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Sumário
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Epílogo
Bônus
Capítulo 1
São Francisco — CA
Romena: Você vem jantar aqui em casa hoje, mano? Diz que simmm! Lux
está morrendo de saudade.
De repente, lembrei dos dois dentes engraçados e mais traiçoeiros do
mundo e um sorriso de canto de boca se abriu em meu rosto, quase sem que
eu percebesse. Minha sobrinha era uma gracinha. Se não fosse pela minha
total incapacidade de lidar com a loucura que era cuidar de uma criança,
talvez ter um filho estivesse em minha lista de coisas para experienciar antes
de morrer.
Mas eu não tinha jeito pra isso. Eu amava me sentir livre, viajar, fazer
milhares de amigos. Sem contar com o fato de que não gostava da ideia de
atribuir parte de minhas responsabilidades para outras pessoas. Se fosse para
eu ter um filho, que eu fizesse direito e não jogasse o peso todo nas costas de
uma mulher. Porém, essa era uma outra realidade, bem distante da minha.
Mas que já tinha chegado para minha irmã caçula.
Romena era meu ponto de luz. Minha irmã era o tipo de pessoa que
conseguia fazer alguém se sentir bem só de estar ao lado dela. Uma mulher
doce, gentil e educada, mas um vagabundo teve a covardia de quebrar seu
coração.
Ela conheceu Lamar no Cafe Trieste, no ano passado, quando,
segundo ele, veio de Minnesota para São Francisco a trabalho.
No entanto, a distância não impediu que Romena se apaixonasse e tão
logo engatasse um relacionamento com Lamar.
Eu sentia que havia algo de errado com aquele verme quando bati os
olhos nele, mas minha irmã estava tão apaixonada, que me sentia mal em ter
que incomodar sua alegria com minhas percepções ainda sem fundamentos.
Até que um dia que desabafei com ela, explicando que eu achava estranho o
fato dele nunca ter apresentado uma pessoa de sua família, mas ela me
tranquilizou argumentando que ele era como nós dois, sozinho.
Pouco tempo depois, veio a notícia da gravidez, o que a levou a
trancar a faculdade de Direito no terceiro ano de curso. Após seis meses, as
vindas de Lamar para São Francisco se tornaram menos frequentes, até ele
desaparecer totalmente.
Romena ficou tão aflita com o desaparecimento dele, que contratei
alguns detetives para saber do seu paradeiro. Foi quando descobri que o filho
da puta tinha uma outra família: uma mulher e dois filhos crescidos.
Naquele dia, tive vontade de acabar com ele com as minhas próprias
mãos. Mas eu não poderia fazer isso. Eu tinha que acalmar e consolar
Romena, que não parou de chorar por dias. Graças a Deus, Lux nasceu
saudável e no tempo certo, e eu vi a alegria e a força da minha irmã
renascerem mais uma vez.
Steve: Podem me esperar, que o tio Steve está passando aí mais tarde. E não
me decepcionem com esse jantar, garotas.
Romena: Ebaa! Te esperamos então.
Te amo!
No dia seguinte
— Não se preocupem, meninas! Vocês terão outras oportunidades –
mamãe dizia enquanto tomava um gole espesso de café, sentada à mesa da
cozinha, depois de eu receber a notícia que a família Benetti havia arranjado
outra babá para as crianças.
Minha mãe e meu avô já estavam com suas roupas de caminhada
quando fazíamos nossa refeição matinal na cozinha.
— Julie, minha querida, qual foi o recipiente em que você fez a massa
de seus biscoitos de ontem? – Vovô Charlie perguntou quando abriu o
armário.
— Hmmm... O verdinho. – Respondi, recobrando em minha memória.
O vovô me olhou por cima do ombro, com as sobrancelhas arqueadas.
– O que foi, vô? Não era para usar?
— Filha, foi por isso que sua irmã passou mal. Foi nele que misturei as
ervas para Robert, deve ter ficado algum resquício...Robert era o velho
amigo do meu avô, que morava na última casa da rua. Geralmente o
vovô preparava semanalmente a uma mistura de ervas para ajudá-lo
com o seu problema de intestino preso.
— Graças a Deus o senhor não chegou a comer os que Julie deixou
para você, pai. – Mamãe comentou em tom de alívio.
— Graças a Deus! – Agradeci. – Mas espera aí. Quer dizer que não errei a
receita? – Balbuciei.
Minha mãe comentou, entre risos:
— Só errou a tigela, Julie.
Vi Susan adentar a cozinha, com o celular na mão:
— Tem algo de errado. Só pode ser isso. – Ela dizia, enquanto lia algo
na tela do celular.
— O que foi, Susan? – Perguntou minha mãe, ao passo eu tomava um
gole de café.
— Fui contratada.
— Contratada? — Engasguei com o café. Droga! Não havia nada
pior do que engasgar com bebida quente.
— Tudo bem, Julie? – Vovô perguntou, preocupado.
— Estou bem, vô – respondi, me reestabelecendo. – Como assim
contratada, Susan?
Ela piscava os olhos como se estivesse desacreditada.
— Não sei, também não estou entendendo nada. Aqui diz que fui
selecionada para assinar os papéis da contratação amanhã. Eu acho que deve
ser um engano.
— Ou talvez você esteja com sorte, Susan – minha mãe disse, se
levantando da cadeira e alongando os braços. — Quanto é o salário?
— Cinco mil dólares.
— Cinco mil dólares!? – Minha mãe exclamou, embasbacada.
Ai meu Deus! Por que, de repente, estou achando que estou metida
nessa confusão?
— É um emprego temporário, apenas dois meses...
Mamãe observou:
— Cinco mil dólares ajudariam a pagar boa parte de nossas dívidas e
ainda sobraria para você comprar seu próprio carro.
— Oh, mãe! Quem que compra carro hoje em dia com menos de
cinco mil dólares? – Perguntou Susan.
Mamãe me olhou de soslaio.
— Sua irmã comprou um por bem menos.
Ergui meu dedo em riste e completei, orgulhosa:
— $ 878 dólares, para ser mais exata.
Susan revirou os olhos, comentando:
— Oh, aquilo não é bem um carro. É uma bomba relógio prestes a
explodir.
— Uma bomba relógio que você não dispensa uma carona, isso foi o
que você quis dizer, não é querida? – Ironizei.
— Parem, parem, garotas! – Vovô Charlie sorriu. – Marta, minha
filha, é melhor irmos logo antes que o sol esquente mais.
— Claro, pai. Bom, meninas, estou indo com o avô de vocês
caminhar. Por favor, não briguem e, Susan, se não for um mal-entendido,
aceite a vaga. O salário não é de se jogar fora. – Mamãe disse, caminhando
junto com o vovô para fora da cozinha.
Quando eles saíram do nosso campo de visão, Susan se virou para
mim e perguntou:
— Você acha mesmo que é um mal-entendido, Julie?
— O que eles disseram exatamente no e-mail? – Questionei,
desconfiada.
— Eles disseram que gostaram muito do meu perfil, mas eu nem subi
para fazer a entrevista. – Droga! — Só pode ser um mal-entendido mesmo. –
Ela levou a mão para o cabelo, suspirando.
— Susan, eu tenho algo para contar a você.
— O quê? – Ela perguntou, impassível.
— Como posso dizer... – Cocei o topo da cabeça, sorrindo, e soltei
rapidamente: — Eu fiz a entrevista em seu lugar. – Disse, desconcertada.
— Você o quê? – Ela indagou, confusa.
— Não se preocupe, ninguém desconfiou de nada.
— Como assim você fez a entrevista no meu lugar? Eles deixaram
você entrar? Como?
— É que eles acabaram me confundindo quando comecei a explicar
sua situação e meio que fui arrastada pela circunstância até a sala de
entrevista.
— Eu não acredito nisso, Julie. Sua maluca! – Susan começou a
sorrir. – Desculpa, isso é muito engraçado. E o mais hilário é que você ainda
foi selecionada. – Ela teve uma crise de risos, enquanto fiquei ali, sem jeito.
Será que aquele deus grego caído na terra ficará muito chateado quando
souber que, além de atrapalhar a entrevista da minha irmã, ainda ajudei a
fracassar sua seleção?
— Você tem que mandar um e-mail explicando tudo, Susan.
— Eu? Claro que não.
— Como não?
— Quem criou essa situação foi você. Não tenho a ver com isso.
— Eles vão estar esperando você amanhã.
Ela pareceu pensar alto:
— Será que eles vão perceber a diferença entre a nós se eu aparecer
lá? Quem foi que fez a entrevista?
— O próprio CEO com quem você iria trabalhar e a secretária dele. –
Respondi, me recordando de sua voz.
— Oh, se fossem outras pessoas, somente do Rh, seria mais fácil levar
essa situação.
— Como assim levar essa situação?
— Você acha que somos muito parecidas? – Ela perguntou, se
colocando ao meu lado e nos olhando no reflexo da janela de vidro.
— Nem um pouco. Eles vão notar que você não é a mesma pessoa
que apareceu no dia da entrevista.
Ela continuou me olhando e concluiu:
— É, parece que somos muito diferentes fisicamente, Julie. Essa
mentira não se sustentaria nem no primeiro dia de trabalho.
— Pois é.
— Mas... – ela disse, sorrindo.
— Mas o quê? – Perguntei, curiosa.
— Você pode trabalhar em meu lugar durante esses dois meses.
Aquela ideia entrou nos meus ouvidos e eletrizou meu cérebro. Eu?
Trabalhando em um escritório? Usurpando o lugar de alguém? E depois
sendo presa por falsidade ideológica?
Sacudi a cabeça e neguei, sonoramente:
— NÃO!
Comecei a recolher as xícaras e pratos da mesa, escutando Susan atrás
de mim:
— Julie, você tem que confessar que é uma ótima ideia.
— É um absurdo!
Ela me seguiu até a pia, parando atrás de mim e segurando meus
ombros:
— Dois meses ganhando cinco mil dólares resolveria mais da metade
das nossas dívidas...
— Eu não vou me meter em cilada, Susan. Isso é errado. Me
surpreende o fato de você ser uma pessoa decente e pensar em nos envolver
em algo tão grave.
— São apenas dois meses. – Ela tentou me persuadir. – E não é algo
tão grave assim.
— Não insista, Susan. Não vou ocupar o lugar de ninguém! – Ralhei,
começando a lavar a louça.
Ela ergueu as mãos, desistindo.
— Tudo bem. Tudo bem. Desculpa.
A campainha da nossa casa tocou nesse mesmo instante. Observei de
soslaio Susan sair pela porta do outro lado da cozinha e, depois alguns
minutos, retornar e se sentar com tudo na cadeira da atrás da mesa, como se
estivesse cansada.
— Quem era? – Perguntei.
— O carteiro.
Desliguei a torneira, virei meu rosto completamente e vi a carta aberta
em cima da mesa.
— Correspondência nova. Cobrança?
Ela inspirou pesadamente e respondeu massageando as têmporas:
— Mamãe não está pagando o aluguel há quatro meses.
— Como?
— Isso mesmo o que você ouviu. Nossa mãe agindo normalmente:
nos escondendo as coisas. – Ela resmungou, com rancor na voz. – Nada me
surpreende mais.
— Ela faz isso porque não quer que nos preocupemos. – Pontuei.
— Já não somos crianças há séculos, Julie. Eu já tenho mais de trinta
e logo você chegará aos trinta também. Ela poderia ter nos deixado cientes
disso antes. Sabe o que acontecerá se não pagarmos a metade do valor dos
quatros aluguéis anteriores? Vamos ser expulsos dessa casa até o fim do mês!
— Está dizendo isso aí?
Ela pegou novamente a carta de cima mesa e me ofereceu para que eu
pudesse ver com meus próprios olhos.
Sequei minhas mãos na saia, peguei o papel com letras em Arial e me
certifiquei de que era isso mesmo. Tínhamos trinta dias para quitar metade do
valor das quatro parcelas do aluguel, caso contrário, estaríamos sujeitas ao
despejo.
— Já estou farta! – Susan suspirou, com lágrimas nos olhos.
Raramente eu via minha irmã chorar.
Nem mesmo quando ela tinha desilusões amorosas.
Ver que ela estava prestes a fazer isso me sinalizou que Susan estava
no ápice do estresse.
Sentei na cadeira ao lado dela e massageei suas costas.
— Fica calma, Susan. Vamos dar um jeito. Sempre damos um jeito.
— Não estamos conseguindo dar um jeito faz tempo, Julie. Estamos
atoladas nas dívidas e a cada dia mais ficamos presas nisso. O vô Charlie,
coitado! Não pode nem nos ajudar, pois tem que comprar um monte de
remédios. Eu e você, desempregadas.... – Ela respirou pesadamente. – Sabe,
eu só queria ser uma mulher de trinta e poucos anos que está preocupada em
estar solteira e com o cabelo desidratado. Eu já não aguento mais pensar em
dívida, falta de dinheiro... e, agora, esta ameaça de despejo. – Ela falou,
secando rapidamente as lágrimas dos olhos, que saíam sem aviso.
— Vamos dar um jeito.
— Só temos um mês para dar um jeito. – Ela complementou.
— Podemos colocar nossos currículos em outros lugares, como bares,
hotéis, restaurantes. Acho que estamos errando em focar apenas no que temos
experiência...
Ela virou o corpo para o lado, de forma que seus joelhos ficaram
apontados em minha direção.
— Julie, pense bem: o salário de dois meses na Clifford pagaria esses
quatro meses de aluguel e sobraria para ajudar um pouco com a dívida.
— Eu não sou você, Susan. Se você quiser, podemos voltar lá e
explicar que houve um mal-entendido. Talvez eles, com certeza, entenderiam
e contratariam você. – Dei a ideia, esperançosa.
— Eles não entenderiam, Julie. Já trabalhei em escritórios, sei como
esse pessoal pensa. Eles contrariam a segunda candidata que se saiu melhor
nas entrevistas.
— Então vamos continuar tentando, procurando emprego...
Susan me fitou com os olhos pidões, como se rogasse:
— Julie! Por favor.
Droga! Por que, de repente, algo dentro de mim está repensando a
ideia e cogitando essa opção?
Droga!
— O que eu vou fazer quando me pedirem a identidade? – Perguntei,
notando os olhos de Susan ganharem um pouco de esperança.
— Somos ruivas, temos as mesmas sardas... – ela começou.
— Mas nossos traços são completamente diferentes.
Susan pareceu pensar.
— Você se parece com a foto que está em sua identidade?
Naquele momento, me lembrei da imagem horrorosa que tiraram de
mim. Franzi o cenho e neguei veemente:
— Não. Nem um pouco.
— Então! Em raros casos as pessoas costumam se parecer com a foto
da identidade. É só não ficar nervosa na hora de mostrar.
Talvez esse seja o maior desafio.
Susan se levantou em um rompante, dizendo:
— Vamos, eu tenho que ensinar a você algumas coisas de escritório
urgentemente. Até amanhã, você vai se apresentar na Clifford.
— Calma aí, Susan. Eu ainda não disse que concordei com alguma
coisa.
— Eu te conheço, Julie Evans. Sei que você está cogitando e, se eu
consegui que você cogitasse essa hipótese, eu já fui longe demais.
— Susan, você está ciente de que isso é muito errado?
— Não é pior do que ficar sem teto. E outra, são apenas dois meses.
Ninguém vai descobrir. É só você não fazer amizades íntimas no escritório e
nunca... Eu disse: “nunca”... se apaixonar por um colega de trabalho. – ela
disse, fazendo aspas com os dedos.
Por alguma razão, engoli em seco lembrando do quão bonito era
aquele homem da entrevista. É claro que não me apaixonaria. Afinal, aquele
bebê também deveria ter uma mãe e, definitivamente, nunca me envolveria
com um homem comprometido. E, mesmo que ele não fosse comprometido,
eu só me apaixonaria por quem gostasse de mim, e um homem daquele, nem
nos meus mais irreais sonhos, se apaixonaria por uma mulher feito eu.
Levantei-me, decidindo, e Susan sorriu vitoriosa.
Ai meu Deus! Em que roubada eu estou me metendo?
Capítulo 5
No dia seguinte...
Horas depois
Como ele sabe que eu estava imprimindo? Ele notou isso antes da
minha saída para o almoço? Ou ele estava acompanhando o que eu estava
fazendo no notebook através do outro em seu apartamento?
Ai meu Deus! Eu teria que ir no apartamento dele?
Prossegui com a leitura da mensagem:
— Ai, meu Deus, Julie! Você conseguiu! – Foi isso o que ouvi de
Susan na noite anterior, quando cheguei em casa e nos trancamos dentro do
nosso quarto. Surpreendia-me o fato dela ter cogitado que alguma coisa desse
errado, pois na minha cabeça só existia uma hipótese: não ser descoberta.
