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Copyright © 2019 Anna Hansen

Capa: E. S. designer.
Revisão: Leticia Tagliatelli.
Diagramação: Leticia Tagliatelli.

Esta é uma obra de ficção, nomes, personagens,


lugares e acontecimentos descritos são produtos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera
coincidência. Esta obra segue as regras da Nova
Ortografia da Língua Portuguesa.
Todos os direitos reservados.

É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de


qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios
(tangível ou intangível) sem o consentimento escrito da
autora. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei nº. 9.610/98 e punido pelo artigo 184
do Código Penal.2018

Dedicatória
Dedico esta obra a Ale Tells,
por emprestar um pouco de sua personalidade,
para que Antonella criasse vida nessa estória.
Essa foi a maneira que encontrei
para agradecer a nossa amizade e carinho.
Sumário
Enzo Rafello Ferraro
O começo
A cosa nostra
Cunhado cagão
Nevada
Tempestade à vista
Antonella Grasso Chiarelli
Aceito, negócio fechado
O encontro
Futura arrumadeira
Contratada
Pulga atrás da orelha
Jogada de mestre
Cunhado assediador
Cunhado traiçoeiro
Maledetto pappagallo
Noivado por um fio
Ao ataque!
Inocente passeio
Amigo fura olho
Perda de controle
Encrencados
Convite inesperado
Cinque contro uno
Contra a parede!
Estaca zero
Hamptons
Tela quente
Notte d´amore
Verona
Tarde demais
Audace mafioso
Passaggio all'inferno
Due contro uno
Round dela morte
Incancellabile
La pompa
Gran Hotel
O cerco se fecha
Os brutos também amam
Un' Altra te
Amore per te
Meravigliosa sorpresa
La nuova strategia
Enlace a caminho
Retaliação à moda antiga
Dare a Carol quel che è di Carol
Scandalo nella società
Lugar de lixo é no lixo
Novitá
Clientes incomuns
Adeus bigode
Era uma vez uma égua
Il nostro matrimonio
Sharm el- Sheikh
Irritando o inimigo
Dói ou não
Golpe inesperado
Filho de peixe, peix...
Per amore
Chave mestra
Caça ao tesouro
Intrigante correspondência
Informações preciosas
Queima de arquivo
Tormentas do passado
Implacável
Amiga da onça
A um passo da tranquilidade
La mia vita, la tua vita!
Pedindo arrego
Desastrosa serenata
Nostro bambino
Momenti familiari
Matrimonio di Clara
Bendita aposta
Família Ferraro
Epílogo
Agradecimentos
Enzo Rafaello Ferraro

São quase nove horas da noite e a movimentação pela Park Avenue é tranquila,
Fabrizio, meu motorista, estaciona o carro na rua 66th e meus seguranças fazem
o mesmo em outro carro logo atrás.
— Me esperem aqui. — digo a Isaiah, meu chefe de segurança e também meu
treinador de lutas marciais, ele e mais dois homens se mantêm em vigilância,
enquanto viro a esquina em direção ao edifício de número 630.
Isaiah trabalha com os Ferraro, há mais de oito anos e vem cuidando da minha
segurança e de meus familiares com exímia dedicação sem probabilidades de
falhas, ele é um homem que fala pouco e possuidor de um raciocínio muito
rápido.
Em minha mente, as informações de que há um delator infiltrado em nossa
família me faz remoer cada palavra dita e seus sorrisos dissimulados. O que esse
homem, Carlo Salazar, não imagina é que, apesar de sua desairosa estratégia
[1]

para juntar fatos que me comprometam com a Comissão acabou tendo um efeito
inverso, pois um delator nunca é bem visto nesse mundo em que vivemos e todas
as outras famílias conhecem e respeitam os Ferraro. Todos sabem que a nossa
família sempre trabalhou para que todos saíssem beneficiados e todos os lucros
fossem divididos entre as outras famílias. Portanto, tenho plenos poderes para
aniquilar esse verme em forma humana que se acha o mais esperto membro que
a família já aceitou.
Neste momento, esse figlio di puttana está sendo caçado como um rato sujo e
[2]

acovardado e não vejo a hora de botar as minhas mãos sobre aquele monte de
merda. Alessio, meu cunhado, me avisará assim que meus homens conseguirem
pegá-lo.
Aperto o botão para que o elevador desça e aguardo a sua chegada, os números
se movem lentamente e impaciente olho em meu relógio, a porta se abre, uma
senhora passa por mim, me cumprimenta com um leve aceno de cabeça e me dá
um sorriso que me faz lembrar de minha mãe, um tanto distraída, ela derruba sua
carteira e mais do que depressa me abaixo para apanhar o objeto que se encontra
no chão.
— Aqui está, senhora. — estendo a sua carteira e muito devagar a mulher de
sorriso simpático pega o que lhe pertence.
— Muito obrigada, meu rapaz e tenha uma ótima noite.
— Que a senhora também tenha uma ótima noite.
Ainda a vendo de costas, entro no elevador e aperto o número 8, o elevador se
abre e ajeito meu terno, enquanto caminho calmamente pelo corredor
acarpetado.[3]

Marie me espera e acredito que já esteja impaciente pela minha demora, desde
que começamos a nos encontrar furtivamente, decidi que tomaríamos muito
cuidado para não sermos descobertos.
Na verdade, sou noivo de Carol que por coincidência é sua melhor amiga.
Conheci Marie em um almoço na casa de Carol, estávamos juntos há mais ou
menos uns oito meses e a atração que sentimos foi imediata, em muito pouco
tempo, nos tornamos amantes e amigos. Esse relacionamento escuso vem [4]

acontecendo há mais ou menos dois anos.


Meu relacionamento com Carol é algo semelhante a um acordo entre dois
adultos que sabem da inexistência de afeto e a impossibilidade de um amor a ser
construído, assim sendo, aceitamos abertamente as conveniências e futuras
ligações que esse nosso casamento acarretará, ela seria o que podemos qualificar
de noiva pedante, na cama, é o que se pode chamar de uma mulher frígida, não
[5]

curte sexo oral, alegando ter certa repulsa e assim evita me contemplar com sua
boca em meu pau, na mesma proporção em que não aceita ser chupada por mim.
O pai de Carol, Dean Eliott Sherwood, mantém negócios com meu pai há anos,
ele atua no ramo de contrabando de pedras preciosas vindas da África do Sul e
se ocupa em repassar matéria prima para medicamentos que chegam às nossas
fronteiras sem nenhuma fiscalização e foi num desses acordos que a ideia de unir
nossas famílias surgiu e isso aconteceria através do meu casamento com sua
filha, não querendo contrariar ao meu pai a quem prezo tanto, aceitei de bom
grado a condição de me casar com uma mulher por quem não sou apaixonado e
muito menos me sinto atraído sexualmente e aí cabe o velho ditado, se procura
na rua o que não se têm em casa e foi assim que me envolvi com Marie e
estabelecemos um parâmetro muito satisfatório, diria eu, sua beleza e corpo
perfeito me satisfazem de uma maneira que não posso reclamar.
Marie, tem uma clínica de estética a qual ajudei a financiar, com seus próprios
méritos a vi crescer e abrir mais duas filiais em endereços importantes em Nova
Iorque. Ela nunca tentou me extorquir dinheiro ou algo parecido, fui eu que quis
ajudar devido à sua autonomia e o mais admirável, sua personalidade
independente, que gosta de andar com suas próprias pernas para conseguir o que
deseja.
Passados dois meses que sua clínica estava em funcionamento, Marie me
procurou e fez questão de me devolver a quantia que eu havia investido, claro
que recusei, disse para que considerasse como um presente e desde então, nos
encontramos furtivamente em seu apartamento e para ambos a relação se
[6]

estende em um nível aprazível. [7]

Em frente à porta de seu apartamento, pigarreio e aperto a campainha, segundos


se arrastam até que ouço um estalido na maçaneta da porta e o sorriso
[8]

estonteante de Marie me recebe juntamente com toda a sua beleza.


— Está atrasado, Enzo. — ela afasta seu corpo da porta, me dando passagem no
mesmo instante que estica sua mão para mim. — O vinho está na temperatura
que você gosta.
Caminha na minha frente me puxando pelas mãos, me dando a visão luxuriante
de seu vestido curto e muito apertado e de seus quadris e pernas torneadas que se
movimentam instigando meu desejo quase animal e voraz. Minhas mãos
alcançam a sua cintura e seu corpo se choca com o meu.
— Não vim até aqui pelo vinho! — deixo claro através de cada palavra o meu
intuito subtendido.
[9]

Ela abre meu paletó, passando a mão por meu coldre com minha companheira de
tantas jornadas, minha Glock. [10]

— Tanto quanto melhor, Dom Ferraro, mas antes de qualquer coisa, guarde sua
arma, sabe que detesto sentir esse objeto entre nós dois.
— Pensei que gostasse de me ver armado? — a provoco com esse comentário de
duplo sentido que a faz rir.
— Não, literalmente, Enzo.
Instantaneamente, jogo a arma sobre a mesa e ataco sua boca, sentindo o calor de
seu beijo juntamente com o gosto de seu sexy batom vermelho, ao me afastar,
suas pupilas assumem um tom mais escuro e sua face fica toda avermelhada,
com seu indicador, limpa minha boca e meu queixo que deduzo estarem
vermelhos. Enroscada a mim, cambaleamos em direção ao seu quarto e lá, ela
me empurra bruscamente fazendo com que meu corpo caia sobre sua cama, onde
posso sentir o seu perfume espalhado entre os vários travesseiros dispersos ali.
Extravasando seu desejo através de seu olhar faminto, ela se aproxima do
colchão e seus dedos pairam em minha gravata, com uma delicadeza ímpar, a
desata e abre os botões de meu paletó, depois migra para a minha camisa que a
impedem de explorar meu corpo com suas mãos macias.
— Mia bella... — disparo quando sinto a ponta de seus dedos deslizarem sobre
[11]

meu peito em movimentos sinuosos até chegarem em minha calça.


— Mio... Enzo! — ela diz em italiano, deixando escapar sua língua de origem.
[12]

Com a voz provocante e rouca, ela tira meus sapatos, em seguida, todo o restante
de minhas roupas e sei exatamente onde isso me levará, Marie tem uma boca que
me enlouquece e é isso que ela pretende ao me olhar com olhos acesos e seus
lábios entreabertos. Segura meu pau já excitado e o leva à sua boca sem nenhum
pudor, fecho meus olhos, soltando um longo suspiro de satisfação. Seu boquete é
um dos mais gostosos que o meu corpo teve o prazer de sentir e olha que já tive
muitas mulheres para usar como referência.
Ela o engole, sufocando seu gemido em minha pele e a pressão que seus lábios
exercem, me fazem arquear meus quadris em direção à sua boca, estocando com
frequência, enquanto meus dedos se enroscam em seus cabelos.
— Isso é tão bom... — digo com a voz extremada de desejo e a certeza de que eu
irei retribuir seu gesto, a fazendo gozar como louca.
Sua língua circunda todo meu membro e em seguida, passeia pelas minhas bolas,
afundo minha cabeça no travesseiro e me deixo levar pelas suas carícias. Seguro
em seu pulso bruscamente e a faço cair sobre meu corpo.
— Não está gostando? — arqueia uma de suas sobrancelhas, com o olhar
satisfatório de ter me deixado com muito tesão.
— Muito, mas quero mais que isso!
Viro meu corpo, a deixando por baixo toda receptiva ao arquear seus quadris de
modo deliberativo, me provocando a penetrá-la. Em resposta, enfio minha mão
[13]

por baixo de suas costas e alcanço o zíper de seu vestido com certa urgência,
liberando seu lindo corpo diante de meus olhos que se fixam em seu par de seios.
Minha boca passeia por seu colo, enquanto meus dedos abrem o fecho de seu
sutiã, deslizo meus lábios pelo seu mamilo, o prendendo entre meus dentes e
quando um gemido rouco escapa de sua garganta, sugo lentamente, o saboreando
até sentir a ponta de seu mamilo endurecido em minha boca à medida que suas
mãos escorregam por todo meu corpo. Sem muita calma, espalmo minha mão
em seu sexo por cima da renda de sua calcinha, aperto essa região com certa
pressão e sinto sua boceta extremamente excitada como sempre. Alcançando o
cós da única peça que cobre seu corpo, a desço por suas pernas sem tirar meus
olhos dos seus, sua respiração é falha e seu peito denuncia a sua ansiedade.
Nua, ela estica seu braço enlaçando meu pescoço com uma de suas mãos,
puxando minha boca até a sua, ao colar meus lábios aos seus, Marie me
surpreende pela urgência em seu beijo molhado e sua língua afoita, percorre cada
canto de minha boca e suga minha língua com força de um jeito somente seu, ou
seja, da maneira que tanto gosto.
A abraço forte, penetrando com uma estocada firme e brusca que faz com que
ela gema ainda mais alto, cruza suas pernas ao redor de meu corpo, permitindo
que eu avance com mais intensidade e força.
— Adoro quando fica devasso assim, meu gostoso! — mordo a base de seu
pescoço, enquanto suas unhas circulam pelas minhas costas, traçando linhas
vermelhas em minha pele.
— Me adora sendo devasso, é? — meneia sua cabeça em afirmativa e antes que
ela diga algo, remexo meu pau dentro dela, fazendo com que perca o controle
sobre tudo o que havia em seu pensamento, restando somente o desejo de me ter
dentro dela e tornando isso a sua única prioridade.
Meu celular toca no bolso de meu paletó jogado ao chão, nesse momento, Marie
me olha contrariada ao ver que uma de minhas mãos saem de seu corpo e
buscam pelo aparelho, ela continua embaixo de mim na esperança de que esse
telefonema não estrague a nossa noite.... Engano seu, é Alessio.
— Diga, Alessio. — olho para Marie que vira seu pescoço no travesseiro,
desviando seu olhar de decepção para um quadro na parede, em seguida, ajeita
seus cabelos, no mesmo instante em que saio de dentro dela. — Acharam o
sujeito? Onde ele estava? — volto a encontrar os olhos da minha amante que
mais uma vez se desviam dos meus. — Já o levaram para o local combinado? —
alcanço a minha calça e me sento na cama para trocar de roupa.
O dever de mafioso me chama e ele sempre vêm em primeiro lugar.
Na verdade, ela já deveria ter se acostumado com meu ritmo de vida, pois
quando se trata dos negócios da família, não há outro assunto que se torne mais
importante que ele, isso faz parte do juramento de um homem quando ingressa
nesse mundo. Se minha mãe estiver morrendo e a máfia me chamar, devo deixá-
la e ir até onde a Máfia estiver.
Minutos depois, em pé, arrumo o laço de minha gravata e mesmo brava comigo,
Marie se aproxima e o ajeita como se deve.
— Vai me deixar aqui, assim? Dessa maneira? — usa charme na voz e toda a
expressão de seu rosto seria um convite irrecusável. Toco seu lábio com meu
polegar.
— Prometo que a compensarei na próxima vez.
— Isso se o seu celular não tocar novamente, não é? — rebate, inconformada.
Estreito meus olhos, tentando justificar a minha atitude.
— Se ele tocar na próxima, prometo que a faço gozar antes de ir.
— Cretino! — isso não é uma ofensa dita com seus lábios curvados em seu
sorriso indecente e sim, uma maneira de dizer que ela não está mais irritada com
nossa interrupção.
— Eu irei levá-la comigo para Nevada na semana que vem e aí nada de
imprevistos, ok? — me viro de costas e sua mão direita se estende em meu
ombro, enquanto caminho para a porta.
— Tenho medo que Carol nos descubra. — fala, antes que eu vire a maçaneta da
porta principal.
— Não descobrirá, fique tranquila.
— Ela não me perdoará, Enzo. Sabe disso!
— Não vamos falar sobre isso nesse momento, sim?
— Está bem. — roça sua boca em meu queixo e me morde de leve. — Nem
provou do meu vinho, seu safado.
— Prometo voltar e tomar a garrafa todinha. — digo, com malícia.
— Esperarei, sabe disso.
— Eu sei, agora tenho mesmo que ir. — recolho minha arma e em seguida, beijo
sua boca passando pela soleira da porta. — Eu entro em contato. — antes de
fechar a porta, ela pisca para mim e me devolve um beijo soprado.
No elevador, pego meu celular e ligo para Domênico, um de meus soldados.
Domênico Vitale, é um de meus homens de confiança e ingressou na família
como um mero associado até que por sua habilidade indescritível de ser rápido
tanto no gatilho quanto em arrombar carros, subiu e foi ingressado na máfia
como um membro e dois anos depois era um dos soldados mais eficientes e
violentos da família Ferraro. Ele atende em dois toques.
— Domênico?
— Senhor Ferraro, achamos Carlo jantando no Blend, em Long Island, no
Queens e o levamos para o local que o senhor nos ordenou. — se faz um
segundo de silêncio e Domênico continua. — Fiz tudo conforme o combinado.
Saio do prédio, fechando o botão e ajeitando meu paletó e ao virar a 66th, vejo
meus seguranças e meu motorista a postos me esperando. Fabrízio abre a porta
de meu carro, no banco traseiro, verifico as horas, cerrando meus punhos,
ansioso por fazer uma das coisas que mais aprecio desde que me iniciei nesse
mundo, apavorar covardes e fazer com que eles sintam a força da minha mão e o
poder de minha arma.
— Fabrizio, voe para a 53rd, Queens e ao chegarmos lá, me espere no carro. —
falo, taxativo e o encarando pelo retrovisor.
— Sim, senhor.
— Em hipótese alguma, saia do carro, entendido?
— Sim, senhor. — Fabrizio acelera e em pouco mais de meia hora, estaciona em
frente ao galpão abandonado e destinado à minha missão.
Descobrir quem está por trás de Carlo, quem o mandou até mim para deletar e
criar histórias fantasiosas a meu respeito, denegrindo a imagem minha e de meu
pai, que é a pessoa mais importante para mim seguido de minha mãe, esse é meu
maior e prioritário intuito. Desço do carro e Isaiah me acompanha juntamente
com mais dois homens.
— Onde está Alessio? — Domênico que já estava à minha espera, olha ao redor
do local e depois seu olhar duro se fixa em mim.
— Sabe como é Alessio. — pigarreia. — Ele não quis esperar pela diversão.
Às vezes, penso em como Donatella se casou com um homem tão frouxo como
meu cunhado. Ou pior do que isso, como ainda é apaixonada por esse
imprestável? Ele tem muita sorte por ela o amar, do contrário, já teria perdido o
pouco de minha paciência com ele.
Balanço minha cabeça em negativa e me pergunto por onde ele andaria a essa
hora, realmente espero estar enganado a respeito de minhas suspeitas sobre o
paradeiro de meu cunhadinho, pois se ele estiver fazendo o que suponho em
minha mente, logo ele será o próximo a acertar umas contas comigo.
— Me leve até Salazar.
— Por aqui, senhor.
Domênico segue na frente e Isaiah permanece atrás de mim, passamos por um
ambiente amplo, todo empoeirado, com muitos vidros quebrados, cercado de
pouca luminosidade e poças de água e óleo espalhados pelo chão. A pintura
envelhecida dá ao lugar o sinal de puro abandono e é exatamente com essa
atmosfera que mantenho esse lugar para determinados fins, aqui é o meu galpão
favorito. Seguimos por um corredor estreito, onde há somente uma fraca
lâmpada na parede, de repente, Domênico para em frente à uma porta à
esquerda.
— Ele está aqui.
— Abra! — digo, secamente.
A porta se abre e os olhos assustados de Salazar se retém em minha pessoa,
consigo sentir todo o seu medo e sua ânsia para escapar dessa noite com vida.
Domênico dá um passo à frente e eu o detenho.
— Agora que já cumpriu a sua função, pode me esperar lá fora!
— Não irá precisar dos meus serviços? — me pergunta. — Posso ficar e lhe
ajudar. — atesta.
— Pode ir. — instalada bem no meio do aposento com todos os meus aparatos
dispostos, olho para a mesa posta, conforme as minhas ordens. —Tenho tudo o
que preciso e daqui posso seguir sozinho. Você foi muito eficiente, Domênico.
— coloco minha mão sobre seu ombro. — E fique ciente de que costumo
recompensar muito bem a quem me é fiel. Agora, vá e espere até que eu o chame
novamente.
— Sim, senhor. — ele sai e me deixa a sós com a minha presa, quatro lentas
passadas me colocam frente ao homem que parece ser feito de cera, devido à cor
que parece ter desaparecido de seu rosto.
— Estava tentando se esconder de mim, Carlo? — devolvo um olhar carregado
de cinismo acompanhado de um meio sorriso nada amistoso. Com as mãos
atadas nas costas, seu semblante acuado o faz suar em excesso.
— Enzo, me deixe explicar, eu...
Ando até a mesa e muito calmamente, abro meu terno e o deposito em uma
cadeira ao lado da mesa, noto que Carlo não perde sequer um movimento meu.
Ele é como todos os outros fracos traidores com quem venho lidando e é nessa
hora que se conhece a frieza de um homem que se depara com a chegada de seu
fim, em seguida, retiro minhas abotoaduras e dobro as mangas de minha camisa
em movimentos muito calculados. Pelo canto dos meus olhos, consigo ver Carlo
engolindo em seco, tamanho o seu pavor, suas pupilas não saem de minha arma
rente ao meu corpo. Para quebrar um pouco o gelo, ainda retiro também meu
relógio e o deposito sobre a mesa.
— Acho que saí de Manhattan exatamente para ouvir a sua explicação, meu
caro.
Dois passos para o lado e estico meu braço alcançando a preciosa garrafa de meu
melhor conhaque. Ao lado dela se encontra uma taça e o meu charuto com seu
cortador. Prometi a mim mesmo que ainda este ano abandono o vício do tabaco,
porém, nesse momento, ele se faz necessário e exige que eu faça bom uso dele.
— Aceita uma bebida para relaxar? — ele nega com a cabeça.
— Pelo visto, está desmerecendo a minha hospitalidade, Carlo.
Despejo o líquido meticulosamente em minha taça e a seguir, seguro meu
Cohiba em uma de minhas mãos, com o uso do cortador, faço meu ritual para
[14]

saborear meu charuto, enquanto deixo o homem à minha frente, ainda mais
apavorado, pela minha atitude.
— Enzo, não traí a sua amizade e muito menos a sua família.
Impaciente por me ver saboreando meu conhaque ao mesmo tempo que degusto
meu charuto em lentas e sincronizadas baforadas, deixando que a fumaça se
espalhe pelo ar e exale o perfume maravilhoso de um bom tabaco, Carlo se
remexe na cadeira na esperança de soltar os nós inimagináveis de Domênico.
Bebo o restante do conhaque e deixo o charuto descansando no cinzeiro, me
sento na beirada da velha mesa e cruzo meus braços.
— Pois bem, Carlo. — friso seu nome com desprezo. — A mando de quem você
se infiltrou em minha família e se achou esperto o suficiente para me difamar
sem sofrer nenhuma consequência? Hã?? Ao repassar informações injuriosas
para que elas chegassem aos outros chefões, causando instabilidade na
Comissão? — ao disparar essa pergunta, saio da mesa e me prostro em sua frente
para arrancar dele tudo o que preciso saber.
— Quem lhe passou essas informações deve ter cometido algum engano, Enzo.
— seu corpo treme por inteiro. — Jamais iria maldizer você e a Dom Vitório
[15]

Ferraro. — meu maxilar se enrijece juntamente com minhas mãos formigantes e


loucas para entrar em ação.
— Quem me passou essa informação é digno de confiança, seu estúpido!
Portanto seja um pouco mais firme e se mostre como um homem ao menos uma
vez, assumindo os erros e idiotices que andou cometendo nessa merda de vida
em que se encontra. — giro meu corpo sobre a mesa e pego bastão elétrico,
deixando o objeto à vista dos olhos assustados de Salazar. — Vida esta que tem
seus momentos contados, diria eu. — engolindo em seco, sua boca treme ao me
responder mais uma vez em negativa.
— Eu juro que não fiz nada, Enzo! — com um soco armado, acerto meu
primeiro golpe em sua face, pendendo seu corpo para trás.
Tonto, ele balança sua cabeça e ao voltar a me encarar sabe que não será simples
me convencer a deixá-lo permanecer com vida, ainda mais me negando a
verdade. O sangue escorre de seu nariz e minha mão ainda quer mais, junto em
seus cabelos e o encaro de modo muito frio.
— Além de covarde, é surdo? Quero o nome da pessoa para quem você trabalha!
— minha voz se exaspera e minha boca quase cospe em seu rosto.
— Enzo, eu não o traí! — o suor brota em seu rosto e seus olhos também se
mostram lacrimejantes.
Mulher chorona é tolerável e digna de consolo, mas homem chorão é o fim do
mundo.
— Ma che bel vigliacco sei tu?[16]
— Non sono un codardo. — responde em italiano desonrando ainda mais a
[17]

nossa raça.
Patife covarde!!
Outro soco e ele se cala.
— Quero o nome, Carlo lhe darei a oportunidade e decência de morrer
rapidamente com um tiro na nuca se me falar o nome do seu mandante.
— Enzo, por favor!
— Devo começar com algo doloroso. — rebato sorrindo enquanto pego minha
barra de ferro. Ele se retesa e tenta argumentar em vão quando acerto seu joelho
com toda a minha força, causando um estalido quando o ferro estilhaça seus
ossos.
— Ahhhhhhhhh. — seu grito ecoa no ambiente e isso não me faz repensar em
deixá-lo em paz, grunhi de dor, com os olhos fechados e a boca aberta
[18]

buscando ar.
— Você é um merda de um delator, Carlo e já que se qualificou como tal, não
acha que está na hora de desempenhar melhor o seu papel e me contar quem o
mandou até mim?
— Sou inocente, Enzo! — ainda insiste em negar, porém sinto que ele não
resistirá por muito mais tempo. — sorrio, sarcástico.
— É o que todo linguarudo mentiroso diz. — ando ao redor da cadeira para
amedrontá-lo ainda mais. — Serei bonzinho com você se acaso resolver
colaborar. — encarando seu rosto ensanguentado, sorrio e pego meu bastão
elétrico.
— Sabe o que é isto, não é?
— Não, Enzo, não!!! — se debate na cadeira.
— Vou lhe dar a dica de quem foi e você confirmará apenas com um aceno de
cabeça, meu caro.
— Eu já disse, não sei de nada! — enfurecido, abaixo sua calça juntamente com
sua cueca e descarrego meu bastão em suas bolas, fazendo seu corpo sacudir e
espalhar por todo galpão o seu grito ensurdecedor.
— Foi Fanesi não foi? — ofegante e todo mijado, ele se nega a falar me
deixando irado ao extremo, desato o nó que prende suas mãos dando a ele a
chance de ao menos tentar me atacar como meio de defesa e ira, todavia o infeliz
só sabe se lamentar e com isso só me resta adotar um método mais invasivo.
— Digaaaaaa! — vocifero e em reação ao meu berro inesperado, o homem se
[19]

encolhe todo.
Acerto mais um soco em seu queixo e me pergunto o que corre nas veias desse
elemento, pois se alguém algum dia tentasse me acertasse um tapa sequer, não
ficaria vivo para contar esse fato a ninguém. Nesse ínterim, ajeito meus cabelos
e com uma das mãos na cintura, rebato.
— Não creio que seja tão digno e leal a Andrea Fanesi, a ponto de morrer sem
me contar que trabalha para ele.
— Enzo, per l'amor di Dio. [20]

— Seu imbecil, Deus não cabe em nossa conversa no momento. — enfurecido e


cansado de rodar em círculos, o pego pelo cabelo e mesmo com o joelho
estourado o arrasto até um tambor com água no canto do quarto.
— Não tenho a noite toda, Carlo. — digo, o segurando pela nuca. — E posso lhe
assegurar de que não sairá daqui antes que tenha me dito o nome que desejo
ouvir. — enfio sua cabeça na água e segundos após, seu braço se agita pelo ar
tentando me agarrar para que eu o deixe respirar. O puxo à superfície e ele
resolve colaborar.
— Foi Fanesi. — respira com dificuldade e eu suspiro feliz com a sua confissão
desesperada. — Ele queria atrapalhar o esquema com as empresas fantasmas que
você havia criado.
— Hum, muito interessante. E quanto ele lhe pagará por seu prezado serviço?
— Ele me daria uma pequena parte nos negócios que tem no Bronx. Uma ala
onde ele usa de extorsão e um pequeno local onde alguns caras apostam tudo
[21]

no pôquer.
— Muito bem, meu caro amigo. Está liberado. — suas feições denotam alegria
mal acreditando no que acabei de dizer, ele pega minha mão direita e a beija
como se me fosse devotado.
— Grazie, Enzo. Grazie! — repete todo feliz, mal sabendo do que lhe aguarda.
[22]

— Você pode ir em paz, meu bom Carlo. — avanço a mão sobre minha arma e a
aponto firmemente para ele e ele ergue sua mão em sinal de trégua e desespero.
— Eu falei tudo o que sabia e você me disse que estava liberado. — com seu
rosto inchado e mancando de uma perna, ousa dar um passo em minha direção
criando coragem para apontar seu dedo em riste. — Onde estaria sua palavra que
tanto faz questão de se gabar?
E não é que o homem criou coragem mesmo?
— Minha palavra continua a mesma, seu farabutto ! Irá descansar em paz e
[23]

tenho certeza que nem o diabo confiará em você no inferno, seu traste. —
encosto o cano de minha arma em sua boca e novamente ele fraqueja, só que
dessa vez não tenho tempo e muito menos tolerância para aturar suas
lamentações e pedidos de clemência.
— Enzo, peço que me perdoe. — sem dar ouvidos a ele, respondo, friamente.
— Fanesi saberá que o matei e deixarei seu corpo aos pedaços ainda hoje em
frente à sua casa, pode ficar tranquilo e esperar que seu Dom lhe dê um enterro
decente. — empurro seu corpo e disparo duas vezes acertando em cheio o seu
peito e outro bem no meio de sua testa. Seu corpo cai, me dou por satisfeito e
então chamo meus homens para dar o fim destinado a ele.
— Cortem seu corpo em dois. — ordeno a Domênico. — E depois, jogue a parte
inferior em frente ao bar Destiny.
— E a parte de cima? — questiona meu soldado.
— Mande a Fanesi como presente de Enzo Ferrraro. — limpo minha mão em
uma toalha úmida. — Deixo o corpo em frente à casa dele em State Island.
— Perfeitamente, senhor.
— Estou indo para casa e qualquer coisa podem entrar em contato comigo.
Saio do local e conforme as minhas instruções, Fabrizio permaneceu dentro do
carro. No caminho de casa, encosto minha cabeça no banco traseiro do carro e
minha mente vagueia em como me tornei o subchefe da família Ferraro.
É uma longa história que teve início há muitos anos...
O começo

Enzo
Através do vidro escuro do carro, observo a tranquila movimentação ao redor
nas ruas. O mundo gira tão incessante e muitas pessoas nem imaginam o que
essa cidade esconde.
Vida e morte se cruzam intermitentes e cada ser carrega um fardo leve ou
pesado, balanço minha cabeça alongando meu pescoço para afastar meu cansaço.
Ossos do ofício...
Daqui a algumas horas terei notícias de meu estimado amigo Andrea Fanesi.
Então ele acha que pode nos desafiar? Daria tudo para ver sua reação, ao ver
parte do corpo de Carlo prostrado em frente à sua residência. Espero que ele não
tente mais nenhuma manobra desonesta na tentativa de desbancar e sujar a moral
de meu pai dentro da Família.
Falarei com meu pai e pedirei a ele que convoque uma reunião com toda a
Comissão. Quero deixar claro que, partindo de nossa família, esse tipo de atitude
acarretará retaliação ainda maiores. Tanto eu quanto Victório, que é o chefe de
nossa organização, não toleraremos esse joguinho imbecil feito por Fanesi, ele
nos deve desculpas e fará isso diante de todos os chefões da Cosa Nostra.
— Estamos quase chegando, senhor.
Fabrizio trafega pela rodovia 95 até chegarmos a Harrison, a essa hora, todos em
minha casa dormem, exceto Papá, na certa, me aguarda para saber como tudo
terminou.
Adentramos a rua Delevan Lane e o grande portão nos é aberto pelo porteiro, ele
segue devagar pela alameda que corta todo o jardim até parar em frente à entrada
principal. Fabrizio desce e mais do que depressa abre a porta para mim, desço e
Isaiah e seus homens vêm em um carro logo atrás.
— Fabrizio, está dispensado por hoje, obrigado.
— Sim, senhor. — gosto de meu motorista, ele é discreto e o melhor de todas as
qualidades em um funcionário, fala muito pouco.
Me junto a Isaiah que já dispensou os outros dois homens e toco seu ombro.
— Amanhã, cuidaremos de Alessio. — Isaiah entende perfeitamente a que me
refiro e dispara.
— Ângelo irá me passar as informações de que você precisa, logo pela manhã.
— Ótimo, meu cunhadinho mal pode esperar! — Isaiah solta um sorriso já
conhecido.
— Se não mais precisar dos meus serviços, irei para casa, Enzo. — ainda
justifica. — Amanhã, temos treino! Não se esqueça!
— Não me esquecerei, amanhã acabo com você, meu caro.
Isaiah é um dos poucos funcionários que se dirige à minha pessoa sem nenhum
receio ou cerimônia, ele reconhece sua posição como segurança, porém não se
retrai ao falar comigo sem me chamar de senhor e eu gostei disso nele desde a
primeira vez em que nos falamos.
— Pode ir. — atesto. — Chega de trabalho por hoje!
— Vou indo. — se vira para mim e mais uma vez eu o chamo. — Mande
lembranças à sua esposa.
— Mandarei, obrigado. — se despede com um sorriso e coloca uma de suas
mãos no bolso da calça.
Se afasta e caminho a passos tranquilos em direção à porta principal de minha
casa, como era o esperado, há algumas luzes acesas no andar inferior e isso me
certifica de que meu pai está mesmo à minha espera.
Abro a porta, adentrando o hall de entrada com meu paletó sobre meu ombro,
reparo que em minha camisa há algumas marcas de sangue. Ainda bem que
minha mãe, a essa hora, esteja dormindo, pois não gostaria que ela me visse
assim. Preciso urgentemente de um banho e uma boa taça de vinho, arriscaria
dizer que também necessitaria de uma boa trepada, porém devido às
circunstâncias isso terá que ficar em segundo plano. Por hoje, terei que me
contentar somente com o meu bom vinho.
Ao olhar para o fundo da sala eu o vejo, meu herói. O homem pelo qual eu tenho
a maior admiração e respeito que possa caber em mim, o responsável por tudo o
que sou..., meu pai.
Sua figura já não exala o mesmo vigor de antes, pois descobriu há menos de dois
anos que é portador de diabetes, ele vem se tratando e apesar de sua teimosia em
não seguir todas as recomendações médicas temos esperanças de que ele consiga
controlar essa maldita doença. Não gosto de pensar na ideia de perder o meu
referencial, muito menos de me despedir do homem mais corajoso que já
conheci.
Perder meu pai é algo impensável para mim e farei o que for necessário para
ajudá-lo nessa luta contra essa doença terrível e silenciosa, porém, mesmo um
tanto debilitado, a sua força e sabedoria se tornam maiores a cada dia que passa e
seu olhar continua carregado com a mesma aura de força e destreza, qualidades
essas que o fizeram chegar ao topo saindo do nada.
Usando seu velho roupão cinza e seus inconfundíveis chinelos, ele mantém suas
mãos cruzadas atrás de seu corpo e anda até mim, posso ver em seu rosto o
alívio por me ver voltando para casa sem nenhum arranhão.
— Estava te esperando meu filho.
— O senhor deveria estar na cama, Papá.
— Não venha me dizer o que fazer, Enzo.
Como de costume, junta meu rosto de modo mais bruto e em seguida, suas mãos
batem de leve em meu ombro atestando com seus próprios olhos de que estou
inteiro, me beija na testa e recebo esse carinho com meus olhos fechados. Em
resposta, deposito as minhas mãos em seus ombros e o aperto.
— Como pode ver, estou bem. — desvia seu olhar para minha mão direita com
alguns ferimentos e rebate irônico.
— Sim, posso ver que você está bem, já não posso dizer o mesmo do rosto de
Carlo Salazar. — meneio a cabeça, o encarando de modo divertido, ele suspira
soltando o meu ombro e a seguir, se senta em sua poltrona favorita.
— Sabe que não era esse o futuro que desejei a você, Enzo. — diz, um tanto
inconformado por minha escolha profissional. — Queria muito que tivesse
ingressado na Harvard, tinha um enorme potencial para ser um grande político
ou quem sabe um economista. — me sento em um sofá frente a ele e mais uma
vez entre tantas que ainda virão, exponho minha vontade.
— Sei disso e o senhor também sabe o quanto sou feliz com a minha escolha,
não é? — completo. — Sou melhor do que isso, pois no ramo em que me
encontro a finança é uma arma e a política é saber quando se puxa o gatilho. —
esfrega as suas mãos em seus joelhos e contrariado, responde.
— Bem, a essa altura, nada do que eu diga mudaria sua cabeça. Só posso lhe
dizer que você sempre superou as minhas expectativas e com isso, me tornei seu
maior fã. Você foi além de tudo o que lhe ensinei e me vejo muito em você, mas
ainda assim é o meu eu melhorado, meu filho. — ouvir essas palavras vindas da
boca de meu pai é algo inigualável e sem preço, sempre almejei ser como meu
velho Victório, abro um sorriso limpo e aperto sua mão na minha.
— Obrigado, meu pai. — por segundos, me encara e diz.
— Minha rixa com Fanesi é mais antiga do que se possa imaginar. — estreitando
meus olhos e intrigado, pergunto.
— O que o senhor quer me dizer com isso?
Numa conversa franca meu pai me conta que ele e Fanesi eram sócios na
juventude. Ao desembarcarem na América, escolheram um ramo onde pudessem
ganhar dinheiro facilmente e com a coragem e astúcia de ambos, os negócios se
expandiram e ao chegar aos 20 anos de idade, Fanesi e meu pai eram muito bem-
sucedidos, durante esse tempo em que trabalharam juntos. Eis que surgiu uma
mulher que faria com que toda a amizade e sociedade fossem postas à prova.
Meu pai e Fanesi se apaixonaram pela mesma mulher, uma americana classe
média, olhar e sorriso sinceros que os dois jamais tivessem visto, seu nome...
Adele, minha mãe.
Fanesi, ressentido e se sentindo traído desfez a sociedade com meu pai e jurou
persegui-lo até o final dos dias de ambos, essa é mais uma das inúmeras histórias
contadas por meu pai. Confesso que sempre gostei de ouvir cada uma delas, pois
são carregadas de veracidade e garra, descritas por ele.
— Essa é uma novidade para mim. — digo, após ouvir nos mínimos detalhes a
história do início da vida de meu velho pai. — Fanesi foi apaixonado por
mamãe? — e pelo visto, o farabutto não aceitou o fato de não ter sido o
escolhido por ela até hoje.
— Um dia, ele se cansa! — me levanto e toco seu ombro. — Agora está na hora
do senhor ir para cama. — irritado por meu cuidado extremo, se levanta todo
aprumado e fala.
— Me respeite, Enzo, ainda sou seu pai e posso muito bem lhe ensinar uns
golpes. — pisca para mim e se encaminha em direção às escadas.
— Nunca me esquecerei de que é o meu pai. Você é meu exemplo e eu o amo,
Papá. — no terceiro degrau se vira para mim.
— Tome cuidado, eu o amo muito, meu bambino. — olho atravessado. —
[24]

Nunca me chame assim na frente dos outros, senão perco minha fama de mau.
— ele ri e chacoalha a cabeça.
— Seu segredo está seguro comigo, meu filho e tem outra coisa, Ignácio tem um
assunto para tratar com você e nunca se esqueça de que um dia todos nós temos
que saber que é hora de retroceder. — ressalta, subindo mais um degrau.
— Falarei com ele, mais tarde.
Espero que ele suba todos os degraus e desapareça de meu campo de visão, pego
meu paletó amassado e me dirijo ao meu escritório, tranco a porta e sentado em
minha cadeira com os pés suspensos em minha mesa, penso em qual será o
próximo passo de Fanesi.
Ao virar meu rosto para minha estante, olho com atenção para três porta-retratos
que mantenho em destaque ali. No primeiro deles, há uma foto de meus pais no
dia do seu casamento, nunca em toda a minha vida, conheci um casal mais
apaixonado do que eles. O passar dos anos não diminuiu o que eles sentiam e
isso contagia tanto a mim como Donatella, minha irmã, eles são, como dizem, o
típico casal eternamente apaixonado.
Olhando com mais atenção para o sorriso de minha mãe, meus olhos brilham e
mesmo que eu não me veja no espelho, sei que meu semblante sempre se suaviza
quando a vejo ou me refiro a ela, enquanto meu pai me ensinou como ser um
homem firme, de uma palavra só e corajoso, minha mãe me mostrou o que é ser
educado, gentil e amoroso com meus familiares, meiga, gentil, alegre, íntegra e
rege a nossa família baseada no amor e na união.
Na outra foto, vejo meus sobrinhos juntamente com minha irmã mais velha e
apesar de ser o caçula, quem manda sou eu, sempre fui o irmão que saía
brigando com todos quando algum engraçadinho mexia com ela. Já Donatella
sempre teve uma beleza ímpar e elegância natas, em sua juventude, ela teve
inúmeros pretendentes e demorou a se casar, pois adorava a liberdade da vida de
uma mulher linda e solteira.
Durante esse período todo, tive que socar muito marmanjo para defender a
minha irmã, temos uma ótima relação entre irmãos e a amo muito, assim como a
meus dois sobrinhos, Letizia e Pietro.
A única coisa que me revolta, é ver minha linda irmã sendo enganada por aquele
safado do Alessio. Donatella se apaixonou pelo pior dos homens e ela também
sabe que sempre fui contra esse casamento, porém como não havia nada que eu
pudesse fazer para mudar isso, resolvi simplesmente aceitar e tentar conviver
com meu cunhado. Para tê-lo mais perto de meus olhos, o coloquei para
trabalhar comigo, todavia Alessio é o típico cagão e não se encaixa em nenhum
dos encargos direcionados a ele e nesse momento, tenho quase a certeza de que
ele está aprontando alguma, portanto desse, cuidarei com muito carinho mais
tarde.
Recosto em minha poltrona e aperto meus olhos cansados, os pisco repetidas
vezes e me levanto para pegar uma bebida, coloco duas pedras de gelo e despejo
uma generosa dose de meu Dalmore 62, com o copo na mão, bebo um grande
[25]

gole, deixando meu paladar absorver o malte misturado ao aroma dos vários
barris onde ele é envelhecido.
Olhando para o jardim, me recordo de que estamos no final da primavera e que
daqui a alguns meses, mais precisamente no começo do inverno, terei me casado
com Carol, tenho 35 anos e já passou da hora de criar minha própria família,
mesmo que seja um casamento totalmente divergente do relacionamento de
meus pais, preciso seguir em frente e não há muito o que se fazer a respeito.
Vagando ainda mais em meus pensamentos, volto no tempo em que eu era
apenas um garoto que corria por esses jardins e ficava encantado ao ver muitos
carros em fila subindo as alamedas de minha casa. Desses mesmos carros,
desciam homens, com ar respeitável, vestindo seus ternos impecáveis, com seus
cabelos engomados sendo recebidos calorosamente por meu pai. Tentava
descobrir a todo custo sobre o que falavam, mas minha mãe muito perceptiva me
tirava dali, me explicava que não era correto ficar ouvindo atrás das portas e
muito menos me intrometer em assuntos de adulto.
A movimentação era grande durante muitas horas em que esses homens
permaneciam fechados no escritório de meu pai, eram servidas muitas xícaras de
café e sanduíches, passado algum tempo, todos saíam de lá com um semblante
satisfeito que era constatado com a troca de um aperto de mão.
Me lembro que quando eu tinha uns dez anos, acabei brigando aos socos com
um colega de classe por ele ter ousado chamar meu pai de bandido, foram
necessários dois seguranças para me tirarem de cima do garoto, minha mãe foi
chamada até a escola e mesmo me repreendendo, respondi que meu pai era o
meu herói e que não admitiria que ninguém dissesse o contrário.
Foi também na época do colegial que conheci meu único e melhor amigo Bryan
Castiel Kannenberg, dividimos a maior parte de nossa adolescência e juventude
juntos e quando estávamos prestes a completar 18 anos sabíamos exatamente o
que queríamos da vida, Brian queria seguir a Medicina e eu queria fazer parte da
máfia, assim como meu pai.
A Cosa Nostra

Enzo
Na época, meu pai foi contrário à minha decisão se opondo totalmente a isso,
seu sonho era me ver ingressar em Harvard cursando Economia, o contrariando
eu disse que meu sonho era ser como ele e que nada me faria voltar atrás. Sentia
que era capaz de cuidar dos negócios da família, assim como Ignácio que
ingressou ainda jovem em nossa família, órfão de pai e mãe, ele viu em meu pai
o seu amparo e fez bom uso disso, se dedicando fielmente à nossa família até os
dias atuais... Ignácio se tornou nosso Consigliere.
[26]

Numa tarde nublada, meu pai me chamou ao seu escritório, me pediu que
fechasse a porta e me sentasse para ouvir a tudo o que ele tinha a me dizer.
— Você quer mesmo entrar para a máfia, Enzo? — seu olhar era duro e seu
maxilar firme.
— Sim. — respondi, sem pestanejar.
— Sabe que para ingressar nesse mundo, terá que se submeter a provas um tanto
quanto difíceis.
Eu já havia prestado pequenos serviços ao meu pai, eram coisas pequenas como
entregas e recebimentos de algumas extorsões, porém pelo semblante de
Victório, percebi que a prova era algo grandioso que não admitiria fraqueza e
muito menos nenhuma falha.
— Sim, tenho ciência disso, meu pai. — ele debruçou seus cotovelos sobre sua
grande mesa e nossos olhares foram nivelados.
— Seria capaz de matar, Enzo? — senti que havia chegado a minha hora.
— Quem eu teria de matar? — consegui ver meu pai engolindo em seco pela
minha decisão tão célere e tamanha a frieza com que ela foi pronunciada.
[27]

— Tem certeza? — ainda insistiu.


— Sim, tenho. A quem eu devo matar e quando? — acertado o alvo, hora e local
a ser executado eu me sentia ainda mais homem.
Na noite da minha primeira incumbência, Ignácio repassou comigo todos os
detalhes a serem seguidos para que eu não deixasse rastro ou até mesmo fosse
pego e com uma frieza incomum para uma pessoa que era julgado pela sua
aparência de bom rapaz, matei com um tiro certeiro na cabeça um dos Capos [28]

da Família Bernini.
Eu entrava então para a máfia!!!
Minha iniciação foi feita naquela mesma noite e finalmente, iria me sentir como
aqueles homens. Vestindo meu terno completo me juntei aos capos da família
Ferraro, em uma reunião cheia de ritos e juramentos inquebráveis. Conheci os
mandamentos da Família, assim como tive minha mão cortada e meu sangue
derramado em uma foto de um santo, na qual foi queimada nas palmas de minha
mão, enquanto fazia meu juramento a Cosa Nostra, beijei a mão do Chefão e lhe
jurei fidelidade. Descobri o que significava o Omertá, o qual um membro
[29]

jamais poderá revelar os segredos de sua família, ficando em dívida e prestando


serviços a ela sem nenhuma hesitação.
Minha iniciação terminou com uma festa regada a muito vinho e muita comida.
Ao final da noite, fui presenteado com uma prostituta de luxo que me
proporcionou uma excelente noite de sexo. Mesmo sendo muito jovem, sempre
tive muito jeito com as mulheres e sempre soube respeitar cada uma à sua
maneira.
Brian e eu continuamos amigos e anos mais tarde conheci Agatha, uma moça
tímida de sorriso acanhado que me fez enxergar uma mulher, além de uma cama.
Ela me fez querer um relacionamento mais sério, me levando ao altar aos 24
anos, ela estava grávida e nos casamos às pressas, pois tanto a sua família quanto
a minha, eram muito católicos e não permitiriam que vivêssemos sem
oficializarmos nossa união.
Sua companhia me fazia bem e estava satisfeito com o que tínhamos, ela era
apaixonada por mim e sabia que eu não a amava e muito menos era apaixonado
por ela, porém sempre a respeitei. Esse era mais um dos mandamentos a ser
seguido pela Máfia, um homem deve respeitar a sua esposa e assim o fiz até que
tudo pareceu desmoronar sobre nossas vidas.
No seu quinto mês de gestação, um aborto espontâneo fez com que o sonho de
termos um filho naquele momento fosse destruído, isso nos deixou muito tristes
e passados três anos tentando uma nova gravidez com mais dois abortos naturais,
minha mulher foi diagnosticada incapaz de levar uma gestação até o final, por
dentro, eu me sentia muito mal, pois meu sonho era ser pai. Depois de todos
esses incidentes, Agatha caiu na mais profunda depressão e numa bela tarde de
março, ela foi e encontrada morta depois de bater seu carro em alta velocidade
na ponte do Brooklyn.
Sofri com sua morte, pois não imaginava que nosso destino tivesse esse fim,
permaneci viúvo, levando uma vida um tanto quanto devassa e de cama em
cama, segui até que conheci Carol. Desde então, não acredito que o amor seja
feito para mim, minha vida tem outras prioridades e não há espaço para esse
sentimento que dizem ser um dos mais sublimes que um ser humano pode sentir
e vivenciar.
Resumindo, somos uma família feliz ítalo-americana como tantas outras que
adoram festas com todos à mesa, falando alto e festejando a vida...
Uma família que se ama e se respeita.
Bebo meu último gole de uísque mantendo a pequena pedra de gelo em minha
boca, apago a luz de meu escritório e subo para meu quarto, tiro minha camisa
manchada de sangue e a deixo sobre uma poltrona no quarto, abro minha calça e
caminho até o banheiro. No espelho, encaro meu rosto e ainda me reconheço
ali... Sou Enzo, temido e respeitado.
Olho para minha mão e confiro a vermelhidão e inchaço de meus dedos.
Acabo de me despir, entro debaixo da ducha de água fria e deixo que o jato forte
alivie minha tensão, minutos após, meu celular vibra e a voz de Domênico me
deixa satisfeito com a execução de minha ordem.
Isso é somente o começo, Andrea Fanesi não perde por esperar!
Me deito em minha cama, pensando em minha manhã que começará agitada.
Tenho que pensar direitinho no que fazer com meu belo cunhado....
Cunhado cagão

Enzo
Abro meus olhos, os piscando lentamente, num rotineiro e metódico movimento
e estico meus braços espreguiçando meu corpo já cansado de ficar na cama. Não
sou um homem que dorme muito, me bastam 4 a 5 horas de sono e todo meu
organismo se sente restaurado.
Sentado em minha cama, faço um cronograma rápido de minha agenda diária e
não posso esconder que a minha maior alegria em acordar tão bem-disposto, se
deve ao fato de ver o patife de meu cunhado suando frio pelo que o aguarda.
Claro, que antes disso e para não levantar suspeitas, manterei a minha rotina,
sendo assim, me levanto e ando até o banheiro. Isaiah e Ignácio já devem estar a
caminho, pois sabem que começo meu dia muito cedo e com o estado debilitado
de meu pai, quem comanda os assuntos de nossa família, sou eu no momento,
portanto eles seguem as minhas ordens à risca.
Tomo uma ducha gelada e após vestir meu roupão, abro minha gaveta do
banheiro e procuro pela minha navalha de prata, em seguida, procuro sobre a
bancada da pia, minha espuma de barbear e enchendo a palma de minha a
espalho sobre meu rosto, em frente ao espelho, examino minha imagem e
fazendo uma análise sobre minha aparência, decido que não farei a barba,
deixando que ela cresça e deixe meu rosto com um ar mais sóbrio. Abro a
torneira da pia e enxáguo meu rosto retirando toda a espuma.
Pronto!
Ouço meu celular tocando sobre meu criado-mudo e então, enxugo meu rosto e
mãos caminhando até o aparelho, é Ignácio.
— Buongiorno, Consigliere. — disparo, ciente de que ele será sarcástico
[30]

comigo.
— Bom dia, Poderoso Chefão.
Ele sabe que não gosto de ser chamado assim por quem quer que seja, exceto por
ele. De Ignácio, eu aceito comentários dessa natureza como algo fraternal, gosto
muito de sua pessoa e o considero como um irmão mais velho, aprendi muitas
coisas com ele que me serviram para ocupar o posto a que me foi designado. Sei
que mais cedo ou mais tarde, meu pai me passará em definitivo todo o controle
da Família Ferraro e então pretendo manter Ignácio como meu leal conselheiro.
Em todos os anos em que esteve ao lado de meu pai, ele nunca o decepcionou,
quando eu tinha 23 anos, meu pai foi eleito o chefe de uma das famílias, na qual
levava o seu sobrenome. Meu pai se tornava o chefão de uma das cinco mais
poderosas organizações criminosas de todo país e Ignácio, nessa época era um de
seus capos, assim como eu. Com a sua destreza e lealdade, meu pai o promoveu
a Consigliere e desde então, Ignácio é nosso braço mais que direito na Família.
— Va a cagare, Ignácio. — ele ri e logo diz o motivo sua ligação.
[31]

— Enzo, levantei tudo o que me pediu e estou quase chegando em sua casa.
— Ótimo, esperarei.
Ele desliga, pois ambos não tratamos de negócios ao telefone por mais
corriqueiros que eles sejam e mesmo com nossos telefones anti grampos nos
reservamos a velha e segura conversa frente a frente.
Caminho até meu closet e correndo os olhos pelos cabides, escolho um de meus
ternos, confesso que sou o típico mafioso um tanto vaidoso. Gosto de meus
ternos feitos sob medida por Antonino e meus sapatos de couro italiano, se é
para ser um fora da lei que ao menos eu seja um contraventor bem vestido.
Na gaveta, logo abaixo, pego uma gravata e minutos depois, todo vestido, pego
minha arma e desço as escadas para a nossa sala de refeições. No pé da escada,
me deparo com Eurídice, a nossa governanta há quase 30 anos, sempre polida e
alegre, essa mulher cuida com muita dedicação de toda nossa família e é o
segundo olho de minha mãe pela casa.
— Bom dia, Enzo. — com algumas toalhas sobre o seu braço direito, ela estende
seu sorriso e retribuo seu gesto da mesma forma.
— Bom dia, minha mãe já acordou?
— Não. — responde, toda formal. — A senhora Ferraro e sua irmã ainda estão
repousando, somente o senhor Ferraro é que está tomando seu café da manhã
juntamente com o senhor Marquetti. — diz, apontando com a mão desocupada
em direção à sala de refeições.
— Obrigado, Eurídice.
Durante todo o tempo, essa mulher sempre foi a governanta linha dura, foi a
funcionária que me chamava a atenção por jogar bola dentro de casa ou por
entrar na cozinha e mexer nas panelas sem lavar as mãos. Hoje, quem sofre com
a sua ditadura são meus sobrinhos Letízia e Pietro.
— Com licença. — desvia seu corpo e desaparece pelo corredor para cuidar de
seus afazeres. A voz grave de meu pai ressoa através da sala e é para lá que me
dirijo.
— Bom dia, Papá. Bom dia, Alessio.
— Bom dia, meu filho.
A aparência cansada e doente resolveu dar uma trégua para meu pai, ele parece
disposto, muito mais forte e isso me deixa feliz e grato a Brian, o médico e
amigo que cuida da saúde do senhor Ferraro. Brian se tornou um dos melhores
endocrinologistas dos Estados Unidos e é ele que vem cuidando de meu pai
depois que ele se descobriu diabético.
— Bom dia, Enzo. — responde Alessio.
Me sento próximo ao meu pai e segundos após, vejo a figura de Ignácio se
juntando a nós em nosso café da manhã, ele se senta frente a mim e como
sempre nos falamos através de alguns sinais imperceptíveis para meu cunhado.
— Alessio. — o chamo, enquanto me sirvo de uma xícara de café. Ergue seus
olhos para mim e responde.
— Sim?
— Falou com Agnello a respeito do repasse de 30% daquela transação em
contrapartida das vantagens que oferecemos a ele?
Alessio pigarreia e como era o esperado faz uma cara de quem nem ao menos
sabe do que estou falando, com isso, Ignácio toma a palavra.
— O que está acontecendo no Bronx? — meu pai atento a tudo, questiona.
— Primeiramente, retiramos um sujeito que trabalhava por ali e era membro da
família Bernini que tentou invadir a nossa área. Segundo, demos toda a
segurança e conseguimos com nossa influência, fazer com que a polícia que
cobre toda aquela região fizesse vista grossa a qualquer ato escuso para que
Agnello, conseguisse trabalhar nas casas de jogos em total liberdade. — Ignácio,
todo ponderado, conclui. — O que me parece é que ele vem jogando sujo e nos
repassando apenas a metade do que combinamos e me acerquei através de
[32]

alguns associados, de que ele vem ganhando e muito naquele local. — meu pai
suspira e olha para mim.
— Enzo, acho que você pode resolver isso, enquanto Alessio fica jogando
pôquer no Blooklyn. — rasgo um pequeno pedaço de pão e o seguro entre os
dedos, encaro meu cunhado com as sobrancelhas levantadas e meu pai se
assombra tanto pela minha calma quanto pela minha rápida resposta.
— Absolutamente. — passo manteiga em meu pão e o levo à boca. — Vamos
dar um crédito a meu cunhado. — Alessio sorri e parece muito agradecido com
minha generosidade...
Se eu fosse ele, recusaria...
— Obrigado, cunhado. — limpo meus dedos no guardanapo o deixando ao lado
de minha xícara e completo.
— Quero que vá agora ao Bronx e só volte aqui com a soma em dinheiro que
Agnello nos deve, combinado?
— Combinado.
Isaiah passa pela porta lateral e com um pequeno aceno de cabeça sabe que
nosso treino matinal de Jiu Jitsu terá que ser adiado, tenho outros planos para
essa manhã.
— O que está esperando? — o pergunto. — toma o restante de seu café em um
gole só e se levanta ajeitando seu paletó.
— Leve Marcello com você! — meu pai o alerta, Marcello é mais um de nossos
fiéis soldados.
— Não é necessário. — intervenho causando mais estranheza em meu velho,
pois ele sabe que em todos assuntos da máfia há uma regra especifica de nunca ir
sozinho a um encontro. Faz parte dos mandamentos da Família. — Vá com
Fabrizio.
Pelo canto dos olhos de meu pai é possível ver claramente que ele desconfia de
que eu tenho algo em mente para cuidar de Alessio, que anda tão relapso quando
o assunto é nostro dinheiro. Alessio se despede e a seguir, meu pai corta um
[33]

pedaço de queijo.
— Muito bem, Enzo. — cerra os punhos sobre a mesa e essa é uma mania
comum a nós dois. — Posso estar velho, porém ainda sou inteligente o bastante
para saber que há algo de errado acontecendo aqui.
— Sabe que não permitirei que Alessio engane Donatella. Preciso ser mais
direto? — meu pai fecha os olhos demoradamente e como eu, ele não toleraria
que sua estimada e meiga filha fosse passada para trás, minha irmã não merece
isso.
— Somente lhe dê uma lição, sim? — esse é meu poderoso Vitório Ferraro.
— Pode deixar. — ouço uma voz feminina ecoando em direção à sala.
— Shhhh... — diz meu pai reticente. — Vamos mudar de assunto, sabe que sua
mãe detesta que tratemos de negócios à mesa. — se justifica.
Ignácio se ajeita na cadeira e começa a falar do próximo jogo dos Yankees, dona
Adele se aproxima e beija meu pai de leve nos lábios, depois, anda até mim e faz
o mesmo em meu rosto.
— Que bom ver todos reunidos no café da manhã. — me estende seu lindo
sorriso, ajeitando o guardanapo em seu colo com toda a sua leveza e elegância,
logo atrás de minha mãe, vêm Donatella de mãos dadas com meus sobrinhos, é
hora deles irem para o colégio. Pietro, ao me ver à mesa, se solta da mão de
minha irmã e entra como um foguete vindo em minha direção, pulando em meu
pescoço.
A atenção que ele deveria receber de seu pai é destinada a mim, Alessio é um
mau marido e um péssimo pai, quando olho para meu sobrinho penso que se
tivesse um filho, gostaria que ele se parecesse com Pietro, um garoto inteligente,
educado e muito doce. Pietro é meu maior fã, para ele sou uma espécie de herói
sem capa.
—Tio Enzo!!! — afoito, beija meu rosto e dispara a falar. — Vai me levar para
ver os Yankees? O senhor prometeu! — seus olhinhos ficam aflitos temendo
uma inesperada recusa.
— Prometi não foi, mocinho? — o beijo de volta. — Mas antes que me diga
onde estão os seus modos, para que não cumprimentasse seus avós e Ignácio à
mesa.
Minha mãe pisca para mim e percebe que as suas lições de educação dadas a
mim, surtiram um efeito duradouro e muito proveitoso. Pietro, constrangido pela
sua falta de educação, beija o rosto de meu pai, em seguida, anda até minha mãe
e na sequência estende sua mão a Ignácio, todo alegre ele se senta próximo a
mim e noto seu olhar atento em cada gesto meu, com os seus olhos brilhando de
admiração, eu amo meus sobrinhos e é uma pena que o pai deles não dê o valor
que mereçam.
— Se me dão licença, tenho negócios importantes a tratar. — meus olhos ainda
se cruzam com os de meu pai.
Me levanto da mesa e me deparo com minha irmã que se junta ao momento
família, acompanhada de Letízia que não comete a mesma falha que o irmão.
Donatella me beija e alisa meu rosto.
— Não fez a barba, hein?
— Faz parte de meu charme. — retruco, sorrindo.
— Como se fosse preciso, mio bel ragazzo. — saio da sala e Ignácio me
[34]

acompanha.
— Tutto pronto ? [35]

— Sì, tutto. — andamos lado a lado pelo extenso corredor que dá acesso à
[36]

garagem. — Alessio dispensou os serviços de Fabrizio que o deixou em frente


ao estabelecimento de Agnello, porém seu cunhado foi visto caminhando em
direção contrária à loja, ele entrou nesse endereço, me diz e me entrega um
pedaço de papel.
— Não sei o que seria de mim sem você, meu caro Ignácio.
— Não me venha com essa, Enzo! Irá sozinho?
— Levarei Isaiah comigo, por precaução, nunca sabemos onde o inimigo se
encontra.
— Molto bene. [37]

— Outra coisa, irei a Nevada, na semana que vem e quero que acerte meu
encontro com Alfredine
— Já estou cuidando disso, fique tranquilo e a propósito, ficará em Vegas por
quanto tempo?
— Tempo suficiente até convencer aquele carcamano, a me vender a sua parte
[38]

naquele cassino. Reserve a melhor suíte no Caesars, por favor.


— Sim, cuidarei disso.
Acho que Marie merece uma viagem depois da última vez em que nos
encontramos. Saio em direção à garagem e Isaiah me olha atravessado.
— Vamos nessa lata de sardinha? — ele olha para o meu Porshe Spyder 918 com
desdém.
— Garanto que quando morrer, seu caixão será bem menor que isso. — zombo.
— Isso é verdade.
Minutos depois, paramos nosso carro em frente a um prédio de quatro andares
com tijolos rústicos, descemos de meu veículo, adentramos a portaria do edifício
e não encontramos empecilho algum em nossa passagem. Subimos quatro lances
de uma velha escadaria e a minha raiva só aumenta em imaginar qual o tipo de
mulher com quem Alessio trepa nesse momento, somente uma reles puttana se [39]

sujeitaria a vir a um lugar decadente como esse para um encontro amoroso,


entramos pelo corredor e o carpete desbotado faz conjunto com as paredes em
cinza descascadas, paramos em frente ao número 219 e Isaiah cochicha.
— Iremos arrombar?
— Está brincando? — pego uma pequena chave especial em meu bolso. — Sou
um cavalheiro e jamais faria uma grosseria como essa, meu caro. — ele diz e
bate a mão no rosto.
— Dio Santo. — debocha de minha cara em italiano. — Não tinha
[40]
conhecimento de que sabia arrombar fechaduras.
— Nem eu.
Claro que não conto ao meu segurança, que Domênico me deu algumas aulas
sobre como abrir uma porta discretamente em segundos. Ajoelhado no tapete
escrito Welcome, giro a pequena chave e em poucos movimentos consigo meu
[41]

intuito. Em pé, saco minha Glock e Isaiah me acompanha também com sua arma
em punho.
O pequeno apartamento é algo degradante, a sala minúscula é composta de uma
pequena mesa sem cadeiras, um conjunto de sofá em couro preto e cortinas
rotas. Na cozinha americana anexa, algumas garrafas de cerveja e uma caixa de
pizza pairam sobre a pia, em um dos sofás, o paletó de Alessio descansa,
enquanto seu dono solta altos gemidos que chegam até a sala.
— Fique aqui. — falo o mais baixo que posso, fazendo sinal com meu indicador
sobre meu lábio pedindo a Isaiah silêncio.
Me obedece e caminho a passos minuciosamente calculados até a porta que está
entreaberta, permitindo com que eu seja testemunha ocular da traição de meu
cunhado.
— Me chama de gostoso, vai! — eles ainda não se deram conta de que assisto à
transa encostado no batente da porta.
Se Donatella visse uma cena como essa, iria sofrer muito e é pensando nela que
adentro o quarto, apontando a arma nas costas de Alessio.
— Delizioso. — a mulher loira geme incessantemente e é hora de acabar com a
[42]

festa.
— Quer conversar antes ou depois de gozar, Alessio? — em um súbito
movimento, vira seu corpo e seus olhos se arregalam incrédulos, por me verem
em sua frente.
— Enzo!! Porca miseria ! [43]

— Em carne e osso! — mantenho minha arma apontada para ele e a mulher puxa
o lençol cobrindo seu par de seios que são caídos por sinal. — Senhorita, sugiro
que dê o fora daqui, pois a conversa será entre esse farabutto e eu.
Guardo minha arma, pois para acabar com esse estúpido, as minhas mãos são
mais do que suficientes, a moça se enrola no lençol e passa por mim mantendo
seu olhar para o chão. Alessio, nervoso, cai da cama, enquanto procura sua
cueca. Antes que ele diga qualquer coisa eu me aproximo e o puxo pelos
cabelos.
— O que foi que pedi para que fizesse, Alessio? Foi essa a designação que dei a
você? Trepar com uma puttana, enquanto deixa minha irmã em casa.
— Enzo, eu... — com a mão espalmada, acerto em cheio a sua cara. A marca de
meus dedos se destaca em sua pele.
— Enzo, eu o que?
Meus dedos se fecham e de punho cerrado lhe soco a boca. Esse será o primeiro
de muitos, não sossegarei, enquanto não ver essa cara roxa e toda esfolada. Ele
tenta se defender, todavia não consegue o seu intuito, lhe desfiro mais alguns
golpes nas costelas e mais um soco em seu rostinho, faz seu nariz sangrar e ficar
muito inchado. Notando que irá apanhar e muito, o maledetto se encolhe todo e
[44]

isso me irrita ainda mais.


— Onde está o homem delicioso de minutos atrás. Reaja, seu sciolto !!! — [45]

grito e o junto pelo queixo. — Eu lhe fiz uma pergunta e quero a resposta, está
me ouvindo?
— Eu ia cuidar do que me pediu, juro.
— Ah, ia? — meus olhos exalam ódio por esse verme infeliz. — Mas antes
resolveu trair a minha irmã, não é seu stronzo imundo?
[46]

— Não conte nada para Donatella, por favor. — mais próximo a ele, o junto pelo
saco e o deixo sem ar, pela dor exercida pelos meus dedos.
— Vou lhe dizer duas coisas e quero que fique muito claro! — quase cuspo em
sua cara. — Torça muito para que Donatella nunca descubra sobre suas traições.
— solto suas bolas e ele cai no chão, com a mão entre as pernas. — Reze para
que ela não morra antes de você, pois se isso acontecer, basta que o corpo dela
esteja enterrado que eu lhe mato em seguida! — chuto suas costelas e ele grunhi
sem nenhuma reação.
O que corre nas veias desse homem?
O levanto do chão e ele solta um sorriso cínico, apontando seu indicador
próximo ao meu nariz.
— E quem é você para falar em traição? — diz, com ar de satisfação. — Sei
muito bem que trai sua noiva com qualquer par de pernas que se abra diante dos
seus olhos, cunhado.
— Como sempre digo. — fito o interior de seus olhos, mostrando o quanto estou
irado. — Está para nascer um homem que me aponte o dedo na cara, Alessio. —
com uma mão, seguro seu dedo médio e o torço para trás o fazendo se encolher
todo.
— E tem mais, não estou aqui para tratar de minhas traições, até porque não
tenho uma mulher que me ame como Donatella o ama, muito menos tenho dois
lindos carentes de que precisam de sua presença e você os ignora, cazzo. — [47]

grito. — Ainda não sou casado e quando isso acontecer, não será você quem
irá me dizer o que é certo ou errado.
Pelos mandamentos da Máfia, um homem deve respeitar a sua esposa, portanto
terei que entrar na linha depois de me casar com Carol, pois um homem que trai
a sua esposa não seria bem visto pelos demais.
— Por favor, Enzo, me solte. — sua cara franzida denuncia que sente muita dor
na mão.
— Claro, cunhado. — quebro o seu dedo num simples movimento e ele urra na
minha frente, não satisfeito, o jogo na parede e o ameaço com todas as letras.
— Serei bem claro. — com meu antebraço aperto seu pescoço e o pavor se
instala em seu rosto, Alessio teme ser enforcado nesse quarto. — Essa será a
última vez que você traiu a minha irmã, porque se eu sonhar que voltou a fazer
esse tipo de coisa, juro que corto suas bolas e faço com que as coma num
cozido, capisce ??
[48]

— Entendi. Eu lhe juro, não farei isso novamente. — sorrio e afrouxo a pressão
de meu cotovelo, com a outra mão, bato de leve em seu rosto.
— Bom menino. — me viro de costas e ele toca seu nariz que ainda sangra.
— Vista sua roupa e volte para casa! — é uma ordem e não um pedido. — E se
alguém perguntar sobre seu rosto, diga que foi pego em uma emboscada no
Bronx.
— Está certo, Enzo.
— Ficarei de olho em você, cunhadinho.
Saio do quarto e Isaiah se mantém em sentinela, sei que Alessio está me
xingando com todos os palavrões possíveis, em pensamento ou quando estiver
bem longe, porque na minha frente ele não ousaria.
— Vamos? — digo ao meu segurança, enquanto ajeito a lapela de meu terno. —
Agora, faremos uma visita a Agnello.
— Vamos. — saio na calçada e meu celular toca, é Carol.
— Bom dia, querido.
— Bom dia, bella mia.
— Estou ligando para lembrar de que mais tarde temos um compromisso juntos.
— Não me esquecerei, Carol. — digo sem emoção, mas também sem ser
grosseiro. — Agora, se me der licença, tenho um assunto urgente a tratar.
— Também estou de saída. — se faz alguns segundos de silêncio. — Irei
à clínica de Marie e ficarei por lá a tarde toda. — fico imaginando o que as duas
conversam e chacoalho minha cabeça com ar divertido.
— Até a noite, então. — olho para Isaiah que mantém seus olhos
perscrutadores em todo arredor.
[49]
— Até. — ela desliga, enfio o celular no bolso e ele volta a tocar de imediato.
— Enzo. — é a voz de Brian. Pela sua maneira de falar, algo não está bem.
— Brian, o que houve?
— Seu pai. — como me conhece há anos, não faz nenhum rodeio. — Ele teve
uma crise e o levei às pressas para o Hospital Presbiteriano.
— Estou indo para aí. — desligo o telefone e entro no carro, olho para Isaiah.
— Agnello terá que esperar.
Com maxilar enrijecido e muito preocupado, acelero meu carro para chegar o
quanto antes ao hospital. Meu pai não pode morrer, não agora!
Nevada

Enzo
Saio do Bronx em alta velocidade seguindo pela 95 até pegar a FDR East River
Drive, dentro do carro, Isaiah nada diz sobre meu excesso de velocidade,
contudo pelo canto de meus olhos consigo ver que seu corpo, muitas vezes, se
encolhe, a meu ver fazendo uma ultrapassagem arriscada. Tempo depois, entro
na 70th, estaciono em frente ao hospital e olho diretamente para Isaiah.
— Leve o carro para minha casa e depois disso está dispensado.
— Se não se importa, primeiro gostaria de saber notícias de Dom Victório. —
com resignação, concordo com sua ideia, afinal de contas, ele sempre foi muito
devotado a todos nós.
— Está bem, vamos. — abro o cinto de segurança e como de costume, verifico
através dos retrovisores e arredores de que não há ninguém à espreita querendo
armar uma emboscada para mim.
Vida de mafioso, não é nada calma.
Verificada a inexistência de algum perigo, desço do carro e fecho os botões de
meu paletó. Isaiah me segue e andando a passos rápidos, chegamos rapidamente
ao setor em que meu pai se encontra internado e numa sala anexa, vejo minha
mãe e Donatella sentadas à espera de notícias. Ao me ver, as duas se levantam
simultaneamente e vêm ao meu encontro, aflitas, elas se aconchegam em meus
braços prontos para as consolar.
— Como ele está? — preocupado, dirijo a pergunta à minha mãe.
— Pelo que Brian nos informou, nesse momento, seu pai passa bem. — minha
mão paira em seu braço e o acaricio tentando aquecer seu corpo que treme
devido ao seu estado nervoso. — Foi somente um susto, logo que você saiu pela
manhã, seu pai foi até o escritório e você o conhece, não é?
Minha mãe se refere à teimosia de meu pai em resolver assuntos que lhe causam
estresse e sendo assim, prejudicam a sua saúde.
— Sim, o conheço. — Donatella se afasta e comenta.
— Papai precisa seguir corretamente as recomendações que o médico lhe
passou.
— Pois então, Victório é tão teimoso. — minha mãe atesta mais uma vez.
No momento a seguir, Brian aparece no recinto e nos explica que o pior já
passou e que em dois dias meu pai poderá voltar para casa.
— O senhor Victório é homem forte, porém não tem se cuidado como deve. —
fala diretamente a mim, mas isso soa como um alerta a todos nós. — A diabetes
faz com que seu organismo não produza insulina suficiente para suprir as
demandas do seu corpo. Nesse processo, a insulina insuficiente não consegue
carregar todo o açúcar para dentro das células e ele acaba se acumulando no
sangue. — meu amigo me olha com certo pesar e isso não é bom sinal. —
Conversei seriamente com seu pai e fui taxativo quanto à sua obediência em
nosso tratamento. Só espero que ele me ouça e não desmereça meu diploma
como sempre faz, dizendo que não sei o que estou fazendo.
— Também falarei com ele. — minha vez de dizer algo.
Meu amigo é um dos profissionais mais sério e respeitado do país, ele vê em sua
profissão uma maneira de vida e se dedica a ela em tempo quase integral. Então,
ele nos libera para vermos meu pai, irritado por ter que passar dois dias em uma
cama de hospital, passo um sermão em relação aos seus descuidos com sua
saúde e claro que tive de ouvir alguns palavrões de reprimenda de sua boca.
Minha mãe não escondia a alegria de ver meu pai consciente, falante e assim,
suas mãos alisavam seu rosto constantemente.
Ficamos ali conversando sobre coisas amenas que não alterassem o estado
nervoso de meu pai, afinal de contas, ele precisa de sossego para sua melhor
recuperação. Uma batida na porta e o rosto todo machucado de Alessio aparece
no batente.
Há uma troca imediata de olhares entre meu pai e eu e na sequência, uma leve
curvatura de seus lábios faz com que a minha missão de dar um corretivo nesse
safado, não só foi aprovada por Victório como isso lhe deixou muito satisfeito.
Donatella ao ver o rosto de seu marido se espanta e andando até ele o enche de
perguntas.
— Meu querido!! — toca sua face e sua reação é se contorcer de dor. — O que
aconteceu? Quem fez isso com você? — Alessio corre seu olho pelos demais e
encontra os olhos conturbados de minha mãe, enquanto os meus e os de meu pai
se mantêm impassíveis de qualquer arrependimento.
— Negócios, meu amor. Uma briga no Bronx. — beija a mão de minha irmã,
sorrindo um tanto constrangido.
Me afasto da cama e ando até meu cunhado, seguro seu queixo e dou uma boa
olhada em sua cara, ele geme pela pressão exercida pelos meus dedos.
— Realmente, lhe pegaram para valer. — sua reação nada mais é a de alguém
que sente muito ódio, porém nada pode fazer no momento para aplacar esse
sentimento que o assola por dentro. — Vamos cuidar desse sujeito com muito
carinho.
— Isso mesmo, Enzo. — completa Donatella, toda preocupada com os
hematomas no rosto desse safado. — Dê uma lição nesses covardes.
— Fique tranquila, pois o responsável por esse estrago não ficará impune, não é
mesmo cunhado?
Alessio, até evita dizer algo que o comprometa e apenas concorda com a cabeça,
depois de me certificar de que meu pai não corre mais riscos, ligo para Fabrizio e
peço para que ele venha me buscar no hospital, tenho que acertar algumas contas
com Agnello e elas não serão nada baratas.
Ao chegar em casa, encontro Ignácio à minha espera com novidades a respeito
do Senador Oliver Hart, exposta toda a situação, chego à conclusão de que o
parlamentar quer nos passar uma rasteira.
— Dadas as circunstâncias, darei prioridade ao nosso nobre senador. — digo,
recostando meu corpo em minha poltrona. — Agnello seria um peixe pequeno e
que pode esperar para ser pego.
— Nesse caso, lhe dou toda razão, Enzo.
O Senador Oliver foi eleito em seu primeiro mandato com a ajuda financeira
vinda da Cosa Nostra, mais especificamente dinheiro vindo dos Ferraro.
Conservador, ele passa aos seus eleitores e à mídia em geral, uma reputação
totalmente imaculada e inatingível por qualquer ataque inimigo. Acontece que o
ser humano, não me excluo dessa observação, muitas vezes se esquece de seus
feitos e se coloca em um patamar inalcançável de qualquer difamação. Como um
político que aceita um financiamento dessa natureza pode se julgar honesto?
Durante o seu primeiro mandato, Hart, com sua influência no senado, trabalhou
de forma intensa para que fossem aprovados projetos de nosso comum interesse
e em todos eles, o senador também tirava o seu proveito pelo seu empenho.
O problema é que depois de se tornar uma figura pública respeitada pela
população, Hart quer abandonar nosso acordo, mesmo depois de ter se
beneficiado com uma vultosa quantia como parte de uma propina que seria
distribuída entre os seus companheiros do senado, para a aprovação de uma
privatização de uma estatal, que me serviria como uma empresa legal para
lavagem de dinheiro da Comissão.
Além de não se esforçar para que o projeto tivesse andamento, o senador
embolsou toda a quantia e ainda por cima desdenha a minha "amizade".
— O que pretende fazer? — Ignácio me pergunta.
— Onde está o dossiê do senador? — Ignácio abre sua pequena maleta e de lá
retira o nosso precioso trunfo.
— Papá sempre diz que não há homem sem sombras. — sorrio ao abrir a pasta
contendo todo histórico sujo e recôndito do nosso nobre parlamentar.
[50]

— Pois é. — Ignácio acende um cigarro e pergunta se aceito um deles.


— Não. — ergo minha mão em recusa, sem retirar meus olhos do papel. — Pelo
visto, a fachada de homem conservador dos bons costumes e da família é tudo
mentira, não é mesmo?
Mordo o canto de minha boca, imaginando como agirei com esse FDP. Pego o
telefone sobre minha mesa e ligo para Manfredine, mais um de meus capos, ele
atende em três toques, com sua voz exalando alegria e perigo, me cumprimenta.
Antes mesmo que eu diga qualquer coisa, ele rebate.
— O que teremos para hoje? — Manfredine sabe perfeitamente que minhas
ligações nunca vêm como algo natural.
— Tenho algo que quero que faça e Ignácio lhe passará todas as coordenadas
pessoalmente.
— Che belezza ! — exclama com euforia. — Estava me sentindo ocioso e
[51]

pensei que talvez você não mais precisasse dos serviços do velho Manfredine.
— De velho você não tem nada, exceto que está ficando rabugento. — rimos ao
telefone e depois, nos despedimos. — com um sorriso de vitória antecipada, digo
a Ignácio tudo o que ele precisa fazer para termos o Senador Hart em nossas
mãos.
— Resolvi antecipar a minha ida a Nevada. — Ignácio retira de seu paletó uma
pequena agenda, onde ele marca todas as suas tarefas.
— Quando pretende ir?
— Amanhã, pela manhã. — me levanto e ele faz o mesmo.
— Mandarei aprontarem o avião.
— Quem irá com você?
— Irei sozinho, pois um dos nossos capos já estará lá à minha espera para
negociarmos.
— Não quer que eu o acompanhe? — digo e toco seu ombro.
— Será desnecessário, porque tenho a certeza de que ele fará linha dura em fazer
negócio, estou indo numa espécie de sondagem primeiro.
— Va bene , Chefão.
[52]

— Se ti mando all'inferno, saresti arrabbiato ? — ele me abre seu sorriso


[53]

tímido.
— Certo, che no. [54]

— Ainda bem.
Terminada nossa conversa, Ignácio se retira e eu permaneço mais algum tempo
em meu escritório, acertando alguns detalhes de minha viagem de logo mais.
Preciso avisar Marie que nossa viagem foi antecipada, ligo em seu celular e ela
não atende, mais tarde, tentarei novamente.
Quando cai a noite, de banho tomado, já vestido me despeço de minha mãe e me
encaminho para a casa de minha noiva. Carol está oferecendo um jantar para
alguns amigos e não é espanto algum me deparar com Marie por lá. Carol reside
com sua família em uma cobertura da rua Barclay, próximo ao Parque Memorial,
onde antes havia as duas Torres Gêmeas do World Trade Center. Ela, como todos
na família, adoram a ostentação e nesse caso despender de muito dinheiro é
[55]

quase uma questão de honra para Dean, seu pai.


Ao ser recebido pelo mordomo dos Sherwoods, adentro a cobertura e me deparo
com a sala principal abarrotada de gente, Carol me vê e caminha ao meu
encontro, beijando de leve minha boca.
— Você está lindo, meu querido. — deixa sua mão depositada em meu peito.
Olho para meu traje e não vejo nada que tenha mudado para receber esse elogio
tão repentino, Carol não é desse tipo de mulher que gosta de agradar e quando se
está numa espécie de berlinda, qualquer coisa que saia do contexto rotineiro, me
faz pensar que alguma coisa está errada. Meu olhar procura, dentre os
convidados, uma pessoa em especial e ao fixar meus olhos ao fundo da sala a
encontro, Marie está deslumbrante em seu vestido que marca suas curvas e
cabelos soltos, disfarço meu olhar e ela sorri baixando os olhos.
— Obrigado. — olho para Carol com mais atenção. — Você também está linda.
Talvez seja esse tipo de tratamento que ela espera de mim. Sou um homem que
já lidou com um montante de mulheres, aliás, centenas delas e confesso que
minha noiva me intriga pelo simples fato de que ainda não consegui descobrir o
que, na verdade, a agrada entre quatro paredes.
Quando iniciamos nosso namoro, o sexo era bom, digamos razoável, porém,
com o passar de pouco tempo, ela se mostrava cada vez mais distante quando
estávamos transando. Cheguei a pensar muitas vezes que estava deitado sobre
um pedaço de mármore. Carol parecia se refugiar em algum canto e isso me
deixava sem muita iniciativa e perspectiva para levá-la para cama.
Pode não parecer, todavia sou um homem paciente quando alguma coisa é de
meu interesse e como nosso relacionamento nos levaria a um casamento futuro,
tentei de todas as maneiras plausíveis agradar minha namorada no quesito sexo,
o que foi em vão, se eu me mostrava mais agressivo, com uma pegada mais
forte, ela nem ao menos gemia de dor. Mudei a tática e adotei o homem
carinhoso que coloca a mulher em primeiro lugar, isso também não funcionou e
mais intrigado ainda cheguei a pensar que Carol fosse lésbica. Cheguei a
questionar o seu comportamento em relação a isso e sugeri que ela procurasse
ajuda profissional se acaso esse seu jeito estivesse ligado a algum trauma ou até
mesmo um problema de saúde. Se esquivando muito depressa, minha noiva
deixou claro que não era uma mulher fatal e que sexo para ela era algo que a
incomodava e foi aí que descobri que Carol não era chegada em sexo oral.
Não estaria me vangloriando em achar que toda mulher com quem saí sentiu
prazer, porém em minha juventude lidei com as mais diferentes prostitutas e até
mesmo elas não eram tão indiferentes como minha noiva.
Essa foi uma das maiores razões para que eu arrumasse uma amante, uma não,
na verdade, várias. Alessio tem toda razão quando diz que não posso ver um par
de pernas abertas, que tento logo me enfiar entre elas. Claro que não permito que
essa minha fraqueza interfira em meus negócios, uma coisa não tem
absolutamente nada a ver com a outra.
Fico pensando em como será minha convivência com Carol depois de casados.
Que homem aguenta uma mulher tão fria assim?
Outro detalhe não muito favorável em minha querida e futura esposa é que
minha mãe não gosta de sua pessoa, a considera muito vazia, para não dizer fútil
e esnobe. Tanto ela como Donatella alegam que serei muito infeliz, se me casar
com essa moça que não tem cara de quem assumirá um papel de boa esposa e
mãe. Portanto, rebato que esse casamento não tem o intuito de me fazer feliz e
sim, firmar alianças que fortaleçam o poderio de nossa família e ainda sim, elas
sabem que me casarei para manter minha palavra dada a meu pai, jamais voltaria
atrás em algo prometido a ele.
Sem mais me questionarem, as duas praticamente engolem Carol e fazem o
possível para manterem uma boa convivência.
— Seu pai está melhor? — Carol entrelaça seu braço ao meu e caminhamos até
uma roda onde seu pai conversa com alguns convidados.
— Sim, sairá do hospital em dois dias. — polida, ela sorri, artificialmente.
[56]

— Que bom que o senhor Ferraro está melhor, fico feliz em saber disso.
Dean me vê e se vira para me cumprimentar, sua primeira pergunta é sobre o
estado de saúde de Victório, respondo o mesmo que disse há pouco para minha
noiva e ela se afasta me deixando com seu pai que me apresenta alguns de seus
amigos, ainda não conhecidos para mim.
Conversamos e bebemos animadamente até que vejo uma oportunidade de falar
com Marie e a avisar sobre nossa viagem, em um canto da cobertura, num
momento em que todos estão distraídos, a arrasto pela mão prensando seu corpo
quente na parede fria de um dos corredores da casa.
— Enzo!! Você enlouqueceu? — me reprime, olhando assustada para todos os
lados.
— Enlouqueci. — enfiando minhas mãos em seus cabelos, beijo seu pescoço e o
cheiro de sua pele me faz querer muito mais que um simples beijo. — estava
louco para falar com você.
— Aqui é perigoso!
— Adoro o perigo! — mordo sua boca de leve. — Mudei nossa viagem para
amanhã, pela manhã. — abaixo meu tom de voz. — Estarei em frente ao seu
apartamento, às sete da manhã. — pelo seu sorriso, acho que gostou da novidade
e então, sua boca se aproxima da minha, enquanto sua língua gostosa invade
minha boca. Em resposta, seguro sua nuca e a aperto ainda mais, moldando suas
formas perfeitas ao meu corpo todo excitado.
— Estarei pronta..., mas e se Carol desconfiar?
— Você virá antes de mim, não vamos voltar no mesmo dia, se isso a preocupa.
— passos nos alertam de que não devemos nos arriscar e ofegantes, nos
afastamos.
— Marie!! — a voz de Carol se aproxima e minha amante mais do que depressa
vai até ela ajeitando seus cabelos, no mesmo instante que saio pelo outro lado do
ambiente, ileso de qualquer suspeita para ambos.
O jantar corre normalmente como tantos outros em que já estive, Marie é umas
das primeiras a se despedir e ir embora, espero por mais meia hora, aviso minha
noiva de que partirei em viagem para Vegas e retornarei em dois ou três dias, em
seguida, chega a hora de bater em retirada.
Momentos passados, deitado em minha cama, penso em como as coisas são
irônicas, não era apaixonado por Agatha, minha ex mulher, porém adorava
transar com ela e vice-versa e agora arrumei uma noiva que também não amo e
que nem ao menos de sexo gosta.
Vamos ver onde essa história termina!
******
Precisamente, às oito horas da manhã, embarcamos, Marie e eu, rumo a Las
Vegas.
Meu encontro com Alfredine se dará logo mais à noite em minha suíte no
Caesars, sei o quanto ele está endividado e serei inflexível em minha proposta.
Tenho muito interesse em seu estabelecimento e não lhe darei tréguas, enquanto
não obtiver o que desejo. Alfredine já deve ter noção de que serei um tanto
quanto insistente.
Sentado em uma das poltronas de meu avião, analiso alguns documentos
importantes e sou interrompido pela voz rouca e tranquila de Marie.
— Quanto tempo de voo até Vegas? — ela cruza suas longas pernas em seu
curto vestido vermelho. Estico meu braço e olho em meu relógio.
— Mais ou menos, umas três horas e meia até lá. — morde a ponta de seu dedo e
me olha com malícia.
— E vai trabalhar durante todo esse tempo me deixando de lado, amore mio ? [57]

— fecho a pasta com os papéis e os deixo sobre uma pequena mesa próximo a
mim.
— Prometi que compensaria a nossa última vez, não?
— Sim, prometeu e porque não começa a me compensar agora? — faz uma cara
libertina se espreguiçando longamente. — Se acaso o seu celular tocar, não
saltaria de paraquedas me deixando aqui, não é? — solto um riso frouxo e a
encaro de volta sabendo exatamente aonde ela quer chegar.
— Quer ser compensada agora? — afrouxo minha gravata e a tiro por completo,
em pé, ela fica em frente a mim praticamente se oferecendo com seu olhar de
puro desejo.
— E por que não?
Me levanto, a tomando pela cintura e sua reação é soltar uma risada ao sentir
minha boca se colando à sua. Seus dedos delicados torneiam meu pescoço e
grudada a mim, me beija com desespero. Ela exala calor, vida, intensidade e é
disso que preciso, calor e tesão recíprocos até nos exaurimos de tanto
[58]

treparmos. Dou dois passos para frente e seguro seu queixo em meus dedos, a
seguir, cravo meus dentes ali, ouvindo seu gemido rouco e permissivo para que
eu faça o que quiser dela.
— Perfume novo? — a questiono ao deslizar meu nariz em seu colo macio.
— Gostou? Comprei exclusivamente para nossa viagem.
Passo minha língua sugando a região, antes pressionada por meus dentes à
medida que minhas mãos correm afoitas pelo seu corpo e suas curvas deliciosas.
Subitamente, viro seu corpo de costas para mim e a mantenho assim, enquanto
minha mão direita sobe pela sua coxa até encontrar sua minúscula calcinha.
Marie pende seu pescoço em meu ombro, permitindo assim que minha boca e
língua explorem seu colo todo arrepiado, baixo as alças de seu vestido, sem
retirá-lo e ao sentir seus seios livres para meu deleite e aperto forte, no mesmo
instante que meu pau duro roça em seus generosos quadris. Em resposta, ela
enlaça seus braços em meu pescoço e empina sua bunda num remexer
provocativo, fazendo com que meus dedos abaixem sua lingerie e toquem em
sua boceta molhada.
— Ragazza sfacciata ... — murmuro em seu ouvido e a prenso ainda mais na
[59]

poltrona, fazendo seu corpo arquear para frente e me deixando ainda mais
sedento pela maneira com que se esfrega em mim.
— Meu gostoso... Mete em mim, mete...
Solta uma de suas mãos de meu pescoço e a deposita sobre minha mão que a
masturba devagar, mantém sua mão coordenando um ritmo mais intenso e
desesperado por me afundar dentro dela, abro minha calça, baixando minha
boxer. Ela vira sua cabeça alcançando minha boca, num beijo quente e cheio de
luxúria, minha língua brinca com a dela, me instigando a penetrá-la com força,
sendo assim, com a outra mão, afundo meus dedos em sua cintura, encaixando
meu pau em sua entrada pronta para mim.
Em uma estocada firme, a penetro por inteiro e seu gemido extasiado confirma
que era isso que buscava em mim, retiro meu pau de dentro dela e antes que ela
proteste em forma de sussurro, volto a investir com força e nesse pequeno
movimento, sinto seu sexo se contraindo, me apertando todo e me fazendo
gemer, circulo seu clitóris com meu polegar e mais metidas intensas fazem com
que nossos gemidos se confundam num intenso ir e vir de quadris, solto sua
cintura e ergo uma de suas pernas, metendo ainda mais rápido. Me dou conta de
que nem tiramos nossas roupas e sinto que minha camisa está ensopada de suor.
— Mais Enzo... — ela geme como uma louca e me deixa ainda mais desejoso de
lhe dar o que precisa.
Desço sua perna empurrando seu corpo mais para frente investindo sem parar e
ao olhar para o entrar e sair de meu pau, em seu sexo molhado, solto um gemido
entre dentes por ver essa visão gostosa de dominar a mulher à minha frente.
Marie goza rebolando em meu membro, convulsionando seu corpo febril
encostada em mim, mordo sua orelha, beijo e lambo seu pescoço suado de tanto
tesão e sem conseguir me segurar, gozo com a boca colada ao seu cabelo
desalinhado.
Ofegante, saio de dentro dela e a ajudo a ajeitar seu vestido, em seguida, visto a
minha calça e aliso meus cabelos com as mãos.
— Adorei minha compensação.
— Ainda não acabou, ragazza. — devagar, ela abotoa minha camisa e beija
[60]

minha boca de leve.


—Ti voglio così tanto. — solto um suspiro e mudo de assunto, nunca quis que
[61]

ela se envolvesse comigo a ponto de se declarar enamorada.


— Se você quiser tomar um banho, o banheiro é no final do corredor.
Marie percebe minha mudança repentina de comportamento e nada diz, apenas
se afasta e sai à procura do banheiro, depois quero ter uma conversa séria com
ela, não quero e muito menos pretendo que nosso relacionamento tome outro
rumo que não seja esse em que nos encontramos. Minutos depois, ela sai do
banheiro e se mantém afastada durante o restante da viagem, tampouco tentei
amenizar ou até mesmo retroceder pedindo desculpas pela minha maneira de
agir.
Devido à diferença de fuso, pousamos em Vegas às 9 da manhã, ao descer no
aeroporto, ligo meu celular e no visor aparecem duas mensagens, uma é de
Ignácio e a outra de Manfredine.
Ótimo! O senador irá conhecer como a Máfia reage a quem a trai.
Marie entra no carro e seguimos para nossa suíte no Caesars.
Tempestade à vista

Enzo
Em frente ao Caesars, descemos do carro e Marie se apressa andando a passos
céleres em minha frente e calmo caminho logo atrás, é mais do que certo de que
não posso dar bandeira e demonstrar que mantemos um caso ou algo similar.
Com isso, ao entrar na recepção, ajo discretamente como se ela fosse uma mera
secretária ou algo do tipo, se alguém pensar o contrário, foda-se.
Quando a convidei para essa pequena viagem, tinha tudo em mente e sua
declaração dentro da aeronave me pegou totalmente de surpresa, o que alterou
um pouco as coisas, eu a trouxe para que pudéssemos compartilhar de algumas
horas agradáveis na companhia um do outro e não para uma viagem romântica e
carregada de promessas, não guardo nenhum sentimento a mais por Marie que
não seja mera atração física, o que ela pode esperar de mim é somente algo
baseado em sexo e tudo o que ele traz consigo, desejo e satisfação física. Se ela
nutria ou nutre qualquer outro sentimento fora desse contexto, teremos que
discutir essa questão e nivelar o que estava acertado há muito tempo.
Ao me ver adentrando o local, Giovanni Massimo vem ao meu encontro
conforme o combinado, ele faz parte da família Ferraro há uns cinco anos e há
menos de um foi elevado a capo, enquanto acerto os detalhes de nosso encontro
de logo mais, Marie permanece sentada em um dos sofás da recepção, mantendo
seu olhar perdido.
Termino rapidamente minha conversa e me encaminho para o balcão para fazer
meu check-in, mesmo que minha amante fique ainda mais desapontada, tomei a
precaução de reservar uma outra suíte em seu nome na qual nem mesmo Ignácio
tinha conhecimento, assim, não levantarei suspeitas e muito menos suposições
de que dormi com uma outra mulher aqui em Vegas. Isso será uma dor de cabeça
a menos para mim, querendo ou não, sou um homem conhecido e
acidentalmente posso ter minha identidade invadida por alguma pessoa mal-
intencionada e minha estada em Vegas ficaria comprometida.
— Aqui está o cartão de sua suíte. — estendo o mesmo em sua direção e ela me
dirige um olhar consternado.
— Não íamos ficar no mesmo quarto?
— Acha mesmo isso prudente? — minha sobrancelha se ergue e estreito meus
lábios, esperando sua resposta e que ela pegue o cartão de minha mão.
Seu suspiro acompanhado de uma cara nada amistosa, me dizem que ela não
imaginou que seria assim, ela se levanta e pega o cartão.
— Sugiro que não me siga, vou na frente, En...zo. — destaca meu nome,
exalando raiva na voz.
Em minha suíte, ajeito meus objetos pessoais, enquanto ligo para o senador Hart,
o medíocre me atende e deixa transparecer sua infelicidade ao ouvir minha voz.
— Enzo Ferraro, achei que já tínhamos tudo acertado. — ressalta com desprezo.
— Então, é sua última decisão? — penduro um de meus ternos no armário.
— Sim, minha decisão está tomada e não precisa mandar seu Consigliere para
me fazer mudar de ideia, sabe que sou um homem resoluto. — ele não me
[62]

conhece mesmo.
— Estou em Nevada e em um ou dois dias no máximo, estarei em Nova Iorque.
Pensei que poderíamos marcar uma reunião em meu escritório.
— Acho que não entendeu o que eu disse, Enzo. — se achando dono da situação,
acaba por exaltar sua voz ao telefone e me ofende indiretamente. — Não quero
mais contato com sua gente e muito menos com você.
— Vero ? Ho capito, grazie.
[63] [64]

Finalizo a ligação e levo minha necessaire para o banheiro, o grande espelho


reflete minha expressão de plena satisfação. Olho no relógio e de acordo com
meus cálculos, o senador Hart virá rastejando e suplicando para que eu o
socorra, em breve e aí então, ele fará tudo o que eu mandar, a partir desse
momento, ele aprenderá a nunca desprezar uma amizade.
Mais tarde, almoço com Alfredine e usando de todos meus argumentos
persuasivos, consigo com que ele me venda sua parte nas ações do Cassino Mari
d'Argento e todo o conglomerado de casas noturnas, que fazem parte de seu
ramo de entretenimento, espalhadas pelo estado. Com essa transação, nossa
família se torna sócia majoritária nesse negócio e nos firmamos ainda mais nessa
região do país.
Terminado meu almoço, ligo para Marie e tento localizar o seu paradeiro, ela
saiu para fazer algumas compras e acabou almoçando sozinha. À tarde, em sua
suíte, acabamos discutindo porque expus o meu ponto de vista em relação à sua
declaração apaixonada e ao nosso caso.
— Enzo, não sou uma máquina que é governada por um simples toque! — se
levanta do sofá e cruza seus braços, enfurecida. — Acha que eu queria sentir
algo por você? Que não me culpo e me sinto mal em falar com Carol? Muitas
vezes tenho que mudar de assunto, quando a conversa se trata do namoro de
vocês!
— E o que ela fala sobre mim? — pergunto, curioso. Mais indignada, rebate.
— Você não me perguntou isso, não é? Fingirei que não ouvi isso!
— Não perguntei nada demais! Fico pensando em que vocês podem falar sobre
mim, afinal de contas amigas confidentes falam sobre tudo. — pode ser somente
impressão, mas Marie se retesa de repente.
[65]

— Olha, Marie. — me levanto e deposito minhas mãos em seu ombro. —


Sempre deixei claro que nosso relacionamento não teria nenhum futuro além de
sexo. Se você manteve ou mantém alguma esperança de que eu deixarei Carol ou
até mesmo nutre sentimentos vindouros, esqueça!
[66]

— E o que faço com o que sinto? É assim que você pede para que eu lide com
meus sentimentos? Esquecer?
— É o melhor que se têm a fazer, no momento. — ela se mantém de costas e
consigo sentir a sua tensão misturada a desapontamento por não ser
correspondida.
— Sempre avisei de que seria assim e não esperava que você tivesse esse
comportamento justo agora. — aperto seu ombro e continuo. — Meu casamento
está próximo e nada me fará mudar de ideia a respeito.
— Não estou falando isso agora com o intuito de estragar seu "lindo casamento".
Carol tirou a sorte grande com seu noivo, serei a madrinha, não é tudo muito
lindo? — pela primeira vez, Marie fala comigo usando de verdadeira ironia.
Talvez, ela não esteja aguentando a pressão pelo papel que vem desempenhando.
— Combinamos de nunca colocar o nome dela em nossas conversas, pois
Carol é a única inocente nessa história! — me afasto, já me exaltando. — Se há
alguém desonesto, nesse caso, somos nós dois.
— Não me diga? E por que quer saber sobre o que conversamos? Hã? Acha
mesmo que além de trepar com o namorado dela, direi o que ela me conta a seu
respeito?
— Não quis ser grosseiro, apenas queria que soubesse que não me sinto bem por
enganar minha noiva. — atesto. Devagar, ela se vira para mim e vejo seus olhos
muito desolados.
— Não precisa me lembrar disso, pois sou amiga dela muito antes de lhe
conhecer. E não há um só inocente nessa história, pode acreditar. — estreito
meus olhos e a seguro pelo cotovelo.
— Quer ser mais clara? — se desvencilha bruscamente de meu toque e me olha
com sarcasmo.
— Esquece o que eu disse, está bem? — tenta passar por mim e bloqueio sua
passagem.
— Não brinque comigo, Marie. Pelo pouco me conhece, sabe muito bem que
não admito joguinhos e falas soltas.
— Não é nada! — me olha firme como se me desafiasse. — Falei besteira num
momento de raiva, só isso! — respiro fundo e retiro do meu bolso o meu celular,
meu piloto atende rapidamente.
— Sim, senhor Ferraro?
— Apronte meu avião. — olho para Marie à minha frente que desvia o rosto. —
A senhorita Marie retornará para Nova Iorque ainda hoje. — incrédula pela
minha atitude, entra no banheiro batendo a porta com força, do outro lado, meu
piloto reforça a pergunta e eu, minha resposta.
— Sim, ela parte em uma hora! — desligo e calmamente ando até porta do
banheiro.
— Você me ouviu. Parte em uma hora! — viro as costas e caminho para a saída
da suíte, um clique e a voz de Marie me faz parar na soleira da porta.
— Está me mandando embora?
Não sou um homem de todo insensível, todavia as lágrimas depositadas em seus
olhos, em nenhum momento, me deixaram comovido.
— Acredite, nesse exato momento, essa é a melhor coisa que você pode fazer
por nós dois e quando estivermos com a cabeça mais fria, voltaremos a nos falar.
Saio de sua suíte e caminho até o elevador, aperto meus olhos e me sinto
cansado, ainda não sei como sairei dessa situação sem ao menos magoar Marie,
mas uma coisa é certa, nosso relacionamento terá um fim iminente. [67]

Ao cair da tarde, sentado em uma poltrona com os pés esticados, tomo minha
segunda dose de uísque e me lembro de ligar para Edgar Fauler, advogado de
extrema confiança da família Ferraro, há mais de 20 anos, ele é um dos melhores
advogados de causas cíveis do país e todos os advogados recém-formados
sonham trabalhar em sua firma.
Como em Nova Iorque ainda são nove da noite, ligo para ele e em nossa curta
conversa, deixo claro que na minuta do contrato de compra firmado entre
Alfredine e eu, serão acrescentadas algumas cláusulas extras feitas por seu
escritório.
— Sem nenhum problema, Enzo. — ele fala com alguém ao seu lado. — Pode
passar em meu escritório, amanhã à tarde? Por volta das quinze horas?
— Sim, amanhã estarei aí.
— Mande lembranças e melhoras ao seu pai.
— Obrigado.
Acho que não tenho mais nada para resolver na Cidade do Pecado, portanto só
me resta retornar a Nova Iorque, onde tenho outros assuntos para cuidar,
inclusive de meu amiguinho Agnello e nosso nobre senador.
*****
No dia seguinte, volto para casa e sou recebido por minha mãe que se encontra
toda feliz, pois, meu pai terá alta ainda hoje. Depois do almoço, Ignácio me
chama em meu escritório e me entrega um pen drive e uma pasta repleta de fotos
muito interessantes do senhor Hart e fico a par das novidades sobre o desenrolar
dos planos relativos ao nosso querido parlamentar.
— Manfredine fez tudo conforme você pediu. — diz, sorridente. — A essa hora,
o senador nem imagina o que o aguarda.
— In realtà, un bel cazzo nel culo. — recosto na cadeira, sem conter meu
[68] [69]

riso que ecoa pela sala, Ignácio se segura, mas acaba rindo também.
— Quanto mais eu vivo, menos entendo as pessoas, Enzo.
— Dado que, ele é um homem que mais defende a moral e os valores sagrados
da família. — guardo o material comprometedor em meu cofre. — E a prostituta
que filmou tudo? — o inquiro.
— Muito bem escondida por nossos homens.
— Ótimo e a propósito... — em frente à minha janela, abaixo a persiana e vejo
quando Alessio adentra o jardim. — Amanhã, farei uma visita ao nosso
ladrãozinho Agnello, mas agora tenho que ir até o escritório de Edgar. —
verifico as horas. — Não tolero e nem quero atrasos para esse encontro.
— Tudo bem. — Ignácio se levanta. — Se precisar de mim é só me ligar.
— Está certo. — pego minha carteira e minha arma. — Quero estar em casa
quando Papá chegar.
— Ele perguntou por você. — Ignácio mantém as mãos para trás enquanto se
afasta do aposento. — Falei que estava em Vegas e que tinha conseguido a
compra do Cassino.
— E ele?
— Disse que não esperava menos de você. — abaixo minha cabeça e meus
lábios se curvam em um meio sorriso de satisfação, antes que Ignácio saia do
meu escritório, o chamo de volta.
— Avise Isaiah de que amanhã precisarei de seus serviços, logo cedo e diga para
Fabrízio que irei sair com o carro.
— Certo.
Fabrizio me deixa em frente ao enorme prédio, na Park Avenue 200, onde
está localizado o escritório de Edgar, o ascensorista para o elevador no 15°andar
e quando a porta se abre, ele me cumprimenta com um aceno de cabeça em sinal
de dever cumprido. No enorme corredor que dá acesso ao escritório de Edgar,
várias fotos de quando a Fauler & Associados ainda despontava tímida no meio
advocatício, Edgar se orgulha e não se cansa de gabar sua árdua, porém vitoriosa
trajetória. Na recepção, duas mesas e em ambas delas, duas secretárias de meia
idade devidamente uniformizadas e altamente instruídas para atender cada
cliente, em uma dessas mesas, anuncio a minha chegada e não preciso mencionar
que Edgar já estava à minha espera, sou encaminhado à sua sala e ao me ver,
prontamente se levanta e caminha até mim para uma troca de abraços.
— Meu caro, que satisfação em o rever.
— O prazer é todo meu, Edgar.
— Por favor, vamos nos sentar e lhe mostrarei o contrato inicial que foi
preparado para a compra do Mari d'Argento. — abro os botões de meu paletó e
me sento em uma cadeira em frente à sua mesa.
— Aceita um café?
— Sem açúcar, por favor.
Educadamente, pega o telefone e pede à sua secretária que sirva dois cafés, em
dois minutos, uma mulher ainda mais velha entra trazendo nosso café, bebo em
um gole e deposito a xícara de volta ao pires.
Edgar abre uma pasta sobre sua mesa e retira de lá duas cópias do contrato a ser
redigido conforme a minha vontade, leio atentamente, parágrafo por parágrafo e
acrescento então alguns pormenores que farão toda a diferença de uma compra
bem-sucedida.
Uma batida na porta, faz com que Edgar erga seus olhos em direção à mesma.
— Mandou me chamar? — uma voz muito doce e meiga, quase juvenil faz com
que eu vire meu pescoço para confirmar se a dona faz jus ao som que saiu de sua
boca.
— Sim, senhorita Chapman, entre, por favor.
Conforme se aproxima, posso conferir sua beleza mais de perto, ela tem uma
pele muito clara e olhos que se destacam em seu rosto quase angelical, nariz
delicado e uma boca bonita, aliás ela é muito bonita. Mesmo através do seu
vestido, não posso deixar de notar que ela tem seios lindos e pernas muito bem
torneadas, confesso que tenho fraco por peitos e pernas.
Pelo canto dos seus olhos, noto que ela tem a mesma atitude que a minha e me
analisa de cima a baixo, pela sua cara um tanto safada, reparo que deva ter
gostado de sua checagem rápida e mantendo sua postura profissional estreita
seus olhos e ao parar ao lado da mesa permanece com o rosto impassível.
Nesse exato momento, Edgar faz as apresentações, sendo assim me coloco em pé
diante da beldade com cara de anjo, um anjo um tanto adverso, diria eu, muito
[70]

intrigante.
— Enzo, essa é Nina Andersen Chapman, uma das novas advogadas contratadas
pela Fauler. — o velho amigo sorri para a moça que mantém seus olhos em mim.
— Senhorita Chapman, esse é Enzo Ferraro, um dos nossos melhores clientes.
— Prazer, senhorita Chapman. — seguro sua mão macia e delicada e a aperto
com suave pressão.
— Prazer, senhor Ferraro. — fica evidente o seu olhar sugestivo e ao soltar de
minha mão, reparo que sua jugular salta incessante e disfarçando, ela engole em
seco.
— Senhorita Nina. — Edgar interrompe nossa troca de olhares. — A chamei
aqui porque quero que cuide das alterações que serão feitas nesse contrato. —
vira- se e pega o contrato sobre a mesa, o entregando à ela.
— Perfeitamente, senhor. — estende sua mão e seus olhos correm de modo
rápido sobre o papel...
— Pode ir, senhorita.
— Sim, senhor, com licença.
Mais uma vez, ela me olha nos olhos e com o contrato em mãos sai jogando seus
quadris, fazendo com que meus olhos se prendam discretamente em seu leve
balançar, seu perfume fica impregnando no ambiente como a imagem de seu
rosto está instalada em minha cabeça.
— Além de bonita, é uma ótima advogada, Enzo. — Edgar não deixa de
comentar.
— Que bom, sendo assim fico tranquilo em relação ao meu contrato, pois sei que
ele estará em muito boas mãos.
Me dá um meio sorriso e após termos acertados todos assuntos pendentes, me
despeço e volto para minha casa. Encontro meu pai em seu quarto e rodeado de
todos da família, meus olhos não escondem a alegria de vê-lo e me aproximo
ganhando seu afago grosseiro.
Muito mais tarde, no silêncio de meu quarto, penso que nada acontece por acaso
e espero muito em breve rever aquela advogada, senti que teremos muito para
conversar.

Antonella
Desembarco no aeroporto JF Kennedy às 22 horas, cansada, com uma leve dor
de cabeça e com muita fome. Procuro por minha amiga Virgínia entre as muitas
pessoas que transitam pelo saguão do aeroporto.
Durante minha viagem, tive tempo de sobra para refletir se vir para Nova Iorque
foi mesmo a melhor opção, meu namorado, irá me procurar até no fim do mundo
quando perceber que minhas palavras de amor nada mais eram que uma forma
de pôr minhas mãos em seus míseros euros, dinheiro este que já tem seu destino
certo, o tratamento de saúde de minha irmã, Clara.
Ao me lembrar de Virgínia não pensei duas vezes e apelei pela nossa velha
amizade, no tempo em que ela fez um curso em Florença e nos conhecemos,
minha amiga me garantiu que uns tempos na América iriam me fazer bem e seria
o melhor e inimaginável esconderijo nessa circunstância.
[71]

Só espero que ainda saiba falar bem o inglês ou ela não tenha esquecido das
aulas de italiano, espero também que ela tenha razão, pois quando Benício se der
conta de que foi roubado e que não me chamo Paola Stefania Giordando, a coisa
não irá ficar bonita para o meu lado.
Esbarro em uma família que acaba de desembarcar e peço desculpas pelo
incidente.
— Scusi. — digo à mulher que mal me olha.
[72]

Com a cabeça erguida, busco pela minha amiga entre os demais, alguns minutos
depois, a vejo com um enorme sorriso no rosto e alegria ao me rever.
Virgínia é mais velha do que eu, mas sua mentalidade era mil vezes mais infantil
que a minha, espero que ela tenha mudado, ela é como poucas pessoas que
conheci, autêntica e muito amiga.
Na última vez em que nos vimos, ela tinha o cabelo ruivo.
— Antonella!!! — grita, parecendo uma maluca em pleno saguão.
— Benvenuto, ragazza!
[73]

— Grazie mille, amica mia.


[74] [75]

— Ah, que saudade de você, Antonella! — ela me abraça apertado e eu retribuo


na mesma medida.
— Eu também estava com muita saudade e você ficou muito bem com seus
cabelos loiros. — elogio sabendo que ela ficará toda envaidecida.
— Gostou mesmo? Você também está linda, amiga.
— Obrigada mesmo pela força. — digo, sem jeito e muito grata por ter sido
acolhida num momento tão complicado de minha pobre vida.
— Que isso! — mantém seu braço em meu ombro e nos encaminhamos para a
saída do aeroporto. — Você deve estar exausta da viagem! Adesso, vamos para
[76]

casa e lá você me contará tudo o que andou aprontando desde que saí de
Florença. Faço uma careta e ela sorri.
—Tem certeza de que quer saber mesmo?
— Tutto il mio. — ela ainda fala muito bem a minha língua natal.
[77]

No estacionamento, caminhamos até seu carro e entre a rodovia e sua casa em


Nova Jersey, conto resumidamente um pouco de minha vida.
— Amiga! — exclama, me interrompendo em determinado momento crítico
quando relato o acidente de automóvel que matou meus pais e deixou Clara em
uma cadeira de rodas. — Sinto muito por você.
— Não imagina como está sendo uma amigona.
— Antonella, estou aqui para o que der e vier, sabe disso. — num sinal fechado,
alcança minha mão. — Espero que você goste de sua temporada na América.
— Obrigada. — respondo em inglês, porém meu sotaque e a dificuldade de
acertar a pronúncia é mais que audível.
— Temos muito o que conversar e faremos isso com um una bella bottiglia di
vino e pasta meravigliosa.
[78] [79]

— Oh, fantástico!
Tenho certeza de que terei muitas coisas para contar à minha amiga americana...
Antonella Grasso Chiarelli

Antonella
Durante o trajeto que nos leva até sua casa, Virgínia me coloca a par de sua vida
um tanto quanto agitada desde que conseguiu seu emprego em uma das lojas da
Tiffany e como uma excelente funcionária foi nomeada recentemente ao cargo
de gerente, ao me contar sua trajetória nesse emprego, ela usa de tanto
entusiasmo que parece uma criança em seu primeiro dia de aula em uma escola
dos sonhos.
A temperatura lá fora é amena e uma fina garoa molha o para-brisa, um brando
vento arrasta e faz com que as folhas que caem das árvores flutuem pelo ar,
devido ao horário, o trafegar é tranquilo e em 50 minutos, paramos em frente a
um pequeno prédio de cinco andares, estilo Vitoriano, a rua é silenciosa e não há
movimentação alguma nesse momento.
Virginia mora no bairro de Hoboken, cidade de Jersey, na Garden st, 635.
— Bem-vinda ao meu esconderijo. — olha para o pequeno edifício e estaciona o
carro rente ao meio-fio desligando a ignição.
— Obrigada.
Retiro o cinto de segurança e em pé na calçada espreguiço languidamente meus
[80]

braços para o alto fazendo com que meus músculos tensos pela longa viagem
relaxem um pouco. Virgínia abre o porta-malas e retira de lá a minha bagagem.
— Me deixe levar isto! — tento alcançar a minha mala, porém ela me detém.
— Absolutamente. — contesta.
Anda dois passos e com sua mão livre segura um molho de chaves que ela abre a
porta principal.
— Moro no primeiro andar. — abre passagem para mim, fechando a porta em
seguida. — Venha, por aqui.
Subimos dois pequenos lances de escadas e meus olhos observam todo o interior
do prédio, os corrimãos e os degraus são feitos de uma madeira muito escura e
contrastam com o roto tapete vermelho estendido pelos degraus e corredor, o
[81]

papel de parede tem o fundo amarelado com várias flores em vários tons
estampadas em pequenos ramalhetes. Paramos em frente ao número 21 e minha
amiga sussurra.
— Minha vizinha de porta é a pessoa mais curiosa do mundo. — coloca a chave
na fechadura. — Portanto se encontrar a senhora Rose pelos corredores evite ao
máximo estender a conversa, entendeu? — confirmo com a cabeça, num gesto
afirmativo acompanhado de um leve sorriso.
— Ho capito, quero dizer, entendi. — fecho meus olhos, retificando minha frase
em inglês. Tenho que me acostumar e desenferrujar o idioma daqui por diante.
— Entre e não repare a desordem. — diz acendendo a luz no interruptor ao lado
da porta. — Vou colocar a sua mala no quarto de hospedes, fique à vontade.
Ela desaparece pelo apartamento adentro e ao olhar tudo ao redor, percebo que
há coisas que nunca mudam nas pessoas, é perfeitamente visível a personalidade
gritante de minha amiga em todo ambiente. Virginia sempre adorou gérberas
amarelas e em cima de uma pequena mesa de canto há um vaso com meia dúzia
delas já murchas, outro detalhe inerente ao seu jeito de que não me esqueci é
[82]

sua paixão por bibelôs dos mais diversificados possíveis, pelo jeito, ela ainda os
coleciona.
Ando pela sala e me familiarizo com tudo à minha volta, me lembro da época em
que ela, através de intercâmbio estudantil, permaneceu em minha casa por um
período de um ano, tempo suficiente para me apegar à ela e nos tornarmos muito
amigas, era um tempo feliz, meus pais ainda eram vivos e minha irmã ainda
andava livremente sem a ajuda de uma cadeira de rodas.
Seus passos cuidadosos refletem na sala.
— Antonella, se quiser tomar um banho, o banheiro fica no meio do corredor.
Enquanto isso, irei preparar nossa massa. — diz, dobrando a manga de sua
camisa amarela, sua cor favorita.
— Virgínia, não se preocupe comigo! — ando até ela. — Não quero lhe dar
trabalho e muito menos invadir o seu espaço. — rebate meu comentário com
uma cara muito feia.
— Você é minha hóspede e amiga, portanto pode parar com esse tipo de
pensamento, Antonella.
— Va bene. — ergo minhas mãos. — Só uma coisa.
— O que é? — caminha até a sua pequena cozinha e abre a geladeira, retirando
de lá alguns ingredientes de nossa refeição. A seguir, coloca seu avental com
motivos de moranguinhos.
— Aceito sua hospitalidade toda, se puder ajudá-la na cozinha. — seus pequenos
olhos me encaram e ela debocha.
— Ah, está desprezando a comida de uma nova iorquina, não é mesmo? — pisca
para mim, a seguir pega uma panela e a enche de água.
— Sabe tão bem quanto eu que nego minha raça, pois no quesito cozinha sou um
fracasso e ela ri.
— Sua mãe era extraordinária na cozinha.
— Era mesmo.
Meus dedos pairam em um ramo de manjericão sobre a pia, arranco uma
pequena folha da erva e a levo ao meu nariz, aspirando seu cheiro que lembra
minha terra e a mia madre Carmella e minha zia Martina.
[83] [84]
— Como anfitriã, sugiro que tome seu banho, enquanto tento preparar um Pici
all'aglione parecido com o que comi em sua casa em Florença. — Virgínia me
[85]

faz voltar à minha real situação.


— Está bem, mas a louça fica por minha conta.
— Combinado. — ela enxuga as mãos em seu avental.
— Vou lhe mostrar onde é seu quarto.
Sai na minha frente e logo chegamos a um quarto aconchegante com cortinas
verde e branco, várias gravuras pintadas por Virgínia espalhadas pelas paredes,
deixam o ambiente mais colorido e alegre. São paisagens de várias cidades
visitadas por ela, inclusive imagens florentinas.
No centro do quarto, uma cama com uma colcha toda estampada com motivos
florais em inúmeros tons de verde, ao lado da mesma, um criado-mudo na cor
branca, na parede em frente, um pequeno guarda-roupa também branco e
embaixo da janela uma cômoda com algumas miniaturas em gesso, mais uma de
suas coleções.
Virgínia anda até o móvel e abrindo uma das gavetas me entrega uma toalha de
banho.
— Te espero na cozinha. — passa por mim, tocando meu rosto de leve. —
Temos muito para conversar.
Ao ficar só, suspiro enquanto pego minha mala que se encontra em cima da
cama, a abro e retiro algo confortável para vestir após o banho.
No relógio sobre o criado-mudo, os ponteiros marcam 23:20 minutos, em
Florença são mais de quatro horas manhã e imagino que a essa hora, Benício já
deve ter dado por minha falta.
Abro um pequeno compartimento dentro de minha bolsa e escorregando meus
dedos dentro dele, tiro de lá um envelope onde carrego para onde quer que eu vá,
algumas fotos das duas pessoas que restaram de minha família e que a partir de
então se tornaram muito importantes para mim, seguro uma delas em minha mão
e sorrio, mia sorella minore Clara, a razão pela qual venho lutando
[86]

incansavelmente para vê-la sorrindo e quem sabe, fazer com que volte a andar
novamente.
Há dois anos, meus pais visitavam amigos em Pisa, cidade próxima à Florença,
ao voltarem sofreram um terrível acidente que dizimou suas vidas e deixou
minha irmã paraplégica. Na época, eu trabalhava como guia turística e aos
domingos era o dia de maior faturamento, por essa razão eu não estava com eles
nesse dia tão trágico.
A morte de meus pais trouxe para mim um enorme vazio, eu os amava de
maneira incondicional e com essa perda tão repentina eu me vi desolada com
uma irmã totalmente dependente de mim, tranquei meus estudos para me dedicar
e cuidar exclusivamente de Clara, sendo assim, tinha que trabalhar dobrado para
tentar custear as sessões de fisioterapia e os medicamentos de que minha irmã
faz de uso contínuo. Meu maior dilema era de que Clara, não teria condições de
ficar sozinha em casa, com o acidente, ela se tornou uma moça amarga e
impossibilitada das coisas mais simples, seu comportamento muitas vezes vinha
carregado de agressividade.
Com muita paciência, lidava com ela me colocando em seu lugar, pois uma
jovem cheia de vigor, da noite para o dia, se depara com a paralisia de suas
pernas, não podendo fazer coisas corriqueiras comuns às demais pessoas, sendo
totalmente limitada e isso fazia jus ao seu comportamento mórbido e destrutivo.
Com o passar de alguns meses após o acidente, ela começou a enxergar o que
ainda lhe restava e a dar mais valor ao que tínhamos, nosso amor de irmãs. Clara
viu então em seu estado paraplégico, não uma forma de ser uma pessoa que se
vitimiza e culpa o mundo pela sua situação, ela voltou a ser a minha doce
Clarinha e nossa convivência não poderia ser melhor, ela não somente se
adaptou ao uso de sua cadeira de rodas, como ficou mais independente e segura
de si.
Foi nessa época, a convite de uma tia materna, Martina, que nos mudamos para
Siena a cinquenta quilômetros ao sul de Florença, lá, eu trabalhava em uma
imobiliária, enquanto Clara ficava em casa aos cuidados de minha tia e de outros
cuidados médicos necessários à sua condição, mas como na vida nem tudo são
flores, nesse meu novo emprego acabei sendo assediada por um dos clientes,
enquanto visitava uma casa que estava à venda. O sujeito partiu para cima de
mim assim que adentramos a casa vazia e somente com um belo chute em suas
bolas é que o deteve de continuar, perdi meu emprego naquela tarde, porém não
a minha dignidade, era mais um dentre tantos empregos, onde eu era posta na rua
e meu maior dilema era manter as contas e despesas de Clara em dia.
Não sou nenhum protótipo de beleza estonteante, todavia meu corpo sempre
chamou a atenção do sexo oposto, estatura alta, cintura fina, quadris um pouco
mais largos e seios na medida, pernas bem torneadas e um rosto atraente. Não
me considero linda, porém não sou de se jogar fora.
No colegial, tive alguns namoros passageiros e insignificantes sem nenhuma
importância sentimental para mim, sou uma romântica nata que ainda espera o
cara certo, mantenho uma opinião divergente de muitas mulheres que buscam o
homem perfeito e padronizado. Sou aquela que se contenta, apenas com um
homem que me ame e respeite independente desse padrão de príncipe encantado,
esse protótipo de perfeição existe somente em livros românticos e nada mais.
Há mais ou menos oito meses, conheci um rapaz quando trabalhava em um
restaurante no setor de reservas, seu nome é Benício Mirko Lombardo, ele tem
30 anos, um bel ragazzo, de olhos azuis e cabelos escuros, rosto angular, nariz
[87]

bem feito e sorriso bem largo. Benício é chefe de cozinha do La Mia Toscana,
um dos melhores restaurantes de comida típica da região, logo que nos
conhecemos passamos a nos falar todos os dias e não demorou para que ele me
pedisse em namoro. Devido à sua insistência, acabei lhe dando uma chance e lá
estava eu em um namoro sem muitas euforias e expectativas, Benício era um
cara legal, mas sentia que lhe faltava mais iniciativa, ele não é o tipo de homem
que lhe passa segurança, pelo contrário, é inseguro em quase tudo e por muitas
vezes, me sentia como se fosse a sua mãe lhe enchendo de conselhos e não a sua
namorada. Continuamos saindo juntos, mas sem nenhum contato sexual,
Benício, raras, vezes avançava o sinal, ele sabia que eu o impediria de ir mais
longe, pois ainda me mantenho virgem por opção e só me entregarei quando
estiver muito, mas muito apaixonada, o que não era o caso em questão.
Numa determinada noite, ao final de mais um dia de trabalho exaustivo no
restaurante, Benício me pediu em casamento e ao mesmo tempo me fez uma
proposta que, para muitas mulheres, seria algo irrecusável. Como todo chefe de
cozinha, seu maior sonho era poder abrir seu próprio restaurante e contando com
minha ajuda, no caso sendo sua esposa, trabalharíamos juntos tendo tudo para
darmos certo. No momento, aceitei a sua oferta e sua alegria era inquestionável,
ele estava tão feliz que nem se deu conta de que eu permanecia com o mesmo
semblante de quando o conheci.
Continuamos nosso noivado e assim se passaram alguns dias, até que descobri
através de pesquisas que em alguns países da Europa, alguns médicos realizam
um procedimento para que pacientes paraplégicos, recuperem suas funções
corporais com estímulos usando eletrodos, o mais interessante é que em alguns
desses casos, o paciente em questão volta a andar, esse novo método combina
conhecimentos da ginecologia e da neurologia. Entusiasmada, prossegui
pesquisando e descobri que esse procedimento era o que havia de mais
revolucionário na área de lesão em medula e apenas quatro países realizam essa
cirurgia, Áustria, Alemanha, França e Suíça.
Conversando longamente com o médico de Clara, Dr. Alonso, me certifiquei
tirando algumas dúvidas desse novo procedimento, tendo como resposta vários
pontos positivos acerca de todos os porém, tomei como a decisão mais acertada
procurar um desses centros para que minha irmã se submetesse a essa nova
técnica e quem sabe obter os melhores resultados.
O problema era arrumar o dinheiro para custear esse procedimento, somente a
cirurgia nos custaria cerca de 70.000 mil euros, fora os custos com hospital,
hospedagem do acompanhante e outras despesas extras que sempre aparecem no
decorrer do caminho, o que nos embolsaria quase 100.000 mil euros.
Sabendo que somente uma pessoa poderia me ajudar nesse momento, expus a
Benício a minha entusiasmada perspectiva de ver minha irmã recuperada, seria
uma esperança a mais para quem não enxergava nada além da escuridão e o
término de seus dias presa à uma cadeira de rodas.
Ao relatar minhas descobertas, propus a ele que me emprestasse a metade da
quantia destinada ao custeamento da cirurgia, ou seja 35.000 mil euros e o
restante eu daria um jeito de levantar, minha tia também se dispensaria a me
ajudar com algumas de suas economias e toda eufórica, via uma nova vida
renascendo para Clara.
Não posso narrar qual o tamanho de minha decepção ao ver que Benício, pouco
se importou com o que eu havia lhe contado, como também me alertou de que
esses procedimentos eram muito caros e muitas vezes não se obtinham o
resultado desejado. Seu amor por mim foi demonstrado com a frase mais cruel e
mesquinha dita naquela noite.
" Accetta, ragazza mia, tua sorella sarà un ostacolo per il resto della tua vita. "
[88]

Se eu guardava algum sentimento por esse parvo egoísta, ele acabou morrendo
[89]

naquele instante, pois nunca em minha vida, vi Clara como um estorvo e sim, a
única coisa valiosa que havia sobrado de minha família.
Naquele momento, engoli em seco e tive uma ideia não muito bondosa e
honesta, mas era uma das saídas que havia encontrado para ajudar a quem eu
mais amava em minha vida. Eu iria pegar esse dinheiro de Benício e ainda lhe
daria um belo pé no traseiro.
E foi exatamente o que fiz.
Acreditando que eu estivesse empenhada em abrirmos nosso restaurante, ele
depositou uma quantia de 30000 mil euros em minha conta para que eu
negociasse o aluguel do ponto, a compra de alguns móveis e utensílios para a
cozinha. O que ele não contava é que eu teria outros planos para esse dinheiro,
irei conseguir toda a quantia necessária para o tratamento de Clara ou não me
chamo Antonella.
Saio do quarto com a toalha de banho nas mãos e um cheiro delicioso vindo da
cozinha vem de encontro ao meu olfato.
Tomo meu banho e à mesa, conto à Virgínia todas as minhas peripécias inclusive
o meu último roubo.
— Bem feito, esse cara mereceu! — ergue sua taça e a bate na minha. — Um
brinde à minha amiga ladra de babacas italianos! — caio no riso.
— Benício deve estar louco à minha procura.
— Relaxe, até ele lhe achar, você já arranjou todo o dinheiro para ajudar a sua
irmã.
—Tomara, mia amica. — Virgínia muda seu semblante.
— Eu não tenho muito, mas faço questão de lhe ajudar a arrecadar o restante. —
chacoalho a cabeça em total negação.
— De modo algum! Você já me ajudou e muito permitindo que eu fique em sua
casa, não aceitarei que pegue suas economias.
— Antonella, eu quero ajudar, por favor! — essas palavras de Virgínia me
deixam sem fala e com os olhos cheios de lágrimas.
— Eu sei. — aperto sua mão. — Façamos assim, se eu não conseguir toda a
quantia, aviso, sì ? [90]

— Va bene. — sorri e terminamos nosso jantar.


Conversamos tanto que ao olharmos no relógio, já passa de três horas da manhã,
Virgínia acorda às sete para ir ao trabalho, então tratamos de ir dormir.
Em meu quarto, pego meu celular e ligo para minha irmã, para lhe avisar de que
cheguei bem e para saber se Benício esteve à minha procura, já que em Siena são
sete horas da manhã.
— Antonella! — extravasa sua alegria, falando alto como todo bom italiano. —
Come stai ?
[91]

— Bene. Tutto bene, Clara.


[92] [93]

— Non penso che tu abbia rubato Benicio a mia causa. — minha tia acabou
[94]

contando a ela a razão de meu sumiço temporário, sorrio ao telefone e ajeito meu
cabelo atrás da orelha.
— Perché so che per te, farei qualsiasi cosa, persino uccidere! [95]

— Ti amo, sorella mia.


[96] [97]

— Ti amo così tanto. [98]

— Benicio era qui ieri e zia Martina ha detto che non sapeva dove fosse. [99]

— Fa molto bene. Dille di non dire dove sono.


[100] [101]

— Va bene.
— Devo riattaccare, inviare un bacione alla zia. — encerro a ligação e
[102]

aproveito para terminar de desfazer a minha mala, horas mais tarde, me levanto
junto com Virgínia.
— Deveria ficar na cama e dormir até mais tarde, Antonella. — Virgínia está
muito elegante, com seus cabelos presos em um coque e trajando seu tailleur de
executiva.
— Estava ansiosa, a cama estava cheia de espinhos. — esfrego meus braços e a
seguir me aproximo da cafeteira me servindo de uma caneca de café com muito
açúcar.
— Nossa, você ainda toma açúcar com café? — minha amiga, me inquire com
uma careta ao ver a quantidade de açúcar depositada no fundo da caneca.
— Não seria o contrário? — arqueio as sobrancelhas e a encaro.
— No seu caso, não.
— A vida é tão amarga, então eu a adoço como posso.
— Está certa. — come sua torrada em pé e joga o restante do café na pia,
lavando a caneca em seguida.
— Bem, a gente se vê mais tarde.
— Posso ir com você? — ela me olha intrigada como se eu tivesse dito algo
muito sem nexo.
— Aonde quer ir?
— Quero andar por Nova Iorque, iria com você até o seu trabalho e depois
voltaria de metrô.
— Por mim, tudo bem.
— Me troco em cinco minutos.
*****
Momentos depois, me despeço de minha amiga na Greene St, 98 em frente à loja
Tiffany & Co.
Caminho até a esquina e viro à direita em direção à Spring St., o céu está muito
azul e o clima promete um dia quente com algumas pancadas de chuva, depois
de caminhar algumas quadras, entro em um café e me sento ao balcão. Corro
meus olhos ao redor e o local se encontra quase vazio, exceto por duas mesas
ocupadas no canto esquerdo do ambiente.
Um homem estranho, para não dizer mal-encarado, fixa seus olhos em mim e
mesmo que eu disfarce, o cara permanece me observando. Noto que ele usa um
blusão preto e uma camisa branca por baixo, cabelos negros e destacadas bolsas
sob seus olhos não confiáveis, ele pega sua xícara e anda em minha direção, ao
chegar próximo ao balcão, deposita a sua xícara, arrasta um banco se sentando
ao meu lado...
— Me desculpe, mas já não nos conhecemos? — essa é a cantada mais antiga e
clichê que um homem poderia usar.
— Acho que deve estar me confundido com outra. — mesmo tentando disfarçar
meu sotaque, o estranho percebe de imediato que não sou americana.
— Mi scusi. — bebe seu café e deixa à mostra uma enorme cicatriz em seu rosto.
É uma marca bem expressiva que vai do maxilar até sua orelha. Quem fez essa
marca deveria estar com muita raiva do sujeito. — me enganei.
Termino meu café o mais rápido que posso, para me afastar desse estranho que
me causa arrepio. Deixo meu dinheiro sobre o balcão e antes que eu saia, o
sujeito segura de leve o meu braço me impedindo de sair do local.
— Meu nome é Enrico. — estende sua mão, me sinto constrangida e com medo
de me recusar a cumprimentá-lo.
— Paola Giordano. — minto.
Na sequência, sorrio forçadamente e saio do lugar sem ao menos olhar para trás,
que homem mais esquisito.
Ando mais algumas quadras e acabo me esquecendo do tal fulano, com meu
celular nas mãos, uso o Google Maps para chegar à estação mais próxima do
metrô, ando pela calçada e ao olhar para o lado, vejo o mesmo homem da
cafeteira logo atrás de mim. Apresso o passo e ele faz o mesmo.
— Não precisa fugir. — me alcança sem muito esforço.
— Se continuar a me seguir, chamarei a polícia.
— Antes de fazer isso, que tal ouvir uma proposta tentadora que tenho para lhe
fazer?
Será que o infeliz me achou com cara de prostituta?
— Scuse. — rebato em meu idioma natal. — Não estou interessada, não sou o
que o senhor está pensando e se me der licença, quero entrar na estação de
metrô.
— Me desculpe. — ele acende um cigarro e dá uma longa tragada. — Não é o
que a senhorita está pensando, tenho realmente uma proposta de trabalho em que
será muito bem remunerada.
— Que proposta seria essa? Quando o assunto é boa remuneração a história
muda de figura. — ele olha ao redor e coloca a mão em meu ombro.
— Vamos conversar em um lugar público e lhe direi o que terá que fazer por
mim.
Devo ser maluca para ficar de papo com um ser estranho como esse e ainda mais
me oferecendo trabalho, entramos em uma lanchonete de comida rápida e nos
sentamos em uma mesa afastada dos demais clientes.
Cruzo meu braço sobre o móvel e ele olha mais uma vez ao redor, na certa, se
certificando de que não há alguém que o reconheça.
— Você me lembra muito uma pessoa. — recosta na cadeira e o olho com
estranheza.
— Lembro? — nota meu incômodo e se corrige rapidamente.
— Não se preocupe, ela já morreu.
— Então, era por essa razão que me disse que talvez me conhecesse naquele
café?
— Sim, me perdoe a indiscrição, mas você se parece muito com ela e será
exatamente por isso que quero que trabalhe para mim.
— O que terei que fazer e quanto ganharia por isso? — se esse homem diz que a
oferta é tentadora, quem sabe não saio de Nova Iorque, com a quantia necessária
para pagar o tratamento completo de Clara, por ela, faço qualquer sacrifício.
— Vou lhe contar o que terá de fazer por mim e se disser que aceita, iremos
combinar o seu preço...
Ergue a mão chamando a garçonete que passa rente à nossa mesa...
— Va bene, sto escoltando.[103]
Aceito, negócio fechado

Enzo
As mãos de Kelsen permanecem grudadas em meu kimono, Isaiah observa o
[104]

meu desempenho, toda minha mobilização com o único intuito de derrubar o


meu oponente e mantê-lo sem nenhuma ação. Devido à uma distensão em seu
cotovelo, meu segurança e treinador se absteve de me enfrentar no tatame,
assumindo o papel de árbitro em nossa luta, com isso, Kelsen, um antigo
companheiro de treino tomou seu lugar por hoje.
Treino Jiu Jitsu e Muay Thay há quase três anos, essas lutas milenares me
trouxeram muito equilíbrio, maior agilidade e além de auxiliar ainda mais em
minha defesa pessoal. Para mim é de extrema importância é estar atento e pronto
para me defender nas mais variadas circunstâncias, portanto, treinar ao menos
três vezes durante a semana se tornou para mim, não uma rotina cansativa e
enjoativa, mas sim, algo que me traz relaxamento e prazer. Concomitante à [105]

essas duas modalidades, faço musculação e pratico nado em apneia. [106]


Concentrado e espreitando cada mínimo movimento de Kelsen, consigo levá-lo
ao chão pela terceira vez.
— O que houve com o velho Kelsen de guerra? — montado sobre ele, zombo de
sua condição.
— Cara, você parece um tanque de guerra, não dá! — reclama, erguendo a mão
em rendição. — Isaiah anda lhe ensinando coisas que desconheço nessa luta.
— Que isso, acho que você não tem se esforçado, amico ! Dovresti risparmiare
[107]

la tua energia per il nostro combattimento invece di scopare mezzo mondo là


fuori.
[108]

— Se for esse o motivo, você deveria estar sem forças como eu, não é verdade?
— Kelsen fala fluentemente o idioma italiano, porém rebate meu comentário em
inglês.
— No meu caso, o efeito é inverso. — falo com ar de divertimento e Isaiah
disfarça o riso, encerrando nossa luta.
Suado e muito cansado, me levanto e recebo os cumprimentos pela minha vitória
com ampla vantagem de pontos.
— Me ensine então o seu truque, meu caro.
Kelsen joga uma toalha no pescoço enquanto ajeita o laço do seu kimono.
— Il segreto è l'anima della cosa. — me aproximo do frigobar e pego duas
[109]

garrafas de água, oferecendo uma delas a Kelsen. — Tenho que lhe confessar
uma coisa. — ele me encara. — Ontem, conheci uma ragazza linda que mexeu
com meus pensamentos.
— Os pensamentos de cima ou os de baixo? — brinca.
— Os dois. — acabo achando graça em sua frase.
— Se os dois adolescentes me derem licença, irei cuidar de alguns outros
afazeres. — Isaiah caminha em direção à porta.
Meu segurança sendo sarcástico comigo é muito engraçado.
— Isaiah. — o chamo antes que saia, vira seu corpo e atento ao meu chamado,
responde.
— Sim?

— Mais tarde, quero que me acompanhe até o Bronx. — para bom entendedor
como Isaiah, meia palavra basta. Ele sabe que não esqueci de meu amigo
Agnello.
— Estarei à sua espera, é só me chamar.
— Combinado. — ele sai e Kelsen retoma nosso assunto, mulheres e todas as
outras puttanas.
— Você tem mais sorte do que eu, estava tão desesperado que saí com uma moça
no fim de semana. — vira quase todo o conteúdo da garrafa garganta adentro. —
Como é mesmo que você diz quando a mulher não vale um centavo?
— Porca puttana ??
[110]

— Isso mesmo! Era pior do que qualquer profissional do sexo. Uma verdadeira
vadia e ainda por cima, cheirava mal. — devolvo-lhe uma cara controversa
imaginando o quão horrível isso deve ter sido.
— Concordo com minha sorte. — comento. — A ragazza que conheci tem um
perfume que me chamou a atenção e uma carinha de anjo, daquelas bem
superficiais. — pego um toalha em cima de um dos balcões de minha academia.
— Acredito que na cama deva ser bem devassa e não custa nada pagar para ver.
— Onde conheceu essa tal anja? — Kelsen cruza seus braços, curioso.
— Trabalha para Fauler, meu advogado.
— Advogada do próprio diabo? — comenta Kelsen.
— A qual diabo você está se referindo? Fauler ou a mim?
— Aos dois. — a expressão de seu rosto é de pura zombaria.
— Advogadas do diabo são as minhas preferidas, pode apostar!
— Você não presta, Enzo!
— Mas é claro que presto! — finjo me ofender. — Se ver Nina na sua frente me
dará toda a razão. — sento em cima de uma bancada. — Ela tem uma boca
que... Madonna Mia ! Sem contar o par de peitos.
[111]

Passos de salto alto se aproximam e denunciam a chegada de alguém do sexo


feminino.
— Shhhh... — encosto meu indicador em meus lábios, impedindo que Kelsen
diga algum disparate.
A imagem de Nina aparece no batente da porta e seus lindos olhos claros se
deparam com os meus.
— Com licença. — sua voz mansa atravessa todo o ambiente, chegando até mim
como uma melodia muito convidativa. — A governanta me disse que encontraria
o senhor aqui.
Kelsen percebendo sua indesejável presença, pede licença e com um leve aceno
de cabeça cumprimenta a advogada gostosa e sai me deixando a sós com a anja
com cara de pervertida.
Desço da bancada, com minha toalha no pescoço tentando ajeitar minha
aparência desalinhada e toda suada e ainda descalço caminho até ela com um
meio sorriso em meu rosto.
— Entre, por favor! — faço sinal com a mão, como um genuíno cavalheiro.
Ela dá seu primeiro passo e o som do seu salto reverbera pelo chão, ela usa uma
saia curta que modela seu quadril e deixa visivelmente à mostra o seu par de
pernas tão bem torneadas e tentadoras, em sua delicada mão, Nina segura firme
uma pasta azul com a logomarca da firma de Fauler.
— Senhor Enzo, bom dia. — estende sua mão e eu a seguro, a cumprimentando
como se deve, ou seja, levo o dorso de sua mão até meus lábios e o beijo
delicadamente. Seu rosto cora e por um breve momento seus olhos se desviam
para a abertura de meu kimono.
— O Senhor está no céu. — a advirto em tom de brincadeira para que possa
enfim ouvir essa doce voz pronunciando meu primeiro nome. — Por favor, sem
formalidades, pode me chamar de Enzo e me perdoe pelo traje. — toco minha
roupa e me justifico. — Estava treinando. — abaixa seu olhar, sua boca
vermelha se abre em um sorriso tímido e ao mesmo tempo atrevido.
— Muito bem, Enzo.
— Agora sim.
— O senhor Fauler me pediu para que lhe trouxesse o contrato e assim possa
analisá-lo e me dizer se deseja que seja feita mais alguma alteração. Me oferece
a pasta e propositalmente, roço meus dedos nos seus, antes de pegar o contrato
em minha mão. — o abro, corro meus olhos pelas cláusulas iniciais e ela
permanece em minha frente atenta até mesmo em minha respiração.
— Bem. — após alguns segundos, fecho a pasta e alinho meus olhos aos seus.
— Irei analisá-lo com mais calma e só então poderei lhe dizer se há mais alguma
alteração que possa ser feita.
— Muito bem. Como o se..., você quiser! — sua voz assume um tom
despudorado acompanhado de um sorriso mais do que convidativo. E quem sou
eu para recusar uma beldade como essa?
— Posso lhe assegurar de que, "esse como você quiser" ficará muito mais
interessante. — digo, descaradamente com malícia, devolvendo um olhar e
sorriso muito sugestivo.
O anjo deliciosamente pecaminoso engole em seco e a seguir, molha seus lábios
os mantendo entreabertos num convite a serem explorados.
— Vindo de você, tenho plena certeza de que será interessante até demais.
Ela era exatamente como eu pensava, audaciosa e atrevida. Aquela que não só se
deixa intimidar por uma cantada, como sabe conduzir um flerte de um modo
muito satisfatório. Me aproximo um pouco mais e minha respiração quase toca
seu rosto, de perto, ela é ainda mais bonita, seu rosto possui traços delicados e
seu cheiro é muito bom.
— Que tal um jantar logo mais e então discutimos esse contrato?
— Acho uma excelente ideia, pois adoro os longos jantares de questões
jurídicas.
Estico meus braços e meus dedos alcançam sua cintura puxando o seu corpo que
se cola ao meu, em resposta, seus dedos enlaçam meu pescoço, ainda suado
atirando minha toalha ao chão. Seu olhar se acende se tornando ainda mais azul
com as pupilas dilatadas exalando puro desejo. Seu tesão me deixa ainda mais
desejoso por tê-la embaixo de meu corpo, se oferecendo toda com suas lindas
pernas abertas, enquanto invisto forte e intensamente sobre ela.
— Ao final, espero ter um bom veredicto. — meus lábios se encostam nos seus e
seu hálito quente, misturado com aroma frutal me incitam a beijá-la e descobrir o
gosto real de sua boca.
Receptiva, sua língua vem de encontro com a minha a acariciando a ponto de me
fazer gemer involuntariamente em seus lábios, a empurro na parede,
pressionando meu corpo excitado sob meu uniforme. Quero foder seu corpo e
me saciar nesse calor abusivo que vem de cada parte de seu toque, sem
descolarmos nossas bocas, sinto sua mão atrevida invadir a abertura de meu
roupão e deslizar as pontas de seus dedos impacientes sobre meu tórax, os
desliza numa deliciosa carícia à medida que devoro seus lábios macios.
Subitamente, se afasta com um semblante de luxúria mais do que proibida e abre
um sorriso totalmente pecaminoso.
— Adoro homens assim, sabia? — arqueia seu quadril, se oferecendo ainda mais
para mim.
— Assim, como? — minha boca alcança o lóbulo de sua orelha e minha língua
brinca com ele até sentir seu corpo se contorcer e puxar os meus cabelos com
força.
Nina é um paradoxo sexual, doce por fora e selvagem por dentro, terei o maior
prazer em absorver cada faceta subentendida e totalmente alterada de seu modo
de seduzir.
— Suado e cheio de tesão... — murmura quase rouca ao sentir minha mão
escalando sua coxa até a renda de sua calcinha. Ao tocar seu sexo, sinto sua
umidade entre meus dedos e através de gemidos, sua boca, explora meu pescoço
o lambendo todo sem se importar com minha pele suada.
— E eu adoro que você me adore suado. — balbucio num gemido à medida que
sua mão desliza pelo meu corpo até chegar em meu pau duro.
Espalma sua mão ali e a esfrega me deixando ainda mais excitado, com um
pingo de senso que ainda me resta, me afasto lentamente e muito ofegante,
disparo.
— Acho que devemos continuar nossa conversa em um local mais apropriado,
não acha? Não estou sendo nenhum pouco cavalheiro.
Não fica bem, comer uma mulher num ambiente como uma academia, instalada
na casa, onde moro com meus familiares. É algo muito desrespeitoso para com
eles e para com Nina. Imagine se alguém nos pega nessa situação?
Com sua respiração também alterada, arruma seu cabelo caído sobre a testa e
pisca seus olhos como se acordasse de um transe, a seguir, ajeita sua saia e
alinha sua blusa.
— Tem razão, acho que perdi um pouco o controle da situação. — alega, agora
sem jeito. Afasta seu corpo do meu e então a seguro pelo cotovelo.
— Faço questão de que volte a perder o controle da situação quando estivermos
em nosso jantar. — sua boca se curva e seu sorriso voluptuoso que confirma que
ela não está zangada pela minha interrupção.
— Tenho que ir, Enzo.
— Quero seu telefone. — falo, taxativo. Ando até a bancada à esquerda e
alcanço meu celular.
— Me passe o seu número. — ela me obedece e o salvo em meu aparelho.
"Nina, mio angelo "
[112]

— Ligarei mais tarde para lhe pegar em sua casa para o nosso jantar.
— Está bem.
Se aproxima de mim e avança sobre minha boca, sem nenhum pudor. Ao se
afastar vagarosamente, mordisca meu lábio inferior, o sugando devagar e me
dando ideias muito mal-intencionadas a respeito de seus lábios habilidosos.
— Até mais. — sai graciosamente e ao passar pelo batente da porta, ainda sorri e
pisca para mim.
Quem disse que reuniões com advogados são enfadonhas, saio da academia e me
dirijo ao meu quarto, onde tomarei meu banho e sairei para acertar umas contas
com meu caro Agnello.
De banho tomado e já vestido, saio de meu quarto e me encaminho para os
aposentos de meu pai. Quero saber como ele amanheceu esta manhã, me deparo
com um Victório revigorado e falante, o que faz com que eu tenha um dia muito
melhor. Mesmo ainda convalescente, meu pai quer estar a par de tudo o que está
acontecendo em nossos negócios, depois de conversarmos sobre quase tudo, ele
me surpreende com uma pergunta inusitada e totalmente incondizente com a sua
natureza discreta.
— Você e sua noiva estão bem? — é quase impossível enganar a quem lhe
conhece por um simples olhar.
— Estamos indo, se isso satisfaz a sua pergunta.
— Indo? — com a cabeça recostada em seu travesseiro, fecha os olhos e fica
assim por alguns segundos. — Nunca vi resposta mais inadequada para um
noivado.
— Não posso mentir e dizer que estou morrendo de amores por Carol e que não
vejo a hora de me casar com ela. — cruzo meus dedos e espero a frase de
reprimenda.
E o mais engraçado é que ela não veio.
— Estive pensando, Enzo. — irrequieto, [113]
aguardo o término de seu
pensamento.
— Em que? — acabo perguntando.
— Se esse casamento seria mesmo o mais acertado a se fazer.
— Posso saber o porquê chegou à essa conclusão? — nesse momento, meu pai
muda de assunto como se nada tivesse sido dito.
— Por nada, esqueça. — sentado em uma cadeira ao lado de sua cama, o encaro
na esperança de que ele ainda me conte o que andou pensando.
— E aquele assunto pendente com o Hart e a aprovação da venda da empresa de
telefonia? — me coloco em pé e toco seus cabelos grisalhos.
— Não se preocupe, estou quase lá.
— Confio em você. — beijo sua testa e seu semblante se ameniza ao receber
esse carinho.
— Agora tenho que ir, pois o dever me chama e trate de ficar bom o mais rápido
possível, pois o quero em pé em seu aniversário em agosto.
— Puoi andare e presto ti morderò di nuovo. — antes de sair, me deparo com
[114]

minha bella madre adentrando o quarto.


— Buongiorno, figlio mio. — sua mão toca meu rosto e recebo seu beijo
[115]

matinal como em todas as manhãs.


— Buongiorno, mia bella mama. — seus lindos olhos emitem tanto carinho
[116]

por mim que me sinto um menino novamente. — ela corre a mão sobre meu
terno e depois ajeita meu colete.
— Não se esqueceu de que irá me acompanhar ao teatro amanhã à noite, não é?
— pisco para ela.
— Sabia que por detrás desse carinho todo havia um interesse subentendido.
— Ela sempre foi uma chantagista emocional, meu filho. — meu pai intervém
em nossa conversa.
— Mas que complô masculino é esse logo pela manhã? — a abraço com forca e
com minha boca colada em sua bochecha, eu a ergo do chão. Meu pai nos
observa da cama sem nada a dizer e apenas sorri.
— Me solte, seu bobo! — seus lábios se convertem no mais delicioso sorriso de
satisfação pelo carinho recebido, ela sempre finge que não gosta de ser erguida
no colo por mim.
— Irei com certeza acompanhar a dama mais linda de que Nova Iorque tem
conhecimento.
— Mio Enzo! — espalma suas mãos em meu rosto e me beija novamente.
— Só você para me convencer a ouvir Nessun dorma pela milésima vez.
[117]

— O que é bom deve ser sempre prestigiado.


— Irei me lembrar disso enquanto estiver no teatro. — me afasto e a deixo na
companhia de meu pai.
Saio pela casa e no jardim ouço a algazarra de Letizia com Pietro, eles correm ao
redor da piscina em uma espécie de pega-pega, ao me verem, param a
brincadeira e correm em minha direção.
Na certa, Pietro vai me lembrar do jogo dos Yankees e para garantir sua alegria,
pedi a um dos meus funcionários que comprasse dois ingressos para que eu
possa levar o meu amado sobrinho ao jogo.
— Tio. — quase sem fôlego pela corrida, diz.
— Já sei, nosso jogo no sábado, seu tio já providenciou os ingressos. — seu
sorriso e o olhar se alegram, me fazendo pensar em como a infância é bonita e
cheia de satisfação por mínimas coisas.
Converso com os dois por mais alguns minutos e saio pelo jardim com as mãos
nos bolsos à procura de Isaiah.
Na garagem, Fabrizio e ele conversam sobre corridas de cavalos. Quando sentem
a minha chegada encerram o assunto.
— Fabrizio, vamos para o Bronx.
— Sim, senhor.
— Isaiah, você irá comigo em meu carro.
— Está bem.
— 4704 Delafield Avenue, Fabrizio. — me sento no banco traseiro, ajeitando
minha calça, Isaiah se senta ao meu lado.
Seguimos tranquilamente até a casa de Agnello e durante o percurso, ergo o
vidro que me separa de Fabrizio, pois não pretendo que ele ouça a minha
conversa com Isaiah.
— Tem seguido Carol como lhe pedi?
— Sim, Enzo, ela tem sido monitorada desde que vocês começaram a namorar.
— E não encontrou mesmo nada que levantasse alguma suspeita? — muito
estranho esse comportamento de minha noiva.
— Absolutamente, nada. Ela quase não sai e quando o faz, seu roteiro se resume
em lojas e a clínica de estética da amiga.
— Sabe que confio muito em você, do contrário, não lhe pediria para fazer esse
tipo de serviço tão delicado. — olho para o trafegar lento dos carros. — Pois
bem, continuem a seguindo sem alarde.
— Se descobrir qualquer coisa, eu o direi e manterei minha palavra e silêncio
sobre isso. — Isaiah é um dos homens mais fiéis com quem já trabalhei, Carol
me esconde algo e se eu estiver certo, irei descobrir. Não irei tolerar ser taxado
como corno dessa maneira.
— Sabia que poderia contar com você. — chegamos a Delafield Avenue e
Fabrizio para o carro próximo à calçada. — É hora de meu acerto, Isaiah, vamos.
Descemos e dou uma olhada no bairro onde Agnello se mudou há pouco tempo,
sua casa é uma bela casa situada num bairro mais nobre do Bronx, respiro fundo
ao apertar a campainha.
— Preparado? — falo baixo a Isaiah, enquanto Fabrizio nos espera no carro.
— Sempre. — Isaiah coloca a mão em sua arma debaixo de seu paletó.
— Ótimo.

Antonella
Nossos pedidos esfriam sobre a mesa enquanto Enrico, muito pacientemente,
me explica qual seria o papel a ser desempenhado por mim caso aceite a sua
tentadora proposta.
— Aspetta lì.[118]

— Sì. — responde em italiano.


— Me disse que eu parecia com alguém que já morreu. Quem seria?
— A primeira mulher de Enzo. — abre seu casaco e retira seu maço de cigarros
oferecendo um deles a mim.
— Não fumo, obrigada.
— Ela morreu há uns dez anos num acidente de carro.
— Enzo a amava?
— Não acredito que a amasse, mas será por essa via de entrada que se infiltrará
em sua vida, a sua aparência com Agatha.
Agatha, nome bonito, processo devagar as poucas informações que ele me passa.
Enzo Ferraro é um bandido respeitado e temido em todo país como os grandes
mafiosos da Sicília.
— Você entraria na casa dos Ferraro, lá teria tempo e espaço para agir, Paola.
— E como eu poderia entrar naquela casa?
— O seu papel é seduzir Enzo Ferraro e o restante deixe por minha conta.
— Seduzir esse tal Enzo, não deve ser uma tarefa muito fácil. — digo. — Por
tudo o que você me contou, ele é um mulherengo nato. Como eu iria conseguir
isso?
— Com seu jeito, confie em mim e seguindo as minhas instruções, tudo dará
certo.
— Mas e... — uma dúvida paira em minha mente. — Depois de seduzi-lo, o que
terei de fazer?
— Bem, se conseguir o seu intuito, a única coisa que terá de me trazer é uma
informação valiosa. — balanço a cabeça já sabendo que não conseguirei meu
dinheiro tão sonhado.
— Mesmo que eu consiga seduzir o tal homem, acha mesmo que ele me contará
como age em seus negócios?
— Um homem apaixonado costuma baixar a guarda, Paola e mesmo que não
consiga seduzi-lo, entrará naquela casa de uma maneira muito convencional.
— Convenzionale ? [119]

— Sim, confie em mim, sei o que digo. Conheço Enzo Ferraro, inclusive todos
os seus passos e limites. — cruza os braços e me encara, de perto, as bolsas
debaixo de seus olhos têm mais destaque e lhe dão uma aparência ainda mais
estranha. — E então, irá aceitar a minha proposta?
— Quanto pretende me pagar?
— Se conseguir seduzi-lo a ponto de deixá-lo apaixonado e ainda me trouxer as
informações de que preciso, irá receber 500 mil dólares.
Mama mia ! É muito dinheiro. Claro que não posso deixar transparecer que
[120]

estou vislumbrada pela quantia.


— Quero em euros. — digo, firme.
— Que seja. — ele nem argumenta o preço. — Agora se não conseguir o
combinado, não receberá nenhum centavo e terá que desaparecer daquela casa
como fumaça, pois se ele desconfiar de que foi infiltrada, estará em maus lençóis
e em seguida, terá que se acertar comigo. Não aceito falhas.
— Mas e se ele não cair em meus encantos?
— Se isso acontecer, quero ao menos alguma informação sobre seus negócios.
Vasculhe, ouça atrás das portas, seja esperta e me traga tudo o que for valioso.
Pagarei muito bem por isso.
— Quanto? — arqueio minhas sobrancelhas.
— 200 mil euros.
— Está bem, negócio fechado.
— Você mora onde?
— Estou na casa de uma amiga, mas não quero que ela seja envolvida nisso.
— Muito bem, amanhã iremos arrumar um lugar para você morar. — fala,
enquanto brinca com o galheteiro sobre a mesa. — Enzo é um homem muito
[121]

metódico e mantém uma rotina há anos, portanto será fácil se deparar com ele
por aí. Depois entregarei algumas informações importantes a seu respeito e
quero que guarde cada uma delas, pois será de grande importância para você.
— Tudo bem. — ele estende sua mão enorme e assim selamos nosso acordo.
— Amanhã, esteja nesse mesmo local. — olha em seu relógio. — Às duas da
tarde.
— Combinado.
— Sem atrasos, moça.
— Eu virei.
— Ótimo. — sorri e seus dentes amarelos de cigarro me dão um certo pavor. —
Até amanhã. — ele se levanta arrastando sua cadeira.
— Só uma pergunta.
— Diga.
— Estaria fazendo isso por vingança ou você trabalha para algum outro
mafioso?
— Digamos que Enzo me deve algo e chegou a hora de cobrar isso dele. É tudo
o que você precisa saber no momento.
— Va bene.
— Nos vemos amanhã.
Ele joga algumas notas em cima da mesa para pagar o nosso almoço e sai
arrumando seu casaco. Lá fora, o sol é escondido por nuvens muito grossas e o
cheiro de chuva se aproxima.
Saio da lanchonete e caminho para a estação de metrô mais próxima, dentro do
vagão, me sento e fico pensando em tudo o que me ocorreu essa manhã.
Pensando com mais calma, acho que isso não dará certo, como irei seduzir o tal
homem sem ir para a cama com ele? Esse tipo de homem não irá se contentar
com menos do que isso!
Amanhã, falarei com Enrico e direi que aceito sua proposta de descobrir as
informações que ele tanto deseja.
A sedução do gostosão eu terei que dispensar, afinal 200 mil euros são muito
mais do que suficientes para ajudar a minha irmã.
O contrato

Enzo
Aperto a campainha dessa vez de modo mais impaciente. Alguns segundos se
passam e ninguém aparece para abrir a porta. Irritado, conservo as mãos nos
bolsos da calça e com um leve movimento em meu pescoço, dou um sinal a
Isaiah para rodearmos a casa e verificarmos se não há mesmo ninguém presente.
Ao ladear o imóvel, penso em como Agnello subiu na vida, há pouco menos
[122]

um ano, esse indivíduo que hoje me passa uma rasteira morava em um quarto de
hotel malcheiroso, uma verdadeira pocilga, ele foi apresentado a mim por
Manfredini que garantiu que Agnello poderia nos ser útil no Bronx.
Uma coisa é fato, com a nossa proteção, ele conseguiu se reerguer e assim,
transformar a sua vida miserável, vivida em um quarto minúsculo, em uma outra
muito mais aproveitável. Mora, hoje, em uma rua decente, cercado de bons
vizinhos que sequer imaginam o que esse homem faz para manter esse patamar.
— Me espere aqui, Isaiah. — digo ao chegamos em uma das laterais do imóvel.
— Tudo bem.
Ainda circundando a lateral da casa, subo um pequeno lance de escadas e muito
atento, ando na ponta dos pés até o final do corredor que dá acesso à uma sala de
jogos. Através de uma porta de vidro e ferro, coberta por uma cortina
transparente, consigo ver a imagem de Agnello e um outro homem jogando
sinuca, falando um pouco alto e fazendo uma pausa para consumirem cocaína
em plena manhã. Uma coisa na qual nunca fui adepto, usar qualquer tipo de
droga. Acho que já tenho vícios demais e as drogas não caberiam em minha lista,
bebida e mulheres já são mais do que suficientes.
Com um simples chute na porta, ela cede e se abre, fazendo com que os olhares
dos dois drogados se dirijam à minha pessoa. Agnello, com olhos arregalados,
segura firme o taco de sinuca nas mãos como se esse reles objeto fosse um
escudo de defesa pelo que está por vir.
— Bom dia! — dois passos calmos e adentro a sala com o semblante de quem
está aqui para uma conversa muito franca. — Já que a montanha não vai a
Maomé, Maomé vem até a montanha, Agnello.
— O que você quer? Por que invadiu minha sala dessa maneira?
O outro rapaz mais corpulento se mantém vigilante com o taco nas mãos, ele
deve ser uma espécie de capanga de Agnello.
— Bem, eu é que deveria me sentir ofendido, pois você tem evitado falar com
meus homens e ainda por cima, vêm descumprindo nosso acordo e hoje, venho
até sua casa, aperto a campainha e ninguém me atendeu, por isso me fiz anunciar
à minha moda.
— Que história é essa de que descumpri nosso acordo? Você tem recebido a sua
parte na negociata e estamos caminhando assim desde que comecei a trabalhar
naquelas imediações.
Sua voz transparece todo seu medo e seu suor o denuncia ainda mais, pigarreio e
olho para o grandalhão que estaca logo atrás de mim.
— Como pode ver, vim sozinho para tratarmos desse assunto.
— Bruno fica. — responde, resoluto.
— Por quê? Tem medo de falar comigo a sós?
Por um mísero espaço de tempo, o grandalhão me rende com o taco de sinuca,
atravessado em meu pescoço, enquanto o covarde Agnello aponta sua Taurus 85,
na incerteza de apertar o gatilho.
[123]

Meu pai sempre me ensinou que ao apontar uma arma para quem quer que seja,
atire! Nunca ameace, se acaso não tem a intenção de matar. Acho que o homem
à minha frente desconhece essa lição, uma pena que ele não a tenha aprendido,
pois sofrerá muito se não tiver a coragem de me matar.
Sem muito esforço, ergo uma de minhas pernas e atinjo a mão de Agnello que
solta a arma ao chão próxima aos meus pés, ao mesmo tempo que cabeceio o
nariz de Bruno às minhas costas o deixando desnorteado, o que acaba me
permitindo escapar de seu domínio. Solto, alcanço a arma do chão, a guardando
em meu paletó e com taco em minhas mãos o atinjo as costelas de Bruno com
toda a força, fazendo com que ele se encolha todo.
Agnello não satisfeito, arregaça as mangas de sua camisa e com as mãos em
punho, tenta me acertar, o capanga o imita e pelo que prevejo aqui, os dois não
têm muita ética quando a questão é briga entre homens. Dois contra um, sempre
foi para mim o maior sinal de fraqueza e incapacidade.
Parado entre os dois, Agnello é o primeiro a investir sobre mim, seu soco passa
perto do meu rosto e ao tentar me desviar, Bruno me acerta nas costelas.
— Isso, Bruno, acabe com esse mafioso metido a valente! — incentiva
o farabutto. — Se achando em vantagem, o capanga tenta um novo golpe e ao
armar um soco, consigo segurar sua mão e torcê-la quase quebrando seu pulso.
Com a outra mão livre, acerto um golpe perto da clavícula que o deixa sem ar
por alguns segundos, tempo suficiente para que eu pegue o covarde de seu chefe
pelo colarinho da camisa, jogando seu corpo com tudo sobre a mesa de sinuca e
o imobilizando pelo pescoço, Isaiah aparece na porta.
— Precisando de ajuda?
— Leve esse monte de merda para dar uma voltinha e só apareça aqui com a
notícia de sua morte rápida.
Meu segurança junta Bruno com toda sua força e é o mesmo quer pedir
clemência pela sua mísera vida.
— Deveria ter saído como eu pedi. — respondo, ainda com as mãos em Agnello.
Isaiah arrasta o homem para fora e com isso, posso continuar a minha conversa
sem ser interrompido.
— Pois bem, meu bravo e destemido amico. — dou três leves tapinhas na cara e
meu rosto se aproxima de sua cara lavada e medrosa. — Agora, somos você e
eu!
— Enzo, tenho trabalhado direito e não vejo o porquê dessa sua atitude em
minha casa.
— Sim, tem trabalho direito, não nego! — aperto ainda mais seu pescoço, o
deixando vermelho, buscando por ar. — Mas o que você ganha, não tem sido
repassado conforme combinamos.
— Estou repassando os 30% que combinamos.
Sua resposta mentirosa, eleva a minha adrenalina às alturas e aliviando a pressão
em sua jugular, fecho meu punho direito e bem no meio de suas pernas, acerto
um murro em suas bolas. Seu grito denuncia que isso realmente deva ter doído.
Nunca levei um chute ou qualquer outro golpe nas partes baixas, portanto não
tenho como saber o grau de sua dor. O que posso dizer é que ele se encolhe e me
xinga de filho da puta.
— Se ofender a minha mama de novo, o mato num piscar de olhos!! — o coloco
sentado sobre a mesa e do bolso de meu terno retiro a sua Taurus. Noto que seus
poucos cabelos se eriçam e seus olhos se arregalam temendo pela sua miserável
vida. Deixo a arma próxima a mim sobre a mesa.
— Enzo, per pietà ! — junta suas mãos e como se eu fosse algum divino, me
[124]

implora por piedade.


— Desde o momento em que aceitou a nossa proteção e jurou fidelidade à nossa
família, você se condenou a cumprir com nosso trato. — cubro suas mãos com a
minha e solto seus dedos ainda cruzados um a um.
— Se não tinha a capacidade de cumprir com sua palavra, recusasse a generosa
oferta de meu pai. — torço seu dedo médio e ele franze a cara de dor.
— Mas eu repassei o combinado, Enzo! — diz, suando frio e quase sem voz. —
Se negar que estava nos roubando mais uma vez, não abrirá mais seus olhos para
a luz do dia, Agnello.
— Lo giuro su mia madre. [125]

Caspita !! Esse sujeito deve ter sido chocado e não parido!!!


[126]

— Bugiardo !! — grito enfurecido e exponho ponto por ponto, vírgula por


[127]

vírgula de tudo o que foi descoberto a respeito de suas pérfidas atividades.


[128]

A linguagem de seu corpo fala por si e temeroso por sua vida, acaba confessando
o que há muito tempo eu já tinha conhecimento.
— Eu pago tudo o que foi desviado, mas por favor, não me mate!! Eu lhe
imploro, Enzo!
Num ímpeto de fúria, seguro seu maxilar com força e rangendo meus dentes para
tentar dissipar a sede de acabar com sua desprezível pessoa quase mordo o seu
nariz. De olhos fechados, Agnello se retrai como um cão que é maltratado.
Olho para a sua arma em cima da mesa, estico meu braço e a seguro analisando
o material, balanço a cabeça em negativa e a volto para o meu bolso. Aliviado,
não posso acreditar que o covarde pense que tudo acaba aqui.
Sem mais delongas e conversas que não me levam a lugar algum, enfio a mão
dentro de meu paletó e de lá retiro minha fiel Glock.
— Como você está morando em uma rua respeitável, onde os vizinhos nada têm
a ver com sua desonestidade, farei o mínimo de barulho possível.
Dentro de um dos bolsos de meu paletó, retiro o silenciador de minha arma.
Nesse momento, meus lábios se curvam em um meio sorriso de escárnio e então
faço com que ele ouça o barulho do gatilho sendo acionado. Novamente, ele
pede por misericórdia.
— Não é a mim que você tem que pedir misericórdia, Agnello. Não seria
presunçoso a ponto de me considerar Deus e, portanto, não se humilhe para um
simples mortal como eu! — pego sua mão e a espalmo sobre o veludo verde da
mesa de sinuca.
— Olhe bem para a sua mão, seu reles bandido! — seus olhos se enchem de
lágrimas e ódio, duas coisas completamente distintas e que sempre são vistas por
meus olhos todas as vezes em que tenho de pôr um fim em meus negócios mal
resolvidos.
— O que pretende fazer? — tenta se debater e fazer com que sua mão não se
fixe ali.
— Sempre adotei a lei do Talião como medida básica para quem me rouba. —
[129]

a sala se torna abafada e de minha testa brotam gotas de suor. — Olho por olho,
dente por dente, já ouviu falar dessa lei? — sorrio para meu oponente e em seu
rosto já não há mais cor. Ele faz que sim com a cabeça quase chorando.
— Portanto, durante o resto de sua vida, quando olhar para sua mão irá lembrar
do dia em que roubou a minha família e tenho certeza de que mesmo com a outra
mão ilesa, você não tornará a cometer o mesmo ato, ao menos não comigo, pois
a partir de hoje, todas as cinco famílias saberão que você não passa de
um bastardo sem palavra! — sem pestanejar, atiro no meio da palma de sua
[130]

mão e ele urra de dor, a bala atravessa a mesa de jogo e seu sangue se espalha
pelo pano verde.
— Cazzo, minha mão seu figlio di puttana! — ele cospe em mim, sujando
[131]

meu rosto. Aponto para sua testa e minhas últimas palavras são muito diretas.
— Ia deixá-lo vivo para poder contar aos outros sobre o estrago que fiz em sua
mãozinha, mas agora mudei de ideia, pois sou um homem de uma palavra só,
você ofendeu a minha mãe de novo e não posso permitir tal infâmia e ainda
[132]

por cima, cuspiu em meu belo rosto. Adeus, Agnello!


Miro o cano de minha arma bem no meio de sua testa e disparo sem piedade,
olhando seu corpo ser lançado para trás e ali residir inerte.
Saio com a mesma calma com que invadi o local, para mim, a vida de certos
seres não tem valor algum, será menos um trapaceiro no mundo. Aprendi que na
vida, seja qual for a sua escolha, seja o caminho da honestidade ou da
contravenção como o meu, honre, ao menos, os tratados que você faz, pois em
qualquer esfera de negócios há um código de conduta a ser seguido e na
marginalidade, não é diferente. Caminho pelo jardim até chegar à rua, lá, Isaiah e
Fabrizio me esperam.
— Onde está Bruno? — é a primeira pergunta que faço a ele antes de entrarmos
no carro.
— Bem quietinho e amarrado dentro do porta-malas. — diz, seriamente. —
Espero que ele não seja claustrofóbico. — dou de ombros.
— Se for, será uma bala a menos.
— Nisso, você tem razão. — olho para Fabrizio através do retrovisor.
— Me deixe na Fellow Barber, no Brooklyn. — passo a mão em meus cabelos e
me dou conta de que necessito de um bom corte. — Quero estar apresentável no
jantar de logo mais.
— Sim, senhor.
— E depois leve Isaiah juntamente com a nossa encomenda para o Queens e siga
todas as suas instruções. — meneia sua cabeça compreendendo minhas ordens.
No caminho, meu celular vibra no bolso de meu paletó.
Marie.
— Alô.
— Está com a cabeça mais fria para podermos conversar?
— No momento, não posso falar. — pigarreio e olho para o movimentos dos
carros que estão parados na rua. — Posso ligar para você mais tarde?
— Tenho outra escolha? — sua voz complacente pede por uma reconciliação.
— Depois nos falamos, sim? — falo de modo mais ameno.
Não quero ser tão rude com ela.
— Sabe onde me encontrar, até mais.
Desliga.
Momentos mais tarde, Fabrizio estaciona meu carro em frente à barbearia.
Dentro do estabelecimento, Franklin, o homem que corta meu cabelo há anos,
vem ao meu encontro com sua cara de poucos amigos. Sentado em frente ao
espelho, Franklin pergunta o que vai ser.
— Barba e cabelo? — ergo a mão em contrariedade.
— Cabelo.
— Vai deixar a barba, Enzo?
— Sim, resolvi ficar com cara de mau. — me justifico. —Dê somente uma
aparada na barba, pois quero mantê-la. — com a liberdade cedida a ele,
completa.
— Com a barba e bigode, ficará com a aparência mais velha.
— Ótimo, assim adquiro mais respeito.
— O cliente manda, Franklin obedece.
Enquanto meu cabelo é cortado, ligo para Ignácio e peço para que reserve uma
mesa no Carbone, um restaurante discreto dentro de Manhattan, ao olhar para a
porta da barbearia, Isaiah adentra o ambiente e me faz um sinal de serviço
completo, volta para o carro, juntamente com Fabrizio e me espera dentro do
mesmo até que eu termine de cortar meu cabelo.
Na parte da tarde, em meu escritório, ligo para "mio angelo" e confirmo nosso
jantar, com um bloco de papel em mãos, anoto o seu endereço.
Nina mora no Harlem.
— Passo para lhe pegar às 20:00 horas, Nina. — posso ver os seus lábios
sorrindo, ansiosa por me reencontrar.
— Esperarei, Enzo. — desligo e volto a me concentrar em meu trabalho, mal
começo a fazer algumas contas e repasses, quando o telefone de minha mesa
toca desviando minha atenção.
— Enzo.
— Enzo, senador Hart. — não posso negar que esperava ansioso por essa
ligação.
— Senador! — demonstro muita satisfação em ouvir sua voz. — A que devo a
honra de sua ligação?
— Será que não podemos ter aquela conversa em seu escritório amanhã?
— Mas o que aconteceu para que o nobre senador mudasse de ideia tão
repentinamente? — às vezes, se fazer de desentendido é a melhor solução.
— Não posso dizer pelo telefone, mas é muito importante e gostaria que me
desculpasse pela maneira como o tratei da última vez em que nos falamos.
— Bem, se o senhor quer falar comigo alegando ser importante e ainda me pede
desculpas pela maneira áspera com que lidou com a nossa amizade, quem sou eu
para virar as costas nesse momento? — calhorda, fingido e filho da mãe.
Manfredine deve ter procurado o parlamentar e mostrado o conteúdo do pen
drive, onde a vossa excelência aparece de quatro, enquanto uma prostituta usa
uma cinta peniana em seu traseiro. Uma cena digna de filme pornô mais fuleiro
que poderia existir.
— Obrigado, Enzo. Serei eternamente grato se puder me receber.
— Para que servem os amigos, Hart? — giro em minha cadeira e observo o
jardim. — Sabe que sou um bom homem e que não guardo mágoas, portanto
pode passar em meu escritório amanhã as 15:45 horas. — consigo ouvir o seu
suspiro de alívio por conseguir com que eu o recebesse. Essa visita custará
muito, mas muito caro.
— Obrigado mais uma vez. — encerro minha ligação e volto para meu trabalho,
pego a pasta do contrato de Fauler, me dou por satisfeito com tudo o que foi
redigido em suas páginas objetivas e sem possibilidade de serem quebradas por
ambas as partes, Nina sabe mesmo o que faz.
Ao cair da noite, tomo meu banho e ao sair do banheiro, enrolado em minha
toalha, me deparo com Donatella olhando para o terno que escolhi para o jantar
de hoje à noite, estendido sobre a cama, ela segura a gravata e caminha até meu
closet e de lá vem com uma outra em sua mão.
— Essa vai ficar muito melhor, Enzo! — ela me olha intrigada e sem conter sua
curiosidade, lança seu veneno. — Não está se arrumando assim para ver sua
noiva, não é?
— E se eu disser que sim? — devolvo a resposta com minha testa enrugada.
Abre seu lindo sorriso elegante e rebate.
— Diria que está febril e que mente muito mal. — me aproximo e aperto seu
queixo.
— Você me conhece e por isso eu a amo muito, minha mana.
— E gostaria muito que esse seu tempo de gato vira-lata acabasse e que você
encontrasse una bella ragazza para virar seu pensamento a ponto de não sair por
aí com qualquer uma.
— Aspetta lì, não saio com qualquer uma! Sou seletivo.
— Mesmo assim, não fica bem ser noivo de uma mulher e traí-la dessa forma.
— Minha irmã, deixe que dos assuntos amorosos, seu irmão Enzo sabe o que
faz. — ela se levanta e beija meu rosto do lado esquerdo.
— Se cuide bonitão. — antes de sair, ainda conclui. — A barba deu mesmo um
charme. Se eu não fosse sua irmã e casada, eu pegava você, bello ragazzo. —
pisca para mim.
— Tenha uma boa noite!
Donatella sempre usou de sua franqueza para comigo, todavia nessa noite,
pressenti que algo a incomoda e ela não quis se abrir. Consegui ver uma tristeza
subentendida em seus lindos olhos negros e se esse entristecimento tiver nome e
sobrenome, eu mato Alessio.
Termino de me arrumar e saio de meu quarto. Todos estão na sala de estar,
esperando que Eurídice anuncie que o jantar está servido. Minha mãe me olha e
sorri.
— Não janta conosco, meu filho? — ajeitando a pulseira de meu relógio, a
respondo.
— Tenho um jantar inadiável de negócios. — vejo que minha irmã torce o nariz.
— Que pena, mandei preparar seu prato favorito. — beijo sua testa e tento me
desculpar por fazer tal desfeita.
— Prometo que amanhã, jantaremos todos juntos.
— Tudo bem, meu filho. — meu pai me olha e contudo nada diz.
Já na garagem, entro em meu carro e sou seguido por meu cão de guarda Isaiah.
Não sou um homem que frequenta muitos lugares públicos e quando o faço
sempre sou acompanhado de um dos meus seguranças, isso já se tornou rotineiro
em meu dia a dia.
Acelero e em 29 minutos paro em frente ao edifício Olga, na W 120 St., desço do
carro, ajeitando meu terno e com uma das mãos em meu bolso me dirijo ao
interfone, aperto o número 1401.
— Adoro homens pontuais. — a voz macia de Nina ecoa pelo interfone. —
Estou descendo, me dê um minuto.
Como combinamos por telefone, achei melhor não subir até seu apartamento, um
minuto se passa e ela sai pela porta de vidro. Sua aparência não poderia ser
melhor, Nina usa um vestido justo com um decote muito generoso que me dá a
extensa visão de seus seios perfeitos, lindos, como imaginei e intenciono beijá-
los um a um com muita devoção.
— Boa noite. — meço seu corpo de cima a baixo, praticamente a comendo com
meus olhos, solto um elogio galante que toda mulher gosta de ouvir e que não
deixa de ser uma verdade. — Você está muito linda! — me aproximo e beijo seu
rosto. Ela sorri, permitindo que apareçam duas covinhas nas extremidades de sua
face rosada.
— Muito obrigada. — ela faz o mesmo que eu. — Você também está lindo,
Enzo.
— Vamos? — estendo meu braço a ela e descemos os poucos degraus até
chegarmos na calçada. Abro a porta do carro para que ela entre, a fechando em
seguida, dou a volta me sentando ao volante.
No Carbone, nossa mesa já estava à nossa espera e logo, um garçom vem para
anotar os nossos pedidos. Peço uma garrafa de um bom Merlot, enquanto
esperamos nossos pratos ficarem prontos, Nina prova o vinho e me parece que a
bebida agradou seu paladar.
— Muito bom — olha ao redor e como eu, nota que o estabelecimento está
quase vazio. — Vem sempre aqui? — pergunta quase despropositalmente.
— Muito raramente. — bebo meu vinho e completo a taça de minha charmosa
convidada.
— E o contrato? Há alguma coisa que necessite alteração?
— Não, em absoluto. — novamente, levo minha taça à boca e através do fino
cristal, encaro seus olhos claros. — Você fez um excelente trabalho!
— Obrigada. — desliza seu indicador sobre a borda da taça. — Clientes
especiais exigem um trabalho bem feito.
O garçom nos interrompe com a chegada do nosso jantar, nos deseja um bom
apetite e sai discretamente pelo salão, jantamos em um ambiente tranquilo e
pude conhecer um pouco mais da vida de Nina. Sua família mora em
Connecticut e ela se formou em Yale, filha única, com 27 anos, veio para Nova
Iorque em busca de sua independência financeira e crescimento profissional, é
falante, divertida e de riso fácil. Durante a sobremesa, Nina me pergunta
diretamente sobre meu noivado.
— Não me diga que a essa hora do campeonato isso seria um empecilho para
você?
— Se para você não é um problema, para mim, também não o é. — ressalta,
objetiva. — Não estou buscando romance, Enzo.
— Ótimo, muito menos eu. — molha seu lábio me provocando e dispara.
— Acho que chegamos a um consenso, não é mesmo? — ergo minha mão e
peço a conta.
— Isso ainda veremos. — pego minha carteira e a olho com malícia.
— Será uma honra debatermos alguma questão que tenha ficado pendente.
Pago a conta e a convido para irmos embora, peço ao manobrista para que pegue
meu carro e ainda dentro do estabelecimento, olho com atenção para a calçada.
Nina sai em minha frente e Isaiah abre a porta para ela e sinaliza de que a área
está limpa.
Já vi muitos mafiosos serem alvejados ao saírem de um simples jantar e essa não
é a morte que desejo para mim. Por isso, toda a atenção ainda é pouco.
*****
Paro em frente ao prédio de Nina e ao abrir a porta para que ela desça, seu olhar
sugestivo me diz que a nossa noite ainda não acabou. Abre sua pequena bolsa e
retira de dentro dela as suas chaves.
— Não quer subir e quem sabe eu ofereça uma xícara de café?
— Se eu aceitar o seu convite, o café seria a última coisa que gostaria que me
servisse. — com a chave na fechadura, pende seu pescoço em minha direção.
— Não seja por isso, também tenho um bar em casa, pode escolher uma dentre
várias outras bebidas.
Entramos no pequeno hall e ela aperta o botão, acionando o elevador, ao
entrarmos no mesmo, Nina se joga em meus braços com a mesma ânsia em que
me beijou na academia. Enlaço meus braços em torno de seu corpo e sua boca
devora a minha como se quisesse me consumir por inteiro, suas mãos delicadas
agora se tornam inquietas e escalam meu corpo de maneira audaz e despudorada.
Minha boca desliza sobre seu pescoço macio e perfumado, explorando cada
linha de seu colo até chegar em seus seios ainda cobertos pelo seu vestido.
— Elevador sem câmeras. — parecendo ler a minha mente, dispara essa frase
com o intuito de me deixar ainda mais excitado.
Espalmo minha mão entre suas pernas e massageio seu sexo carregado de
luxúria e desejo, à medida que minha boca engole seu mamilo intumescido em [133]

minha língua, ela segura meu rosto entre suas mãos e o elevador para.
Nos recompomos de imediato e ainda colado a ela, seguimos até seu
apartamento. Ao fechar a porta atrás de si, a prenso na parede da sala e um dos
seus quadros vai ao chão.
— Enzo... — enrosca a mão em meus cabelos e cola sua boca à minha. De olhos
fechados, cambaleamos até o sofá e ali caio com meu corpo sobre o seu. Arranco
meus sapatos com os pés e avanço sobre sua boca como se estivesse sem comida
há dias.
Desesperada, seus dedos desatam o nó de minha gravata, a jogando para o lado,
abro o zíper de seu vestido e o faço deslizar por seu corpo esguio, liberando seu
lindo par de seios. Abocanho um deles sem reserva ou delicadeza, meu desejo
por essa beldade angelicamente satânica me faz agir como se tudo fosse se esvair
subitamente e assim, a beijo de forma insaciável, duelando minha língua com a
sua, enquanto me encaixo entre suas pernas e mesmo vestido, me esfrego em seu
corpo para demonstrar o meu desejo.
Tira meu paletó e com a minha ajuda, o meu colete, puxa minha camisa para fora
da calça e sua mão corre por minhas costas por debaixo do tecido, ela é quente e
muito sexy.
Selvagem, tenta abrir a minha camisa fazendo com que dois botões se rompam,
me encara, a seguir abre o restante com a mesma rapidez de antes e ao completar
sua tarefa me brinda com sua boca em todo meu tórax, ela usa seus lábios e
língua com uma carícia quase ensandecida e em resposta, a deixo nua sob mim e
absorvo cada murmúrio que ela solta ao sentir meus dedos a tocando devagar.
Abre minha calça e faz com que ela saia de meu corpo com a ajuda de suas
pernas, sinto sua mão acariciando meu pau por cima de minha boxer e não
contente com esse contato, ela enfia sua mão por baixo do tecido e o pega em
seus dedos, o pressionando de leve e me fazendo gemer. Mordo de leve sua boca
e minha língua percorre seus lábios a convidando à pura devassidão.
— Camisinha... — sussurro entre seus lábios e estico meu braço alcançando o
bolso traseiro de minha calça caída ao chão.
Para me provocar, arqueia seus quadris de encontro ao meu, fazendo com que
sua boceta molhada se esfregue em todo meu pau.
— Calma, ragazza... — pego o invólucro com o preservativo e o abro às pressas,
o encaixando em meu membro.
Sorrio ao encontrar seus olhos acesos, seus cabelos castanhos desalinhados sobre
a almofada do sofá, a boca entreaberta e sua respiração ofegante e ansiosa por
me ter dentro de si.
Me encaixo entre seus quadris estreitos e bem devagar, sacio a vontade de ambos
investindo devagar e de modo profundo sobre seu corpo.
Suspira, arfando seu peito e suas mãos alisam meu corpo com frenesi, se remexe
por debaixo de mim, apertando meu pau e arrancando gemidos de nós dois. Com
mais rapidez, invisto com força sobre seu delicado corpo e para minha surpresa,
minha anja devassa é mais que receptiva, com seu corpo, ela pede muito mais.
Apoio meus braços laterais de seu corpo e meto sem dó, suas pupilas exalam
tesão, sua boca me presenteia com palavras sacanas e muito sugestivas. Creio
que voltaremos a nos ver muitas outras vezes, abaixo meu corpo e procuro sua
boca, sugando sua língua e seus gemidos insanos quando chega ao orgasmo e
seu corpo todo se rende a mim. Suas pernas se enroscam às minhas e ainda sem
fôlego acompanha meu ritmo frenético até que gozo dentro dela. Permaneço com
a cabeça descansada em seu peito e ela se arrisca a tocar meu cabelo, segundos
depois, me livro da camisinha e ainda deitado ao seu lado, Nina dispara.
— Adorei cada segundo, Enzo. — ela é do tipo que não carrega pudor em dizer
o que lhe aprouver, isso me agrada e muito. Sem frescuras e sem medo de se
[134]

expressar.
— Eu também. — ergo meu rosto e a beijo com menos furor, não com menos
desejo, me levanto do sofá e a puxo com uma de minhas mãos. Ao meu lado, a
ergo em meu colo e com minha testa colada à sua, comento.
— Seu café é ótimo, agora quero as outras bebidas. — ela pende a cabeça para
trás, gargalha de modo natural e gostoso de se ouvir.
Caminho com Nina em meu colo em direção ao seu quarto e lá passamos quase a
noite toda trepando como loucos.

Antonella
Mal consegui dormir essa noite. Com os olhos abertos ou fechados, a única
coisa que me vinha à cabeça era a imagem de Enrico e todo o dinheiro envolto
em torno de si. Virgínia chegou em casa por volta das sete da noite e me
encontrou na cozinha preparando algo para o nosso jantar, em razão de sua
hospitalidade, isso é o mínimo que posso fazer por ela. Durante nossa refeição,
minha amiga me perguntou várias vezes se eu estava bem e em todas elas disse
que sim.
Não quero e não irei envolver Virginia nessa história maluca.
— Estava pensando amiga. — digo, mexendo meu risoto já frio em meu prato.
— Acho que irei estender o meu tempo aqui em Nova Iorque e aproveitar o
ensejo para procurar um emprego. — com a boca cheia, arregala seus olhos de
alegria e toma seu vinho para ajudar a comida descer mais rápido para poder
falar.
— Mas isso é ótimo, Antonella.
— Sabia que iria ficar feliz por mim.
Mais tarde, em meu quarto, repenso mil vezes na proposta daquele estranho e
cogito mais de mil vezes em não aparecer naquela lanchonete, primeiro porque
não sou e nunca serei uma espiã, segundo que seduzir um viúvo mulherengo não
está em meus planos, ainda mais se pareço com a defunta. Esse tal Enzo deve ser
como aqueles italianos grosseiros e sem nenhum estilo, aqueles homens que lhe
dão nojo somente de olhar para eles e sentir a sua vulgaridade.
O melhor que tenho a fazer é dizer não à proposta muito tentadora de Enrico,
esse dinheiro resolveria todo meu problema, porém meu sexto sentido me diz
que algo não vai dar certo nisso tudo.
Adormeço e ao acordar o sol desponta alto no céu, ligo para minha tia Martina
para lhe dizer que estou bem e para me certificar de que Benício não apareceu
por lá. Para ele, meu nome não é Antonella e fiz com que minha tia jurasse que
jamais desmentiria a pequena minha falcatrua, me acostumei tanto com meu
nome Paola que daqui a pouco não mais me verei como Antonella.
Almoço sozinha no apartamento de Virgínia e começo a ficar agitada, a hora do
meu encontro está chegando e ainda não me decidi se quero mesmo seguir com
isso, respiro fundo e me dirijo para o banheiro, tomo um banho quente e me
troco.
Quinhentos mil euros é uma pequena fortuna para alguém como eu e com esse
pensamento chego à lanchonete às duas em ponto, Enrico se encontra sentado na
mesma mesa em que nos falamos outro dia, ao me ver, se levanta e num gesto
elegante e muito educado, arrasta a cadeira para que eu me sente.
— Pensei que tivesse desistido. — sorrio sem graça e solto um longo suspiro.
— Bene, dov'è l'informazione ?
[135]

— Gostei, ragazza decidida. — abre uma pasta, retira algumas fotos e vários
outros papéis.
— Aqui você terá um resumo do que precisa saber sobre Enzo e toda sua
família, seus costumes, manias, gostos e seu maior perigo, sua inteligência. —
ele olha para os lados e abaixa o tom de voz. — Enzo é inteligentíssimo e para
jogar com ele terá que saber dar as cartas no momento certo e tem mais, quando
fizer tudo o que eu pedi, cuidarei para que desapareça em segurança, agora... —
segura meu braço e me olha ameaçador. — Se falhar, você morrerá por minhas
mãos ou pelas mãos de Enzo, ele não lhe perdoará e muito menos eu.
— Entendi.
Pego as fotos em minhas mãos e corro meus olhos aleatoriamente sobre elas,
vejo a mãe, pai, irmã, sobrinhos e por último a foto do tal Enzo, pisco meus
olhos ainda não acreditando na foto à minha frente, em minha mente, fiz uma
imagem totalmente diferente do homem.
Era como se ele parecesse com Sonny Corleone de O poderoso Chefão e isso me
deu tranquilidade e coragem para vir a esse local e aceitar a oferta de Enrico,
afinal Sonny era mulherengo e não era nenhum protótipo de beleza, contudo ao
olhar para a foto de Enzo, fico impactada não somente pela bela imagem que ela
reflete como também pela aura de força que ele aparenta possuir.
— Quando começo a agir?
— Leia tudo muito atentamente e amanhã às 22 horas me espere nesse endereço.
— me entrega um pequeno pedaço de papel e leio atenta.
— Maspeth Bingo Hall? Uma casa de jogos?
— Exatamente. — coloca as fotos de volta na pasta juntamente com os outros
papéis. — Enzo estará nesse local amanhã e lá, você irá se deparar com ele.
Passarei tudo o que tem de fazer e tenho certeza de que pela maneira
despretensiosa com que irá encontrá-lo, ele morderá a isca. — retira do bolso um
aparelho de celular e um molho com várias chaves.
— Aqui está. — os coloca sobre a mesa. — Um celular anti grampo para
podermos nos comunicar e as chaves de seu novo endereço.
— Me mudo quando?
— Agora, quero instalada nesse endereço quando se encontrar com ele. É
necessário que ele acredite em tudo o que você disser a ele.
— E se não acreditar?
— Irá, se você disser tudo o que eu mandar e em muito pouco tempo, estará
infiltrada dentro da casa dos Ferraro.
— Tudo bem.
— Sugiro que vá para o seu novo endereço, memorize cada detalhe dessas fotos
e sobre os detalhes que estão nesses papéis.
— Farei isso. — me levanto com a pasta e o celular em uma das mãos e o
endereço de meu novo lar em outra.
— Lhe espero no Maspeth, amanhã! — sorri e acende seu cigarro. — Vá com
[136]

uma roupa que valorize seu corpo. — meneio a cabeça em afirmativa e saio da
lanchonete com a cabeça a mil, olho para o papel contendo o endereço de minha
nova moradia e é para lá que me dirijo.
Quero estar mais do que preparada para encontrar Enzo Ferraro.
O encontro

Enzo
Depois de um pouco mais de duas horas de sono, me levanto em um sobressalto
e me dirijo para o banheiro, são seis e meia da manhã e meu dia promete ser
muito corrido.
Me encaro no espelho e minha aparência não é das melhores, olheiras profundas
e um rosto abatido, sinal de quem andou na farra até altas horas da madrugada, o
que não deixa de ser uma grande verdade.
Saí do apartamento de Nina às três horas da manhã e durante esse período em
que estive com ela, dispensei os serviços de meus seguranças, pois seria muito
inconveniente deixá-los prostrados dentro de um carro em plena rua até altas
horas.
Ao olhar para o reflexo de meu peitoral do lado direito com mais atenção, digo
irritado:
— Ma che cazzo !!
[137]

Aquela ragazza tinha que deixar uma marca de chupada bem aqui? — passo as
mãos nervosamente pelos cabelos e em seguida, viro meu corpo analisando o
estrago mais de perto. Com o olhar estreitado, passo meus dedos pela marca e
deduzo que ela permanecerá em minha pele por alguns dias.
Resultado, não poderei transar com Carol e muito menos com Marie, enquanto
essa marca estiver em meu corpo, pois não há como olhar para a cara das duas e
dizer que isso é um hematoma devido à uma pancada, até o mais idiota dos seres
veria que isso é uma chupada.
Debaixo de uma bela ducha fria, deixo que a água revigore meu ânimo e
massageie meus músculos, ao fechar o registro de água me sinto bem melhor e
mais disposto, me troco rapidamente e desço para me juntar ao meu pai na mesa
de café, afina nada que um café bem forte não ajude. Ao me ver, franze sua testa
e não deixa de observar.
— Pela sua cara, seu jantar de negócios foi muito rentável. — sua frase não sai
como uma brincadeira, nesse caso, contrário ao meu comportamento libertino,
meu pai estaria me advertindo.
Sem me olhar diretamente nos olhos, corta um pedaço de queijo e o leva a seu
prato, pigarreio, um tanto sem graça, na intenção de impedir que o assunto
assuma uma dimensão considerável.
— Enzo, Andrea Fanesi pediu que fizéssemos uma reunião com as cinco
famílias para chegarmos a um consenso de territórios. — ele mesmo toma outro
rumo em nossa conversa o que me deixa muito aliviado. — Me parece que ele
também está tendo problemas com a família Beninni. — me sirvo de café e
depois de beber um grande gole, pergunto:
— Ele falou algo sobre Salazar?
— Creio que deixará para falar sobre o ocorrido na reunião. — me encara com
seu jeito duro e decidido de ser. — Ele deve ter entendido muito bem o seu
recado e duvido que ousaria fazer a mesma coisa novamente.
— Se ele acaso ousar a nos desafiar, sabe que, de minha parte, haverá uma
retaliação ainda pior que a anterior. Mato aquele cara de sapo com um tiro bem
no meio dos olhos.
— Tenha calma. — fala, condescendente. — Aquele carcamano não seria tão
[138]

idiota. E a propósito, falou com o senador Hart?


— Eu o receberei em nossa casa, hoje à tarde. Tenho boas notícias e a certeza de
que, dessa vez, ele irá colaborar com nosso negócio com muito boa vontade. —
ele estende seu braço e o coloca em meu ombro.
— Por isso confio tanto em você! — bebe seu último gole de café e arrasta sua
cadeira para sair da mesa.
— E Alessio?
— Por enquanto, andando na linha. — respondo, enquanto parto meu pão com as
mãos. — Mas como não confio nele, ficarei de olho.
— Ótimo. — me dá dois tapas leves nas costas e anda em direção à porta que dá
acesso ao jardim, para por um instante e completa. — A reunião acontecerá na
casa de Fanesi depois de amanhã.
— Estaremos lá.
— Assim é que se fala. — a sós na mesa, termino meu café e ao me levantar,
meu celular vibra em meu bolso, é meu amigo Brian.
— E aí? Quando terá tempo em sua agenda para tomar um porre com seu amigo
aqui? — indaga com a voz amistosa.
Faz muito tempo que não saímos juntos, depois que praticamente assumi os
negócios da família, meu tempo se tornou mais escasso, fazendo com que eu me
afastasse de meu único amigo.
— Não precisa exagerar, Brian. — ando até a sala. — Não se esqueça de que
você também é um homem muito ocupado.
— Que tal uma cerveja, no Clover, hoje à noite? Derik andou perguntando por
você outro dia.
Derik é o dono desse bar no Blooklyn, onde eu e Brian somos frequentadores e
apreciadores de sua excelente cerveja.
— Infelizmente, não vai dar.
— Ah, que isso cara! Não precisamos sair escorados um no outro, somente uma
cerveja.
— Prometi à minha mãe que a acompanharia ao teatro esta noite e depois ainda
tenho que resolver um assunto no Queens. — Alessio passa por mim e me
cumprimenta com um leve meneio de cabeça. — Mande um abraço a Derik e
diga que qualquer dia apareço por lá.
— Está certo. — ele me conhece e sabe que não adianta insistir. — A propósito,
outro dia comentou comigo sobre o jogo dos Yankees, vai mesmo levar Pietro
para vê-los jogar no sábado?
— Sim, comprei os ingressos e ele não vê a hora de irmos.
— Então, nos vemos lá, também comprei ingresso.
— Pietro vai ficar feliz, ele gosta muito de você.
—Também gosto muito dele. Bom, tenho que ir para o hospital agora, nos
falamos melhor no sábado, até lá.
— Até.
À tarde, recebi o senador Hart a portas fechadas e para minha surpresa, meu pai
fez questão de participar de nossa conversa. Em poucos minutos, o senador
oferecia seus serviços de bom grado sem colocar nenhum obstáculo que nos
desagradasse.
— A Comissão ficará muito feliz em saber que trabalhará em nosso favor, Hart.
— meu pai se senta em minha poltrona e eu permaneço em pé ao seu lado
esquerdo.
O que uma boa comida no rabo não faz a um homem? Aperto meus lábios entre
meus dedos e olho para o tapete segurando o riso, ao imaginar esse homem
dando o rabo. Hart percebe o meu semblante sarcástico e se adianta.
— Bem, se estamos todos acertados, eu tenho que ir e foi uma satisfação revê-lo
Dom Victório. — pega a mão de meu pai e beija seu anel em sinal de respeito.
Fechamos um acordo satisfatório para todos e nosso senador resolve deixar a
nossa residência, um tempo depois, minha mãe entra em meu escritório e com
seu jeito todo complacente se senta frente a mim.
[139]

— Enzo, vim para lhe dizer que não mais irei ao teatro hoje. — franzo minha
testa e a encaro.
— O que a fez mudar de ideia?
— Ah, estou cansada e um pouco chateada. — em minha mesa, abro a segunda
gaveta e ali guardo uma pasta contendo alguns relatórios.
— O que a deixou chateada? — a questiono com determinado interesse. — ela
balança a mão e sorri.
— Oh, meu filho, não se preocupe. — ainda me encarando, conclui. — Assuntos
domésticos, nada relevante, pode ficar tranquilo e baixar a guarda.
Minha mãe sabe que pode contar comigo em qualquer circunstância, se alguém
ousar encostar a mão em um fio sequer de seus cabelos estaria condenado ao
extremo inferno. Eu não amo minha mãe, eu simplesmente a adoro mais que
tudo nesse mundo.
— Ah, sendo assim, fico mais tranquilo. — dona Adele se coloca em pé e anda
até o aparador com algumas fotos de nossa família.
— Adoro nossas fotos em família. — com os olhos alegres comenta, segurando
um dos retratos nas mãos.
— Não gosto muito de ser fotografado.
— Bobagem sua, você fica lindo em todas elas, deveria saber disso. — se enche
de orgulho e comenta. — Aliás, quero muitas fotos suas no aniversário de seu
pai. — diz e volta o porta-retrato no lugar.
— Veremos. — brinco com ela, desafiando seu poder de me convencer sempre.
— Vou deixá-lo trabalhar. — ajeita seu cabelo. — Janta conosco? — pisco para
ela.
— Só se a senhora for para a cozinha e fizer o seu maravilhoso macarrão à
carbonara. — em resposta, pende seu pescoço para trás e revira seus olhos com
os lábios curvados em um enorme sorriso.
— Quem está sendo o chantagista agora, hein?
— Aprendi com a melhor. — aponto para ela.
— Pois que seja. Sabe que não consigo negar nada a você, meu querido. — se
aproxima de minha mesa e com suas delicadas mãos, junta meu rosto e deposita
todo o seu amor por mim em forma de um beijo carinhoso.
— Eu te amo muito, meu filho.
— Eu a amo muito, mama.
Ergo meus olhos e vejo personificado a razão por eu a amar tanto. Minha mãe,
aos meus olhos, é como um ser intocável, onde a maldade, malícia e egoísmo
não conseguem sequer se aproximarem de sua luz própria. Meu exemplo de
carinho e bondade... Minha mama Adele.
Posteriormente, ela sai de meu escritório e continuo com meu trabalho, uma hora
depois, antes de fechar a porta do aposento, o telefone sobre minha mesa começa
a tocar, é Tácio, dono da casa de jogos onde irei essa noite.
— Tácio, tudo certo para logo mais?
— Sim, Enzo. Estou ligando para dizer que consegui convencer Demóstenes a
comparecer em meu estabelecimento para tratarmos daquele assunto.
— Perfeito. — a porta entreaberta me permite ver uma das empregadas
transitando pelo corredor. — Estarei lá às 21:30 horas.
— Está bem, esperarei.
Saio de meu escritório com o celular em mãos, tenho que avisar a minha noiva
que não poderemos nos ver esta noite, o dever me chama e não ando muito
animado em ver a cara um tanto sem ânimo de minha futura esposa.
Em três toques, ela me atende e espero, como sempre, seu jeito impassível e frio,
porém tenho uma surpresa ao ouvir sua voz um tanto doce, como se estivesse
carente e necessitando de minha pessoa e secamente, aviso sobre minha
mudança de planos.
— Enzo, não acha que estamos nos distanciando a cada dia? — soltando um
longo suspiro, subo os primeiros degraus da escada que me levam até o meu
quarto.
— Está querendo colocar a culpa em quem? Em mim ou em você?
— Nós dois somos os responsáveis pelo nosso compromisso, foi somente uma
observação e não uma cobrança.
— Entendi.
— Sei que irá levar seu sobrinho ao jogo no sábado e estive pensando. — temo
quando Carol pensa, nunca sai coisa que preste daquela cabeça vazia.
— Diga. — entro em meu quarto e fecho a porta caminhando devagar até me
sentar em minha cama.
— Pensei que poderia ir com vocês.
— Quer ir comigo a um jogo dos Yankees? — minha cara é de total estranheza.
— Não seria pelo jogo, mas sim para ficarmos mais tempo juntos. — por um
momento, ela me passa a real intenção de que quer melhorar o nosso noivado.
— Tudo bem, iremos os três.
— Que bom, fico feliz que tenha entendido o que espero de nosso futuro
relacionamento. — como se fosse difícil de entender, Carol quer manter tudo
estático, pois isso agrada ao seu pai e nada mudaria seu status de garota frívola e
apática.
— Já que está ocupado, poderíamos nos ver amanhã? — sua voz assume uma
tonalidade que não ouvia há muito tempo saindo de sua boca, exceto quando
iniciamos nosso namoro. O que ela pode estar querendo?
— Sim, amanhã passo em sua casa para lhe ver.
— Aguardarei, ansiosa, um beijo.
— Um beijo.
Quem não a conhece, que a compre! Estou muito atento com essa mudança
repentina de comportamento.

Encerrada a ligação, jogo o celular sobre a cama e fico


pensando no que minha noiva pode estar escondendo.

Antonella
Antes de qualquer medida ou atitude a ser tomada, a primeira coisa que faço é
passar na loja onde Virgínia trabalha para explicar a minha súbita saída de seu
apartamento, não posso meramente deixá-la sem ao menos agradecer e tentar,
por alto, explicar o porquê de minha mudança.
Chego na Tiffany´s e a vejo conversando com uma vendedora, muito
rapidamente, ela caminha com o olhar preocupado, porém em seu rosto há
sempre um leve sorriso acoplado em seus lábios estreitos. Não estendendo muito
a conversa, lhe conto que arrumei um trabalho e que consegui junto ao mesmo
um lugar para morar.
— Mas, no Queens? Ficaremos tão longe uma da outra! — deixa cair os braços
junto ao seu corpo em sinal de desapontamento.
— Teremos os finais de semana para nos vermos. — alcança uma de minhas
mãos e a aperta.
— Estou sendo egoísta ao invés de lhe dar os parabéns e dizer que fico feliz por
ter conseguido um emprego. — ainda segurando minha mão, pergunta. — Em
que irá trabalhar? — boa pergunta.
Como irei lhe dizer que encontrei um estranho que me pagará uma fortuna para
me infiltrar na casa de outro estranho e ainda tentar seduzi-lo? Se eu lhe contar a
verdade, Virgínia achará que enlouqueci e que estou precisando de ajuda
psiquiátrica.
— É um trabalho temporário, nada muito significativo. — tentarei mentir o
mínimo possível. — Um homem me contratou para colher algumas informações
de mercado.
— Ah, que legal! Estou mesmo feliz por você, amiga. — ela me abraça apertado.
— Obrigada, Virgínia, sabia que iria entender e eu não poderia sair de seu
apartamento sem ao menos lhe explicar o que está havendo.
— Mas, se muda hoje? Por que essa pressa toda? — intrigada, comprimi seus
olhos e espera a minha resposta.
— Você me conhece e sabe o quanto sou ansiosa, portanto, decidi me mudar
para o meu novo cantinho, ainda hoje.
— Poxa, irei sentir muito a sua falta.
— Deixe de drama, poderemos nos ver sempre, afinal não estou deixando Nova
Iorque e sim a sua casa.
— Tem razão.
— Se precisar de qualquer coisa é só me ligar, Antonella.
— Tem papel e caneta?
— Sim, claro.
Do bolso de seu tailleur azul, ela retira um pequeno bloco de notas amarelo e
uma caneta rosa.
— Aqui está. — o seguro em minha mão e nele anoto meu novo endereço que
acredito ser temporário.
— 37, 63rd St., Queens. — Virgínia lê o endereço em voz alta.
— Isso mesmo e antes que eu me esqueça, não dei meu nome verdadeiro ao
homem que me ofereceu o emprego.
— Você enlouqueceu? — ela me inquire com ar de irritação misturado à
incredulidade pelo meu ato tão impensado em seu contexto de emprego, se ela
soubesse o que realmente terei de fazer.
— No! So cosa sto facendo. Non ti preoccupare! Nem mesmo eu acredito no
[140]

que acabei de dizer. Não sei o que estou fazendo a não ser tentar conseguir
dinheiro suficiente para que Clara volte a andar ou ao menos tentar fazer isso.
— Você é maluca, sabia? Mas eu não irei te recriminar por isso. Só quero que
tome cuidado, ok?
— Va bene, minha amiga. — respiro fundo e tomo coragem para ir embora. —
Então é isso, vim para lhe dizer que estou me mudando hoje e te espero em meu
pequeno canto para uma visita.
— Com certeza, irei. — para não tomar o tempo de minha amiga, me adianto
caminhando até a porta e nesse pequeno trajeto, ela deposita sua mão em meu
ombro.
— Obrigada mais uma vez. — a abraço e me despeço contendo meu choro de
gratidão.
Dentro do metrô até Jersey, encosto minha cabeça na janela e o constante
balançar do vagão me embala, tranquilizado meu corpo um tanto tenso, no
apartamento de minha amiga, arrumo minha bagagem e saio em direção ao meu
novo endereço. Pego outro metrô e em 50 minutos consigo chegar em meu novo
endereço.
O bairro me parece muito tranquilo, com muitas casas e pequenos sobrados
antigos, o comércio local também é muito variado e as ruas parecem muito
residencial, onde residem pessoas da classe trabalhadora e que mal param em
casa durante o dia, arborizada e silenciosa, não há muita movimentação por aqui.
Por hoje, me limitarei a arrumar minhas poucas coisas no apartamento e me
inteirar de minha função de logo mais, amanhã, darei uma pequena volta pelo
bairro.
Paro em frente ao endereço inscrito no papel, o pequeno sobrado na rua 63 é
charmoso, limpo, aconchegante e com seus famosos tijolos vermelhos e janelas
pintadas de verde. Ergo meus olhos e subo os poucos degraus até a porta
principal, coloco a chave na fechadura e entro sem fazer barulho.
Hei, Antonella! Pare com isso. Estou me portando como uma ladra que invade
alguma casa, digo a mim mesma.
Ao entrar, me deparo com interior do pequeno imóvel, em uma das paredes,
estão dispostas várias caixas de correspondência e ao lado delas, há uma escada
de madeira escura, que range ao ser pisada por mim. Subo um a um os degraus
até chegar em frente à porta de número 11, a abro e entro devagar puxando a
minha mala.
Contendo uma pequena sala e cozinha anexa, o local conta com uma luz externa
que vem da janela coberta por uma cortina estampada em vermelho e marrom, o
quarto também é bem pequeno, contando somente com uma cama, um criado-
mudo e um armário embutido na parede oposta à cama.
Deixo minha mala no chão do quarto e como todo morador recém-chegado ando
pelos quatro cantos explorando o ambiente.
Ando até a cozinha e abro os armários, para minha surpresa, Enrico ou um outro
alguém foi incumbido de fazer compras, pois há muita comida guardada aqui, na
geladeira, há frutas e legumes dispostos e até algumas pequenas garrafas de
cervejas residem ali, Enrico pensou em tudo.
Pego uma cerveja e volto para o quarto, meu celular clandestino vibra em cima
da cama.
— Alô.
— Já está instalada? — a aparência de Enrico me deixa incomodada, todavia sua
voz me dá calafrios.
— Sim, acabei de chegar. — imagino que de alguma forma, Enrico esteja me
monitorando, do contrário, não ligaria justamente agora.
— Muito bem, um carro passará para lhe pegar às 21:30 horas. Esteja pronta,
não tolero atrasos.
— Está bem.
— Leia a última folha daquela pasta com muita atenção. Nela, encontrará todas
as diretrizes para hoje à noite.
— Lerei.
— Vou deixar você se instalar e volto a ligar mais tarde. Sinta-se à vontade em
seu novo lar.
— Grazie. — depois de desfazer minha mala, me sento em minha cama e leio
com atenção cada detalhe inscrito ali, Enrico fez um verdadeiro dossiê de toda
família Ferraro, nem mesmo os sobrinhos escaparam.
Faço uma pequena pausa e preparo um café, não posso negar que estou muito
nervosa e com medo de que tudo saia diferente de como planejei. Enrico foi
taxativo quando me disse que não admitirá falhas e é exatamente com tudo
muito bem arquitetado que levarei essa maluquice até o final.
Pego meu celular convencional e ligo para minha casa em Siena, preciso saber
como andam as coisas por lá. São quase onze horas da noite na Itália e minha
irmã é quem atende o telefone.
— Antonella, è bello sentire la tua voce, ci manchi tanto.
[141]

— Anch'io. — de repente, meu peito se aperta e uma angústia toma conta de


[142]

mim. Temendo por não estar fazendo o que é certo, um medo iminente e aflitivo
se apodera de meu corpo e com a voz embargada, falo com Clara aos tropeços:
— Clara, promettimi che qualunque cosa accada non smetterà mai di amarmi?
[143]

— Ma che diavolo è questo? — ela se zanga com minhas palavras. — Sai


[144]

benissimo che tu sei la mia unica famiglia e ti amo moltissimo.[145]


— Mi scusi. Volevo solo sentire dalla tua bocca quanto sia importante per te, e
voglio che tu sappia che renderò impossibile portarlo via dalla sedia a rotelle, e
solo Dio mi impedirà di accadere. — Clara fica em silêncio e quando volta a
[146]

falar sua voz também está em prantos.


— Ti amo molto mia sorella e niente di ciò che qualcuno dice o che fai cambierà
ciò che sento.
[147]

— Questo è quello che dovevo sentire e fidarmi di me, camminerai di nuovo. [148]

— Mi fido molto di te. — limpo as muitas lágrimas que caem em meu rosto e
[149]

tenho a certeza de que minha irmã está nesse instante fazendo o mesmo com as
dela.
— Devo disconnettere ora, un bacio enorme e mandare un altro a zia Martina.
[150]

— Resta con Dio, un bacio. [151]

Acredito que depois do pacto que acabei fazendo com o inimigo, Deus não vai
querer me ajudar como antes. Desligo o celular e paro por alguns instantes
vagando em pensamentos vazios, descanso a cabeça em meu travesseiro e penso
em cada passo que darei essa noite.
*****
Em frente ao pequeno espelho do banheiro, finalizo a minha maquiagem, adoro
batom vermelho, porém seguindo as orientações de Enrico opto por algo mais
leve, sem exageros.
Escolhi um vestido verde água, justo, com alças finas e que destaca meu colo e a
curvatura de meus seios e sapatos rosa pastel, mantenho meus cabelos soltos e
pouco perfume espero que esse traje chame a atenção do tal Enzo. Inquieta, ando
pelo apartamento, ora entrelaçando os dedos, ora os alongando.
São 21:25 horas e daqui a pouco, assumirei um papel, onde não será permitido
erros de atuação, com o corpo gelado e a boca seca, pego minha pequena bolsa e
lá coloco o meu celular, batom e minha carteira, o interfone na cozinha toca e ao
atendê-lo uma voz jovial me chama pelo nome.
— Senhorita Paola, estou lhe esperando aqui embaixo.
— Obrigada, estou descendo.
Na rua, um rapaz muito jovem abre a porta de seu carro para mim, já dentro do
carro, ele não puxa conversa e muito menos eu digo algo para travar algum
diálogo, dez minutos depois, ele para em frente ao tal Maspeth.
— É aqui senhorita.
— Grazie. — puxo a maçaneta de seu carro e desço em frente ao bingo.
A temperatura aqui fora é amena e na calçada alguns jovens passam por mim e
assobiam.
— Oh, coisa gostosa! — diz um deles que tem idade para ser meu irmão mais
novo. Nem me dou o trabalho de xingar o pobre pirralho.
Piso no tapete da entrada do estabelecimento e adentro o local com a cabeça
erguida, meu corpo todo fica frio e não sei dizer ao certo se isso se deve ao ar
condicionado do lugar ou pelo meu nervosismo estar aflorado ao extremo.
Ando mais alguns passos e noto que a casa de bingos está lotada, corro meus
olhos pelo salão e não vejo nenhum homem com as descrições de Enzo.
Há mesas repletas de senhoras com seus cabelos brancos e ávidas em suas
[152]

cartelas de jogos. Um homem em uma mesa ao fundo do local anuncia os


números sorteados, ao mesmo tempo em que um enorme painel eletrônico
mostra simultaneamente os mesmos números. Passo por entre as mesas e
caminho até o bar. De lá, saem garçons com suas mãos segurando bandejas
cheias de bebidas variadas, com a boca seca, me aproximo do balcão e peço uma
água com gás, preciso de alguma coisa que tire esse peso em meu estômago.
O atendente do balcão não tira os olhos dos meus seios e isso me faz o olhar de
cara feia, percebendo a sua grosseira, ele me oferece a água e muda seu olhar
para outra direção. Saio do bar e vejo que esse local há outras modalidades de
jogos, em uma sala à esquerda, várias mesas com toalhas verdes e inúmeros
jogadores concentrados jogando pôquer. Ando por ali e nada do meu alvo.
Será que ele estaria mesmo aqui?
Chegando ao fundo dessa mesma sala, vejo uma roda com vários homens
conversando isoladamente dos outros que transitam por ali, curiosamente reparo
que todos eles usam ternos, um deles, de costas para mim, é alto, cabelos
raspados e corpo bem forte, mais três passos. minha visão se expande e consigo
identificá-lo entre os demais.
Seria impossível não o enxergar em qualquer lugar, usando um terno preto,
camisa branca e gravata cinza, Enzo, com sua beleza clássica, seria reconhecido
em meio a uma multidão, seus olhos são de um azul intenso e eles se contrastam
com seus cabelos castanho-escuros bem cortados. A boca estreita e delineada faz
um conjunto divino juntamente com seu queixo quadrado de maxilares
angulosamente perfeitos e coberto por uma barba bem cortada, passam uma
imagem desprovida de perigo. Porém ao olhar para os homens atentos a cada
palavra ou gesto seu, posso me assegurar que sua aparência elegante esconde
muito de sua personalidade agressiva.
Enzo mantém seu semblante sério e muito compenetrado ao ouvir a explicação
de um homem ao seu lado, ele segura um copo de uísque em sua mão esquerda e
ao levar a bebida em sua boca, constato que ele usa um pequeno anel em seu
dedo mínimo.
Não consigo ouvir o que eles conversam e muito menos decifrar o timbre de sua
voz, mas uma coisa é certa, quando ele abre sua boca para contestar o homem ao
seu lado, todos os outros ficam em silêncio se mantendo vigilantes a cada
vocábulo seu.
Firmo meus pés e ajeito minha postura, preciso que ele note a minha presença e
espero conseguir esse feito, estando ele rodeado de gente e com vários olhares
femininos dirigidos em sua direção. Ser notada por um homem como ele não
será tão fácil assim, espero que Enrico esteja certo quando disse que a
semelhança com Agatha me ajudará e muito.
Com um incessante frio no estômago e a boca seca, caminho alguns passos
sincronizados e metódicos até uma porta que se encontra ao lado de onde Enzo e
seus conhecidos dialogam. Se der certo, tudo o que tenho a fazer é deixar que ele
me veja e seus olhos se prendam nos meus por segundos, esse é o primeiro
passo, minha primeira missão.
Graciosamente me aproximo e o encaro entre as pessoas, concentrado em sua
conversa com o homem de pequena estatura, seus olhos não se desviam em
minha direção e com isso, diminuo o passo com o coração batendo forte e meus
dedos cruzados, torcendo para que ele me veja.
Faltam pouco mais de dois metros para que eu fique muito próxima a ele e é
contando com o que chamo de charme e desatenção feminina, que uso de meu
último artifício. Como a sala em questão está abarrotada de gente passo por entre
uma outra roda anterior à sua, dando um pouco de tempo para que seus olhos
vejam o que tem ao redor e ao sair por entre essas pessoas, ele ainda bebe seu
uísque, mas finalmente seus olhos se cruzam com os meus. Meu corpo que
estava frio devido ao meu estado nervoso, agora sente um calor inexplicável e
sem sentido.
Engulo em seco e ajeito meu cabelo atrás de minha orelha desviando meus olhos
sem saber se ele ainda me acompanha com seu olhar, antes de passar pela porta,
viro meu pescoço e ele está lá, vidrado em mim. Adentro outro ambiente e
procuro o banheiro mais próximo, em frente ao grande espelho, encaro meu
rosto vermelho e as veias pulsantes de meu pescoço, com as mãos escoradas na
bancada da pia, respiro fundo e me conscientizo de que conseguirei ir até o fim
com isso tudo.
Madre di Dio, che uomo bello. [153]

Lavo meu rosto e o enxugo com papel toalha. Agora, tenho que aguardar a
ligação de Enrico para completarmos a segunda etapa da missão de hoje, ansiosa
e cansada de ficar dentro do banheiro, finalmente meu celular toca e recebo o
sinal verde para prosseguir.
Saio rapidamente do local, caminhando a passos apressados até a calçada
parando ao lado de um portão de ferro por onde saem os carros dos sócios do
lugar. A porta se levanta devagar e chega a minha hora, faço um sinal da cruz e
com o telefone colado em meu rosto, finjo estar em uma ligação, enquanto
atravesso em frente ao veículo que sai da garagem com os faróis acesos.
O para-choque encosta em meu joelho e dissimulada caio ao chão como se
sofresse um atropelamento, o ouço gritar algum palavrão desconhecido ao sair
do seu carro e de imediato, vem ao meu socorro.
— Você se machucou? — gemo e toco meu joelho direito.
— Scusa, ero distratto e non ho visto la tua macchina. — esfrego meu joelho
[154]

como se sentisse um pouco de dor e pelo canto dos seus olhos mede meu corpo
de cima a baixo.
Sem pedir licença, segura meu cotovelo e me coloca em pé sustentada por seu
ombro, ele é alto e tem um corpo bem forte, visivelmente demonstrado através
do corte impecável de seu terno sob medida.
De perto, o desgraçado ainda é mais bonito e cheiroso.
— Ti porterò in un ospedale. — seu idioma italiano é perfeito e acoplado à
[155]

sua voz grave e firme é ainda mais bonito de se ouvir. Outros homens se
aproximam rapidamente. — Isaiah, pode seguir com os outros homens, irei
sozinho daqui. — ordena ao careca que vi no salão na mesma roda que Enzo.
Imediatamente, eles se afastam nos deixando a sós na calçada, algumas pessoas
que passavam por ali, diminuíram seus passos e ao ver que nada de mais grave
ocorreu se dispersaram indo em direção ao seu destino.
— Non è necessário. — digo, exaltada e dobro várias vezes o meu joelho,
[156]

demonstrando que não há nenhum osso fraturado ou lesão mais séria. — Era
solo uno spavento, perdonami. — olho diretamente em seus olhos e por
[157]

segundos o vejo me encarar um tanto intrigado.


— Sei italiana ?
[158]

— Sì. Perdono, ma parlo anche la tua língua.[159]

— Enzo Rafaello Ferraro. — estende sua mão de modo galante e abaixo meu
olhar antes de tocar minha mão na sua.
— Paola Stefania Giordano, cheguei há pouco menos de uma semana em Nova
Iorque e ainda não me acostumei direito com as coisas por aqui. — segura minha
mão de modo carinhoso e o toque quente de sua pele me deixa um pouco mais
calma.
— Da próxima vez, sugiro que não fale ao telefone enquanto estiver andando na
rua. — com uma das mãos no bolso de sua calça, me adverte com um sorriso no
olhar.
— Me perdoe mesmo. Eu estava esperando uma pessoa e como ela não
apareceu, saí um tanto atarantada e não vi quando seu carro estava saindo da
[160]

garagem.
— Como alguém pode deixar uma ragazza tão bela esperando? — o lado
mulherengo resolveu dar as caras.
— Não é um encontro, se era isso que está pensando. — me justifico e isso faz
parte de todo o jogo. — Essa pessoa ficou de me arranjar um emprego e como
não conheço quase ninguém nessa cidade, me senti perdida ao ver que ela não
apareceu. — ajeitando meu sapato em meu pé, me preparo para ir embora.
— Bem, tenho que ir. — me segura mais uma vez, só que agora com mais
ternura em seu toque.
— Absolutamente. Você mora longe?
— Agradeço, mas posso muito bem ir a pé.
— Pode, mas não irá. Faço questão de levá-la e se recusar minha oferta, me
sentirei muito ofendido. — ergue as sobrancelhas deixando sua testa enrugada
demonstrando erroneamente a imagem de um homem carente e inseguro.
— Sendo assim, aceito sua gentileza. — abre a porta de seu carro para mim e em
seguida, o vejo dar a volta para se sentar ao meu lado no banco do motorista.
— Onde mora? — olha para mim com um lindo sorriso tímido que causa euforia
em qualquer mulher em sã ou doentia consciência.
— Na rua 63, número 37, aqui mesmo no Queens. — anda devagar entre as ruas,
prolongando nossa conversa dentro do carro.
— Então quer dizer que está em Nova Iorque à procura de emprego?
— Exato. — jogo meus cabelos para trás e o sem-vergonha, discretamente,
deposita seus olhos em meu decote. — Estou numa situação meio delicada e
preciso urgentemente de um emprego.
— Você sabe fazer o quê? — para em um sinal vermelho e nesse intervalo, vira
seu corpo para mim. — Quero dizer, com o que já trabalhou? — não posso
deixar de notar que o mafioso tem um par de coxas muito interessantes e um
hálito fresco combinado com malte.
— Com um pouco de tudo, qualquer tipo de trabalho eu aceito e faço dele o meu
melhor. — alguns minutos depois, paramos em frente ao meu prédio e ele solta o
seu cinto de segurança.
— Quer que eu a ajude a subir? — aponta para meu joelho.
Safadinho!!
— Não precisa e além do mais, a dona do imóvel mora ao lado do meu
apartamento e não permite a entrada de outras pessoas, exceto moradores.
— Compreendo. — tira seu celular do interior do seu paletó e ergue seus olhos
azuis para mim.
— Pode me passar o seu número? — ele mordeu mesmo a isca. Olho
desconfiada e ele se adianta.
— Posso me prontificar para lhe arrumar um trabalho e quem sabe tirar você de
sua situação delicada. — abro um sorriso de satisfação e passo meu número a
ele, de imediato, ele desce, abre a porta para mim e segurando delicadamente em
meu braço esquerdo me acompanha até a porta.
— Muito obrigada pela carona, Enzo.
— Foi um prazer, Paola. — me encara mais uma vez. — A propósito, você por
acaso não tem parentes em Minnesota?
— Não, minha família toda era da Itália.
— Não entendi, por que era?
— Perdi meus pais de modo trágico.
— Meus sentimentos.
— Não se preocupe, hoje falo com mais calma a respeito, não me abalo tanto. —
coloco a chave na fechadura e volto meu pescoço em sua direção.
— Obrigada mais uma vez, Enzo. — para sua surpresa, deposito um beijo em
sua face, seus lábios se curvam e aos poucos se abrem mostrando seu sorriso
perfeito com ar juvenil e sem nenhuma pretensão.
— Não me agradeça e tenha uma boa noite. — entro e espero que ele se afaste,
de dentro do carro, o vejo acenar para mim e sair em uma arrancada.
Ao entrar em meu apartamento, encosto meu corpo na porta e respiro fundo
agradecendo por ter conseguido dar o primeiro passo de sucesso.
Missão número 1: Cumprida.
Ligo para Enrico e narro todos os detalhes de minha noite.
— Ótimo, Paola. Você foi magnífica e agora aguarde que nosso homem entrará
em contato com você. Quando ligar, não o atenda na primeira vez.
— Não? Mas não é o meu intuito falar com ele até conseguir meu emprego?
— Sim, mas deixe que ele ligue mais de uma vez. Queremos que ele pense que
não é tão irresistível assim e já armei o seu próximo encontro com ele no sábado.
— Onde o verei?
— Você irá trabalhar como vendedora de pipocas no jogo dos Yankees, onde ele
estará com o sobrinho. Ele verá que a moça misteriosa realmente aceita qualquer
trabalho.
— Está bem, já entendi como iremos agir daqui por diante.
— Excelente, tenha uma boa noite e se acaso ele lhe procurar em seu
apartamento não abra a porta, faça de conta de que não há ninguém em casa, está
bem?
— Sim, entendi. — ele desliga e deixo meu celular clandestino sobre a mesa, ao
pegar o meu outro aparelho, vejo que há uma mensagem de um número
desconhecido.
"Desculpe a minha falta de educação, ao te atropelar e lhe dar uma
carona até sua casa, me esqueci de dizer o quanto você é linda. Durma bem,
Enzo."
Cretino... Abro a mensagem, porém não a respondo, deixe que o ragazzo pense
em como irá me levar para a sua cama.
Ah, Enzo se você soubesse quais são os meus planos! Retiro meu vestido e me
preparo para dormir...
Futura arrumadeira

Enzo
Com os pés afundados no acelerador, em poucos minutos, entro na 95 I, poucos
carros seguem pela rodovia e creio que em menos de meia hora estarei em casa.
Com os olhos atentos ao retrovisor e a tudo ao meu redor, pego o controle no
painel e ligo o som de meu carro, a música Forever Young, do Alphaville, ecoa
dentro do veículo e me faz cantarolar baixinho juntamente com Rod Stewart, ao
mesmo tempo que tamborilo meus dedos ao volante, essa música me remete ao
tempo de minha adolescência e à convivência feliz com meu pai.
Só há uma coisa se apossando de meus pensamentos, que me deixou intrigado
essa noite, a semelhança do rosto de Paola com minha ex mulher.
Ao socorrê-la em frente aquele portão, pude observar sua face e comprovar tal
semelhança, Agatha tinha cabelos mais escuros, estatura menor, corpo menos
curvilíneo, todavia os olhos e a boca são idênticos.
Paola é quase uma cópia de minha ex esposa, com pequena ou talvez uma
grande diferença entre elas, enquanto Agatha era pequena com suas formas
delicadas e estreitas, Paola tem um corpo voluptuoso com suas lindas pernas
torneadas e muito bem feitas, quadris mais largos e uma bunda gostosa, dessas
que fazem um homem querer fodê-la de quatro até a exaustão, além de um par
de seios que prenderam os meus olhos por mais de uma vez, com aquele vestido
justo, visualizei seu corpo desnudo e a imaginação foi longe ao imaginar minha
boca e mãos explorando cada mínima parte de sua pele macia.
Senti que ela também gostou do que viu ao me ver pela primeira vez, seu andar
seguro e olhos furtivos ao transitar pelo salão do Maspeth, mais a sua
semelhança com Agatha foram o que me prenderam de imediato ao seu olhar
enigmático por instantes, mais tarde, quando a atropelei por acidente, seu
sotaque italiano com a voz enrouquecida, me entorpeceram ainda mais.
Seus pedidos de desculpas em outro idioma me fizeram relembrar da Toscana e
suas belas mulheres de seios fartos, seu modo de me encarar, era mais uma vez,
muito conhecido para mim. Um olhar direto e sugestivo que toda espécie
feminina, dispara para minha pessoa ao cruzar seus olhos com os meus. Na
verdade, já me acostumei com tal fato e me sentiria estranho se algum dia
ocorresse o contrário.
Não ser notado pelas mulheres é algo impossível e quase inconcebível para mim,
outra perceptível diferença que notei entre as duas é que Paola se mostrou
falante, gesticulando com as mãos de modo extrovertido, durante todo o tempo,
não detectei nenhuma timidez e seu jeito alegre e efusivo deixaram claro que
[161]

ela, comumente, não deve passar despercebida pelos homens por onde quer que
passe, já Agatha era taciturna e muito introvertida.
[162]

Paola me passou a ligeira impressão de um carisma natural expresso e


simplicidade muito incomum nas mulheres com quem já lidei, levo a palma
direita de minha mão ao meu nariz e o seu leve perfume ainda se encontra ali,
como também a lembrança de seu sorriso de agradecimento, quando se despediu
de mim em frente ao seu prédio. O eco de sua voz rouca ainda permeia em [163]

meus ouvidos e me causa uma vontade de voltar a me deparar com ela mais uma
vez.
Esboço um sorriso esperançoso de que muito em breve poderemos nos ver e
quem sabe eu não descubra que sabor ela tenha. Parado em um sinal vermelho,
envio uma mensagem em seu celular e espero que ela a leia e me responda, antes
de mais nada, quero poder ajudá-la a arrumar o emprego pelo qual ela se
mostrou tão aflita, não sei quais são as dificuldades que ela vem passando e nada
mais solidário que um descendente de um italiano, estenda a mão para a
conterrânea de seu pai. Independentemente de sua beleza, sensualidade e carisma
quero poder fazer algo que a tire da situação delicada em que se encontra.
Atravesso os portões de minha casa e entro diretamente na garagem, vejo
Ignácio se despedindo de um dos seguranças e abrindo a porta de seu carro, ao
me ver chegando, estaciono meu carro ao lado do seu e ele se mantém debruçado
na porta de seu automóvel, desço de meu veículo e paro ao seu lado.
— Boa noite, Enzo. Acabei de despachar os últimos assuntos com seu pai e
estou indo para casa.
— Bom descanso, meu caro. — nesse espaço de tempo, Ignácio adentra em seu
carro e acaba se lembrando de algum assunto pendente.
— Enzo, a propósito.
— Sim?
— Luca Donatti me procurou logo depois que você foi para o Queens.
— Então, ele irá pagar nostro pizzo ? — com as mãos na cintura e espero uma
[164]

resposta que satisfaça a minha curiosidade a respeito de Luca.


— Sì, ele me procurou justamente para dizer que jamais deixaria de pagar pelos
nossos favores.
Esse homem, vem abrindo várias casas noturnas em locais estratégicos por toda
Nova Iorque, ao entrar em uma dessas boates, a pessoa encontra um
entretenimento de primeira, diversão noite afora com lindas dançarinas, bebida
de boa qualidade e segurança garantida. Isso tudo seria a fachada para encobrir
um negócio ainda mais rentável a Luca, a venda clandestina de armas pesadas.
Luca conseguiu se infiltrar nesse negócio graças a influência de nossa família e
será a ela que ele pagará pela proteção que lhe continuará sendo fornecida, além,
é claro, de nosso percentual pela venda de cada carregamento feito dentro da
franquia de suas boates.
— Isso mostra que ele tem juízo. — bato no ombro de Ignácio, dando a conversa
por encerrada, pois é visível o ar cansado e exaustivo de meu Consigliere.
Assim como eu, ele também quer estar no aconchego de sua casa, descansando.
— Amanhã, você me passa os outros detalhes de sua conversa com Donatti e
repassaremos as reivindicações que iremos apresentar na Comissão na reunião
de sexta-feira.
— Seu pai me pôs a par dessa reunião.
— Pois é, Fanesi quer pôr um fim na intromissão da família Beninni e nesse
caso, estamos com ele.
— Está certo. — solta um suspiro. — Bem, vou indo! Amanhã, nos falamos, boa
noite.
— Boa noite, dormi bene. [165]

— Você também. — de ré, sai da garagem e devagar desaparece pelas alamedas


do jardim.
Tiro meu paletó, o deixando sobre meu ombro e entro em minha casa pela porta
lateral que dá acesso à cozinha, o aposento se encontra vazio e a única luz do
ambiente é a que vem da parte externa do jardim. Acendo a luz e ando até a
geladeira procurando algo para comer.
Pego um belo antepasto com aliche e o coloco sobre a bancada da pia, abro uma
outra porta do armário e encontro um belo pão italiano, me sento próximo ao
balcão e ali preparo um belo sanduíche, ao terminar, lambo meus dedos e deixo
meu prato na pia, apagando a luz, saio da cozinha e ao chegar na sala que dá
acesso às escadas, vejo Letízia descendo os degraus sonolenta com sua boneca
de pano na mão.
— Boa noite, Tio Enzo. — a espero alguns degraus abaixo para que nossos
rostos se nivelem, ela continua descendo até chegar até mim e beija meu rosto.
— Boa noite, la mia principessa. O que a mocinha está fazendo acordada à
[166]

essa hora? — a abraço e ela permanece aconchegada em meu peito.


