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Quatro
Receitas irresistíveis
Foi o barulho do liquidificador que me acordou. Espremi os olhos
para afastar o sono, espreguiçando o corpo sobre o colchão. O
travesseiro ao meu lado estava abarrotado e a cama ainda estava um
pouco quente.
Ryker!
A fração de segundo que minha mente precisou para lembrar dele
foi o tempo exato que o resto do meu corpo
precisou para acompanhar e ficar
completamente desperto.
– Ryk? – chamei baixinho, correndopara o banheiro.
Ele não estava lá.Banheiro vazio.
Chuveiro vazio.Quarto vazio.
O liquidificador soou alto e estremeceu minha espinha.
Que horas são?
Eu queria correr para a cozinha, rezando aos céus para que Elise
não estivesse mais em casa ou eu ia ter que dar mais algumas
explicações. As necessidades fisiológicas do meu corpo, no entanto,
gritavam estridentes e eu precisei me trancar no banheiro
por alguns instantes.
Se Elise estivesse em casa, ela já teria visto Ryker. Era inevitável.
Algunssegundos a mais ou a menos não fariam diferença, de modo que
preferi prender os cabelos e escovar os dentes de uma vez.
Ainda usava a camisa comprida do Strome, propositalmente
comprada três tamanhos maiores do que o meu e o short lilás bem
curto do pijama. Abri uma fresta da porta para verificar os arredores
e preparar o que precisaria ser dito antes de sair do quarto.
Eu estaria mentindo se dissesse que aquela bunda linda não foi a
primeira coisa que vi.
Virou-se em uma das laterais da
cozinha americana, cortando coisas, mexendo coisas, colocando
coisas no liquidificador. Senti saudade disso: de assistir ao Ryker nu.
Apoiei o ombro na porta aberta, relembrando do Lucky’s. Ryker como
gigolô era uma ideia genial, mas ele como stripper era uma ideia
milionária. Eu pagaria para passar o dia assistindo àquela bunda na
minha cozinha. Àquela curva torneada sob a qual suas costas
acabavam. À entrância antes de os contornos da bunda darem espaço
para o começo das coxas fortes. Ao músculo rígido que ficava em
evidência a cada passo que ele dava.
Ele tinha encontrado o avental e o vestira por cima da nudez,
amarrando
as tiras vermelhas na metade das costas. Bastava ele entreabrir as
pernas e eu podia ver aquele membro maravilhoso flácido, balançando
pesadamente entre suas coxas. Puxou uma frigideira e vi o músculo do
seu braço se contrair.
Eu não sabia se isso acontecia com todas as mulheres, mas eu tinha
uma quedinha por músculos.
Mal podia ver qualquer desenho se formar sob a pele de Ryker
indicando a presença de um músculo poderoso e já imaginava como
ele poderia usar aquela parte do seu corpo para me comprimir,
apertar, esfregar ou espremer. E de preferência com força.
Percebi que estava mordendo meu
lábio inferior.
– Se vier até aqui, pode ver minha bunda mais de perto –
cantarolou, sem se virar.
Ri, lambendo os lábios.
Claro que ele tinha notado minhapresença.
– O que está fazendo? – Andei até acozinha.
– Café da manhã. – Piscou um olhopara mim.
– Ia levar pra mim na cama se eunão tivesse acordado? – brinquei.
– De jeito nenhum. – Fez uma caretasafada. – Você não merece.
– Por que não? – me ofendi.
– Me deixou duro e foi embora. – Passou geleia nas torradas. – De
novo.
– Sacudiu a cabeça em descrença. – Me prometeu que ia voltar
rápido, chupar meu pau e me dar a bunda.
– Mentiroso. – Revirei os olhos.
– E...! – reclamou alto, me interrompendo. – Demorou tanto que
eu dormi e aqui estou com pau que não foi chupado e diante de uma
bunda quenão foi fodida.
– Vai me deixar sem comer só por causa disso? – exagerei.
– Só por causa disso? Só? Você chama isso de “só”? Por que
demorou tanto com o jornalista, Bault? – Torceu o nariz.
– Lance é uma pessoa boa.
– Já ouvi essa parte. Pule para a parte em que você não transou
com ele
enquanto eu estava te esperando, nu,na sua cama.
– Não transei com ele. – Estirei a língua. – E só não me ofendo
porque já te conheço. Se não, batia essa frigideira na sua cabeça. –
lembrei.
– E fez o quê? – Ignorou-me e o ciúme era perceptível em sua voz –
Se não transou com ele?
– Fomos comer alguma coisa. – Roubei uma das torradas com
geleia.
Ele largou a frigideira ruidosamente sobre a pia.
– Pois eu venho aqui, te faço gozar com um vibrador, te lambo TODA
e ele é quem recebe a atenção e a comida. – Tomou-me a torrada e
enfiou-a por inteiro na boca. – Me diga de novo por
que eu devia ficar com você? – rosnou por cima das mordidas.
Mordi a linha do seu maxilar e enfiei a mão pela lateral do avental
acariciando sua masculinidade.
– Nem vem – reclamou, manhoso, mas não se afastou. – Você não
me engana com isso – sussurrou, fechando os olhos.
– Tudo bem – gemi. – Eu paro quando você pedir.
– Combinado – murmurou.
Movi a mão pela extensão do membro e seu joelho se dobrou,
levantando uma das pernas involuntariamente.
– Acho que estou aprendendo. – Mordi seu lábio.
Não sei se foi a brincadeira, a lembrança do nosso primeiro
encontro ou simplesmente a natureza, mas Ryker desistiu da gentileza
rápido demais e mal eu tinha terminado de proferir as palavras, ele já
tinha me devorado a boca e enfiado as mãos entre meus cabelos,
desfazendo meu rabo de cavalo.
Mantive a mão em sua ereção, sem usar muito força enquanto o
massageava.
– Aqui. – Lambeu minha boca e me entregou uma torrada. – Você
está começando a merecer.
Mordi a comida que me era oferecida, lambendo a geleia de seus
dedos. Ryk estava se esfregando em
mim. As únicas coisas que nos separavam eram o seu avental e meu
short. Nenhum dos dois apresentaria grande resistência.
E, como eu tinha previsto, rapidamente minha roupa se foi. Ou a
maestria de Ryker para despir uma mulher era impressionante, ou eu
já estava tão tonta de tesão que mal dei por mim enquanto minhas
roupas caíam no chão.
Suas mãos eram largas. Eu sentira falta disso. Aquelas mãos fortes
e imponentes guiando meus quadris eram garantia de um orgasmo bem
providenciado. E eu estava precisando de orgasmos. Sentira falta
deles também. A sua língua se empostou na
minha, experimentando o sabor de uva direto da minha boca. Puxou
meu joelho e apoiou uma das extremidades da minha bunda na pia,
empurrando minha canela para cima, me mantendo exposta. Eu sabia
para onde nós estávamos indo e adorava a ideia.
Meu corpo se jogou para trás até minha cabeça atingir a parede,
que passei a usar como apoio. Ryker segurava a espátula miúda e
usava-a para espalhar geleia de uva pela minha vagina. Mordi o lábio
com tanta força que era certo que fizera um corte ali. O frescor gelado
contra minha pele quente e a antecipação da língua que viria resolver
aquela contradição estava me enlouquecendo de tesão.
Mas ele não tinha acabado.
A espátula alcançou meus mamilos, cobrindo um deles com geleia…
e depois o outro. Ryker estava tão excitado que o avental não
conseguia mais ficar esticado; erguia-se como uma barraca firme e
robusta. Ele raspava a cabeça do pau em minha coxa. Eu observava
suas pálpebras caírem pesadas de desejo sempre que ele fazia isso, o
que só servia para misturar mais lubrificante natural à dose de geleia
em minha vagina.
Os dedos de Ryker estavam no pote e ele lambuzou meus lábios.
– Não coma – rosnou, seu corpo inteiro se contraía. – Quem vai
comer sou eu. – As palavras saíam de sua
boca de um modo forçado, como se manter a comunicação exigisse
cada gota de seu autocontrole. – Vou comer tudo. – A ponta de sua
língua se aproximou dos meus lábios e eu queria me esfregar na sua
ereção. – Vou tecomer todinha.
Ele me beijou, degustando toda a geleia que tinha distribuído na
minha boca, me alimentando de volta com meu gosto e seu sabor.
Uma misturaque me deixava embriagada.
A mão ao redor do meu tornozelo me puxou, ocasionando um
sobressalto. Ryker me colocou quase deitada. Sua mandíbula travada
daquele jeito faminto. Ele queria me deixar roxa, eu sabia que ele
queria… Queria me foder
do jeito que fazia quando perdia o controle: me pedia desculpas e
dizia que eu deveria pedir para ele parar se estivesse indo forte
demais.
Mas eu estava gostando.
Estava me acostumando com seu “forte demais” e me deliciando
com ele.
Eu queria que ele se soltasse. Que me engolisse por completo.
O frio se apossou de meu estômago quando ele emborcou um pouco
de sucono vale em minha barriga e sorveu-o direto do meu umbigo.
Enfiei as mãos em seus cabelos.
Eu sentia que Ryker não fazia nada daquilo por mim. Ele queria me
fazer gozar, claro. E conseguiria, quantas
vezes tentasse. Mas quando ele travava a mandíbula e me encarava
com aquela gula psicótica, eu sentia que não estava mais fazendo por
mim. O erotismo em servir de bandeja, para sua refeição, os
alimentos gelados na minha pele, as promessas obscenas
sussurradas… Nada daquilo tinha o objetivo de me deixar excitada
ou deme fazer gozar.
Era tudo a mais absoluta verdade: ele estava com fome e queria
comer em mim e depois me comer. Era o seu apetite voraz e
avassalador que não pouparia reféns. Ele ia me abocanhar e morder e
engolir. Ia beber o suco da laranja e o meu indiscriminadamente
porque considerava os dois igualmente
saborosos. Ia travar os dentes sobre meus mamilos quando
limpasse a geleia que lhes cobria. Ia me possuir ali, no meio da
minha cozinha.
E, naquele momento, ia fazer isso tudo porque me desejava. Não
porque queria me fazer gozar, mas porque eu podia fazê-lo gozar.
Receber prazer é espetacular. Contudo, ser o recipiente da luxúria
transbordante de outra pessoa fazia com que não houvesse
escapatória: eu me sentia gostosa.
Me sentia gostosa além do que qualquer palavra seria capaz de
descrever.
Era como ele conseguia fazer com que eu me sentisse. E fazia isso
sem
nem tentar. Ficava ali, me observando, me lambendo… e eu me
sentia uma delícia. Ele gemia com suas pálpebras caídas e eu ia à lua.
Sua língua desceu o percurso pelo meu corpo, bebendo mais do suco
que por ele escorria e eu soube que gozaria assim que sua língua
atingisse a região entre minhas pernas. Mas ele voltou a subir e a se
concentrar nos mamilos. Estava me provocando. Ganhando tempo,
talvez… Mas ele não precisava fazer isso. Eu estava mais do que
pronta para gozar e estar em um momento da minha vida em que
poderia reconhecer e antecipar um alívio como aquele fez com que eu
me sentisse ainda mais sensual.
– Ryk… – gemi, com os lábios
ressecados. – Vou gozar...
– Não vai, não. – reclamou com urgência, beliscando meu mamilo
e piorando a tensão na minha virilha. – Vai gozar só quando eu
deixar.
Deu dois toques no meu clitóris como se testasse as cordas de um
violão e depois levou o dedo médio à boca. Eu podia ver a geleia ali.
– Espere por mim – pediu.
Fechei os olhos com força e quis prometer, mas a verdade é que eu
não sabia sequer como tinha resistido àquele último toque sem me
desfazerem um orgasmo. O próximo toque seria fatal.
– Quero gozar dentro de você enquanto te ouço chegar lá
comigo –
implorou na minha boca. – Você geme meu nome tão gostoso
quando tá gozando, amor. – Eu não conseguia respirar. – Quero gozar
com som dos seus gemidos no meu ouvido. Deixa… – Ele se esfregava
em mim com fúria. – Por favor. – Suas palavras eram insanas como
um delírio. Encontrávamo-nos perdidos no prazer do corpo um do
outro.
Serviu o copo de suco na minha boca para me acalmar e eu bebi
dois goles. Gotas escaparam pelos cantos da minha boca, descendo
pelo meu pescoço e alcançando meus seios.
Ryker inspirou fundo antes de descer, fazendo sua língua perseguir o
suco.
Eu estava gemendo, suando e
tremendo.
– Camisinha – pediu e eu soube que ele não aguentava mais. –
Onde tem?
Eu arregalei os olhos em expressão do meu típico desespero e vi a
expressão de Ryker afundar.
– Você não tem camisinha?
– Ai, meu deus! – Eu ia levar as mãos à cabeça e começar a entrar
em desespero, mas Ryker estava cheio de tesão e não conseguia mais
esperar.
Ele me puxou pela perna e me virou de costas, pressionando minha
coluna para me manter curvada, apoiei meus cotovelos na pia com um
estalo.
– Ryker, não! – pedi. – Por trás, não.
– Mina... – Sua voz estava no meu ouvido. – Se você acha que eu
comeria
sua bunda sem seu consentimento, muito lubrificante e sem
responde às suas milhões de perguntas, está me confundindo com
alguém.
Enfiou a ereção entre minhas coxas e me forçou a prendê-lo. Sua
mão escorregou pelo meu abdome e atingiu meu clitóris. Não houve
penetração de dedos… não houve mão me agarrando por completo…
Havia apenas seus dedos, dedilhando meu clitóris como se
produzissem uma sinfonia. Diferentes dedos me tocando. Me fazendo
cantar. Até encontrar uma pressão, um momento.
Ryker fodia minhas pernas, atrás de mim, inclinando o corpo
contra o meu,
me apertando contra a pia com seu peso. Dedilhando seus acordes
no meu clitóris e arfando sem ar.
Eu estava gemendo seu nome. Sussurros baixos e apressados. Os
olhos fechados, entregues ao momento.
– Isso – implorou quando sussurros já não eram suficientes e eu
estava gritando seu nome. – Isso.
Seu queixo estava no meu ombro, oouvido alinhado para
escutar meusgemidos. Ele fodia minhas coxas, maise mais
rápido. Seus dentes se cravaram no meu ombro e o alívio tomou meu
corpo me fazendo perder a força naspernas. Ryker me agarrou pela
cintura.
Ele estava bem perto também, mas precisava de mais um pouco.
– Eu quero – gemi. – Ryk – rebolei, tentando me livrar de suas
mãos.
Me virei e beijei sua boca. Eu lia a confusão nos seus lábios. Ele
estava tão perto de chegar lá e eu escapei roubando seus preciosos
últimos momentos. Era quase decepção o que havia ali. Quase
frustração.
Até eu me colocar de joelhos diante dele.
Até eu tocar a cabeça do seu paucom a língua.
Até eu enfiá-lo na boca.
Eu era sua bandeja e ele tinha se alimentado de mim. Agora eu
queria me alimentar dele. E, pela minha vida, eu nunca quis tanto
experimentar uma coisa como queria agora.
– Mina… – ele disse, incrédulo, enquanto eu o mantinha na boca.
Não até a garganta, como ele impusera, mas fodendo minha boca e
minha língua devagar.
Ouvi um baque alto e ruidoso quando ele agarrou a pia com uma
força monstruosa. Seu quadril se movia ao meu encontro, mais
desesperado agora, na minha boca, do que há poucos instantes, entre
minhas pernas.
– Mina… eu vou gozar, amor. Sai… Sai… Sai… – Ele sequer
respirava.
Mas eu queria aquilo.
Não tínhamos conversado antes, como era nosso hábito, e Ryker
estava tentando dar um passo para trás para esporrar no chão da
minha cozinha.
Foi apenas quando eu o agarrei pelas bolas e o mantive na minha
boca queele entendeu minha intenção e aceitou.
Ele urrou, alto e delicioso. O líquido quente invadiu minha boca e
senti seu gosto. O reflexo de regurgitação chegou para a festa rápido
demais e eu acabei deixando sua ereção escapar e expulsar as últimas
gotas do seu esporro pelo chão da minha cozinha. Cuspi no chão,
tossindo para me recuperar.
Ryker jogou as costas contra os armários e escorregou até o chão
comose a vida tivesse fugido de seu corpo para sempre.