Se eu tivesse sido descoberta, teria sido o fim! Talvez eu tivesse sido
condenada a uma ficha suja na polícia pelo resto da minha vida, o que
consequentemente só pioria as coisas para mim. Se eu já estava com
dificuldade de arranjar um emprego, imagina carregando uma ficha suja. As
pessoas nunca contratariam uma pessoa para cuidar de seus filhos sabendo
que ela usurpou o nome de alguém. Até eu explicar que o nome era da minha
irmã e que foi ela quem deu a ideia, eles já teriam optado por alguém de
índole aparentemente melhor.
Além disso, Susan me parecia tão confiante em me convencer a topar
esse plano absurdo, que talvez ela estivesse apenas focada em me fazer
concordar com isso.
Mas aqui estava eu novamente, em uma manhã, depois de fazer minha
higiene matinal para ir trabalhar outra vez. Fiz meu desjejum na cozinha
junto a minha mãe, vovô Charlie e Susan, que aproveitou o momento para
contar a boa nova sobre minha vida profissional: “Julie arranjou um emprego
em um centro de atendimento de telemarketing! ”.
Minha mãe e vovô Charlie me perguntaram se era verdade e eu
apenas assenti, afinal, eu precisava de uma desculpa para me livrar de suas
perguntas quando notassem as minhas frequentes saídas pela manhã usando
roupas formais. Eles ficaram surpresos e muito contentes e aquilo ganhou o
meu dia, mesmo que eu estivesse um pouco aflita por estar envolvida naquela
falcatrua que Susan nos meteu.
Tomei meu café em gole espessos, forrando o estômago com ovos
mexidos, e saí de casa levando comigo a pasta amarela de documentos da
secretaria, que eu trouxe para casa no dia anterior.
Coloquei no GPS o endereço que Steve havia me enviado por
mensagem e dei partida em meu bebê, que não ligou de primeira naquela
manhã, mas ligou. Isso que importava. Havia dias que ele custava mesmo a
pegar, porém, depois de algumas tentativas, o motor sempre voltava a roncar,
sinalizando que ainda estava mais vivo do que nunca.
Eu dirigi até a avenida Harrison e parei em frente a um gigante
edifício residencial. Apesar da minha inexistente experiência com compras de
residências em bairros nobres, aquela avenida era perfeitamente conhecida
por ter um dos metros quadrados mais cobiçados pelos milionários de São
Francisco – o que não era surpresa, pois quase todos os apartamentos por ali
deveriam ter uma vista privilegiada da Golden Gate – um dos cartões postais
mais emblemáticos da cidade.
Parei ao lado do interfone da portaria e abaixei o vidro para explicar:
— Bom dia. Eu sou a Susan. Meu chefe, Steve Clifford...
Não foi preciso terminar a frase para os portões se abrirem, enquanto
a voz do outro lado do interfone respondia:
— Já está liberada sua entrada, senhorita Susan. Tenha um bom dia.
— Bom dia.
Subi o vidro e acelerei para dentro daquele espetáculo de
condomínio. Só com alguns segundos dirigindo pelo estacionamento de
visitantes, percebi que minhas mãos suavam. Droga! Faz tempo que não
acontece isso – pensei, estacionando ao lado de um arbusto muito bem
podado. Apenas não pense, Julie. Apenas não pense. Eu repetia como um
mantra, pois, quanto eu mais pensava, mais eu ficava nervosa, então resolvi
ignorar meu nervosismo quanto a estar prestes a ficar de frente para Steve em
seu apartamento. Até agora não consegui descobrir o porquê todo do meu
nervosismo quando o via, talvez fosse por causa da minha consciência pesada
em estar o enganando. Susan diria que eu estava exagerando.
Peguei a pasta amarela, ajeitei minha bolsa de pano em meu ombro,
inspirei uma boa lufada de ar e tomei coragem para sair do carro.
Olhei novamente sua mensagem, passando por um alpendre e
seguindo o caminho que parecia levar para a área dos elevadores.
– 901. 901. 901. — Repetia comigo mesma para não me esquecer.
Tão logo achei o elevador e, para minha sorte, não esperei tanto as
portas se abrirem.
Entrei na cabine espelhada e apertei o botão do nono andar.
Não demorou muito para as portas se abrirem outra vez, me
encontrando diante de uma recepção de aparadores, quadros e vasos.
Dei alguns passos para a frente, estranhando não encontrar um
corredor de portas, como nos apartamentos que eu já havia entrado, no
entanto, andando mais um pouco, avistei uma espaçosa sala de chão claro,
que reluzia com a luz do sol que vinha da enorme vidraça que ocupava quase
toda a extensão da parede.
Olhei em volta, observando a mobília moderna que compunha a sala,
desde uma enorme pedra de mármore negro, que parecia ser uma lareira
elétrica, e o lustre sobre minha cabeça, que parecia uma composição de
pedras transparentes que brilhavam delicadamente. Os sofás tinham tons
beges e as almofadas se alternavam em tons mais escuros.
Uau! Este apartamento é lindo pra caramba!
— Srta. Evans?
— Merda!
Meu coração pulou quando ouvi alguém atrás de mim me chamar.
Girei meu corpo rapidamente, dando de cara com uma senhora de cabelos
castanhos claro e de traços orientais.
— Que susto! – Levei a mão ao peito.
— Perdão. Você é a Susan, estou certa? – Ela perguntou, me
analisando.
Demorei a me reestabelecer, mas logo a respondi:
— Sim. – Pelo menos, era quem eu dizia ser desde ontem.
— Ótimo. Eu sou Meryl. Sou eu quem governo este apartamento.
Steve me avisou sobre sua chegada.
Pigarreei, oferecendo minha mão:
— Ah! Prazer, Meryl.
Ela olhou para minha mão como se não fosse de seu costume aquele
gesto, mas ela apertou educadamente, falando:
— Steve está lá em cima com Lux e a babá. Logo ele descerá, mas,
enquanto isso, você pode ficar na bancada da cozinha, onde a sra. Johnson
costumava ficar. O notebook da sra. Johnson também está lá. Steve até
ajeitou um escritório aqui pra ela, mas a sra. Johnson mal pisava lá.
— Tudo bem. – Assenti. – Onde é a cozinha?
— Ah, claro. Eu vou mostrar a você. Me acompanhe.
Ela passou por mim, enquanto aproveitei o momento para arrancar
uma informação de Meryl:
— A sra. Johnson vinha muito trabalhar aqui?
— Quase todos os dias da semana.
Isso significava que teria que vir para cá quase todos os dias?
— Você me parece nova. – Ela comentou caminhando em minha
frente, sem virar o rosto para me olhar.
Sorri sem jeito.
— Tenho 32 anos.
— Sério? Parece bem mais nova.
— Obrigada. – Pigarrei. – Tudo por culpa da boa genética da minha
família. – Acrescentei, tentando deixar aquela conversa o mais natural
possível.
Logo chegamos à ampla cozinha, que dava visão da escada ladeada
com placas de vidro.
— Este é o notebook da sra. Johnson.
— Obrigada, Meryl.
Agradeci, vendo o aparelho em cima da bancada de mármore, e me
sentei na banqueta, repousando a pasta amarela ao lado.
— O carregador está no armário abaixo. Agora tenho que voltar para
o jardim de inverno, estou regando as plantas. Mas me chame se precisar de
algo.
— Ok. Obrigada, Meryl. – Agradeci, novamente. — Acho que posso
me virar sozinha daqui.
Ela assentiu para mim, esfregando as mãos na saia comprida, e me
deixou sozinha após.
Olhei para os lados e me perguntei: — O que eu faço agora?
Decidi abrir o computador da sra. Johnson e dar uma olhada no e-mail
institucional. Notei que precisava imprimir mais alguns documentos que
chegaram pela manhã, para Steve assinar, mas notei que ali não tinha
impressora. Claro que não tinha. Era uma cozinha.
Ah, céus! Como vou imprimir isso?
Eu estava completamente enganada ao dizer que eu poderia me virar
sozinha. Havia ainda várias lacunas em minha mente para realizar o serviço
da sra. Johnson. No entanto, resolvi esperar Steve aparecer.
E, nossa! Como ele demorou.
Talvez tivesse até esquecido que eu estava ali.
Contudo, depois de algum tempo, quando eu estava salvando os
documentos em pastas, ouvi os passos atrás de mim. Quase automaticamente,
virei meu rosto para olhar por cima do ombro o homem descalço, descendo a
escada, em uma calça folgada cinza e uma camiseta branca, que delineava
bem os músculos daquele homem lindo. Já não basta ser muito rico, esse aí
ainda teve a sorte de nascer gato desse jeito? Talvez Deus tenha mesmo seus
preferidos.
Ele me avistou enquanto caminhava em minha direção, passou por
mim e deu a volta no balcão, ao passo que dizia um tanto preocupado:
— Perdão pela demora. Eu estava com minha sobrinha no quarto dela,
com a babá. Depois tive que tomar um banho.
— Tudo bem. – Assenti, olhando para a fruteira ao lado. Puta merda!
Não consigo olhar em seus olhos. De novo isso.
De soslaio, vi suas mãos pousarem nos quadris e ele se sentar no lugar
oposto ao meu, no balcão. Ele inclinou a cabeça para o lado, para que meus
olhos encontrassem os seus.
— Oi. – Ele acenou com a mão com um meio sorriso nos lábios.
Se antes eu estava acanhada, agora minhas bochechas estavam
pegando fogo, ridiculamente.
Droga! Por que eu estou assim? E se ele interpretar mal e achar que
estou a fim dele com esse meu jeito? Eu tinha que fazer algo.
Engoli em seco e sorri, nervosamente:
— Olá.
— Eu queria pedir perdão também por ontem, por ter abandonado o
escritório sem avisar que demoraria. Minha sobrinha estava com febre e tive
que estender meu horário de almoço.
— Ai, Deus! Ela está bem?
— Sim, sim. Ontem a pediatra veio aqui, receitou alguns remédios e
hoje ela acordou bem melhor. E agora está com a babá.
— Graças a Deus.
Ele deslizou o antebraço para cima da superfície de mármore do
balcão, continuando com os olhos fixos nos meus. Ele desceu o olhar azul
cinzento para os meus ombros e depois resvalou mais um pouco para baixo,
e, nesse exato momento, não havia nenhum pensamento lógico atravessando
minha mente.
— O que me trouxe nessa pasta? – Ele pigarreou, me trazendo de
volta à realidade.
— Ah, os documentos de ontem, que você pediu. – Respondi,
aproveitando para abrir a pasta.
Mas ele não pareceu ligar muito.
— Está com fome?
— Eu comi antes de sair de casa.
— Que tal me atualizar dos e-mails enquanto faço algo para eu
comer?
Ele faz o próprio café da manhã? Agora sim ele me surpreendeu. Seu
único defeito era ser mulherengo?
Pensando bem, já era um defeito considerável para um homem.
Saí novamente dos meus devaneios para informá-lo finalmente sobre
os e-mails, enquanto ele ia em direção ao armário. Ao passo que ele
cozinhava, eu comentava uma por uma as informações que colhi no dia
anterior. Algumas vezes, ele tinha que parar o que estava fazendo para assinar
um papel, e outras, para me autorizar a marcar reuniões requeridas.
Embora me sentisse orgulhosa de mim mesma em conseguir atualizá-
lo sobre tudo, eu tinha quase certeza que a sra. Johnson faria aquele serviço
na metade do tempo que precisei para fazer.
— Você tem uma impressora aqui? – Perguntei. – Ainda faltam
documentos para imprimir.
— Tem uma em meu escritório. Mas não precisa fazer isso agora, tem
a tarde toda. – Ele disse do outro lado da cozinha.
— Ok! – Anuí, relaxando em meu assento.
— Que tal provar minhas panquecas? – Ele me fez o convite.
Não tive muitas opções a não ser aceitar. Ele me chamou com um
balançar de cabeça para me juntar a ele na bancada ilhada no meio da
cozinha.
Levantei-me e fui até o seu lado, pegando o garfo que ele me
ofereceu.
Dei uma garfada na panqueca macia do prato, molhando no Maple
Syrup. Levei o pedaço à boca, saboreando o quanto aquele homem pode ser
disparadamente melhor do que eu na cozinha. Caramba, está muito boa!
Tinha um gosto diferente das panquecas que eu já provara, mas estava
divinamente muito saborosa.
— E aí? – Ele perguntou.
— Está muito boa. O que é esse sabor no finalzinho?
— É licor de amarula.
— Isso tem álcool? – Perguntei, parando de mastigar.
— Não se preocupe, srta. Evans. Você não vai se embebedar com
uma panqueca.
Assim espero. Agora o que me surpreendeu foi o fato dele comer
coisas com álcool em plena manhã. Se bem que gente rica adorava um licor.
Dei outra gafada, somente porque estava muito boa. Me descontraí,
perguntando:
— Você mora aqui sozinho com sua sobrinha?
— Temos a companhia de empregados durante o dia, mas,
resumidamente, somos apenas nós dois.
— Seus pais moram em São Francisco? – Perguntei, curiosa. Ele
havia me dito que perdeu a irmã recentemente e ficou com a guarda da
sobrinha, então, de repente, fiquei curiosa sobre seus pais. Eles deveriam ter
muito orgulho do filho.
— Eles faleceram alguns anos atrás.
Que droga! Pra que fui perguntar?
Tadinho.
Tinha quase certeza que meu rosto expressava meus pensamentos, por
isso que ele logo disparou:
— Já faz um bom tempo. Superei isso aos poucos com Romena, a
mãe de Lux. Ela era minha única família quando nossos pais morreram e foi
uma espécie de luz que me motivou a seguir em frente e por um bom
caminho. – Ele suspirou, como se lembrasse de algo. — Minha irmã foi uma
menina doce, amável e uma boa mãe enquanto teve a oportunidade de cuidar
de Lux. O que tem me afetado mais nesses últimos dias é a perda dela.
— E agora Lux é sua luz. – Aquelas palavras meio que escapuliram
entre meus lábios, concluindo.
— Isso. – Ele concordou, me encarando.
— Eu sinto muito. Me desculpe também por perguntar.
— Não há o que se desculpar. — Ele olhou para o prato, me
encorajando a comer mais. — Continue comendo. Se esfriar, perde 50% do
sabor. – E foi o que fiz, tentando amenizar os efeitos que minha pergunta
deve ter provocado, mesmo que ele disfarçasse.
Devia ser horrível perder os dois pais. E depois, a irmã.
Não conseguiria mensurar o tamanho da dor que Steve sentiu.
Eu, por outro lado, nunca tive um pai presente, mas minha mãe e
meus avós, quando minha avó ainda era viva, estavam ali por mim e por
Susan. Embora tivéssemos uma vida apertada, sempre me sentia ricamente
abençoada sob a proteção deles. Não imaginava minha vida diferente, muito
menos com uma perda tão estrutural como a dele.
Em um momento de descuido, deixei escorrer a xarope de Maple para
minha mão, descendo para o punho. Rapidamente, Steve pegou uma flanela
em cima da bancada e limpou a lambança em minha mão e punho. Ele
parecia tão concentrado em fazer aquilo, que fiquei presa nas feições de seu
rosto – tão próximo ao meu.
Seus olhos se ergueram, me compenetrando, como se ele pudesse
agitar cada molécula do meu corpo enquanto eu sentia que eu havia
desaprendido a respirar. Ele desceu o olhar para minha boca, apertando os
lábios de forma sexy. Somente quando ele recuou um passo, meus pulmões
soltaram o ar, sentindo um alívio inquietante.
Ele bateu a mão de leve na bancada ao lado, fazendo uma cara como
se estivesse descontente com algo, mudando completamente o tom da
conversa:
— Embora a sra. Johnson gostasse de trabalhar nesta cozinha, você
pode trabalhar no escritório dela neste apartamento. Lá tem uma impressora,
assim não tem a necessidade de ficar rodando pelos cantos da casa atrás de
impressão. – Ele pareceu ter ficado mais pragmático em questão de segundos.
Que bicho mordeu ele?
Eu até poderia imaginar, embora fosse melhor nem imaginar o que
poderia ter sido. Ele era o meu chefe e eu não estava nem um pouco a fim de
virar seu brinquedo nesses dois meses. Eu tinha nenhum interesse nisso!
Então decidi respondê-lo em seu mesmo tom pragmático:
— Onde fica esse escritório?
— Neste mesmo andar, no final do corredor. – Ele embrenhou as
mãos nos cabelos e agora era ele quem não olhava em meus olhos.
