Você está na página 1de 987

Sem

PUDOR
JULIANNA COSTA

Sem
PUDOR
© 2016 by Universo dos Livros
Todos os direitos reservados e
protegidos pela Lei 9.610 de
19/02/1998.
Nenhuma parte deste livro, sem
autorização prévia por escrito da
editora, poderá ser reproduzida ou
transmitida sejam quais forem os meios
empregados: eletrônicos, mecânicos,
fotográficos, gravação ou quaisquer
outros.
Diretor editorial: Luis Matos
Editora-chefe: Marcia Batista
Assistentes editoriais: Aline Graça e
Letícia Nakamura
Preparação: Juliana Gregolin
Revisão: Rinaldo Milesi
Arte: Francine C. Silva e Valdinei
Gomes
Capa: Zuleika Iamashita

Dados Internacionais de Catalogação na


Publicação (CIP)
Angélica Ilacqua CRB-8/7057
Costa, Julianna
C87s
Sem pudor / Julianna Costa. – São
Paulo: Universo dos Livros, 2016.
352 p.
ISBN: 978-85-503-0005-4
1. Literatura brasileira 2. Ficção
erótica brasileira I. Título
16-0704 CDD B869.93

Universo dos Livros Editora Ltda.


Rua do Bosque, 1589 – Bloco 2 – Conj.
603/606
CEP: 01136-001 – Barra Funda – São
Paulo/SP
Telefone/Fax: (11) 3392-3336
www.universodoslivros.com.br
e-mail:
editor@universodoslivros.com.br
Siga-nos no Twitter: @univdoslivros
Um
Jeito de superar a ex-
namorada
Desempregada.
Dobrei meu braço ao lado do teclado
e apoiei a testa na dobra do cotovelo.
Eu estava exausta.
Não era sequer uma exaustão física,
era apenas uma desistência mental,
filosófica e espiritual.
Nunca estive desempregada daquele
modo antes. Até então, todos os
momentos da minha vida em que havia
precisado de um emprego tinham sido
normais. Eu saía do emprego anterior
por causa de uma proposta melhor ou
pela ambição pessoal de acreditar que
merecia uma proposta melhor. E nunca
estive enganada.
Estive no meu emprego anterior nos
últimos dois anos, antes de ser
sumariamente demitida por “má
conduta profissional”.
Claro que meus empregadores não
eram imbecis cruéis, incapazes de
compreender que eu fugi da cidade
quatro meses atrás porque corria risco
de ser assassinada por um chefe do
crime organizado. Essa parte eles
seriam perfeitamente capazes de
compreender.
Era a versão oficial dos fatos que
eles tinham problemas em aceitar.
Expirei longamente, sentindo meu
corpo inteiro doer. Fiquei horas e
horas na internet, enviei currículos,
agendei entrevistas… apenas para
descobrir uma inevitável verdade: eu
não ia conseguir um emprego tão cedo.
Para conseguir voltar à minha vida
normal e honrar o acordo que fizera
com o agente Zahner para manter Yuri
Kulik bem longe de mim, precisei
mentir para todas as pessoas ao meu
redor, apresentando–lhes uma nova
versão dos fatos e uma justificativa
plausível para o meu desaparecimento.
O problema recorrente, no entanto, é
que o “plausível”, no meu caso, não
inspirava qualquer tipo de simpatia
aos meus empregadores, antigos e
eventuais.
Eu tinha deixado de ser a garota
corajosa que enfrentou a máfia russa,
colaborou com uma investigação
policial e tirou a roupa para salvar
uma boate às vésperas da falência para
me tornar a garota maluca com um
severo grau de ansiedade generalizada
que, em um ataque de pânico, tinha
abandonado emprego, família e
amigos, sem qualquer explicação ou
adeus, para fugir por algumas semanas
com um gigolô que lhe tirara a
virgindade, em umas férias não
planejadas.
A nova versão oficial dos
acontecimentos trazia até fotos,
especialmente preparadas, minhas e de
Devon em um barco qualquer.
“Navegando para o horizonte em um
iate com um deus do sexo para
esquecer as mazelas da minha vida.”
Essa era a resposta que, com
palavras mais rebuscadas e educadas,
eu era obrigada a fornecer em
entrevistas de emprego sempre que me
era feita a pergunta de “E por que
abandonou seu emprego anterior?”.
É… Eu não ia conseguir um emprego
tão cedo. E era melhor me conformar
com isso.
– É por isso que não arranja
emprego, sua preguiçosa! – Monique
estava em nosso apartamento há dois
segundos e eu já queria matá-la. – Fica
cochilando quando deveria estar
procurando o que fazer. – recriminou.
Eu empurrei para o lado a caixa com
meus documentos, certificados,
diplomas e currículos, só para encará-
la.
– Quem te deu a chave? –
resmunguei.
– E quem precisa de chave? A
fechadura dessa porta está frouxa. Já
disse a vocês que isso é um perigo. Mas
como estou lidando com a Mina
preguiçosa e a Elise desmiolada, acho
que vocês nunca vão resolver esse
problema.
– O que você quer, Mon? – Elise
surgiu do seu quarto para me resgatar.
– Não incomode a Mina, ela está muito
estressada.
Monique me irritava, sem dúvidas.
Mas acho que eu preferia a sua
agressividade ao zelo excessivo de
Elise. Minha melhor amiga tinha
ficado verdadeiramente preocupada
com meu desaparecimento e, então,
com a descoberta do meu surto mental.
Ela sabia que esse tipo de fuga não
condizia com minha personalidade e
para que eu tivesse recorrido a uma
solução desse porte eu deveria estar
bem afetada.
Quatro meses tinham se passado e
ela tinha exigido que eu me mudasse
para sua casa. Elise usou como
desculpa o fato de eu estar
desempregada e sem nenhum dinheiro
além de minhas economias, mas eu
sabia que, na verdade, ela só queria
ficar de olho em mim.
– Vim devolver isso. – Tirou da bolsa
alguns colares. – E quero saber se
vocês vão sair hoje!
– Eu não tenho planos. – Elise
levantou um ombro.
– Então vai para a festa de
aniversário do Cristian comigo!
– Monique, se você não gosta dos
amigos dele, precisa dar um jeito. Ou
falar pra ele. Não podemos ficar
servindo de escudo para você sempre
que…
– O Gerard vai estar lá – cantarolou.

Elise mordeu o lábio, controlando o


sorriso.
– Maldita. – Ela havia tomado a
decisão e Monique desatou a rir.
– E você, Mina? Vem com a gente ou
vai sair com o namorado?
Namorado.
Eu não gostava de pensar em Lance
como meu namorado. Era cedo demais
para chamá-lo de namorado. Mas
depois de dois meses conversando com
ele quase todos os dias e encontrando-
o todos os fins de semana… era tarde
demais para chamá-lo de qualquer
outra coisa.
– Não é o namorado dela. – Elise me
defendeu. Tivemos umas duas ou oito
discussões irritadas assim: Mon se
referia a Lance como meu
“namorado”, eu dizia que não queria
que o chamasse assim e, por fim, acho
que Elise começou a temer que eu
tivesse outro surto mental e então
resolveu interferir sempre que a
conversa ameaçasse ressurgir.
– Foi só uma pergunta, Elise! Não
precisa ficar trabalhando como
guarda-costas da Mina sempre que ela
ouvir uma pergunta de que não gosta.
– Mina não está bem, Monique! Pare
de ser inconveniente!
– Mina estava muito bem há alguns
meses, quando resolveu mandar o
trabalho se foder e fugir com o
prostituto. Mas agora não está bem
para responder a uma simples
pergunta?
– Cala a boca, garota!
– Você tem que parar de tratá-la
como se ela fosse uma flor delicada!
Bault é uma mulher adulta que vai ter
que lidar com as consequências do
que…
– Vou sair com o Lance – interrompi.
– Já temos planos para hoje à noite.
As duas se calaram, Elise desenhou
um sorriso simpático no rosto e
Monique fez uma expressão de vômito.
As duas se puseram a combinar
horários e etiquetas. Aproveitei a
distração delas para puxar meu celular
e enviar uma mensagem para Lance.
Na verdade, eu não tinha planos para
aquela noite. Mas Elise…
Elise era minha melhor amiga.
Ela se preocupava. Estava
desesperada, na verdade.
E eu sabia disso.
Ela era a última família que eu tinha
e se sentia pessoalmente responsável
por não ter previsto minha crise de
loucura. Foi Elise quem achou que eu
deveria sair com um gigolô e, na
cabeça dela, o fato de ter sido ela quem
arranjara o encontro que me levaria à
fuga apenas aumentava a sua culpa.
O único detalhe é que não houvera
nenhuma crise de loucura.
Havia um gigolô. Havia uma fuga.
Mas nada tinha sido como ela
imaginava.
Mesmo que seu cuidado me irritasse,
eu sabia que era apenas uma
preocupação carinhosa. Ela me amava.
Nos primeiros dias depois que voltei,
suas perguntas eram tão intensas que
eu imaginei que ela suspeitasse da
minha mentira. Mas uma visita do
agente Zahner e uma história
elaborada e bem montada tinham
bastado para conquistar a confiança de
Elise em nossa pequena ficção. Agora,
só me restava tentar diminuir suas
preocupações e assegurá-la de que eu
estava bem.
O que era injusto comigo: agora não
apenas eu tinha que esconder a
verdade, procurar um novo emprego,
lidar com o julgamento dos outros…
mas ainda tinha que tomar conta das
emoções da minha melhor amiga.
Era coisa demais para manter sob
controle e eu só queria…
Eu só queria mandar tudo se foder,
como a Monique tinha dito.
Queria fugir com um gigolô que me
dissesse que o melhor modo de viver é
perdendo o controle.
Mas não seria em um iate.
Não seria por uma crise de loucura.
E, definitivamente, não seria com o
Devon.
Seria ele.
Não importava para onde. Nem
quando. Ou por quê.
Se fosse ele, eu fugiria de novo. Para
onde ele quisesse me levar.
Eu mandaria toda a confusão da
minha nova vida se foder.
Deixaria uma carta para Elise dessa
vez e iria embora sem intenção de
voltar.
Desde que fosse com ele.
De muitos modos, não poder falar
sobre Ryker era a pior parte.
Era como se eu tivesse acabado de
perder um braço e não pudesse contar
a ninguém. Como se tivessem enfiado
uma prótese em mim e todos
esperassem que eu fosse continuar a
viver como se nada tivesse acontecido.
Mas uma parte de mim estava
faltando, e a prótese nunca seria capaz
de funcionar do mesmo jeito que antes.
Foi a experiência mais arrebatadora
da minha vida.
O amor mais intenso. A intimidade
mais visceral. O contato mais
profundo.
E acabara.
Agora só me restava lembrar e tentar
esquecer. Eu tinha descoberto para que
servia meu coração, tinha o colocado
para funcionar, apenas para vê-lo
destruído. E sequer podia conversar
com minha melhor amiga sobre isso.
Só o que eu tinha era Lance: uma
prótese.
Ele era um jornalista que aparecera
para falar com as vítimas que tinham
perdido suas casas na explosão
misteriosa que resultara em muitos
mortos e feridos. O jovem jornalista
estava investigando o desastre e quase
tropeçara em uma ou outra informação
que o levaria para o lado errado da
legalidade se eu não o tivesse
impedido.
Eu sabia o que Kulik era capaz de
fazer quando alguém farejava o seu
rastro. Achei melhor tentar proteger o
desavisado Lance.
Mas ele confundiu minha
preocupação com interesse. E meu
receio com carinho.
E logo eu não conseguia mais me
livrar dele.
Lance respondeu minha mensagem
com uma animação desnecessária,
confirmando nosso encontro para
aquela noite.
Acho que se eu fosse realmente me
livrar de Lance algum dia… não seria
hoje.

– Grazie. – Sorriu.
Era um sorriso sexual.
Daqueles bem óbvios e descarados.
Seria mais fácil se ela apenas me
chamasse de gostoso e perguntasse
quando acabava o meu turno.
Mas não era isso que ela fazia.
Ela apenas se sentava na parte
externa do café a cada dois ou três
dias, puxava assuntos que não me
interessavam, demorava demais para
pedir a conta e agradecia com um
sorriso largo de sexo. Semana após
semana.
Pelo menos me deixava gorjetas
generosas e eu não tinha do que
reclamar.
Eu não conseguia lembrar o seu
nome, apesar de já tê-lo ouvido em
algumas ocasiões. Para mim, ela era a
“Mesa 8”.
– Acho que ela te daria a calcinha
junto à gorjeta, se você pedisse – Colin
riu quando coloquei a bandeja em cima
do balcão.
– Acho que ela ainda vai fazer isso,
mesmo sem eu pedir.
– Ai! – Gargalhou. – Você é gay? –
perguntou, encarando Mesa 8, quando
ela acenou para mim antes de sair.
Sorri de volta para a mais assídua
cliente do café.
Ela tinha uma boa bunda.
E acho que me chuparia por horas
com uma boa disposição.
Mas eu simplesmente não estava no
clima.
O que era peculiar diante do fato de
que eu não tinha uma mulher ao redor
do meu pau havia meses.
Menos de um ano atrás, depois de
duas semanas de exclusiva
masturbação, eu já estaria pronto para
foder Mesa 8 ali na frente do Colin,
sem pedir licença. Mas hoje… Hoje,
bastava eu fechar os olhos e pensar em
sexo que a única coisa que me vinha à
mente era ela.
Ela na minha frente.
Por cima de mim.
Embaixo de mim.
Com a boca no meu pau.
Tirando a roupa no palco.
Me oferecendo a bunda.
Chamando meu nome enquanto
gozava.
Ela.
E então eu abria os olhos e nada era
bom o suficiente para me manter ereto.
O único modo de aliviar o esporro
que se concentrava violentamente no
meu escroto era pensando nela.
Enfiava a mão na cueca e me
sacudia sem educação, sonhando com
um reencontro impossível.
A merda da garota me estragou para
sempre.
Me incomodou bastante nos
primeiros meses… Depois da terceira
mulher que levei para a cama e não
consegui comer, eu estava pronto para
voltar a Paris, encontrá-la e xingá-la
com os piores nomes que eu
conseguisse imaginar. Logo depois de
fodê-la, claro.
Arrancaria minha masculinidade de
volta de suas mãos delicadas e nunca
mais a entregaria para mulher
nenhuma.
Mas nas últimas semanas, eu
aprendera a aceitar.
Passei o pano por cima do balcão,
mantendo-o limpo.
Ia levar tempo pra esquecê-la.
Principalmente por que que eu não
parecia ser capaz de parar de bater
uma furiosa punheta após a outra com
ela no meu mais imediato pensamento.
– Estou cansada.
Virei de lado para encontrar Mesa 8
atrás de mim, com um sorriso sensual e
os braços cruzados no colo, empinando
os seios.
– O que disse?
– Estou cansada – repetiu devagar. –
De vir aqui quase todas as noites. E eu
nem gosto de café.
– Não sei se estou entendendo. –
Sorri.
Eu estava entendendo.
É claro que eu estava entendendo.
Eu estava entendendo desde a
primeira noite que ela errara o pedido
três vezes, sorrindo para mim, antes de
pedir um “café preto”.
– Quero saber o que preciso fazer
para você me chamar pra sair. –
Levantou um ombro, sedutora.
Reencarnar como uma francesa
envergonhada e irritante seria um bom
começo.
– Ah… – Devolvi o sorriso sedutor
que saía de meus lábios de forma mais
natural que qualquer outro sorriso.
Eu poderia levá-la para a minha
cama, foder sua bunda com força,
murmurar o nome de Mina antes de
esporrar. Mesa 8 me daria um tapa,
mandaria eu tomar no cu e iria
embora.
O café ia perder uma cliente e eu ia
perder as gorjetas.
Mas pelo menos eu ia gozar.
– E então? – questionou com
urgência.
– Eu… acabei de sair de um
relacionamento complicado –
expliquei. – Não sei se tenho cabeça
para me envolver em outro agora.
– E quem disse algo sobre “se
envolver”? – Ela piscou um olho.
– Não sei se sou o tipo de cara que
consegue só fazer sexo com uma
mulher.
É, eu sou safado.
Um putão.
Eu nem queria transar com ela.
Mas minha boca estava adestrada
para dizer exatamente o que uma
mulher precisa ouvir para responder
com um: – Então... – sussurrou. –
Deixa eu te ensinar a fazer “só sexo”
com uma mulher. – Mordeu o lábio
inferior.
Eu estava rindo. Fingi um
constrangimento digno de Oscar.
Em qualquer outro dia do ano
anterior, eu fingiria hesitar e pegaria
seu telefone. Marcaria uma hora.
Treparia com ela o fim de semana
inteiro.
Mas hoje eu só conseguia ficar ali
parado, escutando a voz de Mina na
minha memória…
– Está querendo dizer que não gosta
de mim? É sério? É esse o argumento
que vai usar?
– É! É esse o argumento que vou
usar. Não te tenho mais. Vou te
esquecer. Não vou mais sentir essa
porra dessa aflição no meu peito
sempre que penso em ficar com outra
mulher e sinto como se estivesse te
traindo. Não vou me importar mais!
– Mentiroso.
– Sinto muito – expirei, educado. –
Obrigado pelo convite, mas… acho que
preciso de um tempo.
Mesa 8 entreabriu os lábios sem
acreditar no que estava ouvindo. Ela
insistiu e me ofereceu seu número.
Diante da recusa, ela estava ainda
mais desesperada para abrir as pernas
para mim. Eu tinha certeza disso.
O problema é que não queria que ela
abrisse as pernas para mim.
Não fazia nenhuma questão.
Só havia uma mulher que eu
desejava.
E ela tinha demorado como o inferno
para abrir aquelas benditas pernas.

– Estava com saudades. – Lance


beijou minha boca.
A primeira vez que eu o tinha
beijado fora com um propósito
calculista. Ele queria me adicionar ao
rol de entrevistados na matéria que
estava escrevendo sobre o escapamento
de gás e a explosão e eu… bem, eu
gostaria muito que ele não fizesse isso.
Eu conseguia imaginar o agente
Gareth Zahner espumando óleo
fervente pela boca se visse meu nome
em um dos jornais de maior circulação
de Paris, associado a um incidente
causado por Yuri Kulik.
Meu bom senso não tinha me
abandonado a esse ponto e fui
especialmente manhosa ao pedir a
Lance que mantivesse minha
privacidade, usando um pseudônimo no
artigo. Em vez disso, ele citou apenas
minhas iniciais e deixou todos os
detalhes de fora. Eu lhe agradeci com
um jantar e… com dois meses da minha
vida, aparentemente.
– Como foi o trabalho?
– Consegui a entrevista com o CEO da
Ferrer!
– Nossa! Parabéns! – Ele veio me
dar mais um beijo, mas eu tinha
intenção de abraçá-lo. Foi um segundo
longo e constrangedor. Segurei seu
rosto e juntei nossos lábios
desajeitadamente. – Você trabalhou
duro por isso.
– Muito! – Aceitou a taça de vinho
que lhe ofereci. – Esses caras são
inacessíveis!
– Vai ter que me explicar o problema
todo de novo qualquer dia… Foi tão
complicado que não entendi.
– Esquema de lavagem de dinheiro. –
Deu de ombros. – Não tenho provas
suficientes ainda, mas é estranho uma
construtora do porte da Ferrer investir
tanto dinheiro em uma agência de
turismo desconhecida.
Engoli em seco. Eu não gostava
desse tipo de problema. Um jornalista
investigativo enfiando sua lanterna no
meio de uma operação criminosa era
justamente o tipo de coisa da qual eu
queria distância. Acabava sendo mais
um motivo para me afastar de Lance.
Minha questão é que o pobre Lance
parecia ser a única coisa que cortava o
efeito Ryker ultimamente.
Ele não era meu gigolô encantado
nem o homem dos meus sonhos. Mas
quando eu estava com ele, a saudade
não era tão grande.
Acho que era melhor ter uma prótese
do que ter braço nenhum.
E era por isso que eu tinha
comprado algumas garrafas de vinho e
decidido que hoje seria a noite.
Hoje seria a noite que eu transaria
com um cara que não era Ryker.
Ele não seria tão bom quanto, eu
provavelmente não gozaria e teria de
mentir depois.
Só era algo que precisava ser feito.
Algo que eu precisava superar.
Mas, antes, eu precisava ficar
bêbada.
Lance perguntou como estava a
minha busca por emprego; e como
aquele era o pior dos assuntos, puxei a
boca dele para a minha e o beijei com
fome.
Ou pelo menos “fome” era a
intenção.
Seus lábios finos, porém, quase não
se encaixavam nos meus e sempre
escapavam com facilidade.
Ele enfiava a língua na minha boca
para tentar me segurar, mas era língua
demais e eu logo ficava incomodada.
A hiperconsciência me arrebatou
quando ele passou a mão no meu seio e
me veio a vontade de lhe dar um tapa.
Era errado. Tudo errado.
O modo, a intensidade, o ritmo, o
homem.
Estávamos no sofá e tentei imaginar
que ele era Ryker. Tentei com todas as
minhas forças, Mas a lembrança do
toque perfeito do meu gigolô servia
apenas para contrastar com o
desinteresse que eu sentia pela minha
companhia atual.
Mantinha os olhos abertos enquanto
Lance me beijava com paixão e
tentava, pela minha vida, ficar excitada
em vez de nervosa. Mas parecia
impossível parar de listar mentalmente
para quais empresas eu tinha mandado
currículos e quais ainda não tinham
respondido.
Inferno.
Eu não era mais uma virgem.
A ansiedade diante do desconhecido
não deveria mais existir, mas lá estava
eu: nervosa, ansiosa, desesperada.
Ansiando que aquilo tudo acabasse.
Eu não estava excitada. Eu não
conseguia ficar excitada.
Ótimo.
Ryker parecia ter descoberto qual
parte do meu corpo estava quebrada e
a consertara. Mas, só de birra, deve ter
mexido nos fios quando me deu adeus,
desligando alguma conexão
importante.
Me deixou sem funcionar mais uma
vez.
Por isso, foi um alívio quando a
porta do apartamento se abriu, sem
anúncio, dando passagem a uma Elise
em vias de despir-se envolvida por um
cara que eu suspeitava ser o Gerard.
– Mina! Ah…! – assustou-se. – Eu…
eu achei que você ia sair.
– Não! – Sentei no sofá e ajeitei
minha blusa, recolocando meu decote
no lugar.
Um segundo constrangedor se
prolongou.
– Boa noite. – Lance cumprimentou
Gerard, tentando evitar aquele
constrangimento inevitável Eu senti
vontade de rir.
Lance queria quebrar o gelo. Gerard
parecia pálido e sem palavras. Elise
não sabia o que fazer.
Eu era a única que já tinha ficado
nua em público, aparentemente, e me
alegrou perceber que minha recém-
adquirida sem-vergonhice não tinha me
abandonado.
Consegui ser a única pessoa do
quarteto presente em nossa sala que
não estava absolutamente boquiaberta.
De certo modo, me senti orgulhosa.
Se Ryker estivesse ali, ficaria
orgulhoso também. Apesar de que… eu
suspeitava com algum grau de
convicção que se Ryker estivesse ali,
ele pioraria a situação e aí eu ficaria,
de fato, envergonhada, assim como o
restante do grupo.
Mas eu estava sozinha. E sozinha, eu
conseguia me sentir à vontade com o
tema o suficiente para falar sobre ele,
embora não para fazê-lo com meu
namorado.
Se alguém parasse para me estudar,
perceberia que eu não faço sentido. Até
eu canso a mim mesma, às vezes.
– Bem, acho que… Acho que é
melhor a gente sair – sugeri para
Lance.
Ele pareceu decepcionado e inspirou
profundamente como se fosse
argumentar que nós estávamos ali
primeiro. Então sorri, lembrei-o
discretamente que era melhor fazermos
aquilo pela nossa primeira vez em uma
situação mais confortável e me odiei
por me encontrar, de novo, organizando
uma primeira vez.
Sinceramente… quantas dessas uma
mulher pode ter?
Abri a geladeira para pegar o leite.
O pote de morangos estava ali.
Eu nunca os comia. Não queria
morrer.
Mas eu os olhava todos os dias,
quando abria minha geladeira para o
que quer que fosse. Zahner se enfiou ao
meu lado e arrancou uma cerveja do
refrigerador.
– Vai pagar por isso?
– Não seja mesquinho – chiou,
sentando no sofá. – Vim até aqui te
visitar e é assim que você me recebe?
Ele era pouco mais velho do que eu,
mas seu porte e suas palavras sempre o
faziam soar como um adulto cercado de
crianças.
– Veio com más notícias. Deveria ter
trazido cervejas para não ficar
roubando as minhas.
– Herbeck é um idiota. Não vai muito
longe.
– Queria ter a sua confiança, Gary.
Herbeck era o único ponto falho em
nosso plano para proteger Mina, e a
mera lembrança dela me causava
poderosos arrepios. Ele era o único
inspetor francês que sabia sua
identidade e conhecia seu envolvimento
com o assassinato no Grand Classique,
responsável por ter começado toda
aquela confusão.
Eu te pedi para não falar com a
polícia, Bault!
Mas eu não podia culpá-la. Não nos
conhecíamos bem naquela primeira
noite. Ela não tinha motivos para
confiar em mim e, em sua inocência, ir
à polícia realmente parecia a coisa
mais sensata a fazer.
– Ele não sabe nada que possa te
prejudicar. Mina não deu detalhes
sobre você quando foi à polícia, não é?
Não vão te encontrar.
– Mas ele falou com Mina e nosso
acordo…
– Eu sei, eu sei! Sua namorada está a
salvo. – Girou a garrafa, vertendo o
líquido garganta abaixo.
– Como pode ter certeza?
Zahner me olhou de soslaio. Ele
estava escondendo algo. – O que foi?
Como sabe que Mina está bem,
Zahner?
– Mantenho uma equipe com ela.
Nada demais! – acrescentou com
pressa. – Só um ou dois homens,
observando à distância.
Era o tipo de informação que
deveria me acalmar, mas, em vez disso,
me lançou ao mais absoluto frenesi de
pânico.
– Você disse que a história era
coesa, que preparou todos os
documentos! Por que precisa mantê-la
sob observação se me certificou que
ela estava a salvo? – Eu estava de pé e
pronto para lhe dar um murro.
– Jesus! Acalme-se, homem. – Torceu
o nariz. – Eu só preferi ter certeza.
– Preferiu mantê-la por perto caso
precise dela – rosnei. – Isso não faz
parte do acordo, Zahner!
– Ah! Você está tão desagradável... O
que há com você? Falta de sexo? –
brincou, e eu engoli em seco. – Não vou
fazer nada para quebrar o acordo. As
informações que você nos forneceu
sobre Simak foram excepcionais. Estou
transformando a vidinha medíocre e
arrogante dele em seu próprio inferno
particular.
– Eu vi as notícias no jornal –
confirmei. – Mas fale sobre Herbeck,
Gary! Ele falou com Mina, ele pode
saber que…
– Ele não vai prejudicá-la, Ryker.
Ele sabe o risco que corre comigo e
com a Interpol se fizer isso. E ele não
sabe onde ela está. Deve imaginar que
está no programa de proteção à
testemunha também. Nada mais faria
sentido. Ela está a salvo. E, caso não
esteja, tenho homens cuidando dela.
Não se preocupe. Tome aqui! –
Ofereceu-me sua cerveja pela metade e
foi buscar outra.
– Obrigado. – Sorri, sarcástico.
– Por que você tem morangos na
geladeira? – resmungou. – Está
planejando se suicidar?
– Não é da sua conta.
– Você é a testemunha-chave de dois
dos meus principais casos. É da minha
conta, sim.
– Até hoje não sei como descobriu
sobre minha alergia.
– Sei até qual é sua cor preferida,
garoto, é o meu trabalho. Mas nunca
entendi qual é a dos morangos. –
Sentou-se mais uma vez. – Você sempre
os compra e guarda na geladeira até
estragarem. E aí joga fora e compra
mais.
– Muito observador.
– Por que faz isso?
– Já disse. Não é da sua conta. Quer
que eu repita?
– Não, senhor Mau Humor.
Obrigado.
– O que veio fazer aqui, Gary? Além
de trazer más notícias e roubar minhas
cervejas?
– Herbeck pode ser insignificante,
como também pode não ser. Mas o fato
é que ele desapareceu, é uma peça que
mudou de lugar. E eu não quero
arriscar.
– Não quer arriscar o quê?
– Você.Vamos mudar você de lugar.
Vou mudar toda a equipe encarregada
também. Nova identidade, novo
endereço, novo tudo.
– Eba – exclamei sem qualquer
empolgação.
– Que bom que está tão feliz, porque
vamos fazer a mudança amanhã
mesmo.
– Tudo bem, mas...
O telefone de casa tocou e eu me
levantei para atender, gesticulando
para Gary que eu voltaria em breve.
Meu chefe, Colin, era a única pessoa
que tinha aquele número e, se ele
estava ligando, seria legal eu me
despedir com educação antes de
desaparecer na manhã seguinte.
Puxei o gancho do aparelho branco
colado na parede da cozinha.
– Alô?
– Olá, filho. Quanto tempo.
Uma sensação ruim se espalhou pelo
meu corpo.
– Sei que está muito ocupado
contando segredos de família para a
polícia, mas espero que possa arranjar
um tempo para seu velho pai.
Eu sentia a amargura em sua voz.
Sua carreira estava em pedaços, sua
vida estava destruída e ele deveria
estar tendo reuniões ininterruptas com
advogados para tentar se livrar da
cadeia.
Ele me odiava e sua voz deixava isso
perceptível.
Bem perceptível.
– Fique em silêncio e só me escute,
ouviu?
– Não preciso te obedecer, seu puto.
Ele tinha me achado… Tudo bem.
Parabéns para ele. Mas a Interpol já
estava ali com tudo organizado para
me remover. Parabéns, papai. Parabéns
por nada. Ele chegou quando eu estava
de saída e agora, por mim, ele podia se
foder.
– Se você disser mais uma palavra,
sua namoradinha morre.
Meu lábio inferior tremeu num ato
involuntário e tive certeza de que tinha
ouvido algo errado.
– Achei que só estava fazendo isso
para se vingar de mim, mas, quando
descobri sua namorada francesa, não
foi difícil imaginar outros motivos por
trás do seu acordo com a polícia.
Muito romântico de sua parte.
– Não sei do que…
– Ah, sabe, sim. Sua namorada
francesa, aquela que estava com você
quando Kulik cometeu o assassinato.
Ela também viu tudo. Ela procurou a
polícia, sabia?
Herbeck. O filho da puta do
Herbeck.
– O que você quer, Edgar?
– Quero que você pare de falar com
a polícia. Quero que você desapareça.
Quero parar de me arrepender por não
ter te afogado quando você era um
pirralho.
– Não, obrigado. Acho que prefiro
continuar te incomodando.
– Não acho que vai fazer isso.
– Eu não ligo pra garota – blefei. –
Se essa é sua única carta, então você
não tem nada.
– Isso é o que nós vamos ver…
Acabei de descobrir isso e posso não
saber onde ela está ainda, Ryker. Mas
ainda tenho alguns bons amigos e sei
que ela não está no programa com
você. E se ela está solta em algum
lugar do mundo, eu vou encontrá-la. E
aí a gente vai descobrir o quanto ela
significa para você. – Eu podia senti-lo
trincando os dentes de fúria do outro
lado da linha. – A gente vai descobrir
bem depressa.
O sinal interrompido da linha do
telefone informou que ele tinha
desligado.
Era mais que apenas uma ameaça.
Era uma promessa.
– Strome? – Zahner chamou, da sala.
– Algum problema?
– Não – respondi, esfregando meu
queixo.
Se eu contasse para o Gary o que
tinha acabado de acontecer, ele ia me
enfiar em um bunker no núcleo da
Terra e eu nunca mais ouviria notícias
de Mina. Zahner poderia dizer que ela
estava bem e segura, mas será que eu
acreditaria?
Os homens que ele tinha por perto de
Mina… será que eles seriam
incorrompíveis? Ou venderiam minha
menina para a melhor oferta?
Será que algum dia eu conseguiria
ter paz sem ter a certeza de que ela
estava a salvo da merda que eu tinha
colocado ao nosso redor?
Se Edgar queria Mina, só havia um
jeito de protegê-la.
Apenas um jeito de ter certeza que
ela estava bem.
Um único modo de garantir sua
segurança.
Eu precisava me livrar do Zahner.
Eu precisava voltar a Paris.
Dois

