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Copyright © 2023 Danielle Viegas Martins

Capa: LS Banners
Revisão: Mariana Rocha
Diagramação: Imaginare Editorial – April Kroes

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.
___________________________________
CEO VULNERÁVEL
Série Família Salomon — Livro 4
1ª Edição - 2023
Brasil
___________________________________
Todos os direitos reservados.

São proibidos o armazenamento e / ou a reprodução de qualquer


parte dessa obra, através de quaisquer meios ─ tangível ou
intangível ─ sem o consentimento escrito da autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº.


9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

autoradanitess91@gmail.com
Sumário
Playlist
Epigrafe
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Epílogo
Outras obras
Biografia
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O amor é um grande mestre.
Ele nos ensina a ser o que nunca fomos.
Molière
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GRUPO DE LEITORAS
“Estou com saudades. Não vejo a hora de te encontrar
amanhã, amor da minha vida”.
Eu sorrio, olhando para a tela do celular. As palavras de Luna
me preenchem de amor e fazem com que sinta algo ainda mais forte
por ela. É surpreendente, até mesmo para mim, o quanto estou
apaixonado e o quanto sinto a falta dela. Quero responder
imediatamente que também estou com saudades, mas bloqueio a
tela rapidamente e guardo o celular no bolso porque o jatinho acaba
de aterrissar no Brasil.
De fato, deveria encontrá-la somente amanhã, dia da
cerimônia do nosso casamento, mas consegui solucionar as
demandas que requeriam a atenção direta do CEO da Salomon &
Salomon fora do território nacional. Motivação maior não poderia
existir do que voltar logo para estar com ela. Luna se tornou, em tão
pouco tempo, parte tão essencial da minha vida. Nem consigo
pensar em um tempo em que fui mais feliz do que sou agora com
ela. Ela me faz pensar em como eu sempre acreditei ter tudo que eu
queria: sucesso nos negócios, realização pessoal, mas eu nunca me
senti entregue a uma mulher e nunca entendi o que é amar alguém
de forma tão profunda.
Eu já havia me apaixonado antes, mas o que tenho com Luna
transcende nosso relacionamento e rótulos. Namorada, noiva, futura
esposa… Ela é muito mais. Ela é meu tudo. Minha amiga, minha
confidente, meu coração…
E como eu poderia viver sem meu coração?
Luna é a mulher mais desafiadora e teimosa que eu já
conheci. Mas, com diplomacia, peita quem quer que seja para
apresentar seu ponto de vista. O que não a torna intransigente,
porque já vi Luna recuar dois passos ao admitir que estava
enganada a respeito de algo. O que demonstra ainda mais sua
firmeza de caráter. Ela considera e respeita as opiniões alheias, não
colocando a sua como mais importante. Isso é notável. Mas, se tem
certeza de que está certa, ela nunca desiste do que acredita. E é o
tipo de pessoa que quer ver os outros bem, que torce pelo sucesso
dos colegas na Salomon & Salomon porque, assim, a companhia
avança e todos ganham.
E, com a família, não é diferente. Ela defende e apoia quem
ama. Sua relação com meu tio Arturo ficou anônima por muito
tempo, mas eu vejo em seus olhos que, mesmo tendo enfrentado
tanta dor e abandono dos pais biológicos, ela encontrou nele um
protetor, uma figura paterna, e foi meu tio que a trouxe para o
mundo dos Salomon, e por isso serei eternamente grato a ele.
E como é vibrante essa mulher. Sua energia nunca se esgota.
Parece que nasceu ligada em 220 volts e eu, ao mesmo tempo, fico
louco e adoro essa empolgação que ela tem. Luna tem defeitos.
Como todos os outros 6 bilhões de pessoas que vivem nesse
planeta também têm, mas eu não busco perfeição. Nunca foi um
parâmetro para ter alguém ao meu lado, além de que seria um porre
ter alguém que nunca comete erros e que está sempre com a razão
o tempo todo. Qual a graça da vida ser assim?
Erros e acertos constroem nossa identidade, mas são os
erros, principalmente, com os quais aprendemos a nos tornar
pessoas melhores, que nos motivam a crescer e nos impulsionam a
nos desafiar. Logo que assumimos publicamente nosso
relacionamento, pouco depois do casamento de Gustavo e Liliana,
eu endossei a decisão de expansão no mercado europeu dos
Vinhos Salomon, que custou meio milhão de dólares aos cofres da
nossa vinícola, da qual meu primo Fabrício é o gestor principal.
Atrasamos em uma semana a entrega da safra. Aquilo foi um
duro golpe no meu ego de CEO Executivo da Salomon & Salomon.
Meus irmãos e meus primos não criticaram meu deslize. Nunca
fariam isso. Eles me veem como um líder e apoiam minhas
escolhas, mas eu me senti péssimo. Desperdiçar dinheiro, uma
perda de recursos que poderiam capitalizar nossos negócios ou
serem investidos nas fundações que mantemos é algo inconcebível
para mim.
Eu errei. Errei feio mesmo. Lógico que sei que nossa fortuna
gira em torno de trezentos bilhões de dólares e esse montante não é
significativo se considerado o nosso patrimônio. Mas aprendi com
Roger e Homero Salomon, meu pai e meu avô que já nos deixaram,
que dinheiro nunca é um fim. É um meio pelo qual tornamos a vida
da nossa família, de nossos acionistas e, principalmente, das
milhares de famílias das pessoas que trabalham para nós mais
segura, mais plena. Esta é a minha responsabilidade. Foi por isso
que o comando da empresa veio para minhas mãos, e não para o
filho mais velho. O próprio Gustavo sempre achou esta a decisão
mais acertada. Nosso pai e avô enxergaram além. Eles identificaram
a área que cada herdeiro Salomon prosperaria mais e, a mim, coube
a palavra final em qualquer acordo, nova sociedade ou impasse,
dentre todos os ramos de negócios que leva o nosso sobrenome,
seja dentro, seja fora da Torre Salomon, em nosso país ou pelos
outros vinte e seis países pelo mundo.
E foi a minha Luna que me fez enxergar que fracassar em
algo não é difícil, mas, necessariamente, não é algo, de todo, ruim.
Ela me disse:
— Você acabou apenas aprendendo uma forma de não fazer
aquilo e agora está mais perto de fazer certo da próxima vez. Você
vai analisar as opções que tem agora, encontrar um novo jeito e vai
se surpreender ao perceber que esse novo jeito pode ser ainda
melhor que o anterior. Fabrício está te esperando hoje à noite para
falar sobre a solução.
— Luna, está sugerindo que eu vá para Itália hoje? Tenho
outras demandas para atender na torre.
— Não. Eu mandei mensagem ontem que estava enviando o
seu jatinho, e ele chega em algumas horas. Vai ficar hospedado na
sua casa.
Ela... sorrio sozinho, pensando nessa conversa. Ela é assim.
Sempre dois passos à frente de todos. Eu sempre a admirei como
assistente-executiva do meu irmão Gustavo. Sempre a admirei
como profissional. Como ela conseguia dobrar o meu irmão mais
velho usando apenas seus argumentos lógicos e sua inteligência.
Mas conhecê-la melhor me fez ver que o relacionamento que eu
tinha antes não me fazia feliz. Eu nunca usaria Luna como uma
régua para medir e comparar as mulheres que já passaram pela
minha vida. Tive bons momentos ao lado de todas e espero ter
proporcionado o mesmo a elas.
Para mim, isso era suficiente, estar com uma mulher divertida,
com quem pudesse estabelecer uma conversa estimulante e, entre
quatro paredes, sexo ardente. E eu admito que, vez ou outra,
apenas o sexo ardente já é suficiente par mim. Isso me bastou em
minha vida adulta até pouco tempo atrás.
Mas feliz, feliz de verdade, a ponto de não imaginar minha
vida sem uma mulher, feliz na proporção de querer viver para fazer
essa mulher sorrir pra mim, só assim eu sou feliz desse jeito.
Eu não apenas quis fazer dela minha mulher, minha esposa,
eu precisava tê-la ao meu lado. Essa é a verdade. E, como sou
afortunado por ter uma mulher tão formidável, com a mente tão
brilhante, gentil, doce, linda e…
Puta que pariu! Gostosa pra caralho... Meu pau acorda
imediatamente só de lembrar nós dois juntos na pequena banheira
do apartamento de Luna alguns dias atrás, antes dessa viagem. O
sexo nunca foi tão bom.
E ela aceitou ser a minha companheira para o resto da vida.
Eu aprendo com ela todos os dias.
Me apaixono por ela um pouco mais todos os dias. Eu me
sinto como um adolescente, às vezes pensando nela e fazendo
planos do que quero conquistar ainda na minha vida e com ela ao
meu lado.
É assim que vislumbro o meu futuro, com a mulher que eu
amo mais do que tudo ao meu lado. Minha parceira em tudo que eu
decidir fazer. E quero ser o mesmo para ela.
Quando temos para quem voltar, a volta para casa se
transforma em volta ao lar, ao lugar onde pertencemos de verdade.
Assim, que homem no meu lugar, tendo essa mulher incrível à
sua espera, não iria se desdobrar em dois para agilizar as reuniões
com os fornecedores italianos e ter a chance de antecipar o retorno
em um dia?
Quero fazer uma surpresa para minha noiva, por isso me
seguro para não a avisar que, em menos de uma hora, estarei em
casa, envolvendo-a em meus braços e sentindo o cheiro delicioso
de seus cabelos encaracolados.
— Podemos desembarcar, senhor Guilhermo — diz Rupert,
meu piloto particular. Eu agradeço o aviso e pego minha maleta, a
única bagagem de mão que carrego. Vejo que dois homens já estão
colocando as minhas malas no carro que vou usar para chegar em
casa. Dou um bocejo sonolento e confiro as horas em meu relógio
de pulso. Ainda não é nem 1h, mas a verdade é que estou
esgotado. O voo, que geralmente leva cerca de 9h, levou quase 15h
por conta de uma tempestade que pegamos na Cidade do México
pouco depois de embarcarmos. Fizemos um pouso emergencial em
um aeroporto vizinho e tive que ficar por 3 horas no avião até
recebermos autorização para nova decolagem.
Afasto todas essas preocupações passadas de minha cabeça.
O importante é que cheguei. Respiro profundamente e sinto o ar
seco do Brasil. Poderia me causar incômodo, mas anseio tanto
chegar em casa que só consigo sentir alegria.
Não vejo a hora de encontrar Luna.
— Para onde vamos, senhor? — O chofer me aguarda para
entrar no carro.
— Ah, Luís, eu agradeço, mas vou dirigindo dessa vez.
Ele me olha com desconfiança. Sempre que chego de viagem,
Luís é quem conduz o carro até a residência. Porém, quero passar
em uma padaria excelente que conheço e levar uma torta de frutas
vermelhas que Luna adora. É claro que o meu motorista particular
não faria nenhuma objeção quanto a essa parada, mas é algo tão
particular que quero fazer sozinho. Quero fazer o trajeto sozinho,
ouvir as músicas que eu e Luna amamos — mais ela do que eu, eu
confesso — e encontrá-la com a torta em mãos sem que o motorista
nos presencie.
— O senhor tem certeza? — pergunta Luís, um homem de
descendência oriental que tem braços largos e um sorriso muito
gentil.
— Sim, Luís. Tire a noite de folga. Não precisarei de ajuda
hoje.
Ele acena com a cabeça e me entrega as chaves de minha
Land Rover. Eu entro no carro e ligo o som para ver o que estava
tocando. Beyoncé começa a cantarolar com animação e sorrio por
pensar que Luna usou o meu carro — e foi ela quem deixou a
playlist pop engatilhada. Também sinto o perfume doce que ela usa
tomando conta do meu carro. Tudo ao meu redor me lembra ela e
não poderia ser diferente.
Dou partida no carro e me surpreendo por saber cantarolar o
refrão de Halo. Eu vou assoviando enquanto Beyoncé, ou
simplesmente “B.K.”, como Luna diz, continua a dizer suas frases
com dicção perfeita. Rio novamente quando me lembro da
intimidade com que ela trata todas as divas pop. Às vezes, quando a
escuto falar sobre o novo projeto de Mariah Carey ou sobre os
problemas pessoais de Adele, parece que estou escutando sobre
suas melhores amigas da faculdade. Luna tem um jeito incrível de
tornar tudo real, palpável. Nem mesmo as divindades da música
estão distantes quando ela fala. Ela torna tudo... possível. Eu
suspiro de paixão. De amor.
O suspiro é seguido por um novo bocejo. Meus olhos estão
ardendo de sono, mas a viagem até minha casa é curta,
especialmente em um domingo à noite, quando não há quase
movimento algum na estrada. Então, simplesmente sigo em frente
ansioso para encontrar a mulher que amo e tomá-la em meus
beijos, matando a saudade que está me consumindo.

Eu devo ter rodado pelo menos uns 24 km, mas percebo que
perdi parte desse trajeto. Devo ter cochilado sem perceber. Encaro
meus olhos no retrovisor para ver como estou e me deparo com as
olheiras imensas que se formam abaixo da minha pálpebra inferior.
Aumento o som enquanto Katy Perry canta sobre meninas
californianas com a intenção de que o volume me ajude a ficar
acordado, mas isso não é o suficiente.
Consigo imaginá-la nitidamente diante de mim. Luna me
estende a mão e sorri enquanto me puxa para perto de si, com
sempre faz. Ela está usando um vestidinho curto de verão de fundo
azul e pequenas margaridas repetidas em todo o tecido. Ela não fala
comigo, mas abre a boca em uma gargalhada silenciosa. Eu sinto
seu toque suave em minha pele e beijo sua mão de leve, depois a
puxo para perto e tento beijar o seu pescoço, mas ela se esquiva de
leve e solta mais uma gargalhada. Estamos na sala de meu
apartamento, mas a decoração é completamente outra. Pela janela,
posso ver o sol brilhando e ele invade meus olhos, me cegando
temporariamente. Não consigo mais ver o rosto de Luna, mas agora
consigo ouvir sua voz.
— Meu amor. Acorde! Agora! — Sua voz vai de um tom doce
e delicado para uma urgência assustadora.
Abro meus olhos e avisto um carro surgir de repente em alta
velocidade vindo em minha direção na contramão, como se o
motorista estivesse com dificuldades de controlar o veículo. O
motorista tenta desviar, e é como se o tempo desacelerasse e tudo
se passasse diante de mim em câmera lenta. A estrada é cercada
por muralhas de terra, algumas árvores de um lado e um precipício
do outro. Eu estou no sentido certo, o outro motorista que está
errado, vindo em minha direção.
Não consigo agir rapidamente, minhas mãos não funcionam
com a agilidade que eu gostaria. Não com a agilidade que eu
preciso. Viro o volante para evitar o choque de frontal, mas a colisão
do outro veículo batendo na lateral do meu violentamente me tirando
da estrada e me arremessando contra a árvore é inevitável. Sei
disso naquela fração de segundos e freio bruscamente antes do
impacto e o mundo gira ao meu redor. Ouço o sinal do alerta de meu
carro disparar automaticamente após o choque. Meu corpo voa ao
ser projetado para fora do carro e sinto os estilhaços de vidro
criarem pequenas bolhas de sangue em meu rosto. Protejo
instintivamente meu rosto cobrindo como dá com minhas mãos e
braços antes de meu corpo cair pesadamente no asfalto e de
apagar completamente.

— Se ele estivesse usando cinto de segurança, sem dúvidas,


as consequências do acidente teriam sido menos graves, mas
temos que comemorar que ele sobreviveu. — Ouço uma voz
estranha ao fundo. Meus olhos ardem quando os abro e tento me
acostumar aos poucos com a luz clara que invade minha visão.
Estou tonto, mas apuro os ouvidos para escutar o chiado de
máquinas hospitalares.
— Ele está despertando. — A voz é feminina. Não reconheço
imediatamente, mas avisto Liliana, esposa de meu irmão, se
aproximando de mim. — Oh, Guilhermo, estávamos tão
preocupados com você.
— Por favor, tenham calma. Nós retiramos o coma induzido
porque houve, sim, uma diminuição do inchaço cerebral, mas ainda
é um quadro muito delicado. Eu vou pedir agora que se retirem para
que possamos examiná-lo melhor — diz uma médica em direção ao
meu irmão Gustavo.
— Claro — responde. Gustavo se aproxima da maca e segura
minha mão. — Os médicos vão cuidar de você, Gui, mas estamos
todos aqui. Eu, Homero, Edgard, Conrado… estamos com você,
irmão. — Ele beija as costas de minha mão com gentileza. — Túlio
e Fabrício estão aqui também, mas, para o quarto não ficar muito
cheio, ficaram lá fora com Arturo.
— O que… o que houve? — pergunto, ainda confuso. — Onde
eu estou?
— Você sofreu um acidente, Guilhermo. — Quem fala é meu
irmão caçula, Homero. — Foi grave, mas está tudo bem. Estamos
aqui e cuidaremos de tudo para que se recupere o quanto antes.
— Arturo nos permitiu ficar aqui com você — diz Conrado. —
Ele tem contatos nesse hospital e pudemos acompanhá-lo em
tempo integral, revezando para ter sempre um de nós em sua
companhia.
— Quanto tempo eu apaguei? — Essa é a pergunta que me
vem à cabeça. A última memória que tenho é das luzes de meu
carro rodopiando enquanto eu mesmo era arremessado para fora do
veículo. Eles se entreolham antes da resposta.
— Treze dias — diz Homero.
Todos estão abatidos. Imagino como se desdobraram para
estarem aqui e mais ainda o quão preocupados ficaram para
abandonarem suas tarefas em meu cuidado.
TREZE DIAS? Meu corpo treme inteiro com essa notícia. Faz
quase duas semanas que estou nessa cama de hospital. Penso em
Luna e em todo o sofrimento que ela deve ter vivido nesse tempo.
Me movimento com rapidez para arrancar os aparelhos presos ao
meu peito e meus braços.
— Luna…, preciso ver a Luna — digo, entrando em pânico —
Nosso casamento… Eu não deveria estar aqui… Ela deve estar...
— Calma, Gui. Calma. — Gustavo diz rapidamente, tentando
me manter na cama.
— Guilhermo, preciso que se acalme. Você acabou de sair do
coma, há muito o que examinar e conversar — diz a mulher de
jaleco, que presumo ser a médica que está me atendendo. Vejo o
seu nome no crachá: Rosana.
— Mas eu quero… eu preciso vê-la... — Tento me mexer e
percebo que simplesmente… não consigo. Embora meus braços
respondam a minha vontade, as minhas pernas...
Eu simplesmente não as sinto.
— Como ele está? — A voz é de meu tio Arturo. Ele entra
rapidamente no quarto e traz uma lanterninha em mãos que usa
para verificar meus olhos.
— Luna... — digo apenas, ainda tentando entender tudo o que
está acontecendo.
— Guilhermo, me escute — meu tio começa a falar —, Luna
está aqui, assim como toda a família. Estamos reunidos aqui. Eu
preciso que você se acalme.
— Tio... — Seguro o braço de meu tio com força, implorando
por respostas, então a vejo. Luna chega acelerada ao meu lado. Ela
segura minha mão e vejo seus olhos inchados de tanto chorar.
— Meu amor. — Ela beija meu rosto com carinho enquanto
acaricia meu cabelo. — Vai ficar tudo bem, Guilhermo. Eu vou
cuidar de você. Todos nós vamos. Estamos aqui por você, com
você.
A médica que está no quarto se aproxima com cautela.
— Guilhermo, nós vamos pedir para sua família sair agora
porque precisamos realizar alguns exames, mas estamos todos
muito felizes em vê-lo despertar.
— Quanto tempo a anestesia ainda dura? — pergunto para a
médica. Ela me olha com curiosidade, depois encara meu tio por
alguns segundos. — Eu não consigo sentir as minhas pernas —
continuo.
— Guilhermo, você...— meu tio Arturo começa a falar, mas
Gustavo se coloca a sua frente, tocando seu ombro de leve. Ele
pede a palavra para me dar a pior notícia que poderia receber, e
ouço as palavras saírem abafadas e truncadas de sua voz, como se,
de repente, eu fosse lançado dentro de um poço escuro e gélido.
— Meu irmão...— Gustavo segura minha mão quando diz isso.
Luna explode em um choro pesaroso, e ele segura a mão dela
também. — Infelizmente, o acidente que você sofreu foi muito grave
e todos os exames feitos até agora indicam que você perdeu o
movimento das pernas.
Eu ouço a notícia e minha cabeça gira. Luna tenta se esforçar
para parecer forte, mas vejo tanto sofrimento em seus olhos que
isso me perturba de um jeito que nem sei mensurar. Vê-la sofrer por
minha causa me traz muito mais que angústia, é quase uma dor
física. Meus irmãos dizem que ainda existe esperança de que eu
volte a andar após fisioterapia e cirurgias e a médica reitera as
possibilidades com dados clínicos.
Eu me viro para Luna como se somente ela existisse naquele
momento, como se precisasse da confirmação dela e de olhar em
seus olhos para saber que tudo aquilo não passava de um
pesadelo, mas as lágrimas já correm por seu lindo rosto e eu tenho
a confirmação da pior notícia que já recebi na vida:
“Então, é mesmo verdade... Eu estou paralítico”.
O cheiro de limpeza e soro me enjoa um pouco. Apesar de ser
um odor agradável, ele é característico e não me deixa fugir da
realidade: estou internado. Estou aqui, deitado nesta cama, sem
qualquer previsão de alta. Mas ainda pior é imaginar que estou
preso nesta cama, impossibilitado de controlar minhas pernas, de
me levantar e de ir embora por conta própria.
Minha família está toda reunida no hospital. É comum que
meus irmãos e meus primos se reúnam sempre que há um
problema. A família Salomon é conhecida por sua união, por manter
os laços fraternos e o afeto familiar sempre acesos, independente
do que aconteça. Eu gostaria que isso fosse suficiente para me
alegrar agora, mas, no momento, não consigo vislumbrar qualquer
sinal de felicidade.
O que farei daqui pra frente?
Minutos antes, eu estava cercado por todos eles, por todas as
pessoas que realmente importam para mim. Eu me senti confuso ao
perceber que não há qualquer firmeza em minhas pernas. Um vazio
se instalou no meu peito. Meus irmãos tentaram me acalmar e me
dizer que tudo ficará bem, mas é difícil acreditar.
Meu corpo treme e uma sensação de impotência me
consome. Como um homem que sempre esteve no controle de sua
vida, agora me vejo diante da realidade de não conseguir nem
mesmo caminhar.
A porta do meu quarto se abre e ouço passos vindo em minha
direção. Uma mulher esguia, vestida de branco e com um coque
robusto preso ao topo da cabeça, me observa enquanto faz
anotações em uma prancheta. Com a visão levemente ofuscada
pela luz branca do hospital, consigo ler seu nome: doutora Marilice
Garbero. Há mais duas pessoas com ela, que julgo serem seus
residentes.
— Boa noite, Guilhermo. Como está se sentindo? — diz com a
voz doce. Eu pisco algumas vezes sem saber como responder.
“Impotente” seria a palavra certa. “Desesperado” também caberia
bem. Mas me mantenho em silêncio. — Esses são Lucca e Maitê.
Eles fazem parte de minha equipe de confiança e vamos
acompanhar o seu caso de perto. Eu posso convidar sua família
para se juntar a nós? Gostaria de conversar com todos.
Aceno que sim com a cabeça. No entanto, sei que minha
resposta é um grande “tanto faz” nessa situação. Tudo aqui parece
fugir ao meu controle, ainda assim, sou grato pela médica fazer a
solicitação. Um dos médicos que ela me apresentou, que antes
julguei ser um residente, caminha até a porta e a abre. Luna entra
imediatamente no quarto e caminha até mim, tentando manter a
calma. Imagino que ela estava grudada na porta tentando ouvir o
que a médica me falava, tamanha rapidez com que ela entra.
Consigo esboçar um sorriso ao vê-la e imaginar a cena de sua
orelha grudada na porta de madeira.
— Meu amor...— Ela me abraça com afeto. Tento retribuir,
encostando um pouco a cabeça em seu peito, mas é difícil me
mover com tantos fios e aparelhos ligados a mim. Em seguida, vejo
outros rostos conhecidos: Conrado, Edgar, Liliana, Gustavo..., estão
todos aqui.
— O acidente foi bastante grave — a médica começa a dizer
—, mas estou feliz que conseguimos trazer Guilhermo de volta. De
qualquer forma, a lesão na coluna lombar é bastante séria e por isso
ele não consegue mover as pernas no momento.
— Quanto tempo isso vai durar? — Luna pergunta, mas se
interrompe rapidamente. É como se ela estivesse fazendo uma
pergunta proibida na escola dominical, uma pergunta afrontosa e
desrespeitosa. Todos se olham com tensão, mas eu permaneço
impávido.
— Não é possível precisar — responde a outra médica,
anteriormente apresentada como Maitê. Ela é negra, tem o cabelo
curto, quase raspado, usa um batom discreto e tem olhos muito
atentos. — Estamos analisando o quadro para entender melhor
quais são as alternativas de tratamento, mas já temos alguma noção
dos danos. Felizmente...— a médica puxa um exame de imagem em
que posso ver o raio-x de alguns ossos. Eles parecem disformes em
alguns pontos, mas sou leigo demais para interpretá-los. Ela
posiciona o exame em uma placa luminosa presa à parede e
acende para que todos possamos enxergar melhor —, felizmente,
Guilhermo não teve qualquer fratura na região cervical. Isso poderia
causar uma paralisia total do corpo a partir do pescoço.
Todos soltam a respiração após a explicação tensa, mas eu
continuo inerte. Ainda assim, não consigo mover minhas pernas,
não vejo como a comparação possa ser boa para mim.
— No entanto — a médica continua —, a lesão na lombar
compromete as pernas, que é o que ocorreu aqui. — Ela aponta
para as minhas pernas usando uma caneta esferográfica que está
em sua mão. — Identificamos fraturas nas vértebras L1, L3 e L4 e
danos menores na L2 e L5. — A médica continua apontando para a
imagem, mostrando os pontos danificados. Ouço Luna fungar e sei
que ela está chorando, embora tente disfarçadamente secar as
lágrimas.
— Os danos causados por essas lesões podem ser
temporários ou permanentes — complementa a Dra. Marilice.
— Por isso não conseguimos prever o prazo para uma
recuperação. Nem mesmo se haverá uma recuperação integral. —
Maitê me encara com profissionalismo. Ela está acostumada a dar
más notícias, mas, ainda assim, consegue adotar um olhar empático
e solidário quando nos dá essa notícia.
Eu não me mexo na cama hospitalar. Continuo imóvel,
sentindo um frio na barriga enquanto as palavras passeiam por mim.
É quase como se eu fosse um espectador, como se nada daquilo
fosse sobre mim. Tento me projetar para fora daquele quarto, para
longe daquela situação.
Lembro de minha infância, eu e meus irmãos brincando
livremente na fazenda de nossa família. Consigo ver Homero
cuidando de um passarinho, enquanto Gustavo chora porque ele
está com a asa quebrada, e nosso irmão caçula concentrado em
tratar da ave, demonstrando seu talento para veterinária desde
sempre. Eu sorrio ao longe enquanto tiro sarro de Gustavo, que está
tão assustado com a cena. Nós éramos livres. Nós éramos felizes.
Eu era inteiro.
Uma lágrima se projeta, mas eu engulo o choro. Não quero
parecer fraco e parecer revoltado. Eu apenas preciso entender a
minha condição, compreender o que está acontecendo e descobrir
quais são as alternativas a partir daqui.
— Como, exatamente, eu vou ficar? — pergunto. A minha voz
sai rouca e ressecada, afinal, eu estava em silêncio há muito tempo.
Todos olham para mim surpresos com minha manifestação. Agora
quem toma à frente é o Doutor Lucca, um rapaz jovem, de porte
atlético e gentileza no olhar.
— As dificuldades relacionadas à sua lesão podem variar
bastante, Guilhermo. Não ter força e controle nas pernas é o sinal
mais evidente. Porém, você também pode ter descontrole no trato
intestinal e urinário, bem como a função sexual. A coluna vertebral e
a medula espinhal são muito sensíveis e as lesões costumam afetar
esses fatores.
Ótimo. Eu não apenas parei de andar, mas também me tornei
um bebê. Provavelmente precisarei de fraldas e cuidados para
coisas do dia a dia, como banho e ir ao banheiro. Sinto meu coração
se apertar com a notícia. A vida inteira, eu fiz questão de manter o
controle das coisas, sempre tive controle sobre tudo o que acontece
na empresa e na minha vida pessoal. Nunca precisei que meus pais
fossem até a diretoria da escola, nunca levei sequer uma multa de
trânsito... e agora, eu simplesmente dependerei de alguém para as
minhas necessidades biológicas. Luna aperta a minha mão de forma
carinhosa, deixando claro que ela está ao meu lado e que
permanecerá ali enquanto eu precisar. Sinto todo o seu amor nesse
pequeno gesto e sou grato por tê-la comigo, mas me sinto obrigado
a soltar sua mão com cuidado, sem querer parecer desdenhoso. Eu
apenas não consigo aceitar que agora ela terá que cuidar de mim
como se fosse uma criança completamente dependente.

— Eu posso conversar a sós com os rapazes? — pergunto


para Luna quando os médicos se retiram da sala após todas as más
notícias.
— Você está se sentindo bem para isso, meu amor? — ela
pergunta com doçura. — Posso ficar e lhe ajudar com alguma coisa
que você...
— Por favor, Luna. Eu quero falar com eles sobre algumas
coisas da empresa. É uma conversa particular.
Ela me observa com atenção. Se bem a conheço, Luna está
pensando em milhares de coisas para dizer agora e alertar que não
preciso falar disso agora, que existem coisas mais urgentes a serem
tratadas – como minha saúde e bem-estar. Não é à toa que a aceitei
como assistente pessoal assim que Gustavo a contratou e a indicou
para o cargo. Luna é prática e consegue organizar uma lista de
prioridades em questão de segundos. Mas ela também é humana.
Muito humana. E foi por isso que me apaixonei por ela. Portanto, sei
que ela vai me dar o espaço que preciso sempre que eu pedir.
— Estou bem aqui fora se precisarem de mim. — Ela beija
meus lábios com delicadeza, como se qualquer mínima pressão
pudesse me ferir ainda mais, e se afasta, tocando o ombro de meus
irmãos conforme passa por eles.
— Também estarei aqui fora — diz Liliana, beijando meu irmão
Gustavo. Em seguida, ela se retira acompanhando Luna, mas não
sem antes se aproximar de minha maca e apertar minha mão num
claro sinal de cumplicidade.
Permanecemos no quarto eu, Edgar, Gustavo, Homero,
Patrício e Conrado. Assim que ficamos a sós, eu começo a dar
diretrizes sobre os cuidados com a empresa.
— Gustavo, preciso que você continue negociando com os
investidores irlandeses. A negociação está em um excelente
andamento e confio em você para...
— Guilhermo, nós não precisamos falar disso agora —
Gustavo começa a dizer. — Vamos focar em sua recuperação.
— Minha recuperação? A empresa não pode parar porque eu
me acidentei. — Tento não parecer grosseiro, mas não sei se
consigo segurar a ira em minha voz. — O mundo lá fora continua a
girar apesar disso. — Aponto para minhas pernas imóveis cobertas
por um lençol fino.
Uma tensão reca sobre o quarto. Eu sei o que todos estão
tentando fazer aqui: cuidar de mim. É assim que as coisas
acontecem na minha família desde sempre. Os membros da família
Salomon cuidam uns dos outros. Foi assim com Gustavo, quando
sofreu queimaduras na infância. Foi assim com Patrício, quando
perdeu a visão. E será assim comigo.
Mas eu não quero.
Eu sou grato a todos por se preocuparem, mas não quero me
sentir um peso morto. Não quero ser mais um problema, mais uma
questão com a qual todos precisam lidar. Afinal, todos os meus
irmãos e primos têm seus próprios problemas..., eu me recuso a
somar trabalho a isso.
— Gui... — Edgar fala pela primeira vez. Meu irmão esteve
tanto tempo longe de casa que ainda estranho sua presença entre
nós. — Eu tenho certeza de que Gustavo conduzirá tudo com
excelência. Tente não se preocupar tanto com isso.
— E você — digo, ignorando seu último conselho —, assumirá
o meu cargo de diretor-geral da empresa. Quero que ocupe a minha
sala durante meu tratamento, trate diretamente com os investidores
que já temos e delegue os serviços aos demais.
Edgar reflete por um tempo. Todos nós sabemos que ele não
tem grandes interesses em ocupar um cargo alto na Salomon, que
prefere uma vida mais livre e longe de amarras. Por isso, a resposta
me surpreende.
— Eu darei o melhor de mim. Entendo a importância de fazer
isso agora e me sinto honrado em contribuir.
— Administração está no seu rol de conhecimentos — diz
Gustavo. — Acho que não terá qualquer dificuldade com isso.
— Gustavo terá muito trabalho para lidar com os novos
contratos e a integração dos novos investidores. Precisamos de
alguém de extrema confiança para tratar com aqueles que já são
nossos parceiros, e não consigo pensar em ninguém mais
capacitado, Ed — concluo.
Edgar acena para mim com ar confiante. Me sinto aliviado por
poder contar com todos eles para essa situação, e mais ainda em
saber que a empresa estará em boas mãos durante minha
recuperação.
— Mas isso será temporário — Edgar se antecipa. — Estarei
ao lado de Gustavo como CEO interino, apenas aguardando seu
retorno ao posto.
— Eu receio que não consiga contribuir com muito agora. Isso
tudo não estava nos meus planos, mas o futuro agora me parece
mais incerto do que nunca, por isso preciso deixar essas tarefas nas
mãos de vocês, no entanto, refleti muito sobre como amenizar as
obrigações, em especial as que recaem sobre Gustavo nesse
momento, e você tem formação e experiência para ajudar nessa
questão.
— Nós somos uma família! Estamos aqui para lhe dar suporte
no que precisar. Pode deixar que as coisas continuarão funcionando
perfeitamente na empresa — diz Conrado.
— Não queria isso, Conrado. Eu não consigo imaginar os
próximos dias, preso nessa cama sem poder ajudar você em tudo.
Eu, como um dos irmãos mais velhos, deveria cuidar de vocês,
garantir que tenham sucesso em suas carreiras e que tenham uma
vida calma e plena. Eu gostaria de me levantar, de sair daqui e dizer
a todos que estou bem, acabar com essa preocupação em vocês...
em Luna. — Começo a chorar, mas seco minhas lágrimas
imediatamente. Em minha família, homens nunca foram tolhidos de
seus sofrimentos. Nós aprendemos que está tudo bem se sentir
frágil e inseguro às vezes e que chorar não coloca a masculinidade
em jogo. Mas, quando me percebo aqui, diante de algumas das
pessoas mais importantes de minha vida, completamente indefeso,
eu me sinto tão assustado que tudo o que gostaria é de demonstrar
alguma força, alguma coragem. De repente parece que tudo foi
tirado de mim. Tantas famílias dependem de nós, de nossa
empresa. Eu não quero deixar essas pessoas à deriva...
— Nós estamos aqui — diz Edgar com calma. — Sei que tudo
parece muito confuso agora, mas estamos aqui. E vamos lhe ajudar
em tudo, cuidaremos da empresa sem reduzir quadro e sem alterar
nada. — Ele se aproxima de mim e coloca a mão em meu ombro.
Esse gesto simples me traz imenso conforto.
— E Luna também está. Ela ama você acima de qualquer
coisa e com certeza não medirá esforços até te ver bem — diz
Gustavo. — Acredite, meu irmão: é importante saber ser cuidado.
Digo isso por experiência própria.
É claro que eles estão certos. Eu tenho certeza de que terei
todo o amor e cuidado de Luna, independente da minha situação
física. Mas o medo que me assola é: será que eu ainda poderei
cuidar dela como prometi que faria?
Eu anseio pela nossa volta para casa. Não vejo a hora de ver
Guilhermo livre desses protocolos hospitalares. É claro que o
tratamento dele ainda vai se estender por muitos meses – talvez
anos –, mas só pelo fato de estarmos em nossa casa, nosso
espaço, já me sinto menos sufocada por toda essa situação. Pelo
menos, é o que eu imagino.
No entanto, sei que tudo ficou mais difícil agora que ele não
anda e que nossa rotina vai mudar muito. Ainda assim, tratei de
adaptar a casa ao máximo enquanto ele esteve hospitalizado,
contratei profissionais e assumi eu mesma algumas funções para
dar ao meu amor a maior autonomia possível.
Mas tudo é um processo de adaptação – e ele pode ser
demorado e cansativo. Por isso mesmo, estou focada em entender
quais são as alternativas de tratamento e em entender o que
exatamente os especialistas pensam do quadro de Guilhermo.
Estou sentada no banco de motoristas de meu carro, tomando
coragem para entrar no hospital e conversar com os médicos,
quando o aplicativo de mensagens toca em meu celular.
“Vai dar tudo certo”.
A mensagem é seca, mas eu sorrio quando vejo. Em seguida,
sobe uma carinha sorridente para quebrar o gelo. Posso imaginar
Evangeline do outro lado, tentando não soar tão séria enquanto
escreve essas mensagens. As meninas têm sido essenciais nesse
processo.
Liliana, Mackenzie, Mainara... todas elas estão prestando todo
o suporte de que preciso para encarar a situação atual. Mas
Evangeline tem sido especialmente cuidadosa. Ela me envia
mensagens de coragem, lembrando que posso passar por isso com
a cabeça erguida. Às vezes ela também me manda algum meme
perguntando como as pessoas podem rir de um gatinho vestindo
terno e gravata, e eu tento explicar para ela a ironia por trás dessas
comunicações. Isso acaba trazendo algum alívio para minha rotina e
me deixa um pouco mais tranquila. Estou perdida em meus
pensamentos quando ouço alguém bater no vidro do meu carro.
— Luna, como você está? — Abaixo o vidro e vejo Túlio,
primo de Guilhermo. Ele está com os cabelos levemente molhados
por conta de uma garoa fina que está caindo lá fora. Aceno com a
cabeça, indicando que estou bem.
— Alguma novidade? — pergunto, e Túlio diz que não com a
cabeça. Me sinto completamente impotente com a resposta.
Desde que Guilhermo sofreu o acidente, Túlio e Conrado
entraram em uma verdadeira busca implacável para encontrar o
causador do acidente. Eu me propus a ajudá-los e quero participar
ao máximo dessa procura. Não penso em vingança, nunca pensei,
mas, sim, em justiça.
— Luna..., você vai ter dias muito difíceis pela frente — diz
Túlio com a voz doce e agradável enquanto entra no meu carro e se
senta no banco do passageiro. — Deixe que eu e Conrado
prosseguimos com essa pesquisa, e você cuida apenas de
Guilhermo, o que acha?
Aqui vai uma verdade a meu respeito: eu não fujo de um
desafio. Sempre tive grandes habilidades para fazer pesquisas e
encontrar informações e pessoas quando preciso delas. Mas não
posso negar que estou exausta – e isso está apenas começando.
Encosto a cabeça no volante do carro, completamente destruída e
sinto as lágrimas brotando em meus olhos.
— Eu só queria poder ajudá-lo... de alguma forma.
— Você é a pessoa que mais pode ajudá-lo, mas precisa focar
nisso agora, nos cuidados com Guilhermo. Deixe que do resto, nós
cuidamos.
Aceito temporariamente a proposta de Túlio, mas não garanto
que ficarei completamente fora das buscas sobre o culpado. No
entanto, concordo que, por enquanto, preciso focar minhas energias
em ajudar no processo de adaptação até que ele finalmente receba
alta e vá para casa.
Quando entro no hospital, sou recebida com carinho por todos
os Salomon que já estão ali. Patrício e Mainara me abraçam
amorosamente e me sinto até esquisita, pois ele nunca foi de muito
contato físico, mas me sinto muito acolhida e protegida quando
estou ao lado deles. Em seguida, enxergo Conrado cochilando em
um banco da recepção.
— Ele revezou o plantão comigo ontem e deve estar exausto
— digo para Mainara.
— Sim, mas você também está muito cansada. Nada mais
justo do que ter um tempo livre para ir para casa, tomar um banho
quente e recuperar as energias.
— Quem vai assumir agora os cuidados?
— Acho que a escala é de Edgard, mas gostaria de tomar a
vez. — Nós fizemos uma escala muito organizada para que
Guilhermo esteja amparado e acompanhado 100% do tempo.
Apesar de o hospital contar com excelentes profissionais, no
momento, ele prefere ter a família ao lado. Principalmente quando o
assunto é banho ou cuidados pessoais. Ele jamais aceitaria que
estranhos façam isso por ele. Na verdade, tem sido complicado até
para nós.
— Eu ficarei essa noite — diz Gustavo, se aproximando
calmamente de nós. — Você precisa guardar energias para quando
finalmente ele receber alta, Luna — completa antes que eu consiga
protestar. Ele tem razão. Se está difícil agora, não imagino o que
está por vir. Ainda assim, não consigo deixar de ser grata por
Guilhermo ter sobrevivido. Por isso, respiro fundo, crente de que
darei conta de qualquer que seja a dificuldade a enfrentar.
— Uma pessoa pode entrar para visitar Guilhermo Salomon —
a enfermeira anuncia no balcão de recepção. Todos nos
entreolhamos para chegar a um acordo silencioso sobre quem vai.
— Vai você — diz Homero com a voz rouca. Ele é um dos
mais dedicados e tem feito plantão no hospital em tempo quase
integral. — Talvez ele goste de te ver, Luna.
Todos concordam, então me dirijo até a porta do quarto e abro
com cuidado. Guilhermo está desperto, com olhos abertos e
encarando o teto com concentração. Se ele não estivesse cheio de
tubos e fios, poderia jurar que está observando um céu estrelado,
mas tudo o que ele vê é a tinta fresca e impecável do quarto de
internação.
— Olá, meu amor. Cheguei — digo para chamar sua atenção.
Ele vira a cabeça em minha direção e dá um meio-sorriso. Confesso
que esperava uma reação mais expansiva, mas não posso cobrar
absolutamente nada de Guilhermo agora. — Como você está se
sentindo? — Dou um beijo delicado em seus lábios e sinto o calor
de Guilhermo se misturar ao meu. Sou preenchida por um amor
imenso.
Ele respira fundo antes de responder, como se pensasse em
qual resposta é possível diante da atual situação. Imediatamente me
arrependo de ter perguntado.
— Estou do mesmo jeito. Preso nesta cama.
— Guilhermo, eu... estamos todos aqui. Todos os seus irmãos
e seus primos estão ali fora. A família está reunida para lhe dar todo
o suporte.
— Eu sei. — Ele parece cansado. — É justamente isso o que
me incomoda. Todos têm suas próprias obrigações, seus próprios
sonhos e deveres... e de repente precisam reorganizar tudo por
minha culpa.
— Não é culpa sua. O acidente não foi uma escolha,
Guilhermo. Não encare as coisas dessa forma.
— Luna, eu não consigo ser como você. Não consigo ver o
lado bom de tudo.
— Você não precisa! Eu posso fazer isso por nós dois..., só
me deixe cuidar de você.
— Não! — Seu tom de voz e imperativo. — Eu não quero ser
um fardo. Eu peço, por favor, que você não venha mais ao hospital
me visitar...
— O quê? De forma alguma! Estarei aqui todos os dias desde
o raiar do sol à noite.
— Luna, por favor..., sejamos razoáveis. Você não pode
perder tempo aqui comigo. Além disso, não há nada que nenhum de
vocês possa fazer para me tirar dessa cama. — Sinto um ar de
tristeza e fadiga em sua voz. Guilhermo está exausto e penso no
quanto isso tudo é difícil para ele.
— Guilhermo, eu quero que entenda que isso o que aconteceu
não muda em nada o que sinto por você. É por isso que você não
pode me proibir de vir aqui, porque eu amo você.
— Então você precisa parar de me amar. — Ele respira fundo
quando percebe o impacto de suas palavras sobre mim. — Eu não
quero mais falar sobre isso, Luna. Se você insistir em aparecer aqui,
darei ordens definitivas para que proíbam sua entrada.
— Você não seria capaz... — digo, sentindo uma ardência em
meus olhos. As lágrimas estão prestes a rolar e desconfio que não
consigo impedir que isso aconteça.
— Pague para ver. — Guilhermo não me encara. É por isso
que sei que não está falando honestamente. Ele apenas não
aguenta mais se sentir impotente. — Eu não quero você aqui.
— Guilhermo, deixe-me lhe fazer uma pergunta. — Consigo
sua atenção com essa frase. — E se fosse o contrário?
— O quê?
— Se fosse eu nessa cama, o que você faria? Você
simplesmente seguiria a sua vida como se nada estivesse
acontecendo? Se você disser que sim, que me abandonaria, então
eu saio por essa porta e nunca mais retorno, exatamente como você
pediu.
O silêncio entre nós é sepulcral e vejo que os olhos de
Guilhermo também estão mais brilhantes e mais úmidos. Ele está
prestes a chorar.
— Eu não sairia do seu lado nem por um minuto — responde
por fim, quebrando o silêncio.
— Eu sempre soube disso — digo, me aproximando e
beijando seus lábios com cuidado. — Mas precisava relembrá-lo de
que estamos aqui um para o outro. Juntos. Para sempre. — Acaricio
o seu cabelo com amor, ajeitando uma mecha que insiste em cair
pela testa. Guilhermo segura minha mão e a beija carinhosamente.
— Eu te amo, Luna. Apesar de muito teimosa, eu te amo. —
Finalmente suas lágrimas caem, e Guilhermo chora em silêncio,
abraçando meus braços como um garotinho amedrontado.
— Me prometa que nunca mais falaremos disso. Não existe
qualquer possibilidade de eu te abandonar — digo, deitando a
cabeça na sua. — Prometa, Guilhermo Salomon.
— Eu prometo. Mas você também precisa fazer uma
promessa. — Eu o observo com atenção. — Prometa que não vai
deixar de viver por causa do que aconteceu.
— Eu prometo — digo, oferecendo a ele o meu dedinho para
selar o juramento.
— E... prometa que vai me avisar se deixar de me amar.
— Guilhermo...— Uso um tom de voz repreensivo.
— Eu estou falando sério, Luna. Se isso acontecer, eu
vou...eu vou entender. Eu vou ser absolutamente compreensível. Só
não posso suportar que você viva uma mentira, uma penitência ao
meu lado.
Respiro fundo, sentindo uma dor no fundo do meu coração.
Ouvir essas palavras de Guilhermo me destrói um pouco. É claro
que não vou deixar de amá-lo por conta do que aconteceu. Mas sei
também que ele não vai acreditar nisso agora, nesse momento em
que está tão fragilizado e desestruturado. Então apenas assinto.
— Prometo.

