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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE


SEARA

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA


CATARINA, pelo Promotor de Justiça titular da Promotoria de Justiça de
Seara, apresenta IMPUGNAÇÃO À CONTESTAÇÃO formulada por
BRASIL TELECOM S.A. na Ação Civil Pública nº 068.10.000669-5.

1. Síntese

Na contestação apresentada pela ré Brasil Telecom S.A.,


argumenta-se, preliminarmente, que o Ministério Público é parte
ilegítima para tutelar os interesses defendidos nos autos, por se tratar
de direitos individuais divisíveis e disponíveis.

No mérito, alega-se, em síntese, que a responsabilidade


pelas interrupções do serviço de telefonia rural de que trata esta ação
são de responsabilidade da Vivo S.A., operadora de telefonia celular da
qual se utiliza a Brasil Telecom S.A. para levar o sinal de telefonia fixa
para o interior dos municípios que compõem a Comarca de Seara.

Afirma-se que a modificação da tecnologia imposta pela


Anatel alterou as estações de rádio-base, ou seja, as antenas de
telefonia que eram utilizadas como meio de transmissão do sinal
telefônico das cidades para a zona rural, e que isso ocorreu sem culpa

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da requerida Brasil Telecom S.A.: “a área de cobertura do SMP não se


revelou coincidente”.

Invoca-se o art. 248 do Código Civil, segundo o qual se


resolve a obrigação quando a prestação se tornar impossível sem culpa
do devedor, e argumenta-se que, havendo incompatibilidade entre a
estação móvel e os novos padrões, a responsabilidade é da operadora
de telefonia móvel (§53, fl. 483).

Afirma a requerida, também, que, não sendo responsável


pelos danos causados ao consumidor, não deve suportar a obrigação de
indenizá-los, alegando ainda que os danos morais não foram
comprovados.

2. Impugnação à contestação – arts. 326 e 327 do CPC

Conforme regra do art. 326 do Código de Processo Civil, “se


o réu, reconhecendo o fato em que se fundou a ação, outro lhe opuser
impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, este será
ouvido no prazo de 10 (dez) dias, facultando-lhe o juiz a produção de
prova documental”.

E, para o art. 327, “se o réu alegar qualquer das matérias


enumeradas no art. 301, o juiz mandará ouvir o autor no prazo de 10
(dez) dias, permitindo-lhe a produção de prova documental. Verificando
a existência de irregularidades ou de nulidades sanáveis, o juiz
mandará supri-las, fixando à parte prazo nunca superior a 30 (trinta)
dias”.

No caso dos autos, além de preliminares, a requerida opõe


fatos extintivos do direito dos consumidores aqui protegidos, de modo
que esta impugnação rebaterá um a um dos argumentos lançados.

3. Preliminar

Como se vê, não cansam os violadores do direito do


consumidor de insistir na tese de que o Ministério Público não tem

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legitimidade ativa para diversas ações que protegem o consumidor.


Continuam insistindo, mas a jurisprudência continua sensata.

Nem poderia ser diferente.

O art. 129 da Constituição da República estabelece


claramente que ao Ministério Público incumbe a proteção dos
interesses difusos e coletivos (inciso III). E um dano praticado contra
diversos, muitos inclusive desconhecidos, consumidores da cidade, não
pode ser exemplo mais claro de interesse difuso (consumidores que
nunca mais serão localizados) e de interesses coletivos (coletividade de
consumidores individualizáveis) o caso dos autos.

Além do mais, especificamente no que tange aos pedidos


de restabelecimento do serviço e de migração da tecnologia, o que há
são interesses individuais homogêneos, todos, evidentemente, de
natureza eminentemente social, já que se está tratando de direito do
consumidor (vide art. 1º, do Código de Defesa do Consumidor) e do
serviço público essencial que é o serviço de telefonia.

Hugo de Nigro Mazzilli sintetiza as regras gerais da seguinte


forma: “A atuação do Ministério Público sempre é cabível em defesa de
interesses difusos, em vista de sua larga abrangência. Já em defesa de
interesses coletivos ou individuais homogêneos, atuará sempre que: a)
haja manifesto interesse social, evidenciado pela dimensão ou pelas
características do dano, ainda que potencial; b) seja acentuada a
relevância social do bem jurídico a ser defendido; c) esteja em
questão a estabilidade de um sistema social jurídico ou econômico, cuja
preservação aproveite à coletividade como um todo”1.

O próprio Mazzilli esclarece o sentido de seu texto: “[...]


assim, quando interesses individuais homogêneos, ainda que não
indisponíveis, tenham suficiente abrangência ou relevância, sua

1
MAZZILLI, Hugo de Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 17a ed. São Paulo
: Saraiva, 2004, p. 157.

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defesa coletiva assumirá inegável caráter social, inserindo-se, pois, nas


atribuições constitucionais do Ministério Público”2.

Veja-se, assim, que o serviço de telefonia fixa e móvel é um


serviço público. É o que diz o Código Brasileiro de Telecomunicações:
“Art. 6º. Quanto aos fins a que se destinam, as telecomunicações assim
se classificam: a) serviço público, destinado ao uso do público em
geral”.

A requerida Brasil Telecom S.A., por sua vez, é


concessionária deste serviço público.

Fica evidente, portanto, que o Ministério Público, como


órgão incumbido de zelar pelos “serviços de relevância pública”3, como
é o caso da telefonia, tem sim legitimidade para atuar no caso dos
autos.

Além disso, em segundo lugar, o serviço público de


telecomunicações é considerado serviço público essencial pela Lei nº
7.783/89, que veda a greve para empregados neste e noutros setores4.

