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PUDOR
JULIANNA COSTA
Sem
PUDOR
© 2016 by Universo dos Livros
Todos os direitos reservados e
protegidos pela Lei 9.610 de
19/02/1998.
Nenhuma parte deste livro, sem
autorização prévia por escrito da
editora, poderá ser reproduzida ou
transmitida sejam quais forem os meios
empregados: eletrônicos, mecânicos,
fotográficos, gravação ou quaisquer
outros.
Diretor editorial: Luis Matos
Editora-chefe: Marcia Batista
Assistentes editoriais: Aline Graça e
Letícia Nakamura
Preparação: Juliana Gregolin
Revisão: Rinaldo Milesi
Arte: Francine C. Silva e Valdinei
Gomes
Capa: Zuleika Iamashita
– Grazie. – Sorriu.
Era um sorriso sexual.
Daqueles bem óbvios e descarados.
Seria mais fácil se ela apenas me
chamasse de gostoso e perguntasse
quando acabava o meu turno.
Mas não era isso que ela fazia.
Ela apenas se sentava na parte
externa do café a cada dois ou três
dias, puxava assuntos que não me
interessavam, demorava demais para
pedir a conta e agradecia com um
sorriso largo de sexo. Semana após
semana.
Pelo menos me deixava gorjetas
generosas e eu não tinha do que
reclamar.
Eu não conseguia lembrar o seu
nome, apesar de já tê-lo ouvido em
algumas ocasiões. Para mim, ela era a
“Mesa 8”.
– Acho que ela te daria a calcinha
junto à gorjeta, se você pedisse – Colin
riu quando coloquei a bandeja em cima
do balcão.
– Acho que ela ainda vai fazer isso,
mesmo sem eu pedir.
– Ai! – Gargalhou. – Você é gay? –
perguntou, encarando Mesa 8, quando
ela acenou para mim antes de sair.
Sorri de volta para a mais assídua
cliente do café.
Ela tinha uma boa bunda.
E acho que me chuparia por horas
com uma boa disposição.
Mas eu simplesmente não estava no
clima.
O que era peculiar diante do fato de
que eu não tinha uma mulher ao redor
do meu pau havia meses.
Menos de um ano atrás, depois de
duas semanas de exclusiva
masturbação, eu já estaria pronto para
foder Mesa 8 ali na frente do Colin,
sem pedir licença. Mas hoje… Hoje,
bastava eu fechar os olhos e pensar em
sexo que a única coisa que me vinha à
mente era ela.
Ela na minha frente.
Por cima de mim.
Embaixo de mim.
Com a boca no meu pau.
Tirando a roupa no palco.
Me oferecendo a bunda.
Chamando meu nome enquanto
gozava.
Ela.
E então eu abria os olhos e nada era
bom o suficiente para me manter ereto.
O único modo de aliviar o esporro
que se concentrava violentamente no
meu escroto era pensando nela.
Enfiava a mão na cueca e me
sacudia sem educação, sonhando com
um reencontro impossível.
A merda da garota me estragou para
sempre.
Me incomodou bastante nos
primeiros meses… Depois da terceira
mulher que levei para a cama e não
consegui comer, eu estava pronto para
voltar a Paris, encontrá-la e xingá-la
com os piores nomes que eu
conseguisse imaginar. Logo depois de
fodê-la, claro.
Arrancaria minha masculinidade de
volta de suas mãos delicadas e nunca
mais a entregaria para mulher
nenhuma.
Mas nas últimas semanas, eu
aprendera a aceitar.
Passei o pano por cima do balcão,
mantendo-o limpo.
Ia levar tempo pra esquecê-la.
Principalmente por que que eu não
parecia ser capaz de parar de bater
uma furiosa punheta após a outra com
ela no meu mais imediato pensamento.
– Estou cansada.
Virei de lado para encontrar Mesa 8
atrás de mim, com um sorriso sensual e
os braços cruzados no colo, empinando
os seios.
– O que disse?
– Estou cansada – repetiu devagar. –
De vir aqui quase todas as noites. E eu
nem gosto de café.
– Não sei se estou entendendo. –
Sorri.
Eu estava entendendo.
É claro que eu estava entendendo.
Eu estava entendendo desde a
primeira noite que ela errara o pedido
três vezes, sorrindo para mim, antes de
pedir um “café preto”.
– Quero saber o que preciso fazer
para você me chamar pra sair. –
Levantou um ombro, sedutora.
Reencarnar como uma francesa
envergonhada e irritante seria um bom
começo.
– Ah… – Devolvi o sorriso sedutor
que saía de meus lábios de forma mais
natural que qualquer outro sorriso.
Eu poderia levá-la para a minha
cama, foder sua bunda com força,
murmurar o nome de Mina antes de
esporrar. Mesa 8 me daria um tapa,
mandaria eu tomar no cu e iria
embora.
O café ia perder uma cliente e eu ia
perder as gorjetas.
Mas pelo menos eu ia gozar.
– E então? – questionou com
urgência.
– Eu… acabei de sair de um
relacionamento complicado –
expliquei. – Não sei se tenho cabeça
para me envolver em outro agora.
– E quem disse algo sobre “se
envolver”? – Ela piscou um olho.
– Não sei se sou o tipo de cara que
consegue só fazer sexo com uma
mulher.
É, eu sou safado.
Um putão.
Eu nem queria transar com ela.
Mas minha boca estava adestrada
para dizer exatamente o que uma
mulher precisa ouvir para responder
com um: – Então... – sussurrou. –
Deixa eu te ensinar a fazer “só sexo”
com uma mulher. – Mordeu o lábio
inferior.
Eu estava rindo. Fingi um
constrangimento digno de Oscar.
Em qualquer outro dia do ano
anterior, eu fingiria hesitar e pegaria
seu telefone. Marcaria uma hora.
Treparia com ela o fim de semana
inteiro.