A imagem não sai da minha cabeça. Eu fui um dos primeiros a


chegar no hospital quando Guilhermo deu entrada no CTI. Então,
ainda vejo seu corpo completamente danificado, o pescoço
imobilizado pelo colar cervical, o rosto cortado pelos estilhaços de
vidro. Cheguei no momento exato em que Guilhermo sofria sua
primeira parada cardiorrespiratória. Os médicos plantonistas
estavam conversando comigo quando receberam o alerta e
precisaram sair correndo, largando suas pastas para trás, para
tentar ressuscitá-lo. Essas imagens e a tensão daquele momento
nunca mais sairão de minha memória. Então, estou grato por vê-lo
ali, adormecido na maca, se recuperando. Apesar de todas as
marcas e da imobilidade das pernas, meu irmão está aqui, está vivo.
Patrício está comigo no plantão de hoje.
— Homero... Patrício...— Guilhermo nos observa pelo canto
de olho quando acorda. — Não sabia que vocês passariam a noite
hoje.
— Eu não ando dormindo muito bem. Então me ofereci para
ficar hoje. Além disso, é um prazer estar ao seu lado — digo com a
voz brincalhona, mas Guilhermo não sorri. Ele está muito sério. —
Patrício não vai ficar a noite toda.
— As enfermeiras estão quase colocando nós todos para fora
— diz Patrício. — Vou deixar Homero assumir à frente por hoje.
— E ela? Foi para casa? — Guilhermo pergunta sem nos
encarar. — Luna.
— Foi, sim, mas quase tivemos que escoltá-la até em casa.
Ela não queria arredar o pé daqui. Ela te ama muito, Gui...
— Eu também a amo. Muito. Por isso mesmo não quero que
ela passe por isso. Não quero que Luna carregue esse fardo agora
e abandone seus projetos para se dedicar a cuidar de mim. Eu
quero que ela se afaste.
— Você não pode fazer essa escolha por ela — quem fala é
Patrício. — E digo isso por experiência própria, irmão. — Ele
pigarreia, limpando um pouco a garganta.
— Mas nós tínhamos planos, Patrício. Luna é uma menina
jovem, saudável... quantas vezes não falamos em ter uma família
grande, filhos, netos... Como posso garantir esse futuro a ela agora?
Eu nem mesmo consigo tomar um banho sozinho.
— Guilhermo, Luna te ama acima de qualquer condição física.
A prova disso é o quanto ela tem se dedicado a você porque ela
quer, não porque é obrigada a isso.
— Eu não quero que ela se dedique! Quero que vocês façam
Luna largar isso de lado, que retome suas atividades e continue
vivendo a sua vida sem se preocupar comigo. Eu não posso mais
satisfazê-la... nem como companheiro, nem como amante...
— Irmão, eu sei exatamente o que você está passando.
Acredite: conheço bem essa dor — diz Patrício com a voz séria. —
Quando eu sofri aquele acidente, me perguntei se seria capaz de
amar novamente, e mesmo quando Mainara chegou trazendo
vitalidade e alegria para os meus dias, eu ainda não conseguia
aceitar essa felicidade. Mas... o que eu não percebi é que essa
felicidade também podia ser minha. Ela estava ali, na minha frente,
vibrando ao meu redor através do brilho de Mainara. E eu fugi disso,
fugi durante muito tempo... eu me isolei e hoje sei que essa foi a
minha maior cegueira: não enxergar e não aceitar o amor que me
dedicavam. — Patrício adquire um tom de voz gentil, mas sério. —
É só isso o que lhe peço, Gui: não se feche para o mundo, não entre
nesse abismo e não se deixe amedrontar por suas limitações.
— Além disso — agora quem fala sou eu —, o seu corpo vai
reagir aos poucos, Gui. Nada disso é definitivo. Posso falar com
propriedade. Sou médico também.
— Você é veterinário, Homero — Guilhermo fala com
seriedade.
— Exato. Ou seja, eu também lido com vidas! — Patrício
concorda ao meu lado. Guilhermo também esboça um sorriso em
concordância e fico feliz em conseguir esse feito. — Por falar nisso,
eu vi os seus exames e bati um papo com a médica que está
liderando a equipe... As projeções são muito positivas, Gui.
Especialmente no que diz respeito a sua função sexual.
Percebo que esse assunto em especial assusta meu irmão,
por isso sua atenção se volta para mim imediatamente,
— Vocês... falaram sobre o meu...
— Não! Não! Claro que não! Por Deus — digo, dando uma
gargalhada. — Nós falamos sobre a possibilidade de retomar uma
vida normal com o tempo, e a médica acabou tocando nesse
assunto. Ela acredita que, com o tratamento adequado, você pode,
sim, responder a alguns estímulos e manter uma atividade normal
para a sua idade, que, cá para nós, está bem avançada — digo com
tom de brincadeira e recebo um tapinha no meu ombro vindo de
Patrício, que está bem ao meu lado. — Vocês só vão precisar usar a
criatividade na hora H.
— Nesse ponto, Luna é excelente. — Guilhermo diz isso, e
todos rimos. Finalmente consigo ter um vislumbre de meu irmão de
volta, com seus comentários inteligentes e divertidos, no ar
dominante que ele sempre assumiu. Sinto um imenso afeto por ele.
— Eu sei que tudo parece muito difícil agora, Guilhermo. Mas
acredite em mim: você pode passar por isso. Tenha paciência e seja
gentil com o seu corpo que está enfrentando uma verdadeira guerra
nesse momento. Mas não esqueça de ser gentil também com a sua
mente — Patrício conclui.
— Só terão que ser criativos nas posições. Mas que
criatividade é algo que nunca faltou para Luna. — Esse comentário
atrevido faz com que todos riam e é a primeira vez que Gui ri depois
de tudo que aconteceu.

Existem algumas datas que ficam gravadas em nossa mente


para sempre. O casamento, o nascimento dos filhos, aquela viagem
dos sonhos...
Mas, no meu caso, há algo mais. A data do acidente de
Guilhermo é algo que vou relembrar com detalhes por muitos anos.
Talvez para sempre. Eu cheguei ao hospital minutos depois de
Homero. Meu irmão mais novo estava completamente em choque,
tomado pelo terror da situação.
Tudo era tão pavoroso que eu me sentia flutuando, quase
como se tudo aquilo fosse um imenso pesadelo, daqueles que te
arrepia a espinha e faz com que acorde completamente suado e
ofegante. Mas, aos poucos, as notícias foram chegando.
Ressuscitação.
Coma Induzido.
Cirurgias.
Eram tantas notícias por hora que não conseguia acompanhar
tudo. Aos poucos, as informações começaram a passar reto por
mim, eu já não associava mais nada, nem a intensidade, nem a
gravidade das coisas. Eu só queria saber de uma coisa:
— Meu irmão vai sobreviver?
Os médicos devem ter escutado essa pergunta umas 10 ou 15
vezes. Eu não queria saber mais de nada, só queria que eles
fizessem tudo o que podiam para manter Guilhermo conosco. E eles
o fizeram.
Eu estou parado olhando para Guilhermo há cerca de dois
minutos. Meu irmão está falando sem parar sobre coisas da
empresa, dados importantes sobre coisas que precisam ser feitas,
compromissos, viagens a serem canceladas ou adiadas,
investimentos. Eu presto atenção em tudo com um sorriso no rosto.
Guilhermo é um empresário exemplar, talvez o melhor do país.
Sei que para ele existem mil preocupações agora. Portanto,
me esforço para conseguir aliviar pelo menos uma delas: a
empresa. Por isso, passo a maior segurança que posso com relação
aos negócios da empresa e garanto que farei o meu melhor para
que tudo corra conforme o esperado.
Eu gostaria de oferecer mais soluções. Queria ter a
capacidade de tirar Guilhermo dessa cama e fazê-lo andar, retomar
a sua vida como antes, sem ter de lidar com tratamentos médicos.
Mas não consigo solucionar essas coisas, por isso foco em manter
Guilhermo mais tranquilo no que diz respeito à administração da
nossa empresa. Isso, sim, posso garantir a ele que dou conta, que
não precisa se preocupar.
— O quanto antes conseguirmos fechar essa parceria com a
gigante irlandesa, mais rápido conseguiremos angariar os parceiros
europeus que tanto almejamos e... — Guilhermo continua me dando
orientações a respeito da empresa. No fundo, ele sabe que eu tenho
bastante prática e conhecimento para assumir o cargo. No entanto,
sinto que ele precisa repassar essas orientações, pois isso é a única
coisa de que ele sente ter controle atualmente.
— Eu prometo que vai ficar tudo bem com a Salomon, Gui,
minha preocupação maior é com você, com seu bem-estar. — Tento
trazer Guilhermo para perto de mim de outra forma, para além dos
assuntos profissionais. Ele respira fundo e me encara com
seriedade.
— Um CEO vulnerável como eu pode colocar tudo a perder,
Gustavo. É por isso que me preocupo tanto com os assuntos
empresariais e preciso que você esteja comigo nisso. Se continuar
desviando o assunto para minha saúde, nunca conseguiremos
manter a empresa de pé e escalonando como está agora.
Eu assinto com a cabeça. Percebo que será realmente muito
difícil fazer Guilhermo encarar a situação da forma que precisa ser
encarada: colocando a sua saúde em primeiro lugar, e os negócios
da família em segundo plano.

Eu sempre enxerguei a vida por uma perspectiva mais


divertida. Para mim, levar as coisas numa boa era uma regra, um
mantra. Por isso, eu me julgo o mais “zen” de nós todos. Os
problemas passam por mim sem causar grandes estragos: se eu
posso lidar com eles e solucionar, bem. Mas, quando a solução está
fora do meu alcance, eu definitivamente não me abalo. Até esse
momento.
O acidente e o quadro de Guilhermo abalaram a nós todos.
Lidar com a gravidade do quadro foi realmente algo novo para mim,
e dessa vez não consegui ver o lado positivo das coisas.
Por que isso está acontecendo com a gente?
Digo “a gente” porque, na minha família, o problema de um
sempre afeta os outros. E essa não é a primeira vez que lidamos
com um acidente grave: Patrício já passou por isso. No entanto, ver
Guilhermo, o grande e poderoso Guilhermo, preso em uma cama de
hospital é algo pavoroso para mim.
— Você sempre foi o meu herói, Gui — digo para meu irmão
enquanto seguro sua mão com cuidado. É a minha vez de fazer o
plantão e sempre me preparo antes, decidindo quais temas
divertidos posso propor para nossas conversas, visando trazer um
pouco de descontração para a vida de Guilhermo.
— Eu não sei se consigo ser seu herói nesse momento,
Edgar.
Percebo o ar triste com o qual ele diz isso. Gostaria de gritar
que Guilhermo está errado, que ele continua sendo meu herói em
qualquer circunstância. Ele sempre será para todos nós. Guilhermo
sempre foi o irmão mais diplomático, aquele que sabia como
resolver os problemas, como evitar as broncas de nossos pais. Ele
via um problema e nunca fugia, por mais difícil que parecesse. Por
que agora ele parece tão amedrontado?
O seu medo me apavora. Se Guilhermo acredita que não pode
dar conta disso, será que eu mesmo posso dar?
— Eu sinto muito, Gui..., sinto muito por não estar ao seu lado
quando isso aconteceu. Eu...eu gostaria de estar lá, de impedir o
acidente, ou pelo menos de dividir esse fardo com você de alguma
forma.
— Não seja tolo...O que você poderia fazer? Parar o carro que
me acertou com o seu poder da mente? — Posso reconhecer um
pouco do meu irmão nesse tom de ironia. — Não há nada o que
podíamos ter feito para mudar isso, Ed. Por alguma razão que
desconheço, esse era o único destino possível para mim.
— Mas você não está sozinho.
— Eu sei, eu sei. Mas é difícil entender isso quando estou
aqui, preso nessa cama. Eu não queria que vocês tivessem que
lidar com isso. Você, Gustavo, Conrado... nenhum de vocês. Luna...
Sua voz pesa ainda mais quando cita o nome de sua amada.
— Ela é muito mais forte do que você pode imaginar, Gui.
Luna é realmente uma mulher muito resiliente. Eu sou muito grato a
ela por todo o suporte que tem nos dados nesse momento. Ela não
deixa a peteca cair e, mais do que isso, consegue nos levar para o
alto com ela. Luna foi fundamental para meu retorno — relembro. —
Sem ela, eu jamais teria voltado, jamais teria coragem de encarar
novamente a nossa família. Ela é muito mais forte do que todos nós
podemos imaginar.
— Eu não queria que Luna tivesse que ser forte. Eu queria
que ela apenas pudesse aproveitar a sua vida e sua saúde sem se
importar comigo.
— Você pode controlar muitas coisas, Gui..., mas não pode
controlar o amor de Luna por você. Isso é algo maior do que todos
nós somos capazes de calcular, e muito mais forte do que sua
teimosia.

— Só mais um pouco e prometo que paro de encher o seu


saco — insisto para que Guilhermo coma mais um pouco. Ele cerra
os lábios como uma criança malcriada, se recusando a mais uma
colherada do purê de batatas com salmão que o hospital preparou
para ele. — Gui..., você precisa se alimentar, precisa se fortalecer.
Só assim poderá voltar para casa.
— Voltar para casa para quê, Conrado? — A sua pergunta é
tão genuína que me acerta em cheio no coração. Ele sabe que não
é mais o mesmo, todos nós sabemos. E é praticamente impossível
imaginar como serão os dias de Guilhermo daqui pra frente. Mas o
que eu sei é que minha família está muito decidida a ajudá-lo em
todo esse processo.
Não poder ajudá-lo é algo que me machuca profundamente.
Guilhermo sempre fez tudo por nós. Ele sempre foi o irmão que
resolve os problemas, soluciona os embates e propõe as melhores
decisões. E agora, quando ele mais precisa de mim, eu me sinto de
mãos atadas. Ainda assim, não posso deixar de ser grato por todo o
suporte e a união de nossa família. Todos estão bastante envolvidos
em ajudar Guilhermo no que for necessário, e essa união é o que
nos mantém vivos, é o que me mantém vivo.
— Eu não posso saber o que você está sentindo, Gui.
Nenhum de nós consegue imaginar minimamente o que se passa
em sua cabeça agora. Bem... quase nenhum de nós. Patrício
enfrentou algo parecido...e veja onde ele chegou. — Trago a
lembrança de nosso irmão para que ele consiga comparar as
situações. As histórias são muito semelhantes e, quando não
acreditávamos mais que Patrício poderia superar a sua depressão e
voltar a viver, ele conseguiu encontrar em Mainara as forças para
isso.
— Patrício é um exemplo para todos nós..., mas são situações
completamente diferentes, Conrado. Ele ainda conseguia fazer as
coisas simples sozinho, como ir ao banheiro ou tomar banho. Eu
vou depender de ajuda para tudo...
— No começo, Guilhermo. Com o tempo, você também vai se
adaptar a essa nova condição. E não podemos esquecer que isso
pode ser temporário — digo para deixá-lo mais animado, embora as
expectativas dos médicos sejam de que ele realmente fique
paralítico para sempre. — De qualquer forma, o que você precisa
entender é que isso não te define e não te limita. Uma deficiência é
como um sinal, uma pinta na sua pele: algo que está ali, mas que
não diz quem você é, nem quais são seus potenciais.
— Você fala como se fosse algo muito simples... — Há mágoa
em sua voz. — Como é que eu posso ser o presidente de uma
empresa, o irmão e o marido ideal se eu não consigo dar conta de
pequenas coisas na minha rotina?
— Basta ser você, Gui. O que faz de você o nosso maior
exemplo é a sua força, a sua resistência, mas também o seu
caráter. Tá tudo bem não se sentir tão forte agora, se sentir
magoado ou triste. Todos nós estamos abalados. Mas você não
deve deixar isso te dominar. Eu sinto que nós falhamos enquanto
família quando deixamos Patrício se afundar na depressão e não
soubemos como trazê-lo de volta para nós. Eu falhei. Mas não vou
deixar que isso aconteça com você. Não vou deixar que você entre
nesse ciclo de autodepreciação por conta da deficiência. Eu estou
aqui, e estarei quer você queira, quer não.

Enquanto estamos todos reunidos no hospital esperando a


chance de visitar Guilhermo, sou tomado por uma série de
memórias. Algumas delas não são tão boas. Afinal, eu mesmo
estive nessa posição.
Passar tanto tempo em um hospital, receber o diagnóstico de
um quadro irreversível e ver toda a sua vida desmoronar em
questão de minutos não é algo simples. Mas, além disso, existe uma
dor muito específica: a dor de causar sofrimento a quem a gente
ama. Eu passei por isso durante muito tempo.
O meu afastamento da minha família aconteceu justamente
porque eu não queria que as pessoas sofressem comigo. Eu não
queria que elas pagassem pelos problemas que eram meus. E
agora imagino que Guilhermo está passando pelo mesmo.
— Eu sei no que você está pensando. — Mainara me abraça
quando percebe meus pensamentos perdidos. — É impossível não
lembrar de tudo o que você passou, não é mesmo? — Eu assinto
com a cabeça.
— Mas não são só memórias ruins. É claro que há muita dor,
mas também há você, que surgiu no momento mais difícil e me
ajudou a recuperar o amor pela vida. — Beijo o topo de sua cabeça
e sinto o cheiro doce de seu shampoo.
— Como você acha que será para ele?
Reflito sobre a pergunta. Na mesma hora, a médica indica que
posso entrar para visitação e me desvencilho com delicadeza dos
braços de Mainara. Quando entro no quarto, encontro Guilhermo
desperto. Sei por que ele fala meu nome assim que abro a porta.
Ele tem passado bem menos tempo adormecido. Uma coisa que
aprendi quando sofri meu próprio acidente é que não queremos
ouvir a clássica pergunta ‘Como você está?’
É claro que as pessoas perguntam isso de bom coração para
iniciar um diálogo de forma tradicional. Mas, para quem recebe a
pergunta, vem uma série de sensações. Guilhermo não está bem,
não está feliz, e ter que mentir sobre isso é apenas mais um fardo
que ele tem de carregar. Mas não comigo. Eu já passei por isso e
sei exatamente como está se sentindo agora. Por isso, começo a
conversa de outro jeito.
— Que bom encontrá-lo acordado.
Me aproximo da cama e toco seu ombro. Ele leva a sua mão
até a minha e retribui o carinho.
— Obrigado por vir.
— Nós não arredamos o pé daqui em nenhum momento, Gui.
Estão todos lá fora, esperando uma oportunidade de lhe ver.
— Eu sei... gostaria que não precisassem fazer isso.
Eu me sento na poltrona de acompanhante que o quarto
mantém. Felizmente temos condições de manter um excelente
convênio médico, o que permite maior conforto para todos nós.
— Eu sei como você se sente. Sei que a pior parte é essa
sensação de que as pessoas estão perdendo tempo de vida
enquanto se preocupam e cuidam da gente — digo sem qualquer
arrogância. Não quero que Guilhermo se sinta culpado pela forma
como reagiram ao meu acidente, mas, sim, que ele se sinta
amplamente compreendido por mim.
— Eu me preocupo com vocês. Eu nunca quis ser um fardo,
Patrício, nunca quis ser a pessoa que demanda cuidados. Desde
que nossos pais se foram, eu sempre quis assumir a outra ponta: a
de quem cuida. E, de repente, eu estou aqui...— Guilhermo começa
a chorar. Percebo pela sua respiração mais ofegante que ele tenta
disfarçar e não comento nada sobre isso.
— Gui, há algo que descobri quando estive nessa mesma
situação. Nós não podemos tomar as decisões pelos outros.
Quando reencontrei Mainara e me descobri completamente
apaixonado por ela, eu me apavorei. O que mais me dava medo era
o fato de que ela estava retribuindo ao meu amor e eu simplesmente
não achava que merecia isso. Como eu poderia exigir que Mainara
se doasse tanto por mim? — Respiro fundo e permaneço em
silêncio com essa reflexão. — Mas foi esse mesmo amor que eu
reneguei, que eu lutei tanto para afastar de mim, que conseguiu me
resgatar. No fim das contas, foi esse amor que me trouxe de volta
para a vida.
— Eu não sei como encontrar essa força em mim, Patrício —
diz Guilhermo com seriedade. Nunca vi meu irmão tão vulnerável
como agora.
— Você vai ter que se esforçar, e sei que agora isso é difícil,
porque você está exausto. Mas pode começar entendendo que
todos estão aqui porque querem estar com você, porque se
importam, e não há nada que você possa fazer agora para afastar a
sua família e a sua namorada. Nós escolhemos você, Guilhermo,
ainda que agora você não entenda isso. Não abriremos mão de
você.
Eu sempre enxerguei a vida de forma muito prática. Quando
me deparo com um problema, eu sempre analiso quais são as
possibilidades e corro atrás de soluções. Lamentar e me perguntar o
“por quê?” das coisas não faz muito o meu estilo. Por isso meus
irmãos, primos e amigos me consideram um elo forte, a parte
racional de suas vidas.
Mas agora isso não faz mais sentido para mim. Enfrentar um
acidente que me coloca nessa condição de deficiência também me
faz perder as esperanças lógicas. E isso se intensifica conforme eu
escuto as explicações médicas – ainda que os profissionais do
hospital se esforcem para dar um tom positivo aos seus recados.
— É bom ter vocês reunidos aqui — diz a Doutora Marilice
Garbero quando entra em meu quarto. Minha família está toda
reunida para receber informações fundamentais antes de finalmente
ter minha alta hospitalar. — Temos alguns recados e
esclarecimentos essenciais para essa nova etapa.
A tensão está no ar. Todos os olhares permanecem atentos
enquanto a médica tenta ser o mais didática possível para nos
explicar tudo o que está se passando com meu corpo e mais ainda:
explicar como nós poderemos lidar com isso.
Esse pensamento me aflige. Esse é um problema “meu”, não
“nosso”. Ao menos, deveria ser. Não quero ver minha família imersa
em meus dramas, se desgastando para cuidar de mim e garantir o
meu bem-estar. Mas, quando sinto a mão de Luna apertar a minha
com firmeza, entendo o que ela quer dizer em silêncio:
Estou aqui. E aqui vou permanecer.
Ainda que meu desejo seja me isolar completamente e
aprender a lidar com essa situação por conta própria, eu sei que
será impossível recusar a presença e os cuidados de todos os meus
irmãos, primos, minhas cunhadas, meu tio Arturo e, claro, do meu
grande amor. Por isso, respiro fundo para ouvir com atenção a
explicação da equipe médica.
— A maioria das lesões da medula espinhal é resultado
decorrente de acidentes de trânsito. Outra parcela vem de quedas,
agressões e lesões provocadas por esportes. No entanto, em todos
os casos, temos sintomas semelhantes.
— A perda da sensibilidade nas pernas... — Luna completa
como se fosse uma aluna aplicada durante a aula de medicina.
— Também, mas não apenas isso — a médica continua. — A
perda de sensação é um dos sintomas mais significativos e
geralmente vem acompanhado de outros.
— Que outros sintomas podemos perceber, doutora? —
pergunta Gustavo.
— Perda da força muscular e perda da função sexual são dois
sintomas bem comuns. — Pigarreio, incomodado com essa
informação. Gostaria que isso ficasse guardado apenas para mim.
Luna não parece ter qualquer reação diferente com relação a esse
dado. Entendo que, para ela, há outras coisas mais importantes
agora. — Assim como dificuldades no funcionamento dos intestinos
e da bexiga.
— E isso vai durar para sempre? — Homero se mostra
preocupado com a situação. Meu irmão mais novo, o caçula da
família, provavelmente é o que mais entende o que a médica está
falando. Afinal, ele é veterinário. E o que me diferencia agora de um
animal acidentado?
— É impossível dizer — quem responde é Moira Duarte, a
fisioterapeuta que será responsável pelo meu tratamento a partir
daqui. — Os danos podem ser temporários ou permanentes, e o
percentual de recuperação ou não é bem dividido entre os
pacientes. No entanto, o mais importante aqui é focarmos em
pequenas evoluções.
— O que você quer dizer? — é a primeira vez que me
manifesto. Mas quero realmente entender o que a médica considera
“pequenas evoluções”. Quero saber quando poderei andar
novamente.
— Guilhermo, nós vamos focar em seu bem-estar antes de
qualquer coisa. Por isso trabalharemos com pequenas metas. A sua
recuperação tende a ser demorada, por isso é importante que a
gente pense em pequenas etapas de evolução. Usaremos exames
variados para identificar e mapear os danos exatos, como
ressonância magnética e tomografia computadorizada.
— E como será o tratamento? Na prática, o que vamos fazer
para ajudar em sua recuperação? — Conrado questiona, seguido
por meu tio Arturo, que acabou de se juntar a nós.
— Existem muitas estratégias para lidar com esse problema.
Começamos com a imobilização da coluna. Isso é fundamental para
que Guilhermo não sofra com as dores e, também, não corra risco
de novas lesões.
— Mas isso é suficiente para conter as dores? Ele me parece
bastante dolorido...— questiona Arturo. Agora que meu tio se juntou
a nós, temos pelo menos duas pessoas que conseguem fazer as
perguntas certas na hora certa, afinal, ele também é um médico
renomado. Sou grato por ter pessoas tão cuidadosas e tão
habilidosas ao meu lado, apesar de toda essa situação.
— Vamos seguir com administração de medicamentos tanto
para aliviar os sintomas, quanto para estimular algumas funções.
— Doutora..., ele será submetido a alguma cirurgia? — Ouço
a voz de Edgard, mas não posso vê-lo. Meu irmão está em um
ponto que não alcanço com meu campo de visão e não consigo me
mover com grande facilidade no momento. Me mantenho atento a
essa pergunta. Quero que a médica diga que sim, que uma cirurgia
pode resolver tudo. E ainda que ela seja difícil, demorada e
arriscada, eu aceitaria me submeter se houvesse qualquer
possibilidade de recuperação...
— Talvez, Edgar. Mas, por enquanto, vamos trabalhar de
maneira menos invasiva, até porque Guilhermo passou por um
grande trauma e precisa se recuperar um pouco antes de qualquer
atitude mais delicada.
Em resumo: estou ferrado.
É importante saber de tudo o que está acontecendo em meu
corpo, mas não me sinto mais motivado agora do que estava
quando despertei no hospital hoje de manhã. As informações
parecem andar em círculos e não chegam a nenhuma conclusão.
Em suma, meu caso não tem solução. Pelo menos, não por
enquanto.
Todos saem do quarto e eu fico a sós com Luna. Sinto que
existem mil coisas a serem ditas, mas é curioso como as palavras
se embolam em meu peito num grande e confuso emaranhado de
sentimentos que não consigo botar para fora. Estar com ela me
acalma. Luna sempre foi expansiva e faladeira, mas comigo ela
sabe exatamente a hora certa de ficar em silêncio. Quando todos
saem, ela se aproxima de mim e me encara, primeiramente, séria.
Aos poucos, um pequeno e tímido sorriso se forma em seus lábios.
Um sorriso daqueles que ela dá quando precisa dizer algo positivo a
alguém.
— Nós vamos passar por isso. Estou animada com as
notícias.
Eu gostaria de sentir o mesmo. Não quero jogar um balde de
água fria em minha noiva, mas ainda não sinto qualquer firmeza em
uma recuperação mais acentuada. No entanto, me limito a
concordar com a cabeça e me esforço para lhe devolver o sorriso.
Em seguida, uma dúvida me assola.
— Você está com medo? — pergunto. Luna não reage
inicialmente e penso que vai fingir que não escutou a pergunta. Mas
eu nunca a vi fugir de um questionamento, e não me surpreendo
quando sua voz soa delicada e gentil pelo quarto hospitalar.
— Eu tive muito medo — ela responde, encarando nossas
mãos entrelaçadas. Apesar de ter uma poltrona ao lado de minha
cama, Luna está em pé. — Medo de perder você. — Percebo o
brilho em seus olhos surgindo, declarando um choro há muito
represado. — Nada me assusta mais do que essa ideia, Guilhermo.
— Puxo sua mão para mais perto de mim e lhe dou um beijo doce.
— Mas eu sei que... você é a pessoa mais forte que eu conheço.
Sempre foi — ela me diz enquanto ajeita meu travesseiro para que
eu fique um pouco inclinado na cama. — E é por isso que tenho
certeza de que vamos superar.
— Eu não tenho tanta certeza disso. — Não há um tom de
desistência em minha voz. É mais algo como ... um teor realista.
Estritamente racional.
— Nós não temos certeza de quase nada agora. Mas há algo
que é uma verdade absoluta, algo que não vai mudar: nós. O que
sentimos um pelo outro é algo imutável e imenso. E nenhum
diagnóstico no mundo será capaz de abalar isso.
Eu gostaria de concordar com ela. Tenho certeza de meus
sentimentos por Luna e sei que permaneceria ao lado dela em
qualquer condição. Mas... será que eu quero que ela se sacrifique
tanto por mim? Essa dúvida aperta meu peito e faz meu coração
parecer uma semente, algo pequeno onde não cabe mais emoções.
Iniciar o tratamento no hospital torna meus dias menos
tediosos. Agora, em vez de ficar horas preso em uma cama, eu
posso “caminhar” por aí. É claro que “caminhar” não é exatamente a
palavra. Eu sou levado para lá e para cá para me submeter aos
mais variados exercícios de fisioterapia. Mas, aos poucos, a
sensação de frustração retorna.
— Sente alguma coisa? — a médica pergunta enquanto
aperta meu tornozelo. Eu sei que ela está tocando meu corpo
porque posso ver, mas não consigo sentir absolutamente nada.
— Não — digo com a voz séria.
— Tente mover os dedos.
Mando o comando em silêncio para o meu corpo. Minha
mente está atenta para que o movimento aconteça. Me esforço
tanto que percebo que estou prendendo a respiração, mas então
solto uma lufada de ar com semblante desanimado. A médica anota
alguma coisa em sua prancheta e posso imaginar o que foi: sem
evolução.
— Por enquanto, é isso — diz, encarando Luna com atenção.
— Ele tem mais uma sessão no período da tarde. Vou repassar
todas as informações para o fisioterapeuta que vai atendê-lo no
segundo turno. Parabéns, Guilhermo. Você está indo bem. — A
médica toca meu ombro e se retira, avisando que um enfermeiro
vem me buscar para levar ao quarto.
— Estou indo bem...— Meu ar é de deboche. — Como ela
pode dizer isso? Não fiz sequer um movimento.
— Guilhermo..., hoje é o seu primeiro dia de tratamento. —
Luna tenta me trazer de volta para a realidade. — É claro que não
vai ter grandes resultados tão rapidamente. É preciso paciência,
meu amor.
Paciência...
Eu me julgo um homem bastante paciente. Não à toa consegui
manter um negócio de sucesso, apesar de todas as adversidades –
e não foram poucas. Mas essa situação me tirou as estruturas.
Como pode um homem, de repente, ser limitado de tal forma? Eu
entendo que pessoas vivem com suas deficiências e podem fazer
isso de forma muito eficiente. Mas nunca me imaginei passando por
isso, e talvez esse seja o grande choque para mim, de repente ter
que vivenciar algo que me parecia impossível.
Por isso, quando Luna fala em paciência, eu me pergunto se
ainda me resta alguma. Agora não consigo acreditar em tudo o que
estou passando. Não consigo enxergar um futuro em que eu
permaneça oferecendo o melhor de mim no trabalho, passando por
tamanha dificuldade. Acima de tudo, não consigo, não sei se posso
ser um homem completo para Luna novamente.
— Guilhermo..., você não tem que pensar nos outros — Luna
diz como se conseguisse ler meus pensamentos. — Posso ver em
seu semblante que há muitas dúvidas e muitas preocupações. E, se
bem o conheço, sei que elas são sobre a empresa, sobre mim...,
não sobre você. Mas a prioridade agora é você, sua saúde, sua
recuperação, seu bem-estar...
Ela tem razão. Meus pensamentos não são sobre mim. Eu
nunca quis estar na situação de quem demanda cuidados.
— Não há nada de errado em ser cuidado... — ela continua.
— Deixe-nos cuidar de você um pouco. Deixe-me cuidar de você,
meu amor...
Luna beija minha testa, e eu fecho meus olhos enquanto sinto
seus lábios quentes junto a mim. Por um mísero segundo, imagino
que tudo isso se desfez, que acordei de um sonho ruim e estou de
volta para minhas tarefas, para a minha vida. Desfruto dessa paz
por um instante e me sinto leve como não acontece há tempos. Até
que ouço alguém bater na porta informando o horário de minha
segunda sessão de fisioterapia e sou puxado e volta para esse
pesadelo. Para a minha vida real.

A médica explica que a principal função da fisioterapia no meu


caso é evitar atrofia muscular. Sem usar algumas partes do meu
corpo, eu vou perder massa muscular, equilíbrio e posso ter outras
funções afetadas com o passar do tempo. O quadro já é complexo
demais para mim, então decido que o melhor a fazer é realizar os
exercícios dando o máximo de mim. Por isso, me esforço o quanto
posso durante cada sessão.
A médica explica que, com isso, eu posso treinar o que eles
chamam de transferência de peso. Ou seja, terei mais autonomia
para me transportar de um lugar para outro – demandando menos
de Luna. Por isso, me esforço ao máximo para conseguir criar
resistência nos braços e entender quanto meus membros superiores
precisam suportar agora.
— Guilhermo, vá devagar — a fisioterapeuta diz. — Não
precisa fazer tanta força no início.
Eu ignoro seu recado, continuo forçando os braços em um
exercício específico, tentando me sustentar em uma cadeira de
rodas de última geração que Gustavo trouxe para mim. Sinto meus
braços cederem com a dor e despenco na cadeira.
— Já chega! — a médica diz, agora com ar mais autoritário. —
Vamos encerrar por hoje. Dessa forma você vai acabar se ferindo
mais do que se recuperando.
— Mas eu posso fazer mais. Eu aguento mais — digo com a
voz grossa. Não quero soar mimado, mas preciso que ela entenda
que tenho que me exercitar mais e mais.
— Não, Guilhermo. Encerramos por hoje. Vou levá-lo para o
quarto.
Minha família tem passado grande parte do dia ao meu lado.
Mas, nesse momento, estou sozinho. É um dos poucos momentos
em que, durante a troca de plantão dos Salomon, eu fico um pouco
a sós. Nos primeiros dias, eu estava tão apático com toda a situação
que sentia que isso não fazia diferença alguma. Mas agora quero
aproveitar esse momento para fazer algo útil. Por isso, logo que a
médica sai do quarto, volto a me exercitar sozinho. A cadeira está
posicionada perto da cama, mas muitos níveis abaixo. Eu calculo
bem, sei que posso fazer esse movimento sozinho. Pressiono
minhas mãos no colchão e elevo o quadril, distribuindo meu peso
apenas nos ombros e no antebraço. Sinto meus braços arderem
com o meu peso suportado apenas ali. O suor começa a surgir em
minha testa e sinto a gota escorrer aos poucos. Tenho dez minutos
até que a próxima pessoa do plantão familiar chegue. Então, me
apavoro com o tempo e me projeto para o lado, torcendo para que a
cadeira esteja perto o suficiente. Perco as forças nos braços e caio
na lateral da cama. Sinto o baque no lado direito do meu corpo e
uma dor profunda nas costas. Estou virado para a minha maca e
agora olho por debaixo dela. O quarto é estupidamente limpo, não
há nenhuma poeira sequer. Tento me sentar, mas é inútil. Meu corpo
dói, e o que não está latejando está completamente insensível e não
me obedece.
Sinto o desespero bater. Então agora será assim? Não
consigo sequer sair da cama sem cair no chão como uma criança
aprendendo os primeiros passos? As lágrimas começam a correr e
eu soluço, mas não é de tristeza. É de raiva!
A porta se abre atrás de mim e ouço passos acelerados vindo
em minha direção.
— Guilhermo, meu Deus...o que foi que você fez? — Conrado
tenta me levantar do chão, usando sua força, mas eu resisto, me
debato.
— Me solta, me solta — digo enquanto as lágrimas rolam. —
Eu posso fazer isso sozinho — grito, sem acreditar eu mesmo
nessas palavras. — Eu posso me levantar!
— Gui...— Conrado se abaixa perto de mim e me segura para
me ajudar a me sentar. — Por favor, me deixe te ajudar — ele diz.
Estou em desespero e sinto meu irmão me abraçar, me acolhendo
em seu peito enquanto eu choro como uma criança. — Vamos
cuidar disso, irmão. Vai dar tudo certo. Mas agora eu vou chamar os
enfermeiros e vamos te colocar de volta na cama, está bem?
Agarro as mangas de sua camisa com a mão e imploro com o
olhar que não faça isso, que não chame ninguém. Mas Conrado
sabe o que deve fazer, simplesmente desvia o olhar do meu e toca a
campainha de pedido de ajuda.
Poucos minutos depois, sou colocado na maca por dois
enfermeiros parrudos. A médica que me atende olha por cima de
seus óculos de armação fina.
— Posso falar com você um minuto? — diz para Conrado. Os
dois saem do quarto e eu fico ali com os enfermeiros enquanto eles
verificam se eu adquiri algum novo ferimento na queda. Passam-se
dez minutos quando ele retorna para o quarto.
— Obrigado. — Conrado agradece aos enfermeiros dando a
eles a deixa para se retirarem. Aparentemente minha
inconsequência não causou nenhum dano adicional. — Ela quer te
amarrar — ele fala quando ficamos a sós.
— O quê? — pergunto, incrédulo, agora com meu choro
controlado.
— A médica acha que é necessário te amarrar na cama para
evitar que faça isso de novo. — Tento encontrar um tom de deboche
em sua voz, mas ele está falando muito sério.
— Você não... Você não está falando sério...
— Imagina se fosse Luna chegando aqui, Guilhermo. Imagina
se ela te encontrasse caído ao lado da maca, como isso poderia
abalar a garota. — Agora ele está irritado. — Nós estamos tentando
de tudo, ok? Estamos tentando de tudo para lhe ajudar, para auxiliar
na sua recuperação. Mas tem uma pessoa que não colabora: você.
Desvio meu olhar. Não consigo imaginar como seria se Luna
entrasse em vez de Conrado e ela fazendo força com seus braços
delicados para tentar me levar de volta para a cama.
— Eu só quero me fortalecer e conseguir me transferir sem
ajuda de ninguém — digo baixo.
— Você vai conseguir! Mas isso leva tempo! Não adianta
tentar se exercitar sozinho. Você poderia piorar seu quadro, adquirir
uma nova lesão... é isso o que você quer?
A pergunta é retórica. O silêncio recai sobre nós e posso sentir
a tonelada de sentimentos que estão nos rondando: pânico,
desespero, tristeza.
— Eu disse que não. — A voz de Conrado quebra o silêncio.
— Disse que ela não precisa te amarrar. Assumi esse risco.
Solto a minha respiração de alívio. Não posso nem imaginar
como seria passar os dias contido por amarras.
— Mas tenho uma condição, você vai se consultar com um
psicólogo.
Encaro Conrado com seriedade. Ele só pode estar brincando.
Eu nunca menosprezei a importância da saúde mental, mas não é
disso que preciso agora.
— Meus danos são físicos, não mentais — digo o óbvio para
que ele entenda.
— Os danos são gerais, Guilhermo. Você está traumatizado,
está em negação... e precisa de ajuda. Eu tenho uma indicação...
um amigo que me ajudou quando passei por... bem, você sabe. A
traição.
— Você acha mesmo que um amigo que te ajudou num
momento de decepção amorosa pode resolver isso? — Aponto para
minhas pernas.
— Não! Mas ele pode ajudar a resolver isso. — Conrado toca
na minha cabeça com o dedo indicador. — O Doutor Maurício
Fernandes é um excelente profissional e pode lhe ajudar de muitas
formas. É isso, ou eu falo com a médica sobre a necessidade de ser
amarrado novamente.
Assinto em silêncio. Não há muito o que possa fazer nesse
momento.

A minha rotina mudou completamente. Antes, os meus dias


eram ocupados por reuniões, almoços e jantares executivos,
conversas longas e negociações ao telefone. Agora eu estou
distribuindo meu tempo entre uma e outra sessão de fisioterapia,
visitas à especialistas e à terapia. Esta última passou a compor
minha agenda há pouco tempo. As consultas ocorrem uma vez por
semana e têm sido focadas principalmente no meu processo de
adaptação a essa nova condição.
O meu primeiro encontro com o terapeuta foi o mais
surpreendente. Ele é extremamente pontual, o que, para mim, é
fundamental. Por isso fico muito feliz quando, um minuto antes do
horário agendado, a assistente do Dr. Maurício me chama para
entrar no seu consultório.
Eu ainda estou me adaptando ao uso da cadeira de rodas,
portanto, Conrado me empurra até o local. Ele entra primeiro na sala
e os dois se cumprimentam com euforia. Eu entro em seguida, e é
então que o vejo.
Maurício Fernandes é um homem de mais ou menos 40 anos,
alto e de porte físico bastante forte. Os cabelos são escuros e uma
pele alva. Ele usa um par de óculos de armação fina e elegante de
uma grife que é bem famosa entre meus clientes mais exigentes, e
isso lhe dá um profundo ar de intelectualidade.
— Guilhermo, seja bem-vindo. — Sua voz é bastante
imponente. Ele me cumprimenta com um aperto de mão. Do outro
lado, a manga de sua camisa de linho está dobrada até o alto, vazia.
Ele não tem um dos braços. Não sei dizer se ocorreu uma
amputação, ou se Maurício nasceu sem o membro. Imediatamente
entendo o nosso encontro. Maurício pode me compreender como
ninguém, ele pode clinicar a partir de sua própria experiência de
vida, e isso é um baita diferencial para mim.
De repente, me sinto completamente conectado a ele.
— Como tem sido os seus dias, Guilhermo?
Penso sobre a pergunta. Há muitas coisas a serem ditas, mas
não sei se devo despejar tudo de uma vez. Respondo com o óbvio.
Com o que é esperado.
— Indo. Estou bem.
Maurício me observa com atenção. Ele sabe que estou
mentindo. No fundo, ele sabe que não estou bem, afinal, acabei de
passar por um grande trauma, estou me readaptando a uma série
de coisas comuns do dia a dia e, até esse momento, não tive
qualquer suporte psicológico para lidar com isso.
— Bom ouvir isso. — Maurício sorri. Ele não me desafia a
contar a verdade, ele não me obriga a ser honesto. Sinto um alívio
imenso por isso.
— Eu não tenho certeza se é disso que eu preciso — digo, me
referindo à terapia.
— Por que diz isso?
— Eu gostaria... eu não creio que tenha qualquer necessidade
de uma terapia agora. Não me interprete mal, doutor. Eu apenas
não estou aberto para esse tipo de tratamento agora.
— Me chame de Maurício — ele responde com a voz
simpática. — Com o que você gostaria de gastar esse tempo,
Guilhermo? Se não estivesse aqui, comigo, onde imagina que
estaria?
Penso sobre sua pergunta. Eu não consigo formular uma
resposta imediatamente..., mas ela vem poucos segundos depois.
— Gostaria de estar na fisioterapia.
— Esse não é o horário de suas sessões.
— Não..., mas eu queria... poder fazer mais sessões, me
dedicar mais.
— Porque você acredita que... — Maurício não termina a frase
propositalmente. Ele deixa o espaço aberto para que eu mesmo
conclua o raciocínio. Ele é bom nisso.
— Acredito que quanto mais eu me esforçar, mais rápida será
minha recuperação, minha alta...
O terapeuta me observa com atenção e profundidade, mas
não me intimida. Seu olhar é compreensível, mas misterioso. Ele
não tem pena de mim, ele não me olha com tristeza, dor ou piedade.
É a primeira vez, desde que dei entrada nesse hospital, que sou
encarado de forma tão... analítica.
Claro, os médicos e fisioterapeutas também me olham assim.
Mas eles não me encaram, não olham nos meus olhos e não olham
na minha alma. Eles focam em feridas, ossos, fêmures. Maurício
foca no meu olho.
— A ansiedade faz com que a gente planeje coisas que não
vão acontecer agora. A sua alta ocorrerá após um processo de
recuperação, Guilhermo. E isso independentemente da quantidade
de horas que você passa se exercitando. Existem protocolos
médicos a serem seguidos. Isso aqui...— ele usa seu único braço
para apontar a sala ao redor — é uma parte importante desse
protocolo. Para além das adaptações emocionais, um trauma desse
tamanho pode lhe causar dor física, insônia, sensação de...
— Impotência — falo baixinho. Maurício concorda com a
cabeça. Dessa vez, há muita empatia em seu olhar.
— Impotência — ele repete a palavra, sentindo seu gosto,
talvez rememorando como ele mesmo se sentiu quando algo lhe
ocorreu. — Entenda a terapia como um complemento importante
desse processo. O seu corpo só funciona se a sua mente estiver sã.
A hora passa sem que eu perceba. Maurício quase não fala.
Ele me faz perguntas o tempo inteiro, “por que acha isso?” ou
“como você chegou a essa conclusão?” o tempo inteiro. E de
repente eu estou falando pelos cotovelos, me abrindo por completo
para um estranho que acabou de chegar. Eu consigo segurar as
lágrimas, mas Maurício me entrega uma caixinha de lenços.
— Por hoje é isso — ele diz. — Te vejo na próxima semana?
Saio do consultório me sentindo mais leve e com a certeza de
que vou voltar para continuar a conversa que começamos.
Acordo com o som da minha própria voz que sai abafada e
minha garganta está ressecada, arde como se eu tivesse engolido
fogo, mas é o meu coração que arde mais ainda enquanto eu penso
que talvez tenha que me despedir da vida que eu levava, de quem
eu era antes do acidente. De quem eu era com Luna antes do
acidente.
Luna. Eu não quero perder Luna. Eu preciso dela mais do que
nunca agora. Eu não sou mais o homem que eu era, mas espero
que ela consiga enxergar que o meu coração ainda é o mesmo.
O que sinto por ela é tão forte, é algo que me preenche de tal
forma que me faz querer agarrar a vida com as duas mãos e lutar
por ela, por Luna e por tudo que ainda podemos ser.
Eu estou com medo, mas sei que Luna está aqui comigo, sei
que ela me ama e que não vai me abandonar, mas eu preciso
aprender a me amar novamente e acreditar em mim. Eu preciso
acreditar que, mesmo nessa condição, posso ser o homem que ela
merece, que posso amá-la da forma que ela merece ser amada. Eu
preciso lutar, lutar por mim, por nós e por um futuro que agora é
incerto. Mas, enquanto Luna estiver ao meu lado, sei que posso
enfrentar qualquer desafio.
Sinto um calor tocar minha pele e a sensação de acolhimento
é imediata. Eu conheço esse toque mais do que reconheço a mim
mesmo. É uma sensação de prazer, misturada com a mais profunda
ternura. Como pode um contato tão inocente trazer à tona tantas
sensações?
Luna...
— Eu estou aqui, meu amor. — Ouço sua voz distante, ainda
no vale dos sonhos. Desperto repentinamente e percebo a umidade
em minha face. Eu estava chorando. Muito. — Vai ficar tudo bem, eu
estou aqui com você. — Luna beija o topo de minha cabeça
enquanto me envolve em seus braços.
Permanecemos abraçados por um longo período, apenas em
silêncio, ouvindo nossas respirações. Eu estou acolhido em seu
peito e posso ouvir as batidas rítmicas de seu coração. O som me
acalma e me sossega. É o melhor som que já ouvi na minha vida.
Envolvo Luna com meus braços e a abraço fortemente.
— Estou... estou com medo — confesso. O gosto dessas
palavras é amargo e sai rasgando minha garganta como se fosse
algo ácido. Eu não costumo sentir medo. Esse é um sentimento que
me parece infantil, pueril demais. Abandonei essa sensação ainda
na infância e passei a adotar minha pose de líder. Entre meus
irmãos, eu sempre me destaquei pela bravura, sempre fui capaz de
mediar os conflitos e propor as soluções mais racionais. Isso se
estendeu para nossa vida profissional, a ponto de eles realmente
considerarem que o meu nome era o melhor para liderar a empresa
de nossa família.
Mas agora, quem diria, estou aqui, completamente fragilizado,
verdadeiramente vulnerável, entregue ao pavor do que me espera.
Reprogramar o meu cérebro para o que está por vir é a coisa mais
difícil que eu já enfrentei. Lidar com as frustrações e os medos do
meu futuro me arrepia os cabelos da nuca. Mas tem algo mais que
me desespera. Algo que me faz tremer como uma criança frágil, que
me faz ter vontade de correr e cobrir a cabeça com o cobertor para
não ter de lidar com nada disso.
É o medo de perder Luna.
— Do que você tem medo? — pergunta num tom de sussurro.
O silêncio da madrugada é ensurdecedor, por isso posso ouvir cada
sílaba com clareza, cada respiração, o ir e vir de seu peito que
agora serve de apoio para minha cabeça.
— De perder você — respondo com a voz rouca e fraca em
decorrência do ressecamento de minha boca.
Luna se afasta de mim e me olha nos olhos. A lua ainda está
brilhando no céu lá fora e a luz que banha o quarto é branca,
poética e dramática. Ela recai sobre os grandes e impactantes olhos
de minha amada. Gostaria que esse momento fosse registrado
numa fotografia, numa pintura, sei lá. Qualquer coisa que pudesse
eternizar esse momento, um dos mais lindos que já vivenciei: Luna
me encarando com ternura, concentrando toda a sua atenção em
mim, a sua pele escura banhada pela luz do luar que consegue
invadir o cômodo por teimosia, passando por apenas uma pequena
fresta na janela. Ela sorri, mas não é um riso de deboche por meu
medo. É um riso de acolhimento.
— Isso não é uma possibilidade, Guilhermo. Você não vai me
perder. Não é possível que eu me afaste do que hoje também é uma
parte de mim. — Luna segura minha mão com carinho. — E se por
acaso você insistir para que eu me afaste, terá de lidar com o que
há de mais terrível em mim: a Luna decidida. — Agora ela ri, e eu rio
junto. Já presenciei momentos em que Luna teve que insistir para
continuar fazendo alguma coisa e sei o quão persistente – e teimosa
– ela pode ser quando quer.
— Eu não sei... eu não sei mais o que eu posso te oferecer,
Luna. Enquanto marido, enquanto companheiro... enquanto homem.
Eu não sei se posso fazê-la feliz quando eu mesmo não estou.
— “Estar” não é “ser”. Isso aqui que nós estamos enfrentando
é uma situação, e vamos passar por ela juntos. E, por mais difícil
que tudo isso pareça, eu não escolheria estar em nenhum outro
lugar no mundo, Guilhermo. Eu não escolheria estar em nenhum
lugar sem você.
Sinto uma onda de amor me invadir e me recordo porque me
apaixonei por Luna. Porque ela é intensa tanto para o amor, quanto
para a guerra. Luna não desiste das coisas que deseja, não mede
esforços... e ela não cobra nada de volta. Eu puxo sua mão para
perto de mim e beijo cada dedo, depois a palma. Quero que ela se
sinta amada como eu me sinto. Porque eu a amo. Eu a amo
profunda e verdadeiramente, como nunca amei antes.