Em terceiro lugar, se o Ministério Público é o órgão


incumbido pela própria Constituição da República de tutelar os
interesses sociais5, não há como negar ser a relação de consumo dos
autos objeto de interesse ministerial.

Veja-se que o próprio art. 1º do Código de Defesa do


Consumidor dispõe que “O presente código estabelece normas de
proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social,

2
Idem, p. 156.
3
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] II - zelar pelo efetivo
respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos
assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia.
4
Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais: VII – telecomunicações.
5
Art. 127, caput: O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

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nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição
Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias”.

Se a própria Lei nº 8.078/90 entende que as normas do


Código de Defesa do Consumidor são de ordem pública e interesse
social, como negar legitimidade ao Ministério Público em demanda que
visa justamente ao cumprimento das normas do próprio Código de
Defesa do Consumidor, dentre elas a que impõe indenização integral no
caso de danos ao consumidor e a prestação de serviços públicos de
forma eficiente e contínua?

Por fim, em quarto lugar, a legitimidade advém de uma


necessidade de democratização do acesso à Justiça.

A pluralidade de lesados fatalmente tornaria a defesa


individual dos direitos impossível, porque os consumidores deixarão de
lado a busca pela indenização, diante dos custos de se obter o valor.
Por outro lado, no entanto, as empresas enriqueceriam ilicitamente com
a falta de ação dos consumidores. Aliás, é justamente isso que
pretende a ré: enriquecer-se à custa da deficiência do sistema de
proteção dos consumidores.

Bem por isso é que outro estudioso da Lei da Ação Civil


Pública entende que somente pela tutela coletiva é possível adequar as
forças do mercado aos ditames da Justiça:

Ao facultar a tutela coletiva dos mencionados interesses, o


Código de Defesa do Consumidor culminou por
democratizar o acesso à justiça, permitindo que pequenas
lesões – quando vistas individualmente – pudessem ser
reparadas; assim como possibilitou a efetiva
responsabilização dos fornecedores que – valendo-se da
insignificância de cada uma das lesões – obtinham ganhos
ilícitos e vultosos tendo em vista a reiteração da prática
espúria6.

6
SOUZA, Motauri Ciocchetti de. Interesses difusos em espécie. São Paulo : Saraiva,
2000, p. 156.

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Bem se vê que não há outra forma de entregar-se justiça


aos consumidores da Comarca senão admitindo a legitimidade do
Ministério Público e condenando a requerida ao pagamento de
indenização razoável com a absurda má-fé com que pauta sua atuação
na Comarca.

A propósito, a jurisprudência tem admitido a legitimidade


do Ministério Público para a tutela de interesses individuais
homogêneos como o do caso dos autos.

Em decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça,


entendeu-se que o Ministério Público é parte legítima para exigir
judicialmente que concessionárias de telefonia tornem mais claras as
faturas dos serviços que prestam.

Alegava a empresa telefônica que os consumidores


deveriam individualmente, se acaso entendessem necessário, postular
a alteração das regras, e que nada podia ser feito pelo Ministério
Público, por se tratar de interesse individual homogêneo.

No entanto, o STJ decidiu pela legitimidade do Ministério


Público, e hoje as faturas de telefones fixos e celulares são detalhadas
por força de atuações como esta. Veja-se a ementa referida (íntegra do
acórdão anexa):

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – AÇÃO COLETIVA


– SERVIÇOS DE TELEFONIA – CONTAS TELEFÔNICAS
DISCRIMINADAS – LIGAÇÕES INTERURBANAS –
ESPECIFICAÇÃO DO TEMPO E DESTINO DAS LIGAÇÕES
TELEFÔNICAS – INSTALAÇÃO DE EQUIPAMENTO
ESPECÍFICO – MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMIDADE –
DIREITOS COLETIVOS, INDIVIDUAIS E HOMOGÊNEOS E
DIFUSOS – PRECEDENTES.
- O Ministério Público tem legitimidade ativa para
propor ação civil pública em defesa dos direitos de
um grupo de pessoas ligadas entre si ou com a parte
contrária através de uma única relação jurídica (direitos
coletivos)7.
7
Recurso Especial nº 162.026 – MG, rel. Min. Peçanha Martins, j. 20.6.2002.

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No Tribunal Regional Federal da 4ª Região a orientação é a


mesma:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÁREA LOCAL. TARIFA INTERURBANA.


NULIDADE - SENTENÇA CITRA PETITA. LEGITIMIDADE ATIVA
DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE PASSIVA
DA ANATEL. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA.
RECONHECIMENTO DO PEDIDO. RESTITUIÇÃO DE VALORES.
CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS.
[...]
- A doutrina e a jurisprudência vêm reiteradamente
afirmando a legitimidade do Ministério Público para a
defesa de direitos individuais homogêneos, com
fundamento no art. 6º, XII, "d", da LC nº 75/93, inclusive
no que tange aos serviços de telefonia.
Precedentes8.
Enfim, parece tão claro que lesões como a dos autos só
possam ser devidamente combatidas pela via da ação civil pública e da
atuação do Ministério Público que soa mesmo despropositada a
preliminar suscitada pela ré.

Pretender que cada um dos consumidores proponha ações


individuais – o que somaria mais que o dobro das ações em tramitação
nesta Comarca – além de ser medida totalmente ineficaz, caminha na
contramão da história do Judiciário Catarinense, que vem há tempos
proclamando de forma correta a necessidade de racionalização e de
efetividade nas decisões judiciais.

Diante destes argumentos, requer o Ministério Público do


Estado de Santa Catarina seja rejeitada esta preliminar.