— Alfredo sumiu agora à noite. — ergue seu rosto e me encara. — O
procuramos por toda parte e não o encontramos. — coça seu olho direito que
parece inchado devido a um choro recente. — E eu não estou conseguindo
dormir, pensando onde ele possa estar. — fala com a voz carregada de dengo.
— Procuraram em todo jardim?
— Sim, todo mundo saiu para procurar.
Alfredo é o papagaio de Letízia, meu pai a presenteou com o bicho em seu
aniversário no ano passado.
— Ele vai aparecer. — toco seu rosto e em seguida, aliso seu cabelo. Um sorriso
lindo se abre em seu rosto, formando umas duas covinhas em cada extremidade
dele.
— Jura? — e não menos importante do que qualquer outro tratado, estendo
minha mão a ela firmando um pacto sem chance de ser quebrado.
— Tio Enzo vai encontrá-lo, prometo, mas agora trate de voltar para a cama e
dormir pois, a senhorita tem que ir à escola, amanhã cedo, Ok?
— Ok. — seu sorriso banguela me deixa feliz, por ser um ato tão despretensioso
e rodeado de tamanha admiração e carinho por quem sou realmente e não pelo
que represento fora dessa casa.

— Tio Enzo vai levá-la para a cama. — olha para o tapete, nos degraus da
escada e me questiona.
— Tio, o senhor vai mesmo se casar com a Carol? — respiro fundo e acho que
aqui em casa não encontrarei nenhum fã clube para minha noiva.
— Sim, por que a pergunta? — me pego surpreso pelo súbito interesse de minha
sobrinha.
— Porque ela é uma chata e eu, muito menos Pietro gostamos dela.
— Ah, ela não é tão chata assim! — disfarço minha cara de riso, pois não quero
perder minha pose de tio respeitável.
— Ela é chata sim e bem que o senhor poderia arrumar uma namorada mais
legal do que ela.
— Vamos deixar esse assunto para um outro dia e vamos nos preocupar com o
desaparecimento do Alfredo, o que acha?
— Acho legal. — a pego em meu colo e subimos as escadas, enquanto ela relata
os últimos passos de seu bicho de estimação. Juro que se não fosse pela minha
sobrinha, daria graças pelo desaparecimento do papagaio, o bicho é chato para
caralho.
Coloco Letízia para dormir e me dirijo para meu quarto, meia hora depois,
deitado em meus travesseiros, pego meu celular e verifico se há alguma
mensagem de Paola..., nada.
Ela visualizou minha mensagem e nada mais do que isso, com certeza, amanhã
ela me mandará algum sinal de vida ou até mesmo me ligará, no visor, há uma
mensagem de Nina em meu Whatsapp e ao abrir, meus olhos se surpreendem
pela sua ousadia, não chega ser uma foto toda despida, contudo é algo que
sugere muito mais que uma simples admiração e embaixo da foto, ela diz que
está com saudades... Meu anjo safado.
Essa mulher é mais direta do que pensava, respondo que também estou com
saudade e que poderemos marcar um dia para nos vermos.
Deixo o celular sobre o criado-mudo e fecho meus olhos, antes de pegar no sono
e a imagem de Paola sorrindo invade meu pensamento mais uma vez.
Na manhã seguinte, me assusto ao ver minha mãe e Donatella conversando logo
cedo à mesa de café.
— Caíram da cama? — beijo o rosto de minha mãe, logo a seguir beijo minha
irmã.
— Caímos. — diz, Donatella.
Me sento e minha mãe continua sua conversa com minha irmã, antes
interrompida por mim.
— Oneida era uma de nossas melhores arrumadeiras e realmente fiquei chocada
quando Eurídice me avisou de que dentro de seu dormitório foi encontrado uma
joia minha, um dos seguranças da casa foi quem descobriu o roubo.
— Oneida, ladra? — minha irmã olha para mim e depois para minha mãe
totalmente espantada.
— Pois é, minha filha, também custei a acreditar. — minha mãe completa com
seu jeito calmo e resignado. — Ela era uma das minhas melhores funcionárias e
isso me deixou tão chateada. Tive que demiti-la com o coração apertado, ela
alegou que não pegou a joia, mas não me explicava como ela foi parar em seu
quarto e como as câmeras não registraram nenhum outro funcionário circulando
por ali, tive que ser dura e demitir Oneida.
— Que pena, mamãe. — minha irmã diz, enquanto bebe seu suco de laranja. —
Que situação mais constrangedora.
— Mas o que não tem remédio, remediado está. Uma agência irá mandar
algumas candidatas e Eurídice ficará incumbida de entrevistá-las e espero
encontrar outra arrumadeira ideal.
Acabo de ter uma ideia e se ela der certo, poderei ajudar Paola com um emprego
além de tê-la por perto todos os dias aqui, embaixo do meu teto.
— Desculpem, entrar em um assunto que não me diz respeito, mas irá contratar
outra arrumadeira, é isso?
— Sim, meu filho. — minha mãe me olha e comenta sorrindo. — Era por esse
motivo que cancelei nosso teatro ontem, não estava com cabeça para sair.
— Entendo.
— Mas por que a pergunta? Você nunca se interessou por assuntos domésticos
Enzo, exceto na adolescência, quando agarrava as empregadas mais jovens que
mamãe contratava e depois ela as mandava embora para evitar que você causasse
mais confusão. — minha irmã não deixa escapar uma.
— Isso era em outros tempos, minha irmã, coisa de adolescente com os
hormônios em ebulição. — falo, debochado. — A questão é que conheci uma
mulher que está precisando muito de um emprego e ao ouvi-las falando no
assunto, resolvi me meter na conversa.
— É bonita?
— O que? — me faço de desentendido, porque sei onde minha irmã quer chegar,
minha mãe, por sua vez, nos observa sem nada dizer. — Não entendi o cinismo?
— Você me entendeu, Enzo! Perguntei se a tal mulher é bonita?
— Não reparei nesse detalhe. — minto, com a cara séria. — E antes que pense
bobagens, ela é italiana e veio para Nova Iorque há pouco tempo, não tem pai e
nem mãe. Por isso, tenho a intenção de ajudar! Nada mais justo com uma
conterrânea, não é?
— Che buon samaritano ! Isso é muito lindo de sua parte, meu irmão — come
[167]

seu brioche e aperta os olhos sorrindo. — Você querendo ajudar uma mulher?
Aposto que é bonita!
— Enzo, meu filho, como se chama a tal moça? — minha mãe, nem dá atenção
às brincadeiras debochadas de Donatella.
— Paola, mamãe! — limpa sua boca em seu guardanapo.
— Bem, se ela está precisando mesmo de um emprego e é uma moça sozinha,
peça para vir falar com Eurídice, eu mesma direi à nossa governanta para que a
contrate.
— Muito obrigada, mamãe. — seguro sua mão e a beijo.
— Ainda não terminei, meu filho.
— Perdão. — me justifico.
— Ela poderá trabalhar em nossa casa, todavia somente ficará se fizer jus ao seu
trabalho. Terá que se encaixar na vaga oferecida, compreendeu?
— Sim, perfeitamente.
— E tem mais. — estreita os olhos e me olha seriamente. — Nada de gracinhas
com a nova arrumadeira, você não tem mais quinze anos, ouviu bem?
— Nossa, mas que juízo a senhora faz de mim?
— Eu o conheço muito bem, Enzo. — ela pede licença e me deixa a sós com
Donatella.
— O que essa carinha de cachorro sem dono não consegue, não é fratello mio ?[168]

— Como uma mulher tão linda pode ser tão maliciosa, han? — rimos juntos e
ainda falamos sobre o papagaio de Letízia.
— Coitadinha, ela estava tão triste ontem pelo sumiço de Alfredo.
— Se ele estiver vivo, vamos encontrá-lo. — arrasto minha cadeira para sair da
mesa. — Prometi a ela que o encontraria. Antes de ficar em pé, minha irmã
segura meu pulso.
— Obrigada, você é tão cuidadoso com as crianças. Seus filhos serão muito
abençoados, meu irmão. — isso se eu tiver filhos, penso.
— Amo meus sobrinhos, sabe disso. — abotoo meu paletó. — Com licença,
madame, seu irmão tem muitos afazeres, inclusive encontrar Alfredo.
— Está bem, bom trabalho.
Entro em meu escritório e a primeira coisa que faço é ligar para o número de
Paola, acredito que ela ficará feliz com seu emprego e eu mais ainda por ter
aquela beldade debaixo dos meus olhos todos os dias.
Ligo três vezes seguidas e ela não me atende, deve estar ocupada. Tentarei mais
tarde, em seguida, ligo para Justine, dona de uma floricultura, onde sou cliente
há muito tempo e peço para que ela mande um buquê de tulipas amarelas para o
endereço de Nina.
— Quer mandar algum cartão?
— Sim, mas você mesma pode escrever com sua letra. Estou com saudade,
Enzo.
— Sim, pode deixar. — Justine é muito discreta e nunca comentou ou se
expressou em relação às minhas escapadas fora de meu noivado.
— Justine, aproveite e mande um outro buquê com as mesmas flores para o
endereço na Park Avenue, 630.
— Mais alguma coisa?
— Por hoje, é só. — finalizada a ligação, chamo um de meus seguranças,
Marcello.
— O senhor mandou me chamar? — peço para que ele e outros homens façam
uma varredura na vizinhança até encontrarem o papagaio de Letízia.
— E se ele estiver morto, senhor?
— Bem, aí teremos que arrumar um outro Alfredo. Procurem e só depois de
vasculharem por toda redondeza é que pensaremos no próximo passo.
— Sim, senhor.
E duas horas mais tarde, Marcello volta em meu escritório trazendo Alfredo com
a asa machucada, ele foi encontrado no jardim de uma casa há três quadras
daqui. Letizia irá ficar muito feliz.
Antes do almoço, ligo mais uma vez para Paola e fico irritado por não ser
atendido, onde essa mulher está que não pode me atender? É a quinta vez que
ligo e ela não me atende e muito menos retorna as minhas ligações, quer saber
que se foda! — jogo o celular sobre a mesa.
Quem precisa de um emprego é ela, então nada mais justo de que ela mesmo
correr atrás.
Essa foi a última vez em que liguei.
*****
Sábado, jogo dos Yankees...
Conforme combinado com Pietro, chega o dia de vermos o time dos Yankees
jogar, sentados em um lugar privilegiado no Estádio Yankee, no Bronx,
assistimos ao jogo tão sonhado por meu sobrinho, seus olhos estavam vidrados
no gramado e em minha pessoa ao seu lado.
Brian que está sentado ao lado de Pietro, também assiste ao jogo compenetrado e
os dois vibram, assobiam e aplaudem algumas jogadas, Carol mantém sua cara
amarrada e até agora não entendi o porquê de sua insistência em vir ao estádio
conosco. Para minha alegria, mais tarde, tenho um encontro com minha
advogada devassa, ela me convidou para jantar em seu apartamento com direito,
é claro, à sobremesa.
Passados algum tempo, bebo meu segundo copo de cerveja e Carol me olha
atravessada.
— Se não se incomoda, poderia me levar para casa? Enjoei de ver esses
marmanjos rebatendo essa bolinha e correndo para lá e para cá!
— Não sei por que insistiu em vir, sei que não gosta de baseball. — digo áspero.
— Quer que eu saia no meio do jogo e te leve para casa? entorta o nariz e se
levanta e eu faço o mesmo.
Nesse mesmo instante, meus olhos se fixam em uma vendedora de pipocas e
amendoins entre as arquibancadas, usando um boné dos Yankees e uma calça e
uma blusa muito justa, Paola chama mais uma vez a minha atenção. Ela, por sua
vez, não me vê e continua o seu trabalho distribuindo sorrisos e vendendo sua
pipoca.
— É o mínimo que um noivo pode fazer por sua noiva ou não?
— Eu te acompanho até a saída do estádio e de lá você irá para casa com
Fabrizio.
— Mas Enzo! — diz, contrariada.
— Nada de, mas Enzo. — coloco a mão em suas costas empurrando seu corpo.
— Vim para assistir ao jogo com Pietro e só sairei daqui com ele. — vejo Isaiah
logo atrás de mim e o chamo.
— Acompanhe a senhorita Carol até lá fora e peça para Fabrizio levá-la para
casa. — Carol se vira para mim.
— Obrigada, meu noivo. — sai e nem se despede dos demais, Brian percebe o
clima, mas nada diz.
— Pietro, Brian, eu já volto. — coloco a mão em seu ombro.
— Aonde vai?
— Eu tenho que falar com uma pessoa e não demoro.
— Tudo bem, a gente espera aqui, não é campeão? — Pietro sorri com seu copo
de refrigerante.
—Tudo bem, tio. — passo rapidamente pelos degraus que separam as fileiras das
cadeiras e a vejo de costas atendendo a um menino.
— Aqui está sua pipoca! — de lado, a vejo sorrindo para o garoto que retribui
seu gesto.
— Também quero uma pipoca. — digo, ela se vira e nossos olhos se encontram.
— Enzo, que surpresa! — Paola abre seu largo sorriso e sem nenhuma delonga,
rebato.
— Por que não atendeu às minhas ligações? — com o cenho cerrado e a
encarando de modo sério, seu sorriso vai se desvanecendo de seu rosto. Ela abre
a boca como se puxasse o ar e buscasse alguma desculpa para se justificar.
— Meu celular está com problemas e no momento estou incomunicável, me
desculpe. — ajeita seu boné e pela luz do sol posso ver os lindos traços de seu
rosto. — Vi sua mensagem, porém não pude responder.
— Pelo visto, já arrumou trabalho?
— Ah, não! Como vocês chamam aqui na América? Trabalho temporário? Paga
-se pouco, mas já me ajuda.
— Tenho um trabalho para você. — surpresa, arregala seus grandes olhos e
dispara.
— Está falando sério?
— Sim, como arrumadeira em minha casa.
— Em sua casa? — antes que ela pense algo indevido, me prontifico a explicar.
— Moro com meus pais e minha mãe está precisando dos serviços de uma
arrumadeira.
— Mas isso é ótimo! — ergue seus olhos aos céus numa espécie de
agradecimento. — Muito obrigada, Enzo. Nem sei como lhe agradecer. — fito
sua boca e com olhar carregado de malícia, respondo.
— Um dia, você saberá como me agradecer, não se preocupe.
— Quando poderei começar? — enfio a mão no bolso traseiro de minha calça
jeans e de lá retiro minha carteira, pego um de meus cartões e entrego a ela.
— Compareça na segunda-feira, em minha casa, nesse endereço sem falta, logo
pela manhã. Na portaria, diga que quer falar com Eurídice e que você foi a meu
pedido.
— Você é um amor, obrigada! — fica na ponta dos pés e beija meu rosto.
A vontade que eu tive foi de beijar sua boca e sentir o gosto de sua língua na
minha, Paola cheira a flores adocicadas e fico imaginando esse cheiro em toda
sua pele.
— Não precisa agradecer, já disse. Agora, voltarei a ver o jogo, pois deixei meu
sobrinho com meu amigo Brian. — ela pende seu corpo e nesse momento, meu
amigo a vê e acena em nossa direção, Paola ergue o braço e lhe dá um
tchauzinho tímido.
— Ok. Até mais.
— Até. — me afasto e volto a assistir ao jogo. De vez em quando, meus olhos
corriam por toda a parte à sua procura e lá estava ela toda sorridente com seu
tabuleiro, Brian me olha e não se contém.
— Bela mulher. Vocês são amigos?
— Não, necessariamente.
— Que par de coxas, caraca!
— Quer concentrar-se no jogo e parar de falar besteira?
— Como você, também sei o que é bonito! — finjo que não escuto e volto
minha atenção ao gramado, minutos depois, chamo Isaiah.
— Sim, Enzo. — mesmo falando comigo, seus olhos perscrutam tudo ao [169]

redor.
— Quero que vá a um shopping qualquer e compre um aparelho de celular. —
mesmo achando estranho meu pedido, não me questiona.
— Tem preferência por marca ou modelo?
— Quero um que faça ligações, o resto é irrelevante, ou melhor, algo moderno e
feminino.
— Ok, estou indo.
— Outra coisa! — ele se volta para mim.
— Compre e logo mais, o entregue na cada da senhorita Paola na 63th, número
37 no Queens e me ligue avisando quando entregar o presente para ela.
— Está bem, pode deixar. Algo mais?
— É só. — ele sai de imediato, saindo do meu campo de visão.
Quero ver qual a desculpa que Paola terá para não falar comigo, com tudo sob
controle, olho para Pietro e passo a mão sobre seu cabelo.
— Depois do jogo, que tal um sanduíche de hambúrguer com fritas?
— Ebaaaaaa!
Se joga em meus braços e penso como a ingenuidade e a infância se contentam
com tão pouco para que uma criança seja feliz.
Contratada

Antonella
Com os pés e pernas em frangalhos, subo as escadas em direção ao meu
apartamento, no bolso dianteiro de minha calça, o cartão de Enzo é a chave
dourada para meus tão sonhados euros. Como arrumadeira, poderei circular à
vontade e conseguir levantar o maior número de informações possíveis sem
levantar suspeitas, só há um agravante nisso tudo, aceitar esse emprego dará a
Enzo a expectativa de uma investida facilitada, estando eu dentro do seu círculo
de convivência diária.
São quase oito horas da noite e abro a porta devagar, próxima ao pequeno sofá,
jogo meu boné e esparramo meu corpo exausto sobre ele. Arranco meu tênis
com os pés e sentada, massageio meus dedos doloridos e sorrio ao me lembrar
dos acontecimentos anteriores. A tática de Enrico realmente surtiu o efeito
desejado, ao se deparar comigo naquele jogo, a primeira coisa que Enzo me
perguntou, com certo ar e voz denotando uma autoridade incabível no
[170] [171]

momento, o porquê não atendi suas ligações ou respondi à sua mensagem.


Seu ego inflamado não permitiu que uma possível investida não tenha dado
resultados positivos, para ele, não há uma só mulher que resista à sua
aproximação, resultando assim em mais uma fácil e enjoativa conquista sem
valor.
O que irá aprender a partir de agora é que nunca se deve subestimar o sexo
oposto e que nesse mundo de mais de 7 bilhões de pessoas haverá sempre
alguém que divirja de seus métodos e não caia em sua rede de sedução, será com
esse método persuasivo tão comum que manterei seu interesse e farei com que
seu desejo quase sempre efêmero se torne um pouco mais duradouro.
[172]

Se engana se pensa que conseguirá se enfiar no meio de minhas pernas com seu
simples sorriso e olhar sedutor. Em todo o tempo em que falava comigo, seus
olhos não se desviaram de meu rosto e de relance pude notar sua avaliação
satisfatória em meu corpo.
Uma coisa é fato, terei que ser muito mais esperta do que ele para me manter à
distância e ao mesmo tempo, deixá-lo interessado em me conquistar até
conseguir o que ele deseja.
Coitado!
Enzo se acha lindo e o denominador comum de todas as mulheres, é visível a sua
arrogância mesclada ao seu convencimento de que nenhuma mulher é imune à
sua beleza e charme. Em meu caso, não posso dizer ao senhor irresistível que
não entrei nessa para acabar babando e rastejando por seu lindo rostinho e sim,
minha intenção tem outro sentido mais amplo e sustentável. Por essa razão
levarei essa conquista como um desafio e uma prova a ser vencida. Necessito
desse dinheiro para finalmente ajudar à minha irmã Clara a recuperar os seus
movimentos e quem sabe uma vida cheia de novos sonhos, sei também que não
será nada fácil deixar um homem como Enzo fissurado em uma mera
arrumadeira. Meus atributos físicos contribuem, porém, é imprescindível, que
seu interesse ultrapasse o limite físico e se estenda a um caráter sentimental.
É notório também, nesse aspecto, tudo se torna mais difícil. Esse homem não
tem cara de quem se deixa levar e muito menos se interessa por alguma mulher
além de algumas noites de sexo.
Qual seria o tipo de mulher por quem ele se apaixonaria? Segundo Enrico, o
ítalo americano nunca se entregou a nenhum exemplar feminino, nem mesmo à
sua ex mulher.
Se não amava a ex, por que me contratou para conquistá-lo justamente por me
parecer com a falecida em questão? Essa foi a pergunta que dirigi a Enrico
naquele momento e com seu semblante sombrio e voz de fumante compulsivo,
me encarou e disse que minha semelhança com Agatha ajudaria pelo simples
fato de que ela foi a única mulher que Enzo ao menos respeitava e mantinha um
certo carinho. Com isso, aproveitaríamos dessa vantagem e faríamos bom uso
dela a nosso favor.
Aquiesci, compreendendo mais uma vez o que no fundo eu já sabia. Como
[173]

uma cobaia treinada, terei que conquistar a todo custo um homem quase
inconquistável, um ser quase megalomaníaco, [174]
desprendido de qualquer
modéstia e humildade.
Acostumado com a proximidade gratuita e interessada de muitas mulheres à sua
volta, Enzo as têm num mísero estalar de dedos e as mantém debaixo de seus pés
as descartando quando lhe é conveniente.
Resumindo, um safado incorrigível que tem a beleza, charme em excesso e
inteligência acima da média.
Un vero stronzo. [175]

Uma missão quase impossível, talvez, se Enrico me pedisse para invadir a Casa
Branca, eu teria mais probabilidade de êxito, mas, enfim, aceitei a empreitada e
agora só me resta arquitetar cada passo e estar sempre pronta para cada investida
do mafioso bonitão.
Ele pensa que não o vi acompanhado de sua noiva pouco antes de falar comigo,
tampouco, era visível que os dois não tinham entrosamento algum,
demonstrando, ao máximo, uma relação meramente por conveniência.
Contando com a sorte e certa de que causei algum efeito atrativo, farei de tudo
para conseguir meu êxito sem nenhum arranhão.
Me levanto do sofá, me arrastando e me encaminho para a cozinha, estou com
fome e irei preparar algo rápido e leve para comer, mas antes de mais nada,
preciso de um banho quente para relaxar, dou três passos em direção ao pequeno
corredor e meu celular vibra em cima da mesa, no visor aceso há uma mensagem
de Virgínia me convidando para um almoço amanhã.
Confirmo de imediato e me sinto feliz por saber que tenho uma amiga como ela,
essa sua amizade me é de extremo valor e por nada nesse mundo abdico de seu
[176]

carinho e lealdade.
Tomo meu banho, coloco uma roupa mais confortável e depois de preparar algo
para comer, me deito no sofá e ligo a TV, com o controle nas mãos, passeio por
vários canais e nenhum deles me prende a atenção. Minhas pálpebras ficam
pesadas e meus olhos se fecham por um curto período e nesse pequeno espaço de
tempo desperto assustada com alguém batendo insistentemente em minha porta.
Seria Enzo?
Mesmo contra minha vontade, meu coração desobediente bate descompassado.
Se ele veio até aqui na certeza de que o deixarei entrar, enganou-se
redondamente, me levanto e andando devagar até a porta, espero que a pessoa do
outro lado chegue a uma conclusão de que não há ninguém em casa.
— Sou eu, Enrico. — aliviada, destravo a pequena corrente e em seguida, abro a
porta por completo.
— Posso entrar? — Pergunta, cordial.
— Sim, por favor. — mal tranco a porta e Enrico, totalmente enfurecido, agarra
meu pescoço e bruscamente me joga no sofá.
— Ma che cos'è? — brado, atônita. Ele avança em minha direção e me pega
[177]

pelos cabelos, me erguendo do sofá.


— Cos'è questo? — diz, cínico junto ao meu ouvido. — Isso é para você
[178]

nunca mais menosprezar a minha inteligência, ragazza stupida !


[179]

— Mas o que foi que fiz? — me empurra para longe e irritado passa a mão pelos
cabelos, em seguida, saca de sua arma e a aponta para mim com ar de
desequilíbrio.
— Eu deveria matá-la agora, sua vagabunda imbecil! — minha garganta se fecha
e um medo de ser morta de uma forma tão estúpida me deixa apavorada.
— Pode me dizer o que fiz?
— Até quando iria me enganar com seu nome falso? — minhas pernas
estremecem e perdem a força de sustentação de meu corpo, um tremor
acompanhado de um arrepio constante me deixa em choque sem saber o que
dizer e muito menos como me movimentar. Permaneço estática e ele continua.
— Bastou apenas alguns míseros minutos para que eu descobrisse junto à
minhas fontes que seu nome não é Paola Stefania Giordano e sim, Antonella
Grasso Chiarelli.
— Posso explicar! — com a voz trêmula, tento argumentar.
— Cale essa boca! — vocifera. — Com quem você pensa que está lidando? —
não me dá chance de explicar. — Com algum imbecil? Por acaso, não lhe pedi
para que lesse com atenção aqueles papéis? — finalmente, ele desengatilha o
revólver, porém o mantém em sua mão.
— Eu li todos eles, juro.
— Ah, leu? Tem certeza? — se aproxima quase cuspindo em mim. — E,
porventura, leu que lidará com um homem que carrega um cérebro pensante
dentro do crânio e não um monte de merda como os burros com os quais estava
acostumada a lidar? — fico sem resposta e numa situação muito delicada. Essa
ideia de esconder o meu verdadeiro nome não deu muito certo.
— Me responda, Antonella!
— Queria preservar a minha identidade, tuttavia, questo !
[180]

— E você acha que eu não cuidaria disso para você? — arrasta uma cadeira e se
senta, depositando sua arma sobre a mesa. — Achou que entraria na casa de
Enzo usando seu verdadeiro nome? — ri, sarcástico. — Como você é ingênua!
— Sendo assim, paro por aqui e não trabalho mais para você. — cruzo meus
braços me sentindo menosprezada.
— Sente-se e fique quieta! — fala alto e firme. — Quem decide se você para ou
continua sou eu! Tenho um plano a ser executado e não voltarei atrás justo agora.
Pouco me interessa qual o seu nome e o que fazia antes de se deparar comigo, o
que espero é que cumpra nosso trato e depois disso, desapareça de Nova Iorque.
— o homem não está mesmo para brincadeira, portanto o melhor que tenho a
fazer é obedecer. Sentada frente a ele, Enrico expõe a real situação.
— Se não fosse a pessoa ideal, a teria matado aqui e agora, Antonella. — me
encara com seus olhos frios. — Você foi ingênua e imbecil demais se imaginou
que conseguiria nos enganar usando esse nome. Ao entrar naquela casa como
uma mera funcionária, você terá sua vida revirada do avesso.
— Não pensei nessa hipótese.
— Claro que não pensou! Imaginou que uma simples troca de nome seria o
suficiente para enganar um dos homens mais perigosos do submundo do crime.
— E agora? O que vamos fazer?
— Quanto ao seu nome, deduzo que ele não tenha gravado seu sobrenome —
coloca a mão dentro de sua velha jaqueta e retira de lá um passaporte e outros
documentos. — Na certa, ele irá vasculhar sua vida quando estiver debaixo do
seu teto e é com isso que estamos contando.
— Entendi.
— Tenho um amigo que trabalha na falsificação de documentos, fazendo com
que pessoas nunca existentes se tornem reais e você será uma dessas pessoas. A
partir de hoje, Paola terá nome, sobrenome, residiu mesmo em Florença, perdeu
os pais num acidente e veio para Nova Iorque. Todos os rastros que você deixar
propositalmente pelo caminho serão comprovados. — me entrega o passaporte e
ao abri-lo, vejo minha foto e todos os dados de uma mentira que se passará por
verdade. — Tudo o que terá de fazer é seguir com esse roteiro e falar de sua vida
somente o necessário.
— Com isso, estou protegida de minha verdadeira identidade?
— Esses documentos são o que eu diria, documentos quentes. Se Enzo ou
qualquer pessoa que trabalhe para ele tentar investigar não encontrará nada que a
denuncie. — respiro aliviada, nesse momento, meu interfone toca.
— Está esperando alguém? — balanço minha cabeça negativamente.
— Se for ele, não o deixe subir! — Enrico diz, categórico. Caminho até o
interfone, atendo e uma voz masculina não conhecida ecoa do outro lado.
— Boa noite, senhorita Paola, sou Isaiah, funcionário do senhor Enzo Ferraro.
— Aconteceu alguma coisa, Isaiah? — Enrico se levanta e se mantém ao meu
lado para ficar a par da conversa.
— Tenho uma entrega a lhe fazer em nome de meu patrão. — faz uma pausa. —
A senhorita poderia descer, por gentileza? — olho para Enrico antes de
responder e ele assente com a cabeça.
— Só um minuto e já desço.
— Obrigado.
— Seja o que for que ele lhe entregar, pegue a encomenda, agradeça e fale o
mínimo possível.
—Va bene. — desço as escadas rapidamente e ao sair na calçada, me deparo com
o corpulento segurança em minha porta. Mesmo por trás de sua aparência
austera e de seu terno bem cortado, esse homem me parece ser simpático.
[181]

— Boa noite, senhorita. — segura em sua mão uma pequena caixa embrulhada
para presente. — O senhor Ferraro gostaria que aceitasse esse presente. —
estende a caixa sem mudar a expressão de seu rosto, rasgo o papel e constato que
ganhei um novo celular, pelo visto, Enzo não quer ficar impossibilitado de falar
comigo.
— O aparelho já foi habilitado.
Ah, mas é claro que foi, não duvido nada se esse número não estiver grampeado.
— Diga a ele, muito obrigada. — sorrio.
— Direi e agora que já cumpri com meu trabalho, tenho que ir, boa noite.
— Boa noite. — vira suas costas e dentro do carro, há um outro homem, por
sinal, muito bem-apessoado, cabelos castanho, olhos claros e um rosto muito
bonito. O tal Isaiah entra no veículo e o carro se afasta.
Já na sala com a caixa nas mãos, Enrico me olha e seus olhos sorriem.
— Ora, ora! Ele está mesmo decidido a não perder o contato com você.
— Pois é. — abro a caixa e ligo o aparelho o deixando sobre a mesa de centro na
sala, Enrico pigarreia e caminha para a porta me dando certo alívio de não ter a
sua presença em minha casa.
— Mais uma coisa. — coloca a mão na fechadura da porta. — Não o atenda se
ele ligar tarde da noite, com isso, mostrará a ele que você não se mantém à sua
disposição como as outras a quem ele está acostumado a lidar.
— Entendi.
— E cuidado com o que diz, pois tenho absoluta certeza de que esse aparelho foi
grampeado.
— Isso eu também deduzi. — respondo e ainda completo. — Pode ficar
tranquilo, não cometerei mais erros.
Enrico vai embora e a atmosfera de meu apartamento fica mais leve, me sento e
coloco minha cabeça entre minhas pernas, buscando o máximo de ar que meus
pulmões conseguem suportar.
Onde fui me meter? Quem seria realmente essa gente?
Pego um copo de água e o tomo de uma só vez, se havia uma chance de desistir
de tudo, a mesma já não existe mais e agora é ir até o final, pois Enrico
demonstrou, com todas as vírgulas e pontos, que não está brincando e muito
menos pouparia minha vida se acaso eu tentar enganá-lo. Estou entre a cruz e a
espada e não sei qual delas é a pior saída.
Pelo canto dos meus olhos, vejo meu celular convencional sobre a mesa, o
clandestino sobre a TV e o aparelho que acabei de ganhar sobre a mesa, sem
querer, me vejo sorrindo e achando graça nessa história de espionagem onde eu
entrei de gaiato e nem imagino como será depois que me instalar naquela casa.
Como era óbvio, o aparelho que ganhei de presente começa a tocar e não preciso
de esforços para saber quem está me ligando, deixo tocar repetidas vezes e antes
que a chamada se encerre, atendo de modo calmo e displicente. Isso o deixará
ainda mais irritado, pode apostar.
— Boa noite. — ele diz seco.
— Boa noite, Enzo. Gostaria de agradecer o celular e dizer que não precisava ter
se incomodado em me comprar outro aparelho.
— Não foi incômodo algum e afinal de contas, saberei daqui por diante que se
não atender as minhas ligações não foi por força maior e sim por vontade
própria. — entendendo seu sarcasmo, faço uma voz mais suave ao telefone.
— Grazie ancora per tutto. — o ouço soltar o ar numa bufada sutil.
[182]

— O que está fazendo agora? — muda de assunto com uma pergunta mais
pessoal.
— Acabei de tomar banho e estou indo para cama. — minto. — E você?
— Nesse momento, meu único pensamento é saber como está vestida para
dormir. — sua voz cadenciada se torna mais grave e a frase sai de modo lento
[183]

e dúbio, esse homem é o que eu chamaria de inigualável e genuíno safado.


Antonella, você o provocou e agora não adianta reclamar. Só me falta ele querer
que eu tire fotos e as envie a ele. Permaneço quieta na esperança de que ele
perceba que sua frase não foi algo muito sutil a se dizer a uma mulher que mal
conheceu.
— Paola?
— Sì.
— Me desculpe, não quis ser indelicado com você.
— Sem problemas.
— Tem algum compromisso para amanhã?
Sim, tenho. Além de almoçar com minha amiga, depois passarei a tarde
estudando algumas peculiaridades de sua família, senhor gostosura.
— Irei almoçar com uma pessoa.
— Uma pessoa?
Enzo pode nunca ter se apaixonado, porém pelo pouco que pude analisar sobre
seu perfil, é um homem com características bem possessivas e que não permite
dividir nada ou ninguém. Propositalmente, rio ao telefone.
— Una amica, melhor assim?
— Muito melhor.
— Enzo...
— Diga... — parece que, se eu fechar os meus olhos consigo ver sua cara
deslavada fazendo charme ao telefone.
— E você?
— O que tem eu?
— O que está fazendo agora?
— Bem... — ouço pequenos barulhos de metal e farfalhar de tecido, deduzo que
ele estaria trocando de roupa. — Falando com una bella italiana chi ha invaso i
miei pensieri.
[184]

— Você mente muito bem, senhor Ferraro.


— Não minto quando digo que é bela e que andei pensando muito em você.
— Acho melhor deixar de pensar em mim, não é o correto. — ele fica em
silêncio e deve saber a que me refiro, se for contratada para trabalhar em sua
casa, não poderá me cortejar dessa maneira tão objetiva.
— Se é assim, me diga como faço para não pensar em você?
— Em primeiro lugar, sugiro que pare de me ligar e me veja meramente como
uma futura funcionária sua.
— Então, se é isso que deseja, até segunda-feira. — noto sua voz dissimulada
envolta num leve desdenhar, ele quer mostrar que não faz questão nenhuma de
continuar a falar comigo.
— Até. — antes que ele diga qualquer outra coisa, encerro a ligação.
Até segunda, senhor Ferraro....
Apago as luzes da sala, da cozinha e me dirijo ao meu quarto, onde deitada na
cama, tento dormir sem pensar nas consequências dessa armadilha tão perigosa
em que me enfiei. Às quatro da manhã, meu celular vibra e confusa e tateando
minha mão sobre o criado-mudo alcanço o aparelho e o nome de Enzo
novamente aparece no visor.
O que esse homem pode querer a essa hora?
Silencio o aparelho e ele ainda liga mais umas duas vezes consecutivas.
Insistente ele! Me ajeito entre os travesseiros e uma mensagem faz com a luz do
visor se acenda, mordo meu lábio, morrendo de curiosidade para ler o teor da
mensagem, porém me retenho e volto a dormir.
Na manhã seguinte, pego o celular e verifico a mensagem do mafioso safado.
"Ansioso pela segunda-feira."
Acho que estou muito mais ansiosa do que ele, pode apostar.
*****
No domingo, almoço com Virgínia e as horas em que passei com ela foram
muito agradáveis. Rimos muito falando do nosso passado e sobre as nossas
esperanças sobre o futuro, volto para casa ao cair da tarde e penso em ligar para
minha família em Siena para saber se elas estão bem, porém me restrinjo e evito
usar meu antigo número. Amanhã, ligarei para Itália de um telefone público, é o
mais sensato a se fazer.
*****
Segunda-feira, 07:55 horas.
Confiro pela segunda vez o endereço inscrito no cartão e ao me aproximar do
portão da mansão dos Ferraro, um senhor de aproximadamente uns sessenta
anos, calvo e de um sorriso largo e amistoso me aborda com um cumprimento de
bom dia.
— A senhorita deseja alguma coisa? — em seu crachá está escrito, Heitor Avesh.
— Sou Paola Giordano e vim a pedido do senhor Enzo Ferraro, desejo falar com
Eurídice. — entrego a ele o meu cartão. O porteiro todo uniformizado confere o
cartão e volta a olhar para mim.
— Só um minuto, por gentileza.
Ele pega o telefone sobre sua mesa super organizada e tecla o número 1,
enquanto ele faz a verificação de minha possível entrada na casa, olho pela grade
de ferro toda a extensão do magnífico jardim que rodeia toda a mansão. Ao
fundo, está a enorme casa construída com tijolos avermelhados com janelas e
portas pintadas de branco. De longe, nota toda a opulência e ostentação que essa
família faz questão de manter, pelo gramado, é possível ver alguns homens de
terno circulando pela grama, na certa, são seguranças.
— A senhora Eurídice estava à sua espera. — abre um pequeno portão e eu o
atravesso.
— Muito obrigada.
— Não há de quê e tenha um bom dia.
Confiro a minha roupa e acredito que estou vestida de modo discreto para não
chamar a atenção, um sobretudo e uma calça que disfarça as minhas formas
arredondadas, cabelos presos e nenhuma maquiagem.
Sigo por uma trilha de pedras rodeadas por azaleias brancas e amarelas, ao final
desse caminho, me deparo com o fundo da casa onde há uma enorme piscina e
mais plantas ornamentais, uma senhora muito elegante anda a passos
sincronizados ao meu encontro, seu olhar de reprimenda parece não ter aprovado
meu modelito roxo, escolhido especialmente para essa ocasião.
— Paola?
— Sim. — respondo, sorrindo e balançando a cabeça como uma boba.
— Sou Eurídice, a governanta. — vira-se de costas. — Venha comigo, irei fazer
algumas perguntas para saber realmente, se irá se encaixar na vaga para
arrumadeira.
— Sim, senhora.
Sigo a pomposa governanta e ao olhar para a lateral da casa, posso ver uma
parede toda de vidro, onde há muitos aparelhos de ginástica e musculação, eles
têm uma academia particular, gente rica é outro nível.
Mais alguns passos, vejo algumas mulheres uniformizadas passarem para uma
outra ala da casa, me deparo também com o segurança que acompanhou Isaiah
até meu apartamento no sábado e é quando passamos próximas à garagem que
eu o vejo, trajando um terno azul marinho e um par de óculos escuros, Enzo sai
de seu carro juntamente com um homem de meia idade, mais baixo do que ele.
Passando próximo a mim, para por alguns segundos e detém seu olhar preso ao
meu, instantaneamente, desvio meus olhos, pois não quero que a governanta
desconfie ou até mesmo tire conclusões precipitadas.
Sem resistir a sua presença, viro devagar o meu pescoço, ele retira os óculos e
permanece me encarando até que se afasta e desaparece dentro da casa.
— Por aqui. — Eurídice me indica uma sala ampla que acredito ser o seu
escritório. Senta e coloca seus óculos de aros dourados, por debaixo de suas
lentes, ela não para de me examinar nem por um minuto e suando a cada
resposta dada, penso que se depender dessa mulher, não serei admitida.
Ao final de vinte ou mais perguntas, ela se levanta e me encara.
— Começa amanhã. — retira seus óculos. — Trouxe algum documento pessoal?
— Sim. — enfio a mão no bolso de meu casaco e de lá retiro meu documento.
— Aqui está.
— Muito bem, cuidarei de toda a papelada para sua contratação.
— Obrigada. — digo, tentando estabelecer um vínculo ameno com a fulana
exibida.
— Não me agradeça, apenas faça o seu trabalho com competência. — ajeita um
porta-papel em sua mesa e mantém sua caneta em seus dedos finos. — Paola,
você terá uma folga semanal e durante o tempo em que trabalhar com os Ferraro,
nada do que ver e ouvir poderá atravessar essas paredes e muros, entendeu?
— Sim, senhora. — engulo seco. Se ela soubesse qual o meu papel aqui.
— Discrição em seu trabalho é primordial e mais, não permitimos visitas de
parentes, amigos e muito menos namorados nos aposentos dos funcionários.
— Sim, senhora. Não se preocupe, não tenho namorado e meus parentes já são
falecidos.
— Muito bem, também não é permitido relacionamentos amorosos entre os
empregados. — diz, muito concisa. — Os outros detalhes já lhe foram
[185]

repassados anteriormente e qualquer dúvida, pode me procurar.


Aperta uma tecla de seu telefone todo branco e fala com uma mulher chamada
Mercedez, a mulher de cabelos negros e de traços latinos se aproxima e diante da
sua superiora parece que se encolhe toda. Eurídice deve ser uma dama de ferro
com as funcionárias desse lugar.
— Mandou me chamar?
— Sim, leve Paola e mostre os seus aposentos. — fala, sem dirigir seu olhar para
a empregada. — Depois mostre quais são as suas obrigações a partir de amanhã.
— Venha, Paola. — acompanho Mercedez e no meio do caminho, se vira para
mim e diz.
— O bicho não é tão feio quanto parece. — olho com estranheza, pois não sei a
quem ela se refere.
— Eurídice, logo se acostumará com ela e com todas aqui.
— Ah, sim. — sorrio.
— Trabalho aqui há mais de dez anos e amo essa família. Eles são muito bons
patrões, você irá gostar daqui. — Mercedez me será útil para descobrir algumas
coisas sobre Enzo e sua família.
— Espero.
Os aposentos de alguns funcionários ficam na ala externa do lado oeste da
mansão. Mercedez me leva ao meu novo quarto, é pequeno, contendo uma cama,
um criado-mudo, um armário e um banheiro privativo.
Quantos empregados trabalham para essa gente?
— Aqui será o seu quarto, poderá trazer suas coisas ainda hoje e vou lhe passar
tudo o que fará a partir de amanhã.
— Tudo bem.
Depois de quase uma hora conhecendo uma parte da casa e seus pormenores, [186]

chega a hora de ir para a minha casa, preciso arrumar minhas coisas e passar
todo o relatório para Enrico.
Me despeço de Mercedez e saio pelo mesmo caminho por onde entrei, distraída,
caminho pelo jardim passando ao lado da academia. Ao olhar para o grande
vidro que cobre toda a parede do lugar, vejo Enzo e Isaiah numa espécie de luta,
ele parece compenetrado e tenta a todo custo derrubar o seu segurança.
Em um mero segundo se distrai e me pega o observando. Como numa luta,
Isaiah aproveita o momento de distração de Enzo e o derruba no tatame com
muita facilidade.
Os dois se levantam e fingindo constrangimento, aperto meu passo, andando
mais depressa, ao passar pela garagem em direção ao portão de entrada e saída
direcionado aos funcionários, esbarro em seu corpo forte trajando seu kimono
amassado e entreaberto.
— Bom dia! — ergo meu olhar e vejo seu rosto suado e vermelho pós treino, o
cabelo impecável e sempre penteado agora aparece indefinido e todo bagunçado,
seus olhos azuis parecem um pouco irritados, talvez por uma noite mal dormida
ou simplesmente pelo suor que desce por suas pálpebras bem-feitas. Em sua
boca um leve sorriso torto que me desconcerta, quando visto de uma
proximidade tão pequena. Sua barba crescida deixa seu rosto ainda mais
irresistível, se pudesse, estenderia minha mão até tocá-lo delineando cada linha
de perfeição traçada ali.
— Bom dia. — ando para a esquerda e ele faz o mesmo impedindo a minha
passagem. — Pode me dar licença? — não me responde, mas também não abre
caminho para minha passagem.
— Posso, se responder o motivo pelo qual mais uma vez não atendeu meu
telefonema.
— Acho que deixamos claro essa questão, não é? — arqueio minhas
sobrancelhas o desafiando.
— Então, conseguiu seu emprego? — sem evitar, meus olhos recaem em seu
pescoço onde suas veias pulsam devido ao esforço feito durante sua luta,
descendo mais alguns centímetros, meu olhar desce para seu peito másculo
coberto de pelos encaracolados e escuros.
Antonella, você não foi contratada para ficar admirando esse homem, concentre-
se!
— Sim, começo amanhã. — volto a encarar seu rosto e ele continua com a
cabeça pendida em minha direção me encarando de uma forma muito penetrante.
— Fico muito feliz, precisamos comemorar isso, não acha?
— Enzo. — fecho a cara transmitindo a ele que não teremos um caso entre
patrão e empregada. — Sou muito grata a você e um dia espero poder lhe
retribuir pela sua generosidade. — passa a língua pelos seus lábios os
umedecendo e debocha.
— Esperarei ansioso esse dia chegar, Paola.
— Tenho que ir, com licença.
— Até amanhã.
— Até. — sai da minha frente e entra na academia me dando a visão de seu
corpo de costas.
Passando pela estrada estreita, quase sou atropelada por uma Ferrari vermelha
que adentra o jardim em alta velocidade, subitamente, o carro derrapa e freia de
modo brusco. O vidro é abaixado e a noiva loira de Enzo, coloca a cabeça para
fora do carro contorcendo seu pescoço em minha direção, tirando seus óculos
escuros, dispara.
— Se não quer ser atropelada, da próxima vez, olhe para onde anda!
Volta a pôr seus óculos e sai com o carro numa arrancada, noivinha estúpida e
metida a besta, você não perde por esperar, pois não serei eu quem será
atropelada num futuro não muito distante e posso lhe garantir que a minha
pancada será bem forte, sua pedante.
Ergo minha cabeça e passo pela portaria me despedindo de Heitor.
Amanhã, começa meu jogo! E que vença o melhor...
Pulga atrás da orelha
Enzo
Quer dizer então que Paola conseguiu a vaga para arrumadeira?
Dadas as circunstâncias, é somente uma questão de tempo para que questa
ragazza, esteja em minha cama toda entregue e pronta para muito mais, mesmo
que ela relute, é notório seu interesse e a forte atração que paira no ar quando
nos encontramos. Tenho certeza de que nos daremos molto bene daqui por
[187]

diante.
Com um sorriso quase suspenso nos lábios, volto à academia e encerro meu
treino diário, Isaiah me olha contrariado, pois devido a uma pequena distração
acabei indo ao tatame de maneira muito fácil.
— Espero que amanhã, você esteja um pouco mais concentrado no que faz,
Enzo. — enrosca sua toalha no pescoço e sai em direção ao vestiário.
Logo em seguida, vejo o carro de minha noiva passando ao lado da academia e
estacionando próximo à garagem. Desce com seus óculos escuros no rosto com o
intuito de esconder sua cara de desagrado já familiar e permanente, respiro fundo
ao imaginar o que me aguarda, para Carol ter saído de Manhattan tão cedo e
vindo até Harrison algo muito importante deve ter acontecido, só espero que não
seja mais problemas, dado que deles eu já tenho um montante ainda
insolucionáveis.
— Bom dia, meu querido. — retira seus óculos, me concede um sorriso alargado
e carregado de qualquer coisa ainda não muito clara para mim.
— Bom dia. — enxugo meu rosto e me aproximo de sua boca, ao tentar lhe
beijar, sou presenteado com um repentino esquivar que me deixa muito irritado.
— Ah, você está todo suado! — ergue suas mãos, as balançando de modo
pedante. — Sabe que não gosto quando me beija nesse estado.
Há mulheres que gostam e coberto por essa asserção, a imagem de Nina me
[188]

vem à cabeça como uma enorme referência.


— Posso saber o motivo de sua visita? — jogo minha toalha sobre a bancada e
cruzo meus braços, impaciente. Olha ao redor como se procurasse um lugar para
se sentar.
— Estive pensando em marcarmos o quanto antes a data de nosso casamento. —
volta seu olhar para mim sem nenhuma perspectiva de alegria. — Estamos no
começo de julho, portanto pensei em uma data no mês de setembro.
— E presumo que saiu de casa tão cedo só para me dizer isso?
— Acha isso pouco? — me contradiz.
— Não.
Somente acho muito estranho essa pressa momentânea, nunca exponho meu
pensar em voz alta, essa é uma das mais valiosas lições que meu pai sempre me
ensinou. Nunca permita que as pessoas saibam o que você pensa. Qual seria o
real motivo dessa precipitação repentina? Logo mais, falarei com Hayden e
averiguar como anda o seu trabalho.
— Por mim, está ótimo. — respondo sem nenhuma animação.
O casamento com Carol trará à nossa família não somente negociações
vantajosamente e lucrativas como também, abrirá portas e elevará a Família
Ferraro a um patamar aceito pela sociedade Nova Iorquina, fará com que
deixemos de ser uma leva de grosseiros contraventores [189]
para bandidos
refinados e merecedores de muitas honrarias e títulos idiotas.
Esse é o intuito de meu pai, ele sempre quis transformar os negócios da família,
legalizando o que é ilícito, encobrindo a sujeira com o apoio do governo e mais,
elevar e fazer com que aceitem nosso legado como possíveis desbravadores e
importantes contribuidores de uma sociedade perfeita vindos de uma família
tradicional e respeitada, essa merda toda chamada hipócrita sociedade.
Mesmo contra esse intuito, concordei em me aproximar de Carol e sua família,
pois será através dos Sherwoods que uma parte desse plano estará completa, eles
têm influência e nome perante a high society e nós, os Ferraro, temos muito
dinheiro e sempre conseguimos o que queremos. Essa junção, segundo meu pai,
nos traria muitos benefícios futuros.
Entretanto, se minhas suspeitas se concretizarem, lamento, mas pela primeira
vez na vida, farei alguma coisa que desagrade ao meu pai, não me casarei com
Carol nem mesmo se me doparem.
— Bem, podemos marcar a data durante comemoração da festa de aniversário de
seu pai. — ergue seu olhos e um traço de um inimaginável sorriso permeia em
seus lábios. — Convidei Marie para ser minha madrinha.
Já imaginava essa situação constrangedora, por falar em Marie, tenho que
procurá-la para colocar alguns pontos entreabertos em nossa última conversa.
— Por mim, tudo bem. — recoloca seu par de óculos e toca meu braço, devagar,
me dá um beijo leve e com seu polegar limpa o batom deixado ali.
— Nos vemos mais tarde?
— Infelizmente terei uma reunião com um antigo sócio de meu pai e nem
imagino a que horas ela irá acabar.
— Sendo assim, estou indo. Tenho alguns compromissos também.
Sai em direção à garagem e em seguida, seu carro passa pela alameda lateral em
direção ao portão principal. Pensando em meu dia, me encaminho para meu
quarto e posteriormente de banho tomado, mando uma mensagem para Hayden
pedindo a ele que venha falar comigo. Em frente ao espelho, ajeito o nó de
minha gravata e trajando meu terno, desço cumprimentando meus pais na mesa
de café.
— Ora, meu filho não vai tomar seu café? — sou interpelado pela minha mãe.
[190]

— Estou sem fome, obrigado Mama. — beijo o alto de sua cabeça e depois faço
o mesmo com meu pai. Ando dois passos à frente e ouço Victório me
questionando.
— Sua noiva apareceu por aqui? — solta sua voz com uma pergunta na qual ele
já sabe a resposta.
— Sim, ela quer marcar a data de nosso casamento.
Dona Adele tenta disfarçar sua cara de desagrado, contudo é impossível não ver
a sua boca se retorcendo por detrás de sua xícara ao ouvir qualquer comentário
que esteja ligado a Carol.
— E já marcaram a data? — ela se adianta.
— Marcaremos durante a festa de aniversário do papai. — ela revira os olhos e
não se segura.
— Quem sabe se até lá um milagre não acontece nessa casa?
— Adele! — meu pai, segura sua mão tentando reprimir o que foi dito, mesmo
assim ela não retira seu comentário.
— Qualquer coisa, estarei em meu escritório. — não condeno minha mãe por
não gostar de Carol, ela nunca escondeu que ela não era a mulher que desejava
para ser a sua nora.
— Meu filho, a propósito, Eurídice me falou que a moça que você indicou ao
cargo de arrumadeira começa amanhã. — fingindo não demonstrar entusiasmo,
fico feliz ao receber a notícia já conhecida por mim.
— Fico feliz que ela tenha se encaixado na vaga.
— Pois é.
— Vejo vocês mais tarde. — jogo um beijo para minha mãe e caminho para meu
escritório, estico meu braço e verifico as horas. Espero que Hayden não se
atrase. No corredor, encontro Ignácio que acaba de chegar. — Ignácio, preciso
falar com você, me acompanhe até meu escritório.
Já em minha sala, o Consigliere arrasta uma cadeira e se senta esperando pelo o
que eu tenha a tratar.
— Quero que você encomende uma joia para mim. — discreto e perspicaz como
ninguém, ele não me questiona e muito menos quer saber quem seria a pessoa a
receber o presente.
— Que tipo de joia?
— Uma pulseira em brilhantes, algo delicado e nada barato. — acrescento. —
Procure Agnes na Tiffany´s da rua Greene, ela entende de joias e conhece meu
gosto, pois sou cliente dessa loja há muitos anos.
— Está bem. — se levanta, me encarando de modo inquisidor. Parece que há
alguma coisa que Ignácio deseja me perguntar, sem mais hesitar, dispara. —
Aquela moça que vi ao descer do carro ainda a pouco.
— O que tem ela? — suspendo minha sobrancelha e aguardo qual será a
observação de meu amigo.
— Notei que você olhou para a moça por um tempo considerável e reparei
também a sua semelhança com sua ex mulher, então me perguntei quem seria
ela?
— Estava olhando justamente por essa razão, ela se parece muito com minha
falecida esposa. — abro algumas de minhas correspondências sobre a mesa e
concluo. — Acho isso muito intrigante, uma pessoa parecer tanto com a outra
sem ao menos ter nenhum tipo de parentesco.
— Pois é. — coça seu queixo e me lança um olhar descrente. — Desculpe a
pergunta, mas ...
— Diga.
— Compro a joia e faço o que com ela? Quer que eu a entregue em algum
endereço específico ou você mesmo se incumbe desse pormenor ?
[191] [192]

— Como se trata de uma encomenda especial, Agnes mandará entregar em


nosso endereço, pode ficar tranquilo. Como essa joia chegará nas mãos da dona
é por minha conta.
— Capisco. Algo mais?
— Não, questo è tutto.
[193]

— Irei cuidar do que me pediu, tenha um bom dia.


— Bom dia. — pouco tempo depois, ouço uma batida de leve em minha porta.
— Entre. — Hayden coloca sua cabeça próximo ao batente da porta e se
anuncia.
— Vim o mais depressa que pude. — Hayden caminha até minha mesa e eu
estendo minha mão.
— Como vai? — trocamos um belo aperto de mãos e o convido a se sentar.
Esse homem em minha frente era até bem pouco tempo um garoto de programa,
que ganhava seus míseros dólares vinculado a uma agência de modelos de quinta
categoria. Isaiah o conheceu num bar no Brooklin em um momento em que
precisávamos de um homem com as características e funções de Hayden, não
demorou muito para que ele passasse a nos prestar favores em troca de dinheiro
e ambas as partes ficávamos satisfeitas.
Hoje, ele continua a trabalhar para minha família prestando serviços paralelos
com a maior dedicação, é persuasivo e muito bom no que faz, meia palavra basta
e ele entende, qual é o seu trabalho e sem precisar esmiuçar sua função,
[194]

Hayden a executa de modo conciso e primoroso.


— E o que você me conta de novo? — ele cruza suas pernas e solta uma lufada
de ar.
— Enzo, você conhece meu trabalho e sabe como eu ajo.
— Sim, por isso o contratei.
— Cara, fiz tudo o que me pediu. Segui todas as suas orientações e ela, em
nenhum momento, abriu brecha caindo em minhas investidas. — faz uma pausa.
— Nada do que tentei com sua noiva teve algum efeito progressivo. — passa a
mão pelo cabelo e enfia a mão em sua jaqueta.
— Está aqui a nossa última conversa gravada. — deposita um pen drive sobre a
minha mesa. — Posso lhe dizer que se ela tem outro homem, ele deve ser
invisível ou se esconde muito bem.
— Muito bem. — seguro o pequeno objeto entre os dedos pensando no próximo
passo a seguir. Me levanto e ando até meu cofre, retirando de lá o pagamento de
Hayden. — Você pode parar por aqui e precisando de seus serviços, mando lhe
chamar.
— Obrigado, Enzo. — entrego o maço de notas e ele o coloca em seu bolso.
Hayden se levanta e sai a passos rápidos, me deixando ainda mais receoso. Se
Carol se acha esperta, ela tem que nascer de novo para me enganar. Pego meu
telefone e ligo para uma antiga amiga e parceira Aimè Guillot Vausseur, uma das
mulheres mais belas, elegantes, bem relacionadas e com certeza, a mais famosa
cafetina revestida na face de madame da cidade de Nova Iorque. Ela trabalha
para a Máfia desde que veio da França há mais de 10 anos, sua profissão
encoberta por uma loja de grife na quinta avenida, faz com que Aimè circule nas
altas rodas da sociedade e ainda preste os mais sórdidos serviços, com seus
contatos exclusivos com garotos e garotas de programa de alto nível. Em seu
catálogo, muitos modelos e até atores iniciantes trabalham às escusas e ganham
um dinheiro extra no ramo da prostituição.
Pego minha agenda e procuro pelo número de Aimè, com o pensamento rápido e
preciso, em menos de três frases subtendidas, ela me tranquiliza dizendo que está
enviando o que preciso ainda nesta manhã. Encerro a ligação e volto ao meu
trabalho aguardando a chegada de uma das "modelos" que trabalha para minha
amiga.
Meu dia começou quente, faço uma pausa e peço para Eurídice me trazer um
café, aproveito meu intervalo para ligar para Nina.
— Buongiorno, senhor Enzo.
— Bom dia, Nina bella. — recosto em minha poltrona e relaxo ouvindo sua voz
macia. — Que tal almoçar comigo mais tarde?
— Aceito e por falar em comida, adorei o nosso jantar de ontem.
— Eu também gostei de cada segundo de nosso jantar.
Ao ouvir essa frase coberta de duplo sentido, relembro de nosso jantar na noite
de ontem, quando nos encaminhávamos para sua cama, completamente
envolvidos em beijos e muitas carícias e Nina, com suas mãos pequenas, porém
ágeis abriu todos botões de minha camisa. Naquele instante, através de seus
olhos sedentos e lábios curvados em um sorriso desprovido de qualquer pudor
pude ver seu atrevimento divertido por constatar que a marca de sua chupada
ainda se encontrava em meu tórax. Segurei seu queixo, a adverti de modo
carinhoso e ao mesmo tempo objetivo.
— Sem chupadas com marcas dessa vez, Nina. — pedi, quase em um sussurro.
Surpreendentemente, seus grandes olhos me encararam e numa atitude atrevida
me empurrou sobre seu colchão, abrindo afoita o cinto de minha calça.
— Fique tranquilo, dessa vez o chuparei sem deixar marcas. — abaixou minha
calça juntamente com minha boxer e num ímpeto de puro desejo, abocanhou
meu pau com seus lábios famintos e língua macia destinadas a me fazer perder
todo meu controle. Gemendo sob sua boca, ela parou um instante erguendo sua
cabeça para me fitar. — Porém, prometo que será tão prazeroso que pensará em
mim no decorrer dos momentos em que estivermos longe um do outro. — fixei
meus olhos em sua boca carnuda e sexy e deixei que ela cumprisse a sua
promessa e foi exatamente o que ela fez.
Um boquete que me deixou extasiado, suado e que invadiu meu pensamento por
várias vezes no decorrer da noite, voltando à nossa conversa, confirmo nosso
almoço em um restaurante discreto em State Island.
— Estarei lá, meu gostoso.
— Até mais tarde.
Uma hora e meia mais tarde, recebo em meu escritório uma linda mulher
recomendada por Aimè.
— Madame Aimè me disse que irá precisar de meus serviços.
A moça de cabelos longos e loiros, seu rosto com traços finos e simétricos dão a
ela uma beleza convencional e ao mesmo tempo instigante, pois seu semblante
não consegue burlar a um homem experiente como eu. Por detrás de seus olhos
claros e boca bem-feita se esconde uma mulher despida de qualquer caráter.
— Entre e sente-se por favor. — com um andar muito sensual e seguro, Ivy se
senta, cruzando suas pernas e deixando à mostra suas coxas torneadas
propositalmente.
— Sim. — ela abaixa seus olhos furtivamente e ao erguê-los supõe erroneamente
que eu estaria em busca de diversão.
— Preciso que faça um trabalho para mim e espero seu desempenho imparcial e
indefectível. Claro que como um trabalho não convencional, exijo absoluto
sigilo. — me mantenho encostado em minha mesa e de braços cruzados.
— Perfeitamente, em meu trabalho isso é praxe e uma exigência de Madame
Aimè.
— Ótimo, você irá se infiltrar como cliente assídua em uma clínica de estética
muito conhecida em Manhattan.
— E o que terei de fazer?
— Escolherá um tratamento de beleza que exija sua permanência por muitos dias
dentro da clínica, ele será todo custeado por mim. — ajeito meu corpo e me
levanto, dando alguns passos em direção à minha estante coberta de livros. —
Irá se aproximar de uma das clientes desse lugar.
— Isso será fácil. — ajeita seu cabelo e sem perder tempo joga seu charme
vulgar.
— Não me interrompa, ainda não acabei! — endureço minha expressão e
demonstro através de meus olhos que não estou aqui para me divertir
sexualmente. — Deixe para jogar seu charme barato quando a ocasião se fizer
necessária.
— Sim, me desculpe. — assume outra postura, a de uma negociante em questão.
— Depois que estiver próxima a essa pessoa, tentará seduzi-la e quero
tudo registrado e gravado. Tudo o que conseguir.
Sem me dizer nada por alguns segundos, vira seu pescoço olhando para uma
gravura na parede. Logo a seguir, diz complacente:
— E se essa pessoa não se deixar seduzir? O que faço?
— Se ela acaso não se deixar seduzir, venha até mim e me traga as provas de que
ela resistiu aos seus encantos.
— Quando começo? — ela fica em pé.
— Imediatamente, irá marcar uma avaliação na clínica e depois disso, comece
seu trabalho. — ando até a minha mesa e lhe entrego um cartão com o nome da
clínica de Marie.
— E a quem terei de seduzir? — me questiona sem fazer mais nenhum
charminho nato.
— Caroline Sherwood, minha noiva. — ao receber a informação, a profissional
não move nenhum músculo facial que demonstre surpresa, constrangimento ou
deboche.
— Muito bem, ligarei e ainda essa tarde lhe passo algumas informações.
— Perfeito. — novamente, abro meu cofre e lhe adianto uma quantia conforme
combinado com Aimè. — Quando tiver alguma informação, por favor, nunca use
o telefone para isso. Me ligue e marcaremos um local neutro para não
levantarmos nenhuma suspeita.
— Entendi.
— Por enquanto é só isso, Ivy. — a prostituta mal vira as costas e ligo para
Manfredine.
— Caro amigo!
— Enzo, mio caro!
— Alguma novidade?
— Ainda não, mas Giorgia já está trabalhando na tal clínica como massagista e
pelo visto já atendeu sua noiva na semana passada.
— Che meraviglia ! Me mantenha a par de tudo, Manfredine.
[195]

Tudo caminhando como eu premeditei e alguns imbecis presumindo que


estão lidando com um cornuto. [196]

Há três hipóteses no caso de Carol, a primeira delas e mais comum seria a ideia
de que ela é apaixonada por outro homem, a segunda delas, também condizente
é de que é apaixonada por uma mulher e a última das suposições é de que minha
noiva seria assexuada.
Eliminando a primeira hipótese, ainda me sobram duas alternativas distintas e
qualquer que seja o resultado, isso terá uma retaliação muito vantajosa. Carol
tem que aprender que ninguém trai Enzo Ferraro e sai ilesa, agora só me basta
esperar e quando o peixe for fisgado em sua própria armadilha, saberei qual o
próximo passo a seguir...
Antes de sair de meu escritório, ligo para Paola, quero saber o que minha
protegida anda fazendo...
Jogada de Mestre

Antonella
Ao chegar em meu apartamento, a primeira coisa que faço é ligar para Enrico e
lhe passar tudo o que ocorreu em minha manhã. Atento, ouve todo meu relato
minucioso e ao final, conclui:
— Era isso que eu queira! Você conseguiu seu emprego e a partir de agora terá
olhos e ouvidos vigilantes dentro daquela casa.
— Entendi.
— Não quero que perca nenhum detalhe por mínimo que seja e faça disso uma
vantagem a seu favor.
— Ficarei atenta e lhe digo tudo o que descobrir. — falo, objetivamente para
encerrar a conversa e me livrar desse ser tão empedernido. — Agora, se me
[197]
der licença, irei arrumar as minhas coisas e ainda hoje as levarei até a casa dos
Ferraro.
— Outra coisa. — diz, subitamente. — Não leve em sua bagagem nada que a
denuncie. Se tiver fotos de família, não as leve consigo. — explica com calma
na voz e se não o conhecesse poderia jurar que ao menos ele se preocupa com
minha segurança, o que não é o caso. Enrico almeja somente que seu plano
tenha êxito e nada mais. Se morrerei ou permanecerei viva pouco lhe importa.
— As guarde com alguém de sua confiança.
— Pode deixar, as guardarei em local seguro, mais alguma instrução?
— Acho que por enquanto é só! Muito bem, deixarei que cumpra sua tarefa. — a
voz desse sujeito me estremece por inteira e a cada vez que nos falamos isso só
piora. — Ah, não se esqueça de uma coisa.
— De que?
— Quando chegar ao seu quarto na mansão, terá que esconder muito bem esse
celular. Pense que, em determinado momento, alguém pode revistar seu quarto
na intenção de saber quem você realmente é e se há algum rastro deixado como
pista.
— Já havia pensado nisso e cuidarei para que não o encontrem.
— Ótimo, portanto, só nos falaremos agora quando tiver algo substancial para
me contar e quando o fizer tenha a certeza de que não está sendo monitorada,
entendeu?
— Sì, como nos grandes filmes de espionagem.
Minha resposta sai involuntariamente dispersa e do outro lado da linha surte o
efeito desejado. Enrico pode me achar ingênua e inexperiente, porém sei me
cuidar e compreendi que nesse jogo não poderei cometer falhas grotescas.
— Estamos conversados.
A seguir, o estalido da ligação encerrada me traz mais uma vez o alívio desejado,
volto a arrumar meus objetos e depois de guardados em uma pequena caixa de
papelão e em outra mala, guardo minhas roupas.
Ando até o espelho do banheiro e me encaro durante alguns segundos, há um
detalhe que não mencionei a Enrico..., minha virgindade.
E como uma virgem poderá seduzir um homem como Enzo sem acabar em sua
cama?
Apoio minhas mãos na bancada da pia e aspiro todo ar cabível em meu
diafragma. O solto devagar e como num relâmpago que ilumine uma noite
escura, tenho uma ideia que me dará tempo e ainda deixará o mafioso mais
empenhado e preso na arte de me conquistar e supostamente me prender aos seus
encantos.
Saio às pressas de casa e caminho à uma lanchonete na próxima esquina, ao lado
de uma velha Jukebox, há um telefone público e será ele a minha ferramenta a
ser usada numa jogada sem chance de falhas.
Ligo para minha amiga Virgínia e primeiramente peço a ela que guarde meus
pertences pessoais e em resposta, ela prova como sempre será amiga de todas às
horas.
— Tenho outro favor a lhe pedir, Virgínia.
— Diga, minha amiga.
E com muito cuidado, sem lhe revelar ao certo como fui parar em um emprego
de arrumadeira na casa dos Ferraro, explano minha ideia e um silêncio do outro
lado da linha me faz arregar por um momento e repensar se foi prudente
[198]

recorrer a Virgínia.
— Quer dizer que você irá trabalhar como arrumadeira na casa dos Ferraro?
— Sim, por que o espanto? Conhece essa gente?
— Muito pouco, o que sei é que são pessoas muito abastadas. — solta uma
risada tímida. — O que não é nenhuma novidade, gente rica que esbanja e
ostenta grana.
— Isso é verdade. — não aprofundo no assunto e muito menos pergunto qual
dos integrantes da família é o cliente em questão, claro que posso fazer uma
ideia de quem seja.
— Mas e aquele emprego, onde você faria uma pesquisa de mercado para uma
certa pessoa?
— Aquele emprego era a maior roubada. — fecho os olhos em arrependimento
por estar enganando mais uma vez a minha amiga, porém isso é uma forma de
protegê-la e não expor a sua pessoa ainda mais. — Acabei conseguindo esse
emprego e estou muito contente com isso.
— Que bom, minha amiga, mas ... o que você iria me pedir? — e assim explico a
ela que ao ligar de um número desconhecido, em nenhum momento ela poderá
dizer o meu nome real.
— Antonella, mas irá trabalhar para essa gente com um nome falso? Isso não irá
dar certo e se acaso eles descobrirem?
Estarei morta, amiga. Penso.
— Sou eu quem lhe digo agora, fique tranquila. Sei o que estou fazendo e esse
emprego é temporário, não pretendo ser arrumadeira a minha vida toda, sabe que
tenho planos de voltar a estudar.
— Agora, gostei. Senti firmeza em suas palavras. — seu tom de voz se acalma.
— Eu lhe quero muito bem, Antonella.
— Eu também gosto muito de você e não quero tomar mais o seu tempo, irei
desligar e quando eu ligar será de um outro número, o salve em seu celular, va
bene?
— Va bene, sua maluca.
Encerro essa ligação e aproveitando o ensejo, ligo para Siena e converso com
minha tia para saber se está tudo bem. Tranquila com as notícias da Itália me
dirijo para casa e quando entro em meu apartamento, o celular presenteado por
Enzo começa a tocar.
Acredito que esse homem quer me vencer pela insistência, só pode. Deixo que
ele ligue insistentemente e continuo a arrumar as minhas coisas.
Bom, vamos ver se esse aparelhinho está mesmo grampeado?
Senhor Ferraro, vamos brincar um pouco com seu ego!
Horas mais tarde, pego o aparelho e ligo mais uma vez para Virgínia, instruída
pela manhã, essa conversa na certa chegará aos ouvidos do bonitão irresistível.
— Amiga! — digo com uma voz desolada e um tanto preocupada.
— Paola, minha querida, já começou em seu novo trabalho? — Virgínia está
fazendo exatamente o que combinamos anteriormente, em partes, é claro.
— Sabe amiga, acho que irei recusar a oferta.
— Mas por que razão? Você estava tão feliz e animada com o novo emprego,
não entendo. — Seu espanto é mesmo real e nada combinado.
— Pois é. — suspiro ao telefone e conto com a sorte de estar sendo monitorada.
— Mas é que eu não falei tudo sobre esse trabalho.
— Não? O que há de errado para que você pense em desistir dessa maneira?
— Sabe, eu consegui esse trabalho por indicação de um dos Ferraro.
— E?
— Como posso lhe explicar?
— Explicando, oras.
— Quando contei sobre meu novo trabalho, não quis mencionar como consegui
a vaga.
— Paola, estou esperando, conta logo e não me deixe mais aflita do que me
encontro.
— Um dos Ferraro, Enzo, é que me indicou a vaga.
— Enzo Ferraro?
— Sim.
— E?
— No momento em que fui admitida, me sentia feliz por ter conseguido meu
emprego e sair da situação em que me encontrava, contudo, analisando tudo
ponderadamente, vejo que acabarei numa situação ainda pior.
— Mas por que razão? Não estou entendendo aonde você quer chegar com isso!
— diz, cética.
— Ele é um homem muito bonito e percebi que anda jogando todo charme para
cima de mim e confesso que me senti tentada.
— Amiga, eu sei quem é Enzo e toda a sua fama de mulherengo que o rodeia.
Ele não é flor que se cheire e posso assegurar de que tudo o que dizem a seu
respeito é verídico. O cara não vale nada quando o assunto é mulher, sei que é
noivo de uma moça muito rica e isso não o impede de sair por aí flertando com
todas que encontra em sua frente.
— Entende meu medo?
— Ah, agora entendi. Não quer ser assediada e confundida com uma mera
arrumadeira que cai nos encantos do patrão? Tem medo de ceder, é isso?
— Sì e no.
— Sim e não?
— Sim, quero ser tratada com respeito e não confundida com
una ragazza vulgar.
— E o não?
— Não, porque não tenho medo dele e sim, de mim mesma.
Virgínia não resiste e solta uma risada alta ao celular.
— Ah, então é isso? Tem medo de cair nos encantos do bonitão?
— Sim.
— Paola, ele é noivo e se você deixar claro que não se encontra na fila de
mulheres que babam por ele?
— Já fiz isso, mas é que ele é um tanto insistente e no fundo, me sinto lisonjeada
em ter um homem lindo como Enzo me cortejando. Sei que ele não quer nada
além de sexo comigo e me conhecendo como ninguém sabe que, por ser uma
romântica sonhadora e incorrigível, isso pode acabar me fazendo muito mal. —
minha voz sai ensaiada e carregada de uma carência dissimulada. — Ele é o
protótipo de homem que qualquer mulher sonharia em ter ao seu lado. — o
desgraçado, ao ouvir isso, vai inflar. — Lindo, rico, inteligente e charmoso, além
de ser seguro e firme como uma rocha, Virgínia. Me sinto atraída como nunca
me senti antes.
— Sendo assim, amiga, o conselho que te dou é que se afaste mesmo porque, do
contrário, acabaria não resistindo ao sujeito.
— Ainda bem que me entende.
— Mas também há um outro pormenor. — acrescenta. — Já que ele é insistente
e você tem ciência de que esse homem é inalcançável, poderia fazer sexo casual
com ele e depois dar o assunto por encerrado.
Agora, o golpe final. Virgínia não sabe que nunca me deitei com um homem e
essa revelação será uma surpresa tanto para Enzo quanto para ela.
A conversa chegou onde eu realmente queria, que Deus me perdoe por usar
Virgínia nessa loucura.
— Amiga... — faço uma pausa e reproduzo uma voz totalmente constrangida. —
Não poderia ir para cama com esse homem, eu me conheço.
— Ora, mas por que não? Sei que não seria correto, porque ele é noivo, mas
seria uma forma de você se desvincular da ideia de um possível romance.
Virgínia sempre foi muito prática e nunca fez rodeios quando o assunto é sexo.
— Não estou romanceando nada, porque sei que ele jamais se relacionaria com
uma mera arrumadeira. — engulo minha voz a deixando quase à beira de um
pranto silencioso. — Não poderia ir para cama com ele, porque queria que a
minha primeira vez fosse especial, entende? — um abismo em forma de
segundos silenciosos se interpõe entre nós.
— Paola, você está me dizendo que nunca transou com um homem? — imagino
a sua cara pasmada do outro lado. — Ainda é virgem? — minha vez de usar o
silêncio para incitar ainda mais a sua curiosidade.
— Sim, nunca fui para cama com homem algum.
— Meu Deus! Não imaginava isso, você com seu jeito todo sensual, achei que já
tinha alguma experiência.
— Nenhuma.
— Nem um sexozinho oral para aliviar a tensão?
— Nada, sua indiscreta!
— Estou chocada. — conclui. — Não sei o que lhe dizer depois dessa revelação.
— Aceito ou não esse emprego?
— Bem, eu não gostaria de estar em sua pele, pois ter esse homem em seu
encalço lhe cercando a todo momento deve ser terrivelmente delicioso. —
debocha de mim e sorrio.
— Não brinque com coisa séria, amiga. Estou aqui a ponto de ligar para a
governanta que me contratou e dizer que não quero mais a vaga.
— Seria uma boa opção e se você puder aguentar mais uns dias, posso lhe
garantir que lhe arrumo outro emprego.
— Obrigada, minha amiga. — solto uma lufada de ar, extravasando um alívio
simulado. — Irei ligar agora e dizer que não poderei aceitar o emprego.
— Espero ter ajudado, Paola.
— Sim e muito.
Desligo e agora é só aguardar. Se ele ouviu toda a minha conversa, na certa,
tomará alguma atitude na intenção de me fazer mudar de ideia e foi exatamente
isso que aconteceu uma hora depois de minha conversa com Virgínia.
Saindo do banho, ouço quando meu interfone toca, calmamente, ando até o
aparelho e respiro fundo para atender.
— Sì? — minha voz sai mais rouca que o costume.
— Senhorita Paola?
— Ela mesma.
— Entrega para a senhorita. — o som de uma voz desconhecida, todavia
carismática me deixa curiosa. O que será que ganharei dessa vez?
— Estou descendo, só um minuto. — desço as escadas rapidamente e quase
tropeço no tapete da porta ao ver Enzo, em carne e osso, encostado em seu carro
segurando um enorme buquê de rosas vermelhas.
Dobro meu pescoço, olhando de um lado a outro da rua procurando pela voz que
falou comigo no interfone, porém não vejo mais ninguém além de um homem
extremamente lindo, trajando um lindo terno azul escuro, risca de giz, com as
flores em uma das mãos, ele mantém a outra escondida no bolso de sua calça,
deixando seu paletó aberto acompanhado de seu colete sem a austeridade [199]

comum de suas gravatas e para completar essa visão impecável, uma camisa na
cor chumbo que destacam o azul de seus olhos vorazes.
Como não poderia deixar de notar, ele fez a barba, mantendo o bigode que lhe
deu uma aparência ainda mais temerária e tentadoramente sexy.
[200]

— Onde estaria o entregador? — o inquiro, ajeitando minha camisa que estava


entreaberta revelando a renda de meu sutiã.
— Era um garoto que passava por aqui. — se justifica. — Pedi a ele que tocasse
o interfone em troca de algumas moedas. Só assim para poder falar com você!
— demonstra através de sua voz ainda mais grave o quanto está irritado por não
ter conseguido falar comigo anteriormente.
— Costumo cumprir com o que digo, Enzo. Espero que não me leve a mal! Não
deveria ter vindo até aqui.
— São para você! — tira a mão do bolso e estende as flores com uma de
suas sobrancelhas arqueadas e um meio sorriso, formado no canto esquerdo de
sua boca, fazendo charmosas covinhas se instalarem ali. Mesmo que eu evite
respirar, o frescor de seu perfume amadeirado invade minhas narinas
impregnando tudo ao redor e tirando a minha concentração. — Para lhe desejar
sorte em seu novo trabalho!
Seguro as flores junto ao meu corpo e aspiro seu cheiro, com o olhar cabisbaixo,
deixo que meus lábios se atrevam a sorrir num gesto de agradecimento e ao fitar
seu lindo rosto, seu olhar é inquiridor e de puro mistério.
Enzo sabe que sou virgem, ele caiu em minha armadilha, do contrário, não viria
de tão longe para me trazer flores pessoalmente. Ou então, esse seria o seu jogo
para deixar suas pretendentes mais fascinadas.
— São lindas, obrigada.
— Não tanto quanto você!
— Essa é muito velha e nada original. — rebato de imediato para que ele saiba
que meras palavras feitas não me atingiriam facilmente.
Enfio a mão por entre os botões e pego um pequeno envelope, o abro devagar e
meus olhos pairam por segundos na caligrafia alargada e crua, revelando e
deixando nessas poucas linhas um pouco mais de sua personalidade tão
enigmática.
Paola,
Espero que possa ao menos receber essas flores em sinal de admiração por sua
obstinada tentativa em me evitar.
Sendo assim, venho, como um novo amigo, lhe desejar boas-vindas em
seu novo trabalho em minha casa.
Enzo.
— Foi você mesmo quem escreveu esse bilhete? — continuo com meu cínico
divertimento. Ele se aproxima um pouco mais e quase sinto sua respiração
pesada tocar o meu rosto.
— Acha que não seria capaz de escrever algo assim? — olho mais uma vez para
a rua, desviando meu rosto e mudo de assunto abruptamente.
— Flores aceitas, satisfeito? — devolvo um olhar que não diz absolutamente
nada, ele tem que aprender que há quem seja resistente a essa cara linda e de alta
periculosidade.
— Sabe que não. Queria muito mais do que entregar essas flores, sabe disso.
— Tenho conhecimento disso. Até pensei em desistir da vaga que me foi
oferecida, Enzo.
— Mesmo a conhecendo muito pouco, acabaria por julgá-la um tanto ingrata. —
despretensioso, também desvia seus olhos dos meus e chuta uma folha próxima
ao seu pé. — Quero muito estar equivocado, Paola.
— Não me pré julgue, Enzo. — espero que erga sua cabeça e com meus olhos
bem abertos o encaro seriamente. — Disse que pensei em recusar e não que
recusei. — respira, aliviado.
É muito interessante esse nosso embate, disputamos de forma acirrada quem
joga e eventualmente se sai melhor em cada passo. Isso até me estimula a ser
cada vez mais audaciosa e a ir mais longe.
— Sendo assim, posso esperar amanhã?
— Sì, puoi, amico mio. [201]

Intencionalmente, se aproxima ainda mais, causando um repentino e ao mesmo


tempo, delicioso desconforto com seu rosto quase colado ao meu, sua boca
encosta em minha face e deposita um beijo leve e jamais desprovido de segundas
intenções. O resultado desse pequeno gesto deixa minha pele formigando e
imagino o que esse bigode é capaz de fazer quando mal-intencionado.
— Estarei em casa para lhe dar as boas-vindas. — abre a porta de seu carro
esportivo ainda mantendo seu olhar preso ao meu. — Não me deixe esperando,
ragazza.
Fecha a porta do veículo e liga a ignição sem mais direcionar seu olhar para
mim, com as flores nos braços, subo as escadas que dão acesso ao meu
apartamento e lá acabo de ajeitar tudo para o novo dia que virá.
*****
Depois de uma noite mal dormida, coberta por sonhos e pesadelos sem sentidos,
me coloco em pé e me preparo para minha jornada ao trabalho. Chego
pontualmente na mansão dos Ferraro e mesmo sem querer o procuro em cada
canto onde meus olhos alcançam.
Nada de Enzo...
Depois de deixar minha mala em meu novo quarto, coloco meu novo uniforme
cinza, ajeito meu avental branco e prendo meu cabelo, em seguida, retiro meu
brinco e meu batom, regras da casa e ordens da senhora Eurícide.
Depois de uniformizada, Mercedez me leva até a cozinha onde sou apresentada
às muitas outras funcionárias que aqui trabalham. Depois, ela me dá as
coordenadas de como devo arrumar cada cômodo, como há outras arrumadeiras,
o serviço é todo separado por alas da casa, ficando eu destinada a arrumar vários
cômodos no andar inferior e para meu espanto e decepção, fui excluída de
arrumar o quarto de Enzo, antes mesmo que eu pergunte sobre o assunto,
Mercedez me diz que somente a ela é dada a autorização de arrumar os
aposentos da família. Isso dificultará um pouco as coisas, mas não será de todo
um empecilho para mim.
Como toda e qualquer funcionária iniciante, aquiesço com a cabeça e me
[202]

preparo para começar o meu serviço. Com um aspirador nas mãos, sigo para a
sala de estar, no caminho, me deparo com um homem de olhos azuis e cara de
safado. Ele me olha da cabeça aos pés e ao passar por mim não tira os olhos de
meu corpo.
Será que terei que fugir desse sujeito também?
Ligo o aspirador e tentando parecer a mais eficiente das empregadas, me
concentro em meu trabalho e me esqueço desse pormenor.
Momentos depois, um rapaz loiro adentra a porta principal trajando um jaleco
branco, firmando meus olhos em sua figura e revolvendo a minha memória
[203]

posso jurar que já o vi antes. Mas é claro! Esse é o tal Brian, o amigo de Enzo
que o acompanhava durante o jogo dos Yankees.
— Bom dia! — com sua pequena maleta médica na mão me cumprimenta com
um sorriso muito simpático.
— Bom dia. — endireito meu corpo.
— Desculpe minha indiscrição, mas é nova aqui?
— Sim, é meu primeiro dia. Me chamo Paola.
— Sou Brian, amigo de Enzo e médico de seu pai. — ergue a maleta e me
devolve mais um sorriso. — O senhor Victório sofre de diabetes e eu venho
pessoalmente ministrar suas doses de insulina.
— Isso é uma pena! — penso alto. — Ser acometido por essa doença é muito
triste. — solta uma risada pelo canto dos lábios e refuta.
— O que seria uma pena? O senhor Victório doente ou me ter como médico? —
totalmente sem graça pelo meu pensamento em voz alta, tento corrigir minha
gafe.
— Não é que... — Brian ergue a mão e sorri.
— Estou brincando com você! Pela sua expressão, sabia exatamente a que se
referia. — abaixo minha cabeça e meus lábios se abrem.
— Como médico você é um excelente humorista. — fica sério e me encara de
um modo nada natural.
— Não me leve a mal, mas você é uma mulher muito linda para ser uma mera
arrumadeira.
— Não entendi. — fecho o cenho. — Está menosprezando meu trabalho?
— Longe disso. — se emenda. — Não quis ser desrespeitoso com você, porém o
que quis dizer é que com sua beleza, não me assustaria em ver seu rosto na capa
de alguma revista famosa. — solta esse comentário de um jeito doce e sem
malícia, isso me faz rir e me simpatizar com o amigo de Enzo.
— Obrigada. — digo, fingindo uma timidez que não combina comigo.
— Você é muito linda, Paola.
— Brian?
A voz grave em minhas costas chega a eriçar meus cabelos e os pelos de meu
braço, Enzo fica ao meu lado e estende a mão sobre o ombro de seu amigo.
São oito horas da manhã e o maledetto se encontra impecável em uma camisa
[204]

azul e calça preta.


— Acabei de chegar. — alega. — Estava conversando com Paola.
— Ora. — solta um riso estranhamente nervoso. — Já se conheciam?
— Não, meu amigo. Acabei de conhecê-la. Sabe que gosto e faço amizades
muito fácil.
— Sei. — Enzo parece me isolar e faz de conta de que pareço um adorno ou até
mesmo um móvel na sala.
— Com licença.
— Espere. — Enzo quase me segura pelo cotovelo. Seguro o aspirador em
minha mão e ensaio minha retirada.
— Brian, meu pai o espera em seu quarto. — Enzo, completa ríspido.
— Estou indo. — o amigo de Enzo endireita seu corpo.
— Até mais, Paola foi um prazer falar com você.
— O prazer foi meu, Brian. — propositalmente devolvo a seu amigo meu maior
sorriso. Enzo amarra a cara e seu amigo se afasta.
— Com licença, tenho trabalho a fazer, senhor Ferraro.
— Não estava com pressa até há poucos minutos, Paola. — não é uma pergunta
e sim, uma constatação.
— Estaria monitorando meu trabalho, senhor Ferraro?
— Onde estaria o Enzo de outrora? Até ontem eu era somente Enzo. — observa.
— Ele deixou de existir a partir do momento em que aceitei esse emprego e, se
me der licença tenho que voltar ao meu trabalho.
— O que meu amigo andou lhe dizendo? — ele é mesmo possessivo e ciumento.
— Por que não pergunta a ele?
— Deveria?
— Não sou eu quem está curioso, senhor Ferraro.
Sem ter resposta para minha pergunta, saio devagar e jogo meus quadris num
rebolar muito sugestivo, através da minha justa saia de meu uniforme, cinco
passos adiante, viro meu pescoço e me deparo com olhos azuis intensos me
encarando em desafio.
Essa guerra apenas começou!
Mais tarde, irei vasculhar os seus aposentos, mio caro e espero saciar a minha
[205]

curiosidade, encontrando algo que me interesse lá dentro...


Cunhado Assediador

Antonella
Limpando, aliás, tentando parecer realmente uma exímia arrumadeira, tiro o pó
de modo aleatório entre os móveis e objetos dispersos em cima deles. Minha
atenção é redobrada e quando estou sozinha como agora, meus olhos se
transformam praticamente em um radar no intuito de captar o menor deslize ou
informação útil para Enrico.
Alguns minutos se passam e vejo quando o Dr. Brian sai com sua maleta e se
despede de Eurídice, antes de sair pela porta, dirige seus olhos em minha direção
e arrisca a levantar seu braço em um aceno de adeus.
Sem saber ao certo como proceder diante de minha superiora, somente arqueio
meus lábios e um meio sorriso desponta em resposta ao simpático rapaz.
Enzo se mantém fechado em seu escritório e a movimentação pela casa é de um
lar comum, enquanto ajeito tudo na sala de TV, ouço uma voz mansa e baixa a
conversar com uma outra mais grave e firme, estico meu pescoço discretamente
pelo batente da porta e pela primeira vez vejo o casal Ferraro, os pais de Enzo
conversam de braços dados pela casa e mesmo que eu não estivesse aqui para
relatar tudo o que consigo ver, é inevitável não perceber o quanto esse casal é
unido, Adele se mantém aconchegada no ombro do marido que a abraça como se
fossem um casal apaixonado.
Isso é uma raridade, viver tanto tempo ao lado de alguém e manter o carinho e
paixão do início da relação.
A aparência de Adele é um caso à parte, porte elegante sem afetação e seu traje
clássico se resume em tailleur azul pastel e lenço discreto no pescoço, seus
[206]

cabelos claros presos em um elegante coque deixam a sua figura ainda mais fina.
Analisando o casal posso assegurar de onde veio a genética da beleza de Enzo, o
pai, o senhor, Victório é um homem muito charmoso, mesmo andando com a
ajuda de uma bengala, seu porte elegante mostra que em sua juventude ele era
um homem que chamava muito a atenção das mulheres, eles se afastam devagar,
caminhando até o jardim.
Mercedez se aproxima para supervisar o andamento de meu trabalho.
— A mãe de Enzo é muito bonita. — comento com minha companheira de
trabalho. Ela estica seu pescoço e através da vidraça da janela, consegue ver o
casal que caminha pelo gramado.
— Sim, Dona Adele é muito bonita e uma mulher muito generosa, Paola. —
volta seu olhar para mim. — Já limpou a outra sala?
— Sim, já arrumei tudo por lá.
— Ótimo. Depois vou lhe mostrar os lavabos e a sequência de limpeza de todos
eles.
— Está bem.
— Esqueci de avisar. — continua. — O nosso almoço é servido no refeitório
para os funcionários que fica logo atrás do nosso alojamento.
— Grazie.
— Está vendo aqueles homens uniformizados lá fora?
— Sim, o que tem eles?
— Estão trocando todo sistema de segurança da casa.
— Por quê? Por acaso, foram roubados?
— Que nada, mas todo ano eles fazem isso. Trocam todas as câmeras externas e
internas. Frescura de gente rica.
Passo o espanador em um objeto e alguns poucos minutos depois Mercedez
pensa alto.
— Tem mulher que não se dá valor mesmo.
— Isso é comigo? — ela ri e balança a cabeça em negativa.
— Claro que não, me desculpe, mas é que pensei alto.
— Sim, sim. — Mercedez estica o pescoço mais uma vez para a janela e por
curiosidade acabo fazendo o mesmo.
— Quem é aquela? — vira seu rosto para mim.
— Segundo as más línguas da casa essa fulana é uma advogada.
— E?
— E pelo jeito anda saindo com o senhor Ferraro.
— Com o Ferraro pai ou filho? — meus olhos se arregalam e mais outra risada.
— Com o filho, sua tonta. — me dá um leve tapinha no braço. — Enzo tem uma
fama terrível de mulherengo e não duvido que esteja pegando essa fulaninha.
— Não entendo. — me faço de inocente. — Enzo não é noivo? — com a cara
mais debochada, ela rebate.
— Noivo, mas não está morto, entendeu?
— Entendi.
— Trabalho com essa família tempo suficiente e corto meu pescoço se ele não
comeu essa advogada. — a moça desce do carro e atravessa o jardim adentrando
a casa. — E lhe digo mais, não se deixe levar por aquele par de olhos azuis,
Enzo tem cara de lorde, porém é um cafajeste. Se por acaso ele se engraçar com
você, não seja louca de cair em seus encantos. Vá por mim!
— Só uma pergunta.
— Até duas.
— Enzo costuma assediar as funcionárias da casa? — me ajuda a estender um
tapete enquanto fala.
— Bom, hoje não mais, porém ele era terrível quando via uma bela arrumadeira
como você. Com o tempo, Enzo amadureceu, mas não desperdiça uma
oportunidade de sair com uma bela mulher. Tenho pena da noiva dele, será traída
até a morte. Quem acaba rindo sou eu.
— Eles estão juntos há muito tempo?
— Uns três anos mais ou menos, todos aqui não gostam muito da noiva, exceto o
pai que quer muito esse casamento. — nada digo.
— Obrigada, Mercedez, mas sei muito bem como afastar esse tipo de homem.
— Sendo assim, fico mais tranquila. Venha, vamos para a outra parte da casa.
Temos muito serviço pela frente.
Ao final desse dia, não sobrará um só músculo em meu corpo sem dor, essa casa
parece um palácio. Há cômodos e mais cômodos a serem limpos e mesmo
existindo um exército de empregadas o serviço é interminável.
Passos de salto estalam no mármore do corredor e denunciam a passagem da tal
advogada puttana, ela caminha toda aprumada em nossa direção e nesse
momento nossos olhares se cruzam.
Posso dizer que il nostro santo não se deram muito bem. De perto, ela tem cara
[207]

de puttana mesmo.
— Bom dia, a senhora Eurídice? — olha diretamente para Mercedez como se eu
não estivesse ali.
— Ela deve estar na copa, quer que eu vá chamá-la?
— Não é necessário, conheço o caminho. — arruma seu cabelo e mais uma vez
mede meu corpo pelo canto dos olhos. — O senhor Ferraro se encontra?
— Sim, está em seu escritório.
— Obrigada.
Passa por nós e desaparece pela casa, não comentamos mais nada a respeito da
tal advogada e seguimos até a outra ala que dá acesso ao jardim. De lá, é
possível ver os pais de Enzo conversando sob o sol da manhã.
Antes que eu termine de limpar o aposento, o vozeirão do senhor Victório me
tira de meu vagar de pensamentos, ando rápido até ele e ao ficar em sua frente,
reparo um pouco mais em sua aparência abatida, porém dentro de seus olhos há
uma enorme e intensa força vital. Noto que, nesse momento, ele se encontra
sozinho.
— Por favor, vá até o escritório de Enzo é peça para ele vir falar comigo.
— Sim, senhor.
— Diga que o esperarei no jardim.
— Pois não, com licença.
Abaixo minha cabeça e saio depressa para executar o que me foi designado,
antes de bater na porta do escritório de Enzo, colo meu ouvido na intenção de
ouvir o que se passa lá dentro, todavia não há som algum que satisfaça a minha
curiosidade. Deduzo que esse ambiente deve ser isolado e não há como se ouvir
nada que venha de seu interior. Bato uma vez e espero ser ouvida, nada além do
silêncio, espero mais um minuto e insisto novamente.
— O que foi? a voz de Enzo atravessa a grossa madeira da porta e chega em
meus ouvidos como um alerta de que ele não gostou de ser interrompido.
Na certa, deveria estar muito à vontade com a schifosa.[208]

Transmito o recado de seu pai e me afasto da porta permanecendo escondida na


sala anexa ao escritório. Vejo quando a " advogada " sai ajeitando os cabelos e as
roupas amassadas, imagino o que os dois não estariam fazendo lá dentro, espero
ter mesmo atrapalhado a brincadeira dos dois.
Volto para o meu trabalho sem pensar no mafioso safado.
Enzo
Analisando suas últimas atitudes, confirmo que Paola me quer afastado e ao
mesmo tempo preso a ela. Confesso que suas respostas firmes e atravessadas me
instigaram a entender o que ela realmente busca ao me provocar assim. Minha
experiência com o sexo oposto me faz desacreditar que essa mulher seja imune a
uma bela investida e quando me refiro a esse assunto não quero dizer que partirei
para cima dela forçando uma situação, com Paola, adotarei a postura inteligente
e esperada por alguém que nunca se entregou a nenhum homem. Não quero que
ela pense que estaria lidando com um eventual adolescente que faz de tudo para
chamar a atenção da garota a quem ele deseja, serei cavalheiro, cuidadoso,
elegante e muito ponderado em minha técnica de aproximação. Quero ver até
quando ela resistirá a isso.
Ela não tem conhecimento da aura de sensualidade e magnetismo que carrega e
pelo visto, não fui o único a notar a sua beleza ímpar, Brian estava derretido em
sorrisos e muito claramente notei que ele jogava seu charme para cima dela.
Há um agravante nesse contexto, Brian terá que entender que eu a vi primeiro e
que não lhe ajudei a conseguir esse emprego à toa, mesmo sendo meu amigo, ele
terá que recuar, se houver alguma intenção subtendida por trás de seus sorrisos e
falas engraçadas, pois essa ragazza será minha primeiro e se porventura eu me
desinteressar aí sim, ele pode ficar com ela.
Em nossa juventude, inúmeras vezes nos deparamos com esse tipo de situação,
Brian, muitas vezes, se interessava por uma garota e ela sempre se declinava
para o meu lado. Claro que nunca fui o tipo de cara que " furava seu olho",
porém, houve momentos em que saímos no soco por disputar a atenção de uma
mesma mulher.
Foi o que aconteceu com Agatha, na época em que a conheci, meu amigo
mantinha guardado um sentimento diria platônico por minha futura esposa e o
mesmo teve que ser sufocado e deixado de lado, pois ela sempre deixou claro
que gostava de mim e o via somente como um fiel amigo.
O mais nobre e sábio em Brian é que mesmo depois de tudo isso a nossa
amizade permaneceu inabalável, em nenhum momento sua conduta e
comportamento se alteraram devido a esse fato e quando me casei, meu amigo
aceitou prontamente ser o padrinho de nossa união.
Caminhando a passos largos, entro em meu escritório e fecho a porta, sentado e
recostado em minha confortável poltrona, ouço mais uma vez, agora com mais
calma e atenção, toda a conversa de Paola com a tal amiga Virgínia e absorto em
cada palavra, analiso com muito cuidado o meu jeito de proceder com la mia
vergine italiana.
[209]

"Ele é o protótipo de homem que qualquer mulher sonharia em ter ao seu lado."
Cada palavra saiu se sua boca como um misto de timidez, misturada a um desejo
contido quase irrealizável, não posso me fazer de rogado e humilde ao dizer que
isso não me deixa lisonjeado, contudo devido às circunstâncias, acredito que há
uma mulher dentro desse contingente feminino que não está de acordo com as
palavras de Paola... Carol.
Continuo a ouvir seus inúmeros elogios dispensados a mim.
"Lindo, rico, inteligente e charmoso, além de ser seguro e firme como uma
rocha, Virgínia. Me sinto atraída como nunca me senti antes."
Ser elogiado indiretamente é ainda mais satisfatório do que eles serem dirigidos
de forma objetiva, Paola deixou claro que se defende de si mesma e seu maior
medo é se ver apaixonada e não correspondida, causando em mim um querer
ainda mais determinado, fecho meus olhos e por instinto, meus lábios se curvam
em um sorriso descarado. A seguir, de olhos abertos encarar o teto, aliso meu
bigode e pulo algumas frases da conversa entre as duas pausando diretamente
onde ela diz ser virgem.
Um receio coberto de sabedoria vindo de uma mulher inexperiente, ela sabe que
não sou homem de me ligar à mulher alguma e pretendo manter esse status de
inviolabilidade sentimental até o fim dos meus dias.
" Sim, nunca fui para cama com homem algum."
Essa frase foi pronunciada de modo rouco acoplado a um tom tímido peculiar de
Paola é muito revelador, atrás da voz inebriante, sua intimidade subitamente
exposta chegou como um sussurro incitante e inesperado, me deixando muito
surpreso e extasiado.
Intocada e pura...
Me remexo incomodado na poltrona, com uma imagem totalmente libertina de
Paola e seu corpo ainda intocado, ela, com sua boca vermelha, arqueando seus
quadris e se oferecendo toda para mim. Com isso, minha imaginação vai ainda
mais longe e chego a sentir o cheiro e o calor de seu corpo nu encaixado ao meu
enquanto a penetro bem devagar, acariciando sua pele na tentativa de lhe dar o
máximo de prazer possível e extraindo pequenos gemidos que me fazem querê-
la ainda mais.
Aperto meus olhos e afasto essa imagem da mente, antes que meu corpo acabe
se excitando como um jovem adolescente em sua puberdade, jamais poderia
imaginar que Paola com toda aquela aparência ainda se mantivesse virgem. Isso
é algo quase inconcebível atualmente, sendo ela uma mulher bela e muito
interessante.
Ao ouvir suas palavras e toda a apreensão envolta em sua declaração, me senti
na obrigação de impedir que ela desistisse do emprego por minha causa, não
haveria cabimento em dispensar a vaga meramente por achar que não podemos
conviver em um ambiente saudável de uma relação patrão/empregada, mais que
depressa, me dirigi até sua casa na intenção de desfrutar do brilho de seus olhos,
encarar sua boca e correr meu olhar por seu lindo corpo virginal e convencê-la
de que sei me portar como um gentleman, quando isso se faz necessário e com
um buquê de rosas e um cartão escrito por mim é que me dirigi até seu
apartamento e pude botar meus olhos mais uma vez em toda a sua beleza. Com
muita sorte, ela acabou aceitando seu emprego e poderei tê-la diante de meus
olhos.
Essa sua virgindade terá os dias contados! Sono sicuro che questa impasse sarà
presto risolta.
[210]

Diversão à parte, desligo a gravação e volto a me concentrar no meu trabalho,


tenho um assunto de suma importância que exigirá muito de mim e antes de
qualquer decisão ou passo a ser tomado, chamo Ignácio e Isaiah em minha sala.
Os dois chegam quase simultaneamente e sentados, exponho o trabalho do dia.
— Alguma novidade sobre Ren Iwasaki? — minha pergunta sai direta para
Ignácio. Girando um lápis entre os dedos, completo. — Esse homem chegou em
Nova Iorque há 5 anos e sabemos de sua crescente escalada em sua organização
que é a Yakuza. Se ele pensa que dominará um território pertencente à nossa
família há gerações, está muito enganado.
— Ele tem evitado falar comigo e diz que só negocia com o cabeça.
— Pois que seja, marque um local e estarei lá para lhe dizer quem manda no
pedaço. Acredito que esse sujeito age por conta própria e nem mesmo a sua
organização têm conhecimento de seus atos contraditórios.
— Está bem e para quando quer esse encontro?
— Para ontem, Ignácio. — falo, exasperado. — Vá e leve Isaiah com você.
Marque esse encontro em um lugar neutro, porém certifique-se de que o local
não possui vínculos com nenhum inimigo nosso.
— Farei isso.
Eles se levantam e sem mais para dizerem, saem designados à incumbência
recebida. Uma hora depois, o telefone de minha mesa toca e é Eurídice dizendo
que há uma moça chamada Nina e que ela deseja falar comigo.
Os documentos levantados por Fauler devem estar prontos para serem analisados
por mim, o senador Hart cumpriu sua palavra e se empenhou intensa e
ferrenhamente na votação para que nossa família pudesse entrar na licitação para
a compra da tal empresa, tudo isso depois de seu pequeno deslize.
Aperto um botão que destrava a porta de meu escritório automaticamente e
espero a chegada de Nina, logo a seguir, duas leves batidas prenunciam que ela
acaba de chegar.
Pigarreio.
— Entre. — com meus olhos atentos a vejo adentrar minha sala com uma pasta
nas mãos.
— Bom dia, senhor Ferraro. — no canto de seus lábios, a marca de um sorriso
voluntário e preciso me avisa de antemão qual a sua real intenção, ao se deslocar
até minha residência.
— Bom dia, senhorita Andersen. — estreito meus olhos ao reparar em seu par de
pernas torneadas e totalmente marcadas pelo tecido de sua saia.
— Encoste a porta, por favor.
Delicada ao extremo, encosta a porta e prontamente volto a travá-la, não quero e
nem pretendo ser interrompido em nossa conversa, arruma uma mecha de seus
cabelos com um charme que lhe é natural.
Nina é uma das poucas mulheres com quem já me envolvi e por quem não fui
acometido pelo arrependimento de tê-la como amante, somos maduros o
suficiente para mantermos a relação em nível aberto e franco. Ela não me
pergunta nada sobre a minha vida e muito menos eu invado a sua, mantemos
nossos encontros exclusivamente cercados de desejo e nada mais. Sendo assim,
não me cobra atenção e muito menos exclusividade, a seu ver, ser noivo de outra
não altera em nada a nossa relação aberta.
Em contrapartida, nos permitimos desfrutar desse desejo, enquanto ele coexistir
entre nós e temos a plena consciência de que um dia, não mais nos veremos sem
mágoas ou justificativas.
— Vim pessoalmente lhe trazer isso. — com uma pasta preta nas mãos caminha
com seu andar estreito em minha direção.
— Adoro profissionais dedicadas. — lhe retribuo um sorriso.
— E eu, clientes atenciosos. — rebate, permanecendo em pé ao meu lado,
deixando sua bolsa sobre minha mesa, de imediato, me entrega a pasta esperando
que eu a abra. Deixo a mesma sobre a mesa e estico minha mão em busca de
seus dedos delicados.
— Não me convida a sentar?
— Que falta de modos a minha? — arqueio minhas sobrancelhas e a puxo para
meu colo, deixando seus olhos nivelados aos meus. Seu riso é abafado por minha
boca que avança sobre a sua no mesmo instante que seus dedos se enroscam em
meus cabelos, me puxando ainda mais para seus lábios famintos, molhados e
quentes.
Seguro seu pescoço buscando um melhor encaixe entre nossas bocas à medida
que sua língua circunda meu lábio inferior e seus dentes o mordiscam levemente
numa carícia lasciva e muito gostosa. Com meus olhos entreabertos, aperto seus
quadris fazendo com que ela sinta meu pau excitado roçando em sua bunda,
deslizo meus lábios sobre seu alvo pescoço e ofegante sugo levemente sua pele
[211]

macia e extremamente perfumada. Sem abrir sua boca, Nina solta uma espécie
de ronronar se contorcendo toda ao sentir minha barba passeando por ali até
chegar no lóbulo de sua orelha.
Desejoso por Nina, minha mão direita sobe por sua coxa invadindo sua saia até
chegar em sua calcinha, afasto o tecido da mesma e me deparo com sua boceta
avassaladoramente molhada e louca para ser fodida por mim.
— Enzo. — como seus lábios colados aos meus, geme ao sentir meus dedos
explorando cada canto de seu sexo excitado.
Subitamente, a coloco em pé e levanto sua saia, afastando o único impedimento
de saborear seu gosto até fazê-la implorar por mais, paro por um momento
admirando sua minúscula calcinha preta toda transparente, me dando a visão
luxuriosa e tentadora de seu sexo.
Colo meus lábios, seu abdômen e continuo a escalar essa região, enquanto ela
joga sua cabeça para trás absorvendo cada toque ou lambida vinda de minha
boca, enrosco meus dedos em sua lingerie e com sua ajuda a desço por entre suas
pernas até chegar ao chão. Dá um passo à frente e a seguir se livra da peça sem
tirar seus olhos devoradores dos meus.
Minha mão sobe pelo seu tornozelo até chegar ao vértice úmido entre suas
pernas e ali, penetro meu dedo devagar e acaricio seu clitóris prestes a vibrar sob
minha mão.
— Erga sua perna. — balbucio, quase incontrolado.
Obedece sem me questionar e nesse instante, minha boca a devora sem nenhum
pudor, minha língua se movimenta verticalmente, arrancando de Nina muitos
gemidos e palavras que me incentivam a continuar e lamber e explorar cada
canto de sua intimidade latejante.
Arqueia seus quadris no mesmo instante, em que suas mãos permanecem
grudadas em meus cabelos.
— Deliziosa... — penetro dois dedos dentro dela e continuo a circular minha
língua com uma fome demasiada e desprovida de qualquer compostura.
— Quero você, italiano mio...
— Ti voglio molto anche oi. — a chupo com mais intensidade e ela se esfrega
[212]

em minha boca buscando seu gozo e antes que eu abra a minha última gaveta
para alcançar um preservativo, ouço uma leve batida na porta de meu escritório.
— Shhh... — deposito meu dedo em seu lábio esperando que ela não faça
nenhum barulho. Mais outra insistente e mais forte batida e Nina se abaixa para
pegar sua calcinha.
— O que foi? — respondo em um tom alto e áspero para me fazer ouvir do outro
lado ansiando que quem quer que esteja do outro lado perceba minha irritação.
— Seu pai deseja lhe falar, senhor Ferraro. Ele está no jardim à sua espera.
Como se não bastasse ser interrompido em um momento quase crucial, a voz
rouca e o sotaque inconfundíveis que atravessa a minha porta é de Paola.
Perdendo todo o clima para prosseguir com Nina, a encaro e me adianto.
— Infelizmente, temos que parar, Nina. — sua írises ainda acesa pelo nosso
desejo, demonstra uma contrariedade natural e sendo assim ajeita sua roupa e a
seguir, os seus cabelos.
— Não precisa se desculpar, Enzo afinal nos precipitamos e acabamos nos
excedendo como sempre.
— Paola, diga a ele que estou indo! — grito.
— Sì, signore. — destravo a porta e me recompondo, passo as mãos por meu
[213]

cabelo.
— Ligarei para você, mais tarde.
— Ficarei esperando ansiosa. — olha mais uma vez para minha mesa e
completa. — Espero não sermos interrompidos em uma outra ocasião, porque
essa mesa me deu ideias nada convencionais.
Ainda com seu gosto em minha boca, toco seus lábios com meu indicador e em
meus olhos tento transmitir uma promessa de realizar seu desejo.
— Quem sabe? — ela morde seu lábio e abaixa seu olhar fazendo charme.
— Estou indo. — pega sua bolsa e caminha para a porta.
— Até depois. — logo a seguir, saio fechando a porta.
Meu escritório é um local muito reservado, onde não é permitido a entrada de
estranhos e tão somente a Eurídice é dada a autorização e permanência para a
arrumação e limpeza.
Deixo o corredor apressado e ao cruzar uma antessala vejo Paola a ajeitar
algumas almofadas em um pequeno sofá.
Parado às suas costas, não resisto e meus olhos acabam se direcionando para os
seus quadris, proporcionalmente arredondados, eles fazem um conjunto perfeito
com sua bunda empinada e firme. Uma bunda digna de uma boa metida de
quatro, enfim, percebendo a minha presença, ela passa o antebraço em seu rosto
afastando alguns fios de cabelos que pairavam sobre seu rosto.
— O senhor deseja alguma coisa? — pode não ser, mas essa pergunta me
pareceu muito subliminar.
Suspiro e respondo.
— Quando for me chamar em meu escritório, não precisa bater mais do que uma
vez, está bem? — com uma inusitada naturalidade, aquiesce com um gesto com
a cabeça.
— Sì, signore, è tutto?
Por que cargas d'água ela resolveu falar comigo em italiano?
— E por gentileza, pode voltar falar comigo em inglês!
— Sim, senhor Ferraro.
Irritado pela maneira polida e impassível com que ela se dirige a mim, giro meus
calcanhares e saio à procura de meu pai que se encontra no jardim. Por enquanto,
deixarei com que a puritana se familiarize com seu trabalho e baixe sua guarda,
só então, colocarei meu plano em prática.
Meu pai me passa algumas orientações sobre o Ren e como sempre, o ouço
atentamente. A seguir, volto para dentro de minha casa e subo as escadas em
direção ao meu quarto.
No caminho, um grito familiar me faz arregaçar as mangas de minha camisa e
adiantar os passos em direção ao quarto de Donatella.

Antonella
Minutos antes...
— Paola, leve esses lençóis lá para cima e me espere no quarto da senhora
Marquetti. Ela já deve ter saído e iremos arrumar o seu quarto.
— Sim, senhora.
Eurídice me entrega a pilha de lençóis limpos e sem mais subo as escadas
entrando no quarto da irmã de Enzo.
O aposento é imenso com uma enorme cama king ao centro, altas janelas
cobertas por cortinas florais e móveis clássicos e de bom gosto. As paredes
mantêm uma harmonia de cores claras que combinam com toda a decoração,
duas portas anexas indicam a existência de um banheiro e a outra deduzo ser o
closet.
Deixo os lençóis sobre a cama e ao me virar levo um enorme susto ao ver um
homem saindo de toalha do banheiro. Constrangida, desvio o meu olhar para a
parede, ele parece se divertir e aproveitar ainda mais da situação.
— Que bom que veio até aqui. — diz, enxugando seu cabelo. — Por favor,
pegue uma camisa azul que deixei no banheiro e leve até a lavanderia. Quero
usá-la ainda hoje.
— Sim, senhor.
Continua a me encarar com sua cara safada e nojenta como se me despisse com
seus olhos, passo por ele e adentro o banheiro não encontrando camisa alguma,
ao me virar para sair do aposento sou impedida pelo sujeito que me cerca com
seu corpo.
— Você deve ser Paola, a nova arrumadeira. — estica seu braço para trás e
encosta na porta do banheiro. — Não posso questionar o bom gosto de meu
cunhado.
— O senhor pode me dar licença?
— Não precisa se assustar, não mordo.
Um pânico toma conta de mim, não quero que esse monte de merda ouse tocar
em um fio de meus cabelos. Dou um passo à frente e ele se aproxima ainda mais.
Como uma mulher se casa e convive com um sujeito como esse?
— Quero somente um beijo, linda e lhe deixo sair numa boa.
— Está enganado a meu respeito, senhor.
— Por quê? — diz, irado. — Só Enzo pode desfrutar dessa sua boquinha, é? —
sem me dar tempo, avança sobre meu corpo, me jogando contra o mármore frio
da parede. Me debato em vão tentando chutá-lo entre as pernas.
— Doce e selvagem! — junto ar em meus pulmões e grito o mais alto que posso.
— Socorro! Alguém me ajude! — ele me segura por trás e mesmo sacudindo as
pernas e ombros para me libertar, Alessio se mostra muito mais forte do que eu.
— Pode gritar, ninguém irá ouvir seu pedido de socorro! Todos estão no andar
inferior, coisa gostosa. — tenta beijar meu pescoço.
— Me solte, figlio di una puttana. — grito, com os dentes cerrados de raiva.
Dispara uma risada asquerosa me encostando na bancada da pia e quando uma
de suas mãos sobe pela minha coxa, a porta é arrombada e a figura de Enzo nos
flagra nessa posição comprometedora.
— Largue a moça, Alessio!! — vocifera.
Os olhos de Enzo reluzem ira e seu rosto todo está contraído num furor prestes
[214]

a eclodir.
[215]

— A mocinha é que me agarrou, cunhado. — ergue seus braços liberando meu


corpo afinal. Enzo se aproxima ainda mais. — Não ouviu o que eu disse?
— Mentiroso! — grito, enfurecida. Enzo dirige seu olhar em minha direção e
sua voz sai mais calma.
— Pode ir, Paola. Terei uma breve conversinha entre família. — passo por ele e
antes mesmo de sair, com muito cuidado segura em meu cotovelo.
— Você está bem? — ainda abalada, enxugo meus olhos molhados de lágrimas.
— Sim, obrigada.
— Que isso, Enzo! — Alessio se pronuncia. — Vai dar crédito para essa mera
empregada? — saio do quarto e vejo quando Enzo o pega pelo pescoço e fecha a
porta.
O único barulho que ouço é o estilhaçar do espelho a ser quebrado e pelos gritos
de Alessio, a conversa não está sendo nada amigável. Consternada, desço as
escadas em busca de ajuda...
Cunhado traiçoeiro

Antonella
Meu coração arremete contra o peito em batidas rápidas e desordenadas,
apavorada, saio do quarto o mais depressa que posso respirando fundo e
tentando me acalmar, minhas pernas que perderam sua firmeza e a cada passo
tenho a impressão de que irei desmaiar.
Ao chegar próximo à escada, fecho meus olhos, enquanto meus dedos agarram
firme o corrimão e estática por alguns míseros segundos, faço um exercício
respiratório para acalmar minha tensão. Com a garganta se fechando e a boca
ressequida, me esforço ao máximo para descer os degraus da escada que
[216]

parecem ser intermináveis na intenção de buscar por socorro.


Se não fosse a chegada repentina de Enzo, ainda me encontraria sob os domínios
daquele nojento, o cheiro da loção de banho de Alessio parece estar
impregnando em meu corpo, me causando uma sensação ainda mais
desagradável.
Aquele homem atravessou os parâmetros da compostura e respeito, me agarrar
daquela maneira dentro de seu próprio quarto, deixa claro o valor de seu caráter,
ou seja, nenhum. Mesmo merecendo uma bela sova, não posso me omitir e
deixar que ele seja massacrado naquele banheiro.
Chegando ao pé da escada quase sem fôlego me deparo com Mercedez e a
senhora Eurídice que, ao me verem, nem imaginam o porquê ostento uma cara
pálida e respiração ofegante.
— Já estava subindo para arrumarmos os quartos, Paola. — Eurídice se adianta
e, mesmo com sua voz pausada e calma, não deixa de me reprimir através de seu
olhar.
— Que cara é essa? — Mercedez, mais sensível e humana, comenta. —
Aconteceu alguma coisa? — ao ver que alguém notou meu desespero mais que
aflitivo, minha voz parece assume um tom de um choro embargado.
— O senhor Ferraro e o senhor Alessio estão se atrancando no banheiro. —
Mercedez torce o nariz e não consegue se conter, acaba pensando alto
novamente.
— Você quis dizer que o senhor Ferraro está batendo em Alessio, não é isso?
Porque o contrário é impossível, o marido de Donatella não soca um mosquito
sequer. — polida e impassível, a governanta finge não ouvir o comentário de
Mercedez.
— Em que banheiro? — leva sua delicada mão à boca e seus grandes olhos azuis
se arregalam. — Mas o que foi que houve?
— No quarto da senhora Donatella. — consigo soltar a voz sem tremer e me
detenho de contar todo o restante da história.
Como vou dizer que o sujeito me agarrou, sem dar uma conotação errada ao meu
respeito?
Será que uma arrumadeira novata teria credibilidade suficiente para não levantar
dúvidas em suas palavras?
— Levei os lençóis até o quarto como a senhora me mandou e o senhor Alessio
me agarrou dentro do banheiro. Para completar a situação trágica e apavorante a
senhora Ferraro adentra o ambiente e não deixa de notar a nossa movimentação e
com uma audição muito aguçada ouve parte de meu relato.
— O que Alessio aprontou dessa vez?
— Seu genro assediou Paola e pelo visto, Enzo está com ele dentro do banheiro.
— Meu Deus!! — sua expressão denota pavor e preocupação. — Enzo irá matá-
lo. — olha para mim sem nenhum sinal de acusação e ergue uma das mãos.
— Eurídice, vamos até lá! — se vira para mim e Mercedez. — Você, Mercedez
ligue para Donatella e peça para que venha imediatamente para casa, enquanto
Paola chamará Isaiah.
— Sim, senhora. — Mercedez responde por nós duas. Com uma das mãos no
corrimão da escada, se volta para sua governanta.
— Vamos, Eurídice.
As duas sobem rapidamente os degraus lado a lado, no mesmo instante que
Mercedez e eu apressamos nosso passo cada uma em sua direção. Ao sair pela
porta lateral da sala principal me deparo com Fabrizio, o motorista da casa.
— Fabrizio, viu Isaiah? — leva a mão aos cabelos.
— Ah, a última vez que o vi estava próximo à garagem.
— Obrigada.
Corro até o local indicado pelo motorista e com quase sem fôlego encontro
Isaiah, conversando com Ignácio e Marcello.
— Com licença. — digo, esbaforida com a garganta seca e muito nervosa. Isaiah
se vira para mim com a expressão do rosto retorcida devido à luz do sol que
incide em seu rosto.
— Paola.
— Por favor, Isaiah, venha comigo. O senhor Enzo está numa briga com o
senhor Alessio e mandaram lhe chamar para ajudar a separá-los.
O rosto dos três praticamente se transfigura em minha frente e fico imaginando
que a vida de Alessio corre mesmo risco, pelo jeito, Enzo Ferraro não é
meramente um homem astuto e galanteador. A face de Isaiah deixa claro que seu
patrão é muito mais perigoso e violento do que qualquer pessoa imagina.
— Vamos, rápido. — diz, Ignácio e os três saem correndo me abandonando.
Passo as mãos por meu rosto, balançando a cabeça para que as ideias se ordenem
em meu cérebro e meu corpo todo pare de tremer. Dobro meus joelhos e apoio
ali minhas mãos mantendo a cabeça abaixada por segundos, puxo o ar
fortemente e em seguida, me endireito tomando coragem para entrar na casa e
ver o que está acontecendo naquele banheiro.
De soslaio,[217]
passo por alguns funcionários e percebo os vários olhares
bisbilhoteiros e maldosos lançados em minha direção e o som de murmúrios se
fazem ressoantes mesmo à uma certa distância.
Acelero o passo e na escada subo os degraus de dois em dois na ânsia de
alcançar rapidamente o topo dela. Atravesso o corredor feito um raio e mesmo
antes de chegar em frente à porta do quarto da irmã de Enzo é possível ouvir os
berros de Isaiah, misturados aos pedidos de socorro de Alessio.
Constrangida por ser a causadora dessa desavença arrebatadora, me aproximo de
Mercedez que observa tudo de um canto do quarto perto da janela.
De onde estou é possível ver Isaiah e os outros tentando deter a fúria de Enzo,
que parece um animal colérico e com uma força acima do comum, o segurança e
treinador o pega pelo braço, porém com um golpe rápido, Enzo o empurra
fazendo com que as costas do mesmo se choque com o mármore da parede.
— Enzo, meu filho, por favor pare com isso. — a mãe de Enzo argumenta.
— Ninguém se meta nessa conversa! — seu maxilar permanece rígido e sua voz
mais grossa do que o normal, seu olhar de intenso brilho frio chega a estremecer
meu corpo o deixando ainda mais gelado. — Sei por que estou fazendo isso e ele
também tem plena ciência do porquê está apanhando, não é seu farabutto?
— Enzo, já chega! — Ignácio com seu jeito manso e ponderado também tenta
trazer Enzo à razão.
— Esse monte de merda irá aprender a empenhar uma palavra e manter-se sobre
ela, Ignácio.
O rosto de Alessio está irreconhecível, não há um só lugar de sua face que não
contenha um hematoma e muito sangue, assim como a bancada da pia e todas as
paredes do claro mármore Carrara, sem contar as mãos de Enzo que estão em
[218]

carne viva. Sua camisa está rasgada, logo abaixo do braço esquerdo e alguns dos
botões antes fechados, agora estão arrebentados deixando à mostra o seu peito
ofegante, essa imagem em nada se parece com o homem gentil e desprovido de
qualquer grosseria.
No momento, Enzo se transformou em um ser sanguinário e isento de qualquer
ato de piedade e arrependimento, a cena que constato a seguir é algo surreal ou
até mesmo digna de filmes de ação, onde um homem apanha a tal ponto de ficar
desacordado. Ele não solta Alessio que se mantém inerte e sem reação aos vários
socos direcionados em seu rosto e corpo, Enzo ergue Alessio do chão pelos
cabelos e faz com que ele o encare, através de seus olhos esbugalhados devidos
aos golpes a que foi acometido.
— Espero que sua cara não volte ao normal, pois não pretendo ver essa figura
nojenta em minha frente nunca mais! — diz, entre dentes deixando transparecer
a sua tumescida jugular e completa ainda. — Só não o mato pela minha irmã e
[219]

pelos seus filhos que ainda o amam, mesmo que você não mereça, sei sterco !
[220]

— Nunca o vi assim tão bravo! — diz Mercedez que rói a unha de seu dedo
mínimo, sem tirar seus olhos vidrados do banheiro.
— Meu filho, por mim, pare!
Adele dirige seu olhar indulgente e com as mãos juntas como se fizesse uma
prece, apela mais uma vez em favor de Alessio. Com as mãos na parte traseira
do pescoço do safado, Enzo o encara debochando de sua sorte.
— Você tem sorte por amar e respeitar minha Mama, do contrário, iria bater em
você o dia todinho até vê-lo sem nenhum dente nessa sua boca depravada. — o
empurra contra a bancada da pia e ele cospe e tosse repetidas vezes como se
tivesse se afogado em seu próprio sangue.
— Darei cinco minutos para trocar de roupa e sair dessa casa. — encara seu
cunhado através do espelho. — Estarei atrás da porta lhe esperando para ter a
certeza de que desaparecerá para nunca mais voltar.
Nesse instante, Donatella entra assustada em seu quarto e pergunta o que está
havendo.
— Esse monte de merda a quem você insiste em chamar de marido, andou se
engraçando com uma funcionária aqui dentro de seu próprio quarto.
— Alessio!!! — sua voz de indignação denota que esse crápula já deve ter feito
isso antes.
— Donatella, me escute meu amor. — Enzo ajeita seus cabelos caídos em sua
testa e a seguir, tira da sua calça um pequeno punhal apontando para Alessio.
— Se ousar a negar a verdade, corto suas bolas aqui na frente de todo mundo,
seu ordinário. — o cunhado corre os olhos por todo o quarto e ao me ver ao
fundo, somente abaixa o olhar e nada diz em sua defesa.
— Ele será expulso dessa casa e se você o defender irá junto com ele. — diz,
enfático.
Passos acompanhados de uma bengala se aproximam causando total silêncio em
todo o quarto. Enzo ergue seu rosto ainda sujo com o sangue de Alessio e o
mantém altivo ao ver o pai adentrar o ambiente.
[221]

Ele olha tudo ao redor, cruzando seus olhos com a esposa, na sequência encara a
filha com um pesar paterno e por último, devolve ao filho um olhar de quem
aprova e assente tudo o que acabou de acontecer nesse banheiro.
— Ouvi parte da conversa e Enzo tem toda a razão. — seus olhos experiente
enfurecidos encaram o genro com um desprezo indubitável. — Você não é digno
de permanecer debaixo desse teto, seu infeliz! Não merece a família que o
acolheu como a um filho.
— Por favor, senhor Ferraro. — a voz de Alessio soa falsa misericórdia e ao
pronunciar essas palavras vejo que em sua arcada há a falta dois dentes. Enzo
bateu mesmo para valer.
— Meu amor, foi mais forte do que eu, me perdoe. — dirige seu olhar
dissimulado para a esposa e sua reação é de uma mulher muito ferida.
Donatella sai do quarto com lágrimas de raiva e orgulho arrasado por um homem
que não deu a ela o seu devido valor. Sua mãe sai atrás da filha, seguida da
governanta e as duas desaparecem pelo corredor. Ignácio e os outros também
pedem licença e fazem o mesmo.
Chega a nossa vez de deixarmos a curiosidade ser menor do que a nossa
sensatez, Mercedez e eu saímos devagar e sua mão se mantém agarrada ao meu
braço esquerdo.
— Que manhã agitada não? — esfrega minha pele tentando aquecer meu braço
que ainda se mantém gelado devido ao nervosismo. — Vamos descer e farei uma
xícara de chá para você. Logo se sentirá melhor. — ficam no quarto, Enzo, seu
pai e o cunhado assediador. Descemos as escadas e mais dois minutos ouço os
vociferados gritos de Enzo.
— Desapareça daqui agora ou eu o mato! — próximo a escada, Alessio o
desafia.
— Você não pode me impedir de frequentar essa casa! — agora vestido, anda a
alguns passos à frente de Enzo, o senhor Victório vem logo atrás e é notório que
de repente, o cretino criou certa coragem para afrontar, encontrando um ponto
fraco para ameaçar aos Ferraro. — Sou pai de Letizia e Pietro e virei para visitá-
los como e quando bem entender.
— Isso é o que veremos, seu stronzo !
[222]

Mercedez e eu, achamos um outro canto escondido para poder ver o desfecho
dessa terrível manhã.
Num golpe com uma das pernas, Enzo passa uma rasteira em Alessio que o faz
rolar escada abaixo, o impacto com o último degrau o deixa estirado ao chão
gemendo sem parar sobre o tapete.
Enzo desce rapidamente e quando chega ao pé da escada, se abaixa e o junta
como se ele fosse um saco de batatas o arrastando até a porta principal, tendo
como espectador o pai que não move um dedo sequer para impedir que Enzo
humilhe o genro ainda mais.
— Fora daqui!
Com um chute na bunda, o expulsa da sala trancando a porta, sem nenhum sinal
de arrependimento.
Desdobra a manga de sua camisa em frangalhos e sobe os degraus, sequer desvia
seus olhos para o nosso lado, ao chegar no andar superior, abraça o pai e os dois
saem conversando pelo corredor.
— Acabou, venha! — minha parceira de trabalho me leva até a cozinha, me
prepara um chá de camomila e me faz tomá-lo todo, conversando comigo até me
ver mais calma.
A auxiliar de cozinha juntamente com a cozinheira, se sentam e me consolam
diminuindo minha culpa pelo episódio ocorrido. Alegam que Alessio estava
acostumado a ter esse tipo de comportamento em outras épocas, portanto poderia
me isentar de culpa. O cara era mesmo um tremendo spudorato. [223]

Não sei como irei encarar a irmã de Enzo daqui por diante, talvez ela mesma me
queira fora dessa casa e esse seria o meu último dia aqui, como arrumadeira.
Mais tarde, terei que relatar a Enrico esse incidente e minha maior vontade é
abandonar essa ideia de querer ganhar dinheiro fácil, se metendo em confusões
altamente perigosas. Outro fator, não menos relevante será agradecer a Enzo
pelo seu cavalheirismo, ao me defender daquele vagabundo e sendo assim estarei
duplamente em dívidas com ele.
Mais tarde, no intervalo para o café, peço licença a Mercedez e me retiro ao meu
quarto, preciso dizer a Enrico o que aconteceu e esperar que um milagre
aconteça e ele me dispense desse trabalho. Ao narrar todos os fatos a ele, minha
mente vaga e a imagem colérica de Enzo agredindo ao próprio cunhado me
deixou muito abalada.
Se ele fez isso com o pai de seus sobrinhos, quem dirá o que fará comigo se
acaso descobrir que estou aqui como uma espiã?
Um calafrio me assombra ainda mais, depois de ouvir da boca de Enrico que
esse episódio contribuiu ainda mais com seu plano. Encerro a ligação ainda não
compreendendo como um cunhado todo estourado foi de alguma serventia para
com o seguimento das coisas. Esse homem só pode ser um doente e eu mais
ainda por aceitar a trabalhar para ele.
Volto ao meu trabalho e durante todo o dia, senti um frio em minha barriga ao
imaginar me deparando com Enzo, depois da surra, ele se fechou em seu
escritório e não o vi até o final de meu expediente. Da pequena sacada que ladeia
meu quarto foi possível vê-lo saindo todo alinhado em seu terno acompanhado
de seus seguranças. Quando houver uma chance, o procurarei e o agradecerei
pelo que fez por mim, mas no momento tudo o que posso fazer é tentar dormir
com um cansaço físico e mental acima da média e sim me deito, pensando no
que o amanhã me reserva.

Enzo
Não foi muito difícil fazer com que minha irmã compreendesse a difícil
permanência de seu marido dentro de nossa casa. Expliquei a ela detalhadamente
tudo o que houve e o que vi e em nenhum momento, Donatella não duvidou da
minha palavra ou até mesmo jogou a culpa em Paola, minha irmã conhece o
marido que tem e isso é fato.
Disse também que ela poderia se mudar para outro lugar se ainda quisesse viver
sobre o mesmo teto que aquele crápula, pois sei que ela mantém algum
sentimento por ele.
Mesmo nunca me apegando a ninguém tenho a ciência de que quando gostamos
realmente de alguém, não deixamos de gostar com um simples click, enquanto
me trocava para me encontrar com Ren num bar no Queens, Donatella não me
questionou e muito menos reivindicou o que quer que fosse a favor de Alessio.
Só então percebi que seu casamento não deveria estar passando por uma fase
muito boa, do contrário ela não iria aceitar o fato de me ver expulsando seu
marido daquela forma.
Conversamos muito e deixei claro todo meu apoio e proteção à ela e em especial
às crianças que não estavam em casa quando o pai foi embora e minha irmã e
principalmente a minha mãe tiveram a incumbência de explicar, sem denegrir a
imagem que eles têm do pai, a sua saída tão repentina.
Elas, diferente da mãe, não aceitaram a notícia de bom grado e assim, tive que
interferir e tentar amenizar o estrago de maneira mais superficial possível, ao
final, prometi aos dois que muito em breve eles poderiam ver o pai.
Donatella deixou meu quarto e sozinho em frente ao espelho de meu quarto,
ajeito minha gravata e penso em Paola, não encontrei tempo e muito menos uma
forma de conversar com ela a sós e assim lhe pedir desculpas pelo modo com
que meu cunhado a tratou.
Ajeito a gola de minha camisa e sorrio, amanhã, arrumarei um jeito e falarei com
ela. Mais do que nunca, tenho certeza de se mostrará grata por ter sido salva por
mim das mãos de Alessio e isso contará e muito a meu favor.
Saio do meu quarto e Fabrizio me espera na garagem
juntamente com Isaiah e meus homens, espero que meu encontro com Ren não
venha carregado de alguma surpresa.

Alessio
Depois de ter sido escorraçado da mansão dos Ferraro, saio pelo jardim e
encontro Marcello me esperando, ele foi incumbido de me levar até um local,
onde possa cuidar dos meus ferimentos.
Minha boca dói tanto que a impressão que tenho é de que levei vários coices no
local, sem contar a perda de dois dos meus dentes.
Marcello me deixa em um hospital e se despede, depois de ser atendido e
medicado, sou dispensado pelo médico plantonista, ao chegar na rua, chamo um
táxi e peço para me deixar em um flat em Manhattan. Pego meu celular e ele
atende em dois toques.
— Precisamos nos encontrar.

— Amanhã, no mesmo local às dez da noite. — como sempre, responde


secamente.
— Está bem.
Desligo e me reclino no banco do passageiro imaginando o dia em que vingarei
todos socos e desaforos ditos por aquele maledetto Enzo Ferraro...
Maledetto pappagallo[224]
Enzo
Me desloco pelo jardim, arrumando meu terno até chegar à garagem, esperando
por mim, todos estão em pé e a postos. Depois do incidente com Alessio,
cheguei a pedir desculpas ao meu instrutor pela forma agressiva com que o tratei
pela manhã. Claro que me conhecendo um pouco, Isaiah relevou o ocorrido e
soube perfeitamente que naquele momento, me encontrava em um estado de
extremada cólera e ninguém em sã consciência, usando somente as mãos,
poderia me deter exceto se me desse um tiro, salvo dona Adele que conseguiu
com sua voz meiga e carregada de desespero fazer com que eu parasse de socar
aquele maldito.
Dentro do carro Fabrizio me olha pelo retrovisor esperando pelas minhas ordens.
— Vamos ao Joe's, Fabrizio!
Aquiesce com um discreto movimento com a cabeça e liga o veículo, o
restaurante italiano escolhido por Ignácio para meu encontro com Ren é perfeito.
Ele fica numa área dominada por nossa família, no bairro do Queens o que
facilita e muito a nossa segurança, Isaiah e Marcello seguem em outro veículo
logo atrás e em poucos minutos chegaremos ao local.
O dono desse restaurante é um associado da máfia e um homem sempre disposto
a colaborar com a nossa gente, espero não encontrar nenhum empecilho e que eu
consiga me fazer entender para esse asiático, Ren terá que buscar domínio em
outros ramos que não sejam os já praticados pela Comissão, ou seja, a Yakusa
teria que abrir espaço na exploração de drogas e a prostituição, ramos estes que
são abominados por meu pai. Se Ren se mostrar resistente à minha oferta,
infelizmente toda a Comissão terá que agir para impedir que eles invadam o
nosso espaço e isso só seria possível armando um ataque direto ao chefe de sua
organização, o oyabun.[225]

Victório sempre teve cuidado e receio ao lidar com essa gente, em nosso
submundo, sabemos que há muitos traidores, mas quando o assunto é a Yakusa
nossos cuidados são redobrados e dessa organização esperamos toda e qualquer
tipo de emboscada.
Dentro do meu paletó, a minha companheira Glock se faz necessária como
também meu velho kubotan. Mesmo preparado para o pior, anseio uma
[226]

negociação pacífica e de proveito para ambas as partes. Quem conhece os


Ferraro sabe que trabalhamos com uma via de duas mãos, onde todos que se
juntam a nós também tem direito de lucrarem. Esse é o nosso lema, por isso
conseguimos um enorme respeito e para não dizer admiração de muitos
associados e membros da famiglia. [227]

Em poucos minutos, descemos em frente ao restaurante, estico meu braço e


verifico as horas, chegamos cinco minutos adiantados e juntamente com Isaiah
procuro uma mesa para nos sentarmos.
O local se encontra praticamente vazio e propício para uma negociação, Joe's é
um lugar simples e que nunca levantou nenhuma suspeita dos federais, muitos
italianos vêm aqui para provar a excelente comida típica italiana.
Um garçom traz o cardápio e o seguro em minhas mãos, corro meu olho pela
variedade de pratos oferecidos e opto por uma entrada tradicional pedindo uma
bruschetta acompanhada de um belo vinho tinto.
[228]

Disfarço ao ver Ren, entrando com outro homem que imagino ser um de seus
seguranças, olho para Isaiah e faço um sinal discreto, os dois se aproximam e os
cumprimento os convidando a se sentarem, eles se sentam e o garçom logo nos
serve. Ren começa a expor o que pensa e se mostra irredutível a aceitar a minha
oferta, a cada frase dele me irrito ainda mais, esse japonês está me irritando e
muito.
Argumento as condições para que a sua organização tenha passe livre pelos
bairros, onde nós dominamos e lhe ofereço a opção de trabalhar em outros
lugares, pois Nova Iorque é muito grande e não se resume somente nessas áreas,
ele insiste em dizer não irá tirar a sua equipe das ruas e que isso é um caso
encerrado.
— Sua última palavra? — sendo assim, peço licença, me levanto e digo que
preciso ir ao banheiro, deixo Isaiah conversando com eles e caminho muito
devagar até o destino.
Empurro a porta e me encaminho até o mictório. Quando me viro para lavar as
mãos, sou agarrado subitamente pelo pescoço, Ren tenta me arrastar contra a
parede e ali tenta me enfocar.
— Acha que conseguirá me matar? — digo, encarando seu reflexo no espelho.
— Não posso responder se não o fizer, não acha? — ao esticar seu braço para me
imobilizar, Ren deixa à mostra as várias tatuagens de sua organização
impregnadas em seu punho. Tento pegar minha arma dentro de meu paletó, mas
percebendo minha intenção Ren se adianta e me desarma jogando minha Glock
num canto qualquer do banheiro.
— Não sabe brigar sem seu brinquedinho, Enzo? Só cria coragem usando uma
arma na cintura?
Aperta ainda mais minha garganta impedindo que o ar chegue em meus pulmões.
Usando de agilidade, com minha mão esquerda alcanço meu kubotan e o aplico
com toda força em um ponto de pressão que liga o antebraço ao seu braço, ele
urra pela dor exercida e afrouxa o seu golpe, saio de seu campo de domínio e
retiro meu paletó.
Pensei que teria um dia calmo, regado a um bom vinho e uma mulher para me
satisfazer, mas se não tenho escolha, vamos lá. Armo meu soco e parto para cima
dele.
Ren reage e acerta meu maxilar, trocamos vários socos e o asiático é muito bom
de briga, golpeia minhas costelas e me encolho ao ser atingido próximo à região
do estômago. Aproveitando esse momento, ele ergue sua perna e tenta me
golpear com seu pé, o que considero um ataque errôneo e impensado, pois na
sequência, consigo segurar seu membro inferior e lhe acertar uma cotovelada na
parte traseira de seus joelhos, quase quebrando seus tendões.
Ren vai ao chão e minha chance de derrotá-lo se coloca de bandeja em minha
frente, montado sobre seu corpo aperto sua pele, logo abaixo do pescoço e ele
fica paralisado com os olhos lacrimejantes de dor. Sempre soube que conhecer
pontos de pressão do corpo humano teria alguma utilidade.
— Mande um recado ao merda do seu chefe! — ele continua imóvel e com a
face empedernida de dor.
[229]

— Vou sair por aquela porta e amanhã não quero um só japonês na minha área,
está me ouvindo? — mesmo sobre tortura, Ren abre um sorriso irônico e meus
dedos apertam sua pele ainda mais.
— Não irá nos impedir! — diz, com dificuldade. — Será necessário muito mais
do que alguns golpes dentro de um banheiro de um simples restaurante para nos
impedir, seu italiano de merda!
Não sei por que todo mundo resolveu ofender a minha descendência hoje! Em
resposta, sorrio de volta e cuspo em sua cara.
— E em algum momento, você pensou que subestimaria sua gente a esse ponto?
— o levanto do chão e o coloco frente ao espelho, ainda segurando em seu
pescoço. — Diga a ele que a sua árvore de inverno pode não sobreviver por
muito tempo. — seus olhos estreitos se convergem e mesmo demonstrando sua
frieza, ele sabe a quem me refiro e engole seco.
— Enquanto você achava que eu tentaria lhe convencer em aceitar minha
proposta e lhe abater dentro desse banheiro, meus homens estão cuidando do
Fuyuki, filho e o homem de confiança de Kurama, com muito carinho. — o
[230] [231]

solto bruscamente e ele puxa fortemente o ar para seus pulmões, ajeito meus
cabelos, pego meu paletó e minha arma caídos ao chão.
— Se vocês não cederem e cumprirem com nosso acordo, já sabe!
— Onde ele está? — dou de ombros.
— Segredo de italiano de merda, como você mesmo disse! — saio do banheiro
como se nada tivesse acontecido.
Isaiah me espera na porta e antes de sair, caminho até Joe e elogio seu
atendimento e a sua discrição, pago a conta acrescidos dos estragos do banheiro
e vou direto para casa.
No caminho, meu celular toca e é Nina, há uma coisa de que não estou gostando
nessa mulher e se ela continuar a ter esse comportamento um tanto pegajoso,
terei que ser franco e não mais me encontrar com ela.
— Não aguentei esperar pela sua ligação e acabei tomando a iniciativa. — aperto
meus olhos e com o celular colado ao meu rosto, lhe respondo com o olhar preso
ao teto do carro.
— Nina, hoje não poderemos nos encontrar.
— Ahhhhh, que pena... — joga charme em sua voz como se isso fosse o
suficiente para me fazer mudar de ideia.
— Estou muito cansado e quero ir para casa.
— Faria uma massagem relaxante e você ficaria novo em folha.
— Não tenho dúvidas disso, mas realmente não nos veremos hoje. — digo,
secamente evitando estender a conversa.
Perceptiva, Nina se despede e assim sigo para minha casa, quero somente o
sossego de uma noite tranquila sem brigas ou problemas. Às vezes, ser forte lhe
causa muito desgaste e ter que demonstrar essa força constantemente me esgota.
Atravesso os portões de casa e depois de dispensar meus seguranças, entro em
casa sem fazer barulho algum.
Em meu quarto, frente ao espelho, vejo o estrago que Ren fez em meu queixo, há
uma marca vermelha sobressalente em meu maxilar direito, nada muito
relevante.
Olho com atenção para os meus dedos que estão inchados e alguns deles
esfolados, a surra em Alessio e uma briga com Ren, deixaram minhas mãos em
frangalhos, retiro meu anel e com um meu roupão nas mãos, saio do quarto em
direção à sauna que fica na parte externa da casa.
Nada como uma boa sauna para relaxar um corpo cansado e a mente com um
turbilhão de pensamentos.
Antonella
Revirando na cama e totalmente insone, ouço quando o carro de Enzo atravessa
os portões da mansão, me levanto e sutilmente observo a movimentação através
da fina cortina de minha janela. Isaiah e Marcello se despedem e o bonitão
violento entra com seu paletó na mão.
Passados alguns poucos minutos, vejo as luzes externas que dão acesso à sauna
se acenderem e mesmo que os poucos arbustos me impeçam de ver tudo ao
redor, uma pequena fenda entre os galhos me dá a visão de Enzo ainda vestido
adentrando o ambiente.
Onde será que ele estava até a essa hora? E com quem? Teria saído a negócios
ou estaria nos braços da branquela schifosa?
Mordo o canto de minha unha e uma descabida curiosidade abate sobre mim,
coloco meu roupão e calço meus chinelos. Fecho a porta do meu quarto
descendo o lance de oito degraus que separam os aposentos das funcionárias, do
térreo, onde fica uma pequena cozinha e o refeitório.
A noite está abafada, porém o céu é digno de se admirar, muitas estrelas cintilam
sem o brilho majestoso da lua. O jardim e toda a residência se encontram no
mais puro silêncio e andando sobre o caminho de pedras que leva à sauna, me
pego com ar travesso, pois sei que as novas câmeras de segurança ainda não
foram totalmente instaladas nessa ala da casa, me escondo atrás de um pequeno
arbusto e erguendo meus olhos, verifico se não há nenhum segurança circulando
por aqui.
Será somente uma espiada rápida e nada mais do que isso, que mal pode haver
em querer ver o senhor irresistível fazendo sauna depois da meia-noite?
Quero ver o que ele esconde por debaixo daqueles ternos impecáveis usados
diariamente, tiro meus chinelos para evitar que a sola mantenha algum atrito
com o piso que antecede o ambiente. Subo os três curtos degraus e muito
devagar levanto meu corpo até a pequena ventarola arredondada e transparente,
meus olhos se estreitam na tentativa de enxergar além da fumaça de vapor
instalada no ambiente.
Nesse instante, eles ficam estáticos e completamente vislumbrados ao ver Enzo
recostado numa parede de mármore, a cabeça pendida para trás e seus olhos
fechados, mesmo não o conhecendo a fundo, a expressão de cansaço fica
evidente em suas marcas de expressão.
Em toda a minha vida, nunca tinha visto um homem tão belo. Sua compleição
física é perfeita em cada músculo que parece ter sido desenhado e cultivado
[232]

por alguma divindade, seu peito suado deixa em mais evidência os pelos de seu
peito agora grudados pelo calor que vem do ambiente, um de seus braços pende
junto ao seu corpo, enquanto o outro permanece sobre seu joelho flexionado e o
que dizer de seu abdômen? Não há nenhum defeito a ser notado e o brilho de
suor que brota de sua pele, permite uma imagem ainda mais sexy.
Ele continua ali absorto e de olhos fechados, não percebendo então que o
[233]

observo. Meus olhos teimosos insistem em permanecerem focados nessa


imagem máscula e tão impactante, do ambiente, sai uma música clássica e me
pego surpresa por um homem como Enzo ouvir esse tipo de canção, engulo em
seco quando meu olhar recai sobre sua coxa esquerda que se mantém esticada e
toda delineada por uma pequena toalha branca que cobre sua cintura. Em
contrapartida e completando essa visão luxuriante, a perna direita permanece
dobrada revelando seus tendões flexionados para qualquer deleite feminino.
Faço praticamente um raio-x completo desse homem esbelto e instigante, noto
também que os dedos de suas mãos estão avermelhados e inchados, então, a
imagem da briga com seu cunhado me vêm à cabeça.
Amanhã, falarei com ele e o agradecerei por ter entrado em minha defesa
naquele banheiro. Não posso ser ingrata, afinal, foi um ato de muito
cavalheirismo, antes de voltar para meu quarto, arrisco erguer meus olhos e dar
uma última espiadinha no monumento e é nesse curto espaço de tempo que vejo
a única peça que cobria seu corpo indo ao chão revelando o que eu ainda não
tinha visto.
Se mole é assim, prefiro não o imaginar em outras condições.
Mama mia!! Dio Santo!!
Constrangida por estar bancando uma de voyeur, vejo que ele se abaixa para
pegar a toalha e antes que vire o seu pescoço e me veja aqui, ando três passos
para trás.
Tarde demais!!
Constato o meu grande erro, esquecendo completamente dos pequenos degraus,
me desequilibro e um tombo daqueles me leva ao chão.
— Ai! — gemo alto e logo, em seguida, tapo minha boca para não ser ouvida
por Enzo. Não posso imaginar a minha vergonha, se ele me flagrar aqui e pior do
que isso abrir a porta e me ver estatelada na escada.
Olho para meu joelho que sangra e mancando me arrasto dali o mais depressa
possível. Ouço passos que vem lá de dentro e imagino que o maledetto ouviu
meu grito. Completamente sem saída, me abaixo e saio arrastando minha perna
que ainda dói pelo choque sofrido ao cair, me escondo debaixo de uma grande
planta e ali fico imóvel quase sem respirar. A porta da sauna se abre e Enzo sai
de roupão olhando de um lado para o outro, desce um degrau e com as mãos na
cintura, corre seus olhos por todo jardim.
Para completar minha desgraça, piso sem querer em um formigueiro próximo ao
caule dessa planta e as maledettas começam a subir por meus pés. Apavorada,
ainda tento afastá-las com as mãos, porém elas estão em grande número e não
consigo evitar que elas me piquem.
Algumas delas sobem por minhas coxas e não consigo descrever a situação
apavorante em que me encontro, Enzo decide afinal sair da escada e volta para a
sauna deixando o caminho livre para minha tão sonhada saída, saio tirando as
formigas de meu corpo, minhas pernas irão amanhecer empoladas, pois tenho
alergia a picada de inseto.
Feliz por escapar das formigas, ando olhando para trás ainda com medo de que
Enzo me surpreenda no jardim e sem olhar para frente, acabo batendo em um
galho onde o papagaio de Letízia dormia tranquilamente.
Não preciso dizer que ao me ver o bicho se debate e fala alto como se corresse
risco de vida.
— Moça! Moça!
Anda de um lado a outro do pequeno galho fazendo um estardalhaço, sem saída,
estico meu braço tentando pegar esse maledetto pappagallo, antes que seja tarde
demais.
Noivado por um fio

Antonella
Se arrependimento matasse, estaria jazendo nesse jardim há alguns minutos.
Por quê? — bato em minha testa várias vezes. — Por que mesmo rolando sem
sono na cama, não permaneci quieta em meu quarto? Por que tinha que sair no
meio da noite para espiar o patrão fazendo sauna?
Agora me encontro em uma saia justa terrível prestes a ser pega, em uma
situação mais do que constrangedora e que não exige nenhuma explicação
decente.
Que desculpa plausível eu teria para estar circulando pelo jardim a essa hora?
Como se não bastasse ter as pernas ardendo e coçando pelo ataque daquelas
formigas, ainda tenho o azar de me deparar com esse bicho nojento, Alfredo
desliza com suas garras para o canto do galho, dificultando a minha missão de
levá-lo dali. Irritada, fico na ponta dos pés e com um pouco de sorte, agarro sua
asa e num movimento brusco, o puxo para meu corpo.
— Letizia!!! — grita o nome de sua dona e não vejo outra saída a não ser tampar
a boca desse animal.
Minha esperança é de que Enzo não saia daquela sauna antes que eu desapareça
daqui, segurando firme em seu bico, me retirando rapidamente dali, o levando
para longe, ele se debate, todavia com seu bico lacrado não consegue soltar
palavra alguma, seu único modo de me atacar é usando suas garras que arranham
meu braço, deixando minha pele coberta por vergões.
Distante e isenta de qualquer suspeita, procuro outro lugar para soltar essa
bendita ave e enfim encontrando uma árvore ornamental, próximo ao meu
dormitório, o seguro com extremo cuidado ainda pelo bico e tento colocá-lo em
um galho fino e de fácil acesso, o desgraçado consegue se soltar e passar suas
garras em minha face arranhando também meu rosto.
— Maledizione ! — balbucio ao mesmo tempo que o jogo diante do pequeno
[234]

tronco. Bate suas asas e voa não muito alto, mas paira em uma outra árvore
distante dali.
Passo a mão em meu rosto que sangra e desisto de correr atrás desse bicho,
minha vontade era colocá-lo em uma panela e deixá-lo ferver com pena e tudo.
Corrijo meu pensamento maldoso, pois adoro animais, todavia quem nunca teve
um acesso de raiva e pensou bobagens um tanto funestas nesses momentos?
Mais tranquila e respirando normalmente, ando a passos rápidos e já em meu
quarto, entro no banheiro para ver o estrago que aquelas garras fizeram em meu
rosto. O sangue já estancado exibe três arranhões não muito extensos, porém
muito visíveis a quem olhar para minha cara.
Torço sinceramente para que ninguém seja curioso e queira saber como adquiri
tais ferimentos, tiro meu roupão e em seguida minha camisola, abro o registro do
chuveiro e sob a água quente, lavo meu braço arranhado e minhas pernas picadas
pelas formigas, terei que passar alguma pomada para que essas marcas não
acabem inflamando, examinando com mais atenção, há sinais de picada até no
vértice das minhas coxas e imagino que se ficasse mais tempo embaixo daquela
planta seria picada até em meu culo .
[235]

Encosto minha cabeça no azulejo branco coberto por flores azuis e desato a rir
de mim mesma, como serei uma boa espiã se não consigo ao menos espreitar
uma pessoa sem me dar mal?
Acho que Enrico não foi muito feliz em sua escolha, ele não sabia o que estava
fazendo ao me designar para esse tipo de trabalho. Ao final disso tudo, espero
não ter perdido nenhum membro ou órgão de meu corpo, ainda debaixo da água
quente, a imagem das formigas se esvai para dar lugar à figura de Enzo nu
deitado naquela sauna. O pouco tempo em que estive a observá-lo foi muito
contemplativo e satisfatório. O ragazzo é literalmente bonito da cabeça aos pés.
Fecho o registro e alcanço minha toalha secando meu corpo e meu cabelo, com
uma escova na mão, desembaraço os fios em frente ao pequeno espelho acima de
uma pequena pia azul, quando olho com mais atenção para minhas orelhas,
constato que em uma delas está faltando o meu brinco favorito, toco no lóbulo
imaginando onde possa ter perdido o objeto.
Esse brinco não tem nenhuma grandeza comercial para mim, mas sim um
enorme valor sentimental, ele foi um dos últimos presentes que recebi de mi
padre e se não o recuperar, ficarei muito aborrecida com sua perda. Coloco meu
roupão e saio do quarto à procura do pequeno brinco, vasculhando em cada
canto até mesmo embaixo dos móveis. Depois de alguns poucos minutos
revirando tudo, nada encontro.
Só espero não o ter perdido no gramado, pois seria impossível recuperar a minha
joia de estimação, com uma única pérola adornada em ouro branco, meu brinco
era uma joia inseparável para mim.
Chateada, arrumo meu edredom sobre o meu colchão para voltar a dormir, três
secas batidas em minha porta me fazem pular em um sobressalto.
Quem poderia bater a essa hora?
Seria Mercedez?
Dou quatro passos em direção à porta e seguro firme na fechadura, sem olho
mágico, me sinto insegura para destravar a mesma e conferir quem estaria do
outro lado, respiro fundo e sem alternativa, abro a porta de uma vez.
— Boa noite. — a figura de Enzo trajando um roupão preto com os cabelos
molhados e penteados para trás fazem meus olhos se abrirem ainda mais, com
seu olhar fixo nos meus, passa a língua pelos lábios ressequidos e
inconscientemente essa imagem desproposital eroticamente instigante me
provoca a querer me deliciar em sua boca, provando assim o seu gosto que pode
ser fatal e viciante como a pior das drogas.
Me retenho a desviar meus olhos da pequena abertura de seu roupão, revelando
uma pequena e tentadora parte de seu tórax divinal.
— Boa noite, posso saber o que você está fazendo em minha porta à essa hora?
Uso de firmeza e austeridade em minha voz, do contrário, ele poderia interpretar
de maneira errônea a minha conduta e isso prejudicaria o meu plano para o
seduzir loucamente. Terei que usar de muita força de vontade, porque a minha
missão não tem sido nada fácil, se ele fosse um pouquinho menos bonito e mais
tapado, eu não teria tanto trabalho!
No instante a seguir, reparo também que seu olhar recai sobre meus seios
cobertos pelo tecido atoalhado de meu roupão e tentando parecer um gentil
cavalheiro, ele usa do mesmo artifício de disfarce usado anteriormente por mim
e divaga seu olhar à parede, para que eu não o julgue antecipadamente antes de
responder a minha pergunta.
Ele cheira a eucalipto e exala testosterona e essa combinação misturada à sua
expressão carregada de cansaço faz de sua imagem algo aguçante e tentadora.
Com as sobrancelhas estreitadas e cenho fechado, enfia uma das mãos no bolso
de seu roupão. Sua voz não emite nenhum significado que aponte uma conotação
de cunho sexual ou de mero interesse.
— Acho que isso lhe pertence. — posiciona a pequena joia entre seu indicador e
polegar e nesse instante crucial o meu brinco se torna uma prova irrefutável e
[236]

contraditória de tudo o que eu tentar argumentar a meu favor. Enzo tem plena
ciência de que eu o observava e assim sendo, um calor atípico do clima e
característico do meu tamanho embaraço, faz com que minha face se enrubesça e
adquira uma tonalidade avermelhada.
Seu olhar observador recai direta e objetivamente sobre meu arranhão e em
minha orelha direita sem brinco, mas para minha total estranheza e confusão ele
simplesmente ignora e dispensa qualquer comentário indiscreto e somente me
entrega o brinco delicadamente na palma de minha mão.
— Muito obrigada, esse brinco tem um valor sentimental muito forte para mim.
— Não precisa me agradecer.
— Preciso sim. — aproveito o ensejo para lhe agradecer por ter me socorrido de
Alessio. — Mais uma vez, obrigada pela forma como me defendeu de seu
cunhado, você tem sido meu anjo da guarda.
Em seus olhos vejo um brilho desprovido de qualquer pudor e em sua boca abre
um sorriso encantador e ao mesmo tempo coberto de libertinagem.
— Não tenho intenção nenhuma de ser um anjo para você, Paola. — rebate,
maliciosamente. Ele sabe usar as palavras e isso me deixa, muitas vezes, sem
saber o que dizer.
— Mas é assim que ainda o vejo.
— Espero mudar seu conceito com o tempo. — respira fundo, soltando o ar
pelas narinas. — Tenha bons sonhos! — pisca para mim e ainda com um sorriso
torto no rosto, enfia as mãos nos bolsos do seu roupão e dá um passo para trás.
— Boa noite.
— Boa noite. — sem olhar para trás, fico o observando até que ele desaparece
pelo corredor.
Sempre fui o tipo de garota com um ponto fraco para os valentões e Enzo é a
cópia explícita do homem que extravasa valentia e dá a quem estiver ao seu lado
o máximo de proteção, fecho a porta do quarto e me encosto na mesma com a
face ainda pegando fogo. Me olho no espelho e constato que minhas bochechas
côncavas ainda denotam um certo rubor. Coloco meu estimado brinco e
[237]

deitada, agarro o meu travesseiro, não demoro muito a dormir e Enzo acaba por
invadir os meus sonhos com seu olhar perigoso e perturbador.
Na manhã seguinte, tomo meu banho e uniformizada sigo em direção à mansão
para mais um dia de trabalho. A governanta juntamente com a cozinheira e a
auxiliar de cozinha conversam e discutem sobre o cardápio do dia, enquanto as
outras se coordenam como iniciarão seus trabalhos.
— Gladys não veio ao trabalho hoje! — diz a auxiliar de cozinha.
Gladys é a copeira, uma senhora muito simpática e que trabalha nessa casa há
muito tempo. Mercedez caminha por entre as outras empregadas e ao meu lado
não consegue ficar quieta.
— O que foi isso em seu rosto?
— Me machuquei.
— Isso eu sei, Paola, mas como conseguiu esses arranhões? — seus olhos
correm por meu rosto e recaem em meu antebraço cheio de marcas.
— Não querendo ser indiscreta. — falo bem baixinho. — Saberia guardar um
segredo. Seus olhos se iluminam de alegria pela chegada de uma fofoca nova,
gosto de Mercedez, mas sua língua é um perigo.
— Claro que sei.
— Sabia que tínhamos algo em comum. — rebato, sorrindo. — Eu também sei e
não pretendo quebrar essa regra no momento. — seus olhos escuros ficam
miúdos e sua boca se retorce contrariada.
— Não quer falar, não fale, ora essa! — ergue os ombros e permanece séria.
A senhora Eurídice passa por mim e encara meu rosto por segundos, porém sua
discrição e profissionalismo a impedem de invadir um âmbito que não lhe diz
respeito.
— Paola, como Gladys não pôde vir hoje, quero que você ajude a outra copeira a
servir o café da manhã!
— Sim, senhora. — se afasta e me deixa ali, atônita, ser arrumadeira é uma
coisa, copeira é outra coisa totalmente diferente.
— Mercedez e agora?
— Não se preocupe, você não irá sozinha, fique tranquila, pois só ajudará a
servir à mesa, não há segredo algum nisso.
Mercedez tinha razão, não encontrei nenhuma dificuldade para ajudar a copeira
servir à mesa. Quando estávamos quase acabando de ajeitar tudo, o senhor
Victório foi o primeiro a se sentar, com seu ar sisudo, ele nos cumprimenta com
sua voz grave e direta. Sua face está abatida deixando claro que seu estado de
saúde não é dos melhores, se serve de seu café e logo chega Enzo para lhe fazer
companhia à mesa. Passa pelas minhas costas e não me olha nos olhos nem por
um segundo.
— Bom dia, Papá. — toca o ombro do senhor Victorio e o beija no alto da testa.
— Bom dia, Enzo. — sorri para o filho e completa. — Correu tudo bem ontem à
noite? — meu ouvido se mantém alerta.
— Tudo certo na medida do possível. — se senta e abre seu guardanapo. —
Ignácio está vindo para cá com mais novidades, parece que os japoneses
retrocederam e seguirão nossos conselhos.
— Isso é muito bom. — segura a mão do filho. — Enzo, você já se mostrou
capaz e sua aptidão para chefiar a Família Ferraro é mais do que evidente. —
Enzo franze o cenho e parece não entender o que o pai tem a lhe dizer.
— Obrigado, meu pai.
— Sendo assim, tomei a liberdade de marcar uma reunião com a Comissão para
lhe passar o comando dos negócios.
— Absolutamente, o senhor ainda é e continuará sendo o chefe de nossa família.
— Enzo parece se irritar com esse assunto.
— Enzo, olhe para mim. — é o que ele faz.
— Estou doente e não tenho mais o mesmo vigor de antes, você sabe disso!
— Está doente, mas irá ficar bom! — é interessante como a personalidade de
Enzo se transforma, seu amor e preocupação pelo pai fazem com que aquela
casca bruta e inviolável desapareça para dar lugar à um filho que teme perder o
seu protetor.
— Está decidido e é a minha última palavra, está bem? — Enzo abaixa seu olhar
e seus lábios se curvam em um sorriso inconformado.
— Me prometa, então que irá se cuidar!
— Isso, eu posso prometer. — o pai segura o filho pelo pescoço e lhe dá um belo
sorriso, é a primeira vez que vejo o patriarca sorrir e essa cena cotidiana em
família me remete à muitas lembranças entre meu pai e eu.
— Ignácio está cuidando de tudo e assim ficarei mais tranquilo quando eu não
mais estiver aqui.
— Quer parar com essa conversa?
— Quem está falando em morrer por aqui? — a voz alegre de Brian chega para
pôr um outro rumo na conversa entre pai e filho.
— Seu paciente moribundo. — Enzo sorri para o amigo que cumprimenta os
dois e se senta ao lado de Enzo.
— Enzo quer que eu viva por um milênio, Brian. Diga a ele que essa fórmula
ainda não foi inventada. — Brian ri e o pai de Enzo se levanta.
— Deixarei os dois tomando café e depois Brian o espero em meu quarto para
receber a minha medicação.
— Está bem, senhor Victório, logo estarei lá. — contrário de Enzo, Brian dirige
seu olhar e disfarçadamente pisca para mim, ele me parece ser um rapaz muito
doce, daqueles que fazem tudo para agradar de modo natural e isso me chama a
atenção.
— Paola, o que foi isso em seu rosto?
Ele tinha que notar?
Vejo que o cretino de Enzo limpa a boca em seu guardanapo, na pretensa [238]

intenção de esconder seu cínico sorriso. Ele sabe o que houve e se manteve
discreto até o momento, porém minha vontade era de jogar café quente em seu
rosto sarcástico.
— Um pequeno acidente. — digo, sem criar alarde. Brian ainda mantém seu
olhar em meu rosto e com o bule de café suspenso no ar, conclui.
— Faço questão de examinar esse arranhão mais de perto.
— Não há necessidade, Brian muito obrigada. — tento não chamar a atenção
para um fato desastroso e que me deixa muito pouco à vontade.
— Irei dar uma olhada mais de perto. — Enzo que antes mantinha seu sorriso de
satisfação em sua cara linda, agora se transfigura e fecha seu semelhante em total
desagrado.
— Não ouviu o que ela disse? Não há necessidade, talvez ela não queira ser
examinada, já pensou nisso?
— O médico aqui sou eu, amigo rabugento e eu faço questão, capisce? — ergue
suas mãos e não mais o questiona.
— Capisco.
— Paola, antes de ir embora, examinarei seu rosto.
— Obrigada, Brian. — seu sorriso largo não me dá outra escolha que não seja
retribuir-lhe o gesto.
— Vocês duas, podem voltar para a cozinha. Quero falar meu amigo em
particular. — diz Enzo dirigindo pela primeira vez o seu olhar para mim. Sua íris
reverbera uma raiva sem sentido.
O que fiz para que ele ficasse assim tão mal-humorado?
Seria ciúmes de Brian? Se for, sinto lhe informar que terei uma arma muito
proveitosa a meu favor, senhor Ferraro e sua atitude foi a maneira mais
admissível que esse mafioso de uma figa encontrou para me retirar de cena.
Mais tarde, conversando com Mercedez, descobri que Brian mora sozinho e que
seus pais morreram há algum tempo. Sua família era muito rica e ele resolveu
cursar medicina contrariando a vontade do pai em herdar seus negócios.
Brian é muito humanizado e deixa isso muito claro quando falamos com ele, não
ostenta o seu dinheiro e muito menos se coloca em uma posição superior pela
sua situação financeira.
Ele cumpriu com sua palavra e veio até mim examinando meus arranhões e as
picadas de minhas pernas, me receitou uma pomada e antes de se despedir me
surpreendeu com um convite inesperado.
— Paola, aceitaria sair comigo qualquer dia desses? — mesmo não sendo
correto, deixei claro que sairia com ele qualquer outro dia.
— Me passe seu telefone e ligarei para a gente marcar um dia para sairmos. —
com seu aparelho na mão, salva meu número em seu celular.
Se for para causar ciúmes que seja bem causado, passo meu número a ele e já
imagino que o italiano irá ouvir toda a nossa conversa. Tomara que no dia do
juízo final, meu julgamento não seja lido em voz alta, ele se despede e volto à
minha tradicional rotina que é a de arrumar a casa e ouvir atrás de portas e afins.
Encontro Donatella pelo corredor e meu corpo todo fica gelado, ela caminha sem
tirar seus olhos de minha direção.
— Bom dia, Paola. — diz sem demonstrar nenhum rancor pelo ocorrido com seu
marido, seu olhar é eliminatório e exibe um ar carregado de espanto. Na certa,
percebeu minha semelhança com a falecida esposa de Enzo.
— Bom dia, senhor Donatella.
Caminha em direção à sala de café e me deixa aliviada por seu comportamento
digno de uma dama, entro em uma pequena sala de música e Mercedez aparece
com seu espanador em riste.[239]

— Mercedez. — falo, enquanto limpo com cuidado o piano da senhora Ferraro.


— O que foi?
— Você deve ter conhecido a esposa de Enzo, não é?
— Sim, eu a conheci e ... — faz uma pausa. — Posso lhe dizer que ela se parecia
muito com você. Não notou como os outros empregados a olham e até mesmo os
membros da família Ferraro?
— Sim, reparei e confesso que ia lhe perguntar se eles costumavam fazer isso
com toda nova funcionária ou era alguma implicância comigo mesmo?
— Vocês são muito parecidas, chega a ser impressionante. — nada digo e
continuo minha arrumação.
— Enzo a amava?
— Agatha?
— Por acaso, ele teve outra esposa? — respondo com ar de deboche.
— Não. — ela ajeita arruma a cortina e recoloca uma almofada que estava fora
do lugar. — Paola, é mais fácil o papa se casar do que Enzo se apaixonar por
alguma mulher.
— Nossa!
— Para você ver como a coisa é crítica.
— Bem deixemos de lado a vida privada do homem e continuaremos a cuidar da
nossa que é manter a casa em ordem, ok? — rebato.
— Tem toda razão.
*****
E assim, meus dias como arrumadeira foram passando, dias estes em que
consegui ganhar a simpatia dos sobrinhos de Enzo. Meu papel de arrumadeira
vai criando raízes e se firmando para que meu plano se mantenha em uma rota
sem erros. Não tive notícias de Alessio e pelo visto ele foi mesmo forçado a não
impor sua presença pela casa.
Enzo agora é o chefe da Família Ferraro, em uma reunião realizada a portas
fechadas em seu escritório, o pai de Enzo repassou a ele todo o controle e
autonomia para resolver os assuntos da família, foi uma tarde muito
movimentada, onde vários senhores velhos e carrancudos entravam pela casa
sem ao menos olhar em minha direção. Era visível a empáfia no andar dos
[240]

mesmos e a soberba estampada em seus olhos.


Nessa mesma noite, usei meu telefone privativo para me contactar com Enrico e
lhe contar sobre a novidade, contei também sobre Brian e sua tentativa de
sairmos juntos. O carcamano com cara de buldogue me incentivou a aceitar as
investidas do amigo na intenção de provocar e colocar em teste o ego de Enzo,
dentro do banheiro e falando muito baixo, encerro minha ligação e me preparo
para dormir.
Uma semana depois, numa determinada tarde, um telefonema curioso chama
minha atenção, a porta do escritório de Enzo permanecia entreaberta, enquanto
Ignácio falava com alguém ao telefone. Com uma flanela e espanador nas mãos
disfarço limpando alguns objetos sobre um aparador que fica no corredor bem
em frente ao escritório de Enzo.
— Quero falar com Agnes por favor, diga que é da parte do senhor Enzo Ferraro.
— alguns segundos se passam e a tal Agnes deve ter atendido a ligação.—Quero
saber se a pulseira que encomendei em nome do senhor Ferraro já está pronta?
Uma ideia ousada, porém, muito arriscada se passa em minha mente. Ouvir o
que Ignácio fala usando uma extensão telefônica. Isso até seria possível em uma
casa convencional, porém em um escritório de um chefe de máfia, isso é
impossível. Portanto me mantenho próxima à porta com o ouvido encostado na
madeira.
— Ótimo, Agnes. Houve uma mudança de planos. — ele ouve sua interlocutora.
— Exato, essa pulseira era para ser entregue no endereço no Harlem, contudo o
senhor Ferraro quer que alguém de confiança de sua loja entregue o objeto em
sua residência ainda hoje. — ele ri ao telefone. — Obrigado por sua descrição,
Agnes. Você será recompensada por isso. — espiando com cuidado, vejo Ignácio
massageando sua têmpora, enquanto fala ao telefone.
— Ótimo, estarei no aguardo, obrigado.
Saio às pressas do local e descubro, portanto, que alguém irá ganhar uma bela
pulseira e pelo endereço inicial de entrega tenho certeza de que não é um
presente para Carol.
Com esse assunto martelando em minha cabeça, penso em alguma forma de que
essa informação chegue até a noiva chifruda. Posso estar equivocada, mas
mulher nenhuma, mesmo se casando sem amor, toleraria saber que o noivo anda
presenteando uma outra com algo tão significativo e para minha maior
satisfação, duas horas depois me deparo com Virgínia adentrando a sala principal
trazendo em sua mão uma pequena sacola com a marca Tiffany's estampada no
papel.
Trocamos um olhar discreto e ela entra pelo corredor acompanhada de Eurídice.
Ignácio a espera no escritório de Enzo e por falar em Enzo. Onde andaria aquele
sujeito? Ainda não deve ter voltado de Vegas.
Meia hora depois, Eurídice conduz Virgínia até a saída. Penso em falar com ela,
mas me retenho é mais prudente usar meu telefone secreto. Lá fora, além de ser
vigiada pelos seguranças ainda teria que driblar as inúmeras câmeras já
instaladas no jardim e quando tenho uma pequena folga, ligo para minha amiga e
descubro o conteúdo em detalhes da encomenda feita por Enzo.
Segundo Virgínia, se trata de uma pulseira toda trabalhada em turmalinas azuis e
brilhantes e um detalhe muito curioso que Virgínia relata pedindo todo segredo
possível, o fecho interno da joia, há duas iniciais gravadas, N.A.
Essas iniciais indicam o nome da dona e que essa pulseira não seria em hipótese
alguma um presente para Carol e sim para a advogada schifosa.
Para receber uma joia como essa, a moça deve mesmo prestar excelentes
serviços e já mostrou que faz isso até como disque entrega e eu como detesto
injustiça, tenho que fazer com que ela fique sabendo desse mero detalhe.
Usando de minha persuasão e da curiosidade extrema de Mercedez, espero uma
oportunidade para atacar.
Nesse mesmo dia fico sabendo pela cozinheira da casa que Enzo dará um jantar
no sábado para marcar a data de seu casamento. Tenho que fazer alguma coisa
para que esse jantar não aconteça, mas o quê?
Na manhã seguinte, percebo uma movimentação diferente na mansão, Dona
Adele e sua filha andam de um lado a outro cuidando de alguns detalhes e isso
tem a ver com o tal jantar de sábado.
Arrumando uma das salas de estar, vejo quando a noiva adentra os portões com
seu carro, ela desce e com seu jeito esnobe entra pela porta principal.
Mercedez segura e limpa um objeto de prata, mas não deixa de notar a chegada
da moça, mais do que depressa, desligo o aspirador de pó e me afasto de meu
afazer. Atenta aos passos de Carol pelo corredor, aumento meu tom de voz na
esperança que ela ouça a minha voz.
— Mercedez, se eu lhe contar um segredo, você me promete que não o espalha?
Automaticamente, como se fosse uma criança ao receber um brinquedo, ela me
olha com um extravagante brilho nos olhos e cruza seus dedos frente aos seus
lábios.
— Juro por Nossa Senhora de Guadalupe.
— Tem certeza?
— Pelo amor de Deus, me conte logo. — coça seu braço e pescoço sem parar. —
Chego a sentir coceira tamanha a minha curiosidade.
— Está bem. — e com a maior naturalidade de uma arrumadeira que gosta de
mexericos, conto à Mercedez o que descobri sobre a tal joia, sem mencionar as
iniciais é claro.
— Nossa que noiva sortuda! — comenta minha parceira de arrumação. — Se eu
ganhasse uma joia como essa não trabalhava nunca mais. — os passos
coincidentemente não mais ecoam no piso frio e presumo que há gente rica e
esnobe que também gosta de fofocas.
— Pois é, vi quando uma funcionária da Tiffany's entrou na casa com uma
sacola em mãos e não resisti amiga. — faço uma pausa e abaixo o tom de voz.
— Abri a caixa e a pulseira é linda. — ela solta uma risada gostosa e me encara.
— Depois a curiosa sou eu. — solta um suspiro resignado. — Gente rica é outro
nível mesmo. — pega sua flanela e volta a polir o objeto. — Eu já fui casada,
sabia? — Mercedez não percebe, porém, a noiva curiosa já se satisfez e por isso
se afasta dali quase imperceptível.
— Não e o que aconteceu?
— O que muitas mulheres como eu já passaram. O caso clichê do homem que
sai para comprar cigarro e nunca mais volta.
— E você nunca mais quis se casar?
— Não. — reafirma sua resposta com um balançar enfático com a cabeça. —
Agora, Mercedez Guerra somente faz sexo quando tem vontade. — acho graça e
rio alto.
Com a certeza de que Carol ficará ansiosa por receber uma joia que já tem dona,
posso dizer que meu dia foi muito lucrativo.

Enzo
Finalizada a negociação com Alfredine, decolo rumo a Nova Iorque. Lá,
resolverei de uma vez por todas a minha situação com Carol, ela se mostrou
muito radiante ao saber que preferi antecipar a data para marcar o nosso
casamento, mal sabe ela o que tenho em mente.
Em casa, mais precisamente em meu escritório, recebo a visita de Ivy.
— Aqui está, senhor Ferraro o conteúdo que me pediu.
— Tudo na íntegra?
— Sim, sem nenhum corte. — pego o pen drive de sua mão e sorriso satisfeito.
— finalmente, irei descobrir o que minha noiva esconde...
Pago a quantia combinada à garota de programa e antes de atravessar a porta,
Ivy lança um olhar sugestivo.
— Precisando de qualquer tipo de serviço, pode contar comigo. — ousada, pisca
e estala sua língua no céu de sua boca. Fecho os olhos e sendo cortês, refuto.
[241] [242]

— Pode ficar tranquila, não me esquecerei do seu nome se acaso precisar de


qualquer serviço.
Ela sai e em seguida, Giorgia, a massagista infiltrada na clínica de Marie entra
em minha sala com informações que completam o meu quebra-cabeças.
Momentos após, sozinho em minha sala, me sirvo de uma generosa dose de
uísque e me sento para ver o conteúdo do pen drive gravado por Ivy.
Como eu suspeitava! A frieza de Carol tem uma justificativa!
Da fruta que eu como, ela devora até o caroço, como diz o velho ditado
popular...
Não vejo a hora de ficar frente a frente com minha noiva no jantar de sábado,
preparei algo muito divertido para ela e Marie irá se arrepender por ter me
escondido a verdade durante esse tempo todo.
Guardo o pen drive e me dirijo para a sala onde me junto aos demais, espero o
nosso almoço ser servido. Abraço minha mãe e a beijo na face lhe roubando um
delicioso sorriso.
Ela, na certa, ficará feliz com o fim de meu relacionamento com Carol e com
relação a meu pai não tenho dúvidas de que me apoiará em minha decisão.
Ao ataque!

Enzo
Sábado...
Prostrado em frente à janela de meu escritório, olho através da persiana a chuva
intensa que começa a cair, as árvores do jardim se agitam com o vento que
tremulam seus galhos e muitos pássaros voam aflitos e se debatem a procura de
abrigo. Ontem à noite, tive uma longa conversa com meu pai, contei a ele que
não mais me casaria com Carol e que nada me faria mudar de ideia. Seu
semblante, naquele momento, se fixou em um rosto endurecido e ao mesmo
tempo carregado de espanto e curiosidade.
Com muita parcimônia, cruzou suas pernas e esperou que lhe contasse o
[243]

motivo pelo qual eu havia tomado tal decisão, em uma conversa franca e sem
círculos relatei a ele, a razão de minha atitude sem nenhuma chance de recuo.
Abismado com minha revelação, meu pai se levantou com certa dificuldade da
poltrona e com três passos incertos diminuiu a distância entre nós.
— Não posso lhe dizer que não fiquei surpreso com tudo o que descobriu e
sendo assim é impossível levar adiante a ideia de uma união. — disse, apertando
meu ombro.
— Sabia que me entenderia, meu pai. — coloquei minha mão sobre a sua e lhe
encarei nos olhos aliviado por ter o seu apoio nessa história.
Antes de sair de meu escritório, deixou claro que não gostaria de que mamãe
ficasse sabendo dessa história na íntegra. O tranquilizei, lhe assegurando de que
mais ninguém da nossa família exceto ele e Ignácio tinham conhecimento dos
fatos. Aliviado pela minha sensatez, saiu a passos lentos apoiado em sua bengala
desaparecendo pelo enorme corredor.
Agora, com as mãos nos bolsos de meu sobretudo e absorto em meus
pensamentos, analiso cada passo a ser tomado logo mais, volto a me sentar e
continuando com minha estratégia, ligo para Marie.
— Enzo! Que surpresa, pensei que nunca mais voltaria a ouvir a sua voz. — do
outro lado, minha ex amante se mostra realmente feliz por saber que não me
esqueci de que ela ainda existe. Ela não imagina o que preparei em troca de sua
ingratidão.
— Bom dia, minha querida, sei que andei relapso em relação a você e espero que
me perdoe. Os meus negócios tomaram muito de meu tempo e acabei relutando
em lhe procurar novamente.
Marie não é tão ingênua quanto demonstra e sabe exatamente que não estou
sendo franco em minha justificativa, ela me conhece um pouco e tem a ciência
de que se não a procurei e me esquivei de nossos encontros é porque encontrei
um outro alguém que supriu o seu lugar e ela tem toda razão.
No momento, Nina e eu mantemos nosso relacionamento muito satisfatório,
porém, meu alvo tem outro nome e um outro rosto, Paola.
Depois que eu pôr um fim nesse impasse chamado noivado, me dedicarei
expressamente na conquista daquela ragazza e tenho certeza de que não
precisarei de muitos artifícios, pois ela deixou transparecer sua ingenuidade
camuflada de esperteza ao tentar esconder que andou me espiando, enquanto eu
fazia sauna. Paola quer se mostrar indiferente a mim, porém tenho convicção que
de algum modo também a afeto, partindo desse ponto que me aproximarei e a
terei toda para mim.
— Relutando? Como assim? — Marie me faz voltar ao exato motivo de minha
ligação, apagando por algum momento a imagem de Paola de minha mente.
— Relutando do verbo relutar. — brinco, na intenção de descontrair nossa
conversa.
— Sei, contudo não me ligou à toa. Eu lhe conheço o que você quer me dizer,
Enzo Ferraro?
— Quero confirmar sua presença no jantar de hoje. — se detém em alguns
segundos de silêncio.
— Eu estarei aí, pode me esperar.
— Ótimo, ficarei ansioso para lhe rever.
— Se eu não soubesse que é um safado, diria que há algo mais nesse seu
interesse por minha presença nesse jantar.
— Ainda bem que me conhece e sabe do real motivo por querer a minha amante
mais perto.
— Sabe que não gosto quando me rotula e se refere à minha pessoa dessa
maneira.
— Me desculpe, fui mesmo grosseiro.
— Mesmo assim, sendo uno stupido, gosto de você.
Marie faz uma voz cadenciada de puro charme e mesmo não tendo intenção
alguma de lhe ser assertivo, devolvo-lhe uma amostra do que é ser
[244]

dissimulado.
— Pode ficar tranquila que mais tarde lhe compensarei por gostar de uno stupido
come me. — me despeço de Marie e quase simultaneamente, Domênico bate à
[245]

porta.
— Estoy aqui, mestre! — usando de seu idioma espanhol fuleiro, adentra a sala
com os braços abertos e seu sorriso nada sincero para com aqueles que cruzam
seu caminho. — Mandou me chamar?
— Sì, sí, llamé. — rebato na mesma língua e ele acha graça.
— O que temos para hoje?
— Quero que junte quantos homens forem necessários. — atento às minhas
palavras, se senta na cadeira em minha frente e cruza suas pernas. — Quero os
melhores, Domênico.
— Para que finalidade. — aperta uma mão na outra estalando seus dedos.
— Quero que invadam três locais e quebrem tudo o que houver lá dentro! —
seus olhos assumem o brilho comum de sua natureza truculenta.
— Só isso?
— Por enquanto, só e não quero que se pareça com assalto, portanto não retirem
nenhum objeto ou até mesmo dinheiro do local, entendido?
— Perfeitamente, Enzo e para quando quer esse pequeno serviço? — estico meu
pescoço, afrouxando o nó de minha gravata.
— Para hoje à noite, mas certifiquem-se de que não há mais ninguém no recinto,
pois não quero que ninguém se machuque.
— Pode contar comigo.
Passadas mais algumas instruções, Domênico deixa minha sala, para encerrar
minha manhã com chave de ouro, faço mais duas ligações importantes. Uma
delas para Nina confirmando sua presença logo mais à noite e a outra para
Monfredine o lembrando de que o espero em minha casa juntamente com sua
mais nova namorada, a bela jovem chamada Ivy, mais um serviço prestado a
mim por ela. Quero ver a cara de minha noiva ao ficar frente a frente com a
moça, com tudo pronto é só esperar para minha grande jogada de logo mais...
*****
Na sala de estar, espero junto de minha família a chegada dos poucos convidados
para meu jantar de noivado. Brian é o primeiro a chegar e se entrosa numa longa
conversa com meu pai, como não sabem de nada a respeito, minha mãe e
Donatella tentam parecer felizes pela minha decisão em marcar a data de meu
casamento, mas é notório a expressão de desagrado de cada uma delas.
A campainha toca e Eurídice se adianta para abrir a porta, a família Sherwood
adentra a sala principal e Carol, inusitadamente, sustenta o que eu poderia
considerar como um sorriso mais ameno e alegre no rosto, mal sabe ela o que a
aguarda.
Seus pais caminham até mim, me cumprimentando e na sequência fazem o
mesmo com todos os demais que estão na sala. Carol estica seu braço
alcançando a minha mão, mantendo nossos dedos entrelaçados no mesmo
momento em que sua boca se cola à minha em um beijo leve.
— Estou muito feliz por nós dois, Enzo. — claro que não poderia deixar minha
noiva sem uma resposta à altura.
— Essa noite ficará gravada em nossas mentes como algo jamais a ser
esquecido, minha querida. — toco seu rosto. — Há uma surpresa lhe esperando.
— digo essa frase provida com um sorriso indecifrável e carregado de más
intenções não decodificadas por minha noiva.
—Tenho certeza de que adorarei a sua surpresa. — diz, esfregando sua mão em
meu antebraço.
Seguido a esse momento, é a vez de Marie entrar pela sala e vir diretamente nos
parabenizar pela noite, ela se mostra um tanto constrangida quando Carol a olha
de modo estranho. A seguir, minha advogada devassa marca sua presença usando
a pulseira dada por mim, há dois dias durante um tórrido jantar em seu
apartamento.
O mais atípico de tudo isso, foi a reação de Carol, ela observa Nina como um
radar e seus olhos pairam diretamente na joia que reluz em seu braço, com seu
maxilar rígido e olhos fulminantes, minha noiva se dirige a mim com escárnio[246]

e desprezo na voz.
— Você anda pagando muito bem aos seus advogados, não é Enzo?
— Não entendi seu comentário. — falo junto ao seu ouvido. Sua respiração se
torna pesada e ela aperta ainda mais nossos dedos com suas mãos suando frio.
Estranhamente, não posso compreender como ela pôde ter deduzido que aquela
pulseira foi um mero presente dado por mim.
— Pago o que todo profissional é digno de receber.
— Sim, claro e imagino que aquela caríssima pulseira de turmalinas faz jus aos
serviços que ela deva prestar a você! — ergue as sobrancelhas se achando no
direito de manter a pose de noiva traída.
— Cada centavo é justificável. — devolvo a resposta em um tom mais severo e
aperto sua mão com força a fim de que essa conversa tome um outro rumo e
assim cesse essa cena de ciúme descabido.
— Espero que não seja essa a desagradável surpresa que havia destinado a mim!
— fala com desdém sem tirar os olhos da amiga que nesse instante conversa com
Brian.
Mas o melhor estaria por vir... Manfredine finalmente chega de braços dados
com Ivy e ao ver a moça entrando porta adentro, as faces de Carol ficam lívidas
como papel.
— Não bastava ter convidado a sua advogada? Precisava convidar esse homem
desagradável também? — me inquire trêmula, tentando disfarçar o seu notável
constrangimento.
— Monfredine é amigo de minha família de longa data e nada mais natural que
ele esteja aqui para me desejar sorte e felicidade em nosso casamento.
— Ele pode ser seu amigo, mas deveria escolher melhor a acompanhante que
está ao seu lado.
— Não o condeno, meu amigo tem um fraco por mulheres mais jovens e
vulgares. — ela tenta sorrir, camuflando o seu mal-estar, mas o sorriso não é
formado em sua boca.
Uma copeira mantém os convidados servidos com bebidas e alguns aperitivos,
enquanto o jantar ainda não é servido.
Dean, o pai de Carol, não esconde a sua alegria ao saber que nossas famílias
juntas darão a ele muito mais retaguarda e poder no comércio clandestino de
exploração de minas de diamante.
Dez minutos depois, Eurídice, discreta como sempre, anuncia que o jantar será
servido e pede a todos que nos dirijamos a sala de banquete, com nossos lugares
marcados, me sento ao lado de minha noiva e em frente à Nina que me olha com
ar de pura luxúria a medida que sinto seu pé roçando meu tornozelo.
Com meio sorriso suspenso nos lábios, pigarreio, levando um cálice de água à
boca no instante em que respondo uma pergunta de meu pai. Para minha
surpresa, vejo Paola entre as copeiras que servem o jantar e me pergunto o que
ela estaria fazendo ali ocupando um lugar totalmente adverso de sua
qualificação, mesmo vestida em um uniforme preto e branco, sua beleza não
deixa de ser notada. Seu jeito delicado e conciso demonstra o quanto ela é boa
em tudo o que faz, meus olhos procuram os seus em vários momentos em que
ela serve os demais convidados, porém em nenhuma das vezes ela retribui
meu gesto me deixando puto em pleno jantar. Minha mãe nota minha cara de
desagrado e chega a inquirir se há algum problema com a comida, ao servir
vinho a Brian, vejo que os dois trocam um olhar carregado de algo mais e
virando o restante do Bordeaux de minha taça, aguardo irritado o momento em
que ela se aproxima, agindo de forma contrária, me serve como a um robô criado
e treinado para tal tarefa.
Minha atenção se mantém focada em meu amigo que não tira os seus olhos da
italiana, terei que ser claro e dizer a ele que esse terreno em que pretende pisar é
muito arenoso e que irá se afundar se acaso não retroceder, Paola será minha a
qualquer custo e mesmo que ele seja meu amigo não posso deixar que atrapalhe
meus planos.
Acabado o jantar, passamos novamente à outra sala e lá, todos esperam meu
lindo discurso carregado das promessas mais superficiais e mentirosas de um
casamento de conveniência, portanto, chega a hora do show começar.
Enquanto alguns ainda se ajeitam e procuram um lugar para se sentarem, peço
licença por alguns segundos e me retiro da sala passando por Marie e colocando
um pequeno bilhete em sua mão, na certa, a sua cachorra de guarda irá perceber
a movimentação e será atraída até a ratoeira.
Entro em meu escritório e alguns segundos após, Marie aparece na porta onde eu
a agarro e prenso seu corpo na parede, esmagando sua boca num beijo sedento e
provocativo, ela abre sua boca e me acompanha apertando meu corpo ainda
mais, abrindo suas pernas para que minha mão escale sua pele e acaricie toda
essa região.
— Que saudade de você... — murmura em meu ouvido, enquanto suas mãos
alisam minhas costas.
— Também estava com saudade de você todinha. — excitada, ela não me
impede de descer as alças de seu vestido e pousar minha boca em seu mamilo
rosado e túrgido de desejo, é nesse instante que Carol aparece e nos flagra
[247]

agarrados como dois animais no cio.


— Mas o que significa isso? — em seus olhos há não somente a decepção de ser
sido traída por mim, mas sim pela sua melhor amiga e amor de sua vida. Marie
se afasta de súbito, limpando sua boca suja de batom.
— Significa que estávamos em um momento íntimo e você apareceu para
empatar a minha foda com sua amiga. — num ímpeto de fúria, ela avança sobre
mim, esmurrando meu peito seguidos de inúmeros desaforos depreciativos.
— Seu imundo! Ordinário. — vocifera, com lágrimas nos olhos.
Seguro seus pulsos a impedindo de bancar a mulher traída e total vítima da
situação. Afinal, tenho que convir e aceitar que Marie estava certa quando dizia
que em nosso caso não havia nenhum inocente.
— Carol... — Marie tenta abrir a boca, porém minha agora ex noiva não
consegue ouvir a nada e ninguém.
— E você, hein? — aponta o dedo para Marie reduzindo a distância entre elas.
— Isso que você chama de amizade? Era assim que demonstrou ser minha
amiga, saindo com meu noivo às minhas costas? Há quanto tempo vocês
andavam me traindo?
— Carol me ouça! — o semblante de Marie transparece verdadeiramente a
tristeza de termos chegado a esse ponto, onde, na certa, ela sabe que perderá a
mim e o que é ainda mais importante, a amizade de anos que se desfaz a partir de
hoje. — revoltada, Carol empurra uma cadeira que vai ao chão e seus olhos
borrados pelas lágrimas convertem toda a sua dor em ira.
— Nojentos, os dois! Sujos. — grita, quase sem voz e por minha vez, me
mantenho encostado em minha mesa, observando até onde ela irá com essa sua
ceninha patética.
— Enzo, sempre fiz vistas grossas às suas traições, porém, dessa vez, você
ultrapassou os limites da canalhice saindo com a minha melhor amiga. — joga
um vaso em minha direção e seu pai acaba de aparecer na porta com os olhos
atônitos ao ver a filha em total descontrole.
— Mas o que está acontecendo aqui? — Carol se adianta e toma a palavra.
— Esse crápula estava me traindo com a minha melhor amiga e acabei de pegá-
los em um flagrante. — Dean recai seu olhar sobre mim como se exigisse uma
explicação. O que é totalmente normal em seu papel de pai.
— Enzo, isso é verdade? — me questiona, dando três passos à frente, fechando a
porta atrás de si. Dean sempre foi muito discreto e sempre evitou qualquer tipo
de escândalo que envolvesse o nome ou algum integrante de sua família.
— Sim, é verdade. — disparo, resoluto.
Incrédulo e com sua face retorcida, se aproxima a passos céleres e a voz alterada.
Carol se encolhe toda e é recebida pelos braços do pai com a respiração ainda
ofegante. No outro canto, Marie se mantém com os olhos cabisbaixos e sem
nenhuma voz ativa que possa ser usada em sua defesa.
— Como têm a coragem de se comportar como um homem tão sórdido no dia
em que decide marcar a data de seu casamento, seu italiano cafajeste?
Bom, acho que todos já se fizeram de coitadinhos demais, chega de ficar calado.
— Não haverá casamento algum, Dean.
— Como não? — bate os braços ao redor de seu corpo. — Temos um acordo
entre nossas famílias e você sabe muito bem que não pode simplesmente romper
assim de uma hora para outra.
— Carol. — me encara, fria e toda dona de si. Nesse momento, a encaro de
volta, com a satisfação de saber que mesmo tendo sido traído não sairei sem
vantagens desse noivado. — Não precisa mentir, chega. O melhor que você tem
a dizer é toda a verdade.
— A qual verdade você se refere? A de que transa com Marie pelas minhas
costas e ainda presenteia sua advogada com uma joia caríssima como pagamento
de seus honorários sexuais, seu idiota!
— A única verdade existente nisso tudo. Nós três estamos numa situação onde
nenhum de nós tem condições de exigir regras de caráter ou conduta.
— Ora, não me venha com essa agora querendo pôr a culpa de suas traições em
minha filha. Se você não é um homem fiel ao menos assuma seus erros, Enzo.
— Isso mesmo, Enzo. — diz Carol. — A única vítima dessa história sou eu e se
me casar com você, terá que me prometer que não mais se comportará dessa
forma.
— Já disse, não nos casaremos nem hoje, nem daqui a um ano. Acabou!!
— Você não pode estar falando sério! Carol se afasta dos braços do pai e se
aproxima de mim. — Posso não o amar e sempre mantivemos isso às claras,
porém todos na cidade sabem de nosso compromisso e agora você quer pular
fora? Posso saber qual a razão por fazer esse tipo de papel covarde? Acaso se
apaixonou por Marie? — solto uma gargalhada alta em sua cara deixando-a sem
entender o que se passa.
— E se eu estivesse apaixonado por ela? O que você faria? — ela engole em
seco.
— Não acredito que faria isso comigo!
— Diga logo a verdade. Está fazendo essa cena toda e não é por ciúme de mim e
sim, por ser sua amiga a estar em meus braços. — Carol tenta reverter o jogo,
porém não sabe o que cartas tenho em minha manga.
— Claro que estou com meu orgulho ferido e me magoei por saber que vocês
estavam juntos e mesmo não te amando, confesso que senti ciúmes de você.
— Bem, acho que não tenho mais nada para fazer nessa sala, estou indo embora.
— Marie se encaminha pela porta e eu a impeço com minha voz.
— Parada aí! Você não vai a lugar algum até que eu diga que pode ir. — volto
minha conversa com minha ex noiva.
— Não irá mesmo confessar o porquê ficou tão descontrolada nessa sala?
— Já lhe disse o porquê ou acha pouco ser traído duplamente pelo seu noivo e
sua melhor amiga?
— Amiga e seu amor platônico, não é mesmo? — Carol desvia seu olhar antes
soberbo e cheio de razão.
— Não seja idiota, não sei do que você está falando.
— Faço questão de explicar, minha querida.
Ando até a minha mesa e abro uma das gavetas. Coloco o pé drive em meu
notebook e com um click, faço surgir na tela um áudio gravado por Giorgia.
Nele as vozes claras de Carol e Marie discutem e minha noiva se declara
perdidamente apaixonada por ela. Na gravação, Marie se mostra espantada e
tenta explicar a Carol que nunca imaginou uma relação contrária à amizade que
mantinha pela amiga.
— Isso é um absurdo! — é a única coisa que Dean consegue articular.
— Ainda tem mais e acho que isso sim é um tremendo absurdo. — procuro o
vídeo gravado por Ivy, o encontro gravado dentro da clínica de Marie. Ao
aparecer as primeiras imagens na tela, Carol, num ataque de surto e vergonha,
alcança o note e o joga com força no chão.
— Isso é uma montagem! — calmamente, pego o telefone e olho direto em seus
olhos.
— Quer que eu chame a Ivy até aqui para esclarecermos isso também?
— Chega, Enzo! Se quer acabar com o noivado, não precisa dessa humilhação
toda.
— Pelo contrário, Dean. Não estou fazendo isso para humilhar a ninguém aqui
nessa sala e sim, para deixar claro que todos nós temos um passado sórdido e
nem eu, muito menos Carol ou Marie devemos nos fazer de vítimas. Todo
mundo aqui tem o rabo preso.
— Eu te odeio, Enzo. — Carol fala algo enfim.
— Isso é muito genuíno de sua parte, pois nem isso eu consigo sentir por você.
Não me veja como um ser machista, pois quem sou eu para lhe condenar por
gostar de lamber uma bela boceta? Eu adoro e você tem muito bom gosto, Marie
é muito bonita! — ela para estática sem saber o que me dizer em resposta.
— Vamos embora dessa casa, minha filha. — Dean segura a sua filha em seus
braços e me devolve um olhar raivoso.
— Espero que depois de tudo o que houve nessa sala, você esqueça de toda a
nossa sociedade. Não negocio com mais com gente sem caráter como você. —
se encaminha para porta agarrado à filha.
— Pensaria duas vezes antes de desfazer nossa sociedade, Dean. — volta seu
corpo e rebate.
— Não tenho medo de você. — com escárnio, respondo à altura.
— Se fosse você não diria isso. — ele sai às pressas sem olhar para trás,
deixando-me a sós com Marie.
— Agora, somos nós dois. — percebo que ela treme da cabeça aos pés.
— Enzo, posso explicar.
— Explicar que acobertava todos os encontros de sua amiga dentro da clínica
que eu ajudei a montar?
— Tente me entender, ela era minha amiga e você o homem por quem me
apaixonei!
— E deixaria que eu me casasse com ela sabendo que ela era apaixonada por
você? Hã? Me diga!
— Eu ia te contar, mas tive medo de sua reação. — a figura de Eurídice junto de
minha mãe aparece na porta e interrompem a minha conversa com Marie.
— Meu filho o que houve? — minha mãe anda até mim. — Carol saiu com seus
pais toda desolada. Eles disseram que não haverá mais casamento e mal se
despediram de todos. Isso é verdade?
— Sim, é verdade. Não me casarei com Carol.
— Mas o que houve?
— Pode me fazer um favor?
— Claro meu filho.
— Dispense os outros convidados e peça desculpas por mim e mais tarde lhe
explicarei o motivo do nosso rompimento. — através dos óculos de minha mãe,
posso ver seus olhos ficarem radiantes com a notícia do rompimento de meu
noivado, o milagre que ela tanto esperava, aconteceu.
— Está bem, meu filho. — beija meu rosto e pede licença para se retirar. Deixa
meu escritório junto com Eurídice e retomo minha conversa com Marie de onde
parei.
— Se tivesse mesmo esse medo todo teria me contado antes. — aperto meus
lábios entre meus dedos. — Saiba que perdeu seu amante e ganhou um eterno
inimigo, minha querida.
— Enzo. — ela se aproxima com as mãos em forma de súplica. — Eu não sabia
que ela era apaixonada por mim, juro. Tomei conhecimento disso há poucos dias
quando alguém a seu comando gravou nossa conversa.
— Não estou questionando que você sabia! Em nenhum momento, a acusei do
contrário. — lhe dou as costas e continuo. — O seu maior erro foi fornecer a sua
clínica para os encontros de Carol. Por esse motivo, demorei tanto a descobrir
que ela me traía.
— Você não pode acusá-la de traição, Enzo. Não vamos voltar a esse ponto, não
é mesmo?
— Não posso acusar, isso é fato e muito menos aceitar que ela fosse minha
esposa. Sabe muito bem que não daria certo. — Marie me abraça por trás.
— Não poderia entregar a minha amiga, será que não entende? — afasto uma a
uma as suas mãos de meu corpo.
— Entendo e você, com certeza, a incentivava a manter seus flertes furtivos na
ingênua ideia de que eu acabaria por descobrir e quem sabe não a abandonaria e
a colocaria em seu lugar?
— Não. Nunca faria isso!
— Você não está lidando com nenhum imbecil, Marie e se fosse realmente
amiga de Caroline a aconselharia a acabar com nosso noivado e não incentivar a
amiga a trair seu noivo.
— Isso não é verdade.
— Quer que eu mostre as outras conversas gravadas por Giorgia? — solta um
suspiro, resignado.
— Acabou para nós, Marie. — seus olhos castanhos límpidos agora se tornam
lacrimejantes e inconformados.
— Por favor, Enzo não quero que me veja como uma inimiga, eu só agi
pensando em tê-lo só para mim. — tenta pegar meu rosto e desvio de seu toque.
— Ninguém me têm, sou dono de mim mesmo para fazer o que bem entender de
minha vida e se fez isso pensando que iria me reter junto a você, cometeu um
grande erro. — para finalizar, completo. — Por favor, saia de minha casa e não
volte a me ligar.
Sem mais argumentos e palavras que me convençam de seus sentimentos, Marie
mantém seu andar calmo e elegante até desaparecer de minha sala. Pego meu
telefone e ligo para Domênico.
— Quero as três clínicas em estado irrecuperável, Domênico.
— Entendido, quando acabar, entro em contato.
— Ok. — encerro a ligação e aperto meus olhos em sinal de cansaço. Caminho
até o bar e encho meu copo de uísque virando o líquido todo de uma vez, meu
sangue circula mais rápido devido ao álcool e mais relaxado me sento no grande
sofá esticando minhas pernas.
Paola volta a dominar meu pensamento e agora que não tenho mais que me
ocupar com assuntos de casamento, será com essa voluntariosa ragazza que
ocuparei todo meu tempo.
Ela não perde por esperar! E por falar em Paola, ando até minha mesa para ouvir
as suas últimas ligações. Estou louco para saber o que ela anda aprontando.
Inocente passeio

Antonella
Tentei coletar o máximo de informações possíveis durante o desastroso jantar
de noivado. Impossível foi me aproximar do escritório de Enzo e me manter à
espreita para ouvir tudo o que vinha de sua sala, pois como copeira tive que
permanecer entre idas e vindas com bandejas e afins acompanhado de um rosto
sem nenhuma expressão. Note que em todas as casas de pessoas abastadas, os
funcionários sempre atuam como se fizessem parte do mobiliário do imóvel,
seriam seres existentes e ao mesmo tempo invisíveis. Na cozinha, a
movimentação também foi grande e tudo supervisionado pela sistemática
Eurídice.
Mesmo sob seus olhos perscrutadores, não teve como evitar que os comentários
rolassem à solta sobre o trágico noivado, nos intervalos onde a governanta
desaparecia da cozinha, a rechonchuda cozinheira aproveitava o momento e
enxugando suas mãos em seu avental fazia as mais absurdas suposições para a
fatídica noite.
Descobrindo ou não a verdade, um fato inegável é que o noivado de Enzo
chegou mesmo ao fim, soube pela outra copeira que o compromisso foi rompido
por parte do noivo e sem nenhuma chance de volta, logo após deixarmos a
cozinha impecavelmente limpa, me retiro para o meu insignificante aposento e
fazendo um balanço da noite que se passou, repasso mentalmente um pequeno
relatório para Enrico, essa ideia de me infiltrar como uma mera funcionária não
está me trazendo muitos benefícios, pois uma arrumadeira é alguém limitado e
monitorada por uma superiora, no caso, dona Eurídice e como poderei descobrir
algo de útil arrumando aposentos sem nenhuma importância e longe de conter
alguma válida informação. Ainda não tive a oportunidade de vasculhar o quarto
de Enzo, Mercedez é a responsável pela arrumação desse aposento e assim
sendo, ando a passos de tartaruga na tentativa de coletar algo que valha a minha
permanecia nessa casa.
Sentada em minha cama, retiro meus sapatos que praticamente trituraram os
meus míseros dedinhos, caminho para meu divã disfarçado de banheiro e ligo o
chuveiro.
Aqui dentro é o único lugar dessa casa onde converso comigo mesma com mais
liberdade e até mesmo uso meu telefone com menos receio de estar sendo
ouvida. Ensaboo meu corpo e uma coisa martela a minha mente.
Qual seria o real motivo do noivado ter sido rompido?
Vi quando a noiva saiu abraçada aos pais sem ao menos se despedir dos
presentes na sala e pude notar também a cara de felicidade enrustida no rosto da
advogada puttana.
Uma coisa é certa, com o término desse noivado, o caminho se torna menos
íngreme e complicado para mim. Só me resta agora, fazer com que ele
[248]

descarte também a franguinha loira, o que não será uma tarefa muito fácil de se
conseguir. Eles parecem manter o relacionamento aberto e esse tipo de relação é
muito confortável para quem não se apega com facilidade, não há cobrança e
apelos amorosos tornando Nina um empecilho mais trabalhoso de ser removido,
mas não impossível.
Durante o jantar, percebi o quanto Enzo tentou ser notado por mim. Seu olhar,
mesmo discreto, me buscava o tempo todo e ao me ver distribuindo sorrisos ao
seu amigo, algo se revolveu dentro dele como uma controvérsia não esperada.
Notei todas as suas risadas e conversas com seu jeito sério e ao mesmo tempo
extrovertido entre família, contudo seus gestos eram forçosamente chamativos.
Ao não ser correspondido como esperava, sua cara se manteve fechada até que
todos deixaram a mesa e se instalaram na sala de estar.
Tenho que confessar que ele estava absurdamente lindo, em seu terno preto,
Enzo exalava sua beleza incontestável e mesmo com sua cara carrancuda, a sua
beleza se destacou naquela mesa e com seu maxilar rígido e cenho sempre
fechado, fez com que pelo cantos dos meus olhos, sem ser notada pelo mesmo,
eu o observasse como se agisse de modo furtivo.
Embaixo da água morna me deixo relaxar por um momento e faço planos para
minha tão sonhada folga de amanhã, ligarei para minha irmã e passearei pela
cidade sem destino certo, enrolada em minha toalha, saio do banho com o corpo
ainda úmido, secando e soltando meu cabelo que se mantinha preso em um
coque.
Meu celular vibra sobre o criado-mudo e reduzindo minha distância até o móvel,
vejo o nome de Brian a piscar no visor. Chegou a hora da diversão, Antonella.
Me sento no colchão e com o aparelho nas mãos, me encosto em meu travesseiro
buscando uma posição confortável para uma conversa muito proveitosa.
— Brian, que surpresa!
— Paola, não incomodo? — seu jeito educado e fofo me faz pensar que se Enzo
fosse assim, talvez eu não tivesse coragem de o enganar, Brian é o oposto
daquele italiano metido a gostosão.
— Você nunca incomoda!
— Queria ter falado com você ao sair do jantar, porém naquele exato momento
recebi um chamado urgente de um paciente em estado grave.
— Pare, não precisa de justificar!
— Preciso sim, gostaria de tê-la convidado para sair comigo, afinal amanhã não
é seu dia de folga.
Olha aí!
Os astros conspirando ao meu favor, Mercedez leu meu horóscopo e a previsão
de hoje diz que o signo de touro teria uma grande surpresa! Depois dessa, até me
animei pensando no dinheiro que ganharei para ajudar a minha irmã.
— Adoraria sair com você! — Respondo depois de uma pausa cronometrada
imaginando Enzo curioso, do outro lado da linha, louco para saber a minha
resposta. — Onde iríamos?
— Gosta de comida chinesa?
— Gosto. — Respondo de imediato.
— Ótimo, podemos passear um pouco pelo Central Park e depois a levarei ao
Main Noodle House, é um restaurante pequeno, mas bem legal aqui em Nova
Iorque. — é a vez de Brian fazer silêncio. — A que horas posso lhe pegar?
— Vamos fazer o seguinte e espero que não me leve a mal.
— O que foi?
— Há uma regra para funcionários da casa, Brian, onde não podemos receber
nenhum tipo de visitas de amigos, parentes e até mesmo namorados, portanto
acho mais conveniente que marquemos um local para nos encontrarmos, assim
não corro o risco de ser advertida pela senhora Eurídice.
— Como quiser, por mim eu a buscaria sem problemas
— Eu lhe encontro no Central Park às cinco da tarde, está bem assim?
— Está ótimo. Até amanhã, então. Um beijo. — faço uma cara marota.
— Outro. — encerro a ligação e me encaminho para a sacada de meu quarto.
Ali, fico olhando o céu nublado, com nuvens espessas que prometem chuva no
decorrer da madrugada.
Debruçada no parapeito de ferro entalhado, me bate uma saudade de minha terra
e de minha tia e irmã que nem imaginam em que enrascada eu me meti. Volto
para o meu quarto me preparando para meu passeio e para o próximo embate
com o senhor Enzo Ferraro.

Enzo
Não sei descrever a sensação que senti ao ouvir a conversa entre meu amigo e
Paola, os dois se conhecem há pouco tempo e mesmo assim, a afinidade com que
ela o trata é impressionante. Ao receber seu convite para sair cheguei a cogitar
que a ragazza fosse recusar de modo educado, mas pelo contrário do que supus,
ela o aceitou de imediato e amanhã os dois irão se encontrar para jantarem
juntos.
Com um dia muito agitado e cheio de contratempos, esse convite aceito por
Paola veio para se contrapor à minha tranquilidade e suposto domingo de
descanso. Com o sangue agitado, saio de meu escritório e me dirijo à minha
academia, depois de um bom tempo socando meu saco de areia, penso em uma
maneira de afastar Brian de meu caminho sem magoá-lo ou até levantar
suspeitas sobre meu interesse em Paola. Com isso, poderei me aproximar dessa
mulher que vem se mostrando reticente ao meu interesse mais que explícito e
notório por ela.
Uma hora depois, exausto, suado e com os pulsos doloridos e inchados, volto
para meu quarto um tanto mais aliviado por saber como agir daqui para frente.
São quase duas da manhã, quando meu celular toca e o nome de meu capo
Domênico, aparece para me pôr a par das notícias.
— Enzo, tudo ok. — duas palavras que dispensam explicações ou que exijam
mais detalhes. Marie conhecerá o sabor amargo por ter me enganado.
— Que bom. — faço o mesmo e não me alongo na conversa. — A propósito,
peça para Virgílio vir ao meu escritório, amanhã logo após o almoço.
— Posso ajudar em alguma coisa? — solícito, Domênico se prontifica a mais
uma incumbência que se faz desnecessária a sua pessoa. Nesse caso, quero
somente alguém para seguir os passos de Paola, nada mais do que isso.
— Esse é somente um pequeno serviço, caro mio e nada referente a sua alçada.
— Pode ficar sossegado que passarei o recado a Virgílio.
— Ótimo e peça para que ele venha vestido de modo casual. Nada de ternos, ok?
— Ok.
Encerro a nossa conversa e instantes depois, de banho tomado, ando até a sacada
de meu quarto e observo tudo ao redor. Todos dormem e um silêncio incômodo
predomina o ar, me deixando ainda mais inquieto. Volto para cama e tento
apagar a minha mente descansando meu cérebro que insiste em permanecer
ativo. Mais tarde, acabo vencido por um sono conturbado e nele, Paola aparece
sorrindo aos beijos com Brian, ao despertar desse pesadelo, esfrego meu rosto
um tanto aliviado e alongando meu pescoço me preparando para uma nova etapa
que se inicia.
Nunca houve, em todo meu histórico de conquistas, uma mulher que se
mostrasse superior e determinasse cada passo da jogada seguinte. Eis que surge
Paola com seu jeito incomum e intuito certeiro, se ela quer se fazer de difícil,
terei que abaixar sua resistência pouco a pouco até que ela não tenha mais força
para tal.
Levanto da cama e meu domingo ensolarado parece prometer algumas trovoadas
e pancadas esparsas, pego meu celular e ligo para Brian. Quero saber se ele irá
me contar sobre seu belo programa de domingo.
— Bom dia, parceiro. — me cumprimenta antes mesmo que eu diga qualquer
coisa.
— Bom dia, meu amigo.
— A que devo a honra de sua ligação matinal? — faz uma pausa. — Aconteceu
alguma coisa com seu pai ? — me inquire como médico.
— Papá está bem na medida do possível.
— Que bom e estou me empenhando para que fique ainda melhor.
— Sei disso. Você está de folga hoje? — entro direto na conversa, sem fazer
muito rodeio.
— Sim, estou.
— Que ótimo! Que tal irmos ao clube mais tarde como nos velhos tempos? —
ele não responde de imediato.
— Não me leve a mal cara, porém hoje não vai dar.
— Não é você que vive reclamando que não o chamo para sair?
— Sim, é verdade, mas tenho um compromisso importante mais tarde. — Sua
voz assume um tom animado e minha cara se fecha ainda mais. Chego a engolir
seco e acabo pigarreando ao celular.
— Pela animação em sua voz, o compromisso deve ser mesmo muito
importante.
— E é.
Ah, meu amigo! Isso não pode dar certo!
— Quem é a moça? Eu a conheço?
— Que moça? — me devolve a resposta com outra pergunta. — Disse que era
importante, mas em nenhum momento eu mencionei que era um encontro com
alguma mulher.
— Se quer manter segredo, não quero forçar a situação para que me conte. — ele
vai sair com Paola e não quis me contar.
Será que pensa que o condenaria por ela não fazer parte do nível social dele?
— Não estou escondendo nada, quer parar? Não é um encontro, só isso!
— Sem problemas, Brian, nosso clube fica para outro dia.
— No meio da semana a gente pode sair para tomar aquele porre. — completa.
— Combinado. — ele se despede e fico remoendo suas palavras tentando
entender a sua atitude.
Por que razão, ele não quis me contar que sairá com Paola?

Antonella
Permaneci em meu quarto a maior parte da manhã, Mercedez toda arrumada,
apareceu por volta das dez horas em minha porta.
— Se arrume, Paola, vamos aproveitar o nosso dia de folga!
— Obrigada, amiga, mas já estou aproveitando o meu, colocando meu quarto em
ordem.
— E você chama isso de folga, vamos se arrume e vamos para o centro da
cidade pegar um cineminha.
— Sinto muito, Mercedez, mas tenho um compromisso mais tarde. — pisco para
ela que levanta as duas sobrancelhas e mantém sua boca aberta num O
maiúsculo.
— Não vai me contar quem é o felizardo? — meneio minha cabeça em uma
efusiva negativa.
[249]

— É somente um passeio inocente, cara mia.


— Eu sei, todo relacionamento tem que começar por algum lugar não é mesmo?
O meu começou quando bebi demais e acordei na cama do sujeito sem saber
como tinha ido parar ali. — faz uma careta distorcida. — Talvez seja por isso
que não deu certo. Não consigo resistir a essa maluca e acabo rindo de sua
própria sorte, Mercedez e seu senso de humor.
— Boa sorte em seu passeio inocente.
— Obrigada. — olha em seu pequeno relógio de pulso e se volta para mim.
— Vou indo, quero aproveitar meu dia de escrava liberta.
— Bom passeio e a gente se vê mais tarde.
Acena com a mão e sai do meu quarto, troco de roupa e resolvo tomar um pouco
de ar lá fora. Ao descer as escadas, vejo Letizia falando sozinha com a sua
boneca de pano. De costas, ela mantém seu monólogo como se existisse um
diálogo entre ela e a sua boneca.
— Camila, o meu só me ligou uma vez desde que foi embora daqui. — não
gosto de pensar que eu seja a responsável pela a saída de Alessio dessa casa.
— Atrapalho? — digo ao me aproximar. Ela se assusta e segura a boneca junto
ao peito.
— Não. — responde um tanto seca, talvez não deva ter gostado de ser pega
falando com a sua confidente.
— Camila é o nome dela? — aponto para a boneca.
Olha para baixo alisando o corpo inerte de seu brinquedo como se ele tivesse
vida. No gramado, há uma toalha estendida e algumas xícaras e bules de plástico
completam a brincadeira solitária.
— Sim.
— É a sua boneca favorita? — me abaixo e permaneço agachada junto próxima
à ela para estreitar ainda mais a nossa conversa. — Eu sempre tive uma boneca
favorita. Seus olhos cintilam e parece que consegui chamar a sua atenção.
— Como se chamava a sua boneca?
— Bianca. — sorrio e ela pareceu gostar do nome. — A gente era muito amiga.
— Era? Não é mais?
— Meu pai tinha um cachorro na época e num descuido meu, ele a encontrou
caída no chão da sala. — dou de ombros. — Aí você pode imaginar o que
aconteceu e o tanto que chorei por saber que o cachorro matou a minha Bianca.
— Coitada e você nunca mais teve outra boneca favorita?
— Tive outras, mas não era como Bianca. Ela era especial como a sua Camila.
— num ato de ousadia, estico meu braço e pego uma mecha de seu cabelo. Para
minha surpresa, ela não se afasta. — Bianca sabia de todos os meus segredos,
éramos muito amigas.
— Camila é a minha melhor amiga, eu conto tudo para ela. — me sento sobre a
toalha e pego o pequeno bule e uma das xícaras vermelhas.
— Posso brincar e tomar chá com vocês?
— Pode. — nesse momento, meu pensamento remonta o tempo em que eu
brincava com minha irmã, Letizia parece gostar de meu pedido e seu sorriso não
é mais tímido, ela sorri com um verdadeiro entusiasmo infantil.
E ali, ficamos sentadas por algum tempo, onde consegui que ela esquecesse da
tristeza pela ausência de seu pai.
Donatella aparece no jardim e noto que ela não está sozinha, acompanhada da
presença do irmão, ele me observa como um cão de guarda em relação à sua
sobrinha. Enzo preza muito a sua família e como eu, faria qualquer coisa para
defendê-la, eles chamam Letizia que agarrada à sua boneca, se despede de mim e
sai correndo ao encontro dos dois. Enzo deposita sua mão sobre o ombro da
garota e antes de sair, dirige seu olhar indecifrável para mim.
Volto para meu quarto e de lá só saio horas mais tarde para meu compromisso
com Brian.
Chego ao Central Park um pouco mais cedo, pois quero aproveitar alguns
minutos a sós para ligar para minha tia em Siena. De um telefone público, ligo
para Itália e fico a par de tudo o que passa por lá, Benício, pelo visto, nunca mais
deu às caras e isso me tranquiliza e ao mesmo tempo me intriga, afinal ele foi
praticamente roubado e 30.000 mil euros é uma razão muito forte para que a
pessoa tenha dentro de si motivos para se vingar.
Não é hora para pensar nisso, se eu conseguir o meu intuito, terei dinheiro de
sobra para devolver a Benício o que lhe foi retirado.
Meu celular toca e é Brian, só espero que não esteja ligando para cancelar o
nosso encontro.
— Paola, onde você está? Já entrei no parque. — explico a ele a minha
localização e em poucos minutos, o vejo caminhando em minha direção.
Ao ver sua figura se aproximando, faço uma análise de seu porte, alto, magro,
porém atlético. Seu rosto afilado, com traços delicados dão a ele uma beleza
[250]

comum, nada que chame muito a atenção. Seus olhos azuis, não podem ser
comparados aos olhos de um outro alguém, aliás, ninguém poderia ser
comparado com o porte daquele carcamano arrogante.
— Você está linda. — beija meu rosto ao ficar frente a mim. Me entrega uma
única gérbera branca, mais um gesto gentil de sua parte.
— Obrigada. — seguro a flor e a levo ao meu nariz.
— Vamos dar uma volta? — me estende seu braço e saímos pelo parque
conversando sobre um pouco de tudo, falo sobre minha vida, ou seja, o que estou
liberada para dizer é claro e ele me conta um pouco da sua paixão pela medicina
e seu maior hobby, coleção de quadrinhos.
Minutos caminhando, nos dirigimos pela saída do parque e meu coração acelera
suas batidas deixando minhas pernas trêmulas e a boca seca ao ver um homem
muito parecido com Benício, ele caminha com um pequeno saco de papel nas
mãos e usando óculos escuros, olha para uma direção contrária à nossa. E
mesmo à distância, confirmo com meus olhos o que temia acontecer, Benício
está em Nova Iorque.
Não posso permitir que ele me descubra logo agora, sem pensar duas vezes,
estaco no caminho e agarro Brian fingindo uma leve queda de pressão. Por
instinto, ele me segura e me leva dali temerosa por ter sido vista por Benício,
mantenho meu rosto afundado no peito de Brian até tomarmos certa distância do
meu alvo.
— Você se alimentou hoje? — mais aliviada, passo a mão por minha testa,
alegando melhorar a ponto de me afastar do seu abraço cuidadoso.
— Acho que não.
— Vamos sair daqui e iremos comer alguma coisa. — nervoso, segura firme em
minha mão, me puxando para fora do local e eu, mantenho meu olhar esguelha [251]

me certificando de que ele não nos viu. — Não pode ficar sem se alimentar,
Paola.
— Pode deixar, doutor! — falo, brincando para amenizar a sua preocupação, ele
me leva até seu carro e abre a porta para que eu entre.
Pelo retrovisor lateral confiro mais uma vez se não fui seguida. Trafegamos por
Manhattan até a Sexta Avenida e ali ele para em frente à um pequeno
restaurante, onde servem comida chinesa. Sentamos e logo somos atendidos,
deixo a encargo de Brian a escolha dos pratos, ele olha o cardápio e escolhe um
prato a base de peixe, para beber, escolhe um tipo de vinho de arroz.
— Sempre vem a esse lugar? — pergunto, observando ao redor as mesas e
decoração simpática do local.
— Sempre que posso. — sorri erguendo uma de suas sobrancelhas. — A comida
daqui é ótima, você vai gostar. — Brian tinha razão, o wontons, servido aqui é
[252]

um vislumbre.
Bebo minha segunda dose de vinho e como a bebida tem um teor alcoólico um
pouco acima do normal, me sinto um pouco mais relaxada e consigo esquecer,
ao menos por hora, de que meu ex está na cidade, mais uma dose e sinto que já
chega.
— Brian, pode me levar para casa?
— Mas já? — seu olhar de decepção é visível, na certa, esperava um algo mais
desse nosso passeio.
— Sim, como não estou acostumada a beber, esse vinho me deixou um pouco
alterada, preciso ir para casa.
— Eu lhe avisei que essa bebida era forte, você não me ouviu. — diz em tom de
brincadeira e ergue sua mão chamando o garçom em nossa mesa para fechar a
conta.
Instantes após, Brian me deixa em frente ao portão lateral da mansão dos Ferraro
e mais uma vez meus olhos inquietos espreitam toda a rua para verificar se não
fomos seguidos.
— Brian, obrigada pelo passeio e peço desculpas se o deixei preocupado pelo
meu mal súbito no parque.
— Adorei sair com você, Paola e tenho um outro convite a lhe fazer.
— Outro? — fixo meus olhos em seu rosto e minha visão um pouco turva
dificulta e muito essa tarefa. — maldito vinho chinês.
— Sim. — segura minha mão direita. — Essa semana, na quinta-feira, receberei
uma homenagem da Sociedade Médica de Nova Iorque, será um jantar e gostaria
muito de que me acompanhasse.
Me reteso toda, afinal esses eventos não são convenientes para uma mera
arrumadeira como eu, pessoas elegantes trajando roupas finas e exibindo suas
joias e adornos. Não me encaixaria num lugar assim.
— Brian, melhor não. Não fica bem você sendo um médico renomado
circulando com uma mera arrumadeira.
— Isso não é desculpa, Paola. Não me importo com esse tipo de coisa. Você
conhece o meu passado e sabe que se eu não fosse adotado, talvez estaria nas
ruas fazendo sabe-se lá o quê! — suspiro e abaixo meus olhos. Ao voltar a
encará-lo, argumento.
— Não teria como me vestir para um evento dessa natureza. — digo,
honestamente. Ainda segurando minha mão, ele acaricia os nós dos meus dedos
e sorri.
— Se esse for o motivo pela sua recusa, pode reiterar uma nova desculpa. Traje
não é desculpa.
— Não estou arrumando desculpa, mas não quero fazer com que se sinta
envergonhado ao meu lado, entende?
— Não se preocupe com isso. Você aceita me acompanhar? — não tendo como
escapar tão fácil da insistência de Brian, acabo aceitando o seu convite.
— Ótimo. — aperta minha mão. — Vyrna, minha assistente entrará em contato
com você para escolher um traje que lhe agrade, está bem?
— Brian, eu não posso aceitar.
— Faço questão.
Terei que ligar para Enrico e dizer a ele que precisarei de algum dinheiro para
esse tipo de eventualidade, afinal de contas, sair com o amigo de Enzo é parte de
nossa estratégia.
Me despeço de Brian com um beijo em seu rosto e ele não tenta nada a mais do
que esse mero contato, desço do carro e deixo o ar da noite refrescar meu rosto
acalorado devido ao álcool. Meus movimentos lentos me impedem de andar
rapidamente e chegando ao pequeno portão lateral para entrada de funcionários,
demoro para abrir o mesmo com chave, tudo porque bebi um pouco além.
Adentro o jardim e cantarolo uma canção que me faz lembrar de minha mãe, ela
sempre cantava Volare, do Gipsy Kings ao fogão, enquanto preparava nossos

deliciosos almoços de domingo.


Volare, oh, oh.
Cantare oh, oh, oh.
Nel blu dipinto di blu.

Felice di stare lassù. [253]

Abro meus braços e arrisco uma meia volta em torno de mim mesma, porém não
estou em condições de dançar sem cometer algum vexame, devido ao meu
equilíbrio duvidoso. Passo pela ala que liga a piscina externa ao dormitório das
empregadas cantando com meus olhos semiabertos.
— Pelo visto, seu dia de folga foi muito proveitoso?
Enzo aparece não sei de onde e se interpõe entre meu caminho, bloqueando a
minha passagem, ele mantém uma toalha branca em sua mão, pela água que
escorre de seu cabelo e escala seu peito nu, deixando seu short de banho colado
em suas coxas, deduzo que ele estava na piscina.
— Muito e se puder me dar licença quero ir para meu quarto, pois estou exausta.
— ele continua imóvel em minha frente.
— Andou bebendo?
— Bebi, por quê? É proibido beber em meu dia de folga? — avanço um passo
para frente e ele nem se mexe.
— Não quis dizer isso, só estava preocupado com você. — enxuga seu pescoço e
completa. — É uma moça sozinha e Nova Iorque é uma cidade muito perigosa.
— Obrigada por se preocupar, mas pelo que vê, estou muito bem. Sã e salva! —
fecho minha cara e tento passar por ele.
— Me dá um beijo! — seus olhos me encaram firme e encontro um desejo bruto
escondido através de suas írises azuis. — estreito meus olhos, mal acreditando
no que acabei de ouvir.
— Por que não pede um beijo para sua advogada? — descanso minhas mãos em
minha cintura, me mostrando resoluta em minha negativa. — Com certeza, ela
não lhe negaria nada. — rebato, demonstrando naturalidade. Endireito meu
corpo e tento passar ao seu lado e nesse movimento súbito, Enzo estica a sua
toalha e a prende ao redor do meu corpo me puxando para si.
— Você tem razão, Paola! — seu corpo molhado fica colado ao meu deixando
marcas de água em minha roupa. Sua boca a centímetros da minha, me causa um
estremecimento inesperado. — Só que há um pequeno, porém... — puxa ainda
mais a toalha reduzindo ainda mais a nossa distância e a essa hora nem sei se
respiro ou seguro o ar de meus pulmões. — Não quero beijar minha advogada e
sim você!
Avança sobre minha boca sem me dar chance de escapar, enquanto um de seus
braços prende meu corpo, sua outra mão segura meu pescoço buscando um
encaixe entre nossas bocas.
Tento resistir ao beijo, porém minha força se esgota ao sentir sua língua com
gosto de malte invadir a minha boca, determinado, firme, invasivo e erótico,
esses são os elementos que acompanham seu beijo intenso. Sua língua procura a
minha e ao encontrá-la a suga com uma precisão estonteante, se eu já havia
beijado alguns homens, devo confessar que nenhum deles me beijou dessa
forma. Enzo, praticamente, me devora com seus lábios e minha reação é enlaçar
seu pescoço, invadindo meus dedos em seus cabelos molhados, ele solta um
gemido de sua garganta e isso me coloca em um estado de alerta. Me prendendo
entre sua fortaleza de músculos, sinto sua excitação se avolumar entre suas
pernas. Se continuar agarrada a ele nesse jardim, darei a ele a certeza de que
também o desejo e não é assim que devo me portar diante de seu convencimento
natural, portanto ainda me resta uma saída, me livrar de seus braços e me fazer
de indiferente ao seu beijo que me deixou tonta.
Empurro seu corpo forte e ele me fita atônito, porém há um quê de vitória em
sua boca curvada e em seus malditos olhos experientes.
— Saia da minha frente!
— Como quiser! — passa a mão pelos lábios e se afasta do meu caminho. Ando
sem olhar para trás com meu corpo todo pedindo por ar, um pouco mais distante,
ouço sua voz cretina.
—Tenha uma ótima noite e ..., obrigado pelo beijo.
Desaparece entre as folhagens do jardim, entro em meu quarto arrancando minha
roupa molhada, me jogo na cama irritada e com o corpo trêmulo. Até o efeito do
álcool se esvaneceu depois desse beijo.
Amanhã, ele que me aguarde! Se pensa que me dobrará com migalhas de sua
arte de conquista, está muito enganado. Para me conquistar, ele terá que mostrar
muito mais do que um beijo roubado e carregado de luxúria.
Enzo, Enzo... Agora, você encontrou uma mulher à sua altura...
Amigo fura olho

Enzo
O gosto de sua boca ainda queima em meus lábios como um metal em estado
líquido, descalço, a passos lentos a caminho de meu quarto, enxugo minha pele
molhada e impregnada com o cheiro doce de Paola.
Mesmo se debatendo contra um desejo evidente e palpável, pude sentir sua
apreensão misturada ao anseio de descobrir, o que mais eu poderia oferecer a ela,
além de um beijo carregado de tesão. Ao segurar sua nuca, constatei pelas pontas
de meus dedos que sua pulsação totalmente descompassada a tirava do prumo,
assim como meu corpo todo se agitava quando minha língua sugou a sua
extraindo tudo o que havia de luxuriante nesse beijo.
Ao se afastar de mim, seus olhos dilatados e brilhantes tentavam camuflar o que
seu corpo teimava em esconder. Excitada, seus mamilos a denunciaram quando
despontaram, através do tecido molhado de sua camiseta e não querendo parecer
fraca ao se entregar a um beijo que a levaria à completa perdição, optou por fugir
e sair às pressas antes que algo mais intenso acontecesse. Paola me intriga em
todo o seu conjunto e ainda não sei explicar o que realmente me incita a querê-la
tanto.
Ela não cabe em um exemplar de mulher sedutora tão comum em meu convívio,
sua beleza não é estonteante como as inúmeras mulheres que tive o prazer em
seduzir, porém há em sua essência uma aura ainda indecifrável que me faz sentir
atraído e ansioso por desfrutar dessa incógnita fascinante. Através de Virgílio
fiquei a par de todos os seus passos junto de Brian, eles passearam, conversaram
e jantaram juntos em um restaurante chinês, enquanto meu amigo a trazia para
casa, eu entrava na piscina e nadava feito um louco para extravasar a minha
impotência em não poder impedir Brian de se aproximar de Paola.
Pude ouvir seus passos incertos adentrando o jardim acompanhados de sua voz
rouca cantarolando feliz e somente a sua presença foi suficiente para que eu a
buscasse sem nenhum receio ou planejamento.
Simplesmente quis beijar sua boca e a beijei. Beijei com a vontade de um
adolescente que o faz com uma garota pela primeira vez, com a sede de
desvendar o que há por trás de seu gesto de ingenuidade e com a curiosidade em
saber se algo mudará depois de tudo.
Quero ver como ela se portará diante de mim a partir de agora. Será arredia ou se
aproximará?
Quando se trata de Paola, essas são perguntas nas quais não tenho resposta
objetiva imediata, pois ela sempre me surpreende revolvendo dentro de mim um
misto de desagrado e ânsia de poder. Desagrado por não ser receptiva como
espero e uma ânsia de poder conquistá-la, me tornando dono de todo seu desejo.
A água gelada cai do chuveiro molhando meu corpo acalmando aos poucos
minha pele febril, minha mente não consegue se desconectar daqueles lábios
macios prontos para me levarem à uma loucura imediata e incurável. Se eu não
tiver Paola, não terei paz!
Saio do banheiro e já vestido com minha calça de pijama, me deito em minha
cama apoiando a cabeça com meu antebraço. Com meu olhar absorto aguardo
meu sono que chega devagar e permite que eu seja digno de meras horas de
descanso.

