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Copyright © 2023 Nah Christine
 
ATENÇÃO
 
Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com personagens, nomes,
acontecimentos e lugares descritos é mera coincidência. Esta é uma obra de imaginação
da autora.
 
Texto revisado de acordo com as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.
 
Todos os direitos reservados.
 
É expressamente proibida a sua cópia, reprodução, armazenamento, modificação ou
qualquer outro uso, na totalidade ou em qualquer parte através de qualquer meio, sem o
consentimento da autora.
 
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido pelo
artigo 184 do Código Penal.
 
AURUM – A HISTÓRIA DE LUCCA MASERATI

(Spin-off Duologia Ouro de Mina)


Nah Christine
1ª Edição | Janeiro de 2023
Edição Digital | Criado no Brasil
Obra registrada na CBL
 
 
Capa: Ellen Ferreira e N.C.
Revisão e Preparação: Lidiane Mastello
Ilustração: Jaque Summer
Diagramação: N.C.
 
 
Sumário
Avisos Importantes

Playlist

Dedicatória

Sinopse

Epígrafe

Prólogo

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15

Capítulo 16

Capítulo 17

Capítulo 18

Capítulo 19
Capítulo 20

Capítulo 21

Capítulo 22

Capítulo 23

Capítulo 24

Capítulo 25

Capítulo 26

Capítulo 27

Capítulo 28

Capítulo 29

Capítulo 30

Capítulo 31

Capítulo 32

Capítulo 33

Capítulo 34

Capítulo 35

Capítulo 36

Capítulo 37

Capítulo 38

Epílogo

Bônus

Leia a Duologia Ouro de Mina

Agradecimentos

Notas da Autora

Outras Obras da Autora

Contatos da Autora

Notas de Rodapé
 
 
 
 
 
 
Avisos Importantes
 
Caro(a) Leitor(a),
Seja muito bem-vindo(a).
Este é um spin-off da duologia Ouro de Mina (Vingança –
Livro 1 | Redenção – Livro 2). É um livro único e independente,
escrito de maneira que possa ser entendido por completo, do início
ao fim, sem a obrigatoriedade de ler a duologia, ainda que possa
haver alguns spoilers.
Esta é uma obra de ficção que contém linguagem de conteúdo
adulto, cenas de sexo, violência, luto, abandono, doenças e
algumas situações que podem desencadear gatilhos em pessoas
sensíveis.
A história é ambientada nas cidades de Ouro Preto, em Minas
Gerais/Brasil, e Palermo, na região da Sicília/Itália. Por isso, pode
ser que no decorrer do texto você encontre algumas palavras que
são comuns em suas culturas, assim como estrangeirismos,
regionalismos, além de termos coloquiais.
Espero, do fundo do meu coração, que Alícia Castro e Lucca
Maserati conquistem você da mesma maneira que me
conquistaram.
Desejo uma ótima leitura, e, se possível, ao final deixe a sua
avaliação que é de extrema importância para mim e, também
incentiva outros leitores a conhecerem a história.
Com carinho,
Nah Christine.
 
Playlist
 
Para ouvir a playlist do livro no Spotify, basta abrir o
aplicativo, clicar em ‘Buscar’, selecionar o ícone da câmera e
apontar para a imagem abaixo.
 

 
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Dedicatória
 
Para todos aqueles que juraram nunca mais se apaixonar, mas
que continuaram sentindo o coração bater.
Sinopse
 
“O amor cura.”
 
Lucca Maserati é um homem metódico, dominador e gosta de
manter o controle sobre tudo e todos. Ele não costumava ser assim,
porém, desde que o grande amor da sua vida se foi, de maneira
repentina, anos atrás, sua vida mudou completamente. Após aquele
fatídico dia, Lucca decidiu que nunca mais se permitiria amar outra
vez. Até Alícia Castro surgir em seu caminho em uma coincidência
devastadora e bagunçar tudo aquilo que ele demorou anos para
ajustar.
Ele não deveria gostar do timbre rouco, baixo e sexy da sua
voz. Ele não deveria gostar do seu cheiro. Ele não deveria gostar da
forma sensual como ela caminhava. Ele não deveria gostar daquele
olhar hipnotizante e daquele sorriso perfeito. Ele não deveria sentir
nada, porque tê-la, sob qualquer hipótese, seria um erro. Ele sabia
que se a tocasse, jamais conseguiria tirar suas mãos dela.
Lucca está determinado a afastá-la, mas Alícia não está
disposta a facilitar. Ela o deseja desesperadamente, como nunca
desejou alguém antes.
Quem vencerá esse duelo? Razão ou emoção? O que sentem
um pelo outro será capaz de superar todas as dores do passado?
 
“Ela é tempestade e emoção.
Ele, fogo e razão.”
 
 
Epígrafe
 
“Algumas histórias sempre brilharão e outras serão esquecidas

Há coisas que uma vez que você as perdeu, nunca mais voltam

E se eu já te disser, traga suas coisas para mim

Não me diga que é muito cedo porque


Eu te prometo

Que estaremos juntos sem cair

E todos os meus dias pertencem a você

Eu te prometo que

Também vamos enganar os anos

Como poeira das estrelas

E será escrito em cada texto

Que nada pode mudar tudo isso.”


Marco Mengoni – Venere e Marte
 
 
 
 
 
Prólogo
PALERMO, SICÍLIA, ITÁLIA

 
Quatro anos antes...

 
LUCCA MASERATI

 
— Ti amo tanto[1] — sussurrei, espalhando beijos pelo rosto da
mulher da minha vida.
Laura soltava uns gemidinhos contidos conforme eu a
estocava de maneira lenta e torturante. Seus olhos estavam
fechados, seus braços permaneciam firmes ao redor do meu
pescoço.
Podia sentir sua respiração ofegante, e a forma como sua
boceta quente apertava o meu pau, indicava que estava perto de
atingir o orgasmo. Cessei os movimentos, completamente dentro
dela e segurei seu queixo.
— Abra seus olhos, cuore mio[2].
Ela obedeceu imediatamente ao meu comando, e meu coração
errou uma batida. Laura era perfeita.
Porra!
Eu era completamente apaixonado por essa mulher. Quase
estraguei a surpresa que havia preparado para amanhã e a pedi em
casamento naquele momento mesmo. Mas me contive. Tinha que
ser especial, da maneira que ela merecia.
— Sei belissimo[3] — murmurou, seus dedos delicados vieram
para o meu rosto em uma carícia deliciosa.
— Il mio cuore è tuo[4].
— Sono tua[5] — disse, seus olhos brilhavam.
Beijei seus lábios com sofreguidão, retomando as estocadas,
dessa vez com mais força. Engoli seus gemidos, sentindo-me vivo.
Estávamos suados, nossos corações acelerados, os gemidos cada
vez mais altos, nosso cheiro misturado ao cheiro do sexo estavam
me deixando louco. Penetrei-a com força, o barulho dos nossos
corpos se chocando, e ela me esmagando cada vez mais. Desci
meus beijos pelo seu pescoço, deixando mordidas leves por toda a
região.
— Ahh, Lucca... — gemeu, mordendo os lábios, quando o
orgasmo a atingiu.
— Porra! Porra! — grunhi, sentindo meu membro ser
estrangulado.
Mais três estocadas foram o suficiente para que eu
encontrasse o meu próprio prazer, gozando de maneira insana e
feroz.
Com a respiração errática, caí por cima dela, apoiando-me no
cotovelo para não a esmagar. Permaneci dentro da boceta até
quando deu. Era o meu lugar preferido no mundo. Minha paz.
— Ti amo con tutto il cuore[6] — declarou-se com a voz
lânguida, preguiçosa, enquanto acariciava minhas costas.
Encarei-a, sentindo-me cada vez mais apaixonado, sem saber
como isso era possível. Seu rosto parecia esculpido por anjos, tinha
os traços suaves, delicados. Sua pele alva era sedosa, seus olhos
eram azuis e tão brilhantes, sempre pareciam enxergar além de
mim. Seus cabelos e sobrancelhas eram um tom de louro escuro.
Linda, linda.
Laura Morelli era a minha vida.
Ela tinha o jeito doce, calmo, o sorriso fácil. Era organizada,
sensata, polida, culta. Tinha o coração mais puro do mundo. Nós
nos conhecemos na escola e começamos a namorar ainda na
adolescência. Tínhamos uma sincronia fora do normal, almejávamos
as mesmas coisas, o mesmo futuro. Estávamos completamente
alinhados. Eu queria tudo dela. Tudo com ela. Noivado, casamento,
filhos, netos. Ela queria o mesmo, já tínhamos conversado sobre o
assunto incansáveis vezes.
Eu não me lembrava da minha vida sem Laura. E me
considerava um figlio di puttana[7] sortudo. Envelheceríamos juntos
em uma casa na beira do mar da Sicília, rodeados por árvores,
flores e por nossos labradores. Nossos filhos nos visitariam aos
finais de semana com os nossos netos e almoçaríamos todos
juntos. Esse futuro era tão certo que eu podia visualizá-lo com
exatidão.
Afastei-me, mudando nossas posições e puxei-a para que se
deitasse em meu peito. Laura se aconchegou, e eu a abracei,
colando-a ainda mais a mim, enquanto acarinhava seus cabelos
macios e compridos.
Não demorou para que sua respiração se tornasse mais
suave. Ela havia dormido, serena, em meus braços. Era preguiçosa,
nunca conseguia ficar acordada pós-sexo. Eu, por outro lado,
costumava ficar por horas velando seu sono, admirando-a.
Amanhã seria um dia especial e marcaria nossas vidas para
sempre. Seria o início de um novo ciclo. O início de uma vida inteira.
Juntos. Eu estava mantendo tudo sob o maior sigilo, as únicas
pessoas que sabiam do pedido eram meus pais e Romeo Cavalieri,
meu melhor amigo e o irmão que eu não tive.
Além dessas pessoas, o maître do restaurante preferido de
Laura também estava sabendo. Pedi que ele reservasse uma mesa
discreta, preparasse o melhor champanhe da casa e caprichasse no
cardápio. Principalmente na sobremesa, que traria ao invés do
tiramisú que ela tanto amava, o anel que eu havia encomendado
exclusivamente para ela. Encomendei também um buquê de rosas
vermelhas e contratei um violinista para tocar as suas músicas
preferidas. Eu pretendia surpreendê-la de todas as formas. Queria
que tudo fosse perfeito, melhor do que ela sonhou um dia.
Para ela e seus pais, seria um jantar normal, afinal, já fizemos
isso tantas vezes. Pelo menos era o que eu esperava, mas
conhecendo minha namorada e sua esperteza, eu precisava tomar
todos os cuidados para que ela não desconfiasse de nada.
Um sorriso escapou, nunca fui um cara muito ansioso.
Contudo, nesse momento em especial, eu estava me sentindo
bastante agitado. Depositei um beijo casto na sua cabeça e puxei os
lençóis para cima dos nossos corpos nus.
Seu cheiro bom misturado à sua respiração quente em meu
peito me acalmou e não demorou muito para que eu entrasse em
um sono profundo. Tudo que eu conseguia ver em meus sonhos era
Laura entrando na igreja vestida de branco.
 

 
Despertei algum tempo depois, ainda meio aéreo com os
sonhos que tive. Tateei a cama, procurando-a, e senti um vazio ao
meu lado quando me dei conta de que ela não estava ali. Meus
dedos pousaram em algo que parecia um papel, próximo ao seu
travesseiro, e abri os olhos.
O quarto estava na penumbra, e acendi o abajur da cômoda ao
meu lado para tentar descobrir o que a minha namorada estava
aprontando. Ela deixava bilhetes com frequência para mim, também
gostava de fazer algumas surpresas e eu adorava tudo aquilo.
Porém, dessa vez, não consegui sequer imaginar o que havia
naquele papel.
Desdobrei o bilhete e milhares de palavras se misturaram à
minha frente, algumas um pouco borradas, úmidas. Meu coração
acelerou à medida em que eu formava as frases ali escritas. Minha
boca ficou seca e eu senti um nó bem no meio da garganta, quase
me impedindo de respirar.
 
“Lucca,
Nunca pensei que um dia teria que te dizer adeus. Não está sendo fácil, acredite. Mas
quem disse que a vida é um mar de rosas? Infelizmente, não temos como prever o futuro.
Alguns males vêm para o bem, por mais que não sejamos capazes de entender de
imediato.
Você me fez a mulher mais feliz do mundo e eu te amei muito, com todo o meu
coração. Mais do que a mim mesma. E é por esse motivo que eu não posso ser egoísta
com você. Não posso mais fazer isso.
Sinto muito por partir o seu coração, nunca foi minha intenção. Eu queria ter sido para
você, tudo o que você foi para mim. Você foi perfeito em tudo. O melhor amigo, melhor
namorado, melhor amante. E eu tive muita sorte por ter sido sua por todos esses anos.
Mas não consigo, eu... simplesmente não consigo mais.
Espero que um dia você possa me perdoar.
Eu estou indo embora e tenho um único pedido para fazer: não me procure. Não vá
atrás de mim. Não pergunte por mim. Eu não irei voltar.
Desejo do fundo do meu coração que você seja feliz. E que um dia você encontre
uma pessoa especial que possa realizar com você todos os seus sonhos, e que o encha de
amor.
Sinto muito.
Laura.”
 

Não! Não!
— Cazzo[8]! — gritei, levantando-me da cama em um pulo. —
Laura! — Andei por todo o apartamento, chamando-a.
Nenhum sinal dela, isso só podia ser um pesadelo.
Amassando a carta em minhas mãos, voltei ao meu quarto e as
coisas dela que ela mantinha em meu apartamento ainda estavam
ali. Achando tudo muito estranho, coloquei uma roupa qualquer,
peguei as chaves do carro, documentos e fui atrás da minha
namorada. Ignorando completamente o seu pedido descabido.
O dia estava amanhecendo, e a cada segundo, o nó em minha
garganta parecia maior. Tinha a sensação de que poderia infartar a
qualquer momento, meu coração batia descontroladamente. Nada
daquilo fazia sentido. Nada. Liguei incontáveis vezes para o seu
celular, mas estava desligado, assim como o de seus pais. Eu ainda
esperava que fosse uma brincadeira de mau gosto. No entanto, a
Laura que eu conhecia jamais faria algo assim. Jamais escreveria
aquela carta.
Ela me amava, porra!
Cheguei em frente à casa em que ela morava com os pais e
buzinei uma vez. Saí do carro e apertei a campainha umas dez
vezes. Gritei pelo nome deles, mas tudo estava silencioso demais.
Bati à porta, desesperado por qualquer sinal, qualquer notícia.
— Ciao[9]. — Escutei uma voz masculina desconhecida e me
virei, encontrando um senhor de uns sessenta e poucos anos. —
Sou vizinho deles e me lembro de tê-lo visto por aqui com a menina
Laura algumas vezes — se apresentou, não me lembrava dele.
— Sou o namorado dela. O senhor sabe onde eles estão? —
respondi, e ele me encarou, meio incerto.
— Você não sabe?
— Não sei o quê? Me fala! — Aproximei-me, ficando mais
perto dele.
— Eles foram embora nessa madrugada — falou, de maneira
cautelosa.
Senti o ar fugir dos meus pulmões e coloquei as mãos no
joelho, tentando me recuperar do baque.
— Embora para onde? — A pergunta saiu como um grunhido
estrangulado.
— Não sei dizer. Tudo que sei é que o Lauro foi transferido da
empresa em que trabalhava. Porém, não disse nada a ninguém para
onde estava indo, apenas que estava indo embora e que em breve
viriam buscar as coisas da casa e colocariam à venda.
— Não é possível. Não é possível — grunhi, sentindo as
lágrimas na borda.
Minha Laura não faria isso. Mesmo que seu pai fosse
transferido, ela poderia ter ficado. Nada daquilo fazia sentido.
— Sinto muito. Posso ajudar você de alguma forma? —
indagou.
Acenei negativamente, sem forças para falar e caminhei até o
meu carro. Sentei-me no banco do motorista, cego por um
sentimento que até então não conhecia. Era uma mistura de
rejeição, raiva e inconformismo.
Liguei o carro e saí dali cantando pneu. Dirigi sem rumo, sem
saber para onde ir ou o que fazer. Quando me dei conta, estava em
frente ao aeroporto. Eu precisava de respostas. Uma mísera
resposta seria suficiente. Talvez ouvir da sua boca que não me
queria mais, que não me amava mais.
Ainda assim, seria difícil de acreditar. Não quando há poucas
horas ela ainda era minha. Não sei por quanto tempo rodei por
aquele aeroporto, não encontrei nenhum sinal dela ou de seus pais.
Cheguei a perguntar nos balcões das companhias aéreas, mas
ninguém me deu informação nenhuma.

Maledizione[10]!
Fui embora dali e dirigi até o primeiro bar de beira de estrada
que encontrei aberto. E depois da sexta dose do uísque mais
vagabundo que existia, me senti totalmente entorpecido. Aquilo me
traria uma dor de cabeça infernal e uma ressaca das brabas, mas
eu preferia isso à dor que eu estava sentindo por dentro.
A dor de ter sido abandonado pela mulher que eu amava. E
que dizia me amar.
Quanto mais eu tentava entender, mais difícil ficava. Eu revivi
os últimos dias, cada detalhe, tentando me lembrar de algo que
pudesse tê-la feito ir embora. Contudo, não havia nada. Nada. Até o
último olhar que deu para mim depois de gozar estava cheio de
paixão.
E, dentro de mim, a plena certeza de que eu nunca esqueceria
aquele olhar.
Soltei uma risada anasalada, de puro escárnio. Não podia
acreditar que tudo aquilo que vivemos por tantos anos foi uma
mentira. Que seus beijos, seus olhares, e a forma como seu corpo
se entregava a mim não eram reais. Que os nossos planos não
eram reais. Eu não senti tudo aquilo sozinho, eu não planejei a
nossa vida sozinho.
Virei mais uma dose. Eu só queria esquecer. Eu só queria
arrancá-la da minha cabeça e do meu coração. Mas seu cheiro
ainda estava impregnado em mim. No corpo e na alma.
Há algumas horas, eu estava eufórico, sonhando com o nosso
futuro. Hoje seria o início do nosso felizes para sempre. Entretanto,
tudo que eu tinha agora era a cruel realidade, que mais parecia um
pesadelo. Todas as juras de amor que trocamos, todos os ‘eu te
amo’ ditos por ela, nada mais eram do que uma despedida. Um
adeus.
Laura havia me destruído para sempre, e eu jamais a
perdoaria.
 
Capítulo 1
 
Dias atuais...

 
LUCCA MASERATI
 

Exausto.
Era assim que eu me sentia ultimamente. Meu físico estava
ótimo, mas minha cabeça estava fodida. Muitas coisas aconteceram
nos últimos tempos, desde o acidente que Romeo sofreu até todos
os problemas envolvendo a família de Isabela e a Mineradora
Cavalieri.
Felizmente tudo acabou bem para eles, mas toda a tensão
vivida agora cobrava seu preço. A AURUM, empresa a qual eu era
sócio junto com Romeo, era a única coisa que estava me mantendo
centrado, eu estava totalmente focado no trabalho.
AURUM significava ouro em latim. Exatamente como
costumávamos chamar: ouro líquido. Havíamos transformado aquilo
que iniciara pequeno, na maior destilaria de uísque da Europa. O
céu era o limite, o mundo ainda seria nosso.
Romeo e eu éramos amigos desde sempre, nossos pais
trabalharam juntos na antiga empresa da família Cavalieri e eram
amigos de longa data também. Nossa relação ia muito além da
amizade e sociedade, éramos irmãos. Havíamos nos tornado uma
grande família.
Salvatore, pai de Romeo, era um homem extremamente difícil
antigamente. Hoje, nem dava para dizer que era o mesmo homem
de anos atrás. Uma das coisas que contribuiu para que ele se
tornasse uma pessoa mais fácil de lidar, foi o nascimento da sua
neta. Giordana conseguiu algo que ninguém conseguira ao longo
dos anos, transformá-lo em uma pessoa amável e sorridente.
Eu não o julgava, de toda forma, pois o que eles viveram não
foi fácil. Alguns anos depois que tiveram o nome arrastado para a
lama, meu pai e eu decidimos pegar nossas economias, nos juntar a
eles e criar a AURUM.
Fizemos a aquisição de uma antiga destilaria da Sicília que
estava à beira da falência e realizamos diversas melhorias,
elitizamos o negócio e hoje, além de muito trabalho, já podíamos
também colher os frutos desses anos todos dedicados à nossa
empresa.
Trabalhar naquilo que eu amava não me dava tempo para
permitir que as memórias do passado retornassem, eu não queria
pensar nela e em todas as malditas lembranças que me trazia. Eu
ainda não podia acreditar que a única mulher que eu amei foi
egoísta o bastante para fugir e me abandonar para viver toda a
merda sozinha.
E pior do que isso, eu não queria acreditar que ela havia
partido. Ela realmente se foi, para sempre. Mesmo tendo vivido o
inferno na terra, o fato de ela ter sumido sem deixar rastros, para
mim, era muito melhor do que saber que ela não existia mais nesse
plano. Porque de certa forma, mesmo sem ter tido qualquer notícia
dela durante tantos anos, eu sabia que o seu coração ainda estava
batendo.
Agora nem isso eu tinha mais. Tudo foi tirado de mim de
maneira cruel, egoísta e mesquinha. Não tive a chance nem de me
despedir. Se eu gostaria daquilo ou não, era outra história. Eu
merecia ao menos saber. E seus pais foram cúmplices, foram tão
egoístas quanto ela foi. Sua partida não tornava as coisas
perdoáveis.
Muito pelo contrário, eu jamais a perdoaria.
Poderia soar radical demais, porém, não queria ter mais
nenhum tipo de vínculo com eles. Acabou o respeito há quatro anos,
quando decidiram ir embora e me cortar das suas vidas, sem me dar
qualquer chance de escolha.
Ódio era uma palavra muito forte. Vivi por anos vendo Romeo
cultivar esse sentimento e não queria o mesmo para mim. No
entanto, meus sentimentos por Laura e seus pais se resumiam à
indiferença e mágoa. E eu tinha certeza de que, um dia, nem isso
eles teriam mais de mim.
Um pedaço meu estaria marcado para sempre. Meu passado
havia me moldado totalmente, tornando-me o homem que eu era
hoje. Alguém incapaz de confiar em qualquer pessoa, alguém que
precisava de controle, de ordem e que não suportava nenhum tipo
de surpresa.
Alguém que fodia incontáveis mulheres, em clubes ou fora
deles, sem repetir. A única que teve uma segunda vez comigo foi
uma russa que conheci em Moscou. Só aconteceu porque eu
precisava de sexo, e acabei esbarrando com ela em um restaurante
após uma reunião de negócios. Isso era além do que eu me
permitia, e não aconteceria mais.
Embora soasse machista, não era. Eu não iludia ninguém, não
prometia coisas que jamais poderia dar. E sempre deixei isso muito
claro em todas as vezes a cada uma delas. Preferia a certeza de um
encontro casual, sem qualquer tipo de incômodo, a me envolver e
viver novamente o que vivi quando Laura se foi.
Sem emoções, sem surpresas.
Assim era a minha vida, e eu estava extremamente
confortável. Eu não conseguia lidar com o imprevisível, com a
desordem e a bagunça, por isso era sempre muito racional e
controlador. Minha família, meus amigos e aqueles que trabalhavam
comigo sabiam como as coisas funcionavam e ninguém me
confrontava ou tentava me mudar.
Nos últimos quatro anos, os arranjos com outras mulheres
haviam funcionado perfeitamente. Entretanto, uma certa morena
surgiu em minha vida, em uma coincidência devastadora e, embora
eu estivesse certo da minha decisão de não me envolver com ela
sob qualquer hipótese, ela não estava facilitando em nada.
Alícia Castro era a melhor amiga de Isabela, a mulher de
Romeo. Eu a conheci em um período turbulento, e se naquela
época, mesmo com seu interesse evidente em mim, já não existia a
menor hipótese de eu me envolver com ela, por saber no que tudo
implicaria, agora muito menos.
Era quase como algo proibido. Um erro. Uma tragédia
anunciada.
Ficar por ficar com Alícia não era correto. Eu não era o tipo de
cara que queria um romance. Qualquer história de amor que eu
acreditei um dia, assim como o meu ‘felizes para sempre’, foram
enterrados junto com Laura e tudo que eu sentia por ela.
Meus pensamentos foram interrompidos por uma batida à
porta da minha sala, e, segundos depois, Romeo entrou por ela.
Levantei-me para cumprimentar meu sócio, não nos víamos há
alguns dias, uma vez que ele estava ficando bastante tempo no
Brasil ultimamente.
— E aí, irmão? — Cumprimentei-o com um abraço.
— Fala, Lucca. Como estão as coisas por aqui? — indagou.
— Melhor impossível, tudo tranquilo até demais para o nosso
padrão — respondi, enquanto nos sentávamos.
Romeo deu uma risada, sabendo que aquilo era realmente
uma novidade. Raramente essa calmaria permanecia, geralmente
nossa empresa mantinha um ritmo agitado, e esse era um dos
motivos que nos levou a um crescimento acelerado.
Na verdade, desde que adquirimos a pequena destilaria anos
atrás, e transformamos no que hoje era a AURUM, não tínhamos
muitos dias de paz. Agora estávamos colhendo os frutos de anos de
trabalho, e dos muitos que ainda viriam.
— Isso é bom, estávamos precisando respirar um pouco —
Romeo falou.
O som de uma notificação tocou em seu celular e a tela
clareou, mostrando a imagem de Giordana e Noah, seus filhos, no
plano de fundo. Romeo respondeu rapidamente, e não deixei de
notar o sorriso contido na sua expressão, certamente era Isabela.
— Como estão as crias? — perguntei.
— Estão bem, Isabela acabou de me mandar uma mensagem
falando que Giordana acordou pedindo pelo papà[11]. Ontem foi foda,
Gio ainda não entende, mas Noah chorou e quis vir comigo.
— Eles são muito apegados a você, cara. Como vai ficar essa
situação da distância?
— Não sei ainda, mas enquanto não definirmos, pretendo ficar
por lá a maior parte do tempo. — Respirou pesadamente. — Minha
vontade era trazer os três para cá de uma vez, mas Isabela não
pode largar tudo, não ainda. Tem o ateliê com a Alícia e toda a vida
em Ouro Preto.
— É uma situação complicada.
— Porra, demais! Viajei essa madrugada e já estou sufocando
de saudades deles.
— Quem te viu, quem te vê, meu amigo — zombei e
gargalhamos.
— Estou realmente fodido... mas acho bom você não me
zombar muito, quem sabe no futuro não seja você a estar com as
bolas presas — disse, contendo o deboche.
— Isso está totalmente fora de cogitação — garanti.
— Veja bem a minha história, você acompanhou tudo de perto
— refletiu. — E olha como estou amarrado até os fios de cabelo
agora, feliz da vida por isso.
— É diferente.
— A situação até pode ser, mas eu tinha o mesmo
pensamento que o seu sobre relacionamentos.
— Não me fode, Romeo — grunhi, um pouco agoniado.
Eu não costumava me abrir sobre o assunto, e Romeo sabia
disso melhor do que ninguém, nunca foi de insistir. Entretanto, eu
sabia por que ele estava me sondando, e jogando essas indiretas.
— Você sabe que eu só quero o seu bem, irmão. E sinto que
você está se fechando cada vez mais.
— É só uma fase, é tudo muito recente ainda. E eu continuo o
mesmo — garanti.
— Sinto muito por toda essa merda, mas será que não é o
momento de esquecer de tudo isso e viver?
— Eu estou vivendo.
— Respirar AURUM e foder todo dia uma mulher diferente é
viver?
— Para mim, sim.
— Alícia está interessada em você, falou para a Isabela que
gostaria de conhecê-lo melhor — disse o que eu já imaginava.
Tinha um faro extremamente apurado, conseguia sentir de
longe quando uma mulher estava interessada em mim. Mas jamais
ficaria com Alícia, nem que ela fosse a última mulher do mundo. Ela
era extremamente interessante, linda, mas totalmente proibida.
Era homem de uma noite só, e não ousaria entrar em qualquer
relação que pudesse me afastar do meu amigo. E era o que
acabaria acontecendo, caso eu machucasse a melhor amiga de
Isabela. Seria injusto demais com todo mundo.
— Você sabe que não vai rolar, Romeo. Não sou homem para
ela... isso seria completamente errado.
— Lucca, você está sendo radical demais — comentou,
encarando-me.
— Tem certeza de que você quer entrar nesse assunto? —
indaguei, sentindo-me sufocado, pressionado.
Pela primeira vez, quase acabei jogando todas as merdas que
ele fez no ar. Mas me contive a tempo, eu seria muito desgraçado
se fizesse isso com meu amigo, principalmente, depois de tudo que
aconteceu. Embora não concordasse em nada com o que ele armou
desde o início com seu pai, nunca o julguei, e não faria isso agora
que estava tudo resolvido.
— Me desculpe, não quis ser invasivo.
— Sou eu que preciso me desculpar, eu não queria que...
— Está tudo bem, o que passou, passou — falou, cortando o
assunto.
— Você sabe como as coisas funcionam comigo, não posso
me envolver com Alícia, nem com mulher nenhuma.
— Se você diz, tudo bem, cara. Estarei ao seu lado sempre, e
te apoiarei em qualquer decisão — disse, firme.
Eu sabia que ele não estava falando aquelas coisas por mal,
no entanto, eu ainda ficava incomodado. Não era um assunto fácil
para mim e por muito tempo fora proibido, eu não gostava de me
sentir pressionado com aquilo, nem com a agonia que as
lembranças traziam.
— Perfeito. E tempo é dinheiro, vamos falar sobre trabalho que
ganhamos muito mais, literalmente — afirmei.
Passamos o restante da tarde falando sobre negócios e, por
ora, aquele tema ficou esquecido. Almoçamos por ali mesmo,
enquanto trabalhávamos em um novo projeto para levar a marca
AURUM para toda a América do Sul. No Brasil já estava tudo
encaminhado, agora ampliaríamos nossos horizontes. Era um
projeto grande, estava demandando muito do nosso tempo.
O que para mim, particularmente, estava sendo ótimo. Tudo
que eu não precisava agora era de uma mente ociosa, porque isso
me levaria a uma sucessão de pensamentos que eu tentava a todo
custo esquecer.
 

 
Saí da empresa já era noite, e segui direto para o jiu-jitsu. Eu
praticava há dezenove anos, desde os meus doze. Já era faixa
preta há uns bons anos, e dava para contar nos dedos quantas
vezes faltei. Mesmo quando precisava viajar, eu dava um jeito de
encontrar um local na cidade em que estava para poder praticar.
Precisava liberar endorfina, quase como precisava do ar para
respirar.
Eu costumava ser muito regrado com todos os meus
compromissos, além de ser extremamente pontual. Odiava qualquer
tipo de atraso, por sinal. Além de jiu-jitsu, eu também fazia algumas
horas de musculação durante a semana. Eu tinha a minha rotina, e
dificilmente saía dela. Era algo que me deixava totalmente
estressado.
Eram raros os momentos em que eu não pensava em nada,
absolutamente nada. E somente a luta me trazia isso. Por isso era
uma paixão. Eu precisava estar bem concentrado para poder
imobilizar meu oponente e vencer, o que acontecia com frequência.
Dificilmente eu entrava em uma luta para perder.
E isso não era apenas no jiu-jitsu.
Cheguei ao meu apartamento uma hora depois, tomei um
banho, me arrumei e segui para o Divine, um clube de sexo
exclusivo e seleto que ficava em Monreale, cidade vizinha de
Palermo. Antigamente, Romeo sempre ia comigo, mas agora,
estava preso até as bolas. Literalmente.
Até pensei em convidar o meu amigo para bebermos em
algum pub na cidade. Porém, eu sabia que se saíssemos hoje
nossa conversa nos levaria para assuntos que eu não gostaria de
retomar.
Preferia que ficasse trancado apenas em meus pensamentos.
Por mais que doesse, eu poderia lidar com a minha própria
consciência, mas não poderia lidar com alguém tentando abrir meus
olhos ou me fazendo enxergar por outra perspectiva.
Para ele, ou meus pais, era difícil de compreender a forma que
eu havia escolhido para seguir a minha vida. Eles, no entanto,
estavam de fora da situação. Só eu vivi toda aquela merda, por isso,
só eu sabia o que era melhor para mim naquele momento. 
Para encerrar o dia, o que eu realmente precisava era de uma
boa rodada de sexo forte com uma mulher diferente. E esquecer
tudo aquilo que estava me atormentando, mesmo que por algumas
horas.
 
Capítulo 2
OURO PRETO, MINAS GERAIS, BRASIL

 
ALÍCIA CASTRO

 
A quinta sinfonia de Beethoven tocava no ambiente enquanto o
pincel em minha mão deslizava pela tela, fazendo-me esquecer
completamente do mundo à minha volta. Pintar, além de uma paixão
antiga, era também uma verdadeira terapia para mim.
Eu era fascinada por arte em geral, mas desde que me
entendia por gente, amava pintura. Quando criança, nada me fazia
mais feliz do que ganhar lápis de cor, tinta guache, giz de cera ou
toda e qualquer coisa colorida que eu pudesse rabiscar. Preferia
isso a brinquedos em geral.
Sempre fui o tipo de pessoa agitada, ansiosa. A rotina era algo
que me deixava extremamente nervosa. Precisava sempre de algo
diferente, amava surpresas, e o previsível era tedioso demais para
mim.
Pintar era a única coisa que mantinha minha energia mais
suave. Além de me acalmar sempre que algo em minha vida parecia
um tanto fora do controle, bagunçado, ou quando alguma coisa não
acontecia da forma que eu esperava. Com exceção do meu lado
profissional, eu não era a pessoa mais organizada da face da terra,
mas tinha outras tantas qualidades. E sempre focava nelas ao invés
de me perder em meus defeitos.
Muitos pensavam que eu era mimada, mas não era. Eu
apenas tinha uma personalidade forte e ia atrás de todas as coisas
que queria, lutava para conquistá-las. E, geralmente, sempre
conseguia. Para alguns até poderia soar como soberba, arrogância,
mas quem me conhecia de verdade sabia o tamanho do meu
coração. E só a opinião deles me importava. O que os outros
pensavam era problema deles.
Foram meus pais que me ensinaram a ser uma mulher forte e
corajosa. Minha família era tudo para mim. Clarice, minha mãe, era
uma das minhas maiores confidentes, eu contava absolutamente
tudo para ela, e não tinha nenhuma vergonha. Era dona dos
melhores conselhos e eu me inspirava muito na mulher que era. Seu
Joaquim, meu pai, era um homem incrível, inteligente, forte, meu
herói, protetor com a família, nossa base. Max, meu irmão, era
exatamente como ele, não apenas nos trejeitos, como na aparência.
Meu pai era gaúcho e fazia o melhor churrasco do mundo, já
minha mãe era mineira. Os meus avós paternos ainda eram vivos e
geralmente nos víamos umas quatro vezes por ano. Meus avós
maternos, no entanto, já tinham falecido quando eu era criança, por
isso, tinha poucas lembranças dos dois.
A história dos meus pais era uma inspiração para mim. Foi um
amor de carnaval que perpetuou. Eles se conheceram bem jovens
em uma viagem que fizeram ao Rio de Janeiro, e passaram alguns
anos namorando à distância até se casarem.
Seu Joaquim, após se formar em Direito, decidiu vir para perto
do seu grande amor. Ele começou trabalhando em escritórios de
advocacia, mas há alguns anos se tornou sócio de um dos maiores
escritórios do estado. Max também se formou em Direito, mas
exerceu a profissão até virar sócio de uma das mais luxuosas
boates de Minas Gerais.
Mamãe, apesar de ter se formado em Pedagogia, nunca
trabalhou na área, pois, assim que se casou, por decisão própria,
assumiu com maestria a tarefa de cuidar da casa, do marido e dos
filhos. E aquilo a deixava extremamente feliz e satisfeita.
Tanto eu quanto meu irmão ainda morávamos com os nossos
pais. Entretanto, eles viajavam bastante. Max e eu costumávamos
dizer que viviam em uma eterna lua de mel, mesmo depois de
tantos anos juntos. E isso era raríssimo.
Distraí-me com o toque de uma notificação no meu celular,
larguei o pincel, limpei as mãos em um paninho que sempre ficava
por perto, e abri a mensagem. Revirei meus olhos, impaciente, ao
notar do que se tratava.
Há mais ou menos um mês, eu fiquei com um colega do sócio
do meu irmão e o cara não saiu mais do meu pé. Eu gostei de ficar
com ele, por isso, acabamos transando na segunda e última vez, e
desde então ele mandava mensagem quase todos os dias para
mim, querendo me ver novamente.
Isaac era um homem inteligente, bonito e o sexo foi regular,
não havia rolado uma química explosiva. Não despertou nada
diferente em mim ou que pudesse me levar a ter uma relação a mais
com ele.
Confesso que estava me sentindo um pouco travada em
relação a isso, e talvez a culpa nem fosse sua, mas sim, minha. Eu
havia conhecido uma pessoa que estava mexendo comigo sem
nunca termos tido absolutamente nada além de poucos minutos de
conversa.
Não sabia explicar o que tudo aquilo significava, porque até
então nunca tinha acontecido algo assim. Inclusive, eu me
conectava com alguém, inicialmente, pela conversa. Achava que
essa coisa de atração à primeira vista só acontecia em filmes ou
livros de romance.
Até que aconteceu comigo.
Meus pensamentos me levaram a algum tempo atrás, no dia
em que vi Lucca Maserati pela primeira vez. Um italiano esculpido
por Deus que estava tirando meu sono e que quanto mais eu
tentava me aproximar, mais ele se afastava de mim.
Eu o conheci há algum tempo, mais precisamente no dia em
que Isabela, minha melhor amiga, e Romeo, melhor amigo dele, se
casaram no civil, aqui em Ouro Preto. Tudo que aconteceu depois
me deixou bastante irritada, magoada, principalmente pelo fato de
que ele, de certa forma, estava envolvido. Eu evitava pensar
naquilo, porque felizmente passou e, depois de tantas turbulências,
as coisas finalmente se acertaram.
O problema era que, desde então, não consegui mais tirá-lo
dos meus pensamentos. Não tivemos tanto contato, mas o pouco
que tivemos, deixei subentendido que estava interessada. No
entanto, ele pareceu não entender, ou estava se fazendo de sonso.
Não era amor, estava longe de ser, mas era uma atração muito
forte e eu sabia que, no fundo, ele também sentia o mesmo. Suas
ações poderiam me dizer uma coisa, contudo, a forma como ele me
olhava dizia outra totalmente diferente.
Lucca também me queria, mas, por algum motivo, estava me
repelindo.
E talvez era isso que tornava tudo mais fascinante. Eu adorava
paquerar, e a parte da conquista, para mim, era a melhor de todas.
Aquele italiano misterioso ainda seria meu, nem que fosse apenas
por uma noite.
Escutei uns gritinhos conhecidos e logo Isabela e Giordana,
minha afilhada linda, entraram pela porta da minha sala no nosso
ateliê. Levantei-me, e antes mesmo de falar qualquer coisa, a
gorduchinha levantou os bracinhos na minha direção, dando aquele
sorriso com poucos dentes que eu amava mais do que qualquer
coisa.
— Cadê a ameixinha da madrinha? — Fiz graça, e ela deu
mais um gritinho, como se estivesse entendendo tudo.
Dei mil beijos na sua bochecha e a apertei um monte,
enquanto ouvia sua risadinha gostosa. Giordana ganhou o apelido
de ameixinha quando Isabela estava grávida de doze semanas e a
médica disse que ela tinha o tamanho de uma ameixa. Depois disso,
o apelido ficou.
— Agora eu sou totalmente ignorada — minha melhor amiga
disse, sorrindo feito boba.
— Claro que não, eu amo você também — falei, abraçando-a.
E era a mais pura verdade, Isa era como uma irmã para mim.
Nós duas nos conhecemos desde criança, da época da escola e
não nos desgrudamos mais. Tínhamos várias coisas em comum, ela
também amava arte, mas tinha o dom incrível de transformar
cerâmica em lindos objetos.
Éramos parecidas em alguns aspectos, mas em outros,
totalmente diferentes. E isso era o que fazia com que nós duas nos
déssemos tão bem. Éramos como carne e unha. Já passamos por
muitas coisas juntas, estive ao lado dela em vários momentos.
Minha amiga se tornou órfã quando ainda era muito pequena, e
minha família acabou se tornando uma família para ela também.
Isabela Moraes foi um presente nas nossas vidas.
— Hum... sei! — zombou.
— Cadê o meu sobrinho? — perguntei, referindo-me ao Noah.
— Está na escola. Já não o levei ontem porque estava um
pouquinho febril, mas hoje acordou melhor, graças a Deus.
— Que pecado, o que houve? Resfriado? — indaguei.
— Não, ele está bem. Acredito que tenha sido emocional, por
conta da viagem de Romeo — respondeu-me, e eu me lembrei que
já havia acontecido outras vezes quando ele ainda estava no
orfanato.
Noah era um menino extremamente sensível e carinhoso. Eu o
amava como parte de mim, assim como amava a minha ameixinha.
— Que bom que ele está melhor...
— Mas me parte o coração cada vez que o Romeo precisa ir
para a Itália, ele fica muito triste. Ele e Giordana são extremamente
apegados ao pai. — Suspirou.
— Não são apenas eles, não é, amiga? — brinquei, e ela
sorriu.
— Pois é! Você sabe que nunca gostei de despedidas, e cada
vez fica mais difícil, porque agora vejo os meus dois amores tristes.
— Mais cedo ou mais tarde vocês precisarão acertar isso.
Isabela estava relutando em se mudar para a Itália, assim
como para Romeo, vir definitivamente para o Brasil seria
praticamente impossível por conta da empresa. No entanto, eles
não conseguiriam mais ficar tanto tempo nessa situação.
— Eu sei... mas enquanto ele tiver trabalho por aqui, vamos
levando desse jeito. Não posso deixar tudo aqui também. Ouro
Preto é o meu lar, este ateliê é o nosso sonho realizado.
— Entendo, Isa. Mas eu já falei várias vezes para você que eu
consigo tocar tudo daqui. Nós daremos um jeito, só não quero ver
você ou as crianças sofrendo com essa distância.
Minhas palavras eram do fundo do meu coração. Minha amiga
estava formando sua família, e eu seria egoísta se pensasse apenas
em mim e no nosso investimento no ateliê. Eu morreria de saudades
da nossa convivência diária, mas, felizmente, tínhamos ótimas
condições financeiras e poderíamos viajar sempre que quiséssemos
ou precisássemos.
— Você tem razão, uma hora vai acontecer. Mesmo com tudo
aqui, seria mais fácil eu ir de vez para lá, do que Romeo se mudar
para cá definitivamente — disse, pensativa —, mas não é só isso,
também tem a tia Gisele, eu quero que ela vá comigo. Não posso
deixá-la sozinha.
— Vocês já conversaram sobre isso?
— Mais ou menos, ela ainda está meio entorpecida com tudo
que aconteceu. Se recuperando, não quero que ela decida nada por
enquanto, até que esteja bem emocionalmente.
Gisele era a tia que havia criado Isabela junto com o ex-
marido, Marcos. Não suportava nem mesmo me lembrar daquele
monstro desgraçado. Tanto Isabela quanto Gisele sofreram nas
mãos daquele psicopata. Felizmente, ele estava longe das nossas
vidas para sempre.
— Tem razão — concordei enquanto Giordana seguia
mexendo com seus dedinhos gordinhos no meu colar. — E o seu
cunhado? — perguntei, referindo-me ao Lucca.
— Virá com o Romeo depois de amanhã, eles têm algumas
reuniões por aqui — respondeu, sondando-me e me deixando com
borboletas no estômago.
— Hum... será interessante.
— Pensei em preparar uma janta para a chegada deles, quer
me ajudar? — inquiriu.
— Posso ajudar cuidando dos meus sobrinhos, já que sou um
zero à esquerda na cozinha e você sabe disso. Da última vez que
tentei fazer um ovo quase coloquei fogo na cozinha — falei e nós
duas gargalhamos.
— Nem me lembre disso. Coitada da sua cozinha, ficou com
cheiro de queimado por uma semana.
— Engraçadinha — brinquei, e Giordana riu conosco, como se
estivesse entendendo tudo.
— Dada — resmungou, e eu me apaixonei mais um pouquinho
pela pequena que trouxe sol para as nossas vidas.
Giordana mudou tudo.
— Dinda, amor... repete: dinda! — disse, e ela me encarou
como se eu fosse a coisa mais engraçada do mundo.
— Papà — respondeu, e eu revirei os olhos, Isabela riu.
— Não adianta, Ali, é só papà.
Sorrimos, a primeira palavrinha da princesa foi papà, dita
recentemente. E até agora nada de mamãe, titia ou dinda. Era só
papà para lá, papà para cá. E outras coisas aleatórias que ninguém
entendia.
— Não é justo, Romeo deve estar se achando a última gota de
água do deserto — falei.
— Verdade, amiga... ele se transforma quando está com Gio e
Noah, nem parece aquele homem marrento e sério de sempre.
— Ele se derrete por você também... nunca vi um homem tão
maluco pela mulher como ele é por você — comentei, e ela corou,
dando um sorrisinho tímido.
Isabela era um doce, nunca perdia essa meiguice, desde
criança era assim.
Meu celular tocou novamente e assim que vi o nome de Isaac
na tela, bufei, irritada.
— O que houve? — minha amiga perguntou.
— Isaac não para de mandar mensagem.
Eu já tinha comentado com ela, contava tudo para Isa.
— Sério? Não desistiu ainda?
— Não, deve ter se apaixonado, afinal, Alícia Castro é
realmente irresistível — brinquei.
— Você é incorrigível, amiga — Isa disse, sorrindo. — Bom,
tenho alguns trabalhos para fazer.
— Ah, e sobre as entrevistas que fizemos na semana passada,
já conversei com a nossa escolhida e na próxima semana, após
fazer os exames, ela deve comparecer aqui com a documentação
de contratação.
Estávamos precisando de uma pessoa de confiança para nos
auxiliar na galeria, já que o trabalho estava aumentando a cada dia.
E, dessa forma, conseguiríamos focar nas nossas artes, enquanto
teria uma pessoa capacitada para cuidar de todas as questões
administrativas e burocráticas.
— Perfeito.
— Pode ir fazer as suas coisas, amiga, eu cuido dessa
princesa. Não tenho tanta urgência no meu quadro.
— Você é a melhor — falou, abraçando-me.
— Eu sei — zombei, e ela foi para a sua sala, sorrindo. — E
você, meu amorzinho? Que tal me ajudar a conquistar o titio Lucca?
— sussurrei.
— Dada... — resmungou, colocando a boquinha no meu
queixo e mordendo-o.
— Isso é um sim? Perfeito... vamos conquistar aquele italiano
carrancudo. Aliás, você já o conquistou, não é mesmo? Garotinha
de sorte...
Era a mais pura verdade. Giordana era encantadora. Era
impossível não se apaixonar. Sentei-me com ela à mesa e dei
alguns lápis coloridos para ela rabiscar. Eu me perdi completamente
no tempo, sentindo-me enlevada, preenchida de tanto amor por um
serzinho tão pequeno.
Ser mãe não era um dos meus maiores sonhos, esse sempre
foi o desejo da Isa. Eu ainda me achava muito jovem para tal, tinha
apenas vinte e um anos e outros planos antes de formar uma
família. E, por enquanto, estava muito satisfeita sendo titia e dinda
de dois anjos.
Entretanto, confesso que depois do nascimento de Gio, algo
mudou. Como se um lado maternal, que até então eu não conhecia,
tivesse aflorado dentro de mim. Mas, por ora, meu foco era outro.
Um relacionamento e uma gravidez não eram minhas prioridades no
momento.
Existia um tempo certo para cada coisa, eu acreditava nisso.
 
Capítulo 3
 
LUCCA MASERATI
 

Desembarcamos em Belo Horizonte no final da tarde e


seguimos para Ouro Preto. Romeo me deixou no hotel e seguiu
para a sua casa, não sem antes me fazer prometer que iria jantar
com eles.
Eu não ficava mais na sua casa, mesmo que meu amigo e
Isabela insistissem por isso. Antes de se casarem, eu não via
problemas, mas agora era diferente. Tinha a vida de casados
iniciando, tinha os filhos, a privacidade deles, e até mesmo a minha.
Por isso, sempre que precisava vir ao Brasil, eu acabava me
hospedando em um hotel.
No hotel, além da suíte presidencial que estava sempre
reservada para mim, tinha também um carro alugado que a locadora
mantinha à minha disposição para quando eu estivesse aqui. Eu
não gostava de depender de outras pessoas para me locomover,
assim como preferia dirigir a andar de táxi sempre.
Violetta, que além de ser minha tia, também trabalhava na
AURUM conosco, era quem organizava tudo e não precisávamos
nos incomodar com nada. Nem eu nem Romeo, ela preparava todas
as nossas viagens e como já nos conhecia e sabia do que
gostávamos, fazia isso muito bem, era certeira em cada detalhe.
Após tomar um banho demorado, me arrumei e segui para a
casa de Romeo e Isabela.
Por volta das 20h30, adentrei os portões da residência deles.
Uma bela mansão no alto de um morro, ladeada por um jardim
gigantesco e cheio de árvores. Longe do aglomerado do centro
histórico, mas com uma excelente localização.
Antes que eu pudesse sair do carro, eu a vi. Alícia Castro
estava de costas, na varanda da casa, falando no celular sem se dar
conta de que estava sendo observada.
Ela gesticulava, enquanto eu a encarava de longe, meio
embevecido com a visão daquele corpo perfeito, dentro de um
vestido preto, curto e apertado. Alícia era uma delícia, mas aquela
bunda era um show à parte. Redonda, arrebitada, e que pedia uns
tapas. De repente, a temperatura que já estava quente, subiu mais
uns dez graus e decidi sair do carro, ignorando meus próprios
pensamentos.
Quando escutou a batida da porta e o som do alarme
indicando que eu havia trancado o veículo, ela se virou de imediato.
Caminhei na sua direção e ela não desviou os olhos dos meus,
mesmo parecendo compenetrada na sua conversa.
Alícia era uma bela mulher, em outras circunstâncias, já teria
passado pela minha cama. Suas curvas fariam qualquer monge com
voto de celibato pecar. Além da bunda espetacular, os seios eram
de tamanho médio e a cintura estreita. Seu cabelo tinha cor de
chocolate, da mesma cor dos olhos e das sobrancelhas, e
contrastavam completamente com a pele em tom moreno-claro.
Era pequena... e se não bastasse toda a beleza, a ragazza[12]
tinha um cheiro totalmente afrodisíaco, ela exalava sensualidade.
No olhar, no andar, na voz. E toda maldita vez que ficávamos
próximos, que felizmente não foram muitas, tive que me manter
indiferente para não a devorar.
A nossa relação nunca passaria daquela que já tínhamos, uma
vez que eu jamais me envolveria com ela, mesmo que casualmente,
pelo fato de ser uma pessoa próxima demais.
Eu não pretendia me apaixonar de novo. Sentimentos como
paixão nos deixavam cegos e eu já me fodi por causa disso.
Portanto, nunca mais repetiria o erro. Eu nunca poderia dar nada
além de sexo para Alícia, e, entrar nesse jogo poderia ser perigoso
demais. Ela acabaria se machucando, e minha relação com Romeo
poderia estremecer, algo que eu não permitiria nunca.
Cumprimentei-a com um aceno de cabeça e entrei pela porta,
observando a pinta pequena que tinha no canto da boca — que era
um charme à parte —, e ignorando totalmente o perfume gostoso
que senti quando passei ao seu lado. Entrei na casa e fui direto para
a sala, que tinha uma das visões mais privilegiadas. A paisagem
parecia, de fato, um porta-retrato, principalmente, durante o pôr do
sol. Enquanto desaparecia por trás das montanhas de Ouro Preto,
dava lugar à escuridão da noite, iluminada pela luz da lua.
Romeo estava sentado no tapete, com Giordana e Noah ao
seu redor, enquanto carrinhos e bonecas estavam espalhados pelo
chão e eles brincavam juntos.
— Buonasera[13] — falei, não esperando o que viria a seguir.
— Titio Úka... — Noah se levantou e veio correndo na minha
direção.
— Piccolino[14]. — Eu o peguei no colo, e ele me abraçou com
força. — Você cresceu, hein... sua mãe está te dando fermento? —
brinquei, bagunçando seu cabelo e ele gargalhou, achando graça.
— Shim... titio, bincá de calinho... — convidou, já se debatendo
para sair dos meus braços.
— Claro, amigão.
Romeo havia comentado comigo que Noah estava
frequentando uma fonoaudióloga, após perceberem alguns atrasos
na fala. Ele estava com quase oito anos, e não era nada muito sério,
mas entenderam que aquilo seria melhor para o desenvolvimento
dele, enquanto se adaptava também com a rotina da escola.
— Calma, filho, deixa o titio chegar primeiro — Romeo disse,
tentando conter um pouco da agitação do menino, que já estava
distraído com os carrinhos.
Quando me aproximei, Giordana ergueu os bracinhos na
minha direção.
— Dada...
Eu a peguei dos braços do meu amigo e brinquei com ela,
erguendo-a para o alto, arrancando suas gargalhadas infantis.
Giordana estava cada dia mais linda e parecida com a Isabela. A
bebê era a cópia da mãe.
— Piccolina! Che bella![15]
— Boa noite, Lucca. — Isabela apareceu na porta entre a sala
de jantar e a sala e se aproximou, cumprimentando-me com um
beijo no rosto. — Tudo bem?
— Tudo ótimo, grazie[16] — respondi e ela sorriu, simpática e
receptiva.
— Essa menina não tem jeito — comentou, enquanto Giordana
puxava os pelos da minha barba por fazer. — Ela vive fazendo isso
no Romeo, não perde a mania.
— Não tem problema, é a piccolina do titio — falei, meio bobo.
Italiano era a minha língua materna, por isso era natural que
algumas expressões saíssem no meu idioma. Entretanto, eu
também era fluente no inglês e no português. Este último, aprimorei
nos últimos meses após muitas vindas para o Brasil. Mas, ainda
assim, percebia que o meu sotaque era muito mais carregado do
que o do Romeo.
— Filha, vem com a mamãe e deixa o titio Lucca conversar
com o papai.
Isabela tentou tirá-la do meu colo, mas a menina fez pirraça,
negando com a cabeça e abraçando-me com força pelo pescoço.
Não contivemos a gargalhada, ela era demais.
— Assim o papà vai ficar com ciúmes, bambina[17] — zombei,
debochando do olhar mortal que Romeo lançava para mim ao se
levantar.
— Vai se foder, figlio di puttana — disse, rindo.
— Romeo! — Isabela o repreendeu, e ele a abraçou pela
cintura. — Eu já pedi para você não falar essas coisas na frente das
crianças — falou, e, apesar de ter sido baixinho e de maneira
discreta, acabei ouvindo.
— Scusa, amore[18] — pediu, dando um beijo em seus lábios.
— O que a ameixinha da madrinha está aprontando? —
Escutei a voz de Alícia.
Seu timbre era diferente de qualquer outro. Era rouco, baixo...
até nas pequenas coisas exalava sensualidade. E eu já tinha
percebido desde a primeira vez que não era algo forçado ou vulgar,
era totalmente natural dela.
Giordana olhou para Alícia, e pareceu pensar se continuava no
meu colo ou iria para o dela. A ragazza se aproximou mais, ficando
com o corpo quase colado ao meu para fazer carinho nas costas da
bebê.
Antes, no entanto, sua mão alisou o meu braço.
— Me desculpe por não o ter cumprimentado direito, Lucca.
Tudo bem com você? — perguntou.
— Não há com o que se desculpar. Estou bem, e você?
— Ótima — disse, encarando-me com um sorriso.
— Titia Íxia, pla voxê. — Noah se aproximou, entregando um
papel para Alícia.
Ela se abaixou para ficar da altura dele, enquanto olhávamos o
desenho que tinha vários corações, e o nome de Alícia por toda a
parte. Percebi que ficou surpresa e emocionada com aquele gesto,
e o abraçou fortemente.
— Que desenho lindo, príncipe. Vou guardar com muito
carinho — falou, beijando sua bochecha. — Te amo, te amo, te amo!
Meu lindo!
— Pelo jeito, perdemos nossos filhos, Romeo — Isabela disse
e sorrimos.
Depois que Alícia soltou Noah do abraço, ele abraçou as
pernas de Isabela e ficou grudado na mãe, enquanto Giordana
ergueu os braços para Romeo.
— Papà — falou, e meu amigo sorriu como um bobo e a
pegou.
— Amore, preciso da sua ajuda ali com algo, vem comigo —
Isabela disse, puxando-o pelas mãos, enquanto Noah foi pulando na
frente deles. — Com licença, fiquem à vontade, nós já voltamos.
Alícia se curvou para pegar a taça de vinho branco na mesa de
centro da sala, e bebericou sem tirar os olhos dos meus. Perguntei-
me silenciosamente qual seria o sabor dos seus lábios, e se a
combinação com o vinho branco era tão deliciosa quanto parecia.
Mesmo que beijar sua boca estivesse fora de cogitação, meus
pensamentos não estavam. Eu era homem, porra! E a maledetta[19]
era uma verdadeira perdição.
— Aceita? — disse, oferecendo-me a bebida, e eu neguei.
— Grazie, vou ficar no uísque por hoje.
— Hum... eu confesso que experimentei um Royal Salute[20]
uma vez e não gostei, acredita? — disse, puxando assunto, e
surpreendendo-me ao confidenciar aquela informação.
— É porque você ainda não provou o nosso uísque, garanto
que vai gostar.
— Eu adoraria, mas não sei se é para o meu gosto. O que eu
provei era um blended 62 Gun[21], com envelhecimento de mais
quarenta anos e tudo aquilo que você já deve saber.
— Interessante que saiba de todas essas informações sem
trabalhar na área...
— Ah, é que o meu pai e o meu irmão são fascinados por
uísque. Lá em casa tem de todos os tipos, sabores, idades... —
Sorriu. — Só está faltando da AURUM.
— Não seja por isso, acho que o Romeo deve ter algumas
garrafas por aqui. Daremos uma para que você leve de presente
para eles.
— Ah, obrigada. Eles vão adorar.
— Lucca, por que você ainda não está bebendo nada? —
Romeo voltou com as crianças, interrompendo-nos.
— Porque você não me ofereceu, cazzo!
— E precisa de convite especial? Você está em casa p... —
Segurou o palavrão antes de soltar.
— Bom, irei ver se a minha amiga precisa de ajuda, com
licença — Alícia falou e se retirou com sua taça de vinho.
Não perdi a oportunidade de secar a sua bunda sem
descaramento nenhum. A ragazza tinha um andar felino, e era como
um ímã, por mais que eu lutasse contra, meus olhos não
conseguiam se afastar daquela beldade.
— Lucca! — Romeo chamou a minha atenção. — Perdeu
alguma coisa ali? Estou falando com você, cazzo!
— Estava distraído! Pare de falar e me sirva uma dose de
uísque. — Maledetto[22]. Quis completar, mas as crianças estavam
ali e tive que segurar a minha língua.
Romeo riu e acenou negativamente, colocando Giordana no
chão perto de suas bonecas, e seguiu para a mesinha de bebidas
que ficava em um canto com acesso praticamente impossível para
os pequenos.
— Distraído, sei...
— Você tem alguma das nossas garrafas de uísque sobrando
aqui? — perguntei, caminhando na sua direção e mudando de
assunto.
— Tenho, trouxe várias da outra vez. Por quê? — indagou,
sondando-me.
— A Alícia comentou que o pai e o irmão dela bebem uísque, e
eu disse que se você tivesse aqui daríamos uma para ela levar de
presente para os dois.
— Ah, entendi... ok. Sem problemas, já vou deixar uma garrafa
daquela com flocos de ouro separada. Me lembre antes de ir
embora — respondeu, e eu acenei em concordância.
Produzimos uma edição especial com flocos de ouro e que
estava fazendo muito sucesso pelo mundo. Como a aceitação do
público foi excelente, como já esperávamos que seria, decidimos
manter a fabricação do novo uísque AURUM. Atualmente era uma
das bebidas mais consumidas no continente europeu.
Meu sócio e eu fizemos um brinde rápido e viramos a dose,
que deslizou perfeitamente. Éramos os melhores e tinha uma razão
para isso. A qualidade era uma das nossas principais
características. Ou seja, não disponibilizávamos nada que não fosse
causar um impacto positivo nas pessoas.
E o nosso ouro líquido se diferenciava das demais marcas
exatamente por isso.
Enquanto degustávamos a segunda dose, dessa vez mais
devagar, Alícia e Isabela surgiram sussurrando e rindo de algum
assunto interno entre as duas. Troquei olhares rápidos com Alícia e
refleti que, se não fossem as doses de AURUM, ficaria muito mais
difícil não partir para cima e dar tudo aquilo que ela estava pedindo
com os olhos.
Maledetta gostosa!
 
Capítulo 4
 
ALÍCIA CASTRO

 
Depois de ajudar Isa a finalizar o jantar e colocar o salmão no
forno, voltamos para a sala. Lucca e Romeo estavam no canto
próximo à mesinha de bebidas, enquanto Gio e Noah brincavam
com os diversos brinquedos ali espalhados.
Aproveitei que Lucca estava conversando com o amigo, para
dar uma boa olhada nele. Era um homem alto, muito alto, tanto
quanto Romeo. E bem forte, musculoso. Olhando de longe, os dois
tinham até o porte físico parecido. Isa e eu estávamos usando um
salto de dez centímetros, e ainda ficávamos baixinhas perto deles.
Nada em Lucca Maserati era delicado. Tudo nele era másculo,
duro, implacável... exalava imponência. Perigo. Do corpo esculpido
à mão, até o rosto perfeito, marcante, com um maxilar bem
desenhado e um nariz romano, típico italiano. Suas sobrancelhas
eram do mesmo tom louro escuro do cabelo, e delineavam
simetricamente os olhos verdes.
Era um homem lindo, e o que mais me chamava atenção nele
era a forma como me encarava, com intensidade. Como se me
despisse, como se pudesse enxergar cada parte de mim. Seu olhar
me arrepiava inteirinha, fazia-me sentir coisas que eu nunca havia
sentido. Fazia-me desejá-lo de uma maneira quase desesperada.
Arrebatadora.
— O jantar está quase pronto, espero que gostem do que
preparamos — minha amiga falou, abraçando Romeo pela cintura.
— Preparamos não, você preparou tudo... eu só fiz companhia
e ajudei a colocar no forno — confidenciei.
— Você não cozinha, Alícia? — Romeo perguntou.
— Não, a última vez que tentei me rendeu alguns traumas, por
isso evito chegar perto de uma cozinha.
— Eu também não sou das melhores, mas com a prática a
gente melhora, amiga.
— Você é a melhor, bella — Romeo sussurrou, galante, e eles
entraram em um mundo só deles.
Virei-me para Lucca, dando de cara com seu olhar em mim,
enquanto tomava um gole do líquido âmbar. Desviei o olhar para o
seu copo, acompanhando os movimentos, observando seu pomo-
de-adão subir e descer.
— Esse é AURUM? — indaguei, e ele acenou em
concordância.
— Quer experimentar? — Seu olhar parecia me perfurar, de
tão intenso, ao mesmo tempo em que ele me oferecia seu copo.
— Quero — peguei-o.
Senti o aroma forte do uísque. Junto, um suave cheiro de
menta, que eu imaginava ser da sua boca. Aproximei meus lábios
do copo, sem tirar o meu olhar do dele. Coloquei um pequeno gole
na boca e tudo ardeu, era forte demais, contudo, tentei manter uma
expressão neutra.
Apesar do gosto bem acentuado, dessa vez realmente não
achei tão ruim quanto da primeira. Depois de poucos segundos após
engolir o uísque, dava para sentir um gosto suave e inexplicável.
Quando finalizei, lambi os lábios e devolvi o copo para Lucca.
— Você tinha razão, eu gostei — falei, e ele me presenteou
com um sorriso de canto.
— Romeo já separou uma garrafa para você levar para a casa
— avisou.
— Obrigada — agradeci, meus olhos fixos nos dele. — Agora
meu pai e meu irmão terão que dividir comigo — gracejei, e todos
riram.
Escutamos o barulho do forno e seguimos para a sala de
jantar. Lucca e eu levamos as crianças, enquanto Romeo e Isabela
seguiram para a cozinha para trazer os pratos para a mesa. O
cheiro estava divino, minha amiga preparou um salmão assado com
ervas finas, molho de alcaparras, batata sauté e arroz branco. Ela
havia preparado também um bife de filé mignon para o Noah, que
não comia peixe.
Gio já havia comido uma sopinha, no mesmo horário da sua
rotina diária. Mas, como estava agitada demais pela chegada do
papai, ficaria conosco durante o jantar. Nós nos servimos e me
surpreendi com as habilidades culinárias da Isa na primeira garfada.
— Ma che buono, bella! Perfetto![23] — Romeo foi o primeiro a
elogiar, deixando Isa totalmente corada.
— Hum... arrasou, amiga, está perfeito! — continuei.
— Parabéns, Isabela, está muito bom — Lucca disse.
Ele falava muito bem português, mas confesso que o charme
do sotaque carregado, misturado à voz grossa e firme era de molhar
calcinhas.
— Obrigada — agradeceu, lisonjeada.
— Ma que bonu, mamma! — Noah disse, tentando imitar seu
pai, e caímos na gargalhada.
O som da sua risada se sobressaiu ao nosso, achando graça
do nosso próprio riso. Meu sobrinho era um amado. Uma criança
muito, muito especial, era um verdadeiro presente nas nossas vidas,
assim como Giordana.
— Meu lindo príncipe, amo você — Isabela disse, fazendo um
carinho nas bochechas dele.
Giordana ergueu os bracinhos na direção da minha amiga e eu
já imaginava o que ela estava querendo. Bastava que nos
sentássemos à mesa para fazer as refeições, que ela pedia para
mamar. Já dava para notar que o sono estava chegando também.
— Ah, eu logo vi que estava demorando hoje — Isabela
comentou, tirando-a da cadeirinha.
Ela virou o corpo um pouco de lado, de modo que pudesse
abaixar a alça do vestido discretamente e, em seguida, colocou um
paninho por cima do seio, e voltou a comer enquanto amamentava.
Isa já havia iniciado a introdução alimentar de Gio, mas a pequena
ainda mamava pelo menos duas vezes por dia, ao acordar e antes
de dormir.
Não contive o sorriso ao vislumbrar a cena, minha amiga era
uma supermãe.
Ela fazia com que a maternidade parecesse muito simples. No
entanto, já pude acompanhar alguns perrengues para saber que não
era tão fácil assim. Algumas escolhas, outras renúncias, assim
como tudo na vida.
Isabela e Romeo trocaram um olhar apaixonado e
compartilhamos alguns assuntos triviais durante o jantar. Estava um
clima extremamente gostoso e agradável. Comida boa, bebida boa,
bons amigos.
Algum tempo depois, Giordana dormiu e Romeo a levou para o
quartinho dela, e em poucos minutos, retornou com o aparelhinho
da babá eletrônica, que mostrava a imagem direto do berço.
— Agora é sua vez, mocinho. Dê boa noite para Alícia e Lucca,
vá escovar os dentes e dormir — Isabela disse para Noah, que fez
um beicinho.
— Não tô com xono, mamma.
— Filho, já está tarde e você precisa obedecer a sua mãe —
falou Romeo, carinhoso. — Vamos, o papai leva você.
— Tá, boa noite mamma! — disse, ganhando um beijo e um
abraço da Isa.
— Durma com os anjinhos, meu lindo príncipe. Amo você.
— Ti amo.
Em seguida, veio se despedir de mim e de Lucca, e saiu de
mãos dadas com o pai. Naquele instante, o celular de Lucca tocou e
ele pediu licença, retirando-se e me fazendo pensar em quem
poderia ser àquela hora da noite de uma sexta-feira. Enfim, também
não me dizia respeito. Além do mais, até onde eu sabia, Lucca era
solteiro.
— Toda noite é isso, ele pode estar morrendo de sono, mas
quer ficar grudado na gente o máximo de tempo que puder — Isa
murmurou, cabisbaixa, interrompendo meus pensamentos. — Por
mim eu deixava, mas precisamos acostumá-lo à rotina.
— Pecado, é até compreensível — comentei, ciente de que
aquilo nada mais era do que carência, e até mesmo receio de ser
deixado de lado.
— Sim. Romeo e eu estávamos pensando em levá-lo a um
psicólogo. Ele é uma criança maravilhosa, mas temos medo de que
carregue alguns traumas para a vida adulta e não saiba lidar com
isso no futuro.
— Seria muito bom mesmo, amiga. Ainda mais depois de
tantos anos no orfanato, é importante que ele consiga compreender
alguns sentimentos, mesmo que ainda seja uma criança — falei.
— É, exatamente como Romeo e eu pensamos.
Romeo e Lucca retornaram algum tempo depois, enquanto
minha amiga e eu conversávamos sobre os seus filhos. Cada dia
era um dia na vida de mãe. E mais do que nunca, minha admiração
por ela só aumentava.
— Estão satisfeitos? — Isabela perguntou.
— Sim, estava tudo ótimo, Isa.
— Sì, grazie mille[24], Isabela — Lucca disse.
E Romeo, mais apaixonado do que nunca, a abraçou e beijou
em forma de agradecimento.
— Fico feliz, espero que tenham guardado um espacinho para
a sobremesa.
E então, foi à cozinha e retornou com uma mousse de limão
que estava divina. Após estarmos todos satisfeitos, seguimos para a
sala. Eu continuei bebendo meu vinho branco, e Romeo e Lucca
continuaram no uísque.
— Agora que minha bezerrinha dormiu e só vai querer mamar
amanhã, vou te acompanhar na tacinha de vinho, Ali.
Romeo a serviu e ela fez um brinde com ele e Lucca, e depois
comigo antes de bebericar em pequenas doses, alternando sempre
com água. Ficamos por um bom tempo entretidos em uma conversa
agradável sobre os mais diversos assuntos. Isabela e eu éramos as
que mais falávamos, enquanto Romeo e Lucca nos observavam.
Algum tempo depois, senti-me um pouco altinha por ter bebido
praticamente a garrafa inteira de vinho sozinha. Enquanto estava
em pé, tudo bem, mas quando me levantei para ir ao banheiro,
parecia que estava pisando em nuvens.
Ao retornar para a sala, Lucca estava de pé, despedindo-se.
— Lucca, se não for incomodá-lo, será que você pode me dar
uma carona? — pedi, já que tinha vindo mais cedo com a Isa, e não
queria ter que pedir para o Romeo me levar, ou ir de táxi.
— Claro, não é incômodo nenhum — ele respondeu.
Nós nos despedimos, Romeo me entregou a garrafa do uísque
e eu os agradeci mais uma vez. Caminhamos até o carro de Lucca,
e me surpreendi quando ele seguiu ao meu lado e abriu a porta para
mim, em um gesto inesperado. Nenhum homem havia feito isso
comigo ainda.
— Obrigada — agradeci e ao entrar no veículo, fiquei inebriada
com o cheiro do perfume amadeirado, maravilhoso, que estava
ainda mais acentuado ali dentro.
Ele acenou para Romeo e Isabela, que estavam abraçados na
varanda, esperando até que saíssemos, e entrou no carro. Sua
presença preencheu absolutamente tudo, e senti um quentinho por
dentro.
— Qual é o seu endereço? — perguntou.
Informei o nome da minha rua e o número da minha casa.
Apesar de Lucca ter ido lá uma vez há algum tempo, quando Romeo
sofreu um acidente, não tinha como ele lembrar, já que não
costumava dirigir em Ouro Preto com frequência.
Por algum motivo, eu não queria que a noite acabasse. Queria
mais, saber mais dele, da sua vida. Queria tentar desvendar um
pouco dos seus mistérios, tocá-lo, beijá-lo. Observei os gestos
másculos ao ligar o carro e segurar com firmeza no volante, fazendo
com que os músculos do braço ficassem ainda mais evidentes
dentro da camiseta preta.
Sem que eu pudesse controlar, desci o olhar pelo seu corpo,
observando a calça jeans escura abraçando com perfeição as suas
pernas, e notei o volume no meio delas. Senti um comichão e
desviei o rosto daquela direção rapidamente, antes que ele
percebesse.
Assim que saímos pelo portão, ele ligou o som e por incrível
que pudesse parecer, estava tocando uma das minhas músicas
preferidas. Eu te devoro, do Djavan.
— Nossa, eu amo essa música — confidenciei, e ele desviou o
olhar da rua para o meu rapidamente.
 
