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Tam: Calma, vamos pensar. Ele deve ter alguma rede social.
Meus dedos não pararam e seguiram até o meio das minhas pernas,
esfregando de leve, lavando ali. Minha boceta se contraiu, meu corpo estava
sensível e necessitado, mas eu não estava dando nenhuma atenção para isso
há meses.
Apertei os olhos, tentando voltar ao minuto em que beijei o Luiz
Henrique. Voltei aos meus seios, sentindo as pontas ficarem duras com essa
lembrança. Aquele homem era muito bonito e eu não demorei para notar isso.
Agora que as coisas estavam mais tranquilas, nenhuma bomba estourando ao
meu redor, eu me lembrava de como a barba grisalha caía bem naquele rosto.
O que teria acontecido se ele não estivesse me evitando?
Qualquer coisa que ele quisesse, com certeza. Depois daquele evento,
quando me apresentou como sua e eu roubei um tremendo beijo. Depois de
sentir como sua boca era gostosa, eu teria ido para a cama com o Luiz. Ele,
provavelmente, sabia disso, e então resolveu me ignorar desde então.
Ele só queria o bebê.
Aquilo era um acordo.
Ele nem me enxergava.
— Então desce, esfrego na tua cara que a menina é braba — cantei o
refrão final, abrindo os olhos para esfregar a minha perna que eu tinha
acabado de levantar para fora da espuma.
Mas assim que eu toquei próximo ao meu joelho, um movimento
próximo a porta me fez virar o rosto.
Quase não acreditei no que meus olhos estavam vendo, eu só podia
estar imaginando aquela cena. Luiz Henrique estava completamente nu,
parado e me encarando. Meus olhos registraram o peito seco e dividido,
descendo até sua barriga definida. Ele não era um homem grande e
musculoso, como aqueles fisiculturistas. Luiz Henrique era magro, definido e
muito, muito gostoso. Se considerar que tem quarenta anos e barba grisalha,
eu diria que ele estava 100% acima da média para sua idade e muito mais
enxuto do que muito novinho.
Meu olhar rapidamente recaiu sobre o triangulo com poucos pelos que
me deram a visão completa do seu pau. Ele não estava ereto, mas já dava
sinais de vida. Era grande e grosso, mesmo em repouso e eu fiquei
imaginando como ele seria em toda sua glória. Minha inspeção completa
demorou apenas alguns segundos, logo seu pau sumiu da minha vista e eu
encarei sua bundinha dura quando ele me deu as costas e saiu do banheiro.
Aquilo não era uma alucinação, se fosse pra imaginar ele viria até mim
e me foderia ali na banheira. Fiquei de pé rapidamente, jogando os fones ao
lado do celular ao sair da banheira. Peguei a toalha que estava jogada para
não molhar o lugar inteiro e corri para encontrá-lo.
Luiz Henrique estava no quarto, colocando de volta uma cueca boxer
preta quando eu me aproximei.
— O que está fazendo aqui, Alissa? — Ele estava de costas para mim.
— Estava tomando banho — respondi, dando de ombros.
— Não tem um banheiro no seu quarto? — Ouvi-o puxar o ar,
respirando fundo, enquanto tentava alcançar a camisa social em cima da
cama.
— Com banheira? Não. Achei que fosse demorar, me desculpe por
invadir o seu quarto.
Ele colocou os braços na camisa, mas eu toquei em seu ombro antes
que começasse a abotoar. Luiz Henrique se virou para mim, os olhos claros
eram tão lindos, mas a pupila estava dilatada, tornando o preto mais presente
naquele azul.
— Vou esperar você terminar seu banho — engoliu em seco ao me
encarar de toalha — em outro cômodo.
— Por que não vem tomar banho comigo? — Perguntei, cheia de
coragem. — Posso precisar que alguém esfregue as minhas costas — sorri.
— Não vai acontecer, Alissa — avisou, olhando diretamente em meu
rosto.
— Por quê?
— Não podemos misturar as coisas — explicou.
E de repente, uma coisa passou pela minha cabeça e fez todo o sentido.
Ele não tinha filho, não havia nenhuma mulher naquela casa, havia me
apresentado como sua namorada e logo depois me rejeitado.
— Você é gay? — Perguntei, pronta para deixá-lo em paz.
Luiz Henrique estreitou os olhos.
— Não.
Respirei aliviada por não ter tentado foder com um cara que gostava da
mesma fruta que eu.
— É virgem? — Tentei novamente.
Ele sorriu.
— Longe disso.
— Fez alguma promessa, voto de celibato ou algo assim?
— Não, apenas não podemos misturar as coisas, temos um acordo e
isso é tudo.
— Não li nenhuma cláusula que dissesse que não poderíamos transar.
Por que a gente tem que evitar isso? É conveniente para ambos.
— Inconveniente, você quer dizer?
— Eu tenho dezenove anos, Luiz. Sou adulta, não bebi e estou atraída
por você. Seria conveniente unir o útil ao agradável, não?
Deixei meu olhar passear pelo peito exposto pela camisa aberta até
chegar em sua cueca. Sim, a marca ali mostrava que ele estava cogitando, ao
menos a sua cabeça de baixo estava ficando bem animadinha.
Soltei a toalha, deixando-a cair aos meus pés, em minha última
tentativa.
Os olhos dele rapidamente se fixaram em meus seios e foi aí que eu me
senti tímida. Quando ele não avançou sobre mim como eu esperava que
fizesse, descobri que não importava ele não ser gay ou celibatário, porque eu
não fazia o tipo dele. Não era um mulherão com grandes peitos e bunda
avantajada.
— Você não me acha atraente — concluí, em voz alta.
Me abaixei para pegar a toalha e, ao me enrolar nela novamente, me
preparei para fugir daquele quarto.
— O quê?
— Não precisa mentir, são meus peitos, não é? Ninguém nunca
reclamou, mas eu sei que eles são pequenos. Talvez use o dinheiro que
ganhar para colocar silicone — dei de ombros, me virando para sair dali.
Senti seus dedos segurarem meu braço quando ele me puxou, me
fazendo encará-lo novamente. Luiz arrancou a toalha que eu segurava e seus
olhos novamente se fixaram em meus seios.
— Não vejo nenhum problema neles, na verdade, sinto uma vontade
absurda de sugar cada bico até você abrir as pernas de tão molhada que
ficará.
Engoli em seco, sentindo seu olhar queimar minha pele.
— Você é linda, Alissa — declarou, virando a cabeça para me analisar
completamente — suas pernas são de enlouquecer, seus pés são perfeitos e eu
aposto que sua boceta tem um gosto entorpecente.
— Então, por que você não quer provar? — Sussurrei.
— Eu quero. Mais do que tudo, quero jogá-la naquela cama, abrir suas
pernas e te chupar até sentir você estremecer contra a minha boca. Mas eu sei
que não devo. Sei que, assim que te provar, vou viciar em você e sou um
completo idiota porque, mesmo sabendo disso, vou te foder, Alissa.
Se suas palavras já tinham me deixado molhada? Muito. Mas nada se
comparava ao que eu senti quando, finalmente, ele me beijou. Não foi um
beijo como o que eu roubei da primeira vez, aquele era diferente. Luiz
segurou o coque do meu cabelo com firmeza antes mesmo de se encostar em
mim. Quando seus lábios tocaram nos meus, senti como se um furacão me
varresse a partir da minha boca.
Foi devastador.
Ele chupou minha língua, meus lábios e tudo o mais que pôde. Meu
corpo esquentou no segundo em que sua língua se impôs sobre a minha,
dominando-a com facilidade. Eu me entreguei ali, me abrindo inteira para o
que ele desejasse fazer, apenas correspondendo como era possível, com uma
lambida ou outra, porque seu beijo me deixou subjugada.
Sua mão livre apertou meu seio esquerdo, como se quisesse moldá-lo
em sua palma. Logo, sua boca largou a minha e tomou o seio que a mão
segurava com firmeza. Ele chupou o bico com força, sugando fundo, me
fazendo fechar os olhos e jogar a cabeça para trás. Sua outra mão largou meu
coque, puxando o bico direito e aquele gesto fez a minha boceta vibrar. Um
peito era sugado, o outro castigado com puxões e eu não saberia dizer qual
dos dois me fazia sentir mais prazer.
Luiz Henrique me empurrou, me fazendo dar alguns passos de costas
até estar contra a cama. Achei que ele fosse me fazer deitar ali, mas foi em
um dos pilares que ele me encostou.
A mão que puxava o mamilo direito o libertou e eu gemi, sentindo falta
do contato. Ela passou por minha cintura e quadril e eu entreabri as pernas,
imaginando que ele fosse me tocar ali, mas seguiu até a minha coxa e a
puxou, fazendo com que meu pé ficasse apoiado em cima do colchão.
— Como você gosta, Alissa? — A voz rouca de desejo me deixou
arrepiada.
— De qualquer jeito — dei a única resposta possível.
— Conhece tão pouco de si mesma? — Sorriu — daremos um jeito
nisso depois. Vamos ver se gosta assim...
Ele se abaixou e eu observei enquanto dois dedos se enfiavam em
minha boceta exposta. Eles escorregaram com facilidade, me tocando por
dentro e quando saíram estavam completamente molhados. Luiz deu uma
risadinha antes de substituir os dedos por sua língua e eu não me segurei
quando senti sua maciez quente me invadir, gemendo descaradamente.
Seus lábios se fecharam ao redor do meu clitóris, primeiro chupando
com delicadeza e depois lambendo freneticamente. Ergui as mãos, segurando
no dossel de madeira com força enquanto me perdia em sua boca.
Seus dedos se enfiaram em mim e passaram a foder minha boceta
enquanto ele me chupava, fazendo meu corpo incendiar de tesão. Movi meus
quadris, empurrando contra ele, querendo mais e mais. Fiquei na ponta do pé,
esticando minha perna quando a primeira sensação me percorreu. Gemidos
confusos escapavam dos meus lábios, apertei os dedos contra a madeira com
mais firmeza até sentir minhas mãos dormentes. Luiz se manteve firme,
chupando e lambendo ao mesmo tempo em que me fodia sem cessar até o
meu corpo explodir de uma vez.
— Ahhhhhhhh — gritei, incontrolável, enquanto o orgasmo me varria.
— Acho que gostou — falou, sem se afastar e a vibração da sua voz
contra minha boceta sensível me enviou um choque gostoso pelo corpo.
Fiquei imóvel, um pé sobre a cama e o outro no chão, incapaz de me
mexer com meu corpo ainda relaxando, se eu largasse o dossel cairia de cara
no chão. Luiz ficou de pé, jogando longe a camisa que cobria seus braços
antes de tirar sua cueca devagar.
Seu pau estava pronto, erguido e duro, e eu olhei maravilhada para o
seu tamanho, passando a língua nos meus lábios.
— Você quer? — Sua mão direita envolveu metade, masturbando
devagar.
— Quero — abri a boca e mostrei a língua, provocando.
— Na boca? — Assenti — depois, abra essa boceta, quero fodê-la.
Ouvir aquele homem sério falando aquilo era tão sexy! Ali, despido do
seu terno caro, Luiz Henrique me mostrava uma parte sua muito mais
interessante.
Me virei e juntei minhas forças para subir naquela cama alta.
— Então, me fode — abri bem as pernas, flexionando os joelhos com
os pés na cama — estou pronta para você.
Ele subiu na cama e se aproximou, se colocando sobre mim para tomar
a minha boca. Segurei seu rosto, sentindo sua barba sob meus dedos,
acariciando seu maxilar antes de puxá-lo para mim. Luiz se apoiou em suas
mãos, sem se deixar cair.
— Alissa, eu vi os seus exames e posso te mostrar os últimos que fiz.
De qualquer forma, quero que saiba que sempre uso preservativo...
— Eu acredito, pela forma que surtou quando soube que eu não ia
muito ao médico dava para notar que você é um tanto viciado em exames e
consultas — sorri.
— Não sou viciado, só mantenho meu checkup em dia — rebateu,
franzindo o cenho.
— Já estou grávida, você não vai me engravidar — sussurrei — por
favor, coloque logo o seu belo pau dentro de mim.
Ele ficou em silêncio, me fitando como se algo mais passasse por sua
cabeça e antes que o clima mudasse entre nós, eu me mexi, empurrando o
corpo dele para mudarmos de posição. Luiz se deixou conduzir, se
encostando na cabeceira. Eu montei sobre ele, deixando uma perna de cada
lado antes de segurar seu pau com a mão e descer sobre ele devagar. Quando
o acomodei, me inclinei e lambi seus lábios.
Apoiando minhas mãos em seus ombros, cavalguei sobre o seu pau.
Senti-o tocar fundo em mim quando desci e uma falta tremenda quando o
deixei. Luiz me encarou com os olhos vidrados e os lábios entreabertos de
prazer. Eu me senti poderosa, tendo aquele homem tão rendido embaixo de
mim. Ele pareceu despertar, se desencostando da cabeceira e se inclinando
para me alcançar. Suas mãos apertaram os meus peitos, me puxando com
força até nossas bocas se colarem.
Sua boca tomou a minha e seus braços rodearam minha cintura,
impedindo que eu me movesse enquanto seu pau estava enterrado em mim.
Enquanto ele devorava minha boca, chupando minha língua, eu não podia
subir e descer, mas dava para rebolar com ele dentro de mim. Rebolei gostoso
em seu colo e o senti gemer em minha boca.
Sem sair de mim, Luiz trocou nossa posição novamente, me erguendo
antes de me colocar deitada com as costas na cama. Minhas pernas estavam
apertadas ao seu redor tentando mantê-lo firme, sem se mover, da mesma
forma que tinha feito comigo e assim como eu, ele conseguiu provocar. Seu
pau escorregou alguns centímetros para fora quando ele colocou força para se
afastar e entrou até o fundo quando retornou, esse vai e vem contido me
deixou desejosa por mais e eu folguei as pernas.
— Você quer saber como eu gosto? — Perguntou tirando sua ereção
quase completamente.
— Sim — elevei meu quadril querendo-o de volta.
Ele se inclinou, levando a mão direita até o meu pescoço e ali, seus
dedos se fecharam.
— Gosto um pouco mais forte — explicou, entrando de uma só vez, ao
mesmo tempo em que seus dedos apertavam um pouco meu pescoço.
Assim, ele passou a me foder com vontade. Seu pau estocou forte,
batendo fundo antes de se retirar. A respiração de Luiz ficou cada vez mais
acelerada, assim como as batidas do meu coração. Ele manteve a mão firme
em minha garganta, mas não apertou mais do que aquilo, não me sufocou e
provavelmente não me marcaria, mas o mais insano era que eu queria que ele
apertasse. Queria ver até onde conseguiríamos ir e perceber aquilo me deixou
mais excitada. Senti novas ondas de prazer se formando enquanto meu corpo
pegava fogo e os grunhidos de desejo dele ressoavam ao meu redor. Fechei
os olhos, me perdendo completamente enquanto explodia em pedacinhos.
Ele saiu de mim no mesmo instante em que soltou o meu pescoço e eu
abri os olhos, buscando os dele no exato momento em que, com a mão, Luiz
se masturbou algumas vezes antes de esporrar sobre mim.
— Acho que preciso de um banho — disse olhando os pingos de porra
espalhados por minha barriga.
Esperei que ele me convidasse para o banho ou que me mandasse ir
para o meu quarto, mas Luiz Henrique caiu deitado ao meu lado e se não
fosse pelo som da sua respiração que puxava o ar com força tentando se
estabilizar, eu teria recebido de volta o completo silêncio.
— E então? — Ergui meu tronco para encarar seu corpo nu deitado ao
meu lado, já sentindo vontade de me jogar em cima dele novamente.
Que homem gostoso da porra.
— Eu estava certo... — Ele disse, fechando os olhos.
— Em ser um idiota? — Provoquei, lembrando da sua frase antes de
me beijar. Ao me ouvir, ele abriu os olhos e me fitou fixamente.
— Estou quase salivando ao lembrar do seu gosto, realmente é
viciante.
— Oh... — sorri — tem um pouquinho mais desse mel bem aqui —
apontei para o meio das minhas pernas.
Ao invés de olhar para onde eu apontava, ele encarou meu tronco.
— Você está linda assim, toda suja — seus olhos se estreitaram
enquanto ele contemplava sua obra de arte pingando em mim.
Aposto que você também ficaria lindo todo sujo...
Em um segundo, eu me lancei sobre o homem, colando meu corpo sujo
no dele que estava completamente limpo. Me esfreguei para dividir com ele
toda a porra que me cobria. Luiz Henrique não riu da brincadeira, ele segurou
meu cabelo com firmeza e o puxou com força, fazendo com que eu me
afastasse alguns centímetros.
Aguardei que a bronca viesse, que me repreendesse por sujá-lo ou que
desse qualquer sinal de nojo por causa daquilo, mas ao invés disso ele
devorou minha boca. De novo. Mantendo minha cabeça no lugar, Luiz
chupou minha língua e os meus lábios com vontade, sugando com fúria e me
fazendo querer mais.
— Vamos tomar banho — anunciou, largando meus cabelos e cessando
o beijo intenso.
Descemos da cama e andamos em direção ao banheiro, ele foi na frente
e eu pude avaliar mais atentamente o quanto sua bunda era boa. Será que ele
se importaria se eu a apertasse? Quando me aproximei de onde anteriormente
estava tomando meu banho, olhei diretamente para o meu celular largado ali,
desejando registrar aquele momento íntimo para que sempre que eu quisesse
pudesse me relembrar.
Um videozinho sacana seria uma delícia de assistir depois ou ainda,
serviria de prova de que aquilo aconteceu de fato.
Sei lá, vai que daqui a cinco segundos eu acordo e estou sozinha no
meu quarto, completamente molhada por ter tido o sonho erótico mais
realista de todos?
Sorri sozinha daquele pensamento, eu sentiria em minha pele cada
lembrança das mãos e da boca dele e saberia que era real.
— Perdi alguma coisa? O que é engraçado? — Ergueu uma
sobrancelha depois de entrar na banheira.
— Bobagem — aceitei a mão que me estendia e também entrei na água
que agora já estava quase fria. — Você recebeu o áudio que te mandei?
Luiz se sentou, me levando consigo, mas me colocando de costas para
ele.
—Sim, fico feliz que esteja tudo bem com o meu filho.
Meu filho. Era sempre intenso ouvi-lo tomar para si a paternidade.
Queria perguntar o motivo de não ter respondido o envio do áudio,
onde tinha sido a tal visita que disse ser inadiável e questionar o motivo por
ele não ser casado, mas não o fiz. Me mantive quieta quando Luiz levou água
da banheira para os meus ombros, molhando aos poucos a parte que se
mantinha fora da espuma. Não estava encostada nele, mas suas pernas me
rodeavam e sempre que ele as movia a gente se tocava, aquilo era levemente
torturante.
Ele me puxou o suficiente para que eu sentisse sua ereção contra
minhas costas, seu pau duro pulsava novamente e eu me segurei para não
gemer com aquele pequeno contato.
Queria me empurrar um pouco mais, colar minhas costas em seu peito
e levar seu pau até dentro de mim, mas fiquei quieta esperando para ver qual
seria o próximo passo dele. Que não demorou, as mãos de Luiz Henrique
logo se insinuaram por baixo dos meus braços, tocando minha barriga antes
de subirem até os meus peitos. Uma em cada, esfregando devagar como se
lavasse cada poro daquele espaço de pele. Meus bicos ficaram duros, se
empurrando contra as mãos macias.
— Não sei como pôde achar que eles eram um problema — sua voz
rouca baixa e sensual arrepiou os pelos da minha nuca — posso passar horas
fazendo isso — pontuou sua frase apertando os dois. Eu soltei um suspiro
alto. — Gosta assim? — Suas mãos se afastaram o suficiente para que apenas
as palmas tocassem de leve os mamilos endurecidos, era como um assopro
leve. — Ou prefere assim? — Os polegares e indicadores se fecharam ao
redor dos bicos, torcendo-os. Eu gemi e senti minha boceta se contrair. —
Fale, Alissa.
— Gostei do beliscão — engoli em seco.
— Eu também — ele repetiu o gesto, mas puxou as pontas depois de
torcê-las.
Repetiu aquilo várias vezes até que eu estivesse bem excitada apenas
com suas mãos nos meus peitos.
— E se eu beliscar aqui? — Sua mão direita escorregou até o vale entre
minhas pernas e eu as abri um pouco mais. — O que acha?
— Acho que vai doer — suspirei, sentindo seus dedos alisarem a
pequena saliência pulsante. Ele não falou nada, apenas puxou o nervo
sensível. — Hum...
Não doeu, a maneira como ele apertou, prendendo entre os dedos fez
com que eu quisesse mais. Luiz torceu e puxou, alisou e friccionou,
manipulando meu corpo de acordo com sua vontade. A água que eu achava
que estava esfriando, de repente passou a estar em banho-maria, esquentando
mais e mais. Eu cozinharia ali dentro antes de me mover.
Não eram gemidos que escapavam dos meus lábios, parecia mais com
os sons de satisfação que os gatos faziam quando você os alisava. Vinham de
dentro e escapavam mesmo com os meus lábios fechados.
— Segure na borda e não solte — as palavras chegaram para mim
rapidamente e eu sequer tive tempo de entender até me ver em movimento.
Ele se ergueu e me empurrou, me levando até a ponta de frente para
mim e eu me vi agarrando com firmeza a borda escorregadia. Luiz se
abaixou, posicionou meus joelhos no fundo da banheira e invadiu minha
boceta por trás.
De uma vez só.
Bem fundo.
Me fazendo gritar com o impacto.
— Rebole no meu pau, Alissa — ordenou — mexa essa bunda gostosa.
Claro que eu obedeci, enquanto me sentia totalmente preenchida, eu
movi meus quadris, girando como fazia quando dançava funk. O pau dele era
grande e, ao contrário de muitos que saíam de dentro com aquele movimento,
Luiz se mantinha enterrado em mim enquanto eu gemia e rebolava.
Sem que eu esperasse, senti sua mão descer contra minha nádega
direita. O tapa foi estalado e ardido. Me afastei um segundo, puxando meus
quadris, tirando metade de sua ereção de mim e me choquei contra ele com
força. Dei outra rebolada antes de sair e me chocar com força, em aprovação
ao seu gesto.
— Você gosta — ele concluiu, repetindo o tapa na minha raba. — Quer
mais?
— Sim — gemi, rebolando contra ele.
Ele me deu.
Segurando em minha cintura com uma mão, espancando a minha
bunda com a outra, Luiz passou a me foder de verdade, dispensando meus
movimentos. Nossos corpos se chocavam, fazendo barulho e derramando a
água da banheira. Ele ia fundo e se afastava, voltava com tudo e me deixava,
enquanto eu tentava me manter firme, segurando na borda. Com aquele tanto
de impacto, se eu soltasse bateria de cabeça na parede e o estrago não seria
pequeno.
Me concentrei nas suas bolas batendo contra mim e me inclinei,
buscando o ângulo perfeito para que elas roçassem o meu clitóris no vai e
vem. Minha bunda estava quente, ardendo com os tapas e a temperatura do
meu corpo também se elevava cada vez que seu pau e sua palma se chocavam
contra mim.
— Luiz — gritei, sentindo que estava chegando lá — não pare...
— Nem se eu quisesse — respondeu, em um grunhido quase
indecifrável.
Ele se manteve firme, me fodendo e me batendo, me levando até o
limite e permitindo que me perdesse, mais uma vez, no ápice do prazer.
Estremeci, apertando a borda e contraindo minha boceta. Luiz cessou as
palmadas e, com as duas mãos em minha cintura, se enterrou cinco vezes
antes de me preencher com seu sêmen.
— Uau — emiti, com as pernas trêmulas — acho que você não foi o
único que viciou. Rebolar no seu pau pode ser considerado o meu mais novo
programa preferido.
A risada que ele deu foi baixa e sensual, sem escândalos. Luiz saiu de
dentro de mim e eu despenquei dentro da água.
— Acho que podemos terminar o banho — concluiu, saindo da
banheira — ou pegaremos um resfriado se continuarmos fazendo isso aqui.
— Estou cansada demais para fazer qualquer coisa de novo — avisei
— só quero dormir.
— Você não vai dormir sem jantar — determinou.
— Você gosta de mandar, né? — Encarei-o. Ele não precisou
responder — eu vou comer e depois vou dormir.
Ele assentiu.
*
Depois da deliciosa rodada de sexo quente, nós terminamos de tomar
banho e mesmo exausta e com minha cama parecendo muito confortável
enquanto eu me trocava, fui obediente e desci para jantar antes que precisasse
me arrastar com os lembretes de que eu estava grávida e etc. Então, depois
que comemos – comida, ok? – pude dormir relaxada e em paz.
Acordei às 8h com o meu despertador (quando ganhei o celular pude
liberar Magda da função soneca) e me espreguicei, sentindo minha bunda
arder só um pouco. Era sábado e, como já sabia, Luiz trabalhava naquele dia.
Deitada na cama, eu me lembrei do modo como ele me fodeu na banheira e
nossa, tudo que eu mais queria era compartilhar aquilo com alguém. Quando
a gente é bem comida, sempre deseja dividir a experiência com uma prima ou
uma amiga, contando detalhes da loucura que foi a transa e eu sempre fazia
isso com a Tamires, e vice-versa.
Eu sentia falta da minha amiga e era provável que hoje, dentro de mim,
a saudade fosse um pouco maior do que a mágoa pelo modo com o qual nos
separamos em nosso último encontro. Talvez fosse porque eu estava bem
naquele lugar, tendo acesso a tudo do bom e do melhor e com uma
perspectiva melhor de futuro, que eu sentisse menores as coisas que me
aconteceram. Sei lá, não que eu valorizasse as merdas, mas se eu não
estivesse naquele lugar, naquele momento, eu não encontraria o Luiz...
Ainda não tinha pensado sobre o que faria, estava vivendo um dia de
cada vez e também evitava lembrar do que passou. Assim, mesmo já estando
com o celular há quase uma semana, não havia instalado minhas redes
sociais. Meu número era novo, não havia passado para ninguém, portanto
meu aparelho estava servindo apenas para falar com o Luiz e tirar selfie. Mas
agora eu olhava o Iphone e me perguntava por que não? Poderia ver como as
coisas estavam e voltar aos poucos. Com isso em mente, acabei indo até a
loja de aplicativos para baixar o Instagram, o Facebook e o Tik Tok.
Depois de fazer login, fui direto ver se havia mensagem de Tamires.
Nada. Minha ex-melhor amiga não havia procurado saber como eu estava ou
se estava viva depois de sumir por tantos dias.
Ela sabe que você não tem celular. Justifiquei sua ausência.
E fui em busca do perfil dela no Insta. Deslizei o dedo na tela
observando que Tam postou várias fotos ao longo desses dias, a maioria
selfies com frases de música na legenda. Cliquei para ver os stories e me
deparei com alguns reposts da noite anterior com a #sextou. O primeiro
mostrava Tamires e mais duas meninas descendo até o chão ao som de um
pagodão que tocava na mala de um carro branco, elas estavam de costas, por
isso não consegui ter certeza de quem estava com ela. O segundo era um
boomerang de copos de cerveja brindando e os demais seguiam o padrão de
dança. Senti um aperto no coração ao ver aqueles momentos, pouco tempo
atrás e eu estaria ali curtindo adoidado...
A vida de todo mundo continuava normal?
Só a minha havia sido desconstruída completamente?
Eu teria minha vida de volta algum dia?
Meu estômago roncou e eu afastei os lençóis observando minha barriga
ainda seca. Eu engravidei e junto com aquele fato veio uma gama de
mudanças que eu não sabia como lidar. Se normalmente já era tudo novo,
imagine no meu lugar? Mas eu sabia que o que eu estava vivendo ali naquele
castelo não era real e tinha data de validade.
Quando o bebê nascesse, em poucos meses, estaria tudo acabado.
E então, o que eu faria?
Eu não tinha previsto nenhuma das fortes sensações que senti na sexta-
feira. Primeiro, senti o meu próprio coração bater fora de mim e aquilo me
abalou de uma maneira tão imediata que sequer voltei para a empresa depois
de ouvir o áudio no meu carro. Dirigi para casa, pronto para tomar um banho
e absorver aquela sensação, mas então veio a segunda surpresa do dia: Alissa
completamente nua. Eu não estava preparado para lidar com aquilo e, mesmo
tentando fazer o certo, virar as costas e sair, eu acabei exatamente no lugar
em que ela queria: entre suas pernas.
Enquanto lidava com sua versão sedutora tentei resistir, mas quando a
insegurança dela deu sinais de aparição não pude permitir que ela imaginasse
que era menos do que incrível em cada uma das suas partes. E ela era. Suas
pernas longas, seus seios pontudos, a boca atrevida e a boceta gostosa eram,
de fato, viciantes e eu sabia que tinha cometido um erro gigantesco a
provando.
Hoje eu não era mais um homem de vícios, mas sabia exatamente a
sensação que era necessitar de algo que não te faria bem. O viciado deseja
ardentemente aquilo que é capaz de matá-lo aos poucos. Ou ainda, deseja o
que pode ser fulminante. A bebida e a nicotina eram exemplos clássicos do
que destruía aos poucos, roubando um pouco de vida a cada trago.
E eu sabia que Alissa seria igual. Pouco a pouco ela me roubaria.
Primeiro, a minha atenção. Depois, o meu controle. Por fim, tentaria ir além e
exigiria algo que eu não seria capaz de doar. Se Alissa conseguisse, eu estaria
arruinado mais uma vez. Morto novamente. E nenhum homem era capaz de
se reconstruir duas vezes. Então, por que eu tinha dado o primeiro gole
naquele maldito veneno? Porque era um idiota, como já tinha deixado claro.
O sábado se arrastou como dificilmente acontecia. Com frequência,
perdia as horas quando estava no trabalho e não me importava com isso
porque gostava de fazer logo o que precisava ser feito, sem adiamentos
inúteis, mas naquele dia o ponteiro do relógio parecia estar em greve. Para
disputar com ele, estendi meu turno até as dez da noite. Podem achar que eu
estava evitando voltar para casa, era isso realmente, sabia que assim que o
fizesse iria direto até ela para me lambuzar um pouco mais com o seu gosto.
Mas às 21h recebi uma mensagem dela em meu celular:
Alissa: Já estou indo deitar, mas vou deixar a porta aberta, para o
caso de você querer me visitar.
Não respondi, ela sabia que estava dando as cartas, mas eu evitaria
jogar aquela noite. Fui para casa uma hora depois e me mantive firme no meu
quarto até amanhecer.
*
Estava tomando café da manhã mais cedo do que habitualmente fazia
aos domingos quando ela apareceu. Dizer que ela surgiu e se sentou ao meu
lado à mesa do café da manhã seria diminuir o registro que meus olhos
fizeram da aparição de Alissa, usando uma camisola de seda preta com
detalhes de renda no busto ela caminhou em minha direção, com a expressão
de alegria refletida em seu rosto. Eu também estava animado com a visão a
minha frente, talvez animado demais. Eu gostaria muito de contar que resisti
a Alissa de camisola, mas ao contrário, a devorei com os olhos como se ela
fosse o único alimento capaz de me saciar por completo.
Adoraria tê-la como meu prato principal sobre a mesa da sala de jantar
e eu estava prestes a fazê-la se contorcer em minha boca, inclinei o corpo
para levantar da cadeira, quando Magda se colocou ao meu lado. Em uma
fração de segundos eu planejava beijar a Alissa e no instante seguinte me
choquei contra Magda, no impacto a jarra de inox foi derrubada e o piso se
tornou uma poça vermelha. O cheiro da acerola se espalhou no ambiente e eu
praguejei irritado.
— Desculpa senhor. — Magda pediu de imediato como se a culpa
daquele desastre fosse dela.
— A culpa é minha — falei pousando o guardanapo de tecido sobre o
líquido derramado para impedir que ele se espalhasse — Eu estava distraído.
— Ergui os olhos e encontrei Alissa exibindo o sorriso de uma criança
travessa.
— Eu cuido disso, senhor — Magda, muito mais eficiente que eu,
assumiu a função e logo seguiu para a cozinha provavelmente em busca de
um pano decente para limpar a bagunça que eu causei.
Permaneci de pé pensando se deveria seguir o meu plano inicial e
beijar Alissa ou deveria entender aquela interrupção como um sinal para
evitar que eu seguisse cometendo erros. Optei pela segunda opção e tentei
ignorar o motivo do meu ímpeto. Meus olhos voltaram ao tablet onde antes
do furacão Alissa eu lia a seção de Economia, mas meu corpo ainda estava
ciente da presença dela.
— Chegou tarde ontem? — A voz dela invadiu a minha bolha — Eu
esperei que você fosse até... — Ergui a cabeça para encará-la, Magda havia
retornado e se dedicava a limpar o suco derramado, Alissa olhou para Magda
e pareceu ter compreendido o meu recado mudo, pois não completou a frase.
Moveu sua atenção para o pé de moleque no prato e voltou a comê-lo.
Eu tinha total discrição com meus funcionários, sabia que o quer que
fosse ouvido ou visto naquela casa não seria alvo de comentários ou
especulações, mas ainda assim não queria conversar a minha intimidade
recente com Alissa na presença deles.
— Sim. — Alissa me encarou como se eu tivesse proferido uma coisa
absurda — estou respondendo a sua pergunta — elucidei o olhar
questionador — cheguei tarde ontem à noite.
Ela assentiu e levou a xícara de café aos lábios.
— E a minha outra pergunta.
— Você só me fez uma pergunta — arqueei a sobrancelha direita.
— Você sabe o que eu quis dizer, por que não me procurou ontem?
Magda acabou a limpeza e nos deixou sozinhos.
E eu aproveitei para evitar aquela pergunta e consequentemente fugir
da tentação de lábios macios. Há um antigo ditado que diz que a diferença
entre o veneno e o remédio é a dose. E eu precisava saber administrar as
doses de Alissa para não acabar envenenado.
— Vamos sair, você vai conhecer os meus pais. — Informei,
colocando-me de pé.
— Conhecer seus pais? — Perguntou com os olhos arregalados.
— A notícia que serei pai está se espalhando rapidamente e gostaria de
ser eu mesmo o portador da boa nova que eles serão avós. — Ela continuou a
me encarar assustada. — Sairemos em algumas horas. — Avisei e como não
obtive resposta, movimentei meus pés em direção ao meu quarto.
— O que devo vestir? — A pergunta foi feita às minhas costas.
— Qualquer coisa a essa camisola.
— O que há de errado nela? — Virei a cabeça para olhá-la, o seu
tronco estava voltado para mim e me dando uma visão privilegiada do seu
colo.
— Nada, e esse é o problema.
