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Livro: Uma secretária para o CEO

Autora: Ângela Maria


Capa: MR Designer
Revisão: Larissa Niewierowski
1ª Edição
Copyright © 2021 Ângela Maria
Todos os direitos reservados. Proibida, dentro dos limites estabelecidos pela
lei, a reprodução total ou parcial desta obra, o armazenamento ou a
transmissão por meios eletrônicos ou mecânicos, fotocópias ou qualquer
outra forma de cessão, sem prévia autorização da autora Ângela Maria .
Steve Clifford sabe curtir a vida. Dono de uma rede de carros por aplicativos,
o CEO dedica-se em fazer valer a pena sua existência, conciliando trabalho
com farras. Steve também é louco pela a irmã mais nova e única família,
Romena. Após a morte precoce da irmã, ele se vê obrigado a proteger e
cuidar de sua sobrinha, Lux, cujo o pai a rejeitou ainda no ventre de Romena.
O problema é que Steve não leva o menor jeito com crianças.
Julie Evans é uma jovem babá, que, no momento, encontra-se desempregada,
após deixar o vaso de cinzas cair da falecida mãe do ex-chefe. Apesar de não
ter um pingo de coordenação motora, a garota tem um coração bondoso e
prestativo.
Tudo muda quando a secretária de Steve, a senhora Johnson, pede licença do
cargo por dois meses para cuidar da saúde do neto, e Steve não vê outra
alternativa a não ser contratar uma secretária temporária.
Ao acompanhar sua irmã mais velha em uma entrevista de emprego para o
cargo de secretária do diretor executivo da Clifford Technologies, Julie se
mete mais uma vez em confusão, mudando completamente seu destino

Uma Secretária para o CEO é uma comédia romântica leve, divertida e


apaixonante. Fique à vontade para conhecer e apreciar a história de
Steve e Julie.
Passo a passo para ouvir a playlist de “Uma Secretária para o CEO”:
1. Abra o aplicativo do Spotify;
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Sumário
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Epílogo
Bônus
Capítulo 1

São Francisco — CA

Acordei com uma dor de cabeça infernal naquela manhã, me


lembrando dos copos de tequilas que virei no dia anterior, sob o sol
escaldante da tarde de São Francisco.
Ainda era quinta-feira e sabia que não deveria me meter em festas
antes do final de semana chegar, mas, talvez, aquela fosse minha única
oportunidade, em meses, de encontrar Brianna – uma modelo de corpo
dourado, curvas esculturais e seios simetricamente arredondados,
provavelmente moldados em uma sala de cirurgia por um ótimo profissional.
Iniciamos uma conversa na semana passada, quando reagi a uma foto
que ela postou em suas redes sociais e, na mesma conversa, ela sugeriu que
nos encontrássemos, já que estaria passando por São Francisco a trabalho na
semana seguinte. De cara, havia notado que Brianna fazia parte do seleto
ramo de mulheres que eu adorava: as que sabiam o que queriam e não se
apegavam com apenas uma noite.
Não que eu fosse contra pessoas apegadas, mas isso dificultava muito
as coisas para mim, já que a maior parte do tempo eu passo cuidando do
império que construí à duras penas e, a outra metade, sigo fazendo o que sei
fazer de melhor: fazer valer a pena o dom da vida que me deram.
Mas, claro, tudo como muita responsabilidade. Não sou nenhum
otário para cair nas armadilhas do mundo. Sei me cuidar e isso a vida me
ensinou cedo, principalmente, quando meus pais faleceram anos atrás em um
trágico acidente aéreo e tive que cuidar de mim e da minha irmã mais nova,
Romena, o meu coração fora do peito.
Na sala do meu escritório, a senhora Johnson continuava lendo uma
matéria no pé do meu ouvido, aterrorizada com mais uma daquelas notícias
de sites de fofocas locais, enquanto eu conferia os gráficos na tela do
computador em minha frente. Eu não sei por que ela ainda insistia em ler toda
aquela baboseira que aqueles jornalistas desenhavam de mim, como se eles
soubessem realmente algo sobre a minha vida.
Ela lia:

“Steve Clliford ataca novamente. O jovem empresário de 29 anos foi visto


aos beijos com a modelo famosa Brianna Silverstone, em um iate em plena
baía de São Francisco, na Califórnia, onde Steve reside. As imagens que
mostram as mãos do CEO dentro da calcinha do biquíni de Brianna, em cima
da espreguiçadeira do convés, têm movimentado os blogs locais na manhã de
hoje. ”

— Jesus! – Michele exclamou, engolindo em seco ao meu lado. Dei


uma olhada de soslaio para o tablet em sua mão e vi que ela estava dando um
zoom na foto, para enxergar melhor meus dedos, que se encontravam em um
lugar pouco apropriado para uma página de um site público.
— Isso é ilusão óptica. – Pigarreei, em uma tentativa de fazer ela
parar de olhar aquelas porcarias de fotos e focar no trabalho.
— Não, senhor. Isso não me parece ilusão de óptica – ela virou o
aparelho de cabeça para baixo, tentando me provar aquilo que já sei. – Você
meteu a mão com gosto, hein menino!
Às vezes, a senhora Johnson conseguia o que poucas mulheres
conseguem: me deixar acanhado.
Apesar de estar comigo há três anos na Clliford Technologies, sendo
uma espécie de agenda ambulante, que sabia mais dos meus compromissos
do que eu próprio, a Michele era o tipo de senhora que não tinha filtro. Falava
tudo o que vinha à mente e mais um pouco. Quando eu a contratei, jurava que
ela se tratava apenas de uma senhora antiquada, com um bom currículo e uma
porção de netos. Ledo engano! Agora, a senhora Johnson me acompanhava
até nos chopps nos sábados à tarde.
No fundo, me agradava esse jeito sincero dela e a forma pessoal como
ela me tratava. Gostava que meus funcionários mais próximos tivessem
liberdade para me tratar como amigo, pois isso mantinha minha equipe mais
unida e motivada a produzir resultados cada vez melhores. Mas, veja bem,
apenas os funcionários mais próximos, assim não corria o risco do meu
escritório virar uma baderna.
Meu celular vibrou em cima da mesa e, automaticamente, peguei o
aparelho e vi a mensagem manhosa:

Romena: Você vem jantar aqui em casa hoje, mano? Diz que simmm! Lux
está morrendo de saudade.
De repente, lembrei dos dois dentes engraçados e mais traiçoeiros do
mundo e um sorriso de canto de boca se abriu em meu rosto, quase sem que
eu percebesse. Minha sobrinha era uma gracinha. Se não fosse pela minha
total incapacidade de lidar com a loucura que era cuidar de uma criança,
talvez ter um filho estivesse em minha lista de coisas para experienciar antes
de morrer.
Mas eu não tinha jeito pra isso. Eu amava me sentir livre, viajar, fazer
milhares de amigos. Sem contar com o fato de que não gostava da ideia de
atribuir parte de minhas responsabilidades para outras pessoas. Se fosse para
eu ter um filho, que eu fizesse direito e não jogasse o peso todo nas costas de
uma mulher. Porém, essa era uma outra realidade, bem distante da minha.
Mas que já tinha chegado para minha irmã caçula.
Romena era meu ponto de luz. Minha irmã era o tipo de pessoa que
conseguia fazer alguém se sentir bem só de estar ao lado dela. Uma mulher
doce, gentil e educada, mas um vagabundo teve a covardia de quebrar seu
coração.
Ela conheceu Lamar no Cafe Trieste, no ano passado, quando,
segundo ele, veio de Minnesota para São Francisco a trabalho.
No entanto, a distância não impediu que Romena se apaixonasse e tão
logo engatasse um relacionamento com Lamar.
Eu sentia que havia algo de errado com aquele verme quando bati os
olhos nele, mas minha irmã estava tão apaixonada, que me sentia mal em ter
que incomodar sua alegria com minhas percepções ainda sem fundamentos.
Até que um dia que desabafei com ela, explicando que eu achava estranho o
fato dele nunca ter apresentado uma pessoa de sua família, mas ela me
tranquilizou argumentando que ele era como nós dois, sozinho.
Pouco tempo depois, veio a notícia da gravidez, o que a levou a
trancar a faculdade de Direito no terceiro ano de curso. Após seis meses, as
vindas de Lamar para São Francisco se tornaram menos frequentes, até ele
desaparecer totalmente.
Romena ficou tão aflita com o desaparecimento dele, que contratei
alguns detetives para saber do seu paradeiro. Foi quando descobri que o filho
da puta tinha uma outra família: uma mulher e dois filhos crescidos.
Naquele dia, tive vontade de acabar com ele com as minhas próprias
mãos. Mas eu não poderia fazer isso. Eu tinha que acalmar e consolar
Romena, que não parou de chorar por dias. Graças a Deus, Lux nasceu
saudável e no tempo certo, e eu vi a alegria e a força da minha irmã
renascerem mais uma vez.

Steve: Podem me esperar, que o tio Steve está passando aí mais tarde. E não
me decepcionem com esse jantar, garotas.
Romena: Ebaa! Te esperamos então.
Te amo!

Dificilmente eu recusava os convites de Romena, para mim, estar com


elas era sagrado. Apesar de não morarmos na mesma casa, por razões minhas,
nunca faltou nada a Romena desde que os meus negócios começaram a
alavancar. Comprei uma casa para ela em Fisherman's Wharf, onde morava
com Lux e mais duas secretárias do lar. Romena sempre teve muitas amigas,
assim como eu, era difícil ela se sentir sozinha naquela casa.
Nesse dia, passei o resto da tarde dando duro no escritório. Analisei
planilhas, assinei requerimentos, admissões, desligamentos e mais coisas.
Puta merda! Nunca me apareceu tanto trabalho em um dia só, mas consegui
terminar tudo às 18h, ficando em paz comigo mesmo. Uma das coisas que
mais provocava o meu mau humor era deixar trabalho para o dia seguinte.
Após o expediente, me dirigi para a casa em Fisherman's Wharf,
visitando a pequena bebê carequinha de olhos grandes e verdes, que se
balançava agitadamente na cerca do berço.
— Quer vir para mim, senhorita? – Perguntei, como se Lux
entendesse alguma coisa do que eu dizia.
Em sua língua, ela me disse algo que não consegui decifrar, esticando
os braços repletos de dobrinhas para o alto:
— Ela quer, sim. – Romena traduziu, assistindo tudo de perto.
Coloquei minhas mãos para dentro do berço, segurando Lux pela
barriga e, cuidadosamente, empertiguei aquele ser molinho contra o meu
peito. Mas até que ela estava com o espinhaço mais duro do que a última vez
que a vi.
— Nada mal, Steve. Você está finalmente aprendendo a segurar um
bebê.
Lux sorriu do comentário da mãe, como se compreendesse, e
começou a fazer movimento de pulos em meu braço.
— Calma aí, mocinha. Estou indo bem, mas não eleve o nível de
dificuldade, por favor.
Romena sorriu e Lux ficou ainda mais agitada, batendo palmas e
emitindo grunhidos, enquanto me concentrava em mantê-la estável em meus
braços.
— Não se preocupe, ela não vai cair. – Romena me tranquilizou,
enquanto uma gota de suor se formou no topo de minha testa. – Vou lá
embaixo colocar o jantar à mesa.
— Nós vamos com você – me apressei em dizer, acompanhando a
mulher doce de cabelos castanho claro e cílios volumosos.
Chegando à cozinha, encaixei Lux em uma cadeira apropriada para
ela, e ajudei Romena a colocar os pratos. Ela havia preparado para a entrada
uma Clam Clowder, um suculento mexilhão de cenouras e batatas, e minha
comida preferida como prato principal: Cioppino, um cozido de frutos do
mar.
— Faltou o vinho. – Ela observou, abrindo os armários.
— Sem problemas. Podemos jantar sem vinho.
— Ah, não! – Ela murchou os ombros. – Um jantar desses sem vinho
é um verdadeiro desperdício.
— Eu posso comprar no supermercado aqui perto. – Me levantei e ela
protestou:
— Tudo bem, Steve. Eu mesma vou.
Ela se apressou em pegar as chaves do seu carro de cima da bancada,
fechando o casaco cinza que usava.
— Tem certeza?
— Sim, não se preocupe. Estou precisando colocar a cara fora. Nem
que seja para comprar um vinho no supermercado. – Ela sorriu.
— Mamãe vai nos deixar sozinhos – comentei com Lux e quase pude
ouvir o desespero em minha voz quando pronunciei a palavra “sozinhos".
— Vocês vão ficar bem. Não é, mocinha? Você vai cuidar do titio
direitinho? – Romena se aproximou de Lux e fez cócegas no queixo dela, que
desmanchou uma gargalhada. – Em dez minutinhos, eu estou de volta.
— Você não quer mesmo que eu vá? – Pensei que seria mais
confortável eu ir do que ela me deixar sozinho com um bebê de 7 meses. Mas
que mal poderia acontecer em dez minutos?
— Lux estará segura com o melhor titio de todo o mundo. Confio em
você de olhos fechados, Steve. Sei que dá conta.
Romena disse, por fim, e caminhou para fora da cozinha, me
abandonando com um bebê em uma cadeirinha, que me fitava com
curiosidade.
— Por que está me olhando dessa forma? – Perguntei, desconfiado.
Ela grunhiu, sorrindo.
— Eu só posso ser uma espécie de piada para ela. – Murmurei me
sentando na banqueta, analisando Lux sorrir. Ela quase sempre parecia estar
se divertindo com os pequenos desesperos que causava em mim.

Trinta minutos depois...


— Já chega de esperar a mamãe! – Me levantei com Lux no colo,
depois de ligar para Romena e descobrir que ela esqueceu o celular no sofá
da sala.
E se o pneu furou? – Ainda que ela tivesse encontrado uma conhecida
no supermercado e estivesse presa em uma conversa demorada, achei melhor
conferir.
Peguei, com a mão livre, a cadeirinha de Lux, na entrada da sala, em
cima do armário de casacos, e caminhei para o meu carro estacionado no
jardim, segurando a bonequinha contra o meu ombro com um só braço.
Enquanto armava a cadeira no banco de trás, a carequinha começou a chorar.
— Não, não! Estamos indo atrás da mamãe. Não há por que chorar –
disse, conseguindo finalmente que a cadeira ficasse segura no banco.
Coloquei Lux na cadeirinha e seu choro cessou apenas quando dei o
cachorrinho de borracha, que peguei no chão da sala e enfiei no bolso do
casaco, pensando que talvez eu precisaria de alguma carta na manga em
ocasiões como essa.
Aproveitei o momento que Lux estava distraída, me coloquei
rapidamente no banco do motorista e dei partida.
De vez em quando, olhava Lux pelo retrovisor, averiguando se estava
tudo sob controle. Tão logo, voltava a prestar atenção nas ruas do bairro, indo
em direção ao supermercado mais próximo, ao qual eu supunha que Romena
havia ido.
Minhas mãos apertaram o volante quando dobrei a esquina e avistei o
sedam preto de Romena parado mais na frente, próximo ao cruzamento das
ruas. O para-choque de uma caminhonete 4×4 estava atravessado na lateral
do sedam, fazendo com que meu sangue gelasse. Havia alguns curiosos ao
redor, um carro de polícia e um carro branco parado mais a frente, pronto
para partir.
Estacionei logo atrás, destravando o cinto, e falei para Lux:
— Vou ter que sair rapidinho, princesa. Mas vou deixar os vidros um
pouco abertos. Vou trazer a mamãe de volta. – Lux apertou mais uma vez o
cachorrinho de borracha, ainda entretida com o brinquedo. Visto isso,
aproveitei para sair rapidamente e procurar Romena.
Caminhei entre as pessoas, olhando para o banco do motorista do
carro de Romena, completamente deslocado pela batida da caminhonete.
Ainda que estivesse escuro, as manchas de sangue entre as ferragens eram
visíveis. Todo o meu corpo ficou tenso, mas consegui correr entre as pessoas
ali, procurando por ela, sem obter êxito. Avancei pela faixa que colocaram
para interditar o local e um dos policiais me abordou com rispidez:
— Não pode ficar aqui até que a perícia chegue! Não está vendo?
Volte para fora da faixa!
— Minha irmã... – Relutei por um instante, atordoado, e, em seguida,
coloquei meus olhos sobre aquele policial e rosnei: — Onde está minha irmã?
— Você é parente da dona desse veículo? – Ele perguntou, olhando
para o sedam.
— É minha irmã, Romena. Onde ela está? – Brami, com uma mistura
de raiva e agonia sufocando meu peito.
Senti uma mão tocar meu ombro e me virei para encarar a senhora
que também havia avançado o limite da faixa.
Ela olhou momentaneamente para o homem que havia me abordado e
fez um sinal com a cabeça.
— Tudo bem. Eu tenho experiência com o assunto. – Ela disse, nas
entrelinhas, para o policial.
— Ok. – Escutei ele assentir e se afastar.
A senhora de cabelos curtos e cútis finas me encarou com um tipo de
olhar que eu já vi uma outra vez na vida.
— A jovem neste carro é sua irmã?
— Onde ela está? – Repeti, áspero, impaciente com todo aquele
suspense que faziam. Seria mais fácil eles me dizerem onde ela está e ponto!
— Querido. Eu sinto muito... – Ela segurou minhas duas mãos e me
fitou com cuidado, enquanto meneei a cabeça em negativa... – Sua irmã não
resistiu... Ela acabou de falecer.
— Não... – Sacudi a cabeça com meus olhos ardendo. – Não pode ser.
Deve ter tido um engano... Romena! – Vociferei pelos cantos e assisti a
ambulância dar partida.
Levei as mãos para a cabeça, totalmente desnorteado, como se o chão
em meus pés desaparecesse e uma barra de ferro atravessasse minha garganta.
Meus olhos voltaram para os policiais bem ao lado da caminhonete, onde
autuavam um garoto que não aparentava ter mais de 21 anos. Seus olhos
ébrios me encararam e ele veio em minha direção, desferindo:
— Desculpa, cara! — Ele atropelava as palavras, como se não
estivesse em seu devido estado. — Não foi minha intenção, irmão. Eu juro...
Me desculpa. Não queria matar ninguém, eu juro. – Quando senti o bafo de
álcool subir pelas minhas narinas, meu sangue ferveu.
— Filho da puta! – Quando dei por mim, eu já estava enterrando um
soco em seu rosto com a força da dor em meu peito.
O desgraçado caiu de costas no chão.
Para a sorte dele, quando avancei para cima, os homens fardados ali
me impediram, ameaçando me levar para a delegacia também.
Dei alguns passos para trás, com os olhos já não aguentando tanta
pressão. As lágrimas jorravam enquanto minhas mãos pressionavam meu
rosto, como se aquilo pudesse me levar de volta à realidade. Mas não tinha
outra realidade. O que estava acontecendo era real.
– Porra! – Praguejei chutando o para-choque do carro ao meu lado.
Nesse momento, me senti completamente quebrado, despencando para
o fundo do poço.
– Minha irmã, porra! Minha irmã... – Eu só conseguia chorar.
— Senhor, tem um bebê chorando no carro... – A mesma senhora de
cabelos curtos me faz lembrar da minha sobrinha, que ainda estava no carro,
e aquilo fez com que eu me sentisse ainda mais devastado.
No entanto, Lux precisava de mim, eu tinha que reagir. Tinha que
fazer algo. Mas, porra, o que vou fazer sem Romena aqui?
Mesmo assim, retornei ao carro, secando as lágrimas, e peguei Lux no
colo, tentando acalmá-la no banco de trás. Ela pareceu sentir algo de errado e
tocou meu rosto úmido com suas mãos pequenas, emitindo um som
indecifrável com a boca.
Fiquei assim até notar que ela estava mais tranquila e a coloquei de
volta na cadeirinha.
Depois voltei para o banco do motorista, tentando pensar
racionalmente. Enquanto minha mente era invadida por um turbilhão de
pensamentos conflitantes, peguei meu celular e disquei os números do celular
da senhora Johnson.
Imaginei que ela fosse a única pessoa que poderia me ajudar nesse
momento.
Capítulo 2

Dois meses depois

— VAMOS, JULIE! Se não vier agora, vou ter que ir de metrô! –


Escutei Susan, minha irmã mais velha, berrar do outro lado da casa.
— JÁ ESTOU INDO! – Gritei de volta, enfiando na bolsa o pote de
biscoitos que preparei na noite anterior e um iogurte zero lactose. Eu estava
tão feliz, pois havia conseguido fazer meus primeiros biscoitos depois dos
vinte anos, que não conseguiria esquecê-los em casa. Eu tinha que levar
alguns para adoçar a boca, no caso de a fome bater, e tratei de deixar outros
para o vô Charlie experimentar quando voltasse da caminhada matinal com
minha mãe.
O dia seria longo.
Depois de nós duas ficarmos desempregadas quase no mesmo mês,
estávamos há uma semana tentando a sorte pelos estabelecimentos de São
Francisco. Susan tinha experiências com escritório; e eu, com crianças. Mas,
até o momento, não obtivemos sucesso, já que quase ninguém estava
precisando de novos empregados, e os poucos locais que precisavam nunca
ligavam de volta.
No entanto, depois de semanas tentando, Susan finalmente conseguiu
uma entrevista em um escritório da Clifford Technologies, uma empresa
renomada no ramo de carros por aplicativo, mas, como nem tudo era perfeito,
a vaga de secretária era temporária, mas isso não desanimou Susan. Afinal,
era melhor passar dois meses trabalhando do que desempregada e sem
dinheiro.
Quando retornei à sala, ajeitei a bolsa no braço e corri para a porta,
me colocando ao lado de Susan, a mulher de rosto expressivo e cabelo ruivo
em um tom mais fechado do que o meu, que poderia muito bem ser uma
inspetora carrasca de uma escola para meninos arteiros. O humor de minha
irmã era tão áspero, que beirava o amargo. Tanto que eu quase poderia ver
uma nuvem negra a acompanhando pelos lugares.
— Documentos? – Ela me indagou, rapidamente.
Olhei para dentro da bolsa e respondi:
— Ok.
— Chaves do carro? – Ela perguntou, completando sua pequena
checklist.
— Aqui! – Ergui o molho de chaves e o balancei no ar.
— Meninas, para onde vocês vão? – Minha mãe nos abordou na
frente de casa, voltando da caminhada ao lado do vovô Charlie.
Senti o olhar atravessado de Susan para nossa mãe. Ela sempre fazia
isso, analisando as roupas justas de mamãe, como se fosse uma espécie de
juíza de valores. Apesar de ter quase sessenta anos, depois que crescemos,
nossa mãe começou a adotar um estilo jovial: cabelos longos, que batiam na
bunda, e tingidos de vermelho cereja. Ela também adorava realçar seu corpo e
não vestia as roupas convencionais que as senhoras da idade dela usavam, o
que não fazia muita diferença para mim, mas, para Susan, isso parecia ser um
tipo de desonra. Uma besteira sem fim!
— Estamos indo à entrevista de Susan e depois vou visitar uma casa
no centro, mãe! – Respondi, rapidamente, estatelando um beijo em sua
bochecha e outro em vovô Charlie, que piscou os olhos, ainda confuso com
nossa pressa.
— Isso aí, minhas garotas! Boa sorte. – Mamãe encorajou, animada,
enquanto nos apressávamos a entrar no meu Dodge Caravan 2000, um sedã
cor de lodo, que eu consegui comprar por uma pechincha de $878 dólares em
um saldão de carros de segunda mão.
— Não nos espere para o almoço! – Avisei em uma oitava mais alta,
antes de adentrar o interior cinzento do meu automóvel, enquanto Susan fazia
o mesmo pela porta do carona.
Dei partida e Susan comentou, ao meu lado:
— Mamãe está cada dia pior. Onde será que ela vai chegar? Só falta
ela me aparecer com uma minissaia. – Ela reclamava em plena 8h da manhã.
– Sabe, eu sinto vergonha quando encontro nossa mãe na rua... Você também
se sente assim?
— Você deveria sentir vergonha é de sentir vergonha da nossa mãe.
— Não vai me dizer que também não se sente assim? – Senti seus
olhos se estreitarem para mim.
— Por quê? Por que ela ainda tem uma vida? – Perguntei sem tirar os
olhos do trânsito. — Por que ela é livre para agir e se vestir como quiser? Por
Deus, Susan! Nunca diga uma coisa dessas na frente dela, não a quero ver
triste com isso.
— Tudo bem. Eu não diria. – Ela tornou a olhar para a frente e
completou: — Mas é isso o que eu penso e não consigo disfarçar minha cara.
— Então, ao menos trate de adestrar sua cara, já que sua mente
retrógrada provavelmente não tem jeito. – Ralhei, incomodada com esse
assunto.
— Está bem! Está bem! – Ela repetiu, pegando minha bolsa encaixada
entre nossos bancos. – O que temos aqui? – Ela pareceu avistar o pote
transparente despontando em minha bolsa. – Biscoitos?
— Fiz ontem à noite.
— Você fez biscoitos, Julie Evans? – Havia um resquício de surpresa
em sua voz.
— Pelo que parece, sim. Cuide! Prove um.
— Não sei, não... – Ela olhava com desconfiança para o pote. — Será
que você não trocou o açúcar pelo sal? – Susan debochou.
— Claro que não! — Me senti ofendida, mas não fiquei chateada,
pois sei que eu seria capaz de fazer tal proeza. Eu sempre fui um completo
desastre na cozinha, era normal que as outras pessoas estranhassem quando
eu preparava algo. Mas aquele dia era uma exceção – Está delicioso, boba. –
Garanti. — Prove!
— Ok. Vou provar um. – Ela abriu o pote e colocou a esfera
amanteigada na boca.
— Humm... – Senti ela me olhar novamente e elogiar: — Não é que
está bom mesmo.
— Eu avisei! – Disse, me sentindo vitoriosa em preparar algo que
levasse um pouco mais de três ingredientes.
— Tem certeza que você que fez? – Ela disse, mordendo o segundo
biscoito, enquanto eu mostrava minha língua para ela e quase atropelava um
ciclista no acostamento. – AI, MEU DEUS! – Susan soltou um grito
estrangulado.
Em seguida, olhei pelo retrovisor, me certificando de que ele estava
bem:
— Tudo sob controle, ele está vivo.
— Graças a Deus! – Susan ofegou, ainda com o peito subindo e
descendo nervosamente. – Eu não sei como eu ainda tenho coragem de andar
com você. Mas tudo bem. Melhor que andar de metrô, não é mesmo? – Ela
enfiou outro biscoito na boca, olhando para a frente e dizendo: — Pelo
menos, eu acho.
Não demoramos muito para estacionarmos perto de uma praça de
frente para um prédio cinza de janelas lisas, sem muitos ornamentos, mas
incrivelmente alto. Tão alto que eu tinha que dobrar meu pescoço para trás
em um ângulo de noventa graus para olhar sua cobertura.
Eu havia prometido a Susan que a esperaria terminar a entrevista,
assim, ela também me acompanharia na casa de família que eu iria visitar no
centro da cidade. Dessa forma, minha Dodge não beberia tanta gasolina.
Pensando que seria uma péssima ideia esperar Susan dentro do carro
sob os primeiros raios solares do dia em São Francisco, resolvi acompanhá-la
até a recepção do prédio. Susan informou seu nome na recepção para uma
mulher de blazer azul Royal, que a mandou esperar nas cadeiras por ali.
Havia pelo menos duas dúzias de mulheres esperando também, todas
muito bem vestidas e perfumadas. Escolhemos os lugares vagos perto da
parede, onde eu poderia ficar sem que percebessem que me encontrava ali
sem propósito algum, além de esperar minha irmã passar por uma entrevista
de emprego.
— Você acha que tenho alguma chance? – Susan cochichou ao meu
lado, analisando a concorrência.
— Claro! Tudo depende do seu desempenho na entrevista. Você tem
um ótimo currículo. Só falta achar uma empresa que valorize isso. Quem
sabe não seja a Clifford? – Comentei, baixinho.
— Deus te ouça! Não aguento mais procurar emprego. – Ela
reclamou, demonstrando cansaço. E eu entendia bem o que ela estava
sentindo.
Apesar da nossa casa ser sustentada pelo dinheiro da aposentadoria da
minha mãe, nunca fomos de ter dinheiro sobrando. Muito pelo contrário, com
a perda da nossa tia Alicia, acabamos adquirindo uma dívida exorbitante com
os gastos de hospital no ano passado, nos levando a vender nossa casa própria
e nos mudarmos para um sobrado em Balboa, um subúrbio perto da praia.
Além disso, meu avô desenvolveu com os anos uma série de doenças
crônicas e sempre tinha muitos remédios para comprar e quase não sobrava
nada para ele ajudar dentro de casa. Por isso, Susan e eu estávamos tão
preocupadas com o desemprego. As coisas estavam ficando cada vez mais
complicadas em casa e sentimos a obrigação, como jovens, de ajudá-los.
Uma linda mulher de cabelos amarelados se pôs em frente à pequena
plateia de candidatas, se apresentando como Beatriz, e tão logo chamou os
cincos primeiros nomes. As mulheres se levantaram e acompanharam a moça
elegante para o elevador no final do corredor.
— Tomara que eles não sejam daqueles que prendem os candidatos a
manhã inteira! – Comentei, analisando as portas se fecharem.
— Tomara! – Susan repetiu, espremendo uma careta no rosto.
— O que houve? Está sentindo alguma coisa? – Perguntei,
estranhando seu rosto marcado por vários vincos e o suor escorregando de
sua testa pela lateral do seu rosto.
— Meu estômago está doendo um pouco.
— Agora? Ah, não.
— O que foi que você colocou naqueles biscoitos, Julie? – Ela
resmungou, massageando a barriga.
Pisquei os olhos, gaguejando:
— Nada demais.
— Droga! Eu sabia que não era para confiar em comer aquilo.
— Você quer que eu vá na farmácia? – Perguntei, rapidamente,
preocupada.
Ela agarrou meu braço com uma mão, que estava tão fria como a de
um defunto, dizendo:
— Não há tempo. Guarde minha vaga. E se eu perder essa porcaria de
entrevista, eu juro que te mato, Julie Evans. – Ela se levantou com
dificuldade, me entregou o papel pardo com uma cópia do seu currículo e se
arrastou pelo corredor ao lado, perguntando ao segurança onde ficava o
banheiro do térreo, enquanto eu ficava ali, nervosa, me sentindo culpada.
Mas, também, quem comeu quase o pote todo?
Se Susan perder essa oportunidade por minha causa, ela não me
perdoaria. Com certeza, não.
Ai, meu Jesus! Faz ela voltar logo. – Pensei, cruzando os dedos e
olhando atentamente para as portas do elevador, torcendo para que aquela
mulher não voltasse tão cedo para chamar mais gente.
O tempo passou mais rápido do que eu esperava e agora era o meu
estômago que estava se revirando, só que de nervosismo. A coisa ficou ainda
mais feia quando as portas do elevador se abriram e aquela a mulher retornou
à sala, pisando o chão com seus incríveis saltos pretos miu miu.
— Vamos lá! – Ela pegou uma lista da prancheta, pronunciando: —
Agora é a vez de Elizabeth Sullivan... – A garota em minha frente se
levantou, quase em um salto, e a loira em nossa frente prosseguiu com os
demais nomes, chamando uma por uma, conferindo a presença
individualmente. Antes que ela pronunciasse o último nome, apertei os olhos
para que o nome de Susan não saísse, porém, ela disse em alto e bom tom: —
E Susan Evans.
Ela ergueu os olhos, procurando entre as pessoas ali, esperando que
alguém se manifestasse.
— Susan Evans?
Levantei-me em um rompante e bati com o joelho na cadeira a frente,
atraindo todos os olhares da recepção para mim.
Apesar de sentir meu joelho doer, emudeci, provavelmente com as
bochechas tingidas de vermelho.
Uma das desvantagens em ser ruiva natural era que o vermelho
sempre me acompanhava em quaisquer circunstâncias que fosse: na alegria,
na tristeza, na raiva; bastava minhas emoções aflorarem para eu estar com o
rosto pegando fogo.
Julie! Faça alguma coisa! – Eu me ordenava, internamente.
Então abri a boca, a fim de explicar que Susan foi ao banheiro:
— Ela...
— Ah, aí está você! – Ela disse, sem me dar a chance de eu falar
qualquer coisa. Vamos, meninas! O senhor Clifford não tem tempo a perder –
A loira girou o calcanhar e saiu andando pelo corredor, sendo acompanhada
por mais quatro candidatas.
Fiquei ali, sem reação. Mas, quase que automaticamente, minhas
pernas começaram a andar em sua direção também, entrando no elevador,
como se aquilo fosse guardar, de alguma maneira, a vaga de Susan.
Dentro do elevador, observei a loira de soslaio e tentei novamente explicar a
situação de Susan, mas fui interrompida por um toque de celular, que
reverberou por todo o elevador. A garota ao lado de Beatriz meteu a mão
dentro do blazer e desligou o aparelho, pedindo desculpas e se empertigando
em seu pequeno espaço.
— Tudo bem! Eu esqueci de avisar, meninas! – Ela se direcionou a
todas agora: — Por uma questão de ética, eu recomendo que desliguem seus
aparelhos ao entrarem na sala de entrevista.
As mulheres assentiram, as portas em nossa frente se abriram e
Beatriz caminhou para fora do elevador.
Droga! – Resmunguei, internamente, perdendo mais uma
oportunidade de explicar minha situação.
Assim como as mulheres ao meu lado, segui a loira pelo andar de
paredes de mármore com finos apainelamentos, daqueles franceses, e de piso
tão branco, que quase podia ver meu reflexo no chão.
Ela parou em frente a uma enorme porta com duas entradas e mandou
que nos sentássemos no conjunto de sofás e poltronas perto da porta. Mais
uma vez, ergui o dedo em riste tentando falar com aquela moça, mas ela me
deixou falando sozinha quando adentrou na sala, pedindo que nós
esperássemos mais um pouco.
Não demorou muito para ela voltar e chamar a primeira candidata
individualmente, fechando a porta e ficando por lá mesmo.
Droga! O que eu vou fazer?
De repente, tive a ideia de enviar uma mensagem para Susan e avisar
que, assim que ela terminasse seu serviço suado no banheiro, desse um jeito
de subir e trocar de lugar comigo. Mandei a mensagem e depois esfreguei
minha mão na lateral da calça jeans, amassando um pouco o envelope pardo
em meu colo e afastando minha bolsa de pano para o lado da poltrona.
Só espero que ela chegue a tempo.
Observei a primeira candidata sair da sala com os ombros murchos,
enquanto Beatriz anunciava a segunda, que entrou um pouco mais confiante.
Olhei ansiosamente para o celular, esperando pela resposta de Susan, mas ela
não veio.
Quando Beatriz chamou a última candidata antes de mim, me remexi
na cadeira, pensando:
Merda! Eu tenho que sair daqui. Urgentemente. Seja lá o que futuro
esteja me reservando para daqui a pouco, eu prefiro morrer nas mãos de
Susan do que de vergonha na frente de uma sala de entrevista.
Levantei-me para dar o fora dali, quando a porta se abriu cedo
demais. Inesperadamente, Beatriz saiu com a última candidata ao lado,
colocando os olhos em mim.
— Susan Evans, é sua vez! – Ela anunciou e eu tinha quase certeza
que o sangue fugiu do meu rosto nesse momento.
— Mas já? Não deu tempo... – gaguejei, vendo a mulher de feições
mais maduras passar por mim.
— A senhorita Roberts esqueceu de imprimir a cópia do currículo.
Enquanto ela vai no andar inferior imprimir, entre!
— Também esqueci! – Disparo.
Ela olhou para o papel em minhas mãos, parecendo engolir em seco, e
depois me encarou, confusa.
— Na verdade, a minha irmã...
— Susan, me escute: é normal que fiquemos nervosas no dia da
entrevista. Mas não há o que temer. O senhor Clifford é boa gente. Quer
dizer, depende da perspectiva como o ver. Vamos lá, querida! – Ela se
colocou ao meu lado, pousando as mãos nas minhas costas e me conduzindo
para dentro. Ai, meu Jesus! Alguém me tira daqui! Duvido que esse senhor vá
ficar feliz em descobrir que estou desperdiçando tempo em sua entrevista.
Havia pelo menos mais uma dúzia de candidatas lá embaixo e eu aqui
ocupando o tempo que seria de outra pessoa.
A mão de Beatriz ficou no meio das minhas costas até passarmos para
o lado mais iluminado da sala, onde havia uma enorme mesa de ébano
retangular, com duas pessoas atrás. Uma senhora de rosto quadrado, cabelos
loiro e lisos e olhar avaliativo. E um homem de feições cansadas, mas que
parecia mais um modelo da Calvin Klein. Mesmo sentado, era possível saber
que aquele homem era alto pelas enormes pernas que quase não cabiam
embaixo da mesa. Seus ombros também eram largos, mas nada exagerado,
em uma medida que o deixava sensual naquela camisa social branca com dois
botões abertos. Os traços do rosto eram finos, mas másculos. E seus olhos
eram de um azul tão claro e opaco, que pareciam cinzas. Nunca havia visto
um daqueles ao vivo, minha mãe costumava dizer que eram raros. E tive a
impressão do ar me faltar quando ele os colocou em cima de mim.
Se antes eu não podia falar, agora ferrou! Eu estava completamente
hipnotizada.
Capítulo 3
Não é possível que nenhuma dessas candidatas vai me agradar!
Queria dizer, era possível, sim. Pois era pouco provável que houvesse alguém
em São Francisco que pudesse desempenhar tão bem as funções da senhora
Johnson quanto a própria. Não que eu fosse muito exigente com as
atribuições que competiam às minhas funcionárias, mas porque Michele ia
além de seu papel como secretária.
Ela era essencialmente primordial na minha vida; ainda mais nessa
fase, que eu tinha um bebê para cuidar. Se já não bastasse o luto de ter
perdido Romena, eu tinha que lidar com várias questões, as quais me
pegaram totalmente desprevenido.
E, agora, mais uma vez fui pego de surpresa: daqui a poucos dias, a
senhora Johnson iria tirar licença de dois meses para ajudar a cuidar do neto,
que estava com uma crise de Lúpus em um hospital em San Diego.
Definitivamente, eu estava fodido.
Muito fodido, diga-se de passagem.
Romena me deixou sem eu mal saber pegar direito uma criança no
colo. E, de repente, depois do seu funeral, me vi perdido com tantas tarefas,
as quais eu nunca me imaginei fazendo. Por isso, a primeira decisão que
tomei foi contratar uma babá para Lux e, depois, coloquei minha cabeça no
lugar, respirei fundo e decidi o futuro de minha sobrinha.
Ela ficaria comigo, claro.
No entanto, eu teria que me esforçar também. Não queria jogá-la para
os empregados cuidarem como se fosse um objeto que acabara de chegar de
paraquedas em meu apartamento. Eu tinha que organizar minha vida para
poder cuidar dela. Só não sabia como eu faria para conciliar isso com a vida
que levava.
Talvez fosse necessário que eu pensasse com mais calma em como
planejar essas questões para longo prazo. Enquanto isso, eu ia aprendendo na
marra a carregar direito uma criança, limpar cocô, sob as orientações de
Bárbara, a babá, e me certificar que Lux estivesse bem alimentada e longe
das tomadas.
— Por que não gostou dessa? – A senhora Johnson exclamou ao meu
lado, impaciente. — Ela me pareceu aceitável. Ou, pelo menos, tolerável por
dois meses.
— Não mostrou interesse quando perguntei sobre sua afinidade com
crianças. – Afastei currículo da moça, cujo nome parecia ser espanhol,
Rosália. — Não me parece muito seguro contratar alguém que não tenha pelo
menos um mínimo de conhecimento sobre o assunto para ficar ao meu lado
nos próximos meses. De lesado com crianças, já basta eu.
— Ah, sério, Steve? Eu pensei que estivesse contratando uma
secretária e não uma babá.
O que eu queria contratar mesmo era uma noite de farra, que
resolvesse meus problemas de abstinência. Mas, como eu não estava
podendo, só queria alguém que não me deixasse mais perdido do que eu já
estava.
Virei o rosto para encarar a senhora Johnson de lado e a respondi:
— Só estou querendo selecionar alguém equivalente a você.
Ela ficou sem graça.
— Oh, garoto! Como você é um menino difícil. Você só precisa de
alguém que deixe sua agenda organizada. Não precisa se preocupar com Lux
nas horas que estiver aqui. As dúvidas que você tira comigo, você pode tirar
com Bárbara.
Franzi o cenho quando lembrei da babá que contratei. Por algum
motivo, Bárbara não apareceu de manhã cedo em meu apartamento e nem
atendeu à minha ligação, o que me deixou extremamente irritado. Eu não
tinha como deixar Lux com o motorista, muito menos sozinha em meu
apartamento até que Meryl, a governanta, chegasse. Então hoje não tive
escolhas a não ser apanhar Lux do berço com o mesmo pijama dos minions
que ela dormiu na noite anterior e trazer ela comigo para a empresa.
Antes de vir para a sala de seleção, deixei ela se divertindo com as
meninas do setor financeiro, assim eu teria tempo para realizar logo a seleção
e depois ligar novamente para Bárbara. Caso ela não atendesse de novo,
contrataria outra pessoa. Alguém que estivesse disposta a trabalhar em
período integral.
— Posso chamar a próxima? – Beatriz perguntou, do outro canto da
sala, riscando algo em sua prancheta.
Espichei meu corpo, tombando a cabeça para trás, com meus braços
acompanhando o movimento e minhas mãos segurando minha cabeça.
— Manda, Trixie! – Dei a ordem para a loira, chefe do Rh.
Beatriz poderia muito bem se sair como uma boa secretária, mas eu
não queria recolocá-la em um cargo que ficaria disponível por apenas dois
meses e deixar o Rh sem liderança. Então decidi contratar alguém novo, que
já esteja ciente do caráter temporário do cargo. Isso também evitaria
problemas quando a senhora Johnson retornasse de San Diego e reassumisse
seu lugar.
— Boa tarde! – Uma mulher de cabelos cacheados, que não
aparentava ter mais de trinta anos, se colocou no espaço em nossa frente.
— Boa tarde! – Estendi a mão em cima da mesa em um gesto quase
mecânico e pedi: – Currículo.
Ela arregalou os olhos, parecendo ser pega de surpresa.
— Ah, céus! Eu esqueci de imprimir.
Tornei a me encostar na cadeira, um pouco impaciente, e cochichei
com a senhora Johnson, enquanto Beatriz resolvia o problema com a garota:
— Da próxima vez que fizerem uma seleção nessa empresa, quero
que imprimam os currículos de todos os candidatos.
— Sim, senhor. Darei esse toque em Beatriz quando terminarmos.
Risquei o nome na lista, fazendo uma pequena anotação, enquanto
Beatriz retornava à sala, trazendo a próxima candidata. Espero que essa ao
menos tenha lembrado de imprimir o currículo. Abandonei a caneta ao lado e
ergui o olhar.
Diferente das candidatas que já passaram por ali, que trajavam
vestidos formais colados ao corpo que batiam nos joelhos, a ruiva que parou
no centro da sala usava camiseta branca e uma calça jeans desgastada de cós
baixo. Nada convencional para uma entrevista de emprego! – Pensei,
correndo meus olhos pelo seu corpo magro, mas de curvas sutis. Um belo
corpo, por sinal.
Curioso, levantei meu olhar para o seu rosto angelical e exótico, que
parecia assustado, quase apavorado, eu diria. Ela tinha uma pele de
porcelana, olhos grandes e lábios carnudos, que prenderam minha atenção
por mais tempo do que o necessário. Nesse segundo, ela fitou meus olhos,
mordendo o lábio inferior com força – único motivo pelo qual me demorei
alguns segundos a mais em sua boca.
A garota desviou o olhar para suas mãos, abaixo, unidas contra a
calça um pouco desbotada, como se, em meio ao pavor, a vergonha a
acompanhasse também. Beatriz disse algo para ela em seu tom melífluo, tão
sedoso que beirava o artificial, e arrancou com leveza o envelope pardo de
suas mãos.
Beatriz colocou as informações sobre a mesa e, sem delongas, abri o
envelope.
— Primeira entrevista? – Perguntei, suficientemente alto.
Ela demorou a responder, mas o fez com a voz arredia:
— Como secretária... sim.
— Nervosa?
Não obtive respostas e fiquei desapontado comigo mesmo por desferir
uma pergunta tão estúpida.
— Não precisa responder.
Embora eu fizesse aquele tipo de atividade com máxima rapidez, me
demorei um pouco ao ler seu currículo.
— Susan Evans... – murmurei passando novamente os olhos pelo seu
nome e sublinhei de caneta preta os pontos da sua trajetória profissional, que
interessavam para o cargo de secretária. – Nada mal! – Escorreguei o
currículo para o lado, para que passasse pelo crivo da senhora Johnson.
Apesar do rostinho de anjo, a garota tinha incríveis oito anos como
supervisora de almoxarifado da Ward no currículo, uma construtora de
referência em São Francisco, além de pequenos períodos em cargos
administrativos diversos. Confesso que fiquei surpreso com sua idade, nem
de longe apostaria que a garota tinha dois anos a mais do que eu. Ela parecia
ser bem mais nova do que sua idade de fato. – Você tem bastante experiência
com escritórios, Susan. Me surpreende que você nunca tenha trabalhado
como secretária.
— Obrigada! – Sua voz saiu baixa, mas ela não gaguejou. No entanto,
seus ombros estavam tensos e seus olhos um pouco maiores do que deveriam
ser.
Tentei fazer algum contato visual com ela, mas tudo nessa sala
parecia ser mais interessante para ela do que os meus olhos. Ou talvez,
estivesse acontecendo o mais provável, ela estava fugindo de um contato
visual.
— E então Susan... – Afastei minha cadeira um pouco para trás e dei
início a entrevista: — Por que escolheu estar aqui?
— Estar aqui? – Ela repetiu, assustada. Tive a impressão de que
aquele seu nervosismo estava um pouco além para uma entrevista.
— Estar aqui eu digo no sentindo de ter se candidatado a um cargo
temporário de secretária. Qual o seu objetivo?
— Ganhar uma grana? – Ela interrogou, repuxando o lábio inferior
com força.
— Isso é uma pergunta? – Levantei uma sobrancelha.
Ela suspirou e vi que ela tremia:
— Perdão. Eu só estou tentando achar a resposta certa.
Finalmente seus olhos voltaram a encarar os meus, me fazendo crer
que nunca ouvi algo tão sincero em toda a semana.
A senhora Johnson tomou a vez:
— Me conte como eram as atividades que você desempenhava no
almoxarifado.
Dessa vez, ela tentou esconder, mas, novamente, eu vi o pânico se
instalar em suas feições e ela engolir em seco.
— Minhas atividades? – Ela repetiu.
— Exatamente.
Susan se esforçou em elaborar:
— Minhas atividades eram basicamente... guardar. Armazenar,
perdão. – Fechou os olhos, apertando-os como se sua resposta não tivesse
agradado a si própria. Ela suspirou, dizendo: — Na verdade, eu tenho que
explicar algo a vocês. – Suas palavras saíram em tom de desabafo, aguçando
ainda mais minha curiosidade... — Nossa família está precisando desse
dinheiro e, se vocês esperarem, minha irmã, que foi...
De repente, escutei a porta se abrir no final do corredor e o choro
inconfundível de Lux chegou aos meus ouvidos. Automaticamente, olhei para
o lado, onde uma das meninas do setor financeiro apareceu com minha
sobrinha nos braços, que estava aos prantos.
— Senhor, ela não para de chorar, o que é que faço? – ela perguntou
em meio a um grito aborrecido de Lux.
Agora fui eu quem apertei os olhos, lembrando da sensação de ter Lux
chorando outra vez. Acredite, isso para um homem como eu era
desesperador. No entanto, rapidamente me levantei, indo em direção a minha
sobrinha. Passei por Susan e reivindiquei Lux da garota de cabelos castanhos
escuros.
— Ei! O que houve, carequinha? – Questionei empertigando seu
corpinho no meu braço esquerdo e instintivamente o embalando. Lux soltou
outro grito, só que mais reclamão do que o primeiro. – Shhhh, Shhhh....O que
nós combinamos hoje pela manhã? Nada de choro. – Ela, de novo,
resmungou mais alto, enquanto tentava acalmá-la em um embalo
desengonçando dentro dos meus braços.
Olhei de esguelha para a ruiva ao meu lado, que não estava mais tão
nervosa. Muito pelo contrário, a garota me olhava calmamente, como se
estivesse avaliando o que estava acontecendo ali. Até parecia que havíamos
invertido os papéis.
— Olha só, Lux. A senhora Johnson! – Apontei para a senhora
Johnson do outro lado da sala, que se levantou batendo palmas e abrindo os
braços. Naquele momento, tinha certeza de que Lux se acalmaria quando
pulasse para o braço de Michele, ou, pelo menos, era o que eu esperava.
Com cuidado, fiz a entrega de Lux para ela, que a recebeu com
ternura.
— Own, meu amor! Por que está chorando, querida? Foi o titio que
deixou você lá embaixo, foi? – A senhora Johnson persistia em acalmá-la,
dando pulos, fazendo caretas e sons, mas nada aconteceu. Nada que a fizesse
parar de chorar. Michele analisou: — Talvez ela esteja com cólica, Steve.
Levei uma mão para a cabeça, embrenhando os dedos nos cabelos.
Quando vi que a situação não iria melhorar, tomei a decisão:
— Beatriz, paralise por enquanto a seleção. Se eu não voltar daqui a
vinte minutos, suspenda as entrevistas. – Avisei rapidamente, pegando Lux
no colo.
Antes que eu girasse o calcanhar para sair dali, a ruiva, que ainda
continuava no meio da sala, disse em alto e bom som:
— Espera! – Paralisei e tornei a olhá-la.
Ela perguntou, com impressionante segurança na voz:
– Posso tentar?
Ela levantou as mãos, enquanto Lux chorava incansavelmente em
meu colo. Desconfiado e sem saber por que eu estava com minha total
atenção voltada para ela, Susan admoestou:
— Está tudo bem. Apenas dois minutinhos. – Ela insistiu, se
aproximando.
Não sei se foi por causa de sua proximidade ou pela graciosidade com
que me pedia para pegar minha sobrinha no colo, mas, quando vi, já estava
dando chance a Susan, que pegou Lux e a segurou como se tivesse perícia no
assunto.
Lux continuou chorando quando Susan a acudiu, ao passo que abria
sua bolsa de pano. Com invejável desenvoltura, ela retirou de dentro uma
pequena garrafinha de iogurte lacrada, daquelas que encontramos no freezer
de supermercado, e, com um só dedo, abriu o involucro.
Ela molhou a boquinha de Lux, que deu uma pausa no choro para lamber os
lábios. Misteriosamente, o choro cessou, Lux fungou e pediu por mais.
Enquanto assistia, desacreditado, minha sobrinha mudar
drasticamente de humor no colo de uma estranha, pousei as mãos nos quadris
e Susan explicou:
— Não se preocupem, é sem lactose, caso essa bonequinha seja
alérgica.
— Ah! Era fome? – Michele exclamou.
Susan respondeu olhando com amor para Lux:
— Parece que sim. Muita fome. – Ela se mantinha concentrada em
alimentar Lux.
— Eu fiz a mamadeira dela hoje pela manhã... – me pronunciei, meio
sem jeito.
Susan me encarou e, confortavelmente, me explicou:
— Bebês nesta idade tendem a ter muita fome mesmo. É sempre bom
andar com uma mamadeira extra.
— Tem alguma experiência com crianças? – Perguntei.
Ela pareceu pensar e respondeu por fim:
— Já trabalhei como babá. – Ela pigarreou. – Mas isso é um passado
muito distante. Eu trabalho mesmo é com escritórios. Ou pelo menos,
trabalhava.
Susan voltou sua atenção para Lux e eu esperei pacientemente,
assistindo a paz voltar a reinar.
A senhora Johnson deu um passo para o lado, comentando baixinho:
— Se ela não fosse tão nervosa, talvez você estivesse diante da
candidata perfeita, que se encaixa dentro desses seus requisitos
desnecessários.
Observei mais um pouco Susan e não tive dúvidas que seria difícil
alguém tomar sua vaga durante os próximos minutos. Lux tocou com a ponta
do dedo no cabelo alaranjado, pelo qual parecia ter se encantado, e abriu seu
sorriso doce, o que me fez ainda mais ter a certeza de que queria ver Susan
novamente.
— Você gosta? – Ela perguntou, mostrando uma mecha de seu
cabelo.
— NhémNhém! – Lux grunhiu, se divertindo.
— Muito obrigada, mocinha. Você também tem lindas madeixas –
Susan se referiu ao punhado de fios loiros em cima da cabecinha de Lux, que,
em meses atrás, nem existiam. Embora estivessem crescendo, Lux seria para
mim uma eterna carequinha de dois dentes afiados, que me fazia passar por
bons bocados. No começo, fiz de tudo para que Lux não notasse a ausência
de Romena e, embora ela fosse pequena demais para compreender isso, a
falta da mãe nos primeiros dias foi algo quase biológico.
Mas vê-la assim, rindo, me trazia um pouco mais de esperança de que
ela pudesse crescer bem e o tempo pudesse curar o buraco em nossos peitos.
— Eu preciso ir.
Susan me despertou de meus devaneios, entregando Lux em um
estado de espírito muito melhor do que minutos atrás, à senhora Johnson.
— Podemos concluir a entrevista... – comecei a dizer e ela me
interrompeu, decidida:
— Perdão! Eu não posso.
— Como?
— Tenho que ir. – Ela falou, ajeitando a alça da bolsa no ombro. –
Daqui a duas horas, sua filha vai sentir fome novamente. Se puderem
comprar uma maçã, higienizar direitinho e amassar com uma colher, acho
que Lux ficará satisfeita. – Ela disse, olhando para o bebê ao lado e depois
tornando a me fitar. Me cumprimentou respeitosamente: — Foi um prazer.
Ela passou por mim antes que eu tivesse a chance de insistir para que
ficasse.
— O prazer é todo meu. – Me virei quando ela alcançou a porta: —
Seu número está no currículo? – Perguntei, alto.
Ela se virou para me encarar pela última vez, mordendo o canto
daquele belo lábio:
— É provável que sim.
Meus olhos fotografaram seu rosto, em uma oportunidade derradeira.
De alguma forma, sentia que aquela imagem ainda ficaria gravada na minha
boa memória por mais algumas horas.
Um equívoco.
Susan ficou grampeada em minha mente por mais tempo do que o
esperado.
Capítulo 4
Adentrei o banheiro de paredes de mármore cor de creme e cabines
recuadas. Não havia ninguém ali além da mulher que lavava as mãos na cuba,
inclinando o corpo para a frente como se estivesse carregando um caixote
pesado nas costas. O mau cheiro no banheiro fez com que eu tampasse
minhas narinas com uma mão.
No entanto, criei coragem e caminhei na direção dela, para dizer o que
aconteceu. Provavelmente ela iria me matar. Eu meio que já vim me
acostumando com essa ideia enquanto descia no elevador.
— Susan!
Aproximei-me dela, que sacodiu as gotículas d’água das mãos e se
virou para mim, com urgência, enquanto eu dizia:
— Olha só, pode me matar, mas eu tentei... Me desculpa. Você
perdeu a vez. Na verdade, você nem sabe o que aconteceu... – iniciei sem
respirar direito.
Ela espremeu uma careta, pressionando uma mão contra a barriga, e
uma gota de suor despencou da sua têmpora para sua bochecha.
— Não diga mais nada, Julie! Só vamos para casa, droga!
— A entrevista...
— Dane-se a entrevista, não posso ficar aqui. Vamos embora antes
que alguém entre nesse banheiro... – Sua mão fria agarrou meu braço com
pressa.
— Tudo bem! Vamos! – Disse rapidamente, andando ao seu lado para
fora do banheiro e, tão logo, para fora daquele prédio.
Antes de dar partida no carro, meus olhos capturaram de relance a
fachada daquele escritório, estranhamente lembrando daqueles olhos azuis
cinzentos intensos sobre mim, e minhas pernas estremecem mais uma vez.
Mas aquela lembrança desapareceu quando Susan resmungou ao meu lado:
— Vai o mais rápido que conseguir. Eu não sei se vou aguentar muito
tempo outra vez.
— Ok.
Engoli em seco, dando partida.
Pelo jeito, minha visita à casa da família Benetti, no centro, também
havia fracassado.
Tudo culpa da minha total incapacidade de fazer as coisas direito.