(...)
Sem contar os dias que me faz morrer

Sem saber de ti, jogado à solidão

Mas se quer saber se eu quero outra vida

Não, não
Eu quero mesmo é viver

Pra esperar, esperar

Devorar você
Eu quero mesmo é viver

Pra esperar, esperar

Devorar você
Viver, viver

Pra esperar você

Quero viver

Pra esperar você


Quero esperar você
(...)
 
Cantei baixinho, junto com a música, e cochilei antes mesmo
que ela terminasse. Senti uma mão quente na minha perna, e o meu
nome sendo chamado de longe. Bocejei, segurando a mão e só
então me dei conta de onde eu estava e com quem. Abri meus olhos
e Lucca me encarava fixamente.
— Nós chegamos — murmurou com suavidade.
— Sinto muito por ter cochilado. Além de pedir carona, não fui
uma boa companhia — falei, afastando minha mão da sua.
Ele ainda demorou uns segundos para tirá-la da minha perna.
— Sem problemas. Você deve estar cansada.
— Não estava, mas confesso que o balanço do carro me
deixou com preguiça. — Sorri. — Quem deve estar cansado é você,
depois de ter viajado por tantas horas — completei.
— Estou bem, não se preocupe — garantiu, mas, apesar
disso, seu semblante parecia exausto.
Novamente, aquela vontade de que a noite não acabasse
retornou, então de maneira totalmente impulsiva soltei o convite
antes mesmo que pudesse refletir se era uma boa ideia para aquele
momento.
— Meus pais foram viajar e meu irmão não está em casa. Quer
entrar? Podemos beber algo, conversar um pouco mais.
Lucca me fitou profundamente, certamente analisando se
aquele era um pedido inocente ou se eu tinha segundas intenções.
Tudo ia depender da sua resposta, eu adoraria que ele aceitasse.
— Seria ótimo, mas surgiram alguns imprevistos na empresa e
mesmo à distância, precisarei resolver — respondeu, e me pareceu
sincero.
— Tudo bem, quem sabe um outro dia.
— Sì.
— Obrigada pela carona, Lucca. Boa noite e durma bem —
falei enquanto tirava meu cinto de segurança.
Aproximei-me para dar um beijo em sua bochecha,
desesperada por um mínimo contato que fosse. No mesmo instante,
Lucca, que não previu meu gesto, virou o rosto e acabamos roçando
os lábios um no outro.
Tão perto. Tão quente.
Ficamos uns segundos parados, absorvendo aquela sensação,
tentando entender o que havia acontecido. Eu queria mais,
precisava de mais. No entanto, ele foi o primeiro a se afastar.

— Buonanotte[25], Alícia — murmurou, notei que a voz estava


diferente.
Sorri para ele, peguei a sacola com a garrafa de uísque e saí
do carro. Lucca esperou que eu entrasse pelo portão, e, quando
cheguei à entrada, notei que ele ainda estava parado lá. Acenei,
entrei em casa, tranquei novamente a porta e só então ouvi o
barulho do carro saindo dali. Encostada na porta, toquei meus lábios
e sorri.
Lucca Maserati ainda seria meu.
 
Capítulo 5
 
LUCCA MASERATI

 
Assim que observei de longe Alícia fechar a porta da sua casa,
segui para o hotel. Estava me sentindo incomodado, o pau duro
pressionando o zíper da calça jeans, louco por libertação. O tipo de
coisa que acontecia com mais frequência quando eu era
adolescente, não agora, um adulto feito de trinta e um anos.
Ao chegar à minha suíte, minutos depois, tirei minha roupa e
fui tomar uma ducha fria. Apoiei minhas mãos na parede do boxe,
revivendo as últimas horas e respirando pesadamente. Estava cada
vez mais difícil me manter longe daquela ragazza.
No fundo eu já sabia que, quando a tocasse, jamais
conseguiria tirar minhas mãos dela.
Se eu fosse um homem inconsequente, impulsivo, neste
momento estaria fodendo-a de quatro na sua cama. O convite que
me fez para entrar em sua casa, era como se pedisse, na verdade,
para que eu a fodesse. Podia ver claramente em seus olhos
brilhantes e pedintes.
Ao invés de relaxar, meus pensamentos foram por um caminho
que me deixaram ainda mais duro, e acabei envolvendo minha
própria mão em meu membro em busca de alívio.
Fechei meus olhos, com uma das mãos apoiadas na parede e,
com a outra, fazendo um movimento de vai-e-vem, imaginando
como seria aquela boca, a boceta, o rabo. Fiquei assim por vários
minutos, incontáveis... até começar a sentir que estava na borda.
— Maledetta! Cazzo!
Aumentei a velocidade da masturbação, sentindo a endorfina
tomar conta de cada parte do meu corpo. As batidas do coração
acelerando, pernas trêmulas, respiração ofegante. Não demorou
muito para que eu gozasse feito um louco na parede do boxe.
Balancei a cabeça em negação, sabendo que aquilo não me
contentaria por muito tempo. Eu gostava de sexo, e a minha mão
jamais se assemelharia a lábios femininos, ou a uma boceta e
bunda apertadas. Achei que me sentiria mais relaxado, mas o efeito
pareceu contrário.
Saí do banho, me sequei e fui para a cama com o notebook,
nu mesmo. Eu não menti quando disse para Alícia que tinha coisas
da empresa para resolver. Além do mais, uma noite de sono
completa para mim era artigo de luxo. Nunca fui de dormir muito, na
verdade, poucas horas de sono eram suficientes para mim. E em
viagens, ficava ainda mais complicado por conta do fuso horário.
Naquela noite, no entanto, demorei mais do que de costume.
Após delegar algumas demandas da AURUM para a equipe e
resolver algumas pendências, me deitei e só consegui pegar no
sono quando o dia estava amanhecendo.
 

 
Despertei poucas horas depois, sentindo-me realmente
descansado. Antes de qualquer coisa, fiz minha higiene matinal e
pedi um café da manhã no quarto. Enquanto aguardava, conferi
meu celular e vi uma mensagem de Romeo.
 
Alícia está sozinha em casa e nos
convidou para passar o dia na
piscina com as crianças. E, à
noite, conseguiu entrada vip para
a boate do irmão. Vamos?
 

Se eu recusasse, meu amigo era capaz de vir até aqui e me


carregar. E eu também não era nenhum bicho do mato. Como adulto
que era, socializaria com eles sem nenhuma intenção a mais.
E que Deus me ajude!
 
Ok! A que horas?

 
Estamos terminando de arrumar
as crianças e já iremos. A
propósito, como terminou a noite
ontem?

 
De que forma ele pensou que terminaria?
Provavelmente comigo na casa dela pela manhã. Era o que
aconteceria se Alícia não fosse a melhor amiga de Isabela, e se nós
dois, juntos, não fôssemos causar um estrago maior do que eu
gostaria.
 
Normal, a deixei em casa e vim
para o hotel. Responderei
alguns e-mails e encontrarei
com vocês lá. Até mais tarde!
 

Alguns minutos depois, enquanto eu tomava café, chegou a


resposta dele.
 
Até! E vê se não demora, irmão!

 
Após o café, me concentrei no trabalho para terminar o quanto
antes. Romeo e eu viajaríamos na segunda-feira para São Paulo,
seria um bate-volta. Nós nos reuniríamos com um grupo de chilenos
que estava no Brasil participando de uma conferência internacional
de logística. O Chile seria o segundo país da América do Sul a fazer
negócio com a AURUM. Conferi os últimos detalhes da viagem que
recebi ontem e finalizei os e-mails pendentes.
O trabalho fazia parte da minha rotina de tal forma que eu não
enxergava aquilo como uma obrigação há muito tempo. Era
natural... sentia um prazer imensurável em gerenciar uma empresa
de grande porte como a nossa, tanto quanto lutar jiu-jitsu.
Antes de começar a me arrumar para sair, desci até a
academia do hotel e fiz um exercício de cardio de meia hora. Era
pouco perto do que eu estava acostumado, no entanto, mais tarde
eu não teria tempo então aqueles minutos teriam que ser
suficientes.
 

 
— Bom dia, Lucca, que bom que você veio! — Alícia me
recebeu com um beijo no rosto.
Estava usando uma saída de banho transparente, fazendo
com que eu tivesse pela primeira vez um vislumbre de como era o
seu corpo por baixo das roupas, e da tatuagem de flor que ia da
costela até a lateral do seio.
Um corpo feito para o pecado, e cheio de detalhes que seriam
capazes de me enlouquecer.
— Obrigado pelo convite.
— O dia está lindo, nada melhor do que aproveitarmos cada
segundo, não é? — disse, simpática, enquanto caminhávamos até a
área de festas.
— Com certeza.
— Conseguiu resolver as pendências do trabalho?
— Sim, tudo certo. E você, descansou?
— Dormi feito uma pedra, essa foi uma semana atípica,
bastante movimentada. — Sorriu.
Romeo estava na piscina com Giordana e Noah, e Isabela
estava deitada em uma espreguiçadeira tomando sol. Cumprimentei
a todos e observei que um pouco distante de nós, próximo à área da
churrasqueira, havia um senhor preparando uma variedade de
carnes. Acenei de longe, e Alícia comentou que ele prepararia o
nosso almoço.
— Ele é o segundo melhor churrasqueiro do mundo, o primeiro
é meu pai — sussurrou no meu ouvido, para que apenas eu
escutasse e não contive o sorriso. — Espero que goste de carne.
— Gosto muito! — Olhei fixamente, esperando que ela
entendesse o duplo sentido.
— Eu também, mas prefiro linguiça — murmurou, lançando-me
uma piscadela e me deixando perplexo.
Maledetta!
Naquele momento eu entendi que Alícia estava pronta para
qualquer batalha. E ela não parecia o tipo de pessoa que entrava
em uma luta para perder. O problema, era que eu também não.
Mantive meus olhos nos dela, e pude ouvir seu suspiro baixo de
excitação, mesmo que estivesse tentando disfarçar.
Sem desviar o olhar do meu, ela tirou sua saída de banho e a
pendurou em uma cadeira, deixando-me quase à beira de um
infarto. O clima rapidamente ficou denso, como uma névoa invisível.
Eu lutava contra meus demônios, ao mesmo tempo em que lutava
contra a atração e o feitiço que ela lançou em mim.
— Aceita uma bebida? — indagou, e a pergunta soou como
um convite ao pecado em meu ouvido.
— Uma cerveja, por favor — respondi, e ela foi até o freezer,
trazendo-me uma cerveja bem gelada.
— Pode se servir sempre que quiser. Fique à vontade e sinta-
se em casa. — Dito isso, ela me deu mais um de seus sorrisos e
seguiu para a espreguiçadeira ao lado da sua amiga.
Tirei minha camiseta, ficando apenas de bermuda, e caminhei
até a beirada da piscina. Giordana batia os bracinhos na água e,
mesmo de boia, Romeo a mantinha em seus braços. Noah também
estava por perto, distraindo a irmã.
— Acho melhor você começar a disfarçar... — Romeo
murmurou.
— Do que você está falando? — Me fiz de desentendido.
— Da forma como você olha para ela como se quisesse
devorá-la.
E eu realmente queria. Entretanto, querer não é poder.
— Para com isso, você está vendo coisas onde não tem.
— Não rolou nada mesmo ontem quando você a trouxe? —
sondou.
— Não. E nem vai rolar... ela é uma mulher incrível, mas entre
nós nunca vai passar disso. Amigos em comum seus e de Isabela.
Estávamos longe o bastante para que as mulheres não
escutassem a nossa conversa. Mesmo assim, falávamos baixo e
evitávamos nomes para que Noah não associasse a Alícia e
acabasse falando a ela algo que ouviu. Crianças não tinham filtro.
Apesar de que, ele estava tão distraído com a sua irmã, que
certamente não prestava atenção na conversa dos adultos.
— Bom, te desejo boa sorte então... porque ela está totalmente
na sua e pelo que a conheço, sei que não vai desistir tão fácil.
— Cazzo! — falei, bebendo um gole da cerveja.
Estava pronto para mudar de assunto, quando ele mesmo o
fez.
— Vi seu e-mail sobre a reunião de segunda-feira, achei
perfeito. Espero que eles aceitem a proposta do jeito que está.
— Por isso que orcei os valores com uma certa margem de
segurança para discutirmos. Será um sucesso, tenho certeza.
Romeo e eu nos perdemos na hora, falando de um dos nossos
assuntos preferidos. A fim de ir ao banheiro, perguntei ao Romeo
onde era, e ele disse que não sabia. Fingi que acreditei na sua
resposta e sem tempo para aturá-lo dando uma de cupido, decidi ir
até Alícia.
— Eu acompanho você — ela respondeu após a minha
pergunta e se levantou.
Eu a segui pela bela casa. Apesar de já ter estado aqui uma
vez, não me lembrava muito, pois fiquei apenas na sala. No entanto,
observando agora mais cautelosamente, notei que era tudo
extremamente luxuoso, desde o menor item de decoração. Além de
dinheiro, sua família tinha muito bom gosto.
Não demorei muito na inspeção, pois a mulher à minha frente
estava usando um biquíni rosa pink minúsculo. Na bunda tinha
apenas um fiozinho que eu rasgaria facilmente com um puxão.
Antes que eu pudesse ter uma ereção desavergonhada,
pensei no padre que havia me batizado e hoje era um senhorzinho
muito simpático. Broxei antes mesmo de ficar duro.
Ao chegarmos à porta do banheiro, no entanto, Alícia
cambaleou e eu a segurei.
— Você está bem? — indaguei, sondando seu rosto, que
parecia normal e estava até corado.
— Fiquei tonta de repente... não tomei café da manhã e deve
ter sido por conta do espumante que eu estou bebendo —
respondeu baixo, apertando meu braço.
Entrei com ela no banheiro, minhas mãos estavam ao redor da
sua cintura. Posicionei-me atrás dela e passei uma água em seu
rosto e pescoço, tentando me controlar devido à proximidade e a
sua situação.
Eu merecia um prêmio. Qualquer homem no meu lugar já teria
caído em tentação.
— Pode ter sido uma queda de pressão. Respire fundo e com
calma — falei.
Alícia encostou a cabeça em meu peito e fechou os olhos,
enquanto fazia o exercício de respiração conforme eu havia
orientado. Não deveria ter olhado para o espelho naquele momento,
porque o que eu vi me desconcertou.
O bico dos seios estava rijo no biquíni, e não apenas isso. O
que terminou de foder a minha vida foi ter visto o contorno do que
parecia um piercing no mamilo direito. Senti meus lábios salivarem
só de imaginar aquilo na minha boca. Os seios redondos, perfeitos,
caberiam facilmente em minhas mãos.
— Melhor? — perguntei, não reconhecendo a minha própria
voz.
Ela só acenou em concordância, mas não se mexeu. Meu pau
pressionou a base da sua coluna, e só então Alícia se remexeu,
dando-me a certeza de que havia sentido. Apoiei minhas mãos na
bancada da pia, deixando-a entre os meus braços e agora quem
precisava controlar a respiração era eu.
— Não faça isso — murmurei no seu ouvido.
— Isso o quê? — ela sussurrou, deixando-me maluco.
Cheirei o seu pescoço, como um maldito viciado. Era um dos
melhores cheiros que eu já havia sentido. Não apenas de perfume,
mas de mulher excitada. Um cheiro característico dela, que nunca
senti em mulher nenhuma.
— Você está me fodendo a cabeça. — Levei uma das mãos
até a sua barriga, na região abaixo do umbigo.
— Eu queria estar fodendo o seu pau.
Essa desgraçada não estava passando mal coisa nenhuma.
Era tudo um joguinho de sedução, e a certeza daquilo fez com que o
animal em mim se soltasse. Com o pé, bati a porta do banheiro ao
mesmo tempo em que puxei o seu cabelo, virando-a de frente para
mim. Alícia soltou um gemido de prazer, provavelmente não
esperava aquela reação da minha parte.
Deixei uma trilha de lambidas, beijos e sucções pelo seu
pescoço, enquanto a mantinha presa entre o meu corpo e a
bancada da pia. Cheguei muito perto dos seus lábios, esfreguei
minha boca na pinta charmosa, mas não a beijei.
— Acho bom você não brincar comigo — grunhi.
— E quem disse que eu estou brincando? — Ela tentou me
beijar, mas segurei seus cabelos com firmeza, fixando meus olhos
naquele contorno do biquíni. — Quer provar? — indagou e, no
mesmo instante, desfez o laço do pescoço e ele ficou pendurado
pelas costas.
— Porra!
A visão era o paraíso na terra, uma verdadeira perdição. O
piercing de diamantes em formato de coração brilhava, e era a
primeira vez que eu via aquilo ao vivo e em cores. Por mais que eu
já tivesse ficado com diversas mulheres, nenhuma tinha a mesma
ousadia de Alícia.
Eu tive a certeza de que aquele momento havia sido o início do
meu fim.
 
Capítulo 6
 
ALÍCIA CASTRO

 
Ter fingido um quase desmaio havia sido um golpe baixo
demais. No entanto, não podia negar que tinha valido a pena. Lucca
finalmente tomou alguma atitude depois de tanto tempo.
A sensação da sua mão em meus cabelos, em uma pegada
forte, e dos seus olhos querendo me engolir estava me deixando
completamente arrepiada. E molhada. Se ele afastasse a parte de
baixo do meu biquíni para o lado e resvalasse seus dedos pelas
minhas dobras, deslizaria facilmente.
Seu olhar desviou dos meus seios para o meu rosto e com
uma mão ele me colocou sentada na bancada, fazendo-me gemer
com o contato do meu corpo quente em contraste ao porcelanato
gelado.
Quando sua mão firme me puxou pela nuca, esqueci-me de
tudo. Esqueci-me do meu nome, de quem eu era... de quem nós
dois éramos. E de que não poderíamos dar certo nunca.
E sem qualquer aviso, Lucca mergulhou com a sua boca em
meu mamilo.
— Ah... — Contorci-me, na pia, e senti que, daquela vez,
poderia realmente desmaiar, tamanho foi o meu prazer.
Sua língua trabalhava magistralmente em meu seio,
enlouquecendo-me com a sensação, com o barulho de sucção, com
as mordidas suaves, a forma como puxava de leve o piercing entre
os dentes.
— Gostosa! — murmurou, soprando o mesmo lugar que havia
mordido.
Pensei no quanto meus seios eram sortudos, já que, foram os
primeiros a ganhar um beijo de língua dele. Meus lábios estavam
sedentos, assim como minha boceta, que estava totalmente
encharcada.
Soltei um grito que mais era uma espécie de lamúria e sua
mão tapou a minha boca.
— Fique quieta! Ou quer que todos escutem enquanto eu
mamo nesses peitos deliciosos? — Lucca murmurou.
— Não consigo, eu vou gozar — choraminguei.
Tentei me tocar, desesperada, mas suas mãos seguraram as
minhas para trás, deixando-me totalmente presa e exposta. Lucca
se aproximou o bastante para deixar o seu membro pressionando a
minha intimidade, e continuou castigando os meus seios. Eu nunca
havia sentido tanto prazer quanto naquele momento, nem mesmo
estimulando o clitóris ou com penetração.
A verdade era que eu nunca estive à beira de um orgasmo
assim tão facilmente. Na maioria das vezes sempre demorava, e
para gozar só com muito toque e massagem na minha intimidade.
— Vai gozar quando eu quiser! Me provocou pra caralho,
agora será do meu jeito, principessa[26]!
Lucca cessou os beijos, lambidas e chupões naquela região
sensível e começou a distribuir beijos pelo meu colo, pescoço e
rosto. Nunca se aproximando muito dos meus lábios.
— Por favor... — implorei sem saber exatamente para quê. —
Me beije.
Senti um riso em meu pescoço e seus lábios deslizaram para o
canto da minha boca. Meu coração só faltava sair pela garganta, de
tão acelerado. Minha respiração estava ofegante, meu corpo
quente, trêmulo, desesperado.
Uma de suas mãos continuou me prendendo, enquanto a outra
deslizou para o meio das minhas pernas e afastou o biquíni. Joguei
minha cabeça para trás quando senti seu dedo escorregar por entre
as minhas dobras sensíveis e encharcadas. Remexi-me, tentando
aumentar o contato, mas Lucca tirou a mão dali no mesmo instante,
como se estivesse me punindo por alguma coisa.
— Goze!
Sua boca voltou a me chupar no mesmo minuto em que um
tapa estalou na lateral da minha coxa. E aquilo bastou para que eu
gritasse e gozasse de maneira estratosférica, tão forte, tão intensa e
insana que eu quase vi estrelas.
Novamente ele tapou a minha boca, e eu mordi seus dedos,
tentando me conter enquanto meu corpo convulsionava de prazer.
Sensível demais, com a respiração errática e o coração galopando
dentro do peito.
Lucca me amparou para que eu não caísse para trás, de tão
mole que fiquei. Segurei nos braços fortes, aproveitando-me
daquele corpo que era ainda mais bonito sem camisa. Tive vontade
de chorar, sem nem saber por quê. Senti que havia entrado em uma
bolha tão fina que poderia se partir até mesmo com o toque de uma
pena.
Saber que um homem foi capaz de ter tanto poder sobre mim e
sobre o meu corpo me deixou assustada. Tudo aquilo sem ao
menos me beijar, mesmo que eu tivesse implorado. E eu gostava
tanto de beijos na boca.
— Tudo bem? — perguntou depois de algum tempo, e eu
apenas acenei em concordância.
— Vou deixar você usar o banheiro — falei, soltando-me dos
seus braços e descendo da pia.
Arrumei meu biquíni sem olhar para ele, embora sentisse seus
olhos em mim a todo momento. Eu precisava de uns segundos
sozinha para me reconectar comigo e voltar a ter poder sobre mim
mesma.
Saí do banheiro e subi as escadas direto para o meu quarto.
Fui para a minha suíte e fechei a porta. Olhei-me no espelho e não
me reconheci. Meus cabelos estavam revoltos, meu rosto corado, os
olhos brilhando mais do que o normal, e só então consegui ver as
marcas de Lucca pelo meu pescoço, colo e seios.
Que filho da mãe! Como eu apareceria desse jeito lá na
piscina?
Respirei fundo algumas vezes até me sentir um pouco mais
calma depois daquela explosão de sentimentos pela qual eu não
estava preparada. Limpei a umidade em minha intimidade e saí do
banheiro.
No closet, procurei por outro biquíni, porque o rosa havia
ficado em um estado lastimável, e uma saída de banho que
conseguisse me cobrir um pouco mais. Não por nada, mas não
apareceria toda marcada na frente do marido da minha amiga,
achava isso um pouco demais.
Escutei uma batida à porta e logo em seguida a voz da Isa me
chamando.
— Pode entrar — falei.
— Preciso tentar fazer essa peixinha que não queria sair da
água dormir um pouco.
Minha amiga tagarelou ao entrar no meu quarto com a
Giordana nos braços. Ela me sondou, e assim que desceu o olhar
pelo meu pescoço percebi que havia entendido tudo.
— O que aconteceu com você? — indagou, curiosa, e eu
suspirei.
— Lucca aconteceu — murmurei.
Eu não tinha a menor vergonha do meu corpo, muito menos da
minha amiga. Por isso, quando ela se sentou na minha cama e
começou a ninar Giordana, fiquei nua na sua frente e troquei o
biquíni rosa por um preto, e coloquei uma saída de banho estilo
chemise[27].
— Vocês... transaram? — perguntou tão baixo que só consegui
entender fazendo uma leitura labial.
— Não, o desgraçado só me fez gozar em poucos minutos. E
não me deu sequer um beijo — desabafei, e a sua boca formou um
O, chocada.
— Como assim?
Discorri, com detalhes, sobre o que havia acontecido,
enquanto Isabela me escutava atenta e abismada. Diferente de
mim, a minha amiga era extremamente romântica e apaixonada...
não era das mais santas, fazia suas safadezas com Romeo. No
entanto, ainda assim, ficava corada quando eu contava as coisas,
tinha uma certa timidez que chegava a ser encantadora.
— Você é danada, Ali... estou em choque. Nós percebemos
que vocês estavam demorando, só subi quando Lucca voltou
sozinho. Ele parecia pleno, como se nada tivesse acontecido.
— Espero que ele esteja com as bolas azuis e bem doloridas
por ter me negado um beijo na boca — falei, e ela riu baixinho para
não despertar a pequena que estava quase dormindo.
— Você não existe, amiga — sussurrou. — Achei que era o
que você queria, e agora parece irritada com o coitado.
Ela tinha razão, mas nem eu sabia mais o certo o que eu
queria. Se queria beijos, se queria que fôssemos mais longe, se
queria que o meu corpo não reagisse da forma que reagiu a ele, tão
submisso.
— Estou confusa, dá para acreditar?
— Com certeza. Eu conheço você, Ali... sei que gosta de estar
sempre no comando, gosta das coisas do seu jeito. E Lucca não me
parece o tipo de homem que gosta de ser dominado.
Não mesmo.
Trocamos algumas confidências, e quando Giordana dormiu
pesadamente, Isa ligou a babá eletrônica, arrumamos uma caminha
bem confortável no chão do meu quarto e não deixamos nada que
pudesse machucá-la caso acordasse.
Em seguida, descemos as escadas e encontramos Lucca e
Romeo jogando bola com Noah em um espaço do quintal mais
afastado da piscina.
O senhor Aldo, churrasqueiro e um grande amigo do papai há
anos, estava servindo linguicinha e picanha fatiada. Ele era um
amor de pessoa. Geralmente sua esposa vinha junto, mas, como
dessa vez ela tinha outro compromisso, apenas preparou vários
tipos de saladas e uma farofa deliciosa que eu adorava, e que
comeríamos como acompanhamento do churrasco.
Passamos o dia assim, e o que Lucca e eu fizemos no
banheiro acabou ficando por aquilo mesmo. Ambos fingindo que não
aconteceu... eu o procurava com o olhar, mas ele olhava para todos
os cantos, menos na minha direção.
Era um filho da mãe!
Ele que me aguardasse, eu ainda não estava satisfeita. Eu o
provocaria tanto, mas tanto, que ele não pensaria em mais nada, a
não ser me ter em sua cama. Ainda beijaria aquela boca gostosa, e
todo o resto do seu corpo.
 

 
Cheguei à boate de Max, meu irmão, por volta das 23h00.
Tinha combinado com Isa e Romeo, que também viriam e, até onde
eu sabia, trariam Lucca. Os seguranças já me conheciam, e eu
sempre acabava entrando por um acesso privativo, diferente da
entrada normal pela qual todos acessavam.
Assim que entrei, segui direto para o camarote onde o meu
irmão ficava, animada e sentindo toda agitação que já estava
rolando na casa noturna. Ainda era cedo e o pessoal estava
superanimado.
— Maninha! — Max exclamou, assim que me viu.
— Oi, meu amor. — Eu o abracei.
Ultimamente ele quase não parava mais em casa, por dois
motivos: primeiro, estava trabalhando bastante. Segundo: estava
ficando sério com uma menina, e eu tinha certeza de que logo
estaria totalmente amarrado. O que era uma grande novidade, tendo
em vista que Max sempre foi do mundo. Era bom ver meu irmão
apaixonado e pagando a língua, ele vivia dizendo que nunca ia se
relacionar.
Esse tipo de homem, quando se apaixonava, se tornava o
mais cadelinha de todos.
— Os seus amigos não vieram com você?
— Não, vim sozinha... daqui a pouco eles chegam. Cadê a
Ma? — perguntei pela minha futura cunhada, Marcella.
— Hoje ela não vem, foi com a mãe para Belo Horizonte no
aniversário da avó — respondeu.
— Ah, entendi. E por qual motivo você não foi junto com elas?
— Não deu, hoje o Alcir tinha um compromisso, e você sabe
que se um não está, o outro tem que estar.
Alcir era o sócio de Max, eles eram amigos de longa data.
Alcir, no entanto, já era casado há um bom tempo, e ele e sua
esposa acabaram de ter um bebê. O primeiro filho deles, por isso
meu irmão estava ficando com mais responsabilidades durante esse
período, até que tudo se normalizasse.
— Alícia? — Escutei uma voz masculina e me virei, dando de
cara com Isaac.
— Lá vem o grude... se ele te incomodar você me chama —
Max murmurou no meu ouvido e se afastou.
Eu já tinha comentado com meu irmão que ele andava me
enchendo a paciência, mas eu pretendia esclarecer mais uma vez
que não queria mais nada com ele. Falaria quantas vezes fossem
necessárias e, se não fosse suficiente, eu desenharia.
— Oi, Isaac — cumprimentei, séria, e ele tentou me dar um
beijo, mas virei o rosto a tempo. — Nunca mais tente me beijar sem
o meu consentimento — o repreendi.
Eu estava tentando ser educada, cortês, principalmente,
porque ele era colega do Alcir, mas, sinceramente, estava me dando
nos nervos esse grude todo.
— Eu achei que nós...
— Olha, Isaac... o que aconteceu entre a gente foi ótimo, mas
é só isso — menti, porque foi no mínimo mediano. — Nós dois não
temos nada sério e eu preciso que você entenda isso — interrompi,
e seu olhar mudou.
Ele deu um passo na minha direção, e eu fui para trás.
— Não estou entendendo, Alícia, você pareceu ter gostado
daquela noite, tivemos uma química ótima, por que você está me
evitando desse jeito?
— Pare de invadir o meu espaço pessoal — pedi.
— Você não reclamou que eu invadi o seu espaço quando
transamos naquela noite. Aliás, você gostou e muito.
Quase revirei meus olhos, chocada com a audácia dele. A
autoestima masculina realmente deveria ser vendida em cápsulas,
porque o homem estava se achando o foda, quando não passava de
um grudento.
— Ok, Isaac. Agora se afaste. — Meu pedido teve o efeito
contrário, porque ele se aproximou ainda mais e segurou meu
braço.
— Posso te fazer gozar bem gostoso de novo — sussurrou,
pude sentir a língua na minha orelha e tive uma ânsia de vômito.
Isaac não estava no seu estado normal, e amaldiçoei o dia em
que resolvi ficar com ele. Engraçado que esses idiotas nunca
pareciam tão idiotas quando tentavam conquistar uma mulher. Ele
foi até legal, e eu me considerava uma pessoa bem seletiva.
Entretanto, agora que a máscara caiu, estava parecendo um louco.
Senti uma mão me puxar pela cintura e dei graças a Deus que
meu irmão apareceu. Quando fui agradecê-lo, não foi Max que eu vi.
Era Lucca quem estava ali, abraçando-me de maneira forte e
possessiva, encarando Isaac com uma fúria assassina.
— Desculpe a demora, principessa — disse, beijando o canto
dos meus lábios, pegando-me totalmente desprevenida.
Decidi entrar no seu jogo, quem sabe assim Isaac resolvesse
procurar a sua turma e me deixasse em paz de uma vez por todas.
Era o que eu esperava.
— Oi, lindo. — Abracei-o pelo pescoço e sorri olhando em
seus olhos.
Notei pela visão periférica que Isaac deu uma encarada em
Lucca, e não demorou para sumir das nossas vistas. Respirei,
aliviada, enquanto permanecemos por alguns segundos em uma
bolha só nossa.
Lucca foi o primeiro a se afastar sem dar tempo para que eu
conseguisse agradecê-lo, seguindo para o lado de Romeo, no bar,
enquanto Isa veio na minha direção.
— Não acreditei quando o vi em cima de você. Esse Isaac é
um idiota.
— Por uns segundos, fiquei assustada. E que ideia foi essa de
Lucca?
— Na verdade, eu comentei sobre essa obsessão de Isaac por
você e pedi que o Romeo fizesse algo, mas Lucca se antecipou —
explicou.
— Entendi.
Troquei um olhar com ele, que me encarava do bar de um jeito
diferente. Seria muita arrogância da minha parte achar que ele
estava com ciúmes. Entretanto, queria entender por que era tão
complicado decifrá-lo. Eu me considerava boa em ler as pessoas,
mas cada vez ficava mais difícil de desvendar os mistérios de Lucca
Maserati.
O que aquele homem escondia?
 
Capítulo 7
 
LUCCA MASERATI

 
Ver Alícia sendo encurralada me deixou incomodado, assim
como se eu visse qualquer outra mulher tentando visivelmente se
afastar de alguém e a outra pessoa insistindo no contato.
Porém, só me aproximei quando escutei o cochicho de Isabela
com Romeo, falando que um tal de Isaac estava perseguindo a sua
amiga há dias. Romeo iria intervir, contudo, pedi que deixassem
comigo, afinal, talvez se pensasse que ela estava acompanhada, o
infeliz poderia desistir.
Eu conhecia aquele tipo de olhar, o tal homem estava vidrado
nela, provavelmente havia levado um fora e não estava conformado.
Quando a abracei, senti que ele me fulminou com os olhos, mas se
afastou quase que imediatamente. O mundo estava cheio de
machões que só sabiam ser homens na frente de uma mulher, mas
na hora de encarar um do seu tamanho se acovardavam.
Depois que me afastei dela, fiquei observando-a de longe, sem
desviar o meu olhar.
Alícia parecia normal, como se nada tivesse acontecido entre
nós dois. Como se eu não a tivesse feito gozar só de estimular os
seus seios. Como se o seu corpo não tivesse se submetido ao meu
comando de uma forma natural, perfeita, como se tivesse sido feita
para mim.
E isso era uma merda, porra!
Eu tinha ido longe demais e agora não poderia mais voltar no
tempo. Só de me lembrar do seu gosto, senti minha boca salivar.
Depois que Alícia saiu do banheiro, fiquei chupando dedo,
literalmente... bem aquele que eu havia deslizado brevemente pela
boceta molhada. E que se eu continuasse por um segundo a mais, a
foderia ali mesmo.
Seu gosto ainda parecia impregnado em mim. E, naquele
momento, precisei me recompor e pensar nas coisas mais
broxantes para poder voltar à área da piscina. Caso contrário, eu
correria sérios riscos de me tornar o maior caso de bolas azuis do
mundo.
— Foi aqui que tudo começou — Romeo disse, parecendo
perdido em pensamentos, e tirando-me dos meus devaneios
devassos.
— Tem razão, eu nem me lembrava. Nem era para ser naquele
dia — comentei.
— Não. Não era para ter acontecido muita coisa —
resmungou.
De vez em quando meu amigo ainda se culpava pelo que fez,
desabafava comigo. Eram águas passadas, tudo havia sido
esclarecido, perdoado. A única coisa que faltava era ele se perdoar
por completo. Apenas dei dois tapinhas no seu ombro,
compreendendo o que sentia. Um dia ele se livraria do fardo.
Não demorou para que Alícia e Isabela viessem mais para
perto de nós dois, no entanto, Alícia foi interceptada por seu irmão,
Max, que eu também já conhecia há algum tempo. Tinha uma época
que Romeo morria de ciúmes dele, mas, agora havia superado.
Max se aproximou junto com a irmã, nos cumprimentou e foi
bastante receptivo.
— Max, o Lucca e o Romeo mandaram uma garrafa da
AURUM de presente para você e para o papai — Alícia disse.
— Obrigado. Já tive a oportunidade de experimentar uma vez
e o uísque é realmente diferenciado — elogiou. — Acredito que nas
próximas semanas já o teremos aqui na boate.
— Perfetto! — A expressão em italiano saiu sem querer, mas
logo me corrigi. — Muito bom. Se precisar de qualquer suporte com
logística, Romeo e eu estaremos à disposição.
— Agradeço! Acho que meu pai ainda não conhece, mas o
véio vai gostar.
— Alícia comentou que vocês são apreciadores antigos de
destilados, se ele puder nos dar um feedback, ficaremos
agradecidos — pedi.
— Com certeza, falarei para ele — Max concordou.
— Olha, não sei se é uma boa, papai é bastante crítico —
Alícia disse, contendo um sorriso.
— Trabalhamos com sinceridade — Romeo respondeu,
devolvendo o sorriso para ela.
— Se me derem licença, preciso cumprimentar algumas
pessoas. Fiquem à vontade.
Agradecemos a cordialidade de Max, e ele se afastou. Alícia e
Isabela começaram a dançar enquanto bebericavam uma taça de
champanhe. Quando a área VIP começou a encher, Alícia se
aproximou mais de mim, encostando alguma parte do seu corpo no
meu cada vez que se movia no ritmo da música.
Senti que estava sendo observado e de longe notei que Isaac
nos encarava, mas, dessa vez, tinha uma mulher ao seu lado.
Agarrei a cintura de Alícia e a puxei para a minha frente. Ela não se
incomodou, muito pelo contrário, estava soltinha pelo álcool e pela
dança.
Complicou quando senti a sua bunda roçar no meu pau.
E a tortura continuou pelo restante da noite. Porém, em minha
defesa, tentei manter minhas mãos longe dela o máximo que pude,
embora em alguns momentos tenha sido inevitável. Foi uma noite...
diferente. E nós nos mantivemos apenas nos toques
despretensiosos, nada além, mesmo que a vontade fosse continuar
o que havíamos começado naquela manhã, no banheiro da sua
casa.
Eu precisava retornar para a Itália o mais breve possível,
quanto mais longe da tentação, melhor seria.
Para nós dois.
 

 
SÃO PAULO, SÃO PAULO, BRASIL

 
Romeo e eu tivemos um excelente almoço executivo com os
chilenos. Não havíamos fechado negócio, afinal, tinha sido a nossa
primeira reunião com eles, e apresentamos as propostas para levar
o nosso uísque para o Chile.
Muitas pessoas questionavam por que não tínhamos uma
equipe comercial que pudesse fazer esse trabalho, mas havíamos
decidido, lá no começo de tudo, que alguns assuntos nós
trataríamos pessoalmente até quando conseguíssemos. E a
ampliação da AURUM era um desses assuntos.
Eu gostava de atribuir grande parte do nosso sucesso a isso.
Nós comandávamos tudo junto com os nossos pais e com uma
ótima equipe, mas, sobretudo, gostávamos de execução. Éramos
ativos, participativos, e seríamos até os nossos limites.
Em algum momento, talvez contratássemos alguém que
pudesse ser a nossa sombra e tocar algumas coisas para que
tivéssemos um pouco mais de tempo livre. Ainda não tínhamos
conversado sobre o assunto, mas eu sabia que um dia seria
inevitável, principalmente para o meu amigo, que estava construindo
a sua família e queria passar mais tempo com ela.
Romeo e eu funcionávamos como uma balança, um
contraponto. Embora pensássemos de forma similar em muitos
aspectos, uma das coisas que nos diferenciava um do outro era que
eu, sempre fui muito mais racional, pés no chão, gostava de analisar
todos os prós e contras de tudo com muita cautela. E qualquer sinal
de risco para os negócios, eu recuava.
Meu sócio, por outro lado, sempre foi muito ambicioso.
Gostava de se arriscar e, mesmo que determinada situação
oferecesse risco, ele preferia avançar. Não significava que era
irresponsável, tínhamos apenas perfis diferentes nesse aspecto.
Para a nossa sorte e para a sorte da AURUM, essa diferença
era muito positiva e só contribuía para os negócios.
Após o almoço, Romeo seguiu para o aeroporto e retornaria
ainda hoje para Ouro Preto. Eu, no entanto, fiquei em São Paulo, e
à noite viajaria para a Itália.
Foi uma das viagens mais curtas que fiz. Não era fácil encarar
um voo de mais de dez horas para ficar apenas três dias, e depois
retornar. O fuso horário e as horas dentro de um avião cobravam
seu preço, mas, não dava para fugir de algumas situações.
Entretanto, eu não podia reclamar. A nossa empresa estava
crescendo cada vez mais, eu tinha uma vida ótima, privilegiada. E
podia proporcionar tudo do bom e do melhor para os meus pais.
 

 
PALERMO, SICÍLIA, ITÁLIA

 
Cheguei a Palermo no final da manhã. Do aeroporto, segui
direto para a empresa e resolvi um milhão de pendências em tempo
recorde. Guido, meu pai, esteve em minha sala e comentou que
minha mãe estava triste por eu não ter comparecido ao almoço de
domingo por conta da viagem.
Dona Liliana era a típica italiana que gostava de manter a
tradição. E almoços de domingo eram um costume na sua casa. Eu
faltava em raras ocasiões, sempre que estava fora da Itália a
trabalho, no entanto, ela sempre dava um jeito de me repreender.
Pedi ao meu pai que a avisasse que amanhã eu apareceria por
lá para que pudesse matar as saudades do seu filho único. Às vezes
eu sentia falta de um irmão do mesmo pai e da mesma mãe, para
que a atenção deles não ficasse concentrada somente em mim.
De modo geral, eu vivia minha vida sem qualquer interferência.
Contudo, eu sabia que eles, principalmente minha mãe, se continha
muito nas suas preocupações. Ela desejava, orava com fervor, para
que eu me casasse. Seu maior sonho era ter a casa cheia de netos,
já que não pôde ter mais filhos após a gestação complicada que foi
a minha.
Quando Laura e eu estávamos juntos era algo que ela vivia
falando, era o nosso sonho também, mas queríamos fazer tudo com
calma e de acordo com a tradição. Na época, ainda éramos novos,
a AURUM estava em fase de desenvolvimento, nosso futuro sendo
planejado.
Porém, depois que ela se foi, minha mãe nunca mais tocou no
assunto, mas eu tinha certeza de que aquele desejo continuava
sendo depositado em suas orações. A última coisa que eu gostaria
era de entristecer a única mulher que tinha o meu coração.
Entretanto, ela teria que se contentar com os filhos de Romeo.
As lembranças vinham à tona sem que eu tivesse controle.
Elas apenas surgiam.
Saí da empresa já era noite e segui direto para o treino de jiu-
jitsu. Liberei toda a tensão nas horas em que estive na academia e
fui para a casa. Após tomar um banho demorado, preparei uma
janta rápida e fui me deitar.
Como nunca conseguia dormir nos voos, estava bem cansado.
Então, acabei adormecendo em pouco tempo.
 
♦♦♦
 
— Ti amo tanto — sussurrei, espalhando beijos pelo rosto da
mulher da minha vida.
Laura soltava uns gemidinhos contidos conforme eu a
estocava de maneira lenta e torturante. Seus olhos estavam
fechados, seus braços permaneciam firmes ao redor do meu
pescoço.
Podia sentir sua respiração ofegante, e a forma como sua
boceta quente apertava o meu pau, indicava que estava perto de
atingir o orgasmo. Cessei os movimentos, completamente dentro
dela e segurei seu queixo.
— Abra seus olhos, cuore mio.
Ela obedeceu imediatamente ao meu comando, e meu coração
errou uma batida. Laura era perfeita.
Porra!
Eu era completamente apaixonado por essa mulher. Quase
estraguei a surpresa que havia preparado para amanhã e a pedi em
casamento naquele momento mesmo. Mas me contive. Tinha que
ser especial, da maneira que ela merecia.
— Sei belissimo — murmurou, seus dedos delicados vieram
para o meu rosto em uma carícia deliciosa.
— Il mio cuore è tuo.
— Sono tua — disse, seus olhos brilhavam.
Beijei seus lábios com sofreguidão, retomando as estocadas,
dessa vez com mais força. Engoli seus gemidos, sentindo-me vivo.
Estávamos suados, nossos corações acelerados, os gemidos cada
vez mais altos, nosso cheiro misturado ao cheiro do sexo estavam
me deixando louco. Penetrei-a com força, o barulho dos nossos
corpos se chocando, e ela me esmagando cada vez mais. Desci
meus beijos pelo seu pescoço, deixando mordidas leves por toda a
região.
— Ahh, Lucca... — gemeu, mordendo os lábios, quando o
orgasmo a atingiu.
— Porra! Porra! — grunhi, sentindo meu membro ser
estrangulado.
Mais três estocadas foram o suficiente para que eu
encontrasse o meu próprio prazer, gozando de maneira insana e
feroz.
Com a respiração errática, caí por cima dela, apoiando-me no
cotovelo para não a esmagar. Permaneci dentro da boceta até
quando deu. Era o meu lugar preferido no mundo. Minha paz.
— Ti amo con tutto il cuore — declarou-se com a voz lânguida,
preguiçosa, enquanto acariciava minhas costas.
Em um momento ela estava em meus braços, no outro, havia
desaparecido.
 
♦♦♦
 
Despertei assustado, suado e sentindo meu coração batendo
forte, como se quisesse me dizer ‘estou aqui, batendo, você está
vivo’. Fazia tempo que eu não sonhava com aquela noite. A nossa
última noite.
Naquela época, logo após Laura ter ido embora, o mesmo
sonho se repetia em quase todas as noites. Da mesma forma, cada
palavra dita, cada toque. Tudo. Cada detalhe. E, talvez, as minhas
poucas horas de sono atuais fossem o resultado daqueles malditos
pesadelos.
Será que um dia eu seria capaz de esquecer, de superar tudo
que vivi?
Levantei-me, sentindo aquela bola de neve crescendo, aquele
nó na garganta, a sensação de vazio. Nada parecia me preencher.
Caminhei até a sala e virei uma dose de uísque, e depois outra, e
outra.
O líquido âmbar desceu lento pela minha garganta. Larguei o
copo na mesa de centro e peguei o cigarro eletrônico que fumava
raramente em outras situações. Dei três tragadas, nada aliviava.
Olhei pela janela, observando o breu da noite, sentindo-me
perdido, atormentado. Bebi uma última dose na esperança de que
aquilo fosse um veneno que pudesse matar os meus sentimentos e
as minhas lembranças. No entanto, eu sabia que o álcool não
acabaria com nada daquilo, apenas deixaria a dor adormecida por
breves momentos.
E por ora, era o suficiente. Teria que ser.
 
Capítulo 8
BELO HORIZONTE, MINAS GERAIS, BRASIL

 
ALÍCIA CASTRO

 
Eu amava as segundas-feiras, algo que ia totalmente contra a
maioria das pessoas. Mas o meu amor por esse dia tinha um motivo
especial. A cada duas semanas eu vinha a Belo Horizonte visitar o
Instituto Criança e Vida.
Os profissionais do Instituto faziam um trabalho incrível com
bebês e crianças carentes diagnosticados com câncer. Realizado
especialmente para as famílias que não tinham condições
financeiras de arcar com os altos custos que iam muito além das
medicações. Era um tratamento complexo e que envolvia toda uma
equipe multidisciplinar, desde médicos, enfermeiros, psicólogos,
fisioterapeutas, nutricionistas e uma infinidade de outros voluntários.
Além de ajudar financeiramente todos os meses, eu gostava
de me fazer presente. Apesar de não ter nenhuma formação na área
da saúde, desde que conheci o projeto, há quatro anos, eu sentia
em meu coração que deveria ajudar de alguma forma.
Quando Isabela me levou a primeira vez ao Jardim da Criança,
orfanato em que ela frequentava desde os quinze anos, percebi
naquela atitude que eu também poderia fazer muito mais pelas
crianças. Em ambos os locais, tanto no orfanato quanto no Instituto,
víamos o quanto seres tão pequeninos já lutavam tanto. Uns contra
a sensação de rejeição e abandono. Outros, pela vida.
A primeira vez em que estive no Instituto, saí de lá me sentindo
destruída, quebrada em mil partes diferentes. Desde então, passei a
enxergar a minha vida de maneira completamente diferente. Além
de viver com muito mais intensidade, parei de reclamar de coisas
bobas e pequenas, e passei a dar mais valor para tudo que eu tinha.
Não me considerava a pessoa mais evoluída do universo, até
porque se fosse, não estaria nesse plano para aprender a ser
alguém melhor. Contudo, eu agradecia todos os dias por ter a
oportunidade de conhecer pessoas tão especiais, que me
inspiravam tanto. Algumas situações faziam com que a gente
parasse de olhar para o nosso próprio umbigo e enxergasse além.
Eu aprendi que o mundo não era cor-de-rosa como eu
imaginava. Muitas pessoas passavam por batalhas todos os dias,
tinham suas dores, suas angústias. Eu aprendi, que nunca
deveríamos tentar medir a dor do próximo. Era feio, cruel.
Com o tempo, eu entendi que tinha um grande poder nas
mãos. E quando passei a compreender, decidi fazer a minha parte,
mesmo que fosse a passos de formiguinha. Essa compreensão fez
com que hoje, eu conseguisse sair de lá com o coração em paz,
leve.
Nada me trazia uma sensação melhor do que ver aquelas
crianças sorrindo, ou com aqueles olhinhos brilhantes e cheios de
esperança. Se eu fizesse o dia de uma delas mais feliz, já valeria a
pena.
Quando me fiz mais forte, veio o primeiro luto. Para uma
pessoa que detestava perder, aquilo quase me quebrou de novo.
Por puro egoísmo. E foi aí que veio um novo aprendizado, quando
eu entendi que não estava perdendo. Aquelas crianças estavam
livres de todo o sofrimento, de toda a dor. E por mais difícil que
fosse de entender, elas já tinham vencido. Venceram quando
lutaram bravamente, venceram todas as dores, venceram quando
carregaram dentro de si uma força gigantesca, mesmo sendo tão
frágeis.
Pequenos heróis, que venceram e ficaram livres.
Não significava que eu não sofria, apenas aprendi a lidar com
aquele tipo de sofrimento. Era na dor, principalmente, que tirávamos
os melhores aprendizados. E eu não desistiria de fazer o que
estivesse ao meu alcance. Nem por mim, nem por aquelas crianças.
Afinal, era com elas que eu aprendia diariamente a ser alguém
melhor.
Se elas, sendo tão pequenas, não desistiam, porque eu, uma
adulta, desistiria?
Estacionei meu carro, peguei as telas e tintas, e segui para o
Instituto. Estava me sentindo feliz, sabendo o quanto as minhas
preciosidades ficariam animadas para o dia da pintura.
Ao entrar, cumprimentei a moça que ficava na recepção e
segui para a sala que eu usava sempre que vinha. Organizei os
materiais e fui caminhar pelos corredores. As crianças me
recepcionavam da melhor maneira, sempre com abraços e beijos.
— Olha quem chegou, a pessoa favorita dessa turminha —
Charles, o médico oncologista, disse quando entrei na ala em que
ele costumava ficar.
Ele ajudou a criar o Instituto, esteve presente em todas as
fases, desde que era apenas um projeto.
— Olá, doutor Charles. Vou confessar um segredo, elas
também são as minhas pessoas favoritas — comentei e sorri,
cumprimentando-o com um abraço.
— É impressão minha ou cada dia que passa você fica mais
bonita? — galanteou.
— São seus olhos — respondi, dando uma piscadinha para
ele.
A verdade era uma só: Charles era um homem interessante.
Tinha pouco mais de quarenta anos, cabelos grisalhos, uma ótima
forma física e uma pessoa de coração imenso. Além de ser um
excelente profissional. Diria até que a medicina era apenas um
detalhe, ele se doava de corpo e alma àquelas crianças.
Com a convivência, acabamos nos tornando bons amigos. Ele
se divorciou há dois anos, após chegar de uma viagem de trabalho
e encontrar a esposa o traindo na sua própria cama, com o pedreiro
que estava reformando a casa deles.
Foi um momento bem difícil para ele, e acabamos nos
aproximando bastante. Apesar de nunca ter passado por nada
parecido, tentei ajudá-lo da melhor maneira, sendo um ombro
amigo, alguém com quem ele pudesse desabafar.
— Como foram os últimos dias por aqui? — questionei.
— Difíceis... mas jamais perderemos as esperanças —
sussurrou, e pelo seu tom de voz eu já sabia, tínhamos perdido
alguém.
— Quem?
— A pequena Mirella — respondeu, e meus olhos
lacrimejaram.
Mirella tinha apenas dois aninhos, eu ainda conseguia lembrar
perfeitamente da primeira vez em que ela esteve aqui, aos seis
meses, após ser diagnosticada com leucemia. Foi uma batalha
difícil, que a deixou bem debilitada logo no início. Os últimos meses
foram ainda mais complicados, ela teve uma série de
intercorrências.
— Tão pequenininha...
— Ela lutou bravamente — ele disse, percebendo meu estado
de torpor. — Descansou, foi uma passagem tranquila, em paz. E a
família, apesar de tudo, tem se mantido muito forte. A mãe
continuará vindo ao Instituto para apoio psicológico e faremos tudo
que estiver ao nosso alcance.
O Instituto era um apoio não apenas para as crianças, mas
também para os familiares. Durante o período de tratamento era
fundamental dar o suporte para aqueles que eram a fortaleza para
os filhos, mas que também tinham suas dores, seus medos. E que
também precisavam chorar e desabafar com alguém.
— Você tem razão... às vezes me pego pensando na missão
que esses anjos têm aqui na Terra. Em alguns momentos é tão
difícil de compreender certas situações.
— Ninguém vive nada do que não esteja predestinado. Todos
temos uma missão aqui nesse plano, uns concluem cedo demais,
outros não terminam nessa vida. E assim vamos seguindo, sempre
em frente.
O doutor Charles era um homem muito sábio. Em poucas
palavras ele conseguia me deixar em paz, serena. Trazia reflexões
importantes sobre a vida e a morte, de forma natural.
— Você tem noção do quanto você ensina? — perguntei, e ele
deu um sorrisinho de canto. — Eu aprendo demais com você.
— Também aprendo com você, anjo. Eu faço isso por vocação,
você, por amor — disse, referindo-se ao Instituto.
Anjo era o apelido que eu havia ganhado de uma das crianças.
Uma garotinha amada que se curou e recebeu alta há pouco mais
de um ano. Ela não sabia falar o meu nome e passou a me chamar
de anjo. Desde então, todos por aqui me chamavam assim.
— A medicina é apenas um detalhe, o que você faz aqui vai
além e sabe muito bem disso. Não precisa ser tão modesto comigo,
doutor — falei.
— Anjo! — Escutei uma vozinha infantil.
Virei-me e avistei Nícolas caminhando devagarzinho na minha
direção, de mãos dadas com a mãe. Ele tinha nove anos, e lutava
contra um câncer ósseo. Foi descoberto em estágio inicial, então,
após diversos exames foi constatado que tinha um bom prognóstico
e um percentual elevado de chances de cura.
— Olá, meu amor! Como você está? — Abaixei-me, ficando da
sua altura, e o abracei.
— Estou bem, você trouxe tintas hoje? — perguntou com seus
olhinhos brilhantes, fazendo sua mãe, o doutor Charles e eu
sorrirmos.
— Claro, trouxe muitas cores. Você já sabe o que vai pintar
hoje? — questionei, curiosa, e ele acenou em concordância.
— Um pedido.
— Um pedido? — A princípio fiquei sem entender, mas nas
palavrinhas seguintes veio a explicação que me baqueou.
— Hoje eu vou desenhar um papai, para ver se Deus traz um
papai para mim.
Sem reação, olhei para o doutor Charles, que parecia tão
surpreso quanto eu.
— Filho, nós já conversamos sobre isso — Kelly, sua mãe, o
interrompeu parecendo um pouco sem graça.
— Mas, mãe... você disse que eu posso pedir qualquer coisa
para Deus — respondeu, astuto. — Você me ajuda, anjo? —
Desviou o olhar para mim.
Olhei para a sua mãe, pedindo uma autorização silenciosa, e
ela apenas fez um aceno positivo com a cabeça.
— Claro que eu ajudo, amor. Vamos, então? — convidei, e ele
segurou na minha mão.
— Tchau, tio Charles, até depois — disse, animado, puxando
sua mãe e eu para a sala de pinturas.
Ao chegarmos, disponibilizei umas cartolinas e pedi para que
ele fizesse um rascunho de como gostaria que ficasse o desenho
naqueles pedaços de papel antes de pintarmos na tela. E, assim
que concluísse, eu o auxiliaria a pintar o seu pedido.
— Está cada dia mais difícil fugir desse assunto, Nícolas é tão
inteligente — Kelly sussurrou para que apenas eu escutasse.
Perguntei-me silenciosamente o que havia acontecido com o
pai dele. Contudo, jamais seria invasiva a ponto de perguntar.
Provavelmente os profissionais do Instituto sabiam, mas eu não me
envolvia, e nem interferia em assuntos pessoais dos pacientes,
então, só saberia caso ela me contasse.
— Ele é mesmo. Não sou mãe ainda, mas, acredito que com a
maternidade, nasce também uma habilidade de saber dizer as
coisas certas para os filhos — falei, tentando tranquilizá-la.
— Às vezes sim, mas também, nasce uma mãe, nasce uma
culpa — confessou. — O pai dele me abandonou quando soube que
eu estava grávida, desapareceu do mapa. E eu já não sei mais o
que inventar para fugir desse assunto, acho ele muito novinho ainda
para compreender — contou, deixando-me inconformada.
Conversávamos pouco, mas de certa forma, poder ouvir o seu
desabafo significava que ela confiava em mim. E se, somente a
escutando eu conseguisse ajudá-la de alguma forma, já teria
cumprido minha tarefa.
— Sinto muito por isso, Kelly. Você é uma mãe maravilhosa
para Nícolas, ele tem muita sorte por ter você.
Se esse babaca soubesse o que estava perdendo, com um
filho incrível como o Nícolas, e uma mulher tão batalhadora quanto a
Kelly, ele jamais a largaria. De todo modo, o infeliz não os merecia.
E infelizmente, esse tipo de homem — se é que podia ser chamado
assim —, existia em todos os cantos.
— Tento fazer o meu melhor todos os dias. — Suspirou.
— Você faz, acredite! — Segurei sua mão, apertando-a,
tentando passar um pouco de conforto. — Se precisar de qualquer
coisa, conte comigo.
— Obrigada, Alícia, você já faz tanto por nós. Um apelido
nunca serviu tão bem a alguém — comentou, e eu sorri, grata por
ser rodeada de tantas pessoas maravilhosas.
Minutos depois, Nícolas me chamou, mostrando seu rascunho
e tagarelando como queria pintar na tela o seu pedido. Pelas
próximas horas, ficamos desenhando até ficar do jeitinho que ele
queria.
Uma família: sua mãe, ele e um homem de branco, em um
lindo campo florido. O desenho era bem colorido, o céu estava
iluminado, tinha sol, árvores, flores e muita cor. Não sabia como,
mas, de alguma forma, aquele desenho parecia realmente um
pedido.
O doutor Charles apareceu para chamá-lo para os exames
quando o desenho já estava pronto. Vislumbrei uma sombra de
emoção em seu olhar ao ver a pintura.
— Ficou muito bonito o seu desenho, campeão! — ele
exclamou ao menino, que sorriu com os olhos brilhantes.
— Obrigado, tio Charles.
E somente então eu percebi. A descrição que Nícolas havia
dado do homem que ele pedia como pai, era exatamente como o
doutor Charles. Não contive um sorriso e olhei para os três... se um
dia aquele pedido se realizasse, seriam uma linda família.
Eles saíram para o exame e o restante do dia correu
perfeitamente bem. Pintei com mais algumas crianças, conversei,
brinquei. Foi mais uma segunda-feira linda, pude renovar minhas
esperanças e saí do Instituto no final da tarde, grata e feliz por ser
tão abençoada.
Estava cada vez mais convencida do quanto nossa vida era
fugaz, efêmera, e que deveríamos aproveitar cada segundo como
se fosse o último.
 
Capítulo 9
PALERMO, SICÍLIA, ITÁLIA

 
LUCCA MASERATI

 
Saí do Divine quase pela manhã, após passar a madrugada
inteira fodendo como um louco, do jeito que eu gostava. Com braços
femininos amarrados, olhos vendados e total dominação.
Eu não era adepto ao BDSM, porém, sexo baunilha não me
bastava. Eu apreciava o negócio um pouco mais pesado, forte.
Gostava de mulheres submissas na cama e que imploravam para
serem fodidas com força.
Teria sido perfeito se eu não tivesse enxergado Alícia na
morena com a qual passei a noite inteira. Ela, no entanto, não tinha
o piercing no mamilo, não tinha a ousadia, não tinha o mesmo
gosto. Não tinha o mesmo gemido, o mesmo calor.
Cazzo!
A maledetta só pode ter jogado um feitiço em mim, afinal, não
tinha outra explicação para aquela obsessão quase doentia por uma
mulher que sequer fodi, sequer beijei.
Antes de ir para casa me arrumar para o almoço de domingo,
dirigi até o shopping. Há dois dias tinha sido aniversário da minha
mãe e eu pretendia levar um presente para ela. Encomendei um
colar na joalheria que dona Liliana tanto adorava e era cliente
antiga.
Só não imaginei que uma péssima coincidência ocorreria, ao
avistar Lauro e Fabiana, meus ex-sogros, no mesmo local. Desde
que tinham ido embora com Laura, eu não os tinha visto. Tudo que
eu sabia era através dos meus pais. Já que eles preferiram não ter o
mínimo de respeito por mim, eu também não quis mais nenhum
contato, embora tivessem tentado.
Assim que eu entrei na joalheria e eles me viram, senti minha
mandíbula contrair ao receber a enxurrada de lembranças que eu
gostaria de esquecer. O rancor surgindo em cada poro do meu
corpo.
Maledizione!
— Lucca... — Lauro disse um tanto sem graça, aproximando-
se para me cumprimentar.
— Lauro — grunhi, com um aceno de cabeça, e passei reto
por ele, ignorando não apenas a sua mão estendida, como a
educação que meus pais haviam me dado.
Solicitei à atendente que entregasse o meu pedido, pois eu
estava com pressa, enquanto sentia o clima pesado dentro da loja,
denso, quase palpável. Pela visão periférica, pude notar que Lauro e
Fabiana estavam extremamente desconfortáveis.
Não demorou muito para que saíssem da loja.
Também não demorou para que a vendedora entregasse o
meu pedido. Após receber o pagamento e finalizar o embrulho, ela
devolveu o meu cartão, e eu saí praticamente correndo dali.
No estacionamento, pouco antes de chegar ao meu carro,
escutei uma voz conhecida me chamando. Travei meus passos,
fechei os olhos e respirei fundo.
Até quando eles me perturbariam?
— O que vocês querem de mim? — indaguei ao me virar e dar
de cara com Lauro e Fabiana.
Vê-los, depois de tanto tempo, fez com que eu sentisse a
presença de Laura tão nitidamente que me causou um incômodo
imenso. Uma dor rascante que eu senti apenas duas vezes: no dia
em que foi embora, e no dia em que eu soube que havia de fato,
partido para sempre.
— Figlio[28]... nós tentamos falar com você nos últimos meses,
sentimos tanto.
— Primeiro: eu não sou seu filho! — cortei-o. — Segundo:
deveriam ter tentado falar comigo antes de ir embora, teria sido
incrível — falei, virando-me para sair dali.
— Lucca, espere, por favor! Nos escute — dessa vez foi
Fabiana quem implorou.
— E por que eu deveria? — perguntei.
— Porque gostaríamos de nos desculpar por tudo que
causamos.
— Tarde demais — explodi.
— Nós só respeitamos a vontade da nossa filha... quando você
tiver seus próprios filhos vai entender a nossa decisão.
— Eu nunca terei filhos, sabem por quê? Porque Laura me
roubou tudo, inclusive, a vontade de tê-los... esse foi apenas um dos
sonhos que foi enterrado junto com ela — grunhi. — Agora se me
derem licença, eu preciso ir.
— Não diga isso, você ainda é jovem, vai refazer a sua vida.
Era o que Laura gostaria que fizesse — Lauro falou, e eu dei uma
gargalhada assustadora, de puro escárnio.
— Você só pode estar de brincadeira comigo. Era o que ela
queria?
— Ela não queria que você a visse definhar... foi tão difícil.
Sabe qual foi a última palavra que disse, quando ainda podia falar?
O seu nome.
Senti um baque seco no coração. Um oco no estômago.
— O que vocês pretendem me dizendo essas coisas?
— Que você nos perdoe, que perdoe Laura... ela nunca quis o
seu sofrimento.
E eu só queria que eles voltassem para os Estados Unidos e
nunca mais aparecessem em Palermo. Apesar das malditas
lembranças, dos malditos sonhos que me perseguiam quase todas
as noites, eu estava seguindo. Do meu jeito. E agora, com eles tão
próximos a mim, eu tinha a sensação da presença de Laura a todo
momento.
— Por que vocês não voltam para os Estados Unidos? Vocês
não têm o direito de me pedir nada! Acabou, entenderam? — Eles
me olharam com os olhos marejados.
Senti-me um figlio di puttana por dizer coisas tão cruéis, afinal,
eles perderam uma filha. A única filha. E, apesar de tudo, eu sabia
que não estava sendo fácil. A dor excruciante que estavam sentindo
certamente era uma das piores que um ser humano poderia
experimentar.
No entanto, nada disso anulava a minha própria dor. Eles
tiveram a oportunidade de estar ao lado dela até o fim. Puderam
cuidar, se despedir. Não tiveram a escolha ceifada como eu tive.
— Sentimos muito, Lucca. Nós voltamos para Palermo para
ficar... nossa filha está enterrada aqui, jamais a deixaremos. — As
palavras de Fabiana fizeram-me sufocar. — Se um dia quiser
conversar, saber como tudo aconteceu, estaremos de braços
abertos. Temos certeza de que você compreenderá melhor as
coisas.
— Fique bem — Lauro complementou e eles se afastaram de
mim, seguindo para fora do estacionamento.
Nossa filha está enterrada aqui...
Desabotoei o colarinho da minha camisa, sentindo o ar fugir
dos meus pulmões e caminhei até o meu carro. Saí do
estacionamento a toda velocidade, cantando pneus, como se
pudesse correr para algum lugar que me trouxesse o ar de volta.
Eu só precisava de paz. Da paz que me foi roubada.
 

 
— Figlio mio[29]! — Dona Liliana me recebeu com um abraço
apertado.
— Feliz aniversário, mamma[30]. Ti voglio bene[31] — falei ao
entregar a joia que eu havia comprado.
— Ah, querido, não precisava se incomodar. Você sabe que o
meu maior presente é ter você pertinho de mim — disse, abrindo o
pequeno embrulho. — Ah, que colar mais lindo! Obrigada, amore
mio.
— Você merece muito mais — afirmei, e ela me fitou,
sondando-me.
Pelo seu olhar eu já soube, minha mãe sabia que algo havia
acontecido e que eu não estava bem. No entanto, antes que
pudesse dizer qualquer coisa, meu pai apareceu.
— Lucca, figlio. — Abraçou-me.
— Oi, papà.
— Vamos, entre! Quase todos já chegaram — ele disse.
— Querido, Romeo já me ligou cedo me felicitando, e mandou
entregar um lindo arranjo de flores — mamãe falou, apontando para
as flores na mesa de centro da sala. — E me prometeu que no
próximo ano estará aqui com a família.
Meu pai me encarou e sorriu. Essa era a dona Liliana, uma
italiana raiz que conseguia tudo de todos com seu jeito um tanto
dramático e convincente. Entrar em uma discussão com ela e sair
vitorioso era impossível.
Alguém a chamou e meu pai e eu acabamos ficando sozinhos
na sala.
— Aconteceu alguma coisa, figlio? — Não era apenas a minha
mãe que era observadora.
— Encontrei Lauro e Fabiana — respondi e notei que ficou
surpreso.
— E pela forma como você está, imagino que não tenha sido
nada agradável.
— Não foi. Eu não imaginava que os ver depois de tanto tempo
fosse fazer com que a presença de Laura ficasse tão viva em mim
— confidenciei, e meu pai apertou meu ombro, em um afago.
Senti que precisava, de alguma forma, colocar para fora um
pouco dos meus sentimentos. Ou seria capaz de morrer com eles
entalados na garganta.
— Eu peço a Deus todos os dias para que um dia tudo isso
fique no passado, figlio.
— Eu estava bem, papà. Até hoje.
— Conheço você, Lucca... dizer isso só faz com que engane a
si mesmo. Sua mãe tem ficado cada dia mais preocupada.
— Não quero que se preocupem comigo.
— Impossível. Eu não quero que você vá pelo mesmo caminho
que Salvatore e Romeo foram. Isso quase os destruiu.
— É diferente. Não odeio e nem quero me vingar de ninguém
— declarei, categórico.
— Não é tão diferente assim, pense bem.
Não iria discutir com o meu pai. Já tive a minha cota de
verdades duras e difíceis de engolir por hoje. Eu continuava
achando que as situações eram completamente diferentes.
— Tudo bem, papà. Eu só não quero que você ou a mamãe se
preocupem comigo. Eu posso lidar com isso sozinho.
— Eu sei que pode, figlio. Mas não precisa, somos seus pais e
estaremos ao seu lado sempre.
— Obrigado. Vocês são os melhores — agradeci, abraçando-o.
— Agora vamos para lá antes que a sua mãe venha e nos
arraste pelas orelhas — brincou, sorrindo, e eu também não contive
o sorriso, quase pude imaginar a cena.
Segui pela casa onde nasci e cresci, até a parte de trás, na
área de festas, onde familiares e amigos já se encontravam em um
clima leve e descontraído. Quando se reuniam, minha família
gostava de falar alto, gesticular, e tinha vezes que eu até me
afastava para conseguir respirar longe de toda aquela agitação.
Apesar de ser italiano, nascido em uma família de italianos, tanta
efusividade não combinava comigo. Eu preferia o silêncio, a ordem.
Enquanto conversava com meus tios, senti meu celular vibrar
no bolso. Pedi licença e me afastei. Ao retirar e desbloquear a tela,
vi uma mensagem de Alícia. Estranhei aquilo, pois, apesar de
termos trocado telefone há algum tempo, ela nunca havia mandado
nada para mim, e, devido ao fuso, no Brasil ainda era de manhã
cedo.
 
Oi, Lucca. É a Alícia... tudo bem?
Estou enviando essa mensagem
porque sonhei com você essa
noite e queria saber como está.
Beijos, A.

 
Nem a milhares e milhares de quilômetros de distância a
feiticeira me dava sossego. Mas não podia negar, somente sua
mensagem conseguiu me distrair o suficiente para esquecer a
manhã de merda que tive. Agarrei-me à oportunidade e decidi não
apenas respondê-la, como tentar manter uma conversa.
 
Estou bem, Alícia. E você? Como
foi o sonho?

 
Percebi que ela estava on-line, como se estivesse esperando a
minha resposta, já que não demorou a aparecer a palavra digitando
na conversa.
 
Foi estranho... rs. Não de um jeito
ruim. É que eu senti que você
estava precisando de mim e fui até
Palermo, acredita? Eu cheguei aí e
você realmente estava precisando
de mim. Mas quando você ia me
contar o motivo, eu acordei.
Estranho, não acha? Pareceu tão
real.
 

