Você está na página 1de 392

Sinopse

Nota das Autoras


Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Epílogo
Agradecimentos
Redes Sociais
Leia Mais
Antes de começar a leitura, precisamos deixar algumas coisas
esclarecidas para que essa seja uma leitura agradável para você.
Essa história se passará em Aracaju, Sergipe, mas alguns lugares foram
criados para melhor se adequar aos capítulos, dessa maneira há a criação de
bairros e nomes de lugares que não são reais na cidade.
Esse livro não é recomendado para menores de dezoito anos, há
descrição de cenas de sexo e palavrões não adequados para menores.
Atenção: algumas cenas podem conter gatilhos emocionais.
A autora tratará, em momentos pontuais, de assuntos sensíveis tais
quais tentativa de suicídio e tentativa de estupro.
Esses assuntos não são romantizados na história.
Boa leitura!
Alissa tem dezenove anos e, como qualquer outra jovem, adora se
divertir. Ela é adepta do uso de aplicativos de relacionamentos e nem
imagina, mas seu último encontro mudará completamente o rumo da sua
vida.
Luiz Henrique é CEO de um dos maiores grupos empresariais do
segmento de shoppings do Brasil.
Aos quarenta anos, ele tem quase tudo que deseja e vê, em Alissa, a
chance de conseguir o que ainda lhe falta: ser pai.
Ele deseja um filho.
Ela está grávida, sozinha e precisando de ajuda.
Um acordo era oportuno para ambos, mas a garota linda e atrevida
podia transformar seus termos tão rígidos em algo inconvenientemente
quente.
Num piscar de olhos
Num suspiro de fumaça
Você pode perder tudo
A verdade é que você nunca sabe
(Like I'm Gonna Lose You - Meghan Trainor)
A primeira vez que o vi foi através de uma tela, no aplicativo de
relacionamentos. Ele estava segurando uma prancha e exibia um enorme
sorriso, além da barriga definida. Preciso confessar que essa foi a primeira
coisa que chamou a minha atenção, fiquei alguns segundos namorando aquele
abdômen que até então eu costumava apenas ver em fotos. Não era como se
outros garotos que eu tenha ficado não tivessem um corpo malhado, até que
eles tinham, mas os músculos ficavam restritos aos braços e a barriga em
geral era seca, mas sem definições. Então eu fiquei atraída quando o dono
daquela barriga apareceu na minha busca, e a atração aumentou quando me
atentei às demais informações que compunham seu perfil. Além da foto de
perfil, havia mais duas fotos: ele de costas contemplando o pôr do sol e na
última se via a imagem dele surfando. O like no seu perfil foi garantido com
a breve descrição:
Matheus Araújo, 23
Meu escritório é na praia
Cabeça na lua e corpo no mar, procuro alguém para embarcar comigo
nessa onda que é viver. Vem comigo?!
E foi respondendo sim à pergunta do Matheus que começamos a
conversar ali mesmo no aplicativo.
A nossa conexão foi imediata, curtíamos as mesmas bandas e tínhamos
perspectivas parecidas de futuro: queríamos ser livres, livres para não se
prender aos rótulos da sociedade e explorar o mundo.
A cada dia que eu conversava com o Matheus aumentava a vontade de
conhecê-lo, tocá-lo e beijá-lo. Matheus era um cara gente boa, de sorriso fácil
e atencioso, ele ficava comigo até tarde conversando mesmo tendo que
trabalhar no dia seguinte, sempre perguntava como estavam as coisas na
minha casa e entendia quando eu não respondia de imediato as suas
mensagens. Ele era diferente dos outros homens, não fez falsas promessas e
muito menos insistiu para que as coisas acelerassem, nos oitos dias que
conversamos ele jamais me pressionou a encontrá-lo. As conversas ficavam
cada dia mais quentes, dizíamos abertamente o que queríamos fazer um com
o outro na primeira vez que nos encontrássemos.
Não demorou muito para que o nosso contato saísse das telas para a
vida real. Combinamos de nos encontrar na porta da escola que estudo,
naquele dia eu não assistiria aula, aproveitaria o período escolar para ficar
com Matheus. Assim evitaria dar satisfação a minha mãe para onde eu iria,
para todos os efeitos eu passei a tarde estudando, no horário do fim do turno,
eu estaria de volta à escola e seguiria para casa como se nada tivesse
acontecido.
Encostada no muro da área externa da escola acompanhei todos os
carros que se aproximavam e aguardei ansiosa pelo que me levaria
rapidamente dali. Notei quando um carro branco com vidro fumê se
aproximou, Matheus não me informou o modelo do seu carro, mas ainda que
tivesse dito eu não saberia identificar, para mim os carros eram de dois tipos:
dos ricos e dos pobres, meu conhecimento de automóveis se limitava a saber
se o dono do carro tinha poder aquisitivo ou não, o que não é difícil, basta
olhar. Então, acompanhei ansiosa o carro de modelo popular parar a minha
frente. O vidro do carro desceu e meu coração acelerou quando reconheci o
homem que passei os últimos dias conversando.
Para o meu completo alívio ele era o mesmo da foto, era comum
homens utilizarem fotos de desconhecidos para atrair pessoas ao seu perfil,
uma menina da minha turma havia passado por essa situação. Ela havia
conhecido uma pessoa no bate papo e quando chegou o dia do encontro, ela
viu na praça de alimentação do shopping um homem completamente oposto
ao da sala de bate papo, o homem tinha pelo menos vinte anos a mais e
cheirava a cigarro. Ele justificou que usou uma foto do banco de imagens
para atrair a atenção, disse que estava cansado de ser rejeitado pelas
mulheres, que elas logo o dispensavam quando descobriam sua idade. Mas,
isso não impediu que ele fosse dispensado mais uma vez, a menina não
aceitou as suas justificativas e rompeu o contato ali mesmo.
Todavia, essa não era a minha realidade. O Matheus da minha frente
era o mesmo do perfil, ele tinha uma pele bronzeada pelo sol, muito
provavelmente resultado de horas no mar, olhos cor castanho claro e fios
escuros rente à altura da cabeça. De onde eu estava ainda não podia dizer se a
barriga era definida, mas logo eu descobriria.
— Alissa? — Ele perguntou para confirmar. Confirmei balançando a
cabeça e entrei no carro quando ele abriu a porta. Matheus pôs o carro em
movimento e eu o agradeci mentalmente, quando estávamos há alguns metros
de distância da minha escola ele estacionou e se virou para mim. —
Princesa, eu não posso esperar mais um segundo para fazer isso.
Ele colou a boca a minha e eu correspondi a pressão dos seus lábios.
Abri a boca para receber a sua língua e a recebi dominando todos os meus
sentidos. Senti quando as mãos dele se moveram rapidamente, soltando o
cinto de segurança que me mantinha imóvel, e segurou a minha nuca me
puxando para mais perto. Gemi contra a sua boca quando ele aprofundou o
beijo. O beijo cessou e ele manteve o rosto próximo ao meu, por alguns
segundos o único som era o da nossa respiração ofegante.
— Valeu a pena cada segundo de espera, princesa. — Afirmou — E
agora, para onde vamos? — Matheus perguntou e eu não hesitei em minha
resposta.
— Para qualquer lugar onde você possa continuar me beijando pelas
próximas horas.
— Eu pretendo fazer muito mais do que te beijar, princesa. — Sorriu
— Trouxe o biquíni?
Quando ele pediu que eu colocasse um biquíni na minha mochila
desconfiei que me levaria a praia, aquilo era arriscado, pois era impossível ir
à praia e não voltar com grãos de areia pelo corpo, mas naquele momento eu
não me importava. O beijo do Matheus havia me incendiado e eu queria mais
deles.
— Estou usando-o. — Fiquei com receio de ser descoberta e acabei
vestindo-o por baixo do uniforme escolar.
— Estou louco para ver você nele...
— Então, acho bom acelerar... — sorri. Eu não precisei falar mais nada
para que o carro voltasse a se movimentar. A cada sinal fechado as nossas
bocas se buscavam e eu me sentia incendiar mais com os seus beijos, para a
nossa sorte vivemos em uma cidade com uma extensa costa litorânea e não
demoramos muito para chegar ao nosso destino.
Ainda dentro do carro me livrei do tênis e da farda, notei quando os
olhos do Matheus brilharam olhando para o meu busto, ele não disfarçava
admirando meus seios escondidos no biquíni de cortininha, pratiquei
contorcionismo para me livrar da calça jeans ali sentada, mas logo a peça
juntou-se as outras no piso do carro.
— Puta que pariu, princesa! — Exclamou me comendo com os olhos.
— Gostou? — Sorri.
— Muito... Vamos sair desse carro, enquanto eu ainda consigo conter
as minhas mãos.
— Eu gosto de mãos bobas — Pisquei para ele que soltou um palavrão
em resposta.
A vida podia ser bem monótona, às vezes.
Mas ainda assim, deveria ser vivida.
Mesmo que você ache que fazer as mesmas coisas todos os dias seja
cansativo, um pouco de rotina nunca matou ninguém, mas um rompante pode
matar. A busca jovial pelo prazer a qualquer custo, a necessidade de sentir o
“só se vive uma vez” pode te levar ao fim.
Não era como se as pessoas comedidas e enfadonhas vivessem mais,
não era sobre isso. Mas era impossível não se perguntar o que levaria uma
pessoa tão jovem ao alto de um viaduto.
Eu tinha acabado de olhar as horas no meu relógio de prata: 15h16min.
Não era um horário de pico, portanto não entendia o motivo de o trânsito
estar lento. O clima no interior do carro estava fresco comparado ao calor
infernal que estava do lado de fora. Josué mantinha o carro em uma
velocidade tão lenta que chegava a me irritar, mas não podia culpá-lo,
infelizmente.
Conferi meu celular, estava prestes a avisar que a reunião atrasaria,
quando começamos a subir o viaduto. Antes que eu pudesse desbloquear o
aparelho, meu olhar vagou pela janela. Encarei o mundo através do vidro
fumê e no segundo em que olhei mais adiante, mais para frente de onde
estávamos, ela se destacou em meu campo de visão.
Não pude notar os detalhes de sua aparência porque sua inclinação me
chamou atenção. Ela estava se curvando... Olhando para baixo, com as mãos
fixadas no parapeito. Não... Ela não podia estar cogitando aquilo.
Antes de me dar conta, abri a porta do carro e segui em direção a
estranha. Ouvi a buzina de uma moto que conseguia trafegar entre os carros e
quase me atropelou, mas pouco me importei. Meu corpo seguiu, passo após
passo, em modo automático até ela.
Instinto? Talvez.
Quando eu me aproximei, ela notou minha presença. Seus olhos
assustados se arregalaram e ao encará-los mais de perto, notei que tocaram
em um lugar que eu sequer lembrava que existia.
— Não se aproxime mais — ela disse, colocando uma das pernas no
parapeito, olhando para baixo.
— Calma, eu só quero conversar — respondi, com cautela, dando um
passo para trás.
— Por que eu conversaria com você?
— Porque estou disposto a te ouvir.
Ela virou o rosto em minha direção e eu pude reparar um pouco mais.
Era extremamente jovem e tinha chorado, as marcas das lágrimas ainda
estavam no rosto da garota. Uma olhada rápida e pude notar que usava uma
camiseta branca com detalhes azuis que lembrava um uniforme. A calça jeans
clara parecia ter sido usada umas três mil vezes antes de hoje e estava com
aspecto de que tinha sido desgastada por dias seguidos sem uma lavagem
decente.
— Eu... Eu não sei o que dizer — apesar da frase, seus olhos diziam
muito.
Eles pediam socorro e se eu não fizesse nada seria atormentado todas
as noites por aquelas duas esferas de cor castanho.
— Podemos conversar em outro lugar, se preferir. O sol está quente,
não gostaria de um suco ou uma água?
Precisava ganhar tempo.
— Moço, eu vou me jogar e não importa o que me diga.
— Moço? Você olhou direito para mim? — Abri os braços para que ela
me encarasse. — Acho que não tenho idade para ser chamado de moço.
— O que veio fazer aqui? — Perguntou, relutante. As mãos ainda
estavam firmes no parapeito, bem como uma das pernas suspensas, me dando
agonia.
Meu coração batia forte e eu tentava parecer tranquilo, sem olhar ao
redor, apenas concentrado em cada gesto dela.
— Não sei, parecia que você estava me chamando — deixei as palavras
saírem com sinceridade.
— Não chamei ninguém — rebateu — quero acabar logo com essa
droga de vida. Ele não merece passar por tanta coisa ruim...
Ele?
— Quem é ele? — Quando ela olhou para frente, encarando o
horizonte, dei um passo imperceptível em sua direção.
— O bebê... — a última palavra saiu como se ela tivesse levado um
soco, de tão dolorida.
— Você está grávida? — Inspecionei a frente do seu corpo em busca
de indícios que confirmassem a informação, mas a camiseta parecia folgada o
suficiente para escondê-los de mim.
— Eu não tenho nada na vida e não posso colocar outra vida em um
mundo desses... Seria crueldade minha.
— Pense no seu filho... — Dei mais um passo e fiquei tão perto que
podia puxá-la.
Mas esperei, um erro meu poderia ser fatal.
— É exatamente nele que estou pensando — seus olhos se fecharam
enquanto as lágrimas escorriam — ele seria mais um largado no mundo sem
sorte alguma. Não tenho nada e não poderia dar nada para ele.
— E se você der ele para mim?
Ela não abriu os olhos. Não parecia nem respirar naqueles segundos.
— Eu tenho o que você chama de sorte. Posso cuidar do seu filho... —
completei.
— Como? Ele está dentro de mim!
— Eu vou ajudar você.
— Por quê?
— Porque eu posso.
Antes que ela pudesse fazer qualquer movimento, eu já estava perto o
bastante para puxá-la. Meus braços se fixaram em sua cintura e, por garantia,
eu segurei meu próprio pulso para garantir que não a soltaria.
Se ela caísse naquele momento, eu iria junto.
Impulsionei meu corpo para trás, trazendo-a colada comigo até estar
longe o suficiente daquele lugar. Ela esperneou, assustada, mas eu não a
larguei, carregando-a pela cintura até está perto do meu carro.
Josué abriu a porta para nós e eu me joguei dentro do carro com a
desconhecida.
Ela chorava ruidosamente ao meu lado, com as mãos cobrindo seu
rosto enquanto seu corpo balançava para frente e para trás.
Meu coração ainda batia descompassado diante de toda cena que se
desenrolou. Depois eu pensaria em tudo, naquele momento apenas tensão e
adrenalina dominavam o meu corpo.
Encarei minhas mãos e notei que os meus dedos tremiam muito,
incapazes de se manterem quietos. Enfiei as mãos nos bolsos do terno e
respirei fundo, tentando me acalmar.
— Não vou para a empresa agora, Josué, pode voltar para casa.
Ele assentiu e colocou o carro em movimento.
Não sei quanto tempo demorei na conversa com a mulher sobre o
viaduto, pode ter durado apenas um minuto ou uma hora. O que eu sabia era
que agora o trânsito fluía melhor. Fora do viaduto, parados no acostamento,
pude notar dois carros, um deles com o para-choque amassado.
Provavelmente, foi aquilo que atrasou tudo.
Aquele pequeno choque entre dois carros desconhecidos mudaria os
rumos da minha vida.
*
O trajeto até o Alpha, condomínio de casas, foi feito entre o som do
choro da mulher e o posterior silêncio que ela nos brindou. A velocidade
constante foi mantida, por isso não demorou até que o carro passasse pela
cancela automática da portaria. Os moradores entravam por um lado da via,
enquanto os visitantes por outro, que precisavam de mais vigilância para
liberação.
Algumas ruas e curvas se passaram até que o Josué entrou no
estacionamento de casa. Ele saiu primeiro do carro, dando a volta até o lado
em que ela estava para abrir a porta. Eu saí a tempo de vê-la ser amparada
pelo motorista que a auxiliou até estar na sala de estar. Josué a colocou
sentada no sofá preto antes de se retirar e quando a olhei, notei seu rosto se
elevar, olhando ao redor.
— Você estava certo... — Sua voz saiu fraca enquanto encarava o
grande lustre pendente — você tem muita, muita sorte mesmo.
Eu não chamaria de sorte o que me custou anos e mais anos de vida,
mas se era assim que ela gostaria de chamar naquele momento, não diria
nada. Diante daquele contexto calar jamais seria consentir.
— Minha cabeça está estourando — as mãos dela seguraram os
cabelos, como se arrancá-los pudesse fazer as coisas melhorarem.
— Vou te trazer um analgésico, você pode descansar se quiser...
— Não sei nem o seu nome — disse entredentes.
— Luiz Henrique Garcia Lopes — informei prontamente — e você,
como se chama?
— Alissa — foi a única palavra que saiu dos seus lábios.
— Não tem sobrenome, Alissa?
— Só sou mais uma dos Santos, não faz diferença dizer.
— Alissa dos Santos, já volto com seu remédio.
Eu me retirei da sala mais para respirar do que para pegar o maldito
comprimido. Estava me sentindo sufocado e sabia que nada tinha a ver com a
gravata apertando pelo colarinho. Desde que abri a porta do carro e saí em
disparada para detê-la sentia como se uma mão estivesse comprimindo meus
pulmões, bem devagar. Aos poucos a dificuldade para respirar se apresentava
e eu precisava inspirar cada vez mais fundo para me manter estável.
— Dona Glória, pegue um comprimido para dor de cabeça e um copo
com água por favor — pedi ao entrar na cozinha.
— Não sabia que já estava em casa, senhor.
— Tive um pequeno inconveniente no caminho — dei de ombros — os
quartos de hóspedes estão em ordem?
— Sim, senhor. Pedi a Magda que limpasse ontem mesmo, teremos
visita? — se aproximou, me entregando uma cartela de dorflex e o copo com
água.
— Já temos — dei as costas, refazendo meu caminho.
Ao voltar para a sala avistei que seu corpo estava meio caído contra o
encosto estofado. Acelerei meus passos, cruzando o longo caminho até estar
diante da mulher.
— Alissa? — Chamei, preocupado.
Seus olhos tremeram, como se estivessem se esforçando para se abrir.
Quando ela me encarou foi como se não focasse em nada, com as pálpebras
semicerradas, piscando devagar e continuamente.
Precisei me sentar ao seu lado para retirar o comprimido da embalagem
e por mais que tivesse tentado colocar em suas mãos, ela não o segurou. Me
aproximei um pouco, colocando-a sentada.
— Alissa, abra os olhos — ela piscou — precisa engolir o remédio.
Coloquei o comprimido em seus lábios e levei o copo com a água até
ali, para auxiliar na tarefa. Suas mãos molengas tentaram empurrar o copo,
mas eu a fiz beber. Uma fina corrente do líquido escapou pelo canto dos seus
lábios e ela tossiu, mas engoliu o remédio.
— Vou levar você para o quarto — avisei, ficando de pé antes de pegá-
la no colo.
Era mais leve do que eu esperava e não tive dificuldades para
acomodá-la em meus braços mesmo que suas mãos não estivessem se
segurando em mim. Andei até um dos lados da escada dupla de mármore e
subi os degraus com cuidado.
Abri a porta branca de madeira, por ser de correr, sem muita
dificuldade e entrei no quarto de hóspedes, andando diretamente para a cama.
Eu me curvei para colocar seu corpo nela e quando a depositei ali, me afastei
rapidamente. Não era da minha conta se estava calçada ainda ou se não vestia
a roupa mais confortável do mundo, não poderia tocá-la enquanto estava
vulnerável.
Saí do quarto e a deixei ali, fechando a porta às minhas costas.
Não fazia ideia de quem era essa mulher ou do que a tinha levado até
aquele ponto. Tinha trazido uma completa estranha para minha casa e agora
ela dormia em uma das minhas camas.
Eu sabia que aquilo me traria consequências, só não fazia ideia de quão
grandes seriam.
— Se levante, Alissa — ela me chacoalhou — eu vou dar na sua cara
se chamar você de novo.
Era assim que dona Jussara me acordava quando ia sair para trabalhar.
O que quer dizer que isso acontecia uma vez por semana, quando ela ia fazer
faxina na casa de uma tia.
— Já vou — cobri meu rosto com o cobertor que logo foi arrastado de
mim.
— Já tô indo, Wanderson já tá em pé, você tem que levar ele e faça
café.
Me sentei na cama, me espreguiçando. Era um saco ter que acordar
cinco horas da manhã para fazer essas coisas, mas eu sabia que se
continuasse deitada ela me faria levantar puxando os meus cabelos. Assim
que me viu desperta, minha mãe virou as costas e saiu do quarto.
Olhei ao redor, observando o quarto pequeno que dividia com os
quatro meninos. Na cama de solteirão, embaixo do mosquiteiro azul, ainda
dormiam Jairo e Antônio, como ela bem tinha dito o Wanderson já estava de
pé. Em cima do meu beliche dormia o Alisson que, pelos roncos, estava no
décimo sono. Tirando o Jairo que era filho apenas do meu padrasto, os outros
eram meus irmãos de sangue. Sendo que Alisson e eu tínhamos o mesmo pai,
já Antônio e Wanderson eram do meu padrasto. Em resumo, minha mãe tem
42 anos, quatro filhos, um enteado e um marido.
Me arrastei para fora do quarto e, em poucos passos, cheguei na
cozinha que, na verdade, é integrada a sala. A gente morava de aluguel e a
casa era minúscula, além do quarto que dormia com os meninos, tinha o
quarto da minha mãe, um banheiro que quase não dava para abrir os braços
de tão estreito e o cômodo que acomodava a sala/cozinha. Ali ficava um sofá
de dois lugares surrado, forrado com um lençol florido, de frente para uma
estante com uma TV pequena, mas de plasma, que meu padrasto reclamava
até hoje por ter dividido em vinte e quatro parcelas. Ao lado, ficava a mesa
com quatro cadeiras de ferro, o fogão azul de quatro bocas, a geladeira, um
armário onde guardávamos as coisas e a pia.
Fui até o armário e o abri, pegando uma jarra de plástico e dois copos.
Da gaveta peguei uma colher e uma faca, da geladeira a garrafa de água. Não
tinha pão naquela manhã e minha mãe teria deixado claro que era para
comprar, se fosse o caso, me dizendo que os dois reais estariam sobre a mesa.
Assim, o café da manhã seria suco em pó com biscoito cream cracker.
— Não quero ir pra escola — Wanderson resmungou.
— Mas vai sem querer mesmo — rebati, enquanto despejava o pó de
limão na jarra.
— Mainha deixou eu assisti desenho hoje — mentiu.
— Ela me chamou e disse pra te levar — informei, adicionando dois
litros de água.
— Li, mim deixe...
— Não dá.
— Sua vaca — me xingou, mostrando a língua.
— Mú — respondi, sem humor. — sente, coma e não encha o saco,
ainda bem que já tomou banho.
Eu não podia dizer pra ele, mas também não gostava de ir para a aula.
Se eu dissesse daria munição para o pestinha usar contra mim e ainda teria
que tomar conta dele a manhã inteira, Deus me livre. Mas a verdade era que
se dependesse de mim teria nascido rica e então não precisaria estudar.
Detestava matemática, as aulas de português me davam sono e no
ensino médio tudo piorou com química e física. Eu era uma aluna bem abaixo
da média e, por isso, tinha reprovado no terceiro ano, já era pra eu ter
terminado e agora ficava mais entediada ainda por ver as mesmas aulas
chatas de novo. Pelo menos minha amiga tinha reprovado também, seria uma
droga ter que ficar sozinha se ela tivesse saído da escola.
Enquanto o Wanderson comia, eu me sentei para fazer o mesmo.
Estava no terceiro biscoito quando o insuportável do Jairo se levantou.
— E aí, fedorenta?
— Vou te dizer já o que tá fedendo — resmunguei.
— Cheire aqui — ele levou a mão para a frente do short e segurou seu
pau murcho.
Levantei o dedo do meio para ele.
Jairo tinha quinze anos e era o mais chato de todos. Não posso culpar a
idade, já que Alisson tinha 16 e nunca foi tão irritante. Ele é filho apenas do
Jair e nunca soube direito quem era sua mãe. Quando minha mãe se juntou
com o pai dele, ele veio junto e assim Alisson, eu e Jairo moramos juntos.
Desde pequeno nós brigamos, seja por um brinquedo ou por um pedaço
de bolo, isso seria normal se ele não vencesse sempre. Demorei para
entender, mas acabei percebendo que ele tinha mais privilégios por ser filho
do “dono” da casa. Alisson e ele se davam melhor, eu era a única garota,
então sempre fui preterida.
Eu tinha que seguir as regras porque era menina. Tinha que lavar e
guardar os pratos, varrer a casa e arrumar os brinquedos que os menores
deixavam espalhados. Tinha que ajudar a lavar as roupas, não podia sair e
tinha que saber cozinhar... Eu precisava aprender tudo e não tinha direito a
nada.
— Acabou, Wanderson? Já tá na hora de ir.
— Você é muito chata, quero assistir desenho.
— Levante e vamos logo, eu trago uma bala pra você quando eu voltar
da escola de tarde.
Ele riu e saiu correndo, finalmente motivado.
*
Do bairro Brasileirinho, onde eu morava, até a Escola Estadual Rosa
Pimentel a distância era de mais ou menos quatro quarteirões e por mais que
não fosse tão distante, o sol de meio-dia de Aracaju fazia parecer que eu tinha
caminhado uma maratona. Meu bairro ficava ao lado do bairro Salgado Filho,
zona Sul de Aracaju e caminhando dava para notar quando tinha saído de um
e entrado no outro. As casas e os carros com cara de caros, os prédios que
passavam a existir e a quantidade de gente nas ruas diferenciava bem um
bairro de rico de um de pobre.
A escola ficava ao lado da movimentada avenida Hermes Fontes e se
não tivesse semáforo dificilmente ia estar viva ao tentar atravessar. Há um
viaduto passando por cima da Hermes Fontes e eu sempre encarava
construções como aquela pensando em quem tinha sido inteligente, no
começo de tudo, para pensar em fazer uma rua “voar” em cima da outra.
Assim que passei pelos portões de entrada, andei entre as dezenas de
pessoas usando a farda azul e branco, para atravessar o pátio central e chegar
no 3° ano E.
— Ei, vadia — reconheci a voz, desviando meu caminho até um dos
bancos de cimento do pátio — chegou cedo hoje.
— Não dava para perder o primeiro horário de novo, Tamires, mas
bem que eu queria — joguei o caderno e o livro didático que eu trazia na mão
no colo dela.
— A aula da chatiLene dá sono, eu lá quero saber de albinismo? —
Minha amiga reclamou. — E aí, alguma notícia do gostoso do Matheus? Faz
uma semana que saíram, né?
— Nada, queria que ele viesse me resgatar pra dar uma fugidinha até a
praia de novo.
— Fodidinha você quer dizer, né? — Nós gargalhamos — tô falando
com o Gui...
— Mas que porra, Tamires? Quer fazer papel de otária de novo?
— Mas ele pediu desculpa...
— Ai, desculpa por te chifrar com a escola toda e não fazer questão de
esconder... Foi isso que ele disse?
— Ai Alissa, não se mete, eu gosto dele, ok? Não me meto nas suas
trepadas de Tinder.
— Por que minhas trepadas de Tinder não me passam a perna, né?
Duvido que me deixaria fazer papel de boba, amiga...
— Eu sei que tá certa, a gente não voltou ainda, pare de encher minha
mente!
— Você é uma pretona linda, com um rabetão imenso e peitos de dar
inveja, pode conseguir alguém muito melhor do que ele.
— Obrigada — ela riu — sei que é verdade, mas você sabe que quando
eu sentei nele pela primeira vez, me apaixonei.
— Pau de mel — gargalhei — você que sabe, xerecuda.
— Vamos pra sala que eu quero sentar lá atrás — ela ficou de pé,
jogando de volta as minhas coisas.
— Qual será o lanche de hoje? — Estiquei o pescoço tentando ver se
tinha caixas de leite ou biscoitos dando indícios da refeição que a escola
serviria.
— Já, morta de fome? — Perturbou.
— Mainha tá trabalhando, só tinha salsicha com macarrão e já tô
enjoada — dei de ombros — e trate de ir para a fila pegar o seu para me dar.
— Sempre me explorando... — rebateu, se sentando na cadeira depois
de afastar a mesa.
— Manda quem pode, obedece quem tem juízo — fiz o mesmo na
cadeira ao lado da dela.
Tamires puxou a sua até estar junto da minha, saindo da sua fila e
criando a nossa própria, como sempre, coladas na parede do fundo da sala de
aula.
— Boa tarde, vamos começar? — Charlene entrou na sala
cumprimentando — alguém me mostra o caderno para eu ver onde paramos
na última aula?
Eli Mathias, a nerd da sala, prontamente ficou de pé e correu até a
professora, estendendo o precioso objeto do saber.
— Não vai ganhar ponto por isso não, Eli — Tamires gritou.
— Silêncio, por favor — a professora pediu — obrigada, Eli, pena que
nem todo mundo dessa sala se proponha a estudar como você.
— Eu estudo, fêssora — Gui gritou.
— Até parece, seu boletim é mais vermelho do que sangue. Abram os
livros na página 67...
— Deus, por que não nasci herdeira? — Lamentei, mais uma vez,
encostando minha testa no livro aberto.
— Levanta a cabeça princesa, senão a coroa cai — Tamires sussurrou
ao meu lado e eu me segurei para não gargalhar.
Eu seria expulsa da sala.
E não seria a primeira vez.
*
A professora de geografia, que daria a última aula, faltou e, por isso,
nós fomos liberados mais cedo. Eu me despedi da minha amiga e corri para
pegar o posto de saúde do bairro aberto. Fechava às dezessete horas, a
verdade era que a partir das dezesseis ninguém tava mais nem aí, só querendo
ir embora, mesmo assim eu andei o mais rápido que pude e cheguei lá nove
minutos depois das quatro da tarde.
— Já chegou remédio? — Perguntei assim que me aproximei do
balcão.
— Você está com a receita aí para eu dar uma olhada? — A
recepcionista questionou.
— É o anticoncepcional, pego pelo prontuário, não tem receita.
— Ah, sim, a enfermeira já foi, mas o medicamento ainda não chegou.
— Mas já tem dois meses — esclareci.
— Estamos aguardando a secretária de saúde mandar...
— Tem camisinha?
— Tem, mas só na sala da enfermeira que já foi, dê uma passadinha
por aqui amanhã — sorriu, tentando ser simpática.
— Ok, obrigada — me virei nos meus calcanhares e fui embora.
Já perguntei por que não nasci rica hoje?
Acho que sim, eu questiono isso todos os dias.
Eu gostava das aulas de educação física porque elas nos tiravam de
dentro da sala. Não importava se era para futsal, handebol, queimado ou
qualquer que fosse o jogo/esporte, sair da sala e ir para a quadra já era alguma
coisa. A quadra tinha cobertura, então não estávamos sob o calor intenso do
sol naquela tarde.
Estava sendo goleira porque não estava a fim de correr, então escolhi
ficar parada no gol. Mas então o mundo pareceu girar ao meu redor. Foi
estranho e eu fechei os olhos para ver se passava, mas ao abrir me senti mais
tonta ainda. Dei alguns passos para o lado, para me segurar na trave esquerda,
no exato momento em que o time adversário mandou a bola que, obviamente,
acabou no fundo da rede.
— Você é a goleira, tem que ficar na porra do meio do gol! — Alguém
gritou, mas não notei quem.
O mundo girou mais forte.
Eu apertei as mãos contra o ferro tentando me manter firme.
— Vai passar, Alissa, vai passar — repeti baixinho, fechando os olhos
novamente.
Não tinha almoçado, estava meio enjoada pela manhã, deve ser por isso
que estava passando mal.
Mas não passou e pareceu piorar.
— Você tá bem? — Tamires se aproximou, tocando em meu braço —
tá gelada!
— Eu estou... — Não consegui completar a frase, me senti fraca e
despenquei.
Vozes abafadas e chiados preencheram meus ouvidos e quando abri os
olhos notei que estava cercada de pessoas, minha turma inteira estava me
velando enquanto eu estava deitada no longo banco de cimento.
— Alissa, o que está sentindo? — Ouvi a voz do professor Adolfo e o
procurei entre os rostos, ele se aproximou.
— Tontura — disse, por fim.
— Sua pressão deve ter caído — deduziu — consegue se sentar?
— Sim — eu me movi, usando a pilastra atrás de mim para me
encostar.
— Respire fundo e fique aí, enquanto finalizo a aula — ele segurou o
apito e o soprou, antes de gritar: — Vamos continuar.
Quando a aula acabou, o professor confirmou que eu estava viva e logo
depois a Tamires correu em minha direção.
— O que foi isso? — Se sentou ao meu lado no banco.
— Deve ter sido a pressão como o Adolfo falou, não comi direito hoje
porque estava enjoada e...
— De novo?
— De novo o quê?
— Ontem você comentou que estava enjoada e semana passada
também.
— Nem percebi, será que estou mal do estômago? — Encarei a
Tamires que ergueu as sobrancelhas para mim.
— Será que num tá grávida?
— Claro que não, de onde tirou isso?
— Você transa, não transa? É só ter um pau entre as pernas para
engravidar, otária — empurrou meu braço de leve e eu paralisei.
Será?
— Alissa, quando foi a última vez que menstruou?
— Tá tudo desregulado porque não consegui o remédio no posto e aí
tava atrasando sempre.
— Quando foi a última vez? — Repetiu a pergunta.
— Uns quinze dias atrás sujou um pouco a calcinha, meio marrom,
mas não desceu como sempre — minha voz estremeceu. — Acho que tem
mais de dois meses, meu Deus do céu.
Levei as mãos ao rosto, em choque com a possibilidade.
— Não posso estar grávida, Tamires — eu a encarei, com os olhos
marejados.
— Tenho dez reais aqui acho que dá pra fazer um teste.
— Eu não tenho dinheiro nem pra um teste, se der positivo eu vou
fazer o quê?
— Uma coisa de cada vez, Alissa. Vou na farmácia e volto para gente
tirar logo essa dúvida, me espere aqui.
Tamires demorou menos de quinze minutos e nós corremos para o
banheiro feminino. Entrei em uma das cabines e fiz xixi no palitinho, saindo
de lá rapidamente para deixar em cima da pia. Andei para lá e para cá,
encarando as paredes riscadas enquanto o tempo que a embalagem indicava
passava.
— Que demora! — Reclamei, dando a trigésima volta no banheiro.
— Apareceu, apareceu! — Ela gritou.
Antes que eu olhasse, só em ouvir aquela palavra eu sabia que estava
ferrada.
Se apareceu a segunda linha o resultado foi positivo.
Me virei e andei de volta para perto do teste, em câmera lenta, como se
atrasar a minha conferida pudesse mudar alguma coisa. Quando meu olhar
recaiu nas duas linhas vermelhas eu senti meu coração capotar dentro do meu
peito.
— Você está grávida, Alissa.
— Eu estou fodida! Não posso ter um filho.
Em dois passos Tamires se aproximou e me abraçou. Não tínhamos o
costume de viver abraçando, mas naquele momento seu abraço parecia tudo
que eu precisava. Eu me aconcheguei contra seus braços e ali derramei as
primeiras lágrimas.
Estava assustada.
Com medo.
E completamente perdida.
— Vamos encontrar o Matheus e ver se ele assume. Quem sabe foi o
destino quem arquitetou tudo isso e vocês vão viver felizes para sempre?
Foi ela quem me deu um rumo e um objetivo ali no banheiro mesmo:
procurar o pai do bebê. Afinal, eu não tinha feito sozinha. Nada mais justo do
que dividir com ele minha angústia com a descoberta.
— Vou fazer isso assim que chegar em casa, tenho que ir antes que
desmaie de novo no meio da escola e esse bando de fofoqueiro passe a me
atormentar.
— Qualquer coisa me ligue no Whats.
— Beleza.
*
A primeira coisa que fiz quando cheguei em casa foi me enfiar no meu
beliche, agarrada no celular. Contava com a boa vontade da internet Wi-fi do
meu vizinho para contatar o Matheus e também do aparelho em minhas mãos
que toda hora dava erro nos aplicativos dizendo que precisavam ser fechados,
provavelmente por causa da falta de memória.
Aquele celular tinha sido da Tamires e quando ela ganhou um novo de
presente, no seu aniversário, me passou o seu antigo já que eu não tinha
nenhum. Fiquei feliz demais e quase não acreditei quando ela levou o
telefone para a escola e disse que eu podia ficar com ele. Não via a hora de
poder comprar um novo, com mais memória e uma câmera que tirasse fotos
decentes, mas aquele era melhor que nada e me servia mesmo sempre me
deixando irritada.
Abri o aplicativo de relacionamentos e fui para a parte de conversas,
buscando nosso último contato. Depois do dia em que fomos para a praia não
nos encontramos mais porque ele estava viajando a trabalho, mas trocamos
mensagens pelo app umas três vezes com a promessa de que nos veríamos
novamente. Nunca entendi direito o que ele fazia de verdade, nossas
conversas eram mais sobre sacanagem e assuntos que passavam longe das
chatices de aulas e profissão, mas já deve ter dado tempo de ele ter retornado
da tal viagem de trabalho, né?
Subi e desci o dedo pela tela diversas vezes, procurando sua foto entre
os vários contatos que estavam ali e quando não achei, passei a procurar pelo
nome, talvez ele tivesse mudado a foto de perfil. Passei quase dois minutos
rolando as conversas e nada de encontrar o Matheus, será que ele desfez o
match?
Tentei encontrar “Matheus Araújo” digitando na busca e me
apareceram um milhão e meio de perfis, menos o que eu estava procurando.
— Que porra é essa? — Sussurrei sozinha quando na verdade queria
gritar alto até minha garganta doer.
Não era possível que aquilo estivesse acontecendo.
Abri o WhatsApp e encontrei o contato de Tamires, apertando com
firmeza o microfone pra mandar áudio porque não tinha a menor condição de
escrever nada cega pela raiva.
— Mulher, você não vai acreditar, o filho da puta sumiu do aplicativo.
Não consigo achar a conversa, acho que ele excluiu o perfil.
Logo apareceu online ao lado da foto da minha amiga e minha
mensagem foi ouvida.
Tam: MENTIRA! Caralho, Alissa. E agora?

— Tô tremendo, não sei o que fazer.

Enviei outro áudio, sentindo a vontade de chorar se aproximar.

Tam: Calma, vamos pensar. Ele deve ter alguma rede social.

Apertei os olhos, tentando me controlar, enquanto enviava outro áudio:

— Quando conversamos a primeira vez eu procurei para stalkear e


não achei.
Tam: De qualquer forma vou procurar aqui agora no Instagram e
Facebook.
Fiz o mesmo digitando o nome dele nas redes sociais e nada de
encontrá-lo. Tentei o google, que geralmente é mais eficaz com buscas já que
todos temos rastros na internet, mas não havia nenhum Matheus Araújo que
correspondesse ao homem que eu estava procurando.
Não o encontrei.
Meu Deus, e agora? O que faria?
Estava grávida de um cara com quem transei um único dia e ele
simplesmente desapareceu.
*
Não consegui dormir. Me virei na pequena cama para lá e para cá,
tentando achar uma posição confortável, mas parecia que estava em cima de
um colchão de alfinetes. Parecia que meu corpo pinicava inteiro, mas não
havia nada em minha pele (eu conferi diversas vezes). Alisson até reclamou
me mandando ficar quieta na cama debaixo para não mexer o beliche inteiro.
Quando eu me levantei já passava das oito horas e meu estômago
estava embrulhado, eu não havia comido desde que passei mal na escola no
dia anterior. Corri para tomar banho e deixei o chuveiro ligado para disfarçar
o barulho caso vomitasse e eu até tentei, meu corpo se contorceu inteiro
enquanto eu me abaixava com a cara no vaso sanitário, mas não tinha nada
para ser expelido do meu estômago.
Antes mesmo de ir até minha mãe, sabia que ela estava lavando roupa
no beco que só cabia uma lavanderia de cimento em sua largura, mas
chamávamos de quintal. Como eu sabia? Marília Mendonça estava tocando
bem alto e ela acompanhava a cantora desafinadamente.
A gente se dá tão bem
Entre quatro paredes
Que pouco me importa
Do quarto pra fora
Eu e você, sem regra, sem lógica