Antes de o acidente acontecer, eu e Luna estávamos no que,


provavelmente, foi a nossa melhor fase. Completamente
apaixonados, preparando nosso casamento e planejando um futuro
inteiro juntos. Mas, como o controle de nossas vidas é uma
completa ilusão, o destino nos golpeou de forma drástica. Lidar com
os novos desafios seria uma grande questão para ambos, mas eu
comecei a aceitar que, sim, isso era possível. Mas eu teria de lidar
também com a falta de acessibilidade do mundo, da sociedade e de
minha própria residência.
— Finalmente há previsão para irmos para casa. — Luna
demonstra muita empolgação enquanto fala. A equipe médica que
me acompanhou durante esses primeiros meses está toda reunida
no momento, debatendo a possibilidade de alta. No entanto, ainda
aguardamos alguns trâmites burocráticos para finalmente ter a alta
concluída.
— Estou satisfeita com seu progresso, Guilhermo — diz a
Doutora Marilice Garbero. — Agora não pense que terminamos. O
trabalho de recuperação e adaptabilidade será intenso, mas
continuaremos acompanhando de perto, com contatos e consultas
frequentes para lhe orientar nessa nova fase de seu tratamento — a
médica sorri com gentileza enquanto diz isso. — Ainda estamos
preparando a documentação da alta, que deve sair em algumas
horas. No entanto, já vou deixar aqui o meu número para que
mantenham contato quando voltarem para casa. — Ela entrega um
cartão de visitas para Luna e depois as duas apertam as mãos num
gesto silencioso de parceria. Esta será a vida de Luna daqui para
frente: pedir ajuda para médicos sempre que estiver diante de uma
situação nova – e elas serão muitas. No fundo do meu peito, sinto
um aperto ao pensar em quantos desafios ela terá de enfrentar e me
encho de coragem, determinado a me esforçar cada vez mais para
tornar as coisas mais fáceis para mim e para ela.
Mas os primeiros dias se mostram realmente conturbados.
Lidar com a falta de movimentos traz uma série de dúvidas e
pequenas frustrações. O mais difícil é olhar para pequenos desafios
e não saber exatamente como contornar a situação. Ainda assim,
tenho plena consciência de que, com minha amada, sou capaz de
passar por isso de cabeça erguida.
Quando a médica vai embora e ficamos a sós, sinto
necessidade de tocar em um assunto que venho adiando há dias.
Sei que é algo que pode magoar Luna, mas não consigo parar de
pensar na questão.
— Meu amor...— digo quando ela me leva para o quarto e
começa a tirar meu tênis para me preparar para o banho. —
Precisamos conversar sobre a data de nosso casamento. — Luna
olha para mim sorrindo. — Eu receio que não...
— Guilhermo...— Ela toca meu joelho com delicadeza e dói
em meu peito não sentir o seu toque. Ainda assim, o seu afeto é
perceptível. — Nós não precisamos fazer isso agora. Não
precisamos falar do casamento nesse momento. O mais importante
aqui é sua recuperação e quero estar totalmente focada nisso.
Respiro fundo. Sou extremamente grato por sua compreensão
e pela forma como ela consegue ser razoável até mesmo nas
situações mais difíceis.
— Mas...— Luna prossegue —, não quero que adiemos sem
previsão. — Vejo seus olhos brilharem quando ela diz essas
palavras. — O nosso casamento é um sonho que venho
alimentando há muito tempo. Eu gostaria de ter, ao menos, uma
perspectiva, uma ideia...
— Eu não consigo pensar nisso agora — digo, sem qualquer
agressividade. — Eu preciso entender essa nova fase de nossas
vidas e só depois conseguiremos dar esse passo.
Luna sorri e me beija na boca com vontade.
— Concordo — ela diz. — Não precisamos de pressa. Temos
uma vida inteira juntos e podemos compartilhar isso em outro
momento.
Sinto seus lábios nos meus e sua mão envolve minha nuca,
mexendo de leve no cabelo próximo ao pescoço. Sinto meu corpo
inteiro reagir a isso num arrepio rápido, como se uma lufada de ar
frio tivesse invadido o quarto. As mãos de Luna percorrem meu
peito e sinto uma vontade imensa de arrancar a camisa e sentir sua
pele contra a minha.
— Luna...— Tento contê-la, mas sua respiração ofegante
denuncia sua excitação. — A gente não pode..., eu não sei mais se
posso...
— Shhhiu. — Luna toca meus lábios com o dedo, me
impedindo de continuar a falar. — Preparei algo para você. — Ela se
levanta e confere o lado de fora do corredor. Já passa das 23h e
essa ala hospitalar é especialmente quieta, uma vez que as visitas
são reguladas e os médicos, bastante atentos a toda a
movimentação
— O que você pretende fazer? — pergunto num misto de
curiosidade e ansiedade.
Luna se vira para mim com um aspecto faceiro. Ela sorri de
maneira maliciosa enquanto começa a desabotoar a camisa social
que está usando. Vejo sua pele escura surgir por debaixo do tecido
conforme os botões se desprendem. Ela está usando um sutiã preto
de renda lindo que eu sempre amei. A camisa despenca pelos seus
ombros e cai ao lado do seu corpo.
— O que você está fazendo? — questiono com um tom nada
reprovador. Eu estou sorrindo e, honestamente, não tem como não
estar.
— Eu? Estou apenas entretendo o meu homem...— Luna leva
as mãos para as costas e percebo que ela está prestes a
desabotoar o sutiã. Meu corpo reage imediatamente a essa cena
excitante... há quanto tempo não a vejo nua, há quanto tempo não a
toco.
Ela consegue abrir o fecho e a renda escorrega pelos seus
ombros. Luna segura o tecido sobre os seios fazendo um mistério
enquanto me encara com um olhar devorador.
— Quer que eu continue?
Eu percebo que estou prendendo o ar. Quero gritar para que
ela continue, mas sei que o que estamos fazendo é completamente
inapropriado para o ambiente. Então, me mantenho calado e apenas
faço que sim com a cabeça. Ela sorri com minha rendição e solta a
renda, que despenca até o porcelanato frio, deixando seus seios
completamente à mostra. Eu observo a cena atônito. Ela é linda e
deliciosa.
E é minha.
Sinto um ímpeto quase animalesco de me lançar contra ela,
derrubá-la ali mesmo para abocanhar cada seio enquanto Luna os
aperta com vontade, brincando sozinha com os mamilos, se
exibindo para mim.
— Você quer tocar neles?
— Eu quero chupá-los. — Não resisto. Preciso sentir sua pele
na minha boca e a textura de seus mamilos duros sobre minha
língua. Ela se aproxima em passos lentos, como uma leoa prestes a
abater a presa. Está na altura exata dos meus lábios. Eu aperto
seus seios com as mãos enquanto a encaro. Luna está em pé, ao
lado de minha maca, e continua me provocando, respirando
profundamente enquanto massageio seus mamilos.
Penso na possibilidade de alguém entrar no quarto de
repente, um médico da madrugada fazendo sua ronda e se
deparando com essa cena, mas isso não é suficiente para me
reprimir, então levo a boca até seu mamilo e começo a mamar seus
seios com vontade, sugando a pele enquanto rodopio a aréola com
a língua. Luna puxa meus cabelos com as mãos, forçando minha
boca cada vez mais forte contra seu peito delicioso. Passo a mão de
leve entre suas pernas. Ela usa uma calça pantalona de tecido leve,
e estou morrendo de vontade de enfiar o dedo nela, recolher sua
calcinha para o lado e sentir o seu mel me lambuzar, mas eu apenas
provoco e continuo brincando com os seios enquanto escuto sua
respiração acelerar.
— Eu quero me casar com você — digo, ainda lambendo sua
pele.
— Então precisamos de uma data — ela responde. — Sem
uma data, deixa de ser um objetivo e passa a ser apenas um plano
distante.
Mordo seu mamilo, e ela geme. Tenho verdadeiro fetiche pelos
peitos de Luna. Eu gosto deles no sexo, eu gosto de dormir
segurando seus seios, sentir sua pele arrepiar contra o meu toque.
Ela tem uma sensibilidade especial nessa região e acredito que
possa fazê-la gozar apenas brincando ali. Isso me dá muito tesão e
de repente sinto uma rigidez familiar.
— Você está duro — diz com a voz rouca.
Estou. Estou duro, louco para entrar nela e sentir seu corpo
úmido se contrair ao redor do meu, mas as coisas mudaram... e isso
me assusta. A ereção ainda não é completa e ainda não sei como
meu corpo funcionará daqui para frente. Começo a respirar mais
ofegante, e Luna percebe o pânico surgindo em mim.
— Está tudo bem — ela diz. — Não precisa ser agora. Além
do que... meus seios já estão doloridos, do jeitinho que eu gosto —
ela sussurra em meu ouvido.
Eu respiro fundo.
— Desculpe... eu... eu ainda não sei como...
Há um misto de felicidade e desespero em minha voz. Não sei
como transar com minha noiva, embora nós dois estejamos
claramente sedentos por isso. Luna me beija com desejo e acaricia
meu cabelo.
— Tudo em seu tempo, meu amor. Eu sou muito paciente
quando o assunto é meu desejo por você — diz enquanto recolhe as
roupas do chão e volta a se vestir.
A volta para casa é mais complicada do que eu estava
imaginando. Dois meses se passaram de uma extensa recuperação
hospitalar, mas agora os médicos acreditam que posso prosseguir
com os cuidados em casa. Isso me anima, mas os desafios logo
aparecem e tornam a rotina mais difícil.
Para começar, preciso me adaptar a uma cadeira de rodas.
Até tento me transportar sozinho da cama para a cadeira, mas
acabo cambaleando e quase caio na primeira tentativa. Me recordo
de todas as orientações da equipe médica e, claro, me recordo de
Conrado me dizendo o quanto esforços demasiados podem me
colocar em risco. Por isso, mesmo com relutância, aceito a ajuda da
enfermeira que está no quarto. Ela ensina Luna a como facilitar o
transporte de uma superfície para a cadeira em outras ocasiões.
— Tente equilibrar o peso dele aqui, senão você não aguenta
— diz a moça enquanto me suspende um pouco para passar
rapidamente de um lugar ao outro. — E sempre que precisar, peça
ajuda a alguém — diz ofegante, concluindo que não é tão fácil
mover um homem do meu tamanho.
— Você não sabe o que eu fiz... — diz Luna, animada, quando
entramos no carro. Ela dispensou nosso motorista e decidiu me
buscar por conta própria. Também acabou pedindo para meus
irmãos e primos ficarem em casa, embora todos quisessem
testemunhar minha alta. — Frango a passarinho! — completa ela
com animação. — Gladys me ensinou a receita e eu fiz o passo a
passo exatamente como ela havia me dito.
Eu sorrio com gratidão. Me sinto plenamente grato por ter ao
meu lado uma pessoa tão dedicada e tão disposta a fazer as coisas
darem certo mesmo quando o cenário se mostra tão complexo e
pouco favorável. A minha única preocupação é que Luna se sinta
tão pressionada que acredite que não fez o suficiente, quando, na
verdade, reconheço e admiro cada pequeno gesto de sua dedicação
a mim.
— Eu também pensei em pedir um vinho. Apesar dos
remédios, a médica disse que uma taça está liberada de vez em
quando e podemos comemorar a sua volta para casa com...
— Eu estou cansado, Luna. — Uso um tom de voz ameno
para não soar grosseiro. É claro que também estou feliz em ir para
casa, mas realmente não me sinto disposto para comemorar isso.
No momento, estou apenas tentando entender como será a
dinâmica do meu dia a dia nesse novo contexto.
— Claro. Eu imagino que sim. — Percebo que a empolgação
se esvai um pouco.
Chegamos em casa e um enfermeiro contratado por Luna vem
até nós. Ele me ajuda a sair do carro e me coloca na cadeira de
rodas. Agora será assim: movido de um lugar para o outro somente
quando alguém me permitir, como se eu fosse um objeto. O homem
começa a empurrar a cadeira, mas eu o dispenso. Ao menos isso
posso fazer por mim mesmo.
— Então podemos apenas ver um filme sentados no sofá da
sala. Tem coisas ótimas na Netflix que chegaram há pouco tempo.
— Eu gostaria de ficar sozinho. Quero olhar algumas planilhas
da empresa e passar umas orientações para o Gustavo sobre as
reuniões que estão por vir. Ele terá muito trabalho sem mim e quero
orientá-lo ao máximo para que consiga ajudar Edgar também —
digo e, assim que entro em casa, percebo as adaptações que foram
feitas em questão de dias.
Luna eliminou uma série de móveis para deixar os cômodos
mais amplos, facilitando a passagem da cadeira. Todos os degraus
mais baixos dos ambientes integrados foram adornados com
rampas que permitem a minha mobilização, e o banheiro do piso
térreo teve sua porta ampliada para que eu consiga entrar. Lá
dentro, Luna teve o cuidado de instalar barras de segurança nas
paredes e no box. Sou grato por ela ter pensado em cada detalhe,
mas novamente me sinto culpado por dar tanto trabalho.
— Ficou bom? — Ela se aproxima de mim pelas costas e toca
meu ombro com carinho. Sinto seu calor por cima de minha camisa
e sou tomado por um afeto imediato. Eu gostaria de tomá-la em
meus braços, enchê-la de beijos e levá-la para a cama para fazer
amor em gratidão aos seus cuidados, em gratidão ao nosso amor,
mas não me sinto preparado para isso. Na verdade, me apavora
pensar nesse assunto, imaginar se em algum momento serei capaz
de proporcionar prazer novamente a ela, se poderei senti-la em
meus braços completamente entregue como estivemos há tão
pouco tempo. Evito pensar nesse assunto e imediatamente me vem
à mente Maurício, meu terapeuta, e a forma como ele sempre me
faz perceber que simplesmente fujo de alguns assuntos. Ainda
assim, prefiro a fuga no momento e decido adiar esse assunto para
mais tarde.
Então, me limito a tocar a ponta de seus dedos sobre meus
ombros, demonstrando felicidade por ela estar ali, apesar de eu
mesmo não me sentir completamente conectado a esse novo
ambiente. Sei que as adaptações foram necessárias para essa nova
fase, mas também não posso negar o estranhamento que isso me
causa.
— Aqui será a sala de reabilitação. — Luna abre a porta do
que antes era nossa pequena academia. Sempre gostamos de nos
exercitar e isso acabou se tornando um ritual em casal. Todos os
dias ela acordava cedo, se arrumava e vestia uma roupa confortável
enquanto eu ainda estava despertando. Em seguida, tomávamos
um café da manhã equilibrado e saíamos para correr na rua. Mas,
nos dias de chuva ou frio intenso, sempre preferimos fazer isso em
casa, usando a esteira e outros aparelhos que comprei para nossa
casa. Depois de suar muito e sentir cada músculo pulsar,
tomávamos banho juntos para recuperar as energias e nos preparar
para o dia que estava começando. Ensaboar suas costas e sentir
sua pele tão macia deslizando sobre minha palma funcionava como
um acalento, um sopro de tranquilidade em uma rotina
absolutamente atribulada. Ter Luna ao meu lado era como ter uma
fortaleza perto de mim.
— Ficou ótimo, meu amor — digo, mas sinto uma pontada de
tristeza ao perceber que os aparelhos que utilizávamos foram
substituídos por outros que podem ajudar na minha fisioterapia, que
possuem uma finalidade terapêutica maior e que demandam de total
orientação para uso.
— Estou ansiosa para começarmos os exercícios aqui — diz
Luna enquanto me abraça ao redor dos ombros, encostando o rosto
fortemente no meu. — Vamos passar por isso juntos, Guilhermo.

De fato, os dias que se seguem são de grande parceria. Luna


me acompanha em tudo, mas, em alguns momentos, a fisioterapia
se mostra um grande desafio. Além de ter de me adaptar à minha
nova condição, eu também preciso lidar com as dores físicas.
Há partes do meu corpo que estão insensíveis, e outras
precisam trabalhar em dobro para dar conta dessas funções
interrompidas. Isso faz com que a exaustão se torne algo frequente
em meus dias.
— Você consegue! — Luna me estimula enquanto tento me
apoiar sobre os braços em uma espécie de andador. A ideia é
movimentar um pouco os músculos das pernas para que não
percam completamente suas forças. A fisioterapeuta que está me
acompanhando em casa segue tudo com muita atenção. Eu sinto
meu rosto se contrair conforme os músculos de meus braços
queimam com o peso.
— Está bom por hoje, Guilhermo — diz a médica enquanto faz
anotações em sua prancheta, mas eu ignoro sua sugestão e
continuo me esforçando. Ainda não me livrei da sensação de que
posso acelerar o processo de recuperação se eu me esforçar mais e
mais.
— Acho que ainda consigo mais um pouco — digo, mas a
gota de suor que corre pela minha testa denuncia o cansaço.
Desisto e peço ajuda para sair do aparelho.
— Você foi muito bem. É impressionante o quanto consegue
fazer em tão pouco tempo. — Luna me dá um beijo no rosto com
empolgação e vejo seus olhos brilharem de felicidade. Ela acredita
realmente nisso, não disse apenas por conveniência. Ter o seu
suporte e seu apoio tão honesto nesse momento faz toda a
diferença para que eu me sinta preparado para lidar com isso tudo.
Esse cuidado me motiva, mas também me preocupa. É
inegável que Luna está se dedicando muito, e penso se ela
consegue dar conta da própria vida, dos próprios problemas, ou se
está apenas vivendo em função de mim. O mesmo acontece com
meus irmãos e primos. Todos eles se mostram absolutamente
envolvidos com os cuidados, dispostos a me ajudar nesse processo
de adaptação, e sou, ao mesmo tempo, grato e resistente.
— Deixa que eu faço isso — Homero diz quando me aproximo
da cozinha para passar um café. Hoje é sábado e está fazendo um
dia lindo lá fora. Por isso, ele veio para cá logo cedo com a
finalidade de passar o dia conosco. Mas, assim que chegou, ele
começou a me tratar com certa superproteção.
— Posso passar um café, Homero — digo sem qualquer
agressividade na voz. Quero apenas deixar claro que algumas
tarefas ainda estão ao meu alcance, mesmo que para outras eu
precise de total ajuda. — Faço questão de oferecer ao menos um
café para meu irmão.
— Acho melhor você tomar cuidado. Se derramar água
quente, pode se queimar. Vamos, volte para a sala que eu finalizo o
café. — Meu irmão mais novo retira a chaleira de minha mão e
direciona minha cadeira para a sala, indicando para que eu volte
para onde acabei de sair.
— Você realmente não precisa fazer isso — digo, agarrando
novamente a asa da chaleira, que Homero puxa com certa força,
resistindo para me entregar. A disputa faz com que a peça se solte e
caia no chão. Ainda bem que é de metal, caso contrário, seria mais
um item despedaçado. Eu respiro fundo diante da situação. — Olha
o que você fez...
— Deixa que eu limpo isso. — Homero corre para buscar um
pano e secar a água que escorreu pelo porcelanato. — Mas, da
próxima vez, podemos evitar problemas assim se você apenas
aceitar ajuda para...
— Chega, Homero! — explodo. Minha voz sai firme e mais
alta do que eu gostaria que saísse. — O que mais eu preciso dizer
para que você entenda que eu simplesmente posso fazer essas
coisas. Eu posso passar o café e posso secar o chão usando um
rodo. Eu tenho total capacidade para realizar essas tarefas.
Homero me encara com ar de susto e incredulidade.
Imediatamente percebo que passei do ponto e que não tinha
necessidade de elevar a voz dessa forma. Ao mesmo tempo, sinto
certa raiva arder em meu peito. Não! Não é raiva. É frustração.
Frustração por ter que provar o tempo inteiro que tenho potencial
para fazer essas coisas.
— O que está acontecendo? — Patrício surge em seguida. Ele
certamente escutou a discussão. Os dois vieram juntos com a
proposta de passar o dia em minha casa e almoçar conosco, mas,
claramente, o plano saiu do esperado.
— Eu estava apenas tentando ajudar — Homero se defende
como uma criança acusada injustamente de uma travessura —, mas
parece que exagerei.
— Eu apenas... apenas quero que vocês entendam que eu
posso... — Tento formular uma frase, mas estou tão nervoso com a
situação toda que as palavras se confundem. — Acho melhor vocês
voltarem para a fazenda, pois claramente não estou em um bom dia
para recebê-los.
— Está bem. Eu vou buscar minhas coisas. — Homero se
retira rapidamente sem esperar outra frase minha. O silêncio recai
sobre a cozinha e posso ouvir a respiração de Patrício ao meu lado.
Mesmo sem olhar para meu irmão, prevejo que ele tem algo a dizer.
— É horrível, não é? — ele começa. — A sensação de que
não reconhecem mais você depois de um acidente como esse.
— Patrício, eu...— Quero me desculpar com ele. Quero pedir
perdão por ter agido dessa mesma forma quando ele estava em
recuperação. Por insistir em cuidar dele, por não dar espaço, por
não o deixar enfrentar os novos desafios, mas não preciso
completar a frase. Patrício sabe exatamente o que se passa em
minha mente, como se houvesse legendas por escrito surgindo logo
abaixo do meu pescoço.
— As pessoas não sabem como demonstrar amor sem ser
com a superproteção. É um fenômeno que deveria ser estudado e
divulgado — ele continua. — Quando adquirimos uma limitação,
automaticamente nos encaram como dependentes. Mas acredite,
não é por maldade. É como se quisessem dizer: “sei que você está
sofrendo, então vou fazer tudo para evitar qualquer mínimo
desgaste seu”.
— Mas não é isso o que eu quero ou espero dos outros.
— Eu sei. Na verdade, mais do que nunca, há uma vontade
imensa de testar os limites e descobrir até onde podemos ir nessa
nova realidade. É como se de repente todos os pequenos desafios
do dia a dia se tornassem grandes torneios que não podemos
recusar, não podemos negar.
É exatamente isso. Meu irmão me entende completamente.
Ele sabe como é se sentir limitado, ao mesmo tempo em que há
uma sensação gigantesca de que “eu posso dar conta disso”.
— Como você conseguiu lidar com isso? — questiono.
Patrício suspira e se senta na cadeira que faz parte do jogo
com a mesa da cozinha. Eu admiro muito a facilidade com que ele
se localiza nos espaços apesar da pouquíssima visão. Confesso
que me surpreendi com a recuperação dele e com a forma como se
adaptou à cegueira, e hoje me sinto envergonhado por ter achado
que o processo foi simples para ele.
— Após o meu acidente, eu demorei para entender como as
coisas iam se desenrolar. Durante um tempo, eu me considerei o
protagonista dessa história, julguei que era tudo sobre mim e sobre
aquele diagnóstico. Aos poucos, porém, eu entendi que era
diferente. — Ele se levanta e coloca a chaleira para esquentar com
água. — Eu entendi que existem muitas histórias acontecendo em
paralelo.
— Como assim?
— Existe a sua, a do homem que precisa se readaptar, se
reinventar, e existem as histórias das outras pessoas, aquelas que
estão ao seu redor. Cada um está lidando com isso de um jeito, e
cada um está criando uma narrativa a respeito disso. O acidente
aconteceu com você, é claro, mas a história se divide entre muitos
protagonistas, entre muitos arcos.
A chaleira apita. A água está quente. Observo meu irmão se
levantar com cuidado e, sem precisar tatear, ele se guia até o local
apenas pelo som do apito. Patrício retira a chaleira com cuidado do
aquecedor e vai até a pia, onde o mancebo está montado para o
preparo do café.
— Para Homero, você não é o homem que está lutando para
manter sua independência nas pequenas coisas. Você é o irmão
dedicado que agora, mais do que nunca, precisa de toda a proteção
que ele puder lhe oferecer.
— Mas como posso mudar isso? Como posso fazê-lo
enxergar, ele e os outros, que não me resumo a essa condição.
Patrício começa a jogar a água fervendo sobre o pó. O cheiro
de café fresco toma conta da cozinha e torna o ambiente acolhedor
e a conversa, ainda mais familiar e importante.
— Todos vão entender isso ao seu tempo, mas você pode
ajudá-los. Para isso, você precisa trazer à tona o Guilhermo que
quer que eles vejam, mas não de forma reativa. Aceite ajuda, mas
faça junto. Aceite sugestões, mas sugira também. Deixe o tempo
curar cada ferida. Quando você se der conta, as coisas estarão mais
fáceis do que agora.
Patrício se senta novamente em minha frente. Ele toma um
gole do seu café, mas a minha xícara não foi servida. Então me
movimento até a pia, me estico um pouco para alcançar a xícara
que está no escorredor e, com certo esforço, me sirvo do café
sozinho. Tomo um gole do que provavelmente é o melhor café que
já experimentei. Feito pelo melhor irmão que alguém pode ter.

O domingo começa agitado, escuto vozes animadas assim


que desperto. Por conta de toda a medicação que estou tomando,
acabo tendo um sono mais profundo e se antes eu estava de pé às
6h, agora não costumo sair da cama antes das 8h.
Assim que saio da cama, ouço Luna mexendo nas coisas na
cozinha. Ela me recebe com um beijo acalorado e um abraço
apertado.
— Bom dia, meu amor — diz ela enquanto sua língua invade
minha boca. Retribuo e sinto seu hálito fresco com gosto mentolado.
— Vá tomar um banho. Estou preparando algumas coisas — diz,
me impedindo de entrar na cozinha. Eu me divirto com seu bom
humor e empolgação matinal. Acho que Luna nunca experimentou
um mau humor pela manhã e isso definitivamente me ajuda a ter
dias mais agradáveis quando estou com ela.
— O que você está aprontando? — pergunto.
— Ainda não posso contar. Vá para o banho que logo você
saberá. Se precisar de ajuda, me chame.
Tenho experimentado tomar banho sozinho. Ainda não é algo
fácil nem confortável, e muitas vezes eu preciso pedir ajuda para
Luna. No entanto, eu tenho me esforçado cada vez mais para
conseguir fazer isso sem pedir socorro. Hoje, como percebi que ela
está atarefada, é um dia que decido fazer tudo sozinho.
Me transfiro da minha cadeira para a cadeira de banho e entro
no chuveiro. Luna instalou uma ducha, o que ajuda muito na hora de
me lavar. Assim, consigo mexer os braços e garantir a higiene em
todos os pontos. Luna também deixou apenas sabonete líquido no
box. Assim não corro o risco de que ele caia e interrompa o meu
banho. O processo todo demora mais do que o normal, é claro, mas
já estou mais rápido do que há alguns dias e isso me deixa
animado.
Aproveito o bom humor para fazer a barba. Uso minha
espuma preferida e alinho cada fio. O autocuidado se tornou um
grande aliado. Cada vez que dedico um tempo para mim, me sinto
mais calmo e mais confiante, sentindo que posso dar conta de tudo
isso e de todas as adversidades.
Luna também teve o cuidado de instalar móveis mais baixos,
prateleiras acessíveis em todos os cômodos, onde ficam todos os
meus produtos de higiene pessoal, as toalhas, meus chinelos e
qualquer coisa que eu precise nesse momento. Me pergunto se eu
mesmo teria pensado em todos os detalhes se fosse necessário e
tenho quase certeza que não.
O processo todo – banho, roupas, barba... – demora bastante.
Desde que cheguei do hospital, há três dias, esse tem sido o meu
maior desafio: não me cobrar agilidade em tudo. Algumas coisas eu
ainda vou fazer com mais demora e tenho trabalhado isso na minha
mente. Por isso, tento não espantar quando olho para o relógio e
vejo que já se passaram duas horas que estou aqui.
Visto uma camisa verde-militar de linho e demoro um pouco
para conseguir colocar as calças. Desisto no meio do processo:
ainda preciso de ajuda nessa parte. É difícil para mim usar as mãos
e elevar o quadril ao mesmo tempo. Então vou até a porta e chamo
Luna, que prontamente aparece.
— Meu Deus, que cheiro delicioso — ela diz assim que entra
no quarto. — Que saudade eu estava de sentir o cheiro de sua
loção pela casa. Já escolheu a calça? Vamos vestir — Luna fala
tudo com tanta naturalidade que faz parecer mais leve, menos
penoso. Vestimos, e ela também calça meus pés com um sapato
elegante, mas descontraído. — Está pronto? — A empolgação em
seus olhos é evidente e não faço ideia do motivo. — Vamos para o
quintal.
Luna me empurra pela cadeira até a parte de fora da casa, o
quintal da frente que é composto por um gramado amplo. Assim que
chego lá, sinto o sol aquecer minha face e, em seguida, começo a
identificar silhuetas e pessoas.
— Bem-vindooo! — gritam em uníssono. Vejo meus irmãos,
meus primos, meu tio Arturo e toda a família reunida em volta de
uma mesa decorada em azul-marinho com tema náutico.
— Estamos tão felizes que você está em casa! — diz Arturo.
Ele abraça Mackenzie pela cintura e os dois sorriem alegremente.
— Sim, estávamos ansiosos pelo seu retorno — ela diz com
um sotaque americano bem carregado. Ainda assim, a melhora do
seu português é evidente.
— Como você está se sentindo? — Liliana pergunta. Ela
segura Mirella enquanto Gustavo se aproxima.
— Eu estou... surpreso — digo. — E feliz em estar de volta.
Homero se aproxima com cuidado. Ontem, quando ele saiu
daqui, estávamos em um clima tenso. Então, sorrio timidamente
para levantar a bandeira de paz e dar a ele abertura. A conversa
com Patrício me fez entender melhor a situação e concordo com ele
que essa narrativa é de todos nós, não somente minha.
— Oi — ele diz.
— Oi — retribuo.
— Legal a Luna ter pensado em tudo isso.
— Sim... ela é... — olho para Luna e a vejo brincando com
Sophia e Benjamin, filhos de Patrício e Mainara — perfeita. — Sinto
meu coração se aquecer pelo amor. Sou realmente muito
apaixonado por ela e louco por essa mulher.
— Guilhermo, eu... — Homero começa a falar. — Me
desculpe. Pensei muito em tudo o que aconteceu ontem e concordo
com você, entendo. O excesso de cuidado pode ser sufocante e vou
tentar me controlar para evitar ser invasivo.
Eu sorrio para ele. Sou muito grato por ter meus irmãos e
todas as pessoas ao meu redor. É importante, para mim, ter esse
apoio, contar com essa rede e, principalmente, saber que todas
essas pessoas estão tão dispostas a me ajudar.
— Me desculpe — digo. — Eu não precisava ter agido
daquela forma. — Homero sorri de volta e sinto que a paz foi selada
entre nós.
O dia corre agitado. Gustavo e Liliana se divertem com as
crianças, enquanto Conrado assume a churrasqueira. Luna cuida de
tudo com muita atenção, como sempre, apoiada por Evangeline,
que tem se mostrado uma ótima amiga, e Mackenzie, que tem
curiosidade com tudo a respeito do Brasil. Apesar de estar por aqui
há algum tempo, ela ainda se encanta com cada novidade
gastronômica. Por isso, me divirto quando a vejo cortando tomates
em pedacinhos minúsculos ao lado de Edgar, enquanto ele conta
para ela sobre uma experiência de pesca na Noruega.
— O peixe era tão grande que eu quase fui puxado para
dentro da água. Acho que foi ele quem me pescou, afinal — conta,
animado. Mackenzie ri alto, acreditando no conto de pescador de
meu irmão.
— É bom, não é? — Arturo se aproxima de mim. — Ver todos
reunidos assim. Eu fico espantado sempre que vejo nossa família
reunida. Até esqueço do tanto de alegria que os Salomon carregam.
— Eu não sei o que seria de mim sem tudo isso — respondo
com sinceridade. Realmente não sei como atravessaria essa
situação se não tivesse todo o apoio de minha família.
Quando a tarde chega, todos vão se despedindo aos poucos.
Túlio e Evangeline decidem passar a noite. Ele bebeu uma
caipirinha e não quer dirigir. Prudência sempre foi o sobrenome de
nossa família. Além disso, todos estão atentos aos cuidados
redobrados no trânsito depois do que me aconteceu.
Já estou no quarto quando Luna entra. A luz está apagada,
então não consigo ver nada além de seu contorno sinuoso.
— Hóspedes acomodados — ela diz enquanto se dirige ao
banheiro para escovar os dentes. — O que você achou da
comemoração?
Tenho muita coisa para falar sobre isso. Se Luna me contasse
com antecedência que ia fazer uma festa de recepção, eu
certamente diria que não estou preparado. Mas, como sempre, ela
sabe exatamente como conduzir as coisas.
— Foi a melhor coisa que vivi nos últimos meses — digo
honestamente. — Obrigado por isso.
Sinto meus olhos pesarem e estou quase caindo no sono
quando ela se deita ao meu lado. Sinto seu calor contra o meu
corpo quando ela me abraça pelas costas. Desde que voltei do
hospital, Luna tem dormido no quarto de hóspedes, que é amplo e
tão confortável quanto o nosso. Foi uma escolha em consenso
porque eu previ noites de sono agitadas e não queria incomodá-la.
Mas agora, ao que tudo indica, ela mudou de ideia.
— Eu quero dormir aqui — fala no meu ouvido, sinto seu ar
quente no meu pescoço e estremeço.
Toco sua coxa com uma das mãos e percebo que está
vestindo algo novo. O tecido é macio, liso e muito delicado.
— O que é isso? — pergunto com curiosidade.
— Ah... é só uma coisa nova que eu comprei — fala com
certa timidez. Me viro para observá-la e acendo a lâmpada na mesa
de cabeceira. A luz amarela se lança sobre seu corpo e posso notar
os detalhes. Ela usa um conjunto de pijama e sua pele brilha como
veludo. O short é curto e sensual e deixa a sua pele negra à
mostra, assim como a parte de cima, que deixa seu colo à mostra,
os seios quase expostos, lutando contra uma alcinha fina que não
comporta o volume perfeito. Ela está sem sutiã, e percebo
imediatamente o apontamento de seu mamilo.
— Luna...— Tenho um ar de protesto na voz. Eu ainda não sei
como será nossa vida íntima a partir de agora. Na verdade, não
consigo sequer imaginar se ainda consigo dar prazer a ela. Isso me
traz uma tensão imediata.
— Eu só quero dormir mais confortável — ela responde, mas
posso perceber o teor arteiro em seus olhos. — Você gostou? —
Luna acaricia levemente os próprios seios, o dedo entrando um
pouco para dentro do tecido, insinuando que vai mostrá-los para
mim.
A reação é imediata. Sinto meu pau responder a isso com
uma ereção. Não sei se atingi o total, mas percebo o fluxo de
sangue circular com mais intensidade por todo o meu corpo,
especialmente por aquela região. Luna percebe, pois me puxa para
si, segurando meus cabelos na nuca, e me beija de maneira
fervorosa. Ela acaricia meu peito por baixo da camiseta branca que
estou usando e leva uma de minhas mãos para tocar seus seios.
Eu sinto a maciez quando apalpo. É delicioso sentir o corpo
dela e perceber como a respiração muda quando toco no ponto
mais sensível, o mamilo está duro como um botão. Eu acaricio sua
pele, e Luna expõe os seios, abaixando as alças da blusa. Tomo um
deles com a boca e sinto seu gosto novamente. É delicioso chupar
minha noiva. Ela tem um gosto saboroso e único. Eu brinco com a
língua ao redor do bico enquanto acaricio o outro com a mão. Luna
aperta minha cabeça contra seu corpo, e eu sinto o ar faltar quando
me afogo em sua pele.
Passo a mão sobre meu membro e sinto sua rigidez. O pânico
me toma. Ela nunca me cobrou absolutamente nada, nem sequer
fala sobre sexo. Mas é claro que esse é um assunto constante em
minha mente. Não consigo conceber a ideia de não poder
proporcionar prazer a ela novamente, em nunca mais vê-la gozar
como antes. Mas também não sei ainda se consigo fazer isso, não
sei como será a dinâmica do ato.
Me afasto de leve.
— Eu te amo — diz ao me encarar. Esse é o jeito de Luna de
dizer “está tudo bem, não precisamos prosseguir”. Eu beijo seu
nariz, e ela se vira. Eu a abraço pelas costas e tento manter o
quadril distante, evitando que ela sinta a ereção pulsante e
insistente. Mas ela dorme com um sorriso bobo que indica que sabe
muito bem o que está acontecendo aqui embaixo.

O pânico de retomar a vida sexual e, principalmente, as


dúvidas sobre como isso pode acontecer se tornam meus
pensamentos constantes. É claro que tenho outras tantas questões
a respeito dessa situação, mas essa é uma das mais preocupantes,
ao menos sobre o que envolve minha vida com Luna. Ainda que ela
não demonstre preocupações sobre isso, o assunto me persegue.
Por isso, decido comentar com o Dr. Mauricio na nossa sessão
seguinte de terapia.
— Sim, você pode manter relações sexuais — ele diz quando
lhe pergunto já nos primeiros minutos de sessão. — Mas tudo
requer adaptações.
— Eu não sei nem por onde começar.
Maurício dá um sorriso leve.
— Se você prestar atenção, vocês já começaram. Esses
pequenos passos de exploração do corpo e das sensações é o mais
importante agora.
— Eu confesso que nunca pensei sobre a vida sexual de uma
pessoa com deficiência — digo. — Talvez eu até pensasse que são
pessoas sem desejos sexuais.
— Muita gente pensa. Ou ainda, infantilizam os portadores de
deficiências, fingindo que sexo não faz parte das nossas
experiências. — Quando ele diz “nossas”, minha atenção desperta.
Às vezes eu esqueço que o Dr. Maurício também é PcD. Apesar de
a limitação dele estar ali, na minha frente, naquela manga de camisa
enrolada sem um membro para lhe preencher, eu esqueço disso
justamente porque ele me parece... bem! Ele não se resume a sua
limitação, ele trabalha, fala de todos os assuntos, sorri... e de
repente entendo que é isso o que eu preciso: me enxergar além da
deficiência, entender que aquilo não precisa e não deve ser a única
coisa a meu respeito que interessa.
— A comunicação é o alicerce de qualquer relação, mas é
ainda mais importante para nós. Você e sua parceira precisam
dialogar, é importante que ela entenda quais são suas limitações
físicas e psicológicas — aconselha. — Nada diferente do que
aconteceria com um casal sem qualquer deficiência.
Faz sentido.
— Além disso..., vocês podem aproveitar o momento para
descobrir novas possibilidades sexuais. A relação não precisa e não
deve se resumir à penetração.
— Mas eu quero... — Não consigo finalizar meu pensamento,
mas Dr. Maurício entende o que quero dizer.
— Eu sei que quer. E você pode. Você tem ereção, pode
ejacular e ter orgasmos..., mas precisa primeiro descobrir como
fazer isso de forma confortável. Vocês vão descobrir isso juntos.
Guardo essas informações e começo a explorar o meu corpo
aos poucos. Me sinto cada vez mais estimulado e o desejo por Luna
cresce a cada dia. Ela sabe disso, por isso não poupa esforços ao
desfilar de shortinho pela casa, ou acordar vestindo apenas uma
camiseta minha dos Lakers sem absolutamente mais nada por
baixo.
Ardilosa.
Sorrio ao pensar nisso. Eu quero ter uma vida normal com
minha noiva, quero dar a ela todo o prazer de antes, e até mais. E
sei que posso fazer isso. Ela que me aguarde.
Cuidar de Guilhermo se tornou minha atividade principal.
Apesar de ele tentar fazer tudo sozinho e, às vezes, até mesmo se
mostrar bastante relutante e um tanto teimoso, faço questão de
participar de tudo e ajudá-lo em cada nova descoberta. Para mim, o
maior desafio é justamente aceitar a sua autonomia e deixar que ele
realize algumas coisas por conta própria, sem insistir para dar meu
suporte. Por isso, sorrio satisfeita quando escuto a água do chuveiro
ligar no banheiro. Sei que Guilhermo está tomando banho sozinho e
isso me deixa muito orgulhosa, mas também um pouco preocupada.
Tenho medo de que ele tente fazer alguma coisa e acabe
caindo da cadeira. No entanto, a equipe médica que o acompanha
me orientou com bastante eficácia.
— A tendência é que ele se torne cada vez mais independente
— diz a Doutora Garbero. — Guilhermo tem um excelente porte
físico e isso ajudará muito nesse processo, já que ele precisará usar
os braços como suporte nas transferências da cadeira para qualquer
outra superfície — completa.
— Mais do que dar seu suporte físico, o importante agora é
estar com ele emocionalmente — diz Arturo. Por ser um médico
muito renomado em sua profissão, ele também acabou adotando
um perfil de orientador e conselheiro para mim. Além disso, me sinto
muito acolhida quando estou com ele.
— Não sei como fazer isso. Às vezes, tenho a impressão de
que não é suficiente, é como se eu quisesse...
— Tomar o lugar dele — Arturo completa com tanta facilidade
que não posso deixar de sorrir pensando em nossa sintonia.
— Exatamente isso.
— É absolutamente normal ter esse tipo de pensamento,
Luna. Mas pense que Guilhermo não gostaria de vê-la passando por
um acidente. Você não pode tomar o lugar dele e não pode poupá-lo
de todo o sofrimento, mas pode continuar sendo exatamente isso:
um porto seguro onde ele pode repousar após um dia cansativo.
É justamente isso o que carrego comigo após a conversa com
Arturo. Eu decido que serei exatamente o que Guilhermo precisa,
mas sem tomar o espaço dele e sem impedir que se desenvolva por
conta própria.

— Vou te esperar lá fora — grito enquanto pego a chave do


carro. Hoje é dia de fisioterapia, e eu estou me segurando para não
ir até a porta do banheiro perguntar se Guilhermo precisa de alguma
coisa. Estou aprendendo que, quando ele precisa de mim, me
chama. Ele está cada vez mais adaptado à cadeira de rodas, o que
também me traz muita segurança. Ainda assim, faço questão de
acompanhá-lo em todas as consultas, exames de rotina e
fisioterapia.
— Pronto. Vamos. — Guilhermo surge na porta com o cabelo
penteado e a barba feita. Antes, ele demorava horas para fazer isso,
mas agora que já se passaram duas semanas desde que voltamos
para casa e as coisas já estão mais ágeis. Ele se aproxima com a
cadeira de rodas e para perto de mim.
— Seu cheiro é delicioso — digo, me inclinando um pouco
para lhe dar um beijo na boca. E é mesmo. O cheiro mentolado e
másculo de sua loção pós-barba é uma das coisas que mais me tira
do sério. É o tipo de aroma que me faz perder completamente o
juízo.
Ele se transfere sozinho para o carro, mas eu o ajudo a
colocar o cinto de segurança.
— Precisamos de um carro adaptado — Guilhermo diz quando
me sento no banco do motorista. Apesar de termos alguns
motoristas à disposição, eu faço questão de assumir a direção
quando vamos aos seus compromissos médicos. — Quero poder
dirigir por conta própria.
— E você vai — digo, ligando o motor de nosso Sedan. —
Mas tudo em seu tempo. Vamos sair juntos para escolher o melhor
carro e pensar em todas as adaptações das quais você precisa.
Mas, por enquanto, eu faço questão de ser sua chofer exclusiva. —
Levanto um pouco a barra da minha saia para mostrar um pedaço
da coxa, provocando Guilhermo com uma piscadinha faceira. Ele ri.
— Você não toma jeito. E é por isso que te amo. — Ele se
inclina para o lado e me beija antes de eu sair com o carro.
Cerca de 15 minutos depois, já estou estacionando na frente
da clínica de reabilitação. Retiro a cadeira de Guilhermo do porta-
malas e me confundo um pouco na hora de abri-la.
— Deixe-me ajudá-la — diz uma voz masculina grave. Eu olho
para o lado e vejo um rapaz se aproximando em outra cadeira de
rodas. Ele tem braços fortes e um porte físico tão definido quanto o
de Guilhermo.
— Ah, não. Você não precisa... — tento impedi-lo, mas o
rapaz desdobra a cadeira com a maior destreza que já vi. — Uau.
— Já são anos de experiência — diz ele. — Prazer, Carlos.
— Sou Luna. — Estendo minha mão para cumprimentá-lo e,
em seguida, levo a cadeira até a porta do passageiro.
— Precisa de ajuda com alguma coisa aí, Luna? — pergunta
Carlos com um sorriso bondoso, mas Guilhermo já está saindo do
carro e se posicionando por conta própria na cadeira. Ele lança um
olhar efusivo para o homem e sei que lá no fundo há uma pontada
de ciúme acontecendo aqui.
— Carlos — o homem se apresenta, oferecendo a mão para
meu noivo, que retribui ainda com olhar duro.
— Guilhermo Salomon. — Nome e sobrenome. Ele deve estar
mordido de ciúme, e eu sei por quê. Carlos é um homem muito
bonito, de fato, e se mostrou muito cavalheiro. Some a isso o fato de
eu e Guilhermo não estarmos em nosso melhor momento sexual, o
que é absolutamente natural, e pronto: temos a receita para a
sementinha do ciúme brotar.
— Começou quando? — Carlos pergunta se referindo às
sessões de fisioterapia.
— Duas semanas. — Guilhermo é seco.
— Ahhh. O começo é mais complicado. A gente demora um
pouco para se adaptar. Mas, com o tempo, você se acostuma e até
sente falta.
— Duvido.
— Não, é verdade. Falo sério.
— Há quanto tempo você...? — Não concluo a frase, mas
Carlos sabe exatamente o que estou perguntando.
— Quinze anos.
Devo ter arregalado os meus olhos, porque ele imediatamente
começa a rir da minha expressão.
— Eu uso o espaço para treinar, além de continuar com a
fisioterapia que me ajuda a sentir menos dor em alguns pontos da
coluna. Mas hoje também se tornou uma espécie de lazer, um
momento que posso vir a interagir com amigos, conversar, jogar
umas partidas de tênis e...
— Tênis? — Guilhermo pergunta, curioso.
— Ah, sim. Alugamos uma quadra de tênis próxima daqui às
quintas-feiras. Muitos homens e mulheres que fazem as sessões
aqui participam. Aliás, vocês estão absolutamente convidados.
Quem não curte jogar, pode simplesmente ficar abanando os
pompons na plateia enquanto joga conversa fora. Anotem meu
número e vamos nos falando.
Por impulso, pego meu celular e anoto o contato de Carlos.
Sinto a tensão de Guilhermo ao meu lado, me observando de rabo
de olho, mas não me intimido. Ele nunca foi um homem ciumento,
pelo menos não além do que considero saudável. Sei que essa
repentina insegurança tem a ver com o processo de recuperação
que estamos enfrentando e tenho certeza de que manter contato
com Carlos pode ajudá-lo a superar isso com mais facilidade.