No dia seguinte
— Não se preocupem, meninas! Vocês terão outras oportunidades –
mamãe dizia enquanto tomava um gole espesso de café, sentada à mesa da
cozinha, depois de eu receber a notícia que a família Benetti havia arranjado
outra babá para as crianças.
Minha mãe e meu avô já estavam com suas roupas de caminhada
quando fazíamos nossa refeição matinal na cozinha.
— Julie, minha querida, qual foi o recipiente em que você fez a massa
de seus biscoitos de ontem? – Vovô Charlie perguntou quando abriu o
armário.
— Hmmm... O verdinho. – Respondi, recobrando em minha memória.
O vovô me olhou por cima do ombro, com as sobrancelhas arqueadas.
– O que foi, vô? Não era para usar?
— Filha, foi por isso que sua irmã passou mal. Foi nele que misturei as
ervas para Robert, deve ter ficado algum resquício...Robert era o velho
amigo do meu avô, que morava na última casa da rua. Geralmente o
vovô preparava semanalmente a uma mistura de ervas para ajudá-lo
com o seu problema de intestino preso.
— Graças a Deus o senhor não chegou a comer os que Julie deixou
para você, pai. – Mamãe comentou em tom de alívio.
— Graças a Deus! – Agradeci. – Mas espera aí. Quer dizer que não errei a
receita? – Balbuciei.
Minha mãe comentou, entre risos:
— Só errou a tigela, Julie.
Vi Susan adentar a cozinha, com o celular na mão:
— Tem algo de errado. Só pode ser isso. – Ela dizia, enquanto lia algo
na tela do celular.
— O que foi, Susan? – Perguntou minha mãe, ao passo eu tomava um
gole de café.
— Fui contratada.
— Contratada? — Engasguei com o café. Droga! Não havia nada
pior do que engasgar com bebida quente.
— Tudo bem, Julie? – Vovô perguntou, preocupado.
— Estou bem, vô – respondi, me reestabelecendo. – Como assim
contratada, Susan?
Ela piscava os olhos como se estivesse desacreditada.
— Não sei, também não estou entendendo nada. Aqui diz que fui
selecionada para assinar os papéis da contratação amanhã. Eu acho que deve
ser um engano.
— Ou talvez você esteja com sorte, Susan – minha mãe disse, se
levantando da cadeira e alongando os braços. — Quanto é o salário?
— Cinco mil dólares.
— Cinco mil dólares!? – Minha mãe exclamou, embasbacada.
Ai meu Deus! Por que, de repente, estou achando que estou metida
nessa confusão?
— É um emprego temporário, apenas dois meses...
Mamãe observou:
— Cinco mil dólares ajudariam a pagar boa parte de nossas dívidas e
ainda sobraria para você comprar seu próprio carro.
— Oh, mãe! Quem que compra carro hoje em dia com menos de
cinco mil dólares? – Perguntou Susan.
Mamãe me olhou de soslaio.
— Sua irmã comprou um por bem menos.
Ergui meu dedo em riste e completei, orgulhosa:
— $ 878 dólares, para ser mais exata.
Susan revirou os olhos, comentando:
— Oh, aquilo não é bem um carro. É uma bomba relógio prestes a
explodir.
— Uma bomba relógio que você não dispensa uma carona, isso foi o
que você quis dizer, não é querida? – Ironizei.
— Parem, parem, garotas! – Vovô Charlie sorriu. – Marta, minha
filha, é melhor irmos logo antes que o sol esquente mais.
— Claro, pai. Bom, meninas, estou indo com o avô de vocês
caminhar. Por favor, não briguem e, Susan, se não for um mal-entendido,
aceite a vaga. O salário não é de se jogar fora. – Mamãe disse, caminhando
junto com o vovô para fora da cozinha.
Quando eles saíram do nosso campo de visão, Susan se virou para
mim e perguntou:
— Você acha mesmo que é um mal-entendido, Julie?
— O que eles disseram exatamente no e-mail? – Questionei,
desconfiada.
— Eles disseram que gostaram muito do meu perfil, mas eu nem subi
para fazer a entrevista. – Droga! — Só pode ser um mal-entendido mesmo. –
Ela levou a mão para o cabelo, suspirando.
— Susan, eu tenho algo para contar a você.
— O quê? – Ela perguntou, impassível.
— Como posso dizer... – Cocei o topo da cabeça, sorrindo, e soltei
rapidamente: — Eu fiz a entrevista em seu lugar. – Disse, desconcertada.
— Você o quê? – Ela indagou, confusa.
— Não se preocupe, ninguém desconfiou de nada.
— Como assim você fez a entrevista no meu lugar? Eles deixaram
você entrar? Como?
— É que eles acabaram me confundindo quando comecei a explicar
sua situação e meio que fui arrastada pela circunstância até a sala de
entrevista.
— Eu não acredito nisso, Julie. Sua maluca! – Susan começou a
sorrir. – Desculpa, isso é muito engraçado. E o mais hilário é que você ainda
foi selecionada. – Ela teve uma crise de risos, enquanto fiquei ali, sem jeito.
Será que aquele deus grego caído na terra ficará muito chateado quando
souber que, além de atrapalhar a entrevista da minha irmã, ainda ajudei a
fracassar sua seleção?
— Você tem que mandar um e-mail explicando tudo, Susan.
— Eu? Claro que não.
— Como não?
— Quem criou essa situação foi você. Não tenho a ver com isso.
— Eles vão estar esperando você amanhã.
Ela pareceu pensar alto:
— Será que eles vão perceber a diferença entre a nós se eu aparecer
lá? Quem foi que fez a entrevista?
— O próprio CEO com quem você iria trabalhar e a secretária dele. –
Respondi, me recordando de sua voz.
— Oh, se fossem outras pessoas, somente do Rh, seria mais fácil levar
essa situação.
— Como assim levar essa situação?
— Você acha que somos muito parecidas? – Ela perguntou, se
colocando ao meu lado e nos olhando no reflexo da janela de vidro.
— Nem um pouco. Eles vão notar que você não é a mesma pessoa
que apareceu no dia da entrevista.
Ela continuou me olhando e concluiu:
— É, parece que somos muito diferentes fisicamente, Julie. Essa
mentira não se sustentaria nem no primeiro dia de trabalho.
— Pois é.
— Mas... – ela disse, sorrindo.
— Mas o quê? – Perguntei, curiosa.
— Você pode trabalhar em meu lugar durante esses dois meses.
Aquela ideia entrou nos meus ouvidos e eletrizou meu cérebro. Eu?
Trabalhando em um escritório? Usurpando o lugar de alguém? E depois
sendo presa por falsidade ideológica?
Sacudi a cabeça e neguei, sonoramente:
— NÃO!
Comecei a recolher as xícaras e pratos da mesa, escutando Susan atrás
de mim:
— Julie, você tem que confessar que é uma ótima ideia.
— É um absurdo!
Ela me seguiu até a pia, parando atrás de mim e segurando meus
ombros:
— Dois meses ganhando cinco mil dólares resolveria mais da metade
das nossas dívidas...
— Eu não vou me meter em cilada, Susan. Isso é errado. Me
surpreende o fato de você ser uma pessoa decente e pensar em nos envolver
em algo tão grave.
— São apenas dois meses. – Ela tentou me persuadir. – E não é algo
tão grave assim.
— Não insista, Susan. Não vou ocupar o lugar de ninguém! – Ralhei,
começando a lavar a louça.
Ela ergueu as mãos, desistindo.
— Tudo bem. Tudo bem. Desculpa.
A campainha da nossa casa tocou nesse mesmo instante. Observei de
soslaio Susan sair pela porta do outro lado da cozinha e, depois alguns
minutos, retornar e se sentar com tudo na cadeira da atrás da mesa, como se
estivesse cansada.
— Quem era? – Perguntei.
— O carteiro.
Desliguei a torneira, virei meu rosto completamente e vi a carta aberta
em cima da mesa.
— Correspondência nova. Cobrança?
Ela inspirou pesadamente e respondeu massageando as têmporas:
— Mamãe não está pagando o aluguel há quatro meses.
— Como?
— Isso mesmo o que você ouviu. Nossa mãe agindo normalmente:
nos escondendo as coisas. – Ela resmungou, com rancor na voz. – Nada me
surpreende mais.
— Ela faz isso porque não quer que nos preocupemos. – Pontuei.
— Já não somos crianças há séculos, Julie. Eu já tenho mais de trinta
e logo você chegará aos trinta também. Ela poderia ter nos deixado cientes
disso antes. Sabe o que acontecerá se não pagarmos a metade do valor dos
quatros aluguéis anteriores? Vamos ser expulsos dessa casa até o fim do mês!
— Está dizendo isso aí?
Ela pegou novamente a carta de cima mesa e me ofereceu para que eu
pudesse ver com meus próprios olhos.
Sequei minhas mãos na saia, peguei o papel com letras em Arial e me
certifiquei de que era isso mesmo. Tínhamos trinta dias para quitar metade do
valor das quatro parcelas do aluguel, caso contrário, estaríamos sujeitas ao
despejo.
— Já estou farta! – Susan suspirou, com lágrimas nos olhos.
Raramente eu via minha irmã chorar.
Nem mesmo quando ela tinha desilusões amorosas.
Ver que ela estava prestes a fazer isso me sinalizou que Susan estava
no ápice do estresse.
Sentei na cadeira ao lado dela e massageei suas costas.
— Fica calma, Susan. Vamos dar um jeito. Sempre damos um jeito.
— Não estamos conseguindo dar um jeito faz tempo, Julie. Estamos
atoladas nas dívidas e a cada dia mais ficamos presas nisso. O vô Charlie,
coitado! Não pode nem nos ajudar, pois tem que comprar um monte de
remédios. Eu e você, desempregadas.... – Ela respirou pesadamente. – Sabe,
eu só queria ser uma mulher de trinta e poucos anos que está preocupada em
estar solteira e com o cabelo desidratado. Eu já não aguento mais pensar em
dívida, falta de dinheiro... e, agora, esta ameaça de despejo. – Ela falou,
secando rapidamente as lágrimas dos olhos, que saíam sem aviso.
— Vamos dar um jeito.
— Só temos um mês para dar um jeito. – Ela complementou.
— Podemos colocar nossos currículos em outros lugares, como bares,
hotéis, restaurantes. Acho que estamos errando em focar apenas no que temos
experiência...
Ela virou o corpo para o lado, de forma que seus joelhos ficaram
apontados em minha direção.
— Julie, pense bem: o salário de dois meses na Clifford pagaria esses
quatro meses de aluguel e sobraria para ajudar um pouco com a dívida.
— Eu não sou você, Susan. Se você quiser, podemos voltar lá e
explicar que houve um mal-entendido. Talvez eles, com certeza, entenderiam
e contratariam você. – Dei a ideia, esperançosa.
— Eles não entenderiam, Julie. Já trabalhei em escritórios, sei como
esse pessoal pensa. Eles contrariam a segunda candidata que se saiu melhor
nas entrevistas.
— Então vamos continuar tentando, procurando emprego...
Susan me fitou com os olhos pidões, como se rogasse:
— Julie! Por favor.
Droga! Por que, de repente, algo dentro de mim está repensando a
ideia e cogitando essa opção?
Droga!
— O que eu vou fazer quando me pedirem a identidade? – Perguntei,
notando os olhos de Susan ganharem um pouco de esperança.
— Somos ruivas, temos as mesmas sardas... – ela começou.
— Mas nossos traços são completamente diferentes.
Susan pareceu pensar.
— Você se parece com a foto que está em sua identidade?
Naquele momento, me lembrei da imagem horrorosa que tiraram de
mim. Franzi o cenho e neguei veemente:
— Não. Nem um pouco.
— Então! Em raros casos as pessoas costumam se parecer com a foto
da identidade. É só não ficar nervosa na hora de mostrar.
Talvez esse seja o maior desafio.
Susan se levantou em um rompante, dizendo:
— Vamos, eu tenho que ensinar a você algumas coisas de escritório
urgentemente. Até amanhã, você vai se apresentar na Clifford.
— Calma aí, Susan. Eu ainda não disse que concordei com alguma
coisa.
— Eu te conheço, Julie Evans. Sei que você está cogitando e, se eu
consegui que você cogitasse essa hipótese, eu já fui longe demais.
— Susan, você está ciente de que isso é muito errado?
— Não é pior do que ficar sem teto. E outra, são apenas dois meses.
Ninguém vai descobrir. É só você não fazer amizades íntimas no escritório e
nunca... Eu disse: “nunca”... se apaixonar por um colega de trabalho. – ela
disse, fazendo aspas com os dedos.
Por alguma razão, engoli em seco lembrando do quão bonito era
aquele homem da entrevista. É claro que não me apaixonaria. Afinal, aquele
bebê também deveria ter uma mãe e, definitivamente, nunca me envolveria
com um homem comprometido. E, mesmo que ele não fosse comprometido,
eu só me apaixonaria por quem gostasse de mim, e um homem daquele, nem
nos meus mais irreais sonhos, se apaixonaria por uma mulher feito eu.
Levantei-me, decidindo, e Susan sorriu vitoriosa.
Ai meu Deus! Em que roubada eu estou me metendo?
Capítulo 5

No dia seguinte...

Eu havia saído do meu apartamento assim que a babá chegou para


cuidar de Lux. Como de costume, minha mente estava a todo vapor em plena
8h da manhã, enquanto eu dirigia pelas ruas de São Francisco.
Esse seria o último dia da senhora Johnson no escritório, ela viajaria a
San Diego após o expediente e talvez isso estivesse me deixando mais
ansioso do que o normal pelo dia de hoje. A notícia de que ela me deixaria
por dois meses me pegou desprevenido, mas encarei isso como um desafio.
Além do mais, eu estava curioso para conhecer melhor minha nova secretária,
já que tivemos um momento muito breve em sua entrevista.
Eu poderia ter contratado outra candidata? Sim, poderia.
No entanto, não perderia a chance de conversar com a garota de
cabelos alaranjados outra vez. Mas essa não era a única razão por ter
escolhido ela dentre tantas candidatas. Também me encantou o fato de ela
levar jeito com crianças. Ela teve uma chance de me dar uma prova real
disso, o que me ganhou facilmente, já que minha conselheira fiel me ajudava
mais do que apenas na empresa. A sra. Johnson havia me acostumado mal.
Chegando ao escritório, fui direto à minha sala no andar da
presidência. Não demorou muito para a senhora Johnson aparecer com uma
papelada para eu assinar, o que já era esperado, e me informar os
compromissos do dia, que se resumiam a ficar trancafiado dentro daquelas
quatro paredes.
Era incomum para mim ficar no escritório o dia inteiro. Minha
empresa possibilitava que meu trabalho fosse um pouco mais flexível, me
permitindo conhecer novas pessoas em reuniões externas, comparecer a
eventos e entre outras atividades agitadas que a modernidade
proporcionava. Éramos uma empresa de tecnologia, afinal. O mundo mudava
constantemente, e, inevitavelmente, os mundos dos negócios também.
Enquanto Michele organizava os papéis em cima da mesa, comentei:
— Uma manhã seria o suficiente para explicar suas funções a Susan?
Ela pareceu pensar um pouco e respondeu:
— Menos do que uma manhã inteira.
— Pensei que fosse bem mais.
A senhora Johnson sorriu, analisando:
— Não explicarei a forma que trato você, Steve. Apenas minhas reais
funções.
— Já que é assim, a senhora está liberada assim que instruir Susan.
— Posso ficar até o final do expediente, garoto.
Enfiei as mãos nos bolsos, explicando:
— Quero que descanse antes da viagem.
— Não se preocupe...
— Não é um pedido, Johnson. – Insisti.
Ela me fitou com aquele tipo de olhar que eu detestava: um tanto
emocionado. E agradeceu:
— Obrigada, garoto.
Respirei fundo, tentando não deixar aquilo com cara de despedida,
mas disse:
— Eu espero, de coração, que seu neto se recupere logo.
— Obrigada, querido. Vai dar certo. E ainda vou trazê-lo aqui para
conhecer você.
— Faço questão de tirar um dia para ensiná-lo algumas tacadas de
golfe na casa de veraneio. – Lembrei que Michele já havia comentado que o
neto era um pequeno grande fã do golfe.
— Tenho certeza de que Joshua vai adorar.
Continuamos ali por algum tempo, misturando assuntos da empresa
com pessoais. Como era bom fazer isso com a sra. Johnson. Confesso
que sentirei muita falta disso nesse meio tempo que ela estiver fora.
— Parece que sua nova funcionária chegou. – Ela disse espionando
entre uma brecha da persiana da minha sala.
Caminhei para o seu lado e fiz o mesmo com meus dedos, olhando,
através da brecha, a mulher parada ao lado de Beatriz, que lhe dizia algo.
Me afastei, dizendo a sra. Johnson:
— Maravilha. Vamos lá dar as boas-vindas.
— Sim, senhor.
Abri a porta para que Michele passasse e, em seguida, fomos em
direção às mulheres que conversavam formalmente próximo à mesa da
secretaria.
O olhar de Susan não parecia tão assustado como da última vez,
enquanto conversava com Beatriz, mas, mesmo assim, seus ombros estreitos
ainda transpareciam certa rigidez.
Uma coisa havia mudado completamente desde a última vez que nos
vimos: suas roupas. Ela vestia blusa branca, parcialmente coberta por um
blazer cinza, e saia lápis da mesma cor do blazer, daquele estilo executiva,
que a maioria das mulheres dessa empresa costumavam usar.
Seus cabelos ruivos estavam contidos em um coque apertado em cima
de sua cabeça, tão apertado, que seus olhos pareciam levemente puxados.
Confesso que preferia seus cabelos soltos. No entanto, sua beleza delicada
ainda era hipnotizante.
— Bom dia, senhoritas! – Cumprimentei, abordando-as.
Finalmente, chamei a atenção de seus olhos para mim e senti meu
corpo se energizar.
— Bom dia! – Ela respondeu, ao passo que Beatriz também
respondia.
Continuei fitando a ruiva e prossegui com as palavras:
— Bem-vinda à Clifford, Susan. Eu estava ansioso por sua chegada.
— Estava? – Ela indagou.
— Muito. Não devo ter explicado na entrevista, mas a sra. Johnson irá
se ausentar por dois meses.
Michele levantou a mão ao meu lado, se identificando:
— Eu sou a sra. Johnson.
— Você, a partir de hoje, será meu mais novo braço direito, Susan.
Quero que se sinta à vontade para desempenhar um bom trabalho.
— Braço direito? – Ela sussurrou, engolindo em seco, soando como
se isso fosse uma pressão inesperada.
— Não, por favor. Não quero que se sinta pressionada. – Corrigi antes
que eu a assustasse. – A sra. Johnson irá agora explicar suas funções.
Michele complementou:
— Que não são nada além do normal. Pode ficar tranquila, menina!
Ela voltou seu olhar para Michele, que pareceu passar confiança a
Susan, enquanto furtivamente eu observava seus dedos trêmulos se
acalmarem contra a saia de linho. Aliás, tudo me parecia inocente naquela
mulher: seus olhos, boca, nariz, até seus dedos, de unhas que pareciam
virgens de pintura.
Não que eu estivesse desejando ou planejando tentar algo com ela
nesses dois meses, mas era inegável que Susan se tratava de uma mulher
atraente, embora seu jeito de menina não fizesse meu tipo.
Sempre apreciei mais as mulheres seguras de si, sem tempo para
joguinhos ou falsa modéstia. Mas Susan não me parecia alguém que fingisse
alguma coisa, ela parecia ser simplesmente assim como se mostrava.
— No mais, é isso, Susan: seja bem-vinda! Agora vou deixar vocês a
sós. – Lancei um último olhar para ela, que desviou os olhos para a sra.
Johnson.
Sorri internamente da sua inocência. Não adiantava nada fugir de um
contato visual comigo. Nos próximos dias, estaríamos tão próximos que isso
seria insustentável.
Demorei meus olhos mais um pouco naquela cútis de porcelana e,
depois, cumprimentei Beatriz e Michele com um acenar de cabeça. Girei meu
calcanhar para fazer o caminho de volta para minha toca. Senti uma enorme
vontade de virar o rosto e fitá-la novamente, como se sua imagem fosse
viciante. Mas não me permiti fazer isso, pois eu não queria correr o risco de
assustar minha funcionária em seu primeiro dia com olhares insistentes de
seu chefe. Afinal, não queria parecer um filho da puta assediador.
Capítulo 6

Horas depois

Graças a Deus, as coisas pareciam mais fáceis do que eu imaginava.


Quando me apresentei ao Rh como a nova funcionária da Clifford,
meu coração parecia não se conter no peito. Mesmo com todo esse
nervosismo, a assistente de Beatriz não pareceu demonstrar nenhuma
desconfiança quando entreguei meus documentos para a admissão. Muito
pelo contrário. Ela sorriu quando percebeu minhas mãos trêmulas e me
acalmou, elogiando Steve Clifford, o CEO desta empresa, com quem eu iria
trabalhar diretamente. Ela disse que eu não precisava me preocupar, pois
todos que trabalharam com a presidência costumavam falar muito bem dele e
que ela tinha certeza que comigo não iria ser diferente. Isso me tranquilizou
um pouco.
No entanto, quando Beatriz surgiu na sala do Rh e me levou para o
andar da presidência, senti novamente meu coração galopar dentro da minha
caixa torácica e minha nuca suar, mesmo que nem um fio de cabelo estivesse
abafando minha pele.
Susan fez questão que eu usasse suas roupas formais, que ficaram
estranhas em mim, mas ela me assegurou que ficaram ótimas. Talvez eu só
não estivesse acostumada em me ver naquele estilo de roupas.
Minha mãe estranhou de cara minhas vestimentas, mas tão logo a
despistei, dizendo que faria uma entrevista para um cargo de telemarketing.
Eu não queria que ela soubesse que estávamos nos metendo em confusão
para pagar o aluguel atrasado. Não queria que ela se preocupasse com isso,
por isso resolvi pedir a Susan que escondêssemos isso dela e do vovô Charlie.
— Esta é a ala da presidência. Normalmente, a secretária costuma
ficar atrás dessa mesa. Mas nosso presidente costuma sair muito e quase não
para aqui no escritório. Então, consequentemente, não é certo que você sente
nesta cadeira todos os dias.
— Eu vou ter que o acompanhar quando ele sair?
— Certamente, sim. Em quase todos os casos. Quando não for
necessário, Steve deve avisar.
— Entendi.
Continuamos conversando por ali, quando fomos abordadas por
aquela senhora da entrevista ao lado do monumento de camisa social branca e
calça jeans – Steve — dono do par de olhos azuis cinzentos e bronzeamento
em dia.
Pela forma com que me tratou, o CEO daquela empresa parecia ser
homem pragmático e também gentil com seus funcionários. Ele me desejou
as boas-vindas e foi muito cortês, mesmo que eu estivesse desconfortável
com sua presença. Não sabia se a persistência do meu nervosismo era por
conta da mentira que eu estava levando comigo ou por conta do seu jeito
másculo e educado, que se misturavam e davam um nó em minha mente toda
vez que tentava encará-lo por mais tempo do que um segundo sem desviar o
olhar.
Ele se despediu a fim de me deixar a sós com a sra. Johnson e voltou
para sua sala, enquanto meu pulmão soltava o ar. Tão logo Beatriz também
fez o caminho de volta para o departamento do Rh, me deixando com aquela
senhora loira de expressões faciais afáveis.
A sra. Johnson se apresentou mais uma vez, de forma menos formal, e
se sentou comigo atrás do computador da mesa da secretária. Ela me explicou
minha rotina de afazeres durante o dia, o que não me pareceu difícil de
realizar: apenas fazer anotações das ligações recebidas durante o dia,
imprimir relatórios enviados para o e-mail institucional e organizar esses
documentos em pastas na estante da secretaria. Além de acompanhá-lo
quando fosse em reuniões externas, para fazer anotações, ou quando ele
estivesse trabalhando em casa (essa última parte eu não entendi muito bem,
mas a sra. Johnson me assegurou que Steve me avisaria sobre quase tudo com
antecedência).
Ela me entregou as chaves dos armários e também aproveitou para me
mostrar a agenda de Steve no computador e como eu faria para adicionar e
cancelar um compromisso. Ela me aconselhou também a nunca deixar para
marcar depois na agenda, pois a tendência era que eu esquecesse e
desorganizasse toda a semana de Steve. Entendi perfeitamente.
Passamos quase a manhã inteira conversando e, quando faltava vinte
minutos para as onze horas da manhã, ela me disse com convicção em meio a
uma risada gostosa:
— Pronto, menina! Agora sim você está mais do que apta para
organizar a vida profissional de Steve por dois meses.
— Posso fazer uma pergunta? – Me senti à vontade em questioná-la
depois passarmos as últimas horas conversando.
— Claro.
— Há quanto tempo trabalha para Steve?
Ela não demorou muito para responder:
— Há três anos. Vou fazer quatro este ano e tem sido uma ótima
experiência até então. Você vai gostar de trabalhar com ele também. Só tenha
paciência com a inconstância de sua rotina. No começo foi difícil me
acostumar, já que antes eu trabalhava em um escritório tradicional. Mas
depois que nos acostumamos, não queremos nem pisar na secretaria. – Ela
olhou para o relógio no pulso, dizendo: — Acho que eu vou indo, querida.
Steve me liberou mais cedo hoje. – Ela pegou uma caneta em cima da mesa e
anotou um número em um pedaço de folha, me entregando. – Qualquer
dúvida que tiver, este é o meu número. Pode me mandar mensagem.
— Obrigada.
— Boa sorte, Susan. Acho que nos vemos daqui a dois meses.
— Tomara. – Sorri nervosamente, torcendo para que tudo desse certo
até lá e eu não fosse presa por falsidade ideológica. Era tudo o que minha
família menos precisava nesse momento.
A senhora Johnson assentiu com a cabeça e entrou na sala ao lado,
talvez com a intenção de se despedir do chefe. Tão logo a vi sair, acenando
para mim novamente, com uma bolsa de couro no ombro, e caminhar em
direção ao elevador.
Ok! Estou sozinha. O que eu faço agora?
Relembrei o que a sra. Johnson dissera e abri o e-mail institucional, já
gravado no sistema operacional do computador. Vi algumas mensagens que
não foram abertas, analisando uma por uma. Fiz algumas anotações no bloco
de notas que a sra. Johnson deixou para mim e comecei a traçar os primeiros
possíveis compromissos de Steve.
— Muito trabalho? – A imponência da voz grave fez com que meu
coração desse um salto dentro do peito e a tampa caneta entre meus lábios
escorregou para minha bochecha.
Olhei para o homem encostado na porta, com os enormes braços
cruzados contra peito, em uma postura relaxada. Ele me encarava com
curiosidade, como se buscasse algo em meu olhar.
— Es-estou fazendo algumas anotações. – Droga! Eu gaguejei. – Há
dois e-mails solicitando uma reunião com o senhor...
— Senhor, não. Você. – Ele corrigiu.
Mordi o lábio inferior com força.
— Ok. Você. – Corei furiosamente quando senti seu olhar descer para
minha boca naquele momento. — Já ia levar isso para você analisar. –
Levantei os papeis sobre a mesa, na intenção de dissipar aquela corrente que
se instalava em meu corpo toda vez que o percebia olhar fixamente para
minha boca.
Ele subiu o olhar rapidamente, dizendo por fim:
— Ótimo. Mas eu preciso que vá almoçar antes de terminar de fazer
isso. Já se passaram vinte minutos do horário do almoço.
— Sério? – Perguntei, apreensiva.
— Pode deixar o computador como está.
Encontrei o momento perfeito para desviar de seu olhar.
— Ok. – Peguei minha bolsa de cima do pequeno armário ao meu
lado e parei ao lado da mesa, tendo que virar meu rosto a ele e perguntar. –
Onde fica o restaurante?
Ele abriu um meio sorriso quando meus olhos encontraram os seus e
respondeu com aquela voz aveludada:

— Segundo andar. Seu código é o número do seu SSN[i] e sua senha é


sua data de nascimento.
— Obrigada.
— Adoraria almoçarmos juntos hoje, mas não vai dar. Tenho que
voltar para casa nesse meio tempo.
— O que houve? Aconteceu alguma coisa com sua filha?
— Filha? – Ele indagou, confuso. – Ah, Lux! Ela é minha sobrinha. –
Era incrível como aquele homem exalava sensualidade em apenas desferir
algumas simples palavras.
— Desculpe-me, eu não sabia.
— Não precisa se desculpar. Ela, de certa forma, é minha filha
também. Ela está sob minha tutela agora.
— Onde estão os pais dela? – A pergunta escapuliu entre meus lábios,
antes de meu cérebro filtrar o enxerimento nela. Castiguei o meu lábio com
força outra vez.
— Minha irmã faleceu há poucos meses. E seu pai... Bem, não
interessa onde aquele desgraçado esteja agora, ela tem a mim.
— Desculpa. Eu realmente não queria ter feito você responder isso.
Ele pousou as mãos na cintura, soltando o ar pelas narinas.
— Não há problemas. Eu a todo momento conversava sobre essas
coisas com sra. Johnson.
— Mas eu não sou a sra. Johnson. Sou J... Susan, a secretária
temporária de dois meses.
— Obrigada por me lembrar disso, Susan, secretária temporária de
dois meses. – Ele franziu os lábios, jogando um pouco a cabeça para trás
enquanto seus olhos me estudavam: — Eu acho que posso confiar em você.
— Que loucura, mal nos conhecemos. – Pontuei, quase
institivamente.
— Sou muito dado às pessoas a minha volta. Mais do que você possa
imaginar, Susan.
Uma onda de calor atingiu minha pele, me fazendo gaguejar:
— Te-tenho que ir, antes que eu perca o horário do almoço.
— Não se apresse, coma com calma. Não irei descontar do seu
salário.
Eu sorri levemente com aquilo. Steve Clifford me parecia muito bem-
humorado para ser um chefe. Apesar da beleza estonteante, confesso que
esperava alguém mais duro, como os chefes que Susan comentava quando
chegava à noite em casa.
Despedi-me com um acenar de mão, que ele me retribuiu igualmente.
Virei-me e me coloquei em direção ao corredor, curiosa para saber mais da
vida pessoal do meu chefe, mesmo que eu tivesse me arrependido de ser tão
atrevida em fazer perguntas tão íntimas assim de cara.
Oh, Julie! Você deveria estar focada no trabalho. Foi para isso que eu
vim. E, nas condições que eu estava, a única coisa que deveria pensar era em
não ser descoberta.
Cheguei ao segundo andar, seguindo o fluxo de pessoas que também
saíram do elevador. Não foi muito difícil de achar o restaurante, já que ele
ocupava toda a área do andar.
Direcionei-me à pequena fila formada antes da prateleira de bandejas
e pratos, dando de cara com uma catraca que solicitou meu código e senha.
— Droga! – Resmunguei quando falhei na primeira tentativa.
Qual era mesmo minha senha? Meu aniversário?
Eu jurei que havia ouvido isso dele.
— Sua data de nascimento. — A mulher baixinha e de óculos de
lentes grossas atrás de mim me lembrou.
— Obrigada! – Respondi, timidamente, digitando a data de
nascimento de Susan. Deu certo! Graças a Deus.
Empurrei meu corpo contra a barra de ferro, passando pela catraca, e
escutei ela perguntar:
— Nova por aqui?
— Acabei de chegar. É meu primeiro dia. – respondi, acanhada,
pegando um prato na prateleira. Dali já dava de sentir o cheiro de comida
quente.
— Seja bem-vinda. Meu nome é Catherine. Trabalho no setor
financeiro.
— Prazer, Catherine. Meu nome é Ju... Susan.
— É impressão minha ou você quase ia esquecendo seu nome?
Droga!
Meus músculos se enrijeceram, mas tentei disfarçar:
— Não. É impressão sua. É que eu tenho o mal de ficar pensando
várias coisas ao mesmo tempo e, às vezes, minha boca meio que não obedece
direito meu cérebro.
— Ah, você tem o pensamento acelerado. Compreendo perfeitamente.
Também sofro desse mal.
Por dentro, suspirei aliviada. Oh, Deus. Eu tenho que ser mais atenta
quanto a esses tipos de conversas.
Seguimos a passos lentos pela fileira de funcionários a frente. Tentei
pegar uma bandeja de aço da prateleira, no entanto, ela pareceu escorregar
das minhas mãos e atingiu o chão do restaurante com força, fazendo um
barulho insuportavelmente estridente e chamando toda a atenção do refeitório
para mim.
Olhei para os funcionários em minha frente, que pararam de levar os
garfos à boca para me olharem. Foi quase como uma apresentação. Prazer, eu
sou Julie, a funcionária nova.
Sufoquei a vergonha e me abaixei para pegar a bandeja do chão, mal
sabia Catherine que eu já estava acostumada a esse tipo de situação.
— Toma aqui uma nova. – Catherine me entregou uma bandeja. —
Está tudo bem. Isso já aconteceu comigo. Ela me disse, em uma tentativa de
me fazer sentir melhor.
Tão logo chegou nossa vez e fomos atendidas por uma equipe de
mulheres que distribuíam a comida em nossos pratos. Aliás, essa seria a
primeira vez que eu comeria costelas de porco no almoço e elas pareciam
bastante suculentas.
Sem que eu pedisse, Catherine me acompanhou até a mesa
desocupada mais reclusa entre os funcionários ali. E, poxa vida! Só agora
tinha notado que o salão estava lotado.
— Para que setor você foi contratada? – Ela perguntou.
Droga! Será que devo responder essas perguntas com facilidade? No
entanto, não quis ser indelicada com ela.
— Para a presidência.
— Uau. Você trabalha diretamente com Steve Clifford. – Ela me
olhou como se eu fosse uma sortuda e depois começou a mexer em seu prato,
dizendo: — Fiquei sabendo que o CEO estava procurando uma secretária, no
entanto, não pensei que ele fosse arranjar alguém tão rápido para colocar na
vaga da sra. Johnson.
— Na verdade, só estou substituindo temporariamente a sra. Johnson,
por dois meses.
— Você já o conheceu?
— Quem?
— Oras, quem? Claro que o CEO, Steve.
Analisei se eu poderia conversar abertamente com Catherine, levando
em conta que nós acabamos de nos conhecer. Decidi responder, afinal, em
outras circunstâncias, Catherine seria apenas uma funcionária de bom coração
ajudando a novata a não se sentir tão isolada no restaurante da empresa em
seu primeiro dia de trabalho.
— Foi ele quem fez a entrevista e também passei a manhã em seu
andar.
— Ele é um gato pessoalmente, não é? – Ela perguntou, beliscando
com os dentes o pedaço de carne e sorrindo. – A primeira vez que o encontrei
ao vivo no corredor quase tive uma parada cardíaca. Claro, todos parecem
muito bonitos nas páginas de fofocas, só não imaginava que ele fosse tanto
em carne e osso. E que estrutura óssea!
— Como assim em páginas de fofocas? – Indaguei, curiosa, tomando
um gole do suco de laranja que estava em minha bandeja.
Ela me estudou com os olhos, perguntando, abismada:
— Você não conhecia Steve Clifford?
Respondi com franqueza:
— Eu conhecia o nome da Clifford, já até usei o aplicativo da
empresa para me locomover aqui em São Francisco quando eu não tinha
carro, mas nunca ouvi falar do nome dele. — E me parecia que Susan
também não, já que nunca comentou sobre ele ser famoso.
— Em que mundo você vive? Ou melhor, em que Califórnia você
vive? Steve está em quase todas as colunas sociais.
Sorri, explicando:
— Deve ser por isso. Não costumo ver as colunas sociais. Mas ele é
famoso mesmo?
— Famoso é uma palavra muito forte. Eu diria que uma
subcelebridade de São Francisco e regiões californianas adjacentes. – Diverti-
me com o último termo. – Um empresário poderoso e solteirão, que frequenta
os eventos mais badalados de São Francisco e que atrai as atenções de quase
todas as modelos americanas. – Então, ele é solteiro. — Embora Steve pareça
um playboy metido a besta, ele é muito simpático com o pessoal da empresa
e ainda faz ações beneficentes em vários hospitais duas vezes ao ano, tudo
custeado com o próprio dinheiro da Clifford.
— Um homem quase perfeito?
— Aí que está. Quase perfeito. Dizem que ele é mega mulherengo,
apesar de não dar bola para as funcionárias daqui que vivem suspirando por
ele pelos cantos. Fontes seguras me afirmaram que a sra. Johnson às vezes
atendia telefonemas exasperados de mulheres que não o superaram.
— Então é o famoso destruidor de corações? – Perguntei, me
divertindo mais ainda com aquela conversa.
Parece que meu chefe era um garanhão conquistador.
— Partindo ou não corações, tome cuidado com o nosso chefe, Susan.
Se eu, que trabalho a dois andares abaixo da presidência, já sou apaixonada
por aquele pedaço de mal caminho, imagina trabalhando pertinho, sentindo
seu perfume, ouvindo sua voz chamar meu nome pedindo por um café... – ela
pensou alto. – Ai, eu enlouqueceria!
Ela me arrancou uma risada mais uma vez e imaginei que estivesse
brincando com a situação.
Steve era realmente um homem muito bonito, mas senti que Catherine
estava brincando quanto a estar apaixonada por ele. Eu era crescida o
bastante para saber que, até para a paixão, precisávamos mais do que
simplesmente beleza. Para pessoas como eu, era preciso que me estimulasse a
alma. Deve ser por isso que me apaixonei poucas vezes em minha vida.
Ficamos ali, conversando não apenas sobre Steve, mas também sobre
as normas da empresa. De repente, me lembrei dos avisos de Susan, que
apenas me alertou sobre amizades profundas.
Não me lembro de ela ter mencionado colegas de trabalho.
E pareceu que eu havia acabado de ganhar uma
Horas mais tarde...
Depois do almoço, retornei à secretaria da presidência e enviei uma
mensagem para Susan, avisando que tudo estava correndo bem até o presente
momento. No entanto, notei que a presidência parecia abandonada de tão
silenciosa. Não que Steve tivesse feito muito barulho quando eu ainda estava
por ali, mas algo me dizia que ele ainda não havia voltado para sua sala. Ele
dissera que iria sair e presumi que ainda estivesse fora.
Algumas horas se passaram e nada dele.
Contudo, não fiquei parada. Continuei anotando os e-mails,
imprimindo os documentos endereçados a Steve e os organizando em pastas.
Assim que ele chegasse, eu levaria todas essas informações a sua sala.
Mas ele não voltou.
Um rapaz do setor de publicidade veio atrás dele, mas deu meia volta
quando expliquei que ele ainda não havia chegado.
Estava quase no fim da tarde e nenhum sinal dele.
Lembrei-me de Beatriz dizer que o fim do expediente era às 17h, o
que faltava muito pouco.
De repente, meu celular vibrou momentaneamente no bolso e conferi
se era alguma mensagem de Susan. Me frustrei no mesmo instante, pois não
era ela, mas sim um número desconhecido. Como de costume, abri a
mensagem para ver se era alguma coisa importante e me surpreendi com o
recado:

“Olá, senhorita Evans. Tomei a liberdade de pegar seu número com


Beatriz para avisar que você está liberada. Não vou aparecer na
empresa, tive um imprevisto e fiquei a tarde toda preso nisso.
Amanhã, trabalharei em meu apartamento. Não se preocupe que tem um
notebook aqui sincronizado com esse da secretaria.
Só traga consigo os documentos que imprimiu. ”

Como ele sabe que eu estava imprimindo? Ele notou isso antes da
minha saída para o almoço? Ou ele estava acompanhando o que eu estava
fazendo no notebook através do outro em seu apartamento?
Ai meu Deus! Eu teria que ir no apartamento dele?
Prossegui com a leitura da mensagem:

“Até amanhã, senhorita Evans! A seguir, estou enviando a localização de


meu prédio residencial. Sua entrada estará liberada. Se tiver qualquer
dúvida amanhã, me comunique. ”

Eu sei que a sra. Johnson havia me explicado sobre seu estilo de


trabalho, mas saber disso dele, que eu teria que trabalhar em seu apartamento,
me deixou um pouco ansiosa com isso. Pois, mesmo por mensagem, uma
corrente estranha ainda parecia estar presente em mim toda vez que ele me
direcionava a palavra.
Capítulo 7

— Ai, meu Deus, Julie! Você conseguiu! – Foi isso o que ouvi de
Susan na noite anterior, quando cheguei em casa e nos trancamos dentro do
nosso quarto. Surpreendia-me o fato dela ter cogitado que alguma coisa desse
errado, pois na minha cabeça só existia uma hipótese: não ser descoberta.
Se eu tivesse sido descoberta, teria sido o fim! Talvez eu tivesse sido
condenada a uma ficha suja na polícia pelo resto da minha vida, o que
consequentemente só pioria as coisas para mim. Se eu já estava com
dificuldade de arranjar um emprego, imagina carregando uma ficha suja. As
pessoas nunca contratariam uma pessoa para cuidar de seus filhos sabendo
que ela usurpou o nome de alguém. Até eu explicar que o nome era da minha
irmã e que foi ela quem deu a ideia, eles já teriam optado por alguém de
índole aparentemente melhor.
Além disso, Susan me parecia tão confiante em me convencer a topar
esse plano absurdo, que talvez ela estivesse apenas focada em me fazer
concordar com isso.
Mas aqui estava eu novamente, em uma manhã, depois de fazer minha
higiene matinal para ir trabalhar outra vez. Fiz meu desjejum na cozinha
junto a minha mãe, vovô Charlie e Susan, que aproveitou o momento para
contar a boa nova sobre minha vida profissional: “Julie arranjou um emprego
em um centro de atendimento de telemarketing! ”.
Minha mãe e vovô Charlie me perguntaram se era verdade e eu
apenas assenti, afinal, eu precisava de uma desculpa para me livrar de suas
perguntas quando notassem as minhas frequentes saídas pela manhã usando
roupas formais. Eles ficaram surpresos e muito contentes e aquilo ganhou o
meu dia, mesmo que eu estivesse um pouco aflita por estar envolvida naquela
falcatrua que Susan nos meteu.
Tomei meu café em gole espessos, forrando o estômago com ovos
mexidos, e saí de casa levando comigo a pasta amarela de documentos da
secretaria, que eu trouxe para casa no dia anterior.
Coloquei no GPS o endereço que Steve havia me enviado por
mensagem e dei partida em meu bebê, que não ligou de primeira naquela
manhã, mas ligou. Isso que importava. Havia dias que ele custava mesmo a
pegar, porém, depois de algumas tentativas, o motor sempre voltava a roncar,
sinalizando que ainda estava mais vivo do que nunca.
Eu dirigi até a avenida Harrison e parei em frente a um gigante
edifício residencial. Apesar da minha inexistente experiência com compras de
residências em bairros nobres, aquela avenida era perfeitamente conhecida
por ter um dos metros quadrados mais cobiçados pelos milionários de São
Francisco – o que não era surpresa, pois quase todos os apartamentos por ali
deveriam ter uma vista privilegiada da Golden Gate – um dos cartões postais
mais emblemáticos da cidade.
Parei ao lado do interfone da portaria e abaixei o vidro para explicar:
— Bom dia. Eu sou a Susan. Meu chefe, Steve Clifford...
Não foi preciso terminar a frase para os portões se abrirem, enquanto
a voz do outro lado do interfone respondia:
— Já está liberada sua entrada, senhorita Susan. Tenha um bom dia.
— Bom dia.
Subi o vidro e acelerei para dentro daquele espetáculo de
condomínio. Só com alguns segundos dirigindo pelo estacionamento de
visitantes, percebi que minhas mãos suavam. Droga! Faz tempo que não
acontece isso – pensei, estacionando ao lado de um arbusto muito bem
podado. Apenas não pense, Julie. Apenas não pense. Eu repetia como um
mantra, pois, quanto eu mais pensava, mais eu ficava nervosa, então resolvi
ignorar meu nervosismo quanto a estar prestes a ficar de frente para Steve em
seu apartamento. Até agora não consegui descobrir o porquê todo do meu
nervosismo quando o via, talvez fosse por causa da minha consciência pesada
em estar o enganando. Susan diria que eu estava exagerando.
Peguei a pasta amarela, ajeitei minha bolsa de pano em meu ombro,
inspirei uma boa lufada de ar e tomei coragem para sair do carro.
Olhei novamente sua mensagem, passando por um alpendre e
seguindo o caminho que parecia levar para a área dos elevadores.
– 901. 901. 901. — Repetia comigo mesma para não me esquecer.
Tão logo achei o elevador e, para minha sorte, não esperei tanto as
portas se abrirem.
Entrei na cabine espelhada e apertei o botão do nono andar.
Não demorou muito para as portas se abrirem outra vez, me
encontrando diante de uma recepção de aparadores, quadros e vasos.
Dei alguns passos para a frente, estranhando não encontrar um
corredor de portas, como nos apartamentos que eu já havia entrado, no
entanto, andando mais um pouco, avistei uma espaçosa sala de chão claro,
que reluzia com a luz do sol que vinha da enorme vidraça que ocupava quase
toda a extensão da parede.
Olhei em volta, observando a mobília moderna que compunha a sala,
desde uma enorme pedra de mármore negro, que parecia ser uma lareira
elétrica, e o lustre sobre minha cabeça, que parecia uma composição de
pedras transparentes que brilhavam delicadamente. Os sofás tinham tons
beges e as almofadas se alternavam em tons mais escuros.
Uau! Este apartamento é lindo pra caramba!
— Srta. Evans?
— Merda!
Meu coração pulou quando ouvi alguém atrás de mim me chamar.
Girei meu corpo rapidamente, dando de cara com uma senhora de cabelos
castanhos claro e de traços orientais.
— Que susto! – Levei a mão ao peito.
— Perdão. Você é a Susan, estou certa? – Ela perguntou, me
analisando.
Demorei a me reestabelecer, mas logo a respondi:
— Sim. – Pelo menos, era quem eu dizia ser desde ontem.
— Ótimo. Eu sou Meryl. Sou eu quem governo este apartamento.
Steve me avisou sobre sua chegada.
Pigarreei, oferecendo minha mão:
— Ah! Prazer, Meryl.
Ela olhou para minha mão como se não fosse de seu costume aquele
gesto, mas ela apertou educadamente, falando:
— Steve está lá em cima com Lux e a babá. Logo ele descerá, mas,
enquanto isso, você pode ficar na bancada da cozinha, onde a sra. Johnson
costumava ficar. O notebook da sra. Johnson também está lá. Steve até
ajeitou um escritório aqui pra ela, mas a sra. Johnson mal pisava lá.
— Tudo bem. – Assenti. – Onde é a cozinha?
— Ah, claro. Eu vou mostrar a você. Me acompanhe.
Ela passou por mim, enquanto aproveitei o momento para arrancar
uma informação de Meryl:
— A sra. Johnson vinha muito trabalhar aqui?
— Quase todos os dias da semana.
Isso significava que teria que vir para cá quase todos os dias?
— Você me parece nova. – Ela comentou caminhando em minha
frente, sem virar o rosto para me olhar.
Sorri sem jeito.
— Tenho 32 anos.
— Sério? Parece bem mais nova.
— Obrigada. – Pigarrei. – Tudo por culpa da boa genética da minha
família. – Acrescentei, tentando deixar aquela conversa o mais natural
possível.
Logo chegamos à ampla cozinha, que dava visão da escada ladeada
com placas de vidro.
— Este é o notebook da sra. Johnson.
— Obrigada, Meryl.
Agradeci, vendo o aparelho em cima da bancada de mármore, e me
sentei na banqueta, repousando a pasta amarela ao lado.
— O carregador está no armário abaixo. Agora tenho que voltar para
o jardim de inverno, estou regando as plantas. Mas me chame se precisar de
algo.
— Ok. Obrigada, Meryl. – Agradeci, novamente. — Acho que posso
me virar sozinha daqui.
Ela assentiu para mim, esfregando as mãos na saia comprida, e me
deixou sozinha após.
Olhei para os lados e me perguntei: — O que eu faço agora?
Decidi abrir o computador da sra. Johnson e dar uma olhada no e-mail
institucional. Notei que precisava imprimir mais alguns documentos que
chegaram pela manhã, para Steve assinar, mas notei que ali não tinha
impressora. Claro que não tinha. Era uma cozinha.
Ah, céus! Como vou imprimir isso?
Eu estava completamente enganada ao dizer que eu poderia me virar
sozinha. Havia ainda várias lacunas em minha mente para realizar o serviço
da sra. Johnson. No entanto, resolvi esperar Steve aparecer.
E, nossa! Como ele demorou.
Talvez tivesse até esquecido que eu estava ali.
Contudo, depois de algum tempo, quando eu estava salvando os
documentos em pastas, ouvi os passos atrás de mim. Quase automaticamente,
virei meu rosto para olhar por cima do ombro o homem descalço, descendo a
escada, em uma calça folgada cinza e uma camiseta branca, que delineava
bem os músculos daquele homem lindo. Já não basta ser muito rico, esse aí
ainda teve a sorte de nascer gato desse jeito? Talvez Deus tenha mesmo seus
preferidos.
Ele me avistou enquanto caminhava em minha direção, passou por
mim e deu a volta no balcão, ao passo que dizia um tanto preocupado:
— Perdão pela demora. Eu estava com minha sobrinha no quarto dela,
com a babá. Depois tive que tomar um banho.
— Tudo bem. – Assenti, olhando para a fruteira ao lado. Puta merda!
Não consigo olhar em seus olhos. De novo isso.
De soslaio, vi suas mãos pousarem nos quadris e ele se sentar no lugar
oposto ao meu, no balcão. Ele inclinou a cabeça para o lado, para que meus
olhos encontrassem os seus.
— Oi. – Ele acenou com a mão com um meio sorriso nos lábios.
Se antes eu estava acanhada, agora minhas bochechas estavam
pegando fogo, ridiculamente.
Droga! Por que eu estou assim? E se ele interpretar mal e achar que
estou a fim dele com esse meu jeito? Eu tinha que fazer algo.
Engoli em seco e sorri, nervosamente:
— Olá.
— Eu queria pedir perdão também por ontem, por ter abandonado o
escritório sem avisar que demoraria. Minha sobrinha estava com febre e tive
que estender meu horário de almoço.
— Ai, Deus! Ela está bem?
— Sim, sim. Ontem a pediatra veio aqui, receitou alguns remédios e
hoje ela acordou bem melhor. E agora está com a babá.
— Graças a Deus.
Ele deslizou o antebraço para cima da superfície de mármore do
balcão, continuando com os olhos fixos nos meus. Ele desceu o olhar azul
cinzento para os meus ombros e depois resvalou mais um pouco para baixo,
e, nesse exato momento, não havia nenhum pensamento lógico atravessando
minha mente.
— O que me trouxe nessa pasta? – Ele pigarreou, me trazendo de
volta à realidade.
— Ah, os documentos de ontem, que você pediu. – Respondi,
aproveitando para abrir a pasta.
Mas ele não pareceu ligar muito.
— Está com fome?
— Eu comi antes de sair de casa.
— Que tal me atualizar dos e-mails enquanto faço algo para eu
comer?
Ele faz o próprio café da manhã? Agora sim ele me surpreendeu. Seu
único defeito era ser mulherengo?
Pensando bem, já era um defeito considerável para um homem.
Saí novamente dos meus devaneios para informá-lo finalmente sobre
os e-mails, enquanto ele ia em direção ao armário. Ao passo que ele
cozinhava, eu comentava uma por uma as informações que colhi no dia
anterior. Algumas vezes, ele tinha que parar o que estava fazendo para assinar
um papel, e outras, para me autorizar a marcar reuniões requeridas.
Embora me sentisse orgulhosa de mim mesma em conseguir atualizá-
lo sobre tudo, eu tinha quase certeza que a sra. Johnson faria aquele serviço
na metade do tempo que precisei para fazer.
— Você tem uma impressora aqui? – Perguntei. – Ainda faltam
documentos para imprimir.
— Tem uma em meu escritório. Mas não precisa fazer isso agora, tem
a tarde toda. – Ele disse do outro lado da cozinha.
— Ok! – Anuí, relaxando em meu assento.
— Que tal provar minhas panquecas? – Ele me fez o convite.
Não tive muitas opções a não ser aceitar. Ele me chamou com um
balançar de cabeça para me juntar a ele na bancada ilhada no meio da
cozinha.
Levantei-me e fui até o seu lado, pegando o garfo que ele me
ofereceu.
Dei uma garfada na panqueca macia do prato, molhando no Maple
Syrup. Levei o pedaço à boca, saboreando o quanto aquele homem pode ser
disparadamente melhor do que eu na cozinha. Caramba, está muito boa!
Tinha um gosto diferente das panquecas que eu já provara, mas estava
divinamente muito saborosa.
— E aí? – Ele perguntou.
— Está muito boa. O que é esse sabor no finalzinho?
— É licor de amarula.
— Isso tem álcool? – Perguntei, parando de mastigar.
— Não se preocupe, srta. Evans. Você não vai se embebedar com
uma panqueca.
Assim espero. Agora o que me surpreendeu foi o fato dele comer
coisas com álcool em plena manhã. Se bem que gente rica adorava um licor.
Dei outra gafada, somente porque estava muito boa. Me descontraí,
perguntando:
— Você mora aqui sozinho com sua sobrinha?
— Temos a companhia de empregados durante o dia, mas,
resumidamente, somos apenas nós dois.
— Seus pais moram em São Francisco? – Perguntei, curiosa. Ele
havia me dito que perdeu a irmã recentemente e ficou com a guarda da
sobrinha, então, de repente, fiquei curiosa sobre seus pais. Eles deveriam ter
muito orgulho do filho.
— Eles faleceram alguns anos atrás.
Que droga! Pra que fui perguntar?
Tadinho.
Tinha quase certeza que meu rosto expressava meus pensamentos, por
isso que ele logo disparou:
— Já faz um bom tempo. Superei isso aos poucos com Romena, a
mãe de Lux. Ela era minha única família quando nossos pais morreram e foi
uma espécie de luz que me motivou a seguir em frente e por um bom
caminho. – Ele suspirou, como se lembrasse de algo. — Minha irmã foi uma
menina doce, amável e uma boa mãe enquanto teve a oportunidade de cuidar
de Lux. O que tem me afetado mais nesses últimos dias é a perda dela.
— E agora Lux é sua luz. – Aquelas palavras meio que escapuliram
entre meus lábios, concluindo.
— Isso. – Ele concordou, me encarando.
— Eu sinto muito. Me desculpe também por perguntar.
— Não há o que se desculpar. — Ele olhou para o prato, me
encorajando a comer mais. — Continue comendo. Se esfriar, perde 50% do
sabor. – E foi o que fiz, tentando amenizar os efeitos que minha pergunta
deve ter provocado, mesmo que ele disfarçasse.
Devia ser horrível perder os dois pais. E depois, a irmã.
Não conseguiria mensurar o tamanho da dor que Steve sentiu.
Eu, por outro lado, nunca tive um pai presente, mas minha mãe e
meus avós, quando minha avó ainda era viva, estavam ali por mim e por
Susan. Embora tivéssemos uma vida apertada, sempre me sentia ricamente
abençoada sob a proteção deles. Não imaginava minha vida diferente, muito
menos com uma perda tão estrutural como a dele.
Em um momento de descuido, deixei escorrer a xarope de Maple para
minha mão, descendo para o punho. Rapidamente, Steve pegou uma flanela
em cima da bancada e limpou a lambança em minha mão e punho. Ele
parecia tão concentrado em fazer aquilo, que fiquei presa nas feições de seu
rosto – tão próximo ao meu.
Seus olhos se ergueram, me compenetrando, como se ele pudesse
agitar cada molécula do meu corpo enquanto eu sentia que eu havia
desaprendido a respirar. Ele desceu o olhar para minha boca, apertando os
lábios de forma sexy. Somente quando ele recuou um passo, meus pulmões
soltaram o ar, sentindo um alívio inquietante.
Ele bateu a mão de leve na bancada ao lado, fazendo uma cara como
se estivesse descontente com algo, mudando completamente o tom da
conversa:
— Embora a sra. Johnson gostasse de trabalhar nesta cozinha, você
pode trabalhar no escritório dela neste apartamento. Lá tem uma impressora,
assim não tem a necessidade de ficar rodando pelos cantos da casa atrás de
impressão. – Ele pareceu ter ficado mais pragmático em questão de segundos.
Que bicho mordeu ele?
Eu até poderia imaginar, embora fosse melhor nem imaginar o que
poderia ter sido. Ele era o meu chefe e eu não estava nem um pouco a fim de
virar seu brinquedo nesses dois meses. Eu tinha nenhum interesse nisso!
Então decidi respondê-lo em seu mesmo tom pragmático:
— Onde fica esse escritório?
— Neste mesmo andar, no final do corredor. – Ele embrenhou as
mãos nos cabelos e agora era ele quem não olhava em meus olhos.
— Ok. Eu vou pegar essas coisas e vou para lá. Qual horário posso
consultá-lo?
— Me mande mensagem.
Mensagem?
— Ok. – Assenti com naturalidade. Apesar de ter achado isso um
pouco artificial, decidi não refutar ordem sua. – Estou indo para o escritório
da sra. Johnson.
Naquele momento, ouvi uma voz feminina se aproximando atrás de
mim:
— Hora da segunda mamadeira de Lux.
A mulher loira muito bonita trouxe consigo o bebê nos braços. Quando
os olhos de Lux cruzaram os meus, ela abriu um sorriso gostoso, deixando à
mostra aqueles dois dentinhos engraçados, que ficaram gravados em minha
memória. Para mim, não havia coisa mais encantadora do que um sorriso
daqueles. Isso tinha o poder de melhorar até o meu pior dia.
Elas entraram na cozinha, passaram por mim e, antes que a babá
atravessasse a cozinha em busca de algo, Lux bateu palminhas, jogando seu
corpinho em minha direção. Ela também estendia os braços gorduchos, como
se quisesse meu colo.
— Ei, mocinha! Você quer ir com ela? – A loira que a segurava
perguntou, enquanto Lux grunhia em minha direção.
Tomei a liberdade de pegar Lux em meus braços.
— Ei, princesa! Você lembra de mim?
— Nhém Nhém... – ela balbuciou com um sorriso escancarado no
rosto e me envolveu com seus bracinhos em um abraço apertado.
— Parece que minha sobrinha tem uma boa memória. – Steve
comentou ao meu lado.
— Elas já se conheciam? – A loira perguntou. O sorriso de Lux
aumentou. – Parece que estou com ciúmes.
— Bárbara, essa é Susan, minha secretária enquanto a sra. Johnson
estiver fora.
— Ah, sim! – Ela exclamou, azeda. Mas não liguei para isso. —
Prazer, Susan!
— Prazer! – Respondi, embalando Lux em meu braço.
— Bárbara, a mamadeira de Lux está na geladeira. – Steve pareceu a
lembrar.
— Ok, vou esquentar. – Ela respondeu meio a contragosto.
Depois disso, Steve veio em minha direção e pegou delicadamente
Lux do meu colo, dizendo:
— Vamos deixar a srta. Evans trabalhar, carequinha. – Lux enterrou a
boca no ombro do tio, que parecia ter melhorado muito em segurar um bebê
nos últimos dias. Ou talvez, naquele dia da entrevista, ele só estivesse tenso
com o choro de Lux. Mas isso não me diz respeito, eu tinha que trabalhar
naquele momento.
Pigarreei e afirmei:
— Bem lembrado. Estou indo para o escritório agora.
— Daqui a pouco, Meryl estará levando seu almoço.
— Ok!
Ele me olhou como se estivesse lutando contra algo, mas levei em
conta apenas suas palavras. Ele pareceu querer manter uma certa distância e
isso era perfeitamente normal.
Como eu disse no dia anterior para ele, eu não era a senhora Johnson.
E, provavelmente, após um mês depois que ela reouvesse seu cargo,
ele teria esquecido até o meu nome. Ou melhor, o nome da minha irmã. Ele
provavelmente nunca conhecerá o meu.
Assim eu espero.
Capítulo 8

Dois dias depois

Porra. Tenho que me manter distante dela.