Técnicas para
reencontrar sua ex
– E então? Como foi ontem à noite?
Amarrei o cordão do robe e sentei-me
ao lado de Elise na mesa.
– Normal. – Peguei uma maçã sem
entender o motivo de seu interesse.
– Mina. – Ela largou os punhos
insatisfeitos sobre a mesa. – Me conta!
Foi sua primeira noite com um homem
desde… – ela hesitou. Ela sempre
hesitava ao abordar aquele tópico – …
desde o gigolô.
– Humm... – Percebi que eu não ia
gostar dessa conversa. – Não fizemos
nada. Só fomos a um restaurante.
Me concentrei na minha maçã, mas
Elise não ia deixar aquela conversa
acabar.
– Um restaurante? Você estava se
agarrando com ele no sofá e saiu para ir
a um restaurante?
– É. Qual o problema?
– Mina Bault! – rugiu. – Você faz eu
me sentir horrível por ter interrompido!
– Elise, você está exagerando. –
Mordi a fruta com descaso.
– Um quarto de hotel! A casa dele! O
banheiro de alguma boate! Qualquer
lugar, Mina! – chiou.
– Não quero transar pela primeira vez
em qualquer lugar!
– Primeira vez? – Arregalou os olhos.
– Primeira vez com o Lance –
acrescentei.
Elise tomou seu café e me permitiu
um pouco de silêncio.
Eu já estava começando a ficar
confortável quando ela estalou mais uma
vez: – Você tem certeza que não é mais
virgem?
– Ai, Elise… – gemi, exausta.
– Porque olha… se você for, amiga, é
claro que não tem problema! – Não sou
mais virgem, eu juro! – Abri os olhos,
forçadamente, para dar ênfase às minhas
palavras.
– Essa coisa toda sua com o gigolô
foi tão estranha... – murmurou.
– Devon. O nome dele é Devon.
– Às vezes – ela me ignorou e
continuou tagarelando: – eu me pego
pensando se é verdade mesmo. Se
realmente aconteceu ou se…
– Ou se o quê?
– Sei lá… Talvez… talvez tenha
acontecido alguma coisa que você não
queira me contar.
– Tipo… – Revirei os olhos – Eu e o
gigolô presenciamos um assassinato de
um chefão do crime e aí fugimos para
salvar nossas vidas como em um filme
de ação clichê. Nos apaixonamos e ele
teve que ir embora para salvar minha
vida, inventando uma história furada
sobre um iate e um ataque de pânico
para que eu pudesse ficar em casa a
salvo?
– Tá – reclamou,em meio a risadas.–
Também não precisa exagerar.
Deixei meus ombros caírem.
– Mas talvez você tenha tido uma
crise de pânico porque não conseguiu
perder a virgindade e tenha fugido para
tentar. Olha, eu estava lendo um artigo
sobre pessoas assexuadas e…
– Eu tenho que sair. – Levantei da
mesa, revirando os olhos mais uma vez.
– É sério! – avisou. – É uma coisa
que acontece.
– Você é louca – respondi com um
carinho exagerado. – Mas eu te amo
mesmo assim.
– Mina, me escuta.
– Olha! – Peguei meu celular de cima
da mesa. – Presta atenção – avisei antes
de comandar ao aparelho que ligasse
para Lance. – Lance? – chamei, dengosa
– Estou te atrapalhando? – Como era
que Ryker falava? – É algo sério, sim.
Não aguento mais, Lance. A gente
sempre fica adiando… – gemi. – Mas eu
estou com fome. Acho que você tem que
vir jantar aqui em casa hoje. Eu te
preparo uma refeição deliciosa. E algo
especial para você comer de sobremesa.
Elise tinha os olhos arregalados e o
queixo caiu no chão, dando vazão a um
sorriso imenso.
Moveu as mãos em umas palmas
mudas e eu pisquei um olho para ela.
Lance não tinha palavras suficientes
para concordar com meus planos.
E era isso.
Lá ia Mina mais uma vez.

Por favor, não tenha se mudado!


Elise era minha única chance de
encontrar Mina e eu não teria muito
tempo.
Certamente, Zahner estava furioso e à
minha procura e, a não ser que eu
corresse, ele me pegaria antes que eu
chegasse até ela.
O problema é que a casa de Mina
tinha explodido e o único contato que eu
ainda poderia ter com ela se chamava
Elise Rion, sua melhor amiga.
Meu plano era seguir Elise até
encontrar Mina. Não era um plano
infalível, mas meus planos sempre eram
uma merda mesmo. Eu tinha aprendido a
me adaptar. Já começava a escurecer
quando eu me encontrei na esquina do
prédio de Elise. Parado contra uma
parede, analisando os arredores.
Os dois homens que Zahner tinha
colocado para vigiar Mina não
poderiam ser mais óbvios: dois caras de
atitude suspeita e camisa de manga
comprida, um deles estava sentado no
carro estacionado com a porta aberta, o
outro estava de pé, terminando de tomar
um café.
Esperei alguns segundos para me
certificar e, quando ele acabou de tomar
seu café e voltou a entrar no carro,
apenas para continuarem parados ali, eu
tive certeza.
Certo, Ryk, boas e más notícias.
A má era que eu não podia deixar eles
me verem ou Zahner saberia exatamente
onde eu estava e ia chegar em cinco
minutos como um cão raivoso.
A boa era que, se os homens que Gary
colocou para ficarem perto de Mina
estavam ali, isso só podia significar uma
coisa.
Se eu fizesse a coisa do jeito certo, ou
seja, se não chamasse a atenção dos dois
bulldogs da polícia francesa, e Mina
estivesse em casa, em vinte minutos ela
estaria nos meus braços. Engoli em seco
e não permiti que o pensamento ficasse
confortável demais em meu cérebro ou
eu não conseguiria encontrar um modo
de chegar até o apartamento… e aquela
era a primeira parte.
A senhora que saiu do prédio de Elise
parecia ter uns setenta anos. Ela mexia
na bolsa e na lista de papel que
carregava nas mãos. Ignorou a parada de
ônibus e virou a esquina na direção
oposta à entrada de metrô mais próxima.
Tinha achado minha entrada.
Ia demorar um pouco mais de tempo
do que eu tinha previsto… mas o
resultado seria ideal.

Peguei um pacote de morangos apenas


para apreciar minha própria piada e me
certifiquei de que ficaria na fila bem
atrás dela.
– Para lavar as janelas? – Aproximei-
me com polidez, indicando um dos potes
em suas compras.
– Oh, ah, sim! – Ela sorriu, ajeitando
os óculos. – Uns pombos danados
fizeram seu ninho bem em cima da minha
janela – reclamou.
– Ah, é horrível quando isso acontece
– concordei, sério. – Tem um produto
que eu uso que acho bem melhor do que
esse.
– É mesmo? – Virou-se, interessada.
– Sim, com certeza.
– Qual é?
– Eu posso pegar, se a senhora quiser.
Pode segurar para mim por um instante?
– Entreguei-lhe meus morangos, que ela
segurou com gratidão e corri para trocar
o pote dela por outro qualquer. – Esse
aqui. – Voltei à fila. – Sempre uso esse!
– menti. – É excelente.
– Oh, muito obrigada, rapaz.
– Imagina. – Sorri, educado.
– E você vai pegar essa fila apenas
para comprar morangos?
– Minha namorada adora! – avisei. –
Não posso deixá-la ficar sem.
– Que garota de sorte.
– A Elise me enlouquece. – Dei de
ombros. – Principalmente sem os seus
morangos. E a Mina, a garota que divide
apartamento com ela, gosta muito deles
também – arrisquei.
– Oh! Elise e Mina? Elise Rion é sua
namorada?
– É, sim, senhora – fingi surpresa. – A
senhora a conhece?
– Sim, ela é minha vizinha! Oh, que
mundo minúsculo!
– Minúsculo mesmo – repeti com um
sorriso.
Ajudei-a a embalar as compras.
– Está indo para lá agora? –
perguntei. – Posso ajudá-la a carregar. –
ofereci, para me mostrar prestativo.
– Ah, que bom garoto você é.
Agradeço! Estou indo para lá, sim,
obrigada!
Peguei as sacolas e lhe ofereci o
braço enquanto andávamos pela rua,
percorrendo o caminho de volta até o
prédio de Elise, passando despercebido,
portanto, pelos seguranças que me viram
apenas como um neto ajudando a avó.
Ela abriu a porta do prédio e nós
entramos.
Sucesso.
Acho que, no fim, meus planos nem
são assim tão maus.

Toquei a campainha pela terceira vez


e ninguém atendeu. Elas não deveriam
estar em casa.
Isso não era bom.
Eu não podia ficar parado no meio do
corredor.
Talvez minha nova amiga do
supermercado me oferecesse abrigo até
alguém chegar. Sacudi meus cabelos,
irritado. Era minha melhor opção. Dei
um soco de frustração na porta e já ia
me virar de costas quando ouvi o
rangido da madeira cedendo.
Senti a testa enrugando ao perceber
que a fechadura estava frouxa, o que não
permitia que a porta ficasse trancada.
Isso era péssimo para Mina e Elise. O
que diabos aquelas duas estavam
pensando? Morando sozinhas em uma
casa com uma porta que não tranca? No
entanto, era ótimo para mim.
Me enfiei no apartamento depois de
verificar rapidamente os arredores e ter
certeza de que ninguém me observava.
O lugar era… estranho. Não era
exatamente aconchegante como eu
imaginava que o apartamento de Mina
seria. Era tudo muito anguloso e
aleatório. Abri a porta que supus ser um
dos quartos e o caos de roupas em cima
da cama, sapatos espalhados pelo chão e
maquiagens em cima do móvel gritou em
alto e bom som que minha Mina
controladora nunca poderia habitar um
ambiente tão entrópico.
Testei a outra porta, me sentindo um
pouco como Cachinhos Dourados na
casa dos ursos e vi algo que me pareceu
bem mais familiar.
O lugar tinha um cheiro gostoso de
velas aromáticas e estava arrumado com
metódica perfeição. As almofadas
coloridas sobre a cama e a grande
poltrona fofa conferiam um ar
envolvente ao quarto. Uma ideia de lar.
Todavia, foi a parede repleta de
pôsteres daqueles filmes de drama que
ela adorava que me deram plena
segurança de que minha garota morava
ali.
Lavei o rosto e as mãos em seu
banheiro e considerei esta ação um
banho. Fora uma longa viagem e um
homem sempre deve tomar banho
quando sexo oral é uma possibilidade.
Não é uma questão de safadeza. É uma
questão de respeito. Não há nada pior
do que a ideia de uma garota querer
fazer sexo oral em você e seu pênis estar
com cheiro de queijo.
Abri a porta do móvel embaixo da pia
na busca por uma toalha e…
Um vibrador.
Singelo, lilás, discreto, comprido. E
um rabbit, ainda por cima!
Minha boca se abriu com um sorriso
de surpresa.
Mina Bault, sua danadinha.
Tirei o vibrador de seu esconderijo e
o coloquei em cima da cama. Era o tipo
de coisa que para a qual se precisaria
ter acesso fácil.
Optei por tomar um banho completo e
nem me incomodei em colocar a roupa
de volta. Eu queria ver Mina com
vergonha. Ela ficava um espetáculo de
tão linda quando ficava com vergonha e
já estava em crise de abstinência depois
de tanto tempo sem vê-la corar, dar seus
socos desajeitados no meu braço e me
chamar de “impossível”. Eu precisava
muito daquilo.
Deitei na cama e senti seu perfume
nos travesseiros.
Quando dei por mim, estava com o
nariz enfiado em um deles, apertando-o
contra o rosto, em uma típica atitude
babaca que, até então, eu pensava que só
existia naquelas comédias românticas
que fazem as mulheres mais inocentes
chorarem pelos olhos e pela vagina.
Se meu cunhado me visse agora, ia se
sentir decepcionado.
Se minha irmã pudesse me ver agora,
ia rir e dizer um “eu avisei”. Era o jeito
dela… Enquanto Sven sabia que eu era
um predador, Lexa insistia em afirmar
que eu era um cara romântico que fingia
ser algo que não era.
Mas, sozinho ali, envolvido por mais
Mina do que eu jamais pensara em ter
nos últimos meses, eu me permiti aquele
pequeno prazer proibido.
Meu pau começou a acordar e senti
vontade de acariciar-lhe e dizer “isso,
garoto, se acalme, sua hora chegou”.
Mas algo no criado-mudo chamou minha
atenção e ligou um botão no meu corpo
me inundando em incômodo.
Estiquei o braço e peguei o porta-
retrato que descansava embaixo do
abajur.
Era uma foto de Mina… Minha Mina
em um iate vestindo nada além de um
biquíni.
Com os braços gananciosos de Devon
ao seu redor.

Lance era legal.


Ele era até divertido.
Gentil, adequado, prestativo.
A cor de seus olhos era bonita e seu
sorriso era quase charmoso.
Entramos em casa entre meios
sorrisos e meias conversas, ele me
ajudou a carregar as compras e
despejamos tudo ruidosamente em cima
do balcão.
Lance acariciou meu braço e apertou
minha mão. Eu tinha desenvolvido um
carinho por ele que era quase atrativo.
Beijou minha bochecha e arregaçou as
mangas fazendo alguma piada boba
sobre culinária.
Ele era bom para mim.
Nunca seria Ryker, mas seria bom.
E, simples assim, com um olhar em
meio perdido entre as compras da
cozinha, resolvi que ia tentar fazer
aquilo funcionar.
Tentar de verdade.
– Vai separando as coisas? – pedi.
– Vou. Para onde você vai?
– Vou só me refrescar e colocar algo
mais confortável. – Sacudi os ombros,
indicando a roupa que eu tinha usado na
minha primeira entrevista de emprego de
sucesso em meses – E aí eu volto pra
gente comemorar.
Estalou um beijo no canto da minha
boca e me permiti ficar feliz.
As engrenagens da minha vida
estavam voltando ao seu devido lugar.
Pelo menos até eu abrir a porta do
meu quarto, e o que me esperava lá
dentro explodir a máquina da vida,
arremessando as engrenagens, em
completa desordem, para todos os lados.
Eu podia estar só alucinando pela
falta de sexo. Ou Ryker poderia estar no
meio do meu quarto só de cueca?
Eu não sabia qual das duas versões eu
preferia.
Se estivesse apenas alucinando, eu
poderia ter minha vida de volta.
Se não estivesse, eu poderia ter
Ryker.
Mentira… eu sabia muito bem qual
era a minha preferência.
Abri a boca com um grito mudo.
– Eu posso explicar! – Ele correu
para perto de mim. – Não grita, Mina,
pelo amor de Deus! – Juntou as mãos e
entrelaçou os dedos.
– Ryker? – Eu queria abraçá-lo, mas o
choque e a descrença eram tão grandes
que a primeira coisa que saiu da minha
boca foi: – Por que diabos está só de
cueca?
Ele se afastou apenas um passo e riu
com vontade.
– É a primeira coisa que você nota,
não é, safada?
Eu lembrava do seu cheiro. Lembrava
dos seus olhos. Lembrava do seu
sorriso.
Foi mais forte do que eu. Dei um
passo adiante, vencendo a distância e
passando meu braço pelos seus ombros.
Ele apertou minha cintura no mesmo
instante e me envolveu.
Eu não conseguia respirar.
Eu não conseguia pensar.
O fato de que eu não podia contar
para ninguém o que tinha acontecido me
fez sufocar os sentimentos que eu tinha
por ele em algum lugar onde pudessem
parar de doer em silêncio.
Mas vê-lo ali, tão próximo… A
saudade que eu sentia dele começou a
me destruir e eu soube que não
importava mais: mesmo que ele fosse
embora naquele segundo, meu
relacionamento com Lance não teria
mais chances.
Eu nunca sentiria por homem nenhum
o que eu sentia por ele.
Mas Lance ainda era um bom
homem… eu não queria magoá-lo. Não
poderia.
E além do mais… eu não tinha como
saber se Ryker ficaria. Eu não tinha a
menor ideia do que estava acontecendo.
– O que está fazendo aqui? – Me
afastei, segurando seus braços. – Não é
perigoso? O Zahner sabe que veio para
Paris? E por que está só de cueca?
– Você não consegue ignorar a cueca,
não é?
E como se minha situação não fosse
ruim o suficiente, Ryker fez o que ele
fazia melhor: piorou tudo.
Me puxou, engolindo minha boca, me
enchendo daquela saliva perfeita que eu
tinha aprendido a venerar. Seu corpo se
aqueceu sob a palma das minhas mãos e
eu soube que meu sangue deveria ter
descido inteiro, se concentrando na
minha vagina e se preparando rápido
demais.
Por dois meses Lance me tocou, e por
dois meses meu corpo se recusou a
colaborar.
Ryker me tinha por dois segundos. E o
que eu poderia dizer? Será que havia
alguma parte de mim que ainda duvidava
que eu era dele?
Enfiou a língua na minha boca e perdi
o chão. Seus braços me seguravam pela
cintura e eram o único apoio que eu
tinha contra a gravidade. Segurei sua
nuca com desespero. Eu preferia morrer
a vê-lo se afastar. Chupou minha boca,
mordiscou meus lábios, me tomou pela
boca com violência até a tensão
começar a se acalmar. O tesão era
imenso; a saudade, porém, era maior. E
saudade pedia beijos, abraços, olhares e
palavras antes de nudez e cama.
Ryker segurou meu pescoço em suas
mãos, passeando os polegares pelo meu
queixo, acariciando minha bochecha
com as costas dos dedos e voltando e
me segurar.
– Eu estava precisando disso –
suspirou ainda de olhos fechados. –
Pronto. – Abriu os olhos. – Pode voltar
a ficar estressada e fazer suas perguntas
agora.
– O que está fazendo aqui? –
murmurei.
– Acho que você está em perigo.
– É o quê? – exaltei-me.
– Não tenho certeza! – Abanou as
mãos. – Mas vim porque… – Olhou para
os lados, à procura de uma resposta. –
Vim porque queria ter certeza.
– Por que acha que estou em perigo?
E não é mais perigoso para você? Onde
está o incompetente do Zahner? Ele sabe
que você está aqui? Ele deixou você
vir? Ou veio com você?
– Mina, Mina, Mina! – pediu. –
Calma. Faz quatro meses que a gente não
se vê. Me dá alguns minutos para pegar
o seu ritmo na velocidade nível
desespero, tá? Zahner não sabe onde
estou, vim sozinho porque ele não ia me
deixar vir.
– Por um bom motivo! Você precisa
ligar pra ele! – Enfiei as mãos nos
cabelos.
– Ele não pode vir aqui! Pode
comprometer seu disfarce!
– E você não compromete?
– Eu sou sagaz. – Sorriu.
– Tenho certeza de que é – rosnei,
sem paciência.
– Ninguém mais sabe que estou aqui.
– Mina? – uma voz lá fora me
chamou. – Tem alguém aí com você?
– Merda! – sussurrei, empurrando
Ryker pelo ombro.
Eu não queria magoar Lance e… eu
nem pensei. Seja lá qual fosse o cenário,
um homem só de cueca no meu quarto
era uma péssima cena.
Ele seguiu minha deixa, embora a
contragosto, e se jogou no chão, ao lado
da cama, longe da visão de Lance, que
abriu a porta do meu quarto, curioso.
– Ahm… Está tudo bem?
– Está! – falei, sem fôlego.
– Ouvi você falando com alguém.
– Comigo mesma. – Minha boca
estava funcionando sozinha. – Eu gosto
de falar comigo mesmo para me animar.
Vai lá Mina – fingi. – Vai fazer um
jantar delicioso. Vai sim, eu confio em
você. – Ai, Mina, cala a boca, por favor.
– Essas coisas. – Sorri.
Eu queria chorar.
Lance levantou os olhos
inspecionando meu quarto.
– Quer ajuda com alguma coisa?
– Não, não. – Fiquei à sua frente para
impedir que entrasse. Mais um passo e
ele veria Ryker no chão em toda a sua
majestosa nudez. – Tudo certo.
Livre-se dele, Mina. Livre-se dele
rápido.
Diga algo que o deixe constrangido.
Mas o que diabos deixa uma pessoa
constrangida em poucos segundos?
Eu queria que Ryker me desse uma
dica.
– Ahm… O que é aquilo? – Sorriu, e
eu vi suas bochechas ficarem vermelhas.
Virei de lado e me deparei com o meu
vibrador novo em cima da cama.
É… ele não precisava se preocupar
com a máfia russa. Quem ia matar o
Strome era eu.
– Um vibrador. – Minha boca
continuou, mesmo sem minha permissão.
– Vou me masturbar, era isso que eu ia
fazer. Gosto de me masturbar antes dos
encontros. – Eu estava empurrando
Lance para fora do meu quarto,
plenamente consciente que ficara mais
envergonhada do que ele.
– Ah, Mina… – Segurou meu braço
com intensidade. – Eu posso… ficar?
– Eu deixaria. – Minha voz era um
ganido de desespero. – Deixaria de
verdade. Mas estou menstruada – menti.
– É muito desagradável. Preciso cobrir
tudo com um plástico. – Continuei
empurrando-o para fora do quarto. –
Parece um tsunami vermelho. Olha, me
espera lá na cozinha, tá? – Consegui
colocá-lo além do limite da porta e me
fechei dentro do quarto sem esperar uma
resposta.
Fiquei encarando a maçaneta e
pensando em como era humanamente
possível alguém se meter nas coisas em
que eu me metia. Ouvi a risada
incontrolável e abafada de Ryker contra
o chão.
– Calado – resmunguei, sem me virar.
– Nem uma palavra.
– Vou ficar em silêncio. – Começou a
se levantar. Estava vermelho,
provavelmente de tanto segurar o riso. –
Mas só porque estou com medo do
tsunami. – Tapou a boca e não conseguiu
parar de rir.
– Eu te odeio. – Balancei a cabeça.
– Mentirosa. Venha aqui. – Puxou-me
de novo. Beijou-me de novo. Eu já
estava começando a esquecer dos
problemas quando ele parou e… – Ele
queria ficar – hesitou, procurando meus
olhos. – Você disse que ia se masturbar
e ele pediu pra ficar. Oh, Bault! –
Distanciou-se de mim. – Quem é o
palhaço?
– Quer me dizer que você não ficou
com mulher nenhuma nos últimos meses?
Ele mordeu o lábio inferior, me
encarando com raiva.
– Quero que se livre dele.
– É um jornalista, é uma boa pessoa
e…
– Não me importa. Livre-se dele.
– Ryker, eu não sei exatamente o que
aconteceu ou como você voltou. Mas
lembro que nós estávamos em uma
situação bem ruim antes.
Espremeu os lábios daquele jeito
infantil que fazia quando contrariado.
Achei que ele ia continuar a
reclamação, mas em vez disso, só
segurou meu rosto entre as mãos e
raspou o nariz no meu.
Foi tão brusca aquela mudança... Da
discussão infantil para o carinho
absoluto.
Mas eu entendia.
Ele não queria brigar. Só queria me
beijar, e foi isso o que fez. Eu agradeci,
já que estava na mesma situação.
O momento foi lento e íntimo.
Seus dedos nos meus cabelos guiavam
meu rosto e posicionavam minha boca,
mantendo nossos corpos juntos.
Arranhei seu abdome antes de chegar ao
tórax e aos ombros. A saudade que eu
sentia daquele corpo conseguia ser
ainda maior que o tesão. Ryker
escorregou a mão pela minha bunda e
precisei incluir um quase em minha
afirmação. A saudade quase conseguia
ser maior que o tesão.
Deveria ter sido só um beijo. No
entanto, quando era Ryker quem estava
ali, me tocando e tomando-me para si, a
química se transformava em algo a mais.
Era uma sensação que se espalhava pelo
meu corpo inteiro, causando espasmos e
arrepios. Uma intensidade que parecia
atravessar o caminho oposto à
concentração do orgasmo que liquefazia
meu corpo e me derretia por completo.
Um beijo.
Interminável.
Maravilhoso.
Como Lance poderia algum dia se
comparar?
Lance.
– Ryk… não… – gemi. Ele demorou a
me soltar, mas finalmente cedeu.
Não completamente… Seus lábios
raspavam nos meus, dentadas
superficiais na minha pele, lambidas
deliciosas… Mas eu podia falar.
– Ryker, pare… – gemi, sem ar.
– Não – devolveu, dengoso. – Por
favor, não peça isso. – Sua boca estava
no meu pescoço e minha razão começou
a falhar.
– Ryker, não… O Lance… ele é um
cara legal. Não posso fazer isso com
ele. Não posso agir assim.
– Eu não ligo nem um pouquinho pro
Lance – sussurrou, rouco. Eu conhecia
bem aquela rouquidão e um tremor de
reconhecimento desceu pela minha
espinha. – Só ligo para aquele vibrador
em cima da cama. Aquilo é novo, Mina?
– Sorriu e eu o mordi. Seu sorriso tinha
um sabor único.
– A gente tem que parar – avisei, sem
conseguir parar de morder linha do seu
queixo. Senti a barba por fazer raspando
na minha pele cada uma de minhas
terminações nervosas ficou excitada.
– Humm… Estou percebendo. – Riu,
sarcástico, transbordando safadeza. –
Você não respondeu à minha pergunta.
Quero saber se teve a coragem de
roubar de mim a chance de te ver usando
um vibrador pela primeira vez.
– Estou falando sério, Ryker. –
Beijos, tantos beijos.
– Eu também. – Estava ficando
embriagada de tesão. Eu precisava
trazer nós dois de volta pra realidade.
– Eu tenho um namorado. – Empurrei
seus ombros com o poder de decisão
que me restava.
– Tem sim – sussurrou. – E agora que
voltou, ele está com ciúmes. Então, é
melhor você se livrar do jornalista e
voltar para que ele te ensine como usar
um vibrador.
Três