— Finalmente se levantou, né? Já ia ver se tinha morrido — gritou por


cima da música quando me viu abrir a geladeira para pegar a garrafa de Coca-
Cola que usamos para guardar água.
— Antes tivesse — resmunguei de volta.
— Demorou demais e só sobrou um pão, os menino tavam com fome.
Eles sempre estavam. Se tivesse sido o contrário e eu deixasse pouca
comida para os monstrinhos seria bem diferente, mas estava com medo de
comer de qualquer forma, tentaria empurrar pelo menos uma banda do pão
jacó, sem margarina, para ver o que acontecia.
Pão e água, vamos lá, é só comer e vai ficar tudo bem.
Mordi o pão e percebi que estava com muita fome, pois quase o enfiei
inteiro dentro da boca. Aproveitei a vontade e mastiguei rápido, para tentar
comer inteiro ao invés de apenas uma banda. A água ajudou a engolir e em
três minutos tudo já estava no meu estômago.
— Que cara é essa? — Me encarou com as mãos na cintura.
— Nada — encarei o copo.
— Acho bom que não seja nada mesmo. Já acabou aí? Bora se levante
que o banheiro não vai se lavar sozinho.
— Não deixa nem a comida assentar — reclamei.
— Você não tem empregada aqui não, Alissa. Levante o cu dessa
cadeira e ande logo. Varra a casa e tire o lixo também.
— E Alisson? — Perguntei o vendo passar pela porta, entrando em
casa.
— Que tem eu?
— Ele já foi comprar a galinha que eu mandei...
— E eu faço o resto todo — reclamei de novo.
— Me deixe fora do bolo que não sou fermento — ele rebateu.
— Acorda tarde e ainda quer reclamar? Ande logo.
— Já vou, já vou — bufei ficando de pé.
Mas o mundo girou de novo e eu quase caí.
Por sorte, mainha já tinha voltado pro quintal e Alisson não estava de
olho em mim. Respirei fundo e saí dali.
Mais uma noite em claro. Dessa vez, não foi achando que estava em
uma cama de alfinetes, eram crocodilos que me mordiam e não permitiam
que eu pegasse no sono. Cada vez que eu fechava os olhos, os abria assustada
e com o coração disparado como se tivesse escapado por pouco da dentada do
bicho feroz.
Minha mãe foi fazer faxina, o que significa que me chamou bem cedo,
mas dessa vez foi até um alívio ver que estava amanhecendo. Eu me arrastei
pela manhã, me revezando entre o choro, a limpeza da casa e o meu celular.
A busca pelo Matheus não deu em nada mesmo, nem eu e nem a Tamires
tivemos sucesso.
Nós chegamos a duas conclusões:
1. Ele nunca existiu e eu fantasiei.
2. Ele criou um perfil com nome falso e o excluiu.
Considerando que eu estava grávida e que não tinha transado com
ninguém além dele nos últimos meses, a opção 2 era a mais provável.
Talvez ele fosse comprometido ou um maníaco que fodia, engravidava
mulheres do aplicativo e depois sumia. Não sabia e não fazia ideia de como
descobrir. Não tinha nada além do nome que usou no app, o carro que usou
no dia era comum e eu não tinha anotado a placa. Não fomos em restaurante
ou motel, lugares que poderiam ter câmeras de segurança para eu tentar ver a
placa...
Ah, mas por que você não usou camisinha?
Não adiantava chorar pelo leite derramado agora. No calor do
momento, eu vacilei e não quis voltar atrás. Ele estava sem camisinha
naquele dia e nossa pegação foi tão gostosa que a gente combinou: era gozar
fora e ser feliz. A gente se pegou no carro e ele tirou o pau antes de ejacular,
transamos dentro do mar e ele fez a mesma coisa...
Deu errado e eu demorei para perceber por que estava toda desregulada
sem o anticoncepcional que pegava no posto de saúde.
Agora me via em um beco sem saída. Sem trabalho, porque nem o
ensino médio tinha, sem o pai do bebê, morando em uma casa que não tinha
espaço nem pro vento circular e comendo do que meu padrasto colocava na
mesa.
Se minha mãe soubesse, na melhor das hipóteses, arrancaria os meus
cabelos, na pior, me bateria tanto que não sobraria nem um pingo de Alissa
pra contar história.
Sentada no vaso sanitário enquanto observava a tela, eu comecei a
pesquisar outra coisa. “Aborto” foi a palavra que eu joguei no google e logo
percebi que não podia comprar comprimidos porque o uso de abortivos era
administrado apenas em hospitais. Achei um fórum que dizia que conseguia
de maneira ilegal, mas ao ler respostas sobre ser medicamento falso e de
gente que sequer recebeu fiquei com medo. Também não era como se eu
tivesse quinhentos reais para comprar quatro comprimidos e talvez precisasse
de maior quantidade. Eu não tive o dinheiro nem pro teste de farmácia...
E então eu cheguei aos chás que ajudavam a menstruação a descer. Não
sabia se daria certo porque havia saído com o Matheus dia primeiro de abril e
já estava em maio, mas que opção eu tinha além de tentar menstruar?
Mandei mensagem para Tam com o link do site que tinha lido sobre os
chás e perguntei se podia me ajudar. Ela disse que ajudaria, passaria na casa
da avó e pegaria umas folhas e me entregaria a tarde na escola.
*
Passei quinze dias tomando chás abortivos e nada.
Não senti nada a não ser vontade de vomitar. Além de não gostar de
chás de nenhum tipo, os enjoos só aumentaram com o passar dos dias. Eu
olhava minha calcinha o tempo inteiro, em busca de qualquer resquício de
sangue, especialmente quando acordava, mas não havia nada. Também não
senti cólicas, apenas desespero crescente a cada minuto.
Era sábado e, claro, não tínhamos aula no fim de semana. Mas
ultimamente eu teria desejado estar na escola porque tanta gente dentro de
casa era quase insuportável. Minha mãe não me deixava em paz, pedindo pra
eu fazer um monte de coisas enquanto os outros gritavam assistindo TV ou
fazendo qualquer merda inútil.
Normalmente o Jair chegava bêbado aos sábados. Algumas vezes, mal
ficava de pé e dormia sentado no vaso sanitário, impedindo que qualquer
pessoa usasse o único banheiro da casa. Outras vezes ele chegava chato,
brigando com cada passo que dava, xingando Deus e o mundo.
Agora ele estava chutando a grade e xingando alto antes mesmo de
entrar em casa, o que não era um bom sinal.
Já era noite e eu estava sentada no sofá, mexendo no celular. O
Wanderson, brincava no chão com seu carrinho verde que ele tinha arrancado
a rodeira. Jairo, Antônio e Alisson estavam jogando bola na rua, na frente de
casa.
— Jussara! — Gritou e o bafo de pinga dominou a sala.
— Ela tá na vizinha — Wanderson avisou.
— Lugar de mulher é em casa, isso é hora de tá nas porta? — Berrou.
— Vá chamar.
Wanderson ficou de pé e correu portão a fora, eu também me levantei
pronta para escapar, mas não fui rápida o suficiente.
— Vai pra onde?
— Pegar uma coisa no quarto — dei de ombros.
— Tô com fome, bote minha comida.
Eu odiava quando ele me mandava fazer aquilo como se eu fosse sua
empregada.
— Mainha já tá vindo — dei um passo para passar.
Ele me segurou.
— Tá surda? — Berrou — bote minha comida.
— Me solte — pedi, puxando o pulso que ele segurava — vou gritar.
— Gritar por que se nem te bati? Coloque minha comida sua folgada,
quer só vida boa e não faz nada.
— Não sou sua empregada — rebati.
— Mas devia! Come da minha comida, usa minha água e minha luz...
Ainda quer receber o que mais? Só pedi pra colocar a porcaria da comida.
— Você não tem mão?
— Tenho e se fosse minha filha eu ia rumar ela na sua cara agora —
disse apertando os dedos contra mim.
— Mas o que é isso? — Suspirei aliviada quando ouvi minha mãe
entrando em casa.
— Essa folgada que não faz nada. Você criou essa menina preguiçosa
demais pro meu gosto — ele finalmente me soltou.
Passei o pulso na minha blusa, tentando me limpar.
— O que fez, Alissa?
— Nada, mãe.
— Ela nunca faz nada, esse é o problema. Só pedi pra colocar meu di
cumê e ela não obedeceu.
— Eu vou botar sua comida — ela se aproximou e me encarou — não
custava nada colocar o prato dele.
Queria gritar, de novo, que não era empregada de ninguém, mas não
adiantaria nada, por isso dei as costas e fui pro quarto.
*
Os dias foram passando e eu só conseguia me sentir cada vez mais
irritada e frágil. Minha disposição, que já não era das melhores, estava
sumindo um pouco mais a cada segundo. Eu cumpria com que minha mãe
esperava, mas em um ritmo tão devagar que fazia com que ela se irritasse
com frequência. Na escola, eu sentia sono e nem os lanches servidos
despertavam o meu prazer. Se eu pudesse escolher, ficaria deitada por horas
sem fim, encarando o teto e fazendo vários nada.
Mais uma segunda-feira chegou e só quando me sentei e puxei a mesa
da sala de aula, percebi que não estava com o celular. Procurei no bolso
traseiro da calça jeans e nada.
— Merda!
— Qual foi, novinha? — Pedrinho perguntou se sentando ao meu lado.
— Deixei o telefone — dei de ombros — me empreste aí o seu para ver
se Tam já tá chegando...
— Oh Cleitinho, roteie aí sua internet — ele gritou para o outro que
estava de pé, na porta da sala.
— Vai pagar quanto? — Rebateu.
— Alissa te dá um beijinho — gargalhou — ela que vai usar, ela que
pague.
— Fechou.
— Cai fora, Cleiton, você tem namorada — revirei os olhos.
— Ela né ciumenta, não — gargalhou.
Ele compartilhou a internet e eu abri o Whatsapp do Pedro para ligar
para minha amiga. Ela costumava ser pontual e não faltava na escola a não
ser que estivesse doente. Era a repetente que mais batia ponto na sala.
Tamires não atendeu a ligação e antes que eu pudesse continuar tentando, a
professora entrou na sala e o Pedrinho tomou o aparelho de mim.
No intervalo, ele me falou que Tam mandou um áudio pedindo pra me
avisar que não tinha ido porque precisou fazer umas coisas com a mãe. Por
fim, minha tarde tinha se arrastado e, da mesma forma, eu me arrastei de
volta para casa quando a sirene tocou anunciando o fim das aulas.
Quando entrei em casa fui direto pro quarto procurar o telefone. Não
encontrei em cima da cama, nem embaixo dela. Corri para o banheiro e
também não estava lá. Procurei na cama de Alisson e na caixa de papelão que
guardava minhas roupas e nada. Aonde tinha enfiado aquela porcaria?
— Mãe, viu meu celular? — Fui até a sala depois de procurar em todos
os locais que pudesse ter esquecido.
Ela estava no sofá, assistindo televisão, olhei para tela para notar que
estava passando Malhação.
— Não, aquele ali é o meu — fez um gesto com a cabeça indicando a
estante. — Perdeu na escola, não?
— Lá foi que eu percebi que estava sem ele.
— Grite aí por seu irmão na rua e mande ele ir comprar pão — mudou
de assunto.
Passei por ela e fui até a porta, mas ao invés de gritar por Alisson,
atravessei a rua e me juntei a ele que conversava com Biel, sentados no meio-
fio.
— Oi, Biel — acenei para o vizinho — ei, mainha tá chamando pra
comprar pão.
— E aí, Alissa — Biel cumprimentou de volta.
— Tô indo — respondeu sem ficar de pé.
— Viu meu celular? — Perguntei, por desencargo de consciência.
— Vish — deixou escapar.
— Vish, o quê? Cadê?
— Achei que ele já tinha deixado lá — deu de ombros.
— Quem? — Gritei, mas já imaginava a resposta.
— Jairo pegou pra jogar, mas ia devolver logo.
— Aquele nojento — rosnei — sabe que não gosto que pegue nas
minhas coisas. Onde ele tá?
— Não sei — tentou encobrir.
— Biel? — Tentei.
— Tava na rua aí de baixo — apontou com a cabeça e eu assenti, antes
de me afastar.
Marchei furiosa rua abaixo, indo procurar o imbecil. Ele gostava de me
irritar, sabia que eu não curtia que pegasse minhas coisas. Eu já não tinha
quase nada, ainda tinha que dividir? Ainda mais com todas as minhas
conversas com a Tamires ali disponíveis. Ele com certeza ia fuçar tudo e se
descobrisse da gravidez seria o meu fim.
Quando virei a esquina, vi o grupinho de quatro moleques sentados na
porta de um deles. Estavam encostados no muro de tijolos, rindo de alguma
coisa. Meu celular? Estava na mão do otário do Jairo.
— Ei, palhaço, me devolva! — Gritei antes mesmo de chegar perto.
— Venha devagar, viu? — Ele me encarou.
— Por que mexeu nas minhas coisas, seu arrombado? — Me aproximei
e ele ficou de pé.
— Você deixou lá e eu peguei pra jogar, o que é que tem?
— Tem que é meu e não quero que você pegue! — Rosnei cara a cara
com ele.
— Fazendo questão desse lixo que trava mais do que o Babinha
gaguejando? — Perturbou, se referindo a um dos colegas que ali estavam.
Todos riram, mangando da minha cara. As gargalhadas me
enfureceram, dominando todos os meus sentidos e me fazendo esquentar de
ódio.
— É lixo, mas é meu — berrei, dando um empurrão, batendo no peito
dele com as duas mãos.
Ele cambaleou, surpreso e me olhou tão furioso quanto eu.
— Você tá maluca, é porra? — Gritou. — Toque em mim de novo que
eu quebro você.
— Venha — berrei alto — bata em mulher, seu covarde!
O seu gesto brusco fez eu me encolher, por um segundo, achei que ele
tinha me atingido, mas ao invés de me acertar, Jairo desviou e estourou o
celular no muro, com força. O barulho foi seguido das partes do telefone
caídas na calçada.
O filho da puta tinha quebrado a única coisa que eu tinha.
Senti todo o meu sangue ferver em minhas veias até o meu rosto
esquentar. O grito que saiu de dentro de mim não era normal, parecia um
animal ferido que urrava de dor. Eu avancei alguns passos antes de começar a
estapear aquele boçal dos infernos. Abri a mão e atingi seu rosto, batendo
com força. Sem me contentar, deixei minhas unhas agarrarem aquela cara de
pau e nem percebi que tinha tirado sangue até vê-lo, depois que me
seguraram.
Os meninos que estavam acompanhando tudo nos apartaram, me
segurando pela cintura enquanto eu esperneava. Jairo aproveitou que eu
estava presa e deu um tapa na minha cara antes de correr.
— Covarde filho da puta, volta aqui!
— Fica quieta, Alissa — alguém mandou — quem vai se foder é você.
— Mais? Eu já estou fodida.
— Po-po-pois é — Babinha concordou.
— Você devia ter ficado de boa, pegava o celular e ficava na sua...
Agora ele tá puto e vai te ferrar.
— Vocês sabem... — respirei fundo.
— E sua mãe deve estar prestes a saber — anunciou.
Ele me soltou e eu corri como nunca.
Minha sandália rasteira fazia barulho se chocando contra o chão
enquanto eu corria desesperada. Corri o mais rápido que pude e quase o
alcancei, mas Jairo conseguiu chegar dentro de casa um minuto antes de
mim.
Quando eu entrei, minha respiração estava alterada e, quase sem
fôlego, eu vi o olhar de choque de minha mãe para mim.
— Foi você? — Ela quis confirmar.
Encarei o babaca e notei que os arranhões em seu rosto estavam
inchados e a superfície tinha gotinhas tão pequenas de sangue que nem era
para tanto exagero.
— Ele tava com meu celular e... — Tentei explicar, mas fui
interrompida.
— Você fez isso por que ele pegou a merda do celular? — Jair berrou.
— Está louca?
Meu padrasto se aproximou do filho, segurando em seu rosto para
analisar os machucados. Quando se virou em minha direção, seu olhar era de
puro ódio.
— Peça perdão — cuspiu as palavras.
— Ele destruiu a única coisa que eu tinha, me bateu e sou eu quem
devo me desculpar?
— Peça, Alissa — minha mãe concordou — a mais errada aqui é você.
— Mãe, ele nem é seu filho — rebati, exasperada — você deveria ficar
do meu lado.
— Passou dos limites, Alissa — ela lamentou.
— Ele quebrou meu celular — repeti como um disco arranhado que
ninguém ouve — e também me bateu — mostrei meu rosto.
— Ai, minha cara tá queimando, acho que atingiu meu olho — Jairo
resmungou com voz de choro.
Enquanto meu padrasto e minha mãe me analisavam, um risinho surgiu
no rosto do monstrinho. Ele estava aumentando o tamanho do estrago de
propósito. Minha vida estava uma desgraça e ele ainda achava que podia
debochar de mim?
Aquela risadinha foi o meu fim.
No automático, movida pela fúria cega, não me contive e avancei para
cima do imbecil, pronto para apagar o deboche da sua cara de pau, mas fui
contida por minha mãe que me segurou.
— Pare com isso!
— Se topar nele de novo quem vai te bater sou eu — Jair berrou,
colocando o filho atrás de si, para protegê-lo.
— Esse garoto não presta — esperneei. — Ele está manipulando
vocês...
— Não sou o mentiroso aqui! — Jairo gritou por trás do pai.
— Que mentira tá contando por aí? — Minha mãe me largou, me
virando de frente para si — do que ele tá falando, Alissa?
Só tive tempo de piscar, nem se eu quisesse poderia contar por que o
moleque deu a notícia da pior maneira possível.
— Alissa está grávida — o filho da puta soltou.
Silêncio.
O pequeno ambiente antes tão barulhento estava inundado de nada.
Olhei ao redor e vi que agora todos que moravam em casa estavam ali
reunidos e me encaravam em choque. Até o mais novo, Wanderson,
arregalou os olhos diante da notícia bomba que Jairo tinha largado no meio
da sala.
— O quê? — Minha mãe pergunta, com o semblante de desgosto. —
Grávida?
— Até que demorou — meu padrasto quase riu. — Quem é o pai? —
Ele questionou antes que eu pudesse abrir a boca. — Ela não apresentou
nenhum namorado.
— Ela não sabe nem o nome de verdade — o bastardo continuou
lançando os mísseis que destruiria minha vida.
— Abra a porra da boca e diga alguma coisa! — Minha mãe me
chacoalhou, segurando em meus braços.
— É verdade — soltei a respiração e deixei as duas palavras saírem.
— Eu disse, Jussara, que você tava criando uma vagabunda
preguiçosa!
Ele não perderia a oportunidade de acabar comigo, era sua chance de
me escorraçar.
— Não me chame de vagabunda — gritei, puxando o ar dos meus
pulmões.
— E quem engravida e não sabe quem é o pai é o que? Santa? —
Gargalhou — é vagabunda sim! Mulher fácil, da vida... Puta!
— Eu sei quem é o pai, só não sei onde encontrá-lo...
— Meu Deus do céu — minha mãe se sentou no sofá com a mão no
rosto — você enlouqueceu, Alissa.
Senti minhas pernas tremerem diante do caos estabelecido. Eu havia
corrido bastante, ainda não tinha comido e toda a tensão estava me deixando
fraca.
— Mãe...
— Quero você fora daqui — Jair sentenciou.
— O quê? — Olhei para ele, incrédula.
— Na minha casa não fica, aqui não é cabaré. Além disso, não vou
sustentar mais um...
— Mas eu não tenho pra onde ir — apelei — mãe, por favor...
— Né puta? Sai dando pra um e pra outro, então aproveite e cobre,
assim consegue dar di cumê pro pivete que vai nascer.
— Mãe... — implorei, sentindo meus olhos arderem, se enchendo de
lágrimas.
Eu a encarei, mas não me olhou de volta. Sentada no sofá, ela encarava
o chão como se procurasse algo muito importante.
— Mãe — chamei novamente e fui ignorada.
— Se ela se meter vai junto com você — berrou — a casa é minha,
quem paga as contas sou eu e já sustentei você por tempo demais, cansei de
ser bom. Você bateu no meu filho, capaz de cegar o menino e ainda quer que
eu continue olhando pra sua cara? Pegue seus panos de bunda e rua!
Dona Jussara não abriu a boca para dizer nada.
Ela não discordou dele.
Não pensou no que seria de mim.
Minha mãe não me defendeu, não perguntou se eu estava bem e sequer
quis saber minha versão dos fatos.
Eu não tinha nada e naquele momento a minha única vontade era de
desaparecer. Ele queria que eu sumisse e eu queria sumir. O que dava para
fazer era sair daquela sala apertada e fugir de todos os olhares acusadores que
eu recebia.
Dei as costas e andei para fora dali.
*
As lágrimas só me inundaram quando eu me sentei.
Estava tão cansada que não consegui andar mais do que uma quadra e
acabei parando na pracinha do bairro. Ali, eu me sentei no banco de madeira
escura posicionado ao lado de uma árvore e desabei. Minhas pernas ainda
estavam trêmulas e o restante do meu corpo parecia que tinha ficado com
inveja, pois passou a tremer de igual maneira. Não era frio que eu sentia, os
tremores vinham de dentro e me chacoalhavam ainda mais enquanto eu
chorava.
Na medida que as lágrimas vinham eu as liberava, deixando correrem
soltas por meu rosto até secarem por conta própria. Não sei por quanto tempo
chorei ali sozinha, mas a exaustão acabou ganhando a batalha e eu apaguei.
Só percebi que tinha dormido quando a claridade das luzes que vinham do
poste deu lugar a claridade do céu. Estava amanhecendo, percebi, quando
abri os olhos devagar.
Meu pescoço estava dolorido porque dormi no banco da praça toda
torta. Também estava com dor de cabeça, provavelmente porque chorei muito
e meu estômago doía. Mas também a minha última refeição havia sido o
biscoito maria com achocolatado que tinham servido na escola. E nem pude
repetir, já que a Tamires não tinha ido. Me sentei, me esticando inteira para
tentar aliviar o desconforto.
— As coisas já devem ter se acalmado em casa — falei comigo
mesma, tentando me convencer.
Era só ir até lá depois que o Jair tivesse saído, entrar para tomar um
banho, comer e conversar com a minha mãe. Ela, com certeza, me ouviria se
ele não tivesse berrando no ouvido dela.
Na pior das hipóteses, ela me ajudaria a arrumar as coisas e ter para
onde ir. Me apeguei a isso e fiquei de pé, refazendo o caminho até a rua onde
morava. Fiquei de pé, na esquina, meio escondida em um ângulo que não
desse para me ver, mas que eu pudesse enxergar na hora que ele saísse de
casa. Demorou um tempo para isso acontecer, eu não tinha relógio, mas
pareceu o equivalente a uma hora ou era apenas meu cansaço que fazia o
tempo parecer se arrastar.
Quando eu o vi saindo com seu uniforme todo azul, com mochila nas
costas e boné, esperei mais alguns minutos para ter certeza de que não
voltaria antes de correr até lá. O muro de casa era baixo, daqueles antigos que
dava pra gente se sentar sobre ele, e tinha um portãozinho que sempre ficava
apenas no ferrolho. Antes da porta havia outro portão, do tipo grade que era
pra dar mais segurança e aquele sim ficava com cadeado todas as noites.
Notei que o cadeado estava batido, mas a porta estava aberta, o que
significava que tinha gente acordada.
— Mãe — chamei, deixando o eco da minha voz ir para dentro da casa
pequena.
Alguns segundos se passaram sem que eu tivesse resposta, então
chamei novamente.
— Oh mãe, abra aqui — pedi.
Eu não tinha cópia da chave, na verdade ninguém tinha, era apenas
uma só e se chegasse ao ponto de todos terem que sair para lugares diferentes
a gente deixava na casa da vizinha do lado para que o outro tivesse acesso.
Pensando bem, mesmo que eu tivesse uma cópia não teria como ter levado
quando fui expulsa e saí desesperada.
— Alisson! — Tentei chamar outro nome.
Talvez ela tenha conseguido faxina para hoje e já tenha ido.
— Alguém em casa? — Gritei alto, segurando na grade com tinta
branca descascada.
Nada.
Ninguém veio até mim ou respondeu ao meu chamado.
Era impossível que todos tivessem saído tão cedo e deixado a porta
aberta.
Estavam me virando as costas de verdade.
*
— O que aconteceu com você? Parece que foi atropelada pelo
caminhão de lixo — foi a primeira coisa que Tam disse quando me viu entrar
na sala.
Como não tinha conseguido entrar em casa, não havia tomado banho.
Nem comido, aliás. Mas pelo menos estava de farda ainda, toda a confusão se
deu antes que eu pudesse trocar de roupa depois da aula no dia anterior.
Assim, eu fiquei na área externa da escola esperando o turno da tarde
começar. O porteiro não permitiu que eu entrasse, sabia da minha fama de
repetente e se liberasse minha entrada em um turno diferente e eu aprontasse,
sobraria para ele. Não podia julgá-lo por fazer seu trabalho, naquele caso.
— É exatamente assim que eu me sinto, só que o caminhão foi e voltou
por cima de mim umas doze vezes.
— O que houve? Liguei pra você a manhã toda e nada.
— A história é longa, mas não estou bem, passei os últimos quinze
minutos bebendo toda água que consegui ali do bebedouro e agora estou
enjoada e um pouco tonta.
— Comeu? — Perguntou ainda encarando meu estado. Neguei com a
cabeça. —Vamos na cantina ver se conseguimos cantar o Juninho pra pegar
um lanche fiado.
Eu sorri da sua ideia e a segui. Faltava muito tempo para o intervalo,
horário que serviriam o lanche e até lá eu desmaiaria com toda certeza.
Tivemos sorte e o Adelmo, pai do Juninho, não estava na cantina ainda
quando entramos, então o convencemos a fazer um suco de laranja e um
misto quente fiado, em troca de uns amassos futuros que ele sabe que a gente
não daria.
Nos sentamos nas cadeiras de plástico amarela do lado de fora da
cantina e eu apoiei o copo na mesa de mesma cor. Tentei ser devagar, mas a
verdade era que quase comi o guardanapo diante do meu desespero. Minha
amiga aproveitou meu momento de lanchar para fazer perguntas sobre a treta,
recebendo as respostas que eu dava entre uma mordida e outra, em choque.
— Então, ele quebrou o celular, te deu um tapa na cara, se fez de santo
e ainda contou da gravidez? Que ódio daquele magricelo sanguessuga.
Confirmei, assentindo, enquanto engolia um pedaço do misto.
— E sua mãe não fez nada e deixou o pudim de cachaça te expulsar —
completou.
Eu bebi o restante do suco de uma só vez antes de concluir o resumo da
história.
— E eu dormi na praça, fui lá pela manhã e ninguém me deixou entrar.
— Ai amiga, que tenso, não sei o que faria no seu lugar — lamentou.
— Também não sei o que fazer...
Não dava para passar outra noite na praça sem tomar um banho, pelo
menos. Por isso, eu tentaria a ajuda da única pessoa que podia.
— Queria te pedir um favor.
— Diga aí.
— Posso passar a noite na sua casa hoje? Pra tomar um banho, pelo
menos.
— Quando a gente sair daqui vamos falar com mainha, acho que ela
não vai ficar muito feliz, mas a gente tenta.
— Não sei o que seria da minha vida sem você — estiquei a mão e ela
a pegou, apertando meus dedos.
Por hoje se conseguisse tomar um banho e descansar, pensaria com
mais clareza e enxergaria uma saída.
Quando saímos da escola pegamos o caminho da casa da Tamires e,
por um segundo, eu fingi que era um dia normal. Imaginei que íamos para
algum paredão dançar o que quer que tocasse no som dos carros e beber o
que quer que nos dessem até tarde da noite e então, eu dormiria na casa dela
porque era mais perto. Enquanto caminhávamos pelas ruas movimentadas
para chegar ao bairro Araújo, que ficava há uns três quilômetros da escola, eu
tentei não pensar em tudo que estava acontecendo comigo e foquei na história
da Tam com o Gui, sem jogar na cara dela que faria papel de besta outra vez.
Não estava em posição de criticar ninguém, não é mesmo?
Dona Tânia não se recusou a me receber, o que já foi um grande feito.
Não era como se ela tivesse deixado claro que não gostava de mim, mas todas
as vezes que eu dormia lá a filha dela estava embriagada e mesmo que não
fosse eu a dar bebida para ela, os pais, em sua maioria, tendiam a achar que
os filhos eram facilmente influenciáveis pelas amizades. Assim, ela não
costumava me receber cheia de sorrisos e festas porque imaginava que íamos
aprontar alguma.
Se ela soubesse o tamanho da encrenca em que me meti.
Sim, se soubesse. Minha amiga disse que eu dormiria lá aquela noite
para que fizéssemos um trabalho escolar em conjunto. Era melhor assim,
garantia uma noite sem grandes discussões ou reflexões sobre erros e acertos
da vida dos jovens inconsequentes e blábláblá. Combinamos que no dia
seguinte alegaríamos que não terminamos o trabalho, que era algo grandioso
e que disso dependeria a nossa aprovação. Em resumo: a gente enrolaria
enquanto desse. Eu tinha esperanças de que com o tempo minha mãe se
preocupasse e fosse a minha procura.
Depois que passamos pela inspeção do “bafômetro”, da qual dona
Tânia conversou perto demais de nós duas tentando sentir cheiro de bebida
alcoólica, fugimos para o quarto. Por uma hora nós fofocamos sobre coisas
aleatórias, ignorando completamente a vida real. Já percebeu que quando
focamos na vida dos outros nós esquecemos da nossa própria? Deve ser por
isso que as pessoas fofocam tanto e era exatamente aquilo que a gente estava
fazendo e eu adorando.
Quando seu Tony bateu na porta do quarto da filha pela terceira vez,
não tivemos como ignorar e mesmo sem querer fazer a refeição com todos,
não tive escolha. Meu medo era passar mal e levantar suspeitas por ter que
sair correndo para vomitar, aí teria que contar que estava grávida e ao ser
questionada pelo pai não teria uma resposta para dar. Mas, graças a Deus, o
cuscuz com ovos desceu muito bem e se comportou no meu estômago, bem
como o café que tomei abarrotado de leite em pó e açúcar.
— Já começaram a fazer o trabalho? — Tânia perguntou enquanto
passava manteiga no cuscuz.
— Estávamos lendo sobre o tema — Tamires mentiu.
— E foi? Qual tema, compartilhe com a gente — foi Tadeu quem
falou, provocando a irmã.
Eu não ia muito com a cara de Tadeu porque ele gostava de nos
infernizar. Era aquele tipo de irmão que fazia piada sem graça, puxava cabelo
e queria chamar atenção a qualquer custo. Ele tinha dezenove, mesma idade
que eu e Tamires. Muita gente achava que eles eram gêmeos porque se
pareciam demais com a pele preta, olhos brilhantes e cabelos cacheados, mas
na verdade Tadeu era alguns meses mais novo já que dona Tânia engravidou
logo depois do resguardo e o garoto nasceu prematuro. Tadeu também
estudou no Rosa Pimentel, mas como não havia reprovado ele terminou o
ensino médio ano passado enquanto eu e Tamires continuamos na escola.
— Pra quê você quer saber? — Minha amiga estreitou os olhos em
uma ameaça silenciosa.
— Nada — deu um sorriso debochado — só pra relembrar o tempo que
eu estudava. Ai, saudades.
— Já está na hora de trabalhar pra transformar essa saudade — seu
Tony jogou antes de dar um gole no café servido na sua xícara especial do
Confiança, seu time de coração.
— Sobrou pra mim — Tadeu bufou e nos deixou em paz depois disso.
Terminamos de comer rapidamente, sem maiores tretas familiares e
Tamires foi direto lavar os pratos para não ouvir reclamações, eu ajudei
enxugando e guardando.
— Tô morta — reclamei, levantando os braços para esticar os
músculos.
— Já acabei aqui. Você toma banho primeiro e eu te empresto um baby
dool, depois eu tomo e a gente apaga.
— Combinado.
*
Diferente dos últimos dias, eu dormi feito uma pedra. Não importava se
estava em uma cama improvisada no chão, feita com um edredom dobrado,
estava tão cansada de tudo que apaguei assim que fechei os olhos. Não me
lembro de sonhar com nada, mas isso não era privilégio daquele dia, há
meses meus sonhos haviam sumido.
Eu me espreguicei, ainda deitada, esticando bem meus pés e os meus
braços antes de abrir os olhos de verdade. Encarei as telhas de barro e as ripas
de madeira por alguns segundos antes de virar o rosto em busca de Tamires.
Me apoiei no cotovelo para erguer o pescoço e enxergar sobre a cama de
solteiro, mas não a vi ali deitada. Me sentei, sentindo meu estômago dar
sinais de fome, que horas seriam? Independente do horário eu precisava
levantar e sair dali, dona Tânia com certeza não ia gostar de ter a visita
folgada dormindo até as onze da manhã enquanto faz almoço.
Fiquei de pé e dobrei o lençol com estampa de urso com o qual me
cobri, antes de puxar o travesseiro e dobrar o edredom que fez a vez de
colchão. No segundo em que me virei para colocar os objetos sobre a cama
da minha amiga, vi o bilhete que ela tinha deixado ali.
Você não acordou quando te chamei, aí desisti.
Fui no supermercado com mainha.
— Parece que eu apaguei mesmo — sussurrei para o bilhete antes de
largá-lo de volta sobre a cama.
Já que elas não estavam em casa, aproveitaria para tomar banho logo e
adiantar o meu lado, já que só tinha um banheiro.
Assim que abri a porta do quarto de Tamires dei passos rápidos para
chegar até o banheiro, que ficava no fundo da casa, depois da cozinha. Estava
descalça, usando o baby doll que ela me emprestou composto pela camiseta
de alças finas com estampa de listras rosa e cinza e um coala na frente e o
short bem curto, da mesma cor que pertencia ao conjunto.
— Nossa, que bom dia — levantei a cabeça quando o ouvi antes
mesmo de entrar na cozinha. — Você sempre acorda assim, Alissa?
Tadeu me olhou dos pés à cabeça, mas no momento em que falou isso
estava com o olhar fixo nos meus peitos. A blusa era colada e os bicos
provavelmente estavam duros para o imbecil secar daquele jeito.
— Só vou ao banheiro — informei, tentando atravessar a cozinha
rapidamente.
— Pra quê tanta pressa? — Afastou a cadeira, ficando de pé e
bloqueando minha passagem. — Sabe que sempre te achei a maior gostosa,
mas agora com essa roupinha colada, caralho, tá um tesão.
Ele deu um passo pra frente.
Eu dei um passo pra trás.
— Cai fora, otário, nunca te dei moral — ergui o queixo.
— Não deu moral enquanto tava sã, né? — Gargalhou — quando toma
duas cachaças seus olhos não saem de mim.
— Coisa de bêbada — dei de ombros.
— Não precisa fazer cu doce — Tadeu ergueu a mão, fazendo menção
de me tocar e eu repeli com um tapa.
— Fique longe — avisei.
— Só tem a gente aqui, Alissa, podemos aproveitar — ele era bem
mais alto que eu e se inclinou um pouco, aproximando o rosto do meu.
— Tadeu, posso ser rodada, mas a catraca é seletiva.
O olhar dele se estreitou, eu estava acabando com a sua paciência.
— Dá pra todo mundo e pra mim quer fazer jogo duro? — Deu risada
— você vai ter que pagar a dormida, gata.
Sem que eu esperasse, ele me empurrou contra a parede e eu bati a
cabeça contra o cimento.
— Me solta — gritei, tentando me desvencilhar, mas ele segurou os
meus pulsos e ergueu minhas mãos.
Tadeu tinha o dobro da minha força e com uma mão só conseguiu
manter as minhas duas presas, acima de minha cabeça. Eu me debati,
tentando chutar aquele babaca, mas com uma perna entre as minhas ele as
afastou.
— Gosta de dificultar as coisas, né? — Tentou me beijar, mas virei o
rosto na hora e ele acabou lambendo minha bochecha — sem beijo? Ok.
— Tadeu, eu vou gritar — rosnei — me solta, porra!
— Grita, mas grita meu nome quando meu pau te foder.
Ele se esfregou em mim e pude sentir sua ereção contra o meu corpo.
— Você não vai foder comigo — avisei.
— Quero ver quem vai me impedir — ele deu uma risadinha.
Meu coração acelerou quando eu percebi que ele estava falando sério,
que aquela porra não era uma perturbação.
Senti sua mão livre levantar a camiseta justa, expondo meus peitos
antes de passar a mão por eles. O toque me deixou nervosa e desesperada.
— Por favor, não faz isso — pedi, sentindo meus olhos queimarem.
— Eu sei que você quer, olha como os bicos estão durinhos pra mim...
Ele baixou a cabeça e chupou o mamilo direito com força. Eu me
debati, tentando escapar do toque indesejado.
— Pode gemer, gata...
A lágrima escorreu pelo meu rosto quando ele repetiu o gesto.
— O que está acontecendo aqui?
A pergunta foi feita em um grito de espanto e, no susto, ele me soltou.
— Mãe? — Ele deu um sorriso sem graça — nada.
Eu olhei para a mulher enquanto as lágrimas desciam por meu rosto,
baixando a blusa que ele tinha levantado. Tamires me encarava, incrédula,
com olhos arregalados.
— Sabia que isso não ia dar certo — dona Tânia bufou, marchando
enquanto entrava na cozinha — sabia que ela ia dar em cima do seu irmão, eu
te avisei, Tamires.
— Eu? — Nervosa, comecei a rir e chorar ao mesmo tempo.
— Ainda se faz de sonsa — berrou.
— Não dei em cima de ninguém — gritei, atordoada.
— Acho melhor você ir embora — minha amiga me encarou.
— Tam, não dei em cima do seu irmão — me aproximei — juro por
Deus.
— Você se jogou pra cima de mim — o filho da puta teve a audácia de
dizer — eu tava tomando café e ela veio se esfregando.
Senti meu sangue ferver e o medo que eu estava sentindo minutos antes
evaporar como água em ebulição.
— Como é que é? — Não esperei ele responder e parti pra cima,
tentando bater em sua cara de pau, mas ele era alto e nem pulando eu
acertaria o seu rosto.
Quando ele segurou meus braços que se debatiam para acertá-lo, eu
acertei uma joelhada bem no meio das suas pernas.
— Sua puta — ele gritou de dor, se dobrando ao me soltar.
— Não bata no meu filho — Tânia se aproximou, me puxando pelo
braço — vá embora daqui. Quero você bem longe dos meus filhos, sua má
influência!
— Eu não fiz nada — gritei.
— Apenas vá, Alissa — Tamires pediu, assentindo.
Eu senti meu coração se quebrar ali, junto com a confiança que ela
tinha em mim. Minha melhor amiga achava que eu era uma puta qualquer
que se aproveitava da estadia que havia me dado para foder com seu irmão na
cozinha da sua casa. Mal sabia ela que o babaca seria capaz de me estuprar
caso elas não tivessem chegado.
Dona Tânia me soltou e eu me aproximei de Tamires, encarando os
seus olhos escuros antes de deixar claro:
— A vítima aqui sou eu.
Eu deixei a família na cozinha e voltei para o quarto para trocar de
roupa. Joguei o maldito baby doll no chão antes de pegar minha velha calça
jeans e vestir. Coloquei meu sutiã e vesti a camiseta da farda antes de calçar
minha rasteira.
Quando saí do quarto estava triste, com vergonha e irritada. Tadeu não
estava em nenhum lugar que eu pudesse ver e dona Tânia segurava firme no
cabo da sua vassoura, seu olhar de fúria deixava claro que me expulsaria com
vassouradas se eu ousasse bater em seu bebê novamente.
Virei o rosto para olhar para minha amiga sentada no sofá. Tamires
tinha o olhar fixo no celular que estava em suas mãos, sem coragem para me
encarar.
Eu passei pelas duas sem dizer uma palavra e passei pela porta da
frente me sentindo pior do que quando tinha entrado.
Dizer que minha cabeça estava pesada era pouco para descrever o real
estado em que ela se encontrava, apesar de não latejar, parecia pesar uns
quinhentos quilos. Meus olhos não queriam abrir e eu quase os mantive
fechados para sempre. Qual era a necessidade de enxergar aquele mundo
terrível?
Eu já havia desejado dormir por anos, como a Bela Adormecida, mas
não tinha dimensão do que realmente era desejar aquilo. Agora eu queria
aquilo de verdade, não desejava um príncipe para me acordar com um beijo,
eu ansiava dormir e esquecer tudo para sempre.
Mas meu corpo parecia lutar contra aquele desejo, me dando sinais de
um despertar não solicitado através dos meus sentidos. Primeiro, um tilintar
próximo fez minha audição começar a acordar e, logo depois, um cheiro
muito bom fez meu olfato ganhar a batalha.
Demorei uns dois minutos para reagir, imaginando que meus sentidos
estavam me enganando já que em lugar algum eu conseguia sentir o aroma de
comida. Quando abri os olhos precisei esfregá-los para ter certeza de que
tinha me acordado. Não reconhecia nada ao redor. Estava deitada em uma
cama gigante na qual facilmente caberiam seis pessoas, com folga. Ela tinha
uma cabeceira daquelas acolchoadas que nunca tinha visto de perto, somente
nas lojas de móveis do centro da cidade. A cama estava forrada com lençol
branco, mas a metade dela continha uma coberta preta, daquelas fofinhas que
dava vontade de se enrolar. Me virei para encarar o travesseiro temendo que
tivesse sujado com saliva enquanto dormia. Suspirei de alívio ao constatar
que a fronha estava intacta.
Olhei as paredes do quarto espaçoso antes de encarar o teto, todo o
espaço era branco, mas não do tipo que cegava quando a luz batia. Era um
tom mais ameno, sei lá, era gelo aquela cor? Esqueci completamente das
cores quando encarei o lustre, pendente e prateado, que me lembrava uma
aranha de pernas para cima, com várias luzes em cada uma das suas “patas”.
Onde é que eu tô?
Me sentei e observei que ainda usava o uniforme escolar, bem como a
calça jeans e que, jogadas sobre a cama, estavam as rasteiras gastas que
sempre calcei. Ao encarar a farda do Rosa Pimentel, um estalo em minha
memória me fez lembrar: estava no palácio do estranho.
O cheiro de comida me fez virar o rosto em direção a mesinha de
cabeceira para encontrar uma bandeja grande ali em cima. Foi o barulho
daquilo que tinha me despertado? Meu estômago roncou dolorosamente e não
pude fazer nada além de seguir a minha vontade: pegar tudo e levar pra cama.
Minhas mãos foram apressadamente para o prato que continha pão na
chapa com queijo e presunto. Quando os peguei, levei direto a boca
apreciando que ainda estava quentinho e crocante. Tirei o papel que cobria o
copo de vidro com suco amarelo, cheirando o conteúdo para saber de qual
sabor se tratava e ao sentir o aroma de maracujá tratei de tomar metade de
uma só vez.
Devorei as uvas verde e quase não acreditei que o que estava ali era
morango de verdade. Nunca tinha experimentado e fechei os olhos ao sentir o
sabor da fruta grande e suculenta. Quase não respirei enquanto comia
desesperada, provando tudo que tinham colocado ali: biscoitos, torradas,
bolos, frutas e geleias. A bandeja foi detonada em cinco minutos. Ainda bem
que não tinha ninguém vendo o espetáculo da pessoa que parecia que nunca
viu comida na vida.
Dez minutos depois estava um pouco mais estável, com a cabeça mais
leve e o estômago se comportando bem, por isso pulei da cama e fui observar
o espaço, caminhando até as portas que davam acesso a uma pequena
varanda. A varanda podia ser pequena, mas a vista era imensa e precisei
segurar o fôlego por alguns segundos enquanto via tudo.
Aquilo era uma casa ou um mini resort?
Meus olhos não sabiam se fixavam nos dois coqueiros, na piscina
iluminada ou na ponte de madeira logo depois da piscina que parecia
atravessar uma outra piscina que me lembrava um riacho, só que aquele era
artificial, obviamente.
Para além da ponte tinha uma outra construção que não enxergava o
que era, mas tinha colunas e, de longe, me lembrava um salão de festas.
Estava quase anoitecendo e as luzes já estavam acesas, deixando o lugar
ainda mais impressionante.
A curiosidade me fez sair dali para olhar o restante da casa e o primeiro
passo para fora do quarto já me fez encarar as paredes brancas com quadros
pendurados que, junto com o corrimão, formavam o corredor que levava ao
quarto em que estive dormindo. Os quadros tinham molduras douradas e no
centro deles, no meio de uma grande borda branca, havia imagens de
paisagens. O primeiro era de uma montanha verde e solitária, alguns passos
depois encarei uma floresta e em seguida, uma casa no campo rodeada de
verde. Pareciam imagens aleatórias, apenas peças decorativas já que não
havia pessoas nas fotos.
Toquei o corrimão de madeira escura e deixei meus dedos deslizarem
por ele enquanto descia as escadas quase babando na cor dos degraus de
porcelanato marrom, ao olhar para o lado notei que havia duas escadas, a que
eu estava e a do lado direito. Duas fodidas escadas para levar para o mesmo
andar!
Eu não tinha visto quase nada, mas já dava para notar que tudo ali era
grandioso como nas mansões de artistas famosos que minha mãe amava ver
nas entrevistas da televisão.
As duas escadas davam no hall de entrada e o espaço oval continha
duas poltronas, alguns vasos de decoração e grandes quadros, não me ative
aos detalhes e segui, descendo mais alguns degraus para estar na sala de estar.
Quando entrei mais cedo, mesmo chorando, tinha notado que a sala era
imensa, linda e do tipo uau, mas agora com mais calma eu não conseguia
nem descrever o lugar diante da sua grandeza. Se eu tinha chamado o lustre
que estava no meu quarto de aranha, o da sala era a aranha rainha. Existe
aranha rainha ou isso era só para abelhas? Não importava, o lustre pendente
era imenso e tinha várias e várias aranhas com suas próprias “patas” e em
cada uma delas havia uma luz.
— Precisa de alguma coisa? — Quase pulei de susto ao ouvir a voz da
mulher ressoar na sala vazia.
— Meu Deus! — Levei a mão ao coração.
— Desculpe, não queria assustar.
Olhei a mulher parada e notei seus cabelos grisalhos cortados bem
curtos, como os cabelos de homem, ela usava óculos de grau com armação
quase invisível e lentes redondas. Seu traje era calça que parecia social preta
e blusa da mesma cor.
— A senhora mora aqui? — Imaginei que fosse mãe do estranho.
— Praticamente, eu administro a casa, me chamo Glória.
— Oi, Glória meu nome é Alissa — dei um sorrisinho sem graça, sem
saber o que falar.
— Está precisando de alguma coisa, Alissa? — Repetiu a primeira
pergunta.
— Não, quer dizer sim — corrigi rapidamente — o dono da casa está?
Como era mesmo o nome dele?
Ela me encarou e estreitou os olhos, provavelmente estranhando que eu
não usasse o nome do cara, mas não conseguia lembrar. Era dois nomes, não
era?
— Sim, ele está no escritório. Vou avisar que você acordou — assenti e
a mulher sumiu por uma das imensas passagens que estava tentando enxergar
antes de ela me abordar.
Apertei meus dedos da mão esquerda, de repente ficando nervosa ao
me sentar no imenso sofá preto. Estalei cada um dos dez dedos das mãos,
olhando para baixo, até que ele pudesse aparecer.
Mas quando o fez não precisou de nenhum barulho para que eu sentisse
sua presença. Antes mesmo que eu visse seus sapatos pretos brilhantes, os
pelos da minha nuca se arrepiaram. Levantei os olhos devagar, observando
sua calça azul marinho até chegar no cinto de couro preto. Olhei a camisa
social branca por dentro da calça e segui, botão por botão, até chegar no
colarinho. O blazer azul fazia par com a calça e o conjunto da obra deixavam
aquele homem estranhamente atrativo.
Homens com fios grisalhos na barba nunca foram motivos de olhares,
mas aqueles fios brancos que se perdiam entre os escuros davam um charme
e tanto a ele. Apesar da barba, ele não parecia ser muito velho. Talvez fossem
os cabelos que não tinham nada de branco, será que ele tingia?
Qualquer detalhe dessa minha análise se perdeu quando meus olhos se
fixaram nos olhos dele. Eram verdes e mesmo não estando cara a cara era
possível notar a borda mais escura. Intensidade era pouco para descrever
aquele olhar.
— Vejo que está melhor — sua voz penetrou em minha mente e abriu
as comportas do que eu estava tentando não lembrar.
— Calma, eu só quero conversar — a voz firme disse, me distraindo.
— Por que eu conversaria com você? — Perguntei, sentindo minhas
mãos suarem agarradas a borda do viaduto.
— Porque estou disposto a te ouvir.
Quem era aquele? E por que se importava? Ninguém se importava.
Meus olhos arderam, se enchendo de lágrimas sem que eu conseguisse
desviar daquele par verde e intenso. Eu pisquei rapidamente tentando não
ceder as batidas fortes do meu coração.
— Alissa? Está tudo bem? — Ouvi sua voz agora, mas tudo que ela fez
foi me lembrar de outro momento.
— Moço, eu vou me jogar e não importa o que me diga.
Eu estive a um passo de acabar com tudo, de deixar o mundo para trás
e não precisar lidar mais com nada e nem ninguém, mas ele não deixou.
Nada estava bem e a culpa era dele.
— O que você fez? — Questionei, perdendo a batalha e deixando as
lágrimas se derramarem. — O que você fez? — Gritei alto, ficando de pé.
— Você está bem, agora está tudo bem — ele deu um passo em minha
direção, com a voz firme.
— Não toque em mim — me afastei, dando um passo para o lado.
— Tudo bem, não vou tocar em você, mas preciso que fique calma.
Como eu ficaria calma se tudo que eu sentia era vontade de gritar?
Puxei o ar com força.
— Como é seu nome? — Perguntei, tentando controlar minha
respiração.
— Já esqueceu? — Ele deu uma risadinha, mas não era engraçado —
meu nome é Luiz.
Soltei o ar devagar.
— Luiz o que? Era composto, não era?
— Pelo menos isso você se lembra — deu de ombros, com ironia —
Luiz Henrique. Dona Glória me disse que estava a minha procura, por isso
vim aqui. O que queria?
Sim, eu perguntei por ele, mas só porque não sabia o que dizer. A
mulher estava me encarando e essa casa e...
Puxei o ar novamente.
— Eu, eu... Estou confusa.
— Não quer descansar e tomar um banho para que possamos conversar
melhor depois?
Aquilo era estranho. Muito estranho.
— O que você quer de mim?
Ele ergueu as sobrancelhas, fingindo não entender o que eu dizia.
— Ninguém é tão bom de graça — completei — o que você espera em
troca?
Ele me encarou por alguns segundos antes de falar.
— Você estava prestes a pular daquele viaduto, disse que não tinha
nada e que não podia dar nada ao seu filho...
Filho. Aquela palavra fez uma pontada acertar o meu coração. Levei a
mão a barriga inexistente e me contorci internamente por tudo de ruim que já
tinha feito para aquele ser que nem pediu para existir.
— E daí?
— Eu disse que podia ajudar... — a voz dele se mantinha firme e
tentava passar calmaria, mas tudo que eu previa era tempestade.
— Lembro de ter dito que o bebê estava na minha barriga — verbalizei
— e que não tinha como te entregar ele assim.
— É por isso que está aqui, Alissa.
— Pra fazer um aborto?
— Eu nunca machucaria um bebê — rebateu com firmeza. — Faça um
acordo comigo.
Havia um motivo, então. Pelo menos um interesse.
— Que tipo de acordo? — Perguntei, dividida entre o receio pela
resposta que viria e a necessidade de descobrir do que se tratava.
— Você fica aqui até o bebê nascer e quando isso acontecer, eu fico
com ele.
A resposta me deixou dividida.
No segundo em que a deixei deitada sobre a cama, minha mente
começou a trabalhar de maneira frenética, tentando racionalizar tudo. Eu
tinha impedido um suicídio. Aquilo me deixava extremamente aliviado, a
mulher era jovem e, provavelmente, não estava pensando direito com tantas
lágrimas a impedindo de enxergar um palmo em sua frente.
Ok, eu tinha salvado uma vida, mas e agora?
Eu deveria tê-la levado a uma delegacia de polícia ou a um hospital,
mas acabei colocando uma estranha dentro da minha casa. Tinha certeza de
que aquele inconveniente me traria bastante dor de cabeça.
Então, por que o fiz?
Por mais que eu quisesse negar, o que me pegou desprevenido foi a
menção ao bebê. A mulher estava grávida e conseguiria acabar com duas
vidas ao mesmo tempo, dessa maneira, eu não tinha salvado apenas ela. Eu
me dispus a ficar com o bebê ainda no viaduto e agora já tomava aquilo como
certo. Era o bebê que eu queria, por isso a tinha levado para minha casa.
Mas e se ela mudar de ideia?
Não, garantiria que aquilo não acontecesse.
Desci os degraus da escada e pisei firme até chegar ao meu escritório.
Abri o notebook para fazer uma pesquisa rápida ao mesmo tempo em que
buscava na agenda do celular o número do meu advogado pessoal. Antes
mesmo de digitar Alissa dos Santos no buscador do Google, Umberto
atendeu.
— Boa tarde, Luiz — me cumprimentou.
— Preciso de você — disse ao notar que havia mais de onze mil e
novecentos resultados para o nome dela na busca.
— Quer que eu vá até você? Está na empresa?
— Não, estou em casa. Sim, quero que venha até mim, mas não precisa
ser agora, quero que prepare um documento.
— Que tipo de documento?
— Um contrato em que uma mulher se comprometa a me entregar seu
filho após o nascimento.
Houve alguns segundos de silêncio, ele provavelmente estava tentando
absorver o que eu tinha acabado de dizer.
— Um acordo, certo. O que mais gostaria que estivesse no contrato?
Nós conversamos por alguns minutos enquanto eu explicava o que
tinha em mente, Umberto não me questionou e deu seu parecer sobre as
brechas que aquele acordo poderia ter.
Talvez não fosse tão simples quanto eu achei, não podia simplesmente
comprar uma criança como se fosse um objeto, mas ao fim daquela conversa
estava mais certo do que nunca: o bebê seria meu.
— Aguardo notícias — encerrei a ligação.
Observei os resultados no Google, clicando no primeiro link que me
levou até um Instagram. A Alissa que ali estava era bem mais velha e o perfil
não se encaixava em nada com o da mulher que estava deitada lá em cima.
Depois de alguns cliques que me levaram a lugar nenhum, selecionei a opção
de ver os resultados em imagens. Não consegui achá-la e percebi que estava
perdendo tempo demais naquela função que poderia ser delegada, mas
precisava de mais informações para que a busca fosse direcionada. O nome
completo era aquele mesmo? Quantos anos ela tinha? Aquilo era o mínimo e
eu não sabia, mas ela logo acordaria e eu teria as informações.
Saí do escritório e passeei pela mansão até chegar à cozinha, lugar no
qual imaginei que dona Glória estivesse. Por sorte, ela estava lá sentada na
cadeira cinza com o rosto voltado para o que quer que estivesse escrevendo
em um bloco de anotações.
— Está muito ocupada? — Perguntei depois de esperar que ela notasse
minha presença por alguns segundos.
— Não senhor, do que precisa?
— Que preparem uma bandeja e levem para o quarto de hóspedes e que
me indique alguém para ir ao shopping fazer compras de roupas femininas.
Dona Glória ergueu a sobrancelha direita, mas não expressou seus
pensamentos.
— Acho que Magda pode ir ao shopping, senhor. Algo específico para
a refeição na bandeja?
— Não, o que achar melhor — ela assentiu — e me avise quando a
hóspede acordar, não deve demorar muito.
— Sim, senhor.
Quase uma hora e meia depois, dona Glória me avisou que Alissa havia
acordado e estava a minha procura.
*
Não esperava que a mulher fosse ficar naquele estado ao me ver, ela
mesma havia me procurado. Quando seus olhos castanhos fitaram cada parte
do meu corpo, imaginei que sua reação fosse ser um pouco mais desejosa,
mas foram lágrimas que vieram à tona quando me encarou. Também não
pretendia lançar a ideia do acordo daquela maneira, pois as chances de
sucesso e adesão à minha proposta dependiam do meu poder de persuasão e
da análise do que ela desejava, por isso precisava da pesquisa antes para
saber a melhor maneira de agir. Porque receber a recusa não era uma opção.
Mas também não podia mentir e quando ela questionou o que eu queria em
troca, não consegui omitir meu desejo e acabei jogando a proposta rápido
demais, como se fosse um amador e não um jogador experiente.
— Não precisamos falar sobre isso agora — tentei voltar atrás — o dia
foi muito longo e difícil.
Observei seu corpo se jogar no sofá, se sentando de uma só vez, como
se não aguentasse o próprio peso.
Eu me sentei ao seu lado, mantendo uma distância segura e aguardei.
Alissa ficou em silêncio por um minuto completo antes de abrir a boca.
— Você cuidaria dele? — Sua voz denotava insegurança.
— Com tudo de mim — a minha denotava certeza.
— Isso tudo é muito estranho — repetiu.
— Você precisa de ajuda? — Ela assentiu devagar, apenas um leve
inclinar de cabeça para frente — eu posso ajudá-la.
— Todo mundo virou as costas para mim, por isso é difícil acreditar
que um estranho me estenderia a mão.
Vi a desconfiança em seus olhos quando se virou para me encarar.
— Não consigo dizer nada além de que posso e quero ajudar.
— Para ficar com o bebê — ela completou.
— Porque você não pode criá-lo — tentei guiar sua visão para onde eu
desejava que ela olhasse.
Mais um longo minuto de silêncio enquanto ela absorvia minhas
intenções.
— Quer conhecer a casa?
Ela sorriu. Primeiro timidamente, depois caiu em uma risada
escandalosa. Eu observava sem entender o que era tão engraçado para receber
aquela reação.
— O que eu perdi?
Alissa continuou rindo, até secar as lágrimas.
— Você chama esse palácio de casa como se realmente fosse.
— Prefere que eu diga: quer conhecer a mansão?
Ela ponderou.
— Entendi, soaria muito arrogante mesmo — respondeu, dando de
ombros. — Vamos precisar de um mapa?
Foi a minha vez de dar risada, pelo menos tinha algum bom humor nela
ainda.
— Moro aqui há oito anos, conheço os caminhos.
— Então, talvez eu precise de um mapa — Alissa me encarou — se for
mesmo morar aqui, para não me perder.
— Vou colocar um GPS em você, eu te acho em qualquer lugar.
Ela não fazia ideia, mas aquilo poderia se tornar verdade, eu não a
perderia de vista enquanto estivesse com o meu bebê.
*
Eu comecei mostrando o andar em que estávamos. Saindo da sala tinha
a porta dupla de madeira tingida de branco que dava para a sala de TV, o
espaço não era muito grande e contava apenas com oito poltronas. No
pequeno corredor, quatro degraus abaixo ficava o espaço interno para jogos.
As paredes eram escuras e havia vários pontos de iluminação, bem como uma
mesa de cartas, uma mesa de sinuca e o balcão do bar.
— Você joga? — Ela perguntou assim que encarou o espaço.
— Nunca — dei de ombros — quase não lembro que esse lugar existe.
Mostrei o lavabo e seguimos até o meu escritório. Ela encarou o espaço
com a minha mesa, algumas poltronas e a estante repleta de livros, sem
comentar nada a respeito. Atravessamos a sala e chegamos ao outro lado, no
qual mostrei a sala de jantar com sua mesa de vidro e as cadeiras de madeira.
Passamos pela cozinha com seu piso preto e branco, como um jogo de
tabuleiro, não precisarei catalogar todos os itens que têm ali, Alissa deu uma
conferida rápida e eu a guiei para o andar de cima.
— O quarto que vai ficar você já deve ter dado uma olhada. A suíte
fica ali, tem a varanda e pode usar o que precisar — indiquei rapidamente —
ao lado tem mais dois quartos de hóspedes, do outro lado fica o meu —
apontei quando estávamos no corredor.
— Você mora sozinho? Se essa casa fosse minha eu alugaria tantos
quartos — Alissa disse com espanto.
— Não preciso alugar quartos — sorri — pelo menos não esses.
Vamos ver o lado de fora.
Enquanto descíamos as escadas ela se manteve quieta e quando
chegamos do lado de fora, ao invés de encarar a piscina, ela se virou para a
fachada.
— Você é traficante?
— Ganho dinheiro por meios lícitos, se é isso que quer saber.
— É cantor sertanejo? — Continuou.
— Não sou cantor, ainda pior sertanejo.
— É pastor de igreja?
— Sou empresário, Alissa, mas não dono de igreja. Por que perguntas
tão específicas?
— Sei lá, sua casa me lembra a fachada de dois lugares que vi na TV: a
casa do Gusttavo Lima e a Igreja Universal.
— Eu devo me sentir lisonjeado ou ofendido? — Questionei sem
entender.
— É um elogio — explicou — ambos são muito ricos e acredito que
você também seja. São lugares que demonstram poder, de certa forma. Sua
casa não é apenas um lugar luxuoso, é clássica com esses pilares e a cor
branca.
— Gosto mais de clássica do que as outras comparações que fez —
decidi.
— Clássico, mas ostentador — ela concluiu ao se virar para a área
externa que, como já havia escurecido, estava completamente iluminada
pelos pontos de luz.
Passamos pela piscina e pela hidromassagem, indiquei os banheiros e o
vestiário, seguindo até a ponte de madeira.
— Eu vi isso da varanda e quase não acreditei que tinha uma ponte
sobre outra piscina — comentou, observando a água jorrar na cascata. — Isso
é um salão de festas? — Apontou para frente.
— É um anexo — apontei para o espaço com a grande mesa de
madeira rústica e suas cadeiras que combinavam com o aparador. Havia uma
cadeira suspensa, como um balanço em formato de ninho. — Há alguns
quartos aqui também e uma cozinha gourmet.
Mas ela não prestou atenção no que eu dizia, seguindo direto para o
deque de madeira. Sim, eu também havia ficado sem fôlego quando vi aquele
lugar e foi por isso que o havia comprado.
— Meu Deus, você tem uma cachoeira particular!
— É lindo, não é?
— Incrível. Estou realmente impressionada.
Alissa se virou para me encarar e seus olhos estavam brilhando. E eu
sabia que naquele segundo eu precisava jogar.
— Seu filho será criado aqui, pode imaginá-lo correndo por aí?
Seu silêncio me fez continuar.
— A melhor educação vinda das melhores escolas do estado e até de
fora do Brasil, se for desejo dele quando ficar maior. Universidades,
viagens... O mundo inteiro ao dispor dele. Seu filho será criado como se fosse
do meu próprio sangue e um dia, quando eu não estiver mais aqui, tudo isso
pertencerá a ele. Pense a respeito, Alissa.
— Ele teria tudo que eu não tive — ela deu alguns passos pelo deque,
indo até a ponta mais próxima da cachoeira — teria a chance de ser alguém
melhor do que eu fui. Eu quase tirei a vida dele e agora ele poderia ter a vida
que quisesse...
Me mantive perto para ouvi-la, mas não interrompi seu fluxo de
pensamentos verbalizados.
— Ele não terá uma mãe, mas eu tive uma que pouco se importou
comigo... e existem muitos pais que fazem o papel muito melhor.
Alissa estava quase lá.
— Você será um bom pai? — Questionou sem se virar para mim, ainda
encarando a água que jorrava sobre as pedras.
— O melhor que eu puder — fui sincero.
— O melhor que puder com certeza será melhor do que tentar matá-lo
ainda na barriga — balançou a cabeça em negativa.
— Não tem que me responder agora — comentei, mesmo sabendo que
a intenção daquela frase era exatamente o contrário.
— Eu não preciso pensar, Luiz Henrique. Aceito sua proposta, faremos
um acordo.
Me mantive impassível quando, na verdade, queria comemorar. Assim
como os grandes contratos que já fechei, aquele tinha sabor de sucesso. Não,
aquele acordo era mais agridoce, tinha um gosto especial, mas eu só o sentiria
em minha língua quando tivesse o fruto do acordo em meus braços.
Só me restava saber quantos meses demoraria para aquilo acontecer.
Dizer que eu estava chocada com aquele lugar era pouco diante do
quanto minha boca se abria a cada um dos cantos que ele me mostrava. Eu
tentei disfarçar bem, mas no deque, vendo uma cachoeira, não tinha como
fingir costume. Era tudo muito impressionante.
Antes mesmo do tour no palácio do poder, eu teria aceitado o acordo.
Se coloque no meu lugar por cinco segundos que você não será capaz de me
julgar por entregar meu filho para ser adotado. Era o melhor que eu podia
fazer por ele e, entre as atitudes que já tomei até ali, era a mais benevolente,
se é que podia usar essa palavra.
— Fico feliz em poder ajudar — Luiz Henrique falou se aproximando
um pouco de onde eu estava — preciso de algumas informações suas.
— Claro, pode perguntar.
— Qual o seu nome completo e quantos anos você tem?
— Alissa dos Santos Oliveira e tenho dezenove anos.
Notei o exato momento em que ele arregalou os olhos, deixando aquele
verde aparecer um pouco mais.
— 19?
— Tenho cara de mais velha? — Questionei sem entender a surpresa.
As pessoas geralmente não acreditam que estou prestes a fazer vinte,
elas chutam sempre entre dezessete e dezoito anos.
— Não é isso, só estou impressionado com quão jovem você é.
— Ah, é? E quão velho é você? — Enfatizei o quão porque nunca
tinha ouvido ninguém falar assim.
— Tenho quarenta anos, mas isso não vem ao caso.
— Se não fosse a barba grisalha não dava para notar — falei sem
pensar. — Desculpe, não tem problema nenhum em sua barba.
— Vamos voltar? — Assenti e ele começou a andar devagar,
acompanhei seus passos — você tem pais?
— Morava com minha mãe, meu padrasto e meus irmãos — resumi —
não lembro direito do meu pai, eu era criança quando ele morreu atropelado.
— Sinto muito — disse, por educação.
— Sem problemas, não me fez falta — dei de ombros.
— Qual o nome da sua mãe?
Sua pergunta fez meu coração apertar ao lembrar dela.
— Jussara — apenas uma palavra saiu dos meus lábios e Luiz
Henrique não insistiu no sobrenome dessa vez.
Parei de andar e encarei a piscina por alguns segundos, prestando
atenção na água como se fosse algo que nunca tivesse visto na vida.
— Nosso acordo terá que ser formalizado, Alissa — ele disse algum
tempo depois, se virando para notar que não estava ao seu lado — por isso,
precisarei dos seus dados pessoais para redigir um contrato — foi direto ao
ponto, por isso as perguntas.
— Só trouxe a roupa do corpo — abri os braços indicando tudo que
tinha.
— Memorizou o número do seu RG e CPF?
— Não conseguiria decorar nem se me pagassem por cada número —
sorri, voltando a andar até estar ao seu lado. — Quando saí da casa do meu
padrasto deixei tudo lá.
— Podemos ir pegar.
— Não vão me deixar entrar — rebati.
— São os seus documentos, você tem o direito de tê-los. Eu asseguro
que você pegará quando eu for com você.
As palavras dele foram tão firmes e cheias de certeza que eu acreditei
que ele pudesse fazer qualquer coisa para conseguir o que quer. Sabe aquele
tipo de gente que ia e pegava o que desejava? E se alguém tentasse se meter
no caminho, ele passava por cima.
— Se você diz... — Dei de ombros.
Uma mulher usando calça jeans e blusa básica rosa, apareceu na
entrada da mansão. Sem precisar dizer nenhuma palavra, Luiz Henrique a
dispensou com um acenar de cabeça. De longe, não consegui ver muito bem
quem era, mas parecia ser bem mais nova que dona Glória, já que não notei
cabelos brancos.
— Vamos entrar, pedi pra comprarem umas coisas para você.
Aquilo me deixou surpresa.
— Mandou comprar coisas pra mim?
Ele não repetiu a resposta e eu o segui até estarmos na ampla sala de
estar.
Havia dezenas de sacolas de papel das mais variadas cores e tamanhos.
Não conseguia nem imaginar quanto tinha custado tudo aquilo.
— Pode ficar à vontade — apontou.
Eu queria correr, mas pareceria desespero, então me contive dando um
passo por vez até estar no centro daquelas sacolas todas. Eu me sentei no
chão e comecei a averiguar o conteúdo.
— Não acha o sofá mais confortável? — Ele questionou, confuso.
— Estou bem aqui — peguei a primeira sacola e me deparei com uma
caixa de sapatos.
Ao abrir a caixa quase caí para trás ao ver o scarpin preto, ao virá-lo
notei o solado vermelho e a inscrição Christian Louboutin.
— Não tenho nem onde usar uma coisa dessas — pensei alto, mas alto
demais porque ao encarar o Luiz ele estava com ar de deboche — eu quis
dizer: nossa, que lindo, obrigada.
Saias, blusas de botão, calças sociais, vestidos longos, sapatos altos,
bolsas de mão e uma infinidade de coisas lindas, mas que não tinham nenhum
sentido para mim. Para onde eu iria de saia lápis preta e blusa de seda branca?
— Não gostou? — Ele perguntou algum tempo depois.
Luiz Henrique havia se sentado em uma poltrona, um pouco distante,
mas perto o bastante para ouvir meus sussurros.
— É tudo muito lindo...
— Mas? — Ergueu as sobrancelhas.
— Mas não combinam nada comigo e eu não faço ideia se terei onde
usar tudo isso.
— Eu mesmo sugeri as peças, mas agora estou curioso, o que
combinaria com você?
— Shorts, camisetas, saias jeans... Havaianas?
— Para usar dentro de casa? Aceitável. Para estar na rua? Improvável.
— Está me chamando de brega, de pobre ou de deselegante?
— Não disse nada disso — argumentou.
— Mas eu sou pobre, não se preocupe, passei dezenove anos sabendo
disso e desejando não mais ser. E agora que estou aqui, olha só a pobreza
gritando.
— Você mesma pode comprar umas coisas que te deixem mais
confortáveis — disse, por fim.
Só se eu for rodar a bolsinha na rua da frente pra conseguir dinheiro...
— Vou te dar um cartão para que faça isso — ele completou e eu me
perguntei se tinha pensado alto mais uma vez ou se era minha cara de
deboche deixando claro.
— Hospedagem, alimentação e roupas? Estou começando a perguntar
se você é um homem ou um bilhete de loteria premiado.
— Muitas acham que sou a segunda opção, não tem problema você
achar o mesmo — era desgosto em sua voz?
— Desculpe, era só uma piada.
Ele não respondeu, pegou o celular e passou a prestar atenção naquele
objeto. E eu voltei para as sacolas. Dessa vez, peguei uma cor de rosa e ao
despejar o conteúdo no meu colo fui pega de surpresa. Levantei uma das
peças rendada e notei que era uma calcinha, azul e fio dental, no mesmo
momento que Luiz Henrique decidiu olhar para onde estava. Ele encarou a
peça nas minhas mãos.
— Estou chocada com quão específico você pode ser...
— Eu não... — tentou completar, mas eu o interrompi.
— Estou perturbando.
— Acabe de ver suas coisas para que possamos ir ao que interessa:
seus documentos. Vamos pegá-los daqui a pouco.
— Hoje?
— Só escolha uma das roupas novas e se arrume — ele ficou de pé e se
retirou, me deixando sozinha com um monte de coisas caras em minha frente.
*
Eu levei quantas sacolas consegui para o quarto, mas deixei grande
parte lá na sala, desceria e subiria quantas vezes fossem necessárias para
guardar tudo depois que fizesse o que ele mandou. Não sabia quanto tempo
era “daqui a pouco”, mas imaginava que fosse bem pouco tempo. Tentei não
pensar em para onde estava indo e focar em fazer uma coisa de cada vez.
Assim, finalmente me livrei do uniforme escolar e da calça jeans surrada,
bem como da calcinha e do sutiã que estavam pedindo arrego, deixando tudo
no compartimento para roupas sujas que descobri no armário embaixo da pia
do banheiro.
Fechei o box de vidro antes de ligar o chuveiro e descobri, com alegria,
que a água saía morninha. Não ousei lavar meus cabelos para ser mais rápida
e me dediquei a apenas banhar meu corpo. Não demorei nem cinco minutos
na tarefa e logo estava enrolada na toalha branca e macia, de frente para a
cama cheia de sacolas.
— Vontade de meter um vestidão longo, né minha filha? — Falei
sozinha — pra tentar sair por cima e se mostrar superior — suspirei.
Acabei optando por uma calça preta e pela camisa social branca que
tanto desdenhei. Quando me olhei no espelho fiquei surpresa com o
resultado. Por mais que ainda fosse eu, havia um ar de adulta naquela
produção. Fiz um coque alto, amarrando com meu próprio cabelo o que
resultou em um aspecto meio bagunçado, mas que para mim estava perfeito.
Corri nas bolsas para encontrar um lápis de olho e passei levemente só
para não parecer um zumbi. Calcei um par de sandálias com salto Anabela e
apertei meus lábios para que a cor natural ficasse mais forte e fim, estava
pronta.
— Ainda dá pra catar mais das bolsas que deixou jogada — disse para
meu reflexo no espelho.
Saí do quarto apressada e desci as escadas, pronta para pegar mais
bolsas, mas ele já me esperava na sala.
— Vamos?
— Ia levar essas coisas lá em cima e...
— Dona Glória pedirá que levem — avisou e eu não tive como
contestar — Josué já está com o carro a nossa espera.
Engoli em seco e assenti, seguindo o todo poderoso. Ele havia trocado
de roupa, mas continuava formal usando um blazer cinza por cima de uma
camisa branca, a calça era da mesma cor do blazer.
Assim que nos viu se aproximar, seu Josué abriu a porta traseira para
que Luiz Henrique entrasse e eu sorri, ao encarar o motorista. Ele era alto,
como uma geladeira duplex, e tinha a estrutura robusta. Sua afeição daria
medo em quem olhasse pela primeira vez, mas seu olhar era suave, muito
mais suave do que o do seu chefe, por exemplo.
— Boa noite.
— Boa noite, senhora — sua cabeça se moveu só um pouco para me
cumprimentar.
Senhora? Ele me chamou de senhora? Quantos anos achava que eu
tinha?
— Pode me chamar de Alissa — sorri.
— Vamos, Josué — ouvi a ordem vindo do carro e entrei rapidamente
para não atrapalhar mais o motorista.
Quando ele se colocou atrás do volante, ajeitou o retrovisor central e
perguntou:
— Para onde senhor?
— Diga o endereço, Alissa — ordenou, me olhando.
— Bairro brasileirinho — engoli minha apreensão em seco — rua da
pelada, número 11.
— Ok — Josué colocou o carro em movimento.
Enquanto observava as casas deslumbrantes do condomínio, fazia as
contas de quanto tempo havia saído de casa. E havia sido apenas há dois dias,
aquela era a terceira noite que eu não dormiria no meu beliche. Quanta coisa
havia acontecido em tão curto espaço de tempo.
A verdade era que a corda já vinha se esticando há meses e apenas há
dois dias ela começou a se romper. Eu fui expulsa de casa, dormi na rua,
fiquei com fome, fui pra casa da Tamires, fui assediada e novamente expulsa.
Perdi o rumo, o controle eu nunca tive e decidi pôr um fim em tudo.
Fechei os olhos.
Meu coração bate acelerado de raiva e de desgosto. Como minha
melhor amiga pode não me conhecer? Nunca me prestaria aquele papel, ela
saberia se houvesse algum interesse meu em seu irmão.
— Aquele filho da puta me tocou sem que eu permitisse — grito
sozinha, andando pela rua e algumas pessoas me olham antes de virar a
cara.
Ainda sinto sua boca no meu mamilo, ainda sinto o medo de ser
violada naquela cozinha, contra a minha vontade.
Meu estômago se embrulha e não sei se o que sinto é fome, nojo ou
náusea da gravidez. Quando o sinto doer sei que é fome. Não sei que horas
são, mas o sol está queimando a minha pele, fazendo esquentar os meus
braços e a minha cabeça. Minha última refeição foi na casa de Tamires, na
noite anterior e eu não fazia ideia de quando seria a próxima.
Como eu viveria assim?
Sem ter onde dormir, sem comer... Quantos mais se aproximariam
enquanto eu estivesse distraída para tentar abusar da jovem puta sozinha?
E quando minha barriga crescer o que farei? O que eu darei para o
bebê comer? Se eu não comer, não terei leite. Eu o veria ficar fraco, se
definhando até a morte?
Se os que me conhecem me negam ajuda e me mandam embora, quem
me estenderá um prato de comida?
Engravidou porque quis.
Na hora de dar não chorou.
Cadê o pai?
— Ahhhhhhhhhh — grito, tampando meus ouvidos para as vozes de
todos.
Minha boca está seca. O sol parece ficar mais quente a cada segundo.
A cada passo que eu dou em direção ao nada. Para onde estou indo se não
pertenço a nenhum lugar?
Sem pai, sem parentes por perto, sem dinheiro, sem trabalho, sem
perspectiva de futuro. Sem sorte. Sem rumo. Sem vontade de viver.
A morte é o futuro de todos nós, não é?
A única certeza da vida é que a gente morrerá. Não aprendi muito na
escola, mas todo mundo sabe que o ser vivo: nasce, cresce, se reproduz e
morre.
Para mim só falta o último, já que estou grávida.
Por que esperar sofrendo o que eu sei que virá?
Eu tentei matar meu filho.
Se eu tivesse conseguido ele não teria a chance de cumprir o ciclo do
ser vivo, mas era um favor que eu estava lhe fazendo. Preciso incluir “sofre”
naquele ciclo, porque se alguém nasce pra sofrer esse alguém é o pobre. Se
for mulher, então... Nem dentro de casa consegue paz. O ciclo da mulher se
resume em: nascer, crescer, sofrer, se reproduzir, sofrer mais e morrer.
Meu devaneio me leva até perto do colégio. Meu cérebro sabe que ali
eu teria sombra, água e um prato de comida no intervalo. Mas e depois? Não
me permitiriam dormir ali, nem me dariam outras refeições, não tinha nem
onde tomar banho.
Ao invés de atravessar a avenida Hermes Fontes, eu sigo até Nova
Saneamento. E vou em frente, mas sem chegar na Francisco Porto. Ali, entre
as duas avenidas, eu soube como resolver tudo.
O viaduto que une as duas era bem alto e eu vou andando devagar até
o meio dele. Os carros passam ao meu lado enquanto eu me espremo no
acostamento, tentando não ser atropelada. Não adiantaria se fosse.
Eu inclino o corpo e olho para baixo, encarando os carros que passam
na avenida que dá no meu colégio. Por falar nele, olho para frente e noto
que dali de cima eu tenho a visão completa do Rosa Pimentel. Bem como
vejo os prédios caros, a academia de luxo e o M amarelo do Mc Donald’s
dali do bairro nobre.
Meu coração bate descompassado. Limpo minhas mãos suadas na
calça jeans e respiro fundo. Vai ser rápido. Pode doer, mas logo passa.
Meu estômago ronca e dói.
Minha cabeça lateja.
Minhas mãos estão mais molhadas do que antes de eu limpar na calça.
Olho para baixo, é bem alto.
Vai ser rápido.
Seu filho não vai sofrer.
Não vai precisar se preocupar com nada.
Ninguém vai se importar.
Inclino o corpo e seguro, com as duas mãos, na borda daquele viaduto.
Respiro fundo, é agora.
Antes que eu possa me jogar, um vulto aparece na minha visão
periférica e me distrai, olho para o lado e vejo que se trata de um homem.
— Não se aproxime mais — digo, colocando uma das pernas no
parapeito.
Olho para baixo, não para o homem.
— Calma, eu só quero conversar — ele diz como se fosse a coisa mais
normal do mundo.
— Alissa? — A voz dele me tirou do transe.
Abri os olhos e notei que estava tudo embaçado em minha frente. Levei
a mão ao rosto e percebi que estava completamente molhado.
Eu estava chorando, mais uma vez.
— Parece que toda vez que você me vê eu estou me afogando em
lágrimas — concluí, limpando o rosto com as mãos.
— Foi um dia muito difícil...
— É...
E ainda estava longe de acabar.
Enxuguei a última lágrima quando entramos no bairro e respirei fundo,
me preparando para lidar com uma nova expulsão. Dessa vez, seria mais
humilhante porque tinha plateia e, de alguma maneira, eu me sentia
incomodada por dar a ele a certeza de que não podia contar com ninguém.
Contar algo que te magoa já era ruim, reviver isso na frente do homem que
mal conhece era pior ainda.
Quando o carro de luxo entrou na rua em que morei, enxerguei através
dos vidros que havia chamado atenção. As vizinhas que estavam sentadas em
suas cadeiras de plástico na calçada, duas casas depois da minha, viraram os
pescoços tão rápido que eu podia jurar que teriam torcicolo. Os meninos que
jogavam bola na rua e faziam as traves com os chinelos que usavam, pararam
de jogar quando o carro estacionou quase em cima do campo deles. Eles
geralmente xingavam os motoristas que atrapalhavam as partidas, mas
naquele momento estavam mais impressionados com o carro preto do que
chateados por serem interrompidos.
Josué desceu e se adiantou para abrir a porta para o Luiz, mas antes que
ele pudesse descer do carro eu segurei em seu braço.
— Espere — ele olhou para os meus dedos que tocavam seu blazer e
eu os afastei rapidamente — desculpe, só ia dizer que prefiro ir lá sozinha.
Ele encarou meu rosto buscando alguma coisa, minha certeza, talvez?
Mas eu não tinha certeza nenhuma, só queria evitar uma cena na frente dele.
— Não vou demorar — não esperei resposta, abri a porta do meu lado
e desci.
Encarei o muro baixo e o portão pequeno, criando coragem para
levantar o rosto e ir em frente. Dei alguns passos para frente, passando pela
entrada, mas precisei parar na grade que estava trancada com cadeado.
A gente não costumava fechar o cadeado cedo, apenas na hora de ir
deitar porque os meninos costumam entrar e sair muitas vezes. Mudaram isso
há dois dias para o caso de eu tentar entrar? Só podia ser.
— Mãe? — Ela estava no sofá, assistindo TV, mas podia me ver. Era
tudo perto demais naquele cubículo. — Mãe, não está me ouvindo? Preciso
pegar umas coisas.
Ela continuou prestando atenção na novela que passava, me ignorando
completamente. Aquilo doía de uma maneira que não saberia descrever em
palavras. Estava cogitando desistir, me virar e pedir pra tirar uma segunda via
de tudo, quando notei ela se virar. Foi alguns segundos depois de eu falar, ela
se virou para onde eu estava e meu coração parou. Dona Jussara finalmente ia
tentar me ouvir...
— Boa noite — a voz imponente dele bem atrás de mim me assustou e
eu fechei os olhos para absorver o impacto.
— Eu disse que... — Comecei, sem me virar, mas ele me interrompeu.
— Você disse o que preferia, eu não disse que concordava.
Antes que eu pudesse me virar para responder, ela deu um pulo do sofá
e agarrou o molho de chaves que estava jogado ao seu lado. Enquanto ela se
esforçava para enfiar uma simples chave no cadeado, olhou através de nós e
eu soube o momento exato em que viu o carro parado na porta.
— Quem está aí? — Meu padrasto apareceu sem camisa, usando
apenas um short velho com estampa de listra e os pés descalços,
provavelmente tinha acabado de tomar banho. — Ah... — me encarou com
desdém.
— Pode entrar — ela esticou a mão, apontando para dentro, de repente
toda solícita — e quem é você mesmo?
— Ele se chama Luiz Henrique — respondi quando entramos.
Ele parecia tão grande naquele lugar, ocupando todo o espaço com sua
presença marcante.
— Sou o pai do seu neto — respondeu por conta própria, me deixando
sem palavras.
Não fui a única a ficar dessa maneira, o queixo da minha mãe quase
bateu no chão ao ouvir aquilo e o meu padrasto assentiu, como se aprovasse a
escolha. Patético.
— Ele é seu namorado, Li? — Wanderson que eu nem havia notado
chegar, estava atrás do Luiz, olhando pra cima encarando o visitante. Alisson,
Antônio e Jairo se espremiam para ver tudo da porta.
— Parece que o golpe da barriga veio — Jairo sussurrou de maneira
nada discreta, desejando ser ouvido.
— Fica na sua — Jair rosnou para o filho.
— Desculpe não oferecer nada, mas sabe como é né, casa de pobre...
— ela tentou encobrir a fala do enteado.
E eu quase revirei os olhos para minha mãe ao ouvir aquilo. Mais um
pouco e pediria um empréstimo só porque o homem exalava dinheiro.
— Não se preocupe, não vamos demorar — Luiz me encarou — Alissa
querida, pegue suas coisas...
— Tô indo — resmunguei, detestando receber ordens.
Dei alguns passos até o armário da cozinha para pegar umas sacolas de
supermercado e segui para o quarto. Da caixa de papelão que me servia de
guarda-roupas peguei meus dois melhores shorts jeans, as calcinhas menos
destruídas e manchadas, umas camisetas, um sutiã e meu biquíni. Peguei a
pastinha de elástico azul que continha minha certidão de nascimento, carteira
de identidade, CPF, título de eleitor e todos os outros documentos que já tive
na vida. Encarei o caderno jogado, minha caneta bic e os livros didáticos, em
dúvida sobre levá-los ou não, mas eram meus e não tinha motivos para deixar
ali. Era isso, minhas coisas cabiam em duas sacolas de plástico.
— Vai embora de verdade, Li? — Wanderson perguntou entrando no
quarto.
— Eu já tinha ido, né? Só voltei porque esqueci essas coisas. Mas não
se preocupe não, você fica com a minha cama.
— Sério? Pelo menos não vou ter que dormir mais apertado naqueles
dois — comemorou.
— Viu? É o lado bom.
— Não vai mais me levar pra escola — concluiu.
— Você nem gostava quando eu fazia isso — perturbei — mas estude,
viu? Você viu aquele carrão lá fora? — O garoto assentiu — o Luiz estudou
muito e conseguiu, faça o mesmo para ter um igual.
— Mas a escola é tãããããão chata — lamentou e eu quase concordei.
— Às vezes precisamos fazer coisas chatas pra conseguir aproveitar as
legais — pisquei.
— Você tá mais legal agora que não mora aqui — concluiu.
— Viu, só? Passei pela chatice de ir embora e agora tô mais legal como
visita.
— Li, vai ser rica?
— Quem me dera — gargalhei — mas aqui tem um neném — toquei
na minha barriga — ele vai ser muito, muito rico.
Ele se aproximou de mim e me agarrou pelos quadris, aproximou a
cabeça da minha barriga e sussurrou.
— Você me dá dinheiro pra comprar pirulito quando nascer, hein
neném?
Pirulito. Ele queria dinheiro pra comprar doce, assim como eu já quis
muitas vezes quando era criança. Não podia garantir que o neném cumprisse
aquela promessa, eu sequer sabia se ia vê-lo depois que o acordo acabasse.
— Eu tenho que ir — sorri, me abaixando para ficar da altura dele —
quer me dar um abraço de despedida?
— Não gosto tanto assim de você — desdenhou — mas vou sentir
saudade — ele se jogou em meus braços.
Eu não era a mais legal e amorosa das irmãs mesmo, mas o apertei
contra mim para o caso de sentir saudade algum dia. Meu irmão se
desprendeu do meu abraço na mesma velocidade que o buscou e aguardei que
outros braços viessem ao encontro do meu corpo. Seria pedir demais que a
sua própria mãe a abraçasse na sua despedida? Sei que não era um gesto
comum entre nós, as demonstrações de afeto aqui em casa sempre foram do
tipo “deixei pão pra você” ou “comprei seu creme de cabelo”, ações práticas
que durante muito tempo preencheram a lacuna do afeto físico, mas só por
hoje eu queria ter a minha mãe me abraçando e dizendo com palavras que eu
era amada.
Quando voltei à sala, olhei em direção a ela e vi que não me olhava de
volta, seus olhos estavam mais atentos ao Luiz e a sua áurea de poder. Queria
gritar por atenção, queria dizer o quanto eu estava magoada por ter sido
expulsa de casa e não contar com o apoio dela, queria dizer que graças a um
desconhecido eu estava viva, viva para permitir que meu filho não tivesse o
meu destino triste, mas fiquei calada. Não porque as palavras sumiram da
minha boca, mas porque tive medo de que elas não fossem ouvidas
novamente. Eu não suportaria expor minha fraqueza, mais uma vez, e não ser
acolhida, não na frente do Luiz.
Respirei fundo e ajeitei minha postura desleixada, ignorando a dor
gritante no meu peito, bem como as lágrimas que ameaçavam escapar dos
meus olhos mais uma vez. Quando levantei a cabeça encontrei o olhar de
Luiz direcionado aos meu e eu quase perdi a luta contra as lágrimas, porque
pela segunda vez na vida alguém olhou para mim como se eu fosse
importante, como se se preocupasse comigo.
— Eu já vou indo, mãe... — A minha voz saiu com dificuldade.
— Tá certo — respondeu rapidamente. — Apareça qualquer dia pra
gente conversar com mais calma — completou olhando para o Luiz.
— É, não vá afastar nosso neto da gente só porque enricou. —Jair falou
com um sorriso amarelo no rosto. A quem ele queria enganar com aquela
encenação? Isso era demais para mim.
— Neto? — Rebati deixando a minha raiva transbordar. — Esse bebê
que eu carrego não será seu neto, assim como eu nunca fui uma filha para
você. Não precisa bancar o papel do padrasto bonzinho na frente do Luiz, ele
deve reconhecer gente como você a distância.
— Garota malcriada! — A bronca foi seguida pelo tom brusco
costumeiro — o doutor vai ter muito trabalho pra adestrar essa aí. Se fosse o
senhor eu mantinha em rédea curta...
— Não me recordo de ter solicitado conselhos a você. — Luiz dirigiu a
Jair o tipo de olhar que não permite confronto. Assisti com um sorriso de
vitória nos lábios, o babaca do meu padrasto desconfortável com a chamada
que levou. — Vamos Alissa? — Voltou-se para mim.
— Vamos. — Respondi sorrindo.
Aquela não foi a despedida que eu imaginava, mas foi bom presenciar
a valentia do Jair sumir diante dos meus olhos. Antes mesmo que o carro nos
levasse para longe da minha casa eu dividi meus pensamentos com o Luiz.
— Uau, nunca tinha visto ninguém deixar aquele idiota sem reação —
virei meu corpo na direção dele para encará-lo — e você conseguiu isso sem
usar as mãos.
— A violência não é a melhor das soluções para a maioria dos
problemas.
— Mas às vezes é a única que mantém um valentão na dele — dei de
ombros — eu cheguei a pensar que ele fosse partir pra cima de você, ele não
é do tipo que se deixa ser contrariado, ainda mais dentro da casa dele. Mas,
ele é só um covarde no fim das contas.
— Você está triste por que eu não fui agredido? — Arqueou a
sobrancelha.
— Não — neguei sorrindo — e além do mais não tinha a menor chance
de você apanhar do Jair, você é mais jovem que ele... E forte — completei
observando o contorno do seu corpo através do blazer, será que havia
músculos firmes e definidos por baixo daquela roupa social?
Ele desviou o olhar rapidamente e, olhando pela janela, me lançou suas
dúvidas.
— Presumo que existam capítulos anteriores ao nosso encontro...
— Eu não queria falar sobre eles.
— Alissa, eu imagino que seja doloroso reviver tudo, mas eu preciso
saber mais sobre você, descobrir que tipo de situações circundam esse bebê.
Ele vai ser meu filho e eu preciso saber das suas origens, saber da paternidade
biológica para informar aos meus advogados e me precaver de qualquer
interferência no futuro...
— Pode ficar tranquilo com isso, o pai desapareceu.
— Desapareceu? — Questionou.
— Sim, parece que abriu um buraco no meio da terra e ele se enfiou
nele e desapareceu sem deixar rastros.
— Ninguém desaparece sem deixar rastros.
— O Matheus conseguiu. Se é que Matheus é o nome dele mesmo.
Suspirei, sabendo que tinha que contar, mesmo que ele me achasse a
mais burra de todas por ter caído tão feio.
— Bem, o caso é que conheci um cara em um aplicativo, nós ficamos
uma vez e ele sumiu. O resto você já sabe: estou esperando um bebê que não
tem pai.
— Essa última parte está errada. O bebê tem um pai e ele está bem aqui
na sua frente.
Aquela informação era capaz de me deixar aliviada e em choque ao
mesmo tempo.
Eu poderia facilmente me acostumar com aquela cama macia que
parecia querer me engolir quando me deitava. Não era tão mole ao ponto de
poder ser comparada a uma nuvem fofinha, mas era tão boa que não dava
vontade de levantar. Os lençóis tinham cheirinho de limpeza e todo aquele
espaço só para mim me causava estranheza ao mesmo tempo que me deixava
feliz. Como pode alguém se sentir mais à vontade em um lugar estranho do
que na própria casa?
Encarei as portas da varanda, me deitando de lado, ao lembrar que na
noite anterior, depois de ele declarar que seria o pai do bebê, nós seguimos
em silêncio até a mansão. Aqui, fomos recebidos por dona Glória que disse
que o jantar nos esperava. O cansaço estava tomando conta do meu corpo e