Três dias haviam se passado depois que Susan começou a trabalhar
para mim e eu estava fazendo um esforço absurdo para ficar longe dela, na
medida do possível. A atração que eu tinha por ela era mais forte do que
pensei, então achei melhor deixá-la em segurança, longe do meu desejo por
ela. Eu não queria nem imaginar o problema que iria ser se eu me envolvesse
com uma das minhas funcionárias, mesmo que ela tenha dias contados em
minha empresa.
Além disso, Susan não merecia um cara como eu. Embora não me
parecesse ser uma mulher que se envolve facilmente, ela também não me
parecia ser o tipo de mulher adepta ao meu estilo de vida: em que
compromisso pós-transa eram intoleráveis.
Ela aparentava ser uma mulher doce e sensível, que se envolvia com
homens em busca de relacionamento sério. Mas eu não era assim. Era muito
jovem para me prender a alguém.
Admirava-me o fato de uma simples mulher causar tantas reflexões
em mim em tão pouco tempo, eu não estava acostumado a isso. Talvez isso
devesse ser por ela ter uma boca tão gostosinha, que ela fisgava com os
dentes toda vez que estava envergonhada. Oh, merda. Aquilo me dava muito
tesão.
— Alô! – Atendi a ligação de Mark, meu parceiro de negócios e
amigo de infância. Sua família era proprietária de uma conceituada empresa
no ramo de desenvolvimento de softwares, a Miller Technology. Confesso
que a convivência com sua família em minha adolescência me incentivou a
traçar o caminho para o empreendedorismo digital e, consequentemente,
desde então, Mark, além de ser meu melhor amigo, se tornara também a
ponte entre a Miller e minha empresa.
—Ocupado? – Ele perguntou, do outro lado da linha.
— Um pouco. – Respondi, colocando Lux novamente dentro do
berço, enquanto Bárbara aquecia o banho. – Mas pode dizer o que tem para
falar. Estou te ouvindo.
— Eu tenho um compromisso para nós dois nesta tarde. Um iate
lotado de mulheres gostosas e uísque dos bons...
— Estou sem cabeça para farra, Mark.
— Espera aí. Steve Clifford rejeitando uma farra? – Ele ironizou. –
Puta que pariu! Que bicho que mordeu, irmão?
— Estou cansado.
— Ah, cansado? Tá virando um bunda mole mesmo.
— Experimenta só ficar a noite inteira rodando a casa com uma
criança no braço, pois ela não dorme, para ver quem é o bunda mole.
— Pensei que você fosse um homem indomável. Mas parece que
finalmente uma garota está tomando a rédeas da sua vida. – Ele disse se
divertindo, como se isso tivesse graça.
— Literalmente. Não tenho mais tempo para nada que não seja
necessário ultimamente.
— Ok, mas não é só farra. Lembra dos gêmeos italianos
desenvolvedores daquela rede social que está caindo no gosto popular?
— Sei.
Na semana anterior, mostrei interesse em comprar o aplicativo deles
por meio bilhão de dólares, no entanto, eles ainda estavam muito em dúvida
sobre fechar o negócio.
— Eles aceitaram o meu convite para minha festinha em alto-mar. E
ainda perguntaram sobre você.
Mark sabia muito bem o que aquilo poderia significar. Se eles
estivessem mesmo se decidindo e perguntaram por mim, tinha uma grande
chance de fecharem comigo ainda hoje com apenas mais uma conversa
persuasiva. E se tudo desse certo, no futuro esse negócio poderia me render
mais alguns bilhões na bolsa de valores, aumentando significantemente meu
patrimônio, o que me fez mudar de ideia imediatamente.
– Pode confirmar minha presença.
Escutei Mark rir.
— Traz contigo também a sra. Johnson. Ela vai precisar colher
algumas coisas caso eles cedam.
— A sra. Johnson está de licença. Acho que posso levar minha
secretária nova.
— Ótimo, irmão. Até daqui pouco.
— Até.
Capítulo 9

Depois do almoço, apenas me restou o tédio dentro do escritório


naquele apartamento. Eu já havia adiantado todas as tarefas pela manhã,
inclusive avisar Steve por mensagem sobre as ligações que ele mesmo
deveria fazer. E, agora, não me restava mais nada para fazer a não ser ficar
olhando para a tela do computador.
Que tal assistir a um vídeo no YouTube?
Uma voz na minha cabeça me disse que era errado. Mas, mesmo
assim, me arrisquei, pois eu já estava definhando de tédio.
Tomara que esse computador seja apenas vinculado ao da secretaria
e não ao dele.
Quando carreguei a página inicial do YouTube, a porta atrás de mim
se abriu em um rompante, me fazendo abaixar imediatamente a tela do
notebook.
Merda!
— Precisamos sair agora. – Escutei a voz de Steve dizer.
Fitei-o por cima do ombro e ele perguntou:
— O que foi? Aconteceu alguma coisa?
— Não, nada. – Sorri de nervoso depois de quase ter sido pega em
flagrante.
— Por que seus olhos estão arregalados? – Ele perguntou.
Pisquei os olhos copiosamente.
— Estão arregalados? Deve ser a luz. Meus olhos são muito sensíveis.
Ele me estudou por alguns segundos e tornou a dizer:
— Eu vou sair. Preciso que me acompanhe.
— Agora?
— Sim, nesse momento.
— Tudo bem. – Eu não tinha nada para fazer mesmo. Mas confesso
que fiquei surpresa com seu pedido, já que pensei que ele estava mantendo
uma certa distância de mim.
Mas agora estava até me convidando para sair.
Levantei-me em seguida, pegando rapidamente uma caneta e um
bloco de notas, e o acompanhei pelo apartamento até o elevador.
Quando saímos da cabine e alcançamos a garagem, perguntei:
— Onde vamos?
Ele colocou seus óculos de sol e respondeu:
— Em uma festa.
— Em uma festa? – Indaguei, confusa, parando em frente a uma
Ferrari branca. Puta merda! Que carrão!
— Eu tenho que fechar um negócio hoje.
Mas em uma festa? Não havia um lugar mais apropriado para esse
tipo de evento? E que tipo de festa é essa em plena tarde de sexta-feira? As
pessoas ainda costumam trabalhar nesse horário. Mas, ok. Também não vou
questioná-lo sobre isso. Como dizia o vovô Charlie: manda quem pode,
obedece quem tem juízo.
Não que eu estivesse na condição de ter muito juízo nos últimos dias,
mas, por enquanto, só queria manter esse emprego, ao menos pelo tempo
necessário.
Steve abriu a porta do carona para mim e eu entrei sem cerimônia,
sentando no banco de couro bege. Como eu imaginei: apenas dois lugares.
Mas com um motor implacável, com certeza. Já ouvi falar sobre a potência
impressionante desse carro em programas televisivos sobre automotivos.
Aliás, eu era pobre, mas não desinformada.
O meu chefe deu a volta no carro, entrando pela outra lateral do
veículo e sentou ao meu lado. Com sua aproximação, seu perfume ficou mais
forte, uma essência amadeirada, que invadiu minhas narinas, inebriando
todos os meus sentidos.
Steve deu partida e tão logo saímos pelas ruas ensolaradas de São
Francisco.
Havia um silêncio ensurdecedor entre nós, quando decidi pôr um fim
nisso:
— Pode me contar um pouco sobre esse negócio?
Ele olhou momentaneamente para mim, talvez surpreso com minha
atitude de dar fim a monotonia dentro daquele carro. Ele nem mesmo pôs
uma música para que pudéssemos nos distrair. Poderíamos ao menos
conversar sobre trabalho.
Ele tornou a encarar a rua à frente e disse:
— É uma tentativa de compra de uma rede social. Estou disposto a
pagar meio bilhão de dólares, mas os desenvolvedores ainda estão meio
relutantes.
— Meio bilhão de dólares? – Balbuciei de queixo caído. Isso é muito
dinheiro! – Você está apostando alto.
– Estou apostando alto pois sei que o retorno nos próximos anos vai
ser, no mínimo, de 80% sobre esse valor, srta. Evans. – Ele respondeu com
um tom confiante, como se não houvesse dúvida sobre o que acreditava.
— Por que quer tanto comprar uma rede social? Quer dizer, você já
tem uma empresa de carros por aplicativo. – Fiz uma pausa, pensando alto:
— Por que mais?
— Porque eu sou viciado em números, Susan. Quanto mais eu gero
riquezas, consequentemente mais gente eu emprego e mais meu senso de
responsabilidade social sobe.
— Resumindo, mais rico você fica. – Soltei quase instantemente.
— Também. Não sou hipócrita, gosto da minha condição. E dou ainda
mais valor, pois fui eu quem me coloquei nessa posição. Mas não é apenas
sobre dinheiro. Eu me levanto todos os dias e a primeira coisa que me vem à
mente é trabalhar. Não de uma forma ruim, mas prazerosa. – Ele refletiu.
Depois de alguns segundos em silêncio, ele perguntou:
— E você, Susan. Gosta do que faz?
— Eventualmente. – Respondi, arrancando-lhe uma risada sonora
com minha sinceridade.
Sua risada se dissipou e ele me perguntou outra vez:
— Mas se você tivesse apenas o amanhã, você teria feito o que te faz
feliz?
— Pessoas como eu estão mais preocupadas em pagar as contas. Ter
felicidade é um bônus. Mas posso dizer, enquanto trabalhei, que eu fui feliz.
– Confessei me lembrando das vezes que sorri com as crianças que cuidei e
com seus abraços apertados quando me despedia. Não era muito difícil ser
uma babá.
— Eu fico feliz em ouvir isso, srta. Evans.
Refleti um pouco mais e perguntei, olhando ele dirigir:
— E se, de repente, você acordar em uma manhã e perceber que não
gosta mais de fazer o que faz?
Ele pareceu pensar um pouco.
E respondeu:
— Eu esperaria algumas semanas para ter certeza que isso não é
apenas uma fase ruim...
— E depois? – Indaguei, curiosa.
Ele suspirou e pareceu ser sincero ao confessar:
— Depois eu buscaria o que me faria feliz outra vez.
Para minha realidade, isso era uma utopia. Mas gostei de ver como ele
tinha confiança em suas próprias crenças.
— A vida é muito curta para não fazermos o que gostamos. Se não
tiver um propósito naquilo que faz, terá vivido em vão.
— Belas palavras! Mas como eu disse, pessoas como eu apenas
trabalham para pagar as contas. Não temos saída.
— Para tudo existe uma saída. Só basta olhar com atenção.
Ele parou o carro em um sinal fechado e fiquei ali refletindo sobre as
coisas que ele me dissera. Que besteira! Isso na prática apenas se aplica a
gente rica como ele. Eu tenho é que focar nas contas atrasadas, isso sim
tinha urgência. Susan tinha razão. Sem o dinheiro do aluguel, sem casa para
morar. Eu só almejo mesmo viver com dignidade e poder ajudar alguém com
o pouco que tenho. Conseguindo isso, terei a felicidade de uma vida
tranquila. É o que mais desejo atualmente.
Ele me deu uma rápida olhadela antes do sinal abrir, me fazendo corar
um pouco, mesmo que eu não pudesse ver a intensidade de seus olhos por
trás daquelas lentes escuras.
Steve dirigiu o resto do trajeto em silêncio e, quando percebi que
paramos perto do píer da baía de São Francisco, perguntei:
— A festa é aqui perto?
— Sim, em alto-mar, em um iate.
— Ah, sim. Claro. Em um iate. – Sorri, levantando as sobrancelhas.
Fingindo que não era nenhuma novidade para mim.
Olhei para minhas roupas sérias, imaginando que eu não estava nada
apropriada para uma festa em um iate. Ao menos, era o que eu desconfiava.
Analisei as vestimentas de Steve, calça jeans e camisa azul. Não
parecia tão sério como eu, mas também não estava da forma como eu
imaginava ser adequada para uma festa em alto-mar.
Ele estacionou ao lado de dois carros de luxo e logo saímos do
veículo, sendo abordados por dois homens de coletes brancos.
— Sr. Steve, por aqui. A embarcação do sr. Mark está logo mais ali. –
Um dos homens falou com certa intimidade com Steve, como se a presença
dele fosse frequente nesses tipos de eventos.
Seguimos o homem mais alto pela plataforma fixa em estacas, que
levava ao corredor de embarcações de luxo. Puxa vida! Era um barco mais
lindo do que o outro.
— Como está o movimento hoje? – Steve perguntou para o homem
que caminhava em nossa frente.
— Relativamente tranquilo, senhor. Só estava faltando você para
zarparem. — O homem parou na lateral de um enorme barco de terraços
espaçosos, que parecia mais animado do que todos os outros. Ele assentiu
para nós, dizendo por fim: — Bom passeio, senhores.
— Obrigado, Sam!
— Obrigada! – Respondi também, abrindo um sorriso gentil.
— Srta. Evans... – Steve chamou minha atenção, oferecendo sua mão
para que eu pudesse colocar meu pé em segurança dentro daquele barco.
Aceitei sua ajuda e dei um passo à frente na superfície, que balançava
ligeiramente. Embora aquela missão fosse aparentemente simples, fiquei
tonta ao olhar a brecha entre o cais e o barco, me desequilibrando para a
frente. Por sorte, Steve deu um passo logo atrás, estabilizando meu corpo
contra o dele, me fazendo sentir cada contorno do seu corpo atrás de meu.
Enrubesci violentamente e agradeci por ele não estar em minha frente.
— Tudo bem? – Ele perguntou.
— Aham. Foi apenas um descuido. – Sorri, forçadamente,
pressionando o bloco de notas contra o meu peito.
Ele se pôs ao meu lado e disse, olhando ao redor:
— Se mantenha em meu encalço e longe da proa e das laterais do
barco.
Por alguma razão, desconfiava que ele já havia sacado minha falta de
coordenação motora.
— O que é proa? – Perguntei, acompanhando seus passos.
— Já assistiu Titanic?
— Sim.
— É a parte em que o Jack ensina a Rose a voar.
— A voar? Você está de brincadeira. Não tem essa parte no filme.
— Claro que tem. Aquela parte que eles abrem os braços contra o
vento.
Identifiquei a cena em minha memória e sorri quando ele abriu os
braços, tentando me provar que estava certo.
Meu sorriso foi a confirmação de que ele me convenceu que aquela
cena realmente existia.
Ele abaixou os braços, olhando em volta:
— Agora temos que ir, o negócio nos espera. – Ele segurou minha
mão e meu coração parou de bater por alguns instantes, apenas me senti
guiada pelos movimentos das minhas pernas.
Voltei à realidade quando a música eletrônica ficou mais alta e
algumas mulheres de maiôs e biquínis passaram por nós exibindo seus corpos
esculturais. Também havia homens, que caminhavam sem camisa pelo
convés, apenas de calça ou bermuda, e a maioria deles com uma garrafa de
cerveja na mão.
Aquele parecia o verdadeiro paraíso para os jovens ricos de São
Francisco e Steve parecia conhecer quase todos eles.
Entramos na parte coberta, onde o som parecia mais abafado, indo de
encontro a um homem de cabelos castanhos e sorridente. Essa foi a primeira
vez que Steve soltou minha mão e o cumprimentou com um abraço apertado.
— E aí, irmão? Pensei que nunca fosse te ver em uma festa minha
outra vez. – O homem alto e de cabelos acastanhados disse.
— Estou tirando apenas um tempo, meu caro. Como você está? –
Steve recuou um passo.
— Muito bem, como pode ver – ele respondeu, arrancando uma risada
de Steve. – Quem é a moça? – O amigo de Steve perguntou, com os olhos em
mim.
— Essa é a Susan. Ficará comigo por dois meses até a sra. Johnson
voltar.
— Muito prazer, Susan. Meu nome é Mark. – Ele me cumprimentou
respeitosamente, apertando minha mão.
— Igualmente, Mark.
Ele se virou para Steve, enquanto eu sentia o barco se movimentar
pela primeira vez, de modo mais brusco.
— Os italianos já estão aí. Quer falar com eles?
— Não tenho tempo para cerimônias, Mark. Onde eles estão?
— Como eu imaginava. Eles estão no andar de cima.
— Ótimo. Vou lá falar com eles. – Steve se virou para mim e disse:
— Vamos, Susan?
Fiquei um pouco perdida, mas logo concordei:
— Claro!
Steve se despediu de Mark e seguiu o caminho lateral do barco, que
dava acesso a uma escada de degraus largos. Steve segurou minha mão
novamente e subimos os dois lances até o andar de cima, onde ventava muito.
Embora eu nunca tivesse visto os gêmeos, não foi difícil deduzir
quem eles eram entre as pessoas por ali. Quando Steve caminhou até eles,
apenas confirmou minha hipótese.

— Buon pomeriggio![ii]– Steve o cumprimentou, no que parecia ser


um bom italiano.
— Buon pomeriggio! Buon pomeriggio! — Um deles respondeu em
uma calorosa saudação.
Caramba! Eles são gêmeos idênticos. E, por sinal, também eram
muito apessoados e charmosos, como os homens da Europa. A única coisa
que os diferenciava eram as roupas: um usava camisa vermelha e o outro
branca.
Depois das saudações, Steve me apresentou como sua secretária e o
italiano de vermelho beijou minha mão, me olhando nos olhos e me
chamando de “bella ragazza[iii]”. Parecia um elogio seguido de um palavrão.
Eu não sabia o que significava, mas achei que, pela forma que pronunciou,
não deveria ser um xingamento.
— Obrigada! Obrigada!
Olhei para o lado e tive a impressão de que Steve enfezou ao observar
o homem me chamar de “Bela Ragazza”.
Ah, meu Deus! Seria mesmo um palavrão?
Em questão de segundos, a carranca se transmutou em um meio
sorriso, novamente. Ele respirou fundo e tornou a falar com aqueles homens
em nossa língua, sempre com uma expressão amigável cravada no rosto. Eu
não precisava conhecê-lo há muito tempo para saber que ele estava forçando
a gentileza e fazendo o melhor para convencê-los a fechar negócio.
Sentamos todos à mesa por ali e Steve continuou a conversa,
enquanto o gêmeo de vermelho me lançava umas olhadelas um pouco mais
demoradas.
— Susan, anote o contato da secretária deles.
— Ok. – Abri meu bloco de notas e fiz o que Steve pedia.
Eu teria ainda mais trabalho quando eles fechassem com Steve e me
dessem as informações de que eu precisava: como horário para reuniões,
números de celulares, entre outras informações que Steve me mandasse
anotar e organizar em sua agenda.
Depois de um longo papo, meu chefe perguntou:
— Negócio fechado?
O italiano galante, que respondia pelo nome de Rocco, disse:
— Negócio... quase fechado. – Uh! Isso devia ter deixado Steve puto.
— Que tal deixarmos essa parte para o fim da festa? Ainda podemos
aproveitar muito o passeio e, ao final, podemos lhe dar nossa resposta.
Prometo que valerá a pena.
— Claro. – Steve foi obrigado a concordar.
— Enquanto isso, posso convidar a senhorita Susan para uma volta
pelo barco? – Rocco perguntou.
— Não. – Steve disparou, claramente.
Rocco piscou os olhos, como se não entendesse.
E confesso que nem eu entendi.
Steve sacodiu a cabeça e se corrigiu:
— Quer dizer, eu não posso responder isso por ela. – Ele me encarou,
perguntando: — Você quer isso, Susan?
Droga! O que eu respondo?
Apesar de ser um belo homem, Rocco me pareceu visivelmente
interessado. E digamos que eu não estou em condição de estar flertando com
ninguém, principalmente por causa do fato de eu estar em expediente de
trabalho.
No entanto, eu sentia uma leve pressão em querer ajudar Steve a
conseguir fechar negócio. Rocco se chatearia se eu recusasse?
— É apenas uma volta, senhorita Susan. Eu lhe garanto.
— Se é assim... – Olhei para Steve, que franziu os lábios, metendo as
mãos nos bolsos. – Eu aceito!

— Meraviglia[iv]! – Ele se levantou e me ofereceu seu braço. Não tive


coragem de olhar para Steve outra vez, então apenas me levantei e segui com
Rocco para o andar de baixo.
Com certeza, Rocco era um homem envolvente. Puxava assunto com
tamanha facilidade que eu estava contando até as minhas pequenas
travessuras de infância. Simplesmente, não vi a hora passar.
Ele me contou que estava de passagem por São Francisco e que estava
encantado com “minha beleza”.
Quando chegamos na parte detrás do barco, ele afastou uma mecha de
meu cabelo para o lado e acariciou minha bochecha.
— Tão macia. – Ele sussurrou. – Seus lábios são muito bonitos. –
Continuou comentando, muito perto de minha boca.
— São? – Engoli em seco, paralisada.
— Muito! – Ele pareceu dizer por fim, fechando os olhos e vindo de
encontro a minha boca. Antes que eu pudesse afastá-lo ou dar um passo para
trás, a voz impetuosa atrás de nós o interrompeu:
— Susan, temos que ir!
Vi Steve parado ao lado da parede, com uma expressão nada gentil no
rosto.
Eu não sabia se o agradecia ou ficava com medo pela forma com que
ele olhava para Rocco.
— Es-está bem! – Eu aproveitei o momento para sair da frente de
Rocco e voltar para o lado do meu chefe.
— Como assim estão indo, Steve? Estamos em alto-mar. – Rocco
retrucou naquele sotaque cantado.
— Já avisei a Mark que tenho que voltar com a srta. Evans. Logo
estaremos no píer novamente.

— Dios mio![v] E nosso contrato? Suponho que ainda esteja


interessado.
— Se quiser fechar comigo, me mande um e-mail, Rocco. Eu tenho
mais o que fazer. Vamos, Susan?
Pisquei os olhos, receosa por ele estar sendo tão arrogante com
Rocco, mas concordei em sair dali.
Ele pegou minha mão e saiu me arrastando pelo corredor lateral do
barco. Quando estávamos suficientemente longe de Rocco, me pronunciei:
— Você enlouqueceu? Se tratá-lo dessa forma, você perderá a chance
de fechar negócio.
— Foda-se essa compra! Se ele está pensando que pode ficar
azarando minhas funcionárias dessa forma, eu prefiro que ele enfie essa rede
social deles no rabo.
Fiquei assustada pela forma como ele falou.
— Ele não iria me beijar. Não precisava me defender, eu já ia afastá-
lo. Tenho certeza que ele iria entender...
Ele parou e inspirou fundo, dizendo entre dentes:
— Aquele desgraçado é casado.
Agora, fui eu quem respirou profundamente.
Casado?
Por isso a indignação de Steve, estava explicado.
Sussurrei, pausadamente:
— Que filho da mãe! – E completei, lembrando: — E ainda queria me
beijar?
— Você não tem culpa disso, Susan. Eu deveria ter o desmascarado lá
em cima. Mas não tinha certeza que ele chegaria a tal ponto.
Respirei fundo mais uma vez, tentando acalmar meus nervos.
— Você também não tem culpa de nada. Eu que fui uma tola em
aceitar dar uma volta com ele.
— Estamos a caminho do cais. Tão logo estaremos em terra firme e
poderemos esquecer o ocorrido, ok?
Pela primeira vez, me tranquilizei em estar olhando dentro dos seus
olhos. Mesmo que meu sangue ainda ficasse quente com isso.
Steve não se afastou de mim nem por um segundo até tocarmos com
os pés a terra firme, como prometido. Mas, ao mesmo tempo, me senti
estupidamente idiota por ter dado conversa para um homem mau-caráter
como Rocco.
Capítulo 10

Algumas horas depois

Permaneci taciturna no banco do carona durante quase todo o trajeto


de volta. O céu já havia ganhado uma tonalidade alaranjada, anunciando o
cair da noite. Steve pareceu respeitar o silêncio e dirigiu sem desferir sequer
uma palavra. No entanto, de vez em quando, ele olhava para o lado
rapidamente, quase ao mesmo tempo que eu fazia o mesmo, como se nossos
olhares se chamassem, atraídos como um ímã.
— Onde estacionou seu carro? – Ele perguntou enquanto dirigia pela
garagem do seu prédio.
— Nas últimas vagas de visitantes à esquerda.
Eu poderia muito bem descer ali mesmo, mas ele pareceu decidido a
me dar carona até o meu carro, já que aquele estacionamento era enorme,
tanto que sempre demandava uma boa pernada até os elevadores.
— Seu carro é esse Ford? – Ele perguntou, quando estávamos perto
das últimas vagas, se referindo ao modelo de carro popular mais atual.
— O próximo. Esse verde musgo. – Disse, apontando para o meu
Dodge Caravan 2000. Ele não disse nada, apenas freou quase em frente ao
meu veículo, parecendo analisar cada peça visível do meu possante,
principalmente os pneus carecas.
— É um...
Interrompi antes de que qualquer comentário seu:
– Não diga nada ou eu detestarei você para sempre.
— Ia dizer que é um carro espirituoso.
— Espirituoso?
— Um clássico, talvez.
— Está buscando uma maneira de elogiar um carro velho e sem
perspectiva de um futuro longevo?
Ele me olhou seriamente, confessando:
— Estou.
Desatamos uma risada.
A propósito, que risada sexy. Tudo naquele homem exalava
sensualidade e beleza, mas havia algo a mais, como se isso não fosse
suficiente para deixar uma mulher caidinha por ele.
Sua risada diminuiu, até cessar por completo, ao passo que seu olhar
ficava mais intenso. Nesse mesmo momento, senti meu corpo febril.
Oh, Julie! Controle-se.
— Eu acho vou indo. Até amanhã. – Eu disse, destravando o cinto e
alcançando a porta.
— Espera! – Ele se adiantou, queimando meu braço com o toque da
sua mão de dedos longínquos.
— O quê?
Ele pressionou os lábios, com aquele mesmo tipo de olhar que parecia
estar lutando contra algo. Meu coração bateu mais depressa, tendo a
impressão que ele fosse me dizer algo que me tirasse do eixo, no entanto,
também pareceu desistir no meio do caminho. E disse, com a mesma a
seriedade a qual eu estava acostumada nos últimos dias:
— Queria lembrá-la de que amanhã não precisa vir ao meu
apartamento, nos vemos no escritório na segunda. Não costumo trabalhar
com meus funcionários nos finais de semana.
Engoli em seco, mas aquiesci:
— Ok.
— Srta. Evans, me perdoe pela intromissão, mas você tem um
namorado?
— Não.
Fisguei a pele do lábio inferior, indagando:
— Por que a pergunta?
O ar se tornou rarefeito naquele lugar tão reduzido, me dando a
perfeita visão de quando seus olhos escureceram com o que tinha para dizer.
— Queria confessar, então, que me sinto excessivamente atraído por
você.
Suas palavras anestesiaram meu corpo e mente por alguns instantes,
enquanto ele me encarava firmemente.
Mas reuni um pouco de confiança para perguntar:
— Isso é um problema?
— Não, necessariamente. Mas temo que este meu desejo por você não
passe. São dois meses ao seu lado. – Aquilo soou como uma lástima ou um
martírio, não estou certa de qual ele quis expressar.
— É tão difícil se controlar?
— Tudo depende de você. Sente também essa atração?
Mais do que eu queria sentir.
Não o respondi, apenas mordi o lábio com força, tentando raciocinar
direito. Eu não poderia simplesmente ser franca sobre meus desejos, havia
outras coisas para se pensar. Como, por exemplo, o segundo risco que Susan
me alertou: se apaixonar por um colega de trabalho.
O fato de Steve ser meu chefe tornava as coisas ainda piores.
Além da sua fama com as mulheres, o que não me agradava em nada.
Ofeguei, me sentindo totalmente sem ar, o que poderia ter revelado
um pouco sobre como eu me sentia também em relação a ele.
No entanto, resolvi dar um freio a essa situação.
Eu simplesmente não poderia me envolver com ele, seria enganá-lo
duplamente. E, muito menos, colocar meus sentimentos em risco. Já que ele
não era homem para mim. Aliás, por que eu? Deveria ter muitas mulheres
mais bonitas por aí querendo ter um caso com ele.
Talvez, ele só quisesse brincar rapidamente com sua secretária
temporária. Afinal, ele não teria o risco de lidar comigo depois que seu
desinteresse surgisse daqui a dois meses. Ou até antes. Mas, de qualquer
forma, eu iria embora.
— Eu tenho que ir. – Falei com a voz quase falhando, indo contra
todo o turbilhão de sensações dentro de mim.
Peguei a bolsa, que deixei descansando no assoalho do carro mais
cedo, e me coloquei para fora, caminhando em passos largos até o meu
automóvel. Entrei rapidamente, pousando as mãos no volante enquanto meu
peito subia e descia em um ritmo ofegante. Levei uma mão para a nuca.
Minha pele febril transpirava, escancarando o efeito que ele causava em mim.
Tentei ignorar aquelas sensações, mas o desejo não era algo que
pudesse ser controlado. A única coisa que eu poderia fazer quanto a isso era
evitá-lo.
— Aghr! Foco, Julie. A única coisa que você deve sentir nestes dois
meses é o desejo de permanecer debaixo de um teto.
Steve me pareceu muito prático em realizar negócios, eu deveria ter a
mesma praticidade em manter meu segredo bem longe de ser descoberto. E
eu sabia muito bem que nutrir ligações desse tipo com o meu chefe, mesmo
que rápidas, poderia ser um tipo um tiro no pé.
Mas meu corpo não parecia ter o mesmo receio toda vez que ele
punha aquele olhar flamejando em minha boca. Não tinha como eu negar. Ele
me afetava.

No dia seguinte

Era sábado. Folga.


Meu primeiro dia de descanso depois que eu virei uma secretária.
No entanto, descansar não estava em meus planos para o dia em que
aconteceria a Tarde Solidária. Todos os meses, na segunda quinzena, os
moradores do meu bairro se reuniam na praça para distribuirmos cobertores,
comida fresquinha e roupas para aqueles que viviam na rua ou em condições
precárias de existência, a maioria deles eram imigrantes de todas as partes do
mundo.
— Não sei por que ainda participamos dessas ações. Temos ficado tão
pobres, que mais tarde seremos nós quem precisaremos da ajuda dessa gente!
– Susan resmungou.
— Você deveria agradecer que temos um teto e comida na mesa todos
os dias. – Repliquei, incomodada, enchendo mais uma vasilha de sopa.
Enquanto minha mãe ajudava a organizar as roupas em outro
compartimento, estávamos preparando os potes de sopas na cozinha da
associação de moradores do bairro, cedida para que pudéssemos organizar os
alimentos para a ação.
— Um teto e comida na mesa de todos não são sinônimo de viver
com dignidade, você sabe disso. Não somos cachorros para apenas
precisarmos de comida e um lugar para dormir. A propósito, existem
cachorros que vivem em condições muito melhores do que muita gente... Até
massagem e hidratação fazem nos pelos!
— Compreendo o que está querendo dizer, Susan, mas lembre-se
também que existem pessoas em condições muito piores do que a nossa.
Enquanto tivermos nossa vontade de ajudar essas pessoas, deveríamos fazer
isso. Nunca sabemos o dia de amanhã.
Susan ficou reflexiva e tão logo perguntei, mudando de assunto:
— Conseguiu alguma entrevista?
— Até agora ninguém me ligou. – Ela bufou. – Aliás, o que faremos
nos próximos meses depois quitarmos o aluguel com o salário da Clifford?
Quero dizer, as contas não vão parar de chegar...
— Ainda não sei. Mas não vou esperar os dois meses para voltar a
procurar emprego.
— E eu vou continuar procurando também... E como foi o trabalho
ontem? Você chegou em casa e foi direto conversar com a mamãe, nem deu
tempo de perguntar.
— Foi bom. – Reduzi a responder, desviando o olhar e lembrando das
palavras de Steve antes de eu sair do seu carro.
Voltei a me concentrar e tomei cuidado em encher mais uma vez a
vasilha seguinte.
— Bom? Bom não é resposta. O CEO ainda continua te trancafiando
dentro de uma sala no apartamento dele?
— Nós saímos ontem.
— Pra onde?
— Uma festa em um barco, ele queria fechar um negócio, mas acabou
não conseguindo. – Respondi, rapidamente.
— Que estranho.
— Estranho o quê?
— Tem uma coisa esquisita em seu tom de voz e você desviou o
olhar. – Ela pontou, me estudando enquanto eu a olhava de rabo de olho. —
Aconteceu mais alguma coisa?
— Não aconteceu nada. O que poderia ter acontecido? – Perguntei,
olhando em seus olhos, e abri um sorriso de leve.
— Não sei. – Ela suspirou. — Deve ser impressão minha. – Ela deu
de ombros, tornando a colocar as tampas nas vasilhas cheias de sopa e
esquecendo daquele assunto.

Horas mais tarde


— Ai, que maravilha! Deitar em nossa própria cama depois de um dia
puxado deveria ser uma das sete maravilhas do mundo! – Susan exclamou, se
deitando na cama ao lado. – Boa noite, Julie. – Ela disse antes de desligar a
luz amarelada do abajur.
— Boa noite, Susan!
Naquela noite, adormeci com mais facilidade. Não fiquei pensando
muito sobre as últimas horas, como eu fazia todas as noites, e também me
livrei daqueles pensamentos involuntários que eu tinha sobre meu chefe, por
ora. Quando dei por mim, eu já estava em sono profundo. Sonhando. E,
mesmo assim, ele estava lá, no meu sonho.
Na cozinha do seu apartamento, ele acariciava minha bochecha com o
dorso da mão e descia para o lado de minha boca. Ele se aproximava, cada
vez mais, lentamente, me fazendo ansiar pelo seu toque, quando, de repente,
meu celular tocou.
Mas não era no sonho, era em meu quarto.
Abri meus olhos e procurei pelo celular em cima da mesinha ao lado,
vendo que ainda era noite. Graças a Deus! Eu sentia que minhas costas não
haviam descansado por completo.
Susan continuava dormindo feito uma pedra na cama ao lado, quando
peguei meu celular na mão, curiosa para saber quem estava me ligando em
plena madrugada.
Olhei para o visor e não acreditei no que eu estava vendo.
Ainda bem que eu estava deitada, pois, caso contrário, era possível
que eu caísse para trás.
Steve?
É ele mesmo? Meu chefe? A essa hora?
Por quê?
Oh, droga! Será que havia acontecido alguma coisa?
Atendi rapidamente antes que ele desistisse da ligação.
— Steve?
— Alô. Susan? Desculpe-me o horário, mas não estou conseguindo
entrar em contato com Bárbara. Você está ocupada? – A voz grave se
misturava ao choro de Lux.
Olhei para minha irmã em sono profundo ao meu lado e respondi:
— Não. Pode falar. Aconteceu alguma coisa? A Lux está bem?
— Ela está chorando há uma hora. Eu já não sei mais o que fazer! –
Escutei sua respiração pesar. – Eu já andei pela casa toda com ela, esquentei a
mamadeira, dei pulos. Ela aparentemente está bem, sem febre... Sei que essa
não é sua função, mas, por favor, Susan... me ajude!
Ele me pareceu tão angustiado, que não tive como negar.
— Claro. Eu estou indo aí.
— Posso mandar alguém...
Coloquei-me para fora da cama, interrompendo-o:
— Não precisa. Eu chego aí em vinte minutos. Aguenta firme.
— Não sei nem como agradecer.
— Você já me recompensou me aceitando em sua empresa.
— Obrigado da mesma forma.
Despedi-me por um momento e fui trocar de roupa rapidamente.
Coloquei um vestido soltinho de cor azul e sapatilhas pretas. Como Susan
não acordou com minha movimentação dentro do quarto, eu meio que saí na
surdina de casa. Liguei o carro estacionado ao lado da calçada e dirigi pelas
ruas desertas de uma São Francisco noturna.
Cheguei antes do esperado, devido ao quase inexistente trânsito.
Steve já havia comunicado à portaria e eu apenas entrei. Logo apareci
em sua sala.
As lâmpadas estavam acesas e não foi difícil encontrá-los perto da
janela de vidro, uma vez que o choro de Lux me chamou toda a atenção.
Steve a balançava, tentando mostrar algo lá fora, mas nada prendia sua
atenção ou afugentava seu acesso de choro. Ela se contorcia nos braços dele,
junto de gritos inconsoláveis.
— Boa noite. – Caminhei na direção deles, enquanto Steve se virou
para mim.
— Céus! Ainda bem que chegou, srta. Evans.
— Pode me dar ela? – Pedi.
— Claro! – Steve passou para os meus braços a menininha vermelha
de tanto chorar.
— Ei, linda! Sou eu, lembra? Shhhh! – Disse ao passo que eu
embalava seu corpinho, enquanto seu tio observava atentamente, com seu
olhar um tanto assustado. — Você já tentou dar alguma coisa para ela comer?
– Perguntei entre o choro de Lux.
— Sim. Esquentei a mamadeira e a sopa de legumes, mas ela não quis
comer. Mas a alimentei antes de dormir.
Coloquei a palma da minha mão sobre sua pele e atestei que ela
também não estava com febre.
— Você pode colocar uma manta em cima do sofá?
— Claro! – Ele respondeu, abrindo o armário do outro lado da sala,
voltando com uma manta grossa, que encobriu quase toda a metade da
superfície lisa do sofá.
Deitei Lux sobre a manta, erguendo sua blusinha rosa-claro de poás.
— Eu vou fazer uma massagem na barriguinha dela, ela pode estar
com cólica.
— Isso é normal?
— Supernormal. Isso tem a ver com o desenvolvimento dos bebês.
Falando mais especificamente: tem relação com a maturidade do intestino da
criança. – Comecei a fazer movimentos circulares na barriguinha dela. —
Existem vários fatores que colaboram para agravar essas crises de cólica que
fazem os bebês terem acessos de choro, mas é bem comum entre as crianças
na idade da Lux. Mas, também, temos que ver se trata apenas de uma cólica.
Continuei massageando a barriguinha dela, enquanto seu choro
cessava aos poucos.
Depois de alguns minutos, Steve comentou ao meu lado, um pouco
mais atrás:
— Eu acho que está funcionando. – Escutei ele suspirar, aliviado.
Lux cessou o choro completamente. Ela apenas fungou e bocejou em
seguida.
— Parece que ela está com sono também. – Pontuei, estudando seu
rostinho pegar em um sono.
— Santo Deus, você não pode ser real. – Steve sorriu, com um ar
encantado. – Você operou um milagre em menos de doze minutos....
— Isso não é nenhum milagre. Bárbara daria um jeito se estivesse
aqui. – Expliquei, fitando-o por cima do ombro.
— Mas não é ela que está aqui.
A profundidade com que me olhava me fez recuar, tornando a
observar sua sobrinha em sono profundo.
— Onde fica o quarto de Lux? – Perguntei.
— No piso de cima.
— Eu vou levá-la até o berço. Se acordar durante o percurso, posso
colocá-la novamente para dormir.
— Perfeito. – Ele anuiu em um tom de voz mais sério. — Fique à
vontade, srta. Evans.
Respirei fundo e peguei Lux do sofá para os meus braços, deitando
sua cabecinha em meu ombro. Segui pela sala até as escadas, com Steve em
nosso encalço.
Foi a primeira vez que pisei no segundo andar e Steve teve que me
conduzir até o destino final, o quartinho rosa localizado no meio do corredor
direito. Tudo em seu interior era mimoso, desde o tapete felpudo sintético até
as luminárias, que simulavam um pequeno céu estrelado. Com certeza, havia
sido feito um belo trabalho por um arquiteto ali.
Transferi Lux para o berço de cerca branca, em um movimento lento e
suave. Deitei seu corpinho de lado, que se remexeu um pouco.
— Prontinho! – Sussurrei. – Durma bem, princesinha.
Levantei o olhar para aquele que estava no canto direito do berço,
com os braços cruzados contra o peitoral, assistindo tudo de perto.
— Nesses momentos, me sinto tão impotente...
— Não diga isso. Você é tudo para ela.
— Que injusto, não? Eu ser tudo para ela e eu não saber cuidá-la
direito.
— Ninguém é preparado completamente para cuidar de uma criança.
Imprevistos acontecem, ninguém está imune a isso. – Encarei seu rosto
gracioso sob a penumbra do quarto. — Nem mesmo você, Steve Clifford.
— Eu acho que vou ter que me resignar com isso.
— Sim. Vai, sim. – Esvaziei meu pulmão, soltando o ar pelas narinas,
e avisei: — Agora eu terei de ir.
Ele descruzou os braços e pediu em um tom mais grave:
— Fique mais um pouco.
— Pra quê?
— Para terminarmos aquela conversa que começamos ontem.
— Pensei que já tivéssemos terminado.
Embora não houvesse plena claridade dentro daquele quarto, ainda
assim consegui assistir ele umedecer os lábios e seus olhos queimarem minha
pele.
— Você não me deu sua resposta.
— Qual? – Quase gaguejei.
— Não me disse como se sente em relação a mim.
— Você não falou de sentimentos. – E tudo bem. Não fazia sentido,
tinha mais ou menos uma semana que nos conhecíamos, falar de sentimentos
soaria intenso demais. Uma insanidade, a propósito.
Ele deu um passo a minha frente, tocando minha mão sobre grade do
berço.
Arrepiei-me por inteira.
— Não são sentimentos, por ora... mas é tudo que tenho de mais
sincero a oferecer.
— Claro, seu tesão é o sentimento mais sincero que tem a oferecer
para sua secretária temporária. – Retruquei, quase automaticamente.
— Sua posição em relação a mim nada tem a ver com a vontade que
tenho.
— Eu tenho que ir, sr. Clifford. Não me leve a mal, mas meu único
objetivo é manter meu emprego.
— Eu não vou me opor a sua ida, Susan. Perdoe-me se a ofendi com
qualquer palavra ou qualquer atitude inadequada. Não quero que pense que
sou um babaca.
— Não acho que você tenha sido um babaca comigo, mas temo que as
coisas saiam fora de controle. No mais, espero que você tenha uma ótima de
noite agora que Lux adormeceu. Até segunda-feira, senhor. – Mantive a
formalidade na intenção de afugentar qualquer clima indevido.
— Até segunda-feira, srta. Evans.
Despedi-me com um acenar de cabeça, respeitosamente, e passei por
ele, indo em direção a porta pela qual entrei. Quando andei pelo corredor,
senti meu coração bater freneticamente e minhas pernas ficarem moles, como
se meus pés não fincassem direito o chão.
Eu desci pela escada, encarando a enorme parede de mármore a
frente, com minha pele transpirando. Algo dentro de mim tremia, como se
seus olhos ainda estivessem queimando minha pele. Oh, merda! O que há de
errado comigo?
Quando estava descendo o último lance de escada, ouvi os passos
rápidos atrás de mim. Ele me alcançou assim que coloquei meus pés no piso e
puxou meu braço levemente, o suficiente para meu corpo virar em direção ao
seu, me deixando a centímetros de sua boca.
Inspirei sua essência amadeirada, com meu coração quase me
estrangulando, tendo o desejo involuntário que aquele cheiro delicioso
morasse em meus pulmões durante toda a semana.
— Por que não disse não?
Mesmo com dificuldade de respirar, reuni um pouco de autocontrole
para perguntar:
— Como assim, não?
— Se não sente o mesmo desejo que faz minha pele arder e meus
sentidos ferverem, porque simplesmente não negou, Susan? – Ele deu um
passo à frente e quase caí para trás, se não fosse sua mão espalmando minha
lombar a tempo. – Eu preciso ouvir um “não” de sua boca.
— Pre-precisa?
Engoli em seco.
— Preciso. Diga-me para que eu me conforme.
Desci o olhar para seus lábios e... droga! Eu quero tocá-los.
Ele pareceu insatisfeito com meu silêncio e insistiu:
— Logo irá amanhecer, srta. Evans. Não temos a noite inteira.
Algo em mim tinha certeza de que ele não faria nada que fosse sem
consentimento, o que me fez relaxar, apenas um pouco, pois o maior inimigo
naquele momento estava dentro de mim.
— Me rejeite, srta. Evans. Em cinco segundos, me confirme que não
compartilha do mesmo desejo. – Ele sussurrou, com a voz embriagada de
algo que magnetizou todos os pelos do meu corpo. – Cinco...
Diga alguma coisa, Julie.
— Quatro... – ele murmurou.
Eu não deveria, mas, honestamente, eu o desejava.
O que um único beijo faria de mal? Oh, Julie. Steve não me parece
um homem que fica apenas no beijo.
— Três...
Mordi com força o canto do lábio de forma involuntária, o suficiente
para inflamar seus olhos.
Ele passou o dedão em meu queixo, resmungando contra os meus
lábios:
— Merda. Eu a quero agora.
Ele encostou nossos lábios ardentemente, me consumindo sem pudor.
Seus dedos cravaram na parte detrás do meu pescoço, conduzindo meu corpo
contra a superfície gelada da parede de mármore.
Sua língua escorregou para dentro de minha boca, me fazendo arfar.
Minha nossa! Se eu já experimentei algo assim na vida, eu não me recordo.
Ele beija tão gostoso. – Pensei no momento que ele diminuía a intensidade
do beijo e chupava meu lábio inferior lentamente. Retribuí com um gemido.
Subi minha mão pelo seu peito até alcançar a curvatura do seu
pescoço, enquanto minha língua chupava a sua. Alguns segundos foram o
suficiente para senti-lo completamente excitado dentro da calça, me
pressionando contra a parede de forma que parecia que iríamos nos fundir a
qualquer momento, ao passo que sua língua me levava ao céu.
Ele se afastou um pouco e me ergueu em seus braços, com a
facilidade com que se pega uma boneca.
Enlacei minhas pernas em sua cintura quando suas mãos
escorregaram para minhas nádegas debaixo do vestido. Ele fez o trajeto até o
sofá da sala, tornando a explorar todas as comissuras de minha boca. Ele
deitou meu corpo na superfície lisa, se livrou da camisa cinza e se afundou
entre o meio de minhas pernas.
Droga! Eu vou transar com o meu chefe. Ainda por cima, no sofá de
sua sala. Como poderei olhar em seus olhos na segunda-feira? Se bem que já
estou ferrada, ele já beijou todas as comissuras de minha boca.
Mas ainda há tempo.
Isso, garota. Sempre há tempo de não deixar as coisas ainda piores.
— Eu acho que eu devo ir. – Disse com firmeza, afastando seu corpo
com uma mão.
Embora nós estivéssemos ofegantes e com tesão, ele não se opôs.
Afastou-se, respeitando o que eu havia acabado de dizer.
— Entendo. – Foi a única coisa que ele disse quando saiu do lugar
entre minhas pernas, embrenhando as mãos nos cabelos castanhos claro.
Ele andou até a vidraça, em silêncio e ofegante, pegou a camisa do
chão e a vestiu.
Ficamos por um momento assim, escutando apenas nossas respirações
se acalmarem.
— Por que, exatamente? – Ele questionou, me olhando novamente.
Enchi o pulmão de ar e disse com franqueza:
— Não quero fazer algo do qual eu venha me arrepender depois...
O silêncio se agravou entre nós.
Após alguns segundos, ele tornou a dizer:
— Eu posso chamar alguém para deixá-la em casa. Lux...
Interrompi, adiantando ao falar:
— Não se preocupe, estou com meu carro... Boa noite, sr. Clifford.
Seu olhar pareceu se quebrar naquele instante e ele me respondeu em
seu tom mais grave:
— Boa noite, srta. Evans.
Sorvi uma boa lufada de ar e me coloquei no caminho de volta,
tentando calcular o problemão que eu havia arranjado.
Capítulo 11
Dois dias depois...

Eu realmente não esperava receber aquela mensagem logo de manhã


cedo. Mas ok. Ele era meu chefe e eu deveria apenas obedecer. No entanto,
aquelas palavras pareciam tão imaturas! Era como se ele preferisse fugir do
que lidar com seus próprios instintos.

Steve: Bom dia, srta. Evans! A partir de hoje, eu quero que compareça
apenas à secretaria do escritório da Clifford. Por favor, continue me
mantendo atualizado de minha agenda. Faça isso por mensagem. Enquanto
isso, permanecerei trabalhando em casa durante esta semana e comparecerei
em alguns compromissos dos quais já estou ciente. Tenha um bom dia!

Oh, não precisava de tanto! Nós praticamente quase já não nos


víamos em seu apartamento, pra quê uma atitude tão radical como essa?
Pra falar a verdade, no fundo eu o entendia. Naquela noite, faltou
pouco para que eu pudesse me deitar com meu chefe e Steve, apesar de ter
um ar de Bon Vivant[vi], não me parecia ser aqueles homens que se envolvem
com suas funcionárias dessa forma – o que Catherine havia comentado
naquele dia no refeitório, reforçando minha teoria sobre ele.
Talvez ele estivesse se sentindo incomodado por ter passado do ponto
com sua secretária de dois meses. Devia ser isso. E eu apenas deveria
compreender essa decisão e ir trabalhar.
Como eu imaginava, na secretaria, tive que lidar com o tédio pela
metade do dia, pois quase não havia muito o que se fazer. Eu desconfiava que
a sra. Johnson se divertia mais com esse trabalho interagindo mais com
Steve. Deveria surgir até mais tarefas para realizar, mas eu... Eu me sentia
uma completa inútil com o cotovelo apoiado em cima da mesa enquanto
minha mão segurava meu queixo. Eu havia lido todos os e-mails, atualizado
sua agenda e imprimido todos os documentos, que ele provavelmente só
assinaria na próxima semana.
Chovia muito e isso também contribuiu para que eu ficasse reflexiva,
beirando a melancolia. E, por vezes, até me pegava perseguindo a memória
do rosto do dono da sala ao lado. Seus olhos intensos tão próximos aos meus,
sua boca se retesando enquanto suas íris deslizavam para os meus lábios, o
nariz retilíneo perfeito e aquele hálito delicioso em minha língua...
— Oh, merda! – Sacudi minha cabeça, expulsando aqueles
pensamentos. – Eu só posso estar enlouquecendo! Esqueça isso, Julie. Para o
seu próprio bem – eu murmurei, respirando fundo.
Tentava reorganizar meus pensamentos quando, em um rompante, o
telefone fixo tocou absurdamente alto, me fazendo quase cair de susto da
cadeira giratória.
Ah, Deus! Será que é ele? – Pensei, com o coração disparado.
Pigarreei e peguei o telefone do gancho em único movimento:
— Alô?!
Esperei pela voz grave que me arrepiava até os pelos da nuca, mas, ao
invés disso, um cara de voz irritante disse:
— Alô, Johnson.
Emudeci. E ele perguntou, novamente:
— É da secretaria da presidência?
— Sim, isso mesmo, senhor. Mas a sra. Johnson teve que se ausentar
por um tempo. Agora sou eu quem está em seu lugar.
— Que seja! O CEO já assinou o contrato de atualização de software
que mandaram no e-mail institucional?
— O sr. Steve não comparecerá à empresa durante esta semana,
senhor.
— Mas você não viu que pedi com urgência no e-mail? Se vira. – Ele
perguntou, indiferente. Droga! Se tinha visto essa informação, ela havia
passado despercebida em minha leitura. — Tenho que estar com esse
documento em minha mesa até o fim do expediente. – Ele falou de forma tão
grosseira, que decidi não replicar o que ele dissera.
— Certo!
— Ótimo. Eu vou ficar esperando.
— Está bem! – Eu disse e ele desligou quase no mesmo instante.
Olhei para o telefone, dando língua para aquele idiota que parecia ter
desligado em minha cara.
— Sua mãe não te deu educação, não? – Resmunguei, baixinho.
Coloquei o telefone de volta no gancho e respirei fundo.
Ok. Agora tenho que avisar isso ao Steve.
Peguei o celular e enviei uma mensagem para ele, explicando a
situação, e depois fiquei esperando por sua resposta.
Naquele momento, pensei que ele responderia logo, por se tratar de
algo urgente, mas ele nem visualizou minha mensagem.
De repente, fiquei ansiosa com a possibilidade daquele homem
estúpido ligar novamente, sendo mais grosseiro do que já tinha sido, então
decidi fazer uma ligação para o meu chefe, e nada. Seu celular estava
aparentemente desligado.
Pronto!
Agora eu me ferrei.
Levei as mãos à cabeça e olhei para baixo, tentando pensar em algo.
Foi quando o nome da senhora Johnson me veio à mente. Claro! Ela havia
deixado seu número comigo, eu havia gravado depois na lista de contatos do
meu celular.
Rapidamente, procurei por ela entre meus contatos e enviei uma
mensagem, mais especificamente um simples “boa tarde”, para início de
conversa.
Oh, céus! Ela poderia estar ocupada em um horário desses, é
provável que nem me responda hoje. – Pensei, diminuindo a esperança em
mim.
Meu celular vibrou em minha mão, contrariando o pensamento
negativo que eu tivera, e li, reacendendo a esperança em mim:
Sra. Johnson: Boa tarde, Susan. Há algo que eu possa ajudar,
querida?
Capítulo 12
Tinha que mantê-la bem longe de mim.
Embora parecesse inofensiva, Susan era o tipo de mulher que fazia
qualquer homem desejar tocá-la. A doçura com que se movia mesmo sem
perceber e mordia aquele maldito lábio inferior com força me levava a um
estado deplorável de excitação, no qual eu não deveria estar.
Porra, ela é minha secretária! Ela era alguém que ocupava o lugar da
sra. Johnson, por quem sempre tive muito respeito. Era o meu dever não
insistir mais nisso, ela também já deu sinais de que não queria se arriscar,
motivo suficiente para deixá-la em paz também.
Desde muito cedo, apreendi que, se não podemos lidar com nossos
próprios instintos, temos que nos deixar longe da tentação. E foi isso o que
fiz. Pedi para que trabalhasse na secretaria, assim eu não correria o risco de
vê-la todos os dias nos corredores do meu apartamento e esquentasse minhas
veias com os rastros de seu perfume adocicado.
— Meryl, estou saindo! Bárbara está com Lux lá em cima, pedi para
que ela fique essa noite. Anote isso na folha de pagamento dela. Voltarei no
fim da tarde. – Avisei a minha governanta, pegando as chaves do aparador da
sala.
— Sim, senhor! – Meryl assentiu e tão logo saí para beber uma
cerveja com Mark em um barzinho à beira-mar.
Eu preciso disso, aliviar a tensão em mim. Mesmo que seja bebendo
com Mark Miller.
Quando me perguntavam qual a melhor parte de ter o próprio
negócio, eu sempre respondia: poder se dar folga na segunda-feira para beber
com seu amigo farrista. Depois de uma manhã com a cabeça metida nos
gráficos, eu merecia isso.
— Mais duas Cervejas, por favor. – Mark fez o pedido, sentado à
minha frente, olhando para o garçom, e depois disse, me fitando por cima do
meu ombro: – Cara, olha quem acabou de chegar!
— Quem?
Mesmo desinteressado, virei o rosto para ver de quem se tratava, e
senti a brisa forte da praia sacudir meus cabelos com força.
— Virginia Wilder e sua amiga gostosa. Uau, e coloca gostosa nisso!
Vislumbrei a loira de curvas sensuais em um vestido amarelo colado.
Ela caminhava ao lado de uma bela mulher de cabelos negros, que batiam na
bunda, o que fez Mark se remexer animadamente na cadeira.
Virginia Wilder era uma socialite de São Francisco e herdeira de uma
famosa rede de hotéis americana. Era conhecida por exibir nas redes sociais a
vida de luxo que levava. Nós havíamos ficado umas três vezes no ano
passado, mas, depois que o seu pai exigiu que ela se mudasse para Nova
Iorque a trabalho, decidimos dar um basta em nosso caso sem compromisso.
Segundo ela, foi difícil me esquecer. No entanto, isso não a impediu de
noivar dois meses depois que saiu de Francisco. Ela casou com um jogador
de basquete da NBA e fiquei sabendo por meio da sra. Johnson que tal
façanha não durou quatro meses. Por mais que parecesse pouco tempo, no
meio em que vivo, isso não me surpreende muito, acho que até foi um
casamento bem-sucedido. Para alguém que via matrimônios não resistirem
nem à lua de mel, três meses e alguns dias era uma eternidade.
— Uau, uau, uau. Parece hoje teremos uma ótima tarde de segunda-
feira, meu amigo.
— Nem pense nisso... – ia rechaçar qualquer merda que estivesse
passando na cabeça de Mark, mas ele me interrompeu berrando:
— Ei, Virginia! Meninas, aqui! – Mark balançou a mão no ar e eu
meti um chute na canela dele. – Porra! Tá louco, caralho?
— Steve? – A voz feminina se aproximou e senti a loira parar ao meu
lado. Olhei para o mar ao meu lado direito, esfregando as pontas dos dedos
na testa. – É você mesmo, Steve Clifford?
— Sim, é ele mesmo. – Mark respondeu.
Esse bastardo ainda me paga!
Mark continuou:
— Nos conhecemos naquela festa de Réveillon, eu estava com Steve
antes de vocês... Sabe?
— Claro. Eu lembro!
— Por que não se sentam com a gente?
Ela pareceu pensar nesse momento e logo respondeu:
— Será um prazer! – Ela puxou a cadeira ao meu lado e se sentou.
Não tive outra alternativa a não ser ajeitar a coluna na cadeira
novamente, fuzilando Mark em minha frente e me certificando de não me
esquecer de quebrar as canelas daquele desgraçado depois.
A garota de cabelos pretos se sentou ao lado dele e Virginia
questionou ao meu lado:
– Há algo de errado?
— Errado? – Mark indagou. – Com Steve? Não, claro que não. É só
que tem se tornado tímido com o passar do tempo. – Ele disse passando o
braço envolta dos ombros da mulher ao seu lado. – Oi, baby! Sabia que você
é muita linda?
— Steve, tímido? – Virginia me fitou, sorrindo. – Isso só pode ser
uma piada.
Tomei o último gole de cerveja em meu copo e fiz contato visual com
a loira pela primeira vez.
— Olá, Virginia. Quanto tempo!
— Oi, meu gatinho californiano! – Ela tocou meu braço,
murmurando: — Senti saudades!
Olhei para sua mão e constatei que eu havia arranjado um enorme
problema para aquela tarde, graças ao imbecil do Mark. O garçom voltou
trazendo mais duas cervejas e agradeci mentalmente por isso. Virginia pediu
margaritas para ela e a amiga e uma longa conversa se iniciou nessa mesa.
Porra! A última coisa que eu queria hoje era flertar com alguém. Não
sei bem por qual motivo, mas desde que Romena morrera e eu me tornara o
tutor de Lux, evitava pensar em mulheres e sexo. Com exceção de minha
secretária. Por alguma razão, ela era uma exceção.
Confesso que tinha planejado algo diferente para aquela tarde: como
apenas bater um papo com Mark como velhos amigos que somos, enquanto
tomávamos uns bons goles de suco de cevada. Mas, agora, Virginia estava
em meu pescoço e eu sabia onde isso ia dar se eu continuasse ali, por isso me
levantei, deixei algumas notas de cem dólares em cima da mesa e me despedi.
— Como assim, você já vai, cara? – Mark exclamou.
— Eu vou com ele. – Virginia ia se levantando quando eu me
adiantei:
— Eu preciso ir. Sozinho.
Ela parou quando desferi a última parte, me olhando, e tornou a se
encostar na cadeira.
— Aproveitem o resto da tarde! Foi um prazer revê-la, Virginia.
Ela piscou os olhos desacreditada e depois os revirou, replicando:
— Já eu não posso dizer o mesmo, Steve. Bye. Bye.
Mark me olhou como se eu tivesse prestes a estragar sua foda com a
amiga de Virginia e eu apenas assenti, metendo o pé daquele lugar.
Antes de pegar meu carro, passei em uma cafeteria ali perto e tomei
uma dose de café e um refrigerante de cola para cortar o efeito de álcool em
meu organismo. Tentei ligar meu celular, mas percebi que ele havia
descarregado e que não havia muito o que se fazer em relação a isso. Depois
apenas segui para o meu apartamento, vendo através do para-brisa os
primeiros indícios no céu de que a tarde estava chegando ao fim.
Estacionei em minha vaga do prédio e subi pelo elevador social,
lembrando do rostinho de Lux. Uma das melhores coisas depois que ela se
mudou para cá era ser recepcionado por aquele sorrisinho de dois dentes
quando me via chegar. Nunca havia pensado que algo tão simples fosse me
injetar doses diárias de alegria e fazer me sentir menos sozinho.
As portas dos elevadores se abriram e o som da música que vinha de
algum lugar do apartamento tomou conta da cabine. Dei um passo à frente e
estranhei os gritos e risadas entrecortadas pela melodia dançante do que
parecia recender da sala.
Continuei andando e me deparei com aquilo que eu não esperava:
Susan dançando com Lux no braço, rodopiando ao som de Ed Sheeran.
Ela pulava para todos os cantos da sala seguindo o ritmo da música,
enquanto Lux gargalhava e soltava uns gritinhos eufóricos. Susan estava sem
sapatos, apenas de meia calça, dançando sem parar. E às vezes jogava o
corpinho de Lux para trás, abraçando-a, como se simulasse um passo mais
elaborado de dança. Lux ria tanto que levei o dorso da mão aos lábios e
abafei uma risada, observando aquela valsa moderna de Perfect:

Baby, eu
Estou dançando no escuro
Com você entre meus braços
Descalços na grama
Ouvindo nossa música favorita
Eu tenho fé no que vejo
Agora sei que conheci um anjo em pessoa
E ela está perfeita
Eu não mereço isso
Você está perfeita esta noite.