Assim que deixei Alissa, liguei para a minha mãe para informar da
visita. Avisei que estaria acompanhado da minha namorada e ela pareceu
feliz com a notícia. A minha relação com Alissa tinha muitas camadas e
nuances, mas para os outros não. Ela era simples e comum ao demais casais,
nos conhecemos, apaixonamos e agora esperamos um bebê. Simples e
corriqueiro.
Hoje era o dia de folga do Josué e eu era responsável pela locomoção
até a residência do meus pais. Alissa estava mais quieta que o habitual,
parecia incomodada com alguma coisa.
— O que houve? Compartilha comigo o que está passando pela sua
cabeça.
— Você vai me achar uma boba... — sorriu — Você disse que serei
apresentada como sua namorada, né? — movi a cabeça em concordância —
mas a gente não tem uma história de como nos tornamos namorados, sabe?
As pessoas costumam perguntar como o casal se conheceu... Seus pais podem
perguntar. E eu não faço ideia do que responder.
Aquele era um ponto que eu não tinha avaliado, em geral, as pessoas
não costumam me fazer esse tipo de questionamento, mas essa é uma
curiosidade que pode surgir na intimidade do ambiente familiar.
— Acredito que meus pais não serão invasivos, mas caso eles
perguntem: podemos dizer que nos conhecemos em uma inauguração dos
empreendimentos JAG e eu fiquei encantado pela jovem mulher de vestido
vermelho e olhos sedutores. E que desde então não há um único dia que eu
não pense como sou sortudo por ter essa mulher em minha vida e pelo filho
que ela me deu de presente. O que acha disso?
— Eu beijaria você agora se não tivesse medo de que o carro se
chocasse contra o poste.
Eu a encarei por alguns segundos sem dar nenhuma resposta. Era claro
que eu queria que ela o fizesse e tanto fazia se fosse naquele momento ou
quando eu parasse o carro, o resultado seria o mesmo. O choque que ela
temia, em metáfora, parecia cada vez mais inevitável.
Terminei o trajeto até o condomínio que meus pais moravam e tive a
entrada liberada rapidamente. Assim que estacionei, desci e fui abrir a porta
para Alissa.
Ela piscou para mim e usei todo o meu autocontrole para não beijar a
sua boca atrevida e a conduzi pelo jardim até que eu tocasse a campainha.
Segundos antes da porta ser aberta, eu me perguntei se havia mesmo tomado
a decisão correta... Se não era melhor ter ficado em casa e cedido a deliciosa
tentação. Mas antes que eu pegasse Alissa pela mão e a reconduzisse ao
carro, minha mãe apareceu para nos recepcionar.
— Essa linda jovem é a minha nora? — Ela perguntou sorridente.
— Oi para a senhora também — Sorri e recebi um abraço apertado —
Sim, essa é a Alissa.
— É um prazer conhecer a senhora.
— O prazer é todo meu — Alissa também foi abraçada — Agora não
precisa me chamar de senhora, não é porque tenho um filho com fios brancos
que sou tão velha assim — Sorriu.
A mão de Alissa buscou a minha enquanto caminhávamos ao encontro
do meu pai e interpretei aquele gesto como nervosismo, de mão dadas
seguimos até chegarmos à sala onde o meu pai nos aguardava sentado em
uma poltrona bege. Ciente da nossa chegada ele colocou o aparelho de celular
na mesinha de centro e ajeitou a postura.
— Pai, essa é Alissa — o olhar dele se estreitou como se a analisasse
— Alissa esse é o meu pai, José Augusto.
— É um prazer conhecer o senhor... — Meu pai balançou a cabeça em
resposta.
Alissa sentou-se ao meu lado no sofá branco e minha mãe seguiu para
o lado do meu pai, ocupando a poltrona à esquerdo. Como a anfitriã que era,
dona Luiza passou a oferecer suco, água de coco, biscoitos, bolos e apesar
das nossas múltiplas tentativas de recusa, acabamos cedendo e uma bandeja
com suco e biscoitos amanteigados foram servidos, Alissa repetiu o meu ato e
pegou um copo do suco de abacaxi.
— Alissa, não é? — Meu pai perguntou como uma confirmação e
recebeu um balançar de cabeça dela como resposta — Você trabalha no ramo
empresarial?
— Não, senhor.
— Meu marido tende a achar que só existe um ramo de trabalho no
mundo — minha mãe falou sorrindo.
— A Luiza tem razão, em que você trabalha?
— Eu não trabalho. — A mão que se mantinha fechada ao redor do
copo de vidro apertou ainda mais o objeto.
— Não trabalha... — Foi o comentário dele após um longo silêncio.
Eu estava prestes a intervir e ir direto ao motivo pelo qual estávamos
ali quando meu pai voltou a interrogá-la.
— Que faculdade você faz?
— Eu não faço faculdade, ainda estou concluindo o Ensino Médio.
— Quantos anos você tem?
— Dezenove, farei vinte agora em agosto.
— Alissa não está se candidatando a uma entrevista de emprego, pai.
— A minha repressão em tom suave gerou um pequeno embate silencioso
entre nós, meu pai não era um homem de fugir de confronto, mas era sábio o
suficiente para saber o momento de recuar.
Bebi mais um gole do suco refrescante e decidi anunciar o motivo da
visita.
— Espero que a notícia não tenha se espalhado rapidamente e possa ser
eu o porta voz da melhor notícia da minha vida — O sorriso da minha mãe se
ampliou e eu deduzi que ela já sabia do que se tratava, mas isso não diminuiu
a felicidade que eu sentia em compartilhar com eles que eu serei pai. —Alissa
e eu estamos esperando um bebê! — A mão de Alissa buscou a minha e
nossos dedos se entrelaçaram.
— Eu estou tão feliz por vocês! — Minha mãe vibrou animada —
Tenho certeza de que você será um bom pai. — Completou.
— Você não é jovem demais para ter um bebê? Criança exige
responsabilidade... — A animação da minha mãe foi sobreposta pelo humor
taciturno do meu pai.
— Responsabilidade essa que estamos cientes, pai.
— Estamos esperando uma menininha ou um menininho? — Minha
mãe perguntou ainda sem conter a animação.
— A gente ainda não sabe o sexo. — Respondi porque Alissa parecia
ter perdido a voz.
— Já pensou Augusto, uma cópia mirim do Luiz Henrique correndo
por essa casa? Vai te deixar de cabelo em pé — meu pai não esboçou
nenhuma nova reação com o comentário da esposa, permaneceu com a cara
fechada. O que não era uma novidade para mim, ele sempre foi mais
desconfiado e introvertido, ao contrário da minha mãe que sempre foi mais
extrovertida e amigável, todavia excepcionalmente algo parecia ter aflorado
esse lado turrão do meu pai.
— Você tem alguma preferência, Alissa?
— É estranho dizer que não? — Alissa confessou timidamente como
se temesse o julgamento.
— De jeito nenhum — minha mãe ofereceu um sorriso tranquilizante
— Nas minhas duas gestações eu pensava como você. Desde que meus filhos
nascessem com saúde, não importava se seria um menino ou uma menina.
— É esse o nosso pensamento — concordei — queremos que nosso
filho se desenvolva saudável. Menino ou menina ele será lindo com a mãe
que tem. — Pontuei fitando Alissa.
— Como se o pai não fosse bonito... — Alissa comentou mais para si
do que para qualquer outra pessoa.
— Ele era ainda mais bonito criança. — Mina mãe garantiu.
— Isso é possível!? — Perguntou diretamente para mim.
— Evidente que sim, você quer ver as fotografias do Luzi Henrique
bebê? Nelas você verá um lindo bebê rechonchudo e com bochechas que
clamavam por apertos. E eu as apertei várias vezes. — Sorriu parecendo
perdida em lembranças.
— Mãe isso não é necessário. — Falei para evitar que a minha mãe
abrisse a caixa de fotos infantis, ela mantinha uma no seu closet com fotos
constrangedoras minha e do meu irmão durante a infância e adolescência.
— Mostre a ela as fotos, para ela saber como será o filho deles. Os
genes do Garcia Lopes costumam se sobrepor aos demais.
— Não é assim que a genética funciona, meu pai. — Discordei
serenamente — A herança genética é maior que um sobrenome poderoso.
— O que significa que o bebê pode ser uma junção das características
da Alissa e do Luiz Henrique o que o tornaria extremamente lindo. — Minha
mãe completou — Vamos ver as fotos, Alissa? Não me prive de deixar o
Luiz Henrique envergonhado, ele não gosta que as pessoas vejam que ele foi
uma criança sapeca, ele precisa manter a áurea do empresário sério.
Alissa me consultou com o olhar e tentei transmitir na nossa troca de
olhares que a decisão era exclusivamente dela.
— Se não for incomodar, eu gostaria de ver.
— Incômodo nenhum. — Minha mãe levantou-se e Alissa
acompanhou os seus passos. Antes que as duas sumissem do meu campo de
visão ouvi uma risada baixa de Alissa, o que me deixou mais tranquilo dessa
interação.
— Acho que a gente precisa conversar — meu pai anunciou e com
dificuldade colocou-se de pé e marchou em direção ao seu escritório.
Receoso do rumo que a conversa teria demorei alguns minutos até me juntar
a ele. Apesar de já ter estado naquele espaço dezenas de vezes, o observei
como se fosse a primeira, deixei meus olhos vagarem pelas dezenas de títulos
dispostos na estante, alguns prêmios e condecorações recebidos pela JAG
expostos nas prateleiras e somente depois encarei a figura imponente do
senhor Garcia sentado na cadeira executiva.
Notei o olhar impaciente dele quando finalmente cedi e ocupei a
cadeira a sua frente.
— Você está apaixonado? — A pergunta foi direta.
— Me chamou até aqui para falar da minha vida sentimental? Isso não
é típico do senhor Garcia — franzi o cenho — Sim, estou apaixonado e feliz.
Estou prestes a realizar um dos meus maiores sonhos e me sinto o mais
sortudo dos homens com Alissa ao meu lado.
As palavras soaram verdadeiras até para mim, e isso me assustou, não
estava buscando envolvimento emocional com Alissa, mas não podia negar a
forte atração entre nós e os sentimentos adormecidos em mim que
ameaçavam florescer mais uma vez.
— Fico feliz por você, mas — sempre havia um mas com ele — você
não pode deixar que o seu lado emotivo fale alto mais uma vez. A última vez
que isso aconteceu não terminou bem para você.
Essa lembrança trouxe um sabor amargo à minha boca. Era uma clara
referência ao meu passado, mas aquilo não aconteceria novamente. O meu
acordo com Alissa tinha cláusulas e um valor determinado específico, eu já
havia aprendido a lição.
— Isso não vai acontecer.
— Presumo que já tenha preparado um contrato pré-nupcial... E de
preferência com separação total de bens.
— Compreendo a sua preocupação, mas ela é desnecessária. O senhor
não precisa ocupar o seu tempo se preocupando comigo.
— Eu achava que não até ver essa mulher... Não quero ser grosseiro,
mas não consigo parar de pensar que essa gravidez repentina pode ser o velho
golpe da barriga em ação.
Não contive o sorriso que surgiu quando a frase foi dita, se meu pai
estava cogitando que eu estava sendo vítima de um golpe era um sinal que a
minha farsa estava sendo bem orquestrada. Tudo aprecia se encaminhar para
não haver questionamentos futuros sobre a paternidade. Entretanto, a menção
que Alissa pudesse ser uma golpista me incomodou e fez o sorriso
desaparecer tão rápido quanto surgiu, se tinha alguém ali que poderia ser
considerado golpista seria eu, afinal aproveitei de um momento de fragilidade
para sobrepor o meu desejo.
— O senhor ofende a mãe do meu filho ao sequer considerar essa
hipótese — sentenciei — Meu filho não é fruto de um golpe da barriga, muito
menos uma forma de tirar dinheiro meu como o senhor insinuou, ele é
desejado e infinitamente amado. Então com todo o respeito que eu tenho pelo
senhor gostaria de pedir que esse assunto não fosse mais retomado em
hipótese alguma. Ele é desrespeitoso com Alissa e com o filho que
esperamos.
— Você sabe que eu não falei por mal...
— De toda forma gostaria que esse tipo de comentário não fosse mais
exposto e muito menos questionado para qualquer pessoa. Eu não o perdoaria
se ele chegasse aos ouvidos da Alissa. — O tom de voz firme deixava claro
que não se tratava de uma ameaça vazia.
— Você tem a palavra de um Garcia que esse assunto morrerá da
mesma forma como iniciou nessa sala.
Eu queria dizer que o jeito que o senhor José Augusto se dirigiu a mim
não me incomodou, mas seria mentira. Fui submetida a um interrogatório e a
cada resposta minha eu tinha certeza de que não estava correspondendo a
expectativa de mãe do seu neto e namorada do seu filho. Eu não era apta para
o cargo. Não que isso fosse uma novidade para mim, já tinha vivenciado essa
situação no dia da premiação quando Luiz me apresentou como namorada, as
pessoas demonstravam uma opinião semelhante, elas apenas foram mais sutis
em suas percepções. Bem ao contrário do pai dele que manifestava uma
desaprovação apenas pelo jeito de olhar.
Minha vontade inicial foi enfrentá-lo e dizer em alto e bom som: “eu
sei que eu não pertenço ao seu mundo, não precisa esfregar seu sobrenome na
minha cara. Eu sei o meu lugar e quer saber? Ele está sendo bem aproveitado
na cama do seu filho.” Mas essa resposta ficou no pensamento porque eu me
sentiria ainda pior se o Luiz Henrique me repreendesse e acabasse dando
razão ao pai.
E ainda tinha a dona Luiza, ela me tratou bem e não merecia uma cena
em sua casa só porque seu marido era um grande babaca arrogante. Então, eu
domestiquei a Alissa afrontosa que pulsava em mim e apenas fingi demência
enquanto era analisada.
Ao lado da Luiza eu caminhava para ter um acesso mais amplo ao Luiz
Henrique. Eu já conhecia o homem poderoso que salvou a minha vida e a do
meu filho, mas agora estava sendo convidada a entrar em sua intimidade
familiar. Queria, além de ver as fotos dele quando criança, que a sua mãe
compartilhasse histórias da sua infância, queria saber que tipo de adolescente
ele foi, se teve muitas namoradas, se sempre foi sério e centrado. Queria
formar o quebra-cabeça completo de quem era o Luiz Henrique, pois as peças
que ele me deu eram limitadas.
— Dona Luiza, a senhora vai querer... — uma mulher que deveria ter a
idade bem próxima à minha a abordou — desculpa, não vi que a senhora
estava acompanhada. — Disse após notar minha presença.
— Essa é Alissa, a namorada do Luiz Henrique e mãe do meu neto. —
A mulher acenou para mim com a cabeça em cumprimento. — O que você
queria comigo, Ivania?
— A Maria quer saber se é para acrescentar mais dois lugares à mesa.
— Vocês vão almoçar conosco, não vão? — Luiza se digeriu a mim.
— Não sei, acho melhor perguntar ao seu filho.
— Ivania, pergunte ao Luiz se ele irá almoçar conosco, informe que o
irmão estará presente.
— Eu pergunto — me ofereci porque achei desnecessário que a
empregada o perguntasse, quando eu mesma poderia fazer.
— Enquanto você vai até ele, verei com a cozinheira como anda o
almoço. Você tem alergia a frutos do mar, Alissa?
— Não.
— Ótimo — sorriu.
As duas mulheres seguiram em frente e eu retornei o caminho que
havia percorrido anteriormente. A casa dos pais do Luiz Henrique era tão
grande quanto a sua, menos imponente, mas igualmente luxuosa. Foi
inevitável pensar que meu filho teria, desde pequeno, acesso a ambientes
desse tipo e, ao contrário de mim, ele não se sentiria deslocado ou
deslumbrado quando estivesse em uma casa como aquela.
Estava passado por uma das portas fechadas quando ouvi vozes
masculinas vindas do interior, reconheci de imediato o som como pertencente
a Luiz Henrique e a outra deveria ser a do seu pai. Não ia interromper os dois
e receber mais um olhar de desaprovação do senhor Augusto, então estava
prestes a dar meia volta e dizer que não encontrei o Luiz quando escutei uma
frase que me fez paralisar.
— Não consigo parar de pensar que essa gravidez repentina pode ser o
velho golpe da barriga em ação.
A frase foi dita de forma objetiva e pelo silêncio que se seguiu,
imaginei que se os termos da minha gravidez fossem outros o próprio Luiz
Henrique compartilharia desse pensamento. Nós somos de mundos opostos.
O destino acabou colocando ele no meu caminho, essa era a única explicação
para que alguém como eu encontrasse um empresário rico. Eu já havia
escutado histórias de mulheres que encontraram homens ricos no Tinder, mas
eu duvidava que o Luiz desse match com uma mulher do Brasileirinho. E
ainda, considerando a hipótese que ele teria retribuído meu like,
começássemos a namorar e eu engravidasse dele no primeiro encontro, ele
não acharia aquilo um golpe da barriga? Nem mesmo depois de ver a casa
que eu morava e conhecer a família? Era bem provável que ele pensasse
como o pai e eu não conseguia condená-lo por isso, mas o fato de entender
não faz diminuir a irritação que correu pelo meu corpo fazendo meu sangue
esquentar.
Afinal, quem começou com essa história de me apresentar como
namorada foi ele, então no mínimo ele deveria fingir ser um e me defender
das acusações do seu pai. Sem conseguir pensar direito, levei a mão à
maçaneta para eu mesma interpretar o papel de namorada ofendida quando
uma voz aveludada me fez recuar.
— Se eu fosse você não faria isso, ele detesta ter o seu santuário
invadido. — O dono da voz tinha olhos grandes e escuros. Castanhos,
provavelmente, assim como os meus.
Os cabelos eram pretos, cortados jovialmente com a parte de cima
bagunçados propositalmente. Usava camisa sem mangas preta e calça jeans e
tinha, no máximo, vinte e um anos. Era bem bonito. Me afastei da porta e
deixei que meus pés me levassem até o homem recostado relaxadamente a
parede.
— Eu só estava procurando uma pessoa... — Justifiquei.
— Tem certeza de que quem você procura está atrás dessa porta? —
Arqueou a sobrancelha. — Desculpa, eu não me apresentei. Eu sou o
Augusto, neto dos donos da casa. E você é?
— Alissa — respondi.
Neto dos donos da casa? Que interessante. Ele podia ser bem útil para
abaixar o nariz daquele pessoal metido a besta, eu poderia usar isso a meu
favor.
— Você tem razão, talvez o que eu procure não esteja atrás da porta e
sim bem aqui na minha frente... — A minha insinuação gerou um efeito
imediato, pois fui contemplada com a visão de um sorriso sacana e um olhar
que percorreu o meu corpo lentamente, analisando meu vestido curto.
Isso era bem melhor que confrontar Luiz Henrique e seu pai. Ao menos
seria mais divertido e atingiria o objetivo que eu tinha em mente: irritar o
Luiz. Ele não me achava uma golpista? Agora iria descobrir que eu também
poderia ser uma piriguete ao lado do seu sobrinho. Mal poderia esperar pelo
momento em que ele assistisse o meu plano em ação.
Com isso em mente, segui Augusto não me importando nem um pouco
em que tipo de confusão eu estava prestes a me enfiar. Ele acabou me
levando a uma espécie de varanda, localizada em anexo a casa, acho que era
ali que eles costumavam se reunir com os amigos, pois o ambiente era mais
despojado e colorido.
Augusto me surpreendeu quando não escolheu o sofá tradicional para
se sentar, ele optou pelo sofá em formato de concha, retirou as sandálias e
elevou as pernas em uma postura relaxada. Finalmente, alguém que não
parecia preocupado com o que diziam as regras de etiqueta. Assim como ele,
me livrei da sandália e me sentei no sofá, levei a almofada ao colo para evitar
que o vestido mostrasse mais que o tecido.
— Não me diz que você é uma prima perdida... — Começou,
interessado.
— Definitivamente não sou da sua família — sorri.
— Me sinto aliviado e triste, pois estava contando em encontrar você
tentando entrar furtivamente nos aposentos do meu avô outra vez.
— Acho que você ainda vai me encontrar outras vezes por aí...
— Estou diante de uma mulher misteriosa?
— Por que eu tenho que dizer de cara quem eu sou? Também não sei
nada sobre você, além de que é neto dos donos da casa.
— Isso soou esnobe, né? — Ele sorriu — é que eu estava entrando sem
ser anunciado e, de repente, vejo uma linda mulher que nunca encontrei na
vida.
— Talvez a gente já tenha se encontrado...
— Eu não me esqueceria facilmente de você — deu de ombros — a
minha intenção, ao dizer que sou neto dos donos, era apenas assegurar à linda
visitante que eu era de casa e confiável. Consegui?
— Estou aqui com você, não estou? — Pisquei para ele.
— Então, vamos deixar as apresentações formais de lado e falar como
duas pessoas que, sei lá, se encontram na balada pela primeira vez.
— Vamos nessa — sorri.
A partir dali a nossa conversa fluiu como se fôssemos dois velhos
conhecidos, Augusto era falante e engraçado, acabamos descobrindo que
temos gostos musicais parecidos. Ele gostava de funk e de sertanejo,
acabamos falando das bandas que gostamos e dos festivais sertanejos que ele
costumava ir e que eu mal via pela internet.
— Agora que você sabe quase tudo sobre a minha vida, eu clamo por
uma migalha sua, qualquer coisa da mulher misteriosa. — O bom humor dele
me fez rir alto.
— Ao contrário de você, eu não fiz muita coisa na vida, acho que a
única coisa relevante agora é que sou a namorada do seu tio Luiz Henrique.
— Devo te chamar de tia também? — Arqueou a sobrancelha sorrindo.
— Não — sorri — pode continuar me chamando de Alissa.
— Poxa, tia Alissa soa bem aos meus ouvidos... — A minha risada saiu
sem pudor e escandalosa, o som que escapou dos meus lábios reverberou pela
minha garganta fazendo meus ombros sacudirem.
— Alissa querida, estava preocupada com você. Luiz Henrique te
procurou por toda casa e não te encontrou...
Havia perdido completamente a noção do tempo e esquecido da mãe
dele.
Merda, Alissa! Me repreendi mentalmente.
— A culpa é toda minha vó, roubei Alissa para mim.
— Presumo que você não vai se incomodar se eu recobrar o que me
pertence — o tom frio do Luiz Henrique fez meu corpo estremecer, mas eu
não sabia se de excitação ou medo.
— De forma algum, tio. — Augusto respondeu não demonstrando estar
intimidado. — Nos vemos no almoço, Alissa?
— Acho que sim. — Respondi olhando para Luiz Henrique em busca
de alguma reação, mas o seu rosto era um quadro em branco, sem nenhum
registro.
Avó e neto seguiram juntos para o interior da casa e deduzi que
deveríamos segui-los, a família deveria estar reunida a minha procura.
— Eu sei o que você está fazendo e devo alertá-la que esse não é o
caminho mais inteligente. — Disse Luiz Henrique interrompendo o meu
fluxo de pensamentos.
— O que estou fazendo? — Perguntei sem dar muita importância a ele,
meus dedos trabalhando em acertar o fecho da sandália.
Quando finalizei me coloquei de pé e passei a mão pelo tecido do
vestido para tirar as pequenas marcas de amassado.
— Alissa... — o tom foi de repreensão, mas não me intimidou, movi
um pé após o outro para me distanciar, mas seus dedos se fecharam ao redor
do meu pulso.
Ergui a cabeça para encará-lo e vi um homem que parecia dividido
entre querer me enforcar e me beijar. Eu torcia pela segunda opção, se bem
que as suas mãos ao redor do meu pescoço durante o sexo tinham sido bem
excitantes...
— O quê? Vai dizer que, além de ter cara de golpista, eu me comporto
como uma puta? — As palavras saíram da minha boca sem que eu pudesse
controlá-las. Luiz Henrique franziu a testa como se não compreendesse o
assunto. — Eu ouvi o seu pai falando que eu posso estar colocando o golpe
da barriga em ação.
O vinco em sua testa desapareceu, mas os lábios continuaram fechados
em linha reta.
— Se você continuasse ouvindo a conversa atrás da porta, saberia que
eu o recriminei por esse pensamento.
— Você me defendeu? — Perguntei surpresa.
— Você é a mãe do meu filho e não permitirei que ataques ou
insinuações maldosas sejam direcionadas a você.
— Mas tudo isso é uma farsa... — Falei para me recordar que apesar da
intensidade das suas palavras, tudo era mentira. Os dedos afrouxaram em
torno do meu pulso, mas o toque não cessou. Ele acariciou o meu pulso e
depois me trouxe para junto de seu corpo.
— Uma farsa que parece que estamos começando a gostar de encenar,
não é?
— Tem umas partes divertidas — dei um passo a mais em sua direção,
quase colando nossos corpos.
— E outras bem irritantes — pontuou, me puxando em direção à porta
que ficava no canto daquele espaço.
Eu não a tinha visto até então, mas assim que ele a abriu e me
empurrou lá dentro notei que se tratava de um banheiro.
— O que você está fazendo? — Perguntei ao vê-lo nos trancar ali
dentro.
— Dando o que você está me pedindo.
A sua boca se chocou contra a minha e quando abri os lábios para
recebê-lo senti que sim, era exatamente aquilo que eu estava pedindo desde o
segundo em que saí da sua cama na sexta. Eu queria que ele me devorasse
inteira com sua boca, mas ele logo cessou o beijo.
Luiz me virou, me deixando de costas para ele e de frente para a pia
marmorizada. Ele abaixou minha calcinha e eu levantei os pés para me livrar
da peça, me segurando na pia para me apoiar.
— Você merecia uns tapas, mas não temos tempo — avisou enquanto
abria a calça — vai ser rápido.
Senti seu pau se insinuar na minha entrada e me inclinei. Ele o
posicionou e eu quase fechei os olhos, mas ao vê-lo refletido no espelho a
nossa frente não quis perder a visão. Eu não estava bem molhada, ainda que a
situação me excitasse como um todo, mas isso não o impediu, Luiz se enfiou
em mim com um tranco, indo de vez e se fazendo presente.
— Porra — chiei.
— Não faça barulho — repreendeu — ou vou tapar sua boca com a
minha mão.
Não sabia se aquela ameaça era real, mas não pagaria para ver.
— Essa sua cara de mau é linda de ver — sussurrei, ele me encarou
através do espelho.
Seus olhos se estreitaram quando ele se afastou quase completamente
para então estocar bem fundo. Suas mãos vieram para os meus peitos, por
cima da roupa mesmo, e se fixaram ali, como um apoio.
Cada vez que ele saia, eu o desejava de volta. Quando ele voltava,
queria implorar para que não saísse e ficasse dentro de mim um pouco mais.
Luiz me abria com sua largura e eu queria gritar para que a casa inteira
soubesse como aquele pau era gostoso.
Rapidamente sua respiração acelerou e seus movimentos perderam o
controle. Ele me empurrava contra a pia e eu mordia o lábio inferior para
conter os gemidos, até que o senti estremecer, gozando em mim enquanto eu
ainda queria mais.
Luiz Henrique se afastou, respirando fundo enquanto segurava seu pau.
Ele se limpou e se arrumou em poucos segundos.
Eu me virei, incrédula, encarando sua cara de pau. Ele ergueu as
sobrancelhas.
— Queria mais? — Não respondi, ele sabia que sim — eu avisei que
seria rápido. Comporte-se durante o restante do tempo que passar aqui e não
flerte com meu sobrinho, aí eu te faço gozar quando chegarmos em casa.
— Isso não é justo — reclamei, pegando papel higiênico para me
limpar.
— Não demore — suas palavras foram ditas antes de se retirar do
espaço.
Fiz xixi e lavei as mãos, quando dei o primeiro passo, pronta para sair
dali percebi que ele havia levado uma peça consigo.
Luiz Henrique me deixou sem gozar e sem calcinha no banheiro da
casa dos seus pais.
Não sei com que cara saí do banheiro, mas com certeza não era a
mesma com a qual entrei. Eu ainda podia senti-lo entre as minhas pernas a
cada passo que dava em direção aos outros convidados. Mesmo tendo me
limpado, era como se sentisse escorrer algo em mim, mas era provável que
fosse minha excitação que não havia sido aplacada.
Não foi difícil saber onde estavam todos reunidos, não que eles
falassem alto ou gargalhassem como minha família costumava fazer, mas
comparado ao silêncio absoluto, o som da conversa me fez chegar até uma
sala aconchegante, com diversas poltronas individuais, menor que a sala de
estar onde estávamos antes.
— Estávamos só te esperando para servir o almoço, querida — dona
Luiza disse assim que me viu entrar.
— Desculpe por atrasá-los.
— Não por isso — ela sorriu — vamos para a mesa.
No trajeto, cumprimentei Carlos Augusto e sua esposa, Edileusa, tendo
a certeza de que o Augusto sobrinho era filho deles. O jovem tinha os olhos
escuros da mãe, bem como os cabelos pretos. Podia apostar que ela tinha
cinquenta anos, ou estava perto disso, mas não havia um único fio de cabelo
branco em sua cabeça.
— Acho que devo te dar parabéns — Augusto disse baixo, próximo a
mim. Olhei se o seu tio estava nos encarando antes de responder.
— Por qual motivo? — Sussurrei.
— Pelo meu priminho — piscou — confesso que preferia que pudesse
consumir álcool e sair, mas creio que sua diversão agora será fraldas e
canções da galinha pintadinha.
Sorri pela piada, mas no fundo queria chorar porque sabia que ele só
estava falando o óbvio. Nada seria como antes, pelo menos até o nascimento
do bebê. O que Augusto não fazia ideia era que os planos do seu tio não me
incluíam na troca de fraldas. Assim, eu poderia voltar a me divertir como
antes.
Só me restava acreditar naquilo.
*
O almoço correu da forma mais tranquila possível e isso graças a dona
Luiza e Edileusa que tentaram me fazer ficar à vontade. Não houve mais
perguntas pessoais sobre mim e eu agradeci por isso, estava salva de novos
constrangimentos. Também quase me ajoelhei para agradecer por não terem
servido nada que precisasse de talheres diferentes ou muitas taças, tinha
conseguido me virar bem com o garfo e a faca de sempre.
À noite, no caminho de volta, a tensão pelo que tinha acontecido
pairava no carro. Como Josué estava de folga, Luiz dirigia e isso foi
providencial porque enquanto ele mantinha os olhos na estrada, eu encarava a
janela. Não conversamos, não ouvimos música e, por isso, suspirei aliviada
quando o carro parou no estacionamento do palácio que ele chamava de casa.
Abri a porta e desci do carro antes que ele pudesse dar uma de cavalheiro, um
cavalheiro de verdade jamais me deixaria daquela forma.
— Você se comportou bem, vou cumprir minha promessa — seu tom
baixo e firme pôde ser ouvido atrás de mim.
— Não precisa — rebati, no hall de entrada, segurando no corrimão,
prestes a subir para o quarto.
— Está irritada por quê? — Ouvi seus passos nos degraus, me
seguindo.
— Por ser chamada de golpista, por você ter me fodido no banheiro e
me deixado na mão, por estar sem calcinha — enumerei levantando os dedos,
sem me virar.
— A calcinha... Me desculpe por isso, acabei colocando no bolso e
esqueci. Sobre ter deixado você na mão, já disse que vou cumprir o que
prometi agora.
Eu parei na porta do meu quarto e me virei, encarando-o. Me arrependi
no segundo em que fiz isso, se tivesse entrado e batido a porta na cara dele
seria mais fácil me fazer de difícil.
— Não estou precisando de companhia no momento, Luiz Henrique —
tentei parecer firme. — Estou cansada.
— Tem certeza? — Ele não deu nenhum passo em minha direção, não
tentou me tocar ou me persuadir, só fez essa pergunta e eu quis gritar não,
mas já havia cruzado a linha do jogo. Estava mesmo frustrada, mas ele não
podia achar que me manipularia com sexo.
— Tenho.
— Tudo bem — ele assentiu, antes de virar e seguir para o próprio
quarto.
Eu entrei no meu e tranquei a porta antes que corresse atrás daquele
homem gostoso.
*
Os dias passavam e eu me sentia cada dia mais entediada, Luiz
Henrique passava o dia fora e tirando a minha última visita ao médico e as
saídas programadas por ele, a minha existência se limitava a comer e dormir.
Não que eu tenha do que reclamar disso, né? Eu estava vivendo a vida de
princesa que sempre sonhei: morava em uma casa com piscina, não precisava
fazer as tarefas domésticas e o melhor de tudo – uma infinidade de comida
disponível a qualquer hora. Era a vida perfeita, mas tediosa tenho que
confessar. Se ainda Luiz Henrique passasse mais tempo em casa poderia
preencher o meu tédio com o seu pau grande e gostoso, mas na ausência dele
eu recorria à piscina.
O banho de sol e piscina estavam inclusos na minha rotina de tédio,
após o café da manhã eu vestia o meu biquíni e seguia para a piscina. Com a
música tocando no último volume do celular passava horas ali, cantando e
dançando. Ainda tinha o lanche que sempre era servido, mesmo sem ter
solicitado, em geral era água de coco ou algum suco de fruta, acompanhado
de sanduíche natural ou biscoitos amanteigados. Era a vida que sempre
sonhei. E foi com esse pensamento, que decidi atualizar as minhas redes
sociais. A intenção era apenas compartilhar uma foto minha no feed do
Instagram, mas tinha algo mais por trás, seria mais que uma atualização no
perfil praticamente abandonando desde que Luiz entrou na minha vida. Uma
foto ali marcaria o meu retorno ao perfil, mas acima de tudo daria o recado
que eu estava melhor que antes, vivendo uma boa vida apesar de todas as
últimas desgraças que aconteceram.
Queria que a minha família ao ver a minha foto sentisse inveja de mim,
desejasse estar no meu lugar, e se isso fizessem eles terem o mínimo de
arrependimento por terem me tratado como um lixo seria ainda melhor.
Sentada na beira da piscina, abri a câmera frontal e registrei o meu melhor
sorriso. Não demorei pensando na legenda que acompanharia a foto, digitei a
frase “Alissa tá on” acrescida de emoji de carinha com olhinho piscando,
finalizei a publicação e aguardei que a notícia se espalhasse. As notificações
chegaram imediatamente, dentre tantos likes o que saltou aos meus olhos foi
o da Tamires.
Eu sentia falta daquela safada, sentia falta de uma amiga para desabafar
e compartilhar todas as reviravoltas da minha vida. Era para ela estar aqui ao
meu lado aproveitando essa piscina enquanto dançávamos e ríamos de
qualquer bobagem que viessem a nossa cabeça, mas nada disso era possível
porque Tamires havia escolhido acreditar no seu irmão a mim, e isso era o
que mais me doía. De todas as pessoas que eu achava que poderia contar em
qualquer situação, Tamires estava no meu topo, jamais imaginei que ela
acreditaria que eu tinha um plano de seduzir o seu irmão para dar um pai ao
meu filho. Como se a merda do irmão dela fosse um ricaço e eu estivesse
visando o dinheiro dele. Eu não escolheria aquele fodido para ser o pai do
meu filho nem se ele fosse a única pessoa da face da Terra.