nem se eu quisesse conseguiria me manter com os olhos abertos, por isso
avisei que ia direto para a cama. Só me lembro de ter conseguido trocar a
roupa por uma camisola de seda longa e cor de rosa antes de cair na cama e
apagar.
Agora, não fazia ideia de que horas eram e isso me lembrava que talvez
pudesse achar um relógio naquela casa para trazer para o quarto. Caso
contrário, viveria em meu próprio fuso horário. O que não era problema para
mim, mas será que seria educado viver ignorando completamente o dono da
casa e qualquer outra pessoa que esteja ali?
— A realidade é que você não sabe onde está e não tem a menor ideia
de como as coisas aqui funcionam — confessei em voz alta, me sentando —
mas se sou convidada posso passar o dia todo nessa cama perfeita, né?
Eu achava que sim até ouvir baterem na porta.
— Pode entrar — gritei.
Podia gritar? Deus, será que tinha em algum lugar um manual de
etiqueta para estar em mansões de luxo convivendo com pessoas podres de
rica?
— Com licença, bom dia, dona Glória pediu para verificar se a senhora
vai descer para tomar café da manhã ou se deseja que traga uma bandeja — a
mulher que estava próxima a porta era baixa como eu e devia ter na faixa dos
quarenta anos. Seus cabelos eram escuros e estavam presos em um coque,
usava calça e blusa preta que agora presumi ser uniforme, já que dona Glória
usava semelhante. Sua pele era clara e os olhos pretos, ela parecia um pouco
sem graça por ter que ir me perguntar aquilo.
— Ah, oi, qual seu nome?
— Magda.
— Sabe me dizer que horas são, Magda?
Ela olhou para o pequeno relógio preto em seu pulso e me informou.
— Dez e quarenta, senhora.
— Meu Deus, eu dormi demais — arregalei os olhos — mas essa cama
é perfeita.
— E então, vai tomar café lá embaixo?
— Vou, não quero dar mais trabalho — pulei da cama — quem está em
casa?
— Doutor Luiz está trabalhando no escritório — sorriu.
— Obrigada, desço em um minuto.
Estava tarde, queriam arrumar as coisas do café e eu estava
atrapalhando, ninguém merece. Corri para o banheiro para fazer xixi e passar
a mão molhada para domar os fios do meu cabelo antes de prender em um
coque apertado. Se eu fosse procurar o que vestir demoraria ainda mais, por
isso, peguei o robe que veio junto com a camisola e coloquei por cima,
amarrando o nó. Eu comeria bem rápido e voltaria para o quarto para tomar
banho, ninguém me veria.
A sala de jantar estava vazia, mas a mesa estava abarrotada de comida.
Eu também poderia me acostumar com aquela fartura todas as manhãs.
Quando meu estômago roncou, corri para colocar um copo de suco de goiaba
enquanto enfiava um pãozinho na boca. Peguei um prato branco, raso e de
louça, e o enchi com bolo de laranja, pão e biscoitos rosquinha antes de me
sentar. Já tinha devorado tudo e estava prestes a repetir, quando o espaço foi
tomado.
— Bom dia, Alissa.
Aquela voz. Que bom que eu já tinha engolido o que estava na boca ou
teria me engasgado com a aparição surpresa.
— Bom dia — olhei para o homem que se aproximava e avaliei que
hoje usava um blazer cinza mais escuro. A camisa era novamente branca e
muito bem passada. Não usava gravata e a calça combinava com o blazer.
— Espero que tenha dormido bem — continuou, me fazendo parar com
a inspeção.
— Muito bem, perdi a hora — dei de ombros.
— Meu advogado trouxe o contrato para formalizar nosso acordo,
quando você acabar aí já pode assinar — ele parou de pé, na outra ponta da
mesa, do lado oposto ao que eu estava.
— Nossa, que rápido — assenti.
Eu tinha deixado a pasta com os documentos com ele antes de subir
ontem a noite e agora pela manhã já estava tudo pronto?
— Costumo ser bem eficiente nos meus negócios — o tom presunçoso
não passou despercebido.
A dica de que aquilo era um negócio também não. Se eu fazia parte do
negócio, deveria agir como tal.
— Deixe o contrato aí que vou ler — respondi com a voz mais firme
que consegui.
— Tudo bem, se achar que algo deva ser mudado você me diz —
deixou a pasta marrom sobre a mesa.
— Sim, eu te aviso.
— Com quanto tempo você está? — Ele me encarou, erguendo o olhar.
— Acabei aqui e já vou ler — respondi rapidamente.
— De gravidez — explicou.
— Ah — que burra, Alissa — não sei exatamente é confusa essa
contagem em semanas, eu saí com o Matheus em abril.
— Como assim não sabe? — Ele deu passos longos até estar ao meu
lado. — Não fez nenhum exame ou consulta esse tempo todo?
Agora ele estava perto demais e eu pude sentir cada julgamento que
passou por suas palavras. Eu me senti acuada, por isso fiquei de pé para
responder.
— Não fiz nada além do teste de farmácia — ele bufou — não sei se
você se lembra, mas eu estava tentando me matar, não tinha a menor intenção
de levar tudo isso adiante.
Sua expressão mudou na hora em que ouviu as palavras.
— Sinto muito — lamentou — depois você olha o contrato, antes de
qualquer coisa precisamos ir a um médico saber se está tudo bem.
— Não vai querer comprar um bebê com defeito, não é? — Joguei,
irritada sem saber exatamente o motivo. — Você está certo, eu tentei abortar,
pode ser que nem tenha nada aqui dentro.
Luiz Henrique engoliu em seco, estreitando os olhos ao me encarar
quase sem piscar.
— Troque de roupa, vamos para uma consulta agora.
— Que ótimo, você deve ser o dono de uma clínica médica também —
resmunguei, passando por ele e saindo daquela sala sufocante.
Saí batendo o pé por mais irritante que aquilo parecesse. Não sabia
dizer o que era, mas eu não era a mesma Alissa de antes. Descobrir que
esperava um filho de um pai desconhecido trouxe um peso aos meus ombros
que eu logo percebi que não era capaz de suportar, culpa e frustração me
acompanhavam desde então. Ao que parecia, nem tudo estava perdido eu
poderia ter a minha vida de antes de volta, Luiz estava me oferecendo isso. O
contrato que ele me entregou deveria apresentar os detalhes e, o mais básico
deles com certeza seria manter o bebê dentro de mim e saudável, não deveria
ser tão difícil assim de executar.
O bom senso dizia que eu deveria me aprontar, mas contrariando isso,
eu entrei no box do banheiro e deixei o jato de água quente molhar os meus
cabelos. Um sorriso involuntário surgiu nos meus lábios quando imaginei o
Luiz me esperando enquanto eu tomava o meu banho calmamente. Levei uma
boa quantidade do shampoo das minhas mãos até a cabeça e comecei a
massagear o couro cabeludo, fazendo espuma. Em seguida foi a vez de
aplicar o condicionador e ali mesmo no box desembaracei os fios. Ao término
do banho eu me sentia completamente limpa e ciente que o Luiz deveria estar
furioso me esperando e aquilo me fez sorrir pela segunda vez.
Dessa vez não precisei escolher o que vestir dentre as sacolas, as
roupas estavam no guarda-roupa devidamente organizadas, devem ter sido
colocadas ali enquanto eu estive na casa da minha mãe. Uma olhada rápida
entre as muitas opções a minha vista e acabei pegando o vestido longo verde
estampado de poá preto e de manga bufante, a peça era mais jovial que a usei
no dia anterior e se ajustou perfeitamente ao meu corpo. Dei uma voltinha
para contemplar aquela minha nova versão e gostei do que vi. Acrescentei ao
look um par de argolas douradas, achada em uma das gavetas junto com
outros acessórios, e nos pés uma rasteirinha nude com aplicação de pedrarias.
Após me vestir penteei o cabelo, acabei optando por deixar os fios ondulados
soltos e partidos ao meio no fim do processo. A demora em cada uma
daquelas ações já deveria ter deixado o Luiz Henrique mega irritado, mas já
que eu tinha cutucado a fera decidi que uma maquiagem não me faria mal,
pelo contrário ajudaria a desfazer a expressão de cansaço que nem mesmo as
horas de sono tinha dado jeito. Não sabia quem tinha pensado em tudo aquilo,
mas havia vários itens de cosméticos no meu tom a minha disposição e
naquele momento fiz bom uso do corretivo, base, pó compacto e batom
vermelho.
— Pronto Alissa, agora pode enfrentar a fera — disse em voz alta e
segui quarto a fora.
Não esperava que ele me recepcionasse com bom humor, mas o que
encontrei ao olhar nos seus olhos me fez estremecer. Ele me fitou com um
olhar tão frio quanto as geleiras do Polo Norte, engoli em seco e me
aproximei devagar. Sem dizer uma única palavra ele se colocou em
movimento com passos firmes e rápidos e o acompanhei logo atrás, com
passos hesitantes.
Tive vontade de gritar para seus ombros largos que se ele não tivesse
me irritado, eu não teria testado a sua paciência. Eu aceitaria o acordo, daria
meu filho a ele, mas isso não significava que deveria me submeter as suas
ordens. Ou significava? Por ora, optei pelo silêncio deixando as perguntas se
acumularem dentro de mim.
Como no dia anterior, Josué já nos aguardava ao lado do carro e logo
prontificou-se para abrir a porta para o patrão que entrou pelo lado esquerdo
do carro e depois voltou-se para o outro lado para repetir o gesto para mim.
— Bom dia, senhora — me cumprimentou.
— É Alissa — repeti para o caso dele não ter guardado o nome — bom
dia.
— Ok, senhora.
— Ele vai sempre me chamar de senhora? — Questionei ao Luiz
Henrique que nem seu ao trabalho de me olhar.
Soltei o ar com força como uma criança birrenta faria e virei para o
outro lado para olhar para os outros carros quando Josué colocou o nosso em
movimento.
O trajeto curto nos levou até onde seria a consulta. As letras de aço
inox se uniam dando nome ao lugar: Clínica Santa Margarida. O lugar não
me lembrava em nada o posto de saúde do meu bairro, era chique e moderno
com o exterior todo espelhado de uma ponta a outra.
— Vou precisar carregar você? — A voz de Luiz chegou até mim e me
despertou. — Algum problema, Alissa?
— Eu não sei o que dizer à médica — soltei de uma vez — não sei se
saberei o que responder, a última vez que fui ao médico minha mãe estava
comigo e ela falou tudo.
— Você quer que eu a acompanhe — aquilo não foi uma pergunta, mas
uma constatação — podemos ir agora?
— Sim.
Se Luiz Henrique não era dono do lugar as pessoas o tratavam como
tal, não esperamos na recepção como as outras pessoas do lugar, mas
seguimos pelo corredor até o elevador que nos levou ao segundo andar do
ambiente. Lá passamos por outra recepção e seguimos até parar diante de
uma porta grande de madeira. Uma batida rápida na porta anunciou a nossa
chegada e ele se moveu para dentro da sala sem aguardar resposta, segui os
seus passos e também entrei no espaço.
— Luiz Henrique que prazer em te ver — a mulher de sorriso aberto o
recepcionou, indicando que nos sentássemos. — Você deve ser a Alissa —
disse com o seu sorriso amigável — eu sou a Leila Malheiros, tudo bem? —
Balancei a cabeça em resposta. — Então Alissa, quer dizer que temos um
bebê a caminho, né?
— Sim.
— Vou te fazer algumas perguntas para montar o seu cadastro, tudo
bem?
— Tudo bem.
— Qual a data da sua última menstruação?
— Não sei o dia exato, mas foi no começo de março.
— Faz uso de algum contraceptivo? DIU, pílula, injeção?
— Eu tomava a pílula que dava no posto, mas quando engravidei já
estava sem tomar há algum tempo... — Leila balançou a cabeça enquanto
seus dedos rapidamente tocavam o teclado.
— Qual a última vez que fez exames ginecológicos?
— Esse é o exame de lâmina, né? — Ela confirmou com a cabeça. —
Eu nunca fiz. — Confessei e esperei escutar o sermão da médica, mas ele não
veio, assim como nenhum julgamento do que eu falei.
— Quantos anos você tem, Alissa?
— 19.
— Era virgem quando engravidou?
— Não.
— Quando foi a sua última consulta com o ginecologista? — As
perguntas seguiram e eu me remexia na cadeira, impaciente. A médica até
que me fazia se sentir confortável, mas o Luiz tenso ao meu lado não ajudava
em nada.
— Então doutora, eu não tenho costume de ir a médico. A última vez
que fui no médico foi para ele passar o anticoncepcional, era o clínico geral e
ele mal olhou na minha cara enquanto escrevia a receita.
— Ok.
— Isso não está certo — Luiz rompeu o silêncio — como alguém passa
tanto tempo sem ir ao médico? Por Deus Alissa.
— Eu nunca tive problema de saúde — justifiquei.
— Isso é o que você acha, nunca foi a um médico para saber —
discordou — Leila gostaria que ela fosse submetida a um check-up completo.
Se achar que será mais cômodo para ela uma internação para realizar todos os
exames de uma só vez assim será feito.
— Eu não vou ficar internada! — Busquei socorro na médica — fala
pra ele que isso não é preciso.
Luiz também olhou para a médica e eu tive a sensação de derrota
quando ela desviou o olhar do mundo e fixou nele.
— Ela tem razão — respirei aliviada — é verdade que ela precisa
realizar alguns exames para sabermos sobre a sua saúde e do bebê, mas isso é
rotineiro no pré-natal. Eu sei que como pai você está preocupado com o bem-
estar de ambos, mas não é momento para pânico, Luiz. — Ele não parecia
satisfeito com a decisão da médica, mas não discordou — Alissa, vamos
aproveitar que já está aqui e realizar o Papa Nicolau?
— Acho que sim.
— Ótimo — ela sorriu — vamos até a sala ao lado onde realizo os
exames, você pode aguardar lá fora se preferir, Luiz.
— Eu vou esperar aqui.
A sala ao lado que a médica citou era acessada pelo seu consultório
mesmo, uma porta de correr dava acesso ao novo ambiente e naquele
momento entendi que ser salva por Luiz me levou por um caminho que eu
não tinha ideia de conhecer um dia. Nunca que eu conseguiria atendimento
no posto de saúde pro mesmo dia da marcação e ainda realizaria exames
durante a consulta. Tudo era inconcebível no meu mundo, mas ali estava eu
desfrutando dos privilégios que o dinheiro permitia.
E aquilo me deixava assustada e feliz.
Se o Luiz tinha ficado surpreso por eu não ir ao médico com
frequência, eu estava tão surpresa quanto ao ver a quantidade de tubinhos de
sangue que conseguiram tirar de mim. Não sabia que era preciso uma pessoa
fazer tanta coisa quando engravidava, achei que era só um ultrassom como
nas novelas e pronto. Para começar teve aquele chato exame de lâmina que
fazia a gente ficar toda aberta com as pernas para cima. Eu não tinha
problema em expor minha boceta na hora H, mas naquele momento fiquei
desconfortável pela posição arreganhada diante da doutora. Sorte que aquilo
não durou muito, pois Leila explicou o procedimento do exame, bem como a
sua importância. Ela disse que o Papanicolau era indicado para as mulheres a
partir do início da atividade sexual, e que tinha como objetivo detectar
alterações e doenças no colo do útero, como inflamações, HPV e câncer. Ao
fim, ela me disse que ele seria breve e indolor, mas eu não estava mais
prestando atenção ao que dizia.
Meus pensamentos se concentraram no que poderia ser visto naquele
exame, e se eu tivesse pego uma daquelas doenças listadas no folder de DST
distribuídos na sala de aula? Eu sabia que as doenças poderiam ser
transmitidas através da relação sexual sem camisinha, mas na hora do vamos
ver a agente esquece até nosso nome, quanto mais desses assuntos. Em minha
defesa, costumava usar preservativo sempre, mesmo tomando o
anticoncepcional e o Mateus foi o primeiro homem com o qual eu transei sem
e acabei engravidando.
Não era possível que eu seria castigada duplamente. Ok, talvez Deus
tenha motivos para me castigar, mas dar um filho e uma DST aos dezenove
anos era mais do que eu merecia, Pai. Opa, não era para ser uma prece
direcionada ao Senhor. Eu não era uma pessoa religiosa, mas deveria ter um
limite para se dirigir a Deus, né? E certamente não era enquanto você tinha
um cotonete introduzido na sua boceta, mas meio que foi inevitável não
seguir esse caminho diante do pavor pelo resultado. Fechei os olhos e deixei
que meus pensamentos seguissem para longe das doenças sexualmente
transmissíveis e da conversa com Ele em uma posição tão íntima.
— Pronto, Alissa — A médica falou colocando fim ao exame. Ela
estava certa quando disse que seria rápido e indolor. — Tem um banheiro
aqui do lado e você pode utilizá-lo se quiser.
E foi o que fiz assim que ela me deixou sozinha, usei o banheiro para
fazer xixi e logo me juntei a ela e ao Luiz na sala de atendimento.
— Bem — a médica se voltou para mim com uma folha de papel em
mãos — aqui tem alguns exames laboratoriais que você deverá fazer.
— Tantos exames? — Perguntei olhando para a lista imensa.
— Esse é só o começo, querida — sorriu — durante o pré-natal você
vai realizar mais alguns deles.
— E ainda dizem que gravidez não é doença — doutora Leila sorriu
mais uma vez, mas Luiz não emitiu nenhuma reação.
Ainda deve estar bravo.
— Aqui na clínica mesmo você poderá realizar a coleta do sangue.
— Mas eu comi antes de vir pra cá — expliquei.
— Tudo bem, alguns dessa lista não necessitam do jejum. O
ambulatório fica no primeiro piso, tem sinalização no ambiente indicando o
caminho — completou — quando você tiver com os resultados em mãos
você retorna aqui, tudo bem?
— Sim, obrigada.
— Obrigado, Leila — Luiz agradeceu a médica, apertando sua mão.
— Acho que vamos nos ver com mais frequência agora, né? — O olhar
dela seguiu dele para mim. — Até mais.
Luiz foi o primeiro a caminhar até a porta, ele a manteve aberta para
que eu passasse.
— Será que a gente não pode fazer isso, amanhã? — Quando eu
perguntei, ele arqueou a sobrancelha direita. — Quer dizer, eu não posso
fazer esses exames amanhã?
— Está se sentindo mal?
— Não, é só que...
— Então, você vai fazer hoje — usou aquele tom que não permitia
discussão.
Luiz apertou o botão para chamar o elevador e voltou a me ignorar. A
porta do elevador se abriu e ele permitiu que eu entrasse primeiro, quando o
ascensor se colocou em movimento a sua voz se fez ouvida.
— Você não parece o tipo que tem medo de agulha.
— Com que tipo pareço, então? — Ergui o queixo para não me deixar
intimidar pelo ar de dominador que ele emanava.
Ele me encarou por alguns segundos como se buscasse uma resposta,
mas seja o que fosse que ele procurava, logo seus olhos se afastaram dos
meus e se fixaram na porta metálica.
— Por que você não consegue manter um diálogo comigo?
— Acho que eu conversei muito com você nos últimos dias —
justificou.
— Não, você me fez perguntas e eu respondi, é bem diferente.
— Eu não fiz uma pergunta sobre a agulha, foi você quem fez para que
eu comentasse o que achava sobre você — pontuou.
— E?
— E que eu ainda não tenho uma opinião formada, então prefiro
manter meus pensamentos para mim.
— Mas seus pensamentos foram verbalizados quando disse que eu não
era do tipo que tinha medo de agulha — rebati, irritada.
— Foi um erro, não vai se repetir.
O elevador chegou ao local solicitado e ele praticamente se arremessou
para fora da caixa como se ela estivesse em chamas.
— Não precisa me acompanhar, eu acho o caminho — falei por que eu
necessitava de alguns minutos longe dele e da sua personalidade que
alternava frequentemente entre preocupado e desligado. Mas ele me
acompanhou a distância, pelo menos deveria ser dele que vinha o som da
pisada firme logo atrás de mim.
Para meu alívio, ele não entrou na sala comigo, pois veria que apesar
de não ter medo de agulha, não gostava de vê-la sendo introduzida. Meu
braço foi furado várias vezes até encontrar a veia e quando a moça de olhos
castanhos finalmente encontrou, arregalei os olhos achando que tirariam todo
meu sangue. No fim, vários tubos foram cheios com meu sangue.
Ao término daquela caça a doenças eu estava cansada e querendo
comer mais uma das comidas gostosas da casa do Luiz. E sem compartilhar
mais seus pensamentos ele me levou de volta ao seu castelo.
*
— Alissa, Alissa... — Escutei meu nome sendo chamado e por um
breve momento fui levada a quando eu morava na minha casa e mainha
costumava me acordar, mas a voz dela era mais alta e não suave como a que
falava o meu nome.
— Pode entrar... — falei, me sentando na cama.
A porta foi aberta vagarosamente de um modo contrário ao que minha
mãe faria. Colocando apenas metade do corpo para dentro, Magda se
identificou.
— Bom dia, a senhora solicitou que te acordasse às oito da manhã.
Ontem antes de dormir eu achei que oito horas era um bom horário
para acordar na casa dos outros e como não podia confiar no meu despertador
interno para acordar, pedi a ela que fizesse isso por mim.
— Bom dia, obrigada. — Ela assentiu e se preparou para fechar a porta
quando voltei a falar. — Magda, tem alguma regra que impeça as pessoas de
me chamarem de você nessa casa?
— Não, senhora.
— Então porque é “senhora Alissa” pra cá, “senhora Alissa” pra lá?
Me sinto uma velha sendo chamada assim.
— Não é pela sua idade, é um tratamento de respeito. Aqui
costumamos usar senhor e senhora para se referir aos patrões.
— Mas eu não sou sua patroa.
— Mas é convidada do patrão.
— E como convidada você deve fazer tudo para eu me sentir à
vontade, certo? — Ela balançou a cabeça em afirmação. — Então, se eu
pedir que passe a usar “você” para se dirigir a mim vai ter que me atender,
né?
— A senhora é muito esperta — Magda sorriu — mas eu ainda
continuarei a te chamar de senhora.
— Mas vocês não me desrespeitarão me chamando de você. Já sei, o
problema é com o Luiz Henrique!
— Não tem nenhum problema com o patrão — discordou. — Será que
posso voltar às minhas tarefas?
— Sim.
Quando a porta do quarto foi fechada eu ainda estava pensando em
uma forma de não ser tratada por senhora pelos funcionários do Luiz, se
conversar com eles não estava adiantando, talvez eu devesse falar direto com
o patrão deles para pedir que abandonassem aquela bobagem comigo. Era
isso, tomaria café e procuraria o Luiz para conversar.
Antes que eu fosse mais uma vez envolvida pela cama macia saí dela e
fui ao banheiro fazer a minha higiene matinal. Ao sair do banheiro, busquei
no guarda-roupa alguma peça para substituir a camisola de seda, queria uma
roupa de ficar em casa e percebi que só tinha as velhas que trouxe de casa. Eu
parecia uma mendiga usando camiseta e short desbotado, mas foi assim que
desci para tomar o café da manhã.
Encontrei a mesa repleta de comida, mas um item especial saltou aos
meus olhos, assim que me aproximei.
— Cuscuz! — Praticamente gritei quando vi a comida na mesa.
Glória que estava repondo alguns itens da mesa ergueu a cabeça
rapidamente e me fitou com um olhar de desaprovação pela empolgação
exagerada.
— Pedi que fizesse carne do sol para acompanhar, mas se a senhora
preferir posso pedir que façam outra coisa...
— Está ótimo! — Me sentei na cadeira e me servi de um pedaço
generoso de cuscuz e da carne do sol em cubos. — O Luiz está em casa?
— Não, ele não está em casa. Algo em que eu possa ajudá-la?
— Não, é um papo que eu tenho que ter com ele.
— Com licença. — Ela se retirou da sala e aproveitei para atacar a
comida sem me preocupar em estar sendo julgada por encher a xícara com
café bem além do que deveria ser considerado chique.
Comi além do que tinha vontade, mas era impossível resistir a uma
mesa farta, então acabei beliscando ao menos um pedacinho de cada. Não sei
como, mas no final ainda sobrou espaço para o bolo de cenoura com calda de
chocolate, no segundo em que levei o último pedaço a boca, dona Glória
retornou.
— Estava mais uma vez tudo delicioso. — Elogiei de boca cheia.
— Fico feliz que tenha gostado. — Respondeu e aguardou que eu
engolisse a comida para prosseguir. — O senhor Luiz pediu que avisasse
sobre o retorno da consulta hoje às onze da manhã, o Josué te levará até lá.
Não falei nada porque senti que tinha mais além daquele aviso. E tinha
mesmo, ela me entregou um envelope branco quadrado. Abri o envelope e
encontrei um cartão de crédito preto escrito black em nome de Luiz H.
Garcia.
— Isso é pra mim? — Perguntei olhando fixamente para o cartão.
— Sim, esse é o cartão para que a senhora tenha autonomia para
atender as suas necessidades — explicou e eu fiquei ainda mais confusa.
Tinha tudo a disposição naquela casa, meu guarda-roupa tinha mais
roupas do que já tive em toda vida, maquiagem, calçados e comida à vontade.
Que necessidade mais eu teria?
— Mas tem tudo nessa casa. — Verbalizei o meu pensamento.
Glória não discordou, apenas limitou a me falar que a senha do cartão
também estava no envelope e que eu deveria ficar com ele.
Eu tinha um cartão black em minhas mãos e a cada dia que acordava
naquele lugar tinha uma sensação de que estava vivendo os meus sonhos
mais malucos. E se aquilo era mesmo um sonho uma hora eu despertaria e
daria de cara com a realidade ingrata, mas enquanto esse dia não chegava eu
viveria meus dias de princesa no paraíso.
*
A doutora Leila tirou um peso das minhas costas quando falou que o
resultado do exame de lâmina não indicou a presença de nada anormal, bem
como os exames de sangue não detectaram nenhuma DST. A única coisa que
eu tinha era um guri ou uma guria crescendo dentro de mim, aproveitei a
consulta sem o Luiz e perguntei se era normal não sentir nada, os enjoos
haviam cessado e eu me sentia normal. Ela explicou que os sintomas da
gestação são variáveis e que nem todas as mulheres sentem da mesma
maneira, passou uma receita com medicações, ferro e vitaminas, e me liberou
com a requisição de um ultrassom para ver o crescimento do bebê.
Decidi exercer a tal autonomia que a Glória falou e agendei o exame na
recepção para a data mais próxima, querendo saber se estava tudo bem
mesmo. Retornei para o carro, quando o Josué perguntou se deveria me levar
de volta para casa. Sequer havia cogitado outro lugar, mas quando ele
perguntou isso eu pensei: por que não dar uma passeada no shopping?
Havíamos passado por um a caminho do consultório, seria apenas um
tempinho olhando as vitrines e vendo outras pessoas, então pedi que ele me
levasse até lá e, sem fazer qualquer questionamento, ele atendeu ao meu
pedido.
— Você pode me pegar daqui a duas horas? — Perguntei quando ele
parou no estacionamento.
— Daqui a duas horas estarei aqui na saída B aguardando pela senhora.
— Ele confirmou e eu saí em disparada para o meu passeio.
A minha primeira parada foi à farmácia, ia comprar logo os remédios
que a doutora Leila passou para que Luiz não me acusasse depois de não ligar
para a minha saúde e, consequentemente, do bebê. Utilizei o cartão de crédito
que ele me deu para efetuar o pagamento. Usar aquele cartão me fez
realmente acreditar que eu estava pagando, mesmo que eu soubesse que a
fatura não seria paga por mim. Sei lá, pela primeira vez pareceu que eu estava
comprando alguma coisa de verdade, sabe? Nem o pão na padaria era
comprado por mim antes. Sorri com a sacola da farmácia em mãos e segui
perambulando pelo ambiente.
A primeira vez que estive em um shopping eu deveria ter treze anos,
mainha quem me levou, fizemos um passeio apenas conhecendo o lugar já
que não tinha dinheiro para ir às compras. Para comprar mesmo, às vezes, a
gente ia ao centro da cidade e caminhava no calçadão lotado embaixo do sol
quente. Aqui, como lá, também tinha um monte de lojas, com a diferença que
no shopping tinha praça de alimentação e ar-condicionado. Nesse mesmo dia
experimentei o sorvete do McDonald’s, mainha comprou uma casquinha de
sorvete misto e aquele foi o melhor passeio que eu já tinha feito assim como
o melhor sorvete que tinha tomado. Retornei ao shopping outras vezes, a
maioria acompanhada por Tamires, mas era sempre no mesmo esquema bater
perna e, se tivesse dinheiro sobrando, comprar uma casquinha, aquele era o
meu lazer.
Meus passos sem direção me levaram até a loja C&A. Também tinha
uma no centro de Aracaju, mas aquela do shopping parecia mais chique, mas
não ao ponto de me deixar com vergonha de entrar. Assim, sem me dar conta
estava dentro dela olhando as blusinhas e shortinhos dos cabides.
— A senhora tem o cartão C&A? — A vendedora me abordou antes
que eu chegasse na arara com uma placa vermelha escrita “promoção”.
— Não.
— Vamos fazer? É rapidinho e se aprovado a senhora já sai comprando
e ganha dez por cento de desconto.
— Eu não trabalho — expliquei.
— Não é preciso comprovar renda formal, tá com o RG aí? Vamos ali
rapidinho consultar seu nome, o que você tem a perder?
— Já tentei uma vez e foi negado — admiti.
Tamires e eu já tínhamos sido abordadas antes e decidimos ver se
liberavam pra gente um cartão, mas obviamente eles negaram sem explicar o
motivo.
— Ah, então tá bom — vi a tristeza expressa no rosto da mulher, ela
com certeza tinha meta para bater — se precisar de ajuda é só pedir.
— Obrigada.
Voltei minha atenção às roupas, notando que os preços estavam bons,
tinha blusinha de dezenove reais e noventa centavos e shortinho jeans, como
eu gostava, de trinta e nove e noventa. Eu era muito grata as roupas que
ganhei, mas não faria mal ter umas de usar em casa, mais simples e a minha
cara.
— Além do mais, essas aqui devem custar bem menos que as roupas
que ele mandou comprar — argumentei sozinha.
E então me rendi, pegando algumas sem pretensão. Quando vi eu
estava com quatro shorts, duas saias, cinco regatinhas e outras roupas
empilhadas em meu braço caminhando em direção ao provador.
— Agora sim — falei encarando minha imagem no espelho. Eu vestia
um short jeans que deixava a polpa da bunda aparecendo e um body preto
com decote V. — Agora parece que tem dezenove e não uma senhora cheia
de formalidades.
Acabei comprando algumas peças e ao sair da loja dei de cara com um
salão de beleza. Olhei para minhas mãos e me perguntei: por que não?
–— Precisei vir para ter certeza de que você estava vivo — Carlos
Augusto entrou em minha sala logo depois de ser anunciado por Ivete.
— Para sua infelicidade, sim ainda estou respirando — respondi,
levantando os olhos da tela do tablet para encará-lo.
Meu irmão mais velho estava usando terno e gravata, assim como eu, e
se sentou na cadeira de couro marrom de frente para minha ampla mesa.
— O que aconteceu? — Ele questionou, passando os dedos pela
sobrancelha como fazia sempre que estava curioso — você faltou um dia e
meio de trabalho e eu não me lembro de isso ter acontecido nos últimos oito
anos.
— Tive alguns imprevistos — informei com tranquilidade. — A
reunião sobre o projeto do novo shopping foi produtiva?
— Não há nada que mereça a atenção do presidente — deu de ombros.
Presidir o Grupo José Augusto Garcia era minha função. O grupo
empresarial levava o nome do meu pai e se tratava de uma holding com
atuação nos setores imobiliários e de shoppings. Apesar de estarmos
essencialmente no Nordeste, com participação em onze shoppings e alguns
Trade Center, atuamos também no Sudeste por meio dos nossos prédios
empresariais.
Carlos Augusto ocupava o posto de vice-presidente porque, apesar de
ele ser mais velho, fui eu quem expandi os negócios da nossa família. Há
quase quatro décadas meu pai abriu uma pequena mercearia no interior de
Sergipe e menos de dois anos depois conseguiu transformá-la em um
minimercado. Não demorou muito até que ele conseguisse abrir um mercado
maior no centro de Aracaju e eu então eu passei a ajudá-lo. Foi observando as
nuances do varejo com o meu pai que eu me tornei seu sócio aos vinte e um
anos. Com as minhas ideias e a vontade de expandir, criei o nosso primeiro
supermercado, o Pequeno Preço que, com dedicação, deu origem a uma rede
com o mesmo nome que só cresceu ao longo dos anos dentro do estado.
Passamos a abrir lojas na Bahia, Recife e Alagoas, nos tornando referência no
varejo nacional.
Mesmo consolidados no varejo, eu queria ir além. Por isso, quando
recebemos uma proposta para venda do Pequeno Preço eu convenci meu
sócio (e pai) a seguir em frente. Compramos participações acionárias em
shoppings, expandindo aos poucos os investimentos até construir nossos
próprios empreendimentos. Dez anos depois da minha decisão, somos
considerados o quinto maior grupo empresarial do segmento no Brasil.
— Se nada demanda a minha atenção, devo considerar essa uma visita
de saudade? — ergui a sobrancelha direita.
— Com certeza, só nos vemos em eventos sociais — ele ficou de pé,
pronto para ir embora. — Por falar nisso, espero que esteja lembrado que
temos muitos eventos, a começar pelo prêmio Líderes e Vencedores na
semana que vem.
— Está na agenda — dei de ombros, fingindo me lembrar já que não
tinha sequer olhado minha agenda da semana que vem ainda. — Até logo.
Quando meu irmão saiu, eu fechei os olhos me lembrando do real
motivo da minha falta. O meu imprevisto tinha nome, sobrenome e uma
vontade imensa de me irritar. Eu percebi essa vontade ontem quando deixei
bem claro que íamos para uma consulta naquele exato momento, mas ela
demorou quase uma hora para estar pronta para tal. Não costumava lidar com
pessoas fazendo o exato oposto do que eu dizia, mas já dava para ver os
sinais de que Alissa testaria minha paciência.
Durante a consulta eu fiquei extremamente tenso porque o histórico
médico dela era praticamente inexistente e aquela ausência podia afetar as
coisas para mim. Leila era uma boa colega, nossos pais se conhecem há anos,
e não me negou atendimento quando eu o pedi em cima da hora, adiando sua
tarde de folga para nos auxiliar. Quando informei que havia descoberto que
seria pai e que precisava de sua ajuda, ela se dispôs prontamente e eu quase
não precisei pagar uma pequena fortuna pela urgência. Quase. Embora sua
consulta tivesse sido em preço comum, os exames tinham taxa extra e eu os
queria o mais rápido possível. Assim, passamos boa parte da tarde entrando e
saindo de salas e laboratórios e, exceto pelo ultrassom, Alissa foi submetida
às mais diversas análises.
Eu deveria deixar esses pensamentos de lado e voltar a focar no projeto
em minha mesa, mas não o fiz. Sem pensar duas vezes, peguei o aparelho
celular que estava largado sobre a mesa e busquei na agenda entre os infinitos
contatos com a letra A, o número do Alex. Apertei para iniciar a chamada e
aguardei que me atendesse.
— Oi, Luiz, como vai?
— Tudo bem e como vai a Jaque e as crianças? — Fui cordial, mesmo
desejando ir direto ao ponto.
— Estamos todos bem, em que lhe posso ser útil? — Seu tom solícito
era muito bem-vindo.
O lado bom de ter poder e influência, era ter em mãos um leque de
conhecimento ao seu dispor. Muito mais do que dinheiro, era conhecer as
pessoas certas que proporcionava isso.
— Estou precisando de um favor — parei com os rodeios.
— Não imaginei que me ligaria por vontade de ouvir minha voz —
debochou — diga para ver se posso atender.
— Pode, não é nada demais. Consiga alguém para investigar uma
pessoa para mim.
— Que tipo de investigação?
— Tudo que conseguir.
— Qual o nome? Tem algum dado?
— Tenho todos os documentos que puder precisar, o nome é Alissa dos
Santos Oliveira.
— Certo, me envie tudo.
— Ah, Alex, tem mais uma coisa...
Conversamos pelos quinze minutos seguintes enquanto eu repassava
tudo que sabia. Ao encerrar a ligação eu passei a me concentrar nas tarefas
pendentes.
*
Depois de finalizar uma reunião sobre a possibilidade de compra de um
novo terreno na Zona de Expansão, estava prestes a me levantar da cadeira
posicionada na ponta da mesa. Os outros já estavam se retirando da sala
quando ela se aproximou.
— Acho que fecha rapidinho esse negócio — Pâmela disse, parando ao
meu lado.
— Preciso que o corpo jurídico analise a viabilidade por causa das leis
ambientais que podem envolver o lugar — expliquei mais uma vez.
— Está todo mundo ciente, mas vou dar uma reforçada para os
estagiários aprofundarem a leitura do material.
Fiquei de pé, fechando o botão do terno antes de encará-la. Pâmela era
uma mulher alta, com curvas abundantes e fazia isso ser ressaltado por suas
saias sociais sempre justas. Hoje ela usava uma saia vermelha e junto com a
camisa branca de tecido quase transparente, que não mostrava nada por ter
sido usada com uma peça por baixo, mas sabia que aquela combinação mexia
com a imaginação.
— Que tal se formos jantar hoje? — Ela sorriu, jogando os cabelos
loiros para o lado enquanto fazia charme.
— Acho que minha agenda está liberada — dei um pequeno sorriso,
aprovando o convite. — Quer ir a algum lugar em especial?
— Faz quase quinze dias desde que saímos, acho que prefiro que seja
na minha casa...
— Sua fome não é de comida — dei um passo, quase tocando meu
corpo no dela.
— Não — sussurrou, passando os braços em volta do meu pescoço —
é necessidade de ser saboreada.
Antes que eu pudesse colar minha boca na dela, meu celular tocou
sobre a mesa e com apenas um olhar eu vi que era o Josué. Meu motorista
não costumava me ligar, o que me fez estranhar.
— Preciso atender — me afastei, pegando o aparelho — aconteceu
alguma coisa?
Pâmela me encarou e fez o gesto de que eu a ligasse para confirmar
nossa saída. Eu balancei a cabeça, me concentrando na ligação enquanto ela
saía da sala de reuniões.
— Dona Alissa sumiu!
Ouvir aquilo quase fez meu coração parar de bater.
— Como assim, sumiu? Ninguém some, Josué.
— Desculpe senhor, me expressei mal, eu a deixei no shopping e
combinamos que eu ia pegá-la duas horas depois, mas já faz quatro horas que
estou no lugar combinado e nada.
— Que inferno de garota — rosnei — já deu uma volta no maldito
shopping?
— Não senhor, achei que se eu saísse fôssemos nos desencontrar.
— Qual o shopping?
— Plaza Aracaju — informou rapidamente.
— Estou indo para aí.
— Eu pego o senhor...
— Não saía do lugar, pode ser que ela apareça.
— Sim, senhor. — Encerrei a ligação.
Passei pela minha sala apenas para pegar minha pasta, a caminho dos
elevadores pedi um Uber para o endereço do shopping. Enquanto descia os
dezenove andares do JAG Trade Center sentia um misto de medo e raiva
crescer em mim. E medo era algo que eu não sentia há muito tempo, mas
naquele momento a pequena possibilidade de ter meu maior desejo tirado de
mim me deixava assustado, por isso a raiva passou a ter motivo para crescer
um pouco mais.
Ela não tinha assinado o contrato... E se tivesse desistido?
Não havia motivos para desistência, ela sequer tinha visto os termos.
Será que fugiu? Mas de quê? Além do mais ela não voltaria para aquela casa
miserável com aquela gente interesseira, voltaria?
Era difícil mensurar as variantes quando não se conhecia a pessoa
direito. Alissa era jovem e instável, pelo pouco que tinha visto isso já estava
claro. Lembrei do dia anterior e da sua demora proposital.
Será que Alissa está tentando me irritar novamente? Chamar minha
atenção?
Se fosse isso, estava conseguindo. Eu estava mais irritado do que
preocupado enquanto entrava no carro que logo se colocou em movimento.
*
Encontrei o Josué na entrada em que disse que estaria e segui em busca
dela. Dei uma volta pelos corredores, indo até a praça de alimentação. A
maioria das pessoas se concentrava naquele ambiente quando ia a um
shopping center, por isso sempre deixei claro que precisava ser um espaço
grande e com diversas lojas para que houvesse bastante opção para as pessoas
escolherem o que comer. Naquele shopping em especial, havia uma pequena
cachoeira com água derramando entre as pedras e um riacho com peixes na
área central da praça. O espaço era fechado, isolado por vidros, para manter a
temperatura do shopping por causa do ar-condicionado, mas a cachoeira dava
um ar de conforto ao lugar.
Não a vi ali e segui para a praça do segundo andar, mas Alissa também
não estava lá. Olhei, pelo lado de fora, as lojas daquele piso tentando ver se
ela estava entre os clientes, mas não havia qualquer indício da mulher. Desci
pelas escadas rolantes, olhando de um lado para outro, buscando-a, mas
sequer sabia que roupa ela estava usando. Era isso, ia ligar para o Josué para
saber que cor Alissa vestia para tentar ir até a administração do shopping e
diminuir meu campo de busca através das câmeras de segurança do lugar.
Estava olhando fixamente para o aparelho para fazer a ligação quando
esbarrei em alguém com força. Levantei o olhar para pedir desculpa no exato
momento que notei ser uma mulher. Quando meus olhos recaíram em seu
rosto eu não sei se prevaleceu o consolo por encontrá-la ou a raiva por ela
estar passeando enquanto eu quase arrancava os cabelos sem saber de nada.
— Onde porra você se meteu até agora?
Alissa arregalou os olhos ao notar que era eu. A encarei e percebi que
seus cabelos estavam diferentes, alisados ou talvez escovados, mas muito
mais longos do que eu me lembrava.
— Eu, eu... — engoliu em seco — estava dando uma volta, mas você
não precisava estar aqui, combinei com o Josué que...
— Que se encontraria com ele quatro horas atrás? — Ergui as
sobrancelhas.
— Quatro horas? Não deve ter se passado tanto tempo.
— Por que se atrasou, Alissa?
— Perdi a hora.
— E não pensou em avisar?
— Como eu pensaria se nem sabia que estava atrasada? — Rebateu —
não sei por que esse exagero.
— Exagero? — Rosnei — meu filho está aí dentro e você
simplesmente sumiu.
— Sinto muito, mas...
— Não tem consideração? — Joguei, irritado — o coitado do Josué
perdendo tempo te esperando. Ele estava preocupado!
— Só ele? — Me analisou.
— Ele me ligou desesperado, Alissa. Por consequência, me deixou
aflito.
— Me desculpe, ok? Não foi minha intenção sumir. Eu saí da clínica e
passei aqui, não fiz por mal, acabei me distraindo e não vi as horas passarem.
— Vamos — eu a segurei pelo braço.
— Eu sei o caminho — ela o puxou.
— Você, pelo menos, se alimentou?
— Errr, um sorvete conta? — Deu um sorriso sem graça.
— Não acredito que ficou sem almoçar — balancei a cabeça em
negação.
— Pare de me tratar como se eu fosse uma criança, Luiz Henrique.
— Então, pare de agir como uma.
Ela não rebateu, seguindo atrás de mim até a saída em que o motorista
nos aguardava. Quando o avistou, Alissa correu em sua direção.
— Me perdoe, Josué. Não queria te deixar preocupado, perdi a hora e
não tinha como avisar.
— Está tudo bem, senhora. Fico feliz que esteja bem.
— Entre no carro, Alissa — ordenei.
Ela se virou e me lançou um olhar irritado, mas não ousou me
responder. Josué abriu a porta traseira e Alissa se acomodou, com suas
sacolas, no banco de trás.
— Leve-a para casa e avise a dona Glória que a faça comer, nem que
para isso precise amarrá-la na cadeira enquanto enfia comida a força.
— Sim, senhor. Volto para buscá-lo?
— Sim, vou comprar uma coisa e depois vou a outro lugar.
— Ligo para o senhor assim que falar com Glória.
— Obrigado, Josué.
Quando o carro se foi eu pude soltar o ar aliviado.
Pelo visto, teria que cumprir a promessa de colocar um GPS naquela
mulher.
Estava um pouco menos furioso com o “sumiço” dela quando entrei no
meu quarto para trocar de roupa. Havia tomado banho e café da manhã com
Pâmela, depois de uma noite bem quente sob seus lençóis. Pedi para o Josué
me pegar assim que seu expediente começasse, às sete da manhã, para dar
tempo de passar em casa antes de ir para a empresa e estava dentro do horário
para iniciar meu dia de trabalho.
Optei por colocar terno e calça bege, junto a uma camisa de botões azul
bebê. Enquanto dava o nó na gravata que escolhi, em um tom mais escuro do
azul, pensava se deveria ou não ir até ela. Dever eu sei que não devia nada
nem a ela nem a ninguém, mas para evitar novas situações como as de ontem
era um ato necessário. Depois de borrifar algumas vezes o meu perfume com
fragrância amadeirada, peguei minha pasta de couro e a sacola branca com
alças cinza e saí do quarto. Ao invés de descer as escadas do meu lado, segui
até estar de frente para a porta branca do quarto de hóspedes.
Dei três batidas com os nós dos dedos e aguardei que me respondesse.
Nada.
Bati novamente, dessa vez mais forte e por mais tempo que a anterior.
— Alissa? — Chamei, olhando as horas no relógio de prata. Quando
ergui a mão, pronto para bater novamente, ouvi-a gritar:
— Entre!
Abri a porta, me colocando para dentro do quarto com firmeza nos
passos. Alissa se sentou rapidamente e meu olhar se distraiu indo até a alça
fina que caiu do seu ombro e repousou na parte superior do braço. Ali, pouco
tempo depois de acordar, entre a confusão de lençol e edredom, Alissa
parecia ainda mais jovem. O rosto inchado, marcado pelo travesseiro e os
olhos um pouco menores a deixavam com ar totalmente inocente. Olhando-a
naquele momento, se não soubesse como havia sido nosso primeiro encontro,
jamais diria que ela já tinha passado por tanta coisa com tão pouca idade.
— Achei que fosse a Magda — informou, passando as mãos para
ajeitar os cabelos, mas não estavam bagunçados.
— Estou de saída, mas precisava te entregar isso aqui antes — me
aproximei da cama, estendendo a sacola.
— Mais presentes? Vou ficar mal-acostumada.
— Abra.
Ela colocou a mão na sacola, tirando a pequena caixa branca de dentro.
— Não acredito — seus olhos se arregalaram me encarando — meu
Deus, Luiz, não precisava.
— Precisava sim, agora nunca mais passaremos por uma situação
parecida com a de ontem.
Ela abriu a caixa e pegou o Iphone grafite. Eu mesmo já tinha tirado o
lacre e colocado o chip, por isso, o aparelho estava ativo.
— Meu número, o de Josué, o de casa e o do escritório já estão salvos
na agenda. A linha está pronta para uso e não precisa se preocupar com
créditos, é pós-pago.
— Não sei nem o que dizer — ela me encarou com olhos marejados.
— Só diga que me ligará se precisar atrasar — dei de ombros.
— Muito obrigada, farei isso e me desculpe novamente por ter perdido
a hora ontem.
— Já passou, contanto que não suma sem explicações novamente. Ah
— abri minha pasta, retirando o contrato que havia recolhido no dia anterior
— quando puder leia. Tenho que ir.
Alissa pegou os papéis e assentiu.
— Você trabalha no sábado? — Questionou surpresa quando eu estava
prestes a passar pela porta.
— Trabalho todos os dias — informei, sem esperar resposta.
Era verdade, eu trabalhava todos os dias, mas não precisava ir para a
JAG aos domingos. Não era dia útil e apenas o pessoal da segurança ficava
nos andares da empresa.
*
Acabei voltando para casa mais tarde do que previa, minhas ausências
na semana tiveram consequências e precisei, literalmente, acelerar meus
passos naquele sábado. Quando subi os degraus de entrada da mansão, já
passava das sete da noite e meu pensamento estava focado em um banho
relaxante de banheira antes mesmo de pensar em me alimentar, mas assim
que passei pelo hall de entrada, prestes a subir, dona Glória se materializou
em minha frente.
— Boa noite, senhor, posso pedir para servirem o jantar agora?
— Alissa ainda não jantou? — Me virei para encará-la.
— Não, senhor, ela disse que o esperaria — explicou, erguendo as
sobrancelhas.
— Ela está no quarto?
— Da última vez que vi estava na sala de TV.
— Obrigado, dona Glória, vou falar com ela e aviso que pode servir —
ela assentiu se retirando e eu me vi descendo os degraus ao invés de ir tomar
o meu tão querido banho, deixei a pasta no escritório antes de seguir para a
sala de TV.
Abri a porta de correr devagar e me deparei com a televisão ligada sem
um expectador atento. Alissa estava dormindo, meio esticada meio deitada,
com os pés repousando em outra poltrona. Eu me aproximei o suficiente para
encarar sua pose estranha e observei que ela usava short jeans e camiseta
branca. As pernas estavam expostas e eu olhei com atenção, pela primeira
vez, notando que não eram coxas grossas e torneadas que compunham sua
anatomia. Alissa era esguia e, com facilidade, poderia ser modelo.
Como se soubesse que estava sendo observada, ela abriu os olhos
devagar, tentando focar as coisas ao seu redor. Ela fixou seus olhos castanhos
em mim, os arregalando levemente ao notar minha presença.
— Está gostando do filme? — Perguntei, com ironia.
— É uma série, na verdade — bocejou — e sim, estou gostando.
— Imagine se não estivesse — dei de ombros — soube que estava me
esperando para jantar.
— Sim, já tem alguns dias que sou sua hospede e sempre estou te
deixando comer sozinho — ela se ajeitou, puxando as pernas para se sentar.
— Não precisa se preocupar com isso, meus horários não são os
melhores. E você não deve passar do horário de comer, creio que seja
recomendação médica para gestantes. Aliás, vi os resultados dos exames.
— Mas eu não te mostrei...
— Recebi por e-mail. Vou agendar a ultrassom para...
— Já agendei — me cortou.
— Hum, certo, para quando?
— Próxima sexta, dia 26.
— Tenho uma visita inadiável nesse dia.
— Não sabia que gostaria de estar presente... Se quiser posso remarcar.
— Não precisa, melhor ver logo se está tudo bem com o bebê.
Alissa assentiu.
— Está com fome?
— Sempre estou com fome — sorriu amplamente.
— Vamos jantar, então.
*
Alissa era magra, mas com certeza não era por fazer dieta,
provavelmente era da sua genética. Notei, assim que nos sentamos, que ela
não se sentia constrangida por estar comigo à mesa e logo pegou seu prato e
se serviu de uma generosa porção de escondidinho de macaxeira.
— Não vai comer salada? — Questionei quando ela levou o garfo até a
boca.
— Eu não tenho costume de comer... — deu de ombros.
— Experimente como acompanhamento, você vai gostar — incentivei
— acho que precisaremos de uma consulta com o nutricionista também.
— Mas deu tudo certo nos exames — rebateu — ok, vou comer salada.
Ela colocou uma ínfima quantidade de alface, rúcula e tomate no prato
e eu decidi deixar passar naquele momento. Me servi de escondidinho, arroz
e bastante salada e passamos a comer em um silêncio confortável.
No momento em que levou a última garfada à boca, Alissa puxou o
assunto de meu maior interesse.
— Eu li o contrato — engoli o que estava em minha boca e repousei os
talheres, dando total atenção ao que viria a seguir — e apesar de precisar
pesquisar um monte de termos difíceis, acho que entendi o principal.
— Você tem alguma dúvida? — Dei um gole na taça de água para não
ir com tanta intensidade em meus questionamentos.
— Vamos ver se entendi tudo? — Assenti — você me deixa morar
aqui até o bebê nascer e quando isso acontecer você dará seu sobrenome para
ele. Enquanto o dia do parto não chega, eu recebo dois mil reais por mês para
minhas despesas pessoais...
— Correto.
— Quando o bebê nascer, eu recebo duzentos mil reais...
Era exatamente aquilo. O contrato era apenas para formalizar o acordo,
para o caso de Alissa desistir ou ainda, querer mais do que o combinado. Eu
corria risco com a transação? Corria. A justiça brasileira vedava barrigas de
aluguéis, como também adoção remunerada. Aqui, ao contrário de alguns
países, quem contrata a barriga, e qualquer pessoa que se envolva no
processo, responde judicialmente, inclusive o médico e clínica que realizar o
procedimento. Ou seja, era inviável fazer um acordo em que ela fosse
obrigada a dar o bebê para mim. Mais que inviável, era ilegal. Por isso, era
necessário sigilo. Ainda mais, era preciso criar uma atmosfera em que eu me
comportasse como pai genético e ninguém pudesse duvidar ao ponto de
questionar.
— Você entendeu as cláusulas sobre a quebra do contrato?
— Sigilo e desistência — assenti novamente — você não precisa se
preocupar com isso, não tenho para onde ir e nem com quem contar.
— Ainda assim, você precisa estar ciente que enseja quebra.
— Eu queria saber se posso mudar uma coisa...
— Diga.
— Não vou ter para onde ir quando sair daqui — Alissa me encarou,
seus olhos brilhando como se estivesse prestes a inundarem.
— Você preferiria um apartamento?
Ela balançou a cabeça, negando veementemente.
— A casa de onde fui expulsa não é própria, é de aluguel. Se bem que
— ela riu, uma risada amarga e sem graça — mesmo que fosse não me
aceitariam. Enfim, um apartamento tem que pagar todo mês condomínio e eu
não sei como as coisas serão... Se eu puder escolher...
— Você pode — disse, com firmeza.
— Queria uma casa. Nada como essa — gargalhou — uma casinha
pequena, em qualquer lugar, apenas para ter para onde ir depois do parto.
Não preciso de nada por mês, Luiz, você já está me dando casa, comida e
roupas novas, lavadas e passadas. Isso é mais do que minha própria mãe foi
capaz de fazer por mim.
— Isso é um acordo, Alissa, não me veja como o Papai Noel. Você tem
algo que eu quero — esclareci por que detestava imaginar que ela pudesse se
sentir inferior.
Se ela soubesse que desde o momento em que cruzou meu caminho
mudou drasticamente os meus pensamentos, me trazendo de volta meu desejo
mais profundo, com certeza jogaria mais pesado. Se ela soubesse, mas não
saberia. Eu não entregaria meus sonhos de bandeja novamente para vê-los
sendo pisoteados.
— Sei que estou te vendendo o meu filho — ela limpou uma lágrima
— mas quem pode me julgar por comprar o melhor futuro de todos para ele?
— Ninguém pode.
— Ainda mais quando eu mesma estive a um passo de tirar qualquer
futuro que ele pudesse ter — lamentou — mesmo que não queira me dar a
casa, já assinei o contrato.
— Você terá sua casa.
E eu terei o meu filho.
Era terça-feira à tarde e eu aproveitava a piscina para me refrescar do
calor de Aracaju, estava muito quente e nem mesmo o ambiente climatizado
ajudava a diminuir a sensação de quentura. Estávamos chegando no final do
mês de junho, teoricamente, era para ser inverno, uma estação chuvosa e com
temperaturas mais baixas, mas isso não acontecia quase nunca na capital
sergipana. Aqui parecia que tínhamos apenas uma estação: o verão. E ela se
dividia em verão com chuva ou verão sem chuva, mas quase nunca chegava a
bater vinte e três graus por aqui e quando isso acontecia a gente usava casaco
e se enrolava como se fosse o maior frio do mundo. Como prova disso, hoje o
termômetro estava marcando 29ºC e sensação térmica era de 35ºC.
A gente costuma brincar que há um sol para cada habitante de Aracaju
e era a sensação de que havia um sol inteiro sobre a minha cabeça que me fez
querer morar naquela extensa piscina. Meu corpo boiava na superfície e meus
pensamentos estavam silenciados, aproveitando o momento relaxante, mas
aquilo não durou muito. Como um trovão estourando ao meu redor, ouvi meu
nome ser chamado em um tom grave. Não era um trovão, mas tinha a força
de um, era impressionante como ele dominava o ambiente ao seu redor, havia
uma atmosfera de poder e controle nesse homem que me assustava ao mesmo
tempo que me intrigava.
— Alissa — chamou mais uma vez e dessa vez fingi escutá-lo como se
fosse a primeira.
Deixei o corpo afundar e submergi, segundos depois, na beira da
piscina onde ele me aguardava. Se houvesse uma representação de nós dois,
seria a de agora: ele em solo firme, seguro e controlado, e eu submersa em
confusão e problemas.
Meus olhos demoraram mais do que o necessário no homem em minha
frente, mas eu não importei em desviá-lo, Luiz usava óculos escuros, então
acho que isso me motivou a continuar a exploração, pois não tinha o seu
olhar inquisidor para me colocar no meu lugar. Eu nunca o tinha visto com
outras roupas para fazer uma comparação, mas ele ficava muito bonito
usando camisa e calça social, a dessa vez era branca e estava escondida por
baixo do blazer azul, seguindo o olhar pelos botões da manga do blazer,
cheguei a contar ao menos cinco quando ele pigarreou.
Eu parecia uma criança pega em flagrante e contive o riso para não
receber uma bronca como punição, apoiei os braços na borda e saí da água,
Luiz deu um passo para trás provavelmente temendo que eu o molhasse.
— Nós vamos sair — anunciou.
— Vamos? — Franzi a testa.
— Você vai me acompanhar em um evento hoje e deve usar traje
formal.
— E o que isso significa?
— Que você deve usar um vestido elegante.
— Todos os que você me deu são elegantes — dei de ombros — acho
que você quer dizer vestido de festa... — concluí diante da sua ausência de
resposta.
— Você tem algo disponível? Se não tiver só me informar que solicito
imediatamente.
— Eu acho que tenho um vestido ideal — falei, lembrando do vestido
vermelho.
— Ok, aguardo você às dezenove horas, pontualmente.
— Sim, senhor. — Falei com humor, mas ele não sorriu.
Luiz Henrique continuou parado a minha frente por alguns segundos e
queria que não estivesse usando óculos para confirmar as minhas suspeitas,
mas eu poderia jurar que seus olhos estavam fixos no meu corpo que vestia
apenas o pequeno biquíni branco modelo cortininha.
Arqueei a sobrancelha como se dissesse “continue aproveitando a vista
que eu estou gostando”, mas meu gesto teve um efeito oposto, Luiz girou o
corpo e seguiu marchando em direção contrária.
Que homem confuso... Pensei ao me sentar na espreguiçadeira e deixar
a água escorrer pelo meu corpo para evitar molhar a sua valiosa mansão.
*
Como ele tinha ordenado, às dezenove horas em ponto, minha mão
tocou o corrimão de madeira da escadaria do lado esquerdo. Deixei meus
dedos seguirem o trajeto do corrimão enquanto descia as escadas em um
ritmo mais devagar que o habitual para não correr o risco de tropeçar no salto
e sair rolando. Estava tão atenta aos meus pés que quando cheguei ao último
degrau me surpreendi ao encontrar Luiz nos pés da escada, fitando-me com
uma expressão indecifrável.
Quando pensei no vestido vermelho não me passou pela cabeça que
talvez não atendesse o conceito dele, mas de acordo com a minha pesquisa na
internet o modelo era ideal para uma noite formal, pois se tratava de um
vestido midi com decote degagé. Ele era de cetim vermelho com alças finas e
uma fenda frontal que começava na minha coxa e se estendia até a barra do
vestido na altura da minha panturrilha. Usei a modelo da minha pesquisa
como inspiração para me arrumar e, assim como a mulher, optei por um
conjunto simples de brincos e uma corrente com uma gota de cristal no
pingente. Nos pés, calcei uma sandália preta de salto fino, com cabedal em
tiras e fecho em zíper no calcanhar. Se ele tivesse me avisado antes teria ido
ao salão deixar os fios totalmente lisos, então acabei me virando com o que
tinha, usei a prancha para definir as pontas onduladas e reparti o cabelo de
lado, decidi finalizar o penteado colocando o cabelo para frente como se ele
estivesse repousando sobre o meu ombro direito.
No meu quarto, quando finalizei a aplicação do batom escarlate, eu me
sentia digna de estar ao lado do Luiz nesse lugar que pedia um traje formal,
mas diante do silêncio inspecionador dele, eu estava em dúvidas.
— Errei na escolha do traje formal, né? Eu posso trocar rapidinho —
me preparei para subir as escadas rapidamente e encontrar outra roupa
quando a mão dele se colocou sobre a minha no corrimão, provocando uma
descarga elétrica no meu corpo.
Não havia nada demais no toque, mas meu corpo reagiu como se
tivesse recebido uma onda de calor.
— A escolha está perfeita — Luiz disse, cessando o toque.
Eu quase implorei para que a sua mão encontrasse a minha mais uma
vez, mas Luiz Henrique já se movia em direção contrária, deixando-me
encarando a visão do homem de preto que se afastava em passos
determinados. No interior do carro, observei de canto de olho, os detalhes da
sua vestimenta era um terno com todas as peças pretas com exceção da
gravata vermelha, mas em um tom mais escuro que o meu vestido. Não era
engraçado que a gravata dele combinasse com o meu vestido mesmo sem ele
saber o que eu usaria? A ideia me fez sorrir.
— Qual é a piada? — Perguntou sem erguer os olhos do celular.
Desde que entramos no carro, ele fixou os olhos no aparelho e não
disse uma única palavra.
— Parece que combinamos a roupa — apontei para a gravata.
— É uma oportuna coincidência. — Foi tudo que ele falou e então o
silêncio voltou a imperar no carro.
Acompanhei a rua pela janela para me distrair, já que acabei
esquecendo o meu Iphone sobre a cama, na pressa de não me atrasar. Entre
casas, prédios, ruas e pedestres, Josué seguiu até finalmente parar em frente a
um edifício de porcelanato marrom.
— Um hotel? — Perguntei, mas ele não estava mais ao meu lado. Luiz
estava do lado de fora do carro oferecendo a mão para que eu saísse do
veículo.
Uma enxurrada de perguntas surgiu em minha mente sobre a razão para
estarmos em um hotel, mas todas elas foram sufocadas quando ele levou o
braço ao encontro do meu. E de braços dados como um casal, Luiz me guiou
em direção a entrada do hotel. Meu coração batia rápido com o contato dos
nossos corpos e meu cérebro parou de comandar qualquer ação, me deixei ser
apenas levada na direção que ele quisesse.
Luiz Henrique acenou com a cabeça para diversas pessoas à medida
que adentrávamos no que parecia ser um salão reservado para festas, mas não
havia mesas nem cadeiras no lugar, e sim grupos de pessoas de pé
conversando. Havia pelo menos cinquenta cópias baratas do meu
acompanhante, todos usando terno e a maioria com uma mulher a tiracolo.
— O que eu estou fazendo aqui? — Perguntei baixinho para que só ele
ouvisse.
— É uma premiação para empresários.
— Mas por que estou aqui?
— Você é a minha acompanhante essa noite.
— E o que uma acompanhante faz?
— Não se preocupe, basta ficar ao meu lado e ser simpática.
Três homens reunidos, ao notar a nossa chegada, fixaram os olhares no
Luiz e depois me encararam por bastante tempo.
— Boa noite, os senhores aceitam? — O garçom ofereceu uma taça
com uma bebida que parecia com champanhe.
Minha boca estava seca por causa do meu nervosismo e,
instintivamente, levei a mão a taça para me servir, mas os dedos do Luiz se
fecharam ao redor do meu pulso e minha mão congelou no ar.
— Não, obrigado. — Ele respondeu e o garçom se afastou com a sua
recusa.
— Eu estou com sede — reclamei.
— Você está grávida — lembrou — deveria saber que não pode ingerir
bebida alcóolica — o tom era recriminador. — Vou encontrar alguém que te
forneça água.
Os olhos dele vagaram pelo ambiente em busca de alguém para atender
a sua ordem.
— Por que eu mesma não posso encontrar água? Deve ter algum
bebedouro por aqui.
— Você não vai sair, nem por um segundo, do meu lado essa noite,
Alissa.
Antes que eu pudesse dizer que esse tom mandão não me agradava, um
homem de cabelos totalmente brancos e barriga grande, acompanhado de
uma mulher elegante e com uma expressão séria se aproximou para
cumprimentá-lo.
— Luiz Henrique, esse ano o prêmio é do meu marido, não ouse roubá-
lo mais uma vez para você. — A mulher disse com um tom de humor na voz.
— Minha estante está ficando sem espaço para os prêmios, acho que
vou torcer para o Randolfe levar esse. — A resposta foi arrogante, mas o
casal sorriu em resposta, como se aquilo fosse comum.
— Quem é essa linda mulher? — O olhar do homem percorreu todo o
meu corpo e senti a mão de Luiz seguir até a minha cintura.
— Essa é a Alissa, minha namorada e a mãe do meu filho. —
Sentenciou. — Alissa, esses são Simone e Randolfe.
— Prazer em conhecê-los — falei com dificuldade, estava surpresa
com o fato de ter sido apresentada de tal forma.
— Meus parabéns! — A mulher exclamou, com o rosto demonstrando
a sua surpresa com a notícia.
— Eu sabia que não ia demorar para ter um herdeiro para usufruir das
suas conquistas — o homem completou.
— Almejo que meu filho se orgulhe das minhas conquistas antes de
qualquer coisa.
— Se nos dão licença, vamos cumprimentar outras pessoas — o casal
se despediu.
Eu estava perto de perguntar ao Luiz por que contou àquelas pessoas
sobre eu ser a mãe do seu filho, quando ele foi abordado por um homem
careca e mais uma vez a conversa foi sobre deixar o prêmio para os outros
concorrentes.
— Boa noite senhoras e senhores, dentro de alguns minutos vamos dar
início ao 26º prêmio Líderes e Vencedores. — A voz masculina no microfone
informou.
— Vamos para mais próximo do palco — Luiz falou ao meu ouvido e
seguiu entre a pequena multidão.
A cada passo dado ele recebia acenos de cabeça em cumprimento e
sorrisos, era como se fosse um famoso entre seus fãs.
Não estava acostumada a ter tantos olhos voltados em minha direção,
mas lá estavam mulheres e homens, fitando-me por tabela, por estar ao lado
do todo poderoso. E naquele segundo, eu me senti poderosa também. Por
mais que eu tivesse consciência de que era passageiro, embarquei naquele
personagem da mulher poderosa.
— Me irmão e a minha cunhada estão se aproximando a esquerda, eles
virão até nós — avisou, segundos antes de isso acontecer.
— Luiz — me virei para ver o homem que o cumprimentava.
Não havia muita semelhança física entre os irmãos, Luiz Henrique era
mais alto e com o corpo seco, já o outro tinha uma barriguinha saliente e não
usava barba. O que eles tinham em comum era a cor do cabelo e dos olhos,
mas o olhar do irmão era mais sereno.
— Carlos — acenou. — Edileusa, a sua elegância é o ponto alto da
noite.
— São seus olhos, querido. Não vai me apresentar a linda mulher de
vermelho ao seu lado? — Seu olhar seguiu até mim com um misto de
curiosidade e surpresa.
— Essa é a Alissa, minha namorada e mãe do meu filho.
Houve um sinal evidente de surpresa com a informação, os olhos
castanhos escuros da mulher se ampliaram levemente e o homem franziu a
testa enquanto olhava fixamente para Luiz. Será que seria sempre assim?
Todas às vezes que eu fosse apresentada como mãe do filho do Luiz as
pessoas teriam essa reação? O que me levava ao questionamento do motivo
daquele espanto, seria porque me achavam jovem demais para ser mãe ou a
improbabilidade de uma mulher como eu ser escolhida para gerar o filho
dele? Seja qual fosse a resposta todas elas se voltavam a mim, pois eu era a
parte da equação que não se encaixava.
— Prazer Alissa, mãe do meu sobrinho — Edileusa me cumprimentou
com um abraço caloroso. — Seja bem-vinda a família Garcia.
— Obrigada.
— Então, essa é uma grande novidade! — O irmão verbalizou a
surpresa evidente em sua face. — Parabéns pelo bebê a caminho.
— Obrigado. — Luiz respondeu.
Uma movimentação no palco chamou a nossa atenção e senti que a
expressão de Luiz relaxou naquele instante, ele parecia aliviado com a
interrupção.
O som que veio do palco era o microfone sendo ajustado para que o
discurso fosse iniciado. Em segundos, todos os olhares estavam atentos ao
apresentador que iniciava a sua apresentação a respeito da vigésima sexta
edição da premiação Líderes e Vencedores. A solenidade foi criada em 1997,
pela Associação Comercial e Empresarial de Sergipe, e buscava premiar
personalidades e instituições que se destacaram por conta das atividades de
responsabilidade social desenvolvidas.
Enquanto o apresentador falava da importância daquele prêmio para o
fortalecimento do empresariado sergipano, vi a presença de jornalistas das
emissoras locais registrando o evento, o que só confirmava que era algo de
grande importância para ter as redes de televisão cobrindo o evento.
Após a apresentação inicial do evento, o presidente da Federação do
Comércio foi convidado ao palco e deu início a um discurso que não parecia
ter um ponto final. A cada página que ele virava para prosseguir a leitura a
minha paciência era testada, que chatice era aquela? Qual era a graça daquele
evento? Um bando de pessoas de pé ouvindo um discurso chato e cansativo,
nem mesmo a comida salvava o rolê. Nas bandejas que os garçons
carregavam havia uns salgadinhos que nunca vi na vida, a maioria com um
creme branco por cima e uma pimentinha. Onde estavam a coxinha,
empadinha, canudinho e pão de queijo? Com medo de experimentar e não
gostar de nada daquilo acabei ficando só na água mesmo.
Acho que me desliguei do homem que discursava, pois quando minha
atenção foi capturada eles estavam anunciando a categoria “Destaque
Comunitário Pessoa Física”, destinado ao trabalho social desenvolvido em
prol dos cidadãos.
— Temos a honra de premiar nessa categoria o Instituto JAG pelo seu
impacto social na vida dos jovens aracajuanos. Convido para receber a
condecoração o vice-presidente da JAG, Carlos Augusto Garcia Lopes. —
Juntei minhas palmas às dezenas que aplaudiam o irmão do Luiz.
— Mais do que formar empresários de sucesso, o senhor Garcia
formou filhos íntegros e cientes do seu papel na sociedade. E a forma que
encontramos de deixar nossa marca na sociedade está materializada no
Instituo José Augusto Garcia. O Instituto JAG atua, prioritariamente, com
jovens de 16 a 24 anos moradores do entorno dos empreendimentos
comerciais do Grupo JAG. Temos como norte de ações elevar o potencial de
empregabilidade da juventude, ampliar conhecimentos gerais e estimular a
leitura. Auxiliando, dessa forma, a formação de cidadãos críticos e
conscientes do seu papel social. O instituto, já atendeu dois mil jovens desde
a sua criação, no final de 2018, com iniciativas como elevação de
escolaridade, cursos pré-universitário e de férias, qualificação profissional,
jovem aprendiz e formação empreendedora. Agradeço esse prêmio em nome
de todos que compõe o Instituto JAG, obrigado.
Mais palmas foram direcionadas a ele enquanto retornava ao seu lugar.
A família Garcia não era apenas rica, como eu já suspeitava, eles pareciam
deter cada espaço de Aracaju, quiçá de Sergipe.
E para confirmar as minhas suspeitas, logo em seguida, o nome Luiz
Henrique Garcia Lopes foi anunciado como vencedor, pelo terceiro ano
consecutivo, de Destaque Empresarial Comercial. Quando ele subiu ao palco
o lugar explodiu em aplausos. Luiz Henrique ficava bem ali em cima com
todos os holofotes virados para ele. Aquele era um homem que havia nascido
para se destacar e que ficava à vontade em tal posição de adoração. Enquanto
eu o analisava a sensação de orgulho cresceu dentro de mim como se eu
pudesse sentir tal coisa apenas por estar ao seu lado naquela noite.
Orgulho e posse.
Se ele havia me apresentado como sua, eu me sentia como tal. Sentia
além. Se eu era dele, mesmo que fosse apenas na frente dos outros, ele
também podia ser meu. Não podia?
Quando seus olhos varreram a plateia e se fixaram em mim eu passei a
calar meus pensamentos para ouvir o discurso que ele já havia começado.
— É sempre uma honra estar aqui em cima e eu me sinto muito feliz
cada vez que subo a esse palco. Essa noite é um pouco mais especial e por
isso eu gostaria de dedicar esse prêmio.
Meus olhos estavam fixos nele e eu bebia cada uma de suas palavras,
desejando que a noite fosse realmente especial.
— Dedico esse prêmio a mulher que está mudando a minha vida —
meu coração parou de bater quando eu o ouvi — e que me dará o mais lindo
dos presentes em breve. Alissa, esse prêmio é para você e para o meu filho
que nem nasceu e já faz com que eu me sinta o mais sortudo dos homens.
Primeiro ouvi um burburinho, ele havia surpreendido a maioria dos
presentes, em seguida o som dos aplausos quase me deixou surda. Calei tudo
ao meu redor, sentindo meus olhos arderem se enchendo de lágrimas e pouco
me importei se aquilo era real ou não. Minhas mãos se ergueram até o meu
rosto surpreso, destacando o imenso sorriso que surgiu.
Um passo após o outro, meu corpo se moveu por conta própria até a
escadinha que dava acesso ao palco. Eu os subi sem encarar as pessoas que
me assistiam. Luiz me encarava surpreso quando eu me aproximei, ele se
virou para mim, se afastando do microfone para não ser ouvido, mas antes
que ele pudesse dizer qualquer coisa eu me joguei em seus braços.
Colei minha boca na sua ao mesmo tempo em que passei os braços ao
redor do seu pescoço, sem muita escolha ele me segurou pela cintura usando
sua mão livre. Não pensei, estava onde queria e por isso abri a boca em busca
de mais. Minha língua invadiu seu espaço, buscando até encontrar a dele.
Luiz despertou da sua surpresa, gemendo algo contra meus lábios que não
entendi, antes de passar a corresponder.
Ele me devorou com os lábios, tomando posse de cada canto da minha
boca, fazendo meu corpo esquentar apenas com aquilo. Quase derreti,
querendo chegar mais perto, me esfregar contra aquele corpo imenso, mas ele
cessou o contato.
Abri os olhos tonta e me deparei com os seus menos verdes e mais
sombrios me encarando como se eu fosse pagar por aquele ato inesperado.
— Bom, parece que o casal vai comemorar bastante o prêmio — ouvi o
apresentador retomar o controle da situação e todos da plateia sorriram,
concordando.
Desci o olhar pelo rosto dele até parar em sua boca e sorri ao perceber
que estava todo manchado de vermelho.
— Acho que meu batom borrou um pouco — disse, levando minha
mão até o seu lábio inferior.
Luiz se moveu, me conduzindo com a mão em minhas costas até
descermos do lugar de destaque. Assim que desceu do último degrau, ele me
encarou.
— O que você fez, Alissa? — Sua voz saiu baixa e sensual.
— Só fui grata por me dedicar o prêmio — dei de ombros.
— Não suba tão alto, é arriscado — avisou.
— O que é um arranhão para quem já está toda fodida?
Ele fechou os olhos, assimilando a resposta, mas quando os abriu
pareciam muito mais frios e controlados.
— Isso não vai se repetir.
Eu ainda não sabia, mas Luiz Henrique decidiu ali como a noite
terminaria.
Quando voltei para casa apenas com o Josué dirigindo o carro, sem o
meu acompanhante da noite, eu me senti irritada, frustrada e totalmente
pronta para perturbar cada um dos segundos que passasse ao lado daquele
homem.
O que eu tinha a perder? Nada. Eu já tinha perdido tudo.
Eu me orgulhava em manter o controle das situações, era inerente ao
cargo que eu ocupava tal característica, precisava ser frio para lidar com o
ramo empresarial e exercendo o papel de CEO precisava exercitar minha
racionalidade para saber quando investir e quando recuar diante de um
desafio. Ser controlador em minha função era o que me mantinha no topo,
detendo o conhecimento e controle.
Até que chegou o dia que o controle precisou migrar para o campo
pessoal, acontecimentos na minha vida mostraram que eu precisava me
manter estável. Não era como se eu fosse um homem sem paixões, elas
existiam. Não me tornei um homem cético aos sentimentos, muito menos fiz
voto de castidade. O que mudou foi o modo como eu permitia que as paixões
me afetassem, era mais fácil desfrutar de relações que tinham data e hora para
terminar, prazer e afeto com prazo de validade era o que eu buscava e
encontrei parceiras que ansiavam o mesmo.
Minha vida era pacífica, controlada e sem grandes interferências até eu
ir ao encontro da Alissa. Foi impulsivo, incontrolável e inesperado, eu não
reconhecia o Luiz Henrique que segurou aquela mulher em seus braços e
afirmou que tudo ficaria bem com a promessa de que cuidaria do seu filho. O
resultado desse gesto impulsivo resultou em um acordo que visava beneficiar
a ambos, ela não queria um filho e eu o queria. Um acordo simples, ao menos
foi o que eu achei que seria, mas agora as coisas estavam fugindo do meu
controle e para que esse acordo obtivesse o final esperado era preciso que
elas não se confundissem.
Alissa era absurdamente bonita, não notei isso no nosso primeiro
encontro, mas foi impossível não perceber depois, quando o perigo havia
sumido de vista. Alissa tinha o corpo esbelto e definido das grandes modelos
internacionais e facilmente esse poderia ter sido seu lugar se tivesse tido
outras oportunidades na vida. Além da atraente forma física, havia algo nela,
como uma inocência de quem vivenciou pouca coisa, mas que trazia consigo
um desejo incontrolável de explorar o mundo ao seu redor.
A ideia de torná-la minha acompanhante no evento era mais uma etapa
necessária para que o nosso acordo não me trouxesse eventuais problemas no
futuro. Para isso era preciso que os outros acreditassem que Alissa e eu
estávamos envolvidos emocionalmente e essa relação gerou o meu filho. Não
estava nos meus planos beijá-la aquela noite, mas ali estava eu retribuindo o
beijo inesperado com a mesma paixão que a sua boca me devorava. Por
alguns segundos esqueci de onde estava, de quem eu era, e principalmente,
do acordo que tínhamos. E isso era um erro, um erro que eu não poderia
cometer. E assim como começou abruptamente, o beijo cessou.
Isso não vai se repetir.
A frase em tom de alerta também servia para mim. Eu não podia
continuar beijando a mulher com quem eu tinha estabelecido um contrato.
Esse era o contrato mais importante da minha vida, arrisco dizer, e ele não
seria desfeito porque eu deixei o desejo me controlar. Não era mais esse tipo
de homem e, definitivamente, esse não era o momento para baixar a guarda.
Talvez o método que o meu filho chegaria até mim não fosse o mais
amoroso, um acordo firmado em contrato não era o que eu pensei anos atrás
quando desejei ser pai. Todavia, isso não significava que ele não fosse tão
desejado e esperado. O bebê que Alissa esperava teria todo o amor e
dedicação que guardei por anos para quando ele estivesse em meus braços.
Estava muito perto de conseguir isso, tão perto que às vezes era inevitável
temer que ele fosse arrancado de mim. Sempre haveria a possibilidade de
Alissa reencontrar o tal Matheus e revelar toda a verdade a ele, com um
exame de DNA provando que era o pai genético, será que um juiz o tiraria de
mim? Jamais deixaria isso acontecer.
O curso desse pensamento me fez interromper a análise do relatório a
minha frente, que deveria ter toda a minha atenção, e quando meus olhos
voltaram a focar em algo não foi o documento que ele viu em primeiro
momento, mas um par de olhos conhecidos parado em minha frente.
— Bati na porta duas vezes, mas você parecia perdido em
pensamentos.
— E estava.
— Isso tem a ver com a sua namorada? — Pâmela perguntou, indo
direto ao assunto, sem rodeios ou insinuações.
— Chegou aos seus ouvidos...
— E de todos da empresa, afinal é isso que acontece quando o CEO do
ano ganha um prêmio e dedica à sua jovem e linda namorada, que por sinal
está esperando um filho seu — Pâmela parecia ter dado mais importância a
esse fato do que imaginei que daria, não foi o tom de voz que indicou isso,
pelo contrário ele permaneceu inalterável, mas a postura ereta e altiva em
minha presença não era costumeira. — Luiz, sei que não temos nenhuma
relação, mas...
— Realmente não temos.
— Mas eu gostaria de ao menos ter sido informada que estava indo
para a cama com o homem de outra mulher.
— Não sou o homem de outra mulher — pontuei — mas eu deveria ter
contado a você primeiro, em consideração ao que tínhamos.
A minha resposta pareceu agradá-la, pois ela relaxou e se sentou na
cadeira a minha frente.
— Há quanto tempo estão juntos? — A pergunta veio acompanhada de
um olhar atento.
Pâmela estava no modo advogada investigativa e eu precisava passar
ileso, pois se ela continuasse a me inquirir com suas perguntas diretas,
poderia descobrir que eu conhecia Alissa a menos tempo do que ela estava
grávida, afinal mentir não era uma habilidade que eu dominava. Então, decidi
fazer valer do meu papel nesse lugar, deixei que o CEO respondesse a ela.
— Não costumo falar da minha vida pessoal no trabalho.
— Nem mesmo com uma amiga?
Eu quase sorri da sutileza dela para me retirar aquela informação.
— Uma amiga me desejaria parabéns pelo filho a caminho — entrei no
seu jogo emocional.
— Parabéns, você será um excelente pai.
— Eu sei! — Concordei sem me preocupar se soaria prepotente.
Nossa conversa passou para o nível de trabalho a partir dali, ela sabia
ser profissional e eu a admirava por isso.
*
Desde o beijo estava evitando Alissa e não tinha vergonha nenhuma de
admitir isso, por sorte a minha casa era grande o suficiente para que não
precisássemos dividir o mesmo ambiente. Além do mais, os nossos horários
eram incompatíveis. Quando ela acordava, eu já estava no trabalho e eu
retornava para casa cada dia mais tarde para evitar a minha hóspede. Mas isso
não significava que ela estava longe dos meus olhos, a sua circulação era
livre na residência, não me importava se ela passava o dia na piscina ou
dentro do quarto, todavia qualquer saída deveria ser acompanhada pelo
motorista e imediatamente informada a mim. Josué era o único que sabia
dessa exigência, afinal eu precisava manter o controle sem que ela se sentisse
vigiada.
Estava funcionando porque eu sabia que hoje ela estaria a caminho de
uma clínica para realizar o ultrassom. Eu queria estar ao seu lado nesse
momento, queria ver com meus próprios olhos o embrião do meu filho e
ouvir do especialista que ele se desenvolvia perfeitamente. Porém, não era
possível me ausentar da visita ao novo empreendimento administrado pelo
grupo JAG às vésperas da sua inauguração.
Dessa vez o objeto de interesse era o Food Park, um formato de
negócio gastronômico que vinha ganhando espaço no Brasil. O modelo reúne
ao ar livre, diversos food trucks que produziam e serviam preparos variados,
para todos os gostos e públicos. O local que hoje seria dentro de alguns dias o
Atalaia Food Park, no passado era um antigo galpão adquirido pelo meu
grupo empresarial e que foi transformado em um ambiente aconchegante à
beira mar. Como era uma crescente em nossas construções, optamos pela
inserção do teto solar, pois além de garantir a entrada de luz natural para os
ambientes, ainda colabora com a preservação do meio ambiente e ajuda a
reduzir gastos. Acrescentamos às melhorias um espaço kids, com brinquedos
e parquinho infantil, para que os pequenos também aproveitem o lugar. O
Atalaia Food Park tinha como objetivo ser um espaço para todas as tribos e
isso incluía as crianças.
O meu papel naquele lugar era acompanhar a última vistoria antes de
receber o público, o engenheiro civil era o responsável técnico por essa
inspeção. Ao contrário do engenheiro que buscava a adequação das estruturas
e normas técnicas, meu olhar ali era mais de um homem vendo a
concretização de mais um projeto. Caminhei ao lado do Calheiros, parando
para conversar com alguns dos empresários que ali estavam, eles foram
unânimes em relatar que estavam satisfeitos com o empreendimento e
confiantes no sucesso do novo negócio. Ao fim da inspeção, que incluiu
pausas para degustar alguns dos alimentos que seriam servidos no Food Park,
eu também estava confiante de que esse seria mais um sucesso empresarial.
Finalizando o principal compromisso da tarde, estava a caminho do
meu escritório para dar prosseguimento às demais tarefas, dessa vez eu
dirigia o automóvel. Não era uma prática recorrente no meu dia a dia, atribuía
ao Josué a tarefa de me levar aos lugares, mas nesse instante eu conduzia o
veículo pela orla da Atalaia. O trânsito estava tranquilo e eu percorria
livremente na via à direita da Avenida Santos Dumont, quando uma
notificação indicativa de mensagem no meu celular chamou a minha atenção,
li o nome Alissa no painel do carro e meu coração acelerou. Eu havia dito
expressamente a ela que entrasse em contato caso algo acontecesse.
Acionei o pisca alerta e parei o carro no acostamento para verificar o
conteúdo do contato, com dois cliques vi que era um áudio de sessenta
segundos. Aguardei que a sua voz ecoasse pelas caixas de som do carro, me
informando qualquer coisa, boa ou ruim, mas não foi o som da voz de Alissa
que se fez presente.
Os primeiros segundos de silêncio foram substituídos pelo som mais
lindo que já ouvi em todos os meus anos de vida. O som que roubou a minha
fala e me fez perder a noção do mundo ao meu redor: às batidas cardíacas
ritmadas do meu filho. Eu fiquei paralisado, com as mãos apertando
firmemente o volante do carro enquanto o ouvia e quando ele parou, eu dei o
play novamente. Ouvi uma, duas, três vezes aquele áudio e quando dei por
mim, meu rosto estava completamente molhado. O bebê estava bem e o seu
coração me levou às lágrimas em uma clara manifestação de felicidade e
emoção. Não me preocupei em secá-las e nem em conter a explosão de
sentimentos latentes no meu peito. Naquele instante, enquanto o áudio se
repetia mais uma vez, eu tive a sensação de que o som que escutava era a
extensão do meu próprio, as batidas do coração do meu filho era o meu
próprio coração batendo fora do peito.
E isso era mais potente do que tudo que já vivenciei nessa vida.
Eu saí do exame de ultrassom aliviada. Foi como se um peso, que eu
nem sabia que estava sobre os meus ombros, fosse tirado quando ouvi da
médica que estava tudo bem. Por mais que eu não admitisse, estava com
receio de ter feito uma merda muito grande com todos aqueles chás que
tomei. Mas Deus parecia estar de olho em quem quer que estivesse dentro da
minha barriga e tinha lindos planos para a vida dele ou dela. A médica
informou que estava com quatorze semanas de gestação, mas não foi possível
ver o sexo do bebê, ela sugeriu que se tivesse ansiosa para saber fizesse o
exame de sexagem fetal, mas não achava necessário. Na verdade, acho que
não me importava com isso desde que estivesse bem e saudável. Será que o
Luiz tinha preferência?
Em um ímpeto, durante o exame, enviei um áudio para o Luiz
Henrique para que ele soubesse que estava tudo bem. Gravei alguns segundos
do som que tomava a sala e enviei, sem ter muita certeza de que tinha feito a
coisa certa. Será que eu devia ter feito um vídeo da tela? Creio que não.
Assim que enviei, imaginei que ele nem fosse ouvir por estar ocupado, mas
os dois tracinhos azuis indicavam que ele não só recebeu como escutou o
áudio.
E não me respondeu. Eu conferi, pela décima vez, enquanto o
motorista me levava para o palácio, que ele não me mandou nem um
emojizinho de legal para me dar um ok. Nada.
Assim que entrei, fui direto para as escadas. Pretendia tomar um banho
rápido para me livrar dos vestígios de gel na barriga e me deitar na cama
fofíssima que parecia sempre me chamar, mas assim que entrei no meu
quarto e encarei a minha suíte eu me perguntei por que não ir para a hidro lá
embaixo. Era só colocar um biquíni e finalmente ir conhecer o poder de
relaxamento daqueles jatos d’água... A ideia já estava quase formada na
minha mente, até tirei as roupas e me enrolei na toalha, imaginando que
biquíni usar, mas ao olhar para o celular em cima da cama eu me lembrei do
Luiz. E do fato de o seu quarto ser um dos poucos lugares que eu não
conhecia naquela mansão.
— Será que o banheiro dele tem banheira? — Questionei, em voz alta,
como se as paredes fossem me responder. Como elas ficaram em silêncio, eu
decidi que eu mesma descobriria a resposta.
Corri pelo corredor enrolada na longa toalha branca e cheguei até a
porta que ele tinha mostrado como sendo a sua. Virei a maçaneta e o espaço
se abriu para mim. Encarei a imponência do lugar sorrindo, era como o resto
da casa: clássico e elegante. Nada de preto ou aço, o branco predominava no
ambiente. A cama era de madeira escura, com quatro pilares que se erguiam
como pilastras até o teto e presas nelas havia um tecido branco e meio
transparente.
— Mosquiteiro de rico é outro nível — comentei, tocando nele para
sentir a maciez.
Havia três portas naquele espaço enorme, além da que eu entrei. Uma
dava para a varanda, assim como em meu quarto, outra era de correr e
enorme, eu a puxei e notei que era um closet ali, cheio de ternos e coisas que
não fui fuçar. E a última, me levava para a suíte. Quando eu a abri dei de cara
com a banheira enorme e sorri, triunfante.
Era fim de tarde e o Luiz nunca chegava em casa antes de eu estar no
meu quarto dormindo, não faria mal algum usar um pouquinho, não era?
Seria rapidinho, mas precisava ser com tudo que eu tinha direito. Olhei ao
redor em busca de alguma caixa de som, mas era óbvio que o clássico Luiz
Henrique não tinha uma instalação de som ali.
Me aproximei da banheira e liguei a água, olhando os vidrinhos que
tinha ali e que eu não sabia usar. Li os rótulos e fui derramando na água,
antes de sair para pegar o celular e os meus fones de ouvido.
— Você tem quase uma hora, Alissa — me alertei, em voz alta —
aproveita!
Joguei a toalha longe e entrei na banheira. A água morna recebeu meus
pés muito bem e eu suspirei ao me abaixar e ser abraçada por ela. Peguei o
Iphone e abri o aplicativo de músicas. Selecionei a playlist de Luísa Sonza e
coloquei os fones enquanto as batidas começavam a soar em meus ouvidos.
Deixa eu te falar
Eu sou do tipo que não dá pra decifrar
O meu balão subiu, não vai aterrizar
Não vou parar, não vou parar