Elas iam de um lado para o outro, enquanto Bárbara estava sentada no


sofá mexendo em seu celular, descontraidamente. Movi meu corpo para a
frente quase ao final da música, o que chamou a atenção das garotas na sala
Bárbara se apressou em pegar o controle e desligou o som da tevê
rapidamente, como se estivessem fazendo algo de muito errado.
Já Lux não parava de rir, no colo daquela que me olhava fixamente
com as bochechas coradas.
Limpei a garganta antes de dizer, metendo as mãos nos bolsos:
— Podem continuar. Eu não quis atrapalhar.
Bárbara se levantou em um rompante e pegou Lux do colo de Susan.
— Eu pensei que o senhor fosse demorar...
— Eu ia. Mas acabei tendo um imprevisto e voltei mais cedo do que
esperado. – Eu respondi à Bárbara, sem tirar os olhos da ruiva paralisada no
meio da sala. – E você, srta. Evans? O que lhe traz aqui?
Assisti ela engolir em seco e recobrar algo na memória.
— O documento! – Ela exclamou, olhando para os lados e pegando
um envelope pardo em cima do sofá. – Eu preciso da sua assinatura. – Ela
veio até mim e me entregou o envelope, explicando apressadamente: — Eu
recebi uma ligação do setor financeiro requerendo esse documento para ser
entregue ainda hoje, mas como seu celular estava sem sinal, mandei uma
mensagem para sra. Johnson e ela me aconselhou a vir pessoalmente.
— Meu celular havia descarregado.
Tirei o papel do envelope, analisando a autorização de recursos para
atualização do software, enquanto ela me entregava uma caneta.
— Não está muito tarde para entregar isso ainda hoje? Faltam 20
minutos para o fim do expediente.
— Oh, me desculpe! Eu acho que foi erro meu. O requerente havia
comentado sobre a urgência e acabei não me atentando a isso...
— Não se preocupe, não estou criticando seu serviço. Eu acho que
pode deixar para entregar amanhã, sem problemas.
Pela cara que ela fez, parecia caso de vida ou morte. Com certeza,
deveria ser algum assistente idiota colocando pilha na novata.
— Não tem problema. Eu chego lá em dez minutos. – Ela replicou.
Naquele carro que ela tinha não chegaria lá nem em trinta minutos.
— Ok. Eu deixo você lá.
— Me deixar lá?
Sei que havia me comprometido em manter a distância entre nós,
porém, não achava que faria mal ajudá-la naquela situação.
— Não é preciso. Não quero incomodar.
Caminhei até o aparador, assinei o papel e depois devolvi o envelope
a ela.
— Apenas, vamos! – Virei-me para Lux, que já estava quietinha no
colo de Bárbara, e estalei um beijo em seu braço gorducho. – Volto já,
carequinha. – Ela agarrou meus cabelos, babando meu olho esquerdo.
— Steve, a Susan disse que pode ir sozinha... – Bárbara comentou,
enquanto deixei outro beijo na bochecha de Lux.
— Você pode cuidar das coisas por aqui, Bárbara? Prometo que não
vou demorar a voltar.
Ela demorou um pouco para responder, mas disse meio a contragosto:
— Claro.
— Ótimo! – Dei alguns passos para trás, chamando a ruiva inquieta
ao meu lado: – Vamos, srta. Evans.
— Ainda dá tempo de eu ir sozinha...
— Sem chance. Eu mesmo vou entregar esse documento na mão de
quem lhe pediu urgência.
Ela arregalou os olhos levemente e eu peguei o documento de sua
mão, abrindo um meio sorriso.
Capítulo 13

— Isso quer dizer que você não vai pegar o contrato hoje? – Perguntei
ao homem pálido de óculos de lentes grossas e suéter marrom, depois de
chegar a sala do setor financeiro.
Minutos antes, convenci Steve, com muito esforço, a deixar que eu
mesma entregasse aquele documento sozinha. Não me parecia nada
confortável ter que me esconder atrás do chefe para resolver minhas próprias
funções, porém, tinha que confessar que sua presença faria toda diferença
aqui ao meu lado.
— Como pode ver, todos já foram embora neste setor e eu até estou
fechando a sala.
— Foi você quem me ligou, certo? – Perguntei, mas sabia que era ele.
A voz irritante era inconfundível.
— Sim. E fiquei esperando tempo o bastante para você chegar com os
documentos, Susan. Infelizmente, você não chegou a tempo. – Ele falou com
um sorriso sádico nos lábios.
— Ainda faltam dois minutos para as seis. O setor não deveria estar
fechado. – Repliquei, tentando resolver aquela situação.
— O que são dois minutos, Susan? – Ele deu de ombros. – Até eu
abrir essa sala, escanear esse contrato e mandar para a autorização, já se
passariam um pouco mais de cinco minutos fora do meu horário.
Santa paciência! Esse só podia ter passado umas sete vezes na fila da
preguiça. A mão dele iria cair se passassem apenas cinco minutos a mais
para enviar a autorização que ele mesmo me pediu com urgência? E que tipo
de urgência era essa que se podia dispensar facilmente?
— Enfim, tchau, secretária do CEO! E até amanhã. – Ele sorriu para
mim e saiu caminhando pelo corredor ao lado.
Céus! Não acredito que eu vim aqui novamente para nada. Até
parecia implicância.
Olhei para o lado e observei ele se afastar pelo corredor, enquanto
suspirava pesadamente. Quando ele ia virar o canto do corredor, Steve
apareceu em sua frente, detendo seus passos.
— Senhor? O que faz aqui, chefe? Algum problema? – Ele perguntou
a Steve, que não estava com um olhar nada contente.
Steve ignorou suas perguntas e me olhou por cima do ombro do
homem.
— Susan, traga a autorização.
— Sim, senhor! – Não pensei muito, apenas corri para deixar o
envelope pardo em sua mão aberta que aguardava pelo documento.
Steve levantou o envelope no ar e desceu o olhar para o crachá do
homem em sua frente.
— Ted Sullivan, certo?
— Amanhã mesmo eu iria enviar a autorização, senhor. – Ele se
adiantou em dizer.
— A srta. Evans percorreu alguns quilômetros até a minha casa nesta
tarde apenas para recolher minha assinatura e entregar a tempo um
documento que foi requerido com urgência pelo setor financeiro. Sabe o que
estou pensando agora, Ted Sullivan?
— O que, senhor? – Ele indagou, rapidamente, quase roboticamente.
— Estou me perguntando por que não está em frente ao computador
escaneando essa autorização com a rapidez que uma urgência pede.
Ted engoliu em seco e não tentou rebater o que Steve dissera. Mas,
claro, se tivesse sido eu, ele já estaria me dando patadas com sua língua.
— Claro, senhor. Eu vou fazer isso agora. Não vai demorar nem dois
minutos. – Ele avisou, com um sorrisinho nos lábios, e pegou o envelope da
mão de Steve. – Eu já estou indo escanear. Boa noite, senhor. – Ele assentiu
para Steve enquanto recuava alguns passos e também me cumprimentou com
um sorriso um tanto forçado: — Boa noite!
Dali, assistimos ele adentrar a sala do setor financeiro e, em seguida,
respirei fundo, aliviada.
— Obrigada. – Disse ao seu lado.
— Não tem o que agradecer. A empresa é minha.
Refleti sobre isso e sorri.
— Tem razão. Então você deveria me agradecer?
Ele se virou para mim, se inclinando um pouco para responder.
— Seria um pouco demais para alguém que teimou comigo alguns
minutos atrás.
Desci o olhar para sua boca entreaberta e me lembrei da sensação de
como era estar a centímetros dela.
— Agora, eu tenho que ir. Até amanhã! – Gaguejei, saindo da sua
frente.
— Agora você me deixou curioso. – Suas palavras me pararam. —
Não deveríamos voltar ao meu apartamento para pegar o seu carro?
— Droga! Meu carro. Eu tinha esquecido. – Murmurei.
Sua boca me fez esquecer completamente desse detalhe.
— Você não vai rejeitar minha companhia novamente, não é? – Ele
perguntou, semicerrando os olhos, fazendo com que seu rosto ficasse ainda
mais sexy do que já era. Minha nossa, que homem lindo!
Meneei a cabeça, tentando me dispersar da minha total afeição por
sua beleza, e disse por fim:
— Não. Claro que não. Eu aceito a carona de volta. – Respondi e um
meio sorriso vitorioso se abriu em seus lábios.
Para alguém que estava evitando minha companhia, ele parecia estar
bem próximo agora.
Ele teria desistido? Oh, mesmo que fosse imprudente, algo dentro de mim
ansiava por um “sim, ele desistiu”.

Steve parou atrás do meu carro no estacionamento do seu prédio,


enquanto eu ensaiava mentalmente as palavras para me despedir dele. Havia
passado a viagem inteira inalando aquele perfume de homem másculo e
cuidadoso com o próprio corpo. Temia que pudesse sair alguma palavra
inadequada de minha boca e se agravasse ainda mais a tensão entre nós.
Ele desligou o carro e disparei, atropelando as palavras sem olhar em
seus olhos:
— Obrigada pela carona e por ter me acompanhado à empresa. Estou
indo, agora.
Ele demorou a responder, mas o fez, educadamente:
— Até amanhã, srta. Evans.
— Até amanhã, sr. Clifford.
Abri a porta do carona, olhando de relance seu rosto primoroso, pela
última vez, e saí dali direto para minha Dodge Caravan, sentindo meu
pulmão se ampliar quando adentrei o interior do meu veículo. Era como se a
adrenalina em meu corpo comemorasse mais um dia sem ser descoberta, mais
um dia resistindo àquilo que esquentava o sangue em minhas veias quando eu
estava perto dele.
Ok. Ok. Agora eu tenho que voltar para casa. – Pensei, tentando
afastar as sensações que invadiram meu corpo.
Tomei um pouco de fôlego e depois tirei minha chave da bolsa,
enfiando na ignição para dar partida. Rodei a chave e não obtive sucesso. O
motor só roncava por breves segundos e morria logo em seguida. Ai, droga!
Por mais que fosse comum isso acontecer, definitivamente não era algo
confortável ficar ali tentando fazer o carro funcionar.
Tentei algumas vezes e nada.
Parecia que hoje realmente meu carro tinha um sério problema.
Capítulo 14

Fiquei observando Susan entrar no carro verde-musgo estacionado em


uma vaga apertada, desejando quebrar a promessa que fiz a mim mesmo de
pôr uma distância entre nós. Eu nunca havia experimentado uma boca tão
gostosa como a daquela ruiva, ela me enlouquecia só de imaginar o que teria
acontecido naquela noite se ela tivesse cedido.
Susan entrou no carro e esperei ela dar partida, para que eu pudesse
estacionar em outro lugar. No entanto, isso não aconteceu.
Ela ficou ali estagnada por alguns minutos. Abaixei o vidro e ouvi seu
motor roncar e morrer repetidas vezes. Não esperei mais para saber que ela
estava com problemas com o carro e desci, andando em direção à porta do
motorista. Bati com os nós dos dedos contra o vidro ao lado.
Vi os olhos dela se arregalarem em surpresa e eu a chamei para fora
com o dedo indicador. Ela assentiu e abriu a porta, que rangeu
continuamente, provavelmente havia um parafuso folgado ali. Antes que ela
batesse a porta do carro, eu o fiz, espalmando minha mão na superfície
metálica de pintura antiga e atravessando meu braço na lateral de seu corpo,
nos deixando mais perto um do outro.
— Problemas aí? – Perguntei olhando para o lado, fingindo
desinteresse na voz. Mas, na verdade, eu me sentia completamente
interessado, saboreando o calor do seu corpo perto do meu.
— Não. – Ela disse firme, engolindo em seco. – Tudo sob controle.
Às vezes ele demora um pouco para pegar de primeira. — Ela explicou.
— Posso dar uma olhada no motor?
Ela analisou minha proposta por alguns segundos, mas não se opôs:
— Claro.
Aproximei nossas bocas, como se sua pele me atraísse, e aquiesci:
— Ótimo. – Armazenei um pouco daquele cheiro de rosas em meu
pulmão e depois segui em direção à frente do carro.
Susan entrou novamente no carro para liberar a trava e logo após subi
o capô, analisando as peças.
Não demorou muito para eu achar o bendito problema.
— Tão previsível! – Murmurei, enquanto Susan voltava para o meu
lado.
— É a bateria, não é? – Ela comentou, envergonhada. – Ultimamente,
não tenho tido dinheiro para trocar as peças.
Levantei-me, dizendo:
— Não é a bateria. São os cabos de velas. – Apontei para o lado
esquerdo do motor e expliquei: — Olhe com atenção, eles estão totalmente
desgastados. Precisa trocar.
— Quer dizer que ele não vai dar partida hoje?
— É provável que não. Parece um problema que vem se arrastando
por um longo tempo.
— Ai, meu Deus! E como é que vou chegar em casa? – Ela
murmurou.
— Não se preocupe, eu deixo você em casa. – Ofereci-me.
— NÃO! – Ela quase gritou. Meti as mãos nos bolsos novamente,
fitando-a com curiosidade. – Quer dizer, não quero incomodar.
— Não será nenhum incômodo. E não se preocupe com seu carro,
hoje mesmo ligarei para um mecânico conhecido. Amanhã ele estará em
perfeito estado.
— Você sabe, por acaso, quanto isso vai dar? É que estou sem
dinheiro.
— Não se preocupe, sairá por minha conta. – Analisei ela mais um
pouco, pensando em sua condição financeira, e completei: — Também me
encarregarei de adiantarem seu salário.
— Está falando sério? – Ela indagou, com os olhos brilhando. –
Muito obrigada!
— Só vou adiantar o que é seu por direito, não agradeça.
— Bem que a senhora Johnson disse que eu iria gostar de trabalhar
com você.
— Ela disse isso?
— Com todas as letras. – Ela respondeu, empolgada. Pareceu que a
notícia do adiantamento lhe deu uma injeção de ânimo.
Virei-me totalmente para ela e perguntei:
— E você está gostando?
Suas expressões faciais se enrijeceram um pouco com minha
pergunta.
— Do quê?
— De trabalhar comigo?
Foi inevitável: no momento em que ela repuxou o lábio inferior com
os dentes, me vi hipnotizado por sua boca.
— Seria mais fácil se estivéssemos trabalhando de perto. – Ela
confessou, sem hesitar.
Olhei para o lado, tentando pensar em uma alternativa, mas, quer
saber? Que se foda essa distância entre nós.
Tornei a fitar seus olhos e disse, decididamente:
— Então não se preocupe, srta. Evans. A partir de hoje me manterei o
mais perto possível.
Não tinha paciência com dramas e sentia que era exatamente isso o
que eu estava fazendo: um completo drama. Eu era um homem que sabia
guardar o pau dentro das calças, não tinha para que eu ficar tentando afastar
minha secretária. Isso também não significava que eu não estava mais atraído
por ela, apenas decidi agir com calma para que minhas vontades libidinosas
não a prejudicassem em seu trabalho e deixar as coisas rolarem naturalmente.
Capítulo 15

Meu coração batia mais forte enquanto passávamos pelas esquinas do


meu bairro. Ai, meu Deus! Não deixe que Steve veja alguém me chamar de
Julie. Ou pior, que minha mãe ou vovô Charlie apareçam.
— Pare aqui. – Eu meio que ordenei, quando ainda estávamos no
começo da minha rua.
Ele estacionou quase rente à calçada, olhando para o sobrado ao lado.
— Essa é sua casa?
— Minha casa? Não, não. A minha fica mais para o final da rua. É
aquela de parede rosa lá embaixo.
Ele pareceu avistar minha casa e comentou, se preparando para fazer
uma manobra de saída:
— Sendo assim, acho melhor eu parar na frente.
— NÃO! – Eu gritei, exasperada, mais uma vez.
Ele me olhou confuso e eu inventei qualquer coisa:
— Eu... Eu... não quero que meus vizinhos me vejam chegando
acompanhada à noite.
— Há algum problema nisso?
— Sabe como são os vizinhos, sempre adoram fofocar sobre a vida
alheia. — Sorri, nervosamente.
Ele pensou por um momento, porém, não replicou.
— Ok, srta. Evans. Então a única coisa que posso dizer é boa noite.
Inspirei fundo, relaxando os ombros e olhando bem o seu rosto.
— Até amanhã, sr. Clifford. – Disse sustentando o olhar para ele e
puxando a trava ao meu lado.
No entanto, a porta parecia estar com problemas, pois não abria de
jeito nenhum. Ou talvez fosse eu que estivesse desconcentrada e errando
alguma coisa. Sorri e olhei para minha mão, tentando ver o que eu estava
fazendo de errado, mas não encontrei nada fora do comum. Eu já havia
aberto essa porta antes, por que de repente ela não abre?
Olhei por cima do ombro e vi Steve destravando o cinto ao lado e
vindo em minha direção. O mundo pareceu congelar ao meu redor e tudo se
resumiu a ele vindo em câmera lenta para cima de mim. Oh, céus, até parecia
que estava vindo me beijar. Beije-me, Steve. Beije-me. – Meu subconsciente
rogava, destemidamente.
Tudo voltou ao normal quando ele espalmou a mão na superfície ao
meu lado e a empurrou para cima, me lembrando que a única coisa que eu
precisava fazer era empurrar a porta. Nesse momento, me senti estupidamente
tola.
— Agora, sim, a senhorita pode ir. – Ele disse voltando para o seu
assento, enquanto minhas bochechas ardiam de vergonha.
— Obrigada. – Minha voz saiu fina. – Boa noite! – Disse por fim,
quase me jogando para fora daquele carro e batendo a porta com extremo
cuidado. Ele ficou ali, parado, enquanto me pus a caminhar para o final da
rua, me perguntando o que fiz de ruim em meu passando para passar tanta
vergonha depois de adulta. Oh, eu só posso ter grudado chiclete na cruz para
acontecer essas coisas comigo!
Enquanto dava aquelas passadas pela minha rua, ouvi uns dos
meninos que jogavam futebol por ali dizer em alto e bom som:
— Ei, tia Julie!
Encolhi os ombros e ralhei, baixinho, olhando por cima do ombro,
verificando se Steve ainda estava ali.
— Shii... Não era para vocês já estarem dentro de casa?
Ele ainda estava ali, me acompanhando com o olhar. Será que dava
para me ouvir do carro?
— A mamãe deixou que ficássemos mais um pouco, tia Julie! Que
carrão esse do seu amigo, hein tia Julie.
— Não me chame de tia Julie. – Resmunguei, baixinho.
— Por que, não, tia Julie? – O outro menino de cabelos castanhos
perguntou.
Apertei os olhos, inspirei fundo e disse:
— Esqueça. Boa noite, meninos.
Era pouco provável que Steve tivesse ouvido aquela conversa. O
vidro com certeza abafou qualquer som que viesse de fora, então resolvi me
tranquilizar e seguir meu caminho.
Quando parei em minha porta, olhei para trás pela última vez, vendo
os faróis da Ferrari se acenderem novamente, e senti o estranho
pressentimento de que aquela carona teria sido arriscada demais.
Mas, naquele momento, não me importei tanto. Eu só queria tomar
uma ducha e relaxar em minha cama.
No instante em que eu estava prestes a entrar em minha casa, uma das
crianças gritou bem alto:
— BOA NOITE, TIA JULIIIIIIIIIIIIIE!
Empurrei a porta com tudo e pulei pra dentro de casa, fingindo que
não era comigo. Ah, Deus! Esses meninos só podem estar brincando com
minha cara.

No dia seguinte
Acordei exatamente às seis horas, mais disposta do que o normal. Isso
porque acabei abrindo minha conta bancária pela manhã, assim que despertei,
e encontrei os gloriosos cinco mil dólares de adiantamento. Ele cumpriu
mesmo o que dissera na noite passada, só não imaginava que aquele dinheiro
iria cair tão rápido em minha conta. Tive que acordar Susan para ela ver
aquilo também.
Isso significava que daria para pagar uma boa parte do aluguel e
estaríamos fora de risco de sermos despejados ao final do mês. Eu estava tão
feliz, que minha mãe começou a estranhar toda aquela emoção no café da
manhã. No entanto, desviei de suas perguntas de início, pois ainda precisava
inventar alguma desculpa convincente para avisá-la que estaria pagando as
parcelas atrasadas do aluguel.
— Julie, você sabe onde está meu tênis de caminhada? – Vovô
Charlie perguntou, adentrando a cozinha logo cedo.
Faltavam alguns minutos para eu sair para trabalhar e, como eu já
estava arrumada, resolvi ter um pouco mais de tempo conversando com
minha família, antes de solicitar um motorista por aplicativo.
— Eu o vi na janela da dispensa, vô. – Respondi.
— Ah, claro! Eu havia me esquecido. Obrigado, querida.
Ele deu a meia volta na cozinha e pareceu ir à dispensa, ao passo que
minha mãe insistia com uma xícara de café na mão:
— Estava aqui pensando, o motivo dessa alegria toda... – Ela arqueou
uma sobrancelha e perguntou, rapidamente: — Não seria um namorado que
está nos escondendo?
Quase engasguei com sua pergunta enquanto Susan dizia:
— Um namorado, mãe? Julie? É claro que não, mamãe. Ela só está
trabalhando muito nesse emprego de telemarketing e ganhando um bom
dinheiro para nos desatolar das dívidas.
— Oras! E se sua irmã não poderia estar amando e ganhando
dinheiro?
— É muita sorte para uma pessoa só! – Susan exclamou.
— Mas ela ainda não me respondeu. – Minha mãe tornou a me olhar
com ternura e insistiu: — Você está namorando, não é querida?
O quê? É sério isso, mãe?
— Não, mãe.... – Comecei a negar quando fui salva pelo som da
campainha.
Ding dong!
Minha mãe franziu o cenho, confusa.
— Quem é, Susan?
Susan deu de ombros e respondeu:
— Eu é que sei?
— Eu vou lá atender. – Eu disse, me levantando, meio que feliz por
fugir das perguntas de minha mãe.
Deixei a cozinha, atravessando a casa. Quando coloquei minha mão
na maçaneta e abri a porta, senti que o mundo parou e balbuciei,
pausadamente: — Santo Deus!
O homem de cabelos castanhos e de boa condição física retirou os
óculos e tive certeza de meu queixo caiu enquanto eu estava petrificada.
Steve Clifford estava em minha porta, me encarando
despretensiosamente.
— Bom dia, srta. Evans!
Sua voz chegou baixa em meus ouvidos. Não que ele estivesse
falando baixo, mas porque eu só conseguia ouvir meus próprios pensamentos
em desespero.
Alguns segundos se passaram e ele perguntou:
— Não vai me convidar para entrar?
Se minha vida fosse uma novela, com certeza esse era o momento em
que os comerciais entrariam em cena. Mas infelizmente isso aqui não era uma
ficção, tão pouco um sonho. Apenas tinha que aceitar que agora eu estava
terrivelmente encurralada.
Capítulo 16

— O que-que você está fazendo aqui? – Gaguejei, dando um passo à


frente.
Esperei que ele recuasse um pouco para trás, mas ele não o fez.
Permaneceu com os pés bem firmes no lugar em que estava, igual uma
estátua.
— Eu vim buscar você. Já que está sem carro e não avisei com
antecedência meus compromissos de hoje, decidi pegar a senhorita. Espero
que não se importe.
— Eu? Me importar? Imagina!
Comecei a sorrir, nervosamente.
— Então, não vai me convidar para entrar?
— Entrar? – Repeti e tive quase certeza que meu lábio tremeu nesse
instante. – Que tal deixarmos para uma próxima? Eu até estou pronta para
trabalhar. Veja só. – Sorri, me colocando ao seu lado e cruzando nossos
braços, de forma com que eu pudesse conduzi-lo para longe da porta da
minha casa.
— Querida, por que está demorando? Quem é? – Mamãe apareceu na
sala, nos flagrando ali.
O olhar da minha mãe se esgueirou para o homem ao meu lado e
deslizou para os nossos braços cruzados. O suficiente para fazer ela suspirar.
— Ah, minha filha! Eu sabia!
— Sabia o quê, mamãe? – Perguntei, assustada.
— Que você estava namorando. – Ela levou as duas mãos à boca,
emocionada, com os olhos reluzindo de orgulho. E eu quis cair dura para trás
ali mesmo.
Olhei para o lado e flagrei meu chefe sorrindo daquela situação.
Ai, meu Deus. Tenha piedade de mim. Parece que a cada dia que
passa essa mentira fica ainda mais perigosa.
Susan apareceu ao lado da minha mãe e olhou imediatamente para o
cara ao meu lado. Ela fez uma careta e balbuciou para mim:
— É ele? Steve Clifford?
Meneei a cabeça em positiva, apavorada.
— Entre, querido. Eu vou lhe servir uma xícara de café – disse minha
mãe.
Steve, por sua vez, deu alguns tapinhas em minhas mãos, sorrindo, e
deu um passo para frente, me obrigando a acompanhá-lo para dentro da
minha casa.
— Obrigada, senhora Evans.
Ele se desvencilhou do meu braço e saiu na frente, ao lado da minha
mãe, aos risos.
— Puta merda! É ele mesmo? O CEO? – Susan perguntou quando me
coloquei ao seu lado, enquanto eu puxava meus cabelos.
— Sim. Acabou! Ele vai descobrir agora que não sou a verdadeira
Susan. Estamos ferradas.
— Não no que depender de mim. – Susan disse, andando em direção à
cozinha também.
— Espera aí! O que você vai fazer? – Perguntei, em seu encalço,
pensando na possibilidade de ela deixar as coisas ainda piores. Se é que isso
era possível.
— Não diga nada, apenas aja naturalmente.
— Como assim naturalmente?
Chegamos à cozinha e fiz o que Susan me pediu, com um balançar de
cabeça: me sentei na cadeira ao lado de Steve, que agradecia os elogios de
minha mãe.
— Você gosta de café com ou sem açúcar, Steve? – Mamãe
perguntou ao meu chefe, já até conhecendo seu nome.
— Com açúcar, por favor.
— Isso é um ótimo sinal. Parece-me uma boa pessoa para minha filha. –
Minha mãe avaliou a preferência dela em relação ao café. Segundo ela, as
pessoas que tomavam café sem açúcar tinham uma enorme tendência a serem
frias e calculistas, o que a fazia lembrar do papai, que praticamente nos
abandonou quando se casou de novo. Ela entregou uma xícara generosa de
café para ele e continuou: – Que coincidência! Acredita que eu estava
sentindo que a Julie estava namorando. Ela ultimamente tem andado atolada
nesse emprego de telemarketing.
Os olhos de Steve se voltaram para mim, quase automaticamente.
— Telemarketing? – Ele indagou. – Você tem outro emprego?
Graças a Deus, ele nem se tocou do meu verdadeiro nome saindo da
boca da minha mãe.
— Como assim outro emprego? – Mamãe questionou, confusa.
Olhei de relance para Susan e pigarrei. Tornei a fitá-lo e disse,
baixinho:
— Eu posso explicar mais tarde.
Ele me olhou, seriamente, mas assentiu.
Naquele momento, aproveitei para esclarecer à minha mãe:
— Oh, mãe. Steve e eu não somos namorados... Ele é apenas um
amigo.
Steve abaixou a cabeça, como se tivesse sido golpeado com a palavra
“amigo”.
— Ah, isso é por enquanto. É notável que vocês têm alguma coisa.
Vocês parecem muito bonitos juntos, filha.
— Mãe! – Resmunguei, enrubescendo.
— Qualquer um poderia ver isso.
— Obrigado, sra. Evans. – Steve agradeceu ao meu lado, bebendo
uma boa quantidade do líquido quente em sua xícara. – Aliás, esse café está
muito bom.
— Ah, é só um café comum, querido. – Ela disse, envergonhada.
— Mesmo assim, está muito saboroso.
— Obrigada! – Mamãe afastou uma mecha de cabelo para trás da
orelha, se derretendo com os elogios do meu chefe. — Você mora nesse
bairro?
— Não, moro um pouco mais perto do centro.
Ela puxou a cadeira e se sentou:
— Parece novo, e trabalhador. – Ela analisou. — O que faz da vida,
Steve?
Ele me olhou, como se pedisse minha autorização, e minha mãe
continuou:
— Não precisa ter vergonha do que faz, filho. Todo trabalho é digno.
Às vezes não temos opção e fazemos o que tem ali para nós. Aliás, esse
relógio em seu pulso parece uma boa imitação. Onde é que vende?
Steve olhou para o relógio, sorrindo:
— A senhora acha que ele é falso?
— Sem sombra de dúvidas. Mas parece que eles capricharam na
cópia. Suas roupas são também bem bonitas. E também tem uma ótima
condição física – ela continuava estudando em voz alta, fazendo Susan se
revirar em seu canto. – Será que você não é um segurança? Se bem que, com
esse rosto, você poderia conseguir vários bicos como modelo. Você é
realmente muito bonito, Steve.
— Definitivamente, estou lisonjeado por achar que sou um segurança,
sra. Evans. – Ele soltou um sorriso, simpático. — Mas eu sou um empresário
do ramo de desenvolvimento de softwares.
— Que chique! Empresário? E ainda por cima de tecnologia? Ah, que
maravilha! – Mamãe conversava, entusiasmada, como a boa falante que era. –
Onde que fica sua assistência? Eu tenho um computador aqui em casa que
não funciona há uns dois anos. Será que poderia dar uma olhada?
Agora Steve sorriu, desconcertado.
— Bem, como posso explicar? Eu não presto assistência técnica. Eu
tenho uma empresa de desenvolvimento e gerenciamento de aplicativos. Mas
posso pedir para uns dos meus técnicos ver o problema em seu computador.
— Ele é como se fosse o dono do Facebook, mamãe, só que o seu
negócio envolve carros por aplicativo. – Susan interferiu na conversa,
suspirando.
— Como se fosse o dono do Facebook? Então é como você se fosse
um magnata? – ela perguntou, assustada.
— Magnata é um termo tão antigo, mamãe.
Minha mãe pareceu ignorar os comentários de Susan e prosseguiu
com suas perguntas:
— Então esse rolex em seu pulso é de verdade mesmo, quer dizer,
original?
Steve voltou a sorrir com leveza, olhando para mim e respondendo à
pergunta de minha mãe:
— Pelo menos foi o que me disseram na loja. – Ele confirmou,
educadamente.
Minha mãe ficou em silêncio por um instante.
Susan se desencostou da parede do outro lado da cozinha, parecendo
ouvir algo:
— Vocês estão escutando isso?
— Isso o quê? – Mamãe indagou.
Ouvi também os gritos distantes e instantaneamente encarei Susan e
dissemos quase no mesmo segundo:
— O vovô Charlie!
Levantei-me em um rompante, correndo para a sala, com Susan me
acompanhando, e tive a impressão de que Steve e minha mãe vieram logo
atrás.
— Está vindo do banheiro. – Eu disse, seguindo pelo corredor ao
lado, de onde parecia vir os pedidos de socorro, que começavam a ficar mais
nítidos:
— Meninas, estou preso! Socorrooo.
Apressei os passos e cheguei à porta, tentando abri-la, mas parecia
emperrada.
— VÔ?
— Graças a Deus, minha filha. Por favor, não estou conseguindo abrir
a porta de forma alguma. Eu entrei par usar o banheiro e acabei ficando
trancado.
— Eu sabia que isso ainda iria acontecer. A tranca dessa porta já
estava dando sinais a tempos. – Susan reclamou.
— Vô, vamos tentar juntos. – Eu disse em uma oitava mais alta,
olhando momentaneamente para Steve, que observava tudo de perto, ao lado
da minha mãe, que parecia apreensiva.
— Tudo bem, filha! Vamos tentar. – Ele concordou.
— No três. – Avisei. — Um, dois, três.
Girei toda a maçaneta e empurrei meu braço na superfície de madeira
imbuia, colocando toda minha força. Mas foi inútil. A porta não se moveu
nem um centímetro.
— Droga! – Praguejei, desistindo.
— PAI, MAS ESTÁ TUDO BEM AÍ? – Agora era vez da minha mãe
perguntar. – SERÁ QUE O SENHOR NÃO AGUENTA ALGUNS
MINUTOS ATÉ TRAZERMOS O CHAVEIRO.
— Pelo visto, vai ser o jeito. Mas chamem logo, que estou suando em
bicas.
— O senhor está precisando de sua bombinha, vô? – Questionei,
preocupada, devido a sua asma.
— Ainda não, querida! Mas estou com muito calor.
— Desculpe-me a intromissão, mas seu avô é asmático? – Steve
perguntou.
— Sim. Eu preciso chamar o chaveiro logo. – Confirmei, me
preparando para procurar alguém no bairro que trabalhava com isso.
— Desculpem-me, novamente, mas seu avô tem que ser tirado daí
imediatamente. Se ele já está com calor, significa que logo, logo ele
começará a sentir falta de ar. Eu sei disso, pois convivi com minha irmã, que
tinha asma.
— E o que nos sugere? – Susan perguntou.
Ele alternou o olhar para Susan e disse:
— Que arrombemos a porta. – Ele explicou com tamanha
simplicidade. – Posso tentar?
Olhei para Susan, preocupada com a porta que seria danificada, e ele
pareceu ler meus pensamentos.
— Não se preocupe com a porta. Tenho um amigo marceneiro que
pode resolver isso depois.
— Sendo assim, leve essa porta abaixo! – Susan exclamou e mamãe
vibrou.
— SENHOR, EU PRECISO QUE SE MANTENHA O MAIS
LONGE POSSÍVEL DA PORTA. – Steve tomou a frente.
— E quem é você?
— Sou Steve Clifford, amigo da sua neta, Susan.
— Prazer, Steve. Me chamo Charlie Evans.
— Susan? – Mamãe indagou.
— É que ele gosta de chamar a Julie assim, mamãe. – Susan
murmurou para minha mãe.
— Mas esse é seu nome. Que estranho.
Minha mãe não era boba e, se não déssemos logo uma explicação
plausível a ela, provavelmente iria ficar perguntando até descobrir a verdade.
— Depois explicamos tudo, mãe. – Sussurrei e ela finalmente pareceu
assentir com a cabeça. Me senti horrível por pensar que estava enganando
pessoas e alimentando uma enorme rede de mentiras sem fim.
— PRONTO, SR. EVANS? – Steve perguntou, recuando alguns
passos.
— COLOCA PRA QUEBRAR! – Vovô berrou de volta.
— IHULLL! – Susan reproduziu o som de um relincho,
animadamente. Como ela conseguia ficar tão despreocupada enquanto
estávamos a fio de sermos descobertas?
Steve se concentrou por um instante e deu dois chutes absurdamente
fortes na superfície de madeira, que me fizeram encolher no canto, assustada
com os sons estridentes. O terceiro chute foi capaz de escancarar a porta,
libertando uma nuvem de calor, que chegou esquentando meu rosto.
O vovô saiu sorrindo do banheiro e cumprimentou o homem que
ofegava levemente e sorria.
— Bom trabalho, caro Steve. Prazer. Charlie Evans.
— Muito prazer, senhor. – Steve apertou a mão do meu avô, que lhe
retribuiu o sorriso.
— Ai, que maravilha! Isso merece mais uma xícara de café. – Mamãe
deu a ideia.
— Só tem café nesta casa? – Susan perguntou.
— Eu gostaria muito de ficar, mas tenho um compromisso agora. –
Steve pigarreou, se virando para mim e perguntou: — Eu posso deixá-la em
seu trabalho de telemarketing, Susan. Vamos?
— Sim, claro.
— Susan? – Vovô, questionou.
E a verdadeira Susan disse baixinho em meu ouvido:
— Apenas vá, que eu cuido da mamãe e do vovô. Vai dar tudo certo.
Aquiesci discretamente e fui até o vovô, para deixar dois beijos em
suas bochechas, me despedindo em seguida. Steve fez o mesmo com um
acenar de mão e depois seguimos para o seu carro estacionado em frente à
minha casa.
— Eu fiquei muito confuso. Por que não disse para sua família que
trabalha em minha empresa? – a pergunta me foi direcionada quando
estávamos sozinhos, no interior de seu automóvel, fora de alcance dos
ouvidos de meus parentes.
— Porque...
Pensei em algo que pudesse convencê-lo e tive que mentir, mais uma
vez.
— É que eu prometi a minha família que nunca mais trabalharia em
escritórios.
— Por quê? – ele inquiriu, confuso.
— Porque a última vez eu... Eu... – disparei sem pensar muito. – Eu
me apaixonei pelo meu chefe do almoxarifado e sofri feito uma condenada
quando ele me demitiu.
Merda! Que merda eu fiz? Essa era uma péssima mentira.
Observei ele engolir em seco, folgando a gravata em seu pescoço.
— Isso quer dizer que ele a rejeitou? – Murmurou: — Que tipo de
homem dispensaria uma mulher feito você?
Para completar, continuei explicando nervosamente:
— Eu fiquei chorando por dias e minha mãe disse que isso era tudo
culpa dos homens bonitos que trabalham nesses escritórios muito importantes
e me fez prometer que eu nunca mais colocaria os pés em ambientes assim.
— Ele é bonito? – Ele virou o rosto para perguntar.
— Uhum. – Assenti.
Ele olhou para o lado, pensativo, e voltou a questionar:
— Mais bonito do que eu? — Ele brincou.
— Um pouquinho mais. – Disse, demonstrando com minha mão
direita o cálculo de uma pequena diferença imaginária entre o espaço dos
meus dedos. Tive a impressão que ele bufou, inconformado, e ligou o carro
logo após.
— O que foi? Parece chateado.
Ele deu a ré para fazer a volta e me respondeu, inexpressível:
— Nada.
— Qual é? Pode me dizer.
— Daqui a algumas horas, teremos que estar no set de um comercial
da Clifford. – Ele disse, mudando de assunto drasticamente, e eu apenas
resolvi respeitá-lo e não insistir em fazê-lo me contar sobre sua mudança
repentina de humor. Será que ele está desconfiando de algo?
Capítulo 17

Fala sério! Mais bonito do que eu? O que será que esse bastardo tem
que eu não tenho? E, ainda por cima, ela dava moral para ele? Oh, por que,
de repente, eu me sentia tão competitivo em relação ao passado de Susan?
Era claro que ela havia se apaixonado por outros homens, porém, de
alguma maneira, senti que não estava preparado para saber disso. Ela parecia
tão delicada, sensível e perfeita, que nem me passou pela cabeça que um dia
ela foi rejeitada por um homem. A verdade era que, como o cara vivido que
sou, não imaginava que existisse um homem que fosse digno de tocá-la,
muito menos de quebrar seu coração.
Sua mãe tinha razão, ela deveria ficar bem longe desse infeliz.
Enquanto eu dirigia em silêncio por uma São Francisco a todo vapor
quase em plena nove horas da manhã, resolvi passar em Fisherman's Wharf
antes de partimos para o set de filmagens. Quase ia esquecendo que,
exatamente hoje, fazia três meses que Romena havia partido e, como eu
fizera nos dois últimos meses, decidi fazer uma visita a sua antiga casa.
Estranhamente, eu sentia mais sua presença ali do que em qualquer outro
lugar, até mesmo mais do que em seu túmulo. Talvez sua essência estivesse
impregnada naquelas paredes e cômodos e minhas lembranças se aflorassem
ainda mais em cada coisa que eu tocava naquela casa.
— Chegamos? É nessa casa em que fica o set? – Susan falou pela
primeira vez desde que saímos do seu bairro, ao pararmos em frente ao
jardim da residência de cores beges.
— Ainda não chegamos. Eu preciso que fique no carro por alguns
minutos.
— Por quê? De quem é essa casa? – Ela perguntou, olhando curiosa
pelo para-brisa.
— De minha falecida irmã. – Respondi e ela pareceu encolher os
ombros.
— Eu espero o tempo que precisar. – Ela disse, com um tom mais
cuidadoso do que o normal.
Fitei seus olhos e agradeci:
— Obrigado.
Saí do carro e caminhei em passos largos até a escada de
pouquíssimos degraus, que levava à porta de entrada, sentindo meus pés
afundarem no chão. Pesquei o chaveiro em meu bolso e encontrei sua chave
entre as minhas do escritório. Tão logo, eu estava girando a maçaneta e
adentrando aquele lugar em silêncio absoluto.
Tranquilamente, andei até a sala e saí tocando a superfície de cada
móvel por ali. Quando cheguei ao sofá, deslizei a mão pelo estofado, que já
possuía uma fina camada de poeira, lembrando o dia que ela me contou sobre
sua gravidez e como ela estava feliz em descobrir que teria um filho. Naquela
época, não imaginávamos que o desgraçado do Lamar tinha uma vida dupla,
tampouco que Romena daria à luz a uma criança tão linda como Lux. Deus!
Eu daria tudo para reviver aquele dia outra vez.
Olhei para cima, sentindo meus olhos arderem. Droga! Eu odeio
chorar. Dei alguns passos até a janela e fiquei alguns segundos ali, me
recompondo.
Para minha surpresa, ouvi alguém entrar também naquela sala.
Desconfiei de quem seria, mas tive que olhar por cima do ombro para
confirmar e encontrei a ruiva parada na soleira da porta. Tornei a virar o rosto
para a frente e ela comentou:
— Estava muito quente dentro do carro.
— Tudo bem.
Escutei seus passos se aproximando e senti a calor do seu corpo parar
ao meu lado.
— Ela faz muita falta, não é?
Endureci o olhar e respondi com toda a verdade dentro de mim:
— Tanta que chega a doer.
Um silêncio ensurdecedor se fez entre nós mais uma vez.
— Sabe, quando meus pais me deixaram sozinho com Romena, eu
nunca me senti solitário. – Um sorriso mecânico se abriu em meus lábios e eu
não sabia muito bem por que eu estava desabafando. Apenas me veio a
vontade de dizer aquelas palavras. — Na verdade, a solidão não faz muito
parte de mim. No entanto, depois que ela morreu... – um nó se formou em
minha garganta – eu tenho me sentido tão sozinho. – Passei a língua entre os
lábios, segurando a porra das lágrimas. Chorar na frente dela não era algo que
eu queria, então tratei de me manter firme, olhando para a rua à minha frente.
Susan, por sua vez, continuava sendo paciente em me ouvir. Quando
ela pareceu perceber que nada mais iria sair de minha boca, seus braços
envolveram o meu corpo pela lateral e ela beijou o topo do meu braço.
— Você não está sozinho. – Ela sussurrou. – Você tem a Lux, a
senhora Johnson... e a mim se quiser minha amizade.
Ele me segurou tão forte, que de alguma maneira senti todos os meus
músculos se ampliarem, relaxando, encontrando em seu abraço uma sensação
de descanso. Como se eu estivesse, nos últimos três meses, carregando dez
quilos nas costas e tentando ser o melhor tutor para Lux, e não tivesse
ninguém para afagar minha ferida ainda aberta.
Levantei meu braço, passando-o em suas costas e a trazendo para
mais perto de mim, rompendo todas as barreiras de nossa relação profissional
para senti-la com todo o meu corpo e alma. Ficamos assim por alguns
minutos, o suficiente para seu calor aliviar a dor do luto em mim.
Capítulo 18

Depois de partirmos da casa em Fisherman's Wharf, Steve parou o


carro em um estacionamento ao lado de um prédio de poucos andares. Agora
sim parecíamos ter chegado ao set.
Olhei para o lado, enquanto ele destravava o cinto de segurança.
Apesar do silêncio lhe conferir uma expressão mais séria, suas feições
pareciam mais relaxadas comparadas a quando o encontrei na sala da casa de
sua falecida irmã.
Vê-lo quase chorar deixou meu coração do tamanho de uma ervilha,
apesar de ele parecer ter resistido bravamente em não derramar lágrimas em
minha presença. Quando escutei seu desabafo, foi impossível resistir à
vontade de abraçá-lo. Não me importei com o que ele pensaria de mim
depois, apenas queria desesperadamente fazê-lo não se sentir sozinho.
Acompanhei Steve até o segundo andar, onde já aconteciam as
gravações. Fomos recebidos pela equipe de filmagens e conduzidos para as
cadeiras dobráveis na lateral do estúdio, junto ao diretor, que explicava
detalhadamente o roteiro do comercial. Como eu havia esquecido meu bloco
de notas, devido à pressa com que saí de casa, anotei as datas de lançamento
e algumas informações importantes no celular, para depois repassar para o
computador.
Quando as lâmpadas periféricas foram desligadas e apenas a luz no
centro do estúdio recendia, senti os dedos longínquos pousarem sobre minha
coxa direita e acariciarem ali. Desci o olhar para sua mão e depois fitei seus
olhos, que estavam sérios, endurecidos, a uma curta distância entre nossas
cadeiras. Puxei o ar com força e continuei o encarando, talvez com a boca
entreaberta. O que deu nele? Por que está me olhando dessa forma tão de
repente?
Quando as gravações deram início, ele fez um círculo com a ponta do
dedo sobre tecido de minha saia e usou toda a palma da mão para apertar
minha coxa. Depois virou o rosto para assistir à gravação, como se nada
tivesse acontecido. Só então percebi que meus olhos estavam há muito tempo
sem piscar e que eu mal respirava. Ofeguei, ridiculamente.
Fiz um esforço e voltei minha atenção para os atores em frente ao
carro popular e ao enorme telão de cor verde quase neon, no entanto, era
quase impossível me concentrar no que eles diziam enquanto meu corpo
parecia estar dentro de um campo magnético lascivo entre ele e eu.
As horas pareciam se arrastar como um verdadeiro tormento e, apenas
quando as luzes se acenderam, pudemos sair para almoçar em um restaurante
ali perto. O diretor nos convidou para almoçar com a equipe de direção, mas
Steve recusou educadamente. Algo me dizia que ele queria um momento
comigo e isso me deixou um pouco mais ansiosa do que o normal.
Desde que saí de minha casa, vinha me perguntando se ele desconfiou
de algo, pois, mesmo após o momento íntimo que compartilhamos mais cedo,
ele ainda continuava calado e impassível. Porém, não parecia mais papável
essa possibilidade depois de sua mão acariciar minha coxa no set de
filmagens. Ou essa possibilidade ainda teria chances?
Minha cabeça já não aguentava todas essas perguntas.
Quando esperávamos os medalhões de carne, os chamados Grillades,
eu bebi soda enquanto Steve se hidratou com água do outro lado da mesa. Por
sorte, pudemos nos sentar em uma das mesas ao lado das janelas, cuja
ventilação parecia ser a mais privilegiada de todo o restaurante, pois dava
acesso ao jardim que circundava o restaurante. Caso contrário, eu estaria
derretendo devido ao calor que fazia em São Francisco, ainda mais com
aqueles olhos sobre mim constantemente.
— Quanto você gostava dele? – A pergunta surgiu meio avulsa entre
nós.
— Dele quem?
— Do seu ex-chefe? – Ele insistiu, inexpressível.
Droga! De novo essa mentira. Eu já não aguentava mais. Porém,
apenas engoli em seco e respondi:
— Bastante.
Ele tomou mais um gole de água e depois se inclinou para a frente, de
forma que ficássemos mais próximos. Ele apoiou os antebraços sobre a mesa,
deixando naturalmente seus ombros encurvados, mas, ainda assim, sua
estrutura óssea pareceu enorme.
— Eu quero ser muito mais do que esse “bastante”. – Ele disse, me
fazendo tremer na base, simplesmente roubando as palavras de minha boca.
Entretanto, minha mente funcionava muito bem e comecei a trilhar um
caminho lógico para encontrar a razão daquilo.
— Está querendo isso apenas... – Fiquei receosa em dizer, pois soava
ofensivo até em pensamento. Mas, mesmo assim, completei: — Apenas para
alimentar o seu ego?
Pensei que ele talvez só estivesse disposto a conquistar sua secretária
para não se sentir inferior ao meu antigo chefe, que nem existia, e depois me
descartar após me levar para sua cama.
Ele franziu o cenho.
— Não, claro que não. – Ele replicou, seriamente. – Estou dizendo
isso pois já não consigo mais mentir para mim mesmo que estou louco por
você, Susan. O bastardo do seu antigo chefe não tem nada a ver com isso,
mas confesso que fiquei desconfortável em imaginá-la sendo de outro
homem, pois o que mais quero nesse momento é poder tocá-la e possuí-la de
todas as formas. Admira-me o fato de outro homem não ver o mesmo que eu
vejo, mas, também, não acho isso incomum de se acontecer. Afinal, nem
mesmo os porcos, por mais que bem cuidados, seriam capazes de apreciar as
mais valiosas pedras.
Resfoleguei e tentei digerir suas palavras. Por mais que elas fossem
tentadoras, deveria me atentar aos detalhes.
— “Nesse momento”. — Enfatizei. — Você me deseja por um
momento.
Ele respirou fundo e eu o questionei:
— Quantos relacionamentos você já teve, Sr. Clifford?
— Vários. Mas nenhum que chegasse a um nível mais profundo.
— Por quê?
Nesse instante, ele se encostou totalmente na cadeira, como se eu
estivesse o encurralando. Mas me deu a resposta:
— Porque nunca me senti preso suficientemente a alguém para
assumir um compromisso sério. Quando digo assumir, não me refiro apenas
em mostrar alguém às pessoas que conheço. Me refiro ao comprometimento
em ser daquela pessoa verdadeiramente, incluí-la em minha vida e planejar
um futuro longínquo ao seu lado.
— É para isso que nos comprometemos com alguém, certo? Para
incluí-la em nossa vida e planejar um futuro com ela. – Afirmei, não vendo
novidade em suas palavras.
— Não no meio em que vivo. O amor tem se tornado cada vez mais
líquido e, consequentemente, os relacionamentos, mais breves.
Sorri, sem jeito.
— É por isso que não nos encaixamos, Sr. Clifford. Eu não vivo em
seu meio. De onde eu vim, o amor continua sendo popular.
— Tem razão, Susan. Não posso lhe prometer amor por ora, mas isso
não significa que eu não estou apaixonado.
Aquilo fez quebrar todas as expectativas sobre o rumo que aquela
conversa poderia ter tomado e, para minha sorte, ou azar, a garçonete chegou
com nossos pratos e os medalhões.
— Com licença!
Ela colocou sobre a mesa e eu agradeci gentilmente, ainda com a
expressão desconcertada cravada no rosto. Ela sorriu para mim e voltou pelo
corredor de mesas ao lado.
Apaixonado?
Ele só pode estar de brincadeira comigo. Meu subconsciente relutava
em acreditar nisso. Oh, Steve Clifford, você não pode simplesmente brincar
com suas secretárias dessa forma. Mas suas palavras pareciam tão sinceras.
Steve e eu nos servimos em total silêncio, apenas escutando os sons
de nossa movimentação sobre a mesa. Foi assim durante todo o almoço.
— Eu preciso ir ao banheiro. – avisei depois de terminarmos nossa
refeição.
— Certo. Enquanto isso eu peço a conta.
– Você sabe onde fica o banheiro feminino?
— Ao final do corredor à direita.
Levantei-me e agradeci com um menear de cabeça.
Direcionei-me para o final do corredor de mesas e não foi muito
difícil avistar os lavabos à direita. Caminhei até lá, entrei no espaço clean, de
paredes em granito e orquídeas ornamentando os cantos, assim como todo o
resto do restaurante.
Lavei minha mão na cuba, jogando um pouco de água corrente contra
o meu rosto. Céus! Minha pele está muito quente. – Murmurei olhando meu
reflexo no espelho. Eu estava vermelha e meus ombros um pouco tensos.
Como se as palavras de Steve ainda estivessem reverberando em minha
mente.
Ele estaria mesmo apaixonado por mim? Meu coração disparava
apenas em pensar nisso. E, para ser franca, eu só estava ansiosa assim, pois
sabia muito bem que eu me sentia da mesma forma por ele.
Se não fosse por essa mentira...
Droga! Mentira. Mentira. Mentira. Até parecia que tudo se resumia a
essa mentira.
E se eu contasse para ele agora?
Se ele gostasse de mim da forma que disse, provavelmente entenderia
meus motivos. Inventar aquela mentira não foi como se eu fosse uma
profissional em enganar pessoas sobre minha identidade, eu estava
precisando do salário urgentemente. Não tive outra alternativa.
Além do mais, se não fosse essa mentira, talvez nós nunca teríamos
nos conhecido, tampouco nos aproximado.
Certo. Tenho minha decisão agora. Sequei meu rosto com o papel
toalha disponível por ali e saí pela porta que entrei, decidida a dizer toda a
verdade. E, como se estivesse ouvindo meus pensamentos, avistei-o adentrar
aquele espaço reservado para as entradas dos lavabos.
— Steve, eu tenho algo para contar a você... – comecei, enquanto o
assistia caminhar em minha direção.
— Guarde as palavras para depois... – Ele avançou sobre mim,
segurou meu rosto com as mãos grandes e tomou meus lábios com sua boca.
Steve passou a língua entre meus lábios e pressionou seu corpo no
meu, que estava em chamas. Ele me beijou com todo o ardor de alguém
desejoso, como se estivesse pensando nisso há horas. Sua excitação poderosa
roçou contra mim, o que me deixou louca de desejo. Ele sugou meu lábio e
gemi, sem pudor, esquecendo que estávamos em um restaurante e que, a
qualquer momento, uma pessoa poderia chegar ali. E não demorou muito
para isso acontecer, me levando a afastar nossos corpos bruscamente, quando
uma cliente apareceu.
A senhorinha ranzinza passou por nós, resmungando baixinho:
— Quanta pouca vergonha!
Olhei para Steve, que ofegava e acalmava com a mão algo dentro das
calças, que estava nítido contra o tecido.
— Eu já acertei a conta. Que tal irmos agora? – Ele perguntou.
— Claro. – Aquiesci, mordendo o lábio inferior.
Ele pegou minha mão e caminhamos direto para o estacionamento.
Chegamos a sua Ferrari branca e adentrei pela porta do carona. Quando
estávamos os dois juntos naquele espaço comprimido, nossos corpos se
atraíram como se tivéssemos uma liga. Levantei um pouco da barra da saia e
subi em seu colo, ao passo que sua mão em minha bunda ajudava a encaixar
meu corpo em cima do dele.
Steve tornou a devorar minha boca, porém, de forma mais intensa do
que minutos atrás. Parecia que seu membro iria a qualquer momento
atravessar a calça e me penetrar, enquanto sua mão deslizava no vão entre
minhas costas.
— Eu quero foder você, srta. Evans... – ele murmurou entre beijos,
me deixando em um estado deplorável de tesão. Suas mãos pousaram em
meu traseiro e ele o apertou forte. Minhas mãos deslizaram pelo seu tórax e,
quando meus dedos tocaram a braguilha de sua calça, ele completou
sussurrando: — Mas não aqui.
Ele separou nossos lábios e nossas testas se colaram naturalmente,
enquanto resfolegávamos.
— Ainda estamos em horário de expediente, não é mesmo? –
Sussurrei, tentando lhe arrancar um sorriso.
— Não me importaria de fazer amor com você enquanto o trabalho
me espera. – Ele deixou um selinho demorado em meus lábios e me
perguntou: – Você quer sair comigo amanhã à noite?
— Você quer dizer fazer um programa a dois, comer algo gostoso e
depois aproveitarmos a companhia um do outro?
Ele esfregou o nariz no meu e assentiu em um murmúrio:
— Exatamente.
Fiz uma pausa e, antes que eu desse minha resposta, seu bolso
começou a vibrar.
— Seu celular está vibrando. – Pontuei.
— Essa pessoa pode esperar. – Ele esgueirou as mãos da minha bunda
para minha cintura e começou outro beijo, mais lento, como se quisesse
explorar cada comissura de minha boca. Seu celular, por sua vez, parou de
vibrar por um instante e depois começou a tremer outra vez.
Separei nossas bocas, dizendo, baixinho, em uma voz manhosa:
— Atenda. Pode ser algo importante.
Ele me olhou e assentiu, meio a contragosto.
Saí de seu colo para que ele pudesse enfiar a mão no bolso e me
aprumei no banco do carona.
— É a Bárbara. – Ele disse, atendendo apressadamente.
Será que é algo com a Lux? Observei, um tanto apreensiva.
— Alô, Bárbara! Algum problema? – Um silêncio se fez até ele dizer:
– Você conversou com Meryl?... Compreendo... estou indo para aí.
Ele desligou o telefone e tão logo perguntei:
— Aconteceu algo com Lux?
— Não, Lux está bem. É a bárbara, tem que sair para levar a mãe ao
hospital, porque ela acabou de sofrer um acidente doméstico, e parece que
Meryl saiu para fazer compras nessa tarde e está com o celular desligado.
Terei de cancelar meus compromissos hoje à tarde e voltar para casa.
— Eu posso ficar com Lux essa tarde se não quiser cancelar seus
compromissos.
— Não. Não quero incomodar.
— Não seria nenhum incômodo. Irei adorar passar a tarde com sua
carequinha. – Disse, abrindo um sorriso gentil e garantindo, animadamente: –
Vai ser como uma tarde para garotas!
Céus! Se ele aceitasse, significaria que eu iria cuidar de um bebê
depois de tantos meses sem fazer isso.
Ele analisou rapidamente a proposta, avançando pelo espaço entre
nós, e cobriu meus lábios com o seu.
— Você não existe, Susan Evans. – Ele disse contra minha boca,
passando o dedão no flanco do meu rosto, e um sorriso largo se abriu em
meus lábios.
Capítulo 19

Por mais que eu achasse Bárbara um pouco esnobe e que ela não
simpatizasse comigo, fiquei triste pela situação na qual se encontrava naquela
tarde, com sua ida de repente ao hospital.
Quando chegamos ao apartamento de Steve, apenas peguei a porção
de dobrinhas em meus braços e deixei que Bárbara conversasse com ele na
sala, antes dela sair às pressas.
Steve foi até a cozinha, onde eu me encontrava com Lux no colo, ao
lado da fruteira, que parecia entretê-la.
— Tem certeza que posso ir? – Ele se aproximou de nós duas,
deixando um beijinho na cabeça de Lux.
— Absoluta. Claro, se você me liberar da minha função de secretária
hoje. – Sorri, lembrando-o daquele detalhe.
Ele beijou o canto da minha boca demoradamente, enquanto Lux
jogava o corpinho para frente para tentar pegar a banana na fruteira.
— Claro que libero você. Desde que fique aqui até eu voltar.
Sua voz poderosa estava baixa e carinhosa, enquanto seus olhos
pareciam fazer uma varredura em meu rosto.
— É claro que estarei aqui quando você voltar. Não largarei essa
mocinha até você colocar os pés neste apartamento de novo. – Olhei para
Lux, que finalmente conseguiu pegar a banana e a sacudiu no ar.
Mesmo desconfiando das segundas intenções de Steve por trás de seu
interesse em minha permanência neste apartamento até sua volta, quis deixar
claro que poderia confiar em mim para cuidar de sua sobrinha.
— Sendo assim, até mais tarde, garotas.
Ele fez um carinho na bochecha de Lux com as costas das mãos e
depois fez o mesmo comigo, com a diferença de que passou o dedão
levemente em meu lábio inferior, de forma dominadora e sexy.
Steve tão logo assentiu e saiu pela sala, nos deixando sozinha. Afastei
a imagem de seus olhos em minha boca e sorri para Lux, planejando nossa
programação para essa tarde.