Antonella
Ainda com o impacto do beijo de Enzo instalado em meus lábios, tomo meu
banho quente e me preparo para dormir.
Então, nesse momento, a imagem de Benicio andando naquele parque faz com o
beijo do perigoso italiano se torne assunto para ser digerido em segundo plano,
pois se meu ex namorado me encontrar nessa cidade, tudo voa pelos ares e não
haverá nem beijos roubados no jardim e muito menos emprego que se sustente
com esse indício iminente rondando a minha falsa identidade.
Em pé ao lado da cama, tomo a decisão de ligar para Enrico, acredito que a
chegada de Benício pode ser considerada uma emergência, arrasto com cuidado
a pequena cômoda próxima à janela e me agacho para poder pegar o meu celular
clandestino que fica preso com uma fita no fundo do móvel.
Com o celular na mão, entro no banheiro e aperto a tecla do número de Enrico e
ele me atende em dois toques.
— Aconteceu algo grave para me ligar a essa hora? — sua voz demonstra uma
preocupação misturada com rispidez.
— Sim. Aconteceu. — rebato, enfática.
— O que foi dessa vez?
— Vi uma pessoa do meu passado que mora em Siena passeando no Central
Parque. — ele vai direto ao ponto.
— Quem é ele?
— Meu ex namorado. — respiro fundo. — A quem eu devo 30.000 mil euros.
— Ele sabe seu verdadeiro nome?
— Não, mas sabe que tenho uma irmã com problemas de saúde e por isso o
roubei.
— Sua irmã sabe da existência dele?
— Sim, ela sabe e confirma que meu nome é Paola.
— Hum... —fica em silêncio por míseros segundos. — Me mande uma foto
desse sujeito e fique tranquila, pois ele não será um problema para nós.
— Irá matá-lo? — acabo soltando a pergunta sem querer. — ele solta uma risada
sinistra.
— Ele é pacífico? — pergunta.
— Sì.
— Então, não se preocupe! Resolverei da melhor maneira possível. Mande a foto
para que eu e meus homens possamos localizar o sujeito. — muda de assunto
repentinamente. — E seu passeio com o tal Brian como foi?
— Correu tudo bem, Enzo me pareceu enciumado quando cheguei. — evidente
que não narrei a Enrico que fui agarrada e beijada até ficar sem fôlego.
— Continue com essa jogada, pelo jeito Enzo convencido como ele só, não gosta
de ser colocado de lado.
— Está bem e ..., tem outra coisa.
— O que foi?
— Fui convidada pelo amigo de Enzo para ir a um jantar na quinta-feira e acho
que precisarei de dinheiro para comprar algo decente para comparecer a esse
evento, não acha?
— Onde será o evento?
— Brian não me passou todos os detalhes, mas faz questão de pagar a minha
roupa.
— E você?
— Na hora, acabei aceitando, contudo, pensando bem não me sinto à vontade
com isso!
— Aceite! — diz, resoluto.
— Não acha melhor que eu compre algo com meu próprio dinheiro?
— Antonella, veja bem... — ouço a tragada de seu cigarro. — Você estava
procurando emprego porque se encontrava em uma situação financeira difícil e
de repente tem grana para comprar algo caro para comparecer à uma festa como
essa? Hã? Não acha que poderia levantar suspeitas? Uma arrumadeira com
roupas finas? — Enrico tem razão.
—Tem toda razão, não havia pensado por esse lado.
— Deixe que Brian compre o seu traje e tenho a certeza de que isso é a melhor
coisa a ser feita.
— Está bem.
— Enzo irá a esse evento?
— Não tenho ideia. Pode ser que o amigo o convide. — respondo sem nenhuma
hipótese formada sobre o assunto.
— Se ele acaso for convidado, na certa não lhe convidará.
— Sei disso.
Ele não levaria a arrumadeira em um evento, onde somente pessoas importantes
circulam e fingem ser amigas umas das outras. Enzo levará a branquela schifosa.
Um diferencial entre Enzo e seu amigo, em nenhum momento, Brian se mostrou
preconceituoso em relação à minha posição social, no fundo, isso me deixa
magoada. Saber que pessoas são rotuladas e desagregados meramente por uma
condição social, é uma pena, porém é a realidade.
— Se ele for, ficará surpreso de se deparar com sua presença no local. Não se
mostre inferior e nem lhe de extrema atenção. Aja naturalmente como qualquer
convidada.
— Nem precisa me ensinar, eu sei exatamente como me portarei nesse evento.
— Confio em você.
— Bem, isso era tudo que eu tinha para lhe contar.
— Qualquer contratempo, entre em contato.
— Va bene. — encerro a ligação, tomando cuidado ao recolocar o aparelho em
seu esconderijo de origem.
Me deito entre os lençóis e logo adormeço para mais um dia de trabalho como
arrumadeira e espiã na casa dos Ferraro.
Bem cedo, me coloco a postos em meu uniforme dentro da mansão, Mercedez
aparece e para meu espanto e alegria, ela me pede ajuda para a arrumação dos
quartos da família.
— Mercedez. — chama a senhora Eurídice. — Vocês podem começar pelo
quarto do senhor Enzo. Ele já se levantou e está na academia com seu treinador.
— Sim, senhora. — Mercedez concorda com a cabeça e se vira para mim. —
Paola, vamos?
— Sì, andiamo! [254]

Próximo ao corredor onde ficam os aposentos da família, minha parceira de


trabalho para de empurrar o carrinho com os produtos de limpeza.
— Irei começar pelo quarto das crianças que já saíram para a escola e você pode
começar a trocar os lençóis do quarto de Enzo. — meu coração chega a dar um
salto pela ansiedade em poder revirar o santuário do gostosão irresistível.
— Está bem.
— Aqui, coloque esses lençóis! — me entrega uma pilha com roupas de cama
limpas e cheirosas, antes de adentrar o quarto, ela me adverte.
— E por favor, não toque em nada! — faço um sinal afirmativo e compreensivo
com a cabeça e abro a porta.
Meus olhos correm vislumbrados pelo ambiente luxuoso, carregado de classe
com o toque elegante e austero da personalidade de Enzo, decorado com cores
sóbrias e móveis modernos e arrojados, a atmosfera do ambiente denota
exatamente o gosto de Enzo aqui. Uma enorme cama divide o quarto e logo atrás
há uma prateleira com alguns objetos em tons preto e dourado que ornamentam e
dão um ar de requinte estilizado. Caminho devagar e minhas narinas captam o
cheiro de seu perfume pairando sobre o ambiente.
Deixo a pilha de lençóis sobre a cama e começo a minha busca por informações
que possam ser úteis para Enrico, sobre um pequeno aparador, vejo um porta-
retrato com a imagem de seus pais, é a única foto do ambiente.
Sem encontrar nenhum vestígio que o incrimine, caminho em direção ao seu
closet que faz jus ao tamanho do quarto e à elegância do dono, é inegável que
Enzo é extremamente vaidoso em relação ao seu modo de vestir e ele não faz
questão de esconder esse detalhe.
Suas camisas estão organizadas por cores, assim como suas camisetas das mais
claras as mais escuras, assim como seus ternos, alinhados e arrumados em
simetria, suas inúmeras gravatas aparecem dispostas por cores e texturas em
compartimentos feitos sob medida para cada uma delas, meias e cuecas seguem
o mesmo padrão, ou seja, não há nada fora do lugar.
Os sapatos também mantêm um padrão de organização por cores, estilos e
modelos que vão dos clássicos italianos ao velho tênis de corrida.
Abro todas as gavetas e em nenhuma delas encontra alguma pista substancial a
ser considerada, sigo para o banheiro todo em mármore preto e branco e alguns
poucos detalhes em dourado.
Diante da bancada com várias gavetas, meus olhos se acendem na ânsia de
encontrar algo. Na primeira gaveta há objetos de higiene pessoal como creme
dental e uma pequena caixa de primeiros socorros, aspirinas e lenços de papel.
Na outra gaveta à esquerda, um barbeador elétrico e um conjunto de navalhas de
prata, toco o frio objeto com as pontas de meus dedos e imagino Enzo em frente
a esse enorme espelho com o rosto coberto por espuma com seu cenho fechado
totalmente concentrado se barbeando. Essa imagem trivial remexe em meu
interior como uma visão sexy de um cotidiano masculino. Outras gavetas são
vasculhadas e sem sucesso me vejo desapontada por não cumprir o meu exímio
papel de Bond Girl, porém posso me dar por satisfeita no quesito revirar o quarto
do chefe e matar a curiosidade sobre seus costumes e peculiaridades. Abro a
última gaveta e nela há inúmeros preservativos e um tubo de lubrificante,
arqueio minha sobrancelha e fecho a gaveta apressadamente, ao que parece, o
mafioso se previne.
Em pé, corro meus olhos sobre a bancada toda branca contendo alguns perfumes
e loções masculinas.
Pego um dos vidros de perfume em minha mão e arrebatada por uma comichão,
que vai além da curiosidade, abro e com os olhos fechados aspiro o cheiro já
conhecido por mim. Tampo o vidro e volto o mesmo em seu lugar de origem, em
seguida, pego a sua loção pós barba e repito o mesmo gesto abrindo o frasco e
espalho uma pequena porção sobre o dorso de minha mão esquerda e com a
direita esfrego o cremoso líquido até que ele seja absorvido por minha pele.
Encosto minha pele cheirando a Enzo próximo ao meu nariz e antes mesmo que
eu possa me deleitar com a fragrância masculina, meus olhos cruzam o espelho e
os mesmos se arregalam por ver o dono do quarto encostado no batente da porta
sustentando um olhar cretino e um meio sorriso curvado em sua boca bem feita.
Usando seu kimono de Jiu Jitsu, mantém braços cruzados com a cabeça pendida
para frente me encarando com o olhar cabisbaixo, no mesmo instante que seus
cabelos em desalinho cobrem sua testa quadrada lhe dando uma imagem jovial e
desprovida de qualquer ameaça aparente. Assustada e constrangida por ser pega
nessa situação, endireito meu corpo e pigarreio buscando em meu cérebro algo a
dizer, que ao menos disfarce o meu vexame.
— Essa não é a minha favorita! — descalço, seu andar confiante reduz a nossa
distância e meu corpo parece derreter diante da sua proximidade devastadora,
estica sua mão alcançando o frasco tombado sobre a pia, recolocando o mesmo
em seu lugar de origem.
Minha vergonha é tamanha que consigo sentir meu rosto quente, frente as
minhas faces avermelhadas e boca quase sem cor, ao mesmo tempo que evito
erguer meus olhos e fitar duas turquesas insolentes que não se desviam de mim
nem por um segundo sequer. Sua respiração quase toca meu rosto e sem
nenhuma reserva, sinto seu polegar soerguer meu queixo nivelado meu olhar
[255]

ao seu.
— O que fazia em meu banheiro?
— Sou arrumadeira e é óbvio que estava colocando em ordem. — respondo sem
pestanejar.
— Boa resposta e se eu a beijasse aqui e agora?
— Receio que teria uma grande surpresa, senhor Enzo! — ele não se atreveria a
me agarrar dentro desse lugar, seria uma atitude torpe e incondizente com seu
porte de cavalheiro.
— Paola? Você está aí? — fecho meus olhos, soltando um suspiro aliviado por
ouvir a voz salvadora de Mercedez adentrando o quarto.
— Aqui!...No banheiro! — automaticamente, Enzo solta meu queixo e se afasta
me dando a passagem necessária para minha saída do ambiente. Ao chegar na
porta, diz em tom de promessa.
— Essa conversa ainda não acabou, Paola. — fecha a porta do banheiro e ando
ao encontro de Mercedez que não deixa de notar a minha expressão um tanto
assustada.
— O que houve mulher? Parece que viu um fantasma? — fala baixo ao
deixarmos o quarto de Enzo sem arrumação.
— Antes fosse um! Vamos sair daqui! — desço as escadas e na sala de estar
encontro o senhor Victório, lendo seu jornal como de costume. Ele me encara
por entre as páginas do periódico e me pergunta.
— Você é a moça que veio da Itália, não é mesmo?
— Sim, senhor, sou de Florença. — solta um riso nostálgico como se essa terra
lhe trouxesse boas lembranças.
— Gosto muito da Toscana.
— Anch'io.
— Está gostando de trabalhar aqui?
— Estou sim, senhor.
— Que bom. — sem mais nada para dizer, me retiro.
— Com licença. — me dirijo para a cozinha e retomo meus afazeres até que em
determinado momento recebo uma ligação da secretária de Brian, Vyrna. A
mulher tem uma voz firme, de tom nasalado, ela continua com seu discurso
direto.
— Paola, sou secretária do Doutor Brian e estou ligando para saber qual a
medida do seu manequim e alguns detalhes sobre o seu gosto.
Passo minhas medidas para ela que parece anotar tudo precisamente. Ao final, se
despede e agradece pelas minhas informações.
Continuo meu trabalho, evitando ao máximo a presença daquele cretino.

Enzo
Flagrar Paola em meu quarto até que foi divertido. Sem perceber a minha
presença, sua reação natural foi algo muito interessante para mim que a
observava há segundos. Mais tarde, irei falar com ela, agora, tomarei um banho e
depois começarei a minha rotina. Tenho um assunto corriqueiro para acertar, mas
que tende a me render muito.
Um homem que acaba de se tornar membro da Família quer falar em particular
comigo, Alvin foi ingressado na máfia, há pouco mais de um ano e vem dando à
família uma margem de lucro muito satisfatória, portanto não me custa saber o
que ele tem a tratar comigo.
Momentos mais tarde, enquanto troco de roupa, me lembro da conversa que tive
com Isaiah durante nosso treinamento, Isaiah se manteve distante e por mais de
uma vez o levei ao chão com muita facilidade.
— Onde está o meu treinador? — perguntei de imediato. Ficou em pé e arrumou
seu traje tentando se recompor da última queda.
— Me desculpe, Enzo mas é que estou com um problema de ordem pessoal que
está me deixando relapso. — saí do tatame e limpando meu rosto, me arrisquei a
invadir sua privacidade.
— Posso saber de que se trata esse problema?
— Minha mulher e eu iremos nos separar.
— Isso é sério? — com os olhos estreitadas, olhei em sua direção mal
acreditando no que acabei de ouvir. — Vocês se davam tão bem! — reafirmei.
— Pois é, porém de uns tempos para cá, tudo vem mudando e achamos que a
melhor solução é nos separarmos.
— Mas... — relutei e acabei perguntando. — Você a ama? — Isaiah não é muito
de sorrir e assim, me encarou sério e rebateu.
— Não. Nosso casamento chegou mesmo ao final e só há uma coisa que me
deixa impossibilitado e irritado com essa situação.
— E o que é?
— Lyz quer ir para o Texas levando nossos filhos para a casa dos avós.
— Não tentaram um acordo melhor?
— Ela está irredutível e diz que é sua última decisão.
— Quanto mais ouço histórias como essa, mas arredio eu fico em relação ao
matrimônio. Já imaginou se minha mulher me diz que irá embora e levará meus
filhos para longe? — Isaiah acabou rindo.
— Teria pena dela. — comentou.
— Jamais admitiria que ela afastasse meus filhos de mim. Ela não teria forças
para lutar contra a minha vontade.
— Mas eu não sou como você e mesmo muito triste por me distanciar de meus
filhos sei que no momento é o melhor para eles. Mesmo sabendo que sentirei
muita falta deles, com os avós eles terão uma vida muito melhor do que a que
eles têm aqui. — dei de ombros e me encostei em uma bancada.
— Não sei o que lhe dizer a respeito, porém se precisar de qualquer ajuda é só
me dizer, está bem? — foi a maneira que encontrei para lhe dar apoio.
— Obrigado, Enzo.
Agora, descendo as escadas para meu escritório, procuro pelos cômodos da casa
a ragazza atrevida na esperança de continuar a nossa conversa anterior, porém
não a encontro em nenhum dos aposentos aqui embaixo.
Meu celular toca e é meu amigo Brian, dentro de minha sala o atendo.
— Bom dia, amigo. — abro o botão de meu terno antes de me jogar em minha
poltrona.
— Bom dia, Enzo. Como passou seu domingo?
— Muito bem e o seu?
—Tranquilo, sem nenhuma emergência. — Brian me parece mais alegre que o
costume e só posso atribuir a essa alegria descabida o fato de que saiu com Paola
na tarde de ontem.
— Enzo, não quero tomar o seu tempo.
— Relaxe, não estou tão ocupado assim.
— Liguei porque tenho um convite para estender a você.
— Convite? — tamborilo meus dedos sobre a mesa ao passo que me mantenho
atento ao convite que vira.
— Sim. — faz uma pequena pausa. — Receberei uma homenagem da Sociedade
Médica na quinta-feira e gostaria muito que você como meu melhor amigo
estivesse lá.
— Onde será?
— No Four Seasons em Manhattan, gostaria muito que você fosse.
— Sabe que sou avesso a esse tipo de evento.
— Sim, eu o conheço bem.
— Se eu lhe disser que recusarei seu convite.
— Bem, como meu amigo, esperava que gostaria de me ver recebendo um título
importante.
— Não sou fã desses títulos, Brian. Por mim, sabe onde esse povo poderia enfiar
essas medalhinhas e honrarias. — ele solta uma gargalhada.
— Sei disso, seu arrogante, mas não pode fazer isso pelo seu velho amigo?
— Realmente?
— Tem direito a levar uma acompanhante, se quiser.
— Brian, eu agradeço o convite, mas acho que deixarei para uma próxima.
— Tudo bem. — se mostra decepcionado. — Quem sabe em uma próxima. —
de repente, solto uma pergunta que muda todo o rumo de nossa conversa.
— Já tem acompanhante? — falo em tom de brincadeira.
— Irei com uma amiga. — responde, seco.
Pelas minhas últimas informações coletadas no telefone de Paola, não me
recordo de ter ouvido Brian a convidando para um evento como esse. Na certa,
ele não teria coragem de se expor com uma moça de baixa estirpe perante toda a
sociedade. Paola é uma mulher maravilhosa, mas não deixa de ocupar o cargo de
arrumadeira e isso é um ponto muito delicado para alguém com o nome de
Brian. Sair para um passeio no Central Park é algo totalmente diferente do que
exibir uma moça simplória em um evento como esse.
— Repensando em seu caso, aceito seu convite.
— Ah, amigo! Não imagina como fico feliz!
— Não me agradeça, espero que a bebida valha a pena.
— O melhor scotch, não irá se arrepender.
— Quinta, a que horas?
— Às vinte e trinta.
— Estarei lá.
— Obrigado mais uma vez, Enzo. — desligo e arrasto meu telefone até mim,
ligo para o escritório de Fauler e peço para falar com Nina.
Em segundos, sua voz macia atravessa meu ouvido, poucos minutos de conversa
e a convido para me acompanhar ao evento de quinta-feira, o que ela aceita de
imediato.
Nina, além de linda, é elegante e faz jus ao status de uma bela acompanhante.
Não haveria melhor companhia no momento, encerro a ligação e meu celular
volta a tocar, número desconhecido.
— Alô. — digo sem pestanejar.
— Seu desgraçado!! — Marie e seu ataque de fúria. — Como teve coragem de
fazer o que fez?
— Perguntei a mesma coisa no sábado e você não me convenceu em sua
resposta.
— Você destruiu todo meu patrimônio, seu miserável.
— Não faça tanto drama, afinal você deve ter seguro que cubra essa pequena
brincadeira e se acaso ele não cobrir, seu amor é milionário e não medirá
esforços para lhe ajudar! — respondo, sarcástico e giro na cadeira, impaciente.
— Isso não ficará assim, Enzo.
— Esperarei sua retaliação, passar bem, Marie. —desligo em sua cara. Me
levanto da cadeira e Ignácio aparece com uma pequena pasta na mão, ando ao
seu encontro.
— Fiz tudo exatamente como me pediu.
— Otimo, quero ver Alessio na lona! Com os seus caminhos se fechando, ele
não terá como se manter por muito tempo.
Nos três dias em que se seguiram, Paola me evitou ao extremo e não houve um
só momento em que eu pudesse falar com ela a sós e com isso, chego à
conclusão de que não sou homem de andar atrás de mulher alguma, ainda mais
uma empregada de minha casa. Não faz sentido algum rastejar por uma noite de
sexo com uma arrumadeira.
Mulheres dispostas a isso se encontram aos montes e assim sendo, não irei me
mostrar interessado a ponto de me expor. Sendo virgem, Paola pode criar ainda
mais problemas para mim e de confusão prefiro me manter longe.
Aperto o nó de minha gravata e com as chaves do meu carro nas mãos, saio
diretamente para o endereço de Nina, onde ela me espera para o jantar no salão
do Four Seasons.
Em frente ao hotel, estendi meu braço a Nina e seguimos pelo saguão dele, ela
estava muito provocante em seu vestido vermelho e ele me fez ter ideias muito
sugestivas para logo mais.
Transitando pelo salão, Nina e eu cumprimentamos alguns conhecidos em
comum e buscamos a mesa que Brian reservou para nós, a música ambiente é
agradável e a maioria das pessoas presentes fazem parte de um contingente
desconhecido para mim, são donos de hospitais e médicos conceituados que
conversam animados sobre os assuntos relacionados em sua área.
— Onde estaria Brian? — Nina toma seu champanhe correndo os olhos pelos
convidados.
— Não tenho a mínima ideia. Ele não costuma se atrasar, mas deve estar
circulando por aí. — Provo o uísque servido e realmente Brian tinha razão, é um
ótimo escocês. — Logo, ele estará aqui.
— Olhe lá, ele está vindo! — diz Nina. — E trouxe uma linda acompanhante
com ele.
Procuro meu amigo na direção apontada por Nina e meus olhos não acreditam
no que acabam de ver, minha acompanhante não deve ter reconhecido a mulher
ao lado de Brian, porém eu reconheceria aquele corpo mesmo de costas em uma
multidão.
Brian circula entre as pessoas de braço dado com Paola, ele me vê e os dois
caminham até mim, viro o conteúdo do copo e estendo a mão ao garçom pedindo
uma outra dose.
Esse jantar não será nada digestivo!
Os dois chegam em nossa mesa e Brian arrasta uma cadeira para que Paola se
sente.
— Desculpem o atraso. — se adianta Brian e sua voz parece estar a quilômetros
de distância daqui.
O vestido preto de Paola é justo e o decote entre seus seios é um desaforo aos
meus olhos, produzida assim, sua beleza toma uma outra forma a meu ver e se
senta de modo elegante.
Brian ergue seu copo e nos propõe um brinde, pelo canto dos lábios, Nina
murmura.
— Essa moça não é a...
— Ela mesma. — digo, seco. — Brinde!
— Um brinde a nossa amizade! — Brian é o primeiro a erguer seu copo.
Paola me olha e dentro de seu olhar há algo desafiante que agita minhas veias,
ergo meu copo, erguendo minha sobrancelha e brindo com os demais.
Ao meu amigo fura olho!! — penso.

Pensava que essa mera arrumadeira sairia de meus pensamentos e ao ver sua
figura em minha frente, tudo se modifica e pronto para uma nova luta, me coloco
em posição de ataque.
Paola não pode me trocar por Brian! Não posso admitir tal coisa...
Perda de controle
Antonella
O desconforto causado por minha chegada com Brian fez com que o clima em
nossa mesa ficasse muito estranho e desagradável e nesse ínterim, ele limitou-se
a fazer o papel de anfitrião perfeito, não deixando que esse incômodo visível no
rosto de Enzo acabasse com a nossa noite conversando com todos, trazendo
assuntos divertidos e variados para dissipar o ar carregado em que pairava no
ambiente.
Só que isso não resolveu muita coisa, pois Enzo continuou com sua expressão
aborrecida, falando em monossílabos e mantendo sua atenção muito distante.
Sem contar que bebeu uma dose, após outra transformando sua face gole após
gole.
Seus olhos ficaram mais estreitados e avermelhados juntamente com sua voz
mais grave que denotavam um aborrecimento mais que aparente, seu olhar, por
vezes, dirigido a mim era coberto de indignação como se minha presença fosse
considerada uma grave contravenção. [256]

Logo ele, um dos maiores contraventores do país! Deveria estar acostumado a


situações adversas, onde as coisas não saíram como ele planejou.
Sua acompanhante em seu vestido vermelho "mangiami," também não se
[257]

sentiu à vontade com a minha presença ali, mas como em sua profissão, ela
soube levar o nosso nível de entrosamento adiante, usando sua dissimulada
agradabilidade, tentando ser simpática quando na verdade estava incomodada
pelos olhares que Enzo dirigia a mim.
Pouso minha taça de champanhe sobre a mesa e me esforço ao máximo para não
parecer deslocada em meio esse ninho de predadores, afinal de contas não posso
me excluir desse grupo. Aqui não sou a vítima, a mocinha pobre que é
apresentada a um mundo que não lhe pertence visto que, estou aqui por um
plano onde serei muito bem remunerada se conseguir o meu intuito. Uma
arrumadeira mercenária, diria eu.
Muitas pessoas se aproximam de nossa mesa a fim de cumprimentar o
homenageado da noite, alguns chegam tímidos e se reservam a um simples
aperto de mão. Já outros fazem com que Brian se levante para receber um abraço
daqueles bem efusivos, a música tocada é agradável e muitos dos convidados se
arriscam a irem para a pista de dança.
— Gostando da festa? — Brian se arrisca a perguntar com um sorriso na
esperança de obter uma resposta positiva.
— Sim, estou. — sorrio de volta e os malditos olhos azuis me espreitam como
um animal em retaguarda. — E muito obrigada por ter me convidado. — Enzo
pigarreia e muda o assunto como se estivéssemos interagindo com ele.
— Brian, estou pensando em fazermos aquela viagem esse ano, o que acha?
— Até que enfim resolveu acatar a minha ideia, amigo. — Brian bebe seu vinho
branco e ergue seus olhos para o teto. — Quantos anjos caíram do céu para que
você tomasse essa decisão?
— Alguns. — leva seu copo à boca e um grande gole faz com que meus olhos se
desviem ao movimento involuntário de seu pomo de Adão.
— Que viagem é essa? Posso saber? — a schifosa intervém na conversa dos
dois.
— Convidei Enzo para uma viagem a algum país exótico abaixo da linha do
Equador e ele sempre arrumou uma desculpa para não me acompanhar. Agora,
pelo visto, mudou de ideia.
— Adoro viajar. — diz a cara de panela amassada.
— Eu detesto. — diz Enzo. — Mas estou precisando de umas férias. Garçom! —
ergue sua mão direita e chama o mesmo para reabastecer o seu copo.
É sua quinta dose e o melhor que tenho a fazer é dar um jeito de sair dessa mesa,
tenho o pressentimento de que essa noite não acabará muito bem.
— Gostei muito de seu vestido. — Nina pronuncia e muito menos pergunta o
meu nome propositalmente. Na certa, quer enfatizar a minha colocação social
nesse mundo e até mesmo nesse evento. — Comprou na Saks ? — beberica seu
[258]

champanhe enquanto me devolve um sorriso cretino em sua boca de perereca


sofisticada.
Advogada cretina.
Ela pensa que irá me rebaixar com tão pouca munição!
Enzo não se mostra interessado nessa mera rixa feminina e continua absorto da
companhia de sua bebida.
— Foi um presente de Brian. — respondo e ela ergue suas sobrancelhas
esperando mais algum comentário que satisfaça a sua estúpida curiosidade. — É
um Dolce & Gabbana! — Enzo se ajeita na cadeira e afrouxa sua gravata como
se estivesse sendo enforcado.
— Meus parabéns, Brian! Você tem muito bom gosto. — Nina completa.
— Só dei o presente. — Brian se justifica. — O mérito da escolha deve ficar
com Paola. — rebate, sorrindo em minha direção.
— Seu Valentino também é lindíssimo! Digo ao mesmo tempo em que advogada
me olha como se eu tivesse dito algo insólito. Deve me achar uma incauta [259]

arrumadeira que nada conhece sobre moda.


È caduto da cavallo, schifosa!![260]
— Obrigada! — aceita o elogio e retira o sorriso cínico do rosto.
Arrasto minha cadeira, preciso sair um pouco dessa mesa e tomar um pouco de
ar, Enzo prontamente se levanta num gesto cavalheiresco e Brian o imita.
— Não demoro, irei ao banheiro.
— Eu lhe acompanho.
A perereca schifosa também se levanta ajeitando seu vestido. Tomara que ao me
acompanhar, ela não me venha com mais espetadas fúteis ou serei obrigada a lhe
dar uns tapas no banheiro.
Nina caminha ao meu lado acenando para um outro conhecido, enquanto isso,
minha cabeça parece ficar na mesa onde Brian conversa com Enzo. Sobre o que
eles estariam conversando nesse exato momento?
Dentro do enorme banheiro, me dirijo à pia, abro a torneira e lavo minhas mãos,
Nina fica ao meu lado abrindo sua pequena bolsa de onde tira um batom e o
passa em seus lábios.
— Me desculpe, mas ainda não sei o seu nome. — tira o excesso de batom e
devolve o mesmo na bolsa.
— Paola.
— Paola... — repete como se quisesse gravá-lo para eventuais consultas.
— Como se sente circulando em um ambiente totalmente diferente para você?
— não disse que ela quer provocação? — Pessoas de um nível social
completamente diferente do seu. — sem tirar meus olhos do espelho, a respondo
de cabeça erguida e centrada em cada palavra que sai da minha boca.
— Não me sinto diferente e muito menos inferior se é o que quer saber. — sorrio
e respondo em minha língua natal, relembrando um ditado que meu pai sempre
dizia. — L'unica cosa che mi distingue da molti qui è il denaro che hanno,
altrimenti mangiano, dormono, cagano, gattonano, mentono, fingono e provano
rabbia come chiunque altro.[261]

— Nisso, você tem toda razão, porém vale ressaltar que há muito tempo a
sociedade é formada por uma pirâmide, onde a classe menos favorecida sempre
esteve por baixo, portanto, não somente eu, como muitos pensam assim. — Nina
entende muito bem a minha indireta e continua a se arrumar no grande espelho
que reluz a raiva contida em seus olhos claros. Com minhas mãos apoiadas na
bancada a desafio com os olhos e deixo minha última palavra dirigida a ela.
— Não precisa ficar preocupada, Nina porque não tenho intenção de subir a
pirâmide e tomar o seu lugar, afinal o que lhe é de direito não se toma.
Abro minha bolsa e retoco minha maquiagem...
Enzo
Enquanto isso no salão ...
— Posso saber aonde quer chegar com tudo isso? — o uísque desce por minha
garganta como um mero líquido insípido e mesmo o efeito do álcool parece ter
perdido sua força sobre meu corpo. Brian me olha com estranheza.
— Não entendi a sua pergunta. Chegar aonde com o quê?
— Você sempre foi inteligente e rápido o bastante para se fazer de sonso, meu
amigo!
— Ainda continuo na mesma, Enzo. — ele olha em direção ao banheiro
feminino.
— Se não entendeu, explico. O que pretende saindo com Paola?
— Preciso nutrir uma segunda intenção para trazer a moça a um evento comigo?
— Disse que viria com uma amiga e não quero pensar que está se aproveitando
de uma moça estrangeira, ingênua e sozinha numa cidade como essa! — ele
ergue suas mãos.
— Opa! — diz em tom de defesa. — Jamais faria isso, você me conhece! —
esvazio mais um copo e Brian me olha com reprimenda.
— E é por conhecê-lo demais que acho muito estranho a sua conduta. — atesto.
— Só porque eu não vejo Paola como um par de peitos e coxas, a minha conduta
se torna estranha? — me diz em tom de desafio.
— Não foi isso que eu quis dizer! — minha voz sai mais agressiva que o normal
e acabo atribuindo esse efeito ao álcool consumido.
— Mas é exatamente assim que você a vê! Como um pedaço de carne que deve
sempre estar disposto à sua vontade.
— Agora, você está me confundindo, Brian!
— Eu o conheço, amigo e lhe pergunto, já conversou com Paola por mais de
cinco minutos sem assediá-la ou soltar indiretas de conotação sexual? — sua
pergunta desce amarga por minha garganta e me deixa sem nenhum argumento.
— Não.
— Então, não julgue a minha atitude. — é a primeira vez que vejo Brian nervoso
ou contrariado com algo. — Paola é uma moça espetacular e tem uma ótima
cabeça. Ela não é somente um corpo estonteante, ela tem conteúdo e um lindo
sorriso de abrir o coração. Engulo em seco e disfarço um desconforto
inexplicável ao ouvir todos esses elogios que ele direciona à Paola.
— Sendo assim, fico mais tranquilo ao saber que não a estaria usando somente.
O garçom passa e pego outra dose e Brian toma outro rumo para a nossa
conversa.
— Enzo, não acha que já bebeu demais?
— Não. Não acho!
— Se eu fosse você... — o interrompo, antes mesmo que conclua sua frase.
— Mas não é, portanto fique na sua e me deixe beber. — ergo meus olhos e
encontro Paola transitando por entre os convidados na tentativa de chegar à
nossa mesa, Nina vem logo atrás. Quando as duas se sentam é a vez de Brian se
levantar.
— Paola. — estende sua mão para ela e fecho meu pulso com força imaginando
o que ele irá fazer. — Vamos dançar? — em resposta, ela pousa sua mão sobre a
dele de modo delicado e se levanta.
— Aceito, vamos. — noto que ela lhe abre o famoso sorriso a que Brian se
referiu há pouco e ele tinha toda razão, ela tem um sorriso magnífico.
Os dois caminham lado a lado e meus olhos os acompanham até a pista de
dança, Brian a segura pela cintura e vejo quando Paola deposita suas mãos nos
ombros de meu amigo à medida que esperam a banda iniciar a nova música a ser
tocada.
Brian aproxima um pouco mais o seu rosto, encostando sua face nos cabelos de
Paola, eles dançam lentamente e meu amigo mantém seus olhos fechados como
se estivesse extasiado nos braços da mulher dos seus sonhos.
Irado, me levanto e puxo Nina pelo braço, ela não reluta e acompanha meus
passos apressados.
— Vamos embora! — passo por entre as pessoas sem ao menos pedir licença.
— Não vamos ao menos dançar? — Nina me inquire correndo sem jeito com seu
vestido para acompanhar meus passos.
— Não gosto de dançar, vamos!
— Mas... — ela se retesa. — Nem vimos a entrega da homenagem a seu amigo
e... — estaco de repente e coloco minhas mãos na cintura.
— Você vem ou não? Se quiser pode ficar! — meu semblante não é dos
melhores e ela resolve não me contradizer.
— Tudo bem, irei com você.
Na saída do Hotel, vejo meus seguranças a postos e peço licença a Nina, me
encaminhando até Marcello.
— Marcello. — o chamo e ele vem até mim.
— Sim, senhor Ferraro?
— Estou indo embora e quero que me faça uma coisa. — olho mais uma vez
para o interior do hotel, imaginando a proveitosa dança de Brian.
— Sim, senhor.
— Quero que me ligue assim que ver meu amigo deixando a festa e o siga para
saber onde ele vai.
— Pode ficar tranquilo, ligarei assim que ele sair.
— Obrigado. — bato em seu ombro e saio em direção ao meu carro que já está
parado em frente ao hotel.
O manobrista abre a porta para que Nina entre, enquanto me sento ao volante e
saio numa arrancada que faz com que os pneus cantem no asfalto. Em poucos
minutos, estaciono na garagem do prédio de Nina que me convida a subir. Acabo
aceitando a sua oferta de sexo sem compromisso, porém minha cabeça ainda está
naquele maldito salão.
Nina me conduz até seu quarto e lá a vejo se despir de seu vestido vermelho o
deixando aos seus pés, seu corpo alvo e curvilíneo coberto apenas por uma
minúscula calcinha atraem meus olhos e em seguida, incitam meu corpo.
Ainda com seus sapatos, ela anda até mim e busca minha boca oferecendo o que
sempre busquei, mera satisfação sexual.
Só que ao me beijar e acariciar todo meu corpo através de minha roupa, fecho
meus olhos e imagino as mãos de uma outra ragazza atrevida.
Seguro Nina pelos seus cotovelos e a jogo em sua cama. Em segundos, me
encontro nu sobre seu corpo receptivo, pego meu preservativo e o colocando
sobre minha ereção, a penetro pensando somente em aliviar o mero tesão que a
situação me impõe. Beijo sua boca, tentando afastar e esquecer o gosto doce
provado da boca daquela maledetta.
Aperto meus olhos e invisto com força sobre o corpo de Nina que geme
enlouquecida e nem percebe a minha inquietude, busco meu gozo de modo
intenso na expectativa de me sentir melhor.
Meu celular vibra no bolso de minha calça que se encontra no chão ao lado da
cama, tateando com meus braços, consigo alcançar o aparelho e ao segurá-lo
entre meus dedos, saio de dentro de Nina que me olha com incredulidade e fúria.
Atendo, buscando minha cueca que também está próxima à minha calça.
— Enzo falando.
— O seu amigo acabou de deixar o local.
— Para onde ele está indo? — pergunto ajeitando meus cabelos suados. — Está
o seguindo como pedi? — coloco minha calça.
— Sim, estou logo atrás de seu carro.
— Me mantenha informado, estou indo para casa. — desligo o celular e vejo que
Nina se mantém em pé ao lado de sua cama enrolada a um lençol.
— Pode me dizer que palhaçada é essa?
— Tenho que ir para casa. — não tenho intenção alguma de justificar a minha
atitude.
— Você vai me deixar no meio de uma transa, por que atendeu a um telefonema?
— estreita seus olhos e me encara ainda mais furiosa. Sua voz falha e perde a
sua meiguice natural. — Acaso, alguém da sua família morreu ou sofreu um
acidente? Porque somente uma atitude como essa, justificaria uma atitude tão
fria!!!
— Não tenho tempo para lhe explicar e muito menos vontade para isso, Nina!
— Pois bem, se quer me tomar por idiota, não lhe condeno! — se aproxima de
mim. — Percebi muito bem o seu comportamento durante o tempo em que
estávamos naquele evento e sinto muito por descobrir que sua inquietude e
irritamento era porque seu amigo apareceu com a sua empregadinha a tiracolo.
— Ela não é minha empregadinha! — grito.
— Mas claro que é e você estava muito incomodado com a presença dela, ou
acha que não percebi? Que decepção! Um homem como você arrastando asa
para uma moça tão simplória. — enfio minha camisa dentro da calça e junto meu
colete e paletó sobre meus braços.
— Isso é tudo que tem a me dizer? — digo, friamente.
— Se sair por essa porta, quero deixar claro que não aceitarei um novo convite
para sairmos juntos. — caminho até a porta e a encaro.
— Pode ficar tranquila, acabei de apagar o número do seu telefone dos meus
contatos. — em resposta à minha fria decisão, Nina pega o abajur em seu criado-
mudo e atira em minha direção, me abaixo e o objeto se estilhaça em contato
com a porta.
— Seu cretino!
— Sua atitude não condiz com nosso acordo, Nina! Nunca lhe prometi nada
além de trepadas esporádicas.
— Suma daqui seu italiano ordinário e corre para aquela reles cliente de loja de
departamento. Aquela sem classe! — saio e ainda ouço seus gritos histéricos.
Antes de chegar à porta, mais um porta-retrato voa em minha direção e passa
rente ao meu rosto, com a mão na maçaneta, disparo.
— Treine mais a sua mira, advogada! — fecho a porta e me encaminho para a
garagem, voo em direção à minha casa, pois quero me deparar com uma certa
ragazza.
*****
Sentado em uma cadeira próxima à piscina, bebo mais uma taça de vinho e em
meu relógio já se passaram mais de uma hora em que espero por Paola, me
levanto e ando pelo jardim. Marcello disse que eles resolveram entrar em uma
casa noturna para dançarem, mais cinco minutos e meu aparelho vibra em minha
calça, mensagem de meu segurança.
Eles então a caminho de Harrison, ou seja, logo chegarão em casa. Mando uma
resposta dispensando os serviços de Marcello e com a taça na mão, espero
ansioso a chegada de Paola. O portão lateral se abre e saltos batem devagar no
piso frio que dá acesso ao dormitório das empregadas, encosto meu corpo em
uma coluna e não percebendo minha presença, agarro em seu braço ao passar por
mim.
— Cos'è questo?? — fala baixo e tenta escapar de meus dedos que estão
[262]

enterrados em sua pele.


— Me larga, está me machucando, Enzo!
Sem dar ouvidos ao seu pedido, a encosto na parede da pilastra e descontrolado
procuro seus lábios em desespero. Paola me olha com raiva e sua reação é algo
inusitado e nunca vivido por mim, ela me dá um tapa forte na cara. Esfrego meu
rosto e uma ira descomunal toma meu ser.
— Ninguém nunca ousou bater em minha cara, ragazza! — seguro em seu
pescoço e a prenso na parede, vejo a resistência e sua coragem estampada em
seu rosto. Nesse momento, ela não me teme e morreria sem se render a mim.
— Sei uno stupido, non mi prendi mai più in quel modo e bevi ancora e ne
annusi un altro. — fala devagar e com os olhos altivos. — Non sono una
[263]

donna da trattare come un riposo ed essere sicuro di una cosa: se ti vergogni di


uscire con me oltre queste mura, non devi volermi dentro, capisci?
[264]

— Com quem você pensa que está lidando, hã? — meu corpo a aperta ainda
mais e somente esse mero contato é suficiente para fazer meu corpo ficar
excitado.
— Com um italiano bêbado e idiota que se acha irresistível o suficiente e que
sua empregada jamais o trocaria pelo melhor amigo. Me solte, seu carcamano!
— Engula suas palavras ou não sairá daqui!
— Sairei nem que tenha que matá-lo para isso! — sorrio sarcástico e nossos
olhares se nivelam, Paola é uma mulher temperamental e corajosa e nesse
momento a única coisa que tenho vontade de fazer é domar o seu jeito até vê-la
me pedindo desculpas.
— Por que não deixa essa sua arrogância de lado e confessa que sente atraída
por mim e que saiu com Brian apenas para me afrontar? — roço meu corpo no
seu mostrando o que ela está perdendo em resistir a mim. — Poderíamos estar
fazendo algo bem melhor do que discutir, não acha? — deslizo minha boca em
seu pescoço absorvendo seu perfume que tem mexido comigo desde que a
conheci.
Num súbito movimento, ela ergue seu joelho com toda força e acerta minhas
bolas sem dó. Me encolho, gemendo de dor e ela se mantém em posição de
ataque, como se eu conseguisse fazer algo com a dor lancinante que seus joelhos
me causaram.
— Quem disse que não estamos fazendo algo mais interessante, senhor Ferraro,
non è vero ? Tenha uma excelente noite e obrigada por me deixar treinar um
[265]

velho golpe de defesa que aprendi com minha mama!


Ela vira as costas, subindo as escadas sem olhar para trás. Sem alternativas e
muito menos argumentos, sigo mancando para casa. Mais tarde, de banho
tomado e ainda sobre o efeito de toda bebida que ingeri, penso em como me
comportei de modo estúpido com Paola.
Amanhã, tentarei com que ela me perdoe e quem sabe eu tenha a chance de lhe
mostrar que não sou tão cretino assim.
Encrencados
Enzo
Como irei encará-la depois dessa noite?
Amasso meu travesseiro e deitado de lado fico remoendo os acontecimentos e
todas as palavras proferidas por nós.
Quando ela me deu aquele tapa, foi como se algo cortante me invadisse,
perfurando minha autoestima e aos poucos, rasgasse meu orgulho, depositando
uma semente de vulnerabilidade desconhecida por mim. O estalar de seus dedos
em minha pele não teve intensidade de ferimento físico, pois já levei muitos
socos muito mais pesados em minha face e comparado ao tapa de momentos
atrás, a dor sentida foi algo insignificante, porém ela foi a primeira mulher a me
enfrentar cara a cara sem nenhuma sombra de medo.
Seus olhos reluziam uma força e indignação incomuns e ao me bater, seu corpo
não reagiu com sinais de amedrontamento e com isso, ela testou limites até há
pouco desconhecidos por mim. Se ela fosse um homem, naquele momento,
estaria morta, pois já eliminei pessoas por bem menos do que um tapa, todavia,
há uma lição que aprendi com meu pai desde muito jovem, ele sempre me
ensinou que em mulher não se bate, seja em quaisquer circunstâncias e nesse
caso, onde eu estava completamente errado, relaxei meus punhos e parti para um
outro ataque totalmente frustrado.
Atormentado e confuso, a agarrei como algo a ser tomado e possuído já que ela
não demonstrava vir até mim de boa vontade como todas as outras, sua reação
contraditória à minha expectativa causou um grande desarranjo em minha mente.
Estou acostumado a lidar com o sexo feminino de uma maneira, onde não
preciso de contorcionismo romântico para obter o que desejo, seu chute em meu
saco além de doloroso, foi mais que humilhante e devidamente merecido.
A bebedeira de ontem me deixou um legado muito significativo, acabei
bancando o estúpido de todas as formas possíveis e perdi todo o controle da
situação ao agarrar Paola daquela forma. Revendo tudo com mais calma, vejo
que minha atitude foi umas das coisas mais abomináveis que eu poderia ter feito
e pior, consegui com que ela ficasse com uma péssima impressão de minha
pessoa, fazendo com que meu conceito caia ainda mais, mas, afinal de contas,
por que me portei de modo tão grotesco essa noite?
Por que esse comportamento tão antagônico e irreconhecível da minha parte?
Uma mera atração física poderia acarretar tal dano em alguém tão experiente e
vivido como eu?
Não sei o que anda acontecendo comigo e minhas atitudes refletem um Enzo
ainda não decifrado para mim. Paola tinha toda razão quando jogou em minha
cara o meu preconceito medíocre e a minha estupidez ao me sentir trocado pelo
meu amigo.
Meu amor próprio me obrigou a agir impensadamente e agora tenho que tomar
uma atitude para reverter essa situação e dissipar essa má impressão causada ao
me comportar como um troglodita.
Rolo na cama e após dormir um pouco mais de quatro horas, abro meus olhos, os
piscando por várias vezes para enfim focar a minha visão embaçada. Respiro
fundo e passo as mãos pelos meus cabelos, sentindo a cabeça pesada e minha
boca seca como papel, me sento na cama e tento organizar as ideias imaginando
como será esse dia.
Só espero não ter mais imprevistos desagradáveis que me deixem irritado e
propenso a praticar ações incabíveis e questionáveis. Sob a água fria do
chuveiro, lavo meu rosto na tentativa de despertar da sensação de cansaço que o
álcool me trouxe, após alguns minutos depois, me sentindo um pouco melhor,
enrolo uma toalha em minha cintura e entro em meu closet à procura de uma
calça e um velho moletom. Ao sair de meu quarto, vejo minha mãe e Eurídice
conversando no final do corredor e ao ouvir que o assunto discutido envolve o
nome de Paola, retrocedo dois passos e me escondo atrás da parede na intenção
de saber sobre o que elas falam. Só espero que minha mãe não saiba o que andei
fazendo, pois do contrário, digo que estaria mesmo em uma enrascada das
grandes porque na certa ela relataria tudo ao meu pai que severamente me
chamaria para uma conversa daquelas.
De Enzo Ferraro passarei a me chamar Enzo Ferrado.
— Pois então, senhora Ferraro, Paola, a arrumadeira que Enzo indicou veio ter
comigo ainda muito cedo e disse que pretende sair do emprego assim que
completar trinta dias de trabalho.
Paola pediu a conta?
Fecho meu cenho totalmente inconformado ao saber dessa notícia.
— Mas o que houve? — a voz calma de minha mãe reverbera no corredor. —
Ela está indo tão bem em seu posto, é uma ótima funcionária e tem se mostrado
muito eficiente! — saio detrás da parede e caminho em direção a elas.
— Bom dia! — elevo meu sorriso para minha mãe que estende sua mão para que
eu a abrace como de costume. Me aproximo e beijo seu rosto, a abraçando junto
a mim.
— Bom dia, meu filho. — Eurídice também responde ao meu cumprimento e
continua a sua conclusão, antes interrompida por minha chegada.
— Ela não disse o motivo, somente me pediu para falar com a senhora. —
mantém suas mãos cruzadas uma sobre a outra.
— Desculpe a intromissão, mas sobre o que vocês estão falando? — as
questiono como se eu não soubesse do que se trata.
— Paola, a moça italiana, pediu a conta para Eurídice. — dona Adele olha para a
governanta e continua a falar com a mesma. — Eurídice, por gentileza, peça à
essa moça que me procure antes de tomar qualquer resolução.
— Quer que eu fale com ela? — disparo, com um nó na garganta pressentindo
que essa história não acabará muito bem.
— Enzo. — minha mãe pende seu pescoço me olhando atravessada. — Isso é
um assunto doméstico e não fica bem você querer se meter, meu filho! — ergo
minhas mãos em desistência e me sentindo como um garoto que aprontou algo
errado, maquino uma maneira de mudar o rumo de tudo isso.
— Só quis ajudar. — rebato.
— Minha governanta está aqui exatamente para isso, não é Eurídice?
— Sim, senhora. — falarei com ela.
— Obrigada, minha querida. — um leve riso escapa de sua boca. — Vou descer
e me juntar a Victório na mesa do café. Você vem, Enzo?
— Não, obrigado mamãe. — me justifico em seguida. — Tenho um assunto
importante a tratar em meu escritório e irei em seguida.
— Tudo bem, até depois então. — antes de ir, ela ainda me chama.
— Depois quero falar com você a respeito do aniversário de seu pai.
— Tudo bem.
— Lembrando que as crianças vão querer que o pai delas esteja presente. — o
fantasma farabutto de Alessio ainda ronda a nossa casa e nos trará muitos
dissabores como se fazer presente em família nas festas comemorativas.
— Falaremos sobre isso depois, está bem?
— Sim, aguardo a nossa conversa e se quiser convidar alguém, me avise, pois,
estou preparando a lista de convidados.
— Pode deixar. — pisco para ela e sorrio.
— Vamos, Eurídice. — as duas se afastam e descem as escadas, espero até que
elas despareçam do meu campo de visão e desço correndo os degraus como um
raio em busca de Paola.
Não posso permitir que ela vá embora por minha causa e nem posso tirar a sua
razão por querer abandonar seu emprego, afinal de contas que empregada ficaria
num lugar, onde o patrão bêbado a agarra como se ela fosse sua propriedade?
Ando por vários cômodos da casa e em nenhum deles consigo encontrá-la. Saio
pelo jardim e com um pouco de sorte a vejo entrando na lavanderia e é para lá
que me dirijo. A encontro de costas, colocando uma pilha de roupas sobre uma
bancada e ao sentir minha presença, se vira mantendo seu olhar inexpressivo
carregado de um enigma que estou empenhado a descobrir, o que ele esconde.
— Paola, podemos conversar por um minuto? — solta um suspiro extravasando
contrariedade.
— Senhor Ferraro, deseja alguma coisa? — sustenta seu olhar e voz decidida.
— Não quero nada além de lhe falar por alguns minutos, é possível?
— Se o senhor não percebeu estou em meu horário de trabalho e se o assunto for
relativo à noite de ontem, não temos nada a dizer um ao outro.
— Pois eu tenho. — também cruzo meus braços e a encaro seriamente fechando
meu cenho, deixando claro que não sairei daqui sem antes dizer a que vim.
— Então, sugiro que seja breve, porque tenho muitos afazeres.
— Paola. — tento expressar a minha real intenção. — Quero que me perdoe pelo
modo como me comportei ontem à noite. — busco as palavras certas para um
homem maduro e coerente. — Aquilo foi imperdoável e estou muito
envergonhado pela minha atitude. — abaixa sua cabeça e continua com seu
semblante impassível, não diz nada e não vejo outra solução que não seja
continuar com meu pedido de desculpas.
— Fui um estúpido, mereci as palavras ofensivas e o tapa que você me deu. —
desvia seu olhar e isso me aborrece. — Olhe para mim, por favor. — devagar,
seus olhos se encontram com os meus. — Prometo nunca mais me comportar
daquela forma, eu não tive a intenção de ofender você! — argumento com as
mãos.
— Mas ofendeu e muito! — são as primeiras palavras que consegui arrancar de
sua linda boca.
— Eu sei disso e por essa razão vim até aqui para que me perdoe. Estou me
sentindo muito mal por tudo o que aconteceu. — digo, enfático.
— Agradeço muito a sua ajuda e peço que esqueça o episódio de ontem, não sou
uma pessoa que guarda rancores. — sorrio, aliviado.
— Porém estou deixando esse emprego na semana que vem. — meu sorriso
acaba de morrer em meus lábios.
— Não faça isso, por favor! Você não precisa fazer isso!
— É o melhor que faço, senhor Ferraro!
— Por favor, Paola, reconsidere a sua decisão! Assim, me sentirei ainda mais
culpado.
— É uma decisão que independe do que houve ontem, não precisa se sentir
culpado em hipótese alguma.
Paola está mentindo, eu sinto e me revolto por não saber lidar com essa situação.
Se ela fosse alguém do submundo em que vivo, a convenceria na marra,
contudo, essa tática não pode ser usada nessa ocasião. Estico meu braço e
alcanço sua mão a segurando de leve.
— Quer que eu implore? — meu interior se retesa.
Eu disse isso mesmo? Enzo Ferraro implorando por alguma coisa?
Pelo canto dos seus lábios ela deixa escapar um meio sorriso, onde uma tímida
covinha se salienta.
— Não faça isso! — ela tenta se desvencilhar de meus dedos, mas insisto em
deixá-los ali.
— Então, diga que mudará de ideia e continuará a trabalhar aqui. — arqueio
minha sobrancelha e espero a sua decisão. — Quero ter a oportunidade de lhe
mostrar que não sou um idiota como venho me portando. — enche seu pulmão
de ar e dispara.
— Está bem, por enquanto permaneço no emprego. — a sensação que tenho é de
que tirei uma tonelada de minhas costas.
— Amigos?
— Amici. — ela me abre seu belo sorriso que irradia em mim uma alegria
inexplicável, enfim, acho que consegui desfazer o malfeito de horas antes.
Deixo a lavanderia na certeza de que tomei uma atitude mais sensata e madura
em relação à Paola e com isso, ela continuará com seu emprego garantido. Entro
em casa me encaminhando para a mesa de café. Sozinho, fico ali pensando em
algumas questões pendentes que precisam de minha resolução, Ignácio se junta a
mim e me coloca a par de algumas novidades.
— E aquele levantamento que lhe pedi, ficou pronto? — tomo meu suco,
enquanto meu consigliere prefere um café.
— Quase pronto, mas pelo que atestei não há nada de errado com a moça. Ela
não tem nada em seu passado com que deva se preocupar.
— Prevenir sempre foi melhor do que remediar, não é mesmo? — respondo com
uma outra pergunta.
— Tem toda razão e mudando de assunto, seu cunhado está instalado num flat
em Manhattan e logo não terá como manter esse local.
— Quero ver o que aquele stupido irá fazer sem grana e sem trabalho.
— Nenhuma das outras famílias lhe darão algo para fazer. — Ignácio passa
manteiga em seu pão. — Fiz exatamente o que me pediu.
— Perfeito! Ah, já ia me esquecendo!
— Sim?
— Sherwood me ligou na terça-feira e me colocou contra a parede alegando que
não continuará com nossos negócios na África. — Ignácio fecha os seus olhos
em sinal de descrença.
— Não creio que ele teve essa atitude!
— Sì è vero! — atesto. — Só que ele não contava que além de conhecer seu
caráter duvidoso, também tenho provas que mostram que ele burla o acordo que
fez com as autoridades africanas, portanto o alertei de que se descumprir com
nossa velha sociedade eu entrego essas provas aos que interessam.
— E ele? — limpo minha mão no guardanapo.
— O que você acha que ele fez? — Ignácio ri meneando sua cabeça.
— Já imaginava que ele retrocederia.
— Mas o seu maior medo era de que eu espalhasse, perante a sociedade que
tanto preza que sua filha não é a princesinha que ele apregoa.
— Você faria algo assim? Denegrir a imagem de Carol?
— Não, antes de ser um mafioso, sou um cavalheiro e não pretendo usar essas
imagens com algum intuito proveitoso. As mantenho comigo por medida de
segurança.
— Compreendo.
— Voltando ao assunto de Alessio, continue sua sondagem e descubra se ele
procurou algum outro chefe, pedindo emprego ou até mesmo oferecendo seus
serviços.
— Pode deixar, o manterei informado e agora se me dá licença, tenho uns
assuntos para tratar.
— Va bene, Consigliere.
— Até mais, Enzo Corleone. — bate em meu ombro e se despede.
Já em meu quarto, de banho tomado, me troco em frente ao espelho abotoando
minha camisa e nesse instante, ouço uma leve batida na porta.
— Pode entrar, mamãe. — dona Adele entra em meu quarto com sua agenda e
caneta em mãos.
— Meu filho, queria falar com você sobre Alessio.
— Diga. — enlaço a gravata em meu pescoço e olho para ela através do espelho.
— Me deixe fazer isso. — deposita sua agenda sobre um pequeno aparador e me
ajuda com o nó de minha gravata.
— Gostaria de saber se Alessio tem a permissão para comemorar junto de seus
filhos o aniversário de seu pai daqui há alguns dias? — entre as lentes de seus
óculos, seu olhar não disfarça a súplica por uma trégua em família, toco seu
nariz com a ponta de meu indicador.
— Pode convidar aquele safado e prometo que me comportarei, enquanto ele
estiver em nossa casa.
— Sabia que não iria se opor, meu filho. — demonstra toda sua satisfação por
conseguir mediar a harmonia em nosso lar.
— Saiba que estou fazendo isso pela senhora e pelos meus sobrinhos.
— Não importam os meios e sim a causa, Enzo! — alisa meu rosto com sua
ternura nata. — Eu o amo ainda mais por isso! — me olha com tanto orgulho
que chego a pensar se ela tem noção do que já fiz e ainda sou capaz de fazer.
Aos seus olhos pareço o filho mais que perfeito e é assim que pretendo manter a
sua visão a meu respeito.
— Por falar em festa. — termina de ajeitar meu terno e volta a pegar a sua velha
agenda de couro marrom. — Quer convidar alguém?
— Já sabe quantas pessoas pretende convidar? — questiono para ter uma noção
do que esperar dessa festa.
— Bem, seu pai não anda muito animado, portanto, estava pensando em uma
comemoração menos pomposa que a festa que fizemos no ano passado. — faz
alguns riscos em sua agenda. — Algo em torno de 50 pessoas.
— Posso ver a lista?
— Sim, claro. — me estende sua agenda.
No topo da lista, primeiramente, estão os nomes dos familiares seguidos de
poucos amigos de longa data, mais abaixo, aparecem alguns nomes de amigos de
negócios que meu pai sempre fez questão que frequentassem algumas de nossas
datas comemorativas. Ignácio, como seu braço de confiança, não poderia deixar
de estar entre os convidados, assim como Monfredine, Domênico e alguns outros
capôs, também têm lugar cativo em todas essas comemorações.
O nome de Brian é óbvio que estaria na lista, isso é mais do que natural. Além
de meu amigo, Brian é médico de meu pai há algum tempo. Penso por um
instante e uma pessoa vem à minha mente.
— Quero convidar uma pessoa.
— Nome? — fala com a caneta em punho.
— Primeiro, preciso saber se ela aceitará meu convite. — fecha sua agenda e me
olha torto.
— Só espero que você não me apresente outra namorada soberba como Carol e
por falar em noiva, você não me contou por qual motivo rompeu seu noivado em
definitivo.
— Incompatibilidade de gênios. — pisco para ela que se dá por satisfeita com
minha resposta. — E disse que ia convidar uma pessoa, Dona Adele, não me
lembro de mencionar que ela seria uma mulher.
— Ah, il mio Enzo! — bate no meu rosto com tapinhas pretensiosos. — Non
sarai mai in grado di ingannare la tua vecchia madre. [266]

— Deixe um convite entreaberto e assim que tiver a resposta eu lhe aviso, está
bem?
— Tudo bem, meu filho. — se adianta em direção à porta do meu quarto.
Espero que aquela ragazza aceite o meu convite e consequentemente consiga
apagar a má impressão e a ideia de que sou um homem preconceituoso.

Saio de meu quarto em direção ao meu escritório.

Antonella
Arrumando o quarto de Letizia, penso que a minha ideia de pedir demissão foi a
coisa mais sensata a ser feita, assim, agi como uma empregada que sendo
agarrada pelo filho da patroa se sentiu ofendida e não viu outra solução a não ser
pedir a sua demissão. Seria muito bizarro se eu acordasse pela manhã e agisse
como se nada do que houve na noite anterior tivesse atingido o meu psicológico,
não quero levantar nenhuma suspeita ao redor do meu proceder.
Como a mente de Enzo é muito rápida, na certa, ele tiraria inúmeras conclusões
e dentre elas poderia achar que tal arrumadeira não teve um comportamento
natural de quem é agarrada à força.
Quando falei com a governanta pela manhã, rolei meus dados contando com a
sorte de que isso chegaria até Enzo e foi com essa tacada de mestre que o vi em
minha frente com um verdadeiro pedido de desculpas.
Se eu não fosse apenas uma espécie de espiã, poderia sonhar em conquistá-lo e
viver quem sabe um tórrido romance, porém meu papel a ser desempenhado aqui
é algo inimaginável para uma moça que sonha em ser feliz.
Por falar em espionagem, acabei esquecendo de relatar a Enrico as notícias sobre
o jantar de ontem, a única coisa que fiz foi lhe enviar uma foto de Benício como
ele havia me pedido anteriormente.
Sei que meu caráter não é digno de respeito, todavia essa semana já cheguei a
pensar em desistir de tudo e voltar para Siena. Lá, arrumaria um trabalho decente
e lutaria com minhas forças para conseguir o tão sonhado tratamento para Clara.
Mas a essa altura da situação?
Como fugir das garras de Enrico?
Ele me deixaria sair ilesa sem mágoas? Com certeza, não..., esse homem não
parece ser o tipo de cara que relevaria um retrocesso de minha parte.
Coloco meu fone de ouvido e uma música que minha mãe amava ressoa ao meu
ouvido, todas as vezes em que ouço Girls just want to have fun,
me recordo que essa era uma das suas preferidas canções dançantes.

Ao compasso da contagiante voz pulsante de Cyndi Lauper, arrisco cantar


e dançar agarrada ao meu parceiro aspirador de pó.

That's all they really want. Some fun When the working day is done. Oh
girls, they wanna have fun. Oh girls just wantna have fun, (girls and boys wanna
have fun, girls wanna have)
[267]

Me mantenho tão compenetrada no que faço, que não me dou conta quando
Letizia entra em seu quarto acompanhada de sua mãe, a menina começa a rir e o
som de sua risada é o que me faz voltar à realidade e parar de bancar a ridícula
cantando um inglês italianado e dançando como uma mera adolescente.
— Aí, está você! — diz a irmã de Enzo toda elegante em seu tailleur em tom
pastel e um lindo colar de pérolas.
Acho Donatella muito bonita e não entendo o porquê aquele cretino do Alessio
não a valorizava como sua mulher. Rapidamente, desligo o aspirador com o pé e
retiro o fone do ouvido.
— Sim, senhora. — constrangida, respondo ainda ofegante.
— Pode me tratar por você, Paola e deixe senhora para minha mãe e Eurídice,
está bem?
— Sim, se... Está bem.
— Posso lhe pedir um favor?
— Mas é claro! — Letizia abre um enorme sorriso e imagino que o pedido de
Donatella tenha algo a ver com a filha.
— Letizia quer ir ao centro da cidade para comprar algo para uma amiga que
fará aniversário amanhã.
— Sim. — me mostro interessada e um tanto curiosa por saber do que se trata o
tal favor.
— Acontece que mamãe e eu temos um chá beneficente, logo mais na casa de
uma amiga que mora aqui perto e, portanto, não poderei acompanhar a minha
princesa para que ela possa escolher o tal presente. — Donatella alisa o cabelo
da filha no instante em que fala comigo. — Você, por acaso, poderia acompanhar
Letízia?
— Eu?
— Sim, você. — a voz de Letizia, confirma a sua vontade.
— Bem, eu...
— Se o problema for seus afazeres, tomei a liberdade e falei com Eurídice. —
sorrio.
Que bobagem a minha! Para que me preocupar com a governanta se a própria
dona é quem me pede para sair do trabalho?
— Sendo assim, irei com sua filha. — a menina abre um largo sorriso.
— Mê dê alguns minutos que irei trocar de roupa. — ela olha em seu minúsculo
relógio de pulso.
— Marcello irá levar e acompanhá-las até o centro da cidade.
— Está bem. — limpo minha mão em meu avental e pisco para Letizia. — Eu já
volto e poderemos ir.
*****
Andamos por várias lojas e Letizia ainda se mostra indecisa sobre o que comprar
para a sua amiga. Por fim, conseguimos encontrar algo legal como disse Letizia
na Build a Bear na quinta Avenida. Quando saímos da loja, ela me olha travessa
e pergunta:
— Que tal um copo de milk shake com um enorme hambúrguer? — olho para o
relógio e são quase seis da tarde.
— Acho que algumas batatas fritas não nos farão mal algum. — estico a palma
de minha mão, batendo contra a sua já espalmada.
Escolhemos uma lanchonete mais próxima e na companhia de Marcello que
permanece do lado de fora nos aguardando, comemos nosso lanche e passamos
momentos agradáveis ao lado uma da outra, ao dar minha última mordida em
meu lanche, o mesmo para em minha boca devido ao espanto em ver Benicio
adentrando a lanchonete e caminhando diretamente em direção à minha mesa.
Meu corpo todo amolece e um pânico maior toma conta de mim, pois estou
acompanhada de Letizia que nada tem a ver com meus furtos do passado, ele
caminha com calma e usa um boné azul e agasalho cinza. Engulo à força o
lanche e Letizia se mantém distraída com suas batatas.
— Buon pomeriggio, Paola! Quanto tempo! — ao menos, ele está sendo
[268]

discreto.
— Buon pomeriggio. — digo boa tarde quase sem voz.
Minhas mãos tremem tanto que as mantenho abaixo da mesa, pois não quero
transparecer o meu nervosismo para a sobrinha de Enzo. Lá fora, Marcello se
mantém de costas e ainda não pôde presenciar a figura de Benício em minha
mesa.
— Preciso conversar com você, poderia me passar o seu telefone por favor?
Sem muita saída, passo meu número que tinha antes de entrar na casa dos
Ferraro, assim, ganharei um tempo para pensar no que fazer.
—Ti chiamo più tardi e rispondimi, per favore! [269]

— Sì. Va bene. — ajeita seu boné e sai pela porta.


Sorte ou azar, nesse momento mal consigo respirar, quando vejo que meu ex
esbarrar em Enrico, que acaba de adentrar a lanchonete disfarçado com uma
peruca ruiva e barba da mesma cor.
Passo as mãos nervosamente pelo rosto e com um sorriso quase desfalecido,
peço licença à Letizia e digo que vou ao banheiro. Caminho pela ala que dá
acesso ao banheiro e ele me segue. Sem dizer nada, Enrico simplesmente enfia
algo no bolso traseiro de minha calça e passa por mim como se não me
conhecesse.
Vejo a cabeleira ruiva adentrar o banheiro masculino e então, enfio minha mão
em meu bolso retirando de lá um envelope com alguns dólares acompanhado de
um bilhete.
" Não se preocupe, seu ex logo não mais a incomodará. Estou em seu
encalço."
Diante dessas circunstâncias não sei ao certo se me sinto aliviada ou mais
apreensiva pelo destino do meu ex. Afinal, tudo o que acontecer a ele é de minha
inteira responsabilidade. Lavo meu rosto na água fria e jogo o bilhete dentro do
vaso sanitário, dou descarga, respiro fundo e volto para junto de Letizia.
— Vamos embora, bambina?
— Vamos. — estende sua mão para mim e ao sair da lanchonete, ainda olho para
os lados me certificando de que Benício não está me observando de longe. Na
calçada, Letízia me pergunta.
— Aquele moço era seu namorado? — não consigo disfarçar meu sorriso
apático.
— Um antigo amigo, vamos? — aperto sua mão e a balanço para extenuar o
clima pesado que me assola, ela se dá por satisfeita e completa.
— Outro dia, posso chamar Pietro para passear com a gente?
— Sì. — respondo quase automaticamente. — Marcello abre a porta do carro e
seguimos para a casa dos Ferraro.
No caminho, meu pensamento é um só...

O que Enrico irá fazer para que Benício não mais me


procure?

Enrico
Paola saiu acompanhada da garotinha e do segurança de Enzo, me sento em
uma mesa e pego meu celular. Um de meus homens seguem o ex de Paola e o
levarão a um lugar para conversarmos mais à vontade, enquanto isso, caminho
até o balcão e peço um lanche, minutos depois, degustando meu hambúrguer,
meu celular vibra sobre a mesa e a letra A de Alessio aparece para me
atormentar. Cansei de alertar o meu chefe de que esse cara seria um estorvo em
nosso plano.
— Fale, Alessio!
— Cara, diga para o seu chefinho que eu quero minha grana conforme
combinamos, do contrário, contarei a Enzo quem ele é e tudo o que pretende. —
a voz do otário está enrolada, deve ter bebido horrores e não sabe se controlar
quando se embriaga. Não digo que ele é um ser imbecil?
— Você está cansado de saber que não deve me ligar e muito menos tocar em
nomes que podem nos comprometer, seu burro idiota! — ele ri como um
descontrolado.
— Enzo me ferrou, cara! E não irei esperar por ninharias. — nada digo. —
Quero grana ou então eu abro minha boca! — vocifera.
— Me encontre em meia hora no lugar de sempre.
—Traga a grana! — desligo o celular e limpo meus dedos sujos de molho em um
guardanapo de papel.
Alessio sinto informar que chegou o fim da linha para você, meu caro!
Convite inesperado

Enrico
Trafego pelo Bronx até chegar na Canal Place Street, o sábado parece tranquilo
ao cair da tarde e ao olhar através do para-brisa detecto alguns pássaros cruzando
o céu em busca de seu abrigo noturno, não há muitos curiosos pelas calçadas e
poucos carros circulam por aqui, estaciono na E 140 St. e aciono o alarme de
meu carro.
Só espero que aquele pateta bêbado não se atrase, pois ainda tenho outra
incumbência nessa noite, despachar o ex namorado de Antonella.
Quando aceitei fazer parte desse plano, não imaginei que fosse me deparar com
pessoas tão despreparadas, a escolha da mulher pela sua mera semelhança com
Agatha nos deu uma larga vantagem sobre Enzo, porém isso têm me dado uma
dor de cabeça extra pela maneira com que essa italiana vem se comportando, ela
entrou nessa parada de olhos vendados, sem saber o que a aguarda no final e se
apaixonar pelo alvo será uma das coisas mais corriqueiras com que ela terá que
lidar, em sua doce e ingênua mente, ela se vê com seus 500 mil euros, partindo
rumo à Itália, toda sorridente, na esperança de fazer a irmã aleijada voltar a
andar.
Pobre moça! Quando será que a sua ficha irá cair?
Será que ela não percebeu que o ciclo do plano terá o seu ápice quando ela for
assassinada?
Que sua aparição nada mais é que uma mera isca na tentativa de deixarmos Enzo
apaixonado e ao mesmo tempo desorientado?
Aceitei fazer parte desse plano para enfim me vingar daquele mafioso arrogante,
minha vida se cruzou com esse sujeito há mais de quinze anos e quando uma
oportunidade de baixar a sua soberba englobada com sua força surgiu, não me
fiz de rogado e decidi no mesmo instante que era hora de desentalar o que havia
em minha garganta durante todo esse tempo.
Enzo, desde muito jovem, carrega dentro de si uma intrepidez peculiar que o
[270] [271]

faz alguém quase invencível. Nessa época, me deparei com sua bravura e fui
testemunha do que esse rapaz, hoje um homem feito, é capaz de fazer.
Rick, meu irmão e soldado da família Ferraro, trabalhava para Dom Victório até
que um dia acabou cometendo um erro grave, uma falha que o levou a morte
pelas mãos do sangue frio do filho do chefão. Eu, por minha vez, agi em defesa
de Rick e acabei contraindo uma briga com Enzo, onde ele me permitiu ficar
vivo por me julgar incapaz de enfrentar a sua força e sendo subestimado, guardei
todo rancor e sede por uma vingança lenta e muito prazerosa. Sinto informá-lo
que irei derrotar toda sua empáfia de contraventor inigualável.
Evidente que não estou sozinho nessa jornada, é óbvio que tenho aliados e
comparsas nessa árdua missão e com um único intuito queremos ver seu fim e
nos daremos por satisfeitos quando Enzo Ferraro estiver aniquilado.
Acendo um cigarro e procuro a chave do pequeno barracão, onde terei uma
última conversa com Alessio.
Não é à toa que Enzo nunca lhe delegou poderes em sua família! O cara é um
desastre como homem, além de um fraco mulherengo, idiota que só mete os pés
pelas mãos nos negócios. Abro a pequena porta e tateio minha mão direita na
parede à procura do interruptor. A luz fraca ilumina o ambiente cheirando a
poeira e mofo, uma pequena mesa com duas cadeiras são mais do que suficientes
para receber o bunda mole de Alessio, a sala pouco arejada consta com uma
pequena janela ao fundo e sua a vista defronta com uma parede de concreto.
arrasto uma das cadeiras e me sento, enquanto acabo de tragar o meu cigarro.
Cinco minutos se arrastam e algumas batidas em sequência indicam que Alessio
está esperando do outro lado da porta, em pé, arrumo a gola de minha camisa e
ando até ela. A abro devagar e a figura deplorável de um fraco e imbecil aparece
em minha frente.
Alessio tinha um papel um pouco maior nesse enredo, foi cotado e convocado
para assediar aos poucos a arrumadeira, no entanto, o mentecapto acabou [272]

pisando demais no acelerador, causando uma discórdia tão grande a ponto de ter
sido posto para fora da mansão.
Nesse momento, não vemos outra saída senão a de nos livrarmos desse estorvo
ambulante, Alessio não tem mais nenhuma serventia para nenhum de nós.
— Foi seguido? — falo, antes de deixar que ele entre.
— Não. — olha para os lados para averiguar e ter certeza do que acabou de
dizer.
Me afasto da porta para lhe dar a passagem, mal seu corpo passa rente a mim,
num célere movimento o seguro pelo pescoço, prendendo sua respiração, o
impedindo de se defender.
— Que isso? Me solte, Enrico! — ordena com a voz ainda com rastros de álcool.
— Isso é para você aprender a nunca mais nos ameaçar, seu merda de gravata!
— aperto ainda mais o meu braço em torno de seu pescoço e seu rosto se
avermelha pela falta de ar.
— Não os ameacei, somente quero o que me foi prometido. — se debate,
tentando escapar inutilmente.
— Nosso chefe não esperou anos a fio para que um acéfalo feito você
[273]

acabasse por estragar todo seu plano! — o atiro ao chão com veemência, ele
tosse e em seguida cospe ao chão, tentando respirar.
— Eu só quero meu pagamento, estou sem grana e todas as portas se fecharam
para mim, sabe disso!
— Sim, eu sei, nesse ponto devo concordar com Enzo e não o julgo por isso.
— Você e aquele que se diz chefe não têm palavra alguma, do contrário, eu não
estaria aqui mendigando o que me pertence! — reduzo nossa distância o
levantando do chão.
— Sabe muito bem que ele detesta, que o chame por chefinho ou algo do
gênero! — Alessio me encara e solta uma risada asquerosa e covarde.
— Ele lambe o chão de Enzo, há tantos anos e aceita as migalhas que lhe
sobram, portanto, como deveria chamá-lo? Capacho de mafioso? Ou aspirante de
coisa alguma?
— Sugiro que modere a sua língua, meu caro!
— E eu sugiro que pague o que me deve. — enfatiza.
Calmamente, solto a gola de sua jaqueta de grife deixando que ele extravase seus
pensamentos, enfio a mão dentro do bolso de minha jaqueta pousando a mesma
sobre minha arma.
— Não tenho toda a grana em mãos no momento. — atesto, imaginando que o
babaca irá fazer um espetáculo à parte. Deixarei que ele fale porque esse será seu
último showzinho.
— Como assim, não tem a grana combinada? — anda em círculos e demonstra
uma agressividade patética e nervosa. — Sabe o que farei?
— Não tenho a mínima ideia. — acendo outro cigarro ainda mantendo minha
mão sobre minha arma. — Porém como sou muito curioso, peço que me diga.
— Irei amanhã cedo à casa dos Ferraro e lá contarei tudo a Enzo! — abre um
sorriso esperançoso de que sua ideia é algo brilhante e cheia de sucesso
vindouro. — Ele pode até não me aceitar de volta, contudo fará picadinho de
vocês dois.
— Jura? — ele já está me tirando do sério, o tempo desse cara acabou.
— Falo sério e não estou brincando quando digo que procurarei Enzo e lhe
contarei toda a verdade.
— Fantasmas não falam, Alessio! — aponto meu revólver em direção a ele que
fica pálido se mostrando apavorado por se dar conta de que não tem controle
algum sobre a situação. Ergue as duas mãos em minha frente e já prevejo seu
pedido de misericórdia.
— Abaixe essa arma, Enrico! — seu corpo exala muito medo.
— Como quiser. — abaixo a minha mira e lhe acerto um tiro em seu joelho o
fazendo gritar prostrado ao chão em sua própria poça de sangue.
— Seu ordinário e sem palavra! — diz com dificuldade apertando seu ferimento
com as mãos.
— Não me leve a mal, Alessio! — jogo a bituca do cigarro no chão a apagando
com a sola de meu sapato. — Apesar de sua estupidez, não tenho nada contra a
sua pessoa. — em resposta, as lágrimas e um choro desesperado o atingem, um
choro suplicante para que eu o deixe viver.
— Não me mate, eu fiz o que me mandaram, não fiz?
— Sim, fez.
— Então, Enrico. — aperta seu joelho na tentativa de estancar seu sangue.
— E agora não tem mais serventia alguma. — sorrio. — Adeus, Alessio, a gente
se vê no inferno! — disparo dois tiros contra seu peito e seu corpo é lançado
para trás contra a parede, inerte e sem vida, me aproximo e faço um sinal da
cruz. Na sequência, entro em contato com alguns de meus homens e ordeno para
se dirigirem para o Bronx para limparem a sujeira.
Espero por volta de quinze minutos e logo algumas batidas na porta apontam a
chegada dos que irão se livrar do corpo de Alessio. Vamos ver qual será a
repercussão dessa notícia na família Ferraro.
Saio do local sem nenhum problema aparente, entro em meu carro e ligo o rádio,
o locutor anuncia um final de semana sem chuvas e temperatura agradável para
quem deseja sair de casa, no porta-luvas, pego a foto juntamente com o endereço
do tal Benício.
De acordo com minhas fontes, ele está hospedado em um hotel em Manhattan
que fica na Rua Washington 99 e é para lá que me dirijo, com esse cara usarei
toda a diplomacia que possuo. Nada de ameaça ou qualquer outro tipo de
violência, segundo Antonella ele veio em paz e da mesma forma voltará para sua
terra natal. No balcão da recepção, pergunto por Benício e a atendente me olha
através de suas lentes escuras.
— A quem devo anunciar?
— Diga que é Enrico, advogado da senhorita Paola Giordano. — imediatamente,
a mulher me anuncia e voltando o telefone no gancho dirige seu olhar para mim.
— O senhor Benício está descendo e pede para que o senhor o espere no bar do
hotel, pisco para ela em agradecimento.
— Obrigado, tenha uma ótima noite.
Viro meu corpo e sigo para o bar, no balcão, peço uma dose de vodca, enquanto
aguardo a chegada do rapaz. Ele não demora e ao adentrar o recinto corre seus
olhos à minha procura, ergo minha mão discretamente e o sujeito vem em meu
encontro, pela minha experiência, Benício é um cara honesto, de boas intenções.
Próximo a mim, se apresenta me estendendo a mão e eu o imito, me apresento
como advogado de Paola com a intenção de ressarcir sem qualquer dissabor a
quantia emprestada por minha cliente. Benicio se mostra disposto a negociar e
então lhe devolvo a quantia devida com a única condição de que ele não mais
procure Paola, deixo expresso que essa é a sua vontade e que nada a faria mudar
de ideia.
— Mi piace ancora quella ragazza ! — diz, ao pegar o envelope com os seus
[274]

estimados euros.
Não tenho tempo e muito menos aptidão para bancar o cupido, portanto deixo
claro a ele que o meu papel é ser meramente um mediador comercial e nada mais
que isso. Resolver problemas sentimentais não fazem parte de meu trabalho, só
acho que Paola deveria ter se casado com esse moço, se restabelecendo em Siena
e construindo sua família pacata e feliz, ela se sairia muito melhor do que se
meter com gente como Enzo e eu.
Meia hora de conversa, ele me assegura que não procurará por minha cliente e
me tranquiliza que voltará para Itália ao amanhecer. Sendo assim, sem nenhuma
rusga ou percalço a ser resolvido, deixo o hotel mais aliviado por esse sábado
produtivo.
Mando uma mensagem ao meu chefe dizendo que tudo saiu como planejamos e
como sempre, ele me manda uma resposta seca, um simples "ok".

Enzo
Meus dedos afastam uma parte da cortina, onde meus olhos se dirigem à
entrada de nossa casa, de longe vejo Letízia em companhia de Paola, as duas
acabam de chegar do centro da cidade com algumas sacolas nas mãos. Reparo
que Letízia mantém um sorriso por mais tempo em seu pequeno rosto, enquanto
uma das mãos de Paola está apoiadas em seu ombro.
Resoluto, peço a Eurídice que chame Paola em meu escritório, quero convidá-la
para que me acompanhe no aniversário de meu pai daqui a alguns dias e preciso
da resposta o quanto antes. Instantes depois, ela bate em minha porta.
— Pode entrar. — sutilmente, ela abre a porta e seus olhos castanhos me olham
com uma incerteza incomum.
— O senhor mandou me chamar?
— Sim. — me ajeito em minha poltrona. — Sente por favor. — tímida, caminha
até minha mesa e arrasta a cadeira deixando no ar um ruído, quase imperceptível
da madeira em atrito com o chão.
— Quero lhe fazer um convite.
— Un invito? — dispara em italiano me causando um desconforto ao imaginar
sua voz me dizendo coisas sacanas em seu idioma. É uma coisa quase impossível
que preciso controlar, olhar para essa ragazza e não pensar em sexo.
— Isso mesmo, um convite. — me levanto e dou a volta ao redor de minha
mesa, me colocando atrás da cadeira, onde ela permanece sentada e tensa. —
Como deve saber, minha mãe dará uma festa para comemorar o aniversário de
meu pai na semana que vem.
— Sim, estou sabendo.
— E gostaria muito que aceitasse o convite para me acompanhar durante a festa.
— de costas, vejo que ela engole em seco. Segundos se arrastam e nada de ouvir
uma resposta que me deixe satisfeito.
— Não posso. — encho meus pulmões de ar pela sua recusa inesperada.
— Não pode, por que razão? — minha voz sai áspera demonstrando meu
irritamento aparente. Delicadamente, Paola vira seu corpo e assim pode fitar
meu olhar indignado em sua direção.
— Não me leve a mal. — tenta consertar o que não tem conserto. —
Primeiramente, não tem que me provar nada me convidando para esse jantar,
pois já aceitei o seu pedido de desculpas e quando lhe disse que não guardo
nenhuma mágoa, falava sério. — volto a me sentar e tentar digerir a sua recusa
tão redundante. Cruzo minhas pernas e sustento meu rosto com meu polegar e
indicador. — Segundo, se eu acaso aceitasse, traria desconforto para sua família,
para os demais funcionários e principalmente para mim que me sentiria uma
intrusa.
— Meus familiares jamais a menosprezariam, tampouco os funcionários. —
coloco em debate a sua conclusão.
— Enzo, não posso aceitar e ponto final, é uma comemoração em família e
amigos mais íntimos e minha presença não se encaixa em nenhum desses
quesitos. — irritado, não mais insisto.
— Não precisa arrumar mais nenhum pretexto para dizer que não aceita meu
convite. Pensei que fôssemos amigos!
— Amigos recentes, mas somos. — solto um meio sorriso um pouco amargo
pelo orgulho de ser deixado para escanteio.
— Digamos que era amiga de Brian de longa data para ter aceitado acompanhá-
lo naquele evento? — ela se coloca em pé e caminha em direção à porta.
— Não vou ficar aqui tentando lhe explicar o que você não quer ou finge não
entender.
— É melhor mesmo, sou inteligente o bastante para perceber quando recebo uma
sutil recusa como essa.
Paola deixa meu escritório fechando a porta com a mesma delicadeza com que a
abriu anteriormente e me deixa com um sentimento de orgulho e perda
mesclados a uma vontade imensa de que ela entendesse que eu não sou um
homem como os outros, sou objetivo e sempre procuro ir direto ao ponto. Nunca
usei desse cortejo clichê que a maioria dos homens adotam para conseguir que
uma mulher deixe de resistir ao seu charme. Se quero uma mulher, ela vem até
mim sem esforço ou jogos de sedução.
Paola tem sido a exceção dessa regra e a primeira mulher a recusar um convite
meu, nem em meus tempos de adolescente cheguei a levar um não de uma
garota. Nesse contexto entra o velho ditado, para tudo há sempre uma primeira
vez.
Continuo em meu escritório até que minha mãe me chama para o jantar, já à
mesa, me mantive o mais calado possível até que Letícia narrou sua tarde de
compras com Paola e sendo bombardeada de perguntas por minha mãe e
Donatella, minha sobrinha acaba contando a elas que um rapaz se aproximou da
mesa, onde Paola e ela lanchavam.
Interessado, porém muito receoso, me mantive o mais neutro na conversa sem
demonstrar minha raiva ao descobrir a razão pelo não recebido horas atrás. Esse
cara deve ser a razão pela qual ela tem me evitado, mas quem seria esse homem.
Terminamos nosso jantar e conversando com minha sobrinha na sala de estar,
tento extrair alguma informação a mais que possa me ajudar na descoberta da
identidade desse homem misterioso. Letizia não pôde me ajudar me muita coisa,
mas foi o suficiente para descobrir que o tal cara pediu para que Paola ligasse
para ele e se isso acontecer, estarei na escuta e finalmente saberei qual a sua
importância na vida dessa ragazza.
Sentado na sala na companhia de meus pais e Donatella ouvimos quando a
campainha ressoa no ambiente e Eurídice se adianta para atender, Ignácio e
Isaiah adentram o hall de entrada demonstrando um semblante já conhecido para
mim, o semblante de quem traz notícias ruins, os dois cumprimentam a todos na
sala e discretamente, Ignácio pede para que meu pai e eu nos dirijamos ao meu
escritório, já instalados cada um em uma poltrona é a vez de Ignácio dizer a que
veio. Sem nenhum rodeio, nos conta que o corpo de Alessio foi encontrado
próximo ao nosso velho depósito no Queens, a reação de meu pai é mais do que
esperada, abre e fecha os olhos tentando focar sua visão, soltando uma lufada de
ar pelo nariz, bate as mãos em seus joelhos e esfrega suas mãos em suas pernas
tentando achar as palavras certas para uma situação tão delicada.
— Sabem quem o matou? — os dois se entreolham e não há nenhum indício de
dúvidas quem ao menos aponte para o assassino ou até mesmo o mandante.
— Não sabemos, Dom Victório.
— Acho que ele acabou contraindo dívidas. — alega Isaiah.
Meu pai me olha e posso adivinhar seus pensamentos contraditórios sobre a
minha decisão de encurtar as rédeas e fechar os caminhos financeiros de Alessio,
então, ele se levanta.
— Quero que cuidem de todo o funeral, daremos um enterro decente a ele, afinal
Alessio é o pai dos meus netos.
— Sim, senhor. — Ignácio responde prontamente.
— Agora, vão e cuidem de tudo. Darei a notícia a minha Donatella. — a voz de
meu velho se torna mais abrandada, contudo, não menos amarga.
Sempre soube que Alessio não era o genro que ele desejou para Donatella e
nunca escondeu a sua objeção ao casamento dos dois, porém ele sempre foi a
favor à família, à nossa família e essa morte veio para tirar a paz que sempre
tentamos preservar.
Saímos do escritório e abraçados seguimos para a sala de estar, onde minha mãe
conversa animadamente com Donatella a respeito da organização do aniversário
de meu pai, uma festa que nem chegará a acontecer.
Minha mãe recebe chocada a notícia da morte de seu genro, enquanto minha
irmã permanece parada como se estivesse em estado de choque, minha
consternação se externa ao ver alguém quem eu amo sofrendo por algo que está
além de meu alcance de ser amenizado, Donatella se levanta e parada em minha
frente se joga em meus braços acompanhada de um choro convulsivo e
incontrolável. A abraço com muita força tentando dar-lhe o que ela precisa no
momento... Força.
Sou forte por ela e por Letícia e Pietro.
— Estou aqui. — afago seu cabelo e ela soluça. — Estarei sempre aqui. —
minha mãe se aproxima e sua mão esquerda acaricia as costas de Donatella.
— Minha filha, estamos todos aqui.
Dona Adele, assim como eu, sabíamos que minha irmã ainda mantinha
esperanças de que Alessio voltasse a viver nessa casa. Também nutria seu
sentimento a cada dia na intenção de ser amada e respeitada na mesma
intensidade que ela dispendia o seu sentimento por ele, infelizmente, Alessio foi
mais do que cego para não valorizar a mulher que mais se importou com ele um
dia.
O domingo amanheceu ensolarado, mas em nossa casa havia a sombra de um dia
repleto de nuvens espessas de uma imensa tempestade, havia um velório dentro
de cada um, menos em mim e em meu pai. Não posso dizer que senti a morte de
Alessio e muito menos ser hipócrita de sentir algo por um homem que nunca
mereceu.
Pietro se manteve quieto com o olhar lacrimejante, enquanto entrávamos no
carro rumo ao enterro de seu pai. Durante todo o trajeto até o cemitério, ele não
soltou de minha mão e se arriscou em se aconchegar ao meu corpo quando o
funeral teve seu fim. Donatella com seus óculos escuros escondeu dos demais os
seus olhos de pesar e agarrada à sua filha se mostrou forte como uma Ferraro,
como a conheço bem sei que em seu íntimo há uma promessa de que ela se
reerguerá e que ainda será feliz e como um homem que zela pela sua irmã farei o
que for necessário e o que estiver ao meu alcance para ver o seu lindo sorriso
espontâneo se abrindo.
À tarde, me mantive recluso em meu escritório resolvendo alguns assuntos
referentes à compra da estatal negociada pelo Senador Hart.
Na segunda-feira, passei meu dia praticamente enterrado em mais trabalho e
coisas a resolver, uma repentina batida na porta me faz despertar e perceber que
passei muitas horas trabalhando.
— Quem é?
— Sou eu, Paola.
— Estou ocupado. — respondo secamente.
— É importante.
O que essa ragazza quer dessa vez? Já não basta ter me dito um não redondo e
objetivo?
— Entre. — seu olhar altivo se encontra com o meu e espero pelo assunto tão
importante.
— Primeiro, queria lhe dizer que sinto muito pela morte de seu cunhado, mesmo
não gostando dele, tenho pena pelas crianças.
— Não sinta, um estorvo a menos a dividir oxigênio com outras pessoas mais
decentes. — ela fica sem jeito pela minha frieza.
— A respeito de seu convite de outro dia... — passo a mão direita pelo cabelo e
exasperado, rebato.
— Não haverá mais festa, Paola. Ninguém aqui está em clima para
comemorações, portanto se era sobre isso que queria falar sugiro que vá embora.
— aponto a porta como a única saída para interromper a nossa conversa.
— Bem, quando você estiver usando novamente os seus sapatos ao invés de
ferraduras, voltarei para a gente conversar. Tinha um convite a lhe fazer! — me
dá as costas e se encaminha para a porta.
— Espere! — para em meio a porta e se vira devagar. — Que convite?
— Como amigos gostaria de lhe agradecer pela ajuda que me deu e com isso
pensei em lhe convidar para sairmos. — esboça um leve sorriso. — Pagaria com
meu primeiro salário.
— Está me convidando para sair? — enfio as mãos nos bolsos de minha calça e
a encarando fixamente, molho meus lábios sem saber o que dizer.
— Aceita ou vai me dizer que é machista o bastante para se sentir ofendido por
ser convidado para sair por uma mulher?
— Não é nada disso! — acabo sorrindo sem jeito.
— E é claro que se aceitar, iremos a um local condizente com meu salário.
— Eu pagaria. — digo, enfático.
— Nessun modo. — balança o indicador em negativa. — Scelgo il posto e io
[275]

pago.[276]

— Va bene, accetto.
—Te espero as nove horas, Enzo e per favore, não se atrase! — me olha com
[277]

brilho nos olhos e em resposta, estreito meus lábios num sorriso tímido e sai me
deixando animado em poder conhecer um pouco mais de seu jeito intrigante.

Antonella
São vinte horas e cinquenta e cinco minutos, saio de meu quarto descendo as
escadas que dão acesso ao jardim, ando devagar pelo caminho de pedras que
percorre sinuoso até a garagem. Ao passar rente a ela, vejo Enzo saindo com as
chaves de seu carro e sua carteira nas mãos, seus olhos me veem e ele caminha
ao meu encontro, não sei descrever a reação que senti ao vê-lo trajando algo
despojado e mais displicente ao seu modo de se vestir, usando uma calça jeans e
uma camiseta preta, ninguém o julgaria um dos homens mais poderosos e
perigosos do submundo do crime. Sem contar que ele tem braços lindos, deveria
deixá-los à mostra mais vezes.
Confesso que fiquei feliz ao ver que ele levou a sério o meu convite e não se
vestiu com seus ternos impecáveis, pois seria uma tremenda discordância
acompanhar uma moça que veste algo leve e floral como um longo vestido de
verão.
— Pontualidade é tudo em um encontro. — comenta ao verificar as horas em seu
relógio.
— Sempre. — seguro minha pequena bolsa, tentando disfarçar minha reação ao
ver os seus olhos me medindo por completo.
— Você está linda, Paola!
— Grazie, Enzo, anche tu sei molto bello.[278]

— Vamos? — estende seu braço como um gentiluomo e caminhamos em


[279]

direção ao seu carro, abre a porta para mim e instantes depois, já sentado ao meu
lado, pergunta qual foi o local escolhido por mim.
Meus olhos analisam cada detalhe de seu rosto em busca de algo que esteja
assimétrico e mal distribuído, porém minha busca é em vão, Enzo é o protótipo
de beleza universal e indiscutível, sem contar que seu perfume domina o
ambiente, me causando um desconforto por inspirar algo tão masculino.
— Vamos a uma pizzaria que fica na 55 th. Logo que cheguei aqui, tive o prazer
de conhecer o local com uma amiga. A pizza de lá é muito boa! — digo,
entusiasmada por estar ao seu lado e ainda não ouvi nenhum comentário de
sentido dúbio ou malicioso.
— Minha amiga é quem manda! — pelo canto dos olhos pisca para mim e isso
mexe comigo.
Dentro do carro, a caminho da pizzaria, Enzo se mostra falante e para minha
surpresa, ele continua se mantendo comportado e sério. Será que não desperto
mais nenhum interesse a ele?
Chegamos à Serafina e ao entrarmos no local, quase todas as mesas estavam
repletas de gente. Discretamente, sinto sua mão em meu ombro, me causando
uma sensação gostosa como se estivesse sendo protegida por sua presença ali.
Escolho uma mesa, em seguida um garçom anota nossos pedidos e Enzo pede
uma garrafa de vinho.
Pizza... Enzo... Camiseta preta... Barba... Bigode e vinho, sinto que essa
combinação não terá os resultados esperados nessa noite.
— Gostei do lugar. — ele diz ao abrir a garrafa de vinho, pega a minha taça e me
serve sempre com o olhar preso ao meu.
Em determinado momento de nossa conversa, ele pergunta sobre minha família e
respondo o que posso a respeito do assunto, nossa pizza napolitana chega e mais
uma garrafa de vinho faz companhia a ela.
Enzo fica mais falante com o efeito do vinho e diferente daquele jantar de Brian,
hoje ele se porta de modo extrovertido e me conta sobre suas escolhas
profissionais e sobre seu amor pelos pais e toda sua família. Também me fala um
pouco sobre seu casamento e sua dificuldade em se envolver com uma mulher
emocionalmente.
— Penso que não conseguiria amar nenhuma mulher. — atesta e bebe um grande
gole de sua taça. — O amor deixa as pessoas mais sensíveis e irracionais e eu
nunca fui a favor de perder a razão.
— Nisso, eu discordo de você. — corto um pedaço de pizza e o levo em minha
boca. — Você tem um exemplo debaixo de seu nariz que contradiz a sua teoria.
— me lança um olhar duvidoso.
— Veja o seu pai! Ele ama a sua mãe e no entanto não acho que tenha perdido a
sua racionalidade.
— Um exemplo único.
— Mas é um exemplo.
— Nisso, você tem razão.
Chega a hora de falar um pouco de minha vida sentimental, vamos falar da sua e
nessa hora não consigo simular ou inventar nenhuma história, para que ele creia
que realmente não encontrei a minha cara metade, digo apenas a verdade e ela é
suficiente e sem sombras. Percebo que muitas mulheres que adentram a pizzaria
dirigem seu olhar para nossa mesa, é visível o quanto Enzo chama a atenção e
faz com que os olhares femininos o devorem com seus olhos, o que me deixa
muito feliz é que em nenhum momento vi seu olhar se desviando de minha
pessoa mesmo que discretamente. Querendo ou não, consegui a sua atenção
durante todo nosso jantar.
Pedimos a conta e acabamos discutindo sobre quem pagaria a conta, depois de
cinco minutos sem chegarmos a um consenso, acabo cedendo e permitindo que
ele pague a nossa pizza.
— No próximo encontro você paga. — diz ao abrir a porta de seu humilde
Porsche para mim.
— Não lhe convido mais! — falo em tom de brincadeira.
— Por isso, não! Eu a convido para ir ao cinema comigo amanhã!
— Você não tem cara que frequenta cinema, Enzo!
— E que cara um homem precisa ter para levar uma linda garota ao cinema?
Esse comentário me deu um frio no estômago ou seria o efeito do vinho que
tomei?
— Fiquei sem argumentos, agora!
Ele acelera e seguimos pelas ruas de Manhattam numa velocidade razoável,
típico de um passeio entre enamorados, em menos de meia hora, atravessamos os
portões da mansão e ele estaciona seu carro com maestria na sua garagem e
segue o mesmo ritual ao abrir a porta para que eu desça. Seu corpo permanece
próximo ao meu e exalo seu perfume e hálito quente, misturado ao vinho.
— Obrigado por me convidar para comer pizza, Paola.
— Obrigada por aceitar meu convite, Enzo. Adorei a nossa noite.
— Não se esqueça, amanhã quero te levar ao cinema. — arqueio minha
sobrancelhas em sinal de dubiedade.[280]

— Você está falando sério?


— Por que não falaria?
— Tudo bem, amanhã iremos ao cinema.
E antes que eu pensasse que nada mais aconteceria, me aproximo de seu rosto
com o intuito de lhe desejar boa noite com um inocente beijo e sua reação é
manter o rosto abaixado, deixando minha boca a milímetros de seus lábios
irresistíveis. Com a respiração ofegante, acabo deslizando minha boca sobre a
sua sem ter a noção que esse beijo, agora voluntário, acenderia meu corpo e
revolveria alguma coisa inexplicável dentro do meu peito. Seu beijo começa
manso e sem nenhuma intenção provocativa, aos poucos, seus lábios capturam
os meus e devagar sinto o gosto de sua boca se espalhar pela minha, no mesmo
instante em que seus braços enlaçam meu corpo me prensando entre a fortaleza
de músculos perfeitos e a lataria de seu carro.
Nesse momento, esqueço qualquer plano ou tática para seduzi-lo e me entrego a
esse beijo insano que excita meu corpo, somente por estar em seus braços,
minhas mãos não sabem, onde exatamente querem estar, se em seus cabelos
macios e sedosos ou se escalam suas costas largas e fortes.
— Paola... — diz meu nome em meio a um gemido rouco e ao invadir sua língua
em minha boca faz com que minha cabeça rode e meu ventre se contraia todo,
numa ânsia jamais sentida com um simples beijo. Simples não seria a palavra,
pois Enzo não tem nada de simplório, sua aura exótica e forte tende a me
sucumbir ao que mais temo, me apaixonar e entregar meu corpo e minha alma a
alguém que não pretende corresponder a nenhum sentimento ou afeto.
Me beija com um furor e vontade quase enlouquecedores e o acompanho nesse
frenesi em plena garagem, como se o mundo fosse acabar em instantes. Me
afasto devagar e suas mãos apertam minhas costas, me mantendo presa em seus
braços.
— Tenho que entrar.
— Tem certeza? — com a testa enrugada, me devora com seu olhar reluzindo
luxúria.
— Tenho. — beija minha mão e logo após mais um beijo leve em minha boca.
— Tenha uma boa noite!
— Você também. — mesmo contra minha vontade me afasto em direção ao meu
quarto.
— Paola... — me chama mais uma vez.
— Cinema, não se esqueça! — pisca para mim e fecha a porta de seu carro.
— Pode deixar, não me esquecerei. — fica parado e me espera subir as escadas
para só então entrar em sua casa...
Dentro de meu quarto, olho meu rosto que queima, assim como meu corpo todo.
Antonella, cuidado com esse homem!

Encosto meus dedos em meus lábios que ainda formigam pela sensação do beijo
delicioso que trocamos, meu coração apertado e temeroso me alerta pelo que
está por vir.
Deitada em minha cama, lembro de que Enrico nem imagina que ainda sou
virgem...
Será que ele irá se importar quando souber?
Cinque contro uno[281]

Enzo
Recostado em minha cama, repasso cada instante em que estive ao lado de
Paola, nesse momento, fecho meus olhos e acabo soltando um sorriso estreitado.
Confesso que Brian estava coberto de razão ao dizer que Paola, além de carregar
uma inata sensualidade, traz consigo uma mescla de inteligência e humor que faz
com que quem quer esteja ao seu lado se contagie e se sinta muito bem.
Conversamos sobre tantos assuntos importantes e corriqueiros e em todos eles,
havia uma sintonia de uma conversa muito agradável e divertida. Falante e
gesticulando muito com as mãos, Paola me fez sentir algo diferente, em nenhum
momento, me senti na defensiva e a franqueza de nossa conversa foi o que
alavancou o nosso entrosamento, como eu, ela também nunca se deixou envolver
por alguém a ponto de se entregar totalmente e não usei de nenhum artifício ou
frase carregada de malícia para fazê-la perceber o meu interesse. Descobri
também alguns de nossos gostos em comum, outros mais divergentes e ainda
outros peculiares, foi uma noite muito agradável que teve seu desfecho da
melhor forma possível, Paola tomou a iniciativa e ao procurar minha boca por
vontade própria, deixou meu corpo em alerta tamanha a minha excitação e mais
do que isso, me fez refrear meus limites e respeitar a sua vontade esperando pela
sua decisão de querer estar em meus braços, nunca em toda minha vida tive que
me conter a tal ponto me privando de uma das coisas que mais gosto de fazer,
sexo. E um pensamento involuntário domina minha mente nesse momento, será
que ela me fará esperar por muito tempo? Até quando aguentaria essa situação
torturante?
Estar ao lado de Paola sem poder tocá-la vem sendo uma tortura maior do que eu
imaginava, revolvo minha memória e não consigo me lembrar da última vez
[282]

em que tive um encontro onde tudo acabou apenas em um beijo, me levanto


subitamente ao me lembrar de um detalhe de nossa conversa, abro uma de
minhas gavetas e pego minha agenda pessoal, com uma caneta na mão, anoto a
data de seu aniversário e coloco um aviso em meu celular, Paola faz aniversário
no dia 07 de maio.
Volto para cama e ainda relembrando do beijo que trocamos, me sinto ansioso
pelo nosso cinema de amanhã.
*****
Poucas horas depois ...
Um pouco antes das sete, sozinho, tomo meu café da manhã, enquanto leio o
jornal diário e uma das melhores notícias aparece estampada na seção de
economia. Com meu esforço e dedicação, a Família Ferraro conseguiu arrematar
em um leilão as ações de uma empresa de telefonia celular e com isso, entramos
no mercado com uma empresa legalizada e digna de respeito.
Hart cumpriu com sua palavra e articulou como um belo parlamentar ao nosso
favor, mais tarde, pedirei a Ignácio que mande ao nobre senador alguma garrafa
de um bom vinho em agradecimento pelo seu magnífico empenho.
Saio da mesa e no corredor que dá acesso a lateral da casa vejo Isaiah que acaba
de chegar, quieto, mal me cumprimenta e ajeita seus óculos escuros tentando
disfarçar o seu mal humor que acredito ter uma causa muito justificável.
— Bom dia, Isaiah!
— Bom dia, Enzo. — ajeita seus óculos escuros. — Acabei de deixar a minha
esposa no aeroporto, ela e as crianças embarcaram em um avião para Houston.
— É definitivo? — demonstro meu pesar ao ver meu melhor segurança e
treinador em um estado lastimável.
— Sim, é. — passa as mãos em sua cabeça calva. — Mas ela disse que posso ver
meus filhos sempre que quiser.
— Ao menos, vocês se separaram numa boa!
— Isso é verdade.
Conversamos por mais alguns minutos e vejo quando Fabrizio chega para a sua
jornada de trabalho, Ignácio é o próximo a se juntar a nossa confraria e
aproveitando o ensejo alerto a todos sobre a entrada de Alvin à nossa família.
[283]

O cara se mostrou muito solícito e respeitoso para meu gosto, quase um capacho
humano, nada mais natural para um associado que passa a ser aceito na máfia
como um novo membro. Tudo isso seria muito comum se ele não estivesse
sendo monitorado pela astuta equipe de Domênico, Alvin aparenta ser o que não
é e minha equipe finge acreditar no que ele diz aparentar.
Outro grande e relevante ensinamento de meu pai é de que um homem, nunca
deve dormir em uma cama com uma mulher estranha, você pode acordar e ter
surpresas irreversíveis e Alvin, na certa, desconhece esse ensinamento e acabou
dormindo com Ivy, a mesma garota que seduziu Carol. Contratada por mim
executou com maestria o seu trabalho saindo com Alvin e naquela noite,
remexendo em sua carteira, encontrou um compartimento secreto e lá havia
escondido um distintivo policial.
Com essa nova desconfiança a respeito do novato, deixei a encargo de Domênico
que siga o sujeito e colete o máximo de informações possíveis e plausíveis a
respeito desse cara, quero saber quais as suas intenções se infiltrando dentro de
minha família. Enquanto isso, Ignácio mexe seus pauzinhos e está levantando
informações de Alvin junto à polícia e se nossas suspeitas estiverem corretas,
esse sujeito não terá um legado muito útil para deixar para a posteridade, ele atua
como um agente duplo, ou seja, tende a pisar em dois campos muito distintos e
serei eu a o ajudar a fazer sua escolha correta, ou seja, decidir pelo bom caráter
que honre sua conduta, ou escolher ser um bandido e independente do que
escolher que o faça bem feito. O que não tolero é um ser querer habitar nos dois
mundos, porque isso nunca funcionou e jamais funcionará.
Passo algumas tarefas corriqueiras a ambos e me despeço dos dois atento ao ver
que Heitor, nosso porteiro, entrega um grande buquê de rosas para Eurídice, em
seus passos sincronizados, segura as flores com todo cuidado adentrando a casa
sem olhar sequer para os lados.
Para quem seriam aquelas flores?
Há somente uma maneira de descobrir e assim sendo, coloco meus pés na sala de
estar e procuro pela nossa eficiente governanta. Ao encontrá-la não mais tem em
sua posse o tal ramalhete, portanto deduzo que ele deve ter sido entregue à sua
destinatária.
— Bom dia, Eurídice.
— Bom dia, senhor Enzo, como está nessa manhã? — quase sempre me
cumprimenta dessa forma.
— Muito bem e você?
— Atarefada, mas bem. — pigarreio, passando a mão sobre minha barba.
— Vi que entrou com um buquê de flores, para quem eram? Mamãe ou
Donatella? — Eurídice, com seu ar polido e pose elegante, me encara antes de
me dar a resposta tão importante para mim.
— Para nenhuma delas. — volta a ajeitar um vaso sobre um aparador. — Aquele
buquê era para Paola. — meu semblante tenta disfarçar a raiva que transcende
em meu interior, engolindo em seco ao imaginar quem foi o remetente
responsável pelas mesmas, me despeço de Eurídice e saio pela casa tentando
achar Paola.
Frustrado por não a encontrar em nenhum canto, entro em meu escritório
mantendo a porta entreaberta e sentado frente à minha mesa, tento formular uma
conversa com aquela ragazza, na certeza de que as investidas de Brian tenham
um fim. Vejo quando ela passa pelo corredor com uma pilha de roupas e mais do
que depressa me coloco em pé me dirigindo ao seu encalço.
— Paola. — chamo seu nome mantendo minha voz mais baixa do que o normal.
Vira seu pescoço e seus olhos me veem parado com uma cara insatisfeita e as
mãos nos bolsos. Ela caminha em minha direção e diminuindo a distância entre
nós, rebate.
— Sì. — ela ainda não sabe, mas adoro ouvir esse," Sim' em italiano. Em sua
boca, esse monossílabo afirmativo sai de forma casualmente sexy.
— Preciso falar com você e tem que ser agora, venha até meu escritório!
— Não posso! Não vê que estou ocupada? — ergue os braços levantando a pilha
de lençóis.
— Venha comigo. — a seguro pelo seu antebraço, sem me importar com sua
justificativa.
— Enzo, estou em meu horário de trabalho! — a arrasto delicadamente para
dentro do aposento.
— Se for esse o problema, não se preocupe, pois está com seu patrão! —
entramos em meu escritório e tomo a precaução de trancar a porta, no mesmo
instante em que ela deposita sua pilha de roupas sobre o sofá.
— O que houve? — fita meus olhos com o olhar assustado.
— Quem lhe mandou flores essa manhã? — sem querer, falo entre dentes tocado
por uma ponta de um sentimento que muitos chamam de ciúme e essa mesma
sensação, faz com que eu me remoa por dentro, alimentando uma ira descabida
por não conseguir afastar essa sensação ou ao menos controlá-la.
— Brian. — é só o que ela diz.
— E?
— Ele me mandou as flores em agradecimento por tê-lo acompanhado naquele
jantar. — umedeço meus lábios duas vezes consecutivas e balançando meu corpo
na ponta dos pés tento parecer civilizado e conciso.
— Quero lhe fazer uma pergunta e espero uma resposta muito objetiva.
— Pois faça.
— O que irá fazer em relação a Brian?
— Aspetta, non ho capito la tua domanda. [284]

— Disegno se richiesto. — rebato, asperamente em sua língua natal. — Quero


[285]

deixar claro que não sou o tipo de homem que tende a duelar ou disputar pela
atenção de uma mulher, seja ela quem for, ainda mais se ela tende a jogar seu
charme para outro que não seja eu! — exponho meu ponto de vista e espero que
Paola compreenda a minha postura.
— Brian é somente um amigo, não tenho ou cultivo nenhum interesse em
relação a ele.
— Mas, pelo visto, ele ainda não sabe disso! — retiro as mãos dos bolsos e
cruzo meus braços, impaciente.
— Acabou de saber há pouco, quando liguei para lhe agradecer pelas flores.
— E qual foi a sua reação? — a questiono interessado.
— Bom, seu amigo ficou em silêncio por algum tempo, me deixando
desconfortável e sem saber como continuar o rumo da conversa. — Paola desvia
seus olhos dos meus, os recaindo diretamente sobre o porta-retrato com a foto de
Agatha. A seguir, volta a me encarar firme. — Quando voltou a falar, sua voz era
calma, porém notei que ele ficou insatisfeito pela minha decisão de recusar um
próximo convite.
— Próximo convite?
— Brian queria me convidar para jantarmos essa noite e tive que ser taxativa na
recusa, pois ele se mostrou insistente ao extremo. Ele queria saber o porquê de
minha recusa repentina.
— Disse que iria sair comigo?
— Era segredo? — ela rebate com certo desafio em seus olhos castanhos.
— Absolutamente. — satisfeita pela resposta, uma pequena fenda se forma no
canto direito de sua boca, indicando um sorriso escondido.
— Brian é meu único amigo e acho que também lhe devo uma explicação, afinal
de contas não deve ser legal ser colocado de lado dessa maneira.
— Não aprofundei o assunto e de modo muito inteligente, Brian me pareceu
conformado e parecia saber que isso acabaria acontecendo. Sinceramente, não
tive a intenção de magoá-lo. — estico meu braço e toco seu queixo.
— Tenho certeza disso e como meu amigo, essa situação é um tanto delicada
para ambos. — aproximo meu rosto do seu, roçando minha boca em seus lábios
macios.
— Agora, esqueçamos esse problema! — prendo seu lábio inferior entre meus
dentes. — Vamos pensar em nosso cinema de logo mais. — aperto seu corpo em
meus braços e sua resposta é se grudar ainda mais em mim e abrir seus lábios
com uma voracidade o que me causa surpresa. Trocamos um beijo demorado e
ao sentir que meu pau duro prensa sua pélvis, Paola se afasta devagar com as
bochechas avermelhadas e respiração ofegante.
— Até mais tarde, Enzo. — ainda segurando seus dedos em minhas mãos, fico
imaginando o que se passa em sua cabeça, quando nos beijamos e acabo ficando
excitado. Será que ela tem noção do quanto a quero?
— Sessão das 22hs, não se esqueça! — ando até à porta e ela evita olhar para
minha calça, mesmo tentando ser cavalheiro e discreto, é inevitável e quase
impossível esconder uma ereção.
— Paola. — a chamo, antes de vê-la atravessar a soleira da porta.
— Sí? — lá vem o maldito sim justamente nesse momento.
— As roupas. — aponto para o sofá com a pilha de roupas deixadas por ela
instantes atrás. — Aperto meus lábios, tentando parecer natural e não extravasar
um riso contido em minha garganta. Sem jeito, ela volta, pega o que havia
esquecido e passando por mim segura meu queixo entre os dedos.
— Sì, alle dieci. — pisca para mim, beijando de leve minha boca.
[286]

Sua presença deixa no ar o seu cheiro doce e instigante de fêmea. Respiro fundo,
balançando minha cabeça e tento afastar os maliciosos pensamentos que me
rondam ao pensar nessa mulher. Volto a me centralizar em meus negócios e
cuidar de um assunto que julgo premente. [287]

Ligo para Aimè e lhe peço um outro grande favor.


Se pretendo continuar a sair com Paola, não a quero trabalhando nessa casa
como arrumadeira, afinal ela merece mais do que isso e será com a ajuda de
minha antiga amiga que conseguirei um outro emprego para a ragazza. Ela me
passa algumas opções e fico de lhe dar a resposta, após falar com Paola.
Volto a focar meu pensamento em meu trabalho e durante muitas vezes me
peguei olhando em meu relógio para verificar quanto tempo ainda faltaria para
que a noite chegue.

Antonela
Desnorteada..., essa é a palavra cabível, para descrever a sensação sentida ao
sair daquele escritório.
O Enzo hipócrita, cretino e safado é extremamente fácil de se desvencilhar e não
se sentir tão abalada, porém com sua súbita transformação confesso que meu
estoque de forças e armas para não me entregar a ele estão reduzidas a quase
nada e temo não ter mesmo toda essa força para levar esse plano adiante.
Quando suas mãos me tocam, meu corpo estremece por completo e ao sentir a
sua boca sobre a minha, uma vontade de me perder em seus lábios domina meu
interior e chego a vagar em um pensamento estúpido onde esse homem, se
declara apaixonado por mim, me fazendo embarcar em uma paixão que
transcenderia qualquer obstáculo.
Claro que isso não passa de uma ideia remota e muito hipotética, porém, e se
isso acontecesse? Qual seria a minha reação e atitude em relação a tudo o que foi
planejado?
Tudo teria uma outra visão e nesse contexto lúdico, chego a me imaginar
contando tudo a ele e sem se importar com a gravidade da ocasião por estar
apaixonado por mim, Enzo não só me perdoaria como também aniquilaria seus
inimigos da face da terra.
Subitamente, um pensamento racional me abate e faço a mim mesma uma
pergunta que antes não tinha importância alguma, todavia, nessas circunstâncias,
ela se torna crucial.
Qual o motivo da vingança de Enrico? Por que razão ele quer tanto prejudicar
Enzo?
Durante esse tempo mínimo em que convivi com Enzo e seus familiares, alguma
coisa contraditória não condiz com toda raiva explanada por Enrico. Todos nessa
casa o amam e o respeitam e vejo que esse sentimento é recíproco.
Como alguém tão amado pela sua família pode ser tão odiado a ponto de uma
vingança como essa? O que Enzo pode ter feito a Enrico para extrair de sua alma
um sentimento tão odioso e vingativo?
São perguntas importantes que acabei deixando de lado por acreditar que estaria
em uma simples tarefa. Nesse ínterim, vejo o quanto estou sendo relapsa e
egoísta, colocando somente a minha situação num patamar acima de tudo e de
todos e é pensando por esse panorama que me sinto mal por comprar uma briga
que não é minha e mais, não faz parte de meu mísero mundo.
Envolvida até o pescoço, ainda não vejo como sair ilesa dessa confusão em que
me enfiei como se estivesse vendada e nesse mar de situações inusitadas começo
me interessar por Enzo de uma forma simples e verdadeira.
Respiro fundo e me concentro em meu trabalho que consiste em polir algumas
pratarias, enquanto as palavras de Enzo em seu escritório martelam meu cérebro
constantemente.
Muito antes de nossa conversa de horas atrás, liguei para Brian para agradecer a
gentileza das flores e para colocar em pratos limpos a nossa relação de amizade
sem chance de algo mais.
Notei que ele se mostrou decepcionado e ainda relutante argumentou que poderia
me fazer muito feliz se acaso aceitasse sua oferta de um possível
relacionamento.
Sendo assim, não tive escolha a não ser cortar pela raiz e qualquer esperança que
ele viesse a cultivar.
Aliviada por expor a ele tudo o que realmente estava acontecendo, pude ouvir
seu sermão de precaução a respeito de Enzo, mesmo sendo seu melhor amigo e
lhe querendo o melhor, Brian foi taxativo ao me alertar de que Enzo não é um
homem a quem uma mulher pode se entregar por completo e que ele ficaria
muito triste se um dia viesse a saber que me decepcionei. De qualquer forma, me
desejou sorte e deixou explícito que não abriria mão de minha amizade e nossos
jantares com comida chinesa.
Ri ao celular, sabendo muito bem que o lindão italiano viria a ouvir toda a
conversa na íntegra, momentos mais tarde, ao me chamar em seu escritório,
Enzo se impôs e deixou muito claro que não é um homem tolerante e muito
menos alguém que disputaria a minha atenção com seu amigo.
Tudo quase às claras, acabamos de trocar um beijo estarrecedor que me deixou
em chamas, ao notar sua excitação, resolvi retroceder e fugir de seus braços
antes que acabasse trocando os pés pelas mãos.
Mas até quando poderei agir como uma donzela inocente?
Enzo não se manterá cavalheiro e muito menos em abstinência sexual por minha
causa, ele não é um homem que se contenta com meras trocas de beijos. Essa
tática está com dias contados, ainda mais com esse convite para o cinema.
Chega o final de meu expediente e com ele me dirijo ao meu quarto, tenho
algumas ligações a fazer, dentre elas falar com minha tia, Clara e minha amiga
Virgínia. Penso em ligar para Enrico, porém me abstenho e o deixo em segundo
plano.
A caminho de meu quarto, sou alcançada por Mercedez que me acompanha
subindo as escadas quase sem fôlego e louca para me perguntar se ando saindo
com Enzo. Alguém deve ter nos vistos ontem ao chegarmos da pizzaria e não
duvido que meu nome esteja sendo motivo de muitas fofocas, entre ela e os
outros funcionários da casa.
Posso dizer que isso me incomoda e muito, porque ser vista como uma
empregada que é comida pelo patrão não é em hipótese alguma uma coisa
agradável. Sem me abalar com suas indiretas mais que diretas, me despeço
secamente e entro em meu quarto na intenção de tentar descansar um pouco
antes de meu programa com Enzo.
*****
São quase nove e vinte da noite e me olho mais uma vez em frente ao espelho do
banheiro.
Como um cinema é um lugar casual, optei por uma calça jeans e uma camisa
branca, no rosto somente batom vermelho e optei por deixar meus cabelos soltos,
um pouco de perfume no pescoço e pulsos e acho que estou mais que pronta.
A calça tem uma finalidade básica que é a de afastar aquelas mãos fortes e que se
tornarão bobas no decorrer do filme, tenho ciência de que se eu usar uma saia ou
vestido, estarei desprovida de nenhuma armadura e totalmente exposta para as
investidas nada convencionais daquele lindo italiano filho da mãe.
Termino de me arrumar e minhas mãos nervosamente se esfregam uma na outra,
ando de um lado a outro como se isso fosse de alguma forma espantar o meu
nervosismo.
Mais alguns minutos subsequentes e meu telefone vibra sobre a cama,
mensagem de Enzo, enfim, chega a hora de ir. Com as mãos nos bolsos, desço as
escadas e o encontro me esperando rente ao corrimão.
Sua intenção não foi das melhores ao escolher outra camisa preta acompanhada
de uma calça cinza escuro, ambas em um estilo mais despojado. A camisa conta
com apenas dois botões e nesse instante somente um deles está fechado,
permitindo que meu olhar recaia na base de seu pescoço próximo ao seu tórax,
onde há alguns pelos aparecendo. Uma visão de luxúria e pecado juntos na dose
certa para desajustar o meu cérebro já danificado.
— Boa noite, Paola. — sua voz sai numa tonalidade cadenciada de um
magnetismo que penetra em meus ouvidos me fazendo pensar qual o poder que
ela teria se dita próxima ao meu ouvido.
— Boa noite, Enzo. — seu perfume também permeia pelo ar, agradando meu
olfato já acostumado ao seu cheiro delicioso.
Reparo também que ele não aprovou meu traje escolhido, Enzo tinha em sua
mente perversa algo com aberturas de fácil acesso como catracas de metrô. Me
seguro para não rir de minha própria comparação ridícula, se contém e evita me
beijar próximo ao dormitório das funcionárias e aprovo sua atitude conveniente.
— Vamos ou então perderemos a sessão das dez.
— Vamos.
Fabrizio nos espera com uma das portas do carro aberta, lanço a Enzo um olhar
contraditório, afinal imaginei que fôssemos em seu carro como ontem.
— É uma área arriscada, portanto iremos com Fabrizio e mais dois seguranças
nos acompanharão. — se justifica, antes de entrarmos no automóvel.
— Sem problemas. — aquiesço discretamente.
Dentro do carro, Enzo não tentou me beijar, mas segurou minha mão durante
todo o trajeto, acariciando meus dedos e permanecendo atento ao trânsito.
O cinema escolhido por Enzo fica a quinze minutos da mansão, o Regal fica no
Brookliyn na 33 Lecount Pl, em um pequeno calçadão, onde muitas pessoas vêm
apreciar a sétima arte. Logo ao descer do carro, a sensação gostosa de ter a mão
forte de Enzo em minha cintura me deixa toda boba. Por onde circulamos, as
pessoas nos olham e acreditam que somos um belo casal de namorados que está
indo curtir um filme a dois.
Na bilheteria, um atendente muito simpático nos pergunta qual filme iremos ver,
olho para os muitos cartazes e banners distribuídos pelo setor da bilheteria, mas
deixo a encargo de Enzo a nossa escolha.
Havia cinco poucas opções, dois filmes românticos, um musical, um drama e um
filme de ação. Não preciso mencionar qual deles Enzo escolheu.
— Duas, Missão Impossível, por favor! — diz ao cara da bilheteria.
Ao ouvir a sua escolha, sorrio por dentro, pois quem nunca veio com o
namorado ao cinema para ver um filme, onde um dos seus atores favoritos e
lindo atua nele. Se Clara estivesse aqui, iria rir muito pois ela, assim como eu,
ama ver Henry Cavill na telona, disfarço e deixo em off a minha contida
empolgação. Com as mãos entrelaçadas compramos nossa pipoca e refrigerante
para em seguida procurarmos nosso assento.

Enzo abre caminho na penumbra da sala e me puxa para o canto esquerdo. Nos
sentamos, as luzes todas se apagam e filme logo se inicia.
— Seria paradoxo se você escolhesse outro filme que não fosse de ação! — digo
aos dois minutos de filme.
— Ora, está começando a conhecer o meu gosto.
— Estou? — levo uma pipoca à boca e devolvo um olhar sugestivo.
Enzo aproxima seu corpo do meu, enlaçando seu braço forte em torno de meu
ombro. Me faz encará-lo, me dando a visão parcial de seu rosto sob a luz a tela
do cinema.
Sua mão firme que se encontrava em meu ombro, sobe para meu pescoço me
impossibilitando de fugir de seu olhar.
— Está e muito. — sua barba roça meu queixo devagar incitando minha boca a
buscar seu beijo e se apossando de meus lábios, sinto o correr de suas mãos por
minhas costas, em seguida, nas costelas e por fim alcança meus seios através do
tecido de minha camisa.
— Enzo, estamos em um cinema. — tento adverti-lo e na sequência, sua boca
colada em meu ouvido, solta um sussurro grave carregado de desejo que me faz
esquecer de quem sou, quanto mais a minha localização nessa terra.
— E o que os casais fazem no cinema? — murmura, mordendo meu lábio no
mesmo instante em que seus dedos abrem um dos botões de minha camisa e seus
dedos atrevidos adentram minha roupa, tocando meu seio sob a renda de meu
sutiã.
Em meu currículo amoroso, não me lembro de ter ido ao cinema com alguém e
ter cometido uma loucura como essa.
— Não viriam pelo filme? — solto um gemido ao sentir sua boca deslizando por
meu pescoço e deixando minha pele arrepiada pelo movimento cadenciado que
sua barba faz.
— Os que vêm para ver o filme não se enquadram em nosso caso... — completa
e suga de leve meu pescoço à medida que afasta meu sutiã e toca meu seio com
seus dedos.
Como resistir a esse simples toque me deixa quase sem ar? Suas mãos extraem
de mim algo inimaginável, insano e querendo me perder nessa loucura chamada
de desejo, avanço sobre sua boca e um tanto audaciosa, abro o outro botão de
sua camisa e minha mão anseia por sentir a pele quente de seu tórax.
Sua boca me devora sem piedade a medida em que suas mãos percorrem meu
corpo todo. Elas descem por minhas nádegas as apertando com força.
— Não imagina o que você está fazendo comigo... — rebate ao acariciar meu
mamilo por baixo da renda de meu sutiã. Com uma de suas mãos livre segura
minha mão direita e a leva sobre a sua ereção. — Sinta como fico, ragazza.
Sabia que isso não era pequeno. Madre de Dio!
Mantém minha mão sob a sua e dentro de minha boca, deixa escapar um breve
gemido rouco ao sentir que pressiono meus dedos em torno de sua excitação.
O som de algumas risadas tão próximas me faz abrir meus olhos e constatar duas
adolescentes que se sentaram na fileira em nossa frente. Uma delas ainda olha
para trás e quase me flagra em total devassidão dentro do cinema. Me afasto
devagar, mostrando a Enzo o motivo de nosso interrompido amasso.
Contrariado, solta o ar pelas suas narinas e ajeita sua roupa. A seguir, arruma
seus cabelos desalinhados e enquanto isso, volto minha atenção ao filme sem
entender nada do que está acontecendo nas cenas.
— Henry está arrasando nessa cena do banheiro. — digo para espairecer o clima
e tentar melhorar a sua cara mal humorada.
— Não vi nada demais nessa cena. — responde olhando para a tela, com a sua
ferradura reluzente e grosseria a postos.
—Também ficou lindo de bigode! — devolvo o comentário na mesma moeda,
tentando provocá-lo e então, percebe que não me agradou a sua falta de
educação. Subitamente, Enzo se coloca em pé com seu semblante ainda
exasperado e estica sua mão.
— Vamos embora! — me olha como se eu tivesse culpa de sermos
interrompidos.
Só me faltava essa!
— Mas o filme ainda não acabou! — alego, apontando para o telão.
— Para mim já acabou.
— Para mim, não! Quero ver o restante do filme! — não quero parecer chata,
mas ele está pedindo isso.
— Você nem estava acompanhando a história do filme, está tão perdida quanto
eu vendo isso.
E para completar a minha noite romântica, eis que vejo um homem sentado em
uma das fileiras à direita. Quando ele fica de perfil, vejo claramente a figura de
Enrico com um saco de pipoca e seus olhos esbugalhados vidrados na tela.
Como ele soube que eu estaria aqui? Estaria me seguindo pelo fato de que não
relatei meus últimos dias naquela casa?
Nervosa por esse doce imprevisto, estico minha mão, aceitando a oferta de ir
para casa. Enzo sai me puxando a passos largos e para acompanhá-lo improviso
passos céleres e mais longos do que o normal.
— Hei, quer andar mais devagar?
Não me responde... Que bicho será que o mordeu?
Chegamos ao carro que está estacionado do lado de fora do estabelecimento.
Entro no carro e logo ele entra em movimento.
Sem se importar com a presença do motorista, Enzo me pega de surpresa e me
agarra dentro do veículo, avançando sobre mim com um descontrole animal.
— Enzo! — beija meu pescoço de modo mais bruto, deixando minha pele
avermelhada pelo roçar frenético dos pelos de sua barba.
— Fabrizio é de confiança, relaxe! — aperta o interior de minhas coxas e sem
controle tenta abrir o zíper de minha calça.
— Enzo, não acha que vamos transar aqui dentro, não é? — busca minha boca e
me desvencilho dela.
Ele não pode achar que eu faria isso dentro de um carro! Se ele ousar a
continuar, desço e volto para casa a pé.
— Não quero transar com você aqui, só estamos terminando o que começamos
no cinema, quando chegarmos em casa podemos ir para o meu quarto, se você
achar melhor!
Posso não ser honesta com ele, mas esperava um pouco mais de consideração ao
menos pelo fato de nunca ter transado antes. Fico ainda mais chateada sabendo
que ele já tem esse conhecimento do fato, poderia ao menos disfarçar e se
comportar de uma maneira mais decente. Não entendo qual o jogo que ele está
fazendo.
— Não irei a lugar nenhum! — se afasta e solta um riso debochado.
— Olhe bem para mim, Paola. — viro meu rosto e me deparo com seus olhos
azuis me encarando sério.
— Estou olhando. — Fabrizio continua atento ao tráfego e nem se arrisca a olhar
para o retrovisor.
— Acha que vamos ficar nesse namoro de portão até quando? Sabe muito bem
que não sou homem de ficar sem sexo. — diz, ainda irritadiço.
— Quer parar de falar alto sobre algo tão íntimo dentro deste carro, seu grosso?
— Já disse, Fabrizio é de minha inteira confiança.
Não falei? Olha aí a cagada em que me meti! Terei que dizer a ele o que o
maledetto está cansado de saber.
— Pode ser da sua confiança, mas não é da minha! — rebato, quase subindo o
teto do carro de raiva. — Não posso e não irei transar com você dessa forma. —
Enzo aperta o vidro que finalmente nos separa de seu motorista.
— Posso saber o porquê? — fecha seu cenho o deixando enrugado. — Não me
diga que não me deseja o suficiente para isso? Ou teria outro cara na jogada?
Cretino! Ele sabe que não tenho ninguém e fica posando de inocente.
— Sou virgem. — digo, baixo.
— Você é o que?
— Você é surdo? — seu peito sobe e desce antes de me encarar com uma
resposta ainda mais ordinária que os comentários anteriores.
— Se é virgem, pode deixar de ser. É só você querer, sabe disso! Ou você pensa
que vai me arrastar para um altar para poder levá-la para cama?
— Você deve estar muito mal-acostumado com as puttanas que come! — falo,
irada. — Basta um olhar e elas abrem as pernas para você! — respondo com um
misto de raiva, rancor e mágoa desse ogro italiano. — Não me casaria com um
cretino como você. — ele engole seco.
— Não sirvo para o cargo?
— Quero descer, seu idiota! — digo, alto. Mais um riso sarcástico e ele refuta.
— Não vai a lugar algum, veio comigo e volta comigo! — diz, quase gritando.
Mantenho meu silêncio e logo mais terei uma séria conversa com Enrico.
Mesmo com medo, terei que encontrar uma solução para esse problema, porque
transar com esse quadrúpede, não transo. Estava me sentindo atraída, mas depois
dessa noite sei que não me entregarei a alguém tão nojento.
Mais dois minutos e entramos pelos portões da casa, minha vontade é pular na
cara desse italiano metido a gostosão e arranhar toda a sua fuça com minhas
unhas. Mal espero Fabrizio estacionar dentro da garagem e sou a primeira a
saltar do carro.
— Paola, espere! — coloco minhas mãos na cintura com uma cara de poucos
amigos.
— Boa noite, Enzo. — volto à tonalidade normal de minha voz, pois não quero
causar um vexame no meu local de trabalho. Já basta o que comentam de mim
pelas costas.
— Espere. — Fabrizio sai de fininho e desaparece pelo jardim.
— A partir de amanhã, não mais dirija a sua palavra a mim, exceto se for algo
que remeta a relação patrão/empregada... — despejo, taxativa. — ..., do
contrário, não quero e não irei falar com você.
— Não precisa se fazer de difícil, se quer morrer virgem não sou eu que
destruirei seu sonho, cara mia! — o safado vira as costas para mim e ainda
completa. — Quem sabe não muda de ideia. Se acaso isso acontecer, sabe onde
me encontrar! — permanece com um risinho imbecil em sua cara deslavada e o
faço virar seu rosto ao dizer umas boas verdades.
— Quem sabe no dia em que você virar um homem de verdade a gente não volta
a se falar, por enquanto prefiro meus dedos. — ergo minhas mãos remexendo
meus dedos para ele. No final, deixo os dois dedos do meio apontado em sua
direção. — Buona sera, coglione. — viro minhas costas e ando o mais
[288]

depressa que posso, sem ao menos olhar para trás.


Meus olhos se enchem de lágrimas e ao chegar em meu quarto, desabo na cama
me culpando por ser burra a ponto de acreditar que Enzo é um cavalheiro.
Cavallo.[289]

Amanhã, ele aprenderá com quantos paus se faz uma canoa... E das grandes!

Enzo
Ragazza atrevida, quem ela pensa que é?
Pisando duro, entro na sala e subo as escadas quase correndo.
Não é porque estou sendo paciente que terei que me submeter a toda sua
vontade.
No corredor, somente as luzes de algumas arandelas estão acesas, o silêncio é
total, entro em meu quarto e jogo minha carteira sobre a cama.
Inquieto, penso em ligar para alguma de minhas antigas amigas e obter uma
noite prazerosa com uma bela trepada até exaurir meu corpo. Antigas amigas ou
melhor, alguma puttana, na definição de Paola.
Paola sabe, sem sexo eu não fico..., pego meu celular e correndo os olhos em
minha agenda, me deparo com alguns nomes. Umas são muito enfadonhas,
outras melosas e bêbadas demais, acabo desistindo e deixo o aparelho sobre o
colchão.
Em pé, tiro minha camisa, a puxando pelas costas sem desabotoá-la, me
encaminho para o banheiro, me livro de minha calça e me encaro seminu em
frente à bancada do banheiro.
O que você pensa que está fazendo, Enzo?
Parado ali, não encontro nenhuma resposta plausível que explique as minhas
recentes atitudes, essa moça chegou de repente e vem tomando um espaço que
eu havia deixado vago na intenção de me preservar e agora não consigo expulsá-
la daqui, penso nisso tocando em minha testa.
Ligo o som ambiente do banheiro e arranco minha boxer, ando até o chuveiro e
uma música romântica toma conta do ambiente. Sob a temperatura fria da água,
lavo meu cabelo deixando que a mesma refresque meu cérebro e corpo agitado,
encho a palma de minha mão com meu sabonete líquido e o espalho sobre meu
corpo e a imagem de Paola nua se forma em minha frente, me fazendo pensar em
como seria estar com ela enroscada a mim nesse momento.
O gosto de sua boca ainda permanece em meus lábios e a textura macia de sua
pele ainda rondam as minhas digitais, abaixo minha cabeça e visualizo suas
pernas entrelaçadas em minha cintura no mesmo instante em que invisto
vagarosamente em sua boceta molhada, deixando seu corpo entregue e
extravasando seu desejo através de gemidos que são capturados por minha boca
faminta.
Meu pau começa a dar sinal de vida, somente ao imaginar aquela voz rouca, me
pedindo para meter sem parar, sem me conter, o seguro em minha mão direita e
com movimentos lentos o deixo duro como pedra, de olhos fechados, pendo meu
pescoço para trás e viajo na imagem daquela ragazza gostosa me chupando
embaixo do chuveiro. Aumento os movimentos com meus dedos, enquanto meus
gemidos se confundem com a voz do cantor que fala em um amor quase fictício.
Com meu braço esquerdo, encontro equilíbrio na parede e me masturbo
pensando em Paola, meu gozo se aproxima e minha respiração ofega cadenciada
e quase sincronizada com os movimentos de minhas mãos que pressionam meu
membro, na ânsia de um gozo mais que satisfatório. A água fria refresca meu
corpo, mas não alivia o calor do meu desejo por aquela mulher, com a boca
entreaberta buscando por ar, meu gozo sai quente, me deixando com as pernas
bambas e piora ainda mais a minha vontade de ter Paola em meus braços,
diminuo a intensidade de meus dedos, retirando até a última gota de minha
punheta.
Recuperando meu fôlego, encosto minha cabeça no mármore frio e ali bato de
leve minha testa, totalmente inconformado, me sinto um estúpido por não saber
lidar com o novo.
O novo sentimento chamado paixão....
Contra a parede!

Enzo
Mais uma noite mal dormida, onde a única coisa dominante em meu
pensamento é como irei encarar Paola depois da noite de ontem?
Após tomar um banho, peço a Eurídice que sirva meu café em meu quarto.
Quero ficar sozinho momentaneamente, sem ter que por hora responder algumas
perguntas, ainda sem respostas e com esse pequeno espaço de tempo, posso
reordenar as minhas ideias tão desajustadas.
Depois de tomar meu café, desço para a academia e de kimono espero pelo
treinador, um bom treino virá a calhar nesse exato momento. Extravasar minha
tensão e encontrar um certo equilíbrio para o meu dia que se inicia, Isaiah chega
pontualmente na hora marcada e a postos no tatame iniciamos nosso combate
matinal. Em uma montada, imobilizo meu treinador e com meus dois punhos
colados na gola de seu kimono, quase me esqueço de que isso é meramente um
treino e quase o enforco para valer.
— Mas o que está havendo com você? Onde está o seu foco, Enzo? — tosse,
buscando ar.
— Foi mal, Isaiah. — saio de cima de seu corpo e me mantenho de joelhos no
tatame.
— Foi mal? — ele aperta a região do seu pescoço. — Você quer dizer péssimo!
Onde está a sua concentração? — em pé, me chama a atenção com a sua
severidade de costume e eu como um aluno repreendido ouço suas palavras,
ainda ofegante, mãos apoiadas nos joelhos e cabisbaixo.
— Prometo me concentrar.
— Já pensou em fazer o reverso? — me indaga, enquanto bebe água. — Você
está muito concentrado, mas garanto que não é nesse treino! Está tão disperso
que seu pensamento não está conectado com seu corpo.
— Vamos recomeçar, prometo corrigir esse detalhe. — ele acaba de esvaziar a
garrafa de água e muito paciente se senta próximo a mim.
— Enzo. — seu olhar tenta arrancar alguma informação que lhe seja útil para
iniciarmos uma conversa sobre minha falta de concentração.
— Que foi? — ergo meus ombros e é a minha vez de ficar em pé e pegar uma
garrafa de água.
— Em todos esses anos em que treinamos, nunca o vi desconcentrado como
hoje. — antes mesmo que eu o refute, Isaiah completa. — É uma observação
apenas, mas isso me deixou preocupado com você.
— Não precisa se preocupar, não acontecerá de novo! — solto, taxativo.
Isaiah é um dos poucos homens que trabalham comigo e que tem total liberdade
para me chamar a atenção quando a coisa desanda como agora.
— Há algo que o incomoda? Algo importante?
— Responsabilidade em excesso. — omito a razão pelo meu comportamento.
Estica seu braço e o deposita em meu ombro.
— Sabe que se posso ser um bom ouvinte quando estiver disposto a dizer o que
o incomoda de verdade. Além de meu patrão e aluno, me considero um amigo
em quem você pode confiar. — aperto meus olhos com meu indicador e balanço
a cabeça negativamente.
— A morte de Alessio ainda me incomoda.
— Em que sentido? — fecha seu cenho.
— Alessio, como estamos cansados de saber, era um homem muito covarde.
— Isso é verdade.
— Então, fiquei pensando em que situação ele poderia estar envolvido e com
quem para ter sido assassinado daquela forma? O que ele andava fazendo para
ter sido morto?
— Será que ele não pegou dinheiro emprestado de alguém e como consequência
disso, não conseguiu honrar sua dívida?
— Acredito que tenha algo mais nessa história e... — me levanto arrumando a
faixa de meu kimono. — Seja o que houver, irei descobrir.
— Faz muito bem.
— Ignácio está fazendo um levantamento para mim e só poderei tirar conclusões
depois que ele me repassar as informações. Bem... — solto um riso frouxo. —
Amanhã, continuamos nosso treino.
— Também acho melhor. — diz se colocando em pé e caminhando rumo ao
vestiário.
Em meu quarto, enquanto me troco, ligo para Aimè e peço para que ela
desconsidere o meu pedido anterior, não mais arrumarei um trabalho para Paola
fora dessa casa. — Aperto o nó de minha gravata e ajeito meu colarinho. —
tenho uma ideia muito melhor.
Momentos mais tarde, já em meu escritório, mando chamar Fabrizio, ele coloca
metade do seu rosto no batente da porta e receoso, pergunta se pode entrar.
— Smetti di essere stupido, se ti dicessi di chiamare, certo che puoi entrare, o
pensi che ti parlerò nel corridoio? — ao fechar a porta atrás de si, tenho uma
[290]

conversa muito séria com meu motorista.


— Espero poder contar com toda a sua discrição, Fabrizio e não quero que nada
do que viu dentro daquele carro se espalhe por sua boca, capisci?
— Sim, senhor Ferraro.
— Se, porventura, eu vier a saber que comentou algo com quem quer que seja,
não terei nenhuma piedade em lhe aplicar um belo corretivo. — digo,
ameaçador. Fabrizio mantém seus olhos atentos e um pouco amedrontado. Ele
nunca foi e jamais será um homem violento.
— Pode ficar sossegado, senhor Ferraro, jamais direi o que vi.
— Você, ao acaso, viu alguma coisa? — estreito meus olhos e encarando firme
sua pessoa o amedronto ainda mais com a conduta de minha conversa.
— Não vi nada, me desculpe!
— Ah, que bom! Era só isso que eu tinha a lhe dizer, pode voltar ao seu trabalho,
Fabrizio.
— Sim, senhor. — mais do que depressa, sai do meu escritório e assim sendo,
fico mais aliviado por não ter que me preocupar com as fofocas maldosas de
alguns empregados. Não tinha e não tenho a intenção de manchar a minha e
muito menos a imagem de Paola diante dessa casa.
Sentado, aguardo a chegada de Ignácio que adentra o ambiente com um
semblante intrigado.
— Buongiorno, Enzo.
[291]

— Buongiorno, Ignácio. — fecho a pasta contendo algumas anotações e o


encaro, um tanto inquieto a espera de algo que supra a minha aflição. — Sente-
se e me relate tudo ao que descobriu. — ele arrasta a cadeira, se senta e cruza as
pernas.
— Sobre Alvin, nós tínhamos razão. — bato meus dedos sobre a mesa, satisfeito
pela nossa suposição estar correta.
— Ele é um policial.
— E o que mais?
— Um tipo de policial sujo e muito corrupto, ele investiga a sujeira para, em
termos, tirar proveito dela.
— Entendi. — sorrio, meneando a cabeça.
— Já em relação a Alessio, não conseguimos descobrir muita coisa.
— Acharam seu celular?
— Não.
— O delegado que está investigando o caso pediu junto às autoridades a quebra
de sigilo telefônico, mas isso pode levar alguns dias.
— Falou com todos nossos contatos? Ninguém sabe de nada?
— Repassei algumas ordens aos nossos soldados no Brookliyn e arredores do
Queens, mas ainda ninguém sabe me dizer se porventura Alessio se envolveu em
alguma negociação suspeita.
— Pois bem, vamos aguardar. — abro novamente a minha pasta e vou direto ao
assunto. — Você vai contratar uma secretária!
— Não entendi! Secretária para quem?
— Para você! — Ignácio estagna seus olhos e os mantém fixos em mim.
— Estou na mesma, Enzo, por que motivos eu precisaria de uma secretária?
— Pelo simples fato de que eu quero que você contrate uma, ora essa!
— E posso saber pelo qual motivo você decidiu por essa maluquice?
— Para que você não perca tempo com serviços corriqueiros, isso pode ser feito
por uma outra pessoa.
— No caso, uma secretária?
— Exatamente.
— Me desculpe se não estou compreendendo aonde exatamente você quer
chegar, mas andou fumando algum baseado? — a expressão aflitiva e incoerente
de Ignácio adicionada a essa pergunta idiota, fizeram com que eu solte uma alta
gargalhada.
— Não sabia que era preciso fumar maconha para contratar alguém.
— Nesse caso, caro mio, tudo é muito controverso. — abre a parte interna de
[292]

seu paletó e tira de lá um de seus charutos. — Mas enfim... — pausa seu


raciocínio para acender o seu cubano. — Me tire uma dúvida.
— Até duas.
— Por acaso, não está satisfeito com meu trabalho? — solta uma lenta baforada.
— Não tenho dado conta do recado? — inquire.
— Eu lhe disse isso? — rebato.
— Não diretamente, mas ao me pedir para contratar alguém para me auxiliar em
meu trabalho, supus que minha aptidão está comprometida.
— Isso só irá lhe ajudar, pois há certas ocupações que diminuem a sua função
aqui em casa. — aperta seu charuto contra o cinzeiro.
— Bem se é o que você quer, irei providenciar uma secretária que caiba nos
parâmetros de nosso trabalho. — pigarreio e chega a hora de jogar limpo com
meu Consigliere.
— Não precisa se dar ao trabalho. — atônito, passa a mão pelo cabelo e se
coloca em pé diante de minha mesa.
— Ah, mas é claro! Como não pensei nisso antes! — esfrega seus dedos na
boca. — Andou se envolvendo com uma nova ragazza e a quer trabalhando para
você, acertei?
— Não, necessariamente. — girando minha cadeira, mantenho meu olhar firme e
fixo em Ignácio. — Quero que contrate Paola como sua secretária. — sem
disfarçar sua incredulidade, se exalta.
— Você enlouqueceu? Uma arrumadeira trabalhando como secretária?
— Perché no ? — continuo. — E não é necessário desmerecer a moça. — ergo
[293]
minha mão e o repreendo. — Paola tem muitas outras aptidões e pode muito
bem ajudá-lo como secretária.
— Não duvido que tenha mesmo, muitas aptidões. — responde em tom de
ironia.
— Olha lá como fala! Para seu governo, não estou trepando com ela como
acabou de pensar.
— Ainda, não é?
— O que foi que lhe deu, Ignácio? Isso tudo é porque terá uma assessora? —
finalmente, mesmo com seu jeito seco e intransigente, Ignácio acaba
retrocedendo e me pedindo desculpas pelo seu comportamento e por suas
palavras grosseiras em relação à Paola.
— Falarei com ela, mais tarde. — diz, antes de se encaminhar para a porta.
— Pode deixar essa parte comigo. — afirmo. — Faço questão de lhe dar a
notícia pessoalmente. — dá de ombros e deixa seus braços caírem rente ao seu
corpo.
— Enzo Ferraro! Quando você vai se emendar? Se é assim que deseja, para mim
tudo bem! — deixa meu escritório e chega a hora de falar com Paola, não sei
qual será a sua reação ao falar comigo, porém espero que ela aceite o emprego e
meu pedido sincero de desculpas pela noite deplorável.
Na hora do almoço, me junto à toda minha família para uma refeição tranquila e
agradável, meu pai tem reagido muito bem durante esses dias e seu rosto não
mais demonstra a apatia que alguns quilos a menos lhe deram. Minha mãe
animada e sorridente como sempre me interpela. [294]

— Enzo, meu querido, seu pai e eu resolvemos que na sexta-feira iremos para a
nossa casa em Hamptons e ficaremos alguns dias descansando. Depois desses
tristes acontecimentos, nossa família toda precisa de descanso. — seu olhar recai
sobre Donatella e sobre as crianças.
Nisso, estou de pleno acordo com ela.
— Muito válida a ideia, mamãe! — corto meu filé e o levo à boca.
— Gostaria que você também fosse, meu filho. — limpo minha boca no
guardanapo e balanço a cabeça lentamente.
— Não poderia me ausentar por tantos dias assim! Temos negócios que exigem a
minha presença.
— Mas seria somente uma semana, Enzo! — Donatella intervém e em seguida
bebe seu vinho.
— É tio, você poderia vir com a gente! — Pietro entra na conversa usando de
sua argumentação acoplada aos seus olhos carentes e ainda muito tristes pela
perda do pai. — ergo meu cálice de água e tomo um generoso gole.
— Se é assim, Tio Enzo também vai.
Letízia e Pietro gritam " Ebaaaaaa" uníssonos com muita euforia.
— O vovô irá pescar com vocês e mostrar que seu tio é um molha iscas. Ao
menos, por alguns momentos, poderei fazer meus queridos sobrinhos sorrirem.
— Mas não poderei ficar todos esses dias. — alerto.
— Ah, meu filho, não sabe como fico feliz em saber que irá conosco. — minha
mãe não esconde a satisfação de poder reunir a todos e nem eu disfarço o quanto
a minha família me faz bem... O meu alicerce.
Logo após o almoço, saio pelo jardim e ao longe posso ver que Letizia e Paola
brincam próximas à piscina, minha sobrinha joga uma pequena pedra no chão e
sustentando seu corpo em uma só perna pula alguns quadrados desenhados no
chão com algum giz colorido.
"Em minha escola, Paola, essa brincadeira se chama amarelinha! "
Paola ajeita seu rabo de cavalo, pegando a pequena pedra das mãos de Letizia e
se prepara para pular os quadrados coloridos, coloca uma de suas mãos na
cintura e faz uma pausa para dar à minha sobrinha o que considero uma aula de
história
"Em minha Itália, isso se chama, La Campana e fique sabendo bambina que essa
brincadeira remonta de uma época muito antiga. Há gravuras mostrando crianças
brincando de amarelinha nos pavilhões de mármore nas vias de Roma".
"Que máximo, não conheço a Itália, deve ser linda "
A ragazza para por um instante e seu olhar parece ter transportado seu
pensamento a algum lugar de sua terra natal.
"A Itália é linda, Letizia! Visite um dia e poderá ver com seus próprios olhos."
Eurídice se aproxima e olha para as duas com olhar recriminatório.
— Mas, veja isso! — dá um passo à frente com o intuito de chamar a atenção de
Paola que está totalmante fora de seu posto.
— Deixe-a, Eurídice. — meus olhos a observam pular descalça no piso frio e
não posso permitir que Eurídice acabe com a alegria que essa ragazza
proporcionou generosamente à Letizia.
— Mas, senhor Ferraro! — tenta redarguir em protesto. — ela tem outros
[295]

afazeres e não pode simplesmente ficar brincando com a menina Letizia.


Cruzo meus braços e mantenho meus olhos grudados nas duas que brincam e
riem simultaneamente.
— Olhe para Letizia e me diga qual foi a última vez que a viu com aquele
sorriso, hã? — Eurídice não demonstra, mas através de seu olhar discreto pôde
entender a que me refiro.
Letízia, nesse momento, voltou a ser a minha bambina alegre, da risada
estridente e esse momento devo, sem dúvida, à Paola que a trata com tanto
carinho.
— Bem, o senhor é quem manda. — diz, girando seus calcanhares. — Voltarei
para os meus afazeres. — caminha em direção à entrada principal um tanto
indignada, pois sei o quanto ela detesta que tirem a sua autoridade e a contrariem
em seu trabalho. Mal Eurídice desaparece de meu campo de visão, me dirijo para
perto de Paola e Letízia.
— Tio! — Letizia para sua brincadeira e corre para me abraçar. De joelhos, a
acolho em meus braços e a mantenho assim alisando seu cabelo macio.
— Paola e eu estamos brincando de pular amarelinha. — diz, animada. Olho em
seu rostinho bochechudo e beijo a ponta de seu nariz.
— Que legal! — desvio meus olhos para Paola que me olha como a um estranho.
Pudera. O que eu esperava? Um enorme sorriso com a promessa de um
programa a dois?
— Pois é, outro dia ela me ensinou uma brincadeira com elástico.
— Isso é muito legal mesmo, mas posso lhe pedir um favor? — imediatamente,
ela faz que sim com a cabeça.
— Quero falar com Paola a sós e você pode nos dar licença? — a ragazza se
adianta e como um coelho acuado, calça seus sapatos e se prepara para fugir de
mim.
—Tenho que voltar ao trabalho, desculpe!
— Eu deixo sim, Tio!
— Espere, Paola. — ela estaca em minha frente sem reação alguma. Letizia pega
suas sandálias e sai em disparada pela grama do jardim. Ao ficar em pé, coloco
minhas mãos nos bolsos e tento consertar o estrago da noite anterior. — Paola.
— tento iniciar um diálogo e seus olhos me fuzilam como se eu estivesse em
uma parede prestes a ser executado.
— Só falo com o senhor se o assunto for relativo a meu trabalho nessa casa,
acho que já deixei isso muito claro!
— Quer, ao menos, me ouvir? — me mostro decidido e firme. — Me desculpe
por ontem à noite. — ela passa a mão sobre a testa, incomodada.
— Olha, Enzo, quando lhe disse que não guardava rancor, eu estava mesmo
dizendo a verdade, porém isso não quer dizer que sou uma espécie de imbecil
que você espezinha à noite e pede desculpas durante o dia e com isso, tudo volta
à estaca zero. Não sou saco de pancadas de ninguém!
— Eu sei, me escute, por favor!
— Não quero escutar mais nada! Me diga, escutar para quê? Para daqui não sei
quantas horas, você amolar suas ferraduras e me atacar como um cavalo?
— Eu sei que fui um estúpido com você!
— Sabe? E de que adianta saber? Hein? Ontem, você passou dos limites e não
vejo motivos para continuar lhe desculpando. Até quando terei que desculpá-lo,
pode me dizer?
— Olha, eu me excedi, tenho consciência disso e quero muito que me perdoe.
Prometo que não haverá mais incidentes como aquele.
— Disso, tenho certeza e sabe por quê? — me lança seu olhar mais que atrevido,
sem se importar com um dos seguranças que passa na lateral da piscina.
— Porque de hoje em diante manterei distância de sua pessoa. — sua fala é
brusca a até as veias de seu pescoço saltam tamanho seu nervosismo.
—Tudo bem, não precisa ficar tão exaltada.
Paola é muito intransigente e ficaria a tarde toda tentando convencê-la a me
desculpar pela forma grotesca com que a tratei. Não me resta outra saída que
mudar de abordagem e tentar reverter a situação ou quem sabe amenizá-la.
— Tenho uma proposta de um novo trabalho para você.
— Novo trabalho? — cruza os braços, me olhando com extrema desconfiança.
— Que trabalho?
— Ignácio precisa de uma secretária e a primeira pessoa em quem pensei foi
você para ocupar esse cargo. — se mantém em silêncio por alguns segundos e
rebate.
— Ignácio, seu assessor?
— Sim, ele mesmo. — antes que ela encontre alguma desculpa como forma de
recusa, argumento sobre os pontos favoráveis se acaso aceitar a vaga. —
Trabalharia de segunda a sexta-feira com uma carga horária menor e um bom
salário. — respira fundo e parece segurar o ar em seus pulmões.
— Trabalharia em seu escritório? — questiona, com ar interessado.
— Não, especificamente, pois Ignácio tem uma sala, onde trabalha aqui em casa.
— Entendi. — dou dois passos para trás me afastando.
— Se estiver interessada na proposta, procure por meu assessor e ele cuidará da
parte burocrática como salário, horas de trabalho e outras exigências vindas dele.
— Obrigada.
Me dirijo para a garagem, onde Fabrizio me espera. Tenho um encontro com
Dom Laurentino, um velho amigo de meu pai e chefe de uma das cinco famílias
que pertencem à Comissão, ele me espera para um café e uma longa conversa
sobre alguns dos sindicatos filiados à máfia e que vêm nos dando algum
trabalho.
Entro em meu carro e espero seriamente que Paola aceite a minha proposta.

Antonella
O pedido de desculpas de Enzo pode até ter causado algum efeito em mim,
todavia não posso parecer uma manteiga derretida, toda vez em que ele pisar no
tomate e vir com sua cara de cão sem dono.
Fiquei mesmo ressentida com a sua maneira de agir ao saber que ainda sou
virgem e após receber a oferta de emprego, posso ter a chance de desistir da
ideia de seduzi-lo e somente arrumar as provas que o incriminam, provas essas,
tão sonhadas por Enrico.
Depois disso, Itália lá vou eu!
Essa oferta de trabalho veio em boa hora e com ela terei muito mais chances e
probabilidades de encontrar informações que sejam valiosas. Ao terminar meu
expediente, volto para meu quarto e decido ter uma conversa séria com meu
chefe, não foram mais que necessários três toques para que a voz fria de Enrico
ressoasse ao celular.
— Pensei que estivesse se escondendo de mim! Por onde esteve ou o que andou
aprontando que não me deu notícias desde sábado à tarde? — acabo sendo posta
na parede, na verdade, evitei ao máximo o repasse de meus relatórios diários e
isso não deve tê-lo agradado.
Dentro do banheiro, com a porta fechada, diminuo meu tom de voz. Na verdade,
temo muito em ser flagrada nesse lugar. Imagine se me pegam numa situação
como essa? Como explicar?
— Nosso combinado é ligar somente se acaso tivesse alguma novidade
importante, não é? — digo.
— Sim, foi o que combinamos. Mas me causou certa estranheza ao perceber que
não me ligou ao menos para saber qual foi o fim destinado ao seu ex namorado,
o tal Benicio!
— Creio que você não o deva tê-lo matado, do contrário, me ligaria contando. —
minha vez de impor meu cínico e tentar mostrar a esse homem que ele não me
mete tanto medo assim.
Claro que isso é mentira.
— Mi fa diventare così spaventato che mi fa male la pancia, ho paura persino di
cagare nei suoi pantaloni in sua presenza.
[296]

— Ha ragione. Não o matei, apenas paguei o que você devia ao infeliz e me


[297]

passando por uma espécie de advogado da infeliz mocinha bandida, o despachei


de volta à sua terra natal.
— Melhor. — fecho meus olhos agradecendo aos céus por Benicio estar são e
salvo, creio que ele não irá mais me importunar, agora que recebeu o seu
dinheiro. — Ao saber disso. — desabafo.
— Não achei que fosse necessário ligar e não tinha nada de importante para
relatar a você.
—Tem certeza, minha cara? — sua voz se endurece ainda mais. — Deduzo que
conseguir levar Enzo à uma pizzaria e no dia seguinte, estar em seus braços em
uma sala de cinema seja algo bem relevante, ou não?
— Eu não pretendia esconder esses fatos de você, se é isso que está pensando!
— engulo seco, escondendo uma verdade que cabe somente a mim no momento.
— Fico satisfeito em saber que não pretende bancar a espertinha comigo.
— Tenho um assunto muito importante para tratar com você. — faço uma pausa.
— Aliás, dois. — mudo o assunto para afastar a apreensão que me abate.
— Diga. — fala, seco.
— Fui convidada para trabalhar com Ignácio, o Consigliere de Enzo. — consigo
sentir a sua risada de satisfação do outro lado da linha.
— Mas isso é uma excelente notícia, Antonella, meus parabéns! Você sabe jogar
muito bem e está subindo muito rápido até o topo! Logo, conseguirá o que
quero!
— Pois então, Enzo me ofereceu essa vaga e fiquei de falar com Ignácio amanhã
para acertarmos todos os detalhes.
— Quero que mantenha a sua atenção redobrada ao começar a trabalhar com
esse homem. Ignácio parece ser um homem pacato, porém é muito perspicaz.
— Pode ficar tranquilo, me dedicarei ao máximo. — um inexplicável aperto se
forma em meu peito.
—Tenho absoluta confiança em você, ragazza e qual o outro assunto que queria
tratar comigo?
— Bem, com esse novo emprego, gostaria de desistir da parte do plano que se
refere a seduzir Enzo Ferraro. Não quero mais usar desse artificio e abriria mão
dos 500 mil euros. — ele não me interrompe até então. — Ou seja, eu cobraria
somente os 200 mil iniciais.
— Se apaixonou pelo italiano, Antonella? Hã? — não respondo a sua questão de
imediato.
— Não é esse o problema. — solta uma risada sarcástica que para mim é
angustiante.
— Não disse que se apaixonar por ele era um problema, disse? Se não é isso,
então por que essa mudança repentina de planos?
— Não posso ir para cama com aquele homem. — enfatizo.
— Mas por quê? Enzo é um homem bonito, sabemos muito bem disso. — ouço
o barulho de cubos de gelo caindo em um copo. — Há alguma coisa que não faz
sentido nessa história! — em seguida, o barulho de alguma bebida desce por sua
garganta. — Ahhhh! — estala a língua em sinal de satisfação. — Se não se
apaixonou por ele, qual seria o motivo para não querer ir para cama com um
homem como Enzo? — meus dedos suam frio e em minha boca uma sequidão
faz meus lábios quase colarem um no outro.
— Porque sou virgem!
— O que? — grita ao celular. — Virgem? — penso em desligar o aparelho e
desaparecer do mapa, mas como poderia escapar desse homem que me monitora
dia e noite?
— Está brincando comigo, não é, Antonella?
— Não brincaria com algo dessa natureza.
— Por que raios não me disse isso antes?
— Você nunca me perguntou. — apelo pela resposta clichê quando percebo que
a coisa aperta.
— Se estivesse em minha frente eu a mataria sem nenhuma piedade, sua
estúpida. — grita ainda mais e minha reação é tampar o celular com a mão para
diminuir o impacto de sua voz nervosa. — Como aceita uma proposta para
seduzir Enzo, sendo virgem?
— Achei, por um momento, que descobriria o que você tanto almeja e que não
precisaria chegar ao ponto de ir para a cama com ele. — um abismo silencioso se
interpõe entre nós e seu respirar pesado atravessa o celular.
— Ouça bem o que irei lhe dizer, Antonella.
— Sì.
— Você irá continuar a seduzir Enzo Ferraro e pouco me importa se continuará
virgem ou não.
— Enrico, você não entende, não conseguirei seguir com esse plano por esse
prisma. — argumento em vão.
— Vou lhe fazer uma pergunta muito objetiva. — ele parece irredutível e uma
lágrima cai do meu rosto.
— O que é mais importante para você, sua pureza ou a vida de Clara? — meu
coração acelera e com essa pergunta, ele me atinge como se me apunhalasse com
força.
— Não faça isso, Enrico.
— Eu não farei nada! Quem decide é você. — chorando baixo, agacho perto do
vaso sanitário.
— Sua virgindade ou sua linda irmã morta! Pense bem e me ligue se tiver
novidades. — desliga e o silêncio me destrói.
Me deito chão no banheiro e choro muito até que meu outro celular toca sobre
minha cama, abro a porta do banheiro e limpando meu rosto alcanço o aparelho,
é Virgínia
— Oi, amica! — simulo uma voz alegre para não a deixar preocupada.
— Tudo bem com você?
— Sim e contigo?
— Senti saudade de você e resolvi ligar para saber se não estaria a fim de
sairmos para tomarmos uma bebida. — acho que uma saída com minha amiga
me fará bem. Preciso mesmo espairecer minha cabeça que parece que vai
implodir.
— Aceito. — digo, de imediato. — Onde vamos?
— Em um barzinho no Brookliyn chamado Sharlene's, é calmo e teremos bebida
barata para nos embriagarmos até perdermos a consciência. — ela me faz ir e
sem saber o que se passa comigo, advinha que estou mesmo precisando esquecer
quem eu sou. Me passa o endereço e o anoto em minha pequena agenda.
— Combinado, quem chegar primeiro, se senta e espera a outra.
— Ok. — Virgínia concorda. — Às nove, não me deixe esperando muito ou
estarei muito bêbada para fofocarmos.
— Va bene.
Chego ao local escolhido e Virgínia já estava sentada ao balcão com uma long
neck nas mãos, a abraço e me sento ao seu lado, fazendo meu pedido ao
atendente com cara de indiano. Conversa vai, bebida vem, me sinto mais
relaxada, porém não tomo coragem para contar à minha amiga tudo o que vêm
acontecendo comigo depois que saí de seu apartamento.
No terceiro coquetel, meus olhos se dirigem para a porta e vejo claramente um
cretino italiano adentrando o local, seus olhos me alcançam como um raio. Todo
alinhado em seu terno azul marinho, camisa branca, gravata azul claro e seus
sapatos pretos impecáveis, ele se torna a imagem mais chamativa do lugar. Meu
coração acelera, meus olhos não conseguem disfarçar e muito menos desviar de
sua presença ali.
— Não diga em hipótese alguma o meu nome verdadeiro. — seguro no braço de
Virgínia e sussurro.
— Ora, mas até bêbada num bar classe média, não pode ser você mesma? — ela
abaixa o tom de sua voz.
— Shhhh... — faça o que estou dizendo! — A advirto.
Ao virar seu corpo e ver Enzo caminhando em nossa direção, minha amiga
entende o motivo de meu pedido, ele passa por mim no balcão e nos
cumprimenta com um boa noite muito discreto. Virgínia espera que ele se
acomode do outro lado do balcão e sem se conter, diz:
— Puta que o pariu! Que homem lindo, para ele, dava fácil! — estando alta pela
bebida, dou um desconto pelo comentário vulgar.
O atendente se aproxima com duas taças de piña colada e as oferece para mim
[298]

e Virgínia.
— Deve haver algum engano, não pedimos esse drink. — alerta Virgínia.
Mesmo se o atendente não me dissesse, saberia perfeitamente de onde vieram
essas bebidas.
— É uma gentileza do senhor que está sentado do outro lado do balcão.
Ao dirigimos nossos olhos para a outra extremidade, Enzo mantém um copo de
uísque sem gelo erguido em sinal de brinde em minha direção.
Reviro meus olhos e imagino o que mais essa noite me reserva?
Estaca Zero

Antonella
Volto a encarar Virgínia que pega sua piña colada e retribui o brinde com um
sorriso aberto para Enzo.
— Quer parar de dar corda para esse homem? — a recrimino por me colocar em
uma situação constrangedora, prova o coquetel e faz uma cara satisfeita.
— Ora, Pa...o...la, só estou sendo gentil. — diz, pausadamente como se tivesse
medo de errar meu nome. — Se eu não a conhecesse, diria que você tem algum
problema.
— Posso saber por que motivo chegou a essa conclusão? — a inquiro, com uma
de minhas sobrancelhas levantada.
—Trabalhar numa casa com um homem como esse e não aproveitar é muito
bizarro, não acha?
— Tenho plena convicção de que não diria isso se estivesse em meu lugar. —
faço trejeito discreto com as mãos para que minha amiga abaixe o tom de voz,
pois não quero que Enzo ouça a nossa conversa.
— Para seu governo, esse homem é um tremendo estúpido. O que ele tem de
lindo, tem de grosseiro. — mais uma vez, Virgínia pende seu pescoço em
direção a ele.
— Nunca gostei de homem muito delicado, fique sabendo que sou chegada em
um ogro genuíno. Sendo italiano, então, deve ser um sonho! — revira seus
olhos, numa tentativa para me tirar ainda mais do sério.
— Você está realmente bêbada, não tem como discutir com uma pessoa nesse
estado! — afirmo.
— Estou brincando com você, sua boba. — fala se desculpando. — Conheço
muito bem a fama desse homem e você está mais que certa em não se sujeitar a
ele.
Bebo meu último gole de cerveja e meus olhos recaem na porta de entrada do
bar, uma mulher muito bonita adentra o ambiente trajando um vestido sem alças,
verde escuro, salto alto, longos cabelos castanhos e andar que esbanja uma
sensualidade nada natural... Una puttana, diria eu.
Jogando seus quadris, passa por nós e não preciso dizer qual o seu destino. Enzo
a cumprimenta e a seguir a puttana se senta ao seu lado no balcão, sinto um
desconforto imediato e descabido. Um descontentamento inquieto que remexe
meu interior e me faz pensar que ela não deveria estar ao seu lado.
Não quero admitir a mim mesma que o que na verdade estou sentindo é uma
coisa semelhante a uma pontinha de ciúmes.
— Você não quis e o bonitão já arrumou companhia, Paola.
— Quer parar de dizer bobagem? — Virgínia quando bebe um pouco a mais é
um porre.
— Bobagem ou não, desde que a moça se sentou ao lado dele, você não para de
olhar naquela direção. — pelo canto dos olhos e muito discretamente, vejo que a
moça o cumprimenta com um aperto de mão e simultaneamente o vejo estalando
os dedos chamando o atendente, que se adianta servindo uma bebida para a
fulana.
Por que ele tinha que me seguir e ainda convidar essa mulher? Seria para me
jogar na cara que ele não precisa fazer nenhum esforço para obter sexo? Seria
uma espécie de provocação?
Meu interior dá de ombros procurando não dar importância para uma coisa que
não me diz respeito, se ele quer sair por aí transando com todas as mulheres, o
problema não é meu!
Tenho coisas muito mais relevantes para do que me preocupar com a vida sexual
desse maledetto.
Um minuto depois, me pego o observando novamente e dessa vez, ele coloca a
mão dentro do bolso interno de seu paletó e retira de lá a sua carteira, a abre e
entrega à moça um maço de notas, ela conta o montante de dólares agradecendo
com um sorriso alargado e estonteante enquanto isso, Enzo mantém seu rosto
sem nenhuma expressão que denote interesse na puttana.
— Virginia, vamos embora?
— É cedo ainda! Vamos ficar mais um pouco. — desço do banco e pegando
minha bolsa.
— Se quiser ficar, esteja à vontade, mas eu vou embora. — ao encará-la, minha
cara não é das melhores.
— Está bem, não precisa me olhar com essa cara feia. — imita meu gesto,
descendo do banco. Segura a taça e bebe a sua última gota.
— Moço, por favor, a conta! — grita Virgínia. O atendente nos olha e faz sinal
para que esperemos.
— Precisa anunciar ao bar todo que iremos embora? — falo entre dentes.
— Juro que não foi intencional.
Para minha surpresa, a moça que estava na companhia de Enzo cruza pelas
minhas costas e sai do bar com o mesmo andar afetado, deixando no ar o cheiro
de seu perfume adocicado e enjoativo, no mesmo instante em que ele permanece
absorto com seu copo de uísque.
O atendente desengonçado se aproxima e sorri.
— A conta, por favor! — minha vez de dizer o que queremos.
— As senhoritas não devem nada!
— Como assim? Não devemos nada? — falo, ríspida e já indignada por saber
que essa cortesia tem nome e sobrenome e sei que não há nada que eu possa
fazer para mudar isso. O rapaz, sem mudar uma ruga de lugar em sua face,
esfrega uma mão na outra e completa.
— O consumo de vocês fica por conta da casa.
Hindu mentiroso...
Virgínia se adianta, arrumando sua bolsa a tiracolo.
— Bem, se é assim, agradecemos a cortesia e mais... — sorri para o homem. —
Voltaremos mais vezes. — pisca para o mesmo logo em seguida. Seguro seu
braço discretamente e exerço certa pressão com meus dedos e ela percebe seu
excesso.
Não sei descrever como e muito menos de onde apareceu um outro homem que
ao nos ver em pé prestes a deixar o local, se aproxima todo sorrateiro, seu estado
aparente denota que ele consumiu muita bebida.
O homem à nossa frente deve estar na casa dos 30 anos, branco, olhos claros,
cabelos escuros com costeletas salientes na face, não seria de se jogar fora se
estivesse sóbrio.
— Que pena! As gatinhas já estão indo embora? — o infeliz alcoolizado debruça
no balcão e seu corpo bloqueia a nossa passagem, quero sair o mais rápido que
puder desse lugar, pois não quero ser a causa de nenhuma encrenca. Já me
bastam as inúmeras em que me meti.
— Detesto que me chamem de gatinha. — Virgínia resmunga entre dentes, sem
que o cara a ouça.
— Também detesto. — confirmo e dirijo a palavra ao homem que nos encara
com olhar babão. — Mi scusi, stiamo andando via. [299]

— Por que você está falando em italiano com o cara? — minha amiga dispara
junto ao meu ouvido.
— Nem eu sei. — seguro meu riso. — Sem querer, às vezes, acabo fazendo isso.
Vamos!
— Esperem! Vamos tomar a última e depois eu mesmo as levarei para casa.
— Bêbado assim, iremos para o cemitério, isso sim! — sussurro à Virgínia, ela
tapa sua boca e dá um passo à frente.
—Você é muito linda, sabia? — toca em meu cabelo e o seu hálito exalando a
vodca chega primeiro que o som de sua voz. — Fiquei a observando o tempo
todo.
No fundo do bar, olhos azuis nos observam atentos como um lince em um dia de
caça, Enzo toma o restante de sua bebida e o vejo descer do seu banco. Melhor
irmos andando antes que esse coitado tenha uma bela surra em seu momento de
bebedeira.
— Quer por favo, nos dar licença? — é a vez de Virgínia se manifestar.
O imbecil e inconveniente ergue os braços, mas não sai do caminho, um arrepio
percorre minha dorsal e mesmo sem olhar para trás sinto a presença de Enzo,
bem atrás de mim juntamente com seu maravilhoso perfume.
— Cavalheiro, não ouviu o que as duas disseram? — sua voz gélida e calma
fazendo o homem olhar em sua direção.
— Ouvi sim, meu chapa e só estou tentando ser gentil oferecendo uma carona a
elas. — Enzo passa por mim e ao ficar ao lado do sujeito, deposita sua mão no
seu ombro esquerdo.
— É melhor ir andando, meu chapa! As duas não querem a sua carona, portanto,
não banque o insistente ou terei que intervir a favor delas. — o rosto do sujeito
fica sem cor e ele permanece estático quase sem voz ao dizer sua resposta.
—Não quero causar nenhuma confusão. — solta a frase com muita dificuldade
quase a gaguejar.
Franze a testa como se estivesse sofrendo uma espécie de dor impactante e
profunda.
— Entendi perfeitamente que não teve a intenção de ser inconveniente e já que
conseguimos chegar um consenso, sugiro que deixe as duas senhoritas em paz!
— Me desculpem. — olha em nossa direção e ainda não compreendi o que se
passa nesse momento.
— Sem problemas, não é Paola? — minha amiga agarra meu braço, encostando
seu ombro no meu.
— Sim, está desculpado. — atesto, agradecendo por dentro a abordagem
civilizada de Enzo junto ao sujeito.
Cheguei a visualizar muitas garrafas e copos se espatifando no chão e o pobre
homem ensanguentado ao chão, Enzo vira seu rosto em minha direção e em
seguida volta a encarar o ébrio.
[300]

— Circula daqui! — profere num tom de ordem. Retira a mão do sujeito e o cara
chega a suspirar ofegante buscando por oxigênio.
— Foi mal, estou de saída. — se dirige ao caixa pagando sua conta saindo a
passos rápidos e um pouco cambaleante.
— Obrigada por nos ajudar. — intervém Virgínia. — Foi muito gentil de sua
parte, sou Virginia, amiga de Paola. — estende a mão a ele e os dois se
cumprimentam.
— Enzo Ferraro. — devolve à minha amiga um sorriso estreito e volta seu olhar
para mim. Ele não deve gostar do seu nome do meio, do contrário, não se
apresentaria sem que o usasse.
— Bem, temos que ir. — enfim, Virgínia diz algo útil.
— Querem uma carona? — pergunta de uma maneira causal e sem nenhuma
conotação de intenções duvidosas e mesmo assim, meu couro cabeludo se
arrepia.
— Não é necessário. — digo, decidida. — Virgínia mora em Jersey e ela veio de
carro. — minto para que ele não pense que o estou evitando.
Quando penso que a minha melhor amiga entende a minha jogada e dará
prosseguimento à conversa, ela chuta o balde com a maior cara de pau desse
universo.
— Quem lhe disse que eu vim de carro? — minha cara só não vai ao chão
porque é muito bem colada ao meu rosto.
— Para mim, você disse que tinha vindo de carro. — a cutuco, falando entre
dentes sem que Enzo perceba.
— Não me lembro de ter lhe dito isso. — Enzo se mantém ali, parado, com uma
das mãos no bolso da calça assistindo a nossa patética discussão.
— Vim de metrô e aceito sua carona, Enzo.
Queria ter uma máquina de triturar amigas sem noção, iria fazer picadinho de
Virgínia nesse momento.
— Esperem só um minuto, irei pagar a minha conta. Mal se afasta e junto
Virgínia pelo braço.
— Você enlouqueceu?
— Eu? Por quê?
— Não entendeu a minha indireta?
— Claro que entendi, porém entre ir do Brooklyn a Jersey em um vagão
sacolejante de um metrô e ir de carro com esse deus onírico, não pensei duas
[301]

vezes.
— Muito obrigada por ser minha amiga. — rebato com sarcasmo.
— De nada. — olha para mim com uma cara marota que me faz rir e deixar a
raiva de lado. — Ainda irá me agradecer por essa atitude.
— Não mesmo, você não sabe o que está dizendo!
E na realidade, ninguém sabe.
A situação vista de fora parece algo tão comum, um homem e uma mulher
tentando se acertar até chegarem a uma relação saudável, coisas que acontecem
todos os dias e horas nesse planeta imenso e diversificado.
Visto por mim, uma combinação perigosa onde me sinto em perigo por duas
linhas tangentes, começar a sentir algo por Enzo e ter que enganá-lo. Como isso
pode ter um final decente?
Será que alguém poderia me ajudar a elucidar esse enigma tão complexo para
mim?
— Vamos? — a amenidade de sua voz me encoraja a relaxar.
Virgínia se adianta e sai na frente e com a maior naturalidade, Enzo fica ao meu
lado tocando de leve as minhas costas com sua mão, me conduzindo para fora do
bar e ao mesmo tempo confundindo ainda mais a minha cabeça.
Na calçada, Isaiah se mantém alerta, enquanto Fabrízio, com sua cara mais do
que discreta, abre a porta do Sedan.
Nos sentamos os três no banco traseiro do veículo que apesar de espaçoso me
deixa incomodada com a proximidade de Enzo. Ele pergunta à minha amiga o
seu endereço.
— Fabrizio, Hoboken, por favor. — chama seu motorista que o olha através do
retrovisor aguardando suas ordens.
— Sim, senhor.
O motorista acelera devagar e o carro percorre todo o trajeto em uma velocidade
consideravelmente calma. Ao pararmos em frente ao prédio de Virgínia, Fabrízio
abre a porta direita para que ela desça. Aproveito o ensejo, pedindo licença a
Enzo e a acompanho até a calçada. Atrás do carro de Enzo, outro carro quase
idêntico estaciona junto ao meio fio e de dentro dele, saem Isaiah e Marcello
totalmente em sentinela.
— Amiga, mesmo querendo lhe enforcar devo agradecer a noite. — descanso
minha mão esquerda em seu ombro. — Estava precisando me distrair.
— Sabe que pode contar comigo sempre!
— Eu sei, mesmo assim, obrigada! — me acolhe em um abraço e murmura em
meu ouvido.
— Me ligue amanhã, quero saber das fofocas!
— Entre logo! — ela sobe as escadas e girando meus calcanhares me dirijo para
a porta do carro que permanece aberta esperando por minha entrada. Percorrer
todo o caminho dentro daquele carro, por um percurso tão longo, com um lindo e
cretino italiano não será uma tarefa muito fácil.
Acabo de me sentar e Enzo ainda mantém seu olhar fixo na calçada. Segundos
depois, vira-se para mim e acabo puxando conversa.
— Não me leve a mal, mas estava me seguindo?
— Foi o que lhe pareceu? — enruga sua testa e me lança seu olhar coberto de
charme despretensioso.
— Não está falando sério, está? — me ajeito no banco e continuo com meu
raciocínio. — Sharlene's não me parece o tipo de ambiente frequentado por um
homem do seu nível. — arruma seu corpo se sentando mais perto.
Pode ficar por aí mesmo, Enzo.
Meu consciente me coloca com alerta e não pretendo ser agarrada dentro desse
carro como na última vez.
— Deveria saber que não sou um homem seletista a esse ponto, mas
respondendo a sua pergunta, sim, eu a segui, satisfeita?
— Não. Não estou. Posso saber o motivo para tal atitude?
— Antes que você me condene por isso, se eu não tivesse tomado essa atitude,
vocês teriam muito trabalho para afastar aquele cara embriagado do seu pé. —
fecho meus olhos e sorrio, enfim não posso negar que ele foi mesmo um
gentleman e nos livrou daquela mercadoria sem fazer barraco algum e muito
menos quebrar nenhum copo.
— Obrigada, percebi que somente a sua presença e sua leve ameaça foram o
suficiente para afastar o sujeito.
— Não agradeça. — completa. — Costumo cuidar do que me interessa. —
molha seus lábios e me fita lançando um olhar carregado de um magnetismo
único. Mesmo com a pouca luz ambiente é possível enxergar o brilho de suas
írises azuis.
— Sei. — retorço meu lábio e por dentro uma pontada de um não sei que me
deixa feliz.
— E esclarecendo ao seu comentário, foram necessários mais do que minha
presença e ameaça para que o cara percebesse que não era bem-vindo ali.
— Não entendi! — respondo ainda atônita. — Porque não vi nada além desses
dois fatores envolvidos naquela intimidação. — ergue seus dedos e reparo seu
pequeno anel dourado em sua mão esquerda.
— Ainda continuo na mesma, Enzo.
— Usei o que muitos chamam de técnica de pontos de pressão. Um simples
toque e a dor é muitas vezes, insuportável.
— Ah! — me mostro admirada. Então ao tocar o ombro do sujeito não estava
mostrando seu lado amigável?
— Não sou muito amigável, Paola, ainda mais numa situação como essa. — sem
me dar tempo ou espaço, coloca sua mão sobre a minha e a afaga bem devagar.
Meus olhos o encaram confusa.
— Por que está fazendo isso?
Enzo poderia ter a mulher que quisesse com o simples estalar de seus dedos e
nesse momento recorre a mim, insiste em invadir aos poucos o meu coração e
não estou encontrando mais forças para sequer pedir que ele saia quanto mais
expulsá-lo de lá.
— Porque ao menos estou tentando fazer algo a respeito em relação a nós dois,
enquanto a sua reação é fugir ou tentar me afastar de você! —fala de modo tão
sincero que meu peito chega a doer.
— Enzo, não existe nós dois e você sabe que não temos chance de que nossa
relação dê certo, seja ela qual for.
Como gostaria de "não" acreditar no que acabo de dizer.
— Paola, olhe para mim.
— A última vez que fiz isso dentro desse carro, você me perguntou até quando
ficaria sem sexo estando comigo! — acabo desabafando sobre algo que ainda me
deixa incomodada. — E, por hora, não estou nenhum pouco interessada em
reviver tudo de novo.
— Não era sobre isso que eu queria falar.
— Ainda bem! — viro meu rosto encarando o pouco trânsito da rodovia Valley
Rigde.
— Até quando iremos fingir que nada está acontecendo e fugir do inevitável? —
estranhamente, não sei o que ele pretende com essa conversa.
— E qual seria o inevitável? Me desmanchar em seus braços e ir parar em sua
cama?
— Apenas ficarmos juntos.
— Claro, sem dúvidas, Enzo Ferraro em um namoro de portão? — digo, amarga.
Ele engole em seco e aperta ainda mais os meus dedos.
— Não pode ao menos me dar uma última chance?
— E para que você quer essa chance?
Toda essa conversa seria romântica e necessária se eu pudesse lhe contar a
verdade sobre quem sou. Mas como? Se o fizer, nem sei o que seria de mim!
— Para que quando eu tomar alguma atitude egoísta e estúpida como ontem,
você possa me direcionar e dizer para onde devo ir e como devo me portar. —
segura meus dedos e os leva em seus lábios macios.
Não posso acreditar que um homem conquistador e mulherengo como Enzo não
saiba o que fazer para manter uma mulher ao seu lado.
— Eu não estou acreditando no que acabo de ouvir!
— Paola, não sou o tipo de homem que precise agir com cuidado em relação às
mulheres com quem me relaciono e quando a conheci achei que você fosse mais
uma igual a elas.
— E? — disfarçadamente, olho pelo retrovisor e vejo um sorriso discreto de
Fabrízio a nós observar, ao ver que o peguei em flagrante, disfarça de imediato.
— Me enganei, você não pode ser comparada a nenhuma delas e isso vem
tirando meu sono, pois eu não quero mais continuar a lhe tratar mal, a cometer
atos ridículos, infundados e que me façam passar por um idiota e com isso a
machuque.
Diminui nossa distância ainda mais e o calor de seu corpo se expande ao redor
do meu, me deixando inebriada com sua essência chipre amadeirado que [302]

invade minhas narinas e me derrete por dentro.


— O que você quer de mim? — minha voz é trêmula e carregada de uma
insegurança inédita para mim.
Suas mãos seguram meu queixo delicadamente, me permitindo sentir o leve
toque de seu polegar em minha pele, no mesmo instante em que seus olhos
pairam em minha boca ressequida pelo momento de ansiedade máxima em que
me encontro.
— Não quero nada que não seja você! — tento abrir minha boca para protestar e
ele me impede colocando seu indicador sobre meus lábios.
— Aspettare. Se disser que me dará uma chance, prometo que não me
[303]

comportarei como antes.


Estaria Enzo disposto mesmo a tentar algo não convencional ao seu modo de
vida?
— Mas, Enzo. — argumento quando ele afasta seu dedo de minha boca me
permitindo expor minha opinião. — Ficaria comigo sem sexo? — respira fundo
e fala com sua voz grave e pausada.
— Paola, sabe que adoro sexo e que desde que pus meus olhos em você, anseio e
muito por levá-la para minha cama, todavia estou disposto a retroceder e esperar
que a iniciativa parta de você e não apenas de mim.
— Me pegou de surpresa. — desliza suas mãos em minhas costas numa carícia
leve e gostosa. — Não esperava essa reação de sua parte e, agora não sei o que
dizer.
— Ragazza... — seu nariz toca o meu. — Diga que me dará essa chance e é
somente dela que necessito para que você possa realmente acreditar no que estou
dizendo.
Lentamente, cola seus lábios aos meus e num roçar tranquilo, me instiga a
receber sua boca que anseia por um beijo meu. Sua respiração se mistura com a
minha e me agarro em seus cabelos, me entregando a uma coisa que não posso e
não quero mais fugir.
Della mia passione per quest'uomo. [304]

Me apaixonei por Enzo sabendo de todos os riscos e temores pelos quais irei
passar e mesmo assim me dou ao deleite de aproveitar o que ele acaba de me
oferecer. Seus braços me enlaçam fortemente e presa entre eles, sinto que
somente esse breve afago me protegeria do mal que me assola, em meu interior,
crio uma pequena esperança de que o tempo fará alguma coisa a meu favor e
quem sabe, em um momento oportuno, não confesse a Enzo toda a confusão em
que me meti? E estando ele apaixonado, não amenize o meu sofrer antecipado e
me perdoe por ter agido por impulso?
Nosso beijo demorado torna nossa respiração trôpega e ao se afastar de mim,
[305]

limpo sua boca borrada com meu batom.


— Puntata zero ! — soletra cada sílaba sem tirar seus olhos dos meus. Mesmo
[306]

com medo, não posso dizer que não estou me sentindo feliz.
— Puntata zero!
Fabrízio atravessa os portões da mansão e logo abre a porta para que eu desça.
Na garagem, trocamos mais alguns beijos estarrecedores e com a mão
entrelaçada na minha, Enzo volta a perguntar sobre a vaga de secretária.
— Eu aceito trabalhar com Ignácio.
— Ótimo, pois tenho planos para nós dois nesse fim de semana.
— Ora, isso não seria colocar o carro na frente dos bois?
— Você me deu um voto de confiança, não foi?
— Sí, ho dato. — pronuncio com um enorme sorriso nos lábios.
[307]

— Então, não me questione, só espere!


— Está bem, agora tenho que entrar. — olho para os lados, receosa de que algum
funcionário esteja nos observando e pressentindo minha inquietude, Enzo se
adianta.
— Amanhã, não terá que se preocupar mais com ninguém!
— O que está planejando fazer? — beija minha mão com olhar de derreter gelo e
completa.
— Todos irão conhecer a minha namorada. — minhas pernas não irão sustentar
o meu corpo que amolece todinho. — Sì, la mia ragazza.[308]

— Mio ragazzo. — ajeita uma mecha que cai em meu rosto e me beija com
carinho.
— Buona notte, Paola.
[309]

— Buona notte, Enzo.


Em meu quarto, me jogo de costas no colchão ainda temendo estar sonhando
pelo desfecho maravilhoso de minha noite. Ouço um vibrar de meu celular
clandestino e minha reação é deixar que ele toque sem cessar, caminho até o
banheiro e no espelho repito a mim mesma...
Hoje, nem Enrico conseguirá tirar o sorriso que ilumina meu rosto!
Hamptons

Enzo
Depois de dormir o sono dos justos, como quase todos os dias em minha diária
rotina, depois de tomar o meu banho e trocar de roupa, desço as escadas ao
encontro da mesa de café com minha família.
Só que ao sair de meu quarto, a cada passo dado, a lembrança da noite anterior
me atinge instigando em meu interior uma vontade de sorrir sem querer, é um
sentimento novo que me amedronta e simultaneamente me faz bem.
Estaria eu me tornando um boboca que se torna patético, como já testemunhei
muitos casos por simplesmente gostar de alguém?
Me retenho a guardar essa exteriorização sentimental somente a mim, não
pretendo me transformar a ponto de me tornar um outro Enzo, pois estou
contente com esse modelo original de fábrica, bastando somente encaixar alguns
opcionais.
Ao me ver chegando, minha mãe aponta para uma cadeira ao seu lado, enquanto
meu pai se mantém sério com sua xícara de café sentado a ponta da mesa.
— Bom dia, meu filho. — beijo seu rosto e suas bochechas mantém o arco de
seu sorriso para mim.
— Bom dia, mama. — em seguida, beijo o alto da cabeça de meu pai que estica
seu braço alcançando minha mão a apertando firme.
— Bom dia, meu filho. — Donatella me cumprimenta com um beijo soprado e
sua tradicional piscada.
— Buongiorno, fratello mio.[310]

Posso estar enganado, mas conhecendo minha irmã como poucos, seu semblante
já não denota a tristeza que a morte de Alessio lhe impôs, Donatella parece
voltar ao seu estado natural e seu sorriso demonstra isso.
— Buongiorno. — arrasto minha cadeira e me sento ao lado de minha mãe. —
Está com uma cara ótima. — manifesto em voz alta a minha recente observação.
— Você achou? — ajeita seus cabelos e continua sorrindo. — Posso dizer que
me sinto bem melhor.
— Que bom! — atesto. — Fico muito feliz que esteja se sentindo assim.
— Mas... — corta sua fatia de melão com seu jeito metódico. — Você também
está com uma cara ótima, meu irmão.
— Posso dizer que me sinto satisfeito com o andar das coisas que giram ao meu
redor. — antes de provar meu café, sorrio para as duas.
— Hummm... — dona Adele intervém na conversa e lança seu olhar travesso à
minha irmã. — Essa alegria toda seria somente no âmbito profissional, meu
filho?
— A senhora já nasceu curiosa ou isso veio com o tempo?
— Não, Enzo, sua mãe sempre foi e sempre será assim. — completa meu pai
direcionando seu olhar carinhoso à minha mãe.
— Não desvie do assunto, Enzo. — ela profere, me repreendendo.
— Como poderia desviar se nem ao menos respondi a sua pergunta? — ergo as
mãos em rendição.
— Pois então, responda e mate a curiosidade dela e a minha, oras! — Donatella
completa e dá uma risada aberta. Limpo minha garganta e pisco meus olhos para
entrar em um assunto muito delicado.
— Estou envolvido com uma pessoa e a pedi em namoro. — minha mãe se
restringe a franzir a testa no aguardo do restante de minha conclusão.
— Sabia!! — Donatella bate seu punho fechado de leve ao lado de seu prato. —
Essa alegria tem nome! Você nunca me enganou, meu irmão.
— Não querendo ser curiosa como disse, posso no mínimo, saber quem é a
moça? — dona Adele dobra seus cotovelos e cruza suas mãos sobre a mesa.
— Sim, claro que pode. — a encaro e espero interiormente que assim como ela,
todos nessa mesa aceitem e aprovem minha escolha. Conhecendo um pouco de
minha família, acredito que não terei problemas em relação à classe social de
Paola.
— Paola.
— Espere aí. — de olhos arregalados, Donatella é a primeira a tomar a palavra.
— Paola, a que trabalha aqui em casa?
— Essa mesma. — reafirmo.
— Enzo Rafaello, desde quando se mostrou interessado nessa moça? — a vez de
minha mãe me questionar. Sei muito bem o que ela deve estar pensando e faço
questão se dissipar essa impressão errônea que passa em sua mente.
— Não precisa pensar bobagem! Se querem saber, não andei fazendo nada de
errado com Paola dentro dessa casa.
Quase nada, mas eles não precisam saber que andei a agarrando pelo jardim e
trocamos alguns beijos por aí. Minha mãe solta um suspiro aliviado em
consequência por acreditar na minha palavra.
— Eu gosto da Paola. — diz minha irmã.
Donatella e eu sempre tivemos um código de conduta, onde respeitamos a
decisão um do outro, seja ela qual for.
— Madonna Mia! — minha mãe revira os olhos e dispara. — Finalmente una
ragazza a cui piacciono i bambini! Sogno già questa casa piena di nipoti. —
[311]

Donatella disfarça o riso.


— Mamãe, ainda é um namoro.
— Sim, mas pretende me dar netos ainda, não é? — balanço a cabeça
inconformado de tentar mudar o jeito de minha mama.
— Claro, ainda quero ter filhos.
E a opinião da pessoa mais importante a respeito de minha decisão ainda não
havia sido pronunciada, a palavra de meu pai. Ele me encara com seu semblante
imóvel e esfregando seus dedos de uma de suas mãos, resolve dar seu parecer.
— Não a conheço muito, porém Paola me parece uma boa moça. Tem fibra em
seu sangue e se o fizer feliz, tem a minha bênção, Enzo.
Em outros tempos, sei que ele seria contra esse relacionamento, meu pai mudou
muito seu conceito com a chegada de sua enfermidade. Antigamente para ele,
haveria de me casar com alguém importante que trouxesse aos Ferraro mais
prestígio e poder.
— Obrigado pelo apoio de todos.
— Mas, meu filho... — minha mãe toca em meu pulso.
— Vai namorar a moça e deixar que ela continue a trabalhar em nossa casa como
arrumadeira? — todos me encaram a espera de minha resposta.
— Já pensei nisso e no momento, ela irá trabalhar como assessora de Ignácio.
Acho mais coerente.
— Ah, sim. — ela pronuncia.
— Letizia adora Paola e ficará muito feliz com essa novidade, ela nunca aprovou
suas escolhas amorosas anteriores, meu irmão.
— É verdade, Letízia adora essa moça, as duas se dão muito bem. — minha mãe
completa sorrindo e fazendo uma pausa a seguir. — Bem, faço questão de fazer
um jantar para que você nos apresente a moça agora como sua namorada. Eu
mesma irei para a cozinha! — não disfarça seu entusiasmo momentâneo.
— Ótima ideia, mamãe. — fala, Donatella. — Eu a ajudarei.
— Quero muito a sua felicidade, meu filho e torço para que você e Paola deem
certo. Minhas novenas e preces finalmente foram atendidas.
— Mamãe, a alerto de que ainda é cedo para me imaginar casado, ok? — cruza
os dedos diante dos lábios e depois faz uma prece em voz alta.
— Grazie, mia Santa Catarina! — minha mãe é muito católica e devota da
padroeira de Roma.
— Bom dia! — nesse momento, a voz de Brian anuncia a sua chegada para mais
uma de suas consultas matinais diárias.
— Bom dia, meu querido. — minha mãe sempre o tratou como um exímio
carinho. — Sente-se e tome café conosco, Brian.
— Obrigado, senhora Ferraro, mas já tomei o meu café.
— Bom dia, Brian. — respondo.
Desde quando resolvi falar com ele a respeito de Paola, senti que seu
comportamento em relação a nossa amizade se manteve retraída, não posso
condenar a sua atitude, afinal ele também mantinha certo interesse na ragazza.
— Enzo. — deposita suas mãos nos ombros de meu pai.
— Como está se sentindo, meu paciente ranzinza favorito?
— Estou muito bem e garanto que ainda consigo lhe nocautear, seu moleque! —
brinca.
— Brian, Enzo lhe contou a novidade? — minha mãe, como sempre, precipitada.
— Que novidade?
— Enzo está namorando Paola. — Brian engole seco e tenta disfarçar o
incômodo que essa notícia causou a ele.
— Olha, mas que ótima notícia!
— Pois é, ficamos muito felizes por ele.
— Mais tarde, posso falar com você em particular, Enzo? — meu amigo se
dirige a mim, me olhando direto nos olhos. Como não gosto de adiar assuntos
como os dessa natureza, respondo.
— Sim, vamos ao meu escritório. — jogo meu guardanapo sobre a mesa
arrastando minha cadeira.
Caminhamos lado a lado e Brian inicia a sua conversa.
— Não posso mentir e dizer que não me sinto incomodado com a novidade.
— Brian, nunca tive a intenção de causar constrangimento em nossa amizade,
sabe disso. — abro a porta de meu escritório e permito que ele adentre primeiro.
— Enzo, antes de mais nada, não estou lhe acusando de nada, relaxe. — abaixo
minha cabeça e ao erguê-la parece que vivo um Déjà vu. Afinal, é a segunda
[312]

vez que dividimos a atenção de uma mesma mulher.


— Não quero que meu relacionamento com Paola interfira em nossa amizade,
Brian.
— Não irá, juro. A única coisa que quero é que me prometa que não irá magoar
Paola, ela é uma mulher muito especial e merece ser tratada com muito carinho e
respeito, se é que me entende.
— Entendi perfeitamente onde você quer chegar.
— É somente essa a minha preocupação. — se aproxima de mim e estende a
mão. — Sem ressentimentos, meu amigo.
— Para valer? — insisto.
— Na verdade, já deveria saber que isso acabaria acontecendo, dava para sentir
que vocês estavam atraídos. Meu erro foi achar que ela pudesse se interessar por
mim com o tempo.
— Não se menospreze, Brian.
— Não é menosprezo, é fato. Eu sabia dos riscos de quebrar a cara e mesmo
assim investi em Paola, mas fique tranquilo, ficarei bem. — toca meu ombro e
em seguida me abraça apertado.
— Sabe que sempre quis a sua felicidade! Amigos sempre!
— Sempre. — ele sai do meu escritório à procura de meu pai, nossa conversa foi
mais leve do que imaginei, porém pude notar que Brian mesmo disfarçando,
ainda permanece ressentido com meu namoro, Ignácio aparece em seguida.
— Paola o procurou? — de costas, olhando para a janela.
— Sim, falei com ela há pouco.
— E? — viro meu corpo, o encarando.
— A contratei como me pediu e de imediato deleguei algumas pequenas tarefas
a ela. Você tinha razão, Paola é muito dedicada no que faz, irá se dar bem como
secretária.
— Tenho certeza disso. Isaiah já chegou?
— Sim, está lá fora conversando com Marcello e me parece que trouxe Alvin
com ele. O que pretende Enzo? — entrelaço meus dedos e os estalo
simultaneamente.
— Estou me sentindo enferrujado e quero dar uma pequena demonstração a esse
novo membro de como reajo com traidores. — Ignácio ri pelo canto dos lábios.
—Tenho pena desse sujeito, se eu fosse ele, sumiria enquanto ainda há tempo.
—Tarde demais, ele se infiltrou aqui e quer ganhar dos dois lados.
— Onde irá levá-lo?
— Vamos ao Queens, tenho um acerto de contas com Cody.
— Boa sorte ao pobre mecânico.
— Ele irá precisar. — sorrio, sarcástico.
Me despeço de Ignácio e antes de chegar à garagem me deparo com Paola que
segura uma pasta em sua mão. Linda com seus cabelos presos, trajando uma
calça e blusa, ao me ver, disfarça seu sorriso.
— Bom dia. — sem pedir licença, seguro sua mão entre as minhas e a puxo para
mais perto de meu corpo, aproximando minha boca da sua.
— Enzo! — beijo de leve sua boca e ela, mesmo retraída, retribui.
— É oficial. — seguro seu queixo entre meus dedos. — Já anunciei nosso
namoro à minha família.
— Verdade? — parece não acreditar no que digo. — Como eles reagiram?
— Querem que eu a leve para jantar essa noite como minha namorada.
— Acha mesmo uma boa ideia? — fecho meu cenho.
— Se toda vez que eu tomar uma iniciativa como essa você se esquivar, se
portando como tivesse medo de tudo, nosso namoro tem tudo para dar errado.
— Me desculpe, mas é que não sei como devo encarar sua família nesse jantar,
pois até ontem eu era a arrumadeira da casa. — visto desse ângulo, até que sua
aflição é justificável.
— Não se preocupe, depois que anunciei nosso namoro, eles não a veem mais
dessa forma. — brinca com o botão de minha camisa, erguendo seu olhar para
mim.
— Está bem, prometo que não coloco mais areia em suas ideias. — brinca.
— Acho muito bom. — acaricio seu antebraço. — Depois nos falamos, pois
agora tenho um assunto a tratar na rua.
— Até mais. — surpreso, ela toma a iniciativa e me dá uma espécie de beijo de
despedida.
— Até mais tarde. — mordo seu lábio bem devagar.
Contra minha vontade, me afasto de Paola e sigo em direção aos meus homens
que estão a postos me aguardando.
— Isaiah e Alvin venham em meu carro! — estabeleço a minha vontade assim
que chego na garagem. — Os outros ficarão cuidando da segurança da casa.
— Sim, senhor. — respondem quase uníssonos. Entramos no carro e Fabrizio me
olha pelo retrovisor.
— Para onde vamos, senhor Ferraro?
— Queens, rua 164, oficina do Cody.
— Sim, senhor.
Alvin, como um esperto policial, se mantém atento a tudo o que acontece
durante o nosso trajeto até o local, cada fala proferida, cada gesto articulado, não
escapam de seus olhos perspicazes. Paramos em frente a oficina de Cody e ao
descer, tiro meu paletó e o deixo dentro do carro, aqui fora faz um calor dos
infernos e dentro dessa oficina presumo que não seja diferente. Coloco meus
óculos escuros e na calçada, nos dirigimos para a entrada dela. Vejo ao fundo,
Cody fazendo seu trabalho deitado embaixo de uma Mercedes.
— Alvin, quero que veja o que costumo fazer com quem trai a minha família. —
o cara disfarça sua apreensão, se mostra valente e impassível ao extremo.
Faço sinal para Isaiah que desce a porta de ferro, deixando o ambiente iluminado
somente pelas luzes interiores, cruzo meus braços e espero que ele note a minha
chegada. Com suas pernas, Cody arrasta o carrinho onde estava deitado e
espantado por me ver ali em sua oficina, sorri sem jeito, temendo por estar em
uma grande enrascada.
Cody é um membro que foi aceito há pouco tempo em nossa família, um cara
esperto, de nervos aflorados e bom de briga, motivo pelo qual resolvi lhe dar
uma chance de ingressar na Família Ferraro. Desde então, ele é o responsável
por receber o pizzo dos comerciantes do Queens. Acontece que esse mocinho se
achou esperto o suficiente para extorquir dinheiro dessa gente e dentre esses
comerciantes, uma viúva com dois filhos, veio falar comigo e relatou toda a
situação. Nós, da máfia, somos contraventores e extorquimos em troca de
segurança em vários níveis da sociedade, porém nunca cobramos valores a mais
do combinado, se estipulamos um quantia, será com ela que trabalharemos em
parceria desde sempre e esse farabutto achou que poderia seguir com sua ideia
idiota, usando o meu nome para enganar os comerciantes locais, principalmente
uma viúva.
— Enzo! — se coloca em pé e limpa suas mãos sujas de graxa em um pedaço de
estopa e nem ousa estender sua mão suja em minha direção. — Aconteceu
alguma coisa? — pergunta com os olhos assustados.
Cody está sob efeito de alguma droga e por mais essa razão o quero fora de meus
negócios, não gosto de lidar com usuários, pois eles não têm controle sobre si
mesmos.
— Isso será você quem irá me contar, meu caro.
Descruzo meus braços, pego uma velha cadeira de madeira e me sento, cruzando
minhas pernas.
— Não sei ao que se refere. — olha para Isaiah. — Os negócios vão muito bem,
não lhe entregaram o pizzo desse mês? — se coloca na defensiva.
— Por acaso, lhe disse que há algo errado?
— Não, mas é que você nunca aparece, então pensei que houvesse algum
problema.
— Passei aqui para saber como andam as coisas pelo bairro?
— Que eu saiba, tudo anda muito bem.
— Aceita um cigarro? — pergunto ao escroto ladrãozinho.
— Sim, aceito. — mantenho meu olhar fixo nos seus o deixando desconcertado,
é visível que ele mente.
— Isaiah. — chamo meu segurança que abre seu paletó e retira de lá um cigarro
o entregando a mim.
Estico minha mão e ofereço o cigarro a Cody que o pega com as mãos trêmulas,
tentando disfarçar seu nervosismo, procura por um isqueiro em seus bolsos.
Enfio a mão no bolso de minha calça e de lá retiro meu velho isqueiro, mesmo
tendo deixado o vício do tabaco de lado, ainda conservo o isqueiro de prata que
ganhei de meu pai aos dezoito anos.
Devagar, me coloco em pé e aponto o isqueiro aceso para o infeliz, o cigarro
falta pular de seus dedos que tremem como uma vara verde. Ele traga e então lhe
dou um tapa na cara que desequilibra seu corpo e seu cigarro vai ao chão. Com a
mão em seu rosto, me olha incrédulo.
— Mas que porra é essa? — o jovem me olha com ira e acredita que poderá
botar banca sobre minha pessoa, reduzo minha distância do infeliz e meus dedos
grudam em seu pescoço.
— Quando iria me contar que anda extorquindo dinheiro a mais dos
comerciantes da nossa área usando meu nome?
— Não acredite em nada do que lhe disseram! — se adianta, com medo. —
Cássio não é de confiança e tem mania de inventar coisas.
— Não conheço nenhum Cássio. — profiro, irritadiço.
— Não acredite em nada do que andam dizendo.
— Bugiardo, Covarde!
[313]

— Enzo, por favor! É verdade!


— Não viria à sua oficina de fosse mentira, Cody?
— Quero dizer que veio à toa. Quem quer que tenha dito algo a você mentiu.
Como ele pode ser tão desonroso? A mulher que me procurou é uma senhora
muito distinta e honesta, sem nenhuma sombra que paire sobre seu caráter. No
canto direito da oficina há uma bancada coberta por ferramentas, peças de carros
e outras parafernálias irreconhecíveis aos meus olhos, encostada na parede, vejo
uma espécie de varão de ferro e será com ele que começarei a minha brincadeira,
a seguro em minha mão girando entre meus dedos com a maestria de um
samurai.
— Está me dizendo que a outra pessoa mente? — seu semblante continua frio e
sem nenhum princípio, reafirma a minha pergunta.
Num só golpe, avanço com a vara de metal sobre suas pernas, levando seu corpo
ao chão, esticado no piso frio, seus braços vão para o alto e agora sim, seus olhos
começam a exalar algo tão conhecido por mim, medo e raiva.
— Não estou mentindo, Enzo! — aperto o objeto de ferro em sua garganta.
— Se quiser continuar vivo, sugiro que ao menos fale a verdade. — com suas
mãos, tenta afastar a vara que machuca seu pescoço.
— Vamos... con... ver... sar... — diz afinal. — retiro o objeto de sua garganta e
viro minhas costas.
— Não quero mais conversar com você, quero todo o dinheiro que você roubou
devolvido agora! — falo, manso quase em um murmúrio.
— Não tenho como devolver.
— Mas você não estava sustentando a sua verdade e nela a pessoa que o delatou
mentia, não é mesmo?
— Confesso que andei pegando uns trocados a mais, Enzo! Nada muito
significativo. — jogo a vara de ferro ao chão e alcanço um martelo que está em
cima da bancada.
— Trocados?
— Enzo, me deixe explicar! — parto para cima do pivete e o encosto na parede
suja cheia de cartazes com mulheres nuas.
— Quer explicar o porquê usou o meu nome para roubar uns trocados? —
seguro seu pescoço com meu antebraço e com a mão livre, bato com toda a força
em seu joelho esquerdo, ele urra de dor e tenta se encolher, mas é sustentado
pelo meu braço a continuar em pé e me encarar mesmo sem querer.
— Ninguém usa o meu nome para roubar, seu filho da puta! Não lhe ensinaram
as regras antes de entrar? Hã? — vocifero e mais uma martelada próxima à sua
cabeça o faz gritar de medo.
— Está com medo, Cody? Pois deveria ter pensado nisso antes de fazer o que
fez!
— Você é um burro, Enzo.
Ora, lá vem um pirralho a me ensinar alguma coisa.
— Sou? Pode me dizer por quê?
— Eles pagariam qualquer valor que você cobrasse para se sentirem seguros, o
que você e sua Família chamam de extorsão, considero como esmola!
— Mas olha que lindinho, Isaiah. — viro para meu segurança. — O fofinho
querendo me ensinar a trabalhar? — volto minha atenção para ele.
— Pois então, seu aprendiz de mafioso, monte a sua própria família e faça tudo a
seu modo e lhe digo que não ficará vivo por muito tempo! — dou um soco que
sangra seu nariz, ele grita, mas ainda se mantém firme, porém não tentou reagir
em sua defesa.
— Quero ser ladrão, não um mendigo! — Cody tem uma audácia que seria
muito bem aproveitada se ele tivesse juízo, nesse caso ele está pedindo para ser
agredido.
— O mendigo seria eu?
— Quero ser grande Enzo! Respeitado e temido pelas ruas. Quero que temam até
meu sorriso!
— Isso eles irão temer com certeza.
O seguro pela sua camiseta e o jogo no chão, monto meu corpo sobre o seu e
ataco sua boca com uma bela martelada, uma não, umas três. Na primeira, ele
tenta me tirar de cima de seu corpo usando suas pernas, mas o envolvo com
minha montada e ele fica sem reação. A cada martelada, seu sorriso perde alguns
dentes e seu corpo perde a força devido à dor exercida em cada golpe, o sangue
jorra de seu rosto, sujando minha camisa e o meu rosto. Cody desmaia e assim
me levanto limpando o sangue em minha testa com a manga de minha camisa,
Isaiah se mantém frio, enquanto Alvin parece em estado de choque.
— Isaiah, me dê sua arma. — de imediato, ele me entrega sua arma com o
silenciador.
— Alvin, tenho uma missão para você! — ele engole seu pavor e se coloca à
minha disposição.
— Sim, Enzo.
— Acabe com o serviço.
— Como? Não entendi! — ele se faz de desentendido, é óbvio. Como um
policial já eliminou muita gente e sendo um cara sujo já deve ter matado muitos
inocentes.
— Mate-o. — ele segura a arma e pelo jeito que maneja o objeto e a sua postura
ao atirar, demonstra que não é e nem nunca foi somente um comerciante
qualquer. Atira e mata Cody com uma frieza não disfarçando a sensação de
poder de ter uma vida sob sua mão.
— Muito bem, Alvin, agora quero que limpe a sujeira e cuide do corpo.
— Disse do corpo? — por essa, ele não esperava.
— Sim, do corpo.
— E como farei isso?
— Isaiah irá lhe dizer como. Irei embora e logo um carro vira para buscar vocês,
ok?
— Pode deixar, Enzo. — responde Isaiah.
Dentro do carro, limpo meu rosto e coloco meu paletó que cobre as marcas de
sangue em minha camisa. Alvin ainda terá muitas outras lições e espero que
saiba que andou mexendo com o homem errado.
Antonella
Acordo muito cedo e ainda não acredito que fui pedida em namoro por Enzo,
como mencionei a mim mesma na noite anterior, não deixei que Enrico
estragasse a minha noite e então deixei que o aparelho tocasse até silenciar por
completo.
Ao acordar pela manhã, tomei coragem e retornei sua ligação explanando os
últimos acontecimentos, em contrapartida, não recebi nenhuma repreensão, pelo
contrário, fui parabenizada por mais um alto passo em minha escalada, enquanto
falava com ele, pensava em mil maneiras de poder fugir de seu domínio ou quem
sabe destruir o que ele representa.
Pensarei com calma a respeito para não cometer nenhum ato que acabe por me
prejudicar ou até mesmo atingir as pessoas que gosto e dentre essas pessoas
incluo Enzo.
Meu primeiro dia de trabalho com Ignácio foi muito produtivo no sentido de
aprendizado, com seu semblante calmo e voz pausada me ensinou muitas coisas
interessantes. Me deparei com Mercedez no corredor e ela não resistiu em gozar
com a minha cara ao saber da minha troca de posto nessa casa. Claro, que ela
ainda não sabe que estou namorando o patrão, porém sei que isso é só uma
questão de horas para a notícia se espalhar. Enzo se manteve trancafiado em seu
escritório e não tivemos contato até a hora do jantar.
O jantar com a família de Enzo transcorreu na mais perfeita paz. No começo, me
senti arredia, porém aos poucos, fui me entrosando com seus familiares que me
deixaram muito à vontade. Durante a sobremesa, a mãe de Enzo me convidou
para passar o final de semana juntamente com a família em Hamptons, cheguei a
negar o convite e com isso, recebi um olhar endurecido de Enzo com um recado
subentendido dentro dele.
Estava eu, novamente, atropelando tudo ao dizer não para algo que todos ali
esperavam meu sim e dentre a mais esperançosa, se encontrava Letízia.
Ao agradecer novamente e dizer que aceitava ao convite, os olhinhos de Letízia
brilharam em satisfação, enquanto olhos azuis ao meu lado assumiam um brilho
malicioso carregado de uma promessa de um final de semana com uma pitada de
algo mais.
Na sexta-feira pela manhã, seguimos para Hamptons, o senhor e a senhora
Ferraro optaram por viajar no helicóptero da família, Donatella e as crianças
foram escoltadas em um carro por Isaiah e Enzo e eu fomos em outro carro
conduzido por Fabrízio.
A manhã estava belíssima, um céu sem nuvens prometia um dia lindo com uma
temperatura agradável para todos os tipos de passeio. Duas horas de tráfego
tranquilo e chegamos ao endereço, onde fica casa de verão da família. Situada
em uma rua chamada Cedar Street 172, em uma vila luxuosa de Nova Iorque
próxima ao mar, a propriedade deixa qualquer ser mortal boquiaberto pela sua
magnitude.
Numa área cercada por uma mata preservada, a casa se assemelha a um palácio
pela sua extensão, ao adentrar os portões, meus olhos vendados por meus óculos
escuros puderam disfarçar ao máximo o encantamento por estar em um lugar tão
lindo, elegante e luxuoso. Descemos do carro e Adele, como faz questão de ser
chamada por mim a partir de agora, nos recebe enquanto um dos funcionários
nos ajudava com as malas.
Enzo parecia um outro homem, é impressionante como sua personalidade se
altera de acordo ao meio em que ele vive. Através de seus óculos escuros, ele
parece mais solto, como um jovem displicente sem nenhuma responsabilidade,
vestindo uma calça de agasalho cinza, uma camiseta azul e boné, ele parece um
enigma que nos incita a querer desvendá-lo e mantê-lo sempre perto.
— Venha, vou te mostrar uma parte da casa e mais tarde poderemos fazer um
passeio para que você conheça os arredores.
Por dentro a casa é ainda mais luxuosa, diria até que bem mais bonita que a casa
em Harrison. Respiro o ar que vem do mar e compreendo perfeitamente a razão
por terem escolhido esse lugar para momentos de descanso e paz, é realmente
um lugar lindo, mais tarde, instalada em um dos quartos na ala direita da casa,
abro minha mala e guardo minhas roupas em seus devidos lugares.
Quando ouço uma batida na porta e digo.
— Entre. — Donatella coloca seu rosto e logo em seguida o restante de seu
corpo esguio.
— Está tudo bem? Precisa de alguma ajuda? — com seu andar elegante, trajando
uma pantalona de cor clara e uma blusa estampada, ela se aproxima.
— Ah, não. Estou bem, eu me arranjo. — anda mais alguns passos, ficando ao
meu lado.
— Espero que você consiga fazer Enzo feliz, Paola. — essa sua frase me pega
em total despreparo, pois sinto que seu desejo é sincero e o amor ao irmão
também e me sinto indigna de ouvir essas palavras de incentivo.
— Estamos tateando ainda, Donatella. É um início de um namoro que não sei ao
certo onde irá nos levar. — mesmo que ela não saiba a verdade, estou sendo
franca em minhas palavras.
— Enzo é um homem difícil, mas por dentro é uma pessoa de um coração
enorme. Lá fora, o temem, mas quem o conhece o respeita e ama como eu. —
conclui.
— Eu já pude perceber como seu irmão funciona.
— E minha filha também gosta muito de você. — se vira e encaminha seu corpo
em direção à porta.
— Quero muito poder ser sua cunhada, Paola.
Suas palavras ecoam em minha cabeça mesmo depois que a presença de
Donatella não está mais presente.
Nosso primeiro dia nesse lugar paradisíaco foi muito bom, Enzo e eu
caminhamos por quase toda a propriedade e em determinado momento tive que
pedir para que parássemos para descansar, pois eu não tinha mais fôlego para um
passo sequer. À noite, nos sentamos como um casal comportado na sala junto
dos demais e participamos de um papo agradável em família, nos poucos
momentos em que estivemos a sós, trocamos beijos como todo casal de
namorados, me recolho em meu quarto e deitada entre os travesseiros, não
consigo dormir. Abro a enorme porta lateral do ambiente e deixo que a brisa do
início da madrugada refresque o calor que parece me sufocar.
São quase duas da manhã e me pergunto se Enzo já está dormindo, cheguei a
pensar em mandar uma mensagem pelo celular, mas me retive e deixei o
aparelho sobre minha cama. Tomo um banho morno e após alguns minutos
embaixo do chuveiro, coloco uma calcinha e visto meu roupão, inquieta, resolvo
sair do quarto, mas antes de fechar a porta, me abaixo próximo à uma estante
com vários livros e pego Camila, a boneca favorita que Letízia esqueceu,
enquanto falava comigo horas antes.
Sem fazer barulho, ando descalça pelo corredor, atravessando a sala de estar e
me encaminho para a cozinha, todos devem estar dormindo e não há nenhum
ruído que indique a presença de alguém. Na cozinha, a única luz existente são as
que vêm da parte externa da casa, sem acender nenhuma lâmpada, abro a
geladeira e pego uma garrafa com água a levando à uma ilha que fica bem no
centro do aposento. De costas para a porta, bebo minha água e sou surpreendida
pela sua presença que adentra o ambiente por uma entrada lateral.
— Sem sono, ragazza? — me viro devagar e através das frestas de luz que
invadem a cozinha, vejo Enzo com os olhos insones, sem camisa usando
somente uma calça de moletom preto, com seus braços fortes e peitoral à mostra,
ele não facilita a minha decisão de permanecer virgem.
— Vim para deixar a boneca favorita de Letízia na sala. — alego uma mentira
para respaldar a minha falta de sono.
A causa de minha insônia é que ando pensando demais nesse italiano tão
controverso.
Mesmo sem muita visão, consigo enxergar um meio sorriso se formando em seus
lábios e no instante seguinte, caminha alguns passos até chegar próximo à ilha,
onde mantenho a sustentação de meu corpo que dá sinais de inquietude por
sentir seu cheiro másculo invadindo todo o ambiente.
— Mas se essa é a boneca favorita de minha sobrinha, o que ela estaria fazendo
em seu quarto? — arqueia sua sobrancelha direita e me deixa constrangida por
perceber o quanto sou péssima em camuflar situações.
— Ela acabou esquecendo em meu quarto.
—Também não consegui dormir, sabia? — dispara em um tom quase erótico e
muito promissor. — sua mão circunda meu pescoço, levando meus lábios aos
seus e sua boca exala o cheiro de vinho, ao provar seu gosto constato que ele
estava bebendo.
— Estava com saudade de você. — mordisca meu lábio de leve, roçando sua
barba em meu queixo, deixando meu corpo em alerta e o coração acelerado.
— Eu também. — como se estivesse hipnotizada por sua presença, acabo
respondendo algo que não era intencional confessar nesse momento.
Sua perna se encaixa no meio de minhas coxas prensando meu corpo junto à ilha
e com isso sinto sua ereção despontar sob o tecido de sua calça e friccionar
minha pélvis. Minhas mãos enlaçam seu pescoço à medida que minha boca é
devorada pela sua. Inconstante, famigerado e devastador, essas são as impressões
que ele deixa ao sugar minha língua com uma intensidade única. Aperto os
músculos de suas costas ao me dar conta de que ele escala meu pescoço com
mordidas leves e lambidas sincronizadas com suas mãos fortes, que apertam
meus quadris, me puxando de encontro ao seu membro todo duro.
— Enzo... estamos na cozinha...
— Eu sei... — se esfrega em mim deliberadamente e arqueia seus quadris,
fazendo com que meu ventre se contraia em excitação, deixando meu sexo
molhado. — Só me diga quando...
Morde o lóbulo de minha orelha, penetrando sua língua quente em meu ouvido,
acompanhada de sua respiração ofegante, com a ponta de sua língua, traça
movimentos circulares em minha orelha, acendendo um desejo em meu corpo
num teor devastador.
— Quando o quê? — força ainda mais seu quadril em direção ao meu, querendo
arrancar de mim uma resposta que satisfaça sua vontade.
— Ragazza... — junta meu rosto entre suas mãos. — Estou louco para fazer
amor com você. — seu suplício sai num murmúrio rouco e exalado de tesão. —
Não pensei em outra coisa desde que chegamos aqui e sei que você também está
pensando o mesmo, pois me deseja da mesma maneira...
— Enzo... — morde meu queixo arranhando sua barba em minha pele que a essa
altura pega fogo. — Ainda é cedo para isso...
— Cedo ou tarde, eu quero saber quando... — sua mão desliza firme pela
abertura de meu roupão e ao chegar no laço que me protege de seu toque pele
com pele, Enzo engancha seu indicador na ponta do laço e o puxa bem devagar.
A seguir, seus dedos traçam uma linha que se inicia em meu pescoço pairando
em meu seio desnudo.
— Aqui não seria o melhor lugar, não acha?
— Só me diga quando... — arqueando suas costas, desce com sua boca pelo meu
colo até chegar em meu seio. Ali, sua língua circula meu mamilo me obrigando a
fechar os olhos e absorver esse desejo desesperado que me atinge.
— Ah.... — não consigo articular palavra alguma, quando seus lábios prendem
meu mamilo em uma sucção tão intensa que minha reação é segurar seu rosto
entre minhas mãos e gemer alucinada.
— Isso é só o começo do que pretendo fazer, Paola... Quero enlouquecer você
em minha cama. — seu timbre de voz se torna ainda mais grave e seu respirar
descompassado me arrebata a uma devassidão esmagadora.
Volta beijar minha boca alucinadamente e segura em minha nuca massageando
meu pescoço com uma de suas mãos. Com a outra mão livre, percorre meu corpo
até chegar no cós de minha calcinha.
— Melhor sairmos daqui. — minha voz sai entrecortada e pareço estar sem
fôlego.
— Você não quer sair daqui, não minta para você! — seus dedos descem e
invadem minha lingerie e ao tocar em meu sexo extremamente úmido, o vejo
fechar seus olhos e encostar sua testa na minha.
— Toda molhada... — incita minha boca a beijá-lo e se afastando devagar,
sussurra em meu ouvido. — Deixe te lamber toda, mia ragazza?
Acaricia meu sexo com leves movimentos verticais e ao mesmo tempo
circulares, a sensação que tenho é de que Enzo me quer sem controle algum
sobre o meu corpo. Meus dedos dos pés assim como todo meu corpo se
retesam ao ouvir seu pedindo indecente carregado de luxúria.
[314]

— Eu... nunca...
— Me deixe provar seu gosto...
Volta a beijar minha boca penetrando sua língua, sincronizando seus movimentos
juntamente com seus dedos. Subitamente, ele escala meu corpo mais uma vez,
percorrendo com sua boca devassa e deliciosa. Se ajoelha em minha frente,
segurando em meus quadris de modo firme e erguendo seus olhos me fita,
deixando que o brilho intenso de sua íris seja a única diretriz para onde posso
seguir.
Encosta sua boca no tecido de minha calcinha no mesmo instante em que suas
mãos apertam meus seios doloridos e carentes de desejo.
— Vigie a porta... — ao dizer essas palavras, afasta o tecido de minha calcinha e
sua língua invade meu sexo como um alívio, o único remédio necessário para a
cura de minha insanidade.
Meus olhos semiabertos vislumbram a imagem de Enzo ajoelhado aos meus pés,
totalmente desejoso por me ter em seus braços e essa imagem jamais
desaparecerá de minha mente. Sem pedir licença, abaixa minha lingerie por entre
minhas pernas e a deixa de lado no chão, segura minha coxa, a depositando
sobre seu ombro forte, enquanto seus lábios habilidosos percorrem toda essa
região tão sensível, ele me faz gemer ao penetrar sua língua em meu sexo e sugá-
lo todo bem devagar como se estivesse provando de um fruto exótico.
—Toda lisinha, adoro... — sua respiração se altera e deixa escapar de sua
garganta gemidos animalescos e palavrões que me fazem segurar firme na
bancada da ilha devido às fortes contrações acometidas em meu ventre, sua
barba e bigode fazem movimentos tortuosos pelo interior de minhas coxas me
incitando a querer ainda mais.
Sabia que esse bigode era mesmo de enlouquecer.
— Deliziosa!!! — me lambe, mordisca e me suga em movimentos verticais
alucinantes e não resistindo mais a esse frisson todo.
Me agarro em seus cabelos na ânsia de pôr um fim a esse furor que chega a doer,
tamanho o tesão desenfreado que me atinge. Abre meu sexo com seus dedos e
circula sua língua bem no centro de minha intimidade, me fazendo morder o
lábio para não acabar gritando em plena madrugada.
Abro meus olhos e meu olhar recai sobre a porta, temo que alguém possa nos
surpreender em um momento tão íntimo, ao desviá-los em sua direção, vejo que
Enzo abaixa seu moletom e se masturba enquanto me lambe toda.
— Goze em minha boca, mia ragazza... — fala entre um gemido rouco. —
Quero gozar sentindo seu gosto em minha boca.
Essa imagem me perturba e faz minha mente entrar em um colapso depravado,
ver esse homem lindo, másculo e sexy se tocando em minha frente é a coisa
obscena mais tentadora que já presenciei até hoje.
Em resposta a esse desvario libidinoso, me esfrego em sua boca sem nenhum
[315]

pudor e ele me leva a conhecer um orgasmo arrebatador que deixa meu corpo
mole, o peito em brasas e o ar ainda mais rarefeito. Meu ventre se contrai
liberando espasmos que me deixam sem forças e em sequência, Enzo sobe com
sua boca escalando meu corpo até buscar meus lábios totalmente voraz e insano.
Captura meus lábios e sussurra entre dentes....
— Pegue no meu pau e veja o que você faz comigo... — segura a minha mão e a
leva em sua ereção rígida e pulsante.
Me faz segurar seu membro e me conduz a masturbá-lo, continua com sua mão
sobre a minha e com movimentos intensos, o vejo pender seu pescoço e gozar
sob meu toque em plena cozinha.
Alcança um rolo de papel toalha sobre a bancada da ilha e delicadamente limpa
minha mão e depois a sua, verifica se não há nenhuma gota espalhada pelo chão
e volta seu olhar para mim.
Ofegante, me abraça apertado soltando mais um gemido rouco e a seguir,
descansa sua boca em meu ouvido.
— Dimmi quando sarai mia ? — ainda inebriada por tantas sensações intensas,
[316]

demoro a lhe dar a resposta e então, ele me prensa na ilha da cozinha, com o seu
membro ainda ereto.
—Ti voglio così tanto. — diz, rouco e com a testa suada colada à minha.
[317]

— Quando voltarmos para Nova Iorque eu lhe darei a resposta. — meu coração
não tem mais forças para lutar contra essa maré em que me encontro, só me resta
seguir pelo mar revolto e ver aonde ele me levará.
— Cobrarei a sua decisão, assim que chegarmos lá. — me ajuda a fechar o meu
roupão e ajeita meus cabelos.
— Agora, é melhor você voltar para o quarto. — olha ao redor. — Ficarei mais
um pouco para não levantar nenhuma suspeita. — beija de leve a minha boca.
— Va bene, estou indo.
— Sonhe comigo, ragazza mia... — pisca para mim, sopro um beijo e em
resposta recebo um enorme sorriso de mio amato. [318]

Em meu quarto, é impossível conseguir dormir depois do que vivi naquela


cozinha, revirando na cama, vejo o sol invadir minhas cortinas e me brindar com
mais um dia ao lado de Enzo.
Tela quente

Antonella
O meu maior e temível dilema se resume em um fator que para muitas poderia
ser algo banal e irrelevante, me deixar levar e ir para a cama com Enzo.
Se minha situação não fosse tão delicada, confesso que não teria me segurado até
aqui, o homem tem uma pegada que me deixa louca e com um simples beijo, ele
consegue arrepiar todos os poros do meu corpo.
Ao dizer coisas em meu ouvido é como se acionasse um dispositivo prestes a me
explodir em pedaços e foi o que ele fez comigo naquela cozinha, Enzo deve se
sentir confuso, pois acredito que em toda a sua vida de conquistador irresistível
nunca se deparou com uma mulher tão resoluta no que diz respeito à preservação
de sua virgindade e até esse adiamento e auto controle é algo que deve intrigá-lo
e muito.
O fato é que talvez Enzo não tenha conhecimento de que minha indecisão se
resume em um só pormenor imprescindível, a certeza de seu sentimento por
mim.
Muitas se perguntariam o que isso tem a ver com sexo?
Rebateria que nada, mas levando em conta a minha condição e como cheguei à
essa circunstância, diria que, o que ele sente por mim fará toda a diferença, pois
será com base em seu sentimento que eu, Antonella, poderei me abrir e dizer a
ele tudo o que vêm acontecendo desde que o conheci e se porventura ele levar
em consideração tudo o que for dito, posso alimentar alguma esperança de que
Enzo me perdoe e me mantenha ao seu lado.
O que mais assusta e me deixa em estado duvidoso é a sua personalidade, esse
homem não me parece típico daquele exemplar que retrocede e muito menos é
suscetível de qualquer tipo condolência. Enganar Enzo até pouco tempo era algo
necessário para almejar o meu intuito, hoje é um tormento que me aflige, uma
imensa agonia totalmente descabida depois que me vi apaixonada por ele.
Em contrapartida, outro teor me apavora é o fato de que Enrico suspeite de meus
sentimentos e preveja as minhas atitudes futuras, em todas as nossas conversas,
ele nunca me alertou para que eu tomasse cuidado e me precavesse para não
acabar apaixonada por Enzo.
Para ele, pouco importa o que sinto, ou que deixo de sentir e a única coisa que
obtém mérito de atenção de sua parte é ver Enzo seduzido a ponto de me
entregar algo de grande valia para que o mesmo seja usado em sua destruição,
torço muito para que minha ideia não seja tão absurda e previamente fracassada.
Se ela falhar, estarei mesmo perdida.
No corredor é possível ouvir as conversas vindas da mesa de café da manhã, a
voz inconfundível de cada um, marca sua presença e me faz sentir estranha, pois
agora me juntarei a elas em um outro nível, não os estarei mais servindo e sim,
dividindo a refeição como uma pessoa do convívio dos Ferraro.
Anexa à cozinha, a mesa de café fica próxima a famosa "ilha" de ontem à noite,
só em me lembrar daquele momento, meu corpo parece dar sinais inconstantes e
irreversíveis, lutar contra esse desejo é algo a ser descartado e deve visto de uma
forma mais que natural, porque quando se gosta, se deseja.
Fecho meus olhos antes de cruzar a porta que dá acesso ao ambiente e me
preparo para enfrentar os olhos de Enzo que está sentado juntamente com seus
familiares à mesa, exceto seu pai.
— Bom dia. — digo a todos ao dar o primeiro passo no ambiente.
— Oh, minha querida, bom dia! — Adele é a primeira a me saudar. — Dormiu
bem?
— Sim, muito bem, obrigada.
Acho que minha cara deve denunciar o contrário de tudo o que acabei de dizer,
minhas olheiras e acara de sono acabarão me denunciando. Donatella e as
crianças também me dizem bom dia.
— Paola, sente-se aqui. — Enzo se levanta e arrasta uma cadeira ao lado da sua
para que eu me sente.
Pelo seu semblante, me parece ter dormido o suficiente dando ao seu rosto o
mesmo ar jovial de ontem, ninguém que o visse trajando uma camiseta vermelha
e calça jeans poderia afirmar que ele é um dos homens mais temidos do
submundo de Nova Iorque. É inacreditável o que ele faz com a personificação de
sua aparência.
Ao me encarar, a lembrança do episódio anterior parece reluzir também em seus
olhos e a maneira como eles reagem ao me encarar, diz claramente isso.
Caminho até ele e um beijo leve é depositado em meus lábios.
— Bom dia! — ele sorri.
— Bom dia. — me sento ao seu lado e sem querer acabo direcionando meus
olhos em toda a cozinha.
Estreito meus lábios na tentativa de camuflar o que meu pensamento tentou
extravasar, de soslaio, posso ver Enzo com os lábios colados em sua xícara
[319]

disfarçando também um malicioso sorriso travesso, ou seja, seu pensamento está


interligado ao meu.
Inesperadamente, Adele traz à tona um assunto impensado, agora que sou
namorada de seu filho, ela não me quer alojada nas dependências onde dormem
as demais funcionárias e Enzo acaba tomando a palavra em total concordância
com a mãe. Atesto que isso não se faz necessário e que já estou muito bem
instalada no alojamento em questão. Minutos acalorados de uma discussão pelo
meu destino, acabei sem argumentos e vencida pela maioria, ficou decidido,
portanto, que quando eu voltar a Nova Iorque terei um novo quarto de hóspedes
dentro da casa a meu dispor. Letízia e Pedro me observam como se algo mágico
tivesse acontecido só por minha presença se fazer presente ali como namorada
de seu tio.
Antes de sairmos da mesa, insistem em dar um passeio pela praia e é claro que
fazem questão de minha presença. Olho para Enzo que não parece se opor ao
passeio e como o calor está propício para a ocasião, digo que aceito.
— Você vem conosco? — toco em sua mão ao formular a pergunta.
— Podem ir na frente. — pisca para mim. — Surgiu um assunto importante e
eles requerem que eu dê alguns telefonemas. — Eu encontro vocês lá.
— Ok, a gente te espera na praia.
Em meu quarto, escolho um biquíni acompanhado de uma saída de banho
discreta e juntamente com as crianças caminhamos até o mar. Isaiah, vestido à
paisana, nos observava de longe nos mantendo seguros de qualquer
eventualidade. Nos divertimos muito, enquanto aguardava a chegada de meu
namorado que por sinal estava demorando. Enterramos Pietro na areia e o garoto
era só risos de alegria ao ver Letízia despejando água em sua cabeça. Um pouco
mais tarde, corremos pela orla, catando conchinhas e até improvisamos a
construção de um mini castelo de areia.
Dei um belo mergulho e relaxei por completo ao sentir a água do mar
massageando meu corpo. Cansada, me sento na areia e deixo que as crianças
continuem aproveitando a praia e nada de Enzo.
De repente, uma bolinha vermelha cai sobre a minha toalha e segundos depois,
um cachorro São Bernardo corre à procura dela, manso, ele anda ao meu redor e
ao ver a bola em minha mão, usa seu focinho e cheira minha pele abocanhando o
objeto. Estico meu braço tentando tocar seu pelo que parece tão macio, as
crianças ao verem o animal vêm correndo todas alvoroçadas ao fascínio que a
beleza do cão transmite. Letízia não resiste e passa sua mão carinhosamente
sobre o dorso do animal, Pietro se retém por um determinado tempo, contudo
acaba sucumbindo ao seu medo e acaricia o bicho que, por sua vez deixa a
bolinha cair novamente sobre a toalha e se mostra dócil.
— Hei, amigão! — Letízia vai mais além e abraça o cachorro que permanece
parado, ofegante e com a língua de fora.
— Barney, vejo que já fez amigos! — um jovem loiro se encaminha em nossa
direção e suponho ser o dono do animal.
— Ele é lindo! - diz Letízia.
— E muito manso. — completa o homem ao ficar ao nosso lado na areia.
O sujeito pega a bolinha do chão e diz:
— Vejam isso! — a lança ao longe e Barney sai correndo para alcançar o
pontinho vermelho que voa, as crianças não resistem e seguem o cão aos gritos.
— Eles adoraram o seu animal. — constato ao ver os dois ao longe correndo
com o cão.
— Barney adora crianças. — me coloco em pé na areia e pego minha saída de
praia que estava no chão.
— Percebi.
— Desculpe a minha indiscrição, mas você mora por aqui?
— Estou em férias. — respondo seca, pois não quero dar a impressão de que
estou interessada na sua abordagem casual e tão comum.
O rapaz aparenta ter um pouco mais de 35 anos, olhos claros, um rosto anguloso
e ao sorrir, duas covinhas laterais se formam em cada canto de sua boca, até que
o cara é bonito.
— Ah, imaginei. — ele limpa o suor de sua testa com o antebraço e com os
olhos estreitados, sorri. — Moro aqui há dois anos e nunca a vi por aqui, por isso
perguntei, Calvin Scarbrough. — estende sua mão.
— Paola Giordano. — retribuo o gesto de modo educado.
Espero do fundo de meu coração que Enzo não resolva aparecer nesse momento
e acabe tendo um ataque de ciúmes, tão natural proveniente de sua personalidade
um tanto obsessiva.
— Está hospedada onde?
Tenho a obrigação de acabar imediatamente com o cortejo do jovem e lhe dizer
que estou hospedada na casa de veraneio de meu namorado. Dessa forma,
acredito que o afastarei sem afetada.
— Na casa de meu namorado, Enzo Ferraro. — sua expressão, antes leve e
descontraída, se fecha deixando seu olhar apreensivo.
— Enzo Ferraro! — engole em seco e seus olhos se direcionam para Isaiah que
continua como uma águia com um picolé de limão entre os dedos.
— Você o conhece?
— Sim, sei de quem se trata. — fala rápido tentando não aprofundar o assunto.
— Ah, sim. — novamente, olha para as crianças que brincam com seu cachorro.
— Barney! — assovia chamando o seu bicho de estimação que vem correndo ao
ouvir a voz do dono. As crianças acompanham o animal e voltam a brincar na
areia.
— Foi um prazer, Paola. Até mais. — nunca vi alguém tão assustado em minha
existência somente por ouvir meramente um nome.
— Até. — ergo a mão em um sinal de adeus, enquanto Calvin sai às pressas
como se estivesse em perigo ou até mesmo em fuga. Avisarei Enzo que a partir
de hoje não precisarei mais de segurança pessoal, basta dizer o seu nome e as
pessoas já se assustam e fogem. Balanço a cabeça ainda achando graça na
situação e é nesse instante que meu mafioso favorito aparece na praia.
De óculos escuros, cabelos revoltos pelo vento, sua camiseta vermelha jogada no
ombro e um short de banho preto que deixa o entalhe de suas coxas ainda mais
perfeito, Enzo caminha devagar olhando para as ondas através dos seus óculos
escuros. Ao me ver, acelera seu passo arriscando uma pequena corrida até
reduzir por completo a distância entre nós. Abro meu maior sorriso para esperá-
lo e mal chega até mim, arranca seus óculos demonstrando seu cenho fechado e
maxilar endurecido, me repreendendo de modo ríspido.
— Onde você comprou esse biquíni não tinha tamanho adulto? — corre seus
olhos pelo meu corpo todo e seu semblante continua carrancudo, acabo soltando
uma frase sem querer, pois não pretendia baixar o nível.
—Tinha..., porém, adoro tamanho infantil, me caiu muito bem. — respondo
atravessado na intenção de cortar sua onda ciumenta e desnecessária.
— Que engraçadinha! — pega a toalha do chão e a sacode para tirar a areia.
— Ao seu dispor.
— Não acha que esse modelo é muito cavado e esconde muito pouco? — olha
ao redor da praia quase deserta e me pergunto de quem ele estaria com ciúme.
— Enzo, por favor, estamos numa praia que por sinal está quase vazia. — estico
meu braço apontando todo o arredor. — E não vejo nada de errado com meu
biquíni! — exponho meu desagrado.
— Isaiah é meu segurança e não quero que ele a veja quase seminua. —
possessão e ciúmes em doses cavalares é briga na certa.
— Seminua estaria se não estivesse usando essa peça. — aponto para a parte
superior de meu biquíni, já contando até dez para não estourar de vez. Coloco a
minha saída de praia e alcanço meu par de chinelos na areia.
— Está bem, não irei discutir com você. — rebate, grosseiro.
— Quem não irá discutir com você, sou eu, Enzo! — aponto meu dedo quase
próximo ao seu nariz.
— Se não se importa, acho melhor que recolha esse seu dedo, Paola.
— O melhor que faço é voltar para casa! — olho para Letízia e Pietro que
continuam a brincar e os chamo. — Crianças, vamos voltar para casa? — elas
não questionam minha decisão e se levantam prestes a me acompanhar.
— Pode parar com isso, acabei de chegar e ninguém sai dessa praia agora! —
fala entre dentes com as mãos na cintura, me desafia estreitando seus olhos azuis
enfurecidos.
— Podem voltar para sua brincadeira, Tio Enzo pretende ficar um pouco mais.
— sorri para os sobrinhos, estendendo a toalha na areia e sobre a mesma joga a
sua camiseta. Elas se entreolham sem entender o que está havendo na verdade e
obedecem ao tio.
— Vou dar um mergulho, quer vir comigo?
— Pode ir. — me sento na areia, ele vira as costas e disparo.
— Não esqueça de tirar as ferraduras, pois a água salgada poderá danificar o
produto tão bem amolado.
Ele não me responde apenas gira seu corpo e caminha em direção ao mar,
mergulha demorando a voltar a superfície. Em pé, meus olhos se afligem e
apavorada, dirijo meu olhar para Isaiah que mantém seu semblante
contemplativo.
— Isaiah. — grito e o guarda-costas nem se mexe. — Enzo está se afogando!
— Pode ficar tranquila, ele sempre faz isso quando fica nervoso.
Me faz um sinal com as mãos para indicar algum tipo de exercício respiratório e
alguns segundos tardios, Enzo volta a superfície dando mais algumas generosas
braçadas pelo mar, sai da água e só então chama as crianças para voltarmos para
casa.
Antes de deixamos a praia, deixo claro que não gostei de seu comportamento por
um simples biquíni e que esse seria a primeira direção errada que ele estaria
seguindo, sensato e inteligente, ele percebeu na mesma hora que excedeu seu
limite. Sem jeito, me pediu desculpas, porém não retirou o que disse sobre meu
biquíni e salientou ainda que não me quer usando esses trajes minúsculos perto
de seus funcionários. Nesse aspecto, não posso lhe tirar a razão, Enzo trabalha e
chefia todo um ambiente dominado por homens que o respeitam e temem a sua
figura, acabamos entrando em um acordo satisfatório para ambos e fizemos as
pazes.
No caminho, Pietro abraça o tio e junto de Letizia acabam contando ao mafioso
ciumento que brincaram com um cachorro na praia. Resultado, a sua cara ficou
ainda mais feia ao saber que o cão tinha um dono que falou comigo.
— Como se chamava o dono do Barney, Paola? — ficamos a sós próximos à
piscina da casa.
— Calvin Scar... alguma coisa. — digo sem me recordar mesmo de seu nome
completo. — Não me lembro o sobrenome no momento.
— Calvin Scarbrough?
E quando pensei que o mundo entraria em guerra, seu rosto finalmente se
ameniza arriscando a me dar um meio sorriso.
— Isso.
— Sabe quem ele é? — pergunta, como um inquisidor de sorriso cínico.
— Não. Deveria saber?
— Não. — enfatiza. — Creio que não.
— O que sei é que ao descobrir que você era meu namorado, o cara resolveu ir
embora de imediato.
— Disse que estávamos namorando?
— Disse, era segredo? — ele ri.
— Então qual é a graça?
— Esse sujeito namorou Donatella quando ele ainda era um pirralho, ela era
mais velha que ele.
Já imaginei todo o filme depois desse spoiler. Enzo deve ter assumido o papel de
irmão valente para cima do tal Calvin.
— E?
— Ele começou a pegar no pé de minha irmã, bancando o ciumento e então tive
que defender Donatella.
Às vezes, Enzo parece adotar um perfil tão contraditório ao seu gênio difícil,
quando se refere à irmã, não consigo imaginá-la tão indefesa como ele julga.
— E, pelo visto, você bateu nele?
— Mais ou menos isso, mas faz tanto tempo que presumi que Calvin estivesse
esquecido.
— Pois é, seu nome permanece em sua memória como tinta fresca.
— Aqui cabe o velho ditado, quem bate nunca lembra, quem apanha não se
esquece jamais.
E nessa frase tão corriqueira, a imagem de Enrico invade a minha mente e me
faz pensar mais uma vez no que Enzo possa ter feito a ele para que em seu
sangue corra somente a sede de vingança.
*****
O fim de semana em Hamptons passou muito rápido, adorei a oportunidade de
conhecer a família de Enzo por outro ângulo.
Enzo e eu voltamos a Nova Iorque na segunda-feira pela manhã, ele tinha
compromissos inadiáveis e eu como secretária de Ignácio não poderia me dar ao
luxo de permanecer em férias, o restante da família volta somente na sexta.
Isaiah ficou encarregado de cuidar da segurança dos Ferraro, enquanto eles
estiverem na casa de verão.
Durante o caminho de volta, fiquei pensando que Enzo irá me cobrar a resposta
tão esperada por ele.
Chegamos na mansão Ferraro, às 9 horas e Ignácio já estava à espera de Enzo
que embarcaria para Atlantic City, os dois iriam juntos a Vegas da costa leste, na
intenção de implementar mais um enorme cassino.
— Volto ao entardecer. — ele diz, abraçado a mim no mesmo instante em que
sua boca se cola à minha. — Espero a minha resposta.
— Estarei aqui, esperando por você.
Abre um sorriso e imagino que tenha ficado feliz com o que acabei de dizer,
volto ao meu quarto e sou interpelada por Eurídice que recebeu ordens expressas
para me trocar de quarto.
— A senhora Ferraro me pediu para que a colocasse na ala oeste da casa, onde
ficam a sala de TV e os quartos dos hóspedes.
— Por mim, tudo bem, Eurídice. — ela me olha com certa desconfiança, seus
olhos parecem me desvendar e me sinto incomodada por pensar que ela pode
descobrir o que venho fazendo durante o tempo em que estava trabalhando como
arrumadeira.
Volto ao meu antigo quarto para pegar as minhas roupas e objetos pessoais,
arrasto o móvel onde escondo o celular clandestino e verifico as ligações
perdidas. Por incrível que pareça, Enrico não me ligou uma só vez. Em nossa
última conversa, o avisei de que estaria em viagem e que voltaria em no máximo
uma semana, ou seja, terei folga de quatro dias e com essa vantagem de tempo,
posso pensar em alguma maneira de me livrar das garras de Enrico.
Porém as mais de dez ligações vindas de Siena que me deixam angustiada, algo
ruim deve ter acontecido, porque Tia Martina e Clara não costumam ligar.
Entro em meu banheiro e ligo imediatamente para Siena, minha tia atende em
um toque e deixa meu peito gelado e mãos trêmulas.
— Grazie a Dio, Antonella! — sua voz transparece uma agonia exacerbada e [320]

pelo seu tom de desespero, sinto que algo relativamente grave aconteceu.
— O que houve tia?
E tentando acalmá-la, Martina me descreve que a medicação usada por Clara não
tem obtido o efeito desejado e que o médico resolveu mudar seu medicamento.
— E quanto costa questa medicina ?[321]

Acontece que ele é produzido na Suíça e o preço é algo inconcebível para


alguém que não tem condições financeiras estáveis para adquirir tal
medicamento. Ao me relatar o valor, fecho meus olhos e sinto que todo o
dinheiro guardado para a cirurgia terá outro destino, alega ainda que tem
algumas economias, mas que o montante não chega à metade do valor do
remédio.
— Tranquillo, oggi vado in banca e ti mando i soldi che ho preso da Benício. [322]

— respiro fundo, apertando minhas têmporas. — Il tuo account è ancora sul


Monte Dei Paschi? [323]

Esse dinheiro tinha um outro destino, porém seu uso se faz necessário
justamente agora.
— E lei sta bene? [324]

— Sì, è una ragazza forte e sta andando molto bene.[325]

Então, pego o número da conta de minha tia e anoto em meu bloquinho, em


seguida, encerro a ligação e prometo ligar mais tarde para falar com Clara, como
ela almoçou e estava dormindo e eu não quis que minha tia a acordasse.
Saio de meu antigo quarto com minha mala e Eurídice me indica o meu novo
quarto dentro da mansão, deposito minha mala no chão, enquanto Eurídice abre
as cortinas e me apresenta o aposento.
É realmente um quarto lindo, todavia não consigo me desligar de Clara e prestar
atenção nos pormenores do ambiente, minha cabeça está em Siena e enquanto
não transferir esse dinheiro não conseguirei ficar tranquila.
A governanta me deixa a sós e assim, me preparo para sair, pego meus
documentos verdadeiros que estavam muito bem guardados em um
compartimento dentro de minha bolsa e desço as escadas às pressas.
Na garagem, Fabrízio limpa compenetrado o carro de Enzo.
Pensei em pedir uma carona até Manhattan, mas o mais sensato a se fazer é
chamar um táxi e não envolver ninguém dessa casa nessa história. Não posso
levantar suspeitas e é exatamente isso que faço, aviso a Eurídice que irei ao
centro da cidade e que não tenho hora para voltar.
Minutos depois, desço em frente ao banco e ainda olho para os lados na aflitiva
sensação de estar sendo seguida, entro rápido no estabelecimento e transfiro todo
o dinheiro de minha conta para a conta de minha tia, saio do banco e caminho
pelas ruas até chegar na loja onde Virgínia trabalha.
Almoçamos juntas e conto a ela que estou namorando, não preciso mencionar
que ela agora se acha a cupido da história. Em sua cabeça oca, aquela carona foi
o maior incentivo para que meu namoro acontecesse, mais tarde, ela volta para o
seu trabalho e eu resolvo caminhar pelas largas avenidas de Nova Iorque.
Meu celular vibra em meu bolso e ao olhar no visor o nome Enzo reluz em meus
olhos e faz meu coração disparar.
— Buon pomeriggio, bella mia ! — essa voz grave me faz pensar em suas
[326]

palavras em meu ouvido quando estamos juntos.