Mas hoje eu só conseguia ficar ali
parado, escutando a voz de Mina na
minha memória…
– Está querendo dizer que não gosta
de mim? É sério? É esse o argumento
que vai usar?
– É! É esse o argumento que vou
usar. Não te tenho mais. Vou te
esquecer. Não vou mais sentir essa
porra dessa aflição no meu peito
sempre que penso em ficar com outra
mulher e sinto como se estivesse te
traindo. Não vou me importar mais!
– Mentiroso.
– Sinto muito – expirei, educado. –
Obrigado pelo convite, mas… acho que
preciso de um tempo.
Mesa 8 entreabriu os lábios sem
acreditar no que estava ouvindo. Ela
insistiu e me ofereceu seu número.
Diante da recusa, ela estava ainda
mais desesperada para abrir as pernas
para mim. Eu tinha certeza disso.
O problema é que não queria que ela
abrisse as pernas para mim.
Não fazia nenhuma questão.
Só havia uma mulher que eu
desejava.
E ela tinha demorado como o inferno
para abrir aquelas benditas pernas.
Técnicas para
reencontrar sua ex
– E então? Como foi ontem à noite?
Amarrei o cordão do robe e sentei-me
ao lado de Elise na mesa.
– Normal. – Peguei uma maçã sem
entender o motivo de seu interesse.
– Mina. – Ela largou os punhos
insatisfeitos sobre a mesa. – Me conta!
Foi sua primeira noite com um homem
desde… – ela hesitou. Ela sempre
hesitava ao abordar aquele tópico – …
desde o gigolô.
– Humm... – Percebi que eu não ia
gostar dessa conversa. – Não fizemos
nada. Só fomos a um restaurante.
Me concentrei na minha maçã, mas
Elise não ia deixar aquela conversa
acabar.
– Um restaurante? Você estava se
agarrando com ele no sofá e saiu para ir
a um restaurante?
– É. Qual o problema?
– Mina Bault! – rugiu. – Você faz eu
me sentir horrível por ter interrompido!
– Elise, você está exagerando. –
Mordi a fruta com descaso.
– Um quarto de hotel! A casa dele! O
banheiro de alguma boate! Qualquer
lugar, Mina! – chiou.
– Não quero transar pela primeira vez
em qualquer lugar!
– Primeira vez? – Arregalou os olhos.
– Primeira vez com o Lance –
acrescentei.
Elise tomou seu café e me permitiu
um pouco de silêncio.
Eu já estava começando a ficar
confortável quando ela estalou mais uma
vez: – Você tem certeza que não é mais
virgem?
– Ai, Elise… – gemi, exausta.
– Porque olha… se você for, amiga, é
claro que não tem problema! – Não sou
mais virgem, eu juro! – Abri os olhos,
forçadamente, para dar ênfase às minhas
palavras.
– Essa coisa toda sua com o gigolô
foi tão estranha... – murmurou.
– Devon. O nome dele é Devon.
– Às vezes – ela me ignorou e
continuou tagarelando: – eu me pego
pensando se é verdade mesmo. Se
realmente aconteceu ou se…
– Ou se o quê?
– Sei lá… Talvez… talvez tenha
acontecido alguma coisa que você não
queira me contar.
– Tipo… – Revirei os olhos – Eu e o
gigolô presenciamos um assassinato de
um chefão do crime e aí fugimos para
salvar nossas vidas como em um filme
de ação clichê. Nos apaixonamos e ele
teve que ir embora para salvar minha
vida, inventando uma história furada
sobre um iate e um ataque de pânico
para que eu pudesse ficar em casa a
salvo?
– Tá – reclamou,em meio a risadas.–
Também não precisa exagerar.
Deixei meus ombros caírem.
– Mas talvez você tenha tido uma
crise de pânico porque não conseguiu
perder a virgindade e tenha fugido para
tentar. Olha, eu estava lendo um artigo
sobre pessoas assexuadas e…
– Eu tenho que sair. – Levantei da
mesa, revirando os olhos mais uma vez.
– É sério! – avisou. – É uma coisa
que acontece.
– Você é louca – respondi com um
carinho exagerado. – Mas eu te amo
mesmo assim.
– Mina, me escuta.
– Olha! – Peguei meu celular de cima
da mesa. – Presta atenção – avisei antes
de comandar ao aparelho que ligasse
para Lance. – Lance? – chamei, dengosa
– Estou te atrapalhando? – Como era
que Ryker falava? – É algo sério, sim.
Não aguento mais, Lance. A gente
sempre fica adiando… – gemi. – Mas eu
estou com fome. Acho que você tem que
vir jantar aqui em casa hoje. Eu te
preparo uma refeição deliciosa. E algo
especial para você comer de sobremesa.
Elise tinha os olhos arregalados e o
queixo caiu no chão, dando vazão a um
sorriso imenso.
Moveu as mãos em umas palmas
mudas e eu pisquei um olho para ela.
Lance não tinha palavras suficientes
para concordar com meus planos.
E era isso.
Lá ia Mina mais uma vez.
– É ele?
Puxou meu casaco, querendo olhar a
foto.
Estreitei os olhos, focando no homem
do outro lado da rua que passava o
braço pelos ombros da garota ruiva e a
puxava de volta para o prédio. Ele
olhava ao redor, preocupado. Tentava
desvendar os perigos das sombras e, ao
mesmo tempo, estava completamente
alheio aos verdadeiros riscos.
Olhei para a foto mais uma vez.
Mesmo na penumbra, não havia
dúvida.
– Uspekh, camarada. É ele.
Cinco
Caminhos para retornar à
casa
Monique estava de pé no apartamento,
no meio da minha sala, próxima à janela
e eu desejei ter beijado Ryker na rua.
Ela estava nos assistindo… Pela minha
vida, eu tinha certeza de que estava.
