e a função de prestação (ação). Por exemplo, no direito à
saúde, a função defensiva estaria na possibilidade de escolher méto-
dos terapêuticos e medicamentos sem imposição estatal; e a função de
prestação estaria no fornecimento de serviços médicos ambulatoriais
O filme Uma prova de (HACHEM, 2004).
amor (My Sister’s Keeper) é
baseado no livro homôni- Além disso, devemos lembrar que direitos fundamentais impõem
mo de Jodi Picoult e conta
várias ações ao Estado, em suas diversas instâncias, como o dever de
a história de uma criança,
Anna, que foi concebida legislar sobre o tema – por isso, há leis sobre o funcionamento da pre-
para ser a irmã-salvadora
vidência social e os medicamentos que serão fornecidos pelo SUS –; e
da irmã que tinha leuce-
mia, facilitando o proces- o impedimento de que o legislador retire posições jurídicas já criadas
so de compatibilidade
– por isso o debate sobre reformas da previdência gera tanto clamor,
de doações. No entanto,
Anna move uma ação pois o nosso ordenamento protege as normas de direitos fundamen-
com o objetivo de conse-
tais (tornando mais difícil a sua alteração) e, ao mesmo tempo, exige
guir uma “emancipação
médica”, que garantiria o que se façam normas de transição para pessoas que, por exemplo, es-
reconhecimento do livre
tavam muito próximas de se aposentar.
exercício do direito sobre
seu próprio corpo, apesar
É importante compreender que o direito fundamental social à segu-
da pouca idade. Nessa
obra podemos observar ridade social não pode ser visto de maneira apartada, e sim em diálogo
tanto a faceta prestacio-
com os demais direitos. Nessa perspectiva, podemos pensar na apo-
nal do direito à saúde,
com os serviços de saúde sentadoria por invalidez: é um benefício previdenciário, no entanto, é
representados no filme,
impossível dissociá-la do direito ao trabalho digno e do direito à saúde.
como a faceta de absten-
ção, já que Anna quer ter Da mesma forma, a assistência social, a qual também é um benefício
escolha sobre ser ou não
previdenciário, não pode ser vista além de aspectos da realidade da
doadora.
pessoa beneficiada, que muitas vezes poderá ser um propulsor para
Direção: Nick Cassavetes. Estados
Unidos: Curmudgeon Films, 2009. a sua sobrevivência, para sua saúde, o seu desenvolvimento pessoal
educacional e no trabalho, entre outros direitos.

18 Direito e legislação social


Nesse sentido, quando se efetiva e se materializa alguma das face-
tas do direito fundamental social à seguridade social, o caminho é a
concretização de outros direitos e o amparo à sociedade como um todo
em uma situação de carência, dano ou de necessária assistência, como
em uma gravidez.

1.3 O seguro social e a seguridade


Vídeo social: evolução histórica
Fatores como fome, enfermidade, diminuição da capacidade do tra-
balho e redução da renda são males que acometem a sociedade ao
longo de sua história, e muitas vezes o amparo Estatal para prevenir e
remediar essas necessidades se torna essencial. Para a compreensão
da proteção social como é vista hoje é preciso conhecer sua história,
para tanto, dividimos a abordagem em três momentos: assistência pú-
blica, seguro social e seguridade social.

A assistência pública teve como fundamento a caridade, assim, o


indivíduo que se encontrasse em situação de necessidade buscaria a
Igreja e, mais tarde, as instituições públicas. Como se tratava de carida-
de, não havia qualquer direito dos sujeitos (direito subjetivo) de exigir
qualquer coisa do Estado ou das instituições.

Essa perspectiva começou a ser alterada na Inglaterra, com a Lei


dos Pobres (Act for the Relief of the Poor), de 1601, editada pela Rainha
Isabel I, em que se determinava ser competência do Estado o ampa-
ro aos necessitados. Nesse momento, surge então a assistência social,
também intitulada assistência pública.

É interessante observar que os laços com a Igreja permaneciam,


uma vez que ela era a responsável pela administração do fundo forma-
do pela arrecadação de uma taxa obrigatória (BALERA, 1998). Não so-
mente sob essa vertente, algumas categorias profissionais começaram
a formar caixas de auxílio para os seus envolvidos, parecidas com o que
compreendemos como seguro de vida, vinculadas a uma contribuição
(PAIXÃO; PAIXÃO, 2001).

No âmbito brasileiro, houve a previsão da assistência pública na


Constituição de 1824, artigo 179, parágrafo 3º, sob a expressão socor-
ros públicos:

Fundamentos e história dos direitos sociais 19


Art. 79. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Ci-
dadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança
individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do
Imperio, pela maneira seguinte. [...]
XXXI. A Constituição tambem garante os soccorros publicos.
(BRASIL, 1824)

Quando a assistência pública, principalmente pelo seu fundamento


de “caridade” e não obrigatoriedade, demonstrou-se insuficiente, um
novo sistema precisava ser pensado e estruturado. O foco dessa mu-
dança estava na necessidade de um sistema que fosse “juridicamente
exigível”, um direito à proteção (OLEA; PLAZA, 1995, p. 27).

Começaram a se desenvolver as iniciativas que dariam surgimento


ao seguro social. Antes de sua consolidação como um sistema, iniciati-
vas esparsas de empresas seguradoras surgiram. As empresas tinham
fins lucrativos e a administração baseada em fins econômicos, sendo
a primeira forma de seguro surgida no século XII, com o seguro ma-
rítimo, embora ainda incipiente se consideradas as bases do seguro
atual. Com o tempo, desenvolveram-se novas formas de seguro, como
Biografia seguro de vida, contra invalidez, danos, acidentes etc.

Por serem vinculados a uma empresa, esses seguros eram estru-


turados por meio de contratos que exigiam que ambos os interes-
Wi
kim
edia

sados manifestassem seu interesse, ou seja, não havia a noção de


Commons

“seguro obrigatório”.

Observando que essa forma de contrato estava direcionada a catego-


rias e parcelas muito restritas da população, no final do século XIX nas-
ceu, em 1883, o seguro social, na Prússia, com a Lei do Seguro Doença. A
lei surgiu como resultado de uma proposta de Otto von Bismarck, a qual
Otto Furst von Bismarck nasceu
em Schönhausen, na Prússia, tinha como marco a ideia de que para proteger as pessoas de todos os
em 1º de abril de 1815. É riscos havia a necessidade de se dissolver os riscos econômicos a grupos
considerado o mais importante maiores, a fim de suportar quando um evento danoso ocorresse.
estadista da Alemanha no
século XIX, sendo um dos A partir da Segunda Guerra Mundial, além desse caráter ampliativo,
principais responsáveis pela
cresceu a ideia de que haveria a necessidade de torná-lo obrigatório ao
unificação alemã. Em 1871 foi
nomeado príncipe e chanceler mesmo tempo que se aumentariam as coberturas para doenças, aci-
imperial do Reich, sendo dente, invalidez, velhice, desemprego, orfandade e viuvez. As propos-
conhecido como o chanceler de
ferro (STEINBERG, 2011).
tas de Bismarck foram tão importantes que são comumente lembradas
como Revolução Bismarckiana.

20 Direito e legislação social


Compreendido então o seguro social como obrigatório, ocorre a “ver-
dadeira revolução”, uma vez que ele deixa de ser entendido como cari-
dade ou opcional para se tornar não somente uma obrigação, mas um
direito, tornando-se passível de ser exigido. Outra alteração foi a mudança
da organização e da administração para o Estado e a ampliação do custeio
para abranger os empregadores, os empregados e o próprio Estado.

Dessa forma, o seguro social nasce inicialmente com a compreen-


são de contrato de seguro.

Entretanto a equação bismarckiana não resistiu à Primeira Guerra


Mundial (1914-1918), porque as situações que geravam cobertura co-
meçaram a aumentar, tendo em vista os órfãos, viúvas e feridos, em
decorrência do combate, e as oscilações na inflação.

O Tratado de Versalhes, pela primeira vez, em 1919, compromete-se


então a implantar um regime universal de justiça social. É fundada a
Repartição Internacional do Trabalho (Bureau International Du Travail
– BIT), a qual realizou a 1ª Conferência Internacional do Trabalho, em
que se consolidou o desenvolvimento de sistemas de previdência so-
cial como um compromisso de todas as nações (OLIVEIRA, 1987). Nessa
reunião e em outras subsequentes, estabeleceram-se algumas reco-
mendações: o seguro-desemprego, a extensão do seguro social aos
trabalhadores da agricultura, o seguro-doença e o seguro por velhice,
invalidez e morte.

A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi tão devastadora quanto a


primeira, resultando em um aumento das situações que geravam cober-
tura, mas não somente isso: assim como o seguro social nasceu da neces-
sidade de se amparar o trabalhador, surgiu a necessidade de se amparar
todas as pessoas, em qualquer situação, independentemente de trabalho.
Iniciativas com o intuito de ampliar a proteção social são consideradas as
bases para a compreensão e formação da seguridade social.

Três marcos da estruturação dessa nova compreensão merecem


ser destacados.

O primeiro marco se deu em 1940 com Adolf Hitler, na Alemanha,


que determinou a elaboração de um programa custeado por impos-
tos e voltado a todos os alemães com o objetivo de criar pensões por
velhice e invalidez. Apesar da iniciativa, o plano não foi implementado
(SANTOS; LENZA, 2018).

Fundamentos e história dos direitos sociais 21


Em 1941, na Inglaterra, formou-se a Comissão Interministerial para
o estudo dos planos de seguro social que teve como presidente Wil-
Biografia
liam Beveridge que, em 1942, propôs o Plano Beveridge ao parlamento,
trazendo as seguintes conclusões (SANTOS; LENZA, 2018): a ideia de
seguro social não era mais suficiente para atender às necessidades,
Wi
kim
edia pois mesmo sendo obrigatória, era limitada aos trabalhadores vincu-
Commons
lados por contrato de trabalho, deixando uma gama de trabalhadores
desprotegidos; essa vinculação não levava em consideração as respon-
sabilidades com a família; havia benefícios diferentes em situações que
os gastos eram parecidos; havia a necessidade da atuação do Estado
por meio de políticas públicas; e principalmente “a abolição da miséria
William Henry Beveridge requer[ia] uma dupla redistribuição das rendas, pelo seguro social e
nasceu em 5 de março de
1879 e foi reconhecido após a pelas necessidades da família” (BEVERIDGE, 1943, p. 12).
elaboração do Report on Social
A terceira fase pode ser vislumbrada em 1944, com a Conferência
Insurance and Allied Services, em
1942, conhecido como Plano da Organização Internacional do Trabalho, na Filadélfia, que resultou
Beveridge, que auxiliou na na Declaração de Filadélfia. Essa declaração teve como uma das orien-
reconstrução política e social da
tações a unificação dos sistemas de seguro social, com o objetivo de
Grã-Bretanha (ENCYCLOPÆDIA
BRITANNICA, 2020). estender as proteções a todos os trabalhadores rurais e urbanos e suas
famílias (SANTOS; LENZA, 2018). Observe, a seguir, um esquema das
três fases.

1940
1ª Fase Hitler. Pensões para velhice e invalidez.
Não foi aplicado.

1941/1942
2ª Fase Plano Beveridge. Seguro social, limitado a trabalhadores com
contrato.

1944
3ª Fase Declaração de Filadélfia OIT: Unificação do sistema de seguro
social → todos os trabalhadores e suas famílias, abrangendo
rurais e autônomos.

2
2
Essa é uma forma de chamar A partir desse marco destacam-se dois instrumentos internacionais
um documento jurídico como
de grande importância para a seguridade social: a Declaração Univer-
um tratado.
sal dos Direitos do Homem (1948), que consagrou a necessidade de
um sistema de seguridade social, e a Convenção n. 102 da Organização
Atividade 2 Internacional do Trabalho, que estabeleceu o que seriam as normas

Explique por que o direito à saú-


mínimas em matéria de seguridade social, que abrangem diversas pro-
de pode ser compreendido tanto teções, como: serviços médicos, auxílio doença, prestações de desem-
como um direito social quanto prego, aposentadoria por velhice, prestações em caso de acidentes de
como um direito de liberdade.

22 Direito e legislação social


trabalho e de doenças profissionais, prestações de família, prestações
de maternidade, aposentadoria por invalidez, pensão por morte e igual- Filme
dade no tratamento de residentes e estrangeiros. Essa convenção está
vigente no Brasil, uma vez que foi incorporada pelo Decreto Legislativo
n. 269, de 19 de setembro de 2008 e ratificada em 15 de junho de 2009.

Cabe-nos agora consolidar como se compreendem as relações jurí-


dicas formadas nos três sistemas estudados: assistência social, seguro
social e seguridade social.

No primeiro sistema, assistência social, a proteção é voluntária e


Lion: uma jornada para
fundada na caridade. No segundo sistema, seguro social, é preciso dife- casa é baseado na histó-
renciar do seguro privado, que advém de um contrato, pois é nele que ria real de uma criança
indiana chamada Saroo
se estipulam os riscos que serão protegidos; por outro lado, a evolução que se perde do irmão
para o seguro social mudou essa disposição no momento que os riscos numa estação de trem,
indo parar em uma cida-
não são mais previstos em contrato, e sim em lei, e se tornam objeto des- de a 1.600 km dali. Ele
sa relação jurídica. No terceiro sistema, a seguridade social, a relação ju- passa a viver em situa-
ção de rua e vivencia o
rídica não se estabelece com base no risco, e sim na necessidade social, acolhimento institucio-
uma vez que “os benefícios não têm natureza de indenização; podem ser nal, até ser adotado por
uma família. O filme traz
voluntários, não são necessariamente proporcionais à cotização e, desti- reflexões sobre o papel
nam-se a promover os mínimos vitais” (SANTOS, 2004, p. 158). do Estado para com
os desamparados e,
Assim, a relação jurídica de seguridade social ocorre após a ocor- também, como visto na
convenção 102 da OIT,
rência da contingência, a qual se trata de um fato que gera uma con- sobre a necessidade de
sequência/necessidade. Podemos citar como exemplo um acidente de tratar os estrangeiros
da mesma forma que os
trabalho, uma situação de fato (do mundo dos fatos) que gera a pos- nacionais.
sibilidade do benefício de auxílio acidente (consequência em virtude Direção: Garth Davis. Austrália;
de uma necessidade). Essa necessidade possui um caráter social, no Reino Unido; EUA: See-Saw
Films; Aquarius Films; Screen
sentido de que tem uma importância para a sociedade, ao passo que Australia; Sunstar Entertainment;
se consolida por meio da Constituição Federal como um direito social, Narrative Capital; The Weinstein
Company, 2016.
uma vez que se destina a reduzir as desigualdades sociais e regionais.

1.4 Modelos de seguridade social


Vídeo O Centro Interamericano de Investigação e Documentação sobre
o Mercado de Trabalho (CINTERFOR, 2005) aponta princípios os quais
fundamentam todos os sistemas de seguridade social e que, portanto,
todos deveriam possuir:
• benefícios seguros e não discriminatórios;
• rigor e transparência dos regimes;

Fundamentos e história dos direitos sociais 23


• custos mínimos de administração;
• participação relevante dos interlocutores sociais;
• confiança da população;
• boa administração.

No âmbito da América Latina, enfoque principal deste capítulo, tem-


-se ainda a dicotomia entre a lógica do seguro e a lógica da assistência,
o que muitas vezes resulta em um mesmo Estado contendo um pouco
de cada sistema (BOSCHETT, 2007).

A lógica do seguro, fundada com Bismarck no século XIX, é seme-


lhante aos seguros privados, no sentido de que a cobertura tem foco
na classe trabalhadora e no acesso aos benefícios vinculados à contri-
buição direta e anterior, o que gera um valor de benefício vinculado
também às contribuições relacionadas à folha de salário, isto é, con-
tribuições dos trabalhadores e empregadores. Para facilitar, podemos
pensar na lógica de um seguro de carro: só tem cobertura quem paga,
e essa cobertura está vinculada ao valor pago; se você pagar menos,
poderá ter menos benefícios, como, por exemplo, não possuir um car-
ro reserva.

A lógica da assistência, fundada com Beveridge e implementada


após a Segunda Guerra Mundial, tem como objetivo a universalização
dos direitos, independentemente de suas condições de contribuição,
sendo voltada a todos que tenham necessidade (PALIER; BONOLI,
1995). A exemplificação desse caso parte da realidade brasileira: o SUS
pode ser utilizado independentemente de contribuição prévia, basta
haver necessidade.

Como ressaltado anteriormente, muitos países acabaram adotando


sistemas híbridos. Um grande exemplo é a França, que após o Plano
Laroque, de 1945, construiu um sistema híbrido entre a experiência
bismarkiana e a beveridgeana (BEHRING, 2013). O pilar do seguro tem
se mostrado resistente, mesmo diante da “perda de generosidade do
Estado” (com políticas mais liberais), e por outro lado dialoga com a
tendência beveridgeana de redução da oferta de prestações sociais
(BARBIER; THÉRET, 2009).

No mesmo sentido, Ivanete Boschetti afirma que tanto na Europa


quanto na América Latina não existe um sistema puro, há sempre o

24 Direito e legislação social


diálogo e a adaptação entre os dois modelos, como se pode visualizar
no caso do Brasil, em que o sistema de saúde segue a lógica assisten-
cial, e a previdência segue o modelo do seguro (BOSCHETT, 2007).

A partir dos anos de 1970 e 1980, em quase toda a América Latina,


desenvolveram-se reformas voltadas à reestruturação da seguridade
social, principalmente com um viés neoliberal voltado à desregulamen-
tação. A compreensão neoliberal caminhava no sentido de que as ga-
rantias e proteções promovidas pelo Estado social, com o enfoque na
seguridade social, seriam prejudiciais ao desenvolvimento econômico,
uma vez que aumentariam o consumo e diminuiriam a poupança da
população (NAVARRO, 1998).

Nosso foco de estudo sobre as reformas será no âmbito da previ-


dência social, as quais podem ser divididas em três grupos: reformas
estruturais, não estruturais ou paramétricas (CEPAL, 2006).

As reformas estruturais dizem respeito a alterações na estrutura das


aposentadorias. No sistema de capitalização individual, por exemplo,
grosso modo, você faz a sua própria “poupança” para aposentadoria e,
após certo período, recebe o que poupou de forma capitalizada; já no
sistema de repartição, sem entrar em maiores detalhes, você contri-
bui para o sistema solidariamente entre gerações, assim, o valor pago
pelas pessoas ativas no sistema é utilizado para garantir os benefícios
dos já aposentados, sendo esse o sistema utilizado atualmente. Nas
Atividade 3
discussões acerca da reforma da previdência de 2018/2019, foi levanta-
da a possibilidade da alteração do sistema brasileiro para capitalização Explique a diferença entre
assistência pública, seguro social
individual, mas ele não foi aprovado. e seguridade social, apontando
as características principais de
Dentro dessa perspectiva, há países como Peru, Colômbia,
cada um.
Argentina, Uruguai e Costa Rica que utilizam ambos os sistemas,
introduzindo a capitalização individual como um sistema paralelo
(MESA-LAGO, 2003).

As reformas não estruturais ou paramétricas não alteram a es-


trutura do sistema nem incluem um sistema novo, e sim “modificam
a abrangência e estrutura dos benefícios” (BOSCHETT, 2007, p. 95).
O Brasil se encaixa exatamente nessa categoria, tanto nas reformas
de 1998/1999 quanto nas de 2018/2019, mas também países como
Cuba, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua, Panamá, Paraguai e
Venezuela (CEPAL, 2006). Podemos citar como exemplos desse tipo

Fundamentos e história dos direitos sociais 25


Livro de modificação o aumento da idade e/ou tempo de contribuição
para se aposentar, a vinculação da aposentadoria da trabalhadora
do lar à necessária contribuição facultativa, entre outras.

As alterações, sejam estruturais ou não, geram impactos sociais,


e uma das formas encontradas para mitigar esses impactos são os
programas de transferência de renda, que possuem natureza emi-
nentemente assistencial. Trata-se de programas focalizados na ex-
trema pobreza e aplicados em diversos países, como indica Stein
O objetivo de A saúde (2005): Programa de Auxílio à Família (PRAF), em Honduras (1990);
dos planos de saúde: os
desafios da assistência
Programa de Educação, Saúde e Alimentação (Progresa), no México
privada no Brasil é anali- (1997); Bono Solidário, no Equador (1998); Rede de Protección So-
sar os planos de saúde
médico-hospitalares. Os cial, na Nicarágua (2000); Superémonos, na Costa Rica (2000); Famí-
autores discutem como lia en Acción, na Colômbia (2001); Bolsa Escola (2001) e Bolsa Família
eles se estruturam, as
críticas e dificuldades, por (2003), no Brasil; Jefes de Hogar, na Argentina (2002); Chile Solidário,
meio de um sistema de
no Chile (2002), entre outros.
entrevistas: Drauzio Va-
rella entrevista Maurício Os programas de transferência de renda são focalizados em de-
Ceschin, para esclarecer
as dúvidas da atuação terminada categoria, como idosos, pessoas com deficiência etc. ou,
dos setores público e
ainda, em algumas situações específicas, como miséria e vulnera-
privado, sob olhar de
um gestor e, do outro bilidade extrema. Podem ser concedidos de modo anterior ao fato,
lado, Maurício Ceschin
entrevista Drauzio Varella,
evitando a situação em específico, ou posteriormente, buscando a
para esclarecer a visão sua remediação. Apresentam diversas condições para a sua conces-
dos cidadãos, enquanto
pacientes ou médicos.
são, dependendo de como forem formulados: idade, renda, mora-

VARELLA, D.; CESCHIN, M. São dia, participação comunitária, entre outros. Em regra, apresentam
Paulo: Paralela, 2014. valores inferiores ao salário-mínimo, sob a justificativa de que te-
riam como objetivo assegurar somente as necessidades básicas dos
indivíduos (BOSCHETT, 2007).

Ressaltamos que determinados obstáculos para a efetivação da


universalidade desses sistemas ainda sobrevivem e muitas vezes não
são vislumbrados nessa dicotomia seguro versus seguridade, são eles:
os trabalhadores informais, as relações de trabalho precarizadas e o
desemprego. Esta é uma das críticas principalmente ao sistema de ca-
pitalização: “a incapacidade [...] para incluir os trabalhadores que vivem
relações informais e precarizadas de trabalho” (CEPAL, 2006, p. 131).

Por fim, destacamos a situação da política de saúde, um dos pilares


da seguridade social, que no Brasil se materializa por meio do SUS. Esse
sistema, assim como a assistência e a previdência, é pautado pela uni-

26 Direito e legislação social


versalidade, uniformidade, equidade etc., conforme artigo 194 da Cons- Filme

tituição Federal (BRASIL, 1988). O sistema de saúde no Brasil é universal


e gratuito, portanto, independe de contribuição. Apesar disso, coexis-
tem em nosso país o sistema público e o sistema privado, este celebra-
do em forma de contrato entre consumidor, as operadoras de planos
de saúde e os médicos privados. O sistema privado funciona como um
seguro mesmo, é um seguro de saúde. É interessante ressaltar que há
um diálogo entre os sistemas, mediado pela Lei n. 9.656/1998; sempre
Polar (2019) é uma
que um indivíduo busca um serviço do SUS possuindo um plano de
adaptação de uma HQ
saúde cujo contrato prevê a cobertura desse serviço, a operadora de homônima e conta a
história de Kaiser Negro,
plano de saúde deve reembolsar os valores ao SUS. um assassino profissional
que trabalha para uma
Ademais, Fleury (1995, p. 245) já alertava para as recorrentes re-
empresa especializada
duções no financiamento público dos sistemas de saúde na América no ramo. Nessa “relação
de trabalho” é garantido
Latina e o crescimento do aumento do pagamento com planos pri- o recolhimento de contri-
vados, empresas e ONGs. Um estudo da Cepal demonstra que essa buições previdenciárias a
uma entidade privada, que
divisão e convivência entre os sistemas público e privado acarreta desi- garante aos “trabalhado-
gualdade no acesso à saúde (CEPAL, 2006). res” o recebimento integral
ao final de um período.
Dessa forma, embora as origens da seguridade social remontem ao A empresa decide, então,
matar os próprios “traba-
sistema de seguro social de Bismarck ou ao seguro de assistência social lhadores” quando estes
de Beveridge, o que se visualiza na prática é a formação de sistemas estiverem próximos de se
aposentar e sacar o valor
mistos, abrangendo a contribuição obrigatória em determinado mo- da previdência. É interes-
sante observar que há
mento, como o sistema de aposentadoria no Brasil, ou a assistência
uma cláusula no contrato
pura, como o sistema de saúde brasileiro. com a empresa que impõe
que se o “trabalhador”
morrer em serviço ou em

CONSIDERAÇÕES FINAIS acidente, a empresa se


torna a beneficiária do
fundo de pensão. A trama
Ao final deste capítulo resta a certeza de que os direi-
gera discussão sobre um
tos sociais, em especial a seguridade social, nos moldes sistema previdenciário
atuais brasileiros, estão em pleno desenvolvimento. A privado.

efetivação desses direitos e a garantia de reflexos diretos Diretor: Jonas Åkerlund.


Produção: Jeremy Bolt, Robert
para a sociedade traspassa as formalidades jurídicas em
Kulzer, Keith Goldberg, Hartley
que eles são postos em cada país. Como visto, a consoli- Gorenstein. Produtoras: Dark Horse
dação dos direitos, principalmente de maneira escrita na Entertainment, Constantin Film. 2019.

Constituição, traz consequências diretas e guia a atuação


do Estado.
Nesse sentido, os direitos humanos, reconhecidos
por instrumentos internacionais, e os direitos fundamen-
tais, reconhecidos na Constituição de cada país, trazem

Fundamentos e história dos direitos sociais 27


uma nova perspectiva para a seguridade social, possibilitando o estabele-
cimento de metas e limites de atuação.
Analisando as inúmeras denominações para o grande espectro intitu-
lado direito, adentramos no embate dos direitos sociais e dos direitos de
liberdade, desconstruindo a compreensão de que um exigiria custos e
ações Estatais e o outro meramente abstenção. Todos os direitos custam
e exigem ações efetivas do Estado, mas também da própria sociedade.
Por fim, a evolução histórica traçada nos três pilares – assistência pú-
blica, seguro social e seguridade social – revela diferentes modelos, que
exigem ações e comprometimento social de modo diverso. Nesse estudo
histórico realizado paralelamente ao estudo da aplicação dos modelos
atuais transparece o que é aplicado atualmente: cada país, dentro de sua
realidade, mescla e constrói modelos, adaptando a lógica do seguro e a
lógica da assistência.

REFERÊNCIAS
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BALERA, W. Introdução à seguridade social. In: MONTEIRO, M. L. G. (coord.). Introdução ao
direito previdenciário. São Paulo: LTr, 1998.
BARBIER, J. C.; THÉRET, B. Le Système Français de Protection Sociale. Paris: La Découverte, 2009.
BARROS, S. R. Direitos humanos: paradoxo da civilização. Belo Horizonte, Editora del Rey, 2003.
BEHRING, E. R. França e Brasil: realidades distintas da proteção social, entrelaçadas no
fluxo da história. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 113, p. 7-52, jan./mar. 2013.
BEVERIDGE, W. O Plano Beveridge. Trad. de Almir de Andrade. Rio de Janeiro: Livraria José
Olímpio, 1943.
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Fundamentos e história dos direitos sociais 29


GABARITO
1. Os direitos humanos e direitos fundamentais se aproximam quando compreendemos
ambos como direitos essenciais e básicos aos seres humanos, como descreve o plano
axiológico. Por outro lado, o ponto principal que os diferencia é o fato de os direitos
humanos serem consolidados em âmbito internacional, em tratados, pactos e conven-
ções, e os direitos fundamentais serem consolidados nas constituições de cada país,
possuindo âmbitos diferentes de abrangência, como descreve o plano dogmático.

2. Os direitos fundamentais, sejam eles sociais ou de liberdade, em determinados mo-


mentos vão exigir ações do Estado, e em outros, abstenções. No caso do direito social
à saúde é possível vislumbrar ambas as facetas, por exemplo: há o dever de abstenção
do Estado no caso da escolha de algum tratamento, ou ainda na possibilidade de o
indivíduo contratar um plano de saúde particular; mas há também o dever de ação do
Estado em garantir que todos tenham acesso a tratamentos de saúde, como é o caso
do próprio Sistema Único de Saúde, que é estruturado por uma lógica universal, ou
seja, para todos os indivíduos.

3. O primeiro modelo é o de assistência pública, cujo fundamento é a caridade e, por


isso, não possui obrigatoriedade, sendo assim, não é possível exigi-la. A sua organiza-
ção se deu inicialmente por meio da Igreja como ponto central. O segundo modelo é
o seguro social, idealizado por Bismarck e pautado inicialmente na compreensão de
um contrato de seguro, ampliando as coberturas e trazendo a obrigatoriedade, o que
possibilitou exigência ao Estado. Os objetivos do seguro social eram ampliar as cober-
turas, e não restringir, esse sistema adentrou inicialmente enquanto contrato privado
e depois como uma relação de seguro com o Estado, não havendo uma ligação neces-
sária com a Igreja. A seguridade social tem como base a noção de necessidade social,
e não do risco, e visa promover o mínimo vital aos indivíduos, e não uma indenização.
Possui como base o sistema de solidarismo social.