Durante a tarde, dei uma volta no prédio com Lux, em busca de algo
que pudesse nos distrair. Encontramos a salinha de brinquedos do
condomínio e ficamos um bom tempo por lá. Apenas saímos quando Lux
teve um pequeno desentendimento com outra criança, que tomou o chocalho
de sua mão de modo brusco. Lux reivindicou o objeto, puxando os cabelos do
garoto, que berrou alto.
Obviamente, apartei o desentendimento imediatamente, mas a mãe,
que estava sentada do outro lado da salinha mexendo no celular, ficou
revoltada quando viu seu filho chorar no momento em que Lux agarrou os
cabelos dele.
Levantei de cima do tapete de borracha com Lux nos braços e saí de
fininho, levando minha perigosa puxadora de cabelos de volta para o
apartamento comigo, babando o chocalho amarelo e sorrindo dos pulos que
dava de vez em quando no meio do caminho.
Chegando ao apartamento, fomos até a cozinha, preparei uma papinha
de banana amassada e dei à Lux, que comeu tudo e pareceu pedir por mais,
lambendo a colher. Fiz mais uma rodada e, em seguida, subimos para o andar
superior.
Passeamos pelo corredor até pararmos em frente à porta entreaberta
no fim do corredor. Não era minha intenção entrar em nenhum outro quarto
que não fosse o dela, mas, de repente, me vi curiosa sobre o que tinha
naquele cômodo.
— Uma pequena espiada não faz mal para ninguém, não é mesmo? –
pensei alto, sussurrando aquelas palavras.
Lux sorriu, como se entendesse o que eu dissera.
Sorri junto e abri um pouco a porta, que revelou um escritório
moderno com uma mesa de mogno no centro, um monitor da Apple e
poltronas marrons de couro. O lugar era parecido com o escritório da senhora
Johnson no primeiro piso, com a diferença de que esse era maior e tinha um
sofá na lateral, que dava visão para uma São Francisco abarrotada de prédios
lá fora.
Meus pés me levaram para dentro daquela sala enquanto eu observava
a estante atrás da mesa. Havia muitos porta-retratos por ali. Não contive a
curiosidade e me aproximei daquelas fotografias de família. Em uma delas,
pareciam ser os pais de Steve, reconheci pela tonalidade rara de azul cinzento
nos olhos da mulher de cabelos castanhos claros. Uau, ela era linda!
Devido aos uniformes brancos de detalhes azuis e dourados e a pista
de decolagem atrás, inferi que pudessem ter sido pilotos de avião.
Lux mungiu ao meu lado.
— É a vovó e o vovô? – Perguntei.
Ela sorriu.
— Você tem razão, mocinha. Eles eram realmente muito bonitos. A
senhorita teve a quem puxar. – Deixei um beijinho em seu ombro e continuei
vendo aquelas fotos, uma por uma.
Em algumas delas aparecia uma mulher que supus ser a mãe de Lux,
quando criança, Romena. Outras eram mais recentes, como a que Steve
aparece carregando Romena nos braços em um lugar de vista privilegiada
para o Burj Khalifa.
Em uma das vezes que me aproximei da estante para pegar nas mãos
um porta-retrato, Lux lançou sua mãozinha direto para uma fotografia, pegou
e a abraçou contra sua barriguinha.
— Você gostou dessa, princesa? – Perguntei com carinho enquanto
ela parecia proteger a fotografia de uma forma fofa. – Você quer me mostrar?
Coloquei minha mão em cima da moldurada de madeira e Lux me
entregou o porta-retratado. Era Steve, atrás da mesa de ébano do escritório da
Clifford.
— Papa.
Inesperadamente, ela se inclinou para o centro da moldura em minha
mão, beijou a superfície da foto e a abraçou com os dois bracinhos
gorduchos.
— Papa. – Ela repetiu, me deixando com os olhos cheios de lágrimas.
— É o papa? – Perguntei, sorrindo.
— Papa. – Ela repetiu por fim, encaixando seu rostinho na curvatura
do meu pescoço. Com um sorriso aberto em meu rosto, continuei olhando
aquelas fotografias, pensando no quanto aquele homem era forte
emocionalmente. Não devia ter sido fácil levantar a cabeça e continuar depois
de perder todas essas pessoas. Sua capacidade de resiliência fez com que eu o
admirasse mais ainda.

Meryl retornou quase no fim da tarde, acompanhada de um


senhorzinho atarracado, que já vi duas vezes perambulando pela sala, porém,
nunca tive a oportunidade de lhe dirigir a palavra, tampouco saber sua função
nesse apartamento. Ele ajudou Meryl a carregar as várias sacolas até a
cozinha e observei tudo de pertinho com Lux no braço.
Quando deu as exatas seis horas, Steve me enviou uma mensagem
explicando que se atrasaria um pouco devido ao surgimento de uma reunião
de urgência no próprio escritório da Clifford. Compreendi a situação e
respondi para que não se preocupasse e que eu ficaria com Lux pelo tempo
que precisasse. Ele agradeceu gentilmente e disse que me compensaria de
alguma forma, mesmo que eu recusasse.
Desde então, assisti a noite despencar lá fora e, quando deu sete horas,
fui atrás de algo para Lux comer. Meryl, antes de sair, deixou preparada uma
sopa de legumes e eu apenas esquentei e amassei os pedaços grandes com o
garfo, enquanto Lux me observava sentada na cadeirinha.
Depois que ela comeu tudo, como uma boa garota, subimos para seu
quartinho e decidi lhe dar um banho de água morna na banheira que encontrei
em seu armário. Tomei cuidado para não molhar sua cabeça e a vesti com um
macacão amarelo de dormir. Em um dado momento, Lux se agarrou em meu
colo e não demorou muito para ela cair em sono profundo em meu ombro
quando cantarolei parte da música Can’t Help Falling In Love. Chovia muito
lá fora e talvez isso tivesse a deixado ainda mais sonolenta. Deixei-a
cuidadosamente no berço e quase tive um treco quando ouvi a voz grave atrás
de mim:
— Elvis Presley. Uma das mais bonitas que já ouvi, eu confesso. A
cada dia me surpreendo mais com você, srta. Evans.
Levei a mão ao peito, resfolegando um pouco, e vi Steve encostado na
porta, com os braços cruzados contra o peitoral.
— Minha mãe cantava para mim e minha irmã antes de dormirmos
quando éramos crianças. – Mamãe sempre foi uma roqueira de coração mole
e, obviamente, as melodias doces de Elvis eram suas favoritas.
— É de se imaginar que a sra. Evans tem um bom gosto musical.
Continuamos nos encarando e, antes que pudesse lhe dizer algo, ele
perguntou:
— Está com fome?
Ele desceu as mãos para os bolsos, em um gesto de puro charme.
Havia algumas marcas de pingos de chuva em sua camisa social branca e isso
o deixava estranhamente mais másculo.
— Um pouco. – Menti. Eu estava com a fome de um leão.
No entanto, não sei se foi por nervosismo ou porque eu tinha
esquecido de comer durante a tarde, mas meu estômago roncou alto,
vergonhosamente.
Ele abriu um meio sorriso e disse, se desacostando do batente:
— Em dias normais, demoraria mais algumas horas para conseguir
colocá-la para dormir. Imagino que fez um bom trabalho durante a tarde, srta.
Evans.
— Obrigada.
— Por isso passei no melhor restaurante de comida italiana e trouxe
algo para nós. Que tal jantarmos agora enquanto a chuva não passa?
— Claro! – Respondi, contente. Eu adorava comida italiana e isso me
fez extremamente feliz. – E a Lux?
Ele retirou o celular do bolso, balançando no ar:
— Instalei a babá eletrônica no berço.
— Claro, deveria ter imaginado.
Verifiquei que estava tudo bem com Lux no berço e desliguei a luz,
para que ela pudesse dormir tranquilamente. Aproveitei para pegar meu
celular, que deixei em cima da cômoda junto com minha bolsinha de ombro.
Desci na frente de Steve pelas escadas que levavam ao piso inferior,
onde ficava a cozinha, achando as embalagens brancas em cima da superfície
de mármore.
Steve pegou os pratos para nós dois e tão logo começamos a nos
servir ali mesmo, sentados atrás da bancada, enquanto o céu estava quase
para desabar lá fora.
Sentia-me estranha naquele momento, pois era a segunda vez no dia
que comíamos juntos e tinha a sensação de estar muito envolvida na vida
dele, para além das funções de uma secretária comum. Era como se eu fosse
uma pessoa íntima, uma posição que nunca deveria ter me arriscado a ocupar.
Mas eu não me arrependia nem um pouco e era por isso que estava disposta a
dizer a verdade.
— Estive pensando nessa tarde e cheguei à conclusão que quero você
em minha empresa por muito mais tempo. – Ele disse, descontraidamente,
após terminar de comer o ravióli saboroso.
Retribuí a notícia com um sorriso discreto e alegre, vibrando
loucamente por dentro.
Céus! Eu vou ter um emprego fixo? Isso é simplesmente maravilhoso!
— A senhora Johnson irá retornar a ocupar o cargo de minha
secretária, mas prometo pensar em algo bacana e que você goste de trabalhar.
Mastiguei o pedaço de ravióli em minha boca, terminado de comer, e
perguntei em meio à trovoada lá fora:
— Você já pensou em algo?
— Ainda não. Preciso de sua ajuda. Ah, seu carro está pronto!
Provavelmente, amanhã cedinho eles deixarão aqui na garagem.
— Não sei nem como agradecer. – Eram tantas notícias boas, que até
parecia aqueles tipos de sonhos que acordamos de supetão, decepcionados
com a realidade.
Ele recolheu nossos pratos e as travessas de isopor e atravessou a
cozinha.
— Não agradeça. O único que tem que agradecer hoje sou eu.
Ele retornou para a bancada, sentando ao meu lado e encostando seu
braço enorme no meu. Não sei se ele fez isso de propósito, mas me deixou
mais quente do que eu já estava com sua aproximação. Ele pegou o controle
ao lado da fruteira e ligou a tevê pendida na parede da cozinha, em que
passava os noticiários.
“Nessa noite de terça-feira, o Instituto de Meteorologia de São Francisco
pede para que não saiam de casa. A forte tempestade de ventos que chegam a
150 quilômetros por hora, está alagando ruas, levando carros e arrancando
telhados [...] ‘Sua casa é o lugar mais seguro neste momento, então se
protejam e não saiam delas’: assim recomendam as autoridades competentes.

Fiquei aflita com as notícias que passavam na tevê e meu coração quase
saltou para fora da boca quando senti meu celular vibrar em cima do meu
colo.
No visor, o nome “mamãe”.
Droga! Esqueci completamente de avisar.
Olhei para Steve, que ainda estava concentrado nas notícias pavorosas que
passavam na tevê, e quase fiquei surda quando minha mãe gritou do outro:
— ALÔ! ONDE VOCÊ ESTÁ, MINHA FILHA?
— Desculpa, mãe. Não lembrei de ligar para avisar a senhora que demoraria
para chegar em casa hoje.
— Esqueça. Onde você está?
— No apartamento do Steve.
Ele se levantou e foi ajeitar algo em cima da pia.
— Graças a Deus você não está na rua. Fique por aí mesmo e não saia daí por
nada até que essa tempestade passe, meu amor.
— Está bem, mãe. Acabei de ver no noticiário o que está acontecendo.
— Certo, filha. Não saia daí por nada. Eu vou ter que desligar para fazer
massagem nos pés do seu avô agora. Tchau.
— Tchau, mãe.
— Espera aí. Está na casa do Steve? Já está com ele novamente? — Mamãe
perguntou com resquício de malícia na voz, me deixando acanhada. — Mas
vocês não eram apenas amigos, Julie? E o que você está fazendo uma hora
dessas na casa dele?
Pigarreei, envergonhada.
— O quê? A ligação está falhando. – Engabelei. – Te amo, mãe. Depois nos
falamos com mais calma. – Desliguei rapidamente.
Steve me encarava encostado nos armários do outro lado da cozinha, como se
estivesse analisando o meu rosto vermelho. No entanto, ele não fez perguntas
relacionadas ao rubor de minha pele, apenas proferiu:
— Você vai ter que ficar. – Aquilo não era uma pergunta.
— Minha mãe disse o mesmo.
Ele parecia mais sério, não sabia explicar, mas, ao mesmo tempo, sereno e
sexy naquelas roupas depois de um dia longo de trabalho. Ele deu um meio
sorriso e veio até mim, dando a volta no balcão. Ele parou em minhas costas
e deixou um beijo cálido em minha nuca.
— Eu passei todas as últimas horas desejando tocar sua pele novamente. –
Ele sussurrou contra minha orelha, me arrepiando por inteira.
Virei meu corpo de frente para ele, que separou com delicadeza meus joelhos,
se encaixando no vão entre minhas pernas. Ele segurou a lateral do meu rosto
com uma mão, fitando meus olhos com uma espécie de mistura de desejo e
cuidado.
— Diga-me, srta. Evans: você é virgem?
Corei fortemente com sua pergunta, fisgando o lábio inferior. Lembrei de
meu corpo fervendo em cima do seu hoje mais cedo e de meus dedos afoitos
procurando pela braguilha de sua calça. Ele acreditaria se eu respondesse que
sim? Mesmo que ele não acreditasse, optei por dizer a verdade. Assenti com
um menear de cabeça.
Eu havia tido alguns namoros na adolescência, mas nada que fizesse me
entregar de corpo e alma. Quando saí da escola, não sei se era porque eu
estava tentando ganhar um bom dinheiro para ajudar nas despesas de casa ou
porque simplesmente ninguém me interessou o suficiente, mas passei esse
meio tempo sem encontrar ninguém. Mas também não sou santa, em minha
juventude dei muitos amassos bem dados nas redondezas da escola e sabia
bem como as coisas funcionavam depois que um casal tira a roupa.
— Alguma objeção específica para nunca ter feito sexo?
— Não tive tempo.
Ele abriu um sorriso divertido nos lábios.
— O que foi? – Indaguei, sem jeito.
— Perdão, eu esperava qualquer resposta, menos essa.
— Eu não tive tempo para conhecer pessoas, sabe? Relaxar.
Eu fisguei o canto do lábio inferior novamente e seus olhos se transmutaram
para uma tonalidade mais escura, parecia que aquele simples ato causava
algum efeito nele.
— Eu também estou precisando relaxar.
Ele pousou a mão em minha coxa, de forma que seus dedos longos fizessem
quase uma volta inteira ao redor dela. O centro entre minhas pernas retesou,
enquanto sentia fagulhas atingirem meu ventre de forma deliciosa.
— Você já deve ter feito muito isso na vida. – Comentei.
Ele demorou a responder, raspando a língua entre os lábios, como se eu
tivesse ferido sua honra. Puro cinismo masculino. Mas depois confessou com
franqueza:
— Várias vezes. Não vou mentir.
Ele fez uma pausa e completou:
— Mas, nos últimos dois meses, não. E depois que a vi pela primeira vez no
escritório, não houve nenhum outro pensamento que ocupasse meu cérebro a
respeito de sexo que não fosse com uma ruiva de lábios carnudos.
Ele tocou meu lábio com o dedão e sussurrou:
— Você beija gostoso.
— Você também... beija gostoso. – Mordi o lábio, totalmente inebriada com
sua aproximação.
Um trovão mais alto estourou lá fora, mas a impressão que eu tinha era que
nenhuma outra distração poderia nos dispersar do clima que havia se formado
entre nós.
Steve esgueirou sua mão para minha cintura e uniu nossos corpos, tocando
meus lábios com ardor. O beijo lento se transformou em algo mais voraz,
urgente e sexy. Quando percebi que aquilo poderia tomar proporções
maiores, um choque de consciência invadiu minha mente, me fazendo afastar
seu corpo com uma mão.
— Não.
Desci da cadeira, um pouco ofegante, e disse em sua frente:
— Antes que façamos isso, eu preciso conversar algo com você, Steve.
Desci o olhar para sua excitação, que cresceu vigorosamente dentro de sua
calça, enquanto ele se aproximava, com os olhos transbordando desejo.
— Por que antes disso?
Puxei com força o ar e respondi:
— É algo sobre minha contratação. Sobre minha irmã, sobre mim. Talvez
isso o faça perder o interesse em mim.
Ele subtraiu o espaço entre nós, pousou uma mão em minha lombar e a outra
acariciou meus cabelos.
— Isso não tem menor relevância, srta. Evans. Nada do que me disser vai me
fazer mudar de ideia do quanto eu a quero desde o primeiro momento que pus
meus olhos em você naquela sala. – Ele tocou lentamente meus lábios com os
seus e sussurrou: — A não ser que você me pare, aí obviamente acatarei sua
vontade.
— Nada?
— Absolutamente, nada. – Ele afirmou, me passando extrema confiança.
Sua a língua tocou meus lábios e tão logo deslizou para dentro da minha boca
de forma sensual – foi o suficiente para os meus braços ganharem vontade
própria e enlaçarem o alto de seus ombros, puxando seu corpo para mim,
sentindo todos seus contornos encaixarem em minhas curvas enquanto sua
língua saía e entrava em minha boca em um ritmo eloquente.
A essa hora, meu sexo já estava pulsando por ele, ao passo que nos
devorávamos em um beijo ardente. Em dado momento, ele ergueu meu
corpo, espalmando as mãos em meu traseiro, e nos levou para o andar de
cima, mais especificamente, para o quarto moderno de paredes brancas e
detalhes cinzas.
Ele me deitou sobre o colchão macio, desabotoou a camisa branca diante de
mim, expondo os músculos torneados de seu tórax, e se livrou da calça de
linho. Engoli em seco quando pude ver sua ereção quase saltando para fora
da cueca box.
Subi meu corpo, sentei na beirada da cama e tirei minha blusa, revelando o
sutiã rendado azul clarinho que vestia, sentada de frente para ele.
Ele tocou o meu seio direito, segurando-o por cima da renda. Cabia
perfeitamente em sua mão.
— Essa cor combina muito com você. – Ele murmurou com os olhos em meu
colo.
Ele afastou a taça do sutiã e prendeu o bico do meu mamilo entre seus dedos,
me arrancando um gemido sôfrego.
— Está certa disso? – Ele perguntou, seriamente.
Ergui o queixo para que eu pudesse fitar seus olhos e fiz que sim, levando
minhas mãos para o feixe do meu sutiã e me livrando dele.
Assisti suas pupilas dilatarem, como se estivesse admirando minha parcial
nudez. Ele respirou fundo e depois se inclinou sobre meu corpo, de forma
com que minhas costas tocassem novamente o colchão. Ele abocanhou meu
seio direito, deslizando a língua cálida para a extremidade sensível e
intumescida, e, logo após, fez isso com o outro, mordiscando o bico inchado,
me arrancando um gemido mais alto enquanto eu sentia sua mão subir entre
minhas coxas, pressionando dois dedos contra minha calcinha, que estava em
um estado deplorável de umidade.
Ele desceu pelo meu corpo, ajudou-me a me livrar de minhas peças
inferiores, me deixando totalmente exposta diante dele.
Steve se afundou entre minhas pernas, chupando com vigor o clitóris,
enquanto meu corpo se contorcia para trás, e senti as veias do meu pescoço
saltarem.
— Macia, como eu imaginei. – Ele murmurou contra minha intimidade
latejante, com um tom de voz denso e sério.
Oh, céus! Isso é tão bom quanto eu imaginei. Incrivelmente, até melhor, eu
diria. Era como se meu corpo estivesse anestesiado por uma energia poderosa
que atiçava todos os meus sentidos de prazer, me levando para uma espécie
de fim que valeria a pena.
Meu clitóris pulsava em sua língua e ele parecia ter perícia no assunto,
sugando, mordiscando com delicadeza, provocando e chupando.
– Porra, que boceta gostosa! – Ele grunhiu e chupou meu clitóris com
vontade. Sentia que poderia desabar agora mesmo em sua boca, sentindo
todos os meus músculos ansiosos por esse momento. Mas Steve não deixou.
Ele se levantou e caminhou até a cômoda marrom do outro lado do quarto e
assisti tudo com meu peito subindo e descendo de maneira ansiosa.
Ele voltou, parando diante de mim, e se livrou da cueca preta, fazendo seu
membro saltar para fora, batendo no umbigo. Engoli em seco, pensando que
ele era maior e mais grosso do que eu imaginava.
Isso caberia dentro de mim?
Oh, Julie. Pare de bobagem. É claro que cabe! Afinal, é pela vagina que os
bebês saem. Não é?
A partir dali, tudo aconteceu naturalmente. Steve tomou o controle e voltou a
ficar sobre mim, apoiando o peso do corpo com os antebraços. Ele abriu
minhas pernas com uma mão e se encaixou ali.
Um trovão soou mais forte lá fora e ele disse baixinho em meu ouvido:
— Talvez sinta dor no começo, mas, se relaxar, logo se misturará ao prazer,
srta. Evans. – Ele deixou um beijo cálido em minha têmpora e voltou a
colocar o rosto bem próximo ao meu, de forma que nossos narizes se
esbarrassem levemente.
Ele me beijou me invadindo de uma só vez. Gemi com sofreguidão,
respirando contra sua boca, e ele me estocou mais fundo. Meus dedos
apertaram os lençóis com força e ele fez de novo. De novo. Até que nossos
corpos estivessem se atritando em um ritmo suado e quente, ao passo que eu
cravava meus dedos em suas costas. Não sei exatamente onde a dor deu vez
ao prazer, mas, quando percebi, meu corpo estava ansiando que ele fosse
mais rápido.
— Mais. – Gemi.
Steve encarou isso como uma permissão e nos levou a uma cadência
alucinante, me arremetendo com mais força e mais rápido, até nos
derramarmos em puro êxtase. Eu cheguei primeiro ao ápice, Steve logo
depois, caindo no espaço ao lado, enquanto o som da tempestade se
misturava às nossas respirações ofegantes.
Ele passou um braço ao redor dos meus ombros, arrastando meu corpo nu
para perto do dele. Ele beijou o topo da minha cabeça e disse, afastando uma
mecha de cabelos grudada de minha testa:
— Foi bem melhor do que qualquer pensamento que tive nos últimos dias,
srta. Evans.
Ergui o queixo para encará-lo e sussurrei, contemplando seu rosto perfeito à
luz dos raios que caíam lá fora:
— Foi bem melhor do que as expectativas que criei durante uma vida.
Um meio sorriso se formou em seus lábios e ele veio novamente até mim,
capturando minha boca com a mesma intensidade com que nos beijamos pela
primeira vez.
Naquela noite, fui dele de várias formas. E, em minha mente, não tinha
espaço para qualquer arrependimento que fosse. Eu o queria com tudo o que
existia dentro de mim e tinha certeza de que jamais esqueceria aquela noite,
independente do que pudesse acontecer em um futuro próximo.
Capítulo 20

Acordei entre os lençóis cinzas de seda, me remexendo para o lado. Abri os


olhos de modo letárgico, rebobinei os acontecimentos da noite anterior e me
sentei rapidamente, procurando por Steve naquele quarto.
Mas ele não estava lá.
Puxei os lençóis para o meu corpo, sentindo a ardência no centro entre
minhas pernas, mas, ao mesmo tempo, meus músculos estavam relaxados e
eu tinha a estranha sensação de meus membros estarem tão leves quanto uma
pena.
Ok. Eu transei com meu chefe. E agora?
Tudo parecia tão fácil ontem. – Choraminguei mentalmente, envergonhada.
Respirei fundo e senti o cheiro do meu bafo de leão. Ah, nãao! E se ele entrar
agora nesse quarto? Ou, pior, e se ele quiser mais uma rodada e beijar
minha boca nesse estado?
Dei um pulo para fora da cama e procurei pelas minhas roupas no chão. No
entanto, não as encontrei, pois estavam todas em cima da cômoda marrom
perto da porta, inclusive minha calcinha. Minhas bochechas queimaram só de
imaginá-lo pegando aquela renda entre os dedos.
Observei sua camisa branca, uma cueca boxer ao lado e um bilhete escrito à
mão:
“Bom dia, srta. Evans. Essas são roupas limpas ao lado das suas.
Infelizmente, só tenho masculinas. Fique à vontade para escolher e se
vestir como quiser. Espero você na cozinha.
PS: O banheiro fica na porta à esquerda. Se precisar de mais uma peça
minha, entre no closet à direita.”
Respirei aliviada em saber que ele não apareceria naquele quarto de surpresa.
Optei por pegar suas roupas limpas e caminhei para o banheiro, repensando
tudo o que tinha acontecido. O que ele estava pensando? O que seria de nós
depois disso? Definitivamente, não tinha para onde eu correr. Eu tenho que
dizer a verdade agora. Desta manhã, não passa!
Todas essas coisas pairavam em minha mente quando entrei naquele
banheiro. E uau! Que banheiro! Pensei, me deparando com o espaço
revestido em mármore onde poderia muito bem caber dois do meu quarto ali.
Ele tinha até mesmo uma Jacuzzi no centro.
De repente, me peguei imaginando coisas nas quais eu não deveria estar nem
pensando com minha vagina em frangalhos.
Afastei aqueles pensamentos libidinosos e caminhei para o chuveiro, fazendo
minha higiene matinal. Decidi escovar meus dentes com sua escova, que
encontrei em cima da cuba branca. Achei que ele não se importaria, já que
trocamos muito mais que saliva na noite anterior. Mandei ver no creme
dental.
Vesti suas roupas e saí pelo corredor, passando pelo quarto de Lux. Para
minha surpresa, o berço estava vazio.
Cruzei os braços contra o peito, semicerrando os olhos. Onde será que esses
dois estão? Um sorriso se abriu em meus lábios e dei meia volta, caminhando
em direção à escada.
As vozes que pareciam vir da sala se tornavam mais nítidas a cada degrau
que eu descia pela escada de guarda-corpo transparente. Escutei Steve rosnar:
— Eu deveria te matar agora mesmo, seu desgraçado.
Paralisei no lugar em que eu estava para poder escutar melhor aquela
conversa.
— E estragar sua vida de riquinho fanfarrão? Baixa a bola, irmão. Eu só vim
dar meu recado. Sem estresse.
— Fala logo, infeliz! – Steve disse.
O homem de voz mais fina pareceu fazer uma pausa e prosseguiu:
— Soube recentemente da morte de Romena. Juro que não fazia ideia que ela
tivesse partido tão cedo. Meus pêsames.
— Vá direto ao ponto. Para de enrolar, porra!
O homem suspirou sonoramente e disse:
— Vim para avisar para que nunca apareça com Lux em minha casa em San
Diego. Se procurar minha família, terei que fingir que não os conheço. Não
estou interessado na guarda da garota.
— Isso é alguma piada? Você acha mesmo que vou dar minha sobrinha para
um verme criar?
— Não sei. Por isso que vim aqui. Para não me pegarem de surpresa. Afinal,
eu o conheço, sei que não vai querer trocar suas farras com gostosas para
limpar fralda suja de criança. Para falar a verdade, nem eu trocaria. Mas já
tenho minha esposa, meus filhos e uma reputação na igreja para zelar. Não
quero correr o risco de que eles descubram do meu deslize no passado com
Romena.
Ouvi os passos de Steve fincarem o chão com força, seguido de um barulho
de vidro quebrando.
— FILHO DA PUTA!
Desci apressadamente os últimos degraus e depois corri para a sala.
Encontrei Steve socando o rosto do careca contra a parede, de forma tão
brutal, que nem pensei direito, apenas avancei pela sala e tentei apartar a
briga.
— VOCÊ... VAI... APRENDER... A... NUNCA... MAIS... TOCAR... NO...
NOME... DA... MINHA... IRMÃ... SEU... DESGRAÇADO...
— STEVE, PARA! POR FAVOR. PARA! – Abracei suas costas, mesmo
correndo o risco de levar uma cotovelada. Quando circundei sua cintura com
meus braços, ele cambaleou para trás.
— SAI, CARALHO! AGORA! – Ele vociferou para o homem em nossa
frente enquanto eu puxava seu corpo.
O careca de rosto extremamente vermelho deslizou pela parede e caiu de
bunda no chão. Ele respirou fundo e depois se levantou com dificuldade.
Senti Steve ofegar em meus braços, tomado pela fúria, enquanto o careca me
olhou de forma nojenta e sorriu, comentando:
— Como eu imaginei. – Ele deu um passo para frente e disse: — É só um
aviso. Não me importo com seu dinheiro, nunca me importei. Só me importo
com minha família, então nunca me apareça com a garota. – Aquelas palavras
eram cruéis demais para serem ouvidas até por alguém de fora. Que homem
asqueroso! — Se não quiser ser o tutor, use seu dinheiro para colocá-la em
um internato, de preferência bem longe de San Diego. – Aquilo foi a gota
d’água para mim. Soltei Steve e me coloquei em sua frente. – Fiquei sabendo
que há internatos bons na suíça...
Marchei até ele e estatelei um tapa em seu rosto. Ele virou o rosto com a mão
na cara e depois me fitou, me embrulhando o estômago.
— O que pensa que está fazendo? Quem é você? – Ele perguntou,
exasperado.
— Sou alguém que está indignada com a existência de pessoas tão podres
como você. Eu deveria ter deixado Steve quebrar todos os seus dentes para
nunca mais proferir tantas maldades.
— Não quis ser maldoso. Ela tem estado em minhas orações de terça-feira.
Acredite, também tenho pena da criança.
— Pena? – Sorri. – Pena eu tenho de sua mulher, dos seus filhos, por viverem
com um traste feito você. Lux está muito bem, sendo criada por um homem
responsável e trabalhador, que não se esconde atrás de religião como você,
seu hipócrita covarde.
— Oras, que atrevimento... – Ele se irritou, me olhando de cima a baixo.
— Já chega. – Steve disse, tomando o espaço em minha frente e o pegando
pelo colarinho da camisa e saiu o arrastando até o elevador. Quando as portas
se abriram, Steve lançou o corpo do careca contra o vidro, que quebrou com
o impacto.
— Se voltar aqui, eu juro que te mato!
Steve ameaçou, fechou o punho e bateu no botão ao lado do elevador.
As portas se fecharam. O suspiro de alívio ficou entalado em mim, ainda
sentia os ecos de tensão naquela sala, como se aquela discussão não tivesse
acabado.
Steve se virou para mim e disse, em tom sério:
— Desculpa por te fazer assistir isso.
— Não tem o que se desculpar. Onde está Lux? – Perguntei com todo o
cuidado.
— Na cozinha, com Meryl.
Ele embrenhou os dedos nos cabelos com força, desconfortável com a
situação. Por isso, falei, tentando o tranquilizar:
— Tudo bem. Você não poderia prever algo assim.
— Obrigado. Por ter defendido Lux. Esse safado ainda vai pagar por tudo que
fez a minha irmã.
— Eu sei que vai. A vida cobra.
Ele inspirou fundo, relaxando mais os ombros, e comentou:
— É por essas e outras que odeio mentiras, Susan.
Aquilo fez com que eu entrasse na defensiva e dissesse:
— Mas nem todo mundo tem a mesma motivação para mentir, Steve.
— Não concordo. Como dizem por aí: de boas intenções, o inferno está
cheio.
Ele desceu o olhar para sua mão vermelha, massageou a pele ali,
distraidamente; e eu engoli em seco, temendo um pouco as palavras que
saíram de sua boca.
Respirei fundo e disse:
— Eu preciso contar uma coisa a você agora.
— Steve? – A voz de Meryl adentrou a sala.
Olhei para o canto ao lado da escada e avistei a senhora de traços orientais
com a menininha nos braços. Os cabelos bagunçados de Lux denunciavam
que não fazia muito tempo que ela havia acordado.
— Perdão por ter vindo à sala. Sei que me pediu para que eu não saísse por
nada da cozinha, mas esse celular está tocando faz tempo em cima da
bancada. Você sabe de quem é? – Questionou Meryl.
Fitei o aparelho em suas mãos e caminhei apressadamente até ela, dizendo:
— É o meu, Meryl. Obrigada. – Disse, cheirando o bracinho de Lux, e olhei
para o visor, que estampava o nome “mamãe”. – Com licença!
Atendi a ligação e me afastei mais para o outro lado da sala.
— Alô, mãe.
— Até que enfim, minha filha! Eu já estava indo atrás de você...
— O que foi, mãe? Eu estou no apartamento de Steve, lembra?
— Sim, minha filha. Mas eu fico preocupada mesmo assim. Ainda mais com
o que aconteceu.
— O que aconteceu? – Meu coração gelou.
— Parece que a tempestade de ontem fez um estrago nas casas da parte baixa
aqui do bairro. Muitas pessoas estão desabrigadas, perderam suas casas, tudo,
telhados voaram, a água invadiu os lugares mais baixo, está um caos aqui.
— Meu Deus! Vocês estão bem, mãe? – Perguntei, aflita.
— Sim. Sim, querida. Estamos todos bem. A água não chegou aqui na nossa
casa, graças a Deus. Parece que foi um tornado, ainda não sabemos ao certo,
está todo mundo nas ruas. Jason até bateu aqui em casa cedinho procurando
por você, para ajudar com a organização das tendas que vão construir na
quadra da escola.
Jason era o presidente da associação de moradores do bairro e sempre vinha
me procurar para ajudar na organização das ações sociais que aconteciam na
praça.
— Meu Deus, mãe! A senhora sabe quantas pessoas estão desabrigadas?
— Muitas famílias, minha filha.
Suspirei com o coração despedaçado com aquela notícia, aflita por ainda não
estar lá.
— Mãe, eu vou só falar com Steve e já estou indo.
— Tudo bem, minha filha. Esperamos por você.
Despedi-me, encerrei a chamada e caminhei até Steve, que estava com as
sobrancelhas curvadas em um arco quase perfeito, denotando curiosidade.
— Eu preciso que ir – eu disse, rapidamente. — As pessoas do meu bairro
precisam de ajuda.
— O que aconteceu?
Inspirei fundo e comecei a explicar a ele tudo o que minha mãe havia me
contado por telefone.
Capítulo 21

Enquanto Steve dirigia, eu estava em uma chamada com uma ONG que
oferecia ajuda a pessoas após desastres naturais, depois de uma busca rápida
no Google pelo número telefônico deles.
Com certeza, eles saberiam orientar sobre muitas questões, as quais eram
novas para mim e para as pessoas do meu bairro. Embora vivêssemos em um
país em que coisas como essa acontecessem com frequência, não era algo que
eu tivesse presenciado tão próximo da minha realidade.
— Chegamos. – Steve avisou ao meu lado quase no mesmo instante que eu
encerrei a chamada.
Olhei para a frente e, sem que eu me desse conta antes, notei que já
estávamos em minha rua, mais movimentada do que o normal.
— Muito obrigada pela carona! E por me liberar hoje também. Sei nem como
agradecer –, me apressei em dizer, destravando o cinto, e abri a porta do
carro.
— Não há o que agradecer, é por uma causa nobre. Eu me viro sozinho hoje,
como ontem. – Ele me lançou um meio sorriso de tirar o fôlego e abaixou as
mãos do volante.
— Obrigada, de qualquer forma. – Preparei-me para sair do seu carro e ele
segurou meu braço, me deixando próxima de seu rosto. Ele beijou o canto da
minha boca e disse, seriamente:
— Me mande notícias.
— Ok! – Quase gaguejei, zonza.
Por mais que o tivesse sentido dentro de mim no dia anterior, a sensação era
que nunca iria me acostumar com a proximidade de seus olhos penetrantes e
a loção masculina que invadia minhas narinas toda vez que ele fazia uma
coisa como aquela, comprimindo minhas entranhas e aquecendo minha pele.
Ele piscou para mim, com uma expressão séria cravada no rosto, talvez
respeitando o momento de lamentação que nos encontrávamos. Saí de seu
carro com as pernas bambas e caminhei para a calçada de casa. Só então
percebi que havia esquecido minha bolsinha no apartamento de Steve, não sei
exatamente onde, já que só me lembrava de perambular pelos cômodos na
companhia do meu celular.
Mas não me importei muito. Amanhã mesmo eu resolveria isso, hoje minha
cabeça estaria focada em tentar ajudar meus vizinhos e, provavelmente, só
iria parar quieta lá para o fim da tarde.

Horas depois
Desde que cheguei ao bairro em que moro, a única coisa que ainda não tinha
feito era sentar. Minha mãe, Susan e eu fomos até a quadra de esportes da
escola da comunidade, onde um grupo grande de voluntários estava reunido
em meio às tantas famílias desabrigadas, ao lado dos pertences que
conseguiram salvar antes da enchente tomar conta de suas casas.
Mesmo em meio ao clima de perda, percebi que algumas daquelas pessoas
tentavam sorrir, como se quisessem demonstrar gratidão pela vida após o
desastre de assistir tudo o que demoraram uma vida para construir ruir em
apenas algumas horas.
Graças a Deus, não tínhamos nenhuma notícia de que alguém tivesse vindo a
óbito até o presente momento. E os feridos, tanto em estado leve e grave,
estavam todos em tratamento no hospital – aparentemente, não havia
ninguém desaparecido — uma notícia que aliviava de alguma forma o peso
dos danos contabilizados daquela noite chuvosa.
No entanto, isso significava também mais dívidas para aquelas pessoas que,
em sua grande maioria, eram pobres e possuíam uma renda mais baixa do que
muitos que viviam nos subúrbios. Em nosso país, embora fosse considerado
de primeiro mundo e fosse referência em muitos serviços, pintavam por aí
como se aqui fosse tudo perfeito. O que não era bem assim. Havia muitos
“poréns”. Não ter um sistema público de saúde americano nos deixava reféns
de nossas próprias economias ou, quando se tinha uma boa condição
financeira, dos seguros de saúde privado. Isso é, era pouco provável que
alguma daquelas famílias tivessem seguro, sendo assim, teriam de
desembolsar um bom dinheiro para pagar a conta do hospital ao final do
tratamento. E se não tivessem de imediato, adquiririam uma dívida
astronômica dependendo dos dias que precisariam ficar nos leitos.
Uma situação degradante!
— A impressa chegou! – Jacob, o vizinho da rua ao lado, chegou à cozinha
da escola dando a notícia, enquanto organizávamos os kits com água potável
e almoços, que conseguimos com as doações dos outros moradores que não
tiveram suas casas atingidas.
— Até que enfim! Já estava começando a achar que eles só reportam os
problemas de gente rica. – Susan resmungou, colocando uma garrafinha de
água em uma bandeja. – Quem sabe assim conseguimos boas doações de
outros bairros também.
— Já começaram a distribuir os colchões, Jacob? – Eu perguntei ao menino
de cabelos castanhos claro desgrenhados. Os homens ficaram responsáveis
por essas tarefas.
— Sim. Começaram a distribuir agora.
— E por que mesmo você não está lá? – Susan rebateu, arqueando uma
sobrancelha.
— Ah! Eu já estava indo! – Ele coçou o topo da cabeça e deu meia-volta,
envergonhado.
As mulheres da cozinha sorriram da situação e eu impliquei:
— General Susan, você pode me dar essa bandeja ao seu lado? Vou começar
a distribuir.
Ela me passou a bandeja, perguntando:
— Por acaso está debochando de mim, Julie Evans?
— Não, claro que não.
— Hm... deveria ter mais respeito por alguém que sabe do seu segredinho. –
Ela sussurrou olhando para a mamãe do outro lado da cozinha.
— Nosso segredinho, você quis dizer, não é querida? – Repliquei, ainda mais
baixinho, ao seu lado. Ela deu um sorrisinho.
Peguei a bandeja nos braços e saí em direção à quadra da escola.
Enquanto entregava o almoço para uma mãe e uma criança sentadas no canto
da arquibancada, meu olhar vagou entre os colchões sendo carregados pelos
homens do meu bairro.
Quando eu estava prestes a retornar minha atenção para a garotinha de
cabelos pretos, algo me chamou a atenção. Quero dizer, um homem em
específico entrando pelo portão de entrada da quadra.
As mangas de sua camisa social estavam arregaçadas até os cotovelos,
carregando um colchão em cima da cabeça, usando seus sapatos pretos
Oxford reluzentes.
Apesar da sombra que fazia em seu rosto, fui perfeitamente capaz de
reconhecer seu rosto másculo e muito bonito atravessar a quadra entre os
homens do meu bairro, como qualquer outra pessoa por ali. Deus! Ele veio?
Steve deixou o colchão em cima da pilha que havia se formado perto da cesta
de basquete, sorrindo para um dos senhores que lhe dizia alguma coisa.
— Moça, você pode deixar o almoço do meu marido também? – a voz da
senhora em minha frente tomou minha atenção de volta. — Ele teve que sair,
mas está voltando.
— Claro!
— Há algo de errado? – Ela perguntou estudando meu rosto.
— Não, não. Está tudo bem.
— Seus olhos parecem lacrimejar.
Esfreguei os olhos com o dorso da mão e respondi com sinceridade:
— É que estou um pouco emocionada.
— Oh, querida! – Ela acariciou o lado do meu rosto com uma mão. – Todos
estamos! Muito obrigada por se voluntariar. Tão jovem e tão consciente dos
valores da vida.
— Eu espero que possamos superar isso da melhor forma possível.
— Vamos, sim. As coisas vão se ajeitar. – Ela me disse por fim, cheia de
esperança.
Sorri com ternura para ela e sua filha e segui pela arquibancada, servindo as
próximas pessoas, com meu coração mais aquecido do que minutos atrás.
Puxa vida! Ele está aqui, ajudando meus vizinhos.
Oh, Deus. Não faça que me apaixone ainda mais por esse homem.
E se ele me rejeitar depois que souber da verdade?
Minha cabeça fervia de informações, enquanto meu coração estava
completamente amolecido, ainda sentindo os ecos da noite anterior
reverberarem em mim, ao passo que tentava fazer minha cabeça se concentrar
no trabalho que eu fazia naquele momento.
Mas isso era quase impossível quando, a cada três pensamentos que eu tinha,
dois eram sobre ele.