— Ok. Eu vou pegar essas coisas e vou para lá. Qual horário posso
consultá-lo?
— Me mande mensagem.
Mensagem?
— Ok. – Assenti com naturalidade. Apesar de ter achado isso um
pouco artificial, decidi não refutar ordem sua. – Estou indo para o escritório
da sra. Johnson.
Naquele momento, ouvi uma voz feminina se aproximando atrás de
mim:
— Hora da segunda mamadeira de Lux.
A mulher loira muito bonita trouxe consigo o bebê nos braços. Quando
os olhos de Lux cruzaram os meus, ela abriu um sorriso gostoso, deixando à
mostra aqueles dois dentinhos engraçados, que ficaram gravados em minha
memória. Para mim, não havia coisa mais encantadora do que um sorriso
daqueles. Isso tinha o poder de melhorar até o meu pior dia.
Elas entraram na cozinha, passaram por mim e, antes que a babá
atravessasse a cozinha em busca de algo, Lux bateu palminhas, jogando seu
corpinho em minha direção. Ela também estendia os braços gorduchos, como
se quisesse meu colo.
— Ei, mocinha! Você quer ir com ela? – A loira que a segurava
perguntou, enquanto Lux grunhia em minha direção.
Tomei a liberdade de pegar Lux em meus braços.
— Ei, princesa! Você lembra de mim?
— Nhém Nhém... – ela balbuciou com um sorriso escancarado no
rosto e me envolveu com seus bracinhos em um abraço apertado.
— Parece que minha sobrinha tem uma boa memória. – Steve
comentou ao meu lado.
— Elas já se conheciam? – A loira perguntou. O sorriso de Lux
aumentou. – Parece que estou com ciúmes.
— Bárbara, essa é Susan, minha secretária enquanto a sra. Johnson
estiver fora.
— Ah, sim! – Ela exclamou, azeda. Mas não liguei para isso. —
Prazer, Susan!
— Prazer! – Respondi, embalando Lux em meu braço.
— Bárbara, a mamadeira de Lux está na geladeira. – Steve pareceu a
lembrar.
— Ok, vou esquentar. – Ela respondeu meio a contragosto.
Depois disso, Steve veio em minha direção e pegou delicadamente
Lux do meu colo, dizendo:
— Vamos deixar a srta. Evans trabalhar, carequinha. – Lux enterrou a
boca no ombro do tio, que parecia ter melhorado muito em segurar um bebê
nos últimos dias. Ou talvez, naquele dia da entrevista, ele só estivesse tenso
com o choro de Lux. Mas isso não me diz respeito, eu tinha que trabalhar
naquele momento.
Pigarreei e afirmei:
— Bem lembrado. Estou indo para o escritório agora.
— Daqui a pouco, Meryl estará levando seu almoço.
— Ok!
Ele me olhou como se estivesse lutando contra algo, mas levei em
conta apenas suas palavras. Ele pareceu querer manter uma certa distância e
isso era perfeitamente normal.
Como eu disse no dia anterior para ele, eu não era a senhora Johnson.
E, provavelmente, após um mês depois que ela reouvesse seu cargo,
ele teria esquecido até o meu nome. Ou melhor, o nome da minha irmã. Ele
provavelmente nunca conhecerá o meu.
Assim eu espero.
Capítulo 8
No dia seguinte
Steve: Bom dia, srta. Evans! A partir de hoje, eu quero que compareça
apenas à secretaria do escritório da Clifford. Por favor, continue me
mantendo atualizado de minha agenda. Faça isso por mensagem. Enquanto
isso, permanecerei trabalhando em casa durante esta semana e comparecerei
em alguns compromissos dos quais já estou ciente. Tenha um bom dia!
Baby, eu
Estou dançando no escuro
Com você entre meus braços
Descalços na grama
Ouvindo nossa música favorita
Eu tenho fé no que vejo
Agora sei que conheci um anjo em pessoa
E ela está perfeita
Eu não mereço isso
Você está perfeita esta noite.
— Isso quer dizer que você não vai pegar o contrato hoje? – Perguntei
ao homem pálido de óculos de lentes grossas e suéter marrom, depois de
chegar a sala do setor financeiro.
Minutos antes, convenci Steve, com muito esforço, a deixar que eu
mesma entregasse aquele documento sozinha. Não me parecia nada
confortável ter que me esconder atrás do chefe para resolver minhas próprias
funções, porém, tinha que confessar que sua presença faria toda diferença
aqui ao meu lado.
— Como pode ver, todos já foram embora neste setor e eu até estou
fechando a sala.
— Foi você quem me ligou, certo? – Perguntei, mas sabia que era ele.
A voz irritante era inconfundível.
— Sim. E fiquei esperando tempo o bastante para você chegar com os
documentos, Susan. Infelizmente, você não chegou a tempo. – Ele falou com
um sorriso sádico nos lábios.
— Ainda faltam dois minutos para as seis. O setor não deveria estar
fechado. – Repliquei, tentando resolver aquela situação.
— O que são dois minutos, Susan? – Ele deu de ombros. – Até eu
abrir essa sala, escanear esse contrato e mandar para a autorização, já se
passariam um pouco mais de cinco minutos fora do meu horário.
Santa paciência! Esse só podia ter passado umas sete vezes na fila da
preguiça. A mão dele iria cair se passassem apenas cinco minutos a mais
para enviar a autorização que ele mesmo me pediu com urgência? E que tipo
de urgência era essa que se podia dispensar facilmente?
— Enfim, tchau, secretária do CEO! E até amanhã. – Ele sorriu para
mim e saiu caminhando pelo corredor ao lado.
Céus! Não acredito que eu vim aqui novamente para nada. Até
parecia implicância.
Olhei para o lado e observei ele se afastar pelo corredor, enquanto
suspirava pesadamente. Quando ele ia virar o canto do corredor, Steve
apareceu em sua frente, detendo seus passos.
— Senhor? O que faz aqui, chefe? Algum problema? – Ele perguntou
a Steve, que não estava com um olhar nada contente.
Steve ignorou suas perguntas e me olhou por cima do ombro do
homem.
— Susan, traga a autorização.
— Sim, senhor! – Não pensei muito, apenas corri para deixar o
envelope pardo em sua mão aberta que aguardava pelo documento.
Steve levantou o envelope no ar e desceu o olhar para o crachá do
homem em sua frente.
— Ted Sullivan, certo?
— Amanhã mesmo eu iria enviar a autorização, senhor. – Ele se
adiantou em dizer.
— A srta. Evans percorreu alguns quilômetros até a minha casa nesta
tarde apenas para recolher minha assinatura e entregar a tempo um
documento que foi requerido com urgência pelo setor financeiro. Sabe o que
estou pensando agora, Ted Sullivan?
— O que, senhor? – Ele indagou, rapidamente, quase roboticamente.
— Estou me perguntando por que não está em frente ao computador
escaneando essa autorização com a rapidez que uma urgência pede.
Ted engoliu em seco e não tentou rebater o que Steve dissera. Mas,
claro, se tivesse sido eu, ele já estaria me dando patadas com sua língua.
— Claro, senhor. Eu vou fazer isso agora. Não vai demorar nem dois
minutos. – Ele avisou, com um sorrisinho nos lábios, e pegou o envelope da
mão de Steve. – Eu já estou indo escanear. Boa noite, senhor. – Ele assentiu
para Steve enquanto recuava alguns passos e também me cumprimentou com
um sorriso um tanto forçado: — Boa noite!
Dali, assistimos ele adentrar a sala do setor financeiro e, em seguida,
respirei fundo, aliviada.
— Obrigada. – Disse ao seu lado.
— Não tem o que agradecer. A empresa é minha.
Refleti sobre isso e sorri.
— Tem razão. Então você deveria me agradecer?
Ele se virou para mim, se inclinando um pouco para responder.
— Seria um pouco demais para alguém que teimou comigo alguns
minutos atrás.
Desci o olhar para sua boca entreaberta e me lembrei da sensação de
como era estar a centímetros dela.
— Agora, eu tenho que ir. Até amanhã! – Gaguejei, saindo da sua
frente.
— Agora você me deixou curioso. – Suas palavras me pararam. —
Não deveríamos voltar ao meu apartamento para pegar o seu carro?
— Droga! Meu carro. Eu tinha esquecido. – Murmurei.
Sua boca me fez esquecer completamente desse detalhe.
— Você não vai rejeitar minha companhia novamente, não é? – Ele
perguntou, semicerrando os olhos, fazendo com que seu rosto ficasse ainda
mais sexy do que já era. Minha nossa, que homem lindo!
Meneei a cabeça, tentando me dispersar da minha total afeição por
sua beleza, e disse por fim:
— Não. Claro que não. Eu aceito a carona de volta. – Respondi e um
meio sorriso vitorioso se abriu em seus lábios.
Para alguém que estava evitando minha companhia, ele parecia estar
bem próximo agora.
Ele teria desistido? Oh, mesmo que fosse imprudente, algo dentro de mim
ansiava por um “sim, ele desistiu”.
No dia seguinte
Acordei exatamente às seis horas, mais disposta do que o normal. Isso
porque acabei abrindo minha conta bancária pela manhã, assim que despertei,
e encontrei os gloriosos cinco mil dólares de adiantamento. Ele cumpriu
mesmo o que dissera na noite passada, só não imaginava que aquele dinheiro
iria cair tão rápido em minha conta. Tive que acordar Susan para ela ver
aquilo também.
Isso significava que daria para pagar uma boa parte do aluguel e
estaríamos fora de risco de sermos despejados ao final do mês. Eu estava tão
feliz, que minha mãe começou a estranhar toda aquela emoção no café da
manhã. No entanto, desviei de suas perguntas de início, pois ainda precisava
inventar alguma desculpa convincente para avisá-la que estaria pagando as
parcelas atrasadas do aluguel.
— Julie, você sabe onde está meu tênis de caminhada? – Vovô
Charlie perguntou, adentrando a cozinha logo cedo.
Faltavam alguns minutos para eu sair para trabalhar e, como eu já
estava arrumada, resolvi ter um pouco mais de tempo conversando com
minha família, antes de solicitar um motorista por aplicativo.
— Eu o vi na janela da dispensa, vô. – Respondi.
— Ah, claro! Eu havia me esquecido. Obrigado, querida.
Ele deu a meia volta na cozinha e pareceu ir à dispensa, ao passo que
minha mãe insistia com uma xícara de café na mão:
— Estava aqui pensando, o motivo dessa alegria toda... – Ela arqueou
uma sobrancelha e perguntou, rapidamente: — Não seria um namorado que
está nos escondendo?
Quase engasguei com sua pergunta enquanto Susan dizia:
— Um namorado, mãe? Julie? É claro que não, mamãe. Ela só está
trabalhando muito nesse emprego de telemarketing e ganhando um bom
dinheiro para nos desatolar das dívidas.
— Oras! E se sua irmã não poderia estar amando e ganhando
dinheiro?
— É muita sorte para uma pessoa só! – Susan exclamou.
— Mas ela ainda não me respondeu. – Minha mãe tornou a me olhar
com ternura e insistiu: — Você está namorando, não é querida?
O quê? É sério isso, mãe?
— Não, mãe.... – Comecei a negar quando fui salva pelo som da
campainha.
Ding dong!
Minha mãe franziu o cenho, confusa.
— Quem é, Susan?
Susan deu de ombros e respondeu:
— Eu é que sei?
— Eu vou lá atender. – Eu disse, me levantando, meio que feliz por
fugir das perguntas de minha mãe.
Deixei a cozinha, atravessando a casa. Quando coloquei minha mão
na maçaneta e abri a porta, senti que o mundo parou e balbuciei,
pausadamente: — Santo Deus!
O homem de cabelos castanhos e de boa condição física retirou os
óculos e tive certeza de meu queixo caiu enquanto eu estava petrificada.
Steve Clifford estava em minha porta, me encarando
despretensiosamente.
— Bom dia, srta. Evans!
Sua voz chegou baixa em meus ouvidos. Não que ele estivesse
falando baixo, mas porque eu só conseguia ouvir meus próprios pensamentos
em desespero.
Alguns segundos se passaram e ele perguntou:
— Não vai me convidar para entrar?
Se minha vida fosse uma novela, com certeza esse era o momento em
que os comerciais entrariam em cena. Mas infelizmente isso aqui não era uma
ficção, tão pouco um sonho. Apenas tinha que aceitar que agora eu estava
terrivelmente encurralada.
Capítulo 16
Fala sério! Mais bonito do que eu? O que será que esse bastardo tem
que eu não tenho? E, ainda por cima, ela dava moral para ele? Oh, por que,
de repente, eu me sentia tão competitivo em relação ao passado de Susan?
Era claro que ela havia se apaixonado por outros homens, porém, de
alguma maneira, senti que não estava preparado para saber disso. Ela parecia
tão delicada, sensível e perfeita, que nem me passou pela cabeça que um dia
ela foi rejeitada por um homem. A verdade era que, como o cara vivido que
sou, não imaginava que existisse um homem que fosse digno de tocá-la,
muito menos de quebrar seu coração.
Sua mãe tinha razão, ela deveria ficar bem longe desse infeliz.
Enquanto eu dirigia em silêncio por uma São Francisco a todo vapor
quase em plena nove horas da manhã, resolvi passar em Fisherman's Wharf
antes de partimos para o set de filmagens. Quase ia esquecendo que,
exatamente hoje, fazia três meses que Romena havia partido e, como eu
fizera nos dois últimos meses, decidi fazer uma visita a sua antiga casa.
Estranhamente, eu sentia mais sua presença ali do que em qualquer outro
lugar, até mesmo mais do que em seu túmulo. Talvez sua essência estivesse
impregnada naquelas paredes e cômodos e minhas lembranças se aflorassem
ainda mais em cada coisa que eu tocava naquela casa.
— Chegamos? É nessa casa em que fica o set? – Susan falou pela
primeira vez desde que saímos do seu bairro, ao pararmos em frente ao
jardim da residência de cores beges.
— Ainda não chegamos. Eu preciso que fique no carro por alguns
minutos.
— Por quê? De quem é essa casa? – Ela perguntou, olhando curiosa
pelo para-brisa.
— De minha falecida irmã. – Respondi e ela pareceu encolher os
ombros.
— Eu espero o tempo que precisar. – Ela disse, com um tom mais
cuidadoso do que o normal.
Fitei seus olhos e agradeci:
— Obrigado.
Saí do carro e caminhei em passos largos até a escada de
pouquíssimos degraus, que levava à porta de entrada, sentindo meus pés
afundarem no chão. Pesquei o chaveiro em meu bolso e encontrei sua chave
entre as minhas do escritório. Tão logo, eu estava girando a maçaneta e
adentrando aquele lugar em silêncio absoluto.
Tranquilamente, andei até a sala e saí tocando a superfície de cada
móvel por ali. Quando cheguei ao sofá, deslizei a mão pelo estofado, que já
possuía uma fina camada de poeira, lembrando o dia que ela me contou sobre
sua gravidez e como ela estava feliz em descobrir que teria um filho. Naquela
época, não imaginávamos que o desgraçado do Lamar tinha uma vida dupla,
tampouco que Romena daria à luz a uma criança tão linda como Lux. Deus!
Eu daria tudo para reviver aquele dia outra vez.
Olhei para cima, sentindo meus olhos arderem. Droga! Eu odeio
chorar. Dei alguns passos até a janela e fiquei alguns segundos ali, me
recompondo.
Para minha surpresa, ouvi alguém entrar também naquela sala.
Desconfiei de quem seria, mas tive que olhar por cima do ombro para
confirmar e encontrei a ruiva parada na soleira da porta. Tornei a virar o rosto
para a frente e ela comentou:
— Estava muito quente dentro do carro.
— Tudo bem.
Escutei seus passos se aproximando e senti a calor do seu corpo parar
ao meu lado.
— Ela faz muita falta, não é?
Endureci o olhar e respondi com toda a verdade dentro de mim:
— Tanta que chega a doer.
Um silêncio ensurdecedor se fez entre nós mais uma vez.
— Sabe, quando meus pais me deixaram sozinho com Romena, eu
nunca me senti solitário. – Um sorriso mecânico se abriu em meus lábios e eu
não sabia muito bem por que eu estava desabafando. Apenas me veio a
vontade de dizer aquelas palavras. — Na verdade, a solidão não faz muito
parte de mim. No entanto, depois que ela morreu... – um nó se formou em
minha garganta – eu tenho me sentido tão sozinho. – Passei a língua entre os
lábios, segurando a porra das lágrimas. Chorar na frente dela não era algo que
eu queria, então tratei de me manter firme, olhando para a rua à minha frente.