Tamborilou os dedos nos braços,
revirando os olhos para mim como se
quisesse gritar:“Acabou seu showzinho,
virgem?”
A lembrança de Spider tinha
destruído um pedaço de mim e eu quase
esqueci que Ryker precisaria ser punido
pelo comportamento infantil. Um erro
que eu não repetiria.
Eu entrei primeiro e ele me seguiu de
perto.
– Está mais calma, Mina? – Riu,
debochada. – Parece que ela precisa de
um pouco de vinho também, Ryk.
Ryker pegou a garrafa em cima da
mesa e encarei sua nuca com ódio.
Se você a obedecer e me servir uma
taça dessa porcaria, eu estouro a
garrafa na sua cabeça.
Não duvide!
– Pode dar a minha para ela. –
Monique indicou sua taça vazia. – Eu e
você dividimos a outra.
Chega. Eu dei um passo para a frente
sentindo o rosnado subir minha garganta.
Mas Ryker apenas a ignorou.
Ignorou-a tão completamente que foi
como se ela sequer existisse. Não era
como se quisesse fazê-la se sentir mal,
não era por vingança, infantilidade ou
mesquinharia. Era simplesmente um
novo dia e Monique não existia mais.
Ele apanhou a garrafa e seguiu para o
meu quarto em silêncio. Eu observei
suas costas se afastarem ainda sem
entender suas intenções. Vi quando
colocou a garrafa em cima da
penteadeira. E aí meu olhar se perdeu,
ao encarar as entrâncias pélvicas
daquele abdome deliciosamente
malhado quando ele arrancou a camisa
pelo pescoço, sem qualquer cerimônia
ou aviso. Piscou um olho safado para
mim e fechou a porta.
Monique estava boquiaberta.
E eu estava salivando.
Juro que queria ignorar Monique de
propósito. Ela estava falando algo.
Talvez fosse uma crítica, talvez uma
pergunta… e eu queria sorrir para ela,
revirar os olhos, dizer “é meu” e mandá-
la sumir do meu apartamento. Ou algo
igualmente à altura…
Mas Ryker tinha tirado a camisa e
minha língua estava formigando.
Estava na minha cama… segurando
aquele vibrador… revirando minhas
gavetas em busca de alguma camisinha
esquecida… planejando qual era a
próxima coisa que eu precisava
experimentar…
E Monique restou, totalmente
esquecida e sem importância diante das
minhas perspectivas.
Eu queria ter debochado dela como
ela fazia de mim.
Mas meus pés estavam me conduzindo
rumo ao interior do quarto em algum
tipo de piloto automático e se Monique
queria me dizer alguma coisa, teve que
ir embora querendo.
Naquele momento, ela também não
existia mais para mim. A única coisa
que existia era Ryker.
E, quando ele tirava a roupa,
raramente outros assuntos tinham
importância.
Jogos de sedução
Eu desci com o queixo erguido na manhã
seguinte. Demonstrar a vergonha que eu
sentia não ia me ajudar em nada e, por
mais estranho que pudesse parecer, eu
estava mais incomodada com o fato de
Ryker não ter me acordado pela manhã
do que com o fato de toda aquela gente
ter me visto durante uma intensa sessão
de sexo.
– Por que não me chamou? –
Belisquei seu braço.
– Você parecia cansada. – Sorriu de
maneira breve e inquieta. Eu conhecia
aquele sorriso. Algo estava errado.
Muito provavelmente, era só porque
ele tinha declarado seu amor por mim e
eu o tinha feito desistir disso como uma
bruxa sem coração.
Muito provavelmente.
Nós íamos precisar conversar sobre
isso.
Eu não estava particularmente ansiosa
por esse diálogo, mas seria necessário.
Depois.
Porque agora, Delvak estava
explicando as informações que ele tinha
adquirido dos russos.
– Como você descobriu isso tudo? –
Zahner torceu o nariz.
– Você não vai querer saber.
– Foi o seu amigo japonês, não foi?
Quem é o cara, Delvak?
– Não tem importância agora.
Sven tinha transformado o salão
principal da boate em uma sala de
reuniões. Um quadro branco apoiado
precariamente contra um dos poles era o
foco de todos nós.
– O importante é que conseguimos
duas informações bem importantes! – ele
rascunhou o número “1” no quadro,
seguido de palavras resumidas. – Uma
das principais bases de Kulik é aqui em
Amsterdã por causa de uma pessoa
muito importante: seu contador. Dois! –
Rabiscou o número e mais algumas
palavras… Eu estava me sentindo presa
em alguma franquia de George Clooney.
– Ele usa os seus restaurantes de
fachada para muitas de suas operações.
– São as duas informações mais
aleatórias que eu já ouvi. – Gary coçou
a cabeça.
– Os dois homens que a gente…
conheceu ontem não fazem parte do
círculo íntimo do mafioso, agente
Zahner, eles só puderam oferecer
informações mal ouvidas.
– E eles traíram Kulik assim tão
rapidamente? A gente vai apenas confiar
que eles não estão nos enganando? –
Lucy soou preocupada. Com razão. Sua
lógica fazia bastante sentido.
– Kulik não mandaria homens de
confiança para cá. – Zahner deu de
ombros.
– Por que não? – eu quis saber.
– Porque não é seguro. Você e Ryker
são assunto quente no momento. Kulik
está procurando vocês como um maluco,
mas não pode ser visto perto de vocês.
Homens de confiança geralmente podem
ser vinculados a ele pelos arquivos da
polícia. Mesmo que não oficialmente…
Mas nós, que o perseguimos há mais
tempo, temos uma longa lista de
associados próximos. Ele precisaria
mandar rostos novos atrás de vocês.
– Mas será que eles não têm medo do
Kulik? – Nila interrompeu. – Medo pode
ser um argumento mais forte que
lealdade.
– É por isso que a gente precisou
encontrar alguém de quem eles teriam
ainda mais medo. – Delvak concluiu
com um sorriso.