30 Direito e legislação social


2
Direitos e garantias
fundamentais constitucionais
A seguridade social enquanto direito humano e direito funda-
mental necessita de um regime jurídico para sua aplicação que
fortaleça seus objetivos e, principalmente, dê aplicabilidade a eles.
Para isso, é preciso entender como ela está posicionada na
base de nosso sistema jurídico, a Constituição de 1988, de modo
a compreender sua abrangência: quais direitos são envolvidos,
quem se protege e como se dá essa proteção.
O estudo da seguridade social enquanto direito fundamental
traz consigo o complexo teórico e prático dos próprios direitos
fundamentais: seriam eles mera recomendação? Há alguma con-
sequência prática de um direito ser considerado fundamental?
Há sim, a eles é dado um regime completamente diferente dos
outros direitos presentes no nosso sistema, o regime jurídico de
direitos fundamentais.
Dessa forma, sendo de caráter essencial, um direito funda-
mental exige uma proteção diversa para que seja possível a sua
aplicação e o impedimento da sua retirada do sistema. O objetivo
deste capítulo é mapear esse sistema e aplicá-lo em específico à
seguridade social.

2.1 Direitos fundamentais na


Vídeo Constituição de 1988
Os direitos fundamentais não se desenvolveram em uma linha reta
evolutiva, como é possível observar, eles vão se transformando e se desen-
volvendo ou regredindo de acordo com vários aspectos sociais e políticos.
Apesar disso, vários autores fundamentam o estudo deles na teoria das

Direitos e garantias fundamentais constitucionais 31


gerações dos direitos fundamentais. Abordaremos então algumas defini-
ções iniciais, para posteriormente aprofundar essa teoria e suas críticas.
Os direitos fundamentais estão previstos do artigo 5º ao 17º da
Constituição Federal, apesar disso, o rol presente neste documento
não é exaustivo, uma vez que nele há a seguinte disposição:

Art. 5º, § 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constitui-


ção não excluem outros decorrentes do regime e dos princí-
pios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que
a República Federativa do Brasil seja parte. (BRASIL, 1988)

Essa disposição é chamada de cláusula de abertura e permite que


novos direitos sejam reconhecidos e incorporados ao ordenamento ju-
rídico brasileiro – como os direitos humanos, por exemplo, decorrentes
de tratados –, dependendo de formalidades legais.
As garantias fundamentais são como os remédios constitucio-
nais, ferramentas possibilitadoras da asseguração desses direitos com
ações próprias voltadas especificamente para a proteção deles diante
de determinadas violações: a ação popular, o habeas corpus, o habeas
data, o mandado de segurança, o mandado de segurança coletivo e o
mandado de injunção.
Os sujeitos que são titulares desses direitos são os indivíduos, mas
estes podem ser analisados sob diversas perspectivas, segundo Venturi
(2007), são elas:
• Direitos individuais: direitos reconhecidos aos indivíduos em par-
ticular, atuando em sua esfera pessoal.
• Direitos individuais homogêneos: direitos individuais que, de cer-
ta forma, foram agrupados, devido ao seu interesse em comum,
por isso, são divisíveis.
• Direitos transindividuais: é o gênero e trata-se de direitos indivisí-
veis, ou seja, não podem ser atribuídos a indivíduos isolados (não
é uma soma de direitos individuais).

Os direitos transindividuais são divididos em espécies:


• Direitos coletivos: reconhecidos a um grupo determinado, por
exemplo, uma classe ou uma categoria.
• Direitos difusos: reconhecidos a um grupo indeterminado (não
é possível apurar especificamente cada pessoa pertencente

32 Direito e legislação social


ao grupo), não possuindo nenhum vínculo jurídico que una
as pessoas.
Compreendidos os elementos centrais dessa relação, para a abor-
dar as características desses direitos, é preciso adentrar a teoria das
gerações ou dimensões dos direitos.

Essa teoria busca demonstrar que os direitos foram sendo conquis-


tados e, consequentemente, positivados nas constituições como uma
linha evolutiva: a primeira geração teria surgido com o Estado Liberal
de Direito, após a Revolução Francesa (1789-1799), e traria à luz os di-
reitos de liberdade individuais aos indivíduos, que assim exigiriam a
abstenção do Estado, como o direito de votar. A segunda geração teria
surgido com o Estado Social de Direito, após a Segunda Guerra Mun-
dial, e traria à luz os direitos sociais, exigindo ações do Estado, como
proteções específicas ao trabalho. Por fim, os direitos de terceira gera-
ção, surgidos no final do século XX, trariam proteções a bens jurídicos
indivisíveis, que não teriam um titular específico, como a natureza.

Essa teoria compreende que teria havido essa evolução, no sentido


de os países caminharem sempre para uma maior incorporação de di-
reitos em suas constituições. Observe no esquema a seguir que, coin-
cidentemente, a palavra-chave que unificaria cada um dos elementos é
justamente os dizeres da Revolução Francesa:

1a geração

Direitos civis e políticos 2a geração


Exige abstenção do
Estado.
Direitos “sociais” 3a geração
Exemplos: liberdade
política e liberdade Exige uma ação do Estado.
religiosa. Exemplos: direitos do
Direitos
Direitos individuais. trabalho, direito à saúde,
transindividuais
Palavra-chave: liberdade. seguridade social.
Exige uma ação do Estado.
Direitos da coletividade.
Exemplos: direito ao
Palavra-chave: igualdade.
desenvolvimento, direito ao
meio ambiente.
Direitos de toda a humanidade.
Palavra-chave: fraternidade.

Direitos e garantias fundamentais constitucionais 33


Bonavides (2010) aponta ainda que haveria mais duas gerações: a
quarta corresponderia à democracia, e a quinta seria a paz. Os defensores
dessa visualização apontam que essa separação se justificaria, uma vez
que cada geração traria consigo características diferentes, como visto, os
direitos de liberdade seriam somente individuais e os direitos sociais se-
riam somente coletivos, por exemplo (FERREIRA FILHO, 2012).

Apesar de uma didática louvável e de ainda ser cobrada em concursos


públicos, essa compreensão sofre diversas críticas que serão analisadas a
seguir, para posteriormente reconstruirmos o esquema anterior.

As duas maiores críticas estão pautadas em dois mitos, segundo


Hachem (2014): o primeiro diz respeito à crença de que os direitos de
liberdade não exigem uma ação do Estado para a sua concretização, e
sim uma abstenção, enquanto exigiriam prestações positivas deste, e
que os direitos sociais precisariam ser explicados e mais bem funda-
mentados em leis para serem praticados e efetivados. Compreender
que os direitos possuem essa diferenciação é dizer que os direitos de
liberdade seriam “genuínos direitos subjetivos (públicos, porque opo-
níveis ao Estado), dotados de aplicação imediata e independente de lei
integrativa, cuja satisfação total se alcançaria mediante uma ordem ju-
dicial de não fazer expendida ao Poder Público” (HACHEM, 2014, p. 14).

O segundo mito seria a compreensão da titularidade transindivi-


dual, a qual, por se tratar de uma coletividade não determinada, so-
mente seria uma característica de alguns direitos, como os de terceira
geração: a natureza, por exemplo. Compreender dessa forma retira a
possibilidade de outros direitos poderem ser reconhecidos ou, ainda,
de os de terceira geração terem a possibilidade de ser reconhecidos
como individuais ou coletivos (HACHEM, 2014; KRELL, 2002).

Notemos que a teoria das gerações ou dimensões dos direitos funda-


mentais, em vez de clarificar a compreensão destes, acaba por limitá-los
no seguinte sentido: dá a impressão de continuidade e progressividade,
o que não é a realidade em todos os países; dá a entender que a ação ou
abstenção do Estado e a titularidade estariam vinculadas a determinado
“tipo de direito”. Ou seja, essa representação, apesar de útil, empobrece,
em lugar de fortalecer os direitos fundamentais.

34 Direito e legislação social


Para um reconhecimento efetivo dos direitos fundamentais,
afirmamos, então, que todos possuem as seguintes características,
segundo Hachem (2014): impõem deveres negativos ao Estado; im-
põem obrigações de fazer ao Estado; e possuem titularidade indi-
vidual e transindividual, simultaneamente. Dessa forma, qualquer
direito fundamental pode ser visto sob duas óticas: do titular, subje-
tiva; ou do objeto (o direito em si), objetiva.
Ambas as óticas coexistem, por exemplo, o direito à moradia pos-
Atividade 1
sui o sujeito individual (ótica subjetiva) e a moradia em si, compreendi-
da como o objeto dessa relação jurídica. Essa coexistência é chamada Considerando as diversas preten-
sões jurídicas jusfundamentais
de multifuncionalidade: os direitos não possuem uma função única, de
presentes em cada direito,
cada direito é possível extrair vários deveres (ALEXY, 2007). exemplifique como cada uma
Alexy (2007) aprofunda cada um desses deveres apontando-os delas poderia se materializar no
que tange ao direito ao trabalho.
como funções, as quais são separadas, primeiramente, em dois gran-
des grupos: função de defesa e função de prestação. Posteriormente,
a função de prestação se divide em: prestações fáticas e prestações
normativas, sendo estas divididas em proteção, organização e proce-
dimento. Ressalta-se que as funções ocorrem concomitantemente,
extraindo-se vários deveres por parte do Estado. Para facilitar a com-
preensão, vamos observar a representação gráfica a seguir, com base
em Alexy (2007) e Hachem (2014):

Função de defesa
Interferência indevida
Função de
do Estado; impõe uma
prestação fática
omissão.
Ações efetivas e diretas
do Estado, como o
oferecimento dos
Função de prestação próprios serviços.
Impõe ao Estado uma
ação, exigindo a criação Função de proteção
de mecanismos para a Dever de proteger o direito de
Função de violação de terceiros.
efetivação dos direitos.
prestação normativa
Elaboração de normas para
a proteção de determinados
direitos ou a criação de
Função de
órgãos para a sua efetivação.
organização e procedimento
Criação de estruturas
organizacionais para o exercício
dos direitos.

Direitos e garantias fundamentais constitucionais 35


Quando se faz essa abordagem é possível compreender o direi-
to fundamental como um todo e deste abstrair diversas pretensões
jurídicas fundamentais, as quais possuem diferentes funções por
parte do Estado: não pode proibir que certas pessoas morem em
determinados bairros em detrimento de outras (função de defesa);
deve realizar políticas de moradia, como o Aluguel Social existente
no Rio de Janeiro ou o Programa Minha Casa Minha Vida (função de
prestação fática); deve criar órgãos para regulamentação da mora-
dia, como zoneamentos (função de organização); deve criar órgãos
de fiscalização de políticas sociais (função de procedimento) e definir
áreas de risco para moradia (função de proteção). Essa compreen-
são das funções, formulada por Hachem (2014) e aqui exemplifica-
da, pode, em verdade, ser aplicada a qualquer direito fundamental.
Assim, reconstrói-se a representação gráfica anteriormente apre-

Filme sentada, sob essa nova perspectiva:

Direitos fundamentais
compreendidos de maneira
inter-relacionada.

O filme Home: nosso


planeta, nossa casa
traz reflexões sobre o
planeta Terra por meio
da seguinte frase: “o
nosso ecossistema não Diversas pretensões Multifuncionalidade:
tem fronteiras. Onde jurídicas jusfundamentais: subjetiva (sujeitos que são
quer que estejamos, as • função de defesa; titulares) e objetiva (os
nossas ações terão re-
• função de prestação fática; direitos em si).
percussões”. É possível
• função de organização;
reforçar reflexões sobre
• função de procedimento;
a titularidade do direito
• função de proteção.
ambiental como sendo
de todos, mas também
de cada indivíduo.
Dessa forma, deixamos de direcionar determinadas características
Direção: Yann Arthus-Bertrand.
EuropaCorp: França, 2009. a somente alguns direitos para, ao invés disso, compreendê-los en-
quanto uma unidade inter-relacionada que alcança diversos sujeitos e
exige formas diversificadas de atuação estatal.

36 Direito e legislação social


2.2 Regime jurídico dos direitos fundamentais
Vídeo A própria formação do Estado constitucional atual está pauta-
da na dignidade humana, em específico, nos direitos fundamentais
(SARLET, 2012). Para a compreensão da importância desses direitos é
necessário estudar a jusfundamentalidade, que se trata da “especial
dignidade de protecção dos direitos” (CANOTILHO, 2003), ou seja, as
disposições constitucionais que possuem especial proteção.

O que é essa proteção especial dada aos direitos fundamentais?


Para responder a essas perguntas é preciso, segundo Hachem (2014),
desmembrar essa jusfundamentalidade em duas: a fundamentalidade
formal e a material. A fundamentalidade formal, conforme o autor,
compreende quatro aspectos: os direitos fundamentais estariam em
um nível superior do sistema jurídico; os procedimentos para sua alte-
ração são mais difíceis; impõe limites à revisão da Constituição; serve
de parâmetro para as decisões de todos os poderes (Executivo, Legis-
lativo e Judiciário).

A fundamentalidade material, por outro lado, diz respeito à pró-


pria estrutura do Estado e da sociedade, assim, os direitos fundamen-
tais podem ser reconhecidos como materiais e, inclusive, a eles pode
ser aplicada parte das proteções conferidas indicadas anteriormente,
mesmo que eles não sejam formalmente positivados na Constituição
(HACHEM, 2014; CANOTILHO, 2003).

Para a proteção dos direitos fundamentais há o regime jurídico de


direitos fundamentais, que se trata de um rol de proteções especiais
direcionado a esse tipo específico de direitos, não se estendendo a outros.
Essa proteção especial está pautada em dois pilares que caracterizam esse
regime: aplicabilidade imediata e proteção contra emendas abolitivas.

A aplicabilidade imediata está prevista no artigo 5º, parágrafo 1º,


da Constituição Federal, que traz a seguinte disposição:

Art. 5º, § 1º. As normas definidoras dos direitos e garantias


fundamentais têm aplicação imediata. (BRASIL, 1998)

Direitos e garantias fundamentais constitucionais 37


A ideia central é impor ações ao Estado, seja o Legislativo, Executi-
vo ou Judiciário, de modo imediata, ou seja, não há a necessidade de
se aguardar a elaboração de alguma lei ou a formalização de algum
órgão para que determinado direito fundamental tenha o condão de
ser protegido e fomentado. Vejamos o exemplo do direito à saúde,
só o fato de ele estar na Constituição no rol de direitos fundamentais
(artigo 6º) já faz com que seja um direito por completo e assim cada
indivíduo, somente com essa disposição, já pode exigir que ele seja
concretizado pelo Estado.

Essa disposição é de suma importância, pois faz com que a Consti-


tuição deixe de ser apenas uma carta que enumera direitos sem qual-
quer obrigatoriedade, apenas com caráter recomendativo (BARROSO,
2006).

A segunda disposição constitucional é a vedação de emendas


constitucionais que tenham por objetivo eliminar os direitos funda-
mentais da ordem jurídica e está prevista no artigo 60, parágrafo 4º,
como se observa:

§ 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda


tendente a abolir:
[...]
IV - os direitos e garantias individuais. (BRASIL, 1988)

Em decorrência desse dispositivo, os direitos fundamentais com-


poriam as chamadas cláusulas pétreas, assim, consolida-se um sistema
que impede a reforma da Constituição em determinados assuntos.
Retomando o exemplo do direito à saúde, ele é compreendido como
um direito universal, sendo possível a todos exercerem e receberem
prestações do Estado. Uma emenda à Constituição não poderia dis-
por que esse direito seria prestado somente a determinadas regiões
do país ou classes sociais (sem que haja compensações, por exemplo).

Resta então a pergunta: todos os direitos fundamentais estariam


protegidos pelo regime de direitos fundamentais?

Como visto, nem todos os direitos estão protegidos pelo regime


dos direitos fundamentais (aplicabilidade imediata e a proteção con-
tra emendas abolitivas), mas resta a dúvida ainda sobre se haveria
alguma diferenciação entre os direitos sociais e os direitos de liber-

38 Direito e legislação social


dade. Se abordada a teoria das gerações de direito, a aplicabilidade
poderia ser comprometida para alguns.

A resposta para a presente questão é explicada por Hachem


(2014), ao apontar que existem quatro formas de se visualizar essa
problemática: a primeira possibilidade seria excluir os direitos sociais
do regime jurídico dos direitos fundamentais; a segunda seria limitar
a aplicação do regime jurídico somente para o mínimo existencial; a
terceira aplicaria o regime jurídico somente para os direitos sociais
que estivessem vinculados a procedimentos de manutenção da de-
mocracia e; a última defendida, aplicaria a todos os direitos sociais o
regime jurídico de direitos fundamentais.

A última posição será adotada e aprofundada nesta obra, por pos-


suir o maior respaldo teórico e coerência com a ordem constitucional
vigente, possuindo autores de renome em sua defesa, como o já cita-
do Daniel Wunder Hachem, mas também Ingo Wolgang Sarlet e Jorge
Reis Novais. Neste livro, aprofundaremos dois argumentos contrários
à concepção de que direitos sociais também usufruiriam do regime
jurídico de direitos fundamentais: direitos sociais seriam muito custo-
sos para sua implementação imediata; direitos sociais não estão bem
delimitados na Constituição e, por isso, precisariam de definições em
legislação infraconstitucional.

Os custos dos direitos é uma questão de grande polêmica no Direi-


to e na economia, e é um problema enfrentado por diversos Estados.
O que se discute aqui não é se há ou não custos, mas sim que eles
existem para todos os direitos, não somente os de liberdade ou os so-
ciais. Afinal, como visto anteriormente, todos os direitos exigem que
o Estado haja positivamente, por meio de ações, e negativamente, por
meio de abstenções. A complexidade das funções que cada direito
impõe já demonstra que não é uma conta simples, e sim uma conta
existente e necessária de ser realizada em todos os direitos. Nesse
sentido, diante da posição pacífica da doutrina jurídica de que todos
os direitos exigem ações e abstenções (CLÈVE, 2012; KRELL, 2012) não
é admissível separar a aplicação do regime jurídico de direitos funda-
mentais a um ou outro.

Além disso, segundo Hachem (2014), há uma inter-relação entre os


direitos, não sendo possível dizer que eles se encaixariam em classi-
ficações de “direitos da liberdade” ou “direitos sociais”, pois em reali-

Direitos e garantias fundamentais constitucionais 39


dade eles se cingem nas diversas funções que são exigidas ao Estado,
como faces da mesma moeda ou elementos do mesmo sistema. Um
exemplo simples dessa questão é a função de prestação do sanea-
mento básico: ela pertence ao direito à saúde ou ao direito à mora-
dia? Ou, ainda, ao direito ao meio ambiente?

Os direitos se complementam pois fazem parte da construção da


vida digna dos seres humanos, que depende de múltiplos fatores,
pois é complexa.

A análise dos custos dos direitos é sim um elemento essen-


Atividade 2 cial, mas não deve ser empecilho para o reconhecimento da
Explique como o regime jurídico jusfundamentalidade dos direitos sociais (HACHEM, 2014).
de direitos fundamentais seria O segundo ponto em análise é a indeterminação dos direitos so-
aplicado à assistência pública.
ciais na Constituição e, por isso, haveria a exigência da sua mate-
rialização em legislação infraconstitucional. Em realidade, todos os
direitos seriam de alguma forma vagos na Constituição (QUEIROZ,
Documentário 2006), pois têm o objetivo de sobreviver às mudanças sociais e con-
solidar sistemas e, ainda, todos os direitos precisam de algum tipo de
regulamentação (SILVA, 2009). O maior exemplo disso é o direito ao
voto, considerado, pela concepção clássica, um direito de liberdade:
como seria possível pensar em uma eleição sem regulamentação das
formas, locais e meios para a sua realização?

Destacamos que a maioria dos direitos sociais e de liberdade já


está regulamentada em legislação infraconstitucional, por exemplo:
direito à educação (Lei n. 9.394/1996 – estabelece as diretrizes e bases
O documentário A luta
da educação nacional), à previdência social (Lei n. 8.213/1991 – dispõe
pelo básico: saneamento
salvando vidas nos leva sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social), à assistência so-
a refletir sobre a impor-
cial (Lei n. 8.742/1993 – dispõe sobre a organização da Assistência So-
tância da água e do es-
gotamento sanitário em cial); Lei Federal n. 10.836/2004 – institui o Programa Bolsa Família) e
comunidades vulneráveis
à moradia (Lei n. 11.977/2009 – dispõe sobre o Programa Minha Casa
que passaram a receber
esses serviços. Com Minha Vida – PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos
esse documentário é
localizados em áreas urbanas).
possível realizar reflexões
sobre os diversos direitos Dessa forma, desmascara-se a distinção entre direitos de liber-
envolvidos e as funções
do Estado. dade e direitos sociais, para somente direitos fundamentais, e estes
INSTITUTO Trata Brasil. Kurudu estão protegidos pelo seu regime jurídico: aplicabilidade imediata e
Filmes, 2017. Disponível em: a proteção contra emendas abolitivas. Embora com respaldo teórico
http://www.tratabrasil.org.br/
documentario-a-luta-pelo-basico. amplo, essa discussão ainda causa muita controvérsia e é rotineira-
Acesso em: 9 fev. 2021. mente reavivada.

40 Direito e legislação social


2.3 A seguridade social na Constituição de 1988
Vídeo A seguridade social é a articulação de políticas voltadas à saúde, à
assistência social e à previdência, cada uma com suas estruturas pró-
prias, como se observa na definição presente no artigo 194 da CF:

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto in-


tegrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da
sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à
saúde, à previdência e à assistência social. (BRASIL, 1988)

A base de todos esses sistemas está prevista na Constituição Fede-


ral de 1988, em especial no artigo 6º, que traz uma lista dos direitos
sociais, incluindo a saúde, a previdência e a assistência, já visto ante-
riormente, e, ainda, o Capítulo II, que enumera a seção específica sobre
a seguridade social, na qual observam-se os seguintes tópicos: defini-
ção, princípios e objetivos, financiamento e aprofundamento para cada
uma das bases em específico. A constitucionalização da seguridade so-
cial, ou seja, o fato de integrar a base do seu sistema na Constituição,
faz com que se forme uma proteção muito maior, uma vez que, para a
sua alteração, será necessária uma emenda constitucional, a qual exige
um quórum qualificado.

Art. 60, § 2º. A proposta será discutida e votada em cada


Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, consideran-
do-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos
votos dos respectivos membros”. (BRASIL, 1988)

Para a compreensão do sistema constitucional e consequentemen-


te da sua importância, subdividiu-se esse tópico nas seguintes linhas de
abordagem: a complexidade do conceito de seguridade social; a rela-
ção jurídica da seguridade social; e os princípios constitucionais.

A complexidade do conceito de seguridade social vai além da acep-


ção de que ela é composta por saúde, assistência e previdência social,
alcançando a própria compreensão do funcionamento desses siste-
mas. Primeiramente, quando se analisa o artigo 194 da Constituição,
observa-se que ele aponta que as iniciativas serão tomadas pelos Pode-

Direitos e garantias fundamentais constitucionais 41


res Públicos e pela sociedade e, assim, reforça a noção de solidarismo
social, a qual compreende que todos na sociedade devem contribuir de
alguma forma para a existência e a manutenção do sistema.

Em um segundo momento, é importante ressaltar que a saúde, a


assistência e a previdência formam um sistema de proteção social, sen-
do esse “social” no sentido de proteção à sociedade, e assim, os três
pilares têm por objetivo prover o mínimo necessário aos indivíduos.

Nesse sentido, o solidarismo social caminha sempre ao lado da pro-


teção social, no sistema constitucional. Pense, por exemplo, no caso
da pessoa idosa, com idade suficiente para requerer aposentadoria:
se ela for segurada da previdência social e cumprir os requisitos, ela
receberá a aposentadoria; o valor dessa aposentadoria dependerá das
contribuições dela, mas também terá sua manutenção realizada pelos
jovens que estão trabalhando atualmente; por outro lado, caso essa
pessoa não tenha sido contribuinte, ela pode ainda – se preencher os
requisitos legais – ter o direito à assistência social, custeada por todos
da sociedade de diversas formas. Em ambos os casos é possível vis-
lumbrar a proteção social sendo materializada por meio do solidarismo
social intergeracional.

A Constituição Federal busca então trazer algum amparo aos indiví-


duos, em alguns sistemas vinculados à contribuição, como a previdên-
cia, e outros não, como a saúde e a assistência social. Esse é um dos
primeiros requisitos para se materializar o direito subjetivo à prestação
da seguridade social, observe a representação gráfica desse sistema:

Para todos,
Saúde independentemente de
contribuição.

Somente para os
Seguridade social Previdência social
que contribuem.

Somente para os necessitados,


Assistência
independentemente de
contribuição.

Adentramos então na relação jurídica da seguridade social. Primeira-


mente, abordamos o conceito de relação jurídica como a “relação da vida

42 Direito e legislação social


disciplinada pelo direito, vinculando o titular do direito subjetivo e o obri-
gado, relativamente ao objeto ou bem jurídico” (CAMPOS, 1995, p. 125)
ou, de modo mais simples, focando nos sujeitos, pode ser a “relação en-
tre pessoas tuteladas pelo ordenamento jurídico” (BEM, 2004, p. 17).

Dentro do âmbito da seguridade social existem três relações jurídi-


cas: a relação jurídica de assistência à saúde, a de assistência social e
a de previdência social. Há três elementos essenciais nessas relações:
sujeitos, objetos e contingência.

O sujeito ativo é quem cobra, quem naquela relação está na po-


sição de receber algum valor. O sujeito passivo é quem paga, quem
naquela relação está na posição de pagar algum valor.

Atenção! Nem sempre o sujeito ativo será o indivíduo, e o passivo,


o Estado, por isso, é importante não memorizar dessa forma. Analise
o seguinte exemplo: quando uma pessoa está trabalhando em uma
empresa, ela deve fazer recolhimentos previdenciários, certo? O sujeito
ativo é quem cobra e, nesse caso, é o INSS que está cobrando a con-
tribuição, e quem paga, ou seja, o sujeito passivo é o trabalhador (por
meio de desconto em folha de pagamento). Agora, quando a pessoa
está aposentada, quem está cobrando é ela e, por isso, ela é o sujeito
ativo; por outro lado, quem está pagando é o INSS e, por isso, ele é o
sujeito passivo.

O objeto dessas relações jurídicas poderia ser erroneamente as-


sociado primeiramente ao benefício recebido, mas ele é um resultado
dessa relação; em um segundo momento, poderia ser associado à no-
ção de risco.

Nesse ponto, alertamos: a ideia de que a seguridade social está Atividade 3


associada à noção de risco é uma ideia pautada na noção de seguro
Explique, de maneira teórica,
social, ou seja, um modelo, em essência, não mais utilizado, em que quais são os elementos da
apenas se indenizava quando havia o risco de ocorrer um dano. Se relação jurídica da seguridade
social e, posteriormente, aplique
pensarmos por essa lógica, é possível dizer que o risco do acidente de
ao direito à saúde.
trabalho poderia ser o objeto o qual ensejaria o pagamento de um be-
nefício, como o auxílio acidente. Entretanto, essa lógica não funciona
quando pensamos no envelhecimento e na gravidez/adoção: não po-
demos afirmar que ambas as situações representam alguma forma de
risco corrido pelas pessoas. Além disso, a ideia de risco e indenização
está muito voltada à lógica do seguro, dessa maneira, somente quem

Direitos e garantias fundamentais constitucionais 43


contribui teria direito ao recebimento, o que não compatibiliza com o
solidarismo social presente em nosso sistema.

Sendo assim, o objeto das relações jurídicas de seguridade social não


é o risco, e sim a contingência, a qual é a consequência-necessidade.
De modo mais explicativo, iniciamos a relação jurídica de seguridade
social quando ocorre uma situação de fato que carece de proteção em
virtude de uma consequência-necessidade. Como exemplo, podemos
pensar na gravidez: uma pessoa engravida (situação de fato) e carece
de proteções, uma vez que terá de se afastar do trabalho e, mesmo
assim, manter sua renda para subsistência (consequência), por isso ela
precisa de um benefício (necessidade).

Todas as contingências estão previstas na Constituição Federal,


elencadas em cada uma das categorias: saúde, assistência e previdên-
cia social. Destacamos que as prestações são o gênero, e as espécies
são os benefícios, os serviços prestados, a depender de qual direito
está se tratando.