– Achei que você ia querer perguntar…
– O quê? – Ri, limpando a boca.
– Perg… Pergunt… – Ele não conseguia recuperar o fôlego e
abanou a mão em um gesto de “deixa pra lá” que me causou outra
risada.
Ryker Strome desistindo de me deixar com vergonha por falta de
forças.
Eu realmente devia ter feito umexcelente trabalho.
– É ele?
Puxou meu casaco, querendo olhar afoto.
Estreitei os olhos, focando no homem do outro lado da rua que
passava o braço pelos ombros da garota ruiva e a puxava de volta
para o prédio. Ele olhava ao redor, preocupado. Tentava desvendar os
perigos das sombras e, ao mesmo tempo, estava completamente alheio
aos verdadeiros riscos.
Olhei para a foto mais uma vez. Mesmo na penumbra, não havia
dúvida.
– Uspekh, camarada. É ele.
Cinco
Caminhos para retornar à casa
Monique estava de pé no apartamento, no meio da minha sala,
próxima à janela e eu desejei ter beijado Ryker na rua. Ela estava nos
assistindo… Pela minha vida, eu tinha certeza de que estava.
Tamborilou os dedos nos braços, revirando os olhos para mim
como se
quisesse gritar:“Acabou seu showzinho,
virgem?”
A lembrança de Spider tinha destruído um pedaço de mim e eu
quase esqueci que Ryker precisaria ser punido pelo comportamento
infantil. Um erroque eu não repetiria.
Eu entrei primeiro e ele me seguiu deperto.
– Está mais calma, Mina? – Riu, debochada. – Parece que ela
precisa de um pouco de vinho também, Ryk.
Ryker pegou a garrafa em cima da mesa e encarei sua nuca com
ódio.
Se você a obedecer e me servir uma taça dessa porcaria, eu estouro
a garrafa na sua cabeça.
Não duvide!
– Pode dar a minha para ela. – Monique indicou sua taça vazia. – Eu
e você dividimos a outra.
Chega. Eu dei um passo para a frente sentindo o rosnado subir minha
garganta.
Mas Ryker apenas a ignorou.
Ignorou-a tão completamente que foi como se ela sequer existisse.
Não era como se quisesse fazê-la se sentir mal, não era por vingança,
infantilidade ou mesquinharia. Era simplesmente um novo dia e
Monique não existia mais.
Ele apanhou a garrafa e seguiu para o meu quarto em silêncio. Eu
observei suas costas se afastarem ainda sem entender suas intenções.
Vi quando colocou a garrafa em cima da penteadeira. E aí meu olhar
se perdeu,
ao encarar as entrâncias pélvicas daquele abdome deliciosamente
malhado quando ele arrancou a camisa pelo pescoço, sem qualquer
cerimônia ou aviso. Piscou um olho safado para mim e fechou a porta.
Monique estava boquiaberta.E eu estava salivando.
Juro que queria ignorar Monique de propósito. Ela estava falando
algo. Talvez fosse uma crítica, talvez uma pergunta… e eu queria
sorrir para ela, revirar os olhos, dizer “é meu” e mandá-la sumir do meu
apartamento. Ou algo igualmente à altura…
Mas Ryker tinha tirado a camisa eminha língua estava formigando.
Estava na minha cama… segurando
aquele vibrador… revirando minhas gavetas em busca de alguma
camisinha esquecida… planejando qual era a próxima coisa que eu
precisava experimentar…
E Monique restou, totalmente esquecida e sem importância diante
das minhas perspectivas.
Eu queria ter debochado dela como ela fazia de mim.
Mas meus pés estavam me conduzindo rumo ao interior do quarto em
algum tipo de piloto automático e se Monique queria me dizer alguma
coisa, teve que ir embora querendo.
Naquele momento, ela também não existia mais para mim. A única
coisa que existia era Ryker.
E, quando ele tirava a roupa, raramente outros assuntos tinham
importância.
Zahner usou meu celular uma única vez antes de retirar o chip e
jogar tudo no lixo. Eu apenas confiei que suas atitudes fariam sentido e
me limitei a sentar no banco traseiro de seu carro ao lado de Ryker e
esperar que o ex- inspetor assumisse a direção.
Ele acelerou pelas ruas, deixando Paris para trás.
Escorreguei as pontas dos dedos pela
janela fria.
Estava indo embora de novo. Eperdendo mais um emprego.
Era melhor mesmo que Zahner me colocasse no programa de
proteção à testemunha dessa vez… Eu ia precisar de uma nova
identidade porque Mina Bault nunca mais conseguiria emprego em
lugar nenhum de Paris.
Eu estava preocupada com Elise. Minha melhor amiga no mundo e
eu ia fazê-la passar por aquilo de novo. Sem me despedir… A
diferença é que dessa vez não importava mais: meu rosto ia aparecer na
televisão e todo mundo ia saber o que tinha acontecido.
Pelo menos, a mentira ia acabar.
A viagem foi longa. Foi cansativa. E
em mais de um aspecto foi,principalmente, surreal.
Era surreal estar a caminho de Amsterdã de novo e era
especialmente surreal querer ir para Amsterdã. Há um ano, eu nunca
cogitaria fazer uma viagem como aquela com tanta resignação e até um
pouco de alegria. Euconfiava no pessoal do Lucky’s e seria ótimo rever
todo mundo. Tínhamos Zahner conosco dessa vez como nosso próprio
guia pessoal em assuntos da criminalidade. E, além disso, era um guia
armado. Já tínhamos passado por aquilo antes e sobrevivido. Eu já
tinha perdido meu emprego, eu já tinha arriscado minha vida. Já tinha
visto alguém morrer.
Eu estava preparada dessa vez.
Mais preparada do que jamaisimaginei estar.
E além de tudo… eu tinha Ryker. E ele me tinha.
Qualquer que fosse o problema, era sempre mais fácil encarar
quando ele estava ali: pronto para sorrir, me constranger e me deixar
excitada. Relaxei dentro do seu abraço e vi Amsterdã chegar.
Seis
Novos planos
– Eu ainda não entendi quem é esse Herbeck de quem vocês tanto
falam.
– Joanie! – Luckas pediu.
– Foi só uma pergunta! – ela se defendeu.
– Eu sei! E Ryker e Mina já concordaram que, desta vez, todo
mundovai ficar por dentro dos
acontecimentos… Mas a irmã dele já está chegando. Vamos segurar
as perguntas por alguns minutos para que ele não precise explicar tudo
duasvezes, sim?
– A gente já esperou quase um dia inteiro! Pode ser que ela entenda
essa parte bem rápido – Joanie reclamou, torcendo seu nariz afilado e
cheio de sardas. – Ele podia ir adiantando, caso eu seja mais lenta.
Quase um dia inteiro de espera e antecipação. Eu não sabia se
estava mais nervosa com a perspectiva de ser apresentada à irmã de
Ryker, que era uma das minhas autoras eróticas favoritas, ou ao
cunhado dele, o presidente da maior empresa
pornográfica do planeta e que parecia ser algum tipo de super-
homem que ele idolatrava.
Luckas ofereceu a Joanie uma careta de desagrado como resposta e
Devon inspirou fundo para dizer alguma coisa enquanto Ryker se
movia como se fosse pedir calma. Zahner estava sentado por perto,
prestes a entrar em ebulição, quando um barulho na porta
nos fez calar. Pela luminosidade na lateral do salão, era de se
imaginar que a porta estivesse aberta. Pude ouvir a voz de Brout
cumprimentando alguém, seguidapor uma voz
masculina intensa eprofunda. Prendi a respiração.
Os estalos do salto alto ecoaram pelo salão. Ela se aproximou e
entrou no meu
campo de visão primeiro.
Lexa Strome.
Tinha algo imperial no modo como ela se portava e se movia. Diante
de sua presença forte, que indicava que nada a poderia atingir, era
difícil acreditar que ela já tinha passado por um trauma. Os longos
cabelos loiros escuros lhe caíam até a cintura. Uma mistura de fios cor
demel com um castanho muito claro em cachos soltos, longos, pesados
e invejáveis. Sua elegância seria considerada esguia, não fosse pelas
curvas angulosas em todos os lugares certos. Sua saia justa descia até
os joelhos e perpassava a cintura, delineando o corpo inteiro. A camisa
de seda, metodicamente colocada por
dentro da saia, tinha as mangas compridas dobradas em três quartos.
Apenas um botão desatacado exibia o pingente delicado de seu colar
discreto, um pouco de pele e nada mais. Não havia decote a ser
exibido, não havia abertura na saia que comprometesse a integridade
das coxas. Ela era o símbolo da pureza com um gosto incompreensível
por sacanagem.
Talvez fossem os lábios que se entreabriam em um sorriso peculiar.
Ou os olhos. Um verde-azulado que lembraria com segurança o tom
dos de Ryker, embora os dele estivessem mais próximos do verde
enquanto os dela se agarravam ao azul.
Foi então que notei as semelhanças…
Não fosse pela cor dos cabelos: os dele permeavam um castanho
muito escuro e os dela eram uma mescla inusitada de tons de loiro.
Desconsiderando isso, eles seriam perfeitamente reconhecíveis como
membros da mesma família. Além da tez semelhante, os traços
sugeriam uma mesma ascendência, associados ao sorriso que eu não
conseguia exatamentedefinir.
Ela abriu o sorriso e os braços, e Ryker se levantou.
– Você deveria ligar com mais frequência. – Colocou o irmão mais
novo dentro do seu abraço e lhe ofereceu um beijo na bochecha que
ficouregistrado pela marca vermelha do seu batom.
– Não gosto de incomodar.
– Não seja bobo, Ry. – Recriminou-o com um olhar que seria
condescendente,se não exalasse carinho.
– Ahm, Lex. – Virou-se para mim comum sorriso. – Essa é Mina. Ela
é uma fã.
– Riu e eu tive certeza que a vermelhidão tinha assumido minhas
bochechas para sempre.
Eu me pus de pé com um solavanco eLexa me estendeu a mão.
– Como vai? – Seu sorriso era deslumbrante. Eu retribuí o gesto de
simpatia e já tinha a mão estendida no arquando ele se aproximou.
Seria impossível afirmar com certeza, mas acho que senti seu cheiro
antes mesmo de vê-lo. Percebi sua presença
antes mesmo de saber como era seu rosto ou me certificar de seu
nome. Havia algo na sua mera existência que me fazia tremer. Como se
ele fosse capaz de infectar alguém com uma perigosa dose de
feromônios por meio do ar que respirava.
Ele abriu um sorriso e eu esqueci quedeveria apertar a mão de Lexa.
Em cima de seus saltos altos e finos, Lexa deveria beirar um metro e
noventa. O homem atrás dela era levemente mais alto. Seu físico era
evidente mesmo por baixo de paletó e casaco. Sua barba clara estava
rala e por fazer. O maxilar quadrado e a expressão descarada. O loiro
de seus cabelos arrepiados era de um tom diferente dos de Lexa. Era
um
loiro mais claro e evidente. O tom de seus olhos também era
diferente… bem diferente… Um azul-claro que assumia uma
profundidade tectônica, provocando em mim um ardor que queimava
em locais bastante inapropriados.
Ele se aproximou mais do que eu poderia imaginar e já invadia meu
espaço pessoal quando tomou para si a mão que eu mantinha no ar
estendida para Lexa.
– Sven – sussurrou, antes de beijar meus dedos. – É um prazer
conhecê-la.
Por que ele precisava pronunciar apalavra “prazer” daquele jeito?
Seus lábios se foram dos meus dedos, mas ele ainda sustentava o
aperto em minha mão, com os olhos fixos nos meus
como se para prolongar a hipnose. E seja lá o que fosse… estava
funcionandoperfeitamente bem.
– Sven? – Ryker limpou a garganta e eu despertei com um estalo,
tomei minha mão de volta com educação. Mas meu captor não pareceu
se incomodar ou se constranger. Em vez disso, apenas aproximou o
rosto do meu e respirou fundo, como se pudesse me compreender
melhor pelo olfato. Nossos hálitos se misturaram e eu assisti à sua testa
se enrugar em uma proximidade perigosa.
– Virgem? – Ele estreitou um olho e eu entrei em pânico.
– Delvak! – Lexa estourou um livro contra suas costas e a hipnose
sequebrou. Eu dei um passo para trás e o
vi sorrir antes de tirar o foco de mim e levá-lo a outra pessoa.
Eu não era mais virgem, mas era consideravelmente inexperiente.
Mas como ele sabia? Como era possível saber? Pelo cheiro?
Virei o rosto para o lado, aproximando o nariz das minhas roupas na
altura do ombro e tentei fungar discretamente… Como era possível?
– Eu estava apenas dizendo “olá” – defendeu-se.
– Vá dizer “olá” para outra pessoa. – Lexa revirou os olhos e ele se
foi. Lucy estava de pé, o que era extremamente curioso.
Engoli em seco e recuperei o ar.
– Eu… sinto muito. – Meu rosto
explodia em um vermelho que me fazia arder de vergonha. Eu tinha
encarado libidinosamente o namorado da Dama Imperial do Erótico.
Que, por sinal, era minha cunhada. E tinha feito isso na frente do meu
namorado.
Ter Ryker nu era uma coisa boa, mas vou te contar… Fora isso, ser
eu era uma merda.
– Não se preocupe, querida. – O modo descontraído com o qual ela
sorriu me fez crer que tudo estava realmente bem. – Ele faz isso.
– E você não se incomoda? Oh, desculpe! – Levei a mão à boca
quando percebi que a pergunta indevida tinha escapado rápido demais.
– Não é da minha conta.
– Por que me incomodaria? – ela se limitou a responder.
Meu queixo caiu enquanto eu tentavaencontrar o sentido.
– Vocês… ahm… Ryker disse que você e ele…
– Não estamos juntos. – Ela puxou a orelha do irmão e Ryk chiou,
irritado. – Ry tem essa alucinação de que eu e Sven namoramos. Mas
não é verdade.
– Não tenho alucinação nenhuma. Vocês dois só tem problemas
paraassumir.
Ela poderia ter respondido. Poderia ter revidado e refutado. Usado
argumentos que pessoas normais usariam. Ou poderia ter ficado com
vergonha e fugido do assunto. Porém, em
vez disso, ela apenas o segurou pelo queixo e sorriu, encarando seus
olhos com cuidado.
Sorriu como se ele fosse uma criança muito pequena que não
entende absolutamente nada de sexo ou relacionamentos. Como se a
opinião dele sobre os dois temas servisse tanto quanto a opinião de
uma criança de doisanos sobre física espacial.
Nunca tinha visto alguém tratar Ryker assim. Ele sempre tinha sido o
deus-de- todo-o-conhecimento até onde eu sabia, e ver que havia
alguém no mundo que não apenas ficava mais à vontade com o assunto
do que ele, mas também era incapaz de se constranger com algo dito
por ele foi realmente uma boa dose de ar
fresco.
Eu me virei de volta para o grupo, tomando o cuidado de não fazer
contato visual direto com o senhor Delvak. Ele tinha acabado de
cumprimentar todos aonosso redor, de modo que só faltava Zahner.
– Gareth Zahner. – Eles apertaram as mãos com cordialidade. –
Interpol.
– Ah, então você é o incompetente?
– Como é? – rosnou.
– O incompetente – Delvak repetiu, sem problemas. – É você?
– Não me conhece o suficiente para fazer esse tipo de ofensa. –
Mordeu o lábio. Ele estava tentando ser educado, mas estava exigindo
tudo de si.
– Conhece a definição de
incompetência, senhor Zahner? Significa inabilidade. Inaptidão.
Incapacidade de realizar algo.
– Depende do contexto – Lexa assoviou baixinho, fazendo Delvak
interromper seu discurso, controlando uma careta de irritação. Expirou
fundo elhe ofereceu um sorriso de desagrado.
– Você quer falar por mim? –convidou.
– Acho que eu faria um trabalho melhor do que o seu na maior
parte das vezes. – Sorriu, absoluta, passando um braço pelos ombros de
um Ryker que claramente se divertia com a dinâmica entre os dois. –
Mas ainda estou matando as saudades do meu irmão. Pode continuar,
obrigada.
Delvak abriu um sorriso mais amplo de quem estava lutando para
ser agradável e se voltou para Zahner.