Susan, por sua vez, continuava sendo paciente em me ouvir. Quando
ela pareceu perceber que nada mais iria sair de minha boca, seus braços
envolveram o meu corpo pela lateral e ela beijou o topo do meu braço.
— Você não está sozinho. – Ela sussurrou. – Você tem a Lux, a
senhora Johnson... e a mim se quiser minha amizade.
Ele me segurou tão forte, que de alguma maneira senti todos os meus
músculos se ampliarem, relaxando, encontrando em seu abraço uma sensação
de descanso. Como se eu estivesse, nos últimos três meses, carregando dez
quilos nas costas e tentando ser o melhor tutor para Lux, e não tivesse
ninguém para afagar minha ferida ainda aberta.
Levantei meu braço, passando-o em suas costas e a trazendo para
mais perto de mim, rompendo todas as barreiras de nossa relação profissional
para senti-la com todo o meu corpo e alma. Ficamos assim por alguns
minutos, o suficiente para seu calor aliviar a dor do luto em mim.
Capítulo 18
Por mais que eu achasse Bárbara um pouco esnobe e que ela não
simpatizasse comigo, fiquei triste pela situação na qual se encontrava naquela
tarde, com sua ida de repente ao hospital.
Quando chegamos ao apartamento de Steve, apenas peguei a porção
de dobrinhas em meus braços e deixei que Bárbara conversasse com ele na
sala, antes dela sair às pressas.
Steve foi até a cozinha, onde eu me encontrava com Lux no colo, ao
lado da fruteira, que parecia entretê-la.
— Tem certeza que posso ir? – Ele se aproximou de nós duas,
deixando um beijinho na cabeça de Lux.
— Absoluta. Claro, se você me liberar da minha função de secretária
hoje. – Sorri, lembrando-o daquele detalhe.
Ele beijou o canto da minha boca demoradamente, enquanto Lux
jogava o corpinho para frente para tentar pegar a banana na fruteira.
— Claro que libero você. Desde que fique aqui até eu voltar.
Sua voz poderosa estava baixa e carinhosa, enquanto seus olhos
pareciam fazer uma varredura em meu rosto.
— É claro que estarei aqui quando você voltar. Não largarei essa
mocinha até você colocar os pés neste apartamento de novo. – Olhei para
Lux, que finalmente conseguiu pegar a banana e a sacudiu no ar.
Mesmo desconfiando das segundas intenções de Steve por trás de seu
interesse em minha permanência neste apartamento até sua volta, quis deixar
claro que poderia confiar em mim para cuidar de sua sobrinha.
— Sendo assim, até mais tarde, garotas.
Ele fez um carinho na bochecha de Lux com as costas das mãos e
depois fez o mesmo comigo, com a diferença de que passou o dedão
levemente em meu lábio inferior, de forma dominadora e sexy.
Steve tão logo assentiu e saiu pela sala, nos deixando sozinha. Afastei
a imagem de seus olhos em minha boca e sorri para Lux, planejando nossa
programação para essa tarde.
Durante a tarde, dei uma volta no prédio com Lux, em busca de algo
que pudesse nos distrair. Encontramos a salinha de brinquedos do
condomínio e ficamos um bom tempo por lá. Apenas saímos quando Lux
teve um pequeno desentendimento com outra criança, que tomou o chocalho
de sua mão de modo brusco. Lux reivindicou o objeto, puxando os cabelos do
garoto, que berrou alto.
Obviamente, apartei o desentendimento imediatamente, mas a mãe,
que estava sentada do outro lado da salinha mexendo no celular, ficou
revoltada quando viu seu filho chorar no momento em que Lux agarrou os
cabelos dele.
Levantei de cima do tapete de borracha com Lux nos braços e saí de
fininho, levando minha perigosa puxadora de cabelos de volta para o
apartamento comigo, babando o chocalho amarelo e sorrindo dos pulos que
dava de vez em quando no meio do caminho.
Chegando ao apartamento, fomos até a cozinha, preparei uma papinha
de banana amassada e dei à Lux, que comeu tudo e pareceu pedir por mais,
lambendo a colher. Fiz mais uma rodada e, em seguida, subimos para o andar
superior.
Passeamos pelo corredor até pararmos em frente à porta entreaberta
no fim do corredor. Não era minha intenção entrar em nenhum outro quarto
que não fosse o dela, mas, de repente, me vi curiosa sobre o que tinha
naquele cômodo.
— Uma pequena espiada não faz mal para ninguém, não é mesmo? –
pensei alto, sussurrando aquelas palavras.
Lux sorriu, como se entendesse o que eu dissera.
Sorri junto e abri um pouco a porta, que revelou um escritório
moderno com uma mesa de mogno no centro, um monitor da Apple e
poltronas marrons de couro. O lugar era parecido com o escritório da senhora
Johnson no primeiro piso, com a diferença de que esse era maior e tinha um
sofá na lateral, que dava visão para uma São Francisco abarrotada de prédios
lá fora.
Meus pés me levaram para dentro daquela sala enquanto eu observava
a estante atrás da mesa. Havia muitos porta-retratos por ali. Não contive a
curiosidade e me aproximei daquelas fotografias de família. Em uma delas,
pareciam ser os pais de Steve, reconheci pela tonalidade rara de azul cinzento
nos olhos da mulher de cabelos castanhos claros. Uau, ela era linda!
Devido aos uniformes brancos de detalhes azuis e dourados e a pista
de decolagem atrás, inferi que pudessem ter sido pilotos de avião.
Lux mungiu ao meu lado.
— É a vovó e o vovô? – Perguntei.
Ela sorriu.
— Você tem razão, mocinha. Eles eram realmente muito bonitos. A
senhorita teve a quem puxar. – Deixei um beijinho em seu ombro e continuei
vendo aquelas fotos, uma por uma.
Em algumas delas aparecia uma mulher que supus ser a mãe de Lux,
quando criança, Romena. Outras eram mais recentes, como a que Steve
aparece carregando Romena nos braços em um lugar de vista privilegiada
para o Burj Khalifa.
Em uma das vezes que me aproximei da estante para pegar nas mãos
um porta-retrato, Lux lançou sua mãozinha direto para uma fotografia, pegou
e a abraçou contra sua barriguinha.
— Você gostou dessa, princesa? – Perguntei com carinho enquanto
ela parecia proteger a fotografia de uma forma fofa. – Você quer me mostrar?
Coloquei minha mão em cima da moldurada de madeira e Lux me
entregou o porta-retratado. Era Steve, atrás da mesa de ébano do escritório da
Clifford.
— Papa.
Inesperadamente, ela se inclinou para o centro da moldura em minha
mão, beijou a superfície da foto e a abraçou com os dois bracinhos
gorduchos.
— Papa. – Ela repetiu, me deixando com os olhos cheios de lágrimas.
— É o papa? – Perguntei, sorrindo.
— Papa. – Ela repetiu por fim, encaixando seu rostinho na curvatura
do meu pescoço. Com um sorriso aberto em meu rosto, continuei olhando
aquelas fotografias, pensando no quanto aquele homem era forte
emocionalmente. Não devia ter sido fácil levantar a cabeça e continuar depois
de perder todas essas pessoas. Sua capacidade de resiliência fez com que eu o
admirasse mais ainda.
Enquanto Steve dirigia, eu estava em uma chamada com uma ONG que
oferecia ajuda a pessoas após desastres naturais, depois de uma busca rápida
no Google pelo número telefônico deles.
Com certeza, eles saberiam orientar sobre muitas questões, as quais eram
novas para mim e para as pessoas do meu bairro. Embora vivêssemos em um
país em que coisas como essa acontecessem com frequência, não era algo que
eu tivesse presenciado tão próximo da minha realidade.
— Chegamos. – Steve avisou ao meu lado quase no mesmo instante que eu
encerrei a chamada.
Olhei para a frente e, sem que eu me desse conta antes, notei que já
estávamos em minha rua, mais movimentada do que o normal.
— Muito obrigada pela carona! E por me liberar hoje também. Sei nem como
agradecer –, me apressei em dizer, destravando o cinto, e abri a porta do
carro.
— Não há o que agradecer, é por uma causa nobre. Eu me viro sozinho hoje,
como ontem. – Ele me lançou um meio sorriso de tirar o fôlego e abaixou as
mãos do volante.
— Obrigada, de qualquer forma. – Preparei-me para sair do seu carro e ele
segurou meu braço, me deixando próxima de seu rosto. Ele beijou o canto da
minha boca e disse, seriamente:
— Me mande notícias.
— Ok! – Quase gaguejei, zonza.
Por mais que o tivesse sentido dentro de mim no dia anterior, a sensação era
que nunca iria me acostumar com a proximidade de seus olhos penetrantes e
a loção masculina que invadia minhas narinas toda vez que ele fazia uma
coisa como aquela, comprimindo minhas entranhas e aquecendo minha pele.
Ele piscou para mim, com uma expressão séria cravada no rosto, talvez
respeitando o momento de lamentação que nos encontrávamos. Saí de seu
carro com as pernas bambas e caminhei para a calçada de casa. Só então
percebi que havia esquecido minha bolsinha no apartamento de Steve, não sei
exatamente onde, já que só me lembrava de perambular pelos cômodos na
companhia do meu celular.
Mas não me importei muito. Amanhã mesmo eu resolveria isso, hoje minha
cabeça estaria focada em tentar ajudar meus vizinhos e, provavelmente, só
iria parar quieta lá para o fim da tarde.
Horas depois
Desde que cheguei ao bairro em que moro, a única coisa que ainda não tinha
feito era sentar. Minha mãe, Susan e eu fomos até a quadra de esportes da
escola da comunidade, onde um grupo grande de voluntários estava reunido
em meio às tantas famílias desabrigadas, ao lado dos pertences que
conseguiram salvar antes da enchente tomar conta de suas casas.
Mesmo em meio ao clima de perda, percebi que algumas daquelas pessoas
tentavam sorrir, como se quisessem demonstrar gratidão pela vida após o
desastre de assistir tudo o que demoraram uma vida para construir ruir em
apenas algumas horas.
Graças a Deus, não tínhamos nenhuma notícia de que alguém tivesse vindo a
óbito até o presente momento. E os feridos, tanto em estado leve e grave,
estavam todos em tratamento no hospital – aparentemente, não havia
ninguém desaparecido — uma notícia que aliviava de alguma forma o peso
dos danos contabilizados daquela noite chuvosa.
No entanto, isso significava também mais dívidas para aquelas pessoas que,
em sua grande maioria, eram pobres e possuíam uma renda mais baixa do que
muitos que viviam nos subúrbios. Em nosso país, embora fosse considerado
de primeiro mundo e fosse referência em muitos serviços, pintavam por aí
como se aqui fosse tudo perfeito. O que não era bem assim. Havia muitos
“poréns”. Não ter um sistema público de saúde americano nos deixava reféns
de nossas próprias economias ou, quando se tinha uma boa condição
financeira, dos seguros de saúde privado. Isso é, era pouco provável que
alguma daquelas famílias tivessem seguro, sendo assim, teriam de
desembolsar um bom dinheiro para pagar a conta do hospital ao final do
tratamento. E se não tivessem de imediato, adquiririam uma dívida
astronômica dependendo dos dias que precisariam ficar nos leitos.
Uma situação degradante!
— A impressa chegou! – Jacob, o vizinho da rua ao lado, chegou à cozinha
da escola dando a notícia, enquanto organizávamos os kits com água potável
e almoços, que conseguimos com as doações dos outros moradores que não
tiveram suas casas atingidas.
— Até que enfim! Já estava começando a achar que eles só reportam os
problemas de gente rica. – Susan resmungou, colocando uma garrafinha de
água em uma bandeja. – Quem sabe assim conseguimos boas doações de
outros bairros também.
— Já começaram a distribuir os colchões, Jacob? – Eu perguntei ao menino
de cabelos castanhos claro desgrenhados. Os homens ficaram responsáveis
por essas tarefas.
— Sim. Começaram a distribuir agora.
— E por que mesmo você não está lá? – Susan rebateu, arqueando uma
sobrancelha.
— Ah! Eu já estava indo! – Ele coçou o topo da cabeça e deu meia-volta,
envergonhado.
As mulheres da cozinha sorriram da situação e eu impliquei:
— General Susan, você pode me dar essa bandeja ao seu lado? Vou começar
a distribuir.
Ela me passou a bandeja, perguntando:
— Por acaso está debochando de mim, Julie Evans?
— Não, claro que não.
— Hm... deveria ter mais respeito por alguém que sabe do seu segredinho. –
Ela sussurrou olhando para a mamãe do outro lado da cozinha.
— Nosso segredinho, você quis dizer, não é querida? – Repliquei, ainda mais
baixinho, ao seu lado. Ela deu um sorrisinho.
Peguei a bandeja nos braços e saí em direção à quadra da escola.
Enquanto entregava o almoço para uma mãe e uma criança sentadas no canto
da arquibancada, meu olhar vagou entre os colchões sendo carregados pelos
homens do meu bairro.
Quando eu estava prestes a retornar minha atenção para a garotinha de
cabelos pretos, algo me chamou a atenção. Quero dizer, um homem em
específico entrando pelo portão de entrada da quadra.
As mangas de sua camisa social estavam arregaçadas até os cotovelos,
carregando um colchão em cima da cabeça, usando seus sapatos pretos
Oxford reluzentes.
Apesar da sombra que fazia em seu rosto, fui perfeitamente capaz de
reconhecer seu rosto másculo e muito bonito atravessar a quadra entre os
homens do meu bairro, como qualquer outra pessoa por ali. Deus! Ele veio?
Steve deixou o colchão em cima da pilha que havia se formado perto da cesta
de basquete, sorrindo para um dos senhores que lhe dizia alguma coisa.
— Moça, você pode deixar o almoço do meu marido também? – a voz da
senhora em minha frente tomou minha atenção de volta. — Ele teve que sair,
mas está voltando.
— Claro!
— Há algo de errado? – Ela perguntou estudando meu rosto.
— Não, não. Está tudo bem.
— Seus olhos parecem lacrimejar.
Esfreguei os olhos com o dorso da mão e respondi com sinceridade:
— É que estou um pouco emocionada.
— Oh, querida! – Ela acariciou o lado do meu rosto com uma mão. – Todos
estamos! Muito obrigada por se voluntariar. Tão jovem e tão consciente dos
valores da vida.
— Eu espero que possamos superar isso da melhor forma possível.
— Vamos, sim. As coisas vão se ajeitar. – Ela me disse por fim, cheia de
esperança.
Sorri com ternura para ela e sua filha e segui pela arquibancada, servindo as
próximas pessoas, com meu coração mais aquecido do que minutos atrás.
Puxa vida! Ele está aqui, ajudando meus vizinhos.
Oh, Deus. Não faça que me apaixone ainda mais por esse homem.
E se ele me rejeitar depois que souber da verdade?
Minha cabeça fervia de informações, enquanto meu coração estava
completamente amolecido, ainda sentindo os ecos da noite anterior
reverberarem em mim, ao passo que tentava fazer minha cabeça se concentrar
no trabalho que eu fazia naquele momento.
Mas isso era quase impossível quando, a cada três pensamentos que eu tinha,
dois eram sobre ele.
Minutos depois
— O quê? O Steve está aqui? – Susan perguntou. – Por quê?
— Fala baixo! – Olhei para os lados, preocupada que minha mãe ouvisse
nossa conversa. – Ele está ajudando com os serviços braçais lá na quadra.
Quando recebi a notícia do que aconteceu ontem, eu estava na casa dele.
— Isso é muito perigoso. E se ele conversar com alguém que nos conhece?
— Eu também tenho esse receio. Ultimamente, tenho pensado em dizer a
verdade.
– Dizer a verdade? Tá maluca? Pode esquecer essa possibilidade. Você não
pode falar. Já basta ser desempregada, agora, presa? É muita desonra.
Inspirei fundo e confessei:
— Têm acontecido algumas coisas nos últimos dias e essa mentira está se
tornando insustentável.
— E o que aconteceu? – Susan perguntou. – O que está me escondendo,
Julie?
Droga! Eu prometi a mim mesma que contaria nada do que estava
acontecendo a Susan e a seu cérebro, que me pôs nessa enrascada. Mas eu
estou encurralada.
— Eu transei com Steve.
— O QUÊ? – Ela gritou e, imediatamente, a puxei para fora da cozinha.
— Shhhhh. Eu disse para falar baixo, Susan!
— Desculpa, como assim você transou com Steve? Julie, você não era
virgem? – Ela sussurrou.
— Sim, era.
— Ah, meu Deus! Bem que eu o achei com cara de safado comedor de
secretárias! Eu deveria ter desconfiado disso quando ele foi em nossa casa
ontem. Quem é que visita a casa da secretária? Ele estava cercando você,
Julie.