“Cinema amanhã?”
A mensagem surge na tela do meu celular quando estamos
jantando. Evangeline e Túlio estão conosco em nossa casa, e ela
preparou um peixe branco ao molho de manjericão que está
absolutamente divino.
“Vou ver se Guilhermo topa”.
Respondo à mensagem de Carlos e abaixo o celular com a
tela para baixo. Não sei se esse gesto em especial causou algum
impacto, mas Guilhermo solta o garfo ao mesmo tempo em que
suspira profundamente.
— Acho que fiquei sem apetite — ele diz. — Vou tomar um ar
e já volto.
Evangeline me observa com bastante atenção e posso ver a
tensão em seus olhos. Túlio continua entretido com o peixe e não
parece notar nada de mais acontecendo.
— Isso é muito bom, por que é que você nunca fez isso para
eu comer antes? — ele pergunta enquanto se serve de mais um filé.
— Você é um talento.
Evangeline continua séria, apesar do elogio. Eu movimento os
lábios sem voz.
— Vou lá fora, falar com ele.
Ela franze a testa sem entender, mas eu faço sinal de que
estou saindo e deixo meus convidados na mesa. A noite está quente
e clara por conta da lua imensa que está brilhando lá no céu.
— Achei que você amava peixe com manjericão — digo, me
aproximando pelas costas de Guilhermo. Ele não se move. Toco seu
ombro e a mão dele envolve a minha. — O que houve, meu amor?
Guilhermo respira profundamente.
— Ele está dando em cima de você.
— Quem?
Ele solta o ar pelo nariz como se indicasse que é óbvio de
quem estamos falando.
— Ele apenas é gentil comigo, meu amor, com a gente.
— Você acha mesmo que não reconheço quando um
garanhão está cantando minha noiva? — Ele suspira pesadamente.
— Quero nossa vida de volta.
— Nossa vida não foi tomada de nós.
— Parte dela, sim..., pelo menos a parte... a parte que nós...,
você sabe.
Puxo uma cadeira na varanda e me sento ao lado dele.
— Por que está falando disso agora? O que lhe deu esse
gatilho?
— Porque você precisa! Você precisa de sexo, precisa de
mim, e não consigo lhe dar isso.
— Guilhermo, eu não...
— Antes, eu achava que o problema era a cadeira, mas olha
para aquele Carlos... olha como ele é galanteador, bonitão e,
aparentemente, sexualmente ativo e...
Solto uma gargalhada, mas sem qualquer ar de deboche. Me
controlo em seguida, adquirindo novamente um ar sério. Guilhermo
me encara incrédulo com a risada que dei.
— Você conseguiu perceber tudo isso sobre a vida sexual dele
apenas em um encontro rápido que tivemos em um estacionamento
na clínica?
Ele bufa, mas não responde nada.
— Guilhermo, eu sei que tudo isso está lhe causando muita
ansiedade e sou incapaz de sequer dizer que entendo o que você
sente..., mas eu quero que você confie em mim e que acredite no
que eu estou falando. Eu amo estar com você, amo ter nossa
intimidade..., mas eu amo, acima de tudo, quando você está bem. —
Toco seu braço de forma delicada. — Eu quero transar com você,
mas também não preciso disso urgentemente. Eu posso esperar,
podemos redescobrir isso juntos, com calma.
Ele me observa, e vejo o reflexo das estrelas perpassar seus
olhos castanhos. Ele está lindo banhado por essa luz e meu coração
está inflando de tanto amor.
— Mas aquele Carlos está dando em cima de você.
Rio de novo. Ele fala como um menino mimado, mas já
adquirindo um humor mais centrado, como se reconhecesse o
absurdo disso tudo.
— Ele nos chamou para um cinema.
— ARRÁ! Eu sabia.
— Epa, epa...eu disse que ele nos chamou, não a mim
apenas.
Guilhermo se cala.
— Amanhã. Vamos?
Ele pensa um pouco a respeito e sei que está tendendo a
dizer não.
— Pode ser divertido estar com pessoas novas. — Encorajo.
— Está bem. Vamos.

Chegamos no local agendado 5 minutos antes do horário.


Quando dá 19h em ponto, um carro preto elegante estaciona bem
na entrada do cinema. Uma mulher alta e elegante desembarca. Ela
tem pernas longas e usa um sapato fino que lhe dá ainda mais
porte. O vestido é curto, largo e esvoaçante. O motorista abre a
outra porta e Carlos desembarca sorrindo. Ele entrega uma gorjeta
ao motorista, que volta para o banco principal e leva o carro para o
estacionamento.
— Aí estão vocês. Como vão? — Carlos nos cumprimenta
como se fôssemos velhos conhecidos. Guilhermo observa a mulher
que está com ele. — Essa é Eloá, minha namorada.
— Prazer em conhecê-los. Carlos estava muito animado para
encontrar vocês.
— Prazer, Luna. Eu amei o seu vestido.
— Ah! Obrigada. Eu mesma fiz, sou estilista e costumo
desenhar e confeccionar minhas próprias roupas há anos. — Eloá
sorri com alegria. Ela é linda e muito simpática. — Ainda mais agora
com as mudanças das minhas medidas. — Ela acaricia a própria
barriga com carinho. Olho para Guilhermo, que a encara com
incredulidade. Penso no que pode estar passando na cabeça dele e
sorrio ao pensar no tanto de coisas que ele está processando ao
mesmo tempo.
— Vamos, vamos. O filme já vai começar.
Entramos no elevador e um grupo de jovens tentam entrar
juntos. Apesar de espaçoso, não cabem todos, e o sinal de alerta de
sobrepeso de carga aciona.
— Droga! — diz um menino de uns 15 anos com espinhas na
cara e um aparelho mal higienizado nos dentes. — Se não fosse por
esse trambolho, não iríamos nos atrasar para o trailer. — Ele diz
para seu colega enquanto os dois saem do elevador. Claramente se
referiam às cadeiras de Guilhermo e Carlos.
Guilhermo se contrai um pouco na cadeira. Eu nunca o vi
sentir constrangimento. Em geral, Guilhermo é um homem seguro,
autoconfiante e que sempre tem a resposta na ponta da língua.
Parte meu coração ver um fedelho mal-educado tirá-lo do sério
dessa forma.
— Você pode ir antes de nós — Carlos responde. —
Aparentemente você desconhece as leis do país sobre uso
prioritário e, aparentemente, também desconhece informações
sobre educação.
O menino o encara num misto de pavor e vergonha.
— Ah, não. Podem ir..., eu só...
— Tem certeza? Porque eu estou nessa cadeira, mas, se eu
perder esse filme, não perderei a minha noite. Nem eu nem meu
colega Guilhermo, aqui. A gente tem um jantar agendado em um
restaurante excelente, temos nossas namoradas lindas conosco...
tenho certeza de que minha vida está bem mais animada que a sua.
Talvez esse filme seja a única coisa decente do seu final de semana
inteiro.
O menino arregala os olhos, enquanto seu amigo puxa o
braço dele para trás, fazendo com que se afaste de nós e saia do
elevador.
— Nós vamos no próximo, senhor. Desculpe o meu amigo, ele
é mal-educado mesmo.
Carlos sorri gentilmente enquanto a porta do elevador se
fecha e todos subimos sem mais transtornos.
— Eu amei a cara que ele fez — diz Eloá.
— Isso foi... demais! — Guilhermo concorda. — Eu jamais...
— As pessoas não nos respeitam, Guilhermo. Já é bom
demais quando simplesmente nos enxergam, mas respeitar pode
exigir muito delas. Por isso, eu aprendi que precisamos impor esse
respeito.
Chegamos em nosso andar, reservamos o lugar com dois
espaços para cadeira de rodas. Eu me sento ao lado de Guilhermo,
e Eloá, ao lado de Carlos, e desfrutamos de uma das noites mais
agradáveis desde que tudo isso aconteceu.

O encontro com Carlos mudou a perspectiva de Guilhermo.


Durante o jantar, ele nos contou que ele e Eloá não acreditavam
mais que podiam engravidar, apesar de o médico que o atende dizer
claramente que ele não havia se tornado infértil após o seu
acidente, quando bateu com a cabeça numa pedra durante um
mergulho.
— E aí, faz cerca de 4 meses que a notícia veio — Eloá nos
contou com um olhar brilhante. — Uma gestação absolutamente
saudável. Uma alegria sem tamanho.
Desde esse encontro, ele está claramente mais animado e
mais empolgado com tudo. É como se essas informações tivessem,
de repente, aberto uma janela de novas perspectivas. Guilhermo
finalmente entendeu que é possível levar uma vida sobre duas
rodas, uma vida plena e feliz, e que podemos realizar sonhos,
mesmo que eles precisem ser adaptados. Eloá nos contou que eles
têm outro filho, um filho adotado de antes do acidente, porque
engravidar já parecia difícil para ela antes do ocorrido.
Estou perdida em pensamentos quando escuto um som vindo
de nosso quarto. Percebo a voz de Arturo e de Gustavo, e entendo
que estão em uma videochamada com Guilhermo.
— Nós vamos continuar a busca — diz Gustavo. — Túlio e
Fabrício estão muito empenhados nisso.
— Enquanto a polícia não faz seu papel, nós fazemos — fala
Fabrício. — Vamos colocar esse infeliz atrás das grades.
— Um colega meu do hospital mais próximo dali disse que
conseguiu identificar um veículo em alta velocidade nas câmeras de
segurança — comenta Arturo. — Ele me entregará as gravações
dentro de uma semana e finalmente podemos analisar as imagens
com cuidado para tentar alguma pista sobre o criminoso.
Eles estão investigando o acidente de Guilhermo.
Antigamente, eu costumava fazer esse trabalho. Tudo o que
os Salomon precisavam descobrir, pediam a mim e confiavam em
minha perspicácia, mas agora eles simplesmente estão fazendo isso
sem sequer me consultarem.
Eu entendo que a intenção de todos é nos preservar e diminuir
minhas dores e minhas responsabilidades nesse momento em que
tudo parece estar de cabeça para baixo, mas isso é sobre a vida do
Guilhermo, sobre a minha própria vida. Eu, mais do que ninguém,
quero saber quem foi o infeliz responsável por causar esse acidente.
— Sim, eu estou pronto — respondo para Luna novamente.
Ela já me perguntou umas 5 vezes se realmente quero voltar ao
trabalho agora.
— Eu te apoio. Te apoio muito, mas não posso negar que
estou cheia de preocupações.
— Eu sei, meu amor — digo, beijando as costas de sua mão.
— Mas isso precisa acontecer mais cedo ou mais tarde.
— Então, pode ser mais tarde! — ela diz com uma falsa
empolgação, me fazendo rir. — Brincadeiras à parte, por favor,
tenha cuidado. A empresa não é 100% adaptada, mas já pedi que
todos os ajustes sejam feitos.
— Isso foi uma grande falha nossa — respondo. — Como foi
que nunca havíamos pensado em adaptar 100% de nossa torre para
PcD?
— Pois é. Vivendo e aprendendo. Inclusive, acho que
podemos preparar um material informativo para que todos saibam
da importância da diversidade e do respeito dentro de nossa
empresa, informando sobre como podemos ajudar de forma menos
capacitista e como podemos contribuir para um ambiente de
trabalho mais... o que foi?
Ela para de falar repentinamente ao notar que estou olhando
para ela encantado. Em momentos assim, eu me lembro porque é
que amo tanto essa mulher. Luna é determinada, forte e linda...,
mas o que mais me encanta é sua bondade. Ela simplesmente quer
que todas as pessoas se sintam bem-vindas no mundo, que sejam
acolhidas e respeitadas, e isso se tornou ainda mais evidente
quando passei a precisar de mais cuidados após o acidente.
— Você é linda — digo com ar apaixonado.
— Você é bobo — ela responde. — Mas me prometa,
Guilhermo, que não vai extrapolar, que vai tomar todos os remédios
na hora certa e que vai poupar esforços quando se sentir cansado.
— Luna me encara com seriedade.
— Sim, senhora — respondo.
A retomada das atividades é um dos pontos mais difíceis na
recuperação. Eu nunca sei o que esperar: uma festa de
comemoração, olhares de piedade, choros de emoção... é sempre
uma incógnita. No caso da Salomon, no entanto, eu tenho certeza
de que as pessoas serão pelo menos razoáveis. Sempre tivemos o
cuidado de contratar funcionários que não demonstram nenhum tipo
de preconceito, pensamentos retrógrados e atrasados, ou pessoas
com qualquer perfil desrespeitoso e desagradável. É claro que,
mesmo com uma equipe de RH absolutamente qualificada, alguns
erros acontecem e, por isso, o preconceito também acabou me
atingindo.
— Honestamente não sei como ele pretende fazer isso. —
Escuto um rapaz da TI comentar na copa do andar em que fica o
meu escritório novo. Temporariamente estou alojado no terceiro
andar enquanto Luna faz ajustes para adaptar meu escritório
original no 12°. — Quando me candidatei para essa vaga, me
falaram do Guilhermo como sendo um homem tão imponente, digno
de toda a admiração e respeito, mas agora, acho que...
Entro na copa repentinamente. O rapaz usa um par de óculos
grande que deve ter 5 ou 6 graus. Ele é branco e começa a suar
repentinamente quando me vê.
— Como é mesmo o seu nome? — Ele provavelmente foi
contratado durante a minha internação, porque não me lembro de
ter cruzado com ele por aí.
— Stewart, senhor Guilhermo — responde com a voz trêmula,
quase um miado.
— Stewart, nós vamos oferecer um curso a respeito de
inclusão e aceitação das diferenças. Ele está sendo preparado com
muito carinho por minha noiva, Luna, para ajudar a todos nós a
compreendermos essa nova condição e, também, passaremos a ter
uma nova cultura de inclusão como prioridade nas propriedades da
empresa.
O menino acena com a cabeça, ainda muito nervoso por toda
a situação em que foi flagrado. O outro rapaz com quem ele
conversava escuta tudo com muita atenção, claramente
constrangido pelo amigo.
— Você passará pelo treinamento duas vezes. E depois
faremos uma reunião com todos os meus irmãos, sócios dessa
empresa, para que lhe façam perguntas sobre o tema. Vamos ver o
quanto você consegue absorver disso tudo.
Não, a minha intenção não é penalizar. A intenção é realmente
educar. Acontece que a sociedade deveria se preocupar com isso,
não eu. Não é minha obrigação ou de qualquer outra pessoa com
deficiência arcar com a ignorância dos outros. Então, esse menino
vai fazer o curso duas vezes, vai ter que aprender na marra. Caso
contrário, não serve para o meu negócio.
No mais, eu sou muito bem recepcionado. O meu escritório
temporário está repleto de balões, flores e caixas de bombons com
frases motivacionais. Todas as pessoas se envolveram em uma
espécie de festa surpresa que acontece no salão de eventos da
torre. Lá, eu também conheço Constanza, uma imigrante peruana,
deficiente visual, que contratamos para o atendimento telefônico da
empresa.
— É um imenso prazer recebê-lo de volta, senhor Guilhermo.
Ela é uma mulher com traços indígenas fortes e um sotaque
igualmente acentuado. O seu olhar vaga de forma acelerada para
um lado e outro enquanto Constanza utiliza sua bengala branca
para identificar o que tem ao redor.
— O prazer é meu em conhecê-la, Constanza. Como estão as
coisas no seu departamento?
Ela comenta sobre algumas dificuldades, como o programa de
audiodescrição instalado em seu computador, que tem demonstrado
instabilidade. Imediatamente convido um rapaz da área de
tecnologia para conversar com ela e providenciar a solução do
problema o quanto antes.
Enquanto o rapaz comenta o que pode ser feito, Constanza
presta muita atenção em tudo e parece se interessar pelo assunto.
— Ah, sim. Eu mesma já trabalhei com esse programa quando
defendi minha tese no MBA.
— Você o quê? — pergunto.
— Ah..., eu fiz MBA em Data Science. Me formei com honras
pela minha nota elevada na defesa de minha tese e consegui
vender minha teoria para aprimoramento em uma universidade no
Texas.
Eu fico impressionado com a qualificação de Constanza. Por
que essa mulher não está diretamente envolvida com a equipe mais
elevada de tecnologia da Salomon & Salomon?
— Como você está se sentindo? — Edgar se aproxima de
mim sem que eu o perceba. Constanza se retira para tomar uma
bebida antes que eu consiga conversar com ela a sós. — É bom
retornar?
Um garçom passa e nos serve suco de melancia. Eu pego um
copo e brindo com meu irmão.
— É um respiro. Uma forma de entender que a minha vida
continua, que as coisas que eu construí ainda estão aqui e são parte
de mim. Como foi trabalhar na torre nesse período?
— Foi incrível! Mas... eu não vejo a hora de voltar para a
natureza.
Rimos juntos. Edgar sempre foi o de espírito mais livre entre
nós, aquele que trocava qualquer videogame de última geração por
uma tarde inteira subindo e descendo de árvores no pomar.
— Tem algo que eu preciso conversar com vocês, com todos
vocês. — Quebro o silêncio que se instaurou entre nós dois.
— O quê? — Edgar pergunta com curiosidade.
— Vou marcar uma reunião para amanhã. Quero todos os
sócios diretos presentes.

Túlio, Conrado, Fabrício, Gustavo, Edgar... todos eles chegam


cedo para a reunião. Homero e Patrício não estão, porque não são
tão envolvidos com os negócios da família, mas decido que vamos
fazer uma chamada de vídeo para incluí-los. Também temos alguns
dos principais acionistas atentos através de suas telas.
— Você voltou ontem para o trabalho e já convocou uma
reunião. Esse é o Guilhermo que eu conheço — diz Gustavo com ar
de satisfação.
— O que eu tenho para dizer é muito importante e inadiável.
Todos me observam com bastante atenção, ansiosos para
ouvirem o que realmente tenho a dizer.
— A partir de hoje, quero que a Salomon crie um plano de
carreira para os funcionários.
— Como é? Nós já temos um plano de carreira — responde
Fabrício.
— Temos, mas ele não contempla nossos funcionários com
deficiência ou alguma limitação — digo de prontidão.
— Eu creio que essa não seja uma prioridade agora — quem
fala é Enrico Dolavante, um dos acionistas mais importantes da
empresa. — Sua ausência causou impactos importantes que devem
ser revertidos.
— Enrico está certo, Gui. A Salomon está em uma situação
delicada, não arriscada, mas que demanda atenção em alguns
pontos que acabaram saindo dos eixos com o acidente e a nossa
ausência na primeira semana após o ocorrido — fala Edgard.
— Eu sei — respondo. — Sei que houve impactos e que isso
precisa ser visto com atenção, principalmente no que diz respeito às
reuniões e repasses para nossos investidores. Porém, eu quero que
esse plano de inclusão seja posto em prática imediatamente.
— Não temos pessoal para isso. Todos os profissionais de alta
patente estão cuidando de sua carteira de clientes, garantindo que
todos tenham o melhor atendimento — quem fala é Conrado.
— Então vamos contratar novo pessoal.
— Guilhermo, não vejo motivos para gastarmos dinheiro com
isso agora — Enrico se manifesta novamente. — A empresa é
bastante inclusiva, temos muitos funcionários com deficiências
atuando em diferentes setores e...
— Mas nenhum nos cargos de liderança e confiança —
respondo, e todos ficam em silêncio. — Nós continuamos
reproduzindo a ideia capacitista de que essas pessoas, pessoas
como eu, não podem ocupar cargos de alto patamar. Continuamos
mantendo esses seres humanos, alguns deles altamente
qualificados, em cargos de menor remuneração e sem atuar
diretamente nas tomadas de decisões da empresa.
— Você tem razão — diz Conrado. — Não temos nenhum
profissional com deficiência atuando em um cargo elevado, fora
você.
Finalizamos a reunião com a proposta de que todos pensem
juntos em meios de identificar e apoiar os talentos, além da abertura
de processos seletivos específicos para atender a essa demanda. A
causa PcD agora é parte fundamental de nossa ata.

Falo sobre minha decisão na terapia. Me sinto cada vez mais


à vontade para compartilhar tudo com o Dr. Maurício e me parece
que ele está bastante satisfeito em ouvir as decisões que tomei
recentemente.
— Eu sinto que essa causa agora é realmente minha —
concluo depois de contar sobre o plano de inclusão que estou
encabeçando.
— Que grande passo, Guilhermo. Se enxergar como alheio à
situação é uma das maiores dificuldades enfrentadas por pessoas
que passam por um trauma como esse. Se inserir na causa também
ajuda a enxergar com mais clareza a sua própria identidade, que
não se limita, nem se resume a isso, mas que agora também inclui
uma deficiência.
— Sim, Maurício. Você está correto, como sempre. Durante
um tempo, eu me senti culpado...
— Culpado por...?
— Por não me aceitar ou não me considerar um PcD. É como
se eu quisesse ficar alheio a isso, quanto menos eu aceitasse,
menos real isso seria. Mas, com o passar do tempo, entendi que os
meios não alteram os fins. Se eu não admitir, eu apenas terei mais
dificuldade em me desenvolver nessa nova condição.
Maurício concorda.
— Eu entendo também que esse pensamento não podia ser
reprimido. Eu não poderia chegar aonde estou sem antes passar por
esse processo de ignorância. Isso está me ajudando a ser um irmão
melhor, um homem melhor para Luna e um líder mais empático para
minha equipe, além de me ajudar a encontrar forças para continuar.
Diante dessas constatações, a minha relação com Luna e os
laços familiares se fortalecem ainda mais. É como se, após retomar
o trabalho, conhecer Carlos e Constanza e me aprofundar na
terapia, eu finalmente conseguisse entender o que sempre esteve
aqui:
Eu sou Guilherme Salomon, um homem comum, passível de
erros, mas que continua buscando os acertos. Um CEO vulnerável,
mas absolutamente resiliente.

Tive um dia agitado. Por isso, inicio a noite exausto, clamando


por um bom banho e cama, porém, percebo que Luna tinha outros
planos assim que chego em casa.
Entro pela porta principal e sinto um cheiro diferente no ar.
Luna também retomou ao trabalho na empresa, mas ela tem feito
turnos menores do que de costume. Isso foi negociado, porque,
embora tenhamos vários profissionais à disposição para me
auxiliarem em casa, minha noiva faz questão de participar de tudo o
que diz respeito à minha recuperação.
Portanto, quando sinto aquele cheiro que mistura rosas e
talvez um toque de sálvia, imagino que ela esteja tramando alguma
coisa. Sorrio em silêncio enquanto imagino o que pode ser. Assim
que entro por nossa sala de jantar, vejo uma mesa posta com as
melhores louças. Castiçais elegantes adornam o jantar e há um
clima sensual na casa, embalado por uma música suave
instrumental que vem de algum canto.
— Espero que esteja com fome, meu amor. — A voz de Luna
é suave e completamente sedutora. Me viro e percebo sua silhueta
se aproximando na meia-luz amarelada das velas. Ela está vestindo
um roupão de cetim vinho que faz um contraste belíssimo com sua
pele negra. Luna desamarra cuidadosamente a fita de cetim se
insinuando em minha direção.
— O que significa isso? — pergunto com um sorriso no rosto.
Ela se aproxima e meu rosto está na altura de sua barriga, que
agora está completamente exposta.
— Você chegou no momento exato em que eu me preparava
para o banho — ela diz. — Acho que isso significa que devemos
tomar banhos juntos.
Eu acaricio sua coxa macia, sentindo a delícia que é a sua
pele. Ela suspira enquanto envolve meus cabelos com os dedos.
Em seguida, Luna levanta meu queixo usando uma das mãos e me
beija com intensa paixão. Sua língua passeia pela minha boca, e eu
sinto vontade de apertá-la, quero engolir seu corpo, devorá-la...
— Calma...— ela diz com a voz baixa. — Eu preparei um
banho para nós.
Nos encaminhamos para o banheiro. O chuveiro está ligado e
a água quente jorra convidativa. A luz também está apagada e
algumas velas tornam o ambiente ainda mais sensual. Luna me
serve uma taça de champanhe.
— Um brinde a nós. Ela levanta a taça em minha direção. Eu
estou em minha cadeira, completamente vestido, enquanto vejo
algumas partes do corpo dela fugir do penhoar.
— Acho que estou vestido demais para a ocasião — digo.
— Vamos resolver isso, senhor Salomon. — Luna se aproxima
de mim e desabotoa minha camisa com cuidado. Meu coração
acelera. Ela tem me visto nu todos esses dias, principalmente
quando preciso de sua ajuda para o banho. Mas isso aqui é
diferente. Há uma intenção no ar, um desejo sexual escancarado.
Essa nova possibilidade me apavora, mas não consigo resistir aos
meus instintos. Luna usa as unhas para me provocar, passando-as
em mim como uma gata, marcando meu peito, agora nu, com
pequenos e delicados vergões vermelhos. Minha pele reage, cada
poro meu se eleva junto com os pelos dos braços, da nuca, do
corpo todo.
— Você é tão gostoso — Luna sussurra em meu ouvido e me
contraio um pouco com a reação imediata. Ela desabotoa minha
calça e remove a peça. — Vamos? — Luna indica o chuveiro com a
cabeça. Eu me transporto para minha cadeira de banho com certa
facilidade. Estou pegando a prática nisso. A água cai sobre minha
cabeça enquanto eu a vejo se livrar do roupão e ficar
completamente nua na minha frente.
— Gostosa — penso alto. Ela sorri faceira e vem em minha
direção. Eu abocanho um dos seus seios, aproveitando que está
bem na minha direção. Brinco com a língua ao redor de seu mamilo,
que imediatamente endurece. Ela geme de prazer.
Automaticamente minha mão procura por suas coxas e faço
círculos leves com os dedos em sua pele e na virilha. Luna está em
êxtase e com a respiração cada vez mais acelerada. Eu não resisto
e busco a entrada entre suas pernas. Sinto meus dedos deslizarem
pelos lábios lisos e eles ficam imediatamente úmidos.
— Você está tão molhada, meu amor.
Ela não responde, mas geme. Eu massageio Luna no seu
ponto mais sensível, sentindo seu clitóris endurecer a cada gesto
enquanto continuo mamando seu peito. Ela segura meu cabelo com
força, implorando em silêncio para que eu não pare. Suas pernas
ficam um pouco mole, percebo que ela está cedendo.
— Vem cá. Senta-se em mim — digo enquanto seguro meu
pau completamente duro. Luna sorri novamente, e eu tenho vontade
de jogá-la na parede para foder com força. Mas isso tudo é novo
para mim, e existem algumas limitações. Ela sabe disso, então
monta em minha cadeira, passando uma perna para cada lado.
Sinto meu pau deslizar para dentro dela devagar, com cada
terminação nervosa do meu corpo respondendo a isso. Ela é
deliciosa, apertada e quente. Luna cavalga em mim com lentidão,
rebolando enquanto a água escorre sobre nós, molhando seus
cabelos e nosso beijo caloroso. É a melhor sensação que já
vivenciei. Estar dentro dela de novo, apalpar seus seios redondos,
lamber o seu pescoço. Eu puxo o cabelo dela para trás, deixando o
pescoço completamente à minha mercê, e dou pequenas mordidas
enquanto a penetro com força. Luna está no comando, mas eu faço
movimentos curtos para aumentar a pressão. Quero entrar mais
nela e que ela me devore por completo.
Aos poucos, sua respiração fica mais acelerada. Ela me
encara enquanto cavalga, gemendo alto, sem se preocupar se os
vizinhos podem ouvir. Luna roça seu clitóris em minha pélvis, a cada
movimento, uma fricção nova que a leva à loucura. Os movimentos
ficam mais intensos e mais rápidos. Eu aperto sua bunda com as
mãos enquanto abocanho novamente seu seio. Faço pressão para
que ela fique mais perto, para que consiga entrar mais fundo, e ela
grita de prazer quando chega ao orgasmo.
Eu estou exausto. Meu peito sobe e desce numa respiração
descompassada. Luna apoia a cabeça no meu ombro, e vejo suas
costas vermelhas com a pressão da água quente que está batendo
no mesmo ponto há muito tempo. Ela está completamente entregue.
— Você quer que eu...— Ela faz menção de me masturbar.
Mas eu seguro sua mão com delicadeza e lambo os dedos
enquanto ela sai de cima de mim, liberando meu pau de toda aquela
pressão deliciosa.
— Acho que não aguento — digo com a voz entrecortada pela
respiração. — Não estou com essa forma toda.
Ela me encara séria por uns instantes, mas então nós dois
caímos na gargalhada.
— A gente precisa se alimentar — diz. Eu não gozei, mas ver
Luna se entregar ao prazer novamente foi o suficiente para fazer
dessa uma das melhores noites de nossas vidas.
Terminamos o banho em clima de romance, com ela lavando
meus cabelos, e eu esfregando suas costas, eventualmente
passando as mãos entre suas pernas só para perceber como
continua inchada pela explosão de prazer de minutos atrás. Luna ri
e se esquiva, jogando água em mim. Levamos alguns minutos
nisso, depois nos secamos juntos e descemos para jantar. A noite
está linda, a brisa está deliciosa, e eu me sinto capaz de vencer
qualquer coisa por essa mulher.
Eu sou um novo homem. Falar isso não é nenhum exagero
quando você passa por um acidente ou por uma condição de saúde
que lhe traz alguma limitação sem previsão de recuperação. Eu
realmente me sinto como alguém completamente novo.
A minha briga diária é justamente equilibrar esse novo homem
com o que eu já era, com tudo o que construí até aqui e,
principalmente, com o que as pessoas esperam de mim. Este tem
sido o meu desafio no dia a dia.
Luna é uma companheira incrível que não sai do meu lado.
Ela está comigo e oferece ajuda em tempo integral. No começo, isso
me ajudou muito. Eu estava aturdido, desacreditado e até bastante
frustrado. Mas agora, conforme conquisto cada vez mais autonomia,
eu me sinto, de certa forma..., sufocado pelos seus cuidados.
— Eu quero ir — digo, pegando o molho de chaves em cima
do aparador em nossa sala. — Por favor, Luna, me deixe fazer isso.
— Meu amor..., eu só não consigo entender por que é que
você não me deixa lhe ajudar.
— Mas você já me ajudou. Eu apenas quero ir sozinho até o
mercado, comprar algumas coisas e voltar. — Eu respiro fundo. Não
quero que isso se torne uma discussão e tento entender o seu lado
nessa história. Ela quer me ajudar e garantir que eu tenha
segurança e conforto o tempo inteiro. Mas, às vezes, ela passa dos
limites. — Luna... — digo com a voz doce e calma, indicando que
não quero uma discussão. — Eu sei que você se preocupa, e o
tempo inteiro tento me colocar em seu lugar. Se fosse o contrário,
eu provavelmente construiria um castelo de cristal para te manter lá,
longe de qualquer adversidade. Mas eu preciso... não! Eu quero me
tornar mais independente.
Ela suspira, se dando por vencida.
— Eu sei, Guilhermo. É só que...— Luna olha para fora. Ela
está sentada no sofá de frente para mim. A luz da janela ilumina seu
rosto com um tom dourado que a deixa ainda mais linda. Em
momentos assim, eu me sinto completamente louco por ela, mais
ainda do que em todas as outras ocasiões. — Eu não quero que te
façam mal.
Eu seguro sua mão com carinho.
Desde que isso tudo começou, eu já sofri alguns episódios de
preconceito. “Alguns” é um eufemismo, isso ocorre o tempo inteiro.
As pessoas reclamam porque eu estou “obstruindo” a passagem,
ocupando espaço no elevador, ou elas me encaram com tanta
piedade, como se minha vida fosse a coisa mais miserável de que
se tem notícias. A grande questão é que, quando você está
fragilizado, essa tratativa pode realmente impactar o dia a dia.
Diante disso, Luna se tornou altamente protetora. Ela quer me
blindar de todo o mal, e sei que o faz por amor. Um amor genuíno,
puro e intenso. Algo que eu certamente também faria por ela. Mas
agora, nessa etapa em que me encontro, me sinto cada vez mais
forte para lidar com essas situações e cada vez mais quero mostrar
ao mundo que posso, que sou capaz e que consigo fazer as coisas.
— Eu sei que você deseja o meu bem e sei que todo esse
cuidado é apenas fruto de um amor imenso e respeitoso que
estamos construindo, mas eu preciso que você acredite em mim,
que acredite que eu ainda sou aquele Guilhermo capaz de tomar
decisões, apto a realizar tarefas e manter a alta qualidade de tudo o
que faço.
— Você me promete que vai me ligar se precisar de ajuda?
— Eu prometo que vou te ligar mesmo que não precise de
ajuda, só porque sinto sua falta numa simples ida ao mercado.
Eu vou. No caminho para o mercado, já enfrento as
dificuldades de uma sociedade bem pouco preparada para lidar com
qualquer cidadão divergente. Não há calçadas, não há rampas e,
em alguns poucos casos, encontro olhares dispostos a me ajudar,
de fato, sem me subjugar. Sou grato quando essas breves conexões
acontecem e alguém se oferece para pegar uma embalagem de
café solúvel numa prateleira mais alta, ou me ajuda a conduzir o
carrinho num corredor mais apertado.
— Já estou voltando — digo para Luna ao telefone. — E quero
cozinhar para você.
Ela fica em silêncio e, depois de algum tempo, concorda
baixinho. Sei que ela está se esforçando e vamos fazer isso dar
certo juntos.
Eu volto para casa empolgado. Acordei com uma vontade
imensa de preparar um pescado ao molho cítrico, uma das receitas
que Gladys fazia para nós na infância e que me traz memórias
maravilhosas.
— Como eu posso ajudar? — Luna está parada junto à
bancada central de nossa cozinha. Ela me observa enquanto coloco
as sacolas do supermercado no balcão. Felizmente o
estabelecimento tinha um serviço de entregas rápidas e me trouxe
tudo o que comprei em pouco mais de 30 minutos.
— Você pode vestir pantufas, se sentar no sofá e colocar uma
série leve para assistir enquanto eu preparo tudo. — Sorrio para ela.
— Hoje a cozinha é minha.
— Mas e se você... Tá bom! Vou fazer isso.
Sei que Luna ficará com os ouvidos atentos. Por isso, quando
acidentalmente deixo a tampa de uma panela cair no chão, ela
surge repentinamente na cozinha, pronta para me auxiliar. Por um
segundo, desconfio que minha noiva tem poderes mágicos pela
velocidade com que ela apareceu.
— Está tudo bem — digo. — Aceito sua ajuda para pegar isso.
Percebo quão feliz ela fica. Luna corre para recolher o
utensílio e me entrega. Ela me dá um beijo acalorado na boca e
acaricia meu cabelo.
— O cheiro está magnífico.
— O sabor estará ainda melhor.
— Tudo bem se eu chamar Evangeline e Túlio para jantarem
com a gente? — pergunta. — Evangeline está bem empolgada com
um enigma matemático que acabou de desvendar em um fórum na
internet.
— Claro! Vou aproveitar para aumentar a quantidade de peixe
no forno.
Não demora muito para que eles cheguem. Luna segura
nossos convidados na sala como eu a orientei. Aos poucos, coloco
a mesa, seguindo rigorosamente os padrões da família Salomon:
elegância, mas sem grandes firulas.
— O jantar está servido — anuncio para que todos venham.
— O cheiro disso está impressionante — diz Túlio. — Eu não
sabia que você cozinhava.
Eu sorrio de alegria e o cumprimento com um abraço.
— Nem eu sabia. Na verdade, estou descobrindo tanta coisa a
meu respeito...
— Parece ótimo! — Evangeline observa a travessa sobre a
mesa.
— Antes de começarmos o jantar, eu gostaria de apenas dizer
que... agradeço imensamente a vocês todos por tudo o que estão
fazendo por mim e Luna. — Nossos olhares se cruzam, e ela
levanta uma taça em minha direção. — Eu nunca me senti
abandonado, seria mentira dizer que já me senti solitário em algum
momento. Mas, nesse momento, eu me sinto... abraçado. Vocês são
parte fundamental de tudo isso e esse jantar é mais um passo que
estou dando, um passo importante que só é possível porque vocês
estão comigo o tempo inteiro.
Brindamos e começamos a nos servir. Ouço os suspiros de
aprovação e sou preenchido por uma sensação incrível, uma
sensação de satisfação tão plena, ainda maior do que aquela que
sinto quando consigo fechar um excelente contrato na nossa
empresa. É por isso que não me seguro quando, na hora de dormir,
solto para Luna.
— Acho que quero estudar culinária.
— Você o quê? — Ela sai do banheiro e para na porta, me
observando com absoluta atenção. — Uau! Isso é muito novo para
mim.
— Hoje eu me senti tão pleno. Senti que cozinhar é uma das
minhas linguagens do amor. Ver vocês saboreando minha comida
foi algo surpreendentemente bom.
— Casar-me com um chef de cozinha é algo que realmente
me agrada — ela comenta, sorrindo. — Comer bem é a minha
linguagem do amor, afinal.
— Não penso em fazer isso como uma profissão, mas eu acho
que pode ser um hobby. Uma forma de me expressar, de me
desafiar... — Olho para o horizonte com ar apaixonado. Enquanto
cozinhava, eu me sentia completamente pleno. Foram algumas
horas para lidar com essa nova experiência e eu senti que aquilo,
aquele simples gesto de preparar algo que eu gosto para dividir com
pessoas que eu amo me transformou.
— Se você for tão bom na cozinha quanto é nos negócios,
acho que teremos o melhor chef desse país. — Ela se deita ao meu
lado, e eu sinto seu cheiro tomar conta do ambiente.
— Obrigado por estar comigo — digo, colocando uma mecha
de seu cabelo atrás da orelha. Ela está vestindo um conjunto de
shorts e camiseta de algodão, simples, com estampa de
coraçãozinho. Ela está deslumbrante com esse traje.
— Obrigada por me permitir estar com você. — Luna me beija
e me puxa para perto de si. Meu corpo reage, e eu fico surpreso.
Antes do acidente, minhas ereções eram quase imediatas quando
ela me tocava. Depois, porém, eu passei a necessitar de mais
estímulo, e ainda não tentamos nada muito ousado. Luna percebe e
acaricia meu membro por cima da calça. Meu corpo pulsa ao seu
toque tão delicado e solto uma lufada de ar.
— Parece que tem algo mais que você quer fazer, além de
cozinhar para mim.
Eu rio alto.
— Eu sempre quero você. O tempo todo. Olha só o que você
faz. — Levanto o edredom e revelo o volume na minha calça, aquele
mesmo que ela já está acariciando. Luna levanta de leve o elástico
de minha calça de pijama e envolve meu pau com a mão quente. Eu
não resisto e gemo baixinho em seu ouvido.
— Posso? — pergunta antes de começar a me masturbar.
Faço que sim com a cabeça, incapaz de falar qualquer coisa. Ela faz
o movimento repetitivo, envolvendo a cabeça do meu pau com a
mão, depois voltando até embaixo. Eu agarro o seu seio com uma
das mãos e sinto a maciez de sua pele enquanto ela continua me
estimulando.
— Eu não acho que...
— Não precisamos fazer nada. Eu só quero sentir você —
responde e continuamos nessa carícia. Minha ereção está mais
rígida, mais sensível, e eu sinto cada movimento, contraindo de leve
a barriga quando ela pega na ponta do meu pau.
— Não acho justo que só você faça isso — digo ao pé da
orelha, levando minha mão para dentro dos seus shorts. Ela está
sem calcinha, então logo encontro o que estou procurando. Sua
entrada está úmida e sinto um tesão imenso em saber que ela ficou
molhada só de me tocar. Abro os seus lábios com delicadeza e
massageio seu clitóris com o dedo, sentindo conforme ele fica cada
vez mais duro. Luna geme de prazer enquanto continua me
masturbando.
O processo é lento, tranquilo e sem pressa. Não estamos
afobados como das outras vezes, é algo mais sereno, um carinho
mesmo. Ela rebola seu quadril de leve contra a minha mão,
demonstrando que quer mais, quer algo mais. Então introduzo um
dedo dentro dela, depois o outro em seguida. Ouço seu gemido
gostoso ao pé do ouvido e sinto meu pau se lubrificar em sua mão,
escorregando com mais facilidade e mais gostoso. Eu enfio os
dedos nela enquanto a beijo, com nossas respirações se chocando
no calor quente de nossas bocas. A cada sopro é como se eu
absorvesse mais vida, mais amor. Luna agarra o colchão com a mão
livre e acelera os movimentos em mim. Estou duro como uma pedra,
o pau latejando de desejo, ela acaricia meu saco e brinca com a
minha pele enquanto eu continuo enfiando os dedos nela,
explorando seu corpo com a maior intimidade que podemos ter. Ela
goza em meus dedos, chamando meu nome.
— Guilhermo... ahhhh...— Sinto seu mel escorrer quando saio
de dentro dela. Levo os dedos até minha boca e lambo cada gota
enquanto ela continua me acariciando, e eu sinto meu próprio prazer
surgir, algo imenso começando no fundo do meu corpo, subindo e
se materializando na ponta do meu pau, que de repente ficou muito
sensível. Eu jorro de prazer e Luna desacelera o movimento,
acompanhando o ritmo de minha respiração que também vai
reduzindo.
Essa foi a primeira vez que gozei desde o acidente. Em outra
ocasião, me sentiria mal por não ter penetrado. Mas o prazer que
senti e a forma como Luna está completamente relaxada dormindo
em meu peito depois de ter ela mesma gozado com intensidade em
meus dedos me mostram que há muito mais no sexo que podemos
explorar juntos, e isso me deixa mais empolgado e mais feliz com as
inúmeras possibilidades.
No dia seguinte, acordo feliz, empolgado e pronto para tomar
decisões importantes na empresa. A noite anterior me trouxe mais
do que prazer sexual: eu entendo cada vez mais que estou me
recuperando e que cada dia me sinto mais pleno e completo.
— Sejam bem-vindos ao nosso programa de inclusão. — Eu
estou em meu escritório olhando para 4 novos funcionários PcD que
contratamos. Todos eles vão assumir cargos juniores, como é de
costume na Salomon, mas participarão de um programa de plano de
carreiras que estamos implementando. A ideia é que, em paralelo
com suas funções, eles recebam suporte de seus líderes para se
desenvolverem e, à medida que se destaquem, assumam novos
cargos na empresa.
— Aqui vocês contarão com todo o suporte tecnológico, de
infraestrutura e intelectual para realizarem suas tarefas. Mas, mais
do que isso, quero que participem ativamente de todas as
mudanças e implementações que planejamos, trazendo suas ideias
e feedbacks sempre que acharem relevante.
— Eles estão radiantes — diz Gustavo quando liberamos a
equipe nova para seus postos. — E você também...— fala, me
dando um soquinho de leve no braço. — Aconteceu alguma coisa?
Eu rio, olhando para baixo.
— Aconteceu — me limito a dizer. — Mas aqui é um ambiente
profissional demais para falarmos disso.
Ele arregala os olhos. Com certeza entendeu que existe
alguma coisa sexual envolvida, mas, discreto como é, Gustavo não
vai pedir detalhes. E eu também não quero dar agora, quero deixar
isso no ar.
— Vamos? — Túlio entra na sala repentinamente. — Todos
prontos? Ahhh, Guilhermo, eu dormi sonhando com aquele
pescado. — Ele me cumprimenta com um abraço.
— Pescado? — Gustavo olha de um para o outro. — Parece
que a noite foi mais agitada do que eu imaginava. — Ele direciona
seu olhar para mim e sorri.
— Esse homem é um talento na cozinha — Túlio completa. —
Vamos. Fabrício está nos esperando lá no estacionamento.
— Onde nós vamos? — pergunto sem entender muito a
reunião.
— Fabrício conheceu um especialista em tecnologias
assistivas. Ele tem algumas sugestões para lhe deixar mais
motorizado, como um bom CEO deve estar.
O homem é um gênio. René Paolini é um engenheiro com
talentos matemáticos e tecnológicos que sou verdadeiramente
incapaz de descrever. Eu sempre me julguei bastante inteirado das
novidades, mas esse cara é fora da curva.
— E aí, conforme seu cérebro envia os estímulos, a cadeira se
move assim... — Ele está mostrando um vídeo com uma cadeira de
última geração que simplesmente atende aos comandos do meu
cérebro. Literalmente movida pelo poder da mente.
— Evangeline não vai acreditar nisso! — Túlio diz,
embasbacado. Estamos os três encarando a tela como se aquilo
fosse algo irreal, um elemento saído de um roteiro de ficção
científica.
— E aí? Podemos mandar fazer? — Gustavo pergunta, e nós
três concordamos imediatamente, como meninos diante de um
Playstation que acabou de chegar ao mercado.
É muito curioso como a mente humana funciona. Podemos
mudar rapidamente de foco, determinar uma nova prioridade para
nossas vidas e decidir que algo requer nossa total atenção a partir
de agora. Foi justamente isso o que aconteceu quando Guilhermo
foi vítima de um acidente de carro brutal.
Nossa família sempre foi muito unida. Para nós, a dor de um é
a dor de todos, e permanecemos unidos na saúde, ou na doença.
Não é de se espantar, portanto, que encontrar o culpado pelo
acidente que deixou meu primo paraplégico tenha se tornado meu
novo objetivo de vida.
Não é como uma caça às bruxas. Não há desejo algum de
vingança, mas, sim, de justiça, uma sede para que esse cidadão
pague pelos seus erros e que outras pessoas sejam poupadas
desse perigo iminente.
— Encontrei! — Fabrício avança rapidamente pela minha sala
na torre Salomon. Seus olhos brilham de excitação com a notícia
que ele carrega. — Encontrei o homem que estava ao volante.
Eu me levanto rapidamente, empurrando a cadeira para trás
com certa urgência.
— Você está falando sério? — pergunto, já dando passos
largos para encontrá-lo no meio do caminho. — Esse cretino!
— Bem..., ele não é bem um homem.
— Como assim? — Me espanto com a possibilidade de o
motorista que atingiu em cheio o carro de Guilhermo ser uma
mulher. Estatisticamente, elas causam bem menos acidentes, são
bem menos imprudentes e condutoras muito melhores e mais
responsáveis do que os homens. — Foi uma mulher?
— Foi um garoto.
Sinto que estou empalidecendo. Que meninos costumam
pegar o carro de seus pais sem qualquer prudência, nós já
sabemos. Mas a possibilidade de enfrentar judicialmente um
adolescente é algo realmente assustador. Afinal, eu mesmo já fui
um adolescente desmiolado, embora, é claro, nunca tenha sido
responsável por acidente algum que prejudicou alguém de forma tão
drástica.
— De quantos anos estamos falando?
— Dezesseis.
Respiro novamente.
— O que você acha que devemos fazer? — Fabrício me
pergunta. Ficamos em silêncio enquanto analisamos as
possibilidades.
— Acho que não precisamos contar para todas as pessoas.
Não há necessidade disso. Além disso, os outros nem sabem que
estamos fazendo essa busca.
— Mas e quanto a Guilhermo?
Eu tento me colocar no lugar de meu primo. Se eu sofresse
um acidente com resultados tão trágicos, com certeza desejaria
encarar o causador disso.
Com certeza?
Não. Eu supostamente gostaria de conhecer o causador do
acidente. No entanto, é impossível me colocar completamente no
lugar de Guilhermo, já que o que ele está enfrentando é algo, no
mínimo, surreal. De qualquer forma, dou minha opinião honesta
sobre a situação.
— Acho que devemos, sim, contar tudo para ele. É
importantíssimo que o Guilhermo saiba do que se trata. De quem se
trata — digo. — Dar um rosto ao acidente pode ajudá-lo a...
— Processar melhor — Fabrício completa. Concordamos em
silêncio. Nenhum de nós tem certeza absoluta de que essa é a
melhor ideia. Olhar nos olhos de quem lhe causou isso que ele está
vivendo e constatar que se trata de um jovem pode despertar
gatilhos e se tornar algo ainda mais difícil de processar. O tiro pode
sair pela culatra. Mas não temos para onde correr.
— Vamos marcar um café com ele — sugiro, e Fabrício
concorda imediatamente.