— Bello meu, buon pomeriggio. [327]

— Estou com saudade, onde você está?


— Como não tenho trabalho para fazer, resolvi vir ao centro da cidade para
visitar Virgínia e almoçar com ela. — olho para o céu e uma leve garoa começa a
cair. — Agora estou vagueando pelas ruas, mais tarde, irei para casa.
— Chego daqui a algumas horas, a reunião aqui ainda vai demorar mais tempo
do que previa, mas estou louco para chegar em Nova Iorque e estar ao seu lado.
— Lhe esperarei.
— Um beijo, tenho que desligar.
— Beijo.
Caminho mais algumas quadras e de um telefone público, ligo para Siena para
certificar com minha tia se o depósito já havia caído em sua conta e lhe agradeço
por cuidar tão bem de minha irmã. Minha tia é um anjo em forma humana e um
dia quero retribuir todo o bem que ela nos tem feito. Com a sensação de missão
cumprida, pego um outro táxi e volto para o bairro de Harrison. Entro pela porta
principal e a primeira pessoa com quem me deparo é Ignácio.
— Paola, preciso que você analise alguns relatórios para mim.
— Sim, farei isso agora. Enzo já está em casa?
— Sim, mas peço que não o incomode, ele está em seu escritório com uma
pessoa e é um assunto de extrema importância. — me encara com seus olhos
calmos, porém muito astutos.
— Ho capito perfettamente. [328]

Ele não precisa ser tão arrogante, simplesmente para dizer que seu patrão está
ocupado e não quer ser interrompido. Passo em frente ao seu escritório e é claro
que não ouso bater.
Me dirijo aos meus afazeres e o entardecer chega sem que eu perceba por quanto
tempo trabalhei sem parar, em meu quarto, tomo um banho e escolho um vestido
estampado e mais curto, seco meus cabelos e os deixo soltos. Me olho no
espelho e dispenso o uso de maquiagem, um batom deve ser o essencial.
Momentos depois, me vejo sentada a mesa de refeições com Enzo ao meu lado.
— Conseguiu resolver seus assuntos em Atlantic City? — Enzo se serve de mais
vinho e me olha pelo canto dos olhos.
Despojado, Enzo traja uma camisa xadrez vermelha e uma calça jeans escuro,
revelando um porte jovem que me incitam a deixar o medo de lado e talvez lhe
contar toda a verdade sobre mim.
— Sim, depois de horas tentando encontrar um delator em meio a cinquenta
homens, conseguimos resolver.
— Delator? — o pimentão parece parar em minha garganta.
— É como chamam os traidores. — explica de maneira calma e pausadamente.
— Lido com esse tipo de gente todo santo dia e confesso que isso me esgota.
— Imagino. — respondo, automaticamente sem fitá-lo e meu corpo parece não
ter peso algum.
— Não. — estica sua mão alcançando a minha a apertando entre seus dedos. —
Você não imagina o que é lidar com a traição por todos os lados. — alisa meus
dedos e em seguida os leva em sua boca.
Quando você esconde algo muito sério, se imagina sendo descoberta a qualquer
instante e nesse exato momento é assim que me sinto, Enzo me olha como se
desvendasse toda a minha história e só em pensar em tal situação, me sinto
apavorada.
— Como você lida com uma traição? — sigo por esse caminho, tentando, quem
sabe, criar coragem para contar quem sou e tudo o que fiz até agora.
— Como você acha que cheguei até aqui? — descansa seu garfo no prato e os
cotovelos sobre a mesa. — Perdoando a todos os que me apunhalam pelas
costas? — fico sem resposta e ele conclui. — Não perdoo quem me trai e
nenhum tipo de traição, seja ela nos negócios ou na vida pessoal, isso é algo que
vai além de minhas forças, Paola. Nasci assim... — diz enfático e taxativo. — ...
E morrerei assim. — bebe o restante de seu vinho e lá se vai a minha coragem
para pedir seu perdão, portanto, aguardarei uma outra ocasião mais propícia.
Enzo me convida para acompanhá-lo até a sala de TV para assistirmos a um
filme qualquer e aproveitarmos a nossa noite, liga a TV em um canal aleatório e
se deita entre as almofadas espalhadas pelo sofá, segurando o controle remoto na
mão direita, estende seu braço esquerdo para que eu me junte a ele no grande
sofá.
— Venha cá. — me abraça junto ao seu corpo e mesmo que ele não me conte o
que sente, consigo sentir que algo o deixa inquieto.
Me apoio em meu antebraço e fixo meus olhos aos seus, devagar, roço minha
boca em seu queixo coberto pela sua barba bem-feita, percorro meus lábios em
seu rosto todo, me deliciando com a imagem de seus olhos fechados desfrutando
do toque de meus dedos sobre cada traço de sua face deliberadamente perfeita.
Sinto seus dedos invadirem minha nuca e em um movimento voluntário, me
puxa para seus lábios, onde sua língua me instiga a beijá-lo com sofreguidão.
[329]

— Mia ragazza...
Suas mãos saem de meu pescoço e deslizam pela minha coluna, sinto seus dedos
fortes percorrendo minha espinha até chegar em minha bunda, ousado, enfia suas
mãos embaixo de meu vestido e aperta minha pele com força.
Contra a minha vontade, afasta sua boca da minha percorrendo sua barba pelo
meu pescoço e colo hipersensíveis.
— E la mia risposta ? — murmura em italiano em um tom grave e luxuriante.
[330]

Olhando de cima, Enzo é a visão estonteante para que qualquer mulher perca a
razão sobre si mesma, sua pele branca se contrasta com sua barba cerrada e sua
boca entreaberta é um convite sem volta para a perdição.
— Quale risposta? — finjo não saber do que se trata a sua pergunta e um
[331]

atrevimento me faz abrir dois botões de sua camisa expondo uma parte de seu
peitoral divino, aliso os pelos de seu tórax e arranho de leve a sua pele.
Um sorriso sacana brota de seus lábios e ainda com as mãos em minhas nádegas,
força seu quadril, os arqueando de encontro aos meus, fazendo com que eu sinta
seu excitamento através do seu jeans.
— Essa... resposta. — investe três vezes lentamente, se esfregando em meu
corpo despudoradamente.
Logo após, abaixa a alça de meu vestido e toma um de meus seios em sua boca,
arrancando um gemido de minha garganta, quando sinto sua sucção gostosa em
meu mamilo.
— Eu quero muito, mas quero que seja especial, Enzo. — digo, ofegante.
Estreita seu olhar deixando sua testa enrugada.
— Mas farei com que seja especial para nós dois.
— Eu sei.
— Então, qual é o problema? — sussurra de modo rouco e aperta o botão
vermelho do controle remoto, desligando a TV.
Queria que você estivesse apaixonado por mim tanto quanto eu, gostaria de
enxergar através de seus olhos um brilho de paixão e não somente a luz de um
desejo efêmero.[332]

— Não gostaria que fosse dentro de sua casa, não acho certo aproveitarmos a
ausência de seus pais como dois adolescentes que acabaram transando. —
esfrega seu queixo entre meus seios e em seguida corre sua língua nessa região,
deixando minha pele pegando fogo. Simultaneamente, segura meu rosto entre
suas mãos.
— Vamos para a Itália, amanhã?
— Amanhã? — digo, estarrecida pela sua repentina decisão.
— Sim, você, eu e mais ninguém. Tenho um negócio muito importante para
resolver na Itália e gostaria de levá-la comigo.
— Mas ... Eu não o atrapalharia?
— Diga que irá comigo, por favor. — sua boca fica a centímetros da minha e seu
hálito fresco sopra em meu rosto. — Eu a quero muito...
— Está bem, irei com você.
— Paola. — seu olhar se fixa em meus lábios e desejosa por ele busco por seu
beijo faminto, me deixando levar por suas mãos que percorrem meu corpo todo
por baixo do tecido de meu vestido. Suas mãos escalam minhas costelas
passando por meus seios intumescidos. Descendo devagar numa escalada insana,
sinto seus dedos se enroscarem em minha lingerie fazendo com que ela pare no
meio de minhas coxas. Sem nenhum pudor ou algo que o retenha, ouço o
barulho de seu cinto a ser desfivelado e a seguir sinto que ele abre totalmente a
sua calça.
— O que pensa que está fazendo? — provoco arqueando meus quadris em
direção à sua excitação que toca a minha barriga.
— Nada que você não queira! — me provoca com seus lábios, invadindo sua
língua em minha boca e me fazendo gemer ao tornar seu beijo ainda mais
possessivo.
Me aperta em seus braços e virando seu corpo me domina com seu peso todo
sobre mim, logo após, arranca sua camisa sem desabotoá-la passando por sobre
seu pescoço e a atirando longe. Volta a buscar meus lábios me prensando ainda
mais sobre o sofá, penetra sua mão direita entre nossos corpos e chega ao meu
sexo molhado e completamente excitado, massageia toda essa região com seus
dedos mais que habilidosos, fazendo meu corpo quase despencar.
Alucinada, abaixo sua calça jeans juntamente com sua boxer preta e em seguida,
me deleito e escalar suas costas até chegar em sua bunda a apertando na intenção
de trazer seu corpo ainda mais para junto do meu.
— Assim, não me controlarei por muito tempo... — diz em meu ouvido com a
voz embargada de tesão.
— Para quem esperou tanto tempo, um dia a mais não fará tanta diferença.
Querendo levar Enzo ao seu limite, seguro seu membro em minhas mãos e o
aliso em toda sua extensão por entre meus dedos, ele solta um gemido quase
doloroso tamanho o seu desejo de estar dentro de mim.
Dominante, retira de leve minha mão e o segurando agora entre seus dedos o
fricciona em meu sexo bem devagar em um vai e vem enlouquecedor.
— Se prepare, porque amanhã não serei tão controlado.
— Pode ser que eu goste. — devolvo a ele uma resposta à altura de nosso tesão.
Segura minhas coxas e me faz fechar as pernas pressionando seu pau entre meu
sexo, o apertando pele com pele.
Se esfrega em meu sexo molhado em movimentos cadenciados que aos poucos
se tornam frenéticos, abocanha meu seio, fazendo meu peito arfar em total
desespero. Enzo quer que eu me jogue nesse precipício de olhos vendados e é
assim que me vejo ao estar em seus braços.
— Você está tão molhada... — flexiona seus quadris e agarrada à sua bunda
deixo a marca de minhas unhas que deslizam por ali.
Um orgasmo intenso se forma em meu ventre e antes que eu possa liberar esse
prazer todo, Enzo aumenta seu ritmo e de olhos fechados e boca entreaberta,
estoca seu membro sobre minha barriga despejando seu gozo quente sobre mim.
Mal recupera seu fôlego, abre as minhas pernas e cai de boca em meu sexo me
presenteando com um gozo fenomenal, me lambe com uma volúpia
incandescente que me faz rebolar e gemer seu nome, enquanto meus espasmos
ainda arrasam comigo. Com a respiração ofegante, ele se deita ao meu lado com
as calças ainda arriadas e comenta.
— Você me deixa maluco, Paola! — passa as mãos pelos cabelos e se vira para
mim. — Não vejo a hora de te levar para Itália.
— Também não vejo a hora de estar com você!
Beija minha boca e pouco me importa agora se há dentro dele algo mais que
desejo, decidi que mesmo que possa perdê-lo, Enzo será o primeiro homem da
minha vida.
Meu coração apertado me alerta de que ele será bem mais do que isso...
Notte d'amore [333]

Antonella
Embaixo do chuveiro, lavo meu corpo ainda sensível com as recordações de
minutos atrás na sala de TV, a lembrança do corpo de Enzo roçando ao meu, faz
com que meu desejo retome sua força e se espalhe por cada ponto sensível de
minha pele. Seu toque me desestabiliza por inteira me deixando a beira de um
caminho sem volta no qual quero seguir sem olhar para trás.
Naquele momento, mesmo contra sua vontade, Enzo foi muito ponderado
acatando a minha decisão de esperar, ele tem se mostrado muito compreensivo, o
que não é nada natural vindo de alguém que simplesmente obtém tudo o que
deseja e quando não se tem por bem, toma-se por mal.
Amanhã, partiremos para a Itália e tentando buscar coragem do fundo de minha
alma, pretendo abrir o jogo com Enzo contando toda a verdade, torcendo para
que sua reação seja a menos impactante possível e como num jogo de azar, conto
com a minha inimaginável boa sorte e um lançar de dados imprevisível. Se tudo
acabar bem, poderemos nos unir e juntos, acabarmos com os planos vingativos
de Enrico, livrando tanto a mim quanto a ele desse tormento invisível que nos
cerca.
Partiremos, logo mais, às nove da manhã rumo à Verona, onde ficaremos
hospedados por três dias em uma casa de campo que fica a 10 quilômetros da
cidade, ansiosa, projeto mil situações onde ouso sair ilesa e feliz ou machucada e
sem nenhuma chance de redenção.
Fecho meus olhos e mentalmente tento canalizar boas energias para esses poucos
dias em Verona.
Dio mi aiuti![334]

Saio do banho e logo após, arrumo a minha mala, uma leve dor de cabeça me faz
tomar um analgésico para aplacar a dor e me permitir poucas horas de sono.
Já na manhã seguinte, desço as escadas para tomar meu café da manhã,
Mercedez me cumprimenta de soslaio e sua expressão denota uma indiferença
apática. Quando questionada por mim devido a sua mudança comportamental,
ela alega que não estamos mais no mesmo patamar e que essa hierarquia deve
ser respeitada dentro da mansão.
— Mas isso é uma bobagem, Mercedez! — descanso minhas mãos na cintura.
Seus olhos negros focam em mim como se quisessem me desvendar por dentro.
— Não para mim, Paola! — afirma. — Você, agora, não é somente uma
funcionária da casa e sim, namorada de Enzo.
— Continuo sendo a mesma Paola. — debruça sobre seu carrinho de limpeza e
movimenta suas sobrancelhas continuadamente.
— Ouça meu conselho, com o tempo isso muda. — dá um passo à frente. — As
coisas têm que ser assim e antes que eu me esqueça. — estaca no corredor
virando seu pescoço em minha direção. — Ignácio a espera no escritório do
senhor Ferraro.
Volta a olhar para frente empurrando seu carrinho com utensílios de limpeza, não
posso mudar o conceito de uma pessoa se ele está enraizado em seu interior. Se
Mercedez se sente melhor com essa dissidência, não sou eu quem irá mudar
[335]

isso.
Mais alguns passos pelo corredor quase próxima à porta entreaberta escritório de
Enzo, é possível ouvir sua voz claramente dando ordens a Ignácio.
— Quero que esteja comigo em Verona. — um silêncio inquieto me faz andar na
ponta dos pés e ouvir o que eles estão tratando em sua sala.
— Enzo, você tem certeza do que está fazendo? — exprime Ignácio. — Temos
um tratado com a Comissão e nossa família empenhou sua palavra nesse tipo de
negociação, seu pai nunca quis ingressar no ramo das drogas.
Minha audição se aguça e imagino que esse seria um assunto no qual qualquer
um que quisesse derrubar os Ferraro, se disponibilizaria a manter os ouvidos
muito abertos.
— Meu pai assinou esse acordo e não eu. — manifesta a sua vontade na firmeza
de suas palavras. — Pelo que sei, ele não é mais o chefe da família Ferraro. —
bato de leve na porta colocando meu rosto quase colado ao batente,
interrompendo o diálogo entre os dois.
— Pode entrar, Paola. — Enzo está sentado em sua majestosa cadeira e ao me
ver seu semblante se suaviza levemente.
— Que bom que chegou, Paola. — adverte Ignácio juntando algumas pastas em
uma só maleta, fecha a mesma com uma pequena chave e imagino que o
conteúdo dessas pastas deva ser muito valioso. — Quando chegarmos a Itália,
quero rever alguns desses papéis juntamente com você, está bem?
— Tudo bem.
— Voltando ao nosso assunto, Ignácio. — Enzo rola uma caneta tinteiro entre
seus dedos e mantém seu cenho fechado. — Ignácio demora a responder e o
censura com os olhos.
— Sugiro que discutamos esse assunto mais tarde.
— Está falando dessa maneira pela presença de Paola?
O Consigliere abre a boca para exprimir a sua colocação antagônica e antes
[336]

mesmo de proferir um vocábulo sequer é interrompido por seu chefe. Se coloca


em pé, mantendo seus braços flexionados sobre a mesa, deixando à mostra as
suas abotoaduras em prata e ônix. [337]

— Se a escolhemos como secretária, sinalizo que ela é de nossa confiança para


permanecer nesta sala, afinal o mais importante já foi discutido entre nós e o que
é tratado nesta sala, morre nessa sala.
— Sei disso, Enzo, me desculpe. — disfarça seu incômodo por ter sido
repreendido em minha frente e também me sinto encabulada pela saia justa em
que me encontro. — Voltando então ao nosso assunto, os Ferraro nunca se
envolveram no ramo das drogas e você irá contra a oposição da maioria. — mal
respiro ao ouvir o desenrolar dessa conversa.
— Não haverá maioria quando os que fazem parte da família e da Comissão
receberem sua vultosa quantia.
— Seu pai estaria de acordo? — abre seu paletó e pega seu famoso charuto,
fumando assim, Ignácio não terá saúde por muito tempo.
— Digamos que esse negócio ficará entre você e eu.
— Enzo. — Ignácio dispara, contraditório. — É um negócio arriscado, um
enorme carregamento. — ergue os braços exaltado, porém mantém seu tom de
voz.
— Tenho ciência dos riscos, todavia é um negócio muito rentável.
— Isso será prato cheio para sermos extorquidos pelos políticos e chantageados
pela polícia para continuarem a fazer vistas grossas.
— E afinal de contas, quando não estivemos nessa situação?
— Agora é diferente, sabe disso!
— Por acaso, não negociamos armas? — Enzo rebate parecendo irredutível. —
Qual a diferença? Tudo é nocivo. — sem saber ao certo como me portar, peço
licença para me retirar da sala, assim eles podem resolver esse assunto mais à
vontade.
— Se me dão licença, ainda tenho algumas coisas para arrumar antes de
partirmos. — atesto com firmeza na esperança de que Enzo acate a minha
decisão.
Tempos atrás, daria tudo para ouvir e até mesmo participar de uma conversa
desse nível e agora que isso acontece, quero fugir para longe para não ter armas
e material que possa prejudicá-lo.
— Pode ir, Paola. — sai de trás de sua mesa e aquela forma jovial e tranquila de
ontem à noite o abandonou por completo.
Aquele Enzo deu lugar a um homem dignamente implacável, trajando uma
calça, colete azul marinho e uma camisa azul claro, ele assume a sua postura de
chefe de uma perigosa organização.
Ele se aproxima de mim e toca de leve meu queixo encarando meu rosto com um
olhar decidido, o olhar de um homem seguro e de opinião forte, tenho que
admitir que essas são umas das qualidades que mais gosto nele. Olha em seu
Rolex e migra seus lindos olhos para mim.
— Deduzo que ainda não tomou seu café. — aquiesço com a cabeça e continua
com seu polegar a afagar meu queixo.
— Pois, então tome seu café e termine de arrumar suas coisas. — caminha
comigo até a porta e Ignácio mantém seu plácido olhar para o jardim.
— Está bem, vou indo.
— Mando lhe chamar quando estivermos de saída. — sem se importar com a
presença de Ignácio, recebo um leve beijo nos lábios que me deixa sem jeito.
— Até depois. — saio pela porta e caminho para a cozinha, onde tomo meu café
mais à vontade, a seguir, volto ao meu quarto e termino de arrumar a minha
bagagem.
Busco ar, respirando fundo e com coragem deixo a mala sobre a cama andando
até o banheiro com meu celular clandestino nas mãos, ligo para Enrico. Não
posso deixar que ele suspeite de que o quero enganar, tudo tem que parecer o
mais natural e tranquilo possível.
— Antonella, que surpresa boa ouvir a sua voz logo pela manhã. — seu timbre
de voz é pretensioso e descabido de qualquer veracidade. — Já fez suas malas?
Um ar gelado cerca meu corpo todo. Como ele sabe que irei viajar?
— Como sabe que irei viajar? — um riso escarnecedor sai de sua garganta e
atravessa meu ouvido, me fazendo recuar e agir com muita prudência ao
próximo passo
— Ora, mia cara! O que você acha? Que trabalho sozinho?
— A pessoa que trabalha para você, confesso que é muito ágil e eficiente.
—Trabalho com uma boa equipe, devo confessar e por falar em equipe... —
mantenho meus olhos fechados e me imagino fora desse pesadelo.
— Sim?
— Preciso que vigie Enzo durante o tempo em que estiver fora e descubra qual o
real motivo para essa viagem.
— Não acho que eu consiga descobrir alguma coisa, Enzo não seria tolo de
confiar seus negócios a uma mulher.
— Por que tenho a impressão de que em sua cabeça de merda, você está
tentando conspirar contra mim?
— Temeria por isso? — solto meu desabafo em forma de desafio, mais um riso
zombeteiro e meus lábios tremem, conheço essa risada e temo o que sairá de sua
boca.
— Antonella, escute com atenção e grave bem o que irei lhe dizer. — faz uma
pausa cautelosa. — Se em sua humilde e ingênua cabecinha linda estiver
passando a ideia de me delatar para Enzo, sugiro que mude a sua tática. —
engulo em seco, esperando o término de seu raciocínio, esse homem parece ler
minha mente. — Enzo poderia sim me destruir e impedir que fosse realizada a
minha vingança. — constata, me sinto esperançosa ao saber que ele teme a Enzo.
— Porém, não estou sozinho nessa jogada e nem mesmo a minha eliminação
interromperia o ciclo que se iniciou no dia em que você adentrou a casa dos
Ferraro. — fala com uma certeza assustadora. — Se eu morrer pelas mãos de
Enzo, outras pessoas continuariam com nosso plano e dentro desse contexto de
vingança estaria a sua vida, a vida da família Ferraro e a de sua família.
— Deixe a família de Enzo e a minha fora disso, ouviu bem! — digo, quase se
engasgando.
— Não ouse me dizer o devo ou não fazer em tom de ameaça! — fala baixo e
muito manso causando ainda mais medo. — Vou lhe deixar algo para digerir
durante sua viagem, se porventura, contar a Enzo a verdade e ele me matar, saiba
que matarão a pequena Letizia, além de sua tia e ainda cortarão as pernas de sua
querida Clara. — traga seu cigarro. — Se pensar bem, seria um favor que fariam
a ela, pois aquelas pernas não lhe servem mais para nada!!! — meus olhos
lacrimejam de raiva e tristeza, pois o meu belíssimo plano de contar a Enzo seria
uma furada e esse monstro do outro lado da linha tem as cartadas definidas e
certeiras.
— Não direi nada a ele, prometo. — me olho no espelho do banheiro e meus
olhos estão aterrorizados.
— Muito bem, ragazza, se fizer tudo certo, teremos somente um a ser
sacrificado, Enzo. — faz uma pausa que me causa náusea no estômago. — E tem
mais.
— O que é?
— Acho que já está mais do que na hora de você me entregar algo sobre Enzo.
— Estava seduzindo como me pediu. — rebato seca.
— Pelo jeito está se saindo melhor do que imaginei, essa viagem será muito
proveitosa para meus planos.
— Acha mesmo que ele confiaria em mim? Homens como Enzo não confiam em
ninguém. — asseguro.
— Você já provou ter seus métodos que desmentem o que acabou de dizer e
além do mais, acho que mereço um agrado depois de lhe salvar da dívida com
seu ex namorado.
— Aquilo, por acaso, não era um adiantamento?
— Sim, era, contudo a ragazza há de convir comigo que 30000 mil euros não
caem do céu todos os dias!
— Está bem, tentarei lhe informar algo que descobrir.
— Acho que você não me ouviu bem! — sua voz se torna ríspida. — Até
quando ficará na Itália?
— Até sexta-feira. — seu suspiro atravessa meus ouvidos.
— Pois muito bem, esse será o seu prazo para me fornecer alguma informação
valiosa sobre os negócios dos Ferraro, do contrário irei até Siena e de lá lhe
mandarei um presente muito exótico, uma das pernas de sua irmã para que saiba
com quem está lidando, Antonella. — meu nervosismo é tamanho que minha
visão fica turva dentro do banheiro e meu coração parece saltar pela boca devido
aos seus batimentos.
— Já disse, lhe trarei informações.
— Faça tudo conforme combinamos, nem um passo em falso e depois estará
livre com os seus preciosos euros.
— Já entendi. — digo.
— Boa garota, tenha uma boa viagem, aproveite muito bem a sua terra Natal e
não se esqueça de levar o celular, detesto que fique incomunicável. — limpo
minhas lágrimas com o dorso de minha mão.
— Buon viaggio. — encerra a ligação, me deixando aterrorizada dentro do
[338]

banheiro.
Não consigo raciocinar e desvendar quem dentro dessa casa poderia ser um
informante de Enrico, nessa altura do campeonato, todos se tornam suspeitos
para mim, ademais só me resta manter o pé de desconfiança com todos. Minhas
têmporas chegam a doer ao tentar montar um quebra-cabeça que faça sentido e
revele alguma pista sobre quem está infiltrado, nessa casa, assim como eu,
incluso no time de Enrico.
Minutos após, mais calma, verifico minha bagagem e espero por Enzo. Devido
ao meu estado de ansiedade e terror, até mesmo uma pequena batida na porta me
faz pular em um sobressalto.
— Quem é?
— Sou eu, Isaiah. — coloco minha mão na maçaneta e percebo que minha pele
está tão fria quanto o metal, ao abrir a porta, Isaiah se adianta.
— Enzo me pediu para levar suas malas para o carro e para avisá-la que desça.
Vamos sair em cinco minutos.
Ele disse vamos?
— Você também irá para Verona?
— Exatamente, acompanharei Enzo nessa viagem e cuidarei da segurança de
vocês.
Ele juntamente com Ignácio, se tornam os meus maiores suspeitos, em seu paletó
preto, analiso o chefe dos seguranças e treinador de Enzo, ele tem sua total
confiança e me pego imaginando se ele não seria o traidor.
Deixamos o céu de Nova Iorque às dez da manhã e conforme o previsto, Ignácio
e Isaiah também estavam dentro da aeronave.
Durante a viagem, remoí as palavras cruéis e indigestas de Enrico e meus olhos
assim como meu pensamento, não saíam da tal maleta que se encontrava sob o
domínio de Ignácio. Esses papéis seriam a minha liberdade e condenação, pois
ao entregar o conteúdo dos mesmos a Enrico, estaria livre, porém seria
condenada a viver para sempre longe de Enzo.
Estou entre a cruz e a espada, me encontro em uma encruzilhada onde a decisão
pelo caminho menos tortuoso é crucial.
Após umas três horas no ar, Enzo se senta ao meu lado e alcança a minha mão.
— Você está tão calada! — faz uma observação certeira. Tento disfarçar ao
máximo a minha apreensão.
— Impressão sua! — acaricia meus dedos e sorrio.
— Você conhece Verona? — encara meu rosto com um olhar terno que me faz
relaxar e esquecer por um momento que estou em uma enrascada das grandes.
— Não, mas sei que é uma linda cidade onde Shakespeare se inspirou para
escrever Romeu e Julieta.
— Pois é, infelizmente aquele casal sofreu o seu maior desencontro amoroso. —
solta um meio sorriso. Encosto meu pescoço na poltrona e por dentro pareço
esmagada e sem chance de restauro.
— Mas ninguém pôde questionar o quanto eles se amavam.
— Tenho que concordar com você, mia ragazza. — aproxima seu rosto de meu
ouvido. — Estou louco para beijar você, mas temos dois carcamanos como
expectadores neste avião e infelizmente não posso me desfazer do peso extra.
— Que maldade, Enzo. — encaro sua boca e sinto o mesmo que ele, vontade de
beijá-lo até exaurir minhas forças e esquecer qual o destino de meu futuro
incerto.
Depois de quase oito horas de voo, pousamos em Verona às dez horas da noite,
hora local, no aeroporto, um carro nos esperava e o motorista todo uniformizado
parecia uma estátua de cera tamanho a sua mobilidade ao nos dirigir a palavra.
Seguimos pelo Viale del Commercio e em poucos minutos chegamos à
propriedade em estilo romano.
Descemos do carro e fomos recebidos por duas funcionárias que nos indicaram
nossas acomodações, andando pelo corredor da casa com Enzo ao meu lado,
notei que ele não demonstrou nenhum cansaço pela viagem, pelo contrário, sua
aparência era invejável como sempre. Antes de entrar no quarto destinado a
mim, Enzo me prensou na parede colando sua boca à minha.
— Tenho uma surpresa para você!
— Cuidado bonitão, não estamos sozinhos na casa! — advirto correndo meus
olhos pelo corredor.
— Estamos completamente a sós aqui.
— E os outros? — indaguei, roçando meus lábios aos seus.
— Ficarão hospedados em uma casa anexa, ou seja, esse espaço é todo nosso. —
crava suas mãos em meus quadris, expondo seu desejo mais que evidente. —
Vou tomar um banho e lhe espero na sala de jantar.
— Va bene. — me beijou mais uma vez e ao me soltar, seus olhos reluziam um
brilho diferente ao qual ainda não soube identificar.
Agora, em frente ao espelho, enquanto me maquio penso em meu futuro incerto
e sinto que esses serão meus últimos dias ao lado de Enzo, portanto farei com
que eles sejam a melhor lembrança de um romance passageiro de primavera.
Faço os últimos retoques em minha maquiagem, passo meu perfume e apago a
luz do quarto.
Ao sair, caminho devagar passando pelos vários cômodos da casa, em frente a
uma grande janela talhada em madeira e vidro, Enzo permanece de costas com
uma taça de vinho na mão.
Parecendo absorto em seus pensamentos, não percebe a minha entrada silenciosa
e sendo assim, paro por alguns instantes a contemplar de costas a sua magnífica
compleição física.
— Estava lhe esperando. — percebendo minha chegada, pronuncia sem se virar.
— Aqui estou. — com minhas mãos entrelaçadas na frente de meu corpo, surge
um frio nervoso e justificável em meu estômago.
Muito devagar, Enzo gira seu corpo me dando a visão magnífica de sua beleza
velada e coberta por um paletó marinho de seis botões, uma camisa preta se
destaca juntamente com a gravata estampada.
Sem tirar seus olhos dos meus, deposita a taça sobre uma pequena mesa ao lado
de um dos sofás, onde há uma outra taça vazia acompanhada de uma garrafa de
vinho, metodicamente, enche a outra taça e caminha até mim segurando a
mesma com seus passos largos e tão seguros.
— Mia ragazza, bellissima!
— Obrigada, ragazzo mio. — bebo um generoso gole do líquido e logo o calor
do álcool se espalha por minhas veias, me ajudando a relaxar um pouco mais,
antes mesmo que eu possa beber outro generoso gole, Enzo retira a taça de
minha mão me puxando para si, fazendo com que meu corpo se choque com o
seu.
— Você está com frio? — nota minha mão gelada. Seu perfume se mistura com
ao hálito provido do aroma de vinho e juntos invadem meu olfato incitando meu
desejo. Abaixo meu rosto e solto um sorriso descabido coberto de timidez.
— Acho que estou um pouco nervosa. — ergo meus olhos e eles se encontram
com suas safiras perspicazes e reluzentes de desejo, sua mão forte e macia afaga
os nós de meus dedos.
— Renderò questa notte speciale e indimenticabile per te quanto per me. [339]

—Tenho certeza que sim. — mordo meu lábio, insegura do que essa noite me
reserva.
— Está com fome? — oscilo minha cabeça em negativa.
— Sono nel fuso americano e tu? — uso meu dialeto para espantar meu
[340]

nervosismo.
— Meu fuso horário não diminuiu em nada a minha fome por você, Paola. —
roça seu nariz no meu e sua boca se abre lentamente, buscando meu beijo de
modo voraz. Com uma de suas mãos segura firme em meu pescoço ajustando
nosso beijo que se torna avassalador, sua língua inconstante busca a minha em
uns movimentos eróticos que espanta o frio que sentia e esquenta meu corpo na
ânsia de tê-lo finalmente dentro de mim. Com a outra mão, escala meu corpo em
total despudor, acariciando minha pele com uma pegada intensa, deixando por
onde passa um rastro de extrema luxúria que me faz gemer. De seu corpo
másculo consigo sentir o calor que exala todo seu desejo.
— Nem a minha, Enzo. — digo, num murmúrio rouco e através de seu bigode,
estreita um sorriso indecente que só ele tem.
— Venha comigo. — aperta minha mão com força e me puxa para um corredor
que dá acesso ao seu quarto.
Abre a porta devagar e me conduz ao centro do aposento, não me atenho a correr
os olhos pelo ambiente, pois a única coisa que me importa é a imagem de Enzo
parado em minha frente a me devorar com seus lindos olhos.
Sem pressa, ele abre os botões do seu paletó e o retira muito calmamente, o
jogando em uma poltrona que fica próxima a cama, em seguida, retira uma a
uma as suas abotoaduras, arregaçando as mangas de sua camisa. Entre dois
passos, reduz a nossa distância e toca meu rosto com muita delicadeza.
— Não quero arrependimentos tardios, Paola. Somos adultos e espero que tenha
certeza do que está fazendo, a mesma certeza que me fez trazê-la até aqui. —
coloca a mão sobre o nó de sua gravata e mais que depressa deposito minha mão
ali, o impedindo de prosseguir.
— Enzo... Eu me apaixonei por você! — me declaro sem esperar nada em troca,
pois esse é o verdadeiro sentido do amor. Aquele que nada espera, apenas se
sente e mesmo que um dia ele venha a duvidar de tudo o que aconteceu entre
nós, gostaria de guardar esse momento único como sendo o mais verdadeiro de
todos os que já pude dividir ao seu lado.
Enzo é o único homem que pode me livrar da situação em que me coloquei e no
entanto não posso me abrir e expor meu problema. Nesse caso, ele seria tão
impossibilitado como eu e chegaria tarde demais para salvar a minha e a sua
família. Ele nada diz e a seguir, enfia a mão no bolso de sua calça, retirando de lá
uma pequena caixa de veludo azul.
— Você é a mulher que chegou mais perto do que qualquer outra e foi além do
que eu jamais me permiti. — essa seria a maneira que ele encontrou para me
dizer que também cultiva algum sentimento por mim, abre a caixa e de lá um
lindo anel em brilhantes e uma grande turmalina azul. Me pergunto se foi ele
mesmo quem encomendou o anel ou essa é mais uma joia feita a pedido de
Ignácio.
— Fui eu mesmo quem escolhi. — responde, adivinhando meu pensamento.
Segura minha mão direita e desliza a joia pelo meu anelar.
— É lindo, adorei. Obrigada.
— Paola... — avança sobre minha boca e a partir de agora não há mais
retrocesso ou dúvidas.
Meus dedos afoitos pousam no nó de sua gravata e rapidamente o desfaço para,
em seguida, abrir os botões de sua camisa à medida que sua boca divaga pelo
meu pescoço me fazendo mil promessas em italiano.
—Ti voglio davvero, Paola.
[341]

Se alguém me perguntasse qual é o som do amor, diria que a voz desse homem
para mim é o único som que me faz pensar em amor.
— Eu também te quero e muito.
Sem camisa, ele desce as alças de meu vestido, o fazendo ir ao chão, meu peito
sobe e desce com a respiração pesada, é como se meu coração batesse em meu
estômago e o seu pulsar refletisse em meu ventre.
Dou um passo à frente e colocando minhas mãos em seus ombros, tento
demonstrar que não será apenas o meu corpo que ele toma para si e sim, terá a
minha alma roubada para sempre. Devagar, enrosca seu corpo no meu e me
conduz a andar de costas com sua boca colada à minha até chegarmos à beirada
da cama, ele deita meu corpo sobre o colchão e se mantém em pé com seus olhos
presos aos meus.
Lentamente, segura meu pé esquerdo e arranca minha sandália, depois faz o
mesmo com o direto e esfregando sua boca em meu tornozelo, aspira o cheiro de
minha pele por onde seus lábios percorrem.
— Mia deliziosa...
De joelhos sobre o colchão, continua sua escalada em ambas as minhas coxas e
minha única reação e apertar os lençóis para extravasar o tesão que me exima
por inteira. Sua mão desliza por meus quadris e na sequência, Enzo se abaixa e
sua boca suga meu sexo através da renda de minha lingerie.
Estremeço ao sentir que seu indicador afasta o tecido e a ponta de seu dedo
desliza por ali, arrancando um gemido baixo de minha garganta, endireita seu
corpo e abre o cinto de sua calça, a retirando em seguida, me permitindo ver
através de sua cueca o seu membro excitado. Volta a se deitar sobre meu ventre e
abaixando minha calcinha, lambe meu sexo bem devagar numa tortura de língua
e lábios que me põem quase louca.
— Enzo... — o chamo em desespero tentando tocar seu corpo e trazê-lo para
mim.
Não me dá ouvidos e continua a usar sua boca devassa fazendo meu ventre dar
voltas, meu peito arfar e meus quadris irem de encontro aos seus lábios, de
repente, Enzo solta um gemido rouco e afastando sua boca, arranca sua cueca e
sobe com sua boca a trilhar beijos em meu colo, abocanhando meu seio com um
furor animal.
— Não aguento esperar mais nem um minuto sequer, Paola... — mordendo meu
pescoço, estica seu braço e alcança uma gaveta no criado-mudo. Entre seus
dedos, sai uma embalagem com preservativo que é aberta com suas mãos ágeis.
Coloca o preservativo sobre sua ereção e apoiando seu corpo em seu cotovelo,
esmaga minha boca num frenesi estonteante e em resposta penetro meus dedos
em seus cabelos, os segurando com força como se quisesse prender Enzo para
sempre junto de mim.
Aperto o famoso botão "foda-se" em meu cérebro e aproveito as sensações e
tudo o mais que esse homem maravilhoso pode me oferecer, estando ele
apaixonado por mim ou não. Sinto quando ele se encaixa entre minhas pernas e
me retraio ao imaginar que isso não será indolor, Enzo percebe a minha
inquietude e fricciona seus dedos devagar em meu clitóris, enquanto me beija de
leve nos lábios murmurando coisas para me fazer relaxar.
Suas coxas roçam nas minhas e ele se posiciona em minha entrada esfregando a
cabeça de seu membro em movimentos verticais até me deixar ainda mais
molhada.
— Relaxe, mia ragazza... — busca minha boca mais uma vez e sinto quando
penetra somente a cabeça de seu pau dentro de mim. Seu beijo molhado e
carregado de desejo me faz relaxar. Ergue seu pescoço e de olhos fechados
encosta sua testa suada na minha.
Sugo seu lábio inferior quando sinto que ele penetra ainda mais fundo e fecho
meus olhos tentando dissipar a dor.
Para de se mover e com os lábios em meus ouvidos, tenta ser o mais controlado
possível.
— Lhe machuquei? — balanço a cabeça em negativa, arqueando minimamente
meus quadris em direção aos seus.
Assim, enlaça um de seus braços por baixo de meu corpo, me mantendo
imobilizada sob ele. Investe numa estocada só, penetrando todo dentro de mim,
nivela seu olhar ao meu e uma mecha de seu cabelo cai sobre sua testa quadrada.
Sua respiração se confunde com a minha e nesse momento, vejo seu tórax suado
e ofegante acompanhado das veias pulsantes seu pescoço, Enzo se move
lentamente extraindo suspiros cadenciados de nós dois e a cada investida me
sinto ainda mais sua, quando ele busca minhas mãos para entrelaçar seus dedos
aos meus.
Um caminho sem saída e sem retorno...
Com sua boca colada em meu ouvido, sussurra meu nome antes de gozar dentro
de mim, no momento seguinte, cobre meu rosto de beijos leves e com seus dedos
circula meu corpo num acariciar delicioso. Mesmo sem nenhuma palavra
proferida, o silêncio que domina nossa cama é a prova de que ambos
estamos ligados um ao outro por um sentimento que dispensa palavras.
— Acredite ou não, mas esse momento também é único para mim! — diz, com a
voz grave, murmurante e carinhosa. Devagar, sai de cima de meu corpo e me
puxa para descansar minha cabeça em seu peito.
— Foi maravilhoso. — digo, emocionada e com medo de que aquele
sentimento apreensivo me domine nesse momento.
— Será sempre maravilhoso. — me corrige, levantando meu rosto para encará-
lo.
Não sei determinar o tempo em que ficamos abraçados e em determinado
momento, noto que Enzo ressona leve e tranquilo, então me levanto para ir ao
banheiro.
Entre minhas coxas há sangue e de repente sinto vergonha ao imaginar que o
lençol também deva estar sujo, ligo o registro do chuveiro e a água morna
escorre em meu rosto, em meus lábios há um sorriso que não se fecha assim
como em meu peito há a dor e a alegria disputando espaço para permanecerem
ali.
Decido que nesses dias em que estarei ao lado de Enzo, aproveitarei ao máximo
a sua companhia e serei feliz como puder. Ao erguer meus olhos, o vejo, nu, com
a cabeça encostada no batente da porta a me observar com um meio sorriso em
seu rosto. Com um olhar predatório, anda até mim e me abraça por trás debaixo
do chuveiro...
Verona

Enzo
— Água morna? — digo ao me aproximar de seu corpo e a enlaçá-la em meus
braços.
— Algo contra? — rebate e mesmo de costas consigo sentir seu sorriso doce.
— Tudo. Só tomo banho em água fria. — minhas mãos alisam a lateral de seu
corpo molhado, reacendendo em mim um desejo bruto e impiedoso. Alcanço o
registro do chuveiro e regulo a temperatura da água, deixando mais amena.
— Não consigo tomar banho em água fria. — ela reclama.
— Pois comigo irá se acostumar, eu te esquento. — espalmo seus seios com
minhas mãos e os aperto entre os dedos em uma carícia nada gentil. — ela
suspira, debruçando sua cabeça em meu peito.
— Sendo assim, banho morno nunca mais. — debocha, maliciosa. Aperta o
frasco de sabonete líquido em sua mão e espalha sobre seu ventre subindo seus
dedos até cobrirem os meus.
— Achei que tivesse fugido de mim. — constato uma suspeita, apertando ainda
mais seu corpo que se esfrega ao meu.
— Por que eu faria uma coisa dessas? — a vejo fechar seus olhos e tentando
afastar o que a incomoda interiormente, continua a lavar seu corpo.
— Não sei. — respondo, sorrindo com minha boca grudada em seus úmidos
cabelos. — Foi uma impressão minha.
— E se acaso tivesse fugido de você? O que faria? Sairia à minha procura? —
me inquire com uma curiosidade subentendida de satisfação por outras perguntas
ainda não formuladas.
— Não. — digo, secamente. — Se acaso fugisse, teria a certeza de que minha
presença não era agradável a você.
Sua mão esquerda circunda meu pescoço e girando seu rosto me dá a visão de
seu olhar atormentado. Por mais que ela se esforce, o martírio que a incomoda
transcende ao seu exterior e a atinge de modo que não há como manter
sua aparência camuflada.
— Não se preocupe, não pretendo fugir de você.
— Isso me tranquiliza e muito, Paola. — em resposta, ela arqueia seus quadris
em direção ao meu pau, roçando e remexendo sua bunda gostosa em minha pele,
instigando ainda mais o meu tesão.
— Não sei o que pretende, mas se não tem a intenção de continuar, sugiro que
pare! — falo, malicioso, mordendo de leve o lóbulo de sua orelha.
— Há um lema que guardo comigo, nunca começo algo que não posso terminar,
portanto se inicio alguma coisa, vou com ela até o final. — retorço minha face
fingindo incredulidade e com essas pequenas frases soltas posso conhecer um
pouco mais dessa audaciosa mulher. Pega outra vez o frasco de sabonete e dessa
vez eu a impeço, tomando de sua mão.
— Deixe-me fazer isso. — murmuro em seu ouvido, friccionando minha coxa
direita entre suas pernas, deixando evidente que ainda não estou satisfeito e que
poderia passar a noite toda trepando com ela.
Com minhas mãos espalho o líquido em seu corpo trilhando um caminho que
sobe pelo vale entre seus seios até chegar em seus ombros visivelmente tensos.
Pressiono seus tendões próximos ao seu pescoço na tentativa de relaxar seu
corpo por completo e ela solta uma espécie de ronronar de satisfação de sua
garganta.
— Leva muito jeito com as mãos, Enzo! — deixa escapar essa frase entre um
gemido doloroso e prazeroso.
— Só com as mãos? — a provoco descendo meus dedos em seus mamilos
túrgidos, os apertando até deixá-los pontiagudos ao meu toque e a seguir, assim
como a água, meus dedos escorrem pelo seu ventre liso chegando ao seu sexo.
— Fiquei desapontado. — o acaricio com meus dedos bem devagar num lento ir
e vir até que ela move seu pescoço e ansiosa busca minha boca. Mesmo desejosa
e lubrificada, tenho total ciência de que ela deva estar um tanto dolorida,
portanto, a melhor coisa a se fazer é respeitar seus limites e controlar a avidez
que me assola no momento.
Estremeço ao sentir sua língua se enroscando com a minha num beijo sôfrego e
animalesco.
Devagar, fica de frente para mim depositando suas mãos em meu tórax,
arranhando de leve suas unhas vermelhas em meu peito à medida que os seus
seios fartos divagam por ali. Abaixo minha cabeça, tomando um de seus
mamilos com minha boca, massageando e lambendo com minha língua e
sugando sua ponta fazendo com que mia ragazza se encolha todinha em sinal de
pura lascívia.
[342]

— Obrigada, por cumprir o que me prometeu. — deve estar se referindo a minha


promessa de tornar a sua primeira vez especial para ambos.
— Sou um homem de palavra. — esboço um sorriso que se depara com o seu.
Fica na ponta de seus pés, tocando seus lábios levemente em minha testa e
depois em meu nariz.
— Sei disso. — continua a escalar meu rosto com beijos leves e seus lábios
resvalam em meu bigode, me instigando a abrir a boca para partilhar de seu beijo
febril, fazendo com que eu a prense na parede fria do banheiro e roce meu pau
entre suas pernas. Sei que nada me impediria de tê-la toda entregue, de meter
fundo e forte em seu corpo, porém não tenho a intenção de machucá-la.
Audaz, sinto seus dedos percorrendo meu abdômen em movimentos circulares e
provocativos, desvia seu toque sobre minha coxa e na sequência, envolve meu
pau duro em seus dedos macios e de modo súbito, o acaricia ao mesmo tempo
que sufoca meu gemido em sua boca gostosa.
Prende meu lábio inferior entre seus dentes, ao mesmo tempo que seus dedos me
massageavam devagar, deixando os músculos de minhas pernas flexionadas e
louco de tesão.
— Gosta quando faço isso?
— Gosto ... — digo, ofegante com a voz embargada. Minha vez de sugar sua
boca e fazê-la gemer com meu dedo a circular seu clitóris excitado, mordo seu
queixo e completo. — Adoraria ainda mais se sua boca o chupasse todinho. —
digo sem rodeios, pois esse é no momento, a realização de uma premente [343]

fantasia.
— Mas, eu nunca fiz... — antes que ela profira a frase toda, meu polegar e
indicador tocam seus lábios carnudos.
— Eu lhe ensino como fazer...
Sua boca se contrai num sorriso torto, formando uma discreta covinha no lado
esquerdo de seu rosto, em resposta ao meu pedido, ela beija meu pescoço,
mordiscando minha pele com certa pressão, enquanto suas mãos deslizam por
minhas coxas as deixando marcadas com suas unhas, passando por meu
abdômen em um sobe e desce delicioso. Me olha nos olhos e em um escalar
lento deixa que a água do chuveiro molhe seu rosto à medida que ela desce
lambendo meu peito vagarosamente.
— Amo il tuo corpo. — sua voz sai rouca e lenta e ao proferir essa frase, sinto
[344]

o passar de sua língua sobre meu mamilo direito.


— Anche io amo il tuo. — rebato, com minha mão a acariciar seus cabelos
[345]

molhados que insistem em cobrir seu rosto me impedindo de avistar sua boca a
me devorar com seus lábios.
Beija minha barriga, se ajoelhando em minha frente e erguendo seu olhar
sedutor, se ajeita no piso frio buscando uma melhor posição para o que pretende
fazer. Nervosa, seu peito respira com dificuldade, excitada, sua pele demonstra
seu desejo se mantendo toda arrepiada.
— E agora? — morde seu lábio ainda com seus olhos grudados em mim,
segurando meu pau em sua mão direita. — mantenho minha mão esquerda em
seus cabelos e as levo em seu queixo numa carícia instigante.
— Agora, chupe bem gostoso... — a olho de cima e fico ainda mais duro ao
imaginar sua boca sugando e deslizando por toda minha extensão.
Timidamente, coloca a cabeça do meu pau em sua boca, a sensação quente de
seus lábios em mim, me faz fechar os olhos pendendo meu pescoço para trás na
ânsia de manter o controle e não arremeter com força em sua boca.
— Assim... Isso... — arqueio meu quadril em sua direção e ela o engole um
pouco mais. Por um instinto nato, Paola me surpreende quando me envolve todo
em seus lábios, usando sua língua numa carícia ainda tímida. Seus dedos
inquietos o envolvem e movimentam num subir e descer envolvente, meus olhos
não se desgrudam de sua visão devassa e ao ver suas bochechas côncavas
tentando ir um pouco mais além, solto um gemido de pura satisfação. Minhas
pernas bambeiam, me deixando latejante e meu saco contraído a caminho de
uma viagem de puro êxtase.
— Sua boca é uma delícia... — seguro sua cabeça e com muito cuidado, começo
a estocar lentamente até que ela se acostumar com o ritmo imposto por mim, sua
boca morna e molhada desliza sobre minha pele envolvendo quase todo meu
pau, numa visão luxuriante que extrai de mim um desejo bruto e insano. Usa
seus lábios e língua lambendo e mordiscando minha pele, arrancando de mim
um suspiro carregado de desejo, acoplado de um palavrão que sai entre dentes.
Posso sentir que mesmo sendo uma principiante, mia ragazza sente prazer ao me
ver entregue sob seus lábios e imagino o quão longe essa boca irá me levar, suas
mãos macias juntamente com sua boca me levam ao topo de um tesão
inimaginável. Tudo o que sinto é inusitado e ilógico, mesmo sem experiência,
ela quase me leva à loucura me fazendo gemer mais alto. A ponto de gozar sob
sua boca, seguro seu queixo e tomo meu pau em minha mão.
— Paola... — sua boca continua a lamber, sugar com uma sincronia entre língua
e lábios ainda a ser aperfeiçoada, porém isso me é mais que suficiente. Afasto
com cuidado o seu rosto e me masturbo com os olhos semiabertos, jorrando meu
gozo intenso que me deixa sem forças. Lentamente, ela fica em pé distribuindo
beijos pelo meu peito arfante, enlaça seus braços em meu pescoço e eu a aperto
forte.
— Enzo... — diz numa voz quase sem som.
— Adoro estar com você, Paola. — sua timidez se faz presente e sem mais nem
menos, me encara e tenta expressar o que sente.
— Gostei do meu banho morno quase frio.
— Haverá outros banhos..., mas agora vamos realmente tomar um banho e
comer alguma coisa.
— Va bene. — esfrega seu lábio ao meu e o prendo entre meus dentes,
intensificando nosso beijo até ficarmos sem fôlego.
Fora do box, enquanto nos enxugamos a aviso de que farei uma pequena
viagem.
— Paola, logo cedo irei para Veneza e só voltarei no final da tarde.
— Não posso ir com você? — balanço a cabeça negativamente.
— Infelizmente, não.
— Sem problemas. — em frente ao espelho, ela coloca seu roupão.
— Aproveite para conhecer a cidade e quando eu voltar, sairemos para darmos
uma volta e jantarmos fora.

— Boa ideia. — a abraço por trás e aspiro o cheiro dos


seus cabelos recém lavados, saímos do banheiro e caminhamos para a cozinha
onde nosso jantar frio nos esperava.

Antonella
Enzo partiu para Veneza assim que o sol despontou no horizonte. Acompanhado
de Ignácio e Isaiah, ele se despediu de mim com a promessa de não demorar e
ainda aproveitarmos a noite na cidade.
Acabo acatando sua sugestão e resolvo dar um passeio por Verona, coloco uma
roupa confortável e pego as chaves de um utilitário que permanecia na garagem
para uso dos hóspedes. Não há como não se encantar pelas estradas de minha
terra, são paisagens que encantam por onde meus olhos recaem, imagens
ladeadas por uma vegetação única e estonteante.
Ao chegar em Verona, deixo o carro estacionado em um local tranquilo e sigo a
pé pelas ruas dessa cidade, com uma história que remonta mais de 2000 anos.
Usando meus óculos escuros, escondo daqueles que passam por mim a alegria
estampada em meus olhos devido à minha noite com Enzo. Tudo foi mais
especial do que imaginei um dia, mesmo vivendo em uma situação delicada, o
que senti em seus braços jamais será esquecido pela minha mente.
Andando pelas ruas, resolvo visitar a famosa casa da família Capello, construída
no século XIII, sendo restaurada no século XX. A casa possui três andares com
seus tijolos sobressalentes e há uma sacada, onde a romântica Julieta flertava
Romeu. Numa entrada discreta e muitas vezes despercebida por muitos turistas,
há um longo corredor, onde há milhares de declarações dos muitos casais
apaixonados que por aqui passam.
Andando pela parte externa, encontro a estátua de Julieta, reza a lenda que se
você pegar em seu seio direito encontrará o seu amor para o resto de sua vida.
Claro que não deixei de seguir o ritual e lá estava eu pegando na estátua já gasta
em seu seio, devido a tantos supersticiosos que passaram por ali.
O mais curioso é que Shakespeare nunca visitou Verona, ele passava horas
no Porto de Londres, onde vários mercadores italianos traziam muito mais do
que produtos a serem comercializados. Ao longo de suas viagens, esses homens
traziam muitas histórias e lendas de sua terra de origem e foi assim que nasceu o
romance mais famoso de toda uma era... Romeu e Julieta.
Na hora do almoço, escolho um restaurante que fica nos arredores, próximo à
casa de Julieta, La Taverna di Via Stella é um lugar aconchegante e onde mato a
saudade da verdadeira comida italiana.
Caminhando sem pensar no tempo, passo em frente à Arena de Verona e mais
tarde sigo para a Via Mazzini, a rua histórica e mais famosa pelo comércio de
luxo de Verona. Nela, estão instaladas as lojas de grifes de todo o mundo, uma
rua muito charmosa e agradável para quem está a passeio.
Olho em meu relógio e são quase três da tarde, na estrada de volta para casa,
penso em ligar para Enzo, mas me contenho, pois não quero atrapalhar seus
negócios e muito menos parecer pegajosa.
Em meu quarto, abro meu compartimento secreto e retiro meu celular com o
qual ainda mantenho contato com o crápula de Enrico. Não posso deixar que ele
pense que o estou deixando de lado ou coisa parecida, faz parte de meu plano
mantê-lo sob um controle plausível e direcionável, isso é, se eu conseguir
ludibriar esse demônio em forma humana. No visor há uma ligação perdida dele
que me faz retornar de imediato.
— Buon pomeriggio!! — sua voz é exaltante de uma alegria consideravelmente
estranha.
— Boa tarde. — respondo a contragosto.
— Fez bom passeio por Verona? — inconformada, constato que ele sabe quase
todos meus passos.
— Sim, fiz.
— Sabe, Antonella, andei reparando na aparência física de sua irmã e não achei
semelhança alguma entre vocês duas.
Enrico usa as piores armas para me atingir, falando de Clara, ele exauriu o [346]

pouco de coragem e força que abstenho para enfrentá-lo.


— Fique longe de minha irmã, Enrico. Clara não tem nada a ver com nosso
trato! — tento assustá-lo com minha ameaça, mas isso não surte nenhum efeito.
— Ora, cara mia! Calma!!! Eu só estava a observar sua sorella de longe.
[347]

— Como assim? De longe? Você está em Siena?


— Cheguei em Siena ontem à noite, cidadezinha intrigante. — responde
naturalmente cínico. — Agora, estou em um avião de volta a Nova Iorque.
Queria tirar umas fotos de sua linda família para guardar como recordação. —
minha garganta se fecha e não consigo pronunciar uma palavra sequer, algum
tempo depois, desabafo:
— Enrico, não aguento mais a sua pressão!
— Se não aguenta, sugiro que cumpra com seu trato e ambos ficaremos
satisfeitos. Lembrando de que contar com a ajuda de Enzo não é a melhor
solução no momento. — esse homem quer me colocar contra a parede todo o
tempo.
— Já lhe falei, não direi nada a ele.
— Acho muito bom que tenha repensado melhor e visto que isso só irá acarretar
e trazer mais desolação a pessoas inocentes, incluindo a aleijadinha de sua irmã.
— usa de desprezo. Se porventura, estivesse frente a esse homem com uma arma
na mão, seria uma assassina confessa, o mataria a sangue frio sem nenhuma
piedade.
— Cumprirei com minha palavra e levarei cópias de alguns documentos que
provavelmente irão lhe interessar. Enzo estaria negociando com traficantes
italianos uma grande remessa de drogas.
Não é a decisão mais feliz e muito menos a mais inteligente, nem menos
dolorosa, porém é a única cabível para escapar desse monstro que me persegue.
Por uma inconsequente escolha, terei o ódio eterno de Enzo e viverei a cada dia
pagando com remorso e dor a minha infindável dívida de traição.
[348]
— Aguardarei sua ligação ansiosamente e em Nova Iorque combinaremos a
entrega desses documentos e o seu pagamento com sua rota de fuga.
— Não me ligue mais, por gentileza. — não é um pedido e sim uma constatação
de que falo sério.
Saio de meu quarto e me encaminho às pressas ao escritório da casa para ver se
encontro a tal mala, onde Ignácio guardou aqueles documentos incriminatórios.
[349]

Procuro em todos os cantos em vão. Não há nada aqui, exceto papéis


corriqueiros e jornais antigos. Na parede, há um quadro de uma Madonna com
seu filho e ao levantá-lo me deparo com um pequeno cofre.
De que me adianta o cofre se não tenho ideia da sequência de números que o
abriria?
— Procurando algo, senhorita?
Uma das funcionárias me pega em flagrante fazendo meu coração quase sair pela
boca e minha voz sai falha ao tentar justificar a minha atitude.
Tomara que minha rapidez em disfarçar tenha sido suficiente e ela tenha
acreditado na minha mentira, do contrário, como explicarei a Enzo que estava
vasculhando seu escritório.
— Não, só estava a admirar a moldura talhada a mão, obrigada.
— Ah, sim, senhorita, se precisar de alguma coisa é só me chamar.
Mais tarde, entro na adega e escolho uma garrafa de vinho, a abro e me sento na
parte externa da casa, a cada taça, o álcool faz o seu papel que é o de entorpecer
o meu corpo, todavia não faz o mesmo com minha alma que sente o aperto da
solidão cada vez mais próximo. Esvazio a garrafa e um pouco tonta, resolvo
tomar um banho de imersão, um belo banho de banheira irá relaxar minha mente
e quem sabe não estarei melhor quando Enzo chegar, sinto falta de sua presença
e me pergunto se ele ainda irá demorar.
Encho a banheira depositando, espuma e sais de banho relaxante, ligo o som
ambiente do banheiro e deixo a voz romântica de um italiano preencher o vazio
de minha alma perturbada.
Amar e ter que abrir mão desse amor me deixa arrasada, pois a única
responsável por tudo isso sou eu, cabe a mim dar o passo certo na direção
correta. Cabe somente a mim, preservar o destino da vida de quem amo, Enzo
será o meu amor e para ele serei apenas uma puttana traidora que invadiu sua
vida para lhe trair.
Lágrimas escorrem dos cantos dos meus olhos, esse pranto é um dos mais
dolorosos para mim e não querendo sofrer antecipadamente, necessito buscar
foco em meu presente, meus únicos e últimos dias com Enzo.
Arranco minhas roupas e adentro meu corpo na água morna, fechando meus
olhos sem pensar no amanhã. Com a cabeça na borda da banheira, acabo
pegando no sono e sou acordada pela única voz que faz meu coração voltar a
vida.
— Mia bella! — meus olhos semicerrados tentam se fixar na imagem de Enzo,
em pé, em seu terno xadrez e uma camisa escura me devolvendo um sorriso
estreito acompanhado de seu olhar audaz que parece me abrir por dentro e
desvendar que andei chorando.
— Estava com saudade. — digo quase em um murmúrio. Sem que eu me dê
conta, ele retira o celular do bolso de sua calça tirando uma foto minha na
banheira.
— Quero guardar essa imagem sua, Paola, você está linda!
— Toma banho em água morna? — faço um convite, estendendo minha mão a
ele. Devagar, caminha em minha direção, com mão no primeiro botão de seu
paletó, com a testa enrugada e suas írises azuis a me devorar...
Tarde demais

Antonella
— La mia ragazza, in quel momento, ti avrebbe inondato di acqua vulcanica. [350]

Demonstra em suas palavras a sua urgência em estar comigo neste momento, seu
porte masculino altera todo o ambiente fazendo com que o enorme banheiro se
torne um minúsculo cubículo.
Deixando de lado as minhas apreensões, fico a contemplar esse modelo de força
masculina que me domina e preenche por completo, é impressionante que ao
cruzar o seu olhar com o meu, Enzo deixa explícito toda a magnitude e sua aura
de força inalcançável, todos que convivem ao seu redor sentem esse magnetismo
quase inexplicável, ele é um homem totalmente independente que jamais se
curvaria para alguma coisa ou alguém.
Nada o atinge e o decepciona, pois ele nunca faz uso da confiança como diretriz
em sua vida e receando a tudo e a todos, não há como surpreendê-lo com algo
que o tome de surpresa.
Deixa seu paletó sobre a bancada da pia e metódico, abre o primeiro dos vários
botões de sua camisa escura, Enzo tem o seu charme nato que o difere de todos
os poucos homens com quem convivi, em um simples despir há uma
naturalidade explícita que o faz inegavelmente irresistível sem forçar a ocasião.
Seu perfume irresistível se espalha pelo ambiente marcando cada ponto com sua
presença, com seu peito largo à mostra, arranca seus sapatos com os próprios pés
e depois de dois passos em minha direção abre o cinto de sua calça, retirando a
peça, me permitindo vislumbrar suas lindas e musculosas coxas. Presa ainda em
seu olhar, se despe da última peça que o impede de se juntar a mim. Joga sua
boxer num canto qualquer e nu, não sente pudor e nem se vangloria ao me ver
admirando seu corpo todo.
Enzo tem plena noção de que sua beleza é incomum e que todo o conjunto de
sua compleição física impacta as mulheres que leva para cama. Mesmo se
achando irresistível, preserva seu ar de galante cavalheiro sem usar de artifício
que o deixaria vulgar, essa é a sua marca. E foi exatamente esse seu jeito
inigualável que me rendeu por completo.
Adentra a enorme banheira e se ajeita por trás de meu corpo.
— Venha cá. — o toque de sua mão firme me puxa de encontro ao seu corpo.
Me encaixo entre suas coxas, absorvendo o calor de seu corpo quente. Uma de
suas pernas se mantém flexionada me dando a visão de seu joelho quadrado e
seu músculo distendido, pende seu cabeça buscando meu pescoço com seus
lábios afoitos, deslizando sua língua e me incitando a buscar seu beijo.
— E o seu passeio como foi? — encosta sua boca em meus cabelos, enquanto
suas mãos se apoderam de meus seios. Os espalma devagar, extraindo um
gemido baixo de minha garganta ao sentir a ponta dos seus dedos massageando
meus mamilos bem devagar no mesmo momento em que sua ereção se esfrega
em minhas costas.
— Foi bom, só faltou você! — constato, pendendo minha cabeça para trás me
perdendo com sua boca que mordisca minha pele na região do pescoço até a base
de meu colo todo sensível.
— Prometo que não serei tão relapso e a levarei para um passeio por Verona.—
aperta meus seios arqueando seus quadris de encontro às minhas nádegas. Viro
meu pescoço e o encaro com um olhar de intenso desejo nunca sentido. Enzo
causa em mim inusitadas sensações, onde meu corpo se curva querendo apenas
absorver todo esse prazer.
— Não estou falando isso para lhe cobrar nada. — atesto.
— Nem eu estou me justificando. — até sua voz assume outro tom. — Apenas
estou lhe fazendo uma promessa.
Esse é o genuíno Enzo apaixonado, acredito que jamais poderei esperar uma
frase romântica e ou clichê de sua boca. Esse seu jeito, muitas vezes estúpido e
irreverente é que me prende a ele de um modo único, meu macho alfa completo.
Subitamente, puxa meu pescoço avançando sua boca quente sobre a minha, seus
lábios me prendem em um beijo luxuriante, coberto de carícias eróticas feitas
com sua língua audaciosa que explora a minha boca e me faz soltar gemidos
simultâneos com os seus. Viro meu corpo entrelaçando meus braços ao redor de
seu pescoço à medida que esfrego meus seios descaradamente nos pelos do seu
peito numa fricção gostosa de pele com pele.
Meu corpo se aquece de uma maneira urgente e voraz, desejo seu corpo sobre o
meu, seu peso me deixando sem ar, suas mãos correndo por cada parte sem
sequer pedir permissão para me levar à loucura tamanho o meu desejo.
Suga meu lábio inferior de modo lento, invasivo e provocador. Segura em minha
cintura e move meu corpo me colocando montada sobre suas pernas estiradas.
Meus dedos invadem seus cabelos ainda secos e na sequência, aperto seus
ombros fortes, os arranhando com minhas unhas até deixar sua pele marcada em
vermelho.
Com sua boca colada à minha, extrai de mim um gemido rouco ao sentir seu
membro excitado se esfregando em minha entrada. Me incitando a remexer meus
quadris na ânsia de acompanhar o ritmo lento e perturbador desse vai e vem que
extrai um frenesi de ambos.
— Paola... — sua boca macia em junção ao seu bigode áspero, passeiam em meu
queixo numa sinuosa tortura até chegar mais uma vez em meu ouvido. Ali,
segura o lóbulo de minha orelha entre seus dentes e murmura palavras
indecentes no mesmo instante que se esfrega em mim sem reservas.
— Ti voglio. — ensandecida pela paixão por esse homem, digo essa frase com
[351]

minha boca e nariz colados em seu pescoço, onde absorvo seu perfume
misturado ao cheiro másculo de sua pele.
Subitamente, me afasta causando em mim um assombro por talvez estar sendo
rejeitada e assim, vejo sua mão direita estendida acompanhada de seu olhar
ardente em minha direção.
— Me dê sua mão! — ordena com a voz embargada de desejo.
Em resposta, atendo a sua vontade depositando minha mão sobre a sua. Ao fazer
isso, Enzo me toma em seu colo como se meu peso nada significasse para seus
braços fortes. Saímos da banheira totalmente molhados com a água a escorrer
por nossos corpos até o chão.
— Enzo, para onde estamos indo? — pergunto com minha boca grudada em seu
ombro, abafando meu riso. — Estou toda molhada.
— E é exatamente assim que a quero em nossa cama. — seus olhos abrasadores
se cruzam com os meus e em sua boca ele sustenta um sorriso para lá de
indecente. — Toda molhada! — pisca para mim de modo tão jovial. — Quero
secar cada gota com a minha língua.
Somente com essa frase, meu ventre se contorce e minha mente já perdeu o
controle que possuía sobre meu corpo, agora ávido por Enzo.
Esmaga minha boca e continua a caminhar com meu corpo suspenso em seus
braços, ao chegar perto da cama, me solta de modo bruto deixando somente as
minhas costas no colchão, enquanto minhas pernas se encontram seguras e
suspensas por suas mãos.
Enzo se ajoelha na beirada da cama e flexiona meus joelhos, me deixando toda
exposta para ele, ao imaginar o que ele tem em mente, minha pulsação acelera e
meu respirar se torna ofegante. Com a boca seca, molho meus lábios, fechando
os olhos ao sentir meu sexo sendo consumido por sua boca devassa. Com um de
seus antebraços mantém minha perna nessa posição e com a outra mão livre
alcança meu seio alisando fortemente no mesmo instante que geme ao passar sua
língua em minha excitação e sugá-la com força, me fazendo gritar de tesão.
Sinto um desejo aflitivo e desesperado, a necessidade de senti-lo dentro de mim
chega ao extremo da dor mais prazerosa que já pude sentir e quando penso que
terei uma trégua, Enzo esfrega sua barba em minhas coxas levantadas até chegar
em meu sexo. Os pelos ásperos do seu rosto me incitam ainda mais e para
acalmar esse formigamento de minha pele, ele usa sua língua num devorar
alucinante. As gotas de água que porventura existiam ali são engolidas por sua
boca, uma a uma.
Abre minhas pernas e se coloca em pé, com uma habilidade nata, passa suas
mãos por baixo de meus quadris e ajeita meu corpo o deixando todo estirado no
colchão. Se encaixa sobre meu corpo e aproxima sua boca da minha com o olhar
ardente e promissor de uma prazerosa transa.
— Não importa quanto tempo dure, mas só sairemos desse quarto depois que eu
sentir o seu gozo no meu pau.
Toma minha boca em um beijo inexplicavelmente erótico, no mesmo instante
que seu corpo cobre o meu e seu pau roça em meu sexo. Suga a minha língua
com força e uma de suas mãos desliza pelo meu corpo até chegar em meu ventre,
escalando toda minha pele com um toque firme de quem sabe como fazer uma
mulher ir à loucura.
Seus dedos deslizam e instigam meu clitóris que fica ainda mais úmido com seu
toque magistral. Enzo é minha perdição em forma humana e me dou conta de
que fui muito ingênua ao imaginar que me envolveria com ele sem me
apaixonar, isso era uma coisa impossível e muito remota de se acontecer.
Se afasta devagar e busca por um preservativo no criado-mudo, abre o envelope
com os dedos e o encaixa sobre seu membro quente e duro.
O encaro com uma vontade extrema de senti-lo a me preencher todinha e para
minha surpresa, o vejo ficar de joelhos a me encarar. Logo em seguida, pende
seu corpo e enlaça seu braço na base de minha coluna erguendo meu corpo, me
colocando sobre as suas coxas musculosas e ainda úmidas pelo nosso banho de
banheira.
Montada sobre ele, nivela seu olhar ao meu no mesmo instante me penetra bem
devagar, mantém sua mão em minha cintura e beijando meu queixo me diz o que
espera de mim.
— Agora é com você, mia ragazza! Cavalga gostoso no meu pau. — com sua
voz rouca quase inaudível, arqueia seu quadril estocando firme e bem fundo
fazendo com que eu o sinta todo dentro de mim.
Me apoio em seu ombro e com seus lábios encostados nos meus flexiono meus
quadris de encontro ao seu corpo forte. Enzo fecha seus olhos e me acompanha
com investidas bruscas e mais intensas, arranca gemidos de ambos ao cravar
seus dedos em minha bunda e a apertando de modo firme, comandando um ritmo
mais intenso para nós dois. Jogo meu pescoço para trás e sua boca cola-se ali,
deslizando até abocanhar meus mamilos um a um numa carícia que faz meu
ventre se encolher.
— Enzo... — gemo seu nome ao sentir que ele investe sobre meu corpo e remexe
lento dentro de mim. Aperto com força as suas costas molhadas e os seus
músculos flexionados e perfeitos.
— Isso, me sinta todo dentro de você, ragazza mia! — fala num gemido.
Acompanho seu ritmo e logo sinto um orgasmo a se formar de uma maneira
nunca sentida. Uma sensação que se apodera de mim por completo, me
arrastando para um turbilhão de sensações desconhecidas, busco sua boca,
alucinada, cavalgando sobre seu corpo e querendo abrasar esse fogo que me
consome por inteira.
Meu orgasmo chega causando em mim um frisson inesperado, minha boca o
beija como se fosse devorá-lo, enquanto meu corpo anseia pelas estocadas
intensas de Enzo, meus espasmos sacodem todo meu corpo deixando minha
respiração imprecisa e meu corpo sem nenhum controle.
Segura minha cabeça com uma das mãos e com a boca colada em meu ouvido,
sinto que ele também está ofegante.
— Assim... — num fio grave de voz, murmura em meu ouvido. — Goditelo
molto bene con il tuo maschio.
[352]

Ao ouvir sua boca pronunciar essas safadezas em italiano, me sinto ainda


extasiada com todo furor do meu gozo e assim, Enzo aumenta suas investidas me
deitando de costas no colchão e abrindo minhas pernas continua a meter forte,
despejando seu gozo em mim até desabar o peso de seu corpo sobre o meu.
Permanece sobre mim em silêncio por alguns segundos, permitindo somente que
eu ouça o seu respirar pesado e o bater descompassado de seu coração.
Aliso suas costas com as pontas de meus dedos, subindo lentamente até tocar seu
cabelo, o enrosco em meu indicador e ali, faço um cafuné em suas negras
madeixas e isso faz com que ele solte um gemido de satisfação.
— Isso é bom, continue. — penso em quantas tiveram essa mesma chance de
estar sob seu corpo, o acariciando de modo tão íntimo.
— Gostou é? — ergue seu pescoço me dando a visão espetacular do seu rosto
pôs gozo, seus olhos brilham mais do que o normal e sua face avermelhada com
os cabelos desalinhados o deixam ainda mais sexy.
— Muito, de cada segundo... — dispara essa frase com uma outra conotação
beijando de leve meus lábios ao mesmo tempo em que seus dedos tocam meu
rosto circulando a minha face, fazendo meu coração bater forte e retroceder em
minha ideia de entregá-lo a Enrico.
— Também gostei de cada segundo. — lentamente, apoia seu corpo sobre seus
cotovelos e sai de dentro de mim. Livra-se de seu preservativo e deitado ao meu
lado me abraça junto a ele.
A essa altura, o lençol da cama se encontra todo molhado.
— Vamos dar um passeio pela cidade. — se vira para mim. — Vamos jantar
fora?
— Aceito. Até porque se dependesse de sua namorada para preparar o jantar,
você morreria de fome! — brinco.
— Uma italiana que não cozinhar? — estreita seus olhos, fingindo estar
chocado.
— Ora isso é algum tipo de preconceito? — ele ri deixando que duas leves
fendas se formem ao lado de sua boca.
— Nãããooooooo! Eu? Sendo preconceituoso? — cravo meus dentes em seu
peito e o mordo com força.
— Vamos sair para jantar logo, antes que você me coma cru. — se levanta e me
enrolando no lençol molhado, observo seu corpo de costas todo delineado
caminhando para o banheiro. Estaca no meio do caminho, girando seu corpo me
chamando com seu indicador direito.
— Banho frio? — balanço a cabeça em negativa.
— Quem sabe em uma outra ocasião. — devolvo um olhar apaixonado quase
soprando um eu te amo entre meus lábios.
— Fica me devendo essa, ragazza. — entra no banheiro e logo ouço o cair da
água do chuveiro.
Saio da cama e me dirijo para a cozinha, preciso de um copo de água. Ao passar
pela porta do escritório, reparo que em cima da mesa estão as mesmas pastas
trazidas por Ignácio e decidida a não mais enganar a quem amo, me encaminho
para a cozinha.
Em minha cabeça surge uma ideia absurda que pode funcionar no intuito de
afastar Enrico de vez da minha vida. Para isso, arrumarei alguns documentos
falsos e ao chegar em Nova Iorque criarei coragem para contar a Enzo toda a
verdade. Meu único medo é de que o homem que amo se torne meu maior
inimigo.
O medo é a única porta que abre brechas para a mentira e com ela vem a
covardia, sem medo de dizer a verdade, porém com o coração apertado por
colocar a perder a nossa relação, quero pôr um fim a esse dilema que vem me
atormentando.
Enzo é o único que poderá me ajudar a acabar com esse infortúnio chamado
Enrico e sozinha jamais conseguirei mover um centímetro sequer para alcançar
essa façanha.
Mais tarde, saímos de carro seguidos por Isaiah e Ignácio, passeamos por Verona
de mãos dadas e em nosso semblante era visível notar a felicidade que nos
abatia.
Vestindo uma calça clara e uma camisa preta, Enzo é a personificação da beleza
desprovida de nenhuma sofisticação, sem seus ternos elegantes e bem cortados,
ele se mistura aos demais dentro do restaurante, porém a sua essência não se
mescla a nenhuma outra pessoa, Enzo é único e absoluto.
Jantamos tranquilamente em um dos renomados restaurantes de Verona, o 12
Apostoli, bebemos muito vinho e passamos momentos muito agradáveis juntos.
Entre um intervalo de um copo e outro, Enzo me faz um convite irrecusável.
— Gostaria que me acompanhasse a uma festa que acontece todos os anos na
casa de um amigo meu.
— Festa? Quando? — o inquiro, curiosa.
— Amanhã à noite.
— Assim? De repente? — prova sua massa e limpando sua boca no guardanapo,
responde a minha pergunta.
— Breno faz essa festa todos os anos em sua residência e ela virou um evento
tradicional aqui na cidade. É uma festa do branco e preto.
— Muito interessante. — segura a taça de vinho em sua mão sorvendo um
grande gole.
— E então? Me acompanha?
— Sì. Eu o acompanho. — sorri satisfeito.
— Não vejo a hora de apresentá-la ao meu amigo.
Ao chegarmos em casa, acabamos em mais uma rodada maravilhosa de sexo e
exaustos acabamos pegando no sono, em determinado momento, abro meus
olhos e o vejo dormindo com o rosto colado ao seu travesseiro, uma imagem
íntima do meu mafioso.
Me levanto devagar e ando até o closet, dentro de uma pequena valise, num
compartimento muito recôndito, pego meu celular para me certificar de que
Enrico não me surpreendeu com alguma ligação.
Para meu espanto, ele quis provar que não estava blefando e várias fotos de
minha irmã aparecem no visor do meu aparelho, são imagens do dia a dia de
Clara, fotos de minha sorella sentada na varanda em nossa pequena casa em
Siena, também há outras, onde minha tia aparece junto dela.
Aperto o celular entre meus dedos com uma vontade imensa de chorar, volto o
aparelho em seu devido lugar e tento me acalmar para voltar a dormir. Ao me
deitar ao lado de Enzo, ele deposita seu braço sobre meu corpo me oferecendo
abrigo em seu corpo forte, tão necessário para mim no momento, disfarço meus
temores e ele beija minha testa e logo volta a dormir.
*****
Animada com a festa de logo mais, escolho uma roupa adequada para parecer
bonita ao lado de Enzo. Opto por um vestido preto justo com um pequeno
detalhe na cintura, cabelos escovados e soltos e maquiagem.
Termino de me arrumar e sentada em frente a uma antiga penteadeira, consigo
visualizar Enzo vestindo um smoking branco e ajustando a sua gravata borboleta
em frente a um grande espelho no aposento.
Simplesmente, lindo, elegante e com ar arrojado, meu mafioso está
inegavelmente deslumbrante e me sinto extasiada por ser a mulher que o
[353]

acompanhará a essa festa que segundo ele é muito badalada. Termino de me


arrumar e em pé, o ajudo com a sua gravata.
— Você está belíssima, Paola! — beija de leve meus lábios.
— Diria que estamos belos, mio Enzo. — enlaça seus braços em minha cintura.
— Espero que goste dessa noite, pois tenho uma surpresa para logo mais. —
arqueio minhas sobrancelhas toda animada por estar vivendo um romance pleno
e agradável com quem amo.
— Sou louca por surpresas.
— Fico muito feliz com isso.
Saímos em direção à garagem e Isaiah irá nos levar a tal festa que fica a alguns
quilômetros de onde estamos hospedados.
Enzo abre a porta para que eu entre e dentro do carro, segura uma faixa de seda,
uma espécie de venda.
— Feche os olhos, quero que use isso até chegarmos ao local. — solto um meio
sorriso e me viro para que ele coloque a venda em mim. Segura minha mão
durante todo o trajeto e após andarmos por um determinado tempo pergunto se já
estaríamos chegando.
— Quase, minha querida!
— Desculpe a minha ansiedade, surpresas me deixam assim!
— Posso lhe dizer que teremos a noite toda e ela será inesquecível para nós dois.
De repente, o carro para e Enzo me ajuda a sair do veículo. Estranhamente, não
ouço nem um tipo de música e muito menos sons de vozes que indiquem que
estamos em um ambiente festivo.
— Chegamos. — Enzo segura em meu cotovelo me puxando com delicadeza.
— Posso tirar a venda? — toco meu rosto com a mão resvalando meus dedos na
seda fria.
— Ainda não, sua curiosa. — andamos devagar e um rangido de uma porta me
faz ficar em alerta.
— Onde estamos? Não vínhamos a uma festa? — digo, com muita curiosidade
pela surpresa montada por Enzo.
— Mudei de ideia, quero uma festa particular, somente você e eu. — me induz a
dar mais alguns passos. — Cuidado, há um pequeno lance de escadas para
descermos. São três degraus. — me avisa todo cuidadoso.
Tudo parece escuro e frio. Não há cheiros que me destine a descobrir o que ele
andou planejando para nossa noite e sendo assim só me resta seguir suas
instruções.
O piso do ambiente parece feito de um ladrilho com rachaduras e ao longo do
lugar vários grãos de areia fazem meus saltos deslizarem indecisos, o cheiro de
couro e óleo diesel discretamente perambulam pelo ar.
— Sente-se devagar. — apalpo o que me parece um colchão e ali acato a ordem
de Enzo.
— Isaiah pode nos esperar lá fora, no carro.
— Sim, senhor Ferraro.
Passos secos no piso de cerâmica indicam que Isaiah não se encontra mais no
ambiente.
— Enfim sós. — sua voz sai um pouco mais grave que o normal. — Agora, mia
ragazza, deite-se! — mais uma vez, o obedeço, me corroendo tamanha a minha
curiosidade.
Sinto que ele se afasta e o barulho de alguns objetos aguçam minha audição.
Logo, seu peso se faz presente no colchão e ao lado de meu corpo, Enzo segura
em meus pulsos entrelaçando uma corda áspera e me imobilizando.
— Enzo, meu querido, o que está fazendo? — digo com ar divertido imaginando
que ele deva curtir sexo com sadismo.
— Calma, logo irá saber. — ajusta o nó da corda e tudo fica em silêncio.
— Não me diga que curte BDSM. — falo com minha voz já falha pela ansiedade
de não poder enxergar nada além de escuridão. — Porque não sou chegada
nesses lances de ficar vendada e muito menos amarrada.
Sem esperar, sinto seu polegar correndo por meus lábios e a seguir as costas de
suas mãos deslizam pelo meu rosto. Aperta com mais força o meu queixo e com
a outra mão, retira a venda me permitindo ver aonde estou.
— Que lugar é esse? — profiro ao ver um armazém abandonado com algumas
[354]

velhas prateleiras em madeira e vários sacos jogados pelos cantos.


Antes de poder visualizar e detalhar mais sobre esse lugar horripilante, Enzo me
encara com um olhar gélido e seu maxilar rígido.
— Agora, você irá conhecer uma brincadeira muito interessante! Vamos brincar
muito, Antonella Grasso Chiarelli!! — meu nome dito em sua boca quase me faz
desmaiar.
— O que está acontecendo aqui? — não quero acreditar no que me aguarda.
— A partir de agora quem pergunta aqui sou eu! — fala entre dentes totalmente
enfurecido. Seus olhos parecem cobertos por uma névoa cinza que exala fúria.
— Para quem você trabalha? — engulo em seco e penso que meu plano de
contar toda a verdade a ele foi tarde demais.
Audace mafioso[355]

Antonella
— Eu..., eu ia lhe contar. — como se recebesse uma enorme descarga elétrica,
meu corpo ainda está em choque e mal consigo raciocinar para articular as
palavras.
— Não me diga! — pela primeira vez, um sorriso mais do que sarcástico se
destaca em seu rosto, fazendo com que toda a sua beleza se transforme em uma
imagem aterrorizadora. — E posso saber quando pretendia fazer isso? — as
veias de seu pescoço saltam pelo colarinho de sua camisa.
— Quando retornássemos para Nova Iorque. — digo, engasgando.
Enzo se levanta e pausadamente abre os botões de seu paletó, jogando a peça
branca sobre um amontoado de velhos trapos sujos espalhados num canto do
aposento.
Minha transpiração corre gélida por todo meu corpo e o tremor que se abate
sobre mim é visível pelo balançar de minhas roupas e pelas minhas mãos. O
pulsar do meu coração parece alcançar um pico máximo de batimentos e a saliva
desaparece de minha boca, deixando meus lábios e garganta ressequidos.
Ainda de costas para mim, o vejo desatar o nó de sua gravata borboleta que
descansa sobre seu pescoço e, logo em seguida abre as mangas de sua camisa
sem nenhuma pressa, essa imagem me choca por completo, pois ele se despe
com a mesma maneira comedida da noite em que transamos pela primeira vez.
Retira seu relógio ainda em silêncio e o coloca sobre uma pequena mesa
empoeirada ao lado do colchão.
— Eu lhe fiz uma pergunta e quero a resposta! — sua voz pausada denota uma
frieza ímpar e inexorável.
[356]

— Ele se chama Enrico. — gira seu corpo e uma de suas sobrancelhas fica
arqueada.
— Enrico?
— Sim. — um alívio inocente me faz pensar que estou no caminho certo.
— Sí.
—"Enrico." — gesticula, formando aspas no ar com suas mãos. — E, por acaso,
esse Enrico teria um sobrenome? — mais uma vez, me sinto em uma rua sem
saída.
Enrico nunca mencionou o seu nome completo, seu endereço ou qualquer outro
detalhe de sua vida pessoal, mais uma vez, a débil espiã se vê em uma tremenda
enrascada. Como pude ser tão idiota a não me atentar aos pequenos detalhes que
agora saltam aos meus olhos de forma gritante?
— Ele nunca me disse qual era o seu nome completo. — pareço afundar nas
velhas molas colchão mal cheiroso e rasgado. Enzo move suas pernas e dá dois
passos em minha direção me agarrando pelos cotovelos me colocando sentada.
— E como uma pessoa em sã consciência aceita um trabalho de um homem que
ela nem mesmo sabe o nome? — seus dedos prendem meu maxilar como garras
e seu olhar funesto causa ainda mais dor que a forte pressão exercida em minha
carne.
— Fiz isso em um momento de desespero. — me justifico, na esperança de que
ele ouça toda a minha desventurosa história.
E para meu mais horrível engano, num ímpeto de fúria, Enzo me dá o primeiro
tapa. O impacto de seus dedos em minha pele ressoa no ambiente e queima
minha face, deixando a pele dolorida e formigante. Dor física e emocional se
misturam em um emaranhado de medos e sensações indescritível. Estou
colhendo o que plantei e terei que pagar pelo meu erro mais do que imbecil.
— Por desespero? — o azul de seus olhos se destaca ainda mais e sua voz
assume um tom irascível.[357]

O dono de meus sentimentos, o homem que amo, acaba de se transformar em


meu mais terrível algoz, temível e impiedoso.
— Sim, tinha um motivo muito forte e ele me ofereceu esse trabalho em um
momento propício.
— Porca puttana!! — outro tapa, agora com as costas das mãos, verte sangue
dos meus lábios e lágrimas de meus olhos. Junta em meu cotovelo esquerdo e
me levanta, me jogando contra a parede imunda com tijolos salientes,
impactando minhas costas no concreto frio. Assustada, meus olhos arregalados e
ainda lacrimosos denunciam o tamanho de meu medo.
— Agora não é hora para arrependimentos e suas lágrimas também não são
cabíveis aqui, sua vadia mercenária. — vocifera entre dentes e com uma das
mãos seus dedos invadem os meus cabelos, os puxando pela raiz e fazendo meu
pescoço pender para trás. — Quero lhe advertir de que lágrimas dissimuladas
não lhe ajudarão em nada! Não sou homem que se sensibilize com prantos, ainda
mais os seus!
Fecho os olhos e tento encontrar equilíbrio para não desabar na frente dele.
— Abra seus olhos! — ordena, puxando ainda mais os meus cabelos. — Quero
que me encare e veja o ódio estampado bem aqui. — aponta para seu rosto. —
Irá aprender a nunca subestimar um homem como Enzo Ferraro.
As linhas de expressão de sua face exprimem uma raiva quase materializável e
se existe mesmo o inferno, acabei de entrar em seu hall de entrada com direito a
um tour completo. Ainda agarrado aos meus cabelos, bate a minha cabeça contra
a parede.
— E para quem vocês trabalham?
Meu Deus!! Como responder sem o deixar mais irado? — nervosa, busco em
minhas memórias uma conversa onde Enrico dizia trabalhar com uma equipe,
mas seria ele o chefe?
— Eu não sei!!! — grito, chorando. — A única coisa que sei é que há mais
pessoas infiltradas a seu serviço em sua casa.
Estreita seus olhos, mantenho o cunho franzido e a respiração irregular. Abaixo
meus olhos e seu peito arfa no mesmo compasso que o meu.
— Quem são eles? - inquire, enfático.
— Não sei.
— Me diga, porraaaaaa! — brada raivoso.
Arma um soco na minha direção e com seus dentes cerrados, minha única reação
é fechar os olhos e aguardar pelo golpe em minha face.
O baque surdo que suas mãos causam ao socarem a parede, me faz pular em um
sobressalto. Pelo canto dos meus olhos, consigo ver os tijolos envelhecidos se
desfazerem como farelos e em instantes, as juntas de seus dedos jorram sangue.
— Não me faça perder a cabeça! — passa a mão pelo cabelo e tenta buscar
autocontrole. Para isso se afasta de mim, andando de um lado a outro do velho
galpão.
— Juro por tudo que é mais sagrado que não sei! Não tenho a mínima ideia de
quem sejam essas pessoas.
— Não quer que eu acredite que se infiltrou em minha casa sem saber disso. —
retruca ainda de costas.
— Enzo, eu tentei enfrentar Enrico e dizer que abandonaria o seu plano, mas ele
me ameaçou dizendo que mataria não só a minha irmã como pessoas da sua
família. — em vão, tento buscar alguma compaixão em seus olhos, mas eles me
parecem blindados de qualquer tipo de sentimento que alivie o meu destino.
Buscando ar e com muita sede, volto aos tropeços a me sentar no colchão e
quem sabe pensar em uma maneira de sair dessa com vida. Ele irá me matar e
isso é só uma questão se tempo.
Com um pouco mais de racionalidade, me pergunto: Desde quando ele sabe de
toda a verdade? Como ele descobriu a minha identidade? E mais, Enzo foi tão
frio a ponto de transar comigo sabendo uma parte da verdade?
— Pode ao menos ouvir o que tenho a dizer? — profiro essa frase como um cão
de rua acostumado a ser maltratado.
Como um animal, anda rápido em minha direção e arrasta uma velha cadeira de
palha, se sentando com as pernas abertas e mãos depositadas em seus joelhos
como se estivesse na defensiva pronto para me atacar.
— Sim, irei ouvir cada mentira de sua linda boquinha. — sua respiração é
tranquila, porém seu maxilar se mantém enrijecido e quase consigo ouvir o
ranger de seus dentes. — Vamos ver se aprendeu a mentir tão bem com seus
lábios quanto aprendeu a fazer um boquete!
Ofensivo com palavras que machucam muito mais do que os tapas que já me
desferiu, ergo minhas mãos atadas e as levo ao meu rosto que queima, assim
como meu peito e entre tropeços, gaguejos e um choro embargado na garganta
narro a ele toda a minha trajetória desde o dia em que encontrei Enrico, naquela
maldita lanchonete em Manhattan até nossa última conversa.
Enzo escuta cada palavra com uma atenção atípica para mim e costumeira para
um homem de sua classe e de repente, me interrompe.
— Me deixe ver se entendi. — arrasta a cadeira e fica em pé novamente,
depositando as mãos em sua cintura. Por dentro, sinto meu mísero interior se
diminuir drasticamente em face a sua presença esmagadora.
— Você está me dizendo que aceitou uma oferta de 500 mil euros para me
seduzir e entregar informações valiosas a esse homem que nem mesmo sabe o
nome completo? — sua indignação acrescida de raiva me coloca em uma
berlinda tortuosa. — Fez isso tudo porque precisava de dinheiro para um
tratamento de saúde de sua irmã? — afirmo com a cabeça, pois meus lábios não
conseguem reproduzir nenhum som que aumente ainda mais o meu pesar.
— Imbecil. — grita. — Você é a mulher mais imbecil que eu tive o desprazer de
conhecer!
— Sei que fui ambiciosa, mas entenda a minha situação. — alego, torcendo para
que Enzo possua senso de justiça, afinal acredito que ele faria o mesmo por
alguém de sua família.
Mordendo um dos cantos de sua boca, retorce seus lábios e me lança um olhar
mordaz, um passo a mais e o vejo limitar a distância entre o colchão. Me junta
novamente pelos cabelos e rispidamente levanta meu corpo me arrastando até
um grande espelho com rachaduras, que refletem nossa imagem toda
fragmentada. Meus olhos estão borrados e tristes, enquanto minha face
avermelhada e inchada aponta o peso da mão de Enzo.
Seu corpo fica logo atrás do meu e segurando meus cabelos com força, cruza
seus olhos coléricos com os meus.
— Gravarei muito bem esse seu rosto de vadia! — meus lábios tremem e meu
peso parece sucumbir sobre meus joelhos. — Achou que iria invadir a minha
casa, cativar toda a minha família e ainda lucrar com isso? Hã?? Ninguém é
ousado o bastante a ponto de se meter com a Família Ferraro e sair ileso,
Antonella! — com a boca próxima a mim, grita ao meu ouvido.
— Eu não iria mais lhe entregar... — digo num fio de voz. — Iria lhe contar tudo
e lhe pedir ajuda para derrotar Enrico, eu me apaixonei por você e isso não foi
planejado, Enzo.
— Pouco me importa o que você sente ou deixa se sentir. Nesse momento, a sua
opinião é o que menos conta aqui, Paola! — se corrige, irônico. — Quero dizer,
Antonella!
— Mas você me deu a entender que estava gostando de mim! — rebato,
segurando ao máximo meu choro.
— Acha que somente você sabe jogar? Sua amadora! — me sinto confusa e mais
uma vez descubro que meu maior mal é ser burra e ingênua ao imaginar que
enganaria um homem do quilate de Enzo Ferraro.
— Enquanto você jogava comigo, eu fazia o mesmo com você. — rebate,
virando meu corpo me colocando de frente para ele.
— Você transou comigo sabendo quem eu era? — incrédula e machucada por ter
sido usada, desabafo.
— Não estava me usando? — me devolve um olhar de deboche. — Você ainda
tinha uma vantagem; estava ganhando para isso e eu? — me presenteia com
outro sorriso cínico. — Fiz o serviço todo de graça.
— Cretino! Seu monstro! — minha raiva se torna maior que o medo de estar sob
seu domínio.
— Essas palavras são adjetivos para mim e lhe confesso que, deveria ter se
informado melhor a meu respeito antes de entrar nessa roubada. — ainda me
encara no espelho quebrado. — Enrico deveria conhecer melhor a minha índole.
Você não sabe do que sou capaz quando algum verme se acha esperto o
suficiente e tenta me enganar! — em todas as suas respostas um ácido desprezo
se faz presente em cada palavra.
— Eu me entreguei a você, porque achei que estava apaixonado por mim. Você
confessou isso quando chegamos em Verona.
— Como você é inocente! — engole seco como se um amargor descesse pela
sua garganta, a seguir, molha seus lábios. — Disse que você foi a única mulher
que chegou mais perto do que permiti, no sentido de tentar me enganar. — faz
uma pausa. — E foi, a mais insolente e audaciosa ao pensar que me seduziria.
Aquilo não era e nunca foi uma declaração de um homem apaixonado, essa frase
sai como um tapa ainda mais doloroso.
— Posso saber como me descobriu?
— Pode. Acredito que você tenha uma visão limitada e equivocada sobre a
máfia. Para seu governo, eu lidero uma família com quase 4000 membros e diria
que todos eles são os meus olhos e ouvidos. Você não foi tão cuidadosa como
imaginou. — fico pensando em qual foi o meu deslize para que ele tenha
descoberto.
— Você é burra demais ou se faz de uma vadia inocente na ânsia de se fazer
enganar, Antonella? — tento me desvencilhar de sua mão em meu pescoço, a
humilhação pela qual estou passando me fere como uma punhalada em meu
peito.
— No começo, tinha a intenção de lhe seduzir, mas depois tudo foi mudando e
não sabia mais como agir. Você se tornou mais importante para mim do que todo
aquele dinheiro.
— Confesso que estou comovido! Seu proceder imaculado de boas intenções e
sua magnífica ambição, sinto lhe informar que ao aceitar esse trabalho você
acabou se condenando, cara mia!
— Enzo, estou sendo a mais sincera das mulheres nesse momento. — ele
simplesmente não dá ouvidos a nenhuma palavra minha.
— Na verdade, estou decepcionado com esse tal Enrico. — balança a cabeça e
solta um riso pendendo sua cabeça para trás. — Pensei que meu nome valesse
mais no mercado negro dos contraventores!
— Acredite em mim, não iria lhe entregar! Não informei nada do que vi e ouvi a
ele, por favor! — minha voz sai numa súplica atormentada.
— O que você acha que ouviu? Minha conversa com Ignácio? Não posso
acreditar que passou pela sua cabeça que permitiria sua presença em meu
escritório tendo um assunto tão delicado a tratar! Aquilo era uma encenação!
Acho que ao final dessa tortura toda, eu mesma me mato por ser tão principiante
e burra.
— A sua vida, a minha, a vida dos meus e dos seus familiares e todo o amor que
você alega sentir, valem apenas meio milhão de euros. Tudo o que mais lhe
importa vale tão pouco! — diz, com sua voz seca.
Não encontro nenhum argumento em minha defesa, pois ele está coberto de
razão.
— Como vocês se comunicavam? — centrado e frio continua o interrogatório.
— Ele me forneceu um celular anti grampo para ser usado, se acaso surgisse
alguma novidade.
— Ah!!! — bate palmas próximas ao meu rosto. — Até que enfim vocês deram
uma bola dentro. Por isso não conseguia descobrir nada através do celular que
lhe dei de presente. — constata, enfiando a mão no bolso de sua calça e de lá,
para meu espanto, surge o meu celular clandestino. — Era desse aparelho que
vocês se falavam?
— Sim. — meu olhar de espanto é visível. Ele achou o meu celular.
— E de onde você ligava para ele?
— No banheiro de meu quarto! — minha resposta causa lhe mais um impacto
negativo e no instante a seguir, vejo que ele desfivela seu cinto, o puxa para fora
da calça, o dobrando ao meio.
— Stupida! — levanta seu braço com o cinto na mão e o estalido do couro se
reverte em meu corpo, logo abaixo dos quadris.
Uma sequência de três golpes me faz gritar de dor e desespero, imagino o que
esse homem é capaz de fazer quando resolve torturar alguém para valer. O
torturado deve ir à loucura devido a apreensão, tanto pela agressão física quanto
psicológica.
Enzo está me desestruturando ao ponto de que seria melhor que ele me
eliminasse de uma vez e acabasse com esse insuportável flagelo ao qual sou
acometida, me empurra ao chão e completa.
— Vamos voltar ao ponto inicial, Antonella, para quem você realmente trabalha?
— Eu já disse tudo o que sabia! Que trabalho para Enrico! Ele quem me
contratou! — me apoio sobre meu cotovelo e deixo que meus cabelos cubram
meu rosto banhado de lágrimas.
— Se você não se chama Paola, quem lhe garante que ele se chame Enrico? Hã?
— de repente, seu celular toca e ele para de me encarar e atende à ligação. —
Tudo pronto, Ignácio? Tem certeza de que esse local não será descoberto? —
Ignácio fala algo do outro lado da linha.
— Muito bem, vamos voltar a Nova Iorque ainda hoje! — encerra a ligação e se
volta para mim enfiando a mão no outro bolso de sua calça. Sua aparência antes
impecável é trocada por suas roupas amassadas e sujas com seus cabelos
desalinhados.
— Como você deve ter ouvido, voltaremos para Nova Iorque ainda hoje! —
nada digo.
— Isaiah irá lhe vigiar, enquanto saio para resolver um assunto urgente e quando
eu voltar. — diz, conciso. — Quero saber o nome das pessoas para quem você
trabalha.
— Já disse que não sei. — minha vez de alterar a voz.
— Isso é o que veremos! Ou você me diz a verdade sobre esse plano e toda a
razão para essa vingança de Enrico ou eu mando matar a sua irmã, tia e depois a
matarei com minhas próprias mãos.
— Enzo, pelo amor de Deus!! Não faça isso! — choro em desespero por não
conseguir mover um milímetro sequer de sua frieza.
Me junta do chão e com os pulsos esfolados pela fricção da corda que me
mantém presa, sou jogada ao velho colchão, caminha para a porta, no meio do
caminho gira seu calcanhar, pega seu paletó jogado sobre a pilha de trapos e seu
relógio sobre a mesa.
— Lhe darei uma hora para me relatar toda a verdade. — olha em seu relógio e o
coloca em seu pulso. — Do contrário, matarei sua tia e consequentemente a sua
irmã!
Abre a porta e sem olhar para trás desaparece, me deixando ainda mais tensa por
não saber como irei lhe responder o que não faço ideia. Afundo meu rosto no
fétido colchão e choro em desespero, nada saiu como imaginei.

Enzo
Saio do galpão e Isaiah continua a postos conforme minhas instruções.
— E agora? — me pergunta, olhando ao redor a escuridão.
— Seguiremos o plano. — abro a porta do carro e jogo meu paletó no banco
traseiro. — Já orientou Saturnino?
— Sim, ele também já está a postos.
— Ótimo, vamos sair daqui e esperar o próximo passo de Antonella, com aquele
anel ela não irá a lugar algum sem ser rastreada.
Entro no carro e encosto minha cabeça no banco traseiro, Isaiah dirige
lentamente e solto um longo suspiro ao acreditar que estou fazendo a coisa certa.
Aperto meus olhos para afastar meu cansaço físico, pois o mental está um tanto
avariado. A responsabilidade de tantas pessoas inocentes está agora sob minha
responsabilidade.
Sempre me precavi de qualquer mulher que tentou se apoderar do meu eu e no
entanto, mesmo sabendo dos riscos e problemas que Antonella acarretava, deixei
a razão de lado e resolvi atender ao meu coração, que no momento, sangra.
Ser traído nos negócios é algo corriqueiro e muito constante no meio em que
habito e domino, todavia ser apunhalado pela pessoa a quem você nutre algum
sentimento é muito doloroso ainda mais se é um novato no quesito paixão.
Naquele galpão, coloquei em minha mente que aquela mulher era a minha
inimiga e que precisava conhecer a forma com que eu lido com os que me são
desleais. Todas as vezes em que eu a agredi física e psicologicamente, senti dor,
muita dor. Isso é algo inusitado para mim, pois massacrar aqueles que são
traiçoeiros, nunca me causou desconforto. Mas hoje, fui acometido de uma dor
que jamais imaginei que existisse e mesmo contra a minha vontade eu a
machuquei.
Como confiar em uma mulher que quase arruína a sua vida e de todos ao seu
redor?
Imatura e inconsequente, essa ragazza não tem noção do que acabou fazendo.
Como uma pessoa como ela se envolve com seres desse universo contraditório e
age como uma principiante idiota?
Antonella acionou uma bomba relógio sem hora exata para ser detonada,
trabalhar como arrumadeira em minha casa foi uma ideia audaciosa, porém
muito arriscada.
O que ela não contava era que a partir do momento em que adentrou o portão da
mansão dos Ferraro, o seu nome e toda a sua trajetória foram rastreados sem
deixar passar um mínimo detalhe sequer.
Buscando por seu nome falso, Ignácio não encontrou nada que nos oferecesse
perigo, seria mais um monitoramento comum a todos os funcionários que
trabalham para nossa família, entretanto ao sair com Letízia, essa mulher não
contava que naquela lanchonete havia dois de meus fiéis membros e sócios do
local. Quando minha sobrinha me disse que um homem a procurou, enquanto
elas comiam, minha curiosidade foi aguçada e procurando o dono do
estabelecimento tive acesso as câmeras internas e toda filmagem do período em
que Antonella e Letízia estiveram no local.
Ao vê-la no corredor em direção ao banheiro, as câmeras flagraram o momento
em um homem de cabelos ruivos se depara com ela e coloca algo em seu bolso.
Ampliando a imagem, conseguimos identificar o sujeito, Pablo Ruiz Gutiérrez.
Um espanhol sem nenhum escrúpulo que trabalhou para minha família há alguns
anos, ele juntamente com seu irmão fazia pequenos serviços até que um dia, o
irmão de Pablo achou que conseguiria nos passar a perna e o resultado disso
tudo, foi que o matei sem nenhuma piedade. Pablo, ressentido, com o fim de seu
único parente vivo, tentou me enfrentar e levou uma bela surra além de uma
enorme cicatriz em sua face com meu canivete de estimação, não duvido que ele
tenha esperado todo esse tempo para se vingar, porém esse cara é peixe pequeno
e deve trabalhar para alguém que simplesmente financia a sua ideia maluca e é
isso que quero descobrir. Para quem esse sujeito trabalha?
Ouvindo todas as conversas entre ele e Paola não encontrei nenhum nome a
quem recorrer, sendo assim, terei que usar Antonella como isca para capturar
esse imbecil e fazer com que ele fale sob tortura e quero descobrir quem está
infiltrado dentro de minha própria casa.
Com esse pensamento, Isaiah para em frente à casa que alugamos em Verona e a
funcionária já nos aguarda com as minhas malas e toda a bagagem de Antonella.
Preciso contar com a coragem daquela ragazza, Antonella pode ser ingênua, mas
não covarde. Apesar de ver o medo em seus olhos, em determinado momento,
ela não se deixou abater pelo meu cinismo e acabou me enfrentando. Muitos me
xingam e cospem em mim quando estão sob o meu domínio e Antonella, mesmo
sendo uma mulher, me surpreendeu pela sua postura. Não posso negar que a
ragazza possui uma força que transcende a sua aparência.
Agora é esperar que ela saiba como agir daqui para frente.

Antonella
Preciso sair desse lugar, olho ao redor e todas as janelas se encontram lacradas.
Tenho que avisar a minha família de que correm perigo, estou duplamente
perdida, pois tenho de um lado o sanguinário Enrico e do outro o implacável
Enzo.
Tento afrouxar o nó em meus pulsos e a corda esfola ainda mais a minha carne,
se Enzo pensa que ficarei aqui de braços cruzados, está mafiosamente enganado.
Olho por todos os cantos a procura de algo que possa me livrar dessa corda e
para a minha felicidade encontro uma faca enferrujada, caída próxima a uma
velha pia com alguns copos deploravelmente sujos.
Com muito esforço, consigo soltar minhas mãos e olhando meu rosto inchado e
lábios cortados pela fúria de Enzo me preparo para fugir, sei que para qualquer
lugar que eu corra, estarei em risco, contudo não posso ficar aqui de mãos atadas
literalmente e esperar que algum herói apareça e me salve.
Saio pela noite escura e não há pontos de luz que me guiam pela estrada, não
conheço a região e tendo chegado aqui vendada só piora o meu senso de direção.
Tiro meus sapatos e meus pés sentem a terra fria e seca, forço meus olhos e
caminho em direção contrária ao local em que fui abandonada.
Depois de vinte minutos andando sem parar, uma luz de um veículo se reflete em
minhas costas, viro meu corpo e lhe dou com a mão, pedindo uma carona. O
caminhão diminui a sua velocidade e rogo aos céus em agradecimento pela ajuda
tão bem-vinda. Me aproximo e o motorista me sorri.
— Cosa fa una donna così bella a quest'ora su questa strada deserta, eh? [358]

— Per favore, puoi darmi un passaggio? — digo, exausta e com muita sede.
[359]

— Stai andando dove? — repara em meu rosto ferido com desconfiança.


[360]

—Stai scappando da qualcuno? — fecho meus olhos e minhas mãos se


[361]

apoiam na porta do seu velho caminhão azul.


— Per pietà. — chego a implorar. — Devo andare a Siena anche oggi.
[362] [363]

—Va bene. — abre a porta do passageiro para mim e pareço que estou sonhando.
— Sei fortunato, devo consegnare un ordine a Viterbo. — ao me sentar no
[364]

banco de couro, meu corpo relaxa por alguns instantes e agradeço imensamente
ao jovem loiro de bigodes e costeletas, ele pergunta meu nome.
— A senhorita está com sorte, tenho que entregar uma encomenda em Viterbo.
— Antonella e i tuoi ?
[365]

— Saturnino.
Com muita delicadeza, o jovem me oferece água e uma pêra, bebo o líquido
como se estivesse andado por dias em um deserto. Meus olhos furtivamente não
saem do retrovisor e aos poucos a distância me deixa mais tranquila, são mais de
três horas de viagem até Siena e rezo para que nesse tempo, Enzo não encontre o
meu paradeiro.
Durante o percurso, Saturnino me conta sobre sua vida itinerante e suas entregas
por toda a Itália, ele deve ter uns pouco mais de trinta anos, loiro, olhos azuis e
um sorriso muito simpático. Devo minha vida a esse estranho condutor.
Um pouco antes de chegarmos em Siena, ele para o caminhão em um posto de
gasolina e então, aproveito para procurar por um telefone público, enquanto meu
salvador reabastece seu veículo, ligo para minha tia em Siena.
— Antonella, mia cara! Stavo pensando a te oggi. [366]

— Bene, zietta! Come vanno le cose là fuori? [367]

— Ah, mia cara, un uomo molto distinto era qui a casa qui e volevo davvero il
tuo indirizzo a New York. [368]

— Uomo distinto? [369]

Dio mio! Quem seria?


— Era molto educato, un gentiluomo. — minha tia fala toda animada e minha
[370]

aflição só aumenta. — O convidei para um café e ele ficou muito tempo


conversando com Clara. — quase sem voz e temendo saber de quem se trata,
pergunto o nome do sujeito à minha tia.
— Enzo Ferraro! Che bel uomo ! [371]

— Zia! — digo em tom de alerta. — Prepara la tua valigia e quella di Clara,


[372]

devi uscire immediatamente da lì. [373]

— Ma quello che sta succedendo, mia nipote? [374]

— Non ho il tempo di dire, per favore, sistemare tutto e aspettarmi lì. — olho
[375]

para Saturnino que me espera ao lado de seu caminhão. — Tenho que desligar,
me espere aí.
— Va bene.
Desligo, com as mãos trêmulas e a cabeça a girar, entro no caminhão e partimos
para Siena. Então, esse era o compromisso de Enzo em Veneza? Ele esteve em
minha casa e pior, falou com Clara.
Encosto minha cabeça no vidro e me sinto ainda mais desesperada, esse homem
não me deixará em paz e cobrará muito caro pela minha deslealdade.
Tempo depois, Saturnino me deixa na esquina de minha casa, agradeço de
coração a sua ajuda e ele diz que não fez nada demais. Somente o seu dever de
um homem cristão, ajudar a quem precisa.
Corro descalça até minha residência e para meu pavor o pequeno portão se
encontra escancarado e as luzes externas e internas todas acesas. Correndo,
adentro a sala e tudo se encontra revirado, móveis, cadeiras e objetos espalhados
por todos os lados.
Grito pelo nome de minha tia e de Clara simultaneamente e não obtenho
resposta, com a mão na boca e lágrimas a escorrer dos meus olhos, entro no
quarto de Clara e solto um grito ao ver somente a sua cadeira e uma foto nossa
jogada ao chão.
Enzo as levou, ele chegou primeiro e vai matá-las. Com os olhos embaçados,
vejo um pequeno bilhete em cima da cama de minha irmã. A letra mais do que
inconfundível de Enzo salta do papel e suas palavras cruéis me atingem direto no
coração.
"A avisei de que comigo não se brinca! Agora sua família está em meu
poder e só as libertarei depois que acabar com esse inimigo que quer a
minha destruição. Manterei as suas sob minha custódia e qualquer passo
que você dê em falso, elas morrem!! Espero ter a sua colaboração antes que
seja tarde demais!
Enzo Ferraro”
Atordoada saio pela rua chorando como uma criança e totalmente desorientada,
ao atravessar um sinal vermelho, um carro preto avança em minha direção e me
cerca no meio da rua. Ao abaixar o vidro traseiro, o rosto de Enzo aparece e com
o mesmo olhar odioso se dirige a mim.
— Acho que já deve ter percebido que não conseguirá escapar de mim por muito
tempo, ragazza! — ofegante pelo susto, devolvo-lhe um olhar sustentado por
uma coragem efêmera. [376]

— O que terei de fazer para salvar a minha família? — ele passa a mão pela sua
barba e pelo canto de seus lábios, um sorriso atroz nasce e desponta como um
traço nato de sua personalidade.
— Entre nesse carro e siga exatamente o que eu lhe ordenar. — resignada e sem
nenhuma alternativa, entro no veículo e ao fechar a porta, ainda ouço a sua voz a
me ameaçar.
— Primeiro cuidarei desse tal Enrico e depois verei o que farei com você!
— Isaiah. — o segurança o encara pelo retrovisor. — Para o aeroporto.
E assim, partimos para o aeroporto com um Enzo de olhar distante e totalmente
calado...
Passaggio all'inferno [377]

Antonella
O caminho para o aeroporto parecia interminável, a cada quadra, me sinto ainda
menor na presença de Enzo.
Notei que ele já não traja mais o seu smoking branco e sim, um paletó preto e
camisa azul sem o uso de sua costumeira gravata, mantém seu rosto apoiado
sobre seu cotovelo esquerdo, totalmente voltado para a movimentação quase
inexistente da rua.
Alguns minutos trafegando em alta velocidade e chegamos ao nosso destino
finalmente. Saio do carro e antes de entrarmos no avião, o interpelo.
— Onde estão a minha tia e minha irmã?
— Estão vivas e é somente isso que precisa saber. — sombrio e assustador,
responde seco.
Com um pé no primeiro degrau da escada que dá acesso a aeronave, movo meu
pescoço e nivelo meu olhar com o seu.
— Se você fizer algo com elas, eu o mato!
— Me decepcionaria se não tivesse essa atitude. — me junta pelo cotovelo. —
Agora, vamos. Quero chegar o mais rápido possível em Nova Iorque.
São quase duas da manhã e dentro do avião, Enzo resolve quebrar o silêncio.
— Há um banheiro no final do corredor. — aponta com seu braço.
Minha aparência deve estar deplorável, sem dizer palavra alguma de
agradecimento, me dirijo ao compartimento que fica nos fundos da aeronave e
em frente ao espelho, lavo meu rosto demoradamente. Com a face limpa, respiro
fundo, encarando meu reflexo entristecido e sem esperanças de que tudo acabe
bem. Na parte interna de meus lábios, um corte quase imperceptível causado
pelo tapa de horas atrás.
As agressões de Enzo não me desestruturaram tanto quanto as suas palavras
diretas e ofensivas, me chamar de imbecil e dizer que estava jogando comigo
foram a gota d'água para minha maior amargura e decepção. Nesse momento, me
sinto atada a ele pelo fato de que mantém minha família sob seu domínio e para
salvá-las irei até o inferno convivendo com esse homem.
Mais uma olhada no espelho, ajeito meus cabelos e reconstruindo a imagem de
uma mulher que tenta dar a volta por cima, saio do pequeno banheiro.
Não tenho pretensão alguma e muito menos vontade de me sentar ao lado de
Enzo.
Tenho ciência de que o estava enganando, omitindo a verdade sobre minha
identidade e tudo o mais que ela envolvia, no entanto, jamais poderia imaginar
que sua frieza pudesse ir tão longe a ponto de ir para cama comigo e me fazer
acreditar que nutria sentimentos por mim. Era com esses sentimentos que eu
contava e criava coragem para me abrir com ele e lhe confessar tudo.
Agora isso não é mais necessário.
Ele não precisa mais fingir que é apaixonado por mim e pode muito bem voltar a
ser o mafioso empedernido, sem usar de hipocrisia e o que me resta é sufocar
[378]

esse sentimento de paixão, que se apoderou de mim como um invasor


indestrutível.
Isaiah e Ignácio não se encontram nesse compartimento, mesmo sendo uma
aeronave espaçosa, a presença de Enzo parece encolher o lugar e me deixar com
a sensação claustrofóbica.
Ando pelo corredor, deslizando minhas mãos pelo couro das poltronas e antes
mesmo que eu escolha um banco afastado de sua presença, sua voz de comando
me chama para que eu me sente ao seu lado.
Receosa, me sento devagar sem dirigir meu olhar em sua direção.
— Quero acertar alguns pontos antes de chegarmos a Nova Iorque. — diz,
apático.
Conservo meu silêncio tão indispensável para quem ainda nutre um nó na
garganta.
— Voltaremos para minha casa e tudo continuará como antes.
Não posso acreditar no que acabei de ouvir.
— Como assim? — enfim encaro seu rosto e me deparo com seu endurecido
olhar.
— Isso mesmo que você entendeu! — frisa. — Continuaremos a ser namorados
e nada do que houve nessa viagem será dito a quem quer que seja. — minha vez
de explanar a minha desconfiança.
— Isaiah e Ignácio já sabem. — lento e observador, fita meu semblante
indagador. — Não desconfia de que um dos dois possa ser o informante de
Enrico? — encosta sua cabeça no assento do avião.
— Eu confio plenamente nesses dois e sei que nenhum deles me trairia.
— Se você está dizendo, quem sou eu para lhe questionar. — acabo dizendo em
voz alta o que era para ser apenas um pensamento ácido.
— Sei o que estou dizendo e não os traria comigo se pensasse o contrário. Se há
traidores, irei descobrir. — olho para a janela do avião e a escuridão externa
parece se juntar a mesma que existe dentro de mim, ele enfia a mão no bolso de
seu paletó.
— Aqui está. — estende o celular clandestino a mim. — Irá precisar dele assim
que chegarmos. Quero acertar minhas contas com esse Enrico ainda hoje!
— E o que terei de fazer?
— Direi exatamente o que fazer quando chegarmos.
Outro abismo de silêncio nos mantém ainda mais distantes, ainda sobrevoando o
Atlântico, sua voz me chama mais uma vez.
— Você acredita que Enrico a deixaria sobreviver depois que cumprisse o seu
papel?
Não sei mais em que acredito. Tudo me parece confuso e nada me inspira
confiança.
— Ele me prometeu respaldo para minha fuga. — mais um grande suspiro sai de
suas narinas.
— E aposto que acreditou em sua promessa?
— Tínhamos um trato e não esperava menos que isso da parte dele.
— Como ele não espera menos da sua. — ele faz questão de me lembrar do meu
desleal papel.
— Exatamente. — subitamente se levanta e caminha em direção à uma pequena
mesa de canto que fica do lado esquerdo da aeronave e volta com um pequeno
gravador em suas mãos.
— Espero que depois de ouvir isso sua concepção a respeito de lealdade e
palavra empenhada tenham um outro significado. — aperto o play do gravador e
de imediato a voz de Enrico aparece conversando com o suposto inimigo de
Enzo.
— Quem é esse homem?
— Será isso que iremos descobrir. — volta a se sentar. — Já ouviu essa voz
antes? — meneio a cabeça negativamente.
— Nunca a ouvi.
—Tenho um palpite de que esse homem com quem Enrico conversa não é o seu
chefe e sim, mais um subordinado. Ele deve usar outro celular de onde não
consegui rastrear as suas transações. Há também algumas mensagens trocadas de
um número ainda não rastreado. — ouço toda a fita e nela Enrico deixa explícito
o meu destino após seguir suas ordens, ele me quer morta, tapo minha boca e
meus olhos se vertem em lágrimas.
— Surpresa? — Enzo toma o gravador de minhas mãos. — Queria muito que
soubesse com quem estava lidando.
— Não posso dizer que não fiquei chocada, mas pensando bem agora que me
encontro sob seu domínio, não sei dizer qual dos dois é o pior, você ou ele? —
sustenta sua cara impassível de qualquer emoção e com o semblante vazio,
rebate.
— Posso não ser melhor do que ele, mas em meu submundo sempre mantive
minha palavra e ela vale mais do que qualquer outra coisa para mim.
Sobre terreno arenoso, resolvo me abster de outro comentário que acabe por
trazer à balha assuntos desagradáveis como esse.
[379]

Fecho meus olhos e acabo dormindo, acordando somente com a mão de Enzo em
meu ombro a me sacudir levemente horas depois.
— Vamos pousar em alguns minutos.
O pouso é tranquilo e em mais alguns minutos seguimos pela rodovia que dá
acesso ao bairro de Harrison, mais quinze minutos e Isaiah para em frente ao
portão da mansão dos Ferraro. São cinco horas da manhã e parece que não
durmo a dias, meus músculos todos estão tensos e doloridos sem contar o meu
estado psicológico que se encontra em frangalhos.
Somos recebidos por Eurídice e toda a sua eficiência, Enzo não diz nada, mas
tenho absoluta certeza de que seu senso de desconfiança gira em torno de cada
funcionário da casa, até mesmo sobre a velha governanta.
— Voltaram mais cedo que o previsto, senhor Ferraro!
— Sim, Eurídice, apesar de estarmos nos divertindo muito, houve um
contratempo que me fez retornar. — ela não me olha diretamente e isso me causa
um desconforto momentâneo, é horrível a sensação de incerteza que paira sobre
cada funcionário da mansão.
— Durma um pouco, meu amor, você deve estar muito cansada da viagem. —
seu rosto se transforma e como se transfigurasse em minha frente, visualizo o
Enzo apaixonado de outrora a tocar meu queixo.
— Irei. — respondo sem olhar em seus olhos diretamente, em reposta a minha
indiferença, Enzo se aproxima de meus lábios e sua boca me beija levemente.
— Até depois. — pisca para mim e minha vontade é de lhe dar outro famoso
chute no saco, infelizmente, nesse momento, não posso cometer tal loucura.
Subo para meu quarto e corro para o chuveiro, embaixo da água quente, tento
relaxar meu corpo cansado e aliviar minha mente tão perturbada.
O que Enzo fará comigo depois que Enrico delatar seus comparsas?
Com o banheiro coberto de vapor, limpo uma parte do espelho e encaro uma
Antonella totalmente adversa àquela que saiu daqui há três dias, meus olhos e
pele perderam aquele viço da felicidade e me identifico com uma mulher sem
muitas esperanças de caminhos felizes.
Coloco uma roupa de dormir com o intuito de descansar um pouco, me deito
entre os travesseiros, apagando logo em seguida.
Acordo com o dia já claro e a voz de Mercedes batendo em minha porta.
— Paola, acorde!!! O senhor Ferraro quer que você desça em meia hora! — me
arrastando, caminho até a porta e aviso a Mercedez que irei descer, outro banho
quente e estarei nova em folha para esse tenebroso dia que me aguarda.
Desço as escadas e todos se encontram na mesa de café, sinto uma sensação
estranha como se todos já soubessem da verdade, porém esse desconforto se
esvai ao ouvir a mãe de Enzo me chamando para se juntar a eles.
Me sento à mesa e o senhor Victório me espreita com seu olhar perspicaz, meu
rosto não denota mais inchaço e ele não poderia suspeitar de nada, exceto se
Enzo lhe mencionou algo, o que eu duvido. Seu pai não iria aceitar uma traidora
em sua mesa numa refeição de família.
— Passearam muito por Verona, Paola? — Adele quer saber. — Amo Verona!
— completa sua mãe toda animada.
— Não deu tempo de vermos muita coisa, mas prometi à Paola que voltaremos a
Verona em outra ocasião. Não é, minha querida? — a voz de Enzo surge no
ambiente e sinto sua presença logo atrás de mim, deposita suas mãos em meus
ombros, onde seus dedos brincam com uma mecha de meu cabelo.
Esse homem tem uma cara de pau dos infernos, como consegue manter essa pose
de homem apaixonado sem demonstrar sua verdadeira vontade?
Vestido de modo mais displicente, passa por mim usando uma camisa cinza com
as mangas arregaçadas e uma calça cáqui.
Na sequência, Enzo toma seu lugar à mesa e conversa animadamente como
sempre fez, não demora muito e a figura de Brian adentra o ambiente e os dois
se cumprimentam com um abraço. Enzo não tira os olhos de mim e fica me
observando quando seu amigo se aproxima para me cumprimentar com um beijo
no rosto.
Tomamos nosso café e Brian sai com o pai de Enzo para sua consulta rotineira,
Adele os acompanha nos deixando a sós na mesa de café.
— Não há necessidade de se mostrar tão gentil comigo perante sua família. —
ele espeta o garfo em um pedaço de mamão e o leva à sua boca.
— Sei exatamente o que estou fazendo! Isso não tem nada de romântico ou faz
parte de alguma estratégia de reconciliação.
— Ainda acho desnecessárias essas demonstrações de carinho.
— Veja como uma especialização na arte de interpretar. — cinismo e frieza
inseparáveis. — Aprendi com a melhor! — arrasto minha cadeira e sua mão
esquerda agarra meu braço.
— Quero que me espere em meu escritório!
— Está bem, senhor Ferraro. — saio da mesa e caminho para o escritório, onde
encontro Ignácio baforando seu charuto e Isaiah folheando uma revista de carros
esportivos.
Parada no batente, resolvo dar um passo adentro e esperar por Enzo que chega
em poucos minutos fechando a porta.
— Muito bem, estamos todos aqui e iremos dar continuidade ao plano. — olha
diretamente para mim.
— Ligue para Enrico e diga que tem o material que ele tanto deseja. — anda
pelo aposento gesticulando com as mãos e sua mente parece não se desligar nem
por um segundo. — Marque para se encontrar com ele em um local público e
diga que estará lá em duas horas, tempo suficiente para armarmos a emboscada
contra esse farabutto. — pego o celular e Enzo cola seu corpo ao meu lado na
intenção de me instruir em minha conversa com Enrico.
— Antonella! — Enrico atende com a voz radiante de cinismo.
— Enrico, serei breve!
— Diga. — deixa de lado seu teatro de horrores e fala sério.
— Estou com as cópias dos documentos de que lhe falei.
— Boa menina. — olho para Enzo que balança a cabeça e sinaliza com sua mão
para que eu continue.
— Preciso lhe entregar isso o quanto antes, pois deduzo que Enzo não ficará
feliz ao saber que andei mexendo em tais documentos.
— Mudando de assunto. Aproveitou sua viagem? — minha garganta trava ao
imaginar essa maldita viagem, pior é não poder extravasar meu incômodo.
— Foi maravilhosa, Enzo é um cavalheiro. — ao meu lado, mantém seu rosto
como uma incógnita.
— Que bom, você foi para cama com ele? — fecho meus olhos e balanço meu
corpo sobre meus calcanhares, não quero falar sobre esse assunto.
— Por que quer saber? — antes que ele responda, Enzo me olha e move seus
lábios me dando a diretriz da conversa.
— Diga que sim. — murmura.
— Sim, fui para cama com ele.
— Mas isso é uma ótima notícia, ragazza! — completa. — De bobinha você só
tem essa sua carinha doce.
— Vamos negociar esses papéis! — digo, diretamente. — Não pretendo mais
seguir o plano de sedução.
— Ora, esse não seria o nosso combinado ragazza, quero Enzo rastejando a seus
pés e então, recebe o montante integral e a sua rota de fuga.
Que homem desprezível! Como alguém pode ser tão ardiloso ao lidar com a vida
de outrem dessa maneira?
— Na verdade, cansei de seduzir aquele imbecil! — aproveitando o ensejo,
desconto um pouco de minha raiva ao ofender o mafioso que me olha
atravessado ao ouvir meu comentário e Enrico fica em silêncio por alguns
instantes.
— Façamos o seguinte, entregarei a você o combinado pelos papéis, ou seja, 200
mil euros em espécie e depois veremos como iremos agir daqui por diante.
— Combinado, anote o endereço. — Enrico anota o local e fica acertado o nosso
encontro em uma área dominada por Enzo, o bairro do Bronx.
Encerro a ligação e o aparelho se encontra molhado devido ao suor de meu
nervosismo.
— Isaiah, chame Domênico.
— E Marcello? — o segurança pergunta, fechando sua revista.
— Marcello fica.
— Está bem. — Ignácio se levanta e calmamente abre uma gaveta de uma
estante, de lá, retira uma pasta verde transparente e confere o conteúdo do
objeto.
— Antonella. — o Consigliere me chama e explica o conteúdo falso dos
documentos ali depositados.
— Ho capito.
— Vamos? — Enzo pega a sua arma e sai em minha frente. Ignácio, por sua vez,
me deixa passar na frente, enquanto o carcamano sai às pressas para dar as
últimas ordens aos seus funcionários. Eurídice se encontra no corredor, dando
ordens à Mercedez.
Isaiah e Domênico seguem em um dos carros, enquanto eu sou conduzida por
Fabrizio. Trafegamos por quase 40 minutos até pararmos em um local neutro,
onde Enzo e seus homens se manterão a postos esperando o meu sinal para que
agarrem Enrico, Enzo foi em outro carro e seguirá uma outra rota para que não
se levante qualquer suspeita.
O local indicado por Enzo para a entrega dos documentos é uma praça pouco
frequentada pelos moradores do bairro, um cenário perfeito para uma emboscada
a céu aberto em plena luz do dia.
Isaiah ajeita uma escuta embaixo do colarinho de minha camisa e se certifica de
que ela esteja funcionando perfeitamente.
— Sabe o que tem a fazer?
— Sí. — digo, corajosamente.
— Agora vá e boa sorte. — fala através dos seus óculos escuros.
Ando alguns passos e viro à esquerda caminhando sempre em frente, tentando
manter a normalidade, a fim de não levantar nenhuma suspeita. O céu azul se
contrasta com algumas nuvens brancas no céu e o dia é perfeito para um passeio
ou até mesmo um belo piquenique e enquanto isso eu caminho para me meter em
mais uma enrascada na incerteza se isso acabará bem e conhecendo um pouco de
Enzo, sei que não.
Na rua, me deparo com muitos homens suspeitos a andar displicentes pelas
calçadas. Esses sujeitos, na certa, atuam a serviço de Enzo. Alguns, ao me verem
passar, acendem seus cigarros, outros olham em seus relógios.
Nunca poderia imaginar que uma família de mafiosos funcionasse em total
engrenagem. Mais alguns metros e vejo Enrico sentado em um velho banco
pintado de azul, ele mantém seus braços esticados sobre o encosto do banco e
percebe a minha chegada instantaneamente, mesmo sendo um salafrário, ele se
levanta e espera que eu me aproxime.
— Bom dia, Antonella. — olha para todos os lados como um cão farejador. —
Foi seguida?
— Non.
— Está com uma cara ótima! — que vontade de dar um belo soco nesse são
bernardo que fala.
— Grazie. — ele não diria isso se me visse ontem.
— Enrico, não posso demorar, ou senão Ignácio pode dar por minha falta. —
tento adiantar o assunto e acabar com esse martírio.
No final, há uma coisa boa nisso tudo, ficarei livre desse estafermo do Enrico
[380]

e quem quer que esteja trabalhando em conjunto com ele não saberá, onde minha
família está escondida. Enzo, por um lado, acabou me ajudando.
— São esses os documentos nos quais lhe falei. — entrego a pasta e disfarço o
tremor em minhas mãos.
Seus olhos cansados verificam com atenção o teor da documentação e aos
poucos, pelo canto de sua boca é possível ver um sorriso em seu rosto.
— Meus parabéns! seu olhar de satisfação aliado a um sabor vingativo
transcende em sua aparência medonha.
— Que dizer então que Enzo Ferraro, decidiu passar a perna nas outras famílias
e embrenhar pelo mundo das drogas?
— É o que me parece. — atesto.
— Isso caindo nas mãos certas, Enzo assinará a sua sentença de morte e você
acabou de assinar a sua, seu idiota. — abre uma pasta marrom contendo um
montante de notas de 500 euros.
—Tem 400 notas aqui! Se acaso quiser conferir.
— Não precisa. — seguro a pasta contendo os euros. — E agora, o que quer que
eu faça?
— Quero um pouco mais de dedicação de sua parte.
— Dedicação?
— Sim. Mostre que sabe como fazer um homem ficar aos seus pés, ragazza.
— Tentarei, é só?
— Sim, nos falaremos em outra ocasião. — suspira, sorrindo para a pasta com os
papéis falsos e a beija como um troféu. — Queria muito ver a cara de Enzo
Ferraro ao saber que possuo esse trunfo contra ele.
— Por isso, não, Pablo Gutierrez! Estou bem aqui!
Pablo? Seu nome não era Enrico? Fui tapeada mais uma vez?
A figura de Enzo acompanhado de outros seis homens armados surgem logo
atrás de Enrico que arregala seus pequenos olhos.
— Você me entregou a ele? — fala entre dentes, enquanto suas írises negras
expelem todo ódio que ele consegue sentir no momento, Isaiah se aproxima e o
pega pelo cotovelo.
— Que mundo pequeno, Pablo! — Enzo se aproxima e o encara friamente. —
Vamos relembrar os velhos tempos, meu caro !
Enrico, ou melhor, Pablo é levado em um carro com os outros homens no mesmo
momento em que sou colocada em um carro com Enzo.
Faço um sinal da Cruz e peço a Deus que me proteja do que está por vir...
Due contro uno[381]

Antonella
Rodamos por quase uma hora e durante esse tempo, Enzo estalava seus dedos e
movia seu pescoço para dissipar sua tensão, acredito que esse deva ser o seu
ritual antes de iniciar qualquer acerto de contas.
Encolhida no canto esquerdo do banco traseiro, me mantive em silêncio e só
respondi o necessário quando ele me dirigia a palavra, Fabrizio dirige
circunspecto e atento ao trânsito que agora é mais intenso.
[382]

Entramos por uma velha estrada de cascalho que é toda ladeada por abandonados
trilhos de trem, o local em si causa arrepios a essa hora do dia, imagino o quão
horrível deva ser essa paisagem à noite, mais algumas manobras e paramos em
frente a um galpão coberto por rachaduras em sua fachada externa, a entrada está
coberta por mato que chega à altura dos joelhos, uma grande porta de ferro sem
janelas me saúda e anuncia que o que virá a seguir não será nada legal.
Enzo desce com seu andar firme, porém com uma elegância nata, dá a volta por
trás do veículo e abre a porta para que eu desça, ao sair, não consigo encarar seus
olhos nem por um segundo, meu medo está estampado em minha face lívida e
nos lábios trêmulos, com calma, seu toque firme segura meu cotovelo e me
conduz até a entrada do lugar. Domênico se encarrega de abrir o cadeado e em
poucos segundos a escuridão interna se confronta com a claridade que vem de
fora, todos entram e a porta é fechada por dentro, Enzo aperta um interruptor e
uma luz amarelada é acesa dando uma visão limitada do local.
Ao fundo, há duas portas que deduzo serem banheiros feminino e masculino, de
quando esse local tinha alguma função comercial, arcos árabes dividem o
ambiente dando a impressão de maior espaço e ao olhar para o teto pode
constatar algumas telhas quebradas, um local abandonado, desleixado e
destruído pelo tempo. A ventilação é escassa e o calor sufocante fazem com que
todos presentes exalem suor por seus poros.
Não há nenhum tipo de móvel exceto uma mesa com alguns aparatos e uma
escrivaninha com duas cadeiras, olho na direção de Pablo e ele sustenta sua
cabeça e olhar erguidos. Não detecto nenhum tipo de medo em seu semblante
endurecido, a impressão que tenho é de que ele tinha exata noção do que lhe
aconteceria se acaso fosse surpreendido, um bode expiatório para algo muito
maior, a cobaia para um experimento que ainda não deu certo e que sabe que
poderá ser sacrificada a qualquer preço. Enzo se afasta de mim e pega uma das
cadeiras, volta com ela na mão e a coloca ao meu lado.
— Sente-se aqui! — sua fala é calma, fria e não exime em nada o tom autoritário
de sua voz. — Isaiah, por favor.
O segurança se aproxima, tira os seus óculos escuros, já desnecessários nessa
penumbra pavorosa e fica ao meu lado com a sua arma em punho, em seguida,
Domênico junta Pablo pelo colarinho e o joga na cadeira, seu corpo balança pelo
impacto e ele continua com o mesmo semblante inalterado.
— Muito bem, Pablo! Chegou a hora de esclarecemos alguns assuntos
intrigantes, não acha? — Enzo apoia seus cotovelos na velha mesa e a aspereza
de sua voz surge como algo que sobe à superfície.
Pablo metodicamente ergue seus olhos os mantendo estreitados e alertas.
— Então serei breve, sem usar de nenhum rodeio e lhe explicar o porquê lhe
trouxe até aqui.
— Enzo Ferraro. — ri em deboche e meu coração se aperta a tal ponto que me
vejo segurando minha respiração. — Enzo sai detrás da mesa e fica frente a
Pablo.
— Sei muito bem que você não é o mentor disso tudo, pois um fracassado,
alcoólatra inveterado, com uma inepta e precária capacidade de gerenciar
[383]

quem quer que seja, jamais arquitetaria um plano genial para me atacar.
— Não me menospreze, seu italiano convencido! Deve estar se vangloriando ao
me trazer a este lugar e imaginar que tudo acaba aqui!
— Não estou me vangloriando de nada, seu mexicano de bosta! Eu lhe fiz uma
pergunta e quero uma resposta antes de eliminá-lo da face da terra. — Enzo
ergue o tom de voz.
— Pois receio que não terá a satisfação de me ver delatando quem quer que seja!
— Não me diga que, de repente, se tornou tão corajoso?
A atmosfera é tão carregada que todos os outros homens presentes mal respiram
e mantém seus olhos colados em cada gesto de Enzo, ao menor sinal, sinto que
esse cenário se desmancharia em balas e se tornaria um verdadeiro caos.
— Quem é você para falar em coragem? — Pablo rebate com pura ironia. — Um
homem que mata um inocente sem ao menos ouvir o que ele tem a dizer? O
mesmo homem que precisa de tantos capangas para lidar com um mero
alcoólatra? — Enzo olha ao redor e pede para que, com exceção de Isaiah, os
outros se retirem.
— Se está se referindo ao Rick, seu irmãozinho ladrão, sabemos muito bem que
não se encaixa nos padrões de inocência. — ergue o pescoço e diz aos demais.
— Me esperem lá fora!
Nenhum movimento de protesto ou indignação é proferido nesse momento a não
ser os ruídos dos passos dos seus soldados a deixarem o galpão.
— Isaiah, jogue sua arma ao chão. — enfia a mão em sua cintura e faz o mesmo
com a sua pistola.
— Agora estamos em números iguais, Pablo. Todos desarmados, sugiro que
comece a abrir seu bico.
— Enzo, seu idiota! Acha mesmo que me assusta? Você só causa medo nessa
puttana e medíocre italiana. — aponta para mim e então Enzo lhe dá o primeiro
soco nos olhos que fazem sua órbita jorrar sangue.
Fecho meus olhos, pois não quero ter que assistir a isso, é algo muito cruel.
— Pois não é que ele fica mesmo nervoso quando mexem com a italiana? —
mesmo machucado, Pablo não para de provocar.
Enzo pega um pequeno maçarico e parte para cima dele com a chama acesa e
Pablo tenta se mostrar indiferente ao que lhe aguarda, todavia é impossível não
ver o movimento de sua garganta engolindo seco por repetidas várias vezes.
— Não estou nervoso, seu merda! — junta seus cabelos trazendo seu rosto para
mais perto. — Estou irado por me menosprezar e achar que poderia invadir a
vida de minha família e ficar impune e para que você saiba o quanto estou irado,
terá uma morte muito lenta. Quanto mais cínico, mais lento e cuidadoso serei ao
lidar com você!
Um grito de dor ecoa por todo o galpão, quando Enzo direciona a chama do
maçarico na face de Pablo desenhando outra cicatriz profunda.
— Acho que as duas não ficaram simétricas. Nunca fui bom com desenhos! —
afasta a chama examinando o seu trabalho.
— Cretino! Nada do que você faça me fará falar. — diz Pablo aos gemidos.
— Não tem problema! Admiro muito a sua lealdade! Quem me dera encontrar
tantos como você! Mas não se preocupe, não irei mais perguntar para quem você
trabalha, porque irei descobrir e sabe disso!
— Antes que descubra, acabaremos com as pessoas que você mais ama, seu
mafioso almofadinha!
Abaixo minha cabeça quando vejo que o maçarico agora se direciona para o olho
ensanguentado de Pablo... Não tenho estômago para ver isso!
Isaiah ao me ver de cabeça baixa, segura meu queixo e me faz ver toda a cena de
tortura, Pablo grita com loucura em meio a fumaça e ao cheiro de carne
queimada que a chama causa, ele não resiste e desmaia com a roupa toda urinada
pela dor. Nesse instante, os olhos de Enzo se encontram com os meus e neles um
recado subentendido chega em meu interior como um aviso de que ele é capaz
de coisas muito piores em momentos de ira como agora, caminha até um canto
do aposento e segura um galão de lata enferrujado.
— Acorde, homem valente! — joga água suja sobre o rosto deformado de Pablo.
Seu corpo sacode e é inegável o tamanho de sua dor, ele cospe ao chão, mas sua
vontade era de fazer isso na cara se Enzo.
— Quer me torturar para assustar Antonella não é?
— Absolutamente que não é somente por isso! Você me conhece e sabe que
nunca deixaria passar batido uma conspiração debaixo do meu nariz e você
também tinha seus planos para ela ao pegar esses papéis. Ela se encontra nessa
sala, porque era a sua subalterna e quero que ela veja o seu fim!
— Sei que falhei, Enzo, mas a minha maior satisfação é saber que mesmo morto,
o círculo ainda continuará em aberto e só se fechará com a sua ruína! Vocês não
se safarão para sempre e mais dia, menos dia, sucumbirão.
— Também quero ver esse círculo se fechando e estarei preparado para quando
esse momento chegar, seu stronzo! — Pablo ergue sua mão direita e aponta o
dedo do meio e Enzo usa de seu cinismo tão venenoso e irritante.
— Que menino mais mal-educado! Sua mãe não ensinou que esse gesto é muito
feio? Tsc, tsc.... — balança a cabeça se fingindo inconformado.
Na sequência, o temível italiano deposita o maçarico sobre a mesa e procura algo
entre os vários objetos espalhados ali, vasculha com uma cautela premeditada e
pega um cortador de charutos entre seus dedos desviando sua atenção para
Isaiah.
— Meu caro será que isso ainda corta? — volta o seu olhar para o objeto. — Da
última vez que usei me esqueci de limpá-lo, parece que está enferrujado! —
Isaiah na maior calma do mundo, dá de ombros em resposta ao seu chefe.
— Por isso, não. Vamos fazer um teste no mocinho sem educação, não é Pablo?
Toma a sua mão direita à força e por mais que Pablo se debata, é impossível
escapar da truculência com que Enzo o segura, encaixa a peça em um dos seus
[384]

dedos e mais uma vez fecho meus olhos, só me restando ouvir os gritos
ensurdecedores do torturado ao sentir sua mão jorrando sangue.
Até aonde isso irá? Enzo parece transtornado e quanto mais sangue é jorrado,
mais ele se torna frio com a voz pausada e mansa, me sinto dentro do filme
Jogos Mortais, sem direito a escolha.
A cada resposta atravessada, Pablo o instiga a dar continuidade a mais
atrocidades, corta seus dedos um a um e não contente com toda a cena
sanguinária, joga álcool sobre suas mãos e as enfaixa com a maestria de um
profissional. Enzo quer mesmo que ele morra lentamente mesmo com pouca luz
é possível ver a pele esverdeada de Pablo devido à perda de sangue.
Enzo se encontra todo sujo de sangue e muito centrado no que faz, anda em
torno da cadeira de sua vítima e o ofende com ríspidas palavras.
O dia lá fora deve estar radiante e propício para tantos passeios agradáveis e no
entanto, dentro desse galpão, o clima é pesado e a escuridão se impõe como algo
natural.
Quase sem forças para pronunciar qualquer palavra, Pablo desafia Enzo como
um mártir que morre por sua causa, mesmo que essa seja indigna e sem
fundamentos.
— Morrerei pela sua crueldade, porém quando estiver no inferno baterei palmas
ao ver a sua infelicidade, seu carcamano imbecil!
— Ainda bem que tem a ciência de que irá morrer, mas não pense que seu
comparsa terá êxito com sua morte. A partir de hoje, quem move os peões sou eu
e como num jogo de xadrez, derrubarei a sua rainha, seu verme!
Mais socos e Pablo acaba desmaiando novamente, Enzo pega um saco plástico e
cobre a sua cabeça ensanguentada até que ele se debate buscando por ar.
Os requintes de crueldade de Enzo já duram quase uma hora e meu corpo treme
tanto que torço para que ele pegue sua arma e acabe logo com esse suplício.
Com o saco fora da cabeça, Pablo volta a respirar e nesse instante, Enzo coloca
uma luva de couro. Demoradamente, desenrola um fio de aço e o estica entre
seus braços, anda até a cadeira onde o corpo inerte de Pablo está, se mantendo
atrás do sacrificado. Sei que a morte de Pablo me traz alívio, mas não quero
presenciar tal fato, com isso, tento erguer meu corpo, contudo sou impedida pela
mão de Isaiah sobre meus ombros.
— É melhor você ficar até que Enzo lhe diga para sair. — murmura.
Resignada, porém contrariada por dentro, permaneço anestesiada a ser
testemunha ocular de uma sessão de tortura jamais imaginável por mim.
Parado atrás de Pablo ele passa o cordão de aço cortante ao redor do pescoço do
infeliz que vê a morte como alívio e o caminho para a liberdade desse lugar.
Enzo enrijece seus maxilares e usando de uma força animal, faz com que o
cordão penetre na carne do traidor que se debate em vão, enquanto diz adeus à
vida.
— Ci vediamo all'inferno, merda traditore. — meu estômago dá voltas ao ver
[385]

o sangue de Pablo ser jorrado por todos os lados, Enzo o degola como se seu
corpo fosse algo sintético como isopor.
— Chegaaaaaaaaa! Chegaaaaaaaaaa! — em lágrimas de choque, grito. Me sinto
sem forças como se estivesse anestesiada para mover um músculo sequer e
apenas grito.
— Isaiah, pode levá-la daqui e volte para darmos destino ao corpo. — a voz
grave de Enzo ressoa pelo ambiente sinistro e coberto por sangue.
Antes de sair apoiada pelo segurança ainda encaro a face de Enzo toda suja de
sangue e em sua mão à cabeça de Pablo como prova de sua barbárie, se ele
queria me mostrar do que é capaz, conseguiu com triunfo magnânimo.
Saio dali e Isaiah me conduz de volta ao carro, seguindo suas ordens, Fabrizio
me leva de volta à mansão e ali permaneço dentro de meu quarto sem nenhuma
disposição para falar ninguém.
Jogo a pasta com os malditos euros ganho pela minha bela atuação como espiã e
chorando em demasia, abafo meu grito no travesseiro ao me ver apaixonada por
um homem monstruoso que é capaz de matar a quem quer que cruze o seu
caminho.
Enzo nasceu e morrerá impiedoso e irascível e será muito difícil que um dia,
[386]

ele e eu possamos viver algo parecido com amor.

Enzo
Forçar Antonella a assistir a todas as atrocidades cometidas contra Pablo pode
não ter sido algo correto, mas sim, necessário. Com isso, quis mostrar a ela em
que mundo de extrema periculosidade, ela teria se envolvido com sua
ingenuidade e tenho a certeza de que a partir de hoje, ela não mais aceitará
propostas irrecusáveis de um estranho qualquer. Espero que ela não pense que ao
torturar seu mandante, estaria eu lhe dando uma prévia do que farei com ela
futuramente. O curioso foi que, em determinado momento, seus olhos não mais
lacrimejaram e essa reação inesperada me deu esperanças de que quem sabe um
dia, ela aprenda algo de bom em meio a esse ambiente hostil.
As palavras de Pablo martelam em minha mente já sobrecarregada de suposições
e terei que contar com a ajuda dessa ragazza para eliminar o meu inimigo ainda
invisível.
Seremos duo contro uno...
Em relação a nosso relacionamento, acredito que o desgaste sofrido nesses dias
acarretará um rompimento sem chance de volta, não confiamos um no outro e
não há futuro em algo em que não se confia. Ela me usou e fiz o mesmo,
fingindo não saber de nada, mesmo a contragosto e com toda a minha força
interior a postos, tentei expulsá-la de meu peito inúmeras vezes e em todas elas,
um sentimento brusco se revolve dentro de mim, me fazendo recuar e sugere um
retrocesso por um prisma inexplorado... O perdão.
Agora, o que me resta é defender minhas duas famílias e a máfia e dentro desse
contexto, salvar a vida da família de Antonella que está ilesa de qualquer culpa
sobre os fatos.
Isaiah recebe as minhas ordens para esconder o corpo de Pablo, quero que em
hipótese alguma, o mentor dessa traição saiba onde se encontra o seu aliado. Isso
seria somente uma estratégia para se ganhar tempo e com ele é que estou
contando, revistando os bolsos de Pablo, não encontro nada que nos leve ao seu
chefe. Domênico se aproxima e olha para o corpo sem cabeça e nada comenta,
pois esse capo durão já viu coisas bem piores.
— Encontrou alguma coisa na casa do sujeito?
Domênico me entrega um celular e um envelope com fotos de Antonella em
Verona e de sua família em Siena, ele estava à espreita o tempo todo. Maldito!
— Ótimo, vamos ver o que tem nesse aparelho.
— O que fará com o corpitcho ? — me inquire, mascando sua goma de hortelã,
[387]

com suas mãos na cintura e seu comentário me faz rir.


— Vamos dar um destino muito interessante. — responde Isaiah.
Meu celular toca e é Brian, penso em não atender, mas mudo de ideia.
— Oi campeão.
— Diga, Brian o que você manda? Pego um pedaço de algodão sobre a mesa e
limpo meu rosto num pedaço de espelho.
Enquanto isso, meus homens limpam o lugar e colocam o corpo em um saco
escuro com zíper.
— Sei que você é meio avesso a baladas, mas fui convidado e tenho convite para
uma festa em uma casa noturna muito famosa em Nova Iorque e gostaria de
saber se você não está a fim de ir. — antes que eu responda, ele completa.
— Irei com uma garota e você poderia levar sua namorada.
— Aceito. — digo, sem pestanejar.
— Está falando sério ou só me zoando?
— Sério.
— Onde está o Enzo rabugento que conheci?
— Paola o mandou passear. — digo com ar de riso.
— Ah! Sabia que ela o mudaria, meu amigo! — ele conversa com alguém. —
Posso confirmar a presença de vocês?
— Não só pode, como deve!
Nos despedimos e um de meus soldados me traz roupas limpas, me troco e
partimos em direção à minha casa. Quero marcar uma reunião sigilosa com cada
chefe das famílias mais importantes de minha confiança que fazem parte da
Comissão e descobrir se há algum traidor infiltrado na Cosa Nostra, esses
chefões poderão me auxiliar na busca por mais informações e é com isso que
estou contando. Em casa, depois de tomar um banho e me alimentar, procuro
saber sobre o estado de Antonella, Eurídice me informa que ela se mantém
trancada em seu quarto.
Trancafiado em meu escritório, busco por mínimos dados que me levem ao
encaixe de cada peça desse quebra-cabeças e ao final de uma tarde exaustivas de
muitas hipóteses que não me levam a lugar algum, deixo o aposento e resolvo
nadar um pouco para aliviar a tensão que se instalou em meu corpo, mais tarde,
bato no quarto de Antonella, seus olhos inchados e desolados tentam me
afugentar e não permitir que eu diga a ela o motivo de a ter procurado.
Com um esforço desajeitado, explico que ainda não estamos livres, dado que
Pablo não delatou a nenhum de seus comparsas e se quisermos nossa
tranquilidade de volta, devemos nos unir para acabar com esse ser que quer a
minha e a sua destruição, ela me permite entrar em seu quarto e lá, explano a
minha nova tática que não difere muito do que já havia lhe adiantado.
Digo que sairemos logo mais para um local muito badalado e que apareceremos
em público como se fosse um teste de fogo e uma armadilha para atrairmos o
nosso inimigo oculto.
Cabisbaixa, de súbito, ela ergue seu rosto e aceita meu convite, saio de seu
quarto com um pesar por ter que fazer coisas em relação a ela totalmente
arbitrárias do que aprendi em toda a minha existência.
*****
Enquanto espero por Antonella na sala principal, bebo meu uísque na companhia
de Ignácio, ele sabe qual será a nossa nova tática e me ajuda com alguns detalhes
que não podem ser deixados de lado.
Ouço saltos descendo as escadas e ao erguer meus olhos, vejo Antonella no
último degrau com um vestido estupidamente escandaloso, pisar no mármore da
sala e caminhar com um andar todo sensual em minha direção, seus cabelos
estão soltos e revoltos cobrindo suas costas nuas... Ela está linda!
Porém, se ela pensa que permitirei que vá comigo a essa boate vestindo essa
roupa é porque não me conhece ou perdeu a noção do perigo, cumprimenta
Ignácio que sai discretamente ao perceber minha cara de total desagrado.
— Que traje é esse? Posso saber? — a encaro com raiva no olhar e um ciúme
descabido no peito.
— Ora, não sou uma puttana? Estou me vestindo como uma! — suas palavras
saem como uma flecha afiada. — Vamos?
— Com essa roupa, não vamos a lugar nenhum!
— Se não for com essa, não vou com nenhuma outra, Enzo Ferraro! É isso ou
nada!
Demonstra que não está para brincadeiras e andando dois passos a minha frente,
joga seus quadris num rebolar provocante.
Sinto que essa noite me trará mais problemas...
Round della morte [388]

Enzo
Opto por dispensar os serviços de Fabrizio e por essa razão, resolvo eu mesmo
dirigir o meu carro. Isaiah e Marcello seguem, logo atrás, em uma velocidade
considerável.
— Sabia que Alessio tomava parte desse plano? — pergunto à Antonella que
mantém seus olhos para fora do veículo.
— Alessio? — se mostra realmente espantada e faz com que um alívio
momentâneo me arrebata, pois não gostaria de imaginar que aquela cena de
assédio não passasse de uma armação dos dois.
— Sim, meu próprio cunhado me apunhalou pelas costas e era um dos aliados de
Pablo.
— Como você chegou a essa informação?
— Domênico fez uma varredura em sua casa, enquanto ele era mantido naquele
galpão e acabou encontrando um celular de onde falava diretamente com
Alessio. Agora, tenho a certeza de que meu cunhado não morreu injustamente.
— Antonella ainda sustenta seu semblante perplexo.
— Lamento muito pelas crianças e por sua irmã.
— Também lamento. — digo ao adentrar em uma avenida.
— Enzo, gostaria de saber onde está a minha família. — pende seu pescoço e diz
com a voz calma.
— Digo e repito pela última vez, estão bem e quanto menos você souber a
respeito do paradeiro delas, será muito melhor.
— Sei que não sou uma pessoa que inspire nenhuma confiança, até porque não
há como exigir tal fato devido às circunstâncias. — gesticula com as mãos,
enquanto fala.
— Já que possui discernimento de sua real situação, sugiro que não mais me
pergunte a respeito de sua família.
Nesse momento, quase todos que me rodeiam são suspeitos e espero que essa
mudança em meu comportamento gere algo produtivo, se os infiltrados me
observam tanto, notarão que não estou agindo normalmente.
O local escolhido por Brian fica no bairro do Chelsea, ao estacionar em frente ao
local, deixo meu carro a serviço do manobrista e com minha mão depositada na
cintura de Antonella, entramos no recinto.
Há muita gente e mal consigo visualizar as mesas que circundam as paredes. Ao
fundo esquerdo do ambiente, vejo um rosto conhecido entre os demais, Nina
conversa animada em uma roda de amigos, acho que ela já encontrou uma nova
diversão e é nítido a sua interação com um homem que permanece ao seu lado
próximo ao bar.
Como eu previa, o vestido ousado de Antonella acabou chamando a atenção de
muitos olhares masculinos que ao me flagrarem atento, desviavam o foco para
uma outra pessoa qualquer. Minha reação era de trazer seu corpo para mais perto
e fazer com que esses abutres se tocassem de que a mulher em questão estava
acompanhada.
Finalmente, encontramos a mesa, onde Brian acompanhado de uma morena
conversavam animadamente, meu amigo ao me ver, se levanta e trocamos um
abraço caloroso, a seguir, apresenta, Sia a sua acompanhante, a moça me estende
a mão com um sorriso natural e Brian cumprimenta Antonella.
— Paola, como vai?
Esse nome agora me é totalmente estranho, ver Antonella ser chamada por seu
nome falso por algumas pessoas próximas a mim me causa desconforto, porém
isso se faz mais que necessário se queremos descobrir quem estaria por trás
dessa loucura toda.
— Estou ótima e você? — o responde com a troca de um sorriso aberto.
Percebo que mesmo disfarçando, meu amigo também correu seus olhos pelo seu
vestido, as mulheres, por inúmeras vezes, usam de armas muito adversas e
Antonella descobriu qual a sua em potencial, sua nata sensualidade invulgar .
[389]

Um garçom passa pela nossa mesa e peço uma dose dupla de uísque sem gelo e
minha companheira pede uma taça de vinho branco.
Acho que a minha cara traduz em tempo real que não estou curtindo em nada
essa badalação toda, a música tocada não faz meu estilo e o som de muitas vozes
invadem minha audição como uma intromissão indesejada e desagradável.
Mesmo sentada, Antonella arrisca a mexer seu corpo no ritmo da música, Sia e
ela acabam se entrosando em algum assunto feminino corriqueiro e me resta
aproveitar a noite para conversar com meu amigo e me atualizar das novidades
de seu cotidiano.
— Gostando do lugar? — bebo um grande gole e rebato.
— Quer a resposta do Enzo sincero ou educado? — ele bebe sua cerveja e
retorce a cara.
— Sinceridade sempre. — ergue a palma da mão e a eleva em minha direção. —
Bate aqui!
— Não é dos piores.
— Sabia! — nesse momento, sinto a mão esquerda de Antonella apertar meu
joelho direito, ela aproxima sua boca em meu ouvido e diz:
— Vamos dançar? estreito meus olhos exprimindo total estranheza em seu
convite, ela deve saber que detesto dançar.
— Não, obrigado. — enfatizo. — Não danço!
— Ah, sí, havia me esquecido desse mero detalhe. Só dança a sua música, não é?
— me devolve esse comentário ácido com seu olhar desafiador num murmúrio
para lá de ousado.
— Digamos que sim e ponto final. — falo entre dentes.
— Que pena, eu danço conforme a música que me impõem e no momento estou
louca para balançar meu corpo! — bebe o restante de sua segunda taça de vinho
e arrastando sua cadeira se coloca em pé. Sem parecer surpreso, toco de leve a
sua mão.
— Não me acompanha, meu querido? — com suas sobrancelhas arqueadas e
lábios vermelhos entreabertos, me lança um olhar de puro desafio.
— Mas é claro que sim! — viro o restante de meu copo e fico em pé.
— Onde o casal está indo? — Brian questiona com ar surpreso.
— Dançar. — respondo com as mãos nos ombros de minha suposta namorada.
— Dançar? Desde quando você dança, Enzo? — sua incredulidade é mais do
que visível e transcendendo em seus olhos o impacto de uma novidade, Enzo
Ferraro dançando.
— Desde agora! — brinco, me distanciando de meu amigo com sua cara
embasbacada e conduzo Antonella para a pista reservada.
— Não sei dançar! — digo, estacado em sua frente.
—Também não sabia fazer muitas coisas e você acabou me ensinando, portanto,
acho que devo retribuir a sua gentileza. Espero ser paciente como você para
ensinar!
Cretina! Ela está se referindo ao boquete em Verona, Antonella gravou cada
palavra minha naquela noite no galpão.
O DJ muda o ritmo da música e algo mais lento ressoa pela pista, alguns casais
colam seus corpos uns nos outros e com seus rostos colados dançam bem
devagar.
— Viu só? É fácil! — Antonella enlaça meu pescoço e espera que eu dê o passo
a seguir.
— Se pisar no seu pé, não pedirei desculpas. — ela não responde, somente cola
seu rosto ao meu se aconchegado ainda mais, em resposta, agarro sua cintura e
me arrisco a acompanhar o balançar gostoso do seu corpo junto ao meu. Seus
cabelos exalam seu cheiro doce e com sua voz macia, cantarola baixinho
algumas frases soltas da canção, a música parece traduzir o que Antonella e eu
estamos vivendo, uma paixão carregada de uma tormenta que não nos permite
chegarmos à praia e ficarmos juntos.
— Você leva jeito, Enzo Ferraro. — murmura em meu ouvido, deixando seu
sotaque mais evidente.
— Não precisa ser gentil! — afasto meu rosto do seu e a encaro com ar de
zombaria.
Volta a moldar seu corpo ao meu e esse lento embalar deixa meu corpo desejoso
por abraçá-la e mantê-la junto a mim.
Afasta-se devagar e mantém um face indecifrável muito próximo a minha.
— Não menti o tempo todo, se é o que pensa. — sua boca se encontra a míseros
centímetros da minha e seu hálito cheirando a vinho me instiga a beijar seus
lábios aqui e agora.
Aproximo minha boca da sua e ela se retesa toda, aproveitando a nossa farsa,
roço meus lábios nos seus e saboreio o gosto de sua boca, matando a saudade de
seu beijo não correspondido. Antonella não me beija como antes, apenas traduz a
amargura que carrega em seu peito, mesma amargura que carrego dentro de mim
e que ela tenta camuflar com nosso jogo teatral.
O que ela esperava?
Que ao me imaginar sendo enganado, a minha paixão por ela seria suficiente
para aplacar a dor de ser traído?
Que um homem em meu posto a trataria com compaixão?
Em outro caso, eu a teria matado de uma forma muito racional e sem nenhum
remorso, é assim que os mafiosos agem em caso de traição e sua única
justificativa alegada foi que Pablo a ameaçava se acaso recorresse a mim e
portanto, sua fraqueza e ingenuidade foram além da confiança de que eu
acabaria com aquele verme. Ao sentir a sua esperada frieza, me afasto e parados
em meio a pista, fala contrariada.
— Demonstrações de carinho não fazem parte do nosso trato, Enzo.
— Namorados apaixonados se beijam, ou não? — respondo de imediato com
sarcasmo...
— Quando estão mesmo apaixonados sim!
— E de repente, tudo mudou, não é? — um misto de resignação e contrariedade
invadem a minha mente. — Vamos voltar para a nossa mesa e obrigado pela aula
de dança! — a puxo pela mão e ela não se debate, me acompanhando de bom
grado, nos sentamos e Brian bate palmas pela nossa atuação na pista.
— Isso, zombe enquanto pode! — peço outra dose de uísque e Antonella me
devolve um olhar atravessado, seguro seu queixo entre meus dedos e aliso sua
boca depositando um beijo leve e provocativo.
— Não se preocupe, se eu beber demais, você dirige, minha ragazza.
— Melhor, meu querido. — perceptiva, aceita minha afronta e sua mão paira de
modo sugestivo em meu joelho. Somente com esse pequeno toque, Antonella me
põe em alerta. — Mi scusi, amore mio. — move seu corpo, arrastando sua
[390]

cadeira e imitando seu gesto, Brian e eu também ficamos em pé. — Não


demoro!
Nem preciso ser indiscreto e perguntar onde ela está indo, Antonella passa pelas
muitas pessoas e caminha em direção ao banheiro.
Antonella
Fingir estar ao lado de Enzo como se estivéssemos apaixonados tem exigido de
mim algo que vai além de minhas forças, com todos os contratempos e pesares,
meu sentimento por Enzo ainda permanece intacto, porém um tanto quanto
espezinhado pelo decorrer da situação. Ao pensar que pudesse jogar meu charme
com ele e usar desse artífice como uma arma potente ao meu favor, senti que isso
não me traria nenhuma vantagem ou vitória sobre ele e sim, me magoaria ainda
mais.
Ao me beijar durante aquela dança, minha mente remontou aos momentos em
que a sua vingança se fez mais forte do que qualquer sentimento que porventura
ele sentisse por mim e cada palavra remanescente vibrava em meu peito como
um alarme de prevenção para uma possível decepção futura.
No banheiro, a movimentação é grande, várias mulheres ajeitam seus cabelos e
retocam a maquiagem. Quero lavar meu rosto e quem sabe esvanecer um pouco
o calor que me abate, me aproximo da bancada, deposito minha pequena bolsa e
nesse exato momento, meus olhos cruzam com um olhar soberbo de Nina, ela
caminha de cabeça erguida, mantendo seu nariz em pé e olhar exalando um não
sei o quê de cinismo. Reduz a distância entre nós ficando ao meu lado no grande
espelho.
— Nossa! — abre sua bolsa prateada e pega seu batom. — E não é que a
empregadinha conseguiu um lugar ao sol? — finjo não dar ouvidos à advogada
puttana que retoca com cuidado os excessos de sua maquiagem.
Tento me afastar e sua pequena mão toca em meu antebraço fazendo com que eu
nivele meu olhar ao seu.
— Você não passa de uma oportunista, Paola! — sorri pelo canto dos lábios. —
Onde está a mulher que não queria o meu lugar?
Sabe aquele dia em que a pessoa te pega em um momento errado? É exatamente
isso que acaba de acontecer! Nina me pegou em uma circunstância em que meus
nervos não estão bem, passei por tantas coisas nessas últimas horas que minha
mente em frangalhos está a ponto de sofrer um surto psicótico e quebrar tudo a
minha frente e essa baranga estilizada, aparece justamente agora para me
hostilizar.
— Ela está bem aqui, sua vaca!! — minha mão direita espalma sua cara de
panela amassada, sua reação é alisar a mão em sua face agora avermelhada e
inchada devido a força exercida de meu braço.
— Sua italiana desclassificada! — continua a me ofender, soltando uma risada
debochada. — Acha mesmo que Enzo irá lhe oferecer algum futuro? Tenho pena
de você, sua suburbana!
— Quando nos separarmos, pode apostar que não cercarei as suas futuras
namoradas no banheiro em sinal de puro recalque! Sei como perder, sua cara de
buldogue! — Nina cria coragem, avança sobre mim e sua unhas cortantes
marcam meu rosto.
— Miserável! — puxa meu vestido tentando rasgá-lo.
As outras frequentadoras do banheiro nos olham e saem em busca do
responsável pela segurança do lugar. Se eu não bater nessa fulana, acho que não
durmo essa noite, já engoli desaforos demais por esse ano todinho.
Com raiva, a seguro pelo pescoço com minha mão esquerda, com a direita acerto
um belo soco na sua cara e não contente ao ouvir seu gemido de dor, enfio sua
cabeça debaixo da torneira da pia deixando que a água resfrie seu cérebro tão
cansado.
Duas mulheres corpulentas trajando um uniforme escuro se aproximam e nos
separam tentando acalmar nossos ânimos.
— Parem as duas. — diz uma delas segurando meu braço. Nina com seus
cabelos molhados me fita com raiva.
— Aguarde o processo que moverei contra você, vadia!
— Chega !!! — fala com exaltação a segurança.
— Que medo estou! Processe e mude do planeta, sua puttana, pois do contrário,
na próxima acabo com sua raça.
Nina e eu ainda trocamos alguns desaforos e uma das seguranças percebe o meu
estado alterado e com sua experiência comum nesse tipo de situação, me convida
a sair pacificamente do recinto. Ajeito a alça do meu vestido que ficou
danificada e arrumando meus cabelos, caminho rumo a saída.
Não preciso mencionar que Enzo me espera na porta do banheiro com a
expressão de contrariedade e face totalmente sisuda, me aproximo e seus dedos
pressionam a minha pele me conduzindo por entre as demais pessoas.
— Para onde estamos indo?
— Para onde acha que estaríamos indo?
— Achei que voltaríamos a beber e jogar conversa fora. — olho para nossa mesa
e Brian já não se encontra sentado, tento puxar meu braço e então Enzo resolve
sanar a minha curiosidade.
— Estamos indo embora, Paola. — é absurdamente incrível como ele se mantém
atento ao meu falso nome e não acaba dando uma bola fora. — Você já
completou sua cota por hoje! — mesmo com a voz um tanto exasperada, não
sinto que Enzo esteja me chamando a atenção pelo fato de ter batido em sua ex
amante.
Para em minha frente e retira seu paletó, o depositando em minhas costas,
cobrindo a alça arrebentada de meu vestido.
— Assim está bem melhor, vamos!
Me coloca a sua frente e me guia com suas mãos em meus ombros. Na saída da
boate, o manobrista nos espera com a porta do carro aberta e Isaiah juntamente
com Marcello estão a postos na calçada.
Um rapaz passa por Enzo batendo em seu ombro de modo brusco.
— Hei! — Enzo lhe chama a atenção devido ao ato de grosseira, o rapaz nem
olha para trás e adentra a boate.
Mais dois passos à frente e num piscar de olhos, uma mísera fração de segundos,
um estampido faz com que Enzo jogue seu corpo sobre o meu, causando um
impacto doloroso sobre o concreto frio da calçada, uma bala certeira me tiraria a
vida sem que eu me desse conta de quem seria o assassino.
Marcello vem em nosso socorro, enquanto Isaiah sai correndo na direção de
onde veio a bala.
— Peguem esse desgraçado!
Marcello segue a mesma direção de Isaiah e desaparece entre os transeuntes, a
respiração de Enzo é pesada tanto quanto o seu corpo que ainda me protege
como um escudo. Devagar, ele se levanta soerguendo meu corpo com seus
[391]

olhos atentos a tudo que se passa ao redor.


Minha testa sangra em razão de um pequeno corte superficial, devido ao choque
com o meio-fio.
— Você está bem? — seus olhos correm por todo meu rosto, enquanto suas mãos
alisam meu corpo que treme em face do terror que fomos acometidos.
— Estou. — asseguro, respirando fundo. — Enzo me coloca dentro de seu
Porshe e fecha a porta.
— Não saia daí, eu já volto.
A aglomeração de pessoas que chegam para ver o que houve só aumenta e todas
elas tentam me ver através do vidro escuro do carro.
Minutos depois, a polícia encosta e Enzo fala mansamente com um deles que
concluo ser o chefe da ronda, Isaiah e Marcello se juntam a roda e depois de
mais alguns gestos e explicações, vejo quando Enzo se distancia dos policiais e
andar em direção ao seu carro.
Senta no banco do motorista e com o semblante de impotência, pende seu
pescoço e sustenta um olhar frio e ainda muito irado.
— Não conseguimos pegar o desgraçado! — soca o volante como se o objeto
tivesse vida própria.
— Ele fugiu? — balança a cabeça em negativa.
— Então a polícia o pegou primeiro, por isso vocês falavam com os policiais? —
pergunto, mais aliviada por chegar nessa suposição.
— Ele foi encontrado morto a duas quadras daqui, antes mesmo que meus
homens chegassem até ele. — boquiaberta, não sei o que dizer. — Sabe o que
isso significa? — demoro a responder e Enzo se adianta. — Que ao errar o alvo,
o assassino foi morto como queima de arquivo, Antonella e isso quer dizer que o
nosso inimigo está mais perto do que imaginamos...
Incancellabile[392]

Enzo
— Você suspeita de alguém?
Um pavor oculto é mantido em seu olhar, por mais forte e corajosa que
Antonella possa ser, seu corpo exprime as sensações e reações que aquele
disparo lhe causou.
Quem armou esse plano tem a total ciência de que sua morte seria uma das
formas mais diretas para me atingir e com isso, demonstrar aos que me cercam
que por mais astuto e protetor que eu me porte, não a protegi como se deveria.
Felizmente, meus reflexos estavam aguçados no momento daquele maldito
disparo e pude evitar que o pior acontecesse.
O infeliz que está por trás desse esquema quer, de alguma forma, acabar comigo
me atingindo em dois parâmetros distintos, o âmbito profissional e afetivo.
Mas quem e por quê?
São essas as perguntas que ainda se encontram sem nenhuma resposta em minha
mente e não há nenhuma pista concreta que me aproxime da verdade.
Um homem como eu, ao longo da vida, acumula inúmeros inimigos e quando
nasce uma vingança, não há como saber quem é o responsável pela flecha que
foi lançada em sua direção.
— Até de minha sombra! — respondo, atento ao retrovisor e constato que Isaiah
se mantém colado ao meu veículo.
Alguns poucos minutos e Antonella acaba falando sobre sua briga com Nina no
banheiro da boate.
— Acabei perdendo a cabeça e a agredi. — toca sua testa ferida e encara seu
indicador sujo de sangue.
— Nina a provocou? — uma centelha de desconfiança surge em meu cérebro
sobrecarregado de informações. — O que ela lhe disse?
— Nada que eu não esperasse. — refuta, agora mais calma. — Se ela tivesse me
pego em alguma outra circunstância, talvez isso não tivesse acontecido. — se
adianta. — Contudo, meus dias não têm sido muito bons e acabei descontando
nela uma raiva que seria direcionada ... — para de falar.
— Direcionada a mim? — fecho meu cenho e espero a sua resposta que não vem
de imediato.
— Enzo, não quero discutir por hoje, está bem?
Antonella tem toda a razão, já discutimos o bastante nesse curto período e o
silêncio de ambos é a melhor forma de estagnar o mal-estar que se abateu sobre
nós dois. Recosta sua cabeça ferida no banco do passageiro e de olhos fechados
permanece em silêncio, é a maneira encontrada por ela para evitar mais
confrontos que nos faça sentir um remorso tardio.
Dirigindo com muito cuidado e atento aos mínimos movimentos adversos nas
ruas, uso meu lado racional para desvendar e quem sabe poupar a vida da mulher
ao meu lado, em determinado momento, viro meu pescoço e a vejo cochilar com
os lábios entreabertos. O decote de seu microvestido revela a curvatura entre
seus seios e a imagem de seu colo desnudo, me remete à nossa primeira noite, a
noite em que ela se confessou apaixonada por mim.
Razão e emoção se embatem com a mesma força dentro de mim, no fundo, tenho
conhecimento e senso do que é ou não verdadeiro, todavia o maior percalço é
[393]

a construção de uma nova muralha de confiança.


Como iremos confiar um no outro sem que paire no ar a dúvida de que um dos
dois esteja jogando?
Encho meus pulmões de ar e um carro em alta velocidade me ultrapassa, mais
uma vez, desvio meus olhos para a ragazza que ressona ao meu lado e noto que
mantém ainda em seu dedo o anel presenteado por mim e então, fico imaginando
se ela tem noção de que usa uma joia com rastreador.
Sua ingenuidade é tamanha que somente com a venda desse anel, Antonella teria
o dinheiro de sobra para salvar a irmã e ainda sobraria um bom montante para
viver em sua pacata Siena.
Antonella..., soletro seu nome em pensamento e disfarço para não sorrir.
Tudo é tão irônico que poderia ser transformado em um livro, onde o mafioso
implacável se vê frente a uma impassível decisão.
[394]

A vida dessa mulher depende de dois pêndulos distintos que se movimentam


[395]

quase simultaneamente, o primeiro deles vem do lado inimigo, cuja identidade


nos é totalmente encoberta por uma sucessão de suspeitos, é fato que esse sujeito
a quer morta a qualquer preço e não sossegará, enquanto não alcançar o seu
êxito. Acredito que meu imperceptível oponente ainda não saiba que um dos
seus tentáculos foi cortado, com a morte de Pablo, acredito piamente que, muito
em breve, uma outra pessoa tomará o seu lugar e quando isso acontecer quero
estar mais do que preparado para o contra-ataque.
O outro pêndulo e talvez o mais intransigente seja a Cosa Nostra, as regras são
claras o bastante, se por acaso, esse mandante tenha algum elo com qualquer
ramificação do crime organizado, mesmo que de outra denominação, Antonella é
considerada uma traidora e com isso, cabe a mim cumprir o papel de executor, a
matando em nome e honra de nostra famiglia. Tenho a obrigação de trazer a
[396]

morte para quem vive em mim.


Enrijeço meu maxilar e aperto com força o volante, mais alguns metros e adentro
o portão de minha casa. Algumas luzes internas se encontram apagadas, sinal de
que meus familiares já se recolheram, melhor assim, preciso ficar sozinho e
pensar, encaixar cada mínimo acontecimento ao fato como um todo. Nunca fui
um homem que acreditasse em coincidências, para mim, o que denominam mero
acaso, são situações forjadas com o intuito de algum proveito futuro, a aparição
repentina de Nina naquela boate e a provocação dirigida à Antonella não foram
mera coincidência.
Desligo o carro assim que o estaciono na garagem, Antonella ainda dorme. Saio
do veículo, abro a porta do passageiro e devagar a retiro de lá de dentro a
segurando em meus braços. Ela abre seus olhos lentamente e tenta se
desvencilhar de meu colo.
— Posso ir andando, Enzo! — desabafa, sonolenta.
— Assim como posso carregá-la. — respondo sem querer ser ríspido.
Ando devagar e adentro a mansão sem fazer barulho, o calor que emana de seu
corpo, atravessa todas as barreiras encontradas em mim e me causa um alento
imediato, sei que nesse momento ela está segura e nada a atingirá.
Gostaria muito que Antonella pudesse sentir o mesmo, estando em meus braços,
confiar que só a mim compete a sua segurança e bem-estar completos. Subo as
escadas e aumento meus passos em direção ao corredor.
— Enzo, meu quarto é por ali. — ergue o braço e aponta para a direção oposta
com sua delicada mão.
— Não estamos indo para o seu quarto! — seu corpo fica tenso e na certa ela
está pensando bobagens.
— Não quero ir para seu quarto.
— Nesse momento, o seu querer será colocado em segundo plano. — resignada,
ela ainda permanece com as mãos em meu ombro e vejo que isso seria mais uma
regra sendo quebrada, uma espécie de concessão temporária.
Sem nenhuma pressa, abro a porta de meu quarto e a coloco em pé,
demonstrando meu cuidado, saio em direção ao banheiro, tentando limpar minha
camisa suja de sangue.
— Enzo. — viro meu pescoço e a vejo com o semblante petrificado.
— O que foi?
— Quero voltar para o meu quarto! — parece temer que eu a agarre aqui dentro.
Meus antecedentes não me privam de inocência, mas as circunstâncias eram
outras, havia bebido em demasia e tudo o que eu mais ansiava era ter o seu corpo
sendo somente meu, mas o que todos chamam de destino, resolveu brincar com a
minha sensatez e destronar o que eu achava impossível..., minha condição
invulnerável e completamente racional.
— Sente-se na cama, eu já volto!
Entro no banheiro e lavo meu rosto e mãos, em frente ao espelho, analiso meu
rosto cansado e em seguida, abro uma de minhas gavetas e pego uma pequena
caixa de primeiros socorros. Com a caixa na mão saio e a ragazza se encontra
sentada em minha cama com o olhar absorto. Ao notar minha presença,
[397]

endireita o corpo e descruza suas pernas.


— Vamos limpar seu rosto! — sua face assume um ar atônito ao me ver sentar
ao seu lado e afastar seu cabelo a fim de analisar a gravidade de seu machucado.
— Foi somente um pequeno corte. — constato e limpo o sangue ao redor do
ferimento.
Antonella não ergue seus olhos em nenhum momento e isso me faz pensar o
quanto somos parecidos, pois mesmo sendo atingida por um emaranhado de
emoções, ela sente o mesmo impasse ao tentar remediar o que pode não ter
remédio. Como gostaria que sua presença me fosse indiferente, olhar em sua
direção e me sentir frio como antes!
Limpo o pequeno ferimento bem devagar com a leve desculpa de que estou
sendo cuidadoso, mas na verdade estou adiando ao máximo a sua saída desse
quarto.
— Vai arder um pouco. — se encolhe quando passo um líquido asséptico sobre o
corte. Tenta afastar minha mão tocando em meu punho.
— Percebi. — camufla um meio sorriso com sua expressão de dor.
Tudo poderia ter começado de uma maneira diferente e no entanto estamos aqui.
— Pronto, terminei. — ajeito o curativo em seu rosto.
— Obrigada. — diz, quase silenciosa.
Junto o algodão sujo, com a caixa de primeiros socorros e me dirijo novamente
ao banheiro. Ao retornar, ela se encontra próxima à porta com sua mão na
maçaneta.
— Boa noite, Enzo.
Sem fixar seu olhar ao meu, ela sai de meu quarto e um imenso vazio dá lugar ao
que antes parecia ocupado por sua presença. Me encaminho para o banheiro e
depois de um banho frio e restaurador, visto uma velha calça de agasalho e uma
camiseta. Inconformado, saio de meu quarto e já em meu escritório, opto por
uma companhia para meu fim de noite, companhia essa que me traga calor e
alento, uma bela garrafa de Macallan , 64 anos.
[398]

Me sirvo de uma generosa dose e fico em pé próximo a janela a observar o


silêncio da madrugada, alguns seguranças rondam a casa e tudo permanece na
mais absoluta paz..., exceto o meu conturbado eu.
Viro o copo e o encho novamente, o álcool desce por minhas veias e aos poucos
me dá a sensação enganadora de que posso relaxar.
Creio que depois de esvaziar todo o conteúdo da garrafa me encontrarei bem
melhor.

Antonella
Perco a noção de quanto tempo fiquei a encarar meu rosto no espelho, no canto
direito de minha testa, o curativo bem feito por Enzo é o sinal de que se não
fosse por sua agilidade, a essa hora eu estaria morta, esfrego meus braços,
tentando afastar o nervosismo e a tensão que se abateram sobre mim.
No momento seguinte ao disparo, quando já estávamos no carro a caminho de
sua casa, ainda em choque, me senti um pouco feliz... Sim feliz, por descobrir
que Enzo não me queria morta, afinal ele me salvou daquela bala sem pestanejar,
porém a minha alegria um tanto efêmera logo se dissipou ao perceber que esse
salvamento não tem nada a ver com o que porventura possa sentir por mim e
sim, pela importância de ser uma das peças-chaves na elucidação desse caso de
vingança, sou necessária nesse momento e minha morte alavancaria outros
problemas ainda maiores.
Insone, reviro meu corpo na cama e durante um longo período faço uma
retrospectiva desde que cheguei a Nova Iorque. Se me perguntassem se carrego
algum arrependimento, devido a todo esse mal recorrente, diria que sim, porque
foi através desse lamentável e catastrófico tratado que me deparei com o homem
mais impactante que um dia imaginei conhecer, além de carregar um beleza que
desnorteia pela perfeição, Enzo é forte de maneira física e emocional. Nada
parece abalar ou desestruturar esse homem que lida com as piores situações com
uma frieza ímpar e inteligência inigualáveis.
Dono de uma aura inflexível, sua presença impacta tanto quanto o seu próprio
nome e apesar de não estarmos juntos, não posso deixar de admirar a maneira
com que ele tem lidado com toda essa confusão que recai sobre seus ombros.
Me defendeu da morte e me tratou com uma gentileza inusitada, depois de
incidente de Verona, deixando transparecer o quanto aquilo também o magoou.
Apesar de ser um homem com um coração empedernido e atitudes ferrenhas
[399]

sem retrocessos, Enzo quer deixar claro que sua reação agressiva era algo
imprescindível para aplacar a dor de ser traído e mesmo que tudo acabe de uma
maneira infeliz, continuarei a admirar e amar meu lindo e poderoso gângster. O
amo sabendo o que ele faz e o que ele representa, simplesmente, o amo e o
amarei, enquanto ainda me restar um sopro de vida.
Abraço meu travesseiro e segurando um choro invasivo, seco uma lágrima
intrusa que cai do canto dos meus olhos, irritada por não mais dominar esse
sentimento que habita em mim, me levanto e abro a grande porta de madeira que
dá acesso à sacada de meu quarto.
Um ar abafado e nuvens espessas anunciam uma chuva fria, aspiro a brisa e
meus olhos se dirigem para o jardim. Deixo a porta aberta para que o ar natural
refresque o ambiente e fico a contemplar a movimentação e o confronto entre as
nuvens, mais calma, me encaminho para o banheiro e na volta, meu corpo pula
em um sobressalto, ao ver Enzo invadindo meu quarto pela sacada.
Engulo meu grito e com a mão na boca abafo seu nome entalado em minha
garganta.
— O que você está fazendo aqui?
Ofegante e com sua aparência desleixada, Enzo caminha descalço em minha
direção e faz meu coração palpitar como se tivesse um tambor rufando em meu
peito, sem camisa e usando apenas uma calça de moletom preta, me pergunto o
quanto ele possa ter bebido para cometer o disparate de invadir o meu quarto a
essa hora da madrugada.
— O que vim fazer? — ele parece fora de si e torço para que isso não ultrapasse
nenhum limite que me obrigue a gritar por socorro.
— Você invadiu meu quarto e por isso pergunto o que faz aqui?
— Por acaso, você sabe o que fez com a minha vida? — mais um passo e ele
fica frente a mim. Meus olhos se mantêm atentos a porta do quarto, ou seja, a
minha única saída.
— Tem noção do que acabou fazendo, Antonella? — meu nome é dito em um
tom mais inaudível, portanto deduzo que ele não está tão bêbado e irracional
quanto aparenta.
— Enzo, não é hora para discutirmos esse assunto. — rapidamente, ando até a
porta e antes mesmo que alcance a maçaneta, sinto seus dedos agarrarem meu
braço exercendo certa pressão sobre eles.
— Quem é você para me dizer o que devo ou não fazer? — engulo em seco ao
sentir seu corpo se chocar com o meu e ele continua a dizer coisas que talvez
poderiam me magoar, se acaso não estivesse preparada para enfrentá-lo como
agora.
— Me solte, seu imbecil!
Tento empurrá-lo, contudo a única coisa que consigo é fazer com que ele me
jogue na cama, caindo com seu corpo sobre o meu. Monta sobre mim com seus
olhos estreitados e brilhantes a me fitar sem desviá-los por um segundo de meu
rosto e sua mão paira ao redor de meu pescoço.
— Sabia que eu poderia matá-la e ninguém daria falta de seu corpo? — respiro
fundo e minha resposta sai como um tapa que cala a sua estupidez.
— Se me queria morta, então por que me salvou daquele disparo? Por qual razão
não deixou que me matassem? — seu maxilar se enrijece e seu rosto se aproxima
do meu.
— Colocou em risco a minha família e me colocou em uma situação tão delicada
que não sei como irei me safar e tudo isso, por quê?
— Me mate, Enzo. — seguro sua mão em torno de meu pescoço e induzo que
ele a aperte e acabe com esse impasse que o crucifica tanto. — Se isso lhe
trouxer paz, prefiro morrer por suas mãos do que por qualquer outra pessoa.
Sinto quando seus dedos apertam minha carne e na sequência, é a sua boca que
esmaga meus lábios com aflição, recebo seu beijo como um alívio restaurador
pela saudade e falta que seu contato me fez e ele busca em mim a saída pela dor
que o exima.
— Antonella... — encosta sua testa na minha e sua mão não mais me estrangula
e sim, corre afoita pela lateral de meu corpo como se estivesse tocando algo que
o queimasse.
Ergue minha camisola, até a minha cintura e com um toque mais intenso, invade
minha lingerie com seus dedos, volta a buscar meus lábios com sofreguidão e
sua língua com gosto de malte, explora cada canto de minha boca que esperava
angustiada pelo dia em que provaria o seu beijo novamente.
É um beijo onde ele coloca tudo o que sente, extravasando sua emoção com seu
jeito brusco, abaixa sua calça e esfrega seu pau completamente excitado sobre o
tecido de minha calcinha. Alucinado, massageia meu sexo que, nesse instante, se
encontra molhado e pronto para receber o que Enzo pretende me dar.
É uma forma de dizer a ele que aja o que houver, ele sempre será para mim o
homem a quem desejei e o único a quem permito ser tratada com essa rispidez.
Subitamente, puxa minha calcinha e abre minhas pernas sem descolar sua boca
da minha e numa investida só, penetra em mim, gemendo como se sentisse dor.
Abraço seu corpo e ele segura meu rosto entre suas mãos. Com estocadas
profundas e rápidas, me faz gemer de prazer e de satisfação por saber que sou a
causadora dessa bagunça toda em sua cabeça, nos permitimos uma espécie de
punição e nos martirizamos por sentirmos presos um ao outro, nesse momento,
nos nivelamos e nos tornamos iguais.
Sua boca exala álcool, enquanto seus olhos paixão. Mete com mais força e
mesmo que eu me negue a sentir essa onda de prazer, ela vem com força e me
arrasta deixando que um orgasmo alucinante me faça gritar seu nome, com a
boca colada em meu ouvido, seus quadris investem com mais força e sem se
segurar, sinto seu gozo quente a se espalhar dentro de mim e o que era para ser
mágico e lindo, se torna obscuro e vazio, quando ele sai de dentro de mim sem
dizer absolutamente nada, apenas arruma sua calça e ajeita seus cabelos
desalinhados. Perturbado, caminha para a porta e o interpelo antes que
desapareça de meu quarto.
— Confessar que está apaixonado não o tornará mais fraco, Enzo. — com o
peito arfante, ambos nos encaramos e ele muda de assunto.
— Farei uma viagem a Vegas e ficarei por lá alguns dias.
— Não me importa para onde vai ou deixa de ir. — rebato, nervosa.
— Isaiah cuidará de sua segurança e quando eu retornar, cuidarei de seu destino.
— sai do quarto, batendo a porta com força.
Sentada na cama, debruço meus braços em meus joelhos flexionados e choro de
raiva por Enzo ser tão intransigente
[400]
e covarde quando o assunto é sentir algo
por mim...
La pompa[401]

Enzo
"Confessar que se está apaixonado não o tornará mais fraco, Enzo."
A frase proferida por Antonella serviu para aplacar em meu interior um peso
insurgente, um impacto controverso sobre o que sinto abrasando dentro de
[402]

mim.
Estar apaixonado nesse momento é dar munição para aquele que quer o meu fim,
demonstrar e tornar público esse sentimento é como deixar o caminho marcado
para a minha maior angústia, a incapacidade de protegê-la.
Invadi seu quarto como um ladrão e roubei o seu gosto juntamente com seu
cheiro que ainda estão impregnados em meu corpo, esmaguei sua boca e toquei
sua pele como se tivesse recebido a dose necessária de um remédio que atenuou
meu medo, o medo de que ela não mais estivesse ali sob os meus olhos, ninguém
deveria ser ousado a ponto de quer tirá-la de mim.
Ao me pedir para matá-la, carregava em seus olhos destemidos uma força que
me arrastou para si e fez com que eu perdesse meu controle tão bem ensaiado
para não sucumbir, agarrado à ela, minha racionalidade foi vencida pela força
atrativa que se mantinha cativa em seus olhos, uma força imutável com a qual
não tive nenhuma chance de me debater.
Naquele momento, nos entregamos sem palavras e nossa única linguagem era o
silêncio da noite e nossa respiração entrecortada que se mantinha sufocada sem
poder revelar o que realmente acontecia com cada um de nós, ao gozar dentro
dela, meu lado cauteloso e centrado fez com que me esquivasse, a deixando ali
com seus pensamentos sombrios e caminhei para fora do quarto carregando os
meus.
São seis da manhã e é mais uma noite em que permaneço acordado, em meu
escritório, aguardo por Ignácio. Quero lhe repassar algumas instruções e eliminar
algumas hipóteses levantadas na noite de ontem.
Não demora muito e meu Consigliere bate em minha porta. Complacente, me [403]
deseja bom dia e caminha até sua poltrona favorita, com as pernas cruzadas, abre
uma pasta preta com seu modo muito metódico e peculiar.
— E então?
— Seu amigo Brian, por hora, está fora de suspeita. — atesta enquanto me
entrega algumas folhas. — Pelo que você me relatou, Brian recebeu um
chamado de emergência, pouco antes de Nina e Antonella se engalfinharem na
boate. — chacoalho a cabeça em concordância com seu raciocínio. — Eu
mesmo verifiquei a veracidade dos fatos e no momento do disparo, ele se
encontrava em atendimento no hospital em que sempre faz plantão.
Brian não estava mentindo quando deixou nossa mesa e se retirou às pressas.
Um suspeito a menos, por enquanto.
— E Nina? — pergunto, analisando friamente as folhas repassadas a mim.
Nelas, temos algumas imagens de Alvin entrando discretamente em uma das
clínicas de Marie.
Quer dizer que os dois estariam juntos com o intento de me derrubar? Solto uma
lufada de ar pelas minhas narinas em sinal de exaustão. Nesse momento, gostaria
de ser outra pessoa e não ter que me preocupar com os inúmeros ratos que me
rodeiam e que tencionam conspirar contra mim.
— Falei com Fauler. — Ignácio se levanta. — Em consideração à amizade que
ele tem pela sua família, em especial ao seu pai, Nina será demitida.
— Isso ainda é pouco! Quero saber se ela está envolvida nessa trama toda! —
cerro meus punhos e esmurro a dura madeira de minha mesa.
— Isso é o que iremos descobrir! Temos uma pessoa em sua cola a partir de
agora, todo e qualquer passo em falso que ela dê, será um ponto a nosso favor.
— Ótimo! — mudo o assunto, erguendo os papéis em direção a ele. — Cuidarei
desses dois, quando voltar de Vegas.
— A que horas você parte?
— Daqui uma hora! — respondo, olhando em meu relógio. — Espero descobrir
algo de útil com essa reunião.
—Ti auguro buona fortuna, Enzo. — aperta meu ombro num gesto solícito.
[404]

Ignácio sempre esteve comigo nos melhores e piores momentos dessa minha
vida contraventora.
— Irei precisar, amico.
Isaiah é o próximo a adentrar minha sala, trazendo nas mãos um exemplar do
New York Times.
— Ficando famoso, chefe.
Na primeira página, uma foto minha com a notícia do atentado.
Droga! Terei que falar com meus familiares e tranquilizá-los de que isso foi um
assalto ou coisa parecida, em hipótese alguma, posso revelar o que realmente há
por detrás dessa notícia, exceto que jamais conseguirei enganar ao meu pai.
Depois desse incidente, a Comissão fará jus ao intuito de assim como eu,
descobrir quem poderia querer a minha ruína.
— Quero que cuide da segurança de Antonella durante a minha ausência! —
digo, olhando diretamente em seus olhos. — Poderia levá-la comigo, porém sua
presença aqui, nesse momento, é mais do que necessária. — Isaiah aquiesce com
a cabeça.
— Sabe que pode contar comigo! — cruza seus braços. — Irá sozinho para
Nevada?
— Não! — digo, num sobressalto. — Domênico irá comigo.
— Quando retorna a Nova Iorque? — Ignácio me interpela.
— Não tenho uma data prevista. — rebato, seco.
Ele e Isaiah me examinam por alguns segundos e sem conter seu pensamento
rápido, Ignácio dispara.
— Por que tenho a leve impressão de que essa viagem tem algum sentido a
mais? — ardiloso como poucos, meu mais que conselheiro capta o que há de
subentendido nessa minha viagem repentina.
— É uma viagem muito importante e é só isso que vocês precisam saber por
enquanto. — ando até minha mesa e vasculho a minha gaveta, deixo algumas
anotações e recomendações por escrito e entrego a Ignácio.
— E sobre a Suíça? — arqueio minhas sobrancelhas aguardando uma boa
notícia.
— Tudo correndo conforme me orientou. Logo, eles entrarão em contato.
— Perfeito. — Fabrizio coloca seu rosto discretamente na fresta da porta.
— Senhor Ferraro, tudo pronto. — olha para os demais e os cumprimenta com
um leve meneio com a cabeça. — Podemos partir, assim que o senhor ordenar.
— Estou indo, pode me esperar no carro?
Me obedece e depois de ter uma conversa muito séria com meu pai, me despeço
e saio em direção à garagem, onde Fabrízio me espera com a porta do carro
aberta para me conduzir ao aeroporto, espero que essa minha viagem não seja
em vão.
Um pouco antes de chegar o meu destino, meu celular vibra em meu bolso.
— Enzo, bom dia! Como você está? — a voz preocupada de Brian ressoa do
outro lado do aparelho. Não preciso perguntar como ele ficou sabendo, pois a
essa hora, milhares de pessoas sabem do ocorrido através da imprensa.
— Estou bem, foi somente um susto!
— Um susto? Você é louco? Atentam contra a sua vida e com essa voz calma me
diz que isso foi apenas um susto?
— Felizmente, ninguém saiu ferido, amigo. — míseros segundos e ele pergunta
por Paola.
— E Paola?
— Também não sofreu nenhum arranhão.
— Não quer que eu dê uma passada em sua casa para ver como vocês estão?
— Não é necessário, Brian! Estamos bem. — olho para o tráfego de sábado de
manhã e me tranquilizo por saber que meu voo sairá na hora prevista. — Quero
que cuide de meu pai somente, isso é o que pode fazer por mim.
— Pode deixar, seu velho é turrão, mas eu ainda o dobrarei! — solto um meio
sorriso e sei o que Brian enfrenta toda as vezes em que consulta o meu velho
Victório. Nos despedimos e sigo a caminho de Nevada.
A caminho da absolvição ou à condenação de Antonella.

Antonella
Ao sair de meu quarto, uma corrente fria atravessa o corredor anunciando a
chegada de mais um outono, esfrego meus braços na intenção de aquecê-los e
desço devagar as escadas que dão acesso ao térreo da mansão. Uma nova
arrumadeira passa por mim com seus aparatos de trabalho e a cumprimento com
um aceno de cabeça.
De onde estou é possível ver o senhor Victório, sentado à ponta da mesa do café,
com seu pulôver cinza e uma camisa azul a ler seu jornal com seus óculos na
ponta do nariz, me dirijo quase roboticamente em sua direção e prontamente ele
vira seu pescoço, tirando seus óculos e me dizendo bom dia.
Magro e abatido, seu corpo parece não acompanhar a vivacidade que é exalada
de seus olhos tenazes.
— Bom dia, senhor Ferraro.
Decididamente, Enzo teve a quem puxar, pois seu olhar sagaz recai diretamente
sobre o pequeno curativo em minha face, dobra seu jornal meticulosamente e o
coloca ao lado de sua xícara de café já frio.
— Enzo foi para Nevada.
— Ah, sim. — respondo sem jeito. — Ele me disse que iria logo pela manhã. —
pigarreia e retira seus óculos, os depositando sobre o jornal.
— Espero que ele consiga resolver por lá o que não foi possível fazer por aqui.
— suas sobrancelhas formam um arco cerrado e suas palavras chegam até mim
como uma advertência paternal muito dura, o senhor Ferraro parece saber quem
eu sou na verdade.
Engulo em seco e não sei se sorrio e concordo ou permaneço séria e calada.
— Enzo deve saber o que está fazendo. — digo num tom que não tem nada de
provocativo, aliás eu não seria louca de provocar o patriarca da família.
— Se ao menos ele soubesse com quem está lidando seria muito mais fácil. —
meus olhos se fixam em suas mãos senis que apertam fortemente seu
[405]

guardanapo.
— Senhor Ferraro... — tento argumentar e quem sabe ele possa me ouvir e
entender afinal o meu erro.
— Antonella é o seu nome, não é? — chocada ao descobrir que ele conhece a
minha identidade, o encaro com um medo de ser escorraçada ou até mesmo
morta pelo chefão master da família.
— Sí. — abaixo meus olhos que tentam esconder um constrangimento lastimável
e me restrinjo a não encarar a sua face endurecida.
— Cara mia. — olha ao redor e se certifica de que nenhum outro integrante da
família se aproxima.
— Muitos se surpreendem quando digo que Enzo sou eu melhorado e vou lhe
explicar o porquê. — pausado, sua voz fria ecoa em meus ouvidos me alertando
que não teremos uma conversa amigável.
— Enzo é muito mais astuto, violento e muito mais perceptivo do que um dia
fui. — levanto meu olhar e ainda encontro seu olhar negro a me fitar. — Porém é
mais generoso e justo, pois por mim a essa hora, jamais a manteria sob o meu
teto.
— Senhor Victório sei o quanto deve me odiar, mas quero lhe dizer que...
— Enzo já me disse tudo e a única coisa que me faz pesar a sua atitude é o seu
amor pela sua sorella. — ao menos, um Ferraro que me concedeu uma
justificativa.
— Obrigada por me entender de certa forma.
— E quero deixar outra coisa muito clara, Antonella... — os vincos de seu rosto
se destacam pela firmeza com que me encara. — Nada é tão mortal como um
ferimento causado pela traição de alguém que amamos! — arrasta sua cadeira e
se coloca em pé me deixando sem nenhuma alegação decente.
—Tenha um bom dia e reze muito para que o inimigo que nos ronda
não pertença a nenhuma organização criminosa, do contrário, eu mesmo a
matarei com minhas velhas e calejadas mãos. — deixando exposta a sua dura
opinião a meu respeito com uma ameaça velada sobre meu futuro incerto, me
deseja um bom dia e sai da mesa levando seu jornal.
Sem apetite, tomo somente uma xícara de café e é então que Adele e Donatella
se juntam à mesa, esfrego meu pescoço criando forças para não deixar
transparecer o quanto as palavras do pai de Enzo me abalaram. As duas se
sentam e para meu alívio, me tratam de maneira mais que natural.
Letízia desce as escadas correndo e é repreendida pela avó, Pietro ainda deve
estar dormindo, afinal hoje é sábado e as crianças não têm aula.
— Enzo saiu em viagem tão cedo que nem se despediu. — comenta Adele se
servindo de seu café.
O cão de guarda chamado Eurídice se aproxima e verifica se falta alguma coisa
na mesa, corre seus olhos perscrutadores por toda a sala e vendo que tudo está na
mais perfeita ordem, deixa que a família tome seu café com privacidade.
—Também não o vi sair, Adele. — faço um comentário ainda receosa de que
elas também saibam de minha condição.
— Enzo e suas manias. — Donatella retorce seus lábios, contrariada. — Mesmo
deixando meu cabelo solto para camuflar o curativo, ele ainda acaba sendo
visível a todos que olham atentos para o meu rosto.
Elas ainda não têm conhecimento da verdade e muito menos estão sabendo sobre
o atentado da noite anterior, discretas, as duas não perguntam nada e em meu
interior, agradeço por tal fato.
— Mamãe, posso convidar Paola ? — Letízia sustenta no ar sua colher com
cereal no mesmo instante que seus olhos vívidos encaram sua mãe.
— Letízia, nós já não conversamos sobre isso?
Eurídice retorna com uma bandeja nas mãos e substitui o café já frio por um
outro bule com líquido fumegante.
— Aaaahhh, mas eu queria muito que ela fosse comigo! — as duas travam um
diálogo e Adele e eu ficamos sem saber de que se trata.
— Do que vocês estão falando? — desvio meus olhos para Adele que inquire a
neta.
— Vovó, minha sala toda vai estar lá. — fala, agitando seus braços e atropelando
as palavras. — E amanhã é a última apresentação.
— Lá? Aonde, minha querida?
— Em uma peça da Branca de Neve. — termina seu cereal e busca por uma fatia
de pão. — Paola, vamos comigo? — ela pede de um jeito tão carinhoso que
minha única saída é aceitar de bom grado.
— Mas é claro que irei com você, bambina ! [406]

— Paola, não precisa fazer as vontades dessa maluquinha! — sorri para Letízia
que parece não acreditar que a acompanharei nessa peça.
— Gosto muito dessa garota. — volto meu olhar para a menina, tocando seus
cabelos macios e em troca ganho um sorriso carregado de admiração,
acompanhado de olhos sorridentes.
Com certeza, quando a sobrinha de Enzo souber quem sou, não mais me olhará
mais dessa forma e isso me entristece, porque meu sentimento por ela sempre foi
o mais verossímil possível.
— Bem, depois não diga que não avisei! — Donatella bebe seu café e pisca para
mim.
Inegável como essa família se ama e se respeita, o senhor Ferraro é o pulso forte
que possui a admiração de Enzo e de todos da família e Adele com sua doçura
ímpar é a mãe e avó adorada sem nenhuma restrição, esse casal tem a fórmula e
dosagem certa que mantém a família unida por um laço afetivo indestrutível e
mais, tanto Adele quanto Donatella têm conhecimento sobre como os homens
da casa ganham a vida e fazendo vistas grossas a esse fator, vivem em uma
harmonia invejável.
Mais tarde, em meu quarto, me pego pensando em Enzo, aliás, depois que me
apaixonei por ele, não faço outra coisa ao decorrer do dia, a não ser me pegar
pensando nesse homem enigmático e complicado, depois do almoço, percebi
que ele ligou para avisar que havia chegado bem. Claro que não quis falar
comigo, o que é muito natural pela maneira com que ele saiu de meu quarto
nessa madrugada, falou com a mãe e os dois conversaram por um curto período,
ao desligar, ela me olha intrigada e só espero que não esteja sabendo da
verdadeira razão da viagem do seu filho querido.
Às quatro e meia da tarde, Fabrízio acompanhado de Isaiah levam Letízia e eu
para assistirmos a Branca de Neve, chegamos ao local e muitas crianças da
mesma faixa etária que a sobrinha de Enzo circulam pela antessala do pequeno
teatro.
Um rapaz passa por nós e esbarrando em meu corpo, pede licença pelo ato
grosseiro sem pretensão, ele traja uma jaqueta de couro marrom e uma calça
preta, cabelos muito bem cortados e barba cerrada.
Se afastando de nós, ele ainda se arrisca a olhar para trás e me encarar com um
sorriso bizarro em seu rosto. Minha reação é manter minha cara fechada sem
demonstrar nenhuma emoção.
Procuramos os nossos assentos e na lateral direita da sala está Isaiah, atento a
tudo e a cada um que entra no recinto.
As cortinas logo se abrem e o conto infantil me arrasta para seu mundo, me
tirando da realidade mesmo que por pouco tempo. Os vários cenários e figurinos
são impecáveis e a atuação dos atores faz jus as muitas salvas de palmas
recebidas durante a peça, meu celular vibra em meu bolso e meu coração dispara
ao imaginar uma mensagem de Enzo.
Olho para Letízia que retém seu olhar hipnotizado no palco, pego meu celular e
um número desconhecido me envia uma mensagem todinha em letras maiúsculas
que gela meu corpo e faz minha pulsação acelerar.
"QUE O TEU TRABALHO SEJA PERFEITO PARA QUE MESMO DEPOIS
DE SUA MORTE, ELE PERMANEÇA."
DA VINCI NÃO ERA MESMO UM GÊNIO?
Aperto o celular nas mãos e olho para Isaiah, quem quer que tenha me enviado
essa mensagem sabe que Enrico está morto e deixa claro
nessa espécie de recado ameaçador o futuro para a minha conduta.
O ator que interpreta o anão Feliz anuncia que escolherá uma das crianças na
plateia para fazer uma participação ao final da peça e desce do palco deixando
todos alvoroçados e em completo delírio, ele passa pela ala central olhando para
cada rostinho ansioso e caminha para a direita, onde Letízia e eu estamos
sentadas, a menina chega a segurar sua respiração tamanha euforia.
Para em frente à sua poltrona e estende sua mão enluvada e um enorme sorriso.
Letízia me olha pedindo permissão para participar da brincadeira e não vendo
nada demais que coloque sua vida em risco, permito que ela vá.
— Vá e brilhe, bambina! — me beija e sai de mãos dadas com o ator.
Sobe ao palco e depois de sua atuação tímida, ela recebe uma pequena caixa
como agradecimento por sua participação. Seu olhar recai sobre mim e ela ergue
o seu prêmio toda extasiada. Em pé, bato palmas, assovio e grito seu nome como
sua maior fã e ao olhar para o canto esquerdo do
palco, o mesmo rapaz que esbarrou em meu corpo e me sorriu de modo estranho
observa Letízia de uma maneira singular. Minha reação é sair correndo em
direção ao palco sem me importar em pôr um fim ao espetáculo.
Letízia rasga o lindo embrulho e todos os demais a incentivam a abrir a caixa
com mais rapidez.
— Não abra isso! — brado desesperada.
Ao me aproximar, tomo a caixa de suas mãos de modo brusco.
— Hei! Isso é meu Paola!
Ela pula tentando alcançar o objeto e, em seguida, encosto meu ouvido rente ao
embrulho e constato que dentro dessa caixa, há muito mais do que um simples
mimo para a menina. Deduzo, portanto, que ao abrir essa caixa, uma bomba
seria detonada matando Letízia e ferindo os que estivessem ao redor.
Isaiah, com sua calma e experiência quase inatas, se adianta e toma a caixa das
minhas mãos.
— Vamos tirar vocês daqui!
— Isaiah isso é uma bomba? — minha boca está ressequida tamanho meu
nervosismo. — ele meneia a cabeça afirmativamente e abaixa o seu tom de voz.
— Seria detonada quando Letízia abrisse a caixa, você a salvou, Antonella. —
ele se afasta e o vejo falando com Enzo. Ao voltar, seu semblante já não exala
tanta tensão.
Eles não nos darão paz, meu corpo treme todo e meu coração se aperta com uma
vontade imensa de chorar. Iam ferir a menina, iam matar um inocente sem
nenhuma piedade.
Um dos integrantes da peça grita apavorado.
— Atenção! Esvaziem o local! Há uma bomba aqui!!
O tumulto que se segue é um tremendo caos, amedrontadas, crianças e adultos
saem aos tropeços evacuando a sala, enquanto a produção do espetáculo chama a
polícia.
Ergo meus olhos para o fundo da sala e o homem misterioso já não ocupa o seu
lugar, em menos de cinco minutos, integrantes de um esquadrão especializado
em bombas adentra o local e toma posse da caixa, Letízia, assustada, permanece
estática e agarrada a mim, eles nos retiram do local e isolam a área a procura de
mais algum explosivo que possa ser detonado no ambiente.
O que era para ser algo divertido, se transformou em verdadeiro espetáculo de
terror.
— Isaiah, quero levar Letízia para casa, ela já passou por coisas demais por hoje!
— digo ao chegar na calçada.
— Pois bem, vamos para casa!
— E depois, quero falar com você em particular.
— Depois, nos falaremos. — esfrego a mão nos cabelos da pequena, ofereço
meu colo à ela e agarrada a mim com os olhos lacrimejantes, enlaça meu
pescoço e nada diz em todo o trajeto de volta para casa.
Preciso descrever e perguntar a Isaiah se ele também notou a presença do
homem de jaqueta marrom e a mensagem que recebi um pouco antes de Letízia
receber esse presente macabro, o celular de Isaiah toca mais uma vez, consigo
ouvir a voz grave de Enzo perguntando por Letízia e por mim.
— Elas estão bem. — profere alguma ordem inaudível para minha audição. —
Estou as levando para casa, agora, retorno assim que chegarmos. — a voz segura
e protetora de Enzo me deixa mais calma, mesmo à distância, ele faz questão de
se manter presente.
Isaiah finaliza a ligação e pede a Fabrizio que pise no acelerador, entramos no
portão da mansão e na garagem Fabrizio abre a porta para que eu desça com
Letízia ainda agarrada a mim, em meu bolso, meu celular torna a vibrar e nele
mais uma frase que exprime o que talvez se passe na cabeça de meu inimigo.
“A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios, por isso, cante, chore,
dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine
sem aplausos.”
Entrego o celular a Isaiah e ele lê as duas mensagens enviadas no dia de hoje.
— Vamos descobrir de onde vem isso! — coloca meu celular em seu bolso e
minha maior preocupação nesse momento é cuidar de Letízia que ainda está
muito abalada.

Posso não ser uma mafiosa, mas não nasci covarde e mostrarei a esse inimigo
que para me desestruturar, ele terá que usar de outras armas bem mais poderosas,
entro abraçada a garota e me preparo para enfrentar as perguntas da família
Ferraro...
Grand Hotel

Enzo
Não há um só músculo em meu corpo que não esteja retesado tamanha a raiva
que circula em meu sangue, meus maxilares permanecem cerrados, enquanto em
minhas têmporas uma dor intensa me faz apertar a área dos olhos para aliviar
essa sensação, atacaram a minha Letízia.
Com toda certeza, o maledetto tencionava matar uma inocente numa espécie de
barganha, manifestando sua ira ao descobrir que Pablo já não habita entre os
vivos e a perda de um de seus comparsas merecia uma retaliação à altura, a vida
de Letízia seria ceifada pela morte de Pablo, um importante testa de ferro desse
covarde.
Encerrei a ligação e para meu espanto, inusitadamente, minhas mãos firmes e
coordenadas tremiam perante a ideia de perder um ente tão querido por mim,
respirei fundo em busca do ar rarefeito, onde minha centralidade voltou ao
normal depois que canalizei minha ira e digeri todo meu ódio por esse indivíduo
ainda desconhecido para mim e invisível, por enquanto.
Puxei o ar para meus pulmões com muita força e o soltei de maneira brusca.
Repeti esse processo por várias vezes e dentro do banheiro de um quarto de
hotel, mantive meus braços apoiados em meus joelhos até sentir que minha força
tanto física e como emocional havia encontrado um equilíbrio para de alguma
forma parar esse monstro.
Depois de falar com Isaiah, a primeira pessoa a quem recorri foi o meu velho e
astuto pai, ele, com sua experiência, vendo a situação exposta com mais clareza
por não estar tão envolvido diretamente nessa loucura, me chamou a atenção a
um fato muito curioso e de grande valia.
Victório Ferraro é como um velho lobo que com o passar do tempo, mesmo
doente e sem o vigor de outrora, perde o pelo, mas não o vício em caçar. De
modo astucioso, abriu meus olhos e me fez enxergar por uma pequena brecha,
uma pista fundamental deixada talvez pelo ato desesperado desse verme que
deseja destruir a mim e à minha família.
Minha admiração por esse homem vai além de minha adoração por ele como pai.
Analisando as sábias palavras de meu pai, desmontei o lado desse prisma
complexo e acabei por levantar uma suspeita que aniquilará de uma vez por
todas com o dilema pelo qual venho relutando todo esse tempo. Esse atentado
contra minha sobrinha veio para confirmar que o mandante e chefe para quem
Antonella trabalhava não faz parte de nenhuma organização criminosa. A
maneira com que ele me contra-atacou não tem correlação nenhuma com modo
peculiar com que nós, mafiosos, lidamos com uma traição ou até mesmo com
um plano de vingança. Isso me leva a crer que essa perseguição esteja em algum
patamar de ordem totalmente pessoal.
Atacar uma criança foi uma atitude de quem não tem noção das leis e regras que
regem a Máfia e, portanto, o cabeça disso tudo queria me atingir a qualquer
custo não visando quem poderia ser o alvo e perturbado acabou metendo os pés
pelas mãos e chegou o momento de pôr as minhas mãos nesse ordinário cruel e
insensato, ele sentirá toda a minha fúria e aprenderá tardiamente que nunca
deveria ter cruzado o meu caminho.
Lavo meu rosto e o enxugo devagar e nesse ínterim, analiso que ao salvar
Letízia, a Antonella recebeu um enorme voto de confiança, a partir de agora,
nossa família fica, em um laço eterno de gratidão para com essa ragazza e
mesmo reticente, nem mesmo meu pai, que se mostrou muito contrariado
com minha decisão de mantê-la sob nosso teto, tirou seu mérito mais do que
merecido, arriscando sua vida para salvar minha sobrinha, com esse ato ela
mostrou sua coragem e seu grande coração.
Isso é fato, Antonella é uma mulher que carrega um coração livre de máculas e
[407]

qualquer tipo de perversidade.


La mia ragazza bella e coraggiosa.[408]

Ajeito minha gravata e saio do banheiro. Preciso me apressar, pois alguns dos
membros da Comissão já devem estar chegando para a reunião convocada
excepcionalmente por mim. A Comissão escolheu um dos salões de eventos do
Grand Hotel, mais um dos hotéis em Vegas pertencente à família Fanesi, como
território propício para nossa conversa, esperando colher dela o mesmo
comprometimento com que sempre foi dirigida para tratar assuntos comuns aos
nossos interesses.
Adentro o salão e três dos cinco chefões que compõem a Comissão já estão
sentados juntamente com seus Consiglieres. Os questionarei a respeito desses
atentados subsequentes que minha família vem sofrendo e exijo desvendar esse
mistério eliminando os suspeitos aqui presentes, cumprimento a todos e me
sento, Fanesi é o último a chegar.
Na larga porta de entrada, retira seus óculos escuros e se encaminha em minha
direção acompanhado de seu conselheiro, escolhendo um lugar ao meu lado, se
senta com sua cara sisuda de sempre, um copeiro do hotel nos serve café, frutas,
queijos e alguns tipos de pães. Me abstenho de algo sólido aceitando somente
uma xícara de café sem açúcar.
Com todos presentes, inicio a reunião expondo o real motivo para estarmos
todos nesse salão, depois de explicar a minha preocupação e desconfiança é a
vez de Fanesi se levantar e explanar seu ponto de vista e ao final de muitas
controvérsias e hipóteses chegamos a um denominador comum com um pacto
de honra selado entre homens que fazem questão de manter seu legado intacto.
Antes de deixar o salão, Fanesi toca meu ombro e murmura em meu ouvido.
— Lunga vita al capo! [409]
Dois leves tapinhas em minhas costas alertam meu consciente de que esse
homem ainda não engoliu o que fiz com Salazar, deixar parte do corpo daquele
farabutto em frente à casa de Fanesi foi uma afronta aos seus olhos e uma
desonra para alguém com seu nome nesse submundo, mesmo ficando acertado
que não haveriam mais retaliações de ambas as famílias, o gosto amargo da
minha vingança ainda permanece em sua boca.
— Lunga vita! — rebato com o mesmo tom com que ele me saúda.
Todos saem aos poucos e se encaminham para o elevador à procura de suas
respectivas acomodações, uma coisa é certa, Antonella não tem envolvimento
com o submundo do crime e sua vida será poupada juntamente com a de sua
família, porém em meu coração ainda habita um descrédito sombrio que me faz
recuar com medo de ser traído outra vez.
São quase seis da tarde, hora local e em Nova Iorque são nove horas da noite e
me pego pensando no que ela estaria fazendo, em minha suíte, a primeira coisa
que faço é ligar para Ignácio para me manter informado sobre alguma novidade.
Não há nada novo e meus familiares todos estão bem.
No banheiro, me livro de minha roupa e embaixo da ducha fria, refresco minha
cabeça menos atormentada, instantes depois, já revigorado pelo banho, visto
meu roupão e fico a contemplar o entardecer e o transparecer das luzes na
Cidade do Pecado, me sirvo de uma generosa dose de uísque e tento relaxar ao
menos que seja por pouco tempo. Flexiono meu pescoço na tentativa de esticar
meus músculos tensos devido a todo esse tormento.
Alguém bate à porta me causando estranheza, Domênico está à procura de Colen
Bell Cardenas, um ex policial federal aposentado que possui o faro mais apurado
no quesito encontrar rastros de bandidos, preciso de seus serviços e soube que
ele se encontra em Vegas em algum hotel cassino, gastando seu dinheiro com
mulheres e fichas no Blackjack.
[410]

Quero que Colen descubra o passado de cada funcionário que trabalha em minha
casa minuciosamente e que nada escape aos seus olhos perspicazes, bebo o
uísque em um só gole e caminho até a porta.
— Serviço de quarto. — uma voz feminina aveludada me faz baixar a guarda e
girar o trinco da porta, a abrindo devagar.
Uma mulher de cabelos e olhos negros, me oferece um sorriso muito favorável e
instigante, usando um vestido vermelho muito justo e decotado na medida, ela se
mostra receptiva tanto quanto a bandeja de champanhe que mantém em suas
mãos.
— Deve haver algum engano. — digo, solícito. — Não pedi nenhum serviço de
quarto. — pisca para mim e com seus lábios vermelhos estreitos, responde.
— Cortesia do Grand Hotel, senhor Ferraro. — estreito meus olhos e lhe lanço
um sorriso sugestivo, dando passagem para que a beldade adentre meu quarto.
— Aceito a cortesia se compartilhar de uma taça comigo.
Ela sorri e ao passar por mim e me olha pelo canto dos olhos jogando seu
charme fatal, anda sensualmente até a mesa da suíte depositando ali a bandeja
com o balde de champanhe, me adianto reduzindo a nossa distância e seguro a
garrafa nas mãos.
— Me deixe fazer isso! — espoco a rolha e o espumante desce devagar pelas
[411]

extremidades da garrafa. Sirvo em duas taças e levanto um brinde.


— Às mais belas cortesias vindas em boa hora. — retribui meu brinde tocando
sua taça na minha com seus lábios entreabertos exalando luxúria.
Bebo um gole e ela faz o mesmo, a seguir, volto minha taça na mesa e com meu
polegar toco seu queixo tão delicado.
— Vou ao banheiro e não demoro.
— Estarei aqui lhe esperando, senhor Ferraro.
— O seu nome?
— Luana.
— Luana. — repito seu nome devagar e caminho rumo ao banheiro, com a porta
entreaberta a observo sem que ela me note.
Fanesi deve me achar um idiota completo ao mandar essa encomenda mal
treinada para me seduzir, definitivamente não engoliu que fui mais esperto do
que ele e acabei matando Salazar, um stronzo que lhe dava muito lucro e lambia
seus pés, Luana retira um pequeno flaconete do decote de seu vestido e
[412]

despeja o líquido em minha taça...Truque velho, cara mia!


Abro a porta de modo repentino e ela apruma seu corpo, satisfeita por não ter
sido surpreendida até então.
— Demorei?
— Muito. — mais um sorriso simulado, vamos ver o quão fria ela consegue ser.
— Prometo compensar nosso tempo perdido. — pendo meu pescoço e a encaro
com a testa enrugada.
Pega a taça sobre a mesa e a oferece a mim com um sorriso de uma meretriz
diabólica, a seguro em minha mão, porém não a bebo.
Ao longo de minha vida, lidei com tantas mulheres dessa espécie que ao me
deparar com uma semelhante, não mais me assusto. Sedutoras, previsíveis e
fracas, aprendizes mal-amadas.
Tenho um velho dilema que sempre segui à risca, quando quero uma mulher,
prefiro cortejar do que ser cortejado, em meu caso é bem mais seguro e assim
preservo minha vida sem danos maiores.
— Já provei da bebida, agora ...
Com a taça em uma das mãos, a seguro pela cintura, me presto ao papel de
homem seduzido e tentado ao deleite de absorver e obter seu corpo macio.
Aspirando o cheiro de seu pescoço a caminho de minha cama, Luana não
imagina o que a aguarda nesse quarto de hotel. Deixo que seu corpo caia sobre o
colchão e com um sorriso afetado, estende seus braços para que me junte a ela,
deixo a minha taça sobre o criado-mudo e obedeço a sua vontade. Com meu
rosto muito próximo ao seu, a encaro e imagino quais foram os caminhos que
levaram essa moça a seguir essa vida tão perigosa e sem nenhuma futuridade
garantida.
— E o que vai ser, senhor Ferraro?
Sem que ela perceba, minha mão direita transita devagar sob o travesseiro onde
sua cabeça descansa ainda inocente e intocada, com minha Glock e seu
silenciador na mão, sorrio tentando ter pena dessa prostituta.
— Acho que somos íntimos o suficiente para que me chame apenas de Enzo. —
em contrapartida, de modo ensaiado, olha para o lado e ao voltar a me
fitar, molha seus lábios me convidando a beijá-la.
— E então, o que vai ser Enzo? — diz com a voz rouca, arqueando seus quadris
num roçar de sua pélvis contra meu corpo que não se excita com esse joguinho
vulgar oferecido por ela.
Aponto o cano de minha arma contra a sua testa e seu olhar sofre uma mutação
surpreendente.
— Não subestime a minha capacidade de piorar a situação, mocinha! — seguro
em seus pulsos os mantendo sobre sua cabeça.
— O que significa isso? — a encaro como caçador que acaba de cercar a sua
presa.
— Isso é você quem me dirá! A mando de quem veio ao meu quarto como uma
prostituta dissimulada?
— Não sei sobre o que está falando? — seu peito arfa e sua pulsação alterada
aponta a medida de seu medo.
— Saiba que nunca fui muito paciente, portanto, sugiro que não abuse! — falo
entre dentes e ela se retrai perdendo a coragem que exibia segundos atrás.
— Vim a serviço do hotel, juro!
Acho que minha cara de mau não anda convencendo muito as pessoas
ultimamente, solto seus pulsos e meus dedos agarram seu cabelo, o puxando com
muita força. Mantenho a arma apontada para sua linda face e sua reação é se
contorcer e tentar escapar de minha mão.
— Quem a mandou até aqui? — com a arma engatilhada, se nega a me confessar
o que, na verdade, já sei a resposta.
— Por favor, Enzo não sei sobre o que está falando! — sua respiração é irregular
e suas palavras saem falhas devido ao pânico que sente.
— Se me disser o que quero saber, prometo lhe dar uma morte rápida e sem
maiores danos, do contrário, passará por coisas que tenho certeza de que nem
sonha sentir. — pego outro travesseiro ao lado de seu corpo e o mantenho
próximo a mim. — E tem mais... — enfatizo. — Você deve ter alguém na vida,
pai, mãe, irmã ou talvez um filho quem sabe... — ela começa a chorar
silenciosamente.
— Se for boazinha e colaborar comigo, a mato aqui e ficamos quites. — passo
a pistola em sua testa. — Agora se for maldosa, irei atrás de sua família e
matarei um a um.
— Não faça isso, por favor. — ergue os braços em desespero. Devagar, estico
meu braço e alcanço meu champanhe.
— Você está tão nervosa, beba! — seus olhos se arregalam por saber
literalmente que beberá do seu próprio veneno. — Isso irá ajudá-la a relaxar.
— Não quero beber nada! — se apavora e mantém a boca fechada fazendo com
que o líquido caia sobre os lençóis.
— Eu disse para beber! — meus olhos a fuzilam e com os lábios ainda fechados
balança a cabeça em negativa.
— Fanesi a mandou aqui, não foi? — sem dizer uma só palavra agora
movimenta seu pescoço num gesto afirmativo.
— Hum, que interessante. — volto a taça ao criado-mudo e Luana não tira os
olhos de minha arma.
— É mesmo uma pena que uma mulher excepcionalmente linda seja tão tola. —
encaro seu rosto friamente. — Nos veremos no inferno, Luana! — coloco o
travesseiro em seu rosto e ela se debate. Disparo dois tiros sobre as plumas,
cumprindo minha palavra a respeito de sua morte rápida, saio da cama e busco
pelo meu celular, ligo para alguns contatos para que seja feita a limpeza de
minha suíte. A melhor coisa que faço é deixar esse hotel, o serviço de quarto
daqui é péssimo, para não dizer mortal.
Domênico e mais três homens chegam e me ajudam com o corpo, nesse tempo,
meu celular volta a tocar e dessa vez o nome de Ignácio aparece no visor.
— Enzo, sobre a Suíça! Tivemos que mudar nossos planos. Não queremos que
elas corram riscos.
— Como assim?
— As pessoas que escolhemos para ficar diante do caso me disseram que o local
foi descoberto e o melhor que temos a fazer é irmos para a Alemanha. Lá,
teremos um local inacessível e impossível de ser descoberto.
— Alemanha?
— Infelizmente.
Como descobriram?
Somente Ignácio conhecia o paradeiro da família de Antonella, não posso
acreditar que meu Consigliere me apunhalaria pelas costas.
— Ignácio, só você tem conhecimento do local.
— Enzo, não está pensando que eu o trairia, está?
— Por acaso, o que pensaria em meu lugar? — ele faz um silêncio e nada diz.
— Estou indo para a Alemanha. Parto em uma hora, depois nos falaremos.
Olho ao redor e meus homens deixam o quarto com o cadáver daquela que ousou
me envenenar, Fanesi, cuidarei em uma outra ocasião.
Uma hora depois, sentado na poltrona dentro de minha aeronave, penso em
como me livrar desse infeliz que me persegue nas sombras, falando em sombras,
meu celular toca e a voz de Colen me cumprimenta com seu ar extrovertido,
Domênico nunca me decepciona. Antes de decolar, digo a ele exatamente o que
desejo e espero que faça por mim.
— Fique tranquilo, senhor Ferraro, me dê alguns dias e terá todas as informações
de que precisa.

— Obrigado, Colen.