Sua mensagem parecia sincera. Eu realmente sentia que


estava precisando de algo, mas não sabia o quê. E por um ínfimo
segundo, eu quis que ela estivesse aqui. Os motivos? Eu jamais
poderia compreender ou explicar.
 
E se eu disser que a quero aqui?
 

Respondi sem pensar.


 
Eu ia achar que é uma piada sua.
Hehehe.

 
— Figlio, o que você está vendo aí nesse celular que está tão
engraçado? — mamãe perguntou aos sussurros.
Somente então eu me dei conta de que estava sorrindo.
— Estava falando com Romeo sobre trabalho, para variar —
respondi, omitindo a conversa com Alícia.
— Bom, lembre-me de agradecer ao meu figlio do coração por
fazê-lo sorrir.
— Pode deixar, dona Liliana — afirmei, guardei o celular e a
abracei pelo ombro, caminhando ao seu lado até nos aproximarmos
novamente dos nossos familiares.
Consegui relaxar um pouco e aproveitar o restante do dia.
Logo após o almoço, mamãe cortou o bolo e dedicou a primeira fatia
para mim. E, como mandava a tradição, quem ganhava o primeiro
pedaço tinha que fazer um discurso.
E foi o que eu fiz.
Finalizei agradecendo por tê-los na minha vida. Por serem tão
presentes, por segurarem a minha mão desde que eu era um bebê
e por serem o meu suporte sempre que eu estava em queda. Por
me apoiarem em cada decisão, respeitarem as minhas escolhas e
serem os melhores pais.
Liliana e Guido eram tudo que eu tinha de mais valioso.
 
Capítulo 10
OURO PRETO, MINAS GERAIS, BRASIL

 
ALÍCIA CASTRO

 
Alguns dias tinham se passado desde que eu troquei algumas
mensagens com Lucca, e vez ou outra ainda abria a nossa conversa
em meu celular para ler o que ele tinha escrito. Mesmo que não
tivéssemos continuado o assunto, apenas o fato de ele ter escrito
que me queria lá me deixou atiçada. Não esperava por aquilo.
Terminei meu expediente no final da tarde e me despedi de
Valéria, a assistente que contratamos para nos auxiliar com a parte
administrativa e burocrática da galeria. Valéria tinha uma boa
experiência em secretariado, além de uma ótima formação. Nós
havíamos gostado do perfil dela, das referências, e por esse motivo
decidimos aumentar o valor do salário previsto para a função para
tê-la conosco. E tinha sido uma ótima decisão. Até o momento,
Isabela e eu estávamos muito satisfeitas.
— Até amanhã, Val.
— Até, Alícia. Tenha um bom descanso! — desejou.
Saí da galeria e dirigi até a farmácia. Precisava repor alguns
produtos de pele que tinham acabado e comprar as vitaminas e
suplementos que a minha médica endocrinologista havia receitado.
Sempre fui muito vaidosa, amava me cuidar. Meu corpo era o
meu lar.
Depois de fazer as compras, voltei para o carro e coloquei as
sacolas no banco de trás. Quando fechei a porta, escutei um
barulho de pneu e avistei um veículo desgovernado vindo na minha
direção.
Mal deu tempo de raciocinar, o desespero me engoliu e o meu
único reflexo foi tentar grudar no meu carro, mas senti um impacto
forte contra o meu corpo e tive um último pensamento antes de cair
no chão e ser levada pela escuridão.
A vida é mesmo tão fugaz...
 

 
Despertei sentindo uma mão segurando a minha, e abri meus
olhos. O teto não era o mesmo do meu quarto, a cama não era
aconchegante... não tinha o meu cheiro. Remexi-me e tive a
sensação de ter sido atropelada por um caminhão.
Naquele instante, flashes do que aconteceu encheram a minha
cabeça. Fiquei assustada e senti uma ansiedade crescente ao me
dar conta de que estava no hospital. Virei apenas a minha cabeça e
encontrei minha mãe sentada em uma cadeira ao lado da minha
cama, afagando minha mão.
— Minha linda, você acordou. Como está se sentindo?
— Estou bem... um pouco confusa — respondi.
— Você foi atropelada, querida — sussurrou, a voz estava
embargada. — Eles sedaram você assim que chegou ao hospital,
pois estava muito agitada.
Eu não me lembrava.
— Me sinto um pouco dolorida. Quebrei alguma parte do meu
corpo? — questionei, preocupada com a resposta, pois tudo em
mim doía.
— Não. Teve apenas uma torção no tornozelo e uns
arranhões, graças a Deus. Nada que uns dias de repouso não
resolvam — respondeu e a porta do quarto em que eu estava se
abriu e papai apareceu.
— Minha morena, que susto você nos deu — ele disse,
caminhando rapidamente até mim.
Eu amava o apelido que ele me chamava desde pequenina.
— Desculpe, papai. Não me lembro de muita coisa, mas tenho
quase certeza de que não tive culpa do acidente.
— Não se desculpe, filha... você não teve culpa de nada. O
único culpado foi o infeliz desgraçado que fugiu sem prestar socorro
— contou, nervoso, deixando-me em choque.
— Joaquim! — mamãe o repreendeu. — Agora não é hora de
falar disso.
— Me atropelaram e simplesmente fugiram? Assim, como se
tivessem passado por cima de um objeto qualquer? — indaguei.
Que tipo de pessoa era capaz de algo tão vil?
— Não pense nisso agora, tudo será resolvido, querida —
mamãe disse.
— Eu vou resolver tudo, minha Ali, eu prometo. — Eu sabia
que o senhor Joaquim ia cumprir a sua promessa. — Caçarei quem
quer que tenha feito isso até o inferno se necessário for, e me
certificarei de que tenha uma punição severa.
Não sei por que tive a impressão de que a punição não seria
apenas por vias judiciais. Meu pai era capaz de esganar a pessoa
que fez isso antes mesmo de o juiz dar qualquer sentença. Contudo,
eu jamais deixaria que sujasse as suas mãos, nós não nos
igualaríamos a seres humanos tão baixos e mesquinhos.
— Eu estou bem, é o que importa, certo? — falei, tentando
tranquilizá-lo, por mais que estivesse bastante abalada e assustada.
— Minha menina... — disse, depositando um beijo na minha
testa.
— Quando receberei alta?
— Provavelmente amanhã pela manhã. Apesar de os exames
estarem perfeitos, o médico achou melhor deixá-la em observação
esta noite — mamãe respondeu.
— Sem chances de ir agora? — insisti.
— Sem chances, teimosinha. Ficarei com você aqui e amanhã
iremos para casa.
— Não precisa, mãe. Eu estou bem, ficar nessa poltrona a
noite inteira não será nada confortável para você.
— E você acha mesmo que eu a deixarei sozinha? Até parece
que não me conhece, filha — declarou, sorrindo.
— A propósito, a Isa me ligou porque não estava conseguindo
contato com você. Ela ficou tão preocupada quando soube e... —
Duas batidinhas suaves na porta interromperam a fala da minha
mãe, e quem apareceu dessa vez foi a própria Isabela.
— Ali... amiga — disse, aproximando-se da cama e dando-me
um beijo no rosto. — Oi, boa noite, tios — cumprimentou meus pais.
— Oi, querida. Vou aproveitar que você chegou e comer
alguma coisa — mamãe avisou, levando meu pai com ela para fora
do quarto.
— Pode ir tranquila, tia. Ficarei aqui até que vocês retornem —
respondeu, e eles agradeceram, fechando a porta logo em seguida.
— Oi, amiga. — Respirei fundo.
— Como você está? Está com dor em algum lugar? —
perguntou, sondando-me.
— É mais fácil dizer onde não estou com dor — zombei, mas
até para rir doía.
— Sua boba... para de fazer graça — pediu com os olhos
marejados. — Fiquei tão assustada quando sua mãe me contou.
— Eu estou bem... fique tranquila, amiga.
— Antes que eu me esqueça, Romeo desejou melhoras.
— Obrigada, mas não precisava ter vindo aqui tão tarde. Sei
que a sua rotina da noite é corrida por conta das crianças.
— Romeo está com eles, eu não deixaria de vir ver você.
— Eu te amo — declarei, e ela me abraçou com suavidade.
— Eu também... minha pessoa favorita. Nunca mais faça isso,
eu não saberia viver sem você — confessou, e dessa vez foram
meus olhos que ficaram marejados.
Enquanto eu contava para ela o que eu me lembrava dos
minutos que antecederam o acidente, uma enfermeira entrou no
quarto com um arranjo lindo de flores.
— Presente para você, Alícia — avisou, entregando-me as
flores com cuidado.
 
Para a irmã mais linda e corajosa do mundo.
Estimo melhoras rápidas. Amo você!
Do seu irmão preferido, Max.
 
Soltei uma risada e gemi de dor ao mesmo tempo ao terminar
de ler o bilhete. Max sendo Max... era óbvio que era o meu irmão
preferido. Era o único que eu tinha. Mostrei para a minha amiga, que
gargalhou com vontade quando leu.
— Esse Max não tem jeito — ela disse.
— Não mesmo. Só ele para me fazer rir depois de uma
situação dessas. — Senti o aroma das flores e sorri.
Meia hora depois, mamãe voltou. Isabela e papai se
despediram de mim e foram embora. A mesma enfermeira que
trouxe as flores, veio novamente e administrou a medicação. Não
demorou para que o cansaço me vencesse.
 

 
No dia seguinte, acordei me sentindo bem melhor, e com as
dores mais controladas, felizmente. Recebi alta no meio da manhã e
tudo que eu mais queria era chegar à minha casa, tomar um banho
relaxante de banheira, e me deitar na minha cama.
E foi o que eu fiz. Antes, no entanto, resolvi mandar uma
mensagem para Lucca.
Porque se antes eu já tinha essa ânsia por viver, por querer
tudo tão intensamente, depois desse susto tudo só se intensificou
ainda mais. Não deixaria para amanhã as coisas que gostaria de
viver hoje.
 
Eu sonhei aquele dia que você
precisava de mim. Mas e se eu
disser que preciso de você aqui?
Você viria?

 
Larguei meu celular e segui para o banheiro com a muleta que
eu havia ganhado de presente e que teria que usar nos próximos
dias, devido à torção no tornozelo.
Passei a hora seguinte dentro da banheira quentinha que
mamãe havia preparado para mim. Relaxei completamente da
tensão que estava sentindo desde ontem à noite, e a angústia
também amenizou. Tinha sido um susto grande, e o médico disse
que era normal que eu me sentisse assim. No entanto, reforçou que
se persistisse, eu deveria procurar um auxílio psicológico.
Com cuidado, saí da banheira, me sequei, coloquei um pijama
confortável e fui para a cama. Peguei o meu celular novamente e
tive uma boa surpresa ao ver o nome de Lucca na tela bloqueada.
Abri a mensagem, ansiosa pela resposta.
 
Aconteceu alguma coisa? Você
está bem?
 

Como eu tinha demorado para responder, ele mandou duas


vezes um ponto de interrogação em um intervalo de 20 minutos
cada.
 
Me desculpe pela demora em
responder, eu estava tomando
banho. Estou bem, só levei um
pequeno susto ontem, mas
passou. Tem alguma previsão de
quando virá para o Brasil
novamente?

 
Assim que eu enviei a mensagem ele ficou on-line. Fiquei
esperando pela resposta que não veio, mas me surpreendi quando
o celular tocou em uma chamada. Ele estava me ligando.
— Oi... — atendi rapidamente.
— Oi... — Fechei os olhos e suspirei ao ouvir a voz dele com o
sotaque carregado. — Você me deixou preocupado. Tive que ligar
para o Romeo para descobrir o que aconteceu. Como você está? —
indagou.
— Agora eu estou bem, mas fiquei muito assustada —
desembuchei como se ele fosse um confidente antigo.
Tive vontade de chorar, senti-me repentinamente frágil.
— Quer me contar como tudo aconteceu?
Mesmo embargada, contei tudo que eu me lembrava a ele.
Contive firmemente as lágrimas, pois sabia que se abrisse a
comporta, não conseguiria fechá-las tão facilmente. Eu não
costumava ser muito sentimental assim, droga.
— Você não precisa ser forte o tempo inteiro, Alícia.
— Eu sei... — Ficamos alguns segundos em silêncio. — Eu
acho que realmente estou com saudades de você. E não me peça
explicações para isso.
— Não faz assim... — ele murmurou.
— Acho que esse susto só me fez ter mais vontade de você.
Tudo pode mudar em um piscar de olhos, por que lutar contra aquilo
que queremos? — questionei.
— Alícia... — disse, e eu fechei meus olhos, respirando fundo
e sentindo uma lágrima solitária descer.
— Eu preciso desligar, Lucca. Os remédios que estou tomando
estão me deixando sonolenta. Obrigada por ligar e por me ouvir. —
Segurei-me, mordendo meus lábios com tanta força que senti o
gosto metálico do sangue.
— Tudo bem, estimo melhoras. Descanse bem para se
recuperar o quanto antes.
— Tchau, Lucca.
— Tchau.
Ele ainda ficou na linha por alguns segundos, até que por fim,
decidi desligar.
Mandei uma mensagem para a minha amiga avisando que já
estava em casa. Também avisei ao doutor Charles sobre o que
havia acontecido e que provavelmente não conseguiria ir até o
Instituto.
Isabela me mandou uma foto da minha afilhada e do meu
sobrinho e meu coração se aqueceu. Ela disse que assim que eu
estivesse me sentindo melhor viria me visitar. E para que eu ficasse
tranquila, pois ela cuidaria de tudo na galeria.
Eu estava rodeada de pessoas maravilhosas.
Mamãe bateu à porta algum tempo depois, trazendo consigo
uma bandeja cheia de comida para mim. Não precisava de tanto
mimo, eu poderia descer para comer na mesa. Mas era impossível
contrariar a dona Clarice.
— Coma tudinho, querida — disse, colocando a bandeja na
minha cama.
Observei a quantidade de comida e carinho ali depositadas.
Tinha uma sopinha quentinha, pães, queijo, suco, e de sobremesa
um kinder ovo, que eu amava. Ainda teve o cuidado de colocar um
pequeno vasinho com uma das flores do seu jardim.
— Mãe, obrigada. Não precisava ter se incomodado, eu podia
descer.
— Deixa eu te mimar um pouquinho, filha. Além do mais, o
médico disse que quanto mais repouso melhor. Agora coma, e
assim que terminar, irei fazer uma compressa gelada no seu pé.
E foi o que fiz, comi quase tudo e me surpreendi com a fome
que eu estava. Sua comidinha tinha gosto de amor, era daquelas
comidas tão gostosas que nos davam a sensação de abraço.
Depois que fez a compressa, mamãe se retirou e pediu que eu
descansasse.
Liguei um som baixinho no celular e fiquei repassando
mentalmente a conversa rápida que Lucca e eu tivemos enquanto o
sono não vinha. Virei-me de um lado para o outro enquanto tentava
domar meus sentimentos confusos.
Era tudo muito novo, diferente. Talvez por isso a minha
dificuldade em lidar com ele e com as coisas que despertava em
mim. Eu não estava apaixonada, não tinha como estar. Só queria
me entender. Entretanto, depois de tanto pensar, cheguei à
conclusão de que nem tudo na vida tinha uma resposta.
E tudo bem, às vezes só precisávamos relaxar e deixar fluir.
 
Capítulo 11
 
LUCCA MASERATI

 
Eu não tinha a menor ideia do que estava fazendo. Só segui
meus instintos e vim parar no Brasil. Na verdade, era uma viagem
que já estava marcada, mas resolvi antecipar uns dias a vinda.
Depois que eu soube o que aconteceu com a Alícia, confesso
que fiquei meio aéreo. Principalmente após a mensagem que me
mandou dizendo que precisava de mim. Eu poderia ter mil defeitos,
não era um homem fácil de lidar, mas se tinha uma coisa que eu
sabia ser era amigo.
Eu iria até o inferno pelos meus amigos, se necessário fosse.
E apesar de não ser tão íntimo de Alícia, tínhamos uma ligação
diferente. De alguma forma, a relação da melhor amiga dela com o
meu melhor amigo nos aproximava de um jeito esquisito. Mesmo
que eu me mantivesse a uma distância segura.
Assim que cheguei ao hotel, mandei uma mensagem sucinta
para ela. Minha intenção era vê-la, confesso que estava agoniado
por isso, apesar de Romeo ter me garantido que estava bem.
 
Como você está?

 
Logo veio a resposta, tagarela como sempre.
 
Me sentindo bem melhor, mas
extremamente entediada e com
vontade de dar uma volta. Estou
esperando a minha mãe voltar do
mercado para sair de carro
comigo.
 
Se você quiser, posso buscá-la
para darmos um passeio.
 
Como assim? Você está no Brasil?
 
Acabei de chegar.
 
Eu quero!!! Vou me arrumar... que
horas você passa aqui?
 
Me avise quando estiver pronta
que eu vou.

 
Lucca, você me salvou do tédio.
Obrigada, obrigada. Estou muito
feliz! Não se surpreenda caso eu
dê um beijo na sua boca quando te
ver.
 

Engoli o restante do café e olhei pela grande janela da minha


suíte. Ouro Preto era uma bela cidade. Perto de Palermo era
pacata, tranquila... bonitas paisagens, e um dos entardeceres mais
bonitos que já vi.
Era o espetáculo que acontecia agora à minha frente. O azul
claro do céu se transformava em um tom mais escuro, e pequenas
faixas alaranjadas o cobriam. Tudo acontecia muito rápido. E eu me
vi surpreso comigo mesmo por ainda conseguir enxergar beleza nas
pequenas coisas.
Mais rápido do que imaginei, recebi a mensagem de Alícia
avisando que estava pronta. Informei que estava a caminho, peguei
meus documentos e minha carteira e fui ao seu encontro. Ainda
tinha o endereço gravado no GPS... aos poucos eu ia me
habituando às ruas de Ouro Preto, tinha um bom senso de
localização. Porém, preferia manter o sistema sempre ligado.
Quando estacionei em frente à sua casa, ela me esperava na
varanda, sentada em uma poltrona. Saí do carro e a observei
caminhar de maneira lenta até mim. Percorri meu olhar por ela
inteira até me certificar de que era a mesma de dias atrás. E era,
com exceção de uma faixa no pé e alguns arranhões pelo braço.
Tinha um curativo pequeno na testa, da cor da sua pele, que muito
provavelmente escondia um machucado.
— Oi! — disse, animada, ao sair pelo portão e vir ao meu
encontro.
O vento bateu em seus cabelos, trazendo o seu perfume para
mim. A visão me deu uma baqueada. A beleza de Alícia era uma
coisa difícil de ser explicada. Mesmo descrevendo traço por traço do
seu rosto e do seu corpo, era impossível de retratar. Só vendo ao
vivo e em cores mesmo.
Ela estava usando um vestido branco, longo e solto, e por cima
um casaco jeans. Nos pés, calçava uma rasteirinha e no rosto, zero
maquiagens.

Così bella[32].
— Oi, precisa de ajuda? — perguntei, aproximando-me para
auxiliá-la, e ela me abraçou por uns segundos.
Por um momento, pensei que me daria o beijo que falou na
mensagem, mas se conteve.
— Por favor... já fui liberada da muleta, mas ainda sinto um
pouco de dor quando forço o pé — respondeu, afastando-se.
— Por isso a importância do repouso... não vamos caminhar
muito — falei, cauteloso.
— Mesmo que seja uma volta de carro de cinco minutos, já
ficarei satisfeita, pode ter certeza. — Ela parecia animada, como se
não visse a rua há dias.
Eu a acompanhei até o lado do passageiro, e depois de
acomodá-la, dei a volta no veículo e me sentei no banco do
motorista. Fui invadido ainda mais pelo seu perfume e respirei
fundo, querendo absorver aquele cheiro bom.
— E então, quer ir a algum lugar especial ou posso
surpreendê-la? — indaguei.
— Pode me surpreender.
— Perfetto.
— Não sabia que você viria ao Brasil agora, a Isa não
comentou nada — ela disse, enquanto eu dava partida no carro.
— Antecipei a minha vinda, que seria na próxima semana. E
me fale de você, tirando o tédio, como está se sentindo?
Romeo havia comentado comigo o que tinha acontecido e não
tive como não ficar enfurecido. Segundo o meu amigo, o pai de
Alícia era um advogado renomado de Minas Gerais, e estava
movendo o mundo para encontrar o bastardo que a atropelou e
fugiu sem prestar socorro. Eu adoraria encontrá-lo para dar uma
surra que ele nunca mais ia esquecer. Eu o deixaria em um estado
muito pior do que ele deixou Alícia.
— Ótima, com exceção do pequeno incômodo no pé e esses
arranhões, estou muito bem. Mas sempre fui muito ativa, gosto de
ter a minha independência, fazer as minhas coisas... por isso os
dias têm sido bastante desafiadores.
— É só uma fase, vai passar.
— Amém... se Deus quiser. E a viagem, foi boa? — perguntou,
e logo percebi que ela queria fugir do assunto do seu acidente.
— Tudo certo. Sinto que cada vez me acostumo mais.
— Você não sente falta de se firmar em um lugar só?
— Eu sinto falta da rotina. Mas aprendi a ter isso até em
viagens... sou extremamente metódico, gosto do previsível, por isso
me programo para que as coisas se mantenham no controle —
confidenciei.
— Interessante. Eu sou o oposto, amo ser surpreendida pelo
imprevisível — falou, pensativa. — Você sempre foi assim?
— Digamos que fui mudando com o tempo. — Ela apenas me
encarou, como se tentasse me desvendar.
Dirigi pelos pontos turísticos de Ouro Preto, ciente de que
aquilo era comum para Alícia, mas podia sentir que estava feliz. Só
não sabia se era por estar em minha companhia ou por eu a ter
tirado de casa.
— Ah, antes que eu me esqueça, papai pediu que eu os
agradecesse pelo uísque. Ele disse que vai dar o veredito quando
você e o Romeo puderem ir em nossa casa para um jantar. Acho
que agora que você está aqui, podemos marcar — contou, e eu dei
um sorriso de canto.
Seria no mínimo interessante.
— Será um prazer! Confesso que estou curioso...
— Eu também estaria, papai gosta de fazer graça de vez em
quando — respondeu —, irei combinar com ele uma data, aviso
vocês e se estiverem disponíveis, marcamos. Pode ser?
— Claro.
— Você vai dar boas risadas, apesar de ter um jeito meio
turrão, coisa de advogado, papai é um homem maravilhoso e muito
engraçado.
Bastava que falasse da sua família, para que seus olhos cor de
chocolate brilhassem ainda mais. Alícia tinha uma ótima relação
com os pais e com o irmão. E pelo pouco que eu sabia sobre eles,
eram ótimas pessoas.
— Meu pai é assim também — falei, e ela me olhou com
curiosidade. — A minha família é aquela típica italiana que aparece
nos filmes. Eles gostam de falar alto, gesticular e comer.
— Que máximo, tenho muita vontade de conhecer a Itália.
— Você vai gostar. Eu não troco a minha terra por nada,
apesar de que gosto muito de Ouro Preto.
— Ah, eu também amo a minha cidade. Mas não tenho muito
esse sentimento bairrista... se um dia eu precisasse sair daqui, não
teria tanta dificuldade em me adaptar. Eu acho.
— E seus pais e seu irmão?
— Eu morreria de saudades... nós somos bastante apegados
uns aos outros, mas meus pais criaram meu irmão e eu de uma
forma para que sempre fôssemos independentes.
— Entendo. Mas na prática, se adaptar longe de casa não me
parece uma tarefa muito fácil.
— Realmente não deve ser. Acho que é tudo uma questão de
instinto. De saber até onde podemos ir... e encarar. A vida precisa
ser vivida.
— Tem razão — concordei enquanto refletia sobre suas
palavras.
Alguns minutos depois, encontrei uma vaga em uma das belas
ruas do centro histórico e estacionei. Desliguei o carro e a encarei.
— Obrigada pelo convite e por dar um passeio comigo — ela
agradeceu, levando a mão para a minha perna. — Foi uma surpresa
e tanto.
Segurei a sua mão macia e fiz pequenas carícias.
— Fico feliz por vê-la tão bem. Embora possa não parecer, eu
me importo com você, Alícia — soltei com naturalidade, e ela me
presenteou com um sorriso.
— E eu fico feliz por você se importar. — Desviou o olhar para
o céu escurecido à nossa frente e depois me encarou novamente.
— Posso te fazer uma pergunta?
— Pode — falei, mesmo ciente da bomba que poderia vir pela
frente.
— Quando disse que me queria em Palermo, você falou
realmente sério?
Cazzo! Tinha que perguntar justamente isso?
— Sim. Acho que já deu para notar que não sou muito de
brincadeiras — respondi, encarando-a com intensidade.
— Às vezes você me confunde. — O tom cheio de sinceridade
me surpreendeu. — Eu nunca sei se você está a fim ou não.
— Acho que o que fizemos no banheiro da sua casa responde
à sua pergunta. Mas... eu não me envolvo, Alícia. Com ninguém.
— E por que você acha que eu quero me envolver? Não
podemos apenas curtir?
— Não é tão simples, e eu não quero magoá-la.
— Você nunca se envolveu com ninguém? — questionou, crua
e direta.
Desviei o olhar do dela, mas mantive minha mão na sua. Era
extremamente difícil falar sobre o passado, até mesmo com as
pessoas mais próximas. Para mim, a sensação era quase como um
mau agouro. Como se reabrir feridas antigas pudesse trazer toda
aquela carga ruim do passado para o presente.
— Já...
— Entendo. Eu nunca namorei... já tive uns relacionamentos
um pouco mais sérios, de exclusividade, mas não muito duradouros
ou que evoluíssem para um namoro.
Apesar de ter ficado aliviado por ela ter puxado o assunto para
si, suas palavras me deixaram com uma sensação desconfortável. A
ideia de outro homem a tocando me incomodou mais do que eu
gostaria.
— Você é nova ainda, tem muito para viver. — Minha frase
saiu com um gosto amargo, por isso, resolvi mudar de assunto. —
Quer jantar em algum lugar?
— Hum... estou mesmo começando a ficar com fome. Será
que poderíamos ir ao seu hotel e pedir algo por lá mesmo? Tenho
evitado tumulto por enquanto... mas se não achar conveniente, tudo
bem. De verdade.
Não sabia se era uma boa ideia, no entanto, não queria
recusar. Ela estava com fome, eu também, e até entendia o seu
receio de ficar em lugares muito cheios. Alícia era vaidosa, mas não
era por isso que ela estava evitando sair. Dava para perceber no
seu jeito que ainda estava um pouco assustada, mesmo que
tentasse disfarçar.
— Pode ser. Então vamos. — Ela sorriu com a minha resposta.
Tirei a minha mão da sua para ligar o carro, e ela a manteve ali
na minha perna. Seguimos em um silêncio confortável pelas ruas a
caminho do hotel. O som estava baixinho, mas, durante o trajeto,
reconheci a melodia da sua música preferida quando começou a
tocar.
Como da outra vez, ela cantarolou baixinho, sem tirar o sorriso
dos lábios.
 
(...)
Teus sinais me confundem da cabeça aos pés
Mas por dentro eu te devoro
Teu olhar não me diz exato quem tu és
Mesmo assim eu te devoro
(...)
 
Observando a letra da música, parecia que tinha sido feita para
mim. Porque era exatamente assim que eu me sentia em relação a
ela. Eu realmente tinha vontade de devorá-la.
— Sabe... essa música é uma das minhas preferidas, desde o
início da minha adolescência. Mas hoje, toda vez que eu escuto,
penso em você — disse.
— É? Por quê?
Alícia era completamente diferente. Uma pessoa única.
Qualquer outra mulher fugiria da resposta, ou sequer falaria o que
ela falou. Por isso, fiz questão de perguntar, mesmo imaginando o
que diria. Eu gostava da sua ousadia, e da forma como falava as
coisas sem receio.
— Porque às vezes você me olha como se quisesse me
devorar — sussurrou, como se adivinhasse meus pensamentos.
E eu quero, principessa. Uma pena que querer não é poder.
 
Capítulo 12
 
ALÍCIA CASTRO

 
Chegamos ao hotel em que Lucca estava hospedado e eu
fiquei impressionada com o tamanho da suíte presidencial. Ficava
no último andar e era muito espaçosa e aconchegante, além de ter
todo um estilo clássico e luxuoso que eu, particularmente, apreciava
muito. Ele havia me dito que sempre se hospedava aqui justamente
pelo fato de não se parecer com um hotel e sim, com um lar.
Ao entrarmos, o primeiro ambiente era uma espécie de
antessala com mesa, poltronas, televisão... na sequência um
escritório enorme à direita, e à esquerda o quarto que era ainda
maior. Ao avistar a cama gigantesca com lençóis escuros de seda,
tive vontade de me deitar.
Sentindo um pouco de dor no pé, segui até lá e me sentei na
beirada. Tirei a rasteirinha e notei que o tornozelo estava um pouco
inchado, o que era normal ao fim do dia. Apesar de ter caminhado
de braços dados com o Lucca do estacionamento até aqui, estava
sentindo uma leve dor, o que também era normal, dadas as
circunstâncias.
— Está com dor? — Lucca perguntou, aproximando-se de
mim.
— Geralmente pela noite me incomoda mais do que durante o
dia.
— Eu tenho uma pomada que uso quando estou com alguma
dor muscular, não tem nada de mais, mas pode aliviar um pouco.
Quer?
— Por favor... — Sorri, fitando-o.
Lucca foi até uma porta que eu imaginei ser o banheiro, e
retornou com a pomada mais conhecida como Gelol. Quando
estiquei a mão para pegar a pomada, ele pediu que eu me deitasse.
Mesmo surpresa, fiz o que ordenou, e ele se sentou, puxando meu
pé com suavidade e o apoiando em cima da sua coxa forte coberta
pela calça jeans escura.
— Me avise se doer — pediu, e eu acenei em concordância,
sem palavras.
Ele colocou uma camada generosa de pomada em cima do
meu tornozelo e começou a fazer suaves movimentos por toda a
região, massageando-me. Fechei meus olhos e contive o gemido,
não sabia se de dor ou prazer.
Lucca trabalhava magistralmente com as mãos, até nos
mínimos detalhes ele era bom. Fiquei imaginando-as em outras
partes do meu corpo e me arrepiei. O cuidado que ele estava tendo
comigo, fazendo uma carícia suave no meu pé como se estivesse
tocando em um cristal precioso fez com que eu sentisse a
temperatura do quarto subir.
Não sei por quanto tempo ele ficou concentrado na massagem,
mas não o interrompi. Deixei-me ser cuidada por uma pessoa
diferente, e gostei da sensação. Saber que ele se importava
verdadeiramente comigo me deixou com o coração quentinho.
Assim que a pomada estava bem espalhada, e o alívio e
incômodo começaram a cessar, ele me encarou e em uma atitude
totalmente impulsiva, levantei-me com cuidado e, de joelhos na
cama, o abracei pelo pescoço e depositei um beijo no canto dos
seus lábios.
— Obrigada — agradeci em um sussurro.
— Cuidado com o seu pé — ele grunhiu, quase como se
estivesse sentindo dor.
— Você cuidou direitinho — falei, ajeitando-me e me sentando
de frente para ele, praticamente montada em seu colo. — Por que
naquele dia na minha casa você não me beijou?
— Porque se eu a beijasse, não poderia parar — respondeu,
segurando-me pela cintura com força, a uma boa distância do seu
corpo.
— E se eu não quisesse que parasse?
— Alícia... — meu nome soou como um aviso.
— Hum... Lucca? — provoquei-o. — Se não quiser que eu o
beije, me pare — falei, fitando seus olhos verdes e intensos.
Tão bonito.
O aperto que deu em minha cintura foi um incentivo. Aproximei
meus lábios dos seus e fiquei parada, apenas sentindo a textura, o
calor. Respirei erraticamente, e quando fui mergulhar para dentro da
sua boca, ele puxou meu cabelo para trás, fazendo-me soltar um
gemido. Não tinha sido forte como da outra vez, ele estava
preocupado comigo pelo meu acidente, podia ver em seus olhos a
luta interna que estava travando.
— Não quero machucá-la — disse, e notei um duplo sentido na
frase, pois percebi que não se referia apenas ao atropelamento.
— Eu não sou de cristal. Nós somos dois adultos, saberemos
lidar com isso.
— Não há com o que lidar, eu não namoro, Alícia — declarou
com sinceridade.
— E eu não estou pedindo você em namoro, Lucca. Não estou
pedindo que coloque um anel no meu dedo. Quero apenas
aproveitar o momento, e eu sei que você também quer. — Suspirei.
— Podemos continuar amigos... com benefícios. — Desviei o olhar
exatamente para o local em que mostrava que não era imune a
mim.
— Eu não fodo a mesma mulher mais de uma vez —
murmurou de maneira direta, sem rodeios.
Estava explicado o motivo de ele se afastar cada vez que eu
me aproximava. Lucca achava que eu não poderia lidar com apenas
uma foda. Seu olhar desviou para a minha boca, e notei novamente
a batalha entre razão e emoção.
Quando sua mão soltou o meu cabelo, abracei-o pelo pescoço.
— Você precisa relaxar um pouco, sair dessa posição de
defesa em que está o tempo todo — sussurrei, mordendo o lóbulo
da sua orelha. — Nós poderíamos apenas aproveitar, sem
cobranças... viver o hoje. — Deixei uma trilha de beijos pelo seu
maxilar.
— Não vou foder com você hoje, está machucada.
— Meu pé está machucado, mas podemos fazer devagarzinho
— falei em seu ouvido, e ele soltou uma risada anasalada.
— Eu não fodo devagarzinho, principessa — murmurou.
Cinco palavras foram o suficiente para me encharcar. Uma
simples frase dita pelo sotaque italiano carregado molharia qualquer
calcinha, até a minha... se eu estivesse usando uma.
— Não? E como você fode? — Afastei-me para encará-lo.
Seu olhar estava diferente. Podia ver o tesão escancarado, o
fogo. Se eu não estivesse machucada, Lucca certamente já teria
jogado toda a sua razão para o alto e estaria me fodendo há horas.
— Com força! — Mordeu meu queixo, e eu gemi. — Bruto! —
Mordeu o meu pescoço. — Amarraria seus braços com uma
gravata. — Roçou a barba no meu rosto. — Vendaria seus olhos. —
Cheirou-me como um macho cheira uma fêmea. — Daria umas
palmadas nesse traseiro gostoso até deixá-lo bem vermelho. —
Apertou a minha cintura. — E foderia essa boceta pequena até que
implorasse para parar. — Puxou meu cabelo, e eu me remexi,
sentindo sua dureza em minha intimidade.
Suas palavras me diziam uma coisa, eu podia ver o duelo
entre razão e emoção. Mas, quando me encarou com aquele olhar
único dele, eu soube que, naquele momento, a emoção venceria.
Pelo menos naquele momento.
— Ah, Lucca... por favor! — Tentei me mexer mais uma vez,
mas uma pontada no meu pé me fez soltar um gemido de dor.
Ele me encarou com uma mistura de preocupação e tesão.
— Alícia... — me repreendeu, ajeitando-me com cuidado.
— Estou encharcando a sua calça — falei, afastando-me para
que tivéssemos um vislumbre da braguilha com meus fluidos.
— Você está sem calcinha? — indagou, como se a pergunta o
fizesse sofrer em demasia.
— Estou...
— Cazzo!
— Me desculpe pela bagunça. — Eu me fiz de sonsa e dei um
sorrisinho.
— Você é tão sensível.
Senti seus dedos adentrarem pelo meu vestido, sua mão
seguindo do meu joelho até o meio da minha coxa. Não desviei o
meu olhar do seu, nem quando seus dedos tocaram a minha
intimidade, como se quisesse conferir que eu realmente estava sem
calcinha.
Como se eu não o tivesse molhado todo.
— Ah, meu Deus! — lamuriei quando o dedo circulou o meu
clitóris.
— Você só pode estar querendo me matar, ragazza! — rosnou.
Dois dedos escorregaram para a minha entrada e forçaram um
pouco, fazendo com que eu jogasse o meu corpo para cima dele,
em meio aos gemidos e toda a desordem que eu me tornava
quando estava excitada.
— Apertada pra caralho! Maledetta! — Mordiscou o meu
pescoço e quando seus dedos entraram em mim, soltei um gemido
com a invasão. — Se essa boceta já está estrangulando meus
dedos, não quero nem imaginar o que fará com o meu pau dentro
dela.
Lucca me castigou por vários minutos, massageou meu clitóris,
tirou e colocou os dedos na minha intimidade por incontáveis vezes,
enquanto eu gritava despudoradamente, torcendo para que a suíte
tivesse isolamento acústico.
— Eu vou gozar — choraminguei.
— Goza, gostosa!  — ordenou, e eu explodi em um orgasmo
avassalador, sentindo um líquido esguichar e nos encharcar.
Revirei meus olhos e soltei um grito ainda maior, contraindo-
me toda enquanto Lucca me segurava com firmeza. Nunca tinha
sentido algo tão intenso, aquilo nunca tinha acontecido. Estava
confusa, trêmula, sensível e sem conseguir sentir as minhas
próprias pernas. Não podia responder pelo meu próprio corpo.
— Puta que pariu! — ele exclamou, e o encarei. — Você teve
um squirting[33].
Lucca olhava para a minha boceta e para a bagunça que eu
havia feito com fascinação. Ele me ergueu com cuidado, comigo
ainda extremamente sensível e me colocou de costas na cama,
arregaçando minhas pernas.
— Eu não...
Antes que eu conseguisse terminar a frase, ele mergulhou com
seus lábios por toda a minha intimidade, sorvendo tudo. Enquanto
soltava uns grunhidos e rosnados incompreensíveis, levei minhas
mãos para o seu cabelo, tentando puxá-lo... eu poderia morrer a
qualquer momento. O prazer era tanto que chegava a doer. Eu mal
tinha me recuperado de um orgasmo e sentia outro se aproximando.
A mordida suave que deu em meu clitóris foi o meu fim.
Senti-me caindo de um penhasco, tudo se remexendo dentro
de mim. Era como se o novo orgasmo tivesse me levado para outra
dimensão. Fechei meus olhos e tentei me afastar dele e da sua
boca magnífica, choramingando como uma maluca.
Até que por fim ele se afastou da minha intimidade e subiu
pelo meu corpo. Seu queixo e seus lábios brilhavam dos meus
fluidos, achei que gozaria de novo só com aquela visão. Meu
coração acelerou quando ele baixou a alça do meu vestido e
começou a brincar com o meu piercing.
— Lucca... eu não... não aguento mais — resmunguei, mesmo
que em meu íntimo, não quisesse que ele parasse.
Então, seus beijos saíram do meu seio e subiram pelo meu
colo, pescoço, rosto, até que, finalmente, chegaram aos meus
lábios. Sua língua mergulhou dentro da minha boca, fazendo com
que eu sentisse o meu próprio gosto e ficasse ainda mais excitada.
Seu membro por baixo da calça jeans se posicionou bem no
centro da minha intimidade sensível e me tornei um misto de
sensações. Nunca havia beijado uma boca tão gostosa quanto a de
Lucca.
O homem sabia exatamente o que fazer. Com a boca, com as
mãos.
A dança das nossas línguas era perfeita, de outro mundo.
Havíamos sido atingidos por uma química surreal. Ele estava
sentindo também, seus grunhidos junto aos meus gemidos em meio
ao beijo denunciavam tudo.
Segurei seu rosto, arranhando suavemente a barba por fazer,
enquanto era engolida de todas as formas. Não conseguia pensar
em mais nada que não fosse Lucca Maserati e sua boca em mim.
Aos poucos, ele cessou os movimentos um tanto brutos,
ásperos, e finalizou o beijo com uma mordida no meu lábio inferior.
— Não sei se vou conseguir parar — grunhiu, encarando-me.
— Eu não quero que pare — confessei, e ele arrumou meu
vestido, escondendo novamente o meu seio.
— Precisamos, para o nosso próprio bem — disse e me deu
um selinho. — Fique aqui, eu já volto. — Deu-me mais uma bitoca e
se levantou, caminhando até o banheiro.
Fiquei olhando para o teto, sem forças para me mexer. Não
conseguia nem ao menos pensar. Ainda estava com o coração
acelerado, com a respiração entrecortada, trêmula, mergulhada em
uma luxúria da qual não queria mais sair.
O que Lucca fazia com as mãos e com a boca era um pecado.
Ele acabou elevando o padrão e seria praticamente impossível
encontrar alguém que soubesse fazer o que ele fazia. Imaginar
outro homem que não fosse ele me tocando me causou repulsa, e
percebi que havia entrado em um jogo perigoso.
Em meio aos meus pensamentos, escutei seus passos se
aproximando e o encarei com um sorriso. Lucca trouxe uma toalha
branca do banheiro e me limpou com suavidade, minha intimidade e
minhas pernas estavam em um estado lastimável.
Desviei o olhar pelo seu corpo, fixando-me no volume
avantajado do seu membro.
— Vou tomar um banho rápido e volto para pedir o nosso
jantar — disse após terminar de me limpar. — Descanse um pouco.
— Está bem — respondi, lânguida e preguiçosa.
Quando ele voltou ao banheiro e fechou a porta, ajeitei-me na
cama e abracei um dos travesseiros, sentindo o seu perfume. Senti-
me ligeiramente egoísta por ter tido um prazer descomunal e não ter
proporcionado o mesmo a ele.
Lucca fez com que eu tivesse um squirting, algo que eu
achava muito difícil de ter um dia. Eu costumava ler muito sobre
sexo, gostava de conhecer o meu corpo, as coisas que me davam
prazer, e jamais pensei que faria parte de uma minoria de mulheres
que ejaculavam. Havia sido uma loucura.
Respirei fundo enquanto tentava controlar a bagunça interna
que tinha se instalado em mim e tomado conta não apenas dos
meus pensamentos, como também dos meus sentimentos.
 
Capítulo 13
 
LUCCA MASERATI

 
Depois de ter gozado como um louco no chuveiro, consegui
me recuperar um pouco do furacão Alícia. Quando eu pensava que
a ragazza não poderia ficar melhor, ela me mostrava que sim,
poderia.
Fiquei completamente transtornado quando ela esguichou na
minha mão, e tive que me conter para não a foder ali mesmo. Seu
gosto era algo de outro mundo, delicioso, melhor do que qualquer
sobremesa que eu já havia provado.
Se o paraíso tivesse um sabor, seria o da sua boceta. Não
tinha como não ficar obcecado, completamente viciado. Quase
gozei só de senti-la se contraindo em meus dedos, apertando-me,
estrangulando-me.
E tinha o seu piercing, o seu maledetto piercing que era a
minha ruína. E para completar a minha queda, o seu beijo.
Cazzo!
Seu beijo era bom, aliás, bom era pouco para descrevê-lo. Seu
beijo era divino. Ela era toda gostosa. O encaixe tinha sido perfeito
demais para o nosso próprio bem, e aquilo me preocupou. Eu não
deveria ter gostado tanto, não deveria desejá-la com tanto
desespero como a desejava.
Só eu sabia o tamanho do meu autocontrole, que se mantinha
intacto até então.
Saí do banheiro com a toalha enrolada na cintura, aliviado por
ter conseguido aplacar um pouco do tesão, mesmo achando que
aquilo só seria possível se eu me enterrasse naquela boceta e
gozasse dentro dela.
Encontrei Alícia com os olhos fechados na cama, respirando
serenamente. Peguei uma calça de moletom no closet, vesti-me e
caminhei até a cama. Seu cheiro estava impregnado pelo meu
quarto, meu pau reagiu no mesmo instante, e lá fui eu de novo
pensar em coisas desagradáveis para que ele sossegasse.
Toquei o rosto bonito, e ela abriu os olhos, estavam intensos e
brilhantes.
— Oi — disse.
— Oi, o que você quer para o jantar? O restaurante do hotel é
muito bom.
— Estou com vontade de comer uma massa, alguma
sugestão? — perguntou.
— Já experimentei algumas daqui, mas a minha preferida é
espaguete ao pesto acompanhado por filé mignon.
— Hum, deu água na boca... pode ser.
— Vou pedir o mesmo para mim. Para beber, acredito que não
possa tomar nada alcoólico. — Ela acenou em concordância.
— Pode ser um suco de laranja para mim.
— Perfetto — concordei, sentando-me na cama
Peguei o telefone na cômoda ao lado e fiz os pedidos. Notei
que a hora tinha passado e eu nem percebi, já eram quase 22h.
Pela forma como Alícia estava tranquila e relaxada, não tinha pressa
para ir para a casa.
— Pedido feito, em meia hora eles entregam.
Alícia se aproximou, enroscando-se em mim. Diferente do que
imaginei, aquele contato não me incomodou.
— Fui um pouco egoísta com você, não te dei prazer — ela
disse, sempre direta como era.
Ah, principessa... você me deu sim, muito prazer.
— Você me deu sim, seu cheiro, seu gosto... a forma como
gozou — respondi, encarando-a fixamente.
Alícia Castro cheirava a pecado, um delicioso e proibido
pecado. E um a mais, um a menos, não importava. Porque eu já
estava mesmo condenado ao inferno.
— Deus, aquilo nunca aconteceu. Nunca tive um squirting.
A informação me pegou de surpresa. Saber que eu tinha
proporcionado tamanho prazer a ela, o que fez com que se soltasse
ao ponto de ejacular, me deixou ainda mais fissurado. Louco. Eu
sabia que a merda estava feita, e que agora seria difícil, muito difícil
tirar as minhas mãos dela.
— Você é uma delícia. — Segurei seu rosto e mordi o lábio
inferior.
— Gostoso — elogiou, sorrindo enquanto deslizava a mão pela
minha coxa. — Da próxima vez você não me escapa, o quero na
minha boca — disse, resvalando no meu pau.
— Cale a boca ou eu não respondo por mim, principessa —
rosnei, e a safada soltou uma gargalhada.
— Preciso ir ao banheiro — avisou, afastando-se e se
levantando com cuidado.
— Quer ajuda? — perguntei na maior inocência, e ela me
encarou de maneira sugestiva.
— Talvez sim — respondeu ao se aproximar de mim.
— Safada! — Estapeei a sua bunda, e ela soltou um gemido.
— Vá logo, antes que eu cometa uma loucura.
Alícia caminhou devagar para o banheiro em meio às
gargalhadas. Ela era realmente um furacão, daqueles que
passavam pelas nossas vidas e nos arrastavam sem que
percebêssemos. Ela estava destruindo todas as barreiras que eu
havia construído ao longo dos anos, causando bagunça e desordem
na minha vida.
Eu só esperava que a destruição não a alcançasse também.
Pouco tempo depois que ela saiu do banheiro, nosso jantar
chegou. A conversa transcorreu sem provocações, sem indiretas,
sem brincadeirinhas de duplo sentido. Alícia me contou várias
coisas sobre a sua infância, sobre a sua amizade com Isabela.
Contou-me também sobre um Instituto de apoio a crianças com
câncer que visitava com frequência e me vi ainda mais fascinado
por ela.
Ela era conversadeira, e eu gostava de escutá-la.
Peguei-me pensando nas nossas diferenças. Nós éramos
completos opostos, não apenas pelo fato de ela gostar de falar e eu
preferir ouvir. Alícia era extrovertida, eu mais fechado. Ela gostava
do imprevisível, eu tinha total aversão a qualquer tipo de surpresa.
Ela era pura emoção, eu, razão. Ela era como um raio de sol,
iluminava tudo ao seu redor, eu tinha as minhas sombras. Ela tinha
uma pureza enorme no coração, eu tinha todos os meus pecados.
Ela era uma perfeita bagunça, eu, metódico, sistemático e
controlador.
Não tinha como dar certo.
Por mais que tivéssemos uma boa conversa, uma boa
química... por mais que seu corpo se encaixasse ao meu como se
tivesse feito sob medida para mim. Não era pessimismo, mas eu
sabia que estávamos fadados ao fracasso se tentássemos uma
possível relação e tampássemos nossos olhos para o que estava
escancarado.
Eu era um fodido, não poderia trazê-la para a minha escuridão.
Pouco depois da meia-noite, estacionei em frente à sua casa.
Alícia parecia mais radiante do que quando a busquei. O sorriso
bonito que nunca saía dos seus lábios estava ainda maior.
— Foi uma noite incrível, Lucca. Obrigada pelo passeio e... por
tudo.
— Não precisa agradecer, foi um prazer — declarei, tinha sido
um enorme prazer mesmo.
— Vou combinar com o meu pai sobre o jantar e aviso você.
— Perfetto. Ficarei no aguardo.
— Tchau, boa noite — despediu-se, erguendo-se para beijar o
meu rosto.
Eu não pretendia dormir sem o seu gosto na boca, portanto,
assim que ela se afastou, puxei-a e beijei seus lábios, arrancando
uns gemidos baixos, e gostando muito da forma como o seu corpo
sempre reagia a mim.
— Boa noite! — desejei, notando minha voz mais rouca.
Alícia sorriu, passou a língua pelos lábios como se quisesse
sentir um pouco mais do meu gosto e saiu do carro, exatamente
como disse que seria, sem cobranças, sem nada. Esperei que ela
entrasse pelo portão, observando o andar lento, sutil e bonito.
Quando chegou na porta, se virou, acenou e sumiu para dentro de
casa.
Mudei a marcha do câmbio automático para o “D” e retornei
para o hotel.
Se eu não fosse um maledetto fodido, Alícia seria
definitivamente minha e eu não a soltaria por nada no mundo. Nada.
 

 
SÃO PAULO, SÃO PAULO, BRASIL
 
Na sexta-feira, Romeo e eu embarcamos para São Paulo, em
uma viagem de emergência, após sermos notificados sobre um
problema na importação de um dos lotes do nosso uísque.
— Isso é inadmissível! — Romeo bradou enquanto falava com
Salvatore, seu pai, no celular. — É um erro ridículo, de amador.
Tínhamos perdido uma quantidade considerável de garrafas
após constatar que o uísque estava oxidado. Ainda não sabíamos
ao certo em qual momento ocorreu a falha, embora eu tivesse uma
breve impressão de que havia sido na última etapa, que era o
engarrafamento. Quando a bebida entra em contato com o oxigênio
por tempo demais pode sofrer oxidação. Ou seja, muito
provavelmente o uísque ficou exposto mais do que deveria durante
o processo de envase.
E o pior não era nem isso, mas sim o fato de que veio da Itália
assim. Sem inspeção, sem o devido cuidado que sempre
reforçávamos a nossa equipe. Havíamos perdido uma quantidade
razoável de garrafas, e era uma despesa que teríamos que assumir.
Dinheiro não era problema para a AURUM, mas não podíamos
permitir que esse tipo de coisa acontecesse.
Há pouco tempo aconteceu algo semelhante, e havíamos
perdido mais de mil garrafas de uísque com flocos de ouro. Também
na fase final do engarrafamento, onde diluíamos o uísque com água
para que atingisse o volume alcoólico previsto, que, geralmente era
em torno de 40%, e por uma falha, erraram a dosagem e o
percentual acabou ficando em 17,2%. Tivemos um prejuízo
considerável, além de atrasos nos prazos previstos, mas o que
baqueou foi por ter acontecido nas garrafas que, na época, eram
edições especiais e limitadas.
Nossa empresa era o que era pela qualidade que oferecíamos.
Se a perdêssemos, perderíamos também a confiança dos clientes e
tudo aquilo que havíamos conquistado até aqui. Eu não costumava
ficar tão furioso, geralmente me continha, mas não era o que estava
acontecendo agora.
Com a intercorrência, eu precisaria retornar o quanto antes
para Palermo. Precisava ter uma conversa séria com toda a equipe,
e, se fosse o caso, daria uma advertência para todos do setor, e
uma bela suspensão para o chefe. Ele precisava se atentar, já era a
segunda vez que algo assim acontecia no seu departamento.
Como era sexta-feira e tínhamos um jantar amanhã na casa da
Alícia, decidi que pegaria o voo somente no domingo à noite. Na
segunda-feira estaria de volta a Palermo e resolveria essa
pendência. Éramos muito benevolentes com a nossa equipe, mas
não poderíamos ser tontos.
Era o nosso nome, o nome da AURUM que estava em jogo.
— Luciano, sentimos muito pelo ocorrido. Esse tipo de
situação não se repetirá, você sabe a nossa empresa preza muito
pela qualidade dos serviços — Romeo falou.
Luciano Monteiro era sócio majoritário de uma das maiores
importadoras do Brasil. Havíamos assinado um contrato milionário
com ele, o que tornava ainda mais inadmissível o que aconteceu.
— Esse tipo de coisa não deveria acontecer com uma empresa
do porte da AURUM, Romeo. De qualquer forma, também sou um
gestor e sei que não estamos livres de erros, pois não trabalhamos
com robôs e sim com pessoas — refletiu. — Tive que brigar com
metade dos sócios para manter a prestação de serviços, porém,
preciso avisar que se houver mais uma falha desse tipo, não
conseguirei conter uma possível quebra contratual — Luciano disse.
Ele tinha razão, não tinha nem o que contestar. Se eu
estivesse no lugar dele, inclusive, não sabia se conseguiria estar tão
calmo como ele aparentava, tampouco se teria paciência para uma
segunda chance.
— Não haverá uma próxima vez, eu garanto, Luciano —
prometi, e faria o impossível para que não voltasse a acontecer,
nem que eu tivesse que acompanhar o processo pessoalmente. —
Pedimos desculpas pelos transtornos causados e iremos assumir
todo o custo. E para compensar um pouco do erro, enviaremos para
vocês um lote extra e sem custo de uma das nossas produções
mais seletas.
Passamos mais algum tempo na reunião, resolvendo todas as
pendências e acertando as coisas, até que Romeo e eu nos
despedimos e voltamos para o aeroporto. São Paulo era uma cidade
caótica, com um trânsito intenso em qualquer hora do dia ou da
madrugada. Mas era igualmente impressionante.
Meu amigo havia me contado que a chamavam de selva de
pedra e realmente fazia todo o sentido. Era uma infinidade de
prédios arranha-céus e até mesmo os dias ensolarados tinham uma
cor cinza.
— Não queria ter que viajar, mas irei com você para Palermo
— Romeo disse assim que entramos no avião que nos levaria de
volta a Minas Gerais. — Estou puto, porra!
— Essa situação também me tirou do sério — falei, contendo
um pouco da raiva. — Mas você não precisa ir, posso resolver tudo
por lá.
— Preciso! Às vezes somos complacentes demais, e isso está
nos trazendo prejuízo — bradou, com razão.
Romeo estava realmente puto. E não era para menos, eu
também estava. Nós estávamos cansados de falar sobre a
importância da qualidade, contratávamos empresas para dar
treinamentos com frequência, tínhamos equipamentos modernos, de
ponta. O mínimo que esperávamos era o cuidado e o
profissionalismo da parte deles.
Se tivessem conferido as garrafas antes de enviar, não
teríamos passado por isso, e a confusão seria apenas interna, mas
conseguiríamos administrar da melhor forma. Na última vez em que
houve um erro no processo de diluição, eu segurei a demissão do
chefe do setor quando Romeo quis mandá-lo embora, mas não faria
o mesmo esforço dessa vez. Foram dois erros importantes em um
tempo consideravelmente curto.
Era, de fato, inaceitável e inadmissível.
 
Capítulo 14
OURO PRETO, MINAS GERAIS, BRASIL

 
ALÍCIA CASTRO

 
Pintar era uma das atividades mais prazerosas do meu dia a
dia. Como uma boa libriana e apaixonada por artes em geral, eu
amava contemplar a beleza das coisas, das mais simples às mais
ostensivas.
E fazia parte do meu ritual de pintura escutar música clássica.
Beethoven e Mozart estavam entre os meus compositores favoritos.
Eu sentia como se estivesse sendo teletransportada para a tela à
minha frente, o que me fazia ficar horas e horas pintando sem
perceber que o tempo passava.
Além da galeria a qual Isabela e eu éramos sócias, eu também
tinha um pequeno ateliê em casa, que meus pais montaram quando
eu ainda era uma criança arteira e que não podia ver uma parede
branca que já pintava. Ficava em anexo ao meu quarto e era nele
que eu me encontrava naquele instante, já que ainda não estava
liberada para voltar à rotina normal.
Fui interrompida em algum momento da tarde por mamãe. Eu
pedi que ela me chamasse quando pudesse ir ao shopping comigo,
pois, queria comprar um vestido para usar mais tarde, no jantar que
faríamos para Lucca, Isa, Romeo e as crianças.
Dona Clarice disse que me aguardaria no andar de baixo, e eu
fui até a minha suíte para lavar as mãos e trocar de roupa.
Estava me sentindo agitada e ansiosa, veria Lucca depois de
tanta intimidade que trocamos no último encontro. Eu esperava que
ele pudesse ficar no Brasil bastante tempo, porque assim que me
recuperasse, faria com que terminássemos o serviço que ele
começou.
Deus!
Ainda podia sentir alguns vestígios do prazer que ele havia me
proporcionado. Não sabia ao certo até onde iríamos, no entanto, eu
aproveitaria como sempre fiz. Sem cobranças, afinal, como eu
mesma disse a ele, éramos dois adultos que podiam ser amigos
com benefícios. E sem sentimentos... era o que eu esperava.
— Estou pronta — falei ao encontrar mamãe na sala, mexendo
no celular.
— Uau! Estou realmente surpresa pela sua rapidez —
comentou, e eu gargalhei.
Geralmente eu demorava horas para me arrumar, mesmo que
fosse para ir à padaria. Eu era vaidosa, gostava de me cuidar, de
me sentir bonita. Mas, hoje em especial, a ansiedade era tanta que
eu apenas coloquei um vestidinho, um batom e desci ao seu
encontro.
— Vamos, dona Clarice, antes que eu volte e te faça esperar
por umas duas horas — zombei, e ela me abraçou.
Durante o trajeto, passamos por uma senhora que estava
passeando com um cachorrinho que me lembrou o meu Pingo. Meu
vira-latinha mais fofo do mundo que faleceu de velhice há uns
meses. Desde então não havíamos adotado outro cachorrinho, e
comecei a pensar seriamente na hipótese.
— E então... finalmente conhecerei Lucca — mamãe disse,
interrompendo meus devaneios.
Eu sempre contava tudo para ela, e quando Lucca me deixou
em casa naquela noite, acabei confidenciando sobre o que tinha
acontecido, lógico que poupando alguns detalhes mais... quentes.
— Você vai gostar dele, além de ser um colírio para os olhos, é
um homem extremamente gentil e educado.
— E o seu coraçãozinho, como está? — perguntou.
— Batendo — brinquei e ela sorriu ao dar uma cutucada na
minha perna.
Dona Clarice demonstrou preocupação quando eu contei a ela
sobre as coisas que Lucca havia me dito. Não pelo fato de ele não
querer nada sério, ou se envolver, mas porque eu poderia acabar
me machucando no processo.
E, sinceramente, eu preferia me arriscar, a não viver aquilo que
gostaria e me arrepender depois. Se fosse para quebrar a cara e o
coração, eu quebraria e me reconstruiria. Porque eu não seria nem
a primeira, e muito menos a última a ter um coração partido.
— Falando sério, agora, querida... o que houve com ele deve
ter sido muito difícil para ter se fechado dessa forma. Você disse
que ele já namorou, certo?
— Ele me disse que sim.
— Hum...
— Acho que ele foi traído — comentei, pensativa. — Mas, de
todo modo, se um dia ele quiser me contar o que aconteceu, serei
um ombro amigo.
Apesar de me sentir curiosa, jamais perguntaria à Isa se ela
sabia de algo, porque eu estaria fazendo algo que abomino, que é
invadir o espaço do outro por puro capricho. Seria no mínimo
ridículo da minha parte.
— Com certeza. Nunca devemos fazer ao outro o que não
gostaríamos que fizessem conosco — mamãe ponderou.
Algum tempo depois, chegamos ao shopping e segui para uma
das minhas lojas preferidas, onde eu sempre encontrava o que
estava buscando. Não demorei a achar um vestido que era a minha
cara e que ficou ótimo no meu corpo.
Depois de pagar, saímos da loja e decidimos tomar um sorvete
antes de ir embora. Enquanto caminhávamos, me distraí trocando
mensagens com a minha amiga, até quase trombar em alguém.
— Alícia! Oi! — Levantei meus olhos, encontrando Isaac à
minha frente.
Ah, era tudo que eu não precisava.
— Oi, Isaac — cumprimentei, já querendo me afastar
rapidamente.
Ele não esperou que eu falasse, logo se apresentou à minha
mãe, que havia parado ao meu lado, e a cumprimentou com um
aperto de mãos.
— Fiquei sabendo sobre o seu acidente. Como você está? —
indagou, e eu o encarei, sondando-o. — Eu escutei o Alcir falando
com o Max no telefone. Sinto muito, pensei em entrar em contato,
mas não quis ser intrometido.
Imagina se quisesse.
— Ah, sim, estou bem, obrigada. Agora se nos der licença,
estamos com um pouco de pressa. — Tentei cortar o assunto, mas
ele se pôs novamente na minha frente e minha mãe grudou em
mim.
— Me desculpe por qualquer coisa, eu realmente não queria
chateá-la com o que falei quando nos encontramos na boate.
— Tudo bem, Isaac. Agora realmente precisamos ir, até logo!
— falei e saí da sua frente rapidamente sem encará-lo, antes que
ele tentasse me interromper de novo.
Quanto mais distância eu queria de Isaac, mais ele surgia do
nada na minha frente. Pelo menos não me enchia mais a paciência
com aquelas mensagens depois que eu o bloqueei, mas essas
coincidências estavam me tirando do sério.
— Esse garoto é estranho, Alícia. Do nada ele apareceu na
nossa frente — mamãe murmurou.
Ela sabia que eu já tinha ficado com Isaac, mas achou
péssima a forma como ele tentou se aproximar de mim, mandando-
me mensagens o tempo inteiro, quase como um stalker[34].
— Sou tão atenta aos sinais... não entendo como não percebi
antes esse jeito esquisito dele — confidenciei.
Senti uma vontade repentina de ir embora e não tomar mais o
sorvete, tive um pressentimento ruim. Contudo, naquele momento,
decidi ignorar, não tinha motivo para pânico. Talvez ainda estivesse
assustada com o atropelamento, apenas isso.
— Às vezes as pessoas vestem tão bem a máscara que é
impossível de perceber algo errado.
— Mamãe, você se importa de comprarmos o sorvete e
levarmos para comer em casa? Meu pé está um pouquinho dolorido
— falei, a parte do pé era verdade.
— Claro que não me importo, querida.
Minha mãe era a melhor de todas. Depois que pegamos o
sorvete, seguimos para o estacionamento, e só quando entramos no
carro e fomos para casa, foi que eu me senti mais leve. A presença
de Isaac conseguia deixar até a energia mais leve do mundo,
pesada.
 

 
Avistei Lucca entrando pelo portão da minha casa, e senti algo
borbulhar por dentro. Estava elegantemente vestido em um de seus
ternos caros, e o vento suave da noite trouxe seu perfume gostoso
para mim.
Que homem!
Eu tinha certeza de que até vestindo um saco de batatas ele
ficaria bonito. E não era apenas a beleza física, mas o jeito que a
sua presença imponente dominava tudo ao redor. Preenchia.
— Oi, Lucca! Boa noite! — Cumprimentei-o com dois beijos no
rosto.
— Boa noite, Alícia. Como você está? — indagou, sondando-
me dos pés à cabeça.
Pela maneira como me olhou, percebi que ele havia gostado
do meu vestido. Um estilo tubinho, de tom rubi, bem justo, com
decote quadrado e alcinhas bem finas. O comprimento era médio, ia
até a metade das minhas coxas.
— Estou bem melhor, quase 100% já. — Sorri. — Romeo e
Isabela acabaram de chegar com as crianças — avisei, convidando-
o para entrar.
— Tive uns imprevistos e acabei me atrasando um pouco —
disse, olhando para o relógio.
— Não se atrasou não.
Tínhamos combinado às 20h00, e ele chegou apenas dez
minutos depois, ou seja, estava dentro da tolerância prevista. Se ele
me conhecesse um pouco mais, aí saberia realmente o que era um
atraso considerável. Por mais que eu tentasse ser pontual, tinha
sérias dificuldades de organização de tempo.
Orientei que Lucca depositasse a carteira e as chaves em cima
do aparador localizado no hall de entrada da minha casa, e
seguimos para a área de festas. Pela forma como meu corpo reagiu
à sua presença e o arrepio que eu estava sentindo, não precisava
nem olhar para trás para saber que os seus olhos estavam me
escrutinando.
— Papai, mamãe... esse é Lucca, Lucca, esses são meus pais,
Joaquim e Clarice — os apresentei, e papai e ele trocaram um
aperto de mãos.
— É um prazer conhecê-lo, Lucca. Seja bem-vindo! — meu pai
disse.
— Obrigado, o prazer é todo meu — respondeu de maneira
simpática e cortês.
Já mamãe, tascou logo um abraço apertado nele. Contive um
sorrisinho, dona Clarice jamais perderia a oportunidade de tirar uma
casquinha do italiano bonito. Eu tinha realmente a quem puxar.
— Seja bem-vindo, querido. Sinta-se em casa, fique à vontade
— mamãe falou.
— Obrigado, senhora Clarice. — Sorriu, e eu pensei que ela se
derreteria ali mesmo, mas se conteve.
— Ah, nada de senhora. Apenas Clarice, por favor.
Depois de cumprimentar seu sócio, Isabela e as crianças, que
ficaram eufóricas quando o viram, Lucca se sentou na cadeira
próxima a Romeo, papai e Max. Rapidamente eles entraram em um
assunto e ficaram completamente entretidos.
— Seu pai e Max são os homens mais lindos que já vi na vida,
mas Lucca é realmente um colírio para os olhos... ele e Romeo, a
propósito. Os italianos fazendo jus à bela fama que têm — mamãe
sussurrou, e eu ri baixinho.
— Mãe, se contenha! — zombei, e ela sorriu, toda animada.
— Vou tentar... prometo! — respondeu. — Irei até a cozinha
para ver como estão as coisas, já volto.
Dona Clarice amava cozinhar, mas sempre que fazíamos
jantares para mais pessoas, ela contratava uma ajudante para
auxiliá-la, de forma que pudesse dar atenção para os convidados.
Aproximei-me da minha amiga e de Marcella, minha futura
cunhada.
Max e sua namorada estavam juntos há alguns meses, ela era
um amor de pessoa, conquistou não apenas o meu irmão, como a
família toda. Estava fazendo faculdade de medicina e tinha a vida
bem corrida.
— Eu já tinha percebido uma certa troca de olhares entre você
e Lucca, mas hoje eu entendi perfeitamente o que você disse sobre
ele te devorar com os olhos — Isabela murmurou para que somente
Ma e eu escutássemos.
Assim como minha mãe, Isa também sabia sobre o convite que
ele me fez para um passeio e que terminou no seu hotel, melhor do
que eu esperava. Só o fato de ter me tirado de casa naquele dia já
foi uma delícia.
— Não é coisa da minha cabeça.
— Não mesmo, eu percebi também — Marcella disse.
Aproveitei para dar uma olhada no loiro bonito, e o peguei no
flagra, olhando-me. Eu gostava da forma como ele me encarava.
Como se quisesse, de fato, me devorar. Inteira. Cada parte minha.
Como se nada mais no mundo importasse, apenas nós dois e o
desejo que sentíamos um pelo outro. Dei um sorrisinho que ele
retribuiu do seu jeito, e voltei a conversar com as meninas.
— Romeo vai para Palermo amanhã com Lucca — Isabela
comentou, pegando-me de surpresa.
Eu não imaginava que ele voltaria tão rápido para a Itália.
— Ah, pensei que ele ficaria uns dias a mais.
— E ficaria, porém, ocorreu um problema no setor de produção
da AURUM e eles precisarão ir até lá para resolver — contou.
— Hum... entendi. Espero que consigam resolver logo e que
dê tudo certo — falei com sinceridade, embora tenha ficado um
pouquinho tristonha por saber que ele já iria embora.
Pensei em alguma forma de fazer com que ele viajasse com
uma lembrança minha, para que ficasse bem tentado a voltar o mais
rápido possível. Ainda tínhamos algumas coisas para terminar... ou
começar.
Enquanto conversava com as mulheres, tive uma ideia
maravilhosa e que certamente o deixaria maluco. Pedi licença
dizendo que ia ao banheiro, mas segui pelos corredores da minha
casa, indo para o lado oposto. Teria que ser rápida e voltar antes
que pudessem perceber.
Queria ser uma abelhinha para ver a reação dele quando visse
a surpresa. Embora ele tenha dito que não gostava de ser
surpreendido, tentaria fazer com que ele mudasse sua opinião a
respeito.
Em todo caso, diria que a surpresa nada mais era do que um
presente meu para ele.
Capítulo 15
 
LUCCA MASERATI

 
Os pais de Alícia eram, de fato, pessoas extremamente
agradáveis, receptivas e simpáticas. Joaquim era um homem
inteligente, influente e me lembrava o meu próprio pai em alguns
aspectos. Clarice, era uma mulher belíssima e em poucos minutos
na sua presença já consegui perceber de onde vinha o charme de
Alícia. Ela e a mãe eram muito parecidas, não apenas fisicamente.
— E então, como vão os negócios no Brasil? — Joaquim
perguntou.
— Cada vez melhores. Conseguimos ótimos contatos em
alguns estados, e agora que nos consolidamos aqui, nosso foco
está em levar a AURUM para o Chile e demais países da América
do Sul — comentei.
Estávamos bebendo o nosso uísque, mas ele ainda não tinha
falado nada sobre o que tinha achado. Não que precisássemos de
alguma aprovação, mas pela experiência adquirida com a idade, por
ser um apreciador de destilados há tantos anos, eu estava curioso
pela sua opinião, e certamente levaria em consideração.
— Há alguns anos, fiz uma viagem para a Escócia e visitei
uma das destilarias mais reconhecidas mundialmente. Acabei sendo
convidado para fazer uma degustação completa, e durante alguns
dias da viagem eu ia até lá e provava uns três ou quatro tipos.
Experimentei um que nunca mais esqueci, ele tinha mais de
quarenta anos de envelhecimento em barris de carvalho europeu.
— Esse é dos bons — Max comentou.
— Até então, nunca tinha provado nada melhor do que aquele
uísque e sempre que viajo à Europa, trago algumas garrafas, já que
não importam para o Brasil.
Enquanto Joaquim falava, tanto eu, quanto Romeo e até
mesmo Max estávamos atentos às suas palavras. Ele chegaria ao
AURUM, entretanto, estava fazendo um certo mistério. Confesso
que era interessante a maneira como falava, ele não era uma
pessoa leiga no assunto, muito pelo contrário.
— Mas preciso confessar que esse aqui — disse olhando para
o copo com o líquido âmbar — superou todos os que já provei na
vida. Que me perdoem os escoceses, mas o melhor uísque é dos
italianos — finalizou e não contivemos a risada.
— Olha, conquistar o velho não é fácil, então sintam-se
honrados — Max comentou. — Mas meu pai tem razão, isso aqui é
ouro líquido mesmo. Notei que era uma bebida diferenciada na
primeira vez em que provei.
— Agradecemos o feedback, iremos providenciar mais
algumas garrafas para vocês — Romeo agradeceu.
— Obrigado, Max e Joaquim, nós nos sentimos lisonjeados
com o elogio, é uma honra essa opinião de alguém que entende do
assunto — falei.
— Obrigado, não serei orgulhoso, aceitarei as garrafas. O que
é bom precisa ser reconhecido, e não que minha opinião possa
valer alguma coisa para uma empresa como a AURUM, mas vocês
merecem.
— Como Lucca disse, apreciamos muito a opinião de alguém
que tem tanta experiência — Romeo reforçou.
— E quando for à Sicília, será nosso convidado especial para
conhecer a nossa fábrica — fiz o convite. — Você também, Max.
— Com certeza iremos.
Alícia apareceu naquele instante, vindo de dentro de casa com
uma expressão travessa no rosto. Seu sorriso se ampliou ao ver que
eu a encarava, mas também pudera, que seus pais me perdoassem
pelos meus pensamentos impuros, mas ela estava uma delícia
dentro daquele vestido justo.
Desviei o olhar pelo seu corpo, tentando decifrar se estava
usando calcinha daquela vez, mas no vestido não marcava nada
além das suas curvas que eram a minha maior perdição. Teria que
manter o foco e evitar fodê-la enquanto conseguisse, precisava
aumentar a tensão e o tesão entre nós dois, porque se, um dia
acontecesse, seria apenas uma vez. E as cartas estavam na mesa,
Alícia sabia daquilo, e estava disposta a seguir.
— E então, o senhor Joaquim já deu o veredito dele? — ela
disse ao se aproximar, parando bem ao meu lado e trazendo seu
cheiro para mim.
— Já, e recebeu até um convite para visitar a fábrica da
AURUM — Max falou.
— Uau, então suponho que o feedback tenha sido positivo! —
exclamou, e seu pai acenou positivamente, olhando para a filha com
muito carinho. — Que maravilha! Olha, confesso que estou
surpresa, pois esse senhor é muito, muito crítico.
Todos à mesa gargalharam, mas Alícia não perdeu a
oportunidade de dar um beijo na bochecha do seu pai. Eles
trocaram umas palavras e notei quando a chamou de ‘minha
morena’. Um apelido carinhoso.
O decorrer da noite me surpreendeu de maneira positiva. Eu já
imaginava que seria uma boa noite, mas foi ainda melhor do que
pensei. A família Castro era muito receptiva, fizeram com que nos
sentíssemos em casa.
O jantar estava divino, e notei que havia sido preparado para
agradar tanto Romeo quanto eu. Clarice fez vários tipos de massa
diferentes, para todos os gostos, além de saladas variadas. Daquele
jeito não tinha como não nos sentirmos em casa.
Pouco tempo antes de irmos embora, Alícia sentou-se ao meu
lado.
— A Isabela comentou brevemente comigo que você e Romeo
viajarão para a Itália amanhã à noite.
— Sim, terei que voltar antes do previsto. Aconteceu um
incidente no setor de produção e na segunda já teremos reunião
com a equipe assim que chegarmos — comentei.
— Sinto muito, espero que consigam resolver tudo da melhor
maneira.
— Obrigado. Assim que estiver tudo ok por lá, retornarei. Ainda
tenho algumas pendências por aqui. — Alícia era uma delas, e
esperta como era, pareceu entender a indireta nas entrelinhas.
Notei que Romeo e Isabela se levantaram com as crianças, e
começaram a se despedir. Nós nos levantamos também, seguindo
até eles, era hora de ir embora. A noite havia sido ótima.
— Se quiser ficar mais um pouco — Alícia cochichou, a frase
incompleta eram um convite.
— Agradeço, ragazza, mas preciso ir. Seus pais são ótimas
pessoas, você tem uma família incrível, Alícia — falei, e ela sorriu
com brilho nos olhos.
— Eles são mesmo. Obrigada por ter vindo... espero vê-lo de
novo em breve — disse, sorridente.
Após nos despedirmos com um beijo no rosto, me despedi de
seus pais, seu irmão e a namorada, e caminhei com meu amigo e
sua família até os nossos carros. O de Romeo estava bem na frente
da casa, mas o meu ficou um pouco mais para trás, pois, na hora
que cheguei, não tinha vaga.
Troquei umas palavras com Romeo sobre a viagem de
amanhã e me despedi dele e de Isabela. Giordana e Noah já
dormiam no banco de trás. Eles tinham adormecido logo após o
jantar, na sala, enquanto assistiam algo infantil na TV.
Entrei no veículo e quando senti o cheiro de Alícia ali, pensei
que estava ficando maluco. Tinha ficado muito tempo próximo a ela,
e seu perfume deve ter ficado infiltrado nas minhas narinas.
Ao ligar o carro e posicionar minha mão no câmbio automático,
senti uma textura diferente e quando abaixei o meu olhar, quase não
acreditei no que vi. Uma calcinha minúscula de renda vermelha
estava pendurada ali, e um post-it rosa colado com um recado.
 