Motivos para comprar um


vibrador
Lance estava sentado na cadeira em
frente ao meu computador, suas
bochechas estavam avermelhadas de um
modo peculiar e eu me peguei
imaginando qual seria o pensamento que
percorria sua mente naquele momento.
Você apontou para um vibrador e
disse que ia se masturbar, Mina. Ele
deve estar com sexo em mente. Ele deve
estar com sexo no corpo todo.
Eu tinha conseguido nos levar de um
clima leve, íntimo e divertido de um
jantar que seria seguido por sexo, para
um clima tenso e pesado que ia terminar
de um jeito que Lance não teria como
antecipar.
Porém, seria hipocrisia colocar
qualquer homem na frente de Ryker na
minha lista de prioridades. Seria
hipocrisia com meu coração, que tinha
se aquecido até derreter no meu peito,
dando voltas aluadas de alegria. E seria
hipocrisia com minha vagina, que não
parava de se contrair desde que ouvira a
palavra “vibrador”.
– Você acabou? – Lance se levantou.
Ele queria puxar um assunto para
recuperar a intimidade de antes, mas os
dois segundos que eu passei me
perguntando como responder àquilo
devem ter refrescado sua memória de
que eu estava, supostamente, me
masturbando e que a pergunta era
estranha se proferida por qualquer
homem na minha vida que não fosse o
gigolô à minha espera, no interior do
quarto. – Ah! Não quis… Não quis
ser… Ah, droga! – Seu sorriso tinha um
aspecto cansado, como se me
implorasse para ignorá-lo.
Gesticulei para dissipar sua
preocupação. Quando Ryker estava no
mesmo quilômetro quadrado que eu,
ninguém mais conseguia me deixar com
vergonha. Ele era o único que tinha esse
poder.
– Achei que você ia colocar algo
mais confortável.
– Hã? – Olhei para baixo, seguindo
sua indicação com o olhar e lembrei que
esse fora meu motivo inicial para ter me
retirado para o quarto. – Ah, eu…
ahm…
Talvez eu devesse ter decidido o que
dizer antes de sair do quarto.
– Se quiser voltar lá e trocar de
roupa, eu espero. – Ele expôs um sorriso
agradável, como se acreditasse, do
fundo da sua alma, que era ele o
responsável pela desordem em meu
pensamento.
Inspirei fundo e o observei por
apenas um segundo antes de perceber
que eu não precisava ensaiar qualquer
discurso. Eu já vinha pensando naquilo
há muito tempo.
– Estamos indo rápido demais –
informei.
Ele manteve a boca aberta como se o
que eu acabara de dizer não fizesse
qualquer sentido. Eu estava acostumada
a ver os homens terem essa reação perto
de mim. Principalmente quando o
assunto “sexo” surgia.
– Não fui completamente sincera com
você, Lance.
Ele se sentou mais uma vez,
preparando-se para minhas próximas
palavras.
– Há uma pessoa… Um homem do
meu passado e eu… acho que nunca
consegui superá-lo – admiti, dando de
ombros. – Não acho justo dar o próximo
passo com você. Não quero te magoar. –
Arrisquei me aproximar. – Você é uma
ótima pessoa e… merece mais do que
posso oferecer! Eu quis tentar mas…
– Mina. – Levantou a mão quando
engoliu em seco. – Tudo bem. Eu
entendo. – Ele abriu um sorriso que
expressava muitas coisas, embora
nenhuma delas fosse “eu entendo”. –
Acho melhor eu ir, então? A não ser que
você queira fazer sexo por vingança –
brincou. – Se ele te traiu, posso ajudar
com isso.
Me inclinei e apliquei um beijo em
sua bochecha.
– Você é uma boa pessoa, Lance.
– É o cara no seu quarto, não é?
– O quê? – Arregalei os olhos. Se
fosse possível uma pessoa se petrificar
em um instante, naquele minuto eu era
uma séria candidata a estar sofrendo
desse processo.
– O cara na foto, no seu quarto? Com
você, no iate?
Eu respirei como se tivesse acabado
de nascer e Lance enrugou a testa.
– É. – Dobrei o lábio quando menti. –
Ele mesmo. Está sendo muito difícil
superá-lo. – Balancei a cabeça.
– Posso perguntar o motivo de vocês
terem acabado?
Ergui os olhos rumo ao vazio,
procurando uma justificativa que não
fosse mentira. Não queria precisar de
uma.
– Ele foi embora. Para me proteger.
Lance riu.
– Tudo bem. – Sua risada foi alta e
descrente. – Então, acho que vou
embora, tá? – Apontou para a porta.
– Sinto muito.
Ele se virou como se fosse me dizer
mais alguma coisa. Talvez me pedir para
ligar, ou insistir, ou me mandar à merda.
Mas, após alguns segundos, apenas
fechou a boca, gesticulou um
cumprimento e se foi.
Seja lá o que ele ia dizer, no fim,
preferiu guardar para si.
Expirei o cansaço dos meus pulmões
e voltei para o quarto, me sentindo um
pouco pior. Eu sabia que havia uma
grande chance de o nosso envolvimento
terminar assim, mas nem por isso queria
vê-lo triste.
O que esperava por mim no meu
quarto, no entanto, era um Ryker de
cueca segurando um vibrador. Tinha
aquele sorriso no rosto que me fazia
tremer e imaginar o que ele não faria
comigo.
– Se livrou do jornalista?
– Ryk, não seja assim. Ele é uma boa
pessoa. Eu não queria magoá-lo e acho
que foi inevitável. – Ergui um ombro.
– “Não queria magoá-lo?” – Fez uma
careta irritada. – Mina, ele é um homem
adulto, não um filhote de sharpei. Vai
ficar bem. E por quanto tempo você
ficou com ele, no fim das contas? Dois
meses? Três?
– Dois.
– Quase nada – reclamou.
– Foi mais tempo do que fiquei com
você.
Ele abriu a boca exageradamente,
simulando estar ofendido.
– Bault, se você comparar meu
impacto com o dele, vai apanhar –
chiou. Revirei os olhos e imediatamente
sua careta irritada se desfez em gozação.
– Na verdade, acho que isso seria até
legal. – Puxou-me pela cintura com
força, prendendo meu corpo ao dele. –
Não experimentamos isso ainda –
sussurrou, desenhando a curva do meu
pescoço com os lábios. – Vai. Me
compara com ele.
Sua boca chegou ao meu queixo e
logo se afastou poucos centímetros. Um
ímpeto se apoderou de mim e fez com
que eu me inclinasse e lambesse sua
boca com gosto.
Ryker ficou duro imediatamente.
Contemplei seu rosto, admirado e
satisfeito com minha ousadia, quando
passou a língua pelos lábios
experimentando minha saliva.
– O que foi? – Ri. – Te peguei
desprevenido?
– Você sempre me pega desprevenido.
– Sua voz mudou, preenchida por aquela
intensidade que me atormentava as
entranhas nos sonhos mais libidinosos. –
Mas agora… – Tinha algo duro subindo
pela barra da minha saia, algo
comprido, com a superfície suave e
arredondada. – Diz pra mim, menina. –
O vibrador atingiu minha calcinha e
Ryker o usou para afastar o pano do
caminho, atingindo meu clitóris e minha
entrada. Eu tive certeza de que minha
vagina estava começando a transpirar. –
Onde é que a gente parou?

Eu não queria apenas fazê-la gozar.


Não queria apenas fazê-la gritar.
Não queria apenas fazê-la gemer e
salivar.
Eu queria fazê-la morrer.
Ali, debaixo do meu toque, da minha
pressão, da minha boca… para minha
menina se lembrar de quem ela era
putinha. E quem era o putinho dela.
Desabotoei os botões como se
desembrulhasse um presente. Meu
presente. Aqueles peitinhos arrebitados
escondidos no sutiã cor de creme.
– Outra cor – mandei, mordendo sua
orelha e escorregando o vibrador pela
linha entre seus seios – Não gosto de
bege. Você veste vermelho. Veste preto.
Veste verde. Me deixou louco com um
sutiã verde bem clarinho. – Eu mordia
meus próprios gemidos, porque só a
ideia de Mina nua com uma lingerie de
uma cor que me agradasse e, mais do
que isso, porque eu tinha pedido, me
deixava com um tesão que minha cueca
não conseguia conter. Eu estava me
esfregando em suas coxas, trepando na
pele dela como um animal incapaz de
controlar os hormônios. Fechei os olhos,
deixando minha língua no seu rosto.
Eu queria que fosse para ela.
Queria deixá-la fora de si.
Mas sua pele atingiu minha língua e
eu não conseguia mais pensar com
coerência. Apertei seus seios com força,
espremendo o vibrador contra um deles
enquanto engolia o outro. Abri minha
boca inteira, retraindo minha língua para
dar mais espaço para a carne de seus
mamilos. Eu era sugador crônico de
peitos. Não tinha parte da pele que
tivesse um sabor mais delicioso. E, ao
contrário da maioria dos homens, eu não
gostava deles grandes demais. Pequenos
demais também eram interessantes, mas
eu preferia os médios. Aqueles
arrebitados e discretos como os da
Mina, fartos o suficiente para me deixar
doido, e modestos o suficiente para
caber na minha boca. Eu me esforçava
com vigor enquanto ela gemia: se um
único pedacinho daquele peitinho
ficasse fora da minha boca, seria um
desperdício imperdoável. Lambi o
mamilo e o prendi entre meus dentes,
observando a marca em sua carne
avermelhada, porque eu a tinha sugado
por tempo demais. Eu tinha começado há
menos de um minuto e já deixava
chupões em Mina. Bom, era melhor
assim.
Ela colaborou como uma boa menina
quando comecei a arrancar suas roupas.
Havia blocos negros na minha visão,
prejudicada pela ausência de sangue no
meu cérebro. Todo o sangue do meu
corpo tinha descido em um épico
trabalho biológico em equipe e eu não
estava mais pensando como uma pessoa.
Eu era só uma criatura de
necessidades: necessidades guiadas
pelo meu membro que se erguia em
desespero, magneticamente atraído em
direção às curvas de Mina. Eu era só
fome; só sede. Estapeei seu peito e ela
reclamou. Não era um gemido sensual,
mas uma reclamação genuína. Acho que
pedi desculpas antes de engolir sua
orelha. Espero que eu tenha pedido
desculpas… Ela não me perdoaria
depois.
O vibrador ainda estava na minha
mão, mas eu estava preocupado demais
com minha boca para tomar qualquer
atitude que o incluísse. Minha boca
encontrou a dela e o mundo acabou.
Larguei o vibrador em cima da cama e
agarrei as extremidades de sua bunda,
livrando-me de sua saia, deixando-a só
com a calcinha. Nem vi a cor. Não me
importei. Puxei seu lábio inferior entre
os dentes até ouvi-la reclamar. Minha
vontade era arrancar um pedaço dela pra
levar comigo, assim ia ter mais material
para a masturbação.
– Deita na cama. – Minha voz era um
pedido rouco e urgente. – Tira a
calcinha e deita na cama.
Ela me observou atordoada, como se
ainda não tivesse se recuperado dos
beijos, mordidas e sugadas para
compreender e responder.
Enfiei minhas mãos nos meus cabelos,
sacudindo com desespero.
– Deita logo, Mina, porque suas
pernas não vão aguentar o que eu tô
querendo fazer com você.
Deitou-se na cama, puxou a calcinha
pelas longas pernas e eu descobri que
quem ia morrer não era ela: era eu.
– Você depilou essa porra?
Fechei meus olhos e os escondi atrás
das palmas das mãos para evitar que eu
gozasse ali mesmo.
– Eu… ahm…
Não abra os olhos, Ryk. Não abra. Se
abrir, ela vai estar depilada e com
vergonha e você vai foder aquela
bocetinha rosada e esporrar dentro
dela. Vai deixá-la roxa e dolorida, não
vai conseguir segurar a tempo para ela
gozar e isso não vai ser legal.
Não abra os olhos. Ela vai estar
vermelha de vergonha e você não vai
aguentar: ou vai comer ela com fúria
ou vai esporrar na cueca.
Me joguei na cama por cima dela e só
abri os olhos quando era seguro. Eu
estava beijando sua boca e seu pescoço.
– Ryk! – chamou, nervosa. – Isso é
ruim? – Ela estava vermelha como um
morango. – Eu ter me depilado? –
perguntou, em desespero. – É ruim pro
sexo quando uma mulher faz isso?
Alisei seu rosto e a beijei de novo
com profundo amor.
– Sabe de uma coisa? Senti uma
saudade do cacete dessas suas
perguntas. – Escorreguei minha mão
para senti-la lisinha. Meu pau ameaçou
explodir e achei que seria melhor não
voltar a tocá-la diretamente. – Acho que
não consigo mais foder uma mulher se
ela não estiver me entrevistando. –
Alcancei o vibrador em cima da cama.
– Você está mais excitado. – Sorriu,
lambendo os lábios. – É isso! Ficou
excitado porque eu me depilei! – Ela
ficou toda satisfeita com a descoberta e
eu quis foder sua garganta.
– É, meu amor... – Beijei sua boca. –
Me pegou desprevenido de novo.
– Acho que gosto de te pegar
desprevenido. – Enfiou as mãos pela
minha cueca à procura da minha bunda e
deu um beliscão.
Mordi seu ombro e liguei o vibrador.
– Já usou isso aqui? – gemi quando o
ouvi vibrar, ainda devagar.
– Claro que não – ela gemeu dengosa,
se contorcendo de prazer. – Estava
esperando por você. – Seu sorriso era
um misto de safadeza e timidez, e não
sei qual das duas metades eu apreciava
mais.
Lambi o vale entre seus seios e desci
minha língua pelas costelas dela. Onde
quer que minha saliva atingisse, era
rapidamente seguida pelo vibrador.
Mina começou a tremer e seus espasmos
conseguiram me excitar ainda mais.
Não havia parte do seu corpo pela
qual eu não tivesse passado o vibrador.
Demorei em seu umbigo, descendo pelo
quadril e escorregando em deliciosas
vibrações até os seus pés delicados.
Atingi todo o corpo. Todo, menos a
virilha.
Sempre que eu aproximava o vibrador
da parte interna de suas coxas ou do
topo do seu osso púbico, ela gemia mais
alto, como se implorasse, e um arrepio
insuportável se agarrava aos meus pelos
pubianos.
Beijei seus seios de novo, enquanto
arrodeava suas auréolas com o vibrador
e apertei o botão para aumentar em um
nível a vibração.
O barulho aumentou, bem como o
gemido de Mina. Eu mal a tinha tocado;
a reação fora resultado apenas do som,
que estava mais intenso. Mesmo que ela
nunca tivesse usado um vibrador antes,
eu podia sentir seus instintos assumindo
o controle.
Deslizei o vibrador entre seus seios,
cobrindo o corpo dela com o meu. Desci
pelas costelas e o umbigo… O vibrador
empostado entre nós. Suas unhas
cravaram-se em meu pescoço, se
enfiando na minha carne quando sorri e
desci mais um pouco. Atingi o espaço
entre suas pernas, sem penetrá-la,
porém: apenas encaixei a extensão do
brinquedo na sua bocetinha,
lambuzando-o com seu doce. Ela já
estava bem úmida e não resisti: levantei
o corpo com um braço, me afastando
dela, e puxei o vibrador para a altura de
seus olhos. Estirei a língua e derrapei o
aparelho da base próxima ao botão, até
sua ponta arredondada. Depois o chupei
como se fosse um dedo.
Eu podia morrer por aquele gosto.
Trocaria cada oral que já fiz em cada
uma das mulheres com quem trepei na
vida e o excelente sexo que se seguiu em
cada uma dessas ocasiões, apenas pelo
gosto do néctar de Mina.
Girei a língua na boca, misturando
minha saliva ao seu lubrificante.
Puta que pariu.
Como alguém conseguia ser tão
saborosa?
– No ponto – murmurei.
Ela arfava, boquiaberta. Ficara
hipnotizada pelos movimentos da minha
língua e do meu corpo, consumida pelo
meu desejo.
Seu corpo brilhava de suor e eu
sequer tinha começado. Apertei o botão
para intensificar a vibração em mais um
nível e ela começou a gemer meu nome
em um ganido interminável de tesão.
Continuei a provocá-la, girando o
vibrador ao redor de sua entrada e
assistindo-a rebolar de encontro ao
equipamento que lhe escapava.
Mina rebolando embaixo de mim,
somado à proximidade do meu pau
àquela boceta depilada não era uma
equação com o resultado que eu queria.
Pelo menos não por enquanto. Rastejei
por seu corpo, movimentando-me para
baixo e comecei a massagear seu clitóris
com o vibrador. Ora com a ponta, ora
com a extensão. Movi o aparelho até
encontrar o ponto que a fazia gritar mais
alto, então pressionei-o bem ali e
segurei as pernas trêmulas, contraídas
em desespero. Assisti seu pé
convulsionar em espasmos involuntários
e urgentes quando atingi um ponto
específico e aproveitei o seu prazer
concentrado para lambê-la. O estímulo
da minha língua em adição ao brinquedo
foi demais e Mina berrou meu nome,
uma vez após a outra.
Eu adorava quando ela gritava
daquele jeito: perdendo seu precioso
controle e se deixando levar.
– Por que comprou esse? –
provoquei. – Por que um rabbit?
– Ryker… – pediu. – Ry-ker! – Girei
o vibrador.
– Responda. Por que um rabbit? –
Enfiei a cabecinha do vibrador em sua
vagina e assisti seus olhos revirarem e
desaparecerem quando ela jogou a
cabeça para trás, enfiando-se nos
travesseiros – Não sabe como funciona,
Mina? – Lambi sua entrada inteira. – Ou
responde, ou não te deixo gozar.
– O… O… O… – ela tentava
articular palavras, mas o fôlego nunca
era suficiente. – O quê? – conseguiu
balbuciar, enfim.
– Um rabbit? Esse vibrador que
comprou é um rabbit.
– Promoção – gemeu em um grito fino
e eu ri.
– Ah, foi por acidente, então?
Maravilha. Deixa eu te mostrar pra que
ele serve.
Mordi sua coxa e enfiei o vibrador
inteiro nela, até a ponta superior do
rabbit atingir seu clitóris, estimulando-o.
Mina gritou e agarrou meus cabelos
com força.
– Divertido, não é? – Voltei a lamber
sua entrada, nas bordas do vibrador.
Suas pernas tinham criado vida
própria ao meu redor e eu precisei
colocar uma delas por cima do meu
ombro para poder trabalhar em paz.
Passei a estocá-la com o vibrador,
fazendo a ponta do rabbit estimular seu
clitóris, enquanto o lubrificante natural
se misturava à minha saliva,
esguichando suavemente com um
barulho baixo que me inebriava de
luxúria.
Ela estava tão perto… Não ia
precisar de muito mais. Urrava meu
nome como se fosse um mantra.
Belisquei seu clitóris que ainda
recebia uma bela surra do rabbit e suas
pernas me apertaram contra seu corpo,
avisando-me que ela chegara ao clímax.
O que se seguiu foi um grito longo e
alto. Seu corpo estava coberto de suor.
Levantei a tempo de ver sua cabeça
jogada para trás e a garganta esticada,
delineando as veias em demonstração da
intensidade do prazer.
Sua careta de tensão se desfez, e vi
um sorriso delicioso de alívio à medida
que eu tirava o vibrador de dentro dela,
devagar.