– Até onde sei, você era responsável por cumprir um acordo, que era
manter aqueles dois a salvo. E, até onde sei, você foi incapaz de
realizá-lo. Estou errado? – continuou.
– Não gosto de você. – Gary decidiu em alto e bom tom.
– Homens geralmente não gostam – sorriu. – A não ser que eles
sejam homossexuais. Neste caso, não conseguem se distanciar. – Ele
piscou um olho para Lucy e tenho certeza que a vi corar, o que não
fazia qualquer sentido.
Delvak despiu o casaco e, quando ele
desatou os botões do paletó para se sentar em uma das cadeiras perto
de Luckas, eu soube que ele era o tipo de pessoa impossível de
descrever.
O homem era sexo em um terno caro.
Sexo muito bom, por sinal.
– Então, moleque! – Riu para Ryker e ele foi se sentar ao seu lado.
Me puxou pela mão quando passou por mim. Sentei perto do meu
namorado e respirei fundo.
– O que houve? A parte de ter visto o Kulik matar alguém eu já
entendi. Explique o resto.
Ryker falou rápido e suave, poupando apenas os detalhes que
pertenciam apenas a nós dois e seriam irrelevantes a terceiros.
Começou repassando os eventos da primeira noite em Paris,
ignorando o motivo que nos unira naquela noite e eu lhe fui
profundamentegrata por isso.
Delvak e Lexa se entreolhavam em breves espaços de tempo,
aguardando a conclusão da narrativa que seguia com seriedade, mas
sem maiores problemas. Pelo menos, a cena se desenvolveu assim até
Ryker chegar na parte da ligação que recebeu na Itália. Ele fez uma
pausa para respirar fundo e algo na sua postura deve ter indicado a
Lexa e a Delvak que as más notícias se aproximavam.
A explicação daquela parte da história fez o clima no salão mudar.
Rykmurmurou, em meio a doses precisas denojo e fúria, a participação
de Simak no
nosso reencontro com os russos, a morte de Spider e o motivo de
estarmos fora do programa.
A menção ao nome do pai de Ryker fez Delvak cerrar as mãos em
punhos. Seu semblante alterou-se e o safado brincalhão tinha
desaparecido. Ele estava sério como o dia depois do Apocalipse e Lexa
apoiou a mão em seuombro, apertando-o em uma carícia de conforto.
Sven esfregou os olhos por dois segundos.
– Não vou te enganar, moleque. Você se meteu em um problema bem
sério.
– Eu sei. E detesto envolver vocês, mas…
– Deveria ter nos envolvido antes –
Lexa falou com intensidade. – No entanto, estamos aqui agora e
vamos resolver.
– Ela está certa – Delvak falou. – Não acontece com frequência. –
Sorriu e Lexa ofereceu-lhe a língua em resposta, suavizando o clima de
tensão ao nosso redor.
– Sven… – Ryker pediu devagar. – Não conhece algum policial por
aqui?
Delvak expirou sem pressa, antes de se recostar na cadeira.
– Conheço muitos policiais, garoto. Mas os conheci quando eles
estavam me prendendo. Esse tipo de coisa não é uma boa fundação para
uma relação deconfiança.
– Prendendo? – murmurei. – Você já
foi preso?
– Atentado ao pudor mais do que qualquer outra coisa – explicou,
gesticulando, como se não fosse nada. – Mas isso não importa. Não é
com a polícia que vamos resolver o problema desta vez.
Ryker fechou e abriu a boca como se não soubesse qual era a
intenção de Delvak.
– Nosso problema não é recuperar a reputação do agente Zahner
nem transformar vocês em testemunhas protegidas – suspirou. – O
verdadeiro problema ainda é o fato de vocês dois terem testemunhado
um chefe da máfia russa cometer um assassinato. Esse é o seu
problema que nunca foi devidamente
resolvido. Esqueça o resto! Esqueça o Herbeck e Simak – cuspiu o
último nome. – Esqueça o programa de proteção à testemunha ou as
politicagensda Interpol. Esqueça tudo. Seu problemaé que a máfia russa
quer vocês dois mortos. Suas opções, de acordo com a polícia, sempre
vão ser: morrer ou passar o resto da vida escondidos. Mas a polícia
nunca vai lhes contar que existe uma terceira porta.
Eu não tinha entendido. Contudo, pelas testas enrugadas, olhares
estreitos e narizes torcidos ao meu redor, tinha certeza que não era a
única.
– Sven… – Lexa pediu baixinho. Ao contrário do resto de nós, ela
tinha entendido perfeitamente bem.
– Vocês estão tentando encontrar a solução na lei. – Ele pegou a
mão que Lexa posicionara em seu ombro e a segurou nas suas, numa
tentativa de acalmá-la. – Mas as soluções da lei são uma merda! Agora,
nós precisamos procurar uma solução no crime.
Dizer que todo mundo começou a falar ao mesmo tempo seria uma
gentileza.
As pessoas estavam gritando. A começar por Zahner, que
transformousua gargalhada de escárnio em uma interminável sequência
de ofensas dirigidas a Delvak.
O baque alto fez todos se calarem mais uma vez. Lexa Strome tinha
dado um murro ruidoso em uma das mesas
com tanta força que foi difícil imaginar que ela não teria se
machucado.
– Calem-se todos! – ralhou. – Vocês estão aqui há meses tentando
resolver esse problema e não tiveram sucesso.
– Bem, alguns de nós… – Höfler começou.
– Silêncio! – ela rosnou e ele se calou de imediato. – Errar é
compreensível, só que persistir no erro é estupidez. O modo como
lidaram com tudo até agora foi ineficiente.
– Ou incompetente. – Svenacrescentou.
– Cale-se você também! – rugiu, e ele levantou as mãos em um
pedido de desculpas. – Nós vamos experimentar algo novo agora e eu
não quero ouvir
reclamações. Todos sabemos a gravidade da situação. Não é
brincadeira, não é festa. O que vai acontecer a partir de agora vai ser
ainda mais grave e só por optarem estar aqui, aqueles de vocês que
ainda não estão envolvidos, estão arriscando as próprias vidas também.
E eu não vou permitir que essa situação piore ainda mais por causa de
baderna e infantilidades. Sven tem um plano, vamos ouvi-lo sem
interromper, a não ser que tenhamos algo produtivo a acrescentar ou
uma crítica construtiva pertinente. Fui clara?
O modo assustador como ela se impôs deixou todos nós aflitos e
ávidos para concordar. Delvak esperou alguns segundos antes de ter
certeza que era
seguro continuar.
– O plano é tornar Yuri Kulik irrelevante. Dessa forma, mesmo que
elequeira matar vocês, não poderia fazer isso.
– E como você pretende fazer isso? – Zahner interrompeu e Lexa
ficou lívida.
– Porque nós temos tentado há anos e…
– Vocês têm tentando dentro das leis –Delvak lembrou. – Não preciso
fazer isso e posso ser mais criativo.
– Criativo? É outra palavra para “ilegal”? – Zahner não parecia
confortável com a ideia e eu não o culparia por isso. Pelo contrário,
senti- me aflita por ele. Não poderia ser fácil estar naquela situação: ele
era apenas um cara honesto que tentou nos ajudar e
que agora estava pagando por isso de todas as formas possíveis. Ele
queria nos manter a salvo e acabar com Kulik, certamente. Mas havia
muito mais em risco. Sua carreira, sua reputação. Sua vida...
Sven inspirou fundo como se Gary o deixasse exausto, mas Lexa
tocou seu ombro e falou por ele, talvez sentindo por Zahner a mesma
empatia que eu.
– Senhor Zahner? – ela chamou. – Qual solução o senhor vê? –
convidou, mais polida desta vez. – Procurar ajuda da polícia? Por que
eles acreditariam em qualquer um de nós? Colocar tudo na internet e
correr o risco de sermos todos assassinados ainda assim? Conseguir um
empréstimo e fugir para Bali pelo resto
de suas vidas? Qual é o seu plano?
Gary a encarou em silêncio. Eu vi sua postura mudar. Não era mais
defensiva eestressada. Ele estava considerando…
– Eu não sei – admitiu, finalmente. – Não sei. – Enfiou a mão nos
cabelos e eu senti por ele… O homem que sempre tinha um plano
estava completamente perdido e isso deveria ser mais difícil para ele
do que nós poderíamos compreender. Uma parte de mim desejouter sido
mais paciente com ele nos últimos dias. – Eu queria poder consertar a
situação – admitiu para si mesmo. – Mas não sei como. – Largou- se na
cadeira e apoiou a testa no punho. Foi aí que percebi que ele estava
disposto a escutar.
– Eu tenho um amigo. – Lexa se sentou ao lado do agente com um
sorriso simpático. – Ele dizia uma coisa muito interessante, senhor
Zahner…
– Gary – pediu. – Pode me chamar deGary.
– Gary – ela concordou com uma reverência breve. – Ele dizia que,
ao se deparar com um problema, a melhor coisa que se pode fazer é a
coisa certa. A segunda melhor coisa que se pode fazer é a coisa errada.
E a pior coisa que se pode fazer é não fazer nada.
– Não tenho certeza se estouentendendo aonde quer chegar. – Gary
expirou, cansado.
– Ela está dizendo que vocês já tentaram fazer a coisa certa. –
Sven
sorriu com simplicidade. – Porém, agora, está na hora de fazer a
coisa errada.
As pizzas demoraram a chegar, mas se foram em uma velocidade
impressionante. Espalhamos folhas de papel-ofício pelo chão de modo
a facilitar a visualização da parte da estrutura da máfia russa que
Zahner conhecia.
– Trabalhei nisso durante um bom tempo, Delvak, e é bom que sua
criatividade seja farta mesmo, porquenão vejo nenhuma alternativa.
– Não preciso de alternativas, Zahner.
– Ele tinha despido o paletó e a gravata. Arregaçou as mangas e,
mesmo que eu me amaldiçoasse para sempre, uma parte de mim
desejou que ele viesse me cheirar de novo. – Na verdade, nem
precisava desse seu resumo. Isso foi insistência da Lexa, pois é
escritora e tem essa mania de roteiros, mas eu já sei o que precisa ser
feito.
– Quer dizer que esse trabalho todo foi pra nada? – Lucy reclamou,
indicando as folhas no chão.
– Não importa quanto poder Kulik tenha. Sua influência, seus
conhecimentos, sua força bruta...
– Força bruta? – Devon se interessou.
– Homens e mulheres que trabalham para ele – Delvak esclareceu
antes de
continuar. – Nada disso importa porque tudo isso é sustentado por
uma mesma fragilidade absoluta: dinheiro. – Sorriu ao atingir o clímax
de sua explicação. Ao seu redor, o resto de nós permanecia em silêncio
e seu sorriso de conquista se transformou em uma careta de frustração.
– Sinceramente! Vocês não estão prestando atenção? Sem dinheiro, as
influências dele acabam, ele não tem mais como pagar o pessoal.
Mesmo seus conhecimentos e contatos seriam insignificantes por si só.
Tudo o que precisamos fazer é tirar o dinheiro de Kulik e ele se tornará
irrelevante.
– Então a gente vai roubar um mafioso? Em vez de matá-lo? – Tim
quissaber.
– Acho uma péssima ideia – Devon começou e logo Roy estava
concordando: – Com certeza! A gente não pode votar? Porque, se for
para escolher entre roubar um chefão da máfia ou matá-lo, acho que
matar é maisseguro.
– Vocês ficaram loucos? – Tonya levou a mão ao peito. – Não
vamos matar ninguém! É uma vida humana!
– O pobre coitado que Mina e Ryker viram ser assassinado também
era uma vida humana! – Roy lembrou.
– E ele matou a Spider!
– Foi ele quem matou a Spider? – Tonya arregalou os olhos e Lucy
travou os lábios, em fúria.
– Tonya, sinceramente, você precisa
parar de ficar lendo TMZ no celular e começar a prestar atenção.
– Shh, shh! – Sven pediu. – O plano étirar o dinheiro dele.
– Pensei que a gente ia votar. – Joanie olhou ao redor à procura de
apoio.
– É, eu voto por matarmos ele! – Roy levantou a mão e a
concordância se espalhou pelo salão. Delvak estava escondendo os
olhos atrás da mão e Zahner continuava com sua risada de desespero
como se tivesse certeza desdeo início que aquilo não ia dar certo.
– Eu ainda acho que toda essa gente não deveria estar aqui. – Gary
virou-se para nós.
– É bom que estejam. Vamos precisarde ajuda – Delvak decidiu.
– Gente, por favor! – levantei a voz. – Sei que todo mundo quer
ajudar e somos gratos pela preocupação. Já entendi que é uma questão
de honra para o clube por causa de… – respirei fundo – ... Spider. Mas
a gente precisa ser inteligente. O senhor Delvak parece ter um
entendimento melhor do que está acontecendo, então… vamos tentar…
sópor um segundo… ouvir?
Menos de um segundo depois do meu discurso, todos estavam
falando ao mesmo tempo novamente e percebi que minha razão não ia
alcançar ninguém.
Delvak e Zahner pareciam se encontrar nas imediações de uma
desistência, enquanto Lexa tentava atraira atenção de todos.
Entretanto, eu sabia o que ia funcionar. Peguei a garrafa de vodca
mais próxima e arremessei-a com força no chão. O vidro se espalhou
junto ao líquido transparente e todas as pessoas se calaram.
– Calem a boca! Ou ficam e escutam ou saem.
– Poxa, Mina – Roy chiou. – Precisava ter estragado uma garrafa
de vodca?
– E se derem mais um pio eu começo a quebrar as de tequila! –
esbravejei.
Meus colegas não pareciam felizes,mas estavam resignados e – mais
importante – calados.
– Tudo bem – Lucy aceitou. – Então, a gente vai roubar o chefão do
crime?
– Precisamente. – Delvak cruzou os braços.
– Isso não parece nem um pouco simples. – Ryker coçou a cabeça
olhando para a irmã.
Lexa tocava o lábio inferior com o indicador como se considerasse
uma possibilidade particularmente interessante. O grupo tinha
dúvidas quanto à estrutura representada nas folhas de papel-ofício e
Zahner seocupou de explicar.
– Delvak? – Lexa chamou baixinho, fazendo-o parar de rabiscar
alguma coisa em uma folha de papel para voltar sua atenção a ela. – Por
que não chamamos Lola?
Ele se apoiou sobre um cotovelo e,
embora fingisse considerar, estava claroque já tinha resolvido.
– Acho melhor a gente cuidar de tudodessa vez.
– Por quê? – perguntou, incisiva. – Vamos chamar a Lola! – Sorriu.
– É a ideia perfeita!
– Quem é Lola? – perguntei, observando Ryker que não aparentava
saber mais do que eu.
– Lola é uma pessoa... de conduta questionável. No entanto, é muito
boa noque faz. Sven já a contratou algumas vezes quando precisou que
algo delicado fosse feito.
– Tipo um assalto?
– Mais investigações. Eu espero – acrescentou, demonstrando seu
desejo
de que seu amigo não tivesse cometido alguma ilegalidade. – Por
que nãochamamos Lola? – repetiu, empolgada.
– Ahm… – Ele encarou o chão como se a resposta estivesse anotada
em um dos papéis aos seus pés.
– Sven… – Lexa murmurou com um tom de poucos amigos.
– Digamos que… – bagunçou os cabelos loiros com as mãos –
...talvez eu tenha transado com ela e, por um motivo que não foi culpa
minha – enfatizou, abanando as mãos com os olhos arregalados –,
tenha, talvez, esquecido de ligar para ela depois.
Lexa levou as mãos às têmporas e respirou fundo.
Eu achei que ela ia superar e seguir
em frente, como fez com Ryker. Todavia, desta vez, Delvak deve ter
ido longe demais e os tapas fortes que ela deu em seu torso, costas e
braços chamou a atenção de todos.
– SÓ VOCÊ! – bradou. – Para transar com uma espiã mercenária e não
ligar no dia seguinte! VOCÊ… – Lexa parecia pronta para espumar e
então se calou. Respirou fundo como se transcendesse e levantou um
indicador ameaçador para um Sven verdadeiramente assustado. – Você
vai ligar para Lola e vai pedirdesculpas.
– Não foi culpa minha…
– Nunca é culpa sua! – exclamou, sarcástica. – A vida é linda pra
você,não é mesmo, raio de sol? Nunca faz
nada de errado! E ainda assim o universo explode para todos os
lados. Vai ligar para ela, sim! – repetiu. – Vai pedir desculpas. Vai se
colocar à disposição dela para quantos orgasmos ela achar conveniente
– exagerou. – E vai pagar o que ela solicitar pelo nosso serviço.