Fixamos então os elementos da relação jurídica da seguridade social:

Relação jurídica da
seguridade social

Objeto:
contingência (situação Prestações:
Sujeito ativo Sujeito passivo
de fato que gera benefícios
(quem cobra) (quem paga)
uma consequência- e serviços
-necessidade)
necessidade)

Por fim, abordamos os princípios constitucionais que envolvem a


seguridade social em geral. Posteriormente, trataremos dos princípios
específicos voltados exclusivamente à saúde, à assistência social e à
previdência, respectivamente. Ao todo são dez princípios, aos quais
traremos breves definições e exemplificações (SAVARIS, 2006; ROCHA,
2004; BOLLMANN, 2006):
1. Universalidade de cobertura e atendimento: a prestação de
seguridade social deve ser universal, assim, alcançando todas as
situações que de fato ensejam reparação, também alcançando
todos os sujeitos. Portanto, vislumbra-se a universalidade da

44 Direito e legislação social


cobertura, buscando cobrir progressivamente o maior número
de situações de fato que gerem consequências-necessidades, e a
universalidade de atendimento visando atingir todos os indivíduos.
Admite-se restrições, como é o caso da previdência que possui
critérios específicos.
2. Isonomia de tratamento urbano e rural (também intitulada de
uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações
urbanas e rurais): tem por objetivo garantir que trabalhadores de
áreas urbanas e de áreas rurais sejam tratados igualitariamente.
Entretanto, é importante compreender que o tratamento igualitário
previsto está sob a luz da compreensão Constitucional de igualdade
(art. 5º, BRASIL, 1988), ou seja: tratar os iguais como iguais e os
desiguais na medida das suas desigualdades. Nesse sentido, é
plenamente possível e desejável que haja ações afirmativas para
materializar a igualdade, ou seja, equilibrar a situação do trabalhador
rural, como a estipulação de idade menor para aposentadoria, ou
ainda, a validação do trabalho no campo como tempo de serviço,
mesmo sem contribuição.
3. Seletividade na prestação: diz respeito à competência do
legislador em escolher quais situações de fato (carências sociais)
serão objeto de proteção no sistema. Essa escolha do legislador
ordinário (senadores e deputados) tem por objetivo adequar o
sistema às carências sociais mais emergenciais em detrimento
de outras, contudo, destacamos que o rol de contingências
elencadas na Constituição somente pode ser alterado após
superado o debate da proteção das cláusulas pétreas e mediante
emenda constitucional (e é por isso que se discute, volta e meia,
a constitucionalidade de alterações no sistema da previdência).
4. Distributividade: possui duas abordagens de compreensão,
primeiramente que será distribuído a cada indivíduo o que lhe
for necessário de acordo com sua necessidade, e o fato de que
não necessariamente toda a contribuição de um indivíduo irá
retornar para ele posteriormente, uma vez que há o solidarismo
social.
5. Irredutibilidade dos benefícios: está voltada à ideia de que o
benefício não pode ser reduzido no decorrer do tempo, ou seja,
o valor nominal deve ser mantido. Nesse ponto, é importante
compreender que parte da doutrina, segundo Kertzman
(2020), aponta que a garantia do valor real, isto é, o reajuste do

Direitos e garantias fundamentais constitucionais 45


benefício para manutenção do poder de compra, só é garantida
à previdência em virtude de disposição específica constitucional
(BRASIL, 1988, art. 201, § 4º). Nesse sentido, não seria aplicado
esse reajuste a benefícios assistenciais, como o bolsa família
ou o auxílio reclusão, os quais não poderiam ser reduzidos
apenas para manutenção do poder de compra de determinado
benefício, dessa forma, é garantido o valor do reajuste de um
benefício que o indivíduo já recebe. Entretanto, esse princípio
não garante que haja um reajuste completo de todos os tetos
de aposentadoria, por exemplo.
6. Diversidade da base de financiamento: o custeio do sistema
de seguridade social não pode ter como base uma fonte única
de custeio e, sim, deve buscar a diversidade. As bases de
financiamento da seguridade social estão dispostas no artigo
195 da Constituição e provém dos empregados; empregadores;
autônomos; orçamentos da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos municípios; receita de concursos de prognósticos;
importador de bens ou serviços do exterior etc. O objetivo
da diversidade da base de financiamento é a manutenção do
sistema e a concretização do solidarismo social.
Livro 7. Equidade na participação do custeio: diz respeito ao custeio
da seguridade social por parte do Estado e da sociedade, de
acordo com as suas possibilidades. Por meio desse sistema, é
possível equilibrar os indivíduos que não teriam condições de
contribuir tanto, em detrimento de empregadores e do Estado,
os quais poderiam contribuir mais. Outra forma de se vislumbrar
essa situação é impor uma maior contribuição ao sujeito que
possua maior probabilidade de gerar uma contingência, como
as construtoras que têm uma maior probabilidade de gerar
A obra Políticas públicas e acidentes e, por isso, deveriam contribuir mais. Esse último
ações afirmativas realiza
uma análise complexa e raciocínio não pode ser aplicado em todas as situações, pois
histórica sobre as ações poderia ensejar na imposição de contribuições maiores para
afirmativas, evidenciando
a exclusão dos negros e
mulheres, em virtude da possibilidade de engravidar, sendo que
indígenas na construção tal demanda poderia desestimular a sua contratação.
da sociedade democrática.
Por meio desses funda- 8. Gestão democrática e descentralizada: tem por objetivo a
mentos, analisa e debate o abertura ao diálogo com a sociedade civil para o planejamento, a
tema das políticas públicas
e de ações afirmativas.
execução e o controle das atividades ligadas à seguridade social.
A ideia dessa gestão democrática é contar com quatro eixos
FONSECA, D. J. São Paulo: Selo
Negro, 2009. de participação: trabalhadores, empregadores, aposentados
e Poder Público. Alguns exemplos de órgãos colegiados de

46 Direito e legislação social


deliberação seriam o Conselho Nacional de Seguridade Social e
o Conselho Nacional de Assistência Social.
9. Precedência da fonte de custeio (também intitulada de regra
da contrapartida): exige-se que haja a previsão de uma fonte
de custeio para que seja possível o aumento ou a criação de
um benefício. O objetivo desse princípio, previsto no artigo
195, parágrafo 5º, da Constituição Federal, é evitar a criação de
benefícios sociais sem que seja possível realizar o pagamento,
porque não houve previsão da fonte de custeio.
10. Orçamento diferenciado: o orçamento da seguridade deve
ser próprio e distinto da União (BRASIL, 1988, art. 165, § 5º,
III; art. 195, § 1º e 2º), assim, os valores da seguridade social
deverão ser utilizados para os seus fins específicos. A título
de exemplificação, antes da positivação desse princípio na
Constituição “era juridicamente possível a transferência de
valores destinados à seguridade para outros fins, tais como as
obras públicas de construção de Brasília” (BOLLMANN, 2006).

Encerramos este tópico compreendendo como a seguridade é es-


truturada na Constituição de 1988 partindo de disposições específi-
cas, como a vinculação ou não à contribuição, e aos princípios que
oferecem um caminho para o avanço de políticas públicas.

2.4 A seguridade social como


Vídeo direito fundamental
Quais são as consequências práticas de se compreender a segu-
ridade social como direito fundamental?

O fato de a seguridade social ser considerada um direito funda-


mental – por ser um direito social previsto no artigo 6º da Consti-
tuição – implica consequências de duas ordens: o status de norma
constitucional e a aplicação do regime jurídico de direitos funda-
mentais. Vamos compreender como se dá a aplicação de cada uma
dessas consequências à seguridade social, em específico.

Primeiramente, o status de norma constitucional implica que a


seguridade social esteja no topo da tradicional pirâmide das normas
de Kelsen (2009), em conformidade com a representação adaptada
a seguir.

Direitos e garantias fundamentais constitucionais 47


Constituição
Federal

Leis complementares

Leis ordinárias, decretos legislativos,


resoluções e medidas provisórias

Normas infralegais: sentenças, contratos etc.

Nesse sentido, no topo temos a Constituição Federal, ou seja, todas


as normas abaixo dela deverão estar em conformidade com ela. Nesse
sentido, se a seguridade social está nesse patamar, todas as leis, de-
cisões, atos administrativos, resoluções etc. deverão necessariamente
se espelhar nas disposições constitucionais e trazer disposições que
concretizem o direito e não o limitem.

Apesar desse entendimento consolidado, muitas vezes alguma lei


ou decisão é aprovada mesmo não estando em conformidade com a
Constituição Federal. Para remediar essas e outras situações existe o
controle de constitucionalidade.

O ordenamento jurídico é um sistema, o qual exige a consolidação


de ordem e de unidade para que suas partes convivam harmoniosa-
mente. O controle de constitucionalidade, assim como o de conven-
cionalidade, busca corrigir quebras nessa harmonia e, deste modo,
declarar a invalidade da norma, paralisando sua eficácia (BARROSO,
2012). Dessa forma, é o mecanismo que busca corrigir uma inconsis-
tência entre uma norma infraconstitucional e a Constituição.

Há dois momentos em que esse controle pode ser realizado: o pre-


ventivo, quando a normativa está na chamada etapa pré-norma, ainda
em análise do Poder Legislativo, e pode ser realizado pelos três pode-

48 Direito e legislação social


res; e o controle repressivo, quando a norma já está inserida no or-
denamento jurídico, e pode ser realizado pelo Poder Judiciário e pelo
Legislativo, havendo controvérsias quanto ao Poder Executivo, uma vez
que o representante desse poder não pode se recusar a cumprir a lei,
somente com decisão fundamentada e passível de revisão (LEAL, 2014).

No modelo repressivo de controle de constitucionalidade há o con-


trole difuso e o concentrado. O controle difuso pode ser intitulado tam-
bém como via de exceção, via de defesa, desconcentrado, subjetivo, aberto
e incidental (LEAL, 2014). Esse controle pode ser feito por qualquer juiz
ou tribunal, dessa forma, não se concentra somente no Superior Tribu-
nal Federal (STF), e o seu objeto é um caso concreto. A declaração de
inconstitucionalidade por via difusa pode se dar pelas ações: mandado
de segurança individual ou coletivo (Lei n. 12.016/2009), habeas corpus,
habeas data, mandado de injunção, ação civil pública, ação popular,
ação ordinária; e em processo de conhecimento, exceção, cautelar,
ações constitutivas, declaratórias e condenatórias.

Assim, se uma pessoa, por exemplo, entra com um mandado de


segurança alegando que, no caso, não foi concedida a aposentadoria
mesmo ela cumprindo todos os requisitos, como a aposentadoria é um
direito fundamental, poderia nesse caso ser alegada uma inconstitu-
cionalidade, pois o INSS não está cumprindo com uma determinação
constitucional.

O controle concentrado de constitucionalidade é realizado por ação


direta e pode ser intitulado controle abstrato. Nessa modalidade, não se
discute um caso concreto, e sim um direito em tese com base constitu-
cional que não está sendo respeitado por alguma outra norma. Assim,
“a única finalidade daquela ação é debater a constitucionalidade de
uma lei ou ato normativo por outro viés” (FERRAZ, 2019).

As ações que podem ser instrumento de controle concentrado no


STF são: Ação Direta de Inconstitucionalidade (genérica), Ação Direta de
Inconstitucionalidade por Omissão; Ação Declaratória de Constitucio-
nalidade e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Como exemplo, é possível citar a Arguição de Descumprimento de Pre-


ceito Fundamental n. 656 MC/2020, que busca discutir o descumprimen-
to do preceito fundamental à saúde. No caso, discutiu-se uma portaria
assinada pelo secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agri-
cultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) que estabelecia prazos para

Direitos e garantias fundamentais constitucionais 49


aprovação tácita da utilização de agrotóxicos, ou seja, a possibilidade de
sua utilização sem que fossem realizados todos os estudos necessários,
afetando diretamente o direito à saúde, como também ao meio ambiente
(BRASIL, 2020b). Um ótimo exemplo para se visualizar o quanto o tema da
seguridade social é amplo.

Por fim, com relação aos efeitos da declaração de inconstituciona-


lidade, como regra geral, no controle difuso a decisão só se aplica ao
caso; já no caso do controle concentrado, a sua decisão vale para todos
e se entende que ela existiu, mas deve ser invalidada, tendo em vista
que seus efeitos são nulos (BARROSO, 2012). Em resumo, apresenta-
mos a seguinte representação gráfica:

Legislativo: normalmente por


parlamentar ou na Comissão
de Constituição e Justiça –
procedimento interno.

Preventivo: realizado
antes da lei ou do Executivo: por meio do veto.
ato normativo entrar
em vigor.

Judiciário: por meio de


Mandado de Segurança
preventivo.

Difuso: discussão de
um caso concreto,
julgamento pelo juiz
do caso. Em regra,
Controle de o efeito é entre as
constitucionalidade partes.

Judiciário
Concentrado:
discussão, em teoria,
por meio de ações
próprias. Em regra, o
efeito é para todos.

Legislativo: por meio de


Repressivo rejeição de medidas provisórias
e delegação.

Executivo: não aplicação


fundamentada (exceção).

50 Direito e legislação social


Além da possibilidade de discussão em controle de constitucionali-
dade, é importante ressaltar que se aplica o regime jurídico de direitos
fundamentais à seguridade social, ou seja: a aplicabilidade imedia-
ta (BRASIL, 1988, art. 5º, § 1º) e a proteção contra emendas abolitivas
(BRASIL, 1988, art. 60, § 4º).

Nesse sentido, o direito fundamental à saúde, o direito fundamen-


tal à assistência e o direito fundamental à previdência possuem apli-
cação imediata, ou seja, podem ser exigidos por parte dos indivíduos
a qualquer momento, apesar disso, na realidade, acabam sofrendo
determinadas restrições para que seja possível a sua materialização.
Apresentamos a seguir três exemplos dessa aplicação.

O primeiro é uma decisão realizada pelo Supremo Tribunal Federal,


com base no Recurso Extraordinário n. 566.471, ou seja, pelo controle
difuso foi realizada uma decisão com repercussão geral, a ser aplicada
a outros processos, aproximadamente 42 mil processos. Nessa decisão
discutiu-se o dever do Estado de fornecer medicamento de alto custo
a portador de doença grave que não possui condições financeiras para
comprá-lo. Discutiu-se, em essência, a necessidade de o Estado aplicar
imediatamente o direito à saúde, no que tange a medicamentos que
não estão na listagem do SUS – os que não são garantidos – e que te-
riam alto custo. Nesse ponto, a tese vencedora estipulou, entre outros
pontos, o seguinte critério: o Estado deve fornecer o medicamento des-
de que comprovada a extrema necessidade e a incapacidade financeira
do paciente e de sua família (BRASIL, 2020c). Essa decisão é paradigmá-
tica e demonstra o quanto é complexa a discussão dos limites da apli-
cabilidade imediata, principalmente diante das limitações financeiras.

O segundo exemplo trata-se da Ação Civil Originária n. 3.359, ajui-


zada por sete estados – Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco,
Piauí e Rio Grande do Norte – com o objetivo de determinar que o Go-
verno Federal suspenda cortes no Programa Bolsa Família que esta-
riam ocorrendo de modo concentrado no Nordeste durante o estado
de calamidade pública em virtude da pandemia da Covid-19. Nessa
ação, havia a intenção não somente de garantir aplicabilidade do di-
reito à assistência pública, mas a sua permanência também. O relator
do processo, ministro Marco Aurélio, acolheu os pedidos e determinou
que não seria admissível qualquer discriminação por região (BRASIL,
2020a). Essa decisão é de suma importância, pois está em consonância

Direitos e garantias fundamentais constitucionais 51


com os objetivos constitucionais, não somente de promoção da assis-
tência pública, mas também de erradicação da pobreza.

O terceiro exemplo diz respeito à previdência, no que tange à apo-


sentadoria de servidor público, discutida na Ação Direta de Inconstitu-
cionalidade n. 1.798, por meio de controle concentrado. Há a previsão
constitucional de que o tempo de contribuição na atividade privada
deve ser considerado para compensação financeira no exercício públi-
co, sob certos ditames constitucionais. No caso em tela, a Assembleia
Legislativa do Estado da Bahia aprovou uma legislação que restringiria
a norma constitucional e, diante da sua incompetência jurídica e in-
constitucionalidade, esse ato foi anulado (BRASIL, 2014).

Por fim, adentramos outra característica do regime jurídico dos di-


Livro reitos fundamentais: a proteção contra emendas abolitivas. Esta, como
vista anteriormente, visa limitar o poder de reforma, impedindo que
sejam abolidos os direitos fundamentais, aqui, em especial a segurida-
de social.

Nesse sentido, qualquer alteração legislativa, seja em legislação in-


fraconstitucional, seja por emenda constitucional, não poderá excluir
do ordenamento a completude do direito à saúde, à assistência e à pre-
vidência. Além disso, qualquer modificação de um direito positivado em
uma disposição constitucional precisa passar pelo quórum qualificado
Os primeiros capítulos
do livro Controles de do artigo 60, parágrafo 2º (dois turnos, nas duas Casas do Congresso
constitucionalidade e Nacional, com três quintos dos votos dos respectivos membros).
convencionalidade da Re-
forma Trabalhista de 2017 Essa discussão ocorreu recentemente com a Proposta de Emenda
aprofundam as noções
de controle de constitu- Constitucional n. 06/2019, a conhecida Reforma da Previdência apro-
cionalidade e convencio- vada como Emenda Constitucional n. 103/2019 (BRASIL, 2019). Como
nalidade, demonstrando
as teorias que os funda- a maioria das disposições basilares sobre o sistema de previdência so-
mentam, as dificuldades cial estão na Constituição, do artigo 201 em diante, qualquer alteração
e pontos de discussão.
Atualmente, ambos os deverá observar não somente o quórum de votação apresentado, que
modelos de controle, mas por si só traz limitações, mas também a impossibilidade de supressão
especialmente o de cons-
titucionalidade, são meca- desse direito. Por esse motivo, uma das propostas iniciais foi a tenta-
nismos de enfrentamento tiva da “desconstitucionalização” do sistema de previdência social, ou
ao retrocesso social.
seja, retirar as disposições basilares da Constituição para que futuras
FERRAZ, M. O. K. Porto Alegre: Fi,
2019. Disponível em: https://www. alterações fossem mais fáceis.
editorafi.org/product-page/604-
miriam-olivia-knopik-ferraz. Acesso Em conclusão, a seguridade social permanece no topo da pirâmide
em: 25 jan. 2021. enquanto direito fundamental social e está protegida pelo regime jurí-
dico dos direitos fundamentais sociais, entretanto, a sua materialização

52 Direito e legislação social


na vida cotidiana e, principalmente, o poder de reforma, ainda carece
de maiores critérios, aprofundamentos e limitações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final deste capítulo, consolidamos a certeza de que apenas dizer
que um direito é fundamental ou essencial não garante que ele será res-
peitado e posto em prática. Para que a Constituição de 1988 fosse além
de uma carta de direitos e quebrasse a parede da mera recomendação,
estipulou-se o regime jurídico de direitos fundamentais e as garantias dos
direitos fundamentais.
Deu-se a esses direitos, inclusive à seguridade social, um regime que
garantisse a sua aplicabilidade imediata e impedisse modificações que
pudessem eliminar esses direitos do nosso sistema. Para além disso, é
muito importante compreender que as funções do Estado, diante de uma
Constituição que impõe deveres e obrigações, vão muito além da presta-
ção e abstenção e resultam, em verdade, em um complexo de ações para
a efetivação desses direitos.
Ao fim, como um diálogo com a sociedade, temos o controle de cons-
titucionalidade, seja preventivo ou repressivo, que permite a discussão de
determinado ato, mas principalmente da legislação, e está em conformi-
dade com os ideais que buscamos para a nossa sociedade.

REFERÊNCIAS
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54 Direito e legislação social


GABARITO
1. O direito ao trabalho é um direito como um todo e sua materialização
exigirá do Estado diversas ações vinculadas às funções: de defesa
(livre exercício de profissão); de prestação fática (seguro-desemprego
e cursos de reinserção profissional); de organização (criar órgãos de
alocação profissional); de procedimento (criar procedimentos como
a carteira de trabalho, formalizações em lei etc.); de proteção (criar
regulamentos para saúde e segurança no trabalho).

2. O regime jurídico de direitos fundamentais se trata de um rol de


proteções especiais que é direcionado aos direitos fundamentais e está
pautado em dois pilares que caracterizem esse regime: a aplicabilidade
imediata, ou seja, basta a previsão constitucional para sua aplicação
direta, não sendo preciso disposições infraconstitucionais; e a proteção
contra emendas abolitivas, ou seja, alterações na Constituição não
podem eliminar esse direito. A assistência pública é considerada um
direito fundamental social e, por isso, a ela é aplicado o regime jurídico
de direitos fundamentais, sendo então aplicada imediatamente, não
sendo possível a sua eliminação do sistema.

3. A relação jurídica da seguridade social é formada por três elementos:


o sujeito ativo, que é quem está recebendo os valores/prestações da
relação (quem cobra); o sujeito passivo, o qual é quem está pagando
os valores/prestações (quem paga); e o objeto, isto é, a contingência (a
situação de fato que gerou uma consequência/necessidade). No caso do
direito à saúde, quem está cobrando é o indivíduo, o usuário do serviço
de saúde; quem está pagando/disponibilizando o serviço é o Estado; e
a contingência é alguma enfermidade (situação de fato) que gerou uma
consequência (uma doença) e uma necessidade (o tratamento).

Direitos e garantias fundamentais constitucionais 55


3
Seguridade social
A seguridade social – na qualidade de sistema macro que pos-
sui subdivisão em saúde, previdência e assistência – tem sua fun-
damentação principal na Constituição, mas, assim como a ampla
maioria dos direitos fundamentais, possui seu desenvolvimento
consolidado em legislações infraconstitucionais.
A compreensão da seguridade social e de sua estrutura deve ser
analisada em duas abordagens: em primeiro lugar, compreeden-
do-a como um sistema, sendo necessário evidenciar os elementos
comuns, uma vez que fazem parte do sistema macro da seguridade
social, para posteriormente analisar as particularidades do sistema
de saúde, do sistema de previdência e do sistema de assistência.
Dessa forma, como um organismo dialógico, os três sistemas
só funcionam se estiverem juntos, pois estão conectados, mas
também precisam desenvolver seus microssistemas de manei-
ra separada, uma vez que cada um possui características que os
diferenciam.

3.1 A seguridade social no Brasil


Vídeo A seguridade social, prevista inicialmente no artigo 6º, é, como vi-
mos, subdividida em direito à saúde, direito à assistência social e di-
reito à previdência, cada qual com sua relação jurídica, havendo três
elementos centrais: sujeitos, objeto (contingência) e prestações.

Apesar de sua base e de sua estrutura fundamental estarem pre-


vistas na Constituição Federal, há diversas fontes do Direito previden-
ciário que regulamentam os benefícios e os direitos, quais sejam: Leis
Complementares, Leis Ordinárias, Lei Delegada (atualmente nunca uti-
lizada na matéria previdenciária), Medida Provisória, Decreto Legisla-
tivo, Resolução do Senado Federal, Atos Administrativos Normativos

56 Direito e legislação social


(Instrução Normativa, Ordem de Serviço, Circular, Orientação Norma-
tiva, Portaria etc.), a jurisprudência dos Tribunais Superiores e da Tur-
ma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais. Dessa
maneira, o Direito previdenciário se renova e é construído por meio de
várias instâncias do Executivo, Legislativo e Judiciário. Reconstruímos,
então, a pirâmide das normas, agora com essa perspectiva completa:

Constituição
Federal

Leis Complementares

Leis Ordinárias, Decretos Legislativos,


Resoluções e Medidas Provisórias

Resolução do Senado Federal, Atos Administrativos Normativos,


jurisprudência dos Tribunais Superiores e da Turma Nacional de
Uniformização dos Juizados Especiais Federais.

Apesar dessa representação gráfica, é muito comum a jurisprudên-


cia dos Tribunais Superiores e da Turma Nacional de Uniformização dos
Juizados Especiais Federais servir de parâmetro principal para interpre-
tação dos elementos representados acima delas. Essa representação
busca demonstrar que há um diálogo entre os poderes Executivo, Le-
gislativo e Judiciário, os quais juntos, em diferentes perspectivas, cons-
troem o direito.

Diante de todas essas fontes do Direito previdenciário – como se


intitula o estudo do direito da seguridade social –, de que forma deve
ser realizada a interpretação da norma jurídica?

Seguridade social 57
Qualquer que seja a norma, conforme a representação das fontes
apresentada, ela deverá seguir o mesmo parâmetro de interpretação:
a Constituição. Para tanto, abordamos os critérios norteadores dessa
interpretação.

Em um primeiro momento, devemos observar os princípios funda-


mentais da Constituição Federal, previstos do artigo 1º ao 4º, nos quais
se destaca o fundamento na dignidade humana e nos valores sociais
do trabalho, bem como o objetivo Estatal da promoção do bem de to-
dos sem qualquer tipo de discriminação.

Em um segundo momento, a própria seguridade social está prevista


no Título VIII da Ordem Social, na Constituição, e esta possui como base
o primado do trabalho, com o objetivo da promoção do bem-estar e
da justiça social. Nesse ponto, destaca-se que o Estado realizará essas
funções por meio de políticas sociais, o que é de fácil acepção, uma vez
que se vislumbra elas na prática, como a própria estrutura do sistema
de aposentadoria ou programas como o Bolsa Família.

Nesse sentido, assim como os poderes dialogam entre si, a Consti-


tuição deve ser vista como um todo, não somente em trechos para sua
utilização na interpretação da seguridade social, dessa forma, consoli-
dando os objetivos e os fundamentos em diversas esferas.
Atividade 1
Adentramos, então, dois pontos que esclarecem a aplicação do Di-
Considerando a diversidade de
fontes do Direito previdenciário reito previdenciário: sua aplicação no tempo e sua aplicação no espaço.
que regulamenta os benefícios e
os direitos, discorra sobre qual é
A aplicação no tempo diz respeito a quando uma lei será aplicada,
o norte de interpretação. logo, buscamos esclarecer a principal dúvida comum da sociedade: sur-
giu uma nova lei de previdência, a quem ela se aplica?

Há algumas regras fundamentais sobre essa aplicação na Lei de In-


trodução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657/1942,
com alterações da Lei n. 12.376/2010). Essa lei estabelece que uma
nova lei entrará em vigor em todo o país após 45 dias da sua publicação
oficial (art. 1º) e ela permanecerá em vigor até que outra a modifique
ou revogue (art. 2º).

Sendo assim, é proibida a retroatividade da lei. Isso quer dizer que


uma nova lei de previdência só é válida para quem está nascendo ago-
ra? Não. Essa ideia de irretroatividade deve ser analisada com cautela.

A irretroatividade da lei protege o ato jurídico perfeito, o direito ad-


quirido e a coisa julgada. Assim, será aplicada a lei na data da ocorrên-
cia do fato, ou seja, da contingência. Citamos como exemplo inicial a

58 Direito e legislação social


pensão por morte em que, em regra, aplica-se a lei da data do óbito do
segurado, e não da data do pedido da pensão.

Essa é a regra geral, entretanto, há algumas exceções, como quando


a própria lei ressaltar e, principalmente no caso da previdência, em que
normalmente as leis são alteradas várias vezes no decorrer da vida das
pessoas. Nesse último caso, o Supremo Tribunal Federal já definiu que
não há direito adquirido a regime jurídico e, assim, “a aposentadoria
rege-se pela lei vigente à época do preenchimento de todos os requi-
sitos conducentes à inatividade” (BRASIL, 2015). Quando preenchidos
todos os requisitos, será estabelecida a contingência e, por meio dela, a
verificação da legislação aplicável, sendo possível, inclusive, a previsão
de regras de transição (BRASIL, 2015).

Compreendida a aplicação no tempo, vamos à aplicação no espaço,


buscando responder a seguinte pergunta: aplica-se somente a cida-
dãos brasileiros?

A regra geral é que todos aqueles que vivem em território nacional


sejam protegidos por normas previdenciárias, contudo, no caso do di-
reito à saúde, este se aplica mesmo a estrangeiros de passagem (como
pessoas que viajam para o país), e no caso da aposentadoria, se o es-
trangeiro não possui residência permanente no Brasil, não é segurado
obrigatório.

Por fim, abordamos o financiamento da seguridade social, o qual,


por questões metodológicas, está dividido em: conceituação, compe-
tência, contribuições, relação jurídica de custeio.