– Seu amigo japonês. – Zahner rosnou
e eu tive certeza de que aquele tópico o
incomodava imensamente e que se
tornaria, então, recorrente em nossas
vidas.
– Se a gente conseguir encontrar esse
contador, podemos obter informações
importantes. – Ryker se inclinou, estava
sentado quase na ponta da cadeira. Não
tinha me tocado uma única vez. Desviei
os olhos de sua figura e encontrei a de
Lexa. Seu olhar me perfurava com um
brilho que era todo seu. – Sabemos algo
sobre ele?
– Sabemos várias coisas sobre ele. –
Delvak piscou um olho. – No entanto, as
mais importantes são seu nome, seu
sobrenome e um lugar que ele frequenta
assiduamente.
– Algum clube de sexo pervertido e
estranho, não duvido – Zahner
acrescentou. – Por que criminosos
precisam ter esses gostos bizarros?
– O que diabos você chama de “sexo
bizarro”? – Delvak pareceu ofendido.
– Meninos! – Lexa reclamou. – Agora
não é hora. Precisamos encontrar um
jeito de conseguir as informações de
Viktor Trummer – ela ter mencionado o
nome do contador com tanta
naturalidade me fez imaginar que
deveria ter discutido o plano com
Delvak antes de terem decidido
apresentá-lo. Eles eram uma dupla. Uma
dupla bem peculiar e esquisita, mas
funcionavam juntos. Assim como eu e
Ryk. Fitei meu namorado com o canto do
olho, observando-o a distância…
Ou… pelo menos, como eu e Ryk
costumávamos ser.
– Alguém pode resumir o plano? –
Tonya pediu.
– Pegar as informações do contador e
fechar os restaurantes do Kulik. –
Delvak deu de ombros. – Dificultamos
suas operações e pegamos mais
informações que levem ao dinheiro que
queremos roubar ou fazer desaparecer.
– Assim, ele vai ficar pobre e
desarmado. – Zahner suspirou.
– Lex? – Ryker chamou. – Conhece
alguém da vigilância sanitária para
fechar os restaurantes?
– Não. – Ela lambeu o próprio
sorriso. – Conheço a próxima melhor
coisa: todos os críticos e comentaristas
da mídia local.
– Vai destruir a reputação dos
restaurantes dele? – Eu estava admirada.
Ela apenas sorriu em resposta.
– Só isso não vai funcionar – Nila
avisou. – Tim nos deu a lista dos locais
dos russos que ele conhece. Um ou dois
são locais chiques que vão sentir o
impacto da má publicidade… mas o
resto é um monte de buracos imundos…
– É aí que o Zahner entra. – Delvak
piscou um olho para ele. O agente da
Interpol apenas sorriu e acenou. Eu não
identifiquei qual era o plano, mas eles
claramente tinham um e preferi confiar
que, se aqueles dois finalmente tinham
se entendido, deveria ser um bom plano.
– Quando pode ir encontrar seus
amigos críticos? – Zahner perguntou.
– Agora mesmo, só preciso trocar
duas palavras com meu irmão antes. –
Ela se levantou e Ryker a encarou,
confuso.
– Tudo bem! – Delvak bateu as mãos.
– O resto de nós se concentra em achar
um modo de arrancar informações de um
contador em um bar.
– Aconteceu alguma coisa? –
perguntei assim que fechei a porta do
escritório do Luckas.
– Não sei. – Minha irmã cruzou os
braços. – Era isso que eu queria te
perguntar.
Abri e fechei a boca como um peixe.
– Estou confuso, Lex. O que você
quer?
– Quero saber por que brigou com sua
garota menos de doze horas depois do
coito no palco.
– Coito? – Ri. – Por Deus, você
consegue ser pior do que a Mina com
sua escolha de palavras.
– Foda, sexo, transa, trepada – listou,
entediada. – Não tente me enganar com
semântica, Ry. Se o assunto for
vocabulário, eu vou ganhar e você vai
perder. – Levantou uma sobrancelha.
– É por isso que o Delvak é
prepotente. – Ergui o indicador em
acusação. – O cara precisa ser
megaconfiante para sobreviver perto de
você.
– Se o assunto for o Delvak, também
vou ganhar. Se for para mudar de
assunto com essa cara de pau,
irmãozinho, pelo menos escolha um que
você domine melhor do que eu.
– Vamos falar de sexo, então. – Ergui
as mãos e ela gargalhou como se me
desafiasse a dominar esse assunto
melhor do que ela. – Vamos falar do
sexo com a Mina, ao qual você não
assistiu.
– Não assisti. Mas ouvi Delvak
descrever com, acredite, mais detalhes
do que seria adequado. E agora você
mal olha para ela.
– Lexa! – Esfreguei minhas têmporas.
– Você sequer conhece Mina!
– Conheço você.
– Nós estamos bem!
– Por que não olha para ela?
– Eu estava… – Gesticulei em
desespero. – Estava prestando atenção
no seu namorado e no discurso dele.
– Delvak não é meu namorado e se
isso foi uma tentativa de me constranger
para que eu esqueça o assunto do seu
relacionamento, foi uma tentativa pífia e
estou decepcionada.
– Você diz que Delvak não é seu
namorado, mas o carrega em todos os
lugares.
– Vamos, Ry, você consegue fazer
melhor do que isso – provocou.
– Não estou tentando te constranger,
Lexa! É impossível, ok, eu aceito! – me
exaltei.
– Está tentando mudar de assunto! Por
quê?
– Porque você quer que eu tenha um
problema quando eu sequer tenho um
relacionamento. – Dei de ombros.
– Você a apresenta como sua
namorada, Ry. Nunca te vi fazer isso
antes.
– Faz tempo que a gente não se vê.
– Reparei em como vocês se olham.