Raiva, medo, humilhação, mágoa, nojo todos esses sentimentos vieram
à tona, meus olhos encheram de água e o meu coração bateu mais rápido em
resposta ao gatilho que a recordação de Tadeu provocou. Achava que essa era
uma página virada, um desses acontecimentos ruins que acontecem em
nossas vidas e a gente joga para debaixo do tapete para não o enfrentar. Na
minha cabeça não pensar no assunto era o melhor jeito de deixar ele cair no
esquecimento, mas pelo visto eu estava enganada.
O aparelho vibrou em minhas mãos, me despertando dos pensamentos
angustiantes, encarei a tela e identifiquei que mensagens da Tamires em
sequência no direct eram a causa das repetidas notificações. Com as mãos
trêmulas cliquei no seu nome:
Graças a Deus você está bem! Sei que você deve estar me odiando
nesse momento e não te julgo, eu também me odeio agora. Eu tenho tanta
coisa para te dizer Alissa, mas eu tenho que começar te pedindo perdão.
Desculpa por não ter acreditado em você, não sei como eu acreditei naquele
escroto do caralho! Será que a gente pode se encontrar para eu começar a
implorar pelo seu perdão? Saudades amiga.
— Eu também, sua idiota! — Falei para a tela, enquanto as lágrimas
rolavam livremente pelo meu rosto.
Reli a mensagem algumas vezes tentando absorver o pedido de
desculpas e as lágrimas não diminuíram. Chegou uma hora que eu não sabia
dizer o real motivo das minhas lágrimas, mas elas continuaram a aparecer
uma após a outra.
— Alissa, está tudo bem? — Ergui a cabeça e encontrei Magda me
observando com um olhar preocupado.
— Sim — Sequei as lágrimas com a palma da mão.
— A senhora está sentindo alguma coisa? Devo ligar para o senhor
Luiz Henrique?
— Não, eu tô bem — o jeito que ela me olhava não era de quem
acreditou nas minhas palavras. Mas, eu deveria estar mesmo com uma
aparência de que não estava bem, meu nariz escorria e os olhos deveriam
estar vermelhos e inchados — Uma amiga que eu não falava há muito tempo
me enviou uma mensagem e acabei ficando emocionada. — A minha
resposta pareceu tranquilizá-la.
— Vim avisar à senhora que o almoço será servido.
— Obrigada Magda, já estou a caminho.
Quando ela se afastou fiquei mais alguns minutos encarando a piscina e
pensando se deveria responder ou não a mensagem de Tamires.
*
Movi de um lado para o outro do prato os grãos de feijão e arroz, a
comida sempre tão saborosa, havia perdido o gosto ou era meu mal-estar que
tinha afetado o meu paladar. Com esforço consegui comer três colheradas do
almoço e recusei a sobremesa. Ainda assim a sensação nauseante permanecia.
E como fingir que nada estava acontecendo não iria fazê-la sumir, decidi
enfrentar a causa.
— Chegamos, senhora. — Josué informou quando estacionou em
frente à minha antiga escola. Havia pedido que me levasse até ali para
conversar pessoalmente com Tamires, esse não era um tipo de conversa que
eu queria ter pelo celular, se ela queria mesmo o meu perdão precisava ouvir
da minha boca o quanto a sua atitude me machucou. Mas agora eu estava
incerta se era a melhor decisão, já que não havia combinado nada com ela.
Olhei através do vidro em direção a escola e vi alguns rostos
conhecidos, até encontrar o motivo pelo qual eu estava aqui. Metade de mim
queria correr para abraçá-la e a outra permanecer distante, apenas
observando. Parecia mais simples quando entrei nesse carro reencontrá-la,
mas agora eu me sentia insegura em dar esse passo.
Apertei o botão e o vidro desceu lentamente, ela estava encostada no
muro da escola conversando com duas meninas da nossa turma.
— Tamires! — Chamei seu nome tomada pelo impulso. Ela virou em
minha direção e vi quando seus olhos se arregalaram em sinal de surpresa.
Como se temesse tanto quanto eu o contato, se aproximou devagar em
direção ao carro.
— Oi... — Ela sorriu.
— Oi... Quer dar uma volta para gente conversar?
— Pode ser.
Ela entrou no carro e Josué o colocou em movimento. Dessa vez, ele
não me perguntou o destino, talvez tivesse lido na minha cara que eu não
fazia ideia para onde ir. Apenas seguiu adiante sem fazer nenhuma pergunta.
No banco de trás o silêncio reinava, era evidente que tínhamos muita coisa
para dizer uma à outra, mas ninguém tomava a iniciativa de começar.
— Achei que você não iria nunca mais falar comigo — Ela quebrou o
silêncio — Visualizou a minha mensagem e não respondeu.
— Eu pensei muito em não te responder. — Fui sincera.
— Eu fui uma péssima amiga, né?
— A pior de todas.
— Eu queria que você soubesse que eu me sinto a pior amiga da face
da Terra e isso é terrível — a sua voz falhou e seus olhos encheram de água
— Não sou boa com as palavras você sabe, mas eu queria que você soubesse
que eu sinto muito mesmo por ter duvidado de você. Queria poder voltar no
tempo e ter ficado ao seu lado, ter evitado que ele... — Seu olhar se
prolongou no meu. Ela agora parecia ter conhecimento que o que aconteceu
na sua casa não tinha sido mútuo, e sim uma tentativa de estupro.
Senti uma lágrima quente descer pela minha bochecha e sequei
rapidamente.
Esse não seria o tipo de conversa para se ter em um carro na presença
do motorista do Luiz Henrique. Então, pedi que Josué parasse o carro na
primeira praça que ele encontrasse pelo caminho. A Praça Tobias Barreto
acabou se tornando o palco da nossa conversa.
Caminhamos em silêncio em busca de um banco vazio e fastado do
movimento local, avistei a distância um em frente a um lago artificial,
seguimos até ele e nos acomodamos ali. A tensão tinha retornado mais uma
vez e eu precisava falar antes que as palavras não ditas me sufocassem.
— Aquele foi o pior dia da minha vida e olhe que estava em uma
sequência de dias ruins — sorri tristemente — acho que você não tem ideia
de como eu me senti naquele dia. Ter um homem tocando o seu corpo sem
seu consentimento e impondo a sua força para conseguir sexo é a coisa mais
nojenta que uma mulher pode experimentar nessa vida. E foi isso que seu
irmão fez comigo naquele dia, Tamires — Virei para encará-la — Seu irmão
tentou me estuprar e eu ainda saí como a culpada da situação.
— Eu não sabia.... — A culpa estava evidenciada pelo choro baixinho.
— De todos os dedos que me acusaram o seu foi o que mais doeu.
Você era a porra da minha melhor amiga, deveria ter ao menos me dado o
benefício da dúvida, mas não foi capaz de me ouvir. — Um pedido de
desculpas foi sussurrado, antes de eu prosseguir. — Eu me senti um lixo, pior
porque no lixo ainda se pode encontrar algo de valor, eu era algo desprezível
que ninguém queria. Primeiro minha mãe e depois a minha melhor amiga.
Lágrimas quentes e grossas me obrigaram a respirar fundo antes de
continuar.
— Doía tanto, mas tanto que eu cheguei a cogitar acabar com tudo.
Seria mais fácil deixar de sentir... Eu não sou religiosa, mas acho que Deus
acabou colocando um anjo no meu caminho. Se hoje estou viva, segura e bem
é porque um desconhecido me estendeu a mão quando ninguém mais foi
capaz de fazer isso.
— Ainda bem que esse estranho entrou no seu caminho, porque não sei
como eu viveria sabendo que fui um dos motivos por você não estar aqui — o
soluço escapou da sua garganta dando vazão a um choro estridente. —
Alissa, eu juro que não fazia ideia de que meu irmão fosse capaz de tal coisa
— a voz saía entrecortada pelo choro — até que...
— Ele fez isso novamente. — Completei e ela balançou a cabeça em
confirmação. Senti um nó na garganta ao imaginar a mulher no lugar que eu
já estive. Um tremor percorreu todo o meu corpo e as lágrimas nublaram a
minha visão.
— Estávamos no paredão e a Melzinha tinha bebido demais, eu vi o
estado em que ela estava, completamente transtornada — olhou para o chão
constrangida ao lembrar de Mel, uma de nossas colegas de farra — eu me
distraí por um segundo e perdi ela de vista, quando dei por mim a confusão já
estava formada. Os caras viram ele levando a menina para o beco, que estava
vazio de madrugada, e foram atrás. Ele estava agarrando Mel — ela limpou
uma lágrima — jurando que foi consentido, mas todo sabia que ela não
estava em condições de consentir nada.
Assenti, ouvindo aquela história e sentindo em mim tudo novamente.
— Uns quatro ou mais se juntaram e deram uma surra nele, deixando
Tadeu caído no beco. A minha mãe está destruída porque acha que bateram
em um inocente e não acredita que ele tenha feito nada demais, que a menina
queria ficar com ele. A notícia se espalhou no bairro porque todo mundo
comenta o motivo do meu irmão ter tomado uma surra daquelas...
— Eu seria falsa se dissesse que sinto muito, cada tapa foi merecido.
Seu irmão não pode continuar agarrando as pessoas assim. E se um dia ele
conseguir consumar? Seu irmão é um estuprador, Tamires.
— Você tem razão — admitiu — por isso, queria pedir desculpas para
você em nome da minha família. Se eu não tivesse deixado você sozinha ele
não teria tido oportunidade de te atacar naquele dia.
— Você não é responsável pelos atos do Tadeu, Tam.
— Mas eu me sinto culpada e responsável. Eu deveria ter confiado na
sua palavra, não sei se eu me perdoaria se estivesse no seu lugar, deve ser
doloroso passar por tudo isso e ainda ser desacreditada. Então, eu vou
entender se não conseguir me dar o seu perdão — as lágrimas voltaram a
surgir — assim como vou continuar morrendo de saudades suas, a escola é
uma merda sem você.
— Se perdoar for esquecer de tudo e colocar uma borracha por cima do
que aconteceu, acho que eu não sei perdoar. Mas, se perdoar for acreditar no
pedido de desculpas do outro e tentar juntos encontrar uma forma de lidar
com toda a merda que aconteceu, você tem meu perdão. — Ela abriu um
enorme sorriso — Eu tenho tanta coisa pra te contar, mas tanta coisa que uma
semana seria pouco para colocar o papo em dia.
— Isso tem a ver com o estranho que te salvou?
— Sim.
— Ai, então pode começar a me contar tudo, porque o boato que corre
pelo seu bairro é que você está namorando um homem muito rico.
— E a sua aula?
— Desde quando aula foi motivo para a gente deixar de fofocar,
Alissa? — Sorri em resposta — Agora me conta desse seu anjo da guarda.
Ele é mesmo rico?
— Amiga, a casa dele parece de novela...
Comecei a atualizar a minha amiga sobre como estava a minha nova
vida.
Meu jogo com Alissa estava pausado, apenas o acordo estava em vigor.
E era melhor que fosse assim. Fazia pouco mais de uma semana desde o dia
em que fui apresentá-la aos meus pais e naquela ocasião ela me mostrou que
podia ser facilmente manipulada por seus sentimentos, em especial, pela
raiva. Sei que não deveria me surpreender, Alissa é uma garota e, para
alguns, a frieza vinha apenas com o tempo. O passar dos anos, as vivências e
as pedras no caminho eram capazes de abrandar certas intensidades.
Desde que dispensara minha oferta para gozar naquela noite, eu
entendia aquilo como um sinal do destino, me dando o que eu tanto queria:
manter as coisas no nível do negócio. Assim, durante esses dias, voltei à
minha rotina de chegar tarde e sair cedo para esperar o clima esfriar.
A ligação do Josué informando que Alissa decidiu sair para encontrar
uma amiga me deixou alerta, desde que tínhamos nos conhecido o único
contato dela com o passado havia sido com a família para pegar os
documentos. Por que será que ela havia desejado aquele encontro? E mais,
por que não havia acontecido antes? Sabia que tinha muitos “não ditos” na
história dela e aquele parecia ser um deles.
*
Estava chegando mais cedo hoje, ela provavelmente estaria acabando
de jantar. Antes de ir para casa, passei em uma loja para comprar uns
produtos que achava que ela ia gostar, poderia ser útil para acalmar suas
vontades e, ainda, como introdução para uma conversa depois de dias
resumidos a “preciso ir” e “depois a gente se fala”. Quando entrei em casa,
fui direto até a sala de jantar, mas Alissa já não estava. Subi para o meu
quarto e tomei um banho rápido, antes de sondá-la.
Bati duas vezes em sua porta, antes de ela se abrir. Dei de cara com
Alissa usando um micro short cor de rosa e eu podia jurar que aquilo ali não
tinha nem um palmo de cumprimento. Na parte de cima estava com um tipo
de top branco, mas para mim parecia uma faixa pequena que só cobria os
peitos.
— O que foi? Tá quente! Eu estava indo tomar banho para dormir.
— Não disse nada — dei de ombros.
— Mas me olhou como se eu tivesse pelada.
— Tem pouca coisa para imaginar aí mesmo.
— Como se você já não tivesse me comido com ou sem roupa —
desdenhou. — O que o senhor deseja?
— Conversar, posso entrar?
— Sinta-se em casa — debochou, apontando para dentro. — Estava
mesmo querendo te perguntar uma coisa.
— Pode falar.
Alissa fechou a porta e desfilou até sua cama, apontando para que eu
me sentasse. Eu o fiz e então ela foi onde exatamente eu queria que fosse.
— Queria saber se posso convidar uma amiga para vir aqui.
— Uma amiga? — Repeti.
— Sim, tínhamos nos desentendido, mas hoje fui encontrar com ela, é
da escola.
— Certo, não vejo problemas em trazer uma amiga para cá, mas
preciso que se lembre que nosso acordo tem cláusula de sigilo.
Alissa levantou seus olhos escuros para mim e eu os encarei
intensamente. Ela tinha olhos lindos e sabia dar o tipo de olhar que parecia
inocente, mas havia tanta coisa que podia se esconder naquela escuridão.
— Eu sei da cláusula, mas você precisa saber de uma coisa...
Ela não falou de imediato e eu me preparei para o que quer que fosse.
— Tamires sabe do Matheus. Foi ela quem comprou o teste de
farmácia que deu positivo para minha gravidez.
Respirei fundo. Não esperava por aquela situação. Meu desejo era que
absolutamente ninguém, além de Alissa obviamente, soubesse que eu não era
o pai do bebê.
— Mas ela não contará nada para ninguém, Luiz — se apressou em
completar diante do meu silêncio.
— A que preço? — Questionei, cético. — Quanto ela cobrará para
manter a boca fechada?
— Que absurdo é esse? Nem tudo é por dinheiro — rebateu — existem
pessoas que valorizam amizades, sabia?
— Isso é o que sua jovialidade diz — desdenhei, passando os dedos
pelos fios dos meus cabelos. — Eu entendo de pessoas, Alissa e ainda mais
de dinheiro.
— Pelo que vi até agora não deve entender nada sobre amizade —
jogou na minha cara.
— Por que não me conta qual foi o motivo da briga entre vocês duas?
— Sondei.
— Não chegamos a brigar, na verdade — ela olhou para os dedos e
torceu uma mão contra a outra, em um claro sinal de nervosismo. — Tive um
problema com o irmão dela e ao invés de ficar ao meu lado, Tamires ficou do
lado dele.
Analisei a resposta por um segundo, antes de jogar minha carta.
— Ele é o cara que te engravidou?
Alissa me encarou rapidamente, arregalando os olhos.
— Não, Deus me livre. Eu já te disse, o nome do cara era Matheus e eu
o conheci pelo Tinder.
— Se importa em me dizer quantas vezes você e Matheus transaram?
— Não acho que seja relevante, mas só saímos uma vez. Ele me pegou
na escola e nós fomos até a praia. Transamos no carro e no mar, quer saber as
posições também? — Insinuou.
— Não precisa. Lembra o dia?
— Sim, que engraçado, não é? Foi no Dia da Mentira, primeiro de
abril. Era uma quarta-feira e eu faltei aula para sair com ele. Por quê?
— Por nada, só estou tentando entender quem mais pode saber dessa
história, já que você omitiu o fato de ter uma amiga que sabia.
— Eu nem estava falando com ela, não lembrei de te contar...
— Alissa, esse é o acordo mais importante da minha vida — levei
meus dedos até o seu queixo e o ergui, encarando seus olhos para que ela
entendesse de uma vez por todas — é essencial que ninguém duvide que sou
o pai dessa criança. Você sabia que, inclusive, é ilegal o que estamos
fazendo?
— Imaginei que não pudessem vender criancinhas — disse, mas não ri
da sua piada infame — me desculpe, Luiz. Eu juro que ela não contará nada.
— É a sua prova de fogo, Alissa. Convença sua melhor amiga de que
estamos apaixonados e que eu vou assumir o seu filho por isso. Não
mencione dinheiro, acordo ou coisa alguma que quebre o sigilo, ou
infelizmente, nosso trato estará desfeito — ameacei. — Eu poderia adotar
uma criança se quisesse que as pessoas soubessem que o filho não é meu.
Seus olhos não saíram dos meus quando ela engoliu em seco e assentiu.
Soltei seu rosto.
— Estamos de acordo?
— Sim, senhor.
Irônica.
— Quando ela vem aqui?
— Quando eu convidar.
— Se achar conveniente pode ser amanhã mesmo — Alissa assentiu —
caso contrário me avise o dia.
— Ok.
— Boa noite, Alissa — fiquei de pé, mas ela não seguiu o meu
movimento.
— Boa noite — respondeu quando eu já estava segurando a maçaneta.
Quando saí, percebi que acabei nem entregando o que tinha comprado.
A história da amiga tinha me deixado mais em alerta ainda.
*
Depois de uma tarde produtiva, eu me preparava para o último
compromisso da minha agenda. Era sempre muito bom pensar em novos
empreendimentos, me dava motivação começar projetos do zero no Grupo
JAG. Além dos shoppings, nós construímos centros empresariais que nada
mais são do que prédios concebidos para atender profissionais e empresas.
Temos dois trade center em São Paulo e estamos concebendo mais duas
torres em Aracaju. Essas são especialmente feitas para quem procura
conforto, modernidade, flexibilidade e serviços em uma excelente
localização, com a qualidade e inovação que só o Grupo JAG pode oferecer,
uma vez que estarão localizadas ao lado do nosso shopping e possui conexão
direta com esse espaço.
Encarei, orgulhoso, o vídeo na tela do notebook que mostrava a
conclusão desse projeto. A primeira torre estava finalizada e 85% das salas
comerciais foram vendidas, entre consultórios médicos, clínicas de estética,
escritórios de advocacia e empresas de tecnologia, o JAG trade center era um
sucesso antes mesmo de sua estreia e nós o inauguraríamos com uma grande
festa para comemorar esse marco.
A segunda torre ainda seria construída e, por isso, estava prestes a
iniciar uma reunião com possíveis acionistas para apresentar o sucesso que
seria com base na torre um. Enquanto me preparava, na sala de reuniões, meu
irmão entrou e veio até mim com seu terno feito sob medida. Carlos Augusto
era seis anos mais velho que eu e, às vezes, eu me perguntava se ele não
sentia certa raiva por não ocupar o cargo mais alto. Ele, com certeza, sabia
que o filho o faria, uma vez que, depois de nós, era o único herdeiro. Era.
Agora o meu filho também seria.
— Tudo pronto? — Se aproximou quase sem fazer barulho.
— Sim, estou mais do que otimista. A torre um já é um sucesso e a
dois promete ser ainda mais.
— Tive uma reunião com o diretor do financeiro e com o RH e a
previsão é que a torre dois gere 900 vagas de empregos, entre diretos e
indiretos. O dobro da um — me entregou uma pasta preta com os dados — dá
para incluir essas informações no discurso de inauguração, com certeza a
imprensa vai adorar divulgar.
— O pré-requisito das pessoas que moram no entorno terem prioridade
para o preenchimento das vagas está mantido? — Ele assentiu.
— Confirmei a parceria com o Instituto JAG para fazer o cadastro das
pessoas que moram no entorno antes mesmo de começar a construção.
Vamos chamar primeiro elas.
— Excelente.
Quando a porta da sala se abriu e os cinco homens de terno entraram,
meu irmão se sentou em uma das cadeiras da frente. Enquanto os homens se
sentavam, eu abria o botão do meu terno para dar início a apresentação do
projeto.
De pé, mostrando gráficos, explicando dados e apresentando vídeos,
falei sobre o sucesso que estava tendo com os prédios empresariais de São
Paulo e como o de Aracaju já era recorde de vendas. Não era difícil
convencer nenhum daqueles cinco, eles já tinham participação acionária em
outros empreendimentos e todos ali sabiam que éramos bons. Dessa maneira,
lucrar com o novo trade center era uma certeza naquele momento.
Antes de abrir para as possíveis dúvidas, concluí a apresentação:
— Além disso, flexibilizaremos o tamanho das salas e isso fará com
que possamos atrair todo ciclo de empresas, desde um profissional liberal até
as grandes. A sustentabilidade continua sendo um ponto importante para nós,
dessa maneira, o prédio terá o que há de mais moderno, desde o ar-
condicionado que reduz consumo, passando pelo vidro com desempenho
térmico que não passa calor, apenas luminosidade e isso impacta
positivamente tanto na pegada verde quanto na redução de custos com o
consumo de energia elétrica — dei uma pausa. — Vocês cinco têm convites
para a festa de lançamento da torre um, assim poderão conversar com quem
quiserem, inclusive com quem investiu nela, antes de colocarem seus milhões
na mesa.
*
Alissa tinha me informado, mais cedo, que sua amiga ia visitá-la. De
imediato, quando li a mensagem, ofereci os serviços do Josué para buscá-la,
mas Alissa respondeu dizendo que a garota já estava a caminho. Eu não
respondi, mas lamentei ter perdido a oportunidade de saber o seu endereço.
De qualquer maneira, não faltariam oportunidades para que essa informação
me fosse passada. Talvez eu mesmo me oferecesse para levá-la quando fosse
embora naquela noite.
Saí da empresa por volta das cinco da tarde, disposto a ver por mim
mesmo de quem se tratava. Ao entrar na mansão, perguntei a dona Glória
sobre a visita e fui informado que estava no quarto com Alissa. Subi os
degraus em direção ao lugar, mas notei que a porta estava aberta assim que
me aproximei.
As duas riam de alguma coisa e eu me vi parado, tentando ouvir o que
falavam.
— Será que seu namorado não tem um irmão solteiro querendo uma
novinha? Também quero um coroa rico para me sustentar — a voz da
desconhecida preencheu meus ouvidos.
— O irmão dele é casado — Alissa respondeu.
— Será que ele está procurando uma amante?
— Deixa de ser vadia, sua vadia! — A garota gargalhou.
— Não me julgue por também querer ter um sugar daddy para chamar
de meu.
Ouvir aquilo fez uma irritação crescer em mim e ao invés de entrar e
me apresentar como inicialmente faria, eu me afastei dali. Alissa não rebateu
o que a amiga estava dizendo e, por mais que eu soubesse que nosso acordo
se aproximava de uma relação de sugar daddy e sugar baby, uma vez que eu
estava bancando um estilo de vida que ela não poderia ter, aquilo me deixou
frustrado.
A única função daquela mulher era convencer sua amiga de que eu era
um namorado apaixonado disposto a assumir um filho ilegítimo e ela não era
capaz disso. Sequer discorda de que eu sou um homem velho e rico que paga
por ela, como se fosse um cliente e ela uma prostituta?
Senti meu sangue esquentar e raiva ferver dentro de mim.
— Quando você disse que estava morando em uma casa igual à dos
artistas não estava mentindo.
Tamires disse depois da visita guiada, o nosso passeio finalizou no meu
quarto. A cada cômodo a minha amiga demonstrava o seu choque diante do
luxo e riqueza em sua frente. Assim como eu, ela só tinha visto algo tão
grandioso assim de perto através da TV, era o tipo de vida que nenhuma das
duas jamais um dia pensou que fosse possível viver. Ao menos não no plano
real, porque nos nossos sonhos viveríamos em uma casa tão grande como
essa e não precisaríamos nos preocupar em estudar porque já tínhamos
dinheiro o suficiente para não pensar no futuro.
— Eu falei, vadia! — Respondi sentando-me sob o colchão macio da
minha cama. Tamires acompanhou o meu gesto levando uma almofada ao
colo.
— Agora eu não entendi uma coisa. — O comentário fez o meu
coração errar a batida e continuar descompassadamente. Será que ela tinha
percebido algo?
É a sua prova de fogo, Alissa. Convença sua melhor amiga de que
estamos apaixonados e que eu vou assumir o seu filho por isso. Não
mencione dinheiro, acordo ou coisa alguma que quebre o sigilo, ou
infelizmente, nosso trato será desfeito.
As palavras do Luiz Henrique ecoaram na minha mente.
— Por que você tem um quarto nessa casa? Que tipo de namoro é esse
que cada um tem o seu quarto quando estão dividindo o mesmo teto?
Uma resposta errada e o acordo estava desfeito. E eu ainda não estava
pronta para dizer adeus ao Luiz Henrique. Não sei se um dia estaria, para
falar a verdade.
— Amiga você entendeu tudo errado — sorri — quando eu disse que
esse era o meu quarto, eu quis dizer que era o meu espaço de fazer nada. —
Tamires me encarava como se estivesse diante de um cálculo matemático que
não conseguia resolver. — Assim que vim morar aqui, Luiz Henrique fez
questão que eu me sentisse em casa. Perguntou se as coisas estavam do jeito
que eu gostava e tudo mais. E claro que estavam, você viu essa casa, é mil
vezes maior que a da minha família. Na ocasião, acabei dizendo que tudo era
perfeito, que eu sempre quis ter apenas o quarto pra mim, e agora eu tinha
uma casa inteira. E foi aí que ele me surpreendeu com esse quarto, disse que
era o presente dele para a Alissa do passado.
Eu não gostava de mentir para a minha melhor amiga, mas eu não tinha
alternativa, seria melhor que ela continuasse acreditando que o Luiz Henrique
atendia todas as minhas vontades. Isso ajudaria na narrativa de que ele estava
completamente apaixonado por mim.
— Ai como ele é fofo, Alissa. — A frase foi acompanhada de um
suspiro.
— Ele é! — Menti sorrindo. — Então, aqui é o espaço que a Alissa do
passado passa algumas horas do dia, envolta no seu mundo particular, mas é
no quarto do casal que a Alissa do presente passa as melhores noites que um
dia sonhou em ter.
— Vadia de sorte! — Arremessou uma almofada em minha direção,
mas eu a peguei no ar antes que atingisse o meu rosto.
— Eu sou mesmo. — Pisquei para ela.
— E quanto ao Matheus? Como seu namorado reagiu ao saber que tá
grávida de outro?
— Ele não se importou de maneira alguma. Ele ama esse bebê — levei
a mão a barriga que começava a despontar — como se fosse dele. Luiz
Henrique será o melhor pai que o meu filho poderia ter!
Meus olhos encheram de água com a afirmação mais verdadeira que eu
fiz nessa tarde. Eu tinha muitas dúvidas sobre o meu futuro, mas uma certeza
de que eu havia tomado a decisão certa quando aceitei o acordo. Meu filho
teria uma vida que eu jamais poderia proporcionar e acima de tudo seria
criado em um lar feliz e rodeado de amor. Luiz tinha cara de que seria um
paizão, desses que chega do trabalho cansado e ainda tem disposição para
brincar com o filho.
Mas você não estará com ele Alissa, não estará aqui para acompanhar
Luiz exercer a paternidade que ele tanto sonhou.
A voz interior insistiu em me recordar a verdade que eu buscava
ignorar. Meu acordo com Luiz Henrique tinha uma data para acabar, o que
significava que daqui a alguns meses a minha presença na vida dele se
tornaria apenas uma lembrança.
— Ai, droga de hormônios da gravidez — enxuguei a lágrima teimosa
que fugiu do meu controle. — Você está com fome? — Perguntei para fugir
da avalanche de sentimentos que pensar nesse assunto me trazia, era melhor
seguir ignorando e pensando apenas no presente.
— Eu vivo com fome, mulher.
— Morta de fome — Perturbei sorrindo — Vou pedir a Magda que
faça um lanchinho para nós.
— Ai que rica, agora ela tem uma empregada — sorriu — meu sonho
de princesa é ter alguém que faça as coisas por mim.
— Ainda estou me acostumando, mas é maravilhoso não ter que lavar
banheiro — gargalhei.
— Do jeito que você é preguiçosa, aposto que o banheiro continuava
sujo quando você acabava — perturbou e eu mostrei o dedo do meio para ela.
Escutei sua gargalhada enquanto caminhava para pedir que o lanche
fosse preparado.
*
A companhia de Tamires apenas confirmou o que eu vinha sentindo há
dias, o meu tédio era boa parte a falta de companhia. A minha tarde foi muito
mais divertida ao lado dela, conversamos, assistimos, comemos, fofocamos e
tornamos a repetir tudo isso durante horas.
— Esse ano o seu ano aniversário vai ser um festão, né? — Tamires
disse levando a colher de brigadeiro a boca. Eu mesma tinha feito o
brigadeiro de panela, apesar dos protestos de Magda de que ela mesmo
poderia fazer.
— É? — Falei de boca cheia.
— Não vai me dizer que não planejou a sua festa? Assim que vi aquela
piscina já pensei que ali era o lugar ideal para comemorar seus 20 anos.
— Não me dê ideias!
— Imagina só um churrasquinho, pagode...
— Eu não consigo imaginar uma churrasqueira à beira da piscina dessa
casa, amiga — sorri.
— Já eu consigo, vejo até a gente comendo uma linguicinha e curtindo
a piscina.
— Gosta de linguiça, né safada? — Insinuei sorrindo.
— Por falar em linguiça, a senhora deve estar bem servida né?
Encontrou o seu próprio sugar daddy — A minha risada foi escandalosa. —
Tem um coroa gostoso na cama e que ainda te dá uma vida de rainha. Eu já
falei que você é uma vadia de sorte?
— Eu parei de contar na segunda vez que disse.
— Será que seu namorado não tem um irmão solteiro querendo uma
novinha? Também quero um coroa rico para me sustentar.
— O irmão dele é casado.
— Será que ele está procurando uma amante?
— Deixa de ser vadia, sua vadia! — A repreendi sorrindo.
— Não me julgue por também querer ter um sugar daddy para chamar
de meu. — Falou, antes de levar mais uma colherada de brigadeiro a boca.
Minutos depois Magda veio a minha procura, a pedido de Glória, para
perguntar se eu desejava algo especial para o jantar, foi quando nos demos
conta de que as horas haviam passado correndo.
— Ai meu Deus, mainha vai me matar! — Tamires exclamou,
consultando as horas no celular — Já está tarde!
Ela havia gazeado a aula para passar a tarde comigo, a gente tinha
combinado que antes das dezoito horas ela já estaria em casa para não gerar
desconfiança na mãe.
— Por que não liga para ela e diz que tá aqui? Você toma café comigo.
— Queria, mas é melhor não amiga. Ela pode desconfiar que eu faltei a
aula pra vir pra cá — disse enquanto calçava a rasteirinha. — Melhor eu
voltar para casa e deixar que ela pense que eu estava me pegando nas
esquinas. — Sorriu.
— Então, vou pedir ao Josué que deixe você em casa. — Peguei o
celular e enviei uma mensagem para saber se ele estava disponível.
— Mulher, se me virem chegando de carrão vai piorar tudo.
— Se você descer na esquina da sua casa, eles nunca saberão —
pisquei para ela — Ele chega em dez minutos para levá-la. — Informei após
a confirmação do motorista.
— Bora, me guie até a saída desse labirinto que é essa mansão — ela
indicou com a mão para que eu fosse à sua frente.
— Ai amiga amei a sua visita, venha mais vezes! — Falei após o
abraço de despedida.
— É só chamar que venho — sorriu — Eu também amei a nossa tarde.
— Da próxima vez você fica para tomar café e quem sabe não dê a
sorte de conhecer o Luiz.
— Tá certo. — Ela me abraçou mais uma vez e depois entrou no carro.
Esperei que o carro desaparecesse da minha visão antes de voltar ao
interior da casa.
*
Após a ida de Tamires subi direto para o quarto para tomar um banho
antes de jantar. A nossa reaproximação tinha me deixado muito feliz, de
modo que, eu cantarolava uma música que havia escutado recentemente no
Tik Tok enquanto me servia de uma xícara de café.
Nessa noite eu não me sentia tão sozinha na mesa gigante, a companhia
da minha melhor amiga havia restabelecido o meu humor e eu esperava que
continuasse assim pelos próximas dias. Me servi de uma quantidade grande
do escondidinho de macaxeira e preparei para me perder nos milhares de
vídeos do Tik Tok enquanto comia.
Quando a voz de Luiz Henrique me paralisou, seja pelo tom firme ou a
força que um simples boa noite seu carregava, a questão era que sempre que
ele falava meu corpo reagia.
— Boa noite — Respondi, abortando a minha ação.
Luiz Henrique caminhou até o lado oposto da mesa, sentou e não disse
mais nenhuma palavra.
— Minha amiga esteve aqui hoje — falei para iniciar uma conversa —
e foi como voltar no tempo, bem lá atrás antes de eu descobrir que estava
grávida, apenas duas amigas reunidas falando bobagem. Hoje me senti mais
eu, sabe? Apenas Alissa. — A sua cabeça se moveu por um breve segundo.
— Não existe mais apenas só você, Alissa — o tom ameno não
diminuiu o peso da frase.
— Eu sei que carrego um bebê, mas eu gosto de pensar que existo além
dele. Conversar com minha amiga me deu um pouco disso de volta, não
falamos de fraldas ou dos cuidados com criança, mas sim de mim, da minha
festa de aniversário.
— Pretende dar uma festa? — Estreitou os olhos.
— Foi apenas uma ideia.
— Que tipo de namorado a sua amiga achará que eu sou, se eu não
pagar pela sua festa de aniversário?
— Não sei a minha amiga, mas eu acho que um namorado não deveria
pagar pela festa e sim dar uma festa para a namorada.
— Qual é a diferença? — Arqueou a sobrancelha esquerda. — No fim,
tudo envolve uma transação financeira.
— Nem tudo é dinheiro, Luiz.
— Entre nós é — sentenciou — faça uma lista do que deseja e entregue
a Glória, ela providenciará. Acrescente a sua família a lista de convidados,
quanto mais testemunhas de como o seu namorado proporciona tudo que
você deseja, melhor.
A menção à minha família foi a gota d’água para o meu humor
desaparecer por completo.