4. Mérito

4.1. Responsabilização da Vivo S.A. (operadora de celular)

O primeiro dos argumentos da requerida é o de que a


responsável pela falha do sinal é a Vivo S.A., ou seja, a operadora de
8
Apelação Cível nº 2003.71.07.010410-9, rel. Vânia Hack de Almeida, DJ 14.3.2007.

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telefonia celular de que a própria requerida se utiliza para fornecer o


serviço de telefonia aos consumidores do interior da Comarca de Seara.

A falácia do argumento é evidente.

Em resumo, diz a requerida ter contratado o serviço de


telefonia celular com a Vivo S.A., mas que a própria Vivo S.A. é quem
apresenta falhas, e, assim, não tem a requerida responsabilidade sobre
as falhas.

Ora, francamente! Tem a requerida, evidentemente, a


obrigação de fornecer o serviço de telefonia nas localidades em que
residem os consumidores tutelados nesta ação. Dessa obrigação não se
demite.

Nesta obrigação regulamentar, como se viu na inicial, tinha


a Brasil Telecom S.A. várias opções à sua disposição: i) utilizar-se de
antenas de celular próprias; ii) fazer a ligação mediante par metálico
(fiação); iii) contratar o serviço de celular de outras empresas.

Optou por esta última alternativa e, assim, deve responder


pelos ônus de sua (má) escolha. Como ocorre com a responsabilidade
pelas falhas de seus empregados ou das empresas que contrata
(terceirização), a requerida não pode se demitir da responsabilidade
pelas falhas de seus parceiros.

Como a Vivo S.A., ou qualquer das empresas que forneçam


os meios para se realizar a telefonia fixa, foi eleita pela requerida,
incide aqui a regra do art. 932 do Código Civil: “São também
responsáveis pela reparação civil: III - o empregador ou comitente, por
seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que
lhes competir, ou em razão dele”.

A relação entre a requerida Brasil Telecom S.A. e a Vivo S.A.


ou qualquer outra fornecedora do serviço de telefonia móvel equivale a

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uma terceirização e, portanto, a responsabilidade é integral do


comitente, ou seja, da requerida Brasil Telecom S.A.

Em caso análogo, em que instituição financeira pretendia


eximir-se da responsabilidade por falha na entrega de talão de cheques
por empresa terceirizada, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina
entendeu trata-se de responsabilidade objetiva da comitente, ou seja,
da instituição financeira9.

Noutro caso, decidiu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina


que “Age com culpa in eligendo a concessionária de serviço público
pela escolha de cobrador terceirizado de suas faturas, que recolheu o
pagamento do débito, sem, todavia, comunicar a quitação à
concessionária, impossibilitando a baixa do débito nos sistemas
informatizados da credora, com a indevida caracterização de
inadimplência da consumidora”10.

Verifique-se, ainda, que o contrato celebrado entre a Vivo


S.A., por suas subsidiárias, e a requerida Brasil Telecom S.A. é bastante
claro a respeito, demonstrando que todas as obrigações de
digitalização e melhoria do sistema são da Brasil Telecom S.A.
conforme se pode ler à fl. 444:

9
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAS.
RECURSO DE AMBAS AS PARTES. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. SERVIÇO DE ENTREGA DE TALÃO DE CHEQUES TERCEIRIZADO.
TALONÁRIO ENTREGUE À TERCEIRO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO BANCO QUE CONFIOU O SERVIÇO
BANCÁRIO À EMPRESA TERCEIRIZADA. ART. 14 DA LEI 8.078/90. DANO MORAL.
DEVEDOR CONTUMAZ. VERIFICAÇÃO DE INÚMEROS CHEQUES DEVOLVIDOS SEM
PROVISÃO DE FUNDOS E INSCRIÇÃO DO NOME DO DEVEDOR EM ÓRGÃOS DE
PROTEÇÃO AO CRÉDITO. DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE. DANO MATERIAL
CONSUBSTANCIADO NA DEVOLUÇÃO DOS ENCARGOS COBRADOS PELA DEVOLUÇÃO
DA CÁRTULA. MANUTENÇÃO (Apelação Cível n. 2005.017185-4, de Criciúma, Relator:
Des. Sérgio Izidoro Heil).
10
Apelação Cível n. 2009.014872-3, de Balneário Camboriú, Relator: Des. Jaime
Ramos.

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CLÁUSULA QUARTA – OBRIGAÇÕES DA BRASIL TELECOM


4.1. Constituem obrigações da Brasil Telecom, sem prejuízo
das demais disposições estabelecidas neste termo:
4.1.1. Digitalizar 20.000 terminais com acessos Ruralcel e
Ruralvan ativos de seus clientes, mediante a identificação,
comunicação e migração destes clientes para a tecnologia
CDMA até o dia 31 de dezembro de 2006, obrigando-se a
cumprir com as quantidades e prazos estabelecidos no
cronograma que será acordado entre as partes no prazo
máximo de 15 dias contados da assinatura deste termo,
devendo este cronograma observar obrigatoriamente o
prazo limite de 31 de dezembro de 2006.
[...]
4.1.2.2. Todos os custos relativos à identificação,
comunicação e migração dos clientes Brasil Telecom, bem
como os demais necessários à digitalização estabelecidos
no subitem 4.1.2 acima, serão exclusivamente suportados
pela Brasil Telecom.
[...]
4.2. Responsabilizar-se diretamente perante os
órgãos governamentais, por si e por terceiros contratos
pela Brasil Telecom, incluindo, porém não se limitando, à
aquisição e substituição de Estações Terminais de
Acesso, adequação das instalações do Cliente
Ruralcel e Ruralvan, ajuste e aterramento de
antenas, entre outros, necessários à digitalização
dos acessos Ruracel/Ruralvan.