Deixei o aparelho no espaço atrás de mim, fora da banheira e ajustei os


fones para trás, sem qualquer chance de contato com a água. Fechei os olhos
e sorri, me afundando um pouco mais naquela imensidão de espuma.
Sei que todo mundo quer um pedacin'
É que a menina faz gostosin'
Não dá pra disfarçar e tá no teu olhar
Se eu comecei, vou terminar

Alisei meus braços, passando os dedos com delicadeza. Segui para o


meu pescoço e, em seguida, para os meus seios.
Então desce, esfrego na tua cara
Que a menina é braba
E você vai
Ahn, ahn (Vai)

Meus dedos não pararam e seguiram até o meio das minhas pernas,
esfregando de leve, lavando ali. Minha boceta se contraiu, meu corpo estava
sensível e necessitado, mas eu não estava dando nenhuma atenção para isso
há meses.
Apertei os olhos, tentando voltar ao minuto em que beijei o Luiz
Henrique. Voltei aos meus seios, sentindo as pontas ficarem duras com essa
lembrança. Aquele homem era muito bonito e eu não demorei para notar isso.
Agora que as coisas estavam mais tranquilas, nenhuma bomba estourando ao
meu redor, eu me lembrava de como a barba grisalha caía bem naquele rosto.
O que teria acontecido se ele não estivesse me evitando?
Qualquer coisa que ele quisesse, com certeza. Depois daquele evento,
quando me apresentou como sua e eu roubei um tremendo beijo. Depois de
sentir como sua boca era gostosa, eu teria ido para a cama com o Luiz. Ele,
provavelmente, sabia disso, e então resolveu me ignorar desde então.
Ele só queria o bebê.
Aquilo era um acordo.
Ele nem me enxergava.
— Então desce, esfrego na tua cara que a menina é braba — cantei o
refrão final, abrindo os olhos para esfregar a minha perna que eu tinha
acabado de levantar para fora da espuma.
Mas assim que eu toquei próximo ao meu joelho, um movimento
próximo a porta me fez virar o rosto.
Quase não acreditei no que meus olhos estavam vendo, eu só podia
estar imaginando aquela cena. Luiz Henrique estava completamente nu,
parado e me encarando. Meus olhos registraram o peito seco e dividido,
descendo até sua barriga definida. Ele não era um homem grande e
musculoso, como aqueles fisiculturistas. Luiz Henrique era magro, definido e
muito, muito gostoso. Se considerar que tem quarenta anos e barba grisalha,
eu diria que ele estava 100% acima da média para sua idade e muito mais
enxuto do que muito novinho.
Meu olhar rapidamente recaiu sobre o triangulo com poucos pelos que
me deram a visão completa do seu pau. Ele não estava ereto, mas já dava
sinais de vida. Era grande e grosso, mesmo em repouso e eu fiquei
imaginando como ele seria em toda sua glória. Minha inspeção completa
demorou apenas alguns segundos, logo seu pau sumiu da minha vista e eu
encarei sua bundinha dura quando ele me deu as costas e saiu do banheiro.
Aquilo não era uma alucinação, se fosse pra imaginar ele viria até mim
e me foderia ali na banheira. Fiquei de pé rapidamente, jogando os fones ao
lado do celular ao sair da banheira. Peguei a toalha que estava jogada para
não molhar o lugar inteiro e corri para encontrá-lo.
Luiz Henrique estava no quarto, colocando de volta uma cueca boxer
preta quando eu me aproximei.
— O que está fazendo aqui, Alissa? — Ele estava de costas para mim.
— Estava tomando banho — respondi, dando de ombros.
— Não tem um banheiro no seu quarto? — Ouvi-o puxar o ar,
respirando fundo, enquanto tentava alcançar a camisa social em cima da
cama.
— Com banheira? Não. Achei que fosse demorar, me desculpe por
invadir o seu quarto.
Ele colocou os braços na camisa, mas eu toquei em seu ombro antes
que começasse a abotoar. Luiz Henrique se virou para mim, os olhos claros
eram tão lindos, mas a pupila estava dilatada, tornando o preto mais presente
naquele azul.
— Vou esperar você terminar seu banho — engoliu em seco ao me
encarar de toalha — em outro cômodo.
— Por que não vem tomar banho comigo? — Perguntei, cheia de
coragem. — Posso precisar que alguém esfregue as minhas costas — sorri.
— Não vai acontecer, Alissa — avisou, olhando diretamente em meu
rosto.
— Por quê?
— Não podemos misturar as coisas — explicou.
E de repente, uma coisa passou pela minha cabeça e fez todo o sentido.
Ele não tinha filho, não havia nenhuma mulher naquela casa, havia me
apresentado como sua namorada e logo depois me rejeitado.
— Você é gay? — Perguntei, pronta para deixá-lo em paz.
Luiz Henrique estreitou os olhos.
— Não.
Respirei aliviada por não ter tentado foder com um cara que gostava da
mesma fruta que eu.
— É virgem? — Tentei novamente.
Ele sorriu.
— Longe disso.
— Fez alguma promessa, voto de celibato ou algo assim?
— Não, apenas não podemos misturar as coisas, temos um acordo e
isso é tudo.
— Não li nenhuma cláusula que dissesse que não poderíamos transar.
Por que a gente tem que evitar isso? É conveniente para ambos.
— Inconveniente, você quer dizer?
— Eu tenho dezenove anos, Luiz. Sou adulta, não bebi e estou atraída
por você. Seria conveniente unir o útil ao agradável, não?
Deixei meu olhar passear pelo peito exposto pela camisa aberta até
chegar em sua cueca. Sim, a marca ali mostrava que ele estava cogitando, ao
menos a sua cabeça de baixo estava ficando bem animadinha.
Soltei a toalha, deixando-a cair aos meus pés, em minha última
tentativa.
Os olhos dele rapidamente se fixaram em meus seios e foi aí que eu me
senti tímida. Quando ele não avançou sobre mim como eu esperava que
fizesse, descobri que não importava ele não ser gay ou celibatário, porque eu
não fazia o tipo dele. Não era um mulherão com grandes peitos e bunda
avantajada.
— Você não me acha atraente — concluí, em voz alta.
Me abaixei para pegar a toalha e, ao me enrolar nela novamente, me
preparei para fugir daquele quarto.
— O quê?
— Não precisa mentir, são meus peitos, não é? Ninguém nunca
reclamou, mas eu sei que eles são pequenos. Talvez use o dinheiro que
ganhar para colocar silicone — dei de ombros, me virando para sair dali.
Senti seus dedos segurarem meu braço quando ele me puxou, me
fazendo encará-lo novamente. Luiz arrancou a toalha que eu segurava e seus
olhos novamente se fixaram em meus seios.
— Não vejo nenhum problema neles, na verdade, sinto uma vontade
absurda de sugar cada bico até você abrir as pernas de tão molhada que
ficará.
Engoli em seco, sentindo seu olhar queimar minha pele.
— Você é linda, Alissa — declarou, virando a cabeça para me analisar
completamente — suas pernas são de enlouquecer, seus pés são perfeitos e eu
aposto que sua boceta tem um gosto entorpecente.
— Então, por que você não quer provar? — Sussurrei.
— Eu quero. Mais do que tudo, quero jogá-la naquela cama, abrir suas
pernas e te chupar até sentir você estremecer contra a minha boca. Mas eu sei
que não devo. Sei que, assim que te provar, vou viciar em você e sou um
completo idiota porque, mesmo sabendo disso, vou te foder, Alissa.
Se suas palavras já tinham me deixado molhada? Muito. Mas nada se
comparava ao que eu senti quando, finalmente, ele me beijou. Não foi um
beijo como o que eu roubei da primeira vez, aquele era diferente. Luiz
segurou o coque do meu cabelo com firmeza antes mesmo de se encostar em
mim. Quando seus lábios tocaram nos meus, senti como se um furacão me
varresse a partir da minha boca.
Foi devastador.
Ele chupou minha língua, meus lábios e tudo o mais que pôde. Meu
corpo esquentou no segundo em que sua língua se impôs sobre a minha,
dominando-a com facilidade. Eu me entreguei ali, me abrindo inteira para o
que ele desejasse fazer, apenas correspondendo como era possível, com uma
lambida ou outra, porque seu beijo me deixou subjugada.
Sua mão livre apertou meu seio esquerdo, como se quisesse moldá-lo
em sua palma. Logo, sua boca largou a minha e tomou o seio que a mão
segurava com firmeza. Ele chupou o bico com força, sugando fundo, me
fazendo fechar os olhos e jogar a cabeça para trás. Sua outra mão largou meu
coque, puxando o bico direito e aquele gesto fez a minha boceta vibrar. Um
peito era sugado, o outro castigado com puxões e eu não saberia dizer qual
dos dois me fazia sentir mais prazer.
Luiz Henrique me empurrou, me fazendo dar alguns passos de costas
até estar contra a cama. Achei que ele fosse me fazer deitar ali, mas foi em
um dos pilares que ele me encostou.
A mão que puxava o mamilo direito o libertou e eu gemi, sentindo falta
do contato. Ela passou por minha cintura e quadril e eu entreabri as pernas,
imaginando que ele fosse me tocar ali, mas seguiu até a minha coxa e a
puxou, fazendo com que meu pé ficasse apoiado em cima do colchão.
— Como você gosta, Alissa? — A voz rouca de desejo me deixou
arrepiada.
— De qualquer jeito — dei a única resposta possível.
— Conhece tão pouco de si mesma? — Sorriu — daremos um jeito
nisso depois. Vamos ver se gosta assim...
Ele se abaixou e eu observei enquanto dois dedos se enfiavam em
minha boceta exposta. Eles escorregaram com facilidade, me tocando por
dentro e quando saíram estavam completamente molhados. Luiz deu uma
risadinha antes de substituir os dedos por sua língua e eu não me segurei
quando senti sua maciez quente me invadir, gemendo descaradamente.
Seus lábios se fecharam ao redor do meu clitóris, primeiro chupando
com delicadeza e depois lambendo freneticamente. Ergui as mãos, segurando
no dossel de madeira com força enquanto me perdia em sua boca.
Seus dedos se enfiaram em mim e passaram a foder minha boceta
enquanto ele me chupava, fazendo meu corpo incendiar de tesão. Movi meus
quadris, empurrando contra ele, querendo mais e mais. Fiquei na ponta do pé,
esticando minha perna quando a primeira sensação me percorreu. Gemidos
confusos escapavam dos meus lábios, apertei os dedos contra a madeira com
mais firmeza até sentir minhas mãos dormentes. Luiz se manteve firme,
chupando e lambendo ao mesmo tempo em que me fodia sem cessar até o
meu corpo explodir de uma vez.
— Ahhhhhhhh — gritei, incontrolável, enquanto o orgasmo me varria.
— Acho que gostou — falou, sem se afastar e a vibração da sua voz
contra minha boceta sensível me enviou um choque gostoso pelo corpo.
Fiquei imóvel, um pé sobre a cama e o outro no chão, incapaz de me
mexer com meu corpo ainda relaxando, se eu largasse o dossel cairia de cara
no chão. Luiz ficou de pé, jogando longe a camisa que cobria seus braços
antes de tirar sua cueca devagar.
Seu pau estava pronto, erguido e duro, e eu olhei maravilhada para o
seu tamanho, passando a língua nos meus lábios.
— Você quer? — Sua mão direita envolveu metade, masturbando
devagar.
— Quero — abri a boca e mostrei a língua, provocando.
— Na boca? — Assenti — depois, abra essa boceta, quero fodê-la.
Ouvir aquele homem sério falando aquilo era tão sexy! Ali, despido do
seu terno caro, Luiz Henrique me mostrava uma parte sua muito mais
interessante.
Me virei e juntei minhas forças para subir naquela cama alta.
— Então, me fode — abri bem as pernas, flexionando os joelhos com
os pés na cama — estou pronta para você.
Ele subiu na cama e se aproximou, se colocando sobre mim para tomar
a minha boca. Segurei seu rosto, sentindo sua barba sob meus dedos,
acariciando seu maxilar antes de puxá-lo para mim. Luiz se apoiou em suas
mãos, sem se deixar cair.
— Alissa, eu vi os seus exames e posso te mostrar os últimos que fiz.
De qualquer forma, quero que saiba que sempre uso preservativo...
— Eu acredito, pela forma que surtou quando soube que eu não ia
muito ao médico dava para notar que você é um tanto viciado em exames e
consultas — sorri.
— Não sou viciado, só mantenho meu checkup em dia — rebateu,
franzindo o cenho.
— Já estou grávida, você não vai me engravidar — sussurrei — por
favor, coloque logo o seu belo pau dentro de mim.
Ele ficou em silêncio, me fitando como se algo mais passasse por sua
cabeça e antes que o clima mudasse entre nós, eu me mexi, empurrando o
corpo dele para mudarmos de posição. Luiz se deixou conduzir, se
encostando na cabeceira. Eu montei sobre ele, deixando uma perna de cada
lado antes de segurar seu pau com a mão e descer sobre ele devagar. Quando
o acomodei, me inclinei e lambi seus lábios.
Apoiando minhas mãos em seus ombros, cavalguei sobre o seu pau.
Senti-o tocar fundo em mim quando desci e uma falta tremenda quando o
deixei. Luiz me encarou com os olhos vidrados e os lábios entreabertos de
prazer. Eu me senti poderosa, tendo aquele homem tão rendido embaixo de
mim. Ele pareceu despertar, se desencostando da cabeceira e se inclinando
para me alcançar. Suas mãos apertaram os meus peitos, me puxando com
força até nossas bocas se colarem.
Sua boca tomou a minha e seus braços rodearam minha cintura,
impedindo que eu me movesse enquanto seu pau estava enterrado em mim.
Enquanto ele devorava minha boca, chupando minha língua, eu não podia
subir e descer, mas dava para rebolar com ele dentro de mim. Rebolei gostoso
em seu colo e o senti gemer em minha boca.
Sem sair de mim, Luiz trocou nossa posição novamente, me erguendo
antes de me colocar deitada com as costas na cama. Minhas pernas estavam
apertadas ao seu redor tentando mantê-lo firme, sem se mover, da mesma
forma que tinha feito comigo e assim como eu, ele conseguiu provocar. Seu
pau escorregou alguns centímetros para fora quando ele colocou força para se
afastar e entrou até o fundo quando retornou, esse vai e vem contido me
deixou desejosa por mais e eu folguei as pernas.
— Você quer saber como eu gosto? — Perguntou tirando sua ereção
quase completamente.
— Sim — elevei meu quadril querendo-o de volta.
Ele se inclinou, levando a mão direita até o meu pescoço e ali, seus
dedos se fecharam.
— Gosto um pouco mais forte — explicou, entrando de uma só vez, ao
mesmo tempo em que seus dedos apertavam um pouco meu pescoço.
Assim, ele passou a me foder com vontade. Seu pau estocou forte,
batendo fundo antes de se retirar. A respiração de Luiz ficou cada vez mais
acelerada, assim como as batidas do meu coração. Ele manteve a mão firme
em minha garganta, mas não apertou mais do que aquilo, não me sufocou e
provavelmente não me marcaria, mas o mais insano era que eu queria que ele
apertasse. Queria ver até onde conseguiríamos ir e perceber aquilo me deixou
mais excitada. Senti novas ondas de prazer se formando enquanto meu corpo
pegava fogo e os grunhidos de desejo dele ressoavam ao meu redor. Fechei
os olhos, me perdendo completamente enquanto explodia em pedacinhos.
Ele saiu de mim no mesmo instante em que soltou o meu pescoço e eu
abri os olhos, buscando os dele no exato momento em que, com a mão, Luiz
se masturbou algumas vezes antes de esporrar sobre mim.
— Acho que preciso de um banho — disse olhando os pingos de porra
espalhados por minha barriga.
Esperei que ele me convidasse para o banho ou que me mandasse ir
para o meu quarto, mas Luiz Henrique caiu deitado ao meu lado e se não
fosse pelo som da sua respiração que puxava o ar com força tentando se
estabilizar, eu teria recebido de volta o completo silêncio.
— E então? — Ergui meu tronco para encarar seu corpo nu deitado ao
meu lado, já sentindo vontade de me jogar em cima dele novamente.
Que homem gostoso da porra.
— Eu estava certo... — Ele disse, fechando os olhos.
— Em ser um idiota? — Provoquei, lembrando da sua frase antes de
me beijar. Ao me ouvir, ele abriu os olhos e me fitou fixamente.
— Estou quase salivando ao lembrar do seu gosto, realmente é
viciante.
— Oh... — sorri — tem um pouquinho mais desse mel bem aqui —
apontei para o meio das minhas pernas.
Ao invés de olhar para onde eu apontava, ele encarou meu tronco.
— Você está linda assim, toda suja — seus olhos se estreitaram
enquanto ele contemplava sua obra de arte pingando em mim.
Aposto que você também ficaria lindo todo sujo...
Em um segundo, eu me lancei sobre o homem, colando meu corpo sujo
no dele que estava completamente limpo. Me esfreguei para dividir com ele
toda a porra que me cobria. Luiz Henrique não riu da brincadeira, ele segurou
meu cabelo com firmeza e o puxou com força, fazendo com que eu me
afastasse alguns centímetros.
Aguardei que a bronca viesse, que me repreendesse por sujá-lo ou que
desse qualquer sinal de nojo por causa daquilo, mas ao invés disso ele
devorou minha boca. De novo. Mantendo minha cabeça no lugar, Luiz
chupou minha língua e os meus lábios com vontade, sugando com fúria e me
fazendo querer mais.
— Vamos tomar banho — anunciou, largando meus cabelos e cessando
o beijo intenso.
Descemos da cama e andamos em direção ao banheiro, ele foi na frente
e eu pude avaliar mais atentamente o quanto sua bunda era boa. Será que ele
se importaria se eu a apertasse? Quando me aproximei de onde anteriormente
estava tomando meu banho, olhei diretamente para o meu celular largado ali,
desejando registrar aquele momento íntimo para que sempre que eu quisesse
pudesse me relembrar.
Um videozinho sacana seria uma delícia de assistir depois ou ainda,
serviria de prova de que aquilo aconteceu de fato.
Sei lá, vai que daqui a cinco segundos eu acordo e estou sozinha no
meu quarto, completamente molhada por ter tido o sonho erótico mais
realista de todos?
Sorri sozinha daquele pensamento, eu sentiria em minha pele cada
lembrança das mãos e da boca dele e saberia que era real.
— Perdi alguma coisa? O que é engraçado? — Ergueu uma
sobrancelha depois de entrar na banheira.
— Bobagem — aceitei a mão que me estendia e também entrei na água
que agora já estava quase fria. — Você recebeu o áudio que te mandei?
Luiz se sentou, me levando consigo, mas me colocando de costas para
ele.
—Sim, fico feliz que esteja tudo bem com o meu filho.
Meu filho. Era sempre intenso ouvi-lo tomar para si a paternidade.
Queria perguntar o motivo de não ter respondido o envio do áudio,
onde tinha sido a tal visita que disse ser inadiável e questionar o motivo por
ele não ser casado, mas não o fiz. Me mantive quieta quando Luiz levou água
da banheira para os meus ombros, molhando aos poucos a parte que se
mantinha fora da espuma. Não estava encostada nele, mas suas pernas me
rodeavam e sempre que ele as movia a gente se tocava, aquilo era levemente
torturante.
Ele me puxou o suficiente para que eu sentisse sua ereção contra
minhas costas, seu pau duro pulsava novamente e eu me segurei para não
gemer com aquele pequeno contato.
Queria me empurrar um pouco mais, colar minhas costas em seu peito
e levar seu pau até dentro de mim, mas fiquei quieta esperando para ver qual
seria o próximo passo dele. Que não demorou, as mãos de Luiz Henrique
logo se insinuaram por baixo dos meus braços, tocando minha barriga antes
de subirem até os meus peitos. Uma em cada, esfregando devagar como se
lavasse cada poro daquele espaço de pele. Meus bicos ficaram duros, se
empurrando contra as mãos macias.
— Não sei como pôde achar que eles eram um problema — sua voz
rouca baixa e sensual arrepiou os pelos da minha nuca — posso passar horas
fazendo isso — pontuou sua frase apertando os dois. Eu soltei um suspiro
alto. — Gosta assim? — Suas mãos se afastaram o suficiente para que apenas
as palmas tocassem de leve os mamilos endurecidos, era como um assopro
leve. — Ou prefere assim? — Os polegares e indicadores se fecharam ao
redor dos bicos, torcendo-os. Eu gemi e senti minha boceta se contrair. —
Fale, Alissa.
— Gostei do beliscão — engoli em seco.
— Eu também — ele repetiu o gesto, mas puxou as pontas depois de
torcê-las.
Repetiu aquilo várias vezes até que eu estivesse bem excitada apenas
com suas mãos nos meus peitos.
— E se eu beliscar aqui? — Sua mão direita escorregou até o vale entre
minhas pernas e eu as abri um pouco mais. — O que acha?
— Acho que vai doer — suspirei, sentindo seus dedos alisarem a
pequena saliência pulsante. Ele não falou nada, apenas puxou o nervo
sensível. — Hum...
Não doeu, a maneira como ele apertou, prendendo entre os dedos fez
com que eu quisesse mais. Luiz torceu e puxou, alisou e friccionou,
manipulando meu corpo de acordo com sua vontade. A água que eu achava
que estava esfriando, de repente passou a estar em banho-maria, esquentando
mais e mais. Eu cozinharia ali dentro antes de me mover.
Não eram gemidos que escapavam dos meus lábios, parecia mais com
os sons de satisfação que os gatos faziam quando você os alisava. Vinham de
dentro e escapavam mesmo com os meus lábios fechados.
— Segure na borda e não solte — as palavras chegaram para mim
rapidamente e eu sequer tive tempo de entender até me ver em movimento.
Ele se ergueu e me empurrou, me levando até a ponta de frente para
mim e eu me vi agarrando com firmeza a borda escorregadia. Luiz se
abaixou, posicionou meus joelhos no fundo da banheira e invadiu minha
boceta por trás.
De uma vez só.
Bem fundo.
Me fazendo gritar com o impacto.
— Rebole no meu pau, Alissa — ordenou — mexa essa bunda gostosa.
Claro que eu obedeci, enquanto me sentia totalmente preenchida, eu
movi meus quadris, girando como fazia quando dançava funk. O pau dele era
grande e, ao contrário de muitos que saíam de dentro com aquele movimento,
Luiz se mantinha enterrado em mim enquanto eu gemia e rebolava.
Sem que eu esperasse, senti sua mão descer contra minha nádega
direita. O tapa foi estalado e ardido. Me afastei um segundo, puxando meus
quadris, tirando metade de sua ereção de mim e me choquei contra ele com
força. Dei outra rebolada antes de sair e me chocar com força, em aprovação
ao seu gesto.
— Você gosta — ele concluiu, repetindo o tapa na minha raba. — Quer
mais?
— Sim — gemi, rebolando contra ele.
Ele me deu.
Segurando em minha cintura com uma mão, espancando a minha
bunda com a outra, Luiz passou a me foder de verdade, dispensando meus
movimentos. Nossos corpos se chocavam, fazendo barulho e derramando a
água da banheira. Ele ia fundo e se afastava, voltava com tudo e me deixava,
enquanto eu tentava me manter firme, segurando na borda. Com aquele tanto
de impacto, se eu soltasse bateria de cabeça na parede e o estrago não seria
pequeno.
Me concentrei nas suas bolas batendo contra mim e me inclinei,
buscando o ângulo perfeito para que elas roçassem o meu clitóris no vai e
vem. Minha bunda estava quente, ardendo com os tapas e a temperatura do
meu corpo também se elevava cada vez que seu pau e sua palma se chocavam
contra mim.
— Luiz — gritei, sentindo que estava chegando lá — não pare...
— Nem se eu quisesse — respondeu, em um grunhido quase
indecifrável.
Ele se manteve firme, me fodendo e me batendo, me levando até o
limite e permitindo que me perdesse, mais uma vez, no ápice do prazer.
Estremeci, apertando a borda e contraindo minha boceta. Luiz cessou as
palmadas e, com as duas mãos em minha cintura, se enterrou cinco vezes
antes de me preencher com seu sêmen.
— Uau — emiti, com as pernas trêmulas — acho que você não foi o
único que viciou. Rebolar no seu pau pode ser considerado o meu mais novo
programa preferido.
A risada que ele deu foi baixa e sensual, sem escândalos. Luiz saiu de
dentro de mim e eu despenquei dentro da água.
— Acho que podemos terminar o banho — concluiu, saindo da
banheira — ou pegaremos um resfriado se continuarmos fazendo isso aqui.
— Estou cansada demais para fazer qualquer coisa de novo — avisei
— só quero dormir.
— Você não vai dormir sem jantar — determinou.
— Você gosta de mandar, né? — Encarei-o. Ele não precisou
responder — eu vou comer e depois vou dormir.
Ele assentiu.
*
Depois da deliciosa rodada de sexo quente, nós terminamos de tomar
banho e mesmo exausta e com minha cama parecendo muito confortável
enquanto eu me trocava, fui obediente e desci para jantar antes que precisasse
me arrastar com os lembretes de que eu estava grávida e etc. Então, depois
que comemos – comida, ok? – pude dormir relaxada e em paz.
Acordei às 8h com o meu despertador (quando ganhei o celular pude
liberar Magda da função soneca) e me espreguicei, sentindo minha bunda
arder só um pouco. Era sábado e, como já sabia, Luiz trabalhava naquele dia.
Deitada na cama, eu me lembrei do modo como ele me fodeu na banheira e
nossa, tudo que eu mais queria era compartilhar aquilo com alguém. Quando
a gente é bem comida, sempre deseja dividir a experiência com uma prima ou
uma amiga, contando detalhes da loucura que foi a transa e eu sempre fazia
isso com a Tamires, e vice-versa.
Eu sentia falta da minha amiga e era provável que hoje, dentro de mim,
a saudade fosse um pouco maior do que a mágoa pelo modo com o qual nos
separamos em nosso último encontro. Talvez fosse porque eu estava bem
naquele lugar, tendo acesso a tudo do bom e do melhor e com uma
perspectiva melhor de futuro, que eu sentisse menores as coisas que me
aconteceram. Sei lá, não que eu valorizasse as merdas, mas se eu não
estivesse naquele lugar, naquele momento, eu não encontraria o Luiz...
Ainda não tinha pensado sobre o que faria, estava vivendo um dia de
cada vez e também evitava lembrar do que passou. Assim, mesmo já estando
com o celular há quase uma semana, não havia instalado minhas redes
sociais. Meu número era novo, não havia passado para ninguém, portanto
meu aparelho estava servindo apenas para falar com o Luiz e tirar selfie. Mas
agora eu olhava o Iphone e me perguntava por que não? Poderia ver como as
coisas estavam e voltar aos poucos. Com isso em mente, acabei indo até a
loja de aplicativos para baixar o Instagram, o Facebook e o Tik Tok.
Depois de fazer login, fui direto ver se havia mensagem de Tamires.
Nada. Minha ex-melhor amiga não havia procurado saber como eu estava ou
se estava viva depois de sumir por tantos dias.
Ela sabe que você não tem celular. Justifiquei sua ausência.
E fui em busca do perfil dela no Insta. Deslizei o dedo na tela
observando que Tam postou várias fotos ao longo desses dias, a maioria
selfies com frases de música na legenda. Cliquei para ver os stories e me
deparei com alguns reposts da noite anterior com a #sextou. O primeiro
mostrava Tamires e mais duas meninas descendo até o chão ao som de um
pagodão que tocava na mala de um carro branco, elas estavam de costas, por
isso não consegui ter certeza de quem estava com ela. O segundo era um
boomerang de copos de cerveja brindando e os demais seguiam o padrão de
dança. Senti um aperto no coração ao ver aqueles momentos, pouco tempo
atrás e eu estaria ali curtindo adoidado...
A vida de todo mundo continuava normal?
Só a minha havia sido desconstruída completamente?
Eu teria minha vida de volta algum dia?
Meu estômago roncou e eu afastei os lençóis observando minha barriga
ainda seca. Eu engravidei e junto com aquele fato veio uma gama de
mudanças que eu não sabia como lidar. Se normalmente já era tudo novo,
imagine no meu lugar? Mas eu sabia que o que eu estava vivendo ali naquele
castelo não era real e tinha data de validade.
Quando o bebê nascesse, em poucos meses, estaria tudo acabado.
E então, o que eu faria?
Eu não tinha previsto nenhuma das fortes sensações que senti na sexta-
feira. Primeiro, senti o meu próprio coração bater fora de mim e aquilo me
abalou de uma maneira tão imediata que sequer voltei para a empresa depois
de ouvir o áudio no meu carro. Dirigi para casa, pronto para tomar um banho
e absorver aquela sensação, mas então veio a segunda surpresa do dia: Alissa
completamente nua. Eu não estava preparado para lidar com aquilo e, mesmo
tentando fazer o certo, virar as costas e sair, eu acabei exatamente no lugar
em que ela queria: entre suas pernas.
Enquanto lidava com sua versão sedutora tentei resistir, mas quando a
insegurança dela deu sinais de aparição não pude permitir que ela imaginasse
que era menos do que incrível em cada uma das suas partes. E ela era. Suas
pernas longas, seus seios pontudos, a boca atrevida e a boceta gostosa eram,
de fato, viciantes e eu sabia que tinha cometido um erro gigantesco a
provando.
Hoje eu não era mais um homem de vícios, mas sabia exatamente a
sensação que era necessitar de algo que não te faria bem. O viciado deseja
ardentemente aquilo que é capaz de matá-lo aos poucos. Ou ainda, deseja o
que pode ser fulminante. A bebida e a nicotina eram exemplos clássicos do
que destruía aos poucos, roubando um pouco de vida a cada trago.
E eu sabia que Alissa seria igual. Pouco a pouco ela me roubaria.
Primeiro, a minha atenção. Depois, o meu controle. Por fim, tentaria ir além e
exigiria algo que eu não seria capaz de doar. Se Alissa conseguisse, eu estaria
arruinado mais uma vez. Morto novamente. E nenhum homem era capaz de
se reconstruir duas vezes. Então, por que eu tinha dado o primeiro gole
naquele maldito veneno? Porque era um idiota, como já tinha deixado claro.
O sábado se arrastou como dificilmente acontecia. Com frequência,
perdia as horas quando estava no trabalho e não me importava com isso
porque gostava de fazer logo o que precisava ser feito, sem adiamentos
inúteis, mas naquele dia o ponteiro do relógio parecia estar em greve. Para
disputar com ele, estendi meu turno até as dez da noite. Podem achar que eu
estava evitando voltar para casa, era isso realmente, sabia que assim que o
fizesse iria direto até ela para me lambuzar um pouco mais com o seu gosto.
Mas às 21h recebi uma mensagem dela em meu celular:

Alissa: Já estou indo deitar, mas vou deixar a porta aberta, para o
caso de você querer me visitar.