— Poupe o seu valioso dinheiro. Não quero uma festa, vou sair para
comemorar ao lado da minha amiga.
— Onde você vai comemorar?
— Não é da sua conta! — Devolvi a xícara ao pires e me levantei da
cadeira disposta a encerrar rapidamente a conversa irritante.
— Não acabamos de conversar, Alissa — o tom ameaçador dele dessa
vez me encorajou a ignorá-lo, um pé após o outro continuei me distanciando.
Todavia, fui interrompida pelo aperto dos seus dedos em meu braço. —
Retorne a mesa e termine de jantar! — A ordem foi dita em um tom frio que
deveria fazer pessoas sensatas recuarem e imediatamente atender ao seu
pedido, mas eu não era nem um pouco sensata. Afinal, se fosse não estaria
grávida de um homem que desapareceu e com um acordo assinado com um
CEO. E pior ainda, sentindo os sentimentos se desenvolverem por ele. Por
isso, ergui a cabeça e o encarei sorridente.
— E se eu não quiser voltar para a mesa? Vai me arrastar pelos
cabelos? Ou irá tirar o seu cinto e me bater? — Empinei o queixo para
mostrar que eu não tinha medo dele. — Seja qual for a opção que escolha,
não esqueça de que eu estou grávida e isso não deve fazer bem para o bebê. E
com ele você se importa de verdade — ele respirou fundo e em seguida
afrouxou os dedos do meu braço, mas não me soltou de imediato, os dedos
permaneceram ali como uma advertência — Agora se você me dá licença, o
bebê e eu vamos dormir.
— Enquanto o meu filho estiver dentro de você é da minha conta onde,
quando e com quem você planeja comemorar o seu aniversário!
— Você comprou o bebê e não a mãe dele. Se quiser fazer um PIX,
podemos alterar as cláusulas do contrato. — Puxei o braço para cessar o
toque, mas ele voltou a me dominar, dessa vez de forma mais enfática.
Senti apenas minhas costas tocarem uma superfície dura e minhas
mãos serem imobilizadas acima do meu corpo, com o tronco dele fazendo
pressão no meu. E então, as lembranças de Tadeu fazendo o mesmo me fez
viajar de voltar à casa de Tamires.
Senti meu coração disparar e fechei os olhos para afugentar aquilo que
eu sabia que eram lembranças. Quando senti os lábios de Luiz Henrique
pressionados contra a minha boca fechada, os flashbacks de outra boca se
impondo me invadiram.
Meu corpo tremeu, mas de desespero. Estava imobilizada na mesma
posição, sentindo todo o medo e tensão novamente.
Ele afastou os lábios, provavelmente porque não retribuí,
completamente paralisada pelo desespero.
— Nunca mais repita que eu comprei o bebê — as palavras ditas quase
em sussurro tiveram o mesmo efeito que se fossem proferidas aos berros. —
Esse filho é meu!
Pouco me importava o que ele estava dizendo porque meu corpo estava
ali, mas minha mente não. Estava presa em um looping de nojo e anseio.
Não sei o que me deu o estalo, mas em um segundo as comportas se
abriram e meu choro jorrou, me inundando inteira. Soluços altos e um urro de
dor escaparam de mim sem que eu tivesse controle.
Não sei se cheguei a cair no chão, mas assim que Luiz Henrique me
soltou senti meu corpo despencar, porque o corpo que antes impedia meus
movimentos era o responsável por me manter de pé. Ele me levou até o sofá e
se sentou comigo em seu colo, instintivamente me aninhei ao seu peito.
Eu sabia que ele não era o Tadeu, Luiz era o homem que impediu a
minha morte e eu confiava nele. Seus braços me seguraram ainda mais forte,
formando uma espécie de escudo que me protegia de todo o mal e isso fez o
meu choro ruidoso aumentar.
Enquanto mantinha os braços em volta de mim, Luiz Henrique
sussurrou inúmeros pedidos de desculpas. Não sei quanto tempo
permanecemos na mesma posição, mas quando finalmente as minhas
lágrimas cessaram, seus braços ainda permaneciam em torno de mim.
— Alissa, você está bem? — Ele perguntou quando me afastei do seu
peito e o encarei.
Vi ali uma fragilidade que eu jamais tinha visto nele, ele parecia
culpado e perdido.
— O que eu fiz foi injustificável, deixei que minhas emoções
governassem as minhas ações. Apesar disso, saiba que não pretendia te
agredir, nunca toquei dessa maneira em nenhuma mulher e não começaria
pela mãe do meu filho. Você é importante para mim e eu me arrependo
profundamente da minha atitude descompassada. Você me perdoa?
A admissão dos sentimentos me fez colar a minha boca à sua, queria
mais que suas desculpas, queria os seus beijos e o seu toque para apagar os
do Tadeu da minha mente de uma vez por todas.
Luiz Henrique não correspondeu ao meu avanço e gentilmente cessou
o beijo.
— Eu achei que você queria... — Murmurei perdida.
— Me excedi beijando você ali, não vou cometer o mesmo erro.
— Mas eu quero beijar você.
— Agora parece apenas que você quer uma fuga, Alissa. Por que não
conversamos sobre o que aconteceu? Por que não me conta o que está
sentindo?
— Não foi nada com você... Se bem que eu fiquei assustada com o
jeito que me olhou, você estava furioso. — Ele fechou os olhos e inspirou
lentamente.
— Alissa, você tem a minha palavra que isso jamais irá se repetir. Mas
se achar que não confia em mim, entenderei perfeitamente e podemos ver
uma forma de manter a nossa convivência. A casa é grande não precisaríamos
nos encontrar...
— Eu confio em você. E também quero continuar te encontrando — a
expressão no rosto dele se suavizou.
— Então, o que aconteceu? Seu corpo tremia quando a peguei nos
meus braços... Você sofria agressões do seu padrasto?
— Não.
— Algum ex-namorado? Algum homem já bateu em você ou te forçou
a fazer algo contra a sua vontade?
— Eu não quero falar sobre isso. — Desviei o olhar.
— Quem foi, Alissa? — Insistiu, tocando suavemente o meu rosto para
que eu voltasse a olhá-lo.
— O que vai mudar? — As lágrimas se acumularam nos meus olhos.
— Aconteceu e foi uma merda, sabe? Mas passou.
— Não passou. É só ver como você está — uma lágrima rolou pelo
meu rosto e ele a secou. — Quem é o cara?
— Tadeu, o irmão da Tamires. — Ele praguejou baixinho — mas ela
não tem culpa de nada, ninguém da família tem.
— O que ele fez com você?
Cedi ao jeito como ele me olhou, como se realmente se importasse
comigo, e relatei todos os passos que me levaram até a casa de Tamires
naquele dia. Pausei algumas vezes para chorar e não fui apressada por ele a
continuar, mas consegui concluir o relato.
— Isso é passado, agora — expliquei — você me resgatou de tudo isso.
— Não é passado e você sabe disso. Vamos marcar um terapeuta para
que você converse sobre tudo que te levou até aquele viaduto.
— Eu não quero ir para nenhum terapeuta, não estou traumatizada ou
algo do tipo — ele me encarou — não sou depressiva, Luiz, nunca tive
pensamentos suicidas e aquele foi o único dia que isso passou por minha
cabeça. Era a solução porque eu não tinha nada, entende? Não tinha o que
comer, para onde ir ou com quem contar. Mas você me proporcionou tudo
que me faltava. E vai dar ao meu maior erro uma chance de ser melhor que
eu.
— E esse gatilho, se acontecer de novo?
— Hoje tive apenas um momento ruim e quero a minha cama.
— Não posso prometer nada sobre não procurar um terapeuta, mas
agora posso te proporcionar uma boa noite de sono. — Luiz não me afastou
do seu colo, subiu as escadas comigo em seus braços.
Quando entramos no quarto ele me colocou no chão em frente à minha
cama e esperei que a sua boca buscasse a minha, para voltarmos onde
paramos lá embaixo. Mas ele não fez isso, foi até a cama e começou a
prepará-la para que eu deitasse.
— Deite na cama e feche os olhos, Alissa. Amanhã você vai se sentir
melhor.
— E você?
— Você quer que eu passe a noite com você?
— Eu pensei que...
— Hoje não iremos fazer nada além de dormir, eu me sentiria ainda
mais cretino se ficasse com você depois da cena que eu criei.
— Não foi sua culpa.
— Eu disparei o gatilho com a minha agressividade e sinto muito por
isso. Se quiser, posso te oferecer o meu peito para você repousar e dormir
essa noite, aceita?
— Se é o que tem para hoje, sim — a minha resposta o fez sorrir.
Não vesti um pijama ou fui ao banheiro, fiquei receosa que a oferta
fosse retirada. Então, apenas pousei o meu rosto sobre o seu peito quando ele
tirou o terno e fechei os olhos.
O som da sua respiração e o cafuné na minha cabeça embalaram os
meus sonhos.
Quando eu acordei, abrindo os olhos devagar, percebi que tinha
apagado completamente. Naquele segundo, percebi que isso acontecia
sempre que eu chorava antes de adormecer. As lágrimas eram um bom
sedativo, afinal.
Aos poucos, me lembrei do que tinha me feito chorar e me virei,
procurando o homem que tinha se deitado comigo na noite anterior, mas o
que encontrei foi um bilhete sobre o travesseiro ao lado. Peguei o papel
branco e observei as letras de forma, um tanto inclinadas e li as palavras:
Alissa, você estava dormindo tão calmamente que seria um crime te
acordar. Também não pude esperar. Por favor, desça e tome café da manhã.
Espero que se sinta bem e, mais uma vez, me desculpe por agir como um
homem das cavernas ontem.
Tenha um bom dia.
L.H.
Reli as poucas linhas e senti um aperto no meu coração. Ele estava
sendo gentil comigo, se preocupando e se sentindo culpado por ter me feito
surtar. Tudo parecia bem comigo, estava seguindo em frente sem me abalar
com as merdas do passado (que mesmo recentes já tinham ficado para trás) e
agora tinha levado uma rasteira do meu próprio cérebro.
— Foi o estresse do momento, Alissa — disse em voz alta, me
sentando na cama — você está melhor do que nunca.
Me levantei da cama e peguei meu celular, indo para o banheiro ao
mesmo tempo em que o desbloqueava. Enquanto fazia xixi, abri o aplicativo
que baixei para acompanhar a gestação e descobri que ontem tinha fechado as
dezesseis semanas. Quatro meses em que um ser humano estava se formando
dentro de mim.
Observei o desenho de uma maçã verde e li as informações:
O teu bebê é do tamanho de uma maçã.
Graças ao fortalecimento dos músculos, seu pequeno está trabalhando
para levantar a cabeça e pescoço a partir da posição curvada.
Nesta semana, o bebê geralmente movimenta ferozmente os bracinhos
e as perninhas. Em algum momento entre agora e a 20ª semana, você talvez
consiga sentir o movimento pela primeira vez. Dito isso, o seu pequeno ainda
é muito pequeno mesmo, com cerca de 11,5 cm a 12 cm de comprimento e
pesando pouco menos de 85 g, e o amortecimento do líquido amniótico pode
fazer com que ainda seja difícil sentir o movimento.
Eu não sentia nada de diferente, nem parecia que estava grávida, a não
ser pela pequena diferença no tamanho da minha barriga, mas como eu era
magra aquilo era quase imperceptível. Os sintomas de tontura, enjoo e o
desmaio que tive foi bem no começo da gravidez e muito provavelmente
porque quase não me alimentava. Depois que passei a morar com o Luiz isso
tinha passado.
— Talvez eu me sinta mais grávida quando você se mexer — disse
para minha barriga praticamente plana.
Lavei as mãos, escovei os dentes e desci para tomar café.
*
Quando o horário do almoço se aproximou, ainda estava pensando em
como tinha sido reconfortante dormir aconchegada em Luiz. Meu
pensamento vagou até o dia em que ficamos bem acordados no quarto dele e
um calor, maior que o habitual de Aracaju, pareceu me esquentar.
Ele nunca almoçava em casa, mas era impossível que alguém
trabalhasse o dia inteiro sem comer, não é? Ainda mais ele, fiscal de refeição,
que vivia pegando no meu pé sempre que passava do horário de me
alimentar. E foi juntando a fome com a vontade de comer que eu decidi ir até
o trabalho dele.
Depois de vestir a saia lápis preta, tirei a calcinha para não marcar e
escolhi uma blusinha de seda com alças bem finas da mesma cor. Também
não coloquei sutiã, meus seios eram pequenos e não via problema algum em
mostrar ao Luiz o quanto os bicos estavam duros só de olhá-lo. Prendi meu
cabelo em um coque alto, alisando bem os fios presos e caprichei no batom
vermelho.
Nos pés, o scarpin preto fechou o meu look total black e eu dei uma
volta em frente ao espelho admirada com o quanto eu estava gata e sexy,
mesmo com as pernas cobertas até abaixo dos joelhos.
Enquanto encarava o meu reflexo, me toquei que nem sabia onde
ficava o trabalho dele. Na verdade, mal recordava o nome da empresa que
tanto falaram no dia em que Luiz recebeu o prêmio. Mas agora eu lembrava o
sobrenome, depois do seu pai fazer questão de repetir tantas vezes naquele
almoço eu nunca esqueceria os Garcia Lopes. E foi jogando o nome completo
de Luiz Henrique no Google que eu descobri o endereço da sede do Grupo
JAG.
Enquanto o motorista de aplicativo me levava para o endereço que
solicitei, não me permiti pensar sobre ele estar ocupado ou ter saído para
algum lugar. Queria fazer uma surpresa, por isso não avisei e nem pedi ao
Josué que me pegasse para me levar até lá. Antes mesmo de o carro chegar
em frente ao lugar, eu o vi de longe. O prédio era muito alto e todo
espelhado, ao longe conseguia ler as iniciais JAG vermelhas cravadas no alto
do edifício.
No segundo em que o carro parou, encerrei a corrida e como o
pagamento era por cartão de crédito, apenas agradeci ao motorista e desci.
Olhei para cima, completamente impactada, antes de passar pela porta
giratória. Na recepção, precisei informar qual empresa visitaria e apresentar
meu RG para que emitissem um crachá de visitante.
— Pode ir naquele elevador ali do lado esquerdo e seguir até o
vigésimo quarto andar — o homem de camisa social que me atendeu
informou.
— Obrigada — peguei meu documento de volta e segui pelo caminho
sugerido.
Foi enquanto subia os andares que eu fui ficando nervosa com a
possibilidade de ele não gostar da visita. Ou pior, de nem estar no local. Eu
me sentiria uma boba se precisasse deixar recado com alguém de que tinha
ido ali procurar pelo homem que, teoricamente, dorme comigo todas as
noites. Luiz se irritaria com a minha bola fora.
Quando passei pelo décimo oitavo andar decidi ligar para ele. Se não
estivesse no trabalho eu nem sairia do elevador. O telefone chamou quando
passei pelo 20º e ele atendeu no segundo toque.
— Aconteceu alguma coisa? — Seu tom de preocupação me fez
respirar fundo. — Alissa?
— Está tudo bem — respondi, tentando criar coragem para dizer que
estava ali.
— O que deseja? Pode falar... — Ouvi o barulho de mais pessoas
falando.
— Eu queria saber se você...
As portas se abriram e eu dei de cara com o seu sorriso.
Largo, amplo, como eu nunca tinha visto. E não era para mim. Luiz
Henrique estava com o celular na orelha, mas os olhos estavam em uma
mulher loira com corpo de parar qualquer trânsito. Ela estava ao seu lado,
andando na direção dos elevadores, e eu vi o momento em que a mão livre do
Luiz a tocou em algum lugar nas costas. Ou seria na bunda?
— Alissa? — Ele questionou para a ligação muda e quando ergueu os
olhos para apertar o botão de chamada, viu que a caixa metálica já estava ali.
E eu dentro dela.
O sorriso largo logo se desfez, transformando seu rosto em uma
máscara de surpresa.
— Desculpe, eu não queria atrapalhar — dei um passo para sair do
elevador ao mesmo tempo em que encerrava a ligação.
— Não está atrapalhando, estávamos indo almoçar — foi a mulher
quem respondeu, olhando diretamente para mim — meu nome é Pâmela.
— Eu sou Alissa — respondi, sorrindo o mais falsamente que consegui
— podem ir almoçar — informei, sem dar passagem.
— O que veio fazer aqui? — Luiz finalmente abriu a boca. — Josué
não me avisou que estava vindo.
— Vim por conta própria, precisava falar com você, mas agora vejo
que poderia ter esperado que chegasse em casa — dei de ombros.
— Pâmela, se importa em ir na frente?
— De forma alguma — ela chamou o elevador — prazer em conhecê-
la, Alissa.
Assenti, sem conseguir responder que sentia o mesmo.
Luiz me conduziu, com a mão nas minhas costas até passar por uma
mesa vazia e abriu a porta da sua sala, me fazendo entrar.
— O que veio fazer aqui?
— Quem é ela? — Perguntamos ao mesmo tempo.
— Pâmela é advogada, trabalha aqui e dirige o setor jurídico.
— Você parece se dá muito bem com suas empregadas — desdenhei,
andando pela ampla sala até a imensa parede de vidro.
Demorou alguns segundos, quase um minuto completo, até que ouvisse
sua voz.
— Veio ver como um sugar daddy trabalha para poder bancar os luxos
da sua baby?
O quê?
— Você ouviu? — Eu me virei para encará-lo. — Foi por isso que
estava com tanta raiva no jantar ontem?
— Achei que fosse convencer sua amiga de que eu estava apaixonado,
só isso.
— E convenci, aquilo era só uma brincadeira. Antes mesmo de
conhecer você a gente já falava sobre patrocinadores, sugar daddy e velhos
ricos em fim de carreira.
Ele estreitou os olhos.
— Que não é o seu caso — corrigi rapidamente — nem o velho, nem o
fim de carreira, enfim...
O silêncio recaiu sobre a sala pesadamente durante alguns segundos.
— O que veio fazer aqui, Alissa? — Repetiu a pergunta.
— Eu... — Quando seus olhos deixaram de encarar meu rosto e
desceram para a minha blusa, eu soube que ele ia gostar de saber. — Vim
aqui para te dar o seu almoço.
— Não estou vendo nenhuma marmita em suas mãos — franziu a testa,
em desafio.
Dei uma voltinha, girando meu corpo para que ele entendesse o recado.
Eu seria sua comida e não via a hora em que ele viesse cair de boca.
— Alissa... — Seu tom rouco parecia um aviso.
Ou um lembrete. Ontem, ele não quis nada depois do meu pânico.
— Não é uma fuga, é tesão — esclareci.
Ele continuou me encarando, mas agora seus olhos estavam mais
escuros. Ele me desejava. Luiz Henrique me queria, mas ainda estava em
dúvida por causa de ontem.
— Quando acordei e você não estava lá senti falta do seu corpo.
Lembrei da noite que ficamos na banheira e decidi vir aqui, já que você me
evita em casa.
— Você me disse que não precisava de mim, lembra? — Luiz deu um
passo em minha direção — depois do nosso encontro no banheiro.
Um passo a mais em minha direção e eu me mantive no mesmo lugar.
— Eu menti — sorri — preciso de você e do seu pau para gozar.
— Já que você fez a bondade de me trazer a comida, vou devorar tudo
— a voz grave, dita cara a cara, enviou um arrepio pelo meu corpo.
Quase fechei os olhos, esperando que ele me beijasse, mas Luiz
Henrique se afastou.
— Sirva-me na mesa — avisou, enquanto andava até a porta.
A ordem foi clara e direta. Dei alguns passos até estar atrás da sua
mesa imensa de madeira. Olhando dali ela parecia ser bem firme e, embora
não tenha sido projetada para servir de espaço de foda, era bem excitante de
se ver. O notebook estava fechado e eu o empurrei bem para o canto, assim
como os papéis e agendas que ali estavam, abrindo espaço. Apoiando as
mãos, me ergui e sentei no tampo da mesa, abrindo as pernas para fazer
minha saia subir até o meio das coxas.
Luiz se aproximou, já sem o seu terno azul marinho. Quando parou de
frente para mim, abriu o cinto enquanto seus olhos cravaram os meus.
— Não estou vendo as minhas opções para escolher o que degustar —
insinuou, abrindo o botão e baixando o zíper da calça.
Levei minhas mãos até a blusa, puxando-a de dentro da saia antes de
jogá-la para ele, que a pegou no ar e colocou em sua cadeira. Subi a saia o
bastante para mostrar que estava sem calcinha. Expus meus seios, segurando
e apertando, oferecendo-me inteira para que ele me comesse de uma vez.
— Você é uma delícia, Alissa — sorriu, se colocando entre as minhas
pernas antes de lamber meu pescoço — seu gosto é afrodisíaco.
Uma segunda lambida começou em meu pescoço, seguiu pelo meu
queixo até se enfiar entre os meus lábios e eu os abri, recebendo seu beijo.
Minhas mãos seguraram sua cabeça, virando a minha para buscar o melhor
ângulo. Nossas línguas duelaram, disputando espaço um na boca do outro.
Chupando, sugando, lambendo. Meu corpo esquentou com a pegação, o beijo
do Luiz era incomparável e se encaixava tão bem com o meu.
— Luiz — gemi, quando seu beijo desceu até meu seio.
— Sim — soprou o bico duro, molhado de saliva — quer que eu chupe
com mais força?
Sugou com vontade antes que eu respondesse.
— Ahh, simmm — empurrei sua cabeça para o outro peito.
Luiz Henrique se dedicou, dando a mesma atenção e eu senti a resposta
na excitação que se formava no meio das minhas pernas. Sua mão direita foi
até ali, os dedos tocando por fora da boceta molhada.
— Você responde tão bem aos meus toques — comentou, depois de
largar o bico intumescido.
— Você faz direitinho — sorri, ele mordeu a ponta dura. — Sua boca é
ótima, Luiz.
— É? Então, vai mais para trás e coloca os pés na mesa que eu vou te
mostrar que ela pode ser ainda melhor.
Obedeci, me inclinando e apoiando os cotovelos na mesa, para então
colocar os saltos ali também.
Ele me abriu ainda mais, afastando o máximo que pode as pernas antes
de se prostar sobre o meu corpo e cair de boca na minha boceta. Sua língua
me fodeu uma, duas, três vezes antes que seus lábios se fechassem ao redor
do meu clitóris.
E era ali que ele fazia a mágica acontecer.
Com a língua para lá e para cá, Luiz me levou a loucura e fez meu
corpo entrar em estado de ebulição. Aquele pontinho que ele manipulava tão
bem enviou descargas quentes que faziam com que eu não conseguisse ficar
parada. Senti minha boceta molhar ainda mais, totalmente pronta para ser
fodida.
Seus dedos me invadiram e eu só consegui distinguir que eram três
deles quando abri os olhos para encarar o movimento de entra e sai que me
deixava maluca. Seus dedos são longos e os três juntos tornavam a grossura o
suficiente para eu me sentir bem apertada.
Movi os quadris, insana, querendo mais. Desejando tudo que ele
pudesse me dar.
— Por favor...
— O que você quer? — Perguntou, substituindo a língua pelo polegar
que pressionava e se movia mais rápido ainda.
— Quero gozar — implorei.
— Você vai — ele riu — goza pra mim, Alissa.
Era como se aquelas palavras tivessem mesmo o poder de comandar o
meu gozo, com três dedos me fodendo e mais um manipulando meu clitóris,
eu senti meu corpo estremecer enquanto gemia o mais baixo que conseguia.
Minha vontade era de gritar tão alto que todo o prédio pudesse ouvir.
— Isso, que delícia sentir você apertando meus dedos — ele
continuava me fodendo — viciante, Alissa.
Meu coração ainda estava disparado e minha respiração ofegante
quando ele decidiu parar os movimentos. Eu me sentei na mesa, dando alívio
aos meus braços quando senti sua mão me puxar.
— Fique de joelhos no chão e abra a boca para mim.
Assim o fiz, pronta para recebê-lo.
Segurei seu pau pela base e o enfiei todo na boca, marcando sua base
de batom. O anel vermelho ao redor do seu pau fez com que eu me sentisse
dona daquele corpo, marcando-o como meu. A boca dele também estava
manchada e eu quase sorri antes de voltar ao seu pau.
Lambi a ponta, masturbando lentamente. De baixo, eu tinha a visão
perfeita do seu corpo ainda vestido e da cara de prazer que fazia enquanto o
tocava. Seu olhar estava cravado no meu e não me fiz de inocente, levando
metade do seu pau em minha boca.
Passei a chupá-lo até a metade e masturbar a outra, segurando com
firmeza enquanto fazia o movimento. O pau do Luiz era grande e grosso,
coloquei a língua para fora e esfreguei a cabeça rosada ali, para lá e para cá.
— Porra! — Gemeu e eu quase sorri, satisfeita.
— Está gostoso, daddy? — Perturbei e como resposta Luiz segurou
firme no meu coque, empurrando os quadris.
Luiz Henrique fodeu minha boca, mas eu mantive a mão em sua base,
impedindo que socasse completamente e me engasgasse. Ele foi firme e não
parou, acelerou os movimentos até gozar em minha boca.
Na noite anterior, Alissa havia adormecido rapidamente nos meus
braços, mas eu não. Os últimos acontecimentos não permitiam que a minha
mente pausasse e o meu cérebro estava trabalhando intensamente.
O seu relato angustiante apenas intensificou a minha sensação de culpa.
Se eu não tivesse agido de maneira tão passional durante a discussão não teria
ativado o gatilho nela. Eu não era um homem dado a explosões de raiva e
ataques de fúria, mas a desdenha com que disse que eu comprei o meu filho
fez com que eu reagisse de maneira estúpida. E descontasse em Alissa as
minhas frustrações.
Não quis pressioná-la mais sobre a necessidade de buscar tratamento
terapêutico para lidar com o trauma, mas logo retomaria essa conversa. Jogar
a sujeira para debaixo do tapete não era o melhor caminho a seguir.
Encontraria uma forma de convencê-la que a terapia era necessária e que não
podia continuar ignorando que sofreu uma tentativa de estupro. Se fosse
preciso, eu mesmo marcaria uma sessão com um profissional para que ela
fosse, estava praticamente resolvido.
Quando o sol nasceu, boa parte da fúria da noite anterior tinha se
dissipado. Alissa havia rolado para o outro lado da cama, os cabelos
espalhados pelo travesseiro e a expressão suave do seu rosto formava um
quadro digno de contemplação. E eu a admirei em seu estado de naturalidade,
Alissa não precisava de nenhum artificio de maquiagem para acentuar sua
beleza, ela era linda em sua espontaneidade. Sabendo que não deveria estar
ali, me levantei da cama com cuidado para não a acordar, e segui para
resolver algumas das pendências que roubavam o meu sono.
*
Quando cheguei ao Grupo JAG a minha vida pessoal foi colocada de
lado e as minhas atenções foram todas direcionadas as pautas do dia. Entre
análises de documentos e reuniões com o departamento jurídico e financeiro,
me mantive ocupado até o horário do almoço. Estava a caminho do
restaurante, acompanhado de Pâmela, quando a aparição da Alissa mudou os
meus planos.
No primeiro momento achei que havia acontecido algo ruim para
aquela visita inesperada, mas assim que cruzamos as portas da minha sala e
sua intenção foi revelada, soube que não havia nada de errado, pelo contrário.
Meu corpo incendiou ao consumi-la com a boca, sobre a minha mesa de
trabalho e quando seus gemidos ecoaram por minha sala, soube que eu
dificilmente esqueceria daquela visita.
— Saciado? — A pergunta foi acompanhada de um sorriso presunçoso.
Ela ainda estava ajoelhada, com os lábios manchados de vermelho e a
maior cara de quem tem tinha acabado de fazer boquete.
O coque perfeito que ela exibia quando chegou, estava frouxo e os
bicos dos seios se destacavam duros e rosados.
— Ainda estou com fome — informei.
Alissa ficou de pé, usando apenas a saia que se embolava em sua
cintura e sapatos altos. Ali ela não se parecia em nada com uma garota
inocente, era a visão de uma mulher confiante de si e extremamente sexy.
— Podemos voltar para a mesa — insinuou — ainda não senti o seu
pau me tocando bem fundo.
Dei uma olhada no meu relógio de pulso, tinha uma reunião marcada
para as quatorze e se continuasse a fodendo, como queria, me atrasaria.
— Você comeu antes de vir? — Questionei.
— Meu prato principal foi você — sorriu.
— Você e o bebê precisam de nutrientes que eu não sou capaz de
proporcionar — fechei o zíper da calça e o cinto. — Tem um banheiro aqui
na sala, pode usar — o sorriso grande do seu rosto desapareceu. — Vamos
almoçar e depois Josué te levará em casa.
— A sua advogada vai estar no nosso almoço?
O sarcasmo não passou despercebido, mas preferi ignorá-lo.
— Seremos apenas eu e você, Alissa. — Ela não me respondeu,
marchou irritada até recolher suas roupas e se trancar no banheiro.
O humor de Alissa não melhorou quando, durante o nosso almoço,
informei que ela tinha uma consulta com um terapeuta já agendada. E após
suas breves argumentações de que não era mesmo necessário, fingi ceder e
chegamos a um acordo, ela iria apenas a primeira sessão e se não gostasse, o
assunto seria encerrado.
Alissa não sabia, mas essa era uma lição que aprenderia com a
maturidade, algumas brigas a gente evitava para sair ganhando lá na frente.
*
O relógio no meu pulso mostrou que eu estava oito minutos atrasado.
Segui a passos largos pelo extenso corredor a caminho da sala onde Alissa
deveria estar realizando a ultrassom para a descoberta do sexo do bebê. Essa
era uma data muito aguardada, estava ansioso para descobrir se havia um
menino ou menina a caminho, a partir dessa informação daria início ao
projeto do quarto do bebê, fazer as compras do enxoval e, principalmente,
parar de chamá-lo de bebê. Era genérico demais e até impessoal se referir a
ele assim, não demonstrava o amor e a importância que esse filho, ainda no
ventre, tinha na minha vida. Eu sentia, a cada nova etapa, que estava mais
próximo de ter o meu filho em meus braços, mais perto de pôr fim a sensação
de que o meu bem mais precioso seria tirado de mim.
Os oito minutos de atraso destoavam da importância de estar presente
naquele momento, tinha aguardado ansiosamente por aquela data que estava
marcada na minha agenda como compromisso inadiável. Alissa havia me
consultado para escolher o dia, dessa vez, esperando fechar as dezenove
semanas de gestação. Eu saí bem antes do horário agendado, mas o percurso,
que deveria durar cerca de vinte minutos, acabou se estendendo devido a um
acidente grave envolvendo um motociclista que fez com que ambulância,
polícia e tudo mais travassem um lado da avenida, o que gerou uma fila
quilométrica de carros.
Acidentes estariam sempre no meu caminho? Parecia que quando se
tratava de Alissa, sim. Para nos unir ou culminar no meu atraso. Era isso ou o
planejamento de trânsito de Aracaju era péssimo.
Quando Josué parou o carro no estacionamento da clínica, desci
rapidamente e me dirigi a recepção para saber em qual sala a mãe do meu
filho estava. A recepcionista gentil me informou o lugar e mantive a minha
corrida contra o tempo.
Não me preocupei em anunciar a minha chegada como manda a boa
educação, apenas levei a mão a maçaneta e entrei no recinto. Meus olhos
encontraram Alissa deitada na maca, a barriga coberta por gel, e os olhos
fixos no monitor branco.
— Estou achando que esse bebê é tímido — a médica falou enquanto
passava o aparelho de um lado para o outro da barriga de Alissa.
— Não puxou a mãe. — Verbalizei, me fazendo ouvir e o olhar de
Alissa encontrou o meu.
Ela abriu um enorme sorriso ao ver que, finalmente, eu tinha dado o ar
da graça.
— Não mesmo, deve ter puxado a você — piscou, fazendo meu peito
se contrair.
— Desculpe por invadir a sala, mas estava ansioso para descobrir se
tenho que sair daqui para comprar lacinhos ou bonés — encarei a médica,
dando de ombros por invadir seu espaço de trabalho sem me anunciar.
— Acho que terá que adiar as compras papai, o bebê está de perninhas
fechadas. — A mulher de Jaleco e máscara sorriu com os olhos.
— Vamos lá filho, seu pai é um homem muito ocupado e reservou esse
espaço na agenda pra te ver. A gente não sabe se ele vai poder nos
acompanhar na próxima ultra, então não banque o tímido e abra essas pernas
— Alissa falou olhando para a barriga.
— Sempre haverá um lugar na minha agenda para você, filho — me
aproximei um pouco mais da maca, segurando a mão de Alissa — mas se
quiser obedecer a sua mãe ficarei bem feliz — a garota sorriu, apertando os
meus dedos.
— Opa, parece que a voz do papai despertou nosso bebê — ela
ampliou a imagem no monitor e eu conseguir ver braços e pernas pequenos se
movendo lentamente na tela.
— Que bom — Alissa suspirou. — Você tem alguma preferência?
— Não — respondi, sem dúvidas. — Independente de qualquer coisa
eu já amo essa criança.
— É muito bom ouvir isso, muitos homens ficam meio frustrados
quando percebem que não terão um companheiro de futebol e não conseguem
esconder isso aqui na sala — ela continuou o exame, sem me encarar. —
Bem, parece que não vamos mais precisar esperar — ela manobrou o
aparelho em suas mãos e anunciou: — estão vendo isso aqui? — A seta do
mouse seguiu até a região circular a que ela se referia. — É a genitália e ela
indica que vocês serão papais de um menino.
— Um menino? — Confirmei sorrindo.
Era verdade que eu não me importava com o sexo, mas no fundo saber
que teria um garoto me deixou feliz. E isso tinha mais a ver com o futuro do
que qualquer coisa. Já perdia o sono ao me imaginar tendo que conversar
com minha garota sobre sexo, namorados e anticoncepcional. Claro que eu
faria o mesmo com um menino, mas acreditava que falar sobre camisinhas e
bocetas fosse um pouco menos difícil.
E se ele não quisesse falar sobre bocetas?
Bem, falaríamos sobre paus, se ele quisesse.
— Sim, menino. Parabéns!
Eu me inclinei para beijar a testa de Alissa, feliz por estar vivendo
aquele momento único. Meu coração batia descompassado e eu precisei
respirar fundo para que meus olhos não marejassem.
— Está feliz? — Ela sussurrou.
— Mais do que em qualquer outro dia — respondi, alisando seus
cabelos.
Eu seria pai de um menino.
E a felicidade fazia meu peito quase explodir.