— Ele disse não se envolver com funcionárias.
— E você é a exceção? Você acreditou nessa? – Ela pensou alto: — Ai, meu
deus! Ele estava cercando você esse tempo todo? Ai, meu Deus! Ele tocou os
seus peitos? – Ela perguntou, desesperada.
— Não! Quer dizer, sim – titubeei. — Quer dizer, não dessa forma que está
pensando, ele não é um molestador. – Sacudi a cabeça, envergonhada com
aquela conversa sem sentido e embaraçadora. — Ah, quer saber, esqueça essa
parte dos peitos! – Ele tinha tocado meus seios e os abocanhado com meu
consentimento, mas Susan não precisava saber dos detalhes.
— É tudo minha culpa! – Ela exclamou, choramingando.
— Que culpa, Susan? Você não tem culpa de nada.
— Claro que tenho. Eu que dei a ideia e agora minha irmã está aqui, assim:
desvirginada. – Ela deslizou as mãos nas bochechas, com os olhos perdidos e
uma expressão de derrota no rosto.
— Foi a melhor noite da minha vida, Susan.
— Como assim, a melhor noite da sua vida? – Ela parou de choramingar, me
inquirindo.
Engoli em seco e fiz outra confissão, só que dessa vez mais profunda:
— Eu acho que estou apaixonada por ele.
— Está de brincadeira? – Seu queixo caiu.
— É sério, Susan.
— Julie, eu disse para você não se apaixonar...
— Eu sei. Mas essas coisas não são algo que se tenha controle.
Ela piscou os olhos para mim e murmurou, pausadamente:
— Ah, Julie! Em que confusão eu te meti?
— Agora isso não importa muito. O que vamos fazer em relação a Steve?
Ela pareceu pensar um pouco e disse em um rompante:
— Eu vou lá fora. Você fica aqui.
Susan começou a andar pelo corredor ao lado e me apressei em segurar seu
braço.
— Espera aí, o que você vai fazer? – Perguntei, preocupada.
— Garantir que nenhum vizinho nos desmascare. É melhor você ficar longe
dele enquanto Steve estiver aqui, é mais seguro, alguém pode te chamar pelo
seu nome verdadeiro. De resto, pode deixar comigo, Julie.
Por mais que eu quisesse que Steve já descobrisse logo a verdade, pensei que
as coisas pudessem se tornar mais conflituosas se ele soubesse da verdade por
outra pessoa, por isso não impedi que Susan desse seu jeito. No momento,
infelizmente, era a única alternativa que eu tinha. Mas, assim que Steve e eu
estivéssemos a sós, estava certa que diria toda a verdade, não importando em
que circunstâncias nos encontrássemos. Nem que um raio caísse entre nós,
nada mais me impediria de dizer a verdade.
Capítulo 22
— Vocês não ficaram sabendo? – Minha mãe indagou com uma xícara de
café na mão, admirada por eu e Susan ficarmos surpresas ao ouvir dela que os
moradores seriam transferidos para um abrigo mais bem equipado do que a
quadra da escola do nosso bairro. – O presidente da associação não comentou
nada com você, Julie?
Estávamos todos reunidos em volta da mesa da cozinha, tomando café da
manhã.
— Não que eu me lembre. – Respondi e dei uma garfada na panqueca em
meu prato, achando estranho Jason não ter falado nada sobre o assunto
comigo.
— Parece que a associação do nosso bairro recebeu uma doação milionária e
que quem perdeu a casa naquele dia da enchente e do tornado vai ganhar uma
novinha.
— Meu Deus! – Susan cobriu a boca com a mão e disse: — Por que não
fomos atingidos? Por quê?
— Que besteira é essa, Susan? – Mamãe ralhou.
— Não seria um mal negócio se essa casa tivesse sido atingida pelo tornado.
Ganharíamos uma nova casa e, de quebra, sairíamos do aluguel.
— Bata na sua boca. Isso é coisa séria, Susan. Alguém aqui de casa poderia
ter se ferido gravemente. Deveria agradecer...
— A senhora sabe quem doou esse dinheiro, mãe? – Interrompi, ressabiada
com a origem dessa tal doação milionária.
— Não, querida. Os boatos que correm por aí é que foi feita uma doação
anônima, ninguém até agora se identificou. Na verdade, apenas soube disso
ontem à noite, quando Claire veio ontem aqui para jogar conversa fora.
Teria sido ele?
— Anonimamente? Quem doaria anonimamente? – Susan pensou alto. –
Hoje em dia todo mundo quer se aparecer ou tirar vantagem em fazer
caridade.
— É, parece que ainda existem pessoas de bom coração. – Vovô se
pronunciou pela primeira vez. – Com certeza, essa pessoa deve ser boa como
minha filha e minhas netas. – Ele disse.
Embora vovô não estivesse mais em condição de ajudar no abrigo, sabia que
ele sentiu um baita orgulho em nos ver aqueles dias ajudando nossa
vizinhança, afinal, sempre foi ele quem nos ensinou desde cedo a olhar ao
nosso redor e não apenas para o próprio umbigo. Vê-lo feliz em dizer isso,
me enchia de alegria também, pois, assim como qualquer outro ser humano,
meu avô não ficaria nesse plano para sempre. E saber que dei orgulho para
ele de algum jeito transbordava meu coração de felicidade, dadas as
circunstâncias, em que eu não me encontrava em minha melhor fase.
Os últimos dias foram difíceis, mas coloquei na cabeça que poderia superar
se eu não pensasse tanto nisso. E era isso que vinha fazendo: não pensar
demais.
— De qualquer forma, temos que ir hoje ao abrigo. – Eu disse, me levantando
e me direcionando à pia para lavar as louças.
— Ah, não! De novo? – Susan reclamou.
— Se esse boato que mamãe disse for verdadeiro, temos que estar lá na hora
da partida e ajudar a limpar a quadra da escola.
— Isso mesmo, filha! – Mamãe se levantou da cadeira e se animou: —
Vamos lá, garotas!
Susan abriu um sorriso amarelo e levantou a xícara no ar, fingindo estar
exultante:
— Iupi!
Sorri com o falso entusiasmo da minha irmã e aproveitei para lavar todos os
pratos. Antes de sairmos, subi as escadas e fui até o meu quarto, pegar uma
bolsa e meu celular em cima da cama.
Quase em um gesto mecânico, liguei a tela do aparelho pelo botão lateral e,
quando ia desligar para colocar dentro da bolsinha de pano, uma notificação
da caixa de entrada do meu e-mail me chamou a atenção.
Meu corpo estremeceu quando passei os olhos sobre aquelas palavras e meu
coração começou a bombear mais forte dentro do peito. Sem qualquer
cerimônia, abri o e-mail e comecei a ler a mensagem que haviam me enviado:
“Bom dia, srta. Evans! Preciso que compareça amanhã ao escritório da
Clifford para seu primeiro treinamento. Preciso que traga seus
documentos originais (sua identidade ficará em total sigilo, o sr. Clifford
me explicou a situação).
Atenciosamente, Beatriz
Setor de Recurso Humanos da Clifford. ”
Treinamento? Eu li direito?
Reli novamente a mensagem e custei a acreditar que era isso mesmo. Steve
me quer de volta a sua empresa? A troco de quê?
— Encontrou o celular, Julie? Vamos logo antes que desista de ir hoje. Acho
que minhas idas ao abrigo estão ultrapassando os limites de minha bondade. –
Susan chegou ao quarto dizendo.
Nossos olhos se cruzaram e tinha quase certeza que eu estava de boca aberta.
– O que foi? Por que essa cara de quem acabou de ver uma fofoca
bombástica?
— Eu recebi um e-mail do escritório da Clifford, Susan.
— Ah, meu Deus! Ele vai mesmo nos processar. – Ela segurou os cabelos
começando a se desesperar.
— Não. É o contrário. Estão me chamando de volta.
— De volta? – Ela enrugou o cenho, confusa.
— Leia! – Entreguei meu celular para que ela pudesse dar uma olhada no e-
mail.
Susan pegou o aparelho de minhas mãos e leu a mensagem.
— Treinamento? Isso está estranho. – Ela analisou. – Ele comentou algo
sobre treinamento antes?
Recordei-me do último dia que estivemos juntos e respondi:
— Ele havia me falado que eu ficaria responsável pelo setor de doações da
empresa, algo assim, depois que a sra. Johnson retornasse de San Diego.
Susan pareceu pensar mais um pouco e balbuciou, com um sorriso crescendo
nos lábios:
— Puta merda, Julie! Você tem um emprego fixo agora.
— Você acha mesmo que não é nenhum equívoco? Ela pode ter falado com a
Beatriz antes de saber que eu não era...
— Mas claro que não. Aqui diz: “sua identidade ficará em total sigilo, o sr.
Clifford me explicou a situação”. Ele quer preservar sua imagem na empresa.
— Mas a troco de quê ele me quer de volta? Da última vez, ele estava tão
bravo, que só faltou me dizer com todas as letras que não me queria em sua
frente nem pintada de ouro.
— Ah, irmãzinha! Mas pelo que vi aqui, ele quer te ver, sim. Pintada ou não
de ouro.
— Você tem certeza?
— Mas é claro. Pelo visto, você pode ter fisgado mesmo o coração do
bonitão, hein Julie! Quem te viu, quem te vê. – Ela me deu uma cotovelada,
sorrindo.
— Eu não sei se tenho coragem de aparecer lá depois de tudo o que
aconteceu, Susan.
— Ah, para de besteira. Você vai rejeitar um emprego fixo? Não, senhora.
Pobre não tem essa de orgulho bobo não.
— Eu acho meio cara de pau chegar lá e agir como se nada tivesse
acontecido.
— Mas se você vai para um treinamento, quer dizer que não vai mais
trabalhar diretamente com ele.
— Mas e se ele aparecer? – Perguntei.
— Verdade. Tem essa possibilidade. Se ele te quer na empresa, com certeza
vai dar um jeito de te ver.
— Parece tudo estranho. – Cruzei os braços, pensando mais pouco sobre a
situação. O que fez ele mudar de ideia? Será mesmo que ele gosta de mim?
Será que ele sente minha falta tanto quanto eu sinto a dele?
— E se vocês tivessem uma conversa antes? – Susan sugeriu. Tornei a prestar
atenção ao que ela dizia: — Você poderia ir ao apartamento dele hoje e ter
uma conversa franca com Steve. Olha, Julie, às vezes, na hora da raiva, as
pessoas dizem coisas impensadas. Pode ser que ele queira se acertar com
você.
Nisso tive que concordar com Susan. Ele poderia ter esfriado a cabeça e
pensado mais nesses últimos dias. Mas acho difícil que Steve tenha caído de
amores por mim durante esse tempo. Embora pareça ser uma pessoa dada às
relações interpessoais, quando se tratava de sentimentos, ele parecia ter suas
próprias armaduras. A prova disso foi a última vez que nos vimos, nunca
pensei que ele fosse agir de maneira tão rude e fria. Era como se realmente eu
tivesse o afetado com minha mentira de forma exponencialmente maior do
que eu esperava.
Resolvi respirar fundo e decidi pensar mais durante o dia sobre o que eu faria.
Não queria me precipitar, cometer uma besteira e estragar tudo.
Teria que agir com inteligência se o quisesse de volta e, quiçá, entrar em seu
coração.
Capítulo 26
Respira, Julie!
Eu repetia comigo mesma enquanto atravessava o estacionamento do prédio
de Steve em plena oito horas da noite. Embora o horário não parecesse muito
adequado para visitas, teoricamente eu teria que me apresentar no dia
seguinte na Clifford caso eu quisesse aquela vaga, então decidi ter essa
conversa o quanto antes com ele.
Andar por aquele prédio parecia ser uma tortura depois da última vez que
estive ali. Minhas mãos suavam e minhas pernas ficavam trêmulas só de
imaginar seus olhos azuis cinzentos me encarando.
Quando cheguei ao prédio, não foi nem preciso comunicar ao porteiro sobre
minha chegada, ele reconheceu meu carro de imediato e liberou o portão.
Mas depois, no elevador, perguntava-me se não teria sido melhor ter pedido
para avisar sobre minha chegada.
No entanto, temia que ele rejeitasse minha visita. Eu ainda estava bloqueada
no WhatsApp e não sabia ao certo o que isso significava. Ele me quer de
volta em sua empresa, mas não me quer em sua lista de contatos?
Era por isso que deveríamos ter essa conversa, para sanar essa e todas as
dúvidas. Para saber o que ele queria de mim e por que a razão queria me
manter no escritório da Clifford. E, talvez o que mais me interessava, eu
queria saber se sua raiva havia secado.
As portas do elevador se abriram no nono andar, descortinando o pedaço da
sala visível dali. Dei dois passos para a frente, antes que as portas se
fechassem novamente, e prossegui por mais alguns metros adiante.
Na sala, não havia nada além dos móveis taciturnos e a vista da Golden Gate
reluzente lá fora. Decidi explorar um pouco mais, dando alguns passos em
direção à cozinha e, quando estava perto o suficiente, minhas pernas pararam
quando escutei duas vozes conversando.
— Você é um completo mentiroso, Steve. – a voz feminina disse entre risos.
– Jura que não se lembra daquela noite, mas tenho por mim que isso não
passa de uma mentira deslavada.
Dei mais uns passos para o lado, estanquei ao lado do aparador com vasos e
pratos de alumínios e confirmei, de longe, com os meus próprios olhos, quem
era a dona da voz: Bárbara.
Steve estava apoiado na bancada com um copo raso de uísque entre os dedos,
enquanto a taquara loira tocava seu ombro com uma mão, parecendo se
insinuar para o chefe.
— Eu realmente não lembro. – Steve respondeu friamente e deu um gole no
uísque.
Em seguida, Bárbara tomou o copo da mão dele.
— Quer que eu lembre como foi naquela noite? – Ela deu um gole na bebida
acastanhada e lambeu os lábios. – Como sabe, bebemos muito naquela noite.
Você havia acabado de me contratar e Lux tinha ido dormir. Você me contou
todos os seus problemas e depois disse que estava louco de tesão...
— Eu disse isso? – Perguntou Steve.
— Com todas as letras, baby! Depois disso, você me comeu nessa bancada e
posso garantir que foi muito gostoso.
Meu coração gelou quando ouvi as últimas palavras de Bárbara.
Ele transou com ela?
Ele... Ele me disse que não se envolvia com funcionárias. Mas transou com a
babá de sua sobrinha?
Que ordinário!
Ah, Deus! Como eu pude acreditar?
Como pude ser tão tola e iludida?
Eu era mais uma funcionária em sua cama e saber disso me embrulhou o
estômago e me machucou de forma irreversível.
Um milhão de pensamentos se agitaram em minha mente e tudo o que eu
queria era sair dali, o mais rápido possível. De preferência, sem chamar a
atenção daqueles dois. Minha cabeça girou e minha visão ficou turva devido
às lágrimas que enchiam minhas órbitas.
Girei meu corpo com todo o cuidado e limpei os olhos, esbarrando com o
braço em um dos pratos de alumínio em cima do aparador.
O objeto, que parecia ser alguma peça de exposição de obras de arte,
rodopiou em cima do aparador de vidro, provocando tudo aquilo que eu mais
temia naquele momento: os olhares dele.
Steve se virou para averiguar o que tinha acontecido e eu petrifiquei por uns
instantes no lugar que estava quando seu olhar trombou com o meu.
— Julie. – Ele disse em alto e bom som. – O que está fazendo aqui?
Reuni um pouco de coragem e minha voz saiu ácida ao dizer:
— Desculpe-me por importuná-los. Já estou de saída.
Naturalmente, meu rosto endureceu e dei alguns passos para trás, virando
meu corpo e desatando uma caminhada de passadas largas até o elevador.
— Ei! Julie. Espera! – Ouvi sua voz logo atrás de mim enquanto eu alcançava
o elevador. Apertei o botão e parei em frente às portas, torcendo que eu desse
a sorte delas abrirem logo.
Mas isso não aconteceu.
Steve me alcançou e se pôs em minha frente, me retendo.
Dei alguns passos para trás e ele perguntou:
— O que veio fazer aqui?
— Conversar com você, mas acho que não tenho mais nada a conversar.
— Sobre o que queria conversar?
Merda! A vontade que tinha naquele momento era de chutar suas bolas, mas
inspirei fundo e respondi friamente:
— Recebi um e-mail sobre um treinamento em sua empresa. Quis saber sobre
do que se trata.
Ele inspirou fundo e enfiou as mãos nos bolsos do moletom.
— Quero você de volta no escritório Clifford...
— Eu não quero.