Eu me sentia como uma boneca de


pano: jogada em cima da cama e
completamente à mercê das intenções de
quem quer que fosse.
Naquele momento, seria à mercê de
Ryker, então sequer me incomodei.
Ele colocou o vibrador de lado e me
lambeu.
Por Deus, homem, já chega.
Gemi baixinho, reunindo o resto de
minhas forças para me agarrar aos
lençóis.
Sua língua derrapava pela parte
interna das minhas coxas, desenhando
toda a parte da minha virilha, maculada
pelo meu lubrificante natural.
Lambidas longas e gostosas.
Ele está me limpando.
Era isso que estava fazendo. Me
lavando como um gato, lambendo cada
gota do tesão que tinha pingado de mim.
Mantinha minhas pernas abertas, com as
mãos fechadas em punhos. Permiti que
ele assumisse o controle, porque,
sinceramente, que outra opção eu tinha?
Quando sua língua voltou para a parte
interna da minha boceta, o prazer
recomeçou. Acumulando-se ainda bem
discreto, embora não fosse demorar
muito para que eu pegasse fogo de novo.
Bastava que ele continuasse aquilo.
Aquele carinho maravilhoso que sua
língua dedicava à minha intimidade.
Meus dedos desenhavam um contínuo
cafuné em seus cabelos, um
agradecimento silencioso de quem não
tinha força para muitas outras coisas.
Ele desferiu uma última lambida ao
longo da extensão de minha entrada e
sugou meu clitóris a ponto de me fazer
tremer.
– Pronto – decidiu com um sorriso
sacana. – Está limpinha. – Veio para a
minha boca e senti meu gosto nele. Sua
mão apertou minha cintura. Ah, aquela
mão larga e forte sabia me pegar do
jeito certo. Eu estava despertando de
novo. – Minha vez – sussurrou e me
arrepiei por completo.
Uma batida grosseira na porta me fez
sobressaltar e Ryker me cobriu com seu
corpo. Me abraçou instintivamente,
como se almejasse me proteger de um
perigo que ele sequer sabia se existia.
– Mina! Você está errada! – Era a voz
de Lance, que batia a porta do meu
quarto com força.
– Vocês precisam consertar a porta de
casa! – reclamou baixinho e eu o mandei
calar a boca.
– Está me ouvindo? – Bateu
novamente na porta. – Um cara não larga
uma mulher como você para “te
proteger” – disse e, dentro do meu
quarto, Ryker apontou para si mesmo
com um questionamento no olhar. – Isso
é o tipo de coisa que homens descarados
dizem para mulheres boas quando
querem se livrar delas. Não acredite
nesse tipo de coisa.
– Por que ele voltou? – Ryker
reclamou com um suspiro.
Eu dei de ombros, mostrando minha
idêntica confusão. Lance prosseguia com
seus argumentos do lado de fora da
minha porta, mas Ryker o ignorava.
– Por que ele voltou justo quando era
minha vez? – chiou e tive que me
controlar para não rir de sua agonia. –
Você está rindo porque já gozou –
rosnou baixinho – Depois os homens é
que são egoístas.
– Mina, por favor... – Dava para
perceber em sua voz: Lance desconhecia
a história por trás de tudo. Ele sequer
sabia que Ryker estava ali… Em sua
mente, ele estava apenas sendo
cuidadoso e romântico. Que tipo de ser
humano eu seria se me livrasse dele sem
qualquer consideração? – Não vale a
pena você interromper sua vida por
causa de um gigolô qualquer que nunca
teve cuidado com você.
Ryker emitiu um rosnado ameaçador
disfarçado de risada.
– Tô sentindo que, antes de a noite
acabar, o jornalista ainda vai levar um
murro – reclamou.
– Ryker, preciso ir lá fora falar com
ele – murmurei.
Ryk se virou de lado, puxou um dos
travesseiros e enfiou a cabeça nele, com
raiva, por alguns segundos. Parecia mais
calmo quando o travesseiro se foi.
– Vai ficar me devendo, sabe disso,
não é?
– Estou indo, Lance – avisei alto. – E
vou bem rápido! – prometi baixinho
para Ryker.
– Vai coisa nenhuma… – Apoiou a
testa na mão. – Eu te conheço, garota.
Ainda me lembro que transar com você
é difícil como o inferno.
– Ryk…
– O jornalista tá aí pra provar que o
cara tem que te merecer umas doze
vezes antes de poder te experimentar –
concluiu, desiludido. Sua ereção ainda
erguida mostrava o quanto aquela
separação seria irritante.
– Não seja assim. – Ri, beijei sua
bochecha, depois sua boca. – Bem
rápido! – prometi de novo.
– Vai ficar me devendo.
– O que você quiser. – Levantei e
comecei a me vestir. – Só me dá um
minuto! – pedi alto para Lance.
– Vai me chupar quando voltar –
reclamou com infantilidade. – Antes de
eu te comer!
– Sem problemas.
– Até a garganta! – Arregalou os
olhos.
– Vou precisar ir devagar, mas tudo
bem. – Sorri, puxando sua bochecha e
dando-lhe mais um beijo.
– Vou te comer com força, está me
ouvindo? – sussurrou, fazendome rir.
– Tudo bem.
– E vou comer sua bunda também!
Revirei os olhos e lhe ofereci uma
careta de negativa como resposta.
– Achei que valia a pena tentar. – Riu,
sacudindo os ombros.
– Tá, agora se esconde! – Gesticulei.
– Não.
– Ryker! – sussurrei, dando um murro
no seu joelho.
– Não! – repetiu, birrento. – Se ele
não quer me ver nu, que não atrapalhe a
trepada. – Abriu um sorriso amarelo.
Ele não ia cooperar. Ficou sentado no
meio da minha cama com as pernas
cruzadas e eu quis lhe dar um tapa. E
depois morder aquela bunda gostosa.
Ainda não tinha feito isso…
Sacudi a cabeça para organizar os
pensamentos. Travei os lábios para
deixar claro que ele tinha me irritado,
mas ele apenas fez graça da minha
careta me imitando.
Eu me aproximei da porta e saí do
quarto o mais rápido que pude para não
correr o risco de deixar Lance ver
qualquer pedacinho do Ryker.
E eu realmente precisava consertar
minha porta.
Quatro
Receitas irresistíveis
Foi o barulho do liquidificador que
me acordou. Espremi os olhos para
afastar o sono, espreguiçando o corpo
sobre o colchão. O travesseiro ao meu
lado estava abarrotado e a cama ainda
estava um pouco quente.
Ryker!
A fração de segundo que minha
mente precisou para lembrar dele foi o
tempo exato que o resto do meu corpo
precisou para acompanhar e ficar
completamente desperto.
– Ryk? – chamei baixinho, correndo
para o banheiro.
Ele não estava lá.
Banheiro vazio.
Chuveiro vazio.
Quarto vazio.
O liquidificador soou alto e
estremeceu minha espinha.
Que horas são?
Eu queria correr para a cozinha,
rezando aos céus para que Elise não
estivesse mais em casa ou eu ia ter que
dar mais algumas explicações. As
necessidades fisiológicas do meu
corpo, no entanto, gritavam estridentes
e eu precisei me trancar no banheiro
por alguns instantes.
Se Elise estivesse em casa, ela já
teria visto Ryker. Era inevitável. Alguns
segundos a mais ou a menos não fariam
diferença, de modo que preferi prender
os cabelos e escovar os dentes de uma
vez.
Ainda usava a camisa comprida do
Strome, propositalmente comprada três
tamanhos maiores do que o meu e o
short lilás bem curto do pijama. Abri
uma fresta da porta para verificar os
arredores e preparar o que precisaria
ser dito antes de sair do quarto.
Eu estaria mentindo se dissesse que
aquela bunda linda não foi a primeira
coisa que vi.
Virou-se em uma das laterais da
cozinha americana, cortando coisas,
mexendo coisas, colocando coisas no
liquidificador. Senti saudade disso: de
assistir ao Ryker nu. Apoiei o ombro na
porta aberta, relembrando do Lucky’s.
Ryker como gigolô era uma ideia
genial, mas ele como stripper era uma
ideia milionária. Eu pagaria para
passar o dia assistindo àquela bunda
na minha cozinha. Àquela curva
torneada sob a qual suas costas
acabavam. À entrância antes de os
contornos da bunda darem espaço para
o começo das coxas fortes. Ao músculo
rígido que ficava em evidência a cada
passo que ele dava.
Ele tinha encontrado o avental e o
vestira por cima da nudez, amarrando
as tiras vermelhas na metade das
costas. Bastava ele entreabrir as
pernas e eu podia ver aquele membro
maravilhoso flácido, balançando
pesadamente entre suas coxas. Puxou
uma frigideira e vi o músculo do seu
braço se contrair.
Eu não sabia se isso acontecia com
todas as mulheres, mas eu tinha uma
quedinha por músculos.
Mal podia ver qualquer desenho se
formar sob a pele de Ryker indicando a
presença de um músculo poderoso e já
imaginava como ele poderia usar
aquela parte do seu corpo para me
comprimir, apertar, esfregar ou
espremer. E de preferência com força.
Percebi que estava mordendo meu
lábio inferior.
– Se vier até aqui, pode ver minha
bunda mais de perto – cantarolou, sem
se virar.
Ri, lambendo os lábios.
Claro que ele tinha notado minha
presença.
– O que está fazendo? – Andei até a
cozinha.
– Café da manhã. – Piscou um olho
para mim.
– Ia levar pra mim na cama se eu
não tivesse acordado? – brinquei.
– De jeito nenhum. – Fez uma careta
safada. – Você não merece.
– Por que não? – me ofendi.
– Me deixou duro e foi embora. –
Passou geleia nas torradas. – De novo.
– Sacudiu a cabeça em descrença. – Me
prometeu que ia voltar rápido, chupar
meu pau e me dar a bunda.
– Mentiroso. – Revirei os olhos.
– E...! – reclamou alto, me
interrompendo. – Demorou tanto que eu
dormi e aqui estou com pau que não foi
chupado e diante de uma bunda que
não foi fodida.
– Vai me deixar sem comer só por
causa disso? – exagerei.
– Só por causa disso? Só? Você
chama isso de “só”? Por que demorou
tanto com o jornalista, Bault? – Torceu
o nariz.
– Lance é uma pessoa boa.
– Já ouvi essa parte. Pule para a
parte em que você não transou com ele
enquanto eu estava te esperando, nu,
na sua cama.
– Não transei com ele. – Estirei a
língua. – E só não me ofendo porque já
te conheço. Se não, batia essa
frigideira na sua cabeça. – lembrei.
– E fez o quê? – Ignorou-me e o
ciúme era perceptível em sua voz – Se
não transou com ele?
– Fomos comer alguma coisa. –
Roubei uma das torradas com geleia.
Ele largou a frigideira ruidosamente
sobre a pia.
– Pois eu venho aqui, te faço gozar
com um vibrador, te lambo TODA e ele é
quem recebe a atenção e a comida. –
Tomou-me a torrada e enfiou-a por
inteiro na boca. – Me diga de novo por
que eu devia ficar com você? – rosnou
por cima das mordidas.
Mordi a linha do seu maxilar e enfiei
a mão pela lateral do avental
acariciando sua masculinidade.
– Nem vem – reclamou, manhoso,
mas não se afastou. – Você não me
engana com isso – sussurrou, fechando
os olhos.
– Tudo bem – gemi. – Eu paro
quando você pedir.
– Combinado – murmurou.
Movi a mão pela extensão do
membro e seu joelho se dobrou,
levantando uma das pernas
involuntariamente.
– Acho que estou aprendendo. –
Mordi seu lábio.
Não sei se foi a brincadeira, a
lembrança do nosso primeiro encontro
ou simplesmente a natureza, mas Ryker
desistiu da gentileza rápido demais e
mal eu tinha terminado de proferir as
palavras, ele já tinha me devorado a
boca e enfiado as mãos entre meus
cabelos, desfazendo meu rabo de
cavalo.
Mantive a mão em sua ereção, sem
usar muito força enquanto o
massageava.
– Aqui. – Lambeu minha boca e me
entregou uma torrada. – Você está
começando a merecer.
Mordi a comida que me era
oferecida, lambendo a geleia de seus
dedos. Ryk estava se esfregando em
mim. As únicas coisas que nos
separavam eram o seu avental e meu
short. Nenhum dos dois apresentaria
grande resistência.
E, como eu tinha previsto,
rapidamente minha roupa se foi. Ou a
maestria de Ryker para despir uma
mulher era impressionante, ou eu já
estava tão tonta de tesão que mal dei
por mim enquanto minhas roupas
caíam no chão.
Suas mãos eram largas. Eu sentira
falta disso. Aquelas mãos fortes e
imponentes guiando meus quadris eram
garantia de um orgasmo bem
providenciado. E eu estava precisando
de orgasmos. Sentira falta deles
também. A sua língua se empostou na
minha, experimentando o sabor de uva
direto da minha boca. Puxou meu
joelho e apoiou uma das extremidades
da minha bunda na pia, empurrando
minha canela para cima, me mantendo
exposta. Eu sabia para onde nós
estávamos indo e adorava a ideia.
Meu corpo se jogou para trás até
minha cabeça atingir a parede, que
passei a usar como apoio. Ryker
segurava a espátula miúda e usava-a
para espalhar geleia de uva pela minha
vagina. Mordi o lábio com tanta força
que era certo que fizera um corte ali. O
frescor gelado contra minha pele
quente e a antecipação da língua que
viria resolver aquela contradição
estava me enlouquecendo de tesão.
Mas ele não tinha acabado.
A espátula alcançou meus mamilos,
cobrindo um deles com geleia… e
depois o outro. Ryker estava tão
excitado que o avental não conseguia
mais ficar esticado; erguia-se como
uma barraca firme e robusta. Ele
raspava a cabeça do pau em minha
coxa. Eu observava suas pálpebras
caírem pesadas de desejo sempre que
ele fazia isso, o que só servia para
misturar mais lubrificante natural à
dose de geleia em minha vagina.
Os dedos de Ryker estavam no pote e
ele lambuzou meus lábios.
– Não coma – rosnou, seu corpo
inteiro se contraía. – Quem vai comer
sou eu. – As palavras saíam de sua
boca de um modo forçado, como se
manter a comunicação exigisse cada
gota de seu autocontrole. – Vou comer
tudo. – A ponta de sua língua se
aproximou dos meus lábios e eu queria
me esfregar na sua ereção. – Vou te
comer todinha.
Ele me beijou, degustando toda a
geleia que tinha distribuído na minha
boca, me alimentando de volta com
meu gosto e seu sabor. Uma mistura
que me deixava embriagada.
A mão ao redor do meu tornozelo me
puxou, ocasionando um sobressalto.
Ryker me colocou quase deitada. Sua
mandíbula travada daquele jeito
faminto. Ele queria me deixar roxa, eu
sabia que ele queria… Queria me foder
do jeito que fazia quando perdia o
controle: me pedia desculpas e dizia
que eu deveria pedir para ele parar se
estivesse indo forte demais.
Mas eu estava gostando.
Estava me acostumando com seu
“forte demais” e me deliciando com
ele.
Eu queria que ele se soltasse.
Que me engolisse por completo.
O frio se apossou de meu estômago
quando ele emborcou um pouco de suco
no vale em minha barriga e sorveu-o
direto do meu umbigo.
Enfiei as mãos em seus cabelos.
Eu sentia que Ryker não fazia nada
daquilo por mim. Ele queria me fazer
gozar, claro. E conseguiria, quantas
vezes tentasse. Mas quando ele travava
a mandíbula e me encarava com aquela
gula psicótica, eu sentia que não
estava mais fazendo por mim. O
erotismo em servir de bandeja, para
sua refeição, os alimentos gelados na
minha pele, as promessas obscenas
sussurradas… Nada daquilo tinha o
objetivo de me deixar excitada ou de
me fazer gozar.
Era tudo a mais absoluta verdade:
ele estava com fome e queria comer em
mim e depois me comer. Era o seu
apetite voraz e avassalador que não
pouparia reféns. Ele ia me abocanhar e
morder e engolir. Ia beber o suco da
laranja e o meu indiscriminadamente
porque considerava os dois igualmente
saborosos. Ia travar os dentes sobre
meus mamilos quando limpasse a
geleia que lhes cobria. Ia me possuir
ali, no meio da minha cozinha.
E, naquele momento, ia fazer isso
tudo porque me desejava. Não porque
queria me fazer gozar, mas porque eu
podia fazê-lo gozar.
Receber prazer é espetacular.
Contudo, ser o recipiente da luxúria
transbordante de outra pessoa fazia
com que não houvesse escapatória: eu
me sentia gostosa.
Me sentia gostosa além do que
qualquer palavra seria capaz de
descrever.
Era como ele conseguia fazer com
que eu me sentisse. E fazia isso sem
nem tentar. Ficava ali, me observando,
me lambendo… e eu me sentia uma
delícia. Ele gemia com suas pálpebras
caídas e eu ia à lua. Sua língua desceu
o percurso pelo meu corpo, bebendo
mais do suco que por ele escorria e eu
soube que gozaria assim que sua língua
atingisse a região entre minhas pernas.
Mas ele voltou a subir e a se
concentrar nos mamilos. Estava me
provocando. Ganhando tempo, talvez…
Mas ele não precisava fazer isso. Eu
estava mais do que pronta para gozar e
estar em um momento da minha vida
em que poderia reconhecer e antecipar
um alívio como aquele fez com que eu
me sentisse ainda mais sensual.
– Ryk… – gemi, com os lábios
ressecados. – Vou gozar...
– Não vai, não. – reclamou com
urgência, beliscando meu mamilo e
piorando a tensão na minha virilha. –
Vai gozar só quando eu deixar.
Deu dois toques no meu clitóris
como se testasse as cordas de um
violão e depois levou o dedo médio à
boca. Eu podia ver a geleia ali.
– Espere por mim – pediu.
Fechei os olhos com força e quis
prometer, mas a verdade é que eu não
sabia sequer como tinha resistido
àquele último toque sem me desfazer
em um orgasmo. O próximo toque seria
fatal.
– Quero gozar dentro de você
enquanto te ouço chegar lá comigo –
implorou na minha boca. – Você geme
meu nome tão gostoso quando tá
gozando, amor. – Eu não conseguia
respirar. – Quero gozar com som dos
seus gemidos no meu ouvido. Deixa… –
Ele se esfregava em mim com fúria. –
Por favor. – Suas palavras eram
insanas como um delírio.
Encontrávamo-nos perdidos no prazer
do corpo um do outro.
Serviu o copo de suco na minha boca
para me acalmar e eu bebi dois goles.
Gotas escaparam pelos cantos da
minha boca, descendo pelo meu
pescoço e alcançando meus seios.
Ryker inspirou fundo antes de descer,
fazendo sua língua perseguir o suco.
Eu estava gemendo, suando e
tremendo.
– Camisinha – pediu e eu soube que
ele não aguentava mais. – Onde tem?
Eu arregalei os olhos em expressão
do meu típico desespero e vi a
expressão de Ryker afundar.
– Você não tem camisinha?
– Ai, meu deus! – Eu ia levar as mãos
à cabeça e começar a entrar em
desespero, mas Ryker estava cheio de
tesão e não conseguia mais esperar.
Ele me puxou pela perna e me virou
de costas, pressionando minha coluna
para me manter curvada, apoiei meus
cotovelos na pia com um estalo.
– Ryker, não! – pedi. – Por trás, não.
– Mina... – Sua voz estava no meu
ouvido. – Se você acha que eu comeria
sua bunda sem seu consentimento,
muito lubrificante e sem responde às
suas milhões de perguntas, está me
confundindo com alguém.
Enfiou a ereção entre minhas coxas e
me forçou a prendê-lo. Sua mão
escorregou pelo meu abdome e atingiu
meu clitóris. Não houve penetração de
dedos… não houve mão me agarrando
por completo…
Havia apenas seus dedos,
dedilhando meu clitóris como se
produzissem uma sinfonia. Diferentes
dedos me tocando. Me fazendo cantar.
Até encontrar uma pressão, um
momento.
Ryker fodia minhas pernas, atrás de
mim, inclinando o corpo contra o meu,
me apertando contra a pia com seu
peso. Dedilhando seus acordes no meu
clitóris e arfando sem ar.
Eu estava gemendo seu nome.
Sussurros baixos e apressados. Os
olhos fechados, entregues ao momento.
– Isso – implorou quando sussurros
já não eram suficientes e eu estava
gritando seu nome. – Isso.
Seu queixo estava no meu ombro, o
ouvido alinhado para escutar meus
gemidos. Ele fodia minhas coxas, mais
e mais rápido. Seus dentes se cravaram
no meu ombro e o alívio tomou meu
corpo me fazendo perder a força nas
pernas. Ryker me agarrou pela cintura.
Ele estava bem perto também, mas
precisava de mais um pouco.
– Eu quero – gemi. – Ryk – rebolei,
tentando me livrar de suas mãos.
Me virei e beijei sua boca. Eu lia a
confusão nos seus lábios. Ele estava
tão perto de chegar lá e eu escapei
roubando seus preciosos últimos
momentos. Era quase decepção o que
havia ali. Quase frustração.
Até eu me colocar de joelhos diante
dele.
Até eu tocar a cabeça do seu pau
com a língua.
Até eu enfiá-lo na boca.
Eu era sua bandeja e ele tinha se
alimentado de mim. Agora eu queria me
alimentar dele. E, pela minha vida, eu
nunca quis tanto experimentar uma
coisa como queria agora.
– Mina… – ele disse, incrédulo,
enquanto eu o mantinha na boca. Não
até a garganta, como ele impusera, mas
fodendo minha boca e minha língua
devagar.
Ouvi um baque alto e ruidoso
quando ele agarrou a pia com uma
força monstruosa. Seu quadril se movia
ao meu encontro, mais desesperado
agora, na minha boca, do que há
poucos instantes, entre minhas pernas.
– Mina… eu vou gozar, amor. Sai…
Sai… Sai… – Ele sequer respirava.
Mas eu queria aquilo.
Não tínhamos conversado antes,
como era nosso hábito, e Ryker estava
tentando dar um passo para trás para
esporrar no chão da minha cozinha.
Foi apenas quando eu o agarrei pelas
bolas e o mantive na minha boca que
ele entendeu minha intenção e aceitou.
Ele urrou, alto e delicioso. O líquido
quente invadiu minha boca e senti seu
gosto. O reflexo de regurgitação
chegou para a festa rápido demais e eu
acabei deixando sua ereção escapar e
expulsar as últimas gotas do seu
esporro pelo chão da minha cozinha.
Cuspi no chão, tossindo para me
recuperar.
Ryker jogou as costas contra os
armários e escorregou até o chão como
se a vida tivesse fugido de seu corpo
para sempre.
– Achei que você ia querer
perguntar…
– O quê? – Ri, limpando a boca.
– Perg… Pergunt… – Ele não
conseguia recuperar o fôlego e abanou
a mão em um gesto de “deixa pra lá”
que me causou outra risada.
Ryker Strome desistindo de me
deixar com vergonha por falta de
forças.
Eu realmente devia ter feito um
excelente trabalho.

Eu me vesti e limpei os resquícios de


nossa brincadeira do chão da cozinha.
– Como você não tem camisinha em
casa? – ralhou e eu revirei os olhos,
percebendo que ele recuperara as
forças. – Como uma pessoa pode viver
sem ter camisinha em casa?
– Olhe pelo lado bom. – Levantei o
indicador. – Isso significa que eu
estava despreparada para transar com
qualquer outro homem enquanto você
esteve longe.
Ele me abraçou e quase sorriu, antes
de desistir.
– Não… o jornalista tem aquela cara
de tarado que anda com um pacote de
camisinha na carteira, outro no bolso e
outro no carro.
– E você não? – Ri.
– Eu saí de casa apressado pra
salvar sua vida, você me dá licença? –
respondeu, sarcástico.
– Ah, mas agora que minha vida está
salva... – exagerei. – Não está
pensando em ir comprar umas
camisinhas?
– Vai ser necessário, não é? Esqueci
que tudo com você é complicado. –
Torceu o nariz, birrento, mas me beijou.
Inspirou como se fosse continuar a me
provocar com qualquer coisa, mas
desistiu e voltou a me beijar.
Eu ficava sorrindo. Era idiota, mas
era isso que eu fazia: ele me beijava e
eu ficava sorrindo como uma imbecil.
Era lindo porque ele também sorria.
Talvez, em sua mente, pensasse o
mesmo que eu e ainda assim não
conseguisse tirar o sorriso idiota do
rosto. Beijei sua bochecha e me afastei.
Foi obra do destino que eu tivesse
me afastado porque, no segundo
seguinte, a porta se abriu, dando
passagem à Elise. Eu estava pensando
que tivemos sorte por ela não ter
chegado segundos ou minutos antes…
até lembrar que Ryker ainda estava nu
no meio da nossa sala, a não ser pelo
avental.
– Mina, você não vai acreditar, eu…
oh! Olá.
Se ele ou ela se movessem apenas um
centímetro, a bunda nua e gostosa dele
estaria à disposição da minha amiga.
Ótimo. Mais uma para a minha
enciclopédia de Situações Absurdas em
que a Mina se Mete.
– Mina… quem é o seu amigo? –
perguntou, sem graça.
Ryker colocou as mãos atrás das
costas e esperou que eu me decidisse.
Mas…
Meu… o que ele era? Eu não fazia a
menor ideia. Mas arranjar uma
explicação com Ryker seminu ao meu
lado, rindo e com a certeza de que eu
estava morrendo de vergonha e sem
saber o que fazer não era uma boa
opção.
– Boa tarde. – Ryker deu um passo à
frente, mantendo sua bunda ainda
escondida atrás de si e apertou a mão
de Elise.
– Ahm… e você é...? – Minha amiga
quis saber.
Uma resposta precisava ser dada.
Ryker inspirou fundo e achei melhor me
meter. Qualquer resposta que eu desse
seria melhor que qualquer resposta que
ele poderia dar.
– O diarista – decidi. Ryker hesitou,
espremendo os lábios e eu soube… eu
soube… que ele ia gargalhar
enfurecidamente da minha escolha
assim que estivéssemos a sós.
– Diarista? – Elise me observou com
incredulidade. – Mina, posso falar com
você um instante? – Apontou para o
canto e Ryker a cumprimentou com um
gesto, andando de ré até o sofá, no
qual se sentou.
– Mina, quem é esse cara? – Elise
levantou uma sobrancelha assim que
me aproximei.
– Achei que a gente podia precisar
de uma ajuda com a limpeza. – dei de
ombros.
Havia algo nos seus olhos.
Eu não sabia determinar se era
descrença, frustração ou medo de que
eu estivesse louca.
– Olha… – gesticulou de modo
definitivo. – Tudo bem, a casa é sua
também. Se você acha que a gente
precisa disso, eu entendo. Mas… será
que a gente podia conversar antes de
um homem… – Ela engoliu em seco – ...
sem camisa vir trabalhar na nossa
casa?
– Claro! Me desculpe! Eu queria… –
Ai, merda. – ... te fazer uma surpresa. –
Levantei um ombro. – Não sabia que
você ia chegar agora. – Sorri, tentando
tranquilizá-la.
Ela acenou devagar, como se
esperasse que eu fosse dizer mais
alguma coisa.
– Tudo bem – expirou, finalmente. –
Eu preciso ir. Só esqueci umas coisas
em casa… Cometi o pecado de
comentar com a Monique e ela deu com
a língua nos dentes… – Balançou os
cabelos. – Enfim… por que a gente é
amiga dela mesmo?
– Nem me pergunte. Você é quem
gosta de sair com ela. – Abri os olhos,
exagerada, e ela riu.
Abriu a porta e se despediu de Ryker
a distância.
– Prazer em conhecê-lo. – Ela abriu
um meio sorriso e o observou por
alguns segundos.
Se não fosse minha melhor amiga, eu
ficaria com ciúme da encarada
prolongada que lhe ofereceu.
– Mina? – Virou-se de volta.
– Hum?
Ela inspirou como se fosse dizer algo
muito difícil.
– Sabe que eu estou aqui, né? Se…
precisar de alguma coisa – murmurou.
– Qualquer coisa.
– Sei, claro. Elise, está tudo bem?
Ela me encarou quase do mesmo
modo como tinha feito com Ryker antes
de sacudir os cabelos de novo, como se
estivesse estalando de volta para a
realidade.
– Está, está. – Acenou para Ryker,
sorriu para mim e se foi.
Estranho.
Elise parecia mais preocupada
comigo a cada dia que passava e…
– Diarista? – Ele riu.
Agora era eu quem expirava,
exausta. Tinha esquecido que essa
conversa estava à minha espera.
– O que você preferia que eu
dissesse? – ralhei.
– Um amigo. – Abriu as mãos,
apontando quão ridícula era minha
situação. – Um primo distante? Um
colega?
– Não ia funcionar.
– Parece que você pensa em todas as
possibilidades na hora de mentir e
escolhe a pior. – Levou a mão à testa,
ainda rindo, e eu lhe dei um tapa na
barriga.
– Elise conhece todos os meus
amigos e sabe que não tenho família!
Como eu ia aparecer com um colega do
nada?
– Um cara que você pegou no bar!
Eu estou nu, Bault! NU! – gargalhou. –
E você achou que seria mais
convincente se dissesse que eu ia
trabalhar aqui?
– Fez sentido na hora! – reclamei.
– Humm… tenho certeza de que fez.
– Abraçou-me, cheio de sarcasmo. –
Olha, trabalhando como garoto de
programa eu já fui pego em algumas
situações bem constrangedoras e já fui
chamado de muitas coisas. Mas
diarista foi a primeira vez.
Eu estava começando a rir também,
embora ainda estivesse preocupada…
– Você é cheia de “primeiras vezes”
pra mim. – Beijou minha boca. – É a
sua sina – decidiu.
– Você acha que ela não acreditou? –
Movi a cabeça em direção à porta,
indicando Elise.
– Se eu acho que ela não acreditou?
– Baixou os olhos para mim. – Amor, eu
tenho certeza. Acho que você está
subestimando sua amiga. – Ele
espremeu os lábios e encarou a porta
com um pesar comedido.
– O que eu digo, então? Pra ela?
– Diga que terminou com o
jornalista e começou a ficar com um
cara novo, mas que não sabia como
contar.
Eu considerei a sugestão por alguns
segundos.
– Sua ideia é melhor – concordei.
– Não é? – Abriu os olhos,
arrogante, e ganhou mais um tapa na
barriga.
Estava reclamando e já ia receber
outro quando meu celular tocou.
Foi uma ligação rápida. Objetiva.
Mas me preencheu com a mais absoluta
dose de ânimo.
Desliguei o telefone e enfiei uns oito
beijos em Ryker.
– O que foi? – Riu.
– Consegui um emprego! – Levantei
os braços acima da minha cabeça.
– Viva! – Ele me puxou pela cintura e
me beijou, mesmo que não soubesse de
minha saga de desempregada, sem
dúvida percebeu que era uma notícia
muito boa. – Achei que você já tinha
um trabalho.
– Longa história – justifiquei. – Mas
isso é uma notícia ótima.
– Certo! – animou-se. – A gente vai
comemorar agora ou você tem que ir?
– Encarou-me, safado, indicando o
quarto.
– Tenho que ir. – Levantei um ombro.
– Você acha mesmo que ia conseguir
ficar duas vezes seguidas comigo assim
tão fácil? – exagerei.
– Verdade! – Balançou a cabeça,
seus cabelos se agitaram e me fizeram
sorrir. Ele era lindo. – É melhor eu
aceitar minhas vitórias. Posso te
esperar aqui?
Eu sorri. A ideia de voltar para casa
no fim do dia e ter Ryker me esperando
era…
– Ryk?
– Eu não faço bagunça! – Agitou as
mãos.
– Não é isso – toquei seu peito. –
Você fugiu do Zahner. – Lembrei. Sua
expressão assumiu um tom sombrio e
eu soube que tinha estourado nossa
bolha de alegria. Era horrível… mas
necessário.
– Fugi – expirou.
– A gente precisa conversar sobre
isso. – Acariciei seu braço. – Quando
eu voltar? – pedi.
Ele levantou os ombros com um meio
sorriso que me fez querer abraçá-lo e
mantê-lo grudado comigo pelo resto da
vida.
– Não vou a lugar algum – prometeu.