*
A médica informou que a próxima ultrassom seria a morfológica. O
exame morfológico do segundo trimestre da gestação tinha como objetivo a
avaliação minuciosa da anatomia do bebê, análise do crescimento, quantidade
de líquido amniótico além de estimar a possibilidade de eventuais
malformações, avaliando principalmente a translucência nucal, o osso nasal, a
valva tricúspide, o ducto venoso, as cavidades cardíacas, bexiga e o cordão
umbilical. Era um exame mais detalhado para assegurar o desenvolvimento
saudável do meu garoto e eu aguardaria ansioso para receber esses resultados.
— Sempre achei que você tinha cara de pai de menino. — Alissa disse
quando saímos do consultório.
— Por quê?
— Não sei — deu de ombros — mas quando olho pra você, imaginava
como pai de um garoto forte. Você não tinha mesmo preferência — neguei
com a cabeça — e se pudesse escolher? Se fosse um botãozinho de escolha,
qual apertaria?
— Então, escolheria sim ter um garoto.
— Nunca pensei em ter filhos — ela confessou — achava que
aconteceria, mas em um futuro bem distante, então nunca imaginei nomes ou
coisas do tipo. Você já pensou sobre isso?
— Sim — muitas e muitas vezes. — Vamos deixar essa conversa para
depois, preciso retornar ao trabalho.
Seguimos em direção ao estacionamento.
— Vai me deixar morrendo de curiosidades? Me diga, pelo menos,
quais ideias tem para o nome.
Eu sorri quando nos sentamos no banco de trás do carro.
— Eu sempre tive um nome em mente se fosse menino...
— Não vai dar o nome de Augusto pra ele não, né? Ricos tem essa
mania de repetir o nome, veja seu pai, seu irmão e seu sobrinho.
Não consegui conter a gargalhada, uma vez que ela estava certa. Meu
pai, irmão e sobrinho dividiam, além do sangue, o nome em comum.
— Fique tranquila que não pensei nisso.
— Hum, Luiz Henrique filho? — Tentou novamente, erguendo as duas
sobrancelhas para enfatizar.
— Seria um nome bem bonito, não acha?
— Acho, é lindo e combina muito com o dono — insinuou.
— O que acha de Apolo?
— Apolo... — repetiu, testando o nome. — Gostei, não é tão comum.
Alissa sacou seu iphone da bolsa e digitou rapidamente.
— Apolo foi um deus presente na mitologia grega. Era o deus do Sol,
da música, das artes, da medicina, da profecia etc. — leu rapidamente. —
Sim, um deus grego e gato. Vou olhar esse outro site de significados de
nomes — seus olhos seguiam rapidamente na tela iluminada. — Apolo é um
nome de origem Mitológica e tem como significado “provavelmente força”,
mas sua origem é incerta. Existem pesquisadores que dizem que sua origem é
indo-europeia e que seu significado seria “força”, mas alguns outros
estudiosos dizem que podem ter outras traduções como: “princípio da vida”,
“pai leão”, “espírito do calor”, “pai da luz” ou “destruidor”.
Ela baixou o celular e elevou seu rosto para me encarar.
— Uau, como eu disse, você tem cara de pai de um garoto forte. Sim,
Apolo combina perfeitamente para ser o seu filho.
— Obrigado.
— Por gostar do nome? — Me encarou, confusa.
— Por me permitir viver tudo isso.
Antes que ela perguntasse qualquer coisa, puxei seu rosto para um
beijo terno.
Depois de descobrir o sexo do bebê aquilo pareceu mais real. Fazia
dois dias que eu sabia que estava carregando um garoto. Aquilo não era mais
tão abstrato e, por isso, eu me vi diante de diversas lojas no shopping.
Primeiro, olhei discretamente, do lado de fora, sem muita coragem de entrar
em loja alguma. Até que vi, em uma determinada vitrine, algo que me fez
sorrir abertamente. Era um macacão que imitava um smoking, com gravata
borboleta, lapela e tudo o mais.
— Lindo, não é? Quer que eu pegue para você dar uma olhada? — A
vendedora usando um conjunto rosa bem clarinho me abordou.
Eu ia responder que estava só dando uma olhada, mas aquela peça era
tão perfeita e me lembrava muito o todo poderoso Luiz Henrique que eu
consegui enxergar claramente o filho dele usando. Apolo, usando aquela
roupa, seria o próprio O poderoso chefinho, igual ao bebê da animação que
assisti na sala de TV.
— Sim, eu quero ver o macacão — sorri para a mulher que me
acompanhou para dentro da loja.
— O menor tamanho que eu tenho é esse aqui, de sete a nove meses —
ela pegou a peça dentro do armário cinza — tenho branco também.
— Esse preto é perfeito — passei a mão sobre o tecido e mesmo sem
entender quase nada sobre os tipos, senti a maciez em minha palma. — Vou
levar, o menor tamanho mesmo.
— Já comprou a saída da maternidade? — Se animou.
— Ainda não — minha voz não saiu tão empolgada, eu não sabia como
seria no dia, nunca tinha falado a respeito com o Luiz e, sinceramente,
preferia evitar pensar no assunto.
Aquela era a primeira compra que eu fazia para o neném, ainda não
sabia nada sobre o quarto ou os planos para tal. Ainda tínhamos alguns
meses, o Luiz com certeza pensaria nisso logo.
— Posso te mostrar outras cores — a mulher comentou, depositando
várias peças sobre o balcão sem que eu prestasse atenção.
— Eu volto outro dia — respondi, sem graça.
— Não vai levar nem o smoking?
— Ele sim, embale para presente por favor.
Ao sair da loja, dei mais algumas voltas no shopping, tentando mudar a
vibe que tinha recaído sobre mim. Ao passar na frente das Lojas Americanas
eu me lembrei da quantidade de vezes que tinha ficado encarando os
chocolates dispostos naquele lugar. Os bombons colocados estrategicamente
fora das caixas pareciam tão perto, tão simples e acessível, mas a verdade era
que eu nunca pude ter um daqueles. E para uma criança aquilo era difícil de
entender.
Você me dá dinheiro pra comprar pirulito quando nascer, hein neném?
O pedido do meu irmão voltou com tudo em minha memória e eu senti
um apertinho no coração. Um mês e pouco se passou desde que eu saí de casa
e essa era a primeira vez que eu cogitava voltar lá desde que havia me
estabelecido na casa do Luiz.
Por causa de uma loja cheia de doces.
Por causa do meu irmão.
Pela criança que fui e por tudo que não pude ter.
A terapeuta que o Luiz me convenceu a ir tentou trabalhar relações
afetivas e família, mas eu não precisava de uma profissional para me dizer
que tinha problemas familiares. Era meio óbvio, não era? Quase disse para o
Luiz que economizasse o dinheiro dele com as consultas porque não havia
traumas em mim em relação a isso.
Mas ele tinha razão em ter me dito para ir. Segundo Beatriz, como o
evento tinha acontecido há pouco tempo e eu estava buscando falar sobre isso
cedo, não haveria traumas. Bem, não foi exatamente isso que ela disse, não
dava para prever traumas e não tinha uma prescrição ou diagnóstico fechados
para situações assim. Era tudo individual e a forma como cada um reagia era
particularizada.
Deixando as lembranças terapêuticas de lado, entrei na Americanas e
saí pegando tudo que sempre quis.
*
Mais uma vez eu me via encarando aquele muro baixo que tanto tinha
me aguentado sentada enquanto bisbilhotava a rua.
— Posso encerrar a corrida? — O motorista do Uber me fez perceber
que estava paralisada ainda dentro do carro.
— Desculpe, pode sim, obrigada — desci do carro carregando as
sacolas plásticas abarrotadas.
O pequeno portão estava escancarado e a grade de dentro estava aberta,
como costumava ficar. Respirando fundo, segui para dentro de onde foi
minha morada sem pensar em mais nada.
Mal consegui dar um passo para dentro da sala, o lugar pequeno ficava
ainda menor com a Ninha sentada em um banquinho baixo de madeira. Ela
estava posicionada de costas para a TV e de frente para o sofá, com um dos
pés da minha mãe sobre uma toalha manchada de esmalte. Ninha era nossa
vizinha e, quase sempre, fazia as unhas de mainha em troca de faxina. Dessa
maneira, ambas saíam ganhando e uma oferecia seu serviço para a outra.
— Alissa, mulher, quanto tempo — a manicure foi quem me
cumprimentou primeiro.
— Quem é viva sempre aparece — respondi, dando de ombros.
— Tá diferente, bonita, até com cara de rica... — Emendou.
— E disseram que eu estava na pior — comentei com sarcasmo. — Oi,
mãe.
— Oi — respondeu, me olhando dos pés à cabeça — essa mudança fez
bem pra você, né?
— Eu sobrevivi — respondi, sentindo um gosto amargo na boca —
cadê o Wanderson?
— Tá lá em casa brincando — Ninha informou enquanto passava mais
uma camada de esmalte café no dedão.
O silêncio só não foi completo porque a televisão estava ligada. Como
era estranho aquilo tudo. Não fazia tanto tempo que eu tinha saído dali, mas
me sentia como uma desconhecida ou uma visita chata que ninguém quer
receber, mas não quer mandar embora.
— Seus outros três irmão tão na escola — mainha retomou o assunto.
— Só tenho mais dois irmãos — rebati, sem me conter — Jairo nunca
foi e nunca será nada meu. Assim como o pai dele.
— Deixa de ser ingrata, menina, os dois sempre te trataram como
parente — chiou, em tom de bronca.
— Imagine se não tratassem — resmunguei baixinho.
Não queria terminar aquele quase visita com outra discussão, mas
também não ficaria calada se mexessem comigo.
— Família é assim mesmo. Briga, depois tá junto, um come o couro do
outro depois se abraça... — Ninha opinou.
— Pois é — dona Jussara concordou — quando eu me casei com ele já
tinha você e seu irmão, nunca que o Jair me disse nada sobre vocês.
Como é?
Ou minha mãe tinha uma memória muito curta, ou se enganava, ou
mentia descaradamente porque o que mais meu padrasto tinha feito era jogar
na cara dela tudo que eu dava de prejuízo, além de reclamar da maneira como
ela me criava.
Na minha casa não fica, aqui não é cabaré. Além disso, não vou
sustentar mais um... Era como se eu pudesse ouvir aquele ogro falando de
novo.
— Não vim aqui lembrar do passado, passei para deixar esses doces
com o Wanderson — levantei as sacolas que pesavam em minhas mãos.
— Eu vou lá chamar ele e vocês podem conversar um pouco — Ninha
ficou de pé e eu quase pedi por favor que ficasse ali sentada porque não sabia
o que conversar em sua ausência.
Quando ela saiu eu não tive coragem de encarar minha mãe, continuei
parada de pé, sem passar pela porta.
— A casa é de pobre, mas ainda tem serventia, entre — ordenou.
Obedeci, engolindo em seco e seguindo até a mesa pequena que ficava
bem ao lado, puxando a cadeira depois de colocar as sacolas em cima da
mesa.
— É bom ver que tá bem — começou. — Acho que sabe que eu não
podia fazer nada naquele dia.
— Você podia ter me ouvido para tentar entender — respondi com
sinceridade, pegando meu iphone para ter para onde olhar.
— Fiquei surpresa, Alissa e ainda mais você arrebentou a cara do
menino — relembrou.
— Ele também me bateu, mãe. E quebrou minhas coisas e ninguém
tava nem aí para mim.
Respirei fundo, ainda magoada.
— Bom, isso passou, né? Olha aí você com um celular novo e muito
melhor do que aquela porcaria — desdenhou. — Quem diria que emprenhar
ia ser bom pra você?
Levantei a cabeça, encarando diretamente o rosto da mulher que me
deu a vida. Sem nenhuma resposta minha, ela continuou:
— Deu sorte, vai ter pensão e tudo mais. Aproveite antes que ela
descubra...
— Ela? Quem é ela?
— A mulher do bonitão.
— Você acha que estou tendo um caso com um cara casado? E ainda
diz que isso é sorte? — Podia ouvir o meu próprio tom de indignação.
— Ele não é novinho, Alissa, tem idade pra ter esposa e filhos. E se ele
não é casado por que não veio aqui antes? — Ela ponderou — a não ser que...
Você tava fazendo vida? E aí pegou barriga do cliente, meu Deus...
A cara de espanto dela devia refletir a minha própria.
— Não, não sou uma prostituta, mãe. Mas poderia ter sido já que fui
expulsa daqui e não tinha para onde ir, nem o que comer ou onde dormir. Já
pensou que me vender poderia ser minha única alternativa?
— Deus é mais — levantou as mãos — então, ele é seu namorado
mesmo?
— É tão difícil assim de acreditar?
— Não entendo por que ele não veio aqui antes, não fizeram as coisas
certas...
Porque ele me salvou e quando descobriu que estava grávida me
ofereceu casa e dinheiro em troca do bebê.
— Porque não deu tempo — menti — foi tudo muito rápido e quando o
Jairo contou vocês me mandaram embora.
Por que eu ainda media minhas palavras? Porque, apesar de tudo, ela
era minha mãe. E eu não precisava jogar na cara dela que tinha uma parcela
de culpa por tudo que me aconteceu depois que me expulsou. Além disso,
nunca contaria sobre meu acordo com o Luiz.
— O que seu namorado faz? — Mudou de assunto — ele tem cara de
rico, carro de rico e você está vestida como rica.
— Ele é empresário — fui sucinta.
— Será que não tem vaga na empresa dele pra uma faxineira? Ou pros
menino como menor aprendiz?
Era impressionante, ela não tinha noção?
— Acho que não...
— Você não pode perguntar? — Insistiu.
— Vou perguntar, mas acho muito difícil ele dizer sim — menti. —
Cadê o Wanderson? Tenho que ir já.
Não dava para ficar ali, estava começando a me sentir mal já. Não
sabia se era o calor ou a situação, mas queria sair correndo.
Poucos segundos depois, ele entrou correndo e quase jogou longe o
banquinho de madeira ao se bater enquanto avançava rapidamente.
—Liiiiii — ele gritou, me abraçando enquanto ainda estava sentada —
você voltou?
— Não voltei, fique tranquilo que a cama ainda é sua — retribuí o
abraço.
— Que bom — sorriu — mas até que senti saudades.
— E foi?
— Sim, é bem pior mainha ensinando o dever — sussurrou — e
Alisson é mais burro.
Eu gargalhei.
— O que é essas coisas? — As mãos se enfiaram no meio das sacolas,
puxando uma caixa de Kinder Ovo — pode abrir?
— Abra, trouxe pra você.
— Isso tudão? — Abriu a boca, surpreso ao ver a quantidade de coisas.
— Foi um presente do neném, lembra que você pediu?
— Ele é muito bonzinho — sorriu, olhando os itens das outras sacolas
— e muito rico.
— O nome dele é Apolo — ensinei.
— E vai ser o que meu?
— Sobrinho — senti um aperto no peito — você vai ser tio de Apolo.
— Tio criança? — Ele pegou três tabletes de chocolate, empilhando
em cima da mesa.
— Tio criança — confirmei, repetindo, enquanto sentia meus olhos
marejarem.
— Não precisa chorar, eu dou um bombom pra você — ele estendeu
um do tipo serenata de amor e eu o peguei.
— Obrigada — abri o chocolate e enfiei na boca enquanto limpava a
lágrima que escorreu.
Virei o rosto para olhar para o sofá e notei que Ninha estava fingindo
se concentrar em seu trabalho, enquanto minha mãe encarava a cena que
acabou de se desenrolar entre mim e meu irmão mais novo.
— Vai ter que dividir com todo mundo — ela avisou, fazendo uma
onda de resmungos partir do Wanderson.
— Tenho que ir — fiquei de pé, afastando a cadeira — quando der eu
apareço.
— E traz mais doces?
— Você vai ficar cheio de vermes — avisei — não prometo nada.
— Vixe continua chata — reclamou.
Desbloqueei o celular e pedi um carro no aplicativo, colocando o
endereço da mansão como destino. Notei que o motorista estava há dois
minutos dali, por isso andei até a porta, me espremendo para passar por trás
de Ninha, ela acabou afastando o banquinho para me dar passagem.
— Alissa... — Tirei os olhos do celular e encarei minha mãe.
— Algum problema? — Questionei quando ela ficou em silêncio.
— É que o gás acabou e... — O motorista buzinou, fazendo ela se
calar.
Não esperei que continuasse, abri a pequena bolsa que carregava e tirei
as três notas de cinquenta reais que tinha levado para o caso de precisar de
dinheiro, entregando em suas mãos antes de me virar.
— Deus lhe pague — ouvi seu agradecimento antes de passar pelo
muro baixo.
*
— Tenho um presente para você — disse, invadindo o quarto dele.
Passava das nove da noite quando notei o carro que o Josué dirigia
chegando. Ele estava dando a volta na frente da mansão para que Luiz
descesse antes de ir guardar o carro no estacionamento quando eu me afastei
da janela de onde observava tudo. Fui para o meu quarto fingir que não era
uma fofoqueira de janela, contando mentalmente o tempo que ele levaria para
entrar e subir. Ele havia mandado mensagem avisando que não viria jantar,
portanto eu imaginava que não fosse comer quando chegasse e fosse seguir
direto para o quarto.
Achei que meia hora foi o suficiente assim que abri a porta e o vi sem
camisa tive certeza que a espera valeu a pena.
— Estava me esperando? — Sorriu presunçoso.
— Não, foi coincidência ver a luz do seu quarto acesa.
Estiquei a caixa branca, envolta em um laço azul, e Luiz a pegou. Eu
me sentei em sua cama, totalmente a vontade e ele me seguiu.
— Estou curioso — comentou, desfazendo o laço.
— Não é bem para você — comentei, com receio, já que nunca tinha
dado nada para ele e agora havia criado a maior expectativa em cima do que
estava ali dentro.
— Só por ter lembrado de mim, é para mim — ele afastou o papel
branco que cobria a peça e levantou o pequeno macacão, abrindo um sorriso
bobo e imenso que fez nascer um igual em minha cara. — Um smoking?
— Para combinar com os ternos do papai, assim que vi me lembrei de
você. E também de O poderoso chefinho, você não deve ter assistido, mas é
um desenho com um bebê falante que usa terno, carrega uma maleta e...
Ele não me deixou terminar de falar, seu corpo se aproximou do meu e,
rapidamente, minha boca foi tomada por um beijo quente e molhado.
— Amei o presente — sussurrou afastando nossos lábios.
— Que bom — sorri, tentando recuperar o fôlego.
— Isso me lembra que eu comprei um para você há algum tempo e
ainda não te entreguei... — ficou de pé, se afastando até seu closet.
— Outro presente? — Gritei — você sabe como mimar uma garota.
— Você não faz ideia — ele voltou carregando uma sacola de papel e
me estendeu.
Tirei uma caixa, branca e cor de rosa, de dentro da sacola e li travel
companion na embalagem. Mal sabia português, inglês estava fora de
cogitação para mim, então não fazia ideia do que se tratava. O desenho da
caixa se parecia com um pó compacto cor de rosa e me lembrava bastante
aquele comunicador das Três Espiãs Demais.
Puxei um acetato que continha o objeto igual ao do desenho e peguei a
caixinha que parecia de pó compacto abrindo a tampa transparente, sem ter
ideia do que aquilo era.
— Não quero parecer ingrata, mas não sei o que é isso — dei de
ombros.
Luiz Henrique me deu um sorrisinho e pegou o objeto da minha mão,
desencaixando a parte de dentro. Era curvado como um U e cor de rosa.
Olhei, espantada, quando ele fez o objeto se esticar, me mostrando que era
flexível. E assim, daquele jeito, me lembrava um pau.
— É um vibrador?
— Sim, ele vibra também, mas a mágica está desse lado aqui — ele
virou a abertura de uma extremidade que me lembrava a boca de uma garrafa
— é um sugador.
— Sugador? Nunca ouvi falar. É para os seios?
— É para onde quiser, mas foi feito para sugar o clitóris.
Arregalei os olhos, surpresa com a informação, nunca tinha visto nada
parecido. Ele me entregou e eu o toquei, percebendo a textura aveludada.
— Pensei em comprar para você depois que ficou frustrada no banheiro
da casa dos meus pais. Ali, eu imaginei que você fosse se masturbar para
aplacar um pouco da sua vontade.
— Sinceramente? Nunca me masturbei. Morava em uma casa muito
pequena, dividindo o quarto com mais quatro pessoas.
— Então, acho que acertei no presente. Teste Alissa, conheça o seu
corpo e descubra do que gosta.
— Gosto de como você faz — encarei-o.
— Sei disso, sou muito bom no que faço — sorriu — mas também sei
o quanto é importante se conhecer e se bastar. Testar a intensidade e o modo
que faz você vibrar.
— Obrigada pelo presente, então, vou testar depois.
— Vai testar hoje — insistiu — sozinha. E outro dia eu vou usar em
você. Vá para o seu quarto.
— Está me expulsando?
— Aposto que já está molhada só com essa conversa — sussurrou — e
eu não vou encostar em você. Estou te motivando.
— Está me irritando — rebati, mudando de humor.
— Boa noite, Alissa.
— Vai a merda, Luiz.
Me levantei e marchei para fora daquele quarto, levando comigo o
presente, o tesão e a raiva daquele manipulador.
Eu contava cada uma das semanas para que tudo acabasse.
Vinte semanas de gestação era metade do caminho. Alissa entrou em
minha vida há bem menos tempo, quase dois meses, eu acho. Por menor que
parecesse esse período, na prática, era como se tivéssemos uma vida juntos
tamanha a intensidade de tudo que aconteceu entre nós. Começando pela
forma como nos conhecemos, passando pela realização de ser pai e
culminando no sexo que compartilhávamos.
Nem de longe ela era a mais experiente, mas o corpo da garota parecia
ter sido feito para que as minhas mãos – e o meu pau – adorassem cada parte.
Ela correspondia bem ao menor beijo e eu sequer a tinha fodido com a força
que gostaria. Alissa estava grávida, afinal. Além disso, seu gatilho ao modo
como a peguei aquele dia ainda me deixava receoso. Não sabia que tipo de
crise ela poderia ter se eu a imobilizasse e fodesse até quase perder os
sentidos. Apesar disso, não sentia falta de tanta imposição quando o corpo
dela se abria e se molhava tão facilmente.
Eu era o experiente ali e poderia ser filho da puta o suficiente para
deixá-la totalmente dependente do meu toque e a disposição dos meus
desejos, mas não o era. Nosso contrato tinha prazo de validade e eu não era
egoísta o suficiente para fazê-la ficar rendida e depois acabar com tudo.
Eu achava que ela precisava se conhecer mais, entender sobre o seu
corpo e os seus desejos e parece que tinha acertado em cheio. A garota
confessar que nunca se masturbou era a maior prova de que não sabia nada
sobre o modo como gostava de foder ou de ser tocada. Para a sorte dela, não
sou um amante egoísta e nas vezes em que estivemos juntos me dediquei para
que fosse bom para ambos. O sugador e vibrador seria um passo importante
para que ela desvendasse seus desejos e eu imaginava que estivesse usando,
já que não havia se insinuado para mim desde que o entreguei, alguns dias
atrás.
Ela não tinha ido mais me visitar na empresa e eu também me
mantinha contido, mesmo com vontade de enfiar minha cara entre suas
pernas e chupá-la até que ficasse rouca de tanto gritar. Era fácil demais
confundir as coisas, principalmente quando parecia que estávamos nos
conhecendo melhor.
Nunca havia mentido, sempre deixei claro que nossa relação era
baseada num acordo em que ela me dava o que eu mais queria e em troca eu
disponibilizava o que ela precisava. Alissa precisava de dinheiro, eu desejava
ter um filho. Por destino, ela estava grávida e não dava sinais de que queria a
criança.
Sim, talvez isso estivesse mudando. Depois de descobrir que esperava
um menino, de concordar com o nome e de comprar um macacão para Apolo,
Alissa parecia mais feliz. Não fazia ideia do quão difícil era gestar, mas podia
imaginar que fazer isso aos dezenove anos de idade fosse ainda mais
complexo.
Dezenove anos. Nessa idade eu não fazia a menor ideia de tudo que
passaria em minha vida. Pensar na idade dela me fez lembrar da conversa que
tivemos sobre festa de aniversário.
— Que dia ela faria vinte? — Questionei alto, sozinho em minha sala.
Peguei a chave que abria a gaveta da mesa e a destranquei, tirando de
lá a pasta de Alissa. Rapidamente, conferi que seu aniversário era dali há
cinco dias.
— O que dar de presente para a mulher que me dará tudo que sempre
quis? — Tamborilei os dedos na mesa sem chegar a nenhuma conclusão.
Tirei o aparelho telefônico do gancho e disquei para a minha assistente.
— Pois não — atendeu no segundo toque.
— Élida, sei que não costumo fazer esse tipo de pergunta, mas você
tem alguma sugestão do que dar de presente para minha namorada?
— Uau, me pegou de surpresa. Quando é o aniversário?
— 9 de agosto — informei.
— Está bem em cima, mas acho que toda mulher gostaria de ganhar
um bom perfume ou itens de maquiagem.
— Já dei para Alissa roupas, sapatos, celular e um cartão de crédito
liberado — informei, sem ter a intenção de ser presunçoso, mas assim que me
calei soube que tinha soado exatamente dessa maneira.
— Senhor, se ela já tem tudo, o que o senhor pode fazer é proporcionar
experiências. Uma viagem seria o presente perfeito.
— Uma viagem? — Ponderei.
— Sim, bem romântica em um lugar lindo e elegante, tenho certeza
que ela vai amar.
— Você pode pesquisar alguns lugares para mim, por favor? Selecione
alguns lugares enquanto vou para a reunião e escolho assim que terminar.
— Sim, senhor.
— Obrigado, Élida — encerrei a chamada.
Faz algum tempo que eu não faço viagens de lazer, esse poderia ser um
presente apreciado por nós dois.
*
Dentre todas as possibilidades que Élida selecionou, uma pousada
fazenda foi a que mais me chamou atenção. Dispensei os destinos
internacionais, Alissa não deve ter passaporte e eu só poderia ficar fora por,
no máximo, dois dias. Três se fosse otimista. Por isso, me detive ao Brasil e
ao ver os vídeos e imagens que ela separou gostei bastante.
— Se é para dar uma experiência, como eu sugeri, acredito que esse
resort no Paraná atende perfeitamente o pré-requisito. Eles oferecem uma
estrutura incrível, com uma vasta gama de atrativos como passear a cavalo ao
pôr do sol, passeio de caiaque, stand up paddle.
— Não sei se quero a mãe do meu filho em tantas aventuras —
comentei, Élida sorriu.
— Então, podemos pular para o SPA relaxante com massagem e ofurô
— passou a imagem no tablet — ah, a piscina é aquecida.
— Gostei bastante, consegue reservar?
— Sim, já dei uma olhada aqui e acho que o senhor vai amar o bangalô
sobre o lago. Além da sustentabilidade de ser feito com toras de madeira
ecológicas, eles prezam pela privacidade e há 50 metros distanciando os
bangalôs.
— Perfeito, reserve sexta, sábado e domingo.
— Devo cancelar sua agenda de sexta e sábado?
— De sábado sim, na sexta eu venho e encerro o expediente mais cedo
— Élida assentiu. — Obrigado — agradeci e segui para minha sala.
Ao me sentar, abri o arquivo digital e retomei a leitura dos relatórios da
empresa que estava cogitando entrar como acionista.
Depois de quase finalizar a leitura, batidas na porta antecederam a
entrada do meu irmão. Levantei o olhar da tela e assenti enquanto ele entrava.
— Ia passar aqui ontem, mas acabei demorando mais tempo em uma
conferência do que previa... — abriu o botão do terno antes de se sentar em
uma das cadeiras de frente para minha mesa.
— Algum problema? — Deixei o tablet de lado.
— Está tudo em ordem, mas Edileusa pediu para avisar que planejou
um jantar especial para o Dia dos Pais. Você se lembra que é próximo
domingo, não é? — Ergueu as sobrancelhas. — Bem, na realidade, ela
planejou todo o domingo comemorativo.
— Viajarei no fim de semana— comentei rapidamente.
Nós almoçávamos juntos no Dia dos Pais, minha mãe adorava mandar
fazer um banquete e aproveitava essas ocasiões para isso. Confesso que não
estava lembrado que o segundo domingo de agosto era dia 09. Feriados
móveis assim, tal qual Dia das Mães, não eram tão fáceis de recordar a data.
— Não me lembro de nenhuma viagem importante do grupo que
precise ser feita dia nove.
— Não é a trabalho.
— Você, que nunca vai à passeio, escolheu justamente o Dia dos Pais
para isso? — O tom dele era de pura incredulidade.
— Um CEO também precisa de lazer — dei de ombros, ele estreitou os
olhos. — É aniversário de Alissa — expliquei — e já fiz as reservas.
— Entendo, agora faz mais sentido.
Carlos Augusto passou alguns segundos em silêncio, provavelmente
ponderando se deveria ou não me questionar sobre meu relacionamento.
Talvez nosso pai já tivesse comentado sua opinião, mas ele sabiamente
escolheu não dizer nada a respeito.
— Vai sair do país? — Neguei com a cabeça. — Consegue chegar para
o jantar, pelo menos? Papai vai sentir sua falta.
— Ele supera — sorri — estarei lá na hora do jantar.
Assim que confirmei minha presença, meu celular começou a tocar.
Um olhar rápido sobre a tela iluminada mostrava que Alissa me ligava. Meu
irmão encarou o meu celular sobre a mesa, notando de quem era a ligação e
ficou de pé para se retirar e me dar privacidade. Acenei, retribuindo o gesto,
antes de ele se dirigir à porta.
— Alissa? — Atendi.
— Luiz, você vem jantar em casa? — Questionou.
Ela nunca me ligou para perguntar isso.
— Por algum motivo específico?
— Se você não vier e não se importar, queria sair para comer com a
Tam.
A amiga.
— Não me importo, mas será que, por acaso, posso acompanhá-las?
Pensaram em qual restaurante?
— Você até pode ir, mas tinha imaginado ir ao shopping e comer
qualquer coisa na praça de alimentação.
— Entendi. Marcaram que horas? Acho que consigo uma reserva para
irmos a um restaurante.
— Na verdade, ela passou a tarde aqui comigo — comentou. Ouvi a
outra falar algo baixo, distante da linha e então Alissa repassou: — Tamires
quer ir a um restaurante chique sim.
— Quão chique? — Olhei o meu relógio de pulso, 17h27min.
— Nada que envolva caviar ou comida crua — fez barulho de vômito.
— Tudo bem, estejam prontas que daqui há uma hora eu passo para
pegá-las.
Aquela era uma chance única de mudar o que tinha acontecido no dia
que a amiga de Alissa foi visitá-la. Vamos ver se, de frente para mim, ela
tinha coragem de se referir a um sugar.
Fiz uma lista mental dos restaurantes que conhecia em Aracaju,
descartando os de comida japonesa. Os mais exclusivos pediriam reserva e,
em cima da hora, não conseguiria sem que pedisse alguns favores, mas não
valia a pena, talvez as meninas ficassem apreensivas diante dos lugares que
me passou pela memória.
Tinham os regionais, como o Seu Sergipe da chef que se destacou no
programa de TV, e o Cariri que trazia em seu cardápio as comidas do
nordeste, rico em temas da vida do sertão, com dança e estilos musicais
populares, mas talvez não fosse a melhor opção para aquele primeiro
momento.
O lugar ideal tinha que ser tranquilo para que pudéssemos conversar,
chique como a garota queria, mas não o suficiente para intimidar e com um
cardápio que agradasse Alissa para que não ficasse sem comer. Assim, acabei
optando pelo Divino Vinho que possuía um cardápio variado com pescados e
filés, além de massas e risotos. Pelo que me lembrava o lugar era intimista
com iluminação discreta e Wine bar, com uma adega repleta de vinhos.
*
Havia mandado uma mensagem para Alissa no momento em que passei
pela portaria do condomínio, avisando sobre minha chegada, por isso, assim
que o carro parou em frente a mansão, notei as duas paradas.
Desci do carro, abrindo a porta de trás, quando elas se aproximaram.
Minha namorada usava um macacão branco e longo, muito elegante. Já sua
amiga estava com um vestido dourado que lhe caía muito bem e combinava
com sua pele escura. Tamires era uma mulher muito bonita com seu cabelo
volumoso e corpo esculpido.
Antes que Alissa pudesse abrir a boca para dizer qualquer coisa, eu a
puxei para um beijo. Meus lábios deslizaram pelo seu antes que ela se
apoiasse no meu pescoço. Suguei sua língua e ela amoleceu no meu abraço,
antes que eu me afastasse.
— Uau — ouvi a outra dizer.
— Desculpe, mas estava com muita saudade para me lembrar de ter
educação — comentei, virando para encará-la.
— Sem problemas — ela esticou a mão — sou a Tamires.
— Que bom finalmente conhecê-la — peguei sua mão estendida e dei
um beijo no dorso — Alissa fala muito sobre você. Como deve saber, me
chamo Luiz Henrique.
— Ela fala bastante de você também e não mentiu, você é lindo.
— Ok, ok — Alissa se intrometeu — já foram apresentados, não
precisam comentar o que eu digo como se eu não estivesse aqui.
— Não precisa ficar com ciúmes, amiga, pelo beijão ele só tem olhos
para você.
— É exatamente isso — concordei, colocando o braço ao redor da
cintura de Alissa. — Bem, vamos jantar?
— Vamos, estou faminta — Alissa deu pulinhos de animação — estou
feliz que vocês dois vão se conhecer melhor.
— Vou na frente para que fiquem mais à vontade — avisei, quando
Josué abriu a porta traseira do carro.
As meninas entraram e eu me sentei ao lado do meu motorista. Quando
Josué deu a partida deu para ouvir a risadinha da amiga, fazendo algum
comentário a meu respeito.
Estava convencendo no papel de namorado e, daria a certeza absoluta,
quando desse a viagem de presente de aniversário naquela noite.
Receber Tamires na mansão era a junção da Alissa que eu fui com a da
que estava me tornando. Fazia parecer que era tudo real, que a garota do
Brasileirinho morava mesmo em uma mansão num condomínio de luxo com
um homem lindo e maravilhoso. Depois de passar horas tomando sol,
conversando e rindo, nós tínhamos decidido ir ao shopping e foi com muita
surpresa que, ao ligar para o Luiz, vi aquele passeio se transformar no melhor
jantar da minha vida.
Além de o restaurante ser lindo e a comida ser saborosa, estava
acompanhada das duas pessoas que mais me faziam bem. E ali, com minha
melhor amiga testemunhando, recebi meu presente de aniversário adiantado:
uma viagem! Meu queixo quase bateu na mesa diante da surpresa e
felicidade. Nunca tinha viajado e senti meus olhos marejarem e o meu
coração se encher de gratidão quando ele explicou sobre ser um lugar
romântico que eu ia amar conhecer.