Espero que esse presente faça você voltar o mais breve possível.
A.
 
Sua ousadia me fez pegar o pedaço de pano delicado e trazer
ao nariz, como um maldito viciado. Fechei os olhos ao sentir o seu
cheiro que estava impregnado naquela renda cara.
Maledetta!
Sem ter a menor ideia do que estava fazendo, ou do que a
minha decisão poderia acarretar, peguei meu celular e liguei para
ela, que atendeu em poucos segundos.
— Oi — sussurrou na voz que era a minha ruína.
— Quero você aqui no meu carro em dez minutos! E invente
qualquer coisa para os seus pais, você só volta para casa amanhã,
quando eu acabar com você, principessa! — rosnei e desliguei.
Se ela pensava que poderia me provocar e sairia ilesa, estava
completamente enganada. Eu mostraria a ela quem era Lucca
Maserati e que nunca se deveria brincar com o fogo. E levaria não
apenas a calcinha, como também o seu gosto na minha boca... iria
marcá-la de um jeito que ela jamais se esqueceria.
Coloquei a lingerie, que de tão delicada poderia se rasgar com
apenas um puxão, no meu bolso, porque se ela imaginava que teria
de volta aquela lingerie, estava muito enganada.
Passados oito minutos, avistei Alícia sair pelo portão com uma
bolsa grande e caminhar com confiança até o meu carro. Esperava
que ela estivesse bem e aquele pé lindo e pequeno estivesse
recuperado, porque eu a foderia sem dó.
Não saí do veículo para abrir a porta para ela por um único
motivo, a ereção monstruosa que havia se formado. Como tinha
algumas pessoas na rua, não pretendia ser preso por atentado ao
pudor.
Assim que entrou no carro, ela desviou o olhar devasso para o
câmbio que agora só estava com o seu bilhete. Pelo sorriso que
deu, soube que teve o seu objetivo atingido com sucesso.
— Confesso que não imaginei que fosse me convidar para
passar a noite com você — sussurrou.
— Achou o quê, principessa? Que me provocaria e ficaria por
isso mesmo? Tenho autocontrole, mas não sou de ferro, cazzo! —
grunhi, arrancando o carro dali e seguindo a toda velocidade para o
hotel.
Felizmente não havia tanto trânsito.
Alícia desviou o olhar para o meu pau, que ostentava um
volume na calça social e levou sua mão para a minha coxa,
deslizando até quase chegar perto dele. Quase, porque a segurei
antes que chegasse ao destino.
— Não me provoque!
— Foque no trânsito que eu vou cuidar de você — murmurou,
desfazendo o cinto e tirando minha mão da sua.
Alícia se curvou, abrindo a braguilha da minha calça e tudo
que eu consegui fazer foi erguer um pouco o meu corpo para que
ela pudesse abaixá-la junto com a cueca. Meu pau saltou livre aos
seus olhos e notei que passou a língua pelos lábios, como se
estivesse diante do seu picolé preferido.
Com a mão livre, agarrei seus cabelos e a empurrei para
baixo, sendo engolido pela boca de veludo no mesmo segundo.
Alícia soltou um gemido de prazer e aquilo me enlouqueceu ainda
mais.
— Cazzo! — Por sorte, os vidros do carro tinham película, e
elas eram escuras o bastante para que ninguém conseguisse ver o
que ela estava fazendo.
Concentrei-me em não fechar os olhos enquanto ela me
presenteava com o melhor boquete que eu já havia ganhado na
vida, e olha que não tinham sido poucos. A desgraçada sabia o que
estava fazendo com aquela boquinha esperta, e com as mãos.
Podia sentir a cabecinha cutucando a sua garganta, e a parte
da extensão do meu pau que sua boca não alcançava, ela usava as
mãos para me masturbar. Estava me babando inteiro, e a sensação
era uma das mais prazerosas que eu já havia sentido. Não queria
nem imaginar o que seria estar dentro da boceta apertada, a qual
meus dedos já tiveram uma prévia do que era.
Alícia chupou a cabeça e tive que me conter, respirar fundo
para me manter concentrado no trânsito. O perigo que tudo aquilo
indicava era ainda mais excitante. Diminuí a velocidade do carro,
não poderia arriscar a sua segurança de forma nenhuma. Eu a levei
da sua casa inteira, e pretendia devolvê-la da mesma forma, porém,
com uma única diferença. Ela estaria marcada por mim.
— Você é tão gostoso! Eu quero que goze na minha boca,
Lucca — ronronou.
— Filha da puta! — rosnei.
Ela testava meu autocontrole, e eu estava por um triz de
mostrar a essa maledetta quem era Lucca Maserati. Quais eram
meus gostos, e que ela jamais estaria preparada para um homem
como eu. Alícia Castro nunca poderia lidar com o inferno dentro de
mim. Ninguém poderia.
Só eu sabia o quanto estava me esforçando naquele momento,
para não me sucumbir ao desejo que estava sentindo. E por mais
tentadora que fosse, pedindo-me para gozar na sua boca, o meu
autocontrole se manteve intacto. Eu só gozaria quando estivesse
dentro dela.
Felizmente, avistei o hotel e após entrar no estacionamento e
desligar o carro, puxei os seus cabelos, trazendo seu rosto para
perto do meu.
— Irei gozar somente quando estiver dentro dessa boceta
apertada! — falei, perto demais.
Baba escorria pela sua boca, seus olhos pareciam
mergulhados na volúpia, sua respiração estava entrecortada, e eu
podia sentir seu coração acelerado conforme movi minha mão pelo
seu pescoço. Lambi seu queixo, a pinta pequena ao lado da boca, e
beijei seus lábios, mostrando a ela quem estava no domínio de toda
situação.
Alícia soltou um gemido, e eu tinha certeza de que se
deslizasse meus dedos pela sua coxa, encontraria sua boceta
encharcada. Ela era tão sensível, bastava um toque meu para que
se derretesse nas minhas mãos.
Após o beijo, fechei minha calça e saímos do carro. Mantive
seu corpo na frente do meu, abraçando-a por trás, escondendo meu
pau duro feito pedra das vistas alheias. Conforme andava, sua
bunda redonda roçava em mim, e pelo sorriso escancarado em seu
rosto, estava adorando tudo aquilo.
Felizmente, durante o trajeto do estacionamento até a suíte
presidencial, não cruzamos com absolutamente ninguém. E bastou
que entrássemos no quarto, para que eu fechasse a porta com os
pés e a agarrasse ali mesmo, prensada contra a parede. O desejo
acumulado de muito tempo cobrando o seu preço.
Você não perde por esperar, principessa!
 
Capítulo 16
 
ALÍCIA CASTRO

 
Eu estava completamente refém de Lucca, sendo prensada
contra a parede pelo seu corpo. Enquanto uma das suas mãos
pressionava o meu pescoço, a outra apertava a minha bunda com
força.
Lucca Maserati me dominou completamente.
Sua boca preenchia tudo, meu colo, meu pescoço, meu rosto,
meus lábios. Eu o sentia em cada parte de mim. O tesão era tanto
que eu arranhei suas costas e ele retribuiu com um grunhido feroz.
Eu tanto fiz, que libertei a fera selvagem que ele mantinha guardada
dentro de si.
— Ah, Lucca... quero que me foda contra essa parede —
murmurei no seu ouvido.
— Maledetta...
Era fácil, bastava que ele abaixasse sua calça e levantasse
meu vestido e pronto. Lucca continuou me torturando e me
castigando com seus lábios. Notei quando uma de suas mãos abriu
a sua calça, e ela caiu aos seus pés. Ele tirou os sapatos italianos
caríssimos, enquanto minhas mãos afoitas tiravam o seu terno e a
sua camisa. Em seguida, ele abaixou a cueca e me segurou pela
cintura, fazendo-me envolver as minhas pernas nas suas costas.
A posição fez com que eu sentisse seu membro grande e
grosso contra a minha intimidade, e o meu gemido ficou ainda mais
alto, enquanto eu tentava me remexer ao mesmo tempo em que era
contida por ele.
— Por favor! Me foda logo! — choraminguei e senti quando
pincelou o membro na minha entrada.
Quando achei que me daria aquilo que eu tanto queria, ele
caminhou pelo quarto comigo em seu colo e me jogou na cama,
beijando-me com selvageria. Notei quando abriu a gaveta na
cômoda ao lado da cama e pegou um pacote de preservativo.
Deus, eu tinha me esquecido completamente da proteção.
Observei-o rasgar o pacote com os dentes, para em seguida
cobrir o monumento que era o seu pênis, e voltar para me beijar.
Suas mãos desceram para a barra do meu vestido e com uma
habilidade incrível ele o tirou de mim sem que eu fizesse o mínimo
de esforço.
Agora, estava completamente nua, e a rasteirinha que eu
estava calçando já havia ficado pela porta assim que entramos no
quarto.
Lucca me encarou com devoção, desviando os olhos
cobiçosos por todo o meu corpo, até me encarar novamente. Uma
das suas mãos guiou o membro até a minha entrada, e, sem mover
o olhar, ele entrou em mim, preenchendo centímetro por centímetro.
Senti um leve incômodo, por mais que estivesse encharcada de
lubrificação, ele era enorme e não apenas isso, era muito grosso.
— Ah, que gostoso! — Fechei os olhos e soltei um gemido
quando senti que ele entrou por completo, atingindo cada ponto
sensível dentro de mim.
Ele me dominava perfeitamente. Seu cheiro, seu toque, seus
lábios. Eu estava perdida, irrevogavelmente perdida. Lucca me tinha
nas mãos, ele sabia exatamente o que fazer comigo, como, quando
fazer. Conhecia-me mais do que eu mesma. E... Deus! Refém dos
seus braços, eu não queria mais me encontrar.
— Cazzo! Que boceta apertada do caralho! — grunhiu em meu
pescoço, sem se mexer, como se estivesse degustando a sensação
de me invadir.
Lucca começou a se mover lentamente, arrancando não
apenas meus gemidos, como toda a minha compostura. Movi-me
junto com ele, mas quando sua mão voou para o meu pescoço em
uma pressão deliciosamente dolorosa, parei os movimentos e me
concentrei na minha respiração.
Seus beijos desceram para o meu colo, até chegarem na parte
do meu corpo que eu achava que era a sua preferida, meus seios.
Sua boca mamou no mamilo com o piercing, e eu quase vi estrelas.
As estocadas, que antes estavam lentas, aumentaram a velocidade
e intensidade, e eu sentia minha boceta se contraindo para recebê-
lo.
Nunca senti tanto prazer na minha vida como senti naquele
momento. Sendo invadida por ele, com sua boca e suas mãos pelo
meu corpo, ocupando cada pedacinho, enlouquecendo-me.
Lucca largou o seio e partiu para o outro, me chupando,
mordendo, lambendo de maneira insana. Nossos corpos estavam
quentes, febris, e uma camada fina de suor nos cobria.
Ainda não tinha encontrado palavras que pudessem descrever
o que era aquele homem nu. Não tinha uma mínima parte do seu
corpo que tivesse um defeito. Desde os braços fortes, a barriga
definida, as pernas, os músculos. Até mesmo seus pés eram
bonitos.
Mas o pau... o pau era um monumento.
— Você é enorme, Lucca! — falei, puxando seu cabelo para
que olhasse para mim. — Eu te sinto em todo lugar.
Seu olhar estava baixo, parecia embevecido de tesão, as
pupilas estavam dilatadas, os lábios vermelhos... a combinação
perfeita para a destruição. Do meu coração, no caso. Ele se ergueu
um pouco, e uma das mãos pressionou novamente o meu pescoço.
Suas estocadas ficaram mais fortes, enquanto eu tinha a
minha respiração privada por segundos. O prazer que eu senti foi
tão descomunal que uma lágrima escorreu solitária. Abri a minha
boca, como se aquilo pudesse me trazer um pouco de fôlego, mas
Lucca me invadiu com a sua língua e me beijou, enquanto estocava
sem parar.
Eu já estava sentindo o orgasmo se aproximando, minha
boceta dava pequenas contrações em seu pau, e cada vez que eu
fazia isso, ele soltava um xingamento diferente.
Tão rápido e inesperado, ele saiu de dentro de mim e me
colocou de quatro na cama.
— Puta que pariu — disse, rouco, alisando minha bunda,
apertando, marcando-me, e no segundo seguinte, me invadiu.
Mordi o travesseiro embaixo de mim, contendo o grito de
prazer. Naquela posição, eu conseguia senti-lo de maneira muito
mais intensa. Lucca agarrou-me com força pela cintura, enquanto
me comia com vontade.
Aquele desejo entre nós guardado por tanto tempo sendo
realizado.
— Ah, meu Deus! Eu vou gozar! — anunciei, desesperada,
quando minhas pernas começaram a tremer.
Meu coração sairia pela boca a qualquer momento. Meu corpo
era empurrado para frente a cada estocada, para logo ser puxado
para trás em um vai-e-vem cheio de tesão. Meus dedos seguiram
para o meio das minhas pernas e toquei meu clitóris inchado.
Lucca depositou um tapa forte na minha nádega, e eu mordi
meus lábios, tirando a minha mão dali mesmo a contragosto. Eu
precisava segurar em algum lugar. E só então eu me dei conta do
que ele queria, com apenas um gesto.
Bastou que tocasse em meu feixe sensível para que eu fosse
jogada para o céu, com um orgasmo enlouquecedor. Minhas pernas
quase cederam, trêmulas, enquanto um esguicho saía de mim.
Gemi enlouquecidamente, sem saber em que planeta eu estava,
sem saber até mesmo quem eu era.
Meu corpo estava todo sensível, e Lucca continuava me
estocando, me penetrando com força. De modo primitivo, visceral.
Ainda levou alguns segundos para que eu escutasse um
rosnado alto e sentisse os espasmos do seu próprio prazer. Ele caiu
por cima de mim, estávamos os dois com a respiração ofegante, e
eu não conseguia nem raciocinar.
— Cazzo! Você é perfeita, ragazza!
Não me lembrava sequer do meu nome, nem de qualquer
outra coisa que não fosse Lucca Maserati. Eu só conseguia pensar
nele, na forma como me invadiu, como preencheu tudo em mim. E
me assustei com a intensidade avassaladora dos meus sentimentos.
Ele saiu de dentro de mim e se afastou, imediatamente senti
uma sensação de vazio. Quando percebi seus planos, soltei um
gemido. Lucca havia retirado o preservativo cheio do seu gozo, e
estava pegando outro.
— Ah... — lamuriei, notando seu pau a meio-mastro. — Você
acabou comigo!
Logo eu, que até um tempo atrás me considerava super
insaciável e com uma resistência bem considerável. Pelo jeito,
estava enganada, ou talvez Lucca superasse todos os limites.
— Eu nem comecei! — exclamou, encarando-me intensamente
enquanto alisava seu membro, que já começava a ficar duro
novamente.
Como ele conseguia?
— Não sei se vou aguentar mais uma rodada dessa — falei,
deslizando a mão para a minha intimidade encharcada e, ainda
sensível.
Lucca se deitou por cima de mim, que ainda estava de bruços,
e me fez uma massagem rápida e deliciosa nas minhas costas.
— Não pediu para ser fodida, principessa? — sussurrou no
meu ouvido. — Não implorou pelo meu pau?
Gemi quando seus dedos deslizaram por baixo de mim, até
chegar à minha boceta. Seus dedos a massagearam
magistralmente, arrancando-me gemidos, lamúrias e muito, muito
prazer.
A propósito, será que alguém poderia morrer de tanto prazer?
Eu esperava que não, porque se fosse o caso, poderia
acontecer comigo. Estava difícil até mesmo acalmar as batidas
loucas e aceleradas do meu coração, eu mal tinha me recuperado
de um orgasmo e estava perto de ter outro.
— Ah... que gostoso. — Rebolei contra suas mãos.
— Isso, assim mesmo, deliciosa. Você vai aguentar tudo que
eu tenho planejado para nós dois — sussurrou no meu ouvido.
— Planos... — murmurei, sem forças.
— Muitos... ainda vou vendar você, amarrar seus braços,
dominá-la de um jeito que nunca mais na sua vida vai se esquecer
do meu nome. E pretendo fazer isso ainda essa noite.
Santo Cristo! Não sabia se sorria ou se chorava.
Lucca, além de insaciável, era tão, tão gostoso que eu poderia
gozar só de ouvir a sua voz. Não sabia se era pelo timbre forte e
masculino, ou pelo sotaque italiano carregado, ou simplesmente a
junção dos dois.
— Ah, por favor... — As palavras saíram sem que eu me desse
conta.
Ele me virou de lado e se posicionou atrás de mim, beijando
meu pescoço, minha nuca, massageando meus seios, apertando
minha cintura. Lucca trabalhava tão bem com as mãos que parecia
que tinha dez. Meu corpo era tocado de tantas formas, mas de um
jeito único.
Eu adorava transar de ladinho, era minha posição preferida e
geralmente gozava em poucos minutos. Com ele, certamente
duraria segundos. Escutei o barulho do preservativo sendo aberto,
e, segundos depois, ele direcionou seu pau para a minha entrada.
— Essa é minha posição preferida — ronronei, levando uma
das minhas mãos para trás, ao seu cabelo.
Lucca mordeu meu pescoço e me invadiu, suas mãos
novamente brincaram com o piercing em meu seio, enquanto ele
estocava vigorosamente dentro de mim. O barulho dos nossos
corpos, misturados ao nosso suor e ao cheiro do nosso sexo pelo
quarto era tão, mas tão delicioso.
— Assim? — murmurou no meu ouvido, mordendo o lóbulo da
minha orelha.
— Exatamente assim... está tão gostoso. — Tirei sua mão do
meu seio e levei para o meu pescoço.
Ele havia entendido o recado, senti quando apertou com uma
pressão dolorosamente prazerosa e perfeita. Manteve-me privada
de oxigênio por alguns segundos, e afrouxou o aperto para que eu
resfolegasse em busca de ar. Nunca imaginei que um gesto como
aquele pudesse me dar tanto prazer. Talvez eu não me conhecesse
o suficiente como achava.
Lucca, além da presença imponente e dominante, trazia
consigo um homem feroz, selvagem. Não era apenas o que ele fazia
na cama com maestria, ou a sua beleza. Era atraente, inteligente,
misterioso. Uma mistura afrodisíaca, que elevava ainda mais o meu
tesão por ele.
Senti minha boceta contrair ao redor do seu pau, e gozei mais
uma vez, gemendo, choramingando, tudo ao mesmo tempo. Lucca
continuou me estocando, me invadindo, me preenchendo e eu me
transformei em uma massa de sensações.
— Essa boceta está estrangulando o meu pau, cazzo! — A voz
baixa e ofegante chegou aos meus ouvidos e fez com que eu me
contraísse toda de novo. — Ela é só minha, está me ouvindo? —
indagou.
Não respondi, não tinha forças para nada que não fosse sentir.
— Está me ouvindo? — perguntou novamente, pressionando
meu pescoço, e acenei levemente em concordância. — Não quero
ninguém tocando no que é meu!
— Ah... sim, sim.
Não conseguiria negar nada a Lucca enquanto ele estivesse
me fodendo daquele jeito. E eu não sabia se suas palavras eram
reais, ou se estavam sendo ditas apenas pelo ápice do tesão.
— Então repete... você é minha!
— Eu sou sua — murmurei, e ele aumentou as investidas,
sacolejando meu corpo.
— Mais alto — pediu, mordendo meu pescoço.
Deus, eu ficaria toda marcada.
— Eu sou sua! Ahhhh... — gritei.
— Ma che bella[35], principessa — grunhiu.
Ele se ergueu um pouco, puxou meu rosto e me beijou como
se não houvesse amanhã. E, para nós dois, talvez realmente não
teria. Espantei meus pensamentos e me concentrei na sua boca
engolindo a minha.
Senti os espasmos do seu pau em minha intimidade, e em
uma sincronia perfeita, gozamos juntos, enquanto nos beijávamos
como se as nossas vidas dependessem daquilo. Não sei por quanto
tempo ele ainda ficou dentro de mim, mas demorou o tanto que
demorou o nosso beijo.
Foi longo o bastante para que nos deixasse sem ar.
Ainda não conseguia pensar em nada que não fosse nele.
Perdi as contas de quantas vezes me fez gozar. Eu não conseguia
raciocinar, e, se tentasse, acho que não conseguiria formular uma
frase completa. Naquele instante, apenas uma única certeza me
assombrava.
Lucca havia me estragado para qualquer outro homem.
 
Capítulo 17
PALERMO, SICÍLIA, ITÁLIA
 
LUCCA MASERATI

 
Desembarquei em Palermo na segunda-feira pela manhã, bem
cedo, após ter passado a madrugada de sábado e o domingo quase
inteiro dentro de Alícia. Só a levei para casa poucas horas antes do
meu embarque.
Transamos igual a dois coelhos e eu sinceramente não sabia
como ainda conseguia ter tanta porra em minhas bolas nas últimas
vezes. Alícia aguentou bem o fogo que eu tinha e, mesmo dizendo
que não aguentava mais, bastava que eu a tocasse para que o seu
corpo se acendesse todo. Era tão insaciável e louca quanto eu.
Se eu não tomasse cuidado, aquela mulher seria, de fato, a
minha ruína.
Nossa química havia ultrapassado qualquer barreira do
normal, parecia que ela havia sido desenhada sob medida para
mim. Não me lembrava de um encaixe ser tão perfeito como havia
sido com ela. Era uma devassa na cama, e uma principessa fora
dela.
Não tinha pudores, nem vergonha de nada. Se entregou para
mim de forma que estaria para sempre gravada como uma das
minhas melhores lembranças. Consegui domá-la a ponto de deixá-la
mansinha feito uma gatinha no cio, submissa, do jeito que eu
gostava.
Em alguns momentos, seu jeito expansivo tentava se
sobressair, mas em um simples comando meu, ela se desmanchava
em minhas mãos. Na cama, eu era um dominador nato. E na vida,
controlador e gostava das coisas do meu jeito.
Seu corpo era um pecado, os lábios uma perdição, a boceta, o
paraíso.
A boca era esperta, não apenas sabia fazer um boquete como
ninguém, como também era extremamente inteligente. Ela sempre
tinha um assunto, era tagarela, e por incrível que pudesse parecer,
aquilo não me incomodava. E olha que eu gostava muito do silêncio.
— Você está aéreo — Romeo comentou assim que chegamos
à empresa. — Aconteceu alguma coisa? — indagou.
Durante a viagem, havíamos nos concentrado no trabalho por
horas e não consegui contar a ele o que havia acontecido. Além do
mais, não costumávamos compartilhar muito a nossa intimidade.
— Alícia aconteceu. Nós passamos a madrugada de sábado e
o domingo juntos — respondi, sem muitos detalhes, porque nem eu
e nem ele precisávamos disso.
Romeo não pareceu nem um pouco surpreso. Se eu não
estivesse enganado, Alícia deve ter contado para Isabela, que
acabou comentando com o marido. Uma hora ou outra eles iam
saber, mas pouco me importava, não combinamos discrição.
— E então?
— Então o quê? Não espera que eu te conte os detalhes, não
é?
— Porra! Claro que não, figlio di puttana. Quero saber de toda
aquela conversa de não vou me envolver.
— Não tem envolvimento, é apenas sexo. Alícia está ciente
disso — falei, e ele me sondou, como se estivesse tentando
adivinhar o que se passava em minha cabeça.
— Alícia é uma mulher incrível e você é meu irmão, espero
que saibam o que estão fazendo.
— Com certeza sabemos — garanti.
Havia acontecido como ela havia dito, sem cobranças, sem
nada. Curtimos pra caralho, e era isso. Eu só não sabia se
conseguiria manter a minha tese de me envolver uma única vez, já
que Alícia era digna de um remember[36].
Não apenas um.
Contudo, não ficaria pensando muito sobre aquilo, deixaria as
coisas acontecerem naturalmente, como foi desde o início, sem
forçar nada. Se o arranjo funcionasse para ambos, ótimo. Quando
um não quisesse mais, apenas seguiríamos nossas vidas, cientes
de que a convivência seria para sempre, já que nossos melhores
amigos eram casados.
— Vou pedir Isabela em casamento — disse de repente,
deixando-me confuso.
— Mas vocês já não são casados?
— Quero apagar aquele dia das nossas vidas, e fazer as
coisas certas dessa vez — confidenciou, e eu entendi tudo.
— Parabéns, cara! Vocês formam uma família ótima! —
Abracei meu amigo, sentindo-me verdadeiramente feliz por ele.
Eles se casariam, dessa vez seria para valer. Eu estava feliz
por Romeo. Nunca o vi tão leve, tão bem. Ele merecia tudo que
estava vivendo, assim como Isabela. Por pouquíssimo a história
deles não se tornou uma tragédia. Depois de tudo que viveram, eles
mereciam essa brisa de ar fresco.
— Obrigado. — Devolveu o abraço. — Desde que fui preso
pelas bolas, sonho com o dia em que você também será —
debochou.
— Pode continuar sonhando, meu amigo. — Gargalhei.
Meu pai e Salvatore entraram na sala de reuniões, onde nos
encontrávamos desde que havíamos chegado e, após nos
cumprimentarem, repassaram todos os acontecimentos dos últimos
dias, enfatizando sobre ocorrido com o envio do lote de uísque
oxidado para o Brasil.
— Dessa vez, se quiserem demiti-lo, não irei me opor — me
referi ao chefe do setor. — Errar uma vez é compreensível, mas
errar uma segunda, em um espaço mínimo de tempo, e pior do que
isso, um erro ridículo desses é inaceitável — falei, e Salvatore
concordou comigo.
O chefe poderia não ser o culpado direto, mas era o
responsável pela equipe e por manter a ordem na produção. Se
estivesse atento, com certeza algo assim não teria acontecido.
— Lucca tem razão, isso já passou dos limites. Ser
condescendente demais dá espaço para que se acomodem —
Romeo declarou.
— Então por mim também está decidido — meu pai disse. —
No entanto, gostaria que não o mandássemos embora por justa
causa.
— Não será necessário, ele não roubou e nem matou ninguém
— falei e entramos em um acordo, já que todos concordaram.
— Salvatore, peça à Violetta que chame Alessandro aqui, por
favor — Romeo pediu ao seu pai.
Na empresa, costumávamos nos tratar formalmente. De vez
em quando meu pai e eu não nos atentávamos, mas como
Salvatore e Romeo tinham um histórico de anos de uma relação
conturbada, acabaram se acostumando mais facilmente.
Violetta anunciou a chegada de Alessandro, e ele entrou na
sala de reuniões. Observei-o com atenção, ele parecia abatido e
bastante envergonhado. Em seu lugar eu também estaria.
— Alessandro, acho que você já tem uma ideia do motivo por
termos o chamado aqui — Romeo iniciou.
— Sim, senhor Romeo.
— O seu setor cometeu dois erros inaceitáveis. Resolvemos
dar uma chance no primeiro, mas agora não encontramos uma
alternativa a não ser demiti-lo — continuou, e me surpreendi com a
calma dele.
Não que ele fosse grosseiro ou estúpido com os funcionários,
mas sempre foi mais carrancudo e sério, por vezes um pouco
ríspido, mas não passava disso. Isabela conseguiu algo que eu
jamais achei que alguém conseguiria, fazer com que um outro lado
de Romeo surgisse. Era impressionante.
— Peço desculpas, sinto muito por ter causado tanto prejuízo
— Alessandro disse.
— Você não tem nenhuma justificativa para esses erros,
Alessandro? — indaguei, e ele me fitou, seu olhar parecia destruído.
— Não há justificativa, meu problema é pessoal, nunca deveria
ter interferido na empresa... eu realmente sinto muito por não ter
conseguido separar as coisas — confessou.
Fomos pegos de surpresa no instante seguinte, quando
lágrimas começaram a descer dos seus olhos como cachoeiras. Nós
nos entreolhamos, enquanto ele colocou as mãos no rosto, tentando
miseravelmente conter o seu desespero.
— Alessandro, vejo que você não está bem. Há algo que
podemos fazer para ajudá-lo? — meu pai indagou, entregando um
lenço de papel para ele.
— Vocês já fizeram mais do que imaginam, mas infelizmente
não há mais saída para o meu problema.
— Sempre há uma saída — falei.
— Minha filha nasceu com uma condição chamada AME.
Minha esposa e eu fizemos de tudo, mas não conseguimos chegar
ao valor do tratamento que ela precisa e a doença avançou muito —
soltou as palavras, deixando-nos perplexos.
— Sinto muito, figlio — meu pai disse, pesaroso.
— Por que você não nos disse nada, Alessandro? Por que
deixou as coisas chegarem a esse ponto? — Salvatore questionou.
— Vocês são ótimos patrões, mas não tenho direito de dizer
nada, afinal, todos têm os seus problemas.
— Mas nem todos têm AME[37] como a sua filha, Alessandro —
meu pai falou. — Conheço pouco da doença, mas sei que além de
ser rara, é extremamente agressiva se não fazer o tratamento.
— Mesmo com o tratamento, não tem cura para a Atrofia
Muscular Espinhal. O que ele proporciona é o controle da doença
somente.
A verdade era que aquela informação havia nos pegado
realmente de surpresa. Alessandro trabalhava há anos na AURUM,
e era um funcionário extremamente competente. No entanto, alguns
erros eram inaceitáveis. Porém, com aquela revelação as coisas
mudaram completamente de figura.
Não poderíamos demiti-lo, não quando estava passando por
um período que deveria ser no mínimo fodido para qualquer pai.
Algumas coisas eram inexplicáveis para mim, e continuariam sendo.
Imediatamente as lembranças de Laura me vieram à mente.
O fato de a filha de Alessandro ter uma doença degenerativa,
mesmo que diferente da que ela teve, fez com que um nó se
formasse em minha garganta, e aquela velha sensação de sufoco
surgisse.
Enquanto eles conversavam, tentei me concentrar e espantar
aquela sensação horrorosa que me perseguia. Se havia algo que eu
ainda não tinha o total controle, era isso.
Percebi quando Romeo desviou o olhar para mim e notou o
meu desconforto. Meu amigo era observador o bastante para saber
que aquele assunto poderia me desmontar. Como um gatilho.
— Alessandro, faremos o seguinte, não procederemos com a
demissão e manteremos o seu salário. No entanto, você ficará fora
durante um período, para dar apoio à sua esposa e cuidar da sua
filha — Romeo disse, e o desespero de Alessandro pareceu
aumentar. — Salvatore e Guido vão acompanhar você. Apenas peço
que assim que você conseguir se acalmar um pouco, nos repasse
todos os detalhes sobre o tratamento, além dos custos que tiveram
e estão tendo... nós cuidaremos de tudo — finalizou.
Apoiei cada palavra do meu amigo, e, pela minha visão
periférica, percebi que meu pai e Salvatore concordaram com a
decisão. Não poderíamos agir diferente, não quando havíamos
tomado ciência de que havia uma criança, uma mãe e um
funcionário nosso sofrendo.
— Obrigado, senhor Romeo, obrigado a todos. Nunca poderei
retribuir tudo isso — agradeceu, com a voz embargada.
Em seguida, saiu da sala com meu pai e Salvatore, deixando
Romeo e eu a sós.
— Cazzo! Que desgraça! — ele exclamou. — Você não está
bem.
— Quanto mais eu tento fugir das lembranças, mais elas vêm
e me assombram. Maledizione! Já não bastava ter encontrado Lauro
e Fabiana dias atrás...
— Você os encontrou? — perguntou, e só então eu me dei
conta de que não contei o fato ao meu amigo.
— Sim, por acaso... mas preferia que eles tivessem se mantido
longe.
— Como aconteceu?
Discorri sobre como havia sido o encontro, e as coisas que me
falaram. Meu amigo me ouviu com atenção, e não consegui decifrar
o que se passava na sua cabeça naquele instante, parecia
pensativo.
— Sei que é uma merda fodida tudo isso, mas me permita
dizer algo? — questionou, e eu apenas acenei em concordância. —
Vá conversar com eles, quem sabe assim você consiga se
desprender disso de uma vez por todas.
— Não tenho nada para falar com eles.
— Claro que tem, Lucca. Não estou dizendo que o que fizeram
tem justificativa, mas ouça o que eles têm para dizer de coração
aberto. — Suspirou. — Você sabe que não digo isso da boca para
fora.
— Sei que não, eu só não... consigo. Ficar perto deles é
reviver tudo, do céu ao inferno, em detalhes.
— Claro que consegue, cazzo! Você é Lucca Maserati! —
exclamou, e eu soltei uma risada anasalada. — Pense bem sobre o
assunto... e se você decidir ir até eles e quiser uma companhia, irei
com você. Estamos juntos nessa, irmão.
Queria que fosse tão fácil como aparentava. Contudo, só eu
sabia o que havia passado. E não, eu não achava que meus
problemas eram o centro do universo... cada pessoa carregava uma
cruz, umas mais leves, outras mais pesadas. No entanto, eu só
poderia falar por mim e pelo que eu havia vivido.
De alguma forma, essa sensação de rejeição parecia me
alimentar ao ponto de me manter de pé, de me fazer seguir em
frente. E eu estava conseguindo, de um jeito meio torto, estava
dando o meu melhor todos os dias. Ou o melhor que eu conseguia.
Porém, algumas situações não facilitavam. Quando não eram
os malditos pesadelos a me atormentarem, eram as infelizes
coincidências da vida, como o fato de ter encontrado os pais dela
inesperadamente. E agora, esse assunto de doença degenerativa.
Às vezes eu tinha a sensação de que algo ou alguém estava
me testando, porque não era possível. Sentia-me à beira da loucura.
Em outras, parecia que o universo ou qualquer outra coisa queria
me mandar uma mensagem.
Eu só não estava conseguindo decifrar.
 
Capítulo 18
OURO PRETO, MINAS GERAIS, BRASIL

 
ALÍCIA CASTRO

 
Saí do Instituto com o coração e com a alma em paz, depois
de algumas semanas sem conseguir ir até lá por conta do incidente
que tive. Nada no mundo era mais recompensador do que o sorriso
e o brilho no olhar daqueles pequenos guerreiros.
Para alguns até poderia soar estranho que eu me sentisse
assim, mas isso não excluía o fato de eu me sentir triste às vezes,
principalmente, quando perdíamos alguém. No entanto, não podia
ter controle sobre todas as coisas, então, buscava fazer o melhor
com aquilo que eu realmente tinha nas mãos, que era o meu talento.
E poder levar um pouco de cor e conforto para a vida das crianças e
seus familiares.
Conversei com o doutor Charles, vi Nícolas e sua mãe, e não
tive como não me lembrar do desenho do seu pedido. Da
semelhança do pai que ele pediu com o médico, da forma como ele
olhava para o doutor Charles como se fosse o seu herói.
Se não houvesse tantas coisas em jogo, eu certamente
tentaria dar uma de cupido e juntar o meu amigo com a Kelly. Mas
eu não seria tão inconveniente, além do mais, tinha toda a questão
de ética médica envolvida e enfim... eu também não sabia se o
coração da mãe de Nícolas estava livre... só sabia que formariam
um belo casal e uma linda família.
Fiquei pensativa sobre o assunto até chegar a Ouro Preto.
Como cheguei um pouco mais cedo do que de costume, decidi ir
direto para a galeria.
— Boa tarde, Val, como estão as coisas por aqui? — perguntei
assim que avistei nossa secretária na recepção.
— Olá, Ali, tudo ótimo. Como foi em Belo Horizonte?
— Incrível, aquelas crianças são inspiradoras — respondi,
sorrindo.
— Eu imagino... ah, hoje um homem esteve aqui procurando
por você — disse, pegando-me de surpresa.
— Quem? — indaguei, e ela checou a sua agenda,
provavelmente não lembrava do nome.
— Isaac. Perguntei se poderia ajudar de alguma forma, e ele
disse que vocês eram amigos e que outro dia apareceria.
Fiquei em choque, não bastava eu ter bloqueado o seu número
para que não me perseguisse mais, agora ele estava invadindo até
o meu ambiente de trabalho. Eu tentaria falar com ele uma última
vez, se não resolvesse, pediria ao meu pai que providenciasse uma
ordem de restrição. Isaac estava passando de todos os limites.
— Ok, obrigada — agradeci, e ela percebeu que eu havia
ficado meio nervosa.
— Está tudo bem?
— Sim, me desculpe, fiquei distraída. — Sorri, mas senti que o
meu sorriso não foi sincero. — Irei até a minha sala, qualquer coisa
me chame — avisei, e ela acenou em concordância, desejando-me
um bom trabalho.
Assim que entrei na minha sala e fechei a porta, larguei a
bolsa em cima da mesa e comecei a andar de um lado para o outro.
Senti vontade de desabafar com alguém sobre o que estava
acontecendo, mas não queria preocupar meus pais ou a Isa.
Talvez se eu pedisse ao Max que ele falasse com o seu sócio
para dar um toque no amigo. Não sabia ao certo o que fazer, a única
coisa que eu sabia, no entanto, era que eu precisava resolver esse
assunto.
Ouvi batidas firmes à porta e autorizei a entrada de quem quer
que fosse.
— Ciao. — Escutei a voz que esteve em meus sonhos nas
últimas semanas, e, ao me virar, não pude acreditar que ele estava
ali.
— Lucca!
Antes que eu pudesse me dar conta do que estava fazendo, já
o tinha agarrado pelo pescoço, e o abraçado como se a minha vida
inteira dependesse daquele abraço. Ele cheirou o meu pescoço,
depositou um beijo ali no pedaço de pele exposta e em seguida, me
encarou. Fitei-o por incontáveis segundos, estava cheia de
saudades, mas tentaria me conter um pouco.
— Muito ocupada? — perguntou.
— Para você, nunca... entre. — Puxei-o pelas mãos e fechei a
porta. — Não sabia que viria ao Brasil agora — falei.
Nós havíamos trocado algumas mensagens durante o tempo
em que ele esteve na Itália, nada de mais, apenas para sabermos
como foi o dia um do outro, ou se estava tudo bem, assuntos triviais.
Nada de flerte ou sobre o que ocorreu na última vez em que
estivemos juntos.
Pedi que ficasse à vontade. Lucca sentou-se na poltrona que
tinha no canto da minha sala e me surpreendeu ao me pegar pelas
mãos e me colocar sentada em seu colo.
— Precisarei ir ao Chile essa semana, e como Romeo não irá
dessa vez, vim para acertarmos alguns detalhes sobre a viagem —
contou.
— Uau! Uma viagem ao Chile, nesse friozinho... — refleti, e ele
fitou-me com intensidade por uns segundos.
Somente então eu percebi que havia falado em voz alta.
— Que tal ir comigo? — convidou, deixando-me totalmente
surpresa.
— O quê? Tem certeza? — indaguei, com o queixo quase no
chão.
— Claro que tenho, do contrário não faria o convite.
— E por acaso eu não vou atrapalhar você? — questionei,
sentindo um friozinho na barriga.
— Muito pelo contrário, vai me manter bem relaxado para as
reuniões que tenho por lá. — Suas mãos foram até a minha nuca e
me apertaram com suavidade.
Fiquei muito admirada, não esperava um convite desses. Até
onde eu me lembrava, Lucca havia dito que não queria se envolver,
que não passava mais de uma noite com a mesma mulher, e agora
estava querendo me levar junto na viagem de trabalho.
Eu poderia até pedir um tempinho para pensar, mas não seria
a Alícia Castro se fizesse isso. Eu era uma pessoa movida pela
impulsividade e pelas minhas vontades. Só precisava avisar a
Isabela e comunicar os meus pais.
— Então eu aceito, gato! — Depositei um beijinho demorado
em seus lábios.
— Você parece tensa... aconteceu alguma coisa? — indagou
depois de ficarmos minutos presos na nossa bolha.
Respirei fundo, pensativa se deveria compartilhar ou não
aquele assunto com ele. Após chegar à conclusão de que não havia
nenhum motivo pelo qual não pudesse, desembuchei.
— Lembra aquela noite na boate, que tinha um homem falando
comigo quando você chegou? — perguntei e notei que travou a
mandíbula e o olhar mudou completamente.
— O que tem ele?
— Nós dois... ficamos duas vezes, mas já faz um tempo. — Se
eu não estivesse enganada, Lucca se incomodou ao saber daquilo.
— Só que ele não parava de me perseguir, tive que bloqueá-lo no
celular após muita insistência da sua parte. Há alguns dias, mamãe
e eu estávamos no shopping, e ele apareceu repentinamente. Hoje
esteve aqui. No começo achei que não estava sabendo lidar com o
fora que levou e que logo desistiria, mas ele não para e eu estou
começando a ficar com medo.
Lucca se remexeu na poltrona, e eu tentei decifrar seus
pensamentos quando desviou o olhar para um ponto fixo atrás de
mim.
— Quero que me passe tudo sobre ele. Conheço uma pessoa
aqui no Brasil que pode ajudar — disse, por fim.
— Cheguei a cogitar a hipótese de pedir para o papai fazer
uma ordem de restrição contra ele. Mas não quero preocupá-lo, já
que tem estado bastante envolvido em encontrar o responsável pelo
meu atropelamento — respirei fundo — além do mais, quero tentar
uma última conversa com Isaac.
— Nem pensar! Você não vai mais ver esse infeliz, nem sequer
trocar uma palavra com ele! — cortou-me.
— Ok, mas quem é essa pessoa que você conhece? Não
quero fazer nada escondido do meu pai.
— Gustavo, você deve se lembrar dele.
Apesar de não o conhecer muito, eu me lembrava sim.
Gustavo era um investigador bastante requisitado... era bem
próximo a Romeo e o ajudou muito no passado, quando ele e
Isabela passaram por uns problemas.
— Lembro sim. Eu não sei muita coisa sobre Isaac, só o nome,
sobrenome, e que ele é conhecido do Alcir, sócio do meu irmão.
— É o suficiente. Não quero que sinta medo ou se preocupe
mais com esse assunto.
— Vou tentar, e por favor, quero saber de tudo, me mantenha
informada — pedi, e ele acenou em concordância. — Tive um dia
maravilhoso hoje, depois quase ficou ruim, mas aí você apareceu...
Podia sentir a tensão emanando de seus poros, nos gestos, na
expressão furiosa, porém contida. Lucca tinha o poder de me
confundir de tal forma que me deixava em dúvida, porque embora
suas palavras dissessem uma coisa, suas ações mostravam outra
completamente diferente.
— É? E o que teve de tão maravilhoso no seu dia? Me conte...
— pediu, fazendo carícias suaves nas minhas costas.
Descrevi de maneira detalhada como foi a minha ida ao
Instituto. Desde a situação das crianças, das nossas brincadeiras,
pinturas... falei sobre Nícolas e o pedido que ele havia feito.
— É sempre um aprendizado, cada dia descubro algo novo...
— Você tem o coração tão puro. Não entendo como você pode
se sentir bem indo a um lugar tão triste — disse, pensativo.
— Não é triste... às vezes acontecem coisas que não
gostaríamos que acontecessem, mas a vida é assim. Por isso
defendo a ideia de aproveitarmos ao máximo cada segundo, pois
nunca sabemos o dia de amanhã.
Lucca apertou a minha cintura, encarando-me como se
quisesse dizer alguma coisa, mas ficou em silêncio.
— Se um dia você quiser ir comigo, verá como são as coisas
lá.
— Quem sabe... — falou, e eu o abracei pelo pescoço.
— E o problema na empresa, conseguiu resolver? — inquiri, e
novamente o olhar sombrio se fez presente.
— Mais ou menos, o erro aconteceu e não conseguimos evitar,
mas os danos foram contidos. — Suspirou pesadamente. —
Acabamos decidindo por demitir o chefe do setor de produção
depois de ter enviado um lote inteiro de bebida oxidada para o
Brasil.
— Nossa...
Ainda bem que eu não era dona de nenhuma empresa e meu
tipo de trabalho era completamente diferente. Não conseguiria lidar
com essa pressão, com demissões, reuniões e toda a loucura da
vida de um gestor. Achava um tédio, para falar a verdade.
Entretanto, me interessava pelo seu trabalho, e, aos
pouquinhos, sentia que Lucca estava se abrindo comigo. Estávamos
nos tornando grandes amigos, e isso, para mim, era muito maior do
que o tesão que sentíamos pelo outro. Nossa química era
estratosférica, isso era inegável, mas conquistar a amizade e a
confiança de Lucca Maserati era superior a tudo.
— O pior não foi nem isso... nós não conseguimos demiti-lo —
confidenciou.
— Por que não?
— Está com problemas pessoais, a filha pequena está com
uma doença degenerativa e sem cura — disse e, pelo seu olhar,
percebi que aquilo havia mexido com ele.
— Sinto muito — falei, sem saber ao certo o que falar.
— Não consigo entender ou encontrar um motivo que justifique
uma criança sofrer tanto.
— Para algumas perguntas, infelizmente não há respostas.
— Nós acabamos decidindo manter o emprego e o salário
dele, mas o afastamos para que fique perto da família neste
momento.
— Que incrível, Lucca... não são todas as empresas que agem
de forma tão humana.
Fiquei tocada pela forma como conduziram a situação. Eles
não tinham obrigação nenhuma enquanto empresa, no entanto, o
lado humanizado prevaleceu. E com certeza proporcionaram um
pouco de conforto para o funcionário e para a família.
— Não tem cura, sabe... AME é uma doença rara, agressiva. O
tratamento apenas controla um pouco a evolução dela.
— É difícil, mas tente pensar de uma forma menos negativa...
que bom que vocês irão ajudá-la a ter um pouco mais de qualidade
de vida — confortei. — Infortúnios, infelizmente acontecem, mas
cabe a nós fazermos o que está em nossas mãos para lidar com
eles da melhor maneira.
Lucca me fitou, desviou o olhar para os meus lábios, e me
surpreendeu ao puxar-me pela nuca e me dar um beijo longo e
intenso. O primeiro desde que ele havia entrado pela porta.
Na falta de palavras, ele preferiu me beijar, e eu não
reclamaria, lógico. Estava com saudades, e apesar de não ter receio
ou vergonha nenhuma de tomar a iniciativa, dessa vez deixaria com
que ele tomasse.
Foi ele quem disse que não se envolvia com uma pessoa mais
de uma noite. Foi ele quem deixou as cartas na mesa e eu o
respeitaria enquanto eu estivesse confortável com a situação.
Éramos dois adultos, maduros e completamente cientes do que
estávamos fazendo. Até quando eu não sabia, mas deixaria as
coisas fluírem.
O que é para ser nosso, nosso será.
 
Capítulo 19
SANTIAGO, CHILE
 
LUCCA MASERATI

 
Mesmo a contragosto, afastei-me, tirando meu pau do paraíso
que era a boceta de Alícia. Tirei o preservativo e me levantei para
jogá-lo no lixo, enquanto ela se aninhava no meio daquela cama
imensa da suíte do hotel cinco estrelas em que estávamos
hospedados.
Voltei do banheiro e caminhei até a minha mala, sentindo seu
olhar cobiçoso em mim. Não me importava com a minha nudez, nem
ela com a sua. E dentro do quarto também não precisávamos de
roupa, já que passávamos a maior parte do tempo comigo dentro
dela.
Ou chupando, ou beijando, ou mordendo cada pedaço daquele
corpo delicioso.
Peguei o cigarro eletrônico que eu sempre levava comigo para
onde fosse. Diferente da maioria das pessoas, eu só fumava quando
alcançava um alto nível de relaxamento, com a intenção de atingir
um estado de torpor que raramente eu sentia. Geralmente só
acontecia depois de um sexo gostoso, então a frequência do uso do
vape[38] não chegava nem a ser mensal. Era mais um capricho do
que qualquer outra coisa.
Voltaríamos ao Brasil amanhã, após o sucesso que havia sido
a reunião com os chilenos. Finalmente assinamos o contrato de
logística e com ele, a AURUM alcançava mais um pedaço da
América Latina. Tudo estava caminhando, fluindo muito bem.
Sentei-me na poltrona em frente à cama e trocamos olhares
intensos.
Nada nem ninguém era capaz de me tirar do controle. Até
Alícia Castro surgir e bagunçar a minha vida perfeitamente
organizada. Sem desviar os meus olhos dos seus, coloquei o cigarro
na boca, puxei o ar, segurei por uns segundos, e o soltei,
observando uma camada fina de fumaça se formar.
Sem pudor nenhum, ela se levantou e caminhou até mim.
— Não sabia que você fumava — murmurou na voz que me
deixava louco, sentando-se no meu colo.
— Eu não fumo com frequência. Só quando fodo gostoso e
relaxo completamente — confidenciei.
— Tem cheiro de canela.
Alícia puxou meu cabelo e beijou os meus lábios do seu jeito.
Mesmo quando ela achava que estava no comando, era eu quem
dominava. Quando ela pedia coisas no sexo, eu sempre dava, mas
nunca na hora que queria. Eu precisava, de alguma forma, mostrar
que estava no controle da situação.
Levei uma das mãos ao mamilo com piercing e dei uma leve
torcida no bico, fazendo com que parasse de me beijar e soltasse
um gemido de prazer. Como se quisesse me punir, o puxão em meu
cabelo ficou mais forte.
Meu pau, que sequer tinha amolecido totalmente, já ganhava
vida outra vez. Senti quando cutucou na boceta quente e
encharcada dela. Uma vontade insana de fodê-la sem proteção, de
sentir cada pedaço da sua carne me engolir quase me fez perder a
razão.
— Você toma anticoncepcional? — sussurrei, e ela acenou em
concordância. — Perfetto. Quero foder essa boceta sem
preservativo.
— Ah... — ela ronronou, remexendo-se no meu colo.
— Estou limpo, fiz exames recentemente e por mais difícil que
seja de acreditar, nunca fodo sem proteção — garanti, beijando seu
pescoço.
A única mulher com quem fiz sexo sem preservativo foi Laura.
E tantos anos já tinham se passado, que eu nem me lembrava mais
como era sentir tudo sem nenhuma barreira.
— Eu confio em você — ela afirmou.
Coloquei mais uma vez o cigarro na boca, puxei o ar e virei o
rosto para não a atingir com a fumaça. Ali mesmo, Alícia ergueu o
corpo e me encaixou na sua entrada. Larguei o vape e finquei
minhas mãos na sua cintura, puxando-a para baixo com força.
Eu era um maldito viciado. Tentei resistir, sabendo que quando
a tocasse, não conseguiria mais tirar minhas mãos dela. E então
aconteceu. O seu beijo foi a minha ruína; o seu cheiro foi o prelúdio
do meu fim; o seu gosto, a minha sentença de morte.
A sensação da boceta quente me estrangulando, sem barreira
nenhuma, fez com que eu quase tivesse uma ejaculação precoce.
Felizmente, meu autocontrole estava em dia e consegui me conter.
Engoli todos os seus gritos e gemidos, enquanto ela se
contorcia em cima de mim. Fodemos na poltrona, na cama, no
chuveiro, durante quase a madrugada inteira. Só paramos quando
percebi que a boceta carnuda e apertada estava vermelha e
levemente assada. Por sorte, Alícia havia trazido uma pomada para
assaduras, e havia passado antes de dormir.
Mesmo que a cama fosse enorme o bastante para caber mais
uns cinco casais, ela estava ocupando tudo, espaçosa, aninhada em
mim, no canto, grudada no meu corpo como um bicho-preguiça.
Sorri daquilo, pensando que o convite para a trazer tinha sido
realmente uma ótima ideia. Decidi convidá-la ainda em Palermo,
quando Romeo me perguntou se eu poderia comparecer sozinho na
reunião, já que na última vez em que esteve na Itália, demorou mais
que o previsto.
Antes da viagem, ainda consegui enviar outra mensagem para
Gustavo, pedindo que ele investigasse e virasse do avesso a vida
do infeliz do Isaac. O que Alícia não sabia, no entanto, era que eu já
estava em contato com ele, tentando descobrir quem a havia
atropelado. E que eu estivesse errado, mas se o figlio di puttana do
Isaac estivesse envolvido nesse atropelamento, eu acabaria com
ele.
Não pensaria duas vezes antes de destruir aquele merdinha.
Eu queria proteger Alícia, era o que eu faria por qualquer
amigo meu que pudesse estar em perigo. Não permitiria que mais
nada de ruim acontecesse, ela era muito especial e dia após dia
vinha me mostrando mais da sua personalidade, do seu coração.
De alguma forma, eu me sentia bem pra caralho ao lado dela,
como há tempos não me sentia. A maneira como enxergava e vivia
a vida com leveza, mesmo diante de todas as complexidades, era
admirável.
Não saberia dizer exatamente quando aconteceu, mas uma
necessidade de ficar perto dela surgiu de mansinho,
inexplicavelmente. E poderia parecer inacreditável, mas não era
somente pelo sexo fantástico. Era muito mais, era a conversa, a
inteligência, a confiança que me fez sentir nela, algo que ninguém
tinha conseguido até então.
Era o jeito engraçado, bagunceiro, espaçoso e extrovertido,
totalmente o oposto do meu. Jeito esse que certamente me
incomodaria um tempo atrás, mas que hoje, algo em mim queria
cada vez mais perto. Não imaginei que diria isso um dia, mas a sua
companhia me fazia falta nos períodos em que eu não estava no
Brasil.
Ela era tempestade e emoção. Levava-me ao limite, tirava-me
do controle, bagunçava tudo. Por fora e por dentro. E eu estava
gostando daquilo. Mais do que deveria.
Alícia se remexeu, colocando a perna por cima da minha e
colando ainda mais o corpo nu ao meu. Eu a apertei contra mim,
sentindo o seu cheiro único e, em poucos minutos, adormeci.
 
♦♦♦
 
— Ti amo con tutto il cuore — disse com a voz lânguida,
preguiçosa, enquanto acariciava minhas costas.
Em um momento ela estava em meus braços, no outro, havia
desaparecido.
— Laura! Laura! — gritei a plenos pulmões, mas não consegui
alcançá-la.
— Lucca... — Uma voz conhecida tentava me puxar de volta,
mas eu corria, corria sem saber para onde.
Por que meu coração parecia ter sido arrancado do peito?
— Lucca, acorde, meu bem... estou aqui. Você está tendo um
pesadelo. — Senti um afago no rosto, ao mesmo tempo em que um
timbre conhecido tentava me acalmar.
Remexi-me... não... não!
 
♦♦♦
 
Ergui meu corpo, assustado, suado e ofegante, um tanto
desorientado, confuso. Mãos suaves deslizaram pelas minhas
costas e afastei-me com o susto.
— Ei, sou eu... você estava tendo um pesadelo — Alícia disse,
de maneira calma e suave. — Fique calmo, está tudo bem.
Quando ela me abraçou por trás e começou a depositar beijos
suaves nas minhas costas, aguardei o momento em que me sentiria
sufocado, esperei por aquilo por vários minutos, mas não
aconteceu. Minha mente pedia que eu me afastasse, colocasse uma
distância entre nós... porém, meu corpo pedia outra coisa.
Alícia não tinha culpa nenhuma das sombras que existiam em
minha vida. Não era certo repelir o seu toque, e eu nem queria. Ela
estava ali porque eu a havia convidado e por mais que minha razão
implorasse para ficar sozinho, eu não seria um stronzo[39] com ela.
Eu estava tão relaxado, que pensei que teria um sono
tranquilo, mas não foi o que aconteceu. Resfoleguei em busca de ar,
quando as mãos pequenas e macias começaram a me massagear,
fazendo-me soltar um grunhido.
— Me desculpe — pedi.
Esses pesadelos malditos iam e vinham sem que eu pudesse
controlar. E para mim, que detinha o controle de todas as coisas,
isso era um verdadeiro martírio. Eu só queria me livrar deles de uma
vez por todas.
Cazzo!
— Não precisa pedir desculpas... você quer conversar? —
perguntou.
Se eu a acordei, certamente devo ter falado o nome de Laura.
Virei meu rosto e encontrei Alícia me observando atentamente,
como se quisesse me decifrar, desvendar aquilo que eu tentava
esconder a sete chaves não pelo simples fato de esconder, mas
para não ser mais assombrado. Só que não estava adiantando,
nada adiantava.
— Tudo bem se não quiser, mas você pode confiar em mim,
sou sua amiga — continuou após o meu silêncio.
— Eu sei que posso, principessa! Mas não quero arrastar você
para essa merda toda. — Puxei-a, sentei-me com as costas na
cabeceira da cama e a trouxe para os meus braços.
— Não sei o que você está passando, mas desabafar talvez
ajude.
Fechei meus olhos e respirei pausadamente. O carinho de
Alícia continuou em meu rosto, meu pescoço... era difícil demais
para mim tocar no assunto, falar sobre o que aconteceu, reabrir
feridas.
— Um dia antes de pedir a única mulher que fui capaz de amar
em casamento, ela me deixou e desapareceu.
Soltei aquilo que estava preso sem desviar o meu olhar do de
Alícia. Queria ver todas as suas expressões, sentir como reagiria.
Notei uma ligeira sombra de ciúmes e incômodo. Entretanto, se ela
havia ficado surpresa, conseguiu se conter, porque não pude
decifrá-la totalmente.
— Nossa, Lucca... não sei nem o que falar, eu não esperava
que algo assim pudesse ter acontecido com você. Sinto muito, meu
bem — disse. — E desde então você não sabe do paradeiro dela?
— indagou, e eu fixei meus olhos em um ponto qualquer.
— Agora eu sei... ela está em Palermo. — Senti que se
remexeu, parecendo desconfortável. — Ela está morta, Alícia... sua
família a levou de volta para ser enterrada na Itália — continuei, e
seus lábios formaram um O.
— Deus, Lucca... eu não...
— Ela tinha uma doença degenerativa, e preferiu fugir a me
contar. Por esses mais de quatro anos eu cultivei o sentimento de
rejeição, demorei a acreditar que a mulher que jurava me amar tinha
me deixado — respirei pesadamente — mas, há algum tempo, a
notícia do seu falecimento me pegou totalmente desprevenido. Só
descobri tudo quando realmente não havia mais nada a ser feito.
— Eu realmente sinto muito, não sabia que você tinha passado
por tudo isso — sussurrou. — Que doença ela tinha?
— Esclerose Lateral Amiotrófica, mais conhecida como ELA[40].
Uma doença que ataca o sistema nervoso e acarreta paralisia
motora e mais um monte de merda.
— Que horror, Lucca — murmurou, aumentando o aperto no
meu corpo. — E você nunca a procurou? Não tentou encontrá-la?
— Até cogitei a possibilidade, mas ela tinha ido embora sem
dizer adeus. Eu não sabia da doença, e tudo que pensei foi que ela
não me amava mais, que havia me rejeitado.
— Se eu pudesse fazer alguma coisa para livrá-lo de todo esse
sentimento.
— Infelizmente não há o que fazer, eu simplesmente não
consigo me livrar desses pesadelos — desabafei, e ela descansou a
cabeça em meu ombro. — Por um tempo ficou menos complicado,
mas reencontrar os pais dela depois de tantos anos me baqueou
mais do que pensei que poderia baquear.
— Você não mantém contato com eles?
— Não, desde que tinham ido embora eu não tinha mais nem
os visto. Mas os encontrei por acaso, e foi uma merda. Eles me
tiraram todos os direitos de escolha, tanto que só falaram o que
realmente aconteceu depois que ela já estava morta.
Ainda podia me lembrar do dia em que meus pais apareceram
no meu apartamento e me deram a notícia. Foi como voltar ao
inferno de anos atrás, o mesmo que vivi nos dias seguintes à sua
partida. Quando soube do seu falecimento, no entanto, me permiti
viver o luto por algumas horas, sofri feito um desgraçado por ter sido
enganado, privado de tantas coisas... sofri por algo que sequer
terminou, apenas fora interrompido. E a sua morte foi um término.
Definitivo. Trouxe dor, mas também trouxe o ponto final que eu
precisava.
Alícia deslizou as mãos pelo meu coração, como se quisesse
me afagar a alma.
— Meu Deus! Não consigo nem imaginar o que você passou,
Lucca... o encontro com eles foi tão ruim assim?
— Horrível! Não consigo perdoá-la, e nem eles. Vieram com
uma ladainha de que sentem muito, mas apenas respeitaram a
decisão da filha... querem a todo custo que eu escute o que eles
têm para me falar, mas não sei se tenho estômago. Sinceramente...
— Só você é capaz de tomar essa decisão. Mas se me permite
uma opinião, talvez você deva ir... talvez seja o que falta para que
seu coração fique em paz.
— Por que eu faria isso? Quando eles decidiram simplesmente
ir embora e me cortar das suas vidas, foram e sequer me
perguntaram o que eu achava daquilo. Não acho que eu tenha
alguma coisa para escutar — respondi, sincero.
— E com isso, você agirá da mesma maneira que eles agiram,
Lucca... dê essa chance para você. Não para eles ou para qualquer
outra pessoa, apenas para você. Mostre que é diferente. —
Respirou profundamente. — Posso fazer uma pergunta? Mas não
quero que me interprete errado, por favor.
Eu já tinha aberto os sete cadeados, então uma pergunta a
mais, uma a menos, não faria a menor diferença. Agora Alícia sabia
de tudo, todas as coisas que eu havia passado, e o porquê jamais
conseguiria entrar em um relacionamento sério.
— Faça — ordenei.
Ela ficou reflexiva por alguns segundos, encarando-me como
se enxergasse a minha alma e cada sombra que eu possuía. Não
fazia a menor ideia da pergunta que faria a seguir... então esperei o
seu tempo, até que por fim, soltou a única pela qual eu não estava
preparado. Mas ela era a Alícia, cazzo, e eu tinha que saber que
não teria receio de perguntar aquilo.
— Você ainda a ama?
 
Capítulo 20
 
ALÍCIA CASTRO

 
Ainda estava em choque com tudo que Lucca havia me dito.
De todas as coisas que pensei, nunca me passou pela cabeça que
ele teria passado por tudo aquilo. Tentei não demonstrar o quanto
sua confissão me afetou, não sabia o que pensar. Eu já tinha ouvido
falar sobre a doença, mas conhecia muito pouco. Contudo, não tive
como não me compadecer de toda história.
Jamais julgaria a decisão de Laura, afinal, só ela viveu o que
viveu e éramos livres para fazermos as nossas escolhas, mesmo
que com elas alguns corações fossem destruídos pelo caminho.
No entanto, eu nunca conseguiria fazer algo assim. Se uma
doença como aquela me atingisse, eu iria querer por perto todos
que eu amava e que eram importantes para mim até o último
segundo, por mais egoísta que pudesse parecer.
E então eu entendi o porquê ele havia ficado tão mexido com a
história da filha do funcionário da empresa... mesmo sendo doenças
diferentes, ambas eram degenerativas e muito agressivas.
Não apenas isso, agora eu havia entendido essa aversão dele
a relacionamentos sérios. Ele a pediria em casamento, e ela o
deixou, isso era difícil demais. Bastou que eu me colocasse no seu
lugar para que conseguisse compreender apenas um pouquinho do
que ele havia sentido.
Lucca a amava, e mesmo diante de todas as coisas que me
disse, não consegui decifrar se ele ainda nutria algum sentimento
por ela, ou se era apenas mágoa que sentia. Por isso, resolvi
perguntar, não ficaria com a dúvida martelando na minha cabeça.
— Você ainda a ama? — questionei, fitando seus olhos.
Ele não desviou o olhar do meu em nenhum momento, mas os
segundos que antecederam a sua resposta pareceram uma
eternidade. Estava me sentindo apreensiva mesmo que não
quisesse. Mesmo que não fizesse sentido nenhum.
Como eu podia sentir ciúmes de alguém que não estava mais
aqui?
— Laura foi o meu primeiro amor, começamos a namorar
quando éramos adolescentes, e por algum tempo depois que ela se
foi eu continuei a amando. Aquilo parecia alimentar toda a saudade
e toda a angústia que eu sentia por a ter perdido. — Suas palavras
pareciam rasgar não apenas a sua alma, como a minha também. —
Mas hoje, eu consigo afirmar com plena convicção de que não a
amo mais.
— Como você chegou a essa conclusão? — Embora ele
tivesse certeza, eu também precisava ter, para o meu próprio bem.
— Amor é para os fracos, Alícia. Eu aprendi isso da forma
mais filha da puta possível. Essa perturbação que me acompanha
até hoje não é amor... está mais para um sentimento de impotência,
inconformismo, de ter tido o poder de escolha vetado.
Por mais que aquilo me doesse, eu precisava fazer com que
ele tentasse enxergar a situação por outro ponto de vista. Com base
nas coisas que me disse, não era difícil de saber que Laura havia
ido embora para privá-lo do sofrimento.
Eu faria diferente? Com certeza...
Mas ela preferiu passar por aquilo sozinha a ter Lucca ao seu
lado. Eu não duvidava do amor que sentia por ele. Apesar de nunca
ter vivido algo tão grande, eu sabia que as pessoas eram capazes
das maiores loucuras por amor.
— Não consigo mensurar a sua dor, e nem pretendo... mas
você precisa perdoá-la, Lucca. Não estou defendendo ninguém,
mas Laura fez a escolha dela, e agora você também precisa fazer a
sua, ou uma hora isso ainda vai sufocar você.
— O que você quer dizer com isso? — indagou, confuso.
— Ouça o que os pais dela têm a dizer. Sei que nada pode
justificar o que aconteceu, e entendo você, acredite. Mas enquanto
você não libertar Laura, continuará preso dentro de si mesmo.
Lucca desviou os olhos do meu para o além. Não consegui
definir se ele realmente não a amava mais, ou se estava cego pelo
sentimento de rejeição que carregava dentro de si. No entanto, eu
tinha suas palavras, e me agarraria a elas com todas as forças.
Confesso que me surpreendi por ele ter conseguido se abrir
comigo tão facilmente, talvez não tenha encontrado saída para
justificar o sonho que teve. A forma como chamou pelo nome dela,
com tanta angústia, me assustou. De qualquer forma, eu não seria
capaz de cobrar explicações ou invadir a sua privacidade.
— Há algo que eu possa fazer por você? — inquiri, e ele me
encarou, acenando negativamente.
— Apenas fique comigo.
Lucca se deitou novamente e me puxou para os seus braços.
Pela primeira vez, senti que ele estava minimamente vulnerável.
Pelo tom que murmurou as palavras, não consegui entender se ele
queria que eu ficasse com ele apenas naquele momento, ou a vida
inteira. De todo modo, respondi a única certeza que eu tinha, por
ora.
— Eu não irei embora.
 