Ele piscou copiosamente e tirou uma mão do bolso para gesticular para mim.
— Não estou entendendo. Veio aqui para rejeitar minha proposta?
— Sim. Isso mesmo. Eu vim rejeitar a sua proposta. – Pousei a mão na
cintura e ergui um pouco o queixo.
— Só pode estar de brincadeira.
— Não! Não estou.
As portas do elevador se abriram finalmente, então dei a volta nele, dizendo:
— Adeus, Sr. Clifford.
Ele pegou meu braço e eu repliquei na hora, segurando a porta de alumínio
para que não fechasse.
— Me larga!
— Você vai me deixar assim?
— Assim como?
— Você não viria aqui apenas para rejeitar minha proposta.
— Pois é. Mas eu vim.
Soltei sua mão do meu braço e caminhei para dentro do elevador, enquanto
ele se virou e parou em seu lugar, me encarando com um ar de contrariado.
Se eu não estou dando o que ele quer, eu estou feliz – foi isso o que pensei ao
ver as portas se fecharem diante de mim.
No entanto, quando faltava pouco para aquele elevador ser somente meu, ele
meteu o braço entre as portas e adentrou a cabine, apertando o botão ao lado.
As portas se fecharam e o elevador pareceu congelar completamente. Dei um
passo para trás, receosa.
— Agora você pode me contar qual o seu problema!
Contive um suspiro de tensão.
— Problema?
— Você me disse que sua família precisava de dinheiro, por que não aceita o
trabalho e consegue a porra do dinheiro? – Ele parecia estar se irritando. – Ou
estava mentindo?
Mas não hoje. Ele não iria me tratar com grosseria. Hoje não!
— Mentindo? Você acha mesmo que tenho que aceitar esse emprego para
provar que não estou mentindo? Quem é você para falar em mentiras? Um
santo? – Sorri, amarga. – Você transa com suas funcionárias e veio com um
papo dizendo que não se envolve com funcionárias.
— Eu não transo com minhas funcionárias. – Ele disse, entredentes.
— E a Bárbara, hein?! Eu acabei de ouvir tudo. Vai negar?
Ele fechou os olhos, parecendo respirar pesadamente.
— Eu não lembro dessa noite, ok?
— Não lembra, mas aconteceu.
— Não posso afirmar aquilo não lembro com exatidão. Bárbara nunca me
interessou. Naquela noite, lembro de encher a cara ao lado dela, eu ainda
estava acabado com a morte de Romena, mas não lembro...
— Isso já não importa mais! – Fui até o comando do elevador e descongelei,
apertando o botão do térreo.
Senti a cabine descer e Steve disse em minha frente:
— Aceite pelo menos a vaga em minha empresa.
— Pra que contratar uma mentirosa?
— Podemos conversar com mais calma.
Olhei para o painel do Led e vi que estávamos quase chegando ao térreo.
— Obrigada! Mas eu dispenso sua cordialidade. Você me feriu, Steve, mais
fundo do que você possa imaginar. Vir aqui me fez compreender que não
quero me ferir novamente. Isso é mais do que eu posso aguentar.
Ele olhou para o lado, passando a língua entre lábios, uma mania sua.
— Tudo bem, vá.
— Certo.
Ele apertou os olhos e disse, por fim:
— Eu gosto de você, Julie. Queria fazer você ficar. Mas eu não posso... – Ele
parou, como se não fosse fácil de dizer: — Eu não posso, pois, no fundo, não
confio você.
Aquilo me quebrou.
Então por que me quis em sua empresa novamente?
Isso seria apenas um meio de ele ter uma presa fácil para cair em sua cama
de novo?
— Certo. Eu também não confio em você, acho que estamos quites agora. –
Respondi à altura.
Felizmente, as portas do elevador me salvaram, se abrindo.
— Então... adeus! – Eu disse, dando o máximo de mim para não chorar em
sua frente. Não daria esse gostinho a ele.
— Adeus... Julie! – Ele enfiou as mãos nos bolsos, fitando meus olhos, de
cima, e esgueirou um passo para o lado, me dando espaço para sair do
elevador.
Ajeitei minha bolsa no ombro, olhando momentaneamente minhas sapatilhas
pretas. Ergui a cabeça e saí daquela cabine, seguindo para longe, sem olhar
para trás. Eu sabia que era o mais correto a se fazer, no entanto, fazer a coisa
certa era mais difícil do que se pensava.
Steve não confiava em mim. E, talvez, nunca confiaria.
Seria um erro aceitar aquele emprego e correr o risco de nos envolvermos
novamente e eu acabar ainda mais machucada do que já estava. Por isso
resolvi me blindar, pois não sabia sobre o que se passava dentro dele, mas,
em mim, tinha certeza do quão visceral esse sentimento poderia vir a se
tornar.
Capítulo 27
Um dia depois
— Ficou maravilhoso! – Susan disse enquanto eu me olhava no espelho do
quarto.
Virei-me para minha mãe, como se pedisse sua opinião.
— Tudo fica lindo em você, minha filha.
— Não acham que está muito... devasso? – Perguntei, olhando para o biquíni
vermelho de tiras em meu corpo. – Essa parte de baixo parece muito pequena.
– Reclamei, sentindo a calcinha entrar em meu bumbum.
— Claro que não, Julie. Esses biquínis estão super na moda. – Disse Susan,
em seu maiô azul-escuro.
— Não vou me sentir confortável na praia com esse biquíni.
– Então use uma canga por cima. – Susan e sua impressionante capacidade de
encontrar soluções para tudo. – Pega essa aqui!
Ela me jogou o pedaço generoso de tecido preto, quase transparente, mas que,
aparentemente, resolveria meu problema. Passei em minha cintura, dando
voltas, e até que ficou nada mal.
Susan pegou a bolsa de praia e colocou os óculos escuros.
— Divirtam-se, meninas! – Mamãe disse, radiante, um pouco antes de
sairmos de casa.
Deixei um beijo demorado em sua bochecha e saí ao lado de Susan.
Era sábado. Um dia propício para a praia estar lotada de pessoas saradas que
passavam o dia na academia cuidando dos próprios corpos. No entanto, essa
não era minha maior preocupação enquanto dirigia pela famosa Bradford
Street, mas sim no consumo de álcool indiscriminado que seria feito horas
mais tarde.
Quando Susan se juntava com uma de suas amigas, ela tendia a ficar mais
solta e cair na onda de beber muito, por isso a alertei:
— Sem álcool, hein Susan?
— Eu não tenho dinheiro para beber, irmãzinha.
Como se isso impedisse de Calixta lhe pagar umas boas doses de vodka.
Chegamos ao local que fora combinado e avistamos Calixta com um grupo
de amigas. Susan e eu nos aproximamos, cumprimentamos o pessoal e
ficamos ali na beira da praia.
Umas das amigas de Calixta saíram para dar uma volta nos jet-skis ali perto e
outras dançavam com a música que vinha do bar. Já eu preferi ficar em uma
das espreguiçadeiras ao lado, observando o movimento.
— Estou achando Julie diferente. – Calixta me observava.
— Diferente como? – Susan indagou.
— Não sei. Tem algo de diferente nela desde a última vez que a vi. Não sei.
Não sei, parece mais mulher. – Calixta me analisava enquanto eu me
hidratava com água. – Julie, você transou? – Ela soltou e eu me engasguei
com água.
Levantei e Susan deu tapinhas em minhas costas.
— Oh, Julie. Desculpe-me, não quis soar inconveniente.
— Não... Tudo bem... – disse, me restabelecendo.
Um grupo de meninas voltava do mar e Calixta deu a ideia:
— Vamos esquecer isso. Que tal darmos uma volta de Jet-ski, garotas?
— Parece uma ótima ideia. – Susan concordou.
Quem era eu para discordar de algo? Apenas assenti e segui as meninas.
Eu estava me sentindo como a irmã mais nova que era obrigada a sair com a
mais velha e suas amigas, totalmente deslocada. Mas, mesmo assim, não
enjoei para ir embora, sabia que Susan precisava daquele momento de
descontração há tempos.
Talvez subir em cima de um Jet-ski me desse uma injeção de ânimo, já que
nunca havia subido em um antes e sempre tivera a curiosidade de saber como
era andar em cima daquele troço. Se bem que não quis tomar o volante, com
medo de perder o controle e cometer um assassinato náutico.
Sendo assim, Susan tomou a frente e dirigiu por nós duas, enquanto Calixta
nos acompanhava logo atrás.
Minhas mãos apertavam o tronco de Susan ao passo que percorríamos sobre
as suaves ondulações do mar. Resolvi soltar os braços quando me senti
segura para isso e me permiti sentir a brisa gostosa de um dia ensolarado
tocar o meu corpo, sorrindo por sentir que realmente eu estava me divertindo
depois de dias.
— Uhullllll! – Susan fez uma curva sinuosa, me levando a agarrar sua cintura
de imediato.
Susan e eu sorríamos abobalhadas, feito crianças, sentindo nossos cabelos
esvoaçantes sacudirem em nossos ombros.
Quando nos estabilizamos novamente, olhei para trás e estranhei.
— Não estamos muito distantes da margem? – Perguntei a Susan, vendo
Calixta ao longe, quase chegando na faixa de areia. – Calixta parece estar
voltando à margem.
— Relaxa, ela deve estar entediada. Vamos dar mais uma volta e depois
retornamos.
— Tá bem! – Anuí, deixando minha preocupação de lado, pois confesso que
estava também gostando muito de estar dando aquela volta de Jet-ski.
Ficamos mais um tempinho por ali e, quando Susan avisou que faria a volta,
repentinamente, o motor pareceu dar umas guinadas mais fracas. Até estancar
completamente.
— O que houve? – Perguntei, preocupada.
— Não sei. Desligou sozinho. – Ela disse, confusa.
— Tenta tirar a chave e ligar de novo.
— Ok.
Susan fez o que eu dissera e nada. O motor apenas roncava e morria logo em
seguida.
— Espera um momento, Susan. Deixa eu ver uma coisa. O que é esse
pontinho vermelho piscando no painel? – Questionei, forçando a visão do
lugar em que eu estava.
— É a gasolina. – Ela respondeu com a voz mortificada.
— Ah, meu Deus, Susan! Você não percebeu que estava com pouca
gasolina?
— Claro que não. Se me deram para andar, deduzi que tinha gasolina nessa
joça. – Susan se desesperou.
Olhei para o pedação de mar que nos separava da praia e um calafrio
percorreu minha espinha. Estávamos praticamente à deriva em alto mar.
— Calixta vai sentir nossa falta! – Susan inspirava fundo e eu tentava fazer o
mesmo, pensando positivamente.
Mas isso era quase impossível quando as ondas pareciam impulsionar ainda
mais o jet-ski para o alto mar.
A existência de Tom River nunca foi tão relevante para mim. Porém, agora,
ele parecia tão irritante exibindo todos os dentes brancos para Julie, e eu não
me sentia no direito de impedi-la de ir com ele para o outro da embarcação.
Passei a mão na nuca, assistindo eles se afastarem, e tentei me resignar com
as palavras que ela me deixou. Mas, porra, no fundo, sabia que não
conseguiria ficar ali parado.
Se era para parecer um tolo ciumento, eu estava disposto a isso, pois, na
verdade, em minha cabeça não havia mais nenhum pensamento que não fosse
relacionado à vontade incontrolável de reaver a atenção daquela mulher para
mim.
Eu não poderia me permitir que a distância entre nós ficasse ainda maior,
então, me pus atrás dela.
Encontrei-a na área mais baixa do iate, perto do píer flutuante, ao lado de
Tom. Os dois conversavam e sorriam perto do pessoal que se reunia por ali.
Aproximei-me e o bastado sorridente me flagrou.
— Steve? De novo por perto?
Automaticamente, o olhar da ruiva se voltou para mim.
— Vim me certificar de que Julie esteja bem. – Estiquei o lábio em sorriso
um forçado.
— Estou ótima. – Ela rebateu, indiferente. – Pode ficar tranquilo e voltar a
fazer suas coisas lá em cima.
— Ah, sim, claro! – Meti as mãos nos bolsos. – A verdade é que lá em cima
está muito entediante. – Suspirei, usando um pouco de drama a meu favor.
— Não me parecia entediado. – Ela observou, semicerrando os olhos. – Na
verdade, parecia bastante animado quando o encontrei.
Tom pigarreou e tentou chamar a atenção dela de volta.
— Como eu dizia, Julie, posso acompanhar você e sua irmã à praia. Assim
vocês não correriam risco novamente de ficarem à deriva.
— Sério? Você faria isso mesmo por nós? – Os olhos de Julie brilharam. Até
parecia que estava louca para se livrar de mim.
— Mas é claro, Julie. Não faço nada além do meu papel como homem em
ajudar as mulheres.
Desgraçado! Ele sabe como preparar o terreno.
— Susan ainda está lá cima com Mark. – Intrometi-me, lembrando-a.
Os olhos de Julie se voltaram para mim novamente, os do bastardo do Tom
River também.
— Acho que deveria consultar a opinião de sua irmã, ela pode estar gostando
do passeio de barco. – Tentei admoestá-la.
Pareceu que finalmente dei uma dentro e ela parou para pensar.
— Tem razão. Ela deve estar gostando do passeio de barco. – Ela admitiu e
se virou para o homem atrás dela. – Tom, seria muito incômodo você me
deixar na praia e depois voltar para pegar Susan?
— Não. – Ele sorriu, abobalhado. – Claro que não. Digo que seria até melhor.
Assim poderíamos conversar mais durante o percurso.
— Que maravilha. Vamos então? – Ela falou sem nenhuma emoção na voz
para o filho da puta que já estava todo animado.
— Vamos!
Para o meu desgosto, Tom montou em cima do jet-ski ao lado em tempo
recorde e ofereceu a mão para Julie.
Antes que ela pudesse saltar para a garupa daquele palhaço, segurei seu braço
e rosnei:
— Você não vai com ele.
Seu corpo virou para mim e ela replicou com valentia:
— Qual o seu problema, sr. Clifford? Tem algo relevante a me dizer? –
Trinquei a mandíbula. — Pois se não tem, sugiro que me deixe em paz.
Um grupo de pessoas pareceu ouvir nossa conversa e exclamou em uníssono:
— Uuuuh!
— É isso mesmo, pessoal? Steve Clifford acabou de levar um fora? – Um
molecote caçoou por ali perto.
— Bem feito. Isso é para ele parar de se achar o rei do pedaço. – Uma voz
feminina surgiu logo em seguida.
— Para de recalque, Martha. Só porque não conseguiu pegar o cara. – Outra
voz rebateu.
Não desviei o olhar para aquelas pessoas, pois estava ocupado demais em
tentar fazê-la ficar, e ela, decida a ir embora.
— Quase ia me esquecendo. — Ela tirou minha camisa e me entregou.
Neguei-me a aceitar de volta e ela apenas se abaixou e deixou minha peça de
roupa no chão.
— Não vá. – Pedi, com dificuldade.
Ela me deu as costas e, no instante que fez isso, os assovios dos filhos da puta
atrás de mim ganharam vez. Tom sorriu para eles, fazendo meu sangue
ferver. Todos os sentidos se comprimiram dentro de mim e eu não sabia se eu
poderia me controlar. Olhei para o céu, pedindo paciência, mas que dane a
paciência.
Passei meu braço em sua barriga, puxando-a para mim. Suas costas
trombaram com meu tronco e ela estremeceu. Rapidamente a virei para mim
e me abaixei um pouco para passar o braço em suas coxas, erguendo seu
corpo para o meu ombro e prendendo suas pernas em meu peitoral.
Comecei a caminhar para o corredor ao lado e ela resmungou, tentando me
chutar:
— Me solta! Steve, me coloca no chão agora. – Ela ordenava, alto, se
agitando em cima de mim.
Não dei ouvidos até seu pé acertar minhas partes baixas, me levando a pender
para o lado e perder completamente o equilíbrio.
Naquele momento, não tive muito tempo para raciocinar, quando vi, já estava
indo de encontro com o mar enquanto segurava firme a mulher teimosa em
meu ombro, e, em seguida, um estampido se fez.
O impacto dos nossos corpos perfurando a água foi o último som processável
que chegou aos meus ouvidos. Não sei exatamente quando foi que meus
braços soltaram as pernas de Julie, mas, quando abri meus olhos, tratei de
procura-la ao meu redor.
Encontrei seu rosto assustado debaixo da água e automaticamente segurei seu
braço, de maneira que eu pudesse levar seu corpo de volta à superfície. E foi
o que fiz, impulsionando nossos corpos para cima.
Escutei a respiração de Julie ofegar quando entramos em contato com o ar,
com seu rosto a centímetros do meu, ao passo em que eu mantinha nossos
corpos flutuando.