– Lexie, você sabe como ela é. – Levantou os ombros. – Teimosa
como uma porta. E se ela resolver se vingar?
O lábio inferior de Lexa tremia de fúria.
– Um dia seu pinto vai apodrecer e cair! – amaldiçoou e ele levou as
mãos a virilha como um reflexo irracional. – Eu vou rir e dizer que foi
bem-feito. E nadadisso vai funcionar! – Apontou para os
papéis no chão. – Precisamos de mais informações sobre as finanças
de Kulik antes de sequer pensar em montar um plano.
O silêncio se espalhou pelo salão, com risadas baixas direcionadas
a um Delvak que só parecia ser capaz de calar a boca se por uma
ordem de Lexa.Mas eu não estava pensando na
interação dos dois… Estava pensando em um modo de obter mais
informações. Quem pode saber o que precisamos sobre Kulik?
Somente uma pessoa dedentro. Alguém da equipe dele. Mascomo
poderíamos saber quem é daequipe dele? E
como poderíamossubmetê-las a um cenário sob nosso
controle?
Uma imagem me vinha à mente. Uma memória, na verdade.
Nebulosa e distante a princípio, foi ficando progressivamente mais
palpável e definida. Eu sabia! Eu sabia como prosseguir a partir dali.
– Precisamos de alguém da equipe do Kulik. Alguém que possa nos
dar informações.
– Sim – Delvak sorriu. – Essa é a ideia. Tem algum plano em
mente, meu amor?
Pisquei diante do tratamento carinhoso e do mel que escorria de suas
palavras. Me senti gaguejar por um segundo ou dois, piscando os
olhos, tentando recuperar o foco.
– Mina? – Ryker me segurou pelo
cotovelo e consegui sentir o solo firme sob meus pés de novo. Ele
sorriu, amoroso. – Pare com isso, Sven – pediu.
– Ela se envergonha com facilidade. – Piscou um olho protetor para
mim e sorri com gratidão.
– Nós já recebemos homens do Kulikaqui antes! – afirmei.
– Quando eles mataram a Spider e levaram o Ryker? – Lucy
levantou uma sobrancelha. – Mina, não sei…
– Não só dessa vez! Teve outra ocasião. – Olhei para Tim,
sugestiva, e ele entendeu.
– Eu os trouxe! – lembrou. – Eles queriam ver a Tímida.
– Mais do que isso! – continuei. – Dessa vez, eles estão procurando
por
nós. Eles já conhecem esse lugar, foi daqui que nos tiraram antes!
Claro que eles devem pensar que seria estupidez buscar esconderijo em
um lugar que seu inimigo já conhece e não devem imaginar que a gente
estaria aqui… mas seria uma estupidez maior ainda não verificar esse
lugar, só por segurança.
– Eles vão mandar homens para comprovar se estamos aqui. –
Ryker meseguiu.
– Mas não podem fazer isso abertamente. Não podem mais mandar
um monte de russos invadir o lugar porque agora esse problema
envolve muito mais que uns capangas do Kulik. Agora, envolve a
Interpol, um senador, toda a máfia russa e sabe-se lá quantas
polícias locais.
– Precisam ser discretos. – Ryker já tinha entendido tudo. – Vai ser
arriscado
– murmurou.
– Mas é o melhor plano. Além da necessidade de averiguar a boate
de um modo discreto, será necessário um motivo.
– E eu posso lhes oferecer um motivo.
– Tim espremeu as mãos. – Posso perder dinheiro no jogo e lhes
convidar para ver a Tímida como pagamento da minha dívida, como da
última vez.
– Tim vive se metendo nessas. – Ryker bateu uma mão na outra. –
Com todo o respeito – acrescentou para o amigo. – Eles não vão
suspeitar.
– E quando eles chegarem aqui – eu ri
– nós estaremos à sua espera.
– Eu não faço a menor ideia do que seja a Tímida. – Sven balançou
a cabeça. – Mas estou adorando tudo.
– Só tem um problema nesse plano. – Ryker se virou para mim,
enquanto o resto da gangue comemorava nosso primeiro avanço. –
Para que eles venham até aqui, precisam estar bem interessados.
Precisa ser algo que valha a pena para eles, para que aceitem como
pagamento do Tim. Vamos precisar gerar curiosidade sobre o show.
Tudo denovo.
– Eu sei. – Engoli em seco e levantei meu queixo com o máximo de
resolução que consegui reunir. – Parece que vou precisar ficar nua no
palco de novo.
Sete
Coisas erradas para se dizer
Acenei devagar para Valerik e um meio sorriso arranhou seu rosto
rude, maltratado pelo sol e pelo gelo. Era o moleque que o senhor
Kulik queria vivo e a menina que o senhor Kulik queria morta. Eles
foram imbecis para voltar ao mesmo lugar onde haviam sido
capturados da outra vez.
E ainda por cima tinham nos oferecido um pequeno show antes de
se separarem para sempre. Era poético, de certo modo. Um último
adeus.
Eles se dirigiram para os bastidores quando o show acabou e eu
lancei um olhar de volta para o bar e para o inspetor da Interpol,
curvado sobre o balcão e seu oitavo copo de vodca desde que
chegáramos. Ou pelo menos, deveria ser o oitavo. Eu tinha perdido a
conta em algum lugar perto do seis. E, pelo olhar bêbado em seu
rosto, o agente Zahner deveria ter perdido a conta também.
Ele não seria um problema para nós. O que também era poético, já
que também não pretendíamos ser um
problema para ele. O garoto Strome desapareceria. A garota Bault
ficaria morta para trás. A polícia holandesa seria acionada e chegaria
em suas bicicletas, pedalando velozes pelos becos estreitos e ruas
entre canais e encontraria um ex-agente desertor procurado
internacionalmente sobre o corpo ensanguentado da jovem parisiense
que ele sequestrara.
Simak e Kulik respirariam aliviados. Simak bradaria a todos os
pontos cardeais que jamais desistiria de buscar seu filho enquanto
Kulik o manteria sob seus cuidados como eterno refém… Vantagem
sobre um político influente.
Justiça poética.
Bem… talvez não justiça.Mas poesia.
Ordenei à garçonete que trouxesse a conta. Levantaria apenas
depois de pagar, atraindo o mínimo possível de atenção e acabaria
com tudo aquilo.
O garoto teria que ser forte, mas a garota… a garota ia receber a
partefácil.
Não é difícil morrer nesta vida, é o que Maiakóvski diria, viver é
muito mais difícil.
Oito
Jogos de sedução
Eu desci com o queixo erguido na manhã seguinte. Demonstrar a
vergonha que eu sentia não ia me ajudar em nada e, por mais estranho
que pudesse parecer, eu estava mais incomodada com o fato de Ryker
não ter me acordado pela manhã do que com o fato de toda aquela
gente ter me visto durante uma intensa sessão
de sexo.
– Por que não me chamou? – Belisquei seu braço.
– Você parecia cansada. – Sorriu de maneira breve e inquieta. Eu
conhecia aquele sorriso. Algo estava errado.
Muito provavelmente, era só porque ele tinha declarado seu amor
por mim e eu o tinha feito desistir disso como uma bruxa sem coração.
Muito provavelmente.
Nós íamos precisar conversar sobre isso.
Eu não estava particularmente ansiosa por esse diálogo, mas seria
necessário.
Depois.
Porque agora, Delvak estava explicando as informações que
ele tinha
adquirido dos russos.
– Como você descobriu isso tudo? – Zahner torceu o nariz.
– Você não vai querer saber.
– Foi o seu amigo japonês, não foi?
Quem é o cara, Delvak?
– Não tem importância agora.
Sven tinha transformado o salão principal da boate em uma sala de
reuniões. Um quadro branco apoiado precariamente contra um dos
poles era ofoco de todos nós.
– O importante é que conseguimos duas informações bem
importantes! – ele rascunhou o número “1” no quadro, seguido de
palavras resumidas. – Uma das principais bases de Kulik é aqui em
Amsterdã por causa de uma pessoa
muito importante: seu contador. Dois! – Rabiscou o número e mais
algumas palavras… Eu estava me sentindo presa em alguma franquia
de George Clooney.
– Ele usa os seus restaurantes de fachada para muitas de suas
operações.
– São as duas informações mais aleatórias que eu já ouvi. – Gary
coçoua cabeça.
– Os dois homens que a gente… conheceu ontem não fazem parte
do círculo íntimo do mafioso, agente Zahner, eles só puderam oferecer
informações mal ouvidas.
– E eles traíram Kulik assim tão rapidamente? A gente vai apenas
confiar que eles não estão nos enganando? – Lucy soou preocupada.
Com razão. Sua
lógica fazia bastante sentido.
– Kulik não mandaria homens de confiança para cá. – Zahner deu
de ombros.
– Por que não? – eu quis saber.
– Porque não é seguro. Você e Ryker são assunto quente no
momento. Kulik está procurando vocês como um maluco, mas não pode
ser visto perto de vocês. Homens de confiança geralmente podem ser
vinculados a ele pelos arquivos da polícia. Mesmo que não
oficialmente… Mas nós, que o perseguimos há mais tempo, temos uma
longa lista de associados próximos. Ele precisaria mandar rostos novos
atrás de vocês.
– Mas será que eles não têm medo do Kulik? – Nila interrompeu. –
Medo pode
ser um argumento mais forte que lealdade.
– É por isso que a gente precisou encontrar alguém de quem eles
teriam ainda mais medo. – Delvak concluiu com um sorriso.
– Seu amigo japonês. – Zahner rosnoue eu tive certeza de que aquele
tópico o incomodava imensamente e que se tornaria, então, recorrente
em nossas vidas.
– Se a gente conseguir encontrar esse contador, podemos obter
informações importantes. – Ryker se inclinou, estava sentado quase na
ponta da cadeira. Não tinha me tocado uma única vez. Desviei os olhos
de sua figura e encontrei a de Lexa. Seu olhar me perfurava com um
brilho que era todo seu. – Sabemos algosobre ele?
– Sabemos várias coisas sobre ele. – Delvak piscou um olho. – No
entanto, as mais importantes são seu nome, seu sobrenome e um lugar
que ele frequentaassiduamente.
– Algum clube de sexo pervertido e estranho, não duvido – Zahner
acrescentou. – Por que criminosos precisam ter esses gostos bizarros?
– O que diabos você chama de “sexo bizarro”? – Delvak pareceu
ofendido.
– Meninos! – Lexa reclamou. – Agora não é hora. Precisamos
encontrar um jeito de conseguir as informações de Viktor Trummer –
ela ter mencionado o nome do contador com tanta
naturalidade me fez imaginar que deveria ter discutido o plano com
Delvak antes de terem decidido apresentá-lo. Eles eram uma dupla.
Uma dupla bem peculiar e esquisita, mas funcionavam juntos. Assim
como eu e Ryk. Fitei meu namorado com o canto do olho, observando-o
a distância…
Ou… pelo menos, como eu e Ryk costumávamos ser.
– Alguém pode resumir o plano? – Tonya pediu.
– Pegar as informações do contador e fechar os restaurantes do
Kulik. – Delvak deu de ombros. – Dificultamos suas operações e
pegamos mais informações que levem ao dinheiro que queremos
roubar ou fazer desaparecer.
– Assim, ele vai ficar pobre e desarmado. – Zahner suspirou.
– Lex? – Ryker chamou. – Conhece alguém da vigilância sanitária
para fechar os restaurantes?
– Não. – Ela lambeu o próprio sorriso. – Conheço a próxima
melhorcoisa: todos os críticos e comentaristas da mídia local.
– Vai destruir a reputação dos restaurantes dele? – Eu estava
admirada.Ela apenas sorriu em resposta.
– Só isso não vai funcionar – Nila avisou. – Tim nos deu a lista dos
locais dos russos que ele conhece. Um ou dois são locais chiques que
vão sentir o impacto da má publicidade… mas o resto é um monte de
buracos imundos…
– É aí que o Zahner entra. – Delvak piscou um olho para ele. O
agente da Interpol apenas sorriu e acenou. Eu não identifiquei qual era
o plano, mas eles claramente tinham um e preferi confiar que, se
aqueles dois finalmente tinham se entendido, deveria ser um bom plano.
– Quando pode ir encontrar seus amigos críticos? – Zahner
perguntou.
– Agora mesmo, só preciso trocar duas palavras com meu irmão
antes. – Ela se levantou e Ryker a encarou, confuso.
– Tudo bem! – Delvak bateu as mãos.
– O resto de nós se concentra em achar um modo de arrancar
informações de umcontador em um bar.
Mina não soltava minha mão. Eu não saberia dizer se era apenas por
causa do receio criado diante da situação recente ou se por causa de
toda a situação de confissão de sentimentos e mais toda
aquela merda.
– Vai conseguir. – Encarei seus olhos,transmitindo segurança.
Eu queria me manter minimamente afastado. Eu a amava. Não era
recíproco. Minha cabeça girava em turbilhões inconstantes,
principalmente depois de minha conversa com Lexa. Será que ela
estava certa? Será que eu nunca tinha conseguido ver o amor com bons
olhos? Ou era só sexo?
Não… Eu cedi ao que sinto por Mina, não foi? Admiti tudo. Eu não
poderia fazê-lo se Lexa estivesse certa.
Mina espremeu os lábios, nervosa, e eu quis me manter distante.
Mas era difícil. Era quase impossível.
– Ryker – murmurou muito séria. – Da
primeira vez que tentei te seduzir, acabei te causando um choque
anafilático.
– E espremendo minhas bolas no punho, não esqueça essa parte. –
Sorri diante da lembrança. Eu não conseguia me manter apático com
Bault.
– Pois é! Esse plano está fadado ao fracasso! A gente tem mais
chances de seduzir o contador se colocar você em um vestido e saltos.
– Não zoe comigo, Bault. Eu consigo fazer um vestido e saltos
funcionarem muito bem, ouviu? – brinquei, fingindo arrogância e ela
riu. – Você vai conseguir. – Apertei sua mão. – Vai dar tudo certo.
– Como pode ter tanta certeza?Eu não tinha certeza…
Senti um meio sorriso atingir meu rosto junto com a ideia.
– Finja que sou eu. – Levantei o ombro. – Finja que está falando
comigo e querendo me convencer a fazer algo.
– Eu sou péssima em te convencer. – Levantou uma sobrancelha e
eu soube que ela estava gostando da ideia.
– Faça isso e vai dar certo – prometi.
Mina acenou devagar e nos perdemos em silêncio, presos um ao
olhar do outrodurante alguns segundos que passaram rápido demais.
– Está distante porque disse que me amava e eu não respondi? –
sussurrou, como se cada palavra doesse para sairda boca.
Um nó se atou na minha garganta,
naquele local inconveniente bem abaixoda glote.
– Não é uma boa ideia fazer isso agora.
– Ryk, diante da nossa atual situação em que cada dia pode ser o
último, achoque o melhor momento é agora – lembrou.
Sentei na cama, expirando. Cotovelos sobre os joelhos, afundei meus
dedosnos cabelos.
– Sempre achei relacionamentos tão simples – confessei. – E, de
repente,ficou tudo tão complicado.
– Relacionamentos sempre foramcomplicados. Sexo que é simples.
– Sentou–se ao meu lado, tocando meu joelho e eu abaixei os braços
para
observá-la. – Quer dizer… – Arregalou os olhos. – Pelo menos para
um de nós.
– Me fez rir.
Eu queria levar a mão à sua bochecha e tocá-la. Queria acariciar seus
braços, colocá-la no meu colo e beijá-la a noite toda.
– Por que precisa ser tão complicado? – suspirei.
– Porque a gente nunca sabe o que a outra pessoa está pensando. “É
de verdade? Ele está me enganando? Ele está se enganando?”… Se eu
soubesse tudo que está na sua cabeça e você soubesse tudo que está na
minha seria mais simples.
Sua explicação me divertiu.
– O segredo para um relacionamento
saudável é a telepatia, então? Por que não me avisou antes, Bault? –
Estreitei os olhos.
Ela mordeu o sorriso, sustentando meu olhar como se arquitetasse
um plano.