Antonella
Depois do atentado sofrido por Letízia, os integrantes da família Ferraro me
dispensaram maior consideração do que antes, até mesmo o senhor Victório com
seu ar durão, acabou por retroceder e voltar a me tratar como alguém que não
oferece riscos a sua família, mantida sob vigilância constante, não posso dar um
passo sem a presença de Isaiah em meu encalço.
Já se passaram dez dias desde a viagem de Enzo e recebo notícias suas através
de relatos de sua mãe que fala com ele diariamente.
Esse desprezo e isolamento a que ele me submete, reforça ainda mais a minha
concepção totalmente inequívoca de que ele foge do que sente por mim, seu
orgulho jamais permitirá que aja em seu peito algo parecido com perdão, a ele
cabe apenas elucidar quem é o responsável por essa vingança arquitetada e
conturbada para que possa me dispensar como sempre fez com todas as mulheres
com quem manteve um relacionamento.
Saio do quarto para tomar um pouco de ar puro e no corredor, ouço Eurídice
falar com alguém ao celular, ela não percebe a minha presença, pois fui rápida o
bastante para me esconder atrás de uma grande cortina que cobre uma das
janelas que ladeiam o corredor.
— Sim, o senhor Ferraro passa muito bem, pode vir e conferir com seus próprios
olhos doutor.
Reviro os olhos e percebo que não há nada demais em sua conversa com o
médico do senhor Victório, no caso, Brian, discretamente, saio detrás da pesada
cortina e sigo para o jardim.
O início do outono dá uma outra vista às árvores que fazem a ornamentação dos
arredores da mansão, andando distraída, sigo por uma trilha de pedras que dá
acesso à ala da piscina externa, agora sem utilidade devido ao clima mais frio
nessa época do ano.
"Eu falarei com ele assim que ele voltar da Alemanha."
A voz de Isaiah assume um tom muito diverso, nunca o vi se expressando de
modo tão doce e andando por entre os arbustos, me escondo entre os galhos ao
ver que Donatella e o segurança de Enzo se encontram abraçados num canto do
jardim, a seguir é a vez de Donatella se contrapor a ideia de Isaiah.
"Deixe que eu falo com ele, conheço meu irmão e ele não aceitará facilmente
essa notícia"
Isaiah beija de leve sua mão.
"Não importa quem contará a verdade a ele, o que quero é resolver a nossa
situação, pois não quero mais ter que me encontrar às escondidas com a mulher
por quem estou apaixonado.
Mais do que depressa, me retiro ainda impactada pela cena que acabei de
presenciar, Isaiah e Donatella estão juntos.
Imagino o escarcéu que o irmão irá fazer quando souber o que seu segurança, o
seu homem de confiança estaria apaixonado por sua irmã.
Mama mia!! La casa cadrà!! [413]

Como não tenho nada a ver com isso, saio de fininho e volto ao meu quarto.
*****
Cinco dias depois...
Enzo continua ausente e todas as vezes em que liga, não tenciona falar [414]

comigo.
Insustentável, essa é a palavra certa que designa a minha situação nessa casa,
para completar a tragédia, mal consigo dormir direito depois que descobri que
meu ciclo menstrual está atrasado, atesto esse fato a muitas situações de estresse
que alteram o quadro hormonal de qualquer mulher, ou então, uma transa sem
camisinha.
Na última vez em que transamos, Enzo não usou preservativos e a ideia de que
eu possa estar grávida me deixa quase louca, como sair dessa casa e comprar um
teste sem ser descoberta se todos os pares de olhos estão voltados para mim?
Ligo para Virgínia e com muita destreza peço a Fabrizio que me leve em sua
casa, é domingo e nada mais natural que uma amiga visite a outra.
Lá, acabo contando a ela toda a enrascada em que acabei me metendo, por meus
sonhados euros que iriam ajudar Clara.
Virgínia me estende a mão e me diz que aja o que houver, sempre estará ao meu
lado e é nessa hora que lhe peço um favor mais do que constrangedor.
— Mas por que não pedimos um teste de farmácia por telefone? — a olho
atravessada na expectativa de que ela adivinhe o motivo.
— Muito simples, cara mia, seu telefone tanto quanto meu podem estar
grampeados e por conseguinte, adeus segredo.
— Nossa, deve ser um saco namorar um homem assim! Imagine, me monitorar o
tempo todo! — desabafa, saindo pela porta da frente de seu apartamento.
— Eu já volto, não suma daí!
Trinta e cinco minutos depois, Virgínia aparece com uma caixa contendo um
teste de gravidez.
— É só fazer amanhã pela manhã.
— Me deseje sorte.
— E qual seria a sua sorte? Positivo ou negativo? — fala em tom de zombaria
para me descontrair.
Fecho meu semblante e rebato.
— Se não lhe conhecesse, diria que não é minha amiga.
Guardo o teste na bolsa e na hora marcada, Fabrizio aparece para me buscar,
Virgínia ao ver o motorista novamente se abana e pisca para mim. Durante o
trajeto até a mansão, fico imaginando e supondo o resultado do teste.
Não posso estar grávida! Isso seria a minha ruína. Além de não me querer junto
dele, Enzo, na certa, tomaria a guarda dessa criança e me afastaria de meu filho
com muita facilidade.
Afinal, ele consegue tudo o que deseja.
*****
Na manhã seguinte, após rolar na cama sem pregar o olho, corro para o banheiro
levando a caixinha mágica nas mãos.
Trêmula, rasgo o papelão da pequena caixa e retiro o objeto de dentro de um
invólucro plástico, alguns poucos minutos depois, me encontro debruçada na pia,
chorando por ver a gritante faixa azulada indicando que serei mãe.
Apavorada, pico a caixa em pequenos pedaços, em um ornamento que se parece
um cinzeiro, queimo o papelão e quebro o teste o jogando no vaso. Respiro
fundo e penso numa maneira civilizada para sair dessa casa, não posso continuar
aqui e esperar que Enzo decida o que pretende fazer de meu futuro.
Enxugo minhas lágrimas que agora se confundem com choro de alegria por
saber que tenho um ser dependente de uma mãe um pouco maluca, porém que o
amará mais que tudo nesse mundo.
Meu celular toca em cima da cama e um número internacional aparece no visor.
— Alô. — digo, hesitante.
— Antonella!!!! Sou eu, Clara! — fecho meus olhos, quase não acreditando na
voz que vem do outro lado.
— Minha sorella.... — falo entre mais lágrimas e soluços de alegria.
O cerco se fecha

Antonella
Devido a emoção que me abate, tenho dificuldades para falar com minha irmã,
meu coração bate acelerado e um tremor invade meus músculos deixando meu
corpo enfraquecido e a visão turva entre lágrimas de alegria.
— Mia sorella, dove sei? — com sua voz pacífica de sempre, tenta me
[415]

acalmar.
— Calmati, Antonella. Sto bene e basta. Non posso dirti dove sono! — engulo
[416]

meu choro, pois não quero a deixar ainda mais preocupada. Nesse momento,
nossos papéis se invertem e parecendo a cativa, é ela quem me consola e dá
forças para não desanimar.
— Ah, Clara, non puoi immaginare come ti ho pensato! Ero molto preoccupato.
[417]

— me sento no colchão, pois meu corpo todo treme.


— La mia Antonella, non avresti dovuto fare quello che hai fatto! E 'stato
pazzesco![418]

Enzo deve ter contado tudo a elas e com isso, minha família deve me achar uma
mulher sem nenhum pingo de caráter. Clara deve pensar que não aprendi
nenhum dos princípios deixados pelos nossos pais e que me transformei em
uma puttana mercenária.
— Mia cara, l'unica cosa che ho pensato al momento è stata che avrei potuto
aiutarla e vederla camminare di nuovo. Perdonami per tutto! [419]

Meu arrependimento sai por essas palavras e atravessa minha alma, numa dor
pungente e constante.
Como pude ir tão longe?
Como me deixei levar pelo desespero e adentrei em um submundo tão perigoso?
Estava tão descontrolada em conseguir o dinheiro para o tratamento de minha
irmã, ela era a única coisa que eu enxergava em minha frente, fiquei tão cega a
ponto de me envolver e acreditar que um homem perverso como Enzo se
apaixonaria por mim.
— Non devi chiedere perdono, so che hai fatto quello che hai fatto solo per
aiutarmi, ma temevo e temevo per la tua vita![420]

— Sto bene, non preoccuparti per la mia vita. — acho que já se preocuparam
[421]

comigo o bastante.
— Dov'è nostra zia? [422]

— È qui accanto a me. — um segundo de silêncio e a branda voz de Tia


[423]

Martina ecoa ao celular.


— Zia...
— Oh, mio cara, non possiamo dire molto, ma voglio dirti quanto ti amo. [424]

Ao invés de palavras de reprimenda que poderiam me ferir ainda mais e me levar


para um abismo ainda maior, tia Martina me abraça e me põe em seu colo com o
seu amor e suas palavras de ternura.
— Perdonami, zietta. Perdonami per averti coinvolto in questa situazione. [425]

— Andrà tutto bene, Antonella. [426]

—Ti stanno trattando bene? Qualcuno l'ha ferita? [427]

— Ragazza mia, calmati! Saremo insieme presto. — ela não responde a minha
[428]

pergunta. Se, porventura, os homens daquele carcamano encostaram um só dedo


em uma delas, eu morro, mas o mato antes!
— Ho bisogno di vederti! [429]

Meu maior desejo, sai numa voz entalada em minha garganta rompendo em um
choro esmagado e uma vontade imensa de poder estar junto da minha família.
A gritante vontade de poder dizer que estou grávida e receber um abraço e abrigo
seguro nos braços da minha irmã e tia.
— Al momento giusto, ci incontreremo di nuovo. [430]

Minha única resposta é fechar meus olhos e respirando fundo deixar que minhas
lágrimas despenquem em silêncio, nem mesmo eu acredito que isso voltará a
acontecer, sem um preço muito alto a se pagar.
— Dì ad Enzo che sono molto grato per tutto ciò che ha fatto per tutti noi. [431]

— Grazie? Stai scherzando? Ha invaso la tua casa e ti ha preso come rapitore e


mi hai detto di ringraziarti?
[432]

— Antonella, non tutto ciò che vediamo è ciò che veramente traspare essere la
verità.
[433]

— Ci ha detto del problema che hai avuto, e se non fosse stato per questo
ragazzo,saremmo morti e quando mi ha chiamato in Italia, ero consapevole di
tutto ciò che stava succedendo. [434]

Em Verona..., aquele telefonema..., a casa revirada. Tudo armado por ele!


Enzo me fez acreditar que ele faria mal a minha família se não viesse a colaborar
com ele.
— Enzo l'ha costretta a farlo ?
[435]

— No, sciocca! Era il modo in cui ha trovato per proteggere tutti! [436]

— Zia...
— Ora dobbiamo riattaccare, volevamo davvero sentire la tua voce e dire che
stiamo bene e che ci rivedremo presto. [437]

— Perdonami ancora una volta, ho fatto di tutto sbagliato! [438]

— Non essere martirizzata per il passato, ma impara da essa in modo da non


commettere errori in futuro, mia coraggiosa ragazza! [439]

—Ti amo così tanto. [440]

— Clara è qui accanto a me e gli manda un bacio enorme. — vozes estranhas


[441]

falam com Clara que lhes responde de modo educado.


— Dille che non potevo mantenere la mia promessa. [442]

— Non tutto ciò che sembra essere, trasmette la realtà dei fatti, mia cara. Dio
agisce in modi molto diversi. — e a nossa ligação é encerrada.
[443]

Falar com as duas renovou minhas forças e acalentou meu coração inquieto,
saber que elas estão vivas e em um local seguro, me deixa mais tranquila.
Relembrando as palavras de minha tia, temo que sua promessa de me ver
novamente não se concretize, afinal de contas, ainda não tenho nenhuma certeza
de qual será o desfecho que Enzo reserva para meu destino.
Saio de meu quarto e passando pela sala, vejo a mãe de Enzo ao telefone, pelas
trocas de palavras carinhosas, suponho que ela esteja falando com o filho. Ao me
ver passar, sorri sem jeito.
— Ela está aqui em minha frente, quer que eu lhe passe o telefone? — ouvindo
atentamente o que o filho diz, seu semblante se torna pesaroso.
— Entendo, meu filho. — passa as mãos pelo seu coque sofisticado, tentando se
desculpar da gafe cometida há pouco. Sucinta, muda de assunto. — Então, quer
dizer que você chega em três dias? — outra resposta e dessa vez, seus olhos e
boca reagem de forma alegre e simultânea.
— Lhe esperarei ansiosa e com muitas saudades.
Enzo não quis falar comigo durante todo esse tempo em que esteve fora e para
mim, não é necessário palavras para decodificar o que ele sente em relação a
minha pessoa, somente desprezo... e será com esse mesmo sentimento, que
lidarei com ele daqui por diante. Sem brigas, sem gritos e ofensas, unicamente
menosprezo.
Sendo assim, instantes depois, tomo uma resolução irredutível, sairei dessa casa
como uma fugitiva, mas pela porta da frente da mesma maneira que entrei.
Em minha mente, planejo cada detalhe de minha ida, olho para minha mão e fixo
meus olhos no grande anel que ganhei de Enzo.
Nesse momento, ele não tem mais o valor sentimental de antes, para mim, essa
joia feita sob medida era a prova material do comprometimento do homem que
eu amava para comigo, no entanto, para ele esse anel nada mais era que um
joguete artificial de sedução usado comumente, quando lhe conviesse.
O deslizo sobre meu dedo e o deixo em cima da cômoda, abro meu armário e no
fundo do móvel, pego o pacote contendo os euros que Enrico me pagou durante
aquela negociação humilhante. Enzo nunca fez questão de me perguntar sobre
esse pagamento e tampouco tive a coragem de falar a respeito. O guardei nesse
armário e dele não gastei um só centavo, dinheiro este que foi conseguido
através de mentiras simuladas e coberto de sangue, a salvação de Clara e a
minha estúpida ruína, uma balança indivisível que retrata que nem sempre temos
o que achamos ser merecedores.
Pego o pacote e o anel, na outra porta do armário, encontro uma pequena caixa
retangular de papelão, decorada com fundo branco, flores vermelhas e folhas em
verde oliva, junto tudo e o deixo sobre meu colchão, dou volta pela cama e
abrindo meu criado-mudo, retiro de lá um bloco de papel e uma caneta.
Deitada de bruços, seguro a caneta nas mãos e com o peito em frangalhos e
pronto para explodir, desabafo todo meu sentir em algumas linhas numa carta
direcionada a Enzo, entre muitas lágrimas e a visão embaçada, digo tudo o que
me veio à mente desde o dia em que nos conhecemos até o momento em que ele
deixou meu quarto após invadi-lo sorrateiramente, escrevo com facilidade tudo o
que talvez não tivesse coragem de dizer olhando em seus olhos, dobro o papel e
o coloco em um envelope. Lacro e o coloco dentro da caixa junto com o dinheiro
e o anel, volto a caixa em meu armário e o tranco com uma chave que
permanecerá em meu bolso, enquanto estiver hospedada nessa casa.
Pensando com mais calma, se eu sair da mansão dos Ferraro, o primeiro lugar
em que Enzo irá me procurar será na casa de Virgínia, tanto ele quanto esse tal
inimigo invisível sabem de meu laço de amizade com ela e seria óbvio que eu
procurasse abrigo em sua casa, até me restabelecer em um canto qualquer,
portanto não poderei me instalar na casa de minha amiga.
Digerindo minha ideia com muita cautela, chego em uma decisão, parto amanhã
de manhã dessa casa sem arrependimentos, muito menos guardarei mágoa de
quem me despreza, creio que durante essa viagem, Enzo deva ter descoberto o
que tanto queria saber. A essa altura, ele já colheu as informações que tanto
buscava, por isso está retornando para casa e deverá ter um plano para pegar o
indivíduo.
Quem seria a pessoa que cultiva tamanha raiva de sua família a ponto de atentar
contra a sua sobrinha?
Nesse meio tempo, não mais servirei de isca e se esse fulano pensa que viverei
temerosa o resto de minha vida, é porque ele não me conheceu.
*****
Na manhã seguinte, pego meus documentos, algumas economias e nada mais.
Não levarei nenhuma bagagem e com isso, não levantarei nenhuma suspeita.
Afinal, o infiltrado ainda se encontra entre nós e se me ver saindo com uma
mala, tomará conhecimento de minha saída.
Desço para tomar meu café da manhã e sentada à mesa se encontra a mãe de
Enzo, me sento em meu lugar de costume e ela me cumprimenta com o mesmo
sorriso simpático de sempre.
Eurídice, a águia à espreita, fica ao redor da mesa observando cada gesto meu e
esse fato me incomoda a ponto acreditar que essa mulher possa ser uma das
espiãs do lado inimigo, termino meu café e saio da mesa em silêncio. Em meu
quarto, pego pequena caixa endereçada a Enzo e a escondo sob meu casaco,
corro meus olhos pelo quarto e me despeço mentalmente de todas os dias e
noites em que sorri e que derramei minhas lágrimas nessa casa.
Com a mão em minha barriga, prometo ao meu fruto que ninguém irá nos
humilhar e nos fazer mal algum. Sempre fui pacífica e a favor do diálogo para
resolver dissidências, porém tudo mudou.
[444]

Defenderei meu filho com a minha própria vida se assim for necessário e nem
mesmo esse maléfico desconhecido e Enzo me colocarão pavor e covardia.
No corredor, encontro Mercedez com seu espanador, a cumprimento e ela me
responde apenas com um aceno de cabeça. Desço as escadas e me encaminho
para a porta principal. Lá fora, Fabrízio limpa o sedan de Enzo e a rotina da casa
permanece a mesma.
Com o atentado de Letízia, todos da família me tratam com um apreço
consideravelmente maior, até o senhor Ferraro mudou seu comportamento e me
dispensou certa consideração pelo ocorrido.
Poderia dizer aos familiares de Enzo que decidi deixar essa casa e que não há
mais cabimento em me manterem aqui. Na verdade, eles não dizem, contudo
parecem saber da real situação entre Enzo e eu. Sei que não estou me
comportando como uma pessoa adulta e sensata e de que outra maneira, alguém
sai de um lugar, onde muitos são suspeitos em querer a sua morte?
— Vamos fazer uma caminhada? — olho para o céu límpido e mantenho as mãos
nos bolsos. O porteiro, Heitor, sorri e abre o portão lateral da guarita para que eu
passe.
— Está um lindo dia mesmo para uma bela caminhada. — conclui.
— Vou indo. Até mais.
Ando devagar até desaparecer do campo de visão da portaria, caminho por meia
hora até chegar à rodovia Pleasant Rigde e quinhentos metros mais adiante,
chamo um táxi para me deixar no centro de Manhattan. No Pitney Bowes,
despacho a caixa para o endereço dos Ferraro, espero que essa encomenda
chegue às mãos do destinatário.
Saio pela 10th avenida e me dirijo para a Rua Greene, onde fica o local de
trabalho de Virgínia.
Discretamente, entro na loja e a vejo atendendo uma cliente, ao me ver, ela faz
um sinal para que eu espere, enquanto ela finaliza a sua venda, admiro as vitrines
com as mais delicadas joias e relógios.
— Antonella. — se aproxima com seus braços abertos e me aperta entre eles. —
E aí? — quase cochicha. — Fez o teste? — atesto com a cabeça afirmativamente
e pelo meu arquear de sobrancelhas ela capta a minha resposta.
— Meu Deus! E agora? O que pretende fazer?
— Preciso arrumar um lugar para ficar. Enzo não me encontrará em sua casa ao
chegar de viagem.
— Você fugiu de lá?
— Basicamente, sim. — falo, retorcendo os lábios.
— Sabe que minha casa é sua, amiga.
— Sei disso, mas não posso aceitar. — ela me puxa para a pequena copa onde
algumas funcionárias tomam seu café.
— Por que não?
— Não. — respondo, resoluta. — Sua casa seria o primeiro lugar em que Enzo
ou até mesmo esse mandante me procuraria e eu não posso colocar a sua vida em
risco como já fiz com tantas pessoas inocentes.
— Antonella, veja bem! — me olha séria. — Como sabe que não está sendo
seguida? Acha que conseguirá fugir, minha amiga?
— Não estou fugindo, Virgínia, apenas não quero viver sob o mesmo teto que
um homem que mal olha em minha cara e que por azar do destino é o pai do meu
filho.
— E que você ainda ama! — ressalta.
— È vero.[445]

Como gostaria que essa constatação de minha amiga fosse inverossímil, [446]

todavia quanto mais tento não pensar em Enzo, mais a sua essência, aos poucos,
consome a minha como algo corrosivo e não há nada que seja feito para impedir.
— E por que não avisou que estava saindo daquela casa?
— Por acaso se esqueceu de que lá dentro há alguém que também trabalha para a
mesma pessoa que eu?
— Ah, me desculpe. — passa a mão em sua testa enrugada. — Havia me
esquecido desse importante detalhe.
— Pensei em um hotel, mas isso é o mesmo que me hospedar em sua casa.
— Tem razão. — ela se senta em um banquinho no copa e de repente, solta um
grito.
— Já sei! Tem uma amiga minha que está procurando alguém para dividir o
apartamento, ela se chama Melanie.
— Amica, não pretendo permanecer em Nova Iorque. — Virgínia me olha com
um espanto mais que visível.
— Antonella, não quero ser pessimista, porém você não acha que sairá de Nova
Iorque com um filho de Enzo na barriga, acha?
— Por que não? Ele não sabe que estou grávida. — atesto. — Só contei a você.
— Amiga, não brinque com fogo! — seu semblante se torna apreensivo. — Esse
italiano já mostrou que não brinca em serviço. — respiro fundo e reviro meus
olhos, olhando para o teto da copa.
— Digo que esse filho não é dele! — rebato, sem pensar na besteira que faria se
dissesse tal disparate. — só em pensar em Enzo tomando meu bebê, me sinto
apavorada.
— Hahahahahaha! — finge uma risada de deboche. — E você acha que ele iria
acreditar nessa lorota? Acorde, Antonella! Se dissesse que o traiu, seu corpo
apareceria boiando no Rio Hudson.
—Tem razão! Por isso, preciso me afastar até encontrar uma maneira de resolver
essa situação.
Nesse momento, uma moça de cabelos castanhos, rosto arredondado com
sobrancelhas grossas que se destacam em seu rosto jovem, adentra a copa. Seu
nariz delicado e sorriso largo com semblante de menina, a deixam com um ar
meigo e sereno. Ainda com um sorriso em seu rosto, Melanie e eu somos
apresentadas por Virgínia, alguns minutos de conversa e acabo acertando a
minha estada por apenas alguns dias no apartamento de Melanie que fica na 205
7th, apenas há uma quadra do endereço de Virgínia.
Será um tempo mais que suficiente para reorganizar a minha vida e quem sabe
voltar para Itália, para junto da minha família, agora com mais um Chiarelli a
caminho. Virgínia se prontifica a levar os objetos que havia deixado em seu
apartamento antes de me mudar para a mansão dos Ferraro.
No outro dia, instalada em meu novo endereço, ajeito meu quarto, pendurando
algumas poucas roupas que acabei comprando em uma loja de departamentos.
Acabo sorrindo, pois me lembrei da puttana advogada e seu comentário sobre o
vestido que eu usava.
Saio de meu quarto e indo em direção à cozinha, ouço a estridente e velha
campainha tocando, não estou esperando nenhuma visita e acredito que as
pessoas que conhecem Melanie também conheçam sua rotina diária.
Andando pé por pé, imagino que meu esconderijo temporário foi descoberto em
tempo recorde e só me resta enfrentar o que está por vir, aliás o que está atrás
dessa porta.
Abro somente uma pequena fresta e meus olhos se arregalam ao ver Adele com
uma cara nada amigável, através das lentes de seus óculos escuros é possível que
seja olhos me lançam uma forte reprimenda.
— Posso entrar ou irá me deixar plantada nessa soleira por muito tempo?
— Adele... — vencida pela minha vergonha e pela boa educação, acabo
deixando que adentre o apartamento. Discreta, retira devagar os seus óculos e os
coloca dentro se sua bolsa.
— Sente-se por favor. — digo, constrangida.
Ela escolhe um dos sofás e se senta, ajeitando seu tailleur verde escuro.
— Serei muito breve.
— Adele, quero lhe pedir desculpas pelo modo com que saí de sua casa, mas...
— sou interrompida por uma Adele mais ríspida do que o normal.
— Todos naquela casa a consideramos como parte da família. — abaixa sua
cabeça olhando para seu colo. — E não esperava que você fosse partir sem ao
menos nos dizer adeus.
— Adele tudo é tão complicado. — escolho um sofá próximo a ela, através dos
seus olhos vejo que a nossa conversa não será das melhores.
— O que é tão complicado?
— Tudo, meu relacionamento com seu filho não vai bem e acredito que não
iremos nos acertar, por isso achei que deveria sair daquela casa. — em sua boca,
um sorriso leve e torto se forma ao me fitar.
— Posso lhe dizer uma coisa, Antonella?
Espera aí?
Ela me chamou de Antonella?
Não consigo dizer nenhuma palavra que justifique a minha surpresa, mas é
claro! O senhor Victório deve ter contado a ela sobre minha identidade e todos
agora sabem meu verdadeiro nome.
— Não sei o que se passou em sua cabeça ao acreditar que poderia enganar
Enzo.
— A única coisa de que me arrependo é ter me envolvido nessa história, Adele!
Peço perdão a você por tê-la enganado e a toda a sua família.
— Somos muito parecidas. — estica sua mão esquerda e toca meu joelho.
— Minha raiva foi momentânea. Confesso que, quando Enzo voltou da Itália e
me contou sobre a sua identidade e os motivos que a levaram a fazer tal loucura,
me senti traída por tê-la recebido em minha casa de braços abertos e sem
nenhuma ressalva. — meu olhar se mantém firme, porém a vontade de chorar de
vergonha é muito forte.
— Me perdoe, por favor! Tenho pago um preço muito alto por ter feito o que fiz
e sei que ainda não quitei nem uma décima parte do que devo. — mansamente,
ela busca a minha mão.
— Enzo é um homem muito incompreensível, porém tem um coração enorme e
muitas vezes nem mesmo ele se dá conta disso.
— Eu sei disso. — fecho os olhos e respiro fundo ao me lembrar do que ele fez
pela minha família.
— Quando saiu ontem por aquele portão, suspeitei de que algo não estava certo
e ao limpar seu quarto Mercedez achou isso!
Retira de dentro de sua bolsa um pequeno pedaço de papelão. Tudo o que eu não
queria, acabou acontecendo. Devo ter deixado cair um pedaço da caixa do teste
de gravidez, a essa hora, o vilão sabe que estou grávida.
— Se acha que irá criar um neto meu longe de mim, está muito enganada, cara
mia! — sua voz é calma, porém a força com que são ditas ecoam na pequena
sala.
— Não estou fugindo, apenas me afastando, Adele e espero que não tenha
contado ao seu filho sobre o que achou em meu quarto.
— Ainda não disse nada a ele e nem pretendo fazer isso, pois quem terá que
contar que ele será pai é você. A mãe do bebê!
— Talvez, você não entenda o que está acontecendo! — tento argumentar que
minha gravidez dá ao inimigo ainda mais poder para atingir a Enzo.
Ela se levanta e gira os calcanhares bem devagar.
— Minha querida, ser a mulher de Victório Ferraro me faz entender tudo e a
todos. Não me tome por uma dondoca que somente cuida da casa e nada vê! —
caminha para a porta.
— Enzo chega amanhã e não direi nada a respeito do bebê. Somente entregarei a
ele a caixa que você mandou pelo correio... — vira seu corpo e me encara de
modo intimidador. — Mas espero que saiba o que esteja fazendo, Antonella. —
pega a maçaneta da porta e fico logo atrás de seu corpo.
— Enzo virá atrás de você e espero sinceramente que se entendam e sejam
felizes!
— Muitos desencontros nos mantêm afastados, Adele. Não é fácil para nenhum
de nós. — vira seu corpo e sua mão toca em meu rosto.
— Não há nada que vença o amor, Antonella! Nada... — seus olhos ficam mais
brilhantes. — E seu segredo está seguro comigo e não se preocupe com
Mercedez, ela não contará a ninguém sobre o que viu.
— Adele, há funcionários ali que...
— Já sei de tudo, minha querida e todos de minha família também. Contamos
com a astúcia e inteligência de Enzo para nós livrar desse maldito que quer
acabar com nossa família, agora vou indo e espero vê-la muito em breve. Seja
quem for o traidor, meu filho irá pegá-lo.
Enzo é o herói de sua mãe pelo visto, ela o vê como um ser imbatível e
inigualável.
— Obrigada por tudo!
— Não quero agradecimentos, quero que vocês se acertem e criem esse bambino
juntos.
Não são esses os meus planos...
Minha ex sogra, abre a porta e coloca seus óculos.

— Até mais, Antonella. — sai pelo corredor e desaparece pelas escadas.


Ela sabia quem eu era desde que cheguei de Verona, todos sabiam e assumiram
um teatro perfeito. Que família maluca é essa?
Saio do apartamento e procuro um telefone público. Preciso sair de Nova Iorque!
Os brutos também amam

Enzo
Ritz Carlton Hotel/ Berlim

Afrouxo minha gravata e em seguida, tirando meu paletó me sento em um dos


sofás de minha suíte.
— Ignácio, parto amanhã para Nova Iorque. — minha decisão não causa
nenhum espanto, pois já era esperada pelo meu assessor.
— Partirá a que horas?
Ignácio se serve de uma dose generosa de conhaque e sorve o líquido para aliviar
a tensão que se sobrecarrega em suas costas. Meu Consigliere cuidou para que
tudo saísse o mais perfeito possível sem nenhuma possível probabilidade de erro.
— Quero partir logo pela manhã e você me manterá informado sobre
absolutamente tudo até minha segunda ordem.
— Sem problemas, Enzo. — deposita a taça em uma mesinha ao lado de seu
sofá. — Permanecerei aqui até que você me ligue.
— Enzo. — profere com seu modo seco.
— O que foi?
Ignácio atravessa a suíte e descansa sua mão vazia em um dos bolsos de sua
calça.
— Somente gostaria de ressaltar que em hipótese alguma deixaria vazar a
informação a respeito da Suíça. — demonstra em seu semblante a decepção de
que o considere um delator.
— Tenho total ciência disso, Ignácio, mas sei que há alguém que deseja que eu
pense o contrário. Tomamos todas as precauções e, no entanto, acabaram
descobrindo o paradeiro das duas.
— Já pensei em várias hipóteses e nenhuma se enquadra. O que esse sujeito
pretende? — dou de ombros, resignado.
— Não sei. Nunca enfrentei algo parecido, minhas desavenças sempre foram
declaradas e resolvidas às claras e não imagino o porquê de tamanho ódio em
relação a mim. — meu Consigliere suspira.
— Acha que podemos estar lidando com alguma espécie de vingança passional?
— Já levantei essa questão e se isso tiver algum sentido, devo ter feito muito mal
à essa mulher.
— Parou para pensar que pode não ser uma mulher?
— Bom, nunca mantive relações com mulheres casadas. — tento eliminar a
suposição de Ignácio.
— Não precisa necessariamente ser um marido. — gira seu corpo e anda alguns
passos em direção do sofá.
— Um parente qualquer da mulher em questão.
— Não faz sentido! Não teriam atacado Letízia. Essa pessoa quer acabar com
minha família como um todo e não somente atingir a mim diretamente. —
Ignácio muda de assunto.
— Colen está atrasado como sempre! — ressalta.
— Só o perdoo porque ele é muito bom no que faz.
Instantes depois, Ignácio deixa meu quarto, enquanto permaneço sentado no
sofá.
Minha mente não se desliga um só minuto e impaciente, bato meus pés no tapete
incessantemente, enquanto aguardo notícias de Colen. Combinamos de nos
encontrarmos aqui em Berlim e em nosso último contato, ele me garantiu que
traria informações valiosas, meu celular toca e enfim minha espera terminou.
Colen adentrou o hotel e segue pelo elevador em direção ao meu andar, uma
sequência de leves batidas em minha porta aponta que ele chegou.
Já instalado em meus aposentos, Colen, com sua mansidão dissonante, [447]

deposita sua pasta sobre a mesa de centro e a abre metodicamente.


— Acho que irá gostar do que descobri, Enzo.
— Aceita beber alguma coisa?
— Vodca sem gelo, por favor. — me distancio, a passos lentos até o bar do
quarto.
— Aqui está! Do jeito que James Bond gosta. — sorrio, estendendo-lhe o copo.
— Batida e não misturada.
— Obrigado. — prova o destilado, estalando a língua em satisfação. — Isso é
ótimo! — em sua velha mão, segura um envelope.
— Eis aqui o que descobri durante todo esse tempo.
Retiro o conteúdo do envelope, em uma pasta catalogada, uma espécie de dossiê
de cada funcionário que trabalha em minha residência. Nela, há dados
minuciosos de cada um deles, correndo meus olhos pelas muitas páginas, reparo
que Colen fez um exímio trabalho agregando fotos e relatos de pessoas que
mantiveram ou ainda mantém uma relação com os investigados.
O primeiro funcionário investigado é Heitor, o nosso porteiro, em todas as linhas
sobre seu passado e presente não há nada com que me preocupar, ele está isento
de qualquer suspeita.
A seguir, fotos e documentação sobre as arrumadeiras, cozinheiras e os
empregados que cuidam do jardim. Nesse montante, se inclui Fabrizio, ele
também está com a barra limpa.
Mais algumas fichas com os dados dos seguranças, entre eles, Isaiah, leio com
atenção e não encontro nada de novo em relação ao meu treinador. Nada do que
Colen descobriu a respeito de meu chefe da segurança é relevante.
— Deixei o melhor por último. — conclui esvaziando seu copo. — Posso? —
aponta para o bar.
— Sinta-se em casa!
Nesse momento, outra batida na porta me faz desviar os olhos e dessa vez,
Ignácio se junta a nossa pequena reunião. Colen e ele se cumprimentam e
continuo com meus olhos atentos nos papéis a minha frente.
— Tem certeza do que está escrito aqui? — pergunto, incrédulo.
— Absoluta. — Colen anda até mim permanecendo em pé a minha frente. —
Seu pai poderá confirmar as datas e lugares, pois quando tudo se passou, você
ainda era um recém-nascido.
— Ignácio, dê uma olhada nisso! — estico meus braços com os papéis em mãos
e os entrego a ele.
— Eurídice Furman? A governanta? — seu semblante denota a mesma
incredulidade existente em meu rosto. Olho estático para a foto de Eurídice
ainda jovem.
— Mas quem seria Victório Donati Montanaro? — inquire Ignácio, hesitante
como eu. — E qual a relação entre esses dois?
Colen abandona seu copo na mesa e esfregado suas mãos as coloca sobre sua
boca.
— Esse homem trabalhou com o pai de Enzo na década de 80.
— E? — minha vez de questioná-lo e supor que Colen não tenha se equivocado.
— Montanaro era uma espécie de faz tudo e seu pai tinha uma forte ligação
comercial com esse sujeito que lhe rendeu bons lucros. — Colen se senta em
uma poltrona em minha frente. — Acontece que esse "faz tudo" não era um
homem de confiança e muito menos tinha o conhecimento da palavra lealdade.
— olha para mim e depois para Ignácio que parece uma criança hipnotizada ao
ouvir uma história de aventura. — Resultado, Montanaro trabalhava e executava
serviços para seu pai ao mesmo tempo que aceitava serviços da Máfia Russa e o
senhor Ferraro ao descobrir, a abominável falta de caráter desse sujeito mandou
surrar e executá-lo sem piedade. — começo a entender o que se passa e faço uma
pergunta que nos leva direto ao ponto, a ligação de Eurídice com esse homem.
— E onde Eurídice entra nessa história?
— Em 1944, a família Furman saiu da Polônia e imigrou para os Estados Unidos
devido à II Guerra. — explica Colen. — O tempo passou e em sua juventude,
essa mulher se mudou para El Paso. Lá, trabalhava em um escritório como
secretária e foi quando conheceu Montanaro. Ele era casado, porém os dois
tiveram um relacionamento extraconjugal até que Montanaro foi morto pelo
senhor Ferraro.
— Mas isso é inacreditável! — comenta Ignácio ainda descrente de que esse
relato possa fazer sentido.
— Essa funcionária é a única pessoa que possui uma relação com o passado da
família Ferraro e que poderia ter alimentado uma vingança contra vocês. —
Colen atesta olhando diretamente em meus olhos. — Na época em que estava
com Montanaro, ela era uma mulher muito astuta e perigosa. Muitas vezes o
ajudava em seus serviços e era muito boa no que fazia. Quem vê a sua pose de
senhora elegante não imagina o que ela esconde em seu passado.
— Mas segundo as informações que colhemos, ela não atua sozinha! — digo. —
Há mais pessoas na casa que estão mancomunados a esse plano de vingança.
[448]

Penso em como será a reação de minha mãe ao descobrir que a sua governanta
há mais de 30 anos é uma pessoa odiosa e que nos quer tanto mal.
— Bem. — Colen anda até Ignácio e toma o relatório de sua mão. — Ainda não
acabou. — abre em uma determinada página e a foto de Marcello aparece como
outro ajudante. — Esse segurança entrou facilmente em sua casa e na verdade
faz parte da equipe que atua na qualidade de lhes fazer mal. Ele é enteado de sua
governanta, ou seja, filho de Montanaro com sua legítima esposa. — Colen
espreme seus lábios e seus olhos exprimem uma dura constatação. — Acredito
piamente que a mente de toda essa armação seja a tal Eurídice.
Ainda custo a acreditar que isso seja verdade. Algo não se encaixa e ainda não
consegui descobrir o que seja. Tudo é óbvio e não me cheira bem.
— Se Eurídice é a mente disso tudo, terá que me dizer isso olhando em meus
olhos, pois partirei para Nova Iorque e não vejo a hora de colocar minhas mãos
nela.
Acerto o pagamento de Colen pelos seus préstimos serviços. Então, ele se
despede, me deixando a sós com Ignácio. Lemos mais uma vez todas as muitas
informações e chegamos à conclusão de que Eurídice pode ser muito mais
perigosa do que imaginamos.
— Por que ela esperou tanto tempo? — penso em voz alta e meu consciente não
encontra uma resposta plausível e muito menos satisfatória para essa questão.
— Não consigo imaginar o porquê. — afirma Ignácio. — São muitos anos de
espera arquitetando uma vingança. — solta uma suspiro. — Seria muito rancor
envolvido.
— Sabe o que penso? — meu cenho se fecha. — Corremos tanto risco durante
todos esses anos. Essa mulher cuida de todo o andamento de nossa casa, como a
nossa alimentação.
— Ela poderia ter envenenado a todos. — bato minhas mãos em meus joelhos e
rebato.
— E por que não o fez? — Ignácio ergue as mãos e os ombros em negativa total
ao meu questionamento.
— Irei descobrir nem que seja a última coisa que eu faça.
Solto essa frase não como uma ameaça e sim, como uma promessa e eu nunca
quebro uma promessa.
Pablo, Eurídice, Marcello e Nina, quatro peças interligadas de um quebra cabeça
que para mim ainda permanece incompleto.
Mais tarde, arrumando minhas malas para retornar aos Estados Unidos, um
sorriso surge no canto dos meus lábios, deixo de lado esse inimigo a me rondar e
penso que será possível ter um lado de minha vida seguindo seu curso normal,
imagino uma luz no fim do túnel.
Todos esses dias longe dela não foram em vão, afinal descobri que Antonella não
é uma infiltrada pela máfia e assim sendo, ainda podemos nos arriscar a viver a
nossa paixão, o que ainda não sei é se ela me dará uma chance para que isso se
torne realidade.
*****
Às sete horas da manhã, embarco rumo a Nova Iorque, devido ao fuso horário,
desembarco às oito e meia da manhã no aeroporto J.F. Kennedy.
A temperatura é amena e o céu sem nuvens promete mais um dia típico de
outono, no meu caso, será um dia carregado de nuvens escuras e espessas com
direitos a raios e trovões.
A imagem de Antonella habitou minha mente durante quase todo o percurso da
viagem, ultimamente, a visão de seu rosto tem se instalado em meu cérebro
muito mais do que deveria. Não tinha que ser assim, mas é a mais pura verdade,
eu continuo apaixonado por essa ragazza insolente.
Fabrizio se encontra à minha espera com a porta do carro aberta, através das
lentes de meus óculos escuros, o cumprimento com um leve aceno de
cabeça.
— Fez boa viagem, senhor Ferraro? — os olhos de Fabrizio aparecem no
retrovisor.
— Sim. — me ajeito no banco traseiro de meu carro abrindo o botão de meu
paletó, mais à vontade, tento estreitar um diálogo com meu motorista. — Tudo
correu bem durante a minha ausência? — mais do que depressa, desvia seu olhar
e volta a se concentrar na estrada fingindo não ouvir a minha pergunta.
Essa é uma característica de Fabrizio, se mostrar alienado para fugir de algum
assunto delicado.
— Fabrizio, eu lhe fiz uma pergunta. — digo, secamente.
Aperta sua gravata como se estivesse sufocado e a seguir pigarreia.
— Está tudo bem, senhor Ferraro.
— Por que tenho a nítida impressão de que você está mentindo, Fabrizio?
— Mentindo? — solta um riso pesaroso e sem graça, engolindo em seco.
— Se há algo para me contar, sugiro que se adiante. — olho para a avenida que
dá acesso a Harrison e volto a encarar meu motorista palerma. — E então? —
tiro meus óculos e com o olhar impaciente o fito querendo decididamente uma
resposta mais do que convincente.
— A senhorita Antonella deixou a mansão há dois dias.
— O que está me dizendo? Como assim? Deixou a mansão?
— Pelo que sei, ela foi embora e não levou nenhuma bagagem sequer. — minha
raiva se expande a ponto de ranger os dentes.
— E por que cargas d'água ninguém me informou de tal fato?
— Bem. — responde, pausadamente enquanto ultrapassa um veículo. — Tanto
eu quanto Isaiah achamos que a senhora Ferraro lhe contaria.
— Acharam? — digo em tom de cinismo, arqueando minha sobrancelha direita e
através de meu semblante de desagrado exponho a minha raiva por me tomarem
como um desavisado. — Não sabia que vocês eram pagos para achar alguma
coisa, imbecille di una figa! — vocifero.
— A senhora Ferraro nos pediu para não lhe dizer nada até o seu retorno. —
Fabrízio desabafa aos tropeços e suas mãos apertam o volante com força no
mesmo instante em que sua testa transpira visivelmente.
O que minha mãe pensa que está fazendo? Como ela ousa dar ordens aos meus
capangas e funcionários?
Me aprumo no banco do carro, pendendo meu corpo para frente. Próximo ao
ouvido de meu motorista, deixo uma observação que espero ser seguida à risca
na próxima vez.
— Vocês são meus funcionários e devem obediência a mim. — aquiesce com a
cabeça sem tirar os olhos da pista. — A qualquer outro naquela casa vocês
devem somente respeito, está me ouvindo?
— Sim, senhor.
— Agora, acelere a merda desse carro!
Pisa no acelerador e em poucos minutos adentramos os portões de minha casa.
Pelo visto, meu acerto de contas com Eurídice terá que ficar em segundo plano,
trazer Antonella de volta, nesse momento, se torna prioridade.
Antes mesmo que Fabrizio abra a porta para mim, desço do carro e caminho a
passos céleres até a porta principal, na sala, minha mãe conversa com a traidora
e lhe dá instruções sobre atividades domésticas corriqueiras.
Ao me ver entrando, Eurídice me sorri como sempre fez em todos esses anos e
se não fosse o meu sangue frio e comedido, a minha maior vontade era acertar-
lhe um belo soco de direita em sua cara dissimulada até quebra-lhe todos os
dentes.
— Senhor Ferraro. — Eurídice passa por mim, tocando meu braço como um
terno e despretensioso toque.
Vecchia Puttana.[449]
— Eurídice. — troco mais um sorriso antes que ela deixe a sala.
— Que saudade, meu filho! — minha mãe se coloca em pé e vem ao meu
encontro me abraçando com muito carinho.
Fecho meus olhos e me presenteio com o bem-estar desse afago vital e
necessário para mim.
— Papá está bem?
— Sim, está ótimo. — toma meu rosto entre suas mãos e a encaro no fundo dos
olhos, sábia e muito sagaz, continua a ajeitar a lapela de meu paletó.
— E Paola? — olho para as escadas como se a procurasse pela casa, retorce seus
lábios estreitos e sorri.
— Vamos ao seu escritório? Preciso falar com você em particular. — de braços
dados a acompanho até meu escritório, fechando a porta. Pelo menos, ninguém
irá nos ouvir aqui.
— Meu filho, sente-se aqui! — toda aprumada, dona Adele se senta e me faz
sentar ao seu lado. Cruzo minhas pernas atento a sua face enrubescida. Vamos
ver o que ela tem a me dizer.
— Ela deixou a nossa casa há dois dias, meu filho. — diz, calma, como se me
contasse uma coisa trivial decorrente de seus chás beneficentes.
— Posso saber por que a senhora não a impediu de ir?
— Acaso, ela estava sendo mantida sob prisão domiciliar? — num ímpeto, me
levanto e ela percebe que não estou para gracejos e conversas com rodeios.
— A senhora não deveria ter deixado que ela partisse!
— Meu filho e como eu poderia segurá-la aqui? À força? — sua voz também se
altera e ela fica em pé me encarando de modo duro. — E o direito de ir e vir?
Não conta?
— Nas devidas circunstâncias, não! Seu eu soubesse que era incapaz de cuidar
de Antonella em minha ausência, a teria levado comigo para Vegas. — acabo
perdendo a cabeça e aponto meu dedo para ela.
Minha mãe se aproxima e a palma de sua mão estala com força em minha face,
fazendo com que o impacto de seus dedos deixe minha pele formigando, esfrego
a mão em meu rosto e em minha memória, a lembrança do último tapa que levei
de Dona Adele em minha adolescência quando lhe respondi atravessado achando
que já era um homem feito.
— Nunca mais ouse levantar a sua voz para mim, seu bambino atrevido! — fala
firme com sua voz estridente. — Vocês são dois cabeças-duras que não sabem
lidar com essa situação como dois adultos e querem empurrar a responsabilidade
de um relacionamento naufragado a uma outra pessoa que nada tem a ver com
suas criancices. Mantenho meus olhos arregalados e ainda incrédulo pela fúria
com que ela travou esse diálogo.
— A senhora não pode opinar sobre algo que não entende. — argumento sem ser
grosseiro. Não pretendo levar outro tapa.
— Não entendo? — revira seus olhos azuis. — O que não entendo? Acha que
não entendo o que é o amor? Por acaso, pensa que nasci com essa idade, Enzo
Rafaello? — seus dedos se encontram em riste próximos ao meu nariz.
— Sei distinguir quando duas pessoas que se gostam, caminham para lados
opostos por pura intolerância. — abaixa o tom de sua voz. —Tanto você quanto
Antonella estão colocando tudo a perder sem ao menos dar a chance de tentar se
acertarem.
— Se a senhora não tivesse deixado que ela fosse embora, quem sabe não
poderíamos conversar sobre quem é mais intolerante.
— Nós, mulheres funcionamos de um outro jeito. — argumenta. — E na
situação de isolamento em que você a deixou, o que queria que ela fizesse?
— Que pensasse ao menos em estar segura.
— E quem disse que ela estaria segura nessa casa? — dispara. — Você mesmo
não disse que há espiões infiltrados aqui?
— Sim, disse.
— E quem garantiria que não a pegariam debaixo de nosso nariz?
— Havia deixado Isaiah cuidando de sua segurança.
— E ele continua fazendo isso! — ela sorri.
— Continua? Desembucha, dona Adele.
— Enzoooooo... — me repreende. — Olha lá como fala com sua mãe.
— Hei, espere aí! — minha vez de encostá-la na parede.
— Se Isaiah está cuidando da segurança dela e juntando a sua conversa... Sabe
onde Antonella está e anda falando com ela? — ela pisca seus olhos, tentando
disfarçar o inegável.
— Não. Por quê?
— Pela sua cara, mama! A senhora é péssima com mentiras. Para onde ela foi?
— Não imaginei que ela fosse deixar a nossa casa dessa maneira. — tenta me
ludibriar com seus devaneios. — Letízia sente muito a sua falta e todos aqui
somos gratos por ela ter salvado a vida de nostra bambina.
— Mamãe, vamos poupar tempo e me diga logo para onde ela foi!
— Ora! Você não é o mafioso? Descubra por si mesmo. — cruza seus braços e
me olha com desdém. Parece irritada por ter erguido minha voz ao me dirigir a
ela.
— A senhora sabe e só está me irritando com seu comportamento. — acabo
recuando. — Mamãe, por favor! — junto minhas mãos implorando para que ela
me ajude.
— Está bem! — anda até minha mesa e anota o endereço num pequeno bloco de
notas. — Aqui está! Traga-a de volta. — sorrio e lhe dou um beijo apertado em
seu rosto.
— Posso saber como descobriu onde ela está?
— Também tenho meus métodos.
— Posso saber quais seriam? A senhora a seguiu?
— Melhor do que isso! Pedi a Laurindo que a seguisse.
— Laurindo? — quero rir, porém não me atrevo a cometer tal ato. Laurindo é o
nosso jardineiro e trabalha em nossa casa há quase 20 anos. Felizmente, mesmo
inconsciente, minha mãe não pediu a Eurídice para que a seguisse.
— Sim... — faz uma pausa. — Saiba que Laurindo foi muito discreto e ela não
percebeu que meu jardineiro estava em sua cola. — ao ouvir tal comentário,
gargalho alto pendendo meu rosto para baixo, batendo minhas mãos nos joelhos.
Minha mãe fica a me olhar sem entender o motivo de meu riso.
— Posso saber qual é a graça? — ainda rindo, tento recuperar minha seriedade
para responder a sua pergunta.
— Antonella não notou e nem notaria a presença de Laurindo. — respiro fundo e
solto o ar, olhando para o teto. — Já reparou na velocidade com que ele transita
pelo jardim? Uma tartaruga ganharia dele sem esforços.
— Ah, coitado do meu jardineiro Enzo! Não exagere. — noto que ela segura
seus lábios para não rir e perder a oportunidade de me corrigir.
— Lerdo ou não, ele conseguiu o endereço. — anda até a minha estante e arrasta
um livro de mitologia e detrás do objeto, tira uma pequena caixa colorida.
— Isso chegou pelo correio. — me entrega a pequena caixa.
A letra delicada de Antonella se destaca na etiqueta colada na parte superior da
caixa.
— Bem. — minha mãe bate os braços nas laterais de seu corpo. — Deixarei
você a sós e se precisar dos serviços secretos de nosso Laurindo é só me avisar,
gira seu corpo e antes que ela deixe o aposento, a chamo novamente.
—Tenho algo a lhe dizer e suponho que não será nada agradável de se ouvir.
— O que seria meu filho?
— Minha vez de dizer para que se sente.
Calmamente, ela volta à sua poltrona e se senta aguardando o que tenho a dizer
com os olhos fixos em mim, com muita cautela, lhe conto sobre todas as
descobertas de Colen e o que mais me doeu foi ver os seus lindos olhos
refletirem o brilho da decepção, totalmente banhado em lágrimas. Sua garganta
pareceu se fechar e por alguns instantes a única coisa que podia se ouvir nessa
sala era a sua respiração pesada coberta de tristeza.
— Você tem certeza, Enzo?
— Jamais brincaria com um assunto como esse. — abaixa sua cabeça e
apertando sua mão uma na outra, nada diz.
Minha reação ao ver o quanto essa revelação lhe impactou é abraçar seu corpo
delicado e afagar seus cabelos, ela mantinha Eurídice em alta conta e essa traição
destruiu toda a consideração que viria a ter, enxuga seus olhos e num respirar
profundo volta a se centrar. Essa é a minha mãe, minha fortaleza coberta de
doçura.
— E o que pretende fazer agora que descobriu isso tudo?
— Primeiramente, irei atrás de Antonella e depois cuidarei de nossa governanta.
Surpreendentemente, ela deposita sua mão sobre a minha e me faz um pedido
que jamais esperei sair de sua boca.
— Quando pegá-la quero estar presente. — afaga meus dedos. — Quero olhar
em seus olhos.
— Tem certeza?
— Absoluta, eu preciso disso para ter paz. Me dá a sua palavra?
— Combinado, palavra de gângster. — ela detesta que eu me refira a minha
profissão dessa maneira.
— Não fale assim!
—Eu prometo. — antes de deixar meu escritório, vai até o banheiro e confere
sua aparência.
— Seguimos o jogo, não é isso? Iremos manter as aparências. — corrobora. [450]

— Isso mesmo.
— Falarei com seu pai a respeito.
— Faça isso, mas tome cuidado e verifique se não estão sendo vigiados. — pisca
para mim e segura o trinco da porta.
— Pode deixar e traga a ragazza sã e salva de volta.
Fecha a porta atrás de si me deixando com a caixa enviada por Antonella,
sentado à minha mesa, retiro a fita adesiva que me impede de conhecer o
conteúdo da caixa. A abro devagar e minha reação é fechar meus olhos com um
cerrar de dentes ao ver que ela não mais usa o anel com rastreador.
Retiro a joia da caixa e a deixo sobre a mesa, pego um outro envelope que se
encontra no fundo do objeto e ao abri-lo, mais uma surpresa, os euros que ela
recebeu como parte do pagamento por seu trabalho.
E, por último, um envelope que deduzo conter alguma espécie de carta, o abro e
recostado em minha poltrona me coloco atento às últimas palavras dirigidas a
mim por Antonella.
"Enzo,
Tenho certeza de que deva estar se perguntando o motivo pelo qual
me afastei de sua casa e principalmente de você. Poderia esperar
seu retorno e lhe dizer o que vem atormentando a minha cabeça, mas de
repente, uma tola covardia se fez minha companheira e preferi
pegar uma caneta e papel para lhe dizer obrigada e adeus.
Nós somos muito parecidos, sabia?
Você deve ter lido essa última frase com desprezo e acha que o que digo não
faz nenhum sentido, porém friso que somos muito parecidos quando o
assunto é a nossa família, se me perguntasse o quão arrependida estou por
tudo o que houve, diria que não há um só minuto, em que eu não me
martirize, por ter escolhido o pior caminho para tentar ajudar a quem amo
e apesar de todos esses pesares que se abateram sobre mim, uma coisa muito
boa aconteceu.
Foi assim conheci o verdadeiro Enzo Ferraro..., impulsivo, temido
e muito violento esse é o Enzo que todos conhecem e que eu
também conheci, mas em você há um outro muito mais discordante e ainda
inexplorado, talvez porque o esconda muito bem para que
ninguém descubra o quanto é bom.
Consegui entender que a sua postura em Verona era nada mais nada
menos que a esperada de um chefão irredutível e impiedoso. As suas
palavras naquele galpão doeram em mim de uma forma brutal muito mais
do que os tapas e empurrões que me desferiu naquela noite. Sei, também,
que seu orgulho ferido e a sensação de ter sido traído foram os combustíveis
para que agisse daquela forma, mas o Enzo que muitos não conhecem
não permitiu que o rancor sobrepujasse o que você sentia por mim.
Aquela agressão doeu mais em você do que em mim e aí, contradigo o
ditado uma vez dito por seus lábios em Hamptons.
"Quem apanha nunca esquece"
Não posso dizer que aquilo não me magoou, todavia há coisas que se
sobressaem a isso e tornam essa questão muito menor. Você poderia ter
me matado e não o fez e mesmo me torturando com suas palavras amargas
e seu cinismo torpe, preferiu me presentear com seu desprezo e me ferir com
ele, mas me manteve viva cuidando de
minha segurança mesmo em sua ausência.
Gostaria que soubesse somente de uma coisa...
Cada sorriso, lágrima e até os gemidos que saíram de
minha boca ao ser tocada por você foram muito mais que sinceros.
Respiro fundo e continuo a ler as linhas deixadas por ela...
Não me arrependo de tê-lo escolhido para ser o primeiro homem de minha
vida e naquele momento não houve jogos e nenhuma espécie de
manipulação, naquela cama era somente você e eu.
E volto a dizer que quando digo que somos parecidos, também me refiro,
Enzo, à sua determinação e generosidade.
Você é tão ou mais determinado do que eu quando o assunto é proteger a
sua família e tenho plena ciência de que mataria por eles assim como eu.
Conviver com os Ferraro, deu à minha mente muito mais lembranças boas
para se guardar e relembrar em momentos de saudade e tristeza do que
possa imaginar, quando salvei Letízia, não o fiz para me redimir ou
me mostrar melhor do que aparentava ser, eu a salvei porque a amo com
todo meu coração e quando a abracei toda trêmula e com seus olhinhos
assustados, me senti feliz por ter impedido aquela tragédia.
Conviver com você foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido...
Você tem vertentes que nem mesmo conhece, é um homem completo que
toda mulher gostaria de ter, uma fortaleza que a faz se sentir protegida e
amada, um homem pelo qual se suspira ao abrir os olhos pela manhã e aos
fechá-los ao anoitecer, estando dormindo em seus braços.
Obrigada por cuidar de Clara por mim, por protegê-la daqueles que lhe
querem mal, se não fosse por você a essa hora, elas estariam mortas e eu em
um desolamento incurável.
Eu nunca poderei agradecer o suficiente o que tem feito pela minha família.
Um guerreiro que se faz forte e temido, mas que por dentro deixa habitar
o que há de melhor em si.
O seu enorme coração...
Meu maxilar se enrijece e uma lágrima brota no canto de meus olhos.
É assim que o vejo, Enzo e sempre o verei. Não quero tomar mais
o seu tempo com uma ragazza estúpida e insensata então, quero que saiba
que eu o amei, amo e nada me fará deixar de amá-lo, nem mesmo a perda
de minha própria vida.
Espero que encontre esse inimigo que lhe quer tanto mal e se precisar de
minha ajuda, saberá onde me encontrar. "
Antonella
Maldita ragazza!

Amasso o papel e o jogo dentro da lixeira, limpo meus olhos e tento me acalmar,
pois a minha vontade é socar meu próprio rosto até perder os sentidos, me
abaixo e pego a carta desamassando o papel, leio mais uma vez e a guardo em
meu bolso, pego o telefone e chamo Isaiah e Domênico.
Trarei a minha Antonella de volta e junto dela derrotaremos quem nos querem
tanto mal.
Un' Altra te [451]
Antonella
Na noite anterior...
— Amiga, tem certeza de que é isso mesmo que quer? — Virgínia se serve de
mais refresco de limão e me encara de modo contestável.
— Tenho. — afirmo. — Consegui uma passagem para Madri e de lá partirei de
ônibus para Itália.
— Aposto que você não conseguirá embarcar nesse avião. — deixa seu copo
vazio sobre a mesa de centro. — Acredita que a mãe dele não contou sobre sua
gravidez?
— Adele me deu a sua palavra e eu acredito nela.
— Pois, seu eu fosse você não confiaria nessas palavras, não acredito que a
Família Ferraro deixará que parta para Itália carregando um filho de Enzo.
— Tenho que contar com a sorte, amiga e recomeçar a minha vida longe dessa
turbulência toda. — corro as mãos pelo meu cabelo. — Pretendo contar a ele
sobre a gravidez, contudo nesse momento, preciso me distanciar dele e pensar
em como agirei daqui por diante.
— Não irei discutir sobre sua decisão. — pega a sua bolsa e a coloca a tiracolo.
— Você, mais do que ninguém, sabe o que sente e aonde o calo aperta. — em
pé, me abraça e ali nos despedimos.
Virgínia deposita todo seu apreço e seu toque caloroso em seu abraço amigo, a
acompanho até a porta e momentos depois, me preparo para dormir, pois meu
voo sai logo pela manhã.
Meus olhos demoraram a se fechar e nos poucos momentos em que consegui me
desligar, pequenos pesadelos entrecortados invadiram meu sono me fazendo
acordar em sobressaltos com o coração quase a sair pela boca, neles, Enzo
tomava o meu filho de meus braços, o levando para longe de mim, me deixando
desolada e em um pranto colérico.[452]

Passo a mão pelo rosto suado e respiro fundo para aliviar os tremores
subsequentes desse pesadelo que parecia tão real, volto a dormir e dessa vez,
meu sono não foi invadido por Enzo.
Poucas horas depois, tomo um banho e escolho uma roupa mais quente, visto
uma calça cinza com uma blusa de cashmere pérola de gola rolê. Lá fora, a
[453]
temperatura caiu consideravelmente, apontando para a um gélido outono,
cobertos por ventos cortantes, mesmo assim a manhã está linda com um céu
límpido de um azul único e o sol imponente nos trazendo vida e calor.
No espelho me analiso por alguns instantes e decido prender meus cabelos
revoltos em um coque solto, porém elegante, um batom discreto e delineador nos
olhos dão a minha face abatida uma tonalidade mais agradável.
Mais tarde, tomo uma pequena xícara de café acompanhada de uma torrada, é a
única coisa que meu estômago aceita no momento. Ajudo Melanie a retirar a
mesa e então, chega a hora de me despedir e agradecer por toda a hospitalidade
dessa garota que até poucos dias era totalmente estranha e que agora se tornou
uma grande amiga.
— Não quero perder o contato com você, por favor não suma, Antonella. —
segura minha mão, enquanto dirige seu olhar sereno para mim. — Mande
mensagem sempre que puder e quando vier a Nova Iorque, não se esqueça de me
visitar, ok?
— Melanie. — a abraço forte e demoradamente. — Mas é claro que não me
esquecerei de você, manteremos contato.
— Assim, fico mais tranquila. — solto minhas mãos nas laterais de meu corpo e
pego a minha pequena valise, minha única bagagem.
— Chamei o táxi para você!
— Obrigada pela gentileza e mais uma vez, muito obrigada por tudo!
— Que isso! Não há nada para agradecer. — o interfone toca e prenuncia a
chegada de meu transporte ao aeroporto, então só me resta caminhar até a porta.
— Adeus, Melanie.
— Adeus é muito tempo, amiga, digamos até mais. — sorri, naturalmente.
— Arrivederci. — lhe devolvo um sorriso nada forçado.
[454]

Saio, fechando a porta atrás de mim e ando até as escadas devagar e cabisbaixa,
na calçada, o tradicional táxi amarelo me espera. Através das lentes escuras dos
meus óculos, o vejo encostado no carro com os tornozelos cruzados, é um senhor
baixinho e rechonchudo que me espera com um palito de dentes preso em seus
lábios, ao me ver, sorri e retira o objeto da boca estendendo sua mão para me
cumprimentar.
— Bom dia, senhorita! — olho para sua mão estendida com o palito ainda em
seus dedos. — Sou Dario Sorrentino.
— Prazer, senhor Dario. — relutante, acabo pegando em sua mão.
— Não tem nenhuma bagagem? — solta de minhas mãos dirigindo seus olhos
miúdos para a valise pendurada em meu antebraço. Em seguida, volta o palito
em sua boca com uma naturalidade escandalosa.
Que taxista é esse, Dio mio!
— Não senhor. — respondo, seca. — Podemos ir?
— Ah, sim. — retira o seu boné e coça sua cabeça calva. — Vamos!
Fecha a porta do bagageiro e abre a porta traseira para que eu possa entrar,
desengonçado e resfolegante, se senta ao volante e dá a partida.
[455]

Mal trafega uma quadra e vira seu pescoço para trás tentando puxar assunto.
— A senhorita não é americana, certo? — ergo minhas sobrancelhas e
respondo.
— Não, sou italiana! — aponto meu dedo para a frente. — Senhor, o sinal está
fechado!
— Ah!! — freia bruscamente e para quase em cima da faixa de pedestres. —
Também sou italiano, da Sicília. — diz, sorridente com o palito ainda no canto
da boca. — Vim de Palermo ainda jovem.
— Que interessante. — é o que consigo dizer sem ser deselegante e para que o
taxista entenda que não estou muito adepta a um diálogo motorista/passageiro.
Retiro meus óculos e tento ser a mais polida e direta possível.
— Senhor Dario, pode andar um pouco mais rápido, por gentileza.
— Sim, vamos acelerar! — sorri, fazendo um movimento de sobe e desce com
sua testa e as sobrancelhas grossas. — Não quero que a senhorita perca seu voo.
Finalmente, ele cai em si e seguimos em uma velocidade considerável para o
aeroporto.
Mais alguns quilômetros adiante e novamente o taxista quer me contar sobre a
chegada de sua segunda neta, conversa comigo através do retrovisor e demonstra
ser um homem muito apegado a sua família, chega a falar sobre o nome que
escolheram para a nova integrante, ele não para de falar um só minuto. Seu táxi
vira praticamente um confessionário.
Depois de vários minutos ouvindo o falante motorista, finalmente ele se mostra
mais atento à rodovia ao entrar no túnel submerso que liga a cidade de Jersey a
Manhattan, o fluxo de carros é tranquilo e todos mantém seus faróis acesos e
uma velocidade aceitavelmente normal.
Repentinamente, os olhos negros do senhor Dario se tornam maiores e
assustados, seus pequenos e roliços dedos apertam o volante e pelo seu
retrovisor, me inquire.
— Por acaso, a senhorita é alguma espécie de fugitiva? — engulo em seco e
tento não transparecer o meu espanto ao me fazer essa pergunta.
Estamos em meio a um túnel abaixo da água e esse homem quer saber se estou
fugindo? Não me surpreenderia se ele se virasse para mim e dissesse que sabe o
motivo de minha partida.
— Não!! — digo atônita e um tanto temerosa. — Por que o senhor acha que
estaria fugindo? — olha mais uma vez para o retrovisor a sua esquerda e vira
sua grande cabeça de abóbora para mim.
— Tem problemas com aquela gente? — aponta para trás com os olhos saltando
de suas órbitas.
Meu pescoço se movimenta contraditoriamente ao tamanho do meu medo, ou
seja, o viro bem devagar temendo me deparar com alguém a me perseguir... O
próprio inimigo ou até mesmo Enzo.
A sensação que tenho é de que me encontro em uma cena de perseguição em um
filme de aventura, três sedans pretos de vidros escuros se aproximam em alta
velocidade num zigue-zague espantoso, ultrapassam os outros veículos e colam
logo atrás do táxi do senhor Dario.
— O senhor não pode ir mais rápido? — com as mãos ainda firmes no volante,
antes de responder a minha pergunta, pigarreia se engasgando com a própria
saliva.
— A senhorita deve estar de brincadeira! Olhe para o meu carro!!!
Olho para trás e um dos carros dá sinal de ultrapassagem saindo da pista a
direita, ele ultrapassa e fica a nossa frente em uma velocidade reduzida. Não
reconheço nenhum dos modelos desses automóveis e então presumo que eles
não são propriedade da família Ferraro, o inimigo me encontrou primeiro.
O segundo carro liga a seta de ultrapassagem, mas se mantém ao lado do táxi
como se criasse uma barreira protetora contra qualquer tentativa de fuga.
— Senhorita, se tem problemas com essa gente é melhor me dizer. — fecho
meus olhos sem saber o que dizer muito menos o que esperar dessa situação, não
quero colocar um inocente taxista em risco.
— Senhor, Dario, eu....
— Essa gente cercou o meu carro e não me diga que não os conhece!!
Saímos do túnel e o carro da frente vai diminuindo a sua velocidade fazendo
com que o taxista não tenha outra opção a não ser fazer o mesmo.
PARAR.
Nosso carro para e o os outros fazem o mesmo, o silêncio parece me sufocar e o
senhor Dario continua segurando o volante com os olhos fixos no carro da
frente.
— Essa gente é da máfia, conheço esse tipo de automóvel. — minha saliva
parece secar dentro de minha boca e não consigo disfarçar o quanto meu corpo
treme, devagar, a porta do carro que está atrás é aberta e do banco do motorista,
Isaiah desce ajeitando seu terno, de óculos escuros, olha fixo e caminha em
nossa direção.
Nessa hora, só penso no que Adele deva ter contado a Enzo, já deve saber que
carrego um filho seu e até essa criança nascer ficarei sob a guarda da família sem
nenhuma outra opção plausível.
Do carro ao lado, desce Domênico em seu traje fúnebre, sua inseparável goma
de mascar e finalmente, a porta do carro que se encontra em nossa frente resolve
se abrir e de lá sai Enzo.
Usando óculos escuros, metodicamente muito devagar, caminha até o táxi, a
cada passo que ele dá, meu coração bate mais forte e numa celeridade
assustadora..., uma arritmia incontrolável.
[456]

É bizarra a sensação de olhar para ele e mesmo tendo a ciência de que não me
encontro em uma situação confortável, ainda pairo meus olhos em total
admiração a sua força e beleza, mesmo sem poder ver nada através de seus
óculos, consigo sentir a sua expressão de desagrado em seus maxilares rígidos.
Com os cabelos úmidos penteados para trás, Enzo usa um sobretudo preto que
cobre em partes o seu terno chumbo que combina magnificamente com a camisa
cinza claro e gravata também cinza. É o típico mafioso que sempre preza pela
elegância e requinte.
— Puta que o pariu! — Dario resmunga antes que Enzo se aproxime da janela de
seu carro. — Enzo Ferraro.
— O senhor o conhece?
— Está brincando? Esse homem domina quase toda a máfia da cidade. Não sei o
que a senhorita andou aprontando, mas sinto que está em péssimos lençóis. —
entorto meus lábios pesarosa, como se eu não soubesse desse mero detalhe.
— Bom dia! — cumprimenta o taxista com sua voz séria sem tirar seus malditos
óculos.
— Aliás, lindo dia! — o baixinho resolve se mostrar mais simpático do que
deveria, Enzo enfia a mão em um bolso interno de seu paletó e de lá retira a sua
carteira.
— Eu levo a senhorita! — estende uma nota de 100 dólares ao taxista que a pega
com os dedos trêmulos. — Está dispensado!
—Tudo bem, senhor. — minha coragem para encarar seu rosto se desfaz e sendo
assim, recaio meus olhos no painel do veículo.
Enzo segura a maçaneta do carro e a porta de trás é aberta.
— Moça, é melhor você não reagir. — me aconselha o taxista.
Escorrego pelo banco do passageiro e ao colocar meu corpo para fora do carro,
me deparo com Enzo segurando a porta.
— Buongiorno, ragazza! — seu cumprimento vem acoplado de seu sorriso e
fico imaginando o que pode estar subentendido por detrás dele. — Ia deixar
Nova Iorque sem ao menos se despedir? — bufo ajeitando minha valise nas
mãos.
— Bom dia, não havia outra maneira de abordagem menos invasiva? Quase
mata o pobre taxista de susto. — fecho a porta do carro e o senhor Dario sai
numa arrancada de cantar pneus.
Descansando suas mãos em sua cintura, Enzo solta uma lufada de ar pelas
narinas e na sequência faz um sinal a Domênico e Isaiah, atentos, eles voltam
para os seus respectivos carros e saem devagar até desaparecerem na rodovia.
— E então? — mesmo que não possa enxergar a expressão de seus olhos, o
desafio com minhas palavras. — Agora que me capturou, para onde irá me
levar? — seus lábios se curvam em um meio sorriso maldoso e ao mesmo tempo
indecifrável, pois ainda não tenho certeza se ele tem conhecimento de que espero
um filho seu.
Será que ele leu a minha carta?
Ou ela teve um outro destino através do espião que ainda está instalado ali?
Enzo não deixa transparecer nada, não me dá uma pista sequer sobre o que virá a
seguir e esse seu método é o que chamo de verdadeira tortura.
— Quero falar com você em um local mais reservado e não no meio de uma
rodovia. — olho para meu relógio.
— Tenho um voo marcado e ele sai em trinta minutos.
— Suponho que não embarcará nesse avião.
— Enzo, preciso ir!
— Precisar não é o mesmo que ir! — enfim, retira os óculos de seu rosto e em
seus olhos há um Enzo sério e muito esgotado. — Não irá fugir assim tão fácil.
— Quem lhe disse que estou fugindo?
— E não é isso que fez saindo de minha casa como uma fugitiva que tenciona
sair de uma prisão
— Não sou mais necessária e sei que você pode lidar muito bem com toda essa
situação controversa.
— Quem lhe disse que não é mais necessária?
— Seja quem for que deseja seu mal e que esteja infiltrado naquela casa, sabe
muito bem que não temos nenhuma ligação e isso me torna dispensável.
— Cheguei de viagem e achei que a encontraria segura em minha casa. — como
ele sabe ser intolerante, é como se eu discutisse com uma parede e não obtivesse
respostas para minhas perguntas.
— Talvez eu esteja imitando alguém que conheço. — aperto os olhos e disparo.
— Não foi você que fugiu para Vegas e evitou falar comigo durante todo esse
tempo?
— Precisava me afastar até entender o que se passava, portanto não me julgue
sem antes ter conhecimento dos fatos.
— Olha quem fala em julgar! — subitamente, ele me pega pelo cotovelo e me
conduz até a porta do seu carro. Fabrizio se encontra estático ao volante e nem se
mexe ao me ver lá dentro.
— Fabrizio, para o Drive Sinatra.
— Sim, senhor.
O carro trafega por uma rua e faz um retorno e voltamos a adentrar o túnel sob o
Rio Hudson.
— Quer dizer que veio até mim para pedir ajuda? — o encaro tentando decifrar
o quanto ele sabe, mas isso parece algo impossível de se alcançar, Enzo é como
uma muralha intransponível e um homem que sabe jogar como ninguém. Ele
pode muito bem, estar fingindo não saber de nada como fez em Verona.
— Não quero que volte para Itália por dois motivos.
O carro para no destino escolhido por Enzo e sem esperar que Fabrizio abra a
porta, saio do carro e procuro por ar, não me sinto bem. Toda essa situação e a
proximidade desse homem me causa um sufoco, uma angústia justificável e
ainda sem cura.
Sinto sua presença logo atrás de meu corpo e apoiada na grade que margeia o
rio, aspiro forte o ar, Manhattan em sua magnitude será testemunha de minha
maior apreensão.
Enzo não veio até mim pelo fato de se sentir apaixonado, mas com a intenção de
me usar como uma isca, será que serei tratada sempre dessa maneira, uma isca?
Primeiro fui uma isca voluntária aceitando o trabalho de Pablo e agora me torno
uma isca por domínio daquele que pode acabar comigo num simples piscar de
olhos.
— Quais seriam esses motivos? — giro meu corpo e coloco a palma da mão
sobre meus olhos para impedir que a luz radiante do sol me atrapalhe.
— Preciso de você lá dentro da casa.
— Por acaso, descobriu para quem Pablo trabalhava?
— Basicamente, sim. É um caso discrepante que não tem conexão alguma com o
submundo com que trabalho.
— Não? Quer dizer que não se trata de outro mafioso querendo acabar com
você? — com seu semblante sisudo, olha para a ilha de Manhattan.
[457]

— Não, não tem correlação nenhuma.


No fundo, algo se remexe dentro de mim ao saber que não sou uma traidora
dentro da Cosa Nostra, uma das coisas mais sagradas para Enzo.
— Então quer dizer que não terá mais que me matar? — volto a olhar o
movimento da água e algumas aves que voam planando em busca de alimentos,
sua mão forte descansa em meu ombro direito e ele a aperta exercendo uma
pressão que reflete em mim como um toque de proteção.
— Não. — fecho meus olhos e gostaria que em seu interior essa notícia o tenha
deixado feliz exatamente como estou me sentindo, sinto sua respiração pesada
ainda mais próxima de meu ouvido.
— Antonella, nunca me imaginei numa situação como essa. — solto um riso
amargo. Ele nunca teve que matar alguma mulher, aposto.
— O que? Enzo Ferraro não se vê matando uma pessoa do sexo feminino? —
outra mão é depositada no ombro esquerdo e devagar me faz encará-lo.
— Isso é insignificante para mim. — rebate e seus olhos que até poucos minutos
mantinham uma névoa obscura, agora brilham e exalam o seu azul perfeito e
límpido. — Nunca me importei em matar homens ou mulheres.
— Então o que torna essa situação tão inusitada?
— Eu não conseguiria jamais matar a quem amo. — aperta mais o meu ombro,
girando meu corpo para que possa novamente encarar o seu olhar e ele não sai
de sua boca que parece me chamar para ela como um imã traiçoeiro e letal.
— E em Verona, naquela cama eram somente eu e você. Não fui simulado ao
querer tê-la em meus braços. — em meus olhos brotam lágrimas mescladas de
alegria e emoção. Não consigo articular nenhuma palavra, pareço travada e ávida
por ouvir tudo o que ele tem a me dizer.
— Me senti usada ao saber que me levou para cama sabendo quem eu era.
Meu medo é de que ele ainda esteja jogando comigo e brinque mais uma vez
com meus sentimentos.
— Eu também. — sua voz assume uma tonalidade diferente. Naturalidade e
franqueza se misturam para me fazer entender que nós dois jogamos um com o
outro e a melhor maneira de recomeçar é reconhecendo que estávamos errados.
— E mesmo sentindo que você me enganava, eu a quis. Quis para mim, somente
para mim. — segura a minha mão e a leva em seu peito a deixando ali. — Nós
dois erramos e cabe a nós chegarmos a um acordo se queremos ou não consertar
o nosso erro apoiado ao que sentimos pelo outro.
Tento dizer algo, todavia me silencia com seu dedo em meu lábio.
— Se me disser que não me quer, não a forçarei a voltar comigo, está livre para
decidir o que pretende fazer de sua vida.
Com toda a certeza, Adele cumpriu com sua palavra e não contou a ele sobre o
bebê, do contrário, Enzo não me deixaria simplesmente ir embora.
— Saiba que não houve um só dia em que eu não pensasse na falta que você me
fez, ragazza.
Isso não pode ser real! Faz parte de um sonho mal-acabado e induzido pela força
de meu inconsciente que tanto deseja ser amada por esse homem.
— Volte para mim, Antonella! — aproxima seu rosto do meu e chacoalha meu
corpo levemente. — Venha comigo não por precisar de minha proteção ou por se
sentir encurralada. Venha por mim, pelo que sente por mim!
Sua fala é direta e sem nenhum floreio, porém tudo o que sai de sua boca
reverbera um sentimento que me atinge de modo impetuoso e avassalador,
[458]

procura minha boca de modo desesperado e então, me deixo levar por um beijo
banhado de lágrimas que caem do meu rosto. Enrosco minhas mãos em seus
cabelos e o trago para mais perto, a nossa saudade parece palpável e dolorosa e a
nossa intolerância acaba aqui.
— Eu o amo e não sei o que seria de mim daqui para frente sem você. —
distribuo vários beijos em seu lindo rosto e ele faz o mesmo com seus lábios
secando as minhas lágrimas. — Amo por tudo o que representa para mim.
— Daqui por diante, ficaremos juntos sem nenhuma espécie de segredo entre
nós.
Então, me dou conta de que ele precisa saber que será pai, me afasto de seus
braços e suas mãos permanecem em minha cintura. Pigarreio e retiro uma mecha
de cabelos que se atreve a entrar em minha boca.
— Antes de mais nada tenho algo a lhe dizer. — solta um profundo suspiro e
solta meu corpo subitamente.
— Não me diga que seu nome não é Antonella? — sorrio, abaixando minha
cabeça. — Porque se for isso, terei um surto nesse lugar! — atesta, tocando meu
queixo, fazendo meu olhar se nivelar ao seu.
— Primeiro quero lhe agradecer pelo que vem fazendo por Clara.
— Não sei do que está falando! — desvia seus olhos.
— Não minta para mim! Sei que você está cuidando dela e de minha tia também.
— Isso não foi nada demais. — emocionada, respondo.
— Para mim, foi um tudo! E outra coisa. — solto uma lufada de ar e espero que
essa notícia o deixe feliz. — Naquela noite em que você invadiu o meu quarto.
— Quero que esqueça aquela noite como também a maneira como a tratei. —
diz, imperativo com seu jeito Enzo de ser.
— Não posso esquecer! — minha vez de espalmar seu rosto com minha mão. —
Naquela noite, você me deu algo tão precioso que me fez criar coragem e
enfrentar a tudo por esse presente. — aturdido, ele ainda não sabe do que me
refiro e nesse momento, pego sua mão e a levo ao meu ventre.

— Você me deu um filho seu e eu o amo ainda mais por isso, Enzo Ferraro! —
Enzo fica estático e em seguida, seus lábios abrem seu maior e natural sorriso.
— Nostro bambino? — seus dedos pressionam o tecido de meu casaco como se
quisesse alcançar e tocar nosso filho.
— Nostro. — me ergue do chão, girando meu corpo junto ao seu, colando sua
boca à minha num beijo carregado de amor e felicidade.
Amore per te[459]

Antonella
— Vamos sair daqui! — segura meu antebraço levemente e me conduz de volta
ao carro que está estacionado próximo a calçada.
Não é necessária nenhuma palavra para expressar o que Enzo e eu sentimos no
momento, estar a sós, em nossa privacidade é o que mais necessitamos, mais do
que qualquer outra coisa.
Com seu jeito cavalheiresco nato, abre a porta do veículo para mim e agora sem
as lentes escuras de seus óculos a bloquear a expressão vívida em seus olhos
impactantes, consigo enxergar o brilho radiante de alegria por chegarmos a um
consenso em nossa reconciliação.
Senta-se ao meu lado e buscando minha mão, dirige a palavra a Fabrizio.
— Para o hangar, Fabrízio.
— Sim, senhor Ferraro.
Em seguida, saca o celular do bolso de sua calça, buscando algum número
específico em sua agenda, toca a tela e mantém o aparelho em seu ouvido.
— Laura, Enzo falando.
Uma voz irreconhecível de uma mulher madura ressoa através do celular. Quem
seria Laura?
— Sim, quero a casa com total privacidade, exceto pelos seguranças nas alas
externas. — a mulher aquiesce ao seu pedido e a seguir, é sua vez de falar.
— Ficaremos apenas um dia. — e então me dou conta de que Laura é a
governanta da casa em Hamptons.
Depois de mais algumas ordens e todas elas acatadas com sucesso, Enzo desliga
o celular. Curiosa, estreito meus olhos e o questiono.
— Posso saber por que estamos indo para um lugar tão afastado? — enruga sua
testa e sorri formando em suas bochechas vincos que lhe deixam mais sexy.
— Quero um lugar, onde possamos ficar à vontade sem sermos interrompidos.
—aperta minha mão, aquecendo meu corpo com o toque de seus dedos. — O
que não aconteceria se a levasse de volta para minha casa e muito menos em um
quarto de hotel. — leva meus dedos à sua boca e os beija. — É impessoal demais
para mim e acredito que você mereça muito mais.
Me aproximo ainda mais de seu corpo e me aconchego em seu peito, solto um
longo suspiro coberto por satisfação e êxtase por finalmente ter Enzo de volta e
agora sem nenhum empecilho interposto entre nós.
— Com você, iria a qualquer lugar. — atesto.
— Mas eu não! — dispara em um tom divertido com uma pitada de malícia. —
Tenho plena ciência de que se a levasse para minha casa, todos iriam nos
importunar e não poderíamos desfrutar de paz e muito menos privacidade.
Mais tarde, embarcamos no helicóptero da família e nos dirigimos para
Hamptons, aquele lugar, além de lindo, tem um significado a mais em nossa
história. Ao pousarmos no heliponto, Enzo estende sua mão para mim e
caminhamos a passos apressados para dentro da casa.
Seguindo as ordens de Enzo, não há sinal de nenhum funcionário dentro dos
ambientes por onde passamos, assim, continuamos caminhando até seu quarto.
Enzo abre a porta e afasta seu corpo me convidando a adentrar primeiro, corro
meus olhos rapidamente para o aposento luxuoso e não deixo de observar que
esse ambiente é o oposto ao seu quarto em Harrison, as cores claras das paredes
e as leves cortinas em cor areia não exprimem de forma alguma a personalidade
do dono do quarto.
Mal a porta é fechada e suas mãos fortes me agarram, levando meu corpo a se
encostar na fria parede, sendo esmagado tentadoramente pela fortaleza de seus
músculos revestidos por suas roupas, centímetros separam sua boca de meus
lábios e sua pesada respiração se mistura à minha deixando meu peito arfante
subindo e descendo descompassado, suas mãos moldam meu rosto enquanto
seus olhos não saem dos meus.
— Antonella. — meu nome sai de sua boca sem sobreaviso e agora sem joguetes
e manipulações, estamos livres para nos entregarmos a essa saudade revestida de
amor.
— Enzo, mio amore. — pronuncio cada palavra numa constância lenta
desejando com êxito que o que sinto por ele jamais seja posto à prova
novamente.
Seu hálito quente se aproxima de minha boca e consequentemente seus lábios se
encostam de leve nos meus, num roçar lânguido que me deixa ansiosa por ser
[460]

tomada em um beijo que me faça perder o fôlego.


Sem dizer palavra alguma, morde o canto direito de minha boca e o roçar de seu
bigode me faz abrir meus lábios inquietos na ânsia de saciar esse desejo que me
queima, agarrada ao seu pescoço, penetro meus dedos em seu cabelo, mantenho
seus olhos nivelados aos meus e para meu deleite, sua boca esmaga a minha com
seu beijo que sempre me deixa desestabilizada por completo. Desespero e desejo
se entrelaçam disputando qual deles dominam nossos corpos febris.
Grudado em minha boca, suas mãos ágeis pairam em minha blusa a segurando
pela barra e em seguida, a tira subitamente, não contente, enfia seus dedos em
meus cabelos, agora, desalinhados, tirando os prendedores que os mantinham
presos.
— Questo è molto meglio. [461]

Me provoca com sua voz grave usando o idioma italiano para me deixar ainda
mais enamorada por ele, enlaça sua língua à minha e entre gemidos
entrecortados, porém indivisíveis, explora minha boca com sua habilidade
[462]

quase mortal em me inebriar de desejo.


Empurra seus quadris em direção ao meu corpo, num incitar mais do que
provocativo, excitado, roça sua ereção em minha pélvis movimentando como se
estivesse dentro de mim, em contrapartida, meus dedos recaem sobre a gola de
seu sobretudo e num ímpeto mais do que apressado, ele me ajuda a livrarmos
também de seu paletó, mesmo com os movimentos imprecisos e ainda trêmulos,
desato o nó perfeito de sua gravata dando a ela o mesmo destino de todas as
nossas roupas..., o chão.
Na sequência é a vez de sua camisa e meu sutiã.
Contra minha vontade se afasta de minha boca e ao ver meus seios desnudos,
escala meu pescoço num devorar estonteante com sua boca e dentes a me
provocar. Fecho meus olhos ao sentir que sua língua trilha um caminho tortuoso
até chegar em meu seio esquerdo.
Respiro fundo, soltando um gemido luxuriante ao sentir meu mamilo sob o calor
de sua boca, o suga com uma intensidade ímpar, enquanto sua mão abre o zíper
da minha calça me deixando somente de calcinha em sua frente. Com a outra
mão livre, espalma o outro seio e o acaricia deixando meu mamilo sensível à
espera de sua boca gulosa.
Meu primeiro, único e último homem..., o mesmo que me tomou para si sem
nenhuma chance de retorno.
— Stavo morendo per la tua bocca. — murmuro, rouca ao me dar conta de
[463]

que seus dedos descem escalando meu ventre até invadirem minha lingerie.
— Anch'io Morire per non poter più avere il tuo corpo nel mio.
[464]

Seus dentes prendem meu lábio inferior, sugando levemente ao mesmo tempo
em que seus dedos exploram meu sexo extremamente molhado e sensível.
— La mia deliziosa ragazza.[465]

Esmaga minha boca num beijo devasso, no mesmo instante que desvenda meu
sexo com seus dedos hábeis, rodeando seu polegar em meu clitóris e me
incitando a movimentar meus quadris para aliviar as ondas de prazer que chegam
a contrair meu ventre, minha reação é cadenciada por gemidos e um movimentar
de quadris na espera por alívio. Meus seios sensíveis sentem a fricção gostosa
dos pelos de seu peito que vão de encontro à minha pele, me deixando mais
acesa.
Desesperada, abro sua calça e abaixando sua cueca, agarro seu membro duro e
quente em minhas mãos, o imaginando todo em mim em investidas intensas e
profundas.
— Enzo... — o aperto ainda mais em minha mão e ele solta um gemido gutural e
audivelmente sexy.
— Gosta disso? — penetra dois dedos em mim, os estocando de modo brusco e
mais acelerado.
Embargada de desejo, mordo seu pescoço, sugando sua pele e me deixando levar
pelo domínio de seus movimentos enlouquecedores.
— Adoro tudo que vem de você! — falo, sussurrante.
Vejo um sorriso indecente se formar em seus lábios e me deixar ainda mais presa
a tudo que esse homem pode me oferecer.
Sua outra mão aperta com força a minha bunda, marcando minha carne e me
fazendo remexer ainda mais meu corpo em busca do meu prazer.
Nesse instante, se livra totalmente de sua calça, depois da cueca e nu, retira sua
mão de meu sexo dando lugar ao seu pau rígido a me provocar, sua mão direita
segura em minha coxa, a mantendo suspensa. Com minhas mãos apoiadas em
seus largos ombros, aperto meus dedos em sua pele ao sentir sua investida
intensa totalmente sem piedade.
Gememos juntos ao sentir que ele entra todo em mim, de olhos semiabertos,
controla seu ritmo num remexer de quadris que transpassa o limite de minha
razão e a única coisa em que penso nesse momento é em gozar. Meu corpo todo
se retesa a cada metida sua e para aplacar esse desejo absurdo, acompanho seus
movimentos, rebolando em seu membro gostoso e arrancando mais sons
devassos de sua garganta.
Estoca com mais força e com um de seus braços, me envolve pela cintura me
erguendo do chão e caminhando até a cama sem sair de dentro de mim, com
cuidado, me deita no colchão cobrindo meu corpo com o seu. O abraço e com a
testa colada à minha, volta a investir sobre mim, me levando a picos de prazer
insustentáveis.
Passeia com sua boca por meu rosto, murmurando palavras carregadas de um
desejo perturbador, retira minhas mãos de suas costas e as entrelaçam as suas,
lançando seu corpo em um vai e vem sem nenhum pudor, com seu rosto tão
próximo, seu olhar se prende ao meu e com isso ele captura o exato momento em
que minhas írises se dilatam para se entregar a um orgasmo cercado de sensações
físicas estonteantes e emocionais inesquecíveis. Enzo passou por cima de todo
seu orgulho antes impartível e o manteve sobrepujado ao amor que o tomou
[466] [467]

assim como eu e só me resta me devotar a ele e a tudo o que vem de sua essência
aplacadora.
Apesar do clima frio que se faz lá fora, dentro do quarto há calor em demasia,
seus cabelos se desalinham caindo sobre sua testa quadrada e bem feita me
dando uma visão mais do que privilegiada do homem mais importante de minha
vida.
Aperta minhas mãos entre seus dedos e com a boca encostada na minha, faz meu
coração palpitar ao ouvir meu nome ser transformado em uma única e íntima
forma de pronunciá-lo em seus lindos lábios.
— Minha Nella...
Volta a se remexer dentro de mim e aumentando seu ritmo, sinto quando ele
goza, apertando ainda mais minhas mãos e buscando minha boca que abafa seus
gemidos de luxúria.
Uma sensação de alegria inexplicável torna esse momento indiscutivelmente
único, para me derreter ainda mais e me deixar sem nenhuma reação, Enzo
permanece dentro de mim e se declara de uma forma ímpar, mesclada ao seu
jeito peculiar de ser.
— Se porventura, eu a matasse, estaria aniquilando algo que é vivo e pulsante
dentro de mim, nunca se esqueça disso!
O impacto de suas palavras me emociona a tal ponto de uma lágrima brotar no
canto de meu olho esquerdo, escorrendo devagar por minha face, em resposta,
solta sua mão direita e limpa a lágrima antes mesmo que ela caia sobre o
travesseiro.
— Sou um homem de poucas promessas, porém um ser de uma só palavra e eu
te prometo que aqui. — pega minha mão e a deposita em seu peito. — Há lugar
somente para você!
Esse é o eu te amo mais original que uma mulher poderia ouvir, Enzo é mesmo
um homem incomparável e é meu.
— Enzo. — digo quase sem voz, segurando meu choro de alegria. — Você
sempre será o homem da minha vida. — me aperta em seus braços e me beija
apaixonadamente, devagar, sai de cima de mim e me puxa para junto dele.
Lá fora, o sol está alto e um vento lento balança as folhas das árvores do jardim,
já aqui dentro, o tempo é a testemunha de nossa felicidade e permanece
imutável.
Deitada sobre seu tórax, Enzo afaga meu cabelo, enquanto circulo seu peito com
as pontas de meus dedos.
— Quero te dizer mais uma coisa. — sua voz rouca me desperta da lânguida e
deliciosa sensação de quase adormecer sobre seu corpo.
— Sí. — ergo meus olhos e o encaro.
— Nunca mais irei encostar um dedo em você como forma de agressão. — vejo
seu pomo de Adão subir e descer engolindo em seco. — Me perdoe por ter
batido em você.
— Esqueça isso, per favore!
— Diga que me perdoa. — segura minha mão e a leva à sua boca apertando ali
os seus lábios.
— Já lhe disse uma vez, não guardo rancor, ainda mais de quem amo. — estico
meu corpo nivelando meus lábios aos seus. — Ti perdono, Enzo mio. — beijo
seus lábios levemente selando minhas palavras ditas com a mais límpida
sinceridade.
— Mia Nella!
Menos afoitos, nos amamos mais uma vez e todas as sombras e dúvidas foram
arrastadas e deixadas longe e fora do alcance de nós dois.
Mais tarde, depois de tomarmos um banho, saímos do quarto e durante nosso
almoço, Enzo me questiona sobre o atentado de Letízia, Isaiah mostrou a ele as
mensagens que recebi em meu celular e fez as descrições do rosto do rapaz
misterioso que se encontrava no evento, pega seu celular e me mostra a foto do
então suspeito.
— Era esse mesmo! — solta um suspiro inconformado, fechando seus punhos
sobre a mesa.
— Infelizmente, não posso fazer mais nada com esse sujeito.
Será que?
— Posso saber o porquê?
— Alguém o matou antes e me tirou o prazer de cuidar do sujeito.
— Meu Deus! — coloco minha mão na boca, incrédula.
Ainda à mesa, Enzo me conta sobre o que descobriu sobre Eurídice e mais
espantada me encontro com essa revelação bombástica.
— O que pretende fazer agora? — bebe seu vinho e limpando sua boca no
guardanapo, me responde calmamente.
— Voltaremos amanhã para casa e prometo cuidar daquela lacraia puttana com
muito carinho. — meus poros se arrepiam ao imaginar o que pode estar
reservado à Eurídice.
Muda de assunto, segurando minha mão de modo terno.
— Não quero estragar nosso dia, portanto deixe esse assunto comigo. — pisca
para mim. Passei a admirar Enzo por sua inteligência, porém é a sua frieza ao
lidar com esses assuntos que me intrigam e o torna mais especial para mim.
Em palavras chulas, Enzo é fodástico como diz Virgínia.
Inalcançável e praticamente meu mafioso indestrutível e o amo exatamente
assim, mesmo contraventor, assassino cruel e duro em seus negócios.
— Va bene. — toca meu rosto e sorri.
— Que tal escolhermos o nome de nostro bambino?
— Não acha cedo para isso? Ainda não sabemos se será una bambina? — revira
seus olhos, contrariado.
— Então, deixemos para escolher o nome depois! — fala taxativo, mas mantém
seu olhar divertido direcionado para mim.
— Você é quem sabe, seu italiano machista!
— Machista, não! Precavido.
Acabamos nosso almoço e nos sentamos na área externa da casa contemplando o
lindo dia, um sol morno se alastra e a temperatura sobe consideravelmente. De
mãos dadas, contemplo meu lindo e amado mafioso trajando uma calça de
moletom azul marinho e uma camiseta cinza, olhando assim, ninguém diria que
Enzo é o que é.
Escolhemos um local onde há várias árvores e nos deitamos em uma
espreguiçadeira.
— Nella.
— Hum.. — respondo, morosa.
Quase adormecendo, Enzo me desperta com um pedido inesperado e ao mesmo
tempo muito sonhado por mim.
— Está dormindo? — balança meu corpo na intenção de me deixar desperta.
— Não. — me agarro a ele aspirando seu perfume.
—Tem certeza? — belisca minha costela me fazendo gritar.
— Aiiiiii! Estou acordada! — rimos juntos.

Segura meu queixo com seu indicador e com o azul límpido de seus olhos a me
focar e sua boca bem-feita entreaberta a tirar minha concentração, dispara.
— Sposami? [468]
— corre seus dedos sobre meus lábios. — Voglio che tu sia la
mia signora Ferraro.[469]

Sem nenhuma palavra indispensável, me atiro em seus braços dizendo inúmeros


sim, acompanhados de beijos em todo seu rosto perfeito.
Meravigliosa sorpresa[470]

Antonella
Muito devagar, tento abrir meus olhos e focar minha visão ainda embaçada. Na
verdade, não me lembro exatamente de como vim parar nesse quarto, a última
coisa que me lembro é de que estávamos vendo um filme na sala de TV e assim,
agarrada a Enzo acabei adormecendo sobre seu corpo, na certa, fui carregada e
posta nessa cama, olho para o relógio em cima do criado-mudo e verifico que
ainda faltam quinze minutos para as sete da manhã.
Foi uma das noites mais bem dormidas que já tive desde que cheguei a Nova
Iorque, um sono tranquilo, sem sobressaltos, cobertos de pesadelos desordenados
e imagens projetadas sem nenhum sentido.
Me pego sorrindo sozinha ao me lembrar de que fui pedida em casamento pelo
homem mais impactante a quem devoto um amor mais do que profundo. Como
os familiares de Enzo receberão a notícia? Temo que não me aceitem e com isso,
seja gerado um desagradável conflito entre os Ferraro.
Seria algo muito constrangedor, pois não quero que Enzo se indisponha com
seus parentes por minha causa, seria uma situação quase insustentável, mas
como não posso prever a reação dos seus pais e irmã, me atenho na melhor das
hipóteses que eles ficarão felizes por Enzo e se estamos em um momento de
alegria, nada mais justo que desfrutarmos dessa ocasião a que fomos agraciados
e deixar para pensar no pior quando isso acontecer. Minha mãe sempre dizia que
sofrer por antecipação é sofrer duas vezes.
Lá fora, o dia parece nos brindar com um sol magnífico juntamente com uma
leve brisa fria, depois desse sono restaurador, languidamente, estico meus braços
num espreguiçar mais que necessário, toco o travesseiro ao meu lado e para
minha decepção ele já encontra vazio, meu amado já está acordado.
Nua, caminho até o banheiro e não há sinal de Enzo. Embaixo do chuveiro, a
água morna desliza pelo meu corpo ainda sem mudanças que indiquem uma
gravidez, toco em minha barriga e imagino qual será o sexo de nosso bebê? Un
bambino ou bambina?
Ainda é muito cedo para se saber!
Lavo meu rosto e sem querer acabo pensando em Eurídice, conhecendo um
pouco da natureza agressiva de Enzo, acredito que essa mulher entrou em um
purgatório interminável sem direito à redenção, sofrerá indubitavelmente por
[471]

ser uma impostora durante todo esse tempo. Com essa conclusão, penso em
como Deus teve misericórdia de minha pobre alma e o destino acabou
conspirando a meu favor para que Enzo não tivesse que seguir os seus preceitos
em relação a minha conduta.
Balanço a cabeça tentando levar para longe esses questionamentos sobre o
assunto, não imagino o que ele reserva para a requintada governanta.
De banho tomado e enrolada em uma toalha, caminho até minha valise à procura
de algo confortável para vestir, antes mesmo de abri-la, olho para a camisa cinza
de Enzo jogada em uma poltrona e me sinto tentada a usar algo seu. Segurando
a peça entre as mãos, aspirando o seu perfume que ainda se encontra impregnado
no colarinho. Sem hesitar, a coloco sobre meu corpo fechando alguns de seus
botões.
Descalça, ando pelo corredor à procura de meu amado e não o encontro em
nenhum canto da casa, mais alguns passos pela sala de estar e um leve aroma de
café fresco me avisa onde se encontra o paradeiro de meu futuro marito.
Boquiaberta, totalmente embasbacada e estacada na larga porta da cozinha me
deparo com Enzo usando somente uma boxer preta, falando ao celular, enquanto
prepara nosso café da manhã.
Atento à sua ligação, ele não percebe a minha presença e assim, me deleito a
observar suas costas musculosas e seu braço direito a exibir o movimento de seu
bíceps perfeito, seu cabelo desalinhado e sua barba por fazer lhe dão uma
aparência desleixada, mas não menos atrativa aos meus olhos apaixonados.
Em todas as formas e em todo seu ser, Enzo é magnificamente lindo.
— Ligo assim que estivermos saindo daqui, Ignácio! — Consigliere linha dura
responde do outro lado.
— Por enquanto, é só. — mais alguns instantes silenciosos para que Ignácio diga
mais alguma coisa.
— Isaiah já está incumbido dessa missão, fique tranquilo. — Enzo desliga a
cafeteira. — Uhum, já dei a ordem a Marcello. — diz, enfático como só ele sabe
ser. — O mandei ao Bronx para resolver aquela pendência e ele terá uma bela
surpresa. — de repente, ele solta uma risada cinicamente mafiosa.
— Isso é com ele, não é problema nosso, Consigliere! — vira seu pescoço e me
flagra o observando. — Caro mio, nos vemos depois, agora terei que desligar. Ci
vediamo dopo. — desliga o aparelho e me sorri.
[472]

— Estava aí há muito tempo? — coloca as fatias de pão na torradeira.


— Não, mas posso lhe assegurar que foi tempo suficiente para poder apreciar
uma bela cena com uma estonteante paisagem.
Reduzo nossa distância, caminhando até ele que se mantém de costas e não me
resta outra feliz alternativa que enlaçar meus braços ao redor de seu corpo e
beijar os músculos de suas costas.
— Senti sua falta em nossa cama! — disparo em tom de uma observação
carinhosa.
— Tinha algumas coisas para resolver e que não poderiam esperar, me desculpe!
— encosta mais seu corpo quente ao meu me permitindo correr as
mãos livremente nos pelos do seu peitoral, soltando um gemido de satisfação ao
sentir meu toque em sua pele.
— Está desculpado. — meus dedos deslizam pelo seu tórax em uma escalada
minuciosa de caminhos incertos. — Só lhe desculpo, porque estava fazendo café
para mim.
— Só por isso? — com um gemido grave me incita a ir mais longe e descer por
seu talhado abdômen. Minhas unhas exercem uma pressão luxuriante denotando
minha vontade no momento.
— Não. — digo num sussurro, enquanto minha boca se cola ao seu ombro largo
e meus dentes o mordem de leve. — Talvez seja porque tenha ficado muito sexy
nessa cozinha.
Instantaneamente, cobre minha mão com a sua, fazendo com que elas escalem o
cós de sua boxer até chegar em seu membro que começa a se excitar com esse
simples toque. Meu corpo reage fazendo meu sexo se umedecer de modo
imediato.
— Sexy? Eu?
— Não imagina o quanto. — me coloco na ponta dos pés e escalo seu pescoço
com minha língua, o lambendo numa trilha vertiginosa até chegar em sua orelha.
— Esta cozinha me traz lembranças muito boas, sabia? — sussurro próxima ao
seu ouvido.
Despudoradamente, aperto seu pau sobre o tecido de sua cueca e em reação a
minha provocação, Enzo arqueia seus quadris buscando por mais.
— Que tal revivermos essas lembranças? — dispara em um fio de voz grave e ao
mesmo tempo libertino.
Ainda com a sua mão espalmada sobre a minha, desce sua cueca e meus dedos
tocam em seu membro duro e quente. O seguro firme em minha mão, numa
carícia mais que incitante.
— E nosso café? — meus dentes pressionam o lóbulo de sua orelha e em
seguida o sugo entre meus lábios, arrancando mais gemidos do fundo de sua
garganta. Colada ao seu corpo, desejo de modo quase febril ser tomada pelo meu
homem sem nenhuma restrição, apenas o quero e ponto.
Repentinamente, vira seu corpo e esmaga meus lábios com sua boca num beijo
molhado e lascivo. Se afasta de minha boca e diz:
— O café terá que esperar! — o azul intenso de seus olhos reluz uma devassidão
vinculada à promessa de me levar a um prazer sem limites e de me tomar para si
no mesmo instante em que se doa todo para mim.
Enzo
Minha mão esquerda desliza sobre seu seio através do tecido de minha camisa.
— Isso sim, é sexy! — meus dedos brincam com seu mamilo encoberto e ele
reage instantaneamente ao meu toque.
Sem mais esperar, abro três botões liberando a imagem de seu corpo perfeito e
todo meu, meus dedos tateiam sobre seu ventre e deslizam se deliciando com seu
sexo molhado e desejoso por mim.
Nella é somente minha, o seu corpo assim como seu amor me pertence e egoísta
que sou não a divido, muito menos me dou ao luxo de perdê-la para quem quer
que seja.
Seus mamilos se enrijecem com o simples toque de meu indicador e com uma
avidez ímpar, minha boca alcança um deles e o saboreia, o sugando com a
precisão e urgência de um homem que não tem a intenção de perder a mulher
que o satisfaz de modo incomum.
— Enzo... — meu nome sai de sua boca num murmúrio rouco, enquanto seus
dedos massageiam meu pau em uma cadência de movimentos verticais, me
deixando ainda mais excitado e louco por ela.
Busco por seu beijo e sua língua procura a minha com uma voracidade muito
gostosa, faminta, se afasta de meus lábios e ainda ofegante, sua boca percorre
meu peito distribuindo suaves mordidas por minha pele à medida que suas mãos
e unhas vagueiam audazes por cada canto de meu corpo. Abaixa minha cueca e
se curvando em minha frente, trilha um caminho com beijos molhados e
extremamente devassos com sua língua macia e quente. Lambe todo meu
abdômen como se degustasse um alimento saboroso e único e ajoelhada diante
de mim, arranha e beija minhas coxas de modo alucinado. Arranca minha boxer
e beija cada centímetro de minhas pernas as escalando com beijos leves e
provocadores.
Solto um gemido mais do que voluntário ao perceber a sua intenção em me
chupar em plena cozinha.
— Adoro sua pele. — diz, agarrada ao meu membro usando sua boca e língua e
fazendo meu pau pulsar sob seus dedos. O abocanha devagar e minha reação é
fechar meus olhos absorvendo o calor úmido de seus lábios macios.
— Que boca deliziosa! — lento e preciso, arqueio meus quadris, movimentando
meu corpo contra a sua boca ávida em me dar prazer. Afasto seus cabelos e não
consigo afastar meus olhos de sua imagem nua, vestindo apenas minha camisa,
com sua boca côncava a me sugar por inteiro. Meus gemidos se misturam aos
seus de modo inconstante e ela continua a me desestabilizar com seus lábios em
total devassidão. Subitamente, seguro seus ombros e a levanto do chão.
— Não estava gostando de meu presente? — maliciosa, seus lábios roçam em
meu queixo coberto por minha barba.
— Sabe que sim. — possessivo, aperto sua cintura e a puxo de encontro ao meu
corpo sedento por ela. Os bicos de seus seios encontram em meu tórax num
esfregar lento e instigante.
Necessito e quero estar dentro dela aplacando esse desejo que se apossa de nós
dois.
— Por que não me deixou continuar? — me desafia com seus olhos acesos de
desejo.
Aproximo minha boca da sua, pressionando ainda mais sua pele.
— Porque quero meu pau todo em você, agora!
Nesse momento, meu celular volta a vibrar em cima da bancada da pia,
desviando meus olhos discretamente vejo que se trata de uma ligação de Isaiah.
Ela ergue suas sobrancelhas esperando uma atitude de minha parte que seria
atender ou deixar que o aparelho vibre até encerrar a ligação, minha mão alcança
o aparelho e mais do que depressa, pressiono o botão vermelho que o desliga de
imediato.
— Aonde paramos? — a encaro de modo abrasador e ela molha seus lábios toda
receptiva.
— Você iria fazer amor comigo, nesta cozinha.
— Iria, não! Eu vou!
Um sorriso carregado de malícia se forma em sua boca bem-feita e em sua
expressão há uma concessão de que posso fazer amor com ela quando e como
bem quiser, arranco sua camisa e a deixo toda nua admirando seu corpo com
meus olhos famigerados, meus dedos recaem em seus ombros e inesperadamente
a viro de costas mantendo seu corpo colado ao meu. Antonella enlaça meu
pescoço com um de seus braços e geme alto ao sentir roçar meu pau em sua
entrada e a penetro por trás.
— Delizioso! — remexe seu quadril me enlouquecendo ao apertar meu pau
dentro de si.
— Isso... Que delícia... — me provoca num rebolar muito excitante. Sua bunda
se esfrega deliberadamente em meu corpo me fazendo meter com mais força.
Mordo seu pescoço e ainda investindo sobre seu corpo num ritmo intenso,
Antonella não me decepciona e me acompanha com um desejo alucinado de me
sentir todo dentro de si. Puxo sua boca de encontro à minha num beijo
intenso, abafando nossos gemidos animalescos e sôfregos. Estico meu braço ao
redor de seu ventre e busco sua boceta molhada, massageando seu clitóris com
meu polegar, aumentando seu desejo e quase sem ar sinto quando ela sucumbe,
pendendo seu pescoço em meu peito e apoiada por meu corpo goza em meu pau
como uma louca.
La mia ragazza sexy.
[473]

Seu peito sobe e desce e seus espasmos vão se acalmando de maneira lenta e
mansamente eu beijo seu pescoço, arranhando sua pele com minha barba áspera.
Minha língua corre por toda essa região a fazendo ronronar de prazer mais
que libidinoso.
Avanço sobre seu corpo, metendo sem parar e com minhas pernas flexionadas,
sinto meu gozo se aproximar, me fazendo fechar os olhos e pender meu pescoço
apoiado em seu ombro. Mordo sua pele a cada investida e meu gozo quente a
marca mais uma vez como a minha e única mulher.
Suados e ainda agarrados um ao outro, nos acalmamos, ao sair de dentro dela,
viro seu corpo e mia ragazza me presenteia com um beijo recheado de amor e
desejo por mim.
— Mais uma lembrança dessa cozinha. — deposita um beijo leve no canto
esquerdo de meus lábios.
—Teremos muitas lembranças como essa em cada cômodo dessa casa e de todas
as que nos hospedarmos. — brinco, tocando meu nariz ao seu.
A seguir, caminhamos abraçados para o banheiro e só então voltamos à cozinha
para finalmente prepararmos nosso café.

Antonella
Depois de tomarmos nosso café, Enzo me pede licença para retornar à ligação
de Isaiah, se fecha em uma das salas da casa e por um tempo considerável
permaneço deitada numa rede na varanda.
Uma hora depois, aparece usando seus óculos escuros acompanhados de seu
boné.
— Vamos voltar a Nova Iorque, Antonella. — parado a minha frente com as
mãos em sua cintura, diz taxativo.
— Me dê um minuto, irei pegar a minha bolsa. — em pé, toco seu queixo com a
ponta de meus dedos e caminho a passos rápidos até o quarto.
De mãos dadas pelo jardim, nos encaminhamos para o heliponto e decolamos
rumo a Harrison.
— Falei com minha mãe e anunciarei o nosso noivado ainda hoje num jantar de
família. — a notícia me pega de surpresa, porém me causa imensa alegria.
— Sua mãe disse alguma coisa a respeito de sua decisão? — pergunto,
apreensiva.
— Disse. — encaro seus olhos agora sem as lentes escuras e espero sua resposta.
— Que faz questão de ajudar a organizar o nosso casamento. — abro meus
lábios num enorme sorriso e nesse momento me lembro que minha família não
se faz presente para compartilhar de minha felicidade.
— Enzo... — ele olha para a imagem de Nova Iorque sob nossos pés e devagar
se volta para mim.
— O que foi?
— Quando poderei ver minha irmã?
— Logo, antes do que imagina, Clara estará de volta.
Cinco minutos depois, pousamos no hangar e o motor do helicóptero é
desligado, antes de descer, Enzo segura meu braço.
— Tenho uma surpresa para você!
Sem querer, acabo me lembrando da última surpresa feita por ele em Verona e
não querendo parecer uma estraga prazeres, digo receosa com um certo jeito.
— Tem certeza de que não chega de surpresas por hoje? — aliso seu joelho
através de sua calça de agasalho.
— Não precisa ficar com essa cara quando eu lhe disser que tenho uma surpresa,
é um presente que queria lhe entregar aqui!
Imagino que meu sangue deva ter desaparecido de meu rosto e, portanto, tento
me controlar e me manter no clima da surpresa.
— Presente? Aqui? O que pode ser? — ergue seus ombros.
— Por isso é surpresa! Venha! — me ajuda a descer do helicóptero e sem vendas
que me colocariam tensa, Enzo se arrisca somente a tampar meus olhos com as
palmas de suas mãos.
— Não abra o olho até eu mandar, ok?
— Va bene.
Pelo calor que emana do chão, suponho que ainda estamos sobre a pista, mais
alguns passos, a luz e as ondas de calor que incidiam sobre as mãos de Enzo
perdem a força e um ar mais gélido se faz ao derredor.
[474]

— Chegamos. — lentamente, ele tira suas mãos de meus olhos e vejo Fabrizio,
todo uniformizado em seu terno escuro, encostado no sedan da família Ferraro.
Enzo, que se encontra logo atrás de mim, faz um sinal afirmativo a ele que me
sorri de modo discreto, abre a porta traseira do carro bem devagar e de lá, vejo
minha tia Martina, colocar seus pés para fora do veículo, minha boca treme toda
ao ver que ela desce e pisca para mim.
— Enzo. — escondo meu rosto em seu peito abafando a emoção da surpresa.
— Calma! — responde, manso afagando minhas costas. — Olhe para frente.
Ergo meus olhos molhados de lágrimas e vejo minha tia segurando duas muletas,
enquanto Fabrizio ajuda a minha sorella a sair de dentro do veículo.
Não consigo segurar meu choro e mordo minha mão para não gritar tamanha a
minha alegria ao ver a minha Clara, apoiada pelas muletas sob seus braços.
Tia Martina, Clara e eu nos encontramos em lágrimas e a emoção é tanta que
tentamos fazer com que nossos corpos parem de tremer.
Dou um passo à frente e Clara ergue sua mão me impedindo de continuar, Enzo
deposita sua mão em meu ombro o apertando para me dar apoio.
— Voglio venire da te! [475]

— Vieni, sorella mia! — é só o que consigo dizer, pois o pranto de emoção me


[476]

toma a ponto de somente chorar ao ver a dificuldade que ela tem ao dar o
primeiro passo.
Ao pisar no chão, seus olhos me sorriem e em seguida, Clara dirige o mesmo
olhar de agradecimento a Enzo, o homem responsável por esse momento
sublime e inesquecível.
Minha sorella, exprime dor e despende de muita força para movimentar suas
pernas ainda sem firmeza, mas em sua face vejo a determinação de uma mulher
que não desistirá até que vença esse obstáculo que parecia impossível.
Ela arrisca mais um passo e dessa vez pisa em falso quase indo ao chão. Minha
tia tenta amparar seu corpo e ela recusa, querendo mostrar a mim o quanto todo
nosso esforço se equipara à sua força de vontade, levanta sua cabeça e apoiada
nas muletas, enxuga seu rosto molhado, respirando fundo.
Três longos passos nos separam e instintivamente como uma mãe que incita o
seu bebê a caminhar, estico meus braços a ela e espero que chegue muito
devagar até mim.
Quando sua mão toca a minha, não consigo me conter e jogo o meu corpo ao seu
encontro, beijando seu rosto e dizendo o quanto a amo, a apertando em meus
braços.
Minha Clara irá andar e terá sua vida de volta...
Nosso choro é fruto de todas as coisas que passamos até chegarmos aqui. Fui a
causa de sua dor misturada a preocupação e ao mesmo tempo me sinto feliz por
mesmo que através de uma estupidez colocado minha irmã em pé, como sempre
sonhei, eu a amo tanto.
— Grazie per tutto, sorella mia. — diz, em prantos.
[477]

— Non ringraziarmi, non ho fatto niente![478]

Enxugo suas lágrimas e ela mantém seus olhos embaçados em mim, ao nosso
redor, Fabrizio pisca seus olhos várias vezes para não chorar e Enzo continua
com seu semblante passível de calma e sem lágrimas.
Tia Martina se aproxima e nos enlaça em seu abraço quente.
— Ti amo, sorella mia. — Clara confirma o que sempre acreditei, ser amada
[479]

por ela foi a minha mola impulsora para todas as loucuras feitas em minha vida.
— Mi sei molto caro lì. — Tia Martina engole seu choro e nos acalma com sua
[480]

ternura.
Agarrada à Clara, devolvo meu olhar de gratidão a Enzo que se encontra de
braços cruzados quase inatingível, ele me encara e eu sopro um beijo
inexplicavelmente carregado de emoções indescritíveis para mim e num mover
de lábios ainda trêmulos digo:
— Obrigada. — em resposta, segura meu beijo no ar e o deposita em seu peito,
me fazendo lembrar de sua promessa de minha permanência ali, enquanto nos
amávamos.
Mais tarde, somos conduzidos de volta à mansão por Fabrizio, onde fomos
recebidos em festa por todos da família.
No canto da sala, Eurídice se abstém a somente nos observar com seu jeito
discreto, Enzo me olha e sussurra ao meu ouvido.
— Não se preocupe, o destino de Eurídice está traçado por mim e sua nova
jornada se inicia logo após o nosso almoço.
Aperta a minha mão e continuamos a conversar animadamente e programar o
jantar de logo mais...
La nuova strategia[481]

Enzo
Antonella e sua família foram calorosamente bem recebidas pelos meus
familiares, minha mãe, ansiosa, se mostrou fervorosamente feliz abraçando a
todas e as acolhendo para dentro de nossa casa.
Para ela, a chegada de mais um neto não é mais uma novidade e no brilho de
seus olhos pude ver o quanto ela estava feliz por mim e numa dessas trocas de
olhares que ela percebeu que Antonella e eu gostaríamos de manter a novidade
em segredo até a hora do jantar.
Outro fator relevante foi que a verdadeira identidade de minha futura esposa já
era conhecida por alguns membros de minha família, com exceção, é claro, de
Letízia e Pedro.
Com isso, achamos prudente inventar uma história na qual Antonella teria
entrado nos Estados Unidos com um nome falso devido a um problema em seu
país, enquanto explicava os pormenores que se fizessem entender pelas crianças,
Eurídice reteve seus olhos fixos em mim, ouvindo tudo com atenção e em
nenhum momento seu semblante denunciou contrariedade à minha farsa e a sua
conduta desprezível e odiosa. Sabe que estou mentindo, porém jamais seria
audaciosa em dizer isso em público.
Sentada ao meu lado, Antonella irradia tanta felicidade que não se deixa abater
ou até mesmo se incomoda com a presença da governanta ao redor da mesa, em
determinado momento de nosso almoço aproximou sua boca em meu ouvido e
com seu jeito amistoso me pediu para que, pelo menos naquele momento,
baixasse a guarda e aproveitasse a refeição em família. Foi o que fiz ou ao
menos tentei.
Sanada a dúvida e a curiosidade de meus sobrinhos em relação ao nome de
Antonella, nosso almoço transcorreu na mais repleta harmonia sem nenhum
desconforto ou empecilho que contrariasse a ocasião.
As duas melhores notícias ainda serão anunciadas no jantar de logo mais, a
chegada de meu filho juntamente com o pedido da mão de Antonella em
casamento merecem um momento propício sem a presença de pessoas que
desejam a nossa infelicidade, é por essa razão que pretendo cuidar de Eurídice
assim que sair dessa mesa.
Terminada a sobremesa, nos retiramos da sala de refeições e nos dirigimos para
tomar café na sala de estar, todos estão encantados com Clara, sua doçura e força
contagiaram minha mãe e Donatella de uma forma sem igual, já meu pai, é mais
restrito assim como eu e se manteve a falar pouco e dispensar um ou outro
sorriso para manter a conversa em um nível social agradável.
Tanto Clara como Martina ficarão hospedadas em minha casa por tempo
indeterminado, inclusive já pedi a Ignácio para que providencie uma casa não
muito afastada do nosso bairro, é minha intenção que Antonella tenha seus
familiares próximos a ela e que convivam juntas como sempre fizeram, essa será
mais uma de minhas surpresas à minha futura esposa.
Peço licença a todos na sala e mais do que depressa, depois de tomar um banho e
me trocar, saio em direção ao meu escritório, lá, ao telefone, falo com
Manfredine e acerto os últimos detalhes do destino de Alvin, Marie e a querida
advogada Nina, se eles pensam que os esqueci é porque não me conhecem.
No momento, tenho assuntos que exigem prioridade, encostado em minha
cadeira, tento encaixar as peças que ainda não encontraram seu lugar.
Desacreditando na hipótese de que Eurídice seja a mentora de todo esse plano
vingativo, adotei uma nova estratégia onde derrubarei simultaneamente mais
dois aliados do inimigo que ainda se encontra oculto, como num jogo de xadrez
perseguirei o rei para o meu tão esperado xeque-mate. Suponho que como Pablo,
Eurídice seja uma peça muito importante nesse embate e ao retirá-la de
circulação, desestabilizarei o lado adversário, fazendo com que ele tenha
trabalho dobrado para reorganizar seu ataque. Sem contar que nesse instante,
Marcello já deva ter sido assassinado como era o combinado, sendo assim, a
chamo em meu escritório e sua austera figura aparece no batente da porta em
poucos minutos.
A essa hora, minha querida mãe já deve ter dado o seu primeiro passo.
— Mandou me chamar, senhor Enzo?
— Sim, por favor. — a encaro mostrando uma das poltronas para que ela se
sente, empertigada, adentra meu ambiente deixando no ar apenas o som dos seus
sapatos em contato com o chão, se senta de modo elegante e me sorri.
Saio detrás da mesa e me ajeito em um dos sofás em frente a ela.
— Minha mãe já deve ter adiantado o motivo pelo qual a chamei aqui não é
mesmo?
— Sim, ela me disse. — pisca seus grandes olhos e sorri.— Ela me pediu para
buscar uma joia de família que o senhor mandou para o conserto para presentear
sua namorada.
— Exatamente.
— Irei com maior prazer. — mal sabe que ela mesma é quem será consertada.
— Ótimo. — esfrego minhas mãos em nos joelhos e me levanto. — Fabrízio a
levará até Manhattan e você pega a encomenda.
Eurídice nem imagina o que a aguarda, pois sempre executou tanto míseros
como grandes serviços como esse a que foi incumbida por minha mãe.
— Senhor Enzo, a propósito estou muito feliz com a volta da senhorita
Antonella.
— presumo que esteja, sua víbora!
— Que bom, fico feliz em saber disso! — rebato com um sorriso projetado para
horas como essa.
— Bem, se me der licença. — ela deixa meu escritório em direção à garagem,
segundos após, continuo o meu teatro armado com a ajuda de todos.
Vejo quando meu motorista engata a ré e sai da garagem rumo à alameda do
jardim, ergo minha mão direita dando sinal para que ele pare o veículo. Próximo
ao carro, seguro a maçaneta e entro, Eurídice me olha de forma esquiva, porém
não questiona a minha atitude.
— Me lembrei de que tenho um assunto para resolver, espero que não se
incomode em me dar uma carona. — explico minha decisão repentina com um ar
brincalhão.
— É claro que não me importo, senhor Enzo. — Fabrizio me olha pelo retrovisor
e sai pelos portões da mansão em uma velocidade reduzida.
Antes de entrarmos na rodovia comumente usada para se chegar a Manhattan,
meu motorista pega um desvio e ergue o vidro nos deixando mais à vontade.
Eurídice, ressabiada, me espia pelo canto dos olhos e prevendo que algo não se
encaixa, comenta:
— Acho que Fabrízio errou o caminho. — olho para o vidro escuro que nos
protege do mundo lá fora e constato.
— Estou tão feliz, Eurídice. — alcanço seus dedos e os aperto firme. — Que tal
darmos um pequeno passeio? — seus olhos não exalam medo e muito menos
coragem, apenas permanecem inabaláveis. — Somente você e eu. — em
segundos, assume sua postura de governanta.
— Que brincadeira é essa, Enzo? Tenho muitos afazeres e não posso sair por aí a
passear com você!
—Tenho certeza de que irá adorar passear comigo, pena que a essa hora o seu
enteado não possa nos acompanhar.
A megera nada diz e continua a olhar para frente, concluo que essa mulher não
se amedronta facilmente, que já deve ter passado por situações semelhantes e,
portanto, usa de subterfúgios como se fingir de desentendida.
[482]

— Deve haver algum engano, não tenho a mínima ideia do que você esteja
falando! Quer parar com essa brincadeira estúpida?
Fabrízio acelera pela rodovia e à esquerda adentra em uma estrada de terra que
nos levará a um local escolhido com muito carinho para abrigar a dama ao meu
lado.
— Para onde estamos indo? — espalma suas mãos no vidro do carro procurando
desvendar para onde a estaria levando.
— Já disse, a um passeio!
— Senhor Ferraro. — na tonalidade de sua voz percebo a sua indignação por ter
sido desmascarada, mesmo assim, ela continua com seu joguete. — Juro que não
estou entendendo o motivo dessa sua atitude perturbada! — desabafa, enfática.
Eurídice é uma das muitas pessoas que não têm conhecimento do que sou capaz
de fazer, todavia não duvidam de que nunca brinco em serviço.
— Nunca soube que sofria de amnésia, Eurídice! — continuo a irritando para
saber até que ponto ela seguirá sem explodir.
— Exijo que me leve de volta à mansão e lá terá que se retratar mediante esse
seu comportamento inadmissível perante a sua mãe. — altera sua voz a
mantendo exaltada. — Nunca se dirigiu a mim com tanto desrespeito, logo eu
que sempre servi a sua família com tamanha lealdade.
— Sua lealdade era muito benquista por todos naquela casa, inclusive por mim.
— com sua astúcia, ela entende de imediato a frase no passado.
— Era? Por que era? O que posso ter feito para perder a minha credibilidade e
honra aos olhos de todos?
— Você é quem irá me dizer o que fez e o que pretendia fazer em seu plano de
vingança. — nervosa, solta uma risada estridente e ao mesmo tempo nervosa.
— Plano de vingança? Mas que plano de vingança? — ergue as mãos para o ar e
ri mais uma vez com um deboche mais ponderado.
— O plano pelo qual você esperou por mais de trinta anos para vingar a morte de
seu grande amor Victório Donati Montanaro. — paralisada, abaixa seus olhos, os
fixando em seu dedo anelar, onde um singelo anel cumpre seu papel de adorno
com algum significado importante.
Enfim, Fabrízio chega a nossa parada final, o carro é estacionado embaixo de
uma grande árvore e ao seu lado uma pequena casa que servirá de um torturante
cativeiro à velha senhora.
A vejo engolir em seco e como um bicho acuado, procura em algum canto do
automóvel, uma chance para escapar.
— Seu tempo de retaliação acabou, Eurídice! — rebato em um tom nada
amistoso. — Concordo que a vingança é um prato que se come frio, porém em
seu caso ele já se deteriorou!
Abro a porta do veículo e a arrasto comigo.
Estranhamente, ela não se debate e com a sua cabeça erguida caminha elegante
com seu jeito sempre peculiar, seu rosto não transmite mágoa, raiva e muito
menos arrependimento, parece que ela fora treinada acaso fosse descoberta.
Entramos na casa, enquanto Fabrizio me espera pelo lado de fora.
O imóvel providenciado por Manfredine é exatamente o que eu precisava, uma
pequena casa num lugar ermo, na sala, uma única cadeira faz companhia a uma
velha mesa azul, mesmo se encontrando em uma situação delicada, Eurídice não
deixa de correr seus olhos observadores pelo local com ar depreciativo,
analisando o estado um tanto lastimável do lugar.
Será que passou por sua cabeça que a manteria em um local 5 estrelas com
direito a massagem e excelentes coquetéis?
— Tudo por conta da casa! — estico meu braço e indico a cadeira de palha para
que ela se sente.
Com completo desdém me olha e anda devagar até o móvel, se sentando a
seguir.
— Primeiramente, quero saber o porquê esperou por mais de trinta anos para se
vingar de um assassinato praticado por meu pai? — pendo meu corpo em sua
direção com olhar ameaçador, mantenho minhas mãos inquietas na cintura,
centralizando a minha raiva na tentativa de me manter o mais frio possível.
Essa história de Eurídice me deixou realmente surpreso, ela foi o braço direito de
minha mãe por três décadas e fez parte de inúmeros momentos de nossa vida,
isso me atingiu como um golpe mais do que inesperado, pois não é fácil
desassociar a figura da mulher que sempre esteve presente em momentos alegres
de nossa família e nos serviu com uma presteza ímpar da mulher maquiavélica
que busca e tem sede de vingança.
— Esperar sempre foi uma qualidade minha, Enzo. — rebate com certo cinismo
e se ela continuar por esse caminho a nossa conversa acabará muito mal, meu
punho se fecha e minha visão foca em sua face lisa.
— Que bom! — encosto meu corpo na pequena mesa cruzando meus braços e na
sequência meus tornozelos. — Fico satisfeito que tenha esperado tanto tempo,
com isso, posso defender a minha família de sua vingança absurda.
— Se matassem a quem você ama? Hã? Ainda julgaria como sendo uma
vingança sem nexo? — estreito meus lábios e meu cenho se fecha.
— Dependeria das circunstâncias, minha cara! Se a pessoa que amo carregasse
alguma culpa que justificasse a sua morte, não poderia respaldar a minha dor
através de uma vingança dessa natureza.
— Então, inclui nesse caso a sua namorada, não é? — em seus lábios nasce um
sorriso sarcástico nunca visto por mim.
— Sim. — entendo o que ela quer dizer. Se acaso matassem Antonella, havia
uma justificativa e eu não poderia buscar por uma vingança por seu destino. —
Ela não era exímia de culpa, porém não foi para falar sobre minha namorada que
a trouxe aqui. — molho meus lábios. — Quem é o seu chefe, Eurídice?
— Não há chefe algum! — diz, calma como se estivesse a conversar assuntos
banais em uma sala de estar. — Armei tudo minuciosamente durante todos esses
anos e só agora pude ver a realização de uma vingança tornar-se alcançável.
— Sei que existe um outro alguém e irei até aos céus se for preciso para
encontrá-lo! — brado quase cuspindo em sua cara.
— Vamos ficar aqui o dia todo até que se convença de que não há mais ninguém
me ajudando?
— Sua ordinária! — grito e o eco de minha voz atinge toda a sala vazia. — Se
estivesse sozinha teria acabado com isso há muito tempo. Por que esperou tanto?
— solta um suspiro.
— Não posso dizer que não me apeguei a sua família e por vários momentos
pensei em desistir de me vingar pela morte de meu Victório.
Sua intenção é desviar o foco e colocar o tempo em que serviu nossa família
como uma espécie de balança para justificar a sua mentira.
— Minha sobrinha quase morreu nesse seu plano odioso.
— Ah, havia me esquecido da criança! — menciona sem nenhum pesar.
Mil e uma imagens de tortura se passam em minha cabeça ao olhar para esse
verme em forma de mulher.
— E a morte de Agatha? Também foi uma ideia sua?
— Não. — olha para o lado. — A morte de sua esposa foi uma fatalidade não
causada por mim, aquilo foi mesmo um acidente.
Será? Até que ponto essa mulher diz algo que possa ser considerado verdadeiro?
Sabia que minha conversa com Eurídice não seria algo fácil e tinha plena ciência
de que não arrancarei nada de sua boca à força.
Aqui, usarei de uma tática equiparada a sua frieza.
— Mesmo não tendo certeza de que fala a verdade, fico mais tranquilo ao saber
disso. Afinal, qual era o seu plano? Envenenar o meu pai aos poucos?
— Não, meu querido! Queria seu pai em pé para ver a ruína de seu maior bem!
Ver o filho destruído e perdendo tudo o que vocês roubaram.
— Não sou seu querido e sugiro que esqueça de que está falando com o garoto
que conheceu. Me veja como seu maior inimigo!
— Como quiser, mas acho que já respondi a sua pergunta e se quer saber se
envenenei a seu pai a resposta é não! — diz, seca. — Não era essa a minha ideia.
Isso seria pouco para um homem como ele.
É muito estranho ouvir de outra pessoa o quanto meu pai é odiado e imagino
quantas pessoas não cultivam esse mesmo sentimento por mim.
— Então, quer me convencer de que sozinha articulou todo esse plano e
esperava me derrubar por completo, me vendo desestruturado pela morte de
Antonella e possivelmente condenado por todas as provas que porventura ela
teria conseguido arrancar de mim?
— Era isso que eu queria e seu pai nada poderia fazer para lhe ajudar, exceto
definhar aos poucos e ver a cada dia a família Ferraro mais arruinada.
— E você continuaria a se mostrar solícita como sempre fez?
— Seria o sabor de minha vitória! — diz, estalando os lábios.
— É mesmo uma pena que como mentora dessa vingança tenha sido apanhada.
Do azul de seus olhos exprime uma satisfação contida que logo será desfeita ao
saber que seu enteado não poderá seguir com seu plano.
— Num dia se ganha e no outro se perde, Enzo.
—Tem razão. — aprumo meu corpo e olho para meu relógio. — Agora tenho
que ir.
— Onde está o tirano mafioso e toda a sua ira para me torturar até a morte? —
dispara com tamanha desfaçatez. [483]

—Tenho um tratamento especial guardado para você. — seus olhos não


escondem seu espanto. — três passos a alcançam e grudado em seu cotovelo a
levanto da cadeira de modo abrupto.
— A cada minuto que ficar aqui se arrependerá amargamente por ter, um dia,
atravessado os portões de minha casa. — ainda exercendo pressão sobre seu
braço a arrasto para um cômodo minúsculo, onde há um tapete e sobre ele um
aparador de madeira.
— É quase uma tumba, não? — corre seus olhos pelo quarto sem janelas e sinto
que uma certa claustrofobia a atinge fazendo com que leve sem querer uma das
mãos ao seu pescoço.
— É essa a sua maneira de me torturar? Me mantenho aqui nesse pequeno
cativeiro?
Minha vez de sorrir e deixar claro que eu estou dando as cartas nesse momento.
— Aqui? — olho ao redor do quarto escuro e sem ar. — Não seria tão bondoso
para lhe deixar num espaço tão amplo.
Arrasto o aparador juntamente com o tapete e ali uma alça e uma porta de ferro
apontam para o terrível destino de Eurídice.
Um minúsculo alçapão feito especialmente para matar num rito lento e cruel,
uma solitária vertical sem luz e nenhuma ventilação e ela não esconde o seu
medo e desespero ao se imaginar dentro do local sem nenhum espaço.
— Por que não me mata de uma vez?
— Porque seria muito pouco para alguém tão paciente como você. — a puxo e
agora se debate em vão, gritando desesperada. — Não acredito que você
aguentará por mais 30 anos presa nesse lugar! — a jogo ali sem piedade
machucando seu braço que é esfolado na parede de concreto.
Em pé, a encaro com muita satisfação, através da grade que nos separa.
— Havia me esquecido de um detalhe. — devolvo a sua ironia ao mencionar o
atentado de minha Letízia. — O corpo de seu estimado enteado deve estar
servindo de comida para peixes no fundo do mar, nesse exato momento. —
balanço a cabeça, fingindo estar consternado. — Tsc... tsc..., um rapaz com um
futuro tão promissor! — é visível o choque que essa notícia lhe causou.
— Ficará presa sem comunicação com ninguém e quero ver o quanto você é
forte, minha cara! — seus olhos resolvem demonstrar o pânico de ser
praticamente enterrada viva e deles muitas lágrimas banham seu rosto.
— Enzo, por favor, não!!
— Ah, outra coisa! Pode gritar à vontade! Essas paredes são a prova de som! —
põe as mãos nos cabelos e os puxa com força.
— Desgraçado! Ainda iremos vencê-lo! — o seu desespero fez com que ela
confesse o que eu já sabia, ela não trabalha sozinha!
— Isso é o que veremos, cara mia! Addio. — abro meu mais agradecido sorriso
e abaixo devagar a tampa do alçapão.
— Morra, sua lacraia puttana!
Seus gritos são abafados assim que lacro a tampa com um cadeado, volto o
tapete com o aparador em seu devido lugar e sacudo a poeira que se encontra em
meu sobretudo.
Lá fora, o vento sopra forte anunciando uma típica chuva de outono, Fabrizio
abre a porta do carro para mim e ao se sentar ao volante me pergunta qual nossa
próxima parada.
— Vamos para a Tiffany da rua Greene. — preciso encomendar pessoalmente
uma joia que poderá ser um ornamento muito útil para Antonella.
— Sim, senhor.
Voltamos para Manhattan e depois de cuidar de alguns detalhes pendentes, volto
para casa, ainda trancafiado em meu escritório trato com carinho de minha ex
amante e seu novo amigo policial. Uma batida na porta e Antonella coloca seu
rosto no batente.
— Ocupado? — sorrio e faço um sinal com meu indicador a puxando para mim.
— Para você, nunca! — anda com seu jeito gracioso e se senta em meu colo
colando sua boca na minha.
Enlace a caminho

Enzo
Seus longos dedos invadem meus cabelos em uma carícia que, aos poucos, me
relaxa trazendo uma tranquilidade bem-vinda dadas as circunstâncias.
— Mais uma vez, obrigada por tudo o que fez pela minha irmã. — alisa meu
rosto com os dedos a passear por minha barba. — Jamais poderei agradecer o
suficiente.
— Assim que eu gosto. — digo em tom de brincadeira na intenção de que ela
não mais me agradeça, afinal tudo o que fiz é justificável para alguém que está
apaixonado e quer ver a felicidade da pessoa ao seu lado.
— Posso saber o motivo? — suas sobrancelhas formam um delicado arco no
mesmo instante em que seus olhos brilham ao me encarar. Antonella já deve ter
percebido que não sou muito adepto as demonstrações de gratidão. Faço e o que
fiz, está feito. Não gosto e não espero agradecimentos em resposta aos meus
atos. Em sua boca perfeita um leve sorriso se forma e ela roça seu nariz ao meu.
— Ficará em dívida comigo e tenho em mente mil e uma maneiras de cobrar. —
molho meus lábios e apertando sua cintura, imagino que daqui há alguns meses
sua barriga estará maior e me fará sorrir à toa por saber que um filho meu está a
caminho.
— Mercenário! — me bate de leve nos ombros arrancando de mim o primeiro
sorriso espontâneo do dia.
— Cada um tira proveito como pode e eu adoro me aproveitar de você. —
atesto, enquanto minha boca cobre seu pescoço e ali deslizo em sua pele
arrepiada.
— Seria chamada de louca se acaso dissesse que adoro que se aproveite de mim?
— solta essa frase com a voz insinuante.
— Absolutamente. — beijo de leve a sua boca e é minha vez de colocar seu
rosto entre minhas mãos e procurar o meu olhar dentro do seu. Estranhamente,
sinto uma sensação incomum se apoderar em meu peito. Algo incógnito para um
homem como eu.
Uma sensação de medo, uma apreensão até admissível em minha posição.
Como um animal, sou um homem que delimita e protege todo seu território e
aqueles que dependem e vivem dentro do meu espaço. Temo não ser ardiloso o
bastante para impedir que essa pessoa que me odeia gratuita ou justificadamente
faça mal a alguém de minha família, principalmente a minha mulher e a meu
primogênito. Tenho a mais absoluta convicção de que será esse o seu subterfúgio
para me atingir. Assim como eu analiso seus passos metodicamente, na certa, ele
também o faz e sabe por onde me atingir e talvez me derrubar.
— Quero que me prometa uma coisa. — digo, olhando fixamente em seus olhos
castanhos.
— Qualquer coisa. — rebate sem hesitar.
Estico meu braço abrindo uma das gavetas de minha mesa. Lá dentro, tateio
meus dedos alcançando o anel que a presenteei em Verona, seguro sua mão
esquerda e levemente escorrego a joia pelo seu anelar.
— Isso lhe pertence e quero que continue a usá-lo. — olha para o anel e em
seguida para mim.
— Sei que não foi educado de minha parte devolver um presente, porém naquele
momento me senti magoada com o seu desprezo. — abre seus lábios em um
sorriso que restaura as minhas forças para continuar a protegê-la.
— Esse não é o nosso anel de noivado, porém quero que o mantenha em seu
dedo e não o retire por nada. — pressiono minha boca em seu dedo beijando a
joia sem tirar meus olhos dos seus. — Para o seu bem, não retire esse anel.
— Falando assim, parece que ele possui um rastreador que me encontraria em
qualquer lugar do mundo.
— E possui. — confirmo e seus olhos se arregalam em espanto por minha frieza
ao lidar com o que chamamos privacidade.
— Está falando sério? — segura meu colarinho e arruma o nó de minha gravata.
— Seríssimo. — sua proximidade me faz um bem enorme, pois sei que aqui, em
meus braços, ela está segura. — Isso é para a sua segurança e lendo os seus
pensamentos, replico.
— E antes que me pergunte se ele sempre esteve dentro da joia a resposta é sim,
sempre. — desvia o assunto com uma piada ácida.
— Quer dizer então que não poderei pular a cerca sem ser descoberta?
Frustrante, não? — Antonella sabe até onde ir com suas brincadeiras e só a ela
permito ir tão longe.
— Já enjoou de mim a ponto de buscar por outro? — esfrego minha barba em
seu queixo a instigando a buscar por meu beijo e sem mais esperar, é exatamente
isso o que ela faz.
Me beija com uma ânsia desenfreada e confirma através de sua língua afoita que
sou o único homem a quem ela ama e deseja sem nenhum resquício de dúvida.
Ao se afastar, sua voz branda sai rouca e carregada de uma lealdade
inquestionável em relação ao que sente por mim.
— Jamais enjoarei de você! Eu o amo de uma maneira incalculável. — meu
polegar corre por seus lábios molhados pelo beijo que acabamos de trocar.
— Mia Nella, la mia futura moglie. [484]

Inconscientemente, era essa uma das razões pela qual sempre me mantive na
retaguarda evitando me envolver e com isso, me apaixonar. Em consequência
desse sentimento que me assola, me sinto vulnerável a ponto de não saber lidar
com uma possível perda.
Só em pensar nessa eventualidade, meu sangue se agita, me deixando inquieto,
se alguém ousar encostar um só dedo em Antonella conhecerá a ira personificada
e materializada a sua frente e nada me fará parar até que eu tenha extinguido esse
sujeito da face da terra com minhas próprias mãos de uma maneira sanguinária e
até mesmo desconhecida por mim.
— Outra coisa que quero lhe pedir. — me olha com carinho a espera de meu
pedido.
— Quero que vá ao médico o quanto antes e veja se está tudo bem com nosso
bebê.
— Cuidarei disso amanhã, logo cedo.
— Ótimo, mais uma coisa. — pigarreio.
— Nunca mais virei ao seu escritório! — estranho o seu comentário e ela
completa. — Pensei que iria me agarrar nessa mesa e até o momento, só me
encheu de ordens, capitão. — coloca a mão sobre sua testa numa espécie de
continência.
— Teremos muitos momentos pela frente. — pisco meus olhos com ar se
malícia. Do bolso de meu paletó, retiro um cartão de crédito e o entrego a ela.
— Una carta di credito?
— Sì, una carta de credito. — a ajeito em meu colo. — Quero que compre algo
para usar no jantar de hoje.
— Hum..., que noivo bonzinho eu arrumei. — enlaçada ao meu pescoço,
completa. — Um cartão ilimitado na mão de uma mulher é uma arma, sabia? —
aperto sua bunda, roçando seus quadris de encontro ao meu corpo que dá sinais
de excitação.
— Espero que saiba usá-lo como uma arma, comprando algo bem provocante
para ser usado em nossa lua de mel. — dou um tapa leve em sua bunda ao
mesmo tempo em que mordisco seu lábio inferior.
— Já sabe para onde vamos?
— Sei e é surpresa. — um gemido fortuito escapa de minha garganta ao sentir
sua mão descendo pelo zíper de minha calça.
— Nenhuma dica? — meu pau começa a endurecer sob suas carícias incitantes.
— Non.
Batidas na porta nos interrompem e elas me indicam que minha mãe deseja falar
comigo a respeito do destino de Eurídice, Antonella se levanta de meu colo
mansamente e acariciando meu rosto caminha para a porta.
— Depois continuarei meu interrogatório, meu amor. — jogo um beijo e ela faz
o mesmo retribuindo meu gesto.
— Depois, amore mio. — gira a maçaneta e se depara com a silhueta de minha
mãe, toda sorridente, parada rente à soleira da porta, Antonella nos deixa a sós e
minha mãe se senta em frente a mim.
— Me diga, onde a levou? — me olha com olhos alarmados.
Respiro fundo antes de satisfazer sua curiosidade sem lhe deixar estarrecida.
— Em primeiro lugar, posso saber o porquê quer tanto saber? — encosta seu
corpo na poltrona e me encara com os olhos estreitados através das lentes de
seus óculos.
— Porque você prometeu que me deixaria frente a frente com aquela
enganadora. — balanço a cabeça em negação por hora quebrando minha palavra
empenhada momentos antes.
— Creio que esse embate não será possível. — ela me dirige um olhar
contrariado e um tanto furioso.
— Como assim? Não será possível? Você prometeu, figlio mio!
— Sim, prometi.
— E então?
— Presumo que será melhor assim, deixe as coisas como estão e com o passar
dos dias, tudo entrará nos eixos como se deve.
No fundo, minha mãe se sentia compadecida pelo destino de Eurídice e em seu
interior nutria uma vaga esperança de que a governanta não era tão má quanto
lhe foi mostrado.
— Ela está morta?
Pergunta difícil. Como saber por quanto tempo aquela criatura suportará ficar
naquele pequeno poço escuro e sem ar?
— Não tenho como lhe responder tal pergunta, minha mãe. — leva sua mão à
boca um tanto incomodada.
— Você bateu nela? — me levanto e ando até dona Adele, ajoelhado em sua
frente seguro a sua mão, acariciando sua pele macia.
— Sei da sua convivência com Eurídice e imagino como a senhora esteja se
sentindo ao descobrir que não tinha uma governanta sincera e que muito menos
retribuía da mesma consideração que dispensava a ela.
— Não vou mentir, mas foi um duro golpe para mim. — sua fala é doce, sem
qualquer alteração na voz que denote raiva. — Eu a coloquei dentro de nossa
casa.
— Não se culpe por isso, contudo quando se sentir mal pelo que porventura eu
possa ter feito a ela, lembre-se do atentado de nossa Letízia. — minha mão
continua espalmada sobre a sua. — Em nenhum momento ela se mostrou
arrependida ou ao menos tentou parecer abalada com o que poderia acontecer a
nossa bambina.
— Que puttana! — adota um palavrão em italiano para mostrar o tamanho de
sua indignação. — Isso só aumenta a minha vontade de olhar em sua cara
dissimulada mais uma vez.
— E isso iria fazer alguma diferença? — questiono a sua conclusão.
— Para ela, eu não sei, mas a mim faria toda a diferença. Encheria aquela cara
de tapas até arrancar toda a maquiagem que estivesse usando. — tenho vontade
de rir de seu comentário um tanto quanto inocente.
— Posso lhe assegurar que a essa hora a sua maquiagem deve ter saído de seu
rosto sem que ninguém a tenha sequer tocado. — aperta minha mão,
demonstrando seu orgulho materno ao saber que não permito que ninguém se
intrometa com nossa família e saia impune.
— Bem, já que ela não mais nos importunará, posso me concentrar em coisas
mais alegres como a organização de seu casamento. — sua expressão se ameniza
e ela volta a ser a minha doce mama.
— Assim é que se fala! Não quero que meça gastos. — seu sorriso aberto atesta
que tudo está voltando ao normal.
— Pode deixar.
Mais tranquila, deixa o aposento e é a vez de Ignácio aparecer para me contar os
detalhes sobre a morte de Marcello, porém antes que me passe as informações, o
agradeço pelo seu excelente trabalho ao cuidar de todo o tratamento de Clara.
— Ele mal teve tempo de sacar sua arma, Enzo. — cruza suas mãos sobre a
mesa. — A emboscada foi tão bem armada que seu corpo foi alvejado de balas e
furado como uma peneira. — sorrio satisfeito por ter eliminado mais um dos
traidores que me rodeavam.
— E quanto a Alvin? — pergunto.
— Amanhã. — responde brincando com meu porta-lápis.— Tudo esquematizado
para amanhã, tanto ele, como Marie terão uma surpresa.
— Ótimo. — bato uma mão na outra causando um estampido baixo. — Quanto a
Nina, eu mesmo cuidarei dela!
— Você é quem manda! — muda de assunto. — E Eurídice? — me questiona
querendo saber do destino de nossa antiga funcionária.
Conto a ele parte de minha conversa com ela e completo.
— Isso é um assunto praticamente enterrado, Consigliere. — faço uma piada
dúbia e sarcástica e acabamos rindo juntos.
— Não há como ela chamar por socorro dentro do local? Você mesmo me disse
que ela acompanhou o trajeto todo de dentro do carro.
— Chamar como?
— Por acaso, revistou seu corpo em busca de seu celular? — nego,
chacoalhando a cabeça bem devagar.
— Na certa, ela irá pedir por socorro e a essa altura deve ter fugido, Enzo. — ele
me olha com estranheza, pois minha calma continua inabalável.
— Não poderá pedir ajuda e sabe por quê? — fico em pé e olho para Pietro e
Letízia que brincam de bola no jardim, era isso que o desgraçado queria arrancar
de mim, a felicidade e a paz de minha família.
— Não faço a mínima ideia.
— Quando mandei construírem aquele buraco já sabia qual a sua finalidade e
pedi a Manfredine para que fizesse um lugar, onde seria cortada todo tipo de
comunicação. Nenhuma comunicação, me entende?
— Entendi perfeitamente.
— Se ela tentar usar o seu celular para enviar mensagem ou até mesmo ligar
para pedir socorro encontrará seu dispositivo sem rede para completar o serviço.
— Não lhe chamo de gênio, pois seu ego inflaria a ponto de lhe matar em uma
explosão e com isso viria a perder o amigo e chefão.
— Infilatelo nel culo! — refuto sem delongas.
[485]

— Não está mais aqui quem falou. — ergue seus braços e se finge de inocente.
— Acho bom! E mais tarde, minha mãe fará um jantar onde anunciarei a data de
meu casamento, conto com sua presença e a de sua esposa.
— E não é que meu patrão acabou fisgado? — debocha.
— Não fui fisgado, estou apenas me casando.
— Sabe que sempre desejei a sua felicidade, Enzo.
— Sei disso.
— Por isso, faço questão de comparecer nesse jantar de logo mais.
— Obrigado e outra coisa.
— Sim?
— Ficaremos em alerta e tentaremos descobrir se há mais alguém trabalhando
para essa pessoa e que esteja infiltrado em minha casa ou até mesmo em nostra
famiglia.
— Continuarei a fazer uma bela varredura na vida de todas as pessoas próximas
a sua família, com isso, poderemos ir excluindo suspeitas vindouras.
[486]

— Perfeito.
— Quero que levante um dossiê de uma pessoa que me veio à mente. — digo o
nome a ele e Ignácio me olha atônito.
—Tem certeza?
— Sim, quero que o investigue.
— Alguma suspeita?
— Nada concreto, mas preciso tirar minhas dúvidas.
— Perfeitamente, cuidarei disso. — Ignácio se levanta e anda a passos lentos até
a porta.
— E amanhã, cuidarei de Isaiah.
— Isaiah? Posso saber o que ele lhe fez?
— Não se faça de sonso, Consigliere! — o repreendo. — Você sabe a que me
refiro! Aquele sorrisinho em seu rosto tem nome, sobrenome e sangue dos
Ferraro.
— Bem, já que tocou no assunto, gostaria de dizer que Isaiah é corajoso como
poucos e um homem muito digno, condizente com sua irmã. — esfrego minha
mão direita no rosto e em seguida a levo ao bolso.
— Terei uma conversa de homem para homem com ele, amanhã cedo.
— Espero que se acertem.
— Iremos, se ele deixar minha irmã em paz! — digo, quase imperativo.
— Já perguntou a Donatella se é da vontade dela que ele se afaste? — Ignácio é
o cão quando o assunto é argumentar a favor de outra pessoa.
— Nem irei perguntar, sabe o que penso a respeito da conduta de quem mexe
com as mulheres de nossa família.
— Ele não é membro, portanto não estaria violando as leis da Cosa Nostra.
— Mesmo assim. — rebato irredutível.
— Você é quem sabe, meu caro.
Com sua postura sóbria e ereta me deixa a sós com meus pensamentos, retiro o
telefone do gancho e ligo para Brian, quero que esteja presente no jantar de hoje
e espero que ele possa comparecer. Sua secretária transfere a ligação e após
alguns minutos de conversa, confirma sua presença. Ambos com inúmeras
ocupações nos despedimos e continuo a trabalhar sem nenhuma pausa.

Antonella
Com o cartão dado por Enzo, pergunto a Donatella, onde posso comprar algo
sofisticado e discreto para a ocasião de logo mais. Nada melhor que pedir auxílio
a alguém que, na minha opinião, tem estilo e elegância de sobra, ela me passa o
endereço de uma das lojas mais famosas de Nova Iorque e ainda pergunta se não
preciso de ajuda com as compras. Sem nenhuma sombra de dúvidas, Donatella
está apaixonada, é mais do que visível a sua alegria que transcende no brilho de
seus olhos e pele, quero ver quando Enzo se der conta de que sua irmã e o seu
segurança estão namorando. Com muita delicadeza, agradeço ao convite e me
dirijo à garagem, Clara e minha tia estão descansando e por essa razão não as
convidei para um passeio divertido ao mundo das compras.
Fabrizio, compenetrado, limpa o capô de um dos carros e percebe a minha
chegada ao dar o primeiro passo no ambiente, deixa a flanela de lado e todo
solícito me pergunta se preciso de seus serviços, aquiesço com a cabeça e peço
para que ele me leve a Bergdorf, na Quinta Avenida, já sabendo de que não
poderei sair sem a companhia de segurança, Fabrizio sai da garagem e chama
mais dois homens para nos seguirem em um outro carro.
Prontamente, ele abre a porta do veículo e nos dirigimos ao centro da cidade, no
caminho, ligo para Virgínia e a convido para meu jantar de noivado e ela não
para de gritar eufórica ao telefone denotando toda a sua alegria ao saber da
novidade.
Quase meia hora depois, Fabrizio estaciona em frente ao grande prédio da
Bergdorf, o local em si é um paraíso do consumo, um escândalo em sinônimo de
elegância e ostentoso bom gosto. Desço do carro e paro por alguns segundos
diante da vitrine de uma das lojas que fazem parte desse conglomerado de
opulência, segundo Donatella, aqui encontrarei o que preciso seja qual for a
[487]

ocasião.
Entro pelo saguão suntuoso e meus olhos se perdem vislumbrados pelas
inúmeras opções de escolha, todas requintadas digam-se de passagem, mais
próxima da vitrine, vejo um vestido Channel muito bem talhado e que achei
perfeito para a ocasião. Entro na seção em questão onde várias mulheres
elegantes conversam animadas, enquanto fazem as suas compras.
Coincidência ou não, acabo me deparando com a ex noiva de Enzo e chego a
pensar que Nova Iorque não é tão grande quanto aparenta, é engraçado que
nunca tive a curiosidade de perguntar a Enzo o real motivo do rompimento de
seu noivado, isso nunca me interessou antes e agora vendo a loira me olhar pelo
canto dos olhos com total desdém acabo me atentando a esse detalhe do passado,
ela adentra uma porta anexa ao caixa da loja e ali permanece por uns poucos
minutos, tempo suficiente para que uma das atendentes se encaminhe até mim e
pergunte o que eu desejaria levar.
Olho para o modelo na vitrine e digo que gostaria de provar a peça, da porta
anexa, sai uma mulher ruiva, uns 45 anos, olhos verdes, trajando um tailleur azul
marinho e uma expressão congelada na face idêntica a uma boneca Barbie, ela
anda por entre as clientes e deduzo que a mulher deva ser alguma espécie de
gerente do local, Carol sai logo atrás e fica a observar os passos da ruiva.
A mulher anda até mim e apenas com um olhar afasta a atendente que
conversava comigo.
— Bom dia, deseja alguma coisa?
— Ahhh... Sim... — olho mais uma vez para o vestido da vitrine. — Gostaria de
provar esse modelo. — volto a olhar para ela que mantém seu semblante fechado
como se algo a desagradasse, seu ar esnobe me deixa sem jeito, porém são as
suas palavras que me fazem desistir de comprar qualquer coisa dentro dessa loja.
— Há outras lojas em Nova Ioque que vendem roupas com preços mais
acessíveis, minha querida. — não posso acreditar no que estou ouvindo.
— Por acaso, não lhe perguntei quanto custa, somente disse que gostaria de
provar a peça. — pedante, cruza seus braços e rebate.
— Sugiro que olhe ao seu redor e note o quão seleto é a nossa clientela. Nossas
clientes são escolhidas a dedo. — a infeliz está fazendo isso a mando de Carol e
nunca me senti tão destratada em um local público como agora.
Firme, respiro fundo, a encaro com o olhar erguido deixo a loja com um choro
raivoso entalado na garganta. Ao chegar no carro, Fabrízio pergunta qual nosso
destino.
— Vamos para casa, por favor.
— Sim, senhora.
Quando chegamos na mansão, desço do carro e ao entrar pela porta principal
encontro Adele ajeitando flores em um grande vaso.
— Já voltou, minha querida?
— Sim. — mesmo desanimada, disfarço ao máximo a minha cara de insatisfação
e me desvio do olhar perscrutador de minha sogra que me vê entrar em casa de
mãos vazias.
— Fez boas compras? — piso no primeiro degrau e de costas viro meu pescoço
em sua direção.
— Adele, se me der licença, não estou me sentindo muito bem. — respondo,
delicadamente. — Mais tarde falaremos sobre minhas compras.
Em meu quarto, deposito minha bolsa sobre uma poltrona e me jogo no colchão
deitada de bruços, não foram necessários mais do que cinco minutos após a
minha chegada para que batidas inconfundíveis na porta indicassem que meu
noivo já sabe que estou de volta de minha fatídica tentativa de comprar um
vestido.
Caminho até a porta e sem fixar meus olhos aos seus, me afasto para que ele
entre em meu quarto. Conservando suas mãos na cintura, pergunta sem rodeios.
— Onde estão suas compras? — aperto minhas têmporas.
— Na verdade, ao entrar em uma das lojas, não encontrei nada que me
agradasse.
— Nada?
Como vou enganar esse homem que tudo percebe?
Se eu contar a verdade, Enzo irá buscar por retaliação e não é isso que busco. O
que mais quero é sossego daqui para frente.
— Sì, niente. — tiro meus brincos e ele continua estacado no meio de meu
[488]

quarto.
— Então quer dizer que você saiu de casa para fazer compras e não encontrou
nada que a agradasse? Isso é como levar uma criança a um parque de diversões e
ela não querer ficar!
— Por que o espanto? — seus olhos ficam estreitos e seu semblante ainda mais
sisudo.
— Vai me dizer a verdade ou terei que descobrir por mim mesmo?
— Que verdade? — acabo me irritando ainda mais e minha voz se exalta.
— A única admissível nessa história mal contada ou vai continuar tentando me
enganar e querer que eu acredite que uma mulher sai com um cartão de crédito
em plena Nova Iorque e volta uma hora depois dizendo que não encontrou nada
do seu gosto! — se exalta e sua voz sai ainda mais grave. — Faz me rir ou então
me toma por algum idiota e isso você sabe muito bem que não sou! — abaixo
meus olhos.
— Antonella, olhe para mim. — pede com carinho e eu o obedeço.
— O que aconteceu em sua saída? Quero ouvir de você e não da boca de um dos
seguranças que a acompanhou.
Reduzo nossa distância, caminhando três passos em sua direção. Ao ficar
próxima ao seu corpo, deposita suas mãos em minha cintura.
— Se eu te contar, me promete que não fará nada? Não tomará nenhuma atitude
precipitada causando confusão? — peço delicadamente.
— Nunca prometo nada sem antes saber do que se trata!
— Droga, Enzo! — meus dedos apertam forte o seu queixo quadrado.
— Estou esperando. — sua expressão ainda é a mesma e sem nenhuma
alternativa que não seja contar a verdade, seguro sua mão e o faço sentar ao meu
lado na cama.
A seguir, conto a ele o ocorrido na Bergdorf, ele ouve tudo sem me interromper e
quando termino, fica em pé sacando de seu celular. Antes de tocar a tela, pisca
para mim e sorri.
— Aimè, boa tarde, preciso de um favor seu, aliás dois. — afinal, quem seria
Aimè? — Minha noiva precisa de um vestido para essa noite. — uma voz suave
de diva do cinema rebate do outro lado. — Ótimo, ficarei no aguardo e sobre o
outro favor, falaremos em particular. — conversam por mais alguns instantes e
Enzo encerra a ligação. — Aimè é uma grande amiga de nossa família e irá lhe
ajudar na escolha de um traje para essa noite.
— Não precisava fazer isso, Enzo! — toca meu nariz com seu indicador.
— Quero que fique linda essa noite, mia ragazza! — puxa meu corpo que se
cola ao seu.
— E da próxima vez que encontrar Carol em uma loja me faça uma gentileza.
— Qual?
— Enfie a mão na cara dela do mesmo jeito que fez com Nina, o resto deixe por
minha conta.
— Mas veja só! Ensinando sua futura esposa a ser violenta?
— Não. — beija de leve meus lábios. — Só estou lhe ensinando que ninguém a
destratará dessa forma e ficará impune. — suas mãos fortes passeiam por minhas
costas. — Isso terá troco, pode apostar.
— Não acha isso desnecessário?
— Desnecessário foi o que ela lhe fez hoje, portanto ela provará de um remédio
bem amargo e com efeito colateral muito duradouro.
Trocamos um beijo apaixonado e ele sai do quarto me deixando com a sensação
de ser cuidada ao extremo pelo meu lindo marito.
*****

Todos os que foram convidados para nosso jantar compareceram. Clara se sentou
ao lado de Brian que a cobriu de atenção em todo instante, não sei se estou
ficando maluca ou o amigo de Enzo se mostrou interessado em minha sorella. Se
não estiver enganada, Clara encontrou um cara muito legal que dará a ela o
verdadeiro valor que merece.
Trajando um terno grafite, camisa branca e gravata azul, Enzo não esconde o
quanto está feliz com a chegada de nosso bebê, em pé, com a taça erguida em
sua mão direita, anuncia a data de nosso casamento que acontecerá no começo
de novembro e do seu bolso, surge uma caixinha de veludo preta de onde ele
retira um outro anel e o coloca em minha mão direita.
Adele não desgruda os olhos de mãe coruja do filho e Donatella não é diferente
ao ver o irmão com seu sorriso natural entre os lábios, já o senhor Victório tenta
não parecer tão afetuoso, porém sua mão permanece grudada a de sua esposa,
durante todo o tempo em que Enzo discursa, tia Martina sentada ao lado de
Donatella busca meus olhos e me sorri largamente.
Estamos todos felizes e esse sentimento é contagiante, Pietro e Letízia batem
palmas ao ouvir Enzo falando.
— Há mais uma coisa muito importante que quero anunciar aqui! — ele vai
anunciar a chegada de mais um Ferraro na família.
— Não sou muito bom com discursos e por isso serei muito direto anunciando a
chegada de mais um integrante em nossa família. — Enzo olha diretamente para
o pai. — Antonella está esperando um filho meu. — todos assoviam, Brian sai
de seu lugar e abre os braços parabenizando Enzo pelo nosso filho.
— Parabéns, campeão. — bate em suas costas efusivamente, Adele é a próxima
a se levantar, seguida de Donatella, o senhor Ferraro continua com a cara
amarrada e nada diz. Na sequência, pega sua bengala e arrasta sua cadeira.
— Com licença. — sai da mesa com seus passos precisos e firmes apoiados em
sua bengala.
Sem entender o que se passa, Enzo olha para o pai completamente atônito,
ninguém esperava essa reação do patriarca da família.
— Irei atrás dele. — Enzo fala à sua mãe.
Encosta sua mão no peito do filho e o impede de proceder com sua atitude, de
soslaio, encaro minha tia e Clara que ainda não conhecem a personalidade do
velho Victório.
Aos poucos, todos voltam ao seu lugar e Adele tenta entrosar um assunto
agradável para amenizar a situação constrangedora de minutos atrás.
De repente, Enzo ergue seus olhos e vê o seu pai voltando com os olhos
lacrimejantes e vermelhos, ele andou chorando as escondidas.
Em sua mão direita segura uma garrafa de vinho que parecia estar armazenada
há muito tempo em sua adega, pelo rótulo gasto suponho que essa bebida tenha
sido guardada para uma ocasião muito especial.
— Enzo não puxou ao pai. — diz, abrindo o lacre do vinho. — Sempre fui muito
bom em meus discursos! — ao encará-lo, ele sorri. — Senhora Martina, quero
dizer que sua sobrinha ganhou um lugar muito especial em minha família como
minha futura nora e mãe do meu neto.
Ninguém imagina a importância que essas palavras têm para mim e emocionada
eu agradeço.
— Obrigada, senhor Ferraro.
— A partir de hoje, Antonella entra para a família Ferraro e dentro do meu
coração a adotei como uma filha. — seus olhos escuros e duros encaram o filho.
— Desejo muitas felicidades ao casal e faço questão de entrar na igreja de braços
dados com Anronella no dia de seu casamento. — Enzo não cabe em si de
alegria e seus dedos procuram os meus.
O senhor Ferraro nos serve de seu vinho especial que mais tarde vim a saber por
Enzo que se trata de uma safra de 1945 e que ele arrematou há quase um ano,
essa garrafa por $558 mil dólares em um leilão.
A chegada de um filho de Enzo realmente é uma notícia muito valiosa para ele,
passamos para a sala de estar e mais congratulações nos são atribuídas. Foi a vez
de minha tia dizer algumas palavras seguida por Ignácio.
— Estou muito feliz, Enzo. — digo abraçada a ele no sofá.
— Eu também estou e muito. — beija meus cabelos. — Que tal a minha futura
esposa invadir meu quarto essa noite?
— Está maluco?
— Sim, maluco para fazer amor com minha futura esposa. — usa de uma
cadência de voz mais grave e excitante. — Queria comemorar a nossa noite,
somente você e eu.
— Não sei se seria uma boa ideia. — automaticamente, ele fecha a cara para
mim, todo contrariado.
No fundo, me sinto tentada a acatar a ideia de Enzo e ter uma furtiva e tórrida
noite de amor em seus braços.
Mais tarde, já em meu quarto com um sorriso de orelha a orelha, me levanto e
coloco um robe sobre minha camisola, saio sorrateiramente de meu quarto,
andando descalça pelo corredor que dá acesso a ala oeste da casa.
Apreensiva por temer ser pega em flagrante, paro em frente a porta de seu quarto
e bato devagar, segundos se arrastam e ao virar meu corpo em sinal de
desistência, a porta é aberta, uma mão forte me agarra pelo braço e me arrasta
para dentro do quarto.
— Mudou de ideia? — me prensa junto a parede com seu corpo seminu, coberto
apenas por sua calça de pijama.
— Pensei melhor na oferta e resolvi aceitar. — encara meu rosto através da
penumbra de seu quarto e a única luz visível é o azul de seus olhos que exalam
um brilho intenso de desejo.
— Fez a melhor escolha, te prometo.
Me ergue em seus braços e me leva
para sua cama com sua boca a devorar a minha...
Retaliação a minha moda

Enzo
A caminho da cama, minha boca devora seus lábios num beijo quase aflitivo.
Enroscada aos meus cabelos, Antonella arqueia seu peito em busca de ar e
provocativa esfrega seus quadris em meu corpo, atiçando ainda mais o meu
desejo de estar dentro dela. Ao me afastar de seus lábios, quero sentir o calor e o
gosto de sua pele fresca e perfumada, assim, ora deslizo minha boca, ora
percorro minha língua por todo seu ombro, trilhando um caminho até a curvatura
de seus seios.
Receptiva ao extremo, deixa escorregar seu roupão, abaixando as alças de sua
camisola, permitindo meu total acesso aos seus mamilos pontiagudos. Minha
boca suga cada um deles com uma devoção indecente e os gemidos de prazer
saindo de sua garganta atestam o seu querer apressado.
— Sono pazzo di te! — sua voz sai por um fio, enquanto seus lábios molhados
[489]

roçam nos meus.


— Non sai quanto folle sia per te, Antonella!
[490]

Rebato aos tropeços e ao chegarmos à beirada de minha cama, empurro seu


corpo de modo brusco fazendo com que ela caia de costas sobre o colchão. Com
seus olhos e lábios semiabertos solta um sorriso safado e ajeitando sua cabeça
sobre o travesseiro, aguarda inquieta o que tenho a lhe oferecer, estendendo seus
braços em minha direção e me chamando para si.
Com meu olhar preso ao seu, deslizo meu corpo correndo minha boca em cada
centímetro de sua pele, agora quente devido ao seu desejo pulsante que nos
assola. Distribuo leves e incitantes lambidas ao subir por seu corpo ofegante e
sinto o acariciar de seus dedos a escalar os músculos de meus braços e costas
com avidez.
A deixo seminua em segundos e meus olhos fazem uma escalada detalhada em
cada pormenor de suas curvas perfeitas que me atraem de um modo incomum.
Em nossa cama, não há espaço somente para o premente desejo e sim, uma
[491]

relação de completa cumplicidade envolta em fidelidade e a certeza do que


sentimos um pelo outro.
Aperto seus seios e os fricciono sob as palmas de minhas mãos no mesmo
instante em que meus lábios e língua afagam seu pescoço e veias pulsantes.
Trilho beijos leves e faço com que ela solte gemidos exaltados, cobertos de pura
luxúria, morde seus lábios tentando conter outro gemido quando sente minha
mão esquerda invadir sua calcinha e explorar seu sexo encharcando meus dedos
com sua excitação. Com meus olhos fechados solto um longo suspiro de
satisfação acariciando seu clitóris já dilatado e absorvo o som erótico e quase
contido que sai de sua garganta, movimenta sua pélvis de encontro aos meus
dedos, é a sua vez de puxar o cordão que sustenta minha calça de pijama e entre
seus dedos, segura meu pau cadenciando movimentos lentos e verticais, me
fazendo gemer ao seu ouvido.
— Nella... — penetro dois dedos, invadindo seu corpo e em resposta, o seu peito
arfa de imediato. Estoco devagar sorvendo ao máximo a deliciosa sensação de
lhe dar prazer apenas com minhas mãos e sentir a sua umidade quente a escorrer
por meus dedos.
Ofegante, beijo seus lábios os sugando numa pressão voraz e ávido por muito
mais, murmuro ao seu ouvido.
— Deite-se de bruços. — meu pedido vem subentendido de uma famigerada e
imensa vontade de possuir seu corpo com uma intensidade cada vez maior.
Apoia seu corpo em seus cotovelos e de bruços me dá a privilegiada visão de
suas costas e cintura bem-feitas. Provoca ainda mais o meu desejo, empinando
sua bunda coberta apenas pelo minúsculo tecido de sua calcinha branca.
Ajoelhado ao lado de suas pernas estendidas, pendo meu corpo em sua direção,
beijo seu pescoço numa devassidão desenfreada, afastando seus longos cabelos
em suas costas, deixando livre o acesso para minha boca, dentes e língua.
— Sua pele é tão macia. — beijo sua coluna descendo em direção aos seus
quadris.
Mais de seus gemidos pairam no ar, quando minhas mãos iniciam uma escalada
apertando os tendões de sua panturrilha e exercendo uma pressão sobre sua pele
sensível em linhas tortuosas, até encontrar sua calcinha molhada, onde seu sexo
está sedento por mim.
Ansiosa, ergue seus quadris na intenção de me ajudar a se livrar da única peça
que me impede de explorar à vontade o seu corpo e fazer com ela grite de prazer.
Pressiono com força suas nádegas e segurando sua pélvis ergo seu corpo, a
colocando de quatro diante de mim.
A visão de seu corpo todo exposto, me causa um querer afoito de me enterrar
dentro dela e ali absorver os gemidos e todo o desejo que exerce sobre mim.
— Que delícia. — me afasto da cama e ela vira seu pescoço para trás à minha
procura.
— Onde vai?
Fora da cama fico de joelhos no chão e puxando seu corpo lhe dou a resposta,
quando minha boca explora sua boceta com uma fome animalesca. Antonella
geme e ao mesmo tempo se encolhe toda de desejo.
— Enzo... — meu nome sai de sua boca numa constatação de que a estou
levando ao limite da loucura e será nesse ritmo intenso que a quero nessa noite.
Desejo mostrar à minha futura esposa o que nossa cama nos reserva e tudo o que
podemos partilhar somente para nosso próprio prazer, minha língua circula seu
clitóris pulsante no mesmo instante que minha boca suga com vontade seus
lábios intumescidos e molhados devido a sua excitação. A cada gemido seu,
[492]

meu pau fica ainda mais duro.


Desesperada, flexiona sua pélvis em movimentos circulares e verticais e isso faz
com que seu sexo vibre sobre minha boca tamanha a sua vontade.
— A..more... — diz aos tropeços e de olhos fechados absorve minhas sucções
que se tornam mais esfomeadas. Meus lábios a consomem de forma insana e uso
meus dedos para acalmar a sua ânsia pelo gozo.
Penetro meu dedo médio dentro dela à medida que a ponta de minha língua
explora seu sexo latejante.
— Por favor, Enzo.
A abocanho toda e em seguida esfrego minha barba e bigode em sua pele
sensível a fazendo encolher mais uma vez, segurando firme em seus quadris e a
mantendo quase imóvel, minha boca não lhe dá trégua.
— O que você quer, mia Nella? — ainda acariciando com a língua, pergunto
carregado de malícia.
— Quero você... — gemendo, sua linda voz grave quase falha.
— Quer muito? — mordisco seu clitóris a instigando ainda mais. — Me diga o
que quer que eu faça. — mesmo sugerindo algo, minha frase sai num tom
imperativo.
— Eu... — respira com dificuldade quando meus dedos pressionam sua cintura a
puxando ainda mais para meus lábios. — Quero... Ohhh! — geme ao sentir meus
dentes mordiscando sua pele. — Você dentro de mim, agora! — me coloco em
pé junto a cama e aliso sua bunda gostosa, apertando sua pele com força.
— Ahhh, que tesão! — falo num gemido rouco.
Alucinada, remexe seus quadris ao sentir meu pau friccionando sua entrada,
dobro meu corpo, me encostando ainda mais sobre ela e com a boca colada em
suas costas, a penetro lentamente centímetro a centímetro, até que me sente todo
dentro de si.
— Gostosa mia! — aperto seu seio com uma mão e ainda segurando firme o seu
quadril, estoco com força na ânsia se saciar ao nosso desejo. — Gosta assim? —
mais três fortes estocadas e ambos gememos quase ao mesmo tempo.
— Adoro. — em resposta, vem de encontro ao meu corpo remexendo seus
quadris em um vai e vem que me deixa louco. — Amo il mio pazzo per me. [493]

Molhada, quente, devassa e minha por inteira...


Avanço com investidas ora lentas, ora rápidas e profundas. Mantenho esse ritmo
até que ela não mais se segura e de olhos fechados aperta os lençóis entre seus
dedos quando seu orgasmo a faz gemer desvairadamente e ofegante, seus
espasmos não a impedem de remexer ainda mais o seu corpo instigando em mim
um gozo quase animal, ergo minha cabeça e de olhos fechados com a boca
entreaberta, gozo como um louco apaixonado dentro de minha mulher.
Agora curvado sobre seu corpo, meto mais devagar, extraindo de nós dois a
sensação de uma satisfação única, com a respiração quase regular, se esparrama
suada sobre o colchão e me deito sobre seu corpo, ainda duro dentro dela.
— Realmente, fiz uma ótima escolha, Enzo Ferraro. — seu sotaque italiano diz
meu nome de um jeito ímpar.
Saindo de dentro dela, arranco um gemido de protesto e me deitando ao seu lado,
passo meu braço direito sobre suas costas.
— Tinha certeza de que não iria se arrepender. — digo, aspirando ar e o soltando
em seguida.
— Esse é o homem convencido por quem me apaixonei. — constata em um
deboche com um fundo de verdade.
Tímida, me olha com ar de quem quer perguntar algo constrangedor.
— Acha que alguém nos ouviu? Acho que fiz barulho demais. — pega um dos
travesseiros e cobre parcialmente seu rosto deixando à mostra seus olhos que
tanto gosto.
Alcanço uma mecha de seus cabelos que cai sobre sua testa e a mantenho em
meu dedo.
— Não, ninguém ouviu nada, ragazza mia. — sorrio pela sua apreensão. — Esse
quarto é isolado de qualquer tipo de som, fique tranquila. — seu semblante se
alivia.
— Ah, quer dizer então... — interrompo sua frase com meu indicador em seu
lábio.
— Quer dizer que você é a primeira mulher que se deitou aqui e gemeu alto,
enquanto eu fodia gostoso. Somente você! — bate o travesseiro em meu rosto e
joga seu corpo sobre mim roçando seus seios em meu tórax.
— Fodia? — me inquire, na certa esperando uma resposta plausivelmente mais
romântica.
— Fodia com amor, satisfeita? — digo num meio sorriso.
— Muito! — seu largo sorriso é lindo de se ver. — Depois dessa, irei gritar
ainda mais! — retorço meus lábios e não seguro meu riso.
— Cuidarei para que não quebre os vidros e cristais espalhados por aí. — morde
meu queixo com força.
— Acho uma boa ideia. — próximo ao seu rosto me atenho a um detalhe que
considero importante.
— Antes que eu me esqueça, quero lhe dizer que continuaremos a morar nessa
casa depois de casados e espero que você entenda o porquê. — aqui, poderei
mais de perto proteger a todos, inclusive minha mulher.
— Sim, claro que entendo. — passa sua mão delicadamente sobre minha cabeça
brincando com meu cabelo.
— Obrigado. Sabia que me entenderia.
— Já que não nos mudaremos, posso ao menos mudar a decoração desse quarto?
— olha ao redor e depois se volta para mim, toda séria. — Ele é lindo e é a sua
cara, porém não tem a essência de um quarto de casal.
— Você pode o que quiser, Antonella! — busco sua boca e a beijo de leve.
— Olha...Não prometa muito, pois irei abusar!
— Posso pagar para ver! — rebato, deitando meu corpo sobre o seu.
— Então, pague! — sua voz não hesita em me provocar, nesse momento
instigo seu desejo com minha boca e mais uma vez me entrego ao seu corpo,
meu mais novo refúgio.
*****
Uma hora depois, Antonella deixa meu quarto e sozinho em minha cama penso
em minha conversa com meu treinador. Durmo por mais um tempo, de banho
tomado e já vestido para meu treino matinal, desço para tomar meu café da
manhã.
Na mesa, meu pai conversa com Ignácio.
— Bom dia. — cumprimento a todos e me sento ao lado direito de meu pai.
— Estava falando com Ignácio sobre a legalização daquela empresa em Vegas.
— coloco café em minha xícara e milagrosamente minha mãe se junta a mesa.
— A senhora caiu da cama? — beija meu pai, depois o meu rosto e cumprimenta
Ignácio com um sorriso.
— Já se esqueceu que tenho um casamento para organizar e me restam apenas
43 dias para isso?
— Ah, esse seria o motivo para sua insônia? — a inquiro.
— Quer maior motivo do que esse para sua mãe, meu filho? — zomba meu pai.
— Sabem muito bem que quero que tudo saia perfeito.
Nesse momento, Brian adentra a sala. Como em quase todas as manhãs, ele vem
para conferir o estado de saúde de meu pai que vai muito bem diga-se de
passagem.
— Bom dia a todos. — respondemos ao seu cumprimento e ele dá dois tapinhas
nas costas de meu pai.
— Junte-a nos, Brian e se sirva de um café.
Prontamente, aceita o convite e logo travamos uma conversa amena, enquanto
tomamos nosso café, pelo canto de seus olhos astutos, meu pai observa uma
nova funcionária próxima a mesa e comenta.
— Meu amor. — se dirige à minha mãe. — Onde está a nossa governanta? —
ele sabe do destino de Eurídice e com certeza está atuando conforme
combinamos.
— Ah, esqueci de lhes contar! — para de comer o seu mamão e descansa sua
colher no prato. — Eurídice pediu férias e não tive como recusar, ela alegou que
precisava visitar a família no oeste do país.
—Todos merecemos férias, não é mesmo? — Brian é primeiro a comentar,
enquanto toma seu chá.
— Com certeza, Brian. — diz meu pai. — Quando me dará férias de seu
tratamento? — brinca.
— Se o senhor continuar a seguir a dieta que lhe passei, logo ficará livre de
minha cara em sua casa todas as manhãs.
— Não me esquecerei disso. — bebe seu café.
Termino minha refeição, me despeço dos demais e me encaminho para minha
academia, onde aguardo a chegada de meu treinador. Enquanto o espero faço um
aquecimento e quinze minutos depois, Isaiah aparece vestindo seu agasalho,
pronto para nossa luta.
— Bom dia, campeão. — seu cumprimento é quase sempre o mesmo.
— Bom dia. — deixo a toalha sobre a bancada e me posiciono para começarmos
nosso treino de kickboxing.
[494]

Em pé, sem que ele perceba, o analiso por alguns segundos e fico imaginando
como ele e minha irmã começaram a se encontrar, Donatella quase não tem saído
de casa e Isaiah passa a maior parte do tempo cobrindo a minha segurança,
balanço a cabeça chegando à conclusão de que quando se quer, se dá um jeito.
Vira seu corpo para mim, enquanto ajeita sua luva e em posição de ataque
iniciamos nosso treino, como sempre sua agilidade e atenção vivazes o livram de
dois golpes subsequentes e na terceira tentativa o atinjo com força. Nesse curto
espaço de tempo, ergo minha perna direita e tento acertar suas costelas, mas
Isaiah se desvencilha numa celeridade que impressiona.
Girando em círculos, nivelamos nossos olhares tentando desvendar e
antever quando e por onde virá o próximo ataque, nossos reflexos estão
aguçados e muitos socos só encontram o ar como alvo.
— Andou brigando com sua noiva, Enzo? — me provoca tentando achar um
motivo para minha agressividade gratuita.
Ofegante, armo um soco com a mão direita e, em falsete, bato com a esquerda
acertando em cheio sua mandíbula.
— Não, estamos muito bem. — enfim, respondo seco. — E com sua? — noto
que mais do que depressa que desvia seu olhar e tenta esconder o que é mais do
que visível.
— Desde quando se interessa pela minha vida pessoal? — pergunta, se
colocando na defensiva.
— Desde quando anda pegando a minha irmã, seu farabutto! — sua luva passa a
centímetros do meu nariz.
Parto para cima dele sem me importar com regras e quesitos de nosso
treinamento, porém a sua autodefesa o livra de levar uma tremenda surra em
minha academia.
— Para seu governo, não ando pegando a sua irmã.
— Ah, não?? — sem me atentar ao seu movimento preciso acabo levando um
soco no queixo.
Possesso, o ataco com minhas pernas e ambos vamos ao chão, Isaiah me
imobiliza e se mantém montado sobre mim.
— Em primeiro lugar, nem eu muito menos a sua irmã sou pessoas de ficarmos
na pegação, meu caro. Estou namorando a sua irmã e não a pegando como você
está dizendo. — tento sair debaixo de seu corpo e meu treinador me devolve um
sorriso cínico.
— Em segundo lugar, você pode ser meu chefe, aprendiz nas artes marciais e
meu amigo, contudo não abrirei mão da mulher por quem estou apaixonado e
muito menos do que estamos vivendo, caso você seja contra.
— Você conhece as regras e as descumpriu, Isaiah! — me exalto.
— Não sou membro da família e, portanto, não tenho regras a cumprir, Enzo! —
sua firmeza demonstra o seu respeito por mim e não medo como muitos.
— Saia de cima de mim!
— Tente escapar, meu pupilo. — impede meus movimentos e dispara. — Saiba
que um mestre nunca ensina todos os seus golpes ao aluno, sempre há uma carta
escondida na manga.
Meu maxilar se enrijece ainda mais devido ao seu sarcasmo e com o uso de
extrema força acabo por me soltar e me colocando em pé, parto para cima dele
novamente.
— Quero que se afaste dela, Isaiah!
— Sabe que não farei isso!
— Por que não me contou que estavam juntos?
— Não presuma que foi por medo. — chuta minha perna direita e continua em
posição de ataque. — Não lhe contamos antes, pois você estava com problemas
muito maiores para resolver, lembre-se?
Isaiah tem toda razão, estava e ainda estou sobrecarregado de problemas para
resolver e tenho um alguém inimigo para acertar minhas contas.
— Donatella não é para mim um passatempo, Enzo e você sabe que sou um
homem que pode cuidar e dar a ela e as crianças a atenção que uma mulher
precisa.
— Como dava à sua ex mulher? — no fundo, sei que ele é um homem de
coragem e caráter e não desmereço as suas qualidades, todavia meu ciúme de
irmão parece prevalecer em nossa conversa.
— Nosso casamento havia acabado há dois anos, amigo e o fim era a única saída
para nós dois. — percebo o quão idiota pareceu o meu comentário.
— Me desculpe, não pretendia ser cretino com você.
— Enzo, eu realmente gosto de sua irmã e me comprometi com seu pai a cuidar
dela e de seus filhos com a minha vida se for necessário. — abaixa seus braços
numa trégua temporária. — Sua irmã é tão importante para mim quanto
Antonella é para você, pode me entender?
Isaiah usa de sua franqueza e ela sempre foi bem-vinda em nossas poucas
discussões, sem argumentos, acabo percebendo que eu era o único e último a
saber desse romance.
— Espere aí! — digo, admirado. — Meu pai já sabia? — aquiesce com a cabeça,
retirando sua luva e dando a nossa luta por encerrada. Alisa seu rosto inchado
pelo soco recebido e diz para minha surpresa:
— Sim, o seu pai consentiu o namoro entre sua irmã e eu e nos desejou muitas
felicidades.
— E suponho que isso tudo se deu enquanto estive fora?
— Sim. — solto uma lufada de ar e sem mais argumentos, me dou por vencido.
Retiro minha luva e estendo minha mão a ele.
— Seja bem-vindo à família Ferraro e agora manterei cuidado redobrado sobre
você, cunhado. — Isaiah sorri e aperta minha mão.
— Não esperava que fosse diferente, parceiro. — voltamos ao nosso treino,
agora como futuros parentes.
Mais tarde, tomo meu banho e em meu escritório recebo a visita de Aimè, em
poucas frases ela compreende o que pretendo para me vingar da atitude infantil e
mesquinha de minha ex noiva.
— Pago o que for preciso, minha querida. — ela se levanta e antes de se
despedir com sua classe autêntica, rebate.
— Será um evento inesquecível, Enzo! Pode ficar tranquilo. — deixa meu
escritório e logo a seguir Domênico me liga em meu celular.
— Bom dia, patrão.
— Bom dia, Domênico.
— Quer novidades?
— Sempre. — respondo.
— Então, sugiro que ligue a TV no canal 58 e verá o nosso estrago mais que
bem feito.
— Nos falaremos mais tarde.
Ligo a TV e o jornal noticia a prisão de um policial e da dona de uma das
clínicas de estética mais conceituadas de Manhattan, motivo..., tráfico de
entorpecentes.
Aperto meus lábios, girando devagar a minha cadeira, próxima etapa, a minha
querida advogada Nina, pego meu telefone e começo a mexer meus pauzinhos.
Pela janela, vejo Antonella a conversar com minha mãe, sua tia e Clara no
jardim, espero que ela tenha marcado a sua consulta com o obstetra, sorrio para
mim mesmo e me sinto feliz com as coisas entrando nos eixos.
Mais tarde, irei ao cativeiro para recolher o cadáver de Eurídice.
Vida de mafioso é bem agitada!
Dare a Carol quel che è di Carol [495]

Enzo
Com uma das mãos no bolso de minha calça, saio de meu escritório rumo à
garagem e antes mesmo de chegar ao meu destino, Antonella me aborda.
— Bom dia, meu querido. — para em minha frente, com seu sorriso iluminado.
Meus seguranças estão a postos, me aguardando para mais um dia atribulado.
Sem reservas, retiro a mão do bolso e a seguro pela cintura, trazendo seu corpo
em proximidade com o meu.
— Bom dia, mia ragazza! Dormiu bem? — me reservo a lhe dar um beijo casto
em seus lábios.
Não gosto de nos expor em efusivas demonstrações de carinho, diante de meus
subalternos. Lembro de que, certa vez, já me excedi, cometendo uma grosseria
imperdoável, agarrando Antonella na presença de Fabrizio quando voltávamos
do cinema e jurei que isso nunca mais tornaria a acontecer.
— Sì. Dormi. — olha para sua irmã que faz algum esforço para se manter em pé
sobre suas muletas. — Marquei a minha consulta com um médico indicado por
sua irmã.
— Ótimo e para que dia está marcada a consulta? — fixo meu olhar ao seu.
— Para daqui a dois dias. — morde ser lábio, exultante.
— Quero estar presente, faço questão. — enfatizo.
— Tudo bem, iremos juntos. — pisca para mim e lhe devolvo o gesto segurando
sua mão entre as minhas. — Adoraria passar mais tempo com minha noiva,
contudo tenho alguns assuntos que exigem a minha presença.
— Não se preocupe, pois também estarei ocupada. Donatella e sua mãe me
levarão a um estilista para a escolha do meu vestido e depois iremos à igreja para
reservamos a data e outros pormenores. — fala com exaltação.
— Nos vemos mais tarde, então. — mais um beijo leve e nos despedimos.
Isaiah segura uma pequena valise e ao meu lado andamos até o carro, ainda
preciso de tempo para digerir a ideia de que meu segurança mantém um
relacionamento com minha irmã, por hora, tento não pensar muito no assunto.
— Trouxe luvas e máscaras? — ele assente com a cabeça enquanto coloca seus
óculos escuros.
— Domênico já está nos esperando no local combinado? — me certifico de
todos os detalhes para que não saia errado.
— Sim, acabou de ligar e nos aguarda com a encomenda.
— Ótimo, de lá sigo para o endereço de Nina.
— Sabe se ela está em casa? — me inquire.
— Ela costuma correr pela manhã e acredito que terá uma grande surpresa ao me
ver dentro de seu apartamento. — entro no carro e Fabrízio me conduz ao
esconderijo de Eurídice, Isaiah nos segue em outro carro com mais dois homens.
Durante o trajeto, ligo para alguns contatos e me coloco a par sobre a prisão de
Alvin e Marie, denunciados anonimamente, passaram a serem investigados e
depois de constatarem uma ligação próxima, a polícia resolveu fazer uma busca
tanto na clínica de Marie, quanto no apartamento de Alvin encontrando
quantidade de drogas implantadas por minha equipe, Domênico foi mais do que
perfeito.
Estico meu pescoço ajeitando o nó de minha gravata, nada melhor do que ter
amigos na polícia, como diz o célebre pensamento de Maquiavel, " Aos amigos
os favores, aos inimigos a lei."
Os meus sempre baterão de frente com um muro quase intransponível e
conhecerão o lado amargo e reverso de uma vingança, minutos mais tarde,
paramos em frente a velha casa adotada como o último lar da inesquecível
Eurídice, o sol ainda ameno devido as muitas nuvens que insistem em encobri-
lo, deixam a temperatura baixa e também mais silenciosa nessa área afastada e
inóspita de Nova Iorque.
[496]

Isaiah se junta a mim e dentro da casa nos encaminhamos para o pequeno quarto
onde há o alçapão, dentro do aposento o ar não é o mesmo do que dos outros
ambientes, mesmo lacrado por uma porta de ferro, o cheiro pútrido, anuncia
[497]

que nossa ex governanta não conseguiu vencer ao que muitos temem, a


companheira invisível e inseparável morte.
Prontamente, Isaiah abre sua pequena maleta e me oferece uma máscara com um
par de luvas descartáveis, do bolso interno de meu paletó, retiro a chave que abre
o cadeado da entrada do alçapão, um saco com zíper é estendido no chão e
levará o corpo de Eurídice a seu destino.
Jamais permitiria que minha mãe presenciasse tal cena, ela não teria estrutura
para aguentar tamanha frieza vinda de seu próprio filho, arrasto o aparador e
Isaiah puxa o tapete que cobre o chão. Agachado, abro o cadeado e antes de
levantar a tampa encaro meu segurança.
— Preparado?
— Sim, pode abrir! — rebate sem dúvidas.
Levanto a pesada tampa e estreito meus olhos ao mesmo tempo que tento não
aspirar o horrível cheiro que vem do pequeno buraco, com uma lanterna ilumino
o local e vejo que o cadáver de Eurídice não exprime em nada a imagem do que
ela fora um dia, descabelada, com o rosto marcado provavelmente com suas
unhas e ferimentos decorrentes de pancadas contra a parede, ela é o contraste da
elegância da alma que um dia habitou esse corpo. Suas roupas foram rasgadas
pelo desespero de não encontrar ar suficiente que sustentasse seus pulmões.
O cheiro de amônia se mistura ao odor da decomposição e é preciso ter um
estômago muito forte para não vomitar nesse recinto.
— Vamos tirá-la daqui!
Retiramos o corpo e o depositamos em um saco com zíper frontal. Seus olhos
ainda abertos exprimem todo o medo e angústia passada até seu último respirar,
sua pele azulada se contrasta com as marcas escuras de arranhões e hematomas
espalhados por sua face e mãos. Quanto tempo ela levou para morrer?
Infelizmente, não farei nenhuma autópsia para sanar a minha curiosidade e
satisfeito, meus dedos deslizam sobre sua testa cerrando seus olhos
aterrorizados.
Nesse instante, muitas saudosas lembranças de Eurídice reaparecem em minha
memória, ela esteve presente em grande parte da vida de todos em minha família
e foi mesmo uma pena que sua presença ali era acobertada somente por ódio
recheada de vingança.
— Nos veremos no fogo do inferno, sua puttana ingrata! — digo, baixo.
Fecho o zíper e volto minha atenção ao fundo do alçapão, para minha surpresa,
um celular se encontra caído no piso de concreto bruto.
Desço até o buraco e com o aparelho em minhas mãos, saio da torturante
solitária com a ajuda de Isaiah, após me ajudar a sair da pequena cratera, chama
os outros dois homens que levam o saco contendo o corpo de Eurídice para o
carro.
— Cuidarei do corpo. — diz, saindo em direção à porta. — Quer jogar as cinzas
onde? — debocha com ar de riso?
— No rabo desse maldito que está me perseguindo, mas infelizmente ele não é
valente o bastante para me enfrentar cara a cara.
— Ainda iremos pegá-lo.
— Tenho certeza disso. — ele sai e me deixando a sós com o celular na mão.
Toco no aparelho e ele ainda se encontra com bateria, Eurídice tentou chamar
por socorro inutilmente. Há o registro de oito chamadas consecutivas e seis delas
para um só número salvo apenas como C, essa letra deve ter algum significado
ou até mesmo indique a inicial da pessoa a quem eu mais procuro..., meu
inimigo.
C? Quem seria esse C? Se não conhecesse e confiasse em Ignácio ao extremo
acharia que ele é a pessoa por detrás disso tudo.
C de Consigliere.
Ligo para o número em questão e a chamada não se completa, uma gravação diz
que o número se encontra fora da área de cobertura. Pense Enzo! Pense. Para não
atender ao número de Eurídice, na certa ele já tem conhecimento de que ela foi
pega por mim, do contrário, a ligação seria completada, espero sinceramente que
minhas suspeitas sejam infundadas.
As outras duas ligações são destinadas a um número salvo como senhorita
Chapman, então Nina estaria mesmo envolvida nessa sujeira toda ou seria uma
mera coincidência, Eurídice entrar em contato com a advogada justamente numa
situação difícil? Estaria pedindo por socorro?
Coitada, lamentavelmente o habeas corpus de Eurídice saiu um pouco tarde,
guardo o celular em meu bolso e arrancando minhas luvas e máscara ando até o
banheiro, onde lavo demoradamente as minhas mãos.
Encarando meu reflexo no pequeno e enferrujado espelho, torço para que minhas
suspeitas não se concretizem, afinal estou farto de decepções inesperadas.
Fabrízio me espera no carro e ordeno que me leve ao bairro Harlem, quero ter
uma conversa muito agradável com a minha ex advogada.
Momentos mais tarde, já em frente ao seu prédio, não encontro nenhuma
dificuldade aparente para me infiltrar na recepção do edifício e com uma cópia
da chave de seu apartamento adentro o recinto com êxito, me sento na sala e
constatando as horas, espero pacientemente a sua chegada por exatos 35
minutos, um barulho na fechadura da porta indica que minha presa acaba de
chegar.
Ao passar pelo batente da porta, Nina me olha assustada, porém tenta manter sua
face ponderada e passível de calma.
— Como entrou aqui e o que quer em minha casa? — tira sua viseira e a joga no
sofá ao meu lado, irritadiça, deposita suas mãos em sua cintura.
— Bom dia, nobre advogada! Há quanto tempo? — cordial, a cumprimento com
sarcasmo.
— Queira sair de meu apartamento ou então terei que chamar a polícia e ainda
processá-lo por invasão de domicílio. — impaciente, me levanto e parto para
cima dela jogando o seu corpo contra a parede.
— Não irá me processar sem antes ouvir o que tenho a lhe dizer, nobre jurista.
Tenta se soltar de minhas mãos, jogando seu charme com o olhar a devorar a
minha boca. Em outros tempos, isso seria até divertido, poderia tirar proveito de
seu estúpido jogo de sedução fora de hora, porém o enredo é outro e contado por
um novo escritor.
— Pois então diga o que tem de tão importante para me dizer a ponto de invadir
a minha casa como um ladrão.
— Nada de surpreendente no ramo em que atuo, sou mesmo um ladrão, cara
mia! — solto seus pulsos e a empurro no sofá.
— Quem a contratou para provocar Antonella naquela noite? — estreita seus
olhos e finge estar confusa.
— Antonella? Quem é Antonella? A namorada empregadinha não se chama
Paola? — solta um riso infeliz e minha mão avança sobre seu queixo o apertando
com força.
— É melhor você engolir seu cinismo ou terei que usar de métodos nada
convencionais para arrancar a sua cretinice! — a seguro pelo cabelo e a faço
encarar meu olhar enraivecido e impaciente.
— Se continuar a se fazer de desentendida não pensarei duas vezes em atirá-la
pela janela desse apartamento, é uma queda e tanto até o chão e acredito que não
é uma boa escolha para se perder a vida. — soo cínico e pelo seu semblante
pálido, Nina percebe que não estou blefando.
— Que tal deixar as rusgas de lado e colaborar comigo?
— Rusgas? E quem disse que tenho algo contra você? — cria coragem para me
enfrentar. — Sabe qual deve ser o seu mal?
— Não! E confesso que estou louco para que me conte!
— Você acredita que tudo o que acontece gira em torno de sua pessoa. Já parou
para pensar que você não é o centro do universo? — pressiono seu pescoço lhe
causando mais dor.
— Posso não ser o centro do universo, porém do mundo em que vivo sim, sou o
centro e tudo gira ao meu redor e na velocidade que eu achar conveniente! —
exalto minha voz e ela se encolhe ao meu olhar hostil. — Agora, exijo que me
diga quem lhe pagou para estar naquela boate naquela noite?
— Nunca o vi antes. — diz, finalmente.
— Nome?
— Não me disse o seu nome, porque ele veio a mando de outro alguém.
— Outro alguém?
— Sim.
— Conseguiria reconhecê-lo através de alguma foto? — balança sua cabeça em
sinal afirmativo.
— Sim. — solto minha mão de seu pescoço e pego minha carteira, de lá, retiro
uma foto e a jogo sobre a mesa de centro.
— Por acaso, seria esse homem?
— Esse mesmo. — o mesmo cara que implantou a bomba que mataria Letízia.
Desgraçado! Estou lindando com alguém que me quer andando em círculos, um
alguém com um Q.I. avançado e que também antecede minuciosamente cada
passo a seguir, esmurro a mesa revoltado com a possibilidade de não pegar esse
cretino antes que ele resolva atacar novamente.
— E a mando de quem você estava fazendo esse serviço e por quê? — engole
seco e parece não querer dizer.
— Responda! — grito, áspero.
— Fui bem paga somente para provocar Antonella e nada mais.
— Uma advogada que aceita um serviço que poderia ter me matado? Sabia quais
eram as consequências de ter aceitado? — engasga com as palavras e pela
primeira vez, vejo que a advogada fica sem argumento.
— Enzo, me entenda! Aceitei porque fiquei com raiva por ter me deixado
naquela noite, pode parecer estranho e sei que não tínhamos nenhum
compromisso, mas gostava do que tínhamos, ou seja, sexo casual.
— Quem a contratou? — hesitante, se cala e não me resta alternativa, a não ser
ameaçá-la com veemência. Junto em seu cotovelo e levo para a sacada do
prédio, empurro seu corpo contra o parapeito da sacada e ela grita:
— Enzo, não!!
— O mandante ou lhe jogo daqui de cima!
— Euridice, sua governanta!
Entendendo que além de comparsa, a governanta assim como Pablo seriam uma
espécie de escudo para o meu inimigo. Eles têm uma característica louvável em
comum, nenhum deles são delatores e morreram sem entregar a identidade de
seu chefe. Nina é somente um peixe pequeno dentre eles e não preciso agir com
extremismo como aos demais. Endireita seu corpo e lhe desfiro um tapa que a
faz cair ao chão.
— Cadela! Ordinária! Você não sabe onde se meteu!
— Já disse o que queria, saia daqui. — brada, enfurecida, esfregando o seu rosto
inchado pela bofetada. — Seu animal! Moverei dois processos contra você, um
por invasão à domicílio e outro por agressão física.
Me abaixo e a levanto do chão com facilidade levando seu corpo que se debate
de volta à sala.
— Você está aniquilada, Nina Chapman!
— Acabarei com você nos tribunais e usarei das coisas mais baixas para
conseguir vê-lo preso. — solto uma gargalhada que a deixa paralisada.
— Sabe exatamente o que você irá fazer? — não espero a sua resposta e olho em
meu relógio.
— Irá arrumar suas malas e voltar a Connecticut para viver de maneira pacata e
simples na casa de seus pais.
— Jamais farei isso! Tenho minha carreira e não há nada que você faça para me
impedir do contrário.
—Tem mesmo? — mantenho meu dedo em riste em sua direção. — Não
conseguirá emprego em nenhuma grande firma de advocacia desse país! — o
azul de seus olhos se arregala em espanto.— Não me chamo Enzo Ferraro, se
não destruir a sua carreira que ainda nem decolou. Uma mera advogada não tem
cacife para me encarar e muito menos tentar me derrubar. Saiba que, com minha
influência, seu registo para exercer sua profissão será cassado e não terá mais
profissão nenhuma para se vangloriar.
— Você está blefando!
— Se quiser, é só pagar para ver! Uma advogada que trabalha em uma transação
ilícita é totalmente passível de perda de seu registro, sabe muito bem que não
estou blefando.
— Mas eu não fiz nada ilícito!
— Se não der o fora dessa cidade em 24 horas, será acusada disso e de coisas
muito piores. Quero ver a reação de seus pais ao saberem que tipo de filha
criaram. — de seus olhos brotam algumas lágrimas verdadeiras. Ao menos, ela
demonstrou que se importa com a opinião de sua família.
— Está bem, farei o que você pediu. — fala, resignada.
— Sábia decisão, Nina. — ajeito meu cabelo e caminho para porta, mas antes de
pegar na maçaneta, volto a encarar seu semblante raivoso.
— Eurídice não mais a importunará com seus serviços sórdidos. — de modo
subtendido, acho que ela entendeu a minha mensagem.
— Até nunca mais! — saio de seu apartamento e me dirijo para casa.
No caminho, não penso em outra coisa, preciso descobrir em nome de quem está
registrado o número desconhecido que estava salvo no celular de Eurídice.
Procurarei uma pessoa que poderá coletar todas as conversas feitas com esse
aparelho e com isso chegarei ao outro mandante.
*****
Dois dias depois...
Mesmo com todo meu empenho e de toda minha equipe, não foi possível
avançar muito nas investigações a respeito do número desconhecido, nas
conversas de Eurídice não havia nada de anormal que a incriminasse e a partir
desse ponto passei a não mais subestimar o meu adversário. Ele age
meticulosamente conhecendo à minha maneira de agir e de enfrentar situações
como essa, talvez, esperasse por essa emboscada com a governanta e agora terá
que se armar de outra maneira para me atacar.
Eurídice e ele não se falavam pelo telefone, sua atitude desesperada para se
salvar fez com que ela ligasse para seu cúmplice na tentativa de ser resgatada.
Deixando um pouco de lado esse assunto e enquanto aguardo as investigações de
Ignácio me ocupo de algo muito mais importante no dia de hoje, acompanhar
Antonella em sua primeira consulta ao médico.
Chegamos na hora marcada e fui repreendido por ela ao pedir que os seguranças
se mantivessem na recepção, durante o tempo em que estivéssemos dentro do
consultório médico do Dr. Klaus.
Irredutível, aleguei que meus homens permaneceriam plantados em qualquer
lugar onde ela acaso estivesse. Por questão de segurança, Antonella não mais
andará sozinha.
No consultório, ouvi atentamente tudo sobre o estado perfeito da gravidez de
minha futura esposa e na sala de ultrassonografia me mantive ao seu lado ao ver
as imagens ainda desfocadas de nosso bebê, segurando a sua mão mantive meus
olhos colados no visor, onde um pequeno ponto já possuía batimentos cardíacos
fortes demonstrando que em seu sangue corre a força dos Ferraro.
Não mencionei a Antonella o quanto estava apreensivo momentos antes dessa
consulta, mesmo não comparando minha noiva a Agatha acabei retornando ao
tempo que gravidez era sinal de um aborto futuro e todas as esperanças de me
tornar pai acabavam com o choro convulsivo de Agatha em meu ombro e eu
como um forte chefe de família não poderia demonstrar o quanto estava
desapontado e infeliz com toda a situação, ao saímos do prédio em direção à
calçada me senti tão aliviado que a abracei forte e a beijei em meio à multidão.
Meu lema será, seremos felizes nem que for na base da porrada! E quem intervir
para tirar o que me foi dado, não mais viverá para ver o seu intuito realizado!
*****
Chega o grandioso dia de meu acerto com minha ex noiva, Aimè cuidou de tudo
e me garantiu que toda a família Sherwood estará presente no evento beneficente
organizado por ela, sou avesso a esse tipo de evento, mas nesse caso os fins
justificam os meios.
Poderia ter denegrido a imagem de Carol com algumas difamadas notícias em
jornais e revistas, todavia o sabor de presenciar a sua cara ao ser desmascarada
perante toda a nata novaiorquina é impagável, de braços dados com minha noiva
somos recebidos por alguns flashes de aleatórios sites de fofocas e um
importante jornal contratado por Aimè. Sentados na primeira fila para assistir a
um desfile, vejo quando a família de Carol procura os seus assentos marcados e
ela me enxerga em meio à multidão.
— Nunca estive em um desfile como esse, meu amor. — Antonella comenta
inocente, olhando com vislumbre toda a opulência do lugar e das pessoas que
transitam por ali.
—Tenho certeza de que será um desfile inesquecível, mia ragazza. — a puxo,
aconchegando seu corpo junto ao meu e nesse instante meu olhar se cruza com
Aimè.
Ela pisca para mim e me devolve um maldoso sorriso garantindo que não me
arrependerei de estar presente numa festa tão fútil...
Scandalo nella società[498]

Antonella
É inegável que a maioria das mulheres adora acompanhar as tendências da
moda e eu não sou diferente e muito menos faço parte da exceção, mas o que me
causou certa estranheza é o fato de que Enzo fez questão de me acompanhar a
um tipo de evento que não condiz com sua personalidade, há alguma coisa que
não se encaixa nessa história.
O público, em sua maioria feminino, se acomoda aguardando o momento mais
esperado do evento, o desfile de alta costura.
Nas primeiras fileiras de cadeiras dispostas no salão, mulheres da alta sociedade
conversam entre si e soltam suas risadas ensaiadas para esse tipo de ocasião,
entre elas, consigo reconhecer a ex noiva de Enzo que segura uma taça de
champanhe em uma das mãos, desvio o meu olhar, pois não quero que pense que
a estou observando ou algo do tipo.
No outro canto do ambiente, Aimè vai ao encontro de uma senhora que suponho
ser alguém muito importante, as duas trocam abraços calorosos e a amiga de
Enzo faz questão de acompanhar a tal senhora até seu assento, a seguir, sobe um
lance de dois largos degraus e pega um microfone oferecido por um de seus
assessores.
— Boa noite a todos!
Aimè parece uma diva de cinema francês, sua elegância nata e beleza natural a
tornam uma mulher que chama a atenção em qualquer lugar, ela deve ter sido
lindíssima em sua juventude e destroçado muitos corações no decorrer de seu
tempo.
— Antes de iniciarmos o nosso desfile, quero agradecer a presença de todos em
razão de uma causa tão nobre. — fala, dirigindo seu olhar ao redor de modo
singular e muito espontâneo. — Temos a consciência de que a ajuda dessa noite
é uma ínfima contribuição aos mais necessitados, porém se cada um tomar
[499]

uma iniciativa mínima que seja alcançaremos muito mais pessoas pelo mundo.
Quero também deixar meu mais sincero agradecimento a uma pessoa ilustre e de
um benevolente coração. — faz uma pausa. — Quando recorri a essa pessoa
[500]

pedindo ajuda para a realização desse desfile, ele não mediu esforços para que
esse acontecimento deixasse de ser um sonho e se tornasse uma realidade.
Todos a aplaudem com exceção de Carol e sua família que mantém os olhares
em direção divergente a Aimè, pedante, a ex noiva de Enzo revira os olhos a
cada elogio direcionado a Enzo, pelo canto de meus olhos, vejo que Enzo retorce
seus lábios em um meio sorriso.
— Avesso a holofotes e a tudo que leve a ostentação de seu nome, contribuiu
com a causa levantada por mim sem questionamentos e empecilhos. — estica
seu braço e o aponta em direção ao meu noivo. — Quero que deem uma salva de
palmas a Enzo Ferraro, o padrinho dessa linda noite! — muitos aplausos ecoam
no salão e Enzo apenas ergue as mãos e sorri timidamente acolhendo a
homenagem.
— Não consigo ver o meu noivo envolvido em causas sociais. — debocho,
próxima ao seu ouvido. Ele se inclina, ajeitando seu corpo para olhar
diretamente em meus olhos e os abre significativamente como se estivesse mais
do que ofendido.
— Está dizendo isso só por que tenho essa cara maldosa? — Enzo sabe ser um
cínico divertido quando quer.
— Exatamente por isso. — continuo com ar zombeteiro. Ele segura minha mão,
brincando com meu anel.
— Digamos que toda essa minha benevolência tenha uma finalidade! — sua voz
é mansa. — Não costumo fazer nada gratuitamente! — fitando sua boca
delineada contornada por seu bigode bem feito, disparo.
— Nada mesmo?
— Nada. — leva minha mão à sua boca e mordisca o nó de meu dedo, beijando
o local acompanhado de um olhar estupidamente malicioso.
— Que pena, lindo e tão mercenário! — balanço minha cabeça incrédula.
Pressiona ainda mais o contato com meus dedos e colando seu ouvido ao meu,
me aquece com um comentário para lá de malicioso.
— Irá conhecer o meu lado mercenário quando estivermos sozinhos em nossa
cama.
Mesmo no outono e com o ar climatizado funcionando perfeitamente, posso
assegurar que a temperatura subiu alguns consideráveis graus centígrados.
— Logo, la mia futura moglie entenderá a minha atitude filantrópica. — Aimè
[501]

nos interrompe com suas palavras.


— Feitos os agradecimentos, quero lhes dizer que pretendo presenteá-los com
um excelente desfile, lindos vestidos trazidos das maiores e mais famosas
Masons diretamente da capital da moda, Paris. Lembrando a todos de que a
[502]

renda total arrecadada com a venda dos modelos será repassada a uma entidade
filantrópica.
— Quero que escolha algo para você, Antonella. — Enzo vira seu pescoço e seu
olhar encontra o meu. — Será um presente.
— Não precisa me cobrir de presentes, Enzo! — me olha atravessado como seu
eu tivesse dito algo incoerente.
— Por acaso, um homem não pode querer agradar a mulher que ama?
Mesmo nunca pronunciando a célebre frase " Eu te amo", ele sabe como me
deixar sem palavras e depois de uma resposta dessa, não há nenhum argumento
cabível, esfrego meu nariz ao seu e nesse momento relaxante, volto a apoiar
minha cabeça em seu ombro. Mais algumas palmas e finalmente Aimè desce do
palco e da improvisada passarela a primeira modelo aparece exibindo o seu
vestido de alta costura.
— Pode me dar esse de presente, adorei! — pressinto sua cara de desagrado com
meu comentário irônico ao curtíssimo e transparente Channel.
— Sugiro que não abuse da sorte! — continua sério e compenetrado no desfile.
— Continuo o mesmo!
Algumas outras grifes famosas deslizam pela passarela, atraindo meu olhar
aguçado, mas é a última modelo trajando um vestido preto que chama a atenção
de Enzo.
Estreita seus olhos e em seguida levanta sua sobrancelha direita sustentando um
sorriso maroto nos lábios. A modelo, por sinal, é deslumbrante e não me agrada
que meu noivo tenha os olhos grudados nela.
Sabe aquele ciúme que chega sem mais nem menos? Aquele sentimento tolo de
posse até mesmo dos relacionamentos anteriores que lhe causam desconforto?
Pois é essa reação idiota que tive ao flagrar Enzo observando a tal modelo.
Seria uma de suas antepassadas conquistas?
Não me arrisco a perguntar pelo medo de uma resposta afirmativa que poderá
estragar o meu humor e demonstrar que estou morrendo de ciúme.
A modelo anda com graça e leveza comum à sua profissão, girando seu corpo e
exibindo seu longo par de pernas.
— Essa modelo é linda. — comento, naturalmente. — Ela desfila muito bem e
com os olhos ainda direcionados à modelo, Enzo rebate ao meu comentário.
— Como modelo, Ivy é uma excelente atriz.
Quer dizer que meu sexto sentido estava certo, ele conhece a tal moça e ainda
por cima a encara debaixo do meu nariz.
A previsão do tempo alerta que há fortes indícios de uma tempestade
devastadora com direito a tufões e alagamentos.
— Ivy? Você a conhece? — pela minha cara insatisfeita Enzo percebe o caminho
sinuoso e delicado em que estamos pisando.
Em meu interior, sempre tive medo de que ficasse entediado ao viver uma
relação monogâmica, receava não ser suficiente ao que ele buscava, só não
imaginei que isso fosse acontecer tão precocemente.
— Sim, eu a conheço! — e ao me encarar, percebe minha expressão amarrada e
nada feliz. — Posso saber o porquê está com essa cara? — seu semblante é de
puro divertimento.
Poderia dizer que estou com dor de barriga, mas suponho que ele não acreditaria.
— Que cara? — dou de ombros me fazendo de desentendida, ele junta meu
queixo entre seu indicador e polegar e refuta.
— Uma cara linda de quem está com ciúme ao imaginar que Ivy e eu fomos
mais do que meros conhecidos. — eis a minha chance de descobrir.
— E foram? — pergunto como uma mulher adulta acima de qualquer suspeita
contrária.
— Sim. — o descarado toca meu nariz e sorri de modo displicente como se a sua
resposta fosse a coisa mais natural do mundo.
— E você me diz isso assim? — me solto de sua mão bruscamente e a mantenho
em meu colo sobre a minha pequena bolsa. Subitamente, cobre minha mão com
a sua, tentando ajustar a situação.
— Discretamente, olhe para onde Carol está sentada e observe a sua reação ao
ver a modelo na passarela.
O que Carol teria a ver com meu ciúme e a vaca da modelo em questão? Muito
discreta, curvo meus olhos e vejo a ex de Enzo encolhida na cadeira e seu rosto
branco como cera.
— Posso saber o que está havendo aqui? — pergunto sem entender porcaria
nenhuma.
— Logo saberá o porquê a trouxe a esse evento e o motivo pelo qual não me
casei com Carol Sherwwod.
E assim que Enzo profere essa frase, a modelo, ou seja, qual for a sua profissão,
caminha devagar na passarela e para surpresa de todos ela aperta um controle
que aciona o grande telão, onde eram exibidas imagens de desfiles famosos. A
tela fica escura e na sequência, aparecem cenas muito íntimas entre duas
mulheres, dentre elas a ex noiva de Enzo.
O meu queixo como os das outras pessoas fica boquiabertos e não consigo
expressar palavra alguma para esse escândalo, chego a sentir vergonha pela
moça que sai do salão toda consternada, o pai e a mãe fazem o mesmo e o
[503]

salão fica repleto de burburinhos de espanto e maledicentes, Aimè finge um


constrangimento e apressada ordena para que sua assessoria desligue o telão,
minha ficha cai e então percebo que Aimè e Ivy estavam a serviço de Enzo.
— Não acredito! Sua noiva...
—Também foi uma surpresa para mim.
E antes de acabar o seu champanhe, Enzo me conta toda a história a respeito do
rompimento de seu noivado.
— Que escândalo! — tapo minha boca, ainda incrédula. — Na época, como
arrumadeira, tentei descobrir o porquê vocês haviam rompido, cheguei a me
esconder atrás das portas tamanha a minha curiosidade. — confesso.
— Que coisa feia! — zomba. — Bisbilhotar a vida privada do patrão.
— Os tempos eram outros! Hoje, abandonei o velho costume. — pisco para ele.
— Alguns de meus velhos costumes morrerão comigo. — atesta, sorvendo seu
último gole de espumante.
As pessoas abandonam os seus lugares, trombando umas nas outras, deixando as
cadeiras vazias, é o sinal de que o espetáculo teve seu Grand finale.
— Quais seriam? — curiosa, o inquiro.
— Muitos deles, porém há um em especial, saber dar o troco na hora certa. —
toco a lapela de seu terno, acariciando seu peito.
— Não havia necessidade de fazer isso por minha causa.
— Não irá me recriminar dizendo que fui longe demais expondo a vida privada
de minha ex noiva, não é?
— Não. — pisco para ele. — Mas já que fez tudo isso por mim, a única coisa
que posso dizer é que amei. Eu não teria feito melhor, meu malvado favorito. —
fica em pé e estende seu braço para mim.
—Tenho trauma desse desenho, não me compare ao Gru.
—Trauma? — passamos por Aimè e Enzo lhe dá um sinal discreto de puro
agradecimento pela noite.
— Sim, Letízia e Pietro me fizeram assistir a trilogia desse filme em uma só
tarde... — enlaça minha cintura e cruzamos todo o salão abraçados. — Às vezes,
não é fácil ser o Tio Enzo. — sorrio ao imaginar o que ele fará por nosso filho,
Enzo será um excelente pai.
— Estou louca para vê-lo como pai, sabia? — estaca em meio as pessoas que
circulam por ali e me mantém sob o aperto de suas mãos fortes.
— Sempre quis ter um filho, Antonella e desejo muito que ele tenha orgulho de
me ter como seu pai. — seus olhos transcendem uma alegria sem precedentes e
isso me deixa mais feliz do que já sou.
— Com certeza, eu e ele já temos orgulho de você. — beija meus lábios e afaga
meu rosto entre suas mãos.
Ainda é um pouco cedo para querer invadir sua privacidade e arriscar uma
pergunta sobre o motivo dele não ter tido filhos com Agatha?
Melhor não entrar nesse terreno movediço, se ele quiser me dizer, estarei pronta
para ouvir cada palavra a respeito, mas por hora prefiro não bancar a enxerida e
me manter quieta em meu canto.
— Amore, preciso ir ao banheiro. — digo ao passarmos em frente à porta do
banheiro feminino. — para e enfiando as mãos nos bolsos, comenta.
— Eu lhe espero aqui.
— Não demoro.
Adentro o local e ele se encontra quase vazio. Quase!!!!
Detrás de uma das portas sai quem eu menos gostaria de encontrar no momento,
a ex noiva de Enzo.
Nossos olhos se encontram através do espelho e depois de soltar um longo
suspiro, caminha até a bancada da pia. Sua cara não é das melhores e há razão
para isso, consigo sentir sua raiva e a intenção de me atingir de alguma forma se
extravasar, enquanto lava suas mãos bem devagar.
— Deve estar rindo por dentro não é, arrumadeira?
Será que ter uma profissão menos remunerada no mundo é crime? Todos
parecem ter incrustrada dentro de si a ideia de que esse tipo de serviço é
vergonhoso e digno de menosprezo.
— Por que faria isso? — enxugo meu rosto com o olhar fixo em sua face.
— Enzo é o homem mais cretino e hipócrita que já conheci. — fala amarga. —
Só espero que um dia alguém o derrube para que nunca mais se levante.
Estaria Carol mancomunada ao inimigo de Enzo?
[504]

— Respondendo a sua pergunta não estou rindo por dentro como imagina. —
estaca seus olhos e cruza seus braços.
— Não?
— Não! — completo. — Rir é muito pouco, estou gargalhando por dentro, não
serei demagoga e dizer a você que sinto muito. Isso não faz o meu gênero!
— Sua vadia! — diz entre seus dentes cerrados. — Acha que Enzo a manterá por
muito tempo nesse patamar de noiva exclusiva, não é? Não conhece aquele
italiano! — olha o recalque da fulana.
— Não entendo o motivo de sua revolta, pois você nem gostava dele, sabemos
muito bem disso!
— Enzo não vale nada e torço para que os dois sejam muito infelizes juntos!
— Está me desejando tudo isso baseado em que?
— Ele é um monstro! — coloca as mãos nos cabelos e anda desnorteada dentro
do banheiro. — Armou para Marie, que acusada por tráfico de drogas foi presa
injustamente. — disso eu não sabia.
— Você está cansada de saber que cheguei muito tempo depois dessa história vir
à tona, portanto não queira colocar em mim, a culpa por seu amor ter sido presa!
— não me sinto nervosa e muito menos com medo dessa polaca nojenta, ela
reduz a distância entre nós e me encara com ódio nos olhos.
— Você é uma cadela desclassificada e não há dinheiro e roupas de grife no
mundo que mudem isso!
Isso não posso tolerar, sei que não sou perfeita, porém não irei permitir ser
ultrajada por uma pessoa sem nenhuma base de caráter para isso, dou o primeiro
tapa, ela não se faz de vítima e revida meu gesto e ainda cospe na minha cara,
sua mão é pesada e minha pele sente a ardência de seus dedos.
— Puttana polaca! — irada, soco a lateral de seu rosto com o punho fechado,
uso de tanta força que seu corpo rodopia dentro do banheiro.
— Irá aprender a nunca mais ofender a uma mulher com sangue nas veias, sua
cadela ordinária!
Me abaixo ao chão e ela tenta se defender puxando meus cabelos, montada sobre
ela, desfiro mais três socos até arrancar sangue de suas narinas, ao se ver
sangrando, a única reação da loira covarde é usar seus antebraços para cobrir seu
rosto numa espécie de escudo, mas antes que alguém me flagre, me levanto.
— Vocês se merecem! — cospe sangue ao chão e chacoalha a cabeça tentando se
recompor.
Alcanço minha bolsa sobre a bancada e ajeitando meus cabelos, devolvo um
olhar cínico e ao mesmo tempo prazeroso.
— Agora você disse algo que me deixou muito feliz! Nos merecemos!! — fica
em pé e volto a encará-la com olhar ameaçador. — Na próxima vez em que me
encontrar, sugiro que desvie seu olhar e não me desafie, como meu noivo,
também posso ser bem cruel e vingativa.
Debruça na bancada, ela encara seu rosto todo machucado, porém nada diz e eu
divando, jogo meus quadris e na saída, viro meu pescoço e lhe sopro um beijo.
— Addio!
No salão, vejo Enzo de costas conversando com um senhor alto e já idoso, me
aproximo, ele me apresenta ao senhor e em seguida nos encaminhamos para a
saída do local.
— Você demorou! — olha em seu relógio. — Quase entrei naquele banheiro,
pois achei que estivesse passando mal. — olha com mais atenção para o meu
rosto. — O que houve lá dentro? — me questiona, desconfiado e na calçada,
desato a rir.
— Qual foi a graça? Disse algo para rir?
— Sua noiva estava brigando dentro do banheiro.
— Brigando? Com quem?
— Sua ex mexeu comigo e não tive alternativa a não ser seguir o seu conselho,
arrebentar a cara daquela vadia!
— Agora sim, prevejo que seremos uma dupla perfeita! — Fabrizio estaciona o
carro e Enzo abre a porta para mim com ar de riso. — Nos merecemos!
— Já me disseram isso hoje. — digo rindo.
Sentados no banco traseiro do carro, Enzo me puxa para seu peito e devagar
seguimos para casa, ao pararmos em frente ao portão da mansão seu celular
vibra no bolso de seu paletó e ele o retira de lá, ao ler a mensagem, seu rosto se
retesa e com seus maxilares rijos me mostra o visor do aparelho.
"Retroceder no caminho nem sempre é sinal de fraqueza ou derrota, dar um
passo para trás, talvez seja a única forma de ver um ângulo melhor para
criar estratégias e superar os obstáculos à nossa frente!"
Ao ler a mensagem, me lembro da tarde do atentado a Letízia quando recebi
duas mensagens parecidas com essa.
— Ele está dizendo aqui que está retrocedendo e eu seria um tolo se acreditasse.
— Enzo diz com a voz amarga e irada.

— Vamos vencê-lo! — aperto seus dedos aos meus, confiante nas palavras que
acabo de dizer.
— Com toda certeza.
Entramos em silêncio e mesmo sendo assombrados por covardes que querem a
nossa destruição, desfrutamos de mais uma noite nos braços do outro,
confirmando que a cada dia nos amamos ainda mais.

Benicio
Dois dias depois...
Voltar a Nova Iorque me traz lembranças que desejo esquecer, aquele advogado
de Paola foi muito taxativo ao me ameaçar se acaso tentasse me aproximar de
sua cliente, o bom disso tudo é que recuperei o dinheiro que me foi roubado sem
maiores danos aparente.
Vim para a Big Apple para abrir em sociedade em uma filial de um restaurante
idêntico ao que possuo em Siena, um amigo de Parma que mora há dois anos na
América me propôs esse ousado negócio e não vi motivo nenhum para me negar
a levantar voo.
Na recepção do hotel, enquanto aguardo a liberação de um dos quartos, folheio o
jornal de ontem e compenetrado nas notícias nem vejo o tempo passar, abro as
últimas folhas que se destinam à seção da coluna social e me espanto ao ver uma
enorme foto de Paola com um homem sisudo de bigode.
Nas linhas a seguir, noticiam que Antonella Grasso Chiarelli e Enzo Rafaello
Ferraro estão de casamento marcado para o início de novembro, mas essa mulher
não se chama Antonella!
Estaria ela aplicando um golpe ainda maior usando a irmã como escora para
conseguir o seu intuito?
Pelo que vejo essa pistoleira foi longe demais e o peixe fisgado é dos grandes, o
homem da foto tem cara de milionário e ela jogou todas as suas fichas a ponto de
usar um nome falso.
— Puttana! — resmungo baixinho, amassando a folha do jornal.
Preciso arrumar um jeito de avisar esse tal Enzo antes que ele caia num terrível
golpe, Paola não pode se dar bem enganando a todos dessa forma.
A recepcionista do hotel me chama e momentos mais tarde em meu quarto,
procuro pelo endereço do noivo de Paola, se eu conseguir impedir que esse
homem seja prejudicado, ele poderá se achar em dívida comigo e pode até me
ajudar a firmar negócio na cidade. Não custa sonhar e contar com a gratidão
desse grã-fino.
Enzo terá que saber a todo custo que sua noiva não se chama Antonella.

Lugar de lixo é no lixo!

Benício
Depois de vasculhar todos os recursos que poderiam me levar ao endereço dos
Ferraro, tomo um demorado banho e faço minha barba, ainda com a toalha na
cintura, ligo para a recepção do hotel e peço para que me providencie um táxi.
Certo de que estou tomando a decisão mais acertada, dentro do elevador ajeito
minha gravata, nenhum homem gosta de ser feito de palhaço e os dias de glória
daquela golpista estão contados.
Minutos depois, me encontro no interior de um veículo a caminho de Harrison,
ao adentrar nas largas e sombreadas ruas do luxuoso bairro, meus olhos se
deslumbram com o tamanho de cada residência existente aqui, o bairro é coberto
pelo ostensivo silêncio salvo a exceção de um ou outro carro importado que
cruza com o meu táxi.
Chegando ao meu destino, pago minha corrida ao taxista e o dispenso, não posso
precisar o tempo que levará a minha conversa com o noivo de Paola.
Na verdade, há outros fatores que podem acabar com as minhas expectativas
como não encontrar o ricaço em casa ou até mesmo não ser recebido por ele.
Na calçada, resolvo explorar todo o redor da mansão de tijolos vermelhos e
janelas brancas, pelas frestas do grande portão central é possível ter uma visão
panorâmica da parte frontal da casa e jardim, há jardineiros aparando a grama e
alguns homens de terno e óculos escuros cuidando da segurança do local.
A guarita que dá acesso à entrada principal, possui um vidro escuro que
possibilita a total privacidade e segurança de quem está exercendo o papel de
porteiro e é para lá que me dirijo, um interfone de comunicação é a única
maneira de poder falar com o funcionário que ao me ver próximo ao pequeno
portão da guarita, exige a minha identificação, digo meu nome, tentando com
dificuldade usar o meu inglês já enferrujado pela falta de uso.
— O que o senhor deseja? — por detrás do vidro escuro, a voz madura e calma
do porteiro me encoraja a dizer a que vim.
— Desejo falar com o senhor Enzo Ferraro! — segundos de espera e ele
intervém.
— O senhor tem hora marcada? — pigarreio, um tanto constrangido pela minha
falta de modos. Um homem dessa estirpe deve ser mesmo muito ocupado e em
sua agenda não deve haver espaços para receber um estranho como eu.
— Na verdade, não. — o educado porteiro se transforma em uma pessoa seca e
intransponível.
— Sugiro que marque uma hora ou volte em outra ocasião mais oportuna. — um
tanto constrangido ainda pergunto.
— Pode me dizer se ele está em casa?
— Se o senhor não se importa, peço que se retire da portaria, senhor Benício.
Nesse momento, um dos seguranças caminha calmamente em direção ao portão
como um cão de guarda à espreita, engraçado como esses funcionários se acham
maiores que seus patrões. Não posso julgar o comportamento do nobre porteiro,
pois ele é pago para isso e além do mais é o único momento em que ele pode
mostrar o seu poder idiota de barreira humana.
Pobre empregado puxa-saco de gente rica!
— Obrigado pela cordialidade. — digo cínico em sua língua natal.
Arrisco alguns passos ainda de costas e um aceno educado em direção a guarita,
sem chamar a atenção caminho alguns passos e viro à direita, caminhando pela
larga calçada ladeando o imóvel pela sua lateral, nos fundos, os muros são
cobertos por uma espécie de vegetação rasteira e parecem ainda mais altos,
cercas elétricas espalhadas em toda a superfície de concreto deixam claro que
intrusos não são muito bem vindos. Olho atentamente para cima a procura de
alguma câmera e não encontro nenhum indício do sistema de segurança, na
certa, devem ser minúsculas e colocadas de maneira camuflada sobre a grande
muralha.
Na extensa calçada, pequenos arbustos são distribuídos de maneira ornamental
contrastando com as plantas e flores rasteiras de cada pequeno jardim disperso
no concreto, vejo um grande portão de ferro se abrir, um sedan desliza pela
calçada e acelera em direção à rua. Ao lado desta entrada e saída de veículos há
um outro pequeno portão com uma abertura mínima, discretamente, me abaixo
colocando meu rosto no pequeno buraco e visualizo a imagem de uma menina
brincando com um papagaio, sentada em um banco de pedra, ela repete vários
vocábulos na intenção de aumentar o vocabulário da ave que anda de um lado a
outro do banco, ela me parece sozinha e não encontro sinal de nenhum segurança
a transitar por ali. Estendo minha mão pela abertura do portão e tento chamar a
atenção da bambina.
— Hei, psiu! — movimento minha mão a chamando com meus dedos.
A criança continua absorta a ensinar o seu papagaio e não ouve o meu chamado.
— Pssssssiu!!! — entonado de maneira mais alta, consigo que seus olhos
recaiam em minha direção. — Por favor, quero lhe fazer uma pergunta. —
arrisco um cochicho mais alterado.
Arisca, a bambina amarra a cara e se abaixa para pegar a sua ave de estimação,
com o papagaio em seu ombro não tira os olhos de minha direção e se afasta
lentamente. Certamente, deve ter sido instruída a não falar com estranhos.
— Por favor, bambina!
Por milagre gira seu corpo e caminha balançando suas tranças pela trilha de
pedras que dá acesso ao portão, o papagaio bate suas asas afoito e ela o acalma
chamando pelo nome de Alfredo.
— Calma, Alfredo!
Agora a reconheci! Ela era a garota que acompanhava Paola naquela lanchonete
no centro da cidade, alisa suas penas e o bicho parece acatar ao comando de sua
dona.
— Por acaso, o senhor Enzo Ferraro está em casa? — suas sobrancelhas se
fecham ainda mais.
— O que você quer com meu tio? — pergunta sem demonstrar nenhuma
simpatia me analisando pela fresta do portão.
— Preciso falar com ele e é urgente.
Moço, Moço! O papagaio incessantemente repete essas e outras palavras me
deixando irritado.
"Portão, moço, portão, Letízia!
A bambina não me responde e mantém seu olhar firme em minha direção,
desanimado pela perda de tempo, me atrevo a fazer mais uma pergunta.
— A senhorita Antonella está? — antes que ela me devolva outra resposta
baseada em seu silêncio, uma voz feminina atravessa o jardim chamando seu
nome.
— Letízia!!!
— Estou indo, mia nonna ![505]

Nem mesmo se dá ao trabalho de se despedir ou até mesmo responder às minhas


perguntas e apressada sai correndo com seu papagaio, desaparecendo entre as
folhagens do imenso jardim.

Insatisfeito, encosto meu corpo no grande muro e


penso numa maneira de chegar até Enzo Ferraro.

