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Cecília Meireles
(Romanceiro da Inconfidência)
AÇÃO TRABALHISTA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, pelo rito ordinário
em face de JOÃO ANTÔNIO TEDESCO 06, pessoa jurídica de direito privado, CEI n.º 50.020.389/0780
sediada à Estrada Passo do Capão 1 – Pomar 04, Bairro Coxilha Grande, CEP n.º 95200-000, CNAE n.º
139206, integrante do grupo de produtores de maçã TEDESCO, Município de Vacaria, Rio Grande do Sul,
pelos seguintes fatos e fundamentos que passa a aduzir.
I – DAS PRELIMINARES
1. O AUTOR faz jus ao benefício da assistência judiciária gratuita, nos termos da Lei n.º
1.060/50, do art. 790, §3º da CLT, e da Orientação Jurisprudencial SDI-I n.º 304 do Tribunal Superior do
Trabalho, por ser pobre na acepção legal do termo, não podendo arcar com as custas processuais e
honorários advocatícios sem o prejuízo de seu próprio sustento e de sua família, consoante declaração de
pobreza anexa.
Assim, embora o caput do art. 651 da CLT estabeleça como regra a competência do Juízo
no lugar onde ocorreu a prestação dos serviços, há de se afastar tal regra em benefício do trabalhador, até
mesmo porque as normas expressas nos parágrafos do dispositivo apontado propiciam ao trabalhador que
laborou em vários locais, ou que foi contratado em local diverso daquele da prestação de serviços, a eleição
do foro mais conveniente.
Com efeito, assim não poderia ser diferente, pois o processo do trabalho é orientado pelo
princípio da proteção ao trabalhador, postulado básico do Direito Laboral, e, neste contexto, não há como
aplicar a regra do referido art. 651 em afronta a esse princípio norte e, bem como, ao princípio
constitucional de livre acesso à Justiça.
II – DOS FATOS
Solicitou aos trabalhadores que entregassem diversos documentos, tais como RG, CPF,
CTPS e certidão de antecedentes criminais.
Já era noite e foram recepcionados por um senhor chamado Adilson, que ordenou a todos
se dirigirem aos alojamentos para dormirem, pois o toque de recolher era às 22h e o café da manhã seria
servido às 7h. Em seguida viria um monitor para orientá-los a respeito da colheita e fornecer o material
necessário.
Somente pelas 10h da manhã chegaram os materiais de trabalho ao grupo: bota, chapéu,
cartão para bater ponto, escada de ferro com mais de 2m de comprimento e bolsa para carregar as maçãs.
O monitor que orientou o grupo a desenvolver as atividades era conhecido por “Baixinho”.
Esta pessoa informou a todos que por cada “bins” (caixa na qual se depositam as maçãs colhidas) seria
paga a quantia de R$ 9,00 (nove reais) a ser dividida entre um grupo de oito trabalhadores.
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O trabalho consistia em colher as maçãs em pomares com mais de 900m de extensão,
sendo que esse caminho tinha de ser percorrido várias vezes pelos trabalhadores que tinham de descarregar
as suas sacolas em “bins” instalados em tratores estacionados em determinados pontos dos pomares.
Salienta-se que os motoristas desses veículos ficavam sentados fumando com as pernas
cruzadas e rindo dos trabalhadores, cuja distância caminhada diariamente não era menos que 40km
(carregando a já referida escada de ferro com mais de 2m e as sacolas cheias de maçãs), pois tinham de ir e
voltar o mesmo percurso várias vezes!
Em muitas vezes não havia os referidos tratores, sendo que em tais ocasiões os
trabalhadores tinham de carregar as caixas de “bins” por si mesmos até o início do pomar, cuja extensão, já
referida, atinge quase um quilômetro.
Era muito comum nas oportunidades em que os trabalhadores estavam colhendo as maçãs,
passar próximo, ou até mesmo por trás das macieras em que estavam, tratores despejando agrotóxicos
diretamente nas maçãs e nos trabalhadores totalmente desprotegidos sem luvas, mascáras ou
qualquer tipo de EPI.
Informa-se de antemão que por causa disso surgiram diversas manchas no corpo dos
trabalhadores.
Não era fornecida água e não era permitido ir até o local onde poderiam bebê-la,
sendo que a única forma de saciar a sede era comendo as maçãs, nas quais recentemente havia sido
despejado agrotóxicos.
Lá chegando, havia uma enorme fila com mais de trezentos trabalhadores aguardando
serem servidos, o que demorava não menos que 40min.