Não respondi, ela sabia que estava dando as cartas, mas eu evitaria
jogar aquela noite. Fui para casa uma hora depois e me mantive firme no meu
quarto até amanhecer.
*
Estava tomando café da manhã mais cedo do que habitualmente fazia
aos domingos quando ela apareceu. Dizer que ela surgiu e se sentou ao meu
lado à mesa do café da manhã seria diminuir o registro que meus olhos
fizeram da aparição de Alissa, usando uma camisola de seda preta com
detalhes de renda no busto ela caminhou em minha direção, com a expressão
de alegria refletida em seu rosto. Eu também estava animado com a visão a
minha frente, talvez animado demais. Eu gostaria muito de contar que resisti
a Alissa de camisola, mas ao contrário, a devorei com os olhos como se ela
fosse o único alimento capaz de me saciar por completo.
Adoraria tê-la como meu prato principal sobre a mesa da sala de jantar
e eu estava prestes a fazê-la se contorcer em minha boca, inclinei o corpo
para levantar da cadeira, quando Magda se colocou ao meu lado. Em uma
fração de segundos eu planejava beijar a Alissa e no instante seguinte me
choquei contra Magda, no impacto a jarra de inox foi derrubada e o piso se
tornou uma poça vermelha. O cheiro da acerola se espalhou no ambiente e eu
praguejei irritado.
— Desculpa senhor. — Magda pediu de imediato como se a culpa
daquele desastre fosse dela.
— A culpa é minha — falei pousando o guardanapo de tecido sobre o
líquido derramado para impedir que ele se espalhasse — Eu estava distraído.
— Ergui os olhos e encontrei Alissa exibindo o sorriso de uma criança
travessa.
— Eu cuido disso, senhor — Magda, muito mais eficiente que eu,
assumiu a função e logo seguiu para a cozinha provavelmente em busca de
um pano decente para limpar a bagunça que eu causei.
Permaneci de pé pensando se deveria seguir o meu plano inicial e
beijar Alissa ou deveria entender aquela interrupção como um sinal para
evitar que eu seguisse cometendo erros. Optei pela segunda opção e tentei
ignorar o motivo do meu ímpeto. Meus olhos voltaram ao tablet onde antes
do furacão Alissa eu lia a seção de Economia, mas meu corpo ainda estava
ciente da presença dela.
— Chegou tarde ontem? — A voz dela invadiu a minha bolha — Eu
esperei que você fosse até... — Ergui a cabeça para encará-la, Magda havia
retornado e se dedicava a limpar o suco derramado, Alissa olhou para Magda
e pareceu ter compreendido o meu recado mudo, pois não completou a frase.
Moveu sua atenção para o pé de moleque no prato e voltou a comê-lo.
Eu tinha total discrição com meus funcionários, sabia que o quer que
fosse ouvido ou visto naquela casa não seria alvo de comentários ou
especulações, mas ainda assim não queria conversar a minha intimidade
recente com Alissa na presença deles.
— Sim. — Alissa me encarou como se eu tivesse proferido uma coisa
absurda — estou respondendo a sua pergunta — elucidei o olhar
questionador — cheguei tarde ontem à noite.
Ela assentiu e levou a xícara de café aos lábios.
— E a minha outra pergunta.
— Você só me fez uma pergunta — arqueei a sobrancelha direita.
— Você sabe o que eu quis dizer, por que não me procurou ontem?
Magda acabou a limpeza e nos deixou sozinhos.
E eu aproveitei para evitar aquela pergunta e consequentemente fugir
da tentação de lábios macios. Há um antigo ditado que diz que a diferença
entre o veneno e o remédio é a dose. E eu precisava saber administrar as
doses de Alissa para não acabar envenenado.
— Vamos sair, você vai conhecer os meus pais. — Informei,
colocando-me de pé.
— Conhecer seus pais? — Perguntou com os olhos arregalados.
— A notícia que serei pai está se espalhando rapidamente e gostaria de
ser eu mesmo o portador da boa nova que eles serão avós. — Ela continuou a
me encarar assustada. — Sairemos em algumas horas. — Avisei e como não
obtive resposta, movimentei meus pés em direção ao meu quarto.
— O que devo vestir? — A pergunta foi feita às minhas costas.
— Qualquer coisa a essa camisola.
— O que há de errado nela? — Virei a cabeça para olhá-la, o seu
tronco estava voltado para mim e me dando uma visão privilegiada do seu
colo.
— Nada, e esse é o problema.
Assim que deixei Alissa, liguei para a minha mãe para informar da
visita. Avisei que estaria acompanhado da minha namorada e ela pareceu
feliz com a notícia. A minha relação com Alissa tinha muitas camadas e
nuances, mas para os outros não. Ela era simples e comum ao demais casais,
nos conhecemos, apaixonamos e agora esperamos um bebê. Simples e
corriqueiro.
Hoje era o dia de folga do Josué e eu era responsável pela locomoção
até a residência do meus pais. Alissa estava mais quieta que o habitual,
parecia incomodada com alguma coisa.
— O que houve? Compartilha comigo o que está passando pela sua
cabeça.
— Você vai me achar uma boba... — sorriu — Você disse que serei
apresentada como sua namorada, né? — movi a cabeça em concordância —
mas a gente não tem uma história de como nos tornamos namorados, sabe?
As pessoas costumam perguntar como o casal se conheceu... Seus pais podem
perguntar. E eu não faço ideia do que responder.
Aquele era um ponto que eu não tinha avaliado, em geral, as pessoas
não costumam me fazer esse tipo de questionamento, mas essa é uma
curiosidade que pode surgir na intimidade do ambiente familiar.
— Acredito que meus pais não serão invasivos, mas caso eles
perguntem: podemos dizer que nos conhecemos em uma inauguração dos
empreendimentos JAG e eu fiquei encantado pela jovem mulher de vestido
vermelho e olhos sedutores. E que desde então não há um único dia que eu
não pense como sou sortudo por ter essa mulher em minha vida e pelo filho
que ela me deu de presente. O que acha disso?
— Eu beijaria você agora se não tivesse medo de que o carro se
chocasse contra o poste.
Eu a encarei por alguns segundos sem dar nenhuma resposta. Era claro
que eu queria que ela o fizesse e tanto fazia se fosse naquele momento ou
quando eu parasse o carro, o resultado seria o mesmo. O choque que ela
temia, em metáfora, parecia cada vez mais inevitável.
Terminei o trajeto até o condomínio que meus pais moravam e tive a
entrada liberada rapidamente. Assim que estacionei, desci e fui abrir a porta
para Alissa.
Ela piscou para mim e usei todo o meu autocontrole para não beijar a
sua boca atrevida e a conduzi pelo jardim até que eu tocasse a campainha.
Segundos antes da porta ser aberta, eu me perguntei se havia mesmo tomado
a decisão correta... Se não era melhor ter ficado em casa e cedido a deliciosa
tentação. Mas antes que eu pegasse Alissa pela mão e a reconduzisse ao
carro, minha mãe apareceu para nos recepcionar.
— Essa linda jovem é a minha nora? — Ela perguntou sorridente.
— Oi para a senhora também — Sorri e recebi um abraço apertado —
Sim, essa é a Alissa.
— É um prazer conhecer a senhora.
— O prazer é todo meu — Alissa também foi abraçada — Agora não
precisa me chamar de senhora, não é porque tenho um filho com fios brancos
que sou tão velha assim — Sorriu.
A mão de Alissa buscou a minha enquanto caminhávamos ao encontro
do meu pai e interpretei aquele gesto como nervosismo, de mão dadas
seguimos até chegarmos à sala onde o meu pai nos aguardava sentado em
uma poltrona bege. Ciente da nossa chegada ele colocou o aparelho de celular
na mesinha de centro e ajeitou a postura.
— Pai, essa é Alissa — o olhar dele se estreitou como se a analisasse
— Alissa esse é o meu pai, José Augusto.
— É um prazer conhecer o senhor... — Meu pai balançou a cabeça em
resposta.
Alissa sentou-se ao meu lado no sofá branco e minha mãe seguiu para
o lado do meu pai, ocupando a poltrona à esquerdo. Como a anfitriã que era,
dona Luiza passou a oferecer suco, água de coco, biscoitos, bolos e apesar
das nossas múltiplas tentativas de recusa, acabamos cedendo e uma bandeja
com suco e biscoitos amanteigados foram servidos, Alissa repetiu o meu ato e
pegou um copo do suco de abacaxi.
— Alissa, não é? — Meu pai perguntou como uma confirmação e
recebeu um balançar de cabeça dela como resposta — Você trabalha no ramo
empresarial?
— Não, senhor.
— Meu marido tende a achar que só existe um ramo de trabalho no
mundo — minha mãe falou sorrindo.
— A Luiza tem razão, em que você trabalha?
— Eu não trabalho. — A mão que se mantinha fechada ao redor do
copo de vidro apertou ainda mais o objeto.
— Não trabalha... — Foi o comentário dele após um longo silêncio.
Eu estava prestes a intervir e ir direto ao motivo pelo qual estávamos
ali quando meu pai voltou a interrogá-la.
— Que faculdade você faz?
— Eu não faço faculdade, ainda estou concluindo o Ensino Médio.
— Quantos anos você tem?
— Dezenove, farei vinte agora em agosto.
— Alissa não está se candidatando a uma entrevista de emprego, pai.
— A minha repressão em tom suave gerou um pequeno embate silencioso
entre nós, meu pai não era um homem de fugir de confronto, mas era sábio o
suficiente para saber o momento de recuar.
Bebi mais um gole do suco refrescante e decidi anunciar o motivo da
visita.
— Espero que a notícia não tenha se espalhado rapidamente e possa ser
eu o porta voz da melhor notícia da minha vida — O sorriso da minha mãe se
ampliou e eu deduzi que ela já sabia do que se tratava, mas isso não diminuiu
a felicidade que eu sentia em compartilhar com eles que eu serei pai. —Alissa
e eu estamos esperando um bebê! — A mão de Alissa buscou a minha e
nossos dedos se entrelaçaram.
— Eu estou tão feliz por vocês! — Minha mãe vibrou animada —
Tenho certeza de que você será um bom pai. — Completou.
— Você não é jovem demais para ter um bebê? Criança exige
responsabilidade... — A animação da minha mãe foi sobreposta pelo humor
taciturno do meu pai.
— Responsabilidade essa que estamos cientes, pai.
— Estamos esperando uma menininha ou um menininho? — Minha
mãe perguntou ainda sem conter a animação.
— A gente ainda não sabe o sexo. — Respondi porque Alissa parecia
ter perdido a voz.
— Já pensou Augusto, uma cópia mirim do Luiz Henrique correndo
por essa casa? Vai te deixar de cabelo em pé — meu pai não esboçou
nenhuma nova reação com o comentário da esposa, permaneceu com a cara
fechada. O que não era uma novidade para mim, ele sempre foi mais
desconfiado e introvertido, ao contrário da minha mãe que sempre foi mais
extrovertida e amigável, todavia excepcionalmente algo parecia ter aflorado
esse lado turrão do meu pai.
— Você tem alguma preferência, Alissa?
— É estranho dizer que não? — Alissa confessou timidamente como
se temesse o julgamento.
— De jeito nenhum — minha mãe ofereceu um sorriso tranquilizante
— Nas minhas duas gestações eu pensava como você. Desde que meus filhos
nascessem com saúde, não importava se seria um menino ou uma menina.
— É esse o nosso pensamento — concordei — queremos que nosso
filho se desenvolva saudável. Menino ou menina ele será lindo com a mãe
que tem. — Pontuei fitando Alissa.
— Como se o pai não fosse bonito... — Alissa comentou mais para si
do que para qualquer outra pessoa.
— Ele era ainda mais bonito criança. — Mina mãe garantiu.
— Isso é possível!? — Perguntou diretamente para mim.
— Evidente que sim, você quer ver as fotografias do Luzi Henrique
bebê? Nelas você verá um lindo bebê rechonchudo e com bochechas que
clamavam por apertos. E eu as apertei várias vezes. — Sorriu parecendo
perdida em lembranças.
— Mãe isso não é necessário. — Falei para evitar que a minha mãe
abrisse a caixa de fotos infantis, ela mantinha uma no seu closet com fotos
constrangedoras minha e do meu irmão durante a infância e adolescência.
— Mostre a ela as fotos, para ela saber como será o filho deles. Os
genes do Garcia Lopes costumam se sobrepor aos demais.
— Não é assim que a genética funciona, meu pai. — Discordei
serenamente — A herança genética é maior que um sobrenome poderoso.
— O que significa que o bebê pode ser uma junção das características
da Alissa e do Luiz Henrique o que o tornaria extremamente lindo. — Minha
mãe completou — Vamos ver as fotos, Alissa? Não me prive de deixar o
Luiz Henrique envergonhado, ele não gosta que as pessoas vejam que ele foi
uma criança sapeca, ele precisa manter a áurea do empresário sério.
Alissa me consultou com o olhar e tentei transmitir na nossa troca de
olhares que a decisão era exclusivamente dela.
— Se não for incomodar, eu gostaria de ver.
— Incômodo nenhum. — Minha mãe levantou-se e Alissa
acompanhou os seus passos. Antes que as duas sumissem do meu campo de
visão ouvi uma risada baixa de Alissa, o que me deixou mais tranquilo dessa
interação.
— Acho que a gente precisa conversar — meu pai anunciou e com
dificuldade colocou-se de pé e marchou em direção ao seu escritório.
Receoso do rumo que a conversa teria demorei alguns minutos até me juntar
a ele. Apesar de já ter estado naquele espaço dezenas de vezes, o observei
como se fosse a primeira, deixei meus olhos vagarem pelas dezenas de títulos
dispostos na estante, alguns prêmios e condecorações recebidos pela JAG
expostos nas prateleiras e somente depois encarei a figura imponente do
senhor Garcia sentado na cadeira executiva.
Notei o olhar impaciente dele quando finalmente cedi e ocupei a
cadeira a sua frente.
— Você está apaixonado? — A pergunta foi direta.
— Me chamou até aqui para falar da minha vida sentimental? Isso não
é típico do senhor Garcia — franzi o cenho — Sim, estou apaixonado e feliz.
Estou prestes a realizar um dos meus maiores sonhos e me sinto o mais
sortudo dos homens com Alissa ao meu lado.
As palavras soaram verdadeiras até para mim, e isso me assustou, não
estava buscando envolvimento emocional com Alissa, mas não podia negar a
forte atração entre nós e os sentimentos adormecidos em mim que
ameaçavam florescer mais uma vez.
— Fico feliz por você, mas — sempre havia um mas com ele — você
não pode deixar que o seu lado emotivo fale alto mais uma vez. A última vez
que isso aconteceu não terminou bem para você.
Essa lembrança trouxe um sabor amargo à minha boca. Era uma clara
referência ao meu passado, mas aquilo não aconteceria novamente. O meu
acordo com Alissa tinha cláusulas e um valor determinado específico, eu já
havia aprendido a lição.
— Isso não vai acontecer.
— Presumo que já tenha preparado um contrato pré-nupcial... E de
preferência com separação total de bens.
— Compreendo a sua preocupação, mas ela é desnecessária. O senhor
não precisa ocupar o seu tempo se preocupando comigo.
— Eu achava que não até ver essa mulher... Não quero ser grosseiro,
mas não consigo parar de pensar que essa gravidez repentina pode ser o velho
golpe da barriga em ação.
Não contive o sorriso que surgiu quando a frase foi dita, se meu pai
estava cogitando que eu estava sendo vítima de um golpe era um sinal que a
minha farsa estava sendo bem orquestrada. Tudo aprecia se encaminhar para
não haver questionamentos futuros sobre a paternidade. Entretanto, a menção
que Alissa pudesse ser uma golpista me incomodou e fez o sorriso
desaparecer tão rápido quanto surgiu, se tinha alguém ali que poderia ser
considerado golpista seria eu, afinal aproveitei de um momento de fragilidade
para sobrepor o meu desejo.
— O senhor ofende a mãe do meu filho ao sequer considerar essa
hipótese — sentenciei — Meu filho não é fruto de um golpe da barriga, muito
menos uma forma de tirar dinheiro meu como o senhor insinuou, ele é
desejado e infinitamente amado. Então com todo o respeito que eu tenho pelo
senhor gostaria de pedir que esse assunto não fosse mais retomado em
hipótese alguma. Ele é desrespeitoso com Alissa e com o filho que
esperamos.
— Você sabe que eu não falei por mal...
— De toda forma gostaria que esse tipo de comentário não fosse mais
exposto e muito menos questionado para qualquer pessoa. Eu não o perdoaria
se ele chegasse aos ouvidos da Alissa. — O tom de voz firme deixava claro
que não se tratava de uma ameaça vazia.
— Você tem a palavra de um Garcia que esse assunto morrerá da
mesma forma como iniciou nessa sala.
Eu queria dizer que o jeito que o senhor José Augusto se dirigiu a mim
não me incomodou, mas seria mentira. Fui submetida a um interrogatório e a
cada resposta minha eu tinha certeza de que não estava correspondendo a
expectativa de mãe do seu neto e namorada do seu filho. Eu não era apta para
o cargo. Não que isso fosse uma novidade para mim, já tinha vivenciado essa
situação no dia da premiação quando Luiz me apresentou como namorada, as
pessoas demonstravam uma opinião semelhante, elas apenas foram mais sutis
em suas percepções. Bem ao contrário do pai dele que manifestava uma
desaprovação apenas pelo jeito de olhar.
Minha vontade inicial foi enfrentá-lo e dizer em alto e bom som: “eu
sei que eu não pertenço ao seu mundo, não precisa esfregar seu sobrenome na
minha cara. Eu sei o meu lugar e quer saber? Ele está sendo bem aproveitado
na cama do seu filho.” Mas essa resposta ficou no pensamento porque eu me
sentiria ainda pior se o Luiz Henrique me repreendesse e acabasse dando
razão ao pai.
E ainda tinha a dona Luiza, ela me tratou bem e não merecia uma cena
em sua casa só porque seu marido era um grande babaca arrogante. Então, eu
domestiquei a Alissa afrontosa que pulsava em mim e apenas fingi demência
enquanto era analisada.
Ao lado da Luiza eu caminhava para ter um acesso mais amplo ao Luiz
Henrique. Eu já conhecia o homem poderoso que salvou a minha vida e a do
meu filho, mas agora estava sendo convidada a entrar em sua intimidade
familiar. Queria, além de ver as fotos dele quando criança, que a sua mãe
compartilhasse histórias da sua infância, queria saber que tipo de adolescente
ele foi, se teve muitas namoradas, se sempre foi sério e centrado. Queria
formar o quebra-cabeça completo de quem era o Luiz Henrique, pois as peças
que ele me deu eram limitadas.
— Dona Luiza, a senhora vai querer... — uma mulher que deveria ter a
idade bem próxima à minha a abordou — desculpa, não vi que a senhora
estava acompanhada. — Disse após notar minha presença.
— Essa é Alissa, a namorada do Luiz Henrique e mãe do meu neto. —
A mulher acenou para mim com a cabeça em cumprimento. — O que você
queria comigo, Ivania?
— A Maria quer saber se é para acrescentar mais dois lugares à mesa.
— Vocês vão almoçar conosco, não vão? — Luiza se digeriu a mim.
— Não sei, acho melhor perguntar ao seu filho.
— Ivania, pergunte ao Luiz se ele irá almoçar conosco, informe que o
irmão estará presente.
— Eu pergunto — me ofereci porque achei desnecessário que a
empregada o perguntasse, quando eu mesma poderia fazer.
— Enquanto você vai até ele, verei com a cozinheira como anda o
almoço. Você tem alergia a frutos do mar, Alissa?
— Não.
— Ótimo — sorriu.
As duas mulheres seguiram em frente e eu retornei o caminho que
havia percorrido anteriormente. A casa dos pais do Luiz Henrique era tão
grande quanto a sua, menos imponente, mas igualmente luxuosa. Foi
inevitável pensar que meu filho teria, desde pequeno, acesso a ambientes
desse tipo e, ao contrário de mim, ele não se sentiria deslocado ou
deslumbrado quando estivesse em uma casa como aquela.
Estava passado por uma das portas fechadas quando ouvi vozes
masculinas vindas do interior, reconheci de imediato o som como pertencente
a Luiz Henrique e a outra deveria ser a do seu pai. Não ia interromper os dois
e receber mais um olhar de desaprovação do senhor Augusto, então estava
prestes a dar meia volta e dizer que não encontrei o Luiz quando escutei uma
frase que me fez paralisar.
— Não consigo parar de pensar que essa gravidez repentina pode ser o
velho golpe da barriga em ação.
A frase foi dita de forma objetiva e pelo silêncio que se seguiu,
imaginei que se os termos da minha gravidez fossem outros o próprio Luiz
Henrique compartilharia desse pensamento. Nós somos de mundos opostos.
O destino acabou colocando ele no meu caminho, essa era a única explicação
para que alguém como eu encontrasse um empresário rico. Eu já havia
escutado histórias de mulheres que encontraram homens ricos no Tinder, mas
eu duvidava que o Luiz desse match com uma mulher do Brasileirinho. E
ainda, considerando a hipótese que ele teria retribuído meu like,
começássemos a namorar e eu engravidasse dele no primeiro encontro, ele
não acharia aquilo um golpe da barriga? Nem mesmo depois de ver a casa
que eu morava e conhecer a família? Era bem provável que ele pensasse
como o pai e eu não conseguia condená-lo por isso, mas o fato de entender
não faz diminuir a irritação que correu pelo meu corpo fazendo meu sangue
esquentar.
Afinal, quem começou com essa história de me apresentar como
namorada foi ele, então no mínimo ele deveria fingir ser um e me defender
das acusações do seu pai. Sem conseguir pensar direito, levei a mão à
maçaneta para eu mesma interpretar o papel de namorada ofendida quando
uma voz aveludada me fez recuar.
— Se eu fosse você não faria isso, ele detesta ter o seu santuário
invadido. — O dono da voz tinha olhos grandes e escuros. Castanhos,
provavelmente, assim como os meus.
Os cabelos eram pretos, cortados jovialmente com a parte de cima
bagunçados propositalmente. Usava camisa sem mangas preta e calça jeans e
tinha, no máximo, vinte e um anos. Era bem bonito. Me afastei da porta e
deixei que meus pés me levassem até o homem recostado relaxadamente a
parede.
— Eu só estava procurando uma pessoa... — Justifiquei.
— Tem certeza de que quem você procura está atrás dessa porta? —
Arqueou a sobrancelha. — Desculpa, eu não me apresentei. Eu sou o
Augusto, neto dos donos da casa. E você é?
— Alissa — respondi.
Neto dos donos da casa? Que interessante. Ele podia ser bem útil para
abaixar o nariz daquele pessoal metido a besta, eu poderia usar isso a meu
favor.
— Você tem razão, talvez o que eu procure não esteja atrás da porta e
sim bem aqui na minha frente... — A minha insinuação gerou um efeito
imediato, pois fui contemplada com a visão de um sorriso sacana e um olhar
que percorreu o meu corpo lentamente, analisando meu vestido curto.
Isso era bem melhor que confrontar Luiz Henrique e seu pai. Ao menos
seria mais divertido e atingiria o objetivo que eu tinha em mente: irritar o
Luiz. Ele não me achava uma golpista? Agora iria descobrir que eu também
poderia ser uma piriguete ao lado do seu sobrinho. Mal poderia esperar pelo
momento em que ele assistisse o meu plano em ação.
Com isso em mente, segui Augusto não me importando nem um pouco
em que tipo de confusão eu estava prestes a me enfiar. Ele acabou me
levando a uma espécie de varanda, localizada em anexo a casa, acho que era
ali que eles costumavam se reunir com os amigos, pois o ambiente era mais
despojado e colorido.
Augusto me surpreendeu quando não escolheu o sofá tradicional para
se sentar, ele optou pelo sofá em formato de concha, retirou as sandálias e
elevou as pernas em uma postura relaxada. Finalmente, alguém que não
parecia preocupado com o que diziam as regras de etiqueta. Assim como ele,
me livrei da sandália e me sentei no sofá, levei a almofada ao colo para evitar
que o vestido mostrasse mais que o tecido.
— Não me diz que você é uma prima perdida... — Começou,
interessado.
— Definitivamente não sou da sua família — sorri.
— Me sinto aliviado e triste, pois estava contando em encontrar você
tentando entrar furtivamente nos aposentos do meu avô outra vez.
— Acho que você ainda vai me encontrar outras vezes por aí...
— Estou diante de uma mulher misteriosa?
— Por que eu tenho que dizer de cara quem eu sou? Também não sei
nada sobre você, além de que é neto dos donos da casa.
— Isso soou esnobe, né? — Ele sorriu — é que eu estava entrando sem
ser anunciado e, de repente, vejo uma linda mulher que nunca encontrei na
vida.
— Talvez a gente já tenha se encontrado...
— Eu não me esqueceria facilmente de você — deu de ombros — a
minha intenção, ao dizer que sou neto dos donos, era apenas assegurar à linda
visitante que eu era de casa e confiável. Consegui?
— Estou aqui com você, não estou? — Pisquei para ele.
— Então, vamos deixar as apresentações formais de lado e falar como
duas pessoas que, sei lá, se encontram na balada pela primeira vez.
— Vamos nessa — sorri.
A partir dali a nossa conversa fluiu como se fôssemos dois velhos
conhecidos, Augusto era falante e engraçado, acabamos descobrindo que
temos gostos musicais parecidos. Ele gostava de funk e de sertanejo,
acabamos falando das bandas que gostamos e dos festivais sertanejos que ele
costumava ir e que eu mal via pela internet.
— Agora que você sabe quase tudo sobre a minha vida, eu clamo por
uma migalha sua, qualquer coisa da mulher misteriosa. — O bom humor dele
me fez rir alto.
— Ao contrário de você, eu não fiz muita coisa na vida, acho que a
única coisa relevante agora é que sou a namorada do seu tio Luiz Henrique.
— Devo te chamar de tia também? — Arqueou a sobrancelha sorrindo.
— Não — sorri — pode continuar me chamando de Alissa.
— Poxa, tia Alissa soa bem aos meus ouvidos... — A minha risada saiu
sem pudor e escandalosa, o som que escapou dos meus lábios reverberou pela
minha garganta fazendo meus ombros sacudirem.
— Alissa querida, estava preocupada com você. Luiz Henrique te
procurou por toda casa e não te encontrou...
Havia perdido completamente a noção do tempo e esquecido da mãe
dele.
Merda, Alissa! Me repreendi mentalmente.
— A culpa é toda minha vó, roubei Alissa para mim.
— Presumo que você não vai se incomodar se eu recobrar o que me
pertence — o tom frio do Luiz Henrique fez meu corpo estremecer, mas eu
não sabia se de excitação ou medo.
— De forma algum, tio. — Augusto respondeu não demonstrando estar
intimidado. — Nos vemos no almoço, Alissa?
— Acho que sim. — Respondi olhando para Luiz Henrique em busca
de alguma reação, mas o seu rosto era um quadro em branco, sem nenhum
registro.
Avó e neto seguiram juntos para o interior da casa e deduzi que
deveríamos segui-los, a família deveria estar reunida a minha procura.
— Eu sei o que você está fazendo e devo alertá-la que esse não é o
caminho mais inteligente. — Disse Luiz Henrique interrompendo o meu
fluxo de pensamentos.
— O que estou fazendo? — Perguntei sem dar muita importância a ele,
meus dedos trabalhando em acertar o fecho da sandália.
Quando finalizei me coloquei de pé e passei a mão pelo tecido do
vestido para tirar as pequenas marcas de amassado.
— Alissa... — o tom foi de repreensão, mas não me intimidou, movi
um pé após o outro para me distanciar, mas seus dedos se fecharam ao redor
do meu pulso.
Ergui a cabeça para encará-lo e vi um homem que parecia dividido
entre querer me enforcar e me beijar. Eu torcia pela segunda opção, se bem
que as suas mãos ao redor do meu pescoço durante o sexo tinham sido bem
excitantes...
— O quê? Vai dizer que, além de ter cara de golpista, eu me comporto
como uma puta? — As palavras saíram da minha boca sem que eu pudesse
controlá-las. Luiz Henrique franziu a testa como se não compreendesse o
assunto. — Eu ouvi o seu pai falando que eu posso estar colocando o golpe
da barriga em ação.
O vinco em sua testa desapareceu, mas os lábios continuaram fechados
em linha reta.
— Se você continuasse ouvindo a conversa atrás da porta, saberia que
eu o recriminei por esse pensamento.
— Você me defendeu? — Perguntei surpresa.
— Você é a mãe do meu filho e não permitirei que ataques ou
insinuações maldosas sejam direcionadas a você.
— Mas tudo isso é uma farsa... — Falei para me recordar que apesar da
intensidade das suas palavras, tudo era mentira. Os dedos afrouxaram em
torno do meu pulso, mas o toque não cessou. Ele acariciou o meu pulso e
depois me trouxe para junto de seu corpo.
— Uma farsa que parece que estamos começando a gostar de encenar,
não é?
— Tem umas partes divertidas — dei um passo a mais em sua direção,
quase colando nossos corpos.
— E outras bem irritantes — pontuou, me puxando em direção à porta
que ficava no canto daquele espaço.
Eu não a tinha visto até então, mas assim que ele a abriu e me
empurrou lá dentro notei que se tratava de um banheiro.
— O que você está fazendo? — Perguntei ao vê-lo nos trancar ali
dentro.
— Dando o que você está me pedindo.
A sua boca se chocou contra a minha e quando abri os lábios para
recebê-lo senti que sim, era exatamente aquilo que eu estava pedindo desde o
segundo em que saí da sua cama na sexta. Eu queria que ele me devorasse
inteira com sua boca, mas ele logo cessou o beijo.
Luiz me virou, me deixando de costas para ele e de frente para a pia
marmorizada. Ele abaixou minha calcinha e eu levantei os pés para me livrar
da peça, me segurando na pia para me apoiar.
— Você merecia uns tapas, mas não temos tempo — avisou enquanto
abria a calça — vai ser rápido.
Senti seu pau se insinuar na minha entrada e me inclinei. Ele o
posicionou e eu quase fechei os olhos, mas ao vê-lo refletido no espelho a
nossa frente não quis perder a visão. Eu não estava bem molhada, ainda que a
situação me excitasse como um todo, mas isso não o impediu, Luiz se enfiou
em mim com um tranco, indo de vez e se fazendo presente.
— Porra — chiei.
— Não faça barulho — repreendeu — ou vou tapar sua boca com a
minha mão.
Não sabia se aquela ameaça era real, mas não pagaria para ver.
— Essa sua cara de mau é linda de ver — sussurrei, ele me encarou
através do espelho.
Seus olhos se estreitaram quando ele se afastou quase completamente
para então estocar bem fundo. Suas mãos vieram para os meus peitos, por
cima da roupa mesmo, e se fixaram ali, como um apoio.
Cada vez que ele saia, eu o desejava de volta. Quando ele voltava,
queria implorar para que não saísse e ficasse dentro de mim um pouco mais.
Luiz me abria com sua largura e eu queria gritar para que a casa inteira
soubesse como aquele pau era gostoso.
Rapidamente sua respiração acelerou e seus movimentos perderam o
controle. Ele me empurrava contra a pia e eu mordia o lábio inferior para
conter os gemidos, até que o senti estremecer, gozando em mim enquanto eu
ainda queria mais.
Luiz Henrique se afastou, respirando fundo enquanto segurava seu pau.
Ele se limpou e se arrumou em poucos segundos.
Eu me virei, incrédula, encarando sua cara de pau. Ele ergueu as
sobrancelhas.
— Queria mais? — Não respondi, ele sabia que sim — eu avisei que
seria rápido. Comporte-se durante o restante do tempo que passar aqui e não
flerte com meu sobrinho, aí eu te faço gozar quando chegarmos em casa.
— Isso não é justo — reclamei, pegando papel higiênico para me
limpar.
— Não demore — suas palavras foram ditas antes de se retirar do
espaço.
Fiz xixi e lavei as mãos, quando dei o primeiro passo, pronta para sair
dali percebi que ele havia levado uma peça consigo.
Luiz Henrique me deixou sem gozar e sem calcinha no banheiro da
casa dos seus pais.
Não sei com que cara saí do banheiro, mas com certeza não era a
mesma com a qual entrei. Eu ainda podia senti-lo entre as minhas pernas a
cada passo que dava em direção aos outros convidados. Mesmo tendo me
limpado, era como se sentisse escorrer algo em mim, mas era provável que
fosse minha excitação que não havia sido aplacada.
Não foi difícil saber onde estavam todos reunidos, não que eles
falassem alto ou gargalhassem como minha família costumava fazer, mas
comparado ao silêncio absoluto, o som da conversa me fez chegar até uma
sala aconchegante, com diversas poltronas individuais, menor que a sala de
estar onde estávamos antes.
— Estávamos só te esperando para servir o almoço, querida — dona
Luiza disse assim que me viu entrar.
— Desculpe por atrasá-los.
— Não por isso — ela sorriu — vamos para a mesa.
No trajeto, cumprimentei Carlos Augusto e sua esposa, Edileusa, tendo
a certeza de que o Augusto sobrinho era filho deles. O jovem tinha os olhos
escuros da mãe, bem como os cabelos pretos. Podia apostar que ela tinha
cinquenta anos, ou estava perto disso, mas não havia um único fio de cabelo
branco em sua cabeça.
— Acho que devo te dar parabéns — Augusto disse baixo, próximo a
mim. Olhei se o seu tio estava nos encarando antes de responder.
— Por qual motivo? — Sussurrei.
— Pelo meu priminho — piscou — confesso que preferia que pudesse
consumir álcool e sair, mas creio que sua diversão agora será fraldas e
canções da galinha pintadinha.
Sorri pela piada, mas no fundo queria chorar porque sabia que ele só
estava falando o óbvio. Nada seria como antes, pelo menos até o nascimento
do bebê. O que Augusto não fazia ideia era que os planos do seu tio não me
incluíam na troca de fraldas. Assim, eu poderia voltar a me divertir como
antes.
Só me restava acreditar naquilo.
*
O almoço correu da forma mais tranquila possível e isso graças a dona
Luiza e Edileusa que tentaram me fazer ficar à vontade. Não houve mais
perguntas pessoais sobre mim e eu agradeci por isso, estava salva de novos
constrangimentos. Também quase me ajoelhei para agradecer por não terem
servido nada que precisasse de talheres diferentes ou muitas taças, tinha
conseguido me virar bem com o garfo e a faca de sempre.
À noite, no caminho de volta, a tensão pelo que tinha acontecido
pairava no carro. Como Josué estava de folga, Luiz dirigia e isso foi
providencial porque enquanto ele mantinha os olhos na estrada, eu encarava a
janela. Não conversamos, não ouvimos música e, por isso, suspirei aliviada
quando o carro parou no estacionamento do palácio que ele chamava de casa.
Abri a porta e desci do carro antes que ele pudesse dar uma de cavalheiro, um
cavalheiro de verdade jamais me deixaria daquela forma.
— Você se comportou bem, vou cumprir minha promessa — seu tom
baixo e firme pôde ser ouvido atrás de mim.
— Não precisa — rebati, no hall de entrada, segurando no corrimão,
prestes a subir para o quarto.
— Está irritada por quê? — Ouvi seus passos nos degraus, me
seguindo.
— Por ser chamada de golpista, por você ter me fodido no banheiro e
me deixado na mão, por estar sem calcinha — enumerei levantando os dedos,
sem me virar.
— A calcinha... Me desculpe por isso, acabei colocando no bolso e
esqueci. Sobre ter deixado você na mão, já disse que vou cumprir o que
prometi agora.
Eu parei na porta do meu quarto e me virei, encarando-o. Me arrependi
no segundo em que fiz isso, se tivesse entrado e batido a porta na cara dele
seria mais fácil me fazer de difícil.
— Não estou precisando de companhia no momento, Luiz Henrique —
tentei parecer firme. — Estou cansada.
— Tem certeza? — Ele não deu nenhum passo em minha direção, não
tentou me tocar ou me persuadir, só fez essa pergunta e eu quis gritar não,
mas já havia cruzado a linha do jogo. Estava mesmo frustrada, mas ele não
podia achar que me manipularia com sexo.
— Tenho.
— Tudo bem — ele assentiu, antes de virar e seguir para o próprio
quarto.
Eu entrei no meu e tranquei a porta antes que corresse atrás daquele
homem gostoso.
*
Os dias passavam e eu me sentia cada dia mais entediada, Luiz
Henrique passava o dia fora e tirando a minha última visita ao médico e as
saídas programadas por ele, a minha existência se limitava a comer e dormir.
Não que eu tenha do que reclamar disso, né? Eu estava vivendo a vida de
princesa que sempre sonhei: morava em uma casa com piscina, não precisava
fazer as tarefas domésticas e o melhor de tudo – uma infinidade de comida
disponível a qualquer hora. Era a vida perfeita, mas tediosa tenho que
confessar. Se ainda Luiz Henrique passasse mais tempo em casa poderia
preencher o meu tédio com o seu pau grande e gostoso, mas na ausência dele
eu recorria à piscina.
O banho de sol e piscina estavam inclusos na minha rotina de tédio,
após o café da manhã eu vestia o meu biquíni e seguia para a piscina. Com a
música tocando no último volume do celular passava horas ali, cantando e
dançando. Ainda tinha o lanche que sempre era servido, mesmo sem ter
solicitado, em geral era água de coco ou algum suco de fruta, acompanhado
de sanduíche natural ou biscoitos amanteigados. Era a vida que sempre
sonhei. E foi com esse pensamento, que decidi atualizar as minhas redes
sociais. A intenção era apenas compartilhar uma foto minha no feed do
Instagram, mas tinha algo mais por trás, seria mais que uma atualização no
perfil praticamente abandonando desde que Luiz entrou na minha vida. Uma
foto ali marcaria o meu retorno ao perfil, mas acima de tudo daria o recado
que eu estava melhor que antes, vivendo uma boa vida apesar de todas as
últimas desgraças que aconteceram.
Queria que a minha família ao ver a minha foto sentisse inveja de mim,
desejasse estar no meu lugar, e se isso fizessem eles terem o mínimo de
arrependimento por terem me tratado como um lixo seria ainda melhor.
Sentada na beira da piscina, abri a câmera frontal e registrei o meu melhor
sorriso. Não demorei pensando na legenda que acompanharia a foto, digitei a
frase “Alissa tá on” acrescida de emoji de carinha com olhinho piscando,
finalizei a publicação e aguardei que a notícia se espalhasse. As notificações
chegaram imediatamente, dentre tantos likes o que saltou aos meus olhos foi
o da Tamires.
Eu sentia falta daquela safada, sentia falta de uma amiga para desabafar
e compartilhar todas as reviravoltas da minha vida. Era para ela estar aqui ao
meu lado aproveitando essa piscina enquanto dançávamos e ríamos de
qualquer bobagem que viessem a nossa cabeça, mas nada disso era possível
porque Tamires havia escolhido acreditar no seu irmão a mim, e isso era o
que mais me doía. De todas as pessoas que eu achava que poderia contar em
qualquer situação, Tamires estava no meu topo, jamais imaginei que ela
acreditaria que eu tinha um plano de seduzir o seu irmão para dar um pai ao
meu filho. Como se a merda do irmão dela fosse um ricaço e eu estivesse
visando o dinheiro dele. Eu não escolheria aquele fodido para ser o pai do
meu filho nem se ele fosse a única pessoa da face da Terra.
Raiva, medo, humilhação, mágoa, nojo todos esses sentimentos vieram
à tona, meus olhos encheram de água e o meu coração bateu mais rápido em
resposta ao gatilho que a recordação de Tadeu provocou. Achava que essa era
uma página virada, um desses acontecimentos ruins que acontecem em
nossas vidas e a gente joga para debaixo do tapete para não o enfrentar. Na
minha cabeça não pensar no assunto era o melhor jeito de deixar ele cair no
esquecimento, mas pelo visto eu estava enganada.
O aparelho vibrou em minhas mãos, me despertando dos pensamentos
angustiantes, encarei a tela e identifiquei que mensagens da Tamires em
sequência no direct eram a causa das repetidas notificações. Com as mãos
trêmulas cliquei no seu nome:
Graças a Deus você está bem! Sei que você deve estar me odiando
nesse momento e não te julgo, eu também me odeio agora. Eu tenho tanta
coisa para te dizer Alissa, mas eu tenho que começar te pedindo perdão.
Desculpa por não ter acreditado em você, não sei como eu acreditei naquele
escroto do caralho! Será que a gente pode se encontrar para eu começar a
implorar pelo seu perdão? Saudades amiga.
— Eu também, sua idiota! — Falei para a tela, enquanto as lágrimas
rolavam livremente pelo meu rosto.
Reli a mensagem algumas vezes tentando absorver o pedido de
desculpas e as lágrimas não diminuíram. Chegou uma hora que eu não sabia
dizer o real motivo das minhas lágrimas, mas elas continuaram a aparecer
uma após a outra.
— Alissa, está tudo bem? — Ergui a cabeça e encontrei Magda me
observando com um olhar preocupado.
— Sim — Sequei as lágrimas com a palma da mão.
— A senhora está sentindo alguma coisa? Devo ligar para o senhor
Luiz Henrique?
— Não, eu tô bem — o jeito que ela me olhava não era de quem
acreditou nas minhas palavras. Mas, eu deveria estar mesmo com uma
aparência de que não estava bem, meu nariz escorria e os olhos deveriam
estar vermelhos e inchados — Uma amiga que eu não falava há muito tempo
me enviou uma mensagem e acabei ficando emocionada. — A minha
resposta pareceu tranquilizá-la.
— Vim avisar à senhora que o almoço será servido.
— Obrigada Magda, já estou a caminho.
Quando ela se afastou fiquei mais alguns minutos encarando a piscina e
pensando se deveria responder ou não a mensagem de Tamires.
*
Movi de um lado para o outro do prato os grãos de feijão e arroz, a
comida sempre tão saborosa, havia perdido o gosto ou era meu mal-estar que
tinha afetado o meu paladar. Com esforço consegui comer três colheradas do
almoço e recusei a sobremesa. Ainda assim a sensação nauseante permanecia.
E como fingir que nada estava acontecendo não iria fazê-la sumir, decidi
enfrentar a causa.
— Chegamos, senhora. — Josué informou quando estacionou em
frente à minha antiga escola. Havia pedido que me levasse até ali para
conversar pessoalmente com Tamires, esse não era um tipo de conversa que
eu queria ter pelo celular, se ela queria mesmo o meu perdão precisava ouvir
da minha boca o quanto a sua atitude me machucou. Mas agora eu estava
incerta se era a melhor decisão, já que não havia combinado nada com ela.
Olhei através do vidro em direção a escola e vi alguns rostos
conhecidos, até encontrar o motivo pelo qual eu estava aqui. Metade de mim
queria correr para abraçá-la e a outra permanecer distante, apenas
observando. Parecia mais simples quando entrei nesse carro reencontrá-la,
mas agora eu me sentia insegura em dar esse passo.
Apertei o botão e o vidro desceu lentamente, ela estava encostada no
muro da escola conversando com duas meninas da nossa turma.
— Tamires! — Chamei seu nome tomada pelo impulso. Ela virou em
minha direção e vi quando seus olhos se arregalaram em sinal de surpresa.
Como se temesse tanto quanto eu o contato, se aproximou devagar em
direção ao carro.
— Oi... — Ela sorriu.
— Oi... Quer dar uma volta para gente conversar?
— Pode ser.
Ela entrou no carro e Josué o colocou em movimento. Dessa vez, ele
não me perguntou o destino, talvez tivesse lido na minha cara que eu não
fazia ideia para onde ir. Apenas seguiu adiante sem fazer nenhuma pergunta.
No banco de trás o silêncio reinava, era evidente que tínhamos muita coisa
para dizer uma à outra, mas ninguém tomava a iniciativa de começar.
— Achei que você não iria nunca mais falar comigo — Ela quebrou o
silêncio — Visualizou a minha mensagem e não respondeu.
— Eu pensei muito em não te responder. — Fui sincera.
— Eu fui uma péssima amiga, né?
— A pior de todas.
— Eu queria que você soubesse que eu me sinto a pior amiga da face
da Terra e isso é terrível — a sua voz falhou e seus olhos encheram de água
— Não sou boa com as palavras você sabe, mas eu queria que você soubesse
que eu sinto muito mesmo por ter duvidado de você. Queria poder voltar no
tempo e ter ficado ao seu lado, ter evitado que ele... — Seu olhar se
prolongou no meu. Ela agora parecia ter conhecimento que o que aconteceu
na sua casa não tinha sido mútuo, e sim uma tentativa de estupro.
Senti uma lágrima quente descer pela minha bochecha e sequei
rapidamente.
Esse não seria o tipo de conversa para se ter em um carro na presença
do motorista do Luiz Henrique. Então, pedi que Josué parasse o carro na
primeira praça que ele encontrasse pelo caminho. A Praça Tobias Barreto
acabou se tornando o palco da nossa conversa.
Caminhamos em silêncio em busca de um banco vazio e fastado do
movimento local, avistei a distância um em frente a um lago artificial,
seguimos até ele e nos acomodamos ali. A tensão tinha retornado mais uma
vez e eu precisava falar antes que as palavras não ditas me sufocassem.
— Aquele foi o pior dia da minha vida e olhe que estava em uma
sequência de dias ruins — sorri tristemente — acho que você não tem ideia
de como eu me senti naquele dia. Ter um homem tocando o seu corpo sem
seu consentimento e impondo a sua força para conseguir sexo é a coisa mais
nojenta que uma mulher pode experimentar nessa vida. E foi isso que seu
irmão fez comigo naquele dia, Tamires — Virei para encará-la — Seu irmão
tentou me estuprar e eu ainda saí como a culpada da situação.
— Eu não sabia.... — A culpa estava evidenciada pelo choro baixinho.
— De todos os dedos que me acusaram o seu foi o que mais doeu.
Você era a porra da minha melhor amiga, deveria ter ao menos me dado o
benefício da dúvida, mas não foi capaz de me ouvir. — Um pedido de
desculpas foi sussurrado, antes de eu prosseguir. — Eu me senti um lixo, pior
porque no lixo ainda se pode encontrar algo de valor, eu era algo desprezível
que ninguém queria. Primeiro minha mãe e depois a minha melhor amiga.
Lágrimas quentes e grossas me obrigaram a respirar fundo antes de
continuar.
— Doía tanto, mas tanto que eu cheguei a cogitar acabar com tudo.
Seria mais fácil deixar de sentir... Eu não sou religiosa, mas acho que Deus
acabou colocando um anjo no meu caminho. Se hoje estou viva, segura e bem
é porque um desconhecido me estendeu a mão quando ninguém mais foi
capaz de fazer isso.
— Ainda bem que esse estranho entrou no seu caminho, porque não sei
como eu viveria sabendo que fui um dos motivos por você não estar aqui — o
soluço escapou da sua garganta dando vazão a um choro estridente. —
Alissa, eu juro que não fazia ideia de que meu irmão fosse capaz de tal coisa
— a voz saía entrecortada pelo choro — até que...
— Ele fez isso novamente. — Completei e ela balançou a cabeça em
confirmação. Senti um nó na garganta ao imaginar a mulher no lugar que eu
já estive. Um tremor percorreu todo o meu corpo e as lágrimas nublaram a
minha visão.
— Estávamos no paredão e a Melzinha tinha bebido demais, eu vi o
estado em que ela estava, completamente transtornada — olhou para o chão
constrangida ao lembrar de Mel, uma de nossas colegas de farra — eu me
distraí por um segundo e perdi ela de vista, quando dei por mim a confusão já
estava formada. Os caras viram ele levando a menina para o beco, que estava
vazio de madrugada, e foram atrás. Ele estava agarrando Mel — ela limpou
uma lágrima — jurando que foi consentido, mas todo sabia que ela não
estava em condições de consentir nada.
Assenti, ouvindo aquela história e sentindo em mim tudo novamente.
— Uns quatro ou mais se juntaram e deram uma surra nele, deixando
Tadeu caído no beco. A minha mãe está destruída porque acha que bateram
em um inocente e não acredita que ele tenha feito nada demais, que a menina
queria ficar com ele. A notícia se espalhou no bairro porque todo mundo
comenta o motivo do meu irmão ter tomado uma surra daquelas...
— Eu seria falsa se dissesse que sinto muito, cada tapa foi merecido.
Seu irmão não pode continuar agarrando as pessoas assim. E se um dia ele
conseguir consumar? Seu irmão é um estuprador, Tamires.
— Você tem razão — admitiu — por isso, queria pedir desculpas para
você em nome da minha família. Se eu não tivesse deixado você sozinha ele
não teria tido oportunidade de te atacar naquele dia.
— Você não é responsável pelos atos do Tadeu, Tam.
— Mas eu me sinto culpada e responsável. Eu deveria ter confiado na
sua palavra, não sei se eu me perdoaria se estivesse no seu lugar, deve ser
doloroso passar por tudo isso e ainda ser desacreditada. Então, eu vou
entender se não conseguir me dar o seu perdão — as lágrimas voltaram a
surgir — assim como vou continuar morrendo de saudades suas, a escola é
uma merda sem você.
— Se perdoar for esquecer de tudo e colocar uma borracha por cima do
que aconteceu, acho que eu não sei perdoar. Mas, se perdoar for acreditar no
pedido de desculpas do outro e tentar juntos encontrar uma forma de lidar
com toda a merda que aconteceu, você tem meu perdão. — Ela abriu um
enorme sorriso — Eu tenho tanta coisa pra te contar, mas tanta coisa que uma
semana seria pouco para colocar o papo em dia.
— Isso tem a ver com o estranho que te salvou?
— Sim.
— Ai, então pode começar a me contar tudo, porque o boato que corre
pelo seu bairro é que você está namorando um homem muito rico.
— E a sua aula?
— Desde quando aula foi motivo para a gente deixar de fofocar,
Alissa? — Sorri em resposta — Agora me conta desse seu anjo da guarda.
Ele é mesmo rico?
— Amiga, a casa dele parece de novela...
Comecei a atualizar a minha amiga sobre como estava a minha nova
vida.
Meu jogo com Alissa estava pausado, apenas o acordo estava em vigor.
E era melhor que fosse assim. Fazia pouco mais de uma semana desde o dia
em que fui apresentá-la aos meus pais e naquela ocasião ela me mostrou que
podia ser facilmente manipulada por seus sentimentos, em especial, pela
raiva. Sei que não deveria me surpreender, Alissa é uma garota e, para
alguns, a frieza vinha apenas com o tempo. O passar dos anos, as vivências e
as pedras no caminho eram capazes de abrandar certas intensidades.
Desde que dispensara minha oferta para gozar naquela noite, eu
entendia aquilo como um sinal do destino, me dando o que eu tanto queria:
manter as coisas no nível do negócio. Assim, durante esses dias, voltei à
minha rotina de chegar tarde e sair cedo para esperar o clima esfriar.
A ligação do Josué informando que Alissa decidiu sair para encontrar
uma amiga me deixou alerta, desde que tínhamos nos conhecido o único
contato dela com o passado havia sido com a família para pegar os
documentos. Por que será que ela havia desejado aquele encontro? E mais,
por que não havia acontecido antes? Sabia que tinha muitos “não ditos” na
história dela e aquele parecia ser um deles.
*
Estava chegando mais cedo hoje, ela provavelmente estaria acabando
de jantar. Antes de ir para casa, passei em uma loja para comprar uns
produtos que achava que ela ia gostar, poderia ser útil para acalmar suas
vontades e, ainda, como introdução para uma conversa depois de dias
resumidos a “preciso ir” e “depois a gente se fala”. Quando entrei em casa,
fui direto até a sala de jantar, mas Alissa já não estava. Subi para o meu
quarto e tomei um banho rápido, antes de sondá-la.
Bati duas vezes em sua porta, antes de ela se abrir. Dei de cara com
Alissa usando um micro short cor de rosa e eu podia jurar que aquilo ali não
tinha nem um palmo de cumprimento. Na parte de cima estava com um tipo
de top branco, mas para mim parecia uma faixa pequena que só cobria os
peitos.
— O que foi? Tá quente! Eu estava indo tomar banho para dormir.
— Não disse nada — dei de ombros.
— Mas me olhou como se eu tivesse pelada.
— Tem pouca coisa para imaginar aí mesmo.
— Como se você já não tivesse me comido com ou sem roupa —
desdenhou. — O que o senhor deseja?
— Conversar, posso entrar?
— Sinta-se em casa — debochou, apontando para dentro. — Estava
mesmo querendo te perguntar uma coisa.
— Pode falar.
Alissa fechou a porta e desfilou até sua cama, apontando para que eu
me sentasse. Eu o fiz e então ela foi onde exatamente eu queria que fosse.
— Queria saber se posso convidar uma amiga para vir aqui.
— Uma amiga? — Repeti.
— Sim, tínhamos nos desentendido, mas hoje fui encontrar com ela, é
da escola.
— Certo, não vejo problemas em trazer uma amiga para cá, mas
preciso que se lembre que nosso acordo tem cláusula de sigilo.
Alissa levantou seus olhos escuros para mim e eu os encarei
intensamente. Ela tinha olhos lindos e sabia dar o tipo de olhar que parecia
inocente, mas havia tanta coisa que podia se esconder naquela escuridão.
— Eu sei da cláusula, mas você precisa saber de uma coisa...
Ela não falou de imediato e eu me preparei para o que quer que fosse.
— Tamires sabe do Matheus. Foi ela quem comprou o teste de
farmácia que deu positivo para minha gravidez.
Respirei fundo. Não esperava por aquela situação. Meu desejo era que
absolutamente ninguém, além de Alissa obviamente, soubesse que eu não era
o pai do bebê.
— Mas ela não contará nada para ninguém, Luiz — se apressou em
completar diante do meu silêncio.
— A que preço? — Questionei, cético. — Quanto ela cobrará para
manter a boca fechada?
— Que absurdo é esse? Nem tudo é por dinheiro — rebateu — existem
pessoas que valorizam amizades, sabia?
— Isso é o que sua jovialidade diz — desdenhei, passando os dedos
pelos fios dos meus cabelos. — Eu entendo de pessoas, Alissa e ainda mais
de dinheiro.
— Pelo que vi até agora não deve entender nada sobre amizade —
jogou na minha cara.
— Por que não me conta qual foi o motivo da briga entre vocês duas?
— Sondei.
— Não chegamos a brigar, na verdade — ela olhou para os dedos e
torceu uma mão contra a outra, em um claro sinal de nervosismo. — Tive um
problema com o irmão dela e ao invés de ficar ao meu lado, Tamires ficou do
lado dele.
Analisei a resposta por um segundo, antes de jogar minha carta.
— Ele é o cara que te engravidou?
Alissa me encarou rapidamente, arregalando os olhos.
— Não, Deus me livre. Eu já te disse, o nome do cara era Matheus e eu
o conheci pelo Tinder.
— Se importa em me dizer quantas vezes você e Matheus transaram?
— Não acho que seja relevante, mas só saímos uma vez. Ele me pegou
na escola e nós fomos até a praia. Transamos no carro e no mar, quer saber as
posições também? — Insinuou.
— Não precisa. Lembra o dia?
— Sim, que engraçado, não é? Foi no Dia da Mentira, primeiro de
abril. Era uma quarta-feira e eu faltei aula para sair com ele. Por quê?
— Por nada, só estou tentando entender quem mais pode saber dessa
história, já que você omitiu o fato de ter uma amiga que sabia.
— Eu nem estava falando com ela, não lembrei de te contar...
— Alissa, esse é o acordo mais importante da minha vida — levei
meus dedos até o seu queixo e o ergui, encarando seus olhos para que ela
entendesse de uma vez por todas — é essencial que ninguém duvide que sou
o pai dessa criança. Você sabia que, inclusive, é ilegal o que estamos
fazendo?
— Imaginei que não pudessem vender criancinhas — disse, mas não ri
da sua piada infame — me desculpe, Luiz. Eu juro que ela não contará nada.
— É a sua prova de fogo, Alissa. Convença sua melhor amiga de que
estamos apaixonados e que eu vou assumir o seu filho por isso. Não
mencione dinheiro, acordo ou coisa alguma que quebre o sigilo, ou
infelizmente, nosso trato estará desfeito — ameacei. — Eu poderia adotar
uma criança se quisesse que as pessoas soubessem que o filho não é meu.
Seus olhos não saíram dos meus quando ela engoliu em seco e assentiu.
Soltei seu rosto.
— Estamos de acordo?
— Sim, senhor.
Irônica.
— Quando ela vem aqui?
— Quando eu convidar.
— Se achar conveniente pode ser amanhã mesmo — Alissa assentiu —
caso contrário me avise o dia.
— Ok.
— Boa noite, Alissa — fiquei de pé, mas ela não seguiu o meu
movimento.
— Boa noite — respondeu quando eu já estava segurando a maçaneta.
Quando saí, percebi que acabei nem entregando o que tinha comprado.
A história da amiga tinha me deixado mais em alerta ainda.
*
Depois de uma tarde produtiva, eu me preparava para o último
compromisso da minha agenda. Era sempre muito bom pensar em novos
empreendimentos, me dava motivação começar projetos do zero no Grupo
JAG. Além dos shoppings, nós construímos centros empresariais que nada
mais são do que prédios concebidos para atender profissionais e empresas.
Temos dois trade center em São Paulo e estamos concebendo mais duas
torres em Aracaju. Essas são especialmente feitas para quem procura
conforto, modernidade, flexibilidade e serviços em uma excelente
localização, com a qualidade e inovação que só o Grupo JAG pode oferecer,
uma vez que estarão localizadas ao lado do nosso shopping e possui conexão
direta com esse espaço.
Encarei, orgulhoso, o vídeo na tela do notebook que mostrava a
conclusão desse projeto. A primeira torre estava finalizada e 85% das salas
comerciais foram vendidas, entre consultórios médicos, clínicas de estética,
escritórios de advocacia e empresas de tecnologia, o JAG trade center era um
sucesso antes mesmo de sua estreia e nós o inauguraríamos com uma grande
festa para comemorar esse marco.
A segunda torre ainda seria construída e, por isso, estava prestes a
iniciar uma reunião com possíveis acionistas para apresentar o sucesso que
seria com base na torre um. Enquanto me preparava, na sala de reuniões, meu
irmão entrou e veio até mim com seu terno feito sob medida. Carlos Augusto
era seis anos mais velho que eu e, às vezes, eu me perguntava se ele não
sentia certa raiva por não ocupar o cargo mais alto. Ele, com certeza, sabia
que o filho o faria, uma vez que, depois de nós, era o único herdeiro. Era.
Agora o meu filho também seria.
— Tudo pronto? — Se aproximou quase sem fazer barulho.
— Sim, estou mais do que otimista. A torre um já é um sucesso e a
dois promete ser ainda mais.
— Tive uma reunião com o diretor do financeiro e com o RH e a
previsão é que a torre dois gere 900 vagas de empregos, entre diretos e
indiretos. O dobro da um — me entregou uma pasta preta com os dados — dá
para incluir essas informações no discurso de inauguração, com certeza a
imprensa vai adorar divulgar.
— O pré-requisito das pessoas que moram no entorno terem prioridade
para o preenchimento das vagas está mantido? — Ele assentiu.
— Confirmei a parceria com o Instituto JAG para fazer o cadastro das
pessoas que moram no entorno antes mesmo de começar a construção.
Vamos chamar primeiro elas.
— Excelente.
Quando a porta da sala se abriu e os cinco homens de terno entraram,
meu irmão se sentou em uma das cadeiras da frente. Enquanto os homens se
sentavam, eu abria o botão do meu terno para dar início a apresentação do
projeto.
De pé, mostrando gráficos, explicando dados e apresentando vídeos,
falei sobre o sucesso que estava tendo com os prédios empresariais de São
Paulo e como o de Aracaju já era recorde de vendas. Não era difícil
convencer nenhum daqueles cinco, eles já tinham participação acionária em
outros empreendimentos e todos ali sabiam que éramos bons. Dessa maneira,
lucrar com o novo trade center era uma certeza naquele momento.
Antes de abrir para as possíveis dúvidas, concluí a apresentação:
— Além disso, flexibilizaremos o tamanho das salas e isso fará com
que possamos atrair todo ciclo de empresas, desde um profissional liberal até
as grandes. A sustentabilidade continua sendo um ponto importante para nós,
dessa maneira, o prédio terá o que há de mais moderno, desde o ar-
condicionado que reduz consumo, passando pelo vidro com desempenho
térmico que não passa calor, apenas luminosidade e isso impacta
positivamente tanto na pegada verde quanto na redução de custos com o
consumo de energia elétrica — dei uma pausa. — Vocês cinco têm convites
para a festa de lançamento da torre um, assim poderão conversar com quem
quiserem, inclusive com quem investiu nela, antes de colocarem seus milhões
na mesa.
*
Alissa tinha me informado, mais cedo, que sua amiga ia visitá-la. De
imediato, quando li a mensagem, ofereci os serviços do Josué para buscá-la,
mas Alissa respondeu dizendo que a garota já estava a caminho. Eu não
respondi, mas lamentei ter perdido a oportunidade de saber o seu endereço.
De qualquer maneira, não faltariam oportunidades para que essa informação
me fosse passada. Talvez eu mesmo me oferecesse para levá-la quando fosse
embora naquela noite.
Saí da empresa por volta das cinco da tarde, disposto a ver por mim
mesmo de quem se tratava. Ao entrar na mansão, perguntei a dona Glória
sobre a visita e fui informado que estava no quarto com Alissa. Subi os
degraus em direção ao lugar, mas notei que a porta estava aberta assim que
me aproximei.
As duas riam de alguma coisa e eu me vi parado, tentando ouvir o que
falavam.
— Será que seu namorado não tem um irmão solteiro querendo uma
novinha? Também quero um coroa rico para me sustentar — a voz da
desconhecida preencheu meus ouvidos.
— O irmão dele é casado — Alissa respondeu.
— Será que ele está procurando uma amante?
— Deixa de ser vadia, sua vadia! — A garota gargalhou.
— Não me julgue por também querer ter um sugar daddy para chamar
de meu.
Ouvir aquilo fez uma irritação crescer em mim e ao invés de entrar e
me apresentar como inicialmente faria, eu me afastei dali. Alissa não rebateu
o que a amiga estava dizendo e, por mais que eu soubesse que nosso acordo
se aproximava de uma relação de sugar daddy e sugar baby, uma vez que eu
estava bancando um estilo de vida que ela não poderia ter, aquilo me deixou
frustrado.
A única função daquela mulher era convencer sua amiga de que eu era
um namorado apaixonado disposto a assumir um filho ilegítimo e ela não era
capaz disso. Sequer discorda de que eu sou um homem velho e rico que paga
por ela, como se fosse um cliente e ela uma prostituta?
Senti meu sangue esquentar e raiva ferver dentro de mim.
— Quando você disse que estava morando em uma casa igual à dos
artistas não estava mentindo.
Tamires disse depois da visita guiada, o nosso passeio finalizou no meu
quarto. A cada cômodo a minha amiga demonstrava o seu choque diante do
luxo e riqueza em sua frente. Assim como eu, ela só tinha visto algo tão
grandioso assim de perto através da TV, era o tipo de vida que nenhuma das
duas jamais um dia pensou que fosse possível viver. Ao menos não no plano
real, porque nos nossos sonhos viveríamos em uma casa tão grande como
essa e não precisaríamos nos preocupar em estudar porque já tínhamos
dinheiro o suficiente para não pensar no futuro.
— Eu falei, vadia! — Respondi sentando-me sob o colchão macio da
minha cama. Tamires acompanhou o meu gesto levando uma almofada ao
colo.
— Agora eu não entendi uma coisa. — O comentário fez o meu
coração errar a batida e continuar descompassadamente. Será que ela tinha
percebido algo?
É a sua prova de fogo, Alissa. Convença sua melhor amiga de que
estamos apaixonados e que eu vou assumir o seu filho por isso. Não
mencione dinheiro, acordo ou coisa alguma que quebre o sigilo, ou
infelizmente, nosso trato será desfeito.
As palavras do Luiz Henrique ecoaram na minha mente.
— Por que você tem um quarto nessa casa? Que tipo de namoro é esse
que cada um tem o seu quarto quando estão dividindo o mesmo teto?
Uma resposta errada e o acordo estava desfeito. E eu ainda não estava
pronta para dizer adeus ao Luiz Henrique. Não sei se um dia estaria, para
falar a verdade.
— Amiga você entendeu tudo errado — sorri — quando eu disse que
esse era o meu quarto, eu quis dizer que era o meu espaço de fazer nada. —
Tamires me encarava como se estivesse diante de um cálculo matemático que
não conseguia resolver. — Assim que vim morar aqui, Luiz Henrique fez
questão que eu me sentisse em casa. Perguntou se as coisas estavam do jeito
que eu gostava e tudo mais. E claro que estavam, você viu essa casa, é mil
vezes maior que a da minha família. Na ocasião, acabei dizendo que tudo era
perfeito, que eu sempre quis ter apenas o quarto pra mim, e agora eu tinha
uma casa inteira. E foi aí que ele me surpreendeu com esse quarto, disse que
era o presente dele para a Alissa do passado.
Eu não gostava de mentir para a minha melhor amiga, mas eu não tinha
alternativa, seria melhor que ela continuasse acreditando que o Luiz Henrique
atendia todas as minhas vontades. Isso ajudaria na narrativa de que ele estava
completamente apaixonado por mim.
— Ai como ele é fofo, Alissa. — A frase foi acompanhada de um
suspiro.
— Ele é! — Menti sorrindo. — Então, aqui é o espaço que a Alissa do
passado passa algumas horas do dia, envolta no seu mundo particular, mas é
no quarto do casal que a Alissa do presente passa as melhores noites que um
dia sonhou em ter.
— Vadia de sorte! — Arremessou uma almofada em minha direção,
mas eu a peguei no ar antes que atingisse o meu rosto.
— Eu sou mesmo. — Pisquei para ela.
— E quanto ao Matheus? Como seu namorado reagiu ao saber que tá
grávida de outro?
— Ele não se importou de maneira alguma. Ele ama esse bebê — levei
a mão a barriga que começava a despontar — como se fosse dele. Luiz
Henrique será o melhor pai que o meu filho poderia ter!
Meus olhos encheram de água com a afirmação mais verdadeira que eu
fiz nessa tarde. Eu tinha muitas dúvidas sobre o meu futuro, mas uma certeza
de que eu havia tomado a decisão certa quando aceitei o acordo. Meu filho
teria uma vida que eu jamais poderia proporcionar e acima de tudo seria
criado em um lar feliz e rodeado de amor. Luiz tinha cara de que seria um
paizão, desses que chega do trabalho cansado e ainda tem disposição para
brincar com o filho.
Mas você não estará com ele Alissa, não estará aqui para acompanhar
Luiz exercer a paternidade que ele tanto sonhou.
A voz interior insistiu em me recordar a verdade que eu buscava
ignorar. Meu acordo com Luiz Henrique tinha uma data para acabar, o que
significava que daqui a alguns meses a minha presença na vida dele se
tornaria apenas uma lembrança.
— Ai, droga de hormônios da gravidez — enxuguei a lágrima teimosa
que fugiu do meu controle. — Você está com fome? — Perguntei para fugir
da avalanche de sentimentos que pensar nesse assunto me trazia, era melhor
seguir ignorando e pensando apenas no presente.
— Eu vivo com fome, mulher.
— Morta de fome — Perturbei sorrindo — Vou pedir a Magda que
faça um lanchinho para nós.
— Ai que rica, agora ela tem uma empregada — sorriu — meu sonho
de princesa é ter alguém que faça as coisas por mim.
— Ainda estou me acostumando, mas é maravilhoso não ter que lavar
banheiro — gargalhei.
— Do jeito que você é preguiçosa, aposto que o banheiro continuava
sujo quando você acabava — perturbou e eu mostrei o dedo do meio para ela.
Escutei sua gargalhada enquanto caminhava para pedir que o lanche
fosse preparado.
*
A companhia de Tamires apenas confirmou o que eu vinha sentindo há
dias, o meu tédio era boa parte a falta de companhia. A minha tarde foi muito
mais divertida ao lado dela, conversamos, assistimos, comemos, fofocamos e
tornamos a repetir tudo isso durante horas.
— Esse ano o seu ano aniversário vai ser um festão, né? — Tamires
disse levando a colher de brigadeiro a boca. Eu mesma tinha feito o
brigadeiro de panela, apesar dos protestos de Magda de que ela mesmo
poderia fazer.
— É? — Falei de boca cheia.
— Não vai me dizer que não planejou a sua festa? Assim que vi aquela
piscina já pensei que ali era o lugar ideal para comemorar seus 20 anos.
— Não me dê ideias!
— Imagina só um churrasquinho, pagode...
— Eu não consigo imaginar uma churrasqueira à beira da piscina dessa
casa, amiga — sorri.
— Já eu consigo, vejo até a gente comendo uma linguicinha e curtindo
a piscina.
— Gosta de linguiça, né safada? — Insinuei sorrindo.
— Por falar em linguiça, a senhora deve estar bem servida né?
Encontrou o seu próprio sugar daddy — A minha risada foi escandalosa. —
Tem um coroa gostoso na cama e que ainda te dá uma vida de rainha. Eu já
falei que você é uma vadia de sorte?
— Eu parei de contar na segunda vez que disse.
— Será que seu namorado não tem um irmão solteiro querendo uma
novinha? Também quero um coroa rico para me sustentar.
— O irmão dele é casado.
— Será que ele está procurando uma amante?
— Deixa de ser vadia, sua vadia! — A repreendi sorrindo.
— Não me julgue por também querer ter um sugar daddy para chamar
de meu. — Falou, antes de levar mais uma colherada de brigadeiro a boca.
Minutos depois Magda veio a minha procura, a pedido de Glória, para
perguntar se eu desejava algo especial para o jantar, foi quando nos demos
conta de que as horas haviam passado correndo.
— Ai meu Deus, mainha vai me matar! — Tamires exclamou,
consultando as horas no celular — Já está tarde!
Ela havia gazeado a aula para passar a tarde comigo, a gente tinha
combinado que antes das dezoito horas ela já estaria em casa para não gerar
desconfiança na mãe.
— Por que não liga para ela e diz que tá aqui? Você toma café comigo.
— Queria, mas é melhor não amiga. Ela pode desconfiar que eu faltei a
aula pra vir pra cá — disse enquanto calçava a rasteirinha. — Melhor eu
voltar para casa e deixar que ela pense que eu estava me pegando nas
esquinas. — Sorriu.
— Então, vou pedir ao Josué que deixe você em casa. — Peguei o
celular e enviei uma mensagem para saber se ele estava disponível.
— Mulher, se me virem chegando de carrão vai piorar tudo.
— Se você descer na esquina da sua casa, eles nunca saberão —
pisquei para ela — Ele chega em dez minutos para levá-la. — Informei após
a confirmação do motorista.
— Bora, me guie até a saída desse labirinto que é essa mansão — ela
indicou com a mão para que eu fosse à sua frente.
— Ai amiga amei a sua visita, venha mais vezes! — Falei após o
abraço de despedida.
— É só chamar que venho — sorriu — Eu também amei a nossa tarde.
— Da próxima vez você fica para tomar café e quem sabe não dê a
sorte de conhecer o Luiz.
— Tá certo. — Ela me abraçou mais uma vez e depois entrou no carro.
Esperei que o carro desaparecesse da minha visão antes de voltar ao
interior da casa.
*
Após a ida de Tamires subi direto para o quarto para tomar um banho
antes de jantar. A nossa reaproximação tinha me deixado muito feliz, de
modo que, eu cantarolava uma música que havia escutado recentemente no
Tik Tok enquanto me servia de uma xícara de café.
Nessa noite eu não me sentia tão sozinha na mesa gigante, a companhia
da minha melhor amiga havia restabelecido o meu humor e eu esperava que
continuasse assim pelos próximas dias. Me servi de uma quantidade grande
do escondidinho de macaxeira e preparei para me perder nos milhares de
vídeos do Tik Tok enquanto comia.
Quando a voz de Luiz Henrique me paralisou, seja pelo tom firme ou a
força que um simples boa noite seu carregava, a questão era que sempre que
ele falava meu corpo reagia.
— Boa noite — Respondi, abortando a minha ação.
Luiz Henrique caminhou até o lado oposto da mesa, sentou e não disse
mais nenhuma palavra.
— Minha amiga esteve aqui hoje — falei para iniciar uma conversa —
e foi como voltar no tempo, bem lá atrás antes de eu descobrir que estava
grávida, apenas duas amigas reunidas falando bobagem. Hoje me senti mais
eu, sabe? Apenas Alissa. — A sua cabeça se moveu por um breve segundo.
— Não existe mais apenas só você, Alissa — o tom ameno não
diminuiu o peso da frase.
— Eu sei que carrego um bebê, mas eu gosto de pensar que existo além
dele. Conversar com minha amiga me deu um pouco disso de volta, não
falamos de fraldas ou dos cuidados com criança, mas sim de mim, da minha
festa de aniversário.
— Pretende dar uma festa? — Estreitou os olhos.
— Foi apenas uma ideia.
— Que tipo de namorado a sua amiga achará que eu sou, se eu não
pagar pela sua festa de aniversário?
— Não sei a minha amiga, mas eu acho que um namorado não deveria
pagar pela festa e sim dar uma festa para a namorada.
— Qual é a diferença? — Arqueou a sobrancelha esquerda. — No fim,
tudo envolve uma transação financeira.
— Nem tudo é dinheiro, Luiz.
— Entre nós é — sentenciou — faça uma lista do que deseja e entregue
a Glória, ela providenciará. Acrescente a sua família a lista de convidados,
quanto mais testemunhas de como o seu namorado proporciona tudo que
você deseja, melhor.
A menção à minha família foi a gota d’água para o meu humor
desaparecer por completo.
— Poupe o seu valioso dinheiro. Não quero uma festa, vou sair para
comemorar ao lado da minha amiga.
— Onde você vai comemorar?
— Não é da sua conta! — Devolvi a xícara ao pires e me levantei da
cadeira disposta a encerrar rapidamente a conversa irritante.
— Não acabamos de conversar, Alissa — o tom ameaçador dele dessa
vez me encorajou a ignorá-lo, um pé após o outro continuei me distanciando.
Todavia, fui interrompida pelo aperto dos seus dedos em meu braço. —
Retorne a mesa e termine de jantar! — A ordem foi dita em um tom frio que
deveria fazer pessoas sensatas recuarem e imediatamente atender ao seu
pedido, mas eu não era nem um pouco sensata. Afinal, se fosse não estaria
grávida de um homem que desapareceu e com um acordo assinado com um
CEO. E pior ainda, sentindo os sentimentos se desenvolverem por ele. Por
isso, ergui a cabeça e o encarei sorridente.
— E se eu não quiser voltar para a mesa? Vai me arrastar pelos
cabelos? Ou irá tirar o seu cinto e me bater? — Empinei o queixo para
mostrar que eu não tinha medo dele. — Seja qual for a opção que escolha,
não esqueça de que eu estou grávida e isso não deve fazer bem para o bebê. E
com ele você se importa de verdade — ele respirou fundo e em seguida
afrouxou os dedos do meu braço, mas não me soltou de imediato, os dedos
permaneceram ali como uma advertência — Agora se você me dá licença, o
bebê e eu vamos dormir.
— Enquanto o meu filho estiver dentro de você é da minha conta onde,
quando e com quem você planeja comemorar o seu aniversário!
— Você comprou o bebê e não a mãe dele. Se quiser fazer um PIX,
podemos alterar as cláusulas do contrato. — Puxei o braço para cessar o
toque, mas ele voltou a me dominar, dessa vez de forma mais enfática.
Senti apenas minhas costas tocarem uma superfície dura e minhas
mãos serem imobilizadas acima do meu corpo, com o tronco dele fazendo
pressão no meu. E então, as lembranças de Tadeu fazendo o mesmo me fez
viajar de voltar à casa de Tamires.
Senti meu coração disparar e fechei os olhos para afugentar aquilo que
eu sabia que eram lembranças. Quando senti os lábios de Luiz Henrique
pressionados contra a minha boca fechada, os flashbacks de outra boca se
impondo me invadiram.
Meu corpo tremeu, mas de desespero. Estava imobilizada na mesma
posição, sentindo todo o medo e tensão novamente.
Ele afastou os lábios, provavelmente porque não retribuí,
completamente paralisada pelo desespero.
— Nunca mais repita que eu comprei o bebê — as palavras ditas quase
em sussurro tiveram o mesmo efeito que se fossem proferidas aos berros. —
Esse filho é meu!
Pouco me importava o que ele estava dizendo porque meu corpo estava
ali, mas minha mente não. Estava presa em um looping de nojo e anseio.
Não sei o que me deu o estalo, mas em um segundo as comportas se
abriram e meu choro jorrou, me inundando inteira. Soluços altos e um urro de
dor escaparam de mim sem que eu tivesse controle.
Não sei se cheguei a cair no chão, mas assim que Luiz Henrique me
soltou senti meu corpo despencar, porque o corpo que antes impedia meus
movimentos era o responsável por me manter de pé. Ele me levou até o sofá e
se sentou comigo em seu colo, instintivamente me aninhei ao seu peito.
Eu sabia que ele não era o Tadeu, Luiz era o homem que impediu a
minha morte e eu confiava nele. Seus braços me seguraram ainda mais forte,
formando uma espécie de escudo que me protegia de todo o mal e isso fez o
meu choro ruidoso aumentar.
Enquanto mantinha os braços em volta de mim, Luiz Henrique
sussurrou inúmeros pedidos de desculpas. Não sei quanto tempo
permanecemos na mesma posição, mas quando finalmente as minhas
lágrimas cessaram, seus braços ainda permaneciam em torno de mim.
— Alissa, você está bem? — Ele perguntou quando me afastei do seu
peito e o encarei.
Vi ali uma fragilidade que eu jamais tinha visto nele, ele parecia
culpado e perdido.
— O que eu fiz foi injustificável, deixei que minhas emoções
governassem as minhas ações. Apesar disso, saiba que não pretendia te
agredir, nunca toquei dessa maneira em nenhuma mulher e não começaria
pela mãe do meu filho. Você é importante para mim e eu me arrependo
profundamente da minha atitude descompassada. Você me perdoa?
A admissão dos sentimentos me fez colar a minha boca à sua, queria
mais que suas desculpas, queria os seus beijos e o seu toque para apagar os
do Tadeu da minha mente de uma vez por todas.
Luiz Henrique não correspondeu ao meu avanço e gentilmente cessou
o beijo.
— Eu achei que você queria... — Murmurei perdida.
— Me excedi beijando você ali, não vou cometer o mesmo erro.
— Mas eu quero beijar você.
— Agora parece apenas que você quer uma fuga, Alissa. Por que não
conversamos sobre o que aconteceu? Por que não me conta o que está
sentindo?
— Não foi nada com você... Se bem que eu fiquei assustada com o
jeito que me olhou, você estava furioso. — Ele fechou os olhos e inspirou
lentamente.
— Alissa, você tem a minha palavra que isso jamais irá se repetir. Mas
se achar que não confia em mim, entenderei perfeitamente e podemos ver
uma forma de manter a nossa convivência. A casa é grande não precisaríamos
nos encontrar...
— Eu confio em você. E também quero continuar te encontrando — a
expressão no rosto dele se suavizou.
— Então, o que aconteceu? Seu corpo tremia quando a peguei nos
meus braços... Você sofria agressões do seu padrasto?
— Não.
— Algum ex-namorado? Algum homem já bateu em você ou te forçou
a fazer algo contra a sua vontade?
— Eu não quero falar sobre isso. — Desviei o olhar.
— Quem foi, Alissa? — Insistiu, tocando suavemente o meu rosto para
que eu voltasse a olhá-lo.
— O que vai mudar? — As lágrimas se acumularam nos meus olhos.
— Aconteceu e foi uma merda, sabe? Mas passou.
— Não passou. É só ver como você está — uma lágrima rolou pelo
meu rosto e ele a secou. — Quem é o cara?
— Tadeu, o irmão da Tamires. — Ele praguejou baixinho — mas ela
não tem culpa de nada, ninguém da família tem.
— O que ele fez com você?
Cedi ao jeito como ele me olhou, como se realmente se importasse
comigo, e relatei todos os passos que me levaram até a casa de Tamires
naquele dia. Pausei algumas vezes para chorar e não fui apressada por ele a
continuar, mas consegui concluir o relato.
— Isso é passado, agora — expliquei — você me resgatou de tudo isso.
— Não é passado e você sabe disso. Vamos marcar um terapeuta para
que você converse sobre tudo que te levou até aquele viaduto.
— Eu não quero ir para nenhum terapeuta, não estou traumatizada ou
algo do tipo — ele me encarou — não sou depressiva, Luiz, nunca tive
pensamentos suicidas e aquele foi o único dia que isso passou por minha
cabeça. Era a solução porque eu não tinha nada, entende? Não tinha o que
comer, para onde ir ou com quem contar. Mas você me proporcionou tudo
que me faltava. E vai dar ao meu maior erro uma chance de ser melhor que
eu.
— E esse gatilho, se acontecer de novo?
— Hoje tive apenas um momento ruim e quero a minha cama.
— Não posso prometer nada sobre não procurar um terapeuta, mas
agora posso te proporcionar uma boa noite de sono. — Luiz não me afastou
do seu colo, subiu as escadas comigo em seus braços.
Quando entramos no quarto ele me colocou no chão em frente à minha
cama e esperei que a sua boca buscasse a minha, para voltarmos onde
paramos lá embaixo. Mas ele não fez isso, foi até a cama e começou a
prepará-la para que eu deitasse.
— Deite na cama e feche os olhos, Alissa. Amanhã você vai se sentir
melhor.
— E você?
— Você quer que eu passe a noite com você?
— Eu pensei que...
— Hoje não iremos fazer nada além de dormir, eu me sentiria ainda
mais cretino se ficasse com você depois da cena que eu criei.
— Não foi sua culpa.
— Eu disparei o gatilho com a minha agressividade e sinto muito por
isso. Se quiser, posso te oferecer o meu peito para você repousar e dormir
essa noite, aceita?
— Se é o que tem para hoje, sim — a minha resposta o fez sorrir.
Não vesti um pijama ou fui ao banheiro, fiquei receosa que a oferta
fosse retirada. Então, apenas pousei o meu rosto sobre o seu peito quando ele
tirou o terno e fechei os olhos.
O som da sua respiração e o cafuné na minha cabeça embalaram os
meus sonhos.
Quando eu acordei, abrindo os olhos devagar, percebi que tinha
apagado completamente. Naquele segundo, percebi que isso acontecia
sempre que eu chorava antes de adormecer. As lágrimas eram um bom
sedativo, afinal.
Aos poucos, me lembrei do que tinha me feito chorar e me virei,
procurando o homem que tinha se deitado comigo na noite anterior, mas o
que encontrei foi um bilhete sobre o travesseiro ao lado. Peguei o papel
branco e observei as letras de forma, um tanto inclinadas e li as palavras:
Alissa, você estava dormindo tão calmamente que seria um crime te
acordar. Também não pude esperar. Por favor, desça e tome café da manhã.
Espero que se sinta bem e, mais uma vez, me desculpe por agir como um
homem das cavernas ontem.
Tenha um bom dia.
L.H.
Reli as poucas linhas e senti um aperto no meu coração. Ele estava
sendo gentil comigo, se preocupando e se sentindo culpado por ter me feito
surtar. Tudo parecia bem comigo, estava seguindo em frente sem me abalar
com as merdas do passado (que mesmo recentes já tinham ficado para trás) e
agora tinha levado uma rasteira do meu próprio cérebro.
— Foi o estresse do momento, Alissa — disse em voz alta, me
sentando na cama — você está melhor do que nunca.
Me levantei da cama e peguei meu celular, indo para o banheiro ao
mesmo tempo em que o desbloqueava. Enquanto fazia xixi, abri o aplicativo
que baixei para acompanhar a gestação e descobri que ontem tinha fechado as
dezesseis semanas. Quatro meses em que um ser humano estava se formando
dentro de mim.
Observei o desenho de uma maçã verde e li as informações:
O teu bebê é do tamanho de uma maçã.
Graças ao fortalecimento dos músculos, seu pequeno está trabalhando
para levantar a cabeça e pescoço a partir da posição curvada.
Nesta semana, o bebê geralmente movimenta ferozmente os bracinhos
e as perninhas. Em algum momento entre agora e a 20ª semana, você talvez
consiga sentir o movimento pela primeira vez. Dito isso, o seu pequeno ainda
é muito pequeno mesmo, com cerca de 11,5 cm a 12 cm de comprimento e
pesando pouco menos de 85 g, e o amortecimento do líquido amniótico pode
fazer com que ainda seja difícil sentir o movimento.
Eu não sentia nada de diferente, nem parecia que estava grávida, a não
ser pela pequena diferença no tamanho da minha barriga, mas como eu era
magra aquilo era quase imperceptível. Os sintomas de tontura, enjoo e o
desmaio que tive foi bem no começo da gravidez e muito provavelmente
porque quase não me alimentava. Depois que passei a morar com o Luiz isso
tinha passado.
— Talvez eu me sinta mais grávida quando você se mexer — disse
para minha barriga praticamente plana.
Lavei as mãos, escovei os dentes e desci para tomar café.
*
Quando o horário do almoço se aproximou, ainda estava pensando em
como tinha sido reconfortante dormir aconchegada em Luiz. Meu
pensamento vagou até o dia em que ficamos bem acordados no quarto dele e
um calor, maior que o habitual de Aracaju, pareceu me esquentar.
Ele nunca almoçava em casa, mas era impossível que alguém
trabalhasse o dia inteiro sem comer, não é? Ainda mais ele, fiscal de refeição,
que vivia pegando no meu pé sempre que passava do horário de me
alimentar. E foi juntando a fome com a vontade de comer que eu decidi ir até
o trabalho dele.
Depois de vestir a saia lápis preta, tirei a calcinha para não marcar e
escolhi uma blusinha de seda com alças bem finas da mesma cor. Também
não coloquei sutiã, meus seios eram pequenos e não via problema algum em
mostrar ao Luiz o quanto os bicos estavam duros só de olhá-lo. Prendi meu
cabelo em um coque alto, alisando bem os fios presos e caprichei no batom
vermelho.
Nos pés, o scarpin preto fechou o meu look total black e eu dei uma
volta em frente ao espelho admirada com o quanto eu estava gata e sexy,
mesmo com as pernas cobertas até abaixo dos joelhos.
Enquanto encarava o meu reflexo, me toquei que nem sabia onde
ficava o trabalho dele. Na verdade, mal recordava o nome da empresa que
tanto falaram no dia em que Luiz recebeu o prêmio. Mas agora eu lembrava o
sobrenome, depois do seu pai fazer questão de repetir tantas vezes naquele
almoço eu nunca esqueceria os Garcia Lopes. E foi jogando o nome completo
de Luiz Henrique no Google que eu descobri o endereço da sede do Grupo
JAG.
Enquanto o motorista de aplicativo me levava para o endereço que
solicitei, não me permiti pensar sobre ele estar ocupado ou ter saído para
algum lugar. Queria fazer uma surpresa, por isso não avisei e nem pedi ao
Josué que me pegasse para me levar até lá. Antes mesmo de o carro chegar
em frente ao lugar, eu o vi de longe. O prédio era muito alto e todo
espelhado, ao longe conseguia ler as iniciais JAG vermelhas cravadas no alto
do edifício.
No segundo em que o carro parou, encerrei a corrida e como o
pagamento era por cartão de crédito, apenas agradeci ao motorista e desci.
Olhei para cima, completamente impactada, antes de passar pela porta
giratória. Na recepção, precisei informar qual empresa visitaria e apresentar
meu RG para que emitissem um crachá de visitante.
— Pode ir naquele elevador ali do lado esquerdo e seguir até o
vigésimo quarto andar — o homem de camisa social que me atendeu
informou.
— Obrigada — peguei meu documento de volta e segui pelo caminho
sugerido.
Foi enquanto subia os andares que eu fui ficando nervosa com a
possibilidade de ele não gostar da visita. Ou pior, de nem estar no local. Eu
me sentiria uma boba se precisasse deixar recado com alguém de que tinha
ido ali procurar pelo homem que, teoricamente, dorme comigo todas as
noites. Luiz se irritaria com a minha bola fora.
Quando passei pelo décimo oitavo andar decidi ligar para ele. Se não
estivesse no trabalho eu nem sairia do elevador. O telefone chamou quando
passei pelo 20º e ele atendeu no segundo toque.
— Aconteceu alguma coisa? — Seu tom de preocupação me fez
respirar fundo. — Alissa?
— Está tudo bem — respondi, tentando criar coragem para dizer que
estava ali.
— O que deseja? Pode falar... — Ouvi o barulho de mais pessoas
falando.
— Eu queria saber se você...
As portas se abriram e eu dei de cara com o seu sorriso.
Largo, amplo, como eu nunca tinha visto. E não era para mim. Luiz
Henrique estava com o celular na orelha, mas os olhos estavam em uma
mulher loira com corpo de parar qualquer trânsito. Ela estava ao seu lado,
andando na direção dos elevadores, e eu vi o momento em que a mão livre do
Luiz a tocou em algum lugar nas costas. Ou seria na bunda?
— Alissa? — Ele questionou para a ligação muda e quando ergueu os
olhos para apertar o botão de chamada, viu que a caixa metálica já estava ali.
E eu dentro dela.
O sorriso largo logo se desfez, transformando seu rosto em uma
máscara de surpresa.
— Desculpe, eu não queria atrapalhar — dei um passo para sair do
elevador ao mesmo tempo em que encerrava a ligação.
— Não está atrapalhando, estávamos indo almoçar — foi a mulher
quem respondeu, olhando diretamente para mim — meu nome é Pâmela.
— Eu sou Alissa — respondi, sorrindo o mais falsamente que consegui
— podem ir almoçar — informei, sem dar passagem.
— O que veio fazer aqui? — Luiz finalmente abriu a boca. — Josué
não me avisou que estava vindo.
— Vim por conta própria, precisava falar com você, mas agora vejo
que poderia ter esperado que chegasse em casa — dei de ombros.
— Pâmela, se importa em ir na frente?
— De forma alguma — ela chamou o elevador — prazer em conhecê-
la, Alissa.
Assenti, sem conseguir responder que sentia o mesmo.
Luiz me conduziu, com a mão nas minhas costas até passar por uma
mesa vazia e abriu a porta da sua sala, me fazendo entrar.
— O que veio fazer aqui?
— Quem é ela? — Perguntamos ao mesmo tempo.
— Pâmela é advogada, trabalha aqui e dirige o setor jurídico.
— Você parece se dá muito bem com suas empregadas — desdenhei,
andando pela ampla sala até a imensa parede de vidro.
Demorou alguns segundos, quase um minuto completo, até que ouvisse
sua voz.
— Veio ver como um sugar daddy trabalha para poder bancar os luxos
da sua baby?
O quê?
— Você ouviu? — Eu me virei para encará-lo. — Foi por isso que
estava com tanta raiva no jantar ontem?
— Achei que fosse convencer sua amiga de que eu estava apaixonado,
só isso.
— E convenci, aquilo era só uma brincadeira. Antes mesmo de
conhecer você a gente já falava sobre patrocinadores, sugar daddy e velhos
ricos em fim de carreira.
Ele estreitou os olhos.
— Que não é o seu caso — corrigi rapidamente — nem o velho, nem o
fim de carreira, enfim...
O silêncio recaiu sobre a sala pesadamente durante alguns segundos.
— O que veio fazer aqui, Alissa? — Repetiu a pergunta.
— Eu... — Quando seus olhos deixaram de encarar meu rosto e
desceram para a minha blusa, eu soube que ele ia gostar de saber. — Vim
aqui para te dar o seu almoço.
— Não estou vendo nenhuma marmita em suas mãos — franziu a testa,
em desafio.
Dei uma voltinha, girando meu corpo para que ele entendesse o recado.
Eu seria sua comida e não via a hora em que ele viesse cair de boca.
— Alissa... — Seu tom rouco parecia um aviso.
Ou um lembrete. Ontem, ele não quis nada depois do meu pânico.
— Não é uma fuga, é tesão — esclareci.
Ele continuou me encarando, mas agora seus olhos estavam mais
escuros. Ele me desejava. Luiz Henrique me queria, mas ainda estava em
dúvida por causa de ontem.
— Quando acordei e você não estava lá senti falta do seu corpo.
Lembrei da noite que ficamos na banheira e decidi vir aqui, já que você me
evita em casa.
— Você me disse que não precisava de mim, lembra? — Luiz deu um
passo em minha direção — depois do nosso encontro no banheiro.
Um passo a mais em minha direção e eu me mantive no mesmo lugar.
— Eu menti — sorri — preciso de você e do seu pau para gozar.
— Já que você fez a bondade de me trazer a comida, vou devorar tudo
— a voz grave, dita cara a cara, enviou um arrepio pelo meu corpo.
Quase fechei os olhos, esperando que ele me beijasse, mas Luiz
Henrique se afastou.
— Sirva-me na mesa — avisou, enquanto andava até a porta.
A ordem foi clara e direta. Dei alguns passos até estar atrás da sua
mesa imensa de madeira. Olhando dali ela parecia ser bem firme e, embora
não tenha sido projetada para servir de espaço de foda, era bem excitante de
se ver. O notebook estava fechado e eu o empurrei bem para o canto, assim
como os papéis e agendas que ali estavam, abrindo espaço. Apoiando as
mãos, me ergui e sentei no tampo da mesa, abrindo as pernas para fazer
minha saia subir até o meio das coxas.
Luiz se aproximou, já sem o seu terno azul marinho. Quando parou de
frente para mim, abriu o cinto enquanto seus olhos cravaram os meus.
— Não estou vendo as minhas opções para escolher o que degustar —
insinuou, abrindo o botão e baixando o zíper da calça.
Levei minhas mãos até a blusa, puxando-a de dentro da saia antes de
jogá-la para ele, que a pegou no ar e colocou em sua cadeira. Subi a saia o
bastante para mostrar que estava sem calcinha. Expus meus seios, segurando
e apertando, oferecendo-me inteira para que ele me comesse de uma vez.
— Você é uma delícia, Alissa — sorriu, se colocando entre as minhas
pernas antes de lamber meu pescoço — seu gosto é afrodisíaco.
Uma segunda lambida começou em meu pescoço, seguiu pelo meu
queixo até se enfiar entre os meus lábios e eu os abri, recebendo seu beijo.
Minhas mãos seguraram sua cabeça, virando a minha para buscar o melhor
ângulo. Nossas línguas duelaram, disputando espaço um na boca do outro.
Chupando, sugando, lambendo. Meu corpo esquentou com a pegação, o beijo
do Luiz era incomparável e se encaixava tão bem com o meu.
— Luiz — gemi, quando seu beijo desceu até meu seio.
— Sim — soprou o bico duro, molhado de saliva — quer que eu chupe
com mais força?
Sugou com vontade antes que eu respondesse.
— Ahh, simmm — empurrei sua cabeça para o outro peito.
Luiz Henrique se dedicou, dando a mesma atenção e eu senti a resposta
na excitação que se formava no meio das minhas pernas. Sua mão direita foi
até ali, os dedos tocando por fora da boceta molhada.
— Você responde tão bem aos meus toques — comentou, depois de
largar o bico intumescido.
— Você faz direitinho — sorri, ele mordeu a ponta dura. — Sua boca é
ótima, Luiz.
— É? Então, vai mais para trás e coloca os pés na mesa que eu vou te
mostrar que ela pode ser ainda melhor.
Obedeci, me inclinando e apoiando os cotovelos na mesa, para então
colocar os saltos ali também.
Ele me abriu ainda mais, afastando o máximo que pode as pernas antes
de se prostar sobre o meu corpo e cair de boca na minha boceta. Sua língua
me fodeu uma, duas, três vezes antes que seus lábios se fechassem ao redor
do meu clitóris.
E era ali que ele fazia a mágica acontecer.
Com a língua para lá e para cá, Luiz me levou a loucura e fez meu
corpo entrar em estado de ebulição. Aquele pontinho que ele manipulava tão
bem enviou descargas quentes que faziam com que eu não conseguisse ficar
parada. Senti minha boceta molhar ainda mais, totalmente pronta para ser
fodida.
Seus dedos me invadiram e eu só consegui distinguir que eram três
deles quando abri os olhos para encarar o movimento de entra e sai que me
deixava maluca. Seus dedos são longos e os três juntos tornavam a grossura o
suficiente para eu me sentir bem apertada.
Movi os quadris, insana, querendo mais. Desejando tudo que ele
pudesse me dar.
— Por favor...
— O que você quer? — Perguntou, substituindo a língua pelo polegar
que pressionava e se movia mais rápido ainda.
— Quero gozar — implorei.
— Você vai — ele riu — goza pra mim, Alissa.
Era como se aquelas palavras tivessem mesmo o poder de comandar o
meu gozo, com três dedos me fodendo e mais um manipulando meu clitóris,
eu senti meu corpo estremecer enquanto gemia o mais baixo que conseguia.
Minha vontade era de gritar tão alto que todo o prédio pudesse ouvir.
— Isso, que delícia sentir você apertando meus dedos — ele
continuava me fodendo — viciante, Alissa.
Meu coração ainda estava disparado e minha respiração ofegante
quando ele decidiu parar os movimentos. Eu me sentei na mesa, dando alívio
aos meus braços quando senti sua mão me puxar.
— Fique de joelhos no chão e abra a boca para mim.
Assim o fiz, pronta para recebê-lo.
Segurei seu pau pela base e o enfiei todo na boca, marcando sua base
de batom. O anel vermelho ao redor do seu pau fez com que eu me sentisse
dona daquele corpo, marcando-o como meu. A boca dele também estava
manchada e eu quase sorri antes de voltar ao seu pau.
Lambi a ponta, masturbando lentamente. De baixo, eu tinha a visão
perfeita do seu corpo ainda vestido e da cara de prazer que fazia enquanto o
tocava. Seu olhar estava cravado no meu e não me fiz de inocente, levando
metade do seu pau em minha boca.
Passei a chupá-lo até a metade e masturbar a outra, segurando com
firmeza enquanto fazia o movimento. O pau do Luiz era grande e grosso,
coloquei a língua para fora e esfreguei a cabeça rosada ali, para lá e para cá.
— Porra! — Gemeu e eu quase sorri, satisfeita.
— Está gostoso, daddy? — Perturbei e como resposta Luiz segurou
firme no meu coque, empurrando os quadris.
Luiz Henrique fodeu minha boca, mas eu mantive a mão em sua base,
impedindo que socasse completamente e me engasgasse. Ele foi firme e não
parou, acelerou os movimentos até gozar em minha boca.
Na noite anterior, Alissa havia adormecido rapidamente nos meus
braços, mas eu não. Os últimos acontecimentos não permitiam que a minha
mente pausasse e o meu cérebro estava trabalhando intensamente.
O seu relato angustiante apenas intensificou a minha sensação de culpa.
Se eu não tivesse agido de maneira tão passional durante a discussão não teria
ativado o gatilho nela. Eu não era um homem dado a explosões de raiva e
ataques de fúria, mas a desdenha com que disse que eu comprei o meu filho
fez com que eu reagisse de maneira estúpida. E descontasse em Alissa as
minhas frustrações.
Não quis pressioná-la mais sobre a necessidade de buscar tratamento
terapêutico para lidar com o trauma, mas logo retomaria essa conversa. Jogar
a sujeira para debaixo do tapete não era o melhor caminho a seguir.
Encontraria uma forma de convencê-la que a terapia era necessária e que não
podia continuar ignorando que sofreu uma tentativa de estupro. Se fosse
preciso, eu mesmo marcaria uma sessão com um profissional para que ela
fosse, estava praticamente resolvido.
Quando o sol nasceu, boa parte da fúria da noite anterior tinha se
dissipado. Alissa havia rolado para o outro lado da cama, os cabelos
espalhados pelo travesseiro e a expressão suave do seu rosto formava um
quadro digno de contemplação. E eu a admirei em seu estado de naturalidade,
Alissa não precisava de nenhum artificio de maquiagem para acentuar sua
beleza, ela era linda em sua espontaneidade. Sabendo que não deveria estar
ali, me levantei da cama com cuidado para não a acordar, e segui para
resolver algumas das pendências que roubavam o meu sono.
*
Quando cheguei ao Grupo JAG a minha vida pessoal foi colocada de
lado e as minhas atenções foram todas direcionadas as pautas do dia. Entre
análises de documentos e reuniões com o departamento jurídico e financeiro,
me mantive ocupado até o horário do almoço. Estava a caminho do
restaurante, acompanhado de Pâmela, quando a aparição da Alissa mudou os
meus planos.
No primeiro momento achei que havia acontecido algo ruim para
aquela visita inesperada, mas assim que cruzamos as portas da minha sala e
sua intenção foi revelada, soube que não havia nada de errado, pelo contrário.
Meu corpo incendiou ao consumi-la com a boca, sobre a minha mesa de
trabalho e quando seus gemidos ecoaram por minha sala, soube que eu
dificilmente esqueceria daquela visita.
— Saciado? — A pergunta foi acompanhada de um sorriso presunçoso.
Ela ainda estava ajoelhada, com os lábios manchados de vermelho e a
maior cara de quem tem tinha acabado de fazer boquete.
O coque perfeito que ela exibia quando chegou, estava frouxo e os
bicos dos seios se destacavam duros e rosados.
— Ainda estou com fome — informei.
Alissa ficou de pé, usando apenas a saia que se embolava em sua
cintura e sapatos altos. Ali ela não se parecia em nada com uma garota
inocente, era a visão de uma mulher confiante de si e extremamente sexy.
— Podemos voltar para a mesa — insinuou — ainda não senti o seu
pau me tocando bem fundo.
Dei uma olhada no meu relógio de pulso, tinha uma reunião marcada
para as quatorze e se continuasse a fodendo, como queria, me atrasaria.
— Você comeu antes de vir? — Questionei.
— Meu prato principal foi você — sorriu.
— Você e o bebê precisam de nutrientes que eu não sou capaz de
proporcionar — fechei o zíper da calça e o cinto. — Tem um banheiro aqui
na sala, pode usar — o sorriso grande do seu rosto desapareceu. — Vamos
almoçar e depois Josué te levará em casa.
— A sua advogada vai estar no nosso almoço?
O sarcasmo não passou despercebido, mas preferi ignorá-lo.
— Seremos apenas eu e você, Alissa. — Ela não me respondeu,
marchou irritada até recolher suas roupas e se trancar no banheiro.
O humor de Alissa não melhorou quando, durante o nosso almoço,
informei que ela tinha uma consulta com um terapeuta já agendada. E após
suas breves argumentações de que não era mesmo necessário, fingi ceder e
chegamos a um acordo, ela iria apenas a primeira sessão e se não gostasse, o
assunto seria encerrado.
Alissa não sabia, mas essa era uma lição que aprenderia com a
maturidade, algumas brigas a gente evitava para sair ganhando lá na frente.
*
O relógio no meu pulso mostrou que eu estava oito minutos atrasado.
Segui a passos largos pelo extenso corredor a caminho da sala onde Alissa
deveria estar realizando a ultrassom para a descoberta do sexo do bebê. Essa
era uma data muito aguardada, estava ansioso para descobrir se havia um
menino ou menina a caminho, a partir dessa informação daria início ao
projeto do quarto do bebê, fazer as compras do enxoval e, principalmente,
parar de chamá-lo de bebê. Era genérico demais e até impessoal se referir a
ele assim, não demonstrava o amor e a importância que esse filho, ainda no
ventre, tinha na minha vida. Eu sentia, a cada nova etapa, que estava mais
próximo de ter o meu filho em meus braços, mais perto de pôr fim a sensação
de que o meu bem mais precioso seria tirado de mim.
Os oito minutos de atraso destoavam da importância de estar presente
naquele momento, tinha aguardado ansiosamente por aquela data que estava
marcada na minha agenda como compromisso inadiável. Alissa havia me
consultado para escolher o dia, dessa vez, esperando fechar as dezenove
semanas de gestação. Eu saí bem antes do horário agendado, mas o percurso,
que deveria durar cerca de vinte minutos, acabou se estendendo devido a um
acidente grave envolvendo um motociclista que fez com que ambulância,
polícia e tudo mais travassem um lado da avenida, o que gerou uma fila
quilométrica de carros.
Acidentes estariam sempre no meu caminho? Parecia que quando se
tratava de Alissa, sim. Para nos unir ou culminar no meu atraso. Era isso ou o
planejamento de trânsito de Aracaju era péssimo.
Quando Josué parou o carro no estacionamento da clínica, desci
rapidamente e me dirigi a recepção para saber em qual sala a mãe do meu
filho estava. A recepcionista gentil me informou o lugar e mantive a minha
corrida contra o tempo.
Não me preocupei em anunciar a minha chegada como manda a boa
educação, apenas levei a mão a maçaneta e entrei no recinto. Meus olhos
encontraram Alissa deitada na maca, a barriga coberta por gel, e os olhos
fixos no monitor branco.
— Estou achando que esse bebê é tímido — a médica falou enquanto
passava o aparelho de um lado para o outro da barriga de Alissa.
— Não puxou a mãe. — Verbalizei, me fazendo ouvir e o olhar de
Alissa encontrou o meu.
Ela abriu um enorme sorriso ao ver que, finalmente, eu tinha dado o ar
da graça.
— Não mesmo, deve ter puxado a você — piscou, fazendo meu peito
se contrair.
— Desculpe por invadir a sala, mas estava ansioso para descobrir se
tenho que sair daqui para comprar lacinhos ou bonés — encarei a médica,
dando de ombros por invadir seu espaço de trabalho sem me anunciar.
— Acho que terá que adiar as compras papai, o bebê está de perninhas
fechadas. — A mulher de Jaleco e máscara sorriu com os olhos.
— Vamos lá filho, seu pai é um homem muito ocupado e reservou esse
espaço na agenda pra te ver. A gente não sabe se ele vai poder nos
acompanhar na próxima ultra, então não banque o tímido e abra essas pernas
— Alissa falou olhando para a barriga.
— Sempre haverá um lugar na minha agenda para você, filho — me
aproximei um pouco mais da maca, segurando a mão de Alissa — mas se
quiser obedecer a sua mãe ficarei bem feliz — a garota sorriu, apertando os
meus dedos.
— Opa, parece que a voz do papai despertou nosso bebê — ela
ampliou a imagem no monitor e eu conseguir ver braços e pernas pequenos se
movendo lentamente na tela.
— Que bom — Alissa suspirou. — Você tem alguma preferência?
— Não — respondi, sem dúvidas. — Independente de qualquer coisa
eu já amo essa criança.
— É muito bom ouvir isso, muitos homens ficam meio frustrados
quando percebem que não terão um companheiro de futebol e não conseguem
esconder isso aqui na sala — ela continuou o exame, sem me encarar. —
Bem, parece que não vamos mais precisar esperar — ela manobrou o
aparelho em suas mãos e anunciou: — estão vendo isso aqui? — A seta do
mouse seguiu até a região circular a que ela se referia. — É a genitália e ela
indica que vocês serão papais de um menino.
— Um menino? — Confirmei sorrindo.
Era verdade que eu não me importava com o sexo, mas no fundo saber
que teria um garoto me deixou feliz. E isso tinha mais a ver com o futuro do
que qualquer coisa. Já perdia o sono ao me imaginar tendo que conversar
com minha garota sobre sexo, namorados e anticoncepcional. Claro que eu
faria o mesmo com um menino, mas acreditava que falar sobre camisinhas e
bocetas fosse um pouco menos difícil.
E se ele não quisesse falar sobre bocetas?
Bem, falaríamos sobre paus, se ele quisesse.
— Sim, menino. Parabéns!
Eu me inclinei para beijar a testa de Alissa, feliz por estar vivendo
aquele momento único. Meu coração batia descompassado e eu precisei
respirar fundo para que meus olhos não marejassem.
— Está feliz? — Ela sussurrou.
— Mais do que em qualquer outro dia — respondi, alisando seus
cabelos.
Eu seria pai de um menino.
E a felicidade fazia meu peito quase explodir.
*
A médica informou que a próxima ultrassom seria a morfológica. O
exame morfológico do segundo trimestre da gestação tinha como objetivo a
avaliação minuciosa da anatomia do bebê, análise do crescimento, quantidade
de líquido amniótico além de estimar a possibilidade de eventuais
malformações, avaliando principalmente a translucência nucal, o osso nasal, a
valva tricúspide, o ducto venoso, as cavidades cardíacas, bexiga e o cordão
umbilical. Era um exame mais detalhado para assegurar o desenvolvimento
saudável do meu garoto e eu aguardaria ansioso para receber esses resultados.
— Sempre achei que você tinha cara de pai de menino. — Alissa disse
quando saímos do consultório.
— Por quê?
— Não sei — deu de ombros — mas quando olho pra você, imaginava
como pai de um garoto forte. Você não tinha mesmo preferência — neguei
com a cabeça — e se pudesse escolher? Se fosse um botãozinho de escolha,
qual apertaria?
— Então, escolheria sim ter um garoto.
— Nunca pensei em ter filhos — ela confessou — achava que
aconteceria, mas em um futuro bem distante, então nunca imaginei nomes ou
coisas do tipo. Você já pensou sobre isso?
— Sim — muitas e muitas vezes. — Vamos deixar essa conversa para
depois, preciso retornar ao trabalho.
Seguimos em direção ao estacionamento.
— Vai me deixar morrendo de curiosidades? Me diga, pelo menos,
quais ideias tem para o nome.
Eu sorri quando nos sentamos no banco de trás do carro.
— Eu sempre tive um nome em mente se fosse menino...
— Não vai dar o nome de Augusto pra ele não, né? Ricos tem essa
mania de repetir o nome, veja seu pai, seu irmão e seu sobrinho.
Não consegui conter a gargalhada, uma vez que ela estava certa. Meu
pai, irmão e sobrinho dividiam, além do sangue, o nome em comum.
— Fique tranquila que não pensei nisso.
— Hum, Luiz Henrique filho? — Tentou novamente, erguendo as duas
sobrancelhas para enfatizar.
— Seria um nome bem bonito, não acha?
— Acho, é lindo e combina muito com o dono — insinuou.
— O que acha de Apolo?
— Apolo... — repetiu, testando o nome. — Gostei, não é tão comum.
Alissa sacou seu iphone da bolsa e digitou rapidamente.
— Apolo foi um deus presente na mitologia grega. Era o deus do Sol,
da música, das artes, da medicina, da profecia etc. — leu rapidamente. —
Sim, um deus grego e gato. Vou olhar esse outro site de significados de
nomes — seus olhos seguiam rapidamente na tela iluminada. — Apolo é um
nome de origem Mitológica e tem como significado “provavelmente força”,
mas sua origem é incerta. Existem pesquisadores que dizem que sua origem é
indo-europeia e que seu significado seria “força”, mas alguns outros
estudiosos dizem que podem ter outras traduções como: “princípio da vida”,
“pai leão”, “espírito do calor”, “pai da luz” ou “destruidor”.
Ela baixou o celular e elevou seu rosto para me encarar.
— Uau, como eu disse, você tem cara de pai de um garoto forte. Sim,
Apolo combina perfeitamente para ser o seu filho.
— Obrigado.
— Por gostar do nome? — Me encarou, confusa.
— Por me permitir viver tudo isso.
Antes que ela perguntasse qualquer coisa, puxei seu rosto para um
beijo terno.
Depois de descobrir o sexo do bebê aquilo pareceu mais real. Fazia
dois dias que eu sabia que estava carregando um garoto. Aquilo não era mais
tão abstrato e, por isso, eu me vi diante de diversas lojas no shopping.
Primeiro, olhei discretamente, do lado de fora, sem muita coragem de entrar
em loja alguma. Até que vi, em uma determinada vitrine, algo que me fez
sorrir abertamente. Era um macacão que imitava um smoking, com gravata
borboleta, lapela e tudo o mais.
— Lindo, não é? Quer que eu pegue para você dar uma olhada? — A
vendedora usando um conjunto rosa bem clarinho me abordou.
Eu ia responder que estava só dando uma olhada, mas aquela peça era
tão perfeita e me lembrava muito o todo poderoso Luiz Henrique que eu
consegui enxergar claramente o filho dele usando. Apolo, usando aquela
roupa, seria o próprio O poderoso chefinho, igual ao bebê da animação que
assisti na sala de TV.
— Sim, eu quero ver o macacão — sorri para a mulher que me
acompanhou para dentro da loja.
— O menor tamanho que eu tenho é esse aqui, de sete a nove meses —
ela pegou a peça dentro do armário cinza — tenho branco também.
— Esse preto é perfeito — passei a mão sobre o tecido e mesmo sem
entender quase nada sobre os tipos, senti a maciez em minha palma. — Vou
levar, o menor tamanho mesmo.
— Já comprou a saída da maternidade? — Se animou.
— Ainda não — minha voz não saiu tão empolgada, eu não sabia como
seria no dia, nunca tinha falado a respeito com o Luiz e, sinceramente,
preferia evitar pensar no assunto.
Aquela era a primeira compra que eu fazia para o neném, ainda não
sabia nada sobre o quarto ou os planos para tal. Ainda tínhamos alguns
meses, o Luiz com certeza pensaria nisso logo.
— Posso te mostrar outras cores — a mulher comentou, depositando
várias peças sobre o balcão sem que eu prestasse atenção.
— Eu volto outro dia — respondi, sem graça.
— Não vai levar nem o smoking?
— Ele sim, embale para presente por favor.
Ao sair da loja, dei mais algumas voltas no shopping, tentando mudar a
vibe que tinha recaído sobre mim. Ao passar na frente das Lojas Americanas
eu me lembrei da quantidade de vezes que tinha ficado encarando os
chocolates dispostos naquele lugar. Os bombons colocados estrategicamente
fora das caixas pareciam tão perto, tão simples e acessível, mas a verdade era
que eu nunca pude ter um daqueles. E para uma criança aquilo era difícil de
entender.
Você me dá dinheiro pra comprar pirulito quando nascer, hein neném?
O pedido do meu irmão voltou com tudo em minha memória e eu senti
um apertinho no coração. Um mês e pouco se passou desde que eu saí de casa
e essa era a primeira vez que eu cogitava voltar lá desde que havia me
estabelecido na casa do Luiz.
Por causa de uma loja cheia de doces.
Por causa do meu irmão.
Pela criança que fui e por tudo que não pude ter.
A terapeuta que o Luiz me convenceu a ir tentou trabalhar relações
afetivas e família, mas eu não precisava de uma profissional para me dizer
que tinha problemas familiares. Era meio óbvio, não era? Quase disse para o
Luiz que economizasse o dinheiro dele com as consultas porque não havia
traumas em mim em relação a isso.
Mas ele tinha razão em ter me dito para ir. Segundo Beatriz, como o
evento tinha acontecido há pouco tempo e eu estava buscando falar sobre isso
cedo, não haveria traumas. Bem, não foi exatamente isso que ela disse, não
dava para prever traumas e não tinha uma prescrição ou diagnóstico fechados
para situações assim. Era tudo individual e a forma como cada um reagia era
particularizada.
Deixando as lembranças terapêuticas de lado, entrei na Americanas e
saí pegando tudo que sempre quis.
*
Mais uma vez eu me via encarando aquele muro baixo que tanto tinha
me aguentado sentada enquanto bisbilhotava a rua.
— Posso encerrar a corrida? — O motorista do Uber me fez perceber
que estava paralisada ainda dentro do carro.
— Desculpe, pode sim, obrigada — desci do carro carregando as
sacolas plásticas abarrotadas.
O pequeno portão estava escancarado e a grade de dentro estava aberta,
como costumava ficar. Respirando fundo, segui para dentro de onde foi
minha morada sem pensar em mais nada.
Mal consegui dar um passo para dentro da sala, o lugar pequeno ficava
ainda menor com a Ninha sentada em um banquinho baixo de madeira. Ela
estava posicionada de costas para a TV e de frente para o sofá, com um dos
pés da minha mãe sobre uma toalha manchada de esmalte. Ninha era nossa
vizinha e, quase sempre, fazia as unhas de mainha em troca de faxina. Dessa
maneira, ambas saíam ganhando e uma oferecia seu serviço para a outra.
— Alissa, mulher, quanto tempo — a manicure foi quem me
cumprimentou primeiro.
— Quem é viva sempre aparece — respondi, dando de ombros.
— Tá diferente, bonita, até com cara de rica... — Emendou.
— E disseram que eu estava na pior — comentei com sarcasmo. — Oi,
mãe.
— Oi — respondeu, me olhando dos pés à cabeça — essa mudança fez
bem pra você, né?
— Eu sobrevivi — respondi, sentindo um gosto amargo na boca —
cadê o Wanderson?
— Tá lá em casa brincando — Ninha informou enquanto passava mais
uma camada de esmalte café no dedão.
O silêncio só não foi completo porque a televisão estava ligada. Como
era estranho aquilo tudo. Não fazia tanto tempo que eu tinha saído dali, mas
me sentia como uma desconhecida ou uma visita chata que ninguém quer
receber, mas não quer mandar embora.
— Seus outros três irmão tão na escola — mainha retomou o assunto.
— Só tenho mais dois irmãos — rebati, sem me conter — Jairo nunca
foi e nunca será nada meu. Assim como o pai dele.
— Deixa de ser ingrata, menina, os dois sempre te trataram como
parente — chiou, em tom de bronca.
— Imagine se não tratassem — resmunguei baixinho.
Não queria terminar aquele quase visita com outra discussão, mas
também não ficaria calada se mexessem comigo.
— Família é assim mesmo. Briga, depois tá junto, um come o couro do
outro depois se abraça... — Ninha opinou.
— Pois é — dona Jussara concordou — quando eu me casei com ele já
tinha você e seu irmão, nunca que o Jair me disse nada sobre vocês.
Como é?
Ou minha mãe tinha uma memória muito curta, ou se enganava, ou
mentia descaradamente porque o que mais meu padrasto tinha feito era jogar
na cara dela tudo que eu dava de prejuízo, além de reclamar da maneira como
ela me criava.
Na minha casa não fica, aqui não é cabaré. Além disso, não vou
sustentar mais um... Era como se eu pudesse ouvir aquele ogro falando de
novo.
— Não vim aqui lembrar do passado, passei para deixar esses doces
com o Wanderson — levantei as sacolas que pesavam em minhas mãos.
— Eu vou lá chamar ele e vocês podem conversar um pouco — Ninha
ficou de pé e eu quase pedi por favor que ficasse ali sentada porque não sabia
o que conversar em sua ausência.
Quando ela saiu eu não tive coragem de encarar minha mãe, continuei
parada de pé, sem passar pela porta.
— A casa é de pobre, mas ainda tem serventia, entre — ordenou.
Obedeci, engolindo em seco e seguindo até a mesa pequena que ficava
bem ao lado, puxando a cadeira depois de colocar as sacolas em cima da
mesa.
— É bom ver que tá bem — começou. — Acho que sabe que eu não
podia fazer nada naquele dia.
— Você podia ter me ouvido para tentar entender — respondi com
sinceridade, pegando meu iphone para ter para onde olhar.
— Fiquei surpresa, Alissa e ainda mais você arrebentou a cara do
menino — relembrou.
— Ele também me bateu, mãe. E quebrou minhas coisas e ninguém
tava nem aí para mim.
Respirei fundo, ainda magoada.
— Bom, isso passou, né? Olha aí você com um celular novo e muito
melhor do que aquela porcaria — desdenhou. — Quem diria que emprenhar
ia ser bom pra você?
Levantei a cabeça, encarando diretamente o rosto da mulher que me
deu a vida. Sem nenhuma resposta minha, ela continuou:
— Deu sorte, vai ter pensão e tudo mais. Aproveite antes que ela
descubra...
— Ela? Quem é ela?
— A mulher do bonitão.
— Você acha que estou tendo um caso com um cara casado? E ainda
diz que isso é sorte? — Podia ouvir o meu próprio tom de indignação.
— Ele não é novinho, Alissa, tem idade pra ter esposa e filhos. E se ele
não é casado por que não veio aqui antes? — Ela ponderou — a não ser que...
Você tava fazendo vida? E aí pegou barriga do cliente, meu Deus...
A cara de espanto dela devia refletir a minha própria.
— Não, não sou uma prostituta, mãe. Mas poderia ter sido já que fui
expulsa daqui e não tinha para onde ir, nem o que comer ou onde dormir. Já
pensou que me vender poderia ser minha única alternativa?
— Deus é mais — levantou as mãos — então, ele é seu namorado
mesmo?
— É tão difícil assim de acreditar?
— Não entendo por que ele não veio aqui antes, não fizeram as coisas
certas...
Porque ele me salvou e quando descobriu que estava grávida me
ofereceu casa e dinheiro em troca do bebê.
— Porque não deu tempo — menti — foi tudo muito rápido e quando o
Jairo contou vocês me mandaram embora.
Por que eu ainda media minhas palavras? Porque, apesar de tudo, ela
era minha mãe. E eu não precisava jogar na cara dela que tinha uma parcela
de culpa por tudo que me aconteceu depois que me expulsou. Além disso,
nunca contaria sobre meu acordo com o Luiz.
— O que seu namorado faz? — Mudou de assunto — ele tem cara de
rico, carro de rico e você está vestida como rica.
— Ele é empresário — fui sucinta.
— Será que não tem vaga na empresa dele pra uma faxineira? Ou pros
menino como menor aprendiz?
Era impressionante, ela não tinha noção?
— Acho que não...
— Você não pode perguntar? — Insistiu.
— Vou perguntar, mas acho muito difícil ele dizer sim — menti. —
Cadê o Wanderson? Tenho que ir já.
Não dava para ficar ali, estava começando a me sentir mal já. Não
sabia se era o calor ou a situação, mas queria sair correndo.
Poucos segundos depois, ele entrou correndo e quase jogou longe o
banquinho de madeira ao se bater enquanto avançava rapidamente.
—Liiiiii — ele gritou, me abraçando enquanto ainda estava sentada —
você voltou?
— Não voltei, fique tranquilo que a cama ainda é sua — retribuí o
abraço.
— Que bom — sorriu — mas até que senti saudades.
— E foi?
— Sim, é bem pior mainha ensinando o dever — sussurrou — e
Alisson é mais burro.
Eu gargalhei.
— O que é essas coisas? — As mãos se enfiaram no meio das sacolas,
puxando uma caixa de Kinder Ovo — pode abrir?
— Abra, trouxe pra você.
— Isso tudão? — Abriu a boca, surpreso ao ver a quantidade de coisas.
— Foi um presente do neném, lembra que você pediu?
— Ele é muito bonzinho — sorriu, olhando os itens das outras sacolas
— e muito rico.
— O nome dele é Apolo — ensinei.
— E vai ser o que meu?
— Sobrinho — senti um aperto no peito — você vai ser tio de Apolo.
— Tio criança? — Ele pegou três tabletes de chocolate, empilhando
em cima da mesa.
— Tio criança — confirmei, repetindo, enquanto sentia meus olhos
marejarem.
— Não precisa chorar, eu dou um bombom pra você — ele estendeu
um do tipo serenata de amor e eu o peguei.
— Obrigada — abri o chocolate e enfiei na boca enquanto limpava a
lágrima que escorreu.
Virei o rosto para olhar para o sofá e notei que Ninha estava fingindo
se concentrar em seu trabalho, enquanto minha mãe encarava a cena que
acabou de se desenrolar entre mim e meu irmão mais novo.
— Vai ter que dividir com todo mundo — ela avisou, fazendo uma
onda de resmungos partir do Wanderson.
— Tenho que ir — fiquei de pé, afastando a cadeira — quando der eu
apareço.
— E traz mais doces?
— Você vai ficar cheio de vermes — avisei — não prometo nada.
— Vixe continua chata — reclamou.
Desbloqueei o celular e pedi um carro no aplicativo, colocando o
endereço da mansão como destino. Notei que o motorista estava há dois
minutos dali, por isso andei até a porta, me espremendo para passar por trás
de Ninha, ela acabou afastando o banquinho para me dar passagem.
— Alissa... — Tirei os olhos do celular e encarei minha mãe.
— Algum problema? — Questionei quando ela ficou em silêncio.
— É que o gás acabou e... — O motorista buzinou, fazendo ela se
calar.
Não esperei que continuasse, abri a pequena bolsa que carregava e tirei
as três notas de cinquenta reais que tinha levado para o caso de precisar de
dinheiro, entregando em suas mãos antes de me virar.
— Deus lhe pague — ouvi seu agradecimento antes de passar pelo
muro baixo.
*
— Tenho um presente para você — disse, invadindo o quarto dele.
Passava das nove da noite quando notei o carro que o Josué dirigia
chegando. Ele estava dando a volta na frente da mansão para que Luiz
descesse antes de ir guardar o carro no estacionamento quando eu me afastei
da janela de onde observava tudo. Fui para o meu quarto fingir que não era
uma fofoqueira de janela, contando mentalmente o tempo que ele levaria para
entrar e subir. Ele havia mandado mensagem avisando que não viria jantar,
portanto eu imaginava que não fosse comer quando chegasse e fosse seguir
direto para o quarto.
Achei que meia hora foi o suficiente assim que abri a porta e o vi sem
camisa tive certeza que a espera valeu a pena.
— Estava me esperando? — Sorriu presunçoso.
— Não, foi coincidência ver a luz do seu quarto acesa.
Estiquei a caixa branca, envolta em um laço azul, e Luiz a pegou. Eu
me sentei em sua cama, totalmente a vontade e ele me seguiu.
— Estou curioso — comentou, desfazendo o laço.
— Não é bem para você — comentei, com receio, já que nunca tinha
dado nada para ele e agora havia criado a maior expectativa em cima do que
estava ali dentro.
— Só por ter lembrado de mim, é para mim — ele afastou o papel
branco que cobria a peça e levantou o pequeno macacão, abrindo um sorriso
bobo e imenso que fez nascer um igual em minha cara. — Um smoking?
— Para combinar com os ternos do papai, assim que vi me lembrei de
você. E também de O poderoso chefinho, você não deve ter assistido, mas é
um desenho com um bebê falante que usa terno, carrega uma maleta e...
Ele não me deixou terminar de falar, seu corpo se aproximou do meu e,
rapidamente, minha boca foi tomada por um beijo quente e molhado.
— Amei o presente — sussurrou afastando nossos lábios.
— Que bom — sorri, tentando recuperar o fôlego.
— Isso me lembra que eu comprei um para você há algum tempo e
ainda não te entreguei... — ficou de pé, se afastando até seu closet.
— Outro presente? — Gritei — você sabe como mimar uma garota.
— Você não faz ideia — ele voltou carregando uma sacola de papel e
me estendeu.
Tirei uma caixa, branca e cor de rosa, de dentro da sacola e li travel
companion na embalagem. Mal sabia português, inglês estava fora de
cogitação para mim, então não fazia ideia do que se tratava. O desenho da
caixa se parecia com um pó compacto cor de rosa e me lembrava bastante
aquele comunicador das Três Espiãs Demais.
Puxei um acetato que continha o objeto igual ao do desenho e peguei a
caixinha que parecia de pó compacto abrindo a tampa transparente, sem ter
ideia do que aquilo era.
— Não quero parecer ingrata, mas não sei o que é isso — dei de
ombros.
Luiz Henrique me deu um sorrisinho e pegou o objeto da minha mão,
desencaixando a parte de dentro. Era curvado como um U e cor de rosa.
Olhei, espantada, quando ele fez o objeto se esticar, me mostrando que era
flexível. E assim, daquele jeito, me lembrava um pau.
— É um vibrador?
— Sim, ele vibra também, mas a mágica está desse lado aqui — ele
virou a abertura de uma extremidade que me lembrava a boca de uma garrafa
— é um sugador.
— Sugador? Nunca ouvi falar. É para os seios?
— É para onde quiser, mas foi feito para sugar o clitóris.
Arregalei os olhos, surpresa com a informação, nunca tinha visto nada
parecido. Ele me entregou e eu o toquei, percebendo a textura aveludada.
— Pensei em comprar para você depois que ficou frustrada no banheiro
da casa dos meus pais. Ali, eu imaginei que você fosse se masturbar para
aplacar um pouco da sua vontade.
— Sinceramente? Nunca me masturbei. Morava em uma casa muito
pequena, dividindo o quarto com mais quatro pessoas.
— Então, acho que acertei no presente. Teste Alissa, conheça o seu
corpo e descubra do que gosta.
— Gosto de como você faz — encarei-o.
— Sei disso, sou muito bom no que faço — sorriu — mas também sei
o quanto é importante se conhecer e se bastar. Testar a intensidade e o modo
que faz você vibrar.
— Obrigada pelo presente, então, vou testar depois.
— Vai testar hoje — insistiu — sozinha. E outro dia eu vou usar em
você. Vá para o seu quarto.
— Está me expulsando?
— Aposto que já está molhada só com essa conversa — sussurrou — e
eu não vou encostar em você. Estou te motivando.
— Está me irritando — rebati, mudando de humor.
— Boa noite, Alissa.
— Vai a merda, Luiz.
Me levantei e marchei para fora daquele quarto, levando comigo o
presente, o tesão e a raiva daquele manipulador.
Eu contava cada uma das semanas para que tudo acabasse.
Vinte semanas de gestação era metade do caminho. Alissa entrou em
minha vida há bem menos tempo, quase dois meses, eu acho. Por menor que
parecesse esse período, na prática, era como se tivéssemos uma vida juntos
tamanha a intensidade de tudo que aconteceu entre nós. Começando pela
forma como nos conhecemos, passando pela realização de ser pai e
culminando no sexo que compartilhávamos.
Nem de longe ela era a mais experiente, mas o corpo da garota parecia
ter sido feito para que as minhas mãos – e o meu pau – adorassem cada parte.
Ela correspondia bem ao menor beijo e eu sequer a tinha fodido com a força
que gostaria. Alissa estava grávida, afinal. Além disso, seu gatilho ao modo
como a peguei aquele dia ainda me deixava receoso. Não sabia que tipo de
crise ela poderia ter se eu a imobilizasse e fodesse até quase perder os
sentidos. Apesar disso, não sentia falta de tanta imposição quando o corpo
dela se abria e se molhava tão facilmente.
Eu era o experiente ali e poderia ser filho da puta o suficiente para
deixá-la totalmente dependente do meu toque e a disposição dos meus
desejos, mas não o era. Nosso contrato tinha prazo de validade e eu não era
egoísta o suficiente para fazê-la ficar rendida e depois acabar com tudo.
Eu achava que ela precisava se conhecer mais, entender sobre o seu
corpo e os seus desejos e parece que tinha acertado em cheio. A garota
confessar que nunca se masturbou era a maior prova de que não sabia nada
sobre o modo como gostava de foder ou de ser tocada. Para a sorte dela, não
sou um amante egoísta e nas vezes em que estivemos juntos me dediquei para
que fosse bom para ambos. O sugador e vibrador seria um passo importante
para que ela desvendasse seus desejos e eu imaginava que estivesse usando,
já que não havia se insinuado para mim desde que o entreguei, alguns dias
atrás.
Ela não tinha ido mais me visitar na empresa e eu também me
mantinha contido, mesmo com vontade de enfiar minha cara entre suas
pernas e chupá-la até que ficasse rouca de tanto gritar. Era fácil demais
confundir as coisas, principalmente quando parecia que estávamos nos
conhecendo melhor.
Nunca havia mentido, sempre deixei claro que nossa relação era
baseada num acordo em que ela me dava o que eu mais queria e em troca eu
disponibilizava o que ela precisava. Alissa precisava de dinheiro, eu desejava
ter um filho. Por destino, ela estava grávida e não dava sinais de que queria a
criança.
Sim, talvez isso estivesse mudando. Depois de descobrir que esperava
um menino, de concordar com o nome e de comprar um macacão para Apolo,
Alissa parecia mais feliz. Não fazia ideia do quão difícil era gestar, mas podia
imaginar que fazer isso aos dezenove anos de idade fosse ainda mais
complexo.
Dezenove anos. Nessa idade eu não fazia a menor ideia de tudo que
passaria em minha vida. Pensar na idade dela me fez lembrar da conversa que
tivemos sobre festa de aniversário.
— Que dia ela faria vinte? — Questionei alto, sozinho em minha sala.
Peguei a chave que abria a gaveta da mesa e a destranquei, tirando de
lá a pasta de Alissa. Rapidamente, conferi que seu aniversário era dali há
cinco dias.
— O que dar de presente para a mulher que me dará tudo que sempre
quis? — Tamborilei os dedos na mesa sem chegar a nenhuma conclusão.
Tirei o aparelho telefônico do gancho e disquei para a minha assistente.
— Pois não — atendeu no segundo toque.
— Élida, sei que não costumo fazer esse tipo de pergunta, mas você
tem alguma sugestão do que dar de presente para minha namorada?
— Uau, me pegou de surpresa. Quando é o aniversário?
— 9 de agosto — informei.
— Está bem em cima, mas acho que toda mulher gostaria de ganhar
um bom perfume ou itens de maquiagem.
— Já dei para Alissa roupas, sapatos, celular e um cartão de crédito
liberado — informei, sem ter a intenção de ser presunçoso, mas assim que me
calei soube que tinha soado exatamente dessa maneira.
— Senhor, se ela já tem tudo, o que o senhor pode fazer é proporcionar
experiências. Uma viagem seria o presente perfeito.
— Uma viagem? — Ponderei.
— Sim, bem romântica em um lugar lindo e elegante, tenho certeza
que ela vai amar.
— Você pode pesquisar alguns lugares para mim, por favor? Selecione
alguns lugares enquanto vou para a reunião e escolho assim que terminar.
— Sim, senhor.
— Obrigado, Élida — encerrei a chamada.
Faz algum tempo que eu não faço viagens de lazer, esse poderia ser um
presente apreciado por nós dois.
*
Dentre todas as possibilidades que Élida selecionou, uma pousada
fazenda foi a que mais me chamou atenção. Dispensei os destinos
internacionais, Alissa não deve ter passaporte e eu só poderia ficar fora por,
no máximo, dois dias. Três se fosse otimista. Por isso, me detive ao Brasil e
ao ver os vídeos e imagens que ela separou gostei bastante.
— Se é para dar uma experiência, como eu sugeri, acredito que esse
resort no Paraná atende perfeitamente o pré-requisito. Eles oferecem uma
estrutura incrível, com uma vasta gama de atrativos como passear a cavalo ao
pôr do sol, passeio de caiaque, stand up paddle.
— Não sei se quero a mãe do meu filho em tantas aventuras —
comentei, Élida sorriu.
— Então, podemos pular para o SPA relaxante com massagem e ofurô
— passou a imagem no tablet — ah, a piscina é aquecida.
— Gostei bastante, consegue reservar?
— Sim, já dei uma olhada aqui e acho que o senhor vai amar o bangalô
sobre o lago. Além da sustentabilidade de ser feito com toras de madeira
ecológicas, eles prezam pela privacidade e há 50 metros distanciando os
bangalôs.
— Perfeito, reserve sexta, sábado e domingo.
— Devo cancelar sua agenda de sexta e sábado?
— De sábado sim, na sexta eu venho e encerro o expediente mais cedo
— Élida assentiu. — Obrigado — agradeci e segui para minha sala.
Ao me sentar, abri o arquivo digital e retomei a leitura dos relatórios da
empresa que estava cogitando entrar como acionista.
Depois de quase finalizar a leitura, batidas na porta antecederam a
entrada do meu irmão. Levantei o olhar da tela e assenti enquanto ele entrava.
— Ia passar aqui ontem, mas acabei demorando mais tempo em uma
conferência do que previa... — abriu o botão do terno antes de se sentar em
uma das cadeiras de frente para minha mesa.
— Algum problema? — Deixei o tablet de lado.
— Está tudo em ordem, mas Edileusa pediu para avisar que planejou
um jantar especial para o Dia dos Pais. Você se lembra que é próximo
domingo, não é? — Ergueu as sobrancelhas. — Bem, na realidade, ela
planejou todo o domingo comemorativo.
— Viajarei no fim de semana— comentei rapidamente.
Nós almoçávamos juntos no Dia dos Pais, minha mãe adorava mandar
fazer um banquete e aproveitava essas ocasiões para isso. Confesso que não
estava lembrado que o segundo domingo de agosto era dia 09. Feriados
móveis assim, tal qual Dia das Mães, não eram tão fáceis de recordar a data.
— Não me lembro de nenhuma viagem importante do grupo que
precise ser feita dia nove.
— Não é a trabalho.
— Você, que nunca vai à passeio, escolheu justamente o Dia dos Pais
para isso? — O tom dele era de pura incredulidade.
— Um CEO também precisa de lazer — dei de ombros, ele estreitou os
olhos. — É aniversário de Alissa — expliquei — e já fiz as reservas.
— Entendo, agora faz mais sentido.
Carlos Augusto passou alguns segundos em silêncio, provavelmente
ponderando se deveria ou não me questionar sobre meu relacionamento.
Talvez nosso pai já tivesse comentado sua opinião, mas ele sabiamente
escolheu não dizer nada a respeito.
— Vai sair do país? — Neguei com a cabeça. — Consegue chegar para
o jantar, pelo menos? Papai vai sentir sua falta.
— Ele supera — sorri — estarei lá na hora do jantar.
Assim que confirmei minha presença, meu celular começou a tocar.
Um olhar rápido sobre a tela iluminada mostrava que Alissa me ligava. Meu
irmão encarou o meu celular sobre a mesa, notando de quem era a ligação e
ficou de pé para se retirar e me dar privacidade. Acenei, retribuindo o gesto,
antes de ele se dirigir à porta.
— Alissa? — Atendi.
— Luiz, você vem jantar em casa? — Questionou.
Ela nunca me ligou para perguntar isso.
— Por algum motivo específico?
— Se você não vier e não se importar, queria sair para comer com a
Tam.
A amiga.
— Não me importo, mas será que, por acaso, posso acompanhá-las?
Pensaram em qual restaurante?
— Você até pode ir, mas tinha imaginado ir ao shopping e comer
qualquer coisa na praça de alimentação.
— Entendi. Marcaram que horas? Acho que consigo uma reserva para
irmos a um restaurante.
— Na verdade, ela passou a tarde aqui comigo — comentou. Ouvi a
outra falar algo baixo, distante da linha e então Alissa repassou: — Tamires
quer ir a um restaurante chique sim.
— Quão chique? — Olhei o meu relógio de pulso, 17h27min.
— Nada que envolva caviar ou comida crua — fez barulho de vômito.
— Tudo bem, estejam prontas que daqui há uma hora eu passo para
pegá-las.
Aquela era uma chance única de mudar o que tinha acontecido no dia
que a amiga de Alissa foi visitá-la. Vamos ver se, de frente para mim, ela
tinha coragem de se referir a um sugar.
Fiz uma lista mental dos restaurantes que conhecia em Aracaju,
descartando os de comida japonesa. Os mais exclusivos pediriam reserva e,
em cima da hora, não conseguiria sem que pedisse alguns favores, mas não
valia a pena, talvez as meninas ficassem apreensivas diante dos lugares que
me passou pela memória.
Tinham os regionais, como o Seu Sergipe da chef que se destacou no
programa de TV, e o Cariri que trazia em seu cardápio as comidas do
nordeste, rico em temas da vida do sertão, com dança e estilos musicais
populares, mas talvez não fosse a melhor opção para aquele primeiro
momento.
O lugar ideal tinha que ser tranquilo para que pudéssemos conversar,
chique como a garota queria, mas não o suficiente para intimidar e com um
cardápio que agradasse Alissa para que não ficasse sem comer. Assim, acabei
optando pelo Divino Vinho que possuía um cardápio variado com pescados e
filés, além de massas e risotos. Pelo que me lembrava o lugar era intimista
com iluminação discreta e Wine bar, com uma adega repleta de vinhos.
*
Havia mandado uma mensagem para Alissa no momento em que passei
pela portaria do condomínio, avisando sobre minha chegada, por isso, assim
que o carro parou em frente a mansão, notei as duas paradas.
Desci do carro, abrindo a porta de trás, quando elas se aproximaram.
Minha namorada usava um macacão branco e longo, muito elegante. Já sua
amiga estava com um vestido dourado que lhe caía muito bem e combinava
com sua pele escura. Tamires era uma mulher muito bonita com seu cabelo
volumoso e corpo esculpido.
Antes que Alissa pudesse abrir a boca para dizer qualquer coisa, eu a
puxei para um beijo. Meus lábios deslizaram pelo seu antes que ela se
apoiasse no meu pescoço. Suguei sua língua e ela amoleceu no meu abraço,
antes que eu me afastasse.
— Uau — ouvi a outra dizer.
— Desculpe, mas estava com muita saudade para me lembrar de ter
educação — comentei, virando para encará-la.
— Sem problemas — ela esticou a mão — sou a Tamires.
— Que bom finalmente conhecê-la — peguei sua mão estendida e dei
um beijo no dorso — Alissa fala muito sobre você. Como deve saber, me
chamo Luiz Henrique.
— Ela fala bastante de você também e não mentiu, você é lindo.
— Ok, ok — Alissa se intrometeu — já foram apresentados, não
precisam comentar o que eu digo como se eu não estivesse aqui.
— Não precisa ficar com ciúmes, amiga, pelo beijão ele só tem olhos
para você.
— É exatamente isso — concordei, colocando o braço ao redor da
cintura de Alissa. — Bem, vamos jantar?
— Vamos, estou faminta — Alissa deu pulinhos de animação — estou
feliz que vocês dois vão se conhecer melhor.
— Vou na frente para que fiquem mais à vontade — avisei, quando
Josué abriu a porta traseira do carro.
As meninas entraram e eu me sentei ao lado do meu motorista. Quando
Josué deu a partida deu para ouvir a risadinha da amiga, fazendo algum
comentário a meu respeito.
Estava convencendo no papel de namorado e, daria a certeza absoluta,
quando desse a viagem de presente de aniversário naquela noite.
Receber Tamires na mansão era a junção da Alissa que eu fui com a da
que estava me tornando. Fazia parecer que era tudo real, que a garota do
Brasileirinho morava mesmo em uma mansão num condomínio de luxo com
um homem lindo e maravilhoso. Depois de passar horas tomando sol,
conversando e rindo, nós tínhamos decidido ir ao shopping e foi com muita
surpresa que, ao ligar para o Luiz, vi aquele passeio se transformar no melhor
jantar da minha vida.
Além de o restaurante ser lindo e a comida ser saborosa, estava
acompanhada das duas pessoas que mais me faziam bem. E ali, com minha
melhor amiga testemunhando, recebi meu presente de aniversário adiantado:
uma viagem! Meu queixo quase bateu na mesa diante da surpresa e
felicidade. Nunca tinha viajado e senti meus olhos marejarem e o meu
coração se encher de gratidão quando ele explicou sobre ser um lugar
romântico que eu ia amar conhecer.
Tive um dia para preparar tudo, entre a indecisão do que levar, acabei
fazendo uma mala imensa carregando desde blusas com gola alta e manga
longa para o frio até biquínis. Nós saímos na sexta-feira à tarde com o Josué
nos levando até o aeroporto. Seria minha primeira vez no avião e confesso
que estava mais ansiosa do que com medo. Luiz Henrique me surpreendeu,
mais uma vez, quando não embarcamos em um voo comum. Nós saímos de
Aracaju em um jatinho particular e quando eu questionei ele me explicou que
os voos para Curitiba tinham, no mínimo, uma parada e não seria tão
confortável para mim e o bebê. Ele tinha razão, uma vez que o lugar não
ficava na capital e nós ainda precisamos pegar um helicóptero para chegar a
Zona Rural do Paraná. Dava para acreditar? Minha primeira viagem e tive
direito a avião e helicóptero.
Nós fizemos check-in pouco depois das dezessete horas e assim que
deixamos nossas coisas no belíssimo chalé que praticamente flutuava sobre
um lago, fomos dar uma volta a pé para esticar as pernas. Passei horas
sentada e, por mais que achemos que não, isso era bem cansativo. Usando
calça, blusa e tênis, amarrei um casaquinho na cintura antes do nosso passeio.
Luiz usava calça jeans, tênis e uma camisa preta de manga longa que o
deixava elegante. Eu me peguei encarando toda sua beleza e notei, mais uma
vez, que tudo que aquele homem usava ficava perfeitamente bem em seu
corpo.
— Apreciando a vista? — Ele me encarou notando que eu não
encarava o céu que mudava de cor.
Estávamos observando os tons de laranja e lilás no lugar onde o sol
estava se pondo, atrás da mata, quase sobre o lago que refletia aquela
imensidão e tornava tudo tão lindo que não parecia real.
— Você não deixa a desejar, é tão bonito quanto esse lugar — dei de
ombros.
— Esse é um elogio e tanto — sorriu discretamente. — Está se
sentindo bem?
— Ótima e completamente encantada com tudo.
— Está com fome?
— Não, mas sei que quando estiver diante de um monte de coisas
gostosas vou abrir o apetite.
— Que bom, meu filho precisa estar bem alimentado — ele esticou a
mão para minha barriga e eu senti um arrepio de prazer me percorrer com o
toque paternal. — Ele já se mexeu?
— Ainda não, mas eu li que pode demorar, varia de mulher para
mulher. Vou te contar quando acontecer. — Ele não respondeu, então
emendei uma pergunta: — Tem passeio de cavalo aqui?
— Sim, mas a senhorita não vai fazer.
Luiz se aproximou um passo e se abaixou diante de mim, apoiando as
mãos nas próprias coxas para se equilibrar.
— Não se preocupe, não vou deixá-la sacolejar você em cima de um
cavalo — Luiz comentou, encarando minha barriga.
Era a primeira vez que ele fazia aquilo, que falava com Apolo e eu me
senti emocionada. Posso culpar os hormônios, mas também posso culpar o
clima mágico daquele lugar.
E, então, como se soubesse quão especial era o momento ou ainda,
como se reconhecesse seu verdadeiro pai, eu o senti se mexer. Fiquei
paralisada diante daquilo, não foi uma grande reviravolta ou um chute forte,
mas as lágrimas escorreram imediatamente.
— Algum problema, Alissa? — Ele fez menção de se levantar, mas eu
o impedi.
— Ele mexeu! — Murmurei, dividida entre estar encantada e
assustada.
Luiz Henrique levou as mãos até minha blusa, levantando o suficiente
para expor minha barriga e a tocou. Seus dedos quentes e o ar frio me fizeram
encolher os ombros.
— Oi, Apolo — ele murmurou — aqui é o papai. Acho que consegue
me ouvir, não é? Quero que saiba que já amo você e que não vejo a hora de te
conhecer, garoto.
Em resposta, senti um pequeno movimento. Luiz Henrique levantou o
rosto, assentindo como se me confirmasse que também sentiu. Seus olhos
estavam inundados, assim como os meus e quando ele beijou minha barriga
eu senti suas lágrimas molharem a minha pele.
Um tempo se passou enquanto ele se mantinha ali, abraçado a minha
cintura e o meu coração batia descompassado. Apolo demorou para mexer,
mas não poderia ter escolhido hora melhor para isso.
*
Aquela era a segunda vez que dormíamos juntos. Na primeira, eu
apaguei em seus braços depois de chorar e não me lembro de quase nada; já
dessa eu me recordarei por muito tempo. Apesar de a cama ser espaçosa,
depois que jantamos e nos trocamos, nos sentimos exaustos e nos deitamos
perto um do outro. Quando eu achei que ele já tinha começado a cochilar, me
aninhei em seu peito e recebi, em troca, seus braços em volta de mim.
Acordei sem despertador, quando a luz do dia já estava forte dentro do
quarto. Antes mesmo de abrir os olhos, eu senti o seu corpo quente contra o
meu. Estávamos de conchinha e eu quis passar muitas horas naquela posição,
mas precisava fazer xixi, por isso, tentei me soltar do seu abraço sem acordá-
lo. Acho que consegui, porque enquanto corria para o banheiro eu olhei para
trás e ele parecia ainda estar apagado.
Tomei um banho quente e rápido depois de fazer xixi. Escovei os
dentes e penteei os cabelos, ficando minimante apresentável para o homem
que já tinha me visto nos meus piores momentos. Saí do banheiro usando o
roupão do resort e dei de cara com belos olhos azuis me encarando assim que
passei pela porta.
— Bom dia — Luiz Henrique sorriu e não tinha a menor cara de quem
tinha acabado de acordar.
Que injustiça, né? Uns com tanto, outros sem nada. Ele era lindo, rico e
ainda fodia gostoso.
— Bom dia, espero não ter demorado horrores no único banheiro desse
chalé.
— Não se preocupe, não precisei urinar em nenhum canto — a menção
me fez baixar os olhos e notar a sua ereção contra o tecido da calça cinza do
pijama.
Ele sabia que eu estava encarando seu pau e quando voltei meu olhar
para o seu rosto, apenas ergueu uma sobrancelha antes de passar por mim e
seguir para onde eu tinha acabado de sair.
— Que bom que não caguei e deixei fedorento — murmurei sozinha,
antes de ir em busca de uma calcinha limpa.
Luiz demorou uns vinte minutos antes de retornar ao quarto com uma
toalha em volta da cintura. Eu já estava pronta, usando um vestido longo com
estampa floral e sandálias confortáveis, mas estava pensando seriamente em
me desarrumar inteira com aquele pedaço de mau caminho.
— Não vou demorar para a gente ir tomar café da manhã — avisou,
pegando algumas coisas em sua mala e voltando ao banheiro.
Será que ele não tentaria nada? Da última vez que transamos fui eu
quem fui até o escritório dele, não via problema em tomar a iniciativa de
novo, mas estava começando a achar que talvez, e só talvez, ele tivesse
enjoado de estar comigo. Por acaso ele estaria fodendo com outra? Não era
impossível, era até provável, na verdade. Nosso acordo não tinha cláusula de
exclusividade e nunca tínhamos conversado a respeito.
— Podemos ir — meus olhos percorreram seu corpo usando uma
camisa do tipo polo vermelha e bermuda marrom. Ou aquela cor era
mostarda?
— Alguém faz as combinações das suas roupas para você? — Fiquei
de pé pegando meu celular para que pudéssemos ir.
— Já contratei uma consultora de imagem — admitiu — é muito mais
fácil quando alguém já deixa as combinações montadas, mas com o tempo
você aprende qual é o seu estilo.
— Me lembre de contratar uma para mim — brinquei e ele riu, quando
passamos pela porta.
Eu gostaria de experimentar cada coisa que tinha naquele buffet, mas
temia passar o dia inteiro trancada no banheiro passando mal e acabar com a
viagem, por isso tentei ser básica. Peguei um pouco de salada de frutas, três
pãezinhos, uma fatia de bolo de ovos, um copo de suco e uma xícara de café
no primeiro momento. Enquanto comia a salada de frutas, Luiz se sentou de
frente para mim trazendo apenas melancia, melão e abacaxi.
— Você não sai da linha nem em viagens? — Disse depois de engolir
uma colherada das frutas picadas.
— Eu gosto de frutas — comentou — e não tenho o metabolismo que
tinha aos dezenove anos — alfinetou.
— Seu corpo é mais definido do que o de muito novinho — comentei,
deixando a tigela vazia de lado. — Achei que homens com barba grisalha
tivessem gordura na barriga, sabe? Nada tipo o Papai Noel, mas não esperava
por definição.
Ele me lançou um olhar estreito, mas no fim me presenteou com um
sorrisinho.
— Agradeça ao fato de um dos andares da empresa ser de um
proprietário de academia, assim eu consigo “me manter na linha” — usou os
dedos para fazer aspas.
— Você nunca se diverte? — Tomei um gole de suco, mantendo meu
olhar firme nele por cima do copo. — Eu moro na sua casa e nunca vi você
na piscina, nem na sala de TV, pior ainda na de jogos.
— Acha que não me diverti na minha cama ou na banheira? —
Relembrou de onde fodemos da primeira vez. — Até no meu escritório é
possível encontrar diversão.
Quase me engasguei com o líquido, afastei o copo enquanto tossia.
— Ok, mas só se diverte transando?
— Acha que é um tipo ruim de diversão? Então, me diga, o que fazia
para se divertir?
Ele se inclinou, pegando a minha xícara de café intocada para si.
— Gostava de ir para festinhas — lembrei dos paredões — ok, não
eram bem festinhas, era mais uns sons de carro bem alto tocando enquanto
um monte de gente dançava e bebia.
— Interessante — bebericou o líquido preto.
— Não tinha dinheiro para estar no cinema ou lanchando no shopping,
mas às vezes a gente saía pra comer cachorro-quente na praça — sorri com a
lembrança. — Os parques de diversão, daqueles baratinhos que paga um
valor em cada brinquedo, era legal também. Geralmente, a gente conseguia
andar no barco viking e gritava até sair rouca.
Enquanto eu recordava, Luiz me encarava como se não entendesse
nada do que eu estava falando.
— Realmente, não consigo ver você fazendo nenhuma dessas coisas —
sorri abertamente.
— Eu não nasci rico, sabia? — Abocanhei um pedaço do bolo
enquanto esperava que ele continuasse. — Meus avós eram agricultores
pobres que sobreviviam do que plantavam e colhiam em um pequeno lote de
terra. Quando meu irmão e eu nascemos meus pais ainda moravam com meus
avós, então os primeiros anos da minha infância foram na roça.
Engoli o bolo com o suco, surpresa com a história.
— Como conseguiu ser tão rico? Ganharam na loteria? — Luiz
meneou a cabeça, negando.
— Mesmo quando meu pai abriu uma mercearia, as coisas não foram
fáceis porque o dinheiro que entrava era para nos sustentar e para crescer era
preciso investir. Ele me conta que conseguiu empréstimos e, um tempo
depois, conseguiu transformar a mercearia em minimercado. O tempo passou
e as coisas começaram a melhorar a partir daí, então ele se endividou
novamente para abrir um mercado maior, dessa vez na capital. Então, eu já
estava maior e passei a ajudar. Enfim, o que quero dizer é que eu já soube o
que é se divertir indo comer um cachorro-quente na praça.
— Sempre imaginei que viesse de berço de ouro.
— Trabalhei duro e abri mão de muita coisa para conseguir ter um
futuro confortável. E você? Pensa em fazer alguma coisa? Tem alguma meta
futura?
Depois de ouvir aquilo tudo era até feio dizer que não, mas a verdade
era que eu nunca pensei a longo prazo.
— Posso culpar minha idade pela resposta ser não? — Apertei minhas
mãos, depois de largar o garfo ao lado do resto do bolo.
— Não tem problema nunca ter pensado nisso, mas é bom aproveitar a
idade nova que está chegando e parar de culpar a antiga — piscou um olho
para mim.
— Sempre achei que se fosse rica não precisaria estudar ou me
preocupar com dinheiro... — Confessei.
— Muitos dos ganhadores da loteria ficam pobres por ter um
pensamento semelhante. Mas vamos pensar um pouco: Apolo nascerá rico e
terá tudo que o dinheiro pode comprar, você acha que tudo bem ele não
estudar? Não preciso nem matricular ele na escola, deixo solto lá na mansão
só tomando banho de piscina. Seguindo essa filosofia, ele nem precisa
aprender a ler, não é?
Institivamente, levei a mão até minha barriga enquanto imaginava o
garoto correndo pelos cantos do castelo do pai. Sem saber ler ou escrever,
apenas existindo e gastando dinheiro.
— Acho que entendi o que quer dizer e tem razão — pisquei,
balançando a cabeça para voltar ao presente. — Por favor, obrigue ele a
estudar, não quero que só interprete os desenhos.
Luiz Henrique gargalhou e aquela foi a primeira vez que eu ouvi
aquele som tão relaxado e espontâneo. Sem hesitar, meu riso se juntou ao
dele em uma crise histérica que arrancou lágrimas dos meus olhos.
— O pessoal tá olhando — comentei, tentando conter a nova onda de
gargalhadas. — Respira, Alissa.
— Não há nada que goste de fazer? Nenhum hobby que possa ser
rentável?
— Não faço ideia, mas a partir de amanhã, com os meus vinte anos,
prometo que vou pensar e estar atenta aos sinais. Mas acho que o primeiro
passo é concluir o ensino médio.
— É um bom começo. Vou pegar um café para repor o seu — ele ficou
de pé — quer mais alguma coisa?
— Não, obrigada — foi o que eu respondi, mas eu queria gritar, em
alto e bom som: você!
Não era preciso dizer que o dia voou, não é? Enquanto na mansão as
horas costumavam se arrastar, ali com Luiz Henrique estavam passando na
velocidade da luz. O clima estava leve, as risadas eram constantes e eu estava
tendo acesso a um homem diferente do que vivia de terno e gravata. Ele fez
até piadas!
Nós andamos de bicicleta ainda pela manhã, conhecendo diversas
partes daquele lugar perfeito e depois fomos pescar. Nenhum peixinho foi
ferido nessa aventura, nós os soltamos logo em seguida, apesar de que os
coitados podem ter saído surdos diante dos gritos que eu dei nas minhas
tentativas com a vara e o anzol. Almoçamos no restaurante da fazenda e a
comida estava divina, como sempre, e não me contive na hora das
sobremesas experimentando o máximo que pude.
O lugar era lindo, com a natureza exuberante e o constante canto dos
pássaros. Eu queria fotografar cada cantinho, cada folha e passarinho, para
apreciar tudo depois. Mas a foto mais bonita com certeza foi a nossa selfie,
lado a lado, com sorrisos grandes e olhos brilhando. Eu queria que a viagem
durasse muitos dias, quem sabe até para sempre, porque o que estava
acontecendo ali era diferente de tudo que eu já tinha vivido. Mas a gente teria
que voltar para a realidade no dia seguinte e o Luiz avisou que iríamos jantar
com sua família para comemorar o Dia dos Pais, ainda bem que eu estava
preparada para a ocasião, tinha lembrado da data dias atrás.
Depois do nosso último jantar naquele lugar, não voltamos
imediatamente para o quarto. Nós fomos avisados que haveria uma
programação especial para aquela noite, com música ao vivo e degustação de
vinhos. Como era nossa última noite, Luiz achou que deveríamos ir e eu
concordei, querendo aproveitar cada segundo.
O espaço destinado não era imenso, era bem intimista e não estava
cheio como um show. Algumas pessoas circulavam com as taças de vinho e
uma pequena banda tocava em um tablado mais elevado. O vocal era
ocupado por uma mulher de cabelos curtos e pele tatuada, não conhecia e
também não entendia a música que estava tocando porque não era em
português, mas o ritmo me dava a entender que a letra era romântica já que
não era muito animado. Nós demos a volta e sorrimos para algumas pessoas,
Luiz aceitou uma taça de vinho e eu, claro, não pude acompanhá-lo.
— Quer dançar? — Ele pousou a taça vazia na bandeja de um garçom.
— Sim, apesar de não entender nada do que está sendo cantado —
sorri, me virando de frente para ele.
— Vou traduzir para você — estendeu a mão direita.
Segurei em seus dedos e aproximei meu corpo do seu quando uma
nova música começou. Ainda era do tipo lenta, então Luiz colocou um dos
braços em volta da minha cintura e segurou minha mão com a outra, nossos
braços um pouco flexionados.
It's true that people, I've been sad (people, I've been sad)
It's true that people, I've been gone (people, I've been gone)
It's true that people, I've been missing out (I've been missing out)
Missing out for way too long (people, I've been gone)