Assim, em resumo, pelo contrato celebrado entre a


requerida Brasil Telecom e a Vivo S.A., ao contrário do que se alega na
contestação, é responsabilidade exclusiva da Brasil Telecom a
“aquisição e substituição de Estações Terminais de Acesso, adequação
das instalações do Cliente Ruralcel e Ruralvan, ajuste e aterramento de
antenas, entre outros, necessários à digitalização dos acessos
Ruracel/Ruralvan” (4.2, fl. 445).

Dito de outro modo, para ficar mais claro: se o consumidor


da telefonia rural deixa de receber o sinal por falha das estações, é
obrigação contratual da ré Brasil Telecom S.A. a aquisição e
substituição das estações de rádio-base, ou seja, das antenas de celular
utilizadas para a distribuição do sinal ao interior.

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Além disso, conforme consta da Cláusula 4.1.2.2, todos os


custos da digitalização – que é na verdade o que se pretende com esta
ação – deverão ser suportados pela Brasil Telecom S.A. Os próprios
contratos trazidos pela requerida, portanto, evidenciam a falácia de seu
argumento inicial: tem a requerida Brasil Telecom S.A., sim, o dever de
arcar com todos os custos da adequação do sistema, já que é ela a
fornecedora do sinal aos seus consumidores.

Além do mais, na resposta à requisição ministerial no curso


do inquérito civil público, afirma textualmente a requerida que está
substituindo o serviço da Vivo S.A. por serviços próprios. Diz a Oi Brasil
Telecom S.A. que “é objeto de estudo a realização de novas migrações
de tecnologia para o atendimento via sistemas com sinal OI,
preservando sempre os direitos do usuário, de acordo com a
regulamentação da Anatel” (fl. 143v).

Recorde-se que a OI S.A. se uniu recentemente à requerida


Brasil Telecom S.A. e juntas operam no ramo da telefonia fixa e celular.

Ora, o que fica evidente é que a Brasil Telecom S.A., ao se


unir à Oi S.A., vem deixando paulatinamente de se utilizar das antenas
da Vivo Celular S.A. e, por não ter a mesma cobertura de antes, está
deixando de fornecer o serviço na mesma qualidade aos consumidores.

Todavia, a responsabilidade pela substituição dos terminais,


pela adequação das instalações e por tudo o que for necessário à
digitalização dos acessos Ruralcel e Ruralvan é de responsabilidade da
Brasil Telecom, conforme fica claro da leitura do contrato já citado (fl.
445).

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4.2. Ônus da substituição das estações móveis em caso de


incompatibilidade

Argumenta também a requerida que, nos termos do art. 83,


parágrafo único, da Resolução Anatel nº 477/2007, as operadoras de
telefonia móvel é que devem “providenciar a substituição da Estação
Móvel, caso haja incompatibilidade tecnológica” (fl. 483).

Como se viu na inicial, a Resolução nº 477/2007 da Anatel,


que regula o Serviço Móvel Pessoal (nome técnico do serviço de
telefonia celular), é expressa em determinar que “a mudança de
padrões de tecnologia promovida por prestadora não pode onerar o
usuário”. O parágrafo único ainda esclarece: “Havendo
incompatibilidade entre a Estação Móvel e os novos padrões
tecnológicos a prestadora deve providenciar a substituição da Estação
Móvel sem ônus para o usuário”.

Ora, a relação negocial no caso dos autos existe entre o


consumidor e a requerida. A operadora de telefonia móvel, seja Vivo
S.A., seja Oi Brasil Telecom S.A., mantém relação negocial com a
requerida, e não com o consumidor. Logo, que usa o sistema da Vivo é
a requerida Oi Brasil Telecom S.A. A relação que ambas devem ter
entre si, portanto, não diz respeito aos consumidores e nem pode
contra eles ser oposta.

Relembre-se: o consumidor contrata a Brasil Telecom para


obter telefonia. É ela quem deve fornecer o serviço, de forma contínua
e eficiente. Para tanto, a Brasil Telecom, quando não opta por levar fios
até a localidade, contrata por sua vez uma operadora de telefonia
celular. A relação do consumidor, portanto, limita-se à operadora de
telefonia fixa (a requerida Oi Brasil Telecom S.A.); a relação com a
operadora de telefonia celular, por sua vez, apenas existe com a
requerida. Não é por outra razão que as faturas constantes dos

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autos são todas destinadas aos consumidores pela própria


requerida Brasil Telecom S.A.

O usuário do serviço de telefonia móvel, assim, é a Brasil


Telecom S.A. Ela é quem contrata com a Vivo, Tim, Claro, Oi ou
qualquer outra o serviço. É ela (requerida), portanto, quem deve exigir
da operadora a melhoria qualidade do sinal ou, do contrário, deve
mudar para outra empresa. O que não pode haver em hipótese alguma,
como fica claro da Resolução nº 477, é maior ônus ao consumidor.

Além disso, pelo contrato celebrado entre a requerida Brasil


Telecom e a Vivo S.A., ao contrário do que se alega aqui, é
responsabilidade exclusiva da Brasil Telecom a “aquisição e
substituição de Estações Terminais de Acesso, adequação das
instalações do Cliente Ruralcel e Ruralvan, ajuste e aterramento de
antenas, entre outros, necessários à digitalização dos acessos
Ruracel/Ruralvan” (4.2, fl. 445).

No caso dos autos, contudo, como se viu no item anterior, a


causa da descontinuidade nos serviços está na mudança dos contratos
da Brasil Telecom com seus fornecedores, fato alheio à relação entre os
consumidores e a requerida, e que, por óbvio, não pode prejudicá-los.