Fabrício
A ideia de contar a Guilhermo sobre a identidade de quem
causou o acidente é algo que vem tirando o meu sono nos dois
últimos dias. Desde que começamos essa pesquisa, essa busca, eu
me pergunto sobre como isso vai impactá-lo, sua vida e bem-estar.
Será que ele se sentirá bem sabendo quem foi o responsável, ou
dar um rosto pode tornar o infrator mais “humano” e,
consequentemente, tornar o processo de superação mais difícil para
meu primo?
A verdade é que não há uma resposta para essa questão. A
única forma de sabermos como isso vai bater nele é justamente
contando. E é por isso que estou encarando Túlio com seriedade
enquanto ele começa a dar a notícia para Guilhermo. O garçom
serve uma dose de café fumegante e o cheiro invade minhas
narinas, trazendo um pouco de aconchego, mas confesso que uma
dose de uísque cairia melhor com a ocasião.
— Finalmente conseguimos avançar nas pesquisas — Túlio
começa.
— E? Em que pé estamos? Próximos de descobrir quem foi
que causou isso?
Nós dois nos entreolhamos.
— Na verdade, já sabemos e temos o contato dele — digo. As
palavras saem truncadas e atropeladas, mais rápidas do que eu
conseguiria raciocinar para dizer.
Os olhos de Guilhermo se arregalam um pouco. Há um misto
de satisfação e excitação em seus olhos, mas há algo mais:
Pavor.
É claro que ele está apavorado com a ideia de encarar a
pessoa que lhe colocou nessa situação, que lhe causou essa
condição. Eu seguro uma de suas mãos, que está apoiada sobre a
mesa, e aperto, demonstrando todo o meu apoio. Guilhermo
continua em silêncio por alguns segundos que parecem horas, dias.
Então, ele decide o que fazer.
— Quero encontrá-lo.

Guilhermo
A casa tem um cercado branco agradável. Há uma bela Land
Rover estacionada na garagem aberta, mas não reconheço o carro.
Não foi esse o que me atingiu. Me pergunto se o carro não teve
recuperação, ou se passaram para frente por conta do remorso. Rio
ironicamente. Eu duvido que essas pessoas tenham qualquer
remorso com relação ao que aconteceu.
— Quer desistir? — Túlio me pergunta. — Se você
simplesmente quiser ir embora e desistir disso, podemos fazer sem
pestanejar.
— Não! Eu quero falar com ele. Quero olhar nos olhos dele.
Nossa visita não é surpresa. Gustavo, Túlio e Fabrício
conseguiram o telefone da residência e ligaram antecipadamente.
Eu achei que fossem nos receber com hostilidade e que não haveria
qualquer interesse em conversar, mas não foi bem assim.
Demoro um pouco para tomar coragem, mas decido seguir em
frente.
— Vou entrar. Vocês podem me esperar aqui.
Desço do carro sozinho, está cada dia mais fácil fazer essas
transferências. Gustavo apenas me ajuda com a abertura da
cadeira. Vou até a porta e toco a campainha. Não demora muito
para que um homem de olhar cansado e barba por fazer apareça.
Ele não é simpático, tampouco mal-humorado. Parece que
simplesmente está existindo, sem se preocupar muito com as
coisas.
— Guilhermo Salomon — me apresento sem oferecer a mão
para um aperto. Não tenho certeza se o homem escutou o meu
nome porque ele permanece imóvel, sem demonstrar qualquer
emoção. Em seguida, ele indica com a mão para que eu entre.
Passo por ele e quase posso sentir um arrepio, como se ele fosse
uma assombração, ou algo sobrenatural, tamanha sua apatia.
Na sala, uma mulher muito magra e muito loira está sentada
no sofá. Ela tem o mesmo semblante abatido e sequer parece notar
minha entrada.
— Ele chegou — o homem diz. A mulher está costurando
alguma coisa no crochê e não para. Um menino franzino aparece na
porta que dá acesso a um imenso corredor. Ele me observa da
entrada e demora para entrar na sala.
— Oi.
Eu o observo. Esse é ele. Luan Collari. O garoto que bateu em
meu carro. O responsável por tudo o que estou vivendo nos últimos
meses. Meus olhos se enchem de lágrimas imediatamente. Travo a
garganta num ato desesperado para não cair em prantos.
— Oi — respondo.
O menino parece deslocado, como se aquela não fosse sua
casa. Como se aqueles não fossem seus pais.
— Guilhermo Salomon. — Ele sabe quem eu sou, mas não sei
o que dizer além do meu próprio nome,
— É... Luan... — se apresenta. — Você..., eu... sinto muito.
Ele começa a chorar.
— Você sente muito? — respondo num misto de ódio e
indignação. — Imagina o quanto eu sinto, então. Olha só o que você
me fez.
A mulher começa a soluçar, ainda sentada no sofá ao lado. O
pai permanece imutável, impávido e quase em inércia. O menino
seca os olhos com as costas das mãos.
— Eu soube que você sequer tem habilitação.
— Me perdoe...
— Onde estavam os seus pais quando você fez isso? Como
pode um adolescente sair assim com o carro e...
— Vai! Conte para ele — o pai grita em pé sobre a soleira da
porta. — Conte toda a verdade. — O menino está soluçando cada
vez mais profundamente. Sinto minhas mãos tremerem de nervoso.
— Conte que você fez isso escondido.
Eu olho para o menino, indignado.
— Você pegou o carro de seu pai escondido?
— Ele pegou! Ele fez isso porque não tem consideração
nenhuma por nós, nem pela mãe dele, nem por mim, nem por...
— Não fale o nome dela! — Quem se manifesta agora é a
mãe, que, em seguida, se debulha em lágrimas também. — Por
favor, deixe minha menina fora disso. Deixe Claire fora disso...
Ela se levanta de prontidão e sai apressada pela porta, indo
para fora da casa. Eu continuo imóvel entre o menino choroso e o
pai raivoso. Meu coração está acelerado e sinto uma gota de suor
escorrer pelas minhas costas.
— Você podia ter me matado.
— Eu sei. Eu sinto muito. Por favor, me perdoe.
— Eu não sei se posso. Não sei se quero. Eu só não consigo
entender por quê...
— Porque ela morreu. — A voz sai embargada. — E eu queria
ter morrido no lugar dela.
— Quem morreu? — Meu olhar agora é atento, como antenas
ligadas. Do que será que ele está falando? Pelo que essa família
passou?
— Claire..., minha irmãzinha de 9 anos.
Sinto o chão desabar embaixo de mim. Sou engolido por uma
cratera profunda, escura e absorvido pelo absoluto nada. Esse
menino... essa família... eles estão destruídos.
— Ela... ela teve um câncer severo. Foi tudo muito rápido,
sabe? Em um dia, ela estava aqui, brincando e, no outro, entrou na
fila de transplante de fígado como prioridade, mas já era tarde.
Bastaram 20 dias, e ela estava definhando, pele e osso, sem
cabelo, sem cor... ela... ela estava definhando, sabe?
As lágrimas rolam como gotas de chuva no vidro da janela.
Elas escorrem por ele, molham a gola de sua blusa e deixam
marcas na sua camiseta do The Strokes. Eu me lembro de quando
eu mesmo tinha essa idade... a união com meus irmãos, a parceria,
o medo de perder Homero, o caçula...
— Eu sinto muito.
— Isso não justifica nada. Não justifica o que eu fiz. Eu não
deveria ter saído daquele jeito com o carro.
— Se ao menos tivesse me pedido, você saberia do defeito no
freio — o pai diz. Agora entendo seu ar exausto. Ele não conseguiu
superar o luto. Nem sei se conseguirá em algum momento. O
homem se levanta e vai até a cozinha. Ele pega uma bebida e bebe
no gargalo. O cheiro de álcool é muito, muito forte.
— Pai...
Ele não liga para o menino e sai pela porta carregando a
garrafa. Ficamos só nós dois. Ninguém nessa família está bem,
ninguém aqui consegue lidar com a ausência da menina morta.
Essa solidão e esse desespero vão tomando conta de mim e, aos
poucos, me sinto angustiado como eles. Quero ir embora daqui.
— Eu devia ter me entregado para a polícia. Eu não pretendia
fugir — o menino fala olhando para o nada, para o horizonte. — Mas
eu fiquei com medo de que ele se matasse... porque agora ele só
bebe e fala que quer morrer.
Ele funga. Eu tenho vontade de me levantar e lhe confortar.
Não consigo imaginar o que essa família está passando e como
uma dor tão grande possa ser superada. Eles estão destruídos e
consumidos pelo desgosto.
— Mas eu vou... vou me entregar. — O menino me encara. —
Vou resolver isso. Eu prometo.
— Você não precisa — digo. Nem eu acredito no que estou
falando. Durante meses, eu almejei encontrá-lo, desejei descontar
todo o meu ódio. E agora estou aqui, amolecido.
— Mas eu quero. Eu não posso mais viver com isso... eu não
consigo viver com essa culpa.
— Você não precisa viver com a culpa.
— Como é?
— Eu te perdoo.

O retorno para casa é silencioso. Túlio não me pergunta como


foi a conversa, ninguém toca no assunto. Chego em casa e vou
direto para o banho. Sinto como se aquela tristeza estivesse
impregnada em minhas roupas e em meu cabelo. Sinto um alívio
imediato quanto a água quente bate em meu rosto. Aos poucos, vou
me recompondo.
— Quer conversar sobre hoje? — Luna me pergunta, seu
cheiro de lavanda fresca me traz uma sensação de acolhimento.
— Não... eu apenas...
— Quer fazer alguma coisa? Ir na justiça? Intimá-lo?
Eu fico em silêncio. Durante muito tempo, era exatamente isso
o que eu queria. Eu sou sempre a favor da justiça. Sei que
indenizações e penas não trazem de volta o que eu perdi, mas
também sei que um pouco de justiça seria muito bem-vinda.
— Eu achei que sim. Eu achei que queria justamente isso.
Queria ver esse menino apodrecer na cadeia, queria vê-lo cumprir
uma pena máxima...
— O que mudou?
— A tristeza deles me mudou. O olhar daquela mãe, o
alcoolismo adquirido do pai... a desesperança do garoto. Eu quero...
deixar isso para lá.
— É muito nobre de sua parte. — Luna me dá um beijo na
testa. Eu concordo com a cabeça, e ela se retira do quarto. Não
conto tudo. Não conto que quero ajudar aquele menino, dar a ele
alguma esperança. Não conto que vou ajudar aquela família
anonimamente para que consigam se reerguer das cinzas.
As sessões de fisioterapia seguem intensas. Eu percebo o
progresso, mas ele é mais lento do que eu esperava e gostaria.
Quando você perde uma das habilidades com a qual conviveu a
vida toda, existe uma ansiedade enorme em recuperá-la. É quase
como um desafio para provar a si mesmo que isso é possível.
— Sim, Guilhermo. Existe a parte que lhe cabe nesse
processo, no que diz respeito à resiliência, comprometimento com
as sessões de fisioterapia, medicamentos etc. — Maurício está
sentado diante de mim e falamos sobre minhas frustrações com o
tratamento. — Mas existe também uma evolução física e biológica
que tem suas limitações.
— Mas eu quero superar essas limitações. Eu nunca parei por
conta de percalços.
— Você está evoluindo. É importante entender que, nesse
cenário, os meios justificam, sim, o fim. Há um objetivo final, mas ele
deve ser a evolução, não a recuperação integral de seus
movimentos. Cada passo deve ser celebrado. Por que há frustração
numa situação em que, a cada nova semana, você está apenas
progredindo, e não regredindo?
Isso me faz refletir. De fato, eu tenho evoluído a passos de
formiga e às vezes de maneira quase imperceptível. Mas, quando
analiso minha trajetória até aqui, é inegável que houve evolução.
— A frustração faz parte e é genuíno e natural sentir isso. O
importante, porém, é enxergar com a mesma força que seus
esforços têm dado resultados importantes na sua jornada.
Volto para casa mais tranquilo, mais resiliente, de fato. Eu
começo a analisar cuidadosamente cada evolução e percebo que
estou indo longe. Isso me enche de empolgação e minha felicidade
é perceptível aos olhos de minha família.
— Você está tão bem! — Evangeline me analisa com olhar
curioso. — Luna me contou que você claramente está mais
empolgado com a fisioterapia e o tratamento em geral.
Eu concordo em silêncio. Algo renasceu em mim, uma
vontade de fazer isso acontecer, de fazer dar certo, aceitando
minhas limitações, mas celebrando cada novo desafio concluído.
Luna está na cozinha, pegando taças com vinho para todos
nós. Ela organizou um jantar com Evangeline e Túlio, que têm sido
grandes companheiros nesse processo. Enquanto o casal
convidado nos aguarda na sala de jantar, eu a abordo com um
abraço surpresa pelas costas.
— Opa. Parece que alguém está muito animado com o jantar.
— Não só com ele — digo. — Estou empolgado com outras
coisas também.
— É mesmo? E o que seria?
— Estive pensando aqui... os últimos meses foram bastante
estressantes para nós. Eu sei que as coisas estão difíceis para você
também e que lidar com tudo isso trouxe uma carga a mais de
trabalho, uma jornada dupla.
Ela me observa, aguardando, com certa ansiedade, o
desfecho de minha fala.
— Pensei que poderíamos tirar um final de semana só nosso,
viajar para o litoral, ficar um pouco na praia, só nós dois...
— Guilhermo...— A forma como ela diz meu nome me arrepia,
mas sei que há preocupação no tom.
— Podemos fazer isso, Luna. Eu quero fazer. Eu quero voltar
a viver experiências únicas, quero ter histórias para contar... e quero
que elas sejam com você!
— Eu não sei se é a hora certa para isso. Você não pode
parar a fisioterapia, tem os medicamentos...
— Continuarei com a medicação, eu prometo. E é apenas um
final de semana, dois dias sem a fisioterapia, como as folgas
semanais que já estou fazendo.
Ela me encara com ar de desconfiança, mas posso ver seus
olhos brilhando com a possibilidade de uma folga.
— Você me promete que não vamos furar com as obrigações
médicas?
Faço um sinal de continência.
— Sim, senhorita.
Ela permanece em silêncio, então explode numa alegria
imediata.
— Então vamos. Mas... tem um problema.
Eu a encaro.
— Eu preciso de um biquíni novo. Morar com você me fez
engordar uns quilinhos.
Nós dois rimos. Uma das coisas que me encanta em Luna é
que ela não se rende aos padrões. Engordar, emagrecer,
envelhecer... tudo isso é parte da vida e indica que estamos
desfrutando com sabedoria desse dom. Por isso, sua fala tem um ar
cômico, mas sem nenhum ressentimento.
— Então vamos às compras — respondo.
No dia seguinte, fazemos uma verdadeira peregrinação por
lojas de roupa de praia. Ela não é do tipo exigente, mas,
definitivamente, não compra a primeira peça que encontra. Luna é
decidida na mesma medida em que é cautelosa. Ela precisa ter
certeza de que está fazendo a coisa certa, senão, nada feito.
— O que você acha?
Ela sai do provador usando um biquíni preto com estampa de
tulipas em um laranja forte. O contraste com sua pele negra faz com
que ela fique perfeita, uma miragem. Passeio meus olhos
lentamente por cada detalhe... o lacinho na lateral da calcinha, o
sutiã tomara que caia deixando seus seios tão convidativos. Meu
corpo reage, e eu nem percebo.
— Guilhermo? — me chama para a terra. Eu coloco sua bolsa
em meu colo para cobrir minha ereção e fico feliz por ter saído de
casa com um jeans mais discreto, que me ajuda a esconder a
reação biológica. Luna ri quando percebe o efeito da peça.
— Bom, acho que aprovou. Vou pegar uma saída de banho.
Você quer alguma coisa?
— Quero você. — Minha voz sai séria, até esqueci que
estamos em um ambiente público. Algumas mulheres entram no
provador enquanto seus companheiros esperam ao lado da porta,
próximos a mim. Luna fica envergonhada com minha investida
repentina.
— Vamos resolver isso.
— Em casa?
— Na praia. — Ela me dá um sorriso faceiro e uma piscadinha
insinuante enquanto se encaminha para o caixa.
Marcamos a viagem para hoje mesmo. Escolhemos uma
cidade próxima porque Luna vai dirigindo. Eu ainda não estou
pronto para tirar a habilitação para deficiente, então, por enquanto,
ela tem feito a vez de motorista. Todo o resto ficou por minha conta.
Reservei um chalé em uma praia com toda a infraestrutura que
precisamos. Me certifiquei de que o local é acessível para minha
cadeira e que conseguiríamos chegar à praia sem grande
deslocamento. Aluguei também uma cadeira anfíbia, própria para
circular na areia e com flutuação para banho de mar. Está tudo
pronto para o nosso final de semana.
O chalé é encantador. Percebo como os olhos de Luna
brilham quando avistamos nossa estadia a alguns metros.
— Uau. É lindo.
A casinha é toda de madeira com um telhado revestido de
vegetação, o que deixa tudo mais rústico. Chegamos no fim da tarde
e as luzes amarelas já estão acesas. Há uma pequena varanda com
rampa de acesso e o local é cercado por coqueiros. Não ouvimos os
cantos dos pássaros pelo horário, mas tenho certeza de que esse
será o som matinal mais evidente. A praia está de frente para nós, a
cerca de 500 metros de distância. O barulho das ondas compõe a
trilha ambiente e torna o local ainda mais agradável. Uma moça
simpática nos aborda assim que estacionamos.
— Sejam bem-vindos. O quarto já está preparado para vocês
e o check-in está sendo feito pela nossa recepção. Podem ir direto
para o quarto que logo enviamos o contrato para vocês.
Assim que entramos no local, eu me sinto ainda mais
encantado. O telhado é alto e a estrutura é toda rústica. A cama
possui um dossel clássico e o cenário parece saído de um livro de
contos de fadas. Um funcionário deposita nossas malas na entrada
do quarto.
— Precisam de alguma coisa?
— Por enquanto não, obrigada — Luna responde.
Há uma porta lateral que dá para um ambiente privativo ainda
com vista para o mar. Luna entra e ouço imediatamente sua
exclamação de surpresa.
— Guilhermo! — Ela bate as mãos num sinal de excitação. A
mesa está posta com um jantar à luz de velas. Serviram camarão ao
molho de espinafre e há duas taças servidas com o melhor vinho
branco da região. — Eu nem estou vestida para isso!
— E quem disse que você precisa estar vestida? — Agora
quem insinua algo com o olhar sou eu.
Ela vem em minha direção e me beija com vontade. Eu aperto
sua cintura, sentindo seu calor sair por sobre as roupas e invadir o
meu tato.
— Vou tomar pelo menos um banho antes — diz.
Poucos minutos depois, Luna volta. O cheiro de frescor pós-
banho me deixa completamente inebriado. Ela está usando um
vestido florido simples, bem praiano, e o cabelo está enrolado em
um coque alto. Também colocou um par de sandálias de salto que
deixa sua perna num desenho perfeito, e eu tenho vontade de beijar
cada centímetro de seu corpo.
— A nós! — Levanto a taça em um brinde.
— À sua recuperação — diz, fazendo o mesmo gesto.
Jantamos pouco, embora o prato esteja magnífico. Há uma
ansiedade pairando no ar, estamos os dois com os hormônios à flor
da pele. Sabemos que o processo de redescoberta de nossa
intimidade está indo muito bem, mas não posso negar que estou
louco para senti-la novamente, entrar nela e sentir seu calor me
envolver ardendo em desejo.
Luna percebe a chama em meus olhos e não perde tempo em
sugerir algo.
— Quer ir à praia, ver o mar à noite..., ou quer ficar por aqui?
Não tenho dúvidas do que escolher.
— Hoje eu só quero você.
Ela se deita na cama, e eu me posiciono ao seu lado com
cuidado. O beijo é ofegante e ansioso, e eu toco suas coxas com a
mão.
— Ah, Luna..., eu te amo tanto.
Ela não responde, mas não há necessidade. Eu subo as mãos
pela sua perna e descubro que ela está sem nada por baixo. Toco
seus lábios e sinto a umidade imediatamente. Se eu tinha qualquer
dúvida sobre o que ela quer, já não tenho mais. Eu a toco com
suavidade, apenas massageando a virilha e a vulva, brincando com
o dedo ao redor, mas já a sinto escorrer de desejo. Ela respira de
forma ofegante em meu ouvido, e eu gemo de prazer.
— Gostosa.
Ela ri baixinho.
— Quero chupar você. — As palavras saem rapidamente, e eu
já me encaminho para o meio de suas pernas. Sinto o cheiro dela, o
cheiro que mais amo na vida. O seu corpo pós-banho, o seu desejo
exalando de sua entrada. Eu passo o dedo, e ela arqueia as costas
em reação. Eu massageio seu clitóris com os dedos e beijo sua
entrada de leve. Ela geme alto e tapa a própria boca, sorrindo.
— Não podemos fazer barulho.
— Isso vai ser um problema, porque quero ver você urrar de
prazer. — Me afogo nela. Passo a língua devagar de baixo até em
cima, brincando com a ponta em seu grelinho endurecido. Ela
segura meus cabelos e aperta meu rosto entre as coxas. Eu
continuo lambendo e beijando, com minha boca completamente
tomada pelo seu gosto. Acaricio com os dedos enquanto uso a
língua no ponto estratégico, então enfio dois dedos nela. Luna geme
alto novamente e impulsiona o corpo contra meu rosto, implorando
por mais. Eu continuo enfiando os dedos enquanto a língua trabalha
ao redor numa massagem erótica e deliciosa.
— Vem! — Ela me puxa pelo cabelo. Ela está pronta,
completamente molhada, pulsando de tesão, com a vulva inchada
implorando por mim. Eu sinto minha ereção roçar em seu corpo
conforme me posiciono sobre ela. Essa posição é mais difícil para
mim, afinal, tenho que concentrar a força toda nos braços. Mas ela
está tão escorregadia que, antes que a gente perceba, eu já
mergulhei meu pau na sua lubrificação. Ela geme alto e, eu sinto
meu membro se molhar por completo por causa dela. Ela agarra
minha cabeça e geme baixinho no meu ouvido. Eu me sinto
completo.
As estocadas são lentas, meus braços tremem com o peso do
corpo, e Luna acaricia meus ombros enquanto eu entro e saio.
— Deixa eu me sentar em você.
Me viro, e ela monta em mim. Relaxo os braços enquanto
sinto seu corpo me pressionar para baixo. Ela rebola na cabeça do
meu pau antes de sentar e sinto seu clitóris entumecido roçando na
parte mais sensível de meu corpo. Eu estou ardendo de desejo e ela
continua me provocando. Então ela desliza de repente, e eu entro
por completo em seu corpo. A sensação é única. Luna rebola
sensualmente, devagar, sentindo cada centímetro meu invadir sua
intimidade. Eu estou ofegante e seguro sua bunda com tanta força
que imagino as marcas de minhas mãos mesmo em sua pele negra.
Eu a pressiono com mais força e subo as mãos por debaixo de seu
vestido até encontrar os seios. Eles balançam bem em minha frente
e, quando Luna se inclina um pouco, alcanço um deles com a boca.
Gemo de tesão enquanto chupo seus seios, sentindo-a apertar meu
pau com o próprio corpo. Deixar Luna no comando é algo que estou
aprendendo. Eu sempre gostei de dominar na cama, e ela sempre
adorou o lugar de submissão. Então é normal, para mim, estar por
cima e coordenar a pressão e a velocidade, mas aqui eu fico
completamente à mercê dela.
E estou adorando isso.
Ela alterna entre sentadas mais brutas e reboladas sutis. Um
misto de movimentos que faz com que cada célula do meu corpo se
manifeste, reaja e implore por mais. O gozo é um caminho natural
quando ela começa a se esfregar de maneira mais frenética,
roçando seu clitóris em mim enquanto estou completamente enfiado
dentro dela. Gozamos juntos, ela cravando as unhas no meu peito
com a camisa aberta.
Uma onda quebra lá fora no mesmo instante em que sinto
nossos corpos escorrendo juntos, meu gozo, o gozo dela... tudo
junto, num misto de prazer e agonia que é essa experiência única
com minha mulher.
Dormimos profundamente, ainda com a lamparina do chalé
acesa, e eu só desperto quando o sol está raiando lá fora. Essa foi a
primeira vez que gozamos juntos desde que me acidentei. Também
é a primeira vez que gozo dentro dela, e isso faz com que a
experiência seja especialmente importante. Um progresso que
valorizo ao máximo.
Luna desperta em meu peito, pisca os olhos algumas vezes,
como se tentasse identificar onde está, e brinca com os dedos em
meu peito, acariciando um leve arranhão que deixou na noite
anterior.
— Eu te machuquei.
— Você pode me machucar assim o quanto quiser.
Ela sorri e se senta repentinamente na cama.
— Vamos para a praia!
Luna salta da cama e começa a ajeitar as coisas. O dia está
lindo, e tomamos um café da manhã regado a frutas e cereais.
Estamos prontos para sair quando um funcionário da hospedagem
chega com minha cadeira anfíbia. Esse modelo é ideal para passear
na praia, o que nos deixa bastante confortáveis com a ideia.
Minha amada consegue conduzir a cadeira sem grandes
dificuldades, inclusive pela praia. As rodas robustas permitem o
deslize com facilidade. Paramos em um ponto estratégico de frente
para o mar, que está calmo e convidativo.
— Quer dar um mergulho? — convido. Ela me olha com
espanto. — Vamos?
— Você acha que vai dar certo?
Penso sobre isso. Uma frase tão curta, tão espontânea, mas
que resume tudo o que temos feito até agora.
— Se estamos juntos, sempre dá certo.
Ela se levanta empolgada e empurra minha cadeira até a beira
do mar. A água chega até meus pés, e o que sinto são apenas
cócegas, como se uma pluma tivesse acidentalmente tocado em
meu corpo. Mas a sensação me traz alívio, alegria e muita
esperança. A praia em que estamos é conhecida pelo mar calmo e
pela areia plana, sem tombos e buracos surpresas, então
avançamos um pouco mais. A água cobre minhas coxas, mas Luna
não desgruda da cadeira nem por um segundo. Sinto a água fria,
agora com bastante sensibilidade, na região da pélvis e da barriga.
Lavo as mãos na água do mar e observo o horizonte. Nos
banhamos por um tempo, mas Luna quer tomar sol e almoçar.
O dia passa rápido, como costuma acontecer com os
melhores, com aqueles dias que registram memórias eternas em
nossa mente e coração, sobre aqueles que vamos contar e recontar
um milhão de vezes no decorrer de nossas vidas.
Quando está entardecendo, passeamos pela beira-mar
enquanto as ondas lavam os pés de Luna. Ela corre um pouco para
pegar algumas conchas que estão perdidas na areia e guarda todas
em uma bolsinha de tecido que levou consigo. O sol da tarde está
forte e amarelado, a famosa golden hour. Ele brilha imponente atrás
de Luna, e o que vejo é apenas sua silhueta. Ela se vira para mim e,
embora não consiga distinguir os detalhes de seu rosto por conta da
contraluz, sei que está sorrindo quando diz:
— Parece que a gente está casado, né? Acho que vai ser
assim para sempre.
Eu rio e, em meu coração, sinto uma gratidão imensa pelo
nosso amor e pela vida. Sinto uma gratidão imensa por ter Luna
comigo e desejo em silêncio que ela permaneça ao meu lado para
sempre.

Na volta para casa, comunico os terapeutas sobre minha


experiência na praia. Explico que senti o toque da água, ainda que
de forma muito, muito leve, isso gera expectativas em todos e me
sinto ainda mais empolgado com os exercícios e mais determinado
a entregar tudo de mim para melhorar cada vez mais, mas sempre
levando em consideração o que Maurício me disse: celebrar todo e
qualquer progresso.
— É impressionante, Gui — diz Homero enquanto me
acompanha de volta para casa. — Você está indo muito, muito bem.
— Ainda há muito o que fazer.
— Claro, há! Mas você precisa reconhecer seu progresso. Eu
fico impressionado.
Todos os meus irmãos e primos têm se revezado para me
acompanhar nas sessões. Assim como meu tio, Arturo, que, apesar
de uma rotina atribulada no hospital, sempre encontra um tempinho
para almoçar comigo e ter notícias sobre minha evolução. Homero e
eu o encontramos em um restaurante após a fisioterapia.
— O que será que meu sobrinho preferido tem de tão
importante para dizer? — Arturo me pergunta quando chegamos.
Pedimos nossos pratos, e eu me posiciono à mesa junto dele
enquanto Homero ainda olha o cardápio.
— Tio, eu estava pensando em uma coisa..., gostaria de ter
um médico para palestrar na Salomon a respeito de deficiências
diversas, quero montar uma equipe para instruir meus funcionários
não somente sobre minha condição, mas sobre as necessidades de
outros PcD que estamos percebendo ao incluirmos em nosso time
novos funcionários.
— Hmmm..., isso é interessante.
— A ideia é fazer uma espécie de convenção, um evento de
dois dias de imersão com relação a respeito e cuidado no ambiente
de trabalho, apresentar as mudanças estruturais que estamos
implantando no prédio, uma oficina de comunicação básica em
libras e apresentar nossos profissionais PCD. Mas quero ter um
médico experiente que possa tirar dúvidas e falar com os
funcionários.
— Acho que posso lhe indicar algumas pessoas.
Volto para casa com o contato de Marie Delanueve, uma
médica especializada em reabilitação física, e Marco Antônio
Calabrezi, um neurologista referência em neurodivergências. Entro
em contato com os dois, e eles topam imediatamente a minha
empreitada.
Naquela noite durmo aliviado. Tive um final de semana dos
sonhos, meus projetos na empresa continuam reforçando meu
potencial de liderança, e eu entendo cada vez mais que minha
deficiência pode ser a chave para mudanças importantíssimas e
fundamentais nos empreendimentos Salomon. Eu decido que a
empresa de minha família se tornará o maior e melhor exemplo de
inclusão que o mercado de negócios já viu. E este é o meu novo
objetivo profissional.
A minha família gosta de tradições. Uma delas é que os
aniversários nunca passam em branco. Durante toda a minha vida,
eu, meus irmãos, meu tio e qualquer pessoa de nosso convívio
direto tivemos nossos aniversários celebrados. Nem sempre com
uma grande festa, mas nunca passamos o dia em branco. Hoje é o
meu aniversário, e imagino que Luna vai manter a tradição com um
bolinho e um jantar a dois, mas eu confesso que não tenho
expectativa para uma grande comemoração. Diante dos
acontecimentos recentes, estamos todos cansados, esgotados e
cheios de coisas na cabeça.
Mas eu me enganei.
Passei o dia todo no escritório, respondendo a contatos
profissionais, organizando as coisas para a convenção que faremos
em duas semanas e retomando contratos que ficaram parados
durante um breve período. O dia foi cheio, mas tive um tempo para
almoçar com Gustavo e Liliana, que fizeram questão de passar na
minha sala para me convidarem para a refeição.
Depois disso, o dia correu normal, mas, quando cheguei em
casa, percebi que havia alguns carros estacionados em frente. Os
carros de meus irmãos. Assim que abri a porta, me deparei com
uma reunião completa com todos os membros da família Salomon e
até alguns amigos que não via há muito tempo.
— Surpresaaa — gritaram assim que entrei. Não segurei o
sorriso que surgiu imediatamente em meu rosto. Ter minha família
reunida me traz uma sensação natural de acolhimento, mas, mais
do que isso, me traz uma sensação de normalidade, a sensação de
que algumas coisas não mudam nunca, não importa o que
aconteça.
— Feliz aniversário, meu amor. — Luna é a primeira a avançar
e me cumprimentar com um beijo.
— Bem-vindo a sua festa — diz Mainara com um sorriso de
ponta a ponta, seguida por Patrício, que também me abraça
calorosamente.
— Você achou que ia escapar de uma antiga tradição
Salomon? — perguntou Conrado.
— E não só isso, você acha que pode escapar de um
discurso? — quer saber Homero. Ele sempre faz isso. Todos os
anos, ele exige que cada Salomon faça um discurso na data do
aniversário. É o jeito dele de pedir que expressemos nossos
sentimentos, um momento para falarmos do quanto a família e os
amigos são importantes em nossas vidas.
— Ahhh, sim. Com certeza não pode faltar um discurso, mas
vamos deixar para a hora dos parabéns — completa Túlio.
— O que eu faço com você? — pergunto, olhando Luna nos
olhos. — Você ainda consegue me surpreender.
— Você nem desconfiou? — pergunta.
— Confesso que Gustavo e Liliana foram bem discretos no
almoço hoje, embora tenha deixado claro que só tinham marcado
aquilo porque não conseguiriam estar comigo na noite de meu
aniversário. — Minha cunhada sorri quando olho para ela,
lembrando da mentira inofensiva que me contaram.
— Essa festa tem um sabor diferente — diz meu tio Arturo. —
Mais do que celebrar a sua vida, queremos celebrar sua força, sua
resiliência e a maneira tão admirável com que tem superado as
adversidades.
Todos meneiam com a cabeça, concordando.
— Você é um exemplo para nós, Gui — diz Edgar com a voz
firme. — Já te falei isso antes, mas faço questão de repetir: você é
como um herói. Sempre foi. O irmão mais sensato, aquele que
consegue manter a ordem, manter o ar diplomático, mesmo nas
nossas confusões de meninos.
— Confesso que ele chegava a ser chato. Guilhermo não
deixava nenhum de nós sair da linha nem um pouco, mesmo eu
sendo o mais velho ele era ainda mais protetor que do eu — diz
Gustavo, todos riem.
— Sim! Você se lembra daquela vez que o tio fez um campo
de futebol e eu disse que Homero não poderia jogar por ser muito
novo, mas ele começou a chorar? — lembra Conrado.
— Com certeza me lembro — responde Gustavo. —
Guilhermo correu para limpar a área ao lado e disse que então ele
jogaria futebol com Homero e que não se importava em formarem
times de um homem só cada um.
— Ali ficou muito claro para mim com qual irmão eu poderia
contar — Homero fala em tom de brincadeira e todos riem. — Te
amo, Guilhermo! — meu irmão caçula se declara me olhando nos
olhos e em seguida me dá um abraço apertado. — Feliz aniversário.
Aliás, aproveitando o ensejo..., tenho uma surpresa para você.
Todos se viram em direção a uma parede branca para onde
um retroprojetor aponta. Homero pluga um pendrive na máquina e
começa a rodar um vídeo. Nas primeiras imagens, vejo um bebê
recém-nascido, ele mesmo, no colo de nossa mãe. Ela sorri
enquanto o bebê chora, então um menino robusto surge para tentar
acalmar a criança. Sou eu. Minha mãe ri da cena e me entrega o
bebê. O vídeo corta para uma festa de aniversário de Gustavo. Ele
está sorrindo na mesa do bolo enquanto eu sujo seu nariz com um
pouco de chantilly. Em seguida, apareço em um take adolescente,
com cerca de 15 anos, vestindo a camiseta de uma banda de rock e
tocando violão com meus irmãos ao redor. Gladys se aproxima e me
dá uma bronca, dizendo que preciso parar para almoçar, todos
olhamos para ela e mostramos a câmera gravando, e a governanta
tenta se esconder por timidez, enquanto Conrado corre atrás dela
ainda com a câmera ligada.
Que saudade tenho dela. Fico emocionado com a cena e
tenho vontade de chorar. Aos poucos, todos vão surgindo na tela. A
minha formatura na faculdade, a despedida de Edgar na primeira
jornada, todos nós juntos numa festa de Natal, papai e mamãe
decorando a árvore com cuidado...
Edgar passa a mão ao redor dos meus ombros, enquanto
Luna acaricia minha cabeça com carinho. Na última cena do vídeo,
eu apareço vestido de Superman, uma fantasia que ganhei aos 11
anos. Estou sorrindo, correndo com a capa esvoaçante, enquanto
Patrício corre atrás de mim.
— Olha, Gladys. Gui é o Superman, ele é o Superman de
verdade — meu irmão grita, enquanto eu me divirto com a cena. O
vídeo encerra com desejos de felicidade e uma foto minha e de
Luna ao fundo. Ela está sorrindo ao meu lado, enquanto eu a
observo com olhar apaixonado. Nessa época, ainda não éramos
sequer namorados, mas minha admiração por ela era nítida.
Quando a tela escurece por completo e as luzes se acendem,
é possível ouvir algumas pessoas fungando de emoção. Todos
estão tocados com as imagens que apareceram ali e aplaudem o
vídeo feito por Homero.
— Eu não estava esperando por isso — digo para meu irmão
caçula quando ele se aproxima para me abraçar. Patrício também
se aproxima e me dá um abraço forte, assim como Gustavo, Liliana,
Mainara.
— Por falar em emoção, eu gostaria de aproveitar o momento
para te contar uma coisa — quem fala é Patrício. — Eu sei que uma
deficiência surge trazendo uma série de desafios. O principal é
justamente deixar de lado parte de sua autonomia para coisas do
dia a dia, que demoramos para retomar. Para mim, a coisa mais
difícil foi parar de dirigir.
Eu concordo. Na minha família, todos nós tiramos habilitação
cedo. Por isso, aprendemos a ser independentes quando o assunto
é ir e vir. Mas agora, com a deficiência, eu simplesmente dependo
de um motorista para tudo, o que tem me causado certa frustração.
Então, eu gostaria de anunciar que estou coordenando um projeto:
um carro especialmente adaptado para você, Guilhermo. Ele vai lhe
permitir dirigir novamente, trazendo um pouco de sua liberdade e
independência de volta.
Eu me emociono. É realmente uma benção ter pessoas como
essas ao meu redor. Desde que sofri o acidente, todos têm
demonstrado total esforço para me ajudar em cada etapa de
superação, sempre apoiando e confiando em meu potencial. Esse
gesto de Patrício é mais uma prova concreta de que não estou
sozinho e de que, mais do que isso, tenho todo o suporte e amor de
que preciso para seguir em frente com meus objetivos.
Diante disso, só consigo me emocionar. Ainda assim, não
consigo negar que há um medo profundo. Um carro adaptado
requer também uma habilitação especial. Isso quer dizer que terei
de passar por todo o processo de aprendizagem novamente para
conduzir o veículo projetado por Patrício.
— Sabemos o que está se passando em sua cabeça — diz
Conrado. — Mas você vai conseguir. — É quase como se ele
realmente estivesse lendo meus pensamentos.
— Sim, Guilhermo — complementa Túlio. — Já houve algum
desafio lançado que você não conseguiu concluir com sucesso?
Todos concordam. Eu rio com tamanho prestígio. Eles
realmente confiam muito em mim e isso me faz sentir ainda mais
gratidão. Todas as vezes em que eu mesmo desconfiei de meu
potencial, havia um Salomon ao meu lado para dizer que eu era
capaz. Mais tarde, Luna se somou a esse coro. E é justamente ela
que se aproxima de mim nesse momento e diz em meu ouvido, sem
que ninguém mais possa ouvir:
— Estou ansiosa por todas as aventuras que poderemos viver
com você ao volante.
— Gui, por falar nisso, olha só que está aqui — diz Conrado
enquanto me aponta para uma mulher que também está em uma
cadeira de rodas. Eu a reconheço imediatamente. Paola foi minha
namorada na adolescência e, embora muito imaturos, vivemos uma
relação que me traz somente boas lembranças. Ela está mais linda
do que nunca, e eu sorrio quando a vejo. — Paola estava comigo no
banco e, quando soube da sua festa, achei que seria legal trazê-la
para esse reencontro.
— Quanto tempo! — Ela se aproxima e me dá um beijo no
rosto. — Você está lindo.
Eu sorrio para Paola e retribuo a gentileza.
— Essa é Luna, minha noiva. — As duas se cumprimentam,
mas percebo imediatamente que Luna perde um pouco do brilho. —
Eu não sabia que você...— Indico a cadeira de rodas dela com as
mãos.
— Pois é. O destino nos escolheu, não é mesmo? — Paola
sorri enquanto fala. — Ela é linda, Guilhermo, uma mulher a sua
altura.
Luna sorri com o comentário, mas logo dá a desculpa de
pegar uma bebida e sai de perto de nós. Quero ir atrás dela, mas
também tenho muito a conversar com Paola.
— Posso perguntar o que aconteceu?
— Montanhismo. Estava em uma escalada quando o
equipamento de segurança falhou e acabei despencando de uma
altura de mais ou menos 8 metros.
— Puxa..., sinto muito.
— Sente muito? — Paola me olha com curiosidade. — Eu
poderia ter morrido, Guilhermo, assim como você. Para mim, estar
nessa cadeira é um lembrete diário de uma nova chance. É assim
que levo a minha vida.
— De qualquer forma, deve ter sido difícil parar de praticar um
esporte que você sempre amou.
— Eu não parei. — Eu a observo perplexo. — Eu continuo
fazendo, agora com equipamento especial e guias treinados para
me dar todo o suporte. Eu não deixei de fazer nada do que gosto,
Gui. É claro que algumas coisas ficaram mais difíceis, mas as
limitações..., elas são exclusivamente mentais. Existem coisas que
escolho não fazer, que optei por deixar para lá, mas, em minha
essência, tudo aquilo que eu realmente quero, eu faço. Inclusive...—
Paola acaricia a própria barriga com a mão —, três meses de
gestação.
— Caramba! Parabéns. Eu nem sei o que dizer.
— Não diga nada. Apenas saiba que é possível. Bom..., acho
que vou pegar um suco.
Paola se retira e me deixa cheio de pensamentos. É realmente
possível viver tudo isso. É realmente possível quebrar as barreiras
do preconceito e viver uma vida cheia de histórias para contar.
Estou ansioso para compartilhar isso com Luna. Me aproximo dela
no bar, e ela me olha com semblante triste.
— Você está bem?
Ela respira antes de falar.
— Estou. É só que...você reencontrar uma ex-namorada que
tem algo tão intenso para compartilhar com você me deixa um
pouco...
— Insegura.
— Isso.
— Você não precisa se preocupar. — Eu beijo sua mão. —
Não há nada nem ninguém no mundo capaz de diminuir o que eu
sinto por você. Paola foi parte importante de minha vida, ela
participou de um começo de descobertas na vida amorosa e me
ensinou muitas coisas. E hoje sinto que temos mais isso em comum,
uma experiência que estamos vivendo e que nem todo mundo
compreende. Mas quem tem isso aqui nas mãos...— coloco a mão
dela sobre meu coração — é você. E isso não vai mudar.
Ela sorri e me dá um beijo.
— Você é tão fofo que consegue acabar até com meu
momento de crise de ciúmes.
Rimos juntos. Eu também me sentiria inseguro se Luna
repentinamente encontrasse um ex-namorado que, por acaso,
compartilha algo muito íntimo e muito delicado como aconteceu
aqui. Mas também sei que ela é segura o suficiente para saber que
tem todo o meu amor e meu respeito. Não há ninguém mais que eu
queria ao meu lado além de Luna.