– Vamos fazer assim. – Ela se levantou e pegou o despertador na
cabeceira. Girou os ajustes na parte de trás e colocou o relógio sobre a
cama antes de se sentar. – Quinze minutos de absoluta honestidade.
– Do tipo: como eu gosto que uma mulher me chupe?
Ela fez uma careta para minha brincadeira.
– Acho melhor eu começar – decidiu.
– Mina… – Coloquei minha mão
sobre a sua antes que ela ativasse o alarme. – Tanta coisa pode dar
errado nesse seu plano.
– Ryker. – Ela assumiu a coragem queeu não tive e sua mão estava no
meu rosto, espalhando eletricidade pela minha bochecha. – Você mal
olhou para mim hoje. Eu quero saber por quê – decidiu. – Só quinze
minutos. Eu digo tudo. Você diz tudo. Sem medo ou julgamento. E,
quando os quinze minutos acabarem, a gente finge que nada aconteceu e
segue a partir dali.
– Quinze minutos?
– É menos tempo do que a gente passou no palco. – Sorriu.
– Mas suspeito que vá ser bem menosdivertido. – Suspirei.
Não tive tempo para me preparar ou sequer respirar fundo: Mina
apertou o botão e a contagem regressiva começou.
– Eu te amo – ela confessou e eu tremi. Cada pedacinho de pele
vibrava de acordo com as batidas pesadas do meu coração. – É assim
que me sinto. É assim que eu acho que me sinto. – Balançou a cabeça.
– Mas eu tenho medo. Tenho medo porque a gente se conhece há
pouco tempo e tudo aconteceu de um jeito muito conturbado. Tenho
medo porque você é uma das pessoas mais descaradas que eu conheço.
Top 5 – afirmou, tentando não sorrir. – Não tenho sequer certeza se
você sabe o que é estar apaixonado por alguém. E se você estiver
confuso? E se
for apenas a intensidade de toda essa situação? Eu digo que te amo
também, você me beija, a gente faz amor e esqueço que o mundo
existe. E depois? E depois do sexo? E depois da máfia russa e da boate
de striptease? O que sobra pra mim? Antes, você tinha a novidade da
caça pela minha virgindade. – Arregalou os olhos, defronte à escolha
de palavras. – Teve a emoção da separação, do reencontro, da trama e
do risco de vida… mas e quando isso acabar? Se a gente ainda estiver
vivo… você vem pra Paris comigo? Eu fico em Amsterdã com você?
Você vai continuar se prostituindo? Porque, sinceramente, não sei
como me sentiria com isso. Você
abriria mão do seu jeito moleque- safado-garanhão e stripper por
mim? Seus rendimentos como garoto de programa? Ou desistiria de
mim? Desistiria daqui a uns meses assim que eu estivesse
completamente apaixonada por você? Admitir torna o sentimento mais
real e tenho medo dessa realidade, Ryker, porque você é sempre tão…
imprevisível – gemeu e eu senti sua angústia. – Eu gosto de controle.
Você sempre soube disso! E com você… com você não há controle
nunca! Transei na frente de um monte de gente ontem mesmo! –
exclamou. – Eu gosto do modo como você me faz sentir. Eu amo! Mas
isso tudo pode dar tão errado. Você achamesmo tão incompreensível e
tão…
inaceitável… que eu tenha resolvido tomar um pouco de cuidado
com meu coração?
Sua pausa se prolongou e eu suspeitei que era minha vez. Esfreguei a
palma contra a testa, lutando bravamente para puxar as palavras para
fora.
Se ela fosse em algum aspecto como eu, estaria entrando em
desespero diante do meu silêncio a qualquer segundo. Seria ela a ficar
com raiva e me ignorando, dessa vez.
– Calma. – Entrelaçou nossos dedos, me surpreendendo. – Não é
uma prova.
– Seu sorriso me enchia de paz. Ela era maravilhosa: toda ela. Seu
jeito, sua personalidade, sua voz, seu sorriso, sua beleza. – Não tem
resposta errada.
Apenas diga a primeira coisa que vier à sua mente.
Eu sabia exatamente o que estava na minha mente.
– Sou mais inseguro do que você – meu sussurro mal se fazia ouvir.
Senti seu toque em minha mão hesitar, confuso. – Acho que por causa
do modo como a gente se conheceu e do lugar onde a gente veio parar.
Acabamos reduzindo tudo a sexo, não foi? E aí você me considerou
autoconfiante e eu te considerei inexperiente e foi isso. Mas a vida é
muito mais que duas pessoas nuas e suadas em uma cama. Ou no sofá.
Na cozinha… – Tentei lembrar.
– Em um palco…
– Ryk… – Riu, baixinho.
– Lexa me chamou para conversar hoje mais cedo.
– Eu vi.
– Ela me disse muitas coisas que eu odiei ouvir, mas… acho que ela
tem razão. Simak foi… – Passei os dedos na linha dos meus cabelos…
Minha visão se embaçou e eu senti que poderia chorar. Qual era o meu
problema? – Nãotive uma boa infância. – Decidi usar outras palavras e
o mundo voltou a entrar em foco. – Acho que passei minha vida inteira
fugindo do homem que eu temia me tornar. Acho que exagerei e…
acabei me forçando a ser algo completamente diferente.
– Algo como o Delvak?
– Talvez. – Me permiti respirar fundo.
Eu conseguia fazer isso. Eu conseguia desabafar e abrir o jogo. Não
teria conseguido com Lexa. Mas com Mina sempre foi diferente. –
Sexo foi simples. Ser garoto de programa, ser stripper, reduzir minha
interação com mulheres a sexo, mesmo em relacionamentos mais
longos como foi com Skye. Eu não precisava pensar. Não precisava
encarar o medo ou a insegurança. Não sei por que foi diferente com
você, mas foi. Consegui contar sobre o que aconteceu com Simak e
Lexa pela primeira vez na minha vida e… foi bom. Com você não era
só sexo. Apesar de ter muito sexo. – Agora era ela quem ria. – Eu
confio em você. Sinto como se tivesse alguém comigo. De verdade.
Alguém que gosta
de mim e que… não sei… Eu sempre estive sozinho e quando você
apareceu, pode ter sido rápido, mas… de repente eu não me sentia mais
só. A cada dia quepassa eu gosto mais de você. – Comprimi sua mão. –
Mas você está certa, Mina. É amor? Não sei. – Dei de ombros. – Acho
que é… O que eu te disse foi só… foi natural – decidi. – Só escapou.
Eu não estava pensando no futuro, nem fazendo grandes conjecturas.Foi
só uma constatação. Algo que eu tive vontade de dizer. Espero que
você não me entenda mal, mas eu me arrependi.
– Se arrependeu? – Seu olhar caiu e segurei suas duas mãos com
força.
– Não porque meu sentimento mudou,
mas porque você está certa de novo: é complicado demais.
Principalmente na nossa situação. Você me fez um monte de perguntas e
eu… não sei responder metade delas. E acho que você também não
saberia responder se eu te perguntasse coisas parecidas. Acho que a
gente… precisa conversar. Mas não agora. Quero dizer… Se a gente
morrer amanhã, não faz diferença a gente ter decidido morar em Paris
ou Amsterdã, não é? – lembrei, as articulações dos dedos pelo seu
rosto.
– Faz sentido.
Acenei devagar. Ela sorriu. Puxei sua nuca para mim e beijei sua
boca.
Soltei o beijo e Mina me deu um último selinho que estalou bem
alto.
Meu sorriso se abriu, imenso.
Ela me abraçou e nós deixamos os minutos restantes escorrerem
devagar. Raspando meu nariz no dela até o alarme soar estridente e ela
se mover, rindo, para desligá-lo – Não doeu, né?
Puxei sua cintura e deitamos na cama, um de frente para o outro,
mantive sua mão na minha, tocando seus dedos com carinho.
Vivi minha vida toda um dia de cada vez.
Mina foi a primeira pessoa na minha vida que me fez querer pensar
em termode “anos”.
Era por isso que era diferente comela.
Sem saber, ela tinha me feito encarar
os traumas da minha infância a fim de superá-los. Enfrentar o fato
de que a vida nem sempre dá o que a gente quer: às vezes ela nos dá
uma mulher que a gente ama e que não responde a declaração no
mesmo segundo. Ou nos dá um pai violento e uma irmã vítima. Nos dá
impotência e nos mantém presos,impossibilitados de nos defender ou de
acolher as pessoas que amamos.
– Vem cá, eu quero te beijar de novo
– pedi.
Ela me beijou, e meu sorriso sedesfez em uma risada deliciosa.
– O que foi? – ela quis saber.
– Não, não – brinquei. – Seus quinzeminutos acabaram.
– Ah, isso é fácil de resolver! – Ela
se esticou na cama, brincalhona, procurando o relógio mais uma vez
e eu a segurei pela cintura. Fiz coceguinhas em suas costelas,
informando-a de que ela estava roubando.
– Me conta! – pediu. Eu sentia nossos hálitos se misturando e soube
que eu nãopoderia negar.
– Tem uma autora de que minha irmã gosta muito. Em uma
passagem de um livro dela, há uma citação que Lexa ama. Essa autora
diz que muitas pessoas passam a vida inteira hibernando. Você se
levanta da cama, vai trabalhar, acha que está fazendo tudo certo na
vida… Aí, um dia, algo simplesmente acontece e você acorda. Percebe
tudo que estava fazendo errado. Tudo que era sem
sentido. Tudo que você quer mudar. É meio louco ver assim. –
Mantive Mina bem perto, sua testa contra a minha. – Mas acho que era
isso. Eu estava hibernando. E você, com esse seu jeito maluco, sem
querer me fez repensar minha vida inteira. Acho que é por isso que eu
te amo. – Sorri e a beijei rapidamente. – Mesmo que dê errado, mesmo
que você quebre meu coração ou eu quebre o seu: eu sempre vou te
amar. Vou te amar porque, sem você, eu teria passado minha vida
inteira alheio a mim mesmo. Vou te amar porque foi você quem me
acordou.
– E espremi suas bolas no punho! – lembrou.
– Claro! Não podemos esquecer essa
parte. – Girei sobre ela. – Qual o homem que não se apaixona por
uma mulher que o deixa infértil?
– Ei! – Delvak estava na porta – Temos que ir ao hotel, para pegar
um vestido da Lexa para Mina. Vai ajudar no elemento sedução –
explicou. – Estãoprontos?
Mina revirou os olhos e se esticou para encarar Delvak.
– Acho que a gente ia transar, mas você interrompeu tudo!
Eu gargalhei muito alto diante de sua ousadia.
– Ah, nesse caso eu espero. – Ele piscou um olho.
Mina beijou minha bochecha, antes dese levantar.
– Controle-se, Delvak – sugeriu, passando por ele. – Ou peço pra
Lexa te dar uma surra quando ela voltar – desafiou e eu arregalei os
olhos em descrença.
A vida é assim… Te dá traumas, uma infância horrível repleta de
abusos e uma rotina de fugas. Aí, um dia, ela chega e te oferece uma
Mina também.
Eu sorri ao assistir à minha namorada e ao meu amigo descerem as
escadas enquanto trocavam ofensas e elogios de duplo sentido. Eu não
estava mais sozinho. Talvez nunca tivesse estado. Talvez tivesse sido
apenas uma opção. Talvez eu estivesse fugindo tão rápido que nunca
parei para notar os amigos e família que se dispunham ao meu redor e
que buscavam me alcançar.
Mas agora eu tinha acordado e estavapronto.
Agora eu não era mais impotente. Podia me defender e podia
defender as pessoas que eu amava.
Eu finalmente tinha compreendido quea vida não é apenas uma vadia
nojenta. Ela joga coisas horríveis para cima de você? Sim. Mas então,
quando você menos espera, ela entra em um quarto de hotel, disfarçada
de uma cliente virgem,e te dá um presente maravilhoso.
Nove
Detalhes para um roubo bem
planejado
Sven entrou na boate fazendo barulho e eu ainda estava com um
pouco da dor decabeça da noite anterior.
– Onde está? – perguntou a Ryker.
– Zahner? Ele já foi. Assim que os jornais saíram com a denúncia.
Acha que vai funcionar?
– Vamos esperar que sim. Foi trabalho demais para que não dê
certo.
– E o telefone? – Ryker quis saber.
A boate estava muito cheia e sempre tinha gente demais falando ao
mesmo tempo. Peguei um copo de água no bar e tomei uma aspirina.
– Se for ressaca, dançarina – Sven sugeriu –, é melhor beber mais
um pouco de álcool. Prefiro você bêbadaque incapacitada.
Eu queria lhe oferecer uma careta, entretanto, assim que levantei o
rosto me surpreendi por não encontrar Lexa atrás dele. Pelo barulho na
entrada, ela também tinha chegado e estava conversado com Brout.
Mas a mulher atrás de Sven era morena, com grandes
olhos amendoados e uma boca desenhada que parecia estar sempre
na iminência de um sorriso.
A curiosidade nos meus olhos ointerrompeu.
– Ah, pessoal está é… – Virou-se para ela. – Qual nome está usando
hoje?
– Lola está bem. – Sorriu.
– Lola! Todo mundo, esta é Lola. Lola, todo mundo. – Gesticulou. –
Ela éuma amiga do Hideki.
Lola. Eu lembrava desse nome.
– Seu amigo japonês de origens suspeitas? – Ryker provocou,
cumprimentando Lola com um aceno.
– Eu vivo de sexo, todos os meus amigos têm origens suspeitas.
Lola ergueu uma sobrancelha para o
seu comentário e eu lembrei que Delvak mencionou algo sobre os
dois já terem se envolvido. Era sobre a morena que ele estava
falando, não era?
– É seguro trazer mais alguém para a equipe? – Joanie murmurou. –
E se ela tiver contato com o Kulik?
– Não tem – Sven decidiu. – Lola vai nos ajudar com a parte que não
podemoscompletar sozinhos.
– E que parte é essa? – alguém perguntou. Mas eu não estava
prestandoatenção, minha cabeça latejava, incomodada.
– Zahner vai balançar seu distintivo da Interpol para a vigilância
sanitária e, com sorte, eles não vão verificar que elefoi suspenso. Se o
blefe der certo, os
restaurantes de Kulik vão ser fechados em poucas horas. Mas isso é
só uma das suas fontes de renda. As outras três estão aqui. – Balançou
o celular no ar. –Investimentos pesados por meio de uma multinacional,
lavagem de dinheiro através de uma agência de turismo e um cofre bem
grande e gordo entupido de notas e moedas de uns oito países
diferentes.
E assim, de repente, minha dor decabeça tinha piorado.
O plano era deixar Kulik pobre para torná-lo irrelevante. Mas como
diabos agente ia fazê-lo perder todo aquele dinheiro?
– Quer dizer que estamos fodidos? – Ryker expressou meus
pensamentos com
palavras mais objetivas.
– Zahner acabou de ligar. – Lexa se aproximou. – Deu certo. Ele já
está a caminho.
– Não era melhor ele acompanhar o fechamento das unidades?
Mande o preguiçoso trabalhar! – Delvak reclamou.
– Fui eu quem pediu para ele voltar, Svenie. A polícia pode fazer
isso sozinha. Ele ficar passeando pela cidade no meio das forças
policiais só aumentao risco de alguém reconhecê-lo.
Ele inchou como se quisesse esbravejar que ela estava errada, mas,
em vez disso apenas engoliu a própria angústia, me deixando muito
confusa.
Eu brigava com Ryker daquele jeito
quando a gente não transava. Desse jeito impetuoso como se
estivesse constantemente tentando se livrar da tensão sexual. Mas Sven
e Lexa não pareciam pertencer ao tipo de ser humano que guardaria
qualquer gota de tensão sexual mal resolvida.
Mas… o que eu entendia desse assunto? Ainda mais com essa dor de
cabeça me incomodando.
– Você está bem? – Ryker alisou meus cabelos, beijando minha
bochecha.
– Pouco sono, pouca comida e acho que bebi um pouco antes de dar
em cimado contador ontem.
O sorriso que ele deu só para mim me fez melhorar muito mais que a
aspirina.
– Vamos só sobreviver a mais isso e
já cuido de você, combinado?
Eu acenei a cabeça, afirmando, embora tivesse certeza que o sorriso
quedevolvi já deveria ter respondido pormim.