4.3. Responsabilidade civil – culpa exclusiva da requerida

Por isso também não pode alegar a requerida que a


prestação do serviço se tornou impossível sem sua culpa e que, assim,
se resolve a obrigação, nos termos do art. 248 do Código Civil.

Em primeiro lugar, observe-se que a escolha da operadora


de telefonia móvel que será usada para levar o sinal até o consumidor é
exclusiva da requerida!

Pode a Brasil Telecom S.A., como inclusive mencionou em


resposta ao Ministério Público (fl. 143v), escolher qualquer outra
operadora ou mesmo levar fios metálicos até o endereço do

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consumidor, para lhe fornecer o serviço. Aliás, em alguns casos já vem


inclusive adotando esta última opção, mais estável, transportando o
sinal de telefonia via fiação metálica até a residência dos
consumidores, como foi o caso de Ivonir Pinsetta (fl. 25).

Não há, assim, qualquer impossibilidade na prestação do


serviço de telefonia. A impossibilidade retratada no art. 248 do Código
Civil é a impossibilidade “absoluta”, já que “só se extingue a obrigação
de fazer quando, de modo absoluto e definitivo, deixa de ser possível a
respectiva prestação, embora à custa de novos ônus e maiores
sacrifícios”11. Recorde-se, todavia, que “a impossibilidade, suscetível de
produzir semelhante efeito liberatório, há de ser cumpridamente
provada pelo interessado que a invoca”12.

No caso dos autos, como se observa, em primeiro lugar o


réu não comprova que a prestação de fato se tornou impossível. De
qualquer forma, como se viu, tal alegação é completamente
inverossímil, tanto é que o serviço vem sendo prestado em algumas
comunidades rurais, ainda que com péssima qualidade.

4.4. Plano de Metas de Universalização – Serviço Telefônico Fixo


Comutado

No emaranhado de argumentos de mérito da requerida,


desponta também uma afirmação completamente inverídica. Alega,
citando o Decreto nº 4.769/2003, que só há “obrigatoriedade da
prestação do STFC propriamente dito” nas localidades com mais de
trezentos habitantes.

Com isso, pretende afirmar que os consumidores lesados


por sua conduta estão em áreas rurais com menos de 300 habitantes e

11
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 22ª ed. São Paulo :
Saraiva, 1988. vol. 4. p. 94.
12
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 22ª ed. São Paulo :
Saraiva, 1988. vol. 4. p. 92.

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que, portanto, pelo Plano de Metas de Universalização da Anatel, não


estaria a ré obrigada a fornecer o serviço telefônico a eles.

Tal informação é completamente inverídica!

No caso dos autos não se está diante do “STFC


propriamente dito”, conforme expressão do Decreto nº 4.769/2003.
Está-se diante do serviço chamado Ruralcel, ou seja, telefonia rural
mediante redes celulares.

Tanto isso é verdade que o serviço é fornecido há anos,


como demonstra inclusive o contrato celebrado com a operadora de
telefonia celular (fl. 442) e como demonstram as inúmeras faturas do
serviço de telefonia dos agricultores do município já colacionadas aos
autos.

E, ao contrário do que se alega, não se pretende com esta


ação estender o serviço para localidades com menos de trezentos
habitantes, obrigação que, de fato, não é da requerida, diante do Plano
de Metas.

Veja-se, por exemplo, que isso nem mesmo é discutido na


resposta da requerida à requisição ministerial no curso do inquérito civil
público (fl. 143 e 143v), em que se reconhece o dever de prestar o
serviço naquelas localidades.

O documento de fls. 442 e seguintes demonstra claramente


isso. Lá conta o contrato celebrado entre a requerida e a Vivo S.A., por
suas subsidiárias, para utilização da rede celular da segunda (Vivo) pela
requerida Brasil Telecom, para atender à prestação de serviço de
telefonia rural (Ruralcel e Ruralvan).

A vingar este argumento, a requerida estará praticando


quebra de contrato com os consumidores, suspendendo o serviço
essencial de telefonia, sem que ocorram quaisquer das hipóteses
legais. Equivale a afirmar que, se até agora fornecia, o fazia por mera

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deliberação, como se de um favor se tratasse. Esquece-se, todavia, dos


contratos celebrados com os consumidores, em que se comprometeu a
fornecer telefonia contínua e de qualidade.

Note-se que o Contrato de Concessão prevê que “ao longo


de todo o prazo de vigência da concessão, a Concessionária se
obriga a manter os compromissos de qualidade, abrangência e
oferta do serviço constantes do presente Contrato, independente do
ambiente de competição existente na área geográfica de exploração do
serviço” (Cláusula 4.4, fl. 313).

Logo se vê, portanto, que: i) esta ação não tem por objetivo
ampliar a área de concessão do serviço telefônico, mas apenas manter
o serviço que já era fornecido; ii) a requerida sempre forneceu o serviço
aos consumidores.

4.5. Responsabilidade civil – dever de indenizar

De tudo o que se viu nos autos ficam claras as seguintes


conclusões:

a) a requerida prestava o serviço de telefonia rural aos


consumidores individualizados nestes autos;

b) com a evolução das tecnologias, optou por migrar para


GSM ou CDMA em alguns casos;

c) esta migração ocasionou a instabilidade do sinal aos


consumidores e, nesta situação, vem tentando a requerida, de todas as
formas, coagir os consumidores a abandonar o serviço;

d) poderia a requerida optar pela prestação do serviço por


outras operadoras ou por fiação (par metálico), o que não faz para
minimizar seus custos operacionais;

e) tal prática é ilícita e causa prejuízo aos consumidores, já


que dentre as obrigações da requerida, decorrentes inclusive do Código

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de Defesa do Consumidor, está a prestação do serviço de forma


contínua, adequada, eficiente e segura.