 
OURO PRETO, MINAS GERAIS, BRASIL

 
Jamais imaginei que a viagem para o Chile fosse trazer tantas
revelações. Se por um lado eu estava plácida por Lucca ter confiado
em mim para me contar seus traumas, por outro, eu me preocupava
com ele e com o rancor que guardava.
Ele não havia me dito se conversaria ou não com os pais de
Laura, se seguiria os meus conselhos, e aquilo estava me
martirizando. Nesses momentos não queria ser essa pessoa tão
ansiosa.
Estava distraída em meus pensamentos, enquanto esperava
minha amiga chegar à galeria. Não nos víamos desde a minha
viagem para Santiago. Lucca e eu chegamos ontem à noite, depois
de dois dias incríveis na capital chilena. A pedido dele, passei a
noite em seu hotel, e hoje pela manhã me levou para casa. Ele
parecia ter a mesma vontade que eu, de estar sempre perto, sempre
junto, mesmo que não fizéssemos ideia do que aquilo significava.
— Oi, sumida! — Escutei a voz da minha amiga, e dei um
gritinho com o susto que eu havia levado. — Me desculpe, eu não
sabia que estava tão concentrada — falou, enquanto ríamos da
minha reação.
— Isa... — Eu a abracei. — Estava distraída.
— Como foi a viagem? Quero saber tudo, todos os detalhes —
disse, sentando-se na poltrona ao lado da minha.
— Amiga, você não faz ideia...
Meu mistério não demorou muito, logo soltei tudo que havia
acontecido, sem poupar os detalhes. Comigo e com a Isa sempre foi
assim, éramos confidentes uma da outra no amplo sentido da
palavra.
Minha amiga era muito transparente, o que me fez ter certeza
de que ela já sabia sobre o passado de Lucca. De qualquer forma,
não cabia a ela me contar. Os segredos que compartilhávamos
diziam respeito somente a nós duas, nunca a terceiros.
— Lucca é um homem tão gentil, educado... não merecia ter
passado por tudo isso — comentou.
— Eu concordo, mas ao mesmo tempo, não consigo julgar a
Laura — falei.
— Também não consigo, e de qualquer forma, não cabe a nós
o julgamento.
— Só espero, do fundo do coração, que ela esteja em paz,
onde estiver. — Era um desejo sincero. — E que Lucca também
encontre essa paz um dia.
— Eu queria tanto que vocês ficassem juntos para sempre, ia
ser o máximo. — Não contive o sorriso, e ela sorriu também.
— Gosto muito do Lucca, mas não quero criar expectativas e
me frustrar. Além do mais... segundo ele, é incapaz de amar
novamente.
— Ele só não conseguiu superar ainda, mas um dia vai. E esse
papo de ser incapaz de amar não me convence, veja Romeo como
era antes, e como estamos hoje.
Ela tinha razão.
— Seu marido te amou desde o primeiro dia, só estava cego
por causa daquela história de vingança. Ele é capaz de lamber o
chão que você pisa, amiga — falei, e ela riu.
Agora quem tinha razão era eu.
Meu celular vibrou na mesa e eu o peguei, imediatamente,
imaginando que seria uma mensagem de Lucca. Contudo, me
enganei, era de um número desconhecido.
 
Vadia!

 
Nunca pensei que uma única palavra seria capaz de me
assustar tanto.
— Meu Deus, o que é isso!? — murmurei, angustiada.
Meu celular caiu das minhas mãos trêmulas, e meus olhos se
encheram de lágrimas. Isabela pegou telefone da mesa e quando
leu o que estava escrito, seus olhos se ampliaram de tamanho.
— Número desconhecido... deve ser engano, Ali — ponderou.
Poderia ser, mas algo dentro de mim me dizia que não era
engano coisa nenhuma. Como um sexto sentido, uma sensação
ruim. Naquele instante, o aparelho tocou e o medo me atingiu, era o
mesmo número da mensagem.
— Quem é você, idiota? — Isabela atendeu, mas logo tirou o
telefone do ouvido. — Droga, desligaram...
Segundos depois, mais uma mensagem.
 
Alícia vadia! Alícia vadia!

Alícia vadia! Alícia vadia!

Alícia vadia! Alícia vadia!

Alícia vadia! Alícia vadia!

— Não é engano... Deus, quem está fazendo isso? — Isa


disse, tão assustada quanto eu.
Naquele momento, meus olhos já derramavam cachoeiras de
lágrimas. Eu não costumava me abalar assim, mas a sensação era
de que o peso do mundo inteiro estava sobre meus ombros.
— O que eu vou fazer? Meus pais viajaram ontem para o Rio
Grande do Sul e o meu irmão está na Marcella... estou com tanto
medo.
— Calma, vou ligar para o Romeo. Ele vai saber o que fazer.
Não consegui prestar atenção em nada do que minha amiga
fez a partir de então. Só notei quando ela trouxe um copo de água
gelada e me auxiliou a tomar, já que minhas mãos estavam trêmulas
demais.
— Ei, geralmente a chorona sou eu... — brincou, e eu dei um
sorriso pequeno. — Fique calma, nós vamos resolver isso e quem
quer que seja essa pessoa vai pagar pela brincadeira de mau gosto
— me confortou.
— Não entendo... eu nunca fiz mal a ninguém.
— Eu sei, minha amiga. — Abraçou-me. — O problema não é
você... existem muitas pessoas ruins no mundo.
Isabela não havia falado aquilo da boca para fora, ela sabia
melhor do que ninguém até onde um ser humano era capaz de
chegar com a maldade. Sua própria família havia feito coisas
terríveis.
Ficamos em silêncio, cada uma perdida em seus próprios
pensamentos, até escutarmos barulhos de passos apressados e
logo em seguida, Romeo surgiu com Lucca ao seu encalço.
Assim que o vi, me desmanchei em mais lágrimas, e ele se
apressou até chegar a mim, enquanto Isabela explicava para
Romeo o que havia acontecido, e mostrava meu celular para ele.
— Shhhh... fique calma, estou aqui — murmurou, abraçando-
me com força.
Enfiei meu rosto no seu pescoço e respirei aquele perfume
gostoso que só ele tinha, e que teve o incrível poder de me acalmar
um pouco quando achei que não conseguiria mais parar de chorar.
— Estou com medo — sussurrei.
— Não fique, não permitirei que nada de ruim aconteça.
— Promete?
— Prometo — disse e depositou um beijo na minha testa. —
Quer me contar o que aconteceu?
Só apontei para o meu celular e observei a troca de olhares
entre Romeo e ele. Isabela veio para o meu lado e segurou a minha
mão, enquanto Lucca seguiu para perto do amigo.
Não consegui entender o que eles estavam falando, mas
percebi quando Lucca cerrou os punhos e soltou um palavrão em
italiano. Não sabia o que era, mas pela fúria com que disse, sabia
que não eram palavras carinhosas.
— Romeo disse que vai falar com Gustavo, não será difícil
encontrar o responsável por isso. Você acha que tem a possibilidade
de ser Isaac? — Isa indagou, baixinho, e senti um arrepio atravessar
minha coluna.
Não existia outra pessoa além dele que eu imaginava que
pudesse estar fazendo isso, e era exatamente o motivo pelo qual
estava tão assustada. Desde o momento em que não quis sair mais
com ele, pareceu se transformar em outra pessoa.
— Só consigo pensar nele.
— Alícia. — Romeo se aproximou. — Já informei ao Gustavo o
que está acontecendo. Tente ficar calma... logo acharemos o
responsável por isso e tomaremos as devidas medidas.
— Preciso avisar meu pai, mas eles foram visitar meus avós
no Sul.
— Arrume suas coisas, você ficará em nossa casa até que
eles retornem — Romeo disse, categórico.
Eu não queria incomodar os meus amigos, tirar a privacidade
deles. Além do mais, minha casa era extremamente segura... meu
maior medo agora era sair na rua. E tudo que eu mais queria era o
conforto do meu quarto.
— Eu agradeço o convite, mas não há necessidade. Minha
casa é bem segura.
— Não deixarei você sozinha, Ali... além do mais, Max também
não está em casa, e você está assustada demais — Isabela
explicou.
Lucca veio para mais perto de mim e eu desviei o olhar para
ele.
— Fica comigo? — convidei.
Sabia que ele tinha as coisas dele, o trabalho, as viagens...
mas resolvi convidar mesmo assim. Eu não queria ir para o seu
hotel, ou para a casa da minha amiga... só queria a minha casa.
— Claro. Preciso apenas pegar umas coisas no hotel, você vai
comigo, e depois vamos para a sua casa. Ok?
Apenas acenei em concordância. Isabela me abraçou forte e
disse que qualquer coisa que eu precisasse, poderia ligar para ela.
Nem precisava dizer, eu já sabia daquilo. Romeo disse mais uma
vez que eles resolveriam tudo e que era para eu tentar ficar calma.
Peguei minha bolsa, meu celular, dei a mão para Lucca e
saímos da galeria.
O vento forte soprou em meu rosto, e o aperto da sua mão na
minha ficou mais forte, como se quisesse me passar a mensagem
de que ficaria tudo bem. Agarrei-me àquilo com todas as forças.
E acreditei.
 
Capítulo 21
 
LUCCA MASERATI

 
Depois de passar no hotel e pegar o meu notebook e mais
algumas coisas, seguimos para a casa de Alícia. Deixei todo e
qualquer bloqueio de lado pela mulher que havia me escutado e me
confortado em um dos meus momentos mais fodas pós-pesadelos.
Engoli tudo que eu havia estabelecido, abaixei a guarda e
aceitei o convite para ficar na sua casa. Mesmo que pudesse soar
estranho caso seus pais ou seu irmão chegassem. Entretanto, nada
daquilo me importava, o que eu queria era enxergar novamente
aquele sorriso em seu rosto, não as lágrimas, não o pânico ou a
preocupação que eu estava vendo naquele momento.
De repente, senti uma necessidade absurda de protegê-la do
mundo. Ao mesmo tempo em que as incertezas vinham cheias de
força, e que a razão me mandava ficar longe, eu queria estar perto,
mantê-la segura em meus braços. Contudo, eu deixaria para pensar
sobre o assunto depois, quando estivesse do outro lado do mundo.
Por ora, me concentraria em cuidar dela.
Eu tinha as minhas suspeitas de quem estava fazendo aquilo.
Eu conseguia ler as pessoas pelo olhar, e não havia gostado da
forma como aquele maldito Isaac olhou para Alícia na boate, nem da
perseguição desmedida. Aquilo já tinha passado de todos os limites
aceitáveis. E que aquele filho da puta não cruzasse pelo meu
caminho, ou eu não sabia o que era capaz de fazer com o bastardo.
Do jeito que eu estava enfurecido, era capaz de matá-lo com minhas
próprias mãos.
Que Deus me perdoasse, mas vadia era a desgraçada que
havia parido aquela escória da humanidade. E que me perdoasse
ainda mais se eu estivesse cometendo um engano. Contudo, com o
passar dos anos e com a experiência adquirida em lidar com todo
tipo de gente, minhas percepções e meu sexto sentido ficaram
extremamente apurados.
No entanto, outra coisa me preocupava, e era a sua
segurança. Ao conversar com Romeo, achamos prudente contratar
alguns homens para cuidar da sua proteção. Eu conversaria
primeiro com ela, depois conversaríamos com seus pais e tudo
ficaria resolvido. Eu só pensava em mantê-la segura.
Assim que entramos na sua casa e ela trancou a porta, notei
que ficou visivelmente mais tranquila, pela forma como seu corpo
relaxou, e pelo suspiro audível que saiu dos seus lábios.
— Está mais calma? — perguntei.
— Sim, ainda bem... não gosto de me sentir assim —
respondeu, enquanto eu a seguia pelas escadas acima.
— Nós iremos resolver isso, ok? Agora quero que relaxe... —
Abracei-a por trás assim que chegamos ao que parecia ser o seu
quarto e largamos as nossas coisas.
Tinha o seu cheiro por toda a parte, aquele ambiente era como
ela. Vibrante, alegre.
— Obrigada por ter vindo, por ficar ao meu lado — agradeceu,
virando-se para mim e abraçando-me pelo pescoço.
— O que você quer fazer? — inquiri.
— Não quero atrapalhar você, se tiver trabalho a fazer, pode
usar a minha escrivaninha. Pretendo tomar um banho quentinho e
me enfiar debaixo das cobertas. — Sorriu com suavidade, e eu me
senti sortudo por ter aquele sorriso direcionado a mim.
Olhei no relógio, eram 17h. Estava com algumas pendências
contratuais para resolver, mas poderia fazer isso mais tarde. Por
ora, ficaria ao seu lado até que eu tivesse certeza de que estava
completamente relaxada.
— Não está atrapalhando.
— Então me acompanhe no banho — sussurrou, e se não
tivesse pedido eu teria me convidado.
— Com todo prazer. — Beijei o canto da boca irresistível, e ela
foi tirando a roupa pelo caminho, sem se importar com mais nada.
Eu a segui para o banheiro, sem tirar meus olhos do corpo
bonito, das curvas deliciosas, da bunda redonda, da forma como se
movia com elegância ao caminhar, como uma tigresa. Suspirei
pesadamente, teria que me concentrar em outra coisa, aquele não
era o momento de ostentar uma ereção monstruosa.
Alícia queria ser cuidada, e eu cuidaria dela, sem segundas
intenções, por mais difícil que fosse segurar o fogo que me
consumia todas as vezes em que estava ao seu lado. Manter
minhas mãos longe dela era o trabalho mais difícil que já tive na
vida, como suspeitei desde o início.
Mal prestei atenção no banheiro, mas percebi que era
espaçoso e além do grande boxe, ainda tinha uma banheira
parecida com a que eu tinha na minha cobertura em Palermo.
Enquanto Alícia entrava no box, totalmente alheia à minha
presença, eu tirava a minha própria roupa. O jato forte do chuveiro
caiu sobre seu corpo e ouvi o suspiro aliviado. Não demorei a me
juntar a ela.
Lavei o seu cabelo, ensaboei o seu corpo, abracei, acariciei,
para depois ela fazer o mesmo comigo. Sem nenhuma conotação
sexual, totalmente concentrados em nossos silêncios, apenas
sentindo um ao outro.
Por um ínfimo segundo, pensei no nosso futuro e senti um
baque no coração.
Eu não tinha vontade de me afastar de Alícia. Sua presença
era como um ímã, que me fazia querer estar sempre por perto.
Poderia parecer contraditório, mas apesar de ser uma tempestade
de emoções, ela também era calmaria em meio às coisas que me
atormentavam.
Saímos do chuveiro e vesti uma calça de moletom que havia
trazido. Alícia colocou uma camisola salmão, de seda com renda e
secou um pouco do cabelo molhado. Depois, deitou-se na cama e
ronronou, estava completamente relaxada.
— Você está com fome? — perguntou, atenciosa.
— Eu não, mas você precisa se alimentar. Tem algum
restaurante que você goste e faça entregas?
— Não estou com fome agora, mas mamãe deixou várias
coisas congeladas. Podemos descansar um pouco e depois
descemos para jantar, o que acha?
— Tem certeza de que não quer comer nada? — insisti, não
sabia quando ela tinha comido pela última vez.
— Absoluta... vem! — Deu dois tapinhas na cama, e me deitei
ao seu lado.
Como de costume, Alícia se agarrou ao meu corpo,
prendendo-me totalmente. Preenchendo o meu vazio.
— Você é tão cheiroso — murmurou com o nariz enfiado no
meu pescoço.
Ela que era. Duvidava que existisse no mundo um cheiro tão
bom quanto o seu. Acariciei suas costas e não demorou para que
caísse em um sono pesado. Além da tensão dos últimos minutos,
ela também deveria estar cansada da viagem. E o cansaço poderia
levar qualquer um à exaustão.
Quando notei que seu corpo pesou no meu, afastei-me com
cuidado e me levantei, pegando o notebook e voltando para o seu
lado na cama. Sentei-me, encostando as costas na cabeceira e
aproveitei aquele tempo para resolver as pendências do trabalho.
Algum tempo depois, Alícia despertou parecendo
completamente revigorada, fazendo com que eu ficasse muito mais
tranquilo e aliviado.
Jantamos uma massa à carbonara que sua mãe havia deixado
preparada, e mais uma vez pude comprovar o talento de dona
Clarice na cozinha. Para acompanhar o jantar, Alícia escolheu um
dos vinhos da adega do seu pai. Um Chardonnay, que era um tipo
de vinho branco com textura cremosa e bem encorpado, e que
combinou perfeitamente com o molho.
Durante o jantar, conversamos sobre assuntos triviais, do
nosso cotidiano, e ela comentou novamente sobre algumas das
suas aventuras culinárias, o que nos rendeu boas risadas, já que
não cozinhava nada bem.
O clima tenso se dissipou por completo, e eu tive vontade de
repetir mais vezes momentos como aquele. Leves, tranquilos.
 

 
Alguns dias depois, seus pais chegaram de viagem. Eu tinha
conversado com Alícia sobre contratarmos alguns seguranças para
ela, que aceitou no mesmo instante. Achei que resistiria um pouco,
mas pelo jeito estava mesmo bem assustada.
Se Clarice e Joaquim acharam estranha a minha presença ali,
não demonstraram. Muito pelo contrário, os dois pareceram muito
felizes em me ver. Como sempre, foram muito receptivos, mas
agora que haviam retornado, eu teria que voltar para o hotel.
Sussurrei para Alícia que chamaria seu pai para conversar, e
ela acenou em concordância, entretendo a dona Clarice enquanto
Joaquim e eu seguíamos para o seu escritório.
— Diga, meu jovem — ele disse após sentar-se na cadeira
atrás da mesa imponente e indicar a poltrona à frente para que eu
me sentasse. — Como posso ajudá-lo?
— É sobre Alícia. Precisamos conversar sobre algumas coisas
que estão acontecendo — falei, firme, e ele me sondou.
Como o bom advogado que era, estava tentando ler meus
pensamentos através da minha fala, dos meus gestos, da minha
comunicação não verbal.
— O que está acontecendo?
— Antes de mais nada, gostaria de me desculpar por me
envolver, mas... contratei uma pessoa para investigar o
atropelamento dela — contei, e ele fez um sinal para que eu
prosseguisse. —  Ainda não encontramos nada, só que agora ela
começou a receber ameaças por mensagem, ligações. Há alguém
perseguindo Alícia.
— Eu estou sabendo. Na verdade, sobre as mensagens ainda
não sabia, mas Clarice falou sobre um tal de Isaac que tem
aparecido de repente, insistindo em falar com ela. — Achei estranha
toda aquela calma, mas quando ele soltou um suspiro pesado,
percebi que me diria mais coisas. — Alícia está cercada por
seguranças, desde o atropelamento eu contratei uma equipe para
acompanhar cada passo dela.
Fiquei abismado com a perspicácia dele, mesmo desconfiando
que ele fosse bastante protetor. E além de tudo, tinha que
reconhecer a eficiência desses homens, já que nunca percebi
absolutamente nada. Joaquim não lidava com principiantes, e não
era para menos. Sendo advogado, já deve ter visto muita coisa
tenebrosa.
— Era exatamente isso que eu iria sugerir. Alícia é muito
especial para mim, e eu me preocupo com ela. Sendo assim, fico
mais tranquilo por saber que o senhor já se antecipou — comentei.
— Eu sempre estarei um passo à frente daqueles que
tentarem encostar em um fio de cabelo que seja dos meus filhos —
disse —, agradeço a preocupação, Lucca. Quanto à investigação,
também contratei uma pessoa, mas está difícil... várias câmeras das
ruas da cidade não estão funcionando. Mas qualquer mínima coisa
que consigamos descobrir, já pode ajudar. E sobre essas
mensagens, quero todos os detalhes.
Não deixei de notar a fúria contida em seu olhar disfarçada de
calmaria, pela hipótese de a filha estar em perigo. Se eu fosse pai,
estaria da mesma forma, e agiria igualmente. Assim que
terminássemos essa conversa, eu encaminharia tudo que tinha para
ele, e se trabalhássemos juntos nisso, talvez conseguíssemos
chegar com mais rapidez ao responsável.
— Irei encaminhar tudo que tenho para o senhor. Me coloco à
disposição para ajudar no que for preciso, e se o meu investigador
descobrir qualquer coisa, também o informarei — falei, e ele acenou
em concordância.
Joaquim levantou-se e seguiu até a mesa de bebidas, observei
a garrafa da AURUM ali, e ele serviu duas doses do líquido âmbar.
Entregou um dos copos para mim e me sondou com atenção.
— O que você e Alícia têm exatamente? São amigos... ficantes
como os jovens dizem nos dias de hoje, namorados ou o quê? — A
pergunta veio inesperada, mas não desviei do seu olhar.
— Não definimos nossa relação por enquanto, mas como citei
anteriormente, Alícia é muito especial e importante para mim.
Estamos nos conhecendo, aproveitando o tempo juntos... gostamos
da companhia um do outro.
— Gosto de você, meu rapaz. Sinceridade é uma das
qualidades que mais aprecio nas pessoas — disse após degustar
um gole do uísque —, mas como todo pai que quer ver a sua
garotinha feliz, espero que você não a magoe. Alícia é realmente
muito especial, e preciosa demais para mim.
— Nós dois estamos bem alinhados. Cuidarei dela
independentemente da relação que tenhamos no futuro. Antes de
qualquer coisa, a considero uma amiga, e amigos, para mim, são
sagrados, como família.
Ele sorriu, satisfeito, e deu dois tapinhas no meu ombro.
O fato de o ter encarado de homem para homem e ter sido
sincero, me fez ganhar uns pontos com Joaquim. E não apenas
isso, agora que ele estava ciente de que tínhamos algo, que não era
necessariamente uma relação, me deixava mais à vontade para tirá-
la de casa sempre que a quisesse comigo.
Nós conversamos por mais algum tempo, sobre os mais
variados assuntos, desde futebol, trabalho, uísque. Ele era um
grande homem, daqueles que tinha a família acima de qualquer
coisa.
Sua companhia era agradável, ao mesmo tempo em que ele
era um pouco sisudo, também era bastante gentil. Como já tinha
percebido da outra vez, me lembrava muito o meu próprio pai.
Papà era sábio, daqueles que sempre tinha a resposta para
todas as perguntas do mundo. Quando criança, eu achava um
máximo falar com ele sobre qualquer assunto e ele sempre saber
tudo. Hoje, depois de adulto, ainda o admirava. Espelhava-me nele
e na sua sabedoria, mas sabia que tinha uma longa estrada de chão
para percorrer ainda.
Se um dia eu alcançasse ao menos metade de tudo que ele
era e representava para mim, já estaria extremamente satisfeito.
Antes mesmo de ter aquela conversa com Joaquim, percebi
que na casa da família Castro tudo funcionava de forma bem
semelhante à minha própria casa. Tanto eu quanto ela, tivemos a
grande sorte de termos nascido em famílias abastadas com aquilo
que dinheiro nenhum poderia comprar.
O amor.
 
Capítulo 22
 
ALÍCIA CASTRO

 
Alguns dias tinham se passado, e eu ainda estava um pouco
assustada com o que tinha acontecido. Troquei o número de
telefone e desde então não recebi mais nenhuma mensagem ou
ligação. Entreguei o meu antigo chip ao Lucca, que por sua vez,
daria a Gustavo para que fizessem o necessário para encontrar o
responsável por aquilo.
Por mais que as mensagens que eu recebi não tivessem uma
ameaça explícita, eu me sentia em perigo. Era estranho, nunca tive
medo de nada e de repente, estava com receio até de sair de casa.
Um fator que eu tinha certeza de que havia contribuído para isso,
era o atropelamento e a omissão de socorro que sofri.
No dia em que papai e mamãe chegaram de viagem, ele e
Lucca tiveram uma conversa sobre o que seria feito dali em diante
por mim e pela minha segurança.
Quando soube que o meu pai havia colocado seguranças para
me seguir e cuidar da minha proteção, senti como se um peso
tivesse saído das minhas costas. Até mesmo aquela sensação de
estar sendo observada, que eu achava que era coisa da minha
cabeça, era porque, de fato, havia pessoas cuidando de mim sem
que eu soubesse.
Se fosse em outros tempos, aquilo me deixaria extremamente
aborrecida. Eu tinha pavor de ter a minha privacidade invadida,
principalmente, não estando ciente. Contudo, agora, eu só
conseguia agradecer o pai protetor que eu tinha. Mais uma vez, o
senhor Joaquim demonstrou a atenção e o cuidado com a família.
Sempre nos colocando em primeiro lugar.
O que mais me surpreendeu em meio a tudo isso, foi a forma
como Lucca havia se aproximado, e como ele ficou ao meu lado
mesmo não precisando fazer aquilo. Não que eu duvidasse que
pudesse fazer, mas com tudo que passou, pensei que, de repente,
ele poderia se retrair. E eu não o culparia, não agora que sabia de
tudo.
Saber que ele e papai estavam trabalhando juntos para
encontrar o responsável pelo meu atropelamento me dava um
quentinho no coração. Toda a situação fez com que minha família
criasse um vínculo de muito afeto com Lucca, mesmo que não
tivéssemos nomeado a nossa relação. Sem que percebêssemos,
estávamos passando mais tempo juntos do que um dia pensei que
fosse ser possível.
Estava escutando uma música baixinha no ateliê em meu
quarto, enquanto tentava pintar uma tela, quando batidas à porta me
distraíram. Segundos depois, Max surgiu por ela.
— Maninha, posso entrar?
— Claro, Max... — Levantei-me. — Você virou mesmo um
turista na sua própria casa — brinquei, e ele deu um sorrisinho de
canto, charmoso como somente meu irmão era.
— Sabe como é a vida de quase médica da minha namorada,
tenho que aproveitar os momentos livres que ela tem.
— Hum... quem te viu, quem te vê. Estou feliz por você — falei,
dando um soquinho de leve em seu ombro.
— E você, como está? — questionou.
Max estava por dentro de tudo que havia acontecido, e eu
sabia que ele também estava atrás de respostas. Mesmo que não
demonstrasse muito, ou fizesse as coisas de maneira mais discreta,
meu irmão havia ficado enfurecido quando contei a ele sobre a
perseguição de Isaac, e agora as mensagens. Todos nós
desconfiávamos que era ele quem estava por trás daquilo.
— Ah, estou bem... bem melhor.
— Que ótimo! O filho da puta sumiu, nem na boate apareceu
mais, óbvio. O covarde está com medo de levar uma surra. —
Suspirou pesadamente. — Alcir está extremamente envergonhado.
— Primeiro, não quero que você suje suas mãos... por favor,
Max! E segundo, o seu sócio não tem motivo nenhum para se
envergonhar.
— Isaac usou o nome dele para se aproximar de você, sendo
que nem amigos são. Apenas estudaram juntos, mas nem tinham
tanto contato como ele fez parecer — comentou.
Saber desses detalhes me enojava, porque realmente nos
passava a ideia de que ele se aproximou de mim de caso pensado.
— Relaxa, Isaac é o único culpado. Isso se confirmarmos que
ele está mesmo por trás dessas mensagens — falei, e Max me fitou.
— Existe alguma outra pessoa que você acha que pode estar
fazendo isso? — indagou.
— Não, eu nunca tive inimizades com ninguém.
— Então, não dá para ter dúvidas, Ali... só pode ser ele.
— Como você tem tanta certeza? — inquiri, sentindo que
estava me escondendo alguma coisa.
— Não posso explicar, eu só tenho.
— Espero que você não esteja me escondendo nada. Se tiver
qualquer informação eu quero saber — falei, e ele acariciou minha
bochecha, em um gesto fraternal.
— Não se preocupe, não há nada de novo.
Mesmo compartilhando as coisas comigo, às vezes eu tinha a
sensação de que meu pai, meu irmão, e até mesmo Lucca, queriam
me poupar. Ou talvez estivessem preocupados com a forma como
eu lidaria, já que apresentei certa instabilidade nos últimos tempos.
— Se você está dizendo, eu acredito. — Sorri, fazendo um
carinho suave na sua mão. — Agora vamos falar de coisa boa,
quando você pretende pedir a Ma em casamento? — perguntei, e
ele gargalhou.
— Ainda vai demorar. Marcella é muito focada e quer fazer
tudo no tempo certo. Quem sabe quando ela se formar.
Fiquei perplexa com a sua resposta, não porque não me
agradasse, mas por ver Max tão mudado. Antes de conhecer
Marcella, o assunto casamento quase dava urticárias nele, que
atirava para todos os lados, e já chegou a mirar até em Isabela.
— Quem é você e o que fez com o meu irmão?
— Eu sou um cara romântico, você que sempre fez pouco
caso de mim.
— Ah, não estou dizendo que não era romântico, Max...
mesmo que estivesse saindo com quatro mulheres diferentes.
— Ei, isso é passado. E todas sabiam, não era como se eu
escondesse, ou tivesse uma relação séria com elas — disse, dando-
me um sorrisinho safado e uma piscadela.
Era mesmo, não podia negar. Se tinha uma coisa que meu
irmão tinha, era a honestidade. Nossos pais nos educaram muito
bem, nos ensinaram os melhores valores que uma família poderia
carregar, de caráter, fidelidade, integridade.
— Graças a Deus é passado mesmo, viu... acho essa sua
versão cadelinha muito melhor — zombei e sem que eu pudesse
prever, meu irmão começou a fazer cócegas em mim.
Caí de costas na cama e cheguei a chorar de tanto que estava
rindo. Max sabia que cócegas eram meu ponto fraco e, quando
descobriu, ainda criança, sempre que eu o provocava, ele se
vingava de mim daquela forma. E minha frustração foi tão grande
quando soube que não poderia fazer o mesmo com ele, já que não
sentia absolutamente nada, ao contrário de mim, que quase morria
de tanto rir.
— Pare — pedi, sem ar. — Não... provoco mais você —
prometi, e ele parou, caindo na cama ao meu lado e gargalhamos
como duas crianças sem preocupações.
A porta do meu quarto foi aberta em um rompante e papai e
mamãe entraram por ela, arregalados. Mamãe estava com a mão no
peito, e meu pai parecia pronto para enfrentar todos os monstros do
universo.
— Que susto, crianças! — Dona Clarice falou.
— Achamos que você estava chorando, minha morena —
papai complementou.
— E eu estava, Max me deu um ataque de cosquinhas —
respondi, ainda tentando recuperar o fôlego.
— Ei, dedo-duro! Você me provocou! — Max resmungou.
Éramos dois adultos, mas em certos momentos agíamos como
quando criança.  Quando perceberam que estava tudo bem e se
recuperaram do susto, meus pais respiraram aliviados e começaram
a rir conosco.
— Que tal uma noitada de pizza, vinho, chocolate e filme em
família? — mamãe sugeriu.
— Sim! — meu irmão e eu respondemos em uníssono.
E foi o que fizemos. Eu amava essas noites, quando
estávamos todos juntos. Com as correrias de cada um no dia a dia,
decidimos que momentos assim seriam frequentes, para que
sempre estivéssemos em sintonia um com o outro.
A tradição se repetia a cada noitada. Mamãe e eu
começávamos a dar risada de qualquer coisa depois da segunda
taça de vinho. Max e papai sempre brigavam pelo último pedaço de
pizza e nos divertíamos como nunca. Depois ficávamos horas
discutindo pela escolha do filme, e eu sempre acabava dormindo
nos primeiros dez minutos.
Eram momentos muito preciosos.
 

 
— Romeo me pediu em casamento! — Isabela exclamou,
animada, enquanto tomávamos um café em nossa galeria.
Olhei para a mão delicada da minha amiga, que ostentava um
anel solitário de diamantes gigantesco na frente da aliança de
casamento.
— Mas vocês já não são casados? — indaguei, confusa.
— Romeo inventou que aquele casamento não valeu, e quer
fazer tudo conforme a tradição agora. — Suspirou, e eu quase
enxerguei um formato de coração nos dois olhos dela.
Dei um gritinho e a abracei. Apesar de tudo que aconteceu e
do período conturbado que viveram, eles nunca chegaram a
formalizar o divórcio. E foi a melhor coisa, já que tudo se resolveu.
— Isso é tão a cara dele. Estou tão feliz por vocês... você
merece um casamento de princesa, Isa.
— Também estou feliz, Ali... e se prepare para conhecer
Palermo, amiga, pois nos casaremos lá. E você será minha
madrinha de novo. — Dei mais um gritinho animado e a abracei
novamente.
— Que notícia incrível, mal posso esperar para ver Giordana
de vestidinho branco e Noah usando um terno infantil — falei, e os
olhos da minha amiga se encheram de lágrimas de emoção.
— Eu amo tanto os meus filhos, e amo tanto o pai deles. Nem
nos meus melhores sonhos eu imaginei que a minha vida seria tão
linda. — Uma lágrima escorreu por seus olhos e me emocionei
também. — Parece que os meus pais os mandaram de presente
para mim.
— Ô minha amiga! — Nós nos abraçamos com força. — Com
certeza, e saiba que de onde eles estão, estão abençoando você, o
genro e os netinhos — disse, e ela fungou.
— Estou emotiva, Deus.
— Não tem como não ficar. E vocês já decidiram o que vão
fazer com a distância?
— Por enquanto não, vamos decidir depois do casamento.
Estamos colocando na balança se uma mudança agora será boa
para as crianças, principalmente para o Noah.
Eles tinham razão. O pequeno Noah ainda estava em fase de
adaptação, e por mais que fosse um menino tranquilo e de ouro,
uma nova mudança poderia o assustar.
— Tem razão, o que for para ser, será.
— Com certeza, além do mais, Romeo está ficando bastante
por aqui ultimamente.
— Isso é ótimo — afirmei.
E era mesmo, por mais que com isso, Lucca tivesse que viajar
mais. Nossa relação era completamente diferente da relação dos
nossos amigos, não tinha nem o que comparar. Ainda assim, ele
vinha para o Brasil com frequência, com a diferença de que não
conseguia ficar por mais de uma semana inteira, por exemplo. Suas
vindas eram mais curtas.
— E você e Lucca? Quando vão se assumir de uma vez? —
indagou e sorrimos.
— Você sabe como é a nossa... relação. Confesso que o que
estamos vivendo é muito gostoso... não achei que passaríamos do
segundo encontro.
— Lucca está totalmente na sua, Ali... só não se deu conta
ainda.
— Você acha, amiga?
— Eu tenho certeza! A maneira como ele te olha é surreal... se
bem que eu sempre achei. Não é de agora.
— Não quero criar expectativas, por mais que às vezes seja
inevitável.
— Você está apaixonada — constatou por si mesma. — Eu te
conheço, Ali.
Lucca me fazia sentir coisas que eu nunca havia sentido.
Bastava vê-lo para que o meu coração acelerasse loucamente.
Bastava um olhar para que eu me desmanchasse inteira. Bastava
um toque seu para que minhas pernas ficassem bambas.
Bastava apenas um toque seu para me deixar completamente
perdida.
Lucca tinha um poder tão forte sobre mim, que nenhum outro
homem teve. Não era de um jeito ruim. Eu gostava daquela
sensação. Era como se ele conhecesse cada pedaço meu, como se
soubesse tudo que se passava dentro de mim, de uma forma que
nem eu era capaz de compreender ou explicar. Eu só sabia sentir.
A enxurrada de lembranças que vieram à minha mente, desde
a primeira vez que o vi, confirmaram aquilo que eu já sabia há muito
tempo, mas mantive guardado apenas para mim. Eu estava
apaixonada por ele.
Já era paixão antes de ser.
Aquelas coisas que eu senti quando nos conhecemos não era
capricho, tampouco um desejo passageiro. E eu não havia
reconhecido até então por medo de que isso pudesse desestabilizar
aquilo que tínhamos. Ao mesmo tempo em que eu sabia da
intensidade de cada momento vivido ao lado dele, eu também tinha
total ciência da fragilidade da nossa relação.
— É... eu realmente me apaixonei por ele — confirmei, e ela
sorriu.
— Então é hora de vocês conversarem sobre isso —
aconselhou.
Era exatamente por esse motivo que eu ainda não tinha
afirmado com convicção, nem mesmo para mim, que estava
perdidamente apaixonada por Lucca Maserati. Eu sabia que
teríamos que conversar, e tinha receio do que aconteceria a partir
disso.
A única coisa que eu não queria, era me afastar dele.
 
Capítulo 23
PALERMO, SICÍLIA, ITÁLIA

 
LUCCA MASERATI

 
Depois de tantos anos, eu me encontrava em frente à casa em
que prometi a mim mesmo que jamais pisaria outra vez. O lugar em
nada se assemelhava ao que era antes, ou era apenas eu que havia
mudado a minha maneira de enxergar as coisas.
Toquei a campainha e aguardei. Não avisei ninguém que viria.
Nem meus pais, nem Romeo, nem Alícia. Não porque eu queria
omitir deles, ou esconder alguma coisa, e sim porque era algo que
eu precisava resolver sozinho, de uma vez por todas. Por muito
tempo eu resisti, relutei. Mas havia chegado o momento do
confronto, e antes tarde do que nunca.
A porta se abriu e o homem de meia-idade me encarou com
surpresa.
— Lucca! — murmurou, parecendo incrédulo.
— Lauro.
— Não esperava a sua visita.
— É uma hora ruim? — questionei, já que não havia informado
nem a ele ou sua esposa que viria.
— Não, de forma alguma. Entre — convidou.
Entrei na casa sem prestar muita atenção nos detalhes,
tentando me resguardar. Por mais que a decisão tivesse partido de
mim, não conseguia ignorar o conflito interno em que eu estava.
Ao seguirmos para a sala, meus olhos não conseguiram evitar
o quadro gigantesco com uma foto de Laura ainda criança. Aquela
foto sempre esteve ali, e naquele momento parecia maior do que
antes.
— Lucca, que surpresa! — Fabiana disse ao surgir em minha
frente, distraindo-me daquela imagem.
— Fabiana. — Eu a cumprimentei com um aceno de cabeça.
Aquela distância que havíamos criado era esquisita. Nem
parecia que, anos atrás, tivemos uma relação de pais e filho. Muita
coisa se perdeu depois que eles foram embora. Muita coisa se
quebrou. A proximidade, o respeito. Um muro havia sido erguido
entre nós.
— Entre, fique à vontade.
Como o bom observador que era, não pude deixar de perceber
que eles pareciam felizes com a minha presença, e até mesmo
aliviados. Eu, no entanto, estava me sentindo desconfortável,
deslocado, por mais que eles estivessem tentando fazer com que eu
me sentisse à vontade.
— Deseja beber alguma coisa? — Fabiana perguntou.
— Não, obrigado. O que me trouxe aqui foi o pedido de vocês
na última vez em que nos vimos. Eu quero ouvir tudo o que ambos
têm para me dizer — falei, sem rodeios.
Eu não pretendia demorar, então o quanto antes eles me
falassem o que tinham para falar, mais rápido eu iria embora e me
livraria de uma vez por todas desse tormento. Era o que eu
esperava.
— Certo — Lauro disse, e nos sentamos no sofá da sala.
Ele e Fabiana trocaram um olhar cúmplice, que enxerguei
como uma forma de encorajar um ao outro. Não dava para esquecer
que eles haviam perdido uma filha. A única filha.
— Tudo começou uns meses antes de irmos embora — Lauro
iniciou. — Laura começou a derrubar objetos das mãos com
frequência. E até aí tudo bem, podia ser distração, então não nos
atentamos que algo tão banal pudesse ser algo mais grave.
Prestei atenção em Lauro, e notei que ele estava se
esforçando pra caralho para se manter firme. Fabiana, contudo, já
estava com os olhos marejados e as lágrimas não demorariam a
descer.
— Teve uma madrugada em que ela acordou aos gritos por
conta de uma câimbra na perna, e aquilo nos preocupou. Poderia
ser uma simples câimbra, poderia, mas a forma como ela ficou
quase desorientada por causa da dor acendeu um alerta em mim e
na Fabiana.
Senti que o que restava do meu coração se destruiu naquele
instante. Eu achei que estava preparado para saber de tudo, mas
não estava. Saber que Laura sofreu doía em cada parte de mim. Por
mais que eu tivesse certeza de que o amor que eu sentia por ela
havia acabado, ainda me restavam as lembranças. E contra isso eu
não poderia lutar. Não ainda.
— Como eu nunca soube disso? — questionei.
— Aconteceu quando você estava em uma viagem a trabalho,
onde ficou fora por duas semanas — Lauro respondeu, e eu me
remexi, a sensação era de que estava sentado em espinhos, não
em um sofá macio.
— Nós a levamos para o hospital ainda na madrugada. O
músculo da perna estava rígido e mesmo com a medicação própria
para relaxamento muscular, não aliviou. Depois que passou pela
consulta, ela fez exames de sangue e ficou algumas horas em
observação enquanto era medicada. Como estava tudo ok, o
médico deu alta logo depois. — Suspirou pesadamente. — Depois
disso ela ficou bem por um tempo, até começar a nos relatar muita
fraqueza e cansaço — disse, e eu me levantei, agitado.
Como eu não percebi nada? Como não me atentei aos
detalhes? Será que o amor que eu sentia por ela me cegou a tal
ponto? Tantos questionamentos... e eu jamais teria as respostas.
— Ela nunca me falou nada, cazzo!
— Laura não queria preocupá-lo, Lucca. Ela estava muito feliz
com o crescimento da AURUM, você também, por isso não quis
aborrecê-lo — falou, e eu soltei uma risada anasalada.
Ela não tinha esse direito, eles não tinham.
— Como Lauro disse, nós não imaginávamos que aqueles
sintomas poderiam indicar algo tão... grave — Fabiana comentou, a
voz estava embargada.
— Eram sintomas recorrentes, então decidimos procurar um
médico e Laura deu início a uma infinidade de exames, consultas e
procedimentos. Até que chegou o resultado que tirou o nosso chão.
Fabiana segurou nas mãos do marido e os dois olharam para
baixo. Apesar de tudo, a força que tinham era absurda. Por um
segundo, senti-me egoísta, mesquinho, por ter olhado apenas para
os meus próprios sentimentos, sem ter dado a chance para que dois
pais desesperados pudessem desabafar.
— Foi tudo muito rápido, o diagnóstico, a indicação médica
para irmos para os Estados Unidos, e a decisão de Laura de não
falar nada para você — Lauro disse e me fitou com um olhar
destruído. — Entenda uma coisa, Lucca, por mais que Fabiana e eu
não concordássemos, nós apoiamos a decisão da nossa filha e não
nos arrependemos disso nem por um segundo. Faríamos de novo
tudo o que fizemos.
— Eu amava Laura mais do que a minha própria vida... eu a
pediria em casamento naquela noite, apenas algumas horas depois
que vocês foram embora — soltei, deixando-os completamente
surpresos. — Realmente nenhum de vocês considerou, nem por um
segundo, a hipótese de me contar?
— Nós sentimos muito, Lucca. E quando falamos isso não é
somente por falar. Foram anos muito difíceis até que a doença a
levasse... nos últimos dias, eu não conseguia mais reconhecer a
minha Laura — Lauro disse, entristecido.
— Ela foi ficando cada vez mais limitada, mais fraca.
Gradualmente o seu corpo foi paralisando — Fabiana continuou. —
Perdeu os movimentos, a fala, a capacidade de engolir... ainda
consigo escutar a sua última palavra, antes de perder
completamente a fala, ela disse o seu nome, Lucca, em meio ao
delírio e à inconsciência. Não duvide nem por um segundo que
Laura amou você até os últimos respiros. — Terminou a frase com a
voz trêmula e caiu em um choro angustiante.
Eu andava de um lado para o outro, tão angustiado quanto
seus pais.
— Por isso queríamos compartilhar tudo com você. Laura não
foi embora porque não te amava mais, mas por não querer que você
a visse sofrendo. Por amor, as pessoas são capazes de fazer tudo,
por isso apoiamos a decisão dela — Lauro contou, enquanto tentava
amparar a esposa. — Laura queria que você se lembrasse dela
como a viu da última vez, saudável, com vida.
Cazzo, Laura! Eu te amei tanto... eu cuidaria de você, não
precisava ter passado por tudo sozinha, não precisava ter deixado a
carga toda para os seus pais!
— Nós sabemos, figlio, que você tem a sua razão, que é muito
difícil compreender, e por mais que pareça que não, nós
respeitamos muito você. Mas, se algum dia você conseguir perdoar
a nossa filha, ficaremos muito agradecidos — Lauro disse.
Eu não sabia o que dizer, sabia que um pouco dessa angústia
deles era, em partes, por minha culpa. Pelo fato de eu guardar tanto
rancor pelo que fizeram comigo.
— Nós temos a sensação de que a nossa menina só vai
conseguir descansar em paz depois que você conseguir perdoá-la.
Pode ser besteira de pai e mãe, mas é o que temos dentro do nosso
coração — Fabiana falou assim que conseguiu se acalmar um
pouco.
— Se você achar que deve culpar alguém, como dissemos,
você está na sua razão, mas peço apenas que culpe a mim, não a
nossa Laura — Lauro insistiu.
— Vocês têm noção da merda que eu passei? Do inferno que
eu vivi quando ela foi embora? — indaguei, encarando-os.
Ainda estava de pé, e os dois se mantinham sentados, com os
olhos baixos.
— Nós sabemos de tudo, Lucca... quando retornamos a
Palermo, seu pai nos detalhou cada minuto do seu sofrimento.
Sentimos muito, figlio — Fabiana disse.
O fato de ela e Lauro estarem me chamando como chamavam
anos atrás, de figlio, fazia com que eu tivesse a sensação de que
meu coração era esmagado com um pouco mais de força. Os dois
não tinham culpa, aquilo ainda era tão natural para eles, mesmo
depois de tanto tempo.
— O maior desejo de Laura é que você seja feliz, como ela
nunca poderia fazê-lo — Lauro falou.
— Eu seria feliz se ela não tivesse me deixado. Eu seria feliz
se tivesse vivido os últimos segundos de vida ao lado dela. Eu não a
queria só para os momentos bons, não sou esse tipo de homem e
vocês devem saber disso.
Se...
Tantos e se...
— Nós sabemos, figlio. Nós sabemos. Agradecemos muito a
sua visita, e assim como a nossa Laura, desejamos que tenha uma
vida maravilhosa, encontre uma pessoa que possa fazê-lo feliz
como merece, que tenha uma linda família. Sempre torceremos por
isso, você foi um homem incrível para a nossa filha, você a ensinou
a amar, e sempre seremos gratos por tê-la feito feliz por tantos anos
— Fabiana disse.
Meus olhos correram pela sala, até o aparador, onde diversos
retratos de Laura e sua família estavam. Aproximei-me, peguei um
deles em que ela estava sozinha, do mesmo jeito que eu me
lembrava, e me perguntei silenciosamente se estaríamos casados
caso ela não tivesse partido, se teríamos filhos, se já teríamos
nossa casa à beira-mar.
Por incrível que pudesse parecer, aquele que um dia foi o meu
maior sonho, agora não me despertava nenhum sentimento. Olhei
nos olhos de Laura no retrato, tentando buscar resquícios daquilo
que eu sentia por ela, mas também não encontrei.
Aquela paixão, aquela loucura, todos os sentimentos que eu
senti um dia se foram. Mas tinha algo novo, eu só não conseguia
compreender exatamente o que era. Talvez a comoção estivesse
tampando os meus olhos, mas uma coisa eu podia afirmar com
plena convicção... não era amor.
Eu não a amava mais.
Coloquei o porta-retrato com cuidado em cima do aparador, e
me virei para aqueles que um dia eu considerei como pais. Lauro e
Fabiana me encaravam com expectativa... e os enxergando agora,
pude notar o quanto eles envelheceram nesses anos em que
estiveram fora. Ambos pareciam abatidos, esgotados.
Era uma responsabilidade muito grande para mim, mas
naquele minuto, eu senti que deveria dar o que eles tanto queriam.
Mesmo que eu tivesse que lidar com o conflito interno depois, eu
precisava dizer a eles que estava tudo bem, mesmo que não
estivesse totalmente.
Eu precisava perdoá-los, mesmo que ainda não estivesse
totalmente preparado para isso, mesmo que ainda levasse algum
tempo. Mesmo que esse perdão não coubesse, de fato, a mim.
Sem que eu tivesse controle, meus pensamentos me levaram
para Alícia, por tudo que já conversamos, por todas as coisas que
me disse, pela forma como levava a vida, aproveitando cada
segundo como se fosse o último.
E se eu fosse embora sem dizer uma palavra que pudesse
confortá-los e algo acontecesse com eles, será que eu me
perdoaria? Ou o remorso me acompanharia pelo resto da vida?
Alícia não sabia, mas a conversa que nós tivemos naquela
madrugada após o meu pesadelo, foi um grande incentivo para que
eu estivesse aqui hoje, como uma única gota de água que faltava
para encher um copo. Tudo o que me falou, somado ao que meus
pais e meu amigo me aconselharam, fizeram com que eu decidisse
dar uma chance aos pais de Laura. Não apenas isso, como também
a esperança de me libertar dos meus demônios para sempre.
Fechei meus olhos, respirei fundo. Meu coração batia forte
dentro do meu peito. Aquilo não aconteceu quando peguei a foto de
Laura nas mãos, aconteceu apenas porque eu pensei em Alícia... foi
como se uma venda tivesse prestes a cair dos meus olhos.
Eu os abri de novo, e voltei a encará-los.
— Obrigado pela conversa, obrigado por não me julgarem, por
me ouvirem e entenderem tudo o que eu passei. É difícil demais
para mim, mas eu os compreendo. — Puxei o ar com força. — Eu
perdoo Laura com todo o meu coração, e os perdoo também.
Dizer aquelas palavras foi menos difícil do que pensei. Senti
que Lauro e Fabiana saíram do estado de torpor e notei que
relaxaram visivelmente. O pranto agora não parecia mais o mesmo
de minutos atrás, angustiado. Era como se estivessem se sentindo
realmente aliviados.
— Figlio. — Fabiana se aproximou. — Você tem um coração
gigantesco, um caráter de ouro. — Segurou meu rosto com as duas
mãos. — Que você seja muito, muito feliz. Lauro e eu desejamos
isso com todo amor do mundo, e sempre teremos o mesmo carinho
por você, como se fosse nosso filho.
Dito isso, Fabiana me abraçou e, a princípio, fiquei surpreso,
pois não esperava. Levou alguns segundos para que eu devolvesse
o abraço. Depois que nos afastamos, Lauro também me abraçou,
mas não disse nada. O abraço forte que me deu falou por si só.
— Eu preciso ir agora — avisei.
— Não deseja ficar para tomar um café conosco? — Lauro
convidou, e Fabiana pediu licença, afastando-se e sumindo pelo
corredor.
— Obrigado, mas eu realmente preciso ir.
— Está bem. Saiba que a nossa casa sempre será sua casa, e
se um dia quiser voltar aqui, estaremos de braços abertos para
recebê-lo — ele disse, e eu acenei em concordância.
Enquanto caminhávamos até a porta, Fabiana retornou.
— Se você me permitir entregar uma mensagem — ela falou, e
me entregou um envelope de carta que tinha nas mãos. — Leia
quando se sentir pronto.
O que era aquilo?
— Não precisa ser agora, figlio — Lauro comentou quando
percebeu que fiquei um pouco reticente, e em seguida me deu dois
tapinhas no ombro.
Despedi-me deles e segui para o meu carro. Fiquei encarando
o envelope em minhas mãos, incerto sobre abrir ou não naquele
momento. E até com receio do que teria ali. No entanto, nunca fui
homem de fugir das minhas lutas... posso até ter adiado algumas,
mas nunca deixei de enfrentá-las.
Abri o envelope e retirei o papel de dentro, reconhecendo de
imediato a letra dela. Parecia um pouco tremida, mas ainda era a
letra dela.
 
“Lucca,
Se você está lendo essa carta, significa que eu parti... e que você me perdoou.
Antes de perder completamente o controle das mãos, decidi escrever para te
agradecer por tudo que você foi para mim. Não apenas isso, mas para dizer que, enquanto
eu respirar, serei grata por tê-lo conhecido, por ter tido a sorte de aprender a amar com
você, e por ter sido tão amada.
Eu desejarei, até depois do meu último suspiro, que você seja muito, muito, muito
feliz. Que tenha muito sucesso profissional, que encontre um amor, forme uma família,
tenha filhos. Se eu pudesse fazer um último pedido, pediria que não abandonasse os seus
sonhos por nada... eles são preciosos.
A mulher que um dia tiver o seu coração, será uma pessoa de muita sorte. E eu
estarei torcendo, de onde estiver, para que, quando você estiver lendo essa carta, ela já
exista.
Tenha uma linda vida!
Laura.”

 
Diferente da última vez, em que li a sua carta de despedida,
desta eu senti algo inexplicável. Era como se, somente agora,
depois de tantos anos, estivéssemos nos despedindo, encerrando
um ciclo de uma história que já acabara há algum tempo, mas que
se perdurou até hoje por sentimentos tão controversos. Chegamos
ao fim.
E para todo fim... um recomeço.
 
Capítulo 24
BELO HORIZONTE, MINAS GERAIS, BRASIL

 
ALÍCIA CASTRO

 
Minha rotina havia voltado ao normal, e, felizmente, o medo
que eu estava sentindo até de sair na rua aliviou consideravelmente.
Eu estava segura, totalmente segura... para que alguém
conseguisse fazer qualquer coisa contra mim, teria que passar pelos
seguranças que papai havia contratado. Ou seja, seria muito difícil,
para não dizer impossível.
Foi um período no mínimo estranho. Eu tinha vontade de sair
de casa, queria, mas o receio de algo acontecer me paralisava.
Nunca na minha vida senti nada parecido. Sempre fui muito
independente, tinha a minha liberdade para ir e vir como e quando
queria.
Contudo, me ver em meio ao perigo me desestabilizou de uma
forma que eu não imaginava. E poder sair de casa sem nenhum tipo
de receio era a melhor coisa do mundo. Nós só costumávamos
enxergar o quanto as coisas simples eram importantes quando a
perdíamos. E a minha liberdade era tudo.
A vida e suas fases.
Cheguei ao Instituto no horário de sempre, em uma segunda-
feira ensolarada e calorosa. Estava um dia lindo, e não tive como
não respirar fundo e agradecer por estar viva. Com a correria do dia
a dia, muitas vezes não dávamos o devido valor ao simples fato de
respirar.
Encontrei o doutor Charles no corredor próximo à minha sala,
e ele estava ao celular, com um semblante estranho... de um jeito
que eu nunca tinha visto, nem nos dias mais difíceis. Assim que
desligou, se aproximou de mim e me cumprimentou com um abraço.
— Está tudo bem, doutor? — questionei ao meu amigo.
— Agora sim, graças a Deus! Estava no telefone com a Kelly,
mãe do Nícolas. Ele teve uma reação alérgica gravíssima antes de
ontem, por pouco não o perdemos. — Respirou pesadamente, e eu
levei um susto.
— Como assim?
— Ele estava brincando no quintal de casa e pisou em uma
abelha.
— Meu Deus, tadinho, que susto! — falei, tristonha.
— A Kelly só escutou o grito dele e correu, quando chegou, já
estava cheio de edemas e com dificuldade para respirar. Ela me
ligou e orientei o que deveria fazer, e corri para lá. Liguei para a
emergência durante o trajeto, e, felizmente, eles chegaram antes de
mim. Se demorássemos mais uns minutos, eu nem sei...
— Ei, está tudo bem agora, não está? — indaguei, fazendo um
carinho suave no seu braço, e ele acenou em concordância.
Observei o meu amigo quase perder a compostura. Analisei-o
atentamente, achando a sua reação diferente. Como médico, aquele
tipo de situação, por mais complicada que fosse, já fazia parte da
sua rotina. Geralmente, era ele quem me consolava nos dias
difíceis. E agora, ele parecia tão atormentado.
— Está... mas, porra! — Suspirou, e eu o levei para a sala que
eu usava para pintar.
— Fique calmo — pedi e ofereci um copo de água, que ele
bebeu em três goladas.
— Me desculpe, nunca perdi a linha dessa forma. Só de
pensar que algo grave poderia ter acontecido com ele, me apavoro
— confessou.
Tive uma noção da gravidade quando Charles comentou que
Nícolas poderia ter tido um choque anafilático, uma reação alérgica
gravíssima e que poderia o ter levado a óbito. Graças a Deus que
não aconteceu o pior.
— Você o salvou, doutor Charles.
— Aquele garoto é especial, anjo.
— Você também é muito especial para ele... ele já o tinha
como herói, só imagine agora — falei, e ele sorriu.
— Ele que é um herói, e nem se dá conta disso. Você não vai
acreditar nas coisas que ele me falou esses dias.
— O quê? — perguntei.
— Ele disse que havia sonhado que o pedido dele se realizou,
e que Deus o mandou um pai de presente... sabe quem era esse
pai? — Eu podia imaginar.
— Você?
— Eu! — exclamou, com o olhar longe, mas com um brilho
inconfundível. — A Kelly não estava na hora, e aí eu me lembrei da
pintura que vocês fizeram e do quanto me reconheci naquela arte...
Deus, anjo. Eu, que depois de tudo que passei, não queria nem
saber de me casar novamente, tampouco ter filhos, me vi diante
daquele garoto que me olhava com tanta admiração, e tive vontade
de colocá-lo no colo e chamar de filho. Onde está minha ética
profissional?
Sua revelação me deixou surpresa. Eu não estava tão errada,
afinal, quando meu lado cupido pensou em fazer alguma coisa.
— Acho que você não deve se culpar, doutor Charles. Às
vezes acontecem coisas que simplesmente não tem explicação —
ponderei, tentando acalmá-lo.
Minha vontade era de dar pulinhos e incentivá-lo, porém,
jamais faria isso. Eu sabia da seriedade do assunto, e de quantas
coisas estavam em jogo.
— Se não bastasse isso, quando a Kelly apareceu e não
conseguiu manter o olhar no meu, e corou de um jeito que me
deixou hipnotizado, achei que infartaria. Meu coração só faltou sair
pela boca... cheguei a fazer um eletrocardiograma e um teste
ergométrico para garantir que estava tudo bem — contou e, dessa
vez, não contive um sorriso.
Ah, doutor... eu sabia bem do que se tratavam esses sintomas.
— Você se apaixonou, doutor Charles? — indaguei, e ele me
encarou um tanto assustado.
— Eu acho que passei a enxergá-la de outra forma. Ela e
Nícolas... e quando os vi no dia em que ele quase se foi, tive
vontade de colocar os dois no meu colo. Tive vontade de abraçá-los
e não os soltar nunca mais. De cuidar. Senti que eles eram meus. O
quanto tudo isso é estranho? Será que estou ficando maluco?
— Claro que não, meu amigo. Nícolas é encantador, um
menino de ouro. E Kelly é uma guerreira, uma mãe incrível... e tem
um coração lindo.
— E é bonita demais para o meu próprio bem — murmurou.
— Sei que não é tão simples quanto parece, e que há muitas
coisas envolvidas, mas não é impossível. Você sabe disso, certo?
— Eu sei... sou homem, percebo a forma como me olha, mas
ela é muito fechada. Não me dá abertura nenhuma.
— A primeira pessoa que ela pensou quando se viu em perigo,
foi em você, doutor — lembrei. — Mas, se você está disposto a
fazer parte da vida deles de outra forma, demonstre isso.
— Não é tão simples. E se não der certo?
— Você só vai saber se tentar — aconselhei. — E apesar de
não ter afirmado com todas as letras, vejo que você está muito certo
dos seus sentimentos.
— Não quero que eles sofram, já passaram por muita
turbulência.
Eu o compreendia. Havia muita coisa envolvida, desde a
vulnerabilidade do garotinho e da sua mãe, e toda a questão ética
pela qual o doutor Charles se culpava. Contudo, somente ele
poderia decidir se lutaria pelo que estava sentindo, ou recuaria.
Somente ele teria as respostas para as suas dúvidas. Era uma
decisão importante, e que não deveria ser tomada de forma
impensada. Porém, de uma coisa eu tinha certeza, se ele assumisse
aquilo que estava sentindo, jamais os faria sofrer.
— Olhe para dentro de si... você encontrará a resposta no seu
coração — declarei.
— Obrigado por ser uma boa ouvinte e conselheira, eu
precisava dessa conversa. Não é à toa mesmo que a chamam de
anjo — disse, sorrindo para mim.
— Bobo! — exclamei, dando um tapinha em seu ombro.
Trocamos mais algumas palavras, e o avisei que iria sair um
pouco mais cedo dali, pois pretendia visitar Nícolas no hospital. Em
virtude dos problemas de saúde que tinha, optaram por mantê-lo
uns dias em observação.
Tive uma manhã e um início de tarde maravilhoso, várias
crianças vieram à aulinha de pintura, e mais uma vez notei como
aquilo não mudava para melhor apenas o dia delas, como também o
meu.
Poder fazer parte do Instituto Criança e Vida era
transformador.
No final do dia, segui para o endereço em que o doutor
Charles havia me passado, e encontrei o pequeno guerreiro e sua
mãe. Nícolas ficou muito feliz com a minha visita, tagarelou sem
parar sobre o que tinha acontecido, e que o doutor Charles o salvou.
— Estou começando a desconfiar que esse menino ama mais
o doutor Charles do que me ama — Kelly sussurrou, ao mesmo
tempo em que deu um sorriso tímido.
— Não, mamãe. São amores diferentes — Nícolas comentou,
astuto, e não contivemos a gargalhada.
— A mamãe sabe, meu amor. Estou só brincando com você —
disse, acariciando seus bracinhos finos.
— Anjo, eu sonhei que a mamãe tinha se casado com o titio
Charles.
— Filho! — Kelly o repreendeu, ficando imediatamente corada
e envergonhada. — Nós já conversamos sobre isso, não pode ficar
falando essas coisas.
— Por que, mamãe? Eu queria que o sonho fosse realidade —
revelou, os olhinhos se encheram de lágrimas.
— Meu amor, o doutor Charles é seu médico — falou num fio
de voz. — As pessoas podem interpretá-lo errado se continuar
falando essas coisas.
— Está tudo bem, Kelly — sussurrei para que ela ficasse
tranquila.
— Nós confiamos em você, Ali... o problema é se outra pessoa
ouvir e entender tudo errado. E até mesmo o doutor Charles, Deus
me livre de ele ouvir um negócio desses — disse, tímida.
Pelo jeito, os sentimentos do meu amigo eram recíprocos.
— Anjo, sabe o que eu quero ser quando crescer? — Nícolas
perguntou.
Seus olhinhos estavam animados de novo... ah, nada como a
leveza de uma criança.
— O quê, príncipe?
— Médico. Vou ser um herói, como o doutor Charles.
Kelly se rendeu e sorriu, e eu também não contive o sorriso.
Percebi que ela se emocionou com as palavras do filho, pois aquela
frase não era apenas um sonho. Era a esperança na sua forma mais
bonita. Nícolas seria curado do câncer, e se tornaria um médico
maravilhoso.
Não demorei muito na visita, e, fiquei sabendo que no dia
seguinte o meu pequeno amigo estaria de alta médica. Saí do
hospital sorrindo feito boba, o carinho que Nícolas sentia pelo seu
médico era inexplicável. E mal sabia ele que o seu herói estava
completamente rendido por eles.
 

 
OURO PRETO, MINAS GERAIS, BRASIL

 
Desde que eu havia mudado de número, não recebi mais
nenhuma ligação ou mensagem desagradável, assim como não tive
mais nenhuma notícia de Isaac. Ainda não tínhamos certeza se era
ele quem estava fazendo tudo aquilo, apesar dos fortes indícios.
Papai havia conversado com um psicólogo forense sobre o
assunto e, apesar de não ser possível de obter um diagnóstico à
distância, o profissional explicou que a pessoa por trás de tudo
aquilo tinha características similares a de um stalker, como
chegamos a cogitar, e que isso era proveniente de algum distúrbio
mental. Porém, para conseguir diagnosticar, de fato, ele precisaria
avaliar o caso pessoalmente.
Mesmo que estivesse voltado à minha rotina normal, eu só
sossegaria por completo quando a situação fosse resolvida de uma
vez por todas. Quando quem quer que estivesse fazendo aquilo
fosse devidamente punido.
Reprimi meus pensamentos e foquei no que estava fazendo.
Estava em meu ateliê, concentrada e ouvindo uma boa música
clássica enquanto trabalhava em uma pintura especial, para uma
pessoa ainda mais especial, quando o toque de uma notificação em
meu celular me distraiu.
 
Cheguei em Ouro Preto e estou
maluco de vontade de você!

 
Deus! Finalmente Lucca havia voltado... eu também estava
maluca de saudades.
Trocávamos mensagens todos os dias, e desde que me avisou
a data em que viria ao Brasil, eu fiquei tão ansiosa que tinha a
sensação de que os dias estavam passando lentamente. Parecia
que as 24h diárias se transformaram em 48h.
 
Mal posso esperar para vê-lo.

 
Respondi e, poucos segundos depois, sua resposta chegou.
 
Em meia hora passarei para buscá-
la!

 
Senti que as borboletas em meu estômago se agitaram. Com
Lucca era assim, poucas palavras, muita atitude. Eu era
completamente louca por esse jeito dele, pela forma como ele me
dominava. Sua necessidade de controle não me incomodava, e eu
sabia que ele precisava daquilo.
A forma como ocupava tudo com a sua presença imponente, o
domínio que tinha sobre mim na cama me deixava em chamas
apenas de pensar no assunto. Lucca me preenchia de tantas
maneiras.
Finalizei os pequenos detalhes da pintura, recolhi meu
material, guardei tudo. Depois, tomei um banho, arrumei minhas
coisas em uma velocidade recorde, e quando estava calçando o
sapato, recebi uma mensagem sua avisando que já estava em
frente à minha casa.
Sabendo que ele não gostava de atrasos, me apressei, passei
o perfume pelo qual ele ficava louco e fui ao seu encontro. Quando
o vi, encostado em seu carro e mexendo no celular, meu coração
galopou dentro do peito.
Quando eu achei que estava perdida, na verdade, enfim havia
me encontrado.
Lucca pareceu ter sentido a minha presença, pois quando
levantou o olhar e me viu, algo em seus olhos mudaram. Não
consegui decifrar o que vislumbrei, talvez estivesse tentando
controlar os meus próprios sentimentos.
E quando ele sorriu para mim, um sorriso completamente
diferente de todas as vezes, minhas pernas, que já estavam
bambas, viraram gelatina e eu me derreti de amor. Eu me senti
exatamente como em uma poesia que li há algum tempo.
Eu não me lembrava mais qual tinha sido o nosso começo,
pois já era amor antes de ser.[41]
 
Capítulo 25
 
LUCCA MASERATI

 
Alícia Castro surgiu em minha vida arrasando tudo. Minhas
convicções, minhas promessas... tudo aquilo que eu havia me
tornado após ter sido destruído.
Ela caminhava na minha direção, ao mesmo tempo em que a
venda que parecia cobrir meus olhos, caía de maneira
impressionante. Ou ela estava ainda mais linda — coisa que eu
achava impossível, pois a ragazza era belíssima, perfetta —, ou
somente agora eu conseguia enxergá-la por completo.
Cazzo!
Assim que saiu pelos portões, Alícia correu na minha direção,
agarrando-me pelo pescoço e me dando um abraço forte e cheio de
significado. Seu cheiro me invadiu, ao mesmo tempo em que eu nos
equilibrava e meu coração se descontrolava dentro do peito.
Cheirei o seu pescoço, como um louco viciado, sentindo o
aroma doce da sua pele. Não resisti e deixei uma trilha de beijos,
subindo pelo seu rosto e chegando aos lábios macios.
Sem sequer pensar que estávamos em uma rua, ou me
preocupar com plateia, puxei seu cabelo e enfiei a minha língua
dentro da boca, quase desesperado para sentir o seu gosto.
O beijo encaixou de imediato, meu corpo inteiro reagindo à
sensação de tê-la em meus braços. Alícia soltou um gemido
baixinho, totalmente rendida. Não tínhamos falado uma palavra
sequer, e não precisava. Não quando o toque e o beijo falavam por
si só.
— Senti saudades, Lucca — ela declarou, ofegante, quando
cessamos o beijo.
— Cazzo, principessa! Anch’io — sussurrei, encarando os
olhos mais fantásticos e brilhantes que já vi na vida. — Eu também
— repeti em português.
Antes que déssemos um show para a vizinhança e para os
seus seguranças, que provavelmente estavam por ali em algum
lugar, discretos, dei a volta no carro com o braço envolvido na sua
cintura e abri a porta para ela. Em seguida, retornei para o meu
lugar, e antes de qualquer coisa, peguei a mão delicada e a trouxe
para a minha coxa.
Eu nunca imaginei que pensaria isso, mas a cada vinda minha
ao Brasil, mais eu me acostumava à sua presença, ao seu cheiro, e,
consequentemente, mais difícil ficavam as despedidas.
— Você está diferente — ela sondou, sorrindo.
— Diferente? — perguntei ao mesmo tempo em que dava
partida no carro e dirigia a caminho do hotel.
— É, não sei explicar... há algo em seu olhar.
— Hum... a culpa é sua.
— Minha? — questionou confusa.
— Ninguém mandou ser linda e gostosa pra caralho. Você me
deixa hipnotizado — galanteei, e ela soltou uma gargalhada
contagiante.
— Você é um desbocado, Lucca — disse, fitando-me
intensamente, com um sorrisinho zombeteiro.
— E você adora, principalmente, quando estou todo dentro de
você. — Levei a mão bonita até os meus lábios e dei uma
mordidinha suave ali.
Alícia soltou um suspiro, obviamente alguma parte do seu
corpo havia respondido àquele gesto. Talvez os seios, talvez a
boceta. Ou os dois. E eu não tive como não pensar obscenidades
ao ver a unha bonita pintada de vermelho. Imaginei-a ao redor do
meu pau, masturbando-me, enquanto a boca de veludo me chupava
com volúpia.
— Safado! — sussurrou. — Como foi a viagem?
— Ótima! — respondi. — Dessa vez, ficarei por aqui durante
três semanas — contei.
— Não acredito! Que ótimo! — exclamou, encarando-me
animada.
— Romeo e eu receberemos em Belo Horizonte uma empresa
da Argentina para uma reunião, então até lá teremos que nos
preparar — compartilhei.
— Que notícia maravilhosa! A AURUM vai dominar o mundo,
Lucca, tem noção disso? — falou, empolgada de um jeito lindo.
Ver o quanto Alícia se importava com a minha empresa e com
o sucesso dela, fez com que mais um dos muros que eu havia
erguido caísse diante dos meus olhos. Até nos mínimos detalhes a
ragazza parecia perfeita para mim.
— Estamos em busca disso — comentei. — E por aqui, como
estão as coisas?
Alícia discorreu como foram os últimos dias, seus olhos cheios
de empolgação. Ela sempre mantinha aquela vivacidade, aquela
alegria. Prestei atenção em cada palavra, em cada detalhe,
querendo tomar tudo para mim. Sua rotina, desde a hora em que
acordava, até a hora em que ia dormir, tudo me interessava. Até
mesmo o seu sono, os seus sonhos.
Ao chegarmos ao hotel, Alícia tirou os sapatos de salto e
largou as suas coisas em qualquer canto e parou no meio do quarto,
olhando-me com expectativa. Pelo olhar ansioso, já imaginei o que
ela queria, e estava disposto a dar muito mais.
Mas seria do meu jeito.
Caminhei até a bela ragazza, como um predador a caminho da
presa, e ela mordeu os lábios. Parei em sua frente, muito mais alto
do que ela, e baixei meu rosto na direção do seu, quase encostando
em sua boca.
— Tire a roupa e deite-se na cama! — ordenei, firme.
Alícia levantou os pés e tentou me beijar, mas puxei seu
cabelo antes que atingisse o seu objetivo. Por mais desejoso que
estivesse, me contive. Escutei o gemido de prazer, que era como
música para os meus ouvidos, e seus olhos brilharam. Alícia
gostava da forma como eu a dominava.
Cazzo! E eu adorava dominá-la!
Minha vontade era mandar o autocontrole para o espaço e
agarrá-la, beijá-la, fodê-la ali mesmo. Estava há dias sem sexo,
desde que estivemos juntos pela última vez para ser mais exato.
A verdade era que desde que eu havia beijado Alícia pela
primeira vez, ela se tornou única na minha vida. Nem ao Divine eu
tinha ido mais, não fazia sentido. Tudo aquilo parecia sem graça e
vazio depois que senti o seu gosto. E por mais enlouquecido que
estivesse para me enfiar dentro dela, eu tinha planos para nós dois.
E os realizaria conforme o planejado.
— Faça o que eu estou mandando! — grunhi, e ela mordeu os
lábios mais uma vez, provocando-me.
Assim que soltei o seu cabelo, e dei meio passo para trás,
Alícia tirou o vestido que estava usando e o corpo nu se revelou
diante dos meus olhos. O piercing de diamantes brilhando no
mamilo direito fez com que minha boca salivasse de vontade de
chupá-lo. A maledetta sabia como me tirar do sério como ninguém.
Antes de se virar e seguir para a cama, ela me deu um de seus
olhares mais profundos. Observei o caminhar elegante, a cortina
castanha dos cabelos macios e sedosos caindo pelas costas até a
cintura estreita. Embeveci-me com a cena da bunda redonda e
arrebitada rebolando ao andar.
Sem desviar o olhar do seu corpo, caminhei até a mesinha de
bebidas, depositei uma dose de AURUM no copo e virei de uma só
vez. Alícia subiu na cama e ficou de quatro, dando-me a visão
perfeita da bunda exposta, da boceta pequena e totalmente
depilada.
Cazzo!
De longe pude ver que estava brilhosa, encharcada... Alícia
era tão sensível. Quase pude sentir seu gosto na minha boca, e tive
que fazer um esforço sobre-humano para não ir até lá e beijá-la,
chupá-la, tomar tudo aquilo que era meu. Me lambuzar inteiro com
os seus fluidos.
Depois de me provocar o bastante, ela se ajeitou no colchão
com toda a sua sensualidade, e eu fui até o closet, sem desviar o
meu olhar do espetáculo que a bela ragazza era. Peguei uma
gravata e caminhei até ela.
Subi na cama, deixando-a entre as minhas pernas. Larguei a
gravata e posicionei minhas duas mãos na lateral do seu corpo.
Deslizei-as pela pele macia, Alícia fechou os olhos e mordeu os
lábios.
Tão, tão sensível.
Estiquei seus braços acima da cabeça, peguei a gravata e dei
um nó perfeito, prendendo as suas mãos junto à cabeceira da cama,
sob o seu olhar atento. Não resisti e levei a boca até o mamilo
delicioso, sentindo o gelado do piercing.
Alícia se remexeu e por reflexo, tentou puxar os braços, sem
sucesso. Sorri em meio à chupada, e ela soltou um gemido. Tão
rápido quanto a toquei, saí da cama e tirei a minha camiseta, em
seguida, a calça de moletom preta e a cueca. Meu pau já estava
duro feito pedra.
Peguei o meu celular e o conectei à caixa de som. A playlist
começou a tocar a sua música preferida — Eu te devoro, de Djavan.
Fui até a mesa de bebidas de novo e coloquei mais uma dose de
AURUM no copo, enquanto ela me encarava em expectativa. E
esse foi o único motivo pelo qual não vendei seus olhos. Eram
perfeitos demais para que eu os escondesse. Além do mais, queria
olhar para eles quando a estivesse fodendo.
 