Por força dos princípios da diversidade da base de financiamento,


da equidade na participação do custeio e da precedência da fonte de
custeio – também intitulada regra da contrapartida –, o financiamento
da seguridade social é dividido em duas formas: direta e indireta, como
se abstrai do artigo 195 da Constituição Federal:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a


sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei,
mediante recursos provenientes dos orçamentos da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das se-
guintes contribuições sociais. (BRASIL, 1988)

Seguridade social 59
As contribuições de maneira direta são as contribuições sociais rea-
lizadas pelas empresas, pelos trabalhadores, pela receita de concurso
1 1
de prognóstico , pelo importador de bens e serviços do exterior, do
Todo e qualquer sorteio de núme- Programa de Integração Social (PIS), do Programa de Formação do Pa-
ros, loterias, apostas – inclusive
trimônio do Servidor Público (Pasep) e o abono previsto no artigo 239,
as realizadas em reuniões hípicas,
nos âmbitos federal, estadual, do parágrafo 3º da Constituição.
Distrito Federal e municipal.
§ 3º. Aos empregados que percebam de empregadores que
contribuem para o Programa de Integração Social ou para o
Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público,
até dois salários mínimos de remuneração mensal, é asse-
gurado o pagamento de um salário mínimo anual, computa-
do neste valor o rendimento das contas individuais, no caso
daqueles que já participavam dos referidos programas, até a
data da promulgação desta Constituição. (BRASIL, 1988)

O financiamento de modo indireto é realizado pelo aporte de recur-


sos pela União, pelos estados, pelos municípios e pelo Distrito Federal
Livro
em conformidade com o artigo 11 da Lei n. 8.212/1991, que dispõe so-
bre a organização da seguridade social e institui o plano de custeio.

A competência para instituir as contribuições previstas no artigo


195 é da União, por força do artigo 149 da Constituição:

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contri-


buições sociais, de intervenção no domínio econômico e
de interesse das categorias profissionais ou econômicas,
O livro Economia e seguri- como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas,
dade social: Análise econô- observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem
mica do direito da seguri-
prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às con-
dade social busca trazer
reflexões sobre a análise tribuições a que alude o dispositivo. (BRASIL, 1988)
econômica do direito apli-
cada à seguridade social.
A segunda parte da obra O estabelecimento de outras fontes de custeio diversas dos incisos
aborda temas como a
questão orçamentária e a
I ao V do artigo 195 é competência residual da União, ou seja, pertence
propalada insuficiência de somente a ela e só pode ser feito por Lei Complementar.
recursos da seguridade
social, esta que de tempos Com relação às contribuições, há divergência sobre sua natureza
em tempos é rediscutida.
jurídica, mas a ampla maioria da doutrina as entende como tributos,
SERAU JR., M. A. 2. ed. Curitiba:
especificamente, contribuições especiais. São compreendidas como o
Juruá, 2012.
gênero, do qual as contribuições previdenciárias são as espécies, re-
lembrando que no caso do direito à saúde e à assistência não há a

60 Direito e legislação social


necessidade de contribuição (direta) e, assim, fala-se somente na con-
tribuição previdenciária.

3.2 A estruturação do direito à saúde


Vídeo O conceito base de saúde foi previsto, em 1946, pela Organização
Mundial da Saúde (OMS) como a ausência de doença e está situado no
tripé do bem-estar físico, mental e social (WHO, 1946), e no Brasil, as
disposições atuais sobre a saúde estão previstas na Constituição de
1988 no Título VIII, Capítulo II, Seção II – Da saúde.

Destacamos duas previsões que afirmam e reforçam o caráter do


direito à saúde como direito fundamental: o artigo 6º da Constituição e
a Lei n. 8.080/1990, a qual dispõe:

a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo


o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno
exercício. (BRASIL, 1990)

A estruturação da saúde, no Brasil, é dividida inicialmente em di-


reito à saúde, que se trata da reivindicação do direito pelos titulares,
e direito da saúde (ou direito sanitário), que abrange, além do direito
à saúde também as normas jurídicas e administrativas que regulam o
sistema, seja no âmbito público, seja no âmbito privado (ALVES, 2015).

Além disso, o sistema de saúde possui três vertentes: o sistema pri-


vado, que engloba os planos de saúde e as prestações particulares; o
sistema público, que presta os serviços por meio do SUS; e os sistemas
públicos fechados a servidores públicos, destinados a alguns setores,
como as Forças Armadas (BRASIL, 1986) e as esferas estaduais.

Nesta obra abordaremos em específico o sistema público e o Siste-


ma Único de Saúde (SUS).

A Constituição, no artigo 198, traz algumas diretrizes gerais para o


SUS: descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
atendimento integral, priorizando a prevenção, sem prejuízo aos servi-
ços assistenciais; e participação da comunidade.

As responsabilidades das ações, com base na noção de descentrali-


zação, são divididas da seguinte forma:

Seguridade social 61
I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde;
II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela res-
pectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; e
III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de
Saúde ou órgão equivalente. (BRASIL, 1990)

Ademais, destacamos que cada um desses âmbitos é autônomo,


e cabe ao município o protagonismo de ações e de serviços em seu
território, permitindo que assim seja possível adaptar cada sistema a
particularidades regionais.

O atendimento realizado pelo SUS segue o princípio da universalidade


de cobertura e de atendimento, cabendo algumas limitações específicas
a depender das situações, como medicamentos de alto custo, que geram
grandes discussões no direito. O rol de atuação do SUS está previsto no
artigo 6º da Lei n. 8.080/1990, pautado nas seguintes disposições:

Art. 6º. Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema


Único de Saúde (SUS):
I - a execução de ações:
a) de vigilância sanitária;
b) de vigilância epidemiológica;
c) de saúde do trabalhador; e
d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;
II - a participação na formulação da política e na execução de
ações de saneamento básico;
III - a ordenação da formação de recursos humanos na área
de saúde;
IV - a vigilância nutricional e a orientação alimentar;
V - a colaboração na proteção do meio ambiente, nele com-
preendido o do trabalho;
VI - a formulação da política de medicamentos, equipamentos,
imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e
a participação na sua produção;
VII - o controle e a fiscalização de serviços, produtos e substân-
cias de interesse para a saúde;
VIII - a fiscalização e a inspeção de alimentos, água e bebidas
para consumo humano;
IX - a participação no controle e na fiscalização da produção,
transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psi-
coativos, tóxicos e radioativos;
X - o incremento, em sua área de atuação, do desenvolvimento
científico e tecnológico;
(Continua)

62 Direito e legislação social


XI - a formulação e execução da política de sangue e seus
derivados. (BRASIL, 1990)

Ressaltamos que esse rol de atuação não é taxativo, ou seja, podem


ser realizadas outras ações voltadas ao direito à saúde.

O atendimento realizado pelo SUS é feito em três níveis: primário, se-


cundário e terciário, em observância às recomendações da Organização
Pan-Americana da Saúde e da Organização Mundial de Saúde (TASCE,
2011). Bertotti (2019) explica a função de cada um desses níveis, os quais
devem ser vistos como um aprofundamento e uma ampliação da com-
plexidade do atendimento. Assim, o nível primário diz respeito a atuações
iniciais de atenção à saúde, voltadas à atenção primária, à atenção de ur-
gência e emergência, à atenção psicossocial e especiais de acesso aberto,
ele pertence ao município ou à microrregião de saúde; o nível secundário
será utilizado quando houver a necessidade de um maior nível tecnológi-
co, maior especialidade e nível médio de complexidade e pertence à re-
gião de saúde; o nível terciário será usado quando houver a necessidade
de um alto nível tecnológico, alta especialidade e alta complexidade, este
pertence à macrorregião de saúde.

Como exemplo, apresentamos a pirâmide dos níveis de atendimen-


to à saúde da Prefeitura de Arapiraca, no Estado do Alagoas:

Figura 1
Níveis de atendimento à saúde: Arapiraca-AL.
SERVIÇOS HOSPITALARES
Hospitais Especializados: 01; Hospitais Gerais:
04; Unidade de Emergência: 01

UNIDADES DE APOIO DIAGNÓSTICO E TERAPIA: 19


Público: 01; Conveniados: 18
CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL: 01
ATENÇÃO CAPS AD; CAPS Nice da Silveira.
TERCIÁRIA CLÍNICAS/CENTROS DE ESPECIALIDADES: 24
Público: 06; Conveniados: 18
Centros de Referência: CEO; CEMFRA; CEREST; Espaço Trate; CRIA;
CTA; V Centro de Saúde.
ATENÇÃO CENTRAL DE REGULAÇÃO MÉDICA DAS URGÊNCIAS: 01
SECUNDÁRIA TELESSAÚDE: 01
BANCO DE LEITE HUMANO: 01
UNIDADES DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE: 02
CCZ; Rede de Frios.
ATENÇÃO HEMOAR: 01

PRIMÁRIA
UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE: 40
POLO DE ACADEMIA DE SAÚDE: 02

Fonte: ATENÇÃO..., 2020. ORGANIZAÇÃO DA REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE


SUS - ARAPIRACA

Seguridade social 63
Na imagem é possível vislumbrarmos os três níveis de atuação e,
Atividade 2 também, em que locais é possível buscar esse atendimento, de-
Qual é a função de cada nível de monstrando a amplitude da rede de saúde e as suas necessárias
atendimento realizado pelo SUS?
interligações.

Um ponto de grande importância é a abrangência do sistema


de saúde, como vimos, discussão decorrente do princípio da uni-
versalidade da cobertura/atendimento. Quando se visualiza o viés
da universalidade da cobertura, podemos pensar que ensejaria a
cobertura de qualquer demanda de saúde. Entretanto, essa abor-
dagem está sobre a compreensão da integralidade, que, segundo
Bertotti (2019, p. 50): “não coloca toda e qualquer prestação assis-
tencial no conteúdo do direito à saúde exigível do Estado. Outros-
sim, deve ser compreendida como o dever do Estado de formular
políticas públicas”, estas últimas formuladas de acordo com os cri-
térios legais e constitucionais.

O viés da participação democrática está em diversas possibi-


lidades: conferências de saúde; conselhos de saúde; audiências
públicas; proposição de enquetes; consultas públicas; ouvidorias;
editais de chamamento; tomada pública de subsídios; plataforma
digital IdeiaSUS; comitês técnicos, entre outros.

Em suma, abordamos o financiamento do SUS, que está dire-


tamente vinculado à compreensão orçamentária apresentada an-
teriormente sobre a seguridade social, como se pode abstrair do
artigo 31 da Lei n. 8.080/1990, o qual dispõe que o orçamento do
SUS deve ser discutido com órgãos da previdência social e da assis-
tência social (BRASIL, 1990). O percentual de financiamento do SUS
pela União, pelos estados/DF e pelos municípios pode ser vislum-
brado na tabela a seguir:

64 Direito e legislação social


Tabela 1
Percentual de financiamento do SUS: 2000-2020.

Seguridade Estados/
União Municípios Outras fontes
Social DF
1. serviços que
possam ser pres-
tados sem prejuí-
2018
Desde zo da assistência
2000-2015 2015-2016 2017 em Desde 2000
2000 à saúde;
diante
2. ajuda, contri-
Variável, a partir buições, doações
de proposta e donativos;
apresentada EC nº EC nº EC nº EC nº 3. alienações
EC nº 86/15 EC nº 29/00
pela direção do 29/00 95/16 95/16 29/00 patrimoniais e
SUS e discutida rendimentos de
com os órgãos capital;
da Previdência 4. taxas, multas,
Social e da Assis- Valor 2016 – 13,20% Piso de emolumentos e
Valor Piso de 15%
tência Social. empenha- 2017 – 13,70% 12% das preços públicos
gasto das receitas
do no ano 2017 – receitas arrecadados no
2018 – 14,10% no ano correntes
anterior + 15,00% correntes âmbito SUS; e
2019 – 14,50% anterior líquidas
variação líquidas
+ IPCA anuais 5. rendas even-
do PIB 2020 – 15,00% anuais
tuais, inclusive
comerciais e
industriais.

Fonte: Bertotti, 2019, p. 100.

Com base nessa tabela, em um primeiro momento destacamos a


variável da composição do orçamento da saúde, uma vez que este está
vinculado à discussão com a previdência e a assistência e, principal-
mente, as variações de percentual no caso da União, que sofreu su-
cessivas alterações; além da disposição de outras fontes específicas, Vídeo
demonstrando a diversidade das fontes de custeio.
Na palestra Raio X:
saúde no Brasil, o médico
Por fim, retomamos o anteriormente explicitado sobre a saúde pú-
Drauzio Varella realiza
blica no Brasil: ela não é exclusivamente pública, há a coexistência de uma análise da saúde no
país abordando os siste-
sistemas privados, por meio de planos de saúde e atuações particulares.
mas públicos, privados e
Sobre a saúde complementar, destacamos a Lei n. 9.656/1998 – Lei os planos de saúde.

dos Planos de Saúde (LPS) –, que estabelece expressamente o ressarci- Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=4p_
mento dos planos de saúde ao SUS. Por exemplo, quando uma pessoa FK3ek29w&feature=emb_
possui plano de saúde e o serviço de que ela precisa está no contrato title&ab_channel=DrauzioVarella.
Acesso em: 26 jan. 2021.
e, mesmo assim, ela utiliza a rede pública (SUS), os valores dessa pres-

Seguridade social 65
tação são repassados pela operadora do plano de saúde para o SUS. A
competência para a verificação dessa utilização é da Agência Nacional
de Saúde Suplementar (ANS). Em 2017 foi realizado o repasse ao SUS
de R$ 585,41 milhões (ANS, 2018). Esse ressarcimento foi considerado
constitucional pelo STF, mediante um Recurso Extraordinário com Re-
percussão Geral, ou seja, por meio do controle difuso de constituciona-
lidade (BRASIL, 2018).

3.3 A estruturação do direito à previdência


Vídeo A Constituição Federal divide o sistema de previdência, no Brasil,
em regime público e regime privado. O regime público é dividido em
Regime Geral da Previdência Social (aplicado à ampla maioria dos tra-
balhadores), o Regime Próprio dos Servidores Públicos e o Regime Pró-
prio dos Militares; por outro lado, o regime privado é o da previdência
complementar, previsto no artigo 202 da Constituição. O principal sis-
tema é o Regime Geral da Previdência Social e o foco é ele, visto que é
o mais utilizado.

Com relação à competência para a edição de normas sobre o tema,


retomamos o artigo 24 da Constituição, dispõe que compete à União,
ao estado e ao Distrito Federal legislar de maneira concorrente sobre a
previdência. Nesse ponto, é importante destacarmos que cabe à União
editar normas gerais, e a edição destas afasta a competência suple-
mentar dos estados.

As principais normas aplicadas são: Constituição Federal; Lei n.


8.212/1991 (Plano de Custeio da Seguridade Social - PCSS); Lei n.
8.213/1991 (Planos de Benefícios da Previdência Social - PBPS); e De-
creto n. 3.048/1999 (Regulamento da Previdência Social - RPS).

O custeio do regime geral da previdência social se dá inicialmente


por meio de fontes diretas, previstas para o sistema, cobradas de tra-
balhadores e de empregadores; e fontes indiretas, os impostos pagos
por toda sociedade.

Dessa forma, as contribuições previdenciárias dividem-se em qua-


tro grandes eixos: das empresas, pagas sobre a remuneração de segu-
rados que prestam serviços (empregados ou não), sobre a sua receita
e o faturamento e sobre o lucro; dos trabalhadores, pagos sobre os
salários de contribuição; das receitas dos concursos de prognósticos;
do importador de bens e serviços do exterior.

66 Direito e legislação social


A relação jurídica de custeio é formada pelos seguintes elemen-
tos, segundo a Lei n. 8.212/1991: sujeito ativo, base de cálculo e alí-
quota. Todavia, para fins didáticos, propomos o estudo dos seguintes
elementos: fato gerador, sujeitos, base de cálculo, alíquota e vencimen-
to. Ela é formada no sentido de custear a seguridade social, e assim
se estabelece no momento anterior a fruição do benefício (em que se
teria a relação jurídica previdenciária, por exemplo).

O fato gerador é a situação de fato que gera o dever da contribui-


ção. No caso, por exemplo, de uma relação de emprego, não é o pa-
gamento do salário, e sim o dever de pagar o salário que gera o dever
de contribuição. Veja que essa distinção é necessária, pois se fosse o
pagamento, uma empresa que não paga salários não seria obrigada a
pagar a previdência.

Por se tratar de uma relação jurídica de custeio, o sujeito ativo,


como vimos anteriormente, é quem está cobrando o pagamento, e por
isso, é a União.

O sujeito passivo é quem possui o dever de pagar, por se


tratar de uma relação de custeio: o empregador, a empresa ou
entidade a ela equiparada, o concurso de prognósticos importador
etc. Como equiparados, tem-se um rol extenso de possibilidades:
contribuinte individual, pessoa física dona de obra, cooperativa, as-
sociação, missão diplomática, repartição consular de carreiras es-
trangeiras etc.

A base de cálculo, como regra geral, são os rendimentos pagos


ou creditados a qualquer título. Ressaltamos que não há vinculação
direta e restrita ao salário. No caso da contribuição dos indivíduos,
o nome utilizado é salário de contribuição, que apesar de possuir
esse nome, diz respeito também ao total remuneratório e, no caso
do contribuinte individual e facultativo, não pode ser inferior a um
salário-mínimo.

A alíquota é o percentual sob a base de cálculo e varia dependendo


da remuneração, da atividade econômica, do porte da empresa, da ex-
posição a risco dos trabalhadores etc.

Para melhor visualização, apresentamos a seguir dois exemplos co-


muns – o caso da contribuição das empresas e o caso da contribuição
dos empregados.

Seguridade social 67
Contribuição das empresas: regra geral
“Dever, pagar ou creditar remuneração a qualquer título, durante o mês, aos segurados empre-
Fato gerador
gados e trabalhadores avulsos”, conforme artigo 22, inciso I, PCSS (BRASIL, 1991).

Sujeito ativo União

“Empregador, empresa ou entidade equiparada que paga remuneração a empregado ou avul-


Sujeito passivo
so que lhe presta serviço”, conforme artigo 195, inciso I, a), da CF (BRASIL, 1988).

Base de cálculo O total das remunerações pagas a qualquer título.

Alíquota 20%

Até dia 20 do mês seguinte ao da competência.


Vencimento
Mês de competência: mês em que o trabalho foi executado, assim, o pagamento é 20 dias após.
Casos em que há
Produtor rural, agroindústria, empregador doméstico, trabalhadores expostos a condições es-
diferenciação do
peciais.
valor da alíquota

Contribuição do segurado empregado: regra geral

Fato gerador Receber remuneração (art. 20, Lei n. 8.212/1991)

Sujeito ativo União

Sujeito passivo O segurado empregado ou avulso.

Salário de
Totalidade dos rendimentos.
contribuição
Portaria Ministério da Economia (atualizada todo ano)
a partir de 1º de março 2020

Salário de contribuição (R$) Alíquota para fins de recolhimento ao INSS


Até R$ 1.045,00 7,5%
Alíquota
De R$ 1.045,01 a R$ 2.089,60 9%
De R$ 2.089,61 até R$ 3.134,40 12%
De R$ 3.134,41 até R$ 6.101,06 14%

Acima desse valor, aplica 14%.


Até dia 20 do mês seguinte ao da competência.
Vencimento
Mês de competência: mês em que o trabalho foi executado, assim, o pagamento é 20 dias após.

Há diferenças no vencimento no caso do trabalhador doméstico; “Sempre que o emprega-


Casos em que há do, o empregado doméstico e o trabalhador avulso tiverem mais de um vínculo empregatí-
diferenciação cio (vínculos concomitantes), as remunerações deverão ser somadas para o correto enqua-
dramento na tabela acima, respeitando-se o limite máximo de contribuição” (INSS, 2020).

68 Direito e legislação social


A relação jurídica de recebimento de benefícios segue uma lógica
similar, mas há a mudança da posição e a modificação de alguns ele-
mentos: agora, o segurado se torna beneficiário, dessa forma, apresen-
tamos na sequência os elementos.

O fato gerador é a contingência, a situação de fato que gerou uma


consequência-necessidade, ou seja, a necessidade do benefício. Por
exemplo, a morte que gerou a pensão por morte.

O sujeito ativo, conforme vimos anteriormente, é quem está co-


brando o pagamento e, por isso, é o segurado, agora beneficiário.
Nessa posição, os segurados são pessoas físicas e podem ser obrigató-
rios, como os empregados, ou facultativos, isto é, pessoas que não são
obrigadas a contribuir, mas se inscreveram para poderem ser benefi-
ciários posteriormente.

Além disso, existe a possibilidade de ele ser um dependente, nos


casos específicos da pensão por morte e do auxílio reclusão.

A relação jurídica do dependente se instala quando deixa de existir


a relação jurídica entre o INSS e o segurado, na sua morte ou reclusão.
São enumerados no artigo 16 da Lei n. 8213/1991 (PBPS):

Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência


Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não
emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e
um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual
ou mental ou deficiência grave;
II - os pais;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição,
menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha
deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave [...]
(BRASIL, 1991)

As classes de dependentes apresentadas seguem uma hierarquia,


ou seja, a existência de uma classe de dependentes da classe anterior
exclui a da posterior, segundo o artigo 16, parágrafo 1º. Por exemplo,
a existência de filhos e de cônjuge (ambos da primeira classe) exclui o
direito dos pais (segunda classe) e dos irmãos (terceira classe).

No caso dos dependentes de primeira classe, há a presunção


absoluta de dependência econômica, ou seja, eles não precisam provar

Seguridade social 69
Filme que dependem financeiramente do falecido/recluso. Não deverá haver
discriminação entre filhos biológicos, adotados e menores tutelados
(quando você cuida de uma criança, há a necessidade de indicação da
dependência ao INSS).

No caso dos dependentes de segunda classe, eles somente terão


cobertura previdenciária quando não houver dependentes de primeira
classe e, ainda, deverão comprovar a dependência econômica (docu-
mentos do art. 22, § 3º, Lei n. 4.048/1999). A regra geral é que os depen-
O filme Última viagem a dentes de segunda classe são somente os pais, não se estendendo aos
Vegas aborda a história ascendentes (avós, bisavós etc.).
de amigos de infância
que agora são idosos. Por fim, a terceira classe somente terá cobertura quando não houver de-
A trama se desenvolve
quando um deles deci- pendentes de primeira e segunda classe e, além disso, deverão comprovar
de pedir em casamento a dependência econômica (documentos do art. 22, § 3º, Lei n. 4.048/1999).
sua namorada de longa
data e traz reflexões O sujeito passivo é quem possui o dever de pagar; como se trata
sobre aprendizado, en-
velhecimento, limitações do recebimento de algum benefício, quem deve pagar é a União.
e possibilidades para
pessoas idosas.
O salário de benefício depende de qual benefício está se analisan-

Direção: Jon Turteltaub. EUA: CBS


do (isso será explorado no capítulo posterior), mas, em regra, utiliza-se
Films; Good Universe, 2013. o salário de contribuição como base para chegar ao salário de benefício.

As prestações previdenciárias que podem se materializar em bene-


Atividade 3
fícios, resumidamente, são:
Discorra sobre as classes de
dependentes e sobre o instituto Prestações
da presunção e dependência.
Segurados Dependentes Segurados e dependentes
Aposentadoria por incapacidade Pensão por morte Serviço social
Aposentadoria
Auxílio-reclusão Reabilitação profissional
Aposentadoria especial
Auxílio-doença
Auxílio-acidente
Salário-família
Salário-maternidade

Destacamos que os elementos estudados – fato gerador, sujeito ati-


vo, sujeito passivo e salário de contribuição – ainda estarão presentes
na relação de benefício, acrescentando-se os benefícios em si e os te-
mos de carência. Observamos no quadro apresentado que há várias
possibilidades de prestações tanto aos segurados quanto aos seus
dependentes.

70 Direito e legislação social


3.4 A estruturação do direito à assistência social
Vídeo A assistência pública, prevista inicialmente no artigo 6º da Constituição,
possui sua especificidade no artigo 203, que aborda a sua abrangência:

será prestada a quem dela necessitar, independentemente


de contribuição à seguridade social. (BRASIL, 1988)

Dessa forma, esse é um dos eixos mais importantes da assistência


pública, sua independência de contribuição do beneficiário.

Os objetivos estão previstos no mesmo artigo:

I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adoles-


cência e à velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portado-
ras de deficiência e a promoção de sua integração à vida
comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso que compro-
vem não possuir meios de prover à própria manutenção
ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
(BRASIL, 1988)

Nesse sentido, é possível observarmos sua amplitude e como, de


certo modo, ela tem como norte a proteção dos mais vulneráveis, estan-
do os demais protegidos por benefícios previdenciários, por exemplo.

Entretanto, é preciso ressaltar que a Constituição Federal visualiza a


assistência social como um mecanismo de transformação da sociedade, e
não a mera disponibilidade de recursos. Por isso, os recursos estão sem-
pre associados a ações de transformação, de inclusão e de integração.

A assistência pública, na qualidade de direito fundamental social,


foi regulamentada e pormenorizada na Lei n. 8.742/1993 (Lei Orgânica
da Assistência Social), que estipulou expressamente a assistência social
como uma política de seguridade social não contributiva (art. 1º) e que
sua realização une os esforços da iniciativa pública e da sociedade.

Os objetivos da assistência social foram especificados no artigo 2º


da Lei, que os dividiu em três eixos: i. proteção social que busca a ga-

Seguridade social 71
rantia da vida, redução de danos e prevenção de riscos; ii. vigilância
socioassistencial; iii. defesa de direitos.

Com relação ao primeiro eixo (i. proteção social que busca a garan-
tia da vida, redução de danos e prevenção de riscos), vislumbramos
que ele possui um direcionamento similar ao previsto na Constituição,
direcionado a: a. família, maternidade, infância, adolescência e velhice;
b. crianças e adolescentes carentes; c. integração ao mercado de traba-
lho; d. habilitação e reabilitação da pessoa com deficiência; e. garantia
de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que
não possuam meios próprios para sua sobrevivência, ou por meio de
sua família. Ressaltamos, novamente, que a proteção social aqui está
direcionada aos mais vulneráveis do sistema.

O segundo eixo (ii. vigilância socioassistencial) tem como objetivo


a construção de políticas sociais direcionadas às particularidades ter-
ritoriais do Brasil, observando a capacidade produtiva das famílias, as
vulnerabilidades, as ameaças, as vitimizações e os danos, e assim, reco-
nhece as diferenças regionais para a construção de políticas. Esse reco-
nhecimento prescinde de estudos técnicos para a realização da correta
avaliação das necessidades de cada região, comunidade e família.

O terceiro eixo (iii. defesa de direitos) está direcionado à garantia de


que todos que necessitem tenham pleno acesso ao conjunto de provisões
socioassistenciais, ou seja, os direitos e os benefícios em si. Esse é um eixo
muito importante da política de seguridade social não contributiva, pois
exige que a formação dessas políticas esteja atrelada à informação da po-
pulação quanto a seus direitos. Consolidamos os eixos no Quadro 1, em
conformidade com o artigo 2º da Lei n. 8.742/1993 (BRASIL, 1993).

Quadro 1
Objetivos da assistência social

Eixo I – a proteção social, que visa à garantia da vida, à redução de danos e à prevenção da incidência de
riscos, especialmente:
• a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
• o amparo às crianças e aos adolescentes carentes;
• a promoção da integração ao mercado de trabalho;
• a habilitação e a reabilitação das pessoas com deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
• a garantia de 1 (um) salário-mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

(Continua)

72 Direito e legislação social


Eixo I – a proteção social, que visa à garantia da vida, à redução de danos e à prevenção da incidência de
riscos, especialmente:
Eixo II – a vigilância socioassistencial, cujo objetivo é:
Analisar territorialmente a capacidade protetiva das famílias e nela a ocorrência de vulnerabilidades, de ameaças, de
vitimizações e danos.

Eixo III – a defesa de direitos, que visa:


Garantir o pleno acesso aos direitos no conjunto das provisões socioassistenciais.

Fonte: elaborado pela autora com base em Brasil, 1993.

A Lei n. 8.742/1993 dispõe ainda sobre os princípios e as diretrizes


da assistência social em seus artigos 4º e 5º, nos quais se analisam os
princípios previstos nos incisos do artigo 4º (BRASIL, 1993):
• Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as
exigências de rentabilidade econômica: esse princípio fortalece
a noção de que a contribuição não é um elemento da assistência
social, sendo sua aplicação de maneira conjunta com a gratuida-
de prevista no artigo 203 da Constituição. Ainda, evidencia o en-
foque na superação e no atendimento das necessidades sociais.
• Universalização dos direitos sociais: esse princípio tem como
objetivo promover o acesso à pessoa que foi beneficiária da as-
sistência, aos demais direitos fundamentais aos quais ela tem
direito, inclusive, por meio de informações referentes a políticas
públicas.
• Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu
direito a benefícios e serviços de qualidade, à convivência fa-
miliar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação ve-
xatória de necessidade: esse princípio busca a visualização do
indivíduo que está em condição de necessidade como um sujeito
de direitos a ser respeitado, não sendo possível a sua humilhação
para o acesso a direitos, serviços e benefícios.
• Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discri-
minação de qualquer natureza, com equivalência entre as
populações urbanas e rurais: esse princípio acaba reforçando
outros princípios da seguridade social geral que já foram analisa-
dos. Nesse ponto é importante compreendermos que as discrimi-
nações são vedadas, sendo possível somente ações afirmativas
para igualar as possibilidades de acesso a grupos marginalizados
e vulneráveis.

Seguridade social 73
• Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas, pro-
jetos assistenciais, recursos e critérios: esse princípio tem por
objetivo dar ampla informação à população vulnerável que ne-
cessita de assistência, e é considerado um grande desafio hoje na
realidade brasileira.