Não tente me enganar! Até Delvak
concorda, ele ficou impressionado com
o sexo de vocês. – Abriu os braços. – E
olha, moleque… pro Delvak se
impressionar com sexo é porque o coito
– provocou – foi intenso.
– Sempre sou intenso com sexo. –
Sorri, arrogante.
– Intenso o suficiente para
impressionar Delvak? – A incredulidade
voltou ao seu rosto.
– E por que não?
– Suspeito que você não conheça bem
o Delvak – murmurou. – Ou o
significado da palavra “intenso”.
– Eu e o Sven somos iguais, Lex. –
Segurei seus braços com cuidado. – É
por isso que nos damos bem. Entendo o
que sexo é para ele, porque é assim para
mim também. Estou com Mina agora, é
verdade. Mas isso não é definitivo. –
Sorri, tentando manter no olhar uma
calma que eu não sentia. – Não é nada
contra a garota. – Levantei os ombros. –
É só como eu sou. Quando parar de
funcionar para mim, não ficaremos mais
juntos e pronto. Isso não é um de seus
romances, Lex. Pare de tentar enfiar
mistério onde só existe simplicidade.
Ela piscou algumas vezes, com uma
expressão ilegível antes de me oferecer
um meio sorriso: – Você acredita nessas
bobagens que está falando? – Abriu os
olhos. – Porque, se acredita, o problema
é mais sério do que imaginei.
– Acredite no que quiser… – Tentei
reproduzir o sorriso descontraído de
Delvak, embora sem a certeza que
estava tendo sucesso.
– Você não é como o Sven, Ryker.
Não tem nada a ver com ele.
– Acho que não me conhece bem o
suficiente, então, irmã.
– E não é como o Simak, Ry. – Sua
expressão ficou séria e eu me senti
congelar na sua frente. – Não tem nada a
ver com ele, também.
Mantive minha boca aberta, com nojo,
por dois segundos inteiros. Agora, era
ela quem tocava meus braços com
carinho, tentando conter minha
indignação.
– Não tenho nada a ver com um
estuprador pedófilo? – rosnei,
sarcástico. – Poxa, Lexa, muito
obrigado!
– Ryker…
– Não acredito que você fez essa
comparação!
– Eu não fiz! – Apertou meus ombros.
– Mas você faz, moleque. Você faz o
tempo inteiro.
Levei minhas mãos à cabeça. Eu
estava destruído pelo silêncio de Mina e
ultrajado pelo barulho de minha irmã.
Eu só queria que aquilo acabasse. Acho
que preferia os russos, as armas e os
sequestros…
– Ryker, me escuta!
– Não, Lexa! – Abanei as mãos.
– Ele é a referência que você tem.
Nosso… pai. – Torceu o nariz ao som da
palavra. – Ele foi a única referência que
você teve de um homem de família. Um
homem que afirmava amar uma mulher,
que se casou e teve filhos. Teve que
assistir esse homem se transformar no
monstro das nossas vidas. – Puxou meu
rosto, igualando a altura de nossos
olhos. – Teve que assistir ele tentar
abusar de mim…
– Lex, por favor… – gemi, com os
dentes semicerrados.
– Teve que assistir ele tramar para te
matar. – Manteve o toque firme no meu
rosto. – É compreensível que odeie
Simak e tudo o que ele representa. Na
verdade, é a única reação
compreensível, Ry. – Seu olhar se
suavizou, fraternal. – Mas, em algum
momento da sua infância, você fez a
associação absurda de que um homem
de família não presta e que o cara
safado era o superprotetor decente.
– Não tem nada a ver – murmurei,
mas minha voz foi tão baixa que eu
mesmo mal a escutei.
– Simak era o nosso pesadelo; Sven
apareceu e… – Ela sorriu. Foi
inevitável e… lindo. Será que eu sorria
daquele jeito quando pensava em Mina?
– E ele foi o nosso herói. Meu e seu. –
Bateu a mão espalmada de leve contra
meu peito. – Você era muito pequeno.
Vilões e super-heróis assumiram outra
identidade para você. Por isso, você
tenta se espelhar no Sven. Não vê, Ry? –
Seu sorriso aumentou. – Você faz isso
porque é um homem bom. – Apertou
minha bochecha. – Faz isso porque quer
ser sempre um homem bom. E me
preocupa porque… você nunca foi
como o Sven. – Riu. – Lembra da sua
primeira namorada?
– Lexa… – Balancei a cabeça.
– Você não tinha dez anos, Ryker! –
Riu. – Não era sequer um namoro de
verdade e você já estava planejando
onde iria morar quando se casassem.
– Eu era uma criança idiota.
– Você era uma criança romântica.
Que cresceu e se tornou um homem
romântico. E não tem nada de errado
com isso. O mundo está repleto de
homens de todos os tipos.
– Você está errada.
– Não estou, querido. Sabe que não
estou. Eu li seus contos! Seus poemas.
Mesmo que nunca tenha permitido que
eu te ajudasse a publicá-los…Você é
bom, Ry! Muito bom. Sven viveria toda
a vida sem nunca conseguir acumular
uma gota da sensibilidade que você
transmite em um parágrafo. Você não é
como ele. E também não é como o
Simak. – Passou os dedos pelos meus
cabelos. – Você é como eu.
Eu respirei fundo.
– Você é romântico e safado. – Riu. –
E bom. E decente. Pare de se esconder
atrás dessa máscara de Sven que pintou
para si.
– Não estou me escondendo!
– Está mentindo para si mesmo.
– Não estou! – me irritei.
– E está magoando Mina no caminho.
Se gosta dela, Ry, por que não…
– Eu a amo! – Segurei Lexa pelos
braços, sentindo a indignação tomar
conta do meu corpo. – Confessei isso a
Mina ontem e ela me mandou calar a
boca – regurgitei. – Pronto. – Expirei,
sentindo a dor me rasgar. – Satisfeita?