— Eu sei nadar. – Ela se desgarrou da minha mão.
— Por que é tão teimosa?
Ela sorriu, sarcástica, abrindo os braços para se manter estável dentro d’água.
— Eu que estou sendo teimosa? Tem certeza?
Desci o olhar para seus lábios vermelhos e rosnei:
— Quando vai entender que estou louco por você?
Aproximei nossos corpos, colando nossas testas.
Seu olhar doce e turrão tão próximo ao meu, nossas respirações ofegantes que
misturaram e se tornaram uma só, tudo isso me levou a crer que só existia ela
e eu naquele momento.
Capturei uma de suas mãos e a colei em meu peito, que batia depressa.
— Nada e ninguém se compara a forma como você me faz sentir, Julie
Evans.
Ela fisgou o lábio inferior, se desiquilibrando, quase afundando. Entretanto,
minha mão aparou seu braço antes que isso acontecesse.
— Tenho que voltar. – Ela mudou de assunto, se desfazendo novamente da
minha mão, e nadou até o barco.
Continuei ali, a observando por alguns segundos e tão logo fiz um esforço
para sair da água também.
Julie recebeu a ajuda de Tom, que havia abandonado o jet-ski e voltado para
o iate, esperando-a com uma toalha branca na mão.
De maneira mecânica, apoiei as mãos nas bordas da embarcação e alavanquei
meu corpo para cima, sentando na superfície branca e lisa.
— Eu vou chamar Susan. – Julie disse, me fitando de cima, parecendo mais
cautelosa.
Seu cabelo havia ganhado uma tonalidade mais fechada ao ser molhado e
suas pernas alvas pareciam mais pálidas.
— Ok! – Não sabia se ela havia direcionado tais palavras a mim, mas apenas
assenti seriamente.
Deixei que Julie fosse procurar a irmã em paz e recebi a toalha da garota loira
e gentil, prima de Mark.
— Obrigado, Eva.
— Por nada. – Ela sorriu.
Sequei o rosto e continuei observando Julie se afastar, indo atrás da irmã.
Capítulo 32
Meus braços fizeram uma volta perfeita em seu tórax desnudo e, naquela
posição, montada atrás de Steve, poderia sentir o aroma másculo que saía de
seu pescoço e percorria toda suas costas.
Céus. Como esse cheiro é bom. – Pensei, afundando meu rosto no vão entre
suas costas e inspirando-o.
Depois que Mark fez uma espécie de ritual para afastar o álcool do corpo, nós
partimos em dois jet-skis. Um da família de Mark e o outro que havíamos
pegado emprestado com o pessoal de Calixta.
Nós avançamos pelas ondas em uma cadência mais veloz do que quando
Susan dirigia horas antes. Ele parecia ter experiência com jet-ski, assim como
Mark, que nos acompanhou perpendicularmente com minha irmã na garupa.
A velocidade deixou aquele percurso ainda mais emocionante.
Se me dissessem mais cedo que aquela tarde terminaria assim, eu certamente
não acreditaria. Nem se me contassem mais vezes.
Não demorou mais de quinze minutos para chegarmos à praia, avançando um
pouco sobre a faixa de areia.
Um pouco zonza, tive que ficar mais tempo em cima do banco para poder me
acostumar com a terra firme. Mark e Susan, ao nosso lado, colocaram os pés
primeiro na areia e tão logo tentei sair das costas de Steve, que me ajudou
levantando um braço para o lado, no qual que pude me apoiar.
— Obrigada. – Agradeci, fincando os pés no chão.
Observei ele fazer o mesmo em um movimento elegante.
— Ui, faz tempo que não pego onda dessa forma. – Mark brincou e Steve
abriu um meio sorriso comedido.
Ele e Mark haviam tomado café antes de saírem do iate e, depois disso, Steve
me parecia mais sério e centrado. Ele teria se arrependido do que fez mais
cedo e do que me falou?
Pare de bobagem, Julie. É apenas impressão sua.
Ele me olhou rapidamente, me lançando um sorriso lindo, e minhas
desconfianças descabidas automaticamente desapareceram.
Quando começamos a andar em grupo para o alto da praia, avistei o grupo de
amigas de Calixta próximo ao bar e, também, a própria Calixta, que pareceu
já ter nos visto.
Aliás, a impressão que tinha era que a praia toda estava nos observando
chegar.
Mark comentou algo em alto e bom som para Steve, que não entendi muito
bem, pois Susan vibrou baixinho para mim ao meu lado:
— Ai, meu Deus! Estou me sentindo a própria Bond Girl saindo do mar, com
a diferença que estamos com dois grandes gostosos do lado.
— Susan! – Chiei, morrendo de vergonha deles ouvirem isso.
Senti a mão de Steve tocar a minha e virei para assistir seus dedos
entrelaçarem aos meus. Ergui o rosto para ele, que me jogou uma piscadela.
Como é que reajo a isso?
Enquanto caminhávamos, percebi que Calixta encurtou o espaço entre nós,
descendo pela areia.
— Oh, meu Deus! Onde vocês estavam esse tempo todo, garotas? Eu acabei
de falar com os bombeiros.
— Agora que você foi falar com os bombeiros? – Susan exclamou, descrente.
– Puxa vida, Calixta. Pelo visto, pensei que minha vida valesse mais para
você. Estamos fora há quase cinco horas.
— Perdão, amiga. Eu não tinha percebido. – Ela alternou o olhar para os
homens ao nosso lado e perguntou: — Não vai me apresentar aos rapazes?
Pigarreei e disse com cuidado:
— Que tal avisar aos bombeiros que estamos vivas, Calixta? Deve estar
sendo muito trabalhoso e desgastante ficar procurando por alguém em alto
mar sem necessidade.
— Ah, claro. – Ela se virou para o bar e falou com suas amigas, que não
paravam de nos olhar. – Meninas, avisem no posto que elas apareceram e
para cancelarem as buscas.
Uma das vozes femininas soou alto:
— É o Steve Clifford. É ele. Tenho quase certeza.
Calixta tornou a olhar para frente e sorriu.
— Garotas, só um minuto! – Mark disse dando alguns passos para frente,
parecendo atender um telefonema.
— Agora vocês podem me dizer onde estavam. – Calixta insistiu, sorridente.
— Estávamos no paraíso, Cali. Pegamos esses dois bonitões aqui
emprestados e acho que vamos ter que fazer um esforço para nos livrarmos
deles. – Susan brincou. Steve e eu nos entreolhamos de soslaio. – Podemos
conversar depois, amiga?
Calixta piscou duas vezes.
— Claro.
— Ótimo, amiga. Até outro dia. Muito obrigada pelo convite. Aliás, nossos
pertences...
— Estão na espreguiçadeira.
— Ok. Passamos lá para buscar. Então, tchau, Cali.
— Tchau, amiga.
Steve e eu seguimos Susan.
— Tchau. – Despedi-me, timidamente, quando passei por Calixta.
— Tchau, Julie. – Ela respondeu com um olhar malicioso e eu corei.
Steve parou para devolver a chave do Jet-ski a ela, que agradeceu
imediatamente com um sorriso largo.
— Obrigada, bonitão!
— Por nada.
Alcançamos Mark, que estava ao lado de um senhor de camisa azul de
mangas e calça social, que parecia ouvir atentamente as instruções do amigo
de Steve.
— Tony, você pode levar aquele jet-ski ao iate no cais? – Ele apontou para
frente.
— Sim, senhor. Como quiser. – o homem respondeu.
— Maravilha!
– Apenas o vermelho é meu.
— Sim, senhor. Eu conheço os bens de sua família.
— Maravilha, Tony.
— Aqui está a chave da Ranger Rover. A preta, como pediu. – O homem
calvo lhe entregou algo e Mark agradeceu, gentilmente.
Depois disso, soltei a mão de Steve e fui até a espreguiçadeira pegar meus
pertences e os de Susan. As amigas de Calixta me olhavam como se
quisessem me perguntar algo, mas, como não tínhamos intimidade, apenas
me despedi com um menear de cabeça e fui para a calçada, onde me
esperavam.
Tão logo caminhamos para dentro do carro preto estacionado ali perto.
Mark assumiu o volante com Susan ao lado e Steve e eu entramos pelas
portas traseiras.
— E aí? Qual o destino agora, pessoal? – Mark perguntou antes de ligar o
carro.
Confesso que não esperava sair para outro lugar com eles. Não hoje, em que
a tarde foi exaustiva.
Steve me olhou com uma cara insaciável e passou um braço em meus
ombros, me arrastando para mais perto do seu corpo.
— Não sei. Alguma ideia? – Susan perguntou, animada.
— Humm... Deixa eu pensar... Meu apartamento está livre hoje. – Mark
disparou. — Sem contar que poderíamos ficar mais à vontade por lá. O que
acham?
— Parece uma boa ideia. – Minha irmã disse.
— Susan, você não ia fazer massagem no pé do vovô hoje? – Perguntei,
tentando nos esquivar de pararmos em um apartamento com dois homens
visivelmente sedentos por sexo. Não que eu não desejasse Steve dessa forma.
Eu o desejava, muito. A propósito, naquele momento queria tomar sua boca e
sentar no seu colo ali mesmo. No entanto, devido às circunstâncias, não me
pareceu o correto a se fazer. Transar em um apartamento desconhecido
enquanto minha irmã fazia o mesmo em outro quarto era algo intragável para
mim.
— Eu disse que faria massagem nos pés do vô Charlie? Quando foi isso? Eu
não me lembro disso, Julie. — Susan me respondeu do banco da frente.
— Quando estávamos paradas em alto mar? Lembra? – Comecei a repetir
suas palavras: — “Farei massagem duas vezes ao dia nos pés do vovô
Charlie, mas, por favor, faça esse barco virar! ”
— Ah, foi isso? Eu acho posso deixar a massagem nos pés do vovô para
amanhã então.
— Susan!
Steve colou os lábios em minha orelha e sussurrou:
— Se quiser descansar, podemos deixá-la em casa. Não me importo de
esperar para te ver outra vez, desde que prometa que irá atender aos meus
telefonemas.
Arrepiei-me com sua voz e assenti.
— Obrigada.
Steve olhou para frente e falou:
— Mark, vamos deixar Julie na casa dela primeiro. Quando chegarmos em
seu apartamento, eu me viro para ir embora.
— Entendido. Mas não se preocupe, te deixo em casa antes de voltar para o
meu apartamento. – Mark respondeu dando partida.
— Obrigado, irmão.
— Onde mesmo vocês moram? – Mark perguntou a Susan, que começou a
explicar o caminho.
As mãos de Steve acariciavam meu braço e, às vezes, ele elogiava meu
cheiro, beijando minha têmpora, bochecha e pescoço com seus lábios
mornos.
Mark começou a puxar assunto com Steve e, por sorte, pudemos nos distrair,
afastando os meus pensamentos libidinosos quando sua respiração entrava em
contato com minha pele.
A noite havia caído completamente quando Mark parou em frente à minha
casa.
— Foi um prazer revê-la, Julie. – Mark disse.
— Igualmente, Mark.
Steve me puxou para selinho rápido e perguntou:
— Amanhã nos vemos?
Fisguei o lábio inferior e aquiesci.
— Pode ser.
Agora fui eu quem o beijei, já sentindo saudade daqueles lábios com gosto de
menta.
— Tchau, pessoal. Susan, me avise quando chegar em casa. – Estiquei a mão
para tocar o seu braço.
— Ok, Ju.
— Fica tranquila, Julie. Trarei sua irmã de volta em segurança. – Mark
ressaltou.
Agradeci, olhei mais uma vez para Steve e saí pela porta a minha esquerda.
Andei para a calçada e acenei com a mão antes deles partirem.
Quando me coloquei para dentro de casa, fechei a porta, apoiando as costas
na superfície lisa da madeira, e suspirei.
Que tarde foi essa?
Com os pensamentos em polvorosa, comecei a digerir tudo o que havia
acontecido. Susan com Mark, minha reconciliação com Steve e como seria
daqui para frente. Céus! Eu fiz certo em acreditar nele?
Isso só o tempo seria capaz de responder.
Mas, por ora, tinha a plena certeza que não pude evita-lo. Eu o queria. Deus,
como eu o queria! Com exatamente tudo o que havia em mim.
Só esperava que esse sentimento bom que estava sentindo não virasse uma
desilusão e meu coração não doesse novamente. No fundo, sabia que o
sentimento que vinha nutrindo por ele crescia a cada milésimo de segundo. E
como dizem por aí: quanto mais alto estivermos, maior será a queda. Eu só
não queria subir tanto para depois despencar por ele, não quando eu sabia o
quanto doía ficar à sombra de um coração partido.
Capítulo 33
Naquela noite, minha mãe me fez várias perguntas e todas elas envolviam
Susan.
Embora minha irmã mais velha tivesse completado vinte e um anos há quase
uma década, mamãe nunca deixou de se preocupar.
Tentei tranquilizá-la, explicando que Mark era amigo de Steve e parecia não
ser uma pessoa ruim, o que a deixou mais calma. Mas também provocou
outras perguntas sobre nossa ida à praia, dentre elas, sobre a presença de
Steve.
Escapei de todas elas sob a justificativa de que precisava de um banho e subi
rapidamente para o meu quarto.
Embora se preocupasse bastante, nossa mãe nunca foi conservadora e sempre
nos reforçou desde cedo que poderíamos paquerar ou namorar livremente,
desde que avisássemos com quem e onde estaríamos. Mas falar abertamente
sobre algo que eu ainda não tinha certeza não me parecia uma boa ideia no
momento.
Tomei uma ducha de água quente e me deitei entre as cobertas, pegando no
sono. O sol que peguei durante o dia já estava fazendo efeito, me apagando
completamente em questão de segundos em plena oito horas da noite.
Quando ouvi a porta ao lado ranger, acordei, flagrando Susan chegando na
surdina.
— Susan? Que horas são? – Estiquei o braço para pegar o celular na mesinha
ao lado da minha cama e o relógio marcava três horas da madrugada.
— Shiu! Fala baixo. Assim vai acabar acordando a casa toda.
— Ah, sim! Está bem! – Sussurrei. Ela se sentou na cama ao lado e eu
perguntei, baixinho: – E aí? Como foi?
Ela soltou um longo suspiro.
— Perfeito! Simplesmente, perfeito, Julie. Mark é um verdadeiro cavalheiro.
– Estava mais para um Casa Nova, mas ok! Steve também não me parecia um
homem de uma só mulher e, agora, nesse momento, estava ansiosa para saber
o que seria de nós. Seria muito injusto cortar as asas de Susan naquela noite.
Sem contar que a considerava muito mais esperta do que eu. Mas brinquei:
— Cuidado para não se apaixonar.
Mesmo na penumbra, eu a vi me dando língua.
— Me respeita, Julie Evans. Você acha mesmo que vou me apaixonar em
uma única só noite? Amanhã mesmo não duvido nada que eu nem lembre o
nome desse cidadão.
— Está bem, srta. Desapegada. – Sorri com um tom de deboche.
— Vou tomar um banho, pois é o melhor que faço nesse momento. – Ela
disse, ainda com um sorrisinho bobo no rosto, se levantando.
Antes que ela pudesse alcançar a porta, me adiantei, sussurrando:
— Susan, espera! Ainda não me disse.
— O quê?
Mordi o lado de dentro da bochecha.
— Vocês... Sabe... Foram...
— Transamos? – Ela indagou.
Meneei a cabeça em positiva, curiosa.
Ela se denunciou abrindo um sorriso de orelha a orelha e pulou para dentro
do banheiro. Eu afundei a cabeça no travesseiro, sorrindo.
Olhei para o teto, tentando controlar meus lábios risonhos e murmurei:
— Ai, meu Deus. Estamos ferradas!
Na manhã seguinte
Susan olhou seu telefone pela milésima vez e disse, com os ombros murchos:
— São dez horas da manhã. Já era para ele ter ligado. Parece que fui apenas
um caso de uma noite mesmo. – Ela olhou para o chão do nosso quarto e
refletiu: — Mas valeu a pena. Eu gostei muito e isso é o que importa.
— Ou ele pode ainda estar dormindo. – Disse, penteando meus cabelos.
Mark poderia ter esse costume. Mas Steve... eu sabia que acordava bem cedo
e, até o momento, ele sequer havia me dado sinal de vida.
— Oh, Julie. Desculpe-me! Steve também não mandou mensagem?
— Não. E também não vou mandar. – Respondi, terminando de pentear a
última mecha embaraçada.
— Isso mesmo, garota! – Ela sorriu e eu tentei retribuir, mas, por dentro,
estava cheia de inseguranças.