Com relação às diretrizes da assistência social (art. 5º), há a divisão


em três eixos:
• Descentralização político-administrativa: cada estado (e o
Distrito Federal) e cada município terá comandos únicos, o que
possibilita a visualização particular de cada realidade que carece
de assistência, sendo o diálogo realizado de modo regionalizado
para, por fim, desencadear em políticas nacionais.
• Participação da população: esse eixo faz parte da compreen-
são descentralizada e democrática da seguridade social, assim,
a população pode participar da formação, da discussão e do
controle das políticas assistenciais por meio de organizações
representativas.
• Primazia da responsabilidade do Estado: embora haja a
participação e a responsabilidade da sociedade na assistência
pública, mediante essa diretriz o Estado evoca para si a res-
ponsabilidade central, dividida em cada esfera governamental.

Abordamos a organização e a gestão da assistência social e,


como é possível interpretar dos princípios, há o cunho da descen-
tralização e da participação por meio do Sistema Único de Assistên-
cia Social (SUAS).

O SUAS é composto dos entes federativos – União, estados, Dis-


trito Federal e municípios –, bem como dos seus conselhos e or-
ganizações de assistência social. Há a possibilidade da participação
de entidades privadas por meio de convênios, contratos, acordos
e ajustes com o Poder Público, sendo que cada modalidade possui
sua respectiva formalidade. Conforme os artigos 12 ao 15 da Lei n.
8.742/1993, é competência da União:

74 Direito e legislação social


I - responder pela concessão e manutenção dos benefícios
de prestação continuada definidos no art. 203 da Constitui-
ção Federal;
II - cofinanciar, por meio de transferência automática, o
aprimoramento da gestão, os serviços, os programas e os
projetos de assistência social em âmbito nacional; [...]
III - atender, em conjunto com os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, às ações assistenciais de caráter
de emergência;
IV - realizar o monitoramento e a avaliação da política de
assistência social e assessorar Estados, Distrito Federal e
Municípios para seu desenvolvimento. (BRASIL, 1993)

Aos estados compete:

I - destinar recursos financeiros aos Municípios, a título


de participação no custeio do pagamento dos benefícios
eventuais de que trata o art. 22, mediante critérios estabe-
lecidos pelos Conselhos Estaduais de Assistência Social; [...]
II - cofinanciar, por meio de transferência automática, o
aprimoramento da gestão, os serviços, os programas e
os projetos de assistência social em âmbito regional ou
local; [...]
III - atender, em conjunto com os Municípios, às ações
assistenciais de caráter de emergência;
IV - estimular e apoiar técnica e financeiramente as associa-
ções e consórcios municipais na prestação de serviços de
assistência social;
V - prestar os serviços assistenciais cujos custos ou ausên-
cia de demanda municipal justifiquem uma rede regional de
serviços, desconcentrada, no âmbito do respectivo Estado;
VI - realizar o monitoramento e a avaliação da política de
assistência social e assessorar os Municípios para seu
desenvolvimento.
(BRASIL, 1993)

Seguridade social 75
É competência do Distrito Federal:

I - destinar recursos financeiros para custeio do pagamen-


to dos benefícios eventuais de que trata o art. 22, median-
te critérios estabelecidos pelos Conselhos de Assistência
Social do Distrito Federal; [...]
II - efetuar o pagamento dos auxílios natalidade e funeral;
III - executar os projetos de enfrentamento da pobreza, in-
cluindo a parceria com organizações da sociedade civil;
IV - atender às ações assistenciais de caráter de emergência;
V - prestar os serviços assistenciais de que trata o art. 23
desta lei;
VI - cofinanciar o aprimoramento da gestão, os serviços, os
programas e os projetos de assistência social em âmbito
local [...];
VII - realizar o monitoramento e a avaliação da política de
assistência social em seu âmbito. (BRASIL, 1993)

Compete aos municípios:

I - destinar recursos financeiros para custeio do pagamen-


to dos benefícios eventuais de que trata o art. 22, median-
te critérios estabelecidos pelos Conselhos Municipais de
Assistência Social; [...]
II - efetuar o pagamento dos auxílios natalidade e funeral;
III - executar os projetos de enfrentamento da pobreza, in-
cluindo a parceria com organizações da sociedade civil;
IV - atender às ações assistenciais de caráter de emergência;
V - prestar os serviços assistenciais de que trata o art. 23
desta lei;
VI - cofinanciar o aprimoramento da gestão, os serviços, os
programas e os projetos de assistência social em âmbito
local; [...]
VII - realizar o monitoramento e a avaliação da política de
assistência social em seu âmbito. (BRASIL, 1993)

O SUAS, em virtude de sua natureza democrática e participa-


tiva, possui diversas instâncias deliberativas com participação do
governo e da sociedade civil, são eles: Conselho Nacional de As-

76 Direito e legislação social


sistência Social (CNAS); Conselhos Estaduais de Assistência Social Filme
(CEAS); Conselho de Assistência Social do Distrito Federal (CASDF) e
os Conselhos Municipais de Assistência Social (CMAS).

O CNAS é o órgão superior de deliberação e tem como uma de


suas competências aprovar a Política Nacional de Assistência So-
cial, a estruturação nacional das políticas públicas sobre o tema.

Adentramos, então, no financiamento da assistência social.


Como ressaltamos anteriormente, a base do financiamento está
O filme A Maçã (La
nos recursos gerais da seguridade social, de acordo com o artigo
Pomme) conta a história
195 da Constituição, e há a possibilidade de outras fontes (art. 204) das irmãs Zahra e
Masume, que viveram
(BRASIL, 1988).
11 anos em cárcere pri-
Nesse sentido, o sistema é formado pelas seguintes bases de vado pelos pais. A obra
mostra o desenvolvi-
financiamento: recursos gerais da seguridade social, que são com- mento dessa história
petência da União, do Estado, do Distrito Federal e dos municípios; até o momento em que
foram libertadas por
e Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), que em regra recebe meio da intervenção de
e centraliza os repasses anteriores. assistentes sociais. Com
esse filme é possível
Dessa forma, a assistência social é financiada pelos três entes, que compreendermos
principalmente que a
têm como dever o direcionamento desses recursos para o fomento das assistência social não
políticas assistenciais, as quais, como destacamos anteriormente, não está vinculada somente
a prestações pecu-
dizem respeito à mera distribuição pecuniária, e sim à formação de niárias, mas à defesa
programas e de políticas multissetoriais. de direitos. A diretora
Makhmalbaf tinha 17
Para que os repasses sejam realizados para o FNAS, há a necessi- anos, sendo considera-
da uma das mais jovem
dade de que os municípios, os estados e o Distrito Federal comprovem cineastas a concorrer a
que efetivaram o funcionamento, em seus âmbitos, dos seguintes pon- um prêmio no Festival
de Cannes.
tos: Conselho de Assistência Social, Fundo de Assistência Social e o Pla-
Direção: Samira Makhmalbaf.
no Assistência Social. Além disso, é necessária também a comprovação França; Irã, 1998.
de que há recursos próprios destinados à assistência social em fundos
específicos (art. 30 da Constituição).

Retomando a previsão constitucional, realçamos que no artigo 204,


parágrafo único, possibilitou-se (não é uma obrigatoriedade) que os
estados e o Distrito Federal vinculassem ao programa de assistência
social até 0,5% de sua receita tributária líquida, não sendo possível a
aplicação desses recursos para despesas com pessoal, encargos so-
ciais, serviço da dívida e qualquer outra despesa que não esteja vincu-
lada às ações sociais específicas (BRASIL, 1988).

Seguridade social 77
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tripé da seguridade social é unido pelos elementos principiológicos
e, inclusive, orçamentários. Entretanto, em virtude de suas particularida-
des – como abrangências, princípios, competências, necessidades sociais
e custeio –, cada sistema desenvolveu estruturas próprias e, com elas,
algumas problemáticas que estão longe de serem superadas.
Nesse sentido, o estudo da saúde, da previdência e da assistência se
demonstrou complexo por envolver sistemas que trazem especificidades
muito particulares: a saúde com o sistema público, privado e de servido-
res públicos; a previdência com a diversidade de particularidades em seu
custeio; e a assistência com a obscuridade de sua abrangência que atinge
boa parte da população.
Os três sistemas precisam dialogar entre si e com a sociedade. Muito
se discute sobre a previdência, mas sem o viés da saúde e da assistência
o objetivo de garantir a vida digna a todos não será alcançado.

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78 Direito e legislação social


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int/gb/bd/PDF/bd47/EN/constitution-en.pdf?ua=1. Acesso em: 10 fev. 2021.

GABARITO
1. O sistema de seguridade social é composto de diversas fontes que realizam um diálo-
go entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para a construção desse direito.
O que norteia a interpretação delas é a Constituição, especificamente, os princípios
fundamentais constitucionais da dignidade humana e os valores sociais do trabalho,
promoção do bem de todos sem discriminação; e, também, com base no fundamento
da ordem social que reside no primado do trabalho.

2. O SUS divide a sua atuação em três níveis, em observância às recomendações da Or-


ganização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS).
O nível primário diz respeito a atuações iniciais de atenção à saúde: atenção primária,
atenção de urgência e emergência, atenção psicossocial e especiais de acesso aberto.
Esse nível pertence ao município ou à microrregião de saúde. O nível secundário é vol-
tado a necessidades que precisem de um maior nível tecnológico, maior especialidade
e nível médio de complexidade, esse nível pertence à região de saúde. O nível terciário
é voltado a necessidades que requeiram um alto nível tecnológico, alta especialidade
e alta complexidade e pertence à macrorregião de saúde.

3. As classes de dependentes são divididas em três. A primeira inclui “o cônjuge, a com-


panheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de
21 anos ou inválido” ou que tenha deficiência intelectual, mental ou deficiência grave;
a segunda inclui os pais; e a terceira inclui “o irmão não emancipado, de qualquer
condição, menor de 21 anos ou inválido” ou que tenha deficiência intelectual, mental
ou deficiência grave (BRASIL, 1991).

Seguridade social 79
4
As instituições de direito no
Brasil e a seguridade social
A palavra instituição, para a maioria das pessoas, reme-
te a órgão do governo ou órgão do Judiciário, como o Supremo
Tribunal Federal (STF). No entanto, no âmbito do Direito, a ideia
das instituições vai muito além disso, tendo como eixo central a
noção de que cada área, cada matéria, tem os seus “institutos” e,
por isso, as instituições são todo o arcabouço de leis, atos norma-
tivos, políticas públicas e, inclusive, órgãos que estão vinculados a
determinado direito.

Um ponto importante é que a população precisa confiar


nas instituições (nesse sentido jurídico) para que elas tenham
sua plena efetividade. Essa lógica é bem intuitiva: se as pessoas
não confiarem na democracia e no sistema eleitoral, elas não se
envolverão nesse processo – o que muitas vezes efetivamente
ocorre, não é?

Assim, compreender os benefícios previdenciários, o siste-


ma de saúde e os benefícios assistenciais é compreender uma
parte das instituições da seguridade social. Um dos primeiros
passos para a ampliação da confiabilidade nessas instituições é a
própria informação!

4.1 Compreensões gerais


Vídeo As instituições de direito são temas pontuais e relevantes para o
Direito. Cada matéria, área ou disciplina possui os seus temas que,
como um conjunto, estão sempre interligados. Considerando isso, as
instituições de direito no âmbito da seguridade social podem ser desde
direitos, como a aposentadoria, até sistemas mais complexos, como as

80 Direito e legislação social


políticas públicas e a estruturação dos sistemas de recebimento dos
benefícios previdenciários.

Dessa forma, o termo instituições traz consigo uma genericidade ou,


ainda, pode significar, dentro de cada contexto, desde entes públicos
até direitos estabelecidos.

Para esta abordagem inicial, trazemos a visão da análise econômica


do Direito para compreender o quanto esse termo genérico pode ser
de suma importância para o desenvolvimento socioeconômico do país.

Nesse sentido, o conceito abordado para instituições é o de Biografia


Douglass North (1990), que as compreende como as normas de inte- Douglass Cecil North foi um
ração entre os indivíduos, ou seja, as “regras do jogo” (SALAMA, 2011), economista estadunidense,
considerado um dos fundadores
as quais, no caso de instituições jurídicas, são essas interações com da nova economia institucional.
o Estado. Assim, as instituições são as regras do jogo e os jogadores Recebeu o Nobel de economia
em 1993.
seriam as organizações políticas, econômicas e sociais (NORTH, 2010).

North (1990) entende que o próprio desenvolvimento seria um re-


sultado da transição das instituições jurídicas das mãos das elites para
todos da população. As instituições às quais o autor se refere são as
instituições formais, a Constituição, as leis etc., bem como as informa-
ções, as crenças, os valores e os costumes. Desse modo, o desenvolvi-
mento estará presente quando essas instituições estiverem abertas a
todos por meio do acesso, do apoio e da proteção.

Se abordadas as instituições por meio da teoria neoinstitucional da


análise econômica do Direito, elas serão compreendidas como essen-
ciais para a redução dos custos de transação (qualquer custo que in-
fluencia uma relação, desde o pecuniário até o tempo), mas também
“do grau de incerteza e instabilidade das sociedades e economias”
(KEGEL; AMAL, 2009, p. 55).

O direito à saúde precisa de instituições que regulamentem e redu-


zam o custo de transação, como a aprovação de vacinas (que demanda
tempo e dinheiro); porém, precisa ainda criar o sentimento de que o
sistema de saúde é realmente universal, com postos de saúde, hospi-
tais, acesso a medicamentos por meio de farmácias populares etc.

De acordo com Kegel e Amal (2009, p. 55), “instituições jurídicas de-


bilitadas afetam profundamente o desenvolvimento econômico, pois
reduzem a segurança jurídica, aumentam a incerteza e os riscos”. As
pessoas precisam sentir segurança nas instituições para que estas per-
maneçam fortes e para que se estimulem investimentos.

As instituições de direito no Brasil e a seguridade social 81


Para compreender o papel das instituições jurídicas no desen-
volvimento, avaliam-se três pontos em que elas podem contribuir
(CASSI; OSORIO, 2016):
1. criação e garantia de normas que promovam liberdades;
2. igualdade de oportunidades;
3. ambiente institucional que resguarde o planejamento individual.

A criação e a garantia de normas que promovam liberdades estão


vinculadas à compreensão de liberdades. Para Sen (2010), o desenvol-
Livro
vimento é alcançado por meio das liberdades políticas, das facilidades
econômicas, das oportunidades sociais, das garantias de transparên-
cia e da segurança protetora. O Estado deve realizar ações e adotar
políticas que promovam essas liberdades dos indivíduos, cumprindo e
exigindo o cumprimento dos direitos fundamentais.

O segundo ponto diz respeito à igualdade de oportunidades,


ou seja, “à criação de uma cultura institucional não discriminatória
para com os instrumentos de desenvolvimento individual” (CASSI;
O livro Instituições, OSORIO, 2016, p. 203). O Estado deve elaborar leis que reconhe-
mudança institucional e
çam direitos, como o direito à saúde, mas a sua ação não deve ser
desempenho econômico é
considerado um dos mais restrita a isso, devendo garantir que todos tenham acesso à infor-
inovadores no estudo
mação, e assim estruturar instituições que alcancem materialmen-
da histórica econômica,
que invariavelmente te os indivíduos. Essa visão de uma posição ativa do Estado permite
está muito ligada com o
que haja ações afirmativas que realizem uma discriminação posi-
Direito. A obra demonstra
como as instituições e as tiva entre os indivíduos, ou seja, que promovam o acolhimento a
mudanças institucionais
indivíduos e setores sociais marginalizados, como os idosos, sem
afetam o desempenho
econômico. renda mínima para sua sobrevivência. Por meio dessas políticas,
NORTH, D. São Paulo: Três Estrelas, essas pessoas poderão alcançar a igualdade de oportunidades na
2018.
arena social.

O terceiro ponto, a criação de um ambiente institucional que


Biografia resguarde o planejamento individual, refere-se à consolidação de “ins-
tituições jurídicas claras e sólidas que lhes permitam realizar um au-
Amartya Kumar Sen é indiano,
professor de economia e filo- toplanejamento em prol do aumento do próprio bem-estar” (CASSI;
sofia da Universidade Harvard. OSORIO, 2016, p. 204). Nesse sentido, as normas, como as que estrutu-
Recebeu o Prêmio Nobel de
Economia em 1998. ram os benefícios, devem ser claras o suficiente para que todos possam
planejar a sua vida de acordo com os seus interesses.

82 Direito e legislação social


Este é um ponto que podemos visualizar dentro do eixo da pre- Livro
vidência: não seria muito mais fácil se todas as normas de tempo
de contribuição e idade fossem claras o suficiente para que cada
indivíduo pudesse planejar sua vida e aposentadoria? Infelizmente,
esse é um aspecto que não se vislumbra na realidade brasileira,
pois todos nós enfrentamos diversas reformas e leis com lingua-
gem e estrutura inacessíveis, deixando os cidadãos com a sensação
de insegurança. Essa é a insegurança da instituição de previdência,
Desenvolvimento como li-
e esse é um dos fatores pelo qual a confiabilidade no sistema é berdade propõe uma nova
abalada. teoria para o desenvolvi-
mento social por meio de
Neste capítulo, as instituições estudadas serão as coberturas per- um processo de expansão
da liberdade. A maioria
tencentes ao direito à saúde, os benefícios pertencentes ao sistema da das exemplificações da
previdência social e os benefícios pertencentes ao sistema da assistên- obra é baseada na reali-
dade indiana.
cia social. Há uma grande especificidade nos benefícios, nas abrangên-
SEN, A. São Paulo: Companhia das
cias, nos requisitos etc. Letras, 2010.

4.2 Instituições de direito e sistema de saúde


Vídeo Como visto anteriormente, o Sistema Único de Saúde (SUS) é estru-
turado em três níveis: nível de atenção primária, secundária e terciária.
Nesta seção serão abordadas as coberturas previstas nos três níveis de
maneira exemplificativa, uma vez que o Brasil é um dos países com a
maior cobertura.

O nível mais importante e que possui a maior abrangência é a aten-


ção primária à saúde (APS), que permite um primeiro contato mais
acessível. Assim, há um tratamento longitudinal, ou seja, a continuada
atenção ao longo do tempo, além de: integral, uma vez que se busca a
cobertura do maior número de serviços; coordenado, com o objetivo
de integrar as ações com os outros níveis; com atenção centrada na
família, observando fatores familiares que podem contribuir para o de-
sencadeamento de doenças; orientação comunitária, voltando a aten-
ção também à comunidade; e competências culturais, adaptando-se a
esses fatores.

Podemos observar a composição dos atributos da APS na seguinte


representação gráfica:

As instituições de direito no Brasil e a seguridade social 83


Figura 1
Atenção primária à saúde

Atenção primária à saúde


(APS)

Atributos essenciais
• Acesso de primeiro contato
• Longitudinalidade
• Coordenação
• Integralidade

Atributos derivados
• Orientação familiar
• Orientação comunitária
• Competência cultural

Fonte: Elaborada pela autora com base em Starfield, 1992.

Para compreender quais serviços o primeiro nível abrange, remete-


mos à carteira de serviços da atenção primária à saúde (CaSAPS), docu-
mento que indica e norteia todos os serviços de APS do Brasil.

Primeiramente, subdivide-se a atenção primária em seis eixos de


atuação: vigilância em saúde; promoção à saúde; atenção e cuidados
centrados na saúde do adulto e do idoso; atenção e cuidados centra-
dos na saúde da criança e do adolescente; procedimentos na APS; e
atenção e cuidados relacionados à saúde bucal.

A vigilância em saúde abrange a análise epidemiológica local,


a identificação de indivíduos inscritos no Bolsa Família ou em outros
programas assistenciais, a imunização conforme o calendário vacinal, a
investigação de óbitos de mulheres em idade fértil, infantis e fetais etc.

Já a promoção à saúde envolve consulta para acompanhamento do


crescimento e desenvolvimento de crianças; ações de promoção à saú-
de voltadas ao reconhecimento étnico-racial, à diversidade sexual etc.;
promoção da paternidade responsável ativa; promoção do envelheci-
mento ativo e saudável; promoção do aleitamento materno exclusivo
até seis meses e continuado até dois anos; promoção do aconselha-
mento e cuidado integral à saúde sexual e reprodutiva; entre outros.

Com relação ao tópico da atenção e cuidados centrados na saúde


do adulto e do idoso, este divide-se em cuidados e atenção à saúde

84 Direito e legislação social


da mulher; cuidados e atenção à saúde do idoso; e atenção e cuidados
clínicos em saúde do adulto e do idoso.

Os cuidados e a atenção à saúde da mulher abrangem a assistên-


cia pré-natal, a abordagem em saúde sexual e reprodutiva, o manejo de
problemas ginecológicos, o acompanhamento, a identificação e o acolhi-
mento de mulheres em situação de violência doméstica, dentre outros.

Os cuidados e a atenção à saúde do idoso compreendem: atendimento


domiciliar para pessoas idosas que estejam restritas ao lar ou com dificul-
dade de mobilidade; identificação de pessoa idosa em estado de vulnera-
bilidade; prevenção e acolhimento de idosos em situação de violência etc.

A atenção e os cuidados clínicos em saúde do adulto e do idoso inclui o


acompanhamento em cuidados paliativos, o atendimento à população em
situação de vulnerabilidade, o acompanhamento de pessoas com doenças
relacionadas ao trabalho, a prevenção, a identificação e o aconselhamento
em relação ao uso abusivo de álcool, drogas e tabagismo, entre outros.

O tópico atenção e cuidados centrados na saúde da criança e


do adolescente abrange a prevenção, a identificação e o tratamento
de distúrbios nutricionais; algumas doenças específicas, como hanse-
níase, tuberculose, microcefalia, doenças crônicas etc.; o atendimento
domiciliar no caso de impossibilidade de locomoção; o atendimento e
acompanhamento em casos de sofrimento psíquico etc.

Com relação aos procedimentos na APS, há uma longa listagem,


na qual se destacam alguns: biópsia, coleta de exames, vacinação, in-
serção e retirada de DIU, testes, espaços de abordagem comunitária
(para diálogo, orientação e terapia comunitária), entre outros.

Por fim, em atenção e cuidados relacionados à saúde bucal há a


divisão em dois tópicos: procedimentos de promoção e prevenção em
saúde bucal, que incluem atendimento, exame, orientação, aplicação
de flúor, entre outros; e procedimentos clínicos, que englobam proce-
dimentos de maior complexidade, como adaptação de prótese dentá-
ria, procedimentos estéticos de urgência, restauração etc.

Os sistemas secundário e terciário exigem uma complexidade de


técnica, procedimentos e, inclusive, custos. Todos os procedimentos que
são abrangidos pelo SUS estão no quadro de procedimentos, medica-
mentos, órteses/próteses e materiais especiais, o qual se divide em oito
ações, cada uma com novas subdivisões, as quais apresentamos a seguir.

As instituições de direito no Brasil e a seguridade social 85


Quadro 1
Procedimentos, medicamentos, órteses/próteses e materiais especiais.

Ações de promoção e • Ações coletivas/individuais em saúde


prevenção em saúde • Vigilância em saúde

• Coleta de material
• Diagnóstico em laboratório clínico
• Diagnóstico por anatomia patológica e citopatologia
• Diagnóstico por radiologia
• Diagnóstico por ultrassonografia
• Diagnóstico por tomografia
Procedimentos com • Diagnóstico por ressonância magnética
finalidade diagnóstica • Diagnóstico por medicina nuclear in vivo
• Diagnóstico por endoscopia
• Diagnóstico por radiologia intervencionista
• Métodos diagnósticos em especialidades
• Diagnóstico e procedimentos especiais em hemoterapia
• Diagnóstico em vigilância epidemiológica e ambiental
• Diagnóstico por teste rápido
• Consultas/atendimentos/acompanhamentos
• Fisioterapia
• Tratamentos clínicos (outras especialidades)
• Tratamento em oncologia
• Tratamento em nefrologia
Procedimentos clínicos • Hemoterapia
• Tratamentos odontológicos
•
Tratamento de lesões, envenenamento e outros, decorrentes de causas
externas
• Terapias especializadas
• Parto e nascimento
•P
 equenas cirurgias e cirurgias de pele, tecido subcutâneo e mucosa
• Cirurgia de glândulas endócrinas
• Cirurgia do sistema nervoso central e periférico
•C
 irurgia das vias aéreas superiores, da face, da cabeça e do pescoço
• Cirurgia do aparelho da visão
• Cirurgia do aparelho circulatório
•C
 irurgia do aparelho digestivo, dos órgãos anexos e da parede abdominal
• Cirurgia do sistema osteomuscular
Procedimentos • Cirurgia do aparelho geniturinário
cirúrgicos
• Cirurgia da mama
• Cirurgia obstétrica
• Cirurgia torácica
• Cirurgia reparadora
• Bucomaxilofacial
• Outras cirurgias
• Cirurgia em oncologia
• Anestesiologia
(Continua)

86 Direito e legislação social


•C
 oleta exames para fins de doação de órgãos, tecidos e células e de
transplante
• Avaliação de morte encefálica
Transplante de órgãos, •A
 ções relacionadas à doação de órgãos e tecidos para transplante
tecidos e células
• Processamento de tecidos para transplante
• Transplante de órgãos, tecidos e células
•A
 companhamento e intercorrências no pré e pós-transplante
• Medicamentos de dispensação excepcional
• Medicamentos estratégicos
Medicamentos
• Medicamentos de âmbito hospitalar e urgência
•C
 omponente especializado da assistência farmacêutica

Órteses, próteses e •Ó
 rteses, próteses e materiais especiais não relacionados ao ato cirúrgico
materiais especiais •Ó
 rteses, próteses e materiais especiais relacionados ao ato cirúrgico

• Ações relacionadas ao estabelecimento


Ações complementares • Ações relacionadas ao atendimento
de atenção à saúde
• Autorização/regulação
Fonte: Elaborado pela autora com base em Brasil, 2021.

Em relação aos medicamentos que estão listados na Relação Na-


cional de Medicamentos Essenciais, isto é, todos os medicamentos e
insumos que são disponibilizados pelo SUS (BRASIL, 2019), há cinco
categorias: medicamentos do componente básico; medicamentos do
componente estratégico; medicamentos do componente especializa-
do; relação nacional de insumos; e relação nacional de medicamentos Atividade 1
de uso hospitalar. A lista é atualizada periodicamente, mas não com Explique cada um dos eixos de
a frequência que a ampla maioria da população gostaria. A princípio, atuação da atenção primária de
saúde com exemplos atuais ou
somente estão inclusos no âmbito do SUS os medicamentos presentes da sua realidade.
nessas listas, o que é um fator de judicialização.

4.3 Instituições de direito e previdência social


Vídeo As instituições da previdência social possuem uma proximidade com
a população, em virtude de exigirem entrega de documentos e cumpri-
mento de exigências que acabam se diferenciando da saúde, que prevê
um atendimento amplo e direcionado nos locais de atendimento.

Os benefícios que serão estudados no âmbito da previdência so-


cial são os direcionados aos segurados: i. aposentadoria, ii. aposenta-
doria por incapacidade, iii. aposentadoria especial, iv. auxílio-doença,
v. auxílio-acidente, vi. salário-família, vii. salário-maternidade; bem como
os direcionados aos dependentes: viii. pensão por morte, ix. auxílio-

As instituições de direito no Brasil e a seguridade social 87


-reclusão. Para o estudo de todos esses benefícios, sistematizamos a
abordagem nos seguintes pontos: compreensão geral, contingência, su-
jeitos, carência, termo inicial, renda mensal inicial e termo final.

O primeiro benefício a ser estudado é a aposentadoria, que


corresponde a um benefício concedido aos segurados do INSS que
atingiram determinada faixa etária e tempo de contribuição. Atualmen-
te, não basta cumprir um ou outro elemento; sim, é necessário cumprir
ambos concomitantemente.

A contingência é a situação de fato que gerou a consequência-


-necessidade, ou seja, quando a pessoa atinge a idade e o tempo de
contribuição mínimos. A regra atual para trabalhadores da iniciativa
privada é de 65 anos de idade para os homens e 62 anos de idade para
as mulheres, com tempo mínimo de contribuição de 20 anos (homens)
e 15 anos (mulheres); no caso dos trabalhadores rurais, a idade mínima
é 55 anos (mulheres) e 60 anos (homens), e o tempo de contribuição é
de 15 anos (ambos os sexos).

Destacamos que há diversas regras de transição para quem já


estava contribuindo com o sistema, mas essas não serão abordadas
nesta obra.