As risadas dentro do apartamento


chamaram minha atenção assim que me
aproximei da porta. Puxei as chaves
sentindo minha testa se enrugar de
dúvida e mal toquei na fechadura e a
porta cedeu macia, abrindo-se e
liberando minha visão para a sala que
eu compartilhava com Elise, onde
Ryker estava sentado no sofá ao lado
de uma Monique que era só mãos,
toques, sorrisos e jogadas de cabelos.
Pelo menos, ele estava vestido.
– O que está fazendo aqui? – Ignorei
a educação enquanto atravessava a
sala. Ryker abriu os olhos, exagerado,
com um sorriso sacana e percebi que
minha encenação “mulher enciumada”
tinha começado rápido demais. – Não
estava te esperando, Monique – tentei
corrigir, diminuindo a velocidade da
minha investida.
– Ah, eu vim te devolver aquele livro.
– Que livro?
Ela tinha uma taça de vinho nas
mãos. Os joelhos dobrados por cima do
sofá, virando-se de lado, quase
montada no colo de Strome. Um dos
cotovelos apoiados no encosto do sofá
e a mão apertando o ombro de Ryk,
aproveitando-se de seus músculos. Ela
riu e eu soube que minha boca estava
torta e meu nariz retorcido em uma
careta de indignação.
– Que livro? – repeti.
O que diabos ela estava fazendo ali?
E… eu sei que a suportara quando
trabalhávamos juntas, pelo bem da boa
convivência, e que – sabe-se lá por quê
– Elise gostava de sair com ela… mas
eu não precisava tolerar essas visitas
espontâneas na minha casa.
– E aí quando cheguei aqui... –
continuou, com sua patinha irritante no
ombro do meu homem – ... conheci o
Ryker. – Abaixou o rosto e lhe ofereceu
um sorriso indiscreto, como se os dois
estivessem compartilhando alguma
brincadeira interna. – E acabei ficando
para uma taça de vinho.
Strome espremeu os olhos, me
analisando. Decidindo se ia me
absolver ou condenar e eu esperei
profundamente que ele me absolvesse.
Não suportaria sua condenação ali na
frente de Monique.
Dei mais alguns passos e me inclinei
sobre eles.
– Que. Livro.
– Ah… – sorriu para ele, revirando
os olhos, como se me considerasse
louca e insuportável. – Aquele, Mina. O
que você me emprestou – murmurou, me
encarando. Enchendo as palavras de
significado como se me pedisse para
entender e ficar quieta. Como se
quisesse que eu colaborasse.
Colaborasse para ela pegar meu
homem no meu sofá.
Eu só precisava de uma gota de “que
se foda” e aquela folgada ia apanhar.
– Não, não sei – avisei. – Por que
não pega pra me mostrar? –
Presenteei-lhe com um imenso sorriso
amarelo.
– Mina... sempre neurótica. – Riu. –
Eu não te disse? – Virou-se para Ryk,
que concordou, educado.
– Disse o quê? – O pânico começou
a subir pela minha espinha.
– Deixa eu te mostrar o livro. –
Levantou.
– Disse o quê? – Ryker ria com gosto
e eu tive certeza que essa parte era
importante.
Estávamos de costas para o sofá
quando ela me beliscou.
– Elise disse que você tinha um
amigo gato em casa. Mas, nossa, Bault!
– Olhou de soslaio para trás. – Uau! –
Deixou o queixo cair.
– Monique…
– Então, olha… Elise disse que ele
só estava ajudando com umas coisas da
casa, mas vocês liberam ele mais cedo
hoje, não é? Tenho umas coisas para
ele arrumar lá em casa, também –
sussurrou. – No meu quarto, pra ser
mais precisa. – Balançou os dedinhos
nojentos em um cumprimento que Ryker
retribuiu com um brinde silencioso e o
último gole do seu vinho.
Ele estava bebendo com ela?
Ele ia apanhar também!
Ia apanhar, ele. Ia apanhar, ela. Ia
apanhar, a Elise.
Todo mundo ia apanhar!
Travei as mãos em punhos.
– Mais vinho, Ryk? – Buscou a taça
vazia de suas mãos.
Não deixa a vagabunda pegar seu
homem.
Eu conseguia ouvir Spider gritando
no meu ouvido. Ali, diante de Monique,
como tinha feito diante de Skye.
– Por favor, querida. – Ele lhe
entregou a taça e piscou para mim. –
Algum problema? – perguntou, falso.
Estava me dando o troco por causa
de Lance. Eu o tinha deixado com
ciúme e ele estava aproveitando para
retribuir. Era a nossa brincadeira.
O problema é que a moça da padaria
e Skye eram mulheres desconhecidas
com quem eu não precisava competir
porque não estava com ele. Não
naquela época.
Dessa vez era diferente. Era
diferente porque estávamos juntos
agora. E era diferente porque não se
tratava de uma prostituta profissional
que eu mal conhecia ou de uma garota
da padaria de quem eu sequer
lembrava o nome.
Agora era Monique.
Era a amiga que tinha surgido em
nossas vidas por proximidade e ficado
porque Elise se divertia com ela e eu
não tinha forças para mandá-la para o
inferno. Era a mulher que me distribuía
patadas e destruía minha
autoconfiança sempre que entrávamos
em uma boate. Era a idiota que ria de
mim a cada nova tentativa de primeira
vez. A minha própria inimiga pessoal
que nunca me dava espaço para
respirar quando o assunto era
“homens”.
E ali estava ela.
Trazendo mais uma taça de vinho
para Ryker e sentando-se ao seu lado.
Eu tinha em emprego novo e tinha
acabado de voltar do trabalho, na
certeza de que ele estaria esperando
por mim. Era o primeiro dia em meses
que as coisas pareciam certas.
Pareciam boas. A conversa sobre
Zahner ainda precisaria acontecer e,
eventualmente, ele precisaria ir
embora para ficar a salvo, eu sabia
disso tudo. Mas eu achava que hoje ia
ser um dia bom.
Pelo menos até abrir a porta.
Agora eu só sentia um peso me
espremendo contra o chão e um desejo
imenso de que Spider estivesse ali ao
meu lado.
Spider…
Mãos gigantes e invisíveis
apertavam meus pulmões e eu não
conseguia respirar. Sentei na cadeira
diante deles e os ouvi rir. Ryker
mantinha um olho em mim como se meu
ciúme lhe causasse êxtase e eu o odiei
por isso.
Me senti ficar miúda sentada
naquela cadeira. Esmagada e
minúscula.
Ele ia dar em cima dela para me
provocar e teria um sucesso
monstruoso em sua empreitada.
Duas semanas de striptease não
tinham mudado minha personalidade a
ponto de me deixar confiante para
competir com ela.
Eu precisava de uma taça de vinho
também.
Quis correr e me esconder no meu
quarto. Quis colocar Monique para
fora da minha casa. Quis ligar para
Elise só para poder gritar com alguém.
Mas, por fim, desisti de tudo.
Eu queria que Spider estivesse ali
comigo.
De algum modo estranho e quase
sobrenatural, suas forças passavam
para mim.
Spider…
Spider caída no chão.
Lucy chorando.
Eu não conseguia respirar.
A vida era uma coisa tão fugaz. Os
problemas da vida eram imensos e eu
me senti despreparada e desprotegida.
Quando dei por mim, estava de pé.
Era maior do que Ryker e Monique
no sofá da minha sala.
Foi quando tudo girou ao meu redor,
e eu achei que ia desmaiar, que percebi
o quanto aquela sensação era maior
que um pouco de ciúme.
– Mina? – Acho que eu deveria estar
pálida, porque Ryker se moveu com
seriedade. O sorriso safado tinha
desaparecido.
– Eu… – O quê? O que eu queria? –
Eu esqueci de pegar… – Apontei para a
porta, sem rumo. Eu precisava de ar. –
Esqueci uma coisa.
Estava na porta quando ouvi
Monique fazer alguma piada sobre
“sozinhos finalmente”. Desci as
escadas para a rua e senti as lágrimas
no meu rosto assim que o vento me
atingiu. Eu estava andando pela
calçada. Para qual direção, eu não
sabia. Não importava.
Uma pressão no meu cotovelo, uma
força me puxando.
– Mina?
Eu me virei de volta. Meu olhar se
perdia no vazio.
– Mina? – Ryker tinha me seguido e
apertou meus braços procurando meus
olhos. – Você está bem? Desculpa,
amor. – Riu, sem jeito e me puxou para
perto. – Eu estava só te provocando.
Não quis te magoar. Eu sou imbecil,
você sabe. Não faço isso de novo e…
Mina?
Eu tentava respirar pela boca, mas o
ar entrava e saía em lufadas
irregulares que não me traziam
oxigênio suficiente.
– Mina, o que houve? – Ele me
apertou e eu soube que estava
preocupado. – O que aconteceu?
– Spider morreu, Ryker – murmurei.
Ele se afastou um pouco, piscando os
olhos em silêncio, tentando entender
como eu tinha ido de Monique e taças
de vinho para Spider.
– O funeral foi… foi… – Levei as
costas da mão para aparar as lágrimas
e Ryker me soltou.
– Eu queria ter ido – suspirou.
Há quantos anos eles se conheciam?
Ela significava muito mais para ele do
que para mim.
– Eu estava lá. Quando aconteceu –
continuou. – Eu devia ter feito alguma
coisa. Não devia ter sido daquele jeito.
– Nada aconteceu do jeito que
deveria ter sido – confortei-o. – Não
foi culpa sua. A culpa foi…
– Não foi sua. – Segurou-me pelos
braços de novo. – Mina, não foi! –
Sacudiu-me com cuidado. – A gente não
pode se culpar por ter tentando salvar
nossas vidas e ter feito a coisa certa.
Não é justo – completou.
– Eu sei – inspirei profundamente. –
Mas é perigoso, Ryk. Isso tudo que
aconteceu com a gente. Que ainda pode
acontecer. Você não devia ter fugido do
Zahner.
– Tive um bom motivo.
– E eu preciso saber qual é! Precisa
me contar.
– Vou te contar tudo, mas não aqui
fora, está bem? – Olhou ao redor, como
se temesse ser perseguido e só então
seus olhos assumiram um tom nervoso.
Como se algo tivesse escapado
discretamente de sua memória e
retornado agora com um grito e um
estouro. – Vamos entrar? A gente se
livra da sua amiga estranha e
conversa. A gente conversa a noite
toda. Mas vamos entrar.
Ele me puxou pelo braço e permiti
que me guiasse.

– É ele?
Puxou meu casaco, querendo olhar a
foto.
Estreitei os olhos, focando no homem
do outro lado da rua que passava o
braço pelos ombros da garota ruiva e a
puxava de volta para o prédio. Ele
olhava ao redor, preocupado. Tentava
desvendar os perigos das sombras e, ao
mesmo tempo, estava completamente
alheio aos verdadeiros riscos.
Olhei para a foto mais uma vez.
Mesmo na penumbra, não havia
dúvida.
– Uspekh, camarada. É ele.
Cinco
Caminhos para retornar à
casa
Monique estava de pé no apartamento,
no meio da minha sala, próxima à janela
e eu desejei ter beijado Ryker na rua.
Ela estava nos assistindo… Pela minha
vida, eu tinha certeza de que estava.
Tamborilou os dedos nos braços,
revirando os olhos para mim como se
quisesse gritar:“Acabou seu showzinho,
virgem?”
A lembrança de Spider tinha
destruído um pedaço de mim e eu quase
esqueci que Ryker precisaria ser punido
pelo comportamento infantil. Um erro
que eu não repetiria.
Eu entrei primeiro e ele me seguiu de
perto.
– Está mais calma, Mina? – Riu,
debochada. – Parece que ela precisa de
um pouco de vinho também, Ryk.
Ryker pegou a garrafa em cima da
mesa e encarei sua nuca com ódio.
Se você a obedecer e me servir uma
taça dessa porcaria, eu estouro a
garrafa na sua cabeça.
Não duvide!
– Pode dar a minha para ela. –
Monique indicou sua taça vazia. – Eu e
você dividimos a outra.
Chega. Eu dei um passo para a frente
sentindo o rosnado subir minha garganta.
Mas Ryker apenas a ignorou.
Ignorou-a tão completamente que foi
como se ela sequer existisse. Não era
como se quisesse fazê-la se sentir mal,
não era por vingança, infantilidade ou
mesquinharia. Era simplesmente um
novo dia e Monique não existia mais.
Ele apanhou a garrafa e seguiu para o
meu quarto em silêncio. Eu observei
suas costas se afastarem ainda sem
entender suas intenções. Vi quando
colocou a garrafa em cima da
penteadeira. E aí meu olhar se perdeu,
ao encarar as entrâncias pélvicas
daquele abdome deliciosamente
malhado quando ele arrancou a camisa
pelo pescoço, sem qualquer cerimônia
ou aviso. Piscou um olho safado para
mim e fechou a porta.
Monique estava boquiaberta.
E eu estava salivando.
Juro que queria ignorar Monique de
propósito. Ela estava falando algo.
Talvez fosse uma crítica, talvez uma
pergunta… e eu queria sorrir para ela,
revirar os olhos, dizer “é meu” e mandá-
la sumir do meu apartamento. Ou algo
igualmente à altura…
Mas Ryker tinha tirado a camisa e
minha língua estava formigando.
Estava na minha cama… segurando
aquele vibrador… revirando minhas
gavetas em busca de alguma camisinha
esquecida… planejando qual era a
próxima coisa que eu precisava
experimentar…
E Monique restou, totalmente
esquecida e sem importância diante das
minhas perspectivas.
Eu queria ter debochado dela como
ela fazia de mim.
Mas meus pés estavam me conduzindo
rumo ao interior do quarto em algum
tipo de piloto automático e se Monique
queria me dizer alguma coisa, teve que
ir embora querendo.
Naquele momento, ela também não
existia mais para mim. A única coisa
que existia era Ryker.
E, quando ele tirava a roupa,
raramente outros assuntos tinham
importância.

– Isso foi um pedido de desculpa?


Sentado sobre minha cama, sem
camisa. Ele não tinha terminado de se
despir, o que me fez pensar que talvez a
camisa tivesse sido retirada apenas para
provocar minha “amiga”.
Parte de mim ficou feliz porque ele
resolveu colaborar.
Parte de mim ficou infeliz porque ele
não estava nu.
– Está querendo que eu tire as roupas
sempre que faça algo que te desagrada?
– Riu. Mas seu sorriso não foi safado
como geralmente o era em situações do
tipo. Ele estava contido. Delicado.
Como se houvesse muito mais em sua
mente do que apenas sexo e me peguei
surpreendida. – Porque, se esse for o
caso, é melhor eu ficar logo nu o tempo
inteiro.
– Isso pode funcionar – brinquei.
Do lado de fora, a porta bateu num
estalo alto. Monique tinha decidido ir
embora, salientando bem sua fúria para
quem quisesse percebê-la. Ela ia
descontar em Elise depois. Ia estressar
minha amiga até deixá-la preocupada
com minha sanidade mais uma vez.
– Mina… senta aqui. – Seus lábios
estavam espremidos e eu soube que
estava na hora de conversarmos. Ryker
me encarou com cuidado, como se
tentasse decidir quais palavras
causariam menor impacto.
– Ryk, só me conta – pedi. – Não se
preocupe em como vai falar. Só fale.
Ele balançou a cabeça e respirou
fundo.
– Lembra das histórias que te contei
sobre o meu pai?
Um gosto de bile subiu-me à garganta.
– Não acho que é o tipo de coisa que
eu conseguiria esquecer.
– Certo… – murmurou. – Ele se
envolveu com algumas coisas ilegais. Eu
tenho conhecimentos sobre algumas
delas e… – Sua risada foi
desconfortável. – Acho que essa parte
não importa muito. O que é importa é o
acordo que fiz com Zahner.
– Informações sobre seu pai para que
eu pudesse voltar pra casa. Eu lembro
dessa parte. – Revirei os olhos, tentando
exagerar e descontrair o momento, mas
Strome estava rígido como uma estátua.
– Foi uma ideia ao mesmo tempo boa
e ruim. Porque assim eu podia ajudar a
polícia a fazer justiça, mas em troca
teria não apenas o Kulik atrás de mim,
mas também o meu pai.
– Veio atrás de mim porque percebeu
isso? – Levantei uma sobrancelha. –
Porque, se foi por isso, demorou um
pouco para fazer as contas. – Ri,
amigável.
– Antes fosse. – Colocou minha mão
entre as suas. – Ele ligou pra mim.
Ryker estava encarando nossas mãos
entrelaçadas e eu não consegui
compreender.
– Zahner? Ele ligou? Você atendeu?
– Não, Mina… Simak, meu pai… ele
ligou.
Seguiu-se uma sensação estranha,
daquelas que faz seu corpo inteiro
dilatar. Eu sei como é quando os
músculos se contraem diante de uma
notícia ruim: aquela sensação de
adrenalina passando pelo corpo e te
preparando para fugir. Quando o instinto
se resume a levantar e correr para longe
do perigo.
Mas essa sensação era diferente. Uma
sensação de dilatação.
De se derreter em qualquer superfície
e esperar pelo fim.
Uma sensação de desistência.
– Seu pai… onde? Como ele…
como? – balbuciei e esperei que Ryk
conseguisse traduzir minhas meias
palavras.
– Ligou para mim no meu
apartamento. Na Itália.
– Estava na Itália! – Arregalei os
olhos e enfiei um tapa no seu braço. –
Strome! Não deveria me contar isso!
Não pode dizer isso para ninguém! Ah
meu Deus! – Enfiei os dedos nos olhos,
esfregando-os como se essa atitude
pudesse nos fazer voltar no tempo. –
Precisamos falar com Zahner! Ele
precisa te levar para outro lugar! Você
vai ter q…
– Mina – Ryker falou muito baixo,
muito suave e muito devagar. – Mina, me
escuta.
Meu queixo tremia.
– Ele sabe sobre você.
– Sobre mim? – sussurrei.
– Não sei como ele descobriu. Nem
sobre você, nem onde eu estava… Tenho
uma suspeita, mas não tenho certeza. Ele
ligou para mim e falou sobre você.
Zahner disse que mantinha uns homens
por perto para se certificar de que você
estava bem, mas…
– Zahner fez O QUÊ? – exclamei com
minha boca aberta de indignação.
– Mina, ele só estava preocupado e
fazendo o trabalho dele. – Subiu e
desceu as mãos pelos meus braços
tentando me reconfortar com seu
carinho.
– Preocupado com o quê? – Espremi
os olhos, exasperada. – Achei que não
havia mais nenhum risco para mim.
Vi seu pomo de adão se movendo e eu
soube que tinha sido enganada.
– Eu não estava a salvo?! RYKER!
Coloquei Elise em perigo! – Eu já
estava de pé. Não lembrava de ter
levantado, mas me pusera a andar de um
lado para o outro no quarto.
– Eu não sabia! – defendeu-se. – Foi
só quando perguntei por você que…
Zahner deixou escapar. Foi um dos
motivos para eu ter resolvido vir! Eu já
achava que você estava em perigo antes,
aí meu pai me ligou dizendo que sabe
que você existe e eu… eu precisava
saber se você estava bem.
Ryker girava ao meu redor, sem nunca
me tocar. Como se quisesse
desesperadamente que eu me acalmasse,
mas temesse que eu fosse explodir se ele
me tocasse. Foi uma boa decisão.
Cravei os dentes no lábio, sentindo o
pânico invadir meu corpo mais uma vez,
naquela sensação insana que eu
imaginara que nunca mais precisaria
experimentar. Mas ali estava ela:
subindo pela minha espinha e
congelando meus músculos.
Mas tinha algo…
Tinha algo que não somava.
O que era?
– Eu fui à polícia – murmurei para
mim mesma.
– Eu sei. Falou com o inspetor
Herbeck, na noite do assassinato. Simak
mencionou, acho que Herbeck contou
para ele. Zahner fez um acordo com ele,
que desapareceu há pouco tempo. Pode
ter sido só para começar uma vida nova.
Ou pode ter sido outra coisa... –
levantou suas suspeitas, sombrio.
– Eu liguei pra casa – continuei meu
raciocínio, ignorando Ryker.
– Ligou pra casa? Quando? Mina, do
que está falando?
– Liguei para a casa de Elise! Não
para a casa que eles explodiram...
– Minha voz escapava quase
inaudível. Eu não estava falando para
Ryker, estava falando para mim mesma.
– Mina, você não está fazendo
sentido.
– Eles explodiram a casa achando que
era sua? – calculei. – Eles não sabiam
da minha existência, devem ter
descoberto o endereço por causa do
taxista e explodiram minha casa achando
que era sua. Mas, se Herbeck falou com
eles, eles saberiam que eu existo e
teriam o número de Elise.
– Mina, será que eu posso participar
da conversa? – irritou-se.
Eu levantei o indicador.
– Eles não sabiam que eu existo, só
viram você no estacionamento – listei. –
E não teriam como saber sobre mim sem
Herbeck.
– Então Herbeck falou com eles. Foi
o que eu disse.
– Shh!
Enfiei a mão em seu rosto, forçando
sua boca a se fechar. Eu precisava que
ele ficasse em silêncio para que eu
conseguisse pensar.
– Eu liguei para a casa de Elise da
delegacia, naquela noite. Herbeck sabe
da ligação. Eu estava na delegacia, na
frente dele quando liguei. Se foi ele
quem falou para o seu pai da minha
existência, ele deve ter visto a ligação. –
Parte de mim já tinha terminado o
cálculo e era por isso que eu tremia
tanto. – Como nos encontraram em
Amsterdã?
– Não faço a menor ideia.
– Seu pai pode estar trabalhando com
Kulik?
– Nada faria mais sentido.
– Eles estão aqui. – Esfreguei minhas
têmporas. – Ryker! – chamei, em pânico.
– Eles estão aqui!
– O quê? Não… eu tomei cuidado! E
os homens do Zahner estão lá em baixo.
Eu os vi! Tive que despistá-los para
entrar no seu prédio, não me viram.
– Homens do Zahner? – Eu parara de
respirar não sabia há quanto tempo.
– É. Eles não vão deixar nada ruim
acontecer com a gente.
– O que você viu?
– Dois caras suspeitos encarando o
seu prédio. – Deu de ombros.
– E como sabe que eram do Zahner? –
chiei. Seus olhar de incredulidade se
transformou em uma careta de pavor.
– Herbeck é o único que sabe sobre
mim! – Segurei seus ombros e o sacudi.
– E ele sabe que fiz uma ligação!
– Qual o problema com essa maldita
ligação? – reclamou.
– Herbeck pode ver para qual número
eu disquei e encontrar o endereço no
registro de ligações da delegacia! Ele
teria acesso a essa informação, Ryker!
Ele saberia o endereço!
Eu estava gritando, completamente
sem rumo. O olhar de Ryker se perdeu
pálido no horizonte quando ele enfim
acompanhou meu raciocínio.
– Para qual número você ligou? –
perguntou, mas no seu olhar identifiquei
que já sabia a resposta.
– Para cá – gemi, sofrível. – Liguei
para a casa de Elise. Se eles têm o
número, eles têm o endereço. – Eu sabia
que Ryker já tinha entendido, mas as
palavras estavam na minha boca e eu
acabei por dizê-las – Se Herbeck contou
uma coisa para o seu pai, ele pode ter
contado as duas! O que significa que se
ele sabe que eu existo, então sabe onde
eu estou. Sabia o tempo todo. Poderia
chegar até mim quando quisesse. Mas
ele não me quer! Ele quer você.
Ryker deu um passo para trás e acho
que, assim como eu, ele também estava
tremendo.
– Seu pai só quis te assustar. Ele
sabia onde eu estava. Mas não sabia
onde você estava. Ou não tinha como
chegar até você. E aí fez você vir até
ele. Só precisava fazer você vir atrás de
mim e te esperar na minha porta.
Eu achei que Ryker poderia chorar
quando olhou para mim, como se
implorasse meu perdão.
Inspirou como se fosse me prometer
algo. Como se quisesse dizer que me
amava. Como se estivesse à beira do
desespero.
Mas não houve tempo para nada
disso. Um barulho ensurdecedor invadiu
nossa sala. Uma explosão de madeira e
vidro e muitas coisas se quebrando.
O perigo que nós temíamos tinha
batido à minha porta e a tinha
encontrado destrancada.
Ryker me puxou de um jeito
involuntário, me protegendo em seu
abraço. Mas a carne dele, como a minha,
não era à prova de balas.
Nós íamos morrer.
Minha sala deveria estar destruída.
O barulho fora tão alto que eu cheguei
a pensar que fosse uma bomba: os
russos tinham chegado e iam explodir
meu apartamento de novo…
Mas não foi uma explosão. Eram só
barulhos altos de tudo sendo quebrado e
destruído.
– Aqui. – Ryker me puxou, veloz,
abrindo a janela.
– Ryker, eu preciso pegar algum
dinheiro.
– Mina! – rugiu com os dentes
travados. – Saia daqui, agora! – Ele me
empurrou pela janela do quarto para a
escada de emergência. Caminhei
apressada e me equilibrei no apoio de
metal que servia de parapeito. A escada
não passava exatamente pela minha
janela, mas era larga o suficiente para
que eu pudesse me pendurar nela sem
medo de cair do sexto andar. Eu já
estava praticamente apoiada e pronta
para fugir quando Ryker hesitou e eu o
vi desaparecer para dentro do quarto
sendo puxado de volta por um par de
mãos pouco amigáveis.
Usei o pé de apoio para me
impulsionar de volta pela janela.
Não, eu não sei o que eu poderia fazer
contra matadores russos.
Eu nem sequer sabia se eram, de fato,
matadores russos.
Eu precisava parar de pensar nas
palavras “matadores russos”. Elas
faziam com que eu me sentisse ridícula e
potencialmente morta. E eu não era uma
fã em particular de nenhuma das duas
sensações.
Senti o carpete do meu quarto sob
meus dedos, quando perdi o equilíbrio e
caí de joelhos atrás da minha cama. O
homem agarrava Ryker por trás e ele
enfiou o cotovelo em suas costelas. Meu
corpo reagia sem esperar minha
autorização, verificando os arredores e
buscando qualquer objeto que pudesse
ser usado como arma, e encontrou nada
além do longo vibrador em cima do
criado-mudo.
Agarrei sua empunhadura sem pensar
duas vezes e usei-o como um porrete
contra a cabeça do nosso agressor.
Ryker tinha enfiado uma cotovelada em
seu estômago e se abaixou, permitindo
que meu golpe encontrasse o alvo em
cheio.
Em seguida, ouvi um baque surdo e o
homem caiu sobre minha cama, que se
moveu com o impacto.
Ryker se levantou me segurando pelo
braço e correndo para a janela mais uma
vez. Coloquei o pé para fora e...
– Esperem!
Virei para trás e vi o homem caído
sobre minha cama, agarrando o nariz
ensanguentado com as mãos. Ele gemeu
de dor, se movendo, irritado. Então
soltou o nariz e agarrou a caixa de
lenços sobre o meu criado-mudo.
– Juro por Deus que um dia ainda
paro de ajudar vocês dois.
– Zahner! – Eu me joguei aos seus pés
em sinal de um alívio que não poderia
ser expressado com palavras e tentei lhe
ajudar com o machucado. – Sinto muito,
eu não…
– É, eu sei! – rosnou, distanciando-se
de mim com um gesto.
– O que houve? – Ryker se inclinou
para observar além da porta do quarto e
segui a linha do seu olhar. Podia ver
pedaços de vidros quebrados… Minha
mesa de centro.
Os pés calçados com largas botas
negras e rústicas estavam jogados de
modo que o corpo sumia do meu campo
de visão. Ele parecia ter caído por cima
da minha mesa.
– Você ainda me pergunta “o que
houve”? – Zahner avançou, furioso. –
Strome! Você perdeu o cacete do seu
juízo?
– Meu pai descobriu sobre Mina,
Gary, o que você queria que eu fizesse?
– Não sei… – começou, dissimulado.
– Contar para o responsável pela sua
segurança, talvez?
– Temos que ligar para a polícia. –
Encontrei meu celular, mas Zahner o
tirou do meu alcance.
– Não, a gente precisa dar o fora
daqui.
– Zahner, eu sei que são corruptos,
mas não vão poder ser corruptos
abertamente!
Um meio sorriso atravessou seu rosto,
embora não houvesse qualquer graça em
seu olhar.
Cores sombrias tremeluziam em seus
olhos.
– O mundo é mesmo belo para vocês
dois, não é? – Riu. – Vocês veem o dono
da máfia russa e maior chefe do crime
organizado da Europa cometer um
assassinato, mas não é problema algum.
– Ridicularizou, dando de ombros. – Se
escondem na casa de um amigo e acham
que o problema vai se resolver. Então,
querem fugir juntos pelo mundo e,
quando percebem que não vai dar certo,
me convencem a manter a vida normal
para pelo menos um de vocês, apenas
para que depois o outro – olhou para
Ryker com raiva e continuou: – possa
me enganar depois e fugir.
– Não foi isso que…
–VOCÊS SÃO TESTEMUNHAS DE UM
ASSASSINATO! – berrou. – Quando vão
enfiar isso nessas cabeças de merda? –
Dei um passo para trás e Ryker tentou
argumentar, mas a fúria de Zahner mal
tinha começado. – Não podem
simplesmente fugir por aí. Não podem
entrar em contato um com o outro. Não
podem esconder coisas de mim. Vocês
querem morrer? É isso? Porque, se for,
só me avisem! Eu paro de me envolver.
– Riu. – Prometo.
– Olha aqui… – Strome começou.
Mas tinha pelo menos um homem
caído na minha sala destruída e a
verdade é que Zahner estava
completamente certo.
– Não queremos morrer – interrompi
Ryk, decidindo por nós dois. – Nos diga
o que temos que fazer.
Zahner me encarou por um segundo.
– Eu preferia ter feito um acordo com
ela. – Indicou-me com o polegar. – E
deixado você pra trás – ralhou. – Ela é
muito mais coerente.
– Está querendo me explicar que a
vida é uma merda? Porque eu já sei
disso, Gary.
Zahner esfregou a cabeça, sacudindo
seus cabelos e desfazendo o topete.
Eu estive tão preocupada com nossos
próprios problemas que sequer dediquei
algum tempo para observar a situação
do pobre Gary. Sua camisa estava
rasgada na altura da manga e ele parecia
ter levado um murro no rosto, além do
golpe do meu vibrador no seu nariz.
– Discutimos depois. Agora a gente
precisa dar o fora daqui. Eram só dois
atrás de vocês, dessa vez. Se fossem
mais, acho que nem estaríamos tendo
essa conversa. Vamos embora. Agora.
Agora era Gary quem me empurrava
para a saída de emergência.
– Desçam. Vão.
– Zahner… – Engoli em seco. Eu ia
embora de novo, deixando uma bagunça
para Elise mais uma vez. – Os homens
na sala… estão…?
– Mortos? Não – falou sem cuidados.
– Agora, desçam!
– Por que não esperamos a polícia
chegar?
Desci pela escada de metal com os
dois logo atrás de mim. Alcançamos a
rua fria e vimos o aglomerado de
pessoas que seguia na direção oposta,
provavelmente atraídos pelas sirenes de
polícia que começavam a se aproximar.
– Vocês estão processando o pai de
Ryker e mais um monte de gente, não é?
– perguntei rapidamente, enquanto
andávamos apressados. – Não pode ser
tão fácil assim para um agente corrupto
agir agora.
– Mas meu pai sabe onde estamos,
Mina.
– Eu sei! Fui eu que percebi isso,
lembra? – Senti vontade de lhe dar um
peteleco na testa. – Mas a gente já tentou
fugir uma vez e isso não nos levou a
lugar algum.
– Levou, sim! Eu só voltei porque sou
idiota.
– Não foi idiota, só estava
preocupado.
– Chega! – Zahner rosnou. Ele nos
observava como se não acreditasse que
éramos reais. – Herbeck desapareceu.
Eu fiz um acordo com ele antes: ele
ficaria quietinho e eu não o denunciaria
por corrupção, colocando-o na cadeia.
Mas eu precisava manter escondida a
identidade de Mina por causa do acordo
com o Ryker – murmurou com uma
velocidade tão grande que eu mal
conseguia compreender suas palavras. –
Então, eu não podia dizer para ninguém
COMO eu sabia que Herbeck era corrupto,
sem explicar o envolvimento de Mina.
Herbeck deve ter percebido que eu
estava só blefando e fez um acordo
melhor com Simak.
– Foi por isso que mandou alguém
ficar de olho nela – Ryker compreendeu.
– Estava preocupado com Herbeck.
Queria garantir.
Zahner se desviou do caminho e nos
puxou para um canto mais afastado da
praça, no qual ninguém podia nos ouvir.
– A notícia que recebi hoje de manhã
piorou tudo – resmungou, impaciente,
nos conduzindo por um beco para o
outro lado da rua. – Herbeck reapareceu
em Paris, cheio de promoções e
contatos, o que tornou minha vida mais
difícil.
– Mas como ele conseguiu ser
promovido? Com Simak ou Kulik? Eles
não estão sendo investigados? Ainda
conseguem pedir favores?
– Não há provas, garotinha! –
reclamou. – Será que vocês não
entendem isso? Ainda não há provas
definitivas contra Simak e não há provas
definitivas contra Kulik. Nenhuma, fora
vocês dois. Os dois idiotas apaixonados
– rugiu com uma careta. – A
investigação prejudica Simak
politicamente, mas, por enquanto, não
vai além disso. Herbeck contou para
Simak que tinha mais alguém envolvido.
– Apontou para mim. – Agora, Simak
está se defendendo das acusações e da
investigação com uma nova teoria, que
envolve o testemunho de Mina.
– Meu testemunho? – Ri. – Como eu
poderia afirmar algo para inocentá-lo?
– Ele já conseguiu provar que você
existe e que tem um relacionamento
próximo com Ryker: testemunho de
Herbeck, ligação da delegacia e eles
encontraram filmagens da estação em
Bruxelas em que vocês dois aparecem.
Simak está dizendo que você pode
refutar todas as informações contra ele
porque era confidente de Ryker e sabe
que Ryker está mentindo para se vingar
do pai.
– Mas isso é mentira!
– É, as pessoas mentem. – Revirou os
olhos, furioso. – Horrível, não é? O
problema é que eu te ajudei a
desaparecer dessa história – recitou
cada palavra como se as amaldiçoasse.
– E esse processo não foi feito
exatamente dentro do protocolo.
– E o que tem? – Eu estava confusa,
mas Ryker estava apertando meu braço e
eu percebi que, dessa vez, era ele quem
já tinha entendido.
– Simak está se defendendo ao alegar
que Zahner escolheu provas contra ele
para incriminá-lo em vez de analisar
todas as provas. Ou seja, a tese do meu
pai se baseia em afirmar que Zahner se
limitou a me usar como testemunha e a
se livrar da Mina. Estão te
investigando? – Fui suspenso. E pra
piorar, justo quando você deveria ser
trazido para um novo depoimento…
– ... eu fui embora… – completei. –
Você teve que adiar o depoimento e eles
acham que você está tentando enganá-
los.
– Precisamente.
– Calma! – Eu precisava fazer uma
lista porque estava começando a me
perder, mas os dois me puxaram por uma
área movimentada da rua e eu preferi
permanecer em silêncio.
Respirei fundo.
Liste...
Herbeck contou para Simak a meu
respeito Simak disse que Ryker está
mentindo por pura raiva dele e que Mina
Bault é a confidente que pode provar
isso. Aproveitou-se da situação para
acusar Zahner de parcialidade.
Ryker foi convocado para um novo
depoimento, mas Zahner não pôde levá-
lo de volta porque ele tinha fugido para
me procurar.
As informações nas mãos da Interpol
indicam que Zahner escondeu uma
testemunha e depois sumiu com a outra.
Simak está agindo como se fosse o
injustiçado da história e Zahner acabou
se tornando o vilão.
Para variar, estamos todos fodidos.
– Perdi meu emprego e minha
reputação para que vocês dois pudesses
trocar uns beijinhos – murmurou. –
Estão satisfeitos?
– Mas que absurdo! – Eu ri. – Se o
problema todo é esse, então me levem
até o juiz! Meu depoimento obviamente
não vai inocentar Simak.
Ryker e Zahner se entreolharam e eu
sabia que não receberia boas notícias.
– Mina… eles não querem que você
testemunhe. Eles só precisam que você
exista para que possam te usar como
argumento de defesa. Faz sentido: você
me conhece, procurou a polícia e, logo
depois, quando Zahner começou a
investigação contra meu pai, você
desapareceu. A sua existência é um
ponto ótimo para o caso deles. Mas se
você testemunhar…
– Vão me matar – compreendi.
– Vão tentar. – Ryk segurou minhas
mãos, mas não precisava. Minha vida
era uma montanha-russa e eu já tinha
dado tantas voltas que ficar de cabeça
para baixo mais uma vez não ia me fazer
vomitar.
– Mas por que não me mataram logo?
Eles sabiam onde eu estava! – Olhei de
um para o outro à procura de uma
justificativa.
– Não tinham acesso a Strome –
explicou.
– Queriam reunir nós três? – Ryker
voltou-se para Zahner.
– Matar vocês dois e colocar a culpa
em mim, provavelmente. Obrigado por
colaborar com eles, por sinal.
– Mas não nos mataram! Por que não
vamos à polícia agora e...
– Garota, desista da polícia! Eles não
vão ajudar! Vão nos foder! Assim que
você aparecer na frente deles, metem
uma bala na sua cabeça, jogam a mim e
Ryker na cadeia e alegam ter sido
legítima defesa porque um de nós
parecia estar armado. O sistema está
contra a gente agora. Consegue
entender?
– Ei! Não fale assim com ela!
– Isso, moleque, brigue comigo, a
única pessoa no mundo que ainda quer
salvar sua vida.
– Parem, vocês dois! – Tapei os olhos
com as mãos e ouvi os dois se calarem.
Senti que ia chorar e Ryker me enfiou
em seus braços. A voz de Zahner estava
mais amena quando ele continuou.
– Só o que nós precisamos agora é de
um esconderijo seguro. Um lugar onde a
gente possa se sentar, colocar as ideias
em ordem e organizar o que fazer a
seguir. Não estou mais na polícia, mas
ainda tenho alguns amigos. Gente que
vai me ouvir. Mas não podemos circular
por aí como loucos. Precisamos de um
plano.
– Você conhece algum lugar seguro? –
Ryker quis saber.
– Meus contatos com a polícia. O
problema é que…
– São contatos da polícia?
Não ouvi a resposta de Zahner, já que
ainda estava com o rosto afundado no
peito de Ryker, mas imagino que ele
tenha confirmado.
– Bem… – Ryk apertou meus braços e
eu me permiti um ligeiro afastamento
para respirar melhor. Ele estava olhando
para mim. Aqueles imensos olhos claros
que conseguiam me acalmar mesmo no
meio de um furacão. O mesmo sorriso
que me ofereceu quando nos
conhecemos… diante da cesta de
sacanagens de Elise e de toda a minha
vergonha. O mesmo sorriso de todos
aqueles dias que passamos juntos. Cada
problema. Cada solução. Estávamos
enfiados em um inferno de novo, mas
pelo menos dessa vez íamos ficar juntos.
Eu sorri de volta e ele reuniu coragem
para continuar: – se o que a gente
precisa é de um abrigo seguro e de
pessoas confiáveis para ajudar... – Ele
piscou um olho descarado para mim,
deixando claras suas intenções. – Então
acho que conheço um lugar.