– Ela te mandou “calar a boca”? –
Mordeu os lábios, incrédula.
– Não com essas palavras. – Revirei
os olhos perante sua calma diante de
uma circunstância que quase me fazia
explodir.
– Com quais palavras?
– Importa? – rosnei.
– Claro que importa! – disse,
ultrajada. – É só o que importa!
Palavras têm poder, sabia?
– Ela não disse nada! E aí me
perguntou o que eu tinha dito. Eu fingi
que não tinha dito nada e ela aceitou.
Mas ela sabe que eu disse alguma coisa.
– Isso não é o mesmo que te mandar
calar a boca.
– Depois eu repeti – balancei o
indicador, avisando que não tinha
terminado – e ela disse que era melhor
não pensar nisso agora, porque tínhamos
coisas demais nos preocupando no
momento. Foi um “cala a boca”
educado. Mas eu conheço Mina, Lexa,
foi um “cala a boca”.
– Dê um pouco de tempo a ela.
Realmente, há muito acontecendo ao
mesmo tempo e…
– Lexa! – Comecei a rir e acenei para
interrompê-la. – Dê um pouco de tempo
a ela? Esse é seu conselho? A rainha dos
relacionamentos quer que eu
compreenda e dê um tempo?
– Ryker…
– Precisei reunir todos os meus
esforços para não começar uma briga
com ela na cama mesmo! Eu contei que a
amava! E ela ficou muda! Por uma
eternidade! E depois deixou para lá. –
Gesticulei. – Como se eu só tivesse
perguntado que horas são.
– Você está encarando isso do jeito
errado!
Basta.
Eu estava cansado dessas contínuas
conversas que só serviam para me
espancar ainda mais.
– Chega, Lexa. – Coloquei a mão na
maçaneta.
– Você não pode decidir o momento
certo para ela, Ryker! Você estava
pronto para dizer “eu te amo”, mas ela
não estava. Não é justo exigir isso!
– Você nem a conhece, Lexa! Por que
essa defesa?
– Ela te faz bem, moleque! Não é
qualquer mulher que sobreviveria a toda
essa situação com a dignidade que ela
demonstra. E sem te abandonar ou
perder o carinho. Situações horríveis
mostram o que as pessoas têm por
dentro. E o que Mina tem é bom.
Eu sabia que o que Mina tinha era
bom.
Era o melhor.
Ela era decente e corajosa e linda.
Mas também era indecisa e insegura.
Eu tinha olhado nos seus olhos e
sentido o vazio do seu silêncio depois
que eu despejei meu coração naqueles
lençóis.
Máscara ou não… Agir como o Sven
nunca tinha me magoado daquele jeito.
– Lexa. Eu te amo. – Girei a
maçaneta. – E é por isso que eu te peço
para não me levar a mal… mas não se
meta na minha vida.
– O que ainda está fazendo aqui? –
Delvak estreitou seus olhos inquisitivos.
– Achei que você já tinha ido atrás dos
seus amigos críticos.
– Não são amigos, no plural. É um
crítico só que pode resolver tudo –
expliquei. – E eu já estou indo, mas
preciso te pedir algo antes.
– Se tiver a ver com sexo, a gente
pode fazer no palco na frente de todo
mundo? – Tocou minha cintura. – Não
quero que seu irmão me deixe para trás
– concluiu com um dengo falso.
– Preciso que você converse com
Ryker.
– Sobre o sexo no palco? O dele ou o
nosso?
– Delvak! – vociferei. – Você pode
dar uma pausa nas suas besteiras por
dois minutos? Por favor?
Seus ombros caíram quando ele
expirou fundo. Seu toque na minha
cintura ficou mais pesado.
– O que houve? – Ele se declarou
para Mina e não foi retribuído no
momento.
– Isso nunca é bom. – A seriedade
pacífica em sua voz me agradou. Saber
que ele não tinha feito alguma piada
ridícula me informava que ele estava
realmente tendo uma conversa sóbria. E
eram muito raros os momentos em que
ele não estava embriagado pelo sexo.
– Ele está interpretando tudo errado,
Sven – suspirei. – Continua com essa
ilusão perigosa que o único jeito de ser
uma pessoa decente é sendo como você.
– Que fique claro que nunca
concordei completamente com essa sua
análise, Lexie. – Balançou a cabeça
devagar. – O garoto só está
experimentando a vida. Sei que eu
exagero. – Abriu os olhos forçadamente.
– Mas ele não é como eu. Ryker tem a
cabeça no lugar. Mesmo quando se mete
em um problema colossal como esse
com que estamos lidando. Ele continua
focado, concentrado… Seu irmão é um
bom menino.
– Eu sei disso tudo.
– Então por que está se metendo na
vida dele? – recriminou. – Deixa ele
encontrar o próprio caminho.
– Não é isso, Sven! – Esfreguei minha
testa com as mãos e ele soltou minha
cintura para apertar minhas mãos,
tentando me acalmar. – Simak se meteu
na vida dele primeiro. Destruiu o garoto
meigo e romântico que tinha lá dentro e
agora… Agora Ryker não tem rumo. Ele
acha que é errado ser quem ele é.
– Tenho certeza que não acha isso.
– Não conscientemente. Mas eu
conheço meu irmão! – Dobrei o lábio,
birrenta. – Svenie, por favor! Só faça o
que estou te pedindo. Por favor? –
Coloquei as mãos em seus ombros,
deixando meu olhar lhe explicar o
quanto era verdadeiro meu pedido.
– O que quer que eu diga?
– Só converse com ele. – Dei de
ombros. – Veja se ele está bem. Tente
acalmá-lo. Tenho medo que ele destrua
tudo com Mina no calor do momento.
Vai fazer isso?
Ele sorriu com aquela doçura que
quase nunca demonstrava. Colocou os
fios soltos dos meus cabelos atrás da
minha orelha.