Conforme as pessoas vão indo embora, o ambiente vai


ganhando um clima de fim de festa. Todos se despendem com amor
e me dão abraços e felicitações por meu aniversário. Eu me sinto
acolhido e amado por cada pessoa que passou por ali. E, quando o
silêncio recai sobre a casa, estamos somente eu e Luna.
— Vamos para o terraço? Quero olhar o céu — me convida.
A minha casa tem um terraço incrível com teto solar. Eu quase
nunca vou lá, seja por falta de tempo, seja simplesmente por não
valorizar esse privilégio, mas, quando Luna me convida, parece que
não há mais nada que eu gostaria de fazer além de olhar o céu ao
lado dela. Usamos o elevador instalado na casa para me locomover
e, quando chegamos lá, eu fico completamente encantado com o
que vejo. O céu está aberto, sem nenhuma nuvem, e podemos ver
as estrelas brilhando como vaga-lumes ao nosso redor. A lua está
imponente, mostrando sua maestria.
— A gente precisa vir mais aqui — Luna diz.
— Sim — concordo. — Sabe..., Paola me falou algo que me
fez refletir. — Minha noiva me encara com atenção, esperando a
próxima frase.
— Essa cadeira..., ela pode ser um lembrete diário dessa nova
chance. Eu ganhei uma nova vida, Luna. É uma oportunidade tão
rara, mas que, por algum motivo, Deus achou justo dar para mim.
Luna sorri e beija meus lábios com delicadeza.
— Eu estou muito orgulhosa de você, meu amor. Tenho
orgulho de tudo o que você faz e do homem que está se tornando.
Acima de tudo, sou muito grata por me deixar fazer parte disso.
Eu devolvo o beijo em seus lábios e permanecemos ali, em
silêncio, gratos pela possibilidade de dividirmos o mesmo tempo e
espaço, por estarmos juntos nessa vida, por esse encontro de almas
ter acontecido. Me sinto preenchido de amor e felicidade por tê-la ao
meu lado.
As aulas de direção para usar o carro adaptado me ajudam a
conquistar mais independência. É um passo importante rumo à
reconquista do controle de minha vida, e é justamente isso que sinto
quando pego no volante pela primeira vez. A instrutora contratada
por Patrício está ao meu lado e me orienta sobre cada botão, como
utilizar os comandos e, aos poucos, me adapto a essa nova
facilidade.
As aulas duram dias. A cada nova etapa, descubro formas de
conduzir o veículo com maior segurança e sou grato pelo acesso
que o poder aquisitivo me proporciona. Além das aulas práticas, eu
também passo por exames que ajudam a identificar as limitações e
determinar quais são as adaptações fundamentais em meu veículo.
— A reunião é às 10h — diz Edgar quando atendo o telefone.
— Acha que consegue nos acompanhar? — Ele está fechando
negócio com um novo fornecedor para as vinícolas. Como Fabrício
está ocupado em outro projeto, ele precisa atender essa demanda.
— Acho que não consigo porque tenho aulas de direção —
digo. — Mas tenho certeza de que você e Gustavo podem conduzir
isso com maestria.
E assim acontece. A reunião é um sucesso e os negócios são
fechados com maestria. Além disso, Patrício continua conduzindo o
projeto de implantação de melhorias para atender à demanda de
nossos funcionários portadores de deficiência. Tudo isso me faz
sentir que fiz a escolha certa.
Quando sofri o acidente, passado o susto inicial, comecei a
me preocupar com a gestão da empresa. Apesar de confiar
piamente no potencial de meus irmãos, eu também sabia que seria
muita coisa para assumirem. Veio junto uma sensação de culpa por
atribuir tanta tarefa a eles e, em seguida, uma dificuldade em deixar
eu mesmo de assumir as coisas importantes da empresa.
Mas, olhando agora para os novos voos alçados pela Salomon
& Salomon, sinto que não poderia ter feito escolha melhor. Por
orientação médica – e insistência da Luna –, aceitei deixar o grosso
da administração nas mãos de meus irmãos e primos, em quem
sempre confiei piamente. Observando os resultados, percebo que fiz
a escolha certa e que eles estão completamente confortáveis em
suas posições. Mesmo Edgar, que estava acostumado a uma vida
nômade, demonstra bastante conforto com o universo corporativo.
Ainda assim, sua alma aventureira não tira férias.
— Podemos fazer uma trilha pela América do Sul — diz, me
servindo um pouco de café fresco depois da reunião. Edgar veio até
minha sala para contar os resultados e dar detalhes sobre os
acordos comerciais que ele fechou. — Imagine só, você dirigindo
por Peru, Bolívia, Uruguai...
Solto uma gargalhada honesta. É claro que estamos falando
de maneira hipotética. Edgar e eu sabemos que ainda existe um
longo caminho pela frente até que eu, de fato, consiga assumir o
volante para uma viagem mais longa. Ainda assim, não consigo
esconder a satisfação em sonhar com isso, em pensar que, em
breve, em algum momento, eu mesmo possa conduzir Luna para
uma aventura.
— E como está se sentindo para amanhã? — pergunta Edgar,
mudando de assunto. Ele se refere à convenção que agendamos
para esse final de semana. A convenção foi pensada justamente
para apresentarmos, aos nossos investidores, os esforços e as
metas da empresa com relação à inclusão de profissionais
portadores de deficiência, bem como as melhorias previstas para
todos em nossas instalações.
— Acho que estou confortável, mas confesso que um pouco
ansioso. — Tento amenizar, mas a verdade é que estou muito
ansioso. Eu farei a abertura da convecção. Convidamos cerca de
150 pessoas de fora da empresa, além dos 200 funcionários. É a
primeira vez que vou conversar com um grupo tão grande e, para
muitos, será a primeira vez que me verão na cadeira de rodas. A
minha maior preocupação é impedir que essas pessoas me julguem
à primeira vista, que elas não tirem conclusões precipitadas a
respeito de meu potencial de liderança e que elas, principalmente,
continuem enxergando em mim o profissional altamente qualificado
que sempre fui.

No dia seguinte, acordo animado. Minha roupa está separada


em um cabide que Luna ajeitou na noite anterior. Mesmo eu
insistindo que poderia contratar uma pessoa para cuidar disso, ela
insistiu que gostaria de me vestir para um momento tão importante.
Por isso, sorrio quando vejo meu terno Ermenegildo Zegna azul-
escuro cuidadosamente aguardando para me vestir.
— Já acordou, meu amor? — Luna surge do banheiro usando
uma saia-midi rodada em verde-militar e uma blusa branca com
mangas bufantes. Ela parece uma diplomata importante saindo em
missão internacional. Eu sempre me surpreendo com sua elegância
e beleza.
— Vou mais cedo para ajeitar as coisas com o buffet, garantir
que tudo está pronto para receber os funcionários e revisar algumas
credenciais. Não quero que Cremilda Bolaños seja barrada na porta
como aconteceu com o evento de Natal de 5 anos atrás. Lembra?
— Luna ri, recobrando o fato. — Nunca esqueço a cara péssima que
ela fez para mim.
— Era seu primeiro ano na Salomon. — Entro na dança e
começo a relembrar a história. — Lembro que entrei na sala de
Gustavo, e você estava sentada com os olhos brilhando, prestes a
cair no choro, e eu saí de lá perguntando “quem foi que fez a
menina nova chorar?”
Luna ri novamente. Apesar de ela ter ficado abalada por
receber uma bronca de uma mulher tão importante por nossos
negócios, me lembro como segurou o choro e não deixou as
lágrimas caírem. Embora não seja do tipo avesso às emoções,
Luna, definitivamente, não aceita demonstrar fraqueza.
— E você queria colocar a mulher para fora da convenção —
diz. — Mas eu mesma não deixei. Que bom, porque depois ela me
pediu desculpas por ter sido tão grosseira no primeiro momento e
admitiu ter perdido a linha.
— Pois é..., eu estava prestes a encerrar uma parceria
milionária pela senhorita. — Olho para ela com semblante
apaixonado.
— Você imaginou que chegaríamos a esse ponto?
— Você, preparando minha roupa de luxo para uma
convenção da empresa enquanto dividimos a rotina meses antes de
nosso casamento? Não..., nem nos meus melhores sonhos eu a
teria aqui comigo em tempo integral.
Luna me beija com amor.
— Quer ajuda para se vestir? — pergunta. — Posso esperar
um pouco mais antes de ir para a empresa e...
— Não! — digo. Eu consigo dar conta. Só vou chegar um
pouco antes para me ajudar com a gravata, pode ser?
Ela concorda e sai. Hoje também é a primeira vez que vou
dirigir sozinho por um trajeto. De casa até a empresa, é um caminho
razoavelmente curto, mas, para mim, é algo completamente
desafiador. Eu ainda estou tomando aulas de direção de reforço,
apesar de já estar devidamente habilitado para conduzir o veículo. É
difícil entender quando exatamente estou pronto para dar um passo
como esse, mas as circunstâncias culminam para que seja hoje.
Depois de me vestir, pego as chaves do veículo e vou até o
carro. O banco giratório do motorista facilita para que eu entre no
veículo. Consigo afastar a cadeira de rodas com um empurrão e
saio. Nos primeiros minutos, o meu coração está a um milhão. Sinto
as batidas aceleradas quando o carro anda seus primeiros metros,
mas também me sinto mais confortável conforme avanço pelo
caminho. Estou dirigindo bem abaixo da velocidade permitida para a
região, mas tento não me incomodar com algumas buzinas e até
alguns xingamentos que vêm de veículos mais apressados atrás de
mim. Penso em quantas vezes eu mesmo tentei acelerar a pessoa
da frente porque estava atrasado para uma reunião e me
compadeço. A gente nunca sabe o que a pessoa da frente está
enfrentando.
Paro no semáforo, e uma senhora para com um carro ao lado
do meu. Ela abaixa o vidro e sorri para mim.
— Está começando hoje? — pergunta. Eu entendo que ela
avistou adesivo que identifica o meu carro como adaptado e
concordo com a cabeça. — Meu filho também dirige um desses. Ele
se sente muito confortável com essa facilidade. Demora um pouco,
mas logo você vai se sentir bem à vontade. Aproveite. — Ela sorri
animada e o semáforo abre. Vejo o carro avançar e dou partida no
meu, incentivado pela mensagem que a senhora desconhecida me
deixou.
Chego na Salomon e estaciono em frente a torre principal,
aliviado. Um dos seguranças se aproxima com um sorriso no rosto.
— Senhor Guilhermo, que máquina, hein? — diz, olhando
para o carro. — A sua vaga continua reservada.
— Obrigado, Cosmo — digo e sigo para a vaga que sempre
foi minha. Me sinto completo quando estaciono o carro sem grandes
dificuldades e ocupo meu lugar de costume no estacionamento da
empresa.

— Todos estão tão empolgados — Luna diz enquanto ajeita o


nó na minha gravata. — Eles não veem a hora de ouvir você falar.
— Ela me observa, afastando um pouco o rosto para ver se a
gravata está devidamente centralizada. — E eu também estou
ansiosa para ouvir você, meu amor. — Ela dá um beijo na minha
testa e, em seguida, na minha boca. — Vamos. Não quero que se
atrase.
O anfiteatro da empresa está lotado. Eu espio pela lateral da
coxia e vejo que todos os lugares estão ocupados. Reconheço
alguns investidores, pessoas que trabalham comigo há tempos, e
algumas novas parcerias fechadas recentemente por Gustavo e
Edgar. Respiro fundo quando Luna entra para recepcionar o público.
— Estamos muito felizes em receber todos vocês aqui, eu
serei a mestre de cerimônias — diz com um sorriso no rosto. Todos
aplaudem. — Mas, definitivamente, não sou a estrela principal de
hoje — completa. — Então, eu passo a bola para o CEO executivo
da Salomon & Salomon, Guilhermo.
Todos aplaudem. Eu uso a rampa de acesso recém-instalada
para chegar até o palco. Todos os olhares estão voltados para mim
e sou recebido com bastante admiração. Posso ouvir alguns
cochichos conforme as palmas diminuem. Estão comentando sobre
minha cadeira.
Como eu disse, para muitas dessas pessoas, esta é a primeira
que me veem desde o acidente. Outras já estão acostumadas com o
dia a dia na Salomon e não demonstram surpresa ao me verem.
— Bom dia a todos, obrigado pela presença — digo. O
microfone dá um apito de interferência e, em seguida, retoma ao
normal. — É um prazer estar aqui hoje. Sei que, para muitos, é uma
surpresa me ver nessa cadeira. — Cochichos novamente. Algumas
pessoas concordam com a cabeça, enquanto outras continuam em
silêncio. — E é sobre isso que falaremos. A Salomon & Salomon
está entrando em uma nova etapa, uma fase importante de sua
história.
Os olhares permanecem em mim. Atrás, um telão se acende
para apresentar um vídeo corporativo meticulosamente produzido
pela comunicação.
— Estamos focados em tornar essa uma empresa modelo
para profissionais portadores de deficiências e neurodivergências, e
a partir de agora vamos investir em melhorias, treinamentos e
reuniões que estimulam a boa convivência, a capacitação e o
desenvolvimento de todos os profissionais.
O vídeo começa a rodar e todos encaram atônitos com nosso
projeto ousado. Na tela, o complexo empresarial ganha mais espaço
e se amplia, mostrando as obras que planejamos para o próximo
ano.
—Todos os corredores, elevadores e salas ganharão mais
espaço para que as cadeiras circulem com facilidade. — Gustavo
assume o microfone para explicar o que aparece na tela. —
Sessenta profissionais voluntários tomarão aulas de libras para
aprenderem a se comunicar com funcionários surdos e haverá, pelo
menos, um fluente em cada andar.
— Os informativos impressos da Salomon & Salomon
ganharão escrita em braile e/ou um QR code que leva para uma
versão em áudio — completo.
— E estamos projetando um espaço infantil completamente
adaptado para que pais e mães de nossa empresa possam trazer
seus filhos, incluindo aqueles que portam alguma deficiência,
quando tiverem alguma dificuldade com creches ou escolas — diz
Luna, apresentando outra parte do projeto enquanto a planta do
espaço kids aparece na tela de LED.
— A ProcterCar entra como nossa parceira direta, fornecendo
7 veículos completamente adaptados que ficarão à disposição da
empresa e de seus funcionários quando precisarem se locomover
para questões profissionais, como visita a clientes e reuniões de
negócios. — Edgar se junta a nós. — E todos os funcionários
receberão treinamento para aprenderem a banir de seus discursos
termos capacististas ou que reduzem o profissional à sua
deficiência.
— À frente desse projeto ousado, teremos nosso gerente de
inclusão Patrício Salomon — digo, apresentando meu irmão, que
sobe ao palco no momento em que o logo de nossa empresa
aparece no salão e o vídeo se encerra, sendo ovacionado pelo
público.
— Isso foi incrível! — diz Evangeline, se aproximando de nós.
— Todo mundo está impressionado com os projetos da empresa.
Parabéns, Guilhermo.
— A empolgação no olhar de cada pessoa é visível — diz
Gustavo.
— Senhor Guilhermo — uma senhora me chama ao se
aproximar de nós. — Eu sou Corina, trabalho no restaurante da
empresa. — Ela me olha com certa timidez.
— Prazer em conhecê-la, Corina — digo, oferecendo minha
mão para que ele aperte.
— Eu gostaria de dizer uma coisa, se o senhor me permite. —
Ela saca o celular da mão e me mostra a foto de um rapaz de mais
ou menos 25 anos. Ele está de óculos escuros e usa uma bengala
de guia. — Este é meu filho Ricardo. Ele acabou de começar o
trabalho em uma multinacional. — Observo a foto com atenção. —
Como pode ver, ele é cego. Ricardo nasceu assim. Durante toda a
vida, enfrentou inúmeras dificuldades, mas a principal foi na vida
profissional. Ele sempre sonhou alto, mas a deficiência limitava
muito o seu acesso. As pessoas não acreditavam em seu potencial
— continua. — O emprego aqui me permitiu pagar a ele um
excelente curso de inglês e, através de uma indicação de um colega
meu de trabalho, ele conseguiu esse emprego no RH de uma
empresa muito grande. Hoje eu fico com o coração aquecido em
saber que muitas mães poderão vivenciar isso, a alegria de ver seus
filhos deficientes ganhando espaço no mercado, graças a esse
investimento que vocês estão fazendo.
A mulher tem lágrimas nos olhos. Eu fico feliz com o que ela
me diz. Corina se retira feliz e vai desfrutar do buffet. Eu fico com a
sensação de missão cumprida ao poder acolher essa mãe e muitas
outras que, de alguma forma, se felicitam com minhas escolhas.
— Tá vendo? Esse é o seu impacto na vida das pessoas —
diz Luna, apertando meu ombro com a mão.

— Eu não acreditei quando me contaram — diz Mariana


Bustamante, uma das investidoras na área de tecnologia, durante
conversa com dois outros empresários. — Não achei que Guilhermo
conseguissem causar toda essa comoção, mesmo agora, na cadeira
de rodas.
— Sim, é impressionante como as pessoas ainda prestam
atenção em tudo o que ele diz. — Quem fala é Mauro Castello, o
filho de outro sócio importante. — Apesar disso, não sei como ele
pretende liderar assim.
Eles não podem me ver. Eu estou do outro lado da mesa,
numa ponta em que não conseguem me enxergar. Luna está
comigo e, também, escuta tudo. Eu tento evitar que ela se
manifeste, ainda tenho minhas questões para lidar com o
preconceito, mas Luna sempre foi mais explosiva do que eu, por
isso, ela não se segura e caminha até eles.
— Percebo que estão mais preocupados com a liderança do
senhor Guilhermo do que de fato com suas parcerias com a
Salomon — diz. Todos ficam pálidos ao avistarem sua chegada.
— Luna. — Mariana se engasga com a bebida. — Ora, não
vimos que você estava aí. — Ela olha para trás, então me avista. —
Guilhermo!
— Olá, Mariana — respondo sem nenhum sorriso.
— Do que vocês estavam falando mesmo? — Luna pergunta
enquanto come a azeitona de seu drinque. Apesar da seriedade da
situação, quero rir porque ela parece uma vilã de novela.
— Nós apenas estávamos discutindo sobre como... os
empreendimentos da empresa são realmente... — começa a falar o
rapaz.
— Audaciosos! — complementa Mariana. Os dois se olham
em cumplicidade, como se um tivesse salvado a pele do outro.
— Audaciosos... — Luna repete, degustando a palavra. —
Guilhermo! Eu creio que eles sejam os primeiros voluntários para o
curso de inclusão e comportamento empresarial. — fala, olhando
para mim. Mariana arregala os olhos.
— Eu imaginei que... seria apenas para funcionários fixos —
fala Mauro. — Nós somos apenas investidores...
— Nossos investidores, assim como nossos funcionários,
devem cumprir com nossas expectativas comportamentais. Nenhum
tipo de exclusão ou preconceito será aceita na Salomon. — Os dois
me observam com olhos arregalados. — É isso, ou encerrar a
parceria com a empresa. — Não pretendo soar ditatorial com meus
parceiros, longe disso, mas, definitivamente, não vou tolerar
preconceitos dirigidos a mim ou a qualquer funcionário da marca. —
Os dois concordam com um sorriso amarelo.
— Ótimo. Ficamos felizes com a candidatura espontânea de
vocês em nossos cursos de aprimoramento — Luna diz e se retira
enquanto eu a acompanho com minha cadeira.
11 MESES DEPOIS DO ACIDENTE

Onze meses...
Quando paro para pensar nesse tempo, não consigo enxergar
a história por completo. Existem flashes, momentos em que eu
simplesmente vivi, sem realmente tomar as rédeas da situação. No
entanto, cá estou: quase um ano após e cada vez me sentindo mais
dono de toda essa narrativa sobre minha vida.
Durante esse quase um ano, os trabalhos foram intensos.
Terapia, fisioterapia, visitas constantes aos médicos e a descoberta
de novas tecnologias que me auxiliam no dia a dia. Aos poucos,
também minha família começou a entender que a única forma de
me deixar viver é... me deixar viver. Apesar de todo o cuidado e
receio, eles passaram a me permitir ter mais autonomia e isso me
fez muito bem.
— O cheiro está bom! — Luna grita da sala. Nesse momento,
estou preparando o nosso almoço e pedi que ela ficasse longe para
a surpresa. A gastronomia se tornou um hobby importante, algo em
que eu descobri a possibilidade de me concentrar e refletir ao
mesmo tempo em que consigo expressar meu amor através dos
sabores.
O prato de hoje não é nada muito elaborado. Luna gosta de
comida simples, comida com “gosto de casa”, como ela costuma
chamar. Então preparei um macarrão à carbonara com tiras de
frango. Mas, para acompanhar, eu faço questão de um vinho de
altíssimo padrão.
— Está na mesa — falo com um tom mais alto para que Luna
me escute. Ela vem para a cozinha imediatamente e é quando me
dou conta de que já passa das 13h, bem além de nosso horário
normal de almoço.
Hoje, como todos os outros sábados, nós nos permitimos
acordar mais tarde. Ficar até tarde na cama abraçados, apenas
acariciando o corpo um do outro, sentindo a textura e o cheiro,
também se tornou parte do nosso roteiro. Uma das partes que eu
mais gosto, aliás.
Hoje não foi diferente. Por isso, saímos da cama tarde,
tomamos café tarde e agora estamos prestes a almoçar... tarde.
— Meu estômago está roncando — Luna diz quando se senta
à mesa. — Sei que essa não é a frase mais elegante do mundo para
se dizer para um chef de cozinha... — brinca. De fato, estou tendo
aulas de gastronomia à distância. Comprei um curso de um chef
renomado, a ideia é apenas pegar algumas dicas e conhecer novas
possibilidades.
— Quando o chef é seu noivo e quase seu marido..., está
liberada para falar o que quiser. — Eu provo o macarrão e Luna faz
o mesmo. Ela fecha os olhos em aprovação, exatamente a reação
que eu esperava para esse momento.
— Isso está magnífico — diz após o primeiro contato com o
meu prato principal. — Meu quase marido..., ainda nem acredito que
isso está acontecendo.
O seu ar é sonhador. Luna, assim como eu, é o tipo de pessoa
que se enfia de cabeça em tudo o que lhe propõem. Portanto, sei
que, para ela, o casamento é mais do que um projeto de vida. Ela
espera que possamos fazer isso dar certo juntos, enfrentando as
dificuldades e os problemas com parceria e sabedoria.
Esse quase um ano de reabilitação foi um test drive
importante para nós dois. Eu entendi que a tenho ao meu lado a
qualquer custo e senti, mais do que nunca, que a quero comigo em
todas as circunstâncias, estando disposto a me dedicar totalmente a
ela. Também aprendi a ser cuidado.
A vida toda, eu assumi o papel de cuidar dos outros, de tomar
as rédeas da situação. Mas, no último ano, eu vi todo o controle
fugir das minhas mãos, tive que delegar funções, entregar minhas
tarefas para outras pessoas e aceitar que todos, até mesmo eu, às
vezes precisam de ajuda. Não foi fácil aceitar essa nova realidade,
mas, sem dúvidas, é tranquilizador estar hoje na posição que estou:
eu evoluo a cada dia, estou me tornando mais independente, mas
ainda aceito ajuda de meus irmãos, primos, cunhadas e amigos
quando necessário.
— Eu vou encontrar Evangeline daqui a pouco. Ai, meu Deus,
estou tão cansada...Você bem que poderia me deixar ficar em casa
e...
—Não! Não, não. Nós já conversamos sobre isso, Luna. — Eu
retiro os pratos da mesa. Aos finais de semana, decidimos não ter
funcionários trabalhando na casa para desfrutarmos de momentos
só nossos. — Túlio e Edgard pediram uma “reunião de homens” e a
minha missão é manter a senhorita fora por algumas horas.
Ela faz um biquinho como uma criança malcriada.
— Você promete que vai me contar do que se trata essa
reunião? — Luna diz em seguida, enquanto eu levo as louças recém
utilizadas para a pia da cozinha. — Você sabe que eu morro de
curiosidade!
Eu rio com a observação. Se tem uma coisa que Luna é, é
curiosa. Se eu tivesse que descrevê-la para alguém que nunca a viu
antes, eu talvez usasse Miss Marple como principal referência,
fazendo observações de que se trata de uma versão bem mais
jovem e bem mais moderna da famosa personagem detetive de
Agatha Christie, é claro.
— Vou pensar no seu caso — a provoco.
— Ah, não, Guilhermo. Se você não me prometer agora que
vai me contar, ao menos, o contexto geral da reunião, eu vou... ter
que grampear essa casa!
Nós dois rimos. Estar com Luna é uma das coisas que mais
amo. Em momentos assim, em que a gente apenas joga conversa
fora, eu sinto que temos uma conexão ainda maior, somos
realmente parte um da vida do outro. Ela foi e continua sendo parte
essencial da minha recuperação e de todos os progressos que
estou fazendo. E, quando penso nisso, sinto um afeto ainda maior
por essa mulher.
Eu a beijo com força enquanto Luna se senta no meu colo.
Esse é um gesto que aprendemos a aceitar com o tempo. Certo dia
Luna me confessou que gostaria de se sentar no meu colo na
cadeira, mas que tinha receio de que eu sentisse alguma coisa, ao
mesmo tempo em que ansiava para que eu sentisse alguma coisa.
Então, fizemos o teste. Na primeira vez, ela não depositou o
peso todo com medo de que eu não aguentasse. Hoje em dia, ela
se senta no meu colo com facilidade e segurança, e isso se tornou
mais um gesto de carinho que gostamos de trocar no dia a dia.
Também é uma forma de aumentar minha confiança, já que sei que
posso dar a ela o acalento que precisa e merece em diversas
situações da vida, enfim, este se tornou nosso gesto de carinho
mais importante. Então, quando ela se senta em meu colo na
cadeira de rodas e beija meu nariz e depois minha boca, eu me
sinto completamente amado e capaz de devolver esse amor na
mesma intensidade.
— Vocês não vão falar de trabalho, né? Por favor, hein..., é
sábado!
— Eu realmente não sei qual é a pauta da reunião, senhora
curiosa, mas eu prometo trazer atualizações assim que tiver alguma
novidade.
Ela suspira, se dando por vencida, e vai se arrumar para
encontrar Evangeline.

Gustavo, Túlio, Conrado, Edgard, Homero, Patrício e Fabrício.


Todos eles estão parados diante de mim, e eu os encaro sem
entender muito bem o motivo de uma reunião tão completa. Meu tio
Arturo está de plantão, mas, aparentemente, foi avisado de que
passarão informações em breve.
— E, então, do que se trata? — pergunto. Confesso que estou
até nervoso com tamanha concentração.
— Temos algo muito importante a dizer — diz Túlio.
Todos concordam com a cabeça. Eu apenas observo,
tentando entender em que ponto querem chegar.
— Você não pode se casar sem antes...— começa Homero.
Eles fazem suspense. Meu coração acelera. Meus irmãos
nunca tiveram qualquer tipo de crítica ou ressalva para fazerem a
respeito de Luna, tampouco meus primos ou tio. Todos sempre
concordaram que ela é incrível e enxergaram em Luna tudo o que
desejam para uma boa companheira para mim, mas agora começo
a traçar mil coisas na minha cabeça, imaginando o que possa ser
tão grave a ponto de soar como um impeditivo para meu
matrimônio.
— Sem antes...? — Tento acelerar a conversa.
— Sem antes fazermos uma boa despedida de solteiro. —
Fabrício revela uma garrafa de champanhe que estava escondida
nas suas costas. Eu respiro aliviado enquanto todos comemoram a
revelação.
O casamento está agendado para dali duas semanas. Túlio e
Edgard são os mais empolgados com a festa de despedida de
solteiro. É claro que não envolve nada como libertinagem e festas
regadas a sexo e mulheres. Na minha família, as despedidas de
solteiro são mais uma espécie de ritual para que os homens
consigam abrir seus corações e até definir quem será o próximo da
fila a casar.
— Nós vamos fazer uma viagem. Será algo rápido — diz
Túlio. — Será bate e volta, nada muito complexo, mas queremos
celebrar com você esse momento e ter esse período a sós. O
famoso clube do bolinha. O que acha?
Eu penso a respeito. Uma viagem só nossa pode realmente
ser algo bem legal. Ainda assim, não sei como Luna vai reagir
quando contar a ela sobre os planos para o final de semana
seguinte.

— Uma viagem? — pergunta.


Luna pensa a respeito. Cuidadosa como é, sei que ela está
pensando em todas as possibilidades, inclusive no que pode dar
errado ou me colocar em risco, mas também sei que ela está cada
vez mais confiante e cada vez mais segura com relação a minha
recuperação.
— Minha única exigência é que você tenha sinal no celular.
Por favor, não tope nenhuma aventura dessas do Edgard de se
enfiar no meio do mato sem possibilidade de contato. — Ela ri alto.
— Você sabe muito bem o sufoco que eu passo para localizar seu
irmão nessas empreitadas dele.
Antes de nossa viagem, que está marcada para dali uma
semana, temos um evento importante. Eu atendo o meu celular e
escuto Liliana do outro lado da linha, falando com bastante
empolgação.
— Nós queremos muito que você e Luna venham para a
festinha de Mirella. Não será nada muito grandioso, só uma reunião
de família mesmo.
— Eu tenho certeza de que Luna ficará muito feliz com o
convite. Pode contar com a gente.
Luna faz um gesto com as mãos, perguntando se querem
fazer lá em casa. A minha área gourmet está cada vez mais
elaborada agora que culinária se tornou um hobby importante, e
estamos loucos para estrear a nova ilha na cozinha.
— A gente topa. — Ouço Gustavo falar de fundo. — Quanto
mais praticidade, melhor.
Então fica combinado, assim, quando chega o dia da festa,
que, na verdade, será um almoço, todos chegam em meu
apartamento no horário combinado.
As reuniões da família Salomon são sempre assim: festivas,
cheias de conversa boa, bons vinhos e muitos abraços. Por isso,
não me espanto quando sou recebido com um combo de abraços de
meus sobrinhos, meus irmãos e minhas cunhadas.
Eu observo as gerações. Gustavo está brincando com Mirella,
enquanto Patrício distrai os gêmeos com um quebra-cabeça no
chão. Homero e Nina, embora ainda não tenham oficializado uma
relação, compartilham os cuidados com o filho dela.
Ser pai sempre foi um sonho para mim. Durante muito tempo,
engavetei esse sonho por conta do trabalho e todas as obrigações
que tinha que manter com a empresa. Hoje, depois de sofrer um
acidente de tamanha gravidade, eu penso que deveria ter feito isso
antes. Deveria ter gerado um descendente.
A equipe médica que me acompanha diz que não há nada que
comprometa minha fertilidade. Porém, eu me questiono se
conseguirei dar o suporte que uma criança precisa, estar presente e
apoiando Luna durante a gestação, no puerpério e até após isso.
Luna percebe meus pensamentos e se aproxima com cuidado.
Ela se senta ao meu lado e segura a minha mão.
— Está tudo bem?
— Sim..., está. Eu só...
Olho ao redor, vendo Gustavo lançar Mirella para o alto
enquanto minha sobrinha solta gritinhos de excitação.
— Eu sou um aviããão — diz com alegria. Ele a recebe de
volta nos braços e lhe dá um beijo caloroso.
— Você acha que poderemos viver isso um dia? — pergunto.
Luna não responde imediatamente. Apesar de ansiosa e
decidida, ela sempre escolhe as palavras com cautela para deixar
sua mensagem clara e objetiva. Sei que está fazendo isso agora,
como um computador que consegue acessar milhões de
informações em segundos para escolher o que trazer como
resultado, mas sem deixar de lado o seu amor e sua honestidade
em cada frase.
— No começo, logo que você sofreu o acidente, eu me
questionei muito sobre isso. Achei que não poderíamos mais sonhar
a respeito de algumas coisas, e a paternidade era uma delas. — Ela
acaricia minha mão com delicadeza. Seu toque me traz uma paz
que não consigo descrever em palavras.
— E agora? O que você sente com relação a isso?
Luna se vira para me encarar. Seus olhos estão brilhando e
imagino que ela esteja emocionada com os pensamentos.
— Agora..., eu aprendi com você que nosso amor é capaz de
superar tudo. — Eu sorrio para ela. — O que você me mostrou,
nesse último ano, Guilhermo, é que somos capazes de tudo. Você
tem uma força surreal, um controle emocional que me surpreendeu
muito. A forma como encarou tudo isso, como conseguiu manter a
firmeza mesmo quando estávamos todos prestes a desmoronar...
Eu pigarreio. Apesar de ter um lugar de destaque na empresa
e até de ser considerado um “herói” pelos meus irmãos, eu não sei
lidar com elogios tão intensos e tão... honestos.
— Isso tudo me fez ter uma certeza — Luna diz. Ela me olha
novamente. — Ter um filho com você será a maior realização da
minha vida.
Eu aperto sua mão em retribuição ao carinho, e ela se
aproxima mais para me beijar. Sabemos e não ignoramos os
desafios que isso representa. Ser um pai portador de deficiência
exigirá de mim muitas adaptações também, mas eu tenho certeza
de que, ao lado dela, com a mulher que eu amo, eu posso fazer isso
acontecer com maestria.

O destino escolhido para a despedida de solteiro é


OktoberFest, em Blumenau. Esta é uma festa que marcou nossa
juventude, já que, em todos os anos, nós íamos para a
comemoração. Para mim, soa como algo completamente novo. A
começar pelo fato de que não fazemos essa viagem juntos há anos,
e depois, eu nunca vim para um evento tão cheio estando em
minhas rodas.
— Como é que a gente aguentava isso por quatro dias a fio?
— pergunta Conrado, sentado na cama do hostel, segurando um
copo de cerveja artesanal. — Eu estou podre. Definitivamente só
aguento fazer um dia de festança desse tipo.
Todos rimos. Sem dúvidas, não temos mais o pique da
juventude. Ainda assim, é incrível estarmos juntos novamente nesse
ambiente.
— Como é que você está se sentindo? — Edgard me
pergunta. — O frio na barriga é muito grande, né?
Meu irmão nunca foi casado, mas ele, com certeza, já viveu
paixões avassaladoras, daquelas que fazem a gente perder a linha
e dá vontade de subir no altar no momento em que batemos o olho
na outra pessoa. Com Luna, não foi bem assim. Nossa paixão foi
evoluindo de maneira mais gradativa, com cuidado. Passamos por
todas as etapas de uma paixão. Ainda assim..., me casar com ela
me traz uma sensação de desafio. Eu quero fazer de Luna a mulher
mais feliz do mundo.
— O frio é no corpo inteiro — respondo. — Eu me arrepio só
de pensar em tê-la como minha esposa, na responsabilidade disso,
no compromisso de fazê-la fez...
— Ela é muito feliz. Julgo dizer que Luna é uma das mulheres
mais felizes que já vi. — Homero entra na conversa.
— É verdade..., mas eu ainda tenho receio de que, de alguma
forma, ela se sinta sufocada, de que eu não realize todos os seus
sonhos...
— Os sonhos são de vocês dois agora, Gui — quem fala é
Patrício. — Apesar da individualidade e dos desejos particulares,
existe algo maior que vocês estão construindo juntos. E isso é mais
forte do que qualquer receio, do que qualquer medo.
Apesar de a festa estar correndo no local do evento, nós
escolhemos finalizar a noite sozinhos no hostel, bebendo uma
cerveja de frente para a piscina. Meus irmãos conversam
animadamente, e eu vejo a oportunidade perfeita para fazer o
convite que tanto queria.
— Homero...— chamo meu irmão. Ele se aproxima e percebo
suas bochechas rosadas por conta da cerveja forte. — Tem uma
coisa que eu gostaria de te perguntar.
Ele me encara com seriedade, mas sorri em seguida. Homero
é a criatura mais gente boa que eu já conheci.
— Durante esse ano, você deixou de ser o irmão caçula e
assumiu cuidados importantes comigo e Luna. Para nós, ter você
por perto foi algo realmente muito importante. — Ele assente sem
dizer nada, mas posso perceber o orgulho em seu semblante. —
Por isso, eu queria te convidar para ser meu padrinho de
casamento.
Agora ele arregala os olhos. Vejo que está prestes a explodir
de alegria quando, de repente, me dá um abraço forte e me beija na
bochecha.
— Eu achei que esse convite não fosse acontecer nunca. Ei,
pessoal, adivinhem quem é o padrinho da vez? — Homero grita,
chamando a atenção dos demais, e todos se reúnem para celebrar
com ele.
Eu o observo com atenção antes de entrar no escritório.
Guilhermo está usando um terno azul-escuro, que, em uma situação
de baixa luz, pode facilmente ser confundido com preto. Ele está
concentrado, observando um documento em suas mãos enquanto
uma xícara de café fumegante solta fumaça ao seu lado. Encosto no
batente e dou duas batidinhas na porta para chamar sua atenção,
embora ela já esteja aberta.
Guilhermo olha para mim e retira os óculos de grau, que usa
exclusivamente quando está muito concentrado, servindo mais
como um potencializador de sua atenção do que, de fato, um auxílio
para as vistas, e os apoia sobre os documentos.
— Quer que eu peça comida? — pergunto, sorrindo ainda
apoiada no batente. Ele coça as olhas enquanto me observa.
— Nossa..., que horas são? — Guilhermo confere o relógio de
pulso.
— Já passa das 20h.
— Caramba. Eu nem me dei conta. Eu estava aqui tão
concentrado nos documentos referentes ao novo código de conduta
da empresa que nem vi o tempo passar. Você quer jantar em casa?
Eu sorrio para Guilhermo. Ele está completamente envolvido
com os projetos de inclusão que a Salomon está desenvolvendo,
por isso, nem percebeu que o tempo passou e que a torre já está
quase completamente vazia.
— Posso pedir alguma coisa no delivery se você tiver muito
trabalho aí.
Guilhermo recosta na cadeira e deixa o corpo relaxar por um
segundo. Ele movimenta o pescoço de um lado para o outro,
deixando que seus músculos se alonguem.
— Não, não. Vamos para casa descansar.
Peço uma pizza no caminho para que dê tempo de chegar
com a gente. O cálculo do tempo é perfeito e, assim que
estacionamos o carro em frente à nossa casa, avistamos o
motoqueiro se aproximando.
— Você acha que estamos indo pelo caminho certo? —
Guilhermo me pergunta enquanto serve mais uma taça de vinho. —
Acha que estamos criando um ambiente saudável para todos os
PcD?
— Eu entendo que é um longo caminho a percorrer. A
empresa nunca olhou para essa causa com esse cuidado, com essa
atenção específica. Então, é absolutamente normal que a empresa
não dê conta de tudo uma vez.
— Mas eu sinto que é insuficiente — Guilhermo diz com a voz
desanimada. — Parece que não estamos nos esforçando o
suficiente.
— Basta ter paciência, meu amor. A empresa está se
adequando a um assunto que, até pouco tempo atrás, nós
acompanhávamos apenas à distância, sem tanto envolvimento. O
mais importante é dar esse passo e entender a importância dessa
inclusão. E isso você está fazendo com maestria.
— Como pude demorar tanto tempo para olhar para isso com
atenção? — faz a pergunta, mas sei que não está, de fato,
esperando uma resposta. Eu acaricio o seu cabelo e massageio sua
nuca.
— Você está se empenhando e fazendo tudo o que está ao
alcance agora, no momento exato em que essa causa entrou em
sua vida e passou a ser algo tão importante.
— Pois é..., mas não deveria ser assim. Deveríamos ter
olhado para isso antes, deveríamos ter pensado em Patrício e nos
outros funcionários que demandam essa mesma atenção e
cuidado... — Ele parece aflito. Eu seguro suas mãos com amor.
— Você está fazendo uma grande mudança na vida dessas
pessoas. — Eu beijo os lábios de Guilhermo com paixão. — Para
quem está sendo beneficiado, o mais importante é que a empresa
está se adequando e que decidiu dar esse passo. Não se cobre
tanto. Aceite os méritos.
Ele retribui o meu olhar e me devolve o beijo nos lábios
— Eu só quero que essa empresa seja o melhor lugar para
profissionais com deficiência.
— E será. E tudo isso... graças a você.

Vê-lo tão envolvido em uma causa é inspirador. Guilhermo e


toda a família Salomon sempre demonstrou uma grande consciência
a respeito dos problemas sociais e de inclusão do país. Apesar de
todos os privilégios, a família nunca tapou os olhos para o que
acontece ao redor, ou se absteve de sua participação para prover
melhorias para o mundo e para a população mais necessitada.
Mas, dessa vez, é diferente.
Guilhermo abraçou essa causa com propriedade, entendendo
que, para que ele consiga liderar com categoria, a empresa precisa
enxergar o valor de cada profissional, independente de suas
condições físicas. É por isso que passamos os dias debruçados
sobre o novo código de conduta da marca Salomon, que agora
prevê uma série de cláusulas combatendo preconceitos e
discriminações.
— Acho que precisamos falar de outra coisa. — Guilhermo
fecha o notebook e apoia os óculos sobre a máquina. Ele está
sentado em nossa cama, usando um lindo pijama azul-marinho que
lhe dá um ar despojado, mas sensual.
Eu olho para ele de esguelha. Também estou com meu
computador aberto enquanto envio alguns relatórios usando a mesa
de trabalho da nossa suíte.
— Os detalhes do nosso casamento.
Meu coração dá um pulo e preciso me concentrar para não
arregalar os olhos demais. Quando Guilhermo se acidentou, nós
estávamos prestes a iniciar os preparativos para o casamento. A
ideia não morreu, é claro. Nós sempre tivemos certeza de nosso
amor e o desejo profundo de firmarmos nossa relação oficialmente.
Mas, diante dessa realidade do acidente, o tempo de internação, a
reabilitação e tudo mais..., o plano do casamento acabou adiado. E
eu nunca me senti no direito de acelerar isso, de cobrar que
Guilhermo e eu retomássemos o assunto, não diante de tudo o que
estávamos enfrentando. Então, saber que agora estamos na reta
final, rumo à realização desse sonho, é algo que me causa uma
grande emoção.
Ele ri ao perceber minha emoção com esse assunto.
Guilhermo, mais do que ninguém, sabe que sempre sonhei em
casar, que sempre almejei por esse momento. E fazer isso agora,
quase um ano após seu acidente, é ainda mais significativo.
— É só que eu... — Me levanto e caminho até a cama, me
sentando ao seu lado. Tento elaborar alguma coisa para dizer, mas
claramente não consigo.
— A menos que você tenha mudado de ideia sobre passar o
resto de sua vida ao meu lado. — Ele toca a minha cintura com a
mão e me puxa para um beijo caloroso.
— Isso é o que eu mais almejo na minha vida — respondo,
retribuindo o beijo.
— Então precisamos começar a pensar nos detalhes. A data
está se aproximando, todos de nossa família já estão empolgados
com o grande dia.
— Eu nem acredito que isso está acontecendo — digo com
um olhar sonhador. — Guilhermo, eu achei que esse assunto seria
colocado de lado por um longo período e que não nos sentiríamos
preparados para isso tão cedo...
— Luna...— Guilhermo se afasta de mim ao dizer meu nome
—, nesse último ano, eu tive muitas dúvidas. Eu me perguntei se
poderia ser um bom líder e se daria conta de minhas tarefas e de
meu papel na família. Muitas vezes desacreditei completamente de
meu potencial, de minhas capacidades. Eu me questionei se poderia
fazer você feliz e se conseguiríamos construir uma família.
Eu concordo de leve com a cabeça. Sei que todas essas
dúvidas o assombraram porque eu mesma estive ali, ao lado dele,
convivendo com cada uma delas e ajudando Guilhermo a enfrentar
cada medo.
— Mas tem uma coisa que eu nunca me questionei, algo que
não se tornou dúvida nem por um segundo.
Eu o observo atenta. Guilhermo segura minha mão e acaricia
meus dedos com delicadeza. Eu me sinto completamente acolhida
por esse simples gesto. É impressionante o quanto ele consegue
me trazer paz.
— O meu amor por você. — Ele leva minha mão até seus
lábios e beija meus dedos com delicadeza. — Disso, eu nunca
desacreditei.
Eu sorrio e abaixo a cabeça. Você não acredita que esse tipo
de amor existe até que finalmente esteja vivenciando. É algo
esplêndido, mágico e bonito. Mais do que isso... é calmo.
Apesar de tudo o que passamos, de um ano completamente
caótico e cheio de descobertas, nós nunca duvidamos um do outro,
nunca duvidamos do que sentimos e do quanto nos amamos. E ter
essa certeza, a certeza de que você está entregando o seu amor a
alguém que é capaz de retribuí-lo na mesma medida traz uma
sensação de... plenitude.
— Então, meu amor, está dada a largada para os preparativos
finais do casamento do ano! — eu digo com animação. Guilhermo
sorri em retribuição, e eu sinto meu coração acelerar de emoção.

— Um clube das mulheres? — Evangeline arregala os olhos


enquanto nos observa. — Vocês têm cer-certeza disso? — gagueja
um pouco ao falar.
— Siiim, Line. Será muito, muito legal. — Eu a abraço com
força enquanto comemoramos. Quando as meninas, Liliana e
Mainara, me sugeriram fazer uma despedida de solteira em uma
apresentação de Magic Mike, eu fiquei muito empolgada, mas
decidimos comunicar Evangeline antes de estendermos o convite
para Mackenzie. Afinal, sabemos que, para ela, pode ser mais difícil
estar em ambientes super movimentados e cheios. Para minha
surpresa, ela não se incomodou exatamente com isso, mas ficou
tímida com a ideia de ver homens seminus na apresentação.
— Eu topo, eu topo — diz Evangeline, se desvencilhando de
meu abraço. — Mas vocês precisam prometer que não vão me
forçar a colocar um dólar na cueca de ninguém.
Todas nós rimos com sua condição. É claro que não vamos
obrigar ninguém a nada. Evangeline se sente à vontade e
confortável entre nós, o que é ótimo. Ela confia em mim,
desenvolveu uma amizade muito legal com a Liliana e tem se
mostrado cada vez mais aberta a novas experiências.
— Queria saber se a senhorita é assim tão tímida quando está
a sós com o Túlio... — Liliana fala, sorrindo, enquanto todas nós
concordamos.
— Ahhh..., Túlio me deixa à vontade — diz Evangeline,
corando. Nós todas rimos e papeamos com ela sobre essa relação
que está surgindo entre eles, um envolvimento que está cada vez
mais claro para todas nós.
— Bom, acabei de enviar a mensagem para Mackenzie. Ela já
respondeu, concordando. Então, Magic Mike, lá vamos nós — diz
Liliana.