Minutos depois
— O quê? O Steve está aqui? – Susan perguntou. – Por quê?
— Fala baixo! – Olhei para os lados, preocupada que minha mãe ouvisse
nossa conversa. – Ele está ajudando com os serviços braçais lá na quadra.
Quando recebi a notícia do que aconteceu ontem, eu estava na casa dele.
— Isso é muito perigoso. E se ele conversar com alguém que nos conhece?
— Eu também tenho esse receio. Ultimamente, tenho pensado em dizer a
verdade.
– Dizer a verdade? Tá maluca? Pode esquecer essa possibilidade. Você não
pode falar. Já basta ser desempregada, agora, presa? É muita desonra.
Inspirei fundo e confessei:
— Têm acontecido algumas coisas nos últimos dias e essa mentira está se
tornando insustentável.
— E o que aconteceu? – Susan perguntou. – O que está me escondendo,
Julie?
Droga! Eu prometi a mim mesma que contaria nada do que estava
acontecendo a Susan e a seu cérebro, que me pôs nessa enrascada. Mas eu
estou encurralada.
— Eu transei com Steve.
— O QUÊ? – Ela gritou e, imediatamente, a puxei para fora da cozinha.
— Shhhhh. Eu disse para falar baixo, Susan!
— Desculpa, como assim você transou com Steve? Julie, você não era
virgem? – Ela sussurrou.
— Sim, era.
— Ah, meu Deus! Bem que eu o achei com cara de safado comedor de
secretárias! Eu deveria ter desconfiado disso quando ele foi em nossa casa
ontem. Quem é que visita a casa da secretária? Ele estava cercando você,
Julie.
— Ele disse não se envolver com funcionárias.
— E você é a exceção? Você acreditou nessa? – Ela pensou alto: — Ai, meu
deus! Ele estava cercando você esse tempo todo? Ai, meu Deus! Ele tocou os
seus peitos? – Ela perguntou, desesperada.
— Não! Quer dizer, sim – titubeei. — Quer dizer, não dessa forma que está
pensando, ele não é um molestador. – Sacudi a cabeça, envergonhada com
aquela conversa sem sentido e embaraçadora. — Ah, quer saber, esqueça essa
parte dos peitos! – Ele tinha tocado meus seios e os abocanhado com meu
consentimento, mas Susan não precisava saber dos detalhes.
— É tudo minha culpa! – Ela exclamou, choramingando.
— Que culpa, Susan? Você não tem culpa de nada.
— Claro que tenho. Eu que dei a ideia e agora minha irmã está aqui, assim:
desvirginada. – Ela deslizou as mãos nas bochechas, com os olhos perdidos e
uma expressão de derrota no rosto.
— Foi a melhor noite da minha vida, Susan.
— Como assim, a melhor noite da sua vida? – Ela parou de choramingar, me
inquirindo.
Engoli em seco e fiz outra confissão, só que dessa vez mais profunda:
— Eu acho que estou apaixonada por ele.
— Está de brincadeira? – Seu queixo caiu.
— É sério, Susan.
— Julie, eu disse para você não se apaixonar...
— Eu sei. Mas essas coisas não são algo que se tenha controle.
Ela piscou os olhos para mim e murmurou, pausadamente:
— Ah, Julie! Em que confusão eu te meti?
— Agora isso não importa muito. O que vamos fazer em relação a Steve?
Ela pareceu pensar um pouco e disse em um rompante:
— Eu vou lá fora. Você fica aqui.
Susan começou a andar pelo corredor ao lado e me apressei em segurar seu
braço.
— Espera aí, o que você vai fazer? – Perguntei, preocupada.
— Garantir que nenhum vizinho nos desmascare. É melhor você ficar longe
dele enquanto Steve estiver aqui, é mais seguro, alguém pode te chamar pelo
seu nome verdadeiro. De resto, pode deixar comigo, Julie.
Por mais que eu quisesse que Steve já descobrisse logo a verdade, pensei que
as coisas pudessem se tornar mais conflituosas se ele soubesse da verdade por
outra pessoa, por isso não impedi que Susan desse seu jeito. No momento,
infelizmente, era a única alternativa que eu tinha. Mas, assim que Steve e eu
estivéssemos a sós, estava certa que diria toda a verdade, não importando em
que circunstâncias nos encontrássemos. Nem que um raio caísse entre nós,
nada mais me impediria de dizer a verdade.
Capítulo 22

— Engraçado! Tenho a impressão de que já te vi em algum lugar. Só não


lembro onde – o senhor de camisa polo azul e cabelos grisalhos comentou,
quando tivemos a oportunidade de conversar entre uma pausa e outra.
— Deve ser impressão sua. – Toda vez que alguém me dizia isso, sabia que
era provável que tivesse me visto em alguma coluna social de um jornal
local. De alguma forma, não queria causar alarde com minha presença,
principalmente, depois de avistar um casal de repórteres perto da entrada da
quadra daquela escola.
Horas antes, quando deixei a srta. Evans em casa, passeei pela sua vizinhança
de carro e assisti o problema de perto nos olhares daqueles que tinham
acabado de perder suas casas. Era angustiante. Quase podia sentir algo
semelhante, em seus olhares, como na queda que sofri no passado, quando
meus pais me deixaram órfão com Romena. Claro, o sofrimento podia ser,
para eles, em uma escala bem menor do que o impacto que sofri. No entanto,
levar uma rasteira inesperada da vida não era fácil em qualquer nível. Pois
somos obrigados a empurrões, a nos reinventarmos na manhã em que, no dia
anterior, imaginávamos que seria um dia como qualquer outro, sem nenhum
aviso prévio de que a vida viraria de cabeça para baixo.
Eu bem sabia disso.
Confesso que sou sensível pra cacete ao saber de coisas como essa e não
consegui parar de pensar naquelas pessoas depois que entrei na avenida
principal e segui para a primeira reunião do dia no escritório da Walker, um
conglomerado do ramo automobilístico, que vinha estudando há algum tempo
para fechar parceria.
Comovido com essa história dos vizinhos de Susan, fiz a volta no primeiro
retorno que me apareceu.
Tinha certeza que John Walker estava interessado o suficiente para concordar
em remarcarmos essa reunião para os próximos dias e, então, fiz o caminho
de volta para aquele bairro.
Estacionei perto da entrada da casa de Susan e segui em direção a um grupo
de pessoas reunidos no canto da rua. Apresentei-me como voluntário e eles
me deram instruções sobre onde estavam acontecendo as ações de
acolhimento dos desabrigados e, tão logo, saí a pé em busca da escola do
bairro.
Não foi difícil de encontrar, uma vez que ficava perto de uma praça ali por
perto e bem-sinalizada.
Novamente, apresentei-me como voluntário para os homens que
descarregavam uma caçamba de uma caminhonete lotada de colchões, que
me deram logo um serviço.
— Qual o seu nome? – O senhor perguntou.
— Steve.
— Steve de quê?
— Tyler. – Dei o meu segundo nome, sendo discreto. – Qual o seu?
— Robert De Niro.
— Perdão. Seu nome é esse mesmo? – Me parecia uma espécie de gozação.
— Sim, com todas as letras. Me perguntam isso há trinta anos, mas já estou
até acostumado. Certamente minha mãe não imaginou que um Robert com o
sobrenome De Niro faria muito sucesso nos cinemas. – Ele me fez rir.
— Steve! – Ouvi meu nome sendo pronunciado entre a pequena multidão.
— Com licença, vou pegar mais um colchão. – Robert disse, dando dois
tapinhas em meu ombro.
— Já estou indo lá também, Robert. – Disse, me virando para a mulher ruiva
de olhos mais acentuados do que a irmã e vi ela caminhar em minha direção.
Ela balançou a mão no ar e eu levantei meu braço, acenando.
— O que está fazendo, Steve? – Ela pareceu surpresa. – Susan não disse que
vinha.
Enfiei as mãos no bolso e abri um sorriso de lábios cerrados:
— Pois é. Nem eu sabia que viria. Aliás, onde está sua irmã?
— Na cozinha. Ela não pode falar com você agora. – Ela disse, rapidamente.
– Quero dizer, a coitada está trabalhando tanto lá dentro, é pouco provável
que vocês se encontrem por aqui.
Respirei fundo e dei de ombros:
— Tudo bem. Acho que posso esperar até a noite para falar com ela. Tem
muito trabalho a ser feito por aqui...
— Ótimo.
— Perdão pela gafe, mas acho que, com a correria, acabei não perguntando
seu nome.
— Meu nome? – Ela pareceu engolir em seco. – Meu nome é... Julie.
Ela me disse com tanto receio que confesso que esperei por um nome menos
comum.
— Belo nome, Julie. – Ela sorriu e a cumprimentei com um acenar de cabeça:
— Acho que vou indo. Tenho outros colchões para carregar.
— Eu vou com você.
Parei no lugar que estava e perguntei:
— Não é um serviço muito pesado para você?
— Não. Claro que não. Eu já estou acostumada a carregar coisas mais
pesadas em meus treinos de CrossFit.
Engraçado. Se ela não falasse que praticava CrossFit, apostaria que Julie
fazia parte do clube dos sedentários.
— Por que está me olhando desse jeito? – Ela me inquiriu, com as
sobrancelhas arqueadas. Cacete, que olhões assustadores!
— Nada. – Pigarreei. – Sendo assim, vamos lá, Julie.
A irmã de Susan me acompanhou até a caminhonete e tive a impressão que
ela ficou na minha cola a tarde inteira. Quando todos os colchões foram
deslocados para a quadra, ajudamos a carregar os galões de água. Fiz uma
pausa para atender uma ligação do mecânico, me avisando que deixou o carro
da srta. Evans no estacionamento do prédio. Tive certeza que ela se animaria
com a notícia e já estava ansioso pela noite, quando a veria novamente.
— Aquela não é a sra. Evans? – Perguntei a Julie, enquanto descansávamos
sentados em cima dos caixotes do outro lado da praça.
A mulher ao meu lado pareceu procurar a senhora de cabelos vermelho cereja
do outro lado da praça, perto da entrada da quadra da escola. Julie enrugou o
nariz no mesmo instante, quando a viu conversando com um homem que
parecia ser um pouco mais novo.
— É ela mesmo.
— Que tom de voz é esse? Parece chateada.
— Não gosto de ver minha mãe de gracinha com esses caras do bairro. Não é
porque ela é solteira, que ela deve dar moral para qualquer um que aparecer.
— Ela não parece estar o paquerando. Ele me parece mais interessado do que
sua mãe. – Observei, analisando o braço quase atravessado ao lado da sra.
Evans.
— Até parece! – Ela respondeu, ranzinza
— Contando que sua mãe é uma mulher muito bonita e agradável, não acho
difícil que ela tenha muitos pretendentes no bairro.
— Fala isso porque não é com sua mãe. Pimenta nos olhos dos outros é
refresco.
— Talvez o ciúme fosse algo que eu teria se estivesse em seu lugar, mas
nunca seria algo que me fizesse atrapalhar a felicidade dela. A vida é curta,
Julie. E ninguém tem o direito de se achar dono da vida de ninguém, nem
mesmo dos nossos pais.
— Ih! Já vi que você é o queridinho dos seus pais. – Ela disse fazendo uma
careta de nojo.
Sorri. Na verdade, Romena era a filha preferida e tudo de bom que aprendi
nessa vida foi com ela. Mas não rebati o comentário de Julie, não queria
pesar o clima da conversa explicando que era órfão de família. Resolvi
apenas tomar mais um gole de água.
— Posso perguntar algo? – Lancei o questionamento a Julie.
— Claro.
— É impressão minha ou parece que está me seguindo?
— Seguindo? Por que eu seguiria você? — Ela sorriu. E tinha por mim que
seu sorriso estava um tanto nervoso. O que era de se desconfiar. – Claro que
não! Estou apenas fazendo companhia para visitas.
Suas palavras eram simpáticas demais para o seu jeito ranzinza.
Embora sua resposta não tivesse me convencido, resolvi não contestar.
Talvez fosse um problema pessoal com ela mesma ou sei lá o quê. De
qualquer forma, se fosse algo comigo, eu ficaria sabendo. Então não
esquentei minha cabeça com isso.
Meus olhos caíram para o lado despretensiosamente, flagrando a ruiva de
cabelos macios e cútis delicadas andar em nossa direção, como uma miragem
entre os bancos de concreto e as pessoas que passavam por ali. A cada
passada sua, algo dentro de mim parecia pulsar mais forte e meus ouvidos
não escutavam nada além do que o pesar da minha respiração. Porra, só
faltava escorrer uma baba do canto da minha boca.
Levantei-me imediatamente e a esperei se aproximar. Ela parou exatamente
em minha frente e esgueirou as mãos de dedos estreitos para os bolsos detrás
da calça jeans e encurvou um pouco os ombros para a frente. Ela usava uma
regata branca simples, o que a deixava ainda mais atraente e sexy.
— Eu pensei que ficaríamos um dia inteiro sem nos vermos. – Ela disse,
acanhada.
— Eu confesso que também pensei assim hoje mais cedo. Mas achei que eu
seria mais útil aqui.
— Obrigada. – Ela sussurrou.
— Susan? O que está fazendo aqui? – Quando dei por mim, Julie havia
também se levantado, arregalando aqueles olhões para sua irmã. – Não era
para você ficar lá dentro, irmãzinha?
— Eu já terminei por lá, Su... irmã! – Ela sorriu. — Já está tudo pronto para
essa noite. Acho que posso fazer companhia ao sr. Clifford até o seu carro.
— Vão chegar com mais galões de água... – eu disse.
— Em uma quantidade menor. Acho que duas pessoas podem dar conta
disso. – Ela explicou. – Tenho participado da organização do abrigo também.
— Tem certeza de que não vão precisar de mais gente?
— É claro. – Ela afirmou.
— Se é assim... – Olhei para Julie, que sorriu para mim e sua irmã, e me
despedi com um aperto de mão.
Elas pareceram se comunicar com um olhar e depois saí com Susan pela rua
transversal, que, a essa hora, estava deserta.
Enquanto fazíamos aquele trajeto, aproveitei para dar a notícia:
— O seu carro foi deixado pelo mecânico no estacionamento do prédio em
que moro.
— Eles conseguirão consertar? – Ela me olhou com os olhos brilhando.
— Sim, conseguiram. Foi só um problema nas velas, como havia dito, nada
demais.
— Eu posso buscá-lo ainda hoje? – Ela se pôs nas pontas dos pés como uma
criança eufórica.
— Nesse exato momento, se quiser.
Em um rompante, ela pulou para cima de mim, sorrindo, segurando meu
pescoço com os braços. Sorri também e pousei minha mão em sua lombar,
inspirando seu perfume de rosas em seu ombro nu, o que fez seu corpo
estremecer.
Ela se afastou, escondendo as maçãs rubras do rosto, e depois levantou os
olhos para dizer:
— Me desculpe pela empolgação.
Fiquei admirando seu rosto angelical avermelhado sob o aparecimento do
crepúsculo e, logo disse, mudando de assunto:
— Eu acho que já sei em que setor você vai trabalhar no escritório.
— Sabe? – Ele me encarou, curiosa. – Qual?
— Quero que você tome de conta do setor de apoio às ações sociais e
doações da Clifford.
— Isso é sério? Vocês têm mesmo esse setor lá?
Enfiei as mãos nos bolsos e suspirei, explicando:
— Não. Ainda não temos. Toda doação que a Clifford faz é por intermédio
do setor financeiro da empresa. Mas isso mudará. Direi à Beatriz amanhã
mesmo que providencie uma sala para tal atividade.
— Ai, meu Deus! Isso parece um sonho.
— Não é um sonho. Você me parece ser a pessoa perfeita para cuidar desse
tipo de serviço na Clifford, você já me deu prova disso. Vou providenciar
também um treinamento externo para a senhorita.
— Isso é muito mais do que eu poderia imaginar. – Ela disse, segurando o
rosto com as mãos.
— Embora falte algum tempo para liberá-la da função de minha secretária,
quero me faça um pequeno favor agora, srta. Evans.
— Claro, pode me dizer que faço tudo o que me pedir. – Ela parecia que ia
transbordar de tanta alegria.
— Quero que intermedeie as doações que farei para os desabrigados deste
bairro. Se depender de mim, toda essa gente terá onde morar e assistência
médica gratuita nos próximos dias.
Ela me olhou como se o céu tivesse se aberto sob nossas cabeças e um anjo
querubim houvesse descido diante dela.
— Não sei o que dizer.
— Não diga nada.
— Muito, muito, muito obrigada! — ela balbuciou com um sorriso de orelha
a orelha.
De súbito, seu sorriso se fechou, como se um pensamento ruim tivesse
atravessado sua mente de repente.
— O que foi? – Perguntei, imediatamente.
Seus olhos pareciam meio apreensivos quando ela respondeu:
— Eu tenho algo para conversar com você.
— É algo grave?
— É aquilo que eu disse que queria falar com você ontem.
Enruguei o cenho.
— Que tal buscarmos seu carro no estacionamento, subirmos para o
apartamento, comermos algo e depois conversarmos com mais calma.
Ela fez uma cara de quem já viveu isso antes e sorrimos juntos.
— Sua proposta é tentadora, mas, quer saber, vou aceitar. É pouco provável
que você consiga desviar o meu foco agora e, de certa forma, é algo que
necessita de tranquilidade para ser conversado. Não quero que dê uma
opinião sem digerir e pensar direito no que fazer.
Agora, sim, Susan havia me deixado curioso. O que será de tão sério que ela
tem para me contar? De qualquer maneira, achei que nós não nos
conhecíamos tempo suficiente para ela guardar um “grande” segredo.
No entanto, a ideia de tê-la comigo por mais tempo me animou, eu estava
louco para devorar aquela boca gostosa novamente.
Capítulo 23

Esperamos dentro da cabine do elevador, ansiosos pelo nono andar. Minha


boca e mãos já não se continham dentro dos bolsos e minha língua já tratava
de se deliciar com a boca suculenta e irresistível que ela dispunha. Porra! Se
pudesse, me despiria e a estocaria nesse elevador mesmo, sem cerimônia.
Mas, tão logo chegamos ao nono andar, a percebi um tanto nervosa quando as
portas do elevador se abriram.
Dei espaço para ela sair na frente, alcançando sua mão e saindo logo atrás.
Ela olhou para nossas mãos, ainda ofegando muito, e depois virou um pouco
o rosto para me encarar.
Susan parecia ainda mais nervosa a cada passada que dávamos em direção ao
centro da sala e isso, de alguma forma, me deixava ainda mais curioso sobre
o que conversaríamos.
No entanto, quando chegamos perto do sofá, meus olhos flagraram Bárbara
descendo as escadas.
— Bárbara? – Confesso que ela me pegou de surpresa.
Logo pela manhã, ela havia me enviado uma mensagem avisando que
precisaria se ausentar novamente para tomar conta da mãe no hospital, por
isso que fiquei surpreso ao encontrá-la em meu apartamento a essa hora, já
que Lux estava sob os cuidados de Meryl.
Raramente peço a outros funcionários para que desempenhem outras funções
que não sejam as suas de origem, mas foi Meryl quem me tranquilizou,
dizendo que podia dar conta do recado durante esses dias que Bárbara
estivesse fora, se eu a recompensasse devidamente.
Eu aceitei de imediato sua proposta. Confiava em Meryl e no seu senso de
responsabilidade, sabia que Lux estaria em boas mãos e eu não importunaria
Susan com funções totalmente avessas às que ela está acostumada a
desempenhar. Se bem que ela daria uma ótima mãe, já tem muito jeito com
crianças.
Bárbara desceu as escadas segurando algo e Susan largou minha mão no
mesmo instante.
— Pensei que não viesse hoje. – Comentei em alto e bom tom para a loira.
— E eu não viria se não estivesse precisando de um adiantamento. Minha
mãe rompeu um ligamento do tornozelo quando pisou em falso na escada de
casa e teve que fazer uma cirurgia de emergência ontem.
— Ela está bem?
— Sim, sim. Obrigada.
— Pedirei para que Meryl deposite o dinheiro ainda hoje.
— Obrigada – ela respondeu de modo sério, encarando Susan com um tipo de
olhar que causava desconforto. – Steve, agora, mudando de assunto, eu tenho
outra coisa para falar. Subindo para o quarto de Lux, acabei achando essa
bolsa....
Bárbara rapidamente sacou uma carteira pequena de couro sintético do que
parecia ser a bolsa de Susan e tirou de lá o que parecia ser dois SSN.
— Sabia que sua secretária tem dois documentos com nomes diferentes?
— Eu vou conversar com ele agora. – Susan a interrompeu, mas Bárbara não
deu ouvidos e apenas prosseguiu me dizendo:
— No entanto, o mais curioso é que sua foto não bate com o nome que ela se
apresenta. Se essas identidades forem mesmo autenticadas, seu nome é Julie.
Julie Christine Evans Collins.
Que merda é essa?
Olhei para Susan, ao meu lado, tentando buscar qualquer resposta que fosse.
— Isso é verdade?
Seus olhos começaram a lacrimejar e, no mesmo instante, tive a confirmação.
— Eu ia te contar agora.
Olhei para o outro lado da sala, respirando fundo e tentando pensar
racionalmente. Mas que merda!
Quem é essa mulher?
Ela estava me enganando a troco de quê?
Caminhei até Bárbara, com a cabeça fervendo de informações, e arranquei
aquelas identidades de sua mão, analisando as duas.
— É sua irmã. – Reconheci o rosto da mulher que passou a tarde inteira em
minha cola, mas, no mesmo documento, ela estava identificada como Susan.
Passei minha atenção para o outro documento e confirmei aquilo que Bárbara
disse.
— Vocês estão juntas nisso. O que vocês são? Bandidas?
— Steve, não tire nenhuma conclusão precipitada. Me dê a chance de
explicar. – Ela disse entre lágrimas, as quais eu não sabia nem se eram reais.
Só de pensar na possibilidade de ela ser desprezível como Lamar, me
embrulhava o estômago.
— Sempre achei que tinha algo de muito errado com essa mulherzinha. –
Bárbara comentou ao meu lado.
— Vá embora, Bárbara! – Murmurei, com os nervos à flor da pele.
— Como? Eu? Por que tenho que ir embora? Você deveria colocar é a
farsante para fora da sua casa... – Fechei os olhos enquanto aquela mulher
chata continuava enchendo meu saco. – Deveria enxotá-la daqui...
— SAIA DAQUI, BÁRBARA! – Vociferei, puto.
— Quer saber, eu vou. Mas saiba que não mereço ser tratada dessa forma.
Espero que denuncie essa delinquente por falsidade ideológica, é o mínimo...
— SAIIIII! – Esbravejei.
Ela finalmente recuou alguns passos e saiu para o elevador, em silêncio.
Coloquei meus olhos sobre Susan, que secava as lágrimas que não paravam
de sair dos seus olhos.
— Quem é você? – Quase cuspi aquela pergunta.
— Meu nome é Julie. Julie Evans... – Ela fungou, aparentemente fragilizada,
mas falou: — Nunca trabalhei em um escritório na vida antes de trabalhar na
Clifford, sempre fui babá de crianças. O currículo que lhe foi apresentado é
de Susan, minha irmã.
— Por que fizeram isso?
— Por que minha família precisava de dinheiro, estamos cheios de dívidas...
— É uma família de trambiqueiros, então.
— Não! Claro que não. Minha mãe e meu avô não sabiam disso. Eles não
têm nada a ver com isso.
Por mais que eu quisesse, não conseguia acreditar no que ela dizia.
— Por que não foi sua irmã quem esteve em minha empresa? Isso não faz
sentido.
— Ela esteve! – Ela quase gritou, desesperada, atropelando as palavras: – Eu
fui naquele dia da seleção com ela, foi tudo um mal-entendido.
— Eu subestimei você. – Sorri, olhando para o alto: — Cheguei a pensar que
você fosse do tipo que seria incapaz de dizer uma mentira. Mas, pelo visto,
você mente. E muito bem, por sinal. Eu nunca desconfiaria.
— Eu ia contar para você agora. Você sabe disso!
— Ia? Ou me contaria outra mentira?
Ela secou novamente as lágrimas com o dorso da mão, enquanto eu ouvia o
choro de Lux se aproximar da sala. Olhei por cima do ombro e a vi no colo
de Meryl.
— Que gritos são esses? Acabaram acordando Lux. – Meryl disse, descendo
a escada.
— Eu preciso ir. – A mulher em minha frente avisou e assisti ela dar alguns
passos para o lado e depois estancar.
Ela tornou a me encarar e disse:
— As chaves do meu carro.
Antes que eu pudesse responder algo, Meryl a respondeu:
— Estão em cima do aparador à sua esquerda. O mecânico deixou aí hoje
mais cedo.
— Obrigada! – Ela foi até o aparador e pegou suas chaves, secando as
lágrimas. Meryl, por sua vez, conseguiu fazer com que Lux parasse de
chorar.
— Falta isso também. – Levantei aqueles documentos entre os meus dedos
para que a ruiva pudesse os ver.
Pela primeira vez desde que colocamos os pés nessa sala, ela ergueu o olhar
para mim e fitou os pertences em minhas mãos. Ela veio até mim, os pegando
sem dizer sequer uma palavra. Mesmo que seus olhos estivessem vermelhos,
poderia sentir a indiferença em seus movimentos curtos.
Quando ela ia dar a volta para ir embora, peguei seu braço com firmeza e
sussurrei:
— Você poderia ao menos me olhar dentro dos olhos... Julie?
Ela olhou para o chão e mordeu o canto direito do lábio com força.
— Não estou em condição de encarar ninguém, sr. Clifford.
Ela soltou minha mão do seu braço e seguiu o caminho de volta para o
elevador.
— O que deu nela? – Meryl perguntou.
Respirei pesadamente e respondi:
— Nada, Meryl. Nada além de um equívoco. – Soltei o ar pelas narinas,
ainda puto com toda aquela merda de mentira, mas com uma angústia
corroendo a porra do meu peito por ela estar indo embora.
Porra. Esquece!
Ela não é nada do que imaginei que era. Razão o suficiente para esquecer de
que um dia eu cogitei a possibilidade de lagar minha vida de putaria por uma
mulher.
Capítulo 24
Entrei em meu carro e o choro barulhento entalado em minha garganta se
ampliou, dando vez a um mar de lágrimas, que vazaram exasperadamente de
meus olhos.
Por mais que eu tivesse imaginado o quão ruim poderia ter sido a reação dele,
jamais imaginaria o que presenciei minutos atrás. A forma grosseira como ele
me tratou, sua ira misturada à decepção. Deus, esse homem nunca me
perdoaria e eu estava tão mal, que me sentia sufocando aos poucos com seu
desprezo.
— Droga! Eu deveria ter contado antes. – Lamentei, soluçando e afastando
uma lágrima rechonchuda do canto do olho esquerdo.
Quando me acalmei mais um pouco, dei partida e voltei para casa, devastada
por um sentimento que nunca havia experimentado na vida. O amargor na
boca, minha cabeça doendo e pensando mil coisas por segundo, as mãos
trêmulas: tudo indicava que eu não teria uma boa noite de sono.
No entanto, mesmo assim, a única coisa que eu queria fazer naquele
momento era dormir. Talvez fosse a única forma de desligar os sentimentos
de vergonha e culpa que subiam para o meu cérebro.
Tomei cuidado para que ninguém pudesse me ver chegando em casa, pois
seria um verdadeiro martírio ter que inventar outra mentira para encobrir a
vergonha de ter enganado alguém.
Por sorte, Susan e minha mãe conversavam no quarto quando cheguei e o
vovô Charlie deveria estar assistindo as finais da MLB na tevê da cozinha e
torcendo fervorosamente para os Los Angeles Dodgers, seu time de beisebol
favorito. Aproveitei para tomar um banho demorado e coloquei um baby-doll
fresquinho lilás. Me enfiei dentro das cobertas e deitei minha cabeça no
travesseiro. Também virei meu rosto para a parede, dessa forma, Susan não
veria meus olhos inchados quando chegasse ao quarto para dormir.
Embora eu evitasse aquelas lembranças, elas eram estupidamente recentes e
continuavam martelando minha mente como se eu ainda não tivesse saído
daquela sala. Seu olhar endurecido sobre mim, suas acusações a respeito de
minha família, sua voz enojada, o choro de Lux. Quando dei por mim, outra
lágrima estava esquentando novamente minha bochecha.
Susan entrou no quarto e pareceu surpresa com minha presença.
— Julie? Desde quando você está aí? – Ouvi ela atravessar o quarto até o
guarda-roupa. – Nem vi você chegar.
Limpei a garganta, dando um jeito em minha voz chorosa, a fim de que ela
não desconfiasse de nada:
— Eu estava cansada, então vim direto para a cama.
— Se você está cansada, imagina eu que passei a tarde carregando colchões e
galões de água com seu chefe. Ah, eu espero que todo esse esforço valha a
pena e ele nunca descubra essa mentira, pois sinto que minhas costas vão
doer pelo resto da vida.
Sem querer, uma fungada escapuliu de mim.
— O que foi isso? – Susan perguntou, se aproximando.
Senti seu joelho afundar em meu colchão e, de esguelha, vi seus olhos me
espiarem do canto da cama.
— Você está chorando?
Droga!
No mesmo instante, cobri minha cabeça com o edredom.
— Ei, ei, ei! Pode me dizer. Por que está chorando, Julie?! – Ela me inquiriu.
Desci o edredom antes que ela falasse mais alto e nossa mãe escutasse.
— Ele descobriu tudo, Susan. – Minha voz saiu como um murmúrio fraco,
porém, suficientemente alto para ela escutar.
— Putz! – Ela tirou o joelho do meu colchão. – E agora? Como foi que ele
reagiu? – Ela olhou com a atenção para meu rosto e rapidamente comentou:
— Pela sua cara, bem que não foi. Por que você foi contar, Julie? Eu disse
que...
— Não foi eu quem contou, Susan.
— Quem contou então?
— A babá da sobrinha de Steve. Eu esqueci minha bolsa ontem à noite no
apartamento dele e ela a achou. Ela tirou minha carteira da bolsa e viu nossas
identidades, depois mostrou a Steve quando chegamos em seu apartamento.
— Que megera!
— Megera ou não, fomos nós que armamos essa farsa, Susan. Agora, se me
dá licença, eu quero chorar em paz.
— Espera! Ele vai nos denunciar?
Busquei em minha memória algum momento em que ele tivesse falado sobre
isso e não encontrei.
— Não sei. Ele não tocou nesse assunto. — Respondi, rapidamente. Só
queria ficar no meu canto em paz e esquecer disso, embora isso fosse uma
tarefa quase impossível.
— Eu espero que ele não tenha tamanha desconsideração comigo. Ah, eu não
deveria ter acabado carregando aqueles galões de água. – Ela choramingou,
se sentando na cama ao lado da minha. – Sem contar que apenas quitamos
uma parte do aluguel...
Finalmente, virei meu corpo e deixei Susan se lamentando em minhas costas.
Eu sentia que perder o salário do próximo mês era o que menos me importava
naquele momento. O que mais me feriu foi seu olhar de decepção, as palavras
duras e o jeito que pareceu ter sido o fim. Por mais que eu tivesse assegurado
a mim mesma que poderia lidar com a rejeição dele, era como se uma onda
tivesse passado por cima de mim, me devastado com força, e apenas tivesse
restado o caos dentro de mim.
Fiquei ali, com meus pensamentos em polvorosa, escutando Susan caminhar
até o guarda-roupa e se preparar para dormir. Quando as luzes se apagaram,
escutei sua cama ranger quando ela provavelmente se sentou na beirada e
outro fungado sonoro escapuliu de mim grosseiramente.
Alguns segundos depois, escutei sua cama ranger novamente e a senti se
aproximar do meu colchão. Ela se encaixou no espaço sobrando em minha
cama e me abraçou ternamente por trás.
— Você realmente estava gostando muito dele, não é? – Ela, pela primeira
vez, disse com pesar na voz.
Não consegui responder, mas o silêncio assumiu esse papel por mim.
— Não sei exatamente o que está sentindo, Julie. Mas lembre-se que você é
uma pessoa boa. Não se esqueça jamais disso...
Pressionei os lábios, tentando não chorar na presença de minha irmã.
— Eu contei a ele sobre nossa condição, Susan. Mas ele não ligou. Ele foi
grosseiro. O olhar dele... – Eu respirei pesadamente. — Ele nunca mais vai
querer me olhar na cara...
— Azar o dele. Você é uma mulher linda, cheia de virtudes...
— E mentirosa. – Acrescentei.
— E ele por acaso é algum santo? – Ela replicou. – Por Deus, Julie! Você é
um cordeirinho perto daquele homem. Se ele gostar realmente de você e for
um cara inteligente, não vai deixar uma mulher feito você escapar.
— E se ele não gostar o suficiente de mim? – Indaguei.
— Aí você levanta as mãos para o céu e agradece! Onde já se viu gostar de
uma pessoa que não consegue perdoar um pequeno erro seu? Não é como se
você o tivesse roubado ou algo assim.
— Talvez dizer a verdade seja algo muito importante para ele. – Refleti,
amuada.
— E o que é importante para você? – Susan me questionou. Raramente
tínhamos essas conversas, mas confesso que precisava disso nesse momento.
– Você vai se livrar dessa culpa quando você parar de pensar nele e começar
a pensar em si própria. Você é linda, Julie, por dentro e por fora. Não se
culpe tanto, e essa ideia foi exclusivamente minha. Se ele quiser culpar
alguém, que venha falar comigo.
Ficamos em silêncio por mais alguns segundos até que eu comecei a me
sentir melhor.
— Obrigada, Susan.
— Por nada, meu cordeirinho. – Ela me abraçou mais forte.
— Não me chama assim, é esquisito. – Resmunguei, enrugando o nariz, e
sorrimos juntas.
— Agora eu vou para minha cama, porque, depois do dia de hoje, o único
que deveria estar preocupado era o seu chefe em me pagar umas sessões de
fisioterapia e massoterapia.
Ela se arrastou para fora da cama e saiu com as mãos nas costas, deitando em
seu colchão e gemendo.
— Ah, que vida boa! – Ela exclamou. — Boa noite, Julie!
— Boa noite, Susan!
Felizmente consegui pegar no sono depois de horas acordada pensando nele.
Eu meio que me obriguei a dormir, pois, os trabalhos no abrigo não tinham
acabado, tampouco minha vontade de ajudar. Agora, que estou
aparentemente desempregada (e, não! Não voltaria em sua empresa), pensei
que fosse melhor me concentrar, nos próximos dias, em voltar a entregar
currículos e passar o resto do dia na quadra da escola. Talvez assim me
ajudasse a tirar ele aos poucos da minha cabeça.
Capítulo 25

Três dias depois...

— Vocês não ficaram sabendo? – Minha mãe indagou com uma xícara de
café na mão, admirada por eu e Susan ficarmos surpresas ao ouvir dela que os
moradores seriam transferidos para um abrigo mais bem equipado do que a
quadra da escola do nosso bairro. – O presidente da associação não comentou
nada com você, Julie?
Estávamos todos reunidos em volta da mesa da cozinha, tomando café da
manhã.
— Não que eu me lembre. – Respondi e dei uma garfada na panqueca em
meu prato, achando estranho Jason não ter falado nada sobre o assunto
comigo.
— Parece que a associação do nosso bairro recebeu uma doação milionária e
que quem perdeu a casa naquele dia da enchente e do tornado vai ganhar uma
novinha.
— Meu Deus! – Susan cobriu a boca com a mão e disse: — Por que não
fomos atingidos? Por quê?
— Que besteira é essa, Susan? – Mamãe ralhou.
— Não seria um mal negócio se essa casa tivesse sido atingida pelo tornado.
Ganharíamos uma nova casa e, de quebra, sairíamos do aluguel.
— Bata na sua boca. Isso é coisa séria, Susan. Alguém aqui de casa poderia
ter se ferido gravemente. Deveria agradecer...
— A senhora sabe quem doou esse dinheiro, mãe? – Interrompi, ressabiada
com a origem dessa tal doação milionária.
— Não, querida. Os boatos que correm por aí é que foi feita uma doação
anônima, ninguém até agora se identificou. Na verdade, apenas soube disso
ontem à noite, quando Claire veio ontem aqui para jogar conversa fora.
Teria sido ele?
— Anonimamente? Quem doaria anonimamente? – Susan pensou alto. –
Hoje em dia todo mundo quer se aparecer ou tirar vantagem em fazer
caridade.
— É, parece que ainda existem pessoas de bom coração. – Vovô se
pronunciou pela primeira vez. – Com certeza, essa pessoa deve ser boa como
minha filha e minhas netas. – Ele disse.
Embora vovô não estivesse mais em condição de ajudar no abrigo, sabia que
ele sentiu um baita orgulho em nos ver aqueles dias ajudando nossa
vizinhança, afinal, sempre foi ele quem nos ensinou desde cedo a olhar ao
nosso redor e não apenas para o próprio umbigo. Vê-lo feliz em dizer isso,
me enchia de alegria também, pois, assim como qualquer outro ser humano,
meu avô não ficaria nesse plano para sempre. E saber que dei orgulho para
ele de algum jeito transbordava meu coração de felicidade, dadas as
circunstâncias, em que eu não me encontrava em minha melhor fase.
Os últimos dias foram difíceis, mas coloquei na cabeça que poderia superar
se eu não pensasse tanto nisso. E era isso que vinha fazendo: não pensar
demais.
— De qualquer forma, temos que ir hoje ao abrigo. – Eu disse, me levantando
e me direcionando à pia para lavar as louças.
— Ah, não! De novo? – Susan reclamou.
— Se esse boato que mamãe disse for verdadeiro, temos que estar lá na hora
da partida e ajudar a limpar a quadra da escola.
— Isso mesmo, filha! – Mamãe se levantou da cadeira e se animou: —
Vamos lá, garotas!
Susan abriu um sorriso amarelo e levantou a xícara no ar, fingindo estar
exultante:
— Iupi!
Sorri com o falso entusiasmo da minha irmã e aproveitei para lavar todos os
pratos. Antes de sairmos, subi as escadas e fui até o meu quarto, pegar uma
bolsa e meu celular em cima da cama.
Quase em um gesto mecânico, liguei a tela do aparelho pelo botão lateral e,
quando ia desligar para colocar dentro da bolsinha de pano, uma notificação
da caixa de entrada do meu e-mail me chamou a atenção.

“Você recebeu uma mensagem do endereço: Recursos humanos da


Clifford Technologies”

Meu corpo estremeceu quando passei os olhos sobre aquelas palavras e meu
coração começou a bombear mais forte dentro do peito. Sem qualquer
cerimônia, abri o e-mail e comecei a ler a mensagem que haviam me enviado:
“Bom dia, srta. Evans! Preciso que compareça amanhã ao escritório da
Clifford para seu primeiro treinamento. Preciso que traga seus
documentos originais (sua identidade ficará em total sigilo, o sr. Clifford
me explicou a situação).
Atenciosamente, Beatriz
Setor de Recurso Humanos da Clifford. ”

Treinamento? Eu li direito?
Reli novamente a mensagem e custei a acreditar que era isso mesmo. Steve
me quer de volta a sua empresa? A troco de quê?
— Encontrou o celular, Julie? Vamos logo antes que desista de ir hoje. Acho
que minhas idas ao abrigo estão ultrapassando os limites de minha bondade. –
Susan chegou ao quarto dizendo.
Nossos olhos se cruzaram e tinha quase certeza que eu estava de boca aberta.
– O que foi? Por que essa cara de quem acabou de ver uma fofoca
bombástica?
— Eu recebi um e-mail do escritório da Clifford, Susan.
— Ah, meu Deus! Ele vai mesmo nos processar. – Ela segurou os cabelos
começando a se desesperar.
— Não. É o contrário. Estão me chamando de volta.
— De volta? – Ela enrugou o cenho, confusa.
— Leia! – Entreguei meu celular para que ela pudesse dar uma olhada no e-
mail.
Susan pegou o aparelho de minhas mãos e leu a mensagem.
— Treinamento? Isso está estranho. – Ela analisou. – Ele comentou algo
sobre treinamento antes?
Recordei-me do último dia que estivemos juntos e respondi:
— Ele havia me falado que eu ficaria responsável pelo setor de doações da
empresa, algo assim, depois que a sra. Johnson retornasse de San Diego.
Susan pareceu pensar mais um pouco e balbuciou, com um sorriso crescendo
nos lábios:
— Puta merda, Julie! Você tem um emprego fixo agora.
— Você acha mesmo que não é nenhum equívoco? Ela pode ter falado com a
Beatriz antes de saber que eu não era...
— Mas claro que não. Aqui diz: “sua identidade ficará em total sigilo, o sr.
Clifford me explicou a situação”. Ele quer preservar sua imagem na empresa.
— Mas a troco de quê ele me quer de volta? Da última vez, ele estava tão
bravo, que só faltou me dizer com todas as letras que não me queria em sua
frente nem pintada de ouro.
— Ah, irmãzinha! Mas pelo que vi aqui, ele quer te ver, sim. Pintada ou não
de ouro.
— Você tem certeza?
— Mas é claro. Pelo visto, você pode ter fisgado mesmo o coração do
bonitão, hein Julie! Quem te viu, quem te vê. – Ela me deu uma cotovelada,
sorrindo.
— Eu não sei se tenho coragem de aparecer lá depois de tudo o que
aconteceu, Susan.
— Ah, para de besteira. Você vai rejeitar um emprego fixo? Não, senhora.
Pobre não tem essa de orgulho bobo não.
— Eu acho meio cara de pau chegar lá e agir como se nada tivesse
acontecido.
— Mas se você vai para um treinamento, quer dizer que não vai mais
trabalhar diretamente com ele.
— Mas e se ele aparecer? – Perguntei.
— Verdade. Tem essa possibilidade. Se ele te quer na empresa, com certeza
vai dar um jeito de te ver.
— Parece tudo estranho. – Cruzei os braços, pensando mais pouco sobre a
situação. O que fez ele mudar de ideia? Será mesmo que ele gosta de mim?
Será que ele sente minha falta tanto quanto eu sinto a dele?
— E se vocês tivessem uma conversa antes? – Susan sugeriu. Tornei a prestar
atenção ao que ela dizia: — Você poderia ir ao apartamento dele hoje e ter
uma conversa franca com Steve. Olha, Julie, às vezes, na hora da raiva, as
pessoas dizem coisas impensadas. Pode ser que ele queira se acertar com
você.
Nisso tive que concordar com Susan. Ele poderia ter esfriado a cabeça e
pensado mais nesses últimos dias. Mas acho difícil que Steve tenha caído de
amores por mim durante esse tempo. Embora pareça ser uma pessoa dada às
relações interpessoais, quando se tratava de sentimentos, ele parecia ter suas
próprias armaduras. A prova disso foi a última vez que nos vimos, nunca
pensei que ele fosse agir de maneira tão rude e fria. Era como se realmente eu
tivesse o afetado com minha mentira de forma exponencialmente maior do
que eu esperava.
Resolvi respirar fundo e decidi pensar mais durante o dia sobre o que eu faria.
Não queria me precipitar, cometer uma besteira e estragar tudo.
Teria que agir com inteligência se o quisesse de volta e, quiçá, entrar em seu
coração.
Capítulo 26

Respira, Julie!
Eu repetia comigo mesma enquanto atravessava o estacionamento do prédio
de Steve em plena oito horas da noite. Embora o horário não parecesse muito
adequado para visitas, teoricamente eu teria que me apresentar no dia
seguinte na Clifford caso eu quisesse aquela vaga, então decidi ter essa
conversa o quanto antes com ele.
Andar por aquele prédio parecia ser uma tortura depois da última vez que
estive ali. Minhas mãos suavam e minhas pernas ficavam trêmulas só de
imaginar seus olhos azuis cinzentos me encarando.
Quando cheguei ao prédio, não foi nem preciso comunicar ao porteiro sobre
minha chegada, ele reconheceu meu carro de imediato e liberou o portão.
Mas depois, no elevador, perguntava-me se não teria sido melhor ter pedido
para avisar sobre minha chegada.
No entanto, temia que ele rejeitasse minha visita. Eu ainda estava bloqueada
no WhatsApp e não sabia ao certo o que isso significava. Ele me quer de
volta em sua empresa, mas não me quer em sua lista de contatos?
Era por isso que deveríamos ter essa conversa, para sanar essa e todas as
dúvidas. Para saber o que ele queria de mim e por que a razão queria me
manter no escritório da Clifford. E, talvez o que mais me interessava, eu
queria saber se sua raiva havia secado.
As portas do elevador se abriram no nono andar, descortinando o pedaço da
sala visível dali. Dei dois passos para a frente, antes que as portas se
fechassem novamente, e prossegui por mais alguns metros adiante.
Na sala, não havia nada além dos móveis taciturnos e a vista da Golden Gate
reluzente lá fora. Decidi explorar um pouco mais, dando alguns passos em
direção à cozinha e, quando estava perto o suficiente, minhas pernas pararam
quando escutei duas vozes conversando.
— Você é um completo mentiroso, Steve. – a voz feminina disse entre risos.
– Jura que não se lembra daquela noite, mas tenho por mim que isso não
passa de uma mentira deslavada.
Dei mais uns passos para o lado, estanquei ao lado do aparador com vasos e
pratos de alumínios e confirmei, de longe, com os meus próprios olhos, quem
era a dona da voz: Bárbara.
Steve estava apoiado na bancada com um copo raso de uísque entre os dedos,
enquanto a taquara loira tocava seu ombro com uma mão, parecendo se
insinuar para o chefe.
— Eu realmente não lembro. – Steve respondeu friamente e deu um gole no
uísque.
Em seguida, Bárbara tomou o copo da mão dele.
— Quer que eu lembre como foi naquela noite? – Ela deu um gole na bebida
acastanhada e lambeu os lábios. – Como sabe, bebemos muito naquela noite.
Você havia acabado de me contratar e Lux tinha ido dormir. Você me contou
todos os seus problemas e depois disse que estava louco de tesão...
— Eu disse isso? – Perguntou Steve.
— Com todas as letras, baby! Depois disso, você me comeu nessa bancada e
posso garantir que foi muito gostoso.
Meu coração gelou quando ouvi as últimas palavras de Bárbara.
Ele transou com ela?
Ele... Ele me disse que não se envolvia com funcionárias. Mas transou com a
babá de sua sobrinha?
Que ordinário!
Ah, Deus! Como eu pude acreditar?
Como pude ser tão tola e iludida?
Eu era mais uma funcionária em sua cama e saber disso me embrulhou o
estômago e me machucou de forma irreversível.
Um milhão de pensamentos se agitaram em minha mente e tudo o que eu
queria era sair dali, o mais rápido possível. De preferência, sem chamar a
atenção daqueles dois. Minha cabeça girou e minha visão ficou turva devido
às lágrimas que enchiam minhas órbitas.
Girei meu corpo com todo o cuidado e limpei os olhos, esbarrando com o
braço em um dos pratos de alumínio em cima do aparador.
O objeto, que parecia ser alguma peça de exposição de obras de arte,
rodopiou em cima do aparador de vidro, provocando tudo aquilo que eu mais
temia naquele momento: os olhares dele.
Steve se virou para averiguar o que tinha acontecido e eu petrifiquei por uns
instantes no lugar que estava quando seu olhar trombou com o meu.
— Julie. – Ele disse em alto e bom som. – O que está fazendo aqui?
Reuni um pouco de coragem e minha voz saiu ácida ao dizer:
— Desculpe-me por importuná-los. Já estou de saída.
Naturalmente, meu rosto endureceu e dei alguns passos para trás, virando
meu corpo e desatando uma caminhada de passadas largas até o elevador.
— Ei! Julie. Espera! – Ouvi sua voz logo atrás de mim enquanto eu alcançava
o elevador. Apertei o botão e parei em frente às portas, torcendo que eu desse
a sorte delas abrirem logo.
Mas isso não aconteceu.
Steve me alcançou e se pôs em minha frente, me retendo.
Dei alguns passos para trás e ele perguntou:
— O que veio fazer aqui?
— Conversar com você, mas acho que não tenho mais nada a conversar.
— Sobre o que queria conversar?
Merda! A vontade que tinha naquele momento era de chutar suas bolas, mas
inspirei fundo e respondi friamente:
— Recebi um e-mail sobre um treinamento em sua empresa. Quis saber sobre
do que se trata.
Ele inspirou fundo e enfiou as mãos nos bolsos do moletom.
— Quero você de volta no escritório Clifford...
— Eu não quero.
Ele piscou copiosamente e tirou uma mão do bolso para gesticular para mim.
— Não estou entendendo. Veio aqui para rejeitar minha proposta?
— Sim. Isso mesmo. Eu vim rejeitar a sua proposta. – Pousei a mão na
cintura e ergui um pouco o queixo.
— Só pode estar de brincadeira.
— Não! Não estou.
As portas do elevador se abriram finalmente, então dei a volta nele, dizendo:
— Adeus, Sr. Clifford.
Ele pegou meu braço e eu repliquei na hora, segurando a porta de alumínio
para que não fechasse.
— Me larga!
— Você vai me deixar assim?
— Assim como?
— Você não viria aqui apenas para rejeitar minha proposta.
— Pois é. Mas eu vim.
Soltei sua mão do meu braço e caminhei para dentro do elevador, enquanto
ele se virou e parou em seu lugar, me encarando com um ar de contrariado.
Se eu não estou dando o que ele quer, eu estou feliz – foi isso o que pensei ao
ver as portas se fecharem diante de mim.
No entanto, quando faltava pouco para aquele elevador ser somente meu, ele
meteu o braço entre as portas e adentrou a cabine, apertando o botão ao lado.
As portas se fecharam e o elevador pareceu congelar completamente. Dei um
passo para trás, receosa.
— Agora você pode me contar qual o seu problema!
Contive um suspiro de tensão.
— Problema?
— Você me disse que sua família precisava de dinheiro, por que não aceita o
trabalho e consegue a porra do dinheiro? – Ele parecia estar se irritando. – Ou
estava mentindo?
Mas não hoje. Ele não iria me tratar com grosseria. Hoje não!
— Mentindo? Você acha mesmo que tenho que aceitar esse emprego para
provar que não estou mentindo? Quem é você para falar em mentiras? Um
santo? – Sorri, amarga. – Você transa com suas funcionárias e veio com um
papo dizendo que não se envolve com funcionárias.
— Eu não transo com minhas funcionárias. – Ele disse, entredentes.
— E a Bárbara, hein?! Eu acabei de ouvir tudo. Vai negar?
Ele fechou os olhos, parecendo respirar pesadamente.
— Eu não lembro dessa noite, ok?
— Não lembra, mas aconteceu.
— Não posso afirmar aquilo não lembro com exatidão. Bárbara nunca me
interessou. Naquela noite, lembro de encher a cara ao lado dela, eu ainda
estava acabado com a morte de Romena, mas não lembro...
— Isso já não importa mais! – Fui até o comando do elevador e descongelei,
apertando o botão do térreo.
Senti a cabine descer e Steve disse em minha frente:
— Aceite pelo menos a vaga em minha empresa.
— Pra que contratar uma mentirosa?
— Podemos conversar com mais calma.
Olhei para o painel do Led e vi que estávamos quase chegando ao térreo.
— Obrigada! Mas eu dispenso sua cordialidade. Você me feriu, Steve, mais
fundo do que você possa imaginar. Vir aqui me fez compreender que não
quero me ferir novamente. Isso é mais do que eu posso aguentar.
Ele olhou para o lado, passando a língua entre lábios, uma mania sua.
— Tudo bem, vá.
— Certo.
Ele apertou os olhos e disse, por fim:
— Eu gosto de você, Julie. Queria fazer você ficar. Mas eu não posso... – Ele
parou, como se não fosse fácil de dizer: — Eu não posso, pois, no fundo, não
confio você.
Aquilo me quebrou.
Então por que me quis em sua empresa novamente?
Isso seria apenas um meio de ele ter uma presa fácil para cair em sua cama
de novo?
— Certo. Eu também não confio em você, acho que estamos quites agora. –
Respondi à altura.
Felizmente, as portas do elevador me salvaram, se abrindo.
— Então... adeus! – Eu disse, dando o máximo de mim para não chorar em
sua frente. Não daria esse gostinho a ele.
— Adeus... Julie! – Ele enfiou as mãos nos bolsos, fitando meus olhos, de
cima, e esgueirou um passo para o lado, me dando espaço para sair do
elevador.
Ajeitei minha bolsa no ombro, olhando momentaneamente minhas sapatilhas
pretas. Ergui a cabeça e saí daquela cabine, seguindo para longe, sem olhar
para trás. Eu sabia que era o mais correto a se fazer, no entanto, fazer a coisa
certa era mais difícil do que se pensava.
Steve não confiava em mim. E, talvez, nunca confiaria.
Seria um erro aceitar aquele emprego e correr o risco de nos envolvermos
novamente e eu acabar ainda mais machucada do que já estava. Por isso
resolvi me blindar, pois não sabia sobre o que se passava dentro dele, mas,
em mim, tinha certeza do quão visceral esse sentimento poderia vir a se
tornar.
Capítulo 27

Retornei ao apartamento e disse à Bárbara que precisava ficar sozinho, mas


ela se recusou a ir embora.
— Eu não saio daqui até você me contar o que você tem com sua ex-
secretária.
— Desculpa, mas o que isso tem a ver com você?
— Tudo. Eu cheguei primeiro. Na prática, era para nós estarmos tendo um
caso.
— Que maluquice é essa? – Rosnei.
Não estava acostumado a esse tipo de coisa. Nunca tive alguém tão audaciosa
trabalhando para mim como Bárbara, e isso já estava passando
completamente dos limites.
Maldita hora que fui beber com essa mulher ao meu lado.
— Você deveria ter denunciado ela por falsidade ideológica.
— Que falsidade ideológica? Não sei do que você está falando. – Fiz a volta
na bancada e derramei o resto de uísque do copo na pia. Embora soubesse
que se tratava de algo sério, não me passou em momento algum pela cabeça
denunciá-la.
— Da Susan. Ou melhor, Julie.
Virei-me para encará-la e neguei na maior cara dura:
— Eu realmente não sei do que você está falando. Nunca conheci alguém que
cometesse tal crime. — Ela bufou e eu fui direto ao ponto: — Olha só,
Bárbara, eu não gosto de fazer isso, mas acho que essa relação profissional
temos não está dando certo. Eu preciso apenas de alguém que cuide de Lux e
não da minha vida. Amanhã mesmo você pode se acertar com Meryl. Ela lhe
pagará tudo o que é seu por direito.
Ela pareceu tomar um choque de realidade e gaguejou:
— Está me de-demitindo?
— Infelizmente.
— Você não pode fazer isso agora. Quem vai cuidar de Lux? Minha mãe está
parada em casa...
— Não se preocupe quanto em arrumar outro emprego, tratarei de lhe dar
uma boa carta de recomendação. E quanto a Lux, acho que posso cuidar dela
assim que acordar amanhã.
— Me desculpa. Eu... – Ela olhou para os lados, aflita. – Eu prometo que não
vou mais me intrometer em assuntos pessoais.
Pensasse isso antes. Embora eu não fosse acostumado em ter pessoas como
Bárbara ao meu redor, conhecia bem o ser humano para saber que ela dizia
isso da boca para fora.
E o único jeito para se resolver essa situação era cortando o mal pela raiz.
E foi isso que fiz no início daquela noite.
Quando Bárbara finalmente foi embora, subi para o meu escritório no
segundo andar, um pouco estressado com as tarefas administrativas
acumuladas nos últimos dias.
Estive andando muito disperso no trabalho e a falta de uma secretária já
estava tornando minha vida profissional mais pesada do que o normal, o que
conseguia me tirar fora do eixo de paz que eu costumava prezar. De alguma
forma, ainda estava relutante em contratar outra pessoa, mas, agora, tinha a
certeza que precisava fazer isso urgentemente.
Entretanto, não era só isso que estava me incomodando naquela noite. Isso
era café pequeno perto da discussão que tive com aquela grande incógnita de
cabelos ruivos. Ela pareceu alguém muito orgulhosa para quem se meteu em
uma empresa usando o nome de outra pessoa.
Bati com a mão na mesa de mogno e resmunguei, baixinho:
— Ela poderia ter ao menos aceitado a vaga!
Apesar de não confiar em Julie Evans, me conhecia o suficiente para saber
que eu poderia pensar demasiadamente nela se a distância entre nós não
ajudasse. Pra falar verdade, aquela ruiva já estava fazendo uma falta absurda,
que nunca pensei que sentiria por alguém que conheci há tão pouco tempo.
Talvez isso só fosse tesão, mas, porra, não conseguia pensar em nenhum
outro rabo de saia que não fosse o dela.
Lux havia dormido no início da noite, o que me permitiu relaxar um pouco
durante a noite. Mas, devido aos últimos acontecimentos, não tinha como eu
relaxar. Então decidi fazer uma coisa útil e deixar a porra da minha agenda
organizada e imprimir os documentos do e-mail institucional. E puta merda!
Havia muitos deles na caixa de entrada. Setor operacional, setor comercial,
departamento de publicidade e marketing, setor financeiro, todos eles tinham
algum documento para colher minha assinatura.
Parei um pouco para me alongar e meus olhos bateram na discreta câmera
instalada no canto superior do escritório. Havia três delas espalhadas pela
casa. Lembro-me de quando as instalei, foi após Mark me dizer que seus
funcionários estavam roubando dados da empresa do seu pai na casa da
própria família dele.
Claro, nunca desconfiei dos meus, pois sempre preferi que poucas pessoas
trabalhassem em minha casa; mas, por precaução, instalei três.
Se estivesse desconfiado de algo, teria instalado pelo menos umas trinta.
Mas não foi por isso que aquelas câmeras me chamaram a atenção, mas por
outro motivo. Quase havia me esquecido que tinha uma dessas perto da
cozinha.
Não pensei duas vezes e fui atrás do software de controle e monitoramento
dessa câmera em específico, tentando lembrar do dia em que estive bebendo
com Bárbara na cozinha.
— Porra! Não lembro do dia. – resmunguei, batendo as mãos ao lado do
teclado. – Foi mais ou menos uma semana depois da morte de Romena, em
março. – Raciocinei.
Contei os dias mentalmente e achei, depois de acelerar os vídeos dos arquivos
de março gravados automaticamente em uma pasta do computador.
Lá estava Bárbara e eu. Acelerei mais um pouco o vídeo, curioso para saber
que tipo de merda eu fizera.
Bárbara continuava ao meu lado na bancada enquanto, entre meus dedos,
estava a bebida avermelhada, um Johnie Walker Black Label 12 anos, um dos
melhores uísques escoceses que tinha em minha adega. Meu tronco se
inclinou para cima da bancada aos poucos, até estar com o lado do rosto
totalmente colado ao mármore.
Bárbara permaneceu ali me observando por alguns minutos, depois que eu
apaguei. Ela se levantou e pareceu se dispor a ajudar a me levar da cozinha.
Levantei, ébrio, passando o braço em seu ombro, e ela me conduziu até o
primeiro sofá da sala.
Daquele ângulo, a câmera não conseguia capturar toda a sala, porém, boa
parte dela, o suficiente para eu assistir Bárbara me sentando no sofá e tirando
minha camisa e sapatos. Em seguida, eu me deitei no estofado e ela tirou a
blusa rosa e a saia branca que usava, ficando apenas com um conjunto branco
de calcinha e sutiã. Ela se deitou no espaço vago ao meu lado e se
engalfinhou entre meus braços, parecendo beijar meu peitoral.
Acelerei mais um pouco, procurando por algo a mais, no entanto, naquela
noite, apenas adormecemos no sofá da sala. Sem sexo. Sem beijo. Sem nada.
Soltei um suspiro de alívio.
Naquele momento, o alívio era maior do que a raiva que deveria sentir de
Bárbara por duas razões. Primeira, pensei que isso tivesse chances reais de ter
acontecido, mesmo que meus instintos dissessem o contrário, mas não
aconteceu nada. Depois dessa, deveria confiar mais em meus instintos. E a
segunda é que, provavelmente, nunca mais a veria em minha casa depois que
eu a dispensei. Uma dor de cabeça a menos.
O telefone fixo tocou no canto da mesa e minhas sobrancelhas levantaram,
em surpresa. Aquele telefone raramente tocava, na verdade, hoje em dia, ele
estava ali quase de enfeite e quase ninguém sabia o número, exceto os amigos
mais antigos. Quase não lembrava mais do som que ele emitia.
Confuso, tirei-o do gancho e atendi, me recostando na poltrona de couro
escuro:
— Alô?
Um silêncio momentâneo se fez do outro lado da linha, porém, a voz familiar
finalmente se pronunciou:
— Estou aqui me perguntando: o que levou Steve Clifford ao seu escritório
às dez da noite?
— Basicamente, o receio de que a próxima semana do diretor executivo vire
um caos. – respondi a sra. Johnson.
Ela sorriu gostosamente e perguntou:
— Como estão as coisas, meu querido?
— Caóticas. Estou sem secretária novamente e com uma pilha de e-mails
para ler.
— Eu imaginei. Sei que Susan não está mais com você.
— Sabe? – Indaguei, confuso.
— Para quem você acha que os funcionários da sua empresa ligam quando
não recebem respostas? Eles não têm coragem de ligar para o diretor
executivo e vêm me procurar. – Escutei sua risada do outro lado da linha. – A
propósito, que saudade dessa risada leve e apaziguadora. – Eu estava
tentando ver o que fazia agora à noite e observei que estava visualizando os
e-mails. Pelo horário, imaginei que estivesse no escritório do apartamento.
— Sempre muito perspicaz. – Pontuei. — Como está o seu neto?
— Está melhor do que quando chegou ao hospital. É possível que ele tenha
alta logo, mas lúpus não tem cura, meu querido. – Ela suspirou. – As únicas
coisas que se pode fazer são controlar os sintomas e evitar as crises, com
medicamentos e um estilo de vida regrado. Então sinto que tenho que ficar
mais alguns dias ajudando minha filha com Martin.
— Não se preocupe, Michele. Você tem o tempo que precisar.
— Obrigada, meu querido. – Ela agradeceu enquanto minha mão embrenhava
meus cabelos. – Aliás, por que Susan desistiu? Eu creio que seja ela quem
tomou a decisão de sair, já que me parecera uma moça responsável e
esforçada.
Pousei a mão em cima da mesa e abaixei um pouco o queixo. Eu não
costumava ter segredos com a sra. Johnson, então resolvi me abrir pela
primeira vez sobre o que aconteceu:
— Na verdade, a ruiva que contratamos não se chama Susan. O nome é dela
Julie Evans.
— Como assim Julie?
Soltei o ar pesadamente, começando a explicar toda a confusão de nomes a
Michele, que pareceu ouvir atentamente do outro lado da linha.
Quando terminei, ela exclamou:
— Uau! Confesso que nunca imaginaria uma coisa dessas. Que loucura!
— Pois é, ela tentou me explicar que sua família precisava de dinheiro, mas
não acho que isso seja uma justificativa plausível para o aconteceu.
— Tem razão. Mas há uma coisa que não se encaixa nessa história. Por que a
chamou de volta para assumir um setor que nem existia na Clifford? Você
criou um setor para ela? – Ela fez uma pequena pausa. — Aconteceu algo que
não tenha me contado agora?
— Que tal falarmos sobre sua volta?
Ela riu do outro lado da linha.
— Steve, Steve! Eu conheço você, rapaz. Para de besteira e diga-me logo! O
que aconteceu?
Fechei o punho sobre a mesa, lamentando por aquela mulher me conhecer tão
bem. Relutei um pouco em dizer e o fiz:
— Nós tivemos um rápido envolvimento.
— Você... O quê? – Ela titubeou. – Desculpe-me, Steve. Não estou surpresa
com o fato de você ter se envolvido rapidamente com alguém, pois isso
sempre foi algo recorrente, mas com uma funcionária? – Ela exclamou do
outro lado da linha e pensou alto: — Oh, eu deveria saber que isso um dia
pudesse acontecer.
— Você fala como se eu fosse um completo safado.
— Com todo o respeito, mas você é apenas um completo safado. Ou pelo
menos era, nunca mais nenhum de seus affaires de uma semana me ligou
implorando que você atendesse às ligações. Até hoje me pergunto como elas
conseguiam meu número...
— Nunca prometi nada a nenhuma dessas mulheres, você sabe disso. Sempre
deixei claro minhas prerrogativas.
— E acho isso muito justo, meu querido. Não me interprete mal, minha
intenção não é julgá-lo. Mas...
— Mas?
— Mas, se você teve um caso rápido com essa menina, por que está tão
interessado em mantê-la por perto? Creio que essa criação repentina de setor
tem a ver com sua afeição pela garota. Estou certa?
Virei um pouco o rosto e umedeci os lábios. Michele continuou a falar pelo
telefone:
— Acho que alguém estava mais envolvido do que imagina.
— Como eu disse, ela recusou minha proposta.
— E você se estressou com isso. – Ela afirmou.
— Ela não vai mais voltar à Clifford.
— E isso assombra você?
Mordi o lábio inferior, encarando o quadro na parede a frente.
— Sinto muito lhe informar, Steve, mas acho que está de quatro por essa
menina.
— De quatro? – Sorri com um tom de sarcasmo.
— É a única resposta coerente a que cheguei, pois quem é que cria um setor
do nada apenas para manter uma pessoa por perto? Admita! Essa ruivinha te
tirou do eixo. – Ela riu. — Agora, o mais chato nessa situação é essa mentira
com os nomes... Pode não parecer, mas é algo muito sério.
— Eu sei disso. Por isso que não insisti para que ficasse, pois não sei se
posso confiar. Não a conheço direito... Isso me remete de alguma forma às
mentiras que Romena viveu com Lamar.
— Oh, a situação é completamente diferente, Steve. Não pense assim.
— Queria poder não pensar assim, Michele, mas é o que está dentro do meu
subconsciente.
— Agora, acho que você tem razão. Se estava mesmo apaixonado ao ponto
de se aprofundar em um relacionamento, você teria que decidir confiar em
Julie novamente. Se não está disposto a isso, é melhor deixá-la em paz.
Refleti sobre isso e agradeci:
— Obrigado, Michele!
— Por nada, querido. Como está nossa pequenina?
— Dormindo.
— E você está aproveitando para deixar tudo em dia?
— Isso mesmo.
— Se quiser, posso organizar sua agenda para a próxima semana. Mas você
ainda tem que arranjar outra pessoa para ficar em meu lugar.
— Não precisa, Michele. Não quero incomodar.
— Não é nenhum incomodo. Às vezes, eu fico muito entediada nesse leito.
Para você ter uma ideia, já escutei todas as histórias de vida das enfermeiras
deste hospital. Sinto que posso escrever um livro depois dessa temporada por
aqui.
Soltei um sorriso fraco.
— Você está triste? – Ela observou.
— Não.
— Parece desanimado.
— É o sono. – Respondi.
— Pois vá dormir. Amanhã pela manhã dou um jeito de organizar sua
agenda.
— Muito obrigado. Você sempre está salvando minha vida.
— Por nada. Até amanhã.
— Até amanhã.
Antes que eu desligasse, ela se antecipou em me chamar:
— Steve?
— Oi?
— Analise com mais calma sua relação com Julie. Nunca o vi dessa forma, e,
de alguma maneira, ter um relacionamento sério a essa altura da vida faria
bem a você. E talvez, também, a Lux, pois é provável que sua vida não volte
a ser uma festa como antes.
— Está me dizendo que preciso de um relacionamento?
— Não, de forma alguma. Estou dizendo que você precisa dar ouvidos aos
seus sentimentos.
O último conselho da sra. Johnson me deixou mais reflexivo do que já estava.
Ela se despediu e me deixou com um belo de um dilema para resolver dentro
de mim. Argh, nunca me imaginei dessa forma. Quebrando a cabeça por uma
única mulher, aliás, ela não era qualquer mulher. Apesar de sua mentira ter
me desapontado, não posso negar que ainda me sentia profundamente atraído
por ela. Como se eu não tivesse tido o bastante.
Porra!
Eu tenho que dormir.
Se eu continuar aqui pensando nela, é provável que o dia amanheça e eu
esteja plantado nessa cadeira.
Levantei-me, alongando o pescoço, e saí para o corredor, em direção ao meu
quarto. Antes, resolvi passar pelo quarto de Lux, para saber como estava
minha carequinha. Embora a babá eletrônica me enviasse notícias reais do
que acontecia em seu berço, gostava de fazer esse ritual de conferir com os
meus próprios olhos.
Ela estava deitada em posição fetal, com os bracinhos unidos debaixo do
rosto e bumbum para cima, dormindo tranquilamente. Esbocei um sorriso de
canto e balbuciei:
— Boa noite, pequena.
Dei alguns passos para trás e fechei a porta do quarto, ouvindo o suave
barulho das portas do elevador se abrirem. Retesei os lábios e estreitei os
olhos.
Quem seria uma hora dessas?
Seria ela? Julie?
Impossível.
Sendo ela ou não, resolvi descer para conferir com os meus próprios olhos e,
para meu descontentamento, me deparei com a loira de olhos verdes.
— Bárbara. – Suspirei, me aproximando – O que ainda faz aqui?
Ela esfregou as mãos na barra do vestido jeans e disse em um murmúrio:
— Desculpa por ainda não ter ido, eu fiquei no térreo, pensando que não
poderia sair daqui sem antes te contar a verdade.
Eu poderia dizer que já havia descoberto o que ela estava prestes a me dizer,
mas estava cansado demais para isso. Sem contar que não sentia nenhum
prazer nisso.
Eu mesmo faria questão de avisar na portaria que sua entrada não estava
autorizada a partir de hoje.
Então apenas deixei que falasse o que tinha que falar e abandonasse
finalmente meu apartamento para nunca mais voltar.
— Diga!
Ela começou, teatralmente:
— Eu não queria que isso acontecesse... aquela noite... Steve...
— Pare de enrolar, diga logo! – Rosnei, impaciente.
— Eu... Eu... eu estou grávida.
Pisquei os olhos, desacreditado.
Pousei as mãos na cintura, confesso, sorrindo.
— O que foi? Por que está rindo? – ela perguntou, irritada.
Cocei a ponta do nariz e inspirei fundo, endurecendo minhas feições ao olhá-
la dentro dos olhos.
— Estou rindo porque eu espero que esteja me contando uma piada.
Capítulo 28

Uma semana depois

Entreguei o último panfleto para o motorista da última fileira de carros.