Zahner usou meu celular uma única


vez antes de retirar o chip e jogar tudo
no lixo. Eu apenas confiei que suas
atitudes fariam sentido e me limitei a
sentar no banco traseiro de seu carro ao
lado de Ryker e esperar que o ex-
inspetor assumisse a direção.
Ele acelerou pelas ruas, deixando
Paris para trás.
Escorreguei as pontas dos dedos pela
janela fria.
Estava indo embora de novo. E
perdendo mais um emprego.
Era melhor mesmo que Zahner me
colocasse no programa de proteção à
testemunha dessa vez… Eu ia precisar
de uma nova identidade porque Mina
Bault nunca mais conseguiria emprego
em lugar nenhum de Paris.
Eu estava preocupada com Elise.
Minha melhor amiga no mundo e eu ia
fazê-la passar por aquilo de novo. Sem
me despedir… A diferença é que dessa
vez não importava mais: meu rosto ia
aparecer na televisão e todo mundo ia
saber o que tinha acontecido.
Pelo menos, a mentira ia acabar.
A viagem foi longa. Foi cansativa. E
em mais de um aspecto foi,
principalmente, surreal.
Era surreal estar a caminho de
Amsterdã de novo e era especialmente
surreal querer ir para Amsterdã. Há um
ano, eu nunca cogitaria fazer uma
viagem como aquela com tanta
resignação e até um pouco de alegria. Eu
confiava no pessoal do Lucky’s e seria
ótimo rever todo mundo. Tínhamos
Zahner conosco dessa vez como nosso
próprio guia pessoal em assuntos da
criminalidade. E, além disso, era um
guia armado. Já tínhamos passado por
aquilo antes e sobrevivido. Eu já tinha
perdido meu emprego, eu já tinha
arriscado minha vida. Já tinha visto
alguém morrer.
Eu estava preparada dessa vez.
Mais preparada do que jamais
imaginei estar.
E além de tudo… eu tinha Ryker. E
ele me tinha.
Qualquer que fosse o problema, era
sempre mais fácil encarar quando ele
estava ali: pronto para sorrir, me
constranger e me deixar excitada.
Relaxei dentro do seu abraço e vi
Amsterdã chegar.

Eu me lembro de ter dado dois


abraços muito fortes na minha vida.
Apenas dois.
O abraço que tinha dado em Ryker há
pouquíssimo tempo não entrava na lista
apenas porque contra Strome não havia
concorrência. Ele era único para mim,
então tudo o mais que o envolvia era
igualmente único.
Em minha lista não constava Ryker ou
qualquer contato físico com ele. Minha
lista somava apenas dois abraços que
me fizeram sentir como se o universo
inteiro tivesse derrubado um véu sobre
mim.
O primeiro abraço fora o do meu avô,
logo depois que os meus pais morreram.
Eu estava na casa de Elise naquela
noite. Eles tinham saído e me deixado
com a família dela. Eu lembro que a
casa estava cheia quando acordei.
Lembro que a mãe de Elise me segurou
pelos ombros e lembro do seu olhar
antes de me enfiar em um abraço
maternal. Ela não sabia o que me
dizer… É o tipo de coisa que você não
aprende na escola, faculdade ou pós-
graduação: como contar a uma criança
que os pais dela morreram. Meu avô
chegou o mais rápido que pôde. A única
pessoa viva da minha família, além de
mim. Ele era a única família que eu
ainda tinha. Quando paro para me
lembrar, acho que ele me abraçou muito
mais do que eu o abracei. Acho que era
porque eu ainda era jovem e faz parte
das expectativas sociais assumir que os
mais velhos vão morrer antes. Meu avô
deveria sentir o oposto… Sua
expectativa deveria ser que fosse morrer
antes dos mais jovens. Sob essa
perspectiva, acho que eu era muito mais
a última integrante da família para ele
do que ele para mim. É por isso que
acho que foi ele quem me abraçou e que
eu fui a abraçada. Seja como for, foi um
momento singular que permanecia em
primeiro lugar para mim.
O segundo abraço fora o de Elise,
logo quando voltei para Paris, depois da
minha experiência insana no Lucky’s. Eu
tinha perdido tanta coisa… Tinha
perdido minha inocência, minha
virgindade, minha vergonha e, acima de
tudo, tinha perdido meu Ryker. Abraçar
Elise trouxe a sensação de recuperar
algo que eu pensava ter perdido, mas
que ainda estava lá. A sensação
incomparável de ainda possuir algo no
mundo. Aquele abraço simbolizou que
nada poderia me separar dela. Acho que
eu estava errada… Seja como for, dessa
vez fui definitivamente eu quem abracei
e ela quem foi abraçada. Ou sufocada.
Eu nunca imaginei que algum outro
abraço no mundo pudesse concorrer com
esses dois. Nunca imaginei que outro
abraço sequer seria considerado para
entrar na minha lista minúscula e
especial.
Porém, assim que vi Luckas parado à
porta principal da boate que levava seu
nome, o letreiro em neon com luzes
falhando, seus óculos modestos, sua
postura longa e arrebitada como sua
casa de Amsterdã, seus olhos quentes e
seu sorriso amigo…
Corri em sua direção, lancei meus
braços ao redor de seu pescoço e o
abracei com força, bem apertado.
Eu me lembrava de suas palavras
para mim e Ryker. A ajuda que ofereceu
a bom amigo e a uma completa estranha.
Eu me lembrava de suas poucas
palavras no funeral de Spider e de como
senti um arrepio pelo corpo inteiro
quando ele abriu uma garrafa de cerveja
no meio do cemitério e bebeu um gole
direto do gargalo oferecendo um brinde
silencioso. Acho que teria jogado uma
boa quantidade do líquido sobre o
caixão como uma homenagem à nossa
peculiar amiga, se a irmã de Spider não
tivesse feito algo semelhante primeiro.
Nila era o nome dela. Três anos mais
nova, tinha acabado de se lançar à
profissão da irmã. Estava linda e
sorridente, mesmo no funeral. Lembro
que cheguei a imaginar se havia alguma
indisposição entre elas para que Nila
apresentasse um sorriso tão verdadeiro
naquela situação. Pelo menos até me
aproximar e ver que se formavam
lágrimas em seus olhos, apesar do
sorriso. Um sorriso transcendental e uma
atitude de “eu sei que minha irmã me
espancaria com chicotadas na bunda se
me pegasse fazendo qualquer coisa que
não fosse cultuar a vida, principalmente
em seu enterro”. Serviu duas doses de
tequila e sorveu um gole antes de
oferecer outro ao chão. Vi seus lábios se
moverem em um diálogo querido e
apressado com a lápide de sua irmã.
Mas não me atrevi a me aproximar. Não
era um momento meu, mas de Nila. Era
um de seus abraços. Mesmo que não
houvesse braços envolvidos.
Lucky apertou minha bochecha como
se fosse um tio que eu não via há anos.
– Não conseguiu ficar longe de nós? –
brincou. Ryker o cumprimentou e
agradeceu. Ele apenas pediu-lhe que
deixasse de formalidades e nos ofereceu
a chave do quarto no primeiro andar. –
Vão se ajustar bem lá.
– A boate está funcionando? – Zahner
observou, por cima de nós. Sempre
atento e observador. Eu sentia um
nervosismo quando ele apoiava as mãos
na cintura daquele jeito… como se ele
estivesse sempre pronto para levar uma
mão à arma.
O curioso era que Gareth Zahner era
um dos homens mais charmosos que eu
já conhecera. Não se comparava ao meu
Ryk, claro. Mas ele era alto, tinha um
porte que chamava a atenção, olhos
profundos e aquele topete de cabelos
finos e arrepiados que não era
exatamente de propósito, mas também
não era completamente acidental. Exibia
um sorriso agradável e sedutor e seria
um homem que suscita admiração e
suspiros não fosse sua obstinada
intensidade. O homem exalava estresse.
Ele falava qualquer coisa e eu esperava
que os arredores explodissem, balas
voassem ou sequestros acontecessem.
Quando levava a mão à cintura, eu
esperava que ele fosse sacar a arma e
atirar em alguém. Não importava em
quem… Seria apenas para aliviar o
insistente estresse que carregava
consigo. Eu me senti ridícula por pensar
assim… mas talvez ele precisasse de
sexo.
Seria legal poder afirmar que a ideia
de Zahner e sua suposta necessidade de
sexo tinha me encantado e me feito
pensar em seu corpo nu se, por mais
nada, pelo menos para me dar a ideia de
que Zahner era apenas um ser humano
com quem eu poderia fantasiar.
Mas nem isso…
Me detive naquele pensamento e até
considerei imaginar seu corpo nu e…
absolutamente nada.
E não era apenas porque eu estava
irremediavelmente apaixonada por
Strome, mas porque havia algo em
Zahner que não pedia pena. Não pedia
carinho. Não pedia desejo.
Havia algo nele que solicitava apenas
que estivesse atento, que não fizesse
nenhuma besteira e, acima de tudo, que
não morresse. Não havia alívio ao seu
redor. Só tensão.
– Está funcionando. – Lucky abriu um
sorriso triste e eu imaginei que ele ainda
resistia bravamente, e que os meses não
tinham mudado o fato de que ele
precisaria vender tudo para alguém
como o Allender. Pelo seu sorriso
murcho, imaginei que não demoraria a
fazê-lo.
– Precisamos colocar os dois lá
dentro sem chamar atenção – Zahner
decidiu.
– E você? Não vai entrar?
– Não. Vou me livrar do carro
primeiro.
Ryk tinha a mão na minha cintura e
estava seguindo Lucky para entrarmos na
boate quando Gary puxou-o com força
pelo braço.
– Posso confiar que vocês dois vão
ficar aí dentro, escondidos, em silêncio
e sem fazer nenhuma idiotice até eu
voltar?
Seu olhar era duro e eu quis revirar
os olhos.
A gente sabe que você é o policial
que está tentando resolver tudo e
provavelmente é quem tem mais
conhecimento para nos tirar dessa,
Zahner, mas não precisa agir como um
arrogante imbecil o tempo inteiro.
– Pode. – Ryker ofereceu-lhe um
imenso sorriso de “eu queria que você
fosse ali tomar no seu cu e me deixasse
em paz” que reproduziu com precisão os
meus sentimentos.
Zahner ainda hesitou e nos encarou
por mais alguns segundos antes de soltar
Strome e nos deixar seguir. Eu sentia seu
olhar cravado em nossas costas e tive
certeza de que ele só foi embora depois
que nos viu entrar em segurança na
boate.
Eu poderia dizer que o quarto no
primeiro andar era exatamente como eu
me lembrava, mas não era.
Era completamente diferente.
O bom e velho ditado já dizia que
nunca se pode voltar para casa. Não de
verdade. Ou sua casa mudou, ou quem
mudou foi você. De um jeito ou de outro,
nunca há um retorno. Era assim que eu
me sentia.
Talvez o quarto estivesse idêntico.
Talvez nada tivesse sido movido nem um
milímetro. Mas eu tinha mudado, e
muito. E todo o processo de
metamorfose começou ali: entre aqueles
lençóis.
Ryker estava se despindo e eu nem me
incomodei em recriminá-lo. Se ele
quisesse transar agora, seria muito bem-
vindo. Na verdade, acho que mesmo que
ele não quisesse, eu iria sugerir.
Passei os nós dos dedos pelo topo de
sua bunda onde a barra da cueca
acabava, dando passagem à curva na
parte baixa de suas costas. Ele se virou
com reflexos sobre-humanos, puxando-
me pelo braço.
– Safada – recriminou, apertando-me
entre seus braços. Eu ri e ele me beijou.
Reagiu tão rápido que eu imagino que
já estaria planejando algo semelhante
antes mesmo de meus dedos terem
alcançado seu traseiro.
– Eu me lembro da primeira vez que
te vi nua nesse quarto – suspirou.
– Quando arrancou minhas roupas e
me fez gozar com a boca pela primeira
vez – completei, gulosa.
– Não! – exclamou, ofendido. – Não
se lembra?
Estreitei os olhos, vasculhando minha
memória e…
– Eu estava tomando banho! –
Lembrei, desferindo um tapa em seu
ombro. – E você veio me assistir porque
é um pervertido – exagerei e me afastei.
Ele me agarrou pela cintura, me virou de
costas e alinhou sua virilha à minha
bunda, roçando nossos desejos com sua
fome característica.
– Ia ficar decepcionado se você
tivesse esquecido – murmurou,
mordendo minha orelha, fazendo sua
rouquidão me excitar.
– De como você é pervertido? –
provoquei. – Jamais!
Ele riu e se afastou tão subitamente
que, por um segundo, imaginei que a
brincadeira poderia tê-lo ofendido.
Ryker estava vestindo a camisa de volta
e subindo o zíper.
– O que houve? – perguntei,
preocupada.
– Vamos fazer isso. – A sacanagem
em seu sorriso deixava evidente que
estava tudo bem. Ele tinha planos… mas
estava tudo bem.
– O que você quer? – Levantei uma
sobrancelha.
– Quero que você vá tomar banho. –
Lambeu minha boca. – Quero assistir
com calma desta vez.
Travei os dentes nos meus lábios e
despi o casaco que Zahner me oferecera
no caminho. Eu e Ryker fugimos sem
muitos pertences. Larguei o casaco
sobre a cama e o encarei enquanto
decidia.
– E então? – pediu com urgência.
– Afaste-se – resolvi provocar. – Não
me toque a não ser que eu peça, ok?
Ryker arregalou os olhos e abriu a
boca, indignado.
– Não! Que brincadeira horrível!
Claro que não. Peça outra coisa.
Eu estava rindo.
Andei até o banheiro e ele me seguiu
como um fiel animal de estimação.
Me livrei de tudo, menos da roupa
íntima. Ainda estava em frente à porta
do banheiro. Tentei voltar ao quarto para
repousar o resto das minhas roupas
sobre a cadeira ou a cama, mas Ryker
estava quase em cima de mim. Não me
tocava, mas também não permitia que eu
me movimentasse, de modo que eu só
pude me esgueirar ao seu redor para
lançar as peças de roupa sobre seu
ombro ou pelo canto entre sua cintura e
a porta. Eu ria enquanto ele mantinha as
mãos enfiadas nos bolsos. Pelo volume
em sua calça, eu tinha ciência de que ele
estava duro e que as mãos que enfiara
nos bolsos estavam cerradas em punhos.
Ele gostou da brincadeira.
Não vai me tocar a não ser que eu
permita.
Estava me sentindo ótima e orgulhosa
do meu conforto com meu corpo seminu.
E então… girei devagar na porta do
quarto e seus dentes se enfiaram no
lábio inferior com tanta força que
percebi os sulcos se formarem.
Ele estava com raiva? Ah, porcaria…
Eu tinha tirado a roupa rápido demais,
não era?
Coloquei os braços longos e lentos
sobre o meu corpo… Não ia servir para
me tapar, mas pelo menos iria conter
meu constrangimento momentâneo.
– Acho que não sou boa nessa coisa
de striptease. – Senti meus dentes
baterem uns contra os outros quando
travei minha mandíbula. – Tirei tudo
rápido demais, não foi? Acho que não
sei fazer sem Lucy e Spider… – Tentei
rir e ajeitei o cabelo atrás da orelha,
tirando os fios soltos do meu campo de
visão. Queria observá-lo melhor, no
entanto, ele não tinha soltado os dentes
do lábio e eu não tinha certeza se isso
era bom ou ruim. Comecei a tremer de
um jeito horrivelmente familiar, de
quando a tensão de véspera de prova me
atingia. – Coloco de volta? A minha
roupa? – Ele ficou mudo. – Coloco, não
é? Você disse que queria me ver tomar
banho, aí eu tirei de vez! Porém, se
fosse pra me ver tirar devagar,
deveria… Por que não me disse? Tem
que me avisar! – reclamei, sentindo um
ardor horrível subir pelas bochechas à
medida que eu ficava mais e mais
consciente do excesso de roupas dele e
da ausência das minhas. – Coloco de
volta? Ou só tiro o resto e entro no
chuveiro? – ele não me respondia. Eu
atropelava minhas perguntas umas sobre
as outras e ele se recusava a me
conceder uma resposta, de modo que
meu pânico aumentou e aumentou: –
Acho melhor eu me vestir. Você me dá
licença? Eu coloco de volta, aí tiro de
novo e depois…
Senti a parede do banheiro quando
minha nuca e minhas costas se chocaram
contra ela. Ryker estava ao meu redor,
me espremendo contra os azulejos frios.
Não estava me beijando, mas nossa
distância não passava de uma fração de
centímetro. Estava tão perto que eu
sentia seu hálito aquecendo os lábios
quando ele respirava em mim.
– Estou tentando obedecer. – Inspirou
com dificuldade. – Estou tentando não te
tocar, já que você pediu. Estou agindo
de acordo com essa sua brincadeirinha
desagradável, mas está sendo bem
difícil. – suspirou quente.
– Ah! – respirei aliviada. – Então eu
estava fazendo tudo certo?
Ryker encarou o teto com uma risada
breve e logo estava no meu pescoço…
Rápido demais. Raspando os dentes na
linha do meu queixo como se não me
morder demandasse toda a sua força de
vontade.
– Isso foi um sim? – Eu quis saber. A
animação estava começando a me
esquentar, afastando o gélido receio
temporário.
– Deixa eu te explicar como é –
suspirou, fazendo nossos narizes se
tocarem. – A gente conversou sobre
você tirar a roupa e eu fiquei duro. Você
tirou a roupa e meu pau cresceu no jeans
a ponto de doer. Aí você...
– Não tem problema se foi rápido? –
interrompi, preocupada.
– Bault! Estou tentando ser sensual! –
reclamou, alto. – Você deixa? –
exagerou na indignação e eu estava
rindo. Gesticulei um floreio para que
ele, por favor, continuasse.
– Onde é que eu estava?
– Ahm… – Estreitei os olhos. – Falar
sobre tirar a roupa e ficar duro. Tirar a
roupa e ficar mais duro – revisei.
– Isso – proferiu cada sílaba com uma
calma infinita. – Obrigado.
– Disponha.
– Não vá vestir a roupa de volta –
decidiu com simplicidade. – Vá tirar o
resto e entre no chuveiro.
– Tem certeza? Porque eu posso tirar
a roupa mais devagar.
– Mina… eu já te vi tirar a roupa
devagar vezes o suficiente. Juro. Acho
que prefiro quando você fica nua rápido
mesmo. É mais seguro.
– Ok! Eu tiro? Você tira? Tanto faz? –
Ergui os ombros.
Ryker se empurrou para trás e se
sentou sobre a tampa do vaso.
– Você tira. – Indicou o chuveiro com
um gesto e se recostou contra a parede.
Coloquei os braços para trás para
abrir o fecho do sutiã.
Acontece que eu não tiro o sutiã
assim… Acho horrível encontrar o fecho
sem estar olhando para ele, então eu
geralmente dispo as alças, giro o sutiã e
desataco com o fecho na parte da frente,
atividade essa que não exige nada da
minha coordenação motora. Entretanto,
abrir um fecho sem vê-lo, com os braços
estirados para trás das costas, e um
Ryker me assistindo com o olhar
praticamente na altura da minha virilha,
era muito diferente.
A ação rapidamente se mostrou
impossível e Ryker estava rindo daquele
jeito delicioso quando se levantou.
– Não ria! – Estalei um tapa no seu
peito.
– Aqui. – Me abraçou. – Deixa eu te
ajudar.
– Deixa eu virar de costas – sugeri,
tentando escapar dos braços que me
esmagavam para que eu pudesse virar o
fecho do sutiã para ele.
Sua pele subiu pelas minhas costas,
seus dedos arranhando minha coluna.
Para ele, bastou apenas uma mão para
abrir meu sutiã.
– Nossa! – Mantive a boca
exageradamente aberta para indicar
minha admiração. – Acho que não deve
ter sido sua primeira vez, não é? – Torci
o nariz, brincalhona.
Mas Strome deteve meu sutiã nas
mãos e os olhos nos meus seios daquele
modo predador que ele assumia quando
a nudez era demais para que resistisse.
Umedecia os lábios com a língua
enquanto dedicava longos segundos de
observação, divididos entre os seios, um
após o outro.
Eu me inclinei para tirar a calcinha e
foi somente quando seu olhar se
inclinou, acompanhando os movimentos
da minha nudez, que eu percebi o nível
de sua hipnose. Engoli em seco e me
dirigi ao chuveiro.
Ele ficou de pé dessa vez, os braços
cruzados com o ombro apoiado contra a
parede. Os cabelos bagunçados e aquele
sorriso lindo. Seus olhos não
encontravam os meus, o que significava
que ele estava se divertindo ao
inspecionar cada centímetro da minha
pele. Liguei o chuveiro e deixei a água
encharcar meus cabelos.