Pois bem.

Para o Código Civil, “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e
187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Considera-se
ato ilícito qualquer “ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, que violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral”, nos termos do art. 186 do Código Civil.

No caso dos autos, o contrato de concessão celebrado entre


a Anatel e a requerida a obriga à “não suspensão do serviço sem sua
solicitação, ressalvada a hipótese de débito diretamente decorrente de
sua utilização ou por descumprimento dos deveres constantes do art. 4
da Lei nº 9.472, de 1997” (fl. 326).

Dentre outras obrigações da requerida em relação aos


consumidores estão: “XII – reparação de danos causados pela violação
de seus direitos”; “XIII – ver observados os termos do contrato de
assinatura pelo qual tiver sido contratado o serviço”.

Prevê ainda o Contrato de Concessão que “ao longo de todo


o prazo de vigência da concessão, a Concessionária se obriga a manter
os compromissos de qualidade, abrangência e oferta do serviço
constantes do presente Contrato, independente do ambiente de
competição existente na área geográfica de exploração do serviço”
(Cláusula 4.4, fl. 313).

Registre-se, ademais, que o próprio contrato de concessão


prevê que “A concessionária deverá, na relação com seus assinantes,
cumprir, além das disposições legais, contratuais e regulamentares, as
demais normas de proteção do consumidor, em especial a Lei nº 8.078,
de 11 de setembro de 1990” (fl. 327, Cláusula 15.1, §3º).

17
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Ora, se o Código de Defesa do Consumidor obriga a


requerida a prestar o serviço de telefonia rural de forma eficiente,
segura, adequada e contínua (art. 22), e se o Contrato de Concessão
manda aplicar o Código de Defesa do Consumidor e ainda prevê as
obrigações de não suspender o serviço e de observar o contrato de
assinatura, é mais do que evidente que no caso dos autos a requerida
infringe todas estas normas legais e contratuais.

Por omissão, por outro lado, deixa de atualizar o sistema e


de investir na Comarca de Seara, tudo com o objetivo de minimizar
custos operacionais. E, assim, faz com que os agricultores da região
desistam do serviço de telefonia e optem por soluções alternativas,
mas sempre mais caras (radiocomunicação, por exemplo).

Os documentos trazidos pelas vítimas da conduta da


requerida demonstram à saciedade a ocorrência dos danos materiais e
extrapatrimoniais postulados pelo Ministério Público.

Note-se que já são mais de uma centena de agricultores,


todos dependentes de negócios com os fornecedores de insumos e
compradores da produção, pessoas simples que procuraram (até agora
em vão), por mais de uma vez o Procon de Seara, que por sua vez
manteve insistentes contatos com a ré.

A jurisprudência, além de dispensar a prova do dano


moral13, vem condenando a Brasil Telecom S.A. ao pagamento de
indenização por danos morais inclusive para suspensão do
fornecimento do sinal em casos de inadimplência não notificada. No
caso dos autos, em que, além da conduta ilícita e dolosa, comprovou-se
que os consumidores estão pagando em dia, com mais razão há que se
fixar indenização por danos extrapatrimoniais:
13
“Dispensa-se a prova de prejuízo para demonstrar a ofensa à moral, já que
este dano, tido como lesão à personalidade, ao âmago e à honra do indivíduo, por
vezes é de difícil comprovação, ante os reflexos atingirem parte muito própria da
pessoa, seu interior” (Apelação Cível n. 2007.030678-3, de Chapecó, Relator: Des.
Fernando Carioni).

18
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ADMINISTRATIVO – SERVIÇO CONCEDIDO – TELEFONIA –


INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS CONTRA COMPANHIA
TELEFÔNICA – PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA "AD
CAUSAM" REJEITADA – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA
DA CONCESSIONÁRIA – SUSPENSÃO TOTAL DOS SERVIÇOS
TELEFÔNICOS POR FALTA DE PAGAMENTO – COBRANÇA
POR LIGAÇÕES NÃO EFETUADAS – OBRIGAÇÃO DE
INDENIZAR DA CONCESSIONÁRIA – "QUANTUM"
INDENIZATÓRIO – VALOR QUE SE MOSTRA RAZOÁVEL.
Se é a Brasil Telecom quem emite a fatura de serviço e
procede ao bloqueio do terminal telefônico do consumidor,
flagrante é sua legitimidade para figurar sozinha no pólo
passivo de demanda indenizatória por abalo moral
decorrente da ilegalidade da cobrança, haja vista a sua
responsabilidade objetiva pelo evento danoso.
Causa dano moral a suspensão total dos serviços
telefônicos por falta de pagamento de fatura
contestada pelo usuário, que se dispõe a pagar a parte
incontroversa, pelo fato de conter valor considerável
relativo a ligações que não efetuou para somente um
determinado número, o que se constata, sob juízo de
verossimilhança, pela comparação com outras faturas em
que não consta relacionamento algum com aquele terminal,
sem que a concessionária tenha atendido a reclamação
feita, assim como também não comprovou, como lhe
competia, que as ligações controvertidas realmente
ocorreram.
O valor da indenização do dano moral há de ser fixado com
moderação, em respeito aos princípios da razoabilidade e
da proporcionalidade, levando em conta não só as
condições sociais e econômicas das partes, como também o
grau da culpa e a extensão do sofrimento psíquico, de modo
que possa significar uma reprimenda ao ofensor, para que
se abstenha de praticar fatos idênticos no futuro, mas não
ocasione um enriquecimento injustificado para o lesado
(Apelação Cível n. 2006.016978-0, de Itapiranga, Relator:
Des. Jaime Ramos).