Enzo
Momento antes...
Atrás de minha mesa, faço uma ligação importante, enquanto Isaiah me espera
na garagem, tenho algumas negociatas ainda pendentes e preciso deixar tudo
acertado antes de viajar em lua de mel, faltam poucos dias para o meu casamento
e é imprescindível que tudo esteja na mais perfeita ordem.
Alerta, pretendo redobrar meus cuidados em relação a segurança de toda a minha
família e Isaiah ficou responsável por contratar homens que estejam aptos para o
cargo, dessa vez, a vida de cada um será revirada ao máximo antes de serem
admitidos por mim. Três leves batidas na porta indicam que minha futura esposa
quer falar comigo.
— Pode entrar! — abre a porta e com seu andar gracioso se aproxima de minha
mesa, pelo seu traje suponho que irá sair.
Giro minha cadeira e a seguro pela mão fazendo com que seu corpo se encaixe
entre minhas pernas, pende seu pescoço e encosta seus lábios mornos em minha
boca me remetendo à lembrança desse mesmo calor chupando meu pau toda
gulosa horas atrás.
— Toda cheirosa. — cravo meus dedos em sua cintura, enfiando minha língua
em sua boca e dela extraio um gemido involuntário e instigante para meu corpo
que sempre reage de imediato a qualquer toque que venha dela.
Suas mãos depositadas em meu ombro agora percorrem meu pescoço, enquanto
devora minha boca. Quando se afasta há um desejo mais do premente em seus
olhos.
— Aonde vai vestida assim? — pergunto, ainda agarrado em seu corpo.
— Iremos às compras.
— Iremos, quem?
—Todas as mulheres da casa, sairemos para a primeira prova do meu vestido e
depois compras. — a puxo para meu colo.
— Sabe se aquele decorador espalhafatoso vai demorar muito para concluir o
nosso quarto? Não gostei da ideia de ter sido expulso de meus aposentos.
— É por pouco tempo, sabe disso. — roça seus lábios em meu queixo usando de
uma voz macia e quase sussurrante.
— Sei disso e só aceitei a mudança porque estou instalado num quarto anexo ao
seu.
— Safadinho. — meus dedos correm por suas costas afagando sua pele através
do tecido.
— Não vejo a hora de estrearmos nosso novo quarto.
— Nada disso! — toca a ponta de meu nariz com seu indicador se contrapondo a
minha ideia. — Vamos estrear nosso quarto somente depois de casados. — ergue
sua mão direita mantendo seu anel frente ao meu rosto.
— Ora, mas por que isso agora?
— Ah, Enzo... — ajeita o colarinho de minha camisa. — Quero que seja
especial, algo novo, entende? Não quero que nosso casamento entre na rotina. —
dedilhando a pele de seu pescoço levemente.
— Garanto que jamais cairemos na rotina. — deslizo meus lábios pelo seu
maxilar e ela geme de desejo. — Meu desejo por você é ilimitado.
— O meu também. — sente minha ereção sob seu corpo e seus quadris se
remexem me provocando.
— Pena que estou de saída e não posso me atrasar. — aperto o vão entre suas
coxas friccionando seu sexo através do tecido de sua calça.
— Uma enorme pena. — cola ainda mais seu corpo junto ao meu e nosso beijo
nos deixa com a respiração alterada.
— Prometo aguardar ansioso pela reforma e estreia do nosso antro de safadezas.
— aspiro o cheiro de seus cabelos no mesmo instante que prendo o lóbulo de sua
orelha entre meus dentes.
— Enzo! — mesmo com seu semblante estarrecido posso ver o divertimento
natural dentro de seus olhos castanhos, se finge ofendida e soca de leve meu
ombro.
— Me desculpe, não irei me referir ao nosso quarto dessa maneira novamente,
está bem?
— Mais ou menos. — revira os olhos toda brincalhona. — Até que antro de
safadezas não é um nome ruim.
— Sabia que iria gostar. — beijo sua pele através do decote de seu casaco. — E
a propósito, tomei a liberdade de convidar Brian para ser padrinho de nosso
casamento e ele aceitou de imediato.
— Mas que ótima notícia!
—Tem mais, ele me perguntou se poderia convidar sua irmã para acompanhá-lo
durante a cerimônia.
— Minha irmã? Ora, veja!
— Sim, ele me perguntou se você não faria alguma objeção.
— Absolutamente, se Clara quiser acompanhá-lo jamais irei me opor. Ela anda
se esforçando muito em suas sessões de reabilitação e acredito que não fará uso
das muletas até lá, Clara quer deixar as muletas o mais depressa possível.
— Ela é uma moça muito determinada.
— É sim e admiro muito essa sua qualidade. Bem, agora tenho que ir, Enzo. —
pega meu braço esquerdo e verifica as horas em meu relógio. — Sua mãe está
me esperando. — mesmo contra nossa vontade, Antonella se levanta para seu
compromisso.
— Tome cuidado, sim?
— Não posso ir muito longe, esqueceu? — me mostra sua mão com o anel que
possui o rastreador.
Ajeito meu corpo na poltrona e lhe devolvo um meio sorriso.
— Assim, fico bem mais tranquilo. — zombo e antes que ela deixe meu
escritório, ressalto. — Só a verei à noite, tenho muitas coisas para resolver na
rua.
— Até mais tarde, então.
— Não se esqueça de usar esse cartão comprando algo bem sexy para usar com
seu futuro marido. — a encaro com um olhar subtendido e ela sorri com seu
magnetismo ímpar.
— Quando voltar, terei uma surpresa para você. — me sopra um beijo e fecha a
porta atrás de si.
Em seguida, pego o telefone e faço algumas ligações para Vegas e Mônaco,
daqui a dois dias terei que viajar até Nevada para acertar um negócio que irá
alavancar e aumentar a renda e o poder da família Ferraro.
Sou surpreendido por batidas incomuns em minha porta.
— Entre. — coloco o fone no gancho e guardo alguns papéis dentro de minha
gaveta.
Minha sobrinha me olha indecisa ainda parada no batente da porta.
— Letízia! — demonstro minha alegria ao ver a minha sobrinha e ao mesmo
tempo me pergunto o que ela pode querer comigo a essa hora, Pietro passou por
aqui momentos antes dela e me pediu para acompanhá-lo no sábado à sua troca
de faixa de karatê e não pude negar isso ao meu querido sobrinho.
— Tio Enzo. — anda rápido até minha mesa e a pego em meu colo beijando suas
bochechas macias e seus cabelos que cheiram a mel.
— O que houve para que você viesse procurar o seu tio tão cedo? — penso em
Isaiah e espero que ele saiba suprir o papel de pai tão necessário para meus
sobrinhos.
— Tem um moço no portão querendo falar com você. — estranhando o seu
comentário, fecho meu cenho e a questiono.
— Como assim? Na portaria? O que você estava fazendo lá? — minha voz se
mostra um pouco exasperada, pois Letízia está cansada de saber que, por
questões de segurança, não admito que nenhum deles transitem em certas áreas
da casa.
— Não era no portão principal.
— E onde esse moço estava? — ressabiada e temendo levar bronca, me responde
se encolhendo toda.
— No portão dos fundos.
— Nos fundos? E o que a senhorita fazia nos fundos do jardim?
— Estava brincando com Alfredo e ensinando algumas novas palavras a ele. —
arregala seus olhos e se anima em me contar algo novo sobre seu bicho de
estimação. — Ele já sabe dizer Antonella .
— Antonella? Que legal! — procuro não cortar o seu entusiasmo, porém a
prioridade aqui é descobrir quem é esse moço. — Mas me diga uma coisa, esse
tal moço falou com você? — Letízia percebe que não levará nenhuma bronca e
me conta em detalhes toda a abordagem do homem que desejava falar comigo.
Ligo imediatamente na portaria e pergunto a Heitor se alguém esteve a minha
procura e uma resposta afirmativa juntamente com as imagens gravadas do
sujeito confirmam o que Letízia acabou de me contar.
Nunca vi esse homem em toda minha vida, ele se identificou como Benício. O
que esse sujeito teria para falar comigo?
— Obrigado por dar o recado ao Tio Enzo. — beijo seu nariz e ela faz o mesmo
em mim, desce do meu colo toda feliz por ter vindo me avisar de algo útil.
— De nada. — se encaminha para a porta, porém antes de abri-la, me repasse
um detalhe que faz toda a diferença. — Esse moço é o mesmo que falou com a
Tia Antonella quando saímos e fomos à uma lanchonete comer hambúrguer,
Letízia é o meu orgulho. Nada passa despercebido aos seus olhos e ela conseguiu
reconhecer o sujeito o vendo apenas uma única vez.
— Você tem certeza?
— Tenho sim, tio. É o mesmo!
O que esperar dessa vez?
Não deixei claro a Antonella, que não aceitaria mais segredos entre nós? Aperto
meu punho sobre a mesa e mordo o canto interno de minha boca em sinal de
irritabilidade.
— La mia principessa me ajudou e muito. — abre seu sorriso com uma fresta de
um dente que ainda não nasceu. — Agora vá brincar e seu tio vai descobrir quem
é o moço e o que ele quer comigo.
Sai correndo deixando a porta aberta, colho mais algumas informações sem peso
com o porteiro e fico remoendo esse assunto até chegar à garagem. Tenho outros
afazeres também muito importantes e não vejo a hora de estar a sós com minha
noiva e tirar essa história a limpo, só espero não ter surpresas desagradáveis.
— Isaiah, irei com meu carro e você vem logo atrás. — coloco meus óculos
escuros.
Ele percebe a minha mudança de humor e sem questionar ou fazer algum
comentário de mau gosto, assente com a cabeça, entro em meu carro e dou a
partida.
Quem seria esse tal Benício? Estaria ele trabalhando para meu inimigo? Qual a
sua ligação com Antonella na época em que a abordou naquela lanchonete?
Marcello a acompanhou naquela tarde e talvez por essa razão não me relatou o
ocorrido, eles poderiam atuar juntos em sua vingança. Aperto o volante e
fazendo uma manobra de ré saio em arrancada pela alameda do jardim, Isaiah
vem logo atrás. Com o controle em mãos, abro o portão dos fundos e saio
devagar virando à esquerda da rua, um pouco mais adiante, o famoso Benicio se
encontra escondido atrás de um arbusto há poucos metros da esquina. Abaixo o
vidro do carro e quando ele me vê faz um sinal com as mãos ao mesmo tempo
em que solta uma interjeição ridícula para chamar a minha atenção.
— Psiu! Psiu!
O pateta sai por entre a pequena árvore e estaca na calçada todo apavorado, sinto
que essa conversa não será das melhores. Estaciono o carro junto o meio fio e
meu segurança faz o mesmo logo atrás de meu Porsche.
Irado por dentro e calmo por fora, coloco meu pé na calçada, fecho os botões de
meu paletó e caminho em direção ao sujeito com seu alargado sorriso.
— Senhor Ferraro?
— Sou eu.
— Prazer, sou Benicio Mirko Lombardo. — estende sua mão, todo sorridente,
deixando transparecer seu sotaque italiano e mesmo com dificuldade em se
expressar em inglês, sinto que é possível travarmos um diálogo que elucide
minhas dúvidas a respeito desse cara.
— Soube que deseja falar comigo. — taxativo e seco não estendo minha mão
para receber seu cumprimento. Sem jeito, ele olha para Isaiah que permanece
logo atrás de mim.
— Podemos falar em particular? — olho para trás e retiro meus óculos para
encará-lo melhor.
— Não. — engole seco. — Sugiro que diga logo o que tem para me dizer.
— Bem, vim de Siena e ao chegar em Nova Iorque, vi sua foto na coluna social.
O que esse infeliz terá a me dizer? Se veio de Siena realmente conhece minha
futura esposa.
Por dentro, me preparo psicologicamente para o pior, cruzando meus braços em
sua frente de modo intimidador.
— Pode deixar de rodeios de lado e ser mais breve? — consulto meu relógio e
constato que faltam alguns segundos para que minha paciência se esgote.
— Sì, serei breve, perdonami. — fala em italiano. — Quero lhe dizer que sua
noiva não se chama Antonella. — meu olhar se endurece ainda mais e deixando
que a frieza me tome por completo, rebato.
— Não?
Será que Ignácio cometeu essa falha tão grotesca em suas investigações? Vamos
ver o que esse italiano tem a me dizer.
— Non. — balança a cabeça. — Nos conhecemos em Siena e ela se chama
Paola.
Será que esse cara é tão tapado que não conseguiu perceber que Antonella o
enganou?
— Paola? — ajeito meu bigode na tentativa de querer ocultar um sorriso de
escárnio em meu rosto.
— E de onde exatamente você a conhece?
—Trabalhamos juntos em um restaurante e chegamos a ficar noivos.
Essa última informação chega como algo novo e muito desagradável em meus
ouvidos, Antonella nunca me contou nada a respeito de ter sido noiva.
— E? — mantenho meu semblante impassível de qualquer reação e meus olhos
se fixam em meus sapatos.
— E o que posso dizer é que ela irá lhe roubar assim como fez comigo. Ela se
faz de boa moça, preocupada com a doença de irmã que está aleijada e com isso
tenta lhe pedir dinheiro. No meu caso, como neguei prestar ajuda a ela fui
roubado e abandonado pela ragazza.
— Está querendo me dizer que Paola lhe roubou e depois rompeu o noivado?
— Não chegou a romper, ela fugiu levando meu dinheiro. — enfio a mão no
bolso interno de meu paletó na ânsia de pegar a minha carteira.
— Quanto ela lhe deve?
— Não está me entendendo, senhor Ferraro. — ergue as mãos as balançando,
contrariado. — Não vim aqui para lhe pedir dinheiro e sim para alertá-lo para
que não caia em mais um golpe dessa vagabunda, já fui ressarcido pelo
advogado que trabalhava para ela há alguns meses.
Pablo deve ter quitado a dívida para que Antonella ficasse livre desse estorvo,
não preciso dizer que ele conseguiu fazer com que minha raiva antes contida se
extravase e acabe fazendo besteira.
— Vagabunda?
— Bem, uma mulher que usa um outro nome, mente que precisa de dinheiro
para ajudar a irmã aleijada. — ele usa de desdém quando descreve Clara e isso
me deixa furioso. — E ainda lhe rouba, não pode ser classificada de outro nome
que não seja uma ladra puttana! — de súbito, o junto pela gola de sua camisa e o
levanto do chão.
— Mais respeito com minha noiva seu monte de merda!!
— Senhor Ferraro, não vim até aqui para ofender a ninguém e sim, para abrir
seus olhos contra essa larápia vadia.
Com essa frase ele detona em mim a vontade de encher a sua cara de socos e o
primeiro deles arranca sangue de sua boca e nariz.
— Aiiiiii! — passa a mão em seu sangramento e continuo a segurá-lo pelo
colarinho.
— Pois eu lhe direi para que não se preocupe comigo. — me olha com olhos
muito assustados. — Também sou ladrão e dos grandes!! E existe um ditado que
diz que, ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão, non è vero?
Aterrorizado, não sabe ao certo para onde olhar, solto minhas mãos de sua figura
e espero mais alguma babaquice que sairá em breve de sua boca machucada.
— Só quis ajudá-lo. — usa de um artífice inútil dadas as circunstâncias, o seu
cinismo. — Fiz o que mandou a minha consciência, porém se quer se casar com
essa vagabunda, o problema não é meu. — sua roupa está ensopada de sangue.
Fixo meus olhos em seus dentes ainda inteiros, empurro seu corpo contra o muro
e armo mais um violento soco que atinge em cheio a sua boca, arrancando seu
incisivo central e de quebra um lateral que caem próximos aos meus pés.
Coloca a mão na boca tentando aplacar a dor e seu sangue que jorra
constantemente.
— Você é maluco, quebrou meus dentes!!
—Tem muita sorte que me pegou em um bom dia, do contrário já o teria matado
aqui mesmo na rua.
Insatisfeito, olho para o lado e segurando o indivíduo pelas calças o jogo com
toda minha força dentro de um enorme tambor de lixo na calçada.
— Lugar de lixo é no lixo! — limpo minhas mãos e em seguida meu paletó
amassado.
Sua ficha cai e Benício vê em que situação delicada se enfiou, seu olhar de temor
me faz lembrar da covardia de Alessio, Antonella deveria estar muito
desesperada para se envolver com um sujeito mole como esse.
Temendo ser morto, ele implora perdão com as duas mãos juntas e olhar
lacrimejante.
— Ouça com atenção o que irei lhe dizer seu farabutto! — somente aquiesce
com a cabeça e seu corpo todo treme. — Se eu souber que se aproximou de
minha casa ou de minha noiva eu o mato com minhas mãos e seu novo lar não
será essa lixeira e muito menos sua terra natal e sim, um pequeno pedaço de terra
onde seu corpo descansará a sete palmos, capisce? — falo entre dentes, tentando
me controlar para não bater ainda mais nesse estrume em forma de gente.
— Sim, senhor. — responde, agora banguelo.
— Isaiah. — chamo meu segurança que se aproxima de imediato. — Cuide e se
certifique para que o senhor Lombardo embarque ainda hoje para a Siena.
— Sim, senhor Ferraro.
Isaiah o tira da lixeira e o arrasta com brutalidade jogando o estúpido dentro do
carro, arrumo meus cabelos nervosamente e na sequência, adentro em meu
veículo. Resolverei meus assuntos na rua e não vejo a hora de poder falar com
minha noiva em particular. Antonella terá que me explicar o porquê não me
falou a respeito desse noivo imprestável.

O dia hoje será longo...


Novitá [506]

Antonella
Voltamos para casa ao entardecer, a prova do meu vestido assim como todos os
outros detalhes da cerimônia e recepção de meu casamento se encontram na mais
perfeita ordem.
Nossa tarde foi destinada ao que chamamos de paraíso feminino, visitamos
várias lojas e seguindo a orientação de Enzo não medi gastos nos vários
conjuntos de lingerie para nossa lua de mel.
Em determinado momento do nosso passeio, pedi licença às demais e dei uma
eventual desculpa para me ausentar por algum tempo, seguida por Fabrízio me
dirigi até um laboratório, onde há alguns dias fiz uma coleta de sangue no mais
absoluto sigilo, através de algumas pesquisas, descobri que através de um exame
chamado sexagem fetal há a possibilidade de descobrir o sexo do bebê e
dispensar a ansiedade e à espera da primeira ultrassonografia.
No balcão do laboratório, uma jovem recepcionista me entrega o envelope com o
resultado tão esperado por mim, ansiosa, rasgo o invólucro e leio seguidas vezes
a notícia confirmada de que seremos pais de um menino.
Com os olhos brilhando me despeço da moça e com a boca escancarada, entro
no carro e volto ao encontro com as demais, no caminho, passo em uma loja de
roupas infantis e compro um sapatinho na cor azul.
Ao me juntar as outras, minha vontade era de dizer aos berros que seria mãe de
um bambino, todavia me contive para partilhar dessa alegre notícia com o pai,
Enzo ficará todo derretido ao saber que um primogênito está a caminho e nada
mais justo de que seja o primeiro a saber.
Na garagem da mansão, Fabrízio nos abre a porta do carro e nos ajuda a carregar
as inúmeras sacolas com nossas compras, foi uma tarde muito produtiva e
agradável, recheada de risadas e comentários divertidos comendo uma bela torta
de morangos na Magnolia Bakery, uma famosa confeitaria de Manhattan.
Minha tia e Adele têm se empenhado na organização de meu casamento que se
aproxima, Donatella também tem ajudado e muito pensando em pequenos
detalhes que fazem toda a diferença, incansáveis vezes tentei argumentar com
Enzo a respeito da enorme lista de convidados e em vão tentei com que
enxergasse que a igreja quanto a mansão da família ficariam abarrotadas de
gente, com seu jeito peculiar me respondeu que casamento de mafioso que se
preze há gente para valer e muito barulho, ou seja, o melhor que tenho a fazer é
me conformar com a ideia e aceitar o que vem por aí.
Tia Martina e Clara são as primeiras a desaparecerem pela casa em busca de
descanso, todas estávamos exaustas e nada melhor do que um banho para relaxar
antes do jantar, claro que poderia seguir o exemplo das outras e tomar um banho
relaxante para depois dar a notícia a Enzo, contudo a minha ânsia de olhar em
seus olhos e dividir essa felicidade é tanta que todo cansaço pode esperar.
No corredor, cruzo com Olga, a nova governanta, ela deve ter uns sessenta anos,
olhos azuis e um rosto anguloso um pouco arredondado. Pergunto por Enzo, com
seu olhar envelhecido e marcado pelo tempo me encara fixamente e me diz que
meu noivo se encontra em seu escritório, ao observar seu porte elegante, um
calafrio me faz lembrar de Eurídice e toda essa maluca e horrenda vingança
contra os Ferraro.
Agradeço de maneira cordial e me encaminho em direção ao escritório com o
par de sapatinhos juntamente com o exame em meu bolso, passos apressados me
levam até a grande porta de carvalho escurecida, sorrindo, bato três vezes na
madeira e espero a resposta que demora um pouco mais do que o normal.
Talvez esteja em alguma ligação importante e não possa simplesmente
interrompê-la de súbito, aguardo mais alguns segundos e volto a bater.
— Entre. — sua voz grave me autoriza a girar a maçaneta da porta e adentrar em
seu local de trabalho.
De costas, trajando uma camisa listrada branca, calça e colete azul marinho,
Enzo se encontra com as duas mãos afundadas no bolso dianteiro, todo
contemplativo, a observar a janela que dá acesso ao jardim dos fundos da casa.
Sempre admirei homens fortes, porém nunca me imaginei tendo a sorte de que
um exemplar dessa espécie viesse a se apaixonar por mim. Enzo não imagina
como reverencio a sua vivacidade sagaz toda revestida de um ímpeto que não
pode ser vedado e muito menos destruído.
Esse tal inimigo que quer a sua derrocada sabe que encontrou um homem de
inteligência sobre humana e astúcia incomparáveis.
— Acabei de chegar, meu querido! — me aproximo risonha e o abraço por trás.
Solta uma lufada de ar que parecia presa em seus pulmões e morosamente se vira
para mim, ergo meus pés e estico meu pescoço para tocar seus lábios de leve em
um beijo inocente e pela primeira vez e a mais pura perplexidade , desvia seu
rosto de minha boca mantendo seus maxilares rijos e olhar endurecido.
Embaraçada, ajeito uma mecha de cabelo que cai em meu rosto e indago.
— Posso saber o que houve durante a minha ausência para que você ficasse
assim? — retorce seus lábios os molhando com sua língua e com as mãos nos
bolsos e responde.
— Várias coisas, mas uma dentre elas foi a que me deixou abruptamente
consternado e com muita raiva de você.
— Ma cosa ho fatto questa volta?[507]

Vasculho por enes motivos em minha mente e não encontro nada de errado para
lhe causar tamanho mal humor.
— Perché non mi chiedi cosa non hai fatto? [508]

Assim como eu, usa meu idioma para retrucar entre dentes e se demonstrar
irritado ao extremo.
O que posso ter feito de tão grave? Aliás, o que posso não ter feito eis a questão.
— Realmente não estou compreendendo o que posso não ter feito de tão grave
para que me receba com tre pietre nelle mani. [509]

— Pois bem, talvez eu tenha que refrescar a sua memória. — usa de seu típico
sarcasmo tradicional.
— Faça isso! — não me faço de rogada e aceito a sua cínica ajuda momento.
— Quando reatamos o que foi que lhe pedi?
— Que não houvesse mais nenhum segredo entre nós. — ele se encosta na
beirada de sua mesa cruzando seus braços sem tirar seus olhos dos meus.
— Então, imagine a minha cara ao ficar frente à frente com um desconhecido e
descobrir que você manteve um noivado antes de me conhecer e nunca me
relatou esse fato! — bate suas mãos na mesa e me indaga. — Quando pretendia
me contar sobre seu noivado com Benício e os 30 mil euros que você roubou
dele? — encurralada, disfarço meu espanto e vergonha por ter esquecido e
deixado de lado esse fator consequentemente tão relevante para ele.
Como será que Enzo soube de meu noivado relâmpago com aquele panaca? Será
que minha tia ou até mesmo Clara lhe disseram algo a respeito?
Hum, não creio!
Meu noivo tem seus métodos investigativos muito eficazes e não seria necessária
uma sondagem com as pessoas de minha família para se chegar a uma
descoberta como essa.
— Enzo. — de fato, não posso condenar o seu comportamento indócil e sua
reação exacerbada. Em seu lugar, também estaria p... da vida. — Juro que iria te
contar. — engasgo com as palavras. — É que nunca entramos em detalhe de
nossos relacionamentos passados. — enquanto as palavras saem aos tropeços,
gesticulo com as mãos.
Seus olhos estreitados juntamente com suas sobrancelhas cerradas, compõem seu
semblante sério e irritadiço. Para completar a sua cara mal humorada, enquanto
argumento em meu favor, conserva seu olhar baixo mordendo o canto de sua
boca, isso é um sinal constante que ele está incomodado com a situação.
— Isso não é desculpa, você poderia ter me contado assim que nos
reconciliamos. — retira a mão do bolso e aponta para mim.
— Não estou arranjando desculpas para uma coisa que achava irrelevante, no
entanto se isso tem tanta importância para você me pergunte o que quer saber?
Se eu o amava ? Se o desejava? — estático, continua a me encarar com seus
grandes olhos azuis.
— Irrelevante? Chama isso de irrelevante?
— Sim, se ele tivesse alguma importância para mim com toda certeza eu teria
falado a seu respeito, agora se está me dizendo isso por se ver indignado pelo
meu comportamento ao roubá-lo darei toda a razão por sua crítica a um ato
meramente vergonhoso de minha parte do qual me arrependo amargamente e
gostaria muito de esquecer um dia.
— Pouco me importa se o roubou! — levanta sua mão esquerda argumentando
de modo efusivo deixando reluzir o pequeno anel em seu dedo mínimo. — Sou
ladrão e jamais a condenaria por tal fato.
— Você esteve com ele? Benício o procurou? — Enzo faz que sim com a cabeça
e a imagem de meu ex noivo todo apalermado perto de meu noivo é realmente
algo digno de pena.
— E o que ele queria? — me sinto encabulada ao saber que mais um de meus
fracassados golpes foram descobertos, roubar Benício acreditando ajudar minha
irmã só piorou a minha situação. — Contar que o roubei? Ele já recebeu o que
lhe devia! Enrico, quero dizer, Pablo o pagou na época. — desencosta do móvel
e anda até as poltronas de couro no centro do aposento.
— Aquele imbecilizado pensou que estaria me prestando um enorme favor ao
me contar que você não se chamava Antonella e sim Paola. Disse que eu seria
enganado e roubado por você. — enfio as mãos em meus cabelos nervosamente.
— E o que aconteceu?
— Nada demais, exceto que ele me pegou desprevenido com a notícia de que
foram noivos e eu detesto ser pego de surpresa. O resto sim era irrelevante para
mim, se o roubou ou não, não me interessa!
— E o que você fez com ele? — seu ar de brutalidade aparece num pico mais
elevado ao me imaginar preocupada com Benício.
— Isso lhe importa? Faz diferença saber o que acabei fazendo com ele?
— Como ser humano, sim! — não posso permitir que Enzo saia matando a todos
que se aproximam de mim.
— Não o matei se é isso que tanto a preocupa! Apenas arranquei dois dentes da
boquinha dele. — pisco meus olhos imaginando como ele possa ter feito tal
proeza e o melhor que tenho a fazer é não pedir mais explicações a respeito. A
imagem de Benício banguelo me incita a rir, porém me contenho.
— Pode me desculpar? Sei que deveria ter lhe contado antes e confesso que
foram tantas as coisas que se passaram entre a gente que acabei me esquecendo.
— me justifico.
Outra lufada de ar e desvia seus olhos em direção à janela.
— Você gostava dele?
Como num lampejo de lucidez acabo percebendo o que se passa em nossa
conversa. Enzo possessivo, machista e ciumento quer saber, na realidade, se o
que vivi ao lado de Benício teve alguma importância em minha vida.
— Quando o conheci ele não me mostrou seu lado idiota e mesquinho, foi o
pouco tempo de convivência que me fez ver o quão estúpido Benicio era e a
resposta é não. Não gostava dele, tanto que o roubei! — um riso amargo e
irônico brota de sua boca e me preparo mentalmente para a sua resposta
atravessada.
— Isso não quer dizer nada, sabia?
— Como assim? — o questino sem entender ao que ele quer se referir.
— Quando aceitou me roubar, acabou se apaixonando por mim e mesmo assim
teria completado seu intuito se não fosse descoberta.
Suas palavras me acertam como um soco de nocaute, não quero pensar na
hipótese de que quando brigarmos por um ou outro motivo o meu passado seja
sempre trazido à tona e esfregado em minha cara.
— Achei que esse assunto estivesse resolvido. — revido, amarga.
— Como o fato de não escondermos mais nada um do outro também estava. —
diz, cheio de si.
— Acredito que seu telhado também seja de vidro ou não? — minhas
sobrancelhas se fecham. — Não me diga que me contou tudo sobre seu passado?
— As circunstâncias são bem divergentes. — se esquiva, todo machista.
— Ah, claro! Você não precisa me contar que enquanto era noivo de Carol
mantinha um caso com a advogada com cara de panela amassada? Ou você acha
que eu não sabia que vocês eram amantes? — por essa ele não esperava e
arregala seus lindos olhos para mim.
— Sou homem e você sabe muito bem como o mundo reage a esse tipo de
comparação.
— Foda-se o mundo, pois não é sobre ele que estamos discutindo e sim, sobre
nós dois. — me exalto, elevando minha voz.
— Pois bem! Voltemos ao nosso assunto. Por acaso, há mais algum ser do seu
passado ou um noivo qualquer que porventura tenha esquecido de me contar? —
magoada, acabo usando do mesmo cinismo de meu futuro marido.
— Ah, quer saber do meu primeiro amor no jardim de infância? — sorrio
forçadamente. — Ele se chamava Lucca e namoramos por um ano.
— Estou falando sério. — bato em minhas pernas alisando o tecido de minha
calça.
— E eu também e se toda vez que discutirmos você me lembrar do que fiz em
meu passado, sugiro que repense muito bem a ideia de me ter como sua esposa.
Casamentos são cancelados até mesmo no altar! — ameaço irritada, deixo mais
do que explícito que não tolerarei esse tipo de comportamento. — Ou você me
perdoa ou não! Não caberá um meio termo entre nós. — ajeito meu corpo e dou
um passo em direção à porta. — Nada que eu diga mudará o seu conceito
retrógrado e sexista. — desabafo.
Ele percebe o quanto suas palavras me magoaram e retrocede.
— Antonella, por favor, espere! — mesmo de costas posso sentir suas mãos
levantadas me pedindo para ficar. — Não aceito que queira se separar de mim!
Eu não viveria sem você! — continuo a olhar para a porta. — Me desculpe. —
sua voz mais branda sai como um pedido arrependido mais que desesperado por
perdão, ouço seus passos em minha direção e sinto suas mãos recaindo em meu
ombro. — Confesso que senti ciúme ao ouvir Benício dizer que foram noivos.
— faz uma pequena pausa pressionando seus dedos em meu pescoço. — Mil
coisas se passaram em minha mente e não consegui controlar e nem dar voz a
razão. — vira meu corpo e de frente para ele e ainda não sinto que Enzo mereça
minhas desculpas. — Imaginei aquele homem sendo presenteado com seu
sorriso, suas mãos entrelaçadas na dele, recebendo seu abraço e somente isso foi
suficiente para despertar em mim um despeito idiota e sem sentido. — o azul de
seus olhos, agora mais claro, me mostra que ele se acalmou e realmente está
arrependido do que disse e quer retroceder. — Não gostei da ideia de que outro
homem lhe beijou e tentou tocar em você. — sabia que Enzo era ciumento, mas
isso superou e muito as minhas expectativas.
— Enzo, sabe muito bem que Benicio e eu não tivemos nenhuma intimidade.
Tudo o que vivi com você foi inédito e único para mim. — a veracidade
estampada em minha voz é inquestionável, ele nada diz e é a minha vez de
erguer seu queixo para que me encare.
— Ou você acha que não sabia que ouviu todas minhas conversas através
daquele celular que me deu ao me conhecer?
— Não sei do que está falando! — como um menino sendo pego em flagrante,
desvia seu olhar.
— Mas ora veja! — coloco minhas mãos na cintura e sorrio em deboche. —
Quem está mentindo agora? Hein, senhor Ferraro? Você estava cansado de saber
que eu não havia trocado intimidade com homem algum e deixei isso muito bem
especificado em uma de minhas conversas com Virgínia. — enche seus pulmões
de ar e o solta pelas narinas.
— Está ficando muito esperta para o meu gosto. — debocha. — Fui um imbecil,
me perdoe mais uma vez. — seguro seu rosto e fechando seus olhos sinto seus
lábios a tocarem na palma.
— Não acha que a fase do perdão já passou? Vamos virar a página para a
próxima lição de amor e confiança para chegamos a um final feliz de nossa
história? — alarga seus braços e me puxa para seu corpo mandando toda a nossa
desavença para longe.
— Vamos passar um corretivo nessa história e em todas as outras que surgiram
em nossa conversa. — aproxima sua boca da minha. — Confesso que não sei
lidar com esse sentimento de ciúme que se apossa de mim quando o assunto é
você.
— Aprenderemos juntos, pode apostar! — alisa minhas costas me mantendo
apertada em seu abraço.
— Você é muito importante para mim, Antonella e não consigo imaginar não a
ter ao meu lado. — se afasta e beija de leve a minha boca. — Você é toda minha,
assim como eu sou completamente seu!
Agora ele está perdoado...
Esmaga minha boca num beijo todo recheado a reconciliação.
— Não vai me deixar plantado no altar, vai? — brinca e abre um sorriso com seu
charme irresistível e meu olhar se derrete toda para ele.
— Pensarei no seu caso.
— Eu te buscaria até no paraíso se fosse preciso.
— Não seria no inferno?
— Lá, eu te encontraria num piscar de olhos. — zomba. — Já no paraíso tenho
acesso restrito.
— Não fale dessa maneira, você não é tão maldoso assim!
— Não importa o que sou, importa o que sinto por você! — Enzo está ficando
mestre em frases que desnorteiam meu sentimentalismo.
— Quando saí pela manhã disse que tinha uma surpresa para você.
—E onde está? — seu olhar curioso me deixa mais animada.
— Já sei. — rebate. — Comprou algo bem lindo para agradar seu noivo
ciumento? — mordo meu lábio e chacoalho a cabeça em negativa.
Com a mão no bolso de meu casaco, retiro o sapatinho azul e o coloco diante de
seus olhos.
— Quando o vi me lembrei de você!
Ciente de que ele não desconfiou que já tenho conhecimento do sexo do nosso
bebê, continuo a olhar para o seu rosto. Em sua cabeça, só o ultrassom daqui a
algum tempo possibilitaria essa descoberta, pega o pequeno sapato entre seus
dedos e o beija.
— É lindo. Irei deixá-lo junto a sua foto em minha mesa e pensar na
possibilidade de ser pai de um bambino, — retiro o envelope de meu outro bolso
e mostro a ele.
— E isso, deixará aonde? — sorrindo, entrego o envelope a ele. Devagar, segura
e o vira de um lado a outro antes de abri-lo.
— O que pode ser isso?
— Disse que não gosta de ser surpreendido, contudo não resisti!
Observo cada movimento seu, fixo meu olhar em sua expressão ao ler o
resultado que afirma que teremos um menino muito em breve, ele pigarreia,
respira fundo e vira o pescoço para o lado evitando me encarar.
— Um menino? — volta seu olhar para mim e sinto que ele se segura ao
máximo para não chorar.
— Un bambino, nostro bambino.
Sem nenhuma palavra que caiba em sua emoção, se joga em meus braços e me
mantém ali com a respiração entrecortada e o peito arfante, subitamente, afasta
meu corpo do seu e toca minha barriga.
— Um menino. — me devolve um sorriso torto com os olhos marejados de
lágrimas. — Não imagina como estou feliz. Não consigo dizer nenhuma palavra
no momento que caiba em mim!
— Não precisa, estou sentindo a sua alegria que possui a mesma intensidade da
minha! — digo.
Cola sua boca à minha e a seguir afaga meu ventre como se afagasse nosso filho.
— Seremos uma família feliz e imbatível, eu lhe prometo! — encosta sua testa
na minha e suas palavras me tranquilizam de que nossa felicidade está garantida.
Momentos depois, saio de seu escritório e me encaminho para meu delicioso
banho, agora que Enzo sabe da novità, fez questão de que eu deixasse a seu
encargo a responsabilidade de contar aos demais.

Como não nego nada ao meu mafioso, deixarei que ele


conte a todos a notícia que nos deixou tão felizes.
Enzo
Não estou me cabendo em mim de tanta alegria. Deus e Antonella me deram o
maior presente que um homem como eu poderia merecer... Um filho homem, um
Ferraro.
Quero contar a novidade em primeiro lugar a uma pessoa mais do que especial
para mim, o meu referencial, meu farol e porto seguro... Victório Ferraro, vulgo
meu pai.
Uma batida seca na porta me tira de meus devaneios felizes, me fazendo voltar à
realidade e lembrar de que esperava pela presença de Domênico.
— Boa noite, chefe!
— Sente-se Domênico. — ele olha para o par de sapatinhos, mas não arrisca a
dizer nada.
— Já arrumei as gatinhas que me pediu.
— São todas prostitutas? — o encaro com ar de riso, meu Capo é muito cômico
e despachado.
— Sim, material de primeira, todas fazem ponto no Queens. — aperta o lóbulo
da orelha. — Contratei até um travesti.
— Ótimo.
— Quando iremos agir? — Domênico esfrega as mãos.
— Antes, descubra o horário de trabalho da tal gerente da loja.
— Já me adiantei e descobri que ela sempre fica na loja a partir das 11 horas da
manhã. — em pé, abro a garrafa de uísque, o despejo em dois copos e estendo
um deles a meu assessor.
— O que seria de mim sem você?
— Um brinde! — solta um riso maldoso.
Brindamos e amanhã a gerente que destratou minha noiva sofrerá o gosto
amargo de ser realmente posta de lado.

Vamos ver como ela lidará com


uma clientela bem inusitada!!!
Clientes incomuns

Enzo
É madrugada e meu sono simplesmente desapareceu, em seu lugar, a gigantesca
alegria pela novidade que está a caminho faz com que meus olhos e sorriso
parecem sincronizados e permaneçam abertos, inquieto demais para dormir, saio
de minha cama e caminho até o parapeito da sacada aspirando o gélido ar de
outubro, até o silêncio parece compartilhar de minha euforia.
Por precaução, decidi que o destino de nossa viagem de lua de mel ficará em
sigilo e nem todos que conheço terão conhecimento para onde Antonella e eu
iremos, somente meu pai, mãe e irmã terão conhecimento de que passaremos
alguns dias em Sharm el-Sheikh, no Egito, uma cidade com poucos habitantes,
banhada pelo Mar Vermelho e com temperatura amena nessa época do ano.
Falarei com Antonella e tenho certeza de que ela não irá se opor a minha
decisão, outro detalhe muito importante e indispensável é repassar à minha
esposa algumas técnicas de salvamento e defesa pessoal que não exijam força
física e sim, agilidade e inteligência no caso de alguma eventualidade.
A joia que encomendei fica pronta amanhã e ao usá-la mia ragazza estará um
tanto mais segura, com minhas aulas adicionais quero garantir que Antonella não
seja pega de surpresa e se torne um alvo fácil na mão daquele que deseja a
qualquer preço me atingir.
Com meus dois braços apoiados na mureta da sacada, abaixo meu rosto e respiro
fundo, ao soltar o ar, ergo meus olhos ao céu e desejo que eu seja
suficientemente capaz de proteger minha mulher e meu filho, não me perdoaria
se acaso algo de ruim acontecer a eles.
O sereno da noite desce manso e esfria minha pele, observo a movimentação
lenta dos seguranças pelo jardim e então resolvo sair da sacada em direção à
cozinha.
Tenho esperanças de encontrar sobras do delicioso farfale que minha mãe fez
[510]

questão de preparar com suas próprias mãos para o jantar, saio de meu quarto e
ao passar em frente a porta do quarto onde Antonella dorme resolvo me
certificar de que seu sono tranquilo está em segurança. Deitada de lado, ela
dorme profundamente com seu corpo encolhido e cabelos encobrindo o seu
rosto, me aproximo um pouco mais e constato a luz do abajur ainda acesa e um
livro de decoração prestes a cair de seus dedos. Obviamente, ela adormeceu com
o objeto nas mãos.
Sem despertá-la, retiro o livro de sua mão e o deixo sobre o criado-mudo,
puxando com jeito o edredom cubro seu corpo que se encontra gelado.
Mansamente, beijo de leve o canto de sua boca e seu perfume doce invade meu
nariz e resistindo a enorme tentação de me juntar a ela nessa cama, me afasto
devagar deixando que descanse.
Descalço, desço as escadas, onde deslizo minha mão direita pelo corrimão
correndo meus olhos em toda a sala de estar, viro à esquerda em direção à
cozinha, mas antes de chegar ao corredor que lhe dá acesso, vejo uma luz acesa
na biblioteca, a luminosidade que sai através da porta entreaberta me chama a
atenção e é para lá que me dirijo, olho pela pequena fresta de luz e me deparo
com outra pessoa sem sono essa noite..., meu pai.
Sentado em sua poltrona de couro, trajando seu pijama cinza e uma manta sobre
suas costas, ele não se dá conta de que eu o observo com o corpo encostado ao
batente e assim, continua a olhar para um antigo álbum de fotos de família.
Absorto em sua contemplação, com a ponta de seus dedos alisa um retrato antigo
de minha mãe e preso em sua imagem a sorrir, seus olhos extravasam um brilho
contido de puro amor e devoção, ele parece um jovem apaixonado admirando a
sua amada.
Na sequência, dirige seu olhar para fotos de Donatella no dia de seu casamento e
a mesma expressão permanece estampada em seu rosto, meu pai sempre nos
amou com toda a intensidade de sua alma, sempre nos dedicou o seu melhor e
nos colocou em seu patamar indivisível.
Sua aparência física denota que a força indestrutível de antes se despede a cada
dia, ele não tem o mesmo vigor de tempos passados e as mãos velhas e cansadas
não tem a mesma firmeza de antes, seus olhos já não enxergam os detalhes das
fotos sem o uso das lentes, mas tudo isso é insignificante porque para mim ele
será sempre o meu herói mais poderoso.
Vira a página do álbum e devagar um meio sorriso se forma em sua boca, no
álbum, uma foto minha ainda criança, faz com que segundos se arrastem e um
sorriso amarelado pelo tabagismo que poucos já viram se sustente, até que ele
note a minha presença. Altivo, retira seus óculos e me encara.
— Pelo jeito, alguns homens dessa casa estão sem sono! — diz, fechando o
álbum e o depositando sobre a pequena mesa ao seu lado.
Solto um suspiro resignado, caminhando até ele e me sentando no chão sobre o
tapete. Recostado no sofá, flexiono os joelhos e enlaço meus braços sobre eles.
— Nostálgico, senhor Ferraro? — encara meu rosto com um sorriso apontando
para as fotografias. Olha para a capa vermelha do álbum e depois se volta para
mim.
— Não zombe, Enzo, pois num futuro não muito longínquo, fará o mesmo que
seu velho pai. — aperta sua boca com a ponta de seus dedos. — Espero que seu
álbum seja tão lindo quanto o meu.
— Sentindo saudades dos velhos tempos? — o questiono.
— Sempre. — sua vez de suspirar. — Acho que todos nós deveríamos ter a
chance de voltarmos no tempo ao menos uma vez na vida.
—Tem muitos arrependimentos? Consertaria muitas coisas?
— Não. — responde enfático. — Não carrego arrependimentos, meu filho,
apenas voltaria no tempo para saborear com mais prazer, momentos importantes
e as pequenas alegrias que atravessaram a minha vida. — sempre gostei de ouvi-
lo falar, seu jeito pausado e sério faz com que uma simples narrativa se torne
algo grandioso como uma história de um livro famoso.
— Isso seria muito bom! — atesto. — Só não voltaria para levar as surras de
cinto que o senhor já me deu, aquilo era dolorido para cacete!
Estica seu braço alcançando minha cabeça e como nos velhos tempos, faz com
que eu me deite em seu colo afagando os meus cabelos, era exatamente assim
que me contava uma história com algum fundo moral, dando ênfase e tonalidade
que o conto exigia de modo quase teatral e naquele momento ele me ensinava
tudo de importante e inesquecível.
— Quem diria? — meio brusco, acaricia meu rosto que descansa sobre sua perna
esquerda. — Aquele bambino sapeca que vivia aprontando pela casa agora virou
um homem e será pai!
Quem nos visse nessa cena se depararia com uma face escondida do que somos,
pai e filho que não cabe a ninguém debater e muito menos desvendar.
Seu carinho é grosseiro e desajeitado, mas juntamente com os beijos estalados de
minha mãe, é o melhor afago que recebo de meu pai. São raras ocasiões em que
ele demonstra sua afabilidade e quando isso acontece é que se extrai a sua
essência por inteiro, sendo assim, aproveitando esse momento só nosso, chegou
a hora de meu velho Ferraro saber da novidade que o encherá ainda mais de
alegria.
— Seu bambino será pai e no álbum de fotografias dos Ferraro, haverá um
espaço para uma foto sua com seu neto e espero que ele seja tão peralta quanto
eu fui para lhe deixar doido de vez. — ele gargalha e então ergo minha cabeça
para colher essa imagem e guardá-la comigo.
— Você sabe o que isso representaria para mim! Isso seria a minha maior
realização, ver um filho seu correndo por esse jardim! — seguro sua mão entre
as minhas.
— Pois lhe digo que daqui a alguns meses essa cena fará parte de nossas vidas e
seu sangue e legado terão continuidade em um filho meu.
— Não está me dizendo que... — seus pequenos olhos ficam maiores e
emotivos.
— Estou afirmando que o bebê de Antonella, o seu neto, será um bambino,
teremos mais um Ferraro! — ainda sem saber com qual certeza lhe afirmo,
completo. — Sua futura nora fez um exame que comprova o que digo.
Sua velha mão aperta meus dedos com muita força e contido, engole seco
desviando seu olhar do meu e escolhe a estante de livros para apoiá-lo e
esconder a sua emoção.
— Um neto! — balança a cabeça e enfim consegue me encarar com os olhos
totalmente embaçados. — Viverei todos os dias ansioso para ter esse bambino
em meus braços, só espero que Deus me presenteie com vida até lá.
— Se Deus não lhe der isso, acerto minhas contas com ele depois! — brinco,
também emocionado.
Solta de minhas mãos e abre seus braços esperando que eu me jogue entre eles e
é exatamente isso o que faço. Nosso abraço é forte, com direito a incessantes
batidas em minhas costas e engolindo toda a sua emoção, me deseja felicidade
com a voz embargada pela emoção que sente.
— Agora compreendo o motivo pelo qual Antonella e você estavam trocando
olhares felizes durante o jantar. — faz essa observação e me pergunto se há algo
que escape aos seus olhos.
— Ela achou mais conveniente que eu lhe desse a notícia antes de todos.
— A agradecerei mais tarde. Eu te amo, meu bambino e exijo que defenda a sua
família como um leão faz com seu território. — aperta meu rosto em suas mãos.
— Me prometa que esse verme que está tentando nos destruir será aniquilado
com suas mãos sem piedade. — os músculos de seu rosto se mostram retesados e
em seus olhos as lágrimas dão lugar à sua nata obstinação em querer vingança a
qualquer preço.
Imito seu gesto e com a sua face entre minhas mãos, beijo sua testa em sinal de
meu maior respeito.
— Eu o pegarei, lhe prometo! — ao me afastar, ele completa.
— Não me perdoo por ter aceitado Eurídice em nossa casa! Sua mãe e eu não
imaginávamos que ela seria uma inimiga, nos enganou por tanto tempo e acabei
colocando todos em risco! — responde com o gosto amargo e uma raiva contida
na voz.
— Ela nos enganou e pagou um alto preço por isso, meu pai.
— Investigue o passado dela com mais atenção, meu filho.
— Já cuidei disso, Ignácio está indo essa semana para El Paso e me prometeu
que só retornará com informações substanciais. — bate em meu rosto.
— Nunca o subestimo porque você sempre me surpreende.
— Mudando de assunto. Que tal se juntos praticássemos um assalto para
comemorar a chegada de seu neto?
— Um assalto? — descansa seus braços na poltrona.
— À geladeira, como nos velhos tempos! — ergo minhas sobrancelhas,
exaltando o meu convite tentador. Tira a sua manta das costas e em pé, sem o uso
de sua bengala, se mostra todo empertigado ao meu lado.
— Como nos velhos tempos e espero que sua mãe não nos flagre como sempre
fazia!
Saímos abraçados da biblioteca e comemos juntos o macarrão mais delicioso de
todo o mundo.
Poucas horas depois, aparo minha barba, bigode e encarando meu reflexo no
espelho decido que me casarei com a cara limpa, retirarei todo esse pelo do meu
rosto e assim ficarei com um semblante menos carregado para a cerimônia.
Tomo um longo banho e logo após me encaminho para meu closet, lá, escolho
um terno e me preparo para ficar frente a frente com a gerente esnobe.
Ainda é muito cedo, mesmo assim desço para tomar meu café e sozinho à mesa
ligo para Ignácio, amanhã, ele parte para o oeste para fazer uma averiguação
minuciosa a respeito do passado de Eurídice.
Isaiah me espera em meu escritório e lhe repasso as orientações da manhã, junto
com mais quatro seguranças, todos armados, seguirão para o centro de
Manhattan na tal loja onde minha futura esposa foi destratada.
Surpreendentemente, Domênico me liga avisando que teremos uma mudança de
planos, segundo suas fontes, a gerente estará na loja somente no período da
manhã e à tarde, embarcará em um voo para Paris a trabalho, pena que o destino
soprará ventos que a levarão para outra direção.
— Pode me esperar em frente à Beldorf, estou indo para aí.
Pego meu carro e seguido por Isaiah e os outros seguranças, nos dirigimos para o
centro da cidade. Ao estacionar em frente à loja, vejo uma van preta com os
vidros escuros e Domenico ao volante, ele me vê e desce ajeitando sua calça.
— Tudo pronto! — mostra seu sorriso mais do que ansioso para dar início à
nossa retaliação. — As beldades estão dentro da van, loucas para fazerem
compras. Arrumo a lapela de meu terno e retiro meus óculos escuros.
— Espere meu sinal e em seguida, vocês entram, ok?
— Sim, senhor.
Isaiah e os outros me seguem andando a passos largos e adentro a loja, o fluxo
de pessoas no ambiente é restrito e não devem contar com mais de três ou quatro
mulheres sendo atendidas pelas vendedoras. Pela descrição de Domênico, a
gerente se encontra atrás do balcão e ao me ver correndo os olhos pela loja se
aproxima com seu andar elegante a jogar seu cabelo.
— Bem-vindo à Beldorf, posso ajudá-lo? — ou ela é muito simulada ou não me
reconheceu, vamos dizer que ela não tenha ligado à minha imagem ao meu
nome.
— Sim, pode. — abaixo o tom de voz e ela se inclina em minha direção para me
ouvir melhor.
— Algumas parentes minhas gostariam muito de conhecer a sua loja, mas há um
porém que talvez as impeça de conseguirem esse intuito. Vejo que ela me encara
de um modo diferente.
— O seu nome? — agora percebo que ela não sabe quem sou e muito menos
imagina o que a aguarda.
— Enzo Ferraro e o seu?
— Darla e em que posso ajudá-lo, senhor Ferraro? — a ruiva me devolve outro
sorriso sugestivo e em outros tempos ela seria mais uma vagabunda a
compartilhar de uma trepada. Fecho a cara para a sujeita que percebe que não
estou para flertes.
— É o seguinte... — faço uma pausa. — Essas minhas primas vêm de uma
família muito abastada, moram em um país muçulmano e seguem ao Islã. Na
verdade, usam aquelas famosas... — me faço de esquecido propositalmente
estalando meus dedos na tentativa de lembrar o nome da roupa em questão.
— Burcas?
— Isso mesmo, burcas! — continuo. — E como seguem essa religião não
gostam de partilhar lugares com outras mulheres do Ocidente. — olho para a
porta. -— Seria muito incômodo pedir para que fechasse a loja enquanto elas
escolhem o que desejam? — Darla pensa por alguns segundos e olha a sua
última cliente que sai.
— Absolutamente, quantas são?
— Dez.
Os olhos da gerente brilham ao imaginar as cifras que serão deixadas no caixa da
loja e a gorda comissão que arrecadará, dá sinal para as vendedoras,
imediatamente colocam uma placa de fechado no vidro da porta e descem uma
cortina que impede que as pessoas que passam pelo lado de fora vejam o que
acontece aqui dentro.
— Só um minuto, irei buscá-las lá fora. — atesto e Darla assente com a cabeça.
Saio pela lateral indicada por uma vendedora e na rua aceno para Domênico que
abre a porta da van. Nove prostitutas e um travesti cobertos por uma burca preta
saem discretamente em fila em direção a porta por onde saí. Os seguranças vêm
logo atrás e seguem o que parece um cortejo muçulmano, todas adentram a loja e
me dirijo à gerente.
— Obrigado pela sua atenção e não é à toa que essa loja é muito celetista.
[511]

— Ah! — revira os olhos toda feliz. — Não fiz nada demais, minha função aqui
é agradar o cliente. — viro meu pescoço em direção às minhas parentes.
— Ouviram isso meninas? — elas imitam brados em árabe, o famoso salguta, [512]

mais uma ideia maluca de Domênico.


Darla sorri toda simpática acompanhada das caras artificiais das vendedoras e
todo esse sorriso forçado se esvai ao ver que as compradoras arrancam a sua
burca e revelam sua verdadeira identidade sob o pano escuro. As prostitutas
vestidas com minissaias e vestidos que nada escondem falam alto e mexem nas
vitrines com uma expressão de puro vislumbre, o travesti com sua peruca loira,
maquiagem forte e sua roupa vermelha se destaca pelo seu tamanho dentre as
demais. Ele anda até um manequim retirando a roupa que o cobre e Darla olha
para as demais funcionárias sem entender o que diabos está havendo no
estabelecimento que ela gerencia. Uma das moças dá um passo para a direita na
tentativa frustrante de chamar a segurança através do botão de alarme que fica
embaixo do balcão.
— Ninguém se mexe aqui ou todas morrem! — Isaiah puxa seu terno exibindo
sua arma carregada de balas assim como todos os outros seguranças.
Mesmo que elas quisessem chamar por ajuda, isso seria impossível, Domênico
danificou todo o sistema de segurança e as linhas telefônicas do lugar, na Central
que liga as imagens da loja, a única imagem que eles recebem é de um dia como
outro qualquer. Enquanto as minhas parentes provam os perfumes, cremes e as
roupas dos cabides, o travesti tira fotos das roupas que prova e posta no
Instagram e outras fazem igual usando vídeos e fotos que vão direto para o status
do Whatsapp. Domênico filma tudo para que isso nos seja de grande valia no
futuro, o dono da loja não medirá forças comigo se essas imagens vazarem com
a notícia de que sua loja é fechada para atender prostitutas e um travesti do
Bronx.
Que madame iria comprar nessa loja se acaso essa notícia aparecesse na mídia?
Como gafanhotos, as meninas reviram tudo e pegam as peças que mais lhe
agradam, suas bolsas estão abarrotadas de objetos furtados da Beldorf e
enquanto elas se fartam e furtam o que bem querem, ligo para minha noiva,
encarando a gerente que me devolve um olhar odioso.
— Amore mio, onde você está? Saiu cedo e nem se despediu de mim?
— Bom dia, minha ragazza! Estou fazendo compras. — pisco para Darla para
irritá-la ainda mais.
No canto direito da loja, Domênico continua filmando e elogiando a roupa que
uma das prostitutas acabou de vestir.
— Você? Fazendo compras? Que história é essa? — essa é a minha Antonella,
somente pela sua voz percebo que não acreditou no que acabei de dizer.
— Sim, compras. Achei uma loja que escolhe a clientela a dedo e estamos nos
divertindo muito aqui. — Antonella solta uma risada alta ao telefone e imagina o
que andei aprontando.
— Em casa, você me conta tudo, meu mafioso favorito.
— Pode deixar, já estou acabando aqui. — ando até a gerente e sorrio sarcástico.
— Sua loja agora é muito bem frequentada. — estendo minha mão. — Olhe ao
redor e veja como suas clientes são vips. — ela nada diz e sabe muito bem qual
será o preço por ter sido tão idiota ao tratar Antonella com desprezo.
Depois de saquear quase toda a loja, as meninas e o travesti saem sem levantar
suspeita com a mesma roupa de antes e na rua entram na van em completa
algazarra.
— Obrigado a todas! — digo ainda na calçada.
— Adoramos cada segundo. — diz uma delas.
— Precisando é só chamar lindão! — diz o travesti de quase dois metros.
Me despeço de todos e Domênico fica a encargo de fazer o pagamento pelo
serviço de hoje.
No trajeto para casa ligo o som do carro e cantarolo sorrindo pela quase missão
cumprida, quando chegar em casa, tenho que mandar ao dono da loja a gravação
de nosso tour fashion, suponho que a viagem de Darla para Paris será cancelada.
Adeus, bigode!

Antonella
Dias depois...
Faltam menos de três dias para o nosso casamento e quanto mais o dia se
aproxima maior é a ansiedade, ser a mulher que Enzo escolheu para viver ao seu
lado, sem dúvida, me torna especial.
Nossa suíte ainda não está totalmente pronta, segundo o decorador ainda faltam
pequenos detalhes que ele faz questão de ajustar, meus dias têm sido corridos
com tantos pormenores que estão me deixando quase louca, ainda bem que
posso contar com a ajuda de Adele, Donatella, tia Martina e Clara que não pode
ajudar muito, porém suas ideias são ótimas e todas de grande proveito.
Decidimos que teremos somente um casal de padrinhos para cada um de nós,
Brian e Clara serão os padrinhos de Enzo e Virgínia será minha madrinha, porém
ainda não decidiu pela escolha de seu par que por sinal, deixou sob minha
responsabilidade em arrumar alguém para acompanhá-la até o altar.
Falando com Enzo a respeito, ele me sugeriu que Virgínia fosse acompanhada
por Domênico e ao repassar a ideia, minha amiga relutou bravamente. Na
verdade, ela esperava que eu lhe empurrasse Fabrizio, mas infelizmente o nosso
motorista já tem a sua acompanhante.
Já sem paciência, aleguei que a ideia para que eu arrumasse uma pessoa para
acompanhá-la até o altar partiu dela e que como diz o velho ditado "Cavalo dado
não se olha os dentes”, sustentei a minha sugestão em meio a sua recusa e depois
de discutirmos por quase meia hora, usei de um pequeno ardil convincente e
infalível argumento contra a minha teimosa amiga. Mostrei uma foto de
Domênico, a quem ela ainda não havia visto e assim a sua dúvida se espaireceu
como em um passe de mágica.
— Esse é Domênico? — seus pequenos olhos não conseguiram disfarçar a
realidade.
— Sì, Domênico, em carne, osso e seu terno escuro. — atesto, destacando a
imagem da foto. — Ele trabalha para Enzo e é um de seus homens de confiança.
Depois de ver a foto, não precisei de nenhum outro argumento para que a safada
se mostrasse satisfeita com a minha indicação. Enfim, mais um problema
solucionado.
Conforme o combinado, Enzo deu a notícia da chegada de nosso filho
primeiramente ao pai e só depois, é que resolveu dividir com o restante da
família a novidade que tem nos deixado nas nuvens. Em um outro jantar íntimo,
o senhor Ferraro me cobriu de felicitações e rumo à sua adega nos trouxe outro
vinho ainda mais caro que o anterior.
Acreditando já ter recebido todo tipo de atenção e carinho por parte de Enzo, ele
resolveu me presentear com algo surpreendente, para que minha tia e irmã
permaneçam mais perto de mim, ele comprou um imóvel situado na Delevan
Lane, a poucos metros da mansão, ou seja, minha família e eu seremos vizinhas.
A casa foi toda adaptada às necessidades de Clara que ainda se encontra em
estado de reabilitação, sendo assim, elas logo se mudarão para o seu novo lar.
Ao me dar essa notícia em seu escritório, me desmanchei em seus braços o
cobrindo de beijos e sujando seu rosto de batom. Encabulado, sua reação foi
estreitar seus lábios em um sorriso tímido por tanto agradecimento de minha
parte.
Mas como não me sentir grata eternamente a esse homem incomparável?
São seis horas da manhã e minha ansiedade não me deixa dormir, hoje, farei a
última prova de meu vestido e depois levaremos Letízia e Pietro para um
pequeno ensaio na igreja. Me levanto da cama e tomo um banho quente e
relaxante, vestindo uma blusa de mangas compridas e uma saia, deixo o quarto à
procura de Enzo, pois quero saber ao certo quantos serão os dias de nossa
viagem de lua de mel.
Aproveitaremos ao máximo essa temporada longe do problema que nos aflige,
ele não me diz nada, porém sei o quanto se preocupa com a segurança de toda a
sua família e principalmente comigo e nosso bebê. Devido esse inimigo que nos
ronda pelas sombras é inevitável que Enzo se mantenha em uma incessante
sentinela, tudo recai sobre os seus ombros e espero que durante a nossa lua de
mel ele possa relaxar e baixar a guarda.
O corredor se encontra no mais absoluto silêncio, sinal de que todos ainda se
encontram dormindo, ou quase todos, a porta entreaberta do quarto de Enzo
indica que meu noivo já está em pé. Coloco meu rosto no vão da porta e corro
meus olhos até onde minha visão consegue alcançar, não o encontrando,
empurro a porta mansamente, entro no quarto e fecho a porta com chave.
Pisando devagar me encaminho sorrateira para o banheiro de onde ouço um
cantarolar baixinho que sai de sua garganta.
Ao adentrar no ambiente, solto um grito ao vê-lo enrolado em uma toalha branca
na cintura e uma outra menor envolvendo o seu pescoço. Metade do seu rosto
está coberto com espuma de barbear e apoiado na bancada da pia, em frente ao
enorme espelho, segura sua navalha com uma aptidão firme deslizando a lâmina
pelo seu rosto e arrancando sua barba e parte do seu bigode que tanto gosto.
— Nãããooooooo!!! — ele não se assusta com meu grito, apenas curva seu
cenho, me olhando através do espelho sem entender o que se passa comigo.
— Não o que? — coloca a navalha sob a torneira da pia e retira o excesso de
espuma voltando a deslizá-la sobre seu maxilar.
Presa a essa imagem absurdamente sexy, ando alguns passos e então estaco meu
corpo bem próximo a ele.
— Não queria que tirasse a barba! — expresso em minha voz e em meu
semblante contrariado um pesar corriqueiro.
— Quero me casar sem ela!
— Pois eu adorava seu rosto com barba!
Suspende o movimento da navalha, a depositando sobre o balcão e se vira para
mim tocando meu queixo com seu indicador.
— Como pode dizer isso, se nunca me viu sem barba? — mordo meu lábio e o
fito de modo intenso.
— Quem lhe disse que não vi? — estreita seus olhos.
— Eu lhe vi sem barba em algumas fotos. — respondo.
— Ah, mas nada como olhar para o exemplar original! — faz uma cara
exibicionista que só ele tem, pendendo seu pescoço em minha direção. Sua boca
alcança a minha, fazendo com que o perfume da espuma de barbear invada meu
olfato e me faça pensar em bobagens logo pela manhã.
— Ainda sim, convencido. — meus braços enlaçam seu pescoço sobre a toalha
branca e ele roça seus lábios macios, agora sem bigode, nos meus. — Eu tinha
motivos contundentes para defender o uso de sua barba e bigode, sentirei muita
falta dos dois. — ele saca meu comentário malicioso e solta uma gargalhada que
ecoa pelo banheiro em mármore azul escuro.
— Pois lhe provarei que com ou sem bigode a eficácia do serviço é a mesma! —
encaro seu rosto e seu olhar divertido e coberto de malícia me fazem sorrir por
dentro.
— Espero que sim, do contrário, farei uma reclamação por escrito ao fabricante.
— agarra minha cintura com suas mãos fortes fazendo meu corpo se colar à sua
robustez coberta de músculos. Meus olhos se fixam nos pelos de seu peito e sem
nenhuma reserva me atrevo a circular meus dedos nessa região, alisando sua pele
quente e tão gostosa até chegar ao seu pescoço. Ali, subo por seu queixo
espalmando minha mão em sua face esquerda.
— Alcance a navalha, por favor!
— O que pretende fazer? Cortar meu pescoço por que arranquei a barba?
— Não, seu bobo! — me entrega o objeto e com muito cuidado, retiro alguns
poucos pelos que ainda permanecem em seu rosto.
— Sabe manusear essa navalha? — pelo canto dos olhos, pergunta preocupado.
— Rilassarsi, amore mio, ajudava o meu pai a fazer isso quase todas as
[513]

manhãs. — olho atentamente o seu rosto e nivelo a posição das suas costeletas.
— Aí está! Ficou lindo! — olha no espelho e parece que meus retoques o
agradaram.
— Nada mal, mia ragazza! — sorri, alisando seu rosto barbeado.
Enzo com barba é lindo, mas confesso que sem ela, os traços de seu rosto antes
encobertos se destacam e com isso o deixam simplesmente divino. Lava seu
rosto retirando todo excesso da espuma de barbear e com a pequena toalha
branca em seu pescoço enxuga sua pele com a aparência muito mais jovial, pega
um dos frascos sobre o balcão e o abre espalhando sua loção pós barba na palma
de sua mão.
Ao endireitar-se avança sobre mim, me encurralando entre fria bancada e seu
corpo quente e seminu.
— Com ou sem barba, eis a questão! — me provoca esfregando seu rosto recém
barbeado, tão cheiroso e macio em minha face que se arrepia toda por esse mero
contato. — Tenho certeza de que não sentirá nenhuma diferença. —
despudorado, beija o canto de minha boca no mesmo instante que retira a toalha
de sua cintura, permitindo que meu ventre sinta sua ereção protuberante. — O
rótulo mudou, mas a bebida continua sendo a mesma...
— Tem certeza? — com essa frase o provoco, escalando suas costas com meus
dedos ansiando por sentir a sua boca e queixo descendo lentamente em direção
ao meu pescoço à medida que suas mãos abrem os botões de minha blusa.
— Absoluta. — emite essa frase em um tom grave e bem vagaroso, acariciando
meu pescoço, sugando lentamente minha pele a circulando com a língua e
acendendo meu corpo todinho. — Quero que me diga ao final se notou alguma
diferença.
— Se houver diferença, espero que seja para melhor. — o provoco, percorrendo
minhas unhas abaixo de seu umbigo e sinto encolher seu abdômen.
— Vou fechar a porta do quarto. — murmura com sua boca colada em meu
ouvido.
— Já me incumbi dessa tarefa. — balbucio, arqueando meus quadris de encontro
ao seu pau duro.
Segura meus seios em suas mãos e os toca com seus polegares de modo febril,
continua a escalar meu corpo deslizando pelo meu colo, o vale entre meus seios
até chegar em minha barriga. Ajoelhado diante de mim, ergue a minha saia
beijando e mordiscando minhas coxas até chegar na minha calcinha, afoito
enrosca seus dedos no cós da minha lingerie e a desce apressadamente até o
chão. Com sua mão direita entre minhas pernas, as afasta muito lentamente e
sinto o primeiro toque de sua língua molhada e quente a me desestruturar toda.
— Enzo... — sua boca me chupa com movimentos cadenciais e num ritmo só
seu.
Chupadas mais intensas são substituídas por lambidas sem pressa e circulares em
toda minha intimidade, aflorando em meu ventre fortes contrações que me fazem
fechar os olhos e respirar com dificuldade. Solto o ar preso em meus pulmões e
gemo ao olhar para baixo e ver seus olhos a me observar, enquanto sua boca
quase me mata de tanto desejo.
— Apoie seu corpo na bancada! — diz, esfregando seu rosto no vértice de
minhas pernas.
Obedeço a seu pedido sem nenhum questionamento e ao manter meus braços
apoiando meu corpo no frio mármore, Enzo ergue minhas duas pernas e ainda
ajoelhado, as deposita sobre seu ombro mantendo meu corpo mais próximo a sua
boca estupidamente gostosa. Com devassidão, morde de leve minha boceta e a
suga com força, os movimentos de sua língua se intensificam e com a ajuda de
seus lábios, ele devora, incita, lambe e suas sucessivas sucções me levam a
rebolar sob sua boca e despencar em um orgasmo de perder os sentidos. Assim,
ele vai acabar me matando.
Maledetto italiano delizioso!
[514]

Seus gemidos roucos de desejo se confundem com meus gritos a cada espasmo
que sacode meu ventre, Enzo continua a me acariciar com sua boca e ainda mais
sensível, meu corpo parece não satisfeito. Delicadamente, volta minhas pernas
ao chão e sobe escalando meu corpo com mordidas mais intensas, deixando a
marca de seus dentes por onde sua boca passa. Agarra e levanta meu corpo pelos
quadris e enganchada a ele, nos encaminha para dentro do box.
— Já tomei banho hoje! — mordo seus queixos agora sem barba e me delicio ao
beijar todo seu rosto tentador, lisinho e só meu.
— Mas eu não! — procura meus lábios e enrosca sua língua que dança com a
minha, num beijo coberto de tesão e selvageria. — Abre o registro e mesmo com
a água um pouco mais fria e a saia presa à minha cintura, sinto que esse banho
era tudo o que eu precisava para começar o meu dia.
Joga meu corpo no mármore frio e se ajeitando em minha entrada, me penetra
em uma estocada só, arrancando gemidos animalescos de ambos. Apoiada sobre
suas pernas, suas mãos apertam meus quadris e ousado e deliciosamente safado
Enzo se remexe, duro como pedra, alcançando pontos que me levam a um êxtase
nunca sentido. Morde meu lábio e sua voz sai num gemido sexy e maravilhoso
de se ouvir.
— Assim..., isso. — mete com mais vigor e meu corpo sucumbe a mais um
orgasmo. — Goza no pau do seu Enzo, bem gostoso!
Com a voz sacana, estoca mais fundo e mesmo de olhos semiabertos vejo seu
rosto se contorcendo de prazer assim como eu, gemo totalmente ensandecida e a
cada ofegar, sinto suas estocadas mais rápidas e agarrada ao seu pescoço remexo
ainda mais meu corpo, deixando meu homem ainda mais enlouquecido por mim.
— Antonella... — seu tórax, abdômen e coxas se friccionam em meu corpo e
nem mesmo a água que cai se atreve a invadir o espaço que há entre nós. —
Adoro sua boceta no meu pau. — desbocado, sinto quando ele pende seu
pescoço para trás me dando o privilégio de vê-lo se perdendo em meu corpo com
seu gozo quente. Ofegante, sai de dentro de mim e beija minha boca de modo
carinhoso.
— Viu só? Água fria não é tão ruim assim! — seus lábios entreabertos num
sorriso estonteante me brindam com seu rosto desenhado de modo magistral.
— Estava fria? — zombo. — Nem senti.
Enzo e eu tomamos um banho e depois descemos para tomarmos café da manhã,
mas antes de sairmos do seu quarto, ele se certifica de que não há ninguém no
corredor. Pode até parecer antiquado e absurdo, mas Adele não acha conveniente
que durmamos no mesmo quarto sem sermos casados e muito menos ficar nos
pegando pelos cômodos da casa. Donatella e Isaiah devem sofrer com essas
regras ou acabam as infringindo como Enzo e eu.
Saímos do modo mais discreto possível e antes de alcançarmos o lance de
escadas, olho para trás e vejo Donatella branca como cera com um sorriso
amarelo.
Sabendo que ela deve estar acobertando um certo alguém, faço sinal com a outra
mão para que ela retroceda, pois se for pega terá o irmão demagogo e sua mãe
[515]

para lhe encherem de críticas e quem sou eu para criticar um casal apaixonado?
Ela entende meu sinal e volta correndo pela outra ala. Na certa, seu namorado
iria sair por essa parte da casa sem ser notado pelos pais de Donatella.
Quer dizer que Isaiah anda transgredindo algumas regras? Com aquela cara toda
séria, quem diria?
Sorrio e sem que Enzo perceba descemos as escadas e nos sentamos à mesa.
Nesse momento, a campainha da casa toca e a governanta se adianta para atender
ao recém-chegado.
Uma senhora adentra a mansão seguida por uma mulher mais jovem de uns 35
anos, morena, estilosa e cara de piranha.
Mas quem seriam essas duas?
Enzo me olha e percebendo meu olhar de curiosidade se adianta.
— São parentes de meu pai. Essa senhora mais velha é prima em segundo grau
de Victório e elas vieram para o nosso casamento.
As duas se aproximam da mesa e a mãe da fruta podre me cumprimenta
normalmente com um enorme e simpático sorriso, enquanto a morena se
desmancha ao ver Enzo, o cobrindo de elogios
— Enzo, o tempo não passa para você meu primo lindo. — abre os braços para
receber Enzo dentro deles, mas isso não acontece e a única coisa que lhe resta é
um aperto de mão.
Enzo percebe a sua forma atirada de aproximação e se mantém o mais distante
possível de forma educada sem deixar transparecer seu desconforto.
Aí tem! Meu senso para detectar mulheres atiradas nunca funcionou tão bem!
Enzo me apresenta a mãe da moça.
— Gertrudes, um prazer conhecer a noiva de meu primo. — diz a senhora.
— Antonella, o prazer é meu. — devolvo um sorriso sem nenhuma reserva à ela.
A piranha com quadril de uma égua manga larga me olha atravessado e sinto que
teremos problemas de convivência durante esses dias.
— Carmella Ferraro! — estende sua mão e continua a me olhar como se minha
presença não fosse bem-vinda.
Adele e Donatella, logo se juntam a nós, aliviando o clima que se instalou entre
a manga larga e eu.
Enzo coloca seus óculos escuros e nos pede licença, beija meu rosto e segura
minha mão.
— Volto mais tarde. — o acompanho até a porta e o encaro com uma audácia
inimaginável.
— Por acaso, você tem mais primas dessa natureza que eu deva a honra de
conhecer? — faz um ar inocentemente culpado e disfarça.
— Não entendi.
— Entendeu, sim senhor Ferraro e quando voltar da rua, quero saber qual é o
verdadeiro grau de parentesco dessa puttana! — sorri pelo canto da boca e sai
balançando a cabeça.
Carmella Ferraro! Espero que não tenha que cometer atos ilícitos antes de meu
casamento...
Era uma vez uma égua

Antonella
Mesmo com tantas tribulações em plena véspera de meu casamento, uma ótima
notícia veio para aplacar a minha ansiedade e deixar mais alegre o meu dia,
finalmente Jaques, o decorador, conseguiu terminar o nosso quarto como o
combinado.
A decoração se reteve em um misto de minha personalidade e a de Enzo, nossa
essência está em pequenos detalhes que Jaques captou com sua maestria e muito
bom gosto, ele praticamente reinventou um outro quarto partindo do antigo
aposento, recriou as cores sem que ele deixasse de ser aconchegante e sem ser
rebuscado demais, algo moderno e elegante. Com minha inteira aprovação,
Jaques ganhou uma nova cliente e quando voltar de lua de mel, quero que ele
projete e decore o quarto de nosso bebê.
A movimentação pela casa é intensa e funcionários e profissionais se trombam
constantemente pelos corredores e até mesmo pelo jardim, amanhã à noite me
tornarei a senhora Ferraro em definitivo e meu estado de ansiedade e alegria
chega ao seu nível máximo de felicidade.
Tudo ia muito bem até que chegou à tarde dos horrores e tudo não poderia ser
pior, a tal prima equina dos Ferraro, parece disposta a me espezinhar a [516]

qualquer custo, mesmo de maneira imperceptível aos demais.


Carmella é a típica mulher que não faz questão de esconder a sua vulgaridade,
morena, cabelos negros e longos, rosto oval e olhos dissimulados, seu corpo é
um caso à parte e foi observando a largura de seus enormes quadris que acabei a
apelidando mentalmente de manga larga. Ela é uma mulher consideravelmente
bonita, mas seu preconceito coberto por um sarcasmo mascarado e sua
vulgaridade são atributos dispensáveis que a deixam menos bonita.
Um céu ensolarado e sem nuvens em pleno outono pede uma tarde acompanhada
de um belo chá servido no jardim, rodeado por uma conversa agradável e amena
sobre assuntos que divertem e espaireçam os presentes.
Tudo estava indo relativamente bem, quando a égua do rabo grande resolve
dirigir a palavra à minha pessoa usando de sua superioridade e acreditando
piamente que isso iria me constranger perante a família de Enzo.
— Esse casamento parece ter saído de um conto de Cinderela. — usando óculos
escuros, leva um petit four à boca, enquanto destila o seu veneno. — Quem
[517]

diria que Enzo se apaixonaria e casaria com a arrumadeira da casa? — retira seus
óculos e me encara diretamente. — Ela parece uma cópia da falecida Agatha.
Sua mãe, mostrando indignação, devolve um olhar de reprimenda que é
totalmente ignorado pela giumenta puttana.
[518]

Então, quer dizer que Carmella conheceu Agatha? Quase ninguém toca em seu
nome nessa casa e quando isso acontece o fazem de modo superficial não
deixando que o assunto se estenda por muito tempo.
Enzo nunca me falou sobre sua primeira esposa detalhadamente, o que sei sobre
ela foi colhido de frases soltas ditas por alguns empregados e por Donatella que
um dia ressaltou a nossa semelhança, nada mais do que isso.
— Não me envergonho de minha origem, Carmella. — digo da forma mais
ponderada possível e encaro sua expressão satisfeita e enganosa por achar que
está me humilhando. Nessa circunstância agirei de uma outra maneira sem
constranger a família de meu futuro marido.
— Carmella, por favor! — Adele encara sua parente e deixa claro seu desagrado
pelo comentário feito minutos antes e só então ela finge redenção e me pede
desculpas perante minha tia e as demais.
Pontualmente às 19:00 horas, vejo o carro de Enzo atravessando os portões da
mansão seguido de seus seguranças, com a cortina afastada observo toda a
movimentação e o momento em que ele dispensa o serviço de seus funcionários.
Com a gravata nas mãos, adentra a mansão, ansiosa o espero subir as escadas até
chegar no corredor, ao me ver adianta seus passos largos e elegantes abrindo
seus braços para me receber entre eles.
— Boa noite, mia ragazza! — suas olheiras e os vincos formados em sua testa
denotam que seu dia deve ter sido um tanto pesado.
— Amore mio. — jogo meus braços sobre seus ombros e minha testa se encosta
na sua. — Como foi o seu dia? — beijo seus lábios levemente.
— Digamos que foi razoável, não posso dizer que foi um dos meus melhores
dias, mas agora que estou aqui nos braços da minha futura esposa, tudo muda de
figura.
— Fico feliz em saber que faço bem a você. — lanço meu sorriso a ele e mudo o
assunto. — Nosso quarto ficou pronto! — relato toda animada.
— Já não era sem tempo! — seu meio sorriso alerta de que seu cansaço de
momentos atrás se esvanece pouco a pouco. Aperta minha mão esquerda e me
arrasta para a nossa suíte. — Quero ver isso de perto.
Abre a porta e dentro do ambiente, descansa suas mãos na cintura, correndo os
olhos por toda a parte com ar de aprovação.
— Ficou muito bom! Gostei!
— Também gostei e muito. — volta seu rosto para mim erguendo suas
sobrancelhas com uma cara mais do que atirada.
— Quando será a estreia? — poucos passos nos separam e movendo minhas
pernas em sua direção, reduzo a nossa distância abraçando seu corpo por trás.
— Não quero ser pessimista e nem estraga prazeres, porém essa estreia tão
esperada, ficará para quando voltarmos de nossa viagem. — pende seu pescoço
encostando sua cabeça na minha.
— Isso é alguma piada?
— Se é piada eu não sei, mas sua mãe e minha tia já se aliaram para que nós não
mais durmamos juntos até nosso casamento.
— Como assim?
— Sua mãe está seguindo a tradição, onde o noivo não pode ver a noiva na noite
que antecede a cerimônia e para que isso não aconteça mesmo estando debaixo
do mesmo teto, minha tia dormirá em meu quarto até lá.
— Isso não faz sentido, Antonella!
— No fundo eu até gostei de seguir essa tradição. — gira seu corpo e rodeia seus
braços em minha cintura.
— Não me diga que gostou da ideia de ficar longe de mim? Estava pensando em
uma despedida de solteiro com a minha ragazza gostosa. — mordisca meu lábio
me causando calor.
— Achei que sua despedida de solteiro aconteceu a partir do momento em que
me pediu em casamento, senhor Ferraro! — brinco.
—Você me entendeu muito bem, ou não? — se esfrega em mim todo libidinoso.
— Além do mais, não vejo a necessidade disso, afinal de contas esse filho em
sua barriga não foi gerado pelo vento e todos nessa casa sabem disso. — meus
dedos brincam com o colarinho de sua camisa.
— Enzo. — fixo meu olhar ao seu. — Acredito que um dia não irá nos matar,
não é? — solta um suspiro resignado e é sua vez de mudar de assunto.
— E o seu dia como foi?
— Também razoável.
— Posso saber por quê?
— Porque sua pri... ma. — destaco a palavra soletrado em sílabas. — Mostrou
que realmente não foi com a minha cara. — sem ter o conhecimento todo da
história me olha intrigado.
— O que houve?
Sem parecer pedante e causadora de desavenças, relato a nossa troca de palavras
durante o chá da tarde e é claro que aproveito o ensejo para sanar a minha
curiosidade em relação a essa parente distante.
— Falarei com ela a respeito.
— De modo algum. — digo, taxativa. — Já nos acertamos e não há necessidade
de voltarmos a esse assunto.
— Se você acha melhor assim. — acaricia minhas costas.
— Posso lhe fazer duas perguntas? — solto a frase com o semblante inquiridor.
— Acabou de fazer uma, agora só lhe resta uma delas.
— Não me provoque, senhor Ferraro.
— Pois saiba que adoro provocá-la. — sua voz assume um tom malicioso.
— Você e Carmella já transaram, não é?
Sua reação já era esperada por mim, por segundos quase imperceptíveis desvia
seu olhar, seu rosto se abstém de qualquer emoção e seu corpo exprime uma
linguagem própria e ele se retesa.
— Por que está me perguntando isso? É importante saber com quem já fui para a
cama? — sinto que ele se esquiva.
Como todo homem, Enzo é, às vezes, um tanto ingênuo quando o assunto é
esconder esse tipo de assunto passional de uma mulher curiosa.
— Não se preocupe! — respondo com a mesma mordacidade. — Não lhe[519]

culpo pelo desespero na época, isso é muito comum na juventude.


— Não vamos discutir por esse assunto, ou vamos? — centrada, balanço minha
cabeça em negativa, todavia não deixo de fazer a minha observação.
— Ela me comparou com a sua ex esposa e confesso que não gostei do
comentário.
— Com Agatha?
— Por acaso, você teria outra esposa? — falo com um tom ácido, pois se ele
quer desconversar sobre o assunto, saberá que não é hora para isso.
— O que ela lhe disse? — narro o ocorrido exatamente com as palavras usadas
pela cavala. Suas mãos saem de meu corpo e ele me puxa para nos sentar em
[520]

uma das poltronas no canto do quarto.


— Não pense que estamos juntos pela sua semelhança com Agatha.
— Não posso negar que já cogitei essa hipótese. — sério, seu rosto me encara
endurecido e chego a me encolher por ter dito algo que o tenha irritado tanto.
— Não compare o que sinto por você com o que tive com Agatha. — segura
meus dedos em sua mão esquerda, deixando à mostra seu pequeno anel.
Circunda meus dedos delicadamente sem erguer seus olhos. — Vivi cinco anos
com ela. — notando o tom amargo de sua voz, acabo me arrependendo de minha
intromissão e retrocedo.
— Enzo, não precisa me dizer nada, eu só disse aquilo porque o comentário de
sua prima me chateou um pouco. — ele continua.
— Durante esse tempo, eu levei meu casamento a sério, não por estar
apaixonado ao extremo, mas para provar ao meu pai que eu era digno do meu
trabalho, pois na Máfia todo homem tem por obrigação, respeitar a sua esposa.
— mantém sua voz calma e não há nada que indique alguma emoção contida. —
Era necessário que fosse assim naquele momento. Gostava de Agatha, contudo
não era paixão e muito menos amor comparado ao que sinto por você. — meus
olhos se alegram e me sinto aliviada por não pairar sombras do passado a se
intrometer em nosso relacionamento.
— Mas e quanto a ela? — indago.
— Agatha me amava e muito, porém quando seus abortos se tornaram comuns e
não conseguindo levar uma gestação até o fim, preferiu encontrar apoio em
antidepressivos e se fechar em um mundo só dela e minha entrada em sua vida
se tornou quase proibida.
— Senti pena dela. — a única coisa que consigo dizer.
— Também sentia e tentei de todas as maneiras fazer com que se curasse da
depressão profunda em que estava, mas cada vez mais ela se fechava e não
aceitava ajuda. Agatha se culpava a cada dia por não ser capaz de me dar um
filho como eu tanto queria.
— Ela se matou? — acabo perguntando algo que não deveria.
— Indiretamente sim.
— Não entendi???
— Quando recebi a notícia de sua morte decorrida de um acidente
automobilístico, a primeira coisa que me veio à cabeça era de que alguém havia
sabotado o carro e assassinado a minha esposa para me atingir, porém a perícia
concluiu que não havia nada de errado com o automóvel e ao fazerem a autópsia,
encontram uma grande dose medicamentosa em seu organismo e isso a levou a
morte. — prefiro me ater ao silêncio, pois não há nada pior do que palavras
desencontradas em horas inoportunas.
— Acho que isso responde a sua pergunta e antes que volte a esse assunto, quero
dizer que quando a vi pela primeira vez naquela casa de jogos, a sua semelhança
com Agatha me chamou a atenção e me fez olhar mais de uma vez em sua
direção, porém não foi isso que me fez enxergar você de um modo diferente. —
aproximo meu corpo do seu e fico bem próxima de sua boca.
— Ah, não?
— Vocês são semelhantes, mas não são iguais, nunca se esqueça disso. —
captura meus lábios devagar e em seguida, sua mão segura minha nuca
aprofundando nosso beijo. — Você é o que faltava em mim, mia ragazza
ciumenta. — bate na ponta de meu nariz e me devolve um meio sorriso.
— Sou ciumenta na medida, não nego. — zombo.
— Por isso combinamos muito.
Mais tarde, em meu quarto, olho para a cama ao lado da minha onde tia Martina
dorme profundamente, ela e minha sogra levaram muito a sério a missão de
impedir que Enzo e eu fiquemos juntos na véspera do nosso casamento.
Sem nenhuma alternativa, tento pegar no sono e mesmo que ele demore a
chegar, mantenho meus olhos fechados até que minha mente começa a se
desligar e meu corpo sucumbe a um sono que me prepara para o dia que virá.
Com corpo e mente restaurados me levanto muito cedo, Tia Martina ainda dorme
e depois de tomar meu banho saio do meu quarto sem fazer barulho nenhum,
passo em frente à porta do quarto de meu noivo, ela se encontra aberta e duas
empregadas arrumam os lençóis sinal de que ele já está acordado há muito mais
tempo do que eu.
Através das janelas do andar superior é possível ver os portões dos fundos sendo
abertos para que o pessoal do buffet e cerimonial adentrem o jardim para darem
início ao seu trabalho, a sorte parece estar do meu lado, pois o dia amanheceu
estupidamente ensolarado e sem probabilidade de chuva conforme a previsão do
tempo. No corredor, Mercedez já se encontra andando às pressas com uma pilha
de toalhas em mãos em direção à escada, ando ao seu encontro e ao seu lado
dirijo-lhe um bom dia todo simpático. Não posso esquecer como ela me tratou ao
chegar nessa casa e mesmo não sendo mais uma funcionária quero deixar claro
que se um dia ela precisar de mim, aqui estarei.
— Bom dia, Mercedez. — tímida, não consegue transpor a barreira social que
ela mesma criou entre nós.
— Bom dia, senhora Ferraro. — no segundo degrau, seguro em seu ombro
fazendo com que seu corpo estaque.
— Ser a senhora Ferraro não transformou aquela Paola que você conheceu! —
assustada, vejo emoção em seu olhar. — Estarei sempre aqui, a mesma mulher
que você acolheu como companheira de trabalho e amica! — no canto de seus
lábios se forma um pequeno sorriso.
— Não repare a minha mudança, mas é que a minha posição nessa casa exige
essa postura. Fui treinada para isso!
— Eu lhe entendo, mas não quero que tenha receio e me veja como se eu
estivesse acima de você. Meu corpo é feito de pele e ossos assim como o seu,
está bem? — abaixa seus olhos e respira fundo.
— Eurídice dizia que você mudaria quando se casasse com Enzo.
— Eurídice era muito amarga para entender como sou na verdade, está bem? —
concorda com a cabeça.
— Não entendi até hoje o seu pedido de demissão. — os funcionários pensam
que a velha governanta pediu a conta. — Ela saiu em férias e depois se demitiu.
— Pois é, também não entendi o seu comportamento. — finjo não saber de nada
e ela apressa seu passo nas escadas.
— Deixe-me levar essas toalhas na piscina coberta, senão a insuportável
Carmella irá reclamar com Olga pela minha ineficiência.
— Carmella está na piscina a essa hora?
— Sim. — meu radar entra no modo on de imediato.
— Enzo ainda está em casa? — pergunto de modo deliberado com o olhar fixo
na parede do hall de entrada.
— O senhor Ferraro acordou muito cedo e se encontra na academia.
Não preciso dizer que a piscina coberta fica ao lado da academia e se aquela
pangaré do cullo grande acha que vai arrastar suas patas para o meu garanhão
puro sangue é porque não me conhece.
Uma italiana ciumenta é o próprio demônio.
— Está bem, Mercedez, pode continuar o seu trabalho. Não quero tomar mais o
seu tempo! — ela se despede com um sorriso e caminha com as toalhas em
direção à piscina.
Espero ela desaparecer do meu campo de visão e tomo um caminho inverso,
saindo pela porta principal, rodeio a casa pela lateral esquerda e me aproximo o
máximo que posso da piscina. Para meu espanto, a manga larga não se encontra
na água e pelas vidraças da academia consigo ver as ancas da ordinária a
trotarem em direção a Enzo que se encontra conversando com Domênico.
Disfarçadamente me agacho entre as folhagens e me aproximo um pouco mais
para tentar ouvir o que essa puttana tem a dizer, suas patas dianteiras seguram as
alças de seu biquíni que estão soltas.
— Primo mio! — fala com a voz melosa e insinuante e só então Enzo se vira
para ela.
— Carmella? — se mostra surpreso pela hora e pelos trajes mínimos que ela usa.
— Pode me fazer um favor? — gira seu corpo de costas para que ele amarre seu
biquíni.
Se Enzo fizer o que ela deseja, corto seus dedos e mando fazer um quadro para
pendurar em seu escritório como lembrança, com o olhar estreitado, mal pisco os
olhos para não perder nem um detalhe do desfecho dessa história e para minha
alegria, sem pestanejar, Enzo olha para Domênico e dispara.
— Domênico terá o maior prazer em lhe prestar esse favor, não é meu caro?
Carmella fulmina Enzo com seu olhar de áspide e com as mãos nas costas sai
[521]

pela porta lateral amarrando seu biquíni, passando rente a mim, sem notar a
minha presença atrás do arbusto.
Meu sorriso se alarga ao saber que sua investida não rendeu coisa alguma e sem
ser notada pelo meu noivo, deixo essa ala me encaminhando para a garagem,
transitando entre as muitas pessoas que cuidam da decoração do jardim. Se
depender de mim, essa égua não irá ao meu casamento. Quero vê-la cagar tanto
que até sua bunda vai diminuir.
Fabrízio, ao me ver, endireita seu corpo segurando uma flanela entre suas mãos.
— Fabrizio, bom dia .
— Bom dia, senhorita Antonella em que posso lhe ser útil?
— Preciso que me leve à farmácia mais próxima. — enfatizo.
— Se a senhorita quiser, pode me passar o nome do medicamento ou até mesmo
a receita que eu mesmo irei buscá-lo.
— Agradeço a sua eficiência, mas preciso somente que me leve até uma
farmácia e mais... — olho para os lados para me certificar de que ninguém mais
estaria ouvindo a nossa conversa.
— Não quero que comente com ninguém a respeito e se for contar a Enzo que
seja somente após o almoço, ok?
— Senhorita Antonella. — coloca a flanela sobre um balcão na garagem. — Me
perdoe, mas isso não poderei fazer. Sabe muito bem que ele me deu ordens
expressas para cuidar de sua segurança e relatar todos os lugares em que a
senhorita estiver.
Droga! Isso que dá se casar com um mafioso! Como fazer peraltices sem que ele
fique sabendo?
— Va bene. Se ele lhe perguntar, você conta! Agora me leve rápido à uma
drogaria.
Vinte minutos depois, entro em uma farmácia e uma atendente no balcão se
aproxima para me atender.
— Pois não?
— Bom dia! — digo sorrindo. — ela responde com outro sorriso.
— Preciso de um laxante que seja muito eficaz. — coloco a mão na barriga
como se estivesse sentindo um mal-estar. — Meu intestino não funciona há dias
e os sintomas me incomodam muito.
— A senhora já tentou comer fibras?
Alfafa é fibra?
— Aí é que está! Sou muito relapsa quando o assunto é alimentação saudável.
— Está bem, só um minuto e eu já volto.
No balcão, tamborilo meus dedos no vidro, enquanto aguardo impaciente a
minha poção mágica. Fabrizio permanece ao fundo da farmácia e através dos
vários espelhos espalhados no estabelecimento, posso notar a sua cara de riso.
Na certa, ele desconfia que esse milagroso laxante não é para meu uso.
Momentos mais tarde, com o remédio em minha bolsa, adentramos os portões da
mansão sem que ninguém dê por nossa falta. Quer dizer quase ninguém.
Enzo está estacado na garagem conversando com Isaiah e ao ver Fabrizio
[522]

estacionando, retira seus óculos e seu olhar recai diretamente no banco de trás,
nosso motorista, discretíssimo, abre a porta e saio da maneira mais natural
possível cumprimentando Isaiah com um discreto aceno de cabeça. Não
querendo me constranger perante seus funcionários, Enzo segura de leve em meu
cotovelo e nos afastamos da garagem.
— Aonde estava? — sua cara de desagrado é mais que evidente.
— Precisei de um remédio para enjoo e pedi que Fabrízio me levasse na
farmácia mais próxima.
— Por que não me chamou? Eu a levaria. — isso não sai em tom de justificativa
e sim uma crítica observação a ser seguida.
— Achei que estivesse ocupado, meu amor.
— Na próxima vez, não ache! Achar, muitas vezes, é muito perigoso!
Que coisa linda! Pelo visto, meu noivo amolou as ferraduras pela manhã.
—Tudo bem, me desculpe. Se eu soubesse que ficaria com essa cara não teria
ido sozinha. — retrocede de seu mau humor e acaba me pedindo desculpas pela
maneira ríspida com que falou comigo.
Nos despedimos com um beijo e ele confirma que logo estará de volta para o
nosso almoço em família, Adele fez questão de colocar uma grande mesa em
formato de U na lateral direita da casa e ali nos fartaremos de muita comida e
bebida, acompanhados dos padrinhos e nossos familiares e será durante esse
almoço que a ilustre Carmella irá cagar até dizer chega.
Quero ver se ela terá saúde e disposição para ir ao meu casamento logo mais.
*****
Na hora do almoço...
Sorrateira, entro no quarto em que a pangaré do rabo grande está hospedada e pé
por pé ando até o banheiro, maldosamente retiro o rolo de papel higiênico do seu
devido lugar e faço o mesmo com os banheiros externos próximos à mesa posta
para o almoço, feito isso, desço até a cozinha e aliciada à Mercedez descubro
[523]

uma maneira de pingar gota a gota o poderoso laxante em uma das sobremesas
que serão servidas em taças pela minha antiga amiga de trabalho. Nada pode sair
errado e depois de repassar passo a passo a Mercedez me encaminho toda
glamorosa para o meu almoço maravilhoso.
Sentada ao lado de Enzo recebemos muitas felicitações e palavras de carinho de
todos presentes no almoço, Virgínia sentada em minha frente e ao lado de
Domênico reparou minha inquietude, porém não poderia explicar a ela o que
estaria por vir, chega a hora da sobremesa e meus olhos parecem que reluzem as
chamas da maldade.
O Tiramisú mais delicioso que essa égua já teve o prazer de degustar.
[524]

Mercedez serve a todos e antes de sair, pisca para mim com ar de riso, Adele
leva a sobremesa a boca e cobre o doce feito por Tia Martina de elogios e em
pensamento, peço perdão a Deus por ser tão perversa.
Carmella prova sua sobremesa e limpa seus lábios no guardanapo, sob o meu
olhar de crocodilo que cuida de seus ovos a vejo degustar todo o doce e ao vê-la
descansar a colher sobre o prato, acabo vibrando com os punhos fechados
embaixo da mesa.
—"Bingo." — sussurro mais alto do que deveria, despertando a atenção de Enzo
ao meu lado.
— Posso saber o porquê dessa euforia toda?
— Felicidade por saber que daqui a algumas horas estaremos casados, amore
mio.
O pai de Enzo faz um brinde, seguido de Brian que também nos deseja muitas
felicidades futuras. Clara e ele conversaram animadamente durante quase todo o
almoço e minha irmã é só sorrisos para ele.
Isaiah também fez parte dos convidados e ao lado de Donatella se portou como
um homem muito sério e devotado à sua amada, Pietro e Letízia parecem aceitar
numa boa a nova condição da mãe e desejo do fundo do meu coração que todos
possam compartilhar da mesma felicidade que estou vivenciando.
Quinze minutos depois de servida a sobremesa, a expressão da pangaré bocuda
se modifica e pelo seu rosto retorcido é possível ver que ela não passa nada bem.
— O que foi, minha filha? — dona Gertrudes, toda preocupada, se antecipa.
— Não sei, mama! Mas não me sinto nada bem! — esfrega a mão na barriga. —
Aiiiiiii! — arrasta sua cadeira e sai como um foguete em disparada para o
banheiro mais próximo.
Com a testa enrugada e olhar estreito Enzo me encara pelo canto dos olhos, bebe
seu último gole de vinho e diz:
— Depois dessa, não tenho nenhuma dúvida de que estou me casando com a
mulher certa.
Se serve de mais vinho e levanta sua taça em minha direção, ainda bem que
ninguém mais percebeu a minha pequena vingança, repito meu gesto com meu
copo com suco e sorrio.
— Uma dupla imbatível, meu querido.
Adele, Gertrudes e minha tia se apressam para verificar o que está havendo com
a pobre Carmella, abusada, peço licença aos demais saindo da mesa e me
juntando as outras na porta do banheiro. Não preciso mencionar o barulho vindo
de lá e os gemidos que a égua acabava soltando sem querer.
— Carmella, está tudo bem, aí? — sou a primeira a demonstrar a minha
preocupação.
Por mim ela poderia ir junto com a descarga, mas isso não posso dizer em voz
alta.
— Já estou saindo! — fala entre gemidos.
Brian se aproxima e se prontifica a examiná-la quando ela puder sair do trono é
claro.
Ouço o barulho da descarga e nada da puttana sair do banheiro, quero vê-la
limpar aquela bunda hemisférica sem papel. Todas se afastam deixando a moça
mais à vontade, menos eu que aguardo para ver sua cara com dor de barriga, ela
abre discretamente a porta e toda suada, com os cabelos grudados em seu rosto
pálido e ofegante, diz baixinho.
— Não tem papel aqui!
— Não ouvi direito, pode repetir?
— Não tem papel aqui. — aumenta um pouco a voz, mas isso ainda é muito
pouco para mim.
— Mi dispiace, non ho sentito ! — fecha seus olhos impacientes e acaba se
[525]
descontrolando devido a dor que a assola novamente.
— Não tem papel aqui!!! — grita e antes que eu me coloque à sua disposição
para buscar o papel, fecha a porta em minha cara voltando a se sentar em seu
majestoso trono. E de lá de dentro, mais barulhos desagradáveis indicam que a
égua ainda vai cagar muito.
Volto para o meu lugar e munida de papel trazido por uma das funcionárias da
casa, Carmella sai diretamente para seu quarto. Brian, após examiná-la,
recomenda total repouso, uma alimentação leve e ainda deixa claro que outras
crises de disenteria serão comuns até que seu organismo esteja totalmente
restabelecido.
Não disse que uma italiana ciumenta é pior do que o diabo?
Após esse incidente, volto para meu quarto para me preparar para meu lindo
casamento de logo mais...
Il nostro matrimonio[526]

Antonella
Ajeito algumas últimas peças que faltavam em minha mala, partiremos em lua
de mel assim que nos despedirmos dos convidados essa noite. Olho para o meu
vestido pendurado no canto direito do quarto e sorrio, em cima do colchão,
minha lingerie escolhida especialmente para esse momento e ao seu lado, o
buquê de lavanda escolhido pelo noivo e entregue pelas mãos de Adele como
parte da tradição de um casamento italiano.
Um frio constante assola meu ventre acompanhado de um nervosismo comum a
todas as mulheres que vivenciam esse dia tão especial, há também um temor por
imaginar que num futuro não muito distante eu não seja tudo o que Enzo precise,
sendo um homem intenso ao extremo, a insegurança de que um dia esse
sentimento que ele afirma sentir se esvaneça, faz meu coração se apertar, não
saberia lidar com sua indiferença e muito menos viver sem o brilho de seus olhos
ao olhar para mim.
Eu o amo de uma forma extrema e excepcionalmente duradoura e imaginar que
esse sentimento todo não é mais recíproco me abala por completo. Leves batidas
na porta me tiram desses pensamentos duvidosos e me trazem de volta à
realidade.
— Já estou indo! — saio da cama e descalça ando rapidamente até a porta
girando a maçaneta, deixando somente o espaço de meu rosto no batente.
— Posso entrar? — Adele segura um embrulho pardo com um laço azul e me
estende seu sorriso meigo de sempre.
— Claro. — afasto meu corpo, deixando espaço para que ela adentre o ambiente.
— Daqui a uma hora, o maquiador e cabeleireiro estarão aqui! — estica seu
braço, verificando as horas em seu pequeno relógio dourado.
—Tudo bem. — confirmo. — Estava verificando minhas malas.
— Comprei para você e espero que goste! — estende o embrulho, ele recai sobre
as minhas mãos e meu semblante exala surpresa.
— Oh, Adele! — disparo, um tanto constrangida. — Você já me deu tantos
presentes! — mais alguns passos e minha futura sogra se aproxima de meu
vestido tocando em sua barra.
— Você me deu o maior deles, Antonella! — se vira para mim, devagar. — Você
me presenteou com algo que nenhuma fortuna no mundo pode comprar! —
ajeita a grinalda pendurada ao lado do vestido e se dirige para a minha cama. —
Você me deu a alegria de ver meu filho feliz e apaixonado e pela chegada de
meu neto. Todas as vezes em que olho para ele e o vejo com os olhos brilhando
pelo simples fato de dizer o seu nome, agradeço por você ter entrado em nossas
vidas, Enzo está feliz e isso me faz feliz também. — assegura.
— Amo seu filho e quero fazê-lo muito feliz. — suas palavras me deixaram
quase muda de emoção.
Abro finalmente o laço do pacote, revelando ao primeiro olhar uma camisola
azul petróleo extremamente linda e requintada, dobrada de modo delicado, toco
a peça e sinto sua textura confeccionada na mais pura seda e um detalhe em suas
alças é que me chama mais a atenção. No encontro que liga a alça direita ao
corpo da camisola há uma joia ornamentada em safira e brilhantes, chego a
engolir seco ao deslizar meus dedos em algo tão fino e ostensivo.
— Ela é linda! — sorrio em agradecimento colocando a peça rente ao meu
corpo.
Diante de algo tão glamouroso, as camisolas que comprei ficarão em segundo
plano.
— Quero muito que a use em sua primeira noite de casada para lhe dar sorte. —
me encara sorrindo. — E guarde essa joia com muito carinho quando a camisola
não mais tiver uso. — sua vez se passar a mão sobre as pedras preciosas. — Ela
foi um presente de Victório quando Enzo nasceu. — sua expressão parece voltar
no passado e seu rosto se ilumina assim como seus olhos ficam rasos d'água.
Meu corpo se arrepia por completo ao receber uma coisa tão vultosa e com um
significado tão importante, relutante, penso em dizer que não posso aceitar um
presente dessa natureza.
— Adele, não ...
— Não ouse me dizer que não pode aceitar! — busca minha mão e a aperta sob a
sua. — Esse foi um dos dias mais felizes de minha vida, pois você sabe o quanto
Enzo é importante para mim.
— Sí. — lágrimas intrometidas aparecem em meus olhos. — Só tenho a
agradecer por um presente tão precioso. — completo. — Prometo guardá-la por
toda minha existência.
— Sabia que você é muito parecida comigo, Antonella?
— Eu? Em que sentido? — respondo, ainda emocionada e agora confusa.
— Ama Enzo como ele é, independente do que ele faça ou venha a fazer, você o
ama como eu amo o meu Victório. Quero que você seja feliz assim como sou!
Amada e protegida sempre! — estende seus braços e me convida a me aninhar
entre eles. — Eu lhe recebo em nossa família como uma filha e sempre que
precisar de qualquer coisa, estarei à sua disposição.
— Grazie per tutto! — digo com a voz embargada.
— Não me agradeça, somente me dê o orgulho de dizer que não nunca estive
errada ao acolhê-la como minha nora querida. Gosto muito de você e espero que
me encha essa casa de bambinos muito sapecas! — pisca para mim com seus
lábios sorridentes.
Beijo seu rosto e uma enxuga as lágrimas da outra.
— Bem. — bate suas mãos em seu colo. — Chega de choro porque a noiva tem
um casamento para celebrar e você tem que estar linda para encontrar seu noivo
na igreja. — ela se levanta ajeitando seu coque bem feito, olha para a porta
entreaberta do banheiro e antes de sair gira seu corpo em minha direção.
— E outra coisa que uma mulher de nossa classe tem que saber.
— O que? — inquiro.
— Como hoje no almoço, nunca permita que alguém tente invadir o lugar que é
somente seu e muito menos deixem que a humilhem. — balanço a cabeça em
afirmativa segurando um riso reservado e compreendendo muito bem a sua
referência à Carmella.
— Só mais um detalhe!
— Qual?
— Como uma exímia esposa de um mafioso nunca deixe a prova de um crime
aos olhos alheios, está bem? — aponta para a bancada da pia onde se encontra o
pequeno vidro de laxante.
Fecho meus olhos e bato a mão espalmada em meu rosto em sinal de vexame
completo.
— Você mostrou que defende o que é seu e se saiu muito bem, minha nora. No
passado, também já fiz das minhas. — revela uma faceta travessa. — Um dia eu
lhe conto as minhas peripécias.
Adele estaria me dizendo que andou aprontando por ciúmes do senhor Ferraro?
— Aguçou minha curiosidade, minha sogra. — seus olhos se erguem para o teto
e sua gargalhada é inevitável e ressonante em meu quarto.
— Outro dia, sentaremos e lhe contarei tudo.
— Combinado.
Sai e ao me lembrar dos conselhos de minha sogra, minha primeira atitude é
adentrar no banheiro e me livrar do vidro de laxante.
*****
Horas depois...
— Trasforma Antonella e smetti di tremare. — Tia Martina ajeita meu vestido
[527]

e à essa hora, Enzo e os demais nos esperam na igreja. A cavalla Carmella ainda
convalescente continua sentada em seu trono e não poderá me dar a honra de sua
presença na igreja.
— Sono molto nervosa, zia ! Senti le mie mani fredde.
[528] [529]

Em frente ao espelho de meu quarto, conferimos os últimos retoques


— Perché ti consiglio di provare a calmarti. — esfrega minhas mãos nas suas.
[530]

— Oggi è un giorno molto speciale per te e me ! — respiro repetidas vezes


[531]

para trazer mais calma ao meu nervosismo.


—Sei bellissima, mia nipote, ed è un peccato che tua madre non possa essere qui
per condividere questo momento con noi. [532]

—Sarebbe meraviglioso se i miei genitori fossero qui. [533]

Uma das empregadas da casa bate à porta e avisa que o senhor Victório me
espera na sala principal.
— È arrivato il momento, mia cara. Vai e sii molto felice. [534]

— Sono già molto, mia zia.[535]

A abraço mais uma vez e com sua ajuda desço as escadas segurando meu buquê,
as pequenas flores e o tecido de meu vestido tremem juntamente com meu corpo.
Um fotógrafo tenta me fazer relaxar me chamando para sua lente com
comentários engraçados, na intenção de me arrancar sorrisos espontâneos e de
costas para a escada está o meu futuro sogro com uma das mãos no bolso de sua
calça, trajando seu smoking, o senhor Victório demonstra toda sua elegância e a
postura de um homem forte, inteligente e que em sua juventude deve ter sido o
terror das mulheres. Nesse quesito, Enzo puxou a seu pai.
Reparo também que por uma questão de orgulho, ele desfez do uso de sua
bengala, ao notar minha presença ainda no penúltimo degrau, se adianta e
estende sua mão como um bom cavalheiro.
— Aí está ela! — ergue seu braço e me faz dar meia volta. — Você está linda,
Antonella! — oferece seu braço a mim. — Meu filho tem muito bom gosto.
— Obrigada, senhor Victório. — sinto meu rosto corar.
A presença do pai de Enzo sempre me intimidou, ele, diferente da doce Adele,
tem uma aura que inibe todo aquele que se depara com sua figura. Além de um
semblante fechado, o senhor Victório se resguarda em uma severidade
totalmente notável.
— Antes de seguirmos para a cerimônia, quero lhe dizer algumas palavras. —
encara meu rosto e seu maxilar fica ainda mais retesado. Segundos se passam e
ele nada diz, pigarreia enfim e segurando minha mão direita, solta a sua voz
grave e sempre autoritária.
— Quero lhe pedir um favor!
— Favor? — meneia a cabeça afirmativamente.
O que ele poderia me pedir? Ou melhor, o que eu poderia fazer por ele?
— Quero que você seja muito forte. — estaca em meio à sala e seus olhos
recaem sobre minha tia e a cerimonialista que circula ao nosso redor. Discretas,
as duas saem pela porta lateral que dá acesso a parte externa da casa e assim,
meu sogro volta seu olhar inflexível em minha direção. — Você será como uma
guarita para Enzo quando as coisas se tornarem piores. — fala com altivez. —
Sei que não é o momento para discutirmos isso, mas quero que me prometa que
em quaisquer circunstâncias sejam elas felizes como agora, intempestivas como
a noite daquele disparo e o atentado de nossa Letízia, ou situações amargas com
a morte de alguém querido para ele. — senhor Victório parece lidar com a morte
como uma companheira inseparável, em seu semblante é possível ver que a
morte não lhe causa nenhum desconforto ou medo. — Quero que mantenha a
postura firme e esteja pronta para qualquer eventualidade.
— Eu lhe prometo. — respondo sem nenhuma hesitação. Bate em minha mão
levemente e esboça um sorriso.
— Era isso que eu queria lhe pedir e não esperava menos de uma Ferraro. Você
tem a minha bênção e não lhe peço nada mais do que fazer o meu Enzo feliz. —
surpreendentemente, beija minha testa e sem querer uma lágrima rola do canto
de meu olho.
— Vamos ou Enzo mandará alguém para nos buscar! — solta essa frase em tom
de brincadeira para amenizar a emoção que se abateu sobre mim.
Com seu andar elegante me conduz até a garagem. todo o jardim está decorado
com flores e lanternas tipicamente italianas, a cerimonialista que há pouco estava
na sala vem ao meu encontro e ajeita a minha grinalda para que eu possa entrar
no carro. Um outro funcionário nos levará até à Catedral de São Patrício, onde
será realizada a cerimônia e depois, voltaremos para a recepção que acontecerá
nos jardins da mansão Ferraro, minha tia seguirá em outro carro com as
crianças.
Durante o trajeto até a igreja o senhor Victório me contou como foi o dia de seu
casamento, mesmo contido e escolhendo as palavras certas, seus olhos brilhavam
ao relembrar de cada detalhe descrito naquela ocasião. O amor que ele sente por
Adele é tão forte e inquestionável que as palavras que ele usa para se referir à
esposa a tornam quase uma imortal perfeita. Mais dez minutos e paramos na
Quinta Avenida onde fica a igreja escolhida por Adele e por mim.
O motorista estaciona e toda a equipe do cerimonial vem ao encontro do carro,
Pietro e Letízia estão a postos para serem os padrinhos de honra, olho para a
imensa Catedral e imagino que atrás dessas portas, o homem que amo me espera
para me tornar somente sua.
Mais alguns ajustes na porta da igreja e de uma de suas laterais sai
Donatella, com um lindo longo azul, andando a passos mais acelerados até
chegar até mim.
— O que houve? — arruma seu cabelo sobre os ombros. — Enzo está lá dentro
quase botando um ovo. — a cara de Donatella ao fazer esse comentário acaba
me fazendo rir.
— Estou tão atrasada assim? — pergunto.
— Por acaso, não conhece com quem irá se casar? — olha para meu vestido e
me cobre de elogios. — Enzo não para de olhar no relógio até que saí para ver
qual o motivo da demora de vocês.
— Diga a ele que a culpa foi minha. — senhor Victório pisca para mim e sorri.
— Tinha uma conversa de sogro para futura nora para tratar com Antonella. —
movimenta sua velha mão. — Agora vá e diga para aquele apressado que a noiva
ainda não fugiu. — antes de sair, Donatella beija e alisa o rosto de seu pai.
— Pode deixar, avisarei o afobado!
Mais fotos são tiradas na porta da igreja e em seguida, chega a hora da entrada
da noiva, sei que há muitos convidados lá dentro e inúmeros olhares estarão
voltados para mim, mas somente me importa um par de olhos azuis límpidos e
lindos como o mar do mediterrâneo.
Ouço a marcha nupcial sendo tocada e parados em frente à porta, sou conduzida
pelos passos firmes do pai de Enzo com meus sobrinhos à minha frente, todos
em pé olham para o fundo da catedral e trêmula respondo a um ou outro
cumprimento com um sorriso nervoso.
No altar, Virgínia acompanhada de Domênico não para de sorrir em minha
direção, consigo ler os seus lábios dizendo "linda" e me felicitando com seus
olhos marejados, do lado oposto, uma imagem que achava impossível de ser
vista novamente, minha irmã Clara, em lágrimas, de braço dado com Brian,
ergue sua mão livre e me mostra que suas pernas já a sustentam sem o uso da
bengala e isso tudo só pôde se tornar realidade graças a ele, ao homem, cujas
mãos estão cruzadas frente ao seu corpo, que nesse breve espaço do tempo
feliz de nossas vidas me olha engolindo em seco, molhando seus lábios,
demonstrando o seu nervosismo.
Enzo está magnífico, glorioso e lindo.
Seus cabelos penteados para trás exibem seu rosto de beleza inigualável, seu
smoking sob medida, realça sua estatura assim como toda sua compleição física.
O homem com o qual joguei acreditando ser mais forte e inteligente a ponto de
enganá-lo, aquele pelo qual me apaixonei mesmo o renegando a cada dia e me
debatendo quase sem forças contra esse sentimento, quase possuidor de toda
minha alma.
Enzo ultrapassou todas as esferas de seu próprio orgulho para proteger a mim e a
minha família, sabendo quais eram as minhas intenções iniciais, mesmo assim
continuou a cuidar de mim a seu modo e hoje estamos aqui perante a todos para
reafirmar o nosso amor sem nenhuma restrição.
Mesmo que ele nunca me diga em palavras que me ama literalmente, o seu "eu te
amo," é descrito em cada atitude de carinho, amor, proteção e desejo com que ele
me trata. seus olhos se mantêm como um imã e não se desgrudam dos meus até
que o vejo descendo os degraus vindo ao nosso encontro.
— Papá. — o pai bate em seu ombro e os dois se cumprimentam.
— Tentei de tudo, mas como pôde ver ela não desistiu! — seu pai brinca.
Brian nos observa no altar com um sorriso nos lábios e um brilho incomum em
seus olhos, pende sua cabeça e me acena de modo discreto.
— Ainda bem que o senhor é um péssimo mediador. — mais um tapa forte nas
costas de Enzo.
— Cuide bem deles! — senhor Victório se afasta, se juntando a Adele que exala
sua alegria com as mãos em seu rosto alvo e delicado, ela se aproxima e se
oferece para segurar o meu buquê.
Donatella e Isaiah estão sentados na primeira fila do lado direito juntamente com
Tia Martina que não para de limpar discretamente o canto dos seus olhos.
—Você está linda, Nella! — Enzo beija minha face e o tocar de seus lábios em
minha pele me transmite uma calma temporária.
— Nem imagina o quanto você está lindo, senhor Ferraro! — Enzo sorri me
oferecendo seu braço nos conduzindo diante do sacerdote.

Enzo
A cada passo que ela dá uma lembrança de nossa trajetória se forma em minha
mente, a primeira vez em que a vi circulando com sua graça e andar naturais,
vestida em seu uniforme de arrumadeira, nosso primeiro beijo, sua inquietude e
obstinação em me provocar ciúmes de uma forma quase dolorosa, seu jeito
atrevido ao me mostrar que ela era resistível a todo meu método de conquista.
Tudo vêm à tona como um filme que felizmente acaba de um modo feliz.
Ao olhar para seus olhos castanhos arredondados, cheguei definitivamente à
conclusão de que ela me estragou para qualquer outra mulher, meu passado
coberto por devassidão é agora substituído por um presente como um homem
que não deseja estar em outros braços a não ser os da mulher que ama e
galgando para um futuro, onde somente será ela e nossos filhos que porventura
[536]

virão, tenho a absoluta certeza da minha completa felicidade.


O sacerdote segue com todo o ritual da cerimônia e ajoelhados perante o altar,
chega a hora dos votos. Com muita dificuldade Antonella diz os seus votos com
a voz embargada e seu sotaque que tanto gosto ainda mais evidente, seguro com
carinho em sua mão fria e trêmula.
— Eu, Enzo Rafaello Ferraro. recebo-te por minha esposa Antonella Grasso
Chiarelli e prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza,
na saúde e na doença todos os dias das nossas vidas. — emocionado, continuo.
— Dentre muitas, a única, entre tantas, a mais especial. — em seu olho esquerdo
uma lágrima rola por sua pele e cai em seu ombro, seus lábios vacilam e ela se
segura respirando forte para não deixar que o pranto se intervenha e faça com
que perca esse momento só nosso. — Prometo cuidar de vocês com a minha vida
que a partir de agora também é sua.
Abaixa sua cabeça e subitamente meus dedos pairam em seu queixo nivelando
sua face com a minha, a repreendendo pelo choro mesmo que este seja de
emoção, ela sabe que detesto ver mulher chorando e nesse momento balanço
minha cabeça controverso a cada lágrima que cai.
— Não quero seu choro, somente o seu amor por mim, mia ragazza! — prende
os lábios mais uma vez respirando fundo para não chorar em minha frente.
Trocamos as alianças e finalmente ela se tornou a minha senhora Ferraro, ao
beijá-la levemente diante do altar, selei diante de todos a minha promessa em
honrar esse amor que faz parte de mim.
Para minha surpresa, na hora dos cumprimentos vejo Ignácio no fundo da igreja,
ele finalmente chegou de El Paso e pelo seu olhar algo muito proveitoso veio
junto de sua bagagem.
De braços dados com minha mulher saímos pelo corredor da igreja, sendo
saudados pelos muitos convidados presentes. Na calçada, somos cobertos por
uma imensa chuva de arroz coordenada por Clara, Donatella e Martina, Brian
reduz a nossa distância e é o primeiro a me felicitar como meu velho amigo.
— Felicidade, meu amigo! Sempre.
— Obrigado, Brian. — Antonella se distancia para receber outros cumprimentos
dos demais e meu amigo e eu travamos um pequeno diálogo.
— Que horas parte em lua de mel?
— Logo depois da festa.
— E continuará a manter o mistério de seu destino? — zomba.
— O que você precisa saber é que estou indo viajar, o destino cabe apenas a mim
e a minha esposa. — bato de leve em seu rosto, deixando claro que nem mesmo
ele tem o direito de se intrometer em meus planos.
Brian se afasta contrafeito pela minha demonstração de não confiança em sua
[537]

pessoa e então é a vez de Ignácio me felicitar com um abraço. Na sequência,


pisca para mim e me pede para falarmos em particular.
— Temos novidades. — olha ao redor para certificar-se de que não estamos
sendo observados.
— Depois, em meu escritório.
— Combinado, chefão!
— Ohhhh! — o advirto com um sorriso no rosto e chamo Antonella para
seguirmos para a recepção em nossa casa.
Ela se aconchega em meu peito e nos dirigimos para o meu Porshe, agora todo
pintado e enfeitado com latinhas, mais uma proeza de Domênico.
Abro a porta do passageiro para ela e dou a volta me sentando no banco do
motorista.
— Feliz, senhora Ferraro?
— Muito, como se não houvesse amanhã! — pende seu rosto em minha direção
e busca minha boca num beijo apaixonado e quente.
Sigo em direção à nossa casa com uma ideia em minha mente, não vejo a hora
de falar com Ignácio.
Antonella deposita sua mão em meu joelho e nesse instante apago qualquer
sombra que por hora me rodeia, sorrio para ela e prometo a mim que
não deixarei esse assunto atrapalhar a minha noite...
Relaxar sim, baixar a guarda jamais!

Antonella
Extasiados e felizes, adentramos os portões da mansão, no jardim, os
convidados nos esperavam sorridentes e ansiosos para nos cumprimentarem. As
várias mesas sobrepostas foram cuidadosamente ornamentadas com pequenos e
delicados arranjos acompanhados de velas que se contrastavam com as muitas
lanternas espalhadas pelo jardim trazendo um pouco da tradição italiana para a
nossa recepção.
Para quem observasse nosso casamento poderia até se sentir em um filme de
Coppola, a festa estava recheada de chefões vindos de várias partes do país e
eram facilmente reconhecidos pela sua pose arrogante e cobertos pelos seus
trajes sumariamente bem cortados. Ao se aproximarem de nossa mesa,
distribuíam abraços calorosos e tapas leves no rosto de Enzo, uns arriscavam a
beijar seu rosto como parte de um rito de sua organização e muitos entre os
inúmeros membros da Família faziam questão de desejar felicitações e ainda
beijar o anel de Enzo em sinal de devoção e foi exatamente nessa ocasião que
um rosto muito familiar chamou a minha atenção em meio a tantos convidados.
Eu o reconheceria em qualquer lugar desse planeta mesmo que esse sujeito não
estivesse fazendo uso de seu boné preto e palito de dentes, com sua baixa
estatura, vestindo smoking que apertava sua protuberante barriga, Dario, o
taxista, conversava animado com um senhor e para minha surpresa, o palito de
dente foi substituído por um charuto.
Além de espantada, minha evidente reação foi a de aproximar minha boca ao
ouvido de Enzo e obviamente, perguntar a ele o que esse sujeito estaria fazendo
em nossa festa.
— Não me diga que depois daquela tentativa fatídica de me levar ao aeroporto,
você e esse taxista estreitaram laços de amizade a ponto de convidá-lo para
nosso casamento? — perguntei, os lábios de Enzo se curvaram em um sorriso
todo travesso e seus olhos se ergueram na direção do taxista.
— O senhor Dario é um antigo associado de minha família e se hoje trabalha
com seu táxi pela cidade, ele deve tudo isso ao meu pai. — consternada, devolvi
ao meu marito um olhar estreito.
— Quer dizer então... — silenciou meus lábios com seu indicador e olhar
intenso.
— Quer dizer que em hipótese alguma deixaria que embarcasse naquele avião.
— segurou minha mão e a levou em sua boca a beijando de leve. — Digo e
repito, iria até aos céus para lhe trazer de volta!
— Nesse caso, não foi preciso muito esforço, apenas a ajuda do senhor Dario!
Vocês me enganaram direitinho! — ressaltei, fazendo uma brincadeira. —
Jamais imaginei que aquilo tudo passasse somente por uma encenação!
Nesse ínterim, o exímio taxista e aspirante a ator caminhou até nossa mesa para
nos felicitar.
— Enzo Ferraro! — estendeu seus braços curtos e abraçou meu marido
desejando muitas felicidades, em seguida, foi a minha vez e em seus olhos havia
muita satisfação por ter participado da nossa reconciliação.
Depois de recebermos os cumprimentos de todos chega a hora de aproveitarmos
um pouco da festa, voltando ao presente, meus olhos percorrem todo o jardim
observando a todos aqueles que fizeram parte de minha história até aqui. Clara,
com seu enorme sorriso, conversa toda animada com Brian e ele por sua vez
demonstra todo interesse em ouvir suas histórias. Na outra ponta da mesa,
Donatella e Isaiah trocam carícias muito discretas, mas que demonstram o
quanto estão comprometidos entre si. Virgínia parece encantada com o jeito
despojado de Domênico, ao seu lado, não desvia o olhar de sua direção e ele se
faz notar pela sua conversa animada e cativante.
Nessa hora, o senhor Victório se levanta da mesa entoando, aos poucos, um
silêncio entre os demais, ele ergue a sua taça de vinho e com sua vigorosa
presença ergue um brinde à essa nova etapa de nossa vida. Todos imitam o seu
gesto e com as taças ao alto ouvem atentos as palavras do patriarca da família e
ao encerrar seu discurso, suas palavras são ovacionadas com muito entusiasmo
pela maioria dos convidados.
É notável e impressionante ver a admiração recíproca que há entre Enzo e seu
pai, enquanto o senhor Ferraro nos felicita com o melhor da vida a dois, os
lindos olhos de seu filho brilham com uma intensidade única e agora entendo o
porquê Enzo escolheu a máfia como profissão, ele se orgulha e se espelha na
figura de Victório e é ela a sua identificação para seguir os passos do pai e se
realizar como um chefe de família em seus negócios e também em âmbito
familiar. Não há quem não repare o quanto ambos se amam e se respeitam.
Chega a hora de cortarmos o bolo e esse momento é registrado com os muitos
flashes disparados pelo fotógrafo, ao fundo do jardim, uma banda escolhida por
Donatella embala nossa festa que regada a muita comida e bebida também foi
animada por boa música, Enzo se levanta e ajeitando seu smoking estende sua
mão para mim, me conduzindo para a pista de dança.
— Não era você que não sabia dançar? — parados em meio a pista, deposito
uma de minhas mãos em seu ombro enquanto muitos olhares se voltam em nossa
direção.
— Digamos que eu tenha lhe contado uma pequena mentira! — me oferece sua
mão esquerda no mesmo instante que a direita enlaça minha cintura.
— Agora é tarde para ficar indignada, senhora Ferraro.
— Por isso, só lhe contei agora! — dá sinal para a banda e encosta seu rosto no
meu. — Porque não queria que se casasse comigo somente por eu ser...
digamos... — afasta seu rosto e estreita seus lábios fingindo não encontrar as
palavras que concluam seu raciocínio. — Uma espécie de Fred Astaire
mafioso!
[538]

Não me contenho ao riso e encostando sua testa na minha somos embalados por
uma linda canção que traduz tudo o que sentimos um pelo outro.
Nessa hora não há outro lugar que me prenda e me faça flutuar de alegria que
não seja a imensidão dos seus olhos azuis a me encarar com o mais intenso amor
e em seus braços sou conduzida como se o mundo estivesse parado para
testemunhar a minha felicidade. Ao final da dança, somos aplaudidos e a partir
de então muitos casais se arriscam a entrarem na pista, dentre eles, Clara e Brian,
minha sorella dirige seus olhos em minha direção e pisca para mim ao ser
conduzida por Brian, fico feliz pelos dois e acredito que ambos fizeram uma bela
escolha.
Um pouco mais tarde, Donatella me puxa da mesa para jogar o meu buquê, Enzo
a olha atravessado e antes que ele diga qualquer coisa que não caiba no
momento, arrasto minha cunhada para o local onde todas as solteiras estão a
postos, risadas e empurrões são comuns antes que eu conclua a minha tarefa e
fechando meus olhos impulsiono meu braço para o alto e arremesso o buquê que
é pego por Virgínia, me aproximo de minha amiga e lhe abraço apertado.
— Obrigada por tudo, minha amiga, se não fosse por você, sem dúvida, não
estaria aqui hoje!
— Mas é claro que estaria! — me corrige. — Quando o destino de duas pessoas
está ligado, não importa o tempo e muito menos como elas se encontrarão e
vocês se encontrariam de alguma forma em qualquer outra circunstância.
Virgínia me deixa emocionada com suas palavras.
— Espero que você encontre a sua metade. — ergue o buquê e zomba.
— Estou contando com o amuleto de uma amiga que fisgou um tremendo
partidão e se isso não tiver com defeito, logo teremos novidades. — pisca para
mim e seus olhos procuram por Domênico que conversa com Isaiah e Enzo
próximo à mesa dos noivos.
— Também espero. — ela muda o foco de nossa conversa.
— Embarca ainda hoje para sua lua de mel? — respiro fundo e solto uma lufada
de ar dos pulmões.
— Mudança de planos, Enzo decidiu que partiremos amanhã bem cedo.
— Entendi. — pigarreia com olhar curioso. — E não irá mesmo me contar para
onde vão?
— Espero que me entenda, mas não posso e você sabe o porquê.
— Desculpe, Antonella, não quis ser inconveniente. Sei o motivo pelo qual
vocês estão mantendo segredo e acho mais do que correto, afinal o perigo anda
rondando vocês.
— Grazie per la comprensione. [539]

A festa segue animada e momentos mais tarde, os convidados vão se despedindo


e o jardim vai ficando vazio. Não posso dizer que a ideia de viajarmos somente
pela manhã me desagradou, descansar antes de partir foi uma ideia muito bem-
vinda para mim.
Os últimos a deixarem a festa são Brian, que se despede de Enzo nos desejando
mais uma vez felicidade e logo após saem Domênico e Virgínia ficando somente
Ignácio.
Enzo me pede licença e mesmo a contragosto, eles se dirigem ao escritório, não
era esse fim de festa que eu tinha em mente, porém devido a realidade dos fatos
e suposições, meu marido teve que se ausentar justo em nossa festa de
casamento e deduzo que isso se deva ao fato de que seja por um motivo muito
importante.
— Prometo que não demoro, mia ragazza! — disse, antes de se ausentar.
— Sem problemas, eu lhe espero em nosso quarto!
Tudo fica silencioso e enfim poderei arrancar meus sapatos que estavam me
matando, mas antes de mais nada, me encaminho para a cozinha onde alguns
funcionários ainda transitam por ali ajeitando alguns pormenores, antes de irem
para seus respectivos aposentos e ao me verem se retesam como se vissem um
fantasma.
— Podem continuar o que estavam fazendo e não se importem com minha
presença. — próxima ao bolo de meu casamento, corto uma generosa fatia e com
um garfo em mãos saio dali satisfeita.
Não conseguiria dormir sem comer esse bolo! Amo bolo.
Com meus sapatos e o prato de bolo nas mãos subo as escadas e me dirijo para o
meu antigo quarto, quero me arrumar para esperar o meu lindo marido.

Enzo
— Espero que você tenha algo muito relevante para ter me trazido a esse
escritório logo no dia de meu casamento. — me sento atrás de minha mesa
desatando o nó de minha gravata e Ignácio, muito calmo, se aproxima com uma
pequena pasta na mão.
— Confesso que demorei mais do que imaginei, todavia acredito que minha
viagem não foi em vão. — estende a pasta em minha direção e arrasta uma
cadeira.
Abro a pequena pasta e vejo a foto de um homem descrito como Demétrio
Furman.
— Quem é Demétrio?
Ignácio se ajeita na cadeira e me conta que esse homem é o único irmão de
Eurídice ainda vivo e reside na cidade de Houston.
— Depois que Montanaro foi morto pelo seu pai, Eurídice desapareceu de El
Paso, portanto deduzo que ela deva ter buscado refúgio na cidade do irmão.
— Conseguiu falar com esse sujeito?
— Aí é que está! — tamborila seus dedos sobre a mesa. — de El Paso
embarquei para Houston na esperança de encontrar esse homem e com a ajuda
de alguns de nossos contatos acabei encontrando seu endereço. — inquieto,
Ignácio se coloca em pé. — Infelizmente, se mudou às pressas há algumas
semanas e então deduzi que ele sabia dos planos da irmã e mantinha algum
contato com ela, do contrário, por que fugiria?
— Ninguém sabe do paradeiro dele?
— Já coloquei nossa gente em busca do esconderijo desse homem e espero
encontrar alguma pista contundente que elucide alguma coisa a respeito desse
caso. Ouvindo atentamente o seu relato, concluo.
— Partirei logo pela manhã, porém se obtiver qualquer notícia a respeito desse
homem, quero que me avise de imediato. Quero ficar frente a frente com esse tal
Demétrio.
— Pode deixar.
— E o dossiê que pedi para que levantasse?
— Pelo que descobri, não há nada de concreto para que suspeitemos de Brian.
— Conseguiu descobrir quem era a sua mãe biológica?
— Não, os registros do orfanato em que ele viveu até os dez anos não continham
nenhuma informação a respeito de sua origem. Voltamos à estaca zero, mas se
me permite, continuarei a investigar mais a fundo.
— Sim, mas sugiro que use métodos menos convencionais.
— Tipo?
— Quero que entrem em sua casa sem serem vistos e vejam se conseguem
descobrir alguma coisa que comprove ou extirpe de vez essa nossa desconfiança,
para isso, fale com Domênico. — aliso a pasta sobre a mesa. — Ele saberá como
invadir os sistemas de segurança da casa de Brian.
— Está certo, assim, eliminamos mais um da lista de suspeitos.
— Que se diga de passagem está ficando cada vez mais estreita e não sei mais
para onde direcionar minhas desconfianças.
— Fique tranquilo, pegaremos esse inimigo mais dia, menos dia.
— Temo que esse dia chegue um tanto tarde. —me levanto e estendo minha mão
ao meu Consigliere. — Obrigado por sua presença e de sua família em meu
casamento.
— Foi uma honra para mim dividir esse momento de sua vida e só lhe posso
desejar felicidades.
— Agora, preciso ir. Deixei minha mulher sozinha justamente em nossa primeira
noite de casados. — Ignácio ergue seus olhos e tenta justificar a nossa atitude.
— Espero que Antonella se acostume com esses contratempos. Ser mulher de
mafioso tem suas vantagens e desvantagens como a mulher de um médico, um
policial, bombeiros e afins.
— Visto dessa forma, você me deixou lisonjeado. Comparar um mafioso com
essas outras profissões me enaltece e muito. — brinco e ele ri.
Em seguida, dá a volta em minha mesa e trocamos um longo abraço, se eu
tivesse um irmão, gostaria muito que esse cara fosse Ignácio. Ele sempre esteve
presente em maior parte de minha vida e mais do que isso, me aconselhou em
muitos momentos a tomar as mais acertadas decisões. Saímos de meu escritório
e momentos depois, entro em meu quarto improvisado arrancando minha
gravata, seguido do paletó de meu smoking, me desfaço de minhas abotoaduras,
caminho para o banheiro e lá, tomo um banho para me juntar à minha esposa em
nosso quarto. De roupão, caminho para nossa suíte no final do corredor e ao
adentrar o ambiente corro meus olhos à sua procura.
— Antonella. — chamo seu nome mansamente na esperança de encontrar a
minha esposa esperando por mim com seu sorriso que tanto gosto.
A luz que incide por debaixo da porta do banheiro indica a presença de minha
esposa e assim, não me resta uma alternativa a não ser esperar.
Estico meu corpo em nossa cama e recostado na cabeceira, espero ansioso pelo
abrir da porta, menos de dois minutos após, a porta se abre me dando a
estonteante visão de minha mulher vestindo uma camisola azul que torneia todo
seu belo corpo. Seus cabelos, agora soltos, fazem com que ela fique ainda mais
linda, sua imagem impacta meu olhar e faz com que meus olhos se prendam ao
andar lânguido e sensual com que ela caminha até mim. Essa imagem
juntamente com seu perfume doce se espalha por todo nosso quarto chegando ao
meu olfato, despertando em mim um querer urgente e mais do que necessário,
engulo seco e espero ansioso para tocá-la. Estico meu braço e ela permanece aos
pés da cama.
— Demorei? — deixo em minha pergunta um tom de voz implícito em um
pedido de desculpas por deixá-la sozinha.
— Se eu disser que achei isso legal, estaria mentindo. — se ajoelha na cama e de
quatro engatinha até mim. — Mas sei que fez isso pelo nosso bem comum e por
essa razão ti perdonerò sempre.
[540]

Lapidada somente para mim, Antonella se faz perfeita em pequenas ocasiões


como essa e ao se jogar sobre meu corpo, enlaço meus braços a apertando junto
a mim com o intento de jamais me separar da mulher que amo.
— Cheiroso... — aspira meu pescoço e seus dedos circundam meus cabelos
ainda úmidos. — Adoro seu cheiro, Enzo mio. — subitamente, viro meu corpo a
deixando por baixo. Molho minha boca e respirando fundo, procuro seus olhos.
— Ti amo, minha Nella. — é a primeira vez que uso essa frase tão comum aos
casais enamorados. — E mesmo que, muitas vezes, eu não diga o quanto a amo
usando esse "eu te amo." — respiro fundo na tentativa de saber transparecer o
que sinto em meus tolos vocábulos. — Te prometo que passarei a minha vida
toda demonstrando o meu amor por você em atos que sejam dignos do que
também sente por mim.
Antonella me olha aturdida pelo impacto que essas palavras lhe causaram e seus
lindos olhos castanhos se enchem de lágrimas que, a meu ver, parecem ser de
pura alegria.
— Enzo... — suas mãos envolvem meu rosto e a centímetros de minha boca seu
hálito quente me encoraja a prosseguir a compartilhar e expressar esse
sentimento que parece me tomar por completo. — Ti amo muito, amore mio!
— Jamais permitirei que alguém faça mal a você e a nosso bebê. — toco sua
barriga e a imagino daqui a alguns meses, Antonella será uma grávida linda. —
Eu te amo como nunca achei que pudesse amar mulher alguma.
Em resposta, ela avança sobre minha boca buscando meus lábios de modo voraz.
Famigerada, geme em minha boca ao sentir que minhas mãos deslizam pelo seu
corpo curvilíneo e pertencente a mim, seus lábios se afastam e escalando meu
queixo com sua boca, repete em gemidos baixos o quanto me ama à medida que
lambe e suga meu pescoço. Meu roupão é aberto por seus dedos delicados e ela
explora meu peito arranhando minha pele e trilhando um delicioso caminho até
chegar no meu pau que se encontra duro e louco para satisfazer o nosso desejo.
Morde meu peito e em seguida lambe meu mamilo de um jeito só seu. O jeito
Antonella de me deixar com muito tesão.
— O que está fazendo? — pergunto aos tropeços quando sinto sua boca e mãos
descendo pelo meu abdômen.
— Estreando nosso antro de safadezas, meu gostoso! — dispara essa frase com
um sorriso indecentemente irresistível.
— Continue... — minha voz sai num murmúrio rouco tamanho o meu desejo.
Em meu abdômen, deixa marcas leves de suas unhas e a umidade de sua língua
que explora cada centímetro dessa região. Ao ver sua mão segurando em meu
pau, fecho os meus olhos para sentir a maciez molhada e quente de sua boca a
me envolver por completo, sem nenhuma reserva ou piedade, ela me tira o ar
com suas chupadas e lambidas sincronizadas com o movimento enlouquecedor
de seus dedos a me masturbar bem devagar.
Afasto seus cabelos e recostado na cabeceira da cama arqueio meus quadris na
ânsia de ver sua boca me engolindo quase todo.
— Ahhhhhh... — estoco em seus lábios e ainda de olhos fechados e com a boca
entreaberta me perco na devassidão de suas chupadas mais intensas.
Que boca gostosa do caralho...
Não satisfeita em me deixar louco, usa sua mão livre para acariciar minhas
pernas e subindo devagar alcança minhas bolas massageando de um jeito único e
delicioso.
— Quero você! — digo ao segurar forte em seus cabelos, impedindo de
continuar a me chupar.
Ergue seu olhar e provocativa passa a língua por minha extensão até abocanhar a
cabeça de meu pau a sugando como se fosse algo doce e proibido. Não me
contenho e a puxo para meu colo, descendo as alças de sua camisola. Faminto e
desesperado abocanho seu seio e o sugo com a mesma intensidade com que ela
me chupava momentos atrás.
— Enzo... — agarrada aos meus cabelos, ergue seu corpo para que eu retire a sua
calcinha.
Em seguida, arranco sua camisola deixando seu par de peitos para minha boca
que tem fome de cada pedaço seu. Minha mão direita invade suas pernas e sinto
a sua umidade entre meus dedos, me deixando sem controle algum.
Nosso desejo vai de encontro a um limite insustentável e assim, deito meu corpo
esperando que ela se encaixe em meu pau e cavalgue gostoso sobre mim, ela se
ajoelha sobre a lateral de meu corpo e com os cabelos revoltos me encara com
uma luxúria ímpar.
Antonella se tornou a minha sustentação através do amor que sinto por ela, ao se
encaixar em meu membro duro e me permitir penetrá-la devagar fez com que
nosso elo se torne ainda mais forte, minhas mãos agarram seus seios e os
acariciam tomando ainda mais gemidos roucos de sua garganta.
Eu a desejo por amá-la... Desejo seu sorriso e suas lágrimas... Sua alegria e sua
dor... Sem minha ragazza, sou um homem devastado e totalmente pela metade.
— Que delícia... — diz, remexendo seus quadris me sentindo todo dentro dela e
assim, agarro a sua pele ditando o ritmo que a faz pender a cabeça para trás,
deixando seu gozo tomar conta de seu corpo e arremeter com mais rapidez sobre
mim.
Ergo meu corpo e a agarro em meus braços, estocando com mais força e
abafando meu gemido em seus lábios, deixo meu gozo me atirar ao fundo desse
prazer que é estar dentro de minha mulher. Respirando com dificuldade, volto a
me deitar entre os travesseiros a arrastando comigo. Suados, a ponta de meus
dedos acaricia os nós de sua coluna.
— Eu te amo Enzo e amei ouvir essa frase saindo de sua boca. — seu rosto
avermelhado pós gozo é lindo. — Cheguei a sentir inveja de mim mesma. —
brinca.
— Eu a amo muito e não precisa chegar a esse ponto. — aperto seu nariz
delicado entre meus dedos. — Agora, somos marido e mulher oficialmente.
— Estou nas nuvens de tanta alegria.
— E la mia resposta?
— Que resposta? — como sempre minha esposa gosta de se fazer de
desentendida sobre uma conversa de dias atrás. Uma conversa em que propus a
ela experimentarmos sexo anal.
— Você ficou de me dar uma resposta hoje, se esqueceu?
— Não posso pensar mais um pouquinho assim? — faz sinal com os dedos.
— Você está fugindo da resposta, isso sim! — alego. Ela ergue sua cabeça e a
apoia em seu cotovelo.
— Sabe o que é?
— Hum? — arqueio as sobrancelhas a encarando seriamente. — O que foi?
— Andei pesquisando a respeito e não gostei dos relatos que li. — faz uma
pausa enquanto brinca com os pelos de meu peito com as pontas de seus dedos.
— A maioria das mulheres diz que sexo anal dói muito. — respiro fundo e
argumento.
— Terei muito cuidado e será muito prazeroso para nós dois. — a encaro com
malícia. — Sempre quis comer essa sua bunda gostosa. — beijo todo seu
pescoço e sua pele fica arrepiada ao meu toque.
— Ah, não sei não! Virgínia e Donatella também me disseram que dói e muito.
— espantado, rebato.
— Hei, você perguntou esse tipo de coisa para a minha irmã?
— Sim! Qual o problema? Só não perguntei para sua mãe por que achei muito
invasivo de minha parte.
Imaginar a minha irmã dando o cu não é uma coisa muito legal. Ainda mais que
Isaiah é o seu atual namorado.
— Está bem, não há problema nenhum em querer buscar respostas com outras
mulheres, mas posso lhe afirmar que não dói. — mordo de leve seu lábio. —
Garanto que não dói. — atrevida, ela me encara com os olhos arregalados e
cobertos de dúvidas.
— Como sabe que não dói? Por acaso você já deu o seu para saber? — diz de
supetão.
Me sento na cama, a encaro indignado e em seu semblante um ar de riso paira
em seu olhar.
— Que pergunta mais insolente é essa? — nunca uma mulher ou quem quer que
seja ousou me fazer questionamentos dessa natureza. — Você me respeite!
Nunca dei o meu rabo para atestar que não dói, porém sou experiente o bastante
e sei fazer de uma maneira que não irá doer como imagina.
— Desculpe-me, não quis ofender. — ela se retrata toda constrangida. — É
claro que não imaginei que tivesse dado o rabo para ter certeza de que não dói.
Foi meu jeito de falar.
— E então, me dará a resposta?
— Se eu disser que não quero tentar agora, ficaria chateado? — puxo seu corpo
para mim.
— Absolutamente, se não quiser, a gente não tenta.
— Não foi isso que quis dizer, somente não quero tentar hoje. Quem sabe na
nossa lua de mel. — seguro seu rosto entre as mãos e sorrio.
— No seu tempo, mia ragazza! Agora vamos tomar um banho e tentar dormir
um pouco. Quero embarcar muito cedo rumo a Sharm el Sheik.
Mais tarde, depois que Antonella adormeceu volto ao meu escritório e faço
alguns contatos importantes.
Aquela pergunta de Brian ainda não me desceu pela garganta.
Sharm el- Sheikh

Enzo
São seis e meia da manhã e depois de dormir por pouco menos de duas horas,
decido acordar a minha esposa. Antonella se encontra em um sono profundo e
tocando seu braço, aproximo meus lábios rente ao seu ouvido.
— Antonella, acorde! — aliso sua pele quente sob o lençol. — Quero embarcar
em uma hora! — atesto, murmurando ao seu ouvido e ela se remexe lentamente.
— Uhum... — encolhe seu pescoço ao sentir meu rosto áspero a deslizar por sua
derme.
— Acorde... — uso um tom menos brando e mesmo assim, seus olhos
continuam fechados.
— Sí, eu ouvi ... — cobre minha mão com a sua. — Só mais um pouquinho,
amore mio! — sua voz rouca sai toda dengosa.
— Não, senhora, acorde! — aperto sua cintura e não vendo uma alternativa
estica seus braços lentamente, voltando seu corpo para mim. — Gostaria de lhe
acordar de outra maneira muito mais interessante e gostosa, porém estamos
mesmo atrasados. — seus braços rodeiam meu pescoço.
— De que maneira? — com seu jeito atrevido, encosta ainda mais os seus largos
quadris em mim, os remexendo e atiçando o meu desejo.
— Amanhã quando acordá-la, descobrirá a maneira na qual me referi. — entre
meus dentes prendo o lóbulo de sua orelha o sugando de modo lento. Antonella
deixa extravasar seu gemido rouco e tão receptivo, demonstro desejo em minha
voz, apertando seu corpo junto ao meu, permitindo que ela sinta meu pau que
começa a dar sinais de excitação.
— Por que não agora? — deposita seus finos dedos em meu peito e o alisa com
carinho subtendido. — sorrindo, deixo minha boca muito próxima à sua.
— Porque você já está acordada e estamos mais do que atrasados. — roço meu
queixo no seu. — Teremos uma longa viagem pela frente.
— Posso voltar a dormir e você me acorda, que tal? — faz um beicinho lindo
enquanto tenta se manter de olhos abertos.
— Poderá dormir no avião. Vamos, logo! — espalmo minha mão em sua bunda e
deposito um tapa estalado a fazendo gritar. Afasto o lençol descobrindo nossos
corpos nus e num sobressalto me sento na cama.
— Ah, mal nos casamos e o senhor Ferraro mostra suas garras tiranas, não é? —
senta atrás de mim, mordendo meu ombro com força e com seus lábios macios
alisa o local da marca de seus dentes.
— Ainda não sentiu a força de minhas garras, Antonella! — toco seu queixo
com meu indicador e a beijo de leve, em seguida, caminho para o banheiro.
— Terei imenso prazer de conferir! — responde com sua cabeça apoiada em seu
cotovelo.
Abro o registro do chuveiro e a água fria desce pela minha cabeça, relaxando
minha mente ao mesmo tempo que ativa meus músculos, aumento a pressão da
água e ouço passos metódicos, enquanto mãos macias me seguram por trás
arrastando meu corpo junto ao seu.
— Como sou muito pontual, decidi poupar tempo e tomar um banho com meu
marito! — agarrada a minha cintura, se arrisca a escalar meu abdômen, me
provocando. — Pode me passar o sabonete, Enzo?
Seus dentes arranham de leve minhas costas, ao mesmo tempo em que sinto seus
seios se esfregar em minha pele.
Antonella e sua libido mais aflorada me surpreendem e me deixam muito feliz.
Adoro minha ragazza cada vez mais fogosa.
Despejo o líquido em sua mão espalmada sabendo exatamente, aonde Antonella
chegará com sua atitude.
A seguir, encosto ainda mais o meu corpo no seu e de olhos fechados sinto o
líquido gelado ser espalhado por todo meu peito, solto um suspiro de pura
satisfação ao sentir suas mãos acariciando meu corpo no deslizar macio da
espuma.
Seu toque é delicado e muito convidativo, ela escala cada centímetro do meu
tórax, descendo devagar como uma massagem erótica e ao chegar em minha
pélvis com as pontas dos dedos, me faz gemer ao subir pelas minhas coxas,
apertando minha carne com o sangue a pulsar, acelerado de desejo.
— Que se dane, iremos nos atrasar. — olho para baixo e sua mão rodeia meu
pau, o acariciando sem pressa à medida que sua língua explora meu ouvido.
Arqueio meu quadril para frente e com uma de minhas mãos, a induzo a
continuar a me tocar.
— Se quiser, podemos parar! — me tenta com a voz rouca e suas palavras
controversas.
Viro meu corpo avançando minha boca sobre a sua, beijo seus lábios
possessivamente, engolindo seus altos gemidos, quando abro suas pernas e meus
dedos brincam com sua boceta molhada.
— Só paro depois de fazer amor bem gostoso com mia ragazza fogosa! —
ofegante, encaixo meu pau em sua entrada e arremeto com vontade para dentro
de seu lindo corpo todo aceso para mim.
Nesse momento, não pensamos em nada, somente no amor e desejo que
sentimos e fazemos questão de demonstrar isso um ao outro. Algum tempo
depois de tomarmos outro banho, em frente ao espelho, ajeito meu paletó
conferindo a peça em meu corpo.
— Termine de se arrumar. — caminho até ela e beijo seu rosto. — Vou descer,
pois preciso falar com Isaiah antes de partirmos.
— Logo descerei e me junto a você para tomamos nosso café. — ajeita o
colarinho de minha camisa e meu paletó.
— Pedirei a um dos funcionários que venha buscar nossa bagagem. — ando até
a porta.
— Va bene. — Antonella coloca seu brinco e através do espelho sopro um beijo,
enquanto a vejo passar batom em seu lábio inferior. Deixo nosso quarto
descendo as escadas e encontro meu pai tomando seu café da manhã.
— Bom dia, Papá. — beijo o alto de sua cabeça e ele toca meus braços com suas
mãos.
— Bom dia, meu filho. — levanta sua xícara de café. — Já está de partida?
— Sairemos em meia hora. — arrasto uma cadeira e me sento ao seu lado
esquerdo.
— Quero ir a Palermo ainda este mês.
— Acha que é a hora mais apropriada para isso? — levanto minha sobrancelha e
o encaro me servindo de café.
— Já falamos sobre isso e essa será a melhor maneira de centralizarmos a nossa
estratégia. Quero me afastar por uns tempos e descansar na terra onde nasci.
— Se o senhor está dizendo, não conseguirei mudar o seu intuito. — sorve seu
[541]

café e sorri.
— Sei o que estou fazendo, meu filho e você verá que tenho razão.
— Bom dia, mandou me chamar? — Isaiah aparece pronto para seguir as minhas
últimas orientações antes de minha partida.
— Sente-se Isaiah e tome café conosco. — meu segurança aceita meu convite e
se senta ao meu lado.
— Isaiah, quero que redobre a segurança de nossa casa em minha ausência.
— Já cuidei disso, Enzo, não se preocupe. — estendo meu braço e toco seu
ombro.
— Estou lhe confiando meu maior bem. — Isaiah me olha de modo conciso.
— Pode viajar tranquilo e quando voltar encontrará todos seguros, dou-lhe a
minha palavra. — me assegura.
— Ótimo.
— Só me diga uma coisa. — endireito meu corpo e volto minha atenção para
ele.
— Sim?
— Estará seguro no local para o qual está indo? — Isaiah espera a minha
resposta com atenção.
— Sim, estarei hospedado em um local que conta com serviços de segurança.
Não se preocupe!
Nesse momento, Antonella e minha irmã, seguida de minha mãe descem a
escada e se juntam a nós durante o café.
Logo após, um funcionário leva nossa bagagem para o carro e Isaiah se
prontifica a nós levar até o aeroporto, onde embarcaremos em meu avião até
nosso destino.

Na garagem, Antonella e eu nos despedimos de todos


e seguimos rumo à nossa lua de mel.

Antonella
Embarcamos às nove horas da manhã rumo à Sharm el-Sheikh, de Nova Iorque
a esse paraíso na Península Sinai são quase 12 horas de viagem e durante nosso
voo não nos deparamos com nenhum contratempo, tão comum em uma viagem
tão longa quanto essa.
Ficaremos hospedados nessa cidade do Egito em uma casa oferecida como
presente de um sheik de Dubai, Enzo e ele mantém negócios em comum e se
sentiu ofendido ao mencionarmos uma suposta recusa de sua oferta.
Desembarcamos às quatro da manhã, hora local e o aeroporto se encontrava
praticamente vazio, o clima é agradável e novembro é uma das melhores épocas
para se visitar o local.
Lá fora, um carro com motorista e mais seis seguranças oferecidos pelo generoso
sheik nos esperavam para nos levar até a casa onde ficaremos hospedados.
Minutos depois, chegamos à magnífica residência em estilo árabe e não pude
deixar de me sentir deslumbrada com tamanha ostentação, ao entrarmos de mãos
dadas pelo hall de entrada, me senti em uma história das mil e uma noites onde
paredes decoradas em mosaico simetricamente desenhados, ilustram e chamam a
atenção aos nossos olhos.
Em uma outra sala, as cores berrantes se contrastam com os móveis e tapetes
persas espalhados por toda parte, esses muçulmanos, pelo visto, gostam de
ostentar seu luxo ao extremo. Candelabros, luminárias e estatuetas em ouro
adornam quase todos os ambientes.
O quarto oferecido pelo nosso anfitrião não poderia fugir a essa regra de
decoração, no meio do quarto, uma grande cama em dossel é coberta por lençóis
vermelhos e suas almofadas multicoloridas que se chocam com as paredes
amarelas e seus lustres de cristal. Portas duplas separam nosso quarto do
banheiro e de uma sala anexa privativa. Na porta que dá acesso à parte externa
da casa, a vista para o mar Vermelho é deslumbrante, não vejo a hora em que o
sol apareça no horizonte para que eu possa desfrutar dessa belíssima paisagem
diante de meus olhos.

No momento, a nossa única vontade é descansar, meu


corpo estava tenso e dolorido devido às muitas horas dentro do avião, Enzo,
apesar de ser acostumado a dormir pouco, mantinha em seu rosto um semblante
de exaustão. Depois de ligar para nossas famílias avisando da nossa chegada,
tomamos um banho e em poucos minutos entrei em estágio de sono profundo.

Enzo
Como sempre, acordo antes de Antonella, mesmo cansado, não consigo dormir
por muitas horas consecutivas, no relógio, são oito e meia da manhã e pelas
frestas das cortinas o sol já se faz alto lá fora, me levanto sem acordar minha
mulher, me encaminho até o banheiro e tomo um longo banho restaurador.
Ao entrar no quarto, me deparo com a visão fascinante do corpo de Antonella
emaranhado entre os lençóis, deitada de lado, suas pernas torneadas ficam à
mostra, juntamente com seu colo descoberto.
Devagar, retiro meu roupão e me aproximo da cama, ajoelhado no colchão, fico
próximo ao seu corpo e cubro seu ombro desnudo com pequenos beijos na
tentativa de incitar o seu despertar, em resposta, solta um ronronar baixo como
se abrir os olhos estivesse fora de cogitação. Continuo a escalar com meus lábios
todo seu corpo, descendo por sua coluna e mais beijos e pequenas lambidas são
distribuídas por cada centímetro, nesse momento, sinto que ela começa a
despertar.
— O que está fazendo? — mordo sua bunda de leve ao mesmo tempo que
minhas mãos correm por suas coxas bem-feitas.
— Cumprindo minha promessa de acordá-la de um jeito bem gostoso. — cheiro
sua pele, segurando seu quadril e a impedindo de se virar.
Me deito de cabeça para baixo na cama e apoiado ao meu cotovelo, percorro
meus dedos em toda a parte interna de suas coxas simultaneamente aos
movimentos que minha boca faz para sentir o gosto de sua pele macia e doce.
— Estou sonhando? — rebate, acompanhada de um gemido baixo.
Afasto o tecido de sua calcinha e meu polegar invade seu sexo por trás,
extraindo sua excitação quase que imediata.
— Não... — desço meus lábios em sua perna. — Não está sonhando.
— Enzo... — diz, com a voz sonolenta que me deixa ainda mais sedento por ela.
Pressentindo minha intenção, dispara. — Não tomei banho.
— Não quero que tome banho. — coloco minha cabeça entre suas pernas e
minha boca invade sua intimidade incitante e quente.
Passo minha língua em seu clitóris e seu gemido é acompanhado de um arquear
de quadris em direção à minha boca, sinto sua excitação aumentar fazendo com
que seu sexo vibre em contato com chupadas e seguidas sucções dispensadas por
meus lábios famintos.
Nu, esfrego meu pau em seu corpo e me toco para abrasar esse desejo coberto de
paixão que é reverenciar o corpo de Antonella com meus lábios. De costas, tenta
mais uma vez mudar de posição e na certa, me proporcionar o mesmo prazer que
está recebendo, porém a impeço.
— Já estou acordada! — zomba com a voz carregada de desejo se esfregando em
minha boca e tentando me puxar para seus braços.
— Ainda não. — aumento meus movimentos à medida que minha língua explora
cada mínima parte de sua boceta toda gulosa. Circundo meu indicador em seus
lábios intumescidos e com dois dedos a penetro, fazendo seu grito de tesão ecoar
pelo quarto todo. — Agora sim, está acordada.
Respiramos com dificuldade e nossos gemidos se confundem, despudorada, seus
dedos avançam sobre meu cabelo, me puxando ainda mais para ela. Esfrego meu
rosto no interior de suas pernas e a tendo toda exposta em frente a mim a
massageio com minha língua, levando minha mulher ao desespero.
Sentindo seu gozo prestes a explodir, a acaricio de modo mais intenso.
— Enzo... — diz, quase sem ar e colado ao seu corpo contínuo me tocando. Sem
mais controle a faço gozar em minha boca e em seguida, ajoelhado mantenho
suas pernas dobradas penetrando seu corpo por trás, apoiado em seus quadris.
— Mia deliziosa! — aperto sua carne macia e minhas metidas se tornam mais
intensas e profundas.
Antonella me acompanha insaciável e remexendo seus quadris arranca palavrões
e gemidos de minha boca, meus olhos se prendem no vai e vem do seu corpo até
que ela me pede ofegante para meter mais rápido e fazendo isso, arrasto nós dois
para um gozo intenso que faz meu corpo cair sobre o seu totalmente sem forças.
Ainda deitado sobre ela, acaricio seus seios, seu colo e ao erguer meus olhos a
vejo com os cabelos revoltos cobrindo seu rosto. Sua boca entreaberta clama por
meus beijos e me curvando, busco sua boca de modo febril. Ao me afastar, seus
olhos acesos e um meio sorriso me brindam e dizem que meus dias no Egito
serão os melhores de nossas vidas, sozinhos e isolados do mundo externo que
nos traz tantos problemas.
Aqui, seremos Nella e eu. O mundo lá fora pode esperar!

Antonella
Depois de ser acordada com um sexo glorioso, meu marido e eu tomamos café
no jardim com vista para o Mar Vermelho, um nome bem contraditório, devido
suas águas transparentes e cheias de corais. Segundo relatos que li em um artigo
que falava a respeito, esse local que foi palco de passagens bíblicas muito
importantes e ganhou esse nome por ter uma pigmentação avermelhada em
algumas épocas do ano devido a proliferação de algumas espécies de algas.
Segundo uma outra fonte, esse nome se dá em consequência de minério de ferro
que se encontra em algumas montanhas rochosas que rodeiam a costa, com
clima desértico e sua vegetação rasteira, a poeira avermelhada é levada pelo
vento em determinadas partes do mar e conforme avançamos mar adentro a água
volta a ficar azul.
Usando uma calça branca e uma blusa verde claro, meu marido parece mais
relaxado e sua aparência se torna ainda mais rejuvenescida, aqui, toda a
tribulação foi deixada para trás, restando apenas nossa lua de mel.
Ainda pela manhã, saímos para dar uma volta pela cidade, passeamos de mãos
dadas pelo mercado local e inúmeros vendedores nos abordam oferecendo suas
mercadorias variadas. Enzo, como bom negociador, soube dizer não e sim
quando necessário.
Sharm el- Sheikh, ou Baía do sheik, é uma cidade pequena que recebe muitos
turistas em sua maioria russos. Os muçulmanos são muito receptivos e tratam os
turistas com muita cordialidade.
Arriscamos um passeio de camelo pelo deserto e depois voltamos para casa.
Amanhã, Enzo irá me levar para um passeio de barco e depois jantaremos com
beduínos no deserto. Confesso que estou amando esse paraíso na companhia de
meu amado que torna a nossa viagem muito mais divertida.
Nesse local em meio ao deserto, Enzo não é nem a sombra daquele homem de
atos e pensamentos calculados, divertido e mais solto, suas risadas aparecem em
várias situações no decorrer de nosso dia e isso me deixa muito feliz.
À noite, para minha surpresa, Enzo insiste em me levar para conhecer a vida
noturna da cidade, com um carro à nossa disposição e seguranças que não nos
largam um só minuto, seguimos pelas ruas um pouco mais movimentadas e
paramos em frente à uma casa noturna chamada Pacha. Enzo pede aos
seguranças que nos esperem pelo lado de fora da boate e assim, adentramos o
local.
Mesmo sendo um lugar, onde há culturas de demasiados lugares do globo,
escolhi uma roupa que não fosse curta e que não chamasse a atenção, pois
muitos nativos de Sharm teriam o hábito de assediar mulheres ocidentais, devido
a suas roupas e cultura, querendo ao máximo evitar confusão, opto por um
vestido estampado comprido que cobre meus ombros e pernas. Pelos olhos de
Enzo, vejo que meu traje foi aprovado.
Adentramos o local e ele se encontrava lotado, tudo é muito colorido e as
pessoas dançam e bebem como se o mundo fosse acabar em instantes, percebo
muitos olhares femininos direcionados ao meu lindo italiano. Também pudera,
Enzo e sua beleza que desnorteia chamaria a atenção em qualquer lugar do
mundo e aqui não seria diferente.
— Venha, vamos procurar nossa mesa. — Enzo abre caminho entre as pessoas e
inacreditavelmente sinto que alguém passa a mão de modo um tanto invasivo em
meus quadris.
Aturdida, finjo que esse incidente se deve ao fato de estarmos em uma boate
muito cheia, claro que não mencionei o ocorrido ao meu marido, do contrário,
ele iria botar a boate abaixo com pancadaria.
Encontrada nossa mesa, Enzo pede uma bebida ao garçom e para mim um
coquetel sem álcool, bebe seu primeiro gole e me pede licença para ir ao
banheiro.
— Não demoro. — beija minha mão e se levanta. Nossa mesa fica em uma área
privativa e conta com banheiros próximos à essa ala.
— Prometo que não fugirei num camelo pelo deserto. — brinco e ele se afasta
me deixando sozinha na mesa.
O calor do ambiente me deixa um tanto desconfortável, o ar climatizado parece
estar com defeito e isso causa um certo desconforto.
— Boa noite! — um estranho tentando falar inglês com sotaque local se
aproxima de minha mesa.
O homem pode até ser bonito, mas com hábitos grotescos se torna ridículo, o
encaro com estranheza a fim de que ele perceba a sua indelicadeza. Se estou
sentada em uma mesa com dois copos é sinal de que não estou desacompanhada.
— Queira me desculpar, mas estou acompanhada. — devolvo uma resposta
atravessada com meu cenho fechado.
— Linda! — se atreve a me encarar e seus olhos não se desviam dos meus seios.
Apreensiva, meu olhar recai sobre a porta do banheiro masculino de onde a
qualquer momento sairá Enzo e se esse muçulmano não desaparecer o quanto
antes, a nossa noite irá pelos ares.
— Se não se incomoda, estou acompanhada de meu marido, portanto queira se
retirar daqui! — pelo canto de sua boca, solta um sorriso cínico.
— Meu nome é Hassan. — taxativa, respondo.
— Não perguntei o seu nome e se não se importa, quero que saia daqui ou
chamarei meus seguranças.
Ergue suas mãos em sinal de rendição e respiro fundo em sinal de alívio por
conseguir resolver a situação sem maiores dissabores. Meus olhos não saem da
porta do banheiro e para meu alívio quando Enzo retornar esse homem já deve
ter desaparecido de minha frente.
Para minha surpresa e tragédia, o rapaz estica seu braço e toca meu queixo
rapidamente se despedindo com um sorriso depravado. Mesmo desviando, ainda
sinto a ponta de seus dedos tocarem meu rosto.
— Lindo decote!
Quando meus olhos se voltam para a porta do banheiro, vejo Enzo vindo em
minha direção a passos rápidos, empurrando quem se atreva a impedir a sua
passagem. Em uma fração de segundos, Enzo bate a mão sobre uma pequena
mureta de metal e a pula sem tirar os olhos do homem.
Assustada, ergo minhas mãos na tentativa de impedir uma briga iminente
totalmente em vão, o rapaz nem chega se virar para deixar o local e seu corpo é
jogado em uma mesa vazia ao lado da nossa. O estrondo chama a atenção das
pessoas presentes e sem saber como agir, tento fazer com que meu marido releve
esse incidente. Ele arranca seu paletó e o entrega a mim.
— Ninguém toca em você, está ouvindo? — seus olhos exalam uma fúria já
conhecida por mim. A mesma intensidade de raiva, quando Alessio me assediou
naquele banheiro.
Virando-se de costas para mim, Enzo parte para cima do muçulmano com uma
fúria incontida...
Minha primeira noite de lua de mel com Enzo Ferraro não poderia ser mais
agitada!!!
Irritando o inimigo

Vilão invisível
Enzo, Enzo.
A cada dia eu o odeio mais.
Odeio sua presunção, sua inteligência, sua astúcia mesclada com carisma e todo
o poder que envolve o seu nome.
Acabei por subestimar a sua capacidade pensante, colocando em sua bagagem
um rastreador com o intuito de conhecer finalmente a sua localização.
Estava crente que dessa vez daria um passo à frente de sua perspicácia inata e no
entanto, o sinal foi cortado indicando que Enzo estaria sobre o rio Hudson.
Com a perda de Enrico, Eurídice e Marcello acabei ficando praticamente
sozinho, agora é armar uma estratégia certeira e atingir esse mafioso em seu
ponto fraco... sua família.

Bebo minha cerveja e sorrindo brindo sozinho me


sentindo mais confiante com o próximo passo...

Antonella
Mesmo conhecendo a impetuosidade de meu marido, fiquei totalmente aturdida
frente à cena truculenta aos meus olhos.
Algumas pessoas se afastam de imediato com medo de serem atingidas
acidentalmente, já outras se organizam em círculos e de braços cruzados,
assistem curiosas toda a pancadaria como se essa confusão fosse uma espécie de
espetáculo.
Como a casa está lotada, frequentadores do andar térreo não tomam
conhecimento do que está a acontecer na ala vip.
Me aproximo de Enzo na tentativa mais do que ansiosa de detê-lo.
— Enzo. — a ponta de meus dedos tocam as suas costas suadas.
Como se estivesse em câmera lenta, redireciona seu olhar endurecido para mim e
esse simples gesto me deixa estática, se não o conhecesse o suficiente diria que
esse olhar acusatório estaria me pré julgando pela situação, porém ele tem
ciência de meu comportamento e sabe que jamais flertaria com outro homem.
Hassan se coloca em pé e Enzo o chama com as mãos como se estivesse numa
briga de rua, o muçulmano não se deixa intimidar, partindo para cima de meu
marido que acaba levando um soco no rosto, em resposta, alisa o corte que
parece ser superficial e balança sua cabeça encarando seu adversário que se
encontra com os punhos erguidos prontos para mais um ataque, seus olhos azuis
se destacam ainda mais pela raiva estampada em seu rosto.
Enzo dá alguns passos reduzindo a distância entre os dois. Hassan, com os olhos
fixos em seu alvo tenta golpeá-lo mais uma vez e o que de fato acontece é o
punho do árabe sendo torcido com toda força ao mesmo tempo em que seu corpo
leva uma rasteira o derrubando ao chão. Cadeiras jogadas ao redor juntamente
com copos quebrados e garrafas estilhaçadas compõem o ambiente hostil ao
nosso redor.
Como um animal selvagem em defesa do seu território, Enzo se ajoelha sobre o
corpo de seu oponente e com uma das mãos o segura pelo colarinho de modo
firme.
— Irei lhe ensinar a respeitar uma mulher do Ocidente, seu vagabundo! —
encara Hassan e vocifera entre dentes.
O metido a gostoso acaba por sentenciar a sua pena de morte alegando, com a
voz trêmula e indícios de medo que eu o incentivava provocando com meu
decote, enquanto me encontrava a sós com ele.
Dita essa frase, ele incita que a última gota d'água entorne o recipiente de
moderação que o manteria ileso e sem maiores danos. Com esse comentário
calunioso, Hassan faz com que a fúria de meu marido se eleve a um nível
altíssimo e para extravasar esse furor Enzo desfere várias cotoveladas em seu
rosto, fazendo com que seus maxilares sejam deslocados e em seguida quebrados
tamanha a força com que meu marido o golpeia.
A manga da camisa de Enzo que se encontrava ensopada com seu suor, agora
está completamente manchada com o sangue do homem que tenta cobrir seu
rosto com as mãos em busca de defesa e proteção a outros incessantes golpes.
Enzo, nesse estado, fica irreconhecível, o homem cavalheiro, educado e de
modos comedidos parece sofrer uma metamorfose instantânea que reverte seu
semblante elegante e ponderado em sua pior e mais violenta face.
Hassan mal consegue pedir por ajuda e um dos seguranças finalmente aparece
para separar a briga, Enzo continua montado sobre o sujeito e bate a sua cabeça
com força no mármore. O segurança tenta deter Enzo pelo braço e usando de
muita força, anseia arrancá-lo de cima do homem desacordado.
Ao puxar o corpo de Enzo, suas pernas flexionadas ao redor do corpo inerte de
Hassan, impede o segurança de soerguê-lo e acalmar os seus ânimos.
Vendo-se impossibilitado de cumprir sua tarefa, o funcionário uniformizado em
seu terno já amassado pelo seu embate com Enzo chama por ajuda em árabe,
esbravejando em seu rádio no mesmo instante que gesticula com as mãos.
Enquanto busca por auxílio, me aproximo de Enzo que se coloca em pé chutando
as costelas do homem desacordado ao chão.
— Vamos embora daqui! — é meu pedido mais do que sensato.
Cada pontapé dado por Enzo faz com que o corpo de Hassan se erga do chão
como um objeto sem valor.
Outros três seguranças se aproximam e seguram Enzo pelos braços usando de
muita força no intuito de acalmá-lo. Em desespero por não conseguir dar um fim
a esse episódio deprimente, uma vontade descabida de chorar me abate, porém
seguro meu pranto e resolvo encarar a coisa de frente, afinal não é hora para
lamentações.
— Você pode parar, por favor? — encaro seu rosto de modo complacente e
espero que ao menos ele me dê ouvidos uma única vez essa noite.
Ergue seus braços em sinal de rendição e os seguranças ainda proferem algumas
palavras para Enzo que chacoalha a cabeça confirmando a eles que entendeu o
que foi dito. Continuam em torno de seu corpo formando uma muralha em
defesa de Hassan que é levado apoiado sobre os ombros de outros dois homens
em busca de ajuda médica.
Vendo que o tumulto foi controlado, seguro o braço direito de Enzo e meus
dedos ficam sujos de sangue ao tocar em sua camisa, sua aparência não poderia
ser pior. Respiração ofegante, rosto suado com um corte que sangra, cabelos
desalinhados, sua camisa rasgada logo abaixo dos braços e aberta na frente na
falta de alguns botões.
— Vamos. — deposita sua mão ensanguentada em meu ombro e me encaminha
para a saída da boate. — Fomos convidados a sair do local.
— Isso não seria nenhuma novidade, não é mesmo?
Praticamente escoltados até a saída como pessoas de alta periculosidade, muitos
olhares curiosos e murmúrios incompreensíveis nos são direcionados até
deixarmos a boate.
Na calçada, os nossos seguranças vêm ao nosso encontro e questionam Enzo a
respeito de sua aparência. Nesse instante, com o semblante mais calmo, meu
marido não busca retaliação pela forma com que foi tratado dentro do
estabelecimento e dá sinal aos homens para deixarmos o local, também pudera,
Enzo extrapolou as esferas da selvageria e não cabe aqui nenhuma atitude de
vingança, o gerente da boate foi até camarada, pois a essa hora meu marido
poderia ter sido levado à uma delegacia e até ser preso. Lembrando que o Egito
não é Nova Iorque e Enzo tem consciência de que seu nome aqui não tem tanto
peso quanto na América.
O rosto de Hassan estava totalmente deformado e nenhuma reconstrução facial
por mais perfeita que seja poderá trazer a sua beleza de volta, com a mão em
minha cintura, Enzo me encaminha para a porta do carro que se encontra aberta
e nos levará de volta a casa em que estamos hospedados.
Ainda com seu paletó nas mãos, me ajeito no banco traseiro virando meu rosto
para o lado oposto evitando encará-lo ao menos por enquanto. Seguimos em
silêncio e a aquela sensação de me manter quieta se torna confortável para mim,
do contrário acabarei dizendo coisas que acabarão nos machucando.
Ouço quando Enzo solta um longo suspiro e em seguida sua mão esquerda
alcança meus dedos sobre meu colo, olho para baixo e a sua aliança reluz com o
reflexo da claridade que vem de fora.
— Desculpe-me pela noite, não era isso que eu tinha em mente para nós dois. —
lentamente, viro meu rosto em sua direção e meus olhos recaem sobre o inchaço
de sua face esquerda com a mancha de sangue coagulado.
— Pensarei duas vezes antes de aceitar qualquer convite para sairmos. — rebato,
contrafeita.
— Não precisa exagerar! Aquele farabutto merecia mais do que isso! — E lá
vem ele com seu jeito estúpido de se expressar.
— Ele já estava de saída, eu tinha deixado claro que não estava interessada. Por
acaso, não confia em mim? — ressalto. — Acha que eu estava de papo com ele
antes de você sair a 150km/ por hora daquele banheiro?
— Sabe que não duvidei de você. — me encara entre a penumbra do carro. — Se
estivesse de papo com ele a essa hora estariam indo para o mesmo lugar, pois
bateria nos dois!
— Não acredito no que estou ouvindo, Enzo!
— Acredite e saiba que estou sendo o mais sincero que consigo. — sua voz é
impassível de qualquer dúvida. — Não aceitaria uma traição assim tão
civilizadamente, isso não é para mim!
O carro adentra os portões da casa, finalmente chega a hora de descer e sinto que
o ar dentro do veículo se torna rarefeito. Mal a porta se abre e salto do carro
aspirando a brisa que vem do mar, o vento balança meus cabelos assim como o
tecido do meu vestido, três longos passos e me afasto do automóvel.
— Antonella. — mantém sua mão estendida me pedindo para que eu o espere.
Ao me alcançar, deposita sua mão de leve em minha cintura e assim caminhamos
rumo à porta principal. Adentramos na sala e me desvencilho de sua
proximidade.
— Não poderia ter pego mais leve?
— Que eu me lembre, a única pessoa a quem já peguei leve foi você! — isso não
posso negar, ele pegou mesmo leve comigo.
— Fomos expulsos daquela boate como marginais sob o olhar de toda aquela
gente. — minha voz sai alterada e quando percebo estou gesticulando feito uma
louca a caminho de nosso quarto. Sem argumentos, Enzo me segue com a cabeça
erguida e prefiro permanecer em silêncio ao entrar no banheiro.
— Sente-se! — minha voz de comando não faz nem cócegas. Com as mãos não
cintura continua a me encarar através do espelho. — Irei limpar o seu ferimento.
— entro no banheiro e procuro por uma pequena bolsa com artigos de primeiros
socorros.
Ao ouvir minhas últimas palavras, Enzo parece aceitar a minha ajuda, abro a
terceira gaveta e encontro o que procurava voltando para o quarto a passos
rápidos. Nesse momento, ele desabotoa os únicos botões de sua camisa suja de
sangue e se desfaz da peça em uma lixeira no canto do quarto.
— Venha aqui. — minha raiva desse cabeça dura se esvai e minha preocupação
maior é verificar o seu rosto machucado. — Vamos limpar esse ferimento. —
molho o algodão em um líquido antisséptico.
Desfivela seu cinto, se livra de seu relógio, os depositando sobre uma poltrona
próxima da cama e só então se junta a mim no colchão. Sem me encarar
diretamente, mantém seu olhar absorto na parede, enquanto limpo todo o sangue
de seu rosto.
— É um corte pequeno. — atesto.
Continuamos em silêncio.
— Acabou? — pergunta, impaciente.
— Quase! — pego outro chumaço de algodão e ao levá-lo ao seu rosto ele se
desvia ficando em pé. — Enzo! — reclamo com o algodão suspenso no ar.
— Já está bom! — anda até o banheiro e confere meu serviço com seus olhos.
Volta com o andar célere e abre a gaveta de uma cômoda próxima à janela.
Retira de lá uma pequena caixa retangular azul escura e volta a se sentar
próximo a mim.
— Abra, é para você!
A caixa com a inscrição Cartier me leva a pensar que Enzo ainda não sabe como
um casal funciona quando tem uma divergência. Retorço meus lábios, mostrando
que não é necessário me presentear com joias para mantermos nosso casamento
em harmonia.
— Se acha que estou zangada com você, não precisa me dar joia alguma, pois no
fundo aquele árabe mereceu um bom corretivo. — fixa seus lindos olhos aos
meus e com cabelos desalinhados, rebate.
— Mesmo que brigue comigo um milhão de vezes, não deixarei que ninguém
encoste em seu rosto contra a sua vontade, estamos entendidos?
— Ah, que lindo, amore mio! — brinco. — E se for a minha vontade, tudo bem?
— Se não tem amor a sua vida, faça um teste. — com sua mão esquerda, ajeita
meu cabelo atrás de minha orelha. — Agora, abra essa caixa!
— Que gentil!
— Você se apaixonou por mim exatamente assim, sinto lhe informar que uma
mudança poderia estragar tudo! — apoia suas mãos em suas coxas.
— Nisso você está totalmente certo! — abro a caixa e dentro dela há uma
pulseira no formato de espessos retângulos em ouro branco todos entalhados
com detalhes em brilhantes.
— É linda! — encantada, meus dedos tocam a joia. — Essa também tem algum
tipo de "rastreio de Antonella"? — debruço minha cabeça em seu ombro.
— Melhor do que isso. — afirma, pegando a joia entre suas mãos. Toca em um
dos retângulos e automaticamente ele se transforma em um objeto cortante. Em
outro, uma microcâmera que chega a armazenar até doze horas de gravação.
— Uauuuu! — levo minha mão à boca. — Me senti em um filme de James
Bond. —Enzo sorri e detalha qual a finalidade de cada retângulo.
— Quero que use essa joia e não retire em hipótese nenhuma.
— Entendi. — faço uma pausa e acabo retomando um assunto desagradável. —
O inimigo está nos rondando, não é isso?
— Sim e quero estar precavido em qualquer situação, não quero ser pego de
surpresa.
—Tenho certeza de que não será!
— Ainda temos alguém que o está ajudando em minha própria casa.
— Eu sei. Percebi quando você desceu do carro e pediu a Isaiah para verificar a
nossa bagagem tirando de lá uma espécie de rastreador.
— Sim. A essa hora o nosso inimigo deve achar que estamos em lua de mel
sobre a ponte do Rio Hudson.
Enzo me diz que amanhã irá me ensinar algumas técnicas de escrita codificada e
com essa técnica poderemos nos comunicar através de sinais imperceptíveis aos
olhos comuns. Não resisto encará-lo e ver seu meio sorriso acompanhado de
duas covinhas, uma em cada lateral de sua boca linda.
— Não resisto a homens inteligentes, é meu fraco! — beijo seus lábios de leve
no mesmo instante que minhas mãos enlaçam suas costas largas.
— Não está zangada comigo? — arqueia uma de suas sobrancelhas com uma
carinha de cachorro sem dono que me deixa toda boba.
— Sabe que não consigo me zangar com você por muito tempo! — ele se coloca
em pé e estende sua mão.
— Quero que esfregue as minhas costas, é uma ordem! — o Enzo carrancudo
deu lugar ao meu Enzo genuíno.
Com os dedos entrelaçados entramos no banheiro, em frente ao espelho nossos
olhos se nivelam e exalam toda a nossa alegria e cumplicidade. Enzo se despe e
entra no chuveiro, limpando o sangue que ainda se encontrava impregnado em
seu rosto, dispo meu vestido e retiro meus brincos.
— Mia ragazza, por favor, pode pegar o meu xampu que está na segunda
gaveta?
— Só um instante.
Abro a tal gaveta e lá no fundo reconheço um tubo de lubrificante e alguns
preservativos, disfarço a minha cara de surpresa e pego o vidro de xampu ao
lado das embalagens de camisinha. Isso quer dizer que Enzo está mesmo
disposto a provar que sexo anal não dói.
— Aqui está! — estico meu braço com o frasco na mão.
Ele segura o xampu me puxando para me juntar a ele no chuveiro, aos beijos e
carícias muito eróticas, tomamos um banho para lá de delicioso.
Mais tarde, sobre o seu peito forte adormeço na certeza de que meu marido nos
protegerá de qualquer mal que esse inimigo intencione.
Doi ou não?

Antonella
Logo pela manhã, Enzo e eu decidimos fazer um passeio de lancha, o dia
ensolarado e o calor ameno são propícios para um passeio dessa natureza.
Partimos para a ilha Tiran, onde muitos turistas praticam mergulho no Mar
Vermelho e se deslumbram com a variedade e cores de peixes e corais, mesmo
morrendo de vontade de mergulhar junto de meu marido, tive que me abster
desse tipo de aventura devido à minha gestação. Grávidas não devem praticar
mergulho devido à pressão exercida embaixo da água e se não quero correr o
risco de sofrer um aborto, o melhor que faço é ficar fora da água. Enzo
mergulhou sozinho e sobre os inúmeros corais e peixes coloridos tirou lindas
fotos para nosso álbum de lua de mel.
À tarde, ele se fecha em uma das salas da casa e dali só sai depois de duas horas,
deitada sobre uma espreguiçadeira na varanda, viro meu pescoço e vejo quando
ele sai por uma das portas duplas caminhando calmamente em minha direção
com as duas mãos nos bolsos dianteiros de sua calça jeans.
— Aí está você! — cruza seus braços e através das lentes escuras de meus
óculos o vejo sorrir.
— Se você me trouxe para esse lugar lindo para ficar trancafiado em um desses
cômodos tramando sabe se lá o quê, deveríamos ter ficado em Nova Iorque! —
sem tirar meus óculos escuros, desabafo indignada. — Não me disse que queria
um lugar para que pudéssemos esquecer dos nossos problemas e relaxar, Enzo?
— E não é o que estamos fazendo? — me responde com outra pergunta.
— Até onde sei, ficar trancado dentro de uma sala ao telefone não estava em
seus planos! — descruza seus braços e toca minha perna me pedindo espaço para
se sentar ao meu lado. Ousado, retira meus óculos e me faz encará-lo.
— Você tem toda a razão em estar chateada, porém meu pai precisava muito
falar comigo e não poderia simplesmente ignorar o seu pedido.
Resignada e ao mesmo satisfeita com seu argumento, estico meu braço e toco
seus lábios com a ponta de meu indicador que desliza delicadamente até a
pequena marca roxa em seu rosto, sinal de sua briga na noite anterior.
— Aconteceu alguma coisa?
— Só queria me avisar de que está em Palermo. — estreito meus olhos ajeitando
meu corpo na espreguiçadeira.
— Mas ele e sua mãe não viajariam somente depois que retornássemos?
— Era esse o combinado, porém devo lhe dizer que tenho a quem puxar no
quesito teimosia. — toco a gola V de sua camiseta contornando sua pele até
chegar em seu pescoço.
— Só a teimosia? Você e seu pai são muito parecidos em muitos aspectos, meu
amor!
— Vindo de você tomo isso como um enorme elogio, pois sempre quis ser como
meu velho Victório. — alisa meu rosto com as costas de sua mão, meus olhos se
fecham ao receber seu toque e ao abri-los, volto ao nosso assunto de origem.
— Voltando ao nosso assunto, qual será a programação para logo mais? Não
íamos jantar com os beduínos?
— Mudei de ideia. — estava animada em fazer algo diferente.
— Posso saber qual o motivo dessa mudança? — o puxo para mais perto,
segurando a barra de sua camiseta cinza. — Não me diga que tencionava sair aos
socos com eles em pleno deserto? — segura minha mão esquerda brincando com
meus dedos.
— Engraçadinha. — levanta sua sobrancelha esquerda como se desdenhasse do
meu comentário brincalhão. — Os beduínos podem esperar! Hoje, quero um
jantar a dois com minha esposa. — com a outra mão faz uma trilha até chegar ao
meu decote. — Com direito à sobremesa. — seu olhar me devora de modo
explícito e enlaço meus braços ao redor de seu pescoço esfregando meu nariz ao
seu no mesmo momento que sinto suas mãos se cravarem em minha cintura.
— Adorei a ideia.
Nesse momento, seu celular vibra no bolso de sua calça, seu suspiro indica que
ele tenciona atender a esse chamado. No visor, o nome de Ignácio faz com que
meu marito se levante e mantendo certa distância, atende ao seu Consigliere.
— Alguma novidade, meu caro?
O timbre calmo de Ignácio se sobressai e não há como não ouvir a sua resposta.
"Sim, encontrei o paradeiro de nosso amigo."
— Isso é uma ótima notícia! — Enzo permanece de costas para mim e direciono
minha visão para o mar que parece tranquilo sob o sol escaldante. — Já o
pegaram?
"Ainda não. Ele parece ter ciência de que é procurado e não fica em um lugar
por mais de dois dias, se muda constantemente, mas um de nossos contatos o viu
em uma rua em Viena. Dessa vez, ele não terá para onde fugir, já mandei nossos
homens entrarem em ação."
— O quero sem nenhum arranhão, Ignácio! É uma ordem!
"Fique tranquilo, amanhã entro em contato depois de pegar o sujeito e seguir
com nosso plano.”
— Perfeito. — vira seu corpo e me encara encerrando a ligação. — Aguardo seu
telefonema. — guarda o celular no bolso da calça e antes que se justifique,
comento.
— Já sei, era importante. — fico em pé ao seu lado.
—Ninguém mais do que eu, quer que isso termine, meu querido. — atesto,
encarando seu semblante que parece me poupar de algum segredo. — Afinal de
contas, fiz parte desse plano medíocre de acabar com sua família e... — segura
minha duas mãos e as leva aos seus lábios.
— E foi assim que a conheci, portanto nada de se sentir culpada por algo. Com
ou sem você, essa pessoa quer o meu mal indistintamente de quem estava ou não
envolvido.
— Quantos mais morrerão até que você possa pegar essa pessoa? — meu maior
medo é de que meu próprio marido seja a próxima vítima desse transtorno e
transparecendo minha apreensão aos seus olhos, me adverte.
— Morrerão quantos forem necessários para que esse homem caia em minhas
mãos. — sua fala é firme e carregada de uma certeza absoluta. — Não se
preocupe, ele não me pegará desprevenido. — rodeia seus braços em meu corpo
transmitindo seu calor bem como toda segurança que é estar agarrada a Enzo. —
Aliás, nós não estaremos desprevenidos.
— Se você diz, confio em você.
— Assim é que se fala, mia ragazza e por hoje chega de falarmos de problemas,
capito? — sorrio em resposta e ele me beija confirmando sua promessa de
aproveitarmos nossa viagem.
*****
Enzo escolheu um restaurante indiano muito charmoso situado na praia de
Naama Bay. Dirigindo um dos carros oferecidos pelo anfitrião, seguimos pela
orla sem a companhia dos seguranças e assim nos sentimos menos privados de
nossa liberdade. Nesse momento, temos a mera sensação de sermos um casal
normal aproveitando ao máximo nossa viagem de lua de mel.
O pequeno trajeto não me impede de observar o seu perfil totalmente relaxado,
sua masculinidade e beleza evidentes, aqui, na Cancún dos russos como é
conhecida, Enzo fez questão de dispensar o uso de seus ternos impecáveis e com
esse simples gesto a sua aparência sempre me surpreende pela jovialidade que
deixa transparecer mesmo quando traja um conjunto de calça e paletó ambos na
cor cinza e uma camisa preta. Resumindo, mesmo despojado, meu marido não
deixa sua postura de sobriedade e elegância tão inatas em seu perfil passarem
despercebidos por mim e por outras mulheres que o olham com um interesse
nada comum. Por medida de segurança, escolho algo sem decote e discreto, pois
nunca se sabe quando um outro Hassan possa aparecer.
Chegamos ao Ragoli e o gerente do lugar vem nos receber assim que pisamos no
ambiente, nossa mesa estava reservada de frente para a Baía Naama e a vista
noturna por si só já é um vislumbre à parte. O gerente nos indica alguns pratos
da casa como falafel, alguns patês e o famoso shawarma/kebab, outra opção
[542] [543]

também convidativa é um prato à base de carne de cordeiro, Enzo escolhe os


pratos sugeridos pelo gerente e este se enche de orgulho por se mostrar eficiente
e servil. Para a sobremesa, escolhemos uma torta à base de mel, coco e nozes.
Sob a brisa da Baía, jantamos animadamente e um assunto mais do que
agradável surge enquanto Enzo prova o vinho egípcio.
— Nada mal. — bebe outro gole e deposita a taça sobre a mesa. — Sabe o que
andei pensando? — seus pulsos descansam sobre a mesa expondo suas
abotoaduras em ônix.
Confesso que a cada vez que meus olhos se direcionam ao seu rosto perfeito,
meu corpo dá sinais de um desejo quase incontido. A cada dia que passa, o
desejo com muito mais intensidade, olhando para sua boca desenhada e ouvindo
sua voz grave, divago em pensamentos sacanas e nada convencionais para serem
expostos em um restaurante. Piscando meus olhos, volto a focar minha mente em
nossa conversa e deixo os pensamentos safados para mais tarde.
— Você pensa 24 horas por dia, como quer que eu arrisque um palpite sobre o
que estaria passando em sua cabeça? — pisco para ele e bebo meu suco.
— Estava pensando no nome que daremos para nosso filho.
— Hum, bem pensado! — aprumo meu corpo na cadeira e espero pela
sobremesa. — Havia escolhido alguns nomes e iria lhe perguntar o que achava
deles.
— Em quais nomes você pensou? — o garçom se aproxima trazendo a nossa
sobremesa e Enzo pede seu tradicional café sem açúcar.
— Lucca, Matteo, Bernardo e Giovanni...
— Esses? - inquire.
— Também havia pensado em Rafael, o nome de meu pai.
— Não gostei de nenhum deles — diz sem rodeios. — Rafael lembra Rafaello já
contido em meu nome e confesso que odeio esse meu nome do meio.
— Acho lindo seu nome. — rebato. — Que tal Enzo Rafaello Ferraro Filho?
— Nem pensar! — a sua cara de desagrado é impagável.
— Então, por que não sugere um nome? — levo um pedaço da torta à boca.
— Quero que nosso bambino carregue em seu nome o legado de nossa família.
— E seu nome não seria um legado e tanto? — argumento.
— Sim, seria, mas na certa as pessoas o chamariam de Enzinho e isso eu não
toleraria. — para disfarçar meu riso, seguro o guardanapo junto à boca.
— Pode rir, sabe que tenho razão.
— Estou aqui imaginando isso acontecendo. — enche novamente sua taça com o
vinho e narra um fato interessante de sua família.
— Quando minha irmã engravidou e soube que era um menino, o meu pai
esperava que ela escolhesse o seu nome para o neto, mas Alessio foi totalmente
contra, restando ao senhor Victório aceitar a decisão dos pais da criança. Por
isso, gostaria muito que nosso filho carregasse o nome de meu pai. — estendo
minha mão e alcanço seus dedos.
— Está decidido. — sorrio. — O nome de nosso bebê será Victório Ferraro
Neto, em homenagem ao seu pai e mio suocero. [544]

Nem o brilho das estrelas sobre o mar Vermelho consegue se igualar ao olhar de
extrema alegria direcionado a mim, em consequência dessa felicidade, Enzo me
presenteia com o seu melhor sorriso, sorriso este que transborda a sua essência
de garoto feliz, deixando a sua beleza ainda mais ressaltada, não podendo ser
comparada a nada e muito menos a ninguém.
Mais tarde, saímos do restaurante abraçados em direção ao nosso carro no
estacionamento, Enzo, como sempre cavalheiro, abre a porta do passageiro e
espera que eu adentre o veículo. Dá a volta e abrindo um dos botões de seu
paletó se senta ao volante colocando a chave na ignição.
Rumo à nossa casa, circulamos a orla de Naama Bay contemplando a noite da
cidade, Enzo entra em uma avenida paralela menos movimentada deixando os
letreiros dos bares, boates e restaurantes para trás e somente as luzes do
firmamento a acompanhar a nossa trajetória, fico mais próxima a ele,
debruçando meu queixo em seu ombro.
— Cansada? — acelera e o velocímetro indica 120km/h.
— Nem um pouco. — aspiro o delicioso cheiro de sua pele misturada a
fragrância masculina de sua loção pós barba, meus lábios roçam seu ouvido e
sinto sua pele se arrepiar ao pressionar meus dentes no lóbulo de sua orelha.
Enzo suspira e atento à estrada, com a voz sussurrante como se estivesse rouca,
dispara.
— O que está fazendo? — seu hálito cheirando a vinho me deixa ainda mais
excitada.
— Nada que talvez você não queira. — minha mão atrevida alcança o primeiro
botão de sua camisa, o abrindo bem devagar. — Corro meus lábios por seu
pescoço e na sequência outros dois botões de sua camisa são abertos, liberando
seu tórax para meus dedos afoitos tocarem em sua pele.
— Quer que eu bata o carro, Antonella? — responde ao sentir minha mão
escalando os pelos de seu peitoral e a firmeza de seu abdômen. Beijo sua
garganta, correndo minha língua em seu queixo.
— Não. — enfatizo, minha mão sai de seu abdômen e aperta sua coxa direita,
deslizando meus dedos de forma provocativa sobre o tecido de sua calça. —
Quero que você me foda bem gostoso quando chegarmos em casa! — pelo canto
de sua boca nasce um meio sorriso carregado de uma promessa a ser cumprida
acoplada a mais repleta devassidão.
— Te foder gostoso? — num tom ainda mais erótico, ele tem a ciência do que
seu corpo causa em mim e me instiga arqueando os quadris ao me ver
desfivelando seu cinto.
— Sim, me foder com amor! — com a voz por fio, sinto o meio das minhas
pernas ficarem umedecidos tamanha a minha excitação. Mais um riso indecente
sai de sua boca, minha mão desce o zíper de sua calça e seguro seu pau duro,
massageio sua pele quente.
— Que delícia. — diz entre dentes, recostando sua cabeça no banco do carro e
mesmo atento à estrada, vejo que ele fecha os olhos por segundos absorvendo
meu toque.
Isso para mim é algo muito excitante, dar prazer a Enzo me eleva a um nível
extremo de desejo e sem nenhuma reserva me atrevo a escalar seu tórax,
distribuindo beijos e mordidas que o fazem gemer ao volante. Uma de suas mãos
recai sobre minha cabeça e afastando os cabelos sobre meu rosto, Enzo dispara
um palavrão quando me vê engolir a cabeça de seu pau bem devagar.
— Anto...nella... — meu nome sai de sua boca aos tropeços e o sugo com mais
força, pois sei como levá-lo ao seu limite máximo de controle. Ele estoca em
minha boca e seus movimentos mais intensos mostram o quanto ele está excitado
e louco para estar dentro de mim. — Assim... — sussurra mais uma vez... —
Chupa gostoso, chupa.
Sua voz é de entrega total, enquanto uma de minhas mãos segura em seu
membro e o acaricia com a boca, minha outra mão livre passeia por seu
abdômen subindo por seu peito forte. Todo o corpo de Enzo é algo tencionado,
indescritivelmente feito para ensandecer qualquer mulher e atingida por esse
frenesi que faz meu ventre se contrair, quase peço para que ele pare o carro,
necessito que Enzo me possua e não me envergonho em hipótese alguma em
assumir esse desejo pelo homem que amo. Como se lesse minha mente, estica
seu braço e levando sua mão ao bolso do paletó pega seu celular.
Para onde ligaria nesse exato momento? Se for algo relativo aos negócios, não
pensarei duas vezes e arranco suas bolas com meus dentes. Que ele não ouse
fazer isso comigo!
— Hathor. — sua respiração é pesada devido ao tesão que também o atinge.
Hathor é o encarregado e chefe dos seguranças na casa em Sharm el- Sheik,
Enzo continua ao telefone e me incita a continuar com minhas carícias.
— Estou adentrando os portões da casa e não quero nenhum segurança na ala da
garagem até que eu adentre a porta lateral da casa, entendido?
Uma resposta imediata vem do outro lado da linha e em seguida Enzo joga seu
celular sobre o painel do carro.
— O que vai fazer? — digo, rouca apertando suas coxas no mesmo instante que
minha língua percorre sua extensão.
— Atender ao seu pedido e te foder bem gostoso exatamente agora.
O carro entra em alta velocidade pelos portões da casa e em segundos é
estacionado dentro da garagem, em instantes, Enzo me puxa para fora do carro e
agarrado ao meu corpo, me coloca sentada em cima do capô do Audi.
Suas mãos me apertam assim como seus olhos absurdamente azuis me encaram
de um jeito único e só seu, demonstrando todo seu querer. Sua boca ataca a
minha com uma voracidade desesperadora, nossas línguas se enroscam
alucinadas no mesmo momento em que suas mãos percorrem afoitas pelo meu
corpo até chegar no vértice entre minhas pernas e ao constatar o quanto estou
excitada, Enzo geme, fechando seus olhos e com os lábios colados ao meus me
faz gemer usando seus dedos hábeis que acariciam todo meu sexo.
— Enzo... — remexo meus quadris na ânsia e busca por alívio. Ele desce minha
calcinha por entre minhas pernas e me devolve seu olhar predatório que tanto
gosto.
Agarrada ao seu pescoço, meus dedos penetram em seus cabelos macios e
pendendo o pescoço, busco um melhor encaixe para explorar cada canto de sua
boca com gosto de vinho. Desce o zíper de meu vestido e espalma meus seios
com suas mãos, a seguir é a vez de sua boca sugar meus seios com uma fome
animalesca.
— Gostosa. — diz, ofegante.
— Delizioso! — respondo com a mesma medida de devassidão e desejo.
O sinto se encaixar entre minhas pernas e sua investida é firme e intensa. Penetra
todo em mim, avançando de modo avassalador a extrair gemidos e sensações de
prazer de ambos, mordo de leve seu lindo queixo.
Subitamente, deita meu corpo sobre o capô agarrando minhas pernas, metendo
sem parar e para não gritar em meio a esse turbilhão de sensações, mordo meus
lábios e o acompanho enlaçando minhas pernas ao redor do seu corpo.
Sua camisa aberta mostrando seu peito forte, seus cabelos desalinhados
juntamente com as expressões de desejo emanadas por seu rosto suado, enquanto
nos amamos me deixa extasiada e mais enamorada por meu homem.
Enzo aumenta seu ritmo me levando a um gozo intenso e maravilhoso,
insaciável, acompanho seu ritmo, rebolando com seu pau todo dentro de mim e
ainda gemendo como louca o arrasto comigo fazendo gozar com sua boca e
olhos entreabertos. Sai de dentro de mim ainda duro e se deita sobre meu corpo.
Nesse momento, nossa respiração e pulsação se tornam uma só, brinco com seu
cabelo e ele ergue seu olhar para mim.
— Você quase me mata nesse trajeto, Antonella! — fala no mesmo momento em
que beija meu colo desnudo.
— Pois espero que tenha reservas, Enzo Ferraro! — rebato e uma coragem
aliada à curiosidade me abatem de imediato. — A noite apenas começou.
Em meu comentário deixo explícito que minha fome por ele ainda não foi toda
saciada, com o cenho fechado, ele não imagina o que virá a seguir.
— Adoro minha esposa querendo mais... — suga meu mamilo, o acariciando
com sua língua.
— Enzo... — não sei como, contudo, preciso dizer o que tenho em mente.
— O que foi? — sua língua corre entre meus seios e meu corpo dá sinais de que
quer muito mais.
— La mia risposta è che voglio provare e sapere che non fa male. — com um
[545]

sorriso estarrecedor e satisfatório em seus lábios, responde.


— Ti mostrerò che non c'è dolore quando hai desiderio e più di questo, quando
hai amore come quello che provo per te.[546]

Dizendo essas palavras, beija minha boca e me erguendo em seus braços


caminha em direção à nossa suíte, com a promessa de uma noite muito quente...
Golpe inesperado

Enzo
Com seu corpo junto ao meu, atravessamos a sala principal rumo ao nosso
quarto, suas mãos se entrelaçam ao meu pescoço à medida que seus lábios
macios deslizam pelo meu maxilar.
Adentro em nossa suíte e com minha mulher em meus braços sigo para o
banheiro, Antonella nivela seu olhar ao meu e contrastando seu atrevimento com
sua autêntica ingenuidade, me inquire confusa.
— Posso saber o que pretende me arrastando para o banheiro? — em sua mente
ainda receosa, supostamente pensa que farei sexo anal com ela dentro do
banheiro e seu corpo relaxado se retesa de imediato.
— Relaxe, apenas tomaremos um banho, somente um banho! — atesto usando
de uma tonalidade baixa em minha voz no intuito de lhe transmitir carinho e
confiança no que virá a seguir.
Encaro seus olhos um tanto amedrontados e chega a minha vez de morder seu
queixo e deslizar meus lábios por seu pescoço macio, a desço do meu colo e em
seguida, a ajudo despir seu corpo bem devagar e ela faz o mesmo comigo.
Com uma elegância ímpar, prende seu cabelo no alto de sua cabeça, deixando
que alguns fios revoltos escapem sobre seu ombro. Segurando em sua mão, abro
o registro do chuveiro e embaixo da água quase fria, Antonella mantém seu
corpo próximo ao meu, alcanço o frasco de sabonete líquido e ela fecha seus
olhos quando minha mão recai sobre seu ombro lavando sua pele em
movimentos lentos, deixando que a água desça por sua pele.
— Vire-se de costas para mim! — meu pedido sai natural e nada imperativo, o
que quero apenas é proporcionar à minha esposa um pouco de meus cuidados
como marido.
Estreita seus olhos e lábios e sob um sorriso ainda desconfiado, move seu corpo
devagar até ficar de costas para mim e antes mesmo que ela proteste, minha mão
divaga pelo seu seio direito, o massageando devagar e o cobrindo de espuma,
com a mão esquerda faço o mesmo com o outro seio e com minhas mãos
espalmadas sobre eles acaricio seus mamilos entre meus dedos, arrancando de
sua garganta gemidos quase inaudíveis.
Torneia seus braços em meu pescoço, me dando acesso livre ao seu corpo
todinho. Apoiada em meu peito descansa sua cabeça sobre meu ombro,
desfrutando dos movimentos circulares e decrescentes de minhas mãos, logo
abaixo de seus seios e é a vez de meus dedos tocarem em seu ventre, uma de
suas mãos pousa sobre a minha.
— Minha Antonella. — meus dedos escorregadios deslizam pela sua pequena
barriga já visível. — Nostro bambino. — meus lábios circundam sua orelha e ao
ouvir minhas palavras um sorriso estreito surge em sua boca.
— Sua Antonella por toda a vida. — mantém sua mão sobre a minha. — E nosso
Victório. — pressiona meus dedos, pendendo o rosto a procura de meus lábios.
Seu beijo e terno e evidencia em sua boca tudo o que sente por mim.
— Sono tuo fino alla fine della mia vita, Antonella.
[547]

Mais do que apaixonado, Antonella é o meu descanso, o meu alento quando tudo
vai mal, sem que ela saiba é minha válvula que me mantém centrado. A única
que me preenche por completo, não deixando espaço para nenhuma outra. Meu
amor por ela é impartível assim como meu desejo.
La mia unica moglie. [548]

Aprofundo nosso beijo e dedicado a dar mais do que prazer, continuo a lavar
cada centímetro de suas curvas bem-feitas, minhas mãos penetram em meio as
suas pernas, alisando sua carne macia e escalando suas coxas firmes e quentes.
Cada pedaço seu me faz lembrar do quanto esse corpo me seduz e me domina
intensamente. Depois de tomarmos nosso banho e nos secarmos, minha esposa
me pede que eu a espere em nossa cama, desaparecendo em direção ao closet,
sem questionar o seu pedido, visto meu roupão e em um dos bolsos, coloco o
preservativo e o tubo de lubrificante. Logo a seguir, guardo os objetos na gaveta
do criado-mudo, apago a luz do quarto deixando somente os abajures acesos e nu
a espero sob os lençóis recostado na cabeceira da cama.
Minutos se arrastam e quem demonstra impaciência sou eu, pego meu relógio
sobre o criado-mudo e verifico que ela entrou nesse closet há um tempo
significativo. Fico impaciente pelo fato de imaginar que ela possa ter medo de
desistir e achar que eu me zangaria por isso, se ela não quiser continuar, não
quero em hipótese alguma que tenha medo de me dizer não. Antonella, assim
como minha família, é a única que pode bater de frente comigo, fazer
questionamentos sem nenhum temor.
— Antonella, está tudo bem aí? — estico meu pescoço tentando ver o que se
passa lá dentro.
— Sì. — sua voz demonstra euforia e isso é sinal de que tudo está mesmo bem.
— Já estou saindo! — mais alguns instantes e a sombra de sua silhueta aparece a
caminho do quarto. — Estava ficando mais bonita para meu marido!
Mantém uma de suas mãos apoiada no batente da porta e sua imagem me causa
um forte impacto, meu corpo todo estremece ao ver minha esposa usando uma
longa camisola preta com abertura, que exibe sua longa perna e seus seios mais
protuberantes devido à gravidez, se evidenciam sobre seu decote me fazendo
suspirar de excitação.
— Só me diga como isso é possível? — a encaro com extremo desejo. — Você
está belíssima!
Com sua boca coberta por um batom vermelho me devolve um largo sorriso e
minha reação é engolir seco quando molha seus lábios com sua língua, seus
cabelos agora soltos a deixam com a aparência ainda mais devassa e fascinante.
Caminha de um jeito sedutor, jogando seus lindos quadris chegando até a beirada
da cama.
— Que bom que gostou! — estende sua mão e a puxo devagar fazendo com que
ela se sente montada sobre meu corpo.
Alcanço seus lábios e a beijo com sofreguidão, o gosto de sua boca é mais do
que um afrodisíaco para mim, é como um elixir que penetra diretamente em
minhas veias e revigora o meu ser.
— A palavra gostar seria muito medíocre para o que estou sentindo nesse
momento. — digo, ofegante e ela sente meu pau duro sob seu corpo.
— Enzo. — segura meu rosto com suas mãos delicadas. — Se eu não gostar do
que vamos fazer e pedir para que você pare, não ficará chateado comigo? —
passo meu polegar sobre sua boca borrada com seu próprio batom.
— O que sinto por você vai muito além dessa cama e se acaso não se sentir
confortável, tem a obrigação de me dizer para parar! — friso com todas as letras
a minha opinião a respeito.
Seus lábios se repuxam em um meio sorriso tímido e seus olhos a partir de então,
voltam a brilhar de desejo e o seu medo finalmente foi embora.
— Ti amo molto! — alisa meu rosto.
— Ti amo così tanto anch'io! [549]

Meus braços envolvem seu corpo e em um correr de mãos acaricio toda sua
costa desnuda. Louco de desejo, mordisco a auréola do seu seio, através da seda
de sua camisola e deixando seu mamilo pontiagudo sob meu toque o sugo bem
devagar, sendo presenteado com sua imagem a pender seu pescoço em rendição
ao meu toque, acompanhada de seu gemido ainda mais rouco.
Em resposta ao fogo que nos consome lenta e intensamente, Antonella remexe
seu quadril, inquieto, ajusto seu corpo, a deitando ao meu lado para enfim poder
explorar toda sua pele.
Seguro a barra de sua camisola e com sua ajuda a deixo seminua, para me excitar
ainda mais, ela usa uma calcinha preta minúscula que permite que meus olhos
desvendem sua boceta gostosa através da renda transparente, sem me conter,
escalo seu corpo com meus lábios reverenciando cada canto de sua pele
arrepiada de tesão e ao chegar em sua lingerie a encaro demonstrando todo meu
desejo, deslizando minha língua sobre o tecido e o sugando em movimentos
lentos. Minha esposa arqueia seus quadris esperando por meu toque mais que
invasivo e afastando a renda úmida que me impede de provar seu gosto, caio de
boca extraindo sua umidade que me faz soltar um grunhido tentando manter meu
controle. A chupo toda com uma devoção devastadora e quando sinto que seu
corpo está prestes a gozar, faço uma trilha sinuosa e ascendente até encontrar sua
boca, enquanto colo meu corpo ao lado do seu.
Não permitindo que seu desejo se esvaneça continuo a tocá-la com meus dedos
ao mesmo tempo que minha boca é consumida por seus beijos molhados e
repletos de pura luxúria, mantendo uma de minhas coxas entre suas pernas
continuo a tocando, cada vez mais excitada implora por meu corpo e deixando
sua perna soerguida a penetro bem devagar, negando o seu gozo iminente.
Massageio seu clitóris com meu polegar, deixando que Antonella grite em
desespero, saio de dentro do seu corpo arrancando um gemido rouco de sua
garganta em protesto pela minha atitude.
— Você quer gozar, quer? — digo de modo safado, mordendo de leve sua orelha
e me afastando devagar.
— Quero muito. — responde com seu peito arfando e quase sem ar pende seu
pescoço em minha direção.
Abro a gaveta do criado-mudo e retiro de lá o lubrificante juntamente com o
preservativo, passo o lubrificante em meu polegar direito e volto para junto de
seu corpo procurando seu beijo, à medida que uso meu polegar esquerdo tocando
em sua excitação, penetro meu indicador em sua boceta. Sua reação imediata e
remexer sob meu toque e sinto seu interior pulsando tamanho seu desejo. Com
meu polegar esquerdo lubrificado estímulo seu ânus para que ela se acostume ao
ser tocada nessa região.
— Nella... — meu pau fica extremamente duro e usando de muito controle, me
seguro para tornar esse momento o menos dolorido e mais prazeroso à minha
mulher.
— Está tudo bem. — confirma, num murmúrio baixo sugando meu lábio
inferior.
— Você vai me dizer com seu corpo se devo prosseguir ou não. — digo ao seu
ouvido.
— Enzo... — aperta seus seios externando seu prazer máximo. — Antonella se
encontra em seu limite máximo e assim, coloco minha camisinha, penetro sua
boceta e sua reação é suspirar em alívio.
— Devagar... — mexe seus quadris afoita, louca para liberar seu gozo e meu
polegar continua a estimulá-la até penetrar devagar em sua bunda gostosa.
Mais uma vez, saio de dentro dela, dessa vez ela geme afundando seu rosto no
travesseiro e arranha minha coxa contrariada. Seu corpo queima de desejo assim
como o meu. Meu dedo sai de seu ânus para dar lugar à meu pau, com um pouco
mais de lubrificante o roço em sua bunda em um vai e vem vagaroso e
estimulante, com minha mão esquerda continuo a enlouquecê-la, com meus
dedos penetrando sua boceta molhada e massageando seu clitóris latejante. Suas
costas se esfregam em meu peito suado e o calor aumenta ainda mais quando ela
afasta seus quadris fazendo com que meu pau entre um pouco mais.
Sem me mexer, minha boca fica próxima ao seu ouvido e ofegante, disparo.
— Como eu imaginei... Gostosa demais! — solto um grunhido entre dentes e
estoco meus dedos com mais intensidade.
Com meus lábios ainda em sua orelha a estímulo com palavras devassas que a
fazem gemer mais alto, deixando meu corpo à beira do descontrole. Antonella
busca seu gozo de modo alucinado e em resposta a esse tesão desenfreado,
rebola em meu pau, me fazendo arquear o pescoço e segurar meu gozo para
primeiramente satisfazê-la.
— Está doendo, mas é muito gostoso. — sua voz sai aos tropeços.
— Quer continuar? — permaneço imóvel dentro dela.
— Quero muito.
Em reação à minha pergunta, remexe devagar até que meu pau penetra todo
dentro dela e com muito cuidado dito um ritmo que não a machuque. Me
contenho ao máximo e investindo devagar, sinto meu gozo se aproximando.
Para me provocar ainda mais e acabar com meu controle, ela aumenta o seu
ritmo, vira seu pescoço e avança sobre meus lábios invadindo sua língua em
minha boca num beijo erótico e ainda mais estimulador. Ainda massageando sua
boceta a conduzo a um orgasmo arrebatador e seus espasmos e gemidos me
acendem ainda mais, puxa ainda mais o meu pescoço e os gemidos que
porventura ecoariam pelo quarto são abafados por nossas bocas coladas e com
isso gozo como um louco, segurando seus quadris enquanto invisto até que
nossos corpos se acalmem. Segundos se arrastam e ainda dentro dela, afasto seu
cabelo e me animo em seu ombro.
— Agora sabe que não dói tanto assim! — saio de dentro dela e me deito
extasiado a puxando para junto de meu corpo. Mesmo deitada em meu peito a
vejo sorrir de modo tímido.
— Doer dói, mas foi muito bom e se soubesse que seria assim, teria provado
antes! — esconde seu rosto em meu peito toda constrangida.
— Devo confessar que pensei nisso desde a primeira vez em que a vi usando seu
uniforme de arrumadeira.
— Fetiche, senhor Ferraro? — ergo seu rosto e a encaro.
— Digamos que sim, mas agradeço por não ter acontecido naquela época, pois
do contrário não estaríamos aqui nessa cama como um casal feliz. Se você
tivesse cedido tão fácil, não teria o valor que tem para mim hoje. — ela me cala
com seu beijo amoroso e isso quer dizer que disse algo que mexeu com sua
emoção.
Mais tarde, depois de tomarmos outro banho, Antonella se deita sobre meu peito
e conto a ela um pouco de minha vida antes de sua chegada, minha adolescência,
juventude e minha opção por entrar na máfia e outras coisas corriqueiras que
ainda não tinha lhe contado.
Aos poucos, responde em monossílabos e noto que suas pálpebras estão pesadas,
é hora de descansarmos.
Beijo sua boca e a abraço para que descanse em segurança.

Antonella
Na manhã seguinte...
Remexo meu corpo na cama e o travesseiro ao lado se encontra vazio, ao me
lembrar da noite anterior, meu rosto fica ruborizado de imediato.
Quem diria que eu daria meu cullo e o pior que acharia prazeroso?
Pois é, só que para toda ação existe uma reação e pelo visto a reação a essa
estripulia prazerosa e safada me trouxe uma consequência não muito satisfatória,
parece que estou sentada sobre um prego, minha bunda arde horrores e se
depender de mim, Enzo não chegará perto de meu buraco precioso por muito
tempo. Me dirijo ao banheiro e lá, xingo palavrões inexprimíveis e amaldiçoo até
a quinta geração ascendente dos Ferraro.
Que dor dos infernos!!!! Maledetto.
Alguns minutos depois de fazer minha higiene, saio pela casa à procura de meu
amado marido e para minha surpresa o vejo ao telefone com um semblante nada
amistoso.
— Mama, tente se acalmar, por favor e fale com calma.
Anda de um lado a outro da sala com o celular colado ao seu rosto, Adele parece
desesperada e sem saber do que se trata me sento em um dos sofás da sala anexa
ao nosso quarto. Enzo a escuta com atenção e após entender do que se trata,
responde.
— Não saia daí!! — diz taxativo. — Estou indo para aí, devo chegar em poucas
horas. — ela fala mais alguma coisa e ele redime mais ainda a sua voz. — Mama
eu te amo, não chore, por favor! — mais algumas palavras de consolo e sinto
que uma notícia muito ruim assola nossa família, Enzo desliga o celular e desaba
em uma poltrona.
— O que houve? — inquiro, angustiada. — com seus olhos azuis perdidos no
nada, me responde como se estivesse sob efeito de alguma droga.
— Mataram meu pai!
— O que??? — falo quase engasgada.
— Ele saiu de Palermo de carro e foi visitar alguns parentes numa província
vizinha e no caminho o carro explodiu. — passa a mão pelo queixo.
— Meu Deus!!! — me sento ao seu lado e minha reação é afagar seus cabelos.
Sei o que Enzo está sentindo, pois passei por algo semelhante quando perdi meus
pais em um acidente, Enzo parece entorpecido e não sei o que dizer para
consolá-lo ou lhe dar forças.
— Arrume nossas malas, iremos partir imediatamente. Precisamos liberar o que
restou do corpo de meu pai e minha mãe se encontra desolada. — bate no braço
do sofá. — Ela precisa de mim! — sinto que ele quer chorar, todavia se segura.
— Sim, meu amor. — aperto sua mão e ele faz o mesmo com a minha. — Mais
do que nunca, estarei sempre ao seu lado.
— Obrigado, Antonella. — aperta seus olhos e pega novamente seu celular.
— Agora se me dá licença, tenho algumas ligações importantes a fazer antes de
partirmos.
Aquiesço com a cabeça e em nosso quarto, penso em como Enzo está se
sentindo com a perda de seu pai, o seu porto seguro e seu ídolo.
Espero poder dar a ele a força necessária para aplacar toda essa dor...
Filho de peixe, peix...

Enzo
Antonella me deixa sozinho com os dedos apertados ao celular, tento organizar
meus pensamentos e respirando fundo solto o ar aos poucos e assim esquematizo
meu próximo passo. Minha primeira ligação é para a polícia de Palermo, preciso
saber o que exatamente aconteceu por lá.
Segundo o laudo da polícia, os destroços do carro foram encontrados em uma
estrada a cerca de 12 km de Palermo, meu pai estaria a caminho de Bagheria,
uma província próxima. Alguns moradores de propriedades próximas a estrada,
ouviram o momento da explosão e correram para ver o acidente, tudo aconteceu
em segundos e nada poderia ser feito. Depois de falar com o responsável pelas
investigações, confirmo minha chegada à cidade dentre algumas horas e deixei
expressamente proibida a aproximação das autoridades junto à minha mãe, pois
não quero que ela passe por nenhum constrangimento além da dor que, com
certeza, a dilacera totalmente.
Adele não irá em hipótese alguma fazer o reconhecimento do corpo, isso seria
um golpe e tanto para ela que apesar de ser uma mulher extremamente forte, não
estava preparada para enfrentar uma situação inusitada como essa. Depois de
acertar todos os detalhes com as autoridades sicilianas que continuarão a
investigar o responsável pelo atentado, faço minha segunda ligação.
Em Nova Iorque são cinco horas da manhã, ligo para Ignácio, após dois toques
subsequentes, a voz de meu Consigliere ressoa do outro lado do Atlântico sem
nenhum sinal de sonolência ou raciocínio lento.
— Buongiorno, Poderoso Chefão!
— Buongiorno, farabutto!
— Diga-me qual é a sensação de ter a lua de mel interrompida pela morte de seu
pai? — faz piada para me tirar do sério, pois o plano era para ser feito depois que
eu retornasse de minha viagem.
— Eu lhe digo quando chegar em casa e acertar essa sua cara de raposa, seu
carcamano insolente! — Ignácio cai no riso.
— A notícia já se espalhou por Nova Iorque? — minha primeira pergunta.
— Ainda não, provavelmente saberão depois que sua família se manifestar. As
notícias de Palermo ainda não atravessaram o oceano.
— Ótimo, como era o esperado! — atesto. — Minha irmã já sabe?
— Donatella está em choque e Isaiah está com ela na mansão.
Não posso negar que meu segurança realmente gosta e se preocupa com minha
irmã, a imagem de Donatella em profunda tristeza me deixa desconcertado e
terei que ser forte para falar com ela.
Calmamente, ando até a porta e a tranco com a chave, essa conversa é muito
restrita e não pretendo envolver minha esposa nessa história.
— Não sei se lhe cubro de xingamentos ou felicitações pelo plano. — solta uma
lufada de ar ao telefone.
— Aproveite para xingar enquanto estou a quilômetros de distância! — alerto.
— Só me responda uma coisa.
— Nessa altura do campeonato, até duas ou mais.
— Essa ideia maluca de atentado partiu exatamente de quem? — inquire.
— Senhor Victório.
— Sabia! — solta um riso espontâneo. — E agora? O que pretendem fazer? Já
conseguiu falar com sua mãe?
— Essa será a parte mais difícil, amigo! Como irei enganá-la?
— Use seus atributos como ator! — zomba. — Óculos escuros são muito bem-
vindos nessas horas.
— É para rir? — respondo, atravessado. No fundo, estou muito preocupado com
minha mama. A essa hora, deve estar inconsolável e sozinha. — Sabe que não
sou bom ator o bastante quando o assunto envolve minha mãe. — olho pela
vidraça e alguns seguranças já providenciam a minha retirada da casa. — Não
será fácil vê-la sofrendo por uma coisa que não aconteceu.
— Não pode contar ao menos a ela?
— Meu pai foi taxativo e mesmo argumentando, me fez jurar quanto ao nosso
segredo. — faço um pausa e respiro fundo. — Não posso quebrar a minha
palavra até chegar o momento certo.
— E Antonella? Manterá o segredo até para sua esposa?
— Disse todos. — respondo, conciso. — Ninguém, exceto você, tem
conhecimento da verdade. Precisamos que acreditem que o senhor Ferraro está
morto.
— Se o seu pai quer assim, respeitemos a sua decisão. — completa. — Ele sabe
o que está fazendo!
— Sim, ele sempre sabe! — ouço uma pequena movimentação no corredor e
abaixo ainda mais o meu tom de voz. — Quero que cuide de todo o funeral
como também de toda a imprensa, o que sobrou do corpo será cremado.
— Já liberaram o corpo?
— Ainda não, estou de partida para Sicília e terei que reconhecer o que restou
dele.
— Sabe de quem era o cadáver?
— Não tenho nenhuma ideia de quem seja, mas o que sei é que possui algumas
características de meu pai. Mesma idade, cor de pele e suas mãos são idênticas.
— Mas por que teria que ter as mãos idênticas as do senhor Victório?
— Porque o defunto usava o anel de meu pai e se dermos sorte essa será a
evidência de sua morte.
— Madonna mia! — exclama.
— Ignácio e o irmão de Eurídice? — não posso esquecer de que tenho um
assunto a tratar com esse sujeito.
— Está sendo bem cuidado por nossos homens, não se preocupe!
— Ótimo, estarei em Nova Iorque o mais rápido possível.
— Não irá precisar de um advogado?
— Acredito que não será necessário e se porventura houver essa necessidade,
entro em contato com você.
— Tudo bem, qualquer coisa, estarei à disposição. — encerro a ligação e é a vez
de falar com minha sorella, no oitavo toque, alguém atende.
— Enzo, sou eu Isaiah. — em sua voz transparece um pesar sincero. — Meus
sentimentos.
— Obrigado, amigo. — vou direto ao ponto. — Donatella está?
— Ela estava muito abalada e acabei lhe dando um leve sedativo. — se justifica.
— Sua irmã está dormindo.
— Melhor assim. — engulo seco e continuo. — Quando acordar diga que liguei
e que estou a caminho de Palermo.
— Direi a ela. — antes de desligar, friso.
— Isaiah.
— Sim?
— Cuide bem de minha irmã!
— Pode contar com isso, não porque me pede, mas porque a amo.
Se fosse em outra ocasião poderia me indispor com meu segurança, todavia
nesse contexto me sinto aliviado por saber que ele cuidará dela com toda
dedicação que Donatella merece.
Duas leves batidas na porta me fazem caminhar até ela e a abrindo devagar, vejo
minha esposa diante do batente com os olhos avermelhados provenientes de um
pranto doloroso.
— Já estou pronta, quando quiser partir é só dizer. — toca meu braço devagar e
sinto o quanto ela está preocupada comigo.
— Quero tomar um banho, me trocar e então, partiremos. — em resposta ao seu
gesto tão carinhoso, aliso seu rosto calmamente. — Só peço que não chore. —
enfatizo. — Do contrário, não terei forças para prosseguir. Seja forte comigo! —
toco seu lábio. — Antes de chorar, pense que temos um bebê a caminho e esse
choro pode não fazer bem a ele. — aspira forte o ar e engole um choro futuro.
— Eu gostava muito de seu pai, ele era ... — silêncio seus lábios com meu
indicador e com o polegar limpo o canto de seus olhos molhados.
— Ele também gostava muito de você! — a abraço, evitando assim fitar seu
olhar tão triste.
Depois de tomar um banho e me trocar, caminhamos abraçados para a garagem,
no carro, evito ao máximo que minhas palavras saiam pela garganta e acabem
me entregando. Eis uma tarefa árdua de se completar, pois quem me conhece
sabe o quanto meu pai era importante para mim e Antonella é uma dessas
pessoas que me conhece como poucos, sendo assim, sigo os conselhos de
Ignacio e com o uso dos meus óculos escuros consigo disfarçar uma dor
inexistente. Que nossa família nos perdoe, pois a ideia de meu pai tem o intuito
de nos ajudar na busca por esse covarde que se intitula nosso inimigo.
Saindo de cena, o senhor Victório deixa de ser um alvo e se torna um aliado
também invisível na caça a esse ordinário, outro fator relevante é que com a sua
morte, eu me torno o seu principal ponto de ataque e pronto para confrontá-lo, o
derrotarei sem nenhuma piedade.
No avião, Antonella permanece sentada ao meu lado e estende sua mão para
mim, seguro em seus dedos e me sinto mal por ter que enganá-la a tal ponto, no
entanto, espero que num futuro próximo ela entenda o porquê de agirmos assim.
A partir de agora, minha esposa se transforma em uma arma ainda mais poderosa
contra minha pessoa, quem quer que esteja planejando me destruir sabe
exatamente onde me atingir.
Sem subestimar o meu adversário, prevejo alguns de seus passos e tenho a
ciência de que ele partirá para cima de Antonella e quero prepará-la ao máximo
para quando esse momento chegar.
*****
Horas mais tarde, pousamos em Palermo, com uma de minhas mãos sobre o
ombro de Antonella, caminho para o estacionamento e um carro com motorista
nos espera, sem delongas, fomos direto para a propriedade nos arredores da
cidade em que minha mãe está hospedada, uma antiga propriedade da família,
onde há muitas férias de verão eu corria pelos arredores da cidade.
Irritado pela demora no tráfego, xingo baixo e Antonella sorri tentando me
acalmar, o trânsito dessa cidade continua o mesmo caos de sempre, ruas estreitas
e motoristas que não respeitam a sinalização e velocidade.
— Enzo. — a voz rouca e calma de Antonella me tiram dos meus pensamentos
preocupantes.
— O que foi? — desvio meu pescoço em sua direção.
— Ligaram de Nova Iorque. — continua. — Era da clínica do Dr. Klaus.
— E o que eles queriam? — um desconforto chega e deixa meu cérebro alertado.
— Aconteceu alguma coisa para nos preocuparmos?
— Não é nada demais! — esfrega a palma de sua mão sobre a minha. —
Ligaram para confirmar a minha presença no consultório na semana que vem e
como retornaremos mais cedo para Nova Iorque achei que seria prudente
antecipar a minha consulta.
— Está sentindo alguma coisa? Tem algo que não vai bem? — em minha voz
demonstro toda minha apreensão.
— Oh, amore mio, estou ótima! Seria somente uma consulta rotineira. — abre
um sorriso e esse gesto me acalma. — O que me preocupa no momento é você.
— dispara com seu semblante atento em meu rosto e a impressão que tenho é de
que mesmo com a proteção das lentes escuras de meus óculos, Antonella parece
me radiografar por dentro. — Perdi meus pais num acidente e isso me feriu
amargamente por muito tempo.
— O que você precisa saber é que no submundo em que governo para morrer
basta apenas respirar.
— Não fale assim! — diz, ríspida. — Não quero pensar na possibilidade de
perdê-lo.
— Não irá me perder, mia ragazza, o que eu quis dizer é que meu pai sempre me
ensinou a lidar e enxergar a morte por um outro prisma e estou tentando me
focar.
— Entendi, porém não quero falar sobre isso, acho muito deprimente.
—Talvez, mas para nós, homens da máfia, a morte é a única coisa certa a se
esperar ao fazer parte de uma organização.
— Mas deixemos esse assunto, por favor? — concordo com a cabeça e beijo
seus lábios de leve.
— Prometo que faremos outra viagem quando tudo se acalmar.
— Me prometa somente que se manterá vivo e sempre voltará para mim? — é
visível o seu desespero e isso se torna insuportável para aos meus olhos.
— Você é meu porto seguro e é para seus braços que sempre retornarei. — sorri
e aceita a minha promessa com a segurança de dias melhores.
Logo em seguida, adentramos os portões da casa e minha pior missão se
aproxima... Encarar e consolar a minha mãe.
Desço do carro e seguimos para a porta principal, o ambiente se encontra vazio e
posso sentir a tristeza que assola toda a casa. Antonella segura firme a minha
mão e ao encarar a figura de mama em outra sala anexa, fico ainda mais
consternado, retiro meus óculos e ando até ela.
Sentada em uma poltrona, ela segura um suéter que reconheço ser de meu pai,
seu rosto coberto por lágrimas a deixam uns 20 anos mais velha e ao me ver
estacado perto da porta, levanta devagar e anda a passos rápidos rumo aos meus
braços já abertos para recebê-la.
— Meu filho! — diz em prantos e soluços. — Mataram meu Victório. — seu
pesar é tão forte que se torna quase palpável, a abraço forte para tentar consolar a
minha preciosa mãe.
Se esse choro não tivesse um propósito coerente, eu mesmo mataria meu pai por
fazer a minha mama sofrer a esse ponto.
Dói vê-la chorando e pior, sofrendo por uma armação, se bem a conheço, ao
final, quando tudo for esclarecido ela não deixará isso barato.
— Shhhhhh... Calma, estou aqui! Não fique assim! — ela se afasta e limpa seu
nariz com as costas de sua mão.
— Ele estava tão alegre! — outra crise de choro. — E quando me ofereci para
acompanhá-lo até Bagheria ele se recusou, disse que não demoraria.
A puxo para mim e a abraço novamente, sinto o peso de seu sofrer e ainda não
posso lhe trazer o alívio, se meu pai estivesse mesmo morto seríamos dois
inconsoláveis buscando apoio um no outro. A perda real de meu pai me traria
sérios danos, pois de minha fraqueza teria que submergir a minha maior força.
— Nunca mais o verei pela manhã... — sua voz soa quase sem som. — Nunca
mais ele me acordará com seu sorriso e um botão de rosa vermelho estendido
para mim! — suas mãos apertam a lapela de meu terno para externar ainda mais
a sua angústia.
— Mama. — meus olhos ficam embaçados por ver seu sofrimento. — Tente se
acalmar sim? — ao meu lado, Antonella não consegue segurar seu choro e
desaba em minha frente abraçando minha mãe.
Ah, Victório Ferraro! O senhor me paga! Como irei sair dessa ileso? Minha
vontade é contar às duas que tudo não passa de um plano arquitetado por mim e
meu pai.
Abraço as duas e as levo para o sofá, mais calmas, aviso que terei que sair e
resolver os assuntos burocráticos para liberarem o corpo, minha mãe ainda
insiste em me acompanhar, contudo a impeço sem nenhuma chance de
argumentação.
No IML, sou recebido pelo chefe da investigação e pelo médico legista e amigo
de meu pai, o Dr. Bernardo sabe que esse corpo não é nunca será o de Victório
Ferraro, abre a gaveta onde se encontra os seus restos mortais e reconheço
perante ao policial que a mão usando um anel de família pertencia realmente ao
meu pai, após encerrar toda a burocracia, o corpo será liberado em 24 horas,
portanto, amanhã poderei partir com minha família para Nova Iorque.
Volto para casa e o clima ainda é o mesmo, minha mãe continua distante e
desolada no sofá, enquanto Antonella descansa no quarto de hóspedes. Me
aproximo da minha mãe e ajoelhado em frente ao sofá, toco seu rosto.
— Partiremos amanhã.
— Era mesmo o corpo dele? — ela ainda tinha esperanças de que ele estivesse
vivo e mais uma vez mentir para minha mãe me corta por dentro.
Faço um sinal afirmativo com a cabeça e ela fecha os olhos deixando seu rosto
recair sobre a almofada já encharcada com seu pranto.
— A senhora precisa comer alguma coisa e descansar! — atesto.
Noto que sua palidez profunda decorre de sua falta de alimentação e descanso.
— Não consigo. — me olha com os olhos muito inchados e lábios trêmulos.
— Precisa tentar. — me sento no braço do sofá e a aninho em meu corpo.
— Eu o amava tanto, meu filho! — reviro meus olhos e me seguro para não
acabar dizendo besteiras.
— Sei o quanto o amava, mama.
— Ninguém sabe! Só ele sabia o quanto era importante para mim. Ele era o meu
ar! — bate em meus braços e afunda seu rosto em meu peito. — Como respiro
agora? Ele era o meu sorriso. — fala mansa e sem forças. — Como vou sorrir?
— Você ainda tem a mim, Donatella, seus netos e nós a amamos muito!
— Enzo. — enxuga suas lágrimas. — Não aceito perder mais ninguém dessa
maneira! — inspira o ar fortemente e sua força se submerge de seu interior. —
Não aceito enterrar mais nenhuma pessoa de minha família, está me ouvindo?
— Não enterrará mais ninguém, eu lhe dou a minha palavra de que isso terá um
desfecho muito em breve.
— Você é o homem da casa agora, meu filho!
— E cuidarei de todos, pode confiar em mim!
— Esmague esse inimigo, passe por cima dele como um tanque. — seu
sentimento de dor se transforma em uma espécie de vingança.
— Quando o pegar, não terei nenhuma piedade! — um escasso sorriso se forma
no canto de sua boca.
— Hoje, pela manhã, seu pai me soprou um beijo e mal sabia eu que este seria o
último! — se ela chorar novamente, quebro a promessa que fiz ao meu pai e
acabo lhe contando a verdade.
— Com certeza, papai não iria ficar contente se a visse sofrendo assim. — por
um instante, ela fica em silêncio.
— Irá passar, meu filho e quando isso acontecer quero poder lhe ajudar a
massacrar quem está por detrás de todos esses atentados.
— Assim é que se fala, porém agora vou tomar um banho e preparar uma bela
massa para minha mama.
— Estou sem fome, meu bambino.
— A senhora não me faria essa desfeita? — seguro seus dedos em minhas mãos.
Levanto do sofá, tirando meu terno e digo.
— Não demoro!
Momentos mais tarde, sentados à mesa da cozinha, sirvo uma macarronada feita
por mim às duas mulheres de minha vida, minha mãe come muito pouco e toma
uma taça de vinho que a faz relaxar, já Antonella mal toca no prato. Sem tirar os
olhos de cada movimento meu, chego a pensar que ela descobriu tudo e espera o
momento para me desmascarar frente à minha mãe.
Dona Adele descansa sua taça na mesa e pede licença para se retirar, Antonella
se oferece para me ajudar com os pratos e após acabarmos de arrumar tudo,
apago a luz e junto de minha esposa caminhamos para o quarto.
— Quero que descanse, Antonella.
— Por que não faz a mesma coisa? — indaga com as sobrancelhas levantadas.
— Ainda tenho um assunto de extrema urgência para resolver, prometo que não
demoro. — ela se deita e espero sentado ao seu lado até me certificar de que
realmente seu sono a dominou. Beijo sua boca de leve saindo do quarto rumo à
uma pequena sala, onde poderei repassar a meu pai tudo o que faremos a seguir.
Lá fora, as árvores balançam incessantes devido ao vento que anuncia a chegada
de uma forte tempestade, pego meu celular, ligo para o número clandestino do
senhor Victório e não são necessários mais do que dois toques para que sua voz
ressoe do outro lado.
— Como ela está?
— Como o senhor queria que ela estivesse? — meu maxilar rígido indica minha
indignação por todo o contratempo que essa ideia nos trouxe.