A água escorria pelo corpo dela,


formando um fluxo contínuo entre os
seios e escorrendo até o meio de suas
pernas.
Eu estava salivando. Achava a
vergonha de Mina excitante. Até ela tirar
a roupa com tanta animação girando
pelo banheiro, foi então que percebi que
gostava dela sem vergonha, também. Aí
ela se atrapalhou com o fecho do sutiã e
eu estava latejando com tanta força que
achei que ia romper as calças, porque
aparentemente eu gosto até de Mina
desajeitada. Ela sorriu, ligou o chuveiro
e eu quis beijá-la. Quis fodê-la. Quis me
declarar e fazer amor. Qualquer coisa. O
que ela quisesse e do jeito que ela
quisesse.
Foi então que percebi que eu gostava
de Mina de qualquer jeito. E o mais
curioso é que ela não precisava nem
estar nua. Desde que ela estivesse por
perto, eu gostava dela de qualquer jeito.
Se ela estivesse nua era melhor,
obviamente. Mas se estivesse vestida,
eu não iria reclamar. Ela apertou os
cabelos para que o excesso de água
escorresse. Sorriu, sapeca, afastando as
gotas de água do rosto.
Eu não conseguia desviar o olhar.
Não conseguia pensar em nada que não
fosse ela. Tirei a blusa sem dedicar
muita atenção às minhas ações e chutei
os sapatos para o lado.
– Achei que só ia se aproximar
quando eu pedisse. – Riu e eu quis
apertá-la todinha.
– Eu não prometi nada. – Empurrei as
calças para baixo e peguei seu olhar
curioso em busca da minha ereção. –
Quer ver mais de perto? – Sempre! –
Deu um passo para trás de modo a abrir
espaço embaixo do chuveiro.
Ela era tão linda que me dava vontade
de gritar. E quando ela ria desse jeito,
sem vergonha, sussurrando algo safado
para mim, eu ficava tonto. Meu quadril
se aproximou primeiro e eu estava
raspando nossas mais deliciosas partes
uma na outra. Um passo adiante e Mina
estava apoiada nos meus ombros.
Beijou minha boca e se pressionou
contra o meu tórax, encaixando o rosto
na curva do meu pescoço. Eu a abracei e
deixei a água cair sobre nós.
Aquilo era bom. Aquele abraço
quente, aquele banho gostoso, aqueles
braços ao meu redor.
Aquilo era tão bom. Apertei o abraço
e fechei os olhos. Minha ereção
perfurava a carne da sua cintura, mas ela
não reclamou. Minha Mina
envergonhada que tinha se acostumado
com paus duros. Estava sorrindo.
Desfrutava do meu momento e da minha
menina.
Estiquei o braço e peguei o sabonete
no apoio lateral. Ensaboei suas costas
primeiro enquanto ela permanecia
abraçada comigo. A curva de sua bunda,
o alto de suas coxas… O sabonete
escorregava suave e eu aproveitava para
passar minha mão logo em seguida. Eu
poderia usar o pretexto de que queria
apenas lavá-la melhor, mas… quem eu
estaria enganando?
Me ajoelhei e ensaboei o resto de
suas pernas. Ela riu baixinho e se moveu
para me ajudar. Beijei o joelho antes de
cobri-lo de sabão. Lavei seus pés com
cuidado antes de me levantar. Ela
mantinha aquele sorriso comedido que
me dava vontade de mordê-la. Escolher
uma porção de carne, de preferência a
dos seios, e abocanhá-la com força.
Todavia, em vez disso, continuei minhas
carícias com bolhas de sabão,
dedicando um cuidado especial a cada
um dos mamilos. São partes delicadas
do corpo feminino… e precisam,
portanto, de uma atenção especial.
Beijei seu pescoço e, com as mãos em
concha, lavei-a por inteiro. Movendo
seus braços para colocá-la debaixo do
jato, lavando cada parte do seu corpo.
Quando me dei por satisfeito,
depositei de volta o sabonete no
recipiente e alcancei o pote que ficava
ao seu lado. Mina enrugou a testa e eu
compreendi sua dúvida.
– Shampoo? – Quis saber.
Eu ri antes de deixar a resposta
escorrer com uma luxúria incontrolável:
– Sabonete íntimo.
Sua expressão se contraiu em uma
preocupação intensa e a senti hesitar em
meus braços.
– Shh… – Pedi e a fiz se virar,
mantendo sua bunda contra minha
virilha, esfregando minha ereção contra
aquela curva perfeita…
Apliquei uma boa quantidade do
líquido em minha mão antes de derrubar
o pote ruidosamente no chão molhado.
Deslizei a mão por sua barriga e notei
quando ela prendeu a respiração.
Minha mão explorou cada canto da
sua vagina. Ensaboando-a com dedos
lentos, girando ao redor do clitóris,
percebendo os pequenos movimentos de
contração em suas pernas, que
começavam a ansiar por mais. Prendi o
lóbulo de sua orelha entre meus dentes e
enfiei a cabeça do meu cacete entre as
bandas de sua bunda.
– Ryk… – gemeu.
– Não vou fazer nada, amor –
acalmei-a. – Não vou fazer nada. Só é
gostosinho deixar aqui… nem que seja
um pouquinho.
Mina inspirou profundamente e
arrebitou a bunda o suficiente para que
meu pau se escondesse um pouco mais
entre suas bochechas e eu estava de
olhos fechados de novo. Com sua boceta
inteira em uma de minhas mãos, levantei
a outra para agarrar seu seio. Ela estava
gemendo mais alto e eu não estava mais
conseguindo controlar meus dentes.
– Vocês voltaram!
O grito alto fez meu coração disparar
em desespero, tomando a frente de
Mina. O pânico fez meu corpo inteiro se
contrair e eu ia precisar de minutos – ou
horas – para superar a sensação de que
meu peito ia explodir.
– Lucy? – reclamei.
Mina emitiu alguma exclamação alta e
se enfiou atrás de mim.
Na nossa frente, a porta estava
abarrotada de curiosos. Liderados por
Lucy, quase todos os nossos amigos da
boate tinham aparecido para nos
prestigiar.
E malditos fossem. Todos eles.

– Não é possível. – Ryker abriu a


boca, enquanto eu me tapava,
envergonhada. – Realmente
inacreditável. – Ele não parecia
ultrajado ou envergonhado. Só estava
verdadeiramente incrédulo. – A gente
não vai conseguir transar nunca mais?
– Shhh! – exclamei, em pânico.
– Você tem alguma maldição. Não é
possível.
– Será que você pode se vestir? –
implorei, angustiada.
– Algo como: “Um dia se aproximará
de você um homem chamado Ryker.” –
anunciou com uma frustração que seria
cômica se eu não estivesse tão
desesperada. – “E deste dia em diante,
Ryker nunca mais conhecerá os prazeres
do sexo.”
– Bem específica essa sua maldição,
hein? – reclamei.
– E irritante! – Arregalou os olhos.
Eu me enrolei em uma toalha e Lucy
logo me abraçou.
– Vocês voltaram! – repetiu.
Atrás dela estavam Skye, Tonya,
Joanie, Devon, Roy e Tim, seguidos de
perto por um Lucky que ergueu as mãos
para mim como se pedisse desculpas e
explicasse que era impossível impedir
aquele grupo de fazer seja lá o que
fosse.
Abracei Lucy de volta e ela começou
a empurrar todos para trás, assim que
me soltou.
– Vocês esqueceram que ela tem
vergonha? – ralhou alto. – Deixem que
ela volte para o quarto para se vestir.
Trouxe roupas dessa vez, bebê? –
Apertou meu braço. – Ou vai precisar de
algumas emprestadas de novo?
Ah… tinha isso também…
– Eu… ahm…
Lucy sorriu.
– Tudo bem! Eu te empresto!
– O que aconteceu? – Devon quis
saber. – Vocês conseguiram se livrar do
russo?
– Que russo? – Roy perguntou.
– O russo que eles viram matar um
cara, Roy, presta atenção. – Joanie
revirou os olhos.
– Como vocês sabem disso? – Ryker
avançou pelo quarto.
– O policial me contou. – Devon deu
de ombros. – Quando eu fui ajudar
Mina.
– E você resolveu divulgar? –
exclamou, irritado.
– Você já tentou manter algum segredo
nessa boate? – Arregalou os olhos.
– Pode se vestir? – pedi para Ryker,
baixinho.
– Coloca a vida da gente em risco
quando faz algo assim, Höfler!
– Ah, vá pro inferno, Strome! Fiz o
que pude para ajudar sua namorada! E
você me retribuiu comendo minha
mulher!
– Não te retribuí! – berrou. – Isso
aconteceu antes, seu animal!
– Pior ainda! Porque eu te ajudei,
apesar disso.
– Meninos, chega! – Lucy pediu.
– E eu não comi sua mulher! – Ryker
revidou. – Se você não era suficiente e
ela precisou contratar um garoto de
programa, a culpa não foi minha.
– Cala essa boca! – Devon avançou e
eu tive certeza que eles iam brigar.
– O QUE É ISSO?
Era uma voz imponente.
O tipo de voz que se obedece, não
com a qual se discute.
Zahner estava parado na porta do
quarto com sangue nos olhos.
– Qual parte… QUAL PARTE do “fiquem
em silêncio e escondidos” vocês dois
têm problemas para entender? – Levou
as mãos à cabeça. – É impossível. – Ele
deu dois passos e se sentou na borda da
cama. – Impossível. Vocês vão morrer.
Eu não consigo proteger vocês.
– Gary, tira a cueca da bunda – Ryker
rosnou, furioso. – São nossos amigos.
São pessoas de confiança.
– Tenho certeza de que são. – O
inspetor torceu o nariz. – Estou aqui há
dois segundos e já vi pelo menos um
cara que não te quer muito bem. E foi
ele quem você indicou para servir de
álibi pra Mina. Perdeu o juízo? – Ele se
levantou. Por um segundo, achei que ele
fosse entrar em combustão espontânea.
No entanto, respirou fundo e nos
ofereceu uma risada de desespero. –
Não importa! – decidiu, mais para si
mesmo do que para o resto da plateia. –
Não importa! O que importa é o que nós
vamos fazer agora.
– Vocês precisam de provas para
prender o russo? – Joanie quis saber. –
Ou só precisam fugir?
Zahner abriu os olhos e boca com uma
indignação que não poderia ser descrita
em palavras. Mas depois apenas se
calou, resignado. Sentou-se de volta e,
com o cotovelo apoiado no joelho,
escondeu a boca atrás da mão e ali
permaneceu.
– Conta a história desde o começo pra
gente! – Lucy pediu. – A gente pode
ajudar!
– Não quero colocar vocês em risco.
– Acenei, preocupada.
– Mina. – Lucy segurou minhas mãos.
– A gente adora você e o Ryker e, não
me leve a mal, ajudaríamos vocês só por
isso. Somos uma família. Eles não estão
apenas ameaçando nossa família. Eles...
já machucaram nossa família. – Engoliu
em seco com os olhos firmes nos meus e
eu soube.
Spider.
O pessoal da Lucky’s podia ter um
jeito insano de lidar com problemas,
mas sua união nunca foi um aspecto a ser
questionado. Spider morrera. O culpado
poderia ser punido. Eles não iriam a
lugar algum.
– Acho que eles não podem contar! –
Luckas tentou defender.
– Mas nem pra gente? – Tim pareceu
ofendido.
– Não, não podem! – Zahner
interferiu. Esfregava os dedos nos olhos
como se aquilo fosse capaz de fazê-lo
acordar de toda aquela insanidade. –
Nem eu sei ainda o que pode ser feito
para solucionar o problema. Estamos em
uma merda bem grande e agora Strome e
Bault precisam ficar bem quietos e me
deixar resolver.
Lucy ensaiou um “uhh” que
certamente irritaria Gary mais ainda,
mas sua revolta foi interrompida pela
pergunta de Ryker: – Por quê?
Todos se calaram para observá-lo.
– “Por que” o quê? – Zahner
devolveu.
– Por que temos que deixar você
resolver?
– Está me chamando de incompetente,
garoto? Porque eu me lembro de ter
salvado sua vida pelo menos umas duas
vezes.
– Pare! – reclamou. Era bizarro o fato
de que ele ainda estava nu e eu
precisei…
– Ryk, por que não veste algo?
– Fazia sentido te deixar resolver
antes, Gary! – Ele me ignorou. Eu podia
perceber que tinha algo em mente. O
traçar de um pensamento o estava
guiando, então resolvi deixá-lo em paz.
– Fazia sentido quando você era da
Interpol, quando tinha contatos, quando
tinha um plano! Mas agora você é
apenas um de nós.
Ele fez silêncio por um segundo,
como se esperasse que Zahner refutasse
suas afirmações. Mas, em vez disso, ele
apenas engoliu em seco.
Ryker respirou fundo e um silêncio
tomou conta do quarto.
– Certo… – Ryk balançou a cabeça. –
Então acho que agora é a hora de pedir
ajuda.
– A quem? – Zahner levantou os olhos
para Strome. – Não pode confiar em
qualquer um!
– O que você acha? – Ele me encarou.
Um olhar calmo e profundo de quem tem
tudo sob controle. De alguém que sabe
exatamente o que fazer.
– O que você achar melhor. – Acenei.
– Eu concordo.
– Preciso de um celular – murmurou.
Zahner estava reclamando sobre
alguma coisa quando Tonya ofereceu seu
aparelho a Ryk. Ele apertou números
demais e aguardou em silêncio. Do outro
lado, alguém deve ter atendido porque
ele disse com uma voz alta e firme.
– Olá. Preciso falar com Sven
Delvak, por favor.
Seis
Novos planos
– Eu ainda não entendi quem é esse
Herbeck de quem vocês tanto falam.
– Joanie! – Luckas pediu.
– Foi só uma pergunta! – ela se
defendeu.
– Eu sei! E Ryker e Mina já
concordaram que, desta vez, todo mundo
vai ficar por dentro dos
acontecimentos… Mas a irmã dele já
está chegando. Vamos segurar as
perguntas por alguns minutos para que
ele não precise explicar tudo duas
vezes, sim?
– A gente já esperou quase um dia
inteiro! Pode ser que ela entenda essa
parte bem rápido – Joanie reclamou,
torcendo seu nariz afilado e cheio de
sardas. – Ele podia ir adiantando, caso
eu seja mais lenta.
Quase um dia inteiro de espera e
antecipação. Eu não sabia se estava
mais nervosa com a perspectiva de ser
apresentada à irmã de Ryker, que era
uma das minhas autoras eróticas
favoritas, ou ao cunhado dele, o
presidente da maior empresa
pornográfica do planeta e que parecia
ser algum tipo de super-homem que ele
idolatrava.
Luckas ofereceu a Joanie uma careta
de desagrado como resposta e Devon
inspirou fundo para dizer alguma coisa
enquanto Ryker se movia como se fosse
pedir calma. Zahner estava sentado por
perto, prestes a entrar em ebulição,
quando um barulho na porta nos fez
calar. Pela luminosidade na lateral do
salão, era de se imaginar que a porta
estivesse aberta. Pude ouvir a voz de
Brout cumprimentando alguém, seguida
por uma voz masculina intensa e
profunda. Prendi a respiração. Os
estalos do salto alto ecoaram pelo salão.
Ela se aproximou e entrou no meu
campo de visão primeiro.
Lexa Strome.
Tinha algo imperial no modo como
ela se portava e se movia. Diante de sua
presença forte, que indicava que nada a
poderia atingir, era difícil acreditar que
ela já tinha passado por um trauma. Os
longos cabelos loiros escuros lhe caíam
até a cintura. Uma mistura de fios cor de
mel com um castanho muito claro em
cachos soltos, longos, pesados e
invejáveis. Sua elegância seria
considerada esguia, não fosse pelas
curvas angulosas em todos os lugares
certos. Sua saia justa descia até os
joelhos e perpassava a cintura,
delineando o corpo inteiro. A camisa de
seda, metodicamente colocada por
dentro da saia, tinha as mangas
compridas dobradas em três quartos.
Apenas um botão desatacado exibia o
pingente delicado de seu colar discreto,
um pouco de pele e nada mais. Não
havia decote a ser exibido, não havia
abertura na saia que comprometesse a
integridade das coxas. Ela era o símbolo
da pureza com um gosto
incompreensível por sacanagem.
Talvez fossem os lábios que se
entreabriam em um sorriso peculiar. Ou
os olhos. Um verde-azulado que
lembraria com segurança o tom dos de
Ryker, embora os dele estivessem mais
próximos do verde enquanto os dela se
agarravam ao azul.
Foi então que notei as semelhanças…
Não fosse pela cor dos cabelos: os dele
permeavam um castanho muito escuro e
os dela eram uma mescla inusitada de
tons de loiro. Desconsiderando isso,
eles seriam perfeitamente reconhecíveis
como membros da mesma família. Além
da tez semelhante, os traços sugeriam
uma mesma ascendência, associados ao
sorriso que eu não conseguia exatamente
definir.
Ela abriu o sorriso e os braços, e
Ryker se levantou.
– Você deveria ligar com mais
frequência. – Colocou o irmão mais
novo dentro do seu abraço e lhe
ofereceu um beijo na bochecha que ficou
registrado pela marca vermelha do seu
batom.
– Não gosto de incomodar.
– Não seja bobo, Ry. – Recriminou-o
com um olhar que seria condescendente,
se não exalasse carinho.
– Ahm, Lex. – Virou-se para mim com
um sorriso. – Essa é Mina. Ela é uma fã.
– Riu e eu tive certeza que a
vermelhidão tinha assumido minhas
bochechas para sempre.
Eu me pus de pé com um solavanco e
Lexa me estendeu a mão.
– Como vai? – Seu sorriso era
deslumbrante. Eu retribuí o gesto de
simpatia e já tinha a mão estendida no ar
quando ele se aproximou.
Seria impossível afirmar com certeza,
mas acho que senti seu cheiro antes
mesmo de vê-lo. Percebi sua presença
antes mesmo de saber como era seu
rosto ou me certificar de seu nome.
Havia algo na sua mera existência que
me fazia tremer. Como se ele fosse
capaz de infectar alguém com uma
perigosa dose de feromônios por meio
do ar que respirava.
Ele abriu um sorriso e eu esqueci que
deveria apertar a mão de Lexa.
Em cima de seus saltos altos e finos,
Lexa deveria beirar um metro e noventa.
O homem atrás dela era levemente mais
alto. Seu físico era evidente mesmo por
baixo de paletó e casaco. Sua barba
clara estava rala e por fazer. O maxilar
quadrado e a expressão descarada. O
loiro de seus cabelos arrepiados era de
um tom diferente dos de Lexa. Era um
loiro mais claro e evidente. O tom de
seus olhos também era diferente… bem
diferente… Um azul-claro que assumia
uma profundidade tectônica, provocando
em mim um ardor que queimava em
locais bastante inapropriados.
Ele se aproximou mais do que eu
poderia imaginar e já invadia meu
espaço pessoal quando tomou para si a
mão que eu mantinha no ar estendida
para Lexa.
– Sven – sussurrou, antes de beijar
meus dedos. – É um prazer conhecê-la.
Por que ele precisava pronunciar a
palavra “prazer” daquele jeito?
Seus lábios se foram dos meus dedos,
mas ele ainda sustentava o aperto em
minha mão, com os olhos fixos nos meus
como se para prolongar a hipnose. E
seja lá o que fosse… estava funcionando
perfeitamente bem.
– Sven? – Ryker limpou a garganta e
eu despertei com um estalo, tomei minha
mão de volta com educação. Mas meu
captor não pareceu se incomodar ou se
constranger. Em vez disso, apenas
aproximou o rosto do meu e respirou
fundo, como se pudesse me compreender
melhor pelo olfato. Nossos hálitos se
misturaram e eu assisti à sua testa se
enrugar em uma proximidade perigosa.
– Virgem? – Ele estreitou um olho e
eu entrei em pânico.
– Delvak! – Lexa estourou um livro
contra suas costas e a hipnose se
quebrou. Eu dei um passo para trás e o
vi sorrir antes de tirar o foco de mim e
levá-lo a outra pessoa.
Eu não era mais virgem, mas era
consideravelmente inexperiente. Mas
como ele sabia? Como era possível
saber? Pelo cheiro?
Virei o rosto para o lado,
aproximando o nariz das minhas roupas
na altura do ombro e tentei fungar
discretamente… Como era possível?
– Eu estava apenas dizendo “olá” –
defendeu-se.
– Vá dizer “olá” para outra pessoa. –
Lexa revirou os olhos e ele se foi. Lucy
estava de pé, o que era extremamente
curioso.
Engoli em seco e recuperei o ar.
– Eu… sinto muito. – Meu rosto
explodia em um vermelho que me fazia
arder de vergonha. Eu tinha encarado
libidinosamente o namorado da Dama
Imperial do Erótico. Que, por sinal, era
minha cunhada. E tinha feito isso na
frente do meu namorado.
Ter Ryker nu era uma coisa boa, mas
vou te contar… Fora isso, ser eu era
uma merda.
– Não se preocupe, querida. – O
modo descontraído com o qual ela
sorriu me fez crer que tudo estava
realmente bem. – Ele faz isso.
– E você não se incomoda? Oh,
desculpe! – Levei a mão à boca quando
percebi que a pergunta indevida tinha
escapado rápido demais. – Não é da
minha conta.
– Por que me incomodaria? – ela se
limitou a responder.
Meu queixo caiu enquanto eu tentava
encontrar o sentido.
– Vocês… ahm… Ryker disse que
você e ele…
– Não estamos juntos. – Ela puxou a
orelha do irmão e Ryk chiou, irritado. –
Ry tem essa alucinação de que eu e Sven
namoramos. Mas não é verdade.
– Não tenho alucinação nenhuma.
Vocês dois só tem problemas para
assumir.
Ela poderia ter respondido. Poderia
ter revidado e refutado. Usado
argumentos que pessoas normais
usariam. Ou poderia ter ficado com
vergonha e fugido do assunto. Porém, em
vez disso, ela apenas o segurou pelo
queixo e sorriu, encarando seus olhos
com cuidado.
Sorriu como se ele fosse uma criança
muito pequena que não entende
absolutamente nada de sexo ou
relacionamentos. Como se a opinião
dele sobre os dois temas servisse tanto
quanto a opinião de uma criança de dois
anos sobre física espacial.
Nunca tinha visto alguém tratar Ryker
assim. Ele sempre tinha sido o deus-de-
todo-o-conhecimento até onde eu sabia,
e ver que havia alguém no mundo que
não apenas ficava mais à vontade com o
assunto do que ele, mas também era
incapaz de se constranger com algo dito
por ele foi realmente uma boa dose de ar
fresco.
Eu me virei de volta para o grupo,
tomando o cuidado de não fazer contato
visual direto com o senhor Delvak. Ele
tinha acabado de cumprimentar todos ao
nosso redor, de modo que só faltava
Zahner.
– Gareth Zahner. – Eles apertaram as
mãos com cordialidade. – Interpol.
– Ah, então você é o incompetente?
– Como é? – rosnou.
– O incompetente – Delvak repetiu,
sem problemas. – É você?
– Não me conhece o suficiente para
fazer esse tipo de ofensa. – Mordeu o
lábio. Ele estava tentando ser educado,
mas estava exigindo tudo de si.
– Conhece a definição de
incompetência, senhor Zahner? Significa
inabilidade. Inaptidão. Incapacidade de
realizar algo.
– Depende do contexto – Lexa
assoviou baixinho, fazendo Delvak
interromper seu discurso, controlando
uma careta de irritação. Expirou fundo e
lhe ofereceu um sorriso de desagrado.
– Você quer falar por mim? –
convidou.
– Acho que eu faria um trabalho
melhor do que o seu na maior parte das
vezes. – Sorriu, absoluta, passando um
braço pelos ombros de um Ryker que
claramente se divertia com a dinâmica
entre os dois. – Mas ainda estou
matando as saudades do meu irmão.
Pode continuar, obrigada.
Delvak abriu um sorriso mais amplo
de quem estava lutando para ser
agradável e se voltou para Zahner.
– Até onde sei, você era responsável
por cumprir um acordo, que era manter
aqueles dois a salvo. E, até onde sei,
você foi incapaz de realizá-lo. Estou
errado? – continuou.
– Não gosto de você. – Gary decidiu
em alto e bom tom.
– Homens geralmente não gostam –
sorriu. – A não ser que eles sejam
homossexuais. Neste caso, não
conseguem se distanciar. – Ele piscou
um olho para Lucy e tenho certeza que a
vi corar, o que não fazia qualquer
sentido.
Delvak despiu o casaco e, quando ele
desatou os botões do paletó para se
sentar em uma das cadeiras perto de
Luckas, eu soube que ele era o tipo de
pessoa impossível de descrever.
O homem era sexo em um terno caro.
Sexo muito bom, por sinal.
– Então, moleque! – Riu para Ryker e
ele foi se sentar ao seu lado. Me puxou
pela mão quando passou por mim. Sentei
perto do meu namorado e respirei fundo.
– O que houve? A parte de ter visto o
Kulik matar alguém eu já entendi.
Explique o resto.
Ryker falou rápido e suave, poupando
apenas os detalhes que pertenciam
apenas a nós dois e seriam irrelevantes
a terceiros. Começou repassando os
eventos da primeira noite em Paris,
ignorando o motivo que nos unira
naquela noite e eu lhe fui profundamente
grata por isso.
Delvak e Lexa se entreolhavam em
breves espaços de tempo, aguardando a
conclusão da narrativa que seguia com
seriedade, mas sem maiores problemas.
Pelo menos, a cena se desenvolveu
assim até Ryker chegar na parte da
ligação que recebeu na Itália. Ele fez
uma pausa para respirar fundo e algo na
sua postura deve ter indicado a Lexa e a
Delvak que as más notícias se
aproximavam.
A explicação daquela parte da
história fez o clima no salão mudar. Ryk
murmurou, em meio a doses precisas de
nojo e fúria, a participação de Simak no
nosso reencontro com os russos, a morte
de Spider e o motivo de estarmos fora
do programa.
A menção ao nome do pai de Ryker
fez Delvak cerrar as mãos em punhos.
Seu semblante alterou-se e o safado
brincalhão tinha desaparecido. Ele
estava sério como o dia depois do
Apocalipse e Lexa apoiou a mão em seu
ombro, apertando-o em uma carícia de
conforto.
Sven esfregou os olhos por dois
segundos.
– Não vou te enganar, moleque. Você
se meteu em um problema bem sério.
– Eu sei. E detesto envolver vocês,
mas…
– Deveria ter nos envolvido antes –
Lexa falou com intensidade. – No
entanto, estamos aqui agora e vamos
resolver.
– Ela está certa – Delvak falou. – Não
acontece com frequência. – Sorriu e
Lexa ofereceu-lhe a língua em resposta,
suavizando o clima de tensão ao nosso
redor.
– Sven… – Ryker pediu devagar. –
Não conhece algum policial por aqui?
Delvak expirou sem pressa, antes de
se recostar na cadeira.
– Conheço muitos policiais, garoto.
Mas os conheci quando eles estavam me
prendendo. Esse tipo de coisa não é uma
boa fundação para uma relação de
confiança.
– Prendendo? – murmurei. – Você já
foi preso?
– Atentado ao pudor mais do que
qualquer outra coisa – explicou,
gesticulando, como se não fosse nada. –
Mas isso não importa. Não é com a
polícia que vamos resolver o problema
desta vez.
Ryker fechou e abriu a boca como se
não soubesse qual era a intenção de
Delvak.
– Nosso problema não é recuperar a
reputação do agente Zahner nem
transformar vocês em testemunhas
protegidas – suspirou. – O verdadeiro
problema ainda é o fato de vocês dois
terem testemunhado um chefe da máfia
russa cometer um assassinato. Esse é o
seu problema que nunca foi devidamente
resolvido. Esqueça o resto! Esqueça o
Herbeck e Simak – cuspiu o último
nome. – Esqueça o programa de
proteção à testemunha ou as politicagens
da Interpol. Esqueça tudo. Seu problema
é que a máfia russa quer vocês dois
mortos. Suas opções, de acordo com a
polícia, sempre vão ser: morrer ou
passar o resto da vida escondidos. Mas
a polícia nunca vai lhes contar que
existe uma terceira porta.
Eu não tinha entendido. Contudo,
pelas testas enrugadas, olhares estreitos
e narizes torcidos ao meu redor, tinha
certeza que não era a única.
– Sven… – Lexa pediu baixinho. Ao
contrário do resto de nós, ela tinha
entendido perfeitamente bem.
– Vocês estão tentando encontrar a
solução na lei. – Ele pegou a mão que
Lexa posicionara em seu ombro e a
segurou nas suas, numa tentativa de
acalmá-la. – Mas as soluções da lei são
uma merda! Agora, nós precisamos
procurar uma solução no crime.
Dizer que todo mundo começou a
falar ao mesmo tempo seria uma
gentileza.
As pessoas estavam gritando. A
começar por Zahner, que transformou
sua gargalhada de escárnio em uma
interminável sequência de ofensas
dirigidas a Delvak.
O baque alto fez todos se calarem
mais uma vez. Lexa Strome tinha dado
um murro ruidoso em uma das mesas
com tanta força que foi difícil imaginar
que ela não teria se machucado.
– Calem-se todos! – ralhou. – Vocês
estão aqui há meses tentando resolver
esse problema e não tiveram sucesso.
– Bem, alguns de nós… – Höfler
começou.
– Silêncio! – ela rosnou e ele se calou
de imediato. – Errar é compreensível, só
que persistir no erro é estupidez. O
modo como lidaram com tudo até agora
foi ineficiente.
– Ou incompetente. – Sven
acrescentou.
– Cale-se você também! – rugiu, e ele
levantou as mãos em um pedido de
desculpas. – Nós vamos experimentar
algo novo agora e eu não quero ouvir
reclamações. Todos sabemos a
gravidade da situação. Não é
brincadeira, não é festa. O que vai
acontecer a partir de agora vai ser ainda
mais grave e só por optarem estar aqui,
aqueles de vocês que ainda não estão
envolvidos, estão arriscando as próprias
vidas também. E eu não vou permitir que
essa situação piore ainda mais por causa
de baderna e infantilidades. Sven tem
um plano, vamos ouvi-lo sem
interromper, a não ser que tenhamos algo
produtivo a acrescentar ou uma crítica
construtiva pertinente. Fui clara?
O modo assustador como ela se impôs
deixou todos nós aflitos e ávidos para
concordar. Delvak esperou alguns
segundos antes de ter certeza que era
seguro continuar.
– O plano é tornar Yuri Kulik
irrelevante. Dessa forma, mesmo que ele
queira matar vocês, não poderia fazer
isso.
– E como você pretende fazer isso? –
Zahner interrompeu e Lexa ficou lívida.
– Porque nós temos tentado há anos e…
– Vocês têm tentando dentro das leis –
Delvak lembrou. – Não preciso fazer
isso e posso ser mais criativo.
– Criativo? É outra palavra para
“ilegal”? – Zahner não parecia
confortável com a ideia e eu não o
culparia por isso. Pelo contrário, senti-
me aflita por ele. Não poderia ser fácil
estar naquela situação: ele era apenas
um cara honesto que tentou nos ajudar e
que agora estava pagando por isso de
todas as formas possíveis. Ele queria
nos manter a salvo e acabar com Kulik,
certamente. Mas havia muito mais em
risco. Sua carreira, sua reputação. Sua
vida...
Sven inspirou fundo como se Gary o
deixasse exausto, mas Lexa tocou seu
ombro e falou por ele, talvez sentindo
por Zahner a mesma empatia que eu.
– Senhor Zahner? – ela chamou. –
Qual solução o senhor vê? – convidou,
mais polida desta vez. – Procurar ajuda
da polícia? Por que eles acreditariam
em qualquer um de nós? Colocar tudo na
internet e correr o risco de sermos todos
assassinados ainda assim? Conseguir um
empréstimo e fugir para Bali pelo resto
de suas vidas? Qual é o seu plano?
Gary a encarou em silêncio. Eu vi sua
postura mudar. Não era mais defensiva e
estressada. Ele estava considerando…
– Eu não sei – admitiu, finalmente. –
Não sei. – Enfiou a mão nos cabelos e
eu senti por ele… O homem que sempre
tinha um plano estava completamente
perdido e isso deveria ser mais difícil
para ele do que nós poderíamos
compreender. Uma parte de mim desejou
ter sido mais paciente com ele nos
últimos dias. – Eu queria poder
consertar a situação – admitiu para si
mesmo. – Mas não sei como. – Largou-
se na cadeira e apoiou a testa no punho.
Foi aí que percebi que ele estava
disposto a escutar.
– Eu tenho um amigo. – Lexa se
sentou ao lado do agente com um sorriso
simpático. – Ele dizia uma coisa muito
interessante, senhor Zahner…
– Gary – pediu. – Pode me chamar de
Gary.
– Gary – ela concordou com uma
reverência breve. – Ele dizia que, ao se
deparar com um problema, a melhor
coisa que se pode fazer é a coisa certa.
A segunda melhor coisa que se pode
fazer é a coisa errada. E a pior coisa
que se pode fazer é não fazer nada.
– Não tenho certeza se estou
entendendo aonde quer chegar. – Gary
expirou, cansado.
– Ela está dizendo que vocês já
tentaram fazer a coisa certa. – Sven
sorriu com simplicidade. – Porém,
agora, está na hora de fazer a coisa
errada.