Tive um dia para preparar tudo, entre a indecisão do que levar, acabei
fazendo uma mala imensa carregando desde blusas com gola alta e manga
longa para o frio até biquínis. Nós saímos na sexta-feira à tarde com o Josué
nos levando até o aeroporto. Seria minha primeira vez no avião e confesso
que estava mais ansiosa do que com medo. Luiz Henrique me surpreendeu,
mais uma vez, quando não embarcamos em um voo comum. Nós saímos de
Aracaju em um jatinho particular e quando eu questionei ele me explicou que
os voos para Curitiba tinham, no mínimo, uma parada e não seria tão
confortável para mim e o bebê. Ele tinha razão, uma vez que o lugar não
ficava na capital e nós ainda precisamos pegar um helicóptero para chegar a
Zona Rural do Paraná. Dava para acreditar? Minha primeira viagem e tive
direito a avião e helicóptero.
Nós fizemos check-in pouco depois das dezessete horas e assim que
deixamos nossas coisas no belíssimo chalé que praticamente flutuava sobre
um lago, fomos dar uma volta a pé para esticar as pernas. Passei horas
sentada e, por mais que achemos que não, isso era bem cansativo. Usando
calça, blusa e tênis, amarrei um casaquinho na cintura antes do nosso passeio.
Luiz usava calça jeans, tênis e uma camisa preta de manga longa que o
deixava elegante. Eu me peguei encarando toda sua beleza e notei, mais uma
vez, que tudo que aquele homem usava ficava perfeitamente bem em seu
corpo.
— Apreciando a vista? — Ele me encarou notando que eu não
encarava o céu que mudava de cor.
Estávamos observando os tons de laranja e lilás no lugar onde o sol
estava se pondo, atrás da mata, quase sobre o lago que refletia aquela
imensidão e tornava tudo tão lindo que não parecia real.
— Você não deixa a desejar, é tão bonito quanto esse lugar — dei de
ombros.
— Esse é um elogio e tanto — sorriu discretamente. — Está se
sentindo bem?
— Ótima e completamente encantada com tudo.
— Está com fome?
— Não, mas sei que quando estiver diante de um monte de coisas
gostosas vou abrir o apetite.
— Que bom, meu filho precisa estar bem alimentado — ele esticou a
mão para minha barriga e eu senti um arrepio de prazer me percorrer com o
toque paternal. — Ele já se mexeu?
— Ainda não, mas eu li que pode demorar, varia de mulher para
mulher. Vou te contar quando acontecer. — Ele não respondeu, então
emendei uma pergunta: — Tem passeio de cavalo aqui?
— Sim, mas a senhorita não vai fazer.
Luiz se aproximou um passo e se abaixou diante de mim, apoiando as
mãos nas próprias coxas para se equilibrar.
— Não se preocupe, não vou deixá-la sacolejar você em cima de um
cavalo — Luiz comentou, encarando minha barriga.
Era a primeira vez que ele fazia aquilo, que falava com Apolo e eu me
senti emocionada. Posso culpar os hormônios, mas também posso culpar o
clima mágico daquele lugar.
E, então, como se soubesse quão especial era o momento ou ainda,
como se reconhecesse seu verdadeiro pai, eu o senti se mexer. Fiquei
paralisada diante daquilo, não foi uma grande reviravolta ou um chute forte,
mas as lágrimas escorreram imediatamente.
— Algum problema, Alissa? — Ele fez menção de se levantar, mas eu
o impedi.
— Ele mexeu! — Murmurei, dividida entre estar encantada e
assustada.
Luiz Henrique levou as mãos até minha blusa, levantando o suficiente
para expor minha barriga e a tocou. Seus dedos quentes e o ar frio me fizeram
encolher os ombros.
— Oi, Apolo — ele murmurou — aqui é o papai. Acho que consegue
me ouvir, não é? Quero que saiba que já amo você e que não vejo a hora de te
conhecer, garoto.
Em resposta, senti um pequeno movimento. Luiz Henrique levantou o
rosto, assentindo como se me confirmasse que também sentiu. Seus olhos
estavam inundados, assim como os meus e quando ele beijou minha barriga
eu senti suas lágrimas molharem a minha pele.
Um tempo se passou enquanto ele se mantinha ali, abraçado a minha
cintura e o meu coração batia descompassado. Apolo demorou para mexer,
mas não poderia ter escolhido hora melhor para isso.
*
Aquela era a segunda vez que dormíamos juntos. Na primeira, eu
apaguei em seus braços depois de chorar e não me lembro de quase nada; já
dessa eu me recordarei por muito tempo. Apesar de a cama ser espaçosa,
depois que jantamos e nos trocamos, nos sentimos exaustos e nos deitamos
perto um do outro. Quando eu achei que ele já tinha começado a cochilar, me
aninhei em seu peito e recebi, em troca, seus braços em volta de mim.
Acordei sem despertador, quando a luz do dia já estava forte dentro do
quarto. Antes mesmo de abrir os olhos, eu senti o seu corpo quente contra o
meu. Estávamos de conchinha e eu quis passar muitas horas naquela posição,
mas precisava fazer xixi, por isso, tentei me soltar do seu abraço sem acordá-
lo. Acho que consegui, porque enquanto corria para o banheiro eu olhei para
trás e ele parecia ainda estar apagado.
Tomei um banho quente e rápido depois de fazer xixi. Escovei os
dentes e penteei os cabelos, ficando minimante apresentável para o homem
que já tinha me visto nos meus piores momentos. Saí do banheiro usando o
roupão do resort e dei de cara com belos olhos azuis me encarando assim que
passei pela porta.
— Bom dia — Luiz Henrique sorriu e não tinha a menor cara de quem
tinha acabado de acordar.
Que injustiça, né? Uns com tanto, outros sem nada. Ele era lindo, rico e
ainda fodia gostoso.
— Bom dia, espero não ter demorado horrores no único banheiro desse
chalé.
— Não se preocupe, não precisei urinar em nenhum canto — a menção
me fez baixar os olhos e notar a sua ereção contra o tecido da calça cinza do
pijama.
Ele sabia que eu estava encarando seu pau e quando voltei meu olhar
para o seu rosto, apenas ergueu uma sobrancelha antes de passar por mim e
seguir para onde eu tinha acabado de sair.
— Que bom que não caguei e deixei fedorento — murmurei sozinha,
antes de ir em busca de uma calcinha limpa.
Luiz demorou uns vinte minutos antes de retornar ao quarto com uma
toalha em volta da cintura. Eu já estava pronta, usando um vestido longo com
estampa floral e sandálias confortáveis, mas estava pensando seriamente em
me desarrumar inteira com aquele pedaço de mau caminho.
— Não vou demorar para a gente ir tomar café da manhã — avisou,
pegando algumas coisas em sua mala e voltando ao banheiro.
Será que ele não tentaria nada? Da última vez que transamos fui eu
quem fui até o escritório dele, não via problema em tomar a iniciativa de
novo, mas estava começando a achar que talvez, e só talvez, ele tivesse
enjoado de estar comigo. Por acaso ele estaria fodendo com outra? Não era
impossível, era até provável, na verdade. Nosso acordo não tinha cláusula de
exclusividade e nunca tínhamos conversado a respeito.
— Podemos ir — meus olhos percorreram seu corpo usando uma
camisa do tipo polo vermelha e bermuda marrom. Ou aquela cor era
mostarda?
— Alguém faz as combinações das suas roupas para você? — Fiquei
de pé pegando meu celular para que pudéssemos ir.
— Já contratei uma consultora de imagem — admitiu — é muito mais
fácil quando alguém já deixa as combinações montadas, mas com o tempo
você aprende qual é o seu estilo.
— Me lembre de contratar uma para mim — brinquei e ele riu, quando
passamos pela porta.
Eu gostaria de experimentar cada coisa que tinha naquele buffet, mas
temia passar o dia inteiro trancada no banheiro passando mal e acabar com a
viagem, por isso tentei ser básica. Peguei um pouco de salada de frutas, três
pãezinhos, uma fatia de bolo de ovos, um copo de suco e uma xícara de café
no primeiro momento. Enquanto comia a salada de frutas, Luiz se sentou de
frente para mim trazendo apenas melancia, melão e abacaxi.
— Você não sai da linha nem em viagens? — Disse depois de engolir
uma colherada das frutas picadas.
— Eu gosto de frutas — comentou — e não tenho o metabolismo que
tinha aos dezenove anos — alfinetou.
— Seu corpo é mais definido do que o de muito novinho — comentei,
deixando a tigela vazia de lado. — Achei que homens com barba grisalha
tivessem gordura na barriga, sabe? Nada tipo o Papai Noel, mas não esperava
por definição.
Ele me lançou um olhar estreito, mas no fim me presenteou com um
sorrisinho.
— Agradeça ao fato de um dos andares da empresa ser de um
proprietário de academia, assim eu consigo “me manter na linha” — usou os
dedos para fazer aspas.
— Você nunca se diverte? — Tomei um gole de suco, mantendo meu
olhar firme nele por cima do copo. — Eu moro na sua casa e nunca vi você
na piscina, nem na sala de TV, pior ainda na de jogos.
— Acha que não me diverti na minha cama ou na banheira? —
Relembrou de onde fodemos da primeira vez. — Até no meu escritório é
possível encontrar diversão.
Quase me engasguei com o líquido, afastei o copo enquanto tossia.
— Ok, mas só se diverte transando?
— Acha que é um tipo ruim de diversão? Então, me diga, o que fazia
para se divertir?
Ele se inclinou, pegando a minha xícara de café intocada para si.
— Gostava de ir para festinhas — lembrei dos paredões — ok, não
eram bem festinhas, era mais uns sons de carro bem alto tocando enquanto
um monte de gente dançava e bebia.
— Interessante — bebericou o líquido preto.
— Não tinha dinheiro para estar no cinema ou lanchando no shopping,
mas às vezes a gente saía pra comer cachorro-quente na praça — sorri com a
lembrança. — Os parques de diversão, daqueles baratinhos que paga um
valor em cada brinquedo, era legal também. Geralmente, a gente conseguia
andar no barco viking e gritava até sair rouca.
Enquanto eu recordava, Luiz me encarava como se não entendesse
nada do que eu estava falando.
— Realmente, não consigo ver você fazendo nenhuma dessas coisas —
sorri abertamente.
— Eu não nasci rico, sabia? — Abocanhei um pedaço do bolo
enquanto esperava que ele continuasse. — Meus avós eram agricultores
pobres que sobreviviam do que plantavam e colhiam em um pequeno lote de
terra. Quando meu irmão e eu nascemos meus pais ainda moravam com meus
avós, então os primeiros anos da minha infância foram na roça.
Engoli o bolo com o suco, surpresa com a história.
— Como conseguiu ser tão rico? Ganharam na loteria? — Luiz
meneou a cabeça, negando.
— Mesmo quando meu pai abriu uma mercearia, as coisas não foram
fáceis porque o dinheiro que entrava era para nos sustentar e para crescer era
preciso investir. Ele me conta que conseguiu empréstimos e, um tempo
depois, conseguiu transformar a mercearia em minimercado. O tempo passou
e as coisas começaram a melhorar a partir daí, então ele se endividou
novamente para abrir um mercado maior, dessa vez na capital. Então, eu já
estava maior e passei a ajudar. Enfim, o que quero dizer é que eu já soube o
que é se divertir indo comer um cachorro-quente na praça.
— Sempre imaginei que viesse de berço de ouro.
— Trabalhei duro e abri mão de muita coisa para conseguir ter um
futuro confortável. E você? Pensa em fazer alguma coisa? Tem alguma meta
futura?
Depois de ouvir aquilo tudo era até feio dizer que não, mas a verdade
era que eu nunca pensei a longo prazo.
— Posso culpar minha idade pela resposta ser não? — Apertei minhas
mãos, depois de largar o garfo ao lado do resto do bolo.
— Não tem problema nunca ter pensado nisso, mas é bom aproveitar a
idade nova que está chegando e parar de culpar a antiga — piscou um olho
para mim.
— Sempre achei que se fosse rica não precisaria estudar ou me
preocupar com dinheiro... — Confessei.
— Muitos dos ganhadores da loteria ficam pobres por ter um
pensamento semelhante. Mas vamos pensar um pouco: Apolo nascerá rico e
terá tudo que o dinheiro pode comprar, você acha que tudo bem ele não
estudar? Não preciso nem matricular ele na escola, deixo solto lá na mansão
só tomando banho de piscina. Seguindo essa filosofia, ele nem precisa
aprender a ler, não é?
Institivamente, levei a mão até minha barriga enquanto imaginava o
garoto correndo pelos cantos do castelo do pai. Sem saber ler ou escrever,
apenas existindo e gastando dinheiro.
— Acho que entendi o que quer dizer e tem razão — pisquei,
balançando a cabeça para voltar ao presente. — Por favor, obrigue ele a
estudar, não quero que só interprete os desenhos.
Luiz Henrique gargalhou e aquela foi a primeira vez que eu ouvi
aquele som tão relaxado e espontâneo. Sem hesitar, meu riso se juntou ao
dele em uma crise histérica que arrancou lágrimas dos meus olhos.
— O pessoal tá olhando — comentei, tentando conter a nova onda de
gargalhadas. — Respira, Alissa.
— Não há nada que goste de fazer? Nenhum hobby que possa ser
rentável?
— Não faço ideia, mas a partir de amanhã, com os meus vinte anos,
prometo que vou pensar e estar atenta aos sinais. Mas acho que o primeiro
passo é concluir o ensino médio.
— É um bom começo. Vou pegar um café para repor o seu — ele ficou
de pé — quer mais alguma coisa?
— Não, obrigada — foi o que eu respondi, mas eu queria gritar, em
alto e bom som: você!
Não era preciso dizer que o dia voou, não é? Enquanto na mansão as
horas costumavam se arrastar, ali com Luiz Henrique estavam passando na
velocidade da luz. O clima estava leve, as risadas eram constantes e eu estava
tendo acesso a um homem diferente do que vivia de terno e gravata. Ele fez
até piadas!
Nós andamos de bicicleta ainda pela manhã, conhecendo diversas
partes daquele lugar perfeito e depois fomos pescar. Nenhum peixinho foi
ferido nessa aventura, nós os soltamos logo em seguida, apesar de que os
coitados podem ter saído surdos diante dos gritos que eu dei nas minhas
tentativas com a vara e o anzol. Almoçamos no restaurante da fazenda e a
comida estava divina, como sempre, e não me contive na hora das
sobremesas experimentando o máximo que pude.
O lugar era lindo, com a natureza exuberante e o constante canto dos
pássaros. Eu queria fotografar cada cantinho, cada folha e passarinho, para
apreciar tudo depois. Mas a foto mais bonita com certeza foi a nossa selfie,
lado a lado, com sorrisos grandes e olhos brilhando. Eu queria que a viagem
durasse muitos dias, quem sabe até para sempre, porque o que estava
acontecendo ali era diferente de tudo que eu já tinha vivido. Mas a gente teria
que voltar para a realidade no dia seguinte e o Luiz avisou que iríamos jantar
com sua família para comemorar o Dia dos Pais, ainda bem que eu estava
preparada para a ocasião, tinha lembrado da data dias atrás.
Depois do nosso último jantar naquele lugar, não voltamos
imediatamente para o quarto. Nós fomos avisados que haveria uma
programação especial para aquela noite, com música ao vivo e degustação de
vinhos. Como era nossa última noite, Luiz achou que deveríamos ir e eu
concordei, querendo aproveitar cada segundo.
O espaço destinado não era imenso, era bem intimista e não estava
cheio como um show. Algumas pessoas circulavam com as taças de vinho e
uma pequena banda tocava em um tablado mais elevado. O vocal era
ocupado por uma mulher de cabelos curtos e pele tatuada, não conhecia e
também não entendia a música que estava tocando porque não era em
português, mas o ritmo me dava a entender que a letra era romântica já que
não era muito animado. Nós demos a volta e sorrimos para algumas pessoas,
Luiz aceitou uma taça de vinho e eu, claro, não pude acompanhá-lo.
— Quer dançar? — Ele pousou a taça vazia na bandeja de um garçom.
— Sim, apesar de não entender nada do que está sendo cantado —
sorri, me virando de frente para ele.
— Vou traduzir para você — estendeu a mão direita.
Segurei em seus dedos e aproximei meu corpo do seu quando uma
nova música começou. Ainda era do tipo lenta, então Luiz colocou um dos
braços em volta da minha cintura e segurou minha mão com a outra, nossos
braços um pouco flexionados.
It's true that people, I've been sad (people, I've been sad)
It's true that people, I've been gone (people, I've been gone)
It's true that people, I've been missing out (I've been missing out)
Missing out for way too long (people, I've been gone)
Assim que a notificação foi vista ela olhou para cima, procurando por
mim e quando me viu abriu um sorriso enorme.
— Você voltou, vadia? — Gritou ficando de pé — finalmente!
Ela pulou as carteiras até chegar em mim. Fiquei de pé e senti seu
abraço apertado, retribuindo com a mesma intensidade.
— Não sei, será que já não me reprovaram por falta? — Tamires se
sentou na mesinha, com as pernas penduradas, enquanto eu fiquei na cadeira.
— Acho que não, teve uns dias de férias aí no meio — deu de ombros
— achei que ia querer ir pra um colégio particular.
— Se eu reprovei aqui, vou pro particular tomar pau de novo? —
Balancei a cabeça em negação.
— Até parece que não gosta de tomar pau — gargalhou — ai que
saudade que eu tava, não tem a menor graça vim pra escola sem você, amiga.
— Por incrível que pareça, também senti falta de estar aqui.
Para interromper nosso papo, a professora Charlene entrou na sala.
— Boa tarde... — Ela me viu e sorriu — olha só quem deu o ar da
graça. Espero que tenha voltado mais comportada e menos falante, Alissa.
— Não trabalhamos com milagres, professora — respondi e todo
mundo gargalhou.
No intervalo, Tamires me disse que começaria a fazer um curso de
maquiadora no SENAC e parecia bem empolgada com isso. Eu logo me
animei e pesquisei ali mesmo sobre o assunto. Lembrei da conversa com o
Luiz sobre o que eu queria para o futuro e ainda não tinha uma resposta
exata, mas maquiagem era algo que eu gostava. Não que eu pudesse praticar
os inúmeros tutoriais que sempre gostei de ver, nunca tive grana pra investir
em make, mas agora eu via uma oportunidade.
E se eu não gostasse, aprenderia como estar plena para os eventos que
agora faziam parte da minha rotina.
*
Sabe quando as coisas finalmente pareciam estar dando certo? Bem,
era o que estava acontecendo comigo. O último mês havia sido incrível,
parecia que o meu aniversário havia alinhado os meus chacras e as coisas
tinham voltado ao seu curso natural, na verdade, era bem melhor que antes.
Agora eu me sentia feliz, exceto por eu estar tendo que comer todos os
dias alimentos ricos em ferro, como fígado, lentilha, espinafre e couve, por
causa de uma anemia. Minha barriga cresceu o suficiente para que eu pudesse
realmente me "sentir" grávida e agora era possível notá-la independente da
roupa que eu vestisse.
E o vestido verde água que escolhi era justo e ressaltava a leve
ondulação abdominal. Escolhi um modelo longo, com decote ombro a ombro
que possuía uma fenda que se abria a partir de um ponto um pouco abaixo do
meio da coxa. Um par de sandálias prateada e de salto juntamente com uma
bolsa de mão para o meu celular finalizavam o meu look para a festa dessa
noite. Os cabelos foram escovados no salão, bem como as unhas e a
maquiagem. Quando encarei o resultado da make me animei ainda mais para
o curso, já que eu poderia produzir várias pessoas para aquele tipo de festa.
— Dessa vez você não combinou a gravata comigo — brinquei ao
segurar sua mão estendida no fim da escada.
— Foi um lapso — beijou minha bochecha para não se sujar de batom
— você está linda.
— Obrigada, é muito difícil se sentir gata quando sua barriga está
chamando mais atenção que seus peitos — comentei, andando até a saída.
— Seus peitos estão lindos, mas nada se compara a sua barriga
mesmo...
— Boa noite, Josué — cumprimentei, apertando os dedos de Luiz para
que ele calasse a boca e não permitisse que outras pessoas ouvissem sobre
meus seios.
— Boa noite, senhores.
Eu me sentei no banco traseiro e logo depois o Luiz se sentou ao meu
lado.
— Quase todos os vestidos que vi para grávidas são folgados, não sei
como será daqui para frente, mas não curto muito — ele me encarou —
grávida sim, de roupa larga jamais. — Luiz Henrique sorriu abertamente.
Seguimos pelo trajeto que eu conhecia porque levava até um dos
shoppings da cidade e nós entramos no estacionamento dele mesmo, o que
me causou estranheza.
— A festa será dentro do shopping? Em algum restaurante daqui?
— No prédio ao lado — apontou para o edifício completamente
iluminado. — Mas o acesso por aqui é mais tranquilo.
Notei que o prédio ficava no mesmo terreno e então, a minha ficha
caiu.
— Você é o dono do shopping? — Perguntei chocada.
— A empresa é — me corrigiu.
— A empresa que você comanda e que pertence a sua família, certo?
— Exatamente.
— Meu Deus, achei que você fosse só rico, mas é podre de rico. Tem
mais de um shopping?
— Em Aracaju, três — comentou como se não fosse nada demais.
— Caralho...
— Achei que tivesse pesquisado sobre mim.
— Só joguei seu nome no Google para achar o endereço no dia em que
fui na empresa, não li mais nada.
— Isso faz diferença? — Questionou, com os olhos atentos em mim.
Quando eu ia dizer que não, a porta do lado dele foi aberta. Nem tinha
percebido que o carro havia parado de andar. Luiz desceu, estendeu a mão
para mim e assim que eu saí fui recepcionada por tanta luz que pisquei
confusa. Eram flashs fotográficos disparados um atrás do outro.
De mãos dadas, nós seguimos até próximo a entrada do prédio, mas ao
invés de entrar fomos conduzidos até um painel para tirar fotos. Um monte de
gente gritava “dá um sorriso”, “vira de frente”, “olha para mim” e várias
frases assim para que pudessem clicar. Antes que pudéssemos seguir em
frente, ouvi um homem perguntar:
— Qual é o nome dela? E que relação coloco na legenda?
— Ela se chama Alissa, é a minha namorada e estamos esperando
nosso primeiro filho — Luiz respondeu, me puxando antes que outras
perguntas surgissem.
— Uau — consegui falar quando nos afastamos. — Estou me sentindo
uma celebridade.
— E vão te tratar como uma, por favor, cuidado com o que vai dizer —
a frase dele me deixou apreensiva, o que eu poderia dizer de errado?
— Ok, vou me lembrar da história de como nos conhecemos caso
alguém pergunte.
Luiz me fez parar e se virou de frente para mim.
— Não sei se conseguirei estar ao seu lado o tempo inteiro hoje, é um
evento grande e importante, vão me chamar bastante.
— Sua mãe virá? — Perguntei na esperança de ter alguém conhecido
por ali.
— Sim, minha família já deve estar aqui.
— Não se preocupe — acariciei seu rosto, sentindo sua barba sob meus
dedos — é o seu trabalho, não vou me sentir abandonada.
— Ótimo, vamos entrar.
*
O evento estava acontecendo em um lugar amplo e fechado, me parecia
um gigantesco auditório que havia sido transformado em um salão de festas.
Havia mesas redondas, cobertas por toalha branca, contendo um arranjo de
flores coloridas ao centro, espalhadas por quase todos os cantos do espaço. A
parte que não continha mesa ficava mais ao centro do lugar, além da frente do
palco que servia como pista de dança. Assim, era possível ter gente sentada
comendo, circulando pelo meio para conversar em pé ou dançando mais
afastado.
Estava bem cheio já e eu observei que todos se vestiam de maneira
elegante, todos de traje social. Nós andamos até parar de frente para o grupo
familiar que estava de pé e com beijinhos eu cumprimentei os pais, a cunhada
e o irmão de Luiz Henrique.
— A assessora de comunicação estava de cabelos em pé procurando
por você — meu quase sogro informou.
— Já vou procurá-la — ele respondeu — você fica com eles?
— Claro — sorri quando ele assentiu e se foi.
— Está muito bonita, Alissa, a gestação te fez bem — foi Edileusa
quem comentou.
— Obrigada, agora já parece que estou grávida — sorri.
— Daqui para frente vai ser um pulo e logo estará com um barrigão tão
grande que não saberá como dormir — ela me avisou.
— Mas não se preocupe, massagens vão te ajudar e meu filho fará
questão de te mimar — dona Luiza tentou amenizar.
Assenti, sorrindo.
Era muito diferente ter como assunto em comum apenas minha
gravidez, aquelas mulheres não me conheciam, não vinham da mesma
geração que eu e não tínhamos o que conversar. Elas sempre eram muito
simpáticas e eu não tinha do que reclamar, mas às vezes eu me sentia
desconfortável por não saber como agir para corresponder às expectativas.
— Vamos nos sentar? Alissa, quer beber alguma coisa? — Carlos
Augusto perguntou.
— Qualquer coisa que não contenha álcool — sorri, enquanto ele nos
conduzia até a mesa principal, no lugar mais próximo do palco.
Nos sentamos e eu me permiti relaxar, ouvindo a banda que tocava
clássicos da MPB. Carlos acenou para um garçom uniformizado e ele nos
serviu com o que tinha na bandeja, para mim veio um copo de água de coco.
Enquanto eu bebia a água doce, ele pediu drinks para todos, mas o meu sem
álcool e o rapaz se afastou com a promessa que voltaria logo com os pedidos.
Outros garçons passaram, nos servindo de salgados mais saborosos do
que o outro evento que fui, havia mini comidinhas também. Depois de algum
tempo, o garçom trouxe os nossos copos e eu bebi um delicioso coquetel de
frutas.
Estava distraída com meu celular, quando ouvi um sussurro próximo ao
meu ombro.
— Temos uma jovem nessa mesa, graças a Deus — me virei para
encarar o sobrinho de Luiz Henrique.
Augusto usava blazer azul me lembrando a cor da tampa da caneta Bic.
Por baixo da peça, uma camisa branca que não era de botão e nada de
gravata. Não pude observar a parte de baixo porque ele se sentou rapidamente
na cadeira ao lado da minha, mas achava ser uma calça jeans escura.
— Por onde andou? — A mãe dele perguntou do outro lado da mesa.
— Estava observando o terreno — perturbou e a Edileusa o mandou
parar de gracinhas — networking, mamãe.
O pai dele pediu licença para cumprimentar alguém e se retirou, nos
deixando sob os “cuidados” do Augusto mais novo.
— Acho que vou te chamar de Augustinho, sabe? Para te diferenciar
dos outros dois — comentei.
— Ah, não Alissa, está tentando me dizer que me visto mal como o
personagem de A grande família?
Eu ri, sabendo que ele tinha pegado a referência, mas era pura
mangação minha, ele estava muito bem e jovial com o traje escolhido.
— Nada, só para saber de qual Augusto estou falando, sabe como é,
né?
— Ok, vou te chamar de Bebel, então.
— Está me chamando de mimada?
— Não, só um apelido, sabe como é, né? — Repetiu a mesma frase que
usei e eu ri mais alto do que devia ser educado. — Como você está?
Era a primeira pessoa que perguntava primeiro sobre mim e não sobre
o bebê.
— Estou bem, maratonando muita série e ouvindo funk e sertanejo,
como sempre.
— Preciso te informar que isso não será tocado aqui.
— Vibes adulto — concordei, circulando o dedo no ar.
— Mas isso não impede que seja divertido. Vamos dançar?
Hesitei, pensando se devia ou não.
— Eu não mordo — ele avisou, diante do meu silêncio. — Só se pedir.
Engoli em seco. Ele estava flertando comigo?
Claro, você deu bola da primeira vez.
— Acho que vou ao banheiro — sorri — coisa de grávida, sabe como
é?
— Não, definitivamente não sei e não quero saber tão cedo — sorri
enquanto me levantava e pedia licença.
*
Ao invés de ir diretamente ao banheiro, eu dei uma volta pela festa.
Sorri para quem acenava mesmo sem me conhecer e circulei pelo meio das
pessoas, observando as interações. Até que vi um homem com cabelos mais
grisalhos que pretos e barba da mesma cor junto com uma garota que parecia
ser só um pouco mais velha que eu, soube que eram um casal pela forma que
se olhavam apaixonadamente, antes mesmo de presenciar o selinho que
trocaram ali em pé.
Notei Carlos Augusto se aproximar dos dois, cumprimentando e, ao se
virar, ele percebeu que eu os estava encarando. Logo, a mulher seguiu o olhar
do Carlos e eu fui pega espiando. Cumprimentei com a cabeça e quando
estava prestes a sair dali, os três vieram em minha direção.
— Alissa, esses são César e Liz — apresentou — ele é dono da Safety,
empresa que presta serviços de segurança para os nossos shoppings. Essa é a
Alissa, namorada do meu irmão.
César apertou minha mão antes que Liz me olhasse, sorrindo
amplamente, ao me puxar para um abraço.
— O Luiz é um gato — cochichou — os mais velhos são irresistíveis,
não é?
— Eu estava observando vocês dois e pensei como eram um casal
lindo — comentei, quando ela se afastou.
— A maioria acha que ele é o meu pai...
— Puro preconceito — comentei — o olhar que eu vi não tinha nada
de paternal.
— Ai, amei você! Me passe seu número e vamos marcar alguma coisa
qualquer dia — ela pediu.
— Por favor, não tenho muitas amigas — ditei os números que ela
salvou e já me mandou mensagem para registrar o seu.
— Liz, vamos cumprimentar a Flávia — César a chamou — prazer em
conhecer você, Alissa.
Quando eles se afastaram, avisei para o Carlos que ia ao banheiro e ele
me apontou a direção dos mais próximos. Segui rapidamente para fazer xixi,
lavando as mãos assim que acabei. Ao sair do banheiro, dei mais uma volta
procurando o Luiz Henrique, logo começariam os discursos e eu queria
contar que tinha conhecido a Liz.
E eu o encontrei.
Todo sorridente.
De novo.
Com a loira bonita do trabalho.
Pâmela. Ela também sorria, tocando o braço dele com muita
intimidade. Por que ele estava com ela enquanto me deixava sozinha? Aquilo
não era uma reunião de trabalho. Ninguém sorria e se tocava tanto enquanto
trabalhava. Marchei em direção aos dois sem pensar e em poucos segundos
me aproximei.
— Estou atrapalhando?
Os dois pararam de sorrir e me encararam.
Antes que alguém pudesse responder, Luiz foi interceptado por um
homem de terno cinza. Ele se afastou para falar com o homem e eu fiquei ali,
cara a cara com a Pâmela.
— Tudo bem, Alissa? — Ela sorriu.
— Tudo ótimo — toquei minha barriga com as duas mãos para que ela
entendesse que estava dando em cima de um cara que seria pai daqui há
alguns meses.
— Alissa, preciso conversar com você — a mulher teve a audácia de
dizer — acho que está havendo um mal-entendido.
— Olha, não tem como você negar que há um clima entre vocês dois
— comecei.
— Não vou negar para você que nós já estivemos juntos, quando
éramos solteiros. E é exatamente isso que preciso falar com você.
— Não acha cara de pau da sua parte me dizer isso?
— Não. Eu chamo de maturidade.
Ela estava me chamando de infantil?
— Olha aqui... — Ela não me deixou continuar.
— Alissa, eu não sou sua rival — ela pontuou — não estou disputando
a atenção do Luiz e não quero que me veja dessa forma. Nós dois somos
adultos, trabalhamos juntos e desde que você entrou na vida dele somos
apenas bons amigos.
— Como você quer que eu acredite nisso depois de me contar que se
pegaram?
— Sou mulher e detesto essa rivalidade feminina, por isso preferi
deixar as coisas claras com você. As duas vezes que nos encontramos o clima
ficou bem estranho e eu não preciso disso. Acredito que com a idade você vai
me dar razão, não há motivos para ter ciúmes. Agora eu tenho que ir, apesar
do modelo da festa, estou aqui há trabalho.
Ela me deu as costas e me deixou ali, sem saber o que pensar.
O homem liberou o Luiz que veio imediatamente até mim.
— O que aconteceu? Você está se sentindo bem?
— Você já trepou com aquela mulher? — Joguei, de uma só vez.
— Está com ciúmes?
— Responda minha pergunta com algo que não seja outra pergunta —
rebati irritada.
— Sim, Alissa, eu já trepei com a Pâmela. Está melhor assim?
— Vocês dois são muito caras de pau — me virei para sair de perto
dele, mas ele me segurou pelo braço.
— O que ela disse? Se foi algo diferente de que nós não ficamos juntos
desde que estou com você, é mentira.
— Ela disse exatamente isso.
— Então, qual é o problema?
— Se eu estivesse o tempo inteiro junto do Matheus você ia gostar? —
Ele estreitou os olhos.
— Se vocês trabalhassem juntos e as circunstâncias fossem
semelhantes as minhas, não veria problema.
— Ok, Luiz Henrique, você vai precisar provar esse ponto de vista
qualquer dia.
Ele soltou meu braço e eu saí dali pisando firme até a mesa onde estava
sua família. Assim que me aproximei estendi a mão para o Augusto.
— Vamos dançar — convidei e ele prontamente aceitou.
As coisas tinham mudado e eu não podia negar. Não sabia como tinha
acontecido, mas em algum momento eu ultrapassei uma barreira que achei
que nunca mais seria capaz.
Ainda não sabia qual a posição que Alissa ocupava em minha vida,
mas certamente não era a mesma de quando estabelecemos o acordo. Ela
deixou de ser apenas a mãe do meu filho e ocupou espaços além da minha
cama. Eu gostava do ar fresco que ela dava aos meus dias e então percebi que
ao lado dela minha seriedade diminuía e as risadas eram frequentes.
Que eu gostava dela não era novidade, Alissa era divertida e ousada, a
combinação certa para mexer comigo atualmente, a questão era que eu estava
indo além. Estava me apaixonando novamente e aquilo não me deixava
confortável.
Junto da paixão vem a desconfiança e era com ela nublando a minha
visão que eu encarava, de longe, Alissa e meu sobrinho dançando juntos.
Aquele gesto ridículo para me fazer ciúmes só demonstrava, mais uma vez,
que a garota era uma pequena manipuladora e eu me perguntava até que
ponto ela seria capaz de ir.
Não fiz cena.
Não segui em direção aos dois e a arranquei dos braços dele.
Não entrei no joguinho porque sabia que era o que ela queria e era
maduro o suficiente para enxergar o que ia além. O problema era que Alissa
não sabia que aquelas atitudes me lembravam de outras e que a desconfiança
me fazia recuar um passo e recalcular as peças no tabuleiro.
Meu filho era o que mais importava e não havia nada que me
demoveria de tê-lo.
Agi conforme era esperado e cumprimentei todos os presentes na festa
de inauguração da Torre 1. Fiz discurso, dei entrevistas, posei para fotos e
cumpri o script mesmo com Alissa tentando chamar minha atenção.