Voltei para a calçada e toquei o alto da cabeça com a mão.
O sol estava de rachar em São Francisco e minha cabeça, torrando.
— Aqui. Toma. – Susan me jogou a garrafa de água, que trouxemos de casa,
e o tubinho de protetor solar.
Dei um gole na água e retoquei o creme em meu rosto – uma questão de
saúde, ainda mais para quem tinha uma pele extremamente sensível à
exposição solar, como a minha e de Susan. Bastava pegarmos um solzinho
para nossas sardas saltarem e se alastrarem em nossos rostos feito erva
daninha.
E digamos que aquele dia estava surrealmente quente.
No entanto, não tinha muito a reclamar em comparação à situação de Susan,
que se encontrava dentro de uma fantasia de frango. Deveria estar um calor
de matar lá dentro.
Susan e eu conseguimos um bico em uma lanchonete de frango frito, que nos
ofereceu 500 dólares e almoço grátis para passarmos o dia entregando
panfletos no sinal em frente ao estabelecimento.
Como a fantasia era grande demais para o meu corpo, acabou sobrando para
Susan representar o mascote da Chicken Bucket.
— Como está aí dentro? – Perguntei.
— O que você acha? Sinto que já transpirei toda a água do meu corpo. – Ela
choramingou.
Meu celular começou a vibrar no bolso de trás da calça jeans, peguei o
aparelho na mão para ver quem era e desliguei, imediatamente.
Apesar do bico de frango que nos separava, quase pude ver os olhares
bisbilhoteiros de Susan sobre o meu celular por trás daquela tela na parte dos
olhos.
— Era ele?
— Ele quem?
— Oh, Julie. Não se faça de sonsa. Steve, claro.
— Sim. Mas já desliguei. – Disse, desconversando e pegando mais uma
pequena montanha de panfletos na mão.
— Homens, sempre tão previsíveis. – Susan pensou alto, suspirosa. – É só dá
um gelo que eles ficam feito cachorrinhos correndo atrás. Mas não se engane,
Julie. Eles só ficam assim porque sentem prazer na caça, no momento que te
tem na mão, cinicamente desprezam suas presas e ainda te fazem questionar
sobre o que você fez de errado. Tão desprezíveis.
— Você acha que não sei disso, Susan?
— É sempre bom reforçar.
Depois daquele dia no apartamento de Steve, contei tudo em máximos
detalhes a minha irmã, que, assim como eu, ficou chocada com meu antigo
chefe temporário. Ela disse que havia um risco enorme do diretor executivo
da Clifford e eu nos envolvermos em um relacionamento sem compromisso,
caso eu ficasse tão disponível. Mesmo sendo por questões meramente
profissionais. Homens sempre dão um jeito de se fazerem presentes quando
ainda estão interessados e, quando seu interesse acaba, te descartam com uma
facilidade surpreendente.
Se ele pensa que vai fazer isso comigo, está muito enganado.
Poderia ligar o tanto que quisesse. Eu estava decidida a tirá-lo da minha
cabeça.
— Sabe o que nós precisamos? Relaxar. – Susan disse, apoiando a mão na
parede.
— Relaxar? – Arqueei uma sobrancelha.
— Sim, sabe a Calixta? Aquela minha amiga porto-riquense que estudou
comigo nos últimos anos do colegial?
— Sei. – Assenti, lembrando da mulher de sobrancelhas cheias, cabelos
castanhos e corpo exuberante. Calixta era a típica amiga rica de Susan e
sempre dizia frequentar os melhores lugares de São Francisco. Aparecia
pouco em nossa casa e, quando aparecia, se gabava das roupas caras que
usava e das viagens que fazia para a América Central.
— Pois é, ela nos convidou ontem para uma tarde na praia.
— Não sei se quero torrar novamente no sol essa semana, Susan. E também
nem sei se ainda tenho biquíni.
— Pegar sol na praia é outra vibe, Julie. E se quiser, te empresto um biquíni.
Eu tenho um vermelho trançado lindo que comprei quando estava
trabalhando. Eu nunca usei, acho que vai cair bem em você.
Parecia que Susan estava disposta mesmo a me convencer a ir à praia.
— Diz que sim. – Ela juntou as asas de frango, dando pulinhos, e meus lábios
estavam loucos para cair na risada.
Segurei o riso e assenti:
— Tá bem.
Fui vencida pelo frango gigante pidão.

Um dia depois
— Ficou maravilhoso! – Susan disse enquanto eu me olhava no espelho do
quarto.
Virei-me para minha mãe, como se pedisse sua opinião.
— Tudo fica lindo em você, minha filha.
— Não acham que está muito... devasso? – Perguntei, olhando para o biquíni
vermelho de tiras em meu corpo. – Essa parte de baixo parece muito pequena.
– Reclamei, sentindo a calcinha entrar em meu bumbum.
— Claro que não, Julie. Esses biquínis estão super na moda. – Disse Susan,
em seu maiô azul-escuro.
— Não vou me sentir confortável na praia com esse biquíni.
– Então use uma canga por cima. – Susan e sua impressionante capacidade de
encontrar soluções para tudo. – Pega essa aqui!
Ela me jogou o pedaço generoso de tecido preto, quase transparente, mas que,
aparentemente, resolveria meu problema. Passei em minha cintura, dando
voltas, e até que ficou nada mal.
Susan pegou a bolsa de praia e colocou os óculos escuros.
— Divirtam-se, meninas! – Mamãe disse, radiante, um pouco antes de
sairmos de casa.
Deixei um beijo demorado em sua bochecha e saí ao lado de Susan.
Era sábado. Um dia propício para a praia estar lotada de pessoas saradas que
passavam o dia na academia cuidando dos próprios corpos. No entanto, essa
não era minha maior preocupação enquanto dirigia pela famosa Bradford
Street, mas sim no consumo de álcool indiscriminado que seria feito horas
mais tarde.
Quando Susan se juntava com uma de suas amigas, ela tendia a ficar mais
solta e cair na onda de beber muito, por isso a alertei:
— Sem álcool, hein Susan?
— Eu não tenho dinheiro para beber, irmãzinha.
Como se isso impedisse de Calixta lhe pagar umas boas doses de vodka.
Chegamos ao local que fora combinado e avistamos Calixta com um grupo
de amigas. Susan e eu nos aproximamos, cumprimentamos o pessoal e
ficamos ali na beira da praia.
Umas das amigas de Calixta saíram para dar uma volta nos jet-skis ali perto e
outras dançavam com a música que vinha do bar. Já eu preferi ficar em uma
das espreguiçadeiras ao lado, observando o movimento.
— Estou achando Julie diferente. – Calixta me observava.
— Diferente como? – Susan indagou.
— Não sei. Tem algo de diferente nela desde a última vez que a vi. Não sei.
Não sei, parece mais mulher. – Calixta me analisava enquanto eu me
hidratava com água. – Julie, você transou? – Ela soltou e eu me engasguei
com água.
Levantei e Susan deu tapinhas em minhas costas.
— Oh, Julie. Desculpe-me, não quis soar inconveniente.
— Não... Tudo bem... – disse, me restabelecendo.
Um grupo de meninas voltava do mar e Calixta deu a ideia:
— Vamos esquecer isso. Que tal darmos uma volta de Jet-ski, garotas?
— Parece uma ótima ideia. – Susan concordou.
Quem era eu para discordar de algo? Apenas assenti e segui as meninas.
Eu estava me sentindo como a irmã mais nova que era obrigada a sair com a
mais velha e suas amigas, totalmente deslocada. Mas, mesmo assim, não
enjoei para ir embora, sabia que Susan precisava daquele momento de
descontração há tempos.
Talvez subir em cima de um Jet-ski me desse uma injeção de ânimo, já que
nunca havia subido em um antes e sempre tivera a curiosidade de saber como
era andar em cima daquele troço. Se bem que não quis tomar o volante, com
medo de perder o controle e cometer um assassinato náutico.
Sendo assim, Susan tomou a frente e dirigiu por nós duas, enquanto Calixta
nos acompanhava logo atrás.
Minhas mãos apertavam o tronco de Susan ao passo que percorríamos sobre
as suaves ondulações do mar. Resolvi soltar os braços quando me senti
segura para isso e me permiti sentir a brisa gostosa de um dia ensolarado
tocar o meu corpo, sorrindo por sentir que realmente eu estava me divertindo
depois de dias.
— Uhullllll! – Susan fez uma curva sinuosa, me levando a agarrar sua cintura
de imediato.
Susan e eu sorríamos abobalhadas, feito crianças, sentindo nossos cabelos
esvoaçantes sacudirem em nossos ombros.
Quando nos estabilizamos novamente, olhei para trás e estranhei.
— Não estamos muito distantes da margem? – Perguntei a Susan, vendo
Calixta ao longe, quase chegando na faixa de areia. – Calixta parece estar
voltando à margem.
— Relaxa, ela deve estar entediada. Vamos dar mais uma volta e depois
retornamos.
— Tá bem! – Anuí, deixando minha preocupação de lado, pois confesso que
estava também gostando muito de estar dando aquela volta de Jet-ski.
Ficamos mais um tempinho por ali e, quando Susan avisou que faria a volta,
repentinamente, o motor pareceu dar umas guinadas mais fracas. Até estancar
completamente.
— O que houve? – Perguntei, preocupada.
— Não sei. Desligou sozinho. – Ela disse, confusa.
— Tenta tirar a chave e ligar de novo.
— Ok.
Susan fez o que eu dissera e nada. O motor apenas roncava e morria logo em
seguida.
— Espera um momento, Susan. Deixa eu ver uma coisa. O que é esse
pontinho vermelho piscando no painel? – Questionei, forçando a visão do
lugar em que eu estava.
— É a gasolina. – Ela respondeu com a voz mortificada.
— Ah, meu Deus, Susan! Você não percebeu que estava com pouca
gasolina?
— Claro que não. Se me deram para andar, deduzi que tinha gasolina nessa
joça. – Susan se desesperou.
Olhei para o pedação de mar que nos separava da praia e um calafrio
percorreu minha espinha. Estávamos praticamente à deriva em alto mar.
— Calixta vai sentir nossa falta! – Susan inspirava fundo e eu tentava fazer o
mesmo, pensando positivamente.
Mas isso era quase impossível quando as ondas pareciam impulsionar ainda
mais o jet-ski para o alto mar.

Alguns minutos se passaram e nada de Calixta aparecer. Já estávamos longe o


suficiente para os meus olhos chegarem a fazer um esforço para avistar a
praia.
— Francamente, já era para Calixta ter se dado conta do nosso sumiço. –
Susan disse, irritada, prestes a desabar em choro.
Olhei para os lados, procurando por uma solução, e avistei um iate enorme,
vindo quase na mesma direção em que estávamos. Pela distância, se
tivéssemos sorte, ainda estaríamos ali perto quando ele se aproximasse.
— Um barco! – Susan finalmente o avistou. – EI, SOCORROOOO! PELO
AMOR DE DEUS, NOS AJUDEEEE! SOCORROOO!
— Eles não vão nos ouvir daqui. – Alertei, poupando minha irmã de gastar
sua saliva à toa. – Temos que esperar eles se aproximarem.
— E se eles fizerem uma curva e irem por outra direção? – Ela questionou,
amuada.
— Eles não vão fazer isso. – Sussurrei, tentando manter o pensamento
positivo.
Susan fez o mesmo e se calou, olhando fixamente para o lado. Ela também
pareceu mentalizar positivo e, por alguns minutos, isso estava dando certo,
mas, de repente, quando o barco estava quase entrando em nossa órbita, a
proa começou a inclinar para o outro lado.
— Não. Não. NÃOOO. – Susan começou a se desesperar. – EIIIIIIII!
ESTAMOOOS AQUI. POR FAVOR. SOCORROOO.
Naquela situação, até eu me pus a gritar, aflita:
— SOCORROOOOO! ESTAMOS AQUIIII! SOCORROOO!
Era tudo ou nada, me esgoelei gritando com toda a força dentro de mim.
O barco, de onde parecia vir uma música eletrônica, continuava a virar para o
lado e, quando minha garganta falhou, parei, cansada.
— Oh, não! – Susan lamuriou, ofegante. – Por favor, estamos aqui. – minha
irmã disse fraco, começando a chorar com a respiração pesada. – Por favor,
eu nunca mais reclamo da minha vida. – Ela fungou. — Eu serei uma boa
filha para a minha mãe e farei massagem duas vezes ao dia nos pés do vovô
Charlie, mas, por favor, faça esse barco virar!
Assisti ao iate diminuir a velocidade e depois parar completamente, como se
tivesse sido ancorado. Naquela posição, pude ler o nome estampado na lateral
da embarcação luxuosa, estava escrito bem grande e em letras cursivas:
Miller.
Como se a ajuda caísse do céu, dois jet-skis saíram detrás do iate, vindo em
nossa direção.
— Eles nos ouviram? Ah, meu Deus! Obrigada, eles ouviram. – Susan
repetiu ainda soluçando e chorando, emocionada.
— EI, GAROTAS! ESTÃO COM PROBLEMAS AÍ? – O homem forte de
cabelos dourados, que vinha na frente, nos perguntou.
— ESTAMOS SEM GASOLINA. – Gritei de volta.
Ele acelerou e parou ao nosso lado. Seu jet-ski era incrivelmente maior que o
nosso.
— Oh, merda! Vocês estão há muito tempo paradas aqui? – Em sua voz,
havia preocupação.
— Sim, há muito tempo! – Susan respondeu, quase saltando para o colo do
homem.
— Cerca de quarenta minutos. – Tentei ser mais exata.
— Não se preocupem, garotas. Vamos rebocar o jet-ski de vocês. Só preciso
que subam em minha garupa e nos acompanhem.
Embora se aprenda desde cedo a não confiar em estranhos, digamos que não
tínhamos muitas opções disponíveis. Não pensamos duas vezes em pularmos
para a garupa daquele completo desconhecido. Me parecia bem melhor do
que a maré nos levar mais longe.
— Como vocês se chamam?
— Susan.
— Julie.
— Prazer, Susan e Julie. Eu me chamo Tom. – Ele disse por cima do ombro,
acelerando para o iate.
Olhei para a lateral do barco e tive a impressão de que conhecia aquele nome
de algum lugar. Mas é claro que conheço. Miller é um sobrenome comum nos
Estados Unidos. Eu deveria ter conhecido pelo menos uns oitocentos Millers
antes dos vinte anos.
Minha mente se recusou a pensar demais sobre esse assunto, eu tinha coisas
mais importantes para me preocupar, como manter minha irmã e eu vivas.
Tom deu a volta no iate e parou em um lado mais baixo, onde poderíamos
saltar facilmente. A música alta no barco me levava crer que estávamos
adentrando em uma festa particular.
Susan pulou primeiro e eu fui depois.
Quando saltei para o piso do iate, deslizei um pouco na superfície branca e
lisa, mas Susan conseguiu me segurar antes que eu caísse no mar. No entanto,
minha canga não teve a mesma sorte, ela ficou presa na ponta traseira do jet-
ski e depois escorregou para a água, que tratou de levá-la para longe até a
imensidão do mar engoli-la.
Automaticamente, cobri minha parte de baixo com a mão, com as bochechas
em brasa.
— Fiquem à vontade, meninas. Vou ajudar meu amigo Mike a rebocar o jet-
ski de vocês.
— Está bem, Tom. Obrigada! – Susan agradeceu e eu fiz o mesmo,
desconfortavelmente, por estar me sentindo praticamente nua sem a canga
preta cobrindo a parte da calcinha do meu biquíni.
— Ah, enfim, salvas! – Susan deu um passo para traz, olhando em volta. –
Que tal explorarmos um pouco o iate? – Ela disse, animadamente.
Antes que ela pudesse dar mais um passo, segurei seu braço com firmeza.
— Vamos ficar aqui, Susan.
— Por quê? O cara acabou de dizer para que nos sentíssemos à vontade. Uma
voltinha não vai soar mal-educada, não é?
— Então vá sozinha. Eu não quero passear assim por aí.
Ela olhou para o meu biquíni e depois arguiu:
— Julie, você já olhou como essa gente está vestida? – Olhei por cima do
ombro as mulheres em biquínis minúsculos. – Você está perfeitamente
vestida. Apropriada, até. Deixa de bobagem e vamos! — Ela parou e
exclamou, parecendo ter colado os olhos no homem de sunga preta e pele
dourada: – Minha nossa, mas que delícia, hein!? – Ela me fitou novamente e
me puxou pelo braço: — Cuida! Não podemos perder a oportunidade de dar
uma voltinha no paraíso.
Ela estava radiante demais para alguém que fizera mil promessas aos prantos
minutos atrás.
Cambaleei para frente, com o corpo rijo, e passamos por um grupo de
homens e mulheres que dançavam freneticamente uma música eletrônica.
Todos pareciam muito bonitos, ricos e charmosos atrás de seus óculos de sol.
Ao perceber que havia mulheres com biquínis mais sensuais do que o meu,
aos poucos fui perdendo a vergonha. Um garçom passou por nós e ofereceu
champanhe e Susan prontamente aceitou.
Quando ela levantou a taça de champanhe no alto e pareceu se sentir como
aquela gente, tive um mal presságio de que a tarde naquele iate me renderia
uma bela de uma dor de cabeça.
Capítulo 29

— Oh, cara. Definitivamente há algo de errado com você. – Mark comentou,


sentando ao meu lado, e dei mais outro gole da tequila que estava sobre a
mesa de centro no terraço coberto do iate.
— Estou aqui. Não é estou? – Abri os braços, tentando fingir contentamento.
Fazia uma semana que não pensava em nada além da mulher de cabelos
alaranjados e jeito de menina, e em como seu desprezo estava me corroendo
aos poucos. Não sou do tipo que cai nesse joguinho feminino de sumiços
programados, mas duvido que ela esteja usando de alguma artimanha para me
atrair de volta. Ela pareceu ter sido enfática ao me dizer adeus e eu sentia que
não poderia lhe cobrar nada. Era o justo. Já que também deixei claro que não
confiava nela e talvez isso tivesse sido a gota d’água para nós.
Mas a vontade louca de vê-la outra vez sobressaiu-se sobre qualquer orgulho
que ainda me restava.
Como nunca acreditei em destino, liguei. Liguei quantas vezes achei
necessário.
Mas ela não atendeu.
Inferi que ainda estivesse chateada com a última vez que nos vimos e analisei
que ainda não era hora de ir pessoalmente encontrá-la, talvez ela batesse a
porta em minha cara. Quem diria que os papeis iriam se inverter? Era para eu
estar puto com ela.
Porra, isso ainda vai me enlouquecer.
Mas e se ela encontrasse alguém nesse meio tempo?
E se, para ela, tivesse mesmo acabado.
Oh, merda! No fundo, sei que para mim ainda não acabou.
Encostei-me no banco creme do iate da família Miller, olhando para aquelas
pessoas que se divertiam com a música e bebida de qualidade, e tomei mais
uma dose de tequila para esquentar a garganta.
Achei que vir a uma festa de Mark ajudaria a desligar meus pensamentos
obsessivos por aquela mulher. Então, depois de passar a manhã com minha
sobrinha em uma clínica pediatra fazendo exames de rotina, deixei Lux com a
babá novata durante essa tarde, sob a supervisão de Meryl, em meu
apartamento e vim para o iate.
Nessa última semana, contratei uma senhora com mais anos de experiência e
casada há mais de 30 anos, talvez assim eu não correria o risco de acordar
com a babá da minha sobrinha de calcinha e sutiã dentro dos meus braços.
Tampouco me dizendo que estava grávida sem eu nunca ter tocado em sua
boceta. Aquilo foi inacreditável.
— Cara, não acredito que você recusou um ménage com quatro gostosas.
Você está brincadeira. Por que isso não acontece comigo? Por quê? – Ele
abaixou o copo de uísque, olhando para cima.
— Não vim aqui para foder, Mark. – Falei e dei outro gole de tequila.
— E por que veio? – Desdenhou.
Virei o rosto para encará-lo e segurei a lateral do seu rosto, dei leves
batidinhas ali.
— Porque eu queria beber e papear com meu velho amigo. – Sorri e ele olhou
de esguelha para minha mão em seu rosto.
— Cara, tu está apaixonado por mim?
Explodi em uma gargalhada e fui até a mesinha, encher o copo de tequila.
Virei em menos de três segundos enquanto Sweet Dreams começou a tocar
nas caixas de som por ali. Levantei em um rompante.
— O que tu vai fazer? – Mark perguntou, assustado.
Comecei a balançar os ombros no ritmo da música.
— Resgatando o velho Steve. – Respondi, me divertindo um pouco.
Os vincos na testa de Mark se desmancharam e um sorriso se esticou na boca
dele.
— Safado. – Ele sussurrou, como se tivesse sido desafiado.
Ele levantou e começou a fazer aquela sua dancinha jogando socos no ar,
mexendo os quadris, o que já havia virado sua marca registrada nas festas que
frequentávamos. Entrei no ritmo e, despretensiosamente, meus olhos caíram
para o belo par de pernas desnudas entrando em meu campo de visão.
Naturalmente, ergui o olhar, passando pelo biquíni vermelho carmesim
sedutor, e endureci quando parei em seu rosto angelical.
Puta merda!
Era ela. Ardentemente linda. Diante de mim.
Como se o destino tivesse me desafiado, fiquei ali, petrificado, babando,
ainda tentando entender o que acontecia: se sua imagem era mesmo real ou
era a bebida começando a fazer efeito.
Capítulo 30

Ventava muito enquanto Susan caminhava em minha frente tomando mais


um gole de champanhe na taça estreita, balançando o corpo de acordo com a
música que saía de pontos estratégicos daquele barco.
Já havíamos caminhado por todos os cantos do andar inferior, o que não
pareceu ter sido o suficiente para minha irmã. Nunca tinha a visto empolgada
em toda minha vida.
— Será o que tem lá cima? – Susan perguntou em frente ao primeiro degrau
da escada elegante de madeira maciça.
— Não sei. E acho melhor voltarmos para o local que Tom nos deixou...
Ela revirou os olhos nas órbitas.
— Para de ser chata, Julie. Só vem. – Ela disse, se colocando atrás de mim e
me empurrando.
A fim de que não caíssemos dali, resolvi não travar uma lutar com Susan e
apenas subi para o deck de cima, que, aliás, pareceu mais luxuoso que o
andar de baixo, se isso era possível. Havia uma pequena piscina no centro,
que ficava azul devido às luzes internas; algumas espreguiçadeiras e
mesinhas de vime e um terraço coberto, de onde parecia soar mais alto a
música que tocava em todo o iate.
Não tinha tantas pessoas ali em cima como no piso inferior, o que me levou a
crer que não deveríamos estar naquele lugar.
Havia um grupo de quatro caras perto da piscina e, quando eles colocaram os
olhos em nós duas, tive certeza que meu rosto estava completamente tingido
de vermelho, como o meu biquíni.
— Agora que você já viu o que tem aqui, vamos descer. – Disse, desviando o
olhar para Susan.
— Falta irmos àquela parte coberta. – Ela apontou. — Aquele terraço parece
ter uma vista linda.
Coloquei-me de lado para ela e sussurrei:
— Por favor, vamos! Estou morrendo de vergonha desses caras.
— Oh, Julie. Para com isso. São apenas olhares. Só vamos até o terraço e
voltamos, ok? – Ela negociou.
Estudei a proposta e me encolhi quando notei que teríamos que passar por
eles. Isso seria muito embaraçante, principalmente, porque eu estava com a
bunda quase toda do lado de fora.
Fui direto ao ponto.
— E se eles olharem para minha bunda? – Sussurrei, sentindo o biquíni ficar
ainda menor em meu corpo.
— Não se preocupe, eu vou atrás de você. – Ela deu a solução, rapidamente,
como de costume.
Inspirei fundo e avisei, erguendo o dedo em riste:
— Não saia de trás de mim por nada.
— Entendido. Não sairei por nada. – Ela estava perigosamente animada, mal
podia disfarçar o quanto estava feliz em estar ali.
Puxei um pouco de ar e me concentrei em ir na frente. Quando passamos ao
lado dos caras, um assobio indiscreto fez com que minhas pernas quase
vacilassem.
— Oh, man! Acho que preciso de outro coração, porque o meu acabou de ser
roubado. – A voz masculina provocou um pequeno alvoroço entre os homens
ao nosso lado e eu corei violentamente enquanto caminhávamos em passos
largos para o outro ambiente em que a música estava mais alta.
— Ufa! Por um momento pensei que sairíamos casadas daquele beco. –
Susan brincou logo atrás de mim.
Ao passo que nos aproximávamos do segundo ambiente, meus olhos
alcançaram o homem de calça jeans encimada por uma camisa branca social
usada de forma descontraída. Ele dançava de forma máscula e sexy, me
chamando completamente a atenção, não porque ele parecia um homem
provocante executando aquela dança divertida, mas porque era ele. Quem eu
me neguei a pensar durante a semana inteira. Steve.
— Ui. Quem são esses gogoboys bonitões?! – A exclamação de Susan soou
logo atrás enquanto ela se deslocava para o meu lado.
Foi nesse exato momento que ele pôs os olhos em minhas pernas e subiu pelo
meu corpo, meu estômago gelou. E quando ele alcançou meu rosto, ele
mudou. Parando completamente.
— Santa coincidência! – Susan disse, pausadamente, assombrada. – É o
Steve, Julie.
— Estou vendo, Susan. – Murmurei de volta, sem conseguir desviar o olhar
do dele.
De repente, a música ao fundo foi congelada, de forma que o único barulho
que se escutava por ali era o do vento forte que chegava aos meus ouvidos. O
homem de cabelos castanhos e rosto familiar se colocou ao lado de Steve e
perguntou, com um controle remoto na mão:
— Irmão, essa aí não é sua secretária? – Mark perguntou, confuso.
Os olhos de Steve ainda estavam presos aos meus e, quando ele virou o rosto
para responder o amigo, resfoleguei.
— Ela mesma. – Ele disse, em um tom sério e baixo.
— Você trouxe sua secretária? Por quê? Quer saber, esquece. Ela parece um
espetáculo olhando-a assim, desse ângulo. – Ele inclinou o rosto para olhar
para minhas pernas e recebeu uma cotovelada no estômago. – Ai, caralho!
Estava brincando.
— Ela não é para o seu bico. – Steve rosnou e veio em minha direção.
Ele cumprimentou Susan ao meu lado rapidamente e se aproximou do meu
corpo, de forma que ficássemos a centímetros distância. Sem olhar em meus
olhos, raspou a língua entre os lábios, pousando as mãos na cintura.
— O que faz aqui? – Ele perguntou, impaciente.
— Não sei, mas já estou de saída. – Disse com convicção, sem fazer ideia do
que aconteceria comigo e Susan nas próximas horas.
— Não sabe? – Ele pela primeira vez me fitou os olhos. Céus. Que olhar
lindo. Suspirei. – Você simplesmente caiu do nada com sua irmã aqui?
— Basicamente, foi quase isso. – Susan explicou. – Nós estávamos andando
no jet-ski de uma amiga nossa aqui perto e tivemos um probleminha, mas
fomos resgatadas por dois tripulantes desse barco, um deles se chama Tom.
— Que problema vocês tiveram? – Agora foi a vez de Mark se intrometer.
Susan o respondeu, sem jeito:
— A gasolina faltou.
— Puta que pariu! Vocês estavam sozinhas sem gasolina em alto mar?
Steve continuava me fitando de maneira tão intensa que eu duvidava que
ainda tivesse ar circulando em meus pulmões.
— Mas já estamos indo. – Disse, encarando-o, e depois pegando a mão de
Susan. – Não é, Su? – Respirei.
Ela alternou o olhar para Steve e aquiesceu:
— Claro, Ju.
— Com licença, sr. Clifford. – Eu disse antes de dar dois passos para trás.
— Srta. Evans? – Steve me chamou.
Parei e tornei a fitá-lo. Vi seu pomo de adão subir e descer quando me virei
completamente.
— Você me daria um minuto para conversarmos? – Ele perguntou. – A sós.
Olhei para Susan ao meu lado, que estava com uma cara: ih, lá vem coisa!
Pigarreei e respondi:
— Tudo bem.
Susan soltou minha mão, dizendo baixinho:
— Vou ficar aqui com o amigo de Steve enquanto isso. Tente parecer difícil,
homens adoram isso. Boa sorte, maninha.
Ela me jogou um sorriso encorajador e tive a impressão de que todo o ranço
dela por Steve havia desaparecido momentaneamente quando Mark pareceu
estar olhando insistentemente para ela.
Tomara que ela siga o próprio conselho.
Susan caminhou mais para dentro do terraço coberto, onde estava Mark, e
Steve caminhou até o meu lado.
— Vamos?
Assenti com um acenar de cabeça comedido e caminhei ao seu lado em
direção à escada. Enquanto passávamos por aquele grupo de homens que vi
minutos mais cedo, um deles pareceu ficar de gracinha com Steve, que lhe
lançou um olhar ameaçador.
Descemos as escadas e, quando caminhávamos pelo corredor direito do iate,
ele parou em minha frente.
Steve terminou de desfazer os botões da camisa e fiquei tentando entender o
que estava fazendo. Ele tirou a camisa e me ofereceu.
— Cubra-se. Sei que não está confortável.
— Está tão na caro?
— Um pouco. – Ele coçou a ponta do nariz, olhando para o horizonte ao
lado, e pousou uma mão na cintura.
Relutei em aceitar sua camisa, mas não pude negar que estava louca para
arranjar algo para me cobrir.
Peguei a camisa de sua mão e passei os braços nas mangas, vestindo-a, sob
seus olhares atentos.
— Obrigada. Entregarei a você assim que sair desse barco.
— Por que não atendeu às minhas ligações? – Ele perguntou, se aproximando
novamente, enfiando as mãos nos bolsos da calça jeans.
— Pensei que o adeus naquele dia no elevador fosse pra valer.
Ele retesou o lábio inferior, como se algo tivesse o atingido.
— Então estava disposta a nunca mais me ver.
— Não estou entendendo. Você mesmo disse que não confiava em mim, por
que de repente quer tanto falar comigo? Ah, já sei! Será que não quer me
colocar no banco de funcionárias à espera de sua digníssima atenção como
homem? É isso?
Assisti sua mandíbula trincar.
— Não. Claro que não.
— Então se contente com apenas uma funcionária, Bárbara.
Ele olhou para cima, impaciente, enfiando as mãos nos cabelos castanhos, e
depois se voltou para mim.
— Eu não transei com aquela mulher, ok?
— Eu não acredito nisso.
— Escute! Naquele dia em que esteve em minha casa, eu acabei assistindo
aos vídeos da câmera de segurança instaladas perto da cozinha e realmente
não aconteceu absolutamente nada entre nós. Bárbara mentiu. – Ela mentiu?
— Agora cabe a você acreditar ou não.
Ponderei o que ele dissera e tentei dar uma resposta adequada devido às
circunstâncias. Steve poderia não ter ido para a cama com Bárbara, mas isso
não significava que ele estava se declarando para mim ou algo do tipo. Eu
não deixaria que ele me fizesse de boba. Havia prometido a mim mesma.
— Sendo assim, faço a escolha de não acreditar em você, sr. Clifford. Nada
mais justo já que não confia em mim.
— Bárbara já não trabalha em meu apartamento.
— Eu não estou entendendo onde você quer chegar com isso. Não faz
nenhuma diferença. É melhor cada um seguir seu caminho. Eu me arrependi
muito esses dias, senti culpa e muita vergonha, mas você nem ao menos se
preocupou em escutar o meu lado.
Ele passou a língua entre os lábios e falou:
— Julie, eu...
— Eu não estou disponível para o que quer de mim, Steve.
Melancolia lampejou naqueles olhos azuis cinzentos.
— Eu senti sua falta. — Ele disse em um arquejo e cobriu o lado do meu
rosto com uma mão.
Por que isso está se tornando cada vez mais difícil?
— Às vezes, não é falta o que você sente. Às vezes, só a insatisfação de não
ter alguém nas mãos. – Suspirei e dei um passo para trás. — Isso passa.
— Julie? – Ouvi a voz masculina me chamar atrás de mim.
Virei o rosto e meus olhos encontraram o homem forte de cabelos dourados
que havia nos resgatado minutos antes. Como era mesmo seu nome? Tom.
— Ah! Oi, Tom.
Girei os calcanhares, ficando de frente para ele.
— Tenho ótimas notícias. Consegui transferir um pouco de gasolina para o
jet-ski de vocês. Onde está sua amiga?
— Susan? Não, ela não é minha amiga. – Sorri. – Ela é minha irmã.
— Oh, sim. Deveria ter desconfiado, vocês se parecem muito. – Ele olhou
por cima do ombro e acenou com a mão. – E aí, Steve? Quanto tempo! Nem
sabia que estava a bordo.
— Pois é, Tom. Quem é vivo sempre aparece.
— Vocês se conhecem? – Tom analisou.
Um silêncio constrangedor se fez.
Soltei um sorriso fraco e respondi, sem jeito:
— Steve é meu antigo chefe.
— Puxa vida! Que mundo pequeno. Nunca imaginei que estivesse resgatando
uma ex-funcionária de Steve. – Ele brincou, risonho, como se isso fosse
mesmo uma grande coincidência. – Julie, que tal vir comigo ver o jet-ski de
vocês?
— Está bem. – Disse caminhando para o seu lado.
— Com licença, Steve. – Tom disse para homem, que pareceu soltar faíscas
pelos olhos enquanto nos assistiu sair dali.
Não poderia fazer nada, apenas segui Tom até o outro lado do corredor, na
parte baixa do iate, onde havia mais movimentação.
Capítulo 31

A existência de Tom River nunca foi tão relevante para mim. Porém, agora,
ele parecia tão irritante exibindo todos os dentes brancos para Julie, e eu não
me sentia no direito de impedi-la de ir com ele para o outro da embarcação.
Passei a mão na nuca, assistindo eles se afastarem, e tentei me resignar com
as palavras que ela me deixou. Mas, porra, no fundo, sabia que não
conseguiria ficar ali parado.
Se era para parecer um tolo ciumento, eu estava disposto a isso, pois, na
verdade, em minha cabeça não havia mais nenhum pensamento que não fosse
relacionado à vontade incontrolável de reaver a atenção daquela mulher para
mim.
Eu não poderia me permitir que a distância entre nós ficasse ainda maior,
então, me pus atrás dela.
Encontrei-a na área mais baixa do iate, perto do píer flutuante, ao lado de
Tom. Os dois conversavam e sorriam perto do pessoal que se reunia por ali.
Aproximei-me e o bastado sorridente me flagrou.
— Steve? De novo por perto?
Automaticamente, o olhar da ruiva se voltou para mim.
— Vim me certificar de que Julie esteja bem. – Estiquei o lábio em sorriso
um forçado.
— Estou ótima. – Ela rebateu, indiferente. – Pode ficar tranquilo e voltar a
fazer suas coisas lá em cima.
— Ah, sim, claro! – Meti as mãos nos bolsos. – A verdade é que lá em cima
está muito entediante. – Suspirei, usando um pouco de drama a meu favor.
— Não me parecia entediado. – Ela observou, semicerrando os olhos. – Na
verdade, parecia bastante animado quando o encontrei.
Tom pigarreou e tentou chamar a atenção dela de volta.
— Como eu dizia, Julie, posso acompanhar você e sua irmã à praia. Assim
vocês não correriam risco novamente de ficarem à deriva.
— Sério? Você faria isso mesmo por nós? – Os olhos de Julie brilharam. Até
parecia que estava louca para se livrar de mim.
— Mas é claro, Julie. Não faço nada além do meu papel como homem em
ajudar as mulheres.
Desgraçado! Ele sabe como preparar o terreno.
— Susan ainda está lá cima com Mark. – Intrometi-me, lembrando-a.
Os olhos de Julie se voltaram para mim novamente, os do bastardo do Tom
River também.
— Acho que deveria consultar a opinião de sua irmã, ela pode estar gostando
do passeio de barco. – Tentei admoestá-la.
Pareceu que finalmente dei uma dentro e ela parou para pensar.
— Tem razão. Ela deve estar gostando do passeio de barco. – Ela admitiu e
se virou para o homem atrás dela. – Tom, seria muito incômodo você me
deixar na praia e depois voltar para pegar Susan?
— Não. – Ele sorriu, abobalhado. – Claro que não. Digo que seria até melhor.
Assim poderíamos conversar mais durante o percurso.
— Que maravilha. Vamos então? – Ela falou sem nenhuma emoção na voz
para o filho da puta que já estava todo animado.
— Vamos!
Para o meu desgosto, Tom montou em cima do jet-ski ao lado em tempo
recorde e ofereceu a mão para Julie.
Antes que ela pudesse saltar para a garupa daquele palhaço, segurei seu braço
e rosnei:
— Você não vai com ele.
Seu corpo virou para mim e ela replicou com valentia:
— Qual o seu problema, sr. Clifford? Tem algo relevante a me dizer? –
Trinquei a mandíbula. — Pois se não tem, sugiro que me deixe em paz.
Um grupo de pessoas pareceu ouvir nossa conversa e exclamou em uníssono:
— Uuuuh!
— É isso mesmo, pessoal? Steve Clifford acabou de levar um fora? – Um
molecote caçoou por ali perto.
— Bem feito. Isso é para ele parar de se achar o rei do pedaço. – Uma voz
feminina surgiu logo em seguida.
— Para de recalque, Martha. Só porque não conseguiu pegar o cara. – Outra
voz rebateu.
Não desviei o olhar para aquelas pessoas, pois estava ocupado demais em
tentar fazê-la ficar, e ela, decida a ir embora.
— Quase ia me esquecendo. — Ela tirou minha camisa e me entregou.
Neguei-me a aceitar de volta e ela apenas se abaixou e deixou minha peça de
roupa no chão.
— Não vá. – Pedi, com dificuldade.
Ela me deu as costas e, no instante que fez isso, os assovios dos filhos da puta
atrás de mim ganharam vez. Tom sorriu para eles, fazendo meu sangue
ferver. Todos os sentidos se comprimiram dentro de mim e eu não sabia se eu
poderia me controlar. Olhei para o céu, pedindo paciência, mas que dane a
paciência.
Passei meu braço em sua barriga, puxando-a para mim. Suas costas
trombaram com meu tronco e ela estremeceu. Rapidamente a virei para mim
e me abaixei um pouco para passar o braço em suas coxas, erguendo seu
corpo para o meu ombro e prendendo suas pernas em meu peitoral.
Comecei a caminhar para o corredor ao lado e ela resmungou, tentando me
chutar:
— Me solta! Steve, me coloca no chão agora. – Ela ordenava, alto, se
agitando em cima de mim.
Não dei ouvidos até seu pé acertar minhas partes baixas, me levando a pender
para o lado e perder completamente o equilíbrio.
Naquele momento, não tive muito tempo para raciocinar, quando vi, já estava
indo de encontro com o mar enquanto segurava firme a mulher teimosa em
meu ombro, e, em seguida, um estampido se fez.
O impacto dos nossos corpos perfurando a água foi o último som processável
que chegou aos meus ouvidos. Não sei exatamente quando foi que meus
braços soltaram as pernas de Julie, mas, quando abri meus olhos, tratei de
procura-la ao meu redor.
Encontrei seu rosto assustado debaixo da água e automaticamente segurei seu
braço, de maneira que eu pudesse levar seu corpo de volta à superfície. E foi
o que fiz, impulsionando nossos corpos para cima.
Escutei a respiração de Julie ofegar quando entramos em contato com o ar,
com seu rosto a centímetros do meu, ao passo em que eu mantinha nossos
corpos flutuando.
— Eu sei nadar. – Ela se desgarrou da minha mão.
— Por que é tão teimosa?
Ela sorriu, sarcástica, abrindo os braços para se manter estável dentro d’água.
— Eu que estou sendo teimosa? Tem certeza?
Desci o olhar para seus lábios vermelhos e rosnei:
— Quando vai entender que estou louco por você?
Aproximei nossos corpos, colando nossas testas.
Seu olhar doce e turrão tão próximo ao meu, nossas respirações ofegantes que
misturaram e se tornaram uma só, tudo isso me levou a crer que só existia ela
e eu naquele momento.
Capturei uma de suas mãos e a colei em meu peito, que batia depressa.
— Nada e ninguém se compara a forma como você me faz sentir, Julie
Evans.
Ela fisgou o lábio inferior, se desiquilibrando, quase afundando. Entretanto,
minha mão aparou seu braço antes que isso acontecesse.
— Tenho que voltar. – Ela mudou de assunto, se desfazendo novamente da
minha mão, e nadou até o barco.
Continuei ali, a observando por alguns segundos e tão logo fiz um esforço
para sair da água também.
Julie recebeu a ajuda de Tom, que havia abandonado o jet-ski e voltado para
o iate, esperando-a com uma toalha branca na mão.
De maneira mecânica, apoiei as mãos nas bordas da embarcação e alavanquei
meu corpo para cima, sentando na superfície branca e lisa.
— Eu vou chamar Susan. – Julie disse, me fitando de cima, parecendo mais
cautelosa.
Seu cabelo havia ganhado uma tonalidade mais fechada ao ser molhado e
suas pernas alvas pareciam mais pálidas.
— Ok! – Não sabia se ela havia direcionado tais palavras a mim, mas apenas
assenti seriamente.
Deixei que Julie fosse procurar a irmã em paz e recebi a toalha da garota loira
e gentil, prima de Mark.
— Obrigado, Eva.
— Por nada. – Ela sorriu.
Sequei o rosto e continuei observando Julie se afastar, indo atrás da irmã.
Capítulo 32

Das cenas mais prováveis de se encontrar no canto do segundo andar, talvez a


imagem de Susan sentada no colo de Mark enquanto os dois se atracavam em
um beijo urgente em um sofá de couro bege fosse a mais difícil de se digerir.
— Susan!
Ela paralisou e me lançou um olhar confuso, ainda ofegando perto da boca do
cara que aparentava ter sua idade.
Ela levou a mão para o cabelo e arrastou uma mecha para trás da orelha.
— Julie? Você já voltou? – Ela sorriu, nervosamente. – Por que não vai dar
outra voltinha? – Ela arregalou os olhos como se quisesse me passar uma
mensagem, a qual não estava disposta a entender.
— Temos que ir. Nosso jet-ski já está abastecido.
— Como assim abastecido? Quem foi que fez isso? – Ela enrugou o cenho
para perguntar, como se estivesse indignada. – Aliás, você tomou banho de
piscina? – Ela perguntou, finalmente reparando em meus cabelos molhados e
a toalha enrolada em meu corpo.
Ela saiu do colo de Mark, que não tirou os olhos dela.
— O Tom. O cara que nos salvou hoje mais cedo abasteceu nosso jet-ski.
— Por que não ficam mais um pouco? – Mark se levantou me olhando. – O
que você gosta de beber? – Ele direcionou a pergunta a mim, na tentativa de
me fazer ficar e ganhar mais um tempo com Susan. Os dois pareciam que
estavam loucos por mais um beijo e eu... Oh, droga! Eu odeio ser estraga
prazer.
— Gin. Tem gin aí? – Perguntei, rendida.
Gin era a única bebida tragável para mim, então, resolvi dar essa colher de
chá a minha querida irmã, que provavelmente deveria estar há muito tempo
sem beijar.
— Mas é claro que temos Gin. Eu, na verdade, sou o mestre dos Gins. –
Mark brincou, animado. — Só um momento. Vou buscar no freezer. Já trago
sua taça.
Mark se afastou para o outro lado do ambiente e eu me aproximei de Susan.
— Só vou beber essa taça de Gin e depois vamos embora, Susan. – Avisei.
— Certo. Só uma taça. – Ela disse, empolgada.
Estudei seu sorriso e comentei, escabreada:
— O que deu em você? Foi só eu te deixar sozinha com um cara bonito por
alguns minutos que aquele papo de valorização foi embora? Por que imagino
que você não tenha se feito de difícil para subir tão rápido no colo dele.
— Valorização? – Ela se fez de dessentida. – Valorização ficou para o euro,
Julie, e a preservação para a natureza. Eu quero mesmo é curtir esse dia de
hoje, antes que acorde desse sonho de princesa e apareça dentro de uma
roupa de frango. Esqueça o que eu disse, hoje nós só vamos curtir. Nada de
pensar demais.
Tive quase certeza que meus olhos estavam perplexos com minha irmã
naquele estado.
— Só uma taça de Gin, Susan Evans. Lembre-se disso. – Tentei refreá-la.
— Ok, Ju.

Eu deveria saber que Susan não cumpriria o combinado.


Mark já havia enchido minha taça pela segunda vez e se afastado com Susan
para o outro sofá, onde uma sombra os escondia parcialmente. Um garçom
chegou para me oferecer tacos e eu recusei educadamente.
Enquanto eu fiquei sentada no banco acoplado à própria estrutura banca e lisa
do iate, beberiquei o líquido gelado, uma espécie de alívio para o calor que
me encontrava, imaginando que horas seria. Três horas da tarde? Três e
meia? Não sabia ao certo, mas tinha certeza de que um bom tempo havia se
passado desde que Susan me engabelou com o papo de só mais uma taça.
Também estranhei o fato de Steve não ter aparecido por ali. Não que eu
estivesse ansiosa por isso, já que o que mais desejava naquele momento era
poder ficar longe dele, mas porque temia que eu pudesse ceder quando ele
estivesse perto demais de mim, o bastante para sentir sua energia irradiante, o
frescor do seu cheiro e a textura da palma de suas mãos em minha pele.
Temia que eu simplesmente pudesse esquecer o mundo ao redor e me
entregar de novo.
Mesmo que fosse absurdamente desafiador, eu tinha de superar ele e
abandonar esse pequeno capítulo que chegou inesperadamente em minha
vida, que perdurou por pouco tempo, mas, mesmo assim, fez com que eu
sentisse uma avalanche de emoções que jamais sentira antes.
No entanto, depois de algum tempo, foi inevitável. Steve apareceu no canto
da escada lateral do outro lado do andar, e, mesmo que estivesse a metros de
distância, nossos olhares se cruzaram como ímãs.
Sorvi uma boa quantidade de ar e tomei mais um gole de Gin, tentando
acalmar as partículas do meu corpo.
Ele passou ao lado da piscina, onde já não se encontrava mais o grupo de
galantes, e caminhou em minha direção. Seu olhar se perdeu
momentaneamente no casal recluso no outro canto do terraço coberto e ele se
mostrou impassível quanto a isso. Não capturei nada em suas expressões
faciais que denotasse surpresa ou espanto em Susan e Mark naquele estado,
ele apenas tornou a me encarar.
— Eu pensei que estivessem de saída. – Ele disse, se sentando na outra ponta
do banco, apoiando os antebraços nas coxas e unindo as mãos entre as pernas
abertas.
— Eu também. – Confessei, desviando o olhar para o horizonte.
— Problemas com Susan? – Ele perguntou, seriamente.
Não respondi.
Ele suspirou, ajeitando o corpo grande e encostando a coluna no banco.
— Desculpa pelo ocorrido mais cedo, confesso que esperei mais um pouco lá
embaixo, não quis mais me opor a sua saída deste barco ou me intrometer.
Mas como demorou, eu resolvi subir para ver o que...
— Tudo bem. Você pode ficar onde bem entender. – Disse, dando mais um
gole de Gin. Do jeito que ele falava até parecia que eu estava o proibindo de
algo.
Quando ficamos em silêncio, ele desabafou:
— Desculpa por não ter sentado com você e ouvido com mais atenção o seu
lado.
— No fundo, mesmo que isso tivesse acontecido, você ainda sim desconfiaria
de mim. – Refleti.
Ele respirou profundamente.
— Não quero dizer com isso que eu esteja certa nessa história, mas meu
propósito nessa história nunca foi enganar alguém. Mentir foi um meio
desesperado que encontrei de quitar o aluguel atrasado de minha família.
Estávamos ameaçados de despejo. – Virei o rosto para ele e olhei pela
primeira vez em seus olhos. – Mas não quero sinta pena com isso. Nem quero
que minimize o que fiz.
A voz grave com resquício de rouquidão perguntou:
— O que posso fazer para as coisas se ajeitarem entre nós?
Soltei um sorriso fraco.
— Eu não quero me envolver com você, Steve. Olha só o seu estilo de vida!
Somos completamente diferentes.
— Eu não pertenço mais a esse estilo de vida há algum tempo...
— Eu sou apenas uma ex-secretária que fingiu ter outro nome para ganhar o
salário do mês de sua empresa. – Interrompi, escancarando a realidade para
quem quisesse ouvir. – Mesmo assim, embora eu não tenha onde cair morta,
tenho sentimentos. – Inspirei fundo. — Eu me apaixonei por você e não
quero sofrer mais do que já estou...
Ele se levantou rapidamente e se sentou no espaço vago ao meu lado,
segurando meu rosto com as duas mãos.
— Eu também me sinto da mesma forma, Julie. Não houve um dia sequer
que eu não tenha pensado em você. – Ele raspou o dedão secando uma
lágrima inconveniente que desceu pela minha bochecha.
— Mas isso não é o suficiente...
— Você é o suficiente. – Ele sussurrou, acariciando meu rosto. — Eu fiquei
viciado em você. Nada mais me interessa do que sua boca, Julie. – Ele
lambeu meus lábios e eu estremeci. Espalmei uma mão em seu peito e
entreabri os lábios. — Estou pouco me fodendo para outras coisas que não
envolvam ter você para mim de novo. – Sua boca capturou a minha com um
beijo intenso, doloroso, sedento.
Quando permiti que a língua de Steve se aprofundasse em mim, tive a certeza
de que aquele beijo não tinha mais volta. Ele chupou meu lábio inferior,
enquanto sua mão passeava por minha coxa, fazendo os pelos ali se
eriçassem.
Devido ao espaço estreito do banco em que nos encontrávamos, meu corpo se
esgueirou para o seu colo e a toalha que envolvia meu corpo se desprendeu,
caindo para trás.
Ofeguei em sua boca, sentada de frente para ele, fitando seus olhos desejosos.
Suas mãos me puxaram para mais perto pelo bumbum e ele levantou o queixo
para me devorar outra vez, lentamente, em uma cadência torturante, cobrindo
minha boca com seus lábios mornos.
Ao passo que sua língua me invadia, sentia seu membro duro despontar na
calça jeans embaixo de mim. Naquele momento, pouco me importava com
quem chegaria ali e olhasse para minha bunda quase nua, eu queria mais dele.
Muito mais.
Steve cobriu novamente minhas nádegas com as mãos e roçou o meio entre
minhas pernas em sua excitação poderosa. Ele soltou gemido rouco em meus
lábios, me fazendo desejar que ele estivesse dentro de mim. De repente, um
lampejo de consciência invadiu minha cabeça.
— Não podemos fazer isso. – Olhei para trás e vi Susan dançar colada a
Mark.
Ele prendeu meu queixo com os dedos longínquos e sussurrou:
— Claro que não. Podemos perfeitamente deixar isso para outro dia. – ele
disse, compreensível.
Ele beijou minha bochecha esquerda, olhando para o lado e murmurou:
— Que tal nos juntarmos a eles?
Franzi o cenho e soltei um sorriso tímido.
— Parece-me uma ideia agradável.
Ele me roubou um selinho demorado e depois me levantei do seu colo.
Pesquei a toalha do chão e, dessa vez, passei ela apenas em volta de minha
cintura.
Seu braço direito me surpreendeu, passando em cima do meu ombro.
Automaticamente, ergui a cabeça para olhá-lo e ele me lançou um meio
sorriso de tirar o fôlego, fazendo um esforço para alcançar minha mão direita
e entrelaçar nossos dedos.
— Você fica linda me olhando assim. – Ele disse, encostando os lábios em
minha têmpora.
Tão logo, seguimos para perto do casal animado e fomos recebidos pelos
olhares e comentários surpresos de Mark:
— O que é isso? Cara... Puta que pariu... Que brilho é esse no olhar?... Tá de
brincadeira? Agora eu entendi. Você estava ficando com sua secretária. Qual
é mesmo o seu nome? Fomos apresentados naquela tarde, mas não me lembro
exatamente...
— É Julie. – Susan respondeu, analisando o braço de Steve circundado em
meu corpo. – Já vi que as horas nesse iate trouxeram consequências
formidáveis. – Susan sorriu, forçadamente. – Você está bem, maninha?
— Sim, Susan. Estou. – Assenti com menear de cabeça.
— Isso é o que importa, afinal.
— Vocês estão com fome? – Steve perguntou ao meu lado, mudando de
assunto.
— Morrendo. – Susan respondeu, enrugando a testa, e armou um biquinho
nos lábios.
Steve beijou o alto da minha cabeça e me soltou com delicadeza.
— Vou avisar lá embaixo para tragam algo. – ele disse, fazendo a
advertência: – Não fale nenhuma bobagem para Julie, Mark.
— Pode confiar em mim, Vossa Santidade.
Steve sorriu para o amigo e saiu em direção ao andar inferior.
Mark me ofereceu um pouco mais de Gin, mas neguei educadamente. Não
queria me embebedar a essa altura do campeonato e, assim, confiar em minha
própria sorte. Eu já havia cruzado demais a linha naquela tarde em ceder ao
beijo de Steve, mas, até aí, tudo bem. Como Susan dissera, me permiti não
pensar muito e apenas deixei as coisas rolarem.
Steve voltou com comida e suco e, com ajuda do garçom, organizou tudo em
cima da mesa de centro do terraço.
Passamos o resto da tarde conversando, comendo, bebendo e, vez ou outra,
me peguei pendurada no pescoço de Steve, enquanto ele acariciava minha
boca com sua língua. Em um clima leve e descontraído.
Quando o sol estava à beira de se pôr, Susan resolveu contar pela milésima
vez como chegamos aqui.
— Como disse, estávamos na praia. Uma amiga nossa, a Calixta, havia nos
emprestado o jet-ski...
— Calixta. – Pronunciei em voz alta o nome daquela mulher e olhei para
Susan. Exclamamos em uníssono:
— A Calixta!
Susan se levantou de supetão, passando as mãos nos cabelos.
— Ai, merda! Ela deve estar preocupadíssima com a gente. Temos que ir
agora, Julie.
— Como assim ir? Agora? – Mark perguntou com as sobrancelhas armadas
em um arco perfeito. – Relaxem, meninas! Estamos voltando para a costa,
logo estaremos no píer.
— Que píer? Não tem píer na praia. – Susan replicou.
— Nós as levaremos até lá. – Mark deu a solução em tempo recorde e eu
comecei a achar que Susan e ele tinham mais coisas em comum do que o
senso de humor.
— E o jet-ski? – Susan indagou. – Não tem problema, nós já estamos nos
aproximando da praia.
— Está anoitecendo, é perigoso. – Steve se pronunciou. – Eu posso
acompanhá-las se quiserem tanto a voltar à praia.
— Eu vou junto. – Mark falou. – Tenho apenas que tomar um banho rápido e
tomar uma boa dose de café.
Susan me fitou com um sorrisinho constrangedor nos lábios, dizendo:
— Sendo assim, não podemos negar a companhia de vocês, rapazes.
Não sabia o que se passava exatamente na cabeça da minha irmã, mas foi
notório que ela adorou a ideia. Steve me roubou mais um beijo, rápido,
sussurrando:
— Acho que não vou querer me separar de você tão cedo.
Mordi o canto do lábio e o respondi, baixinho:
— Eu também não.