Susan e eu fomos à cozinha e ajudamos nossa mãe com o preparo do almoço.
Cortei os legumes para a salada, o que sabia fazer de melhor na cozinha sem
correr o risco de intoxicar alguém; e Susan ajudou a mamãe com o frango.
Ao passo que preparava a salada, conferia meu celular ao lado em cima da
mesa. Definitivamente, já era para ele ter ligado. Pelo menos, deixado uma
mensagem ontem mesmo quando chegou em seu apartamento.
O silêncio diz mais que mil palavras. – Aquela máxima girava feito um
espiral em minha mente, me afundando em um mar de incertezas.
Ele teria se arrependido do que aconteceu ontem?
Ele não gostava tanto assim de mim e percebeu isso somente agora?
Quer saber? Que se dane.
Isso mesmo! Que se dane.
Se ele foi capaz de fingir tão bem ontem, devo encarar isso como um sinal de
livramento. Poderia ter sido ainda pior. Não há nada ruim nesse mundo que
não se possa piorar, não é mesmo?
Cortei as últimas rodelas de cenouras e bufei.
— Julie? Pra que tanta agressividade? Você está bem, filha?
Pisquei para minha mãe, me dando conta de que coloquei força demais nos
últimos cortes.
— É que eu queria terminar logo. – Soltei um sorriso nervoso e arrastei com
as mãos as cenouras para a vasilha azul. – Bem, acho que terminei! Eu acho
que agora você regar as plantas do quintal... – eu disse me levantando.
— Eu já reguei, filha. Que tal fazer as compras no mercadinho enquanto
terminamos de preparar o almoço? Você faz o supermercado tão bem...
— Claro, mãe.
Minha mãe retirou o maço de dinheiro da última gaveta do armário, onde ela
costumava guardar coisas importantes e, de repente, o toque monofônico de
um celular reverberou em toda a cozinha.
Não. Não era o meu.
Era o de Susan.
Ela pegou o celular do bolso e quase desmaiou quando leu o nome na tela do
aparelho.
— Quem é? – Perguntei, curiosa e ansiosa ao mesmo tempo. – E aí? É o
Mark?
Ela se abaixou um pouco e falou com a voz anestesiada:
— É o Mark!
Nossa mãe nos lançou um olhar enviesado e Susan disparou para fora da
cozinha, indo atender.
— Ai, ai! Essa Susan!
Sorri e avisei a minha mãe:
— Estou indo, mãe.
— Está bem, filha.
Saí com a sacola de compras e subi a rua até o mercado.
Para mim não era nenhum trabalho difícil fazer compras no mercadinho,
muito pelo contrário, era uma das atividades que mais gostava de fazer.
Enquanto eu colocava os itens no carrinho do supermercado, ele estava lá, em
meus pensamentos, insistentemente, como uma canção chiclete que gruda na
mente e se recusa a ser esquecida pelos próximos dias – era exatamente como
me sentia, totalmente vulnerável às próprias emoções.
Que droga!
Queria socar seu rosto agora.
— Como pude cair tão fácil nessa ladainha de “estou louco por você” e “acho
que não vou querer me separar de você tão cedo”? – Murmurei. – Argh, eu
sou tão patética. – Resmunguei, batendo um pacote de macarrão na testa.
Um moço que trabalhava no estoque do mercado me olhou como um olhar de
pena e eu logo me recompus, quase correndo e arrastando o carrinho para a
próxima seção.
Passei pelo menos uma hora no mercadinho e, como previ, tive que pagar a
mais do que o dinheiro que minha mãe me deu, então, completei com a parte
da grana que tinha ganhado com a panfletagem. Com o tanto de compra que
fiz, valeu a pena gastar bem a mais.
Coloquei tudo nas sacolas que trouxera e pedi para o gerente me deixar levar
o carrinho, como eu sempre fazia e depois voltava para devolver. Ele
autorizou e desci a rua, voltando para casa.
Quando me aproximava da cozinha com as compras, ouvi uns grunhidos de
bebê, um som atípico para aquela casa. Quem estaria nos visitando agora a
essa hora em um domingo?
Cheguei à cozinha e flagrei minha mãe levantando uma menininha loira no
ar, que soltou uma gargalhada alta e contagiante. Susan e minha mãe riram,
abobalhadas, com o riso da menininha.
Minha mãe se virou com o bebê no colo e, quando pude ver melhor seu
rostinho, senti meus olhos se abrirem mais.
— Lux? – Agora quem ficou abobalhada fui eu.
— Nhénhém...
— Ah, meu Deus, Lux. – Larguei o carrinho e caminhei até ela, pegando-a no
colo. – O que ela está fazendo aqui?
Minha mãe e Susan se entreolharam, sorrindo.
— Steve veio te procurar, querida. Na verdade, tem pouco tempo que ele saiu
atrás de você no mercadinho. Ele disse que te ajudaria a trazer as compras.
Você não o viu?
Neguei um balançar de cabeça, admirada em ver Lux em minha casa, com
aqueles dois dentinhos sapecas à mostra. Apertei aquela pequena mocinha e
seus bracinhos fizeram uma volta inteira em meu pescoço, em um abraço
gostoso.
— Ela é muito fofa, não é gente? – Perguntei, babando.
— Ela é uma gracinha. – Susan disse.
— Ela é linda, querida. – Minha mãe concordou. — Aliás, não entendi, ela é
filha do Steve?
— Biologicamente, ela é sobrinha dele, mãe. Mas para todos os efeitos, ele é
seu pai. – Expliquei enquanto Lux deitava com a cabecinha em meu ombro.
— Ei, princesa, vem com a vovó? Vem? – Minha mãe estendeu o braço e
Lux sorriu, impulsionando o corpinho para ela.
— Vovó? – Susan perguntou em tom de troça. – A senhora já está querendo
forçar os laços familiares, mãe.
— Mas é claro! Está na cara que esses dois estão loucamente apaixonados,
Susan. Temos mais que estreitar os laços de família. Não é, pequena? –
Mamãe sorriu para Lux, que soltou uma gargalhada divertida. – A propósito,
Julie, convidei Steve para almoçar conosco. Acho bom que vá atrás do nosso
convidado, ele pode não ter achado o mercadinho.
— É impossível. O mercadinho fica no canto da rua. – Susan salientou.
— De qualquer maneira, vá logo, Julie. Seu avô também já deve estar
voltando da partida de xadrez com Robert. Quero ter o prazer de ter essa
mesa cheia hoje. Vá logo!
Dei um passo para trás, com o sorriso crescendo nos lábios, e peguei o
caminho de volta para a rua, apressada, escutando as batidas frenéticas de
meu coração.
Abri a porta de casa e me coloquei na rua, mas parei quando vi alguém sair
SUV branco parado do outro lado da rua.
Os cabelos castanhos perfeitamente alinhados, a camisa social bem cortada e
aquele olhar que eu reconheceria em qualquer lugar do mundo. Ele bateu a
porta atrás de si e eu dei alguns passos para a frente, parando no meio da rua,
com o coração batendo cada vez mais depressa.
Ele veio ao meu encontro, olhando-me de cima.
— Eu acabei de vir do mercadinho. Queria servir de ajuda ao trazer as
compras. Não encontrei você entre os corredores... – De início, pareceu um
pouco acanhado, franzindo a testa.
— Eu sei. Minha mãe acabou de me dizer. – Disse, balançando a perna
esquerda. – A gente deve ter se desencontrado.
Ele subtraiu o espaço entre nós e segurou meu rosto com as duas mãos com
delicadeza, acariciando minha bochecha.
Inspirei fundo e confessei:
— Eu pensei que desapareceria.
Os vincos em sua testa ficaram mais profundos.
— Que tipo de merda estava pensando? – Ele sussurrou, com um pouco de
descrença na voz. Seu rosto acariciou o meu enquanto ele explicava: – Tive
uma noite cansativa com Lux, que não pregou os olhos a noite inteira. Nós
viemos dormir somente agora pela manhã. – Mordi o lábio inferior me
sentindo estúpida. — Não há nenhuma chance de eu deixar você escapar.
Eu... – Ele estancou como se aquilo fosse difícil de ser pronunciado, mas
retomou com firmeza: — Eu estou completamente e irrevogavelmente
apaixonado por você, Julie Evans. – Ele disse aquilo com os olhos presos aos
meus e abriu aquele meio sorriso lindo, que me destruía e me aquecia em
mesma proporção. – Não há nada em minha cabeça que seja tão forte quanto
você.
Toquei seu peito com as mãos e prendi a emoção que estava prestes a tomar
conta dos meus olhos. Ele tocou meus lábios com um beijo e sussurrou,
segurando minha cintura:
— Você me faz querer ser um homem melhor. Eu me apaixonei por uma
mulher linda, doce e boa. Me perdoe se no auge da minha ira eu te fiz achar o
contrário e por não ter dito que confiava em você. Tudo o que mais quero é
ter você para mim, Julie... – Ele me roubou um beijo mais demorado e eu
ofeguei contra sua boca:
— E se você me magoar? – Eu perguntei, prendendo a respiração.
Ele olhou em meus olhos e jurou:
— Eu não vou. Eu definitivamente estou convicto de que não quero te perder.
– Ele deixou um beijinho no canto da minha boca e voltou a me fitar, como
se buscasse uma resposta minha.
Dei um soco em seu peito e o ameacei:
— Pareço boazinha, mas posso cortar suas bolas fora se partir meu coração
outra vez outra, sr. Clifford.
Ele sorriu de minha tentativa de parecer nociva, me puxou pela nuca e me
beijou. Intensamente.
E eu retribui. Com tudo o que havia em mim.
Apostando cegamente no amor.
Pois, afinal, não tínhamos garantia de nada. A única felicidade que
poderíamos ter como certeza era a que sentíamos no momento. Nosso único
trabalho era saber apreciá-la dando o devido valor, aproveitando cada
estação, saboreando cada fase e nos entregando aos bons sentimentos.
Minha história com Steve só estava começando.
E eu mal poderia esperar para amá-lo.
FIM
Epílogo
Steve
Abri a porta do apartamento, dando espaço para que Julie entrasse primeiro
Passei os olhos sobre aquela bunda gostosa, que ficava perfeita naquela saia
envelope, pensando que logo, logo ela estaria exposta para eu contemplá-la.
Puta que pariu. Que mulher maravilhosa! Julie não fazia apenas o meu peito
vibrar, mas também todo o tesão que havia em mim.
Os olhos doces dela tornaram me encarar após fazer uma varredura rápida
pela sala do apartamento e perguntou:
— Você vem frequentemente aqui?
— Pouco, confesso. Já morei aqui quando a Clifford ainda estava se
erguendo.
O apartamento era menor que o outro em que morava, mas também tinha
uma boa estrutura. Para conservá-lo, Meryl enviava uma pessoa duas vezes
por semana para fazer a limpeza.
— Construí muita coisa morando nesse apartamento. Por isso não consegui
me desfazer dele.
— Apego sentimental. – Ela concluiu.
— Isso. – Assenti.
Ela mordeu aquela boquinha gostosa e admirei atentamente do meu canto.
Julie se virou para mim e semicerrou os olhos:
— Eu quero conhecer o quarto. – Sua voz doce ficou mais densa, sensual. E
mal pude disfarçar o quanto gostei daquilo.
Ofereci minha mão a ela, que segurou firme.
Passamos pelos móveis monocromáticos da sala, caminhando em direção ao
corredor de paredes brancas. Abri a última porta, deixando que ela passasse.
Julie observou a mobília ao redor e olhou fixamente para a cama, me
deixando ansioso, ávido para despi-la e escutá-la gemer meu nome.
Ela se virou para dizer algo, porém, me adiantei em beijar sua boca, diria
devorar. Ela correspondeu, me deixando entrar e chupando minha língua de
forma obscena. Porra! Como queria que ela estivesse fazendo isso em outro
lugar. Minhas mãos se encheram com suas nádegas e apertei-as sem pudor.
Ela gemeu, provavelmente sentindo meu pau latejar contra sua barriga
enquanto eu comia sua boca.
— Gostosa! – Rosnei.
Afastei-me para desfazer os botões da camisa e assisti ela fazer o mesmo com
a saia azul Royal. Seus cabelos caíram para o lado, me dando vislumbre de
um perfeito anjo, e ela ficou apenas de calcinha e sutiã de renda rosa-claro.
Ela me fitou, com o peito ofegante, enquanto me livrava das calças. Puta
merda! Varri meus olhos por aquele corpo voluptuoso, os seios duros e as
coxas definidas. As sardas que se acumulavam no alto do colo. Tudo em Julie
parecia puro e celestial. E os raios solares que entravam pela janela ao lado
só realçavam ainda mais aquelas curvas perfeitas.
Aproximei dela, cravando meu dedo indicador na barra de sua calcinha,
vislumbrando sua boceta, de cima. O desejo pegava fogo em meu corpo. Meu
pau chegava a doer dentro da cueca.
Virei seu corpo, prendendo seus braços, de forma que ela ficasse de costas
para mim.
— O que vai fazer? – Ela perguntou com uma ponta de receio na voz.
— Provar minha namorada doce e gostosa. – Murmurei atrás do seu ouvido e
a deitei de bruços sobre o colchão.
Afundei meus joelhos, um em cada lado do seu corpo, e me inclinei para
frente para deixar um beijo molhado em suas costas. Senti ela estremecer.
Desfiz o fecho de seu sutiã e beijei ali também, passando a língua e
deslizando pela curvatura de sua espinha dorsal até chegar na fenda de sua
bunda gostosa. Desci a renda da calcinha pelas suas pernas e meti dois dedos
em sua boceta, que estava pingando de desejo, pronta me receber. Prendi seu
nervo rígido entre meus dedos e ela abafou o gemido no travesseiro.
— Geme para mim, meu amor. Eu quero ouvir seus gemidos.
Ela liberou a boca e rasgou um gemido alto e sonoro quando enfiei os dois
dedos em suas paredes, a estimulando. Suas pernas tremiam e eu tive a
impressão de que ela não aguentaria muito tempo e gozaria em minha mão.
Mas eu não queria isso. Queria vê-la se derramando comigo dentro.
Dei um passo para fora da cama e peguei um preservativo dentro da carteira
em minha calça e voltei para Julie, vestindo meu membro e depois
posicionando suas pernas para que pudesse me receber. Pincelei a glande em
seu ponto molhado e penetrei fundo, assistindo suas veias saltarem e um
gemido a rasgar.
Não me contive quando entrei nela. Ela apoiou os braços perto da cabeceira
da cama e comecei a estocá-la em uma cadência crescente.
Houve um ponto que nossos corpos se movimentavam em um ritmo perfeito,
rápido e duro, enquanto tinha um pouco de visão dos seus seios duros
balançando de frente para o colchão. Quando senti suas paredes vibrarem e
contraírem em meu pau, presumi que ela estava prestes a desabar. Ela chegou
primeiro do que eu e gozei logo em seguida, urrando.
Caí ao seu lado, ofegante e olhei para seu rosto doce, coberto pelo suor.
Minha nossa! Ali, parado, olhando para aquele anjo em forma de mulher era
como se eu tivesse o maior dos prêmios que o homem poderia ganhar. A
forma que ela me olhava, jamais ninguém me olhara antes. E provavelmente,
nunca cheguei nem perto de me sentir meu coração bombear daquele jeito.
Arrastei meu corpo para perto do dela e beijei sua testa suada.
— Sei que é cedo, mas eu te amo, Julie Evans.
Ela se aninhou em meus braços e sussurrou:
— Eu também te amo, Steve. – Ela ergueu o queixo para me encarar e
murmurou: — Muito!
Girei nossos corpos de forma que seu corpo ficasse encaixado sobre o meu e
a tomei pelos lábios mais uma vez. Eu queria mais. Muito mais dela.
Queria que ela sentisse que eu era seu, rendido por seus encantos como
mulher. Julie era o tipo de pessoa que qualquer cara queria ter por perto.
Simples e bondosa, mas havia algo a mais em sua essência, que não sabia
explicar com palavras. Com ela, eu me senti em paz, tranquilo, sem
necessidade de encontrar em outros corpos aquilo que já provei com máxima
perfeição.
Iniciamos mais uma rodada de sexo e passamos a tarde rolando sobre aqueles
lençóis. E, quando anoiteceu, tomamos banho demorado e passamos a noite
em meu apartamento com a outra dona do meu coração: minha carequinha de
riso irresistível. Com elas, eu me sentia perfeitamente bem, completo.
Como se minha vida tivesse sido renovada, ganhei a felicidade de graça nos
braços dela e da minha filha. Das minhas garotas. Desde agora, minha vida.
Bônus