Delvak não tinha parado de falar e estava explicando os detalhes do
seu plano. Parece que ele e Hideki poderiam cuidar de uma parte, e
Lola cuidaria do cofre. Nós teríamos que resolver a parte da agência de
turismo e Delvak tinha arquitetado um plano muito elaborado ao longo
de um intervalo de tempo muitopequeno. Não era de se admirar que ele
era CEO de uma multinacional. O homem conseguia resolver
problemas como um realizador de milagres e delegava tarefas como
um verdadeiro
líder.
Ela já estava bem avançado em sua explicação quando ouvi a porta
dos fundos se abrir. Zahner acenou brevemente para mim e para Ryker
quando entrou na boate e então tudo aconteceu rápido demais.
Seus olhos passearam pelo salão e sua mão treinada estava no
coldre, desembainhando a arma. Seu olhar se cruzou com o de Lola e
ela mergulhou para trás do palco no momento preciso para escapar do
tiro que Zahner disparou em sua direção.
O barulho alto no ambiente fechado fez meu corpo inteiro vibrar.
Minha cabeça latejou como se fosse explodir e fiquei completamente
sem reação. Ryker
tomou minha frente por instinto e eu meagarrei à sua camisa.
Delvak gritou em fúria, mas Zahner parecia possuído por um
demônio quando atirou de novo, buscando umângulo mais favorável.
Era diferente agora. Desde o começo, Zahner podia ter sido irritante e
mandão,mas fora sempre frio e lógico.
Agora ele tinha enlouquecido. Puxou o gatilho uma terceira vez e eu
soube que ele estava atirando para matar. Ninguém ousou se aproximar
dele durante o frenesi de insanidade, a não ser, curiosamente, a própria
Lola que, com um movimento rápido digno de ilusão de ótica fez
parecer que tinha corrido para um lado do palco, mas se
arrastou pelo chão até o outro. Correu como um animal para cima de
Zahner, derrubando-o no chão com um chute firme e uma chave de
braço. O cotovelo de Gary atingia um ângulo não natural, enquanto
Lola o forçava a se manter ajoelhado. Tomou a arma do agente que
urrava em fúria. Luckas pediu a Brout que olhasse os arredores para
ver se os tiros não teriam atraído atenção, mas Bessie estava lembrando
que o lugar todo tinha isolamento acústico por causa do som do DJ.
Lucky pediu que ainda assim ela se certificasse, enquanto Lola fazia o
que só poderia ser descrito como desmontar toda a arma de Gary com
uma única mão, até não restarem mais que balas e pedaços de metal
espalhados pelo chão.
– Se acalmou? – Lola provocou.
– Assassina! – berrou e ela lhe deu um murro no nariz fazendo
sangue escorrer. Eu parei de respirar.
– E agora? – perguntou mais uma vez.
– Zahner, ela está com a gente! – Delvak se abaixou, imaginando
que olhar nos olhos de Gareth fosse uma atitude capaz de acalmá-lo.
Não tenho certeza se funcionou. – Ela vai roubar o cofre do Kulik para
a gente. O plano nãofunciona sem isso.
– Ela está no topo da lista de pessoas mais procuradas da Interpol.
Você sabia disso? – Gary falava depressa, movendo o braço, tentando
fugir da imobilizaçãoà qual Lola o tinha submetido.
– Não está, Gary – Delvak falou.
– Não está porque ela é problemademais! – Sua fúria lhe estremecia
todo o corpo como se ele tivesse perdido o controle dos músculos. –
Alta espionagem governamental! A lista na qual o nome dela consta
não pode sequer ser aberta ao público!
Lola sorriu como se ele lhe tivesse feito um elogio.
– Isso não nos importa. – Delvak virou-se para Brout, recebendo a
confirmação de que estava tudo certo. – Só nos importa que ela rouba
coisas muito bem.
– E sabe o que ela cobra? Sabe como ela cobra?
– Já temos um acordo, Gary, não
recisa se preocupar.
– E posso saber qual é? – urrou.
– Promete se comportar se Lola tesoltar?
Zahner trincou os dentes, forçando um grito rouco para dentro do
corpo.
Eu estava agarrada à camisa de Rykere sequer tinha percebido.
– Isso foi um sim? – Delvak esperou enquanto Zahner se manteve em
silêncio.Depois acenou para Lola indicando que o soltasse.
– Eu quero ouvir ele dizer “sim” – eladisse.
– Vá se foder! – rosnou.
– Gary, você não está colaborando! – Delvak estava perdendo a
paciência. Estávamos todos perdendo a paciência.
Menos Lola. Lola parecia poder continuar ali por dias.
– Sim, está bem? Merda! Eu espero vocês explicarem antes de matá-
la.
Lola o soltou e não deu sequer um único passo para trás. Ele se
levantou, forçando o tórax contra o corpo esguio da morena. Tinha os
lábios apertados em uma única linha branca, e isso parecia ser a única
coisa que o impedia de mordê-la. Até rasgar sua carne ou até ficar
duro. Eu não saberia dizer qual dos dois. Havia fogo nos olhos dele.
Umfogo que ódio puro não consegue se sustentar sozinho.
– Lola trabalhou para Hideki. Também já me conhece de… outros
lugares – explicou.
– Eu não confio em você, nem no seu amigo japonês, Delvak. Se
essas são as duas credenciais dela, a coisa não está boa.
– Cale-se, Zahner! Precisamos de Lola e vocês vão se comportar.
– Eu sempre me comporto. – Ela sorriu, ainda a milímetros dele.
Não era apenas que ela parecesse não ter medo da morte. Era como se
ela tivesse certeza que a morte tinha medo dela.
– Lola, por favor. – Sven soltou os ombros como um adulto
implorando a duas crianças que, por favor, parassem de brigar por
bobagens. – Precisamos dela e precisamos de você – continuou.
– Então, comportem-se como adultos e, quando tudo isso acabar,
vocês retomam
seja lá qual for o problema que tinham antes.
– Quando isso acabar, vou te levar presa de volta pra Interpol –
decidiu.
– Ah, achei que eles tinham te demitido. – Uma piscadela e Zahner
estava perdendo a razão de novo.
– Ora, mas que inferno! – Delvak se enfiou no meio dos dois. –
Vocês não precisam trabalhar um do lado do outro, mas vão precisar
trabalhar juntos! – exclamou com veemência e voltou-se para o
inspetor. – Zahner, você quer seu emprego e credibilidade de volta?
Entendi que Sven imaginasse que aquela era uma boa pergunta para
incentivá-lo. Mas nos olhos de Gary, a gente podia ver que ele não
tinha certeza
se preferia limpar o próprio nome ou se lambuzar no sangue de Lola.
– E Lola, você não quer o dinheiro docofre?
– Foi isso que você prometeu pra ela?
– Zahner avançou para Delvak. – Esse dinheiro precisa ser retido
como evidência.
Lola riu como se tivesse escutado uma piada particularmente
engraçada.
– Está rindo da justiça. – Abanou asmãos. – Claro.
– Você chama de justiça, eu chamo deenganação de ignorantes.
– Você cala a boca, sua criminosa.
– Aposto que você está doido para vir calar. – Havia sensualidade no
seu tom eisso pareceu irritar Gary mais do que
qualquer ameaça.
– Zahner… – Agora era Lexa quem seenvolvia. – Seja razoável.
– ELA TENTOU ME MATAR!
Lola revirou os olhos como se estivesse sem paciência para esse
argumento específico.
– E roubou uma coisa muito importante – acrescentou, com a boca
cheia de angústia como se nenhum dos presentes fosse capaz de
compreender.
– É um transmissor de sinal tão potente que pode influenciar em
determinadas características climáticas e até causar algumas
catástrofes – ela explicou rapidamente.
– ISSO É INFORMAÇÃO CONFIDENCIAL!
– Ele queria, mas eu peguei e agora
ele não consegue lidar com a frustração.
– CALA A BOCA!
Sven se sentou, esfregando as têmporas em uma evidente desistência.
– Fique calminho, Gar. – Lola expirou. – Sei que você só late e não
morde, mas não precisa se humilhar na frente dos seus amigos.
– Criminosa! Você traiu minha equipe inteira e nos deixou lá para
morrer!
– Nunca traí ninguém. Eu nunca estive com vocês, o que é bem
diferente.
– Fui condenado a trabalho burocrático pelo resto da minha vida
depois da sua brincadeira!
– Bem feito. – Acenou. – Não é muito bom em seu trabalho, Gar. Se
fosse, teria notado a maníaca infiltrada na sua
equipe usando um nome falso. – Piscou um olho.
– Vou te enfiar na cadeia e vou pegara Harpa de volta.
– Se pequenas mentiras assim te ajudam a dormir melhor à noite,
eu não ligo.
– Sua mau-caráter do inferno. Nosdeixou lá para morrer.
– Eu deixei um revólver com você! – exclamou, indignada. – Se
tivesse te deixado para morrer, estaria morto agora.
– Vou te enfiar na cadeia. Vai apodrecer onde você merece.
– Ai, docinho. – Revirou os olhos. – A gente jogou e eu ganhei. Se
quiser jogar de novo, a gente joga. Mas precisa
superar.
– Não vou trabalhar com você. Apanhe os pedaços da minha arma
do chão, sua vagabunda, e me devolva ela inteira. E depois volte pro
buraco delodo de onde você saiu. Não preciso de você para…
Observei Lola revirar os olhos uma última vez antes de puxar Gary
pela gola da camisa. Passou a língua longamente pela boca dele,
fazendo-o calar a boca. Zahner engoliu em seco, a expressão perdida
entre indignação e vontade de lambê-la de volta.
– Yuri Kulik – ela disse com sua voz suave e definitiva. – Você me
odeia e pode me pegar agora ou não. E se nós conhecemos seu
histórico, docinho, não
vai me pegar – lembrou. – Mas pode pegar Kulik. Pode pegar Kulik
essa semana. Depois, a gente zera tudo e você vem atrás de mim de
novo. – Levantou um ombro. – Peixe grande como a máfia russa e
quem sabe? Pode ser até que te tirem da burocracia e te coloquem de
volta em campo.
– Não vai me convencer – resmungou,com os dentes semicerrados.
– Não seja ridículo, Gar – ela sorriu.
– Já convenci.
– Funcionou?
Zahner tinha os braços eternamente cruzados, uma algema biológica
que o impedia de avançar em Lola.
Delvak fitou Lexa, buscando confirmação.
– Funcionou.
– Tem certeza?
– Tenho. Ele estava doido para saber
quem era o Hideki, tenho certeza que anotou a placa.
– Pedi para o motorista estancar ocarro. Qualquer coisa para lhe dar
mais alguns segundos para decorar.
– Longe de mim ser pessimista. – Eu conhecia o nível de
nervosismo de Ryker pelo modo como ele apertava minha mão. Era
suave e carinhoso quando queria me acalmar. Porém, quando ele
imprensava meus dedos como se quisesse quebrá-los, é porque estava
em pânico. – Vocês irritaram o cara, mas o que garante que ele vai
partir em uma Cruzada de vingança?
Delvak era o oposto de Ryker e exalava uma tranquilidade budista,
deixando claro que ele acreditava que
aquela seria a parte mais fácil de todo o plano.
– Cashel Allender é um adolescente.
– Tirou o paletó caro que tinha vestido exclusivamente para sua
exibição diante do velho amigo. – Ele só pensa em duas coisas: na
próxima conquista e em como vai se gabar dela. É um garoto mimado
que considera a vida toda como se fosse apenas um jogo. Para ser
sincero, às vezes eu até gosto dele. – Alongou o corpo na cadeira,
esticando a coluna e esfregando os joelhos.
– Gosta dele? – Ryker parecia ter perdido um pouco da admiração
que tinha por Sven.
– Quando ele não está chamando sua irmã de… – rosnou,
torcendo o nariz
para Lexa e engolindo a raiva. – Porque,quando ele menciona você...
– manteve os olhos nela – ...tenho vontade de abrir a barriga dele com
uma navalha cega e enforcá-lo com suas tripas. – Girou o gelo no copo
de uísque sem elevar o tomde voz.
– Simpatizo com a ideia. – Ryker sentou-se ao seu lado, olhando
para mim, e eu soube que a admiração voltara.
– Mas no dia a dia, ele é só uma criança. Está sempre buscando se
livrar do tédio, o que faz dele uma companhia muito divertida. E sua
coleção de sexo faz dele um bom cliente.
– Então, vocês sabem dessa parte?
– Se sabem? – Lexa levantou uma
sobrancelha em desaprovação. – Foram eles que deram a ideia.
– Eles?
– Sven e Oliver – explicou, amarrando o longo cabelo loiro em um
nó. – Deram a sugestão a ele como uma brincadeira idiota que ele
levou a sério demais.
– Porque ainda não passou da puberdade – Sven ironizou.
– Você também não – Lexa devolveu.
– E não sai por aí fazendo propostas indecentes para… – ela hesitou
quando percebeu a falha no próprio raciocínio.
– Nada não – desistiu. – Esquece.
– Será que a gente pode voltar aoproblema principal? – Nila estalou
os dedos, trazendo-nos de volta à
realidade.
– Cash acha que Lex tentou esconder Hideki dele. Acha que ela fez
isso em meu benefício. Ele quer ganhar de mim, então vai descobrir
quem Hideki é, vai conversar com ele e vai tentar um acordo melhor
que o meu. Para nossa satisfação, Hideki está sabendo de tudo e vai
fazer exatamente o acordo que nós queremos que ele faça. Um acordo
bem lindo que vai foder os investimentos do Kulik.
– Ótimo. Então só falta a agência de viagens e o cofre.
– Já disse que o cofre não vai ser problema. – Lola se manifestou e
Zahnertremeu inteiro.
– Por que você não deixa para falar
só quando alguém te perguntar alguma coisa?
– Porque, ao contrário de você, ninguém manda em mim. – Abriu
uma barrinha de cereais que trazia no bolso e a mastigou com alegria.
Zahner não a encarava, o que parecia diverti-la imensamente.
– Prender Yuri Kulik – Gary murmurou para si mesmo como um
mantra. – Prender Yuri Kulik Prender Yuri Kulik.
– A parte da agência vai ser complicada. Vamos precisar organizar
uma festa insana nessa boate e fazê-la atrair muito sucesso. Vamos
precisar vender pacotes adiantados queinteressem a agência.
– O Show da Tímida? – perguntei, infeliz.
– Obrigado por oferecer, querida. – Delvak segurou meu queixo
com seu sorriso hipnótico. – Mas creio que vocês dois transando no
palco não vão ser suficientes para o que eu planejo.
– Quem falou em transar no palco? – me sobressaltei.
– A gente pode fazer umas coisas diferentes, Sven. – Ryker
levantou um ombro. – Usar uns brinquedos.
– Que brinquedos? – Bati o pé.– Não,não! – Gesticulei.– Nada
disso.
– Se acalme, querida. Não seria suficiente, garoto. Vamos precisar
trazer uma festa de gente grande para cá para atrair a atenção
necessária.
– Vai ligar para o Oliver? – Lexa quissaber.
– Vou. Preciso coordenar com ele e solicitar que mande um monte
de coisas para cá e bem rápido. Vai ser um gasto vultoso, mas não tem
problema.
Tinha sido uma excelente noite para o negócio do Luckas, mas não
tinha sido suficiente para resolver nossos problemas. Talvez Hideki
aceitasse qualquer valor, como eu acreditava que ele faria. Talvez não.
Strome ligou para a irmã como um golpe de misericórdia, mas nem
ela nem o namorado tinham dois milhões líquidos. A empresa de
Delvak poderia fazer um empréstimo… mas o chefe dele tinha falecido
e todos os bens da empresa estavam congelados devido a alguma
cláusula do testamento.
Sven e Lexa iam voltar para conversar com Hideki, mas eu
duvidavaque fizesse qualquer diferença. Ou ele aceitaria o dinheiro, ou
não. A presença dos dois não iria interferir em muita coisa.
Para todos os efeitos, a noite acabou se revelando melhor do que
todos imaginávamos e estava quase amanhecendo quando os
convidados se foram e eu me fechei no escritório do Luckas para tentar
dormir algumas horasantes de precisar lidar com a máfia japonesa.
A presença de um movimento desconhecido no escuro me fez puxar
a arma por instinto.
– Vamos fazer isso de novo? – ecoou
suave e quente.
Segurei a arma com firmeza.