(...)
Teus sinais me confundem da cabeça aos pés
Mas por dentro eu te devoro
(...)
 
Voltei para a cama, com o copo em mãos e novamente a
deixei presa entre as minhas pernas. Seus seios estavam
intumescidos, Alícia estava inteira arrepiada. E me olhava como se
eu fosse a porra do seu mundo inteiro.
Fui atingido em cheio por aquele brilho, e virei um pouco do
líquido âmbar em seu pescoço e antes que escorresse. Chupei tudo,
lambi até a última gota.
— Ah, Lucca... — choramingou, tentando se mexer, mas
totalmente cativa.
— Deliciosa! — rosnei.
Repeti o processo nos seios, permanecendo ali por incontáveis
minutos. Enquanto mamava em um, brincava com o outro, ouvindo
suas lamúrias. Depois, desci pelas costelas, lambi a tatuagem, segui
pela barriguinha seca, pelo umbigo, e virei mais um pouco do
líquido. Em meio às chupadas, e lambidas, também deixei algumas
mordidas. Ela ficaria marcada, como das outras vezes, mas não me
importei. Muito pelo contrário, meu lado mais primitivo adorava
aquilo.
Cheguei ao destino paradisíaco e coloquei o copo na cama,
longe de nós. Arreganhei as suas pernas. Alícia deu um gritinho
com a selvageria do meu gesto e sua respiração ficou ofegante. O
diafragma trabalhando em busca de ar.
Aproximei meu nariz da boceta e a cheirei, como um macho
reconhecendo aquela como sua fêmea. Fechei meus olhos,
enlouquecido. Não consegui reprimir o grunhido de satisfação ao
sentir o cheiro que era o meu mais novo vício. Doce, como ela
todinha.
Alícia tentou se mexer, se esfregar em meu rosto, mas não
permiti que fizesse.
Com toda a concentração que aquele momento demandava,
peguei o copo novamente e virei quase todo o conteúdo na minha
boca. Deixei apenas um pouco para virar nela, acima do clitóris.
Joguei o copo no tapete, para que não quebrasse, e voltei minha
atenção ao meu paraíso particular. Pincelei minha língua da entrada
da sua vagina, até o clitóris e o uísque que escorria misturado à sua
excitação.
— Ahhhh, Lucca, que gostoso! — gritou.
O gosto do uísque misturado ao seu gosto era simplesmente
divino. A definição de perfeição havia sido atualizada. E naquele
instante, enquanto a devorava, tal qual a música, descobri meu
sabor preferido no mundo.
Alícia e AURUM.

(...)
Tudo que Deus criou pensando em você
Fez a Via Láctea, fez os dinossauros
Sem pensar em nada, fez a minha vida
E te deu
(...)
 
Nem mesmo eu era capaz de decifrar as palavras
incompreensíveis que saíam da minha boca, enquanto a chupava,
beijava, lambia, mordiscava... tamanha satisfação. Completamente
mergulhado em sua boceta, quase perdi a razão. Alícia se contorcia
toda, gritava e gemia sem pudores.
Se eu pudesse, passaria o resto da minha vida chupando-a
inteira.
— Gostosa pra caralho! Maledetta!
Ao mesmo tempo em que prendia o clitóris inchado entre meus
dentes, posicionei dois dedos em sua entrada. Empurrei, e, com
dificuldade, fui adentrando o canal apertado e quente como o
inferno.
Pude sentir seus espasmos e a boceta esmagando meus
dedos.
— Eu vou gozar — murmurou com a voz rouca de tesão.
Em poucos segundos, Alícia gozou, encharcando todo o meu
rosto com o jato que saiu dela. Completamente enlouquecido, lambi
tudo, cada gota, sem deixar escapar nada. Queria tudo dela, todos
os seus gemidos, todo o seu prazer para mim.
Porra! Ela me deixava alucinado quando tinha squirting!
Ergui-me e mal dei tempo para que se recuperasse. Encaixei
meu pau na sua entrada e a penetrei de uma só vez. Caí por cima
dela, apoiando meu peso no cotovelo para não a machucar e
esperei uns segundos para que a boceta se acostumasse com a
invasão dura.
Beijei seus lábios, engolindo seus gemidos e comecei a me
movimentar dentro dela. Conforme eu arremetia na sua boceta, seu
corpo sacolejava embaixo do meu. O som, que tocava Heaven, de
Bryan Adams, não conseguiu camuflar o barulho dos nossos corpos
se chocando, se fundindo.
 
(...)
And baby you're all that I want
E, amor, você é tudo que eu quero
When you're lying here in my Arms
Quando você está deitada aqui nos meus braços
I'm finding it hard to believe
Estou achando difícil acreditar
We're in heaven
Que estamos no paraíso
Yeah, love is all that I need
Sim, amor é tudo que eu preciso
And I found it there in your heart
E o encontrei aí no seu coração
It isn't too hard to see
Não é muito difícil ver
We're in heaven
Que estamos no paraíso
(...)
 
— Essa boceta apertada está esmagando meu pau, porra! —
grunhi, mordendo seu queixo.
— Ah... ah, meu Deus! — lamuriou.
Olhei para o seu rosto, impactado com a visão dos olhos
castanhos como chocolate se revirando de prazer. Os seios firmes
pulando eram como um ímã. Abaixei meu rosto e chupei com
volúpia.
Que loucura era aquela que só a maledetta me fazia sentir?
Grunhi, soltando palavrões desconexos enquanto a boceta
estrangulava o meu pau. Alícia tentou mexer os braços e, com uma
das mãos, desfiz o nó que havia feito com maestria. Os dedos finos
e delicados voaram para o meu cabelo e ela me puxou, beijando-me
de maneira esfomeada.
Ergui meu tronco quando cessamos o beijo e alternei as
estocadas firmes e fortes, com lentas e precisas. Deslizei minhas
mãos da barriga até o pescoço e pressionei a região. Alícia não
desviou o olhar do meu, enquanto eu colocava pouco a pouco mais
pressão no aperto. Ela mordeu os lábios, a boceta contraiu no meu
pau.
A desgraçada gostava de sexo sujo tanto quanto eu.
— Você gosta que eu te sufoque com a mão e com o pau, não
é, sua putinha safada? — indaguei, afrouxando um pouco do aperto,
e ela resfolegou.
O sorriso que me deu foi a resposta.
— A quem você pertence? — perguntei, rouco, enquanto
socava com força dentro dela.
— A vo...cê — murmurou.
— Mais alto!
— A você! — respondeu, ofegante. — Eu pertenço... a você!
— Perfetto! Você é minha, entendeu? — grunhi, próximo do
seu rosto. — Essa boceta é minha para eu foder quando quiser,
esses seios gostosos são meus, essa boca é minha. Você me
pertence, principessa!
O sentimento de posse dominando tudo.
— Ah... sim, sim! — Ela estava no limite.
— Cazzo! Quero que goze no meu pau, agora! — ordenei.
Como se tivesse o corpo treinado, Alícia gozou mais uma vez,
gemendo o meu nome, apertando o meu pau, e deixando-me ainda
mais viciado nela. Enfiei meu rosto em seu pescoço, mordi um
pedaço de pele enquanto as minhas estocadas ritmadas foram
ficando mais frenéticas e descontroladas.
Senti os espasmos do meu próprio corpo e não demorei a
chegar ao ápice do prazer, gozando feito um louco dentro dela. E
naquele instante, percebi que Alícia não havia se apossado apenas
do meu gozo.
Ela se apossou do meu coração.
Daquele mesmo coração que um dia jurou nunca mais se
apaixonar.
 
Capítulo 26
OURO PRETO, MINAS GERAIS, BRASIL

 
ALÍCIA CASTRO

 
Eu ainda podia sentir uma leve ardência na minha intimidade,
depois de ter passado horas na cama com Lucca, matando toda a
saudade que estávamos sentindo após algumas semanas longe um
do outro.
Quando entrávamos na nossa bolha, dificilmente
conseguíamos sair. Ele era um homem dominador, insaciável, e a
cada dia, parecia mais desesperado, ansioso para me ter. Eu me
sentia da mesma forma, e por mais fogosa que fosse, era sempre a
primeira a cansar. Lucca era grande, não apenas na altura, mas
todo ele. E eu era pequena, ou seja, cada vez que me preenchia, eu
o sentia em todos os lugares.
— Esse é o meu restaurante preferido daqui de Ouro Preto —
falei.
Após aquela loucura toda que chamávamos de sexo terminou,
tomamos um banho quente juntos e ele me convidou para jantar.
Pedi que ele escolhesse o restaurante e o deixei me surpreender.
— Perfetto — disse, encarando-me com uma intensidade
absurda.
Nós dois estávamos em um nível de intimidade que era até
difícil de explicar. Não me referia apenas ao sexo. Era além, muito
além. Nossos olhares, nossas conversas, tudo era tão intenso, tão
urgente. Os meus sentimentos por ele só cresciam.
Admiração, carinho, confiança.
— Eu acho que estou apaixonada por você. — soltei sem
pensar nas consequências.
Lucca não demonstrou surpresa com a minha frase, como se
já soubesse daquilo. Sua mão, que estava entrelaçada na minha por
cima da mesa, não saiu dali. Seus dedos continuaram a me
acarinhar.
As esferas verdes e brilhantes que eram seus olhos me
encararam com ainda mais intensidade. Eu sempre tinha a mesma
sensação, a de que ele me enxergava além do que via, como se me
despisse por completo.
— Sou louco por você, Alícia! — murmurou na voz rouca que
acentuava ainda mais o sotaque carregado.
Meu coração sacolejou dentro do peito, e se não tivesse uma
mesa nos separando, eu beijaria a sua boca naquele instante.
Minha confissão não o afastou, pelo contrário. Do jeito dele, Lucca
demonstrou reciprocidade.
O garçom trouxe o vinho italiano que havíamos pedido,
fazendo com que quebrássemos o nosso contato visual. Depois que
nos serviu, Lucca e eu fizemos um brinde silencioso e bebericamos
um gole.
— Quero que você vá para Palermo comigo quando eu voltar
— disse, pegando-me totalmente de surpresa. — Será que
consegue tirar uns dias de folga?
— Eu adoraria, Lucca! Muito obrigada pelo convite — falei,
animada. — Faz muito tempo que quero conhecer a Itália... e quanto
a uns dias de folga, consigo sim. Me programarei durante as
próximas semanas para isso.
— Ótimo, organizarei tudo para que viaje comigo. — Deu um
sorriso de lado, e eu me derreti mais um pouco.
— Também tenho um convite para te fazer, mas vou entender
caso não aceite, ok?
— Qual convite? — perguntou.
— Gostaria que fosse a Belo Horizonte comigo na próxima
semana, ao Instituto.
— Eu vou — concordou, sem titubear. — Só me falar o dia
para que eu organize a minha agenda de trabalho.
— Oba! Que bom! — exclamei, animada. — Fico feliz que
tenha aceitado. É importante para mim — confidenciei.
— Se é importante para você, é para mim também, Alícia.
Novamente saímos da nossa bolha quando o garçom trouxe a
entrada que pedimos. Presunto de parma com muçarela de búfala e
rúcula. Comemos enquanto conversávamos trivialidades.
Lucca pediu licença quando o seu celular tocou e atendeu ali
mesmo na mesa. Pela conversa, notei que estava falando com
Gustavo, o tal investigador. Observei, tentando entender o que era
dito, mas ele não falou muita coisa, apenas ouviu.
Há alguns dias, descobrimos que a linha usada para me enviar
aquelas mensagens tinha sido adquirida numa loja em Belo
Horizonte. E o nome que apareceu nos registros da compra era de
uma pessoa aleatória, que infelizmente teve o CPF clonado.
— Era Gustavo — disse ao finalizar a ligação.
— Alguma novidade? — perguntei.
— Não. Ele e a equipe estavam aguardando outra ligação, ou
mensagem, no seu antigo chip, mas não receberam mais nada. Ao
que parece, a linha foi cancelada.
— Droga! — falei, porque não via a hora de tudo isso acabar.
— Ei, não faça essa carinha. Não há o que temer, ok? —
Lucca disse, afetuoso.
— Está bem, você tem razão. — Respirei fundo.
Eu não deixaria que aquele assunto estragasse a nossa noite.
Não valia a pena perder tempo com coisas ruins. Eu estava segura,
ao lado dele, e era tudo que importava. Só havia espaço para
sentimentos bons, felizes e leves.
— Tem um assunto que eu gostaria de falar com você. Quis
ligar quando aconteceu, mas preferi deixar para dizer pessoalmente
— Lucca começou, e meus instintos curiosos se acenderam.
— Hum... fiquei curiosa agora. Que assunto?
Lucca terminou de mastigar o pedaço de parma que havia
colocado na boca, depois bebericou um gole do vinho e voltou o
olhar para mim. Mesmo que tivessem se passado poucos segundos,
para uma pessoa curiosa como eu, demorou demais.
— Estive com os pais de Laura — contou.
Não tive como conter o meu espanto. Da primeira e única vez
que conversamos sobre o assunto, ele não parecia disposto a
encontrá-los para uma conversa. Segurei a sua mão livre em cima
da mesa, querendo sentir o seu calor.
— Isso é... uau! Isso é muito bom, Lucca. E como você está?
Como foi tudo? — indaguei.
— Eu fui sem avisar ninguém. Nem meus pais, nem Romeo. —
Senti que ele teve a necessidade de se explicar, mas eu nunca o
cobraria por isso. Nunca. — Queria resolver isso sozinho, sem
preocupar ninguém desnecessariamente.
— Tudo bem, amor, não precisa se justificar para mim. Eu
entendo — falei e notei que seu olhar mudou, mas não entendi o
porquê.
— Repete. — O pedido soou meio desesperado.
— O que... eu não... — Refiz a frase que falei e só então eu
me dei conta de que havia o chamado de amor. Saiu tão natural que
não me atentei. — Amor — sussurrei.
Ele pegou minha mão e levou em direção ao rosto,
depositando um beijo demorado e quente. E então, tudo fez sentido.
Esse Lucca que estava aparecendo aos pouquinhos para mim,
estava se libertando do seu passado.
— Estou bem. Mas sendo sincero, foi estranho pra caralho —
continuou.
— Por que você diz isso?
— Eles me contaram com detalhes o que aconteceu com ela.
Desde o primeiro sintoma da doença, até o dia em que partiu.
Por mim, esses detalhes não precisavam ser ditos. Se ele
quisesse compartilhar comigo, eu escutaria com toda a atenção do
mundo. Caso contrário, tudo bem também. Que fosse como ele se
sentisse mais confortável.
— Sinto muito, Lucca. Não deve ter sido fácil saber que uma
pessoa que foi tão especial para você sofreu tanto — falei,
compadecendo-me de verdade com a história.
— Não foi fácil — baixou o olhar para o prato —, mas foi
necessário. Eu consegui perdoá-los. Não que o perdão coubesse,
de fato, a mim, mas consegui perdoar Laura, Alícia — confessou.
— Que bom, Lucca... você não tem ideia do quanto fico feliz
por isso, por você ter conseguido dar esse passo.
— Me sinto mais leve desde aquele dia, como se o peso que
eu carreguei por tanto tempo tivesse, simplesmente, desaparecido.
— Eu imagino. Esse perdão não foi importante apenas para
Laura e para os pais dela, mas principalmente para você.
— Não posso dizer que a mágoa foi embora por completo. Mas
sinto que, depois de tanto tempo, estou no caminho. A carga está
bem mais leve — disse. — Antes tarde do que nunca. — Soltou uma
risada anasalada.
— Para tudo tem um tempo certo. E eu estarei aqui para dividir
a carga com você — falei, e ele me encarou.
E era a verdade, eu estaria sempre. Senti que meu coração se
aliviou por saber que Lucca estava em paz. Ele era um homem
incrível, e merecia uma vida plena, sem nenhum peso, sem nenhum
trauma.
— O que eu faço com você, Alícia? — Deu-me um daqueles
olhares de molhar calcinhas.
— O que quiser, amor — provoquei-o.
Ele não teve tempo de responder, porque o garçom retornou
naquele instante com o nosso jantar, um delicioso espaguete ao
molho de limão siciliano. Nossa noite foi intensa, cheia de
intimidade, conversas, olhares...
Desejei que aquele momento se repetisse por muitas e muitas
vezes.
 

 
BELO HORIZONTE, MINAS GERAIS, BRASIL

 
Lucca e eu chegamos ao Instituto Criança e Vida pela manhã,
bem cedo. Ele passaria o dia comigo, conheceria os pequenos que
eram tão especiais para mim, e também os milagres que aqueles
profissionais realizavam todos os dias.
Quando o convidei, já tinha conversado com o doutor Charles
sobre a possibilidade de levar um amigo. Ele não se opôs, muito
pelo contrário, gostou da ideia. Quanto mais pessoas pudessem
conhecer o trabalho deles, melhor seria para a Instituição.
Cumprimentei a recepcionista, e não deixei de perceber o olhar
encabulado que ela lançou para Lucca, assim que ele a
cumprimentou também. Engoli os ciúmes bobos e involuntários que
surgiram repentinamente.
O italiano era lindo, uma obra-prima, e eu tinha propriedade
para falar, pois era especialista em obras de arte. Então, eu não
tinha como a julgar. A beleza dele era de parar o trânsito, até
mesmo um pecado contra o restante dos homens desse mundo.
Que papai e Max não ouçam meus pensamentos.
Segui pelos corredores a caminho da parte clínica do Instituto,
e avistei o doutor Charles abaixado, conversando com ninguém
menos do que Nícolas, enquanto Kelly olhava para os dois com
enlevo.
Senti a mão de Lucca se entrelaçar à minha e o encarei. Ele
não lidava muito bem com esse tipo de coisa, e talvez quisesse,
com aquele gesto, sentir um pouco de conforto. Meu intuito em
trazê-lo até aqui, era proporcionar uma experiência única de vida.
Sim, vida!
— Olha quem chegou, o anjo — doutor Charles cochichou, e
Nícolas virou para mim.
Lucca deu um aperto mais forte na minha mão, e se eu não
estivesse errada, era pelo fato de ter ouvido o meu apelido saindo
da boca do médico.
— Anjo! — Nícolas deu um gritinho e se agitou, mas não
correu, pois tinha as suas limitações.
— Oi, meu amor. — Soltei com delicadeza a mão de Lucca e
me abaixei para abraçá-lo. — Que bom ver você aqui, eu já estava
sentindo saudades das nossas pinturas — falei.
— Eu também! — exclamou, animado. — Estou cheio de
ideias para hoje. Quero desenhar um super-herói... e ele se
chamará Charles.
Todos sorriram da sua perspicácia, e notei que o doutor
Charles e a Kelly trocaram um olhar intenso. A energia entre eles
era quase palpável, e só sendo muito distraído para não perceber
que estava rolando algo. Ou prestes a rolar.
— Ah, que ótima ideia! Ficará fantástico! — Acariciei seu
rostinho.
Em seguida, levantei-me e cumprimentei primeiro Kelly, para
depois cumprimentar o médico e amigo.
— Doutor Charles, olá. — O abracei.
— Olá, anjo, bom dia! — respondeu, devolvendo o abraço com
um carinho fraternal.
A forma como o doutor Charles me chamava pelo apelido, não
era desrespeitosa em nenhum momento. Aquilo era tão natural para
ele, como era para as crianças e todos os outros profissionais.
— Esse é Lucca, Lucca, esse é o doutor Charles, responsável
por esse local e por esse trabalho incrível, junto com tantos outros
profissionais maravilhosos.
Eles trocaram cumprimentos e observei Lucca um pouco mais
sério do que o normal. Estava com um olhar diferente de quando eu
estava conversando com Nícolas. Só faltava estar com ciúmes.
— Parabéns pelo trabalho, doutor Charles — disse, o sotaque
carregado, a voz firme. — A minha ragazza me falou muito daqui —
finalizou, abraçando-me pela cintura em um gesto possessivo.
Minha ragazza?
Percebi que o médico ficou tão surpreso quanto eu, mas se
conteve. Notei também que ele segurou fortemente um sorriso com
a marcação de território. Eu não havia mencionado para ele que
Lucca era muito mais que um amigo, até porque não tínhamos
nomeado a nossa relação e eu não sabia o que dizer.
— Obrigado, Lucca. É um prazer conhecê-lo — afirmou, com
extrema gentileza. — Se me derem licença, preciso levar esse
garotão e a sua mãe para a consulta — disse, bagunçando com
suavidade os cabelinhos novos de Nícolas. — Alícia, fique à
vontade para apresentar o Instituto ao Lucca. — Ignorou meu
apelido.
— Está bem, obrigada. Nos falamos mais tarde. — Sorri e me
despedi dos três, que seguiram para o consultório.
Entrelacei meus dedos aos de Lucca e o levei comigo.
Passamos por todas as áreas, com exceção àqueles em que o
acesso não era permitido. Caminhamos por todos os andares,
enquanto eu contava a ele a história do Instituto e a visita durou
pouco mais de meia hora. Lucca ouviu tudo com atenção, fez
algumas perguntas, e questionou como funcionavam as doações.
Expliquei da forma como entendia e, quando finalizamos a visita,
seguimos para a minha sala.
— E aqui é onde fazemos bagunça — falei ao fechar a porta.
Suspirei ao ver o meu cantinho do jeito que eu gostava. Cheio
de cor.
— Você tinha razão, esse lugar é incrível — Lucca disse e
abraçou-me pela cintura. — Anjo.
Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, ele beijou-me
esfomeado. Como se não tivesse passado a noite dentro de mim,
como se não tivesse me beijado desde a hora que acordou até
minutos antes de viajarmos até aqui.
De alguma forma, senti que Lucca queria me marcar como
sua.
A sua ragazza.
 
Capítulo 27
 
LUCCA MASERATI

 
Alícia Castro era dona do coração mais puro que já tive o
prazer de conhecer.
O trabalho que ela executava naquele Instituto, sem obrigação
nenhuma, era a coisa mais linda que um ser humano podia fazer
pelo outro. Passei o dia inteiro vendo-a com aquelas crianças,
dando todo amor que tinha dentro de si.
Interessei-me por toda a história do local, e percebi que
poderia fazer alguma coisa. Eu não tinha talento nenhum com artes
em geral, ou com pessoas. Contudo, poderia ajudar
financeiramente, e era o que eu faria.
— Vamos chamar o titio Lucca para ajudar — ela disse para
uma garotinha de uns seis ou sete anos, que pesava muito menos
do que deveria pesar.
Estava usando um lenço rosa e cheio de desenhos de
unicórnios na cabeça. Seus dedinhos pequenos estavam cheios de
tintas, ela era linda. Seus olhos eram de um tom raro de azul,
grandes e expressivos, mas foi o seu sorriso que me ganhou.
— Titio... ajuda — chamou, e eu fui até elas.
— Não sei muito bem como fazer isso — murmurei para que
somente Alícia escutasse.
— Apenas siga o seu coração — sussurrou de volta, olhando-
me com paixão.
Sentei-me ao lado da pequena garotinha e os dedinhos
pequenos e finos aproximaram-se das minhas mãos, enormes
demais perto das dela. Ela deu uma risadinha quando viu que me
sujou, mas pouco me importei.
— O que você quer desenhar? — perguntei.
— Hum... unicónho — respondeu.
Ela adorava unicórnios, pelo jeito. E eu me perguntei como
desenharia um, se era péssimo com desenhos. Com a mão limpa,
peguei meu celular no bolso e procurei por uma foto de unicórnio.
Achei um rosa e mostrei para ela.
— Pode ser assim?
— Pódi...
Não sei como, mas depois de meia hora, eu e a pequena, que
se chamava Yasmin, terminamos a pintura do nosso unicórnio. E
olhando assim, finalizado, nem tinha ficado tão ruim.
— Nindo... titio — disse e bateu palminhas.
Fui surpreendido quando seus bracinhos finos me abraçaram
pelo pescoço. Como eu estava sentado no chão, abracei-a de volta
com receio de quebrá-la, de tão frágil que parecia.
Naquele instante, todos os problemas que já tive na vida, se
resumiram a nada. E eu me senti um maldito filho da puta egoísta.
Passei a minha vida inteira cheio de saúde, com uma ótima
condição financeira e, ainda assim, vivi os últimos anos amargurado,
cheio de rancor.
Tudo pelo que passei e achava que era grande demais, ou que
era o maior sofrimento que uma pessoa poderia ter na vida,
transformou-se em um grão de areia perto da força que Yasmin e
todas essas crianças possuíam.
Precisei engolir o nó na garganta para não chorar.
— Obigada, titio — agradeceu, e me deu um beijo na
bochecha.
— Por nada, princesa — respondi, beijando-a de volta e
tocando o narizinho pequeno.
Ela me presenteou com um sorriso e não tive como não sorrir
também. Em seguida, procurei Alícia e a encontrei me encarando
com o olhar marejado de emoção. Li em seus lábios um ‘obrigada’ e
sorri para ela.
Quem precisava agradecer era eu, porque depois do dia de
hoje, eu nunca mais seria o mesmo.
 

 
— Você foi incrível hoje, Lucca — Alícia disse assim que
chegamos à suíte do hotel. — Obrigada por ter aceitado o convite —
agradeceu mais uma vez.
— Sou eu que preciso agradecer, Alícia. O dia de hoje foi um
dos mais especiais que tive em anos... ficará marcado para sempre.
— Fico feliz por saber disso.
— Pretendo fazer algumas doações para o Instituto. Não sou
muito bom com pessoas, mas posso ajudar de outra forma — avisei.
— Você é ótimo, Lucca. — Colocou meu rosto entre as suas
mãos, ficou na ponta dos pés e me deu um selinho. — E toda ajuda
é bem-vinda para eles. As crianças atendidas são de baixa renda,
então o dinheiro das doações, além de manter o espaço e alguns
profissionais, também auxilia as famílias com alimentação e outros
itens básicos.
— Entendo. Irei verificar o trâmite para a doação, e buscarei
lugares assim em Palermo para ajudar também.
—  Você tem um coração tão lindo — ela disse.
— São seus olhos. A propósito, de onde surgiu o apelido anjo?
— indaguei, disfarçando o ciúme que estava sentindo do tal médico.
Não perdi a oportunidade de marcar o meu território, por mais
que não tivesse visto maldade na forma como ele a chamou. De
todo modo, eu era homem. Um bem ciumento, por sinal.
— Por acaso você está com ciúmes, amor? — devolveu a
pergunta, ficando na ponta dos pés novamente.
Se ela soubesse o que causava em mim quando me chamava
de amor...
— E se eu estiver?
— Eu diria para que não ficasse, pois ganhei de uma das
crianças há algum tempo, e desde então todos me chamam assim.
— Hum, entendi. Contanto que ninguém do sexo masculino
com mais de 1,40m a chame assim, está tudo certo — falei, e Alícia
gargalhou.
— Deixe de ser bobo... se vamos falar sobre isso, deixe-me
dizer sobre a forma como a recepcionista do Instituto olhou para
você — comentou.
— Não percebi. De que forma ela me olhou? — Alícia revirou
os olhos, e estapeei a sua bunda, pegando-a de surpresa. — Não
revire os olhos para mim, principessa.
— Ai... às vezes você parece um homem das cavernas. —
Fingiu braveza.
— Você não reclama do homem das cavernas quando ele está
fodendo você.
— E ainda é um desbocado. Fingido. — Tentou se afastar, e eu
a trouxe para mais perto.
— Vou te mostrar o desbocado e fingido agora mesmo, safada!
Beijei-a com força e a peguei em meus braços, fazendo com
que envolvesse as pernas na minha cintura. Aquela discussãozinha
boba por ciúme me deixou totalmente duro. Alícia soltou um gemido
dentro da minha boca quando percebeu o meu estado.
Levei-a para a cama e passei as horas seguintes no meu
paraíso particular.
 

 
PALERMO, SICÍLIA, ITÁLIA

 
— Que lugar é esse? Meu Deus! — Alícia exclamou,
completamente impressionada, assim que chegamos à minha
cobertura.
Desembarcamos em Palermo há poucos minutos, por volta
das 5h da manhã, e decidi trazê-la direto para o meu lar. Tinha
muitas coisas para mostrar a ela, mas precisávamos descansar da
viagem. Notei que observava tudo com encantamento, cada detalhe.
— Gostou? — perguntei quando terminamos a tour pelo
apartamento.
— É lindo, Lucca. Estou ansiosa para conhecer tudo, mas
preciso recarregar as energias depois dessa longa viagem —
respondeu.
— Adivinhou meus pensamentos. Vem comigo. — Estendi a
mão, e ela a pegou.
Subi as escadas e caminhei em direção ao meu quarto, onde
tínhamos colocado as suas malas. Tomamos um banho juntos e, ao
terminarmos, fomos direto para a cama. Alícia se grudou em mim
como sempre, ocupando tudo, e em poucos segundos, adormeceu
com o rosto enfiado em meu pescoço.
Encarei o teto, cansado, mas sem sono para dormir. Por mais
incrível que pudesse parecer, desde o dia em que estive com os
pais de Laura e me libertei de tudo aquilo, eu nunca mais tive
nenhum pesadelo. Nas últimas noites, em especial as que passei
com Alícia, estava dormindo mais horas do que de costume. Sentia-
me muito mais relaxado.
As coisas estavam tão bem, tão em paz, que às vezes até me
preocupava.
Enquanto não encontrássemos o desgraçado por trás das
ligações, mensagens e ameaças contra Alícia, eu não sossegaria.
Gustavo estava trabalhando com afinco para encontrar algo que
pudesse nos levar ao infeliz, assim como o pai de Alícia e sua
equipe. Contudo, ela estava segura e eu não tinha motivos para me
preocupar. Ninguém conseguiria se aproximar dela, não com a
quantidade de seguranças à paisana que a acompanhavam.
Até para cá vieram alguns. Embora estivéssemos em outro
país, bem longe de Ouro Preto, não abri mão da sua segurança.
Nunca se sabia até onde a loucura das pessoas era capaz de levá-
las.
Algum tempo se passou e, apesar de não ter conseguido
dormir, consegui descansar. Alícia começou a ressonar, e percebi
que ela estava despertando. Era domingo, dia do tradicional almoço
na casa dos meus pais, e ela iria comigo, mas ainda não sabia.
Senti um beijo em meu pescoço e me virei para encará-la. A
visão do rosto bonito e sorridente ao acordar, deixou-me ainda mais
louco por ela.
— Você não dormiu? — indagou, e notei que a voz, que já era
rouca naturalmente, estava ainda mais por conta do sono.
— Não, mas estou bem descansado.
— Nossa, essas horinhas de sono foram maravilhosas —
disse, bocejando e espreguiçando-se.
Olhei no relógio e vi que eram quase 10h.
— Precisamos nos arrumar, pois temos um almoço para ir —
falei.
— Almoço? Onde? — perguntou, curiosa.
— Na casa dos meus pais. Domingo é tradição, e se eu não for
hoje, depois de faltar por três semanas, corro o risco de ser
deserdado pela senhora Liliana. — Alícia soltou uma risadinha baixa
com a minha fala.
— Até parece, pela forma como fala da sua mãe, ela parece
ser um doce — comentou e pareceu reflexiva. — Ela e seu pai
sabem que eu irei com você?
Ontem, antes de pegar Alícia na sua casa para irmos para o
aeroporto, liguei para mamma e falei que estava levando uma
pessoa especial comigo para Palermo. Percebi que ela tentou se
conter, mas não aguentou e acabou explodindo de tanta felicidade.
Mantive Alícia em segredo por um tempo, não queria que eles
acabassem se apegando. Agora, no entanto, não tinha mais
motivos. Eu a queria, e não resistiria por mais nem um segundo
sequer em tê-la.
— Sabem sim — respondi.
— Será que eles vão gostar de mim? — indagou.
— Com certeza. — Beijei a ponta do seu nariz e me levantei.
— Vamos, levante-se! Pontualidade é algo sagrado para a dona
Liliana, e você não costuma administrar o seu tempo muito bem —
provoquei.
— Ninguém é perfeito. — Ela deu de ombros, levantando-se.
Aquela boquinha gostosa... esperta como sempre.
Quando passou por mim a caminho do banheiro, não resisti e
dei um tapa forte na bunda. Alícia me encarou por cima do ombro e
me lançou um sorriso provocador, totalmente ciente do quanto eu
adorava aquele pedaço do seu corpo. Não apenas aquele, como
todas as partes. Do fio de cabelo ao dedinho do pé.
 
 
Pontualmente às 11h, adentrei os portões da casa dos meus
pais. Assim que avistei a casa ao longe, observei a figura do senhor
Guido e da dona Liliana na varanda, aguardando-nos.
Se eu bem conhecia a minha mãe, ela não devia nem ter
dormido direito à noite por conta da ansiedade para conhecer Alícia
e preparar um almoço de boas-vindas especial.
Estacionei o carro e saí, dando a volta nele para abrir a porta
da minha acompanhante, do jeito que fui ensinado desde criança.
Com educação e o cavalheirismo que nunca sairia de moda. Não
para mim.
Alícia me agradeceu, e eu entrelacei minha mão na sua.
— Figlio mio! — Dona Liliana se aproximou, abraçando-me
apertado.
— Mamma. — Beijei sua testa e me afastei para apresentá-la
à Alícia. — Essa é Alícia, Alícia essa é minha mãe, Liliana, e aquele
é meu pai, Guido.
Segui para cumprimentar meu pai enquanto as duas mulheres
se abraçavam. Nós dois éramos fluentes no português, já mamãe,
apesar de não ser fluente, conseguia se virar perfeitamente.
— Figlia, ma che bella! — minha mãe elogiou.
— Grazie — Alícia disse. — Piacere di conoscerla[42].
Naquele momento, senti que ela ganhou o coração da minha
mãe. O fato de ter aprendido o básico de italiano demonstrava o
quanto ela era uma pessoa diferente. Especial em todos os
sentidos. E pouco a pouco, eu me enchia de certezas. Era ela.
E... cazzo! Não achei que o idioma ficaria tão sexy saindo de
seus lábios.
— Buongiorno, signore[43] Guido.
— Figlia, é um prazer conhecer você — meu pai respondeu em
português.
E para o bem da minha sanidade, Alícia voltou a falar no seu
idioma nativo. Mais um pouco e eu não poderia conter a vontade
própria que meu pau havia adquirido desde que a maledetta
apareceu na minha vida. Teria de convir que a casa dos meus pais
não era um local apropriado para aquilo.
Mamãe abraçou Alícia e a puxou porta adentro, com seu jeito
efusivo. Observei as duas conversarem como se já se conhecessem
há anos. Meu pai e eu caminhamos atrás delas. Os dois tapinhas
que deu no meu ombro falaram mais do que qualquer palavra.
Ele estava feliz por mim.
Alícia se encaixou muito bem à minha família. Em poucos
minutos, ela estava tão à vontade quanto eu me sentia na casa em
que nasci e cresci. Meus pais estavam completamente encantados
por ela.
E eu, cada vez mais envolvido.
Diria até...
Apaixonado.
 
Capítulo 28
 
Algumas semanas depois...
 
ALÍCIA CASTRO

 
Mal pude acreditar quando o buquê do casamento de Isabela
caiu em minhas mãos. A salva de palmas e os assovios e gritos
animados que eclodiram no luxuoso salão de festas de Palermo me
fizeram sorrir.
Minha melhor amiga deu um pulinho de alegria e me abraçou.
Assim que meus olhos encontraram os de Lucca e ele sorriu,
senti que o pedaço do meu coração que ainda era meu, foi tomado
e agora era todo dele. Exatamente ao seu modo, o meu italiano
tomava para si tudo aquilo que queria. Ele não pedia. Simplesmente
possuía. Dominava.
E, ao entregar o meu coração de bandeja para ele, sabia que
Lucca também havia me dado o seu. Para cuidar, para amar, com o
corpo, o coração e a alma. E era o que eu faria todos os dias.
Tive a grande sorte de encontrar o amor da minha vida no
primeiro homem pelo qual me apaixonei. De alguma forma eu senti,
quando o vi pela primeira vez, que ele seria meu um dia.
Inteiramente meu.
Para chegarmos até aqui, foram muitas idas e vindas entre a
ponte aérea Brasil X Itália, conversas, intimidades, angústias e
incertezas. Não havia sido fácil, não quando ele teve um passado
cheio de dor e amargura e que agora, graças a Deus, estava onde
deveria realmente estar, no passado.
Não tínhamos nomeado a nossa relação, mas isso não
importava. O que tínhamos se assemelhava a um namoro sério. Eu
diria até que estava ficando cada dia mais sério. Estávamos a um
passo de uma decisão.
A decisão de unir as nossas escovas de dentes.
Pegar aquele buquê foi como um sinal divino, um prenúncio do
que aconteceria conosco. E a verdade era que, até aquele
momento, nunca cheguei a pensar como seria o dia do meu próprio
casamento.
Entretanto, enquanto trocava olhares cheios de significados
com o homem que havia roubado o meu coração, e ele me olhou
daquela maneira intensa, tive vontade de cometer um ato
impensado, me ajoelhar e pedi-lo em casamento ali mesmo.
Mas não o fiz por dois únicos motivos. O primeiro: era o dia da
minha amiga, todos os holofotes e atenções tinham que estar nela.
E o segundo e mais importante: Lucca não era um homem que
gostava de surpresas. Eu jamais o exporia a uma situação que o
deixasse desconfortável, ou que gerasse algum gatilho nele.
Contudo, quando estivéssemos a sós, no seu quarto, seria
outra história.
Eu queria ser dele. Queria o seu sobrenome, queria formar
uma família, ter filhos com ele. O que estávamos vivendo era único.
E tão, tão intenso que a sensação era de que estávamos há anos
juntos. Estávamos cada vez mais apaixonados, não conseguíamos
ficar longe um do outro.
Conheci seus pais, que eram maravilhosos e me receberam
muito bem, fui inserida na sua rotina e ele na minha, e, o que mais
importava, eu o amava e estava cheia de certeza de que era o
homem da minha vida.
Como meus pais, Max e Marcella também vieram a Palermo
para o casamento de Isabela e Romeo, nossas famílias se
conheceram, e eles tiveram o mesmo sentimento que tive, como se
já nos conhecêssemos há muito, muito tempo.
O senhor Guido e Lucca levaram meu pai e meu irmão para
conhecerem a fábrica da AURUM, enquanto dona Liliana preparou
um delicioso e típico café da tarde italiano para mamãe e eu. Eles
eram pessoas extremamente gentis e receptivas, faziam com que
nos sentíssemos em casa mesmo a milhares de quilômetros de
distância.
As coisas entre nós avançaram mais rápido do que eu poderia
imaginar.
No entanto, a velocidade não me assustou, porque a
intensidade sobrepujava qualquer receio. Eu queria tudo de Lucca
Maserati, suas imperfeições, seu jeito dominador, a forma como me
possuía, a maneira como cuidava de mim, suas qualidades, seus
defeitos. Tudo.
E queria que fosse para sempre.
 

 
Toda aquela história de festa de casamento e buquê fez com
que Lucca ficasse ainda mais enlouquecido por mim. Desde que
chegamos à sua cobertura, após testemunharmos, mais uma vez, a
união dos nossos amigos, ele me prensou contra a porta e em
segundos me deixou nua.
Quando conseguimos chegar ao seu quarto, depois de vários
minutos de pegação por cada parte do apartamento até o cômodo
final, ele me jogou na cama daquele jeito possessivo e selvagem
dele.
O lençol macio de seda preta estava gelado e em contraste
com o meu corpo em chamas me fez arrepiar ainda mais. Lucca me
encarou como se eu fosse uma obra de arte por vários segundos
antes que se juntasse a mim.
Não desviei o meu olhar do seu... ele estava me dizendo
tantas coisas.
— Vem — sussurrei ao estender minha mão para ele.
E ele veio. Do jeito Lucca Maserati de ser. Do jeito que eu
amava.
— Eu te amo, amor! Quero que me faça sua. Sua noiva,
esposa, amante... mãe dos seus filhos. Quero ser inteiramente sua,
quero o seu sobrenome, Lucca... quero me casar com você. — Não
foi difícil dizer aquilo que estava em meu coração.
Lucca me encarou de um jeito que eu não soube decifrar.
Porém, a forma como seus olhos brilharam enquanto me preenchia,
apaixonados, me deu uma única certeza. Ele também queria aquilo,
embora não tivesse dito com as palavras, seus gestos me
responderam.
Sempre que ele me tocava, o mundo inteiro deixava de existir.
Ele passou a me comer com mais força, estocando tão fundo
que mais um pouco até as suas bolas estariam dentro de mim. E
quando o orgasmo me atingiu estratosfericamente, gemi e tive a
minha boca engolida pela sua. Tomando tudo, cada mínima
partícula minha.
— Cazzo, ragazza! Sono follemente innamorato di te... ti amo
cosí tanto[44].
Não entendi exatamente o que ele disse, mas as palavras
innamorato e ti amo falavam por si só. A voz firme e grossa se
declarando em italiano fez com que um novo orgasmo viesse mais
forte, rápido e intenso. E quando ele gozou também, junto comigo,
assim que concluiu a sua frase, seu corpo pesado e quente caiu por
cima do meu. Nossos corações batiam acelerados, em uma
sincronia absurda, tão perfeita quanto o encaixe dos nossos corpos.
Senti que, naquele momento, havíamos selado o nosso
destino.
 

 
OURO PRETO, MINAS GERAIS, BRASIL

 
Ao mesmo tempo em que a melodia final da música clássica
preenchia meus ouvidos, finalizei a pintura do quadro em que estive
trabalhando nas últimas semanas. Era um presente especial, para
uma pessoa ainda mais especial.
Olhei para a tela à minha frente que, de branca, agora havia
ganhado cor. Vida.
De uma maneira meio abstrata, um coração nas mãos de um
homem representava aquilo que eu queria que Lucca, o dono da
minha obra, levasse sempre consigo. Ele tinha o meu coração nas
mãos e sabia disso. Agora, no entanto, teria representado em uma
das mais belas pinturas que já fiz.
Fiquei por vários minutos admirando o quadro à minha frente,
e depois fui até a recepção. Avisei a nossa secretária, Valéria, que
iria buscar algo para comer em um restaurante ali perto, pois estava
com uma fome daquelas.
Assim que saí pela porta da galeria, um vento esquisito gelou a
minha pele. Senti um arrepio pela coluna e olhei para os lados,
tendo a sensação de que estava sendo observada. Respirei fundo e
me acalmei, não deixaria que aquele sentimento voltasse. Não tinha
o que temer, eu estava segura. Talvez a sensação se tenha dado
em virtude dos seguranças que papai havia contratado.
Tentei me convencer de que estava tudo bem.
E talvez era esse o problema, tudo estava tão bem que eu tive
um pressentimento estranho, como se algo estivesse prestes a
mudar essa calmaria. A fome que eu estava sentindo se
transformou em um embrulho, e tive que correr de volta para a
galeria, chegando ao banheiro a tempo de colocar tudo para fora.
— Está tudo bem, Ali? — Valéria indagou, enquanto meu corpo
sofria os espasmos causados pelo vômito.
— Sim, acho que comi algo que não me fez bem — respondi.
— Por favor, Val, pode me trazer um copo de água enquanto lavo o
meu rosto?
Ou talvez fosse a gastrite nervosa que tive há alguns anos, de
volta.
— Claro, você consegue ficar sozinha? — questionou,
preocupada, e eu acenei em concordância.
Levantei-me com cuidado e senti minhas pernas um pouco
trêmulas. Olhei-me no espelho e notei que estava pálida demais.
Lavei meu rosto, joguei água atrás do meu pescoço e escovei os
dentes, precisava tirar aquele gosto amargo da boca.
Quando Valéria retornou com o copo de água, eu já estava um
pouco mais recomposta. Sorvi em pequenos goles, até a última
gota. Respirei fundo e aos pouquinhos observei a cor voltar ao meu
rosto.
— Se você quiser, eu posso ir até o restaurante buscar algo
para você comer — se prontificou.
— Não precisa se incomodar, eu já estou bem, Val — agradeci
com um sorriso.
Assim que saí do banheiro e retornei à minha sala, meu celular
tocou. Quando visualizei o nome de Lucca na tela, foi como se um
alívio instantâneo me tomasse por completo.
— Oi, amor — atendi no segundo toque.
— Você está bem? — Foi a primeira coisa que perguntou.
A menos que Lucca tivesse uma bola de cristal, ele não tinha
como saber que eu havia passado mal.
— Estou, bem e com saudades. E você?
— Não minta para mim, principessa. Recebi a ligação de um
de seus seguranças dizendo que você saiu da galeria e voltou
correndo para dentro como se estivesse assustada. O que
aconteceu?
Fiquei por meio minuto de boca aberta, sem saber o que falar.
Era óbvio que Lucca tomaria para si o controle das coisas, e da
minha segurança. Entretanto, não queria dizer a ele que tive um
pressentimento ruim, ou que estava assustada. Ele estava em
Palermo, e eu não iria preocupá-lo à toa.
— Não foi nada, apenas comi algo que não me fez bem. Mas
já passou.
— Tem certeza?
— Tenho, amor, não se preocupe. Como estão as coisas por
aí?
— Corridas, como sempre muito trabalho. Mas não posso
reclamar.
— Não mesmo, senhor Maserati. Falta muito para o final de
semana? — questionei, cheia de saudades, e ele soltou uma risada
no telefone.
— Não, mais alguns dias e estarei aí com você.
— Não vejo a hora... essa distância às vezes me deixa
morrendo de saudades.
— Às vezes, é? Pensei que fosse o tempo todo.
— Você sabe que sim, bobo. — Quando me dei conta, estava
sorrindo.
E toda angústia de minutos atrás se dissipou.
— Eu também estou com saudades, está cada vez mais difícil
ficar longe de você, cazzo — grunhiu.
Eu sentia o mesmo, mas, felizmente, tínhamos o privilégio de
nos ver com frequência. Mesmo com as milhas de distância, mesmo
com a saudade, nós dois estávamos juntos e felizes. Onde quer que
estivesse, na Itália ou em qualquer outra parte do mundo, eu sabia
que ele voltaria para mim, mais cedo ou mais tarde.
— Digo o mesmo.
— Preciso ir para uma reunião agora, mais tarde eu ligo para
você, ok?
— Está bem, bom trabalho, amor. Até depois — falei. — Te
amo.
— Sou louco por você. Um beijo nessa boca gostosa — disse,
e eu soltei uma risadinha.
— Outro, onde você quiser — respondi e pude ouvir o seu
grunhido.
Com relutância, encerramos a ligação e eu suspirei,
apaixonada.
A angústia e o enjoo simplesmente desapareceram depois que
eu ouvi a sua voz. Por incrível que pudesse parecer, era como se eu
não tivesse passado mal há poucos minutos.
Mesmo de longe, Lucca tinha o poder de me acalmar como
ninguém.
Não era apenas o seu cheiro, ou a sua presença imponente,
ou os seus braços. A sua voz também era um calmante natural. Ele
era o meu refúgio, a minha paz. Nunca pensei que teria tudo o que
precisava em uma única pessoa.
Amor, confiança, segurança, tesão.
Eu tinha um melhor amigo e um amante em Lucca. Nunca um
encontro havia sido tão perfeito. Nasci para ser dele, e ele nasceu
para ser meu. Nossos caminhos estavam predestinados antes
mesmo que soubéssemos da existência um do outro.
Lucca Maserati era a razão que faltava na minha vida cheia de
emoção.
Era a ordem em meio à minha bagunça.
Era o homem da minha vida.
 
Capítulo 29
PALERMO, SICÍLIA, ITÁLIA

 
LUCCA MASERATI

 
Os trabalhos com um grupo de Buenos Aires finalmente foram
concluídos com sucesso, após alguns meses de negociação.
Havíamos acabado de recebê-los em nossa empresa e assinar
todos os contratos logísticos para exportar o nosso uísque para a
capital da Argentina.
Seguimos para um almoço e mais tarde, à noite, Romeo e eu
partiríamos para o Brasil. Já estava com tudo preparado para passar
umas semanas por lá. Mesmo com o casamento do meu amigo, ele
e Isabela ainda não tinham decidido quando viriam definitivamente
para Palermo. Eu sabia que Romeo não queria apressá-la, pois
havia muitas coisas envolvidas e não apenas uma simples
mudança. Entretanto, sabia que em breve eles firmariam residência
por aqui.
Felizmente, tínhamos meu pai e Salvatore cuidando de tudo
em Palermo enquanto estávamos fora. Os dois, como trabalhavam
juntos há anos, tinham uma forma de gerir a empresa que era
impressionante. Tudo que o meu sócio e eu havíamos aprendido
durante todos esses anos foi com eles. Graças a uma experiência
ímpar, e uma sabedoria única.
Meu pai e Salvatore eram amigos de longa data, e
trabalhavam juntos na antiga mineradora da família Cavalieri. Então,
além de amigos, os dois formavam uma dupla profissional e tanto.
Comigo e com Romeo não foi diferente.
Entre diferenças e semelhanças, ambos éramos parecidos
com nossos pais.
Por volta das 14h, chegamos ao famoso restaurante situado à
beira do mar de Palermo. Era um local luxuoso e elegante,
frequentado pela alta sociedade italiana, além de figuras públicas do
mundo inteiro.
— À AURUM e à Del Plata SA. — Meu pai levantou a taça
para brindarmos à formalização do negócio.
Erguemos nossas taças e brindamos. Depois que passava
toda essa fase exaustiva de negociação, análise contratual,
orçamentária e toda uma gama de atividades até assinarmos os
contratos, a sensação de dever cumprido predominava.
— O certo seria bridarmos com o uísque, mas essa
champanhe aqui vale a pena.
A AURUM estava no auge do sucesso, alcançando um
patamar que estávamos buscando há anos. Havíamos acertado a
pendência no setor de produção e, enquanto Alessandro não
voltasse ao trabalho, realocamos um de seus funcionários para
executar a sua função. Nossa empresa estava alinhada, estávamos
expandindo nossos negócios pelo mundo inteiro.
Eu estava vivendo a minha melhor fase.
O passado estava cada vez mais distante. Conheci uma
ragazza que foi feita para mim. Cada mínimo detalhe dela parecia
ter sido desenhado para ser meu. Como algo divino, que
transcendia qualquer explicação.
E era para os braços dela que eu sempre voltava,
independentemente de onde estivesse. Minha casa era em Palermo,
mas o meu lar era ao seu lado, estava cada vez mais certo disso.
Não demoraria para que déssemos um passo a mais na nossa
relação. Era o curso natural, chegaria um momento em que eu iria
querer mais dela. Mais do que já me deu. Iria querer o meu
sobrenome junto ao seu, iria querer vê-la de branco, entrando em
uma igreja e caminhando para ser eternamente minha. Iria querer
ver a sua barriga carregando um filho meu. Um, dois, três.
Alícia merecia aquilo. E ela queria tanto quanto eu, como havia
me afirmado com todas as letras enquanto nos amávamos de
maneira enlouquecida dias atrás. Querendo tudo um do outro.
Quando escutei da sua boca que queria se casar comigo, mais uma
vez ela me desmontou, e mais uma vez me provou que era
diferente. Única.
Como se ainda fosse possível, me apaixonei um pouco mais.
Em um dia não muito distante, daria a ela tudo que merecia, e
eu também. Eu só precisava vencer de uma vez por todas o
resquício do bloqueio que ainda me rodeava para me doar por
completo.
E esse dia estava tão, tão perto, que eu podia visualizá-lo com
clareza.
 

 
OURO PRETO, MINAS GERAIS, BRASIL
 
Havia acabado de chegar a Ouro Preto, com a intenção de
buscar Alícia em casa e levá-la direto para o hotel comigo. Contudo,
como não havia respondido às minhas mensagens, imaginei que
estivesse dormindo. Então, segui sozinho e depois a buscaria.
O dia estava amanhecendo quando cheguei à suíte que já era
designada como minha, e que para mantê-la ao meu dispor eu
desembolsava uma quantia considerável por mês. Nada que o
dinheiro não fosse capaz de resolver.
Primeiro, achei estranho que o quarto estivesse na penumbra,
pois sempre era recebido com as cortinas abertas. E assim que
coloquei os pés para dentro, senti o perfume doce pelo qual eu
perdia completamente o juízo e a razão.
Meio incrédulo e ansioso, apressei os passos e caminhei em
silêncio até chegar à cama e ver a razão do meu descontrole,
dormindo nua na cama, coberta apenas pelo lençol fino de seda
branca.
Senti que o meu coração falhou uma batida com a visão.
Alícia era autorizada a entrar aqui a hora que bem entendesse.
Todos na recepção estavam cientes, e, em razão da quantidade de
dinheiro que eu pagava a eles todos os meses, podia pedir o que
quisesse. Do jeito como eu gostava, tendo controle sobre tudo.
Eu só não tinha total controle sobre esse pequeno furacão
chamado Alícia Castro.
Aproximei-me, enlevado, observando as ondas do cabelo cor
de chocolate contrastando com o lençol claro. Ela dormia agarrada
ao travesseiro, da mesma forma como dormia comigo. Alícia não
acordou, estava em um sono profundo.
Contive a vontade de me deitar ao seu lado, beijar o seu corpo
inteiro e segui para o banheiro. Precisava de um banho depois da
longa viagem antes de matar a minha saudade.
A maior delas.
Tomei uma ducha rápida, me sequei, e nem me preocupei em
me vestir. Fiz tudo com o máximo de silêncio possível para não a
acordar, sabendo que quando me deitasse, provavelmente ela
sentiria a minha presença.
Saí do banheiro e fui direto para a cama. Alícia estava na
mesma posição. Com cuidado, retirei o travesseiro que ela
abraçava, e me deitei ao seu lado. Ela soltou um gemido,
ressonando e se mexeu. Peguei a mão delicada e trouxe para perto
de mim, fazendo com que me abraçasse.
Alícia suspirou e pelo gemido de satisfação, ela havia me
reconhecido. Mesmo que inconscientemente, seu corpo sabia que
eu estava ali. O rosto bonito estava sereno, virado para mim. Os
lábios entreabertos, não resisti e depositei um beijo ali, sentindo a
maciez, o gosto doce. Parecia que tinha acabado de comer
chocolate.
Enquanto a encarava, seus olhos lindos se abriram e pude ver
o brilho apaixonado me fitando com intensidade. O sorriso bonito
curvou seus lábios e não contive o meu próprio riso.
— Ciao, ragazza.
Sem que eu previsse, Alícia se virou rapidamente, montando
em mim e me deu um beijo de cinema. Senti a boceta quente
massagear a extensão do meu pau e soltei um grunhido feroz.
— Não acredito que cochilei... cheguei super cedo aqui para
esperá-lo, e a ideia era me manter acordada, mas não consegui —
sussurrou, deslizando seus beijos pelo meu rosto, meu maxilar, meu
queixo, minha boca. — Bom dia, amor. Eu estava com tanta
saudade.
À medida em que ia falando, e se esfregando em mim, eu
sentia a sua boceta me encharcar e lambuzar o meu pau inteiro.
Alícia parecia mais sensível do que nunca. Não precisou de muito
para que ela estivesse pronta para me receber.
E... cazzo! Se eu não amava aquilo.
— Como foi a viagem? — indagou, mas eu não conseguia me
concentrar em nada que não fosse na boca me beijando com
suavidade e na vagina me massageando.
Sua mão pequena e delicada ficou entre nós e segurou a base
do meu pau, encaixando-me na entrada apertada e quente pra
caralho. Ela estava pegando fogo. Era a primeira vez em que eu a
deixava ter o total controle da situação. E apreciei a sensação.
Conforme ela se abaixava, eu podia sentir cada centímetro seu
por dentro. Alícia mordeu os lábios e fechou os olhos, o prazer
comandando tudo. Os seios cheios pediram a minha atenção e não
me fiz de rogado. Escutei o seu gemido e ela passou a rebolar em
cima de mim. Seu clitóris roçava no meu púbis enquanto me
mantinha inteiro dentro dela, empalando-a.
Permiti que Alícia tivesse o controle da situação naquele
momento, deixaria que fizesse da forma que quisesse, até gozar.
Depois eu a pegaria do meu jeito.
— Filha da puta, gostosa do caralho. Você ainda vai me matar
um dia, maledetta. — Dei uma puxada firme em seus cabelos e a
outra mão voou para o seu pescoço bonito.
Pressionei e Alícia soltou um dos seus gemidos que me
enlouqueciam. Ela estava tão sensível, provavelmente devido à
saudade. Não demorou para que eu sentisse a intimidade apertada
se contraindo no meu membro, me drenando.
— Eu vou gozar — choramingou, enquanto me ensopava com
os seus fluidos.
Alícia explodiu em um orgasmo e caiu por cima de mim com a
respiração errática.
— Porra! Essa foi a melhor recepção da minha vida,
principessa! — murmurei, virando-me por cima dela e a encarando,
enquanto resfolegava. — Agora será do meu jeito! — grunhi em
seus lábios, mordendo a boca carnuda.
E cumpri a minha promessa pelas horas seguintes.
 

 
Despertei na segunda-feira antes do nascer do sol, com Alícia
grudada a mim, como de costume. Não tinha jeito, por mais que
dormíssemos no meio da cama, ela tomava espaço e acordávamos
comigo na beirada, prestes a cair. Era assim todas as vezes, e
aquilo me fez sorrir.
Como pode uma coisinha tão pequena ser tão espaçosa?
Essa era Alícia, um furacão em forma de mulher. Expansiva,
bagunceira, desorganizada, o meu total oposto. Mas o que antes
seria um martírio para mim, agora não mais importava, pois as suas
qualidades eram as mais belas que um ser humano poderia ter.
Ela era doce — toda doce —, era uma boa amiga, sabia
conversar sobre todo e qualquer assunto, era extremamente
inteligente. Tinha um talento nato para artes, e com isso sempre
conseguia enxergar beleza na simplicidade. Seu coração era puro, e
sua alma encantadora.
Alícia era única. E linda. A mais linda que meus olhos já viram.
O seu celular despertou, hoje era dia de ela ir ao Instituto em
Belo Horizonte. Notei como se remexeu, preguiçosa. Certamente
estava exausta após um final de semana agitado. Desde que
cheguei, no sábado pela manhã, não tínhamos parado.
Passamos o dia no hotel, e no domingo ficamos o dia inteiro na
casa de Romeo e Isabela, aproveitando o dia com os nossos
amigos e com as crianças. Depois, a convidei para o jantar e
quando retornamos para cá, já passava das 23h.
Alícia desligou o despertador e virou para o outro lado.
Aproximei-me, não deixaria que perdesse a hora, afinal, eu sabia
que as segundas-feiras eram especiais para ela.
— Acorda, dorminhoca — murmurei em seu ouvido,
abraçando-a por trás.
Ela resmungou qualquer coisa, mas não se mexeu. Enfiei meu
nariz na sua nuca, em meio aos cabelos macios e cheirosos e
inspirei o perfume delicioso. Afrodisíaco.
— Você não vai querer se atrasar para as suas crianças —
sussurrei, e somente então ela deu um suspiro resignado e me fitou
intensamente. — Buongiorno.
— Bom dia, amor. — Depositou um selinho em meus lábios e
se levantou, caminhando até o banheiro.
Assim que fechou a porta, liguei para a recepção e pedi que
providenciassem o nosso café da manhã. Escutei o barulho do
chuveiro e pensei em me juntar a ela, mas sabia que acabaria a
atrasando se o fizesse.
No instante em que o serviço de quarto trouxe o café da
manhã e o arrumou na mesa do outro cômodo, Alícia saiu do
banheiro enrolada no roupão felpudo. Fizemos uma refeição
gostosa enquanto conversávamos sobre o filme de ficção científica
que assistimos ontem após chegarmos do jantar.
Enquanto ela se arrumava, comecei a trabalhar em alguns e-
mails que estavam pendentes de resposta. Ao se despedir de mim,
decidi descer e acompanhá-la até o seu carro que estava
estacionado quase em frente ao hotel.
Descemos o elevador grudados, ela nem tinha ido embora e
eu já estava com saudade do seu grude. Ao sairmos, dei uma
conferida no veículo e notei que o pneu traseiro estava vazio.
— Droga! Não acredito! — Alícia falou, notando o mesmo que
eu, e conferindo as horas no relógio em seu pulso. —  Já estou tão
atrasada...
— Faz o seguinte, você vai com o meu carro, e eu irei trocar o
pneu do seu pelo estepe e depois o levarei a um borracheiro para
consertá-lo — sugeri. — Quando retornar à noite trocamos
novamente de carro.
— Tem certeza? Não quero atrapalhar você — disse,
preocupada.
— Não vai atrapalhar. Resolverei isso ainda pela manhã e
aviso você.
— Você é tudo para mim — declarou. — Eu te amo, amor. —
Beijou-me apaixonadamente.
— Ti amo cosí tanto, ragazza! — murmurei contra seus lábios.
Se o mundo acabasse naquele instante, eu morreria feliz.
 
Capítulo 30
BELO HORIZONTE, MINAS GERAIS, BRASIL

 
ALÍCIA CASTRO

 
Estava quase finalizando o dia no Instituto, completamente
distraída com as pinturas das crianças e tão feliz com a alegria
delas naquele momento, que não percebi quando o doutor Charles
entrou na sala, no final da tarde.
— Alícia — chamou-me e estranhei o tom de voz, ele parecia
preocupado.
Imediatamente imaginei que algo tivesse acontecido com
alguma das nossas crianças, e senti meu coração acelerar. Sua
expressão não estava nada boa, poucas vezes o vi daquele jeito.
— O que houve? Está tudo bem? — indaguei, ao caminhar até
ele.
— Será que você pode me acompanhar até a minha sala, por
gentileza? — pediu, seu olhar de pesar me assombrou. — A Lana
ficará com as crianças.
Lana era a psicóloga do Instituto, e percebi que ela estava
atrás do doutor Charles somente quando ele a citou. Como já estava
quase na hora de eu ir embora, ela disse que eu podia ficar
tranquila, pois ela terminaria as pinturas com as crianças e
arrumaria tudo depois. Eu a agradeci e segui o doutor Charles para
fora da sala.
— Estou preocupada. O que aconteceu? — indaguei mais uma
vez.
— Fique calma, assim que chegarmos à minha sala eu explico
tudo — respondeu, afetuoso.
Senti meu coração esmagar dentro do peito. Um
pressentimento ruim me invadiu e tive que firmar minhas pernas no
chão, antes que não suportasse mais o peso do meu próprio corpo.
Algo muito sério aconteceu.
Assim que ele abriu a porta da sua sala, encontrei meu pai no
celular andando de um lado para o outro, e minha mãe com os olhos
vermelhos, sentada na cadeira e parecendo demasiadamente triste.
Fui engolida por um assombro e minhas pernas não
aguentaram mais. Só não caí no chão porque fui amparada pelo
meu amigo. Não cheguei a desmaiar, apenas senti uma fraqueza
enorme.
— Querida... — mamãe disse, levantando-se e me fitando com
preocupação ao se aproximar de mim.
Notei que sua voz estava embargada, quase como se não
conseguisse falar.
— Ok, já estamos com ela. Me ligue quando tiver novidades,
Romeo — papai falou e encerrou a ligação logo em seguida.
— O que... aconteceu? O que vocês estão fazendo aqui? —
indaguei, sentindo um nó na minha garganta.
O doutor Charles me levou até uma das poltronas e me
colocou sentada, com meus pais ao meu redor, enquanto eu
repassava milhares de coisas ruins na minha mente que pudessem
ter acontecido.
Mas nada, nada chegou perto do que ouvi da boca do meu pai
nos segundos seguintes.
— Minha morena, eu preciso que você fique calma, ok? —
Suspirou pesadamente. — O Lucca sofreu um acidente de carro...
Naquele instante, meu mundo pareceu ruir diante dos meus
olhos.
— O quê? Não, não é verdade... eu estava com ele hoje cedo.
Ele estava bem, deve ser um engano. — Entrei em um estado de
negação e torpor. — Papai... diz que é mentira? — implorei, olhando
em seus olhos.
A dor que enxerguei ali, naquele olhar que sempre me
tranquilizou, me desestabilizou completamente. Nem meu pai estava
conseguindo disfarçar a sua tristeza... o pior aconteceu.
— Infelizmente é verdade, filha. A situação é muito delicada.
Papai estava me poupando, eu o conhecia. Ele estava
escondendo alguma coisa de mim... e ao citar que a situação era
delicada, provavelmente era porque era muito mais grave do que eu
pensava.
— Como...
— Não sei de muitos detalhes. — Não deixou que eu
terminasse a pergunta. — Tudo que Romeo me passou foi que o
trouxeram para Belo Horizonte, e agora os médicos estão cuidando
do caso, para depois avaliarem a possibilidade de transferi-lo para o
Albert Einsten, em São Paulo.
Não, não... senti meu corpo inteiro espinhar e tive a sensação
de ter desmaiado por breves segundos, pois quando voltei à
realidade, o doutor Charles estava medindo a minha pressão e
mamãe passava um pouco de água em meu rosto.
— Eu quero... eu preciso vê-lo. — Levantei-me e foi uma
péssima ideia, tudo à minha frente rodou.
— Sei que é difícil, Alícia, mas precisamos que você fique
calma — Doutor Charles disse com suavidade.
Fui colocada novamente na poltrona, enquanto os três
tentavam me acalmar de alguma forma. Mas todos os esforços
seriam em vão, seria impossível me acalmar. Eu só queria acordar e
ver que aquilo era um pesadelo.
— Filha, nós estamos com você. Assim que você ficar um
pouco mais calma, iremos até o hospital — mamãe falou
docemente, enquanto acariciava meus cabelos como quando era
criança e estava com medo de alguma coisa.
— Só preciso ir até ele... droga! Isso não pode ter acontecido.
— Caí em um pranto tão grande que achei que jamais conseguiria
sair dele.
Senti as mãos e braços dos meus pais me amparando, me
dando colo, enquanto o meu amigo me observava com atenção,
pronto para intervir caso eu desmaiasse ou algo acontecesse.
Respirei fundo incontáveis vezes, tentando me concentrar,
tentando me acalmar, pois o quanto antes conseguisse transparecer
que eu estava bem, mais rápido seguiríamos para o hospital. As
lágrimas rolavam como se tivesse imensas cachoeiras no lugar dos
meus olhos.
Minha mente me levou até horas atrás, lembrando-me do seu
olhar intenso, do sorriso perfeito. Da forma como me venerava, da
forma como nossos corações batiam em uma sincronia perfeita.
Lucca não poderia ir embora... ele não poderia me deixar. Não
poderia fazer isso comigo. Tínhamos uma vida inteira para viver,
juntos. Tínhamos sonhos para realizar. Eu o amava tanto, tanto que
chegava a doer.
Não conseguia mais sequer imaginar a minha vida sem ele.
Coloquei meu rosto entre as mãos e chorei, desesperada. Meu
coração estava despedaçado, meu corpo fraco, minha garganta
ardendo. Tudo que eu queria naquele momento era estar em seus
braços.
Não sei quanto tempo se passou, mas quando consegui
demonstrar que estava um pouco mais calma, mesmo que por
dentro estivesse o total oposto, meus pais me levaram para o carro
e seguimos para o hospital.
Minha mente não registrou nada que aconteceu da hora em
que saímos da sala do doutor Charles, até o momento em que
estacionamos em frente à emergência. Respirei fundo e
praticamente corri para dentro, com meus pais ao meu encalço.
Antes que eu chegasse à recepção, avistei Romeo sentado em
um dos bancos, parecendo desolado, destruído. Segui até ele,
sentindo que poderia cair a qualquer momento.
— Romeo! — Minha voz saiu mais como um sussurro
desesperado. — Onde... onde ele está? — indaguei, caindo de
joelhos na sua frente.
Notei que os olhos de Romeo estavam vermelhos, como se
estivesse segurando o choro. Ele se ajoelhou no chão, amparando-
me e me puxou para um abraço. Como se precisasse daquilo tanto
quanto eu.
— Ainda não tenho notícias, ele entrou em cirurgia —
murmurou, afastando-se e me colocando sentada no banco.
Deus!
— Como... como aconteceu? — perguntei.
Não passou despercebida a forma como ele e o meu pai
trocaram um olhar que falou mais do que palavras.
— Não quero que vocês me escondam nada! Eu preciso saber
o que aconteceu! — falei, firme, embora por dentro estivesse
extremamente fragilizada.
Romeo não falou absolutamente nada enquanto meu pai não
fez um sutil aceno de cabeça, como se dissesse que o melhor
amigo do meu amor podia prosseguir e me falar o que sabia.
— O acidente ainda está sendo investigado, mas pelas
informações preliminares que Gustavo conseguiu, o carro desceu
uma ladeira a toda velocidade, e acertou em cheio um caminhão
que atravessava a via — explicou calmamente, medindo cada
palavra.
— Ah, meu Deus...
— Parece que houve uma falha no freio.
E foi somente quando Romeo completou a frase, que eu me
lembrei que Lucca estava com o meu carro. Havíamos trocado de
veículo pela manhã, pois ele ficou de levá-lo ao borracheiro para
consertar o pneu esvaziado.
O meu mundo, que já estava completamente destruído com a
notícia, pareceu desabar diante de mim. Era para eu estar no seu
lugar. Era para ter sido comigo o acidente, não com ele.
— Não! — O grito saiu sem que eu tivesse controle.
— Filha. — Mamãe segurou em minhas mãos. — Fique calma,
vai ficar tudo bem.
— Era para ter sido eu, a culpa é minha... se ele não estivesse
com o meu carro...
Meus pais ficaram extremamente assustados com a minha
reação, mas percebi que ninguém havia ficado surpreso.
Provavelmente Lucca havia dito algo ao Romeo antes do acidente,
por isso todos já sabiam do fato.
— Você não tem culpa de nada, Alícia... tudo isso foi uma
fatalidade — Romeo disse.
— Não se culpe, minha morena, não faça isso com você —
papai falou.
Senti tudo doer. Tudo me massacrava por dentro. Algo me
roubava o ar... e a sensação era de que haviam pegado o meu
coração nas mãos e o esmagaram. Eu estava sangrando por dentro.
Nunca pensei que seria capaz de sentir tanta dor.
Não era somente uma dor física, era na alma.
— Ele vai ficar bem, não vai, papai? — indaguei, chorando
desconsoladamente.
Eu precisava que o meu pai me desse certezas, precisava que
ele me garantisse que tudo ficaria bem, embora soubesse que
naquele momento ele não tinha como me dar certeza nenhuma.
— Os médicos estão fazendo tudo que podem, filha. Vamos
orar, pensar positivo, vai dar tudo certo — mamãe respondeu por
ele.
— Mãe... podemos falar com o tio Emílio, ele pode fazer
alguma coisa.
Emílio era irmão da minha mãe, um médico renomado e que
tinha cuidado de Isabela quando ela se acidentou. Ele trabalhava no
hospital, e eu estava tão nervosa que sequer havia me lembrado.
— Seu tio está em Londres, querida, em um congresso de
medicina — respondeu.
— De todo modo, já o informei sobre o ocorrido, filha. Ele está
em contato direto com os médicos que estão cuidando de Lucca. —
Papai complementou e eu apenas acenei, sem ter o que dizer.
Sentia-me fraca, sem energia alguma. E enquanto
aguardávamos por notícias, passei a orar e pedir, com toda a minha
fé, com todas as minhas forças, para que Lucca ficasse bem. Para
que ele não fosse levado de mim.
Se passaram horas, e eu diria até que foram as mais difíceis
de toda a minha vida. Durante todo o tempo, escutava meus pais
conversando com Romeo, e vez ou outra ele falava ao celular com
alguém. Talvez os pais de Lucca, talvez Isabela, ou Gustavo, não
dava para saber. Minha mente estava longe e eu não conseguia
focar em nada que não fosse no amor da minha vida, e nos meus
pedidos desesperados e cheios de fé para que tudo ficasse bem.
Meus pais me trouxeram água, comida, chocolate, diversas
vezes. No entanto, tudo que passava era água. Somente. Após
praticamente me obrigarem, tentei comer um pedaço do sanduíche
que mamãe trouxe, mas o nó na minha garganta não deixou. Quase
coloquei para fora, e então eles desistiram de tentar me fazer comer.
Algum tempo depois, notei que dois homens usando jaleco
branco caminhavam em nossa direção e me levantei, firmando-me
em meus próprios pés e lutando com tudo de mim para me manter
forte. Eu precisava ser, por ele.
Observei que um dos médicos acenou brevemente para
Romeo, provavelmente já tinha tido contato com ele. E, em seguida,
cumprimentou os meus pais e eu, ciente do nosso parentesco com o
doutor Emílio.
— Me chamo João Carlos e fui o cirurgião responsável pela
operação de Lucca. O paciente teve duas paradas cardíacas
enquanto tentávamos conter a hemorragia interna do tórax, mas
felizmente conseguimos estabilizá-lo.
— Meu Deus! — murmurei, sentindo minhas pernas
fraquejarem.
O doutor explicou sobre os procedimentos que realizaram em
Lucca, sobre o trauma de grau leve que sofreu na cabeça, e, por
mais que eu tentasse, não consegui focar no que dizia. Estava no
auge do meu desespero, sendo engolida pela dor rascante.
— Ele está estável, mas a situação é extremamente grave. As
próximas quarenta e oito horas serão as mais críticas, e vocês
devem estar preparados para tudo.
— Cazzo! — Romeo grunhiu, angustiado.
— Eu gostaria de vê-lo — implorei. — Eu preciso vê-lo, doutor.
— Infelizmente não será possível. Ele está na UTI neste
momento, sedado. — Fitou-me. — E Romeo, quanto a transferência
para São Paulo, no momento é inviável e eu não tenho como
autorizar. Após as quarenta e oito horas poderemos avaliar
novamente como ele estará. O que posso garantir é que aqui ele
terá todos os cuidados e conforto necessários.
De fato, estávamos em um dos melhores hospitais do país. O
tratamento que ele estava tendo não seria muito diferente do que
receberia no Albert Einsten. Além do mais, saber que o meu tio
trabalhava ali, embora não estivesse presente naquele momento,
me deixava um pouco mais tranquila, se é que era possível.
— Ok! De qualquer forma, o que importa é que ele tenha o
melhor atendimento. Como já disse antes, dinheiro não é problema,
eu quero que Lucca tenha tudo que precisar — Romeo ordenou,
sim, ordenou.
A forma como falou não deixou margem para nenhuma dúvida.
Assim que o médico prestou os últimos esclarecimentos e se
retirou, senti que todo o sangue havia sido drenado das minhas
veias. Uma exaustão imensa tomou conta de cada partícula do meu
corpo.
Daquele instante em diante, não consegui pensar em mais
nada, porque fui engolida pela escuridão, tendo como a última
lembrança antes de apagar totalmente, o sorriso mais bonito do
mundo inteiro. O sorriso do meu amor.
O sorriso daquele que seria para sempre o homem da minha
vida.
 