— É verdade pessoal, tenho andado triste. É verdade pessoal, eu parti.


É verdade pessoal, tenho me perdido. Me perdido há muito tempo (pessoal,
eu parti).
Não sabia o que me impactava mais: a letra da música ou a voz
sussurrada dele em meu ouvido. Nossos corpos se moveram devagar, de um
lado para outro, enquanto ele continuava traduzindo o que a voz da mulher
cantava, tinha acabado de me dizer sobre “estar abandonando coisas por
muito tempo”.
Era impressão minha ou era como se a música falasse com ele, de
alguma forma? O trecho seguinte pareceu falar mais comigo, de qualquer
maneira.
If you (you)
Disappear, then I'm (higher)
Disappearing too
You know the feeling (you know the feeling)

— Se você desaparecer, então eu desapareço também. Você conhece o


sentimento — me arrepiei inteira com aquilo e então, Luiz continuou a
tradução: — Se você desmoronar, então eu desabarei também.
Me afastei um pouco para encarar seu rosto, meus olhos ardendo com
as lágrimas que se formavam. A letra falava sobre se perder de si,
dificuldades e sentimentos na adolescência e abandono. No geral, ela me
passava tristeza e me lembrar que eu quase não estive aqui para viver tudo
isso. Que tudo só não acabou por causa dele que chegou no momento certo e
me mostrou outros caminhos.
Olhando em meus olhos, com o braço me apertando mais forte, ele
repetiu:
— Se você desaparecer, então eu desapareço também.
Eu soube ali que não me importava com o acordo. Quando meu
coração acelerou e meus olhos transbordaram percebi que estava apaixonada.
*
Outras músicas vieram e nós seguimos dançando. Algumas em
português e outras que meu tradutor preferido me disse o significado, mas
nenhuma com um significado tão forte quanto aquela. Quando decidimos sair
da degustação de vinhos, fomos diretamente para o nosso quarto. Não tinha
passado da meia-noite ainda, assim que entramos fui deixar meu celular na
mesinha de cabeceira e notei que faltava cerca de meia hora. Trinta minutos
para minha idade nova e com o melhor dos presentes de aniversário bem ali
comigo.
Fui para o banheiro levando uma camisolinha curta de seda vermelha e
uma calcinha da mesma cor, fio dental, feita para ficar bem acordada e não
para dormir. Soltei meus cabelos, passando os dedos pelos fios para deixar
bem bagunçado, com mais volume e no segundo em que me encarei no
espelho vi uma mulher sensual refletida ali. Ao voltar para o quarto encontrei
o Luiz sentado na cama, usando apenas calça jeans. Seus pés descalços
estavam no chão como se ele tivesse acabado de tirar as peças que estava
usando.
Seu olhar encontrou com o meu e isso, junto com o frio do ar-
condicionado fez os bicos dos meus seios endurecerem. Luiz Henrique
desceu seu olhar até ali e, automaticamente, passou a língua no lábio inferior.
— Venha aqui — sua voz me surpreendeu, mas não me fiz de tímida,
era exatamente o que queria fazer.
Em poucos passos, estava de frente para ele. Luiz me puxou, me
colocando entre suas pernas.
— A escolha dessa camisola foi intencional? — Sua mão passou pela
seda, subindo e descendo por minhas costas. O contato do tecido em minha
pele me arrepiou. — Diga, Alissa, se vestiu para mim?
— Você gostou? Escolhi pensando em você tirando ela de mim —
confessei.
— E o que tem embaixo dela? — A mão desceu até a bainha curta,
passando por baixo e tocando minha bunda. — Tire para eu ver.
Apressada e ansiosa por seu toque, puxei a camisola pela cabeça
rapidamente, descartando em qualquer canto. Me virei, dando a visão do fio
enfiado entre as partes da minha bunda. Por cima do ombro pude ver seu
olhar de desejo encarando a peça quase inexistente. Luiz enfiou o dedo ali,
puxando o fio bem forte, me fazendo dar um passo para trás.
Ele deu um beijinho no meio das minhas costas e outro na minha
lombar, enviando arrepios por ali. Seus dedos abertos percorreram minha
bunda, alisando bem devagar, como se estivesse vendo algo em uma bola de
cristal. Engoli em seco quando vi sua língua lamber da popa até a tirinha
presa em minha cintura. Luiz Henrique repetiu o gesto, lambendo a extensão
do outro lado da minha bunda. Meu corpo se empinou, instintivamente.
— Gostosa — ele sussurrou, soprando as palavras na pele molhada de
saliva — quero me enfiar bem aqui, Alissa — suas mãos puxaram os dois
lados, deixando bem claro que ele queria comer meu rabo.
— Eu... — Hesitei, virando meu rosto para frente, sem encará-lo.
Nunca tinha feito sexo anal e pelo tamanho dele imaginava o tamanho
da dor que sentiria.
— Nunca fez? — Seus dedos cravaram minha pele, apertando com
força a minha bunda.
— Não — confessei.
— Nem sente vontade? — Ele me puxou para baixo, me fazendo
encostar nele, quase me sentando em seu colo. — Consegue imaginar meu
pau enterrado em seu cu?
Senti sua ereção contra mim, mesmo por baixo da calça e da cueca, e
me esfreguei ali.
— Imagino e consigo até desejar, mas sei que vai doer.
— Vai, mas você vai gostar — sussurrou, com as mãos alisando meus
peitos. — Não precisa e nem vai ser hoje, mas meu pau vibrou só por você
desejar. Deite na cama.
Ele me soltou e passei por ele, colocando as costas no colchão,
totalmente excitada.
— Você usou seu presente?
O sugador de almas. O nome daquele objeto poderia ser esse, porque a
alma praticamente saía do corpo, tamanha a sensação dele sugando entre as
pernas. Era tão insano que quando eu posicionei a abertura sobre o clitóris
não consegui manter no lugar, arregalando os olhos com a potente sensação.
Confesso que eu tentei usar duas vezes, mas acabava focando apenas no lado
vibrador que tocava um ponto específico dentro da vagina.
— Sim, só para ter certeza de que prefiro você me chupando.
Ele riu, ficando de pé para se livrar do restante das suas roupas.
Quando sua cueca se foi, seu pau me deu as boas-vindas, se erguendo
lindamente.
— Trouxe ele, Alissa?
— O vibrador? — Assentiu — sim, pro caso de você repetir a maldade
daquele dia no banheiro.
— Pegue — a única palavra não deixava espaço para nenhum
comentário, então eu me levantei e fui pegar a caixinha que me lembrava pó
compacto. — Tire a calcinha e se deite, vamos começar a brincadeira.
Joguei o pequeno pedaço de tecido longe e coloquei o vibrador na
cama, me deitando ao lado. Luiz Henrique veio até mim em seguida,
pairando seu corpo sobre o meu.
— Achei que tivesse enjoado — comentei, me arrependo no instante
seguinte.
— De quê?
— De foder comigo... — Sussurrei.
— Lembra quando eu disse que seria um vício? — Assenti — tento me
controlar para não ter uma overdose.
— Então, está em abstinência?
— Sim. E assim como um dependente, nem sempre resisto a tentação.
Ele colocou fim na conversa ocupando sua boca com o bico do meu
seio. Luiz realmente gostava deles e fazia questão de me mostrar isso com os
dentes e os lábios.
Com a ponta da língua, Luiz circulava o mamilo duro, me provocando
e me fazendo arfar. Com a cara de safado, seus olhos não saíam dos meus
enquanto ele repetia a tortura no outro seio. Uma sugada forte foi o que
arrancou meu primeiro gemido.
Ele me beijou ao mesmo tempo em que sua mão se enfiou entre nós,
buscando minha boceta. Quatro dedos pressionaram ali, fazendo pressão
entre as minhas pernas. Luiz lambeu do meu pescoço até o meu seio e
desceu, parando um pouco antes da elevação da minha barriga.
— Vai dormir, Apolo — sussurrou — isso é uma ordem.
Eu quase sorri, mas então ele pulou a barriga e foi direto lamber a
minha boceta, fazendo eu me esquecer completamente da graça. Quando ele
me chupou ali, enrosquei meus dedos em seus cabelos para mantê-lo na
posição.
— Como eu amo sua boca — gemi, me contorcendo.
Fechei os olhos. Seus lábios e língua trabalharam, aumentando o prazer
que eu sentia e me deixando cada segundo mais molhada. Quando eu soltei
seu cabelo para segurar nos lençóis, ele se afastou.
— Não — choraminguei, apertando as pálpebras.
Ouvi o barulhinho da vibração antes de checar que ele tinha pegado o
sugador.
— Dobre os joelhos, segure os seus tornozelos.
Fiz o que ele pediu, abrindo bem as pernas com os pés plantados no
colchão.
Luiz Henrique não o colocou direto no clitóris como eu mesma fiz
quando usei, ele passou o lado do vibrador por fora, massageando os grandes
e pequenos lábios. Aquilo fez meu corpo relaxar, era gostosinho sentir as
vibrações. Ele enfiou um dedo em mim, me fodendo lentamente enquanto a
massagem continuava.
Fechei os olhos novamente, aproveitando a delícia do momento até que
ele posicionou a boca do sugador em meu clitóris. Meu corpo tensionou
imediatamente e eu arregalei os olhos com a sensação que irradiou por
minhas pernas. Eu me mexi, tentando me afastar do objeto.
— Fique quieta, Alissa — avisou — não feche as pernas e não solte os
tornozelos.
— É intenso demais — gemi, entredentes quando uma nova onda
irradiou por mim.
— Ainda nem começou — ele sorriu — vamos ver do que seu corpo é
capaz.
Eu tentei focar em Luiz, observando sua cara de prazer ao me manter
ali refém daquele aparelho. Não havia outro toque, apenas o sugador no meu
clitóris e a sensação de descontrole que crescia a cada segundo que ele
mantinha aquilo ali. Eu me movi, incapaz de obedecer a sua ordem, elevando
meu quadril, me empurrando contra sua mão e me afastando ao voltar para o
colchão.
Luiz não recuou, pelo contrário, apertou o botãozinho e fez o sugador
mudar de frequência, enviando ondas um pouco mais fortes que me fizeram
gritar. Ele afastou o sugador e sorriu.
— Olhe como está inchado — seu dedo tocou meu clitóris sensível.
Afastar o sugador fez meu corpo relaxar ao mesmo tempo em que
sentia falta do contato. Era insano.
— Quer de novo? — Perguntou ao enfiar o dedo na minha boceta
encharcada.
— Quero — gemi.
Ele aproximou o sugador novamente, me fazendo estremecer com o
contato.
— Porra — gemi, sentindo minha boceta esquentar.
O lugar que era sugado estava queimando de puro tesão. Não sei como
aconteceu, mas em um segundo eu gemia e no outro eu via um líquido sair de
mim. A sensação na minha boceta estava tão intensa que eu não tinha o
menor controle sobre o que acontecia ali.
— Meu Deus! — Gritei.
Meus dedos dos pés se contraíram, apertando o lençol, enquanto
minhas pernas eram pura tensão. Luiz sorriu e manteve a mão parada, me
torturando mais e mais enquanto eu esguichava.
Alguns segundos depois, meu coração acelerou e eu senti a sensação de
cair de um abismo que só o orgasmo me proporcionava. Quando me sentiu
estremecer, ele afastou o sugador e me penetrou.
Seu pau me invadiu e completou o combo da noite mais foda de todas.
— Feliz aniversário, Alissa — Luiz desejou, me fodendo como nunca.
Eu caí ao lado dela depois de me derramar.
Minha respiração estava entrecortada e meu coração batia
freneticamente.
Essa viagem estava indo além do que eu tinha planejado.
— Eu fiz xixi na cama? — Alissa perguntou com a voz levemente
rouca.
— Não, você teve uma ejaculação — expliquei.
— Só vi uma mulher jorrando água uma vez, em um filme pornô, mas
achei que fosse xixi, parecia uma cachoeira...
— Gosta de assistir pornografia?
— Eu vi uma vez em um dvd pirata do Jair — sorriu — como eu disse,
não tinha privacidade em casa, mas fiquei sozinha quando era mais nova e vi
uma capa com uma loira e um homem pelados. Fiquei curiosa e fui assistir.
— E ficou excitada?
— Sim, mas não vi inteiro com medo de que alguém chegasse —
confessou.
— Aquela cachoeira que viu saindo da mulher não era para representar
urina, mas como se trata de um filme provavelmente tenham colocado algum
líquido para ela expelir, não era natural. Ao contrário de você — movi minha
mão para a parte molhada na cama e levei ao nariz dela — cheire, não é
urina, pode até conter, mas não é.
— Isso nunca aconteceu — comentou.
— Agradeça ao sugador — sorri — não é sinônimo de orgasmo, mas é
intenso, não é?
— Você entende bastante...
— Já transei bastante na vida, Alissa e muitas parceiras tiveram squirt.
— Obrigada por me dar meu primeiro squirt de presente de
aniversário, então.
— Por nada, fico feliz em ter dado um presente tão marcante.
— Absolutamente tudo que me aconteceu depois que conheci você foi
marcante, Luiz. Insignificante não é uma palavra que possa ser usada para te
descrever.
A intensidade com a qual ela proferiu as palavras me fez calar. Sabia
que nada entre nós podia ser tratado como insignificante, desde o encontro
inicial até a atração avassaladora que eu sentia. Alissa era mesmo o meu vício
e depois dessa viagem eu não me sentia mais capaz de evitar me dopar.
*
Precisava agradecer a Élida pela sugestão da viagem e também pelo
excelente lugar para o qual tínhamos ido. Depois de muitos anos sem uma
viagem assim, consegui ficar totalmente conectado com a natureza e nem
sequer lembrei do trabalho. Logo depois do café da manhã nós fizemos
checkout e do heliponto do resort fazenda voamos até o aeroporto. Algumas
horas depois, desembarcamos do jatinho e o Ricardo, motorista que tirava
algumas folgas do Josué, nos pegou e nos deixou na mansão.
Alissa estava cansada e por mais que negasse, como o fez, dava para
notar em seu rosto que as poucas horas que dormiu não foram suficientes. Por
isso, eu a mandei para a cama com a promessa de que a chamaria às cinco da
tarde, daria tempo para que se trocasse e fôssemos ver o meu pai.
No horário combinado, eu entrei em seu quarto. Ela estava deitada de
lado, sem cobertor e com a blusa ligeiramente fora do lugar, mostrando um
pedacinho da barriga. Eu a olhei, me lembrando do momento incrível que foi
sentir o Apolo se mexer. Senti um carinho enorme observando a mulher
adormecida e me abaixei para beijar sua bochecha.
— Alissa — chamei, dando um segundo beijo — está na hora de
acordar.
Ela não abriu os olhos, mas virou o rosto, fazendo com que minha boca
tocasse na sua. Mordi seu lábio inferior de leve, fazendo-a sorrir.
— Tá precisando de serviço? — Segurou meu rosto com as duas mãos
— é ótimo como despertador. Tá contratado.
Ri, tomando sua boca em um beijo de verdade. Sua língua se encaixou
na minha, despertando os meus sentidos.
— Não precisa ter medo de uma overdose — ela sussurrou — eu quero
você e não pode negar os desejos de uma grávida. Por favor, nada de
abstinência, ok?
— Uma grávida fazendo pedidos no dia do aniversário? Acho que
estou perdido...
— Quero que faça amor comigo hoje — me puxou para a cama — e
que nos próximos dias me foda bastante.
— Está sendo bem específica quanto as suas vontades, não posso
contrariá-la.
Tirei sua calça de tecido e puxei junto sua calcinha. Olhar sua boceta
sempre me dava água na boca e ali, enquanto a encarava despir a blusa, soube
que estava mais do que viciado em Alissa.
Minhas roupas se foram com mais pressa e logo estávamos nus em sua
cama. Enquanto meus dedos acariciavam sua pele, senti sua língua contra a
minha. Não acelerei o beijo como gostaria, também não enfiei meus dedos
em seus cabelos, impondo minha vontade. Deixei que Alissa conduzisse a
velocidade do que queria.
Senti sua mão deslizar por meu peito e passar por meu abdômen, até
parar na base do meu pau. Alissa o segurou com dedos firmes e quentes,
movimentando levemente para cima e para baixo. Ela o apertou e eu gemi
contra sua boca.
Fui empurrado de costas e, um segundo depois, sua perna passou por
cima de mim. Observei seus peitos pequenos com uma vontade maluca de
sugar aqueles bicos até senti-los endurecer mais.
Alissa segurou meu pau, posicionando em sua boceta molhada. Ela
desceu um pouquinho sobre ele e mesmo quando eu quis erguer o quadril e
empurrar bem fundo, permiti que ela provocasse como queria. Ela o tirou
completamente e pincelou com a glande em sua entrada, me fazendo chiar de
tesão. Senti sua lubrificação se espalhar por mim quando ela esfregou a
boceta pela extensão do meu pau, se masturbando com meu comprimento.
— Está testando a minha paciência? — Perguntei quando o levou até a
entrada novamente, sem me deixar foder.
Ela fingiu não me ouvir, se esfregando descaradamente. Quando se
posicionou pela terceira vez, ela escorregou devagar até me ter inteiro dentro
de si. Puxei seu corpo para mim, fazendo-a se inclinar para me beijar.
Enquanto sugava minha língua, Alissa me fodia devagar, com a boceta
quente e escorregadia, subindo e descendo na minha ereção que pulsava.
Minhas mãos alisavam suas costas, as mãos dela acariciavam o meu
rosto e aquele era um sexo terno que eu não fazia há muitos e muitos anos.
Nós ficamos um bom tempo assim, nos beijando devagar e fazendo
amor.
A gente se encaixava perfeitamente e estar enterrado ali, daquela
forma, fazia com que eu me sentisse bem.
*
Ao parar meu carro na garagem dos meus pais, notei que Alissa estava
bem mais tranquila do que da primeira vez em que esteve na mesma posição.
Conhecer o lugar e as pessoas deve ter contribuído para o fato, mesmo tendo
ouvido as suspeitas do meu pai.
Fomos recepcionados por minha mãe e imediatamente levados para a
sala de jogos, onde estavam os outros familiares.
— Boa noite — cumprimentei ao entrar na sala e segui diretamente até
o meu pai — feliz dia.
O abraço foi apertado e eu sorri, ao estender a sacola de papel pardo
com o seu presente. Ele tirou a garrafa de dentro e a olhou.
— Luiza, quando for reclamar da minha degustação de cachaça lembre
de ligar para o seu filho.
— Essa é feita a partir de um blend e armazenada por oito anos em
barris de carvalho francês e amburana, acho uma forte concorrente para o
Grande Ouro na edição desse ano de vinhos e destilados.
— Luiz Henrique, meu filho, ano que vem pode dar uma camisa que
está bom — minha mãe me fez rir.
Voltei para o lado de Alissa assim que ela abraçou minha cunhada,
apenas acenando para o meu sobrinho.
— E como você está, Alissa? Já sabe o sexo do mais novo Garcia?
— É menino — a mamãe do ano respondeu.
— Mais um Augusto? — Meu sobrinho questionou, erguendo uma
sobrancelha.
— De jeito nenhum — dei a resposta — nosso filho se chamará Apolo.
— Que nome lindo, vovó — minha mãe se aproximou, tocando a
barriga de Alissa. — Vocês chegaram agora de viagem, né? Espero que
tenham aproveitado bastante.
— Foi uma viagem maravilhosa, como tudo que seu filho se propõe a
fazer, aliás — retribuí o sorriso.
— Uau — fingi não ouvir a gracinha do Augusto — e então, nosso
torneio de sinuca está oficialmente encerrado?
— Depois que eu ganhei de você e do seu pai em todas as rodadas?
Está sim — meu pai sorriu.
— Se o Luiz estivesse aqui com certeza seria ele o perdedor da noite
— meu irmão mangou — ele é péssimo com o taco.
— Pobre de você, Alissa — meu sobrinho fez todo mundo gargalhar,
exceto eu.
— Será que vocês podem se comportar? — Minha mãe comentou — é
a segunda visita de Alissa e, assim, ela vai se assustar e querer fugir.
— Ah, não, vocês são maravilhosos juntos. Bem, eu gostaria de
aproveitar para dar o meu presente — ela estendeu a sacola preta que
carregou desde que saiu do carro, mas não foi para o meu pai que ela apontou
— para você, meu amor.
Aquilo me pegou de surpresa. Quando ela entrou com a sacola no carro
imaginei que fosse um gesto para o meu pai. Imaginei que, como era Dia dos
Pais, ela fosse presenteá-lo como uma espécie de bandeira branca.
Enquanto minha mãe e cunhada cochichavam sobre a fofura do gesto,
eu peguei a sacola e tirei uma caixa azul de dentro. Quando eu a abri, me
deparei com um troféu de mais ou menos trinta centímetros. Ao pegá-lo,
notei que era em MDF com a base preta e detalhe que se assemelhava a uma
onda prateado. No topo, um círculo preto com letras douradas, descrevia o
prêmio que recebi: MELHOR PAI DO MUNDO. Na base, em uma etiqueta
prata, lia-se: Luiz Henrique Garcia Lopes, campeão de 2020, por toda
dedicação a Apolo.
— Não é grande coisa, mas achei que combinaria com os seus outros
troféus e...
Não deixei que terminasse a frase, tomei Alissa nos braços e a apertei
contra mim, sussurrando obrigado e o quanto tinha significado receber aquele
presente.
— Vocês são lindos juntos — minha mãe comentou e quando eu me
afastei de Alissa pude vê-la enxugando uma lágrima — vamos jantar antes
que borrem minha maquiagem.
— Esse é um dos prêmios mais importantes que já ganhei — comentei
enquanto caminhávamos para a sala de jantar.
— Fico muito feliz que tenha gostado — ela piscou.
Mais que um lugar na minha galeria de prêmios, aquele troféu tinha
ganhado espaço no meu coração.
*
O clima do nosso jantar de Dia dos Pais foi bem leve. Meu pai
relembrou algumas das piores travessuras que eu e Carlos aprontamos na
infância e afirmou que uma das mais traumatizantes foi termos tentado
escrever nossos nomes na porta da sua Brasília amarela.
Não lembrava da cena, mas ele sempre afirmou que usamos um prego
enferrujado. Meu irmão ainda conseguiu riscar CA e eu mal terminei meu L.
— O carro usado que eu tinha começado a pagar as prestações —
lamentou.
— Foi uma declaração de amor — minha mãe sempre justificava.
Todos rimos bastante das lembranças.
— O jantar estava perfeito, dona Luiza — Alissa comentou.
— Estava mesmo e a sobremesa vai estar ainda melhor — minha
cunhada sorriu.
Imaginei que ela mesma tivesse feito a sobremesa, para destacar isso,
mas não foi o caso. De onde eu estava dava para ver Ivania se aproximando
com um bolo nas mãos. Havia uma daquelas velas que saem faísca em cima.
Alissa estava de costas e não notou a aproximação até que todos ficássemos
de pé e começássemos a cantar.
Parabéns pra você
Nesta data querida
Muitas felicidades
Muitos anos de vida
Notei quando abriu a boca, totalmente surpresa. Ela ficou sem reação
por um instante, mas logo se levantou e bateu palmas enquanto repetíamos a
letra.
— Não acredito nisso — comentou quando finalizamos.
Minha mãe foi até ela e a abraçou.
— Muita saúde, querida, para ver seu filho crescer forte e saudável —
ouvi-a dizer.
— Que Deus te abençoe grandemente e que te proteja de todo mal —
foram os desejos de Edileusa ao abraçá-la.
— Parabéns, Alissa — meu pai também a abraçou e sussurrou algo que
não consegui escutar, mas que fez a garota sorrir amplamente.
— Saúde é o que interessa, o resto vem depois — meu irmão a
cumprimentou com um abraço.
Por fim, observei o Augusto se aproximar. Ele abriu os braços em
convite e Alissa foi até ele. O abraço foi demorado e o que foi dito não
consegui entender, mas Alissa gargalhou e logo depois me encarou.
Quando eu cheguei ao outro lado da mesa, meu sobrinho já tinha se
afastado e ido em direção a mãe.
Alissa se jogou em meus braços antes que eu lhe desse um selinho
demorado.
— Você sabia disso? — Questionou animada.
— Estou tão surpreso quanto você.
— Mas como eles sabiam que era hoje?
— Comentei com o Carlos quando ele me avisou desse jantar, disse
que viajaríamos porque era o seu aniversário.
— Estou tão feliz — sorriu — é o fim de semana de aniversário mais
feliz da minha vida.
Acariciei seu rosto enquanto sorria de volta para a garota animada.
— Alissa, venha cortar o bolo — minha mãe chamou — lembre de
fazer um pedido, corte de baixo para cima.
Alissa foi até lá e eu notei quando fechou os olhos, mentalizando o tal
desejo.
Não sabia o que ela tinha pedido, mas assim que abriu os olhos foi para
mim que olhou diretamente.
Parecia fazer bem mais tempo que eu não passava por aqueles portões.
O pátio estava cheio e todo mundo conversava, levando a vida normalmente.
Naquele momento eu enxergava a escola de uma maneira que nunca tinha
visto: como expectadora. Depois de quase três meses era como se aquele
universo de uniforme e risadas fosse diferente. Olhei para a cantina e,
diferente das outras vezes, não me senti ansiosa pela hora do lanche. Não
estava faminta ou com vontade de comer coisas diferentes porque agora eu
tinha um mundo de opções para escolher.
Fui em direção a minha sala e assim que cheguei na porta os olhares
surpresos me receberam. Podia ser por causa do tempo que estava longe, por
finalmente poderem ter certeza de que eu estava grávida ou por não usar mais
a mesma velha calça jeans e a rasteirinha destruída de guerra. Estava com a
mesma camiseta antiga do meu uniforme, mas a calça jeans era azul escura e
de uma marca bem famosa, que me vestia tão bem que eu passei alguns
minutos observando minha bunda naquele tecido. Nos pés, coloquei um par
de tênis com design moderno, branco com detalhes laranja e lilás, da Nike e
pendurada em meu ombro estava uma mochila cor de rosa da mesma marca.
— Que foi? — Abri um enorme sorriso — nunca me viram não?
— Assim, com cara de gente, não — Eli perturbou me fazendo jogar os
cabelos em resposta.
Ouvi o assobio do Pedrinho e andei até o fim da sala.
— Ganhou na loteria, Alissa? — Perguntou quando coloquei minha
mochila na cadeira que ficava na sua frente.
Me sentei de lado, encostando as costas na parede fria.
— Quem me dera — sorri.
— Arranjou um patrocinador — Cleitinho se aproximou — agora não
tenho mais chance, olha o naipe da piveta!
— Você nunca teve — dei de ombros — e a Lurdinha?
— A gente terminou — informou com cara de cachorro que caiu da
mudança.
— Aprontou, né vacilão? — Deduzi e como não me respondeu só
podia ser isso, perguntaria a Tam qual era o babado.
Por falar nela, a minha melhor amiga entrou na sala digitando alguma
coisa no celular. Seguiu até o fundo, fileira do meio, sem erguer o olhar.
Quando se sentou, peguei meu celular e mandei uma mensagem, ignorando o
Cleitinho e Pedrinho que começaram uma conversa paralela sobre jogos on-
line.

Eu: Nem pisca, minha irmã?


Você vai bater num poste se digitar assim na rua.

Assim que a notificação foi vista ela olhou para cima, procurando por
mim e quando me viu abriu um sorriso enorme.
— Você voltou, vadia? — Gritou ficando de pé — finalmente!
Ela pulou as carteiras até chegar em mim. Fiquei de pé e senti seu
abraço apertado, retribuindo com a mesma intensidade.
— Não sei, será que já não me reprovaram por falta? — Tamires se
sentou na mesinha, com as pernas penduradas, enquanto eu fiquei na cadeira.
— Acho que não, teve uns dias de férias aí no meio — deu de ombros
— achei que ia querer ir pra um colégio particular.
— Se eu reprovei aqui, vou pro particular tomar pau de novo? —
Balancei a cabeça em negação.
— Até parece que não gosta de tomar pau — gargalhou — ai que
saudade que eu tava, não tem a menor graça vim pra escola sem você, amiga.
— Por incrível que pareça, também senti falta de estar aqui.
Para interromper nosso papo, a professora Charlene entrou na sala.
— Boa tarde... — Ela me viu e sorriu — olha só quem deu o ar da
graça. Espero que tenha voltado mais comportada e menos falante, Alissa.
— Não trabalhamos com milagres, professora — respondi e todo
mundo gargalhou.
No intervalo, Tamires me disse que começaria a fazer um curso de
maquiadora no SENAC e parecia bem empolgada com isso. Eu logo me
animei e pesquisei ali mesmo sobre o assunto. Lembrei da conversa com o
Luiz sobre o que eu queria para o futuro e ainda não tinha uma resposta
exata, mas maquiagem era algo que eu gostava. Não que eu pudesse praticar
os inúmeros tutoriais que sempre gostei de ver, nunca tive grana pra investir
em make, mas agora eu via uma oportunidade.
E se eu não gostasse, aprenderia como estar plena para os eventos que
agora faziam parte da minha rotina.
*
Sabe quando as coisas finalmente pareciam estar dando certo? Bem,
era o que estava acontecendo comigo. O último mês havia sido incrível,
parecia que o meu aniversário havia alinhado os meus chacras e as coisas
tinham voltado ao seu curso natural, na verdade, era bem melhor que antes.
Agora eu me sentia feliz, exceto por eu estar tendo que comer todos os
dias alimentos ricos em ferro, como fígado, lentilha, espinafre e couve, por
causa de uma anemia. Minha barriga cresceu o suficiente para que eu pudesse
realmente me "sentir" grávida e agora era possível notá-la independente da
roupa que eu vestisse.
E o vestido verde água que escolhi era justo e ressaltava a leve
ondulação abdominal. Escolhi um modelo longo, com decote ombro a ombro
que possuía uma fenda que se abria a partir de um ponto um pouco abaixo do
meio da coxa. Um par de sandálias prateada e de salto juntamente com uma
bolsa de mão para o meu celular finalizavam o meu look para a festa dessa
noite. Os cabelos foram escovados no salão, bem como as unhas e a
maquiagem. Quando encarei o resultado da make me animei ainda mais para
o curso, já que eu poderia produzir várias pessoas para aquele tipo de festa.
— Dessa vez você não combinou a gravata comigo — brinquei ao
segurar sua mão estendida no fim da escada.
— Foi um lapso — beijou minha bochecha para não se sujar de batom
— você está linda.
— Obrigada, é muito difícil se sentir gata quando sua barriga está
chamando mais atenção que seus peitos — comentei, andando até a saída.
— Seus peitos estão lindos, mas nada se compara a sua barriga
mesmo...
— Boa noite, Josué — cumprimentei, apertando os dedos de Luiz para
que ele calasse a boca e não permitisse que outras pessoas ouvissem sobre
meus seios.
— Boa noite, senhores.
Eu me sentei no banco traseiro e logo depois o Luiz se sentou ao meu
lado.
— Quase todos os vestidos que vi para grávidas são folgados, não sei
como será daqui para frente, mas não curto muito — ele me encarou —
grávida sim, de roupa larga jamais. — Luiz Henrique sorriu abertamente.
Seguimos pelo trajeto que eu conhecia porque levava até um dos
shoppings da cidade e nós entramos no estacionamento dele mesmo, o que
me causou estranheza.
— A festa será dentro do shopping? Em algum restaurante daqui?
— No prédio ao lado — apontou para o edifício completamente
iluminado. — Mas o acesso por aqui é mais tranquilo.
Notei que o prédio ficava no mesmo terreno e então, a minha ficha
caiu.
— Você é o dono do shopping? — Perguntei chocada.
— A empresa é — me corrigiu.
— A empresa que você comanda e que pertence a sua família, certo?
— Exatamente.
— Meu Deus, achei que você fosse só rico, mas é podre de rico. Tem
mais de um shopping?
— Em Aracaju, três — comentou como se não fosse nada demais.
— Caralho...
— Achei que tivesse pesquisado sobre mim.
— Só joguei seu nome no Google para achar o endereço no dia em que
fui na empresa, não li mais nada.
— Isso faz diferença? — Questionou, com os olhos atentos em mim.
Quando eu ia dizer que não, a porta do lado dele foi aberta. Nem tinha
percebido que o carro havia parado de andar. Luiz desceu, estendeu a mão
para mim e assim que eu saí fui recepcionada por tanta luz que pisquei
confusa. Eram flashs fotográficos disparados um atrás do outro.
De mãos dadas, nós seguimos até próximo a entrada do prédio, mas ao
invés de entrar fomos conduzidos até um painel para tirar fotos. Um monte de
gente gritava “dá um sorriso”, “vira de frente”, “olha para mim” e várias
frases assim para que pudessem clicar. Antes que pudéssemos seguir em
frente, ouvi um homem perguntar:
— Qual é o nome dela? E que relação coloco na legenda?
— Ela se chama Alissa, é a minha namorada e estamos esperando
nosso primeiro filho — Luiz respondeu, me puxando antes que outras
perguntas surgissem.
— Uau — consegui falar quando nos afastamos. — Estou me sentindo
uma celebridade.
— E vão te tratar como uma, por favor, cuidado com o que vai dizer —
a frase dele me deixou apreensiva, o que eu poderia dizer de errado?
— Ok, vou me lembrar da história de como nos conhecemos caso
alguém pergunte.
Luiz me fez parar e se virou de frente para mim.
— Não sei se conseguirei estar ao seu lado o tempo inteiro hoje, é um
evento grande e importante, vão me chamar bastante.
— Sua mãe virá? — Perguntei na esperança de ter alguém conhecido
por ali.
— Sim, minha família já deve estar aqui.
— Não se preocupe — acariciei seu rosto, sentindo sua barba sob meus
dedos — é o seu trabalho, não vou me sentir abandonada.
— Ótimo, vamos entrar.
*
O evento estava acontecendo em um lugar amplo e fechado, me parecia
um gigantesco auditório que havia sido transformado em um salão de festas.
Havia mesas redondas, cobertas por toalha branca, contendo um arranjo de
flores coloridas ao centro, espalhadas por quase todos os cantos do espaço. A
parte que não continha mesa ficava mais ao centro do lugar, além da frente do
palco que servia como pista de dança. Assim, era possível ter gente sentada
comendo, circulando pelo meio para conversar em pé ou dançando mais
afastado.
Estava bem cheio já e eu observei que todos se vestiam de maneira
elegante, todos de traje social. Nós andamos até parar de frente para o grupo
familiar que estava de pé e com beijinhos eu cumprimentei os pais, a cunhada
e o irmão de Luiz Henrique.
— A assessora de comunicação estava de cabelos em pé procurando
por você — meu quase sogro informou.
— Já vou procurá-la — ele respondeu — você fica com eles?
— Claro — sorri quando ele assentiu e se foi.
— Está muito bonita, Alissa, a gestação te fez bem — foi Edileusa
quem comentou.
— Obrigada, agora já parece que estou grávida — sorri.
— Daqui para frente vai ser um pulo e logo estará com um barrigão tão
grande que não saberá como dormir — ela me avisou.
— Mas não se preocupe, massagens vão te ajudar e meu filho fará
questão de te mimar — dona Luiza tentou amenizar.
Assenti, sorrindo.
Era muito diferente ter como assunto em comum apenas minha
gravidez, aquelas mulheres não me conheciam, não vinham da mesma
geração que eu e não tínhamos o que conversar. Elas sempre eram muito
simpáticas e eu não tinha do que reclamar, mas às vezes eu me sentia
desconfortável por não saber como agir para corresponder às expectativas.
— Vamos nos sentar? Alissa, quer beber alguma coisa? — Carlos
Augusto perguntou.
— Qualquer coisa que não contenha álcool — sorri, enquanto ele nos
conduzia até a mesa principal, no lugar mais próximo do palco.
Nos sentamos e eu me permiti relaxar, ouvindo a banda que tocava
clássicos da MPB. Carlos acenou para um garçom uniformizado e ele nos
serviu com o que tinha na bandeja, para mim veio um copo de água de coco.
Enquanto eu bebia a água doce, ele pediu drinks para todos, mas o meu sem
álcool e o rapaz se afastou com a promessa que voltaria logo com os pedidos.
Outros garçons passaram, nos servindo de salgados mais saborosos do
que o outro evento que fui, havia mini comidinhas também. Depois de algum
tempo, o garçom trouxe os nossos copos e eu bebi um delicioso coquetel de
frutas.
Estava distraída com meu celular, quando ouvi um sussurro próximo ao
meu ombro.
— Temos uma jovem nessa mesa, graças a Deus — me virei para
encarar o sobrinho de Luiz Henrique.
Augusto usava blazer azul me lembrando a cor da tampa da caneta Bic.
Por baixo da peça, uma camisa branca que não era de botão e nada de
gravata. Não pude observar a parte de baixo porque ele se sentou rapidamente
na cadeira ao lado da minha, mas achava ser uma calça jeans escura.
— Por onde andou? — A mãe dele perguntou do outro lado da mesa.
— Estava observando o terreno — perturbou e a Edileusa o mandou
parar de gracinhas — networking, mamãe.
O pai dele pediu licença para cumprimentar alguém e se retirou, nos
deixando sob os “cuidados” do Augusto mais novo.
— Acho que vou te chamar de Augustinho, sabe? Para te diferenciar
dos outros dois — comentei.
— Ah, não Alissa, está tentando me dizer que me visto mal como o
personagem de A grande família?
Eu ri, sabendo que ele tinha pegado a referência, mas era pura
mangação minha, ele estava muito bem e jovial com o traje escolhido.
— Nada, só para saber de qual Augusto estou falando, sabe como é,
né?
— Ok, vou te chamar de Bebel, então.
— Está me chamando de mimada?
— Não, só um apelido, sabe como é, né? — Repetiu a mesma frase que
usei e eu ri mais alto do que devia ser educado. — Como você está?
Era a primeira pessoa que perguntava primeiro sobre mim e não sobre
o bebê.
— Estou bem, maratonando muita série e ouvindo funk e sertanejo,
como sempre.
— Preciso te informar que isso não será tocado aqui.
— Vibes adulto — concordei, circulando o dedo no ar.
— Mas isso não impede que seja divertido. Vamos dançar?
Hesitei, pensando se devia ou não.
— Eu não mordo — ele avisou, diante do meu silêncio. — Só se pedir.
Engoli em seco. Ele estava flertando comigo?
Claro, você deu bola da primeira vez.
— Acho que vou ao banheiro — sorri — coisa de grávida, sabe como
é?
— Não, definitivamente não sei e não quero saber tão cedo — sorri
enquanto me levantava e pedia licença.
*
Ao invés de ir diretamente ao banheiro, eu dei uma volta pela festa.
Sorri para quem acenava mesmo sem me conhecer e circulei pelo meio das
pessoas, observando as interações. Até que vi um homem com cabelos mais
grisalhos que pretos e barba da mesma cor junto com uma garota que parecia
ser só um pouco mais velha que eu, soube que eram um casal pela forma que
se olhavam apaixonadamente, antes mesmo de presenciar o selinho que
trocaram ali em pé.
Notei Carlos Augusto se aproximar dos dois, cumprimentando e, ao se
virar, ele percebeu que eu os estava encarando. Logo, a mulher seguiu o olhar
do Carlos e eu fui pega espiando. Cumprimentei com a cabeça e quando
estava prestes a sair dali, os três vieram em minha direção.
— Alissa, esses são César e Liz — apresentou — ele é dono da Safety,
empresa que presta serviços de segurança para os nossos shoppings. Essa é a
Alissa, namorada do meu irmão.
César apertou minha mão antes que Liz me olhasse, sorrindo
amplamente, ao me puxar para um abraço.
— O Luiz é um gato — cochichou — os mais velhos são irresistíveis,
não é?
— Eu estava observando vocês dois e pensei como eram um casal
lindo — comentei, quando ela se afastou.
— A maioria acha que ele é o meu pai...
— Puro preconceito — comentei — o olhar que eu vi não tinha nada
de paternal.
— Ai, amei você! Me passe seu número e vamos marcar alguma coisa
qualquer dia — ela pediu.
— Por favor, não tenho muitas amigas — ditei os números que ela
salvou e já me mandou mensagem para registrar o seu.
— Liz, vamos cumprimentar a Flávia — César a chamou — prazer em
conhecer você, Alissa.
Quando eles se afastaram, avisei para o Carlos que ia ao banheiro e ele
me apontou a direção dos mais próximos. Segui rapidamente para fazer xixi,
lavando as mãos assim que acabei. Ao sair do banheiro, dei mais uma volta
procurando o Luiz Henrique, logo começariam os discursos e eu queria
contar que tinha conhecido a Liz.
E eu o encontrei.
Todo sorridente.
De novo.
Com a loira bonita do trabalho.
Pâmela. Ela também sorria, tocando o braço dele com muita
intimidade. Por que ele estava com ela enquanto me deixava sozinha? Aquilo
não era uma reunião de trabalho. Ninguém sorria e se tocava tanto enquanto
trabalhava. Marchei em direção aos dois sem pensar e em poucos segundos
me aproximei.
— Estou atrapalhando?
Os dois pararam de sorrir e me encararam.
Antes que alguém pudesse responder, Luiz foi interceptado por um
homem de terno cinza. Ele se afastou para falar com o homem e eu fiquei ali,
cara a cara com a Pâmela.
— Tudo bem, Alissa? — Ela sorriu.
— Tudo ótimo — toquei minha barriga com as duas mãos para que ela
entendesse que estava dando em cima de um cara que seria pai daqui há
alguns meses.
— Alissa, preciso conversar com você — a mulher teve a audácia de
dizer — acho que está havendo um mal-entendido.
— Olha, não tem como você negar que há um clima entre vocês dois
— comecei.
— Não vou negar para você que nós já estivemos juntos, quando
éramos solteiros. E é exatamente isso que preciso falar com você.
— Não acha cara de pau da sua parte me dizer isso?
— Não. Eu chamo de maturidade.
Ela estava me chamando de infantil?
— Olha aqui... — Ela não me deixou continuar.
— Alissa, eu não sou sua rival — ela pontuou — não estou disputando
a atenção do Luiz e não quero que me veja dessa forma. Nós dois somos
adultos, trabalhamos juntos e desde que você entrou na vida dele somos
apenas bons amigos.
— Como você quer que eu acredite nisso depois de me contar que se
pegaram?
— Sou mulher e detesto essa rivalidade feminina, por isso preferi
deixar as coisas claras com você. As duas vezes que nos encontramos o clima
ficou bem estranho e eu não preciso disso. Acredito que com a idade você vai
me dar razão, não há motivos para ter ciúmes. Agora eu tenho que ir, apesar
do modelo da festa, estou aqui há trabalho.
Ela me deu as costas e me deixou ali, sem saber o que pensar.
O homem liberou o Luiz que veio imediatamente até mim.
— O que aconteceu? Você está se sentindo bem?
— Você já trepou com aquela mulher? — Joguei, de uma só vez.
— Está com ciúmes?
— Responda minha pergunta com algo que não seja outra pergunta —
rebati irritada.
— Sim, Alissa, eu já trepei com a Pâmela. Está melhor assim?
— Vocês dois são muito caras de pau — me virei para sair de perto
dele, mas ele me segurou pelo braço.
— O que ela disse? Se foi algo diferente de que nós não ficamos juntos
desde que estou com você, é mentira.
— Ela disse exatamente isso.
— Então, qual é o problema?
— Se eu estivesse o tempo inteiro junto do Matheus você ia gostar? —
Ele estreitou os olhos.
— Se vocês trabalhassem juntos e as circunstâncias fossem
semelhantes as minhas, não veria problema.
— Ok, Luiz Henrique, você vai precisar provar esse ponto de vista
qualquer dia.
Ele soltou meu braço e eu saí dali pisando firme até a mesa onde estava
sua família. Assim que me aproximei estendi a mão para o Augusto.
— Vamos dançar — convidei e ele prontamente aceitou.
As coisas tinham mudado e eu não podia negar. Não sabia como tinha
acontecido, mas em algum momento eu ultrapassei uma barreira que achei
que nunca mais seria capaz.
Ainda não sabia qual a posição que Alissa ocupava em minha vida,
mas certamente não era a mesma de quando estabelecemos o acordo. Ela
deixou de ser apenas a mãe do meu filho e ocupou espaços além da minha
cama. Eu gostava do ar fresco que ela dava aos meus dias e então percebi que
ao lado dela minha seriedade diminuía e as risadas eram frequentes.
Que eu gostava dela não era novidade, Alissa era divertida e ousada, a
combinação certa para mexer comigo atualmente, a questão era que eu estava
indo além. Estava me apaixonando novamente e aquilo não me deixava
confortável.
Junto da paixão vem a desconfiança e era com ela nublando a minha
visão que eu encarava, de longe, Alissa e meu sobrinho dançando juntos.
Aquele gesto ridículo para me fazer ciúmes só demonstrava, mais uma vez,
que a garota era uma pequena manipuladora e eu me perguntava até que
ponto ela seria capaz de ir.
Não fiz cena.
Não segui em direção aos dois e a arranquei dos braços dele.
Não entrei no joguinho porque sabia que era o que ela queria e era
maduro o suficiente para enxergar o que ia além. O problema era que Alissa
não sabia que aquelas atitudes me lembravam de outras e que a desconfiança
me fazia recuar um passo e recalcular as peças no tabuleiro.
Meu filho era o que mais importava e não havia nada que me
demoveria de tê-lo.
Agi conforme era esperado e cumprimentei todos os presentes na festa
de inauguração da Torre 1. Fiz discurso, dei entrevistas, posei para fotos e
cumpri o script mesmo com Alissa tentando chamar minha atenção.
Encerrei a festa irritado.
Dentro do carro, voltando para a mansão, ela estava distante e com o
corpo praticamente colado na janela do seu lado. Preferi aguardar que
chegássemos em casa para conversar, por isso concentrei as minhas atenções
no aparelho celular em minhas mãos mesmo com a cabeça seguindo para
outro tempo.
Assim que o Josué estacionou, Alissa pulou porta a fora e seguiu
mansão adentro, sem olhar para trás. Exercitando a minha paciência, me
despedi do motorista e subi as escadas em direção ao meu quarto. Pretendia
tomar um banho para ter tempo de organizar minhas emoções, mas ela estava
lá, parada com as mãos na cintura.
— Precisamos conversar — anunciou.
— Concordo.
— Queria arrancar os cabelos da sua advogada — encenou o gesto com
a mão — não gostei de saber que foderam e que se veem todos os dias.
— Você está com ciúmes, mas não há a menor necessidade disso.
— Como não, se você sempre deixou claro que tínhamos um acordo?
Ele está chegando ao fim, Luiz Henrique. Quem me garante que não será ela
a criar o meu filho?
— Eu garanto.
— Você também garante que eu o farei?
Aquilo era algo que eu não era capaz de garantir. Meu plano era ter o
meu filho, estar com a mãe dele não estava pressuposto. As coisas tinham
mudado e eu podia sim nos imaginar juntos, mas não tinha certeza de que
confiaria nela o suficiente para isso.
Infelizmente, o meu coração tinha sido machucado o suficiente para
que eu conseguisse entrar nessa de olhos fechados.
— Não consegue garantir, não é? — Os olhos dela estavam marejados.
— Eu tenho sentimentos por você, Alissa, mais do que gostaria —
confessei — mas como toda relação nova não dá para ter garantias.
— Você jura que não esteve com ela?
— Desde que me envolvi com você não, eu te dou a minha palavra.
Vi seu peito subir e descer quando ela respirou fundo e se virou de
costas para mim.
— Consegue me ajudar a tirar esse vestido?
Com toda a tensão, aquilo era o que eu mais queria.
— Pensei em fazer isso durante a festa, no banheiro ou em alguma sala
vazia daquele prédio — informei, dando dois passos longos até estar perto o
suficiente.
— Teria tornado a noite bem mais interessante — ouvi seu risinho —
esses eventos são bem maçantes e ter o seu pau ia me animar.
Meus dedos afastaram o cabelo dela para o lado, pousando no zíper que
desci devagar.
— Você parecia estar se divertindo bastante — lembrei da dança com o
Augusto.
— Estava provocando você — assumiu.
— Eu sei.
— Mas não consegui, não é? Você é feito de quê? Nada te abala?
Colei meu corpo ao dela, puxando-a pela cintura. Dessa forma, nos
conduzi alguns passos até Alissa ficar de frente para a parede.
— Coloque as mãos na parede — ordenei.
Ela obedeceu rapidamente. Me abaixei para pegar o final do seu
vestido e o ergui, deixando-o se acumular acima de sua barriga. Ela se
inclinou antes mesmo que eu pedisse, sedenta, me dando a visão de uma
calcinha bem pequena que se enterrava em sua bunda. Passei os dedos na
pele macia antes de dar um tapa forte ali.
— Porra — reclamou.
— Você me abala — confessei, antes de dar outro tapa do mesmo lado
— você consegue me deixar maluco, Alissa — mais um tapa fez a minha
mão arder. — É irritante demais — bati do outro lado — e gosta de testar
minha paciência.
Me abaixei e lambi a pele quente, deixando um rastro de saliva esfriar
a temperatura.
— Do mesmo modo que me irrita, você me faz bem — beijei o outro
lado da sua bunda. — Entrar no olho do furacão é assustador.
Desci sua calcinha e a garota logo abriu as pernas. Minha mão
procurou sua entrada e ao enfiar meus dedos ali eu a senti úmida.
— Você gosta, não é? — Sua cabeça se moveu, assentindo — diga.
— Adoro.
Me inclinei e enfiei o meu rosto ali, lambendo o seu tesão. Alissa se
remexeu, rebolando em meu rosto quando eu me aprofundei com a língua.
Usei os dedos para manipular seu clitóris e os lábios para beijar sua boceta,
ouvindo seus gemidos de aprovação.
Fiquei de pé, ansioso para me enfiar entre suas pernas, mas então me
lembrei de um detalhe.
— Está confortável?
— Sim — confirmou.
— Eu vou te foder agora, nessa posição, se não quiser me diga.
— Estou bem, me fode logo.
Libertei o meu pau rapidamente e o guei até sua entrada escorregadia.
A boceta dela me recebeu bem e eu deslizei para dentro com facilidade.
Gemi, sentindo sua carne me apertar e a vontade louca de me perder
rapidamente.
Com as mãos na parede e se empinando para mim, Alissa recebeu
estocadas firmes e gemeu em cada uma delas. Ouvi-la gemer era um dos
meus sons preferidos. Eu gozei ali antes dela, deixando minha irritação se
esvair.
Eu a levei para a cama depois e me dediquei a fazer seu corpo
estremecer.
*
Era fim de tarde quando passei pela porta da sala e fui recepcionado
com a visão que deixava o meu coração quentinho de tanto amor. A cena do
Apolo brincando na sala de estar era habitual, pois sempre que chegava do
trabalho o encontrava ali entre seus brinquedos. Todas as vezes eu era
dominado por uma sensação de amor tão gigante que fazia meu sorriso se
ampliar e meus olhos brilharem de emoção.
Como se soubesse que eu estava ali o observando, ele ergueu a cabeça
e virou em minha direção. Abriu um sorriso tão gigante quanto o meu e
correu para os meus braços. Beijei o topo da sua cabeça, inspirando seu
cheiro e o coloquei de volta ao chão.
— Papai, você me ajuda a fazer um castelo bem grandão? — Abriu o
máximo que conseguiu seus pequenos braços infantis para demonstrar o
tamanho do castelo que estava construindo.
— Vamos construir um castelo tão grande quanto o amor que o papai
tem por você.
— Vai ser bem gigante, né? — Os olhos cor de avelã cintilaram.
— O maior de todos — sorri.
Retirei o paletó e me sentei no chão ao seu lado para construir o
castelo. A cada bloquinho de madeira que empilhávamos, Apolo batia palmas
animado e sorria, maravilhado com o que estava sendo feito.
— Senhor Luiz Henrique... — Glória se aproximou.
— Papai está me ajudando a fazer um castelo bem grandão — meu
filho avisou.
— Está ficando mesmo grande — Glória sorriu e voltou-se para mim
— tem uma pessoa procurando o senhor lá fora.
— Não estou esperando visita, dispense.
Glória me olhou como se quisesse dizer mais alguma coisa, mas
estivesse com receio de falar. Seu olhar seguiu de Apolo até mim e
compreendi que era um assunto que não queria abordar na frente da criança.
— Continuei montando que o papai volta em um instante.
— Eu posso ir te ajudando, Apolo? — A babá que estava no ambiente
indagou, assumindo a minha função.
— O que está acontecendo Glória? — Indaguei quando estávamos
longe dos ouvidos do Apolo.
— A senhora Alissa está aí na porta — a menção ao seu nome fez meu
corpo ficar tenso — e ela está acompanhada de um homem que diz ser o pai
do Apolo.
O choque da revelação me paralisou, passou alguns segundos até que
eu conseguisse balbuciar as palavras.
— É um engano...
— Eu sei, senhor. Informei que o senhor é o pai do Apolo e pedi que
fossem embora, mas ele ameaçou chamar a polícia.
Meus olhos seguiram até o meu filho que continuava brincando
completamente inerte ao mundo que parecia ruir ao meu redor.
— Resolverei isso agora, obrigado — A afirmação saiu mais fraca do
que eu gostaria.
Voltei ao lado do meu filho e o surpreendi com um abraço apertado,
envolvendo-o completamente em meus braços, como se eu fosse um escudo
de proteção.
— Ai papai, assim você me machuca — reclamou, então diminuí a
intensidade do abraço, mas o mantive ali junto ao meu corpo
— Papai ama muito você! — Senti as lágrimas se acumularem e
pisquei para afastá-las.
— Eu também te amo, papai.
— Agora você vai acompanhar a babá enquanto papai conversar com
uns amigos, tudo bem?
— E nosso castelo?
— Retomaremos depois. — Ele assentiu.
— Que tal a gente assistir um filme? — A babá sugeriu.
— Vai ter pipoca?
— Sim, vou preparar um balde bem grande de pipoca para vocês — foi
Glória quem afirmou e ele sorriu. Antes de se encaminhar junto a babá para a
sala de TV.
Inspirei fundo e segui para resolver o problema.
Seis anos atrás foi a última vez que nos vimos, seis anos marcavam o
fim do nosso acordo e o início dos melhores dias da minha vida.
— O que você está fazendo aqui? — Perguntei ríspido para Alissa.
— Você sabe, estamos aqui pelo Apolo — foi o homem que estava ao
seu lado quem respondeu.
— E quem é você?
— Sou o verdadeiro pai do Apolo.
— Apolo só tem um pai e ele está bem aqui a sua frente. — Sentenciei.
— Por que a gente não resolve isso com calma? — Alissa sugeriu.
— Não há o que resolver — rebati.
— Qual é coroa, você não vai querer embaçar, vai? — O sujeito sorriu,
exibindo dentes amarelados. — Você dá a criança pra gente e fica tudo suave.
— Meu filho não vai a lugar nenhum.
— Eu sou a mãe.
— E eu o pai! — Contra-argumentei.
— O pai sou eu seu babaca — o homem insistiu.
— Não é o que diz a certidão de nascimento!
Apolo era meu filho, estava registrado no documento oficial, ninguém
mudaria isso.
— O teste de DNA diz justamente o contrário, coroa.
— Tínhamos um acordo, Alissa — lembrei.
— Eu era muito jovem quando aceitei o seu acordo.
— Você não tem esse direito — avisei — não tantos anos depois.
— Eu sou grata a tudo que fez pelo Apolo, mas ele merece saber a
verdade sobre o seu pai.
— Eu sou o pai dele! — Gritei, completamente fora de mim.
— Eu estou com a decisão judicial e vou levar o Apolo com a gente.
— Apolo não sairá dessa casa! — Rosnei — meu filho não será
retirado de mim, não enquanto eu respirar.
A sirene característica de uma viatura antecipou a sua chegada, dois
policiais armados desceram e marcharam em minha direção.
— Eu sinto muito Luiz... — Alissa falou quando o maior dos homens,
me algemou e puxou para o lado para que a entrada à residência fosse
liberada.
Alissa e o seu parceiro, acompanhada do outro policial invadiram a
minha casa sob os meus gritos de protesto.
— Você precisa me soltar — supliquei ao policial — eles querem levar
o meu filho.
— Estou apenas cumprindo ordens, senhor — o homem me obrigou a
me movimentar, andando em direção a viatura policial.
De dentro do carro, vi o momento que meu filho saiu de casa de mãos
dadas com Alissa, ele parecia assustado. Seus olhos vasculharam o ambiente
como se estivesse procurando por alguém, pelo seu verdadeiro pai.
— Filho! — Gritei a plenos pulmões.
— Pai! — Apolo soltou a mão dela, e correu em minha direção, mas
não chegou a ir muito longe, braços fortes o seguraram.
— Eu sou o seu pai — O homem o deteve e meu filho se debateu em
seus braços— Eu que sou seu pai, garoto! Estamos entendidos?
Meu filho balançou a cabeça assustado, assentindo e naquele momento
tive a certeza de que meu coração se partiu de um jeito que não dava para
consertar.
Acordei com o corpo suado e o coração disparado, olhando ao redor
em busca do meu filho, mas tudo que encontrei foi o corpo de Alissa
repousando na cama. Sua barriga exposta me dava a certeza de que aquilo
tinha sido um pesadelo.
Era o meu pior pesadelo tomando forma.
Apolo crescia saudável e a minha relação com o Luiz Henrique tinha
passado para uma nova fase, nem parecia que tínhamos um acordo. As coisas
tinham começado a mudar na nossa viagem e de lá para cá nos tornamos mais
íntimos. Uma intimidade que extrapolava a cama. Depois que assumi o meu
ciúme e que a Pâmela me deu uma aula sobre maturidade, me senti muito
mais tranquila em relação ao futuro.
A boba apaixonada aqui já se permitia fazer planos para o futuro e
neles a gente construiria uma linda família. Pediria a Glória ou a Edileusa que
me ensinasse sobre os talheres, copos e todas as outras regras de etiqueta e
até a fazer alguma faculdade eu estava pensando. Queria me tornar uma
pessoa que ele se orgulhasse em ter ao seu lado.
Aquele homem me fazia muito bem e eu queria continuar assim por
muito tempo. Mas uma chuva de notificações inesperadas chegou como uma
ameaça nada sutil aos meus planos. Olhei diversas vezes para o celular em
mãos, querendo que fosse fruto da minha imaginação, mas não era. Minhas
fotos, das mais antigas até as atuais, foram sendo curtidas à medida que uma
sensação ruim, como um azar, fazia eu me arrepiar.
Cliquei no responsável pelas curtidas e quase deixei o celular cair da
minha mão quando reconheci o homem através da foto do perfil. Era o
mesmo homem que conheci no Tinder.
— Matheus? — Verbalizei confusa.
Mas não era esse nome que aparecia ao lado da sua foto.
Agnaldo? Como assim? Deve ser um grande mal-entendido, alguém
pode ter pego a sua foto...
Desci a tela em busca dessas respostas, mas o que encontrei foi mais
fotos do homem que eu chamava de Matheus e a menos que ele tivesse um
irmão gêmeo idêntico, ele era o mesmo homem com quem eu transei na
praia. O mesmo canalha que desapareceu antes que eu pudesse contar que
estava esperando um filho seu.
A ideia de que o Matheus fosse um fake já havia passado pela minha
cabeça, mas constatar que era verdade, que ele mentiu o tempo todo fez com
que eu sentisse raiva e temor. Que tipo de pessoa criava um perfil falso no
aplicativo de relacionamento, desaparecia sem deixar nenhum rastro e depois
voltava como se nada tivesse acontecido?
Meu coração batia rapidamente e as minhas mãos suavam enquanto eu
tentava encaixar as peças de um quebra-cabeça bem confuso.
O modo como ele retornou não foi discreto, ele poderia apenas ter me
seguido e enviado mensagem, mas ele quis fazer questão de ser percebido, a
julgar pelas dezenas de foto curtidas sequencialmente. O follow veio em
seguida, acompanhado por uma mensagem no direct.
Encarei a solicitação pensando se deveria ignorá-lo como ele fez
comigo, mas a raiva me dominou. Ele precisava ouvir meus xingamentos e
toda a lista de desaforos que eu guardei em mim por esses meses. Por isso,
aceitei a solicitação de contato e a mensagem que encontrei fez meu sangue
esquentar. Nesse momento eu seria capaz de entrar em combustão tamanha
irritação que fervia em meu corpo.

E aí, gata? Quanto tempo, né? Rsrsrs

Manda logo ele se arrombar, Alissa e bloqueia em seguida. Não dê


ouvidos a esse otário.
Foi o que meu cérebro ordenou, mas essa era a oportunidade de
despejar naquele otário todo a raiva que acumulei durante a sua procura, todo
o desespero que senti quando descobri que estava grávida e ele havia sumido
do mapa.

Mais de 5 meses!
Digitei com os dedos trêmulos. Cinco meses marcavam o início da
mudança radical em minha vida.

Contou os dias que estive longe? Também senti saudades.

A cada mensagem dele meu nível de irritação subia, a minha respiração


estava acelerada assim como as batidas do meu coração que pareciam seguir
o ritmo de uma bateria de escola de samba. Minhas unhas bateram com força
na tela enquanto eu digitava a resposta.

Eu contei os dias sim, mas foi para ter a oportunidade de te dizer que você
não passa de um grande BABACA DO CARALHO!

Eu poderia acrescentar dezenas de outros xingamentos para me dirigir


a ele, mas nenhum ia expressar o quanto esse fio do cabrunco ferrou a minha
vida.

Ok, eu mereço isso.


Me passa seu número para que a gente converse melhor.

Ignorei o seu pedido e decidi manter a conversar ali.

Por que não começa explicando o principal: Você é o Matheus ou


Agnaldo? Ou nenhum desses? Quantos outros fakes você tem? Por
qual outro nome é conhecido?

Depois do seu digitando, a resposta surgiu na minha tela.

Eu sou real, Alissa.


Você me conheceu, ouviu a minha voz e me tocou, tudo isso é prova de
que eu existo.
Tudo isso é prova que você é um grande mentiroso. Quem é você?

Sou o mesmo homem que você conheceu no Tinder.

Perguntei irritada:

NOME?
Será que pode ao menos dizer a merda de um nome?

Eu sou o Agnaldo, como pode ver no perfil.

Como eu poderia acreditar, quando já me enganei uma vez? Digitei


uma resposta qualquer:

Sim, é verdade esse bilhete.

Sua resposta seguinte me deixou atenta:

Se não acredita, vou mandar a foto do meu RG...


Só um momento.

Em menos de um minuto a foto foi enviada e nela aparecia o nome


Agnaldo Santana dos Santos. A menos que ele também tivesse falsificado um
documento, esse era o seu nome verdadeiro. Voltei a analisar o seu perfil,
dessa vez, com mais calma. Rolei a tela passando por inúmeras fotos, vi ele
na praia, rodeado de amigos, beijando o rosto de uma senhora de cabelos
brancos. Continuei descendo o perfil e atentei que a primeira publicação era
do ano de 2018. O que significava que não era um perfil criado recentemente.
Uma nova mensagem interrompeu a minha observação.
Acredita em mim agora?

Por que mentiu? Porque criou um perfil fake no Tinder?

Sempre mangaram do meu nome, desde a escola diziam que eu tinha


nome de um velho de 65 anos. Um dia me disseram que eu tinha cara de
Matheus, então esse passou a ser meu pseudônimo. Era mais fácil se
apresentar para as mulheres nas festas como Matheus do que Agnaldo.
Na minha cabeça eu sou o Matheus, sabe? Por isso que no Tinder estava
esse nome.

E por que no insta não?

Aqui tem família que segue, aí deixei o nome real.


Era mais fácil do que explicar rsrs

Excluiu a conta no Tinder com medo que eu descobrisse que Matheus era
uma farsa?

Apenas o nome era fake, todo resto foi verdade.


Nunca excluí a conta, meu perfil foi deletado pela plataforma, alguém
deve ter denunciado...

Verbalizei o pensamento desde que iniciamos essa conversa:

Tudo isso parece uma grande mentira.

Mas é a mais pura verdade. Antes de encontrar você, tinha saído com
outra garota na semana anterior, não sei como, mas ela achou o meu
perfil no Instagram e surtou. Tentei explicar, mas ela não estava disposta
a me ouvir, disse que iria denunciar a minha conta na plataforma até ser
banida. E parece que conseguiu...

Eu teria feito igual a ela.

Foi uma mentira inocente, não tinha intenção de magoar ninguém.

Com ou sem intenção, magoou pessoas.

Magoei você, Alissa?

Isso importa? Durante vários meses você não demonstrou nenhum sinal de
arrependimento.

É aí que você se engana. Depois que a conta foi deletada, perdi qualquer
meio de contato de te encontrar. O único contato que eu tinha seu era
pelo Tinder, não sabia como te achar, até fui algumas vezes na frente da
sua escola, mas não te achei.

Eu estaria mentindo se dissesse que a sua revelação não me causou


nada. Passei os últimos meses achando que tinha sido apenas um depósito de
esperma, que por minha imprudência havia encontrado um desconhecido e
depois de dar a ele o que tanto queria, ele havia me rejeitado. Ido embora sem
olhar para trás, me abandonado a minha própria sorte, como todos ao meu
redor costumavam fazer. Saber que havia uma possibilidade de ele estar
realmente falando a verdade era reconfortante, significava que eu não era
descartável.

Eu sei que você deve me odiar nesse momento, mas eu queria ter uma
chance de consertar o que aconteceu. Por que a gente não marca de se
encontrar para conversarmos pessoalmente?
Por que eu iria querer encontrar você depois de descobrir as suas
mentiras?

Porque, no fundo, você sabe que não foi uma completa mentira.
Sabe que não sou um homem ruim...

Eu não sei nada a seu respeito. Tudo que eu sei é que ficamos uma vez e
que depois você evaporou sem deixar rastros.

Uma parte minha não se importava mais pelo motivo que ele tinha
desaparecido, a outra queria ouvir as suas explicações, queria saber que não
fui enganada, que ele não me usou e desapareceu. Ele deve ter notado a
minha hesitação, pois enviou outra mensagem.

Eu já expliquei que não desapareci. Não vamos deixar que uma


armadilha do destino atrapalhe tudo. Vamos nos encontrar Alissa, deixe
que eu diga olhando em seus olhos o quanto senti a sua falta, o quanto
não teve um único dia que não pensei em você.

Fui sincera na resposta:

Não sei.

Está com medo de não resistir a atração?

A única coisa que eu vou ter que resistir quando estiver na sua frente de
novo é a minha vontade de cravar as unhas no seu rosto.

Acho que vale a pena ser arranhado pela gata selvagem. Até breve,
Alissa.

Deixei meu corpo cair contra o colchão e fechei os olhos. Por que as
coisas estavam prestes a se complicar agora que tudo estava se acertando?
Se o que Matheus/Agnaldo contou fosse verdade, significava que eu
poderia ter tido mais opções e não aceitado a primeira mão estendida. Talvez
ele fosse um homem íntegro, como o Luiz Henrique, e assumiria a
paternidade. Então, tudo seria diferente, era a mão dele que me ofereceria
ajuda. Essa opção teria me poupado de tanto sofrimento, mas também
significaria a exclusão da possibilidade do Luiz em minha vida. E isso fazia
meu coração doer, porque dentre tantas decisões erradas que eu já tomei,
torná-lo pai do meu filho foi o meu maior acerto.
Eu não duvidada em nenhum momento do amor que ele nutria pelo
Apolo, estava evidenciado em seu olhar, nas suas palavras, no carinho e
respeito que ele me tratava como mãe do seu filho. Mas será que um dia
metade desse amor seria destinado a mim? Será que depois do fim do nosso
acordo a nossa relação mudaria de status e passaríamos a ser um casal
apaixonado cuidando do nosso bebê?
Em um universo paralelo, talvez Matheus e eu fossemos um casal
apaixonado esperando pelo nascimento do primogênito. Será que Matheus o
amaria desde o instante que descobrisse a sua existência? Será que ele seria
um pai amoroso que não sentiria vergonha em conversar com o bebê na
barriga? Como seria a nossa relação como casal? Será que ele ainda iria me
desejar com as mudanças em meu corpo e as alterações de humor que às
vezes me fazem parecer uma gata no cio e em outra uma gata que só quer
carinho e dormir?
Mas a minha realidade atual era boa e não havia outro universo em que
eu gostaria de viver se não fosse ao lado de Luiz Henrique. Sim, passaria por
tudo novamente desde que ele estivesse me aguardando no fim do trajeto. Ele
fazia valer a pena os caminhos tortuosos. Estava apaixonada e era com ele
que eu gostaria de estar em qualquer momento da minha vida. Eu só esperava
que desse tudo certo depois que o bebê nascesse.
*
Não consegui ir à escola naquela tarde, porque sabia que se visse
Tamires cuspiria toda a história para ela e isso não dava para fazer. Além
disso, não tinha a menor condição de prestar atenção em qualquer coisa, por
isso passei a tarde inteira trancada no quarto.
À noite, Luiz Henrique enviou mensagem avisando que eu não o
esperasse para jantar, ficaria no trabalho até tarde e eu agradeci mentalmente
por isso. Estava cansada e lidando com retorno do Matheus (que eu nunca
conseguiria chamar de Agnaldo). Eu temia que Luiz percebesse que algo
havia acontecido quando colocasse os olhos em mim porque ele parecia ter o
poder de ler os meus pensamentos e naquele momento eu não queria que
tivesse acesso a eles.
O tal do Agnaldo não tinha mais importância na minha vida e não tinha
sentido trazê-lo para nossa relação. Eu seguiria como se ele jamais tivesse
aparecido, seria melhor para todos nós.
Acordei enjoada e com dor de cabeça. A ausência da refeição deveria
ser a causa disso, ontem enquanto eu estava perdida em meus pensamentos
acabei adormecendo sem jantar. Para evitar que o mal-estar aumentasse, desci
para buscar algo para comer e para minha surpresa encontrei Luiz sentado à
mesa.
— Bom dia. — A voz dele comprovou que eu não estava sonhando.
— Bom dia — disse com a voz ainda sonolenta. — Que horas são? —
Perguntei surpresa com o fato de encontrá-lo no café da manhã.
— Seis horas e trinta minutos — disse após consultar o relógio de
pulso. — O que faz acordada tão cedo?
— Acordei com o barulho do meu estômago — sorri.
— Não comeu ontem à noite?
Essa era uma pergunta para a qual ele já deveria ter a resposta. Magda
ou Glória devem ter dito que não desci para o jantar.
— Não, me deitei para tirar um cochilo e apaguei. — Peguei o pão jacó
e comecei a cortá-lo.
— Está tudo bem, Alissa? — Ele me olhou com atenção.
— Por que não estaria? — Desconversei.
— Você parece preocupada.
— Eu estou bem, apenas acordei um pouco enjoada, mas assim que
comer deve passar — acrescentei uma fatia de muçarela e outra de presunto
ao pão.
— Tem certeza? Você pode falar comigo — Ele me lançou um olhar
demorado como se esperasse que eu compartilhasse algo. — Sobre qualquer
coisa, Alissa.
Esse deveria ser o momento que eu contava que o infeliz havia me
procurado? Isso só traria preocupação desnecessária a ele, além do mais não
sei como Luiz reagiria com a notícia de que o pai do bebê estava de volta.
— Luiz Henrique...
— Sim?
O retorno dele não havia alterado em nada os nossos planos, o meu
filho já tinha um pai e ele estava bem na minha frente, todo gostoso usando
um terno cinza. Certa de que estava tomando a melhor decisão, omiti a
informação.
— Você me passa o creme de avelã, por favor? Pode me julgar, mas
me deu uma vontade maluca de acrescentar Nutella ao pão. Deve ser isso que
chamam de desejo de grávida, né? — Sorri.
O olhar que ele me direcionou não foi de julgamento, mas também não
parecia ser de aprovação. Mas eu tinha licença para comer assim, estava
grávida. Alguns segundos se passaram até que ele atendesse o meu pedido.
— Não me espere para jantar, não tenho hora para retornar — anunciou
e se levantou, deixando a fatia de melão no seu prato intocada.
Enquanto assistia ele caminhar a passo firmes em direção contrária
mordisquei o pão e aprovei o novo sabor criado pela mistura.
*
O até breve do “Matheus” chegou mais rápido do que eu esperava.
Assim que retornei ao quarto após o café da manhã havia uma mensagem sua
aguardando ser lida. Não cliquei na mensagem de imediato, segui para o
banheiro e tomei um banho demorado, lavei os cabelos e os hidratei. Depois
usei a esponja para espalhar o sabonete por meu corpo. Ao término do banho,
apliquei óleo de amêndoas na minha barriga, em movimentos circulares.
Havia lido que o óleo ajudava a evitar as estrias comuns na gravidez,
por isso passei a usar desde que a minha barriga ficou grandinha. Era uma
bobagem eu sabia, mas meu corpo não tinha nenhuma estria, então não
custava nada tentar evitar seu aparecimento.
Somente depois do ritual completo, peguei o Iphone para conferir a
mensagem que ele havia enviado.

Sonhou comigo?
Que horas vamos nos ver, Alissa?

Decidi por um ponto final na nossa conversa, por isso fui direto ao
assunto.

Não vamos nos encontrar.

Como a sua mensagem era de quase uma hora atrás, imaginei que ele
demorasse a responder, assim como fiz. Mas sua resposta foi imediata, como
se ele estivesse esperando por mim.

Por quê?
Achei que depois de ontem você tinha compreendido que tudo não
passou de um mal-entendido...

Não é um simples mal-entendido, você mentiu.


Fingiu ser outra pessoa.

Você nunca mentiu?


Nunca contou uma mentira para alguém?

Não nesse nível.

Será?

O que você quer? Já escutei você e ok, vida que segue.


Quero te ver.

Estou com outra pessoa, não quero estragar as coisas com ela.

Eu não sou ciumento rsrsrs

Mas ele é, e não gostaria de saber que encontrei você.

Então, ele sabe sobre nós?

Não tenho segredos com ele.

Ele é o pai do seu filho?

A pergunta fez com que todo o meu corpo ficasse em alerta. Mais que
isso, senti uma onda de calor e uma leve pressão no pé da barriga e,
instintivamente a toquei, queria transmitir a Apolo que ele estava seguro.

Sim, ele é o pai do meu filho.

Não faz tanto tempo que estivemos juntos...

A insinuação significava que ele estava desconfiado de algo ou era eu


quem estava criando uma cena diante do comentário?

De quanto tempo está grávida? Cinco, seis meses?


Sua barriga parece indicar isso. Esse é o tempo que estivemos juntos na
praia.
Você não é o pai se é o que quer saber.

Será que o Luiz Henrique também tem essa certeza?

A menção ao nome do Luiz significava que ele tinha mais


conhecimento do que eu imaginava. Como ele sabia dele? A minha gravidez
era mais fácil de ser descoberta, pois havia postado várias fotos onde aparecia
a minha barriga, mas não havia fotos minha com Luiz ou qualquer outra
menção a ele no meu Instagram.

Como você sabe o nome dele?

Enviei e não obtive uma resposta clara.

Ele é uma figura importante, talvez não fique feliz em saber que pode
assumir um filho de outro homem.

Não tem outro homem.


Meu filho tem um único pai e ele atende pelo nome que você já sabe.

Meus dedos ainda tremiam quando a mensagem foi enviada.

Eu estou na frente do prédio da JAG e pensando se devo pedir para ter


uma palavrinha com o papai e comentar sobre as minhas dúvidas.

Você tem a minha palavra: você não é o pai.

Às vezes a palavra de uma pessoa não vale de nada...

O que você quer?


Além de te ver?
Saber a verdade. Você não pode ocultar de mim se eu for o pai dessa
criança.

Não há nenhuma verdade além da que já te falei.


Pode seguir a sua vida tranquila, não há a menor possibilidade desse filho
ser seu.

Se vocês têm tanta certeza disso, não vão se opor a um teste de


paternidade.

Isso não será necessário.

Você sabia que tem teste de paternidade que faz com a criança ainda no
útero? Deve ser caro, mas o Luiz Henrique tem dinheiro, né?

Senti os meus olhos arderem, as lágrimas se acumulavam ali cada vez


mais, enquanto o pânico me dominava. Se ele pedisse o teste de paternidade
era o fim do sonho do Luiz Henrique, eu não podia permitir que o filho dele
fosse retirado dos seus braços, não quando estava tão perto dele ser o pai que
sempre sonhou.
Estava me sentindo mal, quando digitei as palavras seguintes:

É dinheiro que você quer?

Assim você me ofende, gata.

Se for isso eu posso te dar algum dinheiro. Quanto você precisa?


Eu não quero dinheiro, quero você, esse bebê.
Quero a família que podemos ter juntos.
Venha ao meu encontro Alissa, deixe que eu te mostre que seu futuro é
ao meu lado.

As lágrimas rolavam pelo meu rosto em um choro de impotência e


medo. Eu não conseguia pensar com clareza. Tudo que eu pensava agora era
que se eu não fosse até ele, ele entraria no prédio e conversaria com Luiz
Henrique sobre as suas suspeitas da paternidade. Aquela conversa poderia
fugir do controle, pessoas poderiam ouvir que Luiz não era o pai da criança e
o nosso acordo desmoronaria. Eu não podia permitir que isso acontecesse,
precisava ganhar tempo enquanto descobria uma forma de fazê-lo desistir
dessa ideia.

Onde você está?