— Vocês têm certeza disso? — Gustavo está segurando


Mirella nos braços enquanto ela ameaça um chorinho. — Não
querem, pelo menos, que o motorista as deixe no local?
— Sim, para termos certeza de que não se trata de um
pulgueiro ou algo do tipo — diz Homero pajeando José Patrício que
já está começando a dormir.
— Fica tranquilo, Homero — fiz Nina, dando um beijo na testa
da criança e outro na bochecha do Salomon mais novo. — Luna vai
dirigindo um carro, Liliana o outro, mas, na hora de voltarmos,
pediremos ao motorista que nos busque.
— Você tem certeza que dá conta dos dois? — pergunta
Mainara enquanto Patrício balança dois carrinhos de bebê, um com
cada mão. — Se achar necessário, podemos chamar uma babá de
plantão.
— Não precisa de babá! — diz Guilhermo com um sorriso
meia-lua. — Eu estou aqui para ajudar a cuidar dos pequenos.
Espero que vocês se divirtam.
— Com parcimônia — complementa Arturo. Ele olha para
Mackenzie, que lhe devolve um sorriso em retribuição.
— Pode deixar que eu tenho muito juízo — fala com um
sotaque bem menos carregado. Mackenzie está cada vez mais
adaptada ao português.
— E, por favor, tragam minha noiva de volta sã e salva. —
Guilhermo beija minha mão e depois me puxa para um beijo na
boca.
— Pode deixar. Eu prometo que Luna voltará intacta — diz
Evangeline, que agora já está completamente no clima da festa. —
E eu também volto inteira. — Túlio sorri para ela com um olhar
safado. Imagino que ele está louco pelo nosso retorno para ter um
momento a sós com ela.
Saímos animadas. No começo, pensamos em alugar uma
limosine, mas depois decidimos ir com nossos carros e pedir a um
motorista para nos buscar o retorno. A surpresa começa logo na
entrada do evento. O lugar escolhido é uma casa luxuosa e elegante
que fica num local badalado da cidade.
Logo na entrada, somos recepcionadas por um garçom lindo
usando apenas gravata borboleta e uma sunga preta. Ele nos
conduz até uma sala exclusiva, onde receberemos algumas
instruções.
— Essas são as notas oficiais para usar na casa. Basta
colocar as notas na cueca para que o modelo comece uma dança
exclusiva — começa a explicar uma moça bonita de mais ou menos
30 anos. — Ah! E quem é a noivinha? — Todas apontam para mim.
— Você precisa usar isso. — Ela me entrega um véu simples e um
buquê de flores. — Assim, nossos modelos saberão exatamente
para quem devem dar mais atenção. — Ela dá uma piscadinha
sugestiva enquanto as meninas assoviam e gritam em
comemoração. Eu rio junto. — Agora, senhoras, podem me seguir.
Tem um camarote esperando por vocês.
O espaço das apresentações é amplo e possui um palco que
se divide em passarelas que alcançam todos os cantos do
ambiente. As passarelas são adornadas com luz de LED em
vermelho, que iluminam o caminho. O ambiente possui ainda tons
de azul e neon, que trazem um clima bastante sexy. Nosso
camarote é bem na boca do palco. Atrás de nós, está a plateia
geral, composta por, mais ou menos, 40 mulheres de diferentes
faixas etárias que riem e conversam alto enquanto experimentam os
drinks da casa.
Quando a luz se apaga por completo, uma música sensual
começa a tocar. Um homem negro, de mais ou menos 2 metros de
altura, entra no palco. Ele está usando um terno preto e blazer
aberto até a metade, e está sem camisa por baixo. Sua pele brilha
de tão bonita. Ele é lindo e caminha me encarando nos olhos.
Quando chega bem perto de mim, tira de dentro do paletó uma rosa
e me entrega. As meninas gritam ao meu lado. Ele pega minha mão
e leva até o interior de seu blazer, fazendo com que eu acaricie seu
peitoral definido. Sinto um calor imediato, e minhas amigas
continuam urrando de alegria. De repente, ele se levanta e
simplesmente...
ARRANCA
O
TERNO.
O homem dança bem na minha frente com o dorso nu. Aos
poucos, ele se livra também das calças e começa a se insinuar
quase completamente nu.
— Vai! Dá uma nota para ele! — me incentiva Liliana.
Eu rio, mas não tomo atitude.
— Então deixa que eu faço — diz Evangeline. Todas olhamos
espantadas para ela, que acaba colocando uma nota presa na
costura da cueca do homem. Ele a encara, sorri com ar safado e
então segura o seu queixo com os dedos, se aproximando bem
perto do rosto, insinuando um beijo e se afastando. Ainda
encarando Evangeline, o modelo abaixa um pouco a cueca e
conseguimos ver o caminho de sua virilha. As mulheres vão à
loucura, gritando para que ele abaixe mais, enquanto ele faz que
não com o dedo, performando uma falsa timidez.
— O que foi issoooo? — Mackenzie pergunta empolgadíssima
para Evangeline.
— Já que estou na chuva, é para me molhar — responde,
bebericando um drink que o garçom – tão gostoso quanto os
modelos – acabou de nos servir.
Seguimos assim noite afora. A cada novo número, modelos
exuberantes invadem o palco, fazem performances incríveis, e nos
levam à loucura. Um deles me puxa para o palco, e eu acabo
performando uma música de Beyoncé com ele, sentada em uma
cadeira em evidência, enquanto ele dança ao meu redor, usa
minhas mãos para acariciar seu abdômen e me deixa
completamente louca.

Eu entro em casa com passos cuidadosos para não acordar


os meninos. Eles escolheram dormir todos com Guilhermo, assim,
poderiam se ajudar nos cuidados com as crianças e dispensaram
completamente a contratação de babás. Quando entro na sala, me
deparo com a cena mais linda que já vi.
Gustavo está deitado no sofá com Mirela adormecida em seu
peito. Patrício, por sua vez, está dormindo sentado na poltrona,
enquanto os gêmeos cochilam no bebê conforto ao seu lado.
Homero usou um de nossos quartos para dormir com o filho de
Nina. Túlio, Conrado e Fabrício foram embora mais cedo, pois
percebi que seus carros não estão na entrada da mansão. Nós
entramos com calma, todas carregando os sapatos nas mãos para
evitar barulho. Já passa das 6h e o sol já nasceu.
As meninas seguem para o segundo piso, para os banheiros
de cima, e se dividem para os banhos. Eu vou até a cozinha e, no
meio do caminho, sinto um cheiro delicioso de café fresco. Ouço
vozes e paro para identificar. Guilhermo e Arturo estão conversando.
— E como você está se sentindo? — Arturo questiona.
— Eu me sinto...completo — diz Guilhermo. — É até estranho
dizer isso quando estou em processo de reabilitação por perder os
movimentos das pernas..., mas é exatamente assim que me sinto.
Luna me completa. Ela me traz paz e a vontade de seguir, de me
esforçar mais ainda pela minha melhora.
— Então é ela, Guilhermo. A gente sabe que encontrou a
mulher certa quando vem junto com o tesão essa sensação de
completude, como se fôssemos peças de um quebra-cabeça que
finalmente terminamos de montar.
Eu respiro fundo mais uma vez. Lá fora as pessoas já estão
prontas para nos receber e isso me traz um frio na barriga imenso.
— Acho que agora está perfeito — diz Homero, ajustando
mais uma vez minha gravata borboleta. Meu irmão é mais
perfeccionista do que eu poderia imaginar. — Como você está se
sentindo?
— Muito, muito nervoso.
— Bem..., acho que é assim que tem que ser. Se não tivesse
toda essa emoção, casar não faria sentido.
Eu concordo, mas o meu casamento tem um sabor ainda mais
especial. Nesse último ano, eu e Luna precisamos lidar com muitas
questões e enfrentamos medos que nem sequer sabíamos que
existiam. Por muitas vezes, eu repensei sobre essa situação, me
questionei se poderia mesmo levá-la ao altar, se isso era a coisa
certa a fazer. É claro que eu tive medo.
E ainda tenho.
Será que eu sou o melhor para ela? Será que conseguirei
proporcionar a Luna as alegrias que uma mulher casada merece?
Será que posso protegê-la como devo?
Para todas essas respostas, eu só consigo chegar a uma
resposta: sim, pois eu a amo. Eu amo tanto que sinto que meus dias
são preenchidos por ela: sua risada, seu beijo, seu toque, sua voz...
tudo, absolutamente tudo nela me faz bem. Então, eu não tenho
certeza se esse é o melhor momento para casar, mas tenho certeza
que não há nenhum outro lugar no mundo que eu gostaria de estar,
a não ser aqui, prestes a subir ao altar para encontrá-la.
— Tudo pronto? Você já tem que ir para o altar — Gustavo diz
quando surge à porta. Eu respiro mais uma vez e me direciono para
o local. Uma melodia belíssima de Beethoven toca durante minha
entrada. Meus irmãos estão sentados nos primeiros bancos, assim
como meus primos. Alguns amigos da Salomon também vieram,
mas, no geral, a cerimônia é bastante reservada.
Isso foi pedido de Luna. Ela sempre sonhou em se casar, mas
sempre quis fazer isso de forma discreta, reservada apenas para
aqueles que sabemos que nos amam e nos desejam coisas boas. É
por isso que me sinto completamente acolhido quando começo a
deslizar com minha cadeira até o altar.
E então a marcha nupcial começa. A porta de carvalho imensa
se abre ao final do corredor, revelando o sol que está ardendo lá
fora. Arturo surge com os olhos marejados, trajando um lindo terno
clássico em azul-marinho, assim como os padrinhos homens. Ele
está de braços dados com Luna. Eu demoro um pouco para
enxergá-la, porque, a princípio, está na contraluz, mas então eu a
vejo, e ela parece uma miragem.
Luna usa um vestido de seda com adornos em renda.
Pequenas pedras de brilhante descem pela extensão da saia,
fazendo parecer pequenas gotas de orvalho. O busto é delicado, no
estilo vestido de princesa, e valoriza muito seu colo. Os ombros
estão à mostra, enquanto um véu imenso desliza por sobre seus
cabelos negros, meticulosamente presos em um coque baixo. Ela
sorri para mim e de repente sinto que não há mais nada ao nosso
redor. Aquele momento, quando eu a encaro e a vejo tão feliz,
parece ser só meu. Só nosso. Não tem ninguém por perto, e eu
posso sentir a minha respiração com força, meu coração pulsando
em cada célula e o sangue circulando velozmente enquanto carrega
oxigênio para cada centímetro do meu corpo.
Eu me sinto vivo.
O simples vislumbre da mulher que amo me faz sentir a vida
pulsar, gritar e espernear. E eu quero fazer o mesmo. Quero elevar
a minha voz e dizer o quanto eu a amo, o quanto a quero bem. Sinto
meus olhos se encharcarem enquanto Luna avança pelo imenso
corredor. Ele parece infinito. Eu não vejo a hora de tocá-la. Então
ela chega, Arturo me entrega sua mão, e eu o abraço com força.
— Cuide dela — diz com a voz falha pela emoção.
— Cuidarei como se minha vida dependesse disso.
E depende. Nesse momento, eu tenho a impressão de que,
sem Luna, meus órgãos falham, meu corpo para de cumprir funções
básicas e eu sou incapaz de sobreviver. Eu beijo sua mão com
delicadeza e ela sorri para mim.
— Sejam todos bem-vindos.
O padre inicia a cerimônia com um belo discurso sobre amor,
gratidão e parceria. Ele reforça a importância da honestidade e do
companheirismo em uma relação que se oficializa. Então, chega o
momento.
— Eu os declaro, marido e mulher.
Luna e eu nos beijamos e aquele momento passa a ser o mais
importante de toda a minha vida. O momento exato em que nós
assumimos nosso amor diante de nossa família, o momento em que
declaramos fidelidade e união a Deus.
Seguimos para a mansão, onde realizamos uma recepção aos
convidados. Um chef especializado em comida brasileira e francesa
foi convidado para preparar tudo. Eu vejo ali a oportunidade perfeita
para finalmente fazer o discurso que planejei.
— Atenção. Atenção todos — chamo a família e os amigos
para a mesa. — Eu gostaria de dizer algumas palavras — começo.
— Esse ano não foi fácil para mim. Não foi fácil para muitos de nós.
Mas, cá estamos e, se hoje eu consigo estar aqui, me pronunciando,
é graças a essa mulher. — Indico Luna com a mão. — Luna, eu
pensei muito no que dizer nesse momento e a única coisa que me
vem à mente é: obrigado. Você tem sido meu principal alicerce
nessa jornada, sem você, sem seu suporte e seu amor
incondicional, eu não teria conseguido — falo diretamente para ela,
a encarando nos olhos. — O seu sorriso é o combustível de que
preciso para permanecer firme, e não há nada no mundo que eu
deseje mais do que lhe fazer a mulher mais feliz do mundo. Eu
espero cumprir com suas expectativas enquanto marido, mas, mais
do que isso, eu espero ser para você o mesmo alicerce que você é
para mim. Meu amor..., os dias não seriam tão belos se não
houvesse tanto brilho. O seu brilho. O brilho da Luna.
Todos aplaudem. Luna sorri e diz “Eu te amo” no meu ouvido
quando me abraça.
— Eu também quero aproveitar para agradecer a cada um que
está aqui, mas, em especial, aos meus familiares, meus irmãos. —
Olho para Homero e Gustavo e toco o braço de Patrício, que está ao
meu alcance. — Aos meus primos e meu tio Arturo. Cada um de
vocês participou ativamente dessa jornada, desse período tão difícil,
mas também tão desafiador. E que atire a primeira pedra o Salomon
que não ama um desafio.
Todos riem.
— Eu sou muito sortudo por tê-los em minha vida. Obrigado.
— Levanto a taça em sinal de brinde, e todos me acompanham.
Pouco tempo depois, todos estão animados na pista de dança.
O dj está tocando uma música agitada, mas eu peço para ele
colocar um hit romântico. Ele começa a tocar Perfect, de Ed
Sheeran. A música ecoa pelo salão.

I found a love for me


Eu encontrei um amor para mim
Eu olho para Luna e ofereço minha mão, convidando-a para
uma dança. Ela se surpreende, é claro. Desde que estou nessa
cadeira, nunca mais a tirei para dançar, mas ela não pestaneja e
aceita imediatamente.

Darling, just dive right in and follow my lead


Querida, apenas entre de cabeça e me siga

Eu a levo para o meio do salão. Sento Luna em meu colo e


começo a rodar com ela pelo centro da pista. As pessoas formam
um círculo ao nosso redor, todos observando nossa dança. Luna
encosta a testa da minha e vejo as lágrimas rolando por seu rosto
enquanto ela sorri.

I found a girl, beautiful and Sweet


Eu encontrei uma garota, linda e doce

Eu a beijo enquanto rodamos no salão. Seu vestido


esvoaçante deixa um rastro de delicadeza por onde passa. Ela sorri
enquanto se agarra ao meu pescoço. Aos poucos, os convidados se
juntam a nós e dançam com seus pares.

I never knew you were the someone waiting for me


Eu nunca imaginei que você estava esperando por mim.

Eu a beijo com paixão enquanto todos nos aplaudem. Sinto o


amor inundar meu corpo, transbordar. Sou completamente
apaixonado por essa mulher.
Estou morrendo de calor após a nossa dança. Vou até o
camarim do salão e troco de roupa, colocando um vestido mais
simples que separei especialmente para a festa. Ele é justo, no
estilo sereia, e possui um decote mais ousado. Volto para o salão e
imediatamente observo os olhos de Guilhermo recaírem sobre mim.
— Você podia ter me avisado, senhorita Luna — fala por
entredentes ao meu ouvido.
— Senhora Salomon, por favor — respondo. — Avisado o
quê?
— Que ia usar um traje tão provocante.
Dou uma risada baixa.
— Você gostou? — Eu exponho minha perna pela fenda
imensa do vestido verde-água. Guilhermo devora meu corpo com os
olhos. Por debaixo da mesa, eu passo a mão eu seu corpo e sinto
sua ereção.
— O que está acontecendo aí? — pergunto com olhar
sugestivo.
— Vamos para um local reservado que eu lhe mostro. — Ele
puxa minha mão para o corredor. Guilhermo me enrosca em seus
braços e me senta em seu colo. Sinto seu pau pressionando contra
minha bunda. Ele está muito duro. Sua mão sobe delicadamente
pela minha coxa e encontra o meio das minhas pernas.
— Você estava tão linda de noiva, mas agora foi golpe baixo,
esse vestido foi golpe baixo — diz, me devorando em um beijo
voraz. Sinto seu dedo afastar o elástico de minha calcinha de renda
e tocar meus lábios. Eu gemo, mas seguro sua mão.
— Alguém pode nos encontrar aqui — digo. Guilhermo me
ignora, sedento pelo prazer, ele mergulha o dedo para dentro de
mim. Estou tão molhada que ele não precisa fazer esforço nenhum
para entrar. Escuto um hit de Rihanna começar a tocar no salão de
festas e tento calcular se a música consegue abafar meus gemidos.
Enquanto Guilhermo enfia o dedo em mim, eu rebolo em seu colo,
sentindo a ereção cada vez mais pulsante contra mim.
— Eu quero comer você. Agora — fala em meu ouvido. —
Vamos para a biblioteca.
Nós corremos pelo corredor como dois adolescentes fugindo
da aula de matemática para dar uns pegas na quadra. Guilhermo ri
quando arranco meus sapatos para ganhar mais velocidade
enquanto empurro a cadeira dele pelo carpete. Chegamos na porta
da biblioteca e ele me puxa de novo para seu colo. Dessa vez, me
sento de frente, cada perna indo para um lado do corpo dele e
enlaço seu pescoço enquanto empurramos a porta com urgência,
loucos para transar na mesa de mogno. Quando Guilhermo começa
a abrir o zíper nas costas de meu vestido, escuto um grito.
— O que...? — Guilhermo para de me beijar e fita algo. —
Alguém atrás de mim.
Eu me viro rapidamente e vejo Túlio ajeitando a braguilha da
calça. Evangeline passa as mãos pelo cabelo rapidamente enquanto
pega os óculos com urgência no chão.
Eu me levanto rapidamente e, também, ajeito minha roupa.
— Hã... a gente veio..., Evangeline queria... — Túlio começa a
dizer, pigarreando.
— Conhecer a biblioteca — Evangeline completa. Eu queria
muito conhecer a biblioteca.
— Ah. Claro — digo. Nós também.
— Nós já conhecemos a biblioteca — Guilhermo diz, olhando
para mim.
— Sim — digo. — Nós queríamos buscar um livro para...
Gustavo. Ele pediu um livro.
OS quatro ficam em silêncio. De repente, explodimos em uma
gargalhada uníssona.
— Por favor, não contem para ninguém. — Evangeline
demonstra preocupação.
Concordamos que esse será nosso segredinho, mas, depois
que a gafe das pegações acaba, voltamos para a festa sem deixar
nenhum sinal suspeito sobre o que acabamos de vivenciar.

A festa segue agradável, e todos celebram o nosso amor. É


realmente uma grande felicidade poder compartilhar momentos tão
importantes e mágicos com pessoas que amo tanto. E cada vez que
olho para Luna e a vejo deslizar pelo salão, seja sozinha, seja
acompanhada por suas amigas, eu entendo por que a amo tanto.
Ela é fluida. Luna consegue passear pela vida como quem está de
férias, observando as belezas, resolvendo os problemas e propondo
sempre soluções alegres para tudo.
E é também assim que ela resolve um problema de viagem,
de fato, quando descobrimos que nosso hotel em Fernando de
Noronha não foi reservado como confirmado por e-mail.
— A suíte presidencial acabou de desocupar. Então, vamos
colocar vocês lá como meio de pedir desculpas pela ocupação
indevida da suíte master que tinham reservado previamente — diz o
atendente do grande hotel com um sorriso no rosto. Qualquer outra
pessoa teria, com certeza, causado um estresse, e talvez nem
conseguisse transformar o problema em uma solução ainda melhor
do que a inicial. Mas Luna exerce essa magia nas pessoas. Querer
satisfazê-la é algo normal, automático.
O quarto que recebemos é imenso, um apartamento completo.
A vista dá direto para um ar do arquipélago, um dos mais bonitos do
mundo. Eu desfruto da visão enquanto Luna começa a desfazer as
malas e organizar algumas de nossas coisas no quarto onde
passaremos os próximos 5 dias.
— Quer dar um pulinho na praia para entrar no clima local? —
ela sugere. Eu a observo. Luna usa um vestido de fundo laranja com
flores grandes em rosa e verde. As cores fortes do verão contrastam
perfeitamente bem com o fundo negro de sua pele. Ela parece uma
tela finalizada, a maior obra de um artista, aquela que ganha
galerias e ocupa as paredes mais importantes do mundo. E ela está
aqui, no meu quarto, comigo.
— Eu quero ficar aqui com você — respondo. É claro que
estou ansioso para desfrutar do ambiente, Fernando de Noronha é
um dos lugares mais lindos que já vi. Mas nada supera a vontade
que estou de ter Luna em meus braços, só para mim, por alguns
instantes.
Ela sorri em concordância.
— Eu estava pensando exatamente nisso — fala. — Vou pedir
alguma coisa para o jantar enquanto preparo a banheira para o
nosso banho.
E assim ela faz. Luna liga na recepção e pede a lagosta do
chef, coberta por um molho de limão-siciliano, acompanhada por um
purê de azeitonas pretas com azeite de dendê. Enquanto o jantar é
preparado, ela enche a banheira com água e coloca a espuma de
banho.
Eu entro primeiro. Luna me supervisiona, mas consigo fazer o
movimento sozinho, tomando muito cuidado com cada movimento.
A janta chega.
— Vou atender a porta e já venho.
Quando volta, Luna veste apenas um penhoar vermelho de
cetim. Ela carrega uma taça elegante com champanhe em cada
uma das mãos.
— Um brinde a nós? — diz, oferecendo a taça para mim. Eu a
pego e brindo com Luna, que ainda está em pé do lado de fora da
banheira. Ela beberica a taça e depois a apoia sobre a banqueta ao
lado. Então desamarra a fita de cetim ao redor da peça e se despe
por completo. Eu fico hipnotizado. O banheiro tem velas aromáticas
que iluminam e perfumam o ambiente. Luna está completamente
nua em frente a mim, e eu pisco algumas vezes para ter certeza de
que ela não é uma miragem.
Ela entra na banheira com cuidado, e eu me afasto para o
lado para lhe dar passagem. Então ela se abaixa, deixando o corpo
mergulhar na espuma, e tateia em busca do meu corpo até
encontrar a minha ereção. Luna me toca, e eu sinto o tesão tomar
conta do meu corpo. Ela movimenta a mão para cima e para baixo,
com os olhos cravados nos meus, apenas observando a reação do
meu corpo ao meu toque. Eu tento segurar o som que se forma na
minha garganta, mas solto um gemido de prazer quando ela acelera
o movimento.
— Quero você dentro de mim — Luna diz imperativa. Eu
apenas me jeito na banheira, e ela monta sobre minha pélvis. Eu
deslizo imediatamente para dentro dela, sentindo toda a sua
umidade me acolher. Solto o ar pela boca enquanto ela cavalga em
mim, com seus seios balançando e roçando no meu queixo. A água
vai formando ondas ao nosso redor enquanto a espuma aumenta
por conta do movimento. Luna rebola em mim, roçando seu clitóris
em meu corpo. Eu sinto como sua vulva está inchada, imensa,
quase explodindo de prazer. Ela crava as unhas no meu peito e
deixa sua marca. Eu beijo sua boca com tesão e uso as mãos para
abrir sua bunda, facilitando ainda mais minha passagem. Ela geme
quando faço isso.
— Você é deliciosa, sabia?
Luna sorri.
— Quer ir para o quarto? — pergunto.
— Vamos.
Ela se desencaixa, e eu sinto um vazio imenso tomar conta de
mim. Não estar dentro dela é como estar descoberto,
completamente nu em uma tempestade de neve. Luna me ajuda a
sair da banheira, e eu me sento na cadeira de banho, onde nos
secamos. Eu acaricio seu sexo, usando o dedo para estimular o seu
ponto mais sensível enquanto a seco.
— Vamos para a cama?
— Não. Para a varanda — responde.
O jantar está servido, ainda intacto, sobre a mesa da varanda.
De frente para nós, só a imensidão do mar, o horizonte de uma lua
refletida na água. Estamos completamente nus na varanda do nosso
hotel. Luna se aproxima de mim e se ajoelha em frente à minha
cadeira.
— Estou com saudade do seu gosto — diz, e de repente sinto
sua boca quente me acolher. A cabeça do meu pau pulsa com seu
hálito quente. Luna brinca com a língua, massageando cada ponto
sensível de meu corpo. Eu seguro o gemido. As ondas quebram e
preenchem o ar com o som perfeito. Ela se levanta ainda
estimulando meu pênis com a mão e se senta novamente em mim.
— Eu amo rebolar em você — Luna sibila com a voz falha. —
Amo sentir o seu gosto na minha boca.
Ela está escorrendo de tesão. Eu entro e saio com estocadas
fortes, pressionando a bunda de Luna contra meu colo, tentando
ocupar cada milímetro dentro dela, sentindo cada uma das milhões
terminações nervosas. Ela se esfrega em mim, cavalga e rebola.
Então para, se levanta e se senta de costas. Eu vejo seu corpo
perfeito e observo sua pele sob a luz do luar. Aperto a cintura fina de
Luna, estimulando para que se mexa ainda mais rápido. Nesse
ponto de vista, consigo enxergar quando meu corpo entra no dela e
nos encaixamos perfeitamente numa dança sensual e exclusiva. Eu
beijo suas costas, usando a língua para desenhar círculos em sua
escápula. E continuamos nesse movimento até que eu sinto o
prazer tomar conta de mim e o tesão seguindo seu fluxo natural e
jorrando em forma líquida diretamente para dentro dela no exato
momento em que Luna solta um grito de prazer e se entrega junto a
mim. Gozamos juntos.
Quando recebemos o resultado da gravidez, eu não pude
acreditar. Nem no meu sonho mais distante eu acreditei que poderia
ser pai depois do acidente. É por isso que meus olhos ficam
marejados quando a médica nos entrega o resultado. Eu olho, ainda
abismado, para a mensagem escrita. Os níveis de hormônio já
ultrapassam os 5 mil.
— Parabéns, mamãe e papai! — diz a Doutora Joana.
Luna me encara com um sorriso choroso e me beija enquanto
acaricia a própria barriga com cuidado. Ainda não podemos ver
volume nenhum, mas o sentimento já é imenso, gigantesco.
— E qual é o próximo passo, agora? — pergunto.
— Vamos começar o acompanhamento com um pré-natal. Vou
pedir alguns exames também para saber como está sua saúde,
medir alguns níveis de vitaminas e potássio. E indicar um
nutricionista para que sua alimentação comece a ser controlada,
evitando excessos e garantindo maior saúde para você e para o
bebê.
Eu absorvo todas as informações. Quando estamos saindo,
peço para Luna que vá na frente, invento que esqueci o meu molho
de chave sobre a mesa da médica e retorno para o consultório. Bato
duas vezes na porta.
— Pode entrar — responde a médica. — Guilhermo! Ficou
com alguma dúvida sobre tudo o que falamos?
Eu fiquei com muitas dúvidas. São tantas que nem sei por
onde começar. Eu, na verdade, nem sei o que vim fazer de volta ao
consultório. Apenas encaro a doutora, mas ela percebe a tensão em
meus olhos.
— Aproxime-se, Guilhermo. Vamos conversar — Joana me
diz.
— Luna está me esperando no carro — respondo, de repente
me dando conta de que não tenho nada a dizer.
— Eu sei que você está cheio de medos — a médica diz com
a voz doce. — Mas eu posso lhe garantir que a paternidade é
absolutamente possível para pessoas com deficiência.
— Eu não...— Minha voz falha.
— Você vai conseguir. Ainda está fazendo terapia?
— Não. — A verdade é que eu decidi parar a terapia com o
Doutor Maurício quando voltamos da lua de mel. Eu me sinto bem, é
quase como se não sentisse mais o peso da deficiência sobre mim.
Eu simplesmente assimilei que essa é minha condição e entendi
que posso dar conta do recado. Mas agora... agora tudo mudou.
Não sou apenas eu. Agora temos um filho. Uma criança que
depende completamente de mim está sendo gerada no ventre de
Luna, e eu não sei se consigo dar conta desse recado como tenho
dado de todo o resto.
— O que posso lhe assegurar é que todos os pais passam por
isso, por esse medo e esse turbilhão de emoções que você está
enfrentando agora. A dúvida sobre ser ou não suficiente, os receios
pela violência do mundo... isso é normal para qualquer pai que
recebe a notícia da gestação. De qualquer forma, Doutor Maurício
fez um trabalho exemplar durante sua recuperação. Acho que
deveria voltar a vê-lo para compartilhar um pouco dessas questões.
Eu saio do consultório um pouco mais aliviado e decidido a
retomar as sessões com Doutor Maurício assim que possível.

De fato, conversar com um terapeuta faz toda a diferença.


Doutor Maurício me ajuda a elaborar melhor os meus medos e
entender como posso conduzir a paternidade considerando minhas
limitações físicas. Novas dúvidas surgem, enquanto as antigas vão
sendo solucionadas com o passar dos meses.
— Você está preparado? — Luna pergunta, segurando minha
mão com força.
— Acho que sim — digo, me sentindo tão nervoso quanto.
Sua barriga está apontando, já podemos ver a protuberância que
indica que há um bebê ali. Luna está entrando no quarto mês, e hoje
vamos fazer um exame superespecial para identificação do sexo da
criança.
Absolutamente todos os Salomon estão na recepção da
clínica quando chegamos. Eles nos recepcionam com beijos e
abraços enquanto fazem suas apostas com relação ao sexo.
— Eu tenho certeza de que será um menino — diz Túlio com
um sorriso largo.
— Imagina, esse tipo de barriga, claramente é de menina. —
Liliana aponta para o corpo de Luna.
— Eu prefiro me abster. Definitivamente não sou bom com
palpites — completa Homero. — Mas sou team menina.
O grupo se organiza na recepção sem fazer muito barulho,
enquanto eu e Luna vamos para o consultório. O momento é de
suspense, mas grande expectativa. Eu e Luna já debatemos nomes,
tentamos prever o futuro com uma linda garotinha, ou com um
menino travesso. E todos os cenários são lindos e mágicos.
A médica prepara a paciente passando um gel para deslizar
melhor o aparelho. Em seguida, começa a fazer a leitura da
imagem, passando o sensor para lá e para cá na barriga de minha
amada. Ela olha para nós e sorri animada.
— Vocês estão gerando uma linda menina — diz a médica
com muita empolgação. Luna me olha com cara de espanto e de
repente abre um sorriso imenso enquanto lágrimas brotam de seus
olhos.
— Uma menina! Vamos ter uma menina! — Ela me abraça e
me beija com amor.
Na recepção, todos esperam com olhar ansioso. Fazemos
suspense a princípio, mas não conseguimos guardar a informação
por muito tempo.
— Eu sabia! Eu sabia! — Escuto Homero dizer.

Os preparativos para receber nosso primeiro filho se tornam


intensos e nos movem durante os próximos dias. De repente, temos
uma perspectiva maior do que está por vir: é uma menina. Eu
encontro Guilhermo sentado na sala de estar de nossa casa. Me
aproximo em passos leves, sem que ele perceba minha presença.
Olho para baixo e vejo que ele adormeceu. Percebo que sobre seu
colo está um álbum da família Salomon de fotografias.
— Deixe-me guardar isso — digo, pegando o álbum de suas
mãos. Guilhermo desperta e o segura.
— Sente-se aqui comigo. Vamos ver juntos. Eu encontrei esse
álbum quando estava organizando as caixas no quarto do bebê.
Eu me sento ao seu lado. Guilhermo abre o álbum, e começo
a ver várias pessoas que, a princípio, me parecem desconhecidas.
Aos poucos, porém, eu começo a identificar os sorrisos e perceber
algumas expressões que me parecem familiares.
— É o Patrício? — pergunto apontando para um menino alto e
corpulento de mais ou menos 12 anos. Ele está segurando um
passaporte e tem o olhar amedrontado para a câmera.
— Sim. Ele mesmo. Patrício sempre odiou avião. Estávamos
indo para a Itália, e ele estava em pânico. — Guilhermo ri ao
relembrar a história. — E aqui Gustavo tinha acabado de derrubar
Túlio no rio da fazenda. Olha quem está aqui.
Ele aponta para o fundo da fotografia. Uma mulher, de mais ou
menos 30 anos, está com as mãos na cintura e com olhar sério,
fitando os garotos.
— Gladys! — digo. No mesmo momento em que falo seu
nome, eu acaricio minha barriga com a mão. É impossível pensar
em um novo Salomon chegando e não lembrar de como Gladys
cuidou de todos com tanto amor.
— Eu queria que ela estivesse aqui para ver nossa filha —
Guilhermo diz.
— Eu também. Mas acho que ela está conosco o tempo
inteiro. Gladys vive em cada ensinamento, em cada momento de
reunião familiar...
— Nas receitas deliciosas que ela nos ensinou...
— Com certeza ela vive em cada receita — concordo,
animada. — Lembra daquele peixe com batatas que ela fazia ao
forno?
— Minha boca enche de água só de lembrar.
— Ainda é difícil acreditar que ela não está mais aqui.
— Mas tenho certeza de que, de onde estiver, Gladys está
feliz com a chegada de nossa filha — Guilhermo completa. Ele
muda a página e seguimos tarde adentro olhando as imagens e
rememorando momentos. Eu descubro que sua paixão pela
culinária já existe desde a infância, quando encontramos uma foto
de Guilhermo coberto de farinha de trigo enquanto sova uma massa
de pão com Homero colado aos seus pés.
A tarde cai e nem percebo. Logo nos deitamos, pois, no dia
seguinte, chegam os móveis para o quarto do bebê. Montar o
enxoval, decorar a casa... tudo vai ganhando forma conforme os
meses passam. O momento mais emocionante, porém, é, sem
dúvida, os preparativos no quartinho de Maria Fernanda.
No dia seguinte, logo pela manhã, eu estou em uma escada
de 3 degraus, usando um rolinho para pintar a parte de cima da
parede. Escolhemos um lilás pastel e detalhes em rosa. O chão está
completamente coberto por folhas de jornal e papelão para evitar
respingos.
— Eu disse que deveríamos ter contratado um pintor. —
Guilhermo está logo abaixo, segurando minha panturrilha com as
mãos. — Isso é muito arriscado para você. — Sua voz mistura
preocupação e até um tom de bronca.
— Guilhermo, não seja bobo. — Eu rio com sua preocupação.
— São apenas dois degraus pequenos, eu não vou cair daqui. Além
disso, já terminei. — Desço os degraus com cuidado sob sua
intensa vigília. Guilhermo me oferece a mão para ajudar. — Viu só?
Não aconteceu nada — digo, acariciando minha barriga. Ela já está
bem grande, pois já avancei no sétimo mês.
— Eu não consigo nem imaginar o que seria de mim se
alguma coisa acontecesse com você... com vocês — diz Guilhermo,
beijando minha barriga por cima do macacão jeans amplo que eu
estou usando. Eu me sento em seu colo.
— Dá para acreditar que estamos fazendo isso? Dá para
acreditar que estamos montando o quartinho da nossa filha?
Ele mergulha a cabeça em meu ombro, se embrenhando entre
alguns fios de cabelos soltos na lateral de meu cabelo.
— Para mim, parece um sonho — responde com seriedade.
— Mas nunca pareceu impossível. — Guilhermo me olha com
paixão.
Cerca de 2 semanas depois, o quarto está completamente
pronto. Escolhemos a decoração de fundo do mar, já que a família
Salomon ama velejar. Por isso, podemos ver pelúcias de peixes,
quadros de sereias e miniaturas de crustáceos espalhados pelas
prateleiras. No canto, ao lado da janela, está o berço. Ele é do
modelo clássico, branco, e logo acima está um móbile onde arraias
e águas-vivas sobem e descem embaladas por uma canção de
ninar.
— Tudo pronto — digo com ar de satisfação. — Você já pode
chegar, filha.