Capítulo 31
EM ALGUM LUGAR DE MINAS GERAIS

 
Algumas horas antes...

 
O MAL À ESPREITA

 
Maldição! Maldição!
Era para aquela desgraçada estar naquele carro. Era para ter
sido com ela aquele acidente, era para a vadia ter morrido.
Da outra vez tinha sido apenas um susto. Não resolveu.
Desta, não era para ter dado errado. Pensei em tudo. Já que
seria impossível de chegar até a filha da puta com a infinidade de
brutamontes que cuidavam da sua segurança, minha ideia genial de
sabotar o seu carro foi a forma que encontrei de atingi-la. Para que
aprendesse a nunca mais mexer comigo.
Estando morta, ela nunca mais me rejeitaria.
Inferno!
Uma gargalhada estrondosa saiu do fundo da minha garganta.
Até que, pensando bem, não foi tão ruim assim. O infeliz que
estava comendo o que era meu, estaria, em algumas horas, morto e
enterrado a sete palmos dessa terra.
Não tinha como sobreviver àquele acidente. Não tinha.
E a vadia sofreria... o que não seria nada mal. É... talvez a
morte fosse muito simples para o que ela me fez.
Gargalhei mais uma vez. Ela sofreria. Muito.
E o seu sofrimento seria o meu combustível.
Vadia!
 
Capítulo 32
BELO HORIZONTE, MINAS GERAIS, BRASIL

 
Dois meses depois...

 
ALÍCIA CASTRO

 
Hoje completava exatos dois meses da última vez em que ouvi
o som da sua voz.
Dois meses da última vez em que vi o brilho dos seus olhos.
Hoje completava dois meses de uma saudade gigantesca, que
parecia querer me empurrar um pouco mais para o fundo do poço a
cada dia que passava e você não voltava para mim.
Era tão, tão difícil sentir saudades de alguém que não havia
partido.
Mas eu estava sendo forte... e eu não fazia ideia do tanto de
coisas que poderia aguentar, até que tive que passar por cada uma
delas e me reerguer todas as vezes. Eu não tinha outra opção que
não fosse lutar por você.
Por nós.
Meu amor, como eu queria que você abrisse esses lindos
olhos verdes, como eu queria ouvir a sua voz com o sotaque italiano
carregado pela qual eu era completamente apaixonada. Como eu
queria sentir o seu toque, o calor dos seus braços.
Volte para mim, Lucca... me diz que vai ficar tudo bem.
Os dias vinham sendo tão difíceis. Às vezes eu tinha vontade
de me deitar em um quarto escuro e chorar até acabar com o
estoque de lágrimas. Mas não, eu jamais o deixaria. Nem por um
segundo eu sairia do seu lado.
Porque eu sabia, em meu íntimo, que ele ainda voltaria para
mim.
Era nesse fio de esperança que eu me agarrava todos os dias
desde que os médicos começaram a retirar, aos poucos, a sedação.
Porém, se passou uma semana, duas, três... e ele não acordava.
Agora é no tempo dele, eles disseram.
— Volte para mim, meu amor — sussurrei sentada em uma
poltrona ao lado da sua cama, com a minha mão entrelaçada à dele.
— Volte para nós. Precisamos de você.
Precisamos... porque agora não somos apenas dois. Somos
três.
Com a mão livre, acariciei o volume discreto do meu ventre,
onde nossa sementinha crescia forte e saudável a cada dia. A
notícia da gravidez veio em um dos momentos mais difíceis da
minha vida, e não pude aproveitar como gostaria. Não pude tê-lo ao
meu lado no primeiro exame... estava tão difícil.
Mas era ela que me mantinha de pé.
A sementinha e o amor da minha vida eram os motivos de eu
continuar lutando, continuar seguindo em frente todos os dias. Eu
não tinha ideia da força que possuía, até que a minha única opção
foi ser forte.
Sem sabermos, ela já estava conosco na última vez em que
estivemos juntos. Ela já fazia parte das nossas vidas, e sequer
desconfiávamos. Aqueles enjoos não eram gastrite nervosa. O sono
demasiado, os desmaios, a tontura, a sensibilidade exacerbada,
tudo aquilo tinha uma razão.
Meu corpo já abrigava um pedaço de nós dois.
Beijei as mãos grandes e firmes, tão perfeitas como ele todo.
Queria tanto que ele abrisse os olhos, tínhamos tantas coisas para
conversar. Eu precisava me declarar a ele mais uma vez, mais duas,
mais mil vezes, pois todas as coisas que eu havia dito não pareciam
suficientes.
Eu o amava com tudo de mim, e precisava me certificar de que
ele tivesse certeza dos meus sentimentos. Como um mantra, em
todas as noites desses dois meses, antes de dormir, eu sussurrava
em seu ouvido tudo aquilo que estava em meu coração. Eu me
declarava na esperança de que ele fosse acordar e dizer que
também me amava.
— Alícia, figlia... — Dona Liliana se aproximou, acariciando
minhas costas.
Desde que souberam do acidente de Lucca, ela e Guido
estavam no Brasil. Eles estavam me dando tanta força, quando era
eu quem deveria consolá-los. Minha família se mantinha sendo meu
apoio, minha melhor amiga e o seu marido também. Eu tinha tanto a
agradecer por ter pessoas tão especiais ao meu lado.
— Estou com tanta saudade, dona Liliana — murmurei,
sentindo meus olhos lacrimejarem.
— Eu sei, eu sei, ragazza mia[45], também sinto muita falta do
meu figlio. — Suspirou, acarinhando-me. — Mas você precisa ir
para a casa, descansar um pouco, se alimentar melhor.
— Não se preocupe, eu estou bem, apesar de tudo. — Sorri
para ela, um sorriso que não atingiu os olhos. — Não quero sair do
lado dele, se acordar eu quero estar aqui para que saiba que eu não
o deixei.
Eu nunca o deixaria.
— Fico preocupada com você, figlia, e com o bebê. —
Acariciou meu ventre. — Promete que qualquer coisa que precisar,
vai me dizer? — indagou, preocupada.
— Prometo, grazie.
Ela era tão especial, a cada dia meu carinho aumentava por
Liliana e Guido, os tinha de maneira tão estimada, como tinha meus
pais. Eles estavam acomodados em um hotel próximo ao hospital.
Apesar dos diversos convites dos meus pais para que se
hospedassem na nossa casa, preferiram ficar por perto para
qualquer necessidade.
Minha mãe e Liliana eram as que vinham com mais frequência
para as visitas, seguidas por papai, Guido e Romeo. Eu sabia que
eles tinham os seus afazeres, e estavam tentando resolver tudo.
Isabela, minha amiga, minha irmã, vinha pelo menos uma vez por
semana. O que era muito bom, pois apenas com ela eu conseguia
desabafar e falar sobre todos os meus medos.
Estava difícil, a carga era pesada demais.
Lucca estava acomodado em um quarto que se assemelhava a
uma suíte de hotel. Havíamos optado por mantê-lo em Belo
Horizonte, do que arriscar uma transferência e colocar a sua vida
em perigo. Além do mais, Emílio, irmão da mamãe e profissional
que confiávamos de olhos fechados, estava acompanhando o caso
pessoalmente, mesmo que sua especialidade fosse outra.
O meu amor estava tendo os melhores tratamentos, os
melhores médicos e toda uma equipe fantástica cuidando dele. Só
precisávamos que ele abrisse os olhos para acabar com essa
angústia de vez.
As únicas vezes em que eu havia saído do seu lado foram
para ir às consultas com a obstetra. E ainda assim, era no mesmo
hospital. No mais, fazia todas as refeições no quarto, usava o
banheiro da suíte para a higiene e para os banhos. E dormia em
uma cama confortável perto da dele.
Lucca precisava sentir que eu estava ali, e que não sairia
daquele hospital sem ele. Ele já passou por muita coisa, e eu não o
deixaria por um segundo sequer. Quando acordasse, me encontraria
ao seu lado.
Ele saberia que eu não o deixei, e que jamais o deixaria.
Batidas soaram à porta e Romeo entrou. Ele parecia exausto,
e eu sabia que estava mesmo. Além de todas as demandas da
AURUM, que apesar de o seu pai estar tocando a maior parte dos
negócios, ele também estava em busca de respostas com relação
ao acidente. E ainda assim, se mantinha sempre presente.
Cuidando de tudo, e até mesmo de mim. Isabela havia me
confessado que nas vezes em que Lucca precisou viajar e Romeo
ficou no Brasil, ele havia pedido ao amigo que tomasse conta de
mim. Saber daquilo fez com que o meu coração esmagasse ainda
mais.
Romeo estava cumprindo a promessa ao seu amigo.
E se não bastasse tudo aquilo, ele também estava sofrendo.
Entretanto, a sensação que eu tinha era de que todos haviam
colocado as suas próprias dores de lado para me dar apoio e
suporte. Principalmente por conta da gravidez.
— Como você está, Alícia? — Romeo perguntou depois de
cumprimentar e trocar algumas palavras com a dona Liliana.
— Estou bem. — Sorri para ele, mas senti que falhei
miseravelmente.
— Não minta para mim. Tudo bem não estar bem o tempo todo
— falou, sentando-se ao meu lado.
— É difícil, mas ele vai acordar e tudo isso vai passar —
afirmei as palavras que eram mais para mim mesma do que para
ele.
— Você precisa descansar. — Desviou o olhar para o meu
ventre, como em um pedido silencioso.
— Eu preciso ficar ao lado dele. — Suspirei, beijando
novamente as mãos do meu amor. — Nós precisamos ficar ao lado
dele.
— Você sabe que eu estarei fodido quando ele acordar, não é?
Vai me enlouquecer por ter permitido que você ficasse aqui a todo
tempo — murmurou, olhando para o amigo.
Dei uma risadinha, quase conseguindo visualizar a cena.
Romeo e eu ficamos ali, em um silêncio confortável, apoiando um
ao outro, por vários minutos, enquanto olhávamos cheios de
esperança para Lucca.
Sua aparência continuava a mesma, com a exceção de que
havia emagrecido um pouco, mas nada considerável ou
preocupante. Fora isso, ele continuava perfeito em cada pedaço,
como sempre.
Era como se estivesse dormindo um sono tranquilo.
Muitas vezes eu encostei a minha cabeça em seu peito, só
para sentir as batidas fortes do seu coração, para ter certeza de que
ele ainda estava ali. E para buscar a fé dentro de mim, que por
vezes parecia tão distante, enfraquecida.
Estava tão distraída em meus próprios pensamentos, que
pensei ter visto uma miragem quando o corpo de Lucca em cima da
cama deu um espasmo. Só percebi que havia acontecido quando
Romeo se levantou em um pulo.
Levantei-me também, sentindo meu coração na goela.
— Ah, per Dio[46]! Será que ele está acordando? — dona
Liliana perguntou, extremamente emocionada.
Sem conseguir emitir qualquer som, mas com um sorriso que
ia de orelha a orelha, eu olhava com expectativas para o meu amor
enquanto seus dedos mexiam levemente. Ao mesmo tempo, notei
que sua respiração mudou e meu coração se agitou dentro do peito.
Fiquei tão entorpecida que nem percebi que Romeo saiu do quarto e
voltou com um médico.
Observei enquanto ele fazia alguns exames, conferindo sinais
vitais e um tanto de outras coisas que eu nem consegui prestar
atenção direito, de tão eufórica que estava me sentindo. Em dois
meses, Lucca não havia feito nada parecido.
Mas foi só quando seus olhos se abriram, com um pouco de
dificuldade, que o meu mundo pareceu ter voltado para o lugar. Em
completo estado de choque, não consegui me mover, nem dizer
nada. E eu tinha muitas coisas para falar.
Ensaiei tantas vezes tudo que diria a ele quando acordasse, e
agora que estava acontecendo eu simplesmente não sabia como
agir. Parece que perdi a capacidade de fala, pois só conseguia sorrir
e deixar que as lágrimas de alívio levassem toda a angústia dos
últimos meses.
— Lucca, consegue me ouvir? — indagou o médico.
— Co... consigo — respondeu, parecendo meio confuso.
Seus olhos ainda não tinham focado em nenhum ponto
específico até então. Romeo e dona Liliana permaneciam estáticos,
como eu, aguardando que o médico fizesse tudo que precisava ser
feito.
— Sou o doutor Augusto, neurologista e um dos médicos
responsáveis pelo seu caso. Como está se sentindo?
— Um pouco confuso... e com sede — murmurou, a voz
estava ainda mais rouca.
— Certo, já irei providenciar água para você.
— O que eu estou fazendo no Brasil? — questionou.
A princípio, não me assustei, pois aquilo deveria ser normal.
Afinal, ele tinha sofrido um acidente e passou dois meses em coma.
Talvez, na sua cabeça, pensou que deveria estar na Itália, e ao
reconhecer o idioma do médico, acabou ficando confuso.
— Você estava em Ouro Preto, sofreu um acidente de carro.
— Eu não... não me lembro de nada.
— É normal, não se preocupe. Nosso cérebro costuma agir
dessa forma quando sofremos um grande trauma — disse enquanto
anotava algumas coisas no tablet. — Você consegue me dizer qual
é a última coisa que se lembra?
Lucca pareceu pensativo, os segundos de silêncio se
transformaram em eternidade.
— Não consigo... eu — desviou o olhar para o lado e viu a sua
mãe — mamma.
— Figlio... figlio mio. — Dona Liliana se aproximou dele e
beijou a sua testa, emocionada. — Fiquei com tanto medo de perdê-
lo.
— Estou aqui, mamma.
Não tive como não sorrir com aquela cena, enquanto o alívio
tomava conta de mim. Dona Liliana sorriu e desviou o olhar na
minha direção e de Romeo. Mas não foi em mim que os olhos do
meu amor se fixaram. Meu coração deu uma descompassada, pois
nos segundos em que o seu olhar passou por mim, me pareceu tão
distante.
— Romeo, você também está aqui — murmurou, olhando para
o amigo.
— Irmão, que susto, cazzo! Até que enfim você acordou! —
disse, dando dois toques suaves no ombro de Lucca. — Não vai dar
olá para a sua ragazza? — Percebendo o meu torpor, Romeo me
trouxe para mais perto.
Somente então Lucca fixou os olhos em mim, mas o que eu vi
me assustou. Ele parecia estar diante de uma completa estranha.
Não tinha o mesmo brilho, não tinha o mesmo olhar apaixonado.
O que está acontecendo, meu amor?
— Oi, meu amor. Como eu senti a sua falta — falei, tocando
seu rosto, mas ele pareceu constrangido e se afastou rapidamente
do meu toque.
— Quem é você? — indagou, olhando dentro dos meus olhos.
Sou eu, amor, sou eu!
Tive vontade de gritar, porém, me contive. Nunca pensei que
três palavras conseguiriam me desestabilizar tanto. Depois de tudo
que passei, achei que nada poderia ser mais doloroso, ledo engano.
Não ser reconhecida pelo homem que eu amava com todas as
minhas forças doía muito. Minhas pernas fraquejaram, mas me
mantive de pé, como estive durante todo esse tempo.
Sem conseguir desviar os olhos dos seus, enxerguei coisas
que eu preferia nunca ter visto. Não era apenas a distância daquele
olhar que me assombrava. Era a indiferença. Mesmo assim, engoli o
nó na garganta e por mais difícil que fosse, tentei me manter calma
e confiante, afinal, era tudo muito recente, ele tinha acabado de
acordar depois de dois meses em coma e estava confuso.
— Lucca... — Romeo tentou intervir, mas Lucca o cortou.
— Quem é ela, Romeo? — Desviou o olhar um tanto
desesperado dos meus para o amigo. — Cadê a Laura?
Dei um passo para trás, sentindo o peso das suas palavras.
Sentindo o meu coração ser arrancado do peito. O amor da minha
vida simplesmente acordou em uma época em que eu ainda não
existia na sua.
Em uma época que ele amava outra mulher.
Como lidar com isso?
 
Capítulo 33
 
LUCCA MASERATI

 
Cazzo!
Eu estava confuso pra caralho, sem fazer ideia de que raios
estava fazendo no Brasil, sem ter ideia do tal acidente, sem ter ideia
de muita coisa. E mais confuso ainda sobre quem era a morena com
olhos cor de chocolate que me olhava como se fosse apaixonada
por mim... como se eu fosse a porra do seu mundo inteiro.
Há quanto tempo eu estava desacordado? E Laura? Por que
não estava aqui?
— Oi, meu amor. Como eu senti a sua falta — a tal morena
disse ao tentar me tocar com intimidade, mas me afastei por puro
reflexo.
Amor?
— Quem é você? — indaguei, olhando dentro dos seus olhos.
Enquanto eu a fitava, confuso e tentando entender o que
estava acontecendo, senti meu coração bater forte e acelerado
dentro do peito. Ela me encarou e não deixei de notar uma ligeira
sombra de mágoa em seu olhar. Doeu em mim, e eu não sabia
explicar o motivo.
Por que eu me sentia assim? Será que eu estava infartando?
— Lucca... — Romeo tentou intervir, mas o cortei.
— Quem é ela, Romeo? — Sentindo-me um pouco
desesperado, desviei o olhar para o meu amigo. — Cadê a Laura?
Quando falei o nome da minha namorada, ela deu um passo
para trás como se eu tivesse a esbofeteado. Percebi que os olhos
bonitos e brilhantes lacrimejaram e ela engoliu a saliva com
dificuldade.
Que porra era aquela?
Procurei meu amigo com os olhos e ele me encarava meio
assustado, assim como a minha mãe. Observei que ele se
aproximou do médico e cochichou alguma coisa, enquanto eu
parecia preso dentro de mim mesmo.
— Preciso que vocês me deem licença — o médico disse. —
Irei fazer mais alguns exames e Lucca precisa se acalmar um
pouco.
A mulher desconhecida, o meu melhor amigo e a minha mãe
me olhavam de uma forma estranha, como se não me
reconhecessem. Enquanto eles se retiravam do quarto, notei que
Romeo e dona Liliana caminhavam com a mulher entre eles. Ambos
a tratavam com carinho e preocupação.
— O que está acontecendo, doutor? Há quanto tempo eu
estou aqui? — questionei assim que a porta se fechou e eu fiquei
sozinho com o médico.
— Lucca, primeiro preciso que você se acalme, aos poucos
você terá todas as respostas. Esse estado de nervosismo pode
prejudicar a sua recuperação.
Respirei fundo, tentando me acalmar. Tentando acalmar o
coração desgovernado. Tentando apagar da minha mente aquele
olhar triste que vislumbrei nos olhos dela, e que, por algum motivo,
eu sabia que jamais esqueceria.
— Estou bem, eu só preciso entender o que está acontecendo.
— O médico me encarava com atenção, sondando-me.
— Como eu disse anteriormente, você sofreu um acidente de
carro em Ouro Preto.
— Há quantos dias? — indaguei, e ele pareceu pensar por
alguns segundos.
— Dois meses.
— Dois meses? Cazzo! — Assustado, sobressaltei-me na
cama.
— Você passou por uma cirurgia no dia do acidente, para
conter uma hemorragia interna. Entretanto, teve uma das
recuperações mais rápidas que já vi... sua vida é um milagre, Lucca.
Milagre?
— E por que eu fiquei dois meses em coma?
— Porque cada paciente responde de uma forma aos
tratamentos. Desde que começamos a retirar a sua sedação, aos
poucos, passamos a aguardar o seu tempo. E é perfeitamente
normal que, em alguns casos, demore dias para acordar.
Explicou-me brevemente e com cautela sobre o acidente, os
traumas que sofri, a cirurgia que fiz e os procedimentos realizados
enquanto estive em coma. Mesmo me esforçando pra caralho, tudo
parecia confuso em minha mente.
— Por que eu não me lembro da mulher que estava aqui? —
Coloquei a cabeça entre as minhas mãos, como se aquilo pudesse
ajudar em alguma coisa.
— Eu preciso que você tente descobrir qual é a última coisa
que se lembra — ele disse, avaliando-me.
Tentei puxar na memória, mas tudo parecia nebuloso demais.
Concentrei-me e a única coisa que vinha à minha cabeça era a
minha Laura. Minha namorada, que muito em breve seria minha
noiva.
Por que eu não estava sentindo nada ao pensar nela?
Repentinamente me veio um flash... eu estava em uma
joalheria escolhendo um anel de noivado. A mínima lembrança, que
era para ter me deixado aliviado, na verdade, me deixou com um
gosto amargo na boca. Como se aquilo fosse errado, mas não era.
— Minha última lembrança é de estar em Palermo, em uma
joalheria, comprando um anel de noivado para a minha namorada.
Para Laura.
Após me sondar por alguns bons segundos, o médico digitou
alguma coisa em seu tablet. Tentei decifrar pela sua expressão o
que ele estava pensando, mas não consegui. Seu semblante não
revelava absolutamente nada.
— Certo, irei solicitar uma ressonância por precaução, e
retorno para levá-lo ao exame.
— O que está acontecendo comigo? Por que todos estão
agindo estranhamente?
— Eu preciso que você fique calmo, Lucca... você acabou de
acordar depois de dois meses em coma. Para uma boa recuperação
é necessário que você se mantenha tranquilo.
— Só ficarei tranquilo quando me explicarem o que está
acontecendo.
— Ao que tudo indica, você está com uma perda de memória,
por isso solicitei a ressonância para avaliarmos a situação do seu
cérebro. Não tenho como responder mais nada enquanto não fizer
os exames necessários.
Porra! Perda de memória? Era só o que me faltava...
— Eu gostaria de falar com o Romeo. Se puder chamá-lo...
apenas ele. — Não conseguiria lidar com mais ninguém, não agora.
— Está bem — concordou, anotou mais algumas coisas e se
retirou. — Voltarei em breve.
Nos minutos em que fiquei sozinho, meus pensamentos só
conseguiam focar na mulher desconhecida. Tentei reprimi-los,
porque tinha a sensação de que estava traindo Laura, mesmo que
minhas memórias estivessem totalmente confusas e conflitantes.
Meu amigo e sócio entrou pela porta, sondando-me como se
eu fosse um estranho. Romeo parecia diferente, e somente agora
que me dei conta de que ele parecia mais velho do que eu me
lembrava. Minha perda de memória não deveria ser de tanto tempo
assim, não tinha como.
O semblante mais maduro deveria ser consequência do
cansaço, da exaustão. Se eu fiquei dois meses desacordado,
provavelmente a maior parte da carga da AURUM estava
concentrada nele. E estávamos em uma ótima fase, de muito
trabalho.
— Romeo, preciso que me diga onde está a Laura — pedi. —
E quem era aquela mulher que me chamou de amor?
Ele ficou pensativo, como se estivesse medindo as palavras.
— Lucca... o médico informou que virá em alguns minutos
buscá-lo para um exame, por isso, é importante que se mantenha
calmo. Você terá suas respostas, mas precisa aguardar.
— Ok, eu estou calmo — menti, não estava porra nenhuma. —
Eu só preciso entender... como vim parar aqui. A sua... vingança?
Você já deu início? Já conheceu a Isabela? É por isso que estamos
aqui?
Se eu não conhecesse tão bem Romeo, não teria visto o que vi
em seu olhar. E que me assustou e me desesperou ainda mais. Eles
só sabiam me pedir calma, mas ninguém era capaz de me
responder coisas tão simples.
— Lucca...
— Responde, cazzo! — grunhi, mandando toda a compostura
para o inferno, afinal, minha paciência também tinha limites.
— O médico informou que você está com uma perda de
memória e eles irão fazer alguns exames para descartar outros
problemas — respondeu, e senti que ele estava escondendo alguma
coisa.
— E essa perda é de quantos dias? — indaguei, não podia ser
tanto tempo assim.
— Não temos certeza...
— Porra, Romeo, não me fode! Não fique me dando respostas
evasivas! — bradei. — Não faz muito tempo que encomendei o anel
de noivado para Laura. Não é difícil a resposta, vamos... me fale.
Naquele instante, o médico entrou no quarto e trocou um olhar
com Romeo, certamente o repreendendo por talvez ter falado mais
do que deveria. Acompanhado por ele, havia mais três pessoas.
Outros dois homens e uma mulher.
— Doutor, será que alguém pode me responder quanto tempo
minha memória perdeu? — questionei.
— Lucca, como disse anteriormente, precisaremos fazer
alguns exames. O que posso afirmar por enquanto é que, pelo que
parece, você está com um quadro de amnésia dissociativa, o que é
normal após sofrer um trauma — explicou. — Essa é equipe médica
que trabalha comigo no setor de neurologia, nós iremos fazer alguns
exames para descartar outras hipóteses e confirmar o diagnóstico.
— E quanto tempo eu perdi? — insisti.
— Ao que tudo indica, entre cinco e seis anos — respondeu o
doutor Augusto, analisando-me atentamente, preparado para
qualquer intercorrência.
Mas que porra! Cinco ou seis anos?
Não... não podia ser, era muito tempo. Muita coisa acontece
em cinco ou seis anos... e eu não estava preparado para aquilo. Fui
engolido por uma sensação horrível. Um desespero que parecia
consumir cada parte do meu corpo.
— Cinco... o quê? Está me dizendo que minha memória
simplesmente se esqueceu dos últimos cinco anos da minha vida?
Agitei-me, mas os médicos se aproximaram a fim de tentar me
acalmar. Seria impossível.
— Lucca, após os exames poderemos saber com exatidão o
que está acontecendo.
— Eu preciso me lembrar... preciso.
— Calma! Vai ficar tudo bem! — Romeo falou, parecendo tão
angustiado quanto eu.
— Ficar tudo bem? Minha própria mente perdeu os últimos
cinco anos e você me diz que vai ficar tudo bem? Cadê a Laura?
— Lucca...
— Romeo, por gentileza, nos deixe a sós com Lucca — o
doutor pediu, e o meu amigo apenas deu um breve aceno, me deu
uma última olhada e se retirou. — Lucca, o levaremos agora para
fazer os exames. Preciso que tente se acalmar, pois o quanto antes
os fizermos, mais cedo teremos os resultados e mais cedo
poderemos trabalhar na sua recuperação.
Preso dentro da minha própria mente, desliguei-me de tudo ao
meu redor. Sequer prestei atenção no que discorreu após sair do
quarto. Apenas me deixei ser levado, enquanto travava uma batalha
interna em busca de respostas.
Quando retornei para o quarto, horas mais tarde, estava
exausto.
Não me lembrava de nada, apenas de que não foi Laura quem
esteve em meus pensamentos naquela noite. Em meus sonhos,
tudo que eu conseguia enxergar eram os olhos cor de chocolate
mais incríveis que eu já vi na vida.
 

 
— Como já imaginávamos, você está, de fato, com um quadro
de amnésia dissociativa — Augusto falou na manhã seguinte, ao
entrar no meu quarto com os exames em mãos. — Sua memória
pode voltar hoje, amanhã... ou pode levar alguns dias, meses... até
anos.
Junto com ele, havia uma senhora que sorria com os olhos.
Seu nome era Maria Rita, e me foi apresentada como médica
psiquiátrica.
— Não há nada que possamos fazer, doutor? — meu pai, que
havia passado a noite comigo e minha mãe, indagou.
— Além da psicoterapia, é preciso esperar... a amnésia
dissociativa acontece por uma série de fatores. No caso do Lucca,
foi o trauma do acidente. É uma forma inteligente de o nosso
cérebro bloquear algo traumático pelo qual nós passamos para
evitar um impacto agressivo a nós mesmos.
— E por que eu não me lembro do resto? Por que perdi
malditos cinco anos? — perguntei.
— Pode acontecer, Lucca. Nossa mente é uma caixinha de
surpresas, nunca podemos saber com certeza do que ela é capaz
— explicou. — Você precisa ter paciência, sei que é difícil... mas
trabalharemos juntos para que você consiga lidar com algumas
questões.
— Quais questões? — Desviei o olhar dos médicos para os
meus pais. — Por qual motivo Laura não está aqui comigo? O que
aconteceu nesses cinco anos?
Não deixei de notar que tanto meu pai quanto a minha mãe
olharam para o doutor Augusto em um claro pedido de socorro. O
médico, por sua vez, devolveu o olhar com uma expressão
resignada, acompanhada por um leve e quase imperceptível aceno
de cabeça.
— Você e Laura não estão mais juntos há muito tempo, figlio
— meu pai disse, e eu senti um gosto amargo na minha boca.
O que... como terminamos se iríamos noivar? Se nos
amávamos?
— Por que nós terminamos? — indaguei, sentindo minha
mandíbula doer, de tão tenso que estava.
Mamma fugiu do meu olhar, mas papai o manteve em mim. Os
segundos que antecederam a sua resposta pareceram uma
eternidade. Era melhor que me respondesse logo, essa situação já
estava ficando exaustiva para mim. Já nem me lembrava mais de
quantas vezes havia perguntado por ela.
— Laura se foi, Lucca. Ela foi embora há alguns anos, e
faleceu. Estava doente.
Fiquei esperando a sensação de ter o coração destruído, fiquei
esperando pela falta de ar, pelo nó na garganta. Pela angústia de tê-
la perdido, mas nada aconteceu. A única coisa que eu senti com a
frase do meu pai foi surpresa.
Flashes de um tempo que não me parecia muito distante
invadiram a minha mente. Memórias confusas do dia em que meus
pais me deram a notícia do seu falecimento se misturavam. Eu
conseguia me lembrar vagamente da dor excruciante que senti, do
quanto sofri com a notícia. E esperei sentir tudo aquilo de novo. Mas
nada aconteceu.
— Lucca, pode me dizer o que você está sentindo? — Maria
Rita perguntou com a voz doce.
— Nada. Por que eu não estou sentindo nada, quando deveria
estar sofrendo? A mulher com quem eu me casaria está morta e eu
não estou sentindo nada! — grunhi, perplexo.
Que maldita peça o meu cérebro estava me pregando?
Capítulo 34
OURO PRETO, MINAS GERAIS, BRASIL

 
ROMEO CAVALIERI

 
Porra!
Meu amigo estava preso dentro da sua própria mente, e eu
não podia fazer nada para o ajudar. Alícia estava desolada, e
grávida do homem que amava, mas que não se lembrava dela.
Tudo estava uma grande merda, por causa de um maldito
acidente. Por causa de um maldito lunático que eu teria o maior
prazer de destruir com as minhas próprias mãos. Ninguém seria
capaz de machucar alguém que eu amava e pensar que poderia sair
ileso.
Meu celular vibrou em minhas mãos, era Gustavo.
— E então? — atendi.
— Achamos o local em que a ratazana está escondida!
— Porra, até que enfim! — vibrei. — E onde está esse
bastardo?
— Em um buraco na divisa entre o Mato Grosso do Sul e a
Bolívia, estava tentando atravessar a fronteira. Já foi cercado pelos
meus homens e está sendo trazido para cá.
— Antes que o entreguem para a polícia, preciso de um tempo
com ele.
— Eu sei. Você terá esse tempo desde que me prometa que
não vai sujar as suas mãos.
— Sinto muito, mas não posso prometer nada, Gustavo. Esse
desgraçado sabotou o carro da melhor amiga da minha mulher. Ele
quase matou o meu irmão, porra!
Só de pensar que Lucca poderia não estar vivo naquele
momento senti algo me pressionar, me esmagar.
— Entendo a sua raiva, mas você sabe melhor do que eu que
não devemos fazer justiça com as próprias mãos. — Suspirou
pesadamente. — De qualquer forma, deixar o rosto daquele filho da
puta desconfigurado não me parece tão ruim.
— Me avise a hora que ele chegar, e o local onde estará.
— Ok, até logo.
Nós nos despedimos e quando me virei para sair do escritório,
Isabela estava escorada na porta, encarando-me atentamente. Pelo
olhar que a minha bella me lançava, percebi que ela tinha ouvido
mais do que deveria.
— Bella.
— Não me venha com bella, Romeo. Que história é essa de
que não pode prometer nada? O que você pretende fazer? —
indagou, fazendo um beicinho bravo.
Caminhei até ela, encarando-a intensamente, completamente
louco e maluco a cada dia que se passava. Observei a barriga
redonda que carregava mais um filho meu, e o meu lado possessivo
aflorou ainda mais.
Ela era minha, e eu era um figlio di puttana cheio de sorte.
— Isaac foi encontrado.
— E? Vocês vão entregá-lo à polícia, certo?
— Sim, bella. Mas antes preciso acertar umas coisas com o
desgraçado.
— Romeo!
— Per favore, amore mio. Não quero que se preocupe, não
sujarei minhas mãos, embora esteja sedento por isso.
— Promete?
— Prometo. Fique tranquila, ok? Não quero que se estresse
com nada.
Beijei os lábios doces e o gemidinho que deu, demonstrou que
estava completamente rendida. Alisei a barriga e senti um chute do
nosso menino. Ele sabia que era o seu papà.
— E a Alícia? — indaguei.
— Do mesmo jeito, está tão difícil ver a minha amiga naquele
estado. — Suspirou. — Ela sabe que Lucca não tem culpa do que
está acontecendo, mas diz que dói muito saber que ele não a
reconhece.
Não era apenas isso. Alícia não queria que ninguém falasse
sobre ela para Lucca. Seu nome não deveria ser tocado a não ser
que ele se lembrasse. Ela explicou os motivos e entendemos
perfeitamente... a apoiaríamos na sua decisão, que para mim, era
muito nobre.
Alícia não o deixou, nem o deixaria. Ela apenas decidiu dar
uns passos para trás para que Lucca conseguisse se lembrar dela
sem interferência de ninguém. Sozinho. E torcíamos para que isso
acontecesse em breve. Meu amigo a amava, bastava que se
lembrasse.
— Cazzo!
— Espero que Lucca se lembre e tudo isso acabe logo... ela
está grávida e desde que descobriu ainda não pôde aproveitar
plenamente a notícia — murmurou em um muxoxo.
Lucca precisava saber que seria pai, mas seria extremamente
difícil dar uma notícia daquelas quando ele sequer se lembrava de
Alícia. De acordo com as últimas informações que Guido me
passou, ele já estava consciente do que havia acontecido com
Laura, e, estranhamente, o meu amigo não esboçou nenhuma
reação. Nenhum sofrimento.
Contudo, as memórias continuavam perdidas.
 

 
Cheguei em frente ao endereço que Gustavo havia me
passado. Era hora de acertar contas com o bastardo do Isaac. Ele
pagaria pelo que tinha feito, apodreceria na cadeia, mas eu não o
pouparia de uns dentes, ou nariz, ou costelas quebrados. Ou os três
juntos.
Alguns dias após o acidente de Lucca, recebemos o relatório
de análise da perícia e da seguradora, onde constava a informação
de que o sistema de freio do carro havia sido sabotado. Por isso, ao
descer a ladeira, meu amigo não conseguiu frear a tempo de evitar
o pior.
Como antes do final de semana o carro de Alícia estava em
perfeito estado, eu, Gustavo e o delegado Rossi, que havia me
ajudado há algum tempo, fomos até o hotel em que Lucca sempre
ficava hospedado e conseguimos acesso às câmeras de segurança.
Tudo aconteceu no domingo em que eles passaram o dia na
minha casa e de Isabela. Como foram até lá no carro de Lucca,
acompanhados pelos seguranças, Isaac, que provavelmente já
estava por perto, atento, aproveitou a oportunidade de sabotar o
veículo de Alícia, já que nunca conseguiria se aproximar dela.
Apesar de o tempo estar meio nublado quando ele cometeu o
crime, a qualidade das imagens estava excelente. Foi possível
visualizar com clareza o momento em que o infeliz rasgou o pneu, e
ficou por mais alguns minutos mexendo no cabeamento. Aquela não
era uma área muito movimentada, o que facilitou para que o
desgraçado fizesse tudo sem ser pego.
Entretanto, ele não era tão inteligente quanto achava. Além de
não ser capaz de pensar na hipótese de ter câmeras, ele também
não se preocupou em não deixar as digitais na lataria do carro.
Caminhei na direção do galpão, notando que, além do carro de
Gustavo, havia outros três. Enquanto eu me perguntava
silenciosamente quem estava ali, o barulho de um tiro soou alto,
fazendo com que eu acelerasse os meus passos.
Mas que porra...
Abri a porta com um chute e a primeira coisa que vi foi um
corpo desfalecido. Com um buraco bem no meio da testa, e uma
poça de sangue escorrendo pelo chão sujo e fétido.
O pai de Alícia, Joaquim, segurava a arma e encarava o corpo
já sem vida de Isaac com puro asco. Além dele, estavam ali o seu
filho, Max, o delegado Rossi e Gustavo. Perplexo, observei Rossi
caminhar até Joaquim e tirar a arma da sua mão. Pela breve
interação entre os dois, percebi que já se conheciam.
Provavelmente pela profissão interligada.
— Que porra... — murmurei, e Gustavo veio para o meu lado.
— Parece que tinha alguém tão louco por justiça quanto você
— disse, e Joaquim nos encarou.
— O que vocês viram aqui foi legítima defesa — o delegado
Rossi avisou, sem dar qualquer margem para discussão. — Tive
que atirar antes que ele atacasse o doutor Castro. — Pela forma
respeitosa como chamou Joaquim, confirmei minhas suspeitas de
que eles, de fato, se conheciam há algum tempo.
Naquele instante, os cinco homens presentes no galpão
firmaram um pacto de silêncio. Levaríamos para o túmulo o que
havia acontecido ali. Ninguém, em hipótese nenhuma, saberia que
foi o pai de Alícia quem atirou. Não mentiríamos para ninguém,
apenas omitiríamos um fato, pelo bem de todos.
— Ninguém machuca a minha filha e fica impune — Joaquim
disse, o olhar sombrio teria me assustado se eu fosse um homem
medroso. — O filho da puta teve o que mereceu por isso e por
quase ter deixado o meu neto ou neta sem pai. — Em seguida, deu
dois tapinhas no ombro do delegado e se retirou, com Max ao seu
encalço.
Rossi pediu licença para falar ao telefone, deixando-me a sós
com Gustavo.
— Que porra aconteceu aqui?
— O filho da puta falou muita merda, Romeo, confessou tudo.
Foi ele o responsável pelo atropelamento de Alícia, pelas
mensagens e ameaças, como desconfiávamos desde o início.
— E qual a motivação para isso?
— Ter sido rejeitado por ela. Pouco tempo depois daquele dia
em que tivemos acesso às imagens de segurança do hotel,
descobrimos que Isaac tinha três ordens de restrição de mulheres
diferentes pelos mesmos motivos que Alícia alegou. Perseguição,
ameaças...
— Maldito! — Olhei com escárnio e sem nenhum remorso para
o corpo morto no chão. — Queria ter chegado uns minutos antes
para ter dado um soco na cara desse infeliz.
— O irmão da Alícia fez isso. Tivemos que tirá-lo de cima de
Isaac antes que o matasse na pancada.
Não me senti culpado por ter ficado aliviado ao saber daquilo.
Max havia lavado a minha alma, e Joaquim fez um favor para o
mundo ao acabar de vez com aquele bastardo. Menos uma escória
na sociedade.
— Ele teve o que mereceu — grunhi com desgosto.
— Isso só aconteceu porque Isaac provocou Max e Joaquim,
falou coisas nojentas, pesadas. — Referiu-se ao tiro.
Gustavo me deu alguns detalhes e fiquei enojado... as coisas
sórdidas que o maldito disse, inclusive da intimidade com Alícia. Eu
pouparia Lucca daquilo. Meu amigo ficaria perturbado se soubesse
as coisas asquerosas que ouvi. Pensei no Joaquim e no Max
escutando tudo... se o ódio já tomava conta de cada célula do meu
corpo, nem podia imaginar como eles estavam se sentindo.
— Desgraçado! Filho da puta!
— Ele estava completamente fora de si, não falava nada com
nada. Misturou os próprios pais na história, o que me leva a crer que
foi abandonado quando criança. Enfim, buscarei descobrir tudo para
incluir no inquérito.
— Nada justifica o que fez, que sofra cada minuto no inferno —
bradei, cerrando os punhos. — Como você chegou até esse
desgraçado?
— Não foi difícil, tenho contatos importantes e de confiança
espalhados por todo o Brasil. Enviei uma foto dele para essas
pessoas e não demorou muito para que alguém dissesse a um dos
meus homens que o tinham visto.
Gustavo era bom no que fazia, eu sabia disso há muito tempo.
Ele mantinha discrição nos trabalhos que exercia, mas eu tinha
quase certeza de que estava envolvido com outros serviços além
das investigações, como por exemplo, suspeitava que trabalhava
em alguma agência secreta do governo. Ele me nunca disse
absolutamente nada, mas eu tinha as minhas desconfianças de que
essas investigações particulares eram apenas um hobby para ele.
— E agora, o que acontece? — perguntei.
— Agora vamos embora... a equipe do delegado Rossi
chegará em breve e ele resolverá tudo.
— Não sabia que ele e Joaquim se conheciam.
— Pelo que eu entendi, Rossi devia um grande favor a ele, por
algo que Joaquim fez por ele no passado — disse.
— Entendi. Ok, peço que me mantenha informado sobre o
andamento do inquérito.
— Pode deixar. Agora tente relaxar um pouco... acabou! —
pediu, dando dois tapinhas no meu ombro. — Muito em breve
teremos o desfecho judicial e vocês poderão seguir em paz.
Eu o agradeci, mais uma vez, por tudo. No entanto, aquilo
infelizmente ainda estava longe de acabar. Meu amigo havia perdido
a memória e não tínhamos a menor ideia de quando ele a
recuperaria.
E se recuperaria.
 
Capítulo 35
BELO HORIZONTE, MINAS GERAIS, BRASIL

 
LUCCA MASERATI

 
Surpreendendo mais uma vez a medicina, dia após dia,
minhas memórias iam voltando, aos poucos. Nada muito claro, mas
flashes de algumas coisas que aconteceram nos últimos cinco anos
surgiam espaçadamente.
A psicoterapia estava me ajudando a encontrar as respostas, a
lidar com toda aquela confusão interna. Alguns dias haviam se
passado desde que acordei e eu já estava bem mais calmo e menos
angustiado.
Na verdade, estava oscilando entre momentos mais tranquilos
e outros mais agitados. As informações sobre a minha vida eram
inseridas aos poucos também, situações esporádicas sobre a
AURUM, sobre os meus pais. Tudo que pudesse auxiliar no
tratamento.
Quanto ao acidente em si, por ordem médica, acabei sendo
poupado de maiores informações. E, sinceramente, tinha coisas
mais importantes para tentar me lembrar do que um maldito
acidente que quase tirou a minha vida.
Hoje seria o dia que, enfim, eu receberia alta médica. Não
aguentava mais ficar trancado nesse hospital. Com certeza voltar à
rotina me ajudaria também... precisava voltar para a Itália, para o
trabalho. Para o jiu-jitsu, tão logo fosse liberado.
Eu estava sentado na poltrona do quarto, lendo um livro,
quando Romeo entrou pela porta. Levantei-me, já sem dificuldades,
pois estava fazendo fisioterapia todos os dias desde o acidente.
— E aí, irmão, como você está? — perguntou, abraçando-me.
— Bem, esperando o médico passar por aqui para me dar alta.
— Que ótimo, eu fiquei sabendo. Seu pai me avisou.
— Não vejo a hora de voltar para a Itália, para a empresa.
Preciso da minha rotina de volta. — Romeo me encarou.
— Vá com calma, Lucca.
— Eu sei, eu sei... só estou com gás para voltar ao trabalho.
Ainda não acredito que conseguimos, cara... estamos expandindo a
AURUM exatamente como esperávamos — falei, não podia negar
que estava animado.
Saber que tudo aquilo que havíamos almejado
profissionalmente estava se concretizando era muito melhor do que
eu poderia imaginar. E além de tudo que me falou, aliás, lembrou,
sobre os últimos anos da empresa, ele também me contou sobre a
sua história com Isabela, e como tudo tinha terminado, pegando-me
totalmente de surpresa.
Uma coisa era certa, depois que deixou o ódio e toda a sede
de vingança para trás, meu sócio se tornou um homem
completamente diferente. Era nítido o amor que sentia pela esposa
e pela família que estavam construindo juntos.
Comentei com o meu amigo sobre mais algumas coisas que
havia me lembrado, e resolvi perguntar mais uma vez sobre a
mulher misteriosa que estava no meu quarto quando acordei e que
ninguém disse mais nenhuma palavra sobre ela. Nem mesmo
quando eu perguntava, já que todos fugiam.
Esforçava-me a cada dia para tentar me lembrar de qualquer
coisa sobre ela, a mulher que vi apenas uma vez, mas não me
esqueci de nenhum detalhe. Contudo, nada me vinha à mente... só
sentia meu coração descontrolado cada vez que eu pensava nela.
O doutor Augusto chegou a realizar diversos exames após eu
insistir que estava com algum problema cardíaco, mas os resultados
só mostraram que o meu corpo estava perfeitamente saudável.
— E a morena que estava ao meu lado quando acordei? —
perguntei.
— Você se lembrou de alguma coisa? — Romeo me lançou
um olhar diferente.
— Nada, estou contando com a sua ajuda para isso. Quem é
ela?
— Sinto muito, Lucca... não tenho permissão para falar nada.
Cazzo! Se ele me contou tantas coisas, por que não podia falar
dela?
— Pensei que fosse meu amigo — grunhi.
— E eu sou. Mas você precisa se lembrar, e eu tenho certeza
de que vai.
— Não queria ir embora sem resolver essa situação — falei, na
vã esperança de que ele fosse dizer alguma coisa.
Porém, Romeo estava irredutível.
— Eu não irei interferir nisso. Você é quem deve decidir se fica
ou se vai.
Eu já tinha tomado a minha decisão. Voltaria para a Itália
porque lá era a minha casa, o meu lar, onde estava a minha
empresa. E quem sabe, estando em casa, eu conseguisse me
lembrar de alguma coisa, qualquer coisa que me ligasse a ela.
A mulher que fazia meu coração acelerar, mas que eu não
fazia a menor ideia de quem era.
 

 
PALERMO, SICÍLIA, ITÁLIA

 
Diferente do que imaginei, ao desembarcar em Palermo, senti
como se aquele não fosse o meu lar. Senti-me angustiado de uma
forma que não me sentia estando no Brasil, como se faltasse
alguma coisa.
Cheguei à minha cobertura e a sensação era a mesma.
De que eu tinha tido um pedaço de mim arrancado. De uma
maneira inexplicável, aquele que eu considerava o meu santuário
particular, agora me sufocava. Parecia errado estar ali, eu estava
me sentindo incompleto.
Fui direto para o escritório que eu tinha na cobertura. Minha
vontade era de ir para a AURUM, porém, se eu aparecesse por lá,
meu pai seria capaz de me expulsar. Ele e a dona Liliana tinham
voltado para a Itália poucos dias antes de eu receber alta médica.
Sentei-me em frente ao notebook e o liguei. Felizmente a
tecnologia avançava a cada dia, e não precisava de senha, pois o
desbloqueio era feito por reconhecimento facial. Assim que abri o
meu e-mail, levei um susto com a quantidade de não lidos na caixa
de entrada. Eu costumava receber entre cinquenta e cem e-mails
diários, agora multiplicando pela quantidade de dias em que estive
ausente, parecia não ter mais fim.
Eu não era alguém que gostava de ser controlado ou de
receber ordens. No entanto, prometi aos meus pais e aos meus
médicos de que iria com calma. E só faria isso porque eu sabia que
se forçasse demais, poderia ferrar com todo o avanço que tive até
aqui.
Abri a gaveta para pegar o bloco de anotações e meus olhos
quase saltaram de órbita ao ver o que tinha ali dentro. Uma calcinha
vermelha minúscula, de renda. Peguei a peça nas mãos, tentando
imaginar como aquilo tinha ido parar ali.
E o principal, quem era a dona da lingerie.
Fechei meus olhos e respirei fundo. Um flash rápido passou
em minha mente... às vezes parecia que eu estava tão perto de
recuperar tudo que perdi. Tudo que se perdeu em minha memória.
Em outras, parecia cada vez mais distante.
Passei um bom tempo lendo alguns e-mails, inteirando-me do
que estava acontecendo na AURUM, bem como do que tinha
acontecido nos últimos anos. Eu sentia falta de tudo aquilo, daquela
rotina de trabalho insana, da minha rotina.
Só parei de trabalhar quando comecei a sentir fome. Segui
para a cozinha e preparei uma das refeições que minha mãe havia
feito e deixado congelada para quando eu retornasse.
Ao terminar, satisfeito, fui para o meu quarto, sentindo-me um
estranho dentro da minha própria casa. Aquela sensação ainda
permanecia, de que ali não era o meu lugar. De que algo não estava
certo.
Caminhei até o meu closet, e abri uma das portas para pegar
um moletom. Observei que, em meio às milhares de roupas
masculinas, ternos, moletons, havia uma blusa de seda branca,
pequena. Peguei a peça delicada nas mãos e a trouxe para o meu
nariz, em busca de algo que me fizesse lembrar.
Aquele perfume... eu reconhecia. Mas de onde?
Fechei os olhos e fui tomado por um déjà-vu. Contudo, tão
rápido quanto veio, se foi. Meu corpo reagiu de imediato,
reconhecendo aquele cheiro, mas minha mente se mantinha na
escuridão.
Depois de alguns minutos segurando a peça nas mãos,
coloquei-a de volta onde estava e, ao puxar o moletom, um
envelope que, provavelmente estava dentro de algum bolso, caiu no
chão.
Quando o abri e vi o que tinha dentro, fiquei em um completo
estado de choque.
 
“Lucca,
Se você está lendo essa carta, significa que eu parti... e que você me perdoou.
Antes de perder completamente o controle das mãos, decidi escrever para te
agradecer por tudo que você foi para mim. Não apenas isso, mas para dizer que, enquanto
eu respirar, serei grata por tê-lo conhecido, por ter tido a sorte de aprender a amar com
você, e por ter sido tão amada.
Eu desejarei, até depois do meu último suspiro, que você seja muito, muito, muito
feliz. Que tenha muito sucesso profissional, que encontre um amor, forme uma família,
tenha filhos. Se eu pudesse fazer um último pedido, pediria que não abandonasse os seus
sonhos por nada... eles são preciosos.
A mulher que um dia tiver o seu coração, será uma pessoa de muita sorte. E eu
estarei torcendo, de onde estiver, para que, quando você estiver lendo essa carta, ela já
exista.
Tenha uma linda vida!
Laura.”

 
Eu já li essa carta antes.
E ao me dar conta daquilo, uma enxurrada de lembranças
surgiram, uma atrás da outra. Minha última noite com Laura, a sua
partida, os anos em que passei amargurado, a notícia do seu
falecimento, meus pais e Romeo ao meu lado em todos os
momentos, me dando suporte... a conversa com Fabiana e Lauro, o
perdão.
Como uma cascata, lembrança por lembrança foi surgindo.
Memória por memória.
À medida em que eu me recordava de tudo, dela... meu
coração acelerava dentro do peito. Tudo veio tão forte. O seu
perfume, o som da sua voz, o gosto da sua boca, o calor do seu
corpo. O nosso encaixe. Tão perfeito.
Ela... Alícia Castro.
Ela... a mulher que a minha mente não sabia quem era, mas
que o meu coração nunca esqueceu. Minha principessa, a mulher
da minha vida, a mulher pela qual eu era completamente
apaixonado. A mulher com quem eu queria me casar, ter filhos,
envelhecer ao lado.
Sim, porra! A mulher que tem o meu coração nas mãos já
existe. E eu destruí o seu.
“Volte para mim, meu amor. Volte para nós. Precisamos de
você.”
O som da sua voz me atingiu como uma avalanche. Não sabia
quando tinha ouvido aquilo, mas sabia que Alícia tinha falado. Eu
reconheceria aquela voz até o fim da minha vida. Ela provavelmente
havia dito quando eu estava em coma.
Peguei o meu celular novo, já que o outro ficou completamente
destruído no acidente. Liguei para o Romeo, sequer me importei de
que no Brasil ainda era madrugada. Ele precisava me ajudar. Não
tinha como eu ficar mais um minuto em Palermo, não quando o meu
lar era nos braços dela. E descobri então o motivo de estar me
sentindo um estranho na minha própria casa. Alícia não estava aqui.
Cazzo!
— Lucca, está tudo bem? — atendeu, preocupado.
— Eu me lembrei, porra! Eu me lembrei dela, Romeo! Me
lembrei da minha Alícia.
— Que ótima notícia, irmão. Se lembrou de tudo? — Ele
parecia feliz e empolgado com a novidade.
— Absolutamente tudo. Laura e toda merda que ficou para
trás... cada detalhe de todos os dias vividos com Alícia. Lembrei de
tudo, até o momento em que troquei o pneu do carro dela pelo
estepe... do acidente em si, não me lembrei de nada. Porra! Como
ela está? Que maldito figlio di puttana eu fui.
— Antes de mais nada, se acalme. Alícia está bem... e você
não precisa se culpar. Isso tudo foi uma fatalidade.
— Eu a machuquei, Romeo. Ainda me lembro da forma como
me olhou no hospital... eu rejeitei o seu toque — desabafei,
desesperado.
— Lucca, você a conhece muito melhor do que eu. Alícia sabe
de tudo que você passou, ela esteve ao seu lado todos os dias
daqueles dois meses, não saiu do hospital para absolutamente nada
— contou, e meu coração esmagou um pouco mais dentro do peito.
Alícia não havia me deixado, em nenhum momento.
O que eu fiz conosco, principessa?
— Não posso ficar mais nem um segundo aqui, ou vou
enlouquecer. Irei para o aeroporto e pegarei o primeiro voo para o
Brasil.
— Você acabou de viajar para a Itália, Lucca... mas imagino
que não vai adiantar que eu peça para ter calma, certo? —
questionou, retoricamente.
— Não, agora que minha memória voltou nada vai me parar.
Eu preciso ir até ela e dizer que a amo, que ela, só ela é a mulher
da minha vida.
Alícia precisava saber que eu a amava. Desesperadamente...
loucamente.
— Seja o homem racional que sempre foi, e faça as coisas
com calma. Me avise a hora do voo, irei buscá-lo em Belo Horizonte.
Temos alguns assuntos a tratar antes de você ir até a Alícia.
— Ok! Ah, antes que eu me esqueça, preciso da sua ajuda e
da ajuda de Isabela...
— Claro, me diga o que você precisa.
Expliquei tudo ao meu amigo, que escutou cada palavra dita
por mim com máxima atenção. Eu precisava muito mais do que falar
que a amava. Eu precisava provar o meu amor. Do jeito que Alícia
merecia.
Antes de ir para o aeroporto, no entanto, eu tinha que passar
em uma joalheria. Não poderia voltar para o Brasil sem antes
comprar um anel de noivado digno da mulher que era dona do meu
coração.
 
Capítulo 36
OURO PRETO, MINAS GERAIS, BRASIL

 
ALÍCIA CASTRO

 
Parada em frente ao espelho, nua, como fazia todos os dias ao
acordar, observei o pequeno montinho em meu ventre um pouco
maior do que ontem. Não tive como não sorrir, minha sementinha foi
a melhor coisa que aconteceu durante dias tão turbulentos.
— Eu amo você, meu amor... e tenho certeza de que o papai
também a amará muito quando souber da sua existência —
murmurei.
Era o que eu desejava todos os dias, que Lucca se lembrasse
de tudo e voltasse para mim. Quando tomei a decisão e pedi para
que não falassem nada para ele sobre mim, era com o intuito de que
se lembrasse naturalmente. Não queria que fosse uma coisa
imposta, ou forçada. E tive a minha decisão respeitada.
Em meu íntimo, eu sabia que algum dia ele se lembraria. No
entanto, conforme os dias se passavam e nada mudava, eu era
tomada pela insegurança, pelo medo de que levasse muito tempo. E
a saudade me sufocava.
Volte para mim, meu amor...
Minha vida estava seguindo, mesmo com a ciência de que
faltava algo. Faltava ele. A rotina, que antes era uma coisa que eu
não gostava, agora era a única que fazia com que eu conseguisse
me concentrar nas minhas pinturas. No meu trabalho.
Ao menos uma coisa estava resolvida em meio a tantas
pendências. O medo que eu tinha de sair de casa, o pânico que às
vezes me dominava só de imaginar em encontrar Isaac em qualquer
lugar havia desaparecido por completo. Nada mais aconteceria
comigo, porque o responsável pelas ameaças que sofri, pelo meu
atropelamento e por quase ter matado o amor da minha vida, estava
morto.
Eu sabia que a felicidade pela morte de alguém não era uma
coisa legal de se sentir, no entanto, eu não me culpava pelo alívio
de saber que Isaac havia falecido. Quando papai me deu a notícia,
senti como se um peso imenso tivesse saído das minhas costas.
Nem quis saber dos detalhes, não me importava, o que bastava
para mim era a certeza de que ele não nos faria mal nunca mais.
Respirei fundo e segui para o banheiro. A ducha quente e forte
bateu em meu corpo e fez o seu papel com maestria. Depois de
uma noite de sono tranquila, ela só veio para complementar o
trabalho de me relaxar.
Tomei um banho demorado, coloquei um vestido justinho que
evidenciava a minha barriga e desci as escadas a caminho da
cozinha para tomar um café da manhã reforçado. Desde que
descobri a gravidez, estava sendo paparicada e mimada de todos os
lados.
— Bom dia — cumprimentei mamãe e papai, que estavam
distraídos em um cochicho. — Posso saber o que vocês estão
falando tão baixinho? — brinquei.
Eles desviaram o olhar para mim e sorriram em sincronia.
— Bom dia, filha! — disseram em uníssono, e sorrimos.
— Como vocês estão hoje, querida? — mamãe perguntou,
alisando minha barriga quando me sentei ao seu lado.
— Estamos bem, e com muita fome, vovó — respondi.
— Ah, que notícia maravilhosa — disse, emocionada. —
Preparei aquele pãozinho de queijo que você adora, e fiz um bolo de
laranja com mel.
— Uau! Você é a melhor mãe do mundo inteiro. — Dei um
beijo no seu rosto.
Papai nos encarava com encantamento. Como se fôssemos
duas joias preciosas, e era isso que significávamos para ele, como
já disse incontáveis vezes.
— E o senhor é o melhor pai do mundo. Como sou grata por
ter vocês na minha vida — agradeci, e eles sorriram.
Meu celular tocou e vi o nome de Isabela na tela, atendi no
mesmo instante.
— Oi, amiga.
— Ali! Tudo bem? — indagou, sua voz parecia animada.
— Tudo, e você? A que devo a honra dessa ligação tão cedo?
— Quero que você vá a um lugar comigo hoje. Sei que é
sábado e você precisa descansar, mas é importante.
— Que lugar? — questionei, curiosa.
— Explicarei para você no caminho. Passarei aí em meia hora,
consegue ficar pronta?
— Sim... tudo bem. Espero você então.
Nós nos despedimos, e meus pais me lançaram seus olhares
curiosos.
— A Isa precisa que eu vá em um lugar com ela — falei, dando
de ombros.
Eles não disseram nada, apenas trocaram um rápido olhar
entre si e voltamos a conversar enquanto tomávamos café da
manhã. Eu tinha vinte minutos para me alimentar, e usaria os outros
dez para escovar os dentes, pegar minha bolsa e esperar a minha
amiga.
 

 
— Para onde estamos indo? — inquiri, assim que entrei no
carro e cumprimentei Isabela.
— Então, coisa do Romeo. Ele colocou na cabeça que quer
comprar outra casa, e pediu que eu fosse ver hoje. Ele ia me levar,
mas como surgiu um imprevisto da empresa, precisará resolver. E
como a visita já estava agendada, decidi convidar você.
— Outra casa? — perguntei, confusa, e ela deu de ombros.
Fiquei reflexiva, observando o sorriso de orelha a orelha da
minha amiga, sentindo-me feliz por ver a sua felicidade. Por um
breve segundo, tive vontade de estar no seu lugar. Tive vontade de
ser surpreendida pelo homem da minha vida.
Mas ele não se lembrava de mim.
— E esse garotão, como está? — indaguei, observando a
barriga redonda que crescia a cada dia.
Nem nos nossos melhores sonhos, imaginávamos que
ficaríamos grávidas juntas. A gestação da Isabela estava mais
avançada do que a minha, no seu casamento, ela já sabia que
estava com um bebê dentro dela. Já eu, engravidei e descobri
algum tempo depois.
— Pesado e me dando uma canseira. A médica disse que ele
será do tamanho do pai, então você pode imaginar — disse,
sorridente e corada. — E a nossa sementinha?
No último exame já poderíamos ter visto o sexo se a
sementinha não estivesse com as perninhas cruzadas. Meus
instintos maternos me diziam que era uma menina, mamãe e
Isabela também apostavam nisso. No entanto, se fosse menina ou
menino, não importava. Eu já amava esse pequeno serzinho com
todo o meu coração.
— Está bem, me fazendo comer por dois, literalmente.
— É exatamente assim. Está crescendo — disse, enquanto
deslizava o olhar rapidamente pelo meu ventre, antes de voltar a
sua concentração para a direção.
— Você acha? — perguntei.
— Com certeza... o vestido mais justo evidenciou bem a
barriguinha. Você está linda, Ali... você já tinha um brilho natural,
mas a maternidade deu a você uma luz incomum.
Eu também sentia isso, apesar dos pesares.
Observei o GPS nos levando para o bairro em que a minha
amiga morava, mas passamos da rua que ia para a sua casa. Seu
carro fez uma curva à direita e entramos em uma rua vizinha,
arborizada e linda como as demais da região.
— Romeo quer mesmo comprar uma casa praticamente ao
lado da que vocês já moram?
— Quando o homem coloca uma coisa na cabeça, não há
quem tire — respondeu, sucinta.
Ao adentrarmos pelos portões, fiquei realmente impressionada.
Eu já achava a casa de Isabela e Romeo incrível, perfeita. Contudo,
a casa em que estávamos entrando parecia um sonho. Quando eu
tivesse a minha própria, certamente seria naquele estilo. Era do jeito
que eu gostava, e se a minha amiga precisava de uma opinião, ela
já tinha.
Mesmo que não tivesse visto nada por dentro, já a escolhi.
— Uau!
— Nossa, é linda mesmo — disse, perplexa.
Estacionamos em frente à mansão que tinha um estilo
extremamente parecido com a Casa Branca, residência oficial do
presidente dos Estados Unidos. Toda branca, gigantesca, e com um
jardim imenso à frente.
Era um sonho.
Saímos do carro e caminhamos pelo percurso até nos
aproximarmos da varanda da casa. Minha amiga começou a mexer
na bolsa, procurando por alguma coisa, enquanto eu olhava
encantada para cada canto daquele terreno, desde os jardins, até a
construção em estilo neoclássico.
— Droga, esqueci meu celular no carro. Amiga, vai entrando
na casa que eu já volto, por favor — falou e nem me deu tempo para
respostas, já foi andando rápido até o seu carro.
Fiz o que ela pediu, sabendo que estávamos uns minutinhos
adiantadas do horário que tinha me dito que deveria estar ali. Entrei
pela casa e passei pelo pequeno hall que nos levava aos outros
cômodos.
Meus pés se fixaram no chão à minha frente, quando percebi a
trilha de pétalas de rosa pelo chão, seguida por um caminho de
velas. Olhei para trás, totalmente confusa e avistei o carro da minha
amiga saindo pelos portões.
— Mas o que...
Quando me virei, fui invadida pelo perfume conhecido, e pelo
qual eu era perdidamente apaixonada. Sem que eu tivesse controle
das minhas próprias pernas, segui o caminho indicado pelas pétalas
e pelas velas... meu coração acelerou dentro do peito, minha
respiração ficou ofegante. E me senti fraquejar com a visão à minha
frente.
O homem da minha vida estava no meio da sala, segurando
um gigantesco buquê de rosas. Quando me viu, seu olhar me
percorreu inteira, quente, intenso, do jeito que eu me lembrava. Um
formigamento subiu pelo meu corpo, e não consegui falar nada.
Minha primeira reação foi correr para os seus braços. Eu
estava com tanta saudade, que o resto poderia esperar... eu só
precisava sentir o seu calor. Conforme me aproximava dele, Lucca
colocou o buquê no sofá ao seu lado e abriu os braços para me
receber, presenteando-me com o sorriso que era o meu preferido no
mundo.
Eu o agarrei pelo pescoço e respirei profundamente, certa de
que agora tudo fazia sentido. Tudo estava no seu devido lugar.
Lucca se lembrou de mim e não precisou me falar nada. O seu
olhar me disse tudo.
— Meu amor — sussurrei, apertando-o todo para ter certeza
de que era real. — Como eu senti a sua falta — choraminguei.
Não contive as lágrimas, os hormônios estavam me deixando
uma verdadeira bagunça. Seus braços apertaram-me fortemente
contra o seu corpo, e suas mãos acariciavam suavemente a minha
coluna.
Lucca enfiou o rosto em meu pescoço e suspirou
audivelmente.
— Cazzo! Que saudade, principessa!
Sua mão subiu, puxando meu cabelo e colocando meu rosto
de frente para o seu. Lucca me encarou por muitos, muitos
segundos. Como se quisesse gravar cada detalhe do meu rosto.
E então ele mergulhou seus lábios nos meus, e eu fui ao céu.
Sua língua me reivindicou, cheia de saudade e posse. Fiquei
molinha em seus braços, como sempre acontecia quando ele me
tocava. Soltei um gemido que era uma mistura de choro e lamúria.
Tantas emoções me dominando.
Eu estava tão feliz que não conseguia nem explicar. Esperei
tanto por esse dia, tive tanto medo de que demorasse demais. E por
mais que não tivesse demorado tanto assim desde que acordou,
para mim os dias que se passaram longe dele duraram uma
eternidade.
— Eu te amo, meu amor! Te amo, te amo, te amo! — Cessei o
beijo, depositando selinhos por todo o rosto bonito e másculo.
— Ti amo così tanto — murmurou, seus olhos estavam
avermelhados, como se estivesse contendo firmemente a emoção.
— Me perdoe por fazê-la sofrer.
— Você não teve culpa de nada, Lucca. Não se culpe, por
favor...
— Como pode ser tão perfeita — grunhiu, beijando-me
novamente. — Sou um homem de sorte.
Sorri e o abracei mais uma vez, dando um longo e audível
suspiro. A sensação era de que eu estava ainda mais apaixonada
por ele. E talvez estivesse mesmo, afinal, o pedacinho dentro de
mim também o amava.
Lucca se afastou de mim com relutância, seus olhos
deslizaram por todo o meu corpo, como se precisasse ter certeza de
que eu estava perfeitamente bem. E eu estava, por fora e agora por
dentro também.
O seu olhar se demorou no montinho em meu ventre,
evidenciado pelo vestido. Lucca olhou em meus olhos, depois para
baixo novamente. Senti que suas mãos apertaram ainda mais a
minha cintura.
— Você...
— Nós teremos um bebê, amor — interrompi, ansiosa pela sua
reação.
Meu italiano demorou alguns segundos para processar a
informação. Quando o fez, abriu o sorriso mais lindo que eu já vi em
seus lábios e levantou-me em seu colo.
— Cazzo, mulher! Eu sou maluco por você, porra! — Beijou-
me intensamente.
Sorrimos entre o beijo e senti uma lágrima solitária molhar
minhas mãos que estavam em seu rosto. Lucca finalizou o beijo e
me colocou com cuidado no chão, em seguida, se ajoelhou,
levantou meu vestido até a altura do estômago e soltou um suspiro
quando viu a minúscula calcinha que eu usava.
Depois de encarar, hipnotizado, o meu ventre, depositou vários
beijos pelo volume, e murmurou algumas palavras incompreensíveis
para mim. Sorri, acariciando seu cabelo, enquanto observava com
enlevo a primeira interação entre o meu amor e a nossa
sementinha.
Estava tão distraída, com o rosto banhado em lágrimas de
felicidade e amor, que não notei quando Lucca colocou a mão no
bolso, e tirou de lá uma caixinha de veludo preta. Ainda de joelhos,
ele abriu a caixinha e me fitou intensamente.
— Tu sei l'amore della mia vita. Sono completamente pazzo di
te[47] — murmurou no sotaque que abalava as minhas estruturas. —
Case-se comigo, Alícia. Seja minha para sempre.
 