– Sabe que faço qualquer coisa por
você – sussurrou. Não havia qualquer
dose de sedução no seu tom. E eu
adorava quando ele falava assim.
– Funcionou?
Zahner tinha os braços eternamente
cruzados, uma algema biológica que o
impedia de avançar em Lola.
Delvak fitou Lexa, buscando
confirmação.
– Funcionou.
– Tem certeza?
– Tenho. Ele estava doido para saber
quem era o Hideki, tenho certeza que
anotou a placa.
– Pedi para o motorista estancar o
carro. Qualquer coisa para lhe dar mais
alguns segundos para decorar.
– Longe de mim ser pessimista. – Eu
conhecia o nível de nervosismo de
Ryker pelo modo como ele apertava
minha mão. Era suave e carinhoso
quando queria me acalmar. Porém,
quando ele imprensava meus dedos
como se quisesse quebrá-los, é porque
estava em pânico. – Vocês irritaram o
cara, mas o que garante que ele vai
partir em uma Cruzada de vingança?
Delvak era o oposto de Ryker e
exalava uma tranquilidade budista,
deixando claro que ele acreditava que
aquela seria a parte mais fácil de todo o
plano.
– Cashel Allender é um adolescente.
– Tirou o paletó caro que tinha vestido
exclusivamente para sua exibição diante
do velho amigo. – Ele só pensa em duas
coisas: na próxima conquista e em como
vai se gabar dela. É um garoto mimado
que considera a vida toda como se fosse
apenas um jogo. Para ser sincero, às
vezes eu até gosto dele. – Alongou o
corpo na cadeira, esticando a coluna e
esfregando os joelhos.
– Gosta dele? – Ryker parecia ter
perdido um pouco da admiração que
tinha por Sven.
– Quando ele não está chamando sua
irmã de… – rosnou, torcendo o nariz
para Lexa e engolindo a raiva. – Porque,
quando ele menciona você... – manteve
os olhos nela – ...tenho vontade de abrir
a barriga dele com uma navalha cega e
enforcá-lo com suas tripas. – Girou o
gelo no copo de uísque sem elevar o tom
de voz.
– Simpatizo com a ideia. – Ryker
sentou-se ao seu lado, olhando para
mim, e eu soube que a admiração
voltara.
– Mas no dia a dia, ele é só uma
criança. Está sempre buscando se livrar
do tédio, o que faz dele uma companhia
muito divertida. E sua coleção de sexo
faz dele um bom cliente.
– Então, vocês sabem dessa parte?
– Se sabem? – Lexa levantou uma
sobrancelha em desaprovação. – Foram
eles que deram a ideia.
– Eles?
– Sven e Oliver – explicou,
amarrando o longo cabelo loiro em um
nó. – Deram a sugestão a ele como uma
brincadeira idiota que ele levou a sério
demais.
– Porque ainda não passou da
puberdade – Sven ironizou.
– Você também não – Lexa devolveu.
– E não sai por aí fazendo propostas
indecentes para… – ela hesitou quando
percebeu a falha no próprio raciocínio.
– Nada não – desistiu. – Esquece.
– Será que a gente pode voltar ao
problema principal? – Nila estalou os
dedos, trazendo-nos de volta à
realidade.
– Cash acha que Lex tentou esconder
Hideki dele. Acha que ela fez isso em
meu benefício. Ele quer ganhar de mim,
então vai descobrir quem Hideki é, vai
conversar com ele e vai tentar um
acordo melhor que o meu. Para nossa
satisfação, Hideki está sabendo de tudo
e vai fazer exatamente o acordo que nós
queremos que ele faça. Um acordo bem
lindo que vai foder os investimentos do
Kulik.
– Ótimo. Então só falta a agência de
viagens e o cofre.
– Já disse que o cofre não vai ser
problema. – Lola se manifestou e Zahner
tremeu inteiro.
– Por que você não deixa para falar
só quando alguém te perguntar alguma
coisa?
– Porque, ao contrário de você,
ninguém manda em mim. – Abriu uma
barrinha de cereais que trazia no bolso e
a mastigou com alegria. Zahner não a
encarava, o que parecia diverti-la
imensamente.
– Prender Yuri Kulik – Gary
murmurou para si mesmo como um
mantra. – Prender Yuri Kulik Prender
Yuri Kulik.
– A parte da agência vai ser
complicada. Vamos precisar organizar
uma festa insana nessa boate e fazê-la
atrair muito sucesso. Vamos precisar
vender pacotes adiantados que
interessem a agência.
– O Show da Tímida? – perguntei,
infeliz.
– Obrigado por oferecer, querida. –
Delvak segurou meu queixo com seu
sorriso hipnótico. – Mas creio que
vocês dois transando no palco não vão
ser suficientes para o que eu planejo.
– Quem falou em transar no palco? –
me sobressaltei.
– A gente pode fazer umas coisas
diferentes, Sven. – Ryker levantou um
ombro. – Usar uns brinquedos.
– Que brinquedos? – Bati o pé.–
Não,não! – Gesticulei.– Nada disso.
– Se acalme, querida. Não seria
suficiente, garoto. Vamos precisar trazer
uma festa de gente grande para cá para
atrair a atenção necessária.
– Vai ligar para o Oliver? – Lexa quis
saber.
– Vou. Preciso coordenar com ele e
solicitar que mande um monte de coisas
para cá e bem rápido. Vai ser um gasto
vultoso, mas não tem problema.
A boca.
Os seios.
O cabelo.
O sorriso.
O maldito sorriso.
Afastei o sonho com um misto de
pesar e frustração. Minhas pálpebras se
moveram, ainda pesadas, afastando o
que restava da noite, aceitando que era
hora de acordar e enfrentar o dia. Meu
braço estava caído… frouxo e solitário
sobre o espaço frio do sofá onde ela
estava antes de o sono me invadir.
Me conta uma verdade, Lola.