5. Danos extrapatrimoniais e a necessidade de sua reparação

Uma vez configurada a prática lesiva praticada pela


demandada e sua absoluta ilegalidade, não pode o Judiciário contentar-
se com a simples adequação da conduta. Seria um verdadeiro estímulo

19
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à operadora a certeza de que vale a pena aguardar condenações


judiciais, muitas vezes em ações de longa tramitação, para ao final
apenas passar a fazer o que sempre deveria ter feito: cumprir a lei e
respeitar o consumidor.

Entram em cena então as funções dissuasora e


sancionatória da responsabilização civil, que, na sociedade típica da
“‘era tecnológica’ desempenha funções que se desenvolvem em dois
âmbitos: como instrumento de regulação social e como mecanismo
para a indenização da vítima”, conforme Annelise Monteiro Steigleder.

E, ainda segundo a autora, “no âmbito de ser instrumento


de regulação social, a responsabilidade exerce a função de prevenir
comportamentos anti-sociais, dentre os quais aqueles que implicam
geração de riscos; de distribuir a carga dos riscos, pelo que se torna
otimizadora de justiça social; e de garantia dos direitos do cidadão”14.

5.1. Danos extrapatrimoniais individuais homogêneos

De fato, foi amplamente comprovada nos autos a aflição de


mais de uma centena de agricultores da comarca que experimentam
constantemente suspensões no sinal de telefonia de suas residência,
sabendo ainda tratar-se de suspensão dolosa da empresa
concessionária. A jurisprudência amplamente reconhece o dever de
indenizar os danos morais em caso de suspensão do serviço de
telefonia por falta da operadora15.
14
Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no direito
brasileiro. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2004. p. 178, grifou-se.
15
A SUSPENSÃO da prestação dos serviços de TELEFONIA, sem prévia comunicação ao
cliente, ainda que estivesse inadimplente, caracteriza DANO MORAL passível de
indenização" (Ap. Cív. n. 2004.037036-3, de São José, rel. Des. Wilson Augusto do
Nascimento, j. 7-10-2005).
REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. SUSPENSÃO DE LINHA TELEFÔNICA CELULAR, POR
ERRO IMPUTÁVEL À FORNECEDORA. DIREITO AO RESTABELECIMENTO DO SERVIÇO.
DANO MORAL CONFIGURADO IN RE IPSA. REDUÇÃO QUANTUM INDENIZATÓRIO. O
dano moral, na hipótese concreta, prescinde de prova, ante a dificuldade de produzi-la
e, ademais, por estar evidente o prejuízo, inerente ao próprio fato do bloqueio
indevido de importante ferramenta da comunicação. Situação que ultrapassa o mero
dissabor cotidiano. RECURSO PROVIDO, EM PARTE. (Recurso Cível Nº 71002389393,
Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Eugênio Facchini Neto,

20
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O valor a ser arbitrado, a título de danos morais em favor


de cada um dos consumidores já identificados ou a serem identificados
(art. 94 do CDC), deve situar-se em patamar que represente inibição à
pratica de outros atos antijurídicos e imorais por parte da empresa
demandada. É imperioso que a Justiça dê ao infrator resposta eficaz ao
ilícito praticado, sob pena de se chancelar e se estimular o
comportamento infringente.

A nosso sentir, a indenização por danos morais,


considerando-se o patrimônio da requerida e o dano moral sofrido pelos
agricultores, além do evidente dolo na conduta, não pode ser inferior a
R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) em favor de cada consumidor
identificado.

Nos autos até o momento foram identificados 25 outras


vítimas, além daquelas já identificadas na petição inicial (fl. 15, nota de
rodapé). Tem-se, assim, 66 consumidores lesados, perfazendo até o
momento (salvo habilitação posterior), o total de R$ 3.300.000,00 (três
milhões e trezentos mil reais).

5.2. Danos extrapatrimoniais coletivos

Mas não foi só a esfera individual de cada consumidor que


acabou sendo lesada com a ação da requerida. Todas as pessoas
determináveis ou não expostas à prática desleal aqui narrada16,
considerada “prática abusiva” pelo art. 39 do Código de Defesa do
Consumidor, são vítimas e, portanto, ainda que difuso o dano e,
portanto, impossível identificar as vítimas, é necessária a fixação de
indenização pelos danos extrapatrimoniais difusos.

Sim, porque evidentemente não apenas os consumidores


titulares das linhas dolosamente suspensas sofreram com a conduta

Julgado em 28/01/2010).
16
Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores
todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.

21
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narrada. Também todos aqueles que procuraram pelos agricultores, ou


seja, tentaram contato telefônico com eles, deixaram de obter o
resultado que legitimamente se esperava de um sistema de telefonia
eficiente, adequado e justo. Estas pessoas, que são parentes,
fornecedores, consumidores, amigos, serviços públicos, enfim, pessoas
não determináveis, certamente acabaram lesados de uma forma ou de
outra pela conduta da requerida.

E, como se sabe, os interesses difusos foram definidos pelo


legislador consumerista, no art. 81, inc. I, do CDC, como os
transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas
indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato17.

A prática abusiva adotada pela ré abala o patrimônio moral


da coletividade, pois todos acabam se sentindo ofendidos e
desprestigiados como cidadãos com a prática lesiva a que se
expuseram. A sensação, como se percebe claramente, atingiu a todos,
no caso vertente, e foi justamente a de que o sistema é injusto, pois
não se poderia conceber o mais forte submetendo o mais fraco à
tamanha situação de indignidade. Daí a inquestionável ofensa coletiva
passível de reparação.