Antonella
Abro meus olhos em um sobressalto devido a um terrível pesadelo em que Enzo
sangrava após ter sido alvejado por um tiro no peito, ofegante, me sento na cama
e passando as mãos pelos cabelos, tento me acalmar. Olho para o relógio e
constato que dormi menos de meia hora.
Abro a janela do quarto e deixo os primeiros pingos de chuva adentrarem o
aposento juntamente com o vento forte e gélido, procuro por meus chinelos e
insone saio do quarto em direção à cozinha, estou com sede e nada melhor que
um copo de água fresca para molhar meus lábios ressequidos.
Minha mente não se desfoca da atitude inesperada de Enzo, ao receber a notícia
da morte de seu pai imaginei que ele fosse sucumbir a mais terrível comoção e
angústia e o que houve foi exatamente o contrário, um Enzo impassível e cheio
de si, é claro que em seu histórico e estigma já conhecido por mim, essa sua
reação não deveria me causar nenhuma estranheza, mas ponderando a
importância de seu pai em sua vida, algo não se encaixa.
Que bobagem estou dizendo?
Cada um tem à sua maneira de lidar com situações incomuns e a morte sempre
revela que cada ser se comporta de uma maneira e exprime a sua dor de modos
também diferentes.
Enzo se encontra num estado de torpeza, a realidade mesmo à sua frente parece
que não ter se infiltrado em sua natureza dura e imbatível, meu mafioso não tem
direito a sofrer o seu luto. Todos esperam que ele se mostre forte e ampare
aqueles que podem demonstrar suas emoções.
Ando pelo corredor e sua voz ecoa próximo a sala de estar.
— Sabe que não era correto nos encontrarmos justamente agora. — fala com a
voz tranquila e alegre. Meu coração acelera e minha pulsação se agita.
— Sim, eu sei, mas Antonella desconfiaria se acaso eu saísse em plena lua de
mel e corresse para ir ao seu encontro.
Com quem ele poderia estar falando a essa hora e com a voz tão diferente da
usada durante todo o dia?
— Creio que o melhor que temos a fazer é manter nossa distância. — solta uma
risada e meu sexto sentido não quer acreditar que esse homem esteja falando
com alguma mulher porque se for, teremos mais um Ferraro morto na Sicília. —
Antonella não é boba e se eu não me policiar, ela logo descobrirá a verdade e
tudo vai por água abaixo. — outra risada e ele continua com a voz jovial de
outrora, estico meu pescoço e pela fresta da porta posso ver Enzo ainda trajando
seu avental a gesticular todo felice.
— Continuaremos a manter as aparências!
A puttana, na certa, diz algo enquanto Enzo permanece em silêncio ouvindo suas
palavras.
— Com minha esposa me entendo eu. — pigarreia. — Já posso me considerar
um ótimo ator!
Sem pensar duas vezes, pego um objeto de vidro sobre um aparador que se
encontra na parede do corredor e entro na sala onde Enzo fala ao telefone. Irada,
atiro o objeto em sua direção e ele passa raspando por sua cabeça atingindo a
vidraça do aposento que se estilhaça em muitos cacos no chão, com os olhos
arregalados, Enzo encerra a ligação e me encara com seu cenho fechado.
— Mas o que significa isso? — ando até a mesa e alcanço um antigo punhal
usado para abrir cartas e parto em sua direção com o sangue envenenado.
— Quem é a puttana ao telefone? — me exalto o bastante e ele se mantém em
retaguarda.
— Estava ouvindo atrás das portas? — sua sobrancelha direta fica ereta e seus
lábios se retorcem simultaneamente. — Não há puttana alguma, Antonella,
portanto sugiro que abaixe esse punhal antes que se machuque! — ordena como
se eu fosse obedecê-lo nesse momento.
Só Deus me segura nessa sala!
— Não me faça de idiota, Enzo Ferraro! Se não me contar quem era a mulher
com quem estava falando ao celular, eu juro que te mato!
— Você ouviu tudo errado! — usa de uma tonalidade branda na voz com o
intuito de me acalmar com palavras e timbres macios e andando em círculos
como um felino procura a melhor oportunidade para me fazer render-se a ele.
— Enzo, meu marido, se ouvi errado então me diga, com quem você estava
falando?????? — falo alto e sua reação é sinalizar com seus braços para que eu
abaixe o tom de voz.
— Shhhhhh! Fale baixo. — rosna entre dentes.
— Falo baixo, uma ova! — mais três passos e fico frente a ele.
— Cazzo! — xinga baixo e segura meu pulso e com uma simples pressão em
minha pele faz com que minha força se esvaneça e o punhal caia no tapete. —
Agora, sim! Sente-se aí e eu lhe conto com quem eu estava ao telefone.
Mais calma e sem tirar meus olhos dos seus, me sento e ele se senta na mesa em
frente a mim...
Per Amore[550]

Antonella
Irremediável...
Essa é a real situação em que Enzo se encontra diante de mim nessa sala e
constatando esse fato de que não há para si uma outra saída a não ser me dizer a
verdade, passa a mão pelo seu rosto liso e metodicamente desata o nó de seu
avental o jogando ao seu lado sobre a mesa.
— Não era nada do que você estava pensando! — com um ar circunspecto, cerra
seu cenho formando um vinco em sua têmpora em sinal de contrariedade.
— Isso, eu já sei! — rebato, seca. — Se não era una puttana do outro lado da
linha, quem era? — estica sua mão tocando a ponta de seus dedos em meu
queixo.
— Não sabia que era tão ciumenta. — alarga seu sorriso, jogando seu charme
com uma intenção mais do que subentendida. O que ele deve ter esquecido é de
que minha convivência ao seu lado me ensinou a conhecer um pouco de sua
personalidade como poucos. — Confesso que, no fundo, me senti um tanto
lisonjeado e surpreso pela sua exímia pontaria! — tenta arrastar nossa conversa
para uma outra perspectiva discutível e meu olhar de desagrado é a resposta para
seu comentário fora de contexto.
— Quer, por gentileza, parar de desviar o foco de nossa conversa, Enzo Ferraro?
— Somente fiz uma observação! — sua perspicácia o faz retroceder, pois ele
sabe que não aceito menos que a verdade, afinal de contas, além de casados
somos o que pode se chamar de parceiros.
Estamos juntos em uma jornada e mesmo num beco sem saída, jamais o
abandonaria e o deixaria que seguisse sozinho. Ao seu lado, atravesso uma
imensidade de coisas alegres ou todas as angustiantes adversidades que possam
aparecer no decorrer de nosso caminho.
— A puttana com quem eu falava era meu pai! — esfrega uma das mãos em seu
joelho e seu semblante fica ainda mais sisudo.
Sua frase é absorvida como se eu fosse acometida por uma descarga elétrica
embaixo d'água.
— Com quem? — chocada, o questiono.
— Isso mesmo que acabou de ouvir! — desce da mesa e anda até a vidraça
quebrada. — Victório não está morto!
— Mas... — balanço a cabeça totalmente confusa. — Não me diga que...
— Tudo o que está vendo faz parte de um plano arquitetado pelo meu pai e eu.
Boquiaberta e sem palavras que expressem meu espanto, permaneço em silêncio
por alguns segundos até que Enzo abre sua boca para justificar o seu feito
extraordinário.
— Não podia contar a ninguém, isso tinha que parecer real ao extremo,
Antonella!
— Enzo, isso não pode ser verdade! — fecho meus olhos apertando com as
mãos para quem sabe trazer lucidez à essa revelação inacreditável.
— Mas é a mais pura verdade!
— Agora tudo se encaixa. — solto uma lufada de ar e para não explodir nessa
sala, ando até a porta fechando com a chave. Por mais frio que meu marido já
tenha se mostrado, não fazia sentido seu estado apático e impassível de qualquer
emoção, reduzo nossa distância e com meu corpo logo atrás do seu, completo. —
Sua reação não condizia com o momento, ainda me sinto em choque. Eu estava
sofrendo com a notícia e temendo por seu sofrimento, seu carcamano
irresponsável! — acabo por desabar minha raiva contida sobre ele.
— Pode se acalmar, sim?
Continuo meu desabafo.
— E o estado de sua mãe? — toco em seu ombro e o faço virar de frente para
mim. — Ela não merece isso! — gesticulo, indignada.
— E você acha que foi fácil para mim vê-la nesse estado? — abaixa o tom de
voz e em seu lindo rosto consigo enxergar a sua franqueza. — Mentir para minha
mãe é o mesmo que enganar a mim mesmo, Antonella! — as veias de seu
pescoço pulsam sob o colarinho de sua camisa.
— E por que não conta a verdade a ela?
— Já lhe disse! Dei minha palavra ao meu pai! — sua vez de balançar seus
braços de modo argumentativo.
— Pensei que além de casados e apaixonados um pelo outro, nós fôssemos uma
espécie de cúmplices, Enzo! — respondo, me sentindo mal por Adele.
— E somos tudo isso, mia ragazza. — redargui , afirmativo. — Mas a nossa
[551]

intenção era deixar vocês de fora para melhor protegê-las.


— Enzo, sabemos mais do que ninguém que me tornei um alvo desse inimigo a
partir do momento em que aceitei sua oferta de emprego e me tornando sua
esposa essa probabilidade de ser pega por ele se tornou ainda muito maior,
portanto sabendo ou não quais são seus planos para acabar com esse ser, sempre
serei a isca que irá atrair você até ele! — próximo à mesa, a esmurra causando
um estrondo no ambiente.
— É isso que estou tentando evitar e decidimos eliminar os prováveis alvos
desse cretino! — sem que ele me explique a linha de seu raciocínio, acabo por
entender o que ele e o pai pensaram ao armar esse plano.
— Para isso, irá simular a minha morte também? — em meus olhos ele consegue
decifrar minha consternação.
Me puxa para seus braços e faz com que eu me aninhe ali.
— Claro que não! — beija o alto de minha cabeça, seus braços me envolvem
ainda mais e continua. — No momento, meu pai é mais útil morto do que vivo!
— diz, justificando todo o seu plano.
— Enzo... — afasto-me devagar. — Já parou para pensar que a tristeza de sua
mãe pode até deixá-la doente? — franze sua testa e parecendo desorientado
como um menino indeciso, refuta.
— Minha mãe é uma mulher forte!
— Não tenho dúvidas de sua força, contudo ela é uma mulher que saberia muito
bem guardar um segredo dessa natureza e mais, interpretar o papel de uma viúva
sofredora se fosse preciso. — respiro fundo.
Seus olhos se desviam dos meus, Enzo sabe que não estou dizendo nada que
tenha um senso discrepante.
— Por favor, conte a ela. — descarrego meu descontentamento em minha voz
suplicante.
— Não posso! — responde sem ao menos hesitar. — Dei minha palavra a meu
pai!
— E a sua palavra vale mais do que as lágrimas que Adele já chorou e toda a dor
que sua mãe está sujeita nesse momento?
— Saiba que tudo o que fiz até agora foi para defender a vocês, todas vocês! —
se exalta, irredutível. — Você tem o direito de se sentir ofendida por ter sido
enganada, mas não quero que questione as minhas atitudes! Isso não posso
permitir. — rebate, incisivo.
O mafioso toma o seu lugar e mostra toda a sua potestade.
— Antonella, sei o que estou fazendo, va bene? Apesar de cometer um deslize,
permitindo que você me flagrasse em uma ligação importante, estamos com o
controle de tudo!
Noto que não há nada que o faça mudar de ideia e desisto de meu intuito. Sendo
assim, não mais reluto sob a sua decisão.
— Pois deveriam encontrar uma maneira de controlar a tristeza de sua mãe. —
respondo à altura.
São minhas últimas palavras antes de deixar a sala, seu olhar se dirige para os
relâmpagos que clareiam o jardim e percebo que Enzo deu por encerrada nossa
conversa.
Na cozinha, bebo vagarosamente meu copo com água e com as mãos recostadas
na pia, observo o temporal que cai de modo incessante. No corredor, é possível
ouvir através da porta o choro convulsivo de minha sogra.
Isso não pode ficar assim!
Com os pensamentos mais centrados, volto para o quarto e ao abrir a porta, Enzo
se encontra deitado com um de seus braços apoiando seu pescoço, enquanto seus
olhos estão direcionados para a chuva que cai do telhado.
Na certa, deve estar remoendo as minhas palavras ou o que é pior, simulando
mais alguma morte na família Ferraro!
Entendo completamente sua posição em querer defender com todas as armas a
sua família e tudo o que envolve o seu nome, todavia sei que no quarto ao lado,
Adele sofre despedaçada por alguém que continua vivo e astuto como uma velha
raposa.
Que raiva do meu sogro! E eu toda triste pensando que ele não conheceria o seu
neto!
Relembrando o dia de meu casamento e aquela nossa conversa antes de irmos
para igreja, constato que o senhor Ferraro tinha há muito tempo em mente a ideia
de forjar a sua própria morte, no quesito inteligência, Enzo teve mesmo a quem
puxar.
Final da história, a puttana ao telefone com Enzo era meu sogro.
Caminho até a cama e deito de costas para ele, puxando o lençol.
— Gosto de noites chuvosas! — dispara e sua voz ressoa atrás de mim. Enzo
quer quebrar o silêncio entre nós.
— Também gosto. — respondo, automaticamente, cobrindo meu corpo.
Sinto quando sua mão esquerda é depositada em minha cintura exibindo seu anel
no dedo mínimo, o anel com o brasão da família Ferraro, o seu orgulho. Sem
nenhuma reserva, seu corpo se cola ao meu.
— Adoro o cheiro de seus cabelos. — esfrega seu nariz em meu ouvido, no
mesmo instante em que sua língua passeia por ali. Sua coxa nua roça de modo
provocativo em minhas pernas.
Ele, por acaso, não estaria pensando em transar depois desse dia estressante e
cheio de reviravoltas ou estaria?
Ele me esconde algo de uma relevância indiscutível e quer fazer de conta de que
nada aconteceu? Se ele pensa que sou uma máquina que é ligada num simples
botão "on," se acendendo toda, se enganou redondamente.
— Posso saber o que está fazendo, Enzo? — dessa vez, meu tom de voz não tem
nada de erótico.
Morde minha orelha e usa de sua voz rouca como a melhor arma de
convencimento.
— Pelo que eu saiba a nossa lua de mel ainda não terminou. — sua observação
terá uma resposta nada satisfatória para esse garanhão mentiroso. — E nada
melhor que ficar agarrado à minha esposa em uma noite de chuva.
Giro meu corpo, ficando de frente para seu rosto e confirmo olhando em seus
olhos um brilho intenso de desejo exalado de suas írises azuis.
— Em primeiro e importantíssimo lugar, há momentos atrás você estava de luto
pela morte de seu pai! — seguro sua mão e a retiro de meus quadris
bruscamente. Ele fecha a cara para mim com as feições intimidativas.
— Não me diga que irá me evitar por conta disso? Não lhe contei a verdade? —
seu corpo se retesa e se afasta do meu.
— Contou por que o flagrei em uma situação delicada e comprometedora!
— fixo meus olhos nos dele e sua raiva mesclada ao orgulho masculino não me
abatem. — Me contaria por vontade própria?
Ao invés de responder à minha pergunta, rapidamente formula uma outra na
tentativa de se esquivar.
— E, nesse caso, pensa em usar o sexo como arma de barganha?
— Absolutamente, minha arma de barganha seria o seu bom senso e não o que
você tem no meio de suas pernas! — retorce seus lábios e seu olhar fixa em
mim. Pela sua cara, não esperava por essa resposta que o deixa sem argumento.
— Antonella... — usa de sua voz aveludada e cadenciada de carinho para quem
sabe me fazer retroceder.
— Em segundo lugar e não menos importante, sua mãe se encontra no quarto ao
lado, desmanchando em lágrimas e duvido muito que ela durma essa noite,
pensando no que restou do corpo de seu amado marido, portanto você não acha
que eu conseguiria transar e sentir prazer sabendo que posso acabar com suas
lágrimas. Solta um suspiro repleto de enfado e insatisfação, amassa seu
[552]

travesseiro, afundando seu rosto ali e dando por encerrada a nossa discussão.
— Já falamos sobre isso. — inconformada pela sua compostura irritante, ainda
completo.
— E em terceiro e último lugar. — ele abre seus olhos atento à minha resposta.
— Com toda essa confusão, nem tive tempo de lhe dizer que sexo anal dói e
muito! — Enzo me olha sem entender a que me refiro. — Ou você não reparou
que estou me sentando de lado desde que saímos de Sharm el- Sheik?
— Você estava no controle, então poderia ter ido com menos sede ao pote! —
que cínico!
— Ah, então a culpa por meu rabo estar ardendo é minha? — acabo usando de
um termo chulo para descontar minha raiva em seu descaramento.
Endireita seu corpo e lança um olhar de quem quer ajustar o que foi dito.
— Não foi isso que eu quis dizer, apenas fiz uma constatação.
— Então, dada a sua constatação espero que entenda que não há possibilidade
alguma de acontecer algo nessa cama. — ergo minhas sobrancelhas e deixo claro
que não é assim que a banda toca.
— Tenha uma boa noite, Antonella. — apaga a luz do abajur ao seu lado e se
afunda na cama.
Sua natureza bruta e machista não retrocede nenhum milímetro sequer e essa sua
essência é o que o rege sempre.
— Boa noite, Enzo.
*****
Horas mais tarde, tento abrir meus olhos que parecem não me obedecer, depois
de uma noite mal dormida, meu corpo parece ter sido triturado em uma máquina
de moer carne. Enzo, como o habitual, não se encontra em nossa cama e notei
que, assim como eu, ele quase não pregou seus olhos. Espero que essa insônia o
tenha feito repensar em sua decisão e com isso desista de continuar com essa
ideia fixa de manter segredo da falsa morte de pai, ao menos, Adele e Donatella
têm obrigação de saber.
Não quero imaginar a mãe de Enzo no enterro fictício de seu marido se
debulhando em lágrimas, enquanto Enzo e eu compartilhamos da verdade. Isso é
muito doloroso e meu discernimento me fere ao permitir que ela passe por isso
sem merecer tamanha provação.
Depois de tomar um banho revigorante, saio do quarto à procura de Enzo que se
encontra sentado à mesa tomando café da manhã com sua mãe, me aproximo da
mesa e deposito minhas mãos sobre seu ombro.
Pende seu pescoço em minha direção e o beijo de leve nos lábios, me sento ao
seu lado e aquele clima pesado entre nós já não existe mais. Sua mãe sentada em
sua frente parece um fantasma com a expressão mais entristecida ainda.
— Depois do café, quero levá-las a um lugar. — Enzo bebe seu café e seu olhar
perscrutador não se desvia de sua mãe.
— Não estou disposta para ir a lugar algum, meu filho. — Enzo pigarreia e com
os pulsos apoiados sobre a mesa, argumenta com carinho. Estica seu braço e
cobre a mão de sua mãe com a sua.
Esse seu gesto muito conhecido por mim revela que teremos mudanças muito
surpreendentes por vir.
Com seu rosto recém barbeado, trajando um terno azul marinho, camisa branca e
gravata vinho, meu mafioso favorito assume seu posto de resolver as coisas com
uma cautela única e acreditando que teremos surpresas, fico feliz que ele tenha
entendido a real situação de sua mãe. Ajeita o colarinho de sua camisa e dispara.
— Sairemos em dez minutos.
— Já disse que não irei.
— Mama. — ele vai contar a verdade a ela, tenho certeza disso. — Por favor,
não vamos demorar!
— Está bem. — ele sorri para Adele que retribui seu gesto com um leve mover
de lábios, em seguida, direciona seus olhos para mim e confirma através deles
que mudou de ideia. Enzo não imagina a felicidade em que me encontro.
Com Enzo ao volante, seguimos de carro pela estrada que liga Palermo a
Bagheria, segundo ele é um trajeto curto e logo chegaremos em nosso destino.
Pelo retrovisor, vejo um outro carro que nos segue com mais dois seguranças
armados, necessário ou não, me abstenho de fazer qualquer comentário.
Adele se mantém absorta em seu mundo e pouco fala durante nosso trajeto, entre
um monossílabo e outro aprecia a paisagem sem nenhum contentamento,
também pudera, em sua cabeça, a perda de Victório a consome.
Enzo para o carro e desce para abrir a porta do carro para sua mãe e em seguida
faz o mesmo para mim.
Paramos em frente a uma casa típica italiana, dentro do quintal há dois homens
estranhos rondando o jardim. Deduzo que possuam a mesma estatura,
compleição física e trajam roupas da mesma cor propositalmente, ainda com
boinas na cabeça carregam rifles pendurados em suas costas e um cinto de bala
na cintura.
Enzo confere através de seus óculos escuros todo os arredores antes de
adentrarmos pelos jardins, ao fechar seu paletó, noto que ele carrega uma arma
em sua cintura. Com as mãos sobre os ombros de sua mãe e eu, seguimos por
uma escada até adentrarmos em uma sala ampla e muito clara, onde em um dos
sofás em frente à uma lareira se encontra Victório Ferraro em carne e osso,
sentado com as pernas cruzadas em total relaxamento.
Tenho a leve sensação de que isso não vai prestar, Adele fica estática e sua face
lívida como cera.
Direciona seu olhar para Enzo e pelo canto dos olhos de meu esposo posso ver a
sua preocupação, os dois ainda não sabem como Adele irá reagir.
Bem, eu saberia muito bem o que fazer se Enzo me pregasse um susto dessa
natureza e acredito que minha sogra não deixará muito barato. Suas lágrimas e
dor não sairão baratas.
Victório sorri ficando em pé e estende seus braços para sua mulher como se esse
momento fosse um reencontro comum e corriqueiro, com uma das mãos em sua
boca ainda aberta pelo impacto da presença de seu marido à sua frente, Adele
continua parada sob um pequeno tapete estendido na soleira da porta.
— Adele. — ele a chama com as mãos e Enzo que parece prever o que está por
vir, aperta minha mão como se buscasse algum apoio.
— Victório! — minha sogra sai do transe momentâneo e corre ao encontro do
homem por quem ela estava quase sucumbindo em tristeza, se joga em seus
braços e ele a aperta forte piscando e sorrindo para o filho.
— Minha Adele. — junta seu rosto, a encarando com uma luminosidade ímpar
refletida em seus olhos.
Emocionada ao ver os dois juntos, aconchego meu corpo junto a Enzo que
continua com o olhar estático sobre os seus pais.
— Você está vivo! — seus olhos agora vertem lágrimas de pura alegria e alívio.
Beija e toca seu rosto inúmeras vezes.
Victório não deixa de observar o rosto abatido da esposa e seu polegar desliza
por sua face com carinho.
— Era um plano, minha querida! Enzo e eu queríamos que parecesse real. — e
foi dizendo essa frase mágica que o senhor Victório despertou o gigante
adormecido em Adele, ela arranca um de seus sapatos e o bate sem piedade na
cabeça do marido que se encolhe com os golpes.
— Seu filho de uma puttana! Eu vou te matar! — nunca tinha ouvido minha
sogra dizer palavrões, ainda mais em minha língua natal.
— Calma, Adele, posso explicar! — mais sapatadas são direcionadas a ele e
prevejo que Enzo não sairá ileso dessa.
— Explicar??? Vocês quase me matam de tristeza e agora quer explicar! Na
próxima vez que fizer isso, caso com o primeiro ragazzo que estiver em seu
velório, Victório Ferraro. — os olhos de meu sogro quase saltam de suas órbitas.
Acredito que ele não terá mais ideias mirabolantes sem consultar a esposa. Bate
com o sapato e com a mão livre o cobre de tapas que ecoam estalados na sala.
— Nunca mais me faça de idiota!
Enzo se solta de minha mão e anda em direção de sua mãe no intuito de acalmar
a fera e o que em previa acaba acontecendo, ele é coberto por tapas e sapatadas
na cabeça e para não transparecer que eu tinha conhecimento da verdade,
aproveito a deixa e acabo usando meu Prada na cabeça de Enzo também.
Passado a euforia e raiva pela descoberta, Adele agarra Victório e o beija com
paixão em nossa frente. Momentos depois, sentados na sala, Enzo olha para
todos e nos questiona.
— E agora? O que faremos? — o senhor Victório se ajeita em sua poltrona.
— Seguiremos nosso plano e para todos os efeitos, estarei morto.
— A senhora conseguirá fingir que não sabe de nada? — Enzo se dirige à sua
mãe, o semblante triste de horas atrás dá lugar ao seu ar de deboche.
— Farei uso de meus enormes óculos escuros e serei muito melhor interpretando
meu papel do que você, Enzo Ferraro!
— Tenho certeza disso! — rebato. — Como ator, Enzo é péssimo.
— Obrigado pela sinceridade das duas. — bate as mãos sobre seus joelhos.
— E tem mais. — fala com o dedo em riste. — Sua irmã precisa saber a verdade
e se você não disser a ela, eu mesma faço isso.
— Está certo! Mas as crianças ficam de fora da verdade. — atesta o patriarca da
família. — Criança sempre fala demais e não sabe guardar segredo.
Chegamos a um acordo comum e a partir de agora faremos o que ficou decidido
nessa sala como uma família única e unida sempre.
— Antes de partirmos para Nova Iorque. — as mãos de Enzo recaem sobre os
ombros do pai. — Quero que saiba que seu neto terá o seu nome. — o pai de
Enzo olha para mim e depois para sua esposa.
— Vocês ouviram isso? — em seus olhos está refletida a mais pura essência de
felicidade já vista por mim. — ele se levanta e faz com que Enzo se junte a ele,
abraça o filho e aperta seu rosto com suas mãos envelhecidas.
— Assim, seu velho pai morre de verdade. — Adele entra na conversa.
— Que seja mesmo de verdade, porque se for outra simulação, já sabe! — retira
seu sapato e o aponta para ele.
— Victório Ferraro Neto! — estende sua mão para mim e me puxa para abraçá-
lo junto ao seu filho. — Não sei o que dizer para agradecer aos dois.
— Diga que nunca mais vai nos pregar um susto como esse, pois quero muitas
fotos de seu neto em seu colo, senhor Victório. — ele engole seco e mesmo com
olhos lacrimejantes, não permite que nenhuma delas ouse cair em nossa frente.
— Obrigado, Antonella. — ele me abraça forte e em seguida beija minha testa.
Respiro aliviada, pois finalmente tudo acabou bem.
Partimos de Palermo às quatro horas da tarde e dentro do avião, Adele dorme
tranquila em uma das poltronas enquanto Enzo e eu conversamos.
— Satisfeita, agora? — seus dedos brincam com minha aliança.
— Ainda falta a sua irmã, Enzo!
— Prometo que ela será a próxima a saber e antes do enterro falarei com
Donatella.
— Então me dou por satisfeita e prometo recompensá-lo muito bem. — brinco,
piscando com malícia e sua boca procura a minha num beijo leve, porém
tentador.
— Quando desembarcarmos em Nova Iorque, tenho um encontro importante e
não sei a que horas retorno. — se justifica. — Não me espere, ok? — aquiesço
com a cabeça, sem questionar meu marido.
— O irmão de Eurídice terá que abrir a sua boca por bem ou por mal. — estala
seus dedos, como se estivesse falando consigo mesmo.
Não queria estar na pele desse homem ...
Chave mestra

Enzo
Quase doze horas de voo e finalmente pousamos em Nova Iorque, ao descermos
da aeronave, minha mãe e Antonella cruzam seus braços devido ao vento frio e
cortante que se abate sobre o aeroporto JFK, abro meus braços as acolhendo até
chegarmos ao nosso carro com Fabrízio à nossa espera.
A caminho de casa, aperto um botão que transpõe uma parede de vidro nos
isolando do motorista a nossa frente, feito isso, repasso com minha mãe e esposa
alguns detalhes imprescindíveis no seguimento de nosso plano. Também deixo a
encargo de mama a incumbência de contar a verdade para Donatella, impondo
uma condição mais do que necessária no momento, manter esse segredo em
família e com isso deixar Isaiah de fora dessa história. Não é hora para erros e
muito menos, pequenos deslizes. Se eu tivesse sido mais cauteloso, nem mesmo
Antonella tomaria conhecimento da verdade.
Atravessamos os portões e no jardim muitos seguranças que trabalham para
chefes de outras famílias andam de um lado para o outro aguardando alguma
ordem de seu superior que provavelmente aguardam minha chegada, a notícia da
morte de meu pai já se faz conhecida em nosso meio.
Ao fundo, alguns automóveis estacionados próximos à garagem indicam que
minha sala se encontra abarrotada de pessoas que trabalhavam para nostra
famiglia e desejam saber o que muda a partir de agora. Dentre esses automóveis,
o Rolls Royce de Fanesi mostra que a morte de meu pai lhe trouxe esperanças de
que seus negócios cresçam e quem sabe seu poder aumente.
Mero engano de sua parte, ainda não me esqueci da cilada armada por ele em
Vegas. Se meu pai estivesse mesmo morto essa seria a reação desse bando de
abutres que não visam nada além de aumentar seus lucros em seus territórios.
Logo à frente do carro de Fanesi, a Ferrari de Brian estacionada rente a calçada
indica que meu único e estimado amigo está presente para me prestar
condolências.
Descemos do carro e ao pisar no hall de entrada, somos recebidos por minha
irmã que conserva o rosto abatido e olhos sem nenhum brilho, anseio que ao
saber da verdade, Donatella pense com a razão e entenda qual o real intuito
disso.
Próximo a porta que liga a sala à biblioteca estão Martina, Clara e Brian que ao
nos verem também caminham em nossa direção, contudo refreiam seus passos
mantendo um espaço para que Donatella seja a primeira a falar conosco, minha
irmã fica ao nosso lado e abrindo seus braços acolhe minha mãe dentro deles. As
duas se mantém assim por alguns segundos e logo a seguir, Donatella estica sua
mão em minha direção.
— Meu irmão! — a única palavra anunciada por ela ao apertar meus ombros
com força, sinto a sua angústia e não vejo a hora desse tormento ter um fim.
Com seu corpo ainda junto ao meu, murmuro ao seu ouvido.
— Mamãe tem algo muito importante para lhe dizer. — seus olhos assumem um
ar indeciso.
— Receberei os pêsames das pessoas na sala e depois conversaremos, minha
filha. — atesta minha mãe.
Martina e Clara, muito discretas, mostram-se solidárias e entristecidas por tudo o
que estamos passando.
Um pouco mais tarde, minha mãe, Antonella e as demais se afastam e me
deixam a sós com Brian.
— Amigo, meus sentimentos! — seu semblante exterioriza uma incredulidade
discrepante.
— Obrigado, Brian. — seu abraço é forte acompanhado de leves tapas em
minhas costas.
— Como médico de seu pai, jamais imaginei que ele fosse nos deixar dessa
forma! — sustenta seu olhar lacrimejante para o chão e uma de suas mãos em
meu ombro. — Seu estado de saúde era estável e seu diabetes controlado.
— Ele podia ser um homem duro. — respiro fundo no mesmo instante em que
descanso minhas mãos nos bolsos de minha calça. — Sem piedade, para alguns,
desonesto para outros. — bato em meu peito com força. — Mas era o meu pai e
eu o amava muito. — aperto meus olhos buscando alguma lembrança triste que
me faça ao menos mudar as feições de meu rosto impassível de emoção nesse
momento.
Tudo tem que ser articulado meticulosamente e minha simulada emoção entra
em cena como parte imprescindível de nosso plano, afinal o suspeito pode estar à
espreita a observar minha reação com uma baixa de grande estima e para a
organização liderada por mim.
— Imagino a sua dor, Enzo. Você e seu pai eram muito ligados! — seguro em
seu braço suspenso e o encaro.
— Não. Você não imagina a minha dor! É como se uma parte de mim
desfalecesse e minha força fosse ruir. — faço uma pausa e continuo. — O pior
de tudo é não poder transparecer o meu sofrimento e muito menos chorar pela
perda de meu pai, pelo contrário, tenho que me manter forte para que tudo
continue em pé. Pessoas dependem de minha firmeza.
Sem saber o que dizer, pigarreia.
— Foi você que reconheceu o corpo?
— Sim, fui eu. — do bolso direito de minha calça retiro o anel de meu pai e o
mostro a Brian que o pega em sua mão ainda mais aturdido do que antes.
— Tem ideia de quem possa ter feito isso com ele? — balanço minha cabeça
negativamente.
— Nenhuma. — olho para o canto da sala onde Ignácio conversa com Isaiah. —
Mas não sossegarei enquanto não descobrir e vingar a sua morte. — enfatizo.
— Não sou muito bom em consolo, meu amigo, contudo se precisar de um
ombro ou alguém com quem possa desabafar e extravasar sua dor sabe que
poderá sempre contar comigo.
— Obrigado mais uma vez.
— A que horas será o enterro?
— Amanhã, às dez horas.
— Para onde levaram os restos mortais de seu pai? Quer alguma ajuda nesse
sentido?
— Ignácio já cuidou de tudo e os responsáveis pelo caixão já o lacraram.
— Não conseguiram reconstruir seu corpo? — inquire, curioso.
— Somente os membros inferiores e uma das mãos ficaram inteiras. O resto
estava irreconhecível.
— Entendi. — se dá por satisfeito.
Seu celular toca e ele me pede licença para atender, pelo tom de sua conversa
deve se tratar de um chamado médico.
— Enzo, tenho que ir.
— Tudo bem, amigo.
— Uma antiga paciente passa mal e está a caminho do hospital. — conclui. —
Tenho que me apressar, porém volto amanhã para o enterro.
— Mais uma vez, obrigado. — ele sai e Fanesi vem para demonstrar seus falsos
préstimos de condolências.
— Enzo, meus sentimentos! A morte de Victório é uma perda muito grande para
todos nós.
— Seu fingimento me surpreende Fanesi. — seu rosto não se desfigura com a
minha observação. — Todos aqui nessa sala sabemos que você e meu pai
mantinham uma relação restrita e que isso se resumia a uma eterna disputa por
poder.
— Confesso que entre seu pai e eu havia sim uma rixa, porém isso não significa
que eu não sinta a sua morte. — esconde seus olhos frios através das me lentes
escuras de seus óculos. — Sabe que isso poderia ter acontecido com qualquer
um de nós.
Nada respondo e apesar de sua coerente observação, deixo claro em nossa
conversa de que não confio em suas palavras muito menos em seu
comportamento, ele se despede e depois de transitar pela sala recebendo outros
pesares semelhantes ao de Fanesi, me dirijo ao que realmente me interessa. Falar
com Ignácio a sós em meu escritório.
No corredor, esfrego meu rosto na tentativa de afastar meu cansaço, meus olhos
ardem, o corpo dói e mente não se desliga em hipótese alguma e ainda tenho que
cuidar de Demétrio, minha noite será muito longa. Ignácio se senta e eu o
inquiro.
— Quero saber o que descobriu com a invasão à casa de Brian?
— Nada que pudéssemos levar em consideração. — cruza seus dedos sobre seu
joelhos dobrados. — Vasculhamos tudo minuciosamente e não há nada que o
incrimine, ao menos ali. Se for Brian, ele demonstrou ser muito cuidadoso em
suas ações.
— Acha que ele deixa de ser suspeito? — denoto minha contrariedade se acaso
Ignácio quisesse me convencer de que minha linha de raciocínio não tem
utilidade.
— De modo algum, não foi isso que eu quis dizer. Ele continua sendo um
suspeito e com a morte de seu pai, esse inimigo terá que ajustar a sua vingança.
— Foi isso que meu pai e eu pensamos.
— E agora? — meu Consigliere espera as coordenadas dos passos a seguir.
— Agora veremos qual será o próximo passo desse covarde.
— Continuarei com a nossa investigação e qualquer novidade, eu lhe aviso.
— Onde está Demétrio? — Ignácio me lança um olhar de espanto.
— Quer vê-lo ainda hoje? Não quer descansar e amanhã depois do fu... — nem
espero completar sua frase.
— Você mais do que ninguém sabe que se eu não ficar frente a frente com esse
homem ainda hoje, não conseguirei dormir. — Ignácio sabe que não me
conseguirá me convencer do contrário.
— Se é assim, vamos chamar Isaiah e ele lhe levará até Demétrio.
Uma hora depois, sentado no banco do passageiro, mantenho meus olhos
fechados, enquanto Fabrízio dirige devagar pelas ruas do Queens, ao meu lado,
Isaiah observa o tráfego quase inexistente. Em meu velho galpão, Demétrio
Furmam permanece amarrado aguardando seu destino.
Desço do carro e fecho os botões de meu sobretudo, faz frio e o vento forte faz
com que a sensação térmica caia ainda mais, coloco minhas luvas de couro e
seguido por meu segurança e futuro cunhado abro a porta do local abandonado
tão familiar para mim.
As janelas lacradas por tábuas transversais impedem que a pouca luminosidade
da rua clareie o ambiente, bem no centro do grande salão, há uma mesa disposta
com uma cadeira, onde o irmão de Eurídice se encontra com as mãos atadas por
uma corda frente ao seu corpo. Uma lâmpada solitária e fraca incide sua luz
sobre o velho e a sombra de sua imagem é refletida na parede à sua frente, meus
passos são ouvidos por ele e imediatamente seu olhar é direcionado a mim.
— Boa noite, Demétrio! — sorrio em retribuição à sua cara de desprezo. —
Espero que tenha sido muito bem tratado em minha ausência. — me sento na
beirada de mesa e ainda de luvas seguro uma pequena serra suja de sangue já
seco. Corro meus dedos enluvados pela serra. — Não posso permitir que meus
amigos sejam maltratados, pois minha hospitalidade não pode ser questionada.
— Isaiah permanece de braços cruzados ao fundo do galpão.
— Não sou e jamais serei seu amigo. — diz numa tonalidade fria e endurecida.
— Como sua irmã, não é mesmo? — ele fica em silêncio.
— Vejamos, Demétrio. O que sabe sobre Eurídice? — Demétrio continua calado.
— Serei breve e direto, Furman. — ergue seu olhar vazio para mim.
— Percebi que não gosta muito de conversar não é mesmo? — desço da mesa,
ficando de costas para ele. — Me diga, como é o seu relacionamento com sua
irmã?
— Você a matou, não foi?
— Quem faz as perguntas aqui sou eu! — volto meu corpo em sua direção e
espero que esse homem possa me passar alguma informação que seja útil. —
Mesmo que a tivesse matado, não teria obrigação nenhuma de lhe confessar isso.
— Você pode perguntar e tenho todo direito de não lhe responder. — ousado,
cínico ainda demonstrando alguma coragem e frieza, essas são as primeiras
impressões verificadas por mim.
Demétrio não exala nenhum tipo de medo e sua postura ereta e soberba
demonstra uma fleuma já característico de sua personalidade.
[553]

— Qual foi a última vez que falou com sua irmã? — o questiono sem muita
esperança na resposta. Ele atua como um perfeito cretino e sua intenção aqui
será me fazer perder a cabeça e pior, tempo em interrogá-lo.
— Há muito tempo não falava com minha irmã! — mantém a voz no limite de
sua calma.
— E como supõe que ela esteja morta? — sua contradição o coloca contra
parede. — Se não fala com ela há tanto tempo não teria como saber se está viva
ou morta.
— Enzo Ferraro, acha que nessa altura de minha vida, um homem solitário como
eu terei medo de suas patéticas intimidações? Não disse que ela estava morta,
apenas perguntei se a matou?
— Digamos que não tenho a pretensão de satisfazer a sua curiosidade se não
saciar a minha. — retruco, ele olha ao redor do ambiente e firma seu olhar de
desdém quando me encara novamente.
— Para mim, você não passa de um moleque mimado e em sua cabecinha
medíocre acha que impõe temor aqueles que não sucumbem à sua vontade.
— Ora, veja! Capturamos um terapeuta! — pego uma garrafa com água e a
despejo em um copo, Demétrio foi privado de água há quase dois dias e sua boca
seca indica que um pouco de água seria tudo o que ele gostaria no momento.
Bebo um grande gole e o restante é jogado ao chão. — É uma pena que não
tenhamos tempo para iniciarmos uma sessão, porém agradeço a sua análise
inicial de meu perfil. — completo. — Nunca pensei que alguém me enxergaria
tão bem!
— Suas torturas banais não me farão falar, já vivi coisas muito piores e não será
um aspirante a mafioso que me fará sentir medo.
Ignácio tinha razão, Demétrio não carrega a covardia em seu interior e como
vítima de guerra traz consigo traços de dignidade de uma raça humilhada e
maltratada pelos alemães. Terei que mudar de tática, pois torturá-lo não será uma
solução cabível e muito menos proveitosa. É hora de ser persuasivo e usar de
muita cautela sem menosprezar a inteligência e anos a mais incrustados nele.
Em cima da mesa, seguro uma chave com o logotipo de um chaveiro da cidade
de Houston, resta saber o que essa pequena chave anexa abre de tão importante,
enrosco a argola que sustenta a pequena placa em meu indicador direito e
elevando diante de seus olhos, observo a sua reação de surpresa e como previa
ele tem conhecimento do objeto, essa chave se encontrava entre os pertences de
Eurídice.
— Pela sua cara, essa chave lhe é familiar, poderia me dizer o que sabe sobre
ela?
— Não tenho conhecimento desse objeto!
— Que é velhinho? — meu maxilar de enrijece enquanto meu nível de paciência
se esgota, encho outro copo de água e a bebo bem devagar molhando meus
lábios. — Então, quer fazer jogo duro?
— Senhor Enzo Ferraro. — diz, complacente. — Digo o mesmo que disse a seus
homens quando praticamente me sequestraram, não há nenhuma informação
sobre minha irmã que possa lhe ajudar. — pelo canto de sua boca se forma, um
riso cínico mesclado à intenção de não colaborar com qualquer resposta que me
leve a uma pista concreta.
— É uma pena que não deseja colaborar com a minha humilde pessoa, velhinho!
— bato uma mão na outra e as esfrego encostada em minha boca.
Mesmo não avançando para parte alguma, preciso saber o quanto Eurídice era
importante para Demétrio e assim, narro minuciosamente todos os detalhes de
como sua irmã foi pega até o seu pós morte. A raiva em seus olhos claros se
reverte em lágrimas e suas mãos apertam o tecido de sua calça sob seus joelhos.
— Eu mesmo retirei seu corpo já em decomposição e constatei que sua irmã
sofreu muito para morrer! Morreu sem ar a pobrezinha, tão boa! — faço um
sinal da Cruz.
— Cale-se, seu mostro! — finalmente, consegui que ele externasse alguma
emoção.
— Cheguei a pensar que era feito de pedra, senhor Furman.
— Seja lá o que fez com minha irmã, chegará a hora em que terá que quitar as
suas dívidas, Enzo!
— Sei disso, mas não será você a me cobrar por elas!
Cansado de rodar em círculos e fazer perguntas em que as respostas vêm em
genuínos murmúrios quase silenciosos, retiro minha Glock do coldre e a aponto
para o pé de Demétrio.
— Foram seis perguntas sem respostas! — saliento ao encarar seus olhos
bravios, atiro em seu pé direito e seu grito ecoa no galpão.
Ele se encolhe e o sangue escorre por debaixo da cadeira iluminada apenas por
uma luz amarelada e fraca, estico meu braço e verifico as horas, espero não
demorar muito com esse sujeito valente.
— Ainda faltam cinco! — engatilho e aponto para seu joelho direito e antes que
seu grito assuste a vizinhança, enfio um pedaço de estopa em sua boca. Disparo
e seu rosto suado treme diante de mim e seus olhos se arregalam pela dor.
— Quantas faltam, Isaiah?
— Quatro respostas. — Isaiah mantém sua frieza equiparada à minha.
— Pois bem!
Seguidos de mais três disparos, acerto seu pé e joelho esquerdo e ele ainda
resiste consciente, em seguida, é a vez de suas duas mãos.
Inerte, Demétrio quase desmaia e como não sou uma pessoa sem coração, retiro
a estopa de sua boca e jogo um copo de água em seu rosto para que não morra
com sede.
— Mesmo sabendo da resposta, irei perguntar pela última vez, Demétrio. Quero
saber de onde é essa chave? — meu rosto fica a centímetros do seu e ele revira
os olhos e abre um largo sorriso.
— A resposta está onde menos se espera, garoto!
— Você é quem sabe! Sete perguntas sem nenhuma resposta! — o encaro,
indignado. — Você me venceu, velhinho, filho de uma puta! Para mim, chega!
Disparo contra sua cabeça que se estilhaça jorrando sangue e pedaços de seu
crânio ao redor. — limpo o sangue de meu sobretudo e me dirijo ao banheiro
para lavar o sangue existente em meu rosto.
A caminho de casa, me sinto exausto e não é somente um cansaço físico e sim
uma impotência que exaure minhas forças a um ponto máximo. Tudo o que
necessito nesse exato momento é de um bom banho e minha cama, a essa hora,
todos devem estar dormindo, inclusive minha esposa.
Já dentro de casa, seguro o chaveiro em minhas mãos e coloco minha razão
acima de qualquer outra coisa, com isso, me dirijo para a sala onde Ignácio
mantém seu escritório, acendo o interruptor e vagarosamente me encaminho para
a sua mesa.
À procura de alguma pista em suas gavetas encontro um chaveiro com uma
chave idêntica à que foi encontrada nos pertences de nossa antiga e bondosa
governanta.
A frase subtendida de Demétrio martela ressonante em meu cérebro.
Pense Enzo. Pense!
Se Ignácio fosse o chefe a comandar essa vingança não permitiria em nenhuma
hipótese que as minhas desconfianças pairassem sobre ele, portanto o inimigo
quer desviar o foco de minha suspeita projetando provas que incriminem meu
Consigliere, as pistas desfocadas dariam a esse vagabundo tempo para arquitetar
outra armadilha ainda não projetada em sua mente perturbada pela surpresa da
morte de meu pai, esse ordinário não esperava por esse acontecimento.
Se ele quer me fazer acreditar nisso, quem sabe não poderemos aproveitar essa
ideia ao nosso favor? — ergo a chave diante de meus olhos e a examino,
imaginando mil lugares aonde ela possa ser usada.
Olho para o jardim e o orvalho cai sobre todo o gramado, alguns homens
armados rodeiam a casa, o que me deixa um pouco mais seguro, mas não menos
precavido. Devagar, ando pelo corredor e entro em nosso quarto, sem fazer
barulho, caminho para o banheiro onde tomo um banho demorado. Refresco
minha cabeça e tento relaxar sentindo o cheiro doce de minha ragazza que
dorme profundamente.
Amanhã, serei a vitrine para meu adversário que tenciona me derrotar.

O que ele não pressupõe é que me chamo Enzo Ferraro


e sou implacável.

Antonella
São sete da manhã e em frente ao espelho do banheiro, enxugo meu corpo após
um belo banho. Enzo, por incrível que possa parecer, ainda dorme
profundamente, não sei determinar a que horas ele voltou para casa, porém tenho
a certeza de que era muito tarde.
Mesmo não sabendo ao certo qual era o seu compromisso da noite anterior, sei
que isso tem a ver com os últimos acontecimentos.
Adele e eu tivemos uma conversa em particular com Donatella e minha sogra
soube muito bem revelar a verdade à irmã de Enzo sem causar nenhum alarde,
minha cunhada ouviu tudo atentamente e diferente de mim e minha sogra, a sua
reação não tinha nada de raivosa por ter sido enganada. A sua alegria ao saber
que seu pai ainda vive, supriu qualquer sapatada que ela quisesse dispensar no
irmão e no senhor Victório.
Tia Martina e Clara se mudarão para sua casa nova logo após o funeral, Clara
mesmo triste pela morte de meu sogro não conseguiu disfarçar a sua alegria ao
me contar que Brian a pediu em namoro, os dois andaram saindo juntos, o amigo
de Enzo tomou a iniciativa e agora os dois são namorados. A felicidade de Clara
é notória e isso se reflete em mim que torço muito por ela.
Saio do banheiro e meu olhar se dirige para meu lindo marido estirado na cama,
o edredom cobre seu corpo parcialmente deixando seu tórax desnudo e suas
coxas à mostra, tentada a acordá-lo com mil beijos, me ajoelho na cama e minha
boca desliza por seu tornozelo bem feito.
— Bom dia... — sua voz sonolenta é ainda mais sexy e com os olhos
semicerrados, se remexe lentamente.
— Achei que estivesse dormindo. — minhas unhas sobem por sua panturrilha.
— E pensei em lhe acordar... — disparo com a cadência de uma voz maliciosa
de uma mulher que não tem nenhuma vergonha de dizer o que deseja de seu
marido.
— Então, me acorde... — ouço sua voz mais enrouquecida e isso desperta em
mim um tesão intenso e incontido. — Adorarei ser despertado pela minha esposa
e além do mais, é hora de cobrar pela minha recompensa. — ergue seu pescoço e
consigo visualizar seu peitoral com seus bíceps flexionado.
— Achei que não se lembraria! — pisca para mim com seu ar safado e as marcas
de sua barba por fazer o deixam ainda mais tentador aos meus olhos.
— Jamais esqueceria algo assim...
Abaixo minha boca e meus lábios roçam em seu pé subindo morosamente por
seu tornozelo arrancando gemidos guturais de sua garganta.
— Você mereceu e terá a sua recompensa.
De joelhos, abro meu roupão e seus olhos azuis de brilho intenso devoram meu
corpo por inteiro...
Caça ao tesouro

Antonella
E é sob esse olhar que me consome como chamas incandescentes, que me
abaixo na intenção de percorrer com meus lábios sedentos a sua pele morna,
saboreando milimetricamente seu gosto e cheiro inebriantes.
De leve, meus dedos tocam sua pele, percorrendo um caminho tortuoso em
direção aos seus joelhos, no mesmo instante que minha boca sente o roçar de
seus pelos eriçados e o calor de sua derme que anseia por minhas carícias
ousadas. Minhas mãos invadem o edredom que cobre parte de seu corpo e sem
nenhum pudor, deslizo meus dedos exercendo uma pressão gostosa em suas
coxas firmes e torneadas e de imediato sinto a flexão de seus músculos a me
instigar a prosseguir com meu intuito.
Um pouco mais acima, meus dedos resvalam no algodão da única peça que
cobre seu corpo, uma cueca branca. Ousada, espalmo minha mão direita em sua
ereção que já se mostra evidente e sua reação é remexer seus quadris em contato
com a palma da minha mão, me incitando a segurá-lo sob meus dedos. Para
provocá-lo ainda mais, entro debaixo do edredom e alisando seu pau duro sob
sua boxer, curvo meu corpo em direção a sua excitação, percorrendo minha
boca, mordiscando e o lambendo em toda sua extensão com o algodão de sua
cueca a se interpor entre nós.
Solta com força o ar por suas narinas e suas coxas se retesam, soerguendo seu
corpo na ânsia de sentir seu pau todo em minha boca. Assim, acaba por descobrir
nossos corpos e uma de suas mãos pairam em meus cabelos e na sequência
tocam meu rosto, acariciando de modo lento e delicado.
Intencionalmente, meus olhos o encaram com uma voracidade aflitiva e sem
nada dizer, abaixo sua cueca liberando sua ereção diante de mim, com sua boca
entreaberta em busca de ar, seu tórax sobe e desce arfante, ao mesmo tempo que
sua garganta exibe o seu pomo de Adão ao engolir em seco, molhando seus
lábios, sem tirar seus olhos que reluzem seu desejo bruto por mim.
Enzo tem a exata noção do que pode e consegue fazer comigo com seu mero
olhar, conhece cada linha traçada em meu corpo e sabe que todo o meu mais
puro e evidente desejo lhe pertence.
Nosso amor e cumplicidade são extravasados em forma de desejo e em cada
toque recebido, em nossa cama, conseguimos sentir a intensidade de nosso
querer e um avassalador sentimento que nos assola.
Meus lábios envolvem a cabeça de seu pau bem devagar extraindo de meu
marido um gemido rouco indecente que me excita de modo febril.
— Cazzo!! Que boca que fode gostoso! — com sua voz grave, murmura entre
dentes pressionando minha cabeça em suas mãos.
O engulo mais a fundo, à medida que o acaricio com minha língua, arqueia seus
quadris, estocando em minha boca num ritmo ainda lento. Minha mão o envolve,
cadenciando movimentos verticais no mesmo instante que minha boca o chupa
com vontade. Retiro minha boca e meu polegar massageia sua glande juntamente
com a ponta de minha língua.
— Gosta disso? — balbucio enquanto continuo com lambidas lânguidas e
provocantes.
— Gosto muito, continue. — com a cabeça recostada em seu travesseiro, fala
com dificuldade.
Subitamente, intensifico os movimentos de minha mão, assim como minhas
chupadas ficam mais frenéticas, isso faz com que seus gemidos se tornem ainda
mais audíveis e esse som erótico me excita fazendo meu ventre se contrair e me
deixando ainda mais molhada. O calor de nosso desejo se espalha pela cama e
faz com que o outono se torne um tórrido verão.
— Antonella... — estoca rápido em minha boca, buscando seu gozo através de
minhas chupadas devassas e com minha mão livre aperto sua coxa direita até
chegar em seus testículos. Sinto sob meus lábios quando seu pau pulsa em minha
boca e pela primeira vez, Enzo permite que eu prove de seu gozo que sai quente
sobre minha língua. Mesmo não tendo um gosto agradável, continuo a chupá-lo
até extrair tudo dele e aos poucos, seus quadris diminuem seu ritmo até que seus
braços que antes seguravam minha cabeça desabam no colchão.
— Você quase acabou comigo, mia ragazza ! — resfolegante e ainda de olhos
fechados, dispara em um meio sorriso, escalo seu abdômen com beijos leves
indo em direção ao seu peito.
— Isso é mesmo uma pena! — rebato com malícia na voz. — Estava ansiosa por
mais. — mãos fortes subitamente seguram em meu cotovelo e me puxam para
ele nivelando nosso olhar.
— Disse " quase"... — agarrado em minha cintura eleva meu corpo mantendo
seu rosto em meio as minhas pernas. Seu rosto me encara com um ar de luxúria
enquanto seus dedos deslizam pelo meu sexo excitado e extremamente molhado.
— Humm, que delícia! — rouca e macia, sua voz me deixa mais alerta, molha
seus lábios de modo intencional e rebate. — Isso tudo é tesão por seu marido? —
deliberado, esfrega seu queixo áspero em minha pele, me fazendo soltar um
gemido contido ao sentir minha excitação.
— Uhum... — digo aos tropeços, prevendo o instante em que ele vai me deixar
alucinada com sua boca voraz.
E nesse frenesi estonteante, fecho meus olhos buscando por ar, quando sinto sua
língua aveludada invadir minha boceta, seguido de seus lábios famintos a me
chupar por inteira.
Chega a minha vez de me abandonar às suas carícias estarrecedoras e me deleitar
com suas sucções coordenadas com o vai e vem de sua língua. Minhas mãos
invadem seus cabelos em desalinho e com o corpo arqueado sobre seu rosto,
remexo meus quadris na ânsia de aliviar o desejo que me arrasta como uma onda
forte em meio à um temporal e de olhos fechados, me esfrego em sua boca sem
nenhum pudor ou reserva.
— Que boceta gostosa... — suas bochechas côncavas me fazem gritar em
desespero e no momento a seguir, Enzo usa sua boca habilidosa mordiscando e
explorando meus lábios, com a ponta de sua língua. Nesse furor, resvala sua
barba por fazer em minha pele e pendendo meu corpo para trás, arfo em êxtase,
acometida por contrações fortes em minha pélvis e uma vertigem que quase me
desfalece.
— Que delícia...
Suas mãos que antes permaneciam cravadas em minha cintura, agora vagueiam
por meu corpo, até espalmarem meus seios intumescidos, seu polegar e
indicador brincam com meus mamilos sensíveis e com a visão embaçada e
prestes a gozar, ouço sua voz grave acompanhada de seus gemidos roucos.
— Delícia você vai sentir quando meu pau todinho estiver dentro de você! —
morde o interior de minha coxa e na sequência se afasta, me deixando quase a
implorar por ele.
Abro meus olhos e o vejo endireitar seu corpo, encaixando seu pau rígido em
meio as minhas pernas e deslizando lentamente para dentro de mim, solto um
suspiro de satisfação ao sentir que ele me preenche por inteira.
Sentado sobre seu corpo, sua boca esmaga a minha em um beijo molhado e
carregado de muito tesão, o abraço forte acompanhando suas investidas lentas e
profundas e a cada uma delas, nos descontrolamos ainda mais. Suga minha
língua com força abafando nossos gemidos guturais e incontroláveis.
Pressiono minhas pernas em torno de seu corpo, o aconchegando para mais perto
de mim, em resposta, aumenta suas estocadas, alcançando um ponto
hipersensível que me leva a um gozo enlouquecedor e de uma intensidade
devastadora. Com sua mão em minha coluna, vira meu corpo e sem sair de
dentro de mim, continua a meter sem parar. Agarrada à sua bunda, remexo
provocativamente meus quadris o fazendo sucumbir e com sua boca colada ao
meu ouvido, mantém seus maxilares rígidos, enquanto seu gozo o faz gemer meu
nome de modo lascivo.
Exauridos, permanecemos assim até que nossa respiração volte ao normal e
quando isso acontece, Enzo ergue seu rosto suado e dirige a mim um sorriso
intencionalmente indecoroso que nasce no canto de seus lábios.
Essa visão pecaminosa é, sem dúvida, a personificação de virilidade que sempre
me causará um fascínio inexplicável. Beija meu colo e sai de dentro de mim,
estendendo seu corpo ao lado do meu.
— Nunca mais acordarei antes de você! — ainda com a voz arfante, debocha. —
Não há coisa melhor do que ser acordado dessa maneira. — conclui.
Me aproximo ainda mais, distribuindo beijos em seu braço seguido de seu
ombro.
— Já disse que eu te amo hoje? — procuro seus olhos e eles me sorriem em
resposta.
— Não, porém ainda temos 16 horas restantes para que você me diga o quanto
sou importante em sua vida. — fala sério e noto que Enzo gosta quando digo que
o amo. Talvez, ele sinta falta desse tipo de frases corriqueiras como também
sinto. Subo meu corpo e meus lábios se encostam ao seus.
— Você é mais do que importante para mim e eu o amo cada dia mais. —
sustenta seu olhar fixo nos meus e meu rosto é segurado por suas mãos.
— Quando eu ficar frente a esse inimigo que quer a nossa ruína, agradecerei por
ele ter lhe colocado em minha vida, pois se não fosse pela sua vingança eu não
estaria aqui ao lado da mulher que me faz tão feliz.
— Own, se for assim, também tenho que agradecer a ele por esse presente. —
toco seu nariz com a ponta de meus dedos.
— Mas mudando de assunto. — arruma seu travesseiro elevando seu rosto em
minha direção. — Quando irá à sua consulta de pré-natal? — com tantas coisas
em sua cabeça me surpreendo por ele ainda se lembrar desse assunto.
— Amanhã de manhã, por quê?
— Porque faço questão de acompanhá-la, antes de sair em viagem. — pisco
meus olhos.
— Viajar? Para onde?
— El Paso. — minha cara de desagrado é mais do que evidente.
— Ficará quantos dias por lá?
— Creio que em uma semana consiga resolver as pendências que exigem a
minha presença.
— Posso ir com você? — estica seu braço e ajeita uma mecha de meu cabelo que
cai sobre meu rosto.
— Prefiro que fique, volto o mais depressa possível.
— Está bem, ficarei aqui morrendo de saudade de meu mafioso favorito.
— Favorito e único, espero. — franze seu cenho.
— Unicamente único. — brinco.
Momentos mais tarde, chega a hora do funeral do senhor Victório, Adele e Enzo
camuflam seus olhos através das lentes escuras de seus óculos e Ignácio os imita.
Donatella e eu conseguimos colocar uma cara triste em nossa face acopladas de
um olhar perdido no nada, Virginia me abraça realmente sentida por tudo. Que
ela me perdoe por enganá-la, porém não posso contar-lhe a verdade, não ainda.
Depois da cerimônia onde o caixão foi cremado, Adele segura os restos mortais
de um João ninguém como se fosse o seu amado esposo, essa minha sogra é
mesmo uma senhora atriz.
Enzo se manteve calado e quando chegamos à mansão, se fechou com Ignácio
em seu escritório só saindo de lá aos berros com seu Consigliere que mantinha o
olhar cabisbaixo e indignado. Todos os que estão na sala tomando café se
assustam pela troca de insultos entre os dois.
— Isso não ficará assim, Ignácio e você deve ter a ciência disso!
— Você deve estar maluco Enzo, seu ingrato!
— Maluco eu estava ao considerá-lo um amigo e pior, meu conselheiro! — grita,
enfurecido. — Ingratidão será pouco para o que tenho preparado para você!
— Enzo, por favor! — sua mãe se levanta e intervém entre os dois, tocando no
peito de seu filho. Isaiah, como segurança, sai do lado de Donatella e se coloca a
postos no caso de uma necessária defesa.
Brian também se aproxima de Enzo e tenta conter sua ira, porém meu marido o
empurra, quase machucando o amigo.
Com isso, Clara o leva da sala desaparecendo pelo corredor, Enzo ajeita seu
cabelo e pede a Isaiah que leve Ignácio para longe dali. Seria mais um traidor a
ser desmascarado?
Evitando meu olhar, sai pisando duro em direção ao seu escritório, levando
Isaiah e Domenico junto com ele. A portas fechadas, ele deve estar planejando
algo para se vingar de seu ex Consigliere.
Inquieta, deixo a sala e espero até que ele possa me contar o que realmente
aconteceu.

Enzo
Junto de meus dois funcionários, planejo minha viagem a El Paso, quero
vasculhar com meus próprios olhos e desbancar uma suspeita recente sobre o
passado de Eurídice, espero que Mercedez fique sabendo que a sua eficiência
teve algum resultado, mesmo discreta e quase invisível, uma câmera escondida
na sala de Ignácio flagrou o exato momento em que ela depositava aquela chave
na gaveta de meu assessor, ela seria a pessoa que colocou o rastreador em minha
mala quando Antonella e eu saímos em viagem de lua de mel. Mercedez é mais
uma peça que será eliminada do jogo e o inimigo ficará sozinho.
A chave encontrada na gaveta de Ignácio é idêntica à que estava entre os
pertences de Eurídice, resta agora, descobrir o que ela abre exatamente. Depois
de eliminar Mercedez, iniciarei uma caça ao tesouro aqui dentro dessa casa e
algo me diz que estou no caminho certo.
Ignácio, agora descartado por mim, agirá pelas sombras assim como meu pai, ele
seguirá minhas coordenadas e se tudo sair como planejei, o inimigo que se
imagina esperto o bastante, será feito de otário e finalmente aniquilado.
Ao anoitecer, com Domênico e Isaiah saímos do escritório rumo ao alojamento
das arrumadeiras, na escada que dá acesso aos dormitórios acabo me lembrando
de Antonella, quando ela chegou a essa casa e um sorriso sem sentido invade
minha boca. Voltando à realidade, dou sinal para os dois que subam as escadas e
minutos após, aparecem trazendo Mercedez com a boca amordaçada e mãos para
trás.
— Chegou sua hora, Mercedez! — a levam para o carro e a jogam dentro do
porta-malas.
— Vamos!
Entro no carro e espero que essa arrumadeira dê com a língua nos dentes!

Intrigante correspondência
Enzo
Puxo o freio de mão e retiro a chave da ignição, através do espelho retrovisor,
vejo Isaiah e Domênico abrindo o porta-malas, onde Mercedez está amarrada,
ela é retirada com cuidado e seu corpo treme, exprimindo todo o pânico refletido
em suas írises escuras e na situação em que se encontra, a única reação
condizente é se debater negando o que é fato aos nossos olhos. Domênico retira
a sua mordaça.
— O que está acontecendo? — sua voz aguda aponta que ela não sustentará esse
jogo por muito tempo. — Por que estão fazendo isso comigo?
Ergo minha mão dando sinal aos meus homens para que parem, estaco em sua
frente e muito tranquilo, olho firme em seus olhos deixando evidente que sua
máscara não me convencerá e que o melhor que ela tem a fazer é colaborar,
excelente arrumadeira!
— Me matar? — debate seu corpo contra Isaiah. — Mas o que foi que fiz?
— A levem daqui! — falo, impaciente.
— Senhor Ferraro!!!! — sua voz se torna mais exacerbada. — Por favor, me
ouça! — aponta suas mãos atadas pedindo por clemência. — Sou inocente, não
sei por que me trouxeram até aqui! — estica seu pescoço, virando em minha
direção. Consequentemente, sua voz é encoberta pela eficiência da mordaça.
— Logo saberá!
O local escolhido por mim é menor do que o meu velho e querido galpão,
concluí que aqui ficarei mais à vontade com minha ex arrumadeira. A casa
abandonada no Bronx toda ladeada por terrenos baldios e cobertos por um
enorme matagal é o cenário perfeito para aterrorizar alguém como Mercedez, ela
não me parece alguém destemida e muito menos isenta de delação como
Demétrio e Pablo. Aqui, não há sinal de uma vizinhança sadia, exceto usuários
de drogas e andarilhos que usam um imóvel em frente para se abrigarem da
chuva ou frio, adentrando os portões da casa, constato que esse imóvel não vê
uma pintura há um bom tempo e suas paredes descascadas, criam uma imagem
assustadora em conjunto com os vidros trincados das janelas frontais.
Isaiah arrasta Mercedez que não mais troca seus pequenos passos
voluntariamente, amordaçada, bate suas pernas ao chão e pendura seu corpo na
ânsia de se libertar dos braços de meu segurança. Domênico coloca a chave na
fechadura da porta dos fundos e instantes depois, me encontro encostado em
uma velha pia enferrujada com os tornozelos e braços cruzados encarando
Mercedez, já com a boca livre a me encarar estupefata.
— Deve haver algum engano, senhor Ferraro! — sua voz é chorosa e digna de
uma extrema repugnância. Cada vocábulo que saem juntamente com suas
lágrimas não passam de sons simulados e nada sinceros.
— Não sou um homem que comete enganos tão banais, minha cara! Portanto,
quero saber onde conseguiu aquela chave e por qual razão a colocou na gaveta
do escritório de Ignácio! — esfrego minhas mãos enquanto aguardo sua indecisa
resposta.
Fita meu rosto e infelizmente entrava algum progresso em minha busca, acho
que certas pessoas perderam o medo do perigo e essa arrumadeira não imagina
aonde acabou se metendo! Espero que ao final disso tudo, eu consiga desvendar
a razão pela qual ela entrou para a lista de pessoas que estão ajudando esse
inimigo e torço para que seja um motivo de grande valia. Intolerante, endireito
meu corpo e minhas mãos avançam sobre os seus cabelos, os puxando com
impulsividade. Os tendões de seu pescoço se alongam e à medida que Mercedez
consegue ler as entrelinhas em meu olhar nada amistoso, resolve abrir a boca e
colaborar comigo.
— Eu a encontrei no chão próximo à mesa e como arrumadeira, somente a
coloquei onde achei que deveria.
Aspiro fortemente o ar e com as costas das mãos acerto o primeiro tapa em sua
face com um ímpeto de lhe machucar sem nenhum arrependimento. Com o
impacto, ela se desequilibra, seu corpo frágil vai ao chão e com os cabelos sobre
seu rosto, ela inicia uma nova sessão de um choro agonizante.
— Já lhe disse uma vez e não pretendo repetir, Mercedez! — a ergo do chão e
sua narina direita escorre sangue. — Quem lhe deu aquela chave e por quê? —
com os pulsos amarrados, tenta limpar o rosto e evitar que seu sangue recaia
sobre sua boca, contraditório, desamarro suas mãos e ela abaixa seu rosto.
— Acho melhor que você abra a sua boca e diga o que sabe!
— Não sei de muita coisa se é isso que quer saber!
Domênico e Isaiah ficam logo atrás de mim e esperam tanto quanto eu a
descoberta de qualquer elemento substancial.
— Então me conte o que sabe!
— O senhor irá me matar mesmo se eu contar? — sua boca se retorce em um
lamento quase digno de pena. — Não quero morrer, senhor Ferraro!
— Isso é uma asserção muito evidente, não concorda? — disparo com
[554]

cinismo, brincando com meu anel. — Não conheci nenhum ser humano que
quisesse morrer.
— Fiz somente o que uma mulher apaixonada faria para vingar o homem que
ama!
— Pode ser mais clara? Quem era esse homem a quem você amava?
Mais uma mulher que deseja retaliação? Terei que repensar à minha maneira de
agir e antes de eliminar quem quer que seja, perguntarei se é casado ou mantém
um relacionamento com alguém.
— Enrico. — cobre seu rosto com as mãos e dessa vez o seu pranto não tem o
mesmo ar simulado de outrora, sua dor é algo real e verdadeira.
Espantado pela sua revelação desconhecida por mim, viro meu pescoço e meus
assessores me devolvem o mesmo olhar de incredulidade.
— Vocês eram amantes? Desde quando?
— Desde que o senhor e Antonella começaram a sair juntos.
— Você já o conhecia? — inquiro, curioso. — Sabia que ele havia contratado
Antonella?
— Não, em absoluto. — para de chorar e sua voz assume seu tom normal. —
Não sabia que ele tinha algo contra a sua família quando o conheci. Vim a saber
parte da história quando Eurídice desapareceu, pois até então, acreditava que ele
havia me abandonado.
— Sabia que ele era casado, tinha filhos e que seu nome era falso? — seu rosto
se transfigura e revela mais uma dolorosa decepção.
— Casado?
Doente.
Mercedez se mostra incapaz de raciocinar e o único pormenor em que ela se
apega de todas as informações contundentes reveladas por mim foi a de que
Enrico era casado, ter uma identidade falsa não tem a menor relevância para ela,
todavia outra mulher sim.
Pablo, na certa, usou a pobre e carente arrumadeira e a seduzindo esperava
manipular mais um funcionário de minha família.
— Enrico nunca me falou que era casado! Você deve estar confundindo meu
namorado com outra pessoa!
Ela nem ao menos, questiona qual seria o seu nome verdadeiro de Enrico. Sua
cegueira é tanta que essa ilusão criada em torno do homem ideal passou a ser a
única coisa importante em seu viver e se ela quer continuar a se enganar, não sou
eu quem será o responsável por abrir sua mente e fazê-la crer que foi usada
somente com o intuito básico para sua vingança.
Peço para que Domênico me alcance uma cadeira e ao lado de Mercedez ouço os
detalhes de sua relação com Enrico, segundo ela, Enrico a abordou em uma de
suas folgas quando ela passeava pelo centro da cidade e depois de dois encontros
consecutivos os dois iniciaram uma espécie de relação. No início, ele nunca
perguntava nada sobre o seu trabalho dentro de minha casa e quando viajei para
a Itália, ele andou fazendo algumas perguntas nada relevantes. Levo em conta a
sua astúcia que faria jus ao seu cuidado para não levantar suspeitas que
recaíssem sobre a sua pessoa.
— Não quero ser desagradável. — me levanto da cadeira. — Mas ele somente a
usou!
— Nunca!!! Ele me amava!
Bate no peito toda raivosa, com os olhos a exalar raiva por minha discordância.
Como o mundo dá voltas! Primeiro, meu pai mata o grande amor de Eurídice e
anos mais tarde acabo matando o chuchuzinho de Mercedez.
— Não, ele não a amava e sabe por quê?
— Você não sabe o que diz, senhor Ferraro! — enuncia, irritadiça. — E se me
trouxe aqui para esse tipo de conversa, me calarei e não pretendo colaborar de
modo algum.
— Domênico. — meu fiel capo se prontifica ao meu lado. — Dennis está aí
fora?
— Sim, esperando suas ordens, senhor Ferraro.
Domênico, ardiloso, entende de imediato a minha colocação.
— Mande-o entrar. — Mercedez nos encara com indecisão por não saber do que
tratamos.
— Por acaso, já foi estuprada, Mercedez? — minha vez de fazer valer a minha
força com uma ameaça mentirosa, não adotaria esse método, mas preciso que ela
pense o contrário.
— Senhor Enzo, nãoooooo! — gagueja e levanta suas mãos. — Eu irei
colaborar. — estreito meus olhos e lhe lanço um sorriso sarcástico.
— Voltando ao nosso assunto... Como ia dizendo você foi usada porque a fome
de vingança de seu amado contra mim, era muito maior do que qualquer
sentimento que ele poderia nutrir por alguém! — brado na fracassada intenção
de alertá-la sobre o homem com quem ela se relacionou.
Ergo minha mão interrompendo o que poderia se tornar uma sessão se terapia,
Pablo já é uma carta fora do baralho e não adianta ficar interrogando uma louca
que acreditava em suas palavras.
— Então me diga! Quem lhe mandou colocar um rastreador em minha mala e
guardar aquela chave? — ela se espanta por ter sido descoberta tão facilmente.
— Eu... — ela aperta as mãos envolta do pescoço. — Pode me dar um pouco de
água? Estou com a boca seca! — Isaiah se adianta e sai da sala voltando com
uma garrafa de água mineral.
— Aqui está! — estende a garrafa a ela e depois de saciar sua sede, começa a
falar.
— Depois que Enrico me deixou, entrei em desespero! — fecha a garrafa e a
deposita no chão. — Simplesmente não tinha notícias dele e um dia Eurídice me
chamou em seu quarto e me perguntou o motivo da mudança em meu
comportamento.
— E?
— Continuei com minha discrição e nada do que estava sentindo foi revelado a
ela. — faz uma pausa e pela primeira vez, corre seus olhos ao redor do ambiente.
— Dias depois, consequentemente Eurídice desapareceu e nunca mais tive
notícias dela. — seu olhar se volta para mim, buscando a verdadeira versão
sobre o paradeiro de sua antiga supervisora. — Vim saber que ela havia pedido
demissão e se afastou de Nova Iorque.
— Ainda estou esperando a parte em que você entra nessa história toda,
Mercedez, pois seus relatos amorosos e fraternais não estão me ajudando em
nada e antes que eu perca a minha paciência, gostaria que você chegasse logo ao
ponto. — encolhe seus braços friccionando-os como se estivesse com frio.
— Após seu afastamento, senti muita falta da rigidez com que ela conduzia os
funcionários, Eurídice era boa no que fazia. — ela transparece um sincero pesar
ao falar da governanta.
— Continue. — aperto meus lábios entre meus dedos, esperando o enredo final
dessa história.
— Em uma de minhas folgas, um senhor me abordou quando estava indo ao
cinema. — justifica-se. — Ele parou seu carro na East 65th com terceira Avenida
e me chamou pelo nome, detalhe que me assustou um pouco.
Interessado em sua declaração, ouço cada detalhe em busca de pontas soltas que
me ajudem futuramente.
— Fingi não ouvir o seu chamado e mostrando ser um homem insistente, ele me
fez parar ao dizer que tinha notícias do paradeiro de Enrico. — se abaixa e volta
a pegar a garrafa de água, depois de um grande gole, continua sua história. —
Acabei cedendo e me aproximei do tal homem.
— Qual é o seu nome?
— Nicolò Caputti. — responde prontamente sem nenhuma excitação.
Forço minha memória e não consigo me lembrar se esse nome teria algum
significado para mim ou à própria família Ferraro.
— Descreva-me esse sujeito. — ordeno.
— Ele deve ter mais de setenta anos, bem trajado, um pouco fora de forma, pele
e cabelos brancos. — Mercedez o descreve com naturalidade e ainda completa.
— Olhar e voz muito firmes.
— Ele lhe pagou por esse serviço?
— Não, eu não cobrei nada e assim ele me contou que a família Ferraro tinha
uma dívida para com Enrico e que ele não teve tempo de cobrar por ela. — nesse
momento, Mercedez se enraivece. — O senhor o matou!
— Foi isso que esse tal Nicolò lhe disse? — olha para Isaiah e finaliza.
— Ele me contou que os dois eram amigos e que trabalhavam juntos.
— E você se achou no direito de vingar a morte dele?
— Sim, pois eu era a única que se importava com ele.
— Disso não tenho dúvidas, Mercedez. — meu instinto me faz seguir um outro
parâmetro com essa miserável mulher. Não foi necessário usar de força bruta
para que ela soltasse tudo o que sabe.
— E quando o senhor saiu em viagem de lua de mel a minha função era colocar
o rastreador em sua mala para que o patrão de Nicolò descobrisse qual era o seu
destino.
— Quem é o patrão de Nicolò?
— Isso eu lhe juro que não tenho a mínima ideia! — ela se apavora e sinto que
essa reles mulher não seria digna de conhecer alguém tão próximo a mim que
tenciona me aniquilar. Pego um taco de beisebol girando em minha mão.
— Fez isso mesmo sabendo que ele poderia matar a mim e a Antonella? — ao
ouvir o nome de minha esposa, seu corpo se retesa.
— Não, senhor, ele me garantiu que não mataria a senhora Antonella! —mais
uma burra e ingênua lidando com gente sem palavra.
— Pois acredite que ele iria e foi muita sorte que sua vingança não teve um
desfecho satisfatório!
Aproximo de seu corpo e sua respiração acelerada prevê que estamos chegando
ao fim de nosso interrogatório, bato a ponta do taco no encosto da cadeira, o
despedaçando. Ela se encolhe e com força cravo meus dedos em seus braços
soerguendo seu corpo todo trêmulo. Pisca seus olhos não conseguindo me
encarar.
— Antes de ir ao encontro de seu amado, quero saber o que Nicolò disse ao lhe
entregar a chave que estava na gaveta de Ignácio? — Mercedez demonstra pavor
e ainda não acredita que perderá sua vida aqui nessa casa.
— Senhor Ferraro, eu lhe imploro! Não me mate!
— Perguntei sobre a chave, Mercedez! — chacoalho seu corpo e o jogo de volta
à cadeira abruptamente.
— Ele não me disse nada em relação a ela, só pediu para devolvê-la ao
verdadeiro dono sem que ninguém a visse e foi o que fiz! — diz com dificuldade
devido ao seu choro.
Eles querem me fazer acreditar piamente que aquela chave pertence a meu
Consigliere e isso acaba de me dar uma excelente ideia.
— Nicolò, porventura, lhe disse de onde é essa chave? — fica em silêncio por
alguns segundos e de cabeça baixa, responde.
— Não. Só me pediu para devolvê-la ao dono de origem e com isso estaria
ajudando a limpar o nome de Enrico e vingando a sua morte.
— Ele lhe falou algo sobre Eurídice? — como em um interrogatório policial
retomo esse assunto.
— Não. — rebate, incisiva.
Acho que minha conversa com essa pobre coitada chegou ao fim, compreendi
como eles agiram e minha prioridade nesse momento é caçar ratos grandes e não
camundongos como Mercedez, ela foi somente um pequeno peão nas mãos do
inimigo.
Abro meu terno e seus olhos recaem diretamente sobre minha mão que alcança
minha arma em meu coldre, aperta seus olhos e chora em desespero.
— Não me mate, por favor!
— Deveria ter pensado nisso antes de se tornar uma justiceira, minha cara!
Ao olhar para Domênico, o vejo revirando os olhos impaciente, pois detesta
choro no momento de qualquer execução.
— Uma última observação. — aponto minha arma para o seu peito. — Se você
estiver mentindo sobre qualquer fato, o que resta de sua família em Guadalajara
será toda aniquilada! — digo entre dentes.
— Não estou mentindo, é tudo o que sei. — continua de cabeça baixa deixando
seu pranto cair em seu colo e para acabar com nossa conversa, disparo contra seu
peito e seu corpo sacoleja caindo ao chão.
Momentos mais tarde, deixo a encargo de Domênico o desaparecimento do
corpo embalado de Mercedez, entrego a chave de meu carro a Isaiah e no banco
do passageiro encosto minha cabeça reorganizando meus pensamentos. Será que
ainda há espiões em minha casa ou isso chegou ao fim com a morte de
Mercedez?
Amanhã, falarei com minha mãe e sendo o mais ponderado possível relatarei que
Mercedez teve que deixar o seu posto de arrumadeira, Adele com certeza
entenderá, assim como Antonella.
Isaiah dirige atento e pouco tempo depois atravessamos os portões da mansão,
desço do carro, dispensando meu segurança, me dirijo para meu escritório.
Sozinho, pego meu telefone e ligo para um número secreto de Ignácio, conto a
ele sobre Nicolò e minha conversa com Mercedez.
— Vamos descobrir quem é esse sujeito e então caro mio, chegou a sua hora de
mostrar o que sabe fazer!
— Fique tranquilo, pois eu serei uma peça importante na qual esse sujeito fará
questão de trazer para o seu lado, ele não é um dos nossos, Enzo!
— Já sabemos disso! Ele não age como um de nós.
— Sinto que por mais astuto que ele seja, ainda não foi pego por mera sorte e ele
irá cair em nossa armadilha!
— Conto com você!
— Descobrirei quem é esse Nicolò e de quebra me colocarei à sua disposição. —
faz uma pausa. — A essa hora, todos sabem que fui expulso de sua família e
aproveitando desse rancor me oferecerei para ajudar a acabar com você, seu
patife! — zomba e rimos ao telefone.
Encerro a ligação e retirando meu terno, abro minhas abotoaduras e com as
mangas de minha camisa arregaçadas, me sirvo de uma dose generosa de uísque,
o primeiro gole desce por minha garganta como água e olhando para o jardim
ainda penso naquela maldita chave.
Amanhã, quero uma varredura nessa casa e não descansarei, enquanto não
encontrar qualquer pista que me leve ao que ela esconde.
*****
No outro dia ...
Pela manhã, deixo ordens restritas para todos os seguranças para que busquem
dentro e fora da mansão alguma pista sobre a tal chave, comandados por Isaiah
todos se colocam a postos e fazem seu serviço como numa caça ao tesouro, até
Laurindo, nosso jardineiro, se prontificou a ajudar. Toda a ajuda, nessa hora, é
bem-vinda.
De saída com Antonella, seguimos diretamente para o consultório do Dr. Klaus
em mais uma consulta de seu pré-natal. Pelas contas do médico, Victório nascerá
no final do mês de maio.
Segurando a mão de minha esposa, meus olhos fixam no monitor, onde pela
segunda vez, vejo as imagens ainda indefinidas do meu herdeiro. Tentando
conter a minha emoção, aperto seus dedos e o som das batidas do coração de
Victório penetram em meus ouvidos, refletindo em meu peito algo inexplicável.
Victório é a idealização de uma vontade imensa de ter alguém que possua esse
elo indestrutível como o laço que me liga ao meu pai, em determinado momento,
me pego sorrindo ao reconhecer um traço de sua imagem.
Meu filho... Meu amado Victório... Meu bambino.
Momentos após, constatamos que a gestação de Antonella transcorre saudável,
sem nenhuma preocupação aparente e isso me tranquiliza muito, sempre fui
acostumado a conviver com más notícias quando o assunto era a chegada de um
filho e saber que tudo vai bem me faz relaxar e esperar ansioso a chegada de
meu bebê.
Na saída do consultório, Antonella me arrasta para uma loja de roupas infantis e
com um sorriso lindo e entusiasmado me mostra várias peças minúsculas que
segundo ela são a cara de nosso filho. Cheio de sacolas nas mãos, entramos em
nosso carro e recostada em meu peito, voltamos para casa.
— Parto para El Paso logo mais. — apoia sua mão em meu braço e seu rosto se
ergue para encontrar meu olhar.
— Tem mesmo que ir?
— Necessito, senhora Ferraro. — a seguir, seguro seus dedos e o levo aos meus
lábios depositando ali um beijo lento e carinhoso. Depois que reatamos, essa é a
primeira vez que nos afastamos por tantos dias.
— Se é assim, só posso lhe desejar uma boa viagem e dizer que estarei à sua
espera.
— Quero que tome cuidado e não saia sem a companhia de Isaiah. — a alerto.
Não me perdoaria se alguém ousassem tocar em Antonella.
— Fique tranquilo, não irá acontecer nada de ruim e afinal de contas se acaso...
— silencio sua boca com meu indicador.
— Se tratando de você, não existe um "se"! — abre seu largo sorriso e sua boca
fica a uma pequena distância da minha.
— Se algo der errado, estarei mais do que preparada para esse momento. — roça
seus lábios nos meus. — Se esqueceu de nossos códigos secretos?
— Espero não precisar fazer bom uso deles, mia ragazza! — mordisco seu lábio
inferior e ela se contorce toda enlaçando meu pescoço.
— Adoro quando me chama assim! — estreito minha boca em um meio sorriso.
— É o que você significa para mim, la mia unica ragazza! — seus olhos e sua
boca sorriem.
— Non vivo senza di te, il mio mafioso preferito. — dispara com sua voz rouca
[555]

e quase murmurante.
— Il tuo mafioso preferito non sa neanche come vivere senza di te. — esmaga
[556]

meus lábios com um beijo intenso e ao mesmo tempo cheio de carinho.


— Volto o mais breve que puder. — digo ao me afastar ofegante e sedento por
ela.
— Va bene, amore mio. — volta a se deitar em meu ombro.
— Clara e minha tia se mudam hoje para a nova casa. — anuncia quando
Fabrízio adentra os portões de nossa casa. — Elas estão animadas com a nova
casa.
— Fico feliz pelas duas e principalmente por agradar minha esposa.
Descemos do carro e olhando ao redor, muitos seguranças ainda vasculham
cantos precisos do jardim, de mãos dadas com Antonella ando alguns passos até
a porta principal.
— Tio Enzo! Tio Enzo! — as vozes de Letízia e Pietro me fazem virar o pescoço
e vê-los correndo em minha direção.
Pietro chega na frente quase sem ar, todo feliz seguido da irmã que segura uma
caixa de metal pintada de marrom, abraço meu sobrinho sem tirar meus olhos da
tal caixa e Letízia finalmente mata a minha curiosidade.
— Laurindo achou isso enterrado no jardim. — minha sobrinha me estende a
caixa com seu sorriso de dentes falhos. — Pietro e eu estávamos ajudando a
cavar os canteiros.
— Onde ele a encontrou? — seguro a pequena caixa em minha mão acariciando
o cabelo de minha bambina.
— Perto do portão dos fundos, onde Eurídice plantou algumas roseiras. — Pietro
se adianta e aponta para o local da descoberta do tesouro.
— Tio Enzo ficará devendo um divertido passeio com vocês dois! — eles se
entreolham como se ganhassem um presente valiosíssimo e gritam um "eba"
uníssono.
Laurindo, a passos lentos, se aproxima e me relata onde exatamente encontrou o
objeto.
Sorrio por dentro ao lembrar de que esse homem me ajuda pela segunda vez, as
peças começam a se encaixar e presumo que a partir de agora, nada mais me
deterá em descobrir esse mistério.
Agradeço a Laurindo e peço a Isaiah que encerre as buscas, junto de Antonella
sigo para meu escritório onde deixo a pequena caixa sobre a minha mesa. Como
era de se esperar a chave encontrada na gaveta de Ignácio não abriu a tal caixa,
portanto caminho até meu cofre e de lá retiro a outra chave que foi encontrada
entre os pertences de Eurídice.
— Pensamento positivo. — diz Antonella sem retirar seus olhos da caixa.
Encaixo a chave na pequena fechadura e ela gira com facilidade, lá dentro, há
somente um envelope amarelado com um selo datado de 1988 da cidade de
Beaumont, Texas. Dentro da correspondência, alguns documentos corriqueiros,
bilhetes de passagens de ônibus e um recibo assinado por Eurídice no valor de $
50.000 dólares em nome de Carmênia Rossetti e uma foto de uma casa com uma
grande árvore no quintal.
— Um recibo e uma foto? - minha esposa me olha decepcionada. — Isso para
mim não quer dizer nada, Enzo!
— Se ela guardou esse recibo dessa forma, alguma importância ele deve ter!
— Tem razão. — meu celular toca e é Ignácio, sem delongas, atendo sua ligação.
— Novidades?
— Sim, encontrei Nicolò e ele irá me receber na semana que vem em sua casa.
— Mas por que não hoje ou amanhã?
— Ele não se encontra em Nova Iorque, está em Amsterdã e chega somente na
semana que vem. — justifica. — Nicolò ficou muito satisfeito ao saber que o
procurei e até se arriscou em dizer que sabia que isso ocorreria.
— Ótimo, continuemos com nosso plano. — me adianto, contando a ele sobre a
descoberta da caixa mistériosa. — Estou indo para El Paso, mas antes quero lhe
mandar umas fotos.
— Está bem. — com meu celular, tiro as fotos dos objetos encontrados no
envelope e envio a Ignácio. Segundos se arrastam e sob o olhar curioso de
Antonella, espero a reação de Ignácio.
— Isso devia ter muito sentido para ela.
— Com certeza e será isso que descobrirei. — guardo o envelope em meu bolso
e tudo o que nele contém.
Duas horas depois, dentro de meu avião rumo a Beaumont, tento não pensar em
uma dúvida quase negra que se apodera de minha mente.
Se isso tiver algum sentido, essa pessoa terá a pior morte praticada por mim...
Informações preciosas

Enzo
Após horas de voo, desembarco em Beaumont, minha primeira ideia era seguir
para El Paso, porém aquela foto mudou radicalmente os meus planos. Talvez,
Ignácio e eu estivéssemos procurando em lugar errado e por essa razão não
encontramos nada que nos levasse a uma conclusão com fatos coerentes.
Antes de partir, pedi um levantamento para Collen, meu investigador particular,
sobre o nome inscrito no recibo guardado por Eurídice, a tal Carmênia Rossetti.
Será que ainda está viva? Qual seria a sua ligação com minha ex governanta e
aquela foto?
São tantas perguntas para poucas respostas e assim, temo ainda não chegar a
lugar algum com tudo isso.
Ao pisar em solo texano, sinto meu celular vibrar em meu bolso e alcançando o
aparelho a caminho do carro à minha espera, sorrio ao constatar que meu
investigador é mesmo muito eficiente. Em poucas horas, ele levantou a ficha de
Carmênia que ainda reside em Beaumont.
Segundo seu relatório, essa mulher mantinha uma pensão na cidade e muitas
pessoas já se hospedaram ali, porém Collen não conseguiu atribuir qualquer
ligação entre ela e Eurídice que tenha sido rastreada ao longo de todos esses
anos. Nesse contexto, o recibo de 50 mil dólares faz algum sentido.
Hoje, ela não mais reside ali, seu novo endereço se encontra em um apartamento
em um bairro central da cidade.
Através dos vidros escuros, observo a pequena cidade e seu entardecer, o tráfego
é tranquilo e tão logo me vejo em frente ao hotel MCM, instalado em um quarto
razoável, a primeira coisa que faço é ligar para Nova Iorque para avisar minha
família de que já cheguei ao Texas e para meu desagrado, descubro que
Antonella juntamente com Clara e minha irmã resolveram sair por Nova Iorque,
mesmo acompanhada de Isaiah não me sinto tranquilo.
Minha mãe que se mantém calma com meu bombardeio de perguntas, muda de
assunto invertendo nossos papéis e então me questiona sobre o desaparecimento
repentino de Mercedez. Em poucas palavras, ela entende o porquê e qual o
destino dado à arrumadeira.
Chocada com o envolvimento da pobre nessa situação, minha mãe não vê
alternativa a não ser sentir muito pela fraqueza de sua ex funcionária, após
despedir de minha mãe, ligo no celular de Antonella e minha esposa não me
atende. Um tanto irritado por não conseguir falar com ela, ligo para Isaiah que
me relata o paradeiro das demais, Donatella as levou a um salão de beleza que
costuma frequentar.
— Fique tranquilo, Enzo. Estou de olhos bem abertos! — confirma Isaiah,
compreendendo a minha preocupação.
— Está bem, ligo mais tarde.
A seguir, tomo meu banho e me arrumo para sair em busca de mais informações
que me levem à Carmênia.
Pronto para sair, meu celular vibra novamente no bolso de meu paletó, atendo
automaticamente na expectativa de ouvir a voz rouca de minha mulher e no
entanto é a voz de Brian que me surpreende.
— Enzo, boa tarde, preciso falar com você! — diz, seco.
— Boa tarde, o que houve?
— Estava em um de meus plantões e fui chamado na recepção do hospital. —
ele faz uma pausa.
— E?
— E quando cheguei ao local, a recepcionista me entregou um envelope vindo
pelo correio.
— E o que continha nesse envelope? — como se eu já não soubesse.
— Uma ameaça subentendida direcionada à minha pessoa em forma de um
bilhete sem um remetente juntamente com uma foto de Ágatha.
— O que estava escrito nesse bilhete?
— Espere aí. — faz um silêncio ao celular. — Vou lhe mandar a foto do
envelope e o que continha nele.
As fotos chegam instantaneamente em meu aparelho e ao abri-las confirmo o
que Brian acabou de me dizer, no pequeno bilhete que não foi escrito a mão,
uma pequena ameaça em letras maiúsculas.
"ASSIM COMO ÁRVORES PODRES, AMIZADES FALSAS TOMBARÃO
UMA A UMA..."
Alguém que conheço quer mesmo jogar!
— Corro perigo? Acha que devo contratar alguma espécie de segurança
particular? — diz, assustado.
— Brian... eu... — tento parecer esquivo e pelo visto, minha investigação terá
que esperar.
— Enzo, serei muito franco com você e espero que não me leve a mal, porém
nossa amizade sempre foi a mais leal possível.
— Disso nunca tive dúvidas. — até o momento.
— Sabe também que nunca me intrometi em sua vida profissional mesmo
supondo em qual ramo você atua.
— Brian. — reviro meus olhos, impaciente. — Quer ser mais claro e dizer sem
rodeios o que está pensando?
— Mesmo sendo discreto e procurando não me meter em sua vida, tenho a
ciência de que algo não vai bem. — pigarreia e continua. — Vários e pequenos
fatores me levam a crer que você está enfrentando uma barra muito pesada e não
quer se abrir com seu único amigo, me deixando numa situação um tanto
desconfortável.
— Se sabe o que faço profissionalmente deve imaginar que isso não é uma tarefa
muito fácil. — rebato.
— Sim, sei disso. — contudo, depois que seu pai morreu daquela forma quero
lhe dizer que me sinto desconfortável por perceber que você tem evitado em se
abrir comigo.
— Confio em você, não precisa pensar o contrário, todavia há assuntos que nem
mesmo são compartilhados com as pessoas de minha família. É uma regra,
Brian!
— Pois é. — estala seus lábios. — Mas ao receber esse envelope, o remetente
deva acreditar que sou quase parte de sua família não acha? — continua confuso.
— Sim, acredito que o remetente saiba de nossa amizade e toda minha
consideração por você!
— Confesso, amigo, que isso me deixou com medo! — faz uma pausa. — Passei
em sua casa mais cedo para lhe mostrar o envelope, mas sua mãe me disse que
você tinha saído em viagem a Las Vegas.
— Exato, estou resolvendo um assunto de uma sociedade em cassino.
Claro que antes de sair de casa, verifiquei minuciosamente se não havia
rastreadores em minha bagagem. Se Brian for mesmo meu amigo como diz, não
há nada a temer pois darei meu sangue para defendê-lo, porém até que minhas
suspeitas recaiam em outra pessoa e sua inocência fique comprovada, sua
situação é um tanto delicada.
— Não tenha medo, tudo acabará bem, confie em mim e mudando de assunto,
como vai seu relacionamento com Clara?
— Clara e eu, temos nos entendido muito bem. — sua voz se atenua ao falar
sobre a namorada. — Ela é uma mulher excepcional e espero estar à altura de
sua personalidade tão doce.
— Espero o mesmo de você, não me decepcione! — deixo meu recado em tom
de brincadeira.
— Jamais, amigão!
— E quanto ao envelope, somente se mantenha atento e se algo novo surgir, me
avise.
— Está bem, Enzo e obrigado.
— Se se sentir mais seguro e confortável, sugiro que contrate um segurança! —
o alerto, me despeço, cabendo a ele o próximo passo.
Saio pelo corredor do hotel e na rua utilizo o serviço de um táxi me dirigindo ao
endereço de Carmênia, na calçada, pago pela corrida dispensando o taxista. Ergo
meus olhos e encaro a simples fachada do prédio cinza sem sacadas, na
recepção, uma senhora com um uniforme azul me encara por entre as lentes de
seus óculos.
— Boa noite, senhor! — apruma seu corpo que estava curvado, enquanto
ajeitava alguns papéis em um arquivo. — Em que posso ajudá-lo?
— Procuro pela senhora Carmênia Rossetti, ela está? — a recepcionista não me
responde de imediato e muito devagar pega o interfone.
— A quem devo anunciar?
— Enzo Ferraro. — aperta algumas teclas e espera que alguém atenda do outro
lado.
— Boa noite. — ouço uma voz envelhecida do outro lado que trava um diálogo
com a porteira. — Há um senhor que está aqui na portaria e deseja lhe falar. —
mais alguns segundos de silêncio e a moradora refuta. — Ele se identificou
como Enzo Ferraro. — a mulher a minha frente meneia a cabeça discretamente e
ao encerrar a sua conversa, recoloca o fone no gancho. — A senhora Carmênia
irá recebê-lo. — aponta para o elevador apertado. — Sexto andar, apartamento
602.
— Obrigado. — respondo.
Dentro do elevador, vejo minha imagem refletida no espelho. Cansado, aperto
meus olhos com a esperança de que essa visita cortês
me traga algo substancial. Em frente a porta do apartamento de Carmênia, aperto
a campainha e não são necessários mais do que meio minuto para que a
fechadura se destrave e o rosto de uma elegante senhora apoiada em uma
bengala apareça no vão da porta, ainda segura por correntes internas.
Com o olhar estreitado tenta me reconhecer visualmente e talvez busque em sua
memória alguma ocasião que comprove que já nos conhecemos.
— Senhora Rossetti? — me dirijo a ela com todo meu respeito. — Pode, por
gentileza, me dar alguns minutos de seu tempo? — antes que ela me negue sua
atenção, completo. — Sou Enzo Ferraro e vim de Nova Iorque especialmente
para falar com a senhora.
— Ferraro? Esse nome não me é estranho! — me olha desconfiada e posso me
assegurar de que essa sua aparência elegante camufla uma pessoa de caráter
duvidoso.
— Sim, prometo não tomar o seu tempo! — atesto. Devagar, ela destrava as
correntes e permite a minha entrada em seu apartamento.
— Queira se sentar, por favor! — com sua voz cordial me aponta uma de suas
poltronas. Noto que ao pé de uma delas, uma gata branca dorme tranquilamente.
— Minha Cherry! — sorri para a felina deitada como se me apresentasse o
animal. Devolvo o sorriso e me sento uma poltrona mais afastada de Cherry.
— Bem... — cruza suas mãos em seu colo e me encara curiosa. — O que o
trouxe até minha casa? — encho meus pulmões de ar, analisando qual a melhor
abordagem a seguir, pois não quero levantar nenhuma suspeita que a assuste. —
Myrna! — exalta a sua voz e uma mulher uniformizada aparece na sala.
— Pois não, senhora? — Carmênia olha em minha direção e me pergunta se
aceito um café.
— Aceito, obrigado. — acrescento. — Sem açúcar.
— Com licença. — diz a funcionária que desaparece pelo pequeno corredor.
De modo perspicaz, observo as várias fotos sobrepostas na parede da sala, são
fotos de Carmênia em sua juventude exalando sua beleza inquestionável e dentre
tantos retratos, a idêntica foto da casa e sua grande árvore se destacam diante dos
meus olhos.
— Senhora Carmênia.
— Pode me tratar somente por Carmênia. — seu dentes amarelados pelo tempo
me devolvem um sorriso simpático.
— Perfeitamente. — ajeito meu corpo e minha gravata. — Carmênia, soube que
há muitos anos você possuía uma pensão aqui em Beaumont.
Nosso café chega e ela espera que sua empregada nos sirva para prosseguir
nossa conversa. Assim que ficamos a sós, retoma nosso assunto mexendo seu
café.
— Sim, isso foi há muito tempo!
— Sei disso, mas gostaria que tentasse se lembrar de uma mulher chamada
Eurídice Furman. — seus olhos continuam impassíveis de qualquer lembrança
exceto pelo esforço que faz ao ouvir o nome pronunciado por mim.
Provo seu café que por sinal está perfeito.
— Falando assim, não há como me lembrar de nenhuma Eurídice e como dona
daquela pensão lidei com inúmeras pessoas. — gesticula com as mãos. — Seria
impossível me recordar de tantos hóspedes que por ali passaram.
Enfio a mão em um dos bolsos de meu paletó e de lá retiro uma foto de Eurídice
ainda jovem e estendo a ela o retrato. Nesse instante, noto que ela olha com
atenção para o rosto de minha ex governanta e num espaço curto de tempo, vejo
seus lábios se enrijecerem.
— Conseguiu reconhecê-la? — esquiva seus olhos da foto e os fixa firmes em
mim.
— Nunca a vi em minha vida! — entoa, categórica.
— Force a memória, é muito importante! — digo, gentilmente.
— Já lhe disse que não me recordo do rosto dessa mulher! — irritadíssima, fica
em pé e parece que nossa conversa chegou ao fim, exceto que guardo em minha
manga uma carta muito útil, usada em casos extremos.
Um belo e sutil suborno acoplado à velha e ordinária chantagem, poderia usar de
força com essa mulher e tentar arrancar dela o que porventura esteja escondido,
todavia quero agir de forma diplomática e menos violenta possível.
Nas descobertas feitas por Collen, ela não faz parte do séquito inimigo, o que me
leva a acreditar que Carmênia somente prestou algum serviço para Eurídice no
passado e recebeu uma boa quantia por isso. Me resta agora saber qual foi o tipo
de serviço pelo qual ela recebeu 50 mil dólares. Eurídice teria comprado o seu
silêncio?
— Carmênia. — pego o velho recibo e o aponto em sua direção. — Dizer que
não conhecia todos os hóspedes que passaram por sua pensão seria aceitável,
porém uma hóspede que lhe paga uma razoável quantia é um tanto contraditório,
não acha?
— Qual a sua ligação com Victório Ferraro? — inquire duvidosa.
Quer dizer que meu pai conheceu Carmênia? Não disse que essa mulher foi ou
ainda é uma pilantra disfarçada de velha senhora?
— Era meu pai.
— Era? — seu olhar senil e ao mesmo tempo audaz me encara.
— Ele morreu em um acidente há menos de uma semana.
— Meus sentimentos. — responde, afável.
— Você o conheceu?
— Somente pelo nome. — afirma.
O quanto essa mulher sabe sobre a vingança de Eurídice sobre a família Ferraro?
Deduzindo que ela saiba de tudo, lhe digo que procuro por Eurídice, pois seu
desaparecimento repentino fez com que nossa família a procurasse
incansavelmente, se negando sem ser grosseira, muda de ideia ao me ouvir
oferecer uma gorda recompensa por uma informação valiosa.
— Deixe-me ver novamente o retrato? — faço o que ela me pede e com os dedos
trêmulos segura a foto por mais tempo.
— Essa mulher me procurou em uma situação desesperadora. — sua mente
parece ter vagado no tempo e aquele momento se faz presente em sua frente. —
Ela fugia de alguém!
— Ela lhe disse isso?
— Não, mas eu reconheceria qualquer pessoa numa situação de risco e ela estava
fugindo de alguém.
— Ela ficou hospedada em sua pensão por quanto tempo?
— Um pouco mais de um mês e quando partiu me pediu para guardar algo
importante.
— E ela não voltou para buscar o que dizia ser importante?
— Nunca mais voltou.
— Eram documentos?
— Não! — fala, concisa. — era algo que somente dizia respeito à ela.
— E o porquê desse recibo? — ela engole seco e responde friamente.
— Ela me pagou pelos meus serviços e exigiu que eu assinasse esse recibo como
garantia. — abro minha carteira e deposito algumas notas de 100 dólares.
— Se, por acaso, lembrar-se de mais algum detalhe é só me ligar. — entrego a
ela meu cartão, analisando sua postura mais relaxada, ao saber que estou de
saída. Antes de deixar sua casa, ela caminha até um móvel e retira de lá o seu
cartão.
— E esse é o meu cartão. — sorri me acompanhando até a porta com seu andar
apoiado em sua bengala.
Essa mulher não me relatou nem a metade do que sabe, mas conto com a sua
ambição.
Carmênia tem contatos com pessoas que conhecem gente como eu e só me
contará tudo depois que se certificar que sou mesmo quem digo ser e não alguém
a colocá-la em maus lençóis. Ela voltará a me procurar com toda certeza,
enquanto isso do outro lado do globo, meu pai está vasculhando pistas que nos
levem diretamente a esse inimigo que se acha esperto.
No silêncio abafado de meu quarto de hotel, tiro minha gravata, seguido de meu
paletó. Andando até as cortinas que cobrem a janela, olho para a pacata
movimentação em frente hotel, desabotoo minha camisa e a deposito sobre a
poltrona. Meu celular toca e finalmente Antonella resolveu dar sinal de vida.
— Enzo, que saudade, boa noite! — respiro aliviado, por saber que ela está bem.
— Boa noite, Antonella! Também estou com saudade! — minha apreensão
assume seu lugar. — Onde estava que não atendeu minha ligação? Não avisei
para que evitasse sair de casa? — parece que consigo ver ser olhos revirados em
contrariedade ao meu comentário imperativo.
— Sei disso, Enzo, mas sua irmã me chamou para um passeio agradável e não
pude recusar. Clara também foi comigo e é claro que você já sabe onde
estávamos.
— Sim, Isaiah me contou. — encosto meu corpo na cabeceira da cama. — Só
um minuto, por favor. — encerro a ligação e ao invés de ligar novamente, início
uma chamada de vídeo.
Antonella recebe a chamada e seu rosto sorridente aparece para melhorar o meu
dia, usando uma camisola com decote sugestivo, encaro mais uma vez o seu
semblante e constato que seus cabelos foram cortados e minha expressão de
contrariedade é perceptível por ela do outro lado.
— Cortou seu cabelo? — remexe sua cabeça, passando as mãos pelos fios agora
mais curtos.
— Cortei, que tal? Gostou? — antes mesmo de dizer a minha opinião, respondo
com outra pergunta.
— Por que não me disse que iria cortar seu cabelo? — fecho meu cenho ainda
mais.
— Não gostou? — sua face se endurece e seu gênio difícil me diz que ela não irá
se dobrar pelo meu comentário.
— Sinceramente, você é linda de qualquer jeito, porém...
— Isso é jeito de elogiar o novo corte de cabelos de sua esposa, Enzo Ferraro?
— Preferia ele comprido e por que não me disse que pretendia cortá-los?
— Pensei que eu fosse dona do meu cabelo e fizesse dele o que bem entender. —
engole seco. — Você me consultou antes de tirar sua barba? É a mesma coisa e
afinal de contas, não tenho cabelo de boneca. — argumenta me deixando sem
resposta. — Mais alguns dias e ele irá crescer.
— Minha barba também. — passo a mão pelo meu rosto áspero, tentando não
parecer tão intransigente e a vejo suspirar.
— Você está linda e definitivamente não liguei para discutirmos por uma coisa
tão banal. — Antonella sorri.
— Nem eu, quero que volte logo para casa! — pendo meu pescoço, apreciando a
sua aparência.
— Adorei o decote dessa camisola. — digo com malícia e meus olhos não saem
de seu colo e minha boca se enche de água ao imaginar o gosto de sua pele,
sendo explorada bem devagar, no mesmo instante em que ela se contorce
embaixo de mim.
— Não faça isso, Enzo! — seus lábios entreabertos e sua voz rouca me fazem
lembrar de como ela me leva à loucura com sua boca voraz. Ela se ajeita na
cama e volta a me encarar. — Afinal, conseguiu resolver seus assuntos?
— Não quero falar sobre isso, agora. — arqueio minhas sobrancelhas. — Não
estávamos falando sobre coisas bem mais interessantes?
— Sim. — morde seu lábio, me lançando um olhar fatalmente libidinoso. —
Muito interessantes, porém improváveis devido às circunstâncias.
— Depende. — minha vez de encarar seu rosto como se ela estivesse a minha
frente, transmitindo todo meu desejo de estar junto dela. — Aprendi que quem
faz as circunstâncias somos nós, Nella. — seu meio sorriso atravessa a tela de
meu celular.
— Não me diga que está me propondo sexo virtual, Enzo? — sua íris mais
brilhante denuncia o desejo em seu corpo.
— E se estivesse? — molha sua boca e me castiga com a demora em sua
resposta e ao me encarar de volta, desce a alça de sua camisola revelando um de
seus lindos seios para mim.
— Diria que somente isso seria muito pouco para o que quero fazer no
momento. — solto o ar pelas minhas narinas e fecho os olhos imaginando que
coisas seriam essas.
— Não seja ambiciosa, mia ragazza. — desfivelo o cinto de minha calça e em
seguida é a vez do botão a ser aberto. — Há momentos na vida em que temos
que nos contentar com muito pouco. — desço minha calça juntamente com
minha cueca, tocando em meu pau duro. Vejo sua garganta subir e descer bem
devagar.
— Você não joga limpo, Enzo Ferraro! — com um sorriso depravado, rebato.
— Nunca disse que jogava!
— Agora, pude comprovar! — a outra alça desliza por seu braço direito e seu
corpo se inclina para que eu possa me deleitar com essa imagem voluptuosa.
Não satisfeita, reparo que ela segura sua camisola e a retira sobre sua cabeça,
porém não me dá o prazer de ver a sua nudez por completo.
— Estou toda molhada! — murmura com sua voz ofegante e me deixa mais
excitado.
— Me mostre! — me encosto ainda mais nos travesseiros.
Completamente preso à tela do celular, Antonella se retrai e não satisfaz a minha
vontade.
— Não sei se consigo!
— Antonella...
Sua mão desce por seu corpo e meus olhos veem o momento em que sua mão
direita invade sua lingerie minúscula e transparente, ela se toca languidamente
despertando em mim um desejo que chega a ser doloroso. Provocativa e devassa,
retira seu dedo e o leva à boca, o sugando de olhos fechados, minha vez de
engolir seco e suspirar de desejo.
— Tire a calcinha! — aperto ainda mais o meu pau e meus dedos o massageiam
com mais intensidade, fazendo com que minha respiração se altere ainda mais.
Antonella finalmente atende meu pedido e com seus dedos desliza sua lingerie
por entre suas longas pernas. Nua, seu olhar semicerrado me desestrutura como
ninguém, ela tem ciência do fascínio que causa e exerce sobre mim e como se
submetesse à minha vontade, sua face corada de tesão me inquire.
— E agora? O que você quer que eu faça?
— Quero que se toque para mim... — falo aos gemidos ao imaginá-la gozando
sem nenhum pudor.
Sua mão se enfia por entre suas pernas e ainda tímida, as mantém longe do foco
da câmera.
— Abra suas pernas e me deixe vê-la se tocar bem gostoso. — provocando sua
libido, completo. — Me imagine entre suas pernas, lambendo cada gota de seu
gozo bem devagar.
— Enzo... — mais relaxada, sua imagem se tocando desponta na tela do celular.
Penetra um de seus dedos, gemendo baixinho. Essa imagem me deixa quase sem
nenhum controle.
— Em seguida, meu pau roçaria sua boceta molhada até entrar todinho dentro de
você, mia ragazza! — meu saco se contrai todo de tanto tesão, denunciando que
meu gozo logo me deixará sem forças.
Sou interrompido por uma mensagem de Ignácio e simultaneamente o número
de Carmênia aparece na tela para acabar com o momento tão íntimo entre
Antonella e eu. Como um balde de água fria, paro de me tocar, tento ser o menos
grosseiro possível e espero que Antonella entenda a gravidade da situação.
— Antonella... — ela percebe a mudança em minha voz e para de se tocar de
imediato.
— O que foi?
— Tenho que encerrar essa chamada! Algo muito importante espera uma por
uma decisão minha. — busca o ar em seus pulmões e mordendo o canto da boca
me fita com o olhar um tanto decepcionado.
— Por isso, não sou adepta à tecnologia! — coloca sua camisola e ajeita seus
cabelos. — Prefiro esperar a sua volta e assim mataremos nossa saudade, está
bem?
— Não fique zangada, prometo compensar essa minha mancada.
— Isso não ficará barato, ragazzo mio. — sorri. — Ti amo così tanto, amore
mio.
— La amo anche molto, Antonella.
— Durma bem e volte logo!
— Você também e mais rápido do que imagina estarei em seus braços. — me
sopra um beijo e encerra a chamada de vídeo.
Coloco minha cueca e a calça e ligo imediatamente para Carmênia, em três
toques, a própria Carmênia é quem atende ao telefone.
— Enzo, andei pensando muito e gostaria de saber se eu lhe contar tudo o que
sei a respeito de Eurídice, poderia me assegurar de que nada de mal seria feito
contra a minha vida, além de me pagar uma boa recompensa pelas informações
que procura. — sem lhe dar a resposta de imediato, degusto suas palavras como
um vinho licoroso.
— Eu lhe dou a minha palavra de que nada lhe acontecerá.
— Pode vir ao meu apartamento para conversarmos? — estico meu braço e
verifico as horas em meu relógio, são quase dez da noite.
— Pode me aguardar, pois estou a caminho.
Meia hora depois, já pronto para sair, ligo para Ignácio e meu consigliere me
felicita com outra excelente notícia.
— Nicolò resolveu adiantar a sua viagem e irá me receber amanhã, pela manhã,
em sua residência.
— Ignácio, não podemos cometer nenhum erro.
— Não cometeremos, tenho tudo em mente e você como se saiu em suas
investigações?
— Caro amigo, creio que ainda hoje voltarei para Nova Iorque. — digo,
empolgado. — Tenho novidades!!
Entro no táxi e me dirijo para o endereço de Carmênia.
Queima de arquivo

Enzo
Seguindo dentro de um táxi pelo mesmo trajeto de horas atrás, tento entender o
que fez com que Carmênia retrocedesse, como não acredito em milagres e muito
menos em coincidências, peço ao taxista que pare algumas quadras antes de meu
destino. Na calçada, em frente à uma loja de chocolates finos, saco meu celular
do bolso e ligo para Giorgio Marini, um de meus contatos na cidade e em poucas
palavras esboço a ele o meu pedido. Giorgio é dono de uma pizzaria e uma das
mais certeiras portarias do Texas, ele se tornou associado de nossa família e
desde então é a primeira vez que recorro aos seus serviços como pagamento por
favores prestados a ele por mim.
Solícito, ele aceita de bom grado a tarefa designada, encerro a ligação e andando
alguns passos pela calçada, algumas profissionais da noite me estendem seus
sorrisos forçados e infelizes para um convite que garantiria o seu dinheiro por
uma noite.
Com as mãos nos bolsos e cabeça erguida sigo a observar pelos cantos dos olhos
os movimentos da vida noturna de Beaumont, como em toda cidade, bebida,
drogas e sexo são os cartões postais de uma noite de diversão.
Um carro escuro encosta na próxima quadra e através do sinal de luz identifico
que meu socorro chegou, entro em seu carro e partimos para o apartamento de
Carmênia e lá chegando, esquematizo tudo.
Na recepção, a mesa vazia indica que a funcionária já encerrou seu turno.
Giorgio, muito cauteloso, coloca suas inseparáveis luvas de couro e entra no
prédio, sob a escuridão dos vidros do automóvel o acompanho com meus olhos
até que seu corpo desaparece de meu campo de visão, uma Mercedez preta sem
placas sai da garagem ao lado com os faróis apagados, passando por mim em
alta velocidade. Cismado, ajeito minha arma e desço do veículo, caminhando
diretamente ao encontro de Giorgio.
O elevador está vazio e o silêncio não tem nada de pacífico, pois no ar sinto o
popular cheiro de morte, aperto o oitavo andar e paro no sétimo para despistar
quem quer que seja. A precaução sempre foi a melhor medida para horas em que
precisamos nos defender.
Nas escadas, o único som que se ouve no corretor é o estalido seco da sola de
meus sapatos batendo no velho mármore, não é preciso ser adivinho para
constatar que cheguei tarde demais, Giorgio me vê atravessando o corredor sem
câmeras e balança a cabeça em negativa.
A passos céleres vejo quando ele empurra a porta que estava entreaberta
deixando à mostra o corpo de Carmênia de bruços, rodeado por uma poça
imensa de sangue, entramos na sala e não há nada fora do lugar. Quem a matou
não quis camuflar a cena como se tratasse de um assalto.
Visualizo toda a cena em minha mente e essa senhora foi morta com um tiro à
queima roupa ao atender a campainha acreditando que eu estaria atrás da porta,
aquela Mercedez preta...
Alguém eliminou uma de minhas chances de chegar perto do inimigo! Mas
quem tinha conhecimento de que eu me encontrava em Beuamont e me
encontraria com Carmênia?
Somente minha família e... Ignácio.
Ligo em seu celular e o aparelho se encontra desligado, mais uma tentativa e
nada.
— Giorgio. — com as mãos na cintura, respiro profundamente. — Vamos sair
daqui!
Ainda com suas luvas, ele fecha a porta e nos deslocamos para seu carro, uma
mensagem do número de Ignácio paralisa meu cérebro deixando meu corpo
estático dentro do carro.
"Que o teu trabalho seja perfeito para que, mesmo depois da tua morte, ele
permaneça."
Essa frase de Leonardo Da Vinci...
Forço minha memória e acabo me lembrando de que Antonella recebeu essa
mesma mensagem no dia do atentado contra Letízia, ligo mais uma vez para o
celular de Ignácio e mais uma vez ele não me atende. Meu instinto diz que algo
não está bem.
— Giorgio. — finalmente o encaro. — Me leve de volta ao MCM.
Ele dá a partida, meu celular volta a vibrar e mais uma mensagem, seguido de
um arquivo de imagem.
"Ignácio era um bom homem e foi fiel a você até a morte!
Espero que não se ressinta e considere o cadáver de seu amigo como uma
demonstração tardia de agradecimento pelas mortes de alguns de meus
aliados."
Matando alguém muito próximo a mim, esse miserável segue a mesma estratégia
aderida por mim, aplacar cada um como em um jogo de xadrez.
Juro a mim mesmo que essa é a minha última perda, não admitirei que mais
ninguém seja eliminado por esse farabutto.
Abro a foto e a imagem de Ignácio degolado surge em meu celular, não sei
descrever o que sinto ao ver que não pude fazer nada para evitar tal perda.
Impotência e ira se fundem, para dar lugar ao ódio coberto pela mais gélida
vingança.
Moverei todo o inferno e céu para encontrar esse desgraçado!
— Filho de uma puta!! — bato com força no painel do carro e Giorgio me olha
assustado.
— O que houve, Enzo?
— Mataram meu Consigliere! — minha voz exaltada ressoa no interior do
veículo.
Giorgio, que também conheceu Ignácio, permanece em silêncio sem saber o que
dizer para me acalmar. Fecho meus punhos e os aperto com intensidade no
mesmo instante em que meu maxilar se mantém rígido.
Mataram meu Consigliere e amigo Ignácio.
Ainda de olhos fechados, desejo que sua alma descanse em paz e sei que onde
quer que esteja ele sabe que não deixarei a sua morte impune. Nicolò e todos que
estiverem nessa empreitada irão padecer sobre minhas mãos, preciso ligar para
Isaiah e pedir que avise a sua família, oferecendo todo apoio necessário nessa
hora tão difícil e é o que faço a caminho do hotel. Também me certifico de que
minha família esteja toda em segurança.
Em meu quarto, sentado na cama me sinto exausto mentalmente, não me
conformo de estar tão perto e de repente tudo volta ao nada.
Nasci determinado e morrerei lutando até o fim, não sou chefe de uma
organização como a máfia à toa. Com uma dose dupla de uísque na mão, paro
próximo à janela e me retenho a olhar a noite, com o gelo a deslizar em minha
boca, pego mais uma vez meu celular e me encontrando em uma situação de
extrema urgência, ligo para o meu eterno conselheiro... meu pai.
Preciso ouvir seus sábios conselhos nesse momento em que chorar pela morte de
Ignácio é algo remoto e impensável. Em Palermo ainda são seis da manhã e meu
Victório me atende em um toque.
— Enzo, meu filho. — essas palavras me acolhem me dando gás para prosseguir.
— Papá. — respiro fundo. — Mataram nosso Ignácio. — ele fica em silêncio e
consigo visualizar então a sua face rude com os olhos fechados em tamanho
pesar.
— Quando?
— Não há muito tempo, mandaram a foto dele degolado. — mais um abismo de
silêncio.
Conto a ele sobre Carmênia até o momento em que me deparei com a triste
notícia da morte de Ignácio.
— Ignácio morreu sem nos trair. — sei que isso é algo irrelevante e frio aos
olhos de muitos, mas em nosso meio isso é a maior honra que um homem pode
carregar, morrer sem ser um delator. Por isso, quando torturo alguém e ele reluta
até a morte sem dizer coisa alguma, tem o meu respeito como verdadeiro
adversário.
— Ele foi treinado por mim, Enzo. Sempre soube que nunca me decepcionaria
assim como você. — meu peito se enche de orgulho ao ouvir isso de meu pai.
— Já avisaram a esposa dele?
— Pedi a Isaiah que cuidasse de tudo e quando chegar a Nova Iorque eu mesmo
quero falar com ela e oferecer meus préstimos à família.
— Enzo, agora mais do que nunca temos que continuarmos fortes, se
fraquejarmos, eles nos derrubam.
— Eles? Por que disse eles? Acredito que esse inimigo seja um só.
— Pense bem, Ignácio iria se encontrar com Nicolò amanhã e hoje foi
assassinado, simultaneamente Carmênia é assassinada quando ia falar com você.
— Está querendo me dizer o que com isso?
— Que esse inimigo próximo quando percebeu que estava perdendo seus aliados
e como não consegue lhe derrubar, buscou em alguma outra pessoa a ajuda
necessária para agir com mais agressividade, uma vaga ideia começa a fazer
sentido.
— Papai, se um chefe é assassinado sem o consentimento da Comissão, o
responsável seria punido, não é mesmo?
— Sim, um chefão só pode ser morto em duas hipóteses, com ou sem o
consentimento da Comissão e neste último caso, o responsável agiria como um
traidor causando desconforto e sua palavra já não mais teria nenhum valor. Se
nos matassem a traição, esse chefe pagaria com sua própria vida.
— Lembra-se da reunião em Vegas?
— Sim.
— Quando propus aquela reunião, ficou decidido que os atentados e a
contratação de Antonella não possuíam vínculo algum com a máfia.
— E depois disso, você matou Eurídice, pois descobriu que ela era amante de
um dos homens que me traíram.
— Sim. — Victório fica mudo mais uma vez e seu cérebro deve estar
fervilhando por dentro.
— Tenho quase certeza de que esse inimigo procurou a um chefe e se associando
a ele tornou-se mais forte. Com a ajuda de pessoas mais experientes, esse a quem
ainda não sabemos muito se vingaria e ainda daria ao chefe de outra família a
oportunidade de tomar o poderio do território dos Ferraro.
— Faz todo sentido.
— Então pense que... — suas pausas são as melhores, pois são a partir delas que
suas conclusões magníficas aparecem como mágica. — Se alguém da máfia agir
pelas sombras, usando um alguém que não tenha nenhum vínculo com a Cosa
Nostra, ele não pode ser acusado de nada.
— E esse chefe seria Fanesi?
— Por que não? Fanesi tem gente que atua em Beaumont e podem ter visto que
você estava na cidade.
— Resta saber quem é o outro. — rebato, ainda preocupado.
— Esse a quem ainda não sabemos pensa que ficará vivo se aliando com um
homem como Fanesi. Depois que tudo acabar, esse laranja idiota que se acha
inteligente morrerá como um pato.
— Faço questão de pegá-los antes disso e por falar em pato, Brian me ligou hoje
e disse que está recebendo ameaças por correspondência. Havia uma foto... — a
velha risada de ex fumante de meu pai ecoa ao celular.
— De Agatha. — hesito ao abrir minha boca. — Diga-me, ele estava assustado?
— Foi o senhor que mandou aquilo?
— Sim. Queria testar seu amigo e meu médico. — completa. — Como não
podemos confiar em ninguém, queria saber qual seria a sua reação!
— Estava bem assustado, mas isso pode ser mera fachada.
— Ainda não podemos afirmar que seja ele, pode ser quem menos imaginamos.
Por hora, Brian ainda é inocente!
— Então, primeiro descobrimos quem é o meu inimigo oculto para depois
pegarmos o chefe que o ajuda?
— Exatamente e faço questão de ajudar e acertar uma rixa antiga com esse
ordinário.
— Não está muito velho para isso?
— Ainda bem que está a milhares de quilômetros de distância, Enzo, do
contrário lhe mostraria quem é o velho. — diz, em tom de brincadeira. — Terei o
prazer de mostrar ao meu filho o que seu velho pai ainda pode fazer.
— Combinado, agora fiquei mais entusiasmado ainda. Partirei em uma hora para
Nova Iorque. — ressalto.
— Faça isso e...
— O que foi?
— Outro fato que não mencionamos.
— Qual?
— O celular de Ignácio deve estar nas mãos erradas. — respiro aliviado e é
minha vez de mostrar minha perspicácia e Q.I. avançados.
— Não se preocupe, a cada ligação feita para mim, ele destruía um aparelho,
portanto eles não têm nada com que se armarem.
— Que orgulho! — zomba.
— Tive a quem puxar.
Despeço de meu pai e as dez da noite sobrevoo os céus rumo à minha casa.
Antonella
Na manhã seguinte...
— Bom dia. — digo a Adele que toma seu café sentada à mesa.
— Bom dia, minha querida! Dormiu bem?
— Não e você? — estamos todas muito abaladas com a notícia da morte de
Ignácio.
— Muito mal. — arrasto uma cadeira me servindo de suco de laranja.
— Enzo está voltando para casa. — comento com um sorriso no rosto. Não me
sinto bem saber que ele estava tão distante. Na verdade, me sinto mais segura
quando Enzo está perto.
— Sim, ele também me avisou e deve chegar por volta do meio-dia.
— A que horas será o enterro?
— Ainda não sei ao certo, mas Isaiah nos trará mais notícias, mas acredito que o
funeral será amanhã pela manhã.
Olga, a governanta, aproxima-se discreta e anuncia que há uma ligação para
mim.
— Disse quem era?
— Sim, é de um laboratório e a secretaria alega que ligou em seu celular e
ninguém atendeu.
— Ah, o deixei em meu quarto. — me justifico, limpando minha boca no
guardanapo, afasto minha cadeira. — Preciso atender, com licença, Adele.
— Sim, Antonella, fique à vontade.
Saio em direção à sala e atendo a ligação, segundo a secretária, meus exames de
sangue ficaram prontos. Olho em meu relógio e como ainda faltam duas horas
para a chegada de Enzo, procuro por Isaiah e peço para que me acompanhe até o
laboratório. Sem hesitar, ele diz que sim e acompanhado de outro segurança
chamado Evan seguimos para o centro da cidade.
No laboratório, pego os resultados e distraída me viro trombando meu corpo
com Brian que digita uma mensagem ao celular.
— Bom dia, Antonella! — me cumprimenta.
— Bom dia, Brian.
— Exames de rotina? — aponta para o envelope em minha mão.
— Sim, vim buscá-los e já estou indo para casa.
— Aproveitando a coincidência, poderia me dar uma carona? — abre seu
sorriso. — Meu carro foi para a lavagem.
— Mas é claro que pode vir comigo.
— Gostaria de ficar um pouco com sua irmã depois de saber que assassinaram
Ignácio.
— Clara gostava muito dele. — atesto. — Ele foi muito gentil quando escolheu a
clínica para o tratamento dela. — abaixa seus olhos tristonhos demonstrando
pesar.
— Ela estava chorando ao telefone quando me deu a notícia e isso me deixou
arrasado. Até cancelei uma consulta para ver a sua irmã. — Brian têm se
mostrado um namorado muito atencioso com minha irmã.
— Estamos todos inconsoláveis. — explico.
— Enzo está vindo de Vegas?
— Sim, chegará logo mais. — ando alguns passos a caminho da porta giratória e
ele me segue.
— Como ele está?
— Abalado, afinal Ignácio era seu braço direito.
— Imagino. — Isaiah nos espera na calçada e aviso que Brian irá conosco.
Sentados no banco de trás, Evan que está ao volante liga o carro e saímos a
caminho de casa. Brian e eu conversamos animados e durante o caminho Isaiah
olha para o segurança ao lado e diz:
— Reduza a velocidade, Evan!
Na Hutchinson River há uma barreira montada por 4 carros e uns cinco homens
todos vestidos em seus ternos e óculos escuros. Meu coração dispara e Brian,
percebendo meu medo, segura minha mão.
— Tenha calma, Antonella.
O segurança para o nosso veículo e Isaiah pede calma a todos descendo do carro
com as mãos em sua arma. Três homens armados chegam e gritam.
— Senhora Ferraro queira nos acompanhar!
— Ela não irá à lugar algum! — grita Isaiah.
— Não adianta bravura, meu caro! — grita um dos homens mal-encarados. —
Não vê que vocês estão em menor número? Estou levando a situação de uma
forma diplomática, porém se houver resistência vocês morrem e nós a levaremos
de qualquer forma.
Evan dispara contra um deles e o homem cai ao chão já sem vida, em
contrapartida, nosso segurança também é atingido no peito e agonizante cai
sobre o capô do carro. Assisto a tudo completamente estática e a seguir, Isaiah é
atingido no braço e logo após outro tiro no peito. Cai ao lado do carro e minha
visão se limita a ver seu corpo estendido.
— Vou descer. — diz, Brian.
— Não, por favor. — peço, desesperada.
— Abram a porta! — um dos homens que estava mais afastado assistindo a tudo,
se aproxima com uma granada e um fuzil em mãos. — Se não abrirem,
morrerão.
— Vou descer e falar com eles.
— Não! Eles vão lhe matar. — olho para a avenida e nenhuma alma aparece para
nos ajudar.
Sem me dar ouvidos, Brian desce e mal ergue as mãos para argumentar com um
dos homens e é gravemente atingido com um tiro de raspão em seu peito o
fazendo ir ao chão diante de mim.
Tremendo e com lágrimas nos olhos, o homem com a granada na mão retira seus
óculos, dirige seu olhar para mim e não me restando alternativa a não ser descer
do carro, abro a porta devagar. Meus olhos ainda recaem sobre Isaiah na
esperança de que ele ainda esteja vivo. A última coisa que penso é em Enzo e no
rastreador no meu pulso.
Juntam Brian do chão, com o rosto sangrando e o levam para os carros cruzados
na pista, jogam seu corpo lá dentro e sinto que eles irão nos matar.
Um deles anda rápido até mim e segura meu corpo por trás. Em um espaço de
segundos, aproveitando que ele fala com o outro ao seu lado, desvio meus olhos
na direção de Isaiah e por milagre, ele aperta os olhos me dando um sinal de que
está vivo. Só espero que não deem um último disparo em sua direção para
confirmarem a sua morte. Mais aliviada, distraio os homens ao meu redor
debatendo meu corpo e gritando vários palavrões em italiano.
— Quietinha ou encho seu corpo de balas, senhora Ferraro. — leva um lenço à
minha boca e não vejo mais nada...

Enzo
Desembarco no aeroporto JFK às nove e quarenta e cinco da manhã, Fabrízio
me espera em meu carro e parto diretamente para casa. No caminho, meu celular
toca e mais um número desconhecido me deixa intrigado. O que essa ligação me
reserva de ruim?
— Enzo Ferraro. — digo meu nome de modo firme.
— Senhor Enzo Ferraro. — uma voz feminina e triste ressoa baixo em meu
celular. — Me perdoe por ligar, o senhor talvez não se lembre de mim. —
permaneço em silêncio, esperando a sua identificação.
— Sou Samira Brigtman, a empregada da senhora Carmênia Rossetti. — eu me
lembro perfeitamente de seus traços comuns e sua expressão fechada.
— Sinto muito por sua patroa.
— Eu também sinto, pois gostava muito dela. — um barulho de isqueiro indica
que ela acendeu um cigarro, ainda bem que consegui abandonar esse vício. Com
essa minha vida tribulada já teria tido um ataque cardíaco.
— Posso ajudá-la em alguma coisa?
— Tenho algo muito importante para lhe mostrar, senhor Ferraro. — meu corpo
se ajeita no banco traseiro e muito atento, rebato.
— Cuidado com suas palavras, Samira, seu telefone pode estar grampeado. —
advirto.
— Não se preocupe, Dona Carmênia sempre se precaveu e sabia que viriam atrás
dela algum dia. Por essa razão, me instruiu para quando chegasse o momento, eu
lhe asseguro que esse telefone não pode ser rastreado.
— Sendo assim, fico mais tranquilo.
— Dona Carmênia era como uma mãe para mim. — fala, amarga pela perda da
velha senhora. — O material que guardo comigo poderá lhe ajudar, mas em troca
quero que pegue quem a fez sofrer tirando sua vida que ela tanto prezava.
— Que material seria esse? — inquiro, muito interessado.
— Um diário digitalizado contando tudo o que Dona Carmênia sabia sobre a tal
mulher misteriosa. — meu interior se agita pela mera possibilidade de estar
novamente próximo ao meu inimigo.
— Quando ela resolveu lhe contar tudo foi porque o senhor lhe passou muita
confiança. — Samira assoa seu nariz e suponho que deva estar em lágrimas.
— Não chore, por favor! Prometo fazer jus a confiança que ela depositou em
mim.
— Estou lhe enviando o arquivo e espero que ele lhe seja útil, tenha um bom dia.
Desliga e segundos após o arquivo chega em meu celular. Abro a primeira
página e começo a desvendar o mistério que me inquietou por tanto tempo...
Tormentas do passado

Enzo
Com o arquivo aberto diante de meus olhos, não deixo de observar os traços
artesanais da letra de Carmênia, Fabrízio continua atento ao trânsito e sua
velocidade é considerável.
Antes de iniciar a leitura, me certifico de que meu pai está sobrevoando o
Atlântico, ele ficará alojado em um local seguro e ainda secreto para muitos.
Volto meus olhos para o celular e começo a ler o que Carmênia poderia ter me
contado se não tivesse sido assassinada.
“A quem possa interessar...
Quem estiver com esse diário em mãos, terá duas escolhas. Uma delas é
ignorá-lo se desfazendo de minhas palavras talvez inúteis e não mais
testificadas por mim. Uma alternativa, seria que minha vida transcorrida
em algumas páginas venha a ter alguma utilidade e quem sabe ao correr os
olhos por essas linhas trêmulas poderá tomá-las como um último desabafo
em troca de redenção ou até mesmo um caminho para o entendimento de
algum desajuste causado pelo passado.
Lembre-se de que para ter em suas mãos essas confissões tão íntimas, tive
que pagar um alto preço, ou seja, minha vida me foi tirada e sabendo que
isso me ocorreria a qualquer momento, me propus a revelar o que guardo
comigo como segredo e vergonha.
Posso dizer que tive uma vida tranquila com alguns altos e baixos que
deram a mim um pouco mais de emoção. Me casei com o homem que amei e
desse relacionamento feliz e efêmero nasceu um lindo menino a quem dei o
nome de Antony, meu marido era um típico viajante e senti que, aos poucos,
a vida pacata que levava comigo em nossa pensão o entediava
drasticamente. Com isso, um belo dia, Sam saiu de casa para nunca mais
voltar, sozinha, continuei a cuidar de meu menino que estava com pouco
mais de dois meses.
Mesmo desolada, agradecia todos os dias o fato de que Sam havia me dado
um filho maravilhoso e dedicada somente a ele segui minha vida.
No dia 24 de março de 1983, em uma madrugada carregada de silêncio
apareceu em minha pensão uma mulher com um bebê nos braços, ela
mantinha seu rosto enrolado em um lenço preto e seus olhos azuis
permaneciam em direção ao chão. Afoita, tentei olhar em seus olhos e
consegui sentir que ela exalava muito medo, sua pele era branca, porém a
palidez de seu rosto era ainda maior e ao recair meus olhos na barra de seu
vestido, notei que havia muitas marcas de sangue espalhadas pelo tecido.
Imaginei que aquela criança nascera em uma circunstância inusitada e
precária.
Quando perguntei o seu nome, mais uma vez a vi esquivar o olhar e
persistente vim a saber que ela se chamava Geórgia Salemberg."
Prossigo a leitura, sem saber ao certo e um tanto desacreditado em que esse
diário irá me ajudar.
"Compadecida de sua situação, fiz com que ela adentrasse a minha pensão e
então acabei acolhendo a mulher com seu filho recém-nascido. Com o
passar dos dias, nossa convivência se tornou mais próxima e pude descobrir
um pouco mais dessa mulher errante e misteriosa que raramente falava
sobre si.
Perguntei quem era o pai do menino e a única coisa que consegui arrancar
de sua boca foi que ele era um contraventor que se chamava Victório."
Montanaro. O homem a quem meu pai assassinou.
"Sempre desconfiada, nunca saía de seu quarto e sempre que precisava de
algo me pagava pelo serviço. Alguns dias depois, tarde da noite, ao ouvir o
choro estridente vindo do quarto de Geórgia corri até lá para saber o que
estaria acontecendo.
Meus pulsos quase arrebentaram a porta e não obtendo resposta alguma,
pedi a um de meus hóspedes que arrebentasse a porta no desespero de
prestar socorro à criança, conseguimos nosso intuito e me deparei com o
bebê sozinho em cima da cama, enrolado em um cobertor xadrez. Prevendo
o pior, me aproximei junto ao seu pequeno corpo e constatei a verdade nua e
crua, Geórgia desaparecera abandonando o menino que até o momento não
tinha sequer um nome. Ao lado do cobertor um bilhete frio assim como a
postura de sua mãe, nas poucas linhas deixadas, ela dizia que não era capaz
de cuidar dessa criança a quem não amava, que era um ser intruso que
havia tornado a sua vida um tormento e um fardo pelo qual ela não estava
preparada para carregar. De agora em diante se desfazia do menino como
um objeto sem valor, ela se referia ao seu filho como uma indiferença que
me causou calafrios.
No rodapé do bilhete, ela me aconselhava a deixar o bebê em algum lugar
onde ele pudesse encontrar um lar que o acolhesse e se, por ventura, minha
decisão fosse contrária a isso, me deixava advertida de que tomasse cuidado,
pois haviam pessoas que viriam atrás da criança com a intenção de o
matarem.
Também me pediu perdão por abrir meu cofre e me levar 50 mil dólares de
minhas economias, jurando, que um dia, voltaria para quitar seu
empréstimo, então, até saber o que fazer com a criança, decidi deixá-lo sob
meus cuidados até encontrar alguém que quisesse adotá-lo.
E assim, dei o nome a ele de Brian."
Brian..., então, você é o filho rejeitado de Eurídice! Muito interessante.
Não me sinto decepcionado, pois há algum tempo digiro a ideia de que meu
inimigo se valesse de nossa proximidade para aplicar suas ideias.
Mas qual seria o motivo de tanto ódio? Qual a justificativa se nunca lhe fiz
algum mal?
A morte de seu pai ou a rejeição de Agatha?
Pauso a leitura e tento encaixar algo que não faz sentido para mim, ou ele é
muito frio, ou Eurídice não lhe revelou a sua verdadeira identidade, pois
ninguém em sã consciência se manteria tão calmo com o desaparecimento de sua
mãe. A não ser que a relação dos dois se estreitasse somente pela cumplicidade
de uma vingança.
Sejam quais forem os seus motivos, ele pagará por cada minuto de apreensão
vivido por mim, cobrarei pela sua ingratidão em sinal da minha amizade, pela
sua audácia em querer me derrubar, pelo atentado a Letízia, Antonella e pela
morte de meu amigo Ignácio e da senhora Carmênia. Brian me pagará caro e
temo que a sua vida ainda seja um preço irrisório diante do ódio que estou
sentindo.
Volto meus olhos ardendo de raiva para o celular.
"Nessa mesma época, conheci um casal abastado que passava por Beaumont
e ao verem o menino, se interessaram muito por ele. Foi então que minha
ambição falou mais alto e acabei vendendo a criança pela mesma quantia
levada por Geórgia. Revelei o que sabia dos pais da criança ao jovem casal e
eles levaram Brian como seu filho adotivo.
Fui uma pessoa que visou lucro em tudo e em qualquer circunstância
encontrei um meio de obter vantagens, mesmo nas situações mais adversas,
porém tudo o que é plantado tem que ser colhido e eu, como qualquer outra
pessoa, não faço parte de nenhuma exceção. Colhi o mais amargo preço pela
minha ambição e mesquinhez.
Tudo parecia transcorrer na mais perfeita ordem e dias depois de Brian ter
encontrado um novo lar, alguns homens armados falando em russo
entraram em minha pensão buscando pelo paradeiro de Eurídice Furman,
sem saber de quem se tratava acabei sendo espancada gravemente, eles me
mostraram uma foto da mulher em questão e foi aí que me dei conta de que
Eurídice me enganara escondendo a sua verdadeira identidade.
Meus hóspedes, em uma reação natural de proteção e medo, não ousaram
sair de seus quartos e na sala, uma cena aterrorizante se desenrolava noite
adentro.
Os rudes homens ainda perguntaram sobre uma criança que Eurídice
carregava e minha reação foi negar o conhecimento e paradeiro do bebê.
Conscientemente, não queria que aquela criança tão rejeitada fosse morta
simplesmente pelo fato de existir e ao ouvirem o choro de meu filho Antony,
os homens se entreolharam e imaginando que eu estaria acobertando o filho
de Euridice, um desses homens não hesitou e caminhando feito um sádico
pelo corredor saiu em direção ao som do choro de meu filho.
Amarrada, gritava com todas minhas forças tentando impedir que o
matassem e mesmo sob os meus pedidos de misericórdia, três disparos
silenciaram para sempre o choro do meu Antony. Pendi minha cabeça em
um pranto mais doloroso que já havia derramado, enquanto aqueles
homens saiam de minha pensão como se nada tivessem feito de monstruoso,
para eles aquela execução era somente um ato de justiça.
Depois dessa trágica noite, a escuridão tomou conta de meu ser e uma
revolta misturada ao remorso por ter acolhido uma estranha tão perigosa
martelava minha alma constantemente, a vida de meu filho tinha sido
levada e não havia nada que eu pudesse fazer para reverter isso. Cheguei a
brigar com Deus exigindo dele uma resposta para o que havia acontecido. A
partir de então, nunca mais fui a mesma pessoa, vendi minha pensão e me
mudei para um apartamento no centro da cidade.
Vinte e cinco anos depois, numa tarde em que eu estava lendo um livro
qualquer sentada em minha sala, minha campainha tocou levemente me
fazendo sair da fantasiosa história para voltar à realidade. Minha reação de
espanto foi instantânea ao ver Eurídice parada em minha porta depois de
duas décadas, sua aparência era de uma mulher muito elegante, ela trajava
um tailleur vinho com um discreto colar em ouro e brincos. Não pude deixar
de notar que aquele ar de menina fugidia desapareceu por completo de sua
face dando espaço a uma mulher segura e ainda mais perigosa.
Deveria tê-la expulsado de minha porta como alguém indesejável e
repugnante, porém não o fiz e até hoje me pergunto o porquê de minha
reação, mais uma vez a convidei para entrar e se sentando em um de meus
sofás, Eurídice manteve a mesma postura fria e abrindo sua bolsa tirou de
lá o dinheiro que havia roubado anos atrás.
A ambição desenfreada não mais jazia em mim e aquelas notas só serviram
para abrir novamente a minha ferida, em sua frente eu desatei a chorar
narrando a perda de Antony e para minha surpresa, a mulher elegante se
ajoelhou aos meus pés e me pediu perdão por ter causado uma dor tão
irreparável. Concedi a ela o direito de me pedir perdão, porém não consegui
tirar aquela mágoa de meu peito e aceitar o seu arrependimento.
Ela queria saber qual o destino dado ao bebê que ela abandonara sem
ressentimentos?
Disse a verdade, que o bebê havia sido encaminhado para adoção, claro que
não revelei a identidade das pessoas que o levaram, pois eu não confiava em
sua conduta. Assim, tivemos uma última e decisiva conversa e nela, Eurídice
acabou confessando que buscava por justiça. Sarcástica, perguntei a ela o
que seria justiça? Acaso seria uma vingança?
Forçou seu sorriso e me revelara que o assassino que matou Victório era
agora o seu patrão e que debaixo do mesmo teto, ela encontraria uma
maneira de se vingar dele vagarosamente e degustaria cada segundo de
sofrimento desse homem sem nenhum remorso.
Naquele instante, pedi encarecidamente para que parasse de me contar
essas coisas, pois quanto menos eu soubesse mais protegida estaria. Como se
estivesse em uma espécie de transe, ignorou o meu pedido e continuou a
contar a sua saga alegando que não tinha ninguém com quem dividir as suas
agruras e segredos.
[557]

As perversas veredas [558]


dessa vida tendem a nos brindar com peças
imprevisíveis e sem que eu lhe revelasse, ouvi suas confissões onde ela
convivia com seu filho sem ter conhecimento algum disso.
Deveria eu dizer a verdade? Contar a ela que Brian era o seu filho
desprezado?
Achei melhor não!
Assim, depois de me encher de histórias rancorosas, se levantou e deixou o
dinheiro sobre o sofá, estranhamente, me pediu um recibo pelo valor
devolvido, o que atendi de imediato, pois queria me ver livre dela e de todas
as lembranças que trazia consigo.
Nunca mais a vi e nunca mais nos falamos...
Passados alguns anos, uma notícia da morte da nora de Victório Ferraro me
chamou a atenção em frente à TV.
Teria Eurídice parte nessa morte?
Mais alguns dias depois, meu telefone tocou e sua voz odiosa me acusava de
não lhe contar o que sabia, aleguei desentendimento e ameacei desligar o
telefone. Indignada, suas palavras antes de encerrar a ligação foram a
confirmação de que ela havia descoberto o paradeiro de seu filho e faria
muito bom uso do rapaz revestido de complexo em que havia se tornado,
com uma risada estridente ao telefone, ainda me disse que meu maior erro
foi ter salvado aquela criança, um fruto podre e sem chance nenhuma de
regeneração. Segundo ela, Brian jamais saberia que ela era a sua mãe, me
cobriu de ameaças veladas, me fez prometer silêncio e que a partir de então,
minha vida estava em suas mãos e caberia a ela cada passo dado por mim.
Foi essa a última vez em que tive notícias dessa mulher e toda a história que
a rodeava, meu maior arrependimento foi ter sido covarde e guardado esse
segredo por tanto tempo. Se usasse de mais bravura, tenho certeza de que
você que lê essas últimas linhas, jamais saberia dessa história dessa maneira
e eu ainda estaria viva.
Tentei buscar ajuda com um homem muito influente a quem tive um caso
amoroso no passado, porém esse homem se fez de surdo-mudo e nada fez
por mim, seu nome era Nicolò Caputti.
Atenciosamente,
Carmênia Rossetti.
Com o mistério solucionado, restam algumas pontas a serem amarradas e
esclarecidas afinal. Tento que ser muito metódico para pegar aquele que se
passou por meu amigo durante tanto tempo.
— Fabrízio, acelere, por favor.
Nesse momento, Domênico é quem me liga e imagino que essa sua ligação seja
para me desejar suas condolências pela morte de Ignácio.
— Domênico.
—Enzo! — a sonoridade de carros e o sopro de um vento forte cortam a sua voz
de alerta, deixando a ligação ruidosa. — Estava a caminho de sua casa e quando
seguia pela Hutchinson River com a Avenida Lincoln vi um de seus carros
parado na pista e dois homens estendidos no asfalto. Nervoso, passo a mão pelos
cabelos e mordo meus dedos.
— Mortos? — minha primeira pergunta.
— Estou descendo do carro e irei verificar. — ouço seus passos no chão e aperto
meus olhos em inconformidade. Tudo parece ter saído de controle e detesto
quando isso acontece justo comigo.
— Evan, o novato, está morto. — mais alguns passos. — Isaiah ferido.
— Está consciente? — indago, com dificuldade de falar. Pareço sufocar tamanha
a minha ira.
Ouço chamar por Isaiah e quando sua voz alcança meus ouvidos, meu corpo
parece estático, meu coração acelera e com meus músculos retesados a frieza
que mantém meu cérebro desaparece dando lugar a fúria incandescente que me
deixa cego de ódio.
Eu mal posso esperar para explodir...
— Levaram a senhora Ferraro e Brian! — sua voz é acompanhada de gemidos de
dor.
— Enzo... — diz Domênico.
— Eu ouvi! Levaram minha mulher. — antes que meus olhos encontrem os de
Fabrízio no retrovisor, ele adivinha meus pensamentos e enfia o pé no
acelerador. — Cuide de Isaiah e convoque nossos melhores homens.
— Pode deixar.
— Quero minha esposa e a quero sem nenhum arranhão, Domênico. — atesto. —
Ela está usando aquele rastreador e será fácil encontrá-la. — designo as ordens
com as todas coordenadas improváveis de erro. Domênico me ouve atentamente
e explico por alto o que está acontecendo.
— Ao dar um sinal, quero que deixem o local limpo. Matem todos os homens
que estiverem lá e os substitua por homens de nossa confiança e peça a
Manfredine que encontre Nicolò Caputti.
— Já entendi o que você quer, Enzo.
— Obrigado é só isso por enquanto, amico.
— Não me agradeça, cuidarei de tudo e de nosso companheiro Isaiah.
— Cuide bem de meu cunhado, não o deixe morrer! — antes de encerrar a
ligação, completo. — E você também, tome cuidado! Não quero perder mais
ninguém.
— Digo o mesmo a você e não quero morrer sem antes pôr a mão no verme que
matou Ignácio.
— Pois seu desejo está mais próximo de se realizar do que imagina.
Ele se despede e Fabrízio adentra em alta velocidade pelos portões de minha
casa, sem cumprimentar a ninguém, me dirijo diretamente para meu escritório,
esperando ciente o próximo passo inimigo e chego à conclusão de que a melhor
defesa contra um traidor e a traição!

Antonella
Momentos antes ...
Tento abrir meus olhos e mover quaisquer de meus membros, todavia me sinto
imobilizada e dolorida, gemo ao mexer meus pulsos atados a uma corda áspera
que aperta minha carne a fazendo sangrar.
O ambiente é frio e o cheiro de poeira predomina no ar, usando de uma força
quase sobre-humana, tento manter meus olhos semiabertos e a imagem
embaçada que vejo é a de Brian em pé com seu rosto sujo de sangue a me
observar.
Graças a Deus! O tiro recebido não o matou.
Forçando um pouco mais minhas pálpebras, minha visão finalmente se foca e me
deixa ver o que há em meu redor, uma sala sem janelas que causa uma sensação
ainda mais sufocante, as paredes escurecidas são da mesma cor do piso escuro
empoeirado.
— Você está bem? — Brian encosta seu indicador em meu pescoço para sentir
minha pulsação.
— Sim, acho que sim. — balanço a cabeça, tentando reajustar meus pensamentos.
— Ainda um pouco tonta.
— Ótimo, logo ficará bem. — com dificuldade, fico em pé.
— Precisamos sair daqui! — alerto, inocente ainda não percebendo o que está
prestes a acontecer. — Por favor, me desamarre, sim?
— Precisamos? — Brian me encara com um semblante totalmente diferente do
habitual.
— Vamos, desate esse nó e vamos tentar sair daqui! — ele me empurra com força
e meu corpo se desequilibra indo ao chão.
— Você não irá a lugar algum, Antonella!
— Que brincadeira é essa?
— A brincadeira acabou! — sua voz se altera e seus lábios me presenteiam com
um sorriso irônico, abre sua camisa mostrando um colete a prova de balas sob o
tecido.
Aqueles homens... Isaiah ferido... O tiro... As peças se fundem e começam a
fazer sentido.
Sua face assume e exprime a minha pior descoberta.
Querendo ou não, acredito estar diante do inimigo que tencionava acabar com
Enzo.
— Você? Esse tempo todo?
— Ora, por que o espanto? Por acaso me acha tão inábil a ponto de não conseguir
enganar o inatingível Enzo Ferraro?
Ele anda até a porta entreaberta, olha pela fresta e a encosta nos isolando dos
demais homens que estão na sala.
— Você mesmo deve saber a resposta e não é porque continua nas sombras que
conseguirá seu intuito, seja ele qual for!
Mesmo sem saber como, Brian é a pessoa que mais se encaixa nisso tudo.
E por que nenhum de nós pensou nessa hipótese?
Procurando pistas em lugares remotos acabamos deixando que ele atuasse com
liberdade até chegar a esse ponto, me capturar e usar esse ardil argumento para
atingir Enzo.
— Sabe que nunca conseguirá o que deseja. — altiva, rebato para provocá-lo. —
Enzo acabará com você, seu cretino!
— Dessa vez, o grand finale terá outro desfecho, Antonella!
— Seu falso! — aproxima seu rosto do meu e seu hálito quente me dá náuseas.
— Falso eu? Quem é você para me acusar de falsidade? — arrasta uma outra
cadeira e se senta frente a mim. — Até bem pouco tempo, você aceitou um
trabalho não digno de moralidade e não é porque Enzo se apaixonou por você
que deixa se ser uma vaca vadia na minha opinião.
— Sua opinião pouco me importa, seu invejoso!
— Invejoso? Acha que estou fazendo isso por inveja? — bate no encosto da
cadeira. Estou reivindicando o que sempre me pertenceu Antonella, portanto não
se meta em um assunto que não cabe a sua alçada.
— O que lhe pertence? Não me diga que também é um mafioso? — não desisto
de o indagar.
— Sou filho de Victório Ferraro com uma mulher chamada Geórgia e durante
muitos anos permaneci nas sombras esperando o melhor momento para tomar o
que me pertencia. Enzo tinha o amor e toda a atenção de seu pai e eu tinha o
que? — seu olhar vazio recai sobre a fria parede e os dois se confundem no
vazio. — Enzo, sempre Enzo! Victório nunca me enxergou e eu poderia ser um
filho muito melhor do que aquele imbecil que se acha o maioral.
Esse homem enlouqueceu totalmente! De onde ele tirou essa história maluca de
que o senhor Victório é o seu pai.
— Conheci Enzo na adolescência e desde então acompanhei a sua vida de perto.
Sempre rodeado de mulheres que se rastejavam aos seus pés e se desmanchavam
pela sua pose de durão. Não consigo dialogar e minha única reação é ouvir seus
devaneios na esperança de que alguém venha me buscar através do localizador
em meu braço.
— Foi quando Agatha apareceu.
— Você era apaixonado por ela? — seria essa a razão por seu ódio por Enzo?
— Nunca fui apaixonado por ela! — passa a mão pelos lábios e com os
antebraços sobre o encosto da cadeira, abaixa sua cabeça movendo-a de um lado
a outro e ao erguer seu pescoço mais um sorriso doente brota em sua boca.
— Eu estava jogando, assim como joguei com você! Nunca fui apaixonado por
Agatha e somente a via como um joguete para atingir Enzo, pois ela era a única
até então que havia prendido a atenção dele a ponto de levá-lo ao altar.
Que homem complicado e doente!
— Ela era uma fraca. — faz uma pausa. — Me tinha como seu melhor amigo e
posso lhe assegurar de que foi muito fácil induzir aquela pobre alma ao suicídio.
Bastaram algumas boas conversas e consegui convencê-la de que seria melhor
deixar que seu marido seguisse sua vida sozinho, arrumando uma mulher que
pudesse lhe dar filhos. — olha para o teto e solta um suspiro satisfeito. — Ela
seguiu meus conselhos à risca, pobre Agatha!
Não quero imaginar o que será de Brian quando Enzo souber disso.
— Percebi que nunca iriam me reconhecer como um membro do clã Ferraro e
cada vez mais o senhor Victório dispensava sua atenção ao filho mais novo. Foi
aí que o patriarca da família ficou doente e para minha satisfação, ele estava com
diabetes.
Fecho meus olhos imaginando que ele junto de Eurídice trocava a medicação de
meu sogro.
— Eu mesmo fazia questão de aplicar doses de insulina insuficientes no velho e
aquela vontade de ser reconhecido como seu filho se reverteu em uma vingança
para acabar com aquela família infeliz e junto de minha aliada Eurídice,
cuidávamos incessantemente do chefe da família, até que nosso plano sofreu
retaliações por parte de Enzo e você, sua estúpida, deixou que ele descobrisse a
sua identidade e pôs tudo a perder. — ele parece descontrolado e as veias de seu
pescoço saltam salientes em sua pele.
— Perdi Pablo, Eurídice e por fim Mercedez. Todos mortos por Enzo, mas uma
coisa eu pude comemorar, a morte de seu pai naquela explosão.
— Foi você o responsável pela explosão? — o instigo para dar realidade a minha
reação e ganhar tempo para que Enzo me tire daqui.
Será que ele já chegou em Nova Iorque? Sabe que corro perigo?
— Infelizmente não. Queria uma morte lenta para ele, seria minha glória vê-lo
morrendo em meus braços. Todos os anos de desprezo sendo pagos com a sua
vida!
— Você é um ser que se deve ter pena, Brian!
— Pois se eu fosse você, teria pena de si mesma, irá precisar! Você e aquela
aleijada inútil!
Clara! Com essa turbulência acabei me esquecendo de minha irmã, esse cretino a
estava usando sem nenhuma compaixão e fazê-la sofrer será um dos seus
maiores trunfos.
— Não fale assim de minha irmã, seu verme! Faço questão de ver Enzo acabando
com você! — meu sangue se agita e se não estivesse amarrada com certeza eu o
agrediria.
— Cale a boca! — as costas de sua mão estalam em minha face num tapa de pura
humilhação. — Chega de perder meu tempo com você! — puxa meu cabelo e me
levanta do chão.
— Sua vadia! — passa a língua em meu rosto e me encolho toda em sinal de
repugnância. — Irei atrair Enzo até esse local e dopado farei com que ele veja
sua esposa conhecendo o que é um homem de verdade. — tremendo, minha única
esperança é de que Enzo esteja preparado para esse ordinário.
— Prefiro morrer a sentir um dedo seu em meu corpo.
— Não se preocupe, estarei aqui para realizar seu desejo. Matarei você e esse
filho nojento que carrega. — aumenta a pressão em meus cabelos. — A seguir,
matarei seu marido com uma injeção letal e adeus Enzo Ferraro.
Tento usar de minhas pernas para me afastar de suas mãos, porém ainda me sinto
tonta devido a medicação sedativa contida naquele lenço.
— Acabou, Antonella! Farei um favor ao mundo eliminando aquele mafioso
arrogante e muitos me agradecerão por isso. — cuspo em sua cara e ele ri.
— Harmem, Phill! — chama por alguns homens que chegam logo a seguir.
— Sim, senhor. — eles respondem prontamente com a arma em punho.
— Traga papel e caneta para a senhora Ferraro! — desata a corda que prendia
meus pulsos e ao colocar o papel diante de mim, me lembro de cada
ensinamento grafotécnico a la Enzo, ou seja, somente ele é perito em decifrar
meus códigos secretos, meu mafioso favorito sempre sairá na frente e não há no
mundo quem o desafie.
— Escreverá tudo o que eu mandar e depois eu mesmo levarei essa carta ao seu
marido como uma ponte de negociação entre seu marido e o seu cruel inimigo. —
ri sozinho e me entrega a caneta. — Escreva aí...
Em círculos, Brian anda ao meu redor e dita palavra a palavra do que espera ser
uma carta minha com um pedido de socorro, disfarço meu sorriso e sei que esse
pedaço de papel é muito mais do que isso, pois ao chegar até as mãos de Enzo
através de Brian, revelará sua real intenção e meu marido preverá cada passo
para acabar com esse infeliz. Termino de escrever e assino o papel, o toma da
minha mão de modo brusco e se vangloria por achar que tem todo domínio sob a
situação.
Como uma boa aluna, ele não percebeu nenhum dos sinais escondidos entre os
traços das letras e serão esses pequenos detalhes que farão toda a diferença, os
homens permanecem a me vigiar e agora mantém minhas mãos e pés amarrados.
Brian sai com a carta acompanhada de dois outros homens, ele está indo para a
mansão Ferraro.
Olho para meu relógio e torço para que Enzo já esteja em casa...

Brian
Com tudo arquitetado e repensado mil vezes, saio acompanhado de dois dos
homens emprestados por Fanesi, nosso trato termina logo após a execução de
Enzo. Fanesi me ajudou nessa empreitada e em troca tomará o território dos
Ferraro, Nicolò é um dos seus testas de ferro e vem me ajudando nessa vingança.
Estamos na Delevan Lane e quase em frente ao portão da mansão Ferraro, o
carro freia cantando seus pneus, chega a hora da interpretação perfeita e abrindo
a porta um dos homens me joga na rua, fazendo meu corpo rolar no asfalto.
Heitor, o porteiro da casa, chama alguns seguranças e eles me arrastam para
dentro. Ferido, apavorado e ofegante pergunto por Enzo e imediatamente sou
levado ao seu escritório onde ele sempre me deixou de fora de seus segredos.
A casa se encontra em total desolação, Clara me vê machucado e anda a passos
atrapalhados até mim. Conquistar essa deficiente foi uma atitude precipitada,
porém necessária em um momento em que muitos olhos de desconfiança
recairiam sobre mim. Tento acalmá-la e sigo para o escritório de meu mais
poderoso inimigo.
Sentado em sua cadeira majestosa, o bam bam bam do submundo, me olha
preocupado e penso que esse homem não tem méritos para chefiar coisa alguma,
sua esperteza foi posta à prova por mim e meu maior prazer será zombar da sua
presunção idiota.
Um falso amigo o enganou durante tanto tempo e acabará com todo seu poder e
sua vida feliz, esse será seu preço por ser o filho querido de meu pai.
— Brian! — como previsto sai de sua cadeira e vem a passos rápidos ao meu
socorro. — Você está bem? — segura firme em meus braços e seus olhos aflitos
causam em mim uma imensa satisfação interior.
— Aqui! Pediram para lhe entregar isso! — simulando nervosismo, entrego a ele
a carta de Antonella.
Friamente, ele lê cada linha e vejo seu rosto rijo se fechar ainda mais, a morte de
sua esposa será a maior perda que esse egoísta já teve.
— Querem que eu vá sozinho para buscá-la. — amassa o papel e morde sua mão.
Enzo está muito nervoso, passa a mão pelo rosto e então caminha até sua
escrivaninha e pega sua arma, presumo que você não usará uma bala sequer
dessa sua arma, meu caro.
— É uma armadilha, Enzo! — retruco, sabendo que nada o deterá.
— Sei disso, mas não deixarei minha esposa morrer, preciso salvá-la. — aperta
meu ombro. — Sabe me dizer onde ela está? — balanço a cabeça em afirmativa.
— Você, como meu melhor amigo, iria comigo à procura de minha esposa? —
sorrio timidamente.
— Mas é claro que irei com você e traremos Antonella de volta. — toco seu
antebraço e o aperto.
— Pode contar comigo, Enzo.
— Sabia que poderia contar com você, meu eterno e único amigo. — Enzo me
abraça, beija meu rosto e em seguida, saímos em seu carro para resgatar a sua
família, ou melhor, irá se juntar ao que sobrar dela...

Implacável

Enzo
Com meu autocontrole ligado em potência máxima, saio de meu escritório com
minha mão sobre o ombro de Brian, em um dos bolsos de meu paletó, levo
comigo a carta impressa de Carmênia. Esse ordinário não morrerá sem antes
saber da verdade sobre sua origem.
Para enganá-lo, devo me mostrar o mais impactado possível com a captura de
minha esposa, fazê-lo acreditar que tudo se mantém sob seu controle, me
causando um enorme transtorno.
Meus pés atingem o chão como se não houvesse a gravidade que me mantenha
preso ali, o sangue circula por minhas veias e intoxicado pelo ódio faz com que
meu corpo todo sinta uma tensão que precisa ser terminantemente dissipada
através das atrocidades que pretendo cometer com esse dissimulado.
Brian me enganou por vários anos, me fez crer que a amizade despretensiosa é
possível e sendo quem sou conseguiria ter alguém leal fora do submundo que me
cerca.
Eu me enganei?
Em partes sim, porém nunca fui o típico amigo que fala abertamente sobre sua
vida ao outro, ele sabia muito pouco sobre mim, o suficiente que eu permitia que
soubesse.
O que me espanta é a sua imbecilidade ao achar que possui o sangue dos Ferraro
em suas veias e que foi renegado desde a infância por meu pai, sendo assim,
conviveu com a ideia de exclusão e desenvolveu um complexo irreparável ao ver
de perto o relacionamento entre Victório e eu.
A caminho da garagem, escondo meu olhar através das lentes de meus óculos e
para me proteger do ar gelado do outono visto meu sobretudo. Ao longe, alguns
dos meus seguranças me veem próximo ao meu carro e um deles pergunta se irei
precisar dos seus serviços.
— Não! — digo, conciso. — Fiquem aqui e cuidem da casa! — viro meu
pescoço em direção ao meu covarde inimigo. — Vamos, Brian.
O infeliz, confiante de que estarei sozinho em sua emboscada, faz uma cara
amedrontada para que eu não transgrida a exigência feita na carta de Antonella
que por sinal foi muito bem escrita.
Minha ragazza foi excepcionalmente perfeita, em poucas linhas, ela conseguiu
descrever o interior do local, quantos homens se encontram ali, deixando tudo
imperceptível aos olhos vendados do inimigo.
Quando corri meus olhos por seus sinais subtendidos, quase soquei a cara de
Brian ao saber o que ele tem em mente, senti tanta raiva que o ar desapareceu de
meu peito apertando meus pulmões, quase os esmagando.
Nervoso, mordi meus dedos na ânsia de controlar o meu desespero e selvageria,
em uma última linha, Antonella me acalmou com uma frase que me fez querer
rir. Toda codificada, ela pede que eu mate esse farabutto polaco e corte suas
bolas para fazer um adorno, pois se não o fizer, ela mesma quer ter a honra de
passar a faca de serra nas bolinhas que ele provavelmente deva ter entre suas
pernas.
" Eu o amo e confio em você, meu eterno malvado favorito."
Se despede e com essa frase não só demonstra sua força, como também a certeza
de que eu a salvarei e a retirarei daquele lugar sem nenhum arranhão, abro a
porta de meu carro e Brian não fixa seus olhos em lugar algum, esfrega suas
mãos constantemente uma na outra e em seus joelhos.
Dou uma ré e em alta velocidade atravesso os portões rumo ao cativeiro
improvisado por Brian.
— Agora é com você, meu amigo. — o encaro pelo canto dos olhos. — Para que
direção devo seguir?
Atônito, olha para todos os lados como se sentisse perdido e hesitante me aponta
a direção correta a seguir. A essa hora, meus homens já devem ter chegado ao
local e exterminado um a um dos imbecis que se julgaram aptos a me prejudicar.
Meu celular vibra.
Mesmo disfarçando, agora consigo enxergar o olhar insidioso que Brian lança
[559]

para o meu celular.


Domênico me avisa que Isaiah passa bem. Hospitalizado, a bala que o atingiu de
raspão felizmente não causou maiores danos e essa sorte se deve ao fato de que
no momento do disparo, Isaiah fazia uso de um colete.
Domênico, seguindo à risca todas minhas ordens, enviou mais de quarenta
homens fortemente armados para o esconderijo, onde há oito soldados de Fanesi
mantendo Antonella como refém.
Minha ordem é expressa! Quero todos eliminados!
Solto um suspiro e Brian mais uma vez se adianta tentando ser o mais
convincente e solícito possível.
— Algum problema? — aponta para meu celular.
— Somente notícias não muito boas! — ele vira o rosto para a margem da
rodovia e parece que consigo ver o seu sarcasmo escondido por trás de seus
lábios.
— Na próxima curva, entre à direita.
— Está bem. — assinto com a cabeça.
Piso fundo no acelerador e Brian quer que suas instruções adversas criem um
certo atraso em nosso destino e assim, altere ainda mais o meu sistema nervoso.
O que ele não imagina é que quanto mais demorarmos, melhor será para meus
homens se organizarem entre si e retirarem Antonella de lá. Entramos em um
desvio e sei que estamos quase chegando ao local escolhido por Brian, a estrada
é estreita e alguns carros percorrem a direção contrária cruzando com meu
veículo.
— Entre nesse atalho. — Brian aponta para um trecho ainda mais estreito onde o
mato circunda e encobre uma pequena trilha de pedras soltas no chão.
Reconheço esse lugar, essa área já foi muito usada para acertos de contas entre
Fanesi e um chefe de uma outra organização já desmontada. Poucas árvores ao
longo da estrada balançam seus galhos devido ao lugar plano, onde um forte
vento anuncia mais um dia frio.
— Ali! — mais uns duzentos metros e consigo enxergar um enorme galpão, sem
janelas ele conta com duas portas de metal enferrujado em sua lateral.
Paro o carro e desço rapidamente e Brian faz o mesmo. Sob minhas lentes,
circundo meus olhos fazendo uma varredura pelo local, com tudo pronto, me
sinto seguro e sei que toda minha gente já está a postos. Pelo lado de fora do
galpão três de meus soldados vigiam o galpão.
— Vá na frente, Brian.
—Tem certeza de que entrará usando sua arma?
Se portando como o mais estúpido dos covardes, Brian me quer sem nenhuma
chance de defesa, como se eu não soubesse me defender desarmado. Prendo o ar
em meu peito por míseros segundos e o solto em uma longa lufada de ar.
— Você tem razão, mas... tem certeza de que é aqui? — com minha arma na mão
a guardo dentro do carro juntamente com meus óculos.
— Sim. — se aproxima de meu ouvido e quase sussurra. — É aqui! Aqueles
homens encostados na parede são seguranças.
Os meus seguranças, você quer dizer, seu imbecil!
Ele caminha em minha frente e noto que seu andar se apossa de uma segurança
repentina. Próximo à porta, ele adentra o galpão sem ao menos notar que o
homem de terno preto e óculos escuros não é o mesmo que se encontrava ali
horas atrás. Brian definitivamente não deveria ter se metido comigo, sua
ingenuidade beira a estupidez bruta sem nenhuma lapidação.
Dentro do local há um enorme cômodo sem divisórias. Bem ao fundo, no canto
direito, uma porta em madeira de cor clara nos separa do restante da construção
e suponho que atrás daquela parede era o lugar, onde minha mulher estava
amarrada.
Meu inimigo olha para os lados e um dos homens aponta sua arma e meneia a
cabeça indicando a ele para seguir adiante, entramos em um quarto com uma
pequena vidraça que incide a luz externa e alguns raios de sol.
No meio do aposento, uma mesa coberta por uma toalha azul onde alguns
aparatos cirúrgicos descansam, aguardando o momento certo para serem usados.
Acoplado a eles, consigo distinguir o meu bastão elétrico, é uma pena que
Domênico não esteja aqui para assistir o que pretendo fazer com esse objeto.
Esse ordinário pretendia me dopar, para a seguir torturá-la até a morte e terá o
que chamo de tratamento vip.
— Onde está Antonella, Brian? — ando até a pequena janela para fingir observar
o exterior do local.
Assume uma postura de domínio e acreditando ter todo controle da situação em
seu poder, vejo seu reflexo através do vidro empoeirado vindo em minha direção
com uma seringa na mão, ergue o objeto próximo ao meu pescoço e com um
golpe rápido o impeço de concluir o seu intuito.
— Se eu fosse você não faria isso! — extravasando meu ódio através de meu
olhar, Brian percebe que estou pronto para o nosso acerto final. Continuo
segurando seu braço no ar e a seringa cai ao chão. — Não irá me dizer onde está
Antonella? — pego o injetável e o coloco em meu bolso.
Confuso, olha ao redor e volta seus olhos descontrolados para mim.
— Homens! — grita com um sorriso embutido de satisfação por encontrar
respaldo em mãos que irão me deter. — Homens, depressa! — grita, mais uma
vez transtornado ditando uma ordem que parece não ser acatada.
— Problemas com a criadagem, Brian? — o seguro pelo pescoço e o aperto
ferozmente, o deixando com o rosto avermelhado em busca de ar.
Dois homens cabisbaixos invadem o quarto e Brian se enche de esperança, para
quem sabe, me vencer através de sua covardia.
— Segurem-no! — vocifera, se debatendo sob meus dedos que pressionam sua
carne cada vez mais. — Detenham Enzo Ferraro!
Poderia matá-lo com um simples toque, uma simples manobra em minhas mãos
e a vida desse verme se esvaneceria de seu corpo e mente doentes, todavia isso é
muito pouco para quitar toda a raiva que sinto até o momento.
— Eu o odeio, Enzo Ferraro e é mesmo uma pena não ter acabado com sua
idiota família patriarcal e sua pose arrogante revestida de lealdade!
— Antes de agonizar em minhas mãos, faço questão de descobrir o motivo de
tanto rancor, meu caro!
— Enzo sendo Enzo! Presunçoso, o maioral, o que sempre esteve à frente de
tudo em toda e qualquer situação.
— O mesmo que irá fazê-lo em pedacinhos! — completo.
— Estava muito perto de destruir todo o legado dos Ferraro! — na certa, ele irá
demonstrar todo sentimento negativo mantido por tantos anos.
— E eu estava muito perto de descobrir quem era o imbecil que se achava
esperto para me aniquilar. Acabou, Brian! — ergo seu corpo do chão com uma
única mão, encarando diretamente seus malditos olhos dissimulados. — Sua
falsa amizade chegou ao fim e junto com ela todo seu plano ridículo de vingança
contra minha família esgota hoje!
Os dois homens que permanecem na sala, retiram seus óculos, continuam de
braços cruzados e nesse momento, o idiota reconhece que não se trata dos
mesmos capangas que trabalhavam para ele.
— Não achou que me enganaria trazendo a esse cativeiro e concluiria essa
vingança com sucesso, não é mesmo? Sinceramente, sua inteligência é
considerada muito abaixo da média! — o irrito com esse comentário. —
Antonella usava um rastreador e a essa hora está em casa sã e salva, me conte
como é se achar o esperto e de repente descobrir que foi feito de otário?
— Onde estão os meus homens? — confuso, ele não sabe o que pensar.
— Todos mortos pelo meu pessoal e logo mais você se juntará a eles com todo o
meu prazer. — minha voz sai espremida entre meus dentes e sem ter o que
esperar, o jogo ao chão com toda minha força.
— Não irá me perguntar por Antonella? — chuto suas costelas consecutivas
vezes e o covarde somente se encolhe.
Possesso, o levanto do chão e soco seu estômago. Segurando em seu colarinho,
armo um segundo golpe e o vejo apontar um pequeno bisturi escondido em sua
roupa.
— Ora, o covarde resolveu reagir! — o chamo com as mãos e o objeto cortante
treme em suas mãos. — Venha, tente me cortar com isso!
Quero testar a sua coragem e sentir até onde vai o seu ódio gratuito por mim.
Audacioso, tenta me golpear com a lâmina do bisturi que atinge meu braço
cortando somente o tecido de meu sobretudo.
— Boa tentativa! — olho para o rasgo do tecido e sorrio. — Agora é minha vez,
imbecil!
Avanço para cima dele e desviando de suas tentativas frustradas para me atingir,
golpeio seu nariz, o derrubando ao chão com o rosto sangrando e gemendo de
dor.
— Tinha me esquecido de que você era péssimo nas brigas de escola e sempre
recorria a mim para defendê-lo. — constato, com um gosto amargo por estar
frente a um cara que um dia considerei meu amigo.
A seguir, o puxo do chão, arrancando o bisturi de sua mão e o deposito sobre a
mesa.
— Tragam uma cadeira! — digo com meus olhos atentos em Brian.
Meus homens atendem ao meu pedido de imediato e ainda atordoado, Brian é
posto na cadeira e amarrado junto a ela.
Balança sua cabeça ofegante tentando focar sua visão, o sangue de seu rosto
jorra por suas narinas escorrendo pelo seu pescoço até chegar em sua roupa.
— Não se vanglorie, Enzo! — me olha com uma frieza quase psicótica. — Posso
não ter conseguido todo meu intuito, porém o suicídio de Ágatha induzido pelas
suas próprias fraquezas e por minhas palavras de encorajamento, me levaram a
não desistir de minha vingança. — limpa seu nariz no colarinho de sua camisa e
sorri.
— Está me dizendo que estava por trás da morte de Agatha? — ergue seus
ombros em desdém.
— Não posso me considerar de todo culpado, mas quem imaginaria que aquela
tola carente se mataria pelo simples fato de que o melhor amigo do marido lhe
convenceu de que ela não era suficiente para ele?
Cretino!! Ando até ele e o junto pelos cabelos.
— Sabia que iria me odiar por isso, Enzo e não há nada que possa fazer para
trazer a sua linda Agatha de volta. Na verdade, lhe prestei um favor, Agatha era
péssima para lhe dar uma ninhada de cachorros como você.
Ele espera por mais um golpe meu, mas não quero entrar em seu jogo, percebi
que ele pretende me irritar com suas palavras de desprezo e o seu modo
insensível de se referir aqueles que me têm importância para mim.
— O fato de que ela não era apaixonada por você o levou a fazer isso, Brian? —
não consigo fazer uma correlação com algum sentimento que ele possa ter
nutrido e se transformado em tanto rancor.
— Eu nunca gostei de Agatha, seu italiano soberbo! — os adjetivos
depreciativos começam a dar as caras e saem de sua boca como algo amargo a
ser digerido. Atento às suas palavras, ele continua. — Agatha era somente uma
peça a ser usada para atingi-lo de início e confesso que consolá-lo depois de sua
morte foi muito divertido para mim.
Fecho meus olhos e as lembranças do passado, onde chorei pela perda de minha
ex mulher se repetem e nutrem a minha cólera. Brian se mostrou o melhor amigo
que alguém poderia ter na situação de luto em que me encontrava, me aproximo
e aperto seu ombro em um ponto que o faz encolher seus nervos, tamanha a dor
que está sentindo.
— Vê? Também tenho alguma noção de anatomia e seu bisturi ainda não se faz
necessário aqui! — geme ao sentir meus dedos exercerem mais força. — Claro
que ainda quero muito brincar de médico com você, amiguinho!
Esse monstro traiçoeiro sabia que Agatha se encontrava em uma sugestiva
depressão e usou da confiança e consideração que minha ex esposa tinha por ele
para consequentemente fazê-la acreditar em suas palavras persuasivas que a
levaram ao suicídio. Quero ouvir todo seu desabafo para que ao matá-lo aos
poucos ele saiba o porquê está sofrendo sob minhas mãos.
— E meu pai? — inquiro, tocando em um assunto delicado para ele, já que
acredita ser filho de Victório. — Como seu médico, usava de seu conhecimento
para se vingar? Ou sua vingança espalhafatosa só diz respeito a mim? — retiro
meus dedos de seu ombro e presumindo qual será a resposta, ando até a mesa em
busca de um objeto cortante, um vidro de álcool e algumas faixas de bandagem.
Mais um riso debochado e ele rebate.
— Infelizmente, não pude matar seu pai como tanto gostaria. — encara meu
rosto de queixo erguido. — Alguém o fez antes de mim.
Com muita atenção, recaio meus olhos sobre a lâmina do bisturi e dois passos
adiante fico frente à minha presa.
— Sempre gostei de brincar com facas e outros objetos, mas confesso que estou
muito curioso para saber o quanto isso corta! — giro a lâmina, intrigado.
Acuado, se encolhe todo e bruscamente, enfio a bandagem em sua boca,
deixando o álcool junto aos meus pés.
— Se doer, pode gritar! — sorrio forçadamente e consigo ver sua camiseta
tremular com as fortes batidas de seu coração, corto metade de sua orelha,
fazendo seu sangue esguichar sobre minha luva de couro. Inconformado, balanço
minha cabeça. — Já vi que não levaria o menor jeito para ser um cirurgião
plástico. — debocho, cortando a outra orelha e me viro de costas, enquanto seu
corpo convulsiona de dor.
Deposito o bisturi de volta à mesa e para dar ao meu amigo um tratamento jus à
sua condição de traidor, pego o vidro de álcool e despejo sobre o corte que ainda
jorra sangue. Ele morde o pano e as veias de seu pescoço saltam nervosas,
estreito meus olhos saboreando a sua expressão de dor.
— Me perdoe por fazê-lo sentir esse desconforto, prometo que na próxima
brincadeira iremos com mais calma. — tiro o pano de sua boca e ele tenta
respirar para aliviar a sua dor. — Isso foi por ouvir meu lamento após a morte de
Agatha, você sempre foi um ótimo ouvinte! Amarro a faixa em sua cabeça para
que estancar seu sangue.
Ainda não é hora para deixá-lo padecer e ele se envereda pelo caminho da
provocação.
— Minha maior satisfação era ver o seu pai fraco a cada dia devido ao
tratamento inadequado usado por mim. — sua maldade é algo assustador. — Foi
mesmo muito decepcionante ter que retroceder e tratá-lo com doses exatas de
insulina quando percebi que você tinha matado Pablo e havia capturado
Eurídice, eu não podia deixar que suas suspeitas recaíssem sobre mim.
— E chegaram a acreditar que conseguiriam nos destruir?
— Estávamos perto, sabe disso. Infelizmente, demorei para encontrar um forte
aliado para competir com sua família de igual para igual. — ele se refere a
Fanesi.
— Que bom que nunca me subestimou a tal ponto e sabe de uma coisa? — ele
nada diz, mas me olha interessado.
— Sempre saí na frente quando o assunto é competir com você.
Quero abalar o seu psicológico para depois matá-lo pouco a pouco, sinto que
minha tortura física não será suficiente para que realmente sinta dor. Com isso,
Brian precisa saber que foi sinônimo de um joguete em poder de sua própria
mãe, que o usava como um comparsa ingênuo e cheio de complexos.
— Você não conseguiu matar ao meu pai como tanto sonhou e mesmo sem ter
ainda conhecimento do fato, matei a sua mãe de uma forma muito inusitada.
Não consigo descrever o prazer que senti ao ver seu olhar de desentendimento
total, ou seja, Brian não tem conhecimento de quem é a sua mãe biológica.
— Que bobagem é essa?
Limpo minhas mãos enluvadas em um pano qualquer sobre e mesa e pego a
carta de Carmênia a depositando em seu colo.
— Quero que leia atentamente cada linha dessa carta e saiba que ao terminar se
sentirá um nada, um ninguém ainda mais sem valor, um ser complacente de toda
pena, pela miserável vida que sempre levou. Foi um ser rejeitado e enganado por
todo tempo em que viveu nessa terra.
Seus olhos pairam diretamente na assinatura da remetente e sua expressão não se
modifica em nada. Como eu pensava, Brian também não tinha conhecimento
algum sobre quem era Carmênia e deduzo que o responsável por sua morte seja
Nicolò Caputti a mando de Fanesi.
Brian amassa o papel e seu rosto que ainda mantinha alguma cor agora se
assemelha a um pálido e triste cadáver.
— Eurídice, minha mãe?
— Não se preocupe, sempre soube guardar segredos! Não contei a ninguém que
ela o achava um idiota e o usou durante anos.
Brian, por alguns instantes nada diz, o impacto que essa carta teve sobre ele fez
com que sua reação fosse a mais impassível e menos esperada por mim.
— Victório não era o meu pai? — seus olhos parecem perdidos no nada, pois ele
deve ter se dado conta de que durante toda a sua vida premeditou uma vingança
sem nenhum fundamento plausível e justificável.
— Não. — digo sem hesitar. — Em sua veia nunca correu o sangue de meu pai e
sinto muito por não ter descoberto essa verdade muito antes. — dou a volta em
torno de sua cadeira. — Teria lhe matado há mais tempo e não me culparia por
ter acreditado em você como um amigo desinteressado e fiel.
— Não sou filho de Victório. — repete a frase sem nenhuma emoção na voz. —
Eurídice era minha mãe e nunca me disse nada! Eu o via com o senhor Victório e
queria muito poder ser abraçado e beijado daquela forma. — ele vagueia em seus
pensamentos e o deixo falar. — Queria apenas que ele reconhecesse que eu
também era seu filho. — seus pulsos se fecham. — Cada dia de minha vida me
dediquei a acabar com a alegria de vocês e quando consegui montar uma equipe
que fizesse jus a minha vingança, iniciei meu plano.
— Pois é, meu querido amigo da onça! Agora que já sabe o trouxa que foi
durante todos esses anos, chegou a hora de acertamos cada centavo de sua fúria
sem cabimento.
Faz uma cara caricata e muda de assunto como se a descoberta sobre seu passado
despertasse em seu interior algo ainda mais perverso.
— Eu mesmo matei Ignácio! — diz, sentindo prazer em me narrar tal fatalidade.
— Cortei seu pescoço o encarando e afirmando que acabaria com o seu padrinho
e irmão postiço. Depois mandei a foto para você! — seu riso cínico me enoja.
— Seu desgraçado!
— Matei seu melhor amigo! — ri, descontrolado. — E se não tivesse descoberto
meu intuito, a essa hora teria mostrado à sua mulherzinha puttana o que é um
homem de verdade! — esse comentário alavanca em meu interior um
descontrole possesso.
— Maurizzo! — chamo um dos homens que assiste a minha conversa com
Brian. — O coloque de quatro no chão e abaixe as suas calças, arregala seus
olhos, prevendo o que se seguirá.
— Não precisa ficar excitado e achar que alguém nessa sala irá comer seu
traseiro branco!
Ele é posto de quatro e muito calmamente ando até a janela e no chão há um
cabo de vassoura acenando para mim, o junto em minhas mãos, girando sem
tirar meus olhos do infeliz à minha frente.
— Enzo, me mate de uma vez!
— Que isso? Não somos mais amigos? — bato com o cabo em suas costas. —
Estou lhe dando uma morte lenta e cheia de sensações novas. Não pretendia
estuprar minha esposa em minha presença? Então! Vamos brincar um pouco e
quem sabe não acaba gostando de sentir um cabo de vassoura no traseiro. —
seus gritos ao ser violado são abafados por Maurizzo que tapa sua boca com
pano.
Sem piedade, o castigo até arrancar sangue de seu rabo, ordeno que o sentem
com as calças arriadas e todo destruído, ele não consegue me encarar como
antes.
— Sabe o que mais me revolta ao olhar para você? — falo próximo ao seu
ouvido. — Nasceu um nada e morrerá sendo um ninguém! — minha voz se
exalta. — Ingrato com a família que o adotou e deu a você uma oportunidade,
um nome e todas as condições para ter uma vida diferente da que teria em um
orfanato.
— Pode ser. — atesta, infeliz. — Até os meus dez anos eu me sentia feliz com o
que tinha, porém quando pressionei meus pais e eles me contaram o que sabiam
sobre meus pais biológicos, aquelas informações entraram em minha cabeça e
não consegui conviver com o fato de que meus pais me abandonaram e um dia o
destino me colocou frente a um filho de Victório.
— Isso será mais uma página virada em nossa família. Temos muita facilidade
de esquecer o que não nos atinge, caro mio! — olho em meu relógio. — Não
tenho o dia todo para acabar com sua raça vira-lata.
Retiro a seringa do meu bolso e retiro a tampa que protege a agulha, sob as
cordas que o imobilizam, aplico metade do líquido em seu braço esperando o
efeito desejado.
Não o quero totalmente anestesiado para o que tenho em mente, ele não sentirá a
dor, mas a suportará até o fim.
Corto um a um os dedos das suas mãos, depois sem seus sapatos, é a vez dos
dedos dos pés e a cada desmaio peço aos meus homens que o acordem com água
fria e um choque elétrico para mantê-lo atento. Seminu, sangrando e mais uma
vez implorando por uma morte rápida, Brian lança uma frase que me intriga
muito.
— A falsidade faz morada nos lugares mais improváveis, Enzo! — cospe no
chão e me pede água.
Estaria ele entregando mais alguém que o ajudou nesse plano?
— Pergunte à sua amada esposa se ela não concorda com o que acabei de dizer?
— Quer delatar mais algum cúmplice antes de morrer, Brian?
— Diga para sua esposa que nem tudo é força do acaso e que Pablo sabia de sua
existência muito antes dela desembarcar em Nova Iorque.
— Já que não lhe resta mais nada, por que não conta tudo o que sabe de uma
vez?
— Sempre tive secretárias muito eficientes. — destila veneno nas palavras. —
Virgínia, a amiga de Antonella, trabalhou comigo anos atrás.
— Virgínia sabia do plano?
— Não exatamente! Tínhamos uma relação patrão e empregada e por um tempo
fomos amantes e um dia em minha casa, mostrei algumas fotos num álbum
qualquer. — com dificuldade em respirar, prossegue. — Passou algum tempo e
ela pediu a conta, um belo dia nos encontramos em um restaurante e ela me
contou que tinha uma amiga que se parecia muito com a mulher que ela tinha
visto nas fotos em meu álbum. — suando frio, continua. — E por coincidência
ela estava vindo para Nova Iorque e ficaria hospedada em sua casa.
Virgínia, a amiga de Antonella envolvida nessa loucura!
— Como ela era muito ambiciosa, não precisei de muito esforço para lhe
explicar o que tinha em mente. Na época, pedi que mantivesse segredo sobre a
minha identidade quando por acaso nos encontrássemos, ela sempre foi muito
discreta e ganhou uma boa grana por isso.
Antonella terá uma decepção com a amiga assim como tive com Brian, estamos
bem de amigos, como diz Donatella.
— Obrigado, por ser tão camarada, Brian! Antonella saberá o tipo de amiga que
tinha ao seu lado, porém antes de mais nada, tenho que lhe dar uma notícia que
talvez o deixe muito triste. — deposito o bisturi em sua barriga, abaixo do
umbigo, forçando a lâmina em sua pele, digo. — Victorio Ferraro não morreu
naquele acidente e infelizmente você não poderá matá-lo como tanto gostaria.
Abro seu abdômen em uma transversal expondo suas vísceras por completo.
— Adeus, Brian! — ainda vivo pela anestesia que não o deixa sucumbir de dor,
encara meu rosto com ódio e inveja mortais. Com os olhos cerrados, enfio a
mão dentro de seu abdômen aberto e arranco seu intestino em minha
mão. Desfalecido e com poucos batimentos cardíacos é a vez de seu pênis ser
cortado e logo mais colocado em sua boca.
Encarando seu rosto, aguardo pacientemente o seu último respirar e ele fecha
seus olhos para sempre, levando consigo todo rancor e quero acreditar que com o
seu fim, se inicia a minha paz. A minha amizade foi sepultada junto dele e não
tenho remorsos por ter sido sempre sincero com ele.
Uma pena que tudo tenha acabado assim!
— Peguem o corpo, embalem e aguardem até segunda ordem sobre o que fazer
com ele.
— Sim, senhor Ferraro. — ligo para casa e Antonella é quem atende.
— Enzo. — sua voz preocupada e eufórica me fazem fechar os olhos e agradecer
por ela estar viva. — Você está bem?
— Agora, bem melhor! Estou indo para casa e então lhe conto as novidades. —
em meu carro, olhando no retrovisor, limpo as manchas de sangue em meu rosto
e colocando meus óculos sigo para casa.
No caminho, ligo para Domênico e pergunto se meu pai já está instalado e
seguro, ele afirma que sim e encerro a ligação.
Na rodovia, planejo algo especial para Fanesi e para a traidora da Virgínia.
Amiga da onça

Antonella
Momentos atrás...
Imobilizada sobre o chão frio e úmido de uns dos compartimentos do galpão,
sou surpreendida por uma gritaria em tons de vozes masculinas cada vez mais
intensa, madeiras e vidraças sendo quebradas, enquanto vários disparos de armas
de fogo fizeram com que, ao final do duelo, oito corpos permanecessem
estirados no piso sujo junto com uma grande poça de sangue, determinando ali o
fim da linha para cada um. Logo depois, incontáveis soldados da família Ferraro
invadiram a pequena sala onde eu me encontrava amordaçada e sob as ordens de
Domênico, fui escoltada e levada de volta para casa sem nenhum arranhão.
Fabrízio, que se manteve atento ao volante, acabou por quebrar suas regras de
sua conduta demonstrando através do espelho retrovisor a sua alegria ao me ver
sã e salva.
Antes mesmo que eu questionasse a Domênico sobre o destino de Isaiah, o
mafioso com seus óculos escuros, me assegurou de que ele passava muito bem e
que não foi dessa vez que Enzo se veria livre de seu futuro cunhado. Domênico
sempre fez de seus gracejos a sua marca e talvez essa seja uma qualidade que fez
com que Enzo o escolhesse para trabalharem juntos e com seu humor, às vezes
descabido, amenizasse os momentos mais tensos.
Percebendo a minha inquietação e tudo o que dela provem, fez com que uma
risada ainda temerosa por se expandir saísse tímida pelo canto de meus lábios.
Nesse momento, meus pensamentos eram um só...
Onde e o que Enzo estaria fazendo?
Será que fui clara o bastante ao transmitir através dos sinais ensinados por ele
tudo o que estava se passando?
Olhando a estrada e próximo ao lugar onde fomos rendidos, tento controlar o
sentimento de decepção e revolta que se apossou dentro de mim, se minha ira é
grande em relação a Brian, imagine a vazão dos sombrios sentimentos de Enzo
em relação ao amigo.
Um homem que passou quase toda a sua vida fingindo ser o amigo perfeito e
leal, aquele que se fez parceiro e dividiu as dores e sofrimentos que porventura
Enzo tenha passado com a morte de Agatha.
Brian cruzou uma fronteira muito perigosa onde cada passo adiante determinou
o seu curso rumo ao fadado fracasso, todas as suas intenções foram registradas e
contabilizadas dentro da mente de Enzo e no exato momento em que ele colocar
suas mãos naquele falso ordinário, Brian irá sentir o amargo gosto por ser um
traidor.
Ele sempre permaneceu escondido atrás de uma máscara bem talhada de
bondade, seriedade e doçura e munido dessas facetas usou de todas as suas
poucas habilidades para acabar com Enzo por inveja e mera crença de que foi
injustamente colocado de lado, sua vingança infundada, porém hostil e perigosa
colocou em perigo pessoas que nada tinham a ver com o seu rancor por um
abandono paterno irreal e sem nenhuma conexão com a verdade.
Fico triste por meu marido, pois o conheço por dentro como poucos e mesmo
não demonstrando seu ressentimento e fazendo bom uso de sua carcaça fria e
indestrutível, tenho a certeza de que lá no fundo uma dor pungente o aflige. São
dois homens se debatendo em um só, de um lado, aquele que busca vingança a
qualquer custo e que nivela a vida a menos que nada e do outro lado, que
lamenta profundamente por ter que acabar uma amizade dessa forma tão
incompreensível.
O carro entra na garagem e toda a nossa família estava no jardim à minha espera,
tia Martina foi a primeira a chegar até mim, seguida por Clara com seu olhar
lacrimejante, ainda inocente sobre a cruel verdade que recairá sobre ela.
Brian a usou e manipulou a sua ingenuidade da maneira mais sórdida e cruel que
alguém poderia imaginar, Clara está apaixonada por algo substrato e não há nada
mais dolorido para mim do que ter que dizer isso a ela.
Em seguida, é a vez de Adele e Donatella se aproximarem com a expressão de
alívio impregnada em seus rostos abatidos, elas me abraçam simultaneamente e
se certificam de que estou mesmo bem e se nada de mais grave ocorreu comigo e
com meu bebê, enquanto estive no cativeiro. Receosa e ao mesmo tempo sagaz,
minha sogra é a primeira a me perguntar sobre quem estava no cativeiro quando
ele foi invadido pelos homens de Enzo, é mais do que evidente que nenhuma
delas sabe quem é o verdadeiro causador e culpado por esse sequestro.
Adentramos a porta principal e a minha mão se mantém entrelaçada com a de
Clara, não consigo soltar de seus dedos e sei que essa minha atitude ressoa como
antecipada proteção. Quero ser o seu amparo se acaso cair, sentindo que o
mundo ruiu sob seus pés. Preciso estar ao seu lado para confortar sua tristeza
manchada de decepção, enxugando as lágrimas que serão derramadas dos seus
olhos que andava tão sorrateiros devido a descoberta de sua paixão.
Sua primeira paixão...
Se eu tivesse dúvidas de que Enzo mataria aquele farabutto, eu mesma acabaria
com sua mísera vida sem nenhuma piedade.
Passados alguns minutos, pedi a Clara uma conversa em particular e seguindo o
caminho da biblioteca, nos sentamos frente a frente e esfregando as mãos de
modo impaciente, procurei a melhor forma de abordar o assunto sem machucá-la
demais.
Quando minhas palavras a alcançaram e fizeram sentido ao meu relato nervoso,
os olhos de Clara foram encobertos por lágrimas e de sua boca somente um
sorriso morno e sem graça.
—Vuoi dire, per tutto questo tempo, Brian era il nemico di Enzo? [560]

— Si, sorella mia. [561]

Minhas palavras saem quase sem ânimo.


— Quei fiori e biglietti di auguri ricevuti ogni mattina erano solo una parte
della vendetta? Non sono abbastanza attraente da attirare l'attenzione di un
[562]

uomo, Antonella? — busco sua mão e seus dedos correspondem de imediato,


[563]

juntando-se aos meus.


— Brian... — ela parece em choque e inteligentemente percebe o que estou
tentando dizer. Disfarça a sua amargura, revirando seus olhos ao teto.
— Intendi dire che tutto questo delicato approccio e parole di affetto sono stati
simulati?[564]

Não consigo ao menos usar o monossílabo "sim" para responder a sua pergunta,
do contrário, balanço minha cabeça em um movimento afirmativo. Subitamente,
escapa de meus dedos e em pé mantém seu corpo de costas observando o jardim
através da janela.
— Sono un tale disgraziato? [565]

— Sei bellissima, Clara, e non permettere mai a nessuno di dire altrimenti! —


[566]

consternada, ela se volta para mim com lágrimas a escorrer pelo seu rosto.
— Brian partnership essere così diversi. — esfrega as mãos em seus braços
[567]

encolhidos.
— Ci siamo sentiti tutti uguali qui, mia cara! — tento alcançar seu rosto e
[568]

enxugar suas lágrimas, porém ela me impede e com as suas mãos limpa seu rosto
molhado.
— Lui non mi amava. — encosta seu corpo contra a janela e ao derramar seu
[569]

pranto reflete toda sua dor em mim.


— Clara, guardami. — falo, mansamente e ela me atende. — Brian non era
[570]

capace di amare nessuno, perché lui stesso non amava se stesso! Qualsiasi
donna sarebbe insufficiente per un cuore affetto da odio come il suo.
[571]

Algum tempo depois deitada em meu ombro e após extravasar todo seu pranto,
Clara respira fundo e ouve toda a história sobre Brian e sua fatídica vingança.
Forte como poucas, ela me promete que irá esquecer esse episódio infeliz,
deixando que esse borrão cinza e sem vida será apagado de sua mente e cores
novas virão e então, uma nova vida mais colorida será desenhada.
A abraço junto a mim e ali ficamos por algum tempo relembrando coisas do
tempo em que ela era apenas uma menina na Itália. Minha irmã se reerguerá,
sem dúvidas e deixará que essa página de sua vida seja arrancada para sempre.
Mais calma, voltamos para a sala onde, enfim, pude contar a todas o que
realmente aconteceu, ninguém fez muitas perguntas e em suas faces era possível
enxergar claramente o impacto de minha revelação. Adele foi a que mais deixou
transparecer seu desapontamento com aquele que ela considerava um filho.
Letízia e Pietro chegam correndo e se jogam em meu colo, felizes por verem que
sua tia está viva e em casa, claro que as crianças serão poupadas de algumas
verdades e com o tempo, quando a maturidade chegar a realidade dos fatos se
fará necessária para que eles entendam então o que se passou na ocasião.
As horas se arrastam e nenhuma notícia de Enzo e o mais engraçado é que
dentro de mim corre a certeza de que meu marido não corre nenhum risco, a
minha inquietude se faz pelo fato de que o seu interior é que pode sofrer danos e
por menores que sejam as consequências, Enzo não é feito de pedra e essa
amizade que até há pouco tempo era importante para ele, se desfaz como algo
sem importância.
Em meu quarto, caminho para o banheiro e embaixo da água quente que alivia
os músculos do meu corpo, me sinto aliviada porque sei que tudo acabou.
Poderemos desfrutar de um pouco de paz sem termos que procurar, investigar e
nos cercar em uma redoma invisível, para nos proteger de alguém que iria nos
destruir. Com a toalha em mãos, em frente ao espelho, seco meus cabelos no
mesmo instante em que meus olhos não saem de meu celular sobre a bancada da
pia.
Ansiosa, ando até a cama e sentada no colchão, respiro fundo tentando acalmar
meus nervos, de repente a maçaneta da porta se dobra e a figura cansada de Enzo
surge diante de mim, fecha a porta bem devagar e ao virar seu rosto em minha
direção, arranca seus óculos e me deixa ver o que havia por detrás das lentes.
Corro até ele me jogando em seus braços e meu maior desejo é dissipar a tristeza
estampada em seus olhos azuis, agora opacos.
— Antonella! — o som de sua voz transmite alívio por me ver ali diante de si
com vida. — Não suportaria se algo lhe acontecesse. — seus braços rodeiam
meu corpo e aquela sensação de segurança me preenche por inteira, minhas
mãos apertam forte as suas costas e a seguir as deposito em seu rosto abatido.
— Enzo... estou bem. — me corrijo. — Estamos todos bem.
Meus dedos deslizam sobre os vincos profundos ao lado de sua boca, consigo
absorver todo o pesar de ter sido traído por alguém que morava em um lugar
especial em seu coração. Em suas roupas pretas há manchas vermelhas de
sangue por toda parte..., o sangue de Brian.
— Acabou. — digo encostando minha testa na sua.
Com o cenho enrugado, sua boca toca meus lábios e roça por todo meu rosto.
— O importante é que estão aqui e consegui cumprir minha promessa de que
ninguém faria mal a vocês.
— Se não fosse a sua astúcia, não sei o... — seu indicador cobre meus lábios me
impedindo de falar.
— Shhhh... não falemos mais sobre isso.
Enzo toma meus lábios com avidez e ao mesmo tempo, com uma sensação
angustiante, esmaga minha boca numa uma ânsia voraz e esse sentimento
comprova que meu marido quer ter a certeza de que minha presença nesse quarto
não é nenhuma projeção de sua mente, em minha boca encontra um porto para
atracar sua mágoa e revolta por ter sido enganado.
Quando se afasta ofegante, sinto que há algo que ainda o incomoda e como esse
momento exige calma e sabedoria, darei a ele o tempo que achar necessário para
me dizer o paira no ar.
— Preciso de um banho. — olha para seu estado lastimável e nada condizente
com seu porte elegante. Sorrio, tocando uma mecha de cabelos caído em sua
testa.
— Espere aqui!
A céleres passos, chego ao banheiro e me abaixo para abrir o registo da banheira,
régulo a temperatura da água e nela jogo alguns sais de banho que farão bem aos
músculos tensos e a todo corpo de meu marido. Volto para o quarto e o flagro de
costas se despindo bem devagar.
— Seu banho está pronto.
— Assim, acabarei me acostumando muito mal, mia ragazza.
Toco suas costas, o abraçando por trás e meus dedos alisam os pelos macios de
seu tórax.
— Não me importaria nem um pouco com isso. — minha boca beija sua pele
morna como se absorvesse a dor de alguma ferida aberta.
Calmo e delicadamente, vira seu corpo e me encara com seu rosto ainda nas
sombras, sempre soube que esse inimigo poderia abalar as estruturas de Enzo e
ao se dar conta de que poderia ser alguma pessoa muito próxima, ele se armou
de muitos artífices na intenção de pegar o responsável...
Deu certo, porém ele não se protegeu da invasiva e inesperada dor da traição de
uma falsa amizade.
Nu, entra na água morna, enquanto seus braços se mantêm retirados na borda da
banheira, pende sua cabeça para trás e meus olhos observam o engolir em seco
que movimenta seu pomo-de-adão quando ele fecha seus olhos.
— Pode pegar uma dose de uísque para mim? — o encaro com olhos estreitos.
— Não acha melhor comer algo antes de beber com estômago vazio? —
impaciente, estica seu braço e eleva sua mão até seus cabelos.
— Antonella, por favor! — ainda assim, continua com os olhos fechados.
— Está bem. — respondo sem mais questionar seu pedido e em instantes, volto
com sua dose dupla de uísque sem gelo.
— Obrigado. — segura o copo e o leva à sua boca, sorvendo um grande gole. —
Ahhh, estava precisando disso! — me sento na borda da banheira e de braços
cruzados, encaro seus olhos agora bem abertos a olhar para mim.
— Agora que tudo se resolveu, quer falar sobre o que houve? — demora a me
responder e isso me causa ainda mais irritabilidade, afinal estou aqui para dividir
com ele os seus problemas e tentar ajudá-lo da melhor forma.
— Não. — bebe mais um gole deixando o copo quase vazio. — Ainda é muito
cedo para dizer que acabou! — diz, taxativo. — Ainda tenho contas a acertar
com Fanesi e seu testa de ferro Nicolò.
— Tudo bem. — ergo meus braços em sinal de desistência. — Não quero
obrigá-lo a falar sobre algo que não quer. — bato as mãos em minhas pernas e
tento me levantar da banheira, quando seus dedos agarram meu antebraço.
Resumidamente, sem ater-se aos detalhes, me conta como acabou tirando a vida
de seu único amigo.
— Fique aqui comigo. — diz ao término de suas poucas revelações. Uma frase
curta, objetiva e pronunciada num tom imperativo que reflete quase tudo o que
ele está sentindo. Seu ressentimento quer se manter escondido, mas seu interior
precisa de amparo para superar tudo pelo que ele passou.
Antes de qualquer protesto, Enzo me puxa para a banheira, nessa hora, meu
roupão fica encharcado e gruda em meu corpo.
Devagar, segura minha nuca com sua mão esquerda enquanto a direita, escala
meu pescoço numa trilha descendente e tortuosa.
Seus olhos não reluzem desejo e sim, a tênue felicidade de me ter junto dele. Ao
espalmar sua mão em meu ventre, solta um pesado suspiro retirando meu roupão
molhado.
— Meu filho. — continua com o olhar fixo em minha barriga. — Nenhum ser
vivente ousará tocar em vocês sem antes conhecer a minha ira. — acrescenta. —
Mato quem por acaso tentar me separar de vocês.
Deposito minha mão em seu rosto e ele fecha os olhos, aproveito e afago seus
cabelos numa carícia que o faz gemer quase em um suspiro rouco de necessidade
e satisfação. Aqui e agora, ele se despe por inteiro confiando e revelando a mim
a condição frágil de um homem respeitado e temido.
Enzo e eu não queremos sexo, estamos em busca de uma cumplicidade acoplada
ao carinho que temos um pelo outro.
— Você parece que consegue me ler por dentro, ragazza!
Trilho pelo seu bíceps um caminho sinuoso com a ponta de meus dedos,
acariciando de leve a sua pele e ao chegar em seu antebraço, faço o caminho
inverso até seu pescoço.
— Talvez, seja porque eu o tenha lido página por página desde que te conheci.
— sorrio abertamente.
Alcanço o frasco de sabonete líquido e o espalho em minhas mãos, lavando seu
peito, massageando seu pescoço e ombros retesados como ferro. Com a mão em
concha, enxáguo seu peito e lenta e delicadamente minha boca beija seus lábios,
em resposta, seu corpo se comprime ao meu e o roçar deliberado de seu tórax em
meus seios faz minha pele se arrepiar toda exigindo atenção. Ainda deslizando
minhas mãos em seu corpo, aperto suas coxas, usando minhas unhas como se
quisesse marcá-lo como meu.
Procura minha boca e nesse momento, aquele sentimento desesperador se
esvanece para dar lugar a um beijo recheado de carinho.
— Me diga o que ainda o aflige. — mordo de leve seu queixo ao me afastar de
sua boca.
— Ainda não lhe parabenizei pela carta que me enviou. — refreio minhas
palavras, pois me sinto tentada a perguntar se meu pedido subentendido foi acaso
acatado.
— Aprendi com o melhor. — distribuo mais beijos em seu maxilar ainda tenso.
Pega novamente o seu copo e o esvazia por completo.
— Preciso lhe contar algo e temo pela sua reação. — seu hálito maltado chega
até meu olfato como uma brisa quente.
— Nunca irá saber se não me contar. — segura meu queixo entre seus dedos e
seus olhos azuis envoltos por suas sobrancelhas cerradamente bem feitas me
encaram sérios.
— Bem, antes de lhe contar o que descobri, quero que me prometa que não irá se
envolver no assunto, afinal está grávida e não aceito colocá-los em risco.
Solto o ar pela boca e não consigo imaginar qual a novidade que Enzo possa ter
descoberto que eu ainda não tenha conhecimento.
— Pablo não se aproximou de você por coincidência.
— Não? — arqueio minhas sobrancelhas, praticamente embasbacada.
— Não, ele sabia da sua chegada a Nova Iorque e toda a sua situação à procura
de dinheiro. — chacoalho minha cabeça, tentando localizar algum ponto que
interligue esse fato ao que há de concreto.
— Mas como ele sabia? — cauteloso, Enzo relata passo a passo o que ouviu da
boca de seu inimigo recalcado.
O som de suas palavras parece que perderam a conexão e não chegam ao meu
ouvido como algo que tenha sentido.
— Virgínia? Mia amica Virgínia? — minha voz sai sôfrega e entrecortada.
Paro em choque por perceber que Enzo e eu temos mais coisas em comum do
que imaginamos, um filme se passa em minha cabeça e muitas frases soltas ditas
por ela, acabam se encaixando em tudo o que acabo de saber.
— Antonella? — me chama, na tentativa de me despertar de meu devaneio.
— Sì. — minha boca tremula e não sei o que dizer devido ao que acabei de
descobrir. — Também tenho uma amiga da onça.
— Não queria magoar você, mas é minha obrigação dizer a verdade e não ficaria
em paz se a mantivesse fora disso.
— O que vai fazer? — inquiro, com meu sangue a ferver em minhas veias
pulsantes.
— Ela terá o que merece! — com seu rosto nivelado ao meu, afasta uma mecha
de meu cabelo de meu rosto. — Ainda hoje, logo após o funeral de Ignácio!
— Nem pense em me deixar de fora desse assunto!
— Não ouviu o que eu disse anteriormente? — exasperado, seus dedos cravam
em minha cintura. — Jamais a envolverei nesse assunto, mia ragazza!
— Se recordar bem a nossa conversa, verá que não lhe prometi nada e faço
questão de cuidar de Virgínia.
— Você está grávida, não pode sair por aí buscando acertos de conta como uma
mafiosa. — enlaço meus braços ao redor de seu pescoço e roço meu nariz ao
seu.
— Nem Deus me convenceria do contrário nesse momento e você não iria negar
um desejo de sua mulher gestante, iria? — um meio sorriso perverso surge no
canto esquerdo de seus lábios e sinto que meu desejo será satisfeito.
Mais tarde, durante a cerimônia do funeral de Ignácio, Enzo permaneceu calado
durante todo o tempo e antes que o caixão entrasse no forno crematório, pude
ver meu marido próximo ao caixão, ele tocou o rosto do amigo e disse algumas
baixas palavras murmuradas como uma despedida sem retorno. Pelo canto de
seus olhos pude ver que seus olhos estavam embaçados, porém bastou que ele
aspirasse forte o ar, enquanto seus maxilares se comprimiam e a lágrima intrusa
que embora quisesse cair de seu rosto, foi impedida por sua força.
Saímos do crematório ainda em silêncio e no caminho, ele me aconchega em seu
corpo e beija minha testa. Dessa vez, Domênico é nosso motorista.
— Quer mesmo me ajudar com Virgínia? — com a mão em seu peito, afasto
meu corpo e o encaro.
— Nem imagina o quanto! — animada, rebato. -— Vai mesmo me deixar
ajudar? — retorce seu pescoço e sorri maldosamente.
— Na alegria e na doença... e em nosso caso, o padre se esqueceu de acrescentar
os muitos acertos de conta de um contraventor. — devolvo o sorriso e disparo.
— O que eu tenho que fazer? — toca meu rosto e no caminho da casa de
Virgínia me explica em detalhes o que preciso fazer para atrair a minha bela
amiga para uma emboscada.
Não vejo a hora encher aquelas bochechas de tapas até inchar ou não me chamo
Antonella Ferraro!!
A um passo da tranquilidade
Antonella
Por insignificantes segundos, uma pesada questão de consciência toma conta de
meu interior e ao apresentar essa postura a Enzo, temo que ele não acatará meu
pedido. Pode até parecer estranho e impensável que minha conduta não esteja
em concordância com o que acontecerá a seguir, mas não consigo aceitar a ideia
de que Virgínia seja assassinada a sangue frio. A meu ver, ela merece uma lição
que demonstre que seus pés tocaram em solo perigoso e que essa sua atitude
terá graves consequências. Mas pagar com a vida?
Sei tanto quanto qualquer pessoa que na máfia, o traidor não tem outro destino
que não a morte e conhecendo, em partes, esse submundo, meu marido jamais
deixará que Virgínia siga seu destino com vida e o pior, não posso simplesmente
lhe dizer que repense em sua decisão colocando a minha vontade sobre a sua. Há
critérios baseados em leis que regem a organização na qual Enzo lidera e isso
seria imposição e não posso invadir um espaço que não é de meu domínio.
Antes de qualquer coisa, gostaria de que ela me contasse quais as razões que a
levaram a tomar esse caminho, eu a conheço há algum tempo e numa época
quando me senti desolada com a morte de meus pais, ela foi imprescindível me
dando todo apoio que uma leal amiga poderia dar.
Um lado meu não quer acreditar que isso tudo foi tão simples para ela e outro
lado, mais sombrio e experiente, acredita que mesmo sendo levada por seja qual
for o seu motivo, sua falsidade é fato, não há como negar o seu envolvimento
nessa trama toda, aliás, tudo começou quando entrei na mansão Ferraro
indiretamente com a sua ajuda. Será que em nenhum momento, ela parou para
pensar e analisou o que estava fazendo? A bomba destinada à Letízia e o meu
próprio atentado foram acontecimentos que marcaram a mim de uma maneira
indescritível, o fato é que meus olhos parecem ainda cobertos pela enorme
vontade de que tudo isso não passe de um equívoco muito grande, todavia isso
está fora de cogitação.
Na escala de falsas amizades, Brian ainda está no topo liderando sua posição,
porém mesmo que atuação de Virginia tenha sido pequena, isso não a exime de
assumir um lugar ao pódio pelas consequências inevitáveis ao ajudar Brian nessa
vingança.
Em nenhum momento, poderia imaginar que ela estava envolvida dessa forma.
Mas até que ponto? No dia de meu casamento, em determinada ocasião, sua
pergunta sobre o destino de minha lua de mel me pareceu uma questão
corriqueira e inofensiva e agora, analisando fria e calmamente, isso me faz crer
que aquela pergunta não era mera curiosidade.
Lá fora, o ar gelado acompanhado de um sol tímido, que não aquece, faz com
que as pessoas circulem pelas ruas com seus corpos retesados e algumas andem
de braços cruzados, em seus rostos as expressões denotam que esse dia não vai
bem e a esperança de que melhore é mínima. Talvez, seja a impressão que eu
tenha de mim mesma e ela se reflete nos estranhos lá fora
Trafegando pelas ruas de Manhattan, Enzo mantém seu olhar fleumático e
absorto através da janela do carro, muitas vezes, ele se deixa transparecer e é
nessa ocasião que consigo entender o que se passa com ele, já em outros
momentos, como agora, é praticamente impossível invadir sua mente e
desvendar parte do que ela contém, do nada, solta um suspiro e resolve quebrar o
silêncio que parecia eterno dentro do veículo.
— Depois que Virgínia estiver no local, quero que vá para casa e me espere lá.
— Enzo, eu... — antes que qualquer protesto saia pela minha boca, ele estreita
seus lábios e me encara de uma maneira fria.
— Não pense que meus atos me agradam, Antonella, porém há momentos em
que a escolha mesmo sendo dura pode amenizar qualquer consequência. —
adivinhando meus pensamentos, conclui. — Se eu não punir um traidor, tomo o
lugar dele, não entende?
— Não pode pensar melhor e ao menos decidir um outro tipo de castigo para ela?
— me segura, deitando meu rosto em seu ombro.
— Há certos castigos em que a dor e o peso em suportá-los é tão grande que
muitos desejam a morte como alívio.
No fundo de meu peito, uma dor se instala sem querer e por um instante, gostaria
de poder mudar o rumo das coisas.
— Quantos ainda irão morrer? — meus olhos não disfarçam a sombria angústia
que me dilacera.
Suas mãos juntam meu rosto e o azul intenso de seus olhos se fixam nos meus
trazendo alívio para o que sinto.
— Vai torturá-la como fez com Pablo? — pode passar mil anos e ainda me
lembrarei do que Enzo é capaz quando o assunto é se vingar daqueles que
cruzaram seu caminho. — antes de responder, respira fundo.
— Não, eu lhe prometo que ela não será torturada.
— Não há como mudar de ideia? — falo com a voz trêmula. — Nunca retrocedeu
antes? — mais lágrimas caem de meu rosto e não há nada que eu possa fazer para
mudar a sua decisão final. Sem mover um só músculo de seu rosto, rebate.
— Antonella, eu a amo muito e acredito que saiba da intensidade de meus
sentimentos por você, mas não queira se posicionar nesse assunto. — passa seu
polegar em minha face e sua fisionomia finalmente se suaviza. — Querendo ou
não, tenho que mostrar o porquê sou quem eu sou!
— Eu sei, me casei sabendo o que era e o tudo o que você representa.
— Minha parte boa é o que sinto por você e por aqueles a quem amo e não pense
que foi fácil me despedir de Ignácio. — toca meus lábios bem devagar. — Ele era
realmente o meu amigo e provou isso até seu último momento. — devolvo sua
carícia e ele encosta sua testa na minha.
— Eu o amo e entendo o que diz.
— Vou mandá-la para casa e eu resolvo daqui! — diz, taxativo. — Não tem que se
envolver nisso. — seguro firme sua mão e de cabeça erguida, respondo:
— Assim como Brian lhe traiu, ela fez o mesmo comigo e não dormiria
sossegada se não puder olhar em seus olhos e saber qual foi o motivo de seu agir,
portanto eu vou! — digo, mais que decidida.
Faltam alguns metros para chegarmos em frente à loja onde Virgínia trabalha e
Enzo pede a Domênico que ele pare o carro, próximo a uma esquina, um outro
carro parado o levará ao local onde Virgínia terá o seu julgamento final. Beija
meu rosto e antes de sair do carro aperta minha mão. O vejo atravessar a rua e os
raios de sol do fim da tarde rebatem seu brilho sob os pés de Enzo, com seu
andar seguro, caminha até o outro carro. Logo, o veículo entra em movimento e
desaparece.
Domenico liga o carro e instantes depois, estaciona em frente à Tiffany's.
Chegou a minha hora...
Ele desce devagar e fico pensando no que ele pode estar sentindo. Afinal, minha
amiga e ele estavam saindo juntos. Essa traição inesperada de Virgínia não deve
ter lhe feito bem, algo de ruim deve ter afetado o seu estado de espírito, exceto
se sua frieza e lealdade à Cosa Nostra tiverem prioridade para ele.
Para em frente à Tiffany's e sem delongas abre a porta do carro para mim, na
calçada, ergo meus olhos aos céus e mentalmente faço um pensamento otimista.
Decepcionada com minha amiga, entro na loja e me visto de uma carcaça alegre
e desprovida de qualquer intenção maldosa, esse é o jogo para atraí-la ao seu
último destino. Atrás de um dos balcões, ela atende uma senhora elegante
mostrando alguns anéis, seus olhos ligeiros me veem ao fundo da loja e
automaticamente seu sorriso se abre para mim. Ando por entre as vitrines e
objetos expostos com o olhar desinteressado e aguardo quando Virginia anda até
mim.
— Que surpresa boa! Veio me ver ou para comprar alguma joia bem linda que
combine com você?
— Estava passando por aqui e resolvi lhe fazer uma visita.
— Ah, mais isso é uma ótima notícia! — alarga seu sorriso que, a partir de
hoje, não tem mais o mesmo brilho para mim.
Olho em meu relógio e me esforço para lhe não transparecer a minha cara de
decepção.
— Seu expediente encerra a que horas?
— Saio em dez minutos, por quê?
— Quero lhe contar uma novidade e gostaria de lhe convidar para tomarmos um
chá acompanhado daquela deliciosa torta de maçã.
— Convite aceito. — olha para os lados, verificando se alguém precisa de
atendimento.
— Esperarei você no carro. — acrescento. — Domênico será nosso
motorista. —pisco para ela.
— Domênico? — sua expressão é um misto de surpresa e alegria. Toco seu
ombro.
— Sim, até daqui a pouco.
Saio da loja com as pernas bambas, coração acelerado e a boca seca devido ao
meu nervosismo, não demora muito e Virginia aparece. Domenico vai até seu
encontro e o vejo tocar seu rosto com um sorriso retribuído por ela. Com isso,
percebo que os homens da máfia são mesmo muito frios, sem os seus óculos,
Domênico não deixa transparecer nenhuma fagulha do que guarda dentro de si.
Ele deve achar que foi de alguma forma usado por Virginia e isso é algo que,
seja mafioso ou não, nenhum homem tolera.
A seguir, ele abre a porta traseira do carro para que enfim possamos acabar com
essa farsa.
— Finalmente, estou aqui.
— Então vamos. — Domênico dirige devagar e sua atenção é toda dirigida ao
trânsito.
Virgínia não resiste a curiosidade e quer saber qual a novidade que a aguarda,
entrelaço meus dedos enluvados sobre meu colo e espero vigilante a sua reação
devido ao meu comentário.
— Logo, saberá. — brinco. — Adoro deixá-la ansiosa.
Minha vontade é pular em sua garganta e lhe deixar sem nenhuma fresta de ar
por ter me traído. Vê-la depois de saber a verdade não me pareceu uma boa
ideia, sinto meu sangue se envenenar com sua deslealdade.
— Antonella... para onde estamos indo? — questiona, assustada ao ver que o
carro se afasta consideravelmente da cidade.
— Acalme-se, você irá gostar.
Ou não! Virgínia conhecerá o cativeiro onde Eurídice passou seus últimos
momentos.
Com seus olhos assustados, ela se restringe e mais calada do que o normal acaba
por transparecer o seu medo ao descermos em frente à velha propriedade.
— Que lugar é esse, amiga? — averigua todo o redor da casa. — Por que me
trouxe aqui? — meu rosto não mais se esconde e demonstrando toda minha
contrariedade, comento:
— Brian era o nosso inimigo, Virgínia. — seus olhos piscam por um segundo e
continuo. — E agora que ele foi descoberto, o que você pretende fazer para
ajudar o seu amigo? — ela estaca em choque.
— Ora, Antonella! Que conversa sem nexo é essa? — ri, sem jeito. — Brian, o
amigo de seu marido? O que posso ter a ver com ele se mal o conheço?
— Jura?
— Claro, eu nunca o tinha visto antes.
— Mente muito mal, mia cara! — ainda segurando sua máscara de dissimulação,
debate de frente comigo.
— Você deve estar maluca, Antonella! Essa história de que um inimigo ronda a
família de Enzo lhe afetou e a deixou paranoica.
Com um simples movimento de cabeça, Domênico se aproxima e arrasta Virginia
para dentro da casa abandonada. Lá dentro, amarra seu corpo em uma cadeira,
assim começa a minha inquisição e ele sai nos deixando a sós.
— Antonella, sou inocente! Não estou lhe reconhecendo! — fala, nervosa.
— Muito menos eu a reconheço, Virgínia! — fico frente a ela com meus olhos
fixos em seu rosto. — Você me enganou durante tempo demais e agora quero a
razão por ter feito tal coisa comigo...
— Não sei sobre o que você está falando! — grita, tentando se soltar da corda que
prende seu corpo. — Já lhe disse que não tenho nada a ver com esse tal de Brian.
— minha paciência se esgota e lhe dou um tapa forte em sua cara lavada.
— Chega, Virgínia! Não precisa mais esconder e muito menos fingir ser o que
não é. — ela tenta escapar na ânsia de passar sua mão sobre seu rosto
avermelhado. — Vamos jogar limpo? Você não tem saída!
Aos poucos, minha pressão sobre ela aumenta e sem ter para onde se refugiar,
Virginia confessa sua culpa.
— Eu estava apaixonada e faria qualquer coisa para agradá-lo, Antonella.
— Até colocar minha vida em risco? Ver o meu desespero ao saber que havia
alguém que queria me matar? Compartilhar de uma vingança cercada meramente
por inveja? — Virgínia parece não dar ouvidos às minhas questões.
— Somente disse a ele que conhecia alguém parecido com Agatha.
— Nada demais até então! — sorrio cinicamente. — E foi muito solidária quando
aceitei o cargo de arrumadeira na casa de Enzo.
— Antonella, por favor!
— Você presenciou todo meu desespero. — junto seus cabelos pela raiz e os puxo
com força. — Sabia durante todo esse tempo que o inimigo estava debaixo de
nosso nariz e não teve a compaixão de me avisar, pelo contrário, compactuou
com ele até o fim e agora me pede por favor? — ela nada diz, desviando o olhar.
— Quero saber por qual razão? A sua paixão era tanta que nossa amizade foi
deixada de lado? — meu corpo treme mais do que o dela e tomo consciência de
que não me segurarei por muito tempo. — Dividimos aflições, alegrias e tudo
isso foi falso de sua parte?
—Não foi, Antonella. — mais um tapa e seus cabelos cobrem o seu rosto. Tiro
minha luva, pois quero sentir a minha mão a ferir a sua pele.
— Sabia de minha aflição ao ser descoberta por Enzo! De meu medo e
preocupação com Clara. — meus olhos não aguentam e quem derrama lágrimas
de pesar sou eu. — E por último, foi madrinha de meu casamento! Que espécie
de amiga é você? — grito com a voz embargada e avanço sobre seu rosto
unhando sua carne, arrancando sangue sob minhas unhas. — Você me magoou e
muito Virgínia e a troco de que? — mais dois tapas e me sinto exaurida.
Para o meu próprio bem, deixarei esse local com o meu filho e quero esquecer de
que Virginia foi minha amiga.
— Você, por acaso, não faria o mesmo se Enzo lhe pedisse algo? Negaria um
pedido ao homem por quem é apaixonada?
— Se esse pedido implicasse em destruir uma amiga, negaria de imediato e que
ele arrumasse um outro método para conseguir o que almejava.
— Eu fazia tudo para chamar a atenção de Brian e nunca me senti tão feliz, como
quando pude ser útil a ele nesse seu plano. Por mais maluco que fosse, ele me
dava atenção e me queria por perto.
— Ele estava lhe usando esse tempo todo assim como fez com Clara, não
consegue ver isso? — balança sua cabeça em negativa.
— Você não sabe o que diz, Antonella!
— Tem razão! Acho que não sei.
Ando até a janela e vejo quando um outro carro estaciona e dele sai Enzo, ele
fala com Domênico e abrem o porta-malas do carro. Volto a encarar Virginia.
— O que sei é que nossa amizade acaba aqui! — reviro meus olhos lacrimejados.
— Eu que cheguei a implorar por sua vida!
— Não fui tão falsa quanto imagina. — faz uma pausa. — Quando se hospedou
grávida em minha casa, não disse a Brian que você estava lá. — engole em seco e
com sua justificativa tenta amenizar a situação.
— Ao menos isso.
Parada próxima à porta, chego à conclusão de que ser a esposa de Enzo não me
torna uma fria como ele, não consigo ir adiante com essa situação. Meu estado
de gravidez me deixa abalada e entre todas essas coisas a mais importante é o
bem-estar do meu filho. Seria egoísmo e loucura de minha parte colocar essa
situação acima de meu bebê.
Poderia bater em Virginia até amanhecer, mas isso faria alguma diferença?
Curaria minha mágoa e restauraria o que foi quebrado dentro de mim?
Não...
Cada tapa, arranhão ou quaisquer outros tipos de agressão direcionado a ela por
mim só me deixaria ainda pior, sendo assim, prefiro deixar a encargo de Enzo o
que deve ser feito.
— Brian me dava esperanças! Dizia que um dia ficaríamos juntos. — fala entre
lágrimas balançando a cadeira com seu corpo.
Nesse instante, Enzo invade o aposento.
— Ele não estava errado! Ficarão juntos no inferno! — diz, enquanto me abraça
meu corpo e percebe o quão frio ele está. Tocando meu rosto, encara meus olhos.
— Vá para casa e me espere lá!
Pela primeira vez, tenho que admitir que Enzo tem razão, beija meus lábios de
leve e me faz deixar o local sem olhar para trás. Tudo ao meu redor parece rodar
e com a ajuda de Domênico sou levada para casa.
Em meu quarto, depois de tomar um banho, choro abafando minhas lágrimas no
travesseiro.

Enzo
Acatando um pedido de Antonella, procurei não estender muito a minha
conversa com Virgínia, afinal, tudo parecia esclarecido por minha mulher. Ao
adentrar na casa, o rosto abatido de minha ragazza deixou mais do que claro o
quanto aquela aproximação com sua amiga desleal lhe causou. Mesmo forte,
minha esposa não conseguiu ser fria o bastante e se manter indiferente ao fato de
ser traída e por essa razão, posso assegurar que minha admiração por ela
aumentou significativamente, pois o que sempre busquei desde sempre foi uma
companheira para dividir nossa vida em comum e não uma mulher
marginalizada que ajusta suas contas sem nenhum remorso.
Pode parecer machismo e tenho conhecimento de que há milhares de exemplares
femininos tão perigosos quanto nós, homens, mas não me agradava saber que
Antonella quisesse tomar esse padrão para si. Ao me pedir para estar de frente
com a amiga, sabia que ela se sentiria destroçada e tencionaria ir para casa.
O papel de Antonella nessa história não é estabelecer regras e muito menos se
revestir de maldade e sangue frio para me ajudar em assuntos tão violentos e que
não fazem bem a ela, seu lugar é ao meu lado, preenchendo meu coração com
sua alegria e amor. Isso é mais do que suficiente para mim.
Antes de ser executada, pedi a Domênico que abrisse o invólucro onde o corpo
de Brian permanecia gelado e sem vestígios de decomposição devido ao freezer
onde ele foi guardado por meus homens, os olhos da amiga de Antonella se
arregalaram e um tremor tomou conta de seu corpo. Percebendo seu pavor,
deixei claro que atendendo um pedido de compaixão de minha esposa, não
pretendia fazer com ela o que fiz ao seu amado Brian, ela teria uma morte muito
rápida e seu corpo teria o mesmo destino que o dele, Virgínia foi morta da forma
mais rápida e indolor possível. Domênico fez questão de atirar em sua nuca e
acabar com uma das últimas peças chave desse tabuleiro sangrento.
Exausto, volto o mais rápido possível para minha casa, para minha Antonella,
subindo as escadas, sem olhar direito para os vários degraus, abro a porta do
quarto e a encontro deitada de bruços agarrada ao seu travesseiro. Devagar,
ergue seu pescoço e me olha nos olhos sabendo que tudo está consumado. Junto
da cama, pendo meu corpo e me aconchego ao seu lado afagando seu cabelo.
— Ela já es...
— Acabou! — beijo seu rosto com carinho. — Não falaremos mais nisso. A partir
de agora, eu lhe prometo que viveremos nossa vida em paz com nosso filho.
— E Fanesi?
— Esse, cuidarei mais tarde. — justifico. — Agora minha preocupação é outra
totalmente diferente.
Fanesi ficará a encargo de meu velho pai que faz questão de lhe presentear com
algo surpreendente.
Rodeio meus braços em seu corpo e aspiro seu cheiro tão benéfico para mim.
— Qual seria? — seu corpo se encosta ainda mais ao meu com o semblante
duvidoso e inquieto.
— Minha família! Você e nosso Victório. — entrelaça sua mão esquerda em meus
dedos e a leva à sua boca.
— Eu me sinto tão bem quando ouço você dizer isso.
— Vai ouvir sempre, pois não há nada que me deixe mais feliz do que o seu bem-
estar. — vira seu rosto, me sorri e então posso ver os seus olhos inchados... Prova
que andou chorando.
Sua boca busca meus lábios e para minha surpresa sinto que ela deseja mais do
que afago e atenção, Antonella quer ser amada e sentir a minha devoção a ela
através de meu corpo.
— Nella... — leva minha mão ao seu corpo e satisfazendo seu desejo, entrego em
nossa cama também a minha alma...
La mia vita, la tua vita![572]

Enzo
Meu corpo comprime o seu sob o colchão e todo calor emanado desse contato
alimenta nosso desejo irrefreável. Devagar, se vira para mim e sua boca
entreaberta me faz um convite para saborear seus lábios e me fartar em seu gosto
doce e único.
Meu ponto fraco agora tem um rosto, um nome e meu coração tem a sua marca
gravada bem fundo para que ninguém ouse invadir o seu espaço.
Aprofundo nosso beijo explorando todos os cantos de sua boca extraindo de
minha mulher mais do que desejo, cubro seu corpo com meu toque firme,
invadindo cada canto de sua pele com meus dedos somente para deixar mais do
que evidente o quanto tudo nela me pertence.
Abro devagar a sua blusa e com sua ajuda me faz se livrar dela, ainda deitado de
lado e encaixado entre seu corpo, minha boca vai de encontro ao seu colo
perfumado no momento em que meus lábios saboreiam sem pressa a sua pele
macia. Antonella abaixa as alças de seu sutiã, me dando total acesso aos seus
seios sensíveis e ansiosos por sentir minha boca a sugá-los com devoção e
quando meus lábios os alcançam, ela se oferece ainda mais inclinando seu corpo
em direção à minha boca, fechando seus olhos, solta suspiros ofegantes,
audaciosa suas mãos abrem minha camisa que desesperadas acariciam meu
tórax.
— Estava morrendo de saudade. — mordisco seu mamilo, o saboreando com
lentas sugadas e sentindo suas mãos agarradas em meu cabelos.
— Eu também. — Antonella avança sobre minha boca em total desespero, sua
língua procura a minha e quase de modo selvagem, seus dedos alisam meu pau
duro sob o tecido de minha calça. Arqueio meus quadris querendo mais desse
contato e o apertando de modo brusco, minha esposa deixa claro a urgência
subtendida em seu toque.
Em segundos, a deixo completamente nua e ela faz o mesmo comigo. Percorro
seu corpo com meus lábios em cada centímetro de suas linhas perfeitas e em seu
ventre, a prova de nossa união inabalável... Nostro bambino.
As pontas de meus dedos tocam essa região com muito cuidado, fazendo
círculos em toda sua barriga protuberante. Nesse momento, sinto suas longas
pernas rodearem minhas costas prendendo ainda mais o meu corpo junto de si.
Ergo meu pescoço procurando seu olhar na certeza de encontrá-lo com seu
brilho singular, roço meu queixo áspero em sua coxa esquerda e ela reage com
um gemido audível e sensual.
— Ah, essa sua barba me deixa louca.
— Pensei que adorasse o meu bigode. — rebato, esfregando minha barba
ainda curta em sua coxa direita.
— Mal vejo a hora de nos vermos novamente. — meus olhos a encaram e num
meio sorriso, agarro seu corpo, o deixando à minha mercê.
— Safada!
Afundo meu rosto entre suas pernas e minha boca busca com avidez a sua boceta
molhada, onde somente é permitido o provar de minha boca.
— Sua safada! — responde quase sem fôlego no mesmo instante em que seus
dedos invadem meus cabelos, acompanhado de longo gemido de satisfação solto
por sua garganta. Inclina seus quadris em direção aos meus lábios e insana, me
provoca com palavras sacanas pedindo por mais.
— Adoro chupá-la ouvindo esse gemido rouco. — em um movimento
ascendente, minha língua a lambe toda e ao chegar em seu clitóris, o acaricio
com o sugar de meus lábios famintos. Vibra sob minha boca e incita a um nível
máximo o meu querer.
— Ohhh... isso é muito bom, quero morrer assim! — zomba, ensandecida.
— Morreremos os dois. — a abocanho toda e saboreio toda sua excitação.
Antonella e sua autenticidade sempre deixaram claro em nossa cama, as suas
preferências e gostos e todas as vezes em que nos amamos, uma essência
inexplicável nos rodeia nos unindo ainda mais.
Com lambidas mais intensas, ela não se contém e se deixa levar por seu gozo
que sacode seu corpo a fazendo gemer alto em total descontrole. Segura uma de
minhas mãos e a leva em sua boca, sugando meu dedo e fazendo com que minha
mente a imagine chupando faminta o meu pau.
Ofegantes, me afasto devagar e de joelhos, minhas mãos seguram em seus
cotovelos a trazendo para junto de meu corpo. Sobre minhas coxas, ela me
incita, se esfregando toda em mim. Mordendo meu pescoço, seus dentes fazem
uma pressão gostosa que me cravar meus dedos em sua cintura.
— Morreremos. — diz, rouca.
E cobrindo meu peito com mordidas e beijos afoitos, desce vagarosamente me
deixando com a boca seca, a esperar o momento em que seus lábios envolverão
meu pau todinho. O contato de sua boca quente e molhada me faz pender a
cabeça para trás, extraindo de minha garganta um gemido entre dentes que ecoa
pelas paredes de nosso quarto, encorajando a sugar com mais vontade, afasto seu
cabelo e a encaro faminto.
— Fode gostoso na minha boca, amore mio! — seu pedido soa em meu ouvido
como a mais deliciosa das luxúrias.
Simultânea às suas chupadas, ela me presenteia com mordidas leves e lambidas
intensas, fazendo meu coração bater em um ritmo quase incontrolável, seus
dedos me envolvem e arqueando meus quadris acompanha minhas metidas,
arrancando de mim mais gemidos de tesão ao atender seu pedido e fodendo
gostoso sua boca.
Subitamente, seguro seu ombro e a impeço de continuar. Nivelando seu olhar ao
meu, deixa explícito sua insatisfação.
— Quero mais do que sua boca em mim. — roço meu queixo em sua garganta e,
em seguida, meus dentes capturam seu lábio inferior. — Quero estar todinho
dentro de você, mia ragazza.
Sua boca se curva num sorriso malicioso tão seu e antes que ela se ajeite sobre
meu corpo, a viro de costas beijando sua orelha até chegar ao seu pescoço.
— O que vai fazer? — se esfrega em mim de modo deliberado, incitando meu
corpo a ponto de embrenhar meus dedos em seu cabelo e o puxando com força,
fazendo com que mais gemidos escapem de seus lábios carnudos.
Seguro meu pau, o ajeito e o fricciono em sua entrada, deixando a seu encargo a
iniciativa de me ter todo dentro de si. Extravasando nossa vontade, circunda
seus braços ao redor de meu pescoço e buscando minha boca de modo aflitivo,
desliza devagar sobre mim, me tomando por inteiro bem devagar. Molhada e
quente, sinto a pressão devastadora com que ela prende meu pau.
Quando remexe seus quadris com seu peito arfante, Antonella não só me dá
prazer, como deixa claro que não há mais ninguém a quem eu pertença, exceto a
ela.
Espalmo seus seios e beijo todo seu colo que exala o bálsamo de seu perfume
doce mesclado a sua pele aveludada.
— En... zo... — diz meu nome com tamanha dificuldade ao sentir minhas
investidas mais fortes e a torturando de modo febril, massageio seu clitóris com
meu polegar a fazendo rebolar sob meu corpo e dedos.
Sua reação ainda é gemer em meus lábios oferecendo sua boca com sede de ser
tomada em um beijo devasso que acresce mais desejo em nossa cama.
— Ahhh... — ergo meus olhos absorvendo a sensação de um desejo tão intenso e
quase insuportável, quando ela rebola me engolindo todo dentro de seu corpo
quente e apertado.
Apoiada em meu peito suado, Antonella cavalga lenta e deliciosamente sobre
mim e sabendo que meu desejo por ela vai além de qualquer coisa, instiga meu
pau a ir mais e mais fundo.
— Mete gostoso em sua ragazza, mete!
Mesmo que fosse impedido de dar o que ela deseja, afrontaria qualquer
empecilho para ter a honra de ter seu corpo se entregando a mim como o único
homem a quem ela devota seu amor e desejo. Excitada ao extremo e prestes a
gozar, aumento meu ritmo atiçando seu corpo com profundas metidas que a
fazem despencar e pulsando sob meu pau, grita como louca liberando seu desejo
ao chegar a um orgasmo muito intenso. Descabelada e com um riso de pura
satisfação, minha mulher continua remexendo seu corpo agora buscando o meu
gozo que não demora a chegar no instante em que sinto sua boceta pressionando
todo meu pau.
— Antonella. — jorro dentro dela com meus olhos fechados e minha boca
colada ao seu ouvido, dizendo em italiano o quanto a amo e todo seu valor para
mim.
Ela desaba na cama, me arrastando para junto dela e encaixado ao seu corpo por
trás, acaricio seus braços e a lateral de seu quadril.
Retorce seu pescoço e encontra meus lábios se abrindo em um sorriso de pura
felicidade por tê-la em meus braços.
— Posso dizer que valeu esperar cada segundo, meu amor. — responde com um
murmúrio rouco e ofegante.
— Sempre digo, quem espera sempre alcança! — zombando de seu comentário,
sua mão estapeia meu braço de leve.
— Ah, não diga? — arqueia suas sobrancelhas e com seus lábios inchados me
devolve um sorriso torto.
— Digo isso e muito mais! — seguro sua mão e beijo os nós de seus dedos. -
—— Quero levá-la em uma curta viagem para descansarmos um pouco, afinal
merecemos. — vira para mim e se aconchega entre minhas pernas.
— Quem disse que quero descanso?
Irresistível, pressiono o canto de sua boca com meus dentes e em seguida, minha
língua acaricia o local a provocando de um jeito somente meu.
— Não...? Tem certeza de que não quer descanso? — meus braços enlaçam seu
corpo e seus seios se esfregam no meu peito numa carícia gostosa.
Sentir Antonella aninhada em meus braços, totalmente segura do mundo lá fora
me deixa muito feliz e satisfeito.
— Absoluta certeza. — beija de leve a minha boca e esparrama seu corpo sobre
o meu.
— Você é quem decide, minha ragazza!