– Me dê um bom motivo para não atirar em você agora. E pode ser
que eu atire mesmo assim.
Lola sorriu na penumbra, balançando- se na cadeira do outro lado da
mesa.
– Vim pedir desculpas, como uma boa garota, e você vai atirar em
mim? O queisso diria sobre você?
– Não estou preocupado com isso.
– Não… Está preocupado com isso aqui. – Ela se levantou para me
mostrar a bolsa escura e comprida.
– É meu dinheiro? O que você roubou? – Não ousei baixar a arma.
– É, e ainda te fiz um favor. – Sorriu.
– Eu troquei… Dá pra você apontar isso
para outro lugar? – resmungou. – Sei que não vai atirar em mim, mas
está me incomodando.
Julguei sua expressão por alguns instantes e apenas guardei a arma
de volta no coldre por um senso mórbido de curiosidade. Poderia ser
tudo um golpe, mas eu queria saber para onde ela ia com toda aquela
conversa.
– Me traiu de novo.
– Ah, não seja assim, Gar! – resmungou, arisca. – Você me jogou
pracima dos policiais e fugiu!
– Policiais que você chamou para me cercar.
Ela ficou em silêncio. Tinha aquele sorriso curto e prepotente de
quem sabe coisas que não deveria saber e não tem
medo de contar.
– Acho que estamos quites, então?
– Nem perto – exclamei, ouvindo as palavras autoritárias ecoarem
nas paredes.
– Nem se eu te der isso? – Colocou a bolsa em cima da mesa. –
Troquei as notas para você. São sequenciais agora.
Minha boca se entortou em um sorriso antes que eu pudesse impedi-
la. Não queria demonstrar minha satisfação a Ox, no entanto meu
reflexo foi quase instantâneo.
– Vou poder rastrear o Hideki depois que der esse dinheiro para ele.
– E se ele usar com qualquer coisa ilegal, você consegue prendê-lo.
– Piscou um olho para mim. – De nada.
– Pensei que ele era seu amigo.
– Já me pagou bem por alguns serviços. – Deu de ombros. – Me
pagou mal por outros. E você devia saber: eu não tenho amigos.
– Não, não tem. – Acenei antes de ser subitamente possuído por uma
dúvida. –Onde arranjou notas sequenciais assim tão rápido?
– Quer mesmo saber? – Ergueu uma sobrancelha.
– Não. – Gesticulei. – Estou bem, obrigado.
– Com medo de um pouco de ilegalidade? – Não resistiu à
provocação. – Achei que tinha superado isso com sua carreira de
fugitivo e tudo o mais.
– Vá se foder.
Sentei no sofá, passando a mão pelos cabelos. Lola sentou-se na
borda da mesa. Nós dois, no escuro, esperando. Acho que nenhum de
nós sabia exatamente pelo quê. Mas, quanto mais o silêncio se
prolongava, mais eu sentia o calor que se espalhava pelo meu esôfago,
um desconforto que tomava conta do meu corpo sempre que ela estava
por perto.
– Por que voltou, Lola? – Eu estava com raiva. Não era uma fúria
cega, mas uma raiva contida. Uma capacidade de escolher o melhor
momento para a violência, mas ciente de que a violência seria
inevitável. Nós dois não éramos feitos de materiais compatíveis e não
poderíamos ficar no mesmo ambiente por muito tempo sem que
algum desastreacontecesse.
– Crise de consciência? – arriscou, me fazendo rir alto. – Eu não
queria ter te passado para trás de novo.
– Se queria só trocar as notas, não precisava ter me enganado. Eu
teria concordado com esse plano.
– Eu não ia trocar as notas, a princípio. – Revirou os olhos. – Ia
pegaro dinheiro para mim e pronto.
– Acabou de dizer que não queria me enganar – apontei a
contradição. – Qual dos dois, Lola? Queria me enganar ou não?
– Eu não queria te enganar quando decidimos tudo. Tinha dito a mim
mesma
que ia deixar você ganhar dessa vez. Mas… quando chegou a hora,
eu…
– É da sua natureza – suspirei.
– Perdão?
– Não conhece a história da enchentena floresta?
Ela espremeu o sorriso.
– O escorpião vai se afogar e pede ajuda ao sapo para atravessar o
rio – contou, demonstrando que conhecia. – O sapo se recusa porque
tem certeza que o escorpião vai lhe picar. O escorpião promete e
promete. Implora e implora. O sapo acaba aceitando. – Gesticulou,
simbolizando a travessia do rio.
– E, assim que chegam do outro lado e o escorpião está a salvo, ele
pica o sapo – concluí. – Enquanto morre
envenenado… – dramatizei. – O sapo pergunta “Por quê? Por que
você fezisso?” E o escorpião simplesmente responde…
– “Desculpe” – enunciou. – “Mas é daminha natureza”.
– É da sua natureza – repeti. Ela sorriu de um jeito que parecia
quase genuíno. Teria me enganado se eu não a conhecesse tão bem. –
Você é uma filhada puta incapaz de compaixão ou lealdade.
– Ele não está nos Calabouços, não é?
– ignorou.
– Não – repliquei, sem arrodeio.
– Vai me dizer onde ele está?
– Não.
Ela acenou como se esperasse aquele
tópico desde o começo.
Mas eu precisava saber…
– O que vai fazer com ele, Lola?
Quando o encontrar?
– Gosto que você diz quando e não se.
– Você é uma garota esperta. E ele não está tão escondido assim –
provoquei. – Estou decepcionado quenão o tenha encontrado ainda.
– Seja razoável, Zahner. – Riu e veio sentar-se ao meu lado. – Estou
me comportando.
Ela estava perto demais e, em breve, meus impulsos violentos não
estariam mais sob controle. Levantei-me, por nenhum motivo além de
me afastar dela.
– O que vai fazer com ele, Lola?
Ela tocou o lábio inferior, ainda
perdida em pensamentos.
– Por que está protegendo um estuprador, Gary? – seu sussurro foi
quase inaudível.
– Não estou protegendo um estuprador, Lola. Só acontece que ele
éa última isca que me restou para te atrair.
– Me entregue ele e eu te arranjooutra isca.
– Não.
Ela estapeou os próprios joelhos. Esperava conseguir aquela
informação, eu a estava frustrando. Era uma sensaçãogostosa.
– Posso terminar o que comecei naquele dia, sabia? Posso enfiar
duasbalas na sua cabeça e uma lâmina afiada
no seu coração. – Ela precisou de dois passos para ficar a
centímetros de mim.
– Gostaria de ver você tentar.
– Eu me lembro de você ajoelhado e submisso no chão da última
vez quetentou me enfrentar.
– Me pegou desprevenido. Não vai acontecer de novo. – Eu sentia
meu narizse retorcendo em uma careta irritada.
– Vai acontecer de novo. Quantas vezes eu quiser. – Respirou no
meu rosto, me contaminando com seu hálito delicioso, o que me fez
travar os punhos como força. Era uma tentativa de me impossibilitar de
agarrar seu pescoço e espremê-lo.
– A única coisa que vai acontecer da próxima vez vai ser você
levando uma
surra.
– Rá!
– Uma que você já está merecendo hámuito tempo.
– Quer me espancar, Gar? – Inseriu um calor inapropriado às
palavras. – Fuiuma garota má?
– Cale a boca. – Segurei seu maxilar com força. – Pare de jogar
comigo, sua criminosa. Não sou seu brinquedo.
– Não. Você é só o brinquedo do governo que paga seu salário. –
Seguroumeu pulso, cravando as unhas na minha carne.
– Você não me conhece, vagabunda. –Salivei, meu queixo tremia.
– Nem você me conhece, seu animal. O segundo inteiro que nos
encaramos
em silêncio pareceu uma hora.
– Quer transar comigo, Gareth? – sussurrou e sua expressão mudou.
As palavras escorreram, pesando no ar.
Posso ter gaguejado por um segundo, mas consegui rebater: – Não
vai me convencer a informar a localização dele.
– Já entendi essa parte. Não é a isso que estou me referindo. –
Elevou um ombro. – Estou dizendo que eu vou embora agora. – Eu
ainda tinha os dedos nas suas bochechas, o queixo dela contra o meu
punho. – Não acho que vamos nos encontrar de novo. Nunca mais. –
Acenou. – Não podemos continuar cruzando o caminho um do outro.
– Por que não? – arrisquei, embora já
soubesse a resposta.
Lola levantou o rosto, senti seu hálito morno quando respirou a
centímetros demim.
– Naquele dia, na cabana – suspirou.
– Eu queria. E você também.
Engoli em seco. Se eu conseguisse encontrar minha voz, eu negaria.
Seria mentira, mas eu não daria o gosto da vitória a ela.
– Me arrependi depois que fomos embora. – Doía ouvir aquela
confissão. Sempre imaginara que seria satisfatório ouvi-la dizer
palavras assim. Principalmente porque, na minha imaginação, eu
sempre ria na cara dela e a mandava se foder. Mas ali, ouvindo cada
palavra… não era o que eu queria
de verdade. Ódio era mais fácil. – Você me detesta, Gar – constatou.
– E eu te detesto, também. – Travou a mandíbula.
– De um jeito que não dá nem pra descrever. Você me irrita e
complica minha vida. Meu trabalho. Meus clientes. – Minha garganta
ressecara. – Mas naquele dia… naquela cabana… eu te quis. Então,
estou te informando que pode me detestar amanhã e todos os dias em
sequência. Estou contando que vou fugir e que nunca mais pretendo te
encontrar de novo. Mas também estou dizendo que, se quiser me foder,
essa noite é sua única chance.
Eu não tremia mais. Nenhuma parte de mim.
O toque da minha mão no seu queixo
ficou mais suave. Não muito… Ainda tinha algo violento nas minhas
intenções. Embora fosse um tipo diferente de violência. Minha outra
mão encontrou ocaminho pelos seus cabelos no mesmo instante que sua
boca tocou a minha.
Ela era saborosa como nada jamais tinha sido.
Suas mãos agarraram meus ombros com violência, cravando as
unhas na minha camisa até atingir a carne. Minha consciência nublada,
meus sentidos acentuados. Cada raspão de sua pele me fazia
enlouquecer com o calor, o arrepio que meu hálito lhe causava, as
pálpebras pesadas mantendo seus olhos fechados. Um único gemido
escapou pelos seus lábios em um sinal de fraqueza que ela
nunca ousava demonstrar. Segurei seus cabelos escuros, um nó em
minhas mãos,com força, erguendo seus lábios rumo à minha boca.
Havia saliva. Havia língua. Mas, mais que tudo, havia dentes. Eu a
mordia, destilando o ódio de anos e ela devolvia como se quisesse
provar um ponto: não havia fúria contida por mim que ela não pudesse
imitar.
Nos odiamos e nos amamos em carícias contínuas de calma
desesperada e furiosa lentidão. Suas mãos estavam no meu pescoço
enquanto eu a despia. Não estava me sufocando, mas minha respiração
já ofegante estava ainda mais prejudicada. Havia um animal dentro de
mim, uma besta enlouquecida, que eu
mal conseguia controlar. Então, eu me livrei de suas roupas, seus
seios estavam expostos na penumbra e a besta se libertou. Enfiei-os na
boca, um de cada vez e depois repeti a ação, urrando em rouquidão.
Sua bunda estava nas minhas mãos. Pele em pelo, suscitando a dúvida
de se ela mesma teria tirado a calcinha para me receber ou se a
calcinha nunca existira. Aquela dúvida me assombraria pela
eternidade. Cada vez que a caçasse, ansioso por apreendê-la, por
encontrá-la, apenas para vê-la diante de mim e entrar em desespero,
me perguntando se a ausência de roupa íntima era um hábito
permanente para ela.
Não havia salvação com Lola.
Nunca houve.
Mordi seu pescoço e suas mãos se moveram no sentido de minha
ereção. Sentia a vibração do seu coração sob a pele, enquanto meu
próprio sangue pulsava, fervente, expandindo a parte de mim que ela
prendia nas mãos.
O calor irradiava. Dos seus dedos. Do seu toque. Pelo meu pau
ereto e desesperado, subindo pela virilha e explodindo em meu peito.
Um desejo quente que me obrigava a encontrar umanova definição para
a palavra “insuportável”, porque a que eu carregava até então já não
servia mais.
Suas mãos intensas contra meu tórax,dispararam-me contra a parede.
Agarrei suas coxas, enlaçando-a à minha cintura.
Guiou minha rigidez para dentro de si, gemendo alto enquanto eu a
sentia ao meu redor.
Quente.
Quente como o inferno que ela semprefazia questão de ser.
Não havia prazer com Lola.Apenas danação.
Uma danação sublime e maravilhosa que te faria se perder no
submundo e nunca mais encontrar o caminho de volta.
Ela me desferiu um tapa. Primeiro no braço, depois no rosto. Foi
forte, violento, delicioso. Eu queria que ela me batesse mais, mas
sabia que ela jamais aceitaria uma ordem.
Belisquei sua bunda, enfiando meus
dedos fundo entre suas bochechas. Ela agarrou meus ombros e
rasgou minha camisa. O corpo retorcido sobre mim, arqueando os
mamilos duros na direção dos meus lábios.
Estapeei sua bunda e ela rebolou. Foi apenas então que percebi.
Estava ali, brilhando mesmo no escuro, atraindo toda a minha atenção
apesar de todas as suas curvas irresistíveis: um sorriso deslumbrante
que me causava arrepios por dentro e por fora. Maligno e rebelde. Um
sorriso magnífico que me desencadeou um rompante de beijá-la e
abraçá-la. Com força.
Eu estava me desfazendo. Era mais Lola do que eu podia suportar.
Quente eúmida, rebolando ao meu redor. Sua
saliva na minha língua. Seu suor na minha língua. Minha língua
onde elaquisesse.
– Me conta uma verdade – murmurei, sem acreditar que estava
realmente proferindo as palavras. Seu olhar esfriou sobre o meu.
Questionando o mesmo que eu: não era seguro. Intimidade entre nós
dois nunca seria seguro. Contudo, ali estava ela: nos meus braços. Me
fazendo gemer e implorar. E implorar era exatamente o que eu faria. –
Só uma – pedi.
Seu movimento se intensificou ainda mais, seus olhos se fecharam
em antecipação ao orgasmo. Agarrei sua cintura, me enterrando em seu
corpo, tentando memorizar cada detalhe do que
seria nossa primeira e última vez. O orgasmo a levou. O orgasmo me
levou.
Com os dois caídos ao sofá em busca de paz na respiração um do
outro, tentávamos nos prender a um breve momento de calmaria entre
nossas tempestades.
Sua testa suada pressionou-se contra a minha. Ela não me fitou nos
olhos.
– Eu gosto de lírios – confessou.
Não consegui ver seu sorriso, emboratenha conseguido senti-lo.
O motivo de seu sorriso seria porque me contava uma verdade? Ou
porque mecontava uma mentira?
Eu nunca saberia. Com Lola, eu nuncapoderia saber.
Ainda assim, me deliciei em seu
sorriso.
Segurei seu queixo e a beijei. Foimais forte do que eu.
Mentirosa.
– Fica essa noite? – murmurei.
Ela se espremeu dentro do meuabraço.
– Fico.
Onze
– Eu diria que posso explicar, mas algo me diz que o senhor já está
ciente de tudo o que aconteceu – sugeri.
– Sim – o Inspetor Alfoit concordou sem hesitar. – O político tcheco
está envolvido de algum modo nesta história, não é? A testemunha que
você estava protegendo estava envolvida em denúncias contra ele
também.
– Sim. A testemunha é o filho dele e estou certo de que vai
continuar cooperando.
– Ótimo. Fez um bom trabalho. – Mergulhou a mão em um bolso
largo na lateral do casaco e devolveu meu distintivo e minha arma. –
Notei que você tem duas. – Indicou a que eu tinha usado durante a
invasão da boate.
– Quer me dizer que o senhor não tinha?
– Tinha umas três. – Acenou e eu ri.
Era uma honra estar na companhiadaquele homem.
– Já está tudo resolvido com a Interpol. Tive que gritar com alguns
homens que se acham grandes até eles perceberem que são pequenos.
– Acho que devo uma ao senhor.
– Acho que deve algumas – brincou, me fazendo sorrir.
– Algumas, então. Notícias do Kulik?
– Ele foi apreendido na tentativa de sair da Europa em um barco.