Encerrei a festa irritado.
Dentro do carro, voltando para a mansão, ela estava distante e com o
corpo praticamente colado na janela do seu lado. Preferi aguardar que
chegássemos em casa para conversar, por isso concentrei as minhas atenções
no aparelho celular em minhas mãos mesmo com a cabeça seguindo para
outro tempo.
Assim que o Josué estacionou, Alissa pulou porta a fora e seguiu
mansão adentro, sem olhar para trás. Exercitando a minha paciência, me
despedi do motorista e subi as escadas em direção ao meu quarto. Pretendia
tomar um banho para ter tempo de organizar minhas emoções, mas ela estava
lá, parada com as mãos na cintura.
— Precisamos conversar — anunciou.
— Concordo.
— Queria arrancar os cabelos da sua advogada — encenou o gesto com
a mão — não gostei de saber que foderam e que se veem todos os dias.
— Você está com ciúmes, mas não há a menor necessidade disso.
— Como não, se você sempre deixou claro que tínhamos um acordo?
Ele está chegando ao fim, Luiz Henrique. Quem me garante que não será ela
a criar o meu filho?
— Eu garanto.
— Você também garante que eu o farei?
Aquilo era algo que eu não era capaz de garantir. Meu plano era ter o
meu filho, estar com a mãe dele não estava pressuposto. As coisas tinham
mudado e eu podia sim nos imaginar juntos, mas não tinha certeza de que
confiaria nela o suficiente para isso.
Infelizmente, o meu coração tinha sido machucado o suficiente para
que eu conseguisse entrar nessa de olhos fechados.
— Não consegue garantir, não é? — Os olhos dela estavam marejados.
— Eu tenho sentimentos por você, Alissa, mais do que gostaria —
confessei — mas como toda relação nova não dá para ter garantias.
— Você jura que não esteve com ela?
— Desde que me envolvi com você não, eu te dou a minha palavra.
Vi seu peito subir e descer quando ela respirou fundo e se virou de
costas para mim.
— Consegue me ajudar a tirar esse vestido?
Com toda a tensão, aquilo era o que eu mais queria.
— Pensei em fazer isso durante a festa, no banheiro ou em alguma sala
vazia daquele prédio — informei, dando dois passos longos até estar perto o
suficiente.
— Teria tornado a noite bem mais interessante — ouvi seu risinho —
esses eventos são bem maçantes e ter o seu pau ia me animar.
Meus dedos afastaram o cabelo dela para o lado, pousando no zíper que
desci devagar.
— Você parecia estar se divertindo bastante — lembrei da dança com o
Augusto.
— Estava provocando você — assumiu.
— Eu sei.
— Mas não consegui, não é? Você é feito de quê? Nada te abala?
Colei meu corpo ao dela, puxando-a pela cintura. Dessa forma, nos
conduzi alguns passos até Alissa ficar de frente para a parede.
— Coloque as mãos na parede — ordenei.
Ela obedeceu rapidamente. Me abaixei para pegar o final do seu
vestido e o ergui, deixando-o se acumular acima de sua barriga. Ela se
inclinou antes mesmo que eu pedisse, sedenta, me dando a visão de uma
calcinha bem pequena que se enterrava em sua bunda. Passei os dedos na
pele macia antes de dar um tapa forte ali.
— Porra — reclamou.
— Você me abala — confessei, antes de dar outro tapa do mesmo lado
— você consegue me deixar maluco, Alissa — mais um tapa fez a minha
mão arder. — É irritante demais — bati do outro lado — e gosta de testar
minha paciência.
Me abaixei e lambi a pele quente, deixando um rastro de saliva esfriar
a temperatura.
— Do mesmo modo que me irrita, você me faz bem — beijei o outro
lado da sua bunda. — Entrar no olho do furacão é assustador.
Desci sua calcinha e a garota logo abriu as pernas. Minha mão
procurou sua entrada e ao enfiar meus dedos ali eu a senti úmida.
— Você gosta, não é? — Sua cabeça se moveu, assentindo — diga.
— Adoro.
Me inclinei e enfiei o meu rosto ali, lambendo o seu tesão. Alissa se
remexeu, rebolando em meu rosto quando eu me aprofundei com a língua.
Usei os dedos para manipular seu clitóris e os lábios para beijar sua boceta,
ouvindo seus gemidos de aprovação.
Fiquei de pé, ansioso para me enfiar entre suas pernas, mas então me
lembrei de um detalhe.
— Está confortável?
— Sim — confirmou.
— Eu vou te foder agora, nessa posição, se não quiser me diga.
— Estou bem, me fode logo.
Libertei o meu pau rapidamente e o guei até sua entrada escorregadia.
A boceta dela me recebeu bem e eu deslizei para dentro com facilidade.
Gemi, sentindo sua carne me apertar e a vontade louca de me perder
rapidamente.
Com as mãos na parede e se empinando para mim, Alissa recebeu
estocadas firmes e gemeu em cada uma delas. Ouvi-la gemer era um dos
meus sons preferidos. Eu gozei ali antes dela, deixando minha irritação se
esvair.
Eu a levei para a cama depois e me dediquei a fazer seu corpo
estremecer.
*
Era fim de tarde quando passei pela porta da sala e fui recepcionado
com a visão que deixava o meu coração quentinho de tanto amor. A cena do
Apolo brincando na sala de estar era habitual, pois sempre que chegava do
trabalho o encontrava ali entre seus brinquedos. Todas as vezes eu era
dominado por uma sensação de amor tão gigante que fazia meu sorriso se
ampliar e meus olhos brilharem de emoção.
Como se soubesse que eu estava ali o observando, ele ergueu a cabeça
e virou em minha direção. Abriu um sorriso tão gigante quanto o meu e
correu para os meus braços. Beijei o topo da sua cabeça, inspirando seu
cheiro e o coloquei de volta ao chão.
— Papai, você me ajuda a fazer um castelo bem grandão? — Abriu o
máximo que conseguiu seus pequenos braços infantis para demonstrar o
tamanho do castelo que estava construindo.
— Vamos construir um castelo tão grande quanto o amor que o papai
tem por você.
— Vai ser bem gigante, né? — Os olhos cor de avelã cintilaram.
— O maior de todos — sorri.
Retirei o paletó e me sentei no chão ao seu lado para construir o
castelo. A cada bloquinho de madeira que empilhávamos, Apolo batia palmas
animado e sorria, maravilhado com o que estava sendo feito.
— Senhor Luiz Henrique... — Glória se aproximou.
— Papai está me ajudando a fazer um castelo bem grandão — meu
filho avisou.
— Está ficando mesmo grande — Glória sorriu e voltou-se para mim
— tem uma pessoa procurando o senhor lá fora.
— Não estou esperando visita, dispense.
Glória me olhou como se quisesse dizer mais alguma coisa, mas
estivesse com receio de falar. Seu olhar seguiu de Apolo até mim e
compreendi que era um assunto que não queria abordar na frente da criança.
— Continuei montando que o papai volta em um instante.
— Eu posso ir te ajudando, Apolo? — A babá que estava no ambiente
indagou, assumindo a minha função.
— O que está acontecendo Glória? — Indaguei quando estávamos
longe dos ouvidos do Apolo.
— A senhora Alissa está aí na porta — a menção ao seu nome fez meu
corpo ficar tenso — e ela está acompanhada de um homem que diz ser o pai
do Apolo.
O choque da revelação me paralisou, passou alguns segundos até que
eu conseguisse balbuciar as palavras.
— É um engano...
— Eu sei, senhor. Informei que o senhor é o pai do Apolo e pedi que
fossem embora, mas ele ameaçou chamar a polícia.
Meus olhos seguiram até o meu filho que continuava brincando
completamente inerte ao mundo que parecia ruir ao meu redor.
— Resolverei isso agora, obrigado — A afirmação saiu mais fraca do
que eu gostaria.
Voltei ao lado do meu filho e o surpreendi com um abraço apertado,
envolvendo-o completamente em meus braços, como se eu fosse um escudo
de proteção.
— Ai papai, assim você me machuca — reclamou, então diminuí a
intensidade do abraço, mas o mantive ali junto ao meu corpo
— Papai ama muito você! — Senti as lágrimas se acumularem e
pisquei para afastá-las.
— Eu também te amo, papai.
— Agora você vai acompanhar a babá enquanto papai conversar com
uns amigos, tudo bem?
— E nosso castelo?
— Retomaremos depois. — Ele assentiu.
— Que tal a gente assistir um filme? — A babá sugeriu.
— Vai ter pipoca?
— Sim, vou preparar um balde bem grande de pipoca para vocês — foi
Glória quem afirmou e ele sorriu. Antes de se encaminhar junto a babá para a
sala de TV.
Inspirei fundo e segui para resolver o problema.
Seis anos atrás foi a última vez que nos vimos, seis anos marcavam o
fim do nosso acordo e o início dos melhores dias da minha vida.
— O que você está fazendo aqui? — Perguntei ríspido para Alissa.
— Você sabe, estamos aqui pelo Apolo — foi o homem que estava ao
seu lado quem respondeu.
— E quem é você?
— Sou o verdadeiro pai do Apolo.
— Apolo só tem um pai e ele está bem aqui a sua frente. — Sentenciei.
— Por que a gente não resolve isso com calma? — Alissa sugeriu.
— Não há o que resolver — rebati.
— Qual é coroa, você não vai querer embaçar, vai? — O sujeito sorriu,
exibindo dentes amarelados. — Você dá a criança pra gente e fica tudo suave.
— Meu filho não vai a lugar nenhum.
— Eu sou a mãe.
— E eu o pai! — Contra-argumentei.
— O pai sou eu seu babaca — o homem insistiu.
— Não é o que diz a certidão de nascimento!
Apolo era meu filho, estava registrado no documento oficial, ninguém
mudaria isso.
— O teste de DNA diz justamente o contrário, coroa.
— Tínhamos um acordo, Alissa — lembrei.
— Eu era muito jovem quando aceitei o seu acordo.
— Você não tem esse direito — avisei — não tantos anos depois.
— Eu sou grata a tudo que fez pelo Apolo, mas ele merece saber a
verdade sobre o seu pai.
— Eu sou o pai dele! — Gritei, completamente fora de mim.
— Eu estou com a decisão judicial e vou levar o Apolo com a gente.
— Apolo não sairá dessa casa! — Rosnei — meu filho não será
retirado de mim, não enquanto eu respirar.
A sirene característica de uma viatura antecipou a sua chegada, dois
policiais armados desceram e marcharam em minha direção.
— Eu sinto muito Luiz... — Alissa falou quando o maior dos homens,
me algemou e puxou para o lado para que a entrada à residência fosse
liberada.
Alissa e o seu parceiro, acompanhada do outro policial invadiram a
minha casa sob os meus gritos de protesto.
— Você precisa me soltar — supliquei ao policial — eles querem levar
o meu filho.
— Estou apenas cumprindo ordens, senhor — o homem me obrigou a
me movimentar, andando em direção a viatura policial.
De dentro do carro, vi o momento que meu filho saiu de casa de mãos
dadas com Alissa, ele parecia assustado. Seus olhos vasculharam o ambiente
como se estivesse procurando por alguém, pelo seu verdadeiro pai.
— Filho! — Gritei a plenos pulmões.
— Pai! — Apolo soltou a mão dela, e correu em minha direção, mas
não chegou a ir muito longe, braços fortes o seguraram.
— Eu sou o seu pai — O homem o deteve e meu filho se debateu em
seus braços— Eu que sou seu pai, garoto! Estamos entendidos?
Meu filho balançou a cabeça assustado, assentindo e naquele momento
tive a certeza de que meu coração se partiu de um jeito que não dava para
consertar.
Acordei com o corpo suado e o coração disparado, olhando ao redor
em busca do meu filho, mas tudo que encontrei foi o corpo de Alissa
repousando na cama. Sua barriga exposta me dava a certeza de que aquilo
tinha sido um pesadelo.
Era o meu pior pesadelo tomando forma.
Apolo crescia saudável e a minha relação com o Luiz Henrique tinha
passado para uma nova fase, nem parecia que tínhamos um acordo. As coisas
tinham começado a mudar na nossa viagem e de lá para cá nos tornamos mais
íntimos. Uma intimidade que extrapolava a cama. Depois que assumi o meu
ciúme e que a Pâmela me deu uma aula sobre maturidade, me senti muito
mais tranquila em relação ao futuro.
A boba apaixonada aqui já se permitia fazer planos para o futuro e
neles a gente construiria uma linda família. Pediria a Glória ou a Edileusa que
me ensinasse sobre os talheres, copos e todas as outras regras de etiqueta e
até a fazer alguma faculdade eu estava pensando. Queria me tornar uma
pessoa que ele se orgulhasse em ter ao seu lado.
Aquele homem me fazia muito bem e eu queria continuar assim por
muito tempo. Mas uma chuva de notificações inesperadas chegou como uma
ameaça nada sutil aos meus planos. Olhei diversas vezes para o celular em
mãos, querendo que fosse fruto da minha imaginação, mas não era. Minhas
fotos, das mais antigas até as atuais, foram sendo curtidas à medida que uma
sensação ruim, como um azar, fazia eu me arrepiar.
Cliquei no responsável pelas curtidas e quase deixei o celular cair da
minha mão quando reconheci o homem através da foto do perfil. Era o
mesmo homem que conheci no Tinder.
— Matheus? — Verbalizei confusa.
Mas não era esse nome que aparecia ao lado da sua foto.
Agnaldo? Como assim? Deve ser um grande mal-entendido, alguém
pode ter pego a sua foto...
Desci a tela em busca dessas respostas, mas o que encontrei foi mais
fotos do homem que eu chamava de Matheus e a menos que ele tivesse um
irmão gêmeo idêntico, ele era o mesmo homem com quem eu transei na
praia. O mesmo canalha que desapareceu antes que eu pudesse contar que
estava esperando um filho seu.
A ideia de que o Matheus fosse um fake já havia passado pela minha
cabeça, mas constatar que era verdade, que ele mentiu o tempo todo fez com
que eu sentisse raiva e temor. Que tipo de pessoa criava um perfil falso no
aplicativo de relacionamento, desaparecia sem deixar nenhum rastro e depois
voltava como se nada tivesse acontecido?
Meu coração batia rapidamente e as minhas mãos suavam enquanto eu
tentava encaixar as peças de um quebra-cabeça bem confuso.
O modo como ele retornou não foi discreto, ele poderia apenas ter me
seguido e enviado mensagem, mas ele quis fazer questão de ser percebido, a
julgar pelas dezenas de foto curtidas sequencialmente. O follow veio em
seguida, acompanhado por uma mensagem no direct.
Encarei a solicitação pensando se deveria ignorá-lo como ele fez
comigo, mas a raiva me dominou. Ele precisava ouvir meus xingamentos e
toda a lista de desaforos que eu guardei em mim por esses meses. Por isso,
aceitei a solicitação de contato e a mensagem que encontrei fez meu sangue
esquentar. Nesse momento eu seria capaz de entrar em combustão tamanha
irritação que fervia em meu corpo.
Mais de 5 meses!
Digitei com os dedos trêmulos. Cinco meses marcavam o início da
mudança radical em minha vida.
Eu contei os dias sim, mas foi para ter a oportunidade de te dizer que você
não passa de um grande BABACA DO CARALHO!
Perguntei irritada:
NOME?
Será que pode ao menos dizer a merda de um nome?
Excluiu a conta no Tinder com medo que eu descobrisse que Matheus era
uma farsa?
Mas é a mais pura verdade. Antes de encontrar você, tinha saído com
outra garota na semana anterior, não sei como, mas ela achou o meu
perfil no Instagram e surtou. Tentei explicar, mas ela não estava disposta
a me ouvir, disse que iria denunciar a minha conta na plataforma até ser
banida. E parece que conseguiu...
Isso importa? Durante vários meses você não demonstrou nenhum sinal de
arrependimento.
É aí que você se engana. Depois que a conta foi deletada, perdi qualquer
meio de contato de te encontrar. O único contato que eu tinha seu era
pelo Tinder, não sabia como te achar, até fui algumas vezes na frente da
sua escola, mas não te achei.
Eu sei que você deve me odiar nesse momento, mas eu queria ter uma
chance de consertar o que aconteceu. Por que a gente não marca de se
encontrar para conversarmos pessoalmente?
Por que eu iria querer encontrar você depois de descobrir as suas
mentiras?
Porque, no fundo, você sabe que não foi uma completa mentira.
Sabe que não sou um homem ruim...
Eu não sei nada a seu respeito. Tudo que eu sei é que ficamos uma vez e
que depois você evaporou sem deixar rastros.
Uma parte minha não se importava mais pelo motivo que ele tinha
desaparecido, a outra queria ouvir as suas explicações, queria saber que não
fui enganada, que ele não me usou e desapareceu. Ele deve ter notado a
minha hesitação, pois enviou outra mensagem.
Não sei.
A única coisa que eu vou ter que resistir quando estiver na sua frente de
novo é a minha vontade de cravar as unhas no seu rosto.
Acho que vale a pena ser arranhado pela gata selvagem. Até breve,
Alissa.
Deixei meu corpo cair contra o colchão e fechei os olhos. Por que as
coisas estavam prestes a se complicar agora que tudo estava se acertando?
Se o que Matheus/Agnaldo contou fosse verdade, significava que eu
poderia ter tido mais opções e não aceitado a primeira mão estendida. Talvez
ele fosse um homem íntegro, como o Luiz Henrique, e assumiria a
paternidade. Então, tudo seria diferente, era a mão dele que me ofereceria
ajuda. Essa opção teria me poupado de tanto sofrimento, mas também
significaria a exclusão da possibilidade do Luiz em minha vida. E isso fazia
meu coração doer, porque dentre tantas decisões erradas que eu já tomei,
torná-lo pai do meu filho foi o meu maior acerto.
Eu não duvidada em nenhum momento do amor que ele nutria pelo
Apolo, estava evidenciado em seu olhar, nas suas palavras, no carinho e
respeito que ele me tratava como mãe do seu filho. Mas será que um dia
metade desse amor seria destinado a mim? Será que depois do fim do nosso
acordo a nossa relação mudaria de status e passaríamos a ser um casal
apaixonado cuidando do nosso bebê?
Em um universo paralelo, talvez Matheus e eu fossemos um casal
apaixonado esperando pelo nascimento do primogênito. Será que Matheus o
amaria desde o instante que descobrisse a sua existência? Será que ele seria
um pai amoroso que não sentiria vergonha em conversar com o bebê na
barriga? Como seria a nossa relação como casal? Será que ele ainda iria me
desejar com as mudanças em meu corpo e as alterações de humor que às
vezes me fazem parecer uma gata no cio e em outra uma gata que só quer
carinho e dormir?
Mas a minha realidade atual era boa e não havia outro universo em que
eu gostaria de viver se não fosse ao lado de Luiz Henrique. Sim, passaria por
tudo novamente desde que ele estivesse me aguardando no fim do trajeto. Ele
fazia valer a pena os caminhos tortuosos. Estava apaixonada e era com ele
que eu gostaria de estar em qualquer momento da minha vida. Eu só esperava
que desse tudo certo depois que o bebê nascesse.
*
Não consegui ir à escola naquela tarde, porque sabia que se visse
Tamires cuspiria toda a história para ela e isso não dava para fazer. Além
disso, não tinha a menor condição de prestar atenção em qualquer coisa, por
isso passei a tarde inteira trancada no quarto.
À noite, Luiz Henrique enviou mensagem avisando que eu não o
esperasse para jantar, ficaria no trabalho até tarde e eu agradeci mentalmente
por isso. Estava cansada e lidando com retorno do Matheus (que eu nunca
conseguiria chamar de Agnaldo). Eu temia que Luiz percebesse que algo
havia acontecido quando colocasse os olhos em mim porque ele parecia ter o
poder de ler os meus pensamentos e naquele momento eu não queria que
tivesse acesso a eles.
O tal do Agnaldo não tinha mais importância na minha vida e não tinha
sentido trazê-lo para nossa relação. Eu seguiria como se ele jamais tivesse
aparecido, seria melhor para todos nós.
Acordei enjoada e com dor de cabeça. A ausência da refeição deveria
ser a causa disso, ontem enquanto eu estava perdida em meus pensamentos
acabei adormecendo sem jantar. Para evitar que o mal-estar aumentasse, desci
para buscar algo para comer e para minha surpresa encontrei Luiz sentado à
mesa.
— Bom dia. — A voz dele comprovou que eu não estava sonhando.
— Bom dia — disse com a voz ainda sonolenta. — Que horas são? —
Perguntei surpresa com o fato de encontrá-lo no café da manhã.
— Seis horas e trinta minutos — disse após consultar o relógio de
pulso. — O que faz acordada tão cedo?
— Acordei com o barulho do meu estômago — sorri.
— Não comeu ontem à noite?
Essa era uma pergunta para a qual ele já deveria ter a resposta. Magda
ou Glória devem ter dito que não desci para o jantar.
— Não, me deitei para tirar um cochilo e apaguei. — Peguei o pão jacó
e comecei a cortá-lo.
— Está tudo bem, Alissa? — Ele me olhou com atenção.
— Por que não estaria? — Desconversei.
— Você parece preocupada.
— Eu estou bem, apenas acordei um pouco enjoada, mas assim que
comer deve passar — acrescentei uma fatia de muçarela e outra de presunto
ao pão.
— Tem certeza? Você pode falar comigo — Ele me lançou um olhar
demorado como se esperasse que eu compartilhasse algo. — Sobre qualquer
coisa, Alissa.
Esse deveria ser o momento que eu contava que o infeliz havia me
procurado? Isso só traria preocupação desnecessária a ele, além do mais não
sei como Luiz reagiria com a notícia de que o pai do bebê estava de volta.
— Luiz Henrique...
— Sim?
O retorno dele não havia alterado em nada os nossos planos, o meu
filho já tinha um pai e ele estava bem na minha frente, todo gostoso usando
um terno cinza. Certa de que estava tomando a melhor decisão, omiti a
informação.
— Você me passa o creme de avelã, por favor? Pode me julgar, mas
me deu uma vontade maluca de acrescentar Nutella ao pão. Deve ser isso que
chamam de desejo de grávida, né? — Sorri.
O olhar que ele me direcionou não foi de julgamento, mas também não
parecia ser de aprovação. Mas eu tinha licença para comer assim, estava
grávida. Alguns segundos se passaram até que ele atendesse o meu pedido.
— Não me espere para jantar, não tenho hora para retornar — anunciou
e se levantou, deixando a fatia de melão no seu prato intocada.
Enquanto assistia ele caminhar a passo firmes em direção contrária
mordisquei o pão e aprovei o novo sabor criado pela mistura.
*
O até breve do “Matheus” chegou mais rápido do que eu esperava.
Assim que retornei ao quarto após o café da manhã havia uma mensagem sua
aguardando ser lida. Não cliquei na mensagem de imediato, segui para o
banheiro e tomei um banho demorado, lavei os cabelos e os hidratei. Depois
usei a esponja para espalhar o sabonete por meu corpo. Ao término do banho,
apliquei óleo de amêndoas na minha barriga, em movimentos circulares.
Havia lido que o óleo ajudava a evitar as estrias comuns na gravidez,
por isso passei a usar desde que a minha barriga ficou grandinha. Era uma
bobagem eu sabia, mas meu corpo não tinha nenhuma estria, então não
custava nada tentar evitar seu aparecimento.
Somente depois do ritual completo, peguei o Iphone para conferir a
mensagem que ele havia enviado.
Sonhou comigo?
Que horas vamos nos ver, Alissa?
Decidi por um ponto final na nossa conversa, por isso fui direto ao
assunto.
Como a sua mensagem era de quase uma hora atrás, imaginei que ele
demorasse a responder, assim como fiz. Mas sua resposta foi imediata, como
se ele estivesse esperando por mim.
Por quê?
Achei que depois de ontem você tinha compreendido que tudo não
passou de um mal-entendido...
Será?
Estou com outra pessoa, não quero estragar as coisas com ela.
A pergunta fez com que todo o meu corpo ficasse em alerta. Mais que
isso, senti uma onda de calor e uma leve pressão no pé da barriga e,
instintivamente a toquei, queria transmitir a Apolo que ele estava seguro.
Ele é uma figura importante, talvez não fique feliz em saber que pode
assumir um filho de outro homem.
Você sabia que tem teste de paternidade que faz com a criança ainda no
útero? Deve ser caro, mas o Luiz Henrique tem dinheiro, né?
Mais de 5 meses!
Ao ler que o ex propunha uma família e que desejava o meu filho, ela
aceitou encontrá-lo e questionou onde ele estava. Alissa aceitou dele o que
achou que eu não podia dar e por mais que eu pudesse tentar enxergar o lado
dela, me sentia tão enfurecido que não conseguia enxergar nada além da
traição.
E a cada segundo que passava era como se a faca invisível se cravasse
um pouco mais dentro do meu peito. Doeu porque eu baixei a guarda.
Machucou porque eu acreditei que ela pudesse ter se apaixonado mesmo.
As cenas que se sucederam pareciam um plágio de um passado não
muito distante. Alissa buscou negar os fatos e apelou para o filho. O
problema era que enquanto eu achava que ela estava encenando, ela estava
realmente passando mal.
E foi vendo-a prostrada ali, com a mão na barriga e o rosto se
contorcendo de dor que a minha raiva deu lugar à preocupação. Achei que
não era possível, mas naquele segundo eu me sentia pior do que antes.
— O que você está sentindo? — Perguntei, junto a ela.
— Eu não estou mentindo — Balbuciou, e fechou os olhos como se
falar fosse um grande esforço.
— Alissa, o que você está sentindo? — Repeti a pergunta. Seus lábios
se abriram como se fosse responder a minha pergunta, mas nenhum som saiu,
as pálpebras voltaram a fechar. Sentindo que ela ia desmaiar, passei os braços
em volta de suas pernas e a segurei — Alissa! — Chamei, mas não houve
mais nenhuma resposta.
Eu nunca tive tanto medo na minha vida como sentia naquele
momento, Alissa fez o trajeto até o hospital, oscilando entre estados de
consciência e inconsciência, quando conseguia se manter acordada por mais
de um minuto, ela suplicava que eu não deixasse nada de ruim acontecer com
o bebê e eu respondia assegurando que tudo ficaria bem.
Quando chegamos ao hospital e Alissa seguiu sozinha para receber os
cuidados médicos, eu passei a me questionar sobre a minha última promessa.
Faria tudo que estivesse em meu alcance, mas e se não fosse o suficiente? E
se eu falhasse na promessa de cuidar do Apolo, promessa essa que fiz quando
estávamos em cima do viaduto?
A sala de espera da urgência obstetrícia de repente se tornou o
ambiente ideal para recorrer ao Todo Poderoso. Não sabia se Ele escutaria as
preces de um homem pecador, mas certamente Ele teria benevolência de um
pai desesperado.
*
No auge dos meus privilégios, como homem rico que era, estava
acostumado a conseguir o que eu queria quase sempre de forma imediata. E
quando isso não era possível era atendido no menor tempo hábil. Contudo, na
sala de espera da urgência não somente as minhas vontades eram colocadas
em segundo plano, como também era necessário exercer a paciência. Todas
as vezes que recorri à recepção em busca de notícias da Alissa, a resposta era
sempre a mesma: o boletim médico ainda não foi disponibilizado. Impaciente
e frustrado eu retornava à poltrona acompanhado pelos meus temores.
Apolo estava em risco. Nenhum médico precisava me dizer isso, era
notório que a mão sobre a barriga e as interjeições de dor indicavam que algo
de errado estava acontecendo com o meu filho. E a cada tempo que seguia
sem qualquer notícia deles a sensação de que meu filho estava em perigo se
intensificava. Então, de cabeça baixa e olhos fechados, eu pedia em uma
prece que ele ficasse bem.
— Senhor Luiz Henrique? — Ergui a cabeça em busca de quem
chamava meu nome.
— Sim, sou eu.
— Vim trazer o boletim médico da senhora Alissa do Santos. — Meu
coração bateu mais rápido nesse momento. — Ela entrou em trabalho de
parto prematuramente, dando entrada com dilatação de um centímetro e
contrações em curtos intervalos de tempo. Além disso, também foi observado
o quadro de hipertensão arterial. O quadro clínico é estável, nós conseguimos
estabilizar a pressão arterial e diminuir as contrações. Para isso, estamos
administrando medicamentos específicos para retardar o trabalho de parto,
eles agem como dessensibilizadores do útero, diminuindo as contrações até
cessá-las.
— Qual a eficácia desse tipo de tratamento? Há algum outro método
que possa ser utilizado? Quais os riscos para Alissa e o bebê?
— Eu imagino como deve ser angustiante para o senhor, mas a sua
esposa e o bebê estão nas mãos dos melhores profissionais — assegurou.
— E se não for o suficiente? — Essa era uma pergunta que doía apenas
o simples fato de executá-la.
— Então, o trabalho de parto seguirá o seu curso — foi sua resposta
curta. — Ainda é muito cedo para fazer qualquer prognóstico. O senhor
gostaria de vê-la? É provável que ela esteja sonolenta ou mesmo adormecida
devido ao efeito sedativo de algumas medicações utilizadas.
Assenti e segui a mulher que me guiou até onde Alissa estava. Assim
que entrei no quarto, meus olhos a identificaram e as minhas resoluções e
determinações de me manter longe dela foram deixadas de lado. Ela parecia
tão pequena e frágil na cama do hospital. O meu anseio verdadeiro era
aninhar meu corpo ao seu e tomá-la em meus braços, abraçá-la até que tudo
isso se tornasse apenas uma dolorosa lembrança.
Com passos lentos e pisadas leves, me aproximei da cama até estar a
um braço esticado dela de tocá-la. Mas não a toquei. Mantive meus braços
rentes ao corpo para não ceder à tentação. Eu não poderia deixar que um
momento de vulnerabilidade comandasse as minhas ações, a fragilidade da
situação já tinha me feito ceder.
Quando Alissa entrou no quarto do hotel em busca do pai biológico do
seu filho, eu já tinha tomado uma decisão: adiantaria a casa que me pediu
para que ela vivesse até Apolo nascer. Não queria manter nenhum contato
que não fosse relacionado ao meu filho e para isso era necessário que nos
mantivéssemos distantes. Mas diante da gravidade da possibilidade do parto
prematuro, os meus planos precisariam ser refeitos, não poderia tirá-la da
minha casa até que a sua saúde estivesse restabelecida.
A Alissa que estava dormindo serenamente parecia a mesma pela qual
eu me apaixonei. A mesma mulher que trouxe mais leveza aos meus dias e
proporcionou a concretização do meu maior sonho. Por um breve segundo,
desejei me apegar a isso, me manter preso à ilusão de que ela seria uma
companheira leal e que poderíamos formar a família que eu sempre sonhei.
Eu desejava isso e o faria se ela tivesse “sido aprovada” no teste do pai
biológico. Mas ela não tinha sido, tinha provado que minha desconfiança era
plausível e que tinha sido um erro me envolver.
A confiança era como um cristal que, quando quebrado, não voltava ao
seu formato original. Você poderia até juntar todas os pedaços e tentar colá-
los, mas ele não voltaria à sua forma. Eu não podia confiar em alguém que
disse sim a oferta de construir uma família com outra pessoa.
Cogitava a hipótese de oferecer mais do que o meu dinheiro, apoio e
sexo a Alissa. Estava me preparando para entregar o meu coração, permitindo
que ela fizesse morada nele, não mais como uma inquilina, mas como
proprietária.
Mas antes que eu me sentisse pronto para esse passo, tudo foi desfeito.
Não havia mais como cogitar um nós, não tinha como imaginar um futuro
quando eu nunca fui verdadeiramente a opção. Foi inevitável estabelecer
comparações.
Eu seria um substituto razoável para o pai biológico, mas nunca seria o
pai verdadeiro.
E isso era a causa do meu tormento atual, eu não estava ali para exercer
o papel de pai substituto, estava ali para ser o único pai. Eu me considerava
pai do Apolo, ainda que a incompatibilidade genética indicasse o contrário,
ele era o meu filho. O filho pelo qual ansiei a vida inteira. Ele já era o alvo do
meu amor, um amor inexplicável e incondicional.
Reduziria minha carga de trabalho ao máximo para que meu filho
pudesse ter um pai presente em sua vida, um pai que não recuasse em brincar
ao fim do dia porque estava exaurido demais, um pai que não o veria como
um empecilho em sua vida e muito menos delegaria sua função paterna a uma
babá ou a terceiros. A paternidade estava me tornando menos egoísta, eu
tinha alguém que fazia constantemente que eu me colocasse em segundo
lugar. E era isso que eu estava fazendo agora: deixando as minhas dores de
lado para me concentrar nele. As minhas diferenças com Alissa seriam postas
de lado visando unicamente o bem-estar do meu filho. Ele era a razão de
tudo.
— Está tudo bem agora — disse em voz alta — papai está aqui com
você!
Pousei a mão sobre a barriga para que ele sentisse que eu estava ali.
*
— Luiz Henrique... — Escutei meu nome sendo chamado a distância
— Luiz Henrique! — Repetiu, as minhas pálpebras se abriram e fixaram em
Alissa chorando.
Antes que eu pudesse perguntar o motivo das suas lágrimas, observei a
mancha vermelha de sangue nos lençóis brancos.
— Estou perdendo nosso filho — ela disse em total desespero.
— Socorro, eu preciso de alguém aqui! — Gritei ao mesmo tempo que
apertei o botão para acionar a sua presença. — Vai ficar tudo bem — toquei
seu rosto com ternura.
— Você promete? — Questionou, apertando os dedos contra os meus.
— Promete que tudo vai ficar bem?
Antes que a minha promessa fosse feita, a equipe médica invadiu o
quarto, e eu fui afastado de Alissa e conduzido para fora do quarto contra a
minha vontade. Do lado de fora, no corredor, caminhei de um lado para o
outro, querendo saber o que estava acontecendo lá dentro. Então, a porta foi
aberta e Alissa surgiu em cima de uma maca.
— Para onde ela está sendo levada? — Questionei, colocando-me ao
lado de Alissa.
A mão dela buscou a minha e entrelacei nossos dedos. Seus olhos
estavam arregalados e os lábios brancos em sinal de puro medo.
— Centro cirúrgico, o parto precisa ser realizado imediatamente! — A
mulher de olhos cor de chocolate falou rapidamente, antes de voltar a
empurrar a maca.
A acompanhei de mãos dadas com Alissa.
— O senhor fica aqui! — A enfermeira disse quando paramos diante
das portas duplas.
— Eu quero acompanhar o parto. — Informei.
— No momento oportuno alguém virá falar com o senhor, mas a sua
entrada não é autorizada a partir daqui — disse em um tom firme que não
permitia discussões.