A comida servida era um pequeno pedaço de carne dura, ínfima porção de feijão, arroz
azedo e uma ou duas vezes por semana uma salada (duas rodelas de tomate e uma folha de alface).
Os trabalhadores percebiam que a comida que caia ao chão retornava ao panelão para ser
servida à noite ou no dia seguinte.
A todos era ordenado que não conversassem e deveriam comer apressadamente, pois no
mais tardar 12h e 55min já deveriam retornar aos pomares.
O trabalho, segundo informado, iria até às 17h e 30min, mas os monitores ordenavam que
continuassem até às 18h e 30min sob a promessa de que receberiam hora extra.
Logo nos primeiros dias, o Sr. Adilson fez a seguinte proposta: por cada um dia de sábado
trabalhado, seriam pagos dois, por cada um dia de domingo trabalhado, seriam pagos dois, por cada hora
extra, seriam pagas duas.
Propôs, ainda, que no momento em que conseguissem completar trinta e seis “bins”
poderiam parar o trabalho, mas nunca nada disso foi cumprido.
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A janta era servida às 8h e a comida era a mesma do almoço, sendo apenas requentada.
O toque de recolher, como já foi informado, era às 10h, horário em que era cortado o
fornecimento de luz dos dormitórios1.
Havia uma cantina em que era vendido isqueiro, erva mate, rabo quente, cigarro paraguaio,
cachaça, bolacha e até mesmo maconha, tudo a preços elevados.
Em algumas vezes os prepostos da empresa ordenavam aos trabalhadores que não batessem
o cartão ponto sob o pretexto de que a máquina estaria estragada.
Assim, o trabalho era realizado de segunda-feira a domingo, sem nenhum dia para
descanso na semana. Se algum trabalhador faltasse um dia, perdia automaticamente a remuneração do
sábado e domingo.
Se um trabalhador chegava apenas alguns minutos atrasado, também perdia o dia inteiro (a
remuneração) de trabalho e também o sábado e domingo.
Os “gringos” e índios, locais daquela região, eram tratados de maneira melhor, pois
almoçavam antes e possuiam mais regalias, como menor meta de “bins” a serem completados diariamente e
os motoristas aproximavam os tratores durante a colheita.
Tanto os alojamentos que serviam de dormitórios aos trabalhadores quanto o refeitório não
se apresentavam em condições higiênicas ou capazes de protegê-los das interpéries, sendo que o vento frio
da noite deixou muitos enfermos.
O contrato de trabalho se extinguiu no dia 06 de março de 2008, sendo que houve trabalho
neste dia.
Reunidos nesse local, passaram por situações vexatórias nas quais os prepostos da empresa,
armados, ordenavam que “pedissem as contas” e proferiam xingamentos diversos, sendo que na rescisão de
vários, inclusive do AUTOR, foi, de fato, apontado “pedido de demissão”.
Foi dada baixa na CTPS do AUTOR, tendo lhe sido pago apenas R$ 123,36 (cento e
vinte e três reais e trinta e seis centavos).
1
Podiase ler em uma das paredes do dormitório “isto é um treinamento de guerra”, mas os trabalhadores o apelidaram
gentilmente de “pavilhão 9”.
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2. Considerações
O Brasil foi a última nação ocidental a abolir o trabalho escravo e, mesmo após um século
da Lei Áurea, é freqüente a denúncia da existência deste fato no país.
A persistência de tal prática levou a edição da Lei n.º 10.803/03 que ampliou as condutas
que tipificam a conduta delitiva prevista no art. 149 do Código Penal, in verbis:
Assim, pode-se afirmar que a ocorrência deste delito se caracteriza pela negação de direitos
trabalhistas, violação de direitos humanos e cerceamento da liberdade individual.
Com efeito, a conduta da RÉ merece a reprovação mais profunda deste M.M. Juízo, pois
arregimentaram mão-de-obra nos moldes do que se denomina escravagismo contemporâneo, em que
trabalhadores em situação de extrema pobreza são ludibriados por promessas fantasiosas e coagidos, moral
e fisicamente, ao trabalho em condições indignas, quais sejam:
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b) não fornecimento de Equipamento de Proteção Individual e exposição direta a
agrotóxicos;
1. Da admissão
Assim, há de ser retificada para que passe a constar o dia 13 de fevereiro de 2008.