O sujeito ativo é o segurado que faz jus ao benefício, e o sujeito


passivo é o INSS. A carência é o “pedágio”, ou seja, um tempo mínimo
obrigatório de contribuição – como visto, 20 anos (homens) e 15 anos
(mulheres). O termo inicial, ou seja, quando a pessoa começa a ter di-
reito de receber, segue dois parâmetros: se for segurado empregado,
inclusive doméstico, começa a receber a partir da data do desligamento
do emprego, caso tenha realizado o requerimento no INSS em até 90
dias depois do desligamento; ou a partir da data do requerimento, se
requerido após 90 dias do desligamento (BRASIL, 1991).

A renda mensal inicial, ou seja, o valor da aposentadoria, será cal-


culada com base na média de 100% do histórico de contribuições do
trabalhador. Essa foi uma alteração da Reforma da Previdência, pois,
anteriormente a ela, excluía-se as menores contribuições do cálculo.

O termo final diz respeito à data do fim do recebimento, isto é, ao


falecimento do segurado. Atenção: um erro bem comum é achar que
os dependentes “herdam” a aposentadoria, mas isso não ocorre! O que
eles recebem é a pensão por morte, e não a aposentadoria.

88 Direito e legislação social


Vejamos, então, um quadro com os elementos da aposentadoria.

Quadro 2
Aposentadoria

Trabalhadores da iniciativa privada: 65 anos de idade para ho-


mens e 62 anos de idade para mulheres, observado tempo míni-
mo de contribuição de 20 anos (homens) e 15 anos (mulheres).
Contingência Trabalhadores rurais: idade mínima de 55 anos (mulheres) e 60 anos
(homens), e tempo de contribuição de 15 anos (ambos os sexos).
Lembre-se das regras de transição e das situações como as de
servidores públicos e militares.

Sujeito ativo Segurado.

Sujeito passivo INSS.

Trabalhadores da iniciativa privada: tempo mínimo de contribui-


Carência ção de 20 anos (homens) e 15 anos (mulheres).
Trabalhadores rurais: 15 anos (ambos os sexos).
Data do recebimento: no caso do segurado empregado, a partir da
data do desligamento do emprego, se realizou o requerimento no
Termo inicial INSS em até 90 dias depois do desligamento, ou a partir da data do
requerimento, se requerido após 90 dias do desligamento.

Renda mensal Média de 100% do histórico de contribuições do trabalhador.


inicial
Termo final Falecimento.

Fonte: Elaborado pela autora com base em Brasil, 1991.

Anteriormente intitulada aposentadoria por invalidez, a


aposentadoria por incapacidade é direcionada a segurados que se
encontram em situação de incapacidade e impossibilidade do exercí-
cio de atividade que possa lhe garantir a subsistência; nesse sentido,
ela diz respeito a uma incapacidade profissional.

A contingência é a incapacidade total e permanente; ou seja, deve


ser atestado em perícia médica que a pessoa não conseguirá mais tra-
balhar e não há possibilidade de recuperação. O sujeito ativo é o se-
gurado que se encontra nessa situação, e o sujeito passivo é o INSS.
Há uma carência de 12 contribuições mensais, sendo possível a sua
dispensa quando se tratar de acidente de qualquer natureza, doen-
ça profissional ou do trabalho, doenças previstas no artigo 151 da
Lei n. 8.213 – a PBPS (BRASIL, 1991).

O termo inicial é dividido em diversas situações: a) para o segura-


do empregado ocorre a partir do 16º dia contado de afastamento da

As instituições de direito no Brasil e a seguridade social 89


atividade e a partir da data do requerimento administrativo, quando
o segurado estiver afastado da atividade por mais de 30 dias; b) para
o segurado que estava usufruindo do auxílio-doença e foi constatado
que não seria possível a recuperação, a partir do dia imediato à cessa-
ção do auxílio-doença; c) para os demais segurados, inclusive domés-
tico, a partir da data do início da incapacidade, ou a partir da data do
requerimento administrativo, se requerido quando o segurado já esti-
ver afastado da atividade por mais de 30 dias.

A renda mensal inicial (RMI) equivale a 100% do salário de benefício


(isto é, a média de todas as contribuições). Ressalta-se que há a possi-
bilidade de majoração de 25%, para além do valor recebido, quando
houver a necessidade da assistência permanente de outra pessoa em
determinadas situações.

O termo final é dividido em diversas possibilidades: a) data do retor-


no do segurado aposentado à atividade (se o fizer voluntariamente, há
o cancelamento do benefício em virtude do retorno à atividade, mas, se
não for comunicado previamente ao INSS, poderá haver a penalização
com a restituição dos valores recebidos); b) data da recuperação da
capacidade para o trabalho (em tese, a pessoa incapaz não poderia se
recuperar, porém, se isso acontecer, o benefício será retirado, sendo
possível a realização gradual); c) data do falecimento do segurado.

Observe a seguir um quadro com os elementos da aposentadoria


por incapacidade.

Quadro 3
Aposentadoria por incapacidade

Contingência Incapacidade total e permanente atestada por perícia.

Sujeito ativo Segurado.

Sujeito passivo INSS.

12 contribuições mensais, sendo possível a sua dispensa quando se tratar de acidente de qual-
Carência quer natureza, doença profissional ou do trabalho, doenças previstas no artigo 151 da PBPS.
a) para o segurado empregado: a partir do 16º dia contado de afastamento da atividade e a
partir da data do requerimento administrativo, quando o segurado estiver afastado da ativi-
dade por mais de 30 dias;
b) para o segurado que estava usufruindo do auxílio-doença e foi constatado que não seria
Termo inicial possível a recuperação: a partir do dia imediato à cessação do auxílio-doença;
c) para os demais segurados, inclusive doméstico: a partir da data do início da incapacidade
ou a partir da data do requerimento administrativo, se requerido quando o segurado já esti-
ver afastado da atividade por mais de 30 dias.
(Continua)

90 Direito e legislação social


100% do salário de benefício (ou seja, a média de todas as contribuições).
Renda mensal
Ressalta-se que há a possibilidade de majoração de 25% quando precisar de auxílio, segundo
inicial
as determinações legais.
a) data do retorno do segurado aposentado à atividade;
Termo final b) data da recuperação da capacidade para o trabalho;
c) data do falecimento do segurado.

Fonte: Elaborado pela autora com base em Brasil, 1991.

A aposentadoria especial é uma espécie de aposentadoria por


tempo de contribuição; a diferença está no tempo que pode ser re-
duzido em virtude da atividade exercida que gera danos à saúde, bem
como na sua habitualidade.

A contingência é o fato de exercer atividade sujeita a condições


especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. Esse exer-
cício deve ocorrer de modo permanente durante um período de 15,
20 ou 25 anos, com a real exposição aos agentes nocivos químicos,
físicos ou biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou
à integridade física. Ainda, vincula-se, também, a idade mínima: 55,
48 e 60 anos, respectivamente. Os agentes são os dispostos em lei. O
sujeito ativo é o segurado que tenha trabalhado pelo período de 15,
20 ou 25 anos em condições especiais que prejudiquem sua saúde ou
sua integridade física, não sendo possível a realização por empregado
doméstico e facultativos; o sujeito passivo é o INSS (BRASIL, 1991).

A carência está vinculada ao tempo de exposição, ou seja: 15, 20 e


25 anos. Quanto menor o tempo, maior é o agente prejudicial à saúde
– isto é, devido ao fato de a exposição ser de grande prejuízo, o tempo
de exposição deve ser menor.

O termo inicial é dividido em dois âmbitos: a) para o segurado empre-


gado é a partir da data do desligamento do emprego, se requerida a apo-
sentadoria especial até 60 dias, ou da data do requerimento, quando não
houver desligamento ou requerer após 90 dias; b) demais segurados, do
requerimento. A renda mensal inicial é 100% do salário de benefício.

O termo final é dividido em algumas situações: a) a regra geral é o


falecimento do segurado; b) situação excepcional, em que o indivíduo
com aposentadoria especial que continua no exercício da atividade que o
sujeite aos agentes nocivos terá o benefício cancelado. Atenção: nada im-
pede que ele receba essa aposentadoria e trabalhe em outras atividades.

As instituições de direito no Brasil e a seguridade social 91


Apresentamos, então, um quadro com os elementos da aposentadoria especial.

Quadro 4
Aposentadoria especial

Exercer atividade sujeita a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade


física. Esse exercício deve ocorrer de modo permanente durante o período de 15, 20 ou 25
Contingência anos, com a real exposição aos agentes nocivos químicos, físicos ou biológicos ou associa-
ção de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física. Idade mínima: 55, 48 e 60 anos,
respectivamente.

Sujeito ativo Segurado.

Sujeito passivo INSS.

Período de exposição: 15, 20 ou 25 anos.


Carência
Idade mínima: 55, 48 e 60 anos, respectivamente.
a) para o segurado empregado: a partir da data do desligamento do emprego, se requerida
a aposentadoria especial até 60 dias, ou da data do requerimento, quando não houver desli-
Termo inicial gamento ou quando requereu após 90 dias;
b) demais segurados: a partir do requerimento.

Renda mensal 100% do salário de benefício (ou seja, a média de todas as contribuições).
inicial
a) falecimento do segurado;
Termo final b) situação excepcional: indivíduo com aposentadoria especial que continua no exercício da
atividade que o sujeite aos agentes nocivos.
Fonte: Elaborado pela autora com base em Brasil, 1991.

Adentra-se, então, no auxílio-doença, que é o benefício por incapa-


cidade dado ao segurado do INSS que estiver temporariamente inca-
paz para o trabalho em decorrência de doença. Essa situação deve ser
comprovada por perícia médica. A diferença para a aposentadoria por
incapacidade é que o auxílio-doença é provisório.

A contingência é a incapacidade temporária para a atividade habi-


tual, não necessariamente o trabalho, por mais de 15 dias. O sujeito
ativo é o segurado, e o sujeito passivo é o INSS. A carência é de 12
contribuições mensais, sendo possível a dispensa dessa carência no
caso de acidente, de doença profissional (decorrente do trabalho) e de
doenças graves dispostas em lei.

O termo inicial é dividido em dois âmbitos: a) para o segurado em-


pregado é a partir do 16º dia contado de afastamento da atividade –
destaca-se que os primeiros 15 são pagos pelo empregador a título de
salário – ou a partir da data do requerimento administrativo, quando
o segurado estiver afastado da atividade por mais de 30 dias; b) para
os demais segurados, inclusive doméstico, a partir da data do início da

92 Direito e legislação social


incapacidade ou da data do requerimento administrativo, se requerido
quando o segurado já estiver afastado da atividade por mais de 30 dias.
A renda mensal inicial corresponde a 91% do salário de benefício.

O termo final é dividido em cinco situações: a) dia em que o benefí-


cio for convertido em aposentadoria por invalidez ou auxílio-acidente de
qualquer natureza (quando a lesão que reduz a capacidade se consolida);
b) dia em que cessar a incapacidade para o trabalho, sendo isso compro-
vado por perícia; c) dia em que cessar o prazo de 120 dias, exceto se o se-
gurado requerer a prorrogação; d) exercício de atividade de subsistência
durante o benefício; e) falecimento do segurado (BRASIL, 1991).

Apresentamos, então, um quadro com os elementos.

Quadro 5
Auxílio-doença

Incapacidade temporária para a atividade habitual, não necessariamente o trabalho, por mais
Contingência de 15 dias.

Sujeito ativo Segurado.

Sujeito passivo INSS.

12 contribuições mensais.
Carência Possibilidade de dispensa: no caso de acidente, de doença profissional (decorrente do traba-
lho) e de doenças graves dispostas em lei.
a) para o segurado empregado: a partir do 16º dia contado de afastamento da atividade –
destaca-se que os primeiros 15 são pagos pelo empregador a título de salário – ou a partir da
data do requerimento administrativo, quando o segurado estiver afastado da atividade por
Termo inicial mais de 30 dias;
b) para os demais segurados, inclusive doméstico: a partir da data do início da incapacida-
de ou da data do requerimento administrativo, se requerido quando o segurado já estiver
afastado da atividade por mais de 30 dias.

Renda mensal A renda mensal inicial corresponde a 91% do salário de benefício.


inicial
a) dia em que o benefício for convertido em aposentadoria por invalidez ou auxílio-acidente
de qualquer natureza;
b) dia em que cessar a incapacidade para o trabalho, sendo isso comprovado por perícia;
Termo final c) dia em que cessar o prazo de 120 dias, exceto se o segurado requerer a prorrogação;
d) exercício de atividade de subsistência durante o benefício;
e) falecimento do segurado.
Fonte: Elaborado pela autora com base em Brasil, 1991.

Com relação ao auxílio-acidente, trata-se de um benefício pago


ao segurado do INSS quando, em decorrência de acidente, apresen-
tar sequela permanente que reduza sua capacidade para o trabalho.

As instituições de direito no Brasil e a seguridade social 93


A diferença com relação à aposentadoria por incapacidade é que o
auxílio-acidente é uma indenização e não tem o objetivo de garantir a
subsistência (como no caso da aposentadoria por incapacidade).

A contingência é a redução da capacidade permanente para o tra-


balho habitualmente exercido, e essa redução deve ter ocorrido em vir-
tude da consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer
natureza, não se restringindo somente aos acidentes de trabalho. Ou
seja, a pessoa não consegue mais trabalhar pois sofreu um acidente,
tendo este ocorrido no trabalho ou não.

O sujeito ativo é o segurado – inclusive o empregado doméstico,


a partir de 1 de maio de 2015 (data do início da vigência da lei das
domésticas) –, não sendo incluso o contribuinte individual e facultati-
vo. O sujeito passivo é o INSS. Não há carência. O termo inicial é o dia
seguinte ao da cessação do auxílio-doença ou a data do requerimento.

A renda mensal inicial é 50% do salário de benefício que deu origem


ao auxílio-doença, isto é, a sua remuneração do trabalho na época do
acidente, corrigido até o mês anterior ao do início do auxílio-acidente.

O termo final é dividido em três situações: a) reabilitação para o


exercício daquele trabalho (pode receber o auxílio-acidente, e exercer
trabalho diverso); b) com a aposentadoria; c) falecimento do segurado
Quadro 6 (BRASIL, 1991).
Auxílio-acidente

A redução da capacidade permanente para o trabalho habitualmente exercido. Essa redução


Contingência deve ter ocorrido em virtude da consolidação das lesões decorrentes de acidente de qual-
quer natureza, não se restringindo somente aos acidentes de trabalho.

Sujeito ativo O segurado, inclusive o empregado doméstico.

Sujeito passivo INSS.

Carência Não tem.

a) o dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença;


Termo inicial
b) a data do requerimento.

Renda mensal 50% do salário de benefício que deu origem ao auxílio-doença.


inicial
a) reabilitação para o exercício daquele trabalho;
Termo final b) com a aposentadoria;
c) falecimento do segurado.
Fonte: Elaborado pela autora com base em Brasil, 1991.

94 Direito e legislação social


O salário-família é o benefício pago em razão do dependente do
trabalhador de baixa renda nos termos da lei, vinculado aos traba-
lhadores de baixa renda. Ressaltamos que esse benefício se difere do
Bolsa Família, que é um programa de transferência de renda para famí-
lia pobres, com renda de R$ 436,00 mensal (critério do IBGE), e famílias
extremamente pobres, que possuam renda de até R$ 89,00 mensais
por pessoa (critério do Bolsa Família).

A contingência se consolida no fato de ser segurado empregado


(doméstico ou avulso) com renda bruta igual ou inferior a R$ 1.503,25
(atualizada anualmente) e que mantém filho de até 14 anos de idade
ou inválidos de qualquer idade. Equiparam-se os enteados e tutelados.

O sujeito ativo é o segurado empregado, doméstico, avulso, rural,


incluindo-se o aposentado com mais de 60 (mulher) e 65 (homem); só
não se inclui o trabalhador individual, especial e facultativo. O sujeito
passivo é o INSS. Não tem carência.

O termo inicial é a data da apresentação da documentação exigi-


da em lei. A renda mensal inicial é calculada com base no número de
dependentes, sendo cada um correspondente a uma cota no valor de
R$ 51,27. O termo final é dividido em quatro situações: a) morte do filho
ou equiparado, a contar do mês seguinte ao óbito; b) quando o filho
ou equiparado completar 14 anos de idade, salvo se inválido, a partir
do mês seguinte ao da data do aniversário; c) quando recuperada a
capacidade do filho ou equiparado inválido, a partir do mês seguinte
ao da cessação da incapacidade (situação rara); d) pelo desemprego do
segurado (BRASIL, 1991).

Quadro 7
Salário-família

Ser segurado empregado (doméstico ou avulso) com renda bruta não superior a R$ 1.503,25
Contingência e manter filho de até 14 anos de idade ou inválidos de qualquer idade. Ressalta-se que se
equipara os enteados e tutelados.
Segurado empregado, doméstico, avulso, rural, incluindo-se o aposentado com mais de 60
Sujeito ativo (mulher) e 65 (homem).
Não inclui o trabalhador individual, especial e facultativo.

Sujeito passivo INSS.

Carência Não tem.

Termo inicial Apresentação da documentação exigida em lei.

(Continua)

As instituições de direito no Brasil e a seguridade social 95


Renda mensal Calculada com base no número de dependentes, sendo cada um correspondente a uma cota
inicial no valor de R$ 51,27.

a) morte do filho ou equiparado, a contar do mês seguinte ao óbito;


b) quando o filho ou equiparado completar 14 anos de idade, salvo se inválido, a partir do mês
seguinte ao da data do aniversário;
Termo final
c) quando recuperada a capacidade do filho ou equiparado inválido, a partir do mês seguinte
ao da cessação da incapacidade (situação rara);
d) pelo desemprego do segurado.

Fonte: Elaborado pela autora com base em Brasil, 1991.


Já o salário-maternidade é um benefício de caráter previdenciário
garantido às mães que se afastam do emprego nos estágios finais da
gravidez ou logo após darem à luz, sendo estendido no caso de adoção.
A regra geral é que o benefício é de 120 dias no total, com início 28 dias
antes do parto, ou da data deste; 120 dias no caso de natimorto; 120 dias
no caso de adoção ou guarda judicial para fins de adoção, independente-
mente da idade do adotado, que deverá ter no máximo 12 anos de ida-
de (aqui há discussões); e 14 dias no caso de aborto espontâneo ou de
previstos em lei (estupro ou risco de vida para a mãe), a critério médico.

A contingência é passar pelo estado gravídico, adotar ou obter guar-


da judicial para fins de adoção. Há várias discussões se seria possível a
extensão a homens, por exemplo.

O sujeito ativo é o segurado; desempregado durante o período de


graça, que é o período em que a pessoa ainda é considerada segurada,
mesmo não estando contribuindo, dependendo do tempo anterior de
contribuição; e sucessor da falecida. O sujeito passivo é o INSS, entre-
tanto o pagamento pode ser feito pela empresa (empregadora).

A carência é dividida nas seguintes situações: não há no caso de


empregadas, empregadas domésticas e avulsas; e dez contribuições
mensais no caso de contribuinte individual e facultativa.

O termo inicial é dividido em cinco situações: a) 28 dias que antece-


dem o parto (com atestado) ou data do nascimento; b) antecipado em
duas semanas, em casos excepcionais; c) data da adoção ou guarda
judicial para fins de adoção; d) óbito do segurado falecido, assim o su-
cessor recebe após; e) a partir da ocorrência do aborto. A renda mensal
inicial também é dividida em algumas situações: a) para empregada ou
trabalhadora avulsa, o valor do benefício é o mesmo valor da sua re-
muneração integral, equivalente a um mês de trabalho; b) para empre-
gada doméstica (em atividade), o valor do benefício é o mesmo valor

96 Direito e legislação social


do seu último salário de contribuição; c) para segurada especial, o valor
é de um salário mínimo por mês de benefício; d) e para contribuinte
individual, facultativo e desempregada em período de graça, o valor
será calculado em 1/12 avos da soma dos últimos 12 últimos salários
de contribuição, apurados em período não superior a 15 meses.

O termo final é dividido em duas situações: a) ao final de 91 dias


após o parto, antecipado ou não, ou seja, quando finalizar os 120 dias
(há a possibilidade de extensão em casos excepcionais, por atestado
médico); b) ou morte da segurada (BRASIL, 1991).

Quadro 8
Salário-maternidade

Contingência Passar pelo estado gravídico, adotar ou obter guarda judicial para fins de adoção.

Sujeito ativo Segurado; desempregado durante o período de graça; e sucessor da falecida.

Sujeito passivo INSS, mas, no caso de empregadas, o pagamento é pela empresa.

Empregadas doméstica e avulsa: não têm.


Carência
Contribuintes individual e facultativa: dez contribuições mensais.
a) 28 dias que antecedem o parto (com atestado) ou data do nascimento;
b) antecipado em duas semanas, em casos excepcionais;
Termo inicial c) data da adoção ou guarda judicial para fins de adoção;
d) óbito do segurado falecido, assim o sucessor recebe após;
e) a partir da ocorrência do aborto.
a) empregada ou trabalhadora avulsa: o mesmo valor da sua remuneração integral, equiva-
lente a um mês de trabalho;
b) empregada doméstica (em atividade): o mesmo valor do seu último salário de contribuição;
Renda mensal
c) segurada especial: o valor é de um salário mínimo por mês de benefício;
inicial
d) contribuinte individual, facultativo e desempregada em período de graça: 1/12 avos da
soma dos últimos 12 últimos salários de contribuição, apurados em período não superior a
15 meses.
a) ao final de 91 dias após o parto, antecipado ou não (ou seja, quando finalizar os 120 dias),
Termo final (há a possibilidade de extensão em casos excepcionais, por atestado médico);
b) morte da segurada.
Fonte: Elaborado pela autora com base em Brasil, 1991.

Finalizado o estudo dos benefícios que são direcionados aos segu-


rados, abordaremos os benefícios voltados aos dependentes: pensão
por morte e auxílio-reclusão.

A pensão por morte é o benefício voltado ao conjunto de depen-


dentes do falecido. A contingência é ser dependente do segurado
falecido (seja por morte natural ou presumida); conforme visto, os de-

As instituições de direito no Brasil e a seguridade social 97


pendentes são: de 1ª classe, cônjuge, companheira, companheiro e fi-
lho não emancipado menor de 21 anos ou inválido; de 2ª classe, pais; e
de 3ª classe, irmão não emancipado menor de 21 anos ou inválido. As
classes são hierárquicas e a existência de uma exclui as demais.

O sujeito ativo é o conjunto de dependentes e o sujeito passivo é o


INSS; não há carência.

O termo inicial é dividido em algumas situações: a) data do óbito,


quando requerido em até 90 dias; b) data do requerimento, quando
requerido após 90 dias; c) data da decisão judicial, no caso de morte
presumida; d) data da ocorrência, se o segurado despareceu em
catástrofe, acidente ou desastre.

A renda mensal inicial é calculada com base no valor da aposenta-


doria que o segurado falecido recebia ou iria receber; além disso, é se-
parada por cotas familiares, iniciando-se com 50% e acrescentando-se
10% por dependente, até o máximo de 100%. O termo final é dividido
em cinco situações: a) morte do pensionista (o dependente que recebia
o benefício); b) ao completar 21 anos, salvo se inválido ou deficiência
intelectual ou mental ou deficiência grave (no caso de filho, equiparado
ou irmão); c) cessação da invalidez, no caso de filho ou irmão inválido;
d) cessação da invalidez ou afastamento da deficiência, no caso de côn-
juge; e) reaparecimento do segurado, em caso de morte presumida.

Destacamos que o recebimento pelo cônjuge está vinculado ainda a


três fatores: número de contribuições do falecido, tempo de casamento
ou união estável e idade do cônjuge. Nesse sentido, o segurado que te-
nha contribuído com menos de 18 contribuições mensais ou estivesse
em um relacionamento há menos de 2 anos terá uma pensão por morte
de quatro meses. Por outro lado, caso o segurado falecido tenha reali-
zado mais de 18 contribuições mensais e tenha, cumulativamente, mais
de 2 anos de relacionamento, o tempo da pensão será atrelado à idade
do cônjuge sobrevivente: com menos de 21 anos terá direito a 3 anos de
pensão; com 21 a 26 anos terá direito a 6 anos de pensão; com 27 a 29
anos terá direito a 10 anos de pensão; com 30 a 40 anos terá direito a 15
anos de pensão; com 41 a 43 anos terá direito a 20 anos de pensão; com
44 anos ou mais terá direito a pensão vitalícia (BRASIL, 1991).

Apresentamos, então, um quadro com os elementos da


pensão por morte.

98 Direito e legislação social


Quadro 9
Pensão por morte

Contingência Ser dependente do segurado falecido.

Sujeito ativo Conjunto de dependentes.

Sujeito passivo INSS.

Carência Não há (ver caso do cônjuge).

a) data do óbito, quando requerido até 90 dias;


b) data do requerimento, quando requerido após 90 dias;
Termo inicial
c) data da decisão judicial, no caso de morte presumida;
d) data da ocorrência, se o segurado despareceu em catástrofe, acidente ou desastre.

Renda mensal Base de cálculo: valor da aposentadoria do falecido.


inicial Inicia-se com 50% e acrescenta-se 10% por dependente, até o máximo de 100%.
a) morte do pensionista (o dependente que recebia o benefício);
b) ao completar 21 anos, salvo se inválido ou deficiência intelectual ou mental ou deficiência
grave (no caso de filho, equiparado ou irmão);
c) cessação da invalidez, no caso de filho ou irmão inválido;
d) cessação da invalidez ou afastamento da deficiência, no caso de cônjuge;
e) reaparecimento do segurado em caso de morte presumida;
f) no caso do cônjuge ou companheiro:

Situação 1: segurado falecido com menos de 18 contribuições mensais ou relaciona-


mento com menos de 2 anos.
Tempo da pensão por morte 4 anos
Termo final
Situação 2: segurado falecido com mais de 18 contribuições mensais e relacionamento
de mais de 2 anos.
Idade Tempo da pensão por morte
Menos de 21 anos 3 anos
Entre 21 e 26 anos 6 anos
Entre 27 e 29 anos 10 anos
Entre 30 e 40 anos 15 anos
Entre 41 e 43 anos 20 anos
44 ou mais vitalício

Fonte: Elaborado pela autora com base em Brasil, 1991.

Por fim, abordamos o auxílio-reclusão, que se trata de um benefí-


cio muito próximo ao da pensão por morte, mas destinado aos depen-
dentes do segurado recluso à prisão somente em regime fechado, que
não recebe remuneração, auxílio-doença e aposentadoria.

As instituições de direito no Brasil e a seguridade social 99


A contingência é ser dependente de segurado de baixa renda re-
colhido à prisão, em 2020, e o valor máximo de renda bruta men-
sal que ele pode ter é de R$ 1.425,56. O sujeito ativo é o conjunto
de dependentes do segurado de baixa renda recolhido à prisão e o
sujeito passivo é o INSS. Há carência de 24 contribuições mensais
para prisões a partir de 18 de fevereiro de 2019, em virtude de uma
alteração na lei.

O termo inicial é dividido em dois pontos: a) data do recolhimento


à prisão, quando requerido até 90 dias; b) data do requerimento, se
requerido após 90 dias. A renda inicial começa com a cota familiar de
50% do valor da aposentadoria recebida pelo segurado ou daquela que
teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente, acresci-
da de cotas de 10% por dependente até o máximo de 100% (relembrar
o cálculo da aposentadoria indicado anteriormente).

O termo final ocorre em cinco possibilidades: a) data em que for


liberado por ter cumprido a pena, progressão de regime para aber-
to, obtido livramento condicional; b) óbito do detido ou recluso; c)
data da concessão da aposentadoria no período em que o segurado
estiver recolhido à prisão; d) falecimento do dependente; e) mesmas
causas de extinção da cota da pensão por morte. Destaca-se que
o recebimento pelo cônjuge está vinculado aos mesmos fatores da
pensão por morte, com uma única diferença: o auxílio-reclusão ja-
mais será vitalício, somente indeterminado, na última situação apre-
sentada (BRASIL, 1991).
Quadro 10
Auxílio-reclusão

Ser dependente de segurado de baixa renda recolhido à prisão.


Contingência
Baixa renda em 2020: R$ 1.425,56.

Sujeito ativo Conjunto de dependentes.

Sujeito passivo INSS.

Carência 24 contribuições mensais para prisões a partir de 18/02/2019 (ver caso do cônjuge).

a) data do recolhimento à prisão, quando requerido até 90 dias;


Termo inicial
b) data do requerimento, se requerido após 90 dias.

Renda mensal A renda é: desse valor, recebe-se 50% + 10% por cada dependente, até o limite de 100%.
inicial
(Continua)

100 Direito e legislação social


a) data em que for liberado por ter cumprido a pena, progressão de regime para aberto,
obtido livramento condicional;
b) óbito do detido ou recluso;
c) data da concessão da aposentadoria no período em que o segurado estiver recolhido
à prisão;
d) falecimento do dependente;
e) mesmas causas de extinção da cota da pensão por morte.