Meu pedido para ela na noite anterior
ainda se debatia sobre o ar. Uma
criatura afogada, buscando oxigênio.
Desespero sem esperança. Se afundando
no destino… A pobre criatura que nunca
tivera chance de sobreviver.
Me conta uma verdade. Só uma.
Eu ainda podia sentir seu lábio macio
sob a carne do meu polegar. Quis
mordê-la. Beijá-la. Mantê-la por perto
até conseguir obrigá-la a me conceder o
que eu queria.
Uma única e mísera verdade.
Eu gosto de lírios.
Simples.
Lírios.
Ela gostava de lírios.
Eu não acreditei.
Mais uma mentira.
Ou talvez fosse verdade. Por mais
simples que fosse, eu era simplesmente
incapaz de acreditar nela.
Fica essa noite?
Eu soube que iria me amaldiçoar por
esta súplica no momento em que a fiz.
Fico.
Prometeu.
Acordei sozinho no sofá frio.
Outra mentira.
Mais uma de… quantas?
Vesti a roupa, reparando no barulho
do lado de fora do escritório. Os outros
tinham acordado e já estavam ali. Era
hora de aceitar o dia.
Em cima da mesa, um pedaço de
papel rasgado trazia palavras
rascunhadas. Meu coração bateu mais
forte antes mesmo de ler a mensagem.
O desenho rascunhado de um
escorpião servia como assinatura, num
formato muito parecido com a tatuagem
que ela levava na nuca. Marcada pelo
seu dono, como gado.
As palavras eram poucas e
insatisfatórias.
Mas significam mais do que eu
esperava.
Não posso ficar, Gar. E não vou
pedir desculpas por isso.
Não é da minha natureza.
Nenhuma das duas coisas.
– Vamos agora?
Novos começos
Um ano depois Luckas estourou um
champanhe e Tim começou a distribuir
as taças.
– Mina. – Ryker se aproximou por
trás e abraçou minha cintura, me fazendo
virar o rosto para beijar sua bochecha. –
Quero te apresentar umas pessoas.
Ela tinha longos cabelos ruivos, mais
escuros que os meus. Usava saltos
longos e afiados e um vestido quase tão
sedutor quanto o acompanhante oriental
que trazia entrelaçado em seu abraço.
– Meu anjo da guarda. – Sorriu. – A
editora responsável pela publicação de
Sem Vergonha.
– Olá! Nossa! – Abri os braços,
desajeitada, mas ela assumiu o controle
e me devolveu o cumprimento. – É um
prazer.
– O prazer é meu. – Ela sorriu. –
Estávamos todos muito curiosos para
conhecer a Tímida.
Os sorrisos se espalharam enquanto
Ryker me apresentava a outras pessoas
da editora e de livrarias. Todos reunidos
para comemorar a marca de cem mil
exemplares vendidos do seu primeiro
livro. Sem usar o nome da irmã ou a
fama que se seguiu à nossa história com
a máfia.
Sozinho.
O mérito era todo dele.
Eu estava morrendo de orgulho.
Um ano.
Há um ano ele se enfiou no meu
apartamento, expulsando as visitas para
fora e me agarrando no sofá. Me pediu
em namoro mais por protocolo que por
necessidade.
Eu era dele há tanto tempo.
E ele era meu.
Mas hoje, um ano depois, eu me
sentia amparada pela tranquilidade ao
saber que nosso relacionamento tinha
sobrevivido a mais do que a máfia
russa: ele tinha sobrevivido à
normalidade. Tinha sobrevivido à
rotina. Aos trabalhos, às pequenas
discussões, às grandes brigas… enfim,
tínhamos sobrevivido. Estávamos ainda
mais fortes. Eu o amava mais. E quando
ele me olhava… eu poderia estar errada,
mas apostaria minha vida no fato de que
ele me amava mais também.
– Lex! Orgulhosa do irmão mais
novo?
– Você não faz ideia! – Ela me
abraçou. – E você, leu o livro? As
referências do menino são
impressionantes. A descrição da
primeira vez de vocês dois foi sublime,
estou quase com inveja do estilo dele.
– Lexa, Lexa… – pedi, abanando as
mãos. – Podemos não entrar em detalhes
sobre o assunto?
Ela riu com gosto. Sua eterna
desenvoltura com assuntos sexuais
superava a do irmão.
– Me desculpe. Acho que é a
convivência com o Sven… Acabo me
tornando inapropriada também. – Piscou
um olho.
Desviei a atenção para o meio do
salão, onde Ryker cumprimentava
diversos profissionais e referências do
mercado editorial. Usava um conjunto
verdadeiro de paletó e gravata, não do
tipo que vem preso com velcro para
despir em público. Esse último tipo ele
ainda usava, mas agora só para mim.
O modo como Lexa me encarava
chamou minha atenção.
– O que foi? – gaguejei.
– Nada. – Ela sorriu. – Você o ama
mesmo.
– Eu estava babando, foi? – Ri.
– Um pouquinho. – Arranhou a taça de
champanhe com delicadeza. – É difícil
resistir a um bad boy que no fundo é um
homem bom.
Agora era eu quem parava para
analisá-la.
– Essa é a definição de Delvak
também? – arrisquei. – No fundo, ele é
um homem bom?
– Ah, não! – Ela riu alto. – Sven não
presta! Nem um pedacinho dele.
– E por que ele é tão difícil de
resistir? – Manifestei uma careta, e ela
alargou o riso ainda mais.
– Porque ele foi geneticamente
abençoado com um sorriso safado, um
corpo que pede línguas e um pênis de
comprimento severamente
desnecessário.
Pus-me a rir junto enquanto Ryker se
aproximava, curioso.
– Sobre o que estão fofocando?
– Coisas de mulheres. – Lexa piscou
o olho para mim mais uma vez e eu
abracei meu namorado, plantando um
beijo descontraído na sua bochecha.