Temos provas suficientes para uma condenação bem longa, então ele
fez umacordo conosco. Vai entregar fontes da
família russa em outros locais em troca de uma sentença mais
branda.
A informação me fez rir.
– Falei algo engraçado?
– Engraçado, não. Irônico.
– Irônico?
– É… – Cocei o queixo. – Considerando a maneira como chegamos
aqui, é no mínimo irônico que Kulik vá passar o resto da vida no
programa de proteção a testemunhas.
– Ah, sim – compreendeu. – Irônico.
– O que mais? – Expirei. – Será que vou ser responsável por ele? –
continueime divertindo.
– Não sei. O que acharia de voltar ao trabalho em campo?
Notícias boas podem nos fazer pular,
gritar, nos exaltar. Mas algumas notícias verdadeiramente boas nos
fazem murchar. Como se todas as nossas forças fossem economizadas
naquele segundo antes da confirmação, de modo a extravasar em uma
comemoração posterior.
– Trabalho em campo, senhor?
– Acho que já passou tempo demais em funções burocráticas e em
proteção de testemunhas, Zahner. O que acha de retomar sua antiga
posição?
– Contraespionagem?
– Uhum – confirmou. – O que acha?
– É… – Eu sabia as palavras, mas não conseguia encontrá-las. – É
tudo o que eu queria, senhor. – Suspirei.
– Ótimo. Acho que podemos dar um
jeito. Um de seus antigos casos veio à tona. Acho que não vou ter
problemas em convencer seus superiores de que você seria o melhor
candidato para o trabalho.
– Qual caso, senhor?Ele respirou fundo.
– A rede de espionagem dos Escorpiões. Encontramos o símbolo
deles em uma cena do crime aqui em Amsterdã. Coincidência, hein?
Que o lugar onde você escolheu para se esconder foi justamente o
lugar no qual um dos assassinos dos Escorpiões resolveu aparecer.
Engoli em seco.
Ela não faria isso…
– Como foi essa cena do crime? –
perguntei com cuidado, como um operador aproximando-se de uma
bombaarmada.
– Uma agência de turismo aqui em Amsterdã, há pouco tempo.
Recebemos uma ligação anônima sobre atividade suspeita lá dentro, a
polícia chegou e encontrou as portas abertas e escancaradas. Dois
corpos lá dentro. Assassinato profissional. Dois tiros no peito, um na
cabeça.
– Dois corpos e uma ligaçãoanônima? – Eu tive que rir.
Filha da puta…
– É. Quer ouvir o mais curioso? Eram dois homens do Kulik.
Como ele tem caído nos últimos dias, a polícia achou que ele tinha
ordenado o
assassinato de dois de seus comandantes, para mantê-los em
silêncio. A teoria é boa: o lugar estava todo revirado, muitos
documentos desapareceram. Mas um ou outro foi deixado para trás.
– E foram suficientes para descobrir que o lugar era uma fachada
para lavagem de dinheiro?
– Muito fácil, não acha?
– Muito – concordei.
– Também deixaram um papel amassado para trás. Um escorpião
rascunhado. O modus operandi da sua velha conhecida rede de
espionagem.
– O senhor disse que estava tudo revirado. Acharam o papel
amassado nomeio do caos? Não poderia ser algo
antigo que um dos homens de Kulik tinhaguardado?
– Foi o que eu imaginei, no entanto, os oficiais que chegaram
primeiro informaram que a folha chamava atenção no ambiente. Parecia
um recado deixadode propósito.
– Chamava atenção?
– Foi colocado em cima da única mesa que não tinha sido revirada.
Com uma flor em cima.
Uma flor…
Eu ri, balançando a cabeça.
– Deixa eu adivinhar… Um lírio? Nem precisei ouvir sua
confirmação.
O rádio de pilhas ligado em uma estação qualquer tocava uma
música doce e preguiçosa. Cortei um pedaço do queijo que meu
namorado guloso comeu da minha mão antes que eu pudesse impedir.
A toalha aberta no chão da estufa de Bessie, comidas e bebidas
espalhadas em nosso piquenique improvisado.
– De volta ao lugar onde tudo começou, hein? – Alisei seus cabelos
quando ele se reclinou, apoiando a cabeça no meu colo.
– Não começamos aqui! Começamosno hotel lá em Paris.
– Não de verdade… – defendi. – Foi aqui que eu e você começamos
mesmo.
– Está querendo fingir que a noite no
hotel nunca existiu, é? – Estreitou os olhos e eu soube que ele ia me
provocar.
– Querendo apagar da minha mente que a insaciável da Mina Bault
agarrou o pobre servente do hotel na mesma noite em que contratou
um garoto de programa?
– Foi um mal-entendido! – Plantei umtapa na sua testa.
– E aqui vou eu: apanhando de novo. Você é a safada e eu apanho.
Sempre assim.
– Achei que ele era você.
– Você achou que era eu? – Levantou- se. Havia tanta felicidade na
sua expressão que, apesar de irritada, precisei rir. – Calma, calma,
calma. – Abanou as mãos. – Nunca tinha me
contado essa parte. Você beijou ogarçom porque achou que ele fosse
o gigolô que você tinha contratado?
– É.
Eu não estava entendendo a graça. Mas Ryker, com certeza, estava.
Porque se curvou agarrado ao estômago em uma tentativa fútil de
controlar a gargalhada.
– Então você abre a porta pra um cara e o agarra sem nem perguntar
quem é? – Limpou as lágrimas que se formavam nos olhos. – E aí o
gigolô de verdade… Eu… – apontou para si mesmo com orgulho –
...chega e você oferece a mão para ele apertar, cruza os braços e fica
com aquela cara de entrevistadora?
– Fiquei constrangida.
– Você é muito engraçada quando fica
constrangida! Posso contar essa históriapra Elise também? Vou ficar
dois pontosna frente dela.
– Você e a Elise podem é parar de fofocar sobre minha vida.
– Não dá.Você não deixa! Não para de dar munição. – Ele estava
rindo de novo.
Puxei seu rosto para mim com força.
Mordi seu lábio inferior e o beijei.
– Cala a boca – sussurrei.
– Sim, senhora. – Abriu a boca para me sugar, me impelindo a
fechar os olhos e me entregar. Perdida nele. – Viu como é fácil me
fazer calar a boca? – murmurou. – Não precisa gritar, nem me bater. –
Alternava palavras com beijos.
– Bem mais fácil e eficiente.
– Ryker, cala a boca.
– Uhum. – Seu toque ficou mais intenso, ele me puxou para o seu
colo, me engolindo devagar.
O modo como cobriu meu corpo com o dele foi suave, despindo
minha pele com ternura. Roupas saíram do caminho aos poucos, de um
modo descansado e inevitável. Ambos sabíamos para onde estávamos
indo, como da outra vez. Mas agora caminhávamos com mais
confiança.
Segura de que ele me amava.Segura de que eu o amava.
Demorou-se em beijos nos meus seios e ria sobre meus mamilos
quando fiquei arrepiada. Acariciei seu cabelo, assistindo aos arranhões
de seus dentes
na minha pele e me permitindo rir com ele. Raspando as unhas na
sua carne, impulsionando-o pelo caminho que eu queria, apenas para
alisá-lo logo depois sobre as linhas vermelhas que se formavam em sua
pele.
Uma tarde longa e dócil. Sem preocupações.
Elise me esperava no hotel para irmos embora, mas isso seria mais
tarde.
Agora, éramos só nós dois. Mais nada.
Dedilhei seus cabelos e massageei sua nuca. Com a boca na minha,
ele retribuía a massagem, porém em minha língua.
– Você me ama. – Riu, safado. Sua nudez, como a minha, era
completa.
Sentindo o ar frio resfriando nossos corpos especialmente quentes.
Minha pele vibrava sob a batida conjunta de nossos corações,
separados por poucas dezenas de centímetros. Um enlace de pernas e
ele estava tão perto de me penetrar quanto poderia ficar sem
efetivamente me possuir.
– E você me ama – devolvi.
Pensei que ele ia me lamber. Ou morder. Ou me oferecer seu sorriso
safado e umas palavras ousadas.
No entanto, em vez disso, ele apenas se manteve sério. Ele apenas
acariciou meu rosto com um toque tranquilo e gentil. E me beijou.
Daquele jeito maravilhoso que te faz fechar os olhos antes mesmo de
as bocas
se tocarem porque você sabe exatamentecomo vai ser intenso.
Sua ereção se comprimiu timidamente no meu espaço apertado. Me
tomando sem pressa enquanto seu beijo me envolvia mais que a fusão
de nossas virilhas. Agarrei seu pescoço com um ardor doentio de
necessidade. Não queria que ele se afastasse agora.
Não queria que ele se afastasse nunca.
– Não vá embora – pedi.
Ryker beijou minha boca entendendoalém do meu pedido.
– Poucas semanas, amor – suspirou, ondulando o corpo sobre o
meu. Alternando a dor que eu sentia pela separação iminente com o
prazer que seconcentrava cada vez mais voluptuoso
abaixo do meu umbigo.
Ele respirava contra minha boca, me entregando seu hálito e saliva,
me encarando enquanto eu transpunha meus limites para descobrir que
êxtase pleno não era uma mera expressão.
Êxtase pleno era o que acontecia quando Ryker me beijava. Quando
me tomava daquele jeito. Quando me chamava de sua. Quando me
faziapromessas. Quando me tocava.
Ryker era meu êxtase. E ele era pleno.
Pleno como o que se construía dentrode mim.
Aquele prazer que começa modesto até se mostrar arrebatador além
de qualquer nível de suportabilidade. Que me fazia estourar em
gemidos loucos,
mordidas de lábios que não conseguiam me calar. Explodi ali:
devagar, espiralando fora de controle, sentindo meu corpo inteiro se
abstrair em plenitude.
Olhei nos olhos dele. Recuperava meu fôlego enquanto ele perdia o
dele. Sobre mim e em mim. Apertando nossos lábios não em um beijo,
mas em uma súplica. Um desejo que não podia ser contido,
reproduzindo o meu.
– Quantas? – gemi, quando ele caiu aomeu lado. – Quantas semanas?
– Poucas – repetiu, também ele ofegando.
Ryker tomou minha mão e a beijou antes de agarrá-la em um abraço
contra seu peito. As nuvens nos observavam
através dos vidros translúcidos da estufa. Separando-se de nós por
uma cortina de plantas e flores.
Eu ainda sentia o gosto dele na minhaboca.
– Me prometa uma coisa.
Ryker se virou de lado, me puxando de encontro ao seu peito.
– Não beije outra mulher – pedi.
Ele enfiou os dedos pelos meus cabelos, acariciando minha face com
o polegar.
– Mina, eu provavelmente vou ficar só com strip.
– Tudo bem. Mas prometa ainda assim.
– Prometo. – Apoiou-se no cotovelo para segurar meu rosto,
contemplando o
fundo dos meus olhos. – Não vou beijarmais ninguém.
Balancei a cabeça devagar.Era péssimo.
Era pior do que péssimo.
Talvez fosse muito pior do que péssimo.
Mas eu o amava e há pouco tempo atrás estava disposta até mesmo a
levar uma bala por ele.
Que tipo de insanidade era aquela em que eu preferia morrer em seu
lugar do que aceitar um breve momento de separação no qual ele,
talvez, transasse com outras mulheres?
No entanto era isso… Eu realmente preferia morrer a imaginá-lo
com outra mulher.
Não é sua escolha. É escolha dele.
A sua escolha é apenas decidir se quer ficar com ele ainda assim ou
não.
– Não precisa se prostituir –murmurei.
– Eu preciso descobrir minhas alternativas, Mina. E preciso fazer
isso sozinho.
– Só por orgulho? – falei, baixinho, para que ele não confundisse
minha preocupação com raiva.
– Independência é importante pra mim. – Beijou minha bochecha,
levemente. – Pode entender isso? Por mim?
– Vai fazer strips aqui no Lucky’s atéarranjar outra coisa?
– É o plano.
– E não vai se prostituir.
– É o plano.
– E se algo for contra o plano? –choraminguei.
– Mina, o que você quer que eu diga?
– Quero que diga que vem para Paris comigo – admiti. – Quero que
diga que não vai mais se prostituir. Quero que diga que a gente não
precisa ficar separado.
Esperei sua resposta, no entanto ele apenas ficou em silêncio. Me
observando, sem saber o que responder. Enfim, sua falta de palavras
disse mais do que qualquer palavra poderia ter dito.
Doze
Novos começos
Um ano depois Luckas estourou um champanhe e Tim começou a
distribuir
as taças.
– Mina. – Ryker se aproximou por trás e abraçou minha cintura, me
fazendo virar o rosto para beijar sua bochecha. – Quero te apresentar
umas pessoas.
Ela tinha longos cabelos ruivos, mais escuros que os meus. Usava
saltos
longos e afiados e um vestido quase tão sedutor quanto o
acompanhante orientalque trazia entrelaçado em seu abraço.
– Meu anjo da guarda. – Sorriu. – A editora responsável pela
publicação de Sem Vergonha.
– Olá! Nossa! – Abri os braços, desajeitada, mas ela assumiu o
controlee me devolveu o cumprimento. – É um prazer.
– O prazer é meu. – Ela sorriu. – Estávamos todos muito curiosos
para conhecer a Tímida.
Os sorrisos se espalharam enquanto Ryker me apresentava a outras
pessoas da editora e de livrarias. Todos reunidos para comemorar a
marca de cem mil exemplares vendidos do seu primeiro
livro. Sem usar o nome da irmã ou a fama que se seguiu à nossa
história coma máfia.
Sozinho.
O mérito era todo dele.
Eu estava morrendo de orgulho.
Um ano.
Há um ano ele se enfiou no meu apartamento, expulsando as visitas
para fora e me agarrando no sofá. Me pediu em namoro mais por
protocolo que por necessidade.
Eu era dele há tanto tempo.E ele era meu.
Mas hoje, um ano depois, eu me sentia amparada pela tranquilidade
ao saber que nosso relacionamento tinha sobrevivido a mais do que a
máfia
russa: ele tinha sobrevivido à normalidade. Tinha sobrevivido à
rotina. Aos trabalhos, às pequenas discussões, às grandes brigas…
enfim, tínhamos sobrevivido. Estávamos ainda mais fortes. Eu o amava
mais. E quando ele me olhava… eu poderia estar errada, mas apostaria
minha vida no fato de queele me amava mais também.
– Lex! Orgulhosa do irmão mais novo?
– Você não faz ideia! – Ela me abraçou. – E você, leu o livro? As
referências do menino são impressionantes. A descrição da primeira
vez de vocês dois foi sublime, estou quase com inveja do estilo dele.
– Lexa, Lexa… – pedi, abanando as
mãos. – Podemos não entrar em detalhessobre o assunto?
Ela riu com gosto. Sua eterna desenvoltura com assuntos sexuais
superava a do irmão.
– Me desculpe. Acho que é a convivência com o Sven… Acabo me
tornando inapropriada também. – Piscouum olho.
Desviei a atenção para o meio do salão, onde Ryker cumprimentava
diversos profissionais e referências do mercado editorial. Usava um
conjunto verdadeiro de paletó e gravata, não do tipo que vem preso
com velcro para despir em público. Esse último tipo ele ainda usava,
mas agora só para mim.
O modo como Lexa me encarava
chamou minha atenção.
– O que foi? – gaguejei.
– Nada. – Ela sorriu. – Você o ama mesmo.
– Eu estava babando, foi? – Ri.
– Um pouquinho. – Arranhou a taça de champanhe com delicadeza. –
É difícil resistir a um bad boy que no fundo é umhomem bom.
Agora era eu quem parava para analisá-la.
– Essa é a definição de Delvak também? – arrisquei. – No fundo,
ele é um homem bom?
– Ah, não! – Ela riu alto. – Sven não presta! Nem um pedacinho dele.
– E por que ele é tão difícil de resistir? – Manifestei uma careta, e
ela
alargou o riso ainda mais.
– Porque ele foi geneticamente abençoado com um sorriso safado,
um corpo que pede línguas e um pênis de comprimento severamente
desnecessário.
Pus-me a rir junto enquanto Ryker se aproximava, curioso.
– Sobre o que estão fofocando?
– Coisas de mulheres. – Lexa piscouo olho para mim mais uma vez
e eu abracei meu namorado, plantando um beijo descontraído na sua
bochecha.