Situação 1: segurado recluso com menos de 18 contribuições mensais ou relaciona-


mento com menos de 2 anos.
Tempo do auxílio-reclusão 4 anos
Termo final
Situação 2: segurado do recluso com mais de 18 contribuições mensais e relaciona-
mento de mais de 2 anos.
Idade Tempo do auxílio-reclusão
Menos de 21 anos 3 anos
Entre 21 e 26 anos 6 anos
Entre 27 e 29 anos 10 anos
Entre 30 e 40 anos 15 anos
Entre 41 e 43 anos 20 anos
44 ou mais Indeterminado

Fonte: Elaborado pela autora com base em Brasil, 1991. Atividade 2


Nesse sentido, é possível observar o grande rol de instituições da Escolha um benefício previ-
previdência social, das suas particularidades e dos seus requisitos. A denciário e elabore um mapa
conceitual com os principais
proximidade da população com as informações dessas instituições
elementos dele.
de direito é essencial para um atendimento amplo e para a garantia
de direitos.

4.4 Instituições de direito e assistência social


Vídeo A assistência social é composta de diversas ações e eixos; assim, é
importante ressaltar que os benefícios são somente uma parte da sua
atuação, é e essa pequena parte que será abordada nesta seção. Os be-
nefícios assistenciais têm por objetivo satisfazer às necessidades básicas
dos indivíduos e são direcionados à parcela da população em situação de
vulnerabilidade; por esse motivo, não são vinculados a uma contribuição.

Há duas divisões dos benefícios da assistência social: os de presta-


ção continuada e os eventuais. Importante a ressalva de que o Bolsa
Família surgiu fora da política de assistência social, mas, no decorrer do
tempo, acabou sendo incorporado a ela. Abordamos, então, cada um
desses eixos em suas particularidades.

As instituições de direito no Brasil e a seguridade social 101


O benefício de prestação continuada (BPC) está previsto na
Lei n. 8.742/1993, que é a Lei sobre a Organização da Assistência Social,
conhecida como LOAS. Isso faz com que várias pessoas chamem o
próprio benefício de LOAS, o que é não é correto, pois a lei abrange
toda a estrutura da assistência, e não somente o benefício.

O BPC tem por objetivo satisfazer as necessidades básicas de


determinados indivíduos em situação de vulnerabilidade, sendo a
contingência não um acontecimento, mas uma situação por completa:
ser pessoa com deficiência ou idosa com 65 anos ou mais, sendo que
em ambas as situações não deve ter meios para prover sua subsistência
nem por meio da sua família.

O sujeito ativo é a pessoa idosa (com 65 anos ou mais) e a pessoa


com deficiência, inclusive o estrangeiro, que não possua condições de
prover sua subsistência nem a ter por meio de sua família. A deficiência
e o grau de impedimento são determinados mediante avaliação médi-
ca e avaliação social por competência do INSS. Além disso, não pode
ser segurado ou dependente de segurado na previdência social.

Já o sujeito passivo é o INSS, porém o pagamento é realizado por


meio do Fundo Nacional de Assistência Social. Não existe carência, uma
vez que, por se tratar de um benefício assistencial, não exige contribui-
ção para o seu custeio.

O termo inicial tem como regra geral a data da entrada do requeri-


mento (DER) administrativo, mas eventualmente ele pode ser concedi-
do por via judicial e há divergência se contaria da data do requerimento
ou do lado pericial. A Súmula 22 da Turma Nacional de Uniformização
dos Juizados Especiais Federais aponta uma direção: “se a prova pe-
ricial realizada em juízo dá conta de que a incapacidade já existia na
data do requerimento administrativo, esta é o termo inicial do benefí-
cio assistencial” (BRASIL, 2004b).

A renda mensal inicial é o valor de um salário mínimo, que se supõe


que seja o suficiente para a manutenção da vida digna.

O termo final é dividido em cinco possibilidades: a) quando a pessoa


com deficiência exerce atividade remunerada, inclusive como microem-
preendedor individual; b) quando superadas as condições que deram

102 Direito e legislação social


origem ao benefício; c) quando constatada irregularidade; d) quando
há falecimento real ou presumido; e) quando há o caso de ausência
judicialmente declarada. Ressaltamos que não há a cessação do bene-
fício quando a pessoa com deficiência desenvolve habilidades cogniti-
vas, motoras ou educacionais e realiza atividades não remuneradas de
habilitação e reabilitação ou, ainda, quando contratada como aprendiz
– nesse caso, é possível a cumulação do benefício com a remuneração
por até dois anos (BRASIL, 1993).

Vejamos um quadro com os elementos da prestação continuada.

Quadro 11
Benefício de prestação continuada

Ser pessoa com deficiência ou idosa com 65 anos ou mais.


Contingência
Não ter meios para prover sua subsistência, nem por meio da sua família.
Ser pessoa com deficiência ou idosa com 65 anos ou mais, inclusive estran-
Sujeito ativo geiro.
Não ter meios para prover sua subsistência, nem por meio da sua família.

Sujeito passivo INSS (pagamento pelo Fundo Nacional de Assistência Social).

Carência Não tem.

Termo inicial Regra geral: a data da entrada do requerimento (DER) administrativo.

Renda mensal inicial Salário mínimo.

a) a pessoa com deficiência exerce atividade remunerada, inclusive como mi-


croempreendedor individual;
b) superadas as condições que deram origem ao benefício;
Termo final c) constatada irregularidade;
d) com o falecimento real ou presumido;
e) ausência judicialmente declarada.
Fonte: Elaborado pela autora com base em Brasil, 1993.

Na sequência, apresentamos os benefícios eventuais, que são desti-


nados também à proteção de vulnerabilidades. No entanto, a grande
diferença é que são ofertados no âmbito dos municípios e do Distrito
Federal, por isso a sua regulação se dá no seu âmbito. O Ministério
da Cidadania aponta as situações em que ele ocorre e como pode ser
ofertado, conforme o quadro a seguir.

As instituições de direito no Brasil e a seguridade social 103


Quadro 12
Benefícios eventuais: situações e abrangência.

Situação Abrangência
Necessidade do bebê ao nascer, apoio à mãe quando do nascimento sem
Nascimento
vida e apoio à família quando da morte da mãe.
Atendimento a necessidades urgentes após a morte de um dos provedores
Morte
da família e a despesas funerárias, velório e sepultamento.
Atendimento a situações de risco, perdas e danos à integridade, bem como
Vulnerabilidade temporária
outras situações sociais que comprometam a sobrevivência.
Garantia dos meios necessários à sobrevivência da família e do indivíduo na
Calamidade pública
situação elencada.
Fonte: Elaborado pela autora com base em Brasil, 2020.

Por fim, o Bolsa Família é um programa de transferência de renda


direcionado a famílias em situação de pobreza, com renda de R$ 436,00
mensal (critério do IBGE), e de extrema pobreza, com renda de até
R$ 89,00 mensais por pessoa (critério do Bolsa Família), com o objetivo
de corrigir vulnerabilidades.

A contingência é possuir família e estar em situação de pobreza ou


extrema pobreza; o sujeito ativo é o indivíduo; e o sujeito passivo é
a União, por meio da Caixa Econômica. Não há carência, ou seja, exi-
gência de contribuição mínima ao sistema, o que há são requisitos,
quais sejam: a) inclusão da família no Cadastro Único dos Programas
Sociais do ​Governo Federal; b) seleção pelo Ministério da Cidadania; c)
no caso de gestantes, comparecimento às consultas pré-natais confor-
me calendário; d) participação em atividades educativas ofertadas; e)
manutenção do cartão de vacinação das crianças de 0 a 7 anos em dia;
f) acompanhamento da saúde de mulheres na faixa de 14 a 44 anos; g)
garantia de frequência mínima de 85% na escola, para crianças e ado-
lescentes de 6 a 15 anos, e de 75%, para adolescentes de 16 e 17 anos​
(BRASIL, 2004a).

O termo inicial é a data do requerimento e em conformidade com


o calendário de pagamentos.

Para a análise do que intitulamos renda mensal inicial, precisamos


entender que há diferentes tipos de benefício, que possuem requisitos
e situações a serem cumpridas: a) benefício básico: direcionado a famí-
lias em extrema pobreza, com valor de R$ 89,00; b) benefício variável:
dividido em alguns casos, apresentados a seguir.

104 Direito e legislação social


1. benefício variável de 0 a 15 anos: quando há na família crianças
e adolescentes de 0 a 15 anos de idade, com valor de R$ 41,00;
2. benefício variável à gestante: quando há na família uma gestante,
no valor de R$ 41,00;
3. benefício variável nutriz: quando há crianças de 0 a 6 meses, o
valor do benefício é de R$ 41,00;
4. benefício variável jovem: quando há jovem de 16 e 17 anos, o
valor do benefício é de R$ 48,00.

O termo final está relacionado à superação da situação de pobreza


e extrema pobreza e ao alcance de idades superiores aos parâmetros
citados, à finalização de gestações ou ao desrespeito aos requisitos
elencados.

Quadro 13
Bolsa Família

Contingência Possuir família e estar em situação de pobreza ou extrema pobreza.

Sujeito ativo Indivíduo.

Sujeito passivo União, por meio da Caixa Econômica Federal.

Não tem, mas há requisitos:


a) inclusão da família no Cadastro Único dos Programas Sociais do Governo Federal;
b) seleção pelo Ministério da Cidadania;
c) no caso de gestantes, o comparecimento às consultas pré-natais conforme calendário;
Carência d) participação em atividades educativas ofertadas;
e) manutenção do cartão de vacinação das crianças de 0 a 7 anos, deixando-o em dia;
f) acompanhamento da saúde de mulheres na faixa de 14 a 44 anos;
g) garantia de frequência mínima de 85% na escola, para crianças e adolescentes de 6 a
15 anos, e de 75%, para adolescentes de 16 e 17 anos.

Termo inicial Data do requerimento, considerando o calendário de pagamento.

Depende do tipo de benefício:


a) benefício básico: direcionado a famílias em extrema pobreza, com valor de R$ 89,00;
b) benefício variável: dividido em alguns casos:
Renda mensal 1. benefício variável de 0 a 15 anos: quando há na família crianças e adolescentes de 0 a 15
inicial anos de idade, o valor é de R$ 41,00;
2. benefício variável à gestante: quando há na família uma gestante, o valor é R$ 41,00;
3. benefício variável nutriz: quando há crianças de 0 a 6 meses, o valor do benefício é de R$ 41,00;
4. benefício variável jovem: quando há jovem de 16 e 17 anos, o valor do benefício é de R$ 48,00.
a) superação da situação de pobreza e extrema pobreza;
b) finalização da gestação;
Termo final
c) alcance das idades;
d) não cumprimento dos requisitos.
Fonte: Elaborado pela autora com base em Brasil, 2004a.
As instituições de direito no Brasil e a seguridade social 105
Atividade 3 Compreender os benefícios que envolvem a assistência social é um
Apresente duas diferenças passo importante para os estudos desse eixo da seguridade social; en-
entre o benefício de prestação
tretanto, é necessário sempre ter em mente que a assistência social é
continuada e o Programa
Bolsa Família. composta de diversos eixos que transpassam os benefícios, como a
informação à população.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O aperfeiçoamento e o aumento da confiabilidade nas instituições
– enquanto arcabouço normativo, organizacional etc. (“regras do jogo”)
– são um passo essencial para a concretização do desenvolvimento de
maneira ampla e igualitária.
Neste capítulo, abordamos as instituições de direito no que tange ao
sistema de saúde e compreendemos os seus níveis de atuação – atenção
primária, atenção secundária e atenção terciária – e como eles se desen-
volvem no âmbito dos municípios, dos estados e da União. O mais im-
portante entre eles, em virtude de sua abrangência e aproximação com a
população, é a atenção primária, em todos os seus eixos de atuação.
Em um segundo momento, estudamos as instituições de direito no
que diz respeito à previdência social e selecionamos um rol de benefícios
para aprofundamento, abrangendo desde a contingência, os sujeitos, os
tempos de carência, os termos iniciais e a renda inicial até o termo final.
Por fim, tratamos das instituições de direito relacionadas à assistência
social, a qual não é realizada somente por meio de benefícios, mas tam-
bém – e principalmente – por ações informativas e de cuidado. Os bene-
fícios abordados se diferenciam dos elencados no âmbito da previdência
especialmente por seu caráter assistencial e desvinculado da exigência de
contribuição.
Dessa forma, vimos, neste capítulo, uma parte das instituições que
sustentam a seguridade social, sendo de suma importância que o sistema
seja pensado de modo a alcançar todos os cidadãos, ao menos a nível de
informação, e assim ampliar a confiabilidade no sistema, fortalecendo-o.

REFERÊNCIAS
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Brasília, DF, 25 jul. 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
l8213cons.htm. Acesso em: 8 mar. 2021.
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Brasília, DF, 8 dez. 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.
htm. Acesso em: 8 mar. 2021.

106 Direito e legislação social


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2006/2004/lei/l10.836.htm. Acesso em: 8 mar. 2021.
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Súmula 22, de 31 ago. 2004. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF,
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STARFIELD, B. Primary care: concept, evaluation, and policy. Starfield B. Nova York: Oxford
University Press, 1992.

GABARITO
1. Há seis eixos de atuação da atenção primária de saúde: vigilância em saúde; promo-
ção à saúde; atenção e cuidados centrados na saúde do adulto e do idoso; atenção e
cuidados centrados na saúde da criança e do adolescente; procedimentos na APS; e
atenção e cuidados relacionados à saúde bucal. A vigilância em saúde abrange a aná-
lise epidemiológica local, como os programas de imunização por meio de calendários
de vacinação. A promoção à saúde envolve consulta para acompanhamento do cres-
cimento e desenvolvimento de crianças. O eixo de atenção e cuidados centrados na
saúde do adulto e do idoso possui várias divisões, entretanto se destaca a atenção à
saúde da mulher. Já a parte de atenção e cuidados centrados na saúde da criança e do
adolescente pode ser feita por meio do atendimento domiciliar, no caso de impossi-
bilidade de locomoção. Por fim, a ação de atenção e cuidados relacionados à saúde
bucal pode ser feita por meio de exames.

As instituições de direito no Brasil e a seguridade social 107


2. Como exemplo, escolhemos a aposentadoria, mas você pode escolher qualquer be-
nefício citado.

Contingência:
trabalhadores da
iniciativa privada de 65
anos (homem) e 62 anos
(mulher), com tempo
mínimo de contribuição
de 20 anos e 15 anos,
respectivamente.
Sujeitos: ativo
Termo final:
(segurado),
falecimento.
passivo (INSS).

Aposentadoria

Renda mensal Carência: tempo


inicial: média de mínimo de
100% do histórico contribuição de
de contribuições 20 anos (homens) e
do trabalhador. 15 anos (mulheres).
Termo inicial: data
da saída do trabalho,
se o requerimento foi
feito antes de 90 dias;
ou do requerimento,
se feito após 90 dias.

3. O benefício de prestação continuada e o Programa Bolsa Família são completamente


diferentes, sendo possível apresentar vários parâmetros: a renda mensal inicial do
primeiro é um salário mínimo, enquanto a do segundo é vinculada ao nível de po-
breza, dependentes e algumas situações específicas; além disso, há uma listagem de
requisitos que os indivíduos beneficiários do Bolsa Família precisam cumprir durante
o recebimento, enquanto no BPC são elementos dos sujeitos.

108 Direito e legislação social


5
Seguridade social nas
políticas públicas,
na judicialização e
no terceiro setor
Garantir a efetividade da seguridade social é um grande desafio
atualmente, pois restringi-la somente à legislação e a dispositivos
constitucionais é insuficiente diante da sua complexidade.

Nesse cenário insurgem três grandes pontos de atuação: as


políticas públicas, a judicialização e a atuação do terceiro setor. É
interessante observarmos que esses três pontos trazem em si um
diálogo entre os poderes e a sociedade: as políticas públicas dia-
logam entre Legislativo e Executivo em sua formulação e Judiciário
como fiscalizador de sua implementação; o que nos leva direta-
mente ao tópico da judicialização, que diz respeito a indivíduos ou
coletividades que levam ao Judiciário uma situação de não cumpri-
mento de seus direitos fundamentais. Diante talvez de uma insu-
ficiência estatal, é possível vislumbrar cada vez mais fortemente o
terceiro setor, caminhando para suprir essas demandas e dialo-
gando diretamente com todos os poderes.

5.1 Políticas públicas voltadas


Vídeo à seguridade social
O Estado pode atuar de diversas formas para a promoção dos direitos
sociais. Hachem (2014) elenca as formas de realização pela administração
pública dessa promoção: mediante uma regulamentação que discipline
formas de acesso àquele bem jurídico jusfundamental; serviço público; e
políticas públicas, sendo estas o foco desta seção.

Seguridade social nas políticas públicas, na judicialização e no terceiro setor 109


As políticas públicas, enquanto ações coordenadas e racionalizadas
de longo prazo, são essenciais para a concretização dos ideais consti-
tucionais. Dessa forma, segundo Hachem (2014), especificamente em
relação aos direitos sociais, a sua maximização exige que a adminis-
tração formule e execute políticas públicas que objetivem a correção
de problemas sociais que “atravanquem a proteção e promoção ade-
quada desses direitos e que impeçam indivíduos e setores específicos
da sociedade de lograr acesso igualitário aos bens jurídicos por eles
protegidos” (HACHEM, 2014, p. 520). Por esse motivo, a seguridade so-
cial, enquanto saúde, previdência e assistência, realiza-se por diversas
vertentes e não se basta somente em serviços públicos, mas necessita
de tomadas de decisões políticas que projetem ao país os objetivos
constitucionais.

Em um primeiro momento, apresentamos a definição tradicional de


Bucci (2006, p. 14), que entende política pública como um “programa
de ação governamental” que seria efetivado por meio de um conjunto
de processos que coordenaria os meios à disposição do Estado e das
atividades privadas, para enfim alcançar os “objetivos socialmente rele-
vantes e politicamente determinados”. Bucci (2006, p. 14) complemen-
ta ainda que um dos objetivos das políticas públicas é “movimentar a
máquina do governo”, realizando e concretizando direitos.

Por sua vez, Fonte (2013, p. 49) assevera de forma simplificada que
políticas públicas compreenderiam o “conjunto de atos e fatos jurídi-
cos que têm por finalidade a concretização de objetivos estatais pela
Administração Pública”, não se restringindo então somente a direitos
fundamentais em geral ou direitos sociais.

A perspectiva de Massa-Arzabe (2006, p. 63) sobre políticas públicas


traz um pouco mais de detalhes. Ela afirma que essas são “conjuntos de
programas de ação governamental estáveis no tempo, racionalmente
moldados, implantados e avaliados” e, ainda, que objetivam a realiza-
ção de direitos e de objetivos sociais juridicamente relevantes que es-
tejam direcionados à “distribuição e redistribuição de bens e posições
que concretizem oportunidades para cada pessoa viver com dignidade
e exercer seus direitos, assegurando-lhes recursos e condições para
a ação, assim como a liberdade de escolha para fazerem uso desses
recursos” (MASSA-ARZABE, 2006, p. 63).

110 Direito e legislação social


As conceituações apresentadas são somente uma amostra das di-
versas definições que a doutrina jurídica traz para política pública, não
havendo um consenso sobre qual seria o conceito ideal.

Por outro lado, é possível extrair algumas características que estão pre-
sentes na maioria: a política pública traz a diferença entre o que o governo
pretende fazer e o que de fato realiza. Como aponta Bitencourt (2014), é
composta por vários níveis de decisão, por meio de atores formais e infor-
Leitura
mais, e é geralmente materializada por meio dos governos; normalmen-
Existem diversos modelos
te abrange leis e regras, mas também é composta de outros elementos.
que representam as políticas
Além disso, é uma ação que traça objetivos a serem alcançados a curto, públicas, mas o modelo de ciclo
médio e longo prazo, como regra geral (SOUZA, 2006). é o mais usualmente utilizado
pela ciência do Direito, demais
Da perspectiva do Direito, ressaltamos o ciclo das políticas públicas modelos podem ser observados
apresentado por Valle (2009, p. 87): “1º) reconhecimento do problema; no artigo “Abordagens metodo-
lógicas em políticas públicas”, de
2º) formação da agenda; 3º) formulação da política; 4º) escolha da po- Ana Luiza Viana, publicado na
lítica pública a ser implementada; 5º) implementação da política pú- Revista da Administração Pública.
blica eleita; 6º) análise e avaliação da política pública executada”. Esse Disponível em: http://biblioteca-
digital.fgv.br/ojs/index.php/rap/
modelo é representado pela doutrina em forma de ciclo, uma vez que
article/view/8095. Acesso em:
cada processo alimenta a formulação e reavaliação de novas e antigas 25 fev. 2021.
políticas públicas, como podemos observar na Figura 1.

Figura 1 Atividade 1
Ciclo das políticas públicas Explique o que é a judicialização
da política e descreva uma
situação com base no que foi
Reconhecimento do
abordado e em suas pesquisas.
problema

Avaliação de Formação da
resultados agenda

Implementação Formulação
da política da política

Escolha da
alternativa
estratégica

Fonte: Adaptada de Valle, 2009; Souza, 2003.

Seguridade social nas políticas públicas, na judicialização e no terceiro setor 111


A seguridade social se materializa também em políticas públicas,
ocorrendo hoje um fenômeno de segmentação, ou seja, a separação
entre as políticas de saúde, assistência e previdência.

No âmbito da saúde, a principal política pública é o próprio sistema


único de saúde, que possui uma amplitude que se segmenta em seto-
res, como calendários de vacinação e campanhas. Vamos aprofundar o
ciclo das políticas públicas nesse âmbito.

Primeiro, é necessário o reconhecimento do problema: necessidade


de vacinação para febre amarela, por exemplo. Em seguida, formula-
-se a agenda para votação e estruturação; depois, formula-se a política
pública em si, quais serão os objetivos e a abrangência, por exemplo;
escolhe-se a alternativa estratégica e mapeia-se exatamente como ela
será aplicada. O próximo passo é a implementação, isto é, a aplicação
na prática; e, por fim, a avaliação dos resultados: o que deu certo, quais
foram as falhas etc. Após todo esse processo, formula-se novamente a
política pública para os novos ciclos.

Vejamos, por exemplo, a própria estruturação das redes de assis-


tência à saúde, que hoje é proposta como um triângulo e possui uma
organização hierárquica isolada, mas, com a reavaliação de políticas
públicas, pode ser realizada de forma mais dalógica por meio de uma
poliarquia:

Sistema fragmentado Redes poliárquicas de


e hierarquizado atenção à saúde

AC

MC APS Legenda
AC = alta complexidade
MC = média complexidade
ABS ABS = atenção básica em saúde
APS = atenção primária em saúde

Fonte: Mendes, 2009 apud Albuquerque, 2015, p. 20.

Há alguns problemas elencados no sistema de saúde hoje que de-


veriam ser levados em conta para a reavaliação, são eles: a coordena-
ção não garante a equidade de atendimento em municípios menores;

112 Direito e legislação social


setores privados recebem recursos para atender a setores sociais não
carentes; política de redução de investimentos; decisão centralizada, o
que dificulta o repasse de recursos.

A principal política pública de assistência social advém da Política Nacio-


nal de Assistência Social e tem como objetivo a implementação do Sistema
Único de Assistência Social. As discussões para a formulação dessa política
envolveram diversos setores por meio de encontros, reuniões, palestras
etc. Estruturou-se, assim, uma política pública para além da caridade, uma
vez que esse caráter traz a noção de não obrigatoriedade, passando a in-
corporar a importância de um direito efetivamente articulado.

Vamos aprofundar o ciclo das políticas públicas nesse âmbito. Pri-


meiramente se reconhece o problema: necessidade de implementação
de casa-lar (entidades de longa duração) para idosos, por exemplo. Em
seguida, formulam-se a agenda para votação e a estruturação e a polí-
tica pública em si, quais serão os objetivos e a abrangência e se haverá
uma parceria com a entidades filantrópicas, por exemplo. Após, esco-
lhe-se a alternativa estratégica, mapeando exatamente como ela será
aplicada e os locais, por exemplo. Na sequência ocorrem a implemen-
tação, isto é, a aplicação na prática, e a avaliação dos resultados: avalia-
-se o que deu certo, quais foram as falhas etc. Após todo esse processo,
reformula-se a política pública para os novos ciclos.

Há alguns problemas elencados nessa política: além de desinformação,


os municípios possuem responsabilidades, mas não a gestão completa de
recursos, uma vez que os recursos estão previstos para toda a seguridade
social e são deslocados em sua maioria para a saúde e previdência.

Por fim, abordamos a política pública da previdência social, a qual


se estrutura em essência nos benefícios previdenciários. Vamos apro-
fundar o ciclo das políticas públicas nesse âmbito.

Primeiro se reconhece o problema: necessidade de implementação


do benefício de aposentadoria, por exemplo. Formula-se a agenda para
votação e estruturação; formula-se a política pública em si, quais serão
os objetivos e abrangência, idades mínimas e tempos de contribuição,
por exemplo. Depois, escolhe-se a alternativa estratégica, mapeando
exatamente como ela será aplicada (por exemplo, se haverá aplicação
diferenciada à trabalhadores rurais). A implementação é a aplicação na
prática. Em seguida, é preciso avaliar os resultados: o que deu certo,
quais foram as falhas etc. (por exemplo, avaliar se o valor do benefício

Seguridade social nas políticas públicas, na judicialização e no terceiro setor 113


é suficiente para a garantia do mínimo vital). Após todo esse processo,
reformula-se a política pública para os novos ciclos.

Assim, observe que é importante que a aposentadoria seja revista,


de forma a garantir que os princípios se realizem e que haja equilíbrio
financeiro.

Destacamos alguns problemas nessa política: desinformação; défi-


cit previdenciário, ou seja, a diferença entre os benefícios (custos) e
os recursos; distanciamento de realidades vulneráveis como os traba-
lhadores rurais, inserindo contribuições obrigatórias em uma realidade
Livro
em que a desinformação pode impedir essa logística, e sobrecarregan-
do, no futuro, a assistência social.

Dessa forma, retomando Souza (2006), agora com o enfoque na


seguridade social, a política pública mostra a diferença entre o que o
governo pretende fazer e o que de fato realiza, ou seja, a concretização
efetiva da saúde, assistência e previdência por meio de ações verticali-
zadas. Além disso, é composta por vários níveis de decisão, com atores
formais e informais, e é geralmente materializada por meio dos gover-
Políticas e sistema de
saúde no Brasil aborda a nos, o que é de fácil observação nos três sistemas que exigem a delibe-
política pública de saúde
ração democrática e a decisão por parte de vários entes. Normalmente
de forma ampla no Brasil,
indo além das estruturas a política pública abrange as leis e as regras, sendo também composta
e desenvolvendo eixos
de outros elementos, além disso sua estrutura está materializada em
de análise individuais e
coletivos e, também, no legislações, ações, normas regulamentadoras etc. É uma ação que tra-
diálogo público e privado.
ça objetivos a serem alcançados a curto, médio e longo prazos: o que
GIOVANELLA, L. et al. (orgs.). Rio de se vislumbra por meio dos princípios de universalidade e garantia da
Janeiro: Fiocruz, 2008.
vida digna, por exemplo.

5.2 Judicialização da seguridade social


Vídeo A influência da Constituição Federal de 1988 na efetivação dos direi-
tos fundamentais representou uma grande transformação. A partir do
momento em que os direitos fundamentais passam a ser vistos como
de aplicabilidade imediata, pressupõe-se a sua possível exigência em
face do Estado.

Diante desse cenário, cresceram as buscas ao Judiciário por meio de


ações que tinham como objetivo a efetivação dos direitos fundamen-
tais. O Judiciário começou a responder positivamente a essas deman-
das, impondo a realização de medidas, gastos e direcionamentos por

114 Direito e legislação social


parte do Executivo. Esse fenômeno se consolidou sob o nome ativismo
judicial (SCHIER; FREITAS, 2017).

Esse ativismo está ligado à judicialização da política, que significa


que o Poder Judiciário começa a decidir sobre questões que inicialmen-
te seriam restritas à esfera do Poder Executivo e do Poder Legislativo
(CITTADINO, 2000).

Para que isso seja possível, ancoramo-nos na posição de Carvalho


(2004) sobre as condições necessárias para que seja possível efetivar o
processo de judicialização: a democracia, uma vez que por meio dela
há o fortalecimento das instituições judiciárias; a separação de pode-
res, uma vez que é possível visualizar a expansão do Poder Judiciário; a
existência de direitos políticos, assegurados por meio da Constituição
Federal; o uso dos tribunais pelos grupos de interesse, em que, por
meio da judicialização, os grupos requerem a manifestação do judi-
ciário sobre determinada política; o uso dos tribunais pela oposição,
quando há interferência nas políticas em andamento; e a ineficácia das
instituições majoritárias, ou seja, a ineficiência dos demais poderes e
órgãos para a garantia dos direitos e demandas sociais. Todos esses
pontos estão presentes na realidade brasileira e advém principalmente
de uma resposta às falhas dos poderes Executivo e Legislativo.