— Alissa vai ficar tudo bem, sabe por que tenho certeza disso? Porque
Apolo é forte como a mãe dele — ela sorriu enquanto as lágrimas rolavam
pelo seu rosto. — Logo estarei lá dentro com vocês. — Beijei a testa de
Alissa e fiquei ali parado assistindo a maca ser colocada em movimento e
desaparecer pelo extenso corredor.
Algum tempo depois minha entrada foi autorizada no centro cirúrgico e
ali pude assistir ao momento pelo qual esperei por toda a minha vida. A
médica ergueu Apolo, ele era tão pequeno que cabia em apenas uma das
mãos, observei a sua pele bem fininha como se ele fosse feito de um material
transparente, os dedinhos magros e a cabeça com fios escuros. As minhas
lágrimas nublavam a minha visão enquanto eu tentava registrar cada parte do
meu filho.
— Ele não chorou... — Alissa choramingou.
A minha pouca experiência por bebê não me dizia muito, mas eu tinha
lido em algum lugar que nem todo bebê chora ao nascer. Meus olhos
encontraram o da médica em busca de explicação, mas ela simplesmente
moveu a cabeça de um lado para o outro.
— Eu sinto muito... — A mulher informou com pesar e o meu grito de
dor ecoou alto enquanto eu sentia meu coração ser dilacerado.
— Não! — Despertei com o coração acelerado e respiração ofegante.
Demorei alguns segundos até perceber que tudo não passou de um
sonho aterrorizante. Me levantei da poltrona na qual havia adormecido para
comprovar que não havia nenhuma mancha de sangue entre os lençóis de
Alissa. Ela permanecia dormindo profundamente. Eu deveria tentar fazer o
mesmo, me sentia exausto, mas não queria fechar os olhos e ser levado mais
uma vez para os sonhos tenebrosos. Por isso, permaneci de olhos abertos
vigiando o sono de Alissa.
Quando o relógio marcou às quatro e quarenta da manhã, Alissa ainda
dormia serenamente, não acordou em nenhum momento durante a noite
muito menos manifestou algum sinal de dor. Ciente da sua estabilidade,
decidi ir embora. Eu precisava de um banho e algumas horas de sono, antes
de seguir para a JAG. Retornaria mais tarde para visitá-la e conversar com a
médica.
*
As minhas preocupações seguiram até o meu quarto, apesar de estar
cansado, não consegui pegar no sono, pensava constantemente se Alissa
estava bem. E ainda que eu soubesse que seria informado imediatamente
sobre qualquer intercorrência, meu corpo permanecia vigilante. Eu poderia
me dar o luxo de cancelar os meus compromissos da manhã e permanecer
mais algumas horas na cama, mas precisava manter a minha cabeça no lugar
e o trabalho tinha essa função.
Pela primeira vez, em muito tempo, ao fechar a porta do meu escritório
minhas preocupações não ficaram de fora. Elas entraram comigo e ocuparam
um lugar na cadeira a minha frente. Tive dificuldade em me concentrar,
estava disperso, fingindo que estava prestando atenção às conversas e nos
papéis. Era incomum para mim que isso acontecesse, então quando o meu
celular vibrou sobre o tampão de madeira eu agradeci por não ter que
continuar fingindo que estava trabalhando.
— Desculpe, preciso atender — me coloquei de pé e me afastei —
podem continuar sem mim. — Pâmela assentiu e retomou a apresentação.
Atendi a ligação no quarto toque.
— Eu sou Mariane Cordeiro, chefe da obstetrícia, estou ligando para
falar da senhora Alissa do Santos. O senhor está disponível no momento?
— Aconteceu alguma coisa? — Indaguei, aflito.
— Não, o quadro dela evoluiu satisfatoriamente. — Deixei o ar escapar
dos meus lábios em sinal de alívio. — Liguei para falar justamente sobre o
boletim médico dela: a pressão arterial segue normalizada e as contrações
cessaram.
— Isso significa que ela já pode voltar para casa?
— Por segurança, vamos manter Alissa no hospital por mais oito dias.
O quadro dela ainda exige cuidado e repouso absoluto. Ela não pode sair da
cama e deve ficar deitada preferencialmente do lado esquerdo, posição que
proporciona melhores condições de oxigenação para o bebê. Algumas
mulheres podem se levantar somente para tomar banho ou ir ao banheiro, mas
não é o caso da Alissa. Pelos próximos oito dias ela estará com sua
movimentação reduzida.
— Vou fazer com que ela siga as regras — prometi.
— A Zenaide já assumiu a sua função — a médica sorriu — às
dezesseis horas ligo para informar o novo boletim médico. Tenha um bom
dia.
— Obrigado.
Encerrei a ligação e ao invés de retornar à sala de reuniões, fiz o
caminho inverso, ao estacionamento. Irei visitar Alissa e conferir se essa tal
de Zenaide tinha o poder de fazer algo que nem eu conseguia.
No minuto em que eu observei o quarto já foi o suficiente para
constatar que Alissa estava tentando convencer a funcionária a levá-la para
tomar banho em uma cadeira de rodas. E na minha tentativa de dissuadi-la,
acabei dizendo o que não devia. No momento que as palavras saíram me
arrependi, sabendo que aquele não era o melhor momento para dizê-las.
E então, ela me expulsou.
Encarei a garota atrevida na minha frente que insistia em me desafiar e
agora resolvia me dar ordens. Mas aquele era um jogo que ela não sabia
jogar. Estava prestes a recordá-la do seu papel quando meus olhos fixaram
em sua barriga e Apolo me enviou um lembrete de que isso teria que ser
adiado.
Frustrado e irritado saí pisando firme do quarto enquanto pensava em
meios de reverter a situação. Se ela achava que me manteria longe dali por
muito tempo estava bem enganada.
*
Eu não podia colocar meu filho em risco.
E, por isso, não podia contrariar a vontade de Alissa naquele momento.
Depois de conversar com a médica e sondar a enfermeira, soube que só tinha
uma coisa a fazer: me aproveitar dos seus momentos de sono.
Eu blefei quando disse que proibiria a visita do Luiz Henrique e a
julgar pela sua ausência no dia seguinte ele tinha caído no meu blefe. Todo o
resto era verdade, não queria que ele viesse até aqui para me acusar de
colocar o Apolo em risco, se era para apontar dedos não era direcionados a
mim que eles estariam, mas nele. Foi ele quem criou toda uma rede de
mentiras e me capturou.
As lágrimas em meus olhos se acumularam quando a lembrança de que
Luiz Henrique havia arquitetado tudo para me enganar ressurgiu. Os últimos
acontecimentos fizeram, de algum modo, como que eu não tivesse tido tempo
para pensar no que ele tinha feito, pois toda a minha atenção estava voltada
para Apolo. Mas agora que o pior parecia ter desaparecido, eu fui tomada por
uma sequência de lembranças que me levaram até o quarto do hotel.
Muitas perguntas se formavam em minha mente e eu não tinha
respostas para elas. Me questionava como e quando o Luiz Henrique
encontrou o Matheus, e por que escondeu isso de mim? E a mais grave de
todas: por que ele resolveu fingir que era o Matheus, qual a intenção por trás
disso? Cada vez que eu pensava mais confusa eu ficava, pois não conseguia
encontrar uma explicação lógica para nenhuma das suas ações.
Como se não bastasse ter mentido para mim, ele interpretou tudo
errado. Como ele pôde achar que aceitei encontrar o Matheus para falar sobre
o nosso acordo? Eu sequer havia contado a minha melhor amiga, não fazia
sentindo revelar para um homem que havia mentido para mim desde o início,
eu não confiava em alguém que criou um perfil falso no Tinder e desapareceu
sem deixar rastros. A minha única intenção em ter ido ao seu encontro foi
para mantê-lo afastado das nossas vidas.
Durante um tempo desejei ardentemente encontrar Matheus, queria
dividir o peso da gravidez não planejada, mas isso ficou para trás no exato
momento que Luiz Henrique entrou no meu caminho. Ele se ofereceu para
ser o pai do meu filho, prometeu cuidado, proteção e amor, como eu imaginei
que um pai de verdade faria. Só imaginei mesmo, nunca tive essa
representação na minha vida.
Antes mesmo do acordo ser assinado eu já o considerava o pai do meu
filho. E nada mudou desde então. Eu continuava acreditando e confiando que
ele seria o melhor pai que o Apolo poderia ter. E teria dito tudo isso a ele, se
ele tivesse me dado a oportunidade e não partisse para o ataque com
acusações que me magoaram profundamente.
Achei que ele fosse capaz de me enxergar de verdade e não como uma
mulher que queria apenas tirar dinheiro dele, como um dia seu pai me acusou
de ser. Ok, que o meu histórico poderia levar a crer que eu era esse tipo de
pessoa, afinal tínhamos um contrato em que eu cedia o meu filho para ser
beneficiada com uma boa quantia. Mas no fundo sempre foi muito mais do
que isso. Aceitaria que ele fosse o pai do meu filho ainda que ele não tivesse
me oferecido nada em troca.
Não mudaria uma linha do que me aconteceu, com medo de que as
novas linhas não o incluíssem, mas modificaria as minhas intenções. Quando
meus sentimentos mudaram não deveria ter suprimido a vontade de dizer que
queria mais do que tê-lo como pai do Apolo, queria ele como meu
companheiro, formar uma família ao seu lado.
Uma lágrima rolou pelo meu rosto e me apressei em secá-la. A médica
disse que eu deveria evitar preocupações e discussões, pois isso não faria bem
ao meu estado e eu seguiria à risca suas orientações. Ele era a minha
prioridade.
Uma breve batida a porta antecedeu sua abertura e, instintivamente,
passei as mãos pelos cabelos, ciente de que pouco adiantaria, pois era
impossível ser manter apresentável quando você estava acamada.
Primeiro, eu vi a flor em um papel bonito e depois o sorriso amigável
da mãe do Luiz Henrique.
— Como você está, querida? — Perguntou, se aproximando do meu
leito.
— Bem melhor — sorri.
— Fico feliz em ouvir isso, trouxe isso para te animar — ela depositou
um arranjo elegante contendo uma flor que eu não sabia identificar, mas era
muito bonita de se observar com sua haste verde comprida que se curvava na
ponta abrigando quatro pequenos botões brancos que caíam feito cascata.
— Muito linda. Nunca ganhei flores na vida, obrigada. — Confessei.
— Vou puxar a orelha do Luiz Henrique quando encontrá-lo.
— Foi ele que pediu que a senhora viesse? — Tentei parecer menos
interessada.
— Não, ele nem deve saber que estou aqui. Vim assim que o Carlos me
contou o que tinha acontecido. Meu esposo está vindo logo atrás, ele ficou
estacionando o carro.
— Está tudo bem agora — falei para tranquilizá-la porque era evidente
que ela estava preocupada com o neto.
— Graças a Deus. Esses meninos dão cada susto na gente, esse é só o
começo.
— Aí filho, poupe a mamãe pelos próximos meses — brinquei,
sorrindo.
— Isso mesmo Apolo, deixe mainha de cabelo em pé quando nascer —
o avô do Apolo se juntou a nós. — Estão tratando você bem, Alissa? Está
precisando de alguma coisa?
— Está tudo bem, obrigada.
— Se você for como o Augusto deve estar contando os dias para a sua
alta — a mulher deu um tapinha no ombro do marido.
— Quem gosta de hospital é médico! — Ele rebateu me fazendo sorrir.
— O senhor tem razão. Eu não vejo a hora de voltar pra casa. —
Afirmei, mesmo sabendo que depois da alta eu não poderia continuar
evitando o Luiz Henrique.
A conversa seguiu agradável e leve, o senhor José Augusto me fez
gargalhar quando compartilhou sobre a vez que fugiu do hospital usando
apenas para o traje de internação, pois ele não concordava com a decisão do
médico em operar o seu joelho. O desfecho da fuga acabou no centro
cirúrgico, pois ele acabou deslocando o joelho enquanto tentava escapar, o
que só acentuou a necessidade da cirurgia. Luiza demonstrou-se preocupada
com a minha crise de riso, mas logo foi convencida pelo marido de que não
havia contraindicação para a felicidade.
— Alissa, vamos deixar você descansar. Tenha uma boa noite, querida.
— Luiza tocou a minha mão com carinho.
— Obrigada pela visita, vocês alegraram o meu dia.
— Qualquer coisa pode nos ligar a qualquer horário que estaremos
aqui.
— Agradeço, mas não precisam se preocupar, eu estou bem.
— Já já a Edileusa está por aqui, ela se ofereceu para passar a noite
com você para que o Luiz Henrique possa descansar.
— Não quero incomodar.
— Não é incômodo. Você faz parte da nossa família, Alissa. E na
nossa família cuidamos uns dos outros. — José Augusto afirmou.
Tal afirmação me levou às lágrimas. Saber que ele agora me
considerava parte da sua família tinha um impacto ainda maior nesse
momento, significava que eu era querida e amada. E ainda que eu soubesse
que perderia o posto de família após o nascimento do Apolo, eu me permiti
pensar que seria para sempre. Que a família Garcia seguiria sendo a minha
família, que me acolheu e me ensinou sobre o amor.
*
Edileusa passou a noite ao meu lado e eu me senti dividida entre a
gratidão e o constrangimento por estar incomodando. A mulher tão elegante
tinha que ficar naquele sofá cama, mas correu tudo bem. No dia seguinte,
pela manhã, recebi a visita de minha melhor amiga e tentei não chorar por
vontade de contar como tudo aconteceu. O dia passou sem o menor sinal do
Luiz, coisa que me deixou intrigada porque nunca achei que ele pudesse
seguir uma “ordem” minha.
Estava bem entediada de ficar imóvel naquela cama, quando a porta do
quarto se abriu. Uma mulher que nunca vi na vida entrou por ali, usando
calça jeans, camiseta preta e uma jaqueta jeans por cima.
— Alissa? — Assenti — meu nome é Wilma, fui contratada para ser
sua acompanhante.
Claro.
— Oi, Wilma, bem-vinda ao meu mundo tedioso — ela se aproximou
— aqui o barulho do corredor é o que tem de mais interessante. Não rola
fofocas ou gemidos de pessoas se pegando no quarto ao lado — lamentei.
— A senhora tem um ótimo senso de humor.
— Se me chamar de senhora está demitida — disse seriamente, mas
abri um sorriso no final — eu sou mais nova que você eu acho.
— Tudo bem, não posso contrariar a paciente — sorriu.
— Ótimo, então, por favor, me fale da sua vida e me distraia — pedi.
— Tenho 29 anos, dois filhos e moro com minha mãe — resumiu.
— Ah não, Wilma, eu quero detalhes — implorei — até os mais
sórdidos.
— Teremos algumas noites, Alissa, vou te contar tudo — piscou.
Bem, pelo menos agora eu tinha uma novela da vida real para
acompanhar.
*
Acho que já era a minha quinta ou sexta noite ali e não via a hora de ir
embora. Eu me senti sonolenta mais cedo do que o de costume e acabei
adormecendo por volta das oito da noite, talvez por isso eu tenha acordado de
madrugada. Não sabia se era isso mesmo ou a sensação de que tinha alguém
perto da minha cama que tinha me despertado.
Abri os olhos só um pouquinho, daquele jeito que a gente faz quando
não sabe se quer acordar ou voltar a dormir e entre os meus cílios ele se
materializou. Imaginei que estivesse sonhando, então não quis acordar para
que não sumisse. Talvez se eu voltasse a dormir o sonho se tornasse mais
erótico.
Então, o toque pareceu real de mais.
Mesmo de leve, com a ponta dos dedos apenas raspando suavemente,
eu o senti e então abri os olhos. Não era sonho porque ele não sumiu. Luiz
Henrique estava parado ao lado da minha cama de hospital com a mão
orbitando sobre minha barriga.
— Desculpe, não queria acordá-la, já estou de saída — se apressou em
dizer.
Mas eu segurei o seu pulso antes que se afastasse e coloquei sua mão
sobre minha barriga, permitindo que a tocasse de verdade.
Ele não disse nada, mas acariciou minha pele por cima da roupa de
hospital. Seus dedos enviaram um misto de carinho e arrepio por meu corpo e
eu o encarei enquanto ele olhava fixamente para o Apolo.
Como eu tinha sentido falta desse homem. A presença dele, por si só,
tornava tudo diferente naquele quarto.
— Está se sentindo bem? — Sua voz saiu emocionada.
— Sim, nós estamos bem — assegurei — não sabia da possibilidade de
visitas noturnas.
Ele não respondeu, para variar. Então, precisei insistir:
— Você veio todas as noites?
— Não podia ficar longe — sorriu, ainda sem me encarar — então
encontrei um jeito de não te perturbar com minha presença.
— Imaginei que não pudesse obedecer a qualquer tipo de ordem —
sorri — e estava certa, não era?
— Me desculpe pelo que disse aquele dia — se esforçou em dizer.
— Está desculpado.
O silêncio recaiu entre nós e só então eu percebi que a Wilma não
estava no quarto. Luiz tinha contratado alguém que facilitasse sua entrada
sem questionamentos como qualquer familiar faria, isso era a cara dele.
Mas ele não precisaria mais disso.
— Suas visitas estão liberadas — anunciei, com um sorriso.
E só então ele olhou para mim de verdade, pousando seus olhos sobre o
meu rosto. E assim, cara a cara, notei o quanto Luiz Henrique estava abatido,
com olheiras e o rosto cansado. Naquele segundo eu lamentei que estivesse
sofrendo, mesmo sabendo que eu mesma também sofria. Meu coração se
apertou por imaginar suas noites sem dormir direito e seus dias repletos de
trabalho e por sua dor real ao acreditar que eu seria capaz de tirar o que mais
queria.
— Falta pouco para você ter alta — comentou — e eu acho que sua
cama é mais confortável que essa, então dormirá melhor.
Era estranho não sabermos o que conversar, ele estava comentando
sobre a maciez da minha cama? Pelo amor de Deus.
— Estou com saudades — confessei porque era a mais pura verdade.
— Eu... — Luiz desviou o olhar — preciso ir para você descansar.
Imaginei que ele não fosse responder “eu também”, mas não que sairia
correndo dali. O pouco que tínhamos estava arruinado.
— Boa noite, Luiz Henrique — me despedi quando ele se afastou.
*
Quando a doutora Mariane me deu alta eu achei que estaria livre para
me movimentar. Claro que eu não esperava poder dançar funk até o chão ou
pular corda, mas não esperava que fosse preciso ficar mais quinze dias em
repouso. As instruções eram as mesmas das do hospital: ficar na cama e me
levantar apenas para o estritamente necessário. Ou seja, apenas fazer xixi,
cocô e tomar banho era permitido. O lado bom era que o meu quarto no
castelo tinha uma suíte, já imaginou se eu passasse por tudo isso morando na
casa em que morava?
Luiz Henrique garantiu para a médica que eu cumpriria as regras à
risca.
Eu me despedi de Wilma, agradecendo por todas as noites em que ela
esteve comigo. Havíamos trocado telefone e eu me sentia grata por estar
encontrando pessoas tão interessantes quando o meu caminho sempre foi
repleto de gente sem graça.
Luiz Henrique garantiu para a médica que eu cumpriria as regras à
risca e colocou todos que trabalhavam naquela casa para me vigiar. Nos
primeiros cinco dias eu o vi poucas vezes e a nossa comunicação raramente
acontecia, pois quando se fazia necessária era através de mensagens de texto
ou por recado dos funcionários. Nós agora mantínhamos uma relação de dois
conhecidos que eram obrigados a dividir o mesmo teto, não havia discussões
e/ou faíscas e o “teto” era uma mansão com muito espaço, então não
passamos por constrangimentos porque eu não saía da cama para nada além
de usar o banheiro.
Quando eu me lembrava da proibição de evitar fazer sexo por causa do
repouso não sabia se sentia vontade de rir ou de chorar, uma vez que a gente
sequer estava dividindo o mesmo espaço, quem diria a cama. Talvez um
período de abstinência forçada ajudasse Luiz Henrique a organizar os
pensamentos ao ponto de reconhecer que precisava me pedir desculpas. Ou
talvez só o ajudasse a se aliviar em outros braços e assim seguiria fingindo
que nada aconteceu.
Voltei a minha atenção ao painel inicial do serviço de streaming e
continuei a zapear entre as opções de filmes e séries em busca de algo que me
distraísse. Era impressionante como a gente levava mais tempo buscando
algo no vasto catálogo do que realmente assistindo. Antes que eu me
decidisse, um visitante inesperado surgiu na porta do meu quarto.
— Augusto! O que você está fazendo aqui? — Indaguei, ele trazia uma
cesta retangular nas mãos.
— Vim visitar uma moribunda. Posso entrar?
— Moribunda é a madrinha! — Ele gargalhou — vou deixar você
entrar, mas só porque estou de olho nessa cesta.
— E eu achando que era pelo meu belo sorriso. — Piscou pra mim.
— Deixa de graça e me mostre o que trouxe de bom pra mim.
Augusto caminhou com os passos relaxados, parando em frente a
cama, me lançou um olhar como se pedisse permissão para sentar ali e assim
que eu assenti ele ocupou o colchão ao meu lado.
— Espero que não esteja com nenhuma restrição alimentar ou me
sentirei um idiota por não ter perguntado antes.
— As minhas restrições não incluem alimentação — respondi sorrindo
— então, nem pense que vai levar minha comida com você.
— Ela é toda sua!
A cesta ocupou o espaço entre nós e me debrucei sobre ela. Havia
biscoitos amanteigados, cupcake, donuts e mais outras delícias que me fazia
salivar só de olhar. Mas foi na caixa retangular com doces expostos que a
minha atenção se fixou, a imagem da bola branca coberta por leite fez minha
boca salivar e não fiquei apenas na vontade, peguei o doce e o coloquei
inteiro na boca.
Minha língua estava preparada para o sabor do leite ninho, mas havia
muito mais, ele era recheado com Nutella e a junção dos dois provocou uma
explosão indescritível. Eu amava brigadeiros, mas acho que aquele branco
passaria a ser o meu doce favorito. Augusto me observava com atenção.
— Desculpa parecer uma esfomeada, mas esse doce é a melhor coisa
que já comi na minha vida.
— A primeira vez que experimentei tive a mesma sensação, pedi a
responsável por fazê-los em casamento tamanha empolgação.
— E ela aceitou?
— Para minha sorte, não. — Sorriu. — Que tipo de relação se pautaria
por brigadeiros?
— Uma feliz? — sorri, pegando um brigadeiro de sabor tradicional. —
Você tem o contato dela? Porque eu estou mais do que disposta em uma
relação que envolva essas perfeições.
Augusto riu alto.
— No dia que deixar o meu tio, tenho outro contato mais interessante
para te passar — piscou pra mim.
— Contato, no singular? — Arqueei a sobrancelha — quando meu
relacionamento com o seu tio terminar vou querer uma lista imensa de
contatos pra correr atrás do tempo perdido.
Era uma brincadeira, mas Augusto não sabia disso, por isso tratei de
explicar.
— Você deve ter uma péssima impressão a meu respeito, né? Eu saio
falando a primeira coisa que vem na minha cabeça.
— Eu acho você foda! — Afirmou sorrindo — é espontânea, não se
preocupa em agradar os outros, apenas é você.
— Mas preciso aproveitar para esclarecer que quis causar ciúmes no
Luiz e acabei envolvendo você, não quero te dar a impressão errada e...
— Eu saquei tudo, Alissa, não se preocupe que não estou torcendo para
que acabe tudo com meu tio e caia nos meus braços.
Soltei o ar aliviada.
— Me desculpe por ter usado você.
— Eu ia dizer que adoraria ser usado por você, mas vou engolir isso e
deixar a piada passar. Quero que saiba que torço por vocês, meu tio não
apresentava namoradas há um bom tempo e veja só, além de apresentar você,
foi logo te escolhendo para ser a mãe dos seus filhos.
— Talvez ele não tenha feito essa escolha de forma consciente —
soltei e me arrependi no segundo seguinte. — Quero dizer que não foi
planejado termos o filho e tal.
— Você acha que seria diferente se tivesse oportunidade de escolha?
Considerei a resposta, porque ela não dizia de fato a mim e ao Luiz
Henrique, mas a forma como Apolo foi gerado.
— Engravidar aos 19 anos é assustador — confessei — meu primeiro
pensamento foi: fodeu muito! Talvez para os homens seja diferente o
impacto, mas para a mulher vem junto uma responsabilidade do tamanho do
mundo. Tem que saber amamentar, dar banho, cuidar, colocar pra dormir
mesmo que nunca tenha feito nada disso na vida. Fora a mudança no corpo e
tudo o mais. E parece egoísmo querer ser vista além do bebê que carrega —
as palavras foram saindo e se atropelando, com tanta facilidade que eu me
surpreendi.
Era impressionante como eu me sentia à vontade ao lado do Augusto,
não tinha medo de ser julgada por ele como acontecia com o restante de sua
família.
— Não é que eu não ame meu filho, sabe? — Ele assentiu — porque
eu descobri que o amo mais do que um dia imaginei, mas sim,
constantemente penso como tudo seria diferente se não tivesse engravidado...
Essa parte incluía o Luiz Henrique. Quantas vezes me peguei pensando
como nossos caminhos jamais se cruzariam se eu não estivesse grávida e
desesperada. E ainda que um dia chegássemos a nos encontrar por aí, eu não
seria a sua escolha voluntária. Não era elegante, estudada ou de boa família
como a Pâmela, por exemplo. Não me sentia capaz de ser mãe, imagina ser a
mãe do filho de um homem que todos respeitam e admiram? A mãe do
herdeiro do CEO, eu não era qualificada para tal função.
Mesmo assim queria ser a sua escolha, não importava que ela não fosse
pautada por critérios de qualificação, eu ficaria imensamente feliz se ela fosse
apenas baseada por coração.
— Esses hormônios da gravidez. — Disfarcei sorrindo, quando senti a
lágrima molhar o meu rosto.
— Apolo vai ter muito orgulho de ter você como mãe — Augusto falou
como se adivinhasse que era isso que eu precisava ouvir.
— Você não tem o direito de dizer isso para uma mulher grávida em
repouso absoluto e esperar que ela não se debulhe em lágrimas — falei,
enquanto sentia as novas lágrimas.
— Eu não tenho culpa por dizer o óbvio — deu de ombros sorrindo —
e esse quarto? É pra cá que você vem depois de acordar com o ronco do meu
tio?
— Seu tio não ronca — esclareci enquanto ganhava tempo e pensava
no que dizer. — Esse quarto é pra que eu ficasse mais confortável, sabe?
Uma cama inteira só pra mim, principalmente agora com o repouso.
— E o meu tio concordou? — Arqueou a sobrancelha.
— Eu não preciso de aprovação do seu tio, garoto.
— Fala a verdade — senti meu coração acelerar com essa sentença —
você e meu tio são um desses casais que vivem juntos, mas têm quartos
separados.
— Não sei do que você está falando...
— Tá tudo bem Alissa. É mais comum do que você pensa, eu só não
imaginei que o tio fosse desse tipo.
Bom, era mais fácil deixá-lo acreditar nisso e Luiz Henrique não
poderia me culpar pelo pensamento do sobrinho.
— É um teste drive para a vida a dois — expliquei — acabamos
pulando algumas etapas, saltamos do namoro à gravidez, então estamos no
processo de adaptação.
— E você ainda quer me convencer que o tio não ronca a noite? —
Insinuou sorrindo.
— Cala a boca e coma! — Enfiei o brigadeiro em sua boca, e ele
repetiu o gesto colocando um entre meus lábios abertos.
Estava distraída com o sabor quando Augusto me fez olhar para a porta
com apenas duas palavras:
— Oi, tio...
Deixei meu olhar ir até lá e vi que Luiz Henrique estava estático ali,
nos encarando.
— Oi. — Cumprimentou de forma seca.
— Achei que estava no trabalho... — Comentei.
— Saí mais cedo para te fazer companhia, mas vejo que não precisava.
Era isso? Ele estava irritado por chegar e não me encontrar chorando
pelos cantos depois de me ignorar por vários dias?
— Eu já estou de saída. — Augusto fez menção de se levantar da
cama, mas toquei seu braço para que continuasse no mesmo lugar.
— Nada disso, vamos assistir ao filme. — Voltei a atenção para a TV,
selecionando a primeira animação que encontrei. — Você pode se juntar a
nós se quiser, cabe mais um aqui — indiquei o lado vago ao meu outro lado.
— Eu tenho uma ligação para fazer. Bom filme para vocês. — Luiz
Henrique foi embora do mesmo jeito que chegou, sem fazer nenhum alarde.
— Pets Unidos? — Augusto sorriu quando o título surgiu em destaque.
— É isso que uma moribunda está autorizada a assistir — sorri, dando
play no filme infantil.
Augusto curtiu tanto quanto eu o filme dos pets que viviam em
harmonia na Robocity, uma cidade na qual humanos e robôs conviviam em
uma relação harmônica. Tudo mundo quando o prefeito da cidade decide
expulsar os humanos deixando os bichinhos a própria sorte. O filme tinha
muitas cenas divertidas e leves, e em meio a isso, ainda nos leva a refletir
sobre o abandono de animais nas ruas, especialmente quando acontecia uma
tragédia, como furacão ou terremotos, e os donos eram obrigados a deixar
seus bichinhos para trás.
Após o filme, Augusto foi embora me deixando mais uma vez reclusa
no meu quarto, porém mais feliz do que quando iniciei o dia. Permaneci
sozinha por um pequeno período, Luiz Henrique apareceu quando eu me
preparava para dormir.
— Alissa, eu não sei o que você pretende, mas acho melhor não
continuar por esse caminho — o tom não era de um conselho, mas sim de
uma ordem.
— O que você acha que pretendo?
— Não acho nada, mas vi você e o Augusto juntos e me pareceram
bem íntimos. Você acha mesmo que trazer mais uma pessoa para nossa vida é
uma boa ideia?
— Seu sobrinho veio me visitar, eu nem esperava, mas gostei muito de
passar a tarde com ele.
— Você já o usou antes para me atingir — jogou na minha cara.
— Já e não me orgulho disso — admiti — talvez você não me ache
uma boa companhia e por isso me evita, mas nem todo mundo pensa assim.
Seu sobrinho gosta da minha companhia, conversamos, rimos, brincamos
como duas pessoas que gostam uma da outra fazem quando estão juntas.
— Você gosta dele? — Perguntou franzindo o cenho.
— Isso não ficou evidente ainda? — Esclareci. — Augusto me respeita
e me trata como igual. Com ele eu posso ser a Alissa de 20 anos que gosta de
funk e fala bobagem. Mas se o que quer saber é se tenho interesse romântico
nele a resposta é não. E posso garantir o contrário também.
— Não é preciso interesse romântico para duas pessoas desejarem uma
à outra.
— Concordo, veja a nossa relação — pontuei — mas ainda que eu
sinta desejo pelo seu sobrinho, estou proibida de fazer sexo, então pode ficar
tranquilo.
Vi o peito de Luiz Henrique subir e descer rapidamente acentuando a
sua irritação.
— Se você não tem mais nenhum conselho para me dar, vou dormir.
Não esperei pela resposta dele, desliguei a luz do abajur ao meu lado e
fechei os olhos.
Com o coração acelerado acompanhei o som dos seus passos pesados,
eu não sabia se em minha direção ou a caminho do seu próprio quarto. O
clique do interruptor, acompanhado pelo som mais distante indicou que ele
seguiu o caminho mais seguro para ambos.
Por um tempo achei que o que me mantinha conectado a Alissa era o
meu filho, afinal ela era o elo entre nós, mas eu estava enganado. Percebi que
não era apenas isso quando a perdi, naquele quarto de hotel. E tive a certeza
no percurso até o hospital, enquanto ela se curvava de dor. Entre todas as
preocupações com a saúde de Apolo, eu percebi que havia algo maior que me
ligava a ela. Era uma vontade genuína de estar perto, de cuidar, dar carinho e
permanecer junto. E esse desejo ainda permanecia contrariando a lógica, a
falta de confiança e a minha disposição em permanecer afastado.
Precisei de espaço, por isso me afastei. Mas depois de vários dias me
via buscando uma motivação que justificasse minha presença e encontrei:
precisávamos urgentemente iniciar o enxoval e preparar o quarto de Apolo.
Antes, o plano inicial era começar a montar o quarto do bebê quando
voltássemos de viagem, havia previamente solicitado a um design de
interiores que fizesse um projeto para o quarto, mas não tivemos tempo de
conversar sobre isso dado os últimos acontecimentos. Todavia, independente
da nossa relação era preciso que déssemos início aos preparativos para
receber Apolo, ainda mais quando pairou sobre nós a possibilidade do parto
prematuro.
Antes que eu chegasse ao quarto de Alissa, as risadas e conversas
indicavam que ela não estava sozinha. Supus que estava em companhia da
sua amiga Tamires, mas não foi ela quem encontrei. Dei de cara com o meu
sobrinho em sua cama, dando brigadeiro na sua boca. Senti um calor
repentino percorrer meu corpo, subindo dos meus pés até a cabeça. Minha
vontade era de pegar o moleque folgado pela gola da camiseta e arrancá-lo
dali, berrando algumas coisas que estavam entaladas em minha garganta
desde o momento em que eles se viram pela primeira vez.
Mas não podia agir de tal forma, era o único maduro e responsável
naquela situação. Não podia me deixar dominar por um ciúme infantil, então
usei de todo o meu autocontrole para fingir que não dava a mínima para eles
dois. Quando, mais tarde fui ao quarto dela relembrar que aquele não era o
melhor caminho, ela deu a entender que o desejava, mas que não me
preocupasse porque seu repouso impossibilitava a transa.
Aquilo me atingiu, em cheio. Havia dezenas de outras formas de prazer
que não incluíam penetração e a ideia de Alissa e Augusto juntos se formou
na minha mente. Dominado pelo ciúme, retornei para o meu quarto ainda
mais irritado do que quando saí e a imagem dos dois juntos ainda me
atormentou até o sono chegar.
No dia seguinte estava disposto a continuar não caindo na manipulação
de Alissa, mas precisei ir mais uma vez ao seu quarto para decidirmos o
quarto do Apolo. Dessa vez, o lugar ao seu lado na cama estava ocupado por
cadernos e livros, ela estava debruçada sobre eles. Não sei como, mas Alissa
estava estudando ouvindo música em um volume elevado. O refrão chegou e
Alissa berrou junto com a cantora:
Instagram: @autoraanepimentel
Perfil Facebook: Ane Pimentel
Grupo (secreto) no Facebook: Autora Ane Pimentel
Fanpage: Autora Ane Pimentel
Wattpad: @AnePimentel
Nós amamos ler e, por consequência, escrevemos aquilo que
gostaríamos de ler. Dessa maneira, temos livros de todos os tipos e, com
certeza, você vai se apaixonar por um (ou mais) deles. Você achará na nossa
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