MESES DEPOIS

Minha vida mudou para sempre naquela noite. O acidente de


carro me deixou preso a essa cadeira, e a notícia foi um choque que
reverberou em mim como um trovão. Tive que reaprender a viver e a
enfrentar um novo mundo de limitações físicas. No entanto, isso não
seria possível sem as pessoas que eu amo.
Eu achei que tivesse enfrentado o meu maior desafio até
então, mas a maior surpresa veio um pouco mais tarde, quando
Luna compartilhou a notícia de que estávamos esperando um filho.
Naquele momento, senti um turbilhão de emoções. Alegria,
medo, esperança e dúvida se misturaram em meu coração. Eu mal
conseguia cuidar de mim mesmo, como poderia ser um bom pai?
Luna, sempre tão forte e apoiadora, segurou a minha mão e disse
que enfrentaríamos esse desafio juntos, como uma equipe.
— Estamos juntos nisso, se lembra? — disse quando vimos o
exame de farmácia juntos.
Com o passar dos meses, a barriga de Luna cresceu, e nosso
bebê se tornou uma parte palpável de nossas vidas. Era incrível
sentir as pequenas batidas do coração do nosso filho quando
colocávamos as mãos em sua barriga. No entanto, a ansiedade de
ser pai continuava a me assombrar. Como eu, com minhas
limitações, poderia ser um bom pai?
O meu maior medo era justamente não conseguir participar
ativamente e encontrar dificuldades tão grandes que limitassem
minha relação com essa criaturinha que eu já amo mais do que a
mim mesmo.
O dia do parto finalmente chegou e, com ele, um nervosismo
imenso.
— Você tem certeza de que quer ficar comigo na sala? —
Luna pergunta, segurando minha mão. Eu a beijo com carinho. Até
mesmo hoje, o dia em que ela é a grande protagonista da história,
Luna encontra espaço para se preocupar comigo.
— É claro que sim. Eu não perderia o momento mais
importante de nossas vidas por nada.
A equipe médica está reunida para começar o procedimento.
Luna é uma mulher saudável e teve uma gestação muito
tranquila. Por isso, por escolha dela e por sugestão dos próprios
médicos, optamos por um parto natural. Assim, ao primeiro sinal
corremos para o hospital. E, ao chegarmos, a equipe confirmou que
estava na hora do trabalho de parto.
O hospital estava completamente equipado para nos receber.
Além de pensarem em minha esposa, que é a pessoa mais
importante hoje, os médicos também pensaram em mim, separando
uma sala completamente adaptada para que eu entrasse e
permanecesse com minha cadeira de rodas.
Assim que estamos na porta da sala de parto, recebo as
vestimentas adequadas para permanecer no ambiente. Gustavo
chegou juntamente com Patrício e Conrado, enquanto Túlio está
vindo com Evangeline e Arturo. Eles me olham uma última vez antes
de eu entrar na sala de parto e demonstram seu afeto.
— Estamos aqui, aguardando nossa pequena Salomon — diz
Conrado.
Eu entro na sala. Estava esperando algo bem parecido com
salas hospitalares normais, daquelas que são frias, com uma luz
muito clara e um ar-condicionado mais baixo do que a ética médica
deveria permitir, mas, para minha surpresa, o lugar é extremamente
aconchegante. Há uma maca no meio com aparelhagem para medir
os sinais vitais de Luna e do bebê. Ao lado, uma piscina grande de
madeira, quase como uma jacuzzi mais rasa, está sendo preenchida
com água na temperatura perfeita. A luz é amarela e aconchegante,
e o ambiente é tomado por uma música suave.
Luna está sentada em uma bola grande no centro da sala
enquanto uma doula massageia suas costas. Ela sorri assim que eu
entro.
— Chegou a hora — Luna diz quando me avista.
Eu me aproximo e a beijo na boca.
— Sim. Chegou.
— Você quer massageá-la? — a doula me pergunta, o seu
nome é Daniela.
— Eu não sei se sei fazer massagem para parto — digo em
tom de brincadeira.
— Não tem segredo — responde a moça. — A intenção é
apenas amenizar as dores e tornar o processo mais confortável para
a mãe.
Eu vou com minha cadeira até as costas de Luna, e a mulher
me ensina alguns movimentos que devem ser feitos na região
lombar. Depois, Luna é transferida para a banheira de água quente,
onde eu continuo massageando suas costas. Em dado momento, a
enfermeira diz que posso tirar a roupa que usei para transitar pelo
hospital e entrar na banheira com ela. Fico apenas com minha
samba-canção e, com a ajuda de duas enfermeiras, entro na água.
Acolho Luna entre minhas pernas e continuo segurando suas mãos
conforme ela começa a suar, gemer e fazer sons indicando que a
dor está aumentando.
— Você pode fazer isso, meu amor — sussurro em seu
ouvido. — Basta se concentrar no seu corpo e saber que seu
organismo é completamente capaz de fazer isso. Você está gerando
uma vida. A vida de nossa filha!
Mesmo em meio à dor, Luna sorri com meu apoio. Ela
permanece assim, gemendo e reclamando de dor, mas sem perder
as forças.
— Ela está apontando — diz a enfermeira. — Ela está
chegando!
Meu coração dispara. Minha filha está chegando para nosso
convívio, e participar desse momento é algo completamente intenso,
emocionante e marcante. Eu sempre vou me lembrar de que estava
ao lado de Luna no hospital, segurando sua mão enquanto ela trazia
nossa filha ao mundo. Foi um momento mágico, um milagre da vida
que superou todas as minhas preocupações. Quando ouço o
primeiro choro de nossa filha, uma onda de amor e gratidão inundou
meu coração. Eu sou pai, e nada mais importava.
A água foi tomada pelo sangue, mas isso se tornou a cena
mais linda que já pude ver. Luna respira ofegante em meus braços
enquanto segura a bebê pela primeira vez, ainda com o cordão
umbilical unindo os dois corpos.
— Maria Fernanda — diz Luna, beijando a testa do bebê. A
criança se remexe em seus braços e, em seguida, se aconchega
com conforto, identificando imediatamente que, naquele abraço, terá
toda a proteção do mundo. Choramos juntos enquanto a criança
tenta se adaptar à iluminação do ambiente. Ela se contorce e
ameaça um choro, mas relaxa em seguida.
Saímos da banheira, e Luna é amparada pelas enfermeiras
para ir até uma cama confortável onde finalmente poderá tirar o seu
sono merecido.
— Deixe-me entregá-la para o pai — diz a enfermeira com
doçura. — Assim, você descansa um pouco e depois levaremos
Maria Fernanda para o berçário. — Ela pega minha filha nos braços
e depois se vira para mim. — Agora trate de descansar.
— Eu não sei se... — começo a dizer, mas paro no meio. Eu
quero sentir minha filha em meu colo mais do que tudo. Eu a seguro
em meus braços trêmulos, temendo que minhas limitações físicas
me impeçam de cuidar dela adequadamente. No entanto, Luna e eu,
juntos, encontraremos maneiras de superar os desafios.
Minha esposa me observa com atenção, os olhos caindo de
cansaço, mas ela sorri com ternura.
— É a cena mais linda que já vi — diz Luna. — Você,
segurando nossa filha em seus braços. Nós três juntos nesse
momento. — Eu acaricio a pele macia do bebê. Ela está dormindo
profundamente agora, depois de mamar pela primeira vez nos seios
da mãe. Eu me sinto em paz, completo e absolutamente tomado por
um novo e intenso amor.
E assim os dias passam.
A cada troca de fraldas, a cada mamadeira dada, eu me torno
mais confiante em minha capacidade de ser um pai amoroso e
presente. Eu acredito que posso dar a Maria Fernanda todo o amor
que eu recebi.
Luna foi meu pilar, meu apoio constante durante todos esses
meses, e agora eu me sinto preparado para dar todo o apoio a ela
no puerpério. Ela cuida de mim e de nossa filha com uma graça e
força que eu admiro profundamente. Nossos dias são preenchidos
com risos, lágrimas e desafios, mas, juntos, superamos cada
obstáculo que a vida nos lança.
À medida que os meses passam, percebo que ser pai é mais
do que simplesmente carregar meu filho nos braços ou levá-lo para
passeios no parque. É sobre estar lá para ela, apoiá-la em seu
crescimento e desenvolvimento e ensinar-lhe valores e amor. Minha
deficiência não me impede de fazer isso.
— Ela é linda — diz Gustavo, observando enquanto minha
filha dorme no berço.
— É a cara da Luna, é claro, por isso é linda — fala Homero
em tom de brincadeira. Todos riem.
Embora todos tenham nos visitado no hospital, é a primeira
vez que se reúnem em casa desde que Maria Fernanda nasceu.
Tanto meus irmãos e primos quanto suas parceiras têm vindo nos
ver aos poucos. Todos entendem que a rotina de pais de primeira
viagem é muito atribulada, mas dão um jeito de estarem presentes
para nos apoiar sem nos sobrecarregar com as visitas.
— É uma sensação única, não é? — pergunta meu irmão
Patrício quando ficamos a sós. — Perceber que somos capazes de
criar e educar alguém e ajudar um novo ser humano a se
estabelecer no mundo, apesar de todas as dificuldades que
enfrentamos em outro momento.
Eu reflito sobre isso.
Minha jornada como pai deficiente não é isenta de
dificuldades, mas também é repleta de superações e alegrias
indescritíveis. Tornar-me pai me ensinou que a vida pode nos
apresentar desafios imprevistos, mas o amor, a determinação e o
apoio daqueles que amamos podem nos ajudar a superar qualquer
obstáculo.
Eu olho para Luna, que conversa com Liliana sobre a lactação
e observo Maria Fernanda adormecida no colo de meu tio Arturo... e
nosso lar, onde a felicidade reina, sabendo que minha deficiência
nunca foi um impedimento para ser o melhor pai que poderia ser. A
cada dia, juntos, redefinimos o que significa ser uma família e, com
amor, continuamos a enfrentar os desafios da vida com esperança e
força inabaláveis.
— Chegou o grande dia — diz Guilhermo, me abraçando com
força. — Você é incrível, meu amor. — Ele me beija com paixão e,
em seguida, ajeita meu cabelo, colocando no lugar alguns fios que
se desprenderam.
Eu espio pela coxia do salão de eventos da torre Salomon,
devem ter cerca de 150 pessoas sentadas li, aguardando minha
chegada. O dia em que finalmente vou anunciar a parceria de minha
própria empresa com a empresa de meu marido.
A recuperação de Guilhermo foi lenta e dolorosa, mas nunca
perdemos a esperança. Nosso amor se fortaleceu a cada dia, e
juntos aprendemos a lidar com a nova realidade.
Foi durante esse período que tive uma ideia que mudaria
nossas vidas para sempre. Inspirada pela força de Guilhermo e por
minha paixão por fazer a diferença, decidi criar um negócio que se
dedicasse à inclusão de pessoas com deficiência. Nascia ali a nossa
jornada empreendedora.
Abrimos a nossa primeira loja, chamada "Acessibilidade para
Todos". Começamos a vender produtos e serviços que facilitavam a
vida das pessoas com deficiência, desde equipamentos de
mobilidade até adaptações em casas e ambientes públicos.
Guilhermo, com sua experiência pessoal, se tornou um grande
defensor e consultor do nosso negócio.
No início, enfrentamos muitos desafios, principalmente o
ceticismo de algumas pessoas e a desconfiança de que investir no
bem-estar de outras pessoas não é um bom negócio. No entanto, o
nosso amor e determinação eram inabaláveis. Juntos, superamos
cada obstáculo que surgiu em nosso caminho.
Com o tempo, o nosso negócio cresceu, e a "Acessibilidade
para Todos" se tornou uma referência no ramo da inclusão. Não
apenas oferecíamos produtos de alta qualidade, mas também
promovíamos a conscientização sobre a importância da
acessibilidade em nossa sociedade.
Guilhermo se tornou um exemplo de superação para muitos, e
sua história inspirou inúmeras pessoas a não desistirem de seus
sonhos, independentemente dos desafios que enfrentassem. Nós
dois éramos pais orgulhosos de uma linda menina que nos mostrava
diariamente a importância do amor e compreensão.
Nossa jornada não foi fácil, mas foi repleta de amor e
aprendizado. Aprendemos que o amor verdadeiro pode superar
qualquer obstáculo e que, juntos, podemos fazer a diferença no
mundo. E hoje eu dou mais um passo nessa jornada.
Entro no palco sob muitos aplausos e tapo os olhos com a
mão para me proteger da luz forte, parando em frente ao microfone.
— Apesar de ter apenas 9 meses de existência, a
“Acessibilidade para Todos” está crescendo e cada vez mais se
torna referência no mercado — começo a dizer. Todos ficam em
silêncio para me ouvir. — Durante certo tempo, eu relutei sobre essa
parceria, afinal, não queria interferir nos negócios de meu marido e
sua família. Porém..., por insistência dele... — olho para Guilhermo,
que está em sua cadeira na lateral do palco, e ele me manda um
beijinho no ar —, eu entendi que juntos somos mais fortes. E é por
isso que hoje oficializamos a integração de nossos negócios e
reforçamos nosso comprometimento com a inclusão e o respeito a
todas as pessoas com deficiência.
A plateia explode em aplausos, assovios e vibração positiva.
— Nossa história é um lembrete de que, mesmo nas situações
mais difíceis, o amor e a determinação podem nos levar a
conquistar grandes feitos. E, assim, nossa jornada como
empreendedores de sucesso no ramo da inclusão continua, agora
alimentada pelo amor que compartilhamos e pelo desejo de tornar o
mundo um lugar melhor para todos. Obrigada. — Mais uma onda de
aplausos. Eu me retiro do palco e sou recebida por todos os
Salomon que me aguardam ali no escuro da coxia.
— Parabéns, Luna! — diz Evangeline, me abraçando para me
dar um beijo.
— Você foi incrível — elogia Arturo, também me
cumprimentando.
— Estamos muito, muito felizes com essa parceria. Para nós,
é uma honra ter alguém como você no quadro societário. — Quem
fala é Gustavo.
Guilhermo aguarda até que todos parem de me abraçar. Ele
se aproxima com sua cadeira de rodas e pega minha mão com
carinho. Ele beija meus dedos, depois se demora beijando nossa
aliança. Percebo que seus olhos brilham com umidade.
— Você é absolutamente tudo o que eu sempre sonhei — diz
ele.
Voltamos para casa completamente tomados pela emoção.
Luna lutou muito para chegar até aqui, para ser reconhecida como
empreendedora e, acima de tudo, para ter uma empresa que tem
propósitos relevantes para o mundo.
— Sou o homem mais feliz e mais orgulhoso do mundo —
digo enquanto a beijo na boca. Ela retribui, acariciando minha nuca
e me puxando mais para perto de si. O que Luna causa em meu
corpo é imediato.
Já estamos juntos há tanto tempo e, ainda assim, eu continuo
louco de tesão por ela. Isso nunca mudou, e às vezes me sinto
como um adolescente que acabou de entrar na puberdade.
— Vamos aproveitar que Mafê dormiu? — sugere com olhar
provocante.
— Eu não tenho como dizer não a um pedido desses —
respondo com o mesmo tom de provocação. Eu beijo seu pescoço e
passo a ponta da língua de leve em sua pele. O gosto de Luna é o
melhor que já senti, tão familiar e acolhedor. Tão doce. Percebo que
sua pele se arrepia e sorrio baixo com os lábios ainda encostados
em seu corpo.
— Você gosta de me provocar, não é mesmo? — diz com a
voz rouca. Luna se levanta de meu colo e para em frente a mim. Ela
começa a se despir aos poucos, sabendo exatamente o efeito que
isso causa em mim. Eu acaricio meu pau por cima da calça jeans,
sentindo a ereção se formar aos poucos. Luna sorri. Ela adora me
provocar.
Ela abre os botões de sua camisa social e expõe um sutiã
vermelho de algodão. Desde o nascimento de Maria Fernanda, as
lingeries mudaram de renda para tecidos mais confortáveis e menos
elaborados. E ela é exuberante em qualquer um deles. É a mulher
mais gostosa que já vi na vida.
Luna ri um pouco quando percebe uma bolinha de leite que
vazou de um dos seus seios. Isso definitivamente só deixa o clima
mais sexy entre nós. Eu me lembro que esse corpo lindo e perfeito é
o mesmo que gerou minha filha, que a trouxe ao mundo, e isso me
faz enxergar Luna com ainda mais admiração e com mais paixão.
As mulheres são verdadeiras deusas, e eu sou grato por ter uma
delas aqui, bem em frente a mim, se exibindo num showzinho
particular.
— Quer ajuda para desabotoar? — pergunto. Luna faz que
não com a cabeça. Ela mesma abre o fecho do sutiã e se livra da
peça, expondo seus seios maravilhosos, inchados pela lactação,
com os mamilos grandes e protuberantes. Eu sinto uma vontade
imediata de apalpar e de sentir sua pele em contato com a minha.
Eu acaricio mais uma vez minha ereção, está cada vez mais difícil
assistir a isso sem tomar uma atitude.
Luna agora retira a calça social que está usando. Sua calcinha
é preta e minúscula. Ela leva uma das mãos até a boca e a outra
entra em sua calcinha. Ela começa a se tocar bem na minha frente.
Eu estou arrepiado de tesão, completamente tomado pelo desejo de
tocá-la.
— Eu quero muito te comer, Luna. Você tem noção disso?
Ela ri. Luna adora ver o meu descontrole e ver o que causa
em mim e como me deixa completamente louco.
— Ainda não — diz ela com a voz séria. Então retira os dedos
que estavam acariciando sua vulva e os leva até minha boca. Eu
chupo seus dedos sentindo seu mel escorrer. Eu sei que ela está
molhada assim por mim e para mim. Sei que está completamente
pronta para ser penetrada e devorada. Eu seguro seu pulso e a
puxo para junto de mim. Ela dá um gritinho de surpresa, mas não
resiste. Eu abro minha braguilha com urgência e exponho minha
ereção. Meu pau está pulsando, implorando para entrar nela.
— Senta-se aqui — mando. Sim, nessa hora, eu mando. Eu
adoro dar ordens que sei que Luna vai cumprir com todo o prazer do
mundo. Ela afasta a calcinha minúscula para o lado e desliza em
mim. Está tão molhada que posso escutar o som de sua umidade
conforme eu a preencho. Luna geme no meu ouvido, e seus seios
estão tão grandes por conta da lactação. Eu os toco com cuidado,
porque sei que estão doloridos. Mas a vontade que tenho é de
abocanhar cada um, chupar seus mamilos deliciosos e senti-los
endurecer na minha língua.
Luna cavalga em mim. Ela pula e os peitos balançam na
minha cara. Seu corpo se contrai, me apertando conforme ela sente
mais prazer. Ela se levanta e se senta de costas para mim. Nós nos
acostumamos com essa dinâmica, porque posso segurar sua cintura
e apertar sua bunda enquanto ela controla a velocidade. Eu levo
uma das mãos até o meio de sua perna e toco seu clitóris enquanto
a penetro. Nossos corpos estão bem colados, o suor dela começa a
molhar minha camisa, então abro os botões e arranco rapidamente.
Luna rebola em mim e se esfrega, e sei que quando ela
começa a fazer esses movimentos é porque está perto de gozar. E
ela goza. Ela se contrai, me aperta e tenta me expulsar de dentro de
si no momento do ápice, mas decide continuar rebolando. Eu sinto o
seu corpo ainda mais molhado, escorrendo de prazer, e percebo
que não vou segurar por muito tempo.
— Eu vou gozar... — digo para ela. Luna intensifica as
sentadas, alternando entre estocadas fortes que a fazem gemer e
reboladas que me deixam ainda mais sensível. E, nesse ritmo, ela
me leva ao clímax, fazendo com que eu jorre de prazer enquanto
tento segurar um grito gutural na garganta.
Adormecemos e a tarde cai. Eu acordo com um choro
estridente, e Luna se levanta rapidamente para olhar a babá
eletrônica.
— Ela acordou. — Luna boceja. Eu vejo seu corpo na contra
luz amarela do pôr do sol da janela. Seu corpo mudou muito após a
gestação, mas ela continua lindíssima, talvez até mais. Cada marca,
cada sinal... tudo isso conta a história de uma grande mulher, uma
mulher que me faz ser o homem mais feliz do mundo.
— Deixa que eu vou — digo, já me transferindo para a cadeira
de rodas que está ao lado da cama.
— Tem certeza? — Luna boceja mais uma vez.
Eu vou até o quarto ao lado e encontro Mafê no berço,
encantada com o móbile logo acima. Ela não está mais chorando,
muito pelo contrário. Ao me ver, esboça um sorriso banguelo. Eu
me aproximo do berço, mas não a pego no colo. Apoio meus braços
na borda e a observo por alguns instantes. Para mim, é inacreditável
que tudo isso esteja acontecendo e eu ainda acho que vou acordar
de um sonho que começou como um pesadelo.
Estou sentado em minha cadeira de rodas observando Maria
Fernanda brincar com Fox, nosso cachorro, enquanto Luna
descansa deitada na grama, aproveitando o sol da tarde.
Assim que ela completou 2 anos, começou a pedir um
“taxorro”, como ela diz, e Luna e eu saímos em busca do animal
perfeito. Não precisaram muitas visitas aos abrigos de adoção até
que nos deparamos com esse vira-latinha simpático do tipo
estopinha que agora está correndo atrás de minha filha de 4 anos.
A brisa suave balança as árvores, e eu me pego refletindo
sobre como a vida mudou desde o acidente.
A recuperação foi difícil, e o caminho para a aceitação da
paraplegia ainda mais desafiador, mas eu aprendi a valorizar cada
momento da vida, a sorrir para as pequenas alegrias e a abraçar a
minha família que me cerca de amor incondicional.
Luna, com seu espírito empreendedor e determinação
inabalável, nunca desistiu de mim. Nunca desistiu de nós.
Ela esteve presente em todos os momentos, me ajudou a
equipar a casa, a me adaptar ao novo.... Ela é minha rocha, minha
âncora. E agora... agora temos nossa filha.
Eu nunca poderia ter passado por essa jornada sem o amor
inabalável de Luna. Ela se tornou a força que me sustentou nos
momentos mais sombrios, e o brilho de sua determinação iluminou o
caminho da aceitação e da superação. Luna não apenas adaptou
nossa casa para torná-la mais acessível, mas também adaptou sua
vida para incluir todas as nuances e complexidades que a minha
paraplegia trouxe. Ela não desistiu de seus sonhos, mas os adaptou
para que se tornassem os nossos sonhos, nossas conquistas.
Maria Fernanda é uma menina incrivelmente sábia para a sua
idade e trouxe uma luz inigualável para nossas vidas. O que mais
me emociona é que ela me enxerga muito além das limitações. Ela
nunca me enxergou como alguém com deficiência, apenas como
alguém que a ama profundamente e a ensina a aproveitar a vida ao
máximo. Sua risada funciona como um remédio perfeito para
qualquer dia difícil.
É nesse momento, olhando Luna e nossa filha em um dia
ensolarado, que percebo que conquistei muito mais do que perdi. Eu
não ando mais, e não há previsão para uma recuperação total, mas
eu tenho a habilidade mais importante de um ser humano: a
capacidade de amar, de inspirar e de viver a vida com gratidão.
— Você não vem, papai? — Maria Fernanda passa correndo
por mim, segurando sua boia. Ela está usando um maiô colorido e
pronta para saltar na nossa piscina. Homero chega correndo até ela.
— Se o pai não vai, o tio vai. — Ele a pega pelas costas e a
levanta no alto. Maria dá gritinhos de excitação com o tio. Ele corre
para a piscina e pula na água com minha filha nos braços. Fox, que
está na borda da piscina, leva um banho e começa a latir em
protesto.
— Deixei o frango com batatas na mesa da cozinha — diz
Homero enquanto emerge da água da piscina.
Há cerca de duas semanas, durante uma conversa
descontraída, Luna e eu lembramos que o aniversário de Gladys
estava se aproximando.
— Ela faria 72 anos em breve — me disse Luna com os olhos
marejados. — Ainda não consigo acreditar que Gladys não está
mais conosco. — O que você acha de fazermos uma reunião
familiar para celebrar sua memória?
Quando ela deu a ideia, eu imediatamente achei esquisito e
até inapropriado. Uma festa? Para uma pessoa que faleceu?
Mas Luna consegue enxergar a vida de forma muito mais
ampla e generosa do que eu – ou do que qualquer pessoa que eu
conheça. Não demorou muito para ela me convencer de que essa é
a melhor forma de celebrar tudo o que vivemos com Gladys, seus
ensinamentos e amor com nossa família.
— Pense, Guilhermo... — disse Luna na ocasião —, Gladys
esbanjava amor e felicidade. Ela, com certeza, ficaria muito feliz em
saber que todos nós nos reunimos para rememorar suas histórias,
reproduzir suas receitas e, acima de tudo, manter sua memória viva
entre nós.
Gladys sempre foi como uma mãe para nós, completamente
dedicada aos cuidados com as crianças Salomon, nos ensinando
sobre amor e convivência. Em pouco tempo, ela deixou de ser uma
funcionária e se tornou parte da família, incluída no testamento de
meu pai, Roger Salomon, que, apesar de ser um patriarca duro e
severo com os filhos, também se rendia aos encantos e respeitava
Gladys profundamente. Apesar de ter ficado com parte da herança
de meus pais, Gladys nunca quis parar de conviver conosco. Nos
seus últimos anos, ela já não tinha obrigações, mas, ainda assim,
continuava a realizar suas tarefas por amor e cuidado com todos
nós.
Ouço vozes atrás de mim e vejo Gustavo, Patrício, Túlio e
Conrado chegando. Todos estão reunidos para um domingo em
família, como nos velhos tempos.
— Olha quem está aqui... — Mainara corre em minha direção
com o celular em mãos. Ela aponta a tela para mim e vejo Arturo e
Mackenzie numa chamada de vídeo. Eles estão em Chicago para
um casamento de um amigo.
— Que saudade do Brasil — diz Mackenzie sorrindo para
mim. — Aqui está um frio terrível.
— Passe protetor solar! Não fique tão exposto ao sol — diz
meu tio, Arturo, denunciando que sua paixão pela medicina.
— Eu tentei fazer o pudim de leite de Gladys..., mas confesso
que não ficou exatamente como esperado — fala Túlio, retirando a
tampa de uma bandeja de vidro. O que tem embaixo parece
qualquer coisa, menos o pudim de Gladys. Em vez disso, eu avisto
uma massaroca que se mistura com uma calda de cor duvidosa.
— Eu disse que não ia dar certo. Você não quis usar o
termômetro para controlar a temperatura...— Evangeline comenta
com ar reprovador.
— Mas é que Gladys NUNCA usou um termômetro. Acho que
ela não usava nem medidor... era tudo tão fácil para ela — diz Túlio,
um pouco decepcionado.
— Sim! Por isso ela era nossa heroína — responde Luna. —
Mas não vamos julgar o pudim pela aparência. Deixe-me provar. —
Rapidamente minha esposa buscou uma colher e experimentou a
iguaria. Houve um silêncio repentino, e então ela deu seu veredicto.
— É..., a aparência está ruim, mas o gosto consegue ser
ainda pior. — Todos explodem numa gargalhada. Túlio faz beicinho,
indicando tristeza pelo comentário, enquanto Evangeline reforça que
avisou que ele deveria ter controlado melhor o cozimento.
O almoço é regado de histórias. Cada um tem uma boa
lembrança para contar sobre nossa governanta, quase como se
Gladys fosse onipresente e estivesse na vida de todos nós o tempo
inteiro.
— Eu prendia a respiração por medo de ela me enxotar de lá
— conta Mainara. — Eu ia até a casa para falar com Patrício, mas
Gladys corria atrás de mim porque entrava na casa com os sapatos
cheios de lama da fazenda.
— Ela tinha certa obsessão por limpeza — diz Fabrício. — Eu
lembro que ela queria que eu tomasse banho o tempo inteiro
quando éramos pequenos.
— Claro! Você estava sempre parecendo um porquinho. Óinc-
óinc — Homero diz, imitando o som de um porco, e uma nova onda
de risadas toma conta da mesa.
— Eu posso dizer que, durante um longo período, Gladys foi
como meus olhos. — Quem fala é Patrício. — Ela foi a única pessoa
que aceitei ao meu lado durante meu período de depressão.
Todos nos lembramos disso. Patrício se isolou, se afastou e
ficou completamente alheio a família inteira, mas Gladys não aceitou
que ele fizesse o mesmo com ela. “Você pode não me querer aqui,
Patrício, mas não pode me arrancar a força. E eu não arredo o pé
dessa fazenda.” Ela disse. E assim foi: quando queríamos notícias
de meu irmão, nos encontrávamos com Gladys na beira do portão
da fazenda, e ela nos dava um boletim sobre a saúde dele.
Após o almoço, eu me sento na varanda, observando o jardim
que floresceu seguindo as dicas de cuidados que aprendi com
Gladys. O cheiro das flores e o suave vento de primavera me trazem
lembranças ainda mais fortes de seu sorriso caloroso e de como ela
nos ajudou a tornar nossas casas verdadeiros lares.
Percebo que Gustavo se aproxima com um olhar distante,
como se também estivesse perdido em pensamentos. Ele se senta
ao meu lado e suspira profundamente.
— Às vezes, sinto a presença de Gladys ao nosso redor, como
se ela ainda estivesse cuidando deste lugar e de cada um de nós.
Ele assente, olhando para o jardim.
— Eu também, Guilhermo. Ela era uma parte fundamental das
nossas vidas. Sua partida deixou um vazio difícil de preencher.
— É verdade — concordo, sentindo a saudade apertar meu
coração. —Lembro-me de como ela nos ensinou a cuidar das
plantas e a preparar nossas refeições favoritas, e como costumava
contar histórias antes de dormir.
Gustavo sorri com um brilho melancólico nos olhos.
— Ela era uma verdadeira mãe para nós, principalmente
depois que perdemos a nossa — diz.
Nossos pais faleceram quando éramos jovens, e Gladys
assumiu o papel de mãe e confidente em nossas vidas. Seus
conselhos e carinho nos guiaram durante os anos difíceis de nossa
juventude.
—Lembro-me da última vez que a vi, pouco antes de sua
partida — digo. Sinto minha voz embargada. —Ela estava tão
serena, como se soubesse que, em breve, partiria para um lugar
melhor.
Gustavo acena com a cabeça e uma lágrima solitária escorre
por seu rosto.
— Uma vez, quando ainda éramos meninos, eu me lembro
que Gladys contraiu uma gripe forte. Eu temi que ela morresse e
perguntei a ela como seria se isso acontecesse.
— E o que ela disse?
Gustavo ri antes de me responder. Sei que as lembranças
estão tomando conta dele nesse momento.
— Ela disse que eu não deveria temer a morte, pois, se isso
acontecesse, ela ia encontrar nossos pais em algum lugar melhor.
Depois me dei um tapinha leve na cabeça e disse: “mas não pense
que vai se livrar de mim agora, Gustavo. Eu ainda tenho muita
bronca para lhe dar.
Nós ficamos em silêncio por um momento, com nossos
corações cheios de saudades e gratidão por tudo o que Gladys
havia feito por nós. Apesar da dor de sua perda, também havia a
lembrança de sua alegria e amor que continuavam a nos inspirar.
— Guilhermo, você se lembra do último conselho que ela nos
deu? — pergunta Gustavo, quebrando o silêncio.
— Claro — respondo. — Ela disse para cuidarmos uns dos
outros e para mantermos nossa família unida, assim como ela fez
por nós.
Gustavo assentiu e, olhando para o jardim, acrescentou:
— Ela também disse que o amor é a coisa mais importante
neste mundo e que devemos sempre valorizá-lo.
Aquelas palavras ecoaram em meu coração, reforçando o
compromisso que tínhamos feito para honrar a memória de Gladys,
mantendo nossa família unida e valorizando o amor que
compartilhávamos. Enquanto observávamos o jardim que ela havia
cuidado com tanto carinho, eu sabia que, de alguma forma, sua
presença continuaria a nos guiar, mesmo que ela estivesse longe.
Naquele momento, enquanto todos se reúnem em minha casa
sob o sol de verão e as risadas de Maria Fernanda ecoam ao redor,
eu entendo que o verdadeiro poder do amor está na capacidade de
transformar a vida, de dar forças nas horas mais difíceis e de
celebrar cada momento com união. E eu estou determinado a
continuar celebrando a vida, não importam os obstáculos que o
destino decida colocar em meu caminho.
Foi nessa turbulência que Patrício reencontrou Mainara e eles
descobriram um amor antigo que estava adormecido. E tudo isso
sob os olhares atentos e cuidadosos de nossa querida Gladys.aoO
caminho dele foi longo, repleto de desafios e superações, mas foi
também um caminho de descobertas, amor e celebração.
A família que construímos ao longo desses anos se tornou
minha maior bênção, e eu devo isso também às orientações da
governanta. Meus primos e irmãos, que nunca deixaram de me
apoiar e me deram a força e a confiança de que eu precisava para
seguir em frente, também aprenderam sobre o amor e atenção com
ela. E foi o amor deles que me mostrou que minha deficiência não
me define, mas que eu sou muito mais do que minha condição
física.
O amor da minha família, o apoio incansável de Luna e a
alegria contagiante de Maria Fernanda me mostraram que a vida é
feita de momentos para serem celebrados. A deficiência não é um
fim, mas um novo começo. Nem sei expressar como amo cada um
dos meus irmãos e meus primos. Eles são parte de mim, como
minha esposa e a família linda que construímos juntos. Eu sou um
homem de muita sorte. Hoje percebo isso nitidamente. A cada
desafio que enfrento, sei que tenho a capacidade de me superar
porque, se minha família estiver ao meu lado, sei que nunca mais
me sentirei vulnerável outra vez.
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A GAROTA QUE DISSE NÃO AO CEO
:: Casamento arranjado com o noivo da meia-irmã :: Uma noiva
fugitiva :: Um bilionário rejeitado :: Enemies to lovers ::
Convivência forçada :: Só tem uma cama::
KALEA LATOYA MAHOE nunca precisou da aprovação de
ninguém para fazer o que queria. A jovem engenheira de petróleo
de vinte e dois anos sempre foi ofuscada pelo brilhantismo de sua
meia-irmã Malia, jovem advogada prodígio prestes a ingressar na
promotoria, e por sua outra meia-irmã Kiana, a mais jovem cirurgiã
cardiovascular do estado havaiano. Muitas vezes, era como se
todos se esquecessem que o Leão do Petróleo tinha uma terceira
filha, fruto de seu terceiro casamento. E Kalea carregava a fama, ou
melhor, a péssima reputação de não fazer o que todos esperavam
dela, mas isso não a impedia de ser um alvo desejado para chegar
à fortuna bilionária de seu pai, o homem mais rico e poderoso do
Havaí. Mas tudo que ela menos deseja para o seu futuro é um
marido que controlaria sua vida e escolhas.
E quando GRAHAM FORBES, o controlador e
indiscutivelmente lindo bilionário australiano apareceu em sua vida,
ela já sabia que ele era o homem escolhido para se casar com uma
de suas obedientes irmãs, mas Kalea nunca esperou que, para
puni-la, ou melhor, para domá-la, seu pai mudasse de ideia e a
obrigasse a ser a futura esposa de Graham Forbes. O fato de ele
ser dez anos mais velho e ter conversado com ela menos que meia
dúzia de vezes é o combustível que faltava para Kalea mostrar que
somente ela tinha o direito de escolher o homem com quem irá
dividir a mesma cama pelo resto da vida. Então, ela abandona o
quase noivo, deixando apenas um bilhete de despedida,
sugerindo que ele escolhesse uma de suas irmãs para a aliança
de negócios com seu pai.
GRAHAM FORBES, o CEO e herdeiro da maior fortuna em
petróleo refinado e derivados da Austrália, é publicamente
humilhado por uma garota que nem de longe era seu ideal de
esposa.
Mas o bilionário rejeitado vai atrás de sua noiva fugitiva e
propõe uma aposta: Graham garante que, se dividirem a mesma
cama toda noite e tiverem um encontro por semana, Kalea vai
se apaixonar por ele.
ATENÇÃO: Este livro contém cenas de sexo explícito e
linguajar inapropriado para menores de 18 anos. Contém palavras
de baixo calão e conduta inadequada de personagens.
Livro Único.
BILIONÁRIO E PAI INESPERADAMENTE:
CEO RABUGENTO E AGORA PAI!

Oliver Prescott é um bilionário que se orgulha de nunca


precisar de ninguém, além de si mesmo. Tudo que o CEO da
Prescott Company mais repudia é se sentir vulnerável e
depender dos outros. No auge de seus 33 anos, Oliver controla
um verdadeiro império e é conhecido no mundo dos negócios como
"Coração de Gelo", é um homem que se preocupa em estar sempre
no controle. Um solteiro convicto que adora sexo, mas despreza
relacionamentos amorosos. Acostumado a viver sozinho, Oliver é
um homem que tem o mundo aos seus pés, mas sem família para
compartilhar.
Quando recebe a notícia da morte de seu avô, seu último
parente e com quem não mantinha contato há muito tempo, mesmo
não precisando da herança do avô, ele decide ir à leitura do
testamento para conhecer seu último desejo e assim retorna para
Sugar Mountain, a grande propriedade em meio a montanhas
cobertas por neve onde cresceu e viveu os dias mais felizes de sua
infância e adolescência, até seu mundo ruir e tudo mudar
drasticamente.
No entanto, ele sofre um inesperado ataque de asma em
um aeroporto fechado pela neve, que o coloca em uma situação
vulnerável. Para sua surpresa, uma jovem de longos cabelos
cacheados e olhos verdes, que ele havia, minutos atrás, criticado
severamente, dizendo que ela não deveria se intrometer no que não
era da sua conta e a tratado como lixo, é a única pessoa que
percebe e intervém para salvar sua vida.
Alice Rosewood é uma jovem bibliotecária recém-formada,
criada na grande propriedade da Família Prescott após ser adotada
por um casal de funcionários. Ela nutre um amor platônico por ele
desde os 13 anos. Ao reencontrá-lo, percebe que Oliver não
reconheceu nela os traços da garotinha atrevida e levada que vivia
fugindo da casa dos pais escondida para montar os cavalos do seu
avô, que sempre a amou como se fosse sua segunda neta e que
sempre fazia Oliver sorrir.
Para a leitura do testamento do avô de Oliver, ambos
descobrem que, devido a uma intensa nevasca, precisarão conviver
e lidar com a hostilidade inicial. E, para complicar ainda mais,
Alice se vê obrigada a dividir a única cama existente com
Oliver. E, assim, com o arrogante e gostoso bilionário dormindo
ao lado, ela começa a fantasiar como seria perder a virgindade
com Oliver Prescott. Mesmo com a neve caindo do lado de fora,
do lado de dentro, o quarto começa a pegar fogo e o CEO que tinha
tudo menos uma família engravida a jovem bibliotecária intrometida.
Será que a convivência forçada e um bebê inesperado
poderão despertar sentimentos até então desconhecidos em
Oliver?
GRÁVIDA DO CEO PROTETOR:
SÉRIE FAMÍLIA LANCASTER - LIVRO I

Uma comissária de bordo muito certinha.


Um viúvo bilionário.
Uma aventura de uma noite.
Um elo para uma vida inteira.

Por uma confusão na troca de exames, disseram a ELISA


AGOSTINI que ela tinha apenas três meses de vida. Que deveria
desfrutar seus dias resolvendo suas pendências e fazendo tudo que
sempre quis fazer e nunca pôde. Foi assim que a comissária de
bordo, que era conhecida por ser a pessoa mais previsível do
mundo por seus colegas, em uma noite de loucura, embarca no voo
do jato particular do CEO da Lancaster Airlines.
Elisa ouve uma conversa que não deveria ouvir de que o
CEO viúvo OTTO LANCASTER, descobriu, depois de um ano de
luto e muita dor pela morte de sua adorada esposa, que ela o traiu
com seu melhor amigo. No entanto, agora Otto Lancaster decide ir à
forra. O CEO mais desejado do país se manteve celibatário por
tempo demais e, no momento, ele vai dormir com a primeira mulher
que queira transar com ele naquela noite.
Otto Lancaster não consegue esquecer e nem encontrar a
comissária de bordo que lhe deu a melhor noite de sua vida após
um ano do mais duro golpe que recebeu. Quando, enfim, a
reencontra, nove meses depois, ele descobre que a consequência
da noite de loucura dos dois está prestes a nascer. Elisa vai
encontrar no CEO protetor o que ela nunca teve a vida inteira. E
Otto fará de tudo para proteger e cuidar da sua nova família ao se
ver fascinado pela comissária de bordo que lhe deu a chance de ser
feliz novamente.
ATENÇÃO: Este livro contém cenas de sexo explícito e
linguajar inapropriado para menores de 18 anos. Contém
gatilhos, palavras de baixo calão e conduta inadequada de
personagens.
AVISO: Os outros livros da Série Família Lancaster contarão
as histórias dos irmãos de Otto Lancaster. Poderão ser lidos
separadamente, pois se trata de histórias independentes. O
próximo livro será do Michael Lancaster.
DOMANDO O CEO LIBERTINO:
SÉRIE FAMÍLIA SCALAMANDRE – LIVRO 1

“Não existe mulher inalcançável, ela apenas ainda não


conheceu Huggo Scalamandre.”

O maior CEO da indústria marítima ganhou fama ao se


provar insuperável em duas coisas: construção de navios – foi
assim que se tornou um bilionário de sucesso aos trinta e seis
anos – e em seduzir e enlouquecer mulheres na cama.
Nisso ele era melhor ainda. Os boatos que circulam na mídia
são de que HUGGO SCALAMANDRE é um homem não só
libertino, mas também irresistível e que promove verdadeiras orgias
sexuais em sua mansão à beira-mar. Com poucos amigos de
confiança e afastado da família, ele é um homem que se fez
sozinho. Contudo, após um acidente de avião, o magnata que nunca
teve um romance por mais do que algumas noites começa a se
questionar sobre o rumo que deu para sua vida, levando várias
mulheres para sua cama, porém não permitindo que nenhuma
alcançasse seu coração.
MARIANNE PONTES conhece Huggo Scalamandre em pleno
ato sexual e se assusta ao interrompê-lo no meio de uma orgia com
várias mulheres em sua cama. A jovem decoradora deixa seus
pincéis e amostras de tinta caírem e consegue a atenção de todos.
A casa estava vazia até onde Marianne sabia, mas o dono havia
voltado de viagem antes do previsto e sua chefe nem se preocupou
em avisá-la. E essa é a primeira vez que os olhares de Huggo e
Marianne se cruzam. Horrorizada e em choque, a tímida Marianne
congela e não consegue reagir quando o homem que contratou a
firma de decoração, onde ela é uma simples estagiária, se levanta
nu em pelo, deixando as cinco mulheres na cama, para diante da
moça muda e trêmula e recolhe o que ela deixou cair. E, com aquele
bilionário de 1,92m ajoelhado nu aos seus pés, Marianne desmaia.
Naqueles poucos segundos, Huggo consegue decorar cada detalhe
do rosto e do corpo de Marianne. Aquele rosto angelical toca algo
dentro de seu íntimo. E quando ele se levanta com a linda moça em
seus braços, vira-se para as outras mulheres e apenas diz:
— Por favor, me deem licença. Minha mulher acaba de
chegar.
ATENÇÃO: Este livro contém cenas de sexo explícito e
linguajar inapropriado para menores de 18 anos. Contém
gatilhos, palavras de baixo calão e conduta inadequada de
personagens.
AVISO: Os outros dois livros da Série Família Scalamandre
contarão as histórias dos irmãos Will e Arthur. Poderão ser lidos
separadamente, pois se trata de histórias independentes.
O CEO QUE NÃO PODIA SER PAI:
SÉRIE FAMÍLIA DONOVAN - LIVRO 1

Contrato de apenas receber prazer oral.


CEO que é abandonado pela esposa ao ficar
impotente.
Clichê chefe e estagiária.
AGE GAP.
Mocinha virgem que engravida do chefe.
Gravidez muito inesperada.
O CEO bilionário ALEC DONOVAN tinha tudo que um
homem poderia desejar: sorte no amor e sucesso nos
negócios. Vivia um casamento feliz com a esposa perfeita, mas
uma tragédia mudou todos os seus planos e sonhos de ter uma
família grande. Ser pai era o que ele mais desejava. Ele se tornou
um homem recluso após sofrer um acidente que mutilou seu corpo
terrivelmente ao tentar salvar a vida mulher que amava. Ele foi
abandonado pela esposa e viu seu mundo desmoronar. Sua vida
perfeita ruiu. Alec Donovan havia ficado impotente e os médicos
disseram que ele, muito provavelmente, não poderia mais ser pai e
que nunca mais teria uma ereção. E foi assim por cinco longos
anos, ele nunca mais sentiu desejo ou pôde dar prazer a uma
mulher. Até o CEO conhecer Lila.
LILA HARRISON não teve uma vida fácil.Fugiu para bem
longe de um padrasto abusivo e de uma mãe que nunca
demonstrou amor para estudar e ter um futuro diferente do que
diziam que ela teria. Foi assim que ela se tornou a melhor amiga da
sobrinha de Alec Donovan, além de ser estagiária em sua empresa,
mas o CEO não sabia disso quando se envolveu em uma briga na
noite em que se conheceram. Ele só queria protegê-la daqueles
homens.
Lila era virgem, mas não era boba. Sabia que nunca tinha
experimentado antes o desejo que sentia pelo tio de sua melhor
amiga Mas, quando o CEO bilionário Alec Donovan revela seu
segredo, ele também lhe faz uma proposta.
Um contrato é assinado entre o CEO e a jovem 17 anos
mais nova que aceita a proposta dele de apenas receber prazer
oral e nada mais.
“Vou te dar prazer apenas com a minha boca.
Mas, quando o corpo de Alec desperta de tesão por Lila, ele
realiza o maior sonho de sua vida. O CEO, que não podia ser pai,
engravida a jovem que o fez acreditar que poderia ter a chance de
amar e ser feliz outra vez.
ME APAIXONANDO PELO MEU CHEFE INSUPORTÁVEL:
SÉRIE FAMÍLIA CAMPANELLI - LIVRO 1

CLICHÊ CHEFE E SECRETÁRIA;


AGE GAP;
FAKE DATING;
ENEMIES TO LOVERS.
MALCOM CAMPANELLI é o chefe que ninguém quer ter.

De que adianta um salário obscenamente alto se, para


recebê-lo, é preciso passar 24 horas do dia à disposição do homem
mais insuportável e grosso do mundo?
SAVANNAH ARMSTRONG precisava muito daquele
emprego. Precisava muito mesmo, já que estava prestes a ser
despejada por estar devendo quatro meses de aluguel. Daquela
entrevista, viria a resposta se ela teria ou não um teto sob sua
cabeça quando voltasse pra casa naquele dia.
Mas nada a preparou para o lindo, másculo e perfeccionista
CEO Malcom Campanelli no auge de seus 36 anos, nem mesmo o
treinamento que recebeu secretamente da assistente idosa dele,
que está louca para se aposentar, mas precisa de uma substituta
que aceite ter o diabo em pessoa como chefe. Tudo que Savannah
faz parece estar errado. O chefe a ignora ou a crítica, quando não
faz questão de dizer que ela não está fazendo direito o trabalho para
o qual está sendo paga, gentil como um cavalo, dando coices. E
todos que trabalham na Diamantes Campanelli parecem ter medo
do bilionário.
Para piorar, a mente de Savannah parece ter vontade própria
agora e vive bombardeando a moça de vinte e quatro anos, nos
momentos mais inapropriados, com cenas muito eróticas dela e do
chefe, e Savannah nunca se sentiu assim por nenhum homem
antes.
INSUPORTÁVEL.
TIRANO.
INTIMIDADOR.
O PRÓPRIO DIABO ENCARNADO.
É isso que quem conhece Malcom Campanelli pensa a seu
respeito. Ele intimida seus funcionários, que evitam, a todo custo,
cruzar o caminho do CEO mais temido e respeitado de Nova Iorque.
Malcom foi criado para comandar um império, e é o que ele
faz de melhor. Ter o total controle de tudo sobre sua empresa e sua
vida é o que ele mais preza. Um chefe que não admite falhas. Ele
nunca agradece. Nunca pede desculpas. Nunca diz por favor.
Mas, para infelicidade de Malcom, sua assistente pessoal, a
insubstituível senhora Marshall, está decidida, dessa vez, a não
adiar mais sua aposentadoria e o obriga a entrevistar e escolher
uma substituta. É assim que Savannah Armstrong entra em sua
vida. E ele torna a vida da moça com sotaque sulista um verdadeiro
inferno, mas se surpreende com a forma que ela diferente de todos
nunca de intimida perto dele.
O que Savannah não entende foi como aceitou a proposta
de fingir ser namorada de Malcom Campanelli para a mãe, que
ele reencontrou muito doente e que não via desde menino.
Mas fingir estar perdidamente apaixonada por seu chefe
insuportável depois de conviver com o verdadeiro Malcom
Campanelli, que mais ninguém conhecia, acaba deixando de ser
fingimento depois da primeira noite de amor dos dois.
É quando Malcom percebe que não está mais no controle
de seu coração.
ATENÇÃO: Este livro contém cenas de sexo explícito e
linguajar inapropriado para menores de 18 anos. Contém gatilhos,
palavras de baixo calão e conduta inadequada de personagens.
AVISO: Este é o livro 1 da Série Família Campanelli. O livro 2
contará a história de ARTUR CAMPANELLI.
Todos os livros da série poderão ser lidos separadamente,
pois se tratam de histórias independentes.
A ESPOSA TEIMOSA DO CEO CONTROLADOR:
SÉRIE FAMÍLIA SILVESTRI - LIVRO 1

Eu me chamo GREGORY SILVESTRI e estou ferrado! Melhor


dizendo, me ferraram! Meu próprio sangue...
O problema de pertencer a uma família grande é que todos
acham que têm o direito de se meter e dar palpites na minha vida
pessoal. Mas o idiota do meu irmão gêmeo superou nossa tia
casamenteira e me jogou de cabeça na pior furada de toda a minha
vida quando me deu um contrato para assinar no meio daquela
papelada toda, eu nem li, porque jamais pensei que ele seria capaz
de me enganar dessa forma.
Joshua me cadastrou no programa Combinação Perfeita que
vive enviando notificações de possíveis matches para ele no nível
"solteiro à procura", mas para mim o negócio foi muito mais sério: o
babaca me cadastrou no nível "até que a morte os separe", ou
seja, sem saber de nada, eu concordei em me casar com uma
total desconhecida escolhida por um algoritmo de
um software no prazo de até três meses. Depois disso, aquele
contrato estúpido seria anulado.
Meu irmão pelo menos foi honesto e listou no perfil tudo que
eu — o gêmeo insuportável e antissocial — apreciava na vida, ou
seja, quase nada e todo tipo de diversão que eu não suportaria por
mais de dez minutos, ou seja, quase tudo.
Joshua era apenas três minutos mais velho que eu e se
esforçou para listar as poucas qualidades que via em mim, mas para
reunir os meus defeitos, ele recorreu a cada um de nossos outros
três irmãos para fazer uma "inscrição fiel à verdade". E, pelo jeito,
meus defeitos eram muitos, sem mencionar a lista das muitas coisas
que eu simplesmente nem sequer consideraria fazer em um
encontro. O que significava que todos os meus quatro irmãos
intrometidos eram os culpados pela ruína de minha paz de espírito.
E para minha grande infelicidade ainda tem a cereja do bolo,
faltando apenas 24 horas antes do final do prazo para eu ter de
novo minha vida perfeitamente sob controle, do jeito que eu sempre
quis que fosse, uma "combinação perfeita" foi encontrada pelo
maldito algoritmo do programa de relacionamentos quando eu já
havia até esquecido dele.
E foi assim que SUZY ABERNATHY, a mulher mais
improvável por quem eu poderia me apaixonar agora é minha
esposa e vamos dividir o mesmo teto.

Esse livro contém: AGE GAP + SLOW BURN + MOCINHA


ATREVIDA QUE MORA EM UM MOTOR HOME + CEO RECLUSO
QUE ODEIA SURPRESAS+ DIVIDIR O MESMO TETO + MUITAS
CENAS HOT.

ATENÇÃO: Este livro contém cenas de sexo explícito e


linguajar inapropriado para menores de 18 anos. Contém gatilhos,
palavras de baixo calão e conduta inadequada de personagens.

AVISO: Este é o livro 1 da Série Família Silvestri. O livro 2


contará a história de STUART SILVESTRI.
Todos os livros da série poderão ser lidos separadamente,
pois se tratam de histórias independentes.
A ESPOSA SEM MEMÓRIA DO CEO: FAMILIA QUOTAR -
LIVRO 1

"Grávida, sem memória e me apaixonando outra vez pelo amor da


minha vida."
O CEO bilionário Andras Quotar ama sua esposa mais do que tudo
no mundo.
Mas, depois do acidente, Milena PERDEU A MEMÓRIA e não se
lembra mais dele.

Tudo que Milena Medeiros sabia foi que dormiu com vinte e
quatro anos e acordou três anos depois, casada e grávida do
homem mais rico da Hungria. Nada veio fácil na vida de Milena. No
entanto, a estudante de Desenho Industrial, finalmente, teve a
chance de viver longe da indiferença do pai quando ganhou uma
bolsa integral para concluir seu curso em Budapeste. Na capital da
Hungria, ela conheceu o homem que mudaria seu destino para
sempre. Milena saiu do dormitório da universidade disposta a
encarar a primeira noite de bebedeira com suas novas amigas do
intercâmbio. Uma noite e três doses de uma bebida que ela nem
lembrava o nome. Foi só o que precisou para Milena acordar na
cama de Andras Quotar.
O que ela não conseguia entender era como não se
lembrava de nada depois daquela noite.
Ao acordar em um hospital, ela se viu grávida e com uma
aliança de casamento no dedo. Além disso, todos que Milena
conhecia afirmavam categoricamente que aquele homem lindo, rico
e que parecia completamente apaixonado por ela era seu marido há
três anos. Falaram que ela sofreu um acidente, ou algo assim, e que
teve um forte trauma na cabeça.
O que aconteceu com os três últimos anos da sua vida? Ela
simplesmente não lembrava.
Mas a principal pergunta que Milena se fazia agora era: e
se ela nunca se lembrar do homem apaixonado que diz ser seu
marido?
ATENÇÃO: Este livro contém cenas de sexo explícito e
linguajar inapropriado para menores de 18 anos. Contém gatilhos,
palavras de baixo calão e conduta inadequada de personagens.
AVISO: Os outros dois livros da Série Família Quotar
contarão as histórias dos irmãos Adam e Jordi. Poderão ser lidos
separadamente, pois se trata de histórias independentes.
CEO SEM CORAÇÃO: FAMÍLIA SALOMON – LIVRO 1

Depois de morar na rua e comer do lixo por meses, Liliana


foi aliciada para vender seu corpo.
O CEO Gustavo Salomon não fazia ideia que aquele clube
exclusivo vendia a virgindade de moças.
E foi lá que ele conheceu Liliana.

A mãe de LILIANA a odiou desde que soube que estava


grávida. O pai dela, um homem abusivo e violento, tinha prazer em
obedecer às ordens de sua mãe e batia nela com uma ripa de
madeira que mantinha ao lado da mesa de jantar; quando não a
amarrava pelos braços, deixando-a suspensa, apenas com a ponta
dos pés tocando o chão. Liliana já havia quebrado as pernas em
três lugares e, por isso, mancava um pouco. Aos dezoito anos, no
hospital depois que o pai, em outro acesso de fúria, a jogou da
janela do segundo andar, Liliana encontrou sua chance de fugir
daquela vida de maus tratos e medo.
No entanto, após quatro meses vivendo nas ruas, sem
conseguir emprego e comendo do lixo, ela foi aliciada para participar
de um leilão em troca de dinheiro suficiente para lhe permitir
recomeçar sua vida como quisesse, mas havia uma condição: em
troca, Liliana teria que vender sua virgindade. Depois de conhecer o
que era passar fome e frio nas ruas, a moça se viu sem alternativas
e aceitou a oferta.
O bilionário GUSTAVO SALOMON era conhecido por ser um
homem inflexível e impiedoso nos negócios de sua família, além de
nunca se envolver emocionalmente com as mulheres que levava
para sua cama. Enquanto a maioria de seus irmãos namoravam e
desfrutavam das vantagens de ser um Salomon, ele não encontrava
tempo para perder com algo tão desnecessário como
relacionamentos amorosos.
Uma noite, ele foi convidado para ir a um clube muito
exclusivo. Lá, viu horrorizado a virgindade de uma moça que mais
parecia um anjo ser negociada pelo maior lance. Gustavo não
apenas acionou seus contatos na polícia e encerrou toda a rede de
aliciamento e prostituição, como também resgatou a moça de olhar
assustado e inocente e a levou para sua casa. Contudo, depois que
seu olhar e o de Liliana se cruzaram e ela se recusou a se afastar
do único homem que já a protegeu, Gustavo Salomon entendeu que
sua vida nunca mais seria a mesma. Ele a protegeria de tudo e de
todos, se fosse preciso.
ATENÇÃO: Este livro contém cenas de sexo explícito e
linguajar inapropriado para menores de 18 anos. Contém gatilhos de
abuso físico e psicológico, palavras de baixo calão e conduta
inadequada de personagens.
AVISO: Os outros livros e spin offs da Série Família Salomon
contarão as histórias dos irmãos e primos de Gustavo. Poderão ser
lidos separadamente, pois se trata de histórias independentes, mas
poderão trazer spoilers dos livros anteriores. O próximo livro será
de Patrício Salomon.
UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O CEO:
SÉRIE FAMÍLIA BRUSMAN - LIVRO I

Arturo não acreditou na única mulher que o amou


incondicionalmente. Ele humilhou e expulsou Natália de sua
vida. Três anos depois acabou descobrindo que é pai e agora
ele a quer de volta a qualquer preço.

ARTURO BRUSMAN comanda seus negócios com mãos de


ferro e é conhecido por sua busca pelo perfeccionismo em tudo na
vida. Um homem que se fez sozinho e, por ter conhecido a extrema
pobreza, entende o valor de cada centavo que ganhou e não aceita
nada que não se enquadre em seus padrões exigentes. Contudo, o
nome do bilionário que construiu um império na indústria de
software aos trinta e quatro anos também ficou famoso após a
revelação do teste de paternidade de sua ex-noiva, uma exuberante
modelo internacional, ter dado negativo e a notícia vazar para a
mídia.
NATÁLIA MEIRELLES era a assistente da assistente do CEO
Arturo Brusman e quem, na verdade, fazia todo o trabalho e nunca
recebia o crédito. A moça tímida com excelentes ideias e que era
extremamente competente em tudo que fazia foi injustamente
demitida. Natália nunca se importou em trabalhar até depois do
horário até engravidar e se tornar mãe solo. No entanto, após uma
grande injustiça, Natália acabou sendo demitida quando mais
precisava do emprego.
Anos se passam e o acaso faz com que o filho de três anos de
Natália e o chefe que a humilhou publicamente ao mandá-la
embora, além de garantir que ela não conseguisse um bom
emprego na cidade, fiquem cara a cara. Arturo Brusman nem
precisa fazer as contas entre o dia da realização de sua vasectomia
e a idade daquela criança que é sua cópia em miniatura para saber
quem é o pai daquele garotinho.
Para não perder a guarda do filho, Natália aceita os termos do
contrato e se casa com o homem mais controlador e detestável que
conheceu em sua vida. É assim que ela se torna a esposa do único
homem a quem entregou seu corpo e seu coração, mas que,
ironicamente, nem se lembrava da noite em que tudo aconteceu.
Todavia agora é ela que não o quer e, por mais que tenha
concordado em usar seu sobrenome, na cama de Natália, Arturo
não é bem-vindo.
ATENÇÃO: Este livro contém cenas de sexo explícito e
linguajar inapropriado para menores de 18 anos. Contém gatilhos,
palavras de baixo calão e conduta inadequada de personagens.
AVISO: Os outros dois livros da Série Família Brusman
contarão as histórias dos irmãos Anton e Gustavo. Poderão ser lidos
separadamente, pois se trata de histórias independentes.
Danielle Viegas Martins nasceu em São Luís - MA, mas
mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro em 2001. Tem formação
em Letras, Português - Inglês e Mestrado em Educação. Desde
2010, Danielle é funcionária pública da UFRRJ.
A autora começou a escrever, publicando capítulos semanais
do livro “Estarei ao seu lado” na plataforma Wattpad em 2017, onde
escrevia sob o pseudônimo Tess91 para se preservar caso os
leitores não se interessassem por seus livros. Contudo, suas
histórias já ultrapassaram duzentos e vinte milhões de leituras
online.
A autora sempre foi apaixonada por livros e entre os escritores
favoritos estão Aluísio de Azevedo, Ganymédes José e Charlotte
Brontë. Todos os livros da autora possuem um personagem Gustavo
em homenagem ao seu filho.

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