Interessante observarmos o quanto isso está ligado às noções de


instituições anteriormente abordadas, como aponta Bernad Schwartz
(1966) ao realizar a análise do sistema norte-americano e constatar que
o potencial de intervenção do judiciário está diretamente relacionado
ao grau de importância e credibilidade que a população dá a ele.

Sobre a possibilidade da intervenção do Poder Judiciário, destacamos


duas vertentes: a primeira aponta que a intervenção do Judiciário deve ser
mínima, em especial no âmbito legislativo, sendo necessário o fortaleci-
mento da democracia deliberativa (SUNSTEIN, 2009); a segunda defende
uma atuação ampla do Judiciário nas políticas públicas, com justificativa na
importância dos direitos que estão sendo tutelados (FREITAS; SILVA, 2011).

Essas discussões são de suma importância, pois funcionam como


Atividade 2
balizadoras no momento da intervenção do Judiciário para a efetivação
de algum direito e, principalmente, no âmbito de intervenção das polí- Descreva quais elementos
pertencem à noção de ciclo das
ticas públicas. Abordaremos, então, o atual estágio da judicialização e políticas públicas e justifique
do protagonismo do Judiciário no que se refere à seguridade social, em porque eles são apresentados
específico à saúde, à previdência e à assistência social. como um ciclo.

Seguridade social nas políticas públicas, na judicialização e no terceiro setor 115


Com relação ao direito à saúde, o principal tópico que vem gerando
discussões é a possibilidade ou não da exigência por parte do usuário
do serviço público em face do Estado de medicamentos de alto custo.

A possibilidade do fornecimento de medicamentos de alto custo se


encontra atualmente dividida em três grupos, em conformidade com o
artigo 23 da Constituição Federal, que determina as competências, pos-
teriormente fixadas pela Lei n. 8.080/1990 (LOS) e regulamentadas pela
Portaria n. 1.554, de 30 de julho de 2013, do gabinete do ministro do Mi-
nistério da Saúde:

• Art. 3º Os medicamentos que fazem parte das linhas de


cuidado para as doenças contempladas neste Compo-
nente estão divididos em três grupos conforme carac-
terísticas, responsabilidades e formas de organização
distintas:
• I – Grupo 1: medicamentos sob responsabilidade de
financiamento pelo Ministério da Saúde, sendo divi-
dido em:
• a) Grupo 1A: medicamentos com aquisição centralizada
pelo Ministério da Saúde e fornecidos às Secretarias de
Saúde dos Estados e Distrito Federal, sendo delas a res-
ponsabilidade pela programação, armazenamento, dis-
tribuição e dispensação para tratamento das doenças
contempladas no âmbito do Componente Especializado
da Assistência Farmacêutica; e
• b) Grupo 1B: medicamentos financiados pelo Ministério
da Saúde mediante transferência de recursos financei-
ros para aquisição pelas Secretarias de Saúde dos Esta-
dos e Distrito Federal sendo delas a responsabilidade
pela programação, armazenamento, distribuição e dis-
pensação para tratamento das doenças contempladas
no âmbito do Componente Especializado da Assistência
Farmacêutica; (Alterado pela PRT nº 1996/GM/MS de
11.09.2013)
• II – Grupo 2: medicamentos sob responsabilidade
das Secretarias de Saúde dos Estados e do Distrito
Federal pelo financiamento, aquisição, programa-
ção, armazenamento, distribuição e dispensação
para tratamento das doenças contempladas no âm-
bito do Componente Especializado da Assistência
• Farmacêutica; e
(Continua)

116 Direito e legislação social


• III – Grupo 3: medicamentos sob responsabilidade
das Secretarias de Saúde do Distrito Federal e dos
Municípios para aquisição, programação, armazena-
mento, distribuição e dispensação e que está estabe-
lecida em ato normativo específico que regulamenta
o Componente Básico da Assistência Farmacêutica.”
(BRASIL, 2013, grifos nossos)

Nesse sentido, é possível identificar alguns requisitos, segundo Frei-


tas (2017, p. 50): “(i) a complexidade do tratamento da doença; (ii) a ga-
rantia da integralidade do tratamento da doença no âmbito da linha de
cuidado; e (iii) a manutenção do equilíbrio financeiro entre as esferas
de gestão do SUS – Municipal, Estadual e Federal”. Entretanto, conso-
lidou-se a discussão de critérios mais objetivos para a determinação
enquanto medicamento de alto custo. Por esse motivo, coube ao STF
determinar se há ou não a obrigatoriedade do Estado de custear medi-
camentos de alto custo, o que invariavelmente impõe a necessidade de
delimitar o que seriam esses medicamentos (BRASIL, 2020a).

A decisão final ainda não foi tomada, mas com o voto do ministro
Marco Aurélio, o relator do processo, é possível vislumbrar a com-
plexidade da temática e os parâmetros propostos para elucidar essa
problemática. O reconhecimento do direito ao medicamento de alto
custo depende de: a) não estar incluso na Política Nacional de Medica-
mentos ou em Programa de Medicamentos de Dispensação em Caráter
Excepcional (já que isso já garantiria o fornecimento); b) comprovar a
imprescindibilidade, por meio de laudo médico; c) comprovar a impos-
sibilidade de substituição; d) comprovar a incapacidade financeira do
enfermo e de sua família para custear o medicamento (BRASIL, 2020a).
A temática ainda está em discussão, portanto esses critérios ainda não
são definitivos.

Segundo os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2006), ela-


borados pelos professores coordenadores Paulo Furquim de Azevedo
e Natália Pires, a judicialização é separada da seguinte forma: a) em re-
giões mais pobres há maior judicialização pelo benefício de prestação
continuada, enquanto em regiões de renda maior as demandas são
focadas em aposentadoria por tempo de serviço; b) o maior nível de
desemprego gera uma maior quantidade de pedidos previdenciários;
c) há uma desconexão entre as instruções normativas do INSS e as de-
cisões do Judiciário.

Seguridade social nas políticas públicas, na judicialização e no terceiro setor 117


No Portal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, desenvolveu-
-se um sistema de monitoramento dos processos previdenciários por
assunto, o qual apresenta-se para demonstrar a situação da judicializa-
ção do tema, no referido tribunal, em 2020.

Figura 2
Processos previdenciários por assunto

Auxílio-doença previdenciário 17.196


Dívida ativa tributário 12.296
Auxílio emergencial (Lei n. 13.982/2020) outros 10.670
Aposentadoria por tempo de contribuição 10.080
Pensão por morte (art. 74/9) previdenciário/LOAS 7.988
Conselhos regionais e afins (anuidade) tributário 7.012
Aposentadoria por invalidez (art. 42/7) previdenciário 4.496
Aposentadoria especial (art. 57/8) 4.166
Idoso previdenciário/LOAS 3.792
Assistência social administrativo 3.305

Grupo Assunto: Previdenciário/LOAS Tributário Outros Administrativo

Fonte: Brasil, 2020b.

Na Figura 2 é possível verificarmos os principais temas que ensejaram a


judicialização, entre os quais destacamos os concernentes à nossa matéria
de estudo: auxílio-doença, aposentadoria por tempo de serviço, pensão por
morte, aposentadoria por invalidez, aposentadoria especial e BPC (LOAS).

As estatísticas demonstram, inclusive, a análise do histórico de judi-


cialização no decorrer do ano (Figura 3).

Figura 3
Série histórica da distribuição de processos previdenciários: jan./nov. 2020.

8.298
8 Mil
6.997
6.060
6 Mil 5.833 5.790
6.249 5.595
4.634 5.043
5.548 5.659
4.384
4 Mil

jan 2020 mar 2020 maio 2020 jul 2020 set 2020 nov 2020

Fonte: Brasil, 2020b.

118 Direito e legislação social


Nessa figura, podemos observar exatamente os reflexos da proxi-
midade do reconhecimento do estado de calamidade pública, que se
deu em 20 de março de 2020, sendo possível traçar uma relação com a
própria judicialização.

No âmbito da assistência social, destacamos as discussões de longa


data acerca de judicializações sobre o benefício de prestação continua-
da. A primeira judicialização foi em 1993, antes mesmo da regulamen-
tação do benefício, por meio do Mandado de Injunção n. 448 junto ao
STF, que tinha como impetrantes pessoas com deficiência que afirma-
vam não ter capacidade para o trabalho e por isso buscavam que o
dispositivo constitucional de proteção assistencial fosse materializado.

Entretanto, ainda hoje se discute como a incapacidade é compreen-


dida, e essa discussão alcança o Judiciário por meio de várias ações.
A Súmula n. 80 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Es-
peciais Federais impõe que o benefício de prestação continuada ne-
cessariamente deverá ser avaliado de acordo com “fatores ambientais,
sociais, econômicos e pessoais que impactam na participação da pes-
soa com deficiência na sociedade” (BRASIL, 2015). Em comentários do
Conselho da Justiça Federal a essa súmula e vislumbrando a necessária Livro
observância da realidade social, destacamos o seguinte trecho, que se
refere a críticas a critérios objetivos rígidos:
ele pode provocar um descompasso tamanho com o caso apresen-
tado, onde a miserabilidade seja patente, embora a renda possa ser
exatamente igual a 1⁄4 do salário mínimo (a lei exige que seja menor
que esse patamar), e, ainda assim, o benefício ser negado, como se
uma fração de Real pudesse ser capaz de modificar o estado de
miserabilidade de alguém. (CJF, 2016, p. 420, grifos nossos)
A obra Dimensões do
ativismo judicial do STF
A Turma Nacional de Uniformização vem decidindo a forma de ava-
é um dos marcos para
liar a hipossuficiência e a deficiência, para se ponderar a real situação, o estudo do ativismo
judicial não somente no
vislumbrando as condições sociais também dos indivíduos. Critérios
Brasil como no mundo.
objetivos estanques, previstos em uma legislação, não conseguem Por meio de análises
de Estados Unidos,
abarcar completamente a realidade.
Colômbia, Canadá e
África do Sul, o autor
Nesse ponto é possível observarmos o quanto a judicialização pode
esmiúça as definições,
contribuir para o diálogo e um alcance maior das necessidades da po- lições, dimensões, limites
e possibilidades.
pulação. O ideal seria que, após a detecção do problema, em virtude de
altas demandas judiciais sobre determinado tema, as próprias políticas CAMPOS, C. A. de. A. Rio de Janeiro:
Forense, 2014.
públicas fossem reavaliadas e adaptadas.

Seguridade social nas políticas públicas, na judicialização e no terceiro setor 119


5.3 Atuação do terceiro setor na seguridade social
Vídeo O terceiro setor é também intitulado não governamental ou socie-
dades civil, sem fins lucrativos, filantrópicas, sociais, solidárias, indepen-
dentes, caridosas, de base, associativas etc. Fernandes (1994) define o
terceiro setor como o conjunto de iniciativas da sociedade com o obje-
tivo de produzir bens públicos. Exemplos dessa atuação são diversos:
casas de acolhimento a idosos, defesa de direitos, promoção do espor-
te, cultura, proteção à saúde etc.

A pergunta que pode surgir é: por que os indivíduos buscam o ter-


ceiro setor se o Estado é responsável pela concretização dos direitos
fundamentais?

A explicação advém de diversos aspectos e destacamos a posição de


Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, e Carlo Bordoni, sociólogo italiano,
na obra Estado de Crise, em que os autores investigam o conceito das cri-
ses do Estado moderno. Um dos primeiros da relação Estado-indivíduo
é: “a partir do momento em começa o processo de desmassificação, na
pós-modernidade, o indivíduo é cada vez mais deixado à sua própria ini-
ciativa” (BAUMAN; BORDONI, 2016, p. 27). Esse processo representa a
“tomada de consciência da autonomia dos indivíduos” e também o isola-
mento e a solidão. Assim, os vínculos entre indivíduos e o Estado perdem
a coesão e se tornam líquidos (BAUMAN; BORDONI, 2016).

Os autores explicam que uma das causas desse afastamento dos


indivíduos do Estado está na crescente ideia de que os governos não
são capazes de cumprir suas promessas (BAUMAN; BORDONI, 2016).
Assim, “agora que perderam a fé numa salvação vinda ‘de cima’ como
a reconhecemos [...] as pessoas vão para as ruas numa viagem de des-
coberta e de turnos de experimentação” (BAUMAN; BORDONI, 2016,
p. 37). As instituições estão fracas, e os indivíduos buscam alternativas
para a efetivação de seus direitos.

Destacamos, ainda, que o próprio terceiro setor quebra o binômio


Estado e mercado a partir do momento que se caracteriza como uma
esfera à parte, com o objetivo de ampliar o que é público, e assim criar
um “público não estatal” (FALCONER, 1999, p. 20).

Segundo Salamon e Anheier (1992), há cinco características que di-


ferenciam o terceiro setor do Estado e do mercado: ele é formalmente

120 Direito e legislação social


constituído, possui estrutura básica não governamental, gestão pró- Saiba mais
pria, sem fins lucrativos, e uso significativo de mão de obra voluntária. Para pesquisar as
instituições do terceiro
No Brasil, o terceiro setor pode ser formalizado de quatro formas: setor que existem na sua
cidade e no seu estado,
como uma associação, como uma fundação, como um partido político acesse o portal do Minis-
ou como organizações religiosas. tério do Desenvolvimento
Social. No site é possível
As associações são a união de pessoas com objetivos não econô- visualizar as associações
e fundações e, inclusive,
micos, conforme o artigo 53 do Código Civil (BRASIL, 2002). As funda- ao clicar na “lupa”, ter
ções, por outro lado, têm um cunho muito mais patrimonial e podem acesso aos objetivos de
cada uma delas.
ser definidas como o “patrimônio destinado a servir, sem intuito de
Disponível em: http://aplicacoes.
lucro, a uma causa de interesse público determinada, que adquire
mds.gov.br/cneas/publico/xhtml/
personificação jurídica por iniciativa de seu instituidor” (SZAZI, 2006, consultapublica/pesquisar.jsf.
Acesso em: 26 fev. 2021.
p. 40). Além disso, as fundações necessariamente deverão ter como
objetivo algum dos eixos: assistência social; cultura, defesa e conser-
vação do patrimônio histórico e artístico; educação; saúde; segurança Livro

alimentar e nutricional; meio ambiente; pesquisa científica; promoção


da ética, da cidadania, da democracia e dos direitos humanos; ativi-
dades religiosas, conforme o artigo 62 do Código Civil (BRASIL, 2002).

Nesse sentido, é possível observar que o terceiro setor pode atuar


em prol da promoção da seguridade social em cada um dos seus eixos.

No âmbito da saúde, alguns exemplos importantes dessa atuação


são: a Associação Saúde Criança, cujo objetivo é a reestruturação de
famílias de crianças com doenças crônicas e vítimas de discriminação;
S.O.S. da ONG: guia de
a Organização Médicos Sem Fronteiras, que tem por objetivo levar cui- gestão para organizações
dados de saúde a pessoas afetadas por crises humanitárias; e as San- do terceiro setor abrange
a estruturação interna de
tas Casas, que tem como objetivo a assistência à saúde e atuam como organizações do terceiro
parceiro direto do SUS, sendo responsáveis por 50% dos atendimentos setor e atua como um
guia para quem tem
ambulatoriais e internações hospitalares realizadas no SUS. interesse em conhecer a
fundo essa temática, abrir
No âmbito da assistência social, a atuação do terceiro setor se dá
uma entidade ou, ainda,
de forma complementar ao Estado, com a regra da gratuidade (exce- atuar em uma. Alguns
pontos abordados na
to no caso de acolhimento de idosos, em que se permite a retenção
obra são: planejamento
de valores para custeio da entidade), além disso o Estado reconhece a para concretização de
objetivos, diferenciais
atuação por meio de inscrição no Conselho Municipal, do Distrito Fede-
para auxílio na captação
ral e estadual de Assistência Social, entre outros. Há diversos exemplos de recursos, parcerias,
prestação de contas,
dessa atuação, principalmente porque o terceiro setor acaba dialogan-
sustentabilidade e passo
do muito com o âmbito da saúde, como é o caso, em Curitiba (PR), da a passo para a abertura.

Associação dos Amigos do Hospital de Clínicas, da Associação de Pais, TOZZI, J. A. São Paulo: Gente, 2016.

Seguridade social nas políticas públicas, na judicialização e no terceiro setor 121


Amigos e Pessoas com Deficiência Banco do Brasil e Comunidade, do
Hospital Nossa Senhora das Graças, entre outros.

No âmbito da previdência, destacamos as associações de classe em


que se fortalecem iniciativas sobre previdência complementar, sendo
uma alternativa para a arrecadação para fins previdenciários, mas tam-
bém para a garantia de uma maior segurança para a velhice ou demais
contingências previstas. Nesse caso, funciona a lógica do seguro.

Segundo o artigo 199, parágrafo 1º, da Constituição Federal


(BRASIL, 1988) e o artigo 25 da Lei n. 8.080/1990 (BRASIL, 1990), as
parcerias realizadas com o setor de saúde devem ser feitas prefe-
rencialmente com entidades filantrópicas e sem fins lucrativos. Para
efetivar essas parcerias, o Estado deve outorgar às entidades a qua-
lificação de Organização Social (OS) ou Organização da Sociedade
Civil de Interesse Público (OSCIP).

Para a caracterização como OS, as pessoas jurídicas de direito


privado sem fins lucrativos devem realizar atividades com um dos
enfoques: ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico,
proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde; além de
cumprir requisitos legais expostos na Lei Federal n. 9.637/1998. Com
o “título” de Organização Social, elas podem receber a delegação de
serviço público de natureza social.

Por outro lado, para a caraterização como OSCIP, as pessoas jurí-


dicas de direito privado sem fins lucrativos devem ser constituídas e
estarem em funcionamento por um período mínimo de três anos, além
de seguir os requisitos presentes na Lei Federal n. 9.790/1999. Com o
“título” de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP),
será permitido executar serviços não exclusivos do Estado com incenti-
vo e fiscalização do Poder Público.

5.4 Desafios à efetivação da seguridade social


Vídeo Para compreender os desafios da seguridade social, retomaremos
diversos conceitos e problemáticas já apresentados, e abordaremos
nesta seção os seguintes temas: evolução demográfica; envelheci-
mento da população; ampliação do número de acidentes e doenças
profissionais; desafios da reabilitação profissional; e, por fim, uso da
tecnologia para atendimento.

122 Direito e legislação social


Todos eles passam primeiramente pela questão do custo da previdên-
cia social, ou seja, a diferença entre as receitas e os gastos: se for positivo,
há superavit, se for negativo, há deficit. Há diversas correntes de análise
dessa relação de custo-receita, analisaremos, então, os dois grandes gru-
pos: os que afirmam que há superavit e os que afirmam que há deficit. A
diferença está nos elementos considerados para o cálculo.

Os que afirmam que há superavit, ou seja, que o valor arrecadado


seria superior às despesas, baseiam-se na seleção de custos, excluindo
da previdência, por exemplo, a aposentadoria dos trabalhadores ru-
rais, uma vez que, em sua maioria, a contribuição era muito inferior ao
pagamento dos benefícios e, por isso, seria um benefício assistencial.
Essa lógica faz sentido se analisada a previdência como um único ele-
mento, mas, ao analisar-se dentro da perspectiva do gênero segurida-
de social, não altera em si o cálculo.

O outro argumento, ainda nessa linha, é apresentado pela economista


Denise Gentil, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a qual afirma
que deve ser vislumbrada a questão sobre o grande grupo da seguridade
social. Assim, devem ser inclusas todas as contribuições sociais que são
direcionadas à seguridade, com o enfoque na Contribuição para Financia-
mento da Seguridade Social (Cofins) e na Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido (CSLL), que somam grandes valores e permitem o saldo negativo
final. Nesse sentido, a economista, na mesma linha desta obra, desmistifi-
ca a confusão entre seguridade social (gênero) e previdência social (espé-
cie). Dessa forma, se essas receitas forem consideradas, há o superavit. O
problema reside no fato de que a União apresenta a seguridade social de
forma conjunta ao orçamento fiscal, mesmo diante de disposição consti-
tucional expressa de que deveria ser feito de forma apartada (art. 165, § 5º,
da Constituição). Essa apresentação de forma conjunta dificulta a iden-
tificação de quando um recurso da seguridade social é transferido para
outras despesas (GENTIL, 2019).

A segunda gama de argumentos afirma que a seguridade social em


si é deficitária, ou seja, os custos são superiores à arrecadação. O pri-
meiro argumento diz respeito à existência de diversos grupos que não
contribuem, no âmbito da previdência, assistência e saúde, o que gera-
ria um descompasso entre contribuições e benefícios. Outro setor de
críticas afirma que o fato de as contribuições sociais serem direciona-
das a toda a seguridade social desvincularia a noção de contribuição
direta para a previdência e nesse ponto surgiria o deficit.

Seguridade social nas políticas públicas, na judicialização e no terceiro setor 123


Atualmente não há um consenso, e a questão orçamentária é o
principal desafio da seguridade social. Apresentado esse contexto,
abordaremos algumas problemáticas específicas anteriormente
citadas.

A evolução demográfica é uma problemática envolvendo diver-


sos países, principalmente porque o envelhecimento da população
enseja a maior utilização e o prolongamento de benefícios previden-
ciários, assistência e saúde, e de forma paralela tem-se a diminuição
do número de contribuintes ativos, os quais são uma das receitas de
sustentação do sistema. A ONU realiza levantamentos populacionais
e projeções e é possível verificar essa transição por meio dos gráfi-
cos a seguir.

Figura 4
Pirâmide populacional (distribuição por sexo e idade) do Brasil: 1950, 1985 e 2020

Brasil: População em 1950 Brasil: População em 1985 Brasil: População em 2020

5 0 5 10 5 0 5 10 10 5 0 5 10
Fonte: ONU, 2020.
Nos gráficos apresentados é possível observarmos a transição
das idades e, assim, a transição da população economicamente ati-
va, que é um dos eixos de contribuição. Esse ponto está diretamente
relacionado com o envelhecimento da população, pois, a partir do
momento que a população jovem está diminuindo e a população
idosa está aumentando e prolonga-se a expectativa de vida, surgem
os argumentos favoráveis ao aumento da idade e tempo mínimo de
contribuição. Podemos observar no gráfico a seguir que a expectati-
va de vida, segundo o IBGE, foi de 62,6 em 1980 e projeta-se que em
2050 chegue a 80 anos:

124 Direito e legislação social


Figura 5
Expectativa de vida do brasileiro de 1980 a 2050

85,00
81,29
79,95
80,00 78,23
76,06
75,00 73,40

70,43
70,00
66,57

65,00 62,60

60,00
1980 1990 2000 2010 2020 2030 2040 2050

Fonte: IBGE, 2008.

Ademais, o envelhecimento da população pode ser vislumbrado no Atividade 3


número de filhos por mulher, que na década de 1980 era de quatro fi- Discorra sobre como a transição
demográfica afeta o debate da
lhos, já a projeção para 2028 é de 1,5, que deverá ser mantida até 2050
seguridade social.
(IBGE, 2008).

Quando analisada essa situação, devemos sempre sopesar que a


seguridade social é financiada por várias fontes de custeio, e não so-
mente pelas contribuições dos indivíduos.

Sobre a ampliação do número de acidentes e doenças profissio-


nais, essa tendência demonstra um movimento de diminuição de mor-
tes, mas de aumento de doenças, especialmente doenças e acidentes
que geram afastamentos de mais de 15 dias, sendo que os encargos
posteriores a esse prazo são governamentais. Ademais, é importante
destacar que nem todos os acidentes e as doenças profissionais são
notificados e registrados, havendo no Brasil um grave problema de
subnotificação, vez que a notificação gera encargos para a empresa,
como a estabilidade ao trabalhador.

Adentramos, então, nos desafios da reabilitação profissional, um


dos pontos essenciais para a retomada ao mercado de trabalho e que
está diretamente ligado à ocorrência de acidentes e doenças e, tam-
bém, à necessidade de permanência no sistema enquanto contribuin-

Seguridade social nas políticas públicas, na judicialização e no terceiro setor 125


Livro
te. O Ministério da Previdência Social, atualmente com a pasta fundida
ao Ministério da Economia, elencou algumas medidas necessárias para
o aperfeiçoamento da reabilitação profissional, entre as quais cita-se
de forma exemplificativa: necessidade de ampliação de recursos hu-
manos multidisciplinares; formação e informação de equipes para a
reabilitação; agilização de convênios e termos de cooperação técnica;
estipulação de processos de discussão sobre a reabilitação de forma
permanente, entre outros (BRASIL, 2009). É importante destacar que a
O livro Seguridade social reabilitação precisa estar conectada com os sujeitos e não ser somente
e saúde: tendências e
procedimentos objetivos, pois cada pessoa possui dificuldades e limita-
desafios é composto por
uma coletânea de artigos ções que estão ligadas à sua idade e à sua realidade social.
que aborda temas atuais
da seguridade social e os Por fim, o uso da tecnologia para atendimento tem como base pri-
seus desafios, ofere- mordial dar celeridade ao atendimento e facilitar o acesso à informa-
cendo uma visão ampla
das discussões sobre o ção. Como exemplo dessa utilização diretamente pelo cidadão, tem-se
tema. Destacamos alguns o aplicativo Conecte SUS, que permite visualizar o histórico de saúde,
pontos: política social e
crise internacional; carga encontrar postos, hospitais e farmácias, marcar consultas, acompa-
tributária e política social; nhar agendamentos etc. No âmbito da previdência e assistência, há o
universalização, no que
tange à saúde; reforma site e aplicativo Meu INSS, que permite a consulta de benefícios previ-
sanitária; saúde e denciários e assistenciais, bem como a verificação de status de aposen-
trabalho; saúde e família;
atenção básica; organiza- tadoria, por exemplo. Essas iniciativas são excelentes para aproximar a
ções da sociedade civil; e informação dos cidadãos, entretanto devem ser utilizadas com cautela,
o atendimento à pessoa
com deficiência. pois há ainda muitos obstáculos para a completa democracia digital.
DAVI, D.; MARTINIANO, C.; PATRIOTA, Assim, a utilização desses sistemas como únicos impede o seu uso por
L. M. (orgs.). 2. ed. Campina Grande: pessoas vulneráveis e que não possuem esse domínio. Isso ocorre mui-
EDUEPB, 2011.
to no âmbito da assistência social e da saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Várias vertentes podem ser responsáveis e atuarem em prol da efe-
tivação dos direitos envoltos na seguridade social. Estudamos, neste
capítulo, o papel essencial que as políticas públicas possuem, uma vez
que contemplam e estruturam ações a longo prazo, que de tempos em
tempos são reavaliadas, como é possível observar dos ciclos das políticas
públicas aplicáveis a cada um dos eixos da seguridade: saúde, assistência
e previdência.

A segunda forma estudada foi a judicialização da seguridade social


como uma resposta à insatisfação popular diante da inércia de alguns

126 Direito e legislação social


poderes, como o Executivo e o Legislativo. Como visto, esse ponto não é
pacífico, visto que há a interferência do Judiciário em uma política pública
de saúde, por exemplo.

A terceira forma estudada foi a atuação do terceiro setor na segurida-


de social, que se desvincula do eixo governamental e se aproxima mais
ainda da sociedade e de suas demandas. Nesse sentido, a sua estrutura e
o seu significado advêm de questões sociais e se organizam de tal forma
para tentar supri-las.

Os desafios à efetivação da seguridade social são muitos e passam


por abordagem da evolução demográfica, envelhecimento da população,
ampliação do número de acidentes e doenças profissionais, reabilitação
profissional e, por fim, o papel da tecnologia para atendimento e, assim, a
ampliação do acesso à informação à população.

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GABARITO
1. A judicialização da política significa que o Poder Judiciário começa a decidir sobre
questões que inicialmente seriam restritas à esfera do Poder Executivo e do Poder
Legislativo. Um dos exemplos mencionados neste livro é o caso dos medicamentos de
alto custo, mas você pode apresentar outras pesquisas.

2. O ciclo das políticas públicas é formado por seis etapas, segundo Valle (2009): “1º)
reconhecimento do problema; 2º) formação da agenda; 3º) formulação da política; 4º)
escolha da política pública a ser implementada; 5º) implementação da política pública
eleita; 6º) análise e avaliação da política pública executada”. Ela é apresentada em ci-
clos, pois demonstra que cada processo alimenta a formulação e reavaliação de novas
e antigas políticas públicas.

3. A transição demográfica demonstra que a população está vivendo mais e que há


menos pessoas em idade economicamente ativa. Essa transição traz como resultado
um número maior de pessoas que precisam de benefícios da saúde, assistência e
previdência, e menos pessoas custeando esse sistema. Apesar de esse ser um fator
de impacto, não é o único, devemos sempre lembrar que a seguridade social não é
financiada exclusivamente por contribuições dos indivíduos.

Seguridade social nas políticas públicas, na judicialização e no terceiro setor 129


DIREITO E LEGISLAÇÃO SOCIAL
Fundação Biblioteca Nacional
Código Logístico
ISBN 978-85-387-6674-2

59541 9 788538 766742

MIRIAM OLIVIA KNOPIK FERRAZ

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