Capítulo 37
 
Algumas horas antes...

 
LUCCA MASERATI

 
Desembarquei no aeroporto de Belo Horizonte por volta das 6h
da manhã. Romeo já me aguardava conforme havíamos combinado.
Nós nos cumprimentamos e seguimos para Ouro Preto. Eu estava
nervoso pra caralho, e só me acalmaria quando encontrasse Alícia.
— Você conseguiu preparar tudo? — perguntei.
— Sim, está tudo certo. Consegui com Gustavo que
liberassem a casa, e Isabela já contratou uma empresa que está
cuidando do resto.
— Perfetto.
— Lucca, antes de qualquer coisa, precisamos conversar
sobre algo importante — começou.
— O que aconteceu? Alícia está bem, certo?
— Sim, não se preocupe. Ela está bem — garantiu, e me senti
um pouco mais calmo. — Mas precisamos conversar sobre o Isaac.
Assim que falou, senti um ódio gigantesco surgir por cada
poro. Nunca senti nada parecido, eu queria acabar com aquele
desgraçado. Ninguém tirava da minha cabeça que ele era o
responsável pelas coisas que aconteceram com Alícia.
— O que aquele bastardo fez? — perguntei.
— Ele está morto, Lucca — respondeu, deixando-me surpreso.
— O quê? Como assim, morto?
Romeo respirou fundo e começou a me contar tudo que havia
acontecido nos dias que se sucederam ao meu acidente, até o dia
em que o canalha morreu. Conforme ele ia falando, uma mistura de
sentimentos me invadiu. Ódio, medo, susto.
Ódio pelo desgraçado. Medo do que ele poderia ter feito à
minha Alícia. Susto por saber que ele havia sabotado o carro dela.
Senti uma dor tão grande por dentro ao imaginar que era para ela
estar naquele carro.
Graças a Deus era eu quem estava. Graças a Deus foi comigo.
Eu não suportaria se acontecesse algo assim com ela. Eu não
aguentaria ver a mulher da minha vida em coma por meses, eu não
conseguia sequer cogitar a hipótese de que algo pior pudesse
acontecer com ela. Era demais para mim.
E eu sempre a protegeria, com a minha vida se necessário
fosse.
— Queria ter tido a oportunidade de destruir o rosto daquele
bastardo — grunhi, cerrando os punhos.
— Acredite, eu também. Mas se te conforta um pouco mais,
Max fez isso.
— E quem puxou o gatilho? — indaguei, agradeceria a pessoa
até o fim dos meus dias.
— Isso eu não posso falar porque não diz respeito a mim. Mas
você saberá na hora certa, acredite — disse, misterioso.
Pensei em todas as possibilidades, e a única pessoa que me
veio à mente foi Joaquim, o pai de Alícia. Eu sabia que ele seria
capaz de metralhar quem quer que fosse, se a pessoa ousasse
atravessar o caminho dos seus filhos e prejudicá-los.
Mas além de Romeo, que eu sabia que não tinha sido, e
Joaquim, tinham outras três pessoas no local. Max, o delegado
Rossi e Gustavo. Não tinha como ser outra pessoa, havia sido
mesmo Joaquim.
Eu faria exatamente o mesmo por ela. E faria pelos filhos que
teria futuramente.
Fiquei reflexivo por um bom tempo... pensando no tanto de
coisas que tinham acontecido enquanto eu dormia. E depois,
enquanto minha memória havia se perdido em algum lugar da minha
cabeça.
Foram dias difíceis, confusos e conturbados. Porém, serviram
para me ensinar a ter paciência, e para me mostrar a força do amor
que sinto por Alícia. Um amor que transcende qualquer outro
sentimento que já senti.
— Obrigado por tudo. Não tive a oportunidade de agradecê-lo
antes... por ter cuidado de Alícia e de tudo enquanto estive fora —
declarei, grato por tê-lo como irmão.
— Não há o que agradecer, irmão. Sei que faria o mesmo por
mim... aliás, já fez. Estaremos juntos até o fim — disse, e eu dei dois
tapinhas em seu ombro. — E quanto a casa, você realmente
pretende comprar?
— Pretendo. Irei me casar com ela, e precisaremos de um lar
aqui. Não dá mais para ficar naquele hotel, por mais confortável que
ele seja.
Eu faria o pedido, e sabia que dependeria da resposta da
Alícia. Caso ela aceitasse, e enquanto não organizássemos as
nossas vidas, o melhor era ter uma casa própria para nós dois em
Ouro Preto. Além do mais, se ela aceitasse se mudar comigo para
Palermo, sempre teríamos o nosso lar aqui nessa cidade que havia
mudado a minha vida.
E o rumo da minha história.
— Fico feliz por vocês, Lucca. Alícia merece, você merece...
Isabela e eu estaremos sempre ao lado de vocês, comemorando,
vibrando.
— Obrigado, eu sei que sim. Estou nervoso pra caralho.
— Te entendo perfeitamente, já passei por isso. Prepare-se
para viver os melhores dias da sua vida — revelou e, pelo sorriso
apaixonado, estava pensando na sua mulher.
— Desde que esteja com Alícia ao meu lado, tudo ficará bem
— falei.
— Com certeza. — Suspirou pesadamente. — Um último
assunto para encerrarmos as pendências... preferi esperar para te
contar.
— Fale.
— A filha de Alessandro faleceu — murmurou, e eu achava
que nada mais seria capaz de me abalar.
— Puta que pariu, que merda! — Engoli o nó que se formou na
garganta. — Como ele está?
— Ficou péssimo, e ainda está lidando com tudo.
— Não consigo nem imaginar o que ele está passando. Faz
quanto tempo?
— Pouco mais de um mês. Mas não é só isso, exatamente
uma semana após o falecimento da menina, eles receberam uma
boa notícia de um processo de adoção que rolava há anos, antes
mesmo do nascimento da filha deles.
— Inacreditável — murmurei, surpreso.
Não imaginava que aquilo fosse suprir a ausência da filha
perdida, mas era uma força a mais para continuar. Para sobreviver
depois de uma dura perda. O luto por si só já era um monstro difícil
de lidar. O luto por um filho deveria ser dilacerante.
— É... algumas coisas são mesmo. Ele pretende retornar ao
trabalho o quanto antes, assim que o processo for finalizado e a
criança estiver em casa com eles.
— Que bom que eles estão tendo a chance de recomeçar. A
vida segue, afinal...
— Tem que seguir — afirmou.
Recordar de tudo aquilo me fez lembrar do meu desejo de
ajudar instituições de caridade, da promessa que havia feito a mim
mesmo quando visitei o Instituto Criança e Vida, em Belo Horizonte.
Era uma promessa de vida. Por mim, por tantas pessoas que
precisavam, não apenas no Brasil, como também na Itália ou onde
quer que estivéssemos.
Por ela também, principalmente por ela. Pela mulher que me
fez enxergar um lado meu que estava adormecido, que me fez rever
muitos conceitos enraizados. E que me fez ser um homem melhor.
Continuaríamos juntos o legado que ela começou. Não apenas
de compaixão, empatia, solidariedade, como também o legado de
viver cada segundo como se fosse o último.
Não demoramos a chegar a Ouro Preto. Romeo me levou
direto para a casa que eu pretendia comprar. Vi tudo pela internet,
as fotos, a localização, e meu amigo conseguiu todo o resto com
Gustavo, que tinha um contato bem próximo à imobiliária que estava
colocando a casa à venda. Nós não tivemos problemas para
conseguir um empréstimo do local tão rápido. Nada era burocrático
ou difícil demais quando se tinha dinheiro.
— Boa sorte, cara! Tenho certeza de que vai dar certo!
— Obrigado, irmão. Por tudo.
Me despedi após agradecê-lo e saí do carro. Entrei no local e a
empresa que Isabela havia contratado estava finalizando a
arrumação. Eu ainda tinha algum tempo para me preparar até que
Alícia chegasse, conforme havia combinado com o meu amigo.
Quando eles foram embora, segui para o banheiro, sem
conseguir prestar muita atenção na casa, pois estava ansioso como
nunca estive antes. Tudo que percebi foi que era exatamente igual
às fotos que eu havia visto.
Tomei um banho demorado, sentindo-me com as melhores
expectativas.
Vesti uma roupa, e segui para a sala. Estava inquieto, não
conseguiria ficar parado. Olhei no relógio, e sabia que não iria
demorar muito para ela chegar. Senti que meu coração sairia pela
boca quando escutei o barulho do carro. Peguei o buquê de rosas
nas mãos e aguardei.
Minutos depois, escutei o barulho de passos, reconhecendo-a
de imediato.
— Mas o que... — Escutei a voz rouca pela qual eu era
perdidamente apaixonado e não contive uma risada baixa.
Assim que os passos se tornaram mais altos e ela surgiu, linda
como eu me lembrava, perfeita em cada detalhe, perdi o ar. O chão
pareceu ter sumido dos meus pés, e só então eu me senti em casa.
Meu lar era ao seu lado.
Senti o impacto que causei nela, quando seus olhos brilharam
e o sorriso em seu rosto se ampliou. Uma onda de alívio me invadiu,
quando correu na minha direção. Larguei o buquê e abri os braços,
amparando-a, enquanto ela me agarrava com força pelo pescoço.
E eu a abraçava, a cheirava, a apertava. Sentindo uma
saudade absurda do seu calor, do seu cheiro, e de tudo aquilo que
estive longe durante os últimos meses.
Como pude esquecer?
Minha mente havia me pregado uma peça e eu me culparia por
um bom tempo, mesmo ciente de que não havia sido intencional.
— Meu amor — sussurrou, apertando-me todo, como se
quisesse ter certeza de que eu era real. — Como eu senti a sua falta
— choramingou.
— Cazzo! Que saudade, principessa! — falei ao enfiar meu
rosto em seu pescoço e suspirar audivelmente.
Puxei o seu cabelo com certa pressão e coloquei o rosto bonito
de frente para o meu. Encarei-a por vários segundos,
completamente enlouquecido. De amor, de saudade, de tudo.
Queria gravar cada detalhe dela para nunca mais esquecer.
Nem mesmo depois que eu morresse, bem velhinho.
E então, mergulhei minha boca na sua. Quando senti seu
gosto doce em minha língua soltei um grunhido, e reivindiquei aquilo
que era meu. Notei que Alícia ficou mole em meus braços, rendida.
Escutei o seu gemido, um dos meus sons preferidos no mundo.
— Eu te amo, meu amor! Te amo, te amo, te amo! — disse,
após cessarmos o beijo, depositando selinhos por todo o meu rosto.
— Ti amo così tanto — murmurei, tentando conter o máximo
que podia da emoção que estava sentindo. — Me perdoe por fazê-la
sofrer.
— Você não teve culpa de nada, Lucca. Não se culpe, por
favor...
— Como pode ser tão perfeita — grunhi, beijando-a mais uma
vez. — Sou um homem de sorte.
Ela sorriu e me abraçou. O suspiro audível que deu
demonstrava alívio. O mesmo que eu estava sentindo, por tê-la
novamente em meus braços. Eu a afastei um pouco, com relutância,
precisava vê-la por completo.
Deslizei meu olhar por todo o seu corpo, observando o vestido
verde bem ajustado nas curvas que pareciam ainda mais deliciosas.
Quando meus olhos se fixaram no seu ventre, no entanto, fui
tomado por uma emoção inexplicável. Desviei novamente o olhar
para o dela, que brilhava e me voltei para o pequeno monte abaixo
da região do umbigo.
— Você...
— Nós teremos um bebê, amor — interrompeu-me, parecendo
ansiosa pela minha reação.
Demorei alguns segundos para processar a informação. Mas
quando me dei conta que ela carregava um filho meu, e que eu seria
pai, abri o maior sorriso e a peguei em meus braços. Aquele era o
maior e melhor e presente do mundo inteiro.
— Cazzo, mulher! Eu sou maluco por você, porra! — Beijei-a
com paixão.
Senti uma lágrima solitária escapar dos meus olhos, enquanto
Alícia e eu nos beijávamos e sorríamos, emocionados. Tudo estava
no seu devido lugar agora. E eu faria de tudo para recuperar o
tempo perdido com ela, com eles.
Ao cessar o beijo, coloquei-a no chão com cuidado, ajoelhei-
me e levantei o vestido que usava. Tive que conter um grunhido ao
ver a calcinha minúscula que cobria o meu paraíso, que apertava a
boceta carnuda e não deixava nada para a imaginação.
Encarei aquele ventre, totalmente hipnotizado, por vários
segundos. Depois, depositei beijos por toda a sua barriga, enquanto
murmurava palavras de carinho para o nosso bebê.
Senti as mãos macias acariciarem meu cabelo, e aproveitei o
seu momento de distração para fazer o que eu pretendia desde que
eu me lembrei daquilo que minha mente traiçoeira não se lembrava,
mas que o meu coração jamais esqueceu.
Havia chegado a hora.
Esse dia ficaria marcado para sempre. Seria o primeiro dia do
resto das nossas vidas. Tirei do bolso a caixinha com o anel de
diamantes, e, olhando em seus olhos, a abri e estendi na sua
direção.
— Tu sei l'amore della mia vita. Sono completamente pazzo di
te — murmurei em italiano, porque sabia que ela amava. — Case-se
comigo, Alícia. Seja minha para sempre.
 
Capítulo 38
 
ALÍCIA CASTRO

 
Deus! Se isso era um sonho eu não queria mais acordar...
Ajoelhei-me no chão e agarrei-me no pescoço de Lucca,
sentindo as lágrimas descerem desenfreadas.
Essa gravidez estava me deixando assim, sensível e chorona.
— Sim, sim, sim, sim, mil vezes sim, meu amor. Eu te amo —
respondi, fitando-o, enquanto segurava seu rosto entre as minhas
mãos.
Dei um selinho demorado em seus lábios e nos afastamos
para que Lucca colocasse o anel de diamantes em meu dedo.
Fiquei por alguns segundos encarando a joia brilhando na minha
mão, emocionada, feliz, completa.
— Sabe de uma coisa? — indagou, colocando minha mão em
seu peito, na região do coração.
— Hum? — Senti as batidas fortes e aceleradas.
— Embora a minha mente tenha me pregado uma peça e
fizesse com que eu não me lembrasse de você... esse coração
nunca te esqueceu — murmurou, fitando-me.
— Como assim? — perguntei.
— Na noite no hospital, quando vi você, ele acelerou de um
jeito que eu pensei que estava infartando... e aconteceu o mesmo
durante todos os dias em que pensei em você. — Respirou fundo.
— Cheguei a pedir testes cardíacos no hospital, achando que havia
algo de errado. — Dei uma risadinha em meio à emoção. — Mas
não era um erro. Era o maior acerto da minha vida. Era o meu amor
por você, tão forte. Tão intenso.
Meu próprio coração, que já batia acelerado, agora parecia
querer sair pela boca. Incrédula, resfoleguei em busca de ar, tomada
pela emoção. E por sentimentos inexplicáveis. Saber que o seu
coração, de alguma forma, se lembrava de mim e nunca me
esqueceu, me deixou quase sem fôlego.
— Eu te amo — sussurrei, sentindo a voz embargada.
— Ti amo così tanto. Tanto.
Lucca levou minha mão para a sua boca e beijou-a. Em
seguida, colamos nossas testas e ficamos em um longo e
confortável silêncio. Apenas sentindo o toque um do outro, a
respiração. Era muita saudade acumulada. Parecia que tínhamos
ficado uma eternidade longe um do outro.
— O que você achou desta casa? — murmurou.
— É linda.
— Que ótimo, porque ela será sua, principessa — disse,
simplesmente, deixando-me abismada.
— O quê? Minha?
— Sim... irei comprá-la. E tudo que é meu será seu. Assim
como você é toda minha. — Enfiou a língua na minha boca, e eu
sequer tive tempo de responder.
Deus! Esse homem, que odiava surpresas, não parava de me
surpreender. Meu sorriso estava do tamanho do mundo, de tanta
paz, tanta felicidade sobre nós dois. Nós merecíamos isso, depois
de tantos sustos. De tantas provações.
Era hora de aproveitarmos sem medo.
Lucca me deitou com cuidado no imenso tapete felpudo, sem
deixar de me beijar. Senti minha intimidade encharcar, mais sensível
do que nunca, enquanto sentia suas mãos me dominando.
Se afastou apenas para tirar o meu vestido. Meus seios,
pesados e doloridos, saltaram livres aos seus olhos e ele os olhou
com adoração. Percebi que procurou pelo piercing.
— Eu tirei o piercing. Meus seios estão muito doloridos, e de
todo modo, quando o bebê nascesse eu precisaria tirar.
— Perfetta. E minha — Lucca murmurou e levou a sua boca
para o mamilo intumescido, beijando-o com delicadeza. — Estão
maiores, cheios.
— Ah, Lucca...
Suas mãos massageavam o seio livre, enquanto ele se
deleitava com o meu gosto. Mas não se demorou muito ali. Ele
deslizou a boca pelo meu corpo, deixando um rastro molhado por
onde passava, até chegar à minha intimidade.
Ansioso e esfomeado, ele tirou a minha calcinha e abriu meus
lábios vaginais. Cheirou, como um animal à procura da fêmea no
cio, reconhecendo-me como sua, e me beijou. Ali. Demoradamente.
Gritei sem pudor, fazia tanto tempo.
Não sabia que a gravidez havia me deixado tão sensível, até
ter a sua boca em mim.
— Cazzo! Gostosa pra caralho. Que saudade do seu cheiro,
do seu gosto! — grunhiu, ao mesmo tempo em que me castigava
com a boca.
Seus lábios prenderam o meu clitóris e eu agarrei minhas
mãos em seu cabelo, remexendo-me contra o seu rosto. Estava
desesperada, alucinada. Todos os pontos sensíveis do meu corpo
em alerta.
— Eu vou gozar, ah... amor — choraminguei e escutei a risada
baixa dele.
— Tão sensível, tão minha. — Sua língua deslizou do meu
clitóris até a minha entrada.
E me abocanhou inteira, o que fez com que eu explodisse em
um veloz e estratosférico orgasmo. Minhas pernas ficaram trêmulas
e tentei me afastar do seu toque, mas Lucca não permitiu que eu
saísse.
Não enquanto eu não tivesse um squirting e ele se lambuzasse
com os meus fluidos.
— Minha garota bagunceira — murmurou, enlevado, enquanto
eu gemia, choramingava.
Senti seus beijos subirem de volta pela minha barriga, meus
seios, meu colo, meu pescoço, até chegarem aos meus lábios,
fazendo-me sentir meu próprio gosto.
— Ah... — Suspirei, sentindo meu coração bater
descompassado.
— Doce... pra caralho. Minha perdição — rosnou, mordendo
meus lábios.
— Eu... te amo. — Resfoleguei, abraçando-o pelas costas. —
Quero você dentro de mim, amor.
— Minha principessa quer pau nessa boceta apertada, é? —
indagou, ao mesmo tempo em que desafivelava seu cinto, sem
deixar minha boca.
— Quero — pedi.
Com uma destreza perfeita que apenas ele possuía com as
mãos, abaixou a calça e a cueca ao mesmo tempo, fazendo com
que eu sentisse o seu membro cutucar a minha intimidade.
— Seu pedido é uma ordem, futura senhora Maserati — disse,
pincelando o pau na minha entrada.
— Ah, meu Deus...
Soltei um gemido desesperado quando ele me preencheu,
centímetro por centímetro, rasgando-me inteira. Ocupando todos os
espaços. Sua boca castigava a minha enquanto ele me fodia a seu
modo. Um pouco mais contido.
— Mais forte — implorei, enquanto escutava palavras
desconexas saindo da sua boca.
— Não quero machucá-la — murmurou, rouco, a voz
dominada pelo tesão.
— Por favor... você não vai me machucar — lamuriei, e ele
aumentou as investidas.
Nada parecido com o Lucca selvagem de sempre, ele estava
mais cuidadoso. Com receio de que pudesse machucar a mim ou ao
bebê. Felizmente, estava tudo bem conosco, entretanto, protetor
como era, faria do seu jeito.
E independente de qual fosse, eu amava. Eu estava tão
sensível, que gozaria rapidamente. Podia sentir minha intimidade se
apertando ao redor do seu membro, que era grande e grosso
demais.
— Você parece mais apertada do que nunca, cazzo! —
grunhiu, como se estivesse exercendo o máximo de força para se
conter.
— E você parece maior do que eu me lembrava — murmurei
contra seus lábios, deixando-o completamente maluco.
Nós nos entregamos à saudade, à paixão, e gozamos minutos
depois, juntos. Lucca me encheu com seu prazer e com o seu amor.
Nosso encaixe, nossa química, nossos corações batendo em
sincronia pareciam coisa de outro mundo.
E, na plenitude daquele momento, me senti a mulher mais
amada e feliz do universo.
 

 
LUCCA MASERATI

 
No final do dia, depois de muitas horas juntos, decidi que era
hora de conversar com os pais de Alícia. Eu precisava me
desculpar, precisava dizer a eles que a amava, e que a faria feliz por
todos os dias da minha vida.
Depois de nos amarmos por horas, matando toda a saudade
que estávamos um do outro, tivemos uma longa conversa sobre
tudo que aconteceu nos últimos meses. Sobre Isaac, sobre as
coisas que ele tinha feito.
Percebi que a minha futura esposa não sabia de muita coisa,
por opção dela preferiu se poupar das informações. O que bastava
era que tudo havia acabado. Não falei sobre a minha conversa com
Romeo, nem sobre as minhas suspeitas de que seu pai teria livrado
o mundo de uma escória daquelas.
Alícia parecia querer fugir do assunto, e eu não insisti.
Ela estava certa em se poupar, pelo seu próprio bem e pelo
bem do nosso bebê. Se, um dia, quisesse saber, seria eu a contar.
Entretanto, se a conhecia bem, sabia que aquilo não faria diferença
para ela. Alícia sempre foi o tipo de mulher positiva, e não iria querer
gastar suas energias com algo de ruim.
Eu a amava por isso. Cada dia mais. Como se os meses em
coma só tivessem reforçado, ampliado aquilo que eu já achava
imenso, que eu já achava que não tinha mais como crescer.
Tudo aconteceu como eu havia suspeitado desde o início, que
se colocasse as minhas mãos nela jamais conseguiria tirar. E que
bom que eu não resisti aos meus sentimentos e instintos. Era para
ela ser minha, estava escrito.
Nós conversamos também sobre nós dois e os planos para o
futuro. Eu pretendia me casar o quanto antes, amanhã se fosse
possível. Porém, deixaria que ela resolvesse os preparativos da
forma como gostaria. Contudo, não abriria mão do casamento antes
do nascimento do bebê.
O meu desejo mais íntimo era ver a minha noiva com o nosso
filho, ou filha, em seu ventre, caminhando na minha direção, para
serem meus para o resto da vida. Eternamente meus. As duas
partes mais bonitas da minha história.
Assim que estacionamos em frente à sua casa, saí do carro,
dei a volta e abri a porta para ela.
Alícia manteve o brilho nos olhos cor de chocolate durante
todo o dia, além do sorriso magnífico nos lábios. E eu daria tudo de
mim para mantê-los para sempre. Suas lágrimas seriam apenas de
felicidade.
Caminhamos por entre as pedras até chegar à varanda e
encontrar a sua mãe com o olhar marejado, fitando-nos com
emoção e carinho. Eu confesso que estava com um pouco de
receio, apesar de saber que eles me tratariam do mesmo modo de
sempre, receptivos e gentis. No entanto, eles foram os que mais
puderam acompanhar o sofrimento da filha por não me ter por perto.
— Lucca, querido. Como é bom te ver assim tão bem, tão
cheio de vida. — Dona Clarice me recebeu com um abraço
caloroso.
— Ciao, boa noite. Obrigado, dona Clarice. Estou muito feliz
por estar de volta.
Logo atrás dela, Joaquim surgiu na porta e primeiro olhou para
a filha, e, ao constatar que estava bem, me fitou a seu modo de pai
protetor da cria, enigmático e me sondando.
— Lucca, boa noite. Ficamos felizes por vê-lo bem — me
cumprimentou gentilmente.
— Obrigado, Joaquim. — Abracei Alícia pela cintura e ela
encostou o rosto no meu ombro. — Eu precisava vir conversar com
vocês...
— Claro, entre — ele disse, dando-nos passagem.
— Você sabe que é de casa, Lucca. Sempre será bem-vindo.
Alícia deu um beijo afetuoso em seus pais, e pude perceber a
troca de olhares entre eles, como se, agora, estivessem certos de
que ela estava bem.
— Obrigado mais uma vez.
Caminhamos até chegar à sala e nos sentamos no sofá. Não
larguei a mão da minha noiva e ela estava grudada em mim de um
jeito como se não quisesse me soltar nunca mais.
— Bom, primeiramente eu gostaria de me desculpar com
vocês — falei, sincero, encarando-os, enquanto me ouviam com
atenção. — Sei que como pais, vocês sofreram ao ver o sofrimento
de Alícia... mas eu nunca deixei de amar a filha de vocês. Embora a
minha cabeça não se lembrasse dela, o meu coração nunca
esqueceu. Foi por ela que ele continuou batendo, e hoje mais do
que nunca sei que foi por ela o milagre. Foi por ela que eu acordei.
— Nessa última parte, fitei a mulher que seria minha esposa em um
futuro breve, seus olhos estavam marejados.
Culpa dos hormônios da gravidez, segundo ela.
— Ah, querido... você não precisa se desculpar por nada. Não
foi culpa sua — Dona Clarice disse, derramando lágrimas pelo rosto
bonito. — Nós só temos a agradecê-lo por amar a nossa filha, por
cuidar dela e protegê-la.
— Farei isso por todos os dias da minha vida — garanti.
— Eu estou noiva! — Alícia exclamou, mostrando o dedo com
o anel, e levantando-se para abraçar os pais.
Tanto Clarice quanto Joaquim pareciam felizes e emocionados.
Levantei-me também quando eles me chamaram para um abraço
em família. Seríamos apenas uma só muito em breve.
— Obrigado por fazer nossa filha feliz e por amá-la, Lucca.
Saiba que ela é o nosso bem mais precioso, eu confio a felicidade e
a vida dela a você.
— Confie em mim, Joaquim. Cuidarei dela e da nossa família
com a minha vida. Alícia e o meu filho são tudo que eu tenho de
mais bonito.
— Ah, meus parabéns! Estávamos ansiosos para compartilhar
com você a notícia de que seria pai — Clarice disse.
— Eu estou muito feliz, Alícia me deu o maior presente da
minha vida.
— Quando o seu filho nascer, você sentirá um amor tão
inexplicável, que será capaz de fazer qualquer coisa por ele —
comentou Joaquim, fitando-me.
Nas entrelinhas, eu entendi o que ele quis dizer.
— Eu já sinto — garanti.
Depois de trocarmos cumprimentos e felicitações, o meu futuro
sogro me chamou para conversarmos a sós, enquanto Alícia e sua
mãe foram para a cozinha finalizar o jantar. Eu sabia que a minha
noiva não cozinhava absolutamente nada, então, certamente só
faria companhia à sua mãe.
Antes de qualquer coisa, quando entramos no escritório,
Joaquim nos serviu com uma dose de AURUM. Aquilo já se tornara
um ritual nas nossas conversas. Ele perguntou se eu já estava
podendo beber, e eu afirmei. Apesar de estar me cuidando, uma
dose não faria mal.
— Preciso conversar com você sobre algumas coisas, Lucca.
— Claro, sou todo ouvidos — declarei, sorvendo um gole da
bebida.
— Imagino que Romeo já tenha atualizado você sobre o que
aconteceu com Isaac. — Acenei em concordância. — Naquele dia,
eu e os outros quatro homens que estavam no local, fizemos um
pacto de silêncio. Contudo, em conversa com o delegado Rossi, um
conhecido meu de longa data, eu avisei que, assim que você
estivesse recuperado, saberia do que aconteceu. — Respirou e
bebeu um gole do uísque. — Fui eu quem tirou a vida do
desgraçado — murmurou.
Ele acabara de confirmar as minhas suspeitas.
— Eu garanto que teria feito o mesmo se estivesse lá — falei,
cerrando os punhos.
— Sei que sim. Eu estou falando isso para você, pois não acho
certo você não saber o que aconteceu com o infeliz que ameaçou e
atentou contra a vida da sua futura esposa. E quase ceifou a sua —
disse, o olhar sombrio demonstrava zero culpa.
E se tinha uma coisa a qual Joaquim jamais deveria sentir, era
culpa. Ele fez um grande favor ao nos livrar e livrar a sociedade de
um homem como Isaac.
— Obrigado por confiar em mim, Joaquim.
— Eu confio. E volto a repetir, Lucca, estou entregando a você
o meu bem mais precioso. Faça a minha filha feliz.
— Você verá — respondi, porque no fim, era isso, mostrar era
muito mais do que simplesmente falar. — E há alguma novidade
sobre o caso? As motivações?
— Até onde eu sei, de acordo com as últimas notícias, outras
três mulheres tinham uma ordem de restrição contra ele. Pelo que
está sendo investigado, ele enlouquecia quando levava um fora e se
sentia rejeitado. Desgraçado — grunhiu.
— Figlio di puttana. Queria ter tido a oportunidade de dar uma
bela surra naquele infeliz.
Embora eu já soubesse que Max havia feito aquilo, eu adoraria
ter participado. Uma vez Alícia comentou comigo que Isaac se
passou por um amigo do sócio do seu irmão, quando na verdade,
eles eram apenas conhecidos, e mal tinham trocado duas palavras.
Provavelmente o fez para conseguir se aproximar dela.
— Quanto a isso você pode ficar tranquilo, seu cunhado tratou
de dar o que ele merecia.
— É bom saber. E além dessas ordens de restrição, há mais
alguma coisa?
— Nada concreto... mas há alguns depoimentos de que ele foi
deixado em um orfanato quando era bebê, e passou por cinco casas
diferentes durante a infância. Antes de ser adotado, ele costumava
se mostrar uma criança doce, completamente diferente do que se
tornava quando uma família o adotava. Enfim, nada justifica o que o
desgraçado fez, a ruindade dele já estava no sangue.
— Certamente.
Trocamos mais algumas palavras, Joaquim era um homem de
pulso firme. Eu sempre soube que ele faria qualquer coisa por seus
filhos. E, com a notícia de que eu seria pai, confirmei aquilo que
estava intrínseco em mim, que quando tivesse um filho, eu também
seria capaz de qualquer coisa por ele.
Depois de algum tempo de conversa, seguimos para onde
estavam as nossas mulheres. Abracei Alícia por trás e ela suspirou
quando sentiu a minha presença. Estava de costas e não viu que eu
me aproximei dela.
Tivemos uma noite agradável e feliz. Eu me senti cada vez
mais fazendo parte daquela família. Para completar, só faltava os
meus pais ali conosco, mas eu sabia que em breve eles estariam
presentes.
Naquela noite, depois que fomos para a nossa futura casa e
Alícia dormiu agarrada em mim, fui invadido por uma sensação de
plenitude que eu nunca havia sentido na minha vida.
Tudo estava no lugar certo. Eu estava no meu lar, com Alícia
em meus braços e com o nosso bebê em seu ventre... eles eram
tudo para mim. Meu peito estava cheio de um sentimento que
palavra nenhuma seria capaz de explicar.
Era amor na sua forma mais sublime.
 
Epílogo
 
Alguns meses depois...

 
ALÍCIA CASTRO

 
Com um barrigão de oito meses de gestação, andei pelo
caminho de flores com meu pai ao meu lado, e com os meus olhos
fixos no amor da minha vida. Seu olhar intenso atravessava a minha
alma.
Era como se ele estivesse diante da mais bela obra de arte.
Não contive as lágrimas, eu era completamente apaixonada e
maluca por Lucca Maserati. Ele estava mais lindo do que achei ser
possível, e, pelo chute forte que a minha princesa deu em meu
ventre, eu percebi que ela também era maluca pelo papà.
Meu vestido estilo sereia de um tom creme quase branco
evidenciava as minhas curvas, e de longe, pude perceber o suspiro
que o meu futuro marido deu quando as cortinas se abriram e ele
me viu.
Seu olhar não me deixou por um segundo durante o trajeto. As
esferas verdes estavam brilhantes, e eu sabia que ele estava
segurando a emoção. Quando desceu do altar para me encontrar,
fui invadida pelo seu perfume e meu coração falhou uma batida.
Seria sempre assim? Ou um dia eu me acostumaria a Lucca
Maserati?
Após cumprimentar o meu pai, Lucca ficou de frente para mim
e ao mesmo tempo em que depositou as mãos grandes e firmes em
meu ventre, me deu um beijo demorado na testa.
— Ti amo così tanto. Sou louco pelas minhas principessas —
murmurou e sorrimos quando sentimos o chute forte da nossa filha.
Ela não podia escutar a voz do pai, ou seus carinhos, que
ficava alvoroçada.
— Nós amamos você, papai — sussurrei.
Lucca me amparou e seguimos para o altar, onde o juiz de paz
nos aguardava. Havíamos optado por nos casarmos na nossa casa
em Ouro Preto. Tudo fora montado do jeito que gostaríamos. Não fiz
questão de me casar na Igreja, até pelo fato de já estar grávida, por
isso optamos pela cerimônia em casa.
Nossas famílias e as pessoas mais importantes e especiais
das nossas vidas estavam presentes e testemunhariam o nosso
amor.
Nós nos mudaríamos para Palermo em breve, após o
nascimento da nossa filha. Depois de muita conversa, chegamos à
conclusão de que seria melhor para todos. Contudo, sempre
teríamos o nosso lar na minha cidade, para onde poderíamos vir
sempre que quiséssemos.
O juiz de paz iniciou a cerimônia, e Lucca manteve sua mão na
minha, segurando-a em um aperto firme. A todo momento, ciente da
sua presença, meu coração se mantinha batendo forte e acelerado.
Quando chegou o momento das alianças, emocionei-me ainda
mais ao ver Giordana, minha afilhada, entrando na igreja ao lado do
irmão, Noah, meu príncipe. Os dois arrancaram suspiros dos
convidados, e não deixei de trocar um olhar com a minha amiga,
que fitava os filhos emocionada e orgulhosa. Ao seu lado, Romeo
segurava Paolo, o terceiro filho deles.
Com Lucca me amparando, abaixei-me para abraçá-los, e
recebi tanto, tanto amor de volta. Eu amava essas crianças como se
fossem minhas. Giordana gargalhou quando Lucca a pegou no colo,
ela era louquinha pelo titio. E meu príncipe rodeou os bracinhos pela
minha cintura, envergonhado. Acariciei os cabelinhos macios,
sentindo-me enlevada.
Após algumas breves palavras do juiz de paz, chegou a hora
da troca de alianças.
— Recebo-te por minha esposa, e prometo ser-te fiel, amar-te
e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos
os dias das nossas vidas — Lucca disse naquela voz que eu amava,
com o sotaque italiano carregado, enquanto deslizava a aliança pelo
meu dedo.
Estava extremamente emocionada. Não tive como não me
lembrar naquele momento do nosso início, e de tudo que senti
quando o vi pela primeira vez. Era como se meu coração já sentisse
que ele seria meu. Como se já soubesse.
Repeti a frase dita por ele, e coloquei a aliança em seu dedo,
beijando-a logo após, exatamente como fez comigo. Nossa bebê
estava impossível, chutando enlouquecidamente, como se quisesse
dizer: ‘ei, eu estou aqui também’.
O juiz de paz encerrou a cerimônia poucos minutos depois,
com um versículo da bíblia — Coríntios 13:1-3 —, que traduzia tudo
aquilo que sentíamos, e que havia nos trazido até o dia de hoje. O
amor.
 
Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver
amor, serei como o sino que ressoa ou como o prato que retine.
Ainda que eu tenha o dom de profecia, saiba todos os mistérios e
todo o conhecimento e tenha uma fé capaz de mover montanhas,
se não tiver amor, nada serei.
Ainda que eu dê aos pobres tudo o que possuo e entregue o meu
corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me valerá.

 
— Pode beijar a noiva — disse o juiz.
Selamos o nosso compromisso para toda a eternidade, e sob
uma chuva de aplausos e assovios, Lucca beijou meus lábios
intensamente. Sua mão segurou firme em minha cintura, enquanto
eu me mantinha agarrada ao seu pescoço.
Cessamos o beijo e sorrimos, com as testas coladas.
Depois, seguimos para a recepção dos convidados, que
também seria na nossa casa. Fiquei tão feliz por ter meus avós
paternos presentes, eles já estavam velhinhos e não gostavam de
andar de avião, mesmo assim vieram do Sul especialmente para o
meu casamento.
Além deles e de tantas pessoas incríveis que faziam as
diferenças nas nossas vidas, o doutor Charles, a Kelly e o Nícolas
também compareceram. Depois de resistirem por algum tempo, o
casal finalmente resolveu dar uma chance ao que sentia, o que me
deixou muito, muito maravilhada. O pequeno Nícolas era só
sorrisos, ele estava cada dia melhor e mais cheio de saúde.
A festa estava incrível. Dancei, aproveitei, sorri, beijei muito o
meu marido.
E no final da tarde, nós nos despedimos sob a desculpa de
Lucca de que eu precisaria descansar, mas eu sabia que a última
coisa que ele me daria, seria descanso. Após a festa, o pessoal da
organização do evento, assim como a equipe contratada para a
limpeza cuidariam de tudo.
Seguimos para o hotel que Lucca havia reservado, mais
apaixonados do que nunca.
Fiquei enlevada quando ele me pegou no colo e entrou no
quarto comigo em seus braços. Aquele homem era uma fortaleza,
eu estava pesada, e, ainda assim, ele não parecia estar fazendo
esforço algum.
— Estou pesada, amor.
— Não para mim. Eu sempre terei força para segurar as
minhas meninas nos braços — falou, depositando um beijo em
meus lábios.
O quarto estava perfumado, com flores e velas por todos os
cantos. Meu marido nunca deixava de me surpreender.
— Eu amo esse seu lado romântico, amo tudo em você — me
declarei.
— Você me tornou um homem melhor. Ti amo così tanto,
signora Maserati.
Lucca me colocou de pé, próximo à cama e caminhou para
trás de mim, desfazendo os botões do meu vestido lentamente.
Cada botão desfeito eu ganhava um beijo no local. Meu corpo inteiro
se arrepiou.
Quando tirou o vestido e, em seguida a lingerie, me colocou
deitada na cama e amou cada pedaço de mim com devoção.
Primeiro, beijou meu corpo todo. E depois, me preencheu
inteiramente. A cada estocada lenta e suave, seu olhar me
venerava.
Como uma promessa silenciosa de que me amaria e me faria
feliz por todos os dias das nossas vidas.
E esse era só o começo.
 

 
PALERMO, SICÍLIA, ITÁLIA
 
Três meses depois...

 
LUCCA MASERATI

 
Estava na AURUM, em uma reunião pessoal com Romeo,
nossos pais, meu sogro, Gustavo e o delegado Rossi. Os dois
últimos, vieram à Itália após terem notícias sobre o encerramento do
caso do Isaac.
Todas as suposições feitas se confirmaram após as
investigações. Isaac fora levado a um orfanato ainda bebê, e passou
por várias famílias até atingir a maioridade e começar a fazer coisas
ruins como o bandido que era.
Que Deus me perdoasse, mas eu não tinha o mínimo de
remorso por me sentir feliz pela sua morte. Ter sido rejeitado quando
criança não dava o direito de ele fazer o que fez com tantas
pessoas, não dava o direito de ser um criminoso. Isso jamais seria
uma justificativa.
— E após constatada a legítima defesa, o caso foi encerrado
— o delegado Rossi concluiu.
— Cazzo! Finalmente! — comemorei, com uma sensação de
que um peso foi tirado das costas.
Apesar de estar confiante, eu tinha um pouco de receio que a
situação pudesse se complicar para o meu sogro. No entanto, todos
os homens presentes naquele dia eram de extrema confiança, e o
pacto de silêncio que fizeram, o qual fui inserido, seria levado para o
túmulo conosco.
Romeo pediu a Violetta que trouxesse a garrafa mais cara do
nosso uísque, pois aquele momento, de fato, merecia um brinde.
Soltei um pouco do nó da gravata quando mudamos de assunto e
passamos a falar de futebol.
Depois de brindarmos à agilidade e ao fim das investigações,
seguimos para uma visita na fábrica. Tivemos uma tarde agradável,
cada partícula de tensão que recaía sobre os nossos ombros havia
desaparecido.
No final do dia, ao finalizar o expediente, segui, ansioso, ao
encontro das minhas principessas. Minha esposa e a nossa
pequena Luna me aguardavam na nossa casa, a cobertura que eu
já morava e fora transformada para recebê-las. Era um lugar
espaçoso e Alícia amava, por isso, optamos por fazer dali o nosso
lar em Palermo.
Nós tínhamos vindo para a Itália um mês após o nascimento
da nossa Luna. Eu teria muitos compromissos agendados na
Europa, e, com isso, ficaria muito tempo longe delas se estivessem
no Brasil. Por isso, decidimos em conjunto que seria melhor que
estivessem aqui, do meu lado. Em meus braços.
Mais tarde, teríamos um jantar na casa dos meus pais, para
toda a família. Amanhã à noite, meus sogros retornariam para o
Brasil, depois de terem passado alguns dias de férias por aqui,
curtindo cada minuto com a neta.
 

 
Cheguei à cobertura e cumprimentei Josefina, a senhora que
havíamos contratado para nos auxiliar com as refeições e demais
cuidados da casa. Ela era amiga da Violetta, minha tia, e a
recomendação não poderia ter sido melhor.
Atravessei a sala, não sem antes observar o quadro que
ganhei de presente da minha esposa há alguns meses. A
representação abstrata do seu coração nas minhas mãos. Alícia
tinha um dom incrível, a obra de arte era perfeita em cada detalhe.
Sorri, completamente ciente de que não era apenas o coração dela
que estava nas minhas mãos.
O meu também estava nas suas mãos. Desde o princípio.
Segui para o andar de cima, observando o silêncio. Passei no
quartinho da minha Luna, mas estava todo escuro e ela não estava
no bercinho. Desfazendo o nó da gravata, dei um sorriso e caminhei
até o nosso quarto.
Abri a porta com cuidado, notando que a penumbra era
quebrada apenas pelo abajur aceso ao lado da cômoda. Uma das
músicas clássicas que Alícia amava tocava baixinho no ambiente.
Minha mulher estava tão concentrada enquanto amamentava a
nossa filha, olhando para ela com tanto amor, que fiquei hipnotizado
por um bom tempo olhando aquela cena. Perfeitas, e minhas.
Encostei a porta e somente então Alícia me viu. O olhar
apaixonado e cheio de amor que me deu fez com que o meu
coração descompassasse. Nunca me acostumaria ao impacto que
eles me causavam. Todos os dias eu era recebido por aquele olhar,
e todos os dias eu agradecia por aquilo.
Não existia prazer maior no mundo do que ter o amor dela.
Delas.
Aproximei-me da cama e Alícia levantou o rosto e formou um
bico nos lábios volumosos para me beijar. Depositei um selinho
demorado e depois beijei a testa da minha filha, que mamava
avidamente com os olhinhos fechados.
— Ti voglio bene, bambina mia. — Luna, ao reconhecer minha
voz, abriu os olhinhos cor de chocolate e me procurou.
Sorri e acariciei o cabelinho macio, da mesma cor do da sua
mãe. Ela era a cópia de Alícia, em cada detalhe. Do fio de cabelo
até o dedinho do pé. Perfettas. Minhas principessas.
Eu era o homem mais sortudo do mundo.
Luna largou o seio da mãe para me presentear com o sorriso
banguela mais perfeito. Alícia e eu trocamos um olhar intenso e
sorrimos. A nossa bambina era o pedaço mais bonito de nós dois.
— Ti amo così tanto — murmurei para a minha esposa, e ela
sorriu.
— Amo você, amor — disse, na voz baixa e rouca que me
enlouquecia.
Luna fez um pouco de graça comigo, mas a fome era maior.
Em poucos segundos, virou o rostinho novamente para o seio e
depositou a mãozinha pequena um pouco acima de onde mamava.
Se eu pudesse parar o tempo, pararia naquele instante.
Poderia ficar horas ali, venerando-as, vendo a interação única
entre as duas. Em um elo inquebrável, por toda a vida. Eu era
perdidamente apaixonado por elas, e provaria todos os dias o
tamanho do meu amor.
Essa é a nossa história.
A história de Lucca Maserati e Alícia Castro, duas pessoas que
tiveram os seus caminhos entrelaçados. Dois corações destinados a
ficarem juntos, que superaram todos os obstáculos e todas as dores
do passado.
E tiveram o seu felizes para sempre.
 

AINDA NÃO É O FIM


(VIRE A PÁGINA E LEIA O BÔNUS PARA ENCERRAR COM CHAVE DE OURO)
 
Bônus
CAMBRIDGE, MASSACHUSETTS, ESTADOS UNIDOS

 
Vinte e cinco anos depois...

 
ALÍCIA CASTRO MASERATI

 
Há muitos e muitos anos, conheci um garotinho chamado
Nícolas. Era um menino cheio de sonhos e vontade de viver.
Quando criança, fora acometido por uma doença extremamente
difícil, mas, anos depois de uma dura e corajosa batalha, ele teve a
sua cura.
Felizmente, desde que o conheci, ele não saiu mais da minha
vida. O seu médico, que era um dos meus melhores amigos, se
casou com a sua mãe e se tornou o pai que ele tanto pediu e
sonhou. Ano após ano eu pude acompanhar a relação dos dois, que
era como de pai e filho. O amor que sentiam um pelo outro era tão
bonito, que parecia de outra vida.
Kelly engravidou um ano após se casar com o doutor Charles.
Nícolas ficou eufórico, cuidava da irmã, protegia como o irmão mais
velho que era. Lucca e eu fomos convidados para sermos padrinhos
da pequena Celine.
Mesmo com a mudança definitiva para Palermo, onde eu
morava até hoje com o meu marido e com as nossas filhas, nossa
amizade permaneceu intacta. Lucca e eu sempre íamos para o
Brasil, assim como o doutor Charles, a Kelly e os filhos nos
visitavam todos os anos.
Ainda conseguia me lembrar com exatidão das palavras cheias
de esperança de Nícolas, quando ainda era um garotinho, me
dizendo que um dia seria um médico. Um herói, como o doutor
Charles.
Um dos seus maiores sonhos se realizou.
Nícolas estava se formando hoje, aos trinta e cinco anos, como
médico na Universidade de Harvard. Aquele garotinho cheio de
sonhos se transformou em um belo homem. Extremamente
inteligente, íntegro, gentil.
Não contive as lágrimas de emoção ao vê-lo receber o prêmio
de mérito acadêmico, enquanto era ovacionado por seus colegas de
classe e pelos professores. Quando o conheci, eu soube que era um
menino diferente.
E que ele faria a diferença na vida de muitas pessoas.
Eu só não imaginava que ele e a minha primogênita se
apaixonariam. Olhei para o meu lado esquerdo, onde Luna fitava o
namorado apaixonada. Eu me via nela, em cada olhar, cada gesto,
anos atrás, com Lucca.
Luna estava cada dia mais parecida comigo, para o pavor do
seu pai. E não era apenas na aparência. Ele vivia dizendo que ela
era um furacão, como eu. Extrovertida, expansiva, bagunceira...
tinha uma energia incomum. Ela era muito sagaz, e extremamente
inteligente.
Há alguns anos, quando completou dezoito, decidiu que queria
vir para os Estados Unidos estudar para entrar em medicina em
Harvard, e conseguiu. Nossa principessa ainda cursava a
graduação, que era um pouco diferente nos EUA, mais morosa. Ela
se formaria daqui a três anos somente.
Sabendo do pai ciumento que tinha, a primeira pessoa a saber
que se apaixonou fui eu. Confesso que fiquei surpresa, porque
nunca havia percebido nada entre ela e Nícolas além de uma bela
amizade.
Entretanto, apesar de inesperado, foi uma surpresa especial,
um presente. Eu amava Nícolas, o conhecia há muito tempo,
conhecia o seu coração puro e a pessoa boa que ele era. E eu tinha
certeza de que faria Luna feliz.
Antes de contar para Lucca, tive várias e várias conversas com
a finalidade de prepará-lo para o assunto. No começo, ficou
extremamente nervoso, pois, para ele, sua filha ainda era uma
garotinha. Era difícil compreender que ela havia crescido, e se
transformado em uma mulher incrível.
Hoje, no entanto, ele já havia aceitado aquilo, apesar de ainda
sentir o ciúme normal de pai. Nícolas o respeitava muito, e Lucca o
adorava. Nós dois estávamos felizes pela nossa filha e por ele, e
gratos pelo caminho que eles haviam escolhido, assim como Kelly e
Charles.
Desviei o meu olhar para o outro lado, impactando-me com
aqueles olhos verdes e intensos. Lucca me fitava de volta,
apaixonado. Os anos só o fizeram bem. Meu marido era lindo,
sempre foi. Eu ainda era louca por ele, como quando nos
conhecemos.
Nossa química, mesmo depois de tantos anos juntos,
continuava intacta.
Ele beijou a minha mão, e eu sorri.
Cada vez que eu olhava para a nossa trajetória, não tinha
como não me apaixonar mais por ele, e pela linda família que
construímos. Além de Luna, nossa primogênita, tivemos outras duas
meninas, o que fez com que os cabelos brancos do meu marido
aumentassem consideravelmente com o passar dos anos, o que eu,
particularmente, achava um charme.
Chiara, nossa filha do meio, havia completado recentemente
vinte e dois anos, e o que Luna veio a minha cópia, Chiara veio a
cópia de Lucca. Não apenas na aparência, como no gênio. Era
mandona, rígida, metódica, perfeccionista e se cobrava muito.
Estava estudando Administração de Empresas e trabalhava colada
com o pai na AURUM. Ela amava tanto aquela empresa quanto ele.
Sienna, nossa caçula estava com dezessete anos. Era uma
perfeita mistura minha e de Lucca. Tinha a mesma cor de pele da
minha, e os cabelos cor de chocolate iguais aos meus, como ele
dizia. Já os olhos, eram verdes iguais aos do pai. Nossa menina era
doce, calma, tinha a voz baixa, sabia impor a sua vontade com
meiguice, e, com isso, nos tinha nas mãos.
As três eram muito grudadas. E eram os nossos maiores
presentes.
As duas mais novas não vieram conosco dessa vez para os
EUA, pois a minha vinda e a de Lucca era apenas um bate-volta.
Amanhã à tarde já retornaríamos para Palermo, porque viajaríamos
todos para Londres, no dia seguinte.
Isabela e eu receberíamos mais um prêmio pela nossa galeria,
que fora transferida do Brasil para a Itália e se tornara uma das
maiores galerias de artes de toda a Europa.
Tudo de maravilhoso que Lucca e eu havíamos conquistado
com o passar dos anos, em conjunto com a nossa família, tanto
pessoal quanto profissionalmente, era devido à nossa união, e ao
amor que tínhamos um pelo outro.
O amor, que era a nossa base e o nosso alicerce, e seria para
sempre.
Horas mais tarde, depois da linda cerimônia de formatura,
onde nos emocionamos por estarmos vivendo um momento único e
especial, seguimos para um luxuoso restaurante de Cambridge.
E quando pensei que não tinha como ficar mais emocionada,
feliz e plena do que já estava, Nícolas se ajoelhou à frente de Luna,
em um determinado momento do jantar, e a pediu em casamento.
Quando minha primogênita disse sim para o homem da sua
vida, lágrimas de felicidade escorreram pelos meus olhos. Lucca
apertou a minha mão com força e o fitei, encontrando aquelas lindas
esferas verdes cheias de lágrimas contidas.
Naquele momento, fui invadida mais uma vez pela certeza de
que tudo valeu a pena. E pela minha família, sempre valeria.
Eu era uma mulher de sorte, e só a tinha a agradecer.
 

FIM
 
 
 
 
 
 
 
 
Leia a Duologia Ouro de Mina
 

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ATENÇÃO: Este é o primeiro livro da duologia Ouro de Mina. O segundo livro com a
continuação da história chama-se Redenção.

"A VINGANÇA DESTRÓI A ALMA."

Romeo Cavalieri e sua família tiveram suas vidas devastadas quando uma catástrofe
culminou na falência da Companhia Cavalieri, uma das maiores mineradoras de ouro do
Brasil. Ele cresceu em meio ao ódio, ciente de que um dia, quando chegasse o momento
certo, arruinaria todos aqueles que jogaram o seu sobrenome na lama.

Foram anos planejando cada mínimo detalhe para que não houvesse falhas. Ele está
disposto a tudo para recuperar o que pertence a sua família, inclusive, casar-se com a
encantadora jovem Isabela Moraes. Ela, sem ter a menor ideia de que é apenas uma peça
em um sórdido plano de vingança, entregará o seu coração ao italiano de sangue quente
por quem se apaixonará.

Nem tudo é o que parece, e quando a venda que cobre seus olhos cair, será o fim.

E a vingança os destruirá.

"Ele não sabe o que é amor.

Amor é tudo que ela tem em seu coração."

AVISO: Conteúdo adulto.


 
 
 

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ATENÇÃO: Este é o segundo livro da duologia Ouro de Mina. Por se tratar de uma
continuação, antes de iniciar a leitura deste, é necessário ler o primeiro livro, que se
chama Vingança.

“NÃO HÁ REDENÇÃO SEM SOFRIMENTO.”

Isabela Moraes se apaixonou perdidamente e teve o seu coração partido da pior forma pelo
homem que amava. Tudo que viveu foi uma mentira. Cada beijo, cada olhar, cada palavra,
cada toque. Ela foi enganada e usada como uma peça em um sórdido plano de vingança.

Romeo Cavalieri estava cego pelo ódio. Foram anos planejando cada mínimo detalhe para
que nada desse errado. O que ele não esperava, no entanto, era se apaixonar pela filha do
homem que arruinou a vida da sua família.

Mas era tarde demais.

Ele cometeu um grande erro e agora precisará lutar com todas as forças para reconquistar
o amor e a confiança de Isabela.

Nessa história de vingança, haverá espaço para a redenção?

“Ele aprendeu a amar.

Todo o amor que ela sentia foi destruído.”

AVISO: Conteúdo adulto.


 
 
Agradecimentos
 
Primeiramente a Deus.
À minha família que sempre me apoia em todas as minhas
decisões.
Às minhas queridas amigas, obrigada por existirem, vocês são
maravilhosas.
À minha revisora maravilhosa, Lidiane Mastello, obrigada por
tudo.
Às minhas parceiras, blogueiras e donas de IG’s literários, que
divulgam meus trabalhos e abraçaram mais essa história com muito
amor. Gratidão.
À todas as leitoras que me acompanham e sempre aguardam
ansiosamente por novas histórias.
Muito obrigada.
 
 
 
Notas da Autora
 
“Eu vou rasgar meu coração pra costurar o teu.”
Chico Buarque
 
♦♦♦
 
NAH CHRISTINE é uma leitora ávida que resolveu se aventurar
pelo mundo prazeroso da escrita.
Se você gosta de romances, te convido a conhecer todas as minhas
histórias e dividir comigo experiências emocionantes. Desejo que
você se apaixone por cada uma delas, tanto quanto eu amei
escrevê-las.
 
Obrigada por ler o meu livro.
 
Com carinho,

NAH CHRISTINE
Outras Obras da Autora
 

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Solidão.

Esse é o maior medo de Catarina de Albuquerque, de viver eternamente na solidão. Uma


jovem que, ainda criança, teve que aprender a lidar com a dor da perda, do luto e da
saudade. Ela tinha sonhos. Os mais belos. No entanto, todos eles tiveram que ser
esquecidos. Criada por avós extremamente conservadores, ela foi forçada pela sua própria
história a amadurecer cedo demais.

Impiedoso.

É assim que Guilherme Bragança é conhecido no mundo dos negócios por toda a Europa.
Herdeiro da maior indústria siderúrgica de Portugal, ele comanda a empresa da família com
mãos de ferro. Um homem frio, rigoroso, marcado por uma tragédia a qual não é capaz de
superar. Ele está preso no passado. Foi lá que ele enterrou o seu coração. Para sempre.

Os caminhos se cruzarão... já estava predestinado.

E sem que consigam prever, estarão envoltos por uma teia de ambição, inveja e obsessão.
Em meio a tantas incertezas, uma atração inesperada surgirá entre eles.

O poderoso CEO jamais permitirá que os acontecimentos do passado se repitam.

Se for preciso, ele moverá o céu e a terra para manter Catarina protegida, mesmo que isso
custe a sua própria vida.

AVISO: Conteúdo adulto.


 
 

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O que você faria se a sua vida mudasse do dia para a noite? Se o seu conto de fadas
virasse um pesadelo?

Natalie Carter viveu esse drama na pele. Nascida em berço de ouro e futura herdeira de
uma luxuosa rede de hotéis espalhados pelos Estados Unidos, com matriz em Chicago, ela
sempre despertou o interesse dos olhares masculinos, pela sua beleza e, também,
infelizmente, pela sua conta bancária. Conheceu o pior lado do ser humano e agora
precisará se reerguer.

Thomas Hunt é um rigoroso e implacável delegado. Nascido em Dallas, no Texas, foi


transferido há pouco tempo para Chicago, uma das maiores cidades dos Estados Unidos.
Ele não mede esforços para que o seu trabalho seja o mais eficiente possível. O seu senso
de justiça é sobrepujado diante das maiores atrocidades que ele já viu.

Natalie e Thomas se conhecerão através de uma infelicidade, quando a vida dela estiver
em um completo estado de vulnerabilidade.

E a maior obsessão de Hunt será protegê-la.

AVISO: Conteúdo adulto.

Este livro possui alguns temas sensíveis que podem ativar gatilhos mentais, como
relacionamento abusivo, violência física e psicológica.

 
 
 

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ATENÇÃO: "KALEL - Minha melhor escolha" é um spin-off de "HUNT - Tudo por ela".
Apesar de serem livros distintos, para melhor entendimento da história é importante
ler o primeiro.

Até que ponto as nossas escolhas podem interferir no nosso futuro e mudar as nossas
vidas?

Laurel Mitchell é uma mulher admirável, decidida e forte. Nascida em uma família
tradicional de Chicago, retornará para a sua cidade natal após um período morando em
Sydney, na Austrália, onde concluiu sua formação superior e mestrado em psicologia.
Conhecida por seu imenso coração, ela mudará a vida de muitas crianças e adolescentes
através da profissão que escolheu.

Kalel Barton é um homem que sofreu duras perdas, e após uma grande tragédia que
marcou sua vida, passou a se dedicar completamente ao trabalho, se tornando um
renomado investigador da polícia de Chicago. Conhecido por ser um profissional íntegro e
rigoroso, ele não admite nenhum tipo de injustiça e sempre lutará pelo que acredita.

Eles estão focados em suas carreiras e não pensam em relacionamento sério, mas um
encontro mudará o rumo das suas vidas para sempre, fazendo-os perceber que o presente
é consequência de certas decisões que tomaram no passado.

Laurel e Kalel serão capazes de renunciar àquilo que está enraizado em suas essências?

Para essa pergunta, uma única resposta: o amor sempre será a melhor escolha.

AVISO: Conteúdo adulto.

Este livro possui alguns temas sensíveis que podem ativar gatilhos mentais, como abuso
físico e psicológico.
 
 

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Antonella Agostini é uma jovem recém-formada em medicina, que teve a infância e a
adolescência marcada por um pai extremamente hostil. Em contrapartida, recebeu em
dobro o amor da sua mãe e dos seus avós maternos. Um acaso do destino mudará a sua
história para sempre, deixando marcas profundas. No auge da dor, o seu caminho cruzará
com o de Enrico Batistelli, médico e herdeiro do maior hospital da Itália. Ele passou por
uma experiência dolorosa, que o deixou abalado, ferido e vivendo sua vida no automático.

O que acontecerá quando esses dois mundos colidirem? Eles serão capazes de superar
juntos todas as dificuldades, e curar as suas cicatrizes mais lancinantes?

Convido-os a embarcar com Antonella e Enrico nessa aventura cheia de romance. E


preparem-se para viver um amor sublime, inesquecível e de arrancar suspiros. Um amor de
alma.

AVISO: Conteúdo adulto.

2ª Edição - Agosto de 2020


 
 

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Agatha é uma jovem grega, feliz e de bem com a vida, que nasceu em uma família cercada
de muito carinho. O seu maior sonho era encontrar um amor tão bonito quanto o de seus
pais, mas ela não imaginava que sofreria uma decepção amorosa que a machucaria ao
ponto de quase a fazer desistir dessa ideia.

Rafael é um jovem brasileiro, que nasceu em uma família muito rica e sem nenhum afeto.
Com o falecimento de seu pai, se tornou sócio e CEO de uma das maiores construtoras do
mundo, com matriz no Brasil. Ele era implacável, não somente nos negócios, mas também
na cama. Na sua visão, o amor era sinônimo de fraqueza.

Dois mundos distantes, mas que estavam mais próximos do que eles mesmo imaginavam.

Bastou apenas um olhar para que as almas de Agatha Zabat e Rafael de Andrade se
reconhecessem.

E assim será por toda a eternidade.

AVISO: Conteúdo adulto.

Este livro é uma sequência do romance "O olhar da minha alma". Apesar de serem
histórias distintas, para melhor entendimento é importante ler o primeiro.

Recomendado para aqueles que acreditam no encontro e reencontro de almas


gêmeas.
 
 

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Este e-book contém a história completa (conto "Sedução a bordo" + livro “Depois da
sedução, o amor”).

O paradisíaco litoral espanhol foi palco de estreia da paixão arrebatadora entre Aline Muniz
e Lucas Ferrari. A bordo de um cruzeiro internacional, eles viveram momentos
inesquecíveis que ficariam para sempre gravados em suas memórias.  

A viagem chegou ao fim, mas o que sentiram um pelo outro durante todos aqueles dias,
não. No entanto, agora que estão em terra firme, de volta às suas rotinas, eles irão
perceber que as suas diferenças vão muito além da idade.  

Aline deseja conquistar o mundo.  

Ela é uma jovem tímida e sem muitas experiências amorosas. Nasceu em uma família de
origem humilde e apesar de todas as dificuldades, se formou com méritos em Pedagogia.
Vive uma vida simples no interior de Minas Gerais com os pais e os irmãos, em um lar
cheio de amor.  

Lucas possui o mundo aos seus pés.  

Ele é um homem experiente, workaholic assumido, tem compulsão não somente por
trabalho, mas, também, por mulheres. Nasceu em berço de ouro e é um poderoso CEO e
herdeiro da maior da maior indústria farmacêutica do Brasil, com sede na capital de São
Paulo.  

Alguns obstáculos surgirão pelo caminho e a atração que os uniu será colocada à prova.
Será que o que eles sentem um pelo outro vai ser forte o suficiente para superar as
dificuldades?  

Descubra em “Depois da sedução, o amor”.  

AVISO: Conteúdo adulto.


 
 

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No último Natal, Melanie e Ethan estavam com os seus corações despedaçados e sem
esperanças. Mas encontraram no amor que sentiam um pelo outro a força que precisavam
para recomeçar.

Entretanto, o que eles não imaginavam no meio de tudo isso, era que o milagre das suas
vidas estava por vir. E dessa vez, para ficar. Aos poucos, a angústia foi dando espaço para
a serenidade, o medo para a coragem, e a incerteza para a fé.

Um milagre no Natal é um delicioso conto que deixará os corações românticos aquecidos


em meio ao frio intenso do inverno de Nova York, e fará você se encantar pela energia
vibrante do clima natalino.

Veja o milagre do casal Bryant acontecer e se apaixone por essa história.

AVISO: Conteúdo adulto.


 

 
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Notas de Rodapé
 

[1]
TI AMO TANTO significa ‘eu te amo muito’ em italiano, e deve ser usado apenas para
pessoas as quais se tem contato íntimo/sexual (namorados, cônjuges).
[2]
CUORE MIO significa ‘meu coração’ em italiano.
[3]
SEI BELISSIMO significa ‘você é lindo’ em italiano.
[4]
IL MIO CUORE È TUO significa ‘o meu coração é teu’ em italiano.
[5]
SONO TUA significa ‘sou sua’ em italiano.
[6]
TI AMO CON TUTTO IL CUORE significa ‘eu te amo de todo o meu coração’ em italiano.
[7]
FIGLIO DI PUTTANA significa ‘filho da puta’ em italiano.
[8]
CAZZO significa ‘porra/merda’ em italiano.
[9]
CIAO significa ‘olá’ em italiano.
[10]
MALEDIZIONE significa ‘maldição’ em italiano.
[11]
PAPÀ significa ‘pai’ em italiano.
[12]
RAGAZZA significa ‘garota’ em italiano.
[13]
BUONASERA é uma das formas de se dizer ‘boa noite’ em italiano.
[14]
PICCOLINO significa ‘pequeno’ em italiano.
[15]
PICCOLINA e CHE BELLA significa ‘pequena, que bela/linda’ em italiano.
[16]
GRAZIE significa ‘obrigado’ em italiano.
[17]
BAMBINA(O) significa ‘criança/menina(o)’ em italiano.
[18]
SCUSA, AMORE significa ‘me desculpe, amor’ em italiano.
[19]
MALEDETTA significa ‘maldita’ em italiano.
[20]
ROYAL SALUTE é um uísque escocês, que foi criado em 1953 para homenagear a
coração da Rainha Elizabeth II.
[21]
BLENDED 62 GUN é um dos uísques mais especiais e artesanais do mundo, da marca
ROYAL SALUTE. BLENDED significa mistura, ou seja, este é uma mistura de uísques.
[22]
MALEDETTO significa ‘maldito’ em italiano.
[23]
MA CHE BUONO, BELLA e PERFETTO significa ‘que bom, bela/linda’ e ‘perfeito’ em
italiano. MA CHE BUONO pode ser utilizado para elogiar uma comida, ou um cheiro.
[24]
SÌ, GRAZIE MILLE significa ‘sim, muito obrigado’ em italiano.
[25]
BUONANOTTE significa ‘boa noite’ em italiano e se usa como despedida, quando
sabemos que não encontraremos mais a pessoa naquela noite.
[26]
PRINCIPESSA significa ‘princesa’ em italiano.
[27]
CHEMISE vem do francês e significa ‘camisa’, ou seja, a modelagem do vestido
chemise imita a da peça caracterizada pelas golas e botões.
[28]
FIGLIO significa ‘filho’ em italiano.
[29]
FIGLIO MIO significa ‘meu filho’ em italiano.
[30]
MAMMA significa ‘mãe’ em italiano.
[31]
TI VOGLIO BENE significa ‘eu te amo/eu te quero bem’ em italiano.
[32]
COSÌ BELLA significa ‘tão bonita’ em italiano.
[33]
SQUIRTING significa ‘esguicho’ em inglês, e acontece quando a mulher libera fluidos
da vagina durante o sexo.
[34]
STALKER significa ‘perseguidor’ em inglês, e é uma palavra usada para aplicar a uma
pessoa que persegue outra de maneira insistente e obsessiva.
[35]
MA CHE BELLA significa ‘mas que bela/linda’ em italiano.
[36]
REMEMBER é um estrangeirismo que significa uma repetição de algo do passado.
[37]
AME é a sigla para Atrofia Muscular Espinhal, uma doença rara e degenerativa.
[38]
VAPE é uma abreviação de vaporizador, também conhecido cigarro eletrônico.
[39]
STRONZO significa ‘idiota’ em italiano.
[40]
ELA é a sigla para Esclerose Lateral Amiotrófica, uma doença rara e degenerativa.
[41]
A autoria da frase pertence a Lucilene Machado e está presente no livro "Claricianas",
escrito em conjunto com Edgar Cézar Nolasco.
[42]
PIACERE DI CONOSCERLA significa ‘prazer em conhecê-la’ em italiano.
[43]
BUONGIORNO, SIGNORE significa ‘bom dia, senhor’ em italiano.
[44]
SONO FOLLEMENTE INNAMORATO DI TE... TI AMO COSÌ TANTO significa ‘estou
louco por você... eu te amo muito’ em italiano.
[45]
RAGAZZA MIA significa ‘minha garota’ em italiano.
[46]
PER DIO significa ‘por Deus, em italiano.
[47]
TU SEI L’AMORE DELLA MIA VITA e SONO COMPLETAMENTE PAZZO DI TE
significa ‘você é o amor da minha vida e sou completamente louco por você’ em italiano.

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