Mandei e aguardei em expectativa que ele me enviasse o local onde


aconteceria a conversa que definiria o rumo da minha vida.
Eu não conseguia pensar com clareza, meus pensamentos eram
desconexos e confusos. Estava desesperada que Matheus mudasse de ideia e
fosse ao encontro do Luiz Henrique. Pior seria se um escândalo fosse feito na
empresa, chamando a atenção de todos para um assunto que não era do
interesse deles. Podia imaginar os funcionários comentando sobre o assunto,
as conversas nos corredores sobre como ele era um tolo por assumir o filho
de outro. Luiz Henrique não merecia nada isso. Eu não merecia isso.
Não era justo que as coisas estivessem acontecendo dessa maneira,
Matheus não tinha o direito de reivindicar o seu filho depois de me fazer
acreditar que ele havia me abandonado. Ainda que tudo indique, o que
aconteceu entre nós foi um terrível mal-entendido, eu não mudaria as minhas
escolhas. Estar com Luiz Henrique e torná-lo pai do meu filho continuava
sendo a minha decisão e nada me faria desistir disso.
Apesar da certeza das minhas escolhas, eu estava com medo da
conversa porque não sabia como ele iria reagir quando reafirmasse diante
dele que o meu filho já tinha um pai. Esperava convencê-lo que o melhor
para o bebê era ficar com Luiz Henrique, tentaria agir como o Luiz agiria,
mostrando a praticidade das coisas, ele não precisaria pagar pensão ou se
preocupar com nada. Ele seguiria sua vida sem o peso das responsabilidades
de um filho, continuaria sua vida sendo Matheus e/ou Agnaldo ou qualquer
outro fake que quisesse ser, ele só não poderia ser o pai do bebê.
Ensaiei os possíveis diálogos que teríamos na minha cabeça enquanto o
carro me levava ao seu encontro. Depois que ele me mandou a sua
localização, um hotel no bairro Coroa do Meio, solicitei um carro por
aplicativo e saí depressa de casa sem dizer nenhuma palavra. À medida que o
carro se afastava de casa, meu coração se apertava, porque significava estar
mais perto do Matheus e mais distante da minha zona de conforto. A casa do
Luiz Henrique era mais que o espaço que eu residia, passou a ser o meu lar,
nela eu fui acolhida e tratada com afeto. Agora eu estava me afastando desse
espaço de proteção para entrar em um ambiente desconhecido.
Meu corpo tremeu, mas atribuí isso ao frio do ar-condicionado e não ao
temor diante da situação. Apertei uma mão contra a outra e segui ignorando o
celular dentro da bolsa depositada em meu colo. Queria ligar para Luiz
Henrique somente para ouvir a sua voz, seu tom firme porém doce que tinha
um poder tranquilizador em mim. Ele saberia o que me dizer nesse momento,
saberia como me acalmar. Apenas uma palavra minha e ele, provavelmente,
estaria aqui ao meu lado para enfrentar o Matheus. E esse era o motivo pelo
qual eu não podia ligar para ele, Luiz Henrique já tinha me salvado uma vez,
chegou a minha vez de retribuir o favor.
Continuei observando através da janela a cidade movimentada,
tentando ignorar os sentimentos que ameaçavam me sufocar a qualquer
momento. Não demorou muito até que o carro iniciasse a subida na ponte que
interliga os bairros 13 de Julho e Coroa do Meio. A aproximação da sua
localização fez com que o desconforto nas costas retornasse. Ele havia
surgido desde que aceitei encontrá-lo, não era uma dor constante, mas que ia
e vinha sem qualquer motivo. Não chegava a ser bem uma dor, era mais
como se eu estivesse sendo espetada por uma agulha, a diferença era que
parecia haver várias agulhas tocando toda a extensão das minhas costas.
Dessa vez ele veio acompanhado, senti a barriga ficar dura, como se o bebê
estivesse se esticando.
Talvez ele esteja sentindo a sua tensão, Alissa.
Pensei levando a mão à barriga para acariciá-la.
— Vai ficar tudo bem, filho. — Prometi em um sussurro.
*
Atravessei o saguão do hotel com passos rápidos e me dirigi ao balcão
de madeira. A jovem recepcionista sorriu ao notar a minha aproximação.
— Bom dia, em que posso ajudá-la?
— Bom dia, eu vim visitar o hóspede do 403. — Repeti a informação
que Matheus havia me passado.
— A sua entrada está liberada, senhora Alissa — a mulher me entregou
uma chave cartão. — Quarto andar, o elevador fica no corredor a sua direita
— indicou com a cabeça o local.
— Obrigada.
Entrei no elevador repassando tudo que diria para Matheus, não iria me
demorar ali, queria o quanto antes estar longe do meu passado e voltar para o
meu presente. Queria correr para os braços do Luiz Henrique e me perder em
seu toque familiar. Quando as portas do elevador do hotel voltaram a se abrir,
ignorei a tensão que fazia a minha cabeça latejar e meu coração bater
rapidamente, e saí da caixa metálica em direção ao quarto 403.
O quarto era o segundo no início do corredor, quando cheguei até ele,
parei e encarei a chave em minhas mãos. Quando a recepcionista me deu a
chave não passou pela minha cabeça o motivo, mas agora não entendia o
porquê se ele estava me esperando. Será que ele queria dizer, com o gesto,
que eu estava livre para ir embora quando quisesse? Que eu não estaria presa
ali com ele?
Era tranquilizador, esse foi o motivo que me fez passar o cartão para
liberar a minha entrada.
— Oi, eu já cheguei. — Avisei, fechando a porta atrás de mim.
As minhas costas tocaram a superfície e continuei parada aguardando a
sua aparição. Ouvi um barulho vindo do banheiro e deduzi que estivesse ali, o
som que vinha de lá de dentro era de um jato de água forte, ele deveria estar
no banho. Encarei a porta fechada e decidi aguardá-lo na varanda do quarto,
era provável que ele fosse trocar de roupa e não queria estar ali quando
fizesse isso.
Da varanda se tinha uma visão panorâmica do rio Poxim, contemplei as
águas calmas do rio e refleti como era o oposto da minha vida. A minha
história estava mais próxima do mar, agitada e turbulenta. Não sei quantos
minutos passaram até que escutei o som de passos pesados vindo até mim.
Não me movi, continuei debruçada sobre o parapeito da varanda observando
o horizonte.
— Ter um filho dentro de você faz mudar as suas expectativas, sabe?
— Falei para o meu interlocutor que se mantinha atrás de mim. — Você
passa a colocá-lo em primeiro lugar, toma decisões pensando no que é melhor
para ele. Afinal, ele é um ser indefeso e não tem culpa de escolhas erradas
que você fez, por isso estou aqui...
— Para dizer que eu sou uma escolha errada?
A voz imponente dele bem atrás de mim me assustou e os meus dedos
apertaram o parapeito para absorver o impacto. Essa deveria ser uma falha do
meu cérebro, estava atribuindo a voz conhecida a outra pessoa. Me virei
rapidamente para provar para mim mesma que se tratava de uma confusão
mental e senti o mundo girar enquanto meus olhos tentavam focar no homem
parado feito uma estátua com olhos sombrios.
— Luiz Henrique? — Não sei se a minha voz saiu, parecia que uma
mão invisível apertava a minha garganta, dificultando que eu falasse ou
respirasse.
— Deveria ao menos ter tido dignidade de dizer isso olhando nos meus
olhos. — Senti todo desprezo carregado nas suas palavras. — Por quanto
tempo você pensou em manter a sua farsa?
— Que farsa? Do que você está falando? Por que você está aqui? — As
perguntas foram feitas em um só fôlego.
— Está decepcionada em não encontrar o seu ficante?
— E-u — gaguejei — eu posso explicar.
— Não sei se estou disposto a ouvir as suas explicações — ele me deu
as costas e voltou para dentro do quarto.
Eu segui seus passos em uma velocidade mais lenta do que cheguei ali,
as espetadas da agulha pareciam ter sido substituídas pelo tridente do diabo e
agora elas eram sentidas também na minha barriga.
— Luiz, você precisa me ouvir.
— Estou cansado de ouvir. Tudo começou justamente quando ouvi
você pela primeira vez, quando me compadeci da história da garota
carregando um filho sem pai — a intensidade que as palavras foram ditas
chegou até mim como um chicote imaginário acertando as minhas costas. —
Não me arrependo um só dia de ter feito isso por Apolo, meu filho, mas me
arrependo de ter confiado em você.
Abri a boca e fechei várias vezes buscando palavras para me defender
das suas acusações, mas elas pareciam ter desaparecido. Fechei os olhos
sentindo uma dor de cabeça forte que fez minha cabeça latejar, quando as
minhas pálpebras voltaram a se abrir a minha visão estava embaçada,
provavelmente pela dor dilacerante que eu sentia no meu crânio.
— Eu não estou me sentindo bem... — Me arrastei até a cama, e me
sentei ali na beirada sentindo minhas pernas tremerem.
— Não precisa apelar para a simulação... — Disparou em um tom frio
e desviou o olhar quando prolonguei o meu. — Sei que você está aqui para
construir a sua família, agora que encontrou o pai do seu filho, não precisa
mais de mim...
— Foi isso que ele te falou? — Perguntei sentindo as lágrimas
molharem o meu rosto. — Ele mentiu para você, estou aqui justamente pelo
oposto.
— Não continue mentindo pra mim, Alissa.
— Eu estou falando a verdade — uma lágrima escorreu pelo meu rosto.
— Você é o motivo pelo qual estou aqui.
— Você subestima a minha inteligência. — Sorriu, debochado. —
Qual era o plano? Fingir que cumpriria o nosso acordo, mas assim quando o
bebê nascesse desaparecia com ele e o dinheiro?
— Não tinha nenhum plano... — As lágrimas intensificaram e um som
trêmulo saiu da minha garganta.
— Eu teria feito uma contraproposta. — Ele continuou falando como
se eu não estivesse ali. — Teria deixado você ir sem nenhuma consequência,
caso o bebê permanecesse. Você sabe que ele teria mais oportunidades se
continuasse comigo, ele nunca precisaria se preocupar com o que comer ou
vestir, teria acesso as melhores escolas e médicos, além de um amor
incondicional. Mas você estava disposta a retirar tudo isso do seu filho para
viver uma paixão e eu pensei que você fosse menos burra!
— Você não vai continuar me ofendendo. Eu não fiz nada que
justifique os seus ataques gratuitos. — Reagi, me colocando de pé ignorando
a dor no meu ventre. Não iria ficar sentada enquanto ele me tratava com
agressividade.
— Você estava disposta a tirar a coisa que eu mais quis em toda a
minha vida — rebateu, o tom de voz feroz. — Eu nunca exigi nada de você,
além que cumprisse a porra do acordo! E você se mostrou egoísta e incapaz
de manter promessas.
— Você está tirando conclusões precipitadas...
— Não há nada precipitado, Alissa.
— Como não? — Bradei — Você está me julgando com base em
coisas que você criou na sua cabeça, não sabe nem como eu vim parar aqui.
— Você vai negar que o Matheus te procurou? Vai negar que ele se
intitulou pai de Apolo? Vai me dizer que não veio até aqui para dizer sim aos
planos de família feliz? — Suas pupilas estavam escuras como a noite.
— De tudo que você falou, a última parte é completamente falsa. Eu
não vim até aqui para encontrar o pai do meu filho e fazer planos ao seu lado.
Eu vim até aqui por você, por nós. Pelo nosso bebê!
— Não existe nós! — Gritou. — Nunca existiu nós, além do acordo.
— Fale isso por você — disse, com a voz entrecortada pelo choro. —
Todos esses meses ao seu lado, meus sentimentos evoluíram de profunda a
gratidão, a admiração, desejo e culminaram na paixão. — Aproximei-me
lentamente dele, temendo que ele se afastasse — Eu nunca senti por ninguém
o que sinto por você. É um sentimento forte que faz com que eu queira você a
cada segundo. Passo os meus dias contando os minutos para te ver, ouvir a
sua voz, tocar a sua pele.... — Ergui a mão para tocá-lo, mas ele me deteve
com um olhar.
— Não faça isso! — Ordenou — não use sua manipulação comigo. Já
comi dezenas de bocetas, Alissa e posso te assegurar que a sua não é mais
especial que nenhuma outra. Não vou baixar a guarda só porque meu pau
deseja se enterrar em você, posso fazer isso com qualquer outra mulher
custando bem menos.
A minha mão se moveu, mais uma vez, em direção ao seu rosto, mas
não foi para demonstrar afeto. Dessa vez era raiva a motivação, queria
estapeá-lo. Ele previu a minha intenção e sua mão deteve a minha no ar, os
dedos se fecharam no meu pulso me imobilizando.
— Eu nunca pedi nenhum dinheiro a você, então não me trate como se
eu fosse a sua puta de luxo. — Falei entredentes.
— Uma puta de luxo me renderia menos dor de cabeça.
— Filho da puta! — Avancei sobre ele, com a mão livre, mas fui mais
uma vez segurada. Usei as pernas para chutá-lo, mas parecia inútil, ele se
mantinha rígido. — Eu não fui para cama com você por dinheiro, seu cretino
— puxei o meu braço com força, me soltando do seu toque. — A primeira
vez que transei com você foi porque eu o desejava, estava atraída por você.
As últimas vezes foi porque eu estava apaixonada. A idiota aqui se apaixonou
por você, se permitiu fazer planos de uma vida a dois ao seu lado. Eu não
sabia se era recíproco o sentimento, mas nunca imaginei que você me visse
como uma extensão do acordo, já que eu estava dando o meu filho poderia
também dar a minha boceta, era o pacote filho e sexo pelo mesmo valor.
— Eu não te forcei a dar o seu próprio filho, e pelo contrato que você
assinou, não foi uma adoção, você será recompensada por isso.
— Tudo com você gira em torno desse contrato? — Esbravejei — não
sou apenas sua parceira de negócios, eu sou a mulher que está apaixonada por
você.
— Isso tudo foi um erro dantesco. Deveríamos ter deixado apenas a
parceria em vigor. Assinamos um acordo e eles são feitos para serem
cumpridos. Nele não havia nenhuma clausula sobre sentimentos.
— Também não havia nenhuma cláusula sobre trepar com a sua
parceira de negócios — joguei na sua cara.
— Como disse, foi meu primeiro erro. Foi ingenuidade minha achar
que daria certo, mas vou colocar um ponto final nisso. Ainda bem que eu fiz
esse teste. Estava começando a me iludir, a achar que seria possível...
— Teste? Como assim? Você está desfazendo o nosso acordo?
— Era tudo eu. Não houve um contato do seu Matheus, ou seria
Agnaldo?
Luiz Henrique cuspiu as palavras duras e me deu as costas,
caminhando em direção a porta. A dor em minha barriga foi mais forte dessa
vez e eu gemi baixinho quando ela se irradiou para minhas pernas.
— Ai — gritei levando a mão a barriga — tem algo errado com o bebê.
— Como você pode usar o próprio filho para me chantagear? Não
precisa se preocupar, ele não tem culpa das escolhas erradas que fizemos.
Mas não quero mais você na minha casa, não quero ter que olhar para você
todos os dias, a próxima vez que nos encontrarmos será no dia do nascimento
do Apolo e depois nunca mais terei que olhar para você e ouvir o seu nome.
Ele girou o corpo para me fuzilar com seu olhar duro e intempestivo, e
vi a expressão de raiva se suavizar quando focou na minha imagem curvada
sobre meu próprio corpo.
— O que você está sentindo? — Luiz correu em minha direção e os
seus olhos pareciam mais serenos quando se colocou ao meu lado.
— Eu não estou... — Balbuciei e fechei os olhos, me sentindo cansada
demais para manter eles abertos por mais que alguns segundos.
— Alissa, o que você está sentindo? — Repetiu a pergunta.
Abri os lábios para responder, mas não sei se ele me ouviu, de repente
tudo ficou escuro e silencioso ao meu redor.
Estava tendo uma semana péssima, com noites que me traziam
pesadelos. Em todos eles Apolo era tirado de mim. Algumas vezes, era Alissa
quem o levava, mas na grande maioria dos sonhos era o pai biológico quem
arrancava meu filho de mim.
Olhei meu relógio de pulso, notando que já era meio-dia. Havia
combinado de almoçar com Pâmela para que discutíssemos uns detalhes do
novo contrato que estava fechando, mas antes que eu pudesse me levantar e ir
ao seu encontro, ela entrou na minha sala.
— Oi, Luiz — andou até próximo da minha mesa.
— Estava agora mesmo indo até você — sorri, ficando de pé.
— Desculpa, mas não poderei te acompanhar no almoço...
O modo como ela apertava o celular entre as mãos, os nós dos dedos
enrijecidos pela pressão firme, não passou despercebido.
— Aconteceu alguma coisa? Qual é o problema?
Ela deixou escapar um som longo dos seus lábios antes de me
responder.
— Recebi uma mensagem de uma amiga solicitando orientação
jurídica urgente...
Isso não parecia ser um problema, Pâmela era um profissional
excelente e capacitada.
— O casamento chegou ao fim, após um divórcio conturbado, e agora
ela foi notificada que o ex-marido entrou na justiça para solicitar a alteração
da guarda das crianças, de guarda compartilhada para unilateral. Ele deseja
criar as duas filhas do casal, de seis e quatro anos, com a nova companheira e
a minha amiga está desesperada com essa possibilidade.
Não conhecia essa mãe, mas me solidarizava da sua aflição. Não
conseguia mensurar o tamanho da dor diante da possibilidade de ter seu filho
retirado de você, mas se a mais remota possibilidade tirava o meu sono,
imagino como ela estaria naquele momento.
— Isso pode se concretizar? Na prática o que isso significa?
— A solicitação de guarda está prevista na legislação brasileira,
qualquer um dos genitores ou responsáveis legais pela criança podem
solicitar a guarda unilateral. Em regra, quem fica sem a guarda, tem o direito
de visitar os filhos em finais de semanas intercalados, de quinze em quinze
dias, em férias e dias festivos alternados e um pernoite na semana.
— Então, sua amiga corre mesmo o risco de perder as filhas?
— Inúmeros fatores são considerações em uma decisão como essa, mas
o que prevalece é o que é o melhor para a criança, essa é a régua de avaliação
do juiz da vara da família. E pelo que conheço da minha amiga e a forma
como cria as filhas, arrisco dizer que o pedido do pai será negado —
esclareceu — mas isso não significa que não haverá sofrimento. É um
processo longo e as crianças são as principais afetadas. Bom, eu tenho que ir
até, ela deve estar desnorteada.
— Deseje boa sorte para ela.
— Obrigada, ela vai precisar.
Pâmela saiu da minha sala e voltei a me perder nos pensamentos.
E se esse caso da família fosse um sinal? Ele poderia ser o significado
oculto dos meus sonhos. Eu ainda não podia baixar a guarda, não até excluir
qualquer possibilidade de o Apolo ser retirado de mim.
Eu não sobreviveria a isso, havia um limite de sofrimento que uma
pessoa era capaz de suportar e agora eu sabia qual era o meu, qual era o meu
calcanhar de Aquiles que me derrubaria de uma vez por todas.
Abri a gaveta com chave na minha mesa e tirei de lá todos os itens.
Abri a primeira pasta e repassei as informações que já havia decorado sobre
Alissa, deixando-a de lado em seguida. A segunda pasta continha as
informações de outra pessoa e havia chegado em minhas mãos há algum
tempo.
Meses atrás, quando liguei para o meu amigo Alex, delegado de
polícia, pedi que tentasse levantar algumas informações que uma pessoa
comum não conseguiria tão facilmente. Alissa sempre repetia que o pai do
seu filho havia sumido, mas eu sabia que ninguém desaparecia assim.
Qualquer pessoa deixa rastros e, com base no que ela me disse, como dia e
lugar em que se encontraram foi possível ao Alex descobrir algumas coisas
interessantes.
Era incrível o que câmeras de segurança e da polícia podia registrar,
não era? A partir da placa do carro foi possível identificar o nome do
proprietário e, com uma consulta bem rápida, CPF e endereço não eram mais
segredos para mim. Agradeci ao meu amigo e parti para a segunda etapa da
minha carta na manga.
Com os dados e o endereço, contratei um detetive particular para
investigar e observar o dia a dia, em busca de algo que eu pudesse usar. O
que eu tinha recebido era mais do que podia imaginar e, infelizmente, era
chegada a hora de usar.
*
Demorei dois dias para decidir que precisava sondar o cara. Não aceito
julgamentos quanto a isso, estava apenas tentando proteger meus interesses e
precisava me certificar da qualidade dos meus possíveis adversários. Para
Alissa, tinha um acordo assinado, para o babaca, veria qual seria a melhor
alternativa.
Fiz com que Josué dirigisse até o endereço onde ele morava, mas pedi
que estacionasse do outro lado, em frente a um minimercado. Assim, se
precisássemos passar horas ali ninguém desconfiaria porque parecia evidente
que o condutor estivesse dentro do estabelecimento, fazendo compras.
Essa não era uma boa estratégia, eu sabia disso, mas estava me
sentindo muito incomodado ultimamente e atribuía isso, para além do
pesadelo em que perdia o meu filho, ao comportamento de Alissa em relação
ao meu sobrinho. Bem como ao meu próprio sentimento para com ela. Estava
me apegando muito rapidamente e estava com medo de não enxergar mais as
coisas com tanta clareza, como acontecia quando nos envolvíamos
afetivamente.
Temia estar baixando demais a minha guarda e se um ataque surpresa
acontecesse, eu perderia a guerra.
Foram quarenta minutos sentado no banco de trás do carro, encarando
a casa verde. Quando o portão finalmente se abriu, pedi ao Josué para
destravar o carro e desci rapidamente, dando passos largos até estar junto do
homem.
— Oi, Matheus — cumprimentei, mas o homem não prestou atenção.
Continuou caminhando relaxadamente, as mãos dentro do bolso da bermuda.
— Seu nome não é Matheus? Mas foi esse nome que usou entre março e abril
desse ano, não foi?
O homem com cabelo preso em um rabo de cavalo me encarou,
franzindo o cenho. Finalmente tinha a atenção dele.
— Você deve estar me confundindo com alguém — foi sucinto.
— Não, tenho certeza absoluta de que foi você, Agnaldo, que se passou
por Matheus, entrou no Tinder e falou com a minha namorada.
Ele parou de andar e me encarou com uma risadinha orgulhosa que
tentou disfarçar, mas não conseguiu.
— Ah, qual é cara? É piada?
— Acha engraçado usar um nome falso e se envolver com uma mulher
comprometida? — menti a última parte, mas fazia parte do jogo. Ele nunca
podia imaginar que era o pai biológico do meu filho.
— Quem é a sua namorada? — Coçou a cabeça, atento.
— O nome dela é Alissa. Você a pegou na frente do colégio Rosa
Pimentel, foram até a praia e transaram.
— Você sabe até os detalhes... — Não conseguiu mais conter o sorriso
de satisfação.
— Sei de tanta coisa que você sequer faz ideia — rebati.
— Eu lembro dela. Mas qual é, coroa? Se você não deu conta da
novinha e ela me quis, não é problema meu.
Idiota.
— Mas acho que isso aqui é problema seu — empurrei um envelope
grande e amarelo para ele — aliás, é problema nosso agora.
De pé, no meio de uma calçada qualquer, ele abriu o pacote e tirou de
dentro as fotos grandes que eu tinha recebido. Passando uma por uma e se
chocando com o que estava em suas mãos.
— Que porra é essa? Estava me seguindo?
— Não é bem essa a questão que vamos discutir — puxei uma foto em
que ele e uma garota de cabelos cor de rosa estavam se beijando, encostados
em um carro branco. — Essa menina acabou de completar treze anos.
Ele me encarou, engolindo em seco.
— Você sabia que fazer sexo com menores de quatorze é estupro de
vulnerável? — Fui didático e paciente.
Ele gargalhou, os olhos indo de um lado para outro, verificando se
alguém estava ouvindo. Claramente nervoso.
— Tiozão, a garota quis, não forcei nada — explicou.
— Não importa a vontade dela quando tem treze anos, é o que diz a lei.
E até onde eu sei você tem vinte e três, não é? Um adulto consciente. Veja
essa aqui — puxei uma que mostrava os dois saindo de dentro de um motel.
— O que você quer? Só encontrei a sua namorada uma vez, não
mantenho contato com ela, nem usei meu nome verdadeiro... Me deixe em
paz, não vou atrás da sua boceta novinha.
— Quando eu te denunciar você não vai atrás de boceta nenhuma, vai
estar acompanhado dos seus amigos de cela.
— Eu não pego cana por causa disso — deu de ombros — pago fiança,
se for o caso.
— Quem vai pagar a fiança? A sua mãe? Soube que ela tem problema
cardíaco, que desgosto ter um filho preso. E o seu pai? A aposentadoria não
deve dar para libertar você. — Dei uma pausa enquanto ele respirava fundo
— ou será que vai pedir dinheiro para a mulher que te deu esse carro aí da
foto? Dona Maria do Carmo o nome dela, não é? Esposa de um policial
militar reformado. O que acha que ele fará quando descobrir que a esposa
dele banca um merdinha feito você?
— Quem é você? — Perguntou, arregalando os olhos a cada nova
informação que eu lançava.
— Sou o seu pior pesadelo — sorri — o corno, como você disse, em
busca de vingança.
— O que você quer para me deixar em paz? Quer que eu prometa não
ir atrás da sua namorada, eu faço a porra de um juramento. Agora só me
deixa seguir a minha vida na tranquilidade, eu nem tenho o contato da garota,
bloqueei ela no Tinder.
A lembrança de apenas tê-la bloqueado me fez pensar que, a qualquer
momento, ele poderia desbloquear. E se ele entrasse em contato, será que
Alissa não contaria toda a verdade? Como eu saberia?
O fluxo de pensamento fez com que uma ideia surgisse rapidamente
em minha cabeça e ganhasse forma. E se o meu maior medo se tornasse
realidade? Era melhor ter certeza. Estava ficando cego por Alissa ou podia
realmente confiar nela? Eu não podia viver atormentado com essa
possiblidade, não quando tinha tudo que precisava bem ali na minha frente.
Esse foi o estopim que me fez agir sem pensar nas consequências do que essa
ação traria.
— Cadê o seu celular? — Indaguei.
— Qual é? Não vou entregar meu celular a você.
— Você prefere que eu te denuncie por estupro de vulnerável e mande
um presentinho para o policial casado?
Vi a hesitação em seu olhar, ele parecia estar avaliando se era um blefe,
mas decidiu não arriscar. Pegou o aparelho escondido no cós da bermuda,
desbloqueou a tela e me entregou.
Com o celular dele em mãos busquei apaziguar as minhas inquietações,
procurei o perfil de Alissa no Instagram e introduzi o Matheus, que na
verdade se chamava Agnaldo, em sua vida.
Eu desejava profundamente que ela sequer aceitasse a solicitação de
mensagem que enviei, depois de curtir muitas fotos. Inconscientemente, me
peguei torcendo ardentemente para que Alissa não caísse na armadilha, nós
tínhamos um acordo, além do mais estávamos construindo algo maior, que
não envolvia cláusulas, mas a escolha voluntária de permanecer junto. Eu
tinha certeza de que era recíproco.
Torci para que Alissa bloqueasse o contato e não desse ouvidos a ele,
afinal por que ela queria manter contato com um cara que desapareceu sem
deixar rastros e agora voltava como se nada tivesse acontecido?
Mas quando a primeira mensagem foi enviada por ela, senti o meu
coração se agitar.

Mais de 5 meses!

Naquela marcação de tempo estava incluída tanta coisa, mas a principal


delas era a certeza de que eu tinha me enganado novamente. E eu só
precisava da certeza, por isso digitei a resposta:

Contou os dias que estive longe? Também senti saudades.

Tentei sufocar os meus sentimentos, quando ela manteve o diálogo


enquanto fingia ser o Matheus. O cara ao meu lado não tinha acesso ao que
eu estava fazendo e estranhou quando eu pedi seu RG.
— Não vou fazer nada, só mandar uma foto — informei — e é melhor
que saiba logo que eu tenho todos os seus dados, inclusive o valor do
licenciamento e das multas que estão atrasadas.
Amedrontado, ele atendeu o meu pedido e me entregou o RG, para que
eu comprovasse a Alissa que ela estava mesmo falando com o homem com
quem transou na praia.
A partir daí a conversa mudou o ritmo, a Alissa raivosa e desconfiada,
se demonstrou pronta para ouvir a versão dos fatos dele. E ali eu tive certeza
de que ela não iria se opor se Matheus quisesse reivindicar a paternidade, mas
eu não iria permitir que isso acontecesse.
— Quanto você quer pelo celular? — Falei algum tempo depois.
Levei a mão até o bolso do blazer e retirei a carteira, puxei algumas
notas que estavam ali, totalizando mil e seiscentos reais. Era mais do que o
aparelho valia.
— Pode ficar com ele, se isso significar que nunca mais vou ter que
olhar pra sua cara na minha vida.
— É uma oferta justa — mesmo assim, joguei o dinheiro sobre ele —
tire a senha de bloqueio.
Ele o fez e eu retornei para o carro, levando o aparelho comigo.
Naquele mesmo dia, enviei cópias das fotos para o pai da garota de
cabelos cor de rosa, o detetive tinha conseguido o endereço deles para mim.
O homem deveria saber que sua filha estava saindo com um homem mais
velho, o que ele faria com a informação não era mais problema meu.
— Alissa, fale comigo. — Meus olhos se abriram por um breve
segundo e se fixaram no rosto dele, a expressão carrancuda ainda estava ali,
mas tinha algo mais.
Algo que eu queria decifrar, mas as minhas pálpebras estavam pesadas
e eu não tinha forças para lutar contra elas. Por isso, senti lentamente elas
cerrarem e com mais algum esforço, consegui abri-las novamente.
— O bebê, não deixe que nada aconteça com ele — supliquei.
— Não vou deixar — o tom firme não deixava dúvidas de que ele
cumpriria a promessa.
Então, eu deixei que o meu corpo descansasse.
Apolo estava a salvo.
Não sei como se deu o trajeto ao hospital, lembro de pouca coisa desde
que apaguei no quarto do hotel. Recordo apenas de sentir o cheiro do Luiz
Henrique e o meu corpo próximo ao seu, bem como da sua voz exigente e
furiosa pedindo para andar mais rápido, pois ele não podia perder ninguém.
Quando conseguia manter os olhos abertos tudo que eu sentia era dor e
medo. E quando perdia os sentidos era embalada pelos braços do Luiz
Henrique e me sentia segura. Naquele momento não tinha importância se ele
tinha duvidado de mim ou dito que jamais queria olhar para minha cara, essas
eram questões para depois. Tudo que eu me concentrava era em como eu o
queria ali, junto a mim, pois precisava sentir que eu não estava sozinha em
mais um momento ruim.
Recordo de ouvir um “graças a Deus”, mas não sei se dito por mim ou
pelo Luiz Henrique, quando fui colocada em uma cadeira de rodas e levada às
pressas pelo corredor. Já em atendimento médico, uma mulher usando branco
me fez algumas perguntas e não sei se consegui dar as respostas que ela
queria, a minha cabeça doía muito, era como se uma faixa pressionasse a
minha testa, fazendo o local pulsar de dor. Mas nada se comparava as dores
abdominais que iam e viam em pequenos intervalos. Além disso, a dor nas
costas continuava e descia pelos meus quadris e pernas. Eu nunca senti nada
disso na minha vida, e pelo jeito que a equipe de branco se movimentava ao
meu redor era mais do que um simples mal-estar.
Olhei para o meu corpo deitado na cama e vi que havia fios por toda a
região do meu colo, além de um aparelho preso ao meu dedo. No meu braço
esquerdo tinha um daqueles acessos que se colocam para receber medicações.
— Eu acho que vou vomitar! — Anunciei, quando senti a náusea se
intensificar. Imediatamente uma bacia de inox foi colocada ao meu lado e
expeli qualquer coisa que tivesse no meu estômago.
— Se sente melhor, Alissa? — A mulher de jaleco branco com
bordado escrito Enfermeira Zenaide, me indagou. Ela tinha olhos cor de
chocolates e uma voz tranquila.
— Não — fui sincera na resposta.
— Você recebeu medicação intravenosa, elas devem fazer efeito muito
em breve.
— O que está acontecendo? Meu filho... — um nó na garganta se
formou e senti as lágrimas se acumularem em meus olhos. — Ele está bem,
né?
— Fique tranquila, Alissa. Está tudo bem.
— Mas ele ainda está aqui, né? — Toquei a minha barriga na
esperança de que Apolo desse a resposta que eu tanto queria, ele poderia
apenas se mexer um pouquinho, eu queria senti-lo, mas ele não se mexeu.
O bipe do aparelho conectado ao meu corpo de repente ficou alto e
insistente, mas não se comparava as batidas do meu coração que eu jurava ser
capaz de serem ouvidas a distância.
— Alissa, fique tranquila — Zenaide tocou a minha mão sobre a
barriga — o seu bebê está bem. — A afirmação dela fez com que as lágrimas
rolassem pelo meu rosto.
O alívio em saber que meu filho estava bem fez com que a barreira de
lágrimas transbordasse, resultando em um choro intenso e ruidoso. Tentei não
pensar como isso soava uma espécie de castigo divino, talvez ele quisesse me
dar uma lição por todos os chás que tomei para tirar o bebê.
As situações eram outras de quando descobri a gravidez, na época eu
estava com medo, imaginando que não teria apoio da minha família, como de
fato não tive, e sem saber o que fazer. Parecia ser a melhor solução, mas
agora eu não suportava pensar na ideia de não existir mais nós dois.
O amor que eu sentia pelo meu filho cresceu gradativamente. Como
uma plantinha que vai sendo regada diariamente e se desenvolvendo, passei a
amar o bebê que crescia em mim. Quando escutei o seu coração na primeira
vez, eu tive certeza de que o sentimento era recíproco. Ele havia sobrevivido
ao caos do mundo, ele estava vivo e com o coração batendo por ele e por
mim. Se um dia Apolo chegasse a cogitar que eu não o amei com todo o meu
coração, esperava que ele encontrasse nos olhos do Luiz Henrique a prova do
meu amor. Foi por ele que assinei o acordo, foi por amá-lo que decidi que o
melhor para ele era ter um pai que poderia proporcionar uma vida que eu não
poderia dar. Apolo cresceria em um lar saudável e teria tios e avós carinhosos
para enchê-lo de afeto.
Por mais que apreciasse o apoio silencioso que estava recebendo de
Zenaide, era outra mão que eu queria sobre a minha, mas não havia nenhum
sinal dele. Quando meus pensamentos se encaminharem para os caminhos da
sua ausência senti uma leve pontada em minha barriga, seguida de outra mais
forte.
— Ele realmente está aqui! — Exclamei e as lágrimas que passaram a
molhar o meu rosto eram de extrema felicidade.
Zenaide retirou a mão sobre a minha, deixando-me livre para acariciar
a barriga no ponto que Apolo estava se mexendo.
O movimento cessou, mas eu ainda continuava a sentir o meu filho
pulsando em mim.
— Ele não vai a nenhum lugar sem você. — Zenaide sorriu para mim
— Agora você precisa descansar, por você e pelo bebê, tudo bem? —
Balancei a cabeça em concordância.
Com a mão sobre a minha barriga, adormeci sabendo que ao menos eu
o tinha comigo.
*
Por um breve segundo, quando despertei, não sabia onde estava.
Demorei a associar que estava em um quarto de hospital. Um quarto
confortável com paredes de um amarelo clarinho que deixavam o ambiente
com cara menos hospitalar, assim como a mobília funcional. A minha direita
tinha um armário embutido com puxadores de aço, e o lado oposto era
ocupado por uma pequena mesa redonda com duas cadeiras e um sofá bege.
Pensei que era ali que um acompanhante dormiria, até notar o sofá-cama
marrom embaixo do painel de televisão. Havia também uma poltrona de
couro, frigobar e uma cuba de porcelanato com torneira dourada próximo à
porta. Será que nada no universo do Luiz Henrique era básico? Nem mesmo
o hospital?
As minhas perguntas foram deixadas de escanteio quando a porta foi
aberta e a mulher de cabelos longos dourados entrou pisando firme. A forma
como ela se movia indicava que esse era o lugar que ela dominava, havia
aprendido a identificar esses tipos de passos desde que fui introduzida ao
mundo dele. Ela mantinha os olhos fixos no tablet em suas mãos enquanto se
aproximava da maca, como se soubesse que havia chegado ao seu destino,
ergueu a cabeça e me fitou com seus grandes olhos verdes.
— Bom dia, Alissa. Tudo bem?
— Bom dia, sim.
— Eu sou a doutora Mariane, chefe da obstetrícia e a sua médica
enquanto permanecer aqui. — A palavra “enquanto” parecia indicar que ela
não estava ali para me dar alta. — Não teve mais nenhuma contração?
— Contração? — Perguntei assustada.
— Sabe a dor que você sentiu ontem? Era do tipo que começava bem
no fundo da sua barriga e progredia para a pelve, acompanhada, às vezes, de
pontadas na vagina e dor irradiada para a lombar, ossos do púbis e parte
interna da coxa? — Balancei a cabeça algumas vezes, pois ela havia descrito
exatamente tudo o que eu senti e não soube explicar. — Era uma contração.
— Mas esse não é o tipo de coisa que acontece quando o bebê está
pronto para nascer?
— Nem sempre. Por volta do terceiro trimestre é normal elas
aparecerem, são as chamadas contrações de treinamento, muitas mulheres
nem as identificam, sentem apenas enrijecimento na barriga e uma leve cólica
e geralmente desaparecem quando a mulher muda de posição. — Explicou
calmamente. — As contrações são respostas às mudanças no colo do útero,
que se prepara para o nascimento do bebê. Sabe quando você convida uma
visita para sua casa e começar a arrumar as coisas para receber a pessoa em
um ambiente agradável? O útero age igualzinho, ele realiza os movimentos
de estiramento dos seus músculos para quando o momento do parto chegar, o
ambiente esteja favorável para mãe e bebê.
— Então o que eu tive é normal? — Houve um breve silêncio, como se
ela buscasse as palavras.
— Não exatamente. Ontem você deu entrada com um quadro que exige
cuidados, a sua pressão arterial estava elevada e foi constatada dilatação de
1cm.
— E isso significa? — Perguntei querendo que ela modificasse o rumo
catastrófico dos meus pensamentos.
— Que o seu corpo começou a entrar em trabalho de parto antes da
hora — a afirmação fez as lágrimas se acumularem em meus olhos. — Mas já
entramos com o uso de inibidores para dessensibilizar o útero e manter o
bebê seguro.
— Ele é ainda muito pequeno para nascer. — Uma lágrima rolou pelo
meu rosto e me apressei a enxugá-la. Antes que eu desabasse diante de mais
um desconhecido.
— Vamos fazer tudo que estiver ao nosso alcance para evitar que isso
aconteça.
— O que acontece se os remédios não funcionarem?
— Não pense nisso, Alissa — ela me lançou um olhar de compaixão
— concentre seus pensamentos em se manter serena e confiante no
tratamento — assenti. — Seu bebê precisa da mamãe com a pressão arterial
sob controle e relaxada. Você tem alguma dúvida?
— Por quanto tempo eu vou ficar aqui?
— A princípio pelos próximos oito dias, manteremos você sob cuidado
24 horas para avaliar o seu progresso. As contrações diminuindo, voltamos a
conversar sobre o seu repouso. Por ora, você está em repouso absoluto. Ou
seja, você terá 8 dias de total descanso.
O bom humor em sua voz parecia acobertar o verdadeiro significado da
expressão.
*
O repouso absoluto que a médica tentou maquiar como descanso era
absolutamente constrangedor. Além de estar presa numa cama por 24 horas,
eu tinha que fazer xixi e cocô, bem como me higienizar ali. Essa última parte
era tão ruim quanto imaginar fazer cocô em uma fralda ou qualquer outra
coisa que eles oferecessem para a sua execução. Após o almoço, pedi que a
enfermeira me levasse até o banheiro, estava me sentindo um pouco tonta,
mas gostaria de tomar banho e tentar melhorar minha aparência. Eu não tinha
um espelho ao meu alcance, mas podia apostar que meus cabelos estavam em
total descontrole após uma noite agitada.
— Eu não posso ser levada ao banheiro em uma cadeira de rodas?
Prometo que não farei movimentos bruscos. — Argumentei para a enfermeira
designada a me dar banho.
— Você não vai a lugar nenhum — primeiro absorvi o impacto da sua
voz, depois a sua presença.
Meus olhos buscarem cada parte do seu corpo como sempre faziam
quando dividíamos o mesmo ambiente. Observei o terno preto e os sapatos da
mesma cor que pareciam ter sido recém lustrados. Como ele sempre se
mantinha alinhado e impecável, não poderia dizer se estava indo ou voltando
do trabalho, quando fixei em seu rosto notei que sua barba sempre bem
cortada estava um pouco desregular e que havia manchas escuras ao redor
dos olhos. Olhos esses que desviaram rapidamente dos meus.
— Você está em repouso absoluto, Alissa.
— Chegou tarde para dizer essa informação. — Não pude deixar de
alfinetá-lo. Passei as últimas horas sozinha, estava ansiosa para descontar o
tédio em alguém.
— Estou bem aqui agora para alertá-la. — Luiz Henrique parou
distante da cama como se eu fosse portadora de uma doença contagiosa e ele
temesse ser contaminado.
— Vou deixar vocês sozinhos — a enfermeira avisou — quando
estiver pronta para o banho, é só apertar o botão.
— Acho que nunca vou estar... — Resmunguei.
— É melhor que se acostume com isso — ele orientou.
— Pra você é fácil falar, não é você que está aqui.
— Mas é o meu filho que está aí — sentenciou — e ele depende
exclusivamente de você. Então, será que você pode se esforçar só um
pouquinho?
— O que você quer dizer com se esforçar um pouquinho?
— Parar de questionar tudo e cumprir as regras pré-estabelecidas é um
bom começo. Se você fizesse isso com frequência, não estaríamos aqui.
— Você está me culpando pelo que aconteceu? — Questionei
incrédula. Ele não podia me acusar de ser responsável pelo risco do parto
prematuro do meu filho. — É isso mesmo, Luiz Henrique? — Insisti diante
do seu silêncio.
— Esse não é o momento ideal para essa conversa, você precisa ser
afastada de fortes emoções.
— Quando você me culpou por estar nessa cama de hospital não
parecia preocupado com as minhas emoções...
— Nem tudo é sobre você, Alissa. Nesse momento é sobre o meu filho.
Ele é o que verdadeiramente importa aqui.
É sobre meu filho.
Sempre foi sobre ele e nunca sobre nós.
Me sentindo uma completa idiota e sendo bombardeada pelas
lembranças das suas graves acusações no dia anterior, decidi que se eu
precisava me concentrar no bem-estar do meu filho, eu não poderia me
desgastar entrando em conflitos com Luiz Henrique.
— Já que é sobre o nosso filho, eu não quero ver você. Eu não posso
me manter equilibrada e calma quando você entra aqui e me diz que eu sou a
responsável pelo risco do nosso filho nascer prematuramente. É cruel
comigo!
— Isso não vai se repetir — garantiu.
— Tenho certeza disso — fiz uma pausa para evitar que a minha voz
falhasse revelando que eu queria exatamente o contrário. — Para isso, a sua
visita será proibida.
— Você não pode fazer isso! — Discordou com veemência.
— Ah eu posso — sorri — nenhum médico vai aprovar uma visita que
me deixa abalada.
— Alissa...
— Eu quero você fora do meu quarto. Agora!
Nossos olhos duelaram por segundos, talvez ele esperasse que eu
cedesse a sua imponência e olhos ameaçadores, mas eu estava cansada
demais para recuar. Então, assisti ele ceder, ele me lançou um último olhar
que indicava que estava irado com a resolução, e se retirou do quarto pisando
firme.
Eu havia vencido a batalha contra o todo poderoso Luiz Henrique
Garcia, mas porque eu não me sentia vitoriosa?
Eu insisti como “Matheus” porque a cada palavra que eu enviava sentia
que ela estava mais perto de contar tudo. Dei a ela a chance de conversar
comigo no café da manhã, dizendo que podíamos conversar sobre qualquer
coisa e Alissa preferiu omitir que estava trocando mensagens com o pai
biológico.
Eu me senti traído.
Novamente.
E quando mandei a mensagem que escrevi com lágrimas nos olhos,
soube que estava tudo perdido.

Eu não quero dinheiro, quero você, esse bebê.


Quero a família que podemos ter juntos.
Venha ao meu encontro Alissa, deixe que eu te mostre que seu futuro é
ao meu lado.

Ao ler que o ex propunha uma família e que desejava o meu filho, ela
aceitou encontrá-lo e questionou onde ele estava. Alissa aceitou dele o que
achou que eu não podia dar e por mais que eu pudesse tentar enxergar o lado
dela, me sentia tão enfurecido que não conseguia enxergar nada além da
traição.
E a cada segundo que passava era como se a faca invisível se cravasse
um pouco mais dentro do meu peito. Doeu porque eu baixei a guarda.
Machucou porque eu acreditei que ela pudesse ter se apaixonado mesmo.
As cenas que se sucederam pareciam um plágio de um passado não
muito distante. Alissa buscou negar os fatos e apelou para o filho. O
problema era que enquanto eu achava que ela estava encenando, ela estava
realmente passando mal.
E foi vendo-a prostrada ali, com a mão na barriga e o rosto se
contorcendo de dor que a minha raiva deu lugar à preocupação. Achei que
não era possível, mas naquele segundo eu me sentia pior do que antes.
— O que você está sentindo? — Perguntei, junto a ela.
— Eu não estou mentindo — Balbuciou, e fechou os olhos como se
falar fosse um grande esforço.
— Alissa, o que você está sentindo? — Repeti a pergunta. Seus lábios
se abriram como se fosse responder a minha pergunta, mas nenhum som saiu,
as pálpebras voltaram a fechar. Sentindo que ela ia desmaiar, passei os braços
em volta de suas pernas e a segurei — Alissa! — Chamei, mas não houve
mais nenhuma resposta.
Eu nunca tive tanto medo na minha vida como sentia naquele
momento, Alissa fez o trajeto até o hospital, oscilando entre estados de
consciência e inconsciência, quando conseguia se manter acordada por mais
de um minuto, ela suplicava que eu não deixasse nada de ruim acontecer com
o bebê e eu respondia assegurando que tudo ficaria bem.
Quando chegamos ao hospital e Alissa seguiu sozinha para receber os
cuidados médicos, eu passei a me questionar sobre a minha última promessa.
Faria tudo que estivesse em meu alcance, mas e se não fosse o suficiente? E
se eu falhasse na promessa de cuidar do Apolo, promessa essa que fiz quando
estávamos em cima do viaduto?
A sala de espera da urgência obstetrícia de repente se tornou o
ambiente ideal para recorrer ao Todo Poderoso. Não sabia se Ele escutaria as
preces de um homem pecador, mas certamente Ele teria benevolência de um
pai desesperado.
*
No auge dos meus privilégios, como homem rico que era, estava
acostumado a conseguir o que eu queria quase sempre de forma imediata. E
quando isso não era possível era atendido no menor tempo hábil. Contudo, na
sala de espera da urgência não somente as minhas vontades eram colocadas
em segundo plano, como também era necessário exercer a paciência. Todas
as vezes que recorri à recepção em busca de notícias da Alissa, a resposta era
sempre a mesma: o boletim médico ainda não foi disponibilizado. Impaciente
e frustrado eu retornava à poltrona acompanhado pelos meus temores.
Apolo estava em risco. Nenhum médico precisava me dizer isso, era
notório que a mão sobre a barriga e as interjeições de dor indicavam que algo
de errado estava acontecendo com o meu filho. E a cada tempo que seguia
sem qualquer notícia deles a sensação de que meu filho estava em perigo se
intensificava. Então, de cabeça baixa e olhos fechados, eu pedia em uma
prece que ele ficasse bem.
— Senhor Luiz Henrique? — Ergui a cabeça em busca de quem
chamava meu nome.
— Sim, sou eu.
— Vim trazer o boletim médico da senhora Alissa do Santos. — Meu
coração bateu mais rápido nesse momento. — Ela entrou em trabalho de
parto prematuramente, dando entrada com dilatação de um centímetro e
contrações em curtos intervalos de tempo. Além disso, também foi observado
o quadro de hipertensão arterial. O quadro clínico é estável, nós conseguimos
estabilizar a pressão arterial e diminuir as contrações. Para isso, estamos
administrando medicamentos específicos para retardar o trabalho de parto,
eles agem como dessensibilizadores do útero, diminuindo as contrações até
cessá-las.
— Qual a eficácia desse tipo de tratamento? Há algum outro método
que possa ser utilizado? Quais os riscos para Alissa e o bebê?
— Eu imagino como deve ser angustiante para o senhor, mas a sua
esposa e o bebê estão nas mãos dos melhores profissionais — assegurou.
— E se não for o suficiente? — Essa era uma pergunta que doía apenas
o simples fato de executá-la.
— Então, o trabalho de parto seguirá o seu curso — foi sua resposta
curta. — Ainda é muito cedo para fazer qualquer prognóstico. O senhor
gostaria de vê-la? É provável que ela esteja sonolenta ou mesmo adormecida
devido ao efeito sedativo de algumas medicações utilizadas.
Assenti e segui a mulher que me guiou até onde Alissa estava. Assim
que entrei no quarto, meus olhos a identificaram e as minhas resoluções e
determinações de me manter longe dela foram deixadas de lado. Ela parecia
tão pequena e frágil na cama do hospital. O meu anseio verdadeiro era
aninhar meu corpo ao seu e tomá-la em meus braços, abraçá-la até que tudo
isso se tornasse apenas uma dolorosa lembrança.
Com passos lentos e pisadas leves, me aproximei da cama até estar a
um braço esticado dela de tocá-la. Mas não a toquei. Mantive meus braços
rentes ao corpo para não ceder à tentação. Eu não poderia deixar que um
momento de vulnerabilidade comandasse as minhas ações, a fragilidade da
situação já tinha me feito ceder.
Quando Alissa entrou no quarto do hotel em busca do pai biológico do
seu filho, eu já tinha tomado uma decisão: adiantaria a casa que me pediu
para que ela vivesse até Apolo nascer. Não queria manter nenhum contato
que não fosse relacionado ao meu filho e para isso era necessário que nos
mantivéssemos distantes. Mas diante da gravidade da possibilidade do parto
prematuro, os meus planos precisariam ser refeitos, não poderia tirá-la da
minha casa até que a sua saúde estivesse restabelecida.
A Alissa que estava dormindo serenamente parecia a mesma pela qual
eu me apaixonei. A mesma mulher que trouxe mais leveza aos meus dias e
proporcionou a concretização do meu maior sonho. Por um breve segundo,
desejei me apegar a isso, me manter preso à ilusão de que ela seria uma
companheira leal e que poderíamos formar a família que eu sempre sonhei.
Eu desejava isso e o faria se ela tivesse “sido aprovada” no teste do pai
biológico. Mas ela não tinha sido, tinha provado que minha desconfiança era
plausível e que tinha sido um erro me envolver.
A confiança era como um cristal que, quando quebrado, não voltava ao
seu formato original. Você poderia até juntar todas os pedaços e tentar colá-
los, mas ele não voltaria à sua forma. Eu não podia confiar em alguém que
disse sim a oferta de construir uma família com outra pessoa.
Cogitava a hipótese de oferecer mais do que o meu dinheiro, apoio e
sexo a Alissa. Estava me preparando para entregar o meu coração, permitindo
que ela fizesse morada nele, não mais como uma inquilina, mas como
proprietária.
Mas antes que eu me sentisse pronto para esse passo, tudo foi desfeito.
Não havia mais como cogitar um nós, não tinha como imaginar um futuro
quando eu nunca fui verdadeiramente a opção. Foi inevitável estabelecer
comparações.
Eu seria um substituto razoável para o pai biológico, mas nunca seria o
pai verdadeiro.
E isso era a causa do meu tormento atual, eu não estava ali para exercer
o papel de pai substituto, estava ali para ser o único pai. Eu me considerava
pai do Apolo, ainda que a incompatibilidade genética indicasse o contrário,
ele era o meu filho. O filho pelo qual ansiei a vida inteira. Ele já era o alvo do
meu amor, um amor inexplicável e incondicional.
Reduziria minha carga de trabalho ao máximo para que meu filho
pudesse ter um pai presente em sua vida, um pai que não recuasse em brincar
ao fim do dia porque estava exaurido demais, um pai que não o veria como
um empecilho em sua vida e muito menos delegaria sua função paterna a uma
babá ou a terceiros. A paternidade estava me tornando menos egoísta, eu
tinha alguém que fazia constantemente que eu me colocasse em segundo
lugar. E era isso que eu estava fazendo agora: deixando as minhas dores de
lado para me concentrar nele. As minhas diferenças com Alissa seriam postas
de lado visando unicamente o bem-estar do meu filho. Ele era a razão de
tudo.
— Está tudo bem agora — disse em voz alta — papai está aqui com
você!
Pousei a mão sobre a barriga para que ele sentisse que eu estava ali.
*
— Luiz Henrique... — Escutei meu nome sendo chamado a distância
— Luiz Henrique! — Repetiu, as minhas pálpebras se abriram e fixaram em
Alissa chorando.
Antes que eu pudesse perguntar o motivo das suas lágrimas, observei a
mancha vermelha de sangue nos lençóis brancos.
— Estou perdendo nosso filho — ela disse em total desespero.
— Socorro, eu preciso de alguém aqui! — Gritei ao mesmo tempo que
apertei o botão para acionar a sua presença. — Vai ficar tudo bem — toquei
seu rosto com ternura.
— Você promete? — Questionou, apertando os dedos contra os meus.
— Promete que tudo vai ficar bem?
Antes que a minha promessa fosse feita, a equipe médica invadiu o
quarto, e eu fui afastado de Alissa e conduzido para fora do quarto contra a
minha vontade. Do lado de fora, no corredor, caminhei de um lado para o
outro, querendo saber o que estava acontecendo lá dentro. Então, a porta foi
aberta e Alissa surgiu em cima de uma maca.
— Para onde ela está sendo levada? — Questionei, colocando-me ao
lado de Alissa.
A mão dela buscou a minha e entrelacei nossos dedos. Seus olhos
estavam arregalados e os lábios brancos em sinal de puro medo.
— Centro cirúrgico, o parto precisa ser realizado imediatamente! — A
mulher de olhos cor de chocolate falou rapidamente, antes de voltar a
empurrar a maca.
A acompanhei de mãos dadas com Alissa.
— O senhor fica aqui! — A enfermeira disse quando paramos diante
das portas duplas.
— Eu quero acompanhar o parto. — Informei.
— No momento oportuno alguém virá falar com o senhor, mas a sua
entrada não é autorizada a partir daqui — disse em um tom firme que não
permitia discussões.
— Alissa vai ficar tudo bem, sabe por que tenho certeza disso? Porque
Apolo é forte como a mãe dele — ela sorriu enquanto as lágrimas rolavam
pelo seu rosto. — Logo estarei lá dentro com vocês. — Beijei a testa de
Alissa e fiquei ali parado assistindo a maca ser colocada em movimento e
desaparecer pelo extenso corredor.
Algum tempo depois minha entrada foi autorizada no centro cirúrgico e
ali pude assistir ao momento pelo qual esperei por toda a minha vida. A
médica ergueu Apolo, ele era tão pequeno que cabia em apenas uma das
mãos, observei a sua pele bem fininha como se ele fosse feito de um material
transparente, os dedinhos magros e a cabeça com fios escuros. As minhas
lágrimas nublavam a minha visão enquanto eu tentava registrar cada parte do
meu filho.
— Ele não chorou... — Alissa choramingou.
A minha pouca experiência por bebê não me dizia muito, mas eu tinha
lido em algum lugar que nem todo bebê chora ao nascer. Meus olhos
encontraram o da médica em busca de explicação, mas ela simplesmente
moveu a cabeça de um lado para o outro.
— Eu sinto muito... — A mulher informou com pesar e o meu grito de
dor ecoou alto enquanto eu sentia meu coração ser dilacerado.
— Não! — Despertei com o coração acelerado e respiração ofegante.
Demorei alguns segundos até perceber que tudo não passou de um
sonho aterrorizante. Me levantei da poltrona na qual havia adormecido para
comprovar que não havia nenhuma mancha de sangue entre os lençóis de
Alissa. Ela permanecia dormindo profundamente. Eu deveria tentar fazer o
mesmo, me sentia exausto, mas não queria fechar os olhos e ser levado mais
uma vez para os sonhos tenebrosos. Por isso, permaneci de olhos abertos
vigiando o sono de Alissa.
Quando o relógio marcou às quatro e quarenta da manhã, Alissa ainda
dormia serenamente, não acordou em nenhum momento durante a noite
muito menos manifestou algum sinal de dor. Ciente da sua estabilidade,
decidi ir embora. Eu precisava de um banho e algumas horas de sono, antes
de seguir para a JAG. Retornaria mais tarde para visitá-la e conversar com a
médica.
*
As minhas preocupações seguiram até o meu quarto, apesar de estar
cansado, não consegui pegar no sono, pensava constantemente se Alissa
estava bem. E ainda que eu soubesse que seria informado imediatamente
sobre qualquer intercorrência, meu corpo permanecia vigilante. Eu poderia
me dar o luxo de cancelar os meus compromissos da manhã e permanecer
mais algumas horas na cama, mas precisava manter a minha cabeça no lugar
e o trabalho tinha essa função.
Pela primeira vez, em muito tempo, ao fechar a porta do meu escritório
minhas preocupações não ficaram de fora. Elas entraram comigo e ocuparam
um lugar na cadeira a minha frente. Tive dificuldade em me concentrar,
estava disperso, fingindo que estava prestando atenção às conversas e nos
papéis. Era incomum para mim que isso acontecesse, então quando o meu
celular vibrou sobre o tampão de madeira eu agradeci por não ter que
continuar fingindo que estava trabalhando.
— Desculpe, preciso atender — me coloquei de pé e me afastei —
podem continuar sem mim. — Pâmela assentiu e retomou a apresentação.
Atendi a ligação no quarto toque.
— Eu sou Mariane Cordeiro, chefe da obstetrícia, estou ligando para
falar da senhora Alissa do Santos. O senhor está disponível no momento?
— Aconteceu alguma coisa? — Indaguei, aflito.
— Não, o quadro dela evoluiu satisfatoriamente. — Deixei o ar escapar
dos meus lábios em sinal de alívio. — Liguei para falar justamente sobre o
boletim médico dela: a pressão arterial segue normalizada e as contrações
cessaram.
— Isso significa que ela já pode voltar para casa?
— Por segurança, vamos manter Alissa no hospital por mais oito dias.
O quadro dela ainda exige cuidado e repouso absoluto. Ela não pode sair da
cama e deve ficar deitada preferencialmente do lado esquerdo, posição que
proporciona melhores condições de oxigenação para o bebê. Algumas
mulheres podem se levantar somente para tomar banho ou ir ao banheiro, mas
não é o caso da Alissa. Pelos próximos oito dias ela estará com sua
movimentação reduzida.
— Vou fazer com que ela siga as regras — prometi.
— A Zenaide já assumiu a sua função — a médica sorriu — às
dezesseis horas ligo para informar o novo boletim médico. Tenha um bom
dia.
— Obrigado.
Encerrei a ligação e ao invés de retornar à sala de reuniões, fiz o
caminho inverso, ao estacionamento. Irei visitar Alissa e conferir se essa tal
de Zenaide tinha o poder de fazer algo que nem eu conseguia.
No minuto em que eu observei o quarto já foi o suficiente para
constatar que Alissa estava tentando convencer a funcionária a levá-la para
tomar banho em uma cadeira de rodas. E na minha tentativa de dissuadi-la,
acabei dizendo o que não devia. No momento que as palavras saíram me
arrependi, sabendo que aquele não era o melhor momento para dizê-las.
E então, ela me expulsou.
Encarei a garota atrevida na minha frente que insistia em me desafiar e
agora resolvia me dar ordens. Mas aquele era um jogo que ela não sabia
jogar. Estava prestes a recordá-la do seu papel quando meus olhos fixaram
em sua barriga e Apolo me enviou um lembrete de que isso teria que ser
adiado.
Frustrado e irritado saí pisando firme do quarto enquanto pensava em
meios de reverter a situação. Se ela achava que me manteria longe dali por
muito tempo estava bem enganada.
*
Eu não podia colocar meu filho em risco.
E, por isso, não podia contrariar a vontade de Alissa naquele momento.
Depois de conversar com a médica e sondar a enfermeira, soube que só tinha
uma coisa a fazer: me aproveitar dos seus momentos de sono.
Eu blefei quando disse que proibiria a visita do Luiz Henrique e a
julgar pela sua ausência no dia seguinte ele tinha caído no meu blefe. Todo o
resto era verdade, não queria que ele viesse até aqui para me acusar de
colocar o Apolo em risco, se era para apontar dedos não era direcionados a
mim que eles estariam, mas nele. Foi ele quem criou toda uma rede de
mentiras e me capturou.
As lágrimas em meus olhos se acumularam quando a lembrança de que
Luiz Henrique havia arquitetado tudo para me enganar ressurgiu. Os últimos
acontecimentos fizeram, de algum modo, como que eu não tivesse tido tempo
para pensar no que ele tinha feito, pois toda a minha atenção estava voltada
para Apolo. Mas agora que o pior parecia ter desaparecido, eu fui tomada por
uma sequência de lembranças que me levaram até o quarto do hotel.
Muitas perguntas se formavam em minha mente e eu não tinha
respostas para elas. Me questionava como e quando o Luiz Henrique
encontrou o Matheus, e por que escondeu isso de mim? E a mais grave de
todas: por que ele resolveu fingir que era o Matheus, qual a intenção por trás
disso? Cada vez que eu pensava mais confusa eu ficava, pois não conseguia
encontrar uma explicação lógica para nenhuma das suas ações.
Como se não bastasse ter mentido para mim, ele interpretou tudo
errado. Como ele pôde achar que aceitei encontrar o Matheus para falar sobre
o nosso acordo? Eu sequer havia contado a minha melhor amiga, não fazia
sentindo revelar para um homem que havia mentido para mim desde o início,
eu não confiava em alguém que criou um perfil falso no Tinder e desapareceu
sem deixar rastros. A minha única intenção em ter ido ao seu encontro foi
para mantê-lo afastado das nossas vidas.
Durante um tempo desejei ardentemente encontrar Matheus, queria
dividir o peso da gravidez não planejada, mas isso ficou para trás no exato
momento que Luiz Henrique entrou no meu caminho. Ele se ofereceu para
ser o pai do meu filho, prometeu cuidado, proteção e amor, como eu imaginei
que um pai de verdade faria. Só imaginei mesmo, nunca tive essa
representação na minha vida.
Antes mesmo do acordo ser assinado eu já o considerava o pai do meu
filho. E nada mudou desde então. Eu continuava acreditando e confiando que
ele seria o melhor pai que o Apolo poderia ter. E teria dito tudo isso a ele, se
ele tivesse me dado a oportunidade e não partisse para o ataque com
acusações que me magoaram profundamente.
Achei que ele fosse capaz de me enxergar de verdade e não como uma
mulher que queria apenas tirar dinheiro dele, como um dia seu pai me acusou
de ser. Ok, que o meu histórico poderia levar a crer que eu era esse tipo de
pessoa, afinal tínhamos um contrato em que eu cedia o meu filho para ser
beneficiada com uma boa quantia. Mas no fundo sempre foi muito mais do
que isso. Aceitaria que ele fosse o pai do meu filho ainda que ele não tivesse
me oferecido nada em troca.
Não mudaria uma linha do que me aconteceu, com medo de que as
novas linhas não o incluíssem, mas modificaria as minhas intenções. Quando
meus sentimentos mudaram não deveria ter suprimido a vontade de dizer que
queria mais do que tê-lo como pai do Apolo, queria ele como meu
companheiro, formar uma família ao seu lado.
Uma lágrima rolou pelo meu rosto e me apressei em secá-la. A médica
disse que eu deveria evitar preocupações e discussões, pois isso não faria bem
ao meu estado e eu seguiria à risca suas orientações. Ele era a minha
prioridade.
Uma breve batida a porta antecedeu sua abertura e, instintivamente,
passei as mãos pelos cabelos, ciente de que pouco adiantaria, pois era
impossível ser manter apresentável quando você estava acamada.
Primeiro, eu vi a flor em um papel bonito e depois o sorriso amigável
da mãe do Luiz Henrique.
— Como você está, querida? — Perguntou, se aproximando do meu
leito.
— Bem melhor — sorri.
— Fico feliz em ouvir isso, trouxe isso para te animar — ela depositou
um arranjo elegante contendo uma flor que eu não sabia identificar, mas era
muito bonita de se observar com sua haste verde comprida que se curvava na
ponta abrigando quatro pequenos botões brancos que caíam feito cascata.
— Muito linda. Nunca ganhei flores na vida, obrigada. — Confessei.
— Vou puxar a orelha do Luiz Henrique quando encontrá-lo.
— Foi ele que pediu que a senhora viesse? — Tentei parecer menos
interessada.
— Não, ele nem deve saber que estou aqui. Vim assim que o Carlos me
contou o que tinha acontecido. Meu esposo está vindo logo atrás, ele ficou
estacionando o carro.
— Está tudo bem agora — falei para tranquilizá-la porque era evidente
que ela estava preocupada com o neto.
— Graças a Deus. Esses meninos dão cada susto na gente, esse é só o
começo.
— Aí filho, poupe a mamãe pelos próximos meses — brinquei,
sorrindo.
— Isso mesmo Apolo, deixe mainha de cabelo em pé quando nascer —
o avô do Apolo se juntou a nós. — Estão tratando você bem, Alissa? Está
precisando de alguma coisa?
— Está tudo bem, obrigada.
— Se você for como o Augusto deve estar contando os dias para a sua
alta — a mulher deu um tapinha no ombro do marido.
— Quem gosta de hospital é médico! — Ele rebateu me fazendo sorrir.
— O senhor tem razão. Eu não vejo a hora de voltar pra casa. —
Afirmei, mesmo sabendo que depois da alta eu não poderia continuar
evitando o Luiz Henrique.
A conversa seguiu agradável e leve, o senhor José Augusto me fez
gargalhar quando compartilhou sobre a vez que fugiu do hospital usando
apenas para o traje de internação, pois ele não concordava com a decisão do
médico em operar o seu joelho. O desfecho da fuga acabou no centro
cirúrgico, pois ele acabou deslocando o joelho enquanto tentava escapar, o
que só acentuou a necessidade da cirurgia. Luiza demonstrou-se preocupada
com a minha crise de riso, mas logo foi convencida pelo marido de que não
havia contraindicação para a felicidade.
— Alissa, vamos deixar você descansar. Tenha uma boa noite, querida.
— Luiza tocou a minha mão com carinho.
— Obrigada pela visita, vocês alegraram o meu dia.
— Qualquer coisa pode nos ligar a qualquer horário que estaremos
aqui.
— Agradeço, mas não precisam se preocupar, eu estou bem.
— Já já a Edileusa está por aqui, ela se ofereceu para passar a noite
com você para que o Luiz Henrique possa descansar.
— Não quero incomodar.
— Não é incômodo. Você faz parte da nossa família, Alissa. E na
nossa família cuidamos uns dos outros. — José Augusto afirmou.
Tal afirmação me levou às lágrimas. Saber que ele agora me
considerava parte da sua família tinha um impacto ainda maior nesse
momento, significava que eu era querida e amada. E ainda que eu soubesse
que perderia o posto de família após o nascimento do Apolo, eu me permiti
pensar que seria para sempre. Que a família Garcia seguiria sendo a minha
família, que me acolheu e me ensinou sobre o amor.
*
Edileusa passou a noite ao meu lado e eu me senti dividida entre a
gratidão e o constrangimento por estar incomodando. A mulher tão elegante
tinha que ficar naquele sofá cama, mas correu tudo bem. No dia seguinte,
pela manhã, recebi a visita de minha melhor amiga e tentei não chorar por
vontade de contar como tudo aconteceu. O dia passou sem o menor sinal do
Luiz, coisa que me deixou intrigada porque nunca achei que ele pudesse
seguir uma “ordem” minha.
Estava bem entediada de ficar imóvel naquela cama, quando a porta do
quarto se abriu. Uma mulher que nunca vi na vida entrou por ali, usando
calça jeans, camiseta preta e uma jaqueta jeans por cima.
— Alissa? — Assenti — meu nome é Wilma, fui contratada para ser
sua acompanhante.
Claro.
— Oi, Wilma, bem-vinda ao meu mundo tedioso — ela se aproximou
— aqui o barulho do corredor é o que tem de mais interessante. Não rola
fofocas ou gemidos de pessoas se pegando no quarto ao lado — lamentei.
— A senhora tem um ótimo senso de humor.
— Se me chamar de senhora está demitida — disse seriamente, mas
abri um sorriso no final — eu sou mais nova que você eu acho.
— Tudo bem, não posso contrariar a paciente — sorriu.
— Ótimo, então, por favor, me fale da sua vida e me distraia — pedi.
— Tenho 29 anos, dois filhos e moro com minha mãe — resumiu.
— Ah não, Wilma, eu quero detalhes — implorei — até os mais
sórdidos.
— Teremos algumas noites, Alissa, vou te contar tudo — piscou.
Bem, pelo menos agora eu tinha uma novela da vida real para
acompanhar.
*
Acho que já era a minha quinta ou sexta noite ali e não via a hora de ir
embora. Eu me senti sonolenta mais cedo do que o de costume e acabei
adormecendo por volta das oito da noite, talvez por isso eu tenha acordado de
madrugada. Não sabia se era isso mesmo ou a sensação de que tinha alguém
perto da minha cama que tinha me despertado.
Abri os olhos só um pouquinho, daquele jeito que a gente faz quando
não sabe se quer acordar ou voltar a dormir e entre os meus cílios ele se
materializou. Imaginei que estivesse sonhando, então não quis acordar para
que não sumisse. Talvez se eu voltasse a dormir o sonho se tornasse mais
erótico.
Então, o toque pareceu real de mais.
Mesmo de leve, com a ponta dos dedos apenas raspando suavemente,
eu o senti e então abri os olhos. Não era sonho porque ele não sumiu. Luiz
Henrique estava parado ao lado da minha cama de hospital com a mão
orbitando sobre minha barriga.
— Desculpe, não queria acordá-la, já estou de saída — se apressou em
dizer.
Mas eu segurei o seu pulso antes que se afastasse e coloquei sua mão
sobre minha barriga, permitindo que a tocasse de verdade.
Ele não disse nada, mas acariciou minha pele por cima da roupa de
hospital. Seus dedos enviaram um misto de carinho e arrepio por meu corpo e
eu o encarei enquanto ele olhava fixamente para o Apolo.
Como eu tinha sentido falta desse homem. A presença dele, por si só,
tornava tudo diferente naquele quarto.
— Está se sentindo bem? — Sua voz saiu emocionada.
— Sim, nós estamos bem — assegurei — não sabia da possibilidade de
visitas noturnas.
Ele não respondeu, para variar. Então, precisei insistir:
— Você veio todas as noites?
— Não podia ficar longe — sorriu, ainda sem me encarar — então
encontrei um jeito de não te perturbar com minha presença.
— Imaginei que não pudesse obedecer a qualquer tipo de ordem —
sorri — e estava certa, não era?
— Me desculpe pelo que disse aquele dia — se esforçou em dizer.
— Está desculpado.
O silêncio recaiu entre nós e só então eu percebi que a Wilma não
estava no quarto. Luiz tinha contratado alguém que facilitasse sua entrada
sem questionamentos como qualquer familiar faria, isso era a cara dele.
Mas ele não precisaria mais disso.
— Suas visitas estão liberadas — anunciei, com um sorriso.
E só então ele olhou para mim de verdade, pousando seus olhos sobre o
meu rosto. E assim, cara a cara, notei o quanto Luiz Henrique estava abatido,
com olheiras e o rosto cansado. Naquele segundo eu lamentei que estivesse
sofrendo, mesmo sabendo que eu mesma também sofria. Meu coração se
apertou por imaginar suas noites sem dormir direito e seus dias repletos de
trabalho e por sua dor real ao acreditar que eu seria capaz de tirar o que mais
queria.
— Falta pouco para você ter alta — comentou — e eu acho que sua
cama é mais confortável que essa, então dormirá melhor.
Era estranho não sabermos o que conversar, ele estava comentando
sobre a maciez da minha cama? Pelo amor de Deus.
— Estou com saudades — confessei porque era a mais pura verdade.
— Eu... — Luiz desviou o olhar — preciso ir para você descansar.
Imaginei que ele não fosse responder “eu também”, mas não que sairia
correndo dali. O pouco que tínhamos estava arruinado.
— Boa noite, Luiz Henrique — me despedi quando ele se afastou.
*
Quando a doutora Mariane me deu alta eu achei que estaria livre para
me movimentar. Claro que eu não esperava poder dançar funk até o chão ou
pular corda, mas não esperava que fosse preciso ficar mais quinze dias em
repouso. As instruções eram as mesmas das do hospital: ficar na cama e me
levantar apenas para o estritamente necessário. Ou seja, apenas fazer xixi,
cocô e tomar banho era permitido. O lado bom era que o meu quarto no
castelo tinha uma suíte, já imaginou se eu passasse por tudo isso morando na
casa em que morava?
Luiz Henrique garantiu para a médica que eu cumpriria as regras à
risca.
Eu me despedi de Wilma, agradecendo por todas as noites em que ela
esteve comigo. Havíamos trocado telefone e eu me sentia grata por estar
encontrando pessoas tão interessantes quando o meu caminho sempre foi
repleto de gente sem graça.
Luiz Henrique garantiu para a médica que eu cumpriria as regras à
risca e colocou todos que trabalhavam naquela casa para me vigiar. Nos
primeiros cinco dias eu o vi poucas vezes e a nossa comunicação raramente
acontecia, pois quando se fazia necessária era através de mensagens de texto
ou por recado dos funcionários. Nós agora mantínhamos uma relação de dois
conhecidos que eram obrigados a dividir o mesmo teto, não havia discussões
e/ou faíscas e o “teto” era uma mansão com muito espaço, então não
passamos por constrangimentos porque eu não saía da cama para nada além
de usar o banheiro.
Quando eu me lembrava da proibição de evitar fazer sexo por causa do
repouso não sabia se sentia vontade de rir ou de chorar, uma vez que a gente
sequer estava dividindo o mesmo espaço, quem diria a cama. Talvez um
período de abstinência forçada ajudasse Luiz Henrique a organizar os
pensamentos ao ponto de reconhecer que precisava me pedir desculpas. Ou
talvez só o ajudasse a se aliviar em outros braços e assim seguiria fingindo
que nada aconteceu.
Voltei a minha atenção ao painel inicial do serviço de streaming e
continuei a zapear entre as opções de filmes e séries em busca de algo que me
distraísse. Era impressionante como a gente levava mais tempo buscando
algo no vasto catálogo do que realmente assistindo. Antes que eu me
decidisse, um visitante inesperado surgiu na porta do meu quarto.
— Augusto! O que você está fazendo aqui? — Indaguei, ele trazia uma
cesta retangular nas mãos.
— Vim visitar uma moribunda. Posso entrar?
— Moribunda é a madrinha! — Ele gargalhou — vou deixar você
entrar, mas só porque estou de olho nessa cesta.
— E eu achando que era pelo meu belo sorriso. — Piscou pra mim.
— Deixa de graça e me mostre o que trouxe de bom pra mim.
Augusto caminhou com os passos relaxados, parando em frente a
cama, me lançou um olhar como se pedisse permissão para sentar ali e assim
que eu assenti ele ocupou o colchão ao meu lado.
— Espero que não esteja com nenhuma restrição alimentar ou me
sentirei um idiota por não ter perguntado antes.
— As minhas restrições não incluem alimentação — respondi sorrindo
— então, nem pense que vai levar minha comida com você.
— Ela é toda sua!
A cesta ocupou o espaço entre nós e me debrucei sobre ela. Havia
biscoitos amanteigados, cupcake, donuts e mais outras delícias que me fazia
salivar só de olhar. Mas foi na caixa retangular com doces expostos que a
minha atenção se fixou, a imagem da bola branca coberta por leite fez minha
boca salivar e não fiquei apenas na vontade, peguei o doce e o coloquei
inteiro na boca.
Minha língua estava preparada para o sabor do leite ninho, mas havia
muito mais, ele era recheado com Nutella e a junção dos dois provocou uma
explosão indescritível. Eu amava brigadeiros, mas acho que aquele branco
passaria a ser o meu doce favorito. Augusto me observava com atenção.
— Desculpa parecer uma esfomeada, mas esse doce é a melhor coisa
que já comi na minha vida.
— A primeira vez que experimentei tive a mesma sensação, pedi a
responsável por fazê-los em casamento tamanha empolgação.
— E ela aceitou?
— Para minha sorte, não. — Sorriu. — Que tipo de relação se pautaria
por brigadeiros?
— Uma feliz? — sorri, pegando um brigadeiro de sabor tradicional. —
Você tem o contato dela? Porque eu estou mais do que disposta em uma
relação que envolva essas perfeições.
Augusto riu alto.
— No dia que deixar o meu tio, tenho outro contato mais interessante
para te passar — piscou pra mim.
— Contato, no singular? — Arqueei a sobrancelha — quando meu
relacionamento com o seu tio terminar vou querer uma lista imensa de
contatos pra correr atrás do tempo perdido.
Era uma brincadeira, mas Augusto não sabia disso, por isso tratei de
explicar.
— Você deve ter uma péssima impressão a meu respeito, né? Eu saio
falando a primeira coisa que vem na minha cabeça.
— Eu acho você foda! — Afirmou sorrindo — é espontânea, não se
preocupa em agradar os outros, apenas é você.
— Mas preciso aproveitar para esclarecer que quis causar ciúmes no
Luiz e acabei envolvendo você, não quero te dar a impressão errada e...
— Eu saquei tudo, Alissa, não se preocupe que não estou torcendo para
que acabe tudo com meu tio e caia nos meus braços.
Soltei o ar aliviada.
— Me desculpe por ter usado você.
— Eu ia dizer que adoraria ser usado por você, mas vou engolir isso e
deixar a piada passar. Quero que saiba que torço por vocês, meu tio não
apresentava namoradas há um bom tempo e veja só, além de apresentar você,
foi logo te escolhendo para ser a mãe dos seus filhos.
— Talvez ele não tenha feito essa escolha de forma consciente —
soltei e me arrependi no segundo seguinte. — Quero dizer que não foi
planejado termos o filho e tal.
— Você acha que seria diferente se tivesse oportunidade de escolha?
Considerei a resposta, porque ela não dizia de fato a mim e ao Luiz
Henrique, mas a forma como Apolo foi gerado.
— Engravidar aos 19 anos é assustador — confessei — meu primeiro
pensamento foi: fodeu muito! Talvez para os homens seja diferente o
impacto, mas para a mulher vem junto uma responsabilidade do tamanho do
mundo. Tem que saber amamentar, dar banho, cuidar, colocar pra dormir
mesmo que nunca tenha feito nada disso na vida. Fora a mudança no corpo e
tudo o mais. E parece egoísmo querer ser vista além do bebê que carrega —
as palavras foram saindo e se atropelando, com tanta facilidade que eu me
surpreendi.
Era impressionante como eu me sentia à vontade ao lado do Augusto,
não tinha medo de ser julgada por ele como acontecia com o restante de sua
família.
— Não é que eu não ame meu filho, sabe? — Ele assentiu — porque
eu descobri que o amo mais do que um dia imaginei, mas sim,
constantemente penso como tudo seria diferente se não tivesse engravidado...
Essa parte incluía o Luiz Henrique. Quantas vezes me peguei pensando
como nossos caminhos jamais se cruzariam se eu não estivesse grávida e
desesperada. E ainda que um dia chegássemos a nos encontrar por aí, eu não
seria a sua escolha voluntária. Não era elegante, estudada ou de boa família
como a Pâmela, por exemplo. Não me sentia capaz de ser mãe, imagina ser a
mãe do filho de um homem que todos respeitam e admiram? A mãe do
herdeiro do CEO, eu não era qualificada para tal função.
Mesmo assim queria ser a sua escolha, não importava que ela não fosse
pautada por critérios de qualificação, eu ficaria imensamente feliz se ela fosse
apenas baseada por coração.
— Esses hormônios da gravidez. — Disfarcei sorrindo, quando senti a
lágrima molhar o meu rosto.
— Apolo vai ter muito orgulho de ter você como mãe — Augusto falou
como se adivinhasse que era isso que eu precisava ouvir.
— Você não tem o direito de dizer isso para uma mulher grávida em
repouso absoluto e esperar que ela não se debulhe em lágrimas — falei,
enquanto sentia as novas lágrimas.
— Eu não tenho culpa por dizer o óbvio — deu de ombros sorrindo —
e esse quarto? É pra cá que você vem depois de acordar com o ronco do meu
tio?
— Seu tio não ronca — esclareci enquanto ganhava tempo e pensava
no que dizer. — Esse quarto é pra que eu ficasse mais confortável, sabe?
Uma cama inteira só pra mim, principalmente agora com o repouso.
— E o meu tio concordou? — Arqueou a sobrancelha.
— Eu não preciso de aprovação do seu tio, garoto.
— Fala a verdade — senti meu coração acelerar com essa sentença —
você e meu tio são um desses casais que vivem juntos, mas têm quartos
separados.
— Não sei do que você está falando...
— Tá tudo bem Alissa. É mais comum do que você pensa, eu só não
imaginei que o tio fosse desse tipo.
Bom, era mais fácil deixá-lo acreditar nisso e Luiz Henrique não
poderia me culpar pelo pensamento do sobrinho.
— É um teste drive para a vida a dois — expliquei — acabamos
pulando algumas etapas, saltamos do namoro à gravidez, então estamos no
processo de adaptação.
— E você ainda quer me convencer que o tio não ronca a noite? —
Insinuou sorrindo.
— Cala a boca e coma! — Enfiei o brigadeiro em sua boca, e ele
repetiu o gesto colocando um entre meus lábios abertos.
Estava distraída com o sabor quando Augusto me fez olhar para a porta
com apenas duas palavras:
— Oi, tio...
Deixei meu olhar ir até lá e vi que Luiz Henrique estava estático ali,
nos encarando.
— Oi. — Cumprimentou de forma seca.
— Achei que estava no trabalho... — Comentei.
— Saí mais cedo para te fazer companhia, mas vejo que não precisava.
Era isso? Ele estava irritado por chegar e não me encontrar chorando
pelos cantos depois de me ignorar por vários dias?
— Eu já estou de saída. — Augusto fez menção de se levantar da
cama, mas toquei seu braço para que continuasse no mesmo lugar.
— Nada disso, vamos assistir ao filme. — Voltei a atenção para a TV,
selecionando a primeira animação que encontrei. — Você pode se juntar a
nós se quiser, cabe mais um aqui — indiquei o lado vago ao meu outro lado.
— Eu tenho uma ligação para fazer. Bom filme para vocês. — Luiz
Henrique foi embora do mesmo jeito que chegou, sem fazer nenhum alarde.
— Pets Unidos? — Augusto sorriu quando o título surgiu em destaque.
— É isso que uma moribunda está autorizada a assistir — sorri, dando
play no filme infantil.
Augusto curtiu tanto quanto eu o filme dos pets que viviam em
harmonia na Robocity, uma cidade na qual humanos e robôs conviviam em
uma relação harmônica. Tudo mundo quando o prefeito da cidade decide
expulsar os humanos deixando os bichinhos a própria sorte. O filme tinha
muitas cenas divertidas e leves, e em meio a isso, ainda nos leva a refletir
sobre o abandono de animais nas ruas, especialmente quando acontecia uma
tragédia, como furacão ou terremotos, e os donos eram obrigados a deixar
seus bichinhos para trás.
Após o filme, Augusto foi embora me deixando mais uma vez reclusa
no meu quarto, porém mais feliz do que quando iniciei o dia. Permaneci
sozinha por um pequeno período, Luiz Henrique apareceu quando eu me
preparava para dormir.
— Alissa, eu não sei o que você pretende, mas acho melhor não
continuar por esse caminho — o tom não era de um conselho, mas sim de
uma ordem.
— O que você acha que pretendo?
— Não acho nada, mas vi você e o Augusto juntos e me pareceram
bem íntimos. Você acha mesmo que trazer mais uma pessoa para nossa vida é
uma boa ideia?
— Seu sobrinho veio me visitar, eu nem esperava, mas gostei muito de
passar a tarde com ele.
— Você já o usou antes para me atingir — jogou na minha cara.
— Já e não me orgulho disso — admiti — talvez você não me ache
uma boa companhia e por isso me evita, mas nem todo mundo pensa assim.
Seu sobrinho gosta da minha companhia, conversamos, rimos, brincamos
como duas pessoas que gostam uma da outra fazem quando estão juntas.
— Você gosta dele? — Perguntou franzindo o cenho.
— Isso não ficou evidente ainda? — Esclareci. — Augusto me respeita
e me trata como igual. Com ele eu posso ser a Alissa de 20 anos que gosta de
funk e fala bobagem. Mas se o que quer saber é se tenho interesse romântico
nele a resposta é não. E posso garantir o contrário também.
— Não é preciso interesse romântico para duas pessoas desejarem uma
à outra.
— Concordo, veja a nossa relação — pontuei — mas ainda que eu
sinta desejo pelo seu sobrinho, estou proibida de fazer sexo, então pode ficar
tranquilo.
Vi o peito de Luiz Henrique subir e descer rapidamente acentuando a
sua irritação.
— Se você não tem mais nenhum conselho para me dar, vou dormir.
Não esperei pela resposta dele, desliguei a luz do abajur ao meu lado e
fechei os olhos.
Com o coração acelerado acompanhei o som dos seus passos pesados,
eu não sabia se em minha direção ou a caminho do seu próprio quarto. O
clique do interruptor, acompanhado pelo som mais distante indicou que ele
seguiu o caminho mais seguro para ambos.
Por um tempo achei que o que me mantinha conectado a Alissa era o
meu filho, afinal ela era o elo entre nós, mas eu estava enganado. Percebi que
não era apenas isso quando a perdi, naquele quarto de hotel. E tive a certeza
no percurso até o hospital, enquanto ela se curvava de dor. Entre todas as
preocupações com a saúde de Apolo, eu percebi que havia algo maior que me
ligava a ela. Era uma vontade genuína de estar perto, de cuidar, dar carinho e
permanecer junto. E esse desejo ainda permanecia contrariando a lógica, a
falta de confiança e a minha disposição em permanecer afastado.
Precisei de espaço, por isso me afastei. Mas depois de vários dias me
via buscando uma motivação que justificasse minha presença e encontrei:
precisávamos urgentemente iniciar o enxoval e preparar o quarto de Apolo.
Antes, o plano inicial era começar a montar o quarto do bebê quando
voltássemos de viagem, havia previamente solicitado a um design de
interiores que fizesse um projeto para o quarto, mas não tivemos tempo de
conversar sobre isso dado os últimos acontecimentos. Todavia, independente
da nossa relação era preciso que déssemos início aos preparativos para
receber Apolo, ainda mais quando pairou sobre nós a possibilidade do parto
prematuro.
Antes que eu chegasse ao quarto de Alissa, as risadas e conversas
indicavam que ela não estava sozinha. Supus que estava em companhia da
sua amiga Tamires, mas não foi ela quem encontrei. Dei de cara com o meu
sobrinho em sua cama, dando brigadeiro na sua boca. Senti um calor
repentino percorrer meu corpo, subindo dos meus pés até a cabeça. Minha
vontade era de pegar o moleque folgado pela gola da camiseta e arrancá-lo
dali, berrando algumas coisas que estavam entaladas em minha garganta
desde o momento em que eles se viram pela primeira vez.
Mas não podia agir de tal forma, era o único maduro e responsável
naquela situação. Não podia me deixar dominar por um ciúme infantil, então
usei de todo o meu autocontrole para fingir que não dava a mínima para eles
dois. Quando, mais tarde fui ao quarto dela relembrar que aquele não era o
melhor caminho, ela deu a entender que o desejava, mas que não me
preocupasse porque seu repouso impossibilitava a transa.
Aquilo me atingiu, em cheio. Havia dezenas de outras formas de prazer
que não incluíam penetração e a ideia de Alissa e Augusto juntos se formou
na minha mente. Dominado pelo ciúme, retornei para o meu quarto ainda
mais irritado do que quando saí e a imagem dos dois juntos ainda me
atormentou até o sono chegar.
No dia seguinte estava disposto a continuar não caindo na manipulação
de Alissa, mas precisei ir mais uma vez ao seu quarto para decidirmos o
quarto do Apolo. Dessa vez, o lugar ao seu lado na cama estava ocupado por
cadernos e livros, ela estava debruçada sobre eles. Não sei como, mas Alissa
estava estudando ouvindo música em um volume elevado. O refrão chegou e
Alissa berrou junto com a cantora:

Vem amor, bate e não para


Com o piru na minha cara
Vem, vem amor, bate e não para
Com o piru na minha cara

Imediatamente a cena do meu pau ereto batendo no rosto de Alissa foi


construída, ela não precisaria nem mudar de posição, eu me colocaria ao seu
lado, abriria a calça o suficiente para liberar o meu pau e atenderia ao seu
pedido.
— Terra chamando Luiz Henrique! — A voz dela me despertou da
visão que me excitou.
— Você está ocupada, volto mais tarde — comentei.
— Não faz isso, não leva a minha chance de dar uma pausa nos estudos
— ela sorriu.
— Ok — entrei em seu quarto — mas antes, que música ruim é essa?
Ela pausou o som do celular e se sentou.
— Funk explícito — deu de ombros — claro que o senhor Garcia
Lopes não deve escutar isso.
— Bem explícito mesmo — concordei.
— Mas não foi para comentar sobre meu gosto musical que você veio
aqui, não é?
— Não mesmo, queria a sua opinião sobre o quarto do Apolo. Já
estamos em direção ao final da gestação e ainda não vimos nada.
— Você quer que eu ajude?
— Se você não quiser, não tem problema...
— Eu quero, apenas fiquei surpresa.
— Posso? — Perguntei, antes de me sentar na beira da cama.
— A cama é sua, nem precisa perguntar. — Alissa sorriu.
— Você deveria lembrar disso mais vezes — falei e sorriso no rosto
dela sumiu — desculpe, eu não deveria ter dito isso.
— Mas disse e sobre ontem...
— Não vim aqui para falar sobre ontem, você já me disse tudo.
— Mas eu quero falar — prosseguiu — fui imatura quando insinuei
que poderia estar atraída por Augusto. Estava puta porque me sinto sozinha,
você me evita e aí quando alguém vem me fazer companhia você não
aprova...
— Alissa...
— Só me escuta, por favor — assenti — seu sobrinho é um homem
bonito, mas não estou atraída fisicamente por ele e nem faria sexo se
estivesse apta para tal função. Não é ele que quero na minha cama e você
sabe disso. Por isso, quero pedir desculpas por ter dito aquilo. Eu o considero
um amigo e não achei que teria problema que ele ficasse aqui na cama
comigo, mas se isso de alguma forma desrespeita você e a sua casa, não vai
se repetir. Mas também não vou me afastar dele. É raro na minha vida
encontrar uma figura masculina que não me veja como um objeto sexual...
— Você não é um objeto sexual, Alissa.
— Eu sei. Por isso, aprecio a companhia de quem me vê além de um
corpo.
— Augusto é bem-vindo nessa casa, mas eu preferia não presenciar ele
dando comida na sua boca outra vez.
— Não vai se repetir — o sorriso voltou ao seu rosto — bandeira
branca? — acenou com o paninho que cobria o copo de suco na mesa de
cabeceira.
— Bandeira branca — concordei.
Apresentei a Alissa duas propostas para o quarto. Uma era de um
espaço mais minimalista, os tons de marfim e cinza predominavam e os
objetos ali apresentados eram poucos e bem funcionais: berço, trocador,
cômoda, cadeira de amamentação e três nichos. Além disso, a combinação
dos elementos de madeira com as cores suaves tornava o ambiente simples e
aconchegante.
O primeiro projeto havia me agradado, a design havia capturado o meu
estilo para desenvolvê-lo, mas esse não era um espaço que deveria
representar as minhas características, o dono daquele ambiente era outro. E
quando o segundo projeto chegou, eu vi o Apolo nele. Com o tema ursinho
aviador, o quarto tinha um toque lúdico. Os tons de azul, branco e bege
formavam uma composição neutra. O ursinho aviador aparecia em diversos
detalhes, desde as prateleiras até o enxoval do berço e da cama auxiliar.
Aviões suspensos e painéis decorativos com a silhueta do personagem
complementavam a decoração.
— Os dois são lindos — Alissa havia observado tudo atentamente sem
emitir nenhuma opinião — mas o segundo é perfeito. Os ursinhos com óculos
e roupinhas de piloto de avião são fofos demais, eu já imaginei Apolo deitado
no berço vendo os aviões suspenso se movendo.
— Ótimo — pontuei — vou confirmar com a equipe para que
comecemos o quanto antes.
— Confirmar? Então, a minha opinião era café com leite, né? — Uma
risada acompanhou a frase. — Você já tinha decidido.
— Não, eu realmente considero a sua opinião. Mas fico feliz que
tenhamos concordado e não discutido. Agora precisamos ver os outros itens
de enxoval, a minha assistente me passou um checklist do enxoval e
considerando a nossa inexperiência no assunto bebês, acho que devemos
segui-la. Além disso, ela acrescentou uma lista de lojas virtuais onde
podemos adquirir os produtos.
— É muita coisa, né? — Alissa comentou observando a lista na tela do
tablet — mas a gente vai comprar tudo online?
— No primeiro momento sim, mas podemos ir às lojas físicas depois.
Se bem que não vejo sentido em sair e entrar de loja em loja quando elas
podem vir até você.
— Acho que você nunca entrou em uma loja de bebê — falou sorrindo
— quando comprei o mini smoking senti uma magia naquele lugar, são tantas
roupinhas e coisas lindas que você quer morar lá para sempre. Acho que você
precisa sentir essa magia.
— Você trouxe um bom argumento. Quando seu repouso terminar,
vamos até uma dessas lojas mágicas — o sorriso em seu rosto se ampliou —
vou deixar você ir às compras virtuais, por enquanto.
— Acho que podemos fazer isso mais vezes — falou quando me
coloquei de pé — agirmos apenas como pais de Apolo, afinal ele é o elo que
ainda nos une.
— O faremos.
*
Apolo era um terreno neutro entre nós, nos reunimos outras vezes
porque Alissa queria a minha opinião se era melhor jogo de cama para berço
liso ou estampado. E ainda que eu tivesse dito que ela não precisava esperar
eu chegar do trabalho para me consultar, gostei de participar da escolha das
estampas do kit berço, roupinhas e sapatinhos. Nesses momentos que
dividíamos a mesma cama falando sobre como o Apolo ficaria lindo usando
as roupinhas ou passeando pela casa no seu carrinho de bebê de três rodas, eu
era levado pelo sonho antigo de ter esse cotidiano.
O quarto ao lado do meu, que seria do Apolo, já estava em mudança.
Uma equipe passava o dia trabalhando e cada vez que eu voltava para casa à
noite observava o espaço do meu filho ganhando forma. Registrava em
imagem e compartilhava com Alissa que ainda permanecia em repouso em
seu quarto.
— A gente nunca conversou sobre o depois, né? — Ela verbalizou,
fitando a sua barriga.
Alissa estava ainda mais bonita à medida que a gravidez avançava. Seu
rosto mais redondo e os seios mais volumosos a deixavam mais desejável
ainda. Sua barriga redonda e pontiaguda era digna de ser venerada.
— Estou evitando pensar nisso.
Confessei, colocando-me de pé da cadeira que coloquei ao lado da
cama para não cair no erro de achar que ali era o meu lugar.
— Eu também, mas às vezes me pego pensando que esse dia está cada
vez mais próximo e eu preciso me preparar — ela ergueu a cabeça, e seus
olhos pareciam distantes, como se perdida em um futuro. — Eu sei que o
nosso contrato se encerra com o nascimento de Apolo, mas será que eu posso
ficar algumas horinhas com ele na maternidade? Só para eu me despedir.
— Não vou arrancar o seu filho de você assim que ele nascer, Alissa.
— Obrigada — uma lágrima rolou pelo seu rosto.
— Você se arrepende do nosso acordo? — Perguntei, sentindo meu
coração apertar.
— Eu me arrependo de como ele vai terminar — comentou, desviando
os olhos.
Eu também. Respondi em pensamento.
Eu estava me sentindo bem, mas entediada. Com todos os cuidados e
tudo o mais no último mês, eu estava com saudades de ver o mundo. Minhas
saídas anteriores estavam resumidas a exames e consultas e sempre
acompanhada do Luiz Henrique. Mas eu já estava fora de perigo, meu filho
estava bem e as minhas roupas não cabiam mais em mim. Bem, não as que eu
gostava. O estilo mamãe piriguete não estava bem atendido, a maioria achava
que as mulheres ao engravidar viraram apenas barriga? Tinham que usar
camisas e legging, peças sem cintura ou vestidos longos o tempo inteiro? Eu
era jovem e gostaria de continuar me sentindo assim, por isso decidi que uma
voltinha no shopping não faria mal. Seria apenas uma hora e meia, no
máximo.
Assim, às 10h15min eu estava entrando em uma loja e olhando as
roupas adaptáveis à minha barriga grande. Achei um vestidinho floral de alça,
que por ter a saia começando abaixo dos seios acomodava minha barriga e o
cumprimento ficava pouco acima das coxas. Menininha, mas sensual. Peguei
um estilo tubinho com o tecido que esticava bastante que me deixou linda,
esse na cor lilás e me apaixonei por um conjunto de croped e saia longa que
deixava uns três dedos de pele exposta entre eles, era bege e cairia super bem
caso houvesse algo mais social para ir.
Para aquele primeiro momento estava perfeito e eu tinha conseguido
tudo em um só lugar, sem precisei andar muito para não me atrasar ou me
cansar depois da fugida da mansão. Assim, uma hora depois estava tomando
um suco de laranja na praça de alimentação, salvando umas inspirações no
Pinterest, buscando referências de looks para mamães jovens quando uma
mulher se aproximou da mesa onde eu estava sentada.
— Alissa? — Levantei o rosto quando ouvi meu nome. — Oi, eu me
chamo Virginia, sou amiga do Luiz Henrique...
A menção a ele me fez dar um sorrisinho, precisava ser simpática
mesmo sem conhecer a dona dos belos olhos azuis. A mulher devia ter entre
trinta e quarenta anos, não dava para precisar porque ela era rica e investia,
muito provavelmente, em procedimentos estéticos a julgar por sua pele muito
lisa na testa. Ela era bonita, usava um conjunto social azul e levava uma bolsa
média pendurada em seu braço.
— Tudo bem? —Perguntei, sem saber o que dizer depois de ser
abordada.
Ela deu a volta para ficar ao meu lado e olhou diretamente para minha
barriga.
— Posso me sentar um pouco?
— Claro — ela mal esperou minha resposta para puxar a cadeira.
— Me desculpe por te abordar assim é que te reconheci das fotos dos
eventos — explicou — faz algum tempo que não vejo o Luiz.
— Ah...
Aquilo tudo era estranho, mas não dava para imaginar o quanto até ela
lançar sua próxima frase.
— Foi inseminação?
— Não entendi — encarei o rosto da desconhecida tentando ver se
fazia alguma piada que eu não sabia a referência.
— Vocês conseguiram engravidar por inseminação artificial? A
medicina avançou bastante de lá para cá.
— Eu realmente não sei do que a senhora está falando.
Ela aguardou um instante, como se tentasse juntar as peças de um
quebra-cabeça.
— Ele não te contou?
Aquela mulher estava me deixando tonta com tantas perguntas.
— Quem não me contou o quê?
— Se ele não te contou, então... Esse filho não é dele. Quem é o pai?
Engoli em seco. Quem era aquela maluca? Por que ela estava
afirmando com tanta certeza que Luiz não era o pai de Apolo?
— A senhora deve estar me confundindo com alguém — arrastei a
cadeira para ficar de pé.
— Quem é o pai? — A mulher repetiu, ficando de pé.
— Luiz Henrique é o pai — afirmei com todas as letras.
— Ele não pode ser o pai... — Comentou, confusa.
— Por que não?
— Luiz Henrique é estéril.
— O quê? — Eu me sentei novamente, com medo de minhas pernas
tremerem.
Luiz não podia ter filhos? Agora tudo fazia sentido. O amor tão intenso
em relação a Apolo. O medo de perder o filho. Por isso, o acordo. Senti os
meus olhos arderem, se enchendo de lágrimas. Por que ele não me contou?
Como um flash, eu me lembrei do momento em que me disse que
podia cuidar do bebê que ele sequer tinha certeza de que existia um, já que eu
nem tinha barriga. A imagem mais emocionante da nossa viagem também
voltou com tudo em minha memória e eu o vi abaixado, abraçado a mim e
com lágrimas quando sentiu o bebê mexer pela primeira vez.
Os olhos azuis de Virginia se encheram de lágrimas quando ela olhou
além. Além de mim, para algo que eu não conseguia ver. Talvez uma
lembrança do passado.
— Virginia?
O motivo dos olhos marejados dela não era uma lembrança e a sua voz
me atingiu em cheio, como sempre fazia. Luiz chegou por trás de mim, por
isso não o tinha visto.
— Por que ela e não eu? — A mulher perguntou com um tom que
misturava raiva e dor. — O que ela tem que eu não tinha?
Assisti, confusa, aquela interação.
— Isso não lhe diz respeito. Não mais — ele respondeu com frieza.
Luiz se inclinou um pouco em minha direção e me olhou, notando
minhas lágrimas que escapavam.
— Está se sentindo bem? — Seu tom de voz suavizou — fale comigo,
Alissa.
— Eu... Eu...
— O que você fez com ela? — Lançou a pergunta à outra mulher.
— Não fiz nada, estava apenas curiosa quanto ao filho dela.
— Nosso filho — ele rosnou — e não há nada que você deva se
interessar aqui.
— Você a ama? — A mulher insistiu. — Mais do que me amou?
— Quero você longe daqui, Virginia. Não se aproxime mais de nós.
— Não consegue dizer que a ama? — Ela riu — você já foi mais
sentimental, Luiz Henrique.
— Você conseguiu destruir essa versão minha — acusou — o que eu
sou hoje é reflexo do que vivi e você sabe muito bem que minha experiência
amorosa não foi das melhores.
— Nós nos amávamos! — Ela quase berrou, chamando a atenção de
algumas pessoas que viraram a cabeça em sua direção.
— Não o suficiente, não é? Não o bastante para evitar que você
trepasse com outro.
— Ainda não me superou — ela riu.
— Aí é que você se engana. Vamos embora, Alissa — ele estendeu a
mão para que eu me levantasse e quando o fiz, mais alguém se juntou a nós.
— Mamãe? — Um garoto correu em direção a Virgínia. Era grande, eu
chutaria que tinha uns nove ou dez anos de idade. — Ainda não consegui
zerar o jogo, a ficha acabou, você disse que voltava logo e não voltou... A
babá me trouxe para procurar você.
— Já estava indo, meu amor — ela encarou o menino, alisando seus
cabelos cacheados.
Luiz assistia a cena com os olhos fixos no garoto.
— Qual é o seu nome? — Ele perguntou para o menino.
— Ilton — ele respondeu estendendo a mão — e você? É amigo de
minha mãe?
— Me chamo Luiz Henrique, muito prazer. E sou um conhecido dela
— Luiz soltou a mão do garoto e encarou a mulher — parece que eu
descobriria mais cedo ou mais tarde, não é?
Eu os encarei, comparando os presentes naquela cena confusa. O
menino não se parecia muito com a mãe, tinha os olhos pretos e os cabelos
cacheados, enquanto a mulher tinha olhos azuis e cabelos lisos. A pele
também não era da mesma cor, ele era preto e a mulher, branca. O Ilton
provavelmente herdou as características do pai e se eu estava acompanhando
a história da maneira correta e ela se comparava a mim, tentou fazer com que
o Luiz fosse o pai do menino.
Meu Deus, eu estava completamente em choque com aquela situação.
— Vamos, mãe! — Ilton insistiu, puxando a mãe.
— Até logo, Luiz — a mulher se despediu — boa sorte, Alissa.
— Até nunca mais, Virginia — ele rosnou e a mulher se afastou.
Eu me virei para ele ainda com as lágrimas escorrendo por meu rosto e
vi o dele mais fechado do que normalmente era. Luiz tinha o olhar frio e a
boca estava em linha reta, sem qualquer traço de sorriso.
Não pensei antes de me jogar nos braços dele. Luiz demorou para
colocar os braços ao meu redor, mas eu fixei os meus em seu pescoço,
chorando por algo que eu sequer sabia como tinha acontecido.
Passei um minuto ali, agarrada a ele como uma insana.
— Fique calma — afagou minhas costas. — Respire, Alissa.
— Vamos sair daqui — pedi, ao notar que éramos o centro das
atenções da praça de alimentação.
— Vamos para casa — ele informou.
Luiz pegou as minhas sacolas e nos conduziu até o carro. Enquanto
Josué dirigia, eu me mantinha abraçada a ele, aproveitando nosso momento
de trégua. Tanta coisa passava por minha cabeça que era capaz de me deixar
tonta. Respirei fundo, sentindo o cheiro do perfume amadeirado dele e fechei
os olhos, aguardando até que a gente chegasse em seu palácio.
*
Quando entramos em casa, ele me levou diretamente até o meu quarto
e me fez deitar na cama. Antes de dizer qualquer coisa, Luiz pegou o medidor
de pressão arterial e se certificou de que estava tudo normal.
— É melhor você descansar um pouco — ele falou com tranquilidade
— almoça mais tarde, eu peço pra Magda trazer aqui.
— Estou me sentindo bem — tranquilizei — sente aqui e converse
comigo.
Ele não fez o que pedi, andou até as portas da varanda e abriu,
deixando o ar fresco entrar no quarto.
— Quem era aquela mulher? — Perguntei, com ele ainda de costas.
— Foi minha esposa.
— Não sabia que tinha sido casado — comentei — não sabia muita
coisa, na realidade.
— Nos conhecemos jovens e nos envolvemos quando eu tinha por
volta dos vinte e cinco anos. Casamos e nos divorciamos dois anos depois do
nosso sim. Como você a encontrou?
— Ela me abordou do nada — lembrei — disse que me reconheceu das
fotos dos eventos e que era sua amiga.
— Amiga? — Riu, mas não tinha graça em sua risada.
— Ela me disse que você não podia ser o pai do meu filho...
— Desgraçada — xingou — voltou das profundezas do inferno para
me atormentar.
Engoli em seco.
— Continuei afirmando que você era o pai.
— Sei que está cumprindo sua parte no acordo...
— Esqueça essa merda de acordo e olhe pra mim — ordenei.
Luiz se virou devagar e me lançou um olhar cruel.
— O que você quer, Alissa?
— Que me conte o que aconteceu.
— Para ter uma carta na manga e usar contra mim?
— Para tentar entender como você se tornou esse filho da puta — cuspi
— para começar a compreender os motivos pelos quais você me acusou por
algo que não fiz. E principalmente, para saber se ela é a errada da história ou
se você manipulou tudo como fez comigo.
Ele sentiu as minhas palavras, deu para notar na forma como seu rosto
se contorceu. O olhar que estava cruel pareceu mudar para o modo sofrido e
os seus ombros sempre tão altivos ficaram caídos.
— Não é fácil relembrar o dia em que mais sentiu dor na vida. E não
me refiro a dor física — comentou, se aproximando da minha cama.
— Eu sei, por experiência própria.
Luiz tirou o celular do bolso e o desligou. Tirou o terno e colocou os
dois no cantinho da cama. Eu o vi afrouxar a gravata como se as palavras que
fosse dizer pudessem ser sufocadas por aquele tecido e quando seus olhos
voltaram a cruzar com o meu, eu soube que Virginia o tinha machucado mais
do que eu era capaz de imaginar.
— Sente-se — indiquei o lugar na cama, me sentando para que
ficássemos frente a frente.
Mas ele não o fez.
Luiz tirou os sapatos com os pés, chutando para longe e subiu na minha
cama usando meias pretas. Ele se deitou e pousou a cabeça no travesseiro ao
lado. Notei os seus olhos se fecharem e me perguntei se ele ia dormir e me
ignorar.
Não sabia o que fazer se ele começasse a roncar alguns minutos depois.
Eu seria capaz de bater nele para que despertasse e me contasse logo? Ou o
deixaria descansar um pouco, como ele fez comigo meses atrás? Naquele dia
ele me deu espaço primeiro e só depois tentou me fazer falar.
Estava prestes a deixá-lo em paz, descansando com suas memórias,
quando sua voz me atingiu e ele começou a narrar como tudo aconteceu.
Virginia e eu estávamos casados há dois anos, mas antes mesmo de
oficializar a nossa relação, em uma cerimônia religiosa e festa para duzentas
e cinquenta pessoas, já fazíamos planos de construir a nossa família. Nós
namoramos, noivamos e casamos em um intervalo de cinco anos. E durante
todo o tempo nossos planos incluíam, pelo menos, duas crianças correndo
pela casa. Aproveitamos nosso primeiro ano de casados apenas nós dois e
acordamos que teríamos um filho depois desse prazo.
E então, um ano atrás, começamos a colocar o nosso projeto em
prática. Ela interrompeu o uso do anticoncepcional e continuamos fazendo a
nossa parte, já que a nossa rotina sexual era intensa, as chances de engravidar
no primeiro mês sem o uso do contraceptivo era alta.
Contudo, não foi assim que as coisas aconteceram. Os meses foram
passando e ela não engravidava. A cada mínimo sinal de gravidez, atraso
menstrual ou náusea, nos enchíamos de esperança para logo em seguida se
mostrar ser apenas alarme falso. Seis meses depois, inconscientemente, a
sensação de culpa nos consumia. Eu sentia a minha esposa cada dia mais
frustrada por não conseguir engravidar, e aí ela passou a buscar ajuda
profissional para entender o que estava acontecendo. Virginia se submeteu a
várias consultas e exames, mas nada detectava sinais de infertilidade. Os
conselhos dos amigos mais próximos, que tinham filhos, era que
continuássemos tentando que uma hora seriamos agraciados.
E foi assim que passamos a olhar para a gestação: como uma dádiva
que aconteceria em nossas vidas mais cedo ou mais tarde. Ter um filho de
quem você ama era um presente do céu, eu amaria um filho meu em qualquer
contexto, mas saber que era fruto do meu amor com Virginia tornaria a
paternidade ainda mais especial. A chegada de um filho intensificaria os laços
de um amor doce, sereno, leal e duradouro que cultivávamos e eu ansiava
ardentemente por esse dia. O dia que seríamos uma família, a minha família.
Depois de um tempo, passei a questionar se não seria eu o responsável
pelo adiamento do nosso sonho. Apesar do meu último check-up ser
indicativo da minha boa saúde, não custava nada fazer um exame mais
específico para avaliar a possibilidade, assim consultei meu clínico que pediu
que eu realizasse um espermograma.
O exame nada mais era do que a coleta de sêmen e a partir dele um
teste laboratorial analisaria a fertilidade masculina. Era um exame simples,
feito a partir de uma amostra que devia ser colhida no laboratório após
masturbação.
No dia agendado, compareci à clínica e já na recepção senti que havia
uma disputa no ar. Nós homens sempre achávamos que precisávamos provar
nossa superioridade e naquele ambiente no qual todos sabiam o que seria
feito parecia um pouco pior. Demorar na sala poderia ser um indicativo ruim,
assim como sair rápido demais, as nossas opções nos condenariam de alguma
forma. Então, qual seria o tempo ideal? Entre três e cinco minutos, talvez.
Assim você não corria o risco de ser avaliado pelo seu semelhante como um
ejaculador precoce.
A sala de exame também contribuía para evidenciar muita coisa.
Infelizmente, era mais comum do gostaria, a disputa sobre ter o pau maior ou
os comentários sobre a própria performance na cama e estar ali para realizar
um exame que exigia sua masturbação servia para reavivar o homem das
cavernas escondido em cada um de nós.
Quando chegou a minha vez, recebi um saquinho de plástico contendo
um frasco de coleta e instruções para a realização correta do exame. Assim
que entrei na sala, deixei o frasco sobre a mesinha e me dirigi ao banheiro,
lavando as mãos e o pênis com água e sabão em abundância. Após isso, de
acordo com as instruções, passei antisséptico no meu pau, na glande e no
orifício uretral, enxugando com gazes depois.
Meus olhos vagaram pelas paredes cinzas e notei a televisão grande
que continha filme pornô e as revistas de mulheres nuas, formando um
pequeno arsenal do que deveria servir de inspiração na tarefa, mas eu não
recorri a nenhum deles. Fechei os olhos e imaginei a minha esposa ali,
ajoelhada e me chupando, levando-me ao prazer com a sua boca gostosa. A
intensidade das sensações fez com que eu gozasse rapidamente feito um
adolescente punheteiro, mas meu objetivo foi cumprido e o sêmen ocupava o
fundo do coletor.
Os dias passaram enquanto eu guardava o resultado do exame com
ansiedade e expectativa. Uma parte de mim desejava saber logo a conclusão e
tirar esse peso dos meus ombros e a outra estava temerosa com o que fosse
revelado. E se fosse detectado algum impeditivo de ter um filho? Uma
sensação nova e incômoda me dominou diante da possibilidade de que talvez
eu fosse o motivo por trás da Virginia ainda não ter engravidado. E se isso
fosse real e significasse que não poderíamos ter nossa família? O nó na
garganta surgiu e se intensificou quando o que era um simples pensamento se
tornou um tormento.
O meu telefone pessoal vibrou sobre a mesa de mármore e agradeci
mentalmente a essa interrupção por afastar, momentaneamente, os meus
temores. Meus olhos se fixaram na tela e o nome do médico apareceu em
destaque.
— Doutor Soares...
— Luiz Henrique, tudo bem?
— Quando o seu médico liga para você após a realização de um
exame, não pode ser para te contar uma boa notícia... — Deduzi e para minha
decepção ele não negou de imediato.
— O resultado saiu — meu coração acelerou com a notícia. — Será
que pode dar uma passadinha aqui no consultório? Estarei ausente nos
próximos três dias, participando de um congresso, e como você estava
ansioso pelo resultado achei que gostaria de vir antes.
— Estou a caminho — encerrei a ligação.
*
Soares passou os últimos cinco minutos detalhando cada aspecto do
meu esperma, como o volume, viscosidade, PH; além da concentração deles,
a sua motilidade, vitalidade e estrutura. A cada novo dado apresentando a
sensação de que algo muito ruim estava diante de mim se intensificava. A
confirmação veio quando ele introduziu o assunto de cirurgias desobstrutivas
de vias ejaculatórias e técnicas de reprodução assistida.
— Isso significa que sou estéril? — Questionei, sentindo a minha
cabeça latejar.
— A azoospermia ser caracterizada pela ausência de espermatozoides
no sêmen indica infertilidade masculina, mas isso não quer dizer que você é
estéril. Existem dois tipos de azoospermia: a obstrutiva e a não obstrutiva. Se
o homem produz espermatozoides, mas por alguma razão não os ejacula, ele
é portador de azoospermia obstrutiva. Caso ele não ejacule espermatozoides
por ter uma deficiência na produção dos gametas, ele é portador de
azoospermia não obstrutiva. A reprodução assistida é uma ferramenta
também disponível. Você ainda pode ser pai, Luiz Henrique.
A última parte reacendeu a esperança em mim.
— Você vai precisar realizar a punção testicular — continuou as suas
explicações — e com isso poderemos estabelecer se é de ordem obstrutiva ou
não. Essa informação é fundamental para uma tomada de decisão do que
fazer.
— Isso é mais do que consigo lidar agora. — Confessei.
— Leve o tempo que precisar para digerir a informação — me lançou
um olhar de compaixão. — Você é jovem, os resultados têm chances altas de
serem favoráveis.
Ele tinha razão, eu ainda não tinha completado 32 anos e poderia ter
acesso aos melhores tratamentos, agora eu só precisava organizar isso dentro
de mim. Contaria a Virginia que havia feito o exame e qual tinha sido o
resultado e, juntos, passaríamos esse contratempo. Com amor e paciência,
nós encontraríamos a melhor solução e, finalmente, teríamos nossos filhos.
Como se soubesse que meus pensamentos estavam com ela, recebi a
sua ligação no trajeto de volta ao escritório.
— Atrapalho? — A sua voz foi o acalento que eu precisava.
— Você nunca atrapalha, meu amor — respondi soltando a respiração
— é ótimo te ouvir agora.
— Vou ser breve porque sei que isso não é uma verdade absoluta —
sorriu — aposto que você tem inúmeros compromissos
— Você é a minha prioridade.
— Então posso te esperar para o almoço? Quer comer algo especial?
— Quero comer você — sentenciei — degustar cada parte do seu
corpo, saborear seus seios, sua boca, me perder no gosto da sua boceta
molhada...
— Merda, precisarei trocar de calcinha — eu ri alto, expulsando o
temor que senti poucos segundos atrás.
— É melhor ficar sem ela...
— É melhor que você venha o quanto antes, pois estou no ponto para
ser devorada.
— Estarei aí em uma hora.
A ligação foi encerrada e precisei levar a mão até o meio das minhas
pernas para disfarçar a ereção marcando a calça social. Eu precisava ficar
mais duas horas na empresa, mas era difícil analisar propostas de expansão da
JAG quando a cabeça que comandava a situação era a de baixo. Era difícil
pensar em negócios quando a imagem dela me aguardando sem calcinha
surgia como flashes em minha mente.
*
Segui ao encontro dela, no nosso quarto, com a mesma urgência de
quem estava fugindo de um incêndio. A diferença era que eu não estava me
distanciando do fogo e sim caminhando em busca da combustão que faria
meu corpo arder em chamas apenas com um toque.
Sentir Virginia era o que eu precisava para me manter vivo.
A porta do quarto estava aberta e, antes mesmo que eu pudesse entrar
no ambiente, tive acesso a visão da mulher da minha vida. Sentada na ponta
da cama ela encarava um envelope em suas mãos. Virginia estava elegante,
como de costume, trajando um vestido bege com cinto afivelado que marcava
a sua cintura fina. Ela era alta e esguia, seus 58 quilos distribuídos
proporcionalmente ao longo dos 1,79m. A boca volumosa e rosada se
destacava no rosto cor de porcelana, mas eram os seus olhos azuis-turquesa
que me capturavam em uma teia de amor e desejo sempre que nossos olhares
se encontravam. Exatamente como acabou de acontecer.
— Amor, você está aí. — Sorriu.
— Você é perfeita! — Falei, diminuindo a nossa distância
— Você costuma dizer isso quando estou sem roupa... — Seu sorriso
se intensificou.
Andei até ela e segurei seu rosto com as duas mãos, beijando-a com
todo o amor que eu trazia dentro de mim. Quando ela gemeu contra meus
lábios me senti perdido e salvo.
Nada mais me importava.
Não tinha relevância se o nosso filho seria concebido de maneira
tradicional, reprodução assistida ou por adoção, nós teríamos a nossa família,
pois tínhamos um ao outro e o nosso amor.
Eu encerrei o beijo, pronto para tirar o terno, mas assim que nossas
bocas se separaram ela anunciou:
— Eu tenho uma surpresa para você!
— Ainda faltam alguns meses para o meu aniversário. — Olhei para o
envelope branco que ela me estendeu.
— Vai abre! — Incentivou sorrindo.
Puxei o adesivo dourado do lacre, retirei a folha branca e a desdobrei
para saber o que tinha ali. Entretanto, nada me preparou para o que li.
BETA HCG – 1797.6 mlU/ml
Pelos valores de referência, aquilo era positivo.
— O que significa isso?
— Que você será pai! — Se jogou em meus braços. — Eu estava tão
ansiosa para te contar. Eu não queria que fosse mais um alarme falso, então
esperei semanas até fazer o beta e o resultado foi positivo. — Ela se afastou
dos meus braços apenas para me olhar nos olhos. — Você não vai me dizer
nada?
Me encarou em expectativa, os olhos azuis piscando repetidas vezes.
A sensação era como se eu tivesse recebido um soco no estômago e,
momentaneamente, o ar pareceu ficar escasso. Inspirei lentamente, enquanto
tentava normalizar a sensação sufocante.
— Quem é o pai? — As palavras saíram com dificuldade.
— Co-mo, como quem é pai? — Ela recuou alguns passos. — É claro
que você é o pai!
As lágrimas se acumularam em seus olhos e meu primeiro instinto foi
puxá-la para um abraço, mas não o fiz. Talvez eu esteja me precipitando. Eu
poderia ser um desses casos raros da medicina. Esse filho ainda poderia ser
meu. Virginia não seria capaz...
Ela não mentiria para mim.
Mas o jeito como ela me fitava, os olhos arregalados e a respiração
acelerada, não era de alguém ofendido pela insinuação. Era a clara
representação de pavor de alguém que acabava de ser descoberto.
E o meu lado racional se esvaiu, dando lugar ao passional. E essa era a
versão menos doce, gentil e educada do Luiz Henrique.
— Eu também tenho uma surpresa para você — levei a mão ao bolso
interno do terno e retirei o resultado do espermograma. — De acordo com o
resultado desse exame não há chances de eu ser o pai do seu filho. Quem é?
Ela me olhou em choque.
— Que exame é esse? — Pegou o papel das minhas mãos. — Quando
você fez um espermograma? Por que não me avisou?
— Desculpa por não ter informado a você antes, isso ajudaria a buscar
uma forma de reforçar a sua narrativa que eu sou o pai desse bebê.
— Isso não pode estar certo — argumentou, relendo o resultado que
entreguei.
— Não continue mentindo pra mim, Virginia.
— Eu não estou mentindo... — Havia menos força nessa afirmação do
que eu gostaria.
— Chega — gritei — pare de agir como se eu fosse um completo
idiota, porque eu não sou!
— Você está sendo grosseiro comigo — alertou.
— Olhe nos meus olhos e jure que esse filho é meu! — Supliquei —
diga que ele é o nosso filho tão esperado.
Os olhos dela vacilaram por um segundo, e quando voltaram a
encontrar os meus, eu soube que não era uma invenção da minha cabeça.
Com as mãos tremendo, ela enxugou uma lágrima que escorria.
O abajur que estava mais próximo atingiu a parede para simbolizar a
minha frustração e raiva.
— Quem é o pai? — Exigi saber, voltando-me para ela que me fitava
assustada.
— Você é o pai — choramingou.
— Quem é a porra do pai? — O próximo item arremessado foi uma
foto nossa de casamento que ocupava a mesa de cabeceira.
— Você está descontrolado, pare de agir assim! — Virginia implorou.
— Como você gostaria que eu agisse? Como esperou que eu reagisse
quando descobrisse que fui traído? — Bradei, aproximando-me dela que se
encolheu como se temesse ser alvo da minha ira. — Ou o plano era manter a
farsa? Eu registraria o filho de outro homem e ele teria acesso a tudo que um
filho legítimo teria... Meu dinheiro e a minha herança. Esse era a porra do seu
plano? — Questionei, levando a mão até o seu queixo, erguendo a sua
cabeça, para que ela dissesse isso olhando nos meus olhos.
— Nunca teve um plano... — As lágrimas despencaram dos olhos azuis
feito cascata. — Foi um caso sem importância, Luiz. Eu continuo aqui, não
continuo?
— Devo agradecer por isso? — Debochei. — Não sei o que é pior:
saber que você foi infiel apenas por desejo ou porque se apaixonou por outro.
Talvez a última hipótese ainda mantivesse a sua dignidade, afinal ninguém
manda nos sentimentos, não é?
— Você faz eu parecer uma pessoa desprezível...
— Não é o que você é? Uma pessoa egoísta, fria, mentirosa, indigna do
meu amor.
— Como se você não fosse egoísta — reagiu, a tristeza desapareceu e
deu lugar a fúria. — Nos últimos dois anos passei mais noites jantando
sozinha do que em sua companhia. Nos raros momentos de folga você nunca
estava comigo por completo, seu celular estava ligado para resolver qualquer
assunto do trabalho. Eu me sentia sozinha com frequência nesse apartamento
enorme.
— Essa é a sua justificativa? — Sorri, incrédulo. — Você traiu o
homem com quem fez votos diante de Deus por que ele trabalhava muito?
Isso soa baixo demais.
— Essa é a porra da justificativa porque eu aceitei a atenção que me foi
oferecida, porque eu tinha alguém disponível para mim no primeiro toque,
disposto a cancelar todos os seus compromissos apenas para ficar ao meu
lado olhando as ondas do mar.
— Então, você queria que eu renunciasse à empresa por você? —
Questionei atordoado. — A gente devia se manter com uma pensão dada
pelos nossos pais e viver um amor sem responsabilidade?
Andei de um lado para o outro extremamente irritado.
— Não foi suficiente tudo que fiz por você ao longo desses anos?
Sempre fui devoto a você, sempre fui fiel. Estava sempre disposto a atender
seus desejos, viajávamos sempre que possível... O que mais você queria?
— Eu queria sentir que era única, que você me amava por inteiro.
— E eu te amei, porra — sentenciei, sentido as lágrimas molharam
meu rosto — amei você com cada parte do meu corpo, amei você com
minhas palavras e gestos. E ainda continuo te amando, mesmo quando
acabou de cravar um punhal em meu peito. A minha vida sempre foi sua,
assim como meu coração.
Minhas lágrimas se intensificaram dando início a um choro ruidoso.
Levei as mãos aos cabelos quando o soluço escapou da minha garganta,
reverberando alto no quarto. Minhas pernas fraquejaram e cederam com o
meu peso e, no chão do quarto que vivi tantos momentos felizes, eu chorava
feito uma criança. Não importava que ela me visse em tal situação, eu apenas
não conseguia fingir que nada estava acontecendo.
Um homem era capaz de suportar muitas coisas em sua vida, mas nada
era tão doloroso quanto descobrir a traição da pessoa que amava. A sensação
era de tudo que foi vivido ser irreal, como se não houvesse nada a que você
pudesse agarrar para não se seguir em queda livre em um precipício.
Não sei quanto tempo passei ali, mas juntei forças para ficar de pé.
— Aonde você vai?
— Fazer o que eu faço com frequência segundo você: te deixar
encontrar conforto em outros braços.
— Isso é um adeus?
— De que outra forma você achou que aconteceria?
— Achei que o nosso amor fosse forte o suficiente...
— Eu também achei que fosse — sorri de um jeito triste — mas estava
profundamente enganado.
— Devo sair de casa enquanto acertamos os trâmites do divórcio? —
Perguntou, e acho que ela deve ter notado a minha surpresa diante da forma
prática como mudou de assunto, pois justificou: — meu pai me ensinou que
não posso deixar que a dor me impeça de pensar no meu futuro com clareza.
— Seu pai deveria ter te ensinado a ser leal. Meu advogado vai te
procurar e...
O jeito como ela reagiu à menção ao Isac, abrindo mais os olhos e a
boca, fez com que meus sinais de alerta detectassem tudo.
— Ele é o pai do bebê — não foi uma pergunta, mas uma afirmação.
— Ele ainda não sabe — confessou — não tenha pressa, você pode
usar o tempo que precisar para encontrar um novo advogado.
— Agora terei mais pressa ainda. Se for possível, amanhã mesmo você
estará livre — afirmei e deixei o quarto, sentindo-me um corpo vagando em
direção alguma para lugar nenhum.
*
Como prometido, no dia seguinte, após demitir Isac, os trâmites do
divórcio foram iniciados. Em pouco tempo, Virginia foi beneficiada pelo
nosso regime de casamento, ficando com o apartamento que moramos, o
carro pessoal, metade dos valores que eu tinha em conta e uma participação
nos lucros da empresa. Essa última parte eu consegui reverter, investindo o
mesmo valor em ações em outra empresa cujo lucro era semelhante. Era uma
exigência minha não manter qualquer vínculo com ela, o que foi aceito pelos
seus advogados.
Além do mais, chegamos ao acordo que o exame de DNA fetal fosse
realizado para extinguir qualquer dúvida sobre a paternidade do bebê. E para
encerrar, de uma vez por todas o meu ciclo com Virginia, o resultado foi
negativo com 99,999999% de incompatibilidade genética entre mim e o bebê.
Era como se eu estivesse assistindo um filme. Podia enxergar
claramente cada detalhe do que ele havia me contado, desde a roupa que
Virginia estava usando até a raiva que sentiu ao jogar o abajur na parede.
Como expectadora, mesmo tantos anos depois, eu me senti triste pela
história dos dois. Pelo amor que se perdeu. Pela confiança que foi
estraçalhada. Pelas marcas que haviam abalado a capacidade de Luiz
Henrique de acreditar em outra pessoa.
E por mim.
— Por que não me contou que não podia ter filhos? — O choro que
molhou meu rosto deixou minha voz estranha.
— Não é algo que se diga no primeiro encontro — respondeu ainda de
olhos fechados.
— Sua família sabe?
— Ninguém sabe — ele riu — quer dizer, Virginia e você sabem.
— Você não investigou mais a fundo? Não voltou ao médico?
— Não.
— Muitos anos se passaram, Luiz, com certeza a medicina avançou e
você poderia...
— Os anos passarem só significa que eu envelheci e que se minhas
chances eram baixas antes, agora são nulas — me cortou. — Meu sonho foi
desfeito, Alissa, no momento em que descobri que fui traído. O que eu
desejava era construir minha família ao lado da mulher que eu amava e os
dois elementos principais sumiram: a mulher e o amor.
Eu conseguia entender o seu raciocínio agora e o seu julgamento diante
do meu quase encontro com o pai biológico.
— Luiz, olhe para mim — eu me inclinei sobre ele para que pudesse
enxergar os meus olhos.
Quando os seus se abriram, uma tempestade de dor nublou suas íris
azul.
— Não sou a Virginia — pontuei — posso ter feito um monte de
merda antes, mas não fui me encontrar com o Matheus para reatar coisa
alguma.
— O nome dele é Agnaldo — Luiz engoliu em seco e se sentou,
encostando o corpo contra a cabeceira. — A última mensagem era um claro
convite e você aceitou.
Respirei fundo para não começar a gritar.
— Fiquei desesperada quando ele disse que estava em frente a sua
empresa. Imaginei o pior cenário, no qual ele entraria lá e todo mundo saberia
que as coisas não eram como você estava tentando mostrar a todo mundo. Fui
encontrar o Matheus para convencê-lo, de alguma forma, a desistir da ideia
de fazer um DNA.
— Por que não falou comigo, Alissa? — Sua voz saiu com dificuldade.
— Eu te dei a porra da chance no café da manhã!
— Eu fiquei com medo — gritei — fiquei com medo de trazer esse
fantasma para cá quando o que tínhamos parecia estar caminhando para algo
mais do que a merda de um acordo.
— Também temi — confessou — mas o meu maior temor acabou se
concretizando. Você omitiu a aparição de alguém que poderia destruir tudo,
se colocou em perigo indo encontrar alguém que mal conhecia e não me deu
a chance de oferecer nada em troca.
— Algo em troca? Não era uma barganha, Luiz Henrique, você ainda
não entendeu nada?
O único som no quarto, naquele segundo, era o do meu choro. Ficamos
assim por alguns minutos sem que ele me desse qualquer indicativo de
continuar o diálogo. Então, eu soube que tinha que entender como tudo se
deu ali, antes que perdesse a oportunidade.
— Como você conseguiu encontrá-lo?
— Já tinha dito, ninguém desparece feito fumaça, Alissa...
Ouvi, em silêncio, ele me contar como as câmeras de segurança da rua
ajudaram policiais civis a traçarem o trajeto do carro no dia em que encontrei
o Matheus. Pela placa, descobriu-se o nome e os dados cadastrados no
Detran. Até um detetive particular foi contratado para garantir provas que
pudessem ser usadas contra o tal Agnaldo. Nada daquilo me surpreendeu, os
ricos podiam conseguir tudo com dinheiro e influência, eu sozinha, uma
pobre coitada sem nem ter onde cair dura, nunca saberia o paradeiro do filho
da puta que usou nome falso, me engravidou e sumiu.
— E então, do nada, você resolveu testar minha fidelidade?
— A ideia surgiu por acaso mesmo, não planejei, mas depois que me
respondeu não consegui mais parar até ter certeza de que você quebraria
nosso acordo.
— Seu passado é uma droga, mas ele não lhe dá o direito de me
condenar. Errei porque não dividi com você a minha aflição, mas não tenho
como voltar atrás. Também não tenho como provar quais eram as minhas
intenções e se você não acredita em mim, infelizmente, não posso fazer nada.
— Não sei o que dizer.
— Um pedido de desculpas é um bom começo.
Eu contei até sessenta, esperando que ele começasse a falar. E no
segundo final, ele começou.
— Me desculpe, Alissa. Desculpe por ter sido corno, por ser estéril, por
tentar comprar seu filho — encarei seus olhos tingidos de vermelho que
novamente se enchiam de água — desculpe por ter me fechado, por ter
surtado ao me apaixonar e acabar testando você. Me perdoe por não
conseguir mudar nada disso.
Minhas lágrimas fizeram companhia as suas, se derramando em
cascatas e ao racionalizar cada um dos seus pedidos de desculpa, eu me vi
surpresa com um detalhe.
— Você disse que se apaixonou? — Funguei, limpando o rosto.
— Sim, embora seja um momento ruim para finalmente verbalizar isso.
— Não tem como ser ruim o momento em que ouço que minha paixão
é recíproca — dei de ombros — por favor, ignore completamente que
estávamos chorando e que há muitos fluidos saindo de nossos olhos e narizes
nesse momento...
— Não entendi...
— Vou beijar você e não me importo com mais nada.
Me inclinei em direção a ele, tomando sua boca para mim, sentindo
todos os gostos. O salgado da lágrima que se derramou, se misturando ao da
minha saudade e no momento em que ele retribuiu o beijo, abrindo os lábios,
eu me encontrei. Encontrei o lugar onde queria morar, o corpo que queria que
servisse de porto seguro e o dono do meu coração.
— Como senti falta disso — ronronei ao sentir sua barba arranhar meu
pescoço, quando ele me beijou ali.
— Não mais que eu — sua mão percorreu minhas costas.
A gravata frouxa se foi e, com urgência, abri os botões da camisa,
puxando tudo para livrá-lo da peça. Minhas mãos foram para o botão da calça
social, mas Luiz segurou meus pulsos.
— E o bebê? — Respirou fundo.
— A médica já suspendeu a restrição — o lembrei — mas se não
quiser, tudo bem.
— Eu quero — ele gemeu como se sentisse dor — mas estou
preocupado. De qualquer maneira, deite-se.
Coloquei as costas no colchão e o vi suspender o vestido que coloquei
para ir ao shopping. Minha calcinha foi afastada e seus dedos tocaram entre
minhas pernas. A carícia leve e repetitiva me excitou e ele prosseguiu, me
deixando molhada.
A língua substituiu os dedos e o toque macio e quente me fez arfar.
Minha boceta se contraiu com a atenção que não recebia há algum tempo,
pulsando na boca de Luiz. Ele beijou, lambeu e chupou, mordiscou e
assoprou, arrancando mais do que gemidos de mim.
Eu o queria dentro, me tomando inteira, me abrindo com seu pau, mas
foi o seu dedo que percebi me penetrar. Com estocadas rápidas e certeiras, ele
me fodeu lambuzando seu dedo com minha lubrificação. Meu corpo estava
quente e desejoso, totalmente receptivo às carícias dele e quando mais um
dedo se juntou a brincadeira, manipulando meu clitóris, só demorei alguns
minutos. Disparando meu coração e me fazendo contrair todos os músculos,
Luiz Henrique me levou ao orgasmo.
*
Não sei em que momento eu adormeci, mas quando senti vontade de ir
fazer xixi, acordei. Fiquei de pé e ao notar que estava sem calcinha me
lembrei do motivo. Depois de usar o banheiro, lavei as mãos e o rosto,
notando que ainda estava inchado de todo chororô.
Voltei ao quarto bem no momento em que ele entrou trazendo uma
bandeja. Eu sorri, observando que tinha tirado as meias e estava descalço,
ainda usando a calça social e a camisa amarrotada. Ele deve tê-la colocado
para não desfilar sem ela, mas estava com quase todos os botões abertos e
dava para ver seu corpo maravilhoso entre as frestas do tecido.
— Como não almoçou, fui em busca de um lanche reforçado —
depositou a bandeja enorme de madeira sobre a cama.
— Você também não almoçou — o lembrei.
— Não estou comendo por dois — retrucou — mas trouxe comida o
suficiente para nós todos.
Eu me sentei e a bandeja ficou entre nós. O misto quente estava com
um cheiro bem atraente e senti meu estômago reclamar de fome, então fui
diretamente nele. Já Luiz, pegou um pratinho de porcelana com um pedaço
de bolo. Tomamos suco de maracujá, devoramos os biscoitinhos, as torradas
com patê e as frutas, tudo em um silêncio confortável.
— Ganhar dez quilos e poder culpar o bebê é reconfortante — disse,
satisfeita, ao encarar a bandeja vazia.
— Cada um desses quilos te deixou ainda mais bonita — elogiou.
— Está dizendo isso por que agora tenho mais peito?
— Na verdade eu nunca mais os vi, se bem me lembro — ele riu —
mas sim, a forma como esfrega eles na minha cara, através dos seus decotes,
me fizeram ter essa certeza.
— Eu? — Fiz cara de inocente.
— Você é terrível, Alissa.
— Eu sou e você me adora por isso, confesse — pisquei.
— Culpado — levantou a mão.
— Não vai voltar para a empresa? — Questionei, um segundo depois
de conferir o horário, estávamos no meio da tarde.
— Quando fui informado do seu passeio, pedi para cancelarem os
meus compromissos e fui atrás de você. Imaginei que fosse passar horas de
pé, se cansar e era sua primeira saída depois de tudo, então meio que me
desesperei.
— Por sinal, como me achou? Não fui com o Josué.
— Pelo Iphone — confessou.
— Estava me rastreando? — Perguntei, chocada — não é possível
que...
— Calma, Alissa — se esticou e tocou meu rosto — existe uma
ferramenta para buscar os Iphones, em caso de perda ou roubo, como fui eu
quem cadastrou tudo do seu, tive como buscar. Não fiz isso para te perseguir
ou coisa parecida, só queria te achar depois que saiu sem avisar.
— Não pensou em me ligar? É o mais óbvio.
— Deveria ter feito isso, me desculpe, não vai se repetir.
— Acho bom, seu lado controlador é bem irritante, na verdade —
confessei — mas se você jura que não colocou um programa espião, eu
acredito.
— Eu juro.
— Certo e existe aquele negócio, destino que chama? Se não tivesse
ido não teria encontrado Virginia e finalmente me revelado seu segredo
obscuro — perturbei.
— Bom saber que consegue ver graça na desgraça — ele sorriu.
— Vim para aliviar o fardo de caretice da sua vida, senhor Garcia
Lopes.
— Você veio para trazer sentido a tudo, Alissa.
Ele me deixou sem palavras e com um sorriso bobo na cara.
— Consegui te fazer calar a boca?
— Sim e me emocionar, de novo. Tire essa bandeja daqui e venha me
beijar para devolver o clima de luxúria...
Luiz Henrique gargalhou e, fazendo o que pedi, depositou-a na mesa de
cabeceira.
— É a minha vez de usar a boca... — Informei quando ele estava
voltando. — Tire essa roupa antes, me deixe ver esse corpo de coroa gostoso.
Ele jogou a camisa longe e seguiu, fazendo a calça e a cueca irem parar
no chão rapidamente. Eu observei seu pau, em busca de algo que eu pudesse
ter deixado passar sem saber que ele era estéril, mas não notei nada naquele
momento. Era um pau lindo, grande e grosso, com a cabeça rosada que me
fazia salivar de vontade. As bolas, de todos os homens que vi, eram sempre
mais feias e enrugadas, portanto, sendo ali o problema eu nunca notaria.
— Está me analisando? — Perguntou, apreensivo.
— Não, apenas observando o que é meu — declarei — e desejando
cada centímetro desse pau enorme dentro de mim. Ainda está preocupado?
— Nesse primeiro dia, prefiro que façamos tudo sem penetração, tudo
bem para você?
— Se sem penetração significar sua boca me fazendo gozar, eu topo —
sorri, com cara de safada. — Mas amanhã não será mais o primeiro dia —
concluí.
— Estou maluco para foder você, Alissa e quando o fizer vou te pegar
tão forte que vai me agradecer nos dias seguintes por só querer te chupar.
— Eu amo ouvir você falando putaria — confessei, excitada — por
favor repita tudo isso depois quando tiver usando seu terno de homem sério.
— É só de quando falo que gosta?
— Não — engatinhei até a ponta da cama — quando faz me deixa
ainda mais louca.
De pé, bem perto da cama, ele me ofereceu sua ereção.
Eu o segurei pela base e levantei, lambendo das suas bolas até a
cabeça. Luiz puxou o ar com força e eu repeti o movimento. Suguei a cabeça
duas vezes, antes de lamber e depois o coloquei até a metade na boca.
Eu o masturbei e chupei, me sentindo excitada em fazer aquilo. Que
saudade que eu estava desse cheiro de homem, desse pau pulsando na minha
boca, me fazendo babar. Com a bunda arrebitada, eu paguei o melhor boquete
da minha vida. Quando Luiz gozou, gritando em desespero e paixão, eu
engoli seu sêmen.
Olhando naqueles olhos azuis, encarando aquele que me fazia querer
tudo, eu soube que ficaria tudo mais do que bem.
Dia 16 de dezembro de 2020, às 10h30min., o milagre da vida
aconteceu bem diante dos meus olhos. Nessa manhã, eu não me tornei pai.
Isso já havia acontecido no dia que Alissa entrou na minha vida. No dia 16,
dia do nascimento do Apolo, eu renasci.
O Luiz Henrique que entrou hesitante na sala de cirurgia, sentou-se no
banquinho perto da Alissa, sem saber o que fazer num momento como
aquele, encontrou a sua função na sala quando Apolo nasceu.
Quando a obstetra tirou uma cabecinha da barriga da mamãe, antes
mesmo de sair o corpo todo, o pequeno deu o seu primeiro e longo suspiro e,
em seguida, ouviu-se um choro baixinho, a melhor melodia que já ouvi em
toda a minha existência. Logo, ele foi retirado por completo, abriu os
olhinhos e foi colocado sobre o peito de Alissa.
A cena foi registrada por uma equipe especializada para a posteridade,
mas em mim ela já estava gravada nos mínimos detalhes para todo o sempre.
Dentro dos registros gravados, qualquer um poderá ver uma mamãe linda e
emocionada com o filho pela primeira vez em seus braços e um papai babão
aos prantos.
Apolo chegou ao mundo e, no auge dos seus cinquenta e oito
centímetros e três quilos e setecentas gramas, me levou à lona. Fui
nocauteado por um amor tão avassalador que me emudeceu, não consegui
dizer nada naquele momento porque só as emoções transbordavam. Não
tentei controlar o choro e deixei que as lágrimas corressem livremente,
representando toda a felicidade, gratidão e o mais puro amor quando meu
filho se fez presente entre nós.
Ali, ao lado de Alissa, senti o amor me invadir sem reservas,
derrubando quaisquer resquícios do homem ferido que um dia eu fui. Era um
sentimento tão intenso que não era capaz de descrever, só vivendo na pele
para saber. Mas era algo que, de fato, sempre quis experimentar, era apenas
amor no seu estado mais bruto, avassalador e incondicional.
Após o parto, mamãe e bebê foram deixados para que os
procedimentos médicos acontecessem e eu fiquei esperando ansioso para o
momento em que estivéssemos juntos mais uma vez.
— O senhor não quer ficar com o seu menino? — Um dos profissionais
da maternidade indagou ao me ver andar de um lado para o outro.
— Posso? — Perguntei surpreso.
— Ele está no berçário apenas aguardando por você. Solicite a
enfermeira e ela o levará ao quarto para aguardar a mamãe junto com você.
— Assenti e segui com o coração batendo descompassadamente até o local
indicado.
Uma enfermeira me recepcionou e após me identificar, fiz a solicitação
sugerida pela outra. Ela disse que em alguns minutos ele estaria comigo no
quarto.
Enquanto aguardava cogitei se eu realmente estava apto para segurar
um bebê tão pouco tempo depois do seu nascimento, mas assim que a
enfermeira me entregou um pacotinho verde, todo embrulhadinho, com
touquinha na cabeça e meinhas nos pés, eu soube que não havia por que
esperar mais tempo quando já se esperou por uma vida inteira. Apolo se
encaixou em meus braços com a familiaridade de quem já tinha feito isso
centenas de vezes.
Com Apolo em meus braços, sabendo que Alissa estava bem, eu me
sentia o homem mais completo do mundo. A manhã de hoje fazia todas as
minhas conquistas parecem pífias... Dinheiro, viagens, casas, carros, ser CEO
da JAG, eu renunciaria a tudo apenas para ser o pai do Apolo.
Por um longo período, eu não disse nada, apenas contemplei o meu
presente de Deus em meus braços, sentindo o amor irradiar por cada célula
do meu corpo. Ele se manteve acordado, os olhinhos abertos, quieto e sereno,
fiando-me como se estivesse querendo reconhecer o estranho que ele ouviu
apenas a voz nos últimos meses.
— Papai esperou tanto por esse momento e você fez cada segundo
valer a pena. — Minha voz saiu embargada pela emoção. — Eu amo você,
amo a sua mãe e a família que seremos. Esse é o nosso recomeço.
Entrei na sala de cirurgia para a realização da cesárea, ciente de que
esse era um divisor de águas em minha vida. Trazer Apolo ao mundo
saudável era a minha maior realização, significava que eu não falhei com ele,
apesar de tudo. Mas o seu nascimento também indicava o fim do acordo com
Luiz Henrique, as cláusulas do contrato eram claras ao indicar que o contrato
se encerrava com a natividade do bebê.
Todavia, eu não estava pronta para nenhuma das despedidas. Quando
aceitei o acordo com o CEO não estava cogitando me apaixonar por ele, mas
era impossível se manter indiferente ao homem que adotou o meu filho como
seu, demonstrando tanto amor e cuidado que eu imaginei que nem eu mesma
fosse capaz de amar meu próprio filho um dia. Mas eu estava perdidamente
enganada, a nossa conexão não foi instantânea, mas aconteceu de forma
espontânea e crescente. Estava registrado em minha memória feito tatuagem
a primeira vez que ouvi o seu coração e a primeira vez que ele se mexeu.
Quando recebi a notícia de que ele poderia nascer prematuramente e tomei
consciência dos riscos que um bebê nessa situação tinha, foi terrível, mas
naquele segundo eu tive certeza de que amava meu filho ao ponto de fazer
qualquer coisa que garantisse sua segurança.
Um choro baixinho anunciou o seu nascimento, quem olhasse de fora
interpretaria apenas como emoção de uma mãe que estava muito perto de ver
o rostinho do seu bebê pela primeira vez, mas havia muito mais por trás. As
lágrimas ganharam um novo sabor quando às 10h30min ele nasceu. Naquele
instante, nada mais importava. Meu filho era saudável e era o bebê mais lindo
do mundo.
Eu era uma mulher marcada pelo cansaço, estava dividida entre a
gratidão e a tristeza, e novas lágrimas marcaram o período que permaneci na
sala de recuperação. Depois de saber qual era a sensação de tê-lo em meus
braços, dizer adeus a ele seria ainda mais difícil. A anestesista que me
perguntava de tempo em tempo se eu estava me sentindo bem foi a primeira a
notar minhas lágrimas, mas ela foi convencida de que era apenas choro de
felicidade de uma mãe.
Quando fui transferida para o quarto estava disposta a passar as horas
que me restavam grudada ao meu filho, mas o encontrei aninhado nos braços
do pai e a imagem dos dois homens que eu amava fez meu coração
transbordar. Ele não notou a minha chegada e continuou fitando o bebê como
se não acreditasse que ele estava ali em seus braços.
— É real, você é papai — falei e ele ergueu a cabeça encontrando o
meu olhar. Seus olhos estavam tão vermelhos quanto os meus, por isso
presumi que ele também tinha passado um período chorando.
— Você está bem? — Ele se levantou vagarosamente da poltrona,
como se temesse que o movimento machucasse o filho e se aproximou. A
enfermeira havia terminado de me ajudar a deitar na cama e se retirado.
— Sim.
— Quer segurá-lo? — Balancei a cabeça em afirmação.
Ele o passou para mim, mas mal terminei de ajeitá-lo em meus braços,
Apolo passou a se agitar, balançando braços e pernas ao mesmo tempo,
depois abriu a boca e deu início a um choro estridente. Tentei balançá-lo,
como vi quando era criança minha mãe fazer com meus irmãos, mas ele
passou a chorar mais alto, seu rosto estava vermelho e ele parecia bem
irritado.
— Acho que ele não gosta de mim — falei, sentindo meus olhos
arderem enquanto eu lutava contra as lágrimas.
— É claro que ele gosta de você, você é a mãe dele.
— A mãe que o vendeu — o meu choro se juntou ao de Apolo — é
melhor você ficar com ele, eu mal levo jeito para segurar.
Esperei que Luiz Henrique pegasse o filho rapidamente para protegê-lo
de mim, mas ele não o fez, continuou me fitando no mais profundo silêncio.
Passei a tocar o rostinho do bebê, murmurando pedidos de desculpas por todo
o percurso até ali. Aos poucos ele foi se acalmando, o choro foi diminuindo e
eu fui agraciada quando seus olhos se fixaram em mim.
— Eu sou patética, eu sei — funguei, confessando para o bebê — mas
queria te dizer que mesmo errando, eu te amei demais. Mesmo te deixando,
eu...
— Shhh, não diga isso. Você não vai a nenhum lugar — Luiz Henrique
me interrompeu — nenhum de nós, a partir de agora, vai a nenhum lugar sem
o outro.
Eu o encarei sem acreditar que ele estava dizendo o que sempre quis
ouvir.
— É isso mesmo que você está pensando — prosseguiu — Apolo vai
voltar para casa comigo e você irá com a gente, se assim desejar, e eu quero
mais do que tudo que você deseje, pois a minha vida não terá o menor
sentindo sem você. Eu gosto do caos que trouxe aos meus dias, da sua
espontaneidade, das risadas, do homem que sou ao seu lado. Alissa, você não
só me tornou o homem mais feliz do mundo como me mostrou que o amor
pode ser leve. E é esse amor leve que eu quero ao seu lado. O Apolo te ama,
assim como eu te amo, pois é impossível não amar você.
— Você pode repetir?
— Repetir? — Ele estreitou os olhos.
— Sim, a parte que você diz que me ama. Acho que não absorvi o
impacto de ouvi-la.
— Eu te amo, Alissa.
— Acho que nunca vou me acostumar com isso.
— Eu planejo repetir várias vezes — piscou pra mim.
— E eu retribuirei todas elas com o meu mais profundo eu te amo —
falei emocionada — queria ter dito isso antes, mas fiquei com medo de que
você fugisse de mim. Eu tenho algo para você, na minha mala, no bolsinho
externo.
— Não podemos deixar isso para amanhã? — Ele me olhou confuso.
— Não, quando sairmos desse hospital não quero que tenha mais nada
a se resolver sobre isso — Luiz Henrique me lançou um olhar interrogativo e
foi até a mala.
— É isso? — indagou, erguendo o envelope branco.
— Sim, pode abrir.
Ele retirou o papel que escrevi a mão e seus olhos vagaram pelo que
estava escrito:
Eu, Alissa dos Santos Oliveira, de livre e espontânea vontade,
manifesto a minha renúncia ao benefício estabelecido através do contrato
com o Sr. Luiz Henrique Garcia Lopes. Assim como faço a devolutiva dos
bens e presentes que me foram dados durante a vigência do contrato.
Comprometo-me a assinar um termo legal para validar tudo que disse aqui.
— Quando você escreveu isso?
— Há algumas semanas — afirmei — para te entregar no dia da
cesárea, no encerramento do acordo e tudo o mais. Foi a forma que encontrei
de dizer que não quero nada seu. Saber que você amará Apolo como seu filho
é o melhor pagamento que eu poderia ter.
— Você sabe que isso não tem valor legal, não sabe? — Assenti —
está sem assinatura, data, sem ratificação de testemunhas... Mas tem um valor
muito significativo para mim.
— Eu vi um modelo no google — dei de ombros — mesmo sem valor
legal, não quero esse dinheiro, não quero um valor que representa a venda do
meu filho.
— Você acha mesmo que há um preço estipulado por me tornar pai,
Alissa? Eu passaria a minha parte da empresa para você só para viver a
sensação de ter o meu filho em meus braços. Nosso acordo foi feito em outras
circunstâncias, mas o valor pode ser ressignificado. Aceite o dinheiro e a casa
como um presente para a Alissa do futuro, como uma segurança de que ela
nunca mais dependerá de ninguém. Você pode investir em você, fazer uma
faculdade, abrir um negócio, buscar sua independência...
— São bons argumentos, mas não posso aceitar.
— O dinheiro já está em uma conta no seu nome nesse momento, bem
como a escritura da casa está registrada a você. Nada disso mais me pertence.
A única coisa que quero que me pertença é você. Você não respondeu a
minha pergunta: vai voltar para casa comigo?
— E você tinha dúvidas? — Sorri — já sou sua e não preciso de um
acordo para firmar isso.
— Mas eu sempre posso criar um que você me conceda seu corpo e seu
coração para todo o sempre.
— Onde está a caneta? — Senti a sua risada em meus lábios quando
ele me beijou.
Um beijo com a promessa de um acordo duradouro e feliz.
Estava quente demais embaixo daquela roupa.
Mesmo com o ar-condicionado funcionando perfeitamente e mantendo
uma temperatura agradável naquele auditório, eu tinha certeza de que as
dezenove pessoas ao meu lado deviam estar sentindo o mesmo calor que eu.
Será que era o nervosismo?
Nem tinha feito questão de vestir muita coisa por baixo. Um short e um
cropped foi o suficiente e ainda assim estava tentando não suar. A última
olhada que dei no espelhinho de bolso, antes de entrar, mostravam que minha
maquiagem estava intacta e o cabelo continuava bem penteado, preso em
cima com cachos modelados na parte solta, quase sem nenhum frizz.
Enquanto chamavam, por ordem alfabética, as pessoas que vinham
antes de mim, um filme passou por minha cabeça e eu me lembrei como
tinham sido intensos os dois anos e meio que passei estudando para chegar
aqui. Nunca fui muito estudiosa, como todos sabem, então tive que ralar
bastante para superar as matérias sobre anatomia, fisiologia humana e
bioquímica. Cursar estética e cosmética tinha sido um objetivo depois de
terminar o ensino médio e, depois de dois anos e meio de duração, sem
nenhum atraso, eu o tinha concluído. Era chegada a hora de ter meu diploma.
— Alissa dos Santos Oliveira — o locutor anunciou, fazendo todos os
outros alunos da turma gritarem e baterem palmas.
Eu sorri, ficando de pé e saí do meu lugar na arquibancada de
formandos. Enquanto o meu coração disparava, eu dava os passos em direção
aos homens da minha vida.
Usando um terno preto, combinando com a calça e os sapatos
brilhando, iguais aos do pai, Apolo vinha de mãos dadas com Luiz Henrique.
Eles pareciam cópias um do outro, vestidos exatamente iguais, e ao vê-los
naquele momento, eu quase morri de amor.

Você não sabe o quanto eu caminhei


Pra chegar até aqui
Percorri milhas e milhas antes de dormir
Eu nem cochilei
Os mais belos montes escalei
Nas noites escuras de frio chorei

Enquanto Cidade Negra tocava a música “A estrada”, que eu escolhi


para representar o momento da minha realização profissional, eu recebia o
diploma da mão do meu companheiro. Luiz Henrique me abraçou,
sussurrando que me amava, antes de me soltar para que eu abaixasse e
recebesse o abraço do nosso filho.
*
Em retrospecto, eu me lembro de como tudo mudou desde o
nascimento do nosso filho. Apolo foi a chave que virou nosso mundo,
colocando-o no eixo certo. Para começar, ele fez o homem que amava o
trabalho parar de trabalhar. Não em definitivo, claro, mas Luiz Henrique tirou
uma licença de três meses na ocasião do nascimento e eu não tinha relatos de
tantos pais que fizeram isso. De lá para cá, Luiz tirava férias anuais, coisa que
me confessou que não fazia há muitos anos. Sem contar as folgas que
conseguia encaixar sempre no período de férias escolares do meio do ano
para que pudéssemos viajar os três por uma semana.
Já eu, me vi inundada de gratidão a cada nova coisinha que meu filho
aprendia e me tornei a pessoa que filmava cada coisa que ele fizesse. Quando
Apolo leu a primeira frase, eu estraguei o vídeo chorando e fungando atrás da
câmera. Também virei um poço de medo. Medo do amanhã, de não estar
presente e de não ser suficiente para criar um ser humano bom e íntegro. Esse
medo eu ainda tinha, mas tentava, dia após dia, fazer o melhor que eu podia.
E vinha dando certo.
Diariamente, ser mãe me ensinava lições valiosas e uma delas era que
mães não eram perfeitas. Eu errei tentando acertar e acertei quando achava
que estava cometendo um erro tremendo. Isso – e sessões de terapia – me
fizeram mudar o meu olhar sobre dona Jussara, minha mãe. Eu nunca
esqueceria que ela me virou as costas no momento em que mais precisei, mas
aprendi a lidar com isso e a perdoar aquela atitude. Repetindo, perdoar não
era esquecer, era lidar com aquilo de outra maneira e quando eu entendi isso,
me senti muito mais leve. Aos vinte e cinco anos, eu me sentia madura
porque tinha sido obrigada pela vida a aprender cedo algumas lições.
E o meu padrasto? Continuava com minha mãe, mas agora reclamando
menos. Ele era dependente dela agora e não o contrário. Jair tinha tido um
derrame, ou como os médicos dizem, um acidente vascular cerebral (AVC) e
isso tinha provocado paralisia em um lado do seu corpo. Dessa maneira, o
lado direito do seu rosto estava entorpecido, com a boca inclinada e ele quase
não falava, além de ter afetado sua locomoção por causa da perna. Conseguiu
dar entrada no benefício de aposentadoria por invalidez, já que não podia
mais trabalhar e minha mãe cuidava dele. Atualmente, eles moravam na casa
que o Luiz tinha comprado para mim no nosso acordo. Foi uma das formas
que achei para ajudar, já que assim eles não pagavam aluguel.
Jairo continuava sendo Jairo, talvez um pouco menos chato porque não
era mais um adolescente, mas nossas afinidades não batiam e está tudo bem,
ninguém era obrigado a se dar bem com todo mundo. Ele era a pessoa que eu
preferia não encontrar, mas que se estivesse morrendo e precisasse da minha
mão, eu estenderia. Quem diria, não é?
Meus outros irmãos estavam indo bem: Antônio e Wanderson ainda na
escola e Alisson fazendo faculdade. O mais velho tinha sido aprovado na
Universidade Federal de Sergipe e cursava Matemática. Pelo menos alguém
gostava de exatas.
Tamires continuava minha amiga, gostou muito da área de maquiagem
e atualmente era sua profissão. Nós trabalhávamos juntas, no centro de beleza
que eu tinha no shopping. Ela estava casada com o Gui e, aos trancos e
barrancos, continuavam juntos desde a época da escola. Sua filha
Guilhermina era minha afilhada e eu morria de amores por aquela garotinha.
Tadeu, irmão da minha melhor amiga, estava na penitenciária, depois de
várias “tentativas”, ele tinha sido preso por estupro e cumpria sentença.
Todos os que eu amava, incluindo meus sogros e cunhados, estavam ali
reunidos na mansão, após a cerimônia, para comemorar minha formatura.
— Está na hora da diplomada mais gostosa fazer o discurso para a
família — Luiz Henrique se aproximou, beijando meu rosto e me tirando das
lembranças.
Eu estava de pé, na frente do nosso castelo, observando tudo enquanto
relembrava.
— Estou agradecida por minha turma não ter querido fazer festa
porque assim, só com a família, fico mais à vontade... Sou tímida, como você
sabe — dei de ombros.
Luiz Henrique gargalhou.
— Você pode ser o que quiser, meu amor, mas não tem uma gota de
timidez no seu corpo.
Fingi estar chocada com a informação, abrindo a boca exageradamente.
— Não abra a boca assim perto de mim ou vou colocar algo aí para
preenchê-la — insinuou.
— Se eu tiver com seu pau na boca, como vou discursar?
— Então, acho que terá que escolher — deu de ombros.
— Sabe que eu detesto discursos? Aqueles que me obriga a ouvir
sempre que recebe um prêmio me deixam com sono...
— Quer dizer que me ver em cima do palco te dá sono?
— Não, isso me dá tesão — pisquei — me refiro a todo blábláblá que
vem junto com você lá em cima. E, considerando que é a minha festa de
formatura, na minha casa — observei as mesas espalhadas na grande área
verde da frente da mansão — acho que prefiro aproveitar que nosso filho está
distraído com os avós e cantar no seu microfone.
Observei o garoto de longe, com seus cabelos escuros e camisa verde
para combinar com vestido que havia colocado especialmente para a festa.
Ele tinha as minhas características físicas, mas mesmo sem a genética tinha
herdado, sabe-se lá como, a personalidade de Luiz Henrique. Apolo era muito
inteligente e sério, tal qual meu companheiro.
Por falar em genética, nesses cinco anos não tive notícias do Agnaldo.
A ameaça que o Luiz fez a ele serviu de alerta para que jamais me procurasse
e como ele havia mentido sobre eu ser sua namorada na época em que
saímos, Agnaldo nunca desconfiaria que tinha contribuído na fecundação do
meu óvulo. E eu não me sentia nem um pouco incomodada com isso.
Quantos pais sabiam da existência e abandonavam? Quantos homens
abortavam filhos vivos, matando qualquer relação que pudessem ter? Se
alguém se achar no direito de me julgar: foda-se. O pai era o Luiz Henrique e,
além da certidão de nascimento de Apolo, o meu coração dizia isso.
— Então vamos, cantora — ele gargalhou.
E eu o puxei para que entrássemos em nosso lar. O guiei até a sala de
TV que era o cômodo mais perto que eu imaginava que não fosse ser
invadido e ao fechar a porta encostei o corpo do Luiz lá.
Eu me ajoelhei, abrindo o botão da sua calça e desci a peça e a cueca
de uma só vez, libertando aquele pau que tanto amava. A cabeça rosada me
fez querer passar a língua logo de cara e eu matei minha vontade, lambendo
como um pirulito.
Abocanhei seu pau, enfiando-o todo em minha boca sem engasgar,
tinha treinado muito durante os anos e agora conseguia engolir inteiro. Luiz
ficava maluco toda vez que eu conseguia tal façanha e quase sempre queria
segurar meu rosto e foder minha boca com força.
Chupei, lambi e babei em seu pau gostoso, por alguns minutos, mas
não o deixei gozar.
— Por que parou? — Reclamou quando eu fiquei de pé.
— Porque minha boceta está pingando e quero que se enterre em mim
— informei, andando até a poltrona mais próxima.
— Bom argumento.
Arranquei minha própria calcinha e subi o vestidinho verde, colocando
meus joelhos na poltrona e me empinando toda ao me segurar no encosto.
Luiz Henrique se aproximou por trás de mim.
— Gostosa.
— Me foda com força — pedi — e bata na minha bunda.
— Você sabe que a casa está cheia, não sabe?
— Tranque a porta para Apolo não entrar — lembrei — para o resto
estou pouco me lixando.
Ele passou a chave na porta e voltou para perto de mim.
— Safada — disse antes de descer a mão na minha bunda — é assim
que você gosta, não é?
— Simmmmmm — gemi quando seu pau entrou de uma só vez.
— Nunca vou me cansar disso, Alissa — ele gemeu me fodendo —
continuo viciado em você, no seu cheiro... Nessa boceta gostosa.
— Também sou viciada no seu pau — senti outro tapa firme — na sua
boca e nos seus dedos.
Não demoramos muito, tínhamos convidados, afinal. Mas foi uma
rapidinha deliciosa. Ele me bateu e me fodeu, arrancou meus gemidos e me
levou ao orgasmo. Quando ele gozou, me pegou nos braços e se sentou
comigo em seu colo.
— Eu amo tanto você — declarou, beijando minha testa.
Nossas respirações estavam ofegantes e eu podia sentir o seu coração
disparado pelo exercício que tínhamos acabado de concluir.
— Também amo você. Muito. Tanto que não sei nem expressar em
palavras.
Eu o encarei, sentindo meu coração voltar ao ritmo calmo. Passei as
mãos pela barba que eu tanto amava e a cada dia ficava mais cinza.
— Acho que te amei desde o segundo em que me salvou.
Luiz beijou meus lábios com suavidade, mudando o ritmo em que
estávamos.
— Quando eu mais precisava você me ajudou, mas nunca foi gratidão
o que senti por você — concluí.
— Não era só você que precisava de ajuda, Alissa. Hoje eu sei que
precisava mais de você do que você de mim. Naquele dia, em cima daquele
viaduto, nós nos salvamos.
— Se o para sempre existir, quero ficar com você até lá — declarei.
— Se ele não existir, nós o criaremos.
Eu sabia que assim seria.
Que honra ter você aqui no final dessa história! Muito obrigada pela
leitura, se tiver curtido, que tal deixar sua avaliação na amazon? Ajuda
demais para a gente saber o que você achou. Ah, se por acaso achou algum
erro de ortografia/digitação e puder nos mandar, agradeceremos de coração!
Escrever essa história foi incrível, Alissa e Luiz são opostos que se
complementam, então sentimos a hora que cada detalhe tinha que acontecer,
espero que não tenham nos xingado muito nesse percurso rsrs
Gostaríamos de agradecer a Júlia pela leitura final e surtos em primeira
mão, bem como a umas parceiras lindas que entraram nessa com a gente:
Dry, Gleice, Jhenifer, Luciana, Andrea, Rafaela, Adna, Anne, Manoela,
Nayara, Milene, Evelyn, Juliana, Larissa, Nicole, Maria Eduarda, Raabe.
Meninas, obrigada pela leitura inicial e por todos os comentários
ensandecidos que nos motivaram a acelerar a conclusão dessa história!
Às nossas leitoras do grupo do WhasApp: vocês são incríveis.
Obrigada pelo apoio de sempre e pela família que estamos construindo lá.
Sintam nosso abraço.
Com amor, Ane Pimentel.
Estamos sempre com ideias novas e adoramos dividir com vocês. Nos
acompanhe nas redes sociais para ver os book-trailers, quotes e todas as novidades!
Temos grupo de leitoras no WhatsApp, quer entrar? Nos chame que
adicionamos!

Instagram: @autoraanepimentel
Perfil Facebook: Ane Pimentel
Grupo (secreto) no Facebook: Autora Ane Pimentel
Fanpage: Autora Ane Pimentel
Wattpad: @AnePimentel
Nós amamos ler e, por consequência, escrevemos aquilo que
gostaríamos de ler. Dessa maneira, temos livros de todos os tipos e, com
certeza, você vai se apaixonar por um (ou mais) deles. Você achará na nossa
página na amazon e-books com mais diversos temas: pais, BDSM, melhores
amigos, mais CEO, terapeuta e muito mais.
Caso queira ir diretamente para nossa página na amazona, basta clicar
aqui.
Qual delas você já leu? Clica nos títulos para conferir:
O CEO da minha vida tinha que ser você
Missão Padrinho
Mudança de Rota
No Divã
Domine meu coração
Um Amor de Virada
Belo Mentiroso
Prazer em conhecê-los
Acordo Pré-nupcial
É para o meu próprio bem
É mais que possível
Segundo Tempo
Quando a vida real não basta
Pai do ano
Chegou a minha vez

Você também pode gostar