17
Para Kazuo Watanabe, “nos interesses ou direitos difusos, a sua natureza indivisível
e a inexistência de relação jurídica-base não possibilitam, como já ficou visto, a
determinação dos titulares. É claro que, num plano mais geral do fenômeno
jurídico ou análise, é sempre possível encontrar-se um vínculo que une as pessoas,
como a nacionalidade. Mas, a relação jurídica-base que nos interessa, na fixação dos
conceitos em estudo, é aquela da qual é derivado o interesse tutelando, portanto
interesse que guarda relação mais imediata e próxima com a lesão ou ameaça de
lesão. [...] No campo da relação de consumo, podem ser figurados os seguintes
exemplos de interesses direitos difusos: [...] b) colocação no mercado de produtos
com alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde, ou segurança dos
consumidores, o que é vedado pelo art. 10 do Código. O ato do fornecedor atinge a
todos os consumidores potenciais do produto, que são em número incalculável e não
vinculados entre si por qualquer relação-base. Da mesma forma que no exemplo
anterior, o bem jurídico tutelado é indivisível, pois uma única ofensa é suficiente para
a lesão de todos os consumidores, e igualmente a satisfação de um deles, pela
retirada do produto no mercado, beneficia ao mesmo tempo a todos eles” (Código
Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado Pelos Autores do Anteprojeto. São
Paulo: Forense Universitária, 1997. p. 625/627).

22
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

Não se pode conceber que numa sociedade democrática,


onde se espera e se luta pelo aperfeiçoamento dos mecanismos que
venham a garantir ao cidadão o pleno exercício dos atributos da
cidadania, inclusive com a efetiva implementação da legislação
consumerista, tenha lugar a busca insana do enriquecimento fácil que
submete o consumidor a práticas inaceitáveis, como a que foi narrada
nesta inicial.

É dentro desse mesmo contexto que não se pode esconder


a grande extensão do dano causado, pois, além de agredir interesses
garantidos por lei ao consumidor, o procedimento denunciado gerou
sentimento de descrença e desprestígio da sociedade com relação aos
poderes constituídos e ao sistema de um modo geral.

Importa declinar, de outra parte, que a demandada é


empresa de grande porte, sendo desnecessária qualquer referência a
sua capacidade econômica, por ser de conhecimento público.

O valor a ser arbitrado, a título de danos extrapatrimoniais,


deve situar-se em patamar que represente inibição à pratica de outros
atos antijurídicos e imorais por parte da empresa demandada. É
imperioso que a justiça dê ao infrator resposta eficaz ao ilícito
praticado, sob pena de se chancelar e se estimular o comportamento
infringente.

A nosso sentir, a indenização por danos morais não pode


ser inferior a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), revertendo-se para
o fundo de que trata o artigo 13 da Lei n° 7.347/85.

6. Conclusões

Por tudo o que foi dito, o Ministério Público do Estado de


Santa Catarina espera tenham ficado claros os seguintes pontos:

a) a relação da ré com a Vivo S.A. ou com qualquer outra


operadora de telefonia não é oponível aos consumidores;

23
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

b) as falhas no sistema utilizado pela ré devem ser apenas


a si imputadas, ainda mais quando derivadas de dolo, como é o caso
dos autos;

c) os contratos de concessão e o contrato de


compartilhamento de rede com a Vivo S.A. demonstram que a ré tem
obrigação de manter o fornecimento do sinal de telefonia aos
consumidores da Comarca, e que é de sua integral responsabilidade a
continuidade, adequação, qualidade e eficiência na prestação do
serviço;

d) a suspensão dolosa do sinal de telefonia enseja a


condenação da ré ao pagamento de indenização por danos
extrapatrimoniais a cada consumidor habilitado nos autos;

e) a mesma conduta, por atingir interesses difusos, de


pessoas não identificáveis, enseja a condenação da ré ao pagamento
de indenização ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados.

Diante de tudo o que foi exposto, portanto, o Ministério


Público do Estado de Santa Catarina requer a integral procedência dos
pedidos formulados na inicial para o fim de condenar a ré a:

6.1) restabelecer o sinal de telefonia para todos os


consumidores rurais da Comarca de Seara (Arvoredo, Xavantina e
Seara), sob pena de multa de R$ 50.000,00 por dia;

6.2) migrar todos os sistemas de telefonia TDMA da


Comarca para GSM, CDMA ou para telefonia fixa, garantindo a
qualidade (sem chiassos, interrupções, ecos, etc.) e a continuidade,
sem qualquer custo para os consumidores, sob pena de multa;

6.3) pagar de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para cada


consumidor lesado por sua conduta, identificado no inquérito civil;

6.4) pagar indenização genérica, no valor mínimo de R$


50.000,00, aos consumidores que vierem a ser identificados

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posteriormente e aos consumidores habilitados nesta ação (art. 94, 95


e seguintes do CDC);

6.5) a condenação da requerida ao pagamento de


indenização pelos danos extrapatrimoniais difusos, em favor do Fundo
de Reconstituição de Bens Lesados, no valor mínimo de R$ 500.000,00.

6.6) a condenação da requeridas em custas, despesas


processuais e honorários advocatícios (estes conforme art. 4º do
Decreto Estadual nº 2.666/04, em favor do Fundo de Recuperação de
Bens Lesados do Estado de Santa Catarina).

Seara, 28 de setembro de 2010

Eduardo Sens dos Santos


Promotor de Justiça

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