2. Da jornada de trabalho
O AUTOR exercia as atividades obreiras das segundas-feiras aos domingos, iniciando suas
jornadas diárias às 6h da manhã e encerrando às 18h e 30min, com apenas em torno de 55min para o
almoço, sem jamais ter recebido as horas extras e domingos trabalhados.
Dessa forma, realizava 2h e 30min horas extras diárias durante o período de vinte e um
dias, totalizando semanalmente 100h e 30min de horas de trabalho, ultrapassando, bem além, os limites
legais.
Uma vez que laborou em jornada extraordinária, faz jus ao descanso semanal remunerado
relativo às horas extras, consoante a Lei n.º 605/49 e Enunciado n. 172 do TST.
Do mesmo modo, faz jus à incorporação em sua remuneração mensal de todas as horas
extras trabalhadas habitualmente com reflexos em todas demais verbas que lhe vierem a ser deferidas.
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Caso Vossa Excelência compreender de maneira diversa, o que se admite apenas por
prudência, é-lhe devido o pagamento por trabalhar mais que oito horas por dia e quarenta e quatro na
semana.
3. Da remuneração
Já foi dito alhures que cada grupo de oito colhedores de maçã receberia o adicional de
R$9,00 por cada “bins”. Uma vez que a meta para cada trabalhador era de 36 por dia, faz jus o AUTOR ao
repasse do valor de R$ 850,50 (oitocentos e cinqüenta reais e cinqüenta centavos) equivalente aos 21 dias
de trabalho.
Portanto, possui direito a perceber as diferenças salariais e que seja calculada todas as
horas extras que fazia semanalmente e demais verbas nesse piso.
4. Do adicional de insalubridade
5. Da despedida do AUTOR
O AUTOR foi demitido sem justa causa sendo que em seu termo de rescisão a RÉ fez
constar “pedido de demissão sem justa causa”.
Foi-lhe paga na oportunidade a ínfima quantia de R$ 123,36 (cento e vinte e três reais e
trinta e seis centavos), sendo-lhe devido o alvará para levantamento das quantias do FGTS, se é que foi
depositado, com multa de 40%, diferenças dos reflexos sobre a remuneração a título de férias proporcionais
acrescidas do terço constitucional em 1/12, décimo terceiro salário proporcional em 1/12, indenização
equivalente à metade do valor a que teria direito até o fim do contrato de safra (art. 479 da CLT), incluindo-
se os salários, 13º salário e as férias proporcionais (calculados pela média) mais um terço.
O não pagamento das parcelas rescisórias no prazo do §6º do art. 477 da CLT implicano
pagamento da multa prevista no seu §8º. Cabe, ainda, o acréscimo previsto no art. 467 da CLT na hipótese
dessas verbas não serem pagas na primeira audiência.
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Como já foi afirmado outrora, a pouca alimentação fornecida aos trabalhadores não atendia
satisfatoriamente as suas necessidades fisiológicas, levando-os a serem acometidos por enfermidades e
sentirem muita fraqueza para o desempenho do trabalho.
Não há de se olvidar da falta de água potável que não era fornecida no desenvolver do
trabalho, levando com que os trabalhadores, para saciar a sede, tivessem de comer maçãs que recentemente
haviam sido expostas a agrotóxicos.
Por fim, sentiam-se coagidos pela constante observância e injúrias proferidas pelos demais
prepostos da RÉ que sempre portavam armamento de fogo
É preciso reconhecer que o problema enfrentado não se limita apenas ao resgate dos
direitos sociais e econômicos, pois é inegável que a prática atinge a própria condição de pessoa das vítimas
e sua dignidade.
Tendo sido vinte e um dias trabalhados sob tais circunstâncias, possui direito a receber R$
19.110 (dezenove mil cento e dez reais).
II – DO PEDIDO
1) a concessão do benefício da Justiça Gratuita, art. 790, §3, CLT, ensejando a isenção das
custas processuais e honorários advocatícios, por ser o AUTOR pobre na acepção legal do
termo, não podendo arcar com tais ônus;
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a) horas extras prestadas diariamente além da oitava contínua;
h) dos depósitos das diferenças refletidas pela remuneração acrescida das horas extras
habituais no FGTS, mais multa de 40%;
3) a designação de audiência;
Protesta provar todo o alegado por prova documental, testemunhal, pericial, em especial
com o depoimento pessoal dos sócios e prepostos da empresa RÉ e tudo o mais que em Direito for
admitido, requerendo-se, desde já, a intimação das RÉ à juntada dos registros de horário.
Termos em que
Requer deferimento.
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