Mais uma vez, dentre tantas outras, me entrego sem


nenhuma restrição à única mulher que me tomou por completo e me transformou
no homem a quem um dia almejei ser, observando o reflexo de meu pai.

Antonella
Dois dias depois...
Com meu corpo leve, estico meus braços num espreguiçar tranquilo com a
promessa de um dia sem tribulações. Temos vivido noites maravilhosas de um
amor e sexo intensos e isso só prova que nossa vida a partir de agora toma novos
trilhos destinados ao trivial dia-a-dia de um casal comum.
Quer dizer não tão comum assim...
Sonolenta, meu mafioso me deixou dormindo e voltou ansioso para o seu
universo da máfia e mesmo contrafeita com sua decisão repentina, Enzo me
avisa de que ele e o pai partem para Vegas ainda hoje. Com isso, pretendem
pegar Fanesi que se encontra refugiado na Cidade do Pecado e o quanto antes
irão acertar suas contas com o ardiloso contraventor.
Pensei que ao menos, pudéssemos passar alguns sem ao menos ouvir falar em
retaliação, porém conhecendo meu marido, sei que isso é impossível.
Depois de tomar meu banho e me trocar, desço para tomar meu café da manhã,
Donatella já está à mesa toda sorridente e o motivo, Isaiah sai ainda hoje do
hospital. Conversamos por algum tempo e logo a seguir, peço licença para me
retirar da mesa, pois quero ver como minha irmã está. Ontem, quando
conversamos a sua mágoa era quase material e sabendo o quanto Clara é
introvertida, quero me mostrar presente e disposta a ampará-la no que for
preciso, para que mais uma de suas etapas obscuras da vida sejam apagadas e
esquecidas em definitivo.
Caminhando tranquila pelo jardim, me deparo com Domênico que dá ordens a
alguns dos funcionários estacados na grama, com seu terno preto e cabelo
impecavelmente engomado, deixa os homens e caminha em minha direção.
— Senhora Ferraro, posso falar-lhe por um instante? — paro próximo a um
arbusto e espero que ele se junte a mim.
— Sim, Domênico, aconteceu alguma coisa? — sem tirar seus óculos, pigarreia,
tenta falar e acaba se atropelando com as palavras.
— Lembre, antes de mais nada, de que não está falando com seu chefe, portanto
pode relaxar. — cruzo meus braços e espero que isso resolva nosso problema de
comunicação. Abaixa sua cabeça e segura seu dedo onde há um anel.
— Queria dizer que sinto muito por Virgínia.
Meus olhos se entristecem por um minuto e respirando fundo procuro me manter
restabelecida de qualquer emoção que, por acaso, esse assunto venha a merecer.
— Vamos deixar esse assunto de lado, Domênico. — completo. — Ela enganou
não somente a mim, como a você também!
— Mas, no meu caso, não tínhamos nada muito sério. — levanta a sua cabeça e
retira seus óculos. — Ao final, a maior enganada foi ela.
— Tem razão. Quem saiu perdendo também. — pensando ser esse o assunto a
tratar comigo, dou um passo à frente e ele me interpela.
— Posso lhe perguntar uma coisa?
Domênico se difere de Isaiah quando o assunto é espontaneidade, o treinador de
Enzo é muito mais reservado e jamais me pararia em pleno jardim sem ser
destinado para tal.
— Sim, claro que pode! — sorrio, quebrando o clima de superioridade que
Domênico possa achar que exista entre nós. Antes de ser a mulher de Enzo, fui a
arrumadeira da casa e isso não me torna diferente dos demais.
— Clara era apaixonada por Brian? — sua pergunta me causa uma estranheza
sem precedente.
— Digamos que ela estava entusiasmada pelo fato de que ele a tratava muito
bem. — olho para o fundo do jardim e vejo Enzo andando de braços dados com
Adele. — Mas, por que está me perguntando isso? Qual seu interesse no
assunto? — ele aspira o ar, torcendo seu nariz deixando mais evidente o corte
transversal em seu lábio superior. — Não precisa ficar em retaguarda e muito
menos me olhar como se eu fosse algum maníaco.
Queria ter um espelho para poder atestar as palavras de Domênico.
— Não precisa se preocupar, mas imaginei que depois de tudo, sua irmã deve
estar muito abalada e gostaria de fazer algo por ela. — antes que eu diga
qualquer coisa, ele intervém.
— Sem nenhum interesse, aparente. — olha para Enzo que se aproxima. —
Pensei em chamar sua irmã para sair, quem sabe não faria bem a ela? — respiro
fundo e passo minha mão na testa.
— Não sei se esse seria o momento oportuno, mesmo assim, agradeço sua
preocupação com minha irmã.
— Clara é uma menina muito doce e não seria nenhum sacrifício levá-la a um
passeio.
— Bom, sua fama de conquistador e mulherengo não é um atrativo para uma
moça como Clara, não é mesmo?
— Senhora Ferraro, é somente um passeio, nada além disso.
— Pois bem, então faça o convite a ela e caberá a Clara decidir se aceita o seu
convite ou não, está bem? Só não ouse magoar a minha sorella, va bene? —
aquiesce com a cabeça e põe seus óculos no mesmo instante em que Enzo se
junta a nós e apaga seu sorriso.
— Algum problema? — olha para mim e depois para seu capo.
— Estava pedindo um favor a Domênico.
— Favor? — inquieto e desconfiado, Enzo parece não crer nesse meu
argumento.
— Seria algo para minha irmã, nada demais. — satisfeito com minha resposta,
olha para Domênico.
— Se tem algum favor a cumprir, seja rápido. — olha em seu relógio. —
Partiremos para Las Vegas em meia hora. — Domênico faz um sinal afirmativo
com sua cabeça e sai nos deixando a sós.
Olho para o rosto de Enzo e me vislumbro com seu rosto coberto por uma barba
ainda rala, com seus cabelos impecáveis penteados para trás, em sua jaqueta de
couro marrom, camisa branca e calça jeans, meu Enzo despojado parece um
moço rebelde saindo dos filmes dos anos 60.
— Tem mesmo que ir? — jogo meus braços em sobre seu pescoço e encosto
meu nariz ao seu.
— Você me conhece! — reviro meus olhos em concordância.
— Sim, conheço, então, só posso lhe desejar boa viagem e não demore muito a
voltar.
— Em dois dias, estaremos de volta! — meus dedos envolvem o colarinho de
sua jaqueta o ajeitando como sempre faço.
— Tome cuidado, por favor e diga ao meu sogro que estamos com saudade dele.
— abraça meu corpo, beijando de leve a minha boca.
— Darei o seu recado, mas temo que sua saudade será logo sanada, Victório
volta para casa assim que acertarmos nossa pendência com Fanesi. — segura
minha mão e infelizmente chega a hora de meu marido partir.
— Quero que em minha ausência, você se cuide, ragazza!
— Eu me cuidarei e ficarei esperando por você. — busco sua boca e sem me
importar com os criados e os seguranças que o aguardam, aprofundo nosso beijo
até deixá-lo sem fôlego. Ele se afasta ofegante e sem nenhuma reserva, digo em
seu ouvido.
— Não se esforce demais, bonitão!
— Pode deixar, sempre mantenho reservas para emergências.
— Quero só ver! — abraço seu corpo por debaixo da jaqueta alisando suas
costas musculosas.
—Tenho que ir! — me beija de leve e caminha para o carro, onde Domênico e
Fabrizio o esperam.
Vejo o veículo sair da garagem e Enzo acena antes de desaparecer pela alameda
que liga o jardim ao portão que dá acesso à rua.
Saio pela portaria e ando até a casa de minha tia. Clara terá que me explicar o
que andou aprontando para que Domênico viesse falar comigo dessa forma,
aquela carinha de sonsa não me engana. Entro pelo portão da casa e minha irmã
vem me receber.
Pedindo arrego

Enzo
Ainda pela manhã, após quatro horas de voo, desembarcamos em Vegas e fomos
diretamente para o Caesars, meu hotel preferido quando me hospedo na cidade.
Domênico e eu acertamos alguns detalhes sobre nosso próximo passo, enquanto
meu pai se encontra na casa de um grande amigo seu aguardando somente o
momento em que executaremos nosso plano, o que de fato é muito simples
Ao saber que Brian foi capturado e que sua ideia de nos arruinar se tornou
inviável, Fanesi decidiu sair de cena de maneira quase imperceptível como se ele
nunca estivesse envolvido nessa vingança. Tudo sairia perfeito se seu aliado
tivesse conseguido o seu intuito, o que não foi o caso.
Deixar Nova Iorque e vir para Las Vegas cuidar de algumas negociatas foi uma
estratégia quase diplomática, porém totalmente controversa desde o momento
em que toda a Comissão já tinha conhecimento de seu envolvimento em atacar a
minha família sem uma razão ou motivo concreto. Com isso, o que se tornaria
uma promissora e rentável aliança entre ele e Brian se transformou em seu pior
pesadelo.
A Comissão quer a cabeça de Fanesi e seremos, nós, os Ferraro que a
presentearemos com esse brinde supremo, meu pai e eu temos tudo
milimetricamente planejado e esse covarde não terá como escapar de nossa
armadilha. Contando com a ajuda de muitos associados e membros que fazem
parte de nossa família, conseguimos levantar todos os seus passos, assim como
toda sua agenda enquanto permanecer na cidade e será em um de seus
compromissos que iremos o surpreender.
Fanesi fará uma reunião com alguns de seus capos, em um dos salões do Hotel
Bellagio, ou seja, amanhã à noite pegaremos o infeliz em uma tocaia mais do
que improvisada. Usaremos a tática usada anteriormente, ou seja, substituiremos
os homens que fazem a segurança de Fanesi por soldados de nossa confiança e
só quero ver a sua reação ao ver meu pai dentro do seu carro fazendo papel de
motorista.
*****
No decorrer do dia, aproveito para visitar alguns de meus cassinos na cidade do
Pecado, nossos rendimentos são muito satisfatórios e não há nenhum pormenor
ou falta a ser apontada. À noite, sou praticamente intimado a jantar com
Alfredine, meu antigo sócio e amigo, onde discutimos uma abertura mais ampla
no ramo do entretenimento nos cassinos, nossa conversa se estende por mais
tempo do que o esperado e quando volto para meu quarto de hotel, me abstenho
em não retornar uma ligação perdida de Antonella, pois em Nova Iorque já é
madrugada e ela deve estar dormindo. Pela manhã, a primeira coisa que farei é
ligar para minha ragazza, atestar de que estou bem e logo voltarei para casa.
Deitado na enorme cama do hotel, não consigo relaxar e deixar que o sono me
domine e completamente insone espero a chegada do sol que devagar incide
sobre as escuras e grossas cortinas.
Meus olhos parecem cheios de grãos areia e meu corpo muito indisposto.
Esfrego as mãos em meu rosto tentando aliviar esse mal-estar e chego à
conclusão de que preciso retomar meu treinamento pesado com Isaiah, pois eles
me garantiam um condicionamento físico resistente como também a melhora em
minhas noites de sono. Quando estiver em Nova Iorque, cuidarei desse assunto
com muita atenção.
Alcanço o meu celular sobre o criado-mudo e verifico as horas, são seis e dez da
manhã, nove e dez em Nova Iorque, teclo o número de Antonella e aguardo
ouvir a sua voz grave e ao mesmo tempo doce logo pela manhã.
Ao me desejar bom dia com sua voz engrolada e ainda não desperta, Antonella
afasta meu cansaço recarregando as minhas forças para o dia atribulado que está
por vir, depois de se certificar de que estou bem, ela quer saber quando retorno a
Nova Iorque.
— Você volta ainda hoje? — seu questionamento exibe claramente a sua vontade
subtendida.
— Creio que não, somente amanhã! Tivemos um contratempo e será impossível
sair de Vegas antes disso. — ressalto no mesmo instante em que me levanto da
cama em direção ao banheiro.
— Own. — diz com a voz toda manhosa. — Pensei que mataria a saudade de
meu marido esta noite.
— Creio que minha mulher pode esperar por mais algumas horas!
— Porém quanto maior a espera, maior a saudade! — com uma voz sussurrante,
aguça meu sistema auditivo espalhando pelo meu corpo o desejo de estar junto
dela.
— Faço questão de matar centímetro a centímetro de toda nossa saudade quando
retornar, Nella! — minha resposta sai carregada de um malicioso desejo.
— Irei cobrar, Enzo!
— Acredito que não será necessário chegarmos a esse ponto, pois sempre arquei
com as minhas dívidas e promessas.
— E eu sempre vou amá-lo por ser um homem de palavra. — sua frase faz com
que meus lábios abram um sorriso de satisfação ao celular. — O amo exatamente
como é e jamais mudaria o seu jeito de ser.
— Eu também a amo exatamente como você é!
Conversamos por mais alguns minutos e infelizmente encerramos a ligação.
Com um pouco mais de ânimo, tomo meu banho e com roupas limpas, peço meu
café no quarto onde leio os jornais e me intero dos acontecimentos no mundo.
O dia parece se arrastar a cada hora que passa, com tudo confirmado para logo
mais, aguardo o momento em que sairemos do Caesars e montaremos guarda em
frente ao Bellagio.
Será uma ação totalmente silenciosa e sem nenhum alarde.
*****
Dez da noite.
Não encontramos dificuldade nenhuma em render os homens de Fanesi e
substituí-los por nossa gente, seu carro se encontra estacionado em frente ao
estacionamento Hotel Cassino e com muita destreza, Domênico fez questão de
se livrar do motorista que se encontrava dentro do veículo, com o local limpo, só
me resta aguardar a chegada de meu pai.
Ergo a gola de meu sobretudo e ajeito a boina em minha cabeça, escondendo ao
máximo o meu rosto entre os transeuntes que passam pela rua. Assim, entro no
veículo, me sentando no banco ao lado do motorista e vigilante, observo todo a
movimentação frente ao cassino e arredores.
Na esquina um homem, usando um chapéu preto e casaco da mesma cor,
caminha devagar totalmente cabisbaixo, ele para, fala com um de nossos homens
e parece pedir alguma informação.
Sob a luz do poste incidindo sobre o tal homem consigo analisar o seu perfil, ele
possui cabelos brancos que se sobressaem sobre a gola de seu casaco e seu rosto
sobrecarregado de rugas enganaria até o mais esperto dos homens, exceto a mim
que reconheceria seu andar inconfundível em qualquer circunstância. Sem
nenhuma modéstia, meu pai quer fazer com que sua entrada seja triunfal e
inusitada, por isso esse seu disfarce de última hora.
Muito lentamente, ele se aproxima e sua mão enluvada bate insistente no vidro
do carro, aperto o botão, acionando vagarosamente a abertura da janela e ao
confrontar seus olhos escuros, resolvo zombar de sua aparência de fachada.
— Vaza daqui velhinho! Não me venha pedir esmolas! — falo, sério na certeza
de que terei uma resposta atravessada e direta.
— Vou lhe mostrar o tamanho da esmola bem no meio dessa sua cara insolente,
Enzo! — redargui com sua voz mais do que firme mostrando o quanto é forte e
destemido. — Abra a porta do lado do motorista para mim! — olha para o lado
oposto da rua e estica a manga de seu casaco conferindo as horas em seu
pequeno relógio de pulso. Obedeço e dentro do veículo, pergunto.
— Posso saber o porquê desse disfarce? — ajeita seu corpo no banco do
motorista e suas mãos pairam sobre o volante.
— Frisson de mafioso aposentado, tenho a certeza de que ainda irá passar por
[573]

isso. — solta um riso debochado. — Acho que ainda estou em forma, pois
conversei com Domênico e ele não me reconheceu.
— Na próxima, mude o seu jeito de andar. — argumento. — Eu o reconheci
muito antes de você chegar até o carro. — estica sua mão e faz algo que sempre
achei irritante, ele aperta minha bochecha como se eu ainda fosse um garotinho.
— Ragazzo mio, che orgoglio! — fala em italiano para me provocar.
[574]

— Assim, o senhor acaba com minha reputação que demorei anos para
construir! — curioso, abro o porta-luvas do carro e verifico o seu conteúdo. —
Ainda bem que esses vidros impossibilitam os que estão do lado de fora de
enxergarem alguma coisa aqui dentro.
— Fanesi ainda está lá dentro? — pergunta.
— Sim, Ticiano nos dará um sinal quando ele sair acompanhado de seus três
seguranças.
Solta um suspiro resignado, encostando seu corpo junto ao banco da limusine e
assim, ficamos à espreita de qualquer movimento vindo da saída do Bellagio,
mais dois de nossos homens entram no carro.
— Fanesi é meu, Enzo! — pigarreia e assevera. Ergo meus braços em
[575]

concordância.
— Por mim, não faço nenhuma questão! Ele é todo seu!
Passados alguns minutos, Ticiano aparece diante de nosso campo de visão
acendendo o seu cigarro, enfim, o sinal que estávamos esperando!
Logo atrás dele, saem Fanesi rodeado por seus dois seguranças, protegidos pelos
vidros escuros, meu pai e eu nos aprumamos no banco do carro e aguardamos o
momento de entrarmos em ação, um dos seguranças abre a porta para Fanesi e
ele adentra o veículo sem ao menos notar o que há de errado, pois é de seu
costume andar escoltado até mesmo dentro de seu veículo. Os outros seguranças
entram em outro carro logo atrás.
Nesse veículo encontra-se Domênico e mais dois de nossos homens, esses
seguranças nem chegarão a nos acompanhar.
— Para o aeroporto! — Fanesi ordena.
Devagar, meu pai liga o carro e nos deslocamos bem devagar. Nossos homens
seguem em um cortejo e dois carros nos ultrapassam cercando o veículo dando a
impressão de mantê-lo em segurança, tudo parte do esquema.
Alguns quilômetros e minutos adiante o carro onde se encontram os dois últimos
homens de Fanesi toma uma estrada lateral e desaparece do retrovisor.
O mafioso, como uma velha raposa, só então percebe que há algo errado e pede
para que o motorista pare o carro. Victório finge não o ouvir e pega uma outra
estrada paralela à do carro dirigido por Domênico.
— Seu estúpido, não me ouviu dizendo para parar esse carro? — brada,
enfurecido.
Calmamente, meu pai retira o chapéu de sua cabeça e vira seu corpo em direção
ao banco de trás.
— Receio que antes de pararmos, faremos um pequeno passeio, caro Fanesi! —
sorri e completa. — Não é mesmo, Enzo? — a distinta voz de meu pai chega aos
ouvidos de nosso inimigo como o pior som já escutado por ele nessa noite!
— O que vocês querem? — seu olhar de puro espanto é mais do que satisfatório.
— Onde estão os meus homens? — olha para trás e vê uma fila de carro a nos
seguirem.
Tarde demais!
Ele é rendido por nossos homens e desarmado ali mesmo sabe que, a partir de
agora, está encurralado e diferente de Brian, Fanesi percebe de imediato que caiu
em uma armadilha e que sua vida está em nossas mãos.
Victório dirige por mais um ou dois quilômetros e encontra um lugar ermo e
propício para seu acerto de contas, com o carro parado, meu pai é o primeiro a
descer, sigo seu exemplo e do lado de fora aguardamos Fanesi ser retirado de
dentro do veículo. Ele é jogado ao chão de joelhos e com seu olhar altivo
demonstra toda sua coragem e ausência de temor pela morte que se aproxima.
Analisando a figura de meu pai e seu oponente, chego à conclusão de que se a
situação fosse inversa, Victório Ferraro manteria essa expressão de um homem
bravio que não teme a morte, meu pai dispara vários palavrões a Fanesi que os
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ouve sem nenhuma reação. Para minha surpresa, outros carros surgem ao nosso
redor cercando todo local.
— Quem são esses homens? — sussurro ao meu pai.
— São homens a mando da Comissão! Vieram buscar esse traidor.
Meu pai organizou tudo de modo que nenhuma gota de sangue fosse derramada
pela nossa família, ele lidou com Fanesi de uma forma estrategista onde ele terá
seu acerto com a Comissão e lá não será tratado com nenhuma piedade, ele
sentirá o peso de sua atitude traiçoeira.
— Ora, Victório Ferraro, não lavará sua honra me dando um tiro? — dispara
com um sorriso no rosto.
— Deveria tê-lo matado há muitos anos quando tentou me passar para trás. — os
homens se aproximam e ficam ao nosso lado. — Para mim, hoje, você não vale
uma bala sequer. — rebate com desprezo. — E, por isso, o deixarei a encargo da
Comissão que faz questão de arrancar a sua cabeça sem nenhuma piedade. — ele
é levantado bruscamente do chão.
— Você é um rato imundo que sempre almejou o que eu tenho de maior valor e
não me refiro aos meus negócios na máfia. — engole seco e entende cada
palavra da indireta direcionada a ele. — Sinto muito se ela não o escolheu, meu
caro! Mas não posso me culpar por ser amado por Adele e construir uma bela
família ao seu lado. — Fanesi fecha seus olhos se negando a ouvir nem mais
uma palavra sequer.
— Podem levá-lo! — os homens o levam e os olhos de meu pai acompanham até
que ele seja colocado em um dos carros.
— Pensei que teríamos banho de sangue! — aliso minha Glock sob meu casaco.
— Achei melhor assim! O tempo irá lhe ensinar que o melhor em certos casos é
usar a frieza de uma mente pensante ao invés de uma ira incalculável! — toca
sua testa. — Deixe que outras mãos se sujem com esse imprestável.
— Genial, como sempre! Agora, vamos voltar para casa?
— Sim, mas antes teremos alguns acertos a fazer para ajeitarmos a minha volta
ao mundo dos vivos.
— Va bene. — toca meu ombro e assim caminhamos para o carro a caminho do
hotel.
Domênico cumpre a sua missão e nos assegura que todos os homens de Fanesi
foram levados para junto de seu chefe e lá o destino de cada um pertencerá a
Comissão.
Sem sangue, sem alarde! Exatamente como meu pai queria!
No hotel, mais reuniões e acertos firmados atravessam a noite e quando tudo se
finda, o sol reaparece. Almoçamos na casa do amigo que acolheu meu pai em
Vegas e às seis da tarde, partimos em nossa aeronave de volta a Nova Iorque.
São quase duas horas da manhã, hora local, quando aterrissamos no aeroporto
John F. Kennedy, Fabrício e sua eficiência nos espera com o seu corpo ao lado
de nosso veículo. Durante nosso trajeto, meu pai, Domênico e eu ainda
decidimos alguns pormenores a serem tratados agora que Fanesi perderá seu
poderio em determinadas regiões da cidade, seu território será designado à outra
família e com certeza, entraremos na disputa por essa enorme fatia.
Dentro do jardim, visualizo nossa casa e ela se encontra silenciosa, porém temos
certeza de que todos nos esperam com ansiedade, a volta de meu pai para nosso
meio traz a restauração completa de nossa família, tornando nosso elo ainda
mais forte.
Nossa recepção foi mais do que calorosa, minha mãe e Donatella estavam
emocionadas por finalmente abraçar e cobrir o rosto de meu pai com tantos
beijos carinhosos. Ao me ver entrar logo atrás de meu pai, Antonella, a passos
rápidos, se junta a mim e com as duas mãos em meu rosto, sorri abertamente por
me ver sem nenhum arranhão.
Ela sabe que desde o momento em que decidiu viver ao meu lado, sua rotina será
sempre essa, esperar pela minha volta, ferido ou não.
Nesse intervalo de demonstração afetiva, Isaiah que se mantinha de braços
cruzados anda até mim e felicita minha volta pedindo desculpas pelo incidente
ocorrido dias atrás onde, em sua concepção, ele falhou como segurança de
Antonella.
— Você nunca falha, Isaiah! — estico minha mão e a coloco sobre seu ombro.
— Mostrou o quanto é fiel a mim e a seus princípios. Muito obrigado por tudo e
confesso que estou muito feliz ao vê-lo com vida.
— Amigo, não caia nessa! — Domênico não resiste em manter a sua boca
fechada e completa. — Enzo não está sendo sincero.
— Eu sei, manterei meus olhos muito abertos em meu cunhado carcamano. —
todos riem, pois é muito raro ver Isaiah fazendo piada de qualquer assunto.
Momentos após de comemorarmos o desfecho feliz e satisfatório de toda essa
confusão, a sala vai se esvaziando e cada um segue para o seu devido e merecido
descanso. Antonella e eu entramos em nosso quarto e quando mal me livro de
meu casaco, sinto seu corpo prensando o meu na parede e avançando sobre
minha boca com uma fome e sede assustadoras.
Retribuo a sua urgência e ao me afastar, suas irises estão brilhantes e dilatadas,
sinal de que seu desejo aflorado se mostra na íntegra e à tona, ela espera saciar
todo esse fogo devastador que a consome por inteira.
Morde meu pescoço no mesmo instante em que suas mãos inquietas percorrem
meu corpo até chegarem aos botões de minha camisa que com sua extrema
habilidade são abertos em instantes, por onde suas unhas passeiam, arranham
meu peito deixando marcas vermelhas em minha pele.
— Ragazza... preciso de um banho! — fecho meus olhos quando seus lábios
sugam de leve meu tórax.
— Não quero que tome banho! — afoita, desfivela meu cinto e abre o zíper de
minha calça.
— Isso tudo é saudade? — com meus dedos em seu cabelo, puxo para que
nossos olhos se encontrem e é quando sua boca molhada me lança um sorriso
malicioso e indecente. Por baixo de sua saia, minha outra mão escorrega dentro
de sua calcinha absorvendo toda a sua excitação, deixando meu dedo médio todo
molhado.
— Muita saudade. — abaixa minha boxer tomando meu pau em sua mão macia
e sob o contato e pressão de seus dedos, ela o deixa extremamente duro me
fazendo gemer de tesão. — Quero você e o quero agora! — passa a língua em
meus lábios me incitando a beijá-la até ficarmos sem fôlego.
Grudado em sua boca, abro sua blusa liberando seus seios os apertando em
minhas mãos, saboreando cada gemido ao me arrastar até a cama, fazendo
nossos corpos se chocarem com o colchão.
Abre suas pernas e com seus olhos vidrados nos meus, arqueia seus quadris me
fazendo deslizar para dentro dela em um só movimento. Nesse instante, nossos
suspiros e gemidos se misturam e ofegante, invisto de modo lento indo
remexendo fundo com o intuito de satisfazê-la por completo.
Antonella acompanha cada metida minha com uma avidez incomum, com seu
cabelo sobre sua testa e rosto corado de desejo ela se mostra cada vez mais
atraente e linda diante de mim.
Viro meu corpo e a deixo comandar o ritmo imposto por suas nádegas e com
meus dedos vagando pelas laterais de seu corpo, aperto sua pele e toco a
marcando como minha.
Irresistível é a sua imagem ao sucumbir a um gozo que faz seu corpo vir de
encontro ao meu convulsionando de prazer por me ter dentro dela. Seu gemido
me instiga a prolongar ainda mais a sensação inebriante na qual ela se encontra e
fazendo isso acabo me entregando por completo num gozo animalesco.
Com a cabeça debruçada sobre meu peito, esfrego meus dedos em sua coluna
bem devagar, acariciando o encontro de cada uma de suas vértebras. Ainda
dentro de seu corpo, sinto que ela não se encontra satisfeita e ao me dar conta
disso, sua boca busca a minha de modo febril.
Depois de fazer amor pela segunda vez, ela se deita toda mole ao meu lado e
após alguns minutos, me encaminho para o banheiro.
Embaixo do chuveiro frio, deixo a água correr pelos meus músculos revigorando
meu corpo extremamente cansado e sem perceber sua presença, sinto mãos
macias enlaçarem meu corpo por trás.
— Vim tomar banho com meu marido! — na ponta dos pés, morde meu ombro
enquanto suas mãos deslizam pelo meu abdômen...
Subitamente, viro meu corpo e encontro o mesmo olhar ávido e insaciável
estampado em sua face.
— Posso saber o que andou tomando em minha ausência? — brinco no mesmo
instante em que ela se esfrega de modo deliberado em meu corpo. — O que seu
médico andou lhe receitando? Alguma vitamina afrodisíaca?
— Por que a pergunta? — ergue suas sobrancelhas em desafio. — Não é você
que adora quando me vê insaciável em nossa cama?
— De fato, adoro mesmo!
Empurro seu corpo na parede fria do box e a colocando sobre minhas coxas, faço
com que seu corpo mais uma vez se entregue a mim, gemendo meu nome ao
gozar em meu pau. Com as pernas bambas, encosto minha testa na sua e ali
trocamos beijos apaixonados e promessas de um futuro feliz ao lado do outro.
Terminamos nosso banho e me deito na cama, exausto, mas muito feliz e para
meu espanto Antonella ainda quer mais sexo.

Antonella
Não sei explicar o que está se passando comigo.
Sabe quando você transa e seu corpo não parece satisfeito?
Parece que entrei em um estágio ninfomaníaco e mal posso olhar para Enzo que
meus hormônios se remexem dentro de mim, me incitando a querer suas mãos
no meu corpo, me dominando. A única explicação plausível para esse estado é a
alteração hormonal devido a minha gravidez.
São quase cinco horas da manhã e não há um só indício de sono que se apodere
de meu corpo. Deitado sobre seu peito largo, meus dedos alisam seu antebraço
direito e sobem até o osso perfeito de sua clavícula, com o olhar semicerrado,
seu abdômen sobe e desce devagar denotando a sua respiração tranquila e ao
mesmo tempo cansada.
Me apoio em meu cotovelo e me esfrego em seu queixo coberto com sua barba
por fazer, o vejo franzir sua testa tentando abrir seus olhos quase dormentes,
mais próxima, roço meus lábios aos seus e preso entre meus dentes, mordo de
leve seu lábio inferior arrancando um gemido gutural e grave se sua garganta.
— Sem sono, mia ragazza? — sua voz sai mais grave do que de costume e isso é
o suficiente para deixar os poros de minha pele em alerta.
— Totalmente. — me aconchego ainda mais sobre seu corpo e então um meio
sorriso se forma, traçando duas linhas curvas nas laterais de sua boca tão bem
desenhada.
Despudorada, minha mão invade o edredom e escala seu corpo sem nenhuma
pressa aparente. Subitamente, a mão forte se Enzo segura meu pulso, me
impedindo de chegar em seu pau.
— Você só pode estar de brincadeira, Antonella! — atesta, me encarando com
as sobrancelhas arqueadas.
— Estaria pedindo água, Enzo Ferraro? — jogo minha coxa sobre a sua
absorvendo o calor desse contato tão íntimo.
— Chame isso do que quiser, porém mal consigo mexer meus olhos quem dirá
meu pau. — com seu indicador tece uma linha imaginária ao redor de meus
lábios. — Não sei o que deu em você hoje e é mesmo uma pena que tenha me
pegado em um dia exaustivo, do contrário, a deixaria de pernas bambas até o dia
seguinte.
— Talvez, eu até duvide disso! — repentinamente, cobre meu corpo com o seu e
seu olhar desafiador parece sondar o fundo de minha alma.
— Nella, preciso mesmo descansar e se acaso transasse mais uma vez acabaria
morrendo nessa cama! Mas, deixo registrado a minha promessa em breve! Viva
e verás!
— Não o quero morto, pode ter certeza disso e aceito o desafio. — brinco,
batendo na madeira do criado-mudo.
— Então, sugiro que guarde suas energias para a ocasião. — deita sua cabeça em
meu colo e meus dedos pousam em seus cabelos sedosos, os acariciando bem
devagar.
— Enzo... — o chamo para lhe contar o que descobri sobre Clara. — parece que
ela aceitará o convite para sair com o capo de meu marido.
— Hum... — responde manso e bem devagar.
— Você sabia que Domênico convidou Clara para sair? — enrolo uma mecha de
seus cabelos em meus dedos e a mantenho ali.
Segundos de silêncio e nada de Enzo dizer alguma coisa.
— Enzo... — pendo meu pescoço em sua direção e a imagem que vejo chocaria
qualquer inimigo desse homem tão temido e desconhecido para muitos.
Meu marido adormece em meu peito com a boca entreaberta em um sono pesado
que o deixa com uma aparência de garoto quase inocente, deliciada com essa
imagem, fico ali acariciando seus cabelos, velando por seu sono como se o
tempo não importasse para mim e sim, apenas ser testemunha de que ele, um
homem poderoso, tem seus momentos em que precisa recarregar as suas energias
como qualquer mortal.
*****

Enzo
Abro meus olhos que insistem em permanecerem fechados. Ao meu lado,
Antonella dorme tranquila e profundamente. Me levanto devagar e me
encaminho para o banheiro, onde depois de um banho me encaro no espelho e a
imagem refletida me assusta. Meus olhos estão fundos e as olheiras
sobressalentes denotam todo meu cansaço. Me troco e instantes depois, desço
para a sala de refeições.
Não encontro ninguém à mesa e sozinho tomo meu café, logo, ouço passos na
escada e minha mãe se junta a mim. Não preciso mencionar que seu olhar
observador captou o que eu não quero que seja descrito.
— Que cara e que olheiras são essas, meu filho? — coloca o guardanapo em seu
colo e a seguir corta um pedaço de queijo.
— A mesma cara de todos os dias, Dona Adele. — quando penso que ela se dá
por satisfeita com a minha resposta, sua audácia me lança outra resposta ainda
mais desafiadora.
— Não, mesmo! Você está com cara de quem precisa urgentemente de uma boa
gemada, figlio mio! — zomba sem, ao menos, ficar vermelha.
Irritado, saio pelo jardim à procura de Domênico e Isaiah, temos um assunto a
tratar no Brooklyn e preciso que os dois me acompanhem, os avisto conversando
e antes de me aproximar, opto por esconder minhas olheiras antes que elas sejam
alvo de brincadeiras indesejáveis. Repasso as minhas ordens dando-lhes as
costas para entrar no carro onde Fabrízio nos espera e meu sistema auditivo
aguçado capta a piadinha sussurrada e sem graça de Domênico a Isaiah.
— A coisa foi feia ontem, o homem está mais gasto do que a cela do cavalo de
São Jorge! — de imediato, viro e disparo:
— O que disse Domênico? — pigarreia com a maior cara de pau e responde,
segurando seu riso.
— Não podemos nos esquecer de passar na loja do senhor Jorge!
Finjo que acredito no que acabei de ouvir e faço sinal com minha mão para que
entremos no carro e mesmo através de minhas lentes escuras, posso ver nos
olhos de Fabrízio, Domênico e até na cara de Isaiah o deboche estampado sobre
a minha noite anterior.
A minha ragazza terá o troco que merece! Ela que me aguarde!!
Desastrosa Serenata

Enzo
Nunca fui um homem de deixar que as coisas passassem por mim em branco.
Anos dedicados à Cosa Nostra me serviram como alerta e guia contra pessoas
que atravessam nossos caminhos de maneira sutil e se imaginam imunes a
qualquer tipo de retaliação... Esse é o caso de Nicolò Caputti.
Um testa de ferro usado por Fanesi e que agora, sem as asas de sua proteção se
encontra totalmente vulnerável, avisado de que seu chefe fora pego, Nicolò fugiu
de sua casa em Long Island e usando de uma identidade falsa procurou abrigo
em um hotel simplório no Brooklin, sua ideia é fugir para Cuba em um avião
fretado daqui a dois dias, mesmo com todo cuidado, Nicolò acabou sendo
monitorado e não foi difícil rastrear seus passos na identificação de seu
paradeiro.
Nesse momento, Fabrízio estaciona o carro a poucos metros do local e
acompanhado de Isaiah e Domênico, caminho para a porta pintada de verde com
um letreiro em neon vermelho, todo danificado. Na calçada, bem em frente ao
estabelecimento, dois homens, que me parecem serem hóspedes, acendem seus
cigarros e iniciam um diálogo sobre carros, passamos por eles rumo à recepção e
nos deparamos com um homem já idoso, calvo, magro e infeliz, ele seria o que
restou de um homem frustrado por não realizar nenhum de seus sonhos e acabou
nesse hotel de quinta categoria como um mero recepcionista. A cópia do fracasso
estampado bem diante dos meus olhos, com muita calma, me aproximo do
sujeito que continua a fazer suas anotações.
— Bom dia. — o velho ergue a sua cabeça, me encarando com seus
olhos avermelhados e cansados.
— Bom dia. — diz com um sorriso assustador, digno de nenhuma confiança. —
Em que posso ajudar?
— Procuro por esse homem. — respondo, sem tirar meus óculos escuros. Mostro
a foto de Nicolò e sua atenção se desvia para o retrato e em seguida, para os
homens que estão ao meu lado.
Por mais estúpido que ele possa ser, na certa, deve ter a noção de que não vim
em missão de paz. Automaticamente, sem nenhum questionamento ou opinião,
aponta a escada que dá acesso aos quartos.
— Quarto 303, segunda escada à esquerda.
— Obrigado. — me afasto devagar e com as mãos nos bolsos de meu paletó,
sigo na direção indicada por ele seguido por Isaiah e Domênico.
Subimos cada degrau da escada com muita cautela, pois não sabemos o que nos
aguarda em cada um deles. No chão, um tapete azul gasto pelo tempo e sujo pela
falta de limpeza cobre a velha madeira do corredor, onde não há sinal de nenhum
segurança a serviço de Nicolò, esse lugar me fez lembrar o hotel onde flagrei
Alessio traindo Donatella com uma mulher qualquer, balanço a cabeça e apago a
lembrança daquele fraco inútil.
Parados em frente a frágil porta pintada de marrom com uma pequena placa
indicando o número 303, sacamos nossas armas e Domênico fica encarregado de
abrir a porta, com sua habilidade ímpar, a fechadura se abre em segundos nos
colocando dentro do pequeno quarto azul com manchas de mofo por toda
parede. Meus olhos buscam a figura de Nicolò em cada canto do aposento e em
nenhum deles o farabutto é encontrado.
— Ele não deve demorar. — comenta Isaiah, verificando atrás da cortina
empoeirada enquanto Domênico, ajoelhado, olha embaixo da cama.
A porta do banheiro entreaberta chama a minha atenção e quatro passos adiante
me colocam diante dela. Cautelosamente, a empurro e uma cena comum entre
delatores da máfia é exposta diante de meus olhos demonstrando até que ponto
alguns homens chegam em resposta à sua conduta. Mais um passo e a figura
pálida de Nicolò, nu dentro da banheira com ambos os braços estendidos para
fora dela, seus olhos não exprimem nenhuma reação e seus pulsos cortados
jorraram seu sangue até a concretização de sua morte. Sabendo que foi
descoberto, essa foi a maneira que ele encontrou para escapar da punição que
seria submetido, ele me manda um recado através de seu suicídio e aqui dentro
desse banheiro enlameado de sangue, a sua dívida para com a minha família foi
quitada com um preço alto, a própria sua vida.
Na Roma Antiga, os traidores que cometessem o suicídio poupavam a sua
família de qualquer malefício vindouro por parte do oponente, sendo assim,
Nicolò se suicidou sabendo que, quase que como um código moral, nossa família
acataria essa lei deixando sua família viver em paz sem o peso de nossa mão
sobre ela.
Ele teve a mesma conduta de Pentagalli no filme O Poderoso Chefão, esse
personagem se mata cortando seus pulsos em uma banheira tendo a certeza de
que Michael Corleone cuidaria de sua família em razão de seu suicídio. Suspiro
e dirigindo meus olhos para Isaiah e Domênico, erguendo meus
ombros, impotente, não havendo mais nada a se fazer, nos resta deixar que os
que se preocupam com Nicolò lhe deem um enterro decente, ou seja, a sua
família.
Chamamos o gerente do hotel que ao entrar no banheiro mantém seus olhos frios
na imagem de Nicolò morto em meio à água avermelhada da banheira e isso me
faz pensar que esse homem deve ter presenciado coisas muito piores no decorrer
de sua vida como gerente desse pardieiro.
Saímos do Brooklin e no caminho de volta para casa, Domênico quebra o
silêncio dentro do carro.
— Enzo, irá precisar de meus serviços logo mais à noite? — sério, retira seus
óculos e o guarda em seu bolso. O encaro, respondendo prontamente.
— Dadas as circunstâncias, acredito que não teremos nenhum imprevisto que
necessite de sua presença. — coço a ponta do meu nariz e aproveito para rebater
a piada de horas atrás. — Exceto que ainda não passamos na loja do tal senhor
Jorge. — Isaiah segura o riso e Domênico revira os olhos.
— Desculpa, chefe! — observa, erguendo as mãos pedindo desculpas pelo seu
comentário.
—Tem sorte de que eu me encontre em um bom estado de humor, do contrário,
faria com que engolisse cada sílaba da sua piadinha, Domênico.
— Entendido. — faz uma pausa. — Mas voltando à minha pergunta, irá precisar
de mim, hoje à noite? — franzo meu cenho.
— Não, não precisarei de seus serviços.
— Ótimo. — bate uma mão na outra e as esfrega todo satisfeito.
Conhecendo meu capo e a intenção por detrás da sua pergunta, resolvo interferir
no caso como um cunhado que se preocupa verdadeiramente com a irmã de sua
esposa.
Ajeito meu corpo no banco do carro e meu recado soa direto e taxativo.
— Se souber que andou saindo com Clara por mera diversão como faz com as
mulheres que está acostumado a lidar, fique ciente de que eu o castro sem
nenhuma hesitação, Domênico.
— Hei, calma! — seus olhos se dilatam pela surpresa de minhas palavras. —
Posso não ser um cara exemplar, mas minha intenção com a garota são as
melhores possíveis, conheço a história de Clara e jamais brincaria com ela.
— Sendo assim, fico mais tranquilo, porém continuarei de olho em você. —
aponto meu indicador juntamente com o dedo médio para ele.
— Pode confiar em mim, Enzo. — e dando a sua palavra a respeito do assunto,
encerramos essa conversa ao cruzarmos o portão de minha casa.
No corredor a caminho de meu escritório, cruzo com Olga, nossa governanta e
pergunto por Antonella.
— Todas as mulheres dessa casa saíram há mais de uma hora, senhor Ferraro.
— Disseram onde iriam? — ela ajeita uma moldura na parede no mesmo
instante em que fala comigo.
— A senhora Adele disse somente que não demoraria. — sorri, timidamente.
— Obrigado, Olga.
Na certa, minha mãe, esposa e irmã estão preparando alguma surpresa em
comemoração ao meu aniversário que será daqui a quinze dias. Todos os anos,
nessa mesma época, Dona Adele faz questão de que essa data nunca passe
despercebida.
Já em meu escritório, despacho alguns papéis importantes e devido ao meu
cansaço, resolvo abandonar um pouco o trabalho e ir para meu quarto. Acredito
que descansar por algumas horas não me torna relapso e nem menos forte,
desabo na cama e em poucos minutos, pego no sono. Horas depois, acordo com
Antonella deitada ao meu lado acariciando meu rosto.
Pergunto por onde ela esteve e sua resposta esquiva comprova que ela junto das
demais farão mesmo uma surpresa em meu aniversário.

Não me resta nenhuma alternativa do que aguardar


pelo que está por vir...

Domênico
Horas depois...
Pode parecer um tanto paradoxo, um homem como eu, convidando uma garota
frágil e tímida quanto Clara para sair. Desde que ela chegou da Itália, algo em
sua personalidade chamou minha atenção de modo inquietante, porém devido a
aproximação de Brian, resolvi me manter afastado e aceitei a mera condição de
admirar uma garota à distância.
Muitas vezes em que lhe servi de motorista, tentava lhe roubar um sorriso ou até
um pequeno olhar pelo retrovisor do carro, todavia ela nunca reparou em minha
presença com o mesmo impacto que eu havia reparado na sua.
O engraçado é que Fabrízio também tentou uma aproximação um tanto discreta,
contudo foi deixado de lado quando Brian resolveu aparecer e enganar a doce
Clara, desconhecendo suas reais intenções, permaneci à espreita, torcendo na
verdade para que aquele namoro desandasse e então, pudesse me aproximar e
expor minha verdadeira intenção com ela.
Tenho noção de que Clara é muito mais jovem do que eu e que a meus anos a
mais podem ser um empecilho concreto, mas sua maturidade acaba por vedar
essa diferença gritante de tempo entre nós. Tenho 39 anos, vários
relacionamentos fracassados, ora por minha má vontade de que aquilo siga
adiante e ora por não me achar capaz o bastante para manter um relacionamento
a sério sendo fiel.
Acontece que, chega um momento na vida de um homem em que ele precisa
firmar raízes e encontrar alguém que o compreenda e que divida uma vida
comum com ele.
Foi assim com Enzo, Isaiah e por que não comigo?
Não quero, com isso, dizer que estaria perdidamente apaixonado por Clara e sim,
muito interessado e disposto a mudar meus velhos hábitos de solteiro me
tornando um namorado fiel habituado e propenso a algo sério, digno de respeito.
Sei também, que as feridas deixadas por Brian ainda estão abertas dentro de
Clara, o que torna absolutamente normal ela não confiar em nenhuma palavra
dita por mim e também, o fato de se retrair não aceitando o que tenho a oferecer,
não me impede de continuar tentando uma aproximação saudável.
Minhas experiências anteriores servirão de base para que erros banais sejam
evitados, só espero que ela enxergue em meus olhos o quanto estou sendo
sincero e otimista ao acreditar que podemos nos dar bem.
Em frente à calçada de sua casa, jogo minha goma de mascar na lixeira e sigo
para a porta principal um tanto nervoso, com as duas mãos nos bolsos, diante da
porta, hesito e antes de apertar a campainha, passo minha mão ajeitando meu
cabelo.
A tia de Clara abre a porta me cumprimentando com seu sorriso simpático,
abrindo caminho para que eu adentre em sua sala.
— Buona notte, Domênico. Entra e mettiti comodo, Clara non dovrebbe essere
lunga.[577]

— Boa noite, senhora Martina. — respondo em italiano.


Educada, ela me pergunta se desejo beber alguma coisa e mais educado ainda
respondo que não, Martina parece querer me dizer algo e se restringe a apenas
uma pergunta corriqueira.
— Posso sapere il dove stai andando? — sua preocupação com sua sobrinha
[578]

acaba sendo maior que sua indiscrição, por essa razão, respondo sem parecer
incomodado com a pergunta.
— Sì. — pigarreio, completando a frase. — Andiamo in un ristorante a
Manhattan. [579]

— Zia!!! — Clara surge na sala e pelo visto, não deixa de ouvir a nossa
conversa. — Che indiscrezione è questa? [580]

— Mi scusi, Doménico, non fraintendermi. — diz Martina.


[581]

Pelo canto de meus olhos, posso reparar no quanto Clara está bonita, usando um
vestido azul escuro de mangas compridas, ela deixa transparecer seu jeito
recatado. Seus cabelos soltos emolduram seu rosto perfeito e em sua boca, um
batom vermelho que faz minha mente pensar em uma única coisa, provar seus
lábios bem devagar para degustar o gosto doce de seu beijo.
— Você está muito bonita! — sem jeito, procuro não a assustar com meu jeito ao
encarar seus olhos.
— Grazie. — abre seus lábios e essa reação demonstra que estou indo pelo
caminho certo.
Pergunto se já podemos ir, pois foi muito difícil conseguir uma reserva em um
local agradável com vista para o jardim de esculturas do MOMA. Descobri
[582]

através de Antonella que Clara tem uma paixão por arte e devido a isso, escolhi
o restaurante chamado, O Moderno em Manhattan.
Ela se despede da tia que a abraça e sussurra algo inaudível para mim já que
estou perto da porta principal, com um leve aceno com a mão me despeço de sua
tia.
Espero ter passado no primeiro teste.
Lado a lado, estendo meu braço e caminhamos pela calçada, Clara não faz mais
uso de sua bengala, mas seus passos ainda lentos demonstram que há um longo
percurso a ser percorrido rumo a um caminhar seguro.
Chegamos em meu veículo, abro naturalmente a porta e ao se virar para adentrar
o veículo, uma mecha de seus cabelos esbarra em meu rosto, espalhando o seu
perfume sem querer.
Em frente ao restaurante, o manobrista leva meu veículo ao estacionamento e
novamente, ofereço meu braço a ela que o aceita de bom grado. O local está
lotado e logo somos encaminhados à nossa mesa, onde fazemos nossos pedidos e
enquanto aguardamos a sua chegada conversamos sobre assuntos mais do que
agradáveis.
Clara possui uma leveza gostosa no falar, ainda que use suas mãos para
gesticular o tempo todo e seja entusiasmada com seu sotaque italiano, sempre
arrisca algumas palavras em inglês e acabamos rindo pelo resultado desastroso
com as frases formuladas. Nossa conversa foi regada a um bom vinho, uma
excelente comida e muitos risos, todavia, em determinado momento, achei que
era hora de ser direto expondo as minhas reais intenções.
Clara fechou seus lábios, ao mesmo tempo que soltou uma extensa lufada de ar,
para disfarçar meu constrangimento, se porventura levasse um belo não, meus
dedos se comprimiram no tecido do guardanapo ao lado de meu prato. Foi
a maneira mais discreta de me manter firme e esperar por sua reação.
— Domênico, prima di tutto, puoi rispondere a una domanda? — seus dedos
[583]

brincavam com a borda de sua taça de vinho.


— Certo, sì! — respondi mais do que depressa.
[584]

— Voglio davvero sapere perché hai deciso di chiedermelo. — fez uma pausa,
[585]

encarando meu rosto como se quisesse desvendar a resposta muito antes que ela
saísse de minha boca.
— L'ho sempre trovato interessante, se è quello che vuoi sapere, e non ho preso
l'iniziativa di invitarla prima perché c'era Brian. — fui o mais sincero que
[586]

pude.
— Non voglio pensare che mi faresti un favore, uscire con me per pietà per
quello che è sucesso. — a encarei firme e fiz com que seus olhos absorvessem
[587]

a força e veracidade de minhas palavras.


— Brian era un bambino sadico e infelice. — estiquei minha mão alcançado a
[588]

sua e para minha surpresa, Clara não a retirou dali. — Non riusciva a vedere
quello che qualsiasi uomo normale vedrebbe di te, perché la sua ossessione lo
rendeva cieco e freddo. [589]

— Mi ha preso in giro. — atestou o que estava cansado de saber. — Mi è


[590]

davvero piaciuto. — subitamente, desviou seus olhos para uma outra mesa
[591]

ainda vazia.
— Clara, guardami. — devagar, seus olhos se encontram com os meus e a
[592]

inquietude mesclada ao medo de ser ferida de novo invade o seu interior.


— Sto guardando. [593]

Expliquei por A mais B que em meus princípios básicos em relação à uma


mulher, não caberiam esse tipo de conduta, aleguei que nunca saí com qualquer
garota por piedade ou algo do tipo. Deixei claro também que minha fama não era
nenhum pouco digna de orgulho e que daria toda a razão se ela acaso me
desprezasse, não gostaria que usasse uma comparação com um homem morto
antes mesmo de perder a vida. Nem mesmo em meus defeitos mais notórios
haveria a possibilidade de me aproveitar de uma mulher que se sente tão frágil e
carente, se ela me quiser de fato, sua carência seria sanada com a certeza de meu
interesse sólido em todo o seu ser e nossa relação seria baseada principalmente
em algo direto e nunca com rodeios que escondem verdades importantes.
Ao ouvir todo meu discurso, um sorriso envergonhado, porém lindo, escapou de
seus lábios e me deixaram mais à vontade, ainda segurando a minha mão, Clara
finalmente me diz que estaria disposta a tentar.
Senti algo diferente ao levar sua mão em meus lábios e beijá-los com carinho,
esse "sim" de Clara não pode ser comparado as noites com mulheres vazias e
sexo sem nenhum comprometimento.
Saímos do restaurante e na calçada, não resisti e acabei juntando seu rosto entre
minhas mãos e enfim pude sentir o gosto tão desejável de seus lábios, em
resposta, ela enlaçou seus braços ao redor de meu pescoço emoldurando seu
corpo ao meu retribuindo meu beijo e oferecendo sua boca timidamente.
Contido, acompanhei seu ritmo e ao me afastar percebi que seu coração batia
acelerado. Qual foi a minha surpresa ao me sentir um adolescente segurando a
respiração ao beijar pela primeira vez.
Dentro do carro a caminho de sua casa, Clara permaneceu com a cabeça deitada
em meu ombro e ao estacionar o carro, a iniciativa de outro beijo partiu dela.
Inacreditável ou não, pretendo ir com muita calma e deixar que ela se sinta
segura o bastante para permitir que algo mais íntimo aconteça entre a gente.
Pela janela da sala de sua casa, a sombra de um corpo transparece atrás da
cortina, Martina ainda acordada espera pela chegada de sua sobrinha.
—Tenha uma boa noite. — digo em italiano.
— Você também. — rebate em inglês com seu sotaque inconfundível. — beija
de leve meus lábios e sai do carro.
Espero que ela entre e muito devagar saio com meu carro pelas ruas calmas de
Delevan Lane. Ao olhar pelo retrovisor, um sorriso bobo instalado em meu rosto
mostra um garoto que acaba de conquistar a menina mais doce que já conheceu...
Antonella
Dias depois...
A promessa de uma viagem feita por Enzo, por incrível que pareça, teve que ser
adiada, surgiram alguns imprevistos que necessitaram da presença de meu
marido para que tudo fosse resolvido da melhor maneira possível. Acabamos por
decidir que nossa segunda lua de mel ficará para a próxima primavera, assim
como aquela promessa de meu mafioso em me deixar de pernas bambas.
Hoje, Enzo faz 36 anos, não sou muito boa em organizar festas, ainda mais se ela
tiver que se manter sigilosa, pois minha face parece denunciar em letras
estampadas o que está por vir.
Acabamos optando por algo muito simples como um pequeno jantar em família,
houve momentos de muita emoção, onde o senhor Victório, o mestre dos brindes
que nos fazem chorar, desempenhou mais uma vez o seu papel e arrancou
lágrimas de todos ao celebrar mais um ano da vida de Enzo.
Como presente para meu mafioso decidi escolher algo inusitado, um relógio
clássico de bolso muito antigo e mandei gravar as iniciais de seu nome na parte
superior externa do objeto e na parte interna uma pequena frase em italiano que
faz todo sentido a nós dois.
"Il nostro amore ha il tempo di diventare eterno.”[594]

Ao abrir e ler a inscrição, Enzo não disfarça a sua emoção e me beija diante de
todos que aplaudem seu gesto efusivo.
Donatella se encontra em estado de pura felicidade, Isaiah, há uma semana,
pediu sua mão em casamento ao patriarca da família. Os dois farão uma
cerimônia restrita aqui mesmo na mansão e poderão finalmente ficar juntos
como tanto almejam, Enzo também felicitou a irmã desejando aos noivos muitas
felicidades.
Às vezes, quando fecho os meus olhos, parece que estamos vivendo algo surreal,
depois de tudo o que passamos, a tranquilidade assentou em definitivo ao nosso
redor e desfrutamos de uma paz que não tem preço.
Clara resolveu colocar suas esperanças em seu novo namoro com Domênico e
ele me parece empenhado ao máximo em fazer minha sorella feliz.
Estamos em dezembro e daqui alguns dias comemoraremos o Natal, há enfeites
coloridos por todos os lados da casa e em seus arredores, a neve, às vezes, nos
presenteia com uma paisagem magnífica e fico imaginando que nos próximos
anos mais um integrante da família brincará lá fora fazendo bonecos de neve
junto de Letízia e Pietro. A chegada de Victório Netto é esperada com muita
ansiedade por todos da família, principalmente por Enzo que em nossos
momentos a sós, acaricia minha barriga e fala com nosso filho como se ele
pudesse compreender suas palavras de carinho, Enzo não vê a hora de segurar
nosso bambino em seus braços.
A chegada de meu bebê está prevista para o final de maio e começo de junho,
não nos resta alternativa a não ser aguardar com paciência para extravasarmos
todo nosso amor ao nosso primeiro filho, o fruto de uma união conturbada, mas
de uma paixão indiscutível.
*****
Meses depois...
Estamos em maio, é o dia do meu aniversário e com ele, presumo que altas
surpresas estarão por vir.
Passei o meu dia um tanto indisposta, deitada em meu quarto, no jantar, Adele e
minha tia Martina fizeram questão de entrarem segurando um enorme bolo com
velas acesas. Meu sogro, mais uma vez, foi até a sua adega e de lá trouxe não
somente uma, mas várias garrafas para comemorarmos a ocasião, levantamos um
brinde e eu, provei um pequeno gole da bebida, pois em meu estado, álcool deve
ser evitado.
Mais tarde, sozinhos em nosso quarto, Enzo caminha para o seu closet e volta
instantes a seguir com uma caixa aveludada em sua mão.
— Vire-se. — diz ao me ver sentada na beirada da cama.
— Mais presentes? — inquiro, ajeitando meu cabelo, deixando meu pescoço
livre para suas mãos que ajeitam o colar em meu colo.
— Minha ragazza merece muito mais do que isso!
Passo as mãos pelo colar, tocando as pedras, devagar, Enzo me segura pelo
cotovelo e me leva diante do espelho do banheiro. A joia é lindíssima e de
extremo bom gosto como tudo em meu marido.
Um colar cravado em brilhantes.
— É magnífico, Enzo! — respondo, boquiaberta pela magnitude da peça.
— Isso sim é magnífico! — sorri para mim frente ao espelho, alisando minha
barriga e distribuindo beijos em meu pescoço.
Seu hálito cheira a vinho e seus olhos estão estreitos pelo consumo abusivo feito
durante o jantar. Viro meu corpo, me colando a ele e busco por seu beijo quente.
Infelizmente, estamos em uma fase onde sexo é estritamente proibido.
— Vamos para cama? — pergunto.
Seu cenho se fecha e um sorriso maroto aparece em seus lábios estreitos.
— Hum, só para dormir? — aperta meus quadris com suas mãos.
— Engraçadinho. — roça seu bigode em meu queixo me fazendo estremecer
com esse toque em minha pele sensível.
Ele me ergue em seus braços e me deita na cama com todo cuidado, seus cabelos
desalinhados o deixam displicentemente mais charmoso, se deita ao meu lado e
antes que sua boca chegue até a minha o seu celular toca. Resignada, não
disfarço minha indignação ao ser interrompida na noite de meu aniversário, Enzo
se levanta e atende o celular tonalizando a voz mais baixa do que o normal. Fala
pouco e segundos depois desliga seu celular.
— Surgiu um problema e o meu dever me chama. — olha em seu relógio e volta
seu olhar para mim.
— Esses deveres deveriam saber que hoje você era só meu.
— Meu dever sabe muito bem que sou somente seu. — arrumo meu travesseiro
e ergo meu corpo recostando na cabeceira.
— Isso me consola.
Pega a sua carteira e me dando um beijo leve nos lábios, se despede com a
promessa de que não irá demorar. Me deito na cama e não demoro a pegar no
sono.
Duas horas depois, remexo meu corpo e abrindo os olhos calmamente, me dou
conta de que Enzo ainda não voltou, sua promessa parece ter sido quebrada e
inquieta faço um pensamento positivo para que ele esteja bem e volte sem
nenhum arranhão para casa.
De repente, algumas vozes alteradas me despertam por completo. Dentre elas, a
voz de Enzo parece se destacar e me deixa irritada ao imaginar que ele saiu de
casa e andou bebendo ainda mais.
O que ele pensa que está fazendo?
— Antonella, amore mio! Parabéns!
Saio da cama e descalça caminho até a porta que dá acesso à sacada, o som de
instrumentos são dedilhados e uma canção italiana muito antiga ressoa pelo
jardim, ao me debruçar no parapeito, meus olhos não creem no que acabam de
testemunhar.
Enzo, desalinhado em seu paletó azul, com a camisa branca entreaberta e gravata
jogada sobre os ombros, segura um botão de rosa na mão esquerda e uma garrafa
de vinho na direita.
O pior de tudo é que ele resolve soltar a voz e cantar a música, Io che amo solo
te do Sergio Endrico.
Enzo é perfeito em qualquer circunstância, porém cantando é a coisa mais
horrorosa e desafinada que já pude ouvir, para completar a cena cômica e
trágica, ele não está só. Isaiah toca um violão e para que Enzo não o veja rindo,
ele permanece logo atrás de seu cunhado com os lábios estreitados e o rosto todo
vermelho coberto por um sombrero e Domênico não fica atrás com seu
[595]

desafinado banjo, seus óculos escuros lhe servem como escudo e quando me vê
na sacada retorce seu pescoço para trás e finge tossir para poder rir mais à
vontade. Enzo continua soltando sua voz e eu respiro fundo segurando o ar com
uma insistência ímpar, pois não posso rir e estragar o que talvez para meu
marido seja uma serenata romântica, ele deve ter consumido muito vinho para
ter chegado a esse ponto de se expor no jardim para quem quer que seja.
Alguns funcionários acendem as luzes de seus aposentos e saem para ver o que
está havendo, essa cena será guardada em minha mente e contada aos nossos
filhos e netos. Ouço Pietro e Letízia adentrarem pelo meu quarto e se jogarem
em minha cama aos risos ao ouvirem o tio cantando, aliso minha barriga e com
os olhos direcionados a ela, digo ao meu bambino.
"A gente o ama assim mesmo, não é Victorio? "
Jogo um beijo a Enzo como agradecimento pela tentativa em ser romântico e
subitamente, Donatella grita do quarto ao lado:
— Enzo, pelo amor de Deus!!!! — ela abre a sua sacada. — Papai e
mamãe estão aqui morrendo de rir de sua desafinação! Por clemência, pare com
isso, ou então, terei que jogar água em você! — ele para no mesmo instante
encarando a irmã sincera.
— Só queria fazer uma surpresa para Antonella.
— Adorei, meu amor! — digo, sorrindo.
Segurando meu riso, faço um sinal para Enzo e descendo as escadas o encontro
no jardim, abraço meu lindo mafioso e antes que ele queira cantar outra canção,
o levo para o quarto e o coloco sobre o chuveiro frio. Mais sóbrio, o deito na
cama e agradeço a surpresa um tanto desastrada.
— Nunca mais farei serenata para você! — diz em sinal de deboche.
— Olha, não ia dizer nada, mas já mencionou, acho que essa sua ideia não deu
muito certo. Na dúvida, contrate um profissional! — toco seu rosto e ele beija a
palma de minha mão. — Há coisas que você sabe fazer melhor do que qualquer
outro.
— Como... — encara meu rosto e deixa a pergunta no ar com ar de malícia.
— Você sabe a que me refiro... — mordo meu lábio e o encaro da mesma
maneira.
Seus dedos tocam a alça de minha camisola, descendo pelo meu ombro, substitui
o toque de seus dedos pela aspereza de sua barba e a audácia de sua boca.
— Veremos...
Sua boca desvenda meu corpo e em cada canto ele me mostra o quanto sou
amada e desejada por ele...
Nostro Bambino

Enzo
Dias depois...
Com a morte de Ignácio, meu pai assumiu o papel de meu Consigliere. Nada
mais justo, vindo de alguém com experiência e que dedicou várias décadas da
sua vida à Cosa Nostra e nessa nova posição ocupada por ele e em nenhum
momento, tenho algum privilégio por ser o seu filho, isso torna Victório Ferraro
mais respeitado por mim e pelos outros membros da Família Ferraro.
Oferecemos um posto de capo a Isaiah, porém sua recusa justificada e imediata o
manteve na posição de chefe de nossa segurança e mais do que isso, futuro
marido de minha irmã, eles se casarão em junho e então Isaiah se torna meu
cunhado oficialmente.
É noite e estando sentados em meu escritório, ouvimos com atenção o relato de
Domênico.
— Segundo informações, Paladino está jogando com os dois lados. — deposita
sua xicara de café de volta à bandeja sobre a mesa. — Com isso, lucra com a
nossa família nas casas de jogos e em outras transações como o tráfico de
drogas, além de acabar ganhando algum por fora com os chineses. — Domênico
narra tudo o que conseguiu recolher nas ruas a respeito de mais um sujeito que
acredita que pode me enganar.
Meu pai mantém seu rosto apoiado sobre seu cotovelo e ouve atentamente cada
palavra dita por nosso capo, antes de expressar a sua opinião, um longo suspiro
escapa por suas narinas.
— Bem, não nos resta outra opção senão a de ensinar a esse aprendiz de ladrão
como funcionam as coisas em Nostra Famiglia. — direciona o seu olhar
vigoroso para mim. — Não é, Enzo?
— Com toda a certeza, Victório. — é assim que ele gosta de ser tratado quando o
assunto é negócios.
Como sempre, a última palavra sempre foi a de meu pai e será assim um dia
comigo, esse costume que muitos condenam nada mais é que o reflexo de uma
sociedade patriarcal indissolúvel por muitas e muitas gerações, a qual me
orgulho de fazer parte.
Não há alternativa a não ser encurralar Paladino e mostrar que o exemplo de seu
destino serve como diretriz para os demais que, porventura, tencionem nos
passar a perna.
— Bem, o que estamos esperando? — bato minhas mãos nos joelhos, me
levantando de súbito. — Quero ter uma conversinha com Paladino ainda hoje. —
Domênico imita meu gesto se colocando em pé, enquanto Isaiah ajeita sua arma
na cintura.
— Sabe onde podemos encontrar Paladino? — verifico em meu relógio a hora já
tardia. Ouço o pigarrear de Domênico antes mesmo de atestar sua resposta.
— Paladino costuma frequentar uma casa noturna muito famosa no Brooklyn, a
Casa do Sim. — sustentando uma expressão impassível, meu pai também se
levanta.
— Casa do Sim? Que diabos de lugar é esse? — pergunta, agora, indignado.
— Uma casa de shows não muito comum. — Domênico se antecipa, sustentando
sua cara desprovida de alguma seriedade.
— Comum ou não, temos que ir até lá e certificarmos de sua presença ali. —
atesto. — Levaremos mais alguns homens conosco. — na sequência, caminho
até a porta.
— Volto em cinco minutos. — olho em direção a todos. — Isaiah vamos sem
Fabrízio. — deixo explícito que meu motorista ficará a encargo de minha
família.
Saio do escritório à procura de Antonella que a essa hora se encontra dormindo,
antes de cumprir meu dever, gostaria de saber como ela está se sentindo, pois há
qualquer momento minha ragazza poderá entrar em trabalho de parto.
Entro em nosso quarto na ponta dos pés e sem fazer barulho algum me aproximo
da cama onde ela dorme profundamente com o rosto afundado em meu
travesseiro, minha mão delicadamente alcança seu rosto acariciando sua pele
macia. Por instinto, move seu corpo para o lado oposto em que se encontrava,
expondo sua enorme barriga envolta por sua camisola.
Abaixo e rente ao seu ouvido, roço meus lábios sobre seus cabelos perfumados.
— Como está se sentindo? — solto minha voz em um murmúrio com pena de
acordá-la.
Durante todo o dia, Antonella parecia indisposta e abatida, cheguei a levá-la à
clínica do Dr. Klaus para certificarmos de que tudo estava bem. Segundo ele, o
bebê está encaixado e pronto para vir ao mundo a qualquer hora.
Segura minha mão e a leva em direção aos seus lábios macios.
— Estou bem, não se preocupe. — sua voz e mansa, porém exala cansaço.
Ela se afasta na cama e em seguida, me puxa para que me sente ao seu lado.
Acaricio seus cabelos os enroscando devagar entre meus dedos.
— Infelizmente, terei que sair. — pressentindo um protesto que não vem,
adianto meu argumento. — Não me ausentarei por muito tempo, prometo.
— Sem problemas, amore mio. — o timbre de sua voz sonolenta impulsiona
uma vontade imensa e impossível de tê-la sob meu corpo no momento. —
Acredito que Victório não chegará durante esse final de semana. — alisa seu
ventre devagar e minha mão cobre a sua numa carícia totalmente paternal.
Pendo meu pescoço e minha boca toca a sua buscando seus lábios bem devagar.
Audaciosa, uma de suas mãos penetra em meu cabelo flexionando meu pescoço
e colando ainda mais a minha boca na sua.
— Não demore. — rebate rouca ao se afastar resfolegante. — Estaremos
[596]

esperando por você. Tome cuidado. — seu olhar sério me adverte.


— Volto logo e qualquer coisa é só me ligar que virei o mais rápido que puder.
— beijo sua mão.
— Pode ir tranquilo, meu mafioso favorito. — pisco com ar brincalhão.
— Se sou o favorito, quero saber o nome do maledetto concorrente.
Seu sorriso se alarga em seu fatigado rosto e nesse exato momento um
pensamento fúnebre perpassa pela minha consciente ansiosa.
Que durante esse parto tudo ocorra bem, do contrário, sofreria uma devastação
irremediável em minha alma e minha vida perderia todo seu sentido.
Perder Antonella seria a minha autodestruição...
— Pois saiba que não há ninguém que se equivale a você, Enzo Ferraro.
— Assim, fico mais tranquilo. — aperto seu nariz entre meus dedos. — Mas é
sempre bom me manter na retaguarda. — ela se senta na cama e enlaça meu
pescoço em seus braços.
— Quanto antes você for, mais cedo voltará para mim, não acha? — passa seu
indicador sobre minha boca fazendo seu contorno.
E acatando o seu pedido, beijo mais uma vez os seus lábios e me despeço. Saio
do quarto, descendo célere as escadas, a figura de meu pai me espera no primeiro
degrau, apoiado ao corrimão. Ao passar por ele, um sobreaviso.
— Cuidado com os chineses, Enzo. Esses homens costumam ser vingativos é
agem sorrateiramente pelas costas de quem os desafia.
— Não iremos mexer com os chineses, nossa desavença é com Paladino. —
justifico.
— Confio em você, plenamente, não nos chineses.
— Obrigado, meu pai. — deposito minha mão em seu ombro direito. — Não
devo demorar e se algo sair errado, cuide de Antonella por mim. — seu cenho se
fecha e através das lentes de seus óculos, seu olhar atravessa o meu acoplado da
mais terrível reprimenda.
— Que conversa mais idiota é essa? — solta, ríspido. — Não chegamos até aqui
para ouvi-lo dizer esses disparates!
— Tudo pode acontecer. — dou de ombros. — Sabemos mais do que ninguém
que em nosso mundo, a morte nos espera em cada esquina.
— Se ela está em casa esquina, cabe a nós desviarmos de sua rota e quando o
inevitável acontece é porque de fato chegou a nossa vez! — junta meu rosto em
suas firmes e velhas mãos.
— Cuidaria de Antonella mesmo que não me pedisse para tal. Também sei que
não teria força suficiente para vê-lo em um caixão. — encosta sua testa na
minha. — Sou um homem que resiste com bravura a quase tudo, menos a perda
de quem eu mais amo nessa vida. — beija minha testa. — Você, o meu filho
querido. — completa com a voz embargada. — Nunca mais diga esse tipo de
tolice, Enzo!
— Desculpa. — suspiro profundamente. — Antes que eu saía por aquela porta,
imaginava meu corpo blindado em aço, quase inatingível. — faço uma pausa e
meu pai sabe a que me refiro. — Não tinha receio algum se acaso acontecesse
algo comigo, porém de uns tempos para cá, algo mudou e não sei se estou me
expressando muito bem. — continua a me encarar e seu lábio se retorce num
sorriso. — Não estou sendo covarde, mas é...
— Isso não se assemelha a covardia! — fala com toda a sua sabedoria tão bem-
vinda. — Isso significa que você se tornou um homem de família e se sente cada
vez mais ligado e responsável por ela. — desarruma meu cabelo. — Passei por
essa mesma sensação há muitos anos, meu filho.
— Então sabe como me sinto.
— Tanto sei que o respeito e me orgulho por vê-lo se transformar tanto.
— Sendo assim, só me resta cuidar do dever que me chama! — para não trazer
preocupações desnecessárias, opto por mudar de assunto.
Na garagem, Isaiah e Domênico esperam com mais dois dos meus melhores
soldados, seguimos para o Brooklin e vinte minutos depois estacionamos na
Avenida Wyckoff em frente a incomum Casa do Sim.
— Tem certeza de que é aqui? — pelo vidro do carro examino a área e a casa
noturna com meus olhos duvidosos.
— Sim, tenho. — afirma Domênico.
Sem mais alternativas ou objeções adentramos o recinto acompanhados de meus
outros dois homens, ao pisarmos em uma das alas, as pessoas nos olham como se
fôssemos extraterrestres prestes a tomar o local. Não é para menos, pois o que
três homens trajando ternos escuros estariam fazendo em um ambiente todo
colorido como esse?
O que um homem como eu estaria fazendo nesse lugar? Enzo Ferraro
procurando um traidor em uma boate gay.
Domênico corre seus olhos ao redor e depois os volta para mim.
— Lugar animado, não? — diz, sem jeito.
— Muito animado. — rebato retorcendo meus lábios. — Vamos procurar
Paladino e sair o mais depressa daqui!
— É uma ótima ideia. — fala Isaiah fechando a cara para uma drag queen que
passa por nós e acaba tocando em seu ombro e falando uma frase provocativa.
Momentos mais tarde, nos dividimos e cada um fica responsável por vasculhar
uma área específica, mesmo sendo minucioso em minha busca ela se torna sem
sucesso. Não há nem sinal de Paladino no local.
Meu celular vibra dentro de meu paletó e ao segurá-lo em minha mão o nome de
Antonella aparece no visor fazendo meu coração bate acelerado.
— Ragazza, o que houve? — do outro lado, sua respiração acelerada faz com
que sua fala saia com muita dificuldade.
— Enzo, minha...
O barulho local dificulta e muito para que eu possa ouvir o que Antonella tenha
a dizer. A algazarra, vozes estridentes são um empecilho para que eu possa ouvi-
la e tudo fica ainda pior quando o DJ solta uma música que faz com que as
pessoas gritem, assoviem e cantem ainda mais animados.
— Nella, não estou lhe ouvindo, fale mais alto! — quase grito ao celular.
— Que música é essa? — não consegue disfarçar a sua inquietude. — Onde
você se meteu?
— Se lhe disser que seu mafioso favorito está nesse exato momento procurando
uma pessoa em uma boate gay, você acreditaria? — sua risada é acompanhada
de um tímido gemido de dor.
— Porca miséria! Enzo! Não posso rir!
— Não estou me divertindo, pode ter certeza!
— Ainda bem. Não ficaria nada feliz se estivesse todo animado cantando a
música I will survive, da Gloria Gaynor. — isso me faz rir. Sem mais, fica em
silêncio por segundos...
— Enzo, minha bolsa estourou! — diz, buscando fôlego. — Victório irá nascer!
— olho ao redor e sinalizo para que Isaiah se junte a mim.
— Estou indo para casa, espere aí. — engulo seco ao imaginar que meu filho
está chegando ao mundo. O momento tão esperado por mim.
— Acho que não vai dar para esperar, Enzo, pois as contrações estão vindo em
um espaço de tempo cada vez menor. Sua mãe e Donatella me levarão à
maternidade...
— Fabrízio levará vocês! — não seria uma observação e sim, quase uma ordem.
Ouço seu respirar descompassado juntamente com um gemido de dor reprimido
em sua garganta.
— Va bene, nos encontraremos na maternidade. — a voz calma de minha mãe
ressoa do outro lado.
— Logo estarei com vocês. — posso sentir que mesmo com dor, Antonella sorri.
— Esperarei. — ao desligar, Isaiah já se encontra ao meu lado.
— Encontre Paladino e junto com Domênico o leve ao local de sempre. —
guardo meu celular no bolso interno de meu paletó. — Antonella entrou em
trabalho de parto.
Como as coisas tomam rumos diferentes, em outros tempos, ninguém me veria
colocar a minha vida particular à frente da Cosa Nostra. Claro que no caso de
Paladino, não há urgência em fazer algum acerto, porém mesmo que esse caso
fosse de extrema urgência, eu sairia desse lugar sob pena de uma severa
advertência e não me arrependeria de colocar minha mulher e filho em primeiro
lugar.
— Não estou encontrando Domênico! — Isaiah ergue o pescoço tentando
localizar Domênico em meio à multidão.
— Onde será que ele se enfiou?
Caminhamos para a saída e é inevitável que alguns clientes mais atrevidos
toquem em nossas costas dizendo coisas que prefiro fingir que não foram ditas.
Em meio a essa gente toda, localizamos Domênico em uma situação delicada,
duas drags o cercam e fazem de tudo para manter meu capo ali e seu rosto está
todo sujo de batom. Finalmente, ele se esquiva de modo gentil e ao juntar-se a
nós não perco a oportunidade de debochar de sua cara.
— Isaiah, estou me sentindo ofendido nesse lugar, todos só têm olhos para
Domênico. — limpa seu rosto com a palma da mão e sem o uso de seus óculos
escuros posso ver seus olhar de diversão.
— Não tenho culpa se vocês não são bonitos e gostosos como eu. — passa a
mão na lateral de seu corpo e em seguida, suas mãos deslizam por seus cabelos
engomados. Isaiah ri e eu faço o mesmo. — Se eu não tivesse namorada e fosse
chegado na brincadeira, Paladino iria ficar vivo por mais um dia, podem ter
certeza! — Domênico sempre leva tudo na brincadeira, é um palhaço nato.
Saímos por entre os demais e ao longe ouvimos os gritos das amigas
recentes chamando pelo bonitão de óculos escuros.
— Domênico, deixo tudo por sua conta, ok? — toca meu ombro e o aperta.
— Vá ver seu bambino e deixe tudo por nossa conta! — aquieço com a cabeça e
entro em meu carro, saindo em alta velocidade para o Hospital Lenoxx Hill.
Na recepção, sou informado que Antonella acaba de dar entrada no setor da
maternidade, passos rápidos me conduzem até lá e sentadas em uma das salas
anexas se encontram minha mãe, Martina e Donatella.
— Onde ela está? — tenso, as questiono.
— Acabou de entrar na sala de parto. — minha mãe se adianta. — O Dr. Klaus
está a caminho e seu pai também.
— Ótimo. — abro meu paletó e desato o nó de minha gravata. — Quero assistir
ao parto.
— A levaram para aquela sala. — minha mãe aponta com seu dedo.
Sem mais delongas, me afasto de todas e ando até a sala onde há duas
enfermeiras, converso com uma delas e me identifico como marido da paciente
que está na sala ao lado. Ela me informa que o médico acaba de chegar e que
minha mulher está indo muito bem, é óbvio que prefiro constatar essa afirmação
com meus próprios olhos.
Muito rapidamente, sou encaminhado à uma ala onde minhas roupas são
substituídas por trajes hospitalares, com o uso de máscara e mãos higienizadas,
giro a maçaneta da porta que me separa de Antonella.
Meus olhos a encontram e sorriem ao ver a sua expressão de dor mesclada a
alegria de trazer nosso filho à vida. Mordendo o lábio para segurar a dor de uma
contração, devolve um olhar que me deixa ainda mais apaixonado por minha
ragazza.
Dr. Klaus nota a minha presença, contudo continua seu trabalho auxiliando
minha esposa no parto. Cercada por duas enfermeiras, uma delas abre espaço
para que eu me aproxime de Antonella e possa estar ao seu lado.
— Está tudo bem? — toco em seu cabelo coberto por uma touca e beijo sua face
avermelhada.
— Digamos que bem na medida do possííí...vel. — força seu ventre e logo após
descansa sua cabeça no travesseiro. — Posso lhe afirmar que isso dói e muito. —
faz uma cara travessa e me faz lembrar de nossa lua de mel.
— Vamos, faça força, senhora Ferraro. — ordena o obstetra.
Minha ragazza segura em minha mão e por três vezes consecutivas faz o mesmo
esforço a cada vez que é acometida por uma nova contração.
E é na quarta vez que a sua força traz ao mundo nosso filho Victório, seu choro
ecoa direto em meu peito e meu corpo é tomado de uma emoção sem
precedentes.
Eu me tornei pai...
Com os olhos cobertos em lágrimas de alegria, Antonella e eu acompanhamos o
momento em que o médico ergue o bebê e a enfermeira o traz para depositá-lo
no colo da mãe.
— Ele é tão lindo, Enzo. — acariciando seu corpinho frágil e cedendo calor e
alento ao corpo de nosso filho, nossos olhos não se desviam de sua direção.
Antonella se abaixa e beija a testa de Victório que cessa seu choro ao ouvir a voz
da mãe que o acalma mansamente.
Adivinhando meus pensamentos, Antonella dirige seu olhar para mim e entrega
Victório para que eu o segure em meus braços, embalando seu minúsculo corpo
em minhas mãos, meu interior parece ter sido fragmentado e parte de minha
alma passa a não ser somente minha, ela foi tomada por alguém tão ingênuo e
indefeso que passa ser a pessoa mais importante para mim. Seguro sua pequena
mão e ela parece desaparecer em comparação aos meus dedos.
Victório é a concretização de uma vontade imensa de ter alguém a quem amar
incondicionalmente, ser seu refúgio e segurança. O bambino que eu tanto esperei
para ter em meu colo, agora faz parte de nossa família me dando a certeza da
continuidade do meu nome durante mais uma geração.
Afago seus poucos cabelos e procuro semelhanças que possamos ter, ele dorme
em meus braços e é uma pena que não possa ver a minha alegria refletida em
meu sorriso todo aberto para ele.
Beijo seu rosto e uma esmagadora vontade de chorar se abate sobre mim,
fazendo com que eu me renda e deixe que as lágrimas, que muitas vezes foram
contidas, escorram pelo meu rosto e demonstrem enfim o que sinto no momento.
— Ti amo molto, figlio mio. [597]

Ergo meus olhos embaçados e ao encarar Antonella, noto que choramos pelo
mesmo motivo. Nossa felicidade é tão grande que não há como não a reverter
em lágrimas de satisfação.
Volto meu filho ao colo da mãe para que ela o amamente, mais alguns instantes
ao seu lado e sou convidado a sair da sala para que possam cuidar de Antonella e
de Victório, pois eles serão transferidos para o quarto.
Na sala ao lado, dou a notícia do nascimento de Victório à minha mãe e as
demais recebendo abraços e felicitações de ambas e ao olhar para o longo
corredor, o velho Victório anda até mim com os seus braços abertos e um largo
sorriso em seus lábios.
Momenti familiari [598]

Enzo
— Você bem sabe que detesto ambientes hospitalares, Enzo. — com seu modo
ranzinza de ser, meu pai fica junto a mim depositando sua mão em meu ombro e
apertando seus dedos ali... — Mas decidi que não poderia esperar para lhe dar
um abraço e ver meu neto de perto.
Abrupto, ele me puxa rodeando seus braços em torno de meu corpo e me
abraçando forte como sempre faz. Suas redondas lentes não disfarçam a emoção
que seus olhos transmitem, minha mãe se aproxima, mas não ousa intervir em
nosso diálogo e assim como Donatella, nos observa com seu semblante plácido.
— Deus sabe que sou um homem que obteve muito mais recompensas do que
realmente mereci. — atesta, batendo suas mãos em minhas costas. — Jamais
imaginei que viveria para presenciar o meu filho se tornar pai. — ergue suas
mãos para tocar meu rosto e elas tremem devido a emoção que ele ainda tenta
conter.
— Obrigado por tudo, senhor Victório.
— Quando se faz algo por amor, não se espera por agradecimento, meu filho. —
respiramos fundo e ele pigarreia deixando seus braços caírem ao lado de seu
corpo.
— Onde ele está? — questiona por Victório Netto, piscando para minha mãe.
— Nesse momento, está sendo levado ao quarto juntamente com a mãe. —
argumento.
E no momento a seguir, uma das enfermeiras, que se encontrava na sala de parto,
avisa de que Antonella e nosso filho já estão devidamente acomodados e que
podemos ir até o quarto para vê-los.
Tomo a frente e ao abrir a porta do quarto, vejo Antonella com Victório em seus
braços, sua mão acaricia sua cabecinha de maneira lenta e delicadamente, seus
cabelos caídos sobre sua face conseguem esconder parcialmente o seu enorme
sorriso ao embalar nosso bambino. Ao constatar nossa presença, ergue seu rosto
com o olhar mais brilhante de que já fui testemunha.
Caminho em sua direção e beijo de leve os seus lábios afagando, em seguida, o
rosto de meu filho.
— Ah, que coisinha mais linda! — minha mãe caminha próxima à cama com os
braços aninhados à espera de Victório. — Olhem! Ele não é o bebê mais fofo
desse mundo?
Já vi que meu filho será muito paparicado por todos em nossa casa, Donatella
também se aproxima e faz carinhos no rosto do bebê.
É indescritível e indisfarçável a emoção que meu pai sente ao olhar para seu
neto, em um gesto cavalheiresco, beija a testa de Antonella e lhe afaga o cabelo
de modo fraternal, em seguida, procura uma poltrona no canto do quarto e pede
para segurar o neto em seus braços.
Minha mãe atende o seu pedido e ao acalentar Victório junto a si, vejo seus
lábios trêmulos cobertos por um sorriso carregado de amor e murmúrios de um
avô coruja. Pego meu celular e sem que ele perceba, uso a câmera para registrar
esse momento em família.
— Essa vai para o meu álbum de fotografias. — ele ergue seu olhar firme
preservando sua pose altiva ao perceber que foi fotografado por mim.
Tiro mais algumas fotos com Victório e meus familiares e chega o momento de
eles deixarem tanto o bebê quanto Antonella descansarem, ao ficarmos a sós no
quarto posso enfim dizer o que a emoção ainda mantinha retido na garganta.
— Eu não sei lhe dizer o que senti ao olhar para nosso filho em meus braços,
Antonella. — toco seu rosto roçando meus dedos em seu queixo. — Você
realizou o meu maior sonho que era de me tornar pai. — não desvio meus olhos
dos seus. Abatida e com os cabelos atrás das orelhas, ela me devolve um meio
sorriso condizente com o momento de felicidade em que estamos vivenciando.
— Realizamos isso juntos, Enzo mio. — pende seu rosto junto aos meus dedos
deixando que esse contato se prolongue. — Ele é o nosso sonho, nosso amor
materializado e contínuo, pois nosso sangue corre em suas veias. — minha boca
vai de encontro à sua e meus lábios capturam os seus bem devagar. Beijo lento e
carinhosamente afago sua nuca a deixando ainda mais relaxada. — Eu os amo
muito.
— Eu o amo incondicionalmente e tenho a absoluta certeza de que nosso filho o
amará da mesma forma ou até mais do que eu. — com a testa colada à sua, a
vejo fechar seus olhos e minhas mãos alisam seus braços com carinho. Noto que
ela está muito cansada.
— Vou para casa e volto mais tarde, enquanto isso, quero que durma. — faço
uma pausa. — Você precisa descansar. — disfarçando seus olhos pesados, ela
acata a minha ideia se ajeitando ao travesseiro.
— Durmam bem, vocês dois! — olho para o pequeno berço ao lado da cama
onde Victório dorme profundamente.
— Você também, descanse um pouco. — diz, quase dormindo.
Saio do quarto e me lembro de que deixei uma missão a encargo de Domênico,
ligo em seu celular e averiguo se tudo foi feito conforme deveria. Ele e Isaiah
cumpriram minha ordem exatamente como planejado e Paladino recebeu em
nosso confortável galpão o tratamento merecido por uma pessoa que mantém os
pés em duas canoas.
Na garagem da mansão, desço de meu carro, uso a entrada que dá acesso à
cozinha e quando já dentro do ambiente, me deparo com uma cena que não é
inusitada, Letízia e Pietro reviram a geladeira à procura de comida em plena
madrugada. Pelo visto, não sou o único a sentir fome a essa hora.
— Atacando a geladeira, hein? — eles se viram automaticamente em minha
direção.
— Tio Enzo!!! — dizem uníssonos, sorrindo. — Quando poderemos ver nosso
primo? — Pietro inquire.
Desato o nó de minha gravata e me coloco entre os dois no balcão da cozinha,
recebendo o abraço apertado dos dois.
— Amanhã, sua tia e ele virão para casa.
— Mamãe disse que ele se parece com o senhor. — seus olhinhos castanhos não
disfarçam a empolgação por receber mais um Ferraro na família. — Quero muito
segurar Victório em meu colo. — abre seu sorriso mais puro.
— Pois para isso deveriam estar dormindo ao invés de encher a barriga de
comida em plena madrugada. — Pietro solta uma risada marota.
— O senhor vai querer um sanduíche também? — Letízia demonstra habilidade
em montar seu lanche e Pietro somente a observa, estreito meus olhos para ela.
— Já que ofereceu, aceito!
Enquanto comemos, eles me bombardeiam de perguntas sobre Victório e depois
de deixarmos a cozinha em ordem, acompanho os dois até os seus respectivos
aposentos. Sem sono, entro em meu escritório e me sento à minha mesa, olho
para os poucos retratos sobre ela e logo, outras fotos com meu filho
ornamentarão o móvel e me farão sorrir por dentro em razão ao amor e proteção
máxima que tenho por ele.
Amo a minha família e sempre os coloquei em um patamar elevado. Hoje, após
Antonella ter surgido em minha vida e se tornado a minha esposa e mãe dos
meus filhos vejo que o amor para mim se moldou a algo muito maior, minha
vida e alma se desmembraram em função dos que me tomaram em razão desse
sentimento tão forte e genuíno.
Não imagino até onde iria pelo amor de meu filho e de minha mulher, acredito
que não haja limite ou algum teste pelo qual eu não passaria por esses dois.
Encaro mais uma vez uma foto de Antonella grávida sorrindo e retribuo seu
gesto tocando sua boca com meu indicador. Encosto minha cabeça na cadeira e
ali fico a olhar o jardim até amanhecer o dia...

Antonella
Victório chega para acrescentar ainda mais alegria ao nosso cotidiano, como o
único bebê da casa, todos mantém sua atenção para ele, principalmente o pai.
Meu bambino tem me dado muito trabalho, pois é um recém-nascido que tem
dificuldade para dormir durante a noite, com isso, minhas noites tranquilas me
deram adeus e foram substituídas por outras não muito legais.
E é durante essas noites que ele se mostra um pai excepcional, sempre que
Victório insiste em permanecer acordado, ele o pega em seu colo e sai pela casa,
dialogando com o filho a embalá-lo em seus braços, essa é uma cena que vem se
repetindo quase todos os dias.
Victório, ao ouvir a voz de pai, resmunga baixinho como se estivessem em um
acalorado diálogo e essa imagem é a mais fascinante que eu, como mãe poderia
registrar.
Quem visse Enzo caminhando de pijama pela casa com um bebê nos braços todo
babão não imaginaria que esse mesmo homem é um ser frio, sanguinário e de
uma impiedade sem contestação. Meu mafioso favorito é um pai sem igual e não
poderia ser mais feliz de dividir uma vida ao seu lado.
Estamos no final do mês de junho e com ele, chegou o dia do casamento de
Donatella e Isaiah.
A cerimônia foi realizada numa sexta-feira nos jardins da casa em Hamptons,
contando somente com membros da família e alguns poucos amigos do casal, o
casamento foi cercado de uma atmosfera muito alegre e carregada de troca de
olhares de amor entre os noivos. Os filhos de Isaiah vieram especialmente para a
ocasião o que o deixou muito feliz.
Pietro e Letízia foram os padrinhos de aliança e em seus rostinhos eram mais que
evidentes que compartilhavam da alegria de sua mãe, afinal Isaiah assumiu um
lado paterno que Alessio jamais demonstrou ter em relação aos dois. Enzo e eu
fomos os padrinhos e durante o animado almoço ao ar livre, Domênico pede a
palavra e depois de desejar felicidade aos noivos anuncia que ele e Clara irão se
casar em setembro, sentada em frente à minha sorella, encontro seu olhar
lacrimejado e um sorriso de orelha a orelha.
Minha irmã conseguiu dar um rumo feliz à sua vida e com isso, fez com que o
famoso conquistador Domênico se emendasse tornando um homem de uma
única mulher. Estou imensamente feliz e orgulhosa por ver que Clara além de
doce foi persistente e não deixou que as adversidades colocadas à sua frente a
impedissem de prosseguir e buscar seu maior sonho... Ser feliz.
À tarde, chega o momento dos noivos se despedirem rumo à sua lua de mel, eles
embarcaram rumo à Índia e ficarão por lá duas semanas e aproveitamos o final
de semana em Hamptons para descansarmos, Victório completou 35 dias de vida
e a cada um deles ele fica mais lindo.
*****
Vinte dias depois ...
São quase dezoito horas quando deixo o consultório do Dr. Klaus. Finalmente,
meu eterno resguardo chega ao fim, isso significa que mal posso esperar para
chegar em casa e agarrar o meu italiano, Enzo se encontra em Atlântic City há
mais de dez dias e hoje retorna para Nova Iorque.
Fabrízio me espera na calçada e é quando me ajeito no banco traseiro do carro
que meu celular toca dentro de minha bolsa.
— Estava pensando em você. — disparo, antes mesmo de ouvir a sua voz.
— Digamos que estamos interligados pelo cosmos, mia ragazza, pois eu também
estava pensando em você. — ouço seu suspiro ao celular e até isso me deixa
alterada. — Você está onde? — sua voz grave e firme ressoa ao celular
penetrando em meu ouvido como um som mais do que estarrecedor para mim.
Acho que o médico deve ter se enganado ao me dar um diagnóstico alegando
que estou em excelente estado de saúde. Não posso crer que esteja em estado
normal, porque mal posso ouvir a voz de meu marido que meus poros todos
ficam eriçados.
— Acabei de sair de minha consulta com Dr. Klaus e agora estou indo para casa!
— Hummm, mas isso é uma ótima notícia. — diz em tom provocativo. —
Acabei de pousar no aeroporto e estou indo para casa.
— Então, até daqui a pouco! Beijo. — estalo meus lábios ao celular. Ouço sua
resposta acompanhada de uma risada.
— Até daqui a pouco. Beijos.
Meia hora depois, os portões da mansão se abrem e entramos pela garagem,
minha satisfação se torna ainda maior ao descobrir que Enzo já está em casa.
Entro pela porta principal e me encaminho para o quarto de meu príncipe bebê,
tudo se encontra silencioso e ele dorme com a barriga voltada para cima ao
mesmo tempo em que seus bracinhos se encontram ao lado de sua cabeça, seu
ressonar é tranquilo e quem o vê dormindo como um anjinho nesse berço não
imagina o que ele apronta altas horas da madrugada. Beijo sua bochecha morna e
cheirosa e o deixo na ponta dos pés.
Encontro Olga no corredor e ela me avisa que meu marido me espera em seu
escritório, mais do que depressa, desço as escadas e andando a passos rápidos
chego à porta do aposento, com leves batidas com meu punho fechado, ouço sua
voz me pedindo para entrar.
Sentado de modo displicente, pernas abertas, com seus braços apoiados em um
dos sofás do escritório, Enzo acende ainda mais o meu insano desejo ao vê-lo
trajando uma camiseta azul que destaca ainda mais a cor de seus olhos. O azul de
suas írises parece mais intenso carregando um magnetismo predatório recheado
de más intenções.
Não deixo de reparar que o cretino fez a barba, dando adeus novamente ao seu
bigode, deixando sua aparência mais jovem e com uma beleza quase criminosa.
— Mia ragazza! — seu tom é de voz é manso e erguendo sua mão direita, usa
seu polegar me chamando bem devagar, mantendo o olhar estreitado e os vincos
de seu rosto a formar um sorriso subtendido de devassidão. — Venha cá!
— Estou indo... — minha voz sai embargada de desejo ao imaginar nossos
corpos colados nesse sofá.
Sem tirar meus olhos dos seus e ainda de costas para a porta, giro a chave na
fechadura deixando claro que não pretendo ser interrompida com o que está por
vir.
— Gosto muito de minha mulher quando se mostra precavida.
— Não gostaria de ser interrompida, senhor Ferraro.
Ao caminhar para ele, abro os botões de minha blusa a deixando cair por meus
ombros até o chão e o mais erótico é ver o momento em que a garganta de Enzo
engole em seco, fazendo com que seu pomo de Adão suba e desça demonstrando
sua ânsia compatível com meu desejo por ele, ao mesmo tempo em que seus
olhos sedentos permanecem fixos em cada movimento meu.
Usando uma saia, a levanto e me livro de minha calcinha antes mesmo de chegar
ao sofá. Na sequência, tiro meu sutiã expondo meus seios e ao ficar frente a ele
apoio minhas mãos sobre suas coxas pendendo meu pescoço em direção à sua
boca, o frescor de sua loção pós barba permanece em sua pele instigando ainda
mais o meu querer. Deslizo minha boca por seu queixo liso, enquanto aspiro o
delicioso aroma de madeira misturado ao seu cheiro másculo.
— Demorei? — faço essa pergunta e sinto quando suas mãos seguram meus
seios numa carícia gostosa e enlouquecedora. Olha em seu relógio e completa.
— Muito. — mordisca meus lábios e em resposta, meus dedos apertam sua coxa
sobre o tecido de sua calça fazendo com que minhas unhas passeiem por ali.
Propositalmente, aliso sua ereção e ele deixa escapar um gemido rouco e muito
sexy. Me afasto lentamente, ficando de joelhos diante dele.
— Own... — faço charme na voz. — Mas isso é imperdoável! Deixar meu
marido esperando. — devolvo uma cara sugestiva. — Tenho que recompensá-lo
de alguma maneira.
— Nada mais justo, Antonella! — arqueia sua sobrancelha direita e abre aquele
sorriso que ele guarda somente para nossa intimidade.
Com a boca ainda curvada em um meio sorriso sacana, sua mão percorre meu
rosto até que um de seus dedos circula em minha boca. Abro meus lábios e o
sugo por inteiro fazendo com que meu marido feche seus olhos e solte um
profundo suspiro.
— Ah... essa boca gostosa! A imaginei sugando todo meu pau bem devagar!
— Para que somente imaginar, se podemos fazer com que seja real, hum?
Ainda mais audaciosa, minhas mãos avançam sobre o botão de sua calça e com
sua ajuda puxo a peça juntamente com sua boxer, ele estica seus braços e arranca
sua camiseta, a jogando no chão, desmanchando seus cabelos alinhados, me
dando a visão de seu tórax divino e o restante de sua nudez perfeita sem nenhum
pudor.
Com meus dedos e boca escalo e absorvo o calor e o gosto de sua pele mordendo
o vértice próximo a sua virilha. Círculo meus lábios pelo interior de sua coxa no
mesmo instante em que meus dedos passeiam pelo seu abdômen definido. Ergo
meus olhos para ver a sua reação ao me ver segurando seu pau duro sendo
envolvido bem devagar por meus lábios famintos.
Enzo solta um gemido grave e sua mão esquerda paira em meus cabelos e nesse
frenesi de luxúria, o chupo devagar, me deliciando ao ver meu homem
arqueando seus quadris para que minha boca o engula quase todo. Impulsionada
por seus gemidos guturais e palavras indecentes, minha língua o lambe, levando
a pender seu pescoço para trás e seu maxilar rígido demonstra que ele se
encontra em seu limite.
— Antonella... — sua voz entrecortada me deixa mais excitada e ao sugar com
força a cabeça de seu pau corro minha língua por ela bem devagar, Enzo crava
suas mãos em meus braços e me puxa subitamente para seu colo. — Quero você,
mia ragazza, aqui e agora!
Minhas pernas se encaixam ao lado de seu corpo e quem geme sou eu ao sentir
sua boca a passear pelo meu colo e pescoço, sua língua vagueia por entre meus
seios, enquanto suas mãos escalam minhas costas até espalmá-las em minhas
nádegas. A seguir, Enzo invade seus dedos por debaixo de minha saia e com uma
habilidade nata me deixa ainda mais excitada ao massagear minha boceta até me
fazer implorar por ele. Safado, ele segura seu pau friccionando em minha entrada
numa caricia de me deixar ensandecida.
Mesmo não querendo, me vejo obrigada a dizer a Enzo que precisamos usar
preservativo ou então corremos o risco de trazermos ao mundo outro ou outra
Ferraro. Rebolando sobre seu corpo, sua boca busca a minha e sua língua me faz
gemer ainda mais ao se enroscar na minha, no mesmo instante em que seu pau
penetra aos poucos dentro de mim.
— Amore mio, camisinha! — digo quase sem fôlego tamanho o meu desespero
de senti-lo todo dentro de mim.
— Jura? — mete bem devagar, remexendo lá dentro e ambos acabamos
gemendo ao mesmo tempo. — E se eu gozar fora? — mais uma investida e
reviro meus olhos com a sensação que seus movimentos causam em mim. Estou
quase gozando com essa pequena brincadeira. Mordo seu pescoço e minha boca
alcança seu ouvido.
— Camisinha, Enzo! — digo num sussurro simultâneo a um suspiro.
Sob um gemido de protesto, sai de dentro de mim e alcança um envelope de
preservativo que se encontrava atrás da almofada.
— Se ela já estava aí, por que não a usou antes? — inquiro, com meu olhar
cerrado. Abre o envelope e me encara com o olhar flamejante.
— Porque estava louco de saudade dessa sua boceta gostosa que até me esqueci
desse mero detalhe. — coloca o preservativo sobre sua ereção e puxando meu
corpo para seu colo me dá um tapa forte em minha bunda.
— Pronto, agora mete gostoso com seu macho! — seu timbre de voz sai
carregado de tesão.
Com nossos lábios colados, volta a me penetrar e assim, seus quadris se
movimentam de encontro aos meus em um vai e vem mais que delicioso.
Agarrada ao seu corpo, avanço em sua boca buscando amparo para os meus
gemidos alucinados quando chego ao orgasmo, Enzo segura firme em minha
cintura enquanto suas investidas o arrastam a um gozo que o faz gemer em
minha boca também.
Segundos após, suados e ofegantes, mantenho minha cabeça apoiada em seu
peito e seus dedos passeiam por minha coluna lentamente num subir e descer
lânguido fazendo meu corpo relaxar por completo em seus braços.
Se afasta e segurando meu queixo para que eu o encare, ele se lembra de uma
promessa já esquecida por mim.
— Ainda não me esqueci da promessa que fiz de deixá-la de pernas bambas,
senhora Ferraro. — achando graça de sua lembrança, debocho.
— Jurava que havia se esquecido desse episódio.
— Jamais me esqueceria de uma promessa, ainda mais uma feita a você! —
afirma.
— Pois então não reclame, se porventura não conseguir o seu intuito, senhor
Promessa. — respondo, brincando com os pelos de seu peito.
— Veremos! Vamos esperar o momento certo e quando não mais estiver
amamentando Victório, voltaremos a conversar, pois quero levá-la a uma
pequena viagem de dois dias e no momento, acho essa ideia inviável.
— Tem razão. — roço minha boca em seu pescoço. — Mas confesso que não
vejo a hora da revanche e mais...
— O que foi? — esfrega seus lábios nos meus.
— Tenha ciência de que sua esposa não entra em uma aposta para perder!
— Isso é o que veremos, Antonella Ferraro.
Matrimonio di Clara

Antonella
Os dois meses que se passaram foram dedicados exclusivamente aos cuidados
com meu lindo bambino. Infelizmente, depois de um mês e meio de
amamentação fui acometida por uma mastite, comumente chamada de infecção
mamária e com isso, fui impossibilitada de amamentar Victório. Fiz um longo
tratamento e após quase um mês afastada desse contato materno, o danadinho
preferiu ser amamentado pela mamadeira. Depois de várias tentativas frustradas,
desisti de forçá-lo a querer mamar em meu peito e em razão disso tudo, meu leite
acabou secando por completo.
Mais alguns dias e minhas horas são dedicados às tarefas com os preparativos do
casamento de minha sorella. Tia Martina e eu ficamos encarregadas de cuidar de
todos pormenores que envolva a cerimônia e essa tarefa acaba me remetendo à
lembrança de meu casamento.
Estamos no início do outono e o clima agradável nos proporciona a possibilidade
de mil ideias para o enlace do ano. Adele e Donatella também se ofereceram
para nos ajudar, o que aceitamos de bom grado.
Clara havia deixado mais do que evidente de que gostaria de um casamento mais
intimista, contando apenas com os familiares e alguns poucos amigos, o que ela
não imaginava era que seu noivo tinha outros planos que divergiam totalmente
de sua ideia inicial e depois de presenciar várias discussões acaloradas, os dois
chegaram a um consenso. Com anos de lábia e muito persuasivo, Domênico
acabou convencendo minha irmã de que o casamento dos dois era único e para
todo sempre e isso já era motivo mais do que suficiente para uma comemoração
à altura.
Nessa ocasião, até mesmo Enzo resolveu intervir na história e fez questão como
padrinho de que a cerimônia e a festa fossem realizadas nos jardins de nossa
casa, sem chance de recusa, ainda presenteou os noivos com uma viagem de lua
de mel a Paris. Tudo acertado, os dias se seguem em sua normalidade e eximidos
da tensão da qual um dia fomos vítimas.
Há um ano, nessa mesma época, tentava fugir de Enzo e de um inimigo oculto,
carregando Victório em minha barriga. Aquela cena dentro daquele táxi jamais
será superada por mim, de vez em quando, me deparo com Dario pelos
corredores aqui de casa e sempre que isso acontece, ele não cansa de me lembrar
daquele domingo.
Sem preocupações exacerbadas, temos nosso dia-a-dia comum como toda e
qualquer família.
Vale ressaltar, nem tão comum assim.
*****
O dia tão esperado por Clara chega e minha alegria por ver que minha irmã
conseguiu se restaurar e tocar sua vida adiante após tantos infortúnios, o que por
muito tempo achamos que seria impossível. Assim como eu, Clara aprendeu a se
comunicar em inglês, é claro que ainda encontra dificuldades com o idioma, mas
já não usa o italiano com a frequência de antes e falar com todos sem a barreira
de uma língua se tornou uma tarefa amena e divertida. Quem agradece é
Domênico, pois seu italiano era uma mistura de tantos outros idiomas que era
engraçado vê-lo se atropelar com as palavras.
Ao cair da tarde, um pouco antes da cerimônia, Tia Martina e eu ajeitamos o
vestido de Clara e o maquiador faz os últimos retoques em seu rosto. Para o
casamento de minha irmã, escolhi um longo vestido de cetim na cor creme com
uma abertura na perna direita, meus cabelos ficarão soltos e o uso de uma leve
maquiagem destaca o tom e a textura de minha pele.
Mais alguns minutos e Enzo bate à porta do quarto procurando por mim, pede
licença antes de adentrar o quarto e nos avisa de que o padre e principalmente o
noivo já estão à espera de Clara.
Impecável e inegavelmente lindo, ele traja seu smoking sob medida, o que me
faz suspirar a cada olhar direcionado em sua direção, pois sua beleza é mais do
que impactante para mim e a cada vez que nossos olhares são flagrados, pode-se
constatar nosso amor embutido no brilho incessante de nossos olhos.
O maquiador termina seu trabalho e sua expressão de missão cumprida está
estampada em seu rosto. Logo após, pede licença e deixa o aposento
acompanhado de tia Martina.
— Enzo, gostaria de lhe falar por um instante e lhe pedir um enorme favor. —
Clara dirige a palavra a meu marido.
— Sim, o que deseja? — Enzo se põe ao meu lado esperando pelo pedido de
minha irmã.
— É que... — Clara retorce seus dedos em sinal de nervosismo. — Tomei uma
decisão de última hora e espero que não fique chateado comigo. — Enzo cerra
suas sobrancelhas e com a testa enrugada, espera intrigado pelo pedido que
demora a sair da garganta de Clara.
— Clara! — minha vez de argumentar para que ela satisfaça a nossa curiosidade
e sane a inquietude que nos atinge.
— Não me diga que resolveu desistir do casamento de última hora? — ainda
inquiro, encorajando a falar rapidamente o que ela tem em mente.
— Não é nada disso! Por favor, não me entendam mal.
— Então, nos diga logo o que quer, Clara! — advirto.
— Sei que havíamos ensaiado tudo e eu seguiria até o altar sozinha, porém
mudei de ideia e gostaria de entrar acompanhada. — imagino, nesse caso, que
ela queira entrar acompanhada com Tia Martina. Enzo olha para mim e em
seguida, dirige seu olhar de indecisão por não saber exatamente onde Clara quer
chegar com seu pedido.
— E? — meu marido aguarda o desfecho desse suspense.
— E nesse caso, gostaria de lhe pedir, Enzo. — engole a próxima palavra como
se tivesse vergonha de prosseguir. — Se não se importar, é óbvio.
— Se você demorar muito para me dizer o que pretende, então irei me importar.
— Enzo sorri na intenção de deixar Clara mais à vontade.
— Gostaria muito que Antonella me acompanhasse até o altar. — vejo uma
lágrima intrusa a brotar no canto de seus olhos.
Coloco minhas mãos sobre minha boca e não sei o que dizer. Antes que qualquer
uma de nós diga alguma coisa, minha irmã segura seu buquê e prossegue.
— Meu cunhado, acho que durante todo esse tempo em que nos conhecemos não
pude agradecer o suficiente o que fez por mim e toda a minha família.
— Deixe disso, Clara. — Enzo se mostra sempre avesso a qualquer tipo de
gratidão. — Não iremos começar com essa história. — Clara sorri, abaixando
seu olhar e ao levantá-lo, mais lágrimas são sustentadas ali. Deixa seu buquê em
uma cantoneira e estende suas mãos para nós dois.
— Podem-se passar anos, séculos ou milênios, mas nunca poderei retribuir o que
vocês dois fizeram por mim. — Enzo respira fundo e beija a mão de minha irmã,
alisando sob a sua.
— Por mim, poderá entrar com minha esposa até o altar desde que a devolva
sem nenhum arranhão. — brinca, mudando totalmente de assunto. Esse é Enzo
Ferraro, imutável em algumas questões que o tornam ainda mais excepcional.
Clara abre um sorriso lindo e olha para mim.
— Obrigada, meu cunhado mafioso favorito. — é a primeira vez que Clara toma
liberdade de brincar com Enzo dessa forma, em resposta, ele ajeita sua gravata
borboleta como se ela estivesse apertando seu pescoço.
— Acho que sua convivência com Domênico tem lhe afetado um pouco, Clara.
— devolve um sorriso e completa. — Vou indo, as espero lá embaixo e não
demorem, pois não sei por quanto tempo conseguirei manter o noivo dopado e
amordaçado. — acabamos rindo da piada ácida de meu marido e assim, ele sai
do quarto nos deixando a sós.
— Clara. — entrelaço as minhas mãos nas suas. — É uma honra para mim levá-
la ao altar, mas não estaríamos sendo ingratas ? — nossos olhos se nivelam. —
Não quer entrar com tia Martina? Não acha que ela mereça esse crédito, afinal
foi ela quem nos amparou quando nossos pais se foram.
— Não, tia Martina sabe de minha decisão e foi ela mesma que me encorajou a
pedir isso a você, estamos de comum acordo quanto a isso.
— Sendo assim, fico mais tranquila e muito feliz por acompanhá-la até os braços
do noivo. — solto uma de minhas mãos e alcanço o seu buquê.
— Vamos??
— Obrigada, Antonella. — seus lábios tremem e ela quer chorar e se o fizer, irá
fazer o mesmo comigo. Irei me debulhar em lágrimas em sua frente. — Eu...
— Clara, sem agradecimentos, por favor ... — balanço minha cabeça em
negativa e imito a postura rígida de Enzo, talvez isso funcione e faça com que
minha irmã não nos faça chorar.
— Quando nossos pais se foram daquela maneira, você me adotou como filha,
mia sorella. — com a voz instável, ela continua. — Uma jovem cheia de sonhos
e anseios, abandona tudo para cuidar da irmã paraplégica e que talvez nunca
mais pudesse andar.
— Mia Clara, não — toco seu rosto, tentando impedir que ela traga esses
momentos tão tristes para nós duas. — Não precisa relembrar essa história
triste...
Nessa hora, não preciso mencionar que em meu rosto, há lágrimas escorrendo
sem nenhum comando.
— Isso não me deixa triste e sim, maravilhada por saber que sempre pude contar
com você. — seu polegar alcança minha face, o enxugando. — Eu sei de todo o
sacrifício que fez por mim, conheço cada um deles. — abaixo meu rosto e ela o
ergue para me encarar sorrindo e chorando ao mesmo tempo. — Suas duplas
jornadas de trabalho para poder manter a minha medicação, horas sem dormir
para velar o meu sono com fortes dores. — engole um soluço e me faz soluçar
em prantos.
— Pois eu faria tudo de novo, só para vê-la como agora. — respondo, chorando.
—Tenho certeza disso e mesmo se algum dia alguém me dissesse que você foi
desonesta, apontando seu agir duvidoso, eu a defenderia com unhas e dentes,
porque sei que passou por tudo isso por me amar e muito. Sei que coisas
desonestas nada justificam, mas para mim pouco importa o que fez para
conseguir para colocar em pé novamente, sou grata eternamente a você e a seu
marido por me ajudarem tanto!
— Eu morreria e mataria por você, minha irmã!
— Então, nada mais justo que me acompanhar até o altar, sabe por quê? — não
consigo dizer nada diante de tanta emoção.
— Porque se me levanto hoje e sinto o chão frio sob meus dedos, se caminho
pelo jardim e o orvalho umedece as plantas de meus pés. — se joga em meus
braços, me apertando em um abraço forte e depois se afasta. — Se posso pegar
meu sobrinho e erguê-lo no ar e daqui a um tempo poderei correr atrás dele por
essa casa, é devido a minha irmã que me amou mais que a si mesma e correu
riscos inimagináveis. — sua voz, nesse instante, falha. — Poderei ser mãe,
Antonella!! — bate em seu peito em total alegria. — E a quem devo tudo isso?
— dá dois passos para trás e aponta em minha direção. — A você. — volta a se
aproximar deitando seu rosto em meu ombro e mais lágrimas são derramadas
sobre o tecido de meu vestido.
— Oh, Clara. — minha voz sai em tom nasal de tanto chorar. — Jamais
abandonaria a quem amo.
— Quando Enzo esteve em Siena e nos contou o que você vinha fazendo. — se
afasta e segura em meu rosto entre suas mãos. — Foi exatamente isso que disse a
ele, você nunca me abandonaria e faria de tudo o que estivesse ao seu alcance
para me ver andando novamente e cá estou eu. — ergue seus braços e dá meia
volta com seu corpo. — Se a minha felicidade não cabe em mim, devo tudo a
você, minha linda e corajosa irmã!
Quem se joga em seus braços sou eu, a abraço tão forte e me lembro de tudo o
que já passamos juntas, desde sua tenra infância ao nosso sofrimento por perder
nossos pais e nos ver amparadas uma à outra. Tudo valeu a pena, graças a Deus
tudo saiu mil vezes melhor do que planejei.
— Gostaria muito que nossos pais estivessem aqui para partilharem de nossa
felicidade, Antonella.
— De alguma forma, eles estão. — encosto minha mão em seu peito e depois no
meu. — Aqui, dentro de nós e se for verdade que a alma é eterna, onde eles
estiverem estarão felizes por nós duas. — respiro fundo. — Agora, já chega. —
limpo meu rosto com a palma das mãos. — Ou você ficará parecendo a noiva
cadáver e eu a madrinha defunta! — me olho no grande espelho do quarto. —
Nossa maquiagem ficou toda borrada. — ela se aproxima do espelho e coloca
seu rosto junto ao meu.
— Eu te amo, mia sorella maluca!
— Eu também a amo muito!
Ajeitamos nossa maquiagem e em seguida, saímos do quarto rumo à cerimônia
que nos espera. De braços dados com Clara, atravessamos o corredor ao som da
marcha nupcial até o altar e mais a frente, Domênico espera a noiva com a
expressão mais verdadeira de um homem apaixonado. Ao seu lado, está o meu
lindo gangster a olhar para mim congelando o tempo e me fazendo suspirar de
tanta alegria.
Entrego Clara ao noivo, me junto ao meu marido e o padre começa a celebração.

Domênico
Seguro a mão delicada de Clara e ao examinar seu rosto, percebo que ela andou
chorando. Em meu interior, espero que esse choro seja desses comuns em um dia
como esse, afinal, a maioria das noivas chora no dia do casamento.
— Valeu a pena cada minuto de espera, você está bela demais!
— Obrigada, Domênico. — abre seus lábios, sorrindo para mim. — Você
também está lindo demais.
O padre dá início a cerimônia e ouço suas palavras absorvendo todas elas como
um sábio conselho para minha nova vida ao lado de minha Clara.
Com nossos dedos entrelaçados e atentos ao sermão, trocamos olhares de amor,
cumplicidade e paixão. Trocamos as alianças, dizendo nossos votos com direito
a pausas entre um sorriso e outro.
— Pode beijar a noiva. — diz o celebrante.
Seguro seu delicado rosto em minhas mãos e cubro meus lábios nos seus,
sentindo sua pele morna e colocando em meu beijo todo amor que sinto por essa
pequena que quebrou minhas barreiras impenetráveis e me fez amar com tanta
intensidade.
Mais tarde, embarcaremos em um voo para Paris e lá quero mostrar ao mundo o
quão sortudo sou por ter uma mulher como Clara ao meu lado.

Enzo
— Esse seu vestido não estaria muito escandaloso? — dirijo meu olhar ao corpo
esguio de minha mulher caminhando ao meu lado, enquanto procuramos a nossa
mesa. — ela me olha torto e não me deixa sem resposta como sempre.
— O que tem de errado com meu vestido? — olha para baixo, buscando uma
justificativa para a minha observação. — dou de ombros.
— Com ele não há nada de errado e sim com esse decote intrometido que o
acompanha. — franze seu nariz e aperta meu queixo.
— Deixe de ser ciumento, seu italiano ignorante. — nesse instante, arrasto a
cadeira para que ela se sente.
— Você me conheceu assim e portanto, sabe como reajo ao ver minha esposa
vestindo o que me parece uma camisola em pleno jardim.
— Camisola?
— Sim, é um lindo vestido, mas não deixa de parecer uma camisola.
— O que faço com você? — me olha com falsa reprimenda, com seus olhos
desejosos por mim.
— Que tal me deixar despi-la mais tarde e me livrar dessa peça tão ousada que
me causa tanto ciúme?
— Será uma honra para mim. — sopra um beijo e resolvemos aproveitar a festa.
Em determinado momento, Antonella deita sua cabeça em meu ombro,
aconchegando seu corpo ao meu, Domênico e Clara já deixaram a festa e devem
estar a caminho do aeroporto.
— Feliz? — seguro em sua mão esquerda, alisando sua aliança.
— Muito. — beija meu pescoço, roçando sua boca em minha pele.
— Animada em conhecer Dubai?
Farei uma viagem relâmpago a essa cidade dos Emirados Árabes e pretendo,
pela primeira vez, levar minha ragazza comigo. Ficaremos apenas três dias sob o
sol escaldante desse lugar exótico e muito lucrativo para os meus negócios.
— Um pouco temerosa de que meu marido mafioso resolva arrumar uma
segunda esposa por lá. — debocha, afastando seu rosto de meu ombro e me
encarando com seu olhar coberto de divertimento.
— Não preciso de uma segunda esposa. — encosto meus lábios nos seus.
— Acho muito bom. — morde meu lábio inferior, agitando meu corpo como só
ela é capaz de fazer.
— Minha esposa já vale por três! — rebato, sussurrando com malícia.
— Own, estou com essa bola toda, é Senhor Ferraro? — levo minha mão ao seu
queixo e toco meu polegar em seu queixo macio, um desejo afoito e quente reluz
em seus olhos amendoados.
— Digamos que não, ainda não me nocauteou como prometeu! — a desafio.
Abre um largo sorriso e dispara.
— Estaria falando da nossa aposta?
— Sim, justamente.
— Bem. — sua mão direita aperta meu joelho e a seguir, desliza seus dedos por
minha coxa, colocando meu instinto e desejo em alerta. — Posso lhe dizer que,
essa noite, sua ragazza está prontíssima para nossa disputa!
— Pronta para pedir água? — a provoco.
— Tsc,Tsc, não senhor! — sorri, maliciosamente. — Pronta para fazê-lo pedir
arrego como da última vez. — ainda completa em italiano. — Nelle mie vene
scorre il sangue di una fiorentina molto caldo.
[599]

— Eu estava muito cansado e você me pegou desprevenido, portanto, tudo muda


de figura a partir de agora. — aliso seu braço e mesmo através do tecido que
cobre seu corpo, percebo que seus seios estão intumescidos apenas com a nossa
troca de olhares. — Um mafioso que se preze nunca perde uma aposta, ainda
mais ele sendo Enzo Ferraro. — ajeito a lapela de meu smoking, me gabando em
tom de zombaria e Antonella me devolve um meio sorriso.
— Isso é o que veremos, meu italiano gostoso... Agora é um pouco tarde para
me arrepender de qualquer aposta que tenha feito com o poderoso Enzo.
— Ainda há tempo, só me dizer. — bebo meu champanhe e ela faz o mesmo
com sua taça.
— Mostrarei ao mafioso em questão que ele está completamente enganado.
Mais tarde, na privacidade de nosso quarto, Antonella desata minha gravata sem
tirar seus olhos de minha boca. Infelizmente, mia ragazza terá que aprender que
nunca se deve apostar nada com um mafioso, muito menos se ele for o
seu marito.
Bendita aposta

Antonella
Através do brilho contido no olhar de Enzo é mais do que visível que não há
somente amor e desejo envolvidos, está mais do que claro que nossa aposta já
conta com um vencedor.
— Tem certeza de que somos mesmo pessoas adultas? — disparo em sinal de
deboche, desatando o nó de sua gravata a mantendo envolta dos meus dedos.
Seu olhar perscrutador praticamente invade meu interior e carregado de luxúria
me observa jogar sua gravata em uma das poltronas antes de dizer qualquer
coisa.
— Tenho. — responde, conciso e determinado circundando minha cintura com
seus braços e mãos fortes. — Quer recuar, agora, Antonella?
Mais próxima ao seu rosto, mordo seu queixo quadrado extraindo de si um longo
suspiro que sai de suas narinas, envolto ao aroma de baunilha e carvalho
oriundos das várias taças de vinho consumidas por ele. Seus olhos estreitados
fixam em mim de um modo atípico deixando mais do que subtendido toda a sua
vontade.
— Sabe muito bem que não sou mulher de recuar, Enzo Ferraro. — provocativo,
sua boca pousa em minha pele, pendendo meu pescoço e estremecendo meus
poros com seus lábios devastadores. Nesse momento, quem suspira sou eu.
Enzo é mestre na arte de amar e em nossa cama aprendi a sentir e fazer sentir,
seus dedos torneiam meu pescoço à medida que seu corpo cola ainda mais ao
meu. Ainda vestidos, sentimos que nem mesmo a barreira imposta por nossas
roupas é capaz de abrasar o calor e desejo que sentimos um pelo outro.
Uma tremenda devassidão nos toma e transcende nosso desejo através de nossos
olhares e boca, agora unidas em um beijo que amolece minhas pernas e me faz
querê-lo muito mais.
Afasta-se devagar e cola sua boca ao meu ouvido.
— Estaria decepcionado se desistisse assim tão fácil, mia ragazza. — sua voz
enrouquecida e quase sussurrante faz meu corpo se esfregar ao seu
deliberadamente bem devagar dissimulando a ausência de qualquer pressa, abro
o botão que mantinha fechado o colarinho de sua camisa e com a concordância
em prosseguir vinda de seus olhos, mais alguns botões são abertos por mim
deixando à mostra seu tórax que sobe e desce devagar demonstrando seu
autocontrole. — Isso é o que mais gosto em você, sua pertinência.
— Quero ver se manterá essa tranquilidade quando estiver pedindo trégua, Enzo
mio. — meus dedos invadem seu peito os deslizando através dos pelos e por toda
sua pele quente coberta de músculos delineados e em consequência desse
simples contato fecho meus olhos absorvendo essa inocente carícia que não
esconde minhas verdadeiras intenções em levar o seu corpo ao limite e me
arrastar com ele.
Por dentro, seu olhar debocha e põe em dúvida as minhas palavras desarmando
meu dizer sem nenhuma reserva.
— Já lhe disse uma vez e volto a salientar. — seu indicador desce por meu colo,
tocando meu mamilo através do cetim de meu vestido o deixando túrgido e
fazendo com minha respiração se altere ao imaginar sua boca passeando pelo
meu corpo, sugando minha pele a ponto de me fazer implorar por ele. — Estava
demasiadamente cansado e você me pegou desprevenido, num dia de total
despreparo.
— E... — remexo meu quadril inspirando seu perfume junto ao seu pescoço e
me deparo com seu corpo tão excitado quanto o meu. — Quer dizer então se
fosse em uma outra ocasião, não teríamos tal desfecho?
Antes de responder, espalma sua mão sobre meu seio e acariciando de modo
bruto esmaga minha boca, a invadindo com sua língua, me deixando à sua mercê
com seu beijo dominador. Momentos mais tarde, ambos sem ar, encara meu
rosto com um arquear de sua sobrancelha direita, um costume sempre usado por
ele que o deixa excepcionalmente charmoso.
— Pretensões à parte. — com seu polegar limpa o batom no canto de minha
boca. Contudo ao final dessa noite ficará frente a resposta para sua pergunta.
Dá um passo para trás se afastando de meu corpo que interiormente reclama por
esse falso vazio. Caminha até uma cantoneira ao fundo do quarto e alcança sobre
o móvel uma garrafa de Romanée Conti e duas taças. Com uma postura
inabalável e elegância nata, abre o lacre da garrafa e segue um rito quase
metódico ao despejar o vinho em nossas taças. Volta com seu distinto caminhar e
me oferece a bebida.
— Um brinde à mulher que ocupa a cada dia mais espaço em minha vida. —
levanta a taça sustentando um olhar intimidador e cheio de sensualidade. Imito
seu gesto brindando com o coração aos pulos por estar viva e presenciando esse
momento tão íntimo entre nós.
— Um brinde ao homem responsável por toda minha felicidade. — bebe um
grande gole fazendo os músculos de seu pescoço subirem e descerem devagar.
— Não estou aqui, nesse quarto, simplesmente por uma mera e irrelevante
aposta, mia ragazza e sim, para lhe demonstrar o quanto a amo não somente com
meu corpo, mas principalmente com minha alma que foi tomada por você, desde
o momento em que me vi completamente apaixonado. — pega minha taça e a
deposita junto da sua em um aparador próximo ao seu corpo, abraça meu corpo e
esfrega as costas de sua mão em meu rosto.
Com essa frase, Enzo jamais poderia ser qualificado como um homem de gestos
e palavras clichês. A singularidade faz parte de sua personalidade incomparável
e ele consegue fazer de uma noite comum a mais memorável dentre tantas que já
passamos juntos.
Como um exímio jogador, percebo que ele está fazendo de tudo para que nossa
noite não se resuma a uma aposta de quem ganha ou sai perdendo, deixa aflorar
seu lado mais romântico me derretendo por dentro, porém sua intenção é clara.
Ele tem a certeza de que não conseguirei o meu intuito como da outra vez, como
um estrategista, talvez ele não tenha a consciência de que essa sua conduta o
torna ainda mais perigoso com seus gestos cavalheirescos e de uma sedução
invulgar. Nesse quesito, meu marido não sabe quão forte são suas armas que
dominam meu coração sem nenhuma reserva, sou presa a ele, regida por seu
magnetismo preponderante e isso é recíproco entre nós.
— Eu o amo, Enzo. — envolvo minhas mãos em seus cabelos, absorvendo a
maciez dos fios sob meus dedos e ele fecha seus olhos, ofegante, recebendo meu
afago. Enlaça minha cintura e com nossos olhos nivelados o vejo molhar seus
lábios em um convite explícito de uma noite amor.
—Ti amo,mia ragazza! — diz em minha língua natal, inflama meu corpo assim
como minha alma ao se declarar de modo tão natural e franco. Ele suga meu
lábio com força. — Agora, chega de conversa, pois aposta é aposta! — uma de
suas mãos aperta com força a minha bunda e com passos lentos conduz nossos
corpos próximos à cama.
Meu Enzo ogro resolveu dar as caras e tomar o seu posto de carcamano
delicioso. Atrevido, enrosca seus dedos nas alças de meu vestido.
— Chegou o momento mais esperado por mim. — seus olhos brilham,
divertidos. — Livrar seu corpo desse vestido que me deixou louco de ciúme
durante toda essa noite. — devagar, faz a peça descer por meu corpo, enquanto
seus olhos vorazes pairam em meus seios.
— Esse tipo de ciúme não combina com você, meu marido. — o provoco.
Na sequência, mãos fortes deslizam pela lateral de meu corpo e sua boca gruda
ao meu ouvido.
— Pois saiba que você me causa todos os tipos de ciúmes, mesmo os ainda
desconhecidos para mim.
Essa frase deveria me assustar e ser um motivo de reprimenda, causando em
mim uma espécie de indignação, porém ao contrário disso tudo, mesmo tendo
ciência de seu ímpeto de posse e conhecendo sua natureza machista e protetora,
meu interior se vangloria por ser a mulher que lhe causa essas sensações tão
adversas até então.
É mais do que óbvio que jamais testaria e pagaria para ver até onde e quais
consequências levariam o seu ciúme, meu ego se dá por satisfeito, pelo simples
fato de que um mero vestido o incomoda e para não me desagradar, ele faz uso
de seu autocontrole.
Seminua, Enzo me mantém presa em seus braços. Afoita o livro, de sua camisa
liberando seu dorso perfeito para explorar com meus lábios e dedos famigerados
cada pedaço ali exposto diante de meus olhos. Meu olfato aguçado sente seu
perfume e deseja mais do que nunca que esse seja o cheiro grudado em minha
pele ao sentir seu corpo por cima do meu.
Ainda no comando, abro seu cinto e com uma indecente e provocadora ideia de
fazê-lo se render mais rápido do que eu, abaixo sua calça juntamente com sua
cueca, o deixando nu e possibilitando que minha boca percorra por seu abdômen
em total deleite. Sentada no colchão, deposito meus dedos em suas costas e
percorro um caminho até chegar em sua bunda, apalpando seus músculos rígidos
no mesmo instante em que meus lábios se declinam sobre o vértice final de seu
abdômen sentindo o calor, o cheiro e o gosto de sua pele morna em desespero.
Em sua bunda, minhas unhas vagam deixando marcas até chegarem em suas
coxas musculosas.
O puxo para mim, envolvendo meus lábios em seu pau totalmente ereto e sua
reação imediata é arquear seus quadris em direção à minha boca.
— Tem certeza do que irá fazer? — com um ar cretino, pergunta com os olhos
esfomeados e o respirar alterado ao me ver o engolindo bem devagar.
— Por que a dúvida? — minha língua percorre toda a sua extensão e soltando
um gemido, ouço praguejar baixinho. — Quero ver meu pretensioso
italiano perder toda a sua sensatez enquanto estiver em minha boca. — prende
meus cabelos em suas mãos e investe em meus lábios numa cadência que se
intensifica cada vez mais. Sugo com mais força e ele quase urra com seus dentes
cerrados em uma cena pura, unicamente divina e tentadora aos meus olhos.
— Acredite que minha sensatez há muito tempo foi perdida ao me deparar com
uma certa ragazza italiana de olhos castanhos e sorriso largo.
Excitada ao extremo, uma de minhas mãos alisa o interior de suas coxas, as
apertando de modo erótico e causando em Enzo um furor quase animal.
Aposta é aposta, como ele mesmo disse e predestinada a deixá-lo sem forças, o
chupo até extrair tudo de si. Em pé, solta altos gemidos que me deixam mais
louca por ele. Ao se afastar de mim, suas faces ruborizadas e suada com seus
cabelos desalinhados fazem com que sua aparência fique ainda mais devassa e
excepcionalmente linda.
Subitamente, ainda ofegante, pós gozo, me segura pelas coxas e me faz cair de
costas sobre o colchão...
— Agora é a minha vez de vê-la se perder sob minha boca, Antonella!
Sua boca escala meus tornozelos um a um subindo em uma vertiginosa trilha de
beijos e cálidas mordidas fazendo com que eu me contorça de tesão e é quando
[600]

ele se ajoelha, se colocando em meio às minhas pernas que um turbilhão de


sensações invade meu corpo. Dispara um olhar fulminante e devagar abaixa sua
cabeça abrindo com sua língua os lábios de minha boceta.
Remexendo meus quadris, anseio como louca pelo gozo imediato e de olhos
fechados, me deixo levar por suas lambidas e sucções até atingir o ponto
máximo de uma rompante ansiedade. Prevendo meu gozo iminente, sinto que ele
cessa suas carícias, envolvendo meu corpo entre seus braços me vira de bruços.
Sem alcançá-lo com meus olhos, seus dedos pairam em minhas panturrilhas em
um gesto busco sobem em um toque firme pressionando minha carne,
massageando e instigando meu corpo ainda mais.
— Enzo... — murmuro quase sem ar ao sentir seu polegar e indicador tocando
em mim de modo provocativo. Sua habilidade incita meu corpo em um abrasado
calor que só ele poderá conter quando estiver dentro de mim.
— Hai un bel corpo, ragazza mia. — sua voz grave e resfolegante de desejo é
[601]

um martírio agonizante quando chega aos meus ouvidos.


Ensandecida, espero alívio em seus dedos e para meu delírio, pende sua cabeça e
com sua boca me devora por trás, extraindo de minha garganta gemidos quase
suplicantes para que ele me faça gozar.
— Terá tudo o que deseja... — apoiado sobre seus braços, declina seu corpo
sobre o meu e me penetra bem devagar.
Nossa respiração se mistura assim como nossos gemidos saem simultâneos a
cada movimento nosso, empino meus quadris, suspirando pela sensação de me
sentir preenchida e não satisfeito permanece de joelhos, soerguendo meu corpo
junto a si, onde minhas costas grudam ao seu peito suado e meu pescoço tem
acesso livre para sua boca e língua que mordem e sugam minha pele de modo
mais que despudorado.
Meus braços enlaçam seu pescoço buscando apoio para suas investidas mais
bruscas, busco sua boca quando sinto seus dedos massagear meu clitóris, me
estimulando ainda mais e à medida que seu polegar o fricciona com maestria,
seu pau se remexe em meu corpo tocando uma parte sensível dentro de mim
fazendo com que eu sucumba e tenha um orgasmo convulsionando de modo
mais duradouro.
Espalma meus mamilos e com a boca colada à minha continua a meter em mim
em um ritmo frenético. Logo após, me coloca de quatro e segurando em minha
cintura, suas coxas se chocam em meus quadris a cada estocada firme.
— Antonella.... — dá um tapa em minha bunda e gemendo meu nome, mete sem
parar.
E nesse desvario de desejo, sou pega de surpresa por uma sensação ainda
desconhecida, várias contrações de desejo em curtíssimo espaço de tempo,
fazem com que meu corpo seja acometido por orgasmos múltiplos e à medida
que essas miríades de sensações me abatem, Enzo me estimula ainda mais com
[602]

seu corpo e mãos. Com o coração batendo acelerado e quase sem ar, grito seu
nome levando seu corpo a se perder comigo. Ele goza apertando meus quadris,
acompanhado de gemidos animalescos saindo de sua garganta.
Quando nos deitamos, meu corpo está saciado e esgotado por completo.
— Minha vez de perguntar. — deito sobre seu peito. — O que você andou
tomando? — ergo minhas sobrancelhas e sustento um sorriso intrigado no canto
de meus lábios. Flexiona seu pescoço encontrando meus olhos e sorri.
— Absolutamente, nada. Por quê?
— Pela sua disposição, talvez. — brinco e volto a me descansar meu rosto em
seu tórax, distribuindo leves beijos nessa região.
Se não fosse um homem de palavra e muito autêntico diria que Enzo estaria
mentindo. Uma bobagem perpassa por minha cabeça e imagino as peripécias que
ele já deva ter feito em uma cama. Será que ele já fez ménage? Pelo seu
desempenho, tenho certeza de que já fez.
Mesmo curiosa, mantenho essa pergunta guardada e me retenho a fazê-la justo
agora. Instantes depois, ele ressona ao meu lado e aproveito para ir ao banheiro.
Abro o registro do chuveiro, deixando a água morna se espalhar e lavar o meu
corpo.
— Não me convida para um banho? — a porta do box é aberta e meu corpo é
jogado contra a parede ao mesmo tempo em que sua boca ataca a minha.
E quase uma hora depois, percebo que Enzo não estava brincando quando disse
que o subestimei, entre o vapor e umidade de nosso banho, mais uma rodada
intensa de sexo faz com que meu corpo comece a sucumbir.
Ele se encontra insaciável e a cada vez que fazemos amor, seu corpo, ao
contrário de mim, parece ainda mais disposto. Estirada em nossa cama com ele
enroscado a mim, ele alisa meus cabelos e acabo adormecendo. Acordo, com
suas mãos alisando meu corpo e sua boca roçando a minha.
— Cansada? — estreito meus olhos em sinal de desafio.
— Eu? — esmago seus lábios e de imediato meu corpo reage a Enzo Ferraro.
Só que para a minha surpresa, Enzo acaba me fazendo padecer e por mais três
vezes consecutivas ele se mostra ainda intacto. Antes de começarmos o que seria
a sexta rodada, ergo meus braços e peço para que pare. — Quero permanecer
viva para ver meu filho crescer. — zombo então.
Duas horas depois, abro meus olhos e ele dorme ao meu lado, remexo meu corpo
todo dolorido na cama e instantaneamente olhos azuis me sondam com
seu brilho maroto, seu braço direito envolve meu corpo.
— Se quiser outra rodada é só dizer! — brinca, indecoroso.
— Você deve estar adorando isso, não é? — solta um suspiro, antes de rebater.
— Avisei de que não costumo perder minhas apostas.
— Irei me lembrar disso eternamente, presunçoso. — deita sobre meu corpo e
dispara.
— Quando quiser apostar novamente... — mordo seu ombro com força
arrancando uma risada escancarada de sua garganta.
— Mas olha que atrevida! Você perde e ainda fica revoltada!
— Um dia, devolvo na mesma moeda.
— Esperarei, Nella... — rola seu corpo me levando com ele.
— Agora, vamos descansar, pois tenho uma outra surpresa para logo mais. —
beija a ponta de meu nariz.
— Posso saber o que vem por aí?
— Quero embarcar para Dubai ainda hoje, portanto trate de dormir e esteja de
malas prontas. — completa. — Partiremos ao meio-dia.
*****
Ao acordar, o sol invade as janelas de nosso quarto e ao meu lado, o travesseiro
de meu marido se encontra vazio. Meus músculos estão retesados e doloridos e
como prometido, Enzo deixou mesmo as minhas pernas bambas. Levanto
cambaleante e ao me encarar no espelho, me deparo com um zumbi devido às
minhas olheiras e rosto abatido.
Depois de um banho e ainda de pernas bambas, procuro por Victório que se
encontra junto com sua babá, pego em meu colo e me dirijo à mesa de café da
manhã. Donatella folheia uma revista de moda e ao em ver ergue seus olhos,
estranhando a minha aparência.
— Nossa, que cara horrível é essa, minha cunhada? — fecha sua revista. — Não
ouvi Victório chorando essa noite! — completa, esperando uma resposta que
satisfaça a sua curiosidade.
Se não conhecesse a irmã de Enzo diria que ela está zombando de minha cara,
pois o seu quarto fica muito próximo ao meu.
— Perdi o sono, às vezes, isso acontece comigo! — emendo, sentando à mesa
com meu filho em meu colo.
— Partem ainda hoje para Dubai? — muda de assunto, fazendo gracinhas para
Victório que mostra suas gengivas em um lindo sorriso para a tia.
— Me parece que Enzo quer partir ainda hoje! — comento. Encho minha xícara
de café, pois preciso de algo que desperte meu cérebro ainda lento. — E por
falar em Enzo, sabe se ele está em casa?
— Sim, ele está na academia treinando com Isaiah. — engulo meu café, quase
engasgando.
Enzo está treinando? Onde ele arrumou disposição para isso???
Saio da mesa e andando até a academia com Victório em meu colo, avisto meu
belo ragazzo em seu kimono derrubando Isaiah no tatame. Ao me ver,
prontamente se levanta e vem ao meu encontro, sarcástico e ao mesmo tempo
debochado, arruma seus cabelos e dispara.
— Não dormiu bem? Está com uma cara horrível! — oferece seus braços a
nosso bambino que se joga no colo do pai.
— Que engraçadinho! É para achar graça ou somente uma observação
comumente a marido mafioso e cínico? — beija de leve a minha boca e mais
uma vez me lembra de que partiremos ao meio-dia rumo a Dubai.
— Isso é somente a constatação de que minha esposa passou uma noite em claro
e diga de passagem foi uma noite maravilhosa. — sorri abertamente, me
deixando toda boba.
— Estive pensando e cheguei à uma conclusão do motivo de minha derrota.
— Chegou?? — inquire, curioso.
— Sim, em minha inocência, dei vantagens a você sem saber que estava fazendo
isso. — ele entende a minha indireta perfeitamente.
Ao fazer aquele oral, acabei fazendo com que ele, movido pelo vinho que
consumiu, ele demorasse muito mais tempo para gozar e decidido a me vencer,
Enzo me deixou à beira de um abismo com suas preliminares, facilitando e
justificando meus vários orgasmos que me levaram à exaustão.
— Na próxima, eu te pego, senhor Ferraro. — lança um olhar comprometedor
piscando em seguida.
— Não faltará oportunidades para isso, mia bela ragazza.
— Agora, arrume nossas malas pois Dubai nos espera.
Saio da academia, rumo ao nosso quarto e lá arrumo nossa bagagem rumo ao
Oriente Médio...
Família Ferraro

Domênico
Saímos de Nova Iorque exatamente à uma da manhã, se nosso voo não
apresentar nenhum contratempo, pousaremos na Cidade Luz por volta das duas
tardes, horário de Paris. Aterrissamos no Aeroporto Charles de Gaulle e
seguimos diretamente para o hotel reservado para nossa estada em lua de mel.
Presente de meu chefão, Enzo Ferraro.
É nosso primeiro dia de casados em Paris e impaciente, espero por Clara que
termina de se arrumar no banheiro e sob a penumbra da luz que vem do abajur
ao meu lado, vejo a silhueta de Clara adentrando o quarto a me encarar com a
felicidade estampada em seu rosto.
Lá fora, uma leve garoa de outono cai sobre a cidade, deixando a temperatura
gélida em contraste com o calor de nosso quarto.
Vestida com uma linda camisola branca, caminha lentamente em minha direção,
ajeitando seus cabelos e pairando no ar a essência de seu perfume de flores.
Com os olhos fixos em mim e sua boca entreaberta, ela transforma essa visão na
mais linda já vista por mim.
— Linda. — não consigo descrever em palavras o que meus olhos retratam com
tanta maestria.
Tímida, ela abaixa os olhos e afasta uma mecha de cabelos que tenta encobrir a
sua beleza.
— Obrigada.
Saio da cama na intenção de ir ao seu encontro e enlaçar seu corpo junto ao meu.
Ao me aproximar, seus braços pendem sobre meu ombro ao mesmo tempo em
que minhas mãos, a prende pela cintura.
— Casados e enfim sós! — a beijo de leve absorvendo a maciez de seus lábios
carnudos.
— Casados e enfim sós. — repete com um sorriso a brilhar em seus olhos. —
Jamais imaginei que poderia viver o que estou vivendo nesse momento, Dom.
É assim que ela me chama em nossa intimidade usando seu inglês ainda falho e
sua frase abate diretamente em meu peito.
— Sou muito feliz por ser o homem que partilha dessa sua felicidade. — cheiro
seus cabelos. — Prometo que farei desse instante uma contínua repetição de
momentos felizes em nossa vida juntos.
— Tenho plena certeza de que escolhi o homem certo para dividir a minha vida e
formarmos uma família juntos.
Clara tem a exata noção de que minha maior vontade é ter filhos e devido a
nossa diferença de idade, ela também sabe que não pretendo demorar muito para
que isso se torne realidade.
Buscando minha boca, suas mãos saem de meu pescoço para deslizar por minhas
costas, apertando minha pele com seu jeito tão peculiar, delicada e ao mesmo
tempo minuciosa.
Em resposta ao seu afago incitante, colo ainda mais o meu corpo ao seu e
cobrindo seu pescoço e colo de beijos entrecortados eu a encaminho para a
cama, onde quero, mais uma vez, demonstrar o quanto eu a amo e desejo até o
meu último respirar.
Meu corpo cobre o seu e coberta de audácia, minha mulher se remexe sob mim
de forma deliberada e desavergonhadamente.
Na primeira vez em que Clara e eu fomos para a cama, ela se mostrou muito
retraída, acreditando enganosamente que a sua aparência não seria altamente
suficiente para despertar em mim tamanho desejo. Determinado, convenci de
que sua presença era muito além de qualquer expectativa formada por minha
mente e que qualquer ideia inequívoca que ela viesse a ter deveria ser apagada
por completo.
Hoje, extrovertida como se tivesse saído de um casulo construído por razões
óbvias e inquestionáveis, Clara se mostra solta e receptiva a todas as coisas
prazerosas que praticamos quando fazemos amor.
— Eu te amo. — fixo meus olhos nos seus à medida que minha mão desnuda sua
pele e a livra de sua camisola.
— Ti amo. — me devolve um olhar descarado e abaixa o cós de minha calça de
pijama.
Avanço sobre sua boca e aos beijos sôfregos e mãos a correr por nossos corpos,
somos levados por uma corrente de paixão e desejo que nos une de um modo
intenso.
Penetro em seu corpo e Clara me acompanha ditando um ritmo lento onde
podemos absorver a cada investida minha, sem descolar nossos olhares um do
outro. Quando ela se entrega a mim por inteira e goza gemendo meu nome é
como se ela instigasse ainda mais a minha vontade de possuir a cada partícula de
que ela é formada. Ainda ofegante, a puxo sobre meu corpo e ali aliso seu corpo
delicado e meu.
Mais tarde, depois de nos amarmos mais uma vez, tomamos um banho juntos,
saímos de mãos dadas pelas ruas e jantamos à luz de velas em restaurante
escolhido por Clara.
Sentados à mesa, reparo em sua pele e vejo o quão linda ela está. As maçãs de
seu rosto coradas dão a ela ainda mais vida e beleza. Jantamos tranquilamente e
depois mais uma caminhada pelas avenidas movimentadas da capital francesa.
Ao atravessarmos um sinal vermelho, disparo.
— Essa é a primeira vez que viajo com uma mulher, sabia? — acabo
confessando isso e nem me dou conta do porquê disse isso. — Clara para e
segura meu rosto.
— Então, somos dois, pois essa é a primeira de muitas viagens que quero fazer
com o homem que amo. — ergue seus pés e me beija, encostando sua testa na
minha.

— A primeira de muitas. — minha voz sai com a mais importante das promessas
e a beijando novamente nos encaminhamos de volta ao hotel.
Nossa lua de mel apenas começou...

Antonella
Depois de deixar meu bebê aos cuidados de minha sogra e cunhada,
embarcamos em nossa aeronave rumo a Dubai.
Passadas intermináveis treze horas em pleno ar, desembarcamos em Dubai às
vinte e uma horas, horário local. Não preciso mencionar que escolhemos uma
péssima época do ano para estar na cidade, pois as temperaturas chegam a 30°C
durante a noite e atingem os seus escaldantes 40°C durante o dia. Só não
derretemos frente a esse calor devido ao ar condicionado do veículo que nos leva
diretamente ao hotel.
Curiosamente, quase não se vê pessoas transitando a pé pelas ruas. Intrigada com
isso, continuo observando a movimentação externa pelos vidros escuros do carro
e então, comento com Enzo o fato de que as ruas se mostram quase desérticas.
De imediato, ele me responde que essa cidade foi projetada basicamente para
quem possui automóvel, faz uso de táxi ou ainda utiliza o sistema de metrô, com
isso, minha curiosidade foi sanada.
Vinte e cinco minutos depois chegamos ao hotel escolhido por Enzo, o Burj Al
Arab, o próprio nome já diz muito a respeito de sua suntuosidade. Ele é
[603]

considerado um dos hotéis mais luxuosos do mundo. Situado em uma ilha


artificial estendida sobre o Golfo Pérsico, o hotel se impõe majestoso e se mostra
imponente sobre toda a ilha.
Dentro dessa magnífica construção a opulência pode ser vista em todo o lobby
do hotel onde as paredes são recobertas em ouro 24 quilates e não posso negar
que meus olhos ficaram presos nesse show de cores e ostentação.
Na recepção, homens acompanhados de duas ou mais mulheres cobertas por
burcas que deixam à mostra somente os seus olhos, elas se vestem do modo
tradicional de acordo com o islamismo, religião oficial daqui assim como a
poligamia também é permitida.
É impossível ver essas mulheres cobertas e não me lembrar da fatídica tarde de
compras de meu marido e suas primas muçulmanas, pelo canto dos seus olhos
notei que Enzo também acabou se lembrando desse fato e um sorriso estreito
brota em seus lábios.
Somos levados à nossa suíte Royal e apresentados ao nosso mordomo, fiquei
boquiaberta ao descobrir que cada suíte possui um totalmente à sua disposição.
Dentro da acomodação reservada por Enzo, me senti como em um dos contos
das mil e uma noites, em cada parede ou poltrona multicolorida a cultura árabe
aparece de modo imperativo. Não há como não se vislumbrar com o luxo dos
tapetes e lustres magníficos do aposento, bem como vários objetos banhados a
ouro. A primeira coisa que faço ao pisar na suíte é ligar para Nova Iorque e falar
com Adele na intenção materna de saber como está o meu bambino. Ela me
conta que ele está se comportando muito bem e que não há motivos para que eu
me preocupe.
— Está tudo bem com nosso filho? — Enzo pergunta enquanto guarda uma
necessaire em um dos criados-mudos ao lado da cama.
Faço sinal afirmativo e ele se aproxima, pedindo para trocar algumas palavras
com sua mãe. Logo após, tomamos um banho e fomos direto para cama. Exausta
em decorrência de uma deliciosa e fracassada aposta do dia anterior juntamente
com o cansaço da viagem, desabei em um sono mais do que profundo.
Pela manhã, ao abrir os meus olhos notei que amanheci na mesma posição em
que me deitei. Surpreendentemente, ao meu lado, o travesseiro de Enzo se
encontra vazio.
Sua ansiedade em fechar negócio com os árabes o têm deixando mais inquieto
do que de costume, Enzo diz que para negociar com esse povo a diplomacia e
cuidado ainda são muito pouco, pois eles sempre demonstram esquivos ao
aceitar uma proposta e sempre tendem a levar muito mais vantagem de quem
negocia com eles.
Estico meus braços, espreguiçando lentamente e resolvo sair à procura de meu
sheik mafioso. Sem sucesso, encontro um bilhete seu sobre uma cantoneira
próxima da porta do quarto.
"Nella,
Não quis acordá-la e resolvi conhecer a academia do hotel. Não demoro. Um
beijo nessa sua boca gostosa.
Enzo "
Quando apreensivo, Enzo sempre encontra nas atividades físicas uma forma de
extravasar suas tensões e canalizar as suas energias. Enquanto ele está fora, peço
meu café no quarto e em seguida, tomo um belo banho para dissipar o restante
do cansaço da viagem.
Em frente ao grande espelho do banheiro, confiro minha aparência revigorada e
seco devagar os meus cabelos, ouço uma das portas da suíte se abrindo e
imagino que meu marido terminou sua jornada matinal de exercícios e assim,
coloco um roupão, apago as luzes do banheiro e saio em sua direção, são raras as
vezes em que vejo trajando roupas mais desportivas.
Na verdade, quando as usa a postura de mafioso embaixo de seus ternos bem
talhados dão lugar à aparecia de uma figura jovial e sem nenhum embargo de
poder, contudo nada diminui a sua autentica beleza.
Usando um boné preto, que escondem as sedosas madeixas de seu cabelo, uma
calça de moletom, regata e tênis todos na cor preta, ele adentra a sala a passos
largos e apressados com a respiração ofegante, enquanto seu pescoço e braços
estão cobertos por algumas gotículas de suor reluzindo em sua pele.
Ao me ver, abre seu sorriso, caminhando em minha direção.
— Buongiorno, mia ragazza. — sua voz grave e entoada parece ter sido feita
para me fazer perder o raciocínio. Sua boca busca a minha em um beijo voraz
que faz meu corpo sucumbir a tudo o que porventura ele quisesse de mim.
Se afasta de maneira lenta e delicadamente enrosca seus dedos em meus cabelos.
— Madrugou? — inquiro, tocando seu braço ainda a encará-lo com extremo
desejo.
— Não consegui dormir direito, acredito que seja em função do fuso horário. —
acrescenta. Mesmo suado e com a respiração ainda alterada, ele se deita em um
dos sofás da sala.
— Pode me fazer um favor? — cruzo meus braços e debocho.
— Todos os que desejar, meu amo! — completo com uma cara travessa. — Serei
como Jeannie é um gênio e você poderá me pedir o que quiser. — cerra seu
cenho retorcendo seus lábios, deixando que o divertimento dentro dos seus olhos
azuis se reflita em seu brilho ainda mais intenso.
Visto de cima, seu rosto corado pós exercícios exala sua masculinidade envolta
ao seu rosto tracejado a mão por um escultor que sabia como impactar os olhos
de uma mulher quando se deparasse com ele. Alcança minha mão e alisa a ponta
dos meus dedos gerando ainda mais calor entre nós.
— Tudo o que eu desejar? — dispara, malicioso e meus olhos recaem
diretamente sobre seu queixo quadrado descendo para o decote de sua regata que
esconde seu tórax coberto de pelos.
— Absolutamente, tudo. — respondo à altura, mordendo meus lábios para
incitá-lo a prosseguir com essa provocação gostosa. Amo provocá-lo, pois sei
onde isso irá nos levar.
— Para começar, minha Jeannie, quero um copo de água bem gelado. —
deitado, tira seu tênis fazendo cair ao chão. — De preferência com cubos de
gelo.
— Seu desejo, uma ordem! — pisco meus olhos devagar e saio em busca do seu
pedido.
Volto com o copo nas mãos e o entrego a ele, observo beber o líquido com uma
sede voraz. Deixa o copo sobre a mesa de centro e mantém um cubo de gelo a
dançar em sua boca.
— Mais algum pedido, senhor Ferraro?
— Tenho muitos pedidos a fazer, minha "gênia" e ainda mal comecei. —
atrevido me puxa pelas mãos, fazendo sentar sobre seu corpo estendido no sofá.
— Sabia que acabaria escravizada por meu amo. — esfrego meus quadris em seu
corpo e montada sobre ele, sou agraciada com seus ávidos olhos sobre o decote
de meu roupão.
— O escravizado aqui sou eu. — arqueia seus quadris dando a dimensão do seu
desejo ao sentir a sua excitação se avolumar sob meu corpo.
E nessa excitativa sequência de sedução, arranco seu boné deixando seus cabelos
revoltos a moldarem seu rosto.
— Assim, está bem melhor. — penetro meus dedos nas mechas de seu cabelo
pendendo meu corpo na intenção de deixar minha boca em uma milimétrica
distância da sua.
Em resposta, seus dedos invadem a fenda de abertura de meu roupão, deixando a
peça cair sobre meus ombros me desnudando. Indecoroso, Enzo ergue seu
pescoço alcançando meu seio com sua boca e deslizando o cubo de gelo pelo
meu mamilo acende meu corpo ainda mais.
A água em sua forma sólida derrete em contato com minha pele e sua boca
também gelada suga meu seio de maneira lenta e libertinamente deixando trilhas
gélidas em meu colo que paradoxalmente incendeiam meu corpo todinho.
Beija meu pescoço até alcançar meus lábios e enroscando sua língua fria à
minha, solta um gemido abafado ao sentir que rebolo sobre seu pau agora
totalmente duro. Insolentemente, abaixo sua calça e seu pau roça em minha
entrada toda molhada, arrancando mais gemidos de nós dois.
Uma de suas mãos seguram meu pescoço em seu toque agora bruto, encaixando
ainda mais seus lábios vorazes aos meus. Nosso beijo se torna cada vez mais
intenso e afoita, penetro minhas mãos por baixo de sua camiseta, escalando seus
músculos sobre meus dedos. Insatisfeita, a tiro, liberando seu tórax para meu
insano e completo delírio.
Com seu tórax à mostra, meus lábios percorrem seu ombro com beijos lascivos e
circundando todo o seu peito deslizo minha língua por todo vértice de seu
ombro, extraindo de suas narinas suspiros voluntários de um controle que logo
se extinguirá. Mordisco sua pele, aspirando seu cheiro másculo e saboreando sua
pele bem devagar e logo acima de seu mamilo esquerdo colo minha boca sobre
sua epiderme e deixo uma marca de meus dentes e lábios.
— Quero marcá-lo como meu. — ergo meus olhos e o encontro com semblante
aceso de pura devassidão. Olha para a pequena marca em seu peito e toma minha
mão sob a sua.
— Mesmo invisível, a sua marca sempre estará aqui dentro! — coloca meus
dedos sobre seu coração fazendo com que o meu coração bata ainda mais
descompassado depois de uma declaração como essa.
— Enzo... — avanço sobre sua boca completamente estarrecida de amor e desejo
por esse homem único e que me ama.
Colada a ele, sinto quando levanta seu corpo com a calça ainda arriada e em pé,
me leva com ele, aos tropeços, enrascada em sua cintura até o quarto. Aos beijos
e gemidos chegamos próximo a cama e ele se senta no colchão com meu corpo
sobre o seu.
— Qual será seu próximo pedido, meu amo mafioso?
No canto direito de sua boca, um arco indiscreto aparece formando um sorriso
safado que em conjunto com sua sobrancelha arqueada fazem com que eu me
sinta a mais privilegiada e desejada das mulheres.
— Não preciso de nenhum pedido no momento, pois o que quero está bem
diante dos meus olhos e toda sedenta por mim.
— Sou louca por você, sabia? — atrevo a tomar seu queixo em minha boca e
morder de leve, enroscando meus dedos em seus cabelos, movendo sua cabeça
para trás.
— Prove. — aperta meus quadris e os puxa em direção ao seu pau rígido. —
Quero saber o quanto.
— O quanto jamais pensei que pudesse querê-lo e amá-lo.
O azul de seus olhos fica ainda mais intenso e límpido, parecem duas turquesas
que possuem uma espécie de imã fascinante que abala meu interior somente de
olhar em sua direção.
Roçando seu pau em mim, sua boca se apossa de meu lábio inferior, o sugando
de modo arrebatador até esmagar os meus lábios à medida que me penetra
devagar e ao mesmo tempo firme.
O sinto me preenchendo toda e essa sensação deliciosa carregada de tesão se
intensifica quando ele gruda seus lábios em meu pescoço e aumenta suas
estocadas, seu pau quente e extremamente rígido alcança pontos sensíveis que
me fazem gemer alto em decorrência de cada investida. Sem fôlego e
completamente dominada por meu homem, pego uma de suas mãos que se
encontra em minha cintura e a coloco sobre minha bunda.
— Isso me dá ideias subversivas, Antonella. — solta com a voz denotando sua
malícia indecente e quase palpável.
— Talvez seja essa a minha intenção, Enzo! — rebato, audaciosa no mesmo
momento em que ele desliza seu polegar sobre meu ânus e com seus lábios
colados ao meu, sussurra palavras sacanas produzindo em mim uma sensação tão
prazerosa prestes a eclodir. — Adoro meu mafioso subversivo. — o provoco sem
tirar meus olhos de sua boca e das marcas de sua barba por fazer.
Arrastada por um turbilhão de sensações indescritíveis e por contrações que
atingem meu ventre, um orgasmo mais do que avassalador chega e faz meu
corpo todo vibrar em uma explosão avassaladora de desejo.
Ainda sob os efeitos escarnecedores do meu orgasmo, Enzo vira meu corpo
subitamente contra o colchão e continua encaixado entre minhas pernas metendo
em um ritmo frenético e delicioso.
Acompanho, encarando sua testa de onde brotam algumas gotas de suor que
escorrem lenta e parcialmente pelas laterais de seu rosto. Com a boca e olhos
entreabertos, arremete impetuosamente sobre mim, chocando suas coxas com as
minhas numa fricção deliciosamente intensa. Com o corpo apoiado sobre seus
cotovelos, vejo pender seu pescoço para trás e numa visão de luxúria quase
indecente, ouço gemer alto e num remexer de quadris, Enzo goza dentro de mim
buscando minha boca de modo febril, desabando sobre meu corpo, ofegante.
Dentro de nossa suíte, a claridade do sol invade as cortinas entreabertas e o calor
de nossa cama pode ser comparado a alta temperatura que queima lá fora.
Cola sua boca em meu ouvido e ainda duro dentro de mim, estoca alternadas
vezes deixando claro que ele ainda quer mais.
— Vejo que acordou disposto, amore mio. — incito seu corpo a dar continuidade
em seus movimentos devassos.
Só que para completar a insanidade de nosso desejo, penetra sua mão próximo a
base de minha coluna escalando devagar novamente até chegar em minha bunda.
— Vira-se. — imperativo, gira meu corpo e me coloca de costas sobre suas
coxas flexionadas. Sua boca escala meu colo e ombros distribuindo por minha
pele inúmeras lambidas e um roçar de dentes que me atordoa. Aperta minha coxa
e seus dedos deixam marcas avermelhadas por onde passam.
— Quero você toda, Antonella! — sua vontade subtendida é mais do que
compreendida por mim. — Quero te foder gostoso, bem aqui! — circunda meu
ânus com seu polegar. — Agora... — sussurra com a voz entre dentes exalando
tesão me fazendo gemer e ansiar pelo que está por vir.
— Então, me fode, meu gostoso! — digo aos tropeços, toda receptiva.
Beija minha boca com sofreguidão, esticando seu braço e alcança a gaveta do
criado-mudo, retirando de lá uma embalagem com preservativo e o famoso
lubrificante.
Mas é mesmo um safado! Então era isso que ele guardava naquela necessaire?
Deveria ter desconfiado...
— Sempre prevenido. — constato com humor ao vê-lo abrir o invólucro
contendo a camisa e o colocando sobre sua ereção.
— Sempre. — olha por baixo com sua testa enrugada, o que lhe deixa mais
charmoso.
Na sequência, enlaça minha cintura, me colocando de costas para ele e com o
uso do lubrificante, me penetra aos poucos e bem devagar à medida que me
estimula com seus dedos a me masturbar de modo magistral.
Como gato escaldado tem medo de água fria, dessa vez, não me aventuro a ir
com tanta sede ao pote e vagarosamente Enzo se remexe, me levando à loucura
com seu corpo colado ao meu.
Mais tarde, debruçada sobre seu peito e com um sorriso escancarado nos lábios,
ele me provoca.
— Acredito que, não me xingará como fez da última vez! — conclui em um leve
ronronar, levanto meu rosto e me deparo com seu lindo sorriso.
— Aprendo a lição muito fácil, senhor Ferraro.
Minutos se arrastam e Enzo lembra de que teremos uma festa logo mais, na casa
do tal Sheik com quem ele irá negociar.
— Prometo que não iremos demorar e se quiser poderemos voltar para Nova
Iorque ainda essa noite. — por um momento, essa frase me deixou eufórica, pois
meu coração de mãe fica a cada minuto mais apertado de saudade de meu lindo
bochechudo.
— Estou adorando toda a viagem e o tratamento exclusivo de meu marido,
porém confesso que essa foi a ideia mais sensata e maravilhosa que você poderia
ter.
— Então, voltaremos ainda essa noite.
No palácio do Sheik Khalil Youssef Abicair, fomos muito bem recebidos em sua
festa de gala. Havia muitas pessoas que julguei serem muito afortunadas pelas
joias e roupas de grife que ostentavam e o pior muitas muçulmanas dirigiam seus
olhares para o mio marito.
Que nenhuma delas tente alguma gracinha, pois não medirei esforços para
marcar o meu território.
Are baba!!![604]

Em determinado momento, Enzo pede licença, se junta a alguns homens na festa


e adentram uma sala, onde por quase uma hora a portas fechadas, eles tratam de
negócios. Enquanto esperava, fui recepcionada por uma das mulheres de Khalil e
me perguntava o tempo todo como uma pessoa consegue viver dividindo seu
marido com outra. Só em imaginar ter que dividir Enzo com outra, meus ossos
até doem de ciúme. Se porventura, nascesse em meio a uma cultura como essa,
não saberia como me portar e acima de tudo, concordar com o que me foi
imposto.
Momentos depois, deixamos a festa e conforme combinamos, saímos do hotel e
fomos direto para o aeroporto, onde embarcamos de volta a Nova Iorque.
*****
Mês de dezembro chega e com ele, muitas datas especiais, dentre elas o
aniversário de Enzo que foi comemorado em um almoço em família. Nada de
festas ou comemorações extravagantes que não fazem o seu estilo, pois ele é
avesso a isso quando se trata de seu aniversário.
Nosso natal foi recheado de uma bela novidade. Durante nosso almoço, com a
mesa repleta dos que amamos, Clara anuncia que logo terá um bebê. Não preciso
mencionar que Domênico não cabia em si de felicidade, ela recebeu os parabéns
de todos na casa em especial o meu abraço de irmã chorona.
Victório, meu bochechudo, está a cada dia mais fofo, em um momento de mais
pura fofura, Enzo o fotografa e essa foto é mais uma das que fazem parte de
nosso álbum familiar.
— Ele não é a coisa mais linda e fofa que já fizemos? — pergunto a Enzo ao ver
o retrato de nosso bebê sorrindo sobre sua mesa no escritório.
— Ele tem a quem puxar. — com ar zombador, Enzo ajeita a gravata e pigarreia.
— Quem mandou me casar com um homem tão modesto? — beijo seus lábios e
me aconchego a ele, olhando a neve que cai intensamente lá fora.

Enzo
Um ano e meio depois...
— Vocês viram Papá por aí? — pergunto à minha mãe e irmã que se encontram
na varanda a conversar.
— Deve estar no jardim com seu filho, pois ele não faz outra coisa senão andar
com o neto por todos os lados da casa.
— Preciso falar com ele, com urgência. — deixo as duas conversando e
enquanto Antonella não chega de sua tarde de compras, saio à procura de meu
pai e de meu filho.
Passo pela ala da piscina e Letízia e Pietro brincam jogando bola na água, ao me
verem, convidam para participar da brincadeira e esquivando da diversão,
agradeço e continuo a minha busca pelo patriarca da família Ferraro, ao fundo do
jardim, sentados no gramado se encontram meu pai e meu filho brincando.
Discretamente, me aproximo devagar e vejo uma das cenas que fizeram parte de
minha infância quando ele brincava comigo.
Meu pai fazendo aviõezinhos de papel e tentando arduamente que eles levantem
voo, os olhos de Victório Netto não saem dos movimentos e se mostra
vislumbrado pelos sons que meu pai faz imitando um monomotor.
Fico ali parado contemplando a mágica da vida, minha raiz e meu fruto juntos e
felizes.
" O avião mágico do vovô vai subir... Uonnnnnnnnn...”
Solta a folha em forma de aeronave e meu bambino corre para alcançá-la através
do vento.
Sem perceber que está sendo observado, vejo meu pai mudar radicalmente de
brincadeira ao encontrar um grilo na grama e como no passado agora é a hora de
seu divertimento favorito..., assustar Victório.
Balanço a cabeça inconformado por me lembrar de que muitas vezes o
protagonista dessa diversão era eu.
Coloca o inseto na palma da sua mão e chama seu neto para ver a sua
descoberta, meu filho, curioso como qualquer criança, corre e fixa seus olhinhos
no bicho que para ele é mágico segundo as palavras de seu avô.
— Bi...xi... nho, vovô?
— Sim, esse bichinho é mágico, Victório!
Num rompante, meu pai mexe a palma da mão e o grilo pula na roupa de
Victório, que abre a boca a chorar pelo susto e não lhe resta outra opção que
afagar seu neto acalmando seu choro como fazia comigo, ao abraçar Victório,
fecha seus olhos apertando o pequeno em seus braços e seu semblante não
poderia me dar mais orgulho de vê-lo tão feliz.
Meu exemplo... A minha força... Meu farol.
Consegue enfim acalmar o choro de seu neto e então com a ajuda de uma
espátula, traça uma pequena estrada na terra, onde circula com um pequeno
carrinho chamado mais uma vez a atenção do meu bebê.
Emocionado, por reviver tudo isso olhando por outro prisma, respiro fundo e
meu olhar se encontra com o de meu pai que sorri timidamente e é atrás dos
muros de nossa casa que nos deixamos transparecer quem realmente somos. Ao
lado de nossa família não precisamos nos figurar com nenhuma máscara para
representar nosso verdadeiro eu.
Pego meu celular e faço um pequeno vídeo do poderoso Victório Ferraro
brincando de carrinho com seu neto, ambos sentados no chão.
— O que você está olhando aí? — a voz de Antonella ressoa em minhas costas e
uma de suas mãos pairam em meu ombro.
— Olhe ali. — aponto para os dois a brincar e seu semblante se ilumina com o
que vê.
— Registrei tudo e tirei algumas fotos para nosso álbum de família.
— Ah é? Que bom! — joga seus cabelos e sorri, se aproximando de meu corpo.
— Pois lhe asseguro que daqui a alguns meses teremos mais um ou uma
integrante que fará parte desse álbum.
— Está me dizendo que...
— Estou afirmando que aqueles enjoos não se devem ao fato de uma mera má
digestão, portanto, Enzo Ferraro, você e eu seremos pais novamente. — abraço
seu corpo e a beijo como se minha alma dependesse disso.
— Antonella, estou muito feliz!!
— Eu também e espero que seja uma linda bambina, dessa vez. — franzo minha
cara, um pouco desconfortável com a ideia de ter uma menina a quem defender
com unhas e dentes num futuro não muito distante.
— Será mais um Ferraro, tenho certeza.
— Por isso, não! Amanhã farei um exame igual ao que realizei quando
engravidei de Victório e sanearemos nossa dúvida. — diz, com a certeza de que
sua vontade seja atendida.
— Veremos... — estreita seus olhos e refuta, desafiadora como sempre foi...
— Veremos! — entramos abraçados e mais tarde sentados à mesa de jantar e
anunciamos a todos a chegada de mais um integrante na família a quem
esperarei com os braços e coração aberto, para defender e amar com meu
sangue...

Epílogo

Enzo
Minha vida segue pacata.
Bem, como um contraventor, não poderia qualificá-la com esse adjetivo tão
antagônico devido a rotina por vezes conturbada em que me encontro. Quando
digo "pacata" é porque não há nada de anormal girando ao meu redor e muito
menos fora de meu domínio.
Meus negócios caminham muito bem e a cada dia nossa Famiglia ganha ainda
mais respeito. Em determinados momentos em meio a esse submundo, você
consegue sentir a tensão quando querem lhe puxar o tapete e é nesse exato
momento em que eu e meu melhor Consigliere rebatemos aos inimigos com
estratégicas que os impedem de nos derrubar.
Falando em Consigliere, às vezes, me pego pensando em Ignácio e na tremenda
falta que ele nos faz. Sua lealdade foi provada da maneira mais dolorosa e sua
vida levada precocemente devido a um deturpado e idiota que gostaria de se ver
livre de mim e minha família.
Brian fez com que um querido e estimado amigo deixasse a saudade de sua
ausência e sua perda irreparável.
Isaiah continua como chefe de nossos soldados e meu treinador pessoal. Seu
casamento com minha irmã só prova o quanto eu estava errado em me mostrar
reticente à essa relação. Meu cunhado não só ama Donatella como estendeu esse
amor e proteção aos meus sobrinhos.
Domênico é meu braço direito e continua eficiente e fiel como sempre. Casado e
pai de Rafael, meu capo mostra que conseguiu almejar o sonho de ser um
homem feliz ao lado de Clara e mesmo mostrando um comportamento mais
sério, ele não deixa de fazer suas belas piadas de quase tudo.
Fabrízio também se ajeitou na vida, arrumou uma ragazza e sua expressão de
homem apaixonado denuncia que muito em breve teremos um casamento à vista.
Em meu escritório, resolvo alguns assuntos que cabem a mim e aguardo ansioso
a chegada de Antonella, ela trará o resultado do exame que nos dirá qual o sexo
de nosso bebê. Em pequenos intervalos, entre um papel e outro, ergo meus olhos
na intenção de vê-la adentrando pelos portões. Desvio meu olhar e eles pairam
sobre uma foto de meu bambino, flagrado pela mãe, a expressão em seu rosto
demonstra a sua face alegre e peralta.
Quando dizia que queria muito ser pai não imaginava que essa sensação me
causaria tantas emoções diferentes. Meu filho e eu somos muito ligados, contudo
ele é super apegado à mãe.
Respiro fundo e aperto meus olhos exauridos pelo cansaço, atento ao meu
relógio, a impaciência toma lugar da ansiedade e isso me deixa irritado. Com
meu celular nas mãos, ligo para minha esposa e o único som em resposta é a sua
breve mensagem na caixa postal.
Revejo quase a mesma circunstância há alguns anos quando ela anunciou a
chegada de nosso primeiro filho, me encontrava irado ao descobrir da existência
de seu ex noivo e minha impaciência por vê-la chegar transpassava o limite do
bom senso.
Mais alguns eternos minutos, me levanto da cadeira e através da janela vejo o sol
no horizonte. Enfim, o portão é aberto e Fabrízio adentra a alameda que cruza
nosso jardim. Vejo Antonella retirar Victório do carro e em seguida os dois
entram de mãos dadas pela porta principal.
Agora é só aguardar pela tão esperada notícia que chega com leves batidas em
minha porta, com meu consentir, ela cruza o aposento caminhando devagar a
balançar um envelope na mão.
— Você demorou. — constato ao encarar seu rosto.
Ao se aproximar, estende um largo sorriso e isso me faz pensar que ela já tem
conhecimento da resposta do exame.
— Estava passeando com Victório e confesso que não vi o tempo passar.
— Onde está ele? — estreito meus olhos.
— Sua mãe o pegou ainda no hall de entrada e foram direto para a cozinha.
Cola ainda mais em meu corpo, moldando suas coxas às minhas e esse simples
contato desperta em mim uma ânsia por beijar sua boca até deixá-la sem ar.
E é exatamente o que faço, seguro em sua nuca ao mesmo tempo que sinto sua
mão se embrenhar em meus cabelos. Quando me afasto, seus olhos sustentam o
brilho de um forte desejo, o mesmo que sinto por ela.
— E então? — devolvo um sorriso irônico. — Pela sua cara já sabe a resposta. —
fingindo indignação, faz um beicinho tocando meus lábios com seu indicador.
— Dessa vez, achei justo abrirmos juntos, portanto, senhor Ferraro, ainda não sei
se será uma bambina ou bambino! — rebate, com divertimento incrustado em seu
olhar castanho.
Se prepara para rasgar o envelope e eu a impeço, tomando de sua mão.
— Ora, o que foi dessa vez? — procura em meu rosto alguma resposta para minha
súbita atitude.
— Antes de abrir, vamos fazer um trato. — respondo com o envelope entre meus
dedos.
Cruza seus braços.
— Que espécie de trato?
— Se for um menino, caberá a você decidir se quer ou não, futuramente, tentar
uma nova gravidez na esperança de que, nessa tentativa, venham a sua sonhada
bambina. — solta um riso frouxo e balança a cabeça em negativa.
— E se, por acaso, for uma menina?
— Fica combinado que teremos outro menino. — incisivo, a encaro.
— E se na tentativa vier outra menina, Enzo? Vamos tentar até quando?
— Tem certeza de que me ama? — seguro sua mão esquerda, circundando meu
dedo em sua aliança.
— Das poucas certezas que tenho na vida, amar você está entre as mais
importantes.
Fecho meu punho e bato na mesa três vezes...
— Então não diga nem por brincadeira que hipoteticamente serei pai de uma,
aliás duas meninas. Isso será minha ruína.
— Posso saber por quê?
— Já pensou quando elas crescerem e começarem a sair?
— Ora, Enzo! Que bobagem, se homem não tivessem filhas mulheres como
poderiam dar continuidade à sua geração?
— Justamente e Deus sabe que não pertenço à categoria desses homens que
aceitam essa situação numa boa.
— Você, porventura, não teve uma irmã?
— Sim. — sento na cadeira e a puxo para meu colo, deixando o envelope ainda
lacrado sobre a mesa. — E é exatamente por isso que reafirmo, não quero ser pai
de uma bambina, quanto mais de duas ! Donatella foi uma irmã que me fez sair
por vezes aos socos com muitos caras no colegial e dentre elas, esses caras eram
bem mais velhos e maiores do que eu, mesmo assim eu os enfrentava,
apanhando ou batendo totalmente irado por mexerem com a minha irmã.
Seu indicador torneia minha têmpora e desce devagar por meu maxilar. Em meus
lábios ela contorna minha boca e a vejo segurar seu riso.
— Veja por um lado bom! — beija de leve meu queixo. — Hoje, você é um
homem e pode sair por aí dando socos sem nenhum problema.
— Por que tenho a leve impressão de que você quer mesmo que seja uma
menina?
— Porque eu já deixei isso bem claro, quero una bambina.
— Quer ficar viúva precocemente? — mordisco seus lábios e seu longo suspiro
me faz ter a plena certeza de seu desejo por mim.
— Sabe que não, agora abra esse exame de uma vez, amore mio. — coloca a mão
sobre o envelope.
— Antes me responda sobre nosso trato.
— Está bem! Se for um menino, será esperado e muito amado por mim, contudo
quero uma menina, ok?
— Sabe que tentar deixá-la grávida não será nenhum esforço para mim, pelo
contrário, é um imenso prazer ! — beijo seu pescoço, circulando minha língua
próximo ao seu ouvido e em reação, sua pele fica toda eriçada.-
— Va bene, meu malvado machista favorito, abra logo esse envelope.
Mais do que depressa, rasgo o papel que nos impede de sanar a nossa
curiosidade.
Retiro a folha lá de dentro e leio o resultado não somente uma, mas duas vezes
sem piscar meus olhos.
— E então? — retorço meus lábios e digo a ela o resultado.
— Fui sacaneado. — meus dedos sobem e descem por sua coluna. — Serei pai de
uma menina. — Antonella se joga em meus braços exalando a sua alegria e
satisfação ao saber que daqui a alguns meses teremos uma filha.
— Una bambina, Enzo! Será nossa Olívia! — fala toda entusiasmada.
Segura meu rosto entre suas mãos e a beijo com devoção. Ser pai de uma menina
não era a minha escolha, todavia não posso dizer que não me sinto feliz por ser
pai novamente.
*****
Alguns meses depois...
Em um dos bairros que temos o controle total no setor de jogos de azar, um dos
associados que desejava se tornar membro da família Ferraro andou nos traindo
e negociando com outra organização. Isso é a coisa mais comum que podemos
encontrar em nosso meio e é o tipo de situação que exige um pulso forte e
extrema rapidez.
São onze horas da noite e após reconhecermos que a área a ser invadida por mim
se encontra sob controle, Isaiah e eu descemos do carro e entramos na casa de
jogos de Tomazzo.
Ao nos ver adentrando o local, ele apruma seu corpo e deixa a mesa em que
estava e caminha ao nosso encontro. Com um sorriso dissimulado encoberto por
seus lábios, estende seus braços a mim imaginando que minha visita seja mais
uma dentre tantas já feitas sem sob aviso.
Hoje, Tomazzo conhecerá a força de um soco meu e posso garantir que esse
associado ambicioso, pensará duas vezes antes de pisar em duas canoas ao
mesmo tempo. Na certa, esse homem inexperiente nunca ouviu falar sobre regras
no submundo do crime e muito menos tem ciência de quem é Enzo Ferraro.
Bato levemente em suas costas e em seu ouvido, o chamo a um lugar mais
reservado onde possamos discutir sobre negócios. Tomazzo hesita ao perceber
que nossa conversa não caminhará para o lado amigável e se vendo cercado por
todos os lados por meus homens, só resta me acompanhar sem vacilar e é em
uma sala reservada há quilômetros dali, longe dos olhares de seus incompetentes
seguranças que teremos nosso pequeno acerto.
Sei que poderia delegar e designar essa missão a qualquer um de meus soldados,
contudo quis ficar frente a frente com esse reles contraventor que um dia
recorreu a mim pedindo ajuda.
Nossa conversa se estende madrugada adentro e depois de encher sua cara de
socos, quebrando seu nariz e deslocando seu maxilar, deixo muito claro que esse
pequeno aviso servirá de lição aos demais que fazem sociedade com ele. Após a
surra, o mato com um tiro sem nenhuma consternação ou piedade.
Fora do local, a noite ainda é fresca e um ar gelado agride meu rosto, estamos
em março e a despedida do inverno ainda deixa a sua marca. Abaixo meus olhos
e ao reparar em minhas mãos, noto como seus nós estão visivelmente inchados,
esfolados e sangrando, acho que acabei exagerando ao dirigir toda a minha
indignação na cara daquele farabutto.
Com Isaiah ao volante, entramos pelos portões da mansão Ferraro, somente os
seguranças circulam pelo jardim e entramos pela porta lateral que dá acesso à
cozinha. A casa se encontra no mais absoluto silêncio e nem mesmo o notívago
senhor Victório circula pelos cômodos da casa como costuma fazer.
Meu cunhado pede licença e me deixa a sós na cozinha e abro a geladeira em
busca de cubos de gelo para aliviar o inchaço e a forte dor nas mãos.
— O que houve com sua mão? — a voz de Antonella chega até minhas costas
com uma sonoridade sonolenta.
Viro devagar e vejo a sua figura com mechas de seu cabelo a emoldurar seu
rosto sonolento.
— O que faz acordada até essa hora? — compreendendo de antemão a sua
resposta, pego os cubos de gelo e procuro por um pano para enrolá-los em torno
de meus dedos.
— Você sabe que muitas vezes em que sai a trabalho não consigo dormir até que
entre por esses portões são e salvo.
Esse tipo de atitude enaltece minha alma, pois sei que durante toda a minha vida
a mulher que amo estará a minha espera, sabendo exatamente o que eu faço na
rua.
Posso dizer com toda certeza que Antonella foi feita sob medida para mim.
— Me deixe ver sua mão. — anda até mim e com seus olhos ligeiros confere se há
algum outro ferimento em meu corpo.
— Não é nada, somente um esfolado à toa. — impulsiva, pega o gelo e o enrola
em uma pequena toalha e na sequência, segura minhas mãos.
— Não discuta com sua esposa. — fecha a cara e tenta não sorrir para não perder
sua autoridade no momento.
— Aiiii... — digo entre dentes, quando o gelo encosta nos ferimentos de minha
mão.
— Em nosso quarto, farei um curativo nesses dedos. — atesta, ainda segurando a
toalha sobre minhas mãos. Do nada , balança sua cabeça e sorri.
— O que foi? — pergunto, sem tirar meus olhos de seu lindo rosto. Antonella com
sua barriga de cinco meses fica ainda mais linda.
Mia linda ragazza...
— Se suas mãos estão nesse estado, imagino a cara do sujeito que sentiu a força
delas. — solto um riso frouxo e estico meu braço tocando de leve seu rosto.

— Não queira imaginar, não há quem consiga fazer um retrato falado dele nessas
circunstâncias.
— Então, agora meu mafioso favorito está aos meus cuidados, está com fome?
Quer que eu prepare algo para você?
— Não, obrigado. Comi um sanduíche a caminho de casa.
— Sanduíche não é refeição, senhor Ferraro.
E assim, toda atrapalhada, Antonella prepara um prato à base de macarrão e
sentados à mesa, conversamos sobre nosso filho e a respeito de nossa bambina
que chegará no mês de julho.
Momentos mais tarde, subimos as escadas abraçados e paramos em frente à
porta do quarto de Victório Netto. Abro devagar e o vejo de bruços babando em
seu travesseiro num sono profundo. Pisando devagar, me aproximo de sua cama,
afago seus cabelos e abaixo para lhe beijar as bochechas.
Em resposta, ele se remexe devagar, porém continua dormindo.
— Papá te ama, meu bambino. — sussurro ao seu ouvido na intenção de que até o
seu inconsciente saiba de sua importância para mim.
Abaixo ao chão e alcanço Nonô, o seu ursinho de estimação, ajeitando ao lado
de seu travesseiro, arrumo seu cobertor e o beijo mais uma vez. Fechamos a
porta e já em nosso quarto, depois de um banho, minha esposa cuida de meus
ferimentos com mais atenção.
Posso ou não me considerar um homem extremamente realizado??
*****
Mês de Julho - uma manhã de sábado
Olívia Ferraro nasceu com 3,245 kg no dia 14 de julho, em uma manhã
ensolarada de sábado.
Avisado de que Antonella entrou em trabalho de parto, segui direto para a
maternidade onde a apressada bambina já havia nascido. Meus pais e minha
irmã estavam na antessala de parto e ao me verem levantaram para me felicitar
pela linda e saudável bebê.
Uma das enfermeiras me conduz ao quarto onde Antonella amamenta nossa
filha. Ao me ver entrando, abre seu sorriso mais amável e me convida a sentar na
cama para apreciar mais de perto o que seria mais uma das coisas mais lindas
que eu e minha ragazza fizemos juntos.
— Ela é tão linda. — digo, com os olhos embaçados.
— Sim, muito linda. — Olívia acaba de se alimentar e a seguir, ela é colocada em
meus braços pela mãe.
Engulo seco e faço mil promessas silenciosas nas quais ninguém nunca ousará
machucar la mia principessa.
Um homem excessivamente perigoso, agressivo e protetor, são essas as armas
que usarei para que toda minha família esteja sempre segura. Sempre defendi a
máfia com meu próprio corpo e agora, como meu pai, tenho meu legado para
defender.
Embalo Olívia em meus braços e ela ressona como uma linda boneca, desvio
meus olhos para Antonella que me olha com lágrimas nos olhos. Devagar,
caminho até sua cama e encosto minha testa na sua.
— Obrigado por me amar como sou e fazer da nossa vida algo tão especial.
— Você fez o mesmo comigo, Enzo e merecemos tudo de bom que essa vida nos
oferece. — beijo seu lábio devagar e acrescento.
— Não se esqueça de nosso trato! — arregala seus olhos e se lembra de nosso
acordo de meses atrás! — Em um futuro não muito distante, quero outro Ferraro.
— Mas é claro! — pisca para mim, no mesmo instante que retoma Olívia em seus
braços. — Nunca fui mulher de deixar uma promessa sem cumprir, teremos mais
um, mais dois e quantos mais pudermos ter.
Beijo seus lábios levemente e agradeço aos céus por ter consigo enfim a vida
que sempre quis.
*****
Dois anos depois....

A cada dia que se passa, os momentos registrados em família preenchem mais


espaços em nosso álbum de fotos, as melhores são aquelas de momentos íntimos
de meus filhos em seu cotidiano.
Para a surpresa de toda a família, Donatella anunciou, em um de nossos almoços
de domingo, que inesperadamente havia engravidando, o que deixou a todos
muito felizes por ela e Isaiah, que não disfarçava a sua alegria.
Victorio completa seus 5 anos nesse final de semana e a comemoração de seu
aniversário será uma grande festa nos jardins de nossa casa. Vidrado em histórias
em quadrinhos, ele escolheu o tema baseado em seu herói favorito, Superman.
Usando a fantasia do herói, meu filho se mostrou sorridente e se divertiu muito
com seus primos e amigos da escola. O jardim, tomado por bexigas e enfeites,
contava com a algazarra da criançada que era provocada por um animador
contratado por Antonella.
Quase ao fim da festa, senti a falta da criatura mais irrequieta de minha família, a
minha principessa Olívia. Meus olhos percorreram atentos a todos os cantos do
jardim e nem sinal dos meus cachinhos castanhos.
— Antonella, onde está Olívia? — me aproximo de minha esposa e indago.
Ela repete o meu gesto, torcendo seu pescoço para todos os lados, enquanto seus
olhos perscrutam cada canto da festa.
— Ela estava aqui há um minuto. — rebate, indignada deixando seus braços
caírem nas laterais de seu corpo.
Antes que Antonella decida sair em sua procura, eu me proponho a procurar pela
nossa filha.
— Deixe que eu a procuro. — aliso seu ombro, me afastando devagar. — Se a
encontrar, a amarro bem forte. — debocho.
Saio pela lateral do jardim e quase sou atropelado por um grupo de crianças que
buscam procuram apressadas um local onde possam se esconder. Perto da ala
onde fica a sauna, noto o balançar das folhas de um pequeno arbusto. Pensando
ter encontrado Olivia, me aproximo da planta e sorrio ao ver que Victório, meu
filho, tenta se camuflar debaixo das folhagens.
— Meu filho. — ele me olha fazendo sinal com seu indicador pedindo silêncio.
— Papai, quero ser invisível.
— Com essa capa vermelha em meio a esse verde acho um tanto difícil você não
ser notado, meu filho. — olha para os lados e sorri.
— Viu sua irmã por aí? — balança a cabeça com os olhos atentos para todos os
lados.
Aonde essa garotinha se enfiou?
— Se a ver por aí, segura para mim, entendido?
— Sim, papai.
— E procure um outro lugar para se esconder, porque esse lugar usando essa
fantasia, você será o primeiro a ser encontrado.
Seguindo meus conselhos, mais que depressa, ele sai correndo em busca de um
lugar mais discreto para ser seu esconderijo.
Nesse momento, penso qual será o futuro de meu filho e quais serão os passos
que ele desejará seguir?
Seja qual for a sua decisão, estarei ao seu lado para apoiar...
Voltando à minha árdua missão, entro em minha academia vasculhando todos os
cantos à procura de Olívia, sem nada encontrar.
Intrigado pelo seu desaparecimento repentino acelero meus passos me
encaminhando para a porta lateral da casa dando acesso à cozinha. Aqui,
nenhuma das pessoas que trabalham na festa viram sequer rastros de minha filha.
Procuro na parte térrea da casa e em todos os mínimos cantos nem sinal de sua
presença. Irritado com nosso próprio relapso, subo as escadas em direção ao
andar superior procurando por ela de aposento em aposento.
Nada de Olívia...
Entro em seu quarto e sua boneca inseparável se encontra jogada sobre a cama.
Junto o brinquedo em minhas mãos e ando até o banheiro anexo. Nem sinal de
minha baixinha espevitada.
No final do corredor, meus olhos se atentam na porta entreaberta de minha suíte.
Devagar, adentro o cômodo observando nossos porta-retratos espalhados pelo
chão, um pequeno vaso estilhaçado e o tapete molhado.
Do banheiro é possível ouvir o abrir e fechar de gavetas e objetos de vidro
chocando uns nos outros, em outros tempos, meu instinto de proteção e defesa
fariam com eu impusesse minha arma e partisse em direção ao perigo eminente,
contudo ao empurrar a porta do ambiente, meu instinto paternal me alerta de que
há uma "pessoinha" aprontando alguma coisa lá dentro.
Quem me vê como pai, muitas vezes, se surpreende pelo modo de tratamento
dispensado à Olívia. Contraditoriamente, Antonella é a mais rígida em relação
aos limites dados à nossa pequena. Por minha vez, cobro muito mais de Victório
por se tratar de um menino que um dia será um homem e partindo desse
princípio acabo sendo bem mais severo com ele.
Sua chegada praticamente desarmou uma parte mais rígida de meu jeito de
repreender, em várias ocasiões, quando ela levanta seu olhar para mim, o
formato e o brilho idênticos aos olhos de sua mãe, desarmam meu interior
fazendo meu cenho ora carrancudo, se abrir em um sorriso todo bobo por ser pai
de uma coisa tão fofa. Olívia é a única pessoa nesse mundo que foi capaz de ter
esse domínio sobre mim, permito a ela transgressões corriqueiras jamais
imagináveis em outros tempos, nem mesmo minha sobrinha Letízia conseguiu
tal feito.
Esse tratamento diferenciado, faz com que minha principessa, perceptiva como
poucos, aproveite da situação deixando minha autoridade sobre ela em xeque.
Em frente à grande bancada do banheiro, minha garotinha se encontra em pé
sobre uma pequena banqueta de frente ao espelho. Na bancada da pia, muitas
embalagens de maquiagem de Antonella são o motivo de seu entretenimento
acoplado a monólogos mal formulados da idade.
— Enfim, encontrei a mocinha fujona!
Vira assustada com os olhinhos arregalados por ter sido pega em flagrante, mas a
seguir, abre seu sorriso maroto com sua boca lambuzada de batom. Em seu rosto
não há um só canto que não esteja borrado com a maquiagem de sua mãe. Ergue
sua mão empunhando um tudo de batom vermelho em minha direção.

— Papá. — diz, toda eufórica.


— Mamãe não vai gostar nadinha em saber que a senhorita está aqui mexendo e
destruindo as coisas dela.
Aproximo meu corpo, estendendo meus braços para minha filha que
automaticamente pula em meu colo com o batom nas mãos.
Meu olhar fixa em seu rosto todo maquiado imaginando o que Antonella faria se
a visse aqui dentro de nosso banheiro.
— Vamos limpar essa bagunça, antes que sua mãe apareça e lhe dê umas boas
palmadas.
— Papai. — estica sua mão com o batom vermelho, o traçando desajeitada em
meu lábio.
— Papai não usa batom! — ainda a repreendo, só que mais um risco carmim é
desenhado em minha face.
Fecho minha cara para ela, tentando parecer sério e minha atitude resulta em um
beijo delicado, molhado e coberto de um amor sem condições e limites.
— Você joga muito baixo, mocinha! — a aperto em meu colo enchendo sua
bochecha de beijos estalados e arrancando risos abertos em decorrência das
cócegas feitas pelo meu bigode.
— Aí estão vocês!
Parada no batente da porta, Antonella nos observa com a câmera de seu celular
apontada em nossa direção com ares de reprimenda.
— Flagrei vocês! — diz, entrando no ambiente.
— Achei a nossa fujona brincando aqui no banheiro.
— Você chama isso de brincadeira, Enzo? — estende sua mão em direção à
bancada da pia onde sua maquiagem está espalhada por todos os lados. — E pelo
visto, até você serviu de cobaia para essa traquinagem de Olívia. — se refere ao
batom em meu rosto. — Imagine se, nesse momento, eu enviasse essas fotos aos
seus inimigos? — ri em deboche. — Perderia o posto de mafioso durão, pode ter
certeza.

Acho graça de sua conclusão e completo.


— Eu disse que mamãe não ia gostar dessa sua brincadeira, Olívia! — mais um
beijo que comprime seu rosto delicado e borrado e a encaminho para o chuveiro.
Pelo reflexo do espelho, encaro o rosto de Antonella que sorri ao me ver tirando
a roupa de Olívia.
— Espero que no inverno que se aproxima, nosso próximo filho seja um menino,
pois você ficou muito babão com nossa bambina.
Continuo a arrancar as roupas de nossa filha e estaco de repente processando as
palavras ditas por minha esposa.
— Pode repetir o que disse, por favor? — abro o chuveiro, regulando a
temperatura da água e Olívia se coloca embaixo dele. Com meu corpo curvado,
lavo delicadamente o seu rosto.
Antonella anda até mim com seu jeito displicente, toca meu ombro.
— Isso mesmo que você ouviu, Enzo Ferraro, seremos pais novamente e estou
pedindo aos céus que, dessa vez, seja outro bambino.
Fico em pé, fitando seus olhos e me vejo sorrindo dentro de suas írises
cintilantes.
— Pois, digo que ficarei muito feliz em ter uma outra filha como Olívia.
Esfrega seu polegar em meus lábios, retirando o batom de momentos atrás, a
seguir, sua boca roça na minha bem devagar.
— Você sempre será uma incógnita perfeita para mim, senhor Ferraro.
Devolvo-lhe uma resposta em forma de sorriso.

—E você é a única que tem chance de me decifrar por inteiro, senhora Ferraro. —
beijo sua boca e depois de darmos um banho em nossa bambina, voltamos para o
final da festa de Victório e anunciamos ao restante de nossa família a chegada de
mais um Ferraro.
Como sempre, em um canto do jardim, encontro olhos escuros que traduzem a
alegria de me ver realizado.
O homem a quem devo tudo o que sou e o que ainda quero ser...

Fim...

Agradecimentos
Há pessoas na vida que te impulsionam para cima e fazem com que você
acredite em seu potencial além de suas forças. Quero deixar, aqui, meus
agradecimentos à algumas pessoas que se tornaram mais do que leitoras e sim,
amigas e parceiras.
Gislene de Jesus, Gieta, minha irmã postiça e briguenta, a você devo todo
incentivo por acreditar em minha capacidade, obrigada por apoiar meu trabalho e
me contagiar com essa sua força gigantesca. Quero ser igual a você quando
crescer!
Caroline Netto, minha filha adotiva e meu orgulho, agradeço por nossos
caminhos terem se cruzado e todo seu carinho para comigo.
Rayane Andrade, minha primogênita, obrigada por todo incentivo e carinho de
sempre.
Érica Moura, não há como recompensar todo seu carinho pelo meu trabalho.
Obrigada por tudo o que fez e sempre faz por mim, cada capa, cada vídeo e foto
montada. Muito obrigada!
Paula Cristina, meu termômetro para cenas mais quentes.
Também não poderia deixar de agradecer as Anjas do meu grupo de Whatsapp:
Taty Miranda Cullen, Jheniffer, Kemelly Nantes, Joyciele Hoffmann, Suleide
Quintiliano, Rita Kisters, Natália Izabel Ártemis, Jordane Souza, Márcia Valéria
Araujo, Juliene Lopes, Fernanda Fernandes, Graciele Santos, Maria Mariana,
Cátia Maria, Flávia Martins, Flávia Soares, Monitchelle Santos, Priscila Ribeiro,
Fabíola Soares, Nara Tavares, Bianca Costa, Dani (psicodoida), Andrea, Sofia de
Oliveira e Marie.
E por último, mas não menos importante agradeço o carinho e profissionalismo
da minha revisora Leticia Tagliatelli.
[1]
É o feminino de desairoso, o mesmo que: desajeitada, desalinhada, malcriada.
[2]
Filho da puta.
[3]
Que se acarpetou, revestido com carpete; carpetado, atapetado.
[4]
Que se encontra escondido; oculto, recôndito.
[5]
Que ou o que se exprime exibindo conhecimentos que não possui.
[6]
De maneira oculta; disfarçadamente, ocultamente.
[7]
Que tende a provocar prazer, em que há agradabilidade, agradável.
[8]
Som breve, seco, de menos intensidade do que um estalo.
[9]
Que se entende, mas que não foi expresso.
[10]
É uma pistola fabricada pela empresa austríaca Glock Ges.m.b.H.
[11]
Minha linda.
[12]
Meu.
[13]
Relativo à deliberação; em que há deliberação; deliberatório.
[14]
Marca de charuto cubano.
[15]
Dirigir imprecações contra; amaldiçoar, imprecar, praguejar.
[16]
Mas que belo covarde é você.
[17]
Eu não sou um covarde.
[18]
Grunhi vem do verbo grunhir; Soltar vozes que se assemelham à do porco.
[19]
Vem do verbo vociferar; O mesmo que: clamo, berro, ofendo, conclamo, brado, reclamo, grito.
[20]
Pelo amor de Deus.
[21]
É o ato de obrigar alguém a tomar um determinado comportamento, por meio de ameaça ou violência,
com a intenção de obter vantagem, recompensa ou lucro.
[22]
Obrigado.
[23]
Canalha.
[24]
Menino.
[25]
Um dos uísques mais caros do mundo.
[26]
Conselheiro.
[27]
Com velocidade acelerada, ligeiro, veloz.
[28]
Cabeças.
[29]
Código de silêncio.
[30]
Bom dia.
[31]
Vai para o inferno.
[32]
Pôr perto, aproximar.

[33]
Nosso.
[34]
Meu lindo garoto.
[35]
Tudo pronto.
[36]
Sim, tudo.
[37]
Muito bem.
[38]
Indivíduo nascido na Itália.
[39]
Cadela.
[40]
Santo Deus.
[41]
Bem-vindo.
[42]
Delicioso.
[43]
Que azar.
[44]
Amaldiçoado.
[45]
Frouxo.
[46]
Imbecil.
[47]
Caralho.
[48]
Entende.
[49]
Que ou aquele que perscruta; investigador, perquiridor.
[50]
Que se escondeu; encoberto, oculto, retirado.
[51]
Que lindo.
[52]
Ok.
[53]
Se te mandar para o inferno, você se zangaria?
[54]
O que não.
[55]
Fazer despesa(s), dispêndio(s); gasta.
[56]
É o feminino de polido. O mesmo que: correta, aprimorada, civilizada, esmerada, rebuscada, requintada.
[57]
Meu amor.
[58]
vem do verbo exaurir. O mesmo que, haurimos, esgotamos, esvaziamos, ensecamos.
[59]
Menina insolente.
[60]
Menina.
[61]
Eu te quero muito.
[62]
Que foi resolvido; que foi desfeito; dissipado.
[63]
Verdade.
[64]
Eu entendo, obrigado.
[65]
Tornar(-se) tenso, estirado; entesar(-se), esticar(-se), enrijar(-se).
[66]
As pessoas que viverão no futuro; a posteridade.
[67]
Que ameaça se concretizar, que está a ponto de acontecer; próximo, imediato.
[68]
Na verdade.
[69]
Um belo pau no rabo.
[70]
Que se encontra ou se apresenta em oposição; contrário.
[71]
Que não se pode imaginar, que ultrapassa o poder da imaginação.
[72]
Desculpe.
[73]
Bem-vinda.
[74]
Muito obrigado.
[75]
Minha amiga.
[76]
Agora.
[77]
Tudinho.
[78]
Uma boa garrafa de vinho.
[79]
Massa maravilhosa.
[80]
De modo lânguido; frouxamente.
[81]
Que se rompeu; esburacado, esfarrapado, rasgado.
[82]
Que existe como um constitutivo ou uma característica essencial de alguém ou de algo.
[83]
Minha mãe.
[84]
Minha tia.
[85]
Pici com alho.
Pici é uma massa grossa e enrolada à mão, como um espaguete gordo.
[86]
Minha irmã mais nova.
[87]
Bom garoto.
[88]
Aceite, minha garota, sua irmã será um obstáculo para o resto da sua vida.
[89]
diz-se de, ou indivíduo tolo, pouco inteligente, apoucado, atoleimado.
[90]
Sim.
[91]
Como você está.
[92]
Bem.
[93]
Tudo bem.
[94]
Não creio que roubou Benício por minha causa.
[95]
Pois saiba que por você, faria qualquer coisa, até matar!
[96]
Te amo demais.
[97]
Minha irmã.
[98]
Também te amo.
[99]
Benício esteve aqui ontem e Tia Martina disse que não sabe de seu paradeiro.
[100]
Faz muito bem.
[101]
Diga a ela para não dizer onde estou.
[102]
Tenho que desligar, mande um beijo enorme para a tia.
[103]
Está bem, estou ouvindo.
[104]
Coisa de vestir, e é um termo de origem japonesa; também é o nome da roupa utilizada para lutar jiu-
jitsu, judô, caratê, e várias outras lutas japonesas.
[105]
Diz-se de ou o que se produz ou se apresenta em simultâneo com outra coisa.
[106]
Designa a suspensão voluntária ou involuntária da ventilação, ou a interrupção da comunicação
do ar atmosférico com as vias aéreas inferiores e pulmões.
[107]
Amigo.
[108]
Deveria guardar suas energias para nossa luta ao invés de ficar fodendo meio mundo por aí.
[109]
O segredo é a alma da coisa.
[110]
Puta vadia.
[111]
Minha senhora.
[112]
Meu anjo.
[113]
Irrequieto.
[114]
Pode ir e logo lhe infernizarei novamente.
[115]
Bom dia meu filho.
[116]
Bom dia, minha linda mãe.
[117]
Música de Luciano Pavarotti.
[118]
Espera aí.
[119]
Convencional.
[120]
Minha mãe.
[121]
Utensílio de serviço de mesa, onde se colocam galhetas ('recipiente') e os depósitos de sal e pimenta-do-
reino; talher de galhetas.
[122]
Acompanhar ou seguir ao lado de, correr paralelamente.
[123]
Taurus é uma linha de revolver que une o poderoso calibre38 special o tornando a linha
de revólveres mais vendida. Ideal para uso velado.
[124]
Por piedade.
[125]
Juro pela minha mãe.
[126]
Céus.
[127]
Mentiroso.
[128]
Maléfica traidora desleal desonesta falso farsante hipócrita inconfidente infiel traiçoeiro traidor.
[129]
O princípio da justiça capturado pela expressão "olho por olho, dente por dente".
[130]
No Brasil, o termo bastardo não é um palavrão, mas para um italiano é uma grave ofensa.
[131]
Cacete.
[132]
Perda da fama, do crédito, da honra; descrédito, desonra, ignomínia.
[133]
Que acabou por se intumescer (inchar); que apresenta inchaço (aumento de volume); inchado ou túmido:
tumor intumescido.
[134]
Substantivo deverbal ação de aprazer; sensação de contentamento, de prazer; ato de causar deleite ou de
tornar aprazível e agradável.
[135]
Bem, onde está a informação.
[136]
Maspeth é uma comunidade residencial e comercial no bairro de Queens, em Nova York.
[137]
Mas que merda.
[138]
Que condescende; indulgente, complacente, transigente; que não impõe ordem, disciplina; tolerante,
flexível.
[139]
Desejoso de agradar, de demonstrar cortesia, de servir; que demonstra gentileza, amabilidade ou
benevolência.
[140]
Não! Sei o que estou fazendo. Não se preocupe!
[141]
Antonella, que bom ouvir sua voz, sentimos muito a sua falta.
[142]
Eu também.
[143]
Clara, me prometa que aconteça o que acontecer nunca deixará de me amar?
[144]
Que diabos é isso?
[145]
Sabe muito bem que você é a minha única família e eu a amo muito.
[146]
Me desculpe. Só queria ouvir de sua boca o quanto sou importante para você e quero que saiba que farei
impossível para tirá-la dessa cadeira de rodas e somente Deus irá me impedir disso acontecer.
[147]
Eu a amo muito minha irmã e nada que alguém diga ou que você faça mudará o que sinto.
[148]
Era isso que eu precisava ouvir e confie em mim, você voltará a andar.
[149]
Eu confio muito em você.
[150]
Tenho que desligar agora, um beijo enorme e mande outro à tia Martina.
[151]
Fique com Deus, um beijo.
[152]
Que deseja ardentemente; sôfrego; avaro; voraz; esfomeado; sequioso.
[153]
Mãe de Deus, que homem lindo.
[154]
Desculpe-me, estava distraída e não vi o seu carro.
[155]
Irei levá-la a um hospital.
[156]
Não é necessário.
[157]
Foi somente um susto, me perdoe.
[158]
É italiana?
[159]
Sim, perdão, mas falo também o seu idioma.
[160]
É o feminino de atarantado. O mesmo que: confusa, ababelada, atrapalhada, aturdida, baratinada,
desnorteada.
[161]
Que demonstra facilidade para comunicar-se; sociável, expansivo, comunicativo.
[162]
É o feminino de taciturno. O mesmo que: calada, silenciosa, sombria, soturna, aborrecida, melancólica,
tristonha.
[163]
Verbo transitivo direto e bitransitivo, fazer com que algo passe pelo meio ou através de; atravessar,
furar: a melodia permeava o ambiente.
[164]
O pizzo é um dinheiro de proteção pago para Máfia, muitas vezes na forma de uma transferência de
dinheiro forçada, resultando na extorsão.
[165]
Durma bem.
[166]
Minha princesa.
[167]
Que bom samaritano.
[168]
Meu irmão.
[169]
Examinar, investigar rigorosamente; indagar, perquirir.
[170]
Denotando vem do verbo denotar. O mesmo que: indicando, mostrando, significando.
[171]
Inaceitável; que não possui cabimento; que não é conveniente, adequado, admissível ou aceitável: o
valor desse vestido é incabível; suas ofensas são incabíveis.
[172]
Que tem pouca duração; que é breve; transitório: sucesso efêmero. Característica do que é temporário;
momentâneo: felicidade efêmera.
[173]
Ter um comportamento transigente ou ponderar com transigência; consentir, ceder, pôr-se de acordo,
anuir: com um simples sinal, aquiesceu.
[174]
Que ou aquele que sofre de megalomania; macromaníaco, megalômano.
[175]
Um verdadeiro cretino.
[176]
Vem do verbo abdicar; O mesmo que: perjura, renega, recusa, apostata, desaceita, repudia, renui,
renuncia, rejeita.
[177]
Mas o que é isso?
[178]
O que é isso?
[179]
Garota estupida.
[180]
Ora, essa.
[181]
De natureza inflexível; em que há rigidez; rígida: avó austera.
[182]
Mais uma vez, obrigada por tudo.
[183]
Que tem cadência; cadencioso, compassado.
[184]
Uma bela italiana que anda invadindo meus pensamentos.
[185]
Resumida em poucas palavras; que só contém o essencial; sucinta, resumida.
[186]
Minúcias, detalhes, minudências.
[187]
Muito bem.
[188]
Afirmação categórica; assertiva, asserto.
[189]
Que ou quem é autor de uma contravenção, que infringe leis ou regulamentos; infrator, transgressor,
contraveniente.
[190]
Diz-se de ou pessoa a quem se interpelou algo.
[191]
Atribuir ou conceder uma incumbência a; dar uma tarefa, uma obrigação a; encarregar ou encarregar-se:
incumbiu ao marido a tarefa de fazê-la feliz.
[192]
Pequeno elemento ou circunstância; minúcia, detalhe.
[193]
Isso é tudo.
[194]
Separar, desfazer em partes miúdas; fragmentar, esmigalhar.
[195]
Que maravilha.
[196]
Corno.
[197]
Que se empederniu; duro como pedra, petrificado.
[198]
Pedir arrego; desistir ou se render diante de um adversário.
[199]
Qualidade ou caráter de austero; austereza.
[200]
É o feminino de temerário. O mesmo que: arrebatada, impulsiva, precipitada, precipitosa.
[201]
Sim, pode meu amigo.
[202]
Ter um comportamento transigente ou ponderar com transigência; consentir, ceder, pôr-se de acordo,
anuir: com um simples sinal, aquiesceu.
[203]
Desarrumando, desordenando, deslocando, cavando, movendo, desorganizando, retorcendo,
esquadrinhando, rebelando.
[204]
Amaldiçoado.
[205]
Meu querido.
[206]
Vestimenta de costume feminino composto de saia e casaco.
[207]
Nossa.
[208]
Nojenta.
[209]
Minha italiana virgem.
[210]
Tenho certeza de que esse impasse logo será resolvido.
[211]
De cor branca; branco, claro.
[212]
Eu também a quero muito.
[213]
Sim, senhor.
[214]
Manifestação de ira extrema; ação violenta; cólera.
[215]
Tornar-se subitamente visível; aparecer, surgir.
[216]
Queimada, seca, murcha, mirrada.
[217]
Viés, esguelha, obliquidade.
[218]
Mármore de Carrara é um tipo de mármore de alta qualidade branco ou de azul-cinza, que é popular
para uso em escultura e construção de decoração.
[219]
Ato de avolumar, tomar volume.
[220]
Seu estrume.
[221]
De grande altura; elevado.
[222]
Imbecil.
[223]
Desenvergonhado.
[224]
Maldito papagaio.
[225]
Pai adotivo, nome hierárquico para designar o chefe da máfia japonesa.
[226]
Kubotan é uma marca registrada genérica para uma arma de keychain de autodefesa desenvolvida por
Soke Takayuki Kubota no final dos anos 60. Normalmente, não tem mais de 5,5 polegadas de comprimento
e cerca de meia polegada de diâmetro, um pouco mais grosso ou o mesmo tamanho de uma caneta.
[227]
Família.
[228]
Pão com alho.
[229]
Desumana, endurecida.
[230]
Em japonês significa árvore de inverno.
[231]
Chefe do Ren e de uma das famílias da Yakusa.
[232]
Constituição física.
[233]
Que se absorveu; absorvido.
[234]
Maldição.
[235]
Cu.
[236]
Não refutável, que não se pode refutar, que não se pode contestar; incontestável, irrefragável,
irrespondível.
[237]
Uma superfície que se curva para dentro, ou que é mais fina no meio do que nas bordas.
[238]
Indica aquela pessoa que pretende ou supõe ser o que de fato não é.
[239]
Suporte de ferro que tinha por finalidade firmar o conto ('parte inferior') da lança, quando o cavaleiro
estava pronto para investir.
[240]
Orgulho vão, arrogância, insolência, presunção.
[241]
Refinado, civilizado, urbanizado.
[242]
Rebato, denego, contesto, nego, desminto, contraponho, rejeito.
[243]
Qualidade ou característica de parco.
[244]
Em que o locutor declara algo, positivo ou negativo, do qual assume inteiramente a validade;
declarativo.
[245]
Um estúpido como eu.
[246]
O que é feito ou dito com intenção de provocar riso ou hilaridade acerca de alguém ou algo; caçoada,
troça, zombaria.
[247]
Que adquiriu turgidez; dilatado, inflado, intumescido, inchado.
[248]
Que é extremamente inclinado com relação ao plano horizontal; difícil de subir ou descer; alcantilado,
abrupto, escarpado.
[249]
Calorosa, comunicativa, expansiva, fervorosa.
[250]
Que parece delgado como um fio; fino, delicado.
[251]
Obliquidade, soslaio, través, viés.
[252]
Prato feito com folhas finas de massa de farinha de trigo, em geral, cozida no vapor ou frita e recheada
com ingredientes diversos, de carne de porco a cubinhos de camarão. Os wontons também podem ser
servidos com uma sopa.
[253]
Voando, oh, oh. Cante oh, oh, oh. Em azul pintado de azul. Feliz por estar lá em cima.
[254]
Sim, vamos.
[255]
Erguer(-se) um pouco; solevar(-se), levantar(-se).

[256]
Transgressão de dispositivos estabelecidos em regulamentos, contratos ou leis.
[257]
Me come.
[258]
Loja de departamento famosa que vende diversas marcas famosas.
[259]
Ingênua, crédula, desacautelada, desprevenida.
[260]
Caiu do cavalo, nojenta.
[261]
A única coisa que me difere de muitos aqui é o dinheiro que possuem, do contrário, comem, dormem,
cagam, trepam, mentem, fingem e sentem raiva como qualquer um.
[262]
Que é isso?
[263]
Seu estúpido, nunca mais me agarre dessa forma e ainda mais bêbado e com cheiro de outra.
[264]
Não sou mulher de ser tratada como resto e tenha certeza de uma coisa: Se tem vergonha de sair comigo
além desses muros, não precisa me agarrar dentro deles, entendeu?
[265]
Não é verdade.
[266]
Nunca conseguirá enganar sua velha mãe.
[267]
Isso é tudo o que eles querem. Um pouco de diversão quando o dia de trabalho termina. Oh meninas,
elas querem se divertir. Oh meninas, apenas querem se divertir. ( garotas e garotos querem se divertir,
garotas querem ter).
[268]
Boa tarde.
[269]
Te ligo mais tarde e me atenda, por favor.
[270]
Qualidade de intrépido; arrojo, bravura, coragem, intrepidez.
[271]
Que é predicado de algo ou de alguém; próprio.
[272]
Que ou quem é mentalmente desordenado; que ou quem perdeu o juízo, o uso da razão; alienado, louco.
[273]
Falta de inteligência.
[274]
Ainda gosto daquela garota!
[275]
De jeito nenhum.
[276]
Escolho o lugar e pago.
[277]
Por favor.
[278]
Você também está muito bonito.
[279]
Cavalheiro.
[280]
Qualidade do que é dúbio; ambiguidade; dubiez.
[281]
Cinco contra um.
[282]
Rebelo, reviro, remexo, desarrumo, desordeno, desloco, cavo, movo, desorganizo.
[283]
Ocasião favorável; oportunidade.
[284]
Espere, não entendi a sua pergunta.
[285]
Desenho se for possível.
[286]
Sim, sessão das dez.
[287]
Que aperta; que faz compressão.
[288]
Boa noite, idiota.
[289]
Cavalo.
[290]
Deixe de ser estúpido, se mandei lhe chamar é claro que pode entrar, ou acha que falarei com você no
corredor?
[291]
Bom dia.
[292]
Que provoca controvérsia, polêmica, discussão; sobre o qual há controvérsia; que se impugna;
controvertido.
[293]
Por que não?
[294]
Fazer alguma pergunta a alguém; pedir explicações de um modo inquisitivo; questionar: interpelou-a
acerca de seu comportamento agressivo.
[295]
Dar resposta, argumentando.
[296]
Ele me mete tanto medo que minha barriga dói, temo até cagar nas calças em sua presença.
[297]
Tem razão.
[298]
É um coquetel doce feito com rum, leite de coco e suco de abacaxi. É servido geralmente batido ou
mexido com gelo.
[299]
Com licença, estamos de saída.
[300]
Que ou aquele que está alcoolizado; bêbedo.
[301]
Deus maravilhoso, sonho.
[302]
O sucesso de "Chipre" da Coty em 1917 deu origem à clássica família dos perfumes chipre. Essas
composições são baseadas em aromas de musgo de carvalho, cistus labdanum, patchouli e bergamota. A
riqueza das notas chipre combina bem com as notas frutadas ou florais.
[303]
Espere.
[304]
Da minha paixão por esse homem.
[305]
Que anda com dificuldade, mancando; que não consegue se manter de pé. Que se move com muita
dificuldade ou que não se consegue mover.
[306]
Estaca zero.
[307]
Sim dei.
[308]
Sim, minha menina.
[309]
Boa noite.
[310]
Bom dia, meu irmão.
[311]
Até que enfim uma garota que goste de crianças! Já sonho com esta casa cheia de netos.
[312]
Forma de ilusão da memória que leva o indivíduo a crer já ter visto (e, por ext., já ter vivido) alguma
coisa ou situação de fato desconhecida ou nova para si; paramnésia.
[313]
Mentiroso.
[314]
Enrijam, entesam, endireitam, esticam.
[315]
Insanidade mental; demência, loucura.
[316]
Me diga quando será minha.
[317]
Te quero muito.
[318]
Meu amado.
[319]
Viés, esguelha, obliquidade.
[320]
Que se tornou mais intenso, forte; que se agravou; exagerado.
[321]
E quanto custa esse medicamento?
[322]
Fique tranquila, irei ao banco ainda hoje e lhe enviarei o dinheiro que peguei de Benício.
[323]
Sua conta ainda é no Monte Dei Paschi?
[324]
E ela está bem?
[325]
Sim, é uma menina forte e está se saindo muito bem.
[326]
Boa tarde, minha querida.
[327]
Belo meu, boa tarde.
[328]
Entendi perfeitamente.
[329]
Maneira de quem come ou bebe apressadamente, mastigando mal e engolindo às pressas, para ingerir a
maior quantidade possível; voracidade, gulodice.
[330]
E a minha resposta?
[331]
Que resposta?
[332]
Que é passageiro, temporário, transitório.
[333]
Noite de amor.
[334]
Deus me ajude.
[335]
Desavença, conflito.
[336]
Contrário, adverso, incompatível, contraditório, divergente, rival. Exemplo de antagonismos: guerra e
paz, amor e ódio.
[337]
Variedade de ágata calcedônica, consistindo em faixas retas e paralelas, alternadas de diferentes cores.
[338]
Boa viagem.
[339]
Farei com que essa noite seja especial e inesquecível para você tanto quanto para mim.
[340]
Eu estou no fuso americano e você?
[341]
Eu realmente te quero.
[342]
Propensão para a luxúria, sensualidade exagerada; lubricidade.
[343]
Que aperta o coração; angustiante, aflitivo.
[344]
Adoro o seu corpo.
[345]
Também adoro o seu.
[346]
Ensequei, esvaziai, esgotai, ensecai, hauri, esvaziei, esgotei.
[347]
Irmã.
[348]
Que não pode ter fim ou que parece não ter fim.
[349]
Que incrimina; acusador.
[350]
Nesse momento, tomaria banho com você até em águas vulcânicas.
[351]
Te quero.
[352]
Goze bem gostoso com o seu macho.
[353]
De modo inegável; que não se pode contestar ou duvidar; em que não há contradição.
[354]
Pronuncio, expresso, recito, declamo, digo, manifesto, exponho, leio, articulo.
[355]
Mafioso ousado.
[356]
Que não cede ou se abala diante de súplicas e rogos; inflexível, implacável.
[357]
Alguém cujo humor se altera facilmente; quem tem o gênio difícil ou se enraivece com facilidade.
[358]
O que uma mulher tão linda faz a essa hora nessa estrada deserta, hã?
[359]
Por favor, pode me dar uma carona?
[360]
Está indo para onde?
[361]
Está fugindo de alguém?
[362]
Por piedade.
[363]
Preciso chegar a Siena, ainda hoje.
[364]
A senhorita está com sorte, tenho que entregar uma encomenda em Viterbo.
[365]
E o seu.
[366]
Antonella, minha querida! Estava pensando em você ainda hoje.
[367]
Que bom, tia! Como andam as coisas por aí?
[368]
Ah, minha querida, ontem esteve aqui em casa um homem muito distinto e queria muito o seu endereço
em Nova Iorque.
[369]
Homem distinto?
[370]
Ele era muito educado, um cavalheiro.
[371]
Enzo Ferraro! Um belo homem!
[372]
Tia.
[373]
Arrume sua mala e a de Clara, vocês têm que sair daí imediatamente.
[374]
Mas o que está havendo, minha sobrinha?
[375]
Não tenho tempo para dizer, por favor, arrume tudo e me espere aí.
[376]
Que é passageiro, temporário, transitório.
[377]
Passagem para o inferno.
[378]
Que se empederniu; duro como pedra, petrificado.
[379]
Espaço cercado onde se travavam justas e torneios de cavalaria.
[380]
Boneco de pau com um açoite preso em uma das mãos, instalado num eixo vertical giratório, o qual,
antigamente, nos exercícios de cavalaria, os cavaleiros tentavam acertar com a lança sem serem atingidos
pelo açoite.
[381]
Dois contra um.
[382]
Que olha ou encara prudente e cuidadosamente todos os aspectos por que se apresenta uma questão, um
fato etc.
[383]
Sem aptidão; que não sabe nem consegue realizar algo; incapaz.
[384]
Ação que demonstra excesso de violência ou crueldade.
[385]
Nos vemos no inferno, seu traidor de merda.
[386]
Alguém cujo humor se altera facilmente; quem tem o gênio difícil ou se enraivece com facilidade.
[387]
Forma de se denominar um corpo como belo, bonito, sarado; um corpão.
[388]
A morte ronda.
[389]
Que não é vulgar, comum; que foge ao padrão encontradiço; especial, raro, incomum.
[390]
Me desculpe, meu amor.
[391]
O mesmo que: sublevando, elevando, solevantando, levantando, solevando, erguendo.
[392]
Inesquecível.
[393]
Obstáculo ou dificuldade que aparece no decorrer de algo; contratempo.
[394]
Que não experimenta ou não denota exteriormente nenhuma emoção, sentimento ou perturbação;
imperturbável.
[395]
É um dispositivo que consiste numa massa puntiforme presa a um fio inextensível que oscila em torno
de um ponto fixo. O braço executa movimentos alternados em torno da posição central, chamada posição de
equilíbrio.
[396]
Nossa família.
[397]
Voltado para os próprios pensamentos; distraído, alheado, abstraído.
[398]
É uma marca de uísque single malt escocesa pertencente ao Edrington Group.
[399]
Que não se deixa persuadir; inflexível, contumaz, insensível.
[400]
Que ou aquele que não transige, que não faz concessão; inflexível, intolerante.
[401]
A bomba.
[402]
Que ou aquele que se insurge, se rebela contra algo.
[403]
Que demonstra gentileza, amabilidade ou benevolência.
[404]
Desejo-lhe sorte.
[405]
Referente ou próprio da velhice; que se refere aos velhos.
[406]
Menina.
[407]
No sentido figurado representa algo vergonhoso, que causa efeito negativo na reputação da pessoa.
[408]
Minha menina bela e corajosa.
[409]
Vida longa ao chefão.
[410]
Blackjack ou Vinte-e-um é um jogo de azar praticado com cartas em casinos e que pode ser jogado com
1 a 8 baralhos de 52 cartas, em que o objetivo é ter mais pontos do que o adversário, mas sem ultrapassar os
21.
[411]
Estouro.
[412]
Pequeno recipiente de plástico, que acompanha determinados medicamentos que necessitam ser
solubilizados, contendo líquidos diluentes, geralmente água destilada.
[413]
A casa vai cair.
[414]
Ter a intenção, o propósito de; planear.
[415]
Minha irmã, onde você está?
[416]
Se acalme Antonella! Estou bem e isso é o bastante. Não posso lhe dizer onde estou! Estava muito
preocupada.
[417]
Ah! Clara você não imagina como tenho pensado em você.
[418]
Minha Antonella, você não deveria ter feito o que fez! Foi uma loucura!
[419]
Minha querida, a única coisa em que pensei no momento é que poderia vê-la andando novamente. Me
perdoe por tudo!
[420]
Não precisa me pedir perdão, sei que fez o que fez somente com o intuito de me ajudar, mas temi e temo
pela sua vida!
[421]
Estou bem, não se preocupe com a minha vida.
[422]
Onde está a nossa tia?
[423]
Aqui ao meu lado.
[424]
Oh, minha querida, não podemos falar muito, mas quero lhe dizer o quanto a amo.
[425]
Me perdoe, tia. Me perdoe por ter envolvido vocês nessa situação.
[426]
Tudo acabará bem, Antonella.
[427]
Estão lhes tratando bem? Alguém a machucou?
[428]
Minha menina se acalme! Logo estaremos juntas.
[429]
Preciso ver vocês.
[430]
Na hora certa, iremos nos reencontrar.
[431]
Diga a Enzo que sou muito grata por tudo o que ele tem feito por todas nós.
[432]
Agradecer? A senhora está brincando? Ele invadiu a sua casa! As levou como um sequestrador e a
senhora me diz para agradecer?
[433]
Antonella, nem tudo o que vemos é o que realmente transparece ser a verdade.
[434]
Ele nos contou a respeito da encrenca em que você se meteu e se não fosse por esse rapaz, estaríamos
mortas e quando me ligou na Itália, eu já tinha conhecimento de tudo o que estava se passando.
[435]
Enzo a obrigou a fazer isso?
[436]
Não, sua boba! Foi a maneira que ele encontrou para proteger a todos!
[437]
Agora, temos que desligar, queríamos muito ouvir sua voz e dizer que estamos muito bem. Logo nos
veremos novamente.
[438]
Me perdoem mais uma vez, fiz tudo errado!
[439]
Não se martirize pelo passado e sim, aprenda com ele para não errar no futuro, minha garota corajosa!
[440]
Amo muito vocês.
[441]
Clara está aqui e lhe manda um enorme beijo.
[442]
Diga a ela que não cumpri a minha promessa.
[443]
Nem tudo o que parece ser, transmite a realidade dos fatos, minha querida. Deus age de formas muito
diferentes.
[444]
Cismas, cisões, divisões.
[445]
É verdade.
[446]
Que não aparenta ser verdadeiro; difícil de acreditar.
[447]
Que destoa; desarmônico, discordante.
[448]
Combinado, ajustado, maquinado, tramado, conspirado, manobrado, confabulado, conjurado,
conchavado, cabalado, contratado, convencionado, acomunado.
[449]
Puta velha.
[450]
Dar ou adquirir força, robustez; tornar(-se) rijo; fortalecer(-se).
[451]
Outra como você.
[452]
Que está repleto de cólera; cheio de raiva; raivoso.
[453]
Tecido em cuja composição entra esse fio de lã, ou outros que o imitam.
[454]
Adeus.
[455]
Tomar fôlego com dificuldade, cansado.
[456]
Característica do que é célere; agilidade, rapidez, velocidade.
[457]
Que ou aquele que se mostra sério, grave, circunspecto.
[458]
Cintila, resplandece, brilha, reflete.
[459]
Amor por você.
[460]
Que se encontra em estado de abatimento, de grande fraqueza física e psicológica; sem forças, sem
energia.
[461]
Assim é bem melhor.
[462]
Que não se consegue dividir; que não se pode separar.
[463]
Estava morrendo de saudade da sua boca.
[464]
Também estava morrendo por não poder ter o seu corpo no meu novamente.
[465]
Minha garota deliciosa.
[466]
Que não se pode partir ou dividir; indivisível.
[467]
Exceder (ir além) a altura de; sobrelevar.
[468]
Casa comigo?
[469]
Quero que seja a minha senhora Ferraro.
[470]
Surpresa maravilhosa.
[471]
De maneira indubitável; sem dúvidas; com certeza.
[472]
Até mais tarde.
[473]
Minha gostosa.
[474]
No espaço circundante; em volta, à volta, em torno, à roda, em roda.
[475]
Quero andar até você.
[476]
Venha, minha irmã.
[477]
Obrigada por tudo, minha irmã.
[478]
Não me agradeça, eu não fiz nada!
[479]
Te amo minha irmã.
[480]
Vocês são muito queridas para mim.
[481]
A nova estratégia.
[482]
Evasiva alegação e pretexto usado por quem procura, de maneira ardilosa, esquivar-se de dificuldades.
[483]
Descaramento.
[484]
Minha futura esposa.
[485]
Vá tomar no cu.
[486]
Futuros, pósteros.
[487]
Grande quantidade de bens; riqueza.
[488]
Sim, nada.
[489]
Sou louca por você.
[490]
Não sabe o quanto sou louco por você.
[491]
Que aperta; que faz compressão.
[492]
Inchados.
[493]
Adoro meu homem louco por mim.
[494]
Kickboxing, se refere para ambos um grupo de artes marciais e esportes de combate em pé baseados em
chutes e socos, mas também para um estilo de arte marcial e desporto de combate. O kickboxing ou full
contact é frequentemente praticado como defesa pessoal, condicionamento físico geral ou como um esporte
de contato.
[495]
Dê a Carol o que é de Carol.
[496]
Local em que não há condições para ser habitado ou onde não se consegue viver.
[497]
Que já se decompôs; podre, apodrecido, putrefato.
[498]
Escândalo na sociedade.
[499]
Pouco importante; de valor ou importância reduzida.
[500]
demonstrar bondade ou boa vontade em relação a outras pessoas, revelando altruísmo e empatia.
[501]
A minha futura esposa.
[502]
Grifes.
[503]
Triste, desolado, chocado.
[504]
Combinada, ajustada, conluiada.
[505]
Minha avó.
[506]
Novidade.
[507]
Mas o que foi que eu fiz dessa vez?
[508]
Por que não me pergunta o que não fez?
[509]
Três pedras nas mãos.
[510]
Farfalle são borboletas ou laçarotes de massa de diferentes cores, devido à adição de tomate ou
espinafre. O seu nome deriva do facto de em italiano borboleta ser farfalle.
[511]
Significa ser criterioso, que escolhe por fundamentos selecionadores das opções de escolha, que escolhe
baseado em critérios definidos.
[512]
Grito das mulheres árabes.
[513]
Relaxe, meu amor.
[514]
Maldito italiano delicioso!
[515]
O chefe ou condutor do povo.
[516]
Tratar mal, com menosprezo; ofender, humilhar.
[517]
É uma massa fina, de tamanho pequeno, que pode ser doce - como massa folhada, biscoito, suspiro ou
macarrons. – ou salgado, como mil-folhas de queijo, pizza de tamanho pequeno ou quiche.
[518]
Égua.
[519]
Crítica dura, áspera.
[520]
Égua.
[521]
Serpente europeia da família dos viperídeos, Vipera aspis, de corpo marrom com estrias negras no
dorso.
[522]
Fixo como estaca; imóvel, parado.
[523]
Peitado, instigado, incutido, cativado, persuadido, seduzido, induzido, convencido, atraído.
[524]
É uma sobremesa tipicamente italiana, possivelmente originária da cidade de Treviso, na região
do Vêneto e que consiste em camadas de biscoitos de champagne, também chamados de biscoitos tipo
inglês ou palitos a la reine (ítem este que pode ser substituído por pão de ló) embebidas
em café (confeiteiros/as profissionais geralmente dão preferência ao uso do café solúvel, tipo Nescafé, por
ele permitir maior precisão no controle da receita) entremeadas por um creme à base de
queijo mascarpone, creme de leite fresco, ovos, açúcar, vinho do tipo Marsala e polvilhadas com cacau em
pó e café.
[525]
Me desculpe, ainda não ouvi!
[526]
O nosso casamento.
[527]
Vire-se Antonella e pare de tremer.
[528]
Estou muito nervosa, tia!
[529]
Sinta as minhas mãos geladas.
[530]
Pois sugiro que trate de se acalmar.
[531]
Hoje é um dia especial para você e para mim!
[532]
Você está linda, minha sobrinha e é uma pena que sua mãe não possa estar aqui para dividir esse
momento conosco.
[533]
Seria maravilhoso se meus pais estivessem aqui.
[534]
Chegou a hora, minha querida! Vá e seja muito feliz.
[535]
Eu já sou e muito, minha tia.
[536]
Caminhar, perpassar, dando grandes passos como um galgo.
[537]
Que demonstra certo embaraço; constrangido, sem jeito.
[538]
Fred Astaire, nome artístico de Frederick Austerlitz foi dançarino , cantor , ator , coreógrafo e
apresentador de televisão americana. Ele é amplamente considerado como o dançarino mais influente na
história do cinema.
[539]
Obrigada pela compreensão.
[540]
Te perdoo.
[541]
Beber lentamente, em pequenos goles.
[542]
Bolinho frito feito de grão de bico.
[543]
“Sanduiche” de pão sírio, recheado de kafta.
[544]
Meu sogro.
[545]
Minha resposta é, quero tentar e descobrir que não dói.
[546]
Eu te mostrarei que não há dor quando se tem desejo e mais do que isso, quando se tem amor como o
que sinto por você.
[547]
Sou seu até o final de minha vida, Antonella.
[548]
Minha única mulher.
[549]
Eu também te amo muito.
[550]
Por amor.
[551]
Revidar dando uma resposta de modo argumentativo.
[552]
Sensação de tédio, de fadiga espiritual; mal-estar causado por algo que enfada ou entedia.
[553]
Qualidade, caráter ou comportamento de quem não sente nenhuma emoção ou não deixa transparecer
sentimento ou perturbação alguma; frieza, impassibilidade.
[554]
Assertiva, asserto.
[555]
Eu não vivo sem você, meu mafioso favorito.
[556]
Seu mafioso favorito, também não sabe viver sem você.
[557]
Dificuldades.
[558]
Atalhos.
[559]
Que arma insídias; que prepara ciladas; enganador, traiçoeiro, pérfido.
[560]
Quer dizer que durante todo esse tempo, Brian era o inimigo de Enzo?
[561]
Sim, minha irmã.
[562]
Aquelas flores e cartões recebidos todas as manhãs eram somente parte de uma vingança?
[563]
Não sou atraente o bastante para chamar a atenção de um homem, Antonella?
[564]
Quer dizer que toda aquela aproximação gentil e as palavras de carinho eram simuladas?
[565]
Sou tão desprezível assim?
[566]
Você é linda, Clara e jamais deixe que alguém diga o contrário!
[567]
Brian parecia ser tão diferente.
[568]
Todos aqui achávamos o mesmo, minha querida!
[569]
Ele não me amava.
[570]
Clara, olhe para mim.
[571]
Brian era incapaz de amar quem quer que seja, pois ele mesmo não se amava! Qualquer mulher seria
insuficiente para um coração afetado de ódio como o dele.
[572]
Minha vida, sua vida!
[573]
Arrepio, tremor rápido e involuntário em consequência de uma reação ao frio ou devido a uma emoção
intensa; calafrio.
[574]
Meu garoto, que orgulho!
[575]
Prova; ação de declarar algo com segurança; afirmação que se faz para certificar ou provar algo: o
documento assevera a culpa do acusado.
[576]
Pouco ou nada domesticado; feroz, selvagem.
[577]
Boa noite, Domênico. Entre e fique à vontade. Clara não deve demorar.
[578]
Posso saber onde vocês vão?
[579]
Iremos a um restaurante em Manhattan.
[580]
Que indiscrição é essa?
[581]
Me desculpe Domênico, não me leve a mal.
[582]
Museu de arte moderna.
[583]
Domênico, antes de mais nada, pode me responder uma pergunta?
[584]
Mas é claro que sim!
[585]
Quero saber realmente o motivo pelo qual resolveu me convidar para sair.
[586]
Sempre a achei interessante, se é isso que deseja saber e só não tomei a iniciativa de convidá-la antes
porque havia Brian.
[587]
Não quero pensar que você estaria me prestando um favor, saindo comigo por piedade pelo que
aconteceu.
[588]
Brian era um moleque sádico e infeliz.
[589]
Ele não poderia ver o que qualquer homem normal veria em você, pois a sua obsessão o deixou cego e
frio.
[590]
Ele brincou comigo.
[591]
Eu estava gostando dele de verdade.
[592]
Clara, olhe para mim.
[593]
Estou olhando.
[594]
Nosso amor possui o tempo necessário para se tornar eterno.
[595]
Chapéu.
[596]
Respirar, tomar o ar ou o fôlego.
[597]
Eu te amo muito, meu filho.
[598]
Momentos em família.
[599]
Em minhas veias corre o sangue de uma florentina muito quente.
[600]
Quente.
[601]
Você tem um corpo magnifico, minha menina.
[602]
Miríade é o nome dado a um numeral grego que é equivalente ao valor de dez mil.
Na língua portuguesa, no entanto, a palavra miríade também costuma ser aplicada no sentido figurado para
representar uma quantidade elevada de alguma coisa, mas de valor indefinido.

[603]
Torre das arábias.
[604]
Puta que pariu!!

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