Meus braços fizeram uma volta perfeita em seu tórax desnudo e, naquela
posição, montada atrás de Steve, poderia sentir o aroma másculo que saía de
seu pescoço e percorria toda suas costas.
Céus. Como esse cheiro é bom. – Pensei, afundando meu rosto no vão entre
suas costas e inspirando-o.
Depois que Mark fez uma espécie de ritual para afastar o álcool do corpo, nós
partimos em dois jet-skis. Um da família de Mark e o outro que havíamos
pegado emprestado com o pessoal de Calixta.
Nós avançamos pelas ondas em uma cadência mais veloz do que quando
Susan dirigia horas antes. Ele parecia ter experiência com jet-ski, assim como
Mark, que nos acompanhou perpendicularmente com minha irmã na garupa.
A velocidade deixou aquele percurso ainda mais emocionante.
Se me dissessem mais cedo que aquela tarde terminaria assim, eu certamente
não acreditaria. Nem se me contassem mais vezes.
Não demorou mais de quinze minutos para chegarmos à praia, avançando um
pouco sobre a faixa de areia.
Um pouco zonza, tive que ficar mais tempo em cima do banco para poder me
acostumar com a terra firme. Mark e Susan, ao nosso lado, colocaram os pés
primeiro na areia e tão logo tentei sair das costas de Steve, que me ajudou
levantando um braço para o lado, no qual que pude me apoiar.
— Obrigada. – Agradeci, fincando os pés no chão.
Observei ele fazer o mesmo em um movimento elegante.
— Ui, faz tempo que não pego onda dessa forma. – Mark brincou e Steve
abriu um meio sorriso comedido.
Ele e Mark haviam tomado café antes de saírem do iate e, depois disso, Steve
me parecia mais sério e centrado. Ele teria se arrependido do que fez mais
cedo e do que me falou?
Pare de bobagem, Julie. É apenas impressão sua.
Ele me olhou rapidamente, me lançando um sorriso lindo, e minhas
desconfianças descabidas automaticamente desapareceram.
Quando começamos a andar em grupo para o alto da praia, avistei o grupo de
amigas de Calixta próximo ao bar e, também, a própria Calixta, que pareceu
já ter nos visto.
Aliás, a impressão que tinha era que a praia toda estava nos observando
chegar.
Mark comentou algo em alto e bom som para Steve, que não entendi muito
bem, pois Susan vibrou baixinho para mim ao meu lado:
— Ai, meu Deus! Estou me sentindo a própria Bond Girl saindo do mar, com
a diferença que estamos com dois grandes gostosos do lado.
— Susan! – Chiei, morrendo de vergonha deles ouvirem isso.
Senti a mão de Steve tocar a minha e virei para assistir seus dedos
entrelaçarem aos meus. Ergui o rosto para ele, que me jogou uma piscadela.
Como é que reajo a isso?
Enquanto caminhávamos, percebi que Calixta encurtou o espaço entre nós,
descendo pela areia.
— Oh, meu Deus! Onde vocês estavam esse tempo todo, garotas? Eu acabei
de falar com os bombeiros.
— Agora que você foi falar com os bombeiros? – Susan exclamou, descrente.
– Puxa vida, Calixta. Pelo visto, pensei que minha vida valesse mais para
você. Estamos fora há quase cinco horas.
— Perdão, amiga. Eu não tinha percebido. – Ela alternou o olhar para os
homens ao nosso lado e perguntou: — Não vai me apresentar aos rapazes?
Pigarreei e disse com cuidado:
— Que tal avisar aos bombeiros que estamos vivas, Calixta? Deve estar
sendo muito trabalhoso e desgastante ficar procurando por alguém em alto
mar sem necessidade.
— Ah, claro. – Ela se virou para o bar e falou com suas amigas, que não
paravam de nos olhar. – Meninas, avisem no posto que elas apareceram e
para cancelarem as buscas.
Uma das vozes femininas soou alto:
— É o Steve Clifford. É ele. Tenho quase certeza.
Calixta tornou a olhar para frente e sorriu.
— Garotas, só um minuto! – Mark disse dando alguns passos para frente,
parecendo atender um telefonema.
— Agora vocês podem me dizer onde estavam. – Calixta insistiu, sorridente.
— Estávamos no paraíso, Cali. Pegamos esses dois bonitões aqui
emprestados e acho que vamos ter que fazer um esforço para nos livrarmos
deles. – Susan brincou. Steve e eu nos entreolhamos de soslaio. – Podemos
conversar depois, amiga?
Calixta piscou duas vezes.
— Claro.
— Ótimo, amiga. Até outro dia. Muito obrigada pelo convite. Aliás, nossos
pertences...
— Estão na espreguiçadeira.
— Ok. Passamos lá para buscar. Então, tchau, Cali.
— Tchau, amiga.
Steve e eu seguimos Susan.
— Tchau. – Despedi-me, timidamente, quando passei por Calixta.
— Tchau, Julie. – Ela respondeu com um olhar malicioso e eu corei.
Steve parou para devolver a chave do Jet-ski a ela, que agradeceu
imediatamente com um sorriso largo.
— Obrigada, bonitão!
— Por nada.
Alcançamos Mark, que estava ao lado de um senhor de camisa azul de
mangas e calça social, que parecia ouvir atentamente as instruções do amigo
de Steve.
— Tony, você pode levar aquele jet-ski ao iate no cais? – Ele apontou para
frente.
— Sim, senhor. Como quiser. – o homem respondeu.
— Maravilha!
– Apenas o vermelho é meu.
— Sim, senhor. Eu conheço os bens de sua família.
— Maravilha, Tony.
— Aqui está a chave da Ranger Rover. A preta, como pediu. – O homem
calvo lhe entregou algo e Mark agradeceu, gentilmente.
Depois disso, soltei a mão de Steve e fui até a espreguiçadeira pegar meus
pertences e os de Susan. As amigas de Calixta me olhavam como se
quisessem me perguntar algo, mas, como não tínhamos intimidade, apenas
me despedi com um menear de cabeça e fui para a calçada, onde me
esperavam.
Tão logo caminhamos para dentro do carro preto estacionado ali perto.
Mark assumiu o volante com Susan ao lado e Steve e eu entramos pelas
portas traseiras.
— E aí? Qual o destino agora, pessoal? – Mark perguntou antes de ligar o
carro.
Confesso que não esperava sair para outro lugar com eles. Não hoje, em que
a tarde foi exaustiva.
Steve me olhou com uma cara insaciável e passou um braço em meus
ombros, me arrastando para mais perto do seu corpo.
— Não sei. Alguma ideia? – Susan perguntou, animada.
— Humm... Deixa eu pensar... Meu apartamento está livre hoje. – Mark
disparou. — Sem contar que poderíamos ficar mais à vontade por lá. O que
acham?
— Parece uma boa ideia. – Minha irmã disse.
— Susan, você não ia fazer massagem no pé do vovô hoje? – Perguntei,
tentando nos esquivar de pararmos em um apartamento com dois homens
visivelmente sedentos por sexo. Não que eu não desejasse Steve dessa forma.
Eu o desejava, muito. A propósito, naquele momento queria tomar sua boca e
sentar no seu colo ali mesmo. No entanto, devido às circunstâncias, não me
pareceu o correto a se fazer. Transar em um apartamento desconhecido
enquanto minha irmã fazia o mesmo em outro quarto era algo intragável para
mim.
— Eu disse que faria massagem nos pés do vô Charlie? Quando foi isso? Eu
não me lembro disso, Julie. — Susan me respondeu do banco da frente.
— Quando estávamos paradas em alto mar? Lembra? – Comecei a repetir
suas palavras: — “Farei massagem duas vezes ao dia nos pés do vovô
Charlie, mas, por favor, faça esse barco virar! ”
— Ah, foi isso? Eu acho posso deixar a massagem nos pés do vovô para
amanhã então.
— Susan!
Steve colou os lábios em minha orelha e sussurrou:
— Se quiser descansar, podemos deixá-la em casa. Não me importo de
esperar para te ver outra vez, desde que prometa que irá atender aos meus
telefonemas.
Arrepiei-me com sua voz e assenti.
— Obrigada.
Steve olhou para frente e falou:
— Mark, vamos deixar Julie na casa dela primeiro. Quando chegarmos em
seu apartamento, eu me viro para ir embora.
— Entendido. Mas não se preocupe, te deixo em casa antes de voltar para o
meu apartamento. – Mark respondeu dando partida.
— Obrigado, irmão.
— Onde mesmo vocês moram? – Mark perguntou a Susan, que começou a
explicar o caminho.
As mãos de Steve acariciavam meu braço e, às vezes, ele elogiava meu
cheiro, beijando minha têmpora, bochecha e pescoço com seus lábios
mornos.
Mark começou a puxar assunto com Steve e, por sorte, pudemos nos distrair,
afastando os meus pensamentos libidinosos quando sua respiração entrava em
contato com minha pele.
A noite havia caído completamente quando Mark parou em frente à minha
casa.
— Foi um prazer revê-la, Julie. – Mark disse.
— Igualmente, Mark.
Steve me puxou para selinho rápido e perguntou:
— Amanhã nos vemos?
Fisguei o lábio inferior e aquiesci.
— Pode ser.
Agora fui eu quem o beijei, já sentindo saudade daqueles lábios com gosto de
menta.
— Tchau, pessoal. Susan, me avise quando chegar em casa. – Estiquei a mão
para tocar o seu braço.
— Ok, Ju.
— Fica tranquila, Julie. Trarei sua irmã de volta em segurança. – Mark
ressaltou.
Agradeci, olhei mais uma vez para Steve e saí pela porta a minha esquerda.
Andei para a calçada e acenei com a mão antes deles partirem.
Quando me coloquei para dentro de casa, fechei a porta, apoiando as costas
na superfície lisa da madeira, e suspirei.
Que tarde foi essa?
Com os pensamentos em polvorosa, comecei a digerir tudo o que havia
acontecido. Susan com Mark, minha reconciliação com Steve e como seria
daqui para frente. Céus! Eu fiz certo em acreditar nele?
Isso só o tempo seria capaz de responder.
Mas, por ora, tinha a plena certeza que não pude evita-lo. Eu o queria. Deus,
como eu o queria! Com exatamente tudo o que havia em mim.
Só esperava que esse sentimento bom que estava sentindo não virasse uma
desilusão e meu coração não doesse novamente. No fundo, sabia que o
sentimento que vinha nutrindo por ele crescia a cada milésimo de segundo. E
como dizem por aí: quanto mais alto estivermos, maior será a queda. Eu só
não queria subir tanto para depois despencar por ele, não quando eu sabia o
quanto doía ficar à sombra de um coração partido.
Capítulo 33

Naquela noite, minha mãe me fez várias perguntas e todas elas envolviam
Susan.
Embora minha irmã mais velha tivesse completado vinte e um anos há quase
uma década, mamãe nunca deixou de se preocupar.
Tentei tranquilizá-la, explicando que Mark era amigo de Steve e parecia não
ser uma pessoa ruim, o que a deixou mais calma. Mas também provocou
outras perguntas sobre nossa ida à praia, dentre elas, sobre a presença de
Steve.
Escapei de todas elas sob a justificativa de que precisava de um banho e subi
rapidamente para o meu quarto.
Embora se preocupasse bastante, nossa mãe nunca foi conservadora e sempre
nos reforçou desde cedo que poderíamos paquerar ou namorar livremente,
desde que avisássemos com quem e onde estaríamos. Mas falar abertamente
sobre algo que eu ainda não tinha certeza não me parecia uma boa ideia no
momento.
Tomei uma ducha de água quente e me deitei entre as cobertas, pegando no
sono. O sol que peguei durante o dia já estava fazendo efeito, me apagando
completamente em questão de segundos em plena oito horas da noite.
Quando ouvi a porta ao lado ranger, acordei, flagrando Susan chegando na
surdina.
— Susan? Que horas são? – Estiquei o braço para pegar o celular na mesinha
ao lado da minha cama e o relógio marcava três horas da madrugada.
— Shiu! Fala baixo. Assim vai acabar acordando a casa toda.
— Ah, sim! Está bem! – Sussurrei. Ela se sentou na cama ao lado e eu
perguntei, baixinho: – E aí? Como foi?
Ela soltou um longo suspiro.
— Perfeito! Simplesmente, perfeito, Julie. Mark é um verdadeiro cavalheiro.
– Estava mais para um Casa Nova, mas ok! Steve também não me parecia um
homem de uma só mulher e, agora, nesse momento, estava ansiosa para saber
o que seria de nós. Seria muito injusto cortar as asas de Susan naquela noite.
Sem contar que a considerava muito mais esperta do que eu. Mas brinquei:
— Cuidado para não se apaixonar.
Mesmo na penumbra, eu a vi me dando língua.
— Me respeita, Julie Evans. Você acha mesmo que vou me apaixonar em
uma única só noite? Amanhã mesmo não duvido nada que eu nem lembre o
nome desse cidadão.
— Está bem, srta. Desapegada. – Sorri com um tom de deboche.
— Vou tomar um banho, pois é o melhor que faço nesse momento. – Ela
disse, ainda com um sorrisinho bobo no rosto, se levantando.
Antes que ela pudesse alcançar a porta, me adiantei, sussurrando:
— Susan, espera! Ainda não me disse.
— O quê?
Mordi o lado de dentro da bochecha.
— Vocês... Sabe... Foram...
— Transamos? – Ela indagou.
Meneei a cabeça em positiva, curiosa.
Ela se denunciou abrindo um sorriso de orelha a orelha e pulou para dentro
do banheiro. Eu afundei a cabeça no travesseiro, sorrindo.
Olhei para o teto, tentando controlar meus lábios risonhos e murmurei:
— Ai, meu Deus. Estamos ferradas!

Na manhã seguinte
Susan olhou seu telefone pela milésima vez e disse, com os ombros murchos:
— São dez horas da manhã. Já era para ele ter ligado. Parece que fui apenas
um caso de uma noite mesmo. – Ela olhou para o chão do nosso quarto e
refletiu: — Mas valeu a pena. Eu gostei muito e isso é o que importa.
— Ou ele pode ainda estar dormindo. – Disse, penteando meus cabelos.
Mark poderia ter esse costume. Mas Steve... eu sabia que acordava bem cedo
e, até o momento, ele sequer havia me dado sinal de vida.
— Oh, Julie. Desculpe-me! Steve também não mandou mensagem?
— Não. E também não vou mandar. – Respondi, terminando de pentear a
última mecha embaraçada.
— Isso mesmo, garota! – Ela sorriu e eu tentei retribuir, mas, por dentro,
estava cheia de inseguranças.
Susan e eu fomos à cozinha e ajudamos nossa mãe com o preparo do almoço.
Cortei os legumes para a salada, o que sabia fazer de melhor na cozinha sem
correr o risco de intoxicar alguém; e Susan ajudou a mamãe com o frango.
Ao passo que preparava a salada, conferia meu celular ao lado em cima da
mesa. Definitivamente, já era para ele ter ligado. Pelo menos, deixado uma
mensagem ontem mesmo quando chegou em seu apartamento.
O silêncio diz mais que mil palavras. – Aquela máxima girava feito um
espiral em minha mente, me afundando em um mar de incertezas.
Ele teria se arrependido do que aconteceu ontem?
Ele não gostava tanto assim de mim e percebeu isso somente agora?
Quer saber? Que se dane.
Isso mesmo! Que se dane.
Se ele foi capaz de fingir tão bem ontem, devo encarar isso como um sinal de
livramento. Poderia ter sido ainda pior. Não há nada ruim nesse mundo que
não se possa piorar, não é mesmo?
Cortei as últimas rodelas de cenouras e bufei.
— Julie? Pra que tanta agressividade? Você está bem, filha?
Pisquei para minha mãe, me dando conta de que coloquei força demais nos
últimos cortes.
— É que eu queria terminar logo. – Soltei um sorriso nervoso e arrastei com
as mãos as cenouras para a vasilha azul. – Bem, acho que terminei! Eu acho
que agora você regar as plantas do quintal... – eu disse me levantando.
— Eu já reguei, filha. Que tal fazer as compras no mercadinho enquanto
terminamos de preparar o almoço? Você faz o supermercado tão bem...
— Claro, mãe.
Minha mãe retirou o maço de dinheiro da última gaveta do armário, onde ela
costumava guardar coisas importantes e, de repente, o toque monofônico de
um celular reverberou em toda a cozinha.
Não. Não era o meu.
Era o de Susan.
Ela pegou o celular do bolso e quase desmaiou quando leu o nome na tela do
aparelho.
— Quem é? – Perguntei, curiosa e ansiosa ao mesmo tempo. – E aí? É o
Mark?
Ela se abaixou um pouco e falou com a voz anestesiada:
— É o Mark!
Nossa mãe nos lançou um olhar enviesado e Susan disparou para fora da
cozinha, indo atender.
— Ai, ai! Essa Susan!
Sorri e avisei a minha mãe:
— Estou indo, mãe.
— Está bem, filha.
Saí com a sacola de compras e subi a rua até o mercado.
Para mim não era nenhum trabalho difícil fazer compras no mercadinho,
muito pelo contrário, era uma das atividades que mais gostava de fazer.
Enquanto eu colocava os itens no carrinho do supermercado, ele estava lá, em
meus pensamentos, insistentemente, como uma canção chiclete que gruda na
mente e se recusa a ser esquecida pelos próximos dias – era exatamente como
me sentia, totalmente vulnerável às próprias emoções.
Que droga!
Queria socar seu rosto agora.
— Como pude cair tão fácil nessa ladainha de “estou louco por você” e “acho
que não vou querer me separar de você tão cedo”? – Murmurei. – Argh, eu
sou tão patética. – Resmunguei, batendo um pacote de macarrão na testa.
Um moço que trabalhava no estoque do mercado me olhou como um olhar de
pena e eu logo me recompus, quase correndo e arrastando o carrinho para a
próxima seção.
Passei pelo menos uma hora no mercadinho e, como previ, tive que pagar a
mais do que o dinheiro que minha mãe me deu, então, completei com a parte
da grana que tinha ganhado com a panfletagem. Com o tanto de compra que
fiz, valeu a pena gastar bem a mais.
Coloquei tudo nas sacolas que trouxera e pedi para o gerente me deixar levar
o carrinho, como eu sempre fazia e depois voltava para devolver. Ele
autorizou e desci a rua, voltando para casa.
Quando me aproximava da cozinha com as compras, ouvi uns grunhidos de
bebê, um som atípico para aquela casa. Quem estaria nos visitando agora a
essa hora em um domingo?
Cheguei à cozinha e flagrei minha mãe levantando uma menininha loira no
ar, que soltou uma gargalhada alta e contagiante. Susan e minha mãe riram,
abobalhadas, com o riso da menininha.
Minha mãe se virou com o bebê no colo e, quando pude ver melhor seu
rostinho, senti meus olhos se abrirem mais.
— Lux? – Agora quem ficou abobalhada fui eu.
— Nhénhém...
— Ah, meu Deus, Lux. – Larguei o carrinho e caminhei até ela, pegando-a no
colo. – O que ela está fazendo aqui?
Minha mãe e Susan se entreolharam, sorrindo.
— Steve veio te procurar, querida. Na verdade, tem pouco tempo que ele saiu
atrás de você no mercadinho. Ele disse que te ajudaria a trazer as compras.
Você não o viu?
Neguei um balançar de cabeça, admirada em ver Lux em minha casa, com
aqueles dois dentinhos sapecas à mostra. Apertei aquela pequena mocinha e
seus bracinhos fizeram uma volta inteira em meu pescoço, em um abraço
gostoso.
— Ela é muito fofa, não é gente? – Perguntei, babando.
— Ela é uma gracinha. – Susan disse.
— Ela é linda, querida. – Minha mãe concordou. — Aliás, não entendi, ela é
filha do Steve?
— Biologicamente, ela é sobrinha dele, mãe. Mas para todos os efeitos, ele é
seu pai. – Expliquei enquanto Lux deitava com a cabecinha em meu ombro.
— Ei, princesa, vem com a vovó? Vem? – Minha mãe estendeu o braço e
Lux sorriu, impulsionando o corpinho para ela.
— Vovó? – Susan perguntou em tom de troça. – A senhora já está querendo
forçar os laços familiares, mãe.
— Mas é claro! Está na cara que esses dois estão loucamente apaixonados,
Susan. Temos mais que estreitar os laços de família. Não é, pequena? –
Mamãe sorriu para Lux, que soltou uma gargalhada divertida. – A propósito,
Julie, convidei Steve para almoçar conosco. Acho bom que vá atrás do nosso
convidado, ele pode não ter achado o mercadinho.
— É impossível. O mercadinho fica no canto da rua. – Susan salientou.
— De qualquer maneira, vá logo, Julie. Seu avô também já deve estar
voltando da partida de xadrez com Robert. Quero ter o prazer de ter essa
mesa cheia hoje. Vá logo!
Dei um passo para trás, com o sorriso crescendo nos lábios, e peguei o
caminho de volta para a rua, apressada, escutando as batidas frenéticas de
meu coração.
Abri a porta de casa e me coloquei na rua, mas parei quando vi alguém sair
SUV branco parado do outro lado da rua.
Os cabelos castanhos perfeitamente alinhados, a camisa social bem cortada e
aquele olhar que eu reconheceria em qualquer lugar do mundo. Ele bateu a
porta atrás de si e eu dei alguns passos para a frente, parando no meio da rua,
com o coração batendo cada vez mais depressa.
Ele veio ao meu encontro, olhando-me de cima.
— Eu acabei de vir do mercadinho. Queria servir de ajuda ao trazer as
compras. Não encontrei você entre os corredores... – De início, pareceu um
pouco acanhado, franzindo a testa.
— Eu sei. Minha mãe acabou de me dizer. – Disse, balançando a perna
esquerda. – A gente deve ter se desencontrado.
Ele subtraiu o espaço entre nós e segurou meu rosto com as duas mãos com
delicadeza, acariciando minha bochecha.
Inspirei fundo e confessei:
— Eu pensei que desapareceria.
Os vincos em sua testa ficaram mais profundos.
— Que tipo de merda estava pensando? – Ele sussurrou, com um pouco de
descrença na voz. Seu rosto acariciou o meu enquanto ele explicava: – Tive
uma noite cansativa com Lux, que não pregou os olhos a noite inteira. Nós
viemos dormir somente agora pela manhã. – Mordi o lábio inferior me
sentindo estúpida. — Não há nenhuma chance de eu deixar você escapar.
Eu... – Ele estancou como se aquilo fosse difícil de ser pronunciado, mas
retomou com firmeza: — Eu estou completamente e irrevogavelmente
apaixonado por você, Julie Evans. – Ele disse aquilo com os olhos presos aos
meus e abriu aquele meio sorriso lindo, que me destruía e me aquecia em
mesma proporção. – Não há nada em minha cabeça que seja tão forte quanto
você.
Toquei seu peito com as mãos e prendi a emoção que estava prestes a tomar
conta dos meus olhos. Ele tocou meus lábios com um beijo e sussurrou,
segurando minha cintura:
— Você me faz querer ser um homem melhor. Eu me apaixonei por uma
mulher linda, doce e boa. Me perdoe se no auge da minha ira eu te fiz achar o
contrário e por não ter dito que confiava em você. Tudo o que mais quero é
ter você para mim, Julie... – Ele me roubou um beijo mais demorado e eu
ofeguei contra sua boca:
— E se você me magoar? – Eu perguntei, prendendo a respiração.
Ele olhou em meus olhos e jurou:
— Eu não vou. Eu definitivamente estou convicto de que não quero te perder.
– Ele deixou um beijinho no canto da minha boca e voltou a me fitar, como
se buscasse uma resposta minha.
Dei um soco em seu peito e o ameacei:
— Pareço boazinha, mas posso cortar suas bolas fora se partir meu coração
outra vez outra, sr. Clifford.
Ele sorriu de minha tentativa de parecer nociva, me puxou pela nuca e me
beijou. Intensamente.
E eu retribui. Com tudo o que havia em mim.
Apostando cegamente no amor.
Pois, afinal, não tínhamos garantia de nada. A única felicidade que
poderíamos ter como certeza era a que sentíamos no momento. Nosso único
trabalho era saber apreciá-la dando o devido valor, aproveitando cada
estação, saboreando cada fase e nos entregando aos bons sentimentos.
Minha história com Steve só estava começando.
E eu mal poderia esperar para amá-lo.

FIM
Epílogo

Uma semana depois...

Beatriz me explicou o sistema de coordenação de funcionários pela milésima


vez depois do almoço, para depois passarmos para o assunto seguinte.
Ser chefe de um setor não era algo tão legal quanto se pensava.
Embora em meu setor não houvesse ainda funcionários além de mim, Beatriz
disse que realocaria dois assistentes para minha sala e que eu teria que
coordenar os trabalhos deles.
Achei que não precisava de assistentes, mas ela insistiu. E, se já não bastasse
ter que apreender a liderar um setor, eu tinha que comparecer às exaustivas
aulas de treinamentos pela manhã.
Beatriz estava quase terminando de explicar sobre as últimas doações da
Clifford, quando me deparei com o nome “moradores de Balboa” em um dos
arquivos na tela do computador de minha mesa.
— E essa aqui foi a penúltima grande doação da Clifford. Steve se comoveu
com um grupo de moradores que tiveram suas casas perdidas em uma
tempestade. É provável que você tenha que fazer um relatório sobre a
adaptação dessas pessoas em suas novas casas e entregar a Steve. – Um
sorriso bobo se abriu no canto dos meus lábios. Eu sabia que havia sido ele,
mas não pude perguntar antes, já que não estávamos nos falando. Mas, em
nenhum momento, ele desistiu da ideia de ajudar meus vizinhos, o que
deixava meu peito quentinho de orgulho.
E, agora, poderia ver de perto as ações de integração social dos antigos
moradores do meu bairro e isso era incrível.
Beatriz prosseguiu, me informando sobre a última doação, e disse em
seguida:
— Eu tenho que ir, Julie. – Ela organizou os papéis do lado da mesa em
minha sala. – Tenho várias requisições para assinar.
— Está bem. Eu acho que posso me virar daqui. – Respondi, tranquilizando-
a. Na verdade, era mentira. Eu não poderia me virar dali. Eu ainda estava
completamente perdida com aquele sistema. Mas o que posso fazer? Ela está
cheia de requisições para assinar. E, também, acho que não precisarei desse
sistema por ora, não é mesmo?
Antes que Beatriz me abandonasse naquela sala, escutei as batidas na porta
aberta e, por um momento, quando levantei a cabeça, pensei que fosse Steve.
Entretanto, me deparei com um homem parrudo de cabelos grisalhos e roupas
pretas. Ele tinha um distintivo de polícia no meio do peito, pendido por uma
espécie de colar.
— Com licença. Susan Evans? É alguma de vocês?
Beatriz me olhou e eu engoli em seco.
— Suponho que seja você, não? Cabelos ruivos, baixa estatura. – Ele
analisou, com os olhos em mim.
— Pois não! O que deseja? – Beatriz perguntou.
Ele distribuiu o peso de uma perna para a outra e disse, severo:
— Recebemos uma denúncia anônima de que alguém nesta empresa estaria
usando um nome falso e praticando crime de falsidade ideológica, previsto
em nosso código penal. Viemos averiguar. — Ele disse, me olhando. – Você
vai ter que vir comigo.
— Ela não vai a lugar algum. Seu nome é Julie. – Beatriz me defendeu.
— Engraçado. Na denúncia também falavam que esse era mesmo o seu
nome. Mas que se utilizava de outro nome: Susan.
— Você tem provas disso? – Beatriz o inquiriu.
— Não. Mas acho bom sua amiga colaborar, senão as coisas irão se
complicar não somente para ela, mas para você também.
— Não podem a levar!
Pela primeira vez, tomei fôlego para falar:
— Tudo bem, Beatriz. Eu vou com eles.
— Julie...
O homem deu um passo para a frente e chamou alguém no corredor: —
Pessoal, podem pegar.
Levantei-me e resmunguei para aquele brutamonte:
— Não preciso que ninguém me leve. Eu mesma posso ir com minhas
próprias pernas.
Dei a volta na mesa e passei por eles, que começaram a me seguir pelo
corredor. Passamos pelo salão principal do escritório, onde boa parte dos
funcionários trabalhavam, e, infelizmente, tive o desprazer de cruzar com Ted
Sullivan – o assistente do setor financeiro.
Ele olhou para os homens ao meu lado e perguntou:
— Algum problema aí, Susan?
Apertei os olhos, sentindo minha situação ficar ainda pior com aqueles
policiais.
— Pelo visto, somente aquela loira te conhece como Julie nessa empresa. – o
policial arrogante comentou ao meu lado.
Ted usou seu tom de voz irritantemente alto para proferir, ao olhar o
distintivo do homem ao meu lado:
— Você está sendo presa, Susan?
Nesse momento, senti todos os olhares daquele salão se voltarem para mim.
— Minha nossa, Susan! O que você fez? – Continuou, Ted.
Apertei os olhos novamente, inspirando fundo e tentando ficar calma.
— Podemos ir agora? – Resmunguei para o policial, que parecia sentir prazer
naquilo.
— Claro. Direto para a delegacia. – Ele falou, confirmando as suspeitas de
Ted, e agora do imenso grupo de pessoas no salão.
Que filho da mãe!
Burburinhos começaram a se alastrar entre os funcionários enquanto
voltávamos a caminhar em direção ao elevador.
Ai, Deus! Nunca me senti tão humilhada em toda minha vida.
Esperamos o elevador voltar para aquele andar e, quando finalmente as portas
estavam prestes a se abrirem, prendi a respiração quando as placas de aço
descortinaram o monumento de terno e gravata, que estava apoiado
relaxadamente na barra de ferro atrás de si.
Quando seus olhos azuis cintilantes alcançaram os meus e depois passeou
para os homens ao meu lado, senti minha espinha gelar.
— O que está acontecendo aqui? – Ele se desencostou, dando alguns passos
para fora do elevador. – Está tudo bem, Julie?
— Dá o fora, cara. – o homem ao meu lado ralhou e segurou o meu braço. –
Estamos de saída.
— Dar o fora? – Steve repetiu, quase cuspindo aquelas palavras. – Quem é
você para querer mandar em mim em minha própria empresa?
— Sabia que prender irritadinhos feito você é minha maior diversão?
— Você se divertindo ou não, vai ter que vazar daqui e tirar a pata de cima da
minha namorada. – Um novo burburinho se fez no salão.
— Sua namorada está sendo acusada de falsidade ideológica, rapaz...
Steve fechou o punho, olhando para o lado e bufou:
— Foi aquela cretina da Bárbara. Tenho certeza. – Ele tornou a olhar para o
policial ao meu lado e tentou avisar: — Isso é um mal-entendido.
— Sendo assim, ela terá que se explicar na delegacia.
Chamei a atenção de Steve para mim e balbuciei, tentando tranquilizá-lo: está
tudo bem.
— Não podem levá-la. – Steve insistiu.
— Bill, pega as algemas e coloca nela.
— O quê? – Pela primeira vez, repliquei. – Não podem me algemar. Não
estou me recusando a ir...
Um dos brutamontes fechou uma argola em meu pulso esquerdo e, quando
ele ia fazer o mesmo com o direito, Steve se meteu no meio e algemou o
próprio braço.
— Vou junto. – Ele disse para o ranzinza ao meu lado e depois olhou para
mim.
— Seu louco! – Resmunguei, baixinho.
— Louco por você. – Ele sussurrou de volta. — Vamos, senhores! – Ele deu
um passo para a frente e disse, alto: — Beatriz, ligue para o dr. Phoenix. Ele
saberá resolver facilmente essa situação.
— Sim, senhor. Vou ligar agora mesmo. – Beatriz respondeu logo atrás.
Steve olhou em volta e fez outro aviso:
— E fiquem com as mãos bem longe da minha mulher.

Após algumas horas na delegacia, fomos liberados quando o dr. Phoenix,


advogado da Clifford, teve uma rápida conversa com o delegado. Ele nos
assegurou que minha prisão foi totalmente ilegal e que ele impetrou um tal de
habeas corpus. Segundo o dr. Phoenix, a situação era perfeitamente passível
de resolução pela Lei e a apresentação da falta de provas. Café pequeno! –
como ele intitulou. – A não ser que alguém aparecesse para dar mais
esclarecimentos sólidos sobre o caso.
— Obrigado, Phoenix. – Steve agradeceu em frente à delegacia.
— Sempre às ordens! – O senhorzinho acenou um menear de cabeça
respeitoso.
Steve aquiesceu e o dr. Phoenix fez o trajeto de volta ao seu carro,
estacionado do outro lado da rua.
Naturalmente, nossos corpos se viraram um para o outro e Steve envolveu
meu corpo carinhosamente com seus braços. Afundei meu rosto no vão em
seu peito, inspirando fundo. Suas mãos amassaram meus cabelos e meus
braços deram uma volta perfeita em sua cintura.
— Se ela aparecer para depor? – Sussurrei.
— Ela não vai aparecer. Se ela quisesse mesmo comprar essa briga, não faria
isso anonimamente. – Ele me apertou pousou as mãos em minhas costas. —
Caso isso aconteça, acho que o dr. Phoenix ainda pode dar um jeito na
situação. Não vou deixar que isso atrapalhe nossas vidas, meu amor. De
forma alguma.
— Nunca mais faça aquilo. – Resmunguei.
— Isso o quê? – Ele afastou nossos corpos um pouco para me encarar.
— Você poderia ir preso, Steve. Por desacato a autoridade. Nunca mais faça
isso por mim.
— Ok. Prometo não fazer mais. – Ele me roubou um selinho. – Será que hoje
posso ganhar um tempo com minha namorada? – Ele disse estreitando o olhar
para minha boca e depois subiu para me encarar.
Fazia uma semana que não tínhamos um encontro decente, devido a minha
admissão na Clifford e as incontáveis horas de treinamentos obrigatórios que
eu tinha que comparecer. Confesso que, ao final do dia, não tinha energia
para nada. Estava sendo um martírio ficar distante dele e de Lux, mas era
preciso. Eu só queria estudar, gravar como funcionavam aquelas planilhas e
me tornar uma funcionária competente para a empresa dele.
Steve, por sua vez, entendeu minha ausência temporária, com uma condição:
que eu moderasse mais o ritmo assim que o treinamento acabasse.
— Voltar agora para o escritório não seria uma boa ideia, não é? — Fisguei o
lábio inferior.
Ele sorriu.
— Não. Definitivamente, não. Aquele lugar deve estar uma balburdia depois
que saímos de lá algemados. – Ele brincou.
Soltei meus braços de sua cintura e os enlacei em volta de seu pescoço.
— E o que me sugere, sr. Clifford? – Sussurrei, amaciando a voz.
Ele passou a língua entre os lábios, aquela mania dele que o deixava
incrivelmente mais sexy.
Ele cochichou contra minha boca, entrando no clima. E uma onda de calor
começou a tomar conta do meu corpo.
— Eu sugiro que façamos o que tenho pensado a semana inteira. – Arrepiei
quando ele disse aquilo em um tom sério. – Tenho outro apartamento,
também na avenida Harisson. Podemos ter mais privacidade por lá. – Ele
começou a dar a ideia, afastando uma mecha do meu cabelo para trás da
orelha. — Podemos namorar um pouco essa tarde e depois passarmos o resto
do dia com Lux em meu apartamento. Se quiser, pode dormir em minha cama
hoje. Prometo que serei um bom moço e não roubarei tanto sua energia.
Sorri com sua última observação.
Fiz um rápido suspense, com os olhados pregados em suas esferas cintilantes,
que contrastavam com sua pele bronzeada pelo sol.
Colei meus lábios em seu ouvido, roçando de leve minha boca no lóbulo de
sua orelha, e dei a resposta, baixinho:
— Eu adoraria, meu amor.
Observei a pele de seu pescoço se eriçar e automaticamente meus lábios
ganharam uma curvatura perfeita, me deliciando em ver o efeito que causava
naquele homem que me tirava totalmente de órbita.

Steve
Abri a porta do apartamento, dando espaço para que Julie entrasse primeiro
Passei os olhos sobre aquela bunda gostosa, que ficava perfeita naquela saia
envelope, pensando que logo, logo ela estaria exposta para eu contemplá-la.
Puta que pariu. Que mulher maravilhosa! Julie não fazia apenas o meu peito
vibrar, mas também todo o tesão que havia em mim.
Os olhos doces dela tornaram me encarar após fazer uma varredura rápida
pela sala do apartamento e perguntou:
— Você vem frequentemente aqui?
— Pouco, confesso. Já morei aqui quando a Clifford ainda estava se
erguendo.
O apartamento era menor que o outro em que morava, mas também tinha
uma boa estrutura. Para conservá-lo, Meryl enviava uma pessoa duas vezes
por semana para fazer a limpeza.
— Construí muita coisa morando nesse apartamento. Por isso não consegui
me desfazer dele.
— Apego sentimental. – Ela concluiu.
— Isso. – Assenti.
Ela mordeu aquela boquinha gostosa e admirei atentamente do meu canto.
Julie se virou para mim e semicerrou os olhos:
— Eu quero conhecer o quarto. – Sua voz doce ficou mais densa, sensual. E
mal pude disfarçar o quanto gostei daquilo.
Ofereci minha mão a ela, que segurou firme.
Passamos pelos móveis monocromáticos da sala, caminhando em direção ao
corredor de paredes brancas. Abri a última porta, deixando que ela passasse.
Julie observou a mobília ao redor e olhou fixamente para a cama, me
deixando ansioso, ávido para despi-la e escutá-la gemer meu nome.
Ela se virou para dizer algo, porém, me adiantei em beijar sua boca, diria
devorar. Ela correspondeu, me deixando entrar e chupando minha língua de
forma obscena. Porra! Como queria que ela estivesse fazendo isso em outro
lugar. Minhas mãos se encheram com suas nádegas e apertei-as sem pudor.
Ela gemeu, provavelmente sentindo meu pau latejar contra sua barriga
enquanto eu comia sua boca.
— Gostosa! – Rosnei.
Afastei-me para desfazer os botões da camisa e assisti ela fazer o mesmo com
a saia azul Royal. Seus cabelos caíram para o lado, me dando vislumbre de
um perfeito anjo, e ela ficou apenas de calcinha e sutiã de renda rosa-claro.
Ela me fitou, com o peito ofegante, enquanto me livrava das calças. Puta
merda! Varri meus olhos por aquele corpo voluptuoso, os seios duros e as
coxas definidas. As sardas que se acumulavam no alto do colo. Tudo em Julie
parecia puro e celestial. E os raios solares que entravam pela janela ao lado
só realçavam ainda mais aquelas curvas perfeitas.
Aproximei dela, cravando meu dedo indicador na barra de sua calcinha,
vislumbrando sua boceta, de cima. O desejo pegava fogo em meu corpo. Meu
pau chegava a doer dentro da cueca.
Virei seu corpo, prendendo seus braços, de forma que ela ficasse de costas
para mim.
— O que vai fazer? – Ela perguntou com uma ponta de receio na voz.
— Provar minha namorada doce e gostosa. – Murmurei atrás do seu ouvido e
a deitei de bruços sobre o colchão.
Afundei meus joelhos, um em cada lado do seu corpo, e me inclinei para
frente para deixar um beijo molhado em suas costas. Senti ela estremecer.
Desfiz o fecho de seu sutiã e beijei ali também, passando a língua e
deslizando pela curvatura de sua espinha dorsal até chegar na fenda de sua
bunda gostosa. Desci a renda da calcinha pelas suas pernas e meti dois dedos
em sua boceta, que estava pingando de desejo, pronta me receber. Prendi seu
nervo rígido entre meus dedos e ela abafou o gemido no travesseiro.
— Geme para mim, meu amor. Eu quero ouvir seus gemidos.
Ela liberou a boca e rasgou um gemido alto e sonoro quando enfiei os dois
dedos em suas paredes, a estimulando. Suas pernas tremiam e eu tive a
impressão de que ela não aguentaria muito tempo e gozaria em minha mão.
Mas eu não queria isso. Queria vê-la se derramando comigo dentro.
Dei um passo para fora da cama e peguei um preservativo dentro da carteira
em minha calça e voltei para Julie, vestindo meu membro e depois
posicionando suas pernas para que pudesse me receber. Pincelei a glande em
seu ponto molhado e penetrei fundo, assistindo suas veias saltarem e um
gemido a rasgar.
Não me contive quando entrei nela. Ela apoiou os braços perto da cabeceira
da cama e comecei a estocá-la em uma cadência crescente.
Houve um ponto que nossos corpos se movimentavam em um ritmo perfeito,
rápido e duro, enquanto tinha um pouco de visão dos seus seios duros
balançando de frente para o colchão. Quando senti suas paredes vibrarem e
contraírem em meu pau, presumi que ela estava prestes a desabar. Ela chegou
primeiro do que eu e gozei logo em seguida, urrando.
Caí ao seu lado, ofegante e olhei para seu rosto doce, coberto pelo suor.
Minha nossa! Ali, parado, olhando para aquele anjo em forma de mulher era
como se eu tivesse o maior dos prêmios que o homem poderia ganhar. A
forma que ela me olhava, jamais ninguém me olhara antes. E provavelmente,
nunca cheguei nem perto de me sentir meu coração bombear daquele jeito.
Arrastei meu corpo para perto do dela e beijei sua testa suada.
— Sei que é cedo, mas eu te amo, Julie Evans.
Ela se aninhou em meus braços e sussurrou:
— Eu também te amo, Steve. – Ela ergueu o queixo para me encarar e
murmurou: — Muito!
Girei nossos corpos de forma que seu corpo ficasse encaixado sobre o meu e
a tomei pelos lábios mais uma vez. Eu queria mais. Muito mais dela.
Queria que ela sentisse que eu era seu, rendido por seus encantos como
mulher. Julie era o tipo de pessoa que qualquer cara queria ter por perto.
Simples e bondosa, mas havia algo a mais em sua essência, que não sabia
explicar com palavras. Com ela, eu me senti em paz, tranquilo, sem
necessidade de encontrar em outros corpos aquilo que já provei com máxima
perfeição.
Iniciamos mais uma rodada de sexo e passamos a tarde rolando sobre aqueles
lençóis. E, quando anoiteceu, tomamos banho demorado e passamos a noite
em meu apartamento com a outra dona do meu coração: minha carequinha de
riso irresistível. Com elas, eu me sentia perfeitamente bem, completo.
Como se minha vida tivesse sido renovada, ganhei a felicidade de graça nos
braços dela e da minha filha. Das minhas garotas. Desde agora, minha vida.
Bônus

Dois meses depois

Olhei pelo retrovisor, ganhando um sorriso da garotinha sentada em sua


cadeirinha no banco detrás. Lux não parava de crescer, assim como o meu
amor por ela. Seus cabelos estavam maiores e mais cheios e sua boca ganhara
mais dois dentinhos.
Steve libertou uma mão do volante e segurou a minha que descansava em
cima da coxa, olhando pelo retrovisor também e levantando as sobrancelhas.
Lux gargalhou e nós sorrimos juntos.
— O que está rindo, hein pequena? – Steve perguntou entre risos e a risada
de Lux cresceu de maneira hilária.
Naquele fim de semana, decidimos passar o dia na casa de veraneio que
Steve tem perto da saída de São Francisco, a fim que saíssemos um pouco da
selva de pedras e aproveitássemos mais o contato com a natureza.
Nos últimos dias, me aproximei ainda mais rotina deles e confesso que amava
me sentir de alguma forma parte dela. Também amava quando Steve me
pedia favores e também amava nossa cumplicidade diária.
— Estamos chegando? – Perguntei, ansiosa.
Ele levou as costas da minha mão para os lábios, com os olhos na estrada à
frente.
— Quase, meu amor. Estamos bem perto.
Ele acelerou e depois pegou uma estrada de chão, entrando em um vasto
terreno com um lindo campo de relva e rigorosamente bem cuidado ao redor.
— É um campo de golfe? – Perguntei, maravilhada. Nunca havia visto um de
perto.
Ele assentiu com um menear de cabeça e um meio sorriso.
— Gosta de golfe? – Ele perguntou.
Franzi os lábios, confusa.
— Nunca joguei. – Analisei: — Mas como sei que exige uma boa
coordenação motora e ótima pontaria, provavelmente não deve ser algo que
eu deva gostar. Afinal, ninguém quer ser humilhado.
Ele jogou suavemente a cabeça para trás, sorrindo de minhas palavras.
Quando seu riso cessou, disse, seriamente, sem tirar os olhos da estrada:
— Certamente, há um milhão de outras coisas em que você é boa. – ele disse
e eu me neguei a me apaixonar por ele pela enésima vez somente naquele dia.
Quando Steve estacionou perto da casa charmosa de dois andares, peguei Lux
da cadeirinha, e ela se enganchou em minha cintura. Caminhamos para a
porta de entrada. Fomos recebidos pelo casal simpático que tomava conta do
lugar, que se emocionou muito ao ver Lux, lembrando das visitas regulares
que Romena fazia àquele lugar.
Almoçamos em seguida e depois fomos para o campo de golfe.
Enquanto brincava sentada na grama com Lux e Jade, a filha do casal gentil
que nos recebeu, Steve carregava uma bolsa com tacos e bolas para a
configuração do primeiro buraco próximo do lugar em que estávamos.
De longe, o assisti treinar uma tacada e o aplaudi quando acertou o buraco
que parecia minúsculo visto dali.
— Uhulll! Muito bom, amor!
Ele levantou o taco e depois fez um coração com a mão para mim, fazendo o
que sabia fazer de melhor: ser gato.
Quando menos esperava, vi uma senhora loira de blazer vermelho ao lado de
um garotinho de cabelos pretos adentrar o campo do outro lado do gramado.
Forcei a visão e percebi que se tratava nada menos do que a sra. Johnson.
Imediatamente, me levantei e segurei a mão de Jade, pegando Lux em um
único só braço, e me aproximei de Steve.
Steve abriu os braços para sra. Johnson e os dois se cumprimentaram com um
abraço caloroso.
— Ai, meu menino. Que saudade! – a senhora loira disse e depois se afastou:
— Olha, esse aqui é o meu neto, Joshua.
— Ah, então esse é o famoso, Joshua? – Steve ergueu as sobrancelhas.
— E você é o famoso Steve da minha avó? – O menininho replicou, o que
nos fez cair na risada.
— Como foi de viagem? – Perguntou Steve.
— Ótimo, querido. Chegamos ontem pela noite.
A sra. Johnson veio me cumprimentar e deu um beijo em Lux, falando em
seguida com a pequena Jade.
Ficamos ali por perto, conversando, até Steve desafiar Joshua para uma
partida. O garotinho aceitou sem hesitar, com os olhos brilhando de
felicidade quando Steve lhe entregou um taco de golfe.
Meu olhar se alternou para Michele, que estava com os olhos marejados ao
assistir o neto se afastar.
Steve olhou para ela e, antes que Joshua pudesse iniciar a partida, Steve
disse:
— Ei, Joshua!
— Oi, tio.
— Sabia que, antes de sua avó me deixar nessa cidade, essa partida de golfe
já estava marcada?
— Sério? – O garotinho olhou para a avó, visivelmente emocionada.
Steve passou a olhar a sra. Johnson com uma mistura de admiração e ternura.
— Eu estava doido para conhecer o neto de uma das mulheres mais legais
que já conheci em toda minha vida... Por isso, manda ver. – Steve piscou para
Joshua, que abriu um sorriso lindo de criança.
— Tá certo, tio. – Ele levantou o seu pequeno dedão em positiva, respirando
fundo e depois se concentrando para fazer sua melhor tacada.
Por um momento, o silêncio tomou conta daquele enorme campo de maneira
que somente o som do vento rodopiando pelas pequenas colinas era possível
de se ouvir.
O pequeno Joshua tencionou os bracinhos para a frente e depois para trás,
acertando a superfície branca com pequenos furos. A bola deslizou pela
grama macia, fazendo uma curva dramática na ondulação do gramado até cair
em cheio no buraco, sinalizado por uma bandeira branca.
— Eu acertei? De primeira? Eu acertei! Vovó! Você viu? Eu acertei! De
primeira, vovó – Joshua pulava, alegremente, correndo para os braços da sra.
Johnson.
— Você foi maravilhoso, querido. – A senhora Johnson aparou o corpinho do
neto, o abraçando forte.
Steve e eu nos entreolhamos, provavelmente, meus olhos estavam cheios
d’água também, sorrindo com a alegria de Joshua.
— Agora é minha vez! – Steve anunciou e Joshua se colocou ao lado da avó
para assistir.
Steve foi até o buraco, se abaixou e pegou a mesma bola. Perguntei-me se
isso era comum nos jogos de golfe, mas como eu não entendia nada, apenas o
assisti voltar para fazer sua tacada.
Ele executou seu lance rapidamente e a bola deslizou e parou próximo ao
buraco.
Steve caminhou até a bola e parou em sua frente, olhando-a.
Deveria estar muito fácil para acertar o buraco dali. Ele não acertou de
primeira, mas com certeza marcaria na segunda.
Steve ergueu o olhar e procurou meus olhos.
— Julie! Que tal acertar essa para mim?
— Tá de brincadeira, não é? – Sorri sem jeito.
O que ele quer? Me humilhar na frente das crianças?
— Não estou de brincadeira. Venha, amor!
Olhei para os meninos, em seguida para a sra. Johnson, que se ofereceu para
segurar Lux no colo.
Lux aceitou o colo de Michele sem pestanejar e desci o gramado até o meu
namorado, que parecia estar disposto em me colocar em uma situação difícil.
— Eu vou errar. – Afirmei, pegando o taco.
— Não vai, amor. Apenas concentre-se!
— Tem certeza?
Ele fez como se limpasse a garganta.
— Absoluta.
— Irá ainda me amar se eu errar essa jogada? – Brinquei, me posicionando
atrás da bola.
— Ainda mais, pois assim reforçaria o quanto você é rara. – Processei seu
elogio e virei o rosto para ele.
— Ei, esse elogio não é legal. – Repliquei, magoada.
— A bola, amor. Por favor, concentre-se. A bola. – Ele fez um biquinho,
apontando para a esfera diante de mim.
Suspirei, tentando relevar. Fitei a bola branca em minha frente, levei o taco
para trás e bati levemente em um lado da esfera. Quase tive a proeza de errar
aquele buraco tão perto, mas, por sorte, ela escorreu para o lado e caiu.
Suspirei aliviada.
Steve se encaixou atrás de mim, beijando meu pescoço.
— Parabéns, amor.
Virei o rosto e unimos nossos lábios em um selinho rápido e comportado.
— AGORA É MINHA VEZ? – Joshua gritou, ansioso.
— ISSO MESMO, JOSHUA! – Steve gritou de volta, sorrindo.
Dei dois passos para a frente e me abaixei para pegar a bola do buraco.
Retirei a esfera e pisquei os olhos quando o reflexo do sol bateu em algo
brilhante.
Olhei com mais atenção para dentro daquela toca e respirei fundo.
— Eu não acredito! – Exclamei em um fio de voz, com o coração quase
parando de bater.
Levei meus dedos para dentro daquele pequeno espaço e retirei o delicado
anel com uma pedra reluzente no meio.
Levantei com a visão turva devido à emoção e fitei o homem que me
observava atentamente.
— O que é isso, Steve? – Quase gaguejei.
— Havia planejado esse momento para mais tarde, mas simplesmente não
consegui esperar. – Ele disse, caminhando em minha direção, e se ajoelhou
diante de mim.
Ele segurou minha mão e minha pulsação disparou. Ele a apertou.
– Julie. Eu sei que essas coisas às vezes precisam de um longo tempo juntos,
mas sinto que não preciso de tanto tempo – ele fez uma pausa -, pois não
consigo me imaginar ao lado de outra pessoa pelos próximos anos... Na
verdade, nem quero... – Houve silêncio, um silêncio profundo, antes de ele
desferir: — Casa comigo?
Aquela pergunta fez todos os meus sentidos se distorcerem, como se eu não
estivesse preparada para viver aquilo que parecia ser um sonho absurdamente
feliz. Tentei recobrar o autocontrole e meneei a cabeça em positiva,
incessantemente.
— Sim. Mil vezes sim. – Murmurei com os cantos dos lábios quase rasgando
em um sorriso escancarado.
Ele pegou o anel de mim com delicadeza e segurou minha mão trêmula. Ele
encaixou o aro com destreza em meu dedo anelar e beijou minha mão
demoradamente.
Steve se levantou em um único movimento e segurou a lateral do meu rosto.
— Eu prometo que te farei muito feliz. – Ele jurou em meus lábios.
Enlacei meus braços em seu pescoço, me deleitando com suas esferas
cintilantes tão próximas aos meus olhos.
— Você já me faz incrivelmente mais feliz.
Ele mostrou o seu sorriso mais perfeito e me ergueu nos braços.
Prendi minhas pernas em sua cintura e o beijei com toda minha alma,
esquecendo completamente do mundo ao meu redor.
No entanto, quando íamos aprofundar o beijo, as palmas e gritinhos da sra.
Johnson nos lembraram da presença de crianças por perto. Nós sorrimos
juntos e deixei um selinho comportado nos lábios dele.
— Acho podemos deixar isso para mais tarde. – Disse, baixinho.
— Tem razão, meu amor. Ainda temos uma história inteira pela frente. – Ele
pendeu a cabeça para trás e me jogou uma piscadela. — Acho que posso
esperar pelo pacientemente próximo capítulo.
Querida leitora, espero que tenha apreciado a leitura de Uma Secretária para
o CEO tanto quanto eu gostei de escrever essa comédia romântica. E queria
de pedir para que deixasse sua avaliação, é muito importante para o meu
trabalho.

Muito obrigada por ler meu livro!


Beijos, Ângela Maria.
@autoraangelamaria
[i] Documento de identidade americano
[ii] Boa tarde!
[iii] Garota linda
[iv] Maravilha!
[v] Meu Deus!
[vi]
Amante dos prazeres da vida

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