As pizzas demoraram a chegar, mas se


foram em uma velocidade
impressionante. Espalhamos folhas de
papel-ofício pelo chão de modo a
facilitar a visualização da parte da
estrutura da máfia russa que Zahner
conhecia.
– Trabalhei nisso durante um bom
tempo, Delvak, e é bom que sua
criatividade seja farta mesmo, porque
não vejo nenhuma alternativa.
– Não preciso de alternativas, Zahner.
– Ele tinha despido o paletó e a gravata.
Arregaçou as mangas e, mesmo que eu
me amaldiçoasse para sempre, uma
parte de mim desejou que ele viesse me
cheirar de novo. – Na verdade, nem
precisava desse seu resumo. Isso foi
insistência da Lexa, pois é escritora e
tem essa mania de roteiros, mas eu já sei
o que precisa ser feito.
– Quer dizer que esse trabalho todo
foi pra nada? – Lucy reclamou,
indicando as folhas no chão.
– Não importa quanto poder Kulik
tenha. Sua influência, seus
conhecimentos, sua força bruta...
– Força bruta? – Devon se interessou.
– Homens e mulheres que trabalham
para ele – Delvak esclareceu antes de
continuar. – Nada disso importa porque
tudo isso é sustentado por uma mesma
fragilidade absoluta: dinheiro. – Sorriu
ao atingir o clímax de sua explicação.
Ao seu redor, o resto de nós permanecia
em silêncio e seu sorriso de conquista se
transformou em uma careta de
frustração. – Sinceramente! Vocês não
estão prestando atenção? Sem dinheiro,
as influências dele acabam, ele não tem
mais como pagar o pessoal. Mesmo seus
conhecimentos e contatos seriam
insignificantes por si só. Tudo o que
precisamos fazer é tirar o dinheiro de
Kulik e ele se tornará irrelevante.
– Então a gente vai roubar um
mafioso? Em vez de matá-lo? – Tim quis
saber.
– Acho uma péssima ideia – Devon
começou e logo Roy estava
concordando: – Com certeza! A gente
não pode votar? Porque, se for para
escolher entre roubar um chefão da
máfia ou matá-lo, acho que matar é mais
seguro.
– Vocês ficaram loucos? – Tonya
levou a mão ao peito. – Não vamos
matar ninguém! É uma vida humana!
– O pobre coitado que Mina e Ryker
viram ser assassinado também era uma
vida humana! – Roy lembrou.
– E ele matou a Spider!
– Foi ele quem matou a Spider? –
Tonya arregalou os olhos e Lucy travou
os lábios, em fúria.
– Tonya, sinceramente, você precisa
parar de ficar lendo TMZ no celular e
começar a prestar atenção.
– Shh, shh! – Sven pediu. – O plano é
tirar o dinheiro dele.
– Pensei que a gente ia votar. – Joanie
olhou ao redor à procura de apoio.
– É, eu voto por matarmos ele! – Roy
levantou a mão e a concordância se
espalhou pelo salão. Delvak estava
escondendo os olhos atrás da mão e
Zahner continuava com sua risada de
desespero como se tivesse certeza desde
o início que aquilo não ia dar certo.
– Eu ainda acho que toda essa gente
não deveria estar aqui. – Gary virou-se
para nós.
– É bom que estejam. Vamos precisar
de ajuda – Delvak decidiu.
– Gente, por favor! – levantei a voz. –
Sei que todo mundo quer ajudar e somos
gratos pela preocupação. Já entendi que
é uma questão de honra para o clube por
causa de… – respirei fundo – ... Spider.
Mas a gente precisa ser inteligente. O
senhor Delvak parece ter um
entendimento melhor do que está
acontecendo, então… vamos tentar… só
por um segundo… ouvir?
Menos de um segundo depois do meu
discurso, todos estavam falando ao
mesmo tempo novamente e percebi que
minha razão não ia alcançar ninguém.
Delvak e Zahner pareciam se
encontrar nas imediações de uma
desistência, enquanto Lexa tentava atrair
a atenção de todos.
Entretanto, eu sabia o que ia
funcionar. Peguei a garrafa de vodca
mais próxima e arremessei-a com força
no chão. O vidro se espalhou junto ao
líquido transparente e todas as pessoas
se calaram.
– Calem a boca! Ou ficam e escutam
ou saem.
– Poxa, Mina – Roy chiou. –
Precisava ter estragado uma garrafa de
vodca?
– E se derem mais um pio eu começo
a quebrar as de tequila! – esbravejei.
Meus colegas não pareciam felizes,
mas estavam resignados e – mais
importante – calados.
– Tudo bem – Lucy aceitou. – Então, a
gente vai roubar o chefão do crime?
– Precisamente. – Delvak cruzou os
braços.
– Isso não parece nem um pouco
simples. – Ryker coçou a cabeça
olhando para a irmã.
Lexa tocava o lábio inferior com o
indicador como se considerasse uma
possibilidade particularmente
interessante. O grupo tinha dúvidas
quanto à estrutura representada nas
folhas de papel-ofício e Zahner se
ocupou de explicar.
– Delvak? – Lexa chamou baixinho,
fazendo-o parar de rabiscar alguma
coisa em uma folha de papel para voltar
sua atenção a ela. – Por que não
chamamos Lola?
Ele se apoiou sobre um cotovelo e,
embora fingisse considerar, estava claro
que já tinha resolvido.
– Acho melhor a gente cuidar de tudo
dessa vez.
– Por quê? – perguntou, incisiva. –
Vamos chamar a Lola! – Sorriu. – É a
ideia perfeita!
– Quem é Lola? – perguntei,
observando Ryker que não aparentava
saber mais do que eu.
– Lola é uma pessoa... de conduta
questionável. No entanto, é muito boa no
que faz. Sven já a contratou algumas
vezes quando precisou que algo
delicado fosse feito.
– Tipo um assalto?
– Mais investigações. Eu espero –
acrescentou, demonstrando seu desejo
de que seu amigo não tivesse cometido
alguma ilegalidade. – Por que não
chamamos Lola? – repetiu, empolgada.
– Ahm… – Ele encarou o chão como
se a resposta estivesse anotada em um
dos papéis aos seus pés.
– Sven… – Lexa murmurou com um
tom de poucos amigos.
– Digamos que… – bagunçou os
cabelos loiros com as mãos – ...talvez
eu tenha transado com ela e, por um
motivo que não foi culpa minha –
enfatizou, abanando as mãos com os
olhos arregalados –, tenha, talvez,
esquecido de ligar para ela depois.
Lexa levou as mãos às têmporas e
respirou fundo.
Eu achei que ela ia superar e seguir
em frente, como fez com Ryker. Todavia,
desta vez, Delvak deve ter ido longe
demais e os tapas fortes que ela deu em
seu torso, costas e braços chamou a
atenção de todos.
– SÓ VOCÊ! – bradou. – Para transar
com uma espiã mercenária e não ligar no
dia seguinte! VOCÊ… – Lexa parecia
pronta para espumar e então se calou.
Respirou fundo como se transcendesse e
levantou um indicador ameaçador para
um Sven verdadeiramente assustado. –
Você vai ligar para Lola e vai pedir
desculpas.
– Não foi culpa minha…
– Nunca é culpa sua! – exclamou,
sarcástica. – A vida é linda pra você,
não é mesmo, raio de sol? Nunca faz
nada de errado! E ainda assim o
universo explode para todos os lados.
Vai ligar para ela, sim! – repetiu. – Vai
pedir desculpas. Vai se colocar à
disposição dela para quantos orgasmos
ela achar conveniente – exagerou. – E
vai pagar o que ela solicitar pelo nosso
serviço.
– Lexie, você sabe como ela é. –
Levantou os ombros. – Teimosa como
uma porta. E se ela resolver se vingar?
O lábio inferior de Lexa tremia de
fúria.
– Um dia seu pinto vai apodrecer e
cair! – amaldiçoou e ele levou as mãos a
virilha como um reflexo irracional. – Eu
vou rir e dizer que foi bem-feito. E nada
disso vai funcionar! – Apontou para os
papéis no chão. – Precisamos de mais
informações sobre as finanças de Kulik
antes de sequer pensar em montar um
plano.
O silêncio se espalhou pelo salão,
com risadas baixas direcionadas a um
Delvak que só parecia ser capaz de
calar a boca se por uma ordem de Lexa.
Mas eu não estava pensando na
interação dos dois… Estava pensando
em um modo de obter mais informações.
Quem pode saber o que precisamos
sobre Kulik? Somente uma pessoa de
dentro. Alguém da equipe dele. Mas
como poderíamos saber quem é da
equipe dele? E como poderíamos
submetê-las a um cenário sob nosso
controle?
Uma imagem me vinha à mente. Uma
memória, na verdade. Nebulosa e
distante a princípio, foi ficando
progressivamente mais palpável e
definida. Eu sabia! Eu sabia como
prosseguir a partir dali.
– Precisamos de alguém da equipe do
Kulik. Alguém que possa nos dar
informações.
– Sim – Delvak sorriu. – Essa é a
ideia. Tem algum plano em mente, meu
amor?
Pisquei diante do tratamento
carinhoso e do mel que escorria de suas
palavras. Me senti gaguejar por um
segundo ou dois, piscando os olhos,
tentando recuperar o foco.
– Mina? – Ryker me segurou pelo
cotovelo e consegui sentir o solo firme
sob meus pés de novo. Ele sorriu,
amoroso. – Pare com isso, Sven – pediu.
– Ela se envergonha com facilidade. –
Piscou um olho protetor para mim e
sorri com gratidão.
– Nós já recebemos homens do Kulik
aqui antes! – afirmei.
– Quando eles mataram a Spider e
levaram o Ryker? – Lucy levantou uma
sobrancelha. – Mina, não sei…
– Não só dessa vez! Teve outra
ocasião. – Olhei para Tim, sugestiva, e
ele entendeu.
– Eu os trouxe! – lembrou. – Eles
queriam ver a Tímida.
– Mais do que isso! – continuei. –
Dessa vez, eles estão procurando por
nós. Eles já conhecem esse lugar, foi
daqui que nos tiraram antes! Claro que
eles devem pensar que seria estupidez
buscar esconderijo em um lugar que seu
inimigo já conhece e não devem
imaginar que a gente estaria aqui… mas
seria uma estupidez maior ainda não
verificar esse lugar, só por segurança.
– Eles vão mandar homens para
comprovar se estamos aqui. – Ryker me
seguiu.
– Mas não podem fazer isso
abertamente. Não podem mais mandar
um monte de russos invadir o lugar
porque agora esse problema envolve
muito mais que uns capangas do Kulik.
Agora, envolve a Interpol, um senador,
toda a máfia russa e sabe-se lá quantas
polícias locais.
– Precisam ser discretos. – Ryker já
tinha entendido tudo. – Vai ser arriscado
– murmurou.
– Mas é o melhor plano. Além da
necessidade de averiguar a boate de um
modo discreto, será necessário um
motivo.
– E eu posso lhes oferecer um motivo.
– Tim espremeu as mãos. – Posso perder
dinheiro no jogo e lhes convidar para
ver a Tímida como pagamento da minha
dívida, como da última vez.
– Tim vive se metendo nessas. –
Ryker bateu uma mão na outra. – Com
todo o respeito – acrescentou para o
amigo. – Eles não vão suspeitar.
– E quando eles chegarem aqui – eu ri
– nós estaremos à sua espera.
– Eu não faço a menor ideia do que
seja a Tímida. – Sven balançou a
cabeça. – Mas estou adorando tudo.
– Só tem um problema nesse plano. –
Ryker se virou para mim, enquanto o
resto da gangue comemorava nosso
primeiro avanço. – Para que eles
venham até aqui, precisam estar bem
interessados. Precisa ser algo que valha
a pena para eles, para que aceitem como
pagamento do Tim. Vamos precisar
gerar curiosidade sobre o show. Tudo de
novo.
– Eu sei. – Engoli em seco e levantei
meu queixo com o máximo de resolução
que consegui reunir. – Parece que vou
precisar ficar nua no palco de novo.
O lugar estava consideravelmente
cheio.
Seja lá quem fosse o contato de Lexa
em Amsterdã para divulgação de
eventos, deveria ser um excelente
profissional. O fato de que seu encontro
deveria ter terminado na metade da tarde
e ela ainda não tinha voltado me fez
imaginar como ela poderia ter retribuído
a ajuda de seu contato com uma
prolongada sessão de sexo sujo e suado.
O que seria uma bela merda levando
em consideração que eu passei horas em
um avião para acompanhá-la em uma
jornada através da criminalidade da
máfia para ajudar seu único irmão. Para
piorar, eu não tinha recebido nem um
boquete pelo meu trabalho.
Todavia, lá estávamos nós. A boate
estava lotada, os avisos sobre o show da
Tímida tinham sido devidamente
espalhados e o stripper viciado em jogo
já havia sido enviado em sua missão há
mais de uma hora. Gareth Zahner estava
parado em um dos cantos do salão
principal e parecia mais um segurança
do que os próprios seguranças. Era bom
que ele nunca tivesse trabalhado
disfarçado. Seria sumariamente
identificado e assassinado em questão
de segundos.
Eu ia recriminá-lo pelo seu
comportamento, mas a baderna contida
perto da porta dos fundos chamou minha
atenção.
– Não é bom você ficar por aqui,
Nila. Você precisa ir!
– Sei que eles estão aqui, Luckas! Eu
falei com a Joanie!
– Joanie não deveria ter te contado
nada. Menina, por favor, me escute…
– Era minha irmã! Eles mataram
minha…
– Shhh! – O dono do estabelecimento
puxou a bela jovem negra pelo braço e
se enfiou em seu escritório. Ia fechar a
porta atrás de si, mas eu a barrei com o
pé e entrei com ele.
– O que está havendo aqui?
– Senhor Delvak. – Luckas encarou o
chão, coçando a testa. – Nada, Nila
apenas…
– Não é da sua conta. – Virou seus
imensos olhos negros, me expulsando da
discussão.
– Por que não me diz qual é o assunto
e eu mesmo decido se é da minha conta?
– convidei.
– O assunto é o novo creme vaginal
que eu quero usar para controlar a
infecção na minha boceta. É da sua
conta? – rosnou.
Lambi meu sorriso, discreto.
Gostei de você, garota.
– Tem um novo chamado Ingensy que
é muito bom. Ainda está na fase de teste,
mas posso te conseguir uns tubos, se
quiser.
Enfiei as mãos nos bolsos e esperei
sua reação. Ela apenas focou o olhar em
meu rosto com uma boca entreaberta de
dúvida, acho que ela não deveria
conhecer ninguém mais inapropriado
que ela mesma. Mas agora eu estava ali
e isso ia mudar.
– Nila, o senhor Delvak é amigo de
Ryker. Está aqui para nos ajudar com…
bem, com tudo.
– Qual é o plano? – ela sequer
hesitou.
– O plano é você sair daqui e não se
meter – decidi.
– Eu já pedi a ela, mas…
– Não vou embora. E, se não me
deixarem participar, eu vou gritar na
porta que a máfia russa deveria vir até
aqui. Vou até o jornal, se precisar!
Esfreguei minhas têmporas enquanto
ela terminava a frase. Acho que Zahner
estava certo: Ryker deveria ter sido
mais cuidadoso. A quantidade de
pessoas que sabia sobre aquele assunto,
que deveria ser secreto, era cada vez
maior.
– E posso perguntar por quê?
– Era minha irmã! – sibilou.
– Sua irmã?
– Ela trabalhava aqui – Luckas
explicou. – Os russos a assassinaram... –
murmurou, como se as palavras doessem
quando estalavam em sua língua.
– Entendo…
– Nila, você está muito envolvida
com isso. Emocionalmente…
– Estamos todos envolvidos, Lucky!
Não venha com esse papo para cima de
mim! Spider era minha irmã. Ela morreu
nesse buraco, assassinada por aqueles
putos de merda e se vocês tem um plano
para vingá-la, eu tenho o direito de
participar!
Luckas estava à beira de ser razoável
mais uma vez. Eu o interrompi, porém.
– Vai ser feio – avisei.
– Não me importa. – Seus olhos
brilharam de esperança.
– Vai ser ilegal.
– Meu jeito favorito!
Mordi o canto do lábio enquanto
considerava.
Se ela já sabia de detalhes, era
melhor mantê-la por perto, de qualquer
modo.
– Ela fica – resolvi e a vi sorrir pela
vitória.
– Nós temos um problema. – Zahner
abriu a porta e avistei Tim logo atrás
dele.
– Timothy! – exclamei quando eles
entraram. – Mas que merda! Não
deveria estar perdendo muito dinheiro
em um jogo?
– Eles não foram! – alertou,
apressado. – Os russos não estavam lá.
– Como não?
– Eles estão aqui. – Zahner apontou o
polegar para o salão. – Estão sentados
em uma das mesas na esquerda há um
tempo. Tim acabou de identificá-los.
– São os putos de merda que mataram
Adrill?
– Quem é Adrill? – Tim estreitou os
olhos.
– Spider. – Nila revirou os olhos
antes de puxá-lo pela gola. – Foram
eles?
– Não sei.
– A gente precisa sair daqui. Pegar
Ryker e Mina…
Luckas estava concentrado em sua
pequena crise de pânico enquanto
Zahner parecia se resumir a um pequeno
ponto geométrico cheio de ansiedade.
– Shhh, shhh! – pedi, gesticulando
com firmeza. – Vocês estão enxergando a
situação pelo lado errado. São boas
notícias. – Ri.
– É melhor você se esconder, Gareth
– Luckas pediu. – Se eles te virem, vão
saber quem é.
– Ei, ei! Calma – avisei. – Nós
queremos que eles vejam o Zahner.
– Mas o que diabos, Delvak?
– Vamos fazer o seguinte – coordenei.
– Está armado, Zahner?
– Claro.
– Esconda a arma direito, não os
deixe perceber que está armado. Quero
que se sente no bar, peça uma bebida e
se comporte como se estivesse desolado
e embriagado. Pode fazer isso?
– Posso, mas como vou ajudar assim?
– Só obedeça. – Tirei o celular do
bolso. Achara que ia ter mais tempo
antes de precisar fazer essa ligação, mas
estava errado. – Agora… – Examinei ao
redor, quando coloquei o aparelho no
ouvido. – Qual de vocês sabe usar uma
arma?

Eu não estava com vergonha. Isso era


um problema. Um problema muito sério.
Ficou decidido que Ryker ia me
despir sozinho, já que a combinação
com Devon da vez anterior não tinha
dado certo. Quando Tim saiu para uma
noite de jogo com seus colegas russos e
eu me vi vestida no camarim por trás do
palco sob a perspectiva de ficar nua em
público mais uma vez, a sensação que se
apoderou de mim foi de confiança.
Tínhamos um plano dessa vez. Não
éramos cegos desesperados. Ter um foco
e um objetivo tinha me preenchido com
a sensação de que podíamos concluir a
missão com sucesso. Podíamos aplicar
um golpe, como nos filmes antigos, e
podíamos roubar um chefão da máfia e
sair ilesos. Contávamos com o
elemento-surpresa a nosso favor e
depois dos últimos meses e de todos os
eventos que marcaram presença na
minha vida, eu não estava mais com
medo.
Eu tinha me deparado com o corpo
ensanguentado de uma amiga. Tinha
sobrevivido ao pânico da notícia sobre
o sequestro de Ryker. Encarei minha
velha vida como uma pessoa nova e
recebi de braços abertos os
preconceitos e julgamentos que vieram
com a mentira que eu contei para me
proteger.
Então, agora eu não tinha mais medo.
Não tinha medo de fazer algo ilegal para
me vingar de um criminoso que roubara
minha vida, nem de um político corrupto
e pedófilo. Não tinha medo de contar
com amigos inusitados, não tinha medo
de homens grandes, nem de armas
barulhentas. Em menos de um ano, eu
tinha sobrevivido a mais problemas do
que muitas outras pessoas encontram em
uma vida inteira, e essa percepção me
injetou com uma dose incalculável de
confiança.
O que seria ótimo em qualquer noite
do ano. Exceto em uma noite na qual eu
teria que apresentar um show chamado
“Tímida”.
– Tudo bem com você? – Ryker
beijou minha bochecha.
– Tudo está bem até demais –
murmurei. – Acho que esse é o
problema, Ryk… Não sei se vou ficar
com vergonha.
– Acho que posso resolver isso –
sorriu, passando a língua pelos lábios.
Eu gostaria de dizer que fiquei receosa
diante de seus planos, mas não fiquei.
Não conseguia imaginar uma frase dita
por ele que pudesse transformar minha
confiança em vergonha.
– Não sei, não – constatei, nervosa.
– Olha só para você, duvidando das
minhas capacidades! – cantarolou. – Vou
ter que fazer o possível para te mostrar
que está errada – prometeu. – Talvez eu
te deixe completamente nua.
– Pro Höfler me ver? – Ri de suas
ameaças vazias.
– Ou eu te como no palco.
– Sem camisinha?
– Eu fiz uma bateria de exames na
Itália e você nunca ficou com outro cara,
ficou? – Ergueu uma sobrancelha.
– Strome, se quer saber se fiquei com
alguém depois de você, esse não é o
jeito certo de perguntar.
– E qual é o jeito certo de perguntar?
– quis saber.
– Boa sorte! – Lucy se aproximou
com um sorriso, mas eu enxerguei
através de seu nervosismo antes que ela
explicasse qualquer coisa.
– O que houve? – Ryker se adiantou,
deixando claro que notou o mesmo que
eu.
– Os russos já estão aqui – murmurou.
– O quê? Como? – indaguei. Ryker
deu um passo adiante e me tomou em um
abraço protetor.
– O plano já era, Mina. Vamos só
seguir com o combinado e deixar os
capangas do Kulik bem à vontade.
Vamos fazê-los acreditar que venceram.
Eu sabia que era tudo parte do plano.
Mesmo assim, ele tinha caminhado mais
rápido do que eu pude me preparar.
Ryker segurou minha mão daquele modo
carinhoso que lhe era típico, sempre me
suscitando a dúvida se ele queria me
reconfortar ou se queria ser
reconfortado. Talvez um pouco dos dois.
Apertei sua mão de volta.
– Como está sua confiança agora? –
murmurou quando a música mudou,
anunciando que deveríamos subir ao
palco. – Um pouco abalada? – Sorriu,
gentil.
Eu acenei, confirmando. Mas “pouco
abalada” era realmente uma gentileza.
Duas frases de Lucy e minha confiança
estava completamente destruída.
– Olhe pelo lado bom – sugeriu. – O
show não precisa mais ser bom e
chamar atenção. Pode ser sem-vergonha
o tanto que quiser.
Ele estava certo. Pisquei um olho
para ele apesar do nervosismo e senti
seus lábios nos nós dos meus dedos.
A boate ficou escura do outro lado da
cortina e a luz clara do holofote
iluminou o lugar por onde entraríamos.
Não queríamos penumbra dessa vez.
Queríamos ter certeza que qualquer um
poderia nos identificar.
– Pronta? – Ryker me perguntou antes
de entrar no palco.
Mas eu não respondi, apenas respirei
fundo.
Se eu estava pronta? Não fazia
diferença.

A cadeira esperava por nós no centro


do palco. Eu deveria me sentar nela e
assistir enquanto Mina dançava, resistir
alguns segundos e depois começar a
passar a mão em seu corpo macio
enquanto a despia.
A música tocava sedutora e, depois
de bons anos trabalhando com
striptease, apesar de meu corpo estar
acostumado a seguir seu ritmo de forma
involuntária, eu me percebi calmo e
firme.
Meu quadril não se moveu. Minhas
pernas não acompanharam a batida
sensual com um rebolado que eu sabia
fazer, e que motivava as mulheres a
travarem os dentes nos lábios. Eu
apenas atravessei o palco, puxando
Mina atrás de mim, impelindo-a a me
seguir. Andei devagar o suficiente para
que o público pudesse demorar o seu
olhar nela. Me virei quando chegamos à
cadeira e eu vi suas bochechas
enrubescidas.
Não vai ficar com vergonha, não é?
Até parece…
Puxei sua cintura esguia e lambi seu
lóbulo antes de sussurrar.
– Você disse que não estava mais com
vergonha, não é? – provoquei.
Sentei, permitindo que meus dedos
escorregassem pelo seu quadril,
seguindo meu movimento, delineando a
barra de sua saia como um moleque
levado. Brincando com meu indicador
em uma das pontas, fingindo indecisão
quanto a levantar ou não o pano que a
cobria.
– Dança pra mim – pedi, dengoso.
Ela levou as mãos à barriga e tentou
assumir um gingado delicado, mas não
era isso que eu queria. Puxei seu quadril
com violência, forçando-a a montar em
uma de minhas pernas. De frente para
mim, contemplei suas bochechas
vermelhas e seu ofegar nervoso.
– Não quero essa merda que você dá
pra eles todas as noites – murmurei em
seu ouvido, indicando a plateia com um
movimento do meu queixo. – Quero algo
especial. Algo só pra mim.
A luz iluminou seu rosto quando ela
se virou de lado observando seus
espectadores e sua vergonha ficou ainda
mais avassaladora sob os tons azuis e
vermelhos dos holofotes.
– Ryker… – pediu baixinho. – Não
tem como ser só pra você. – suspirou,
ainda nervosa.
– Esquece que eles estão aqui. –
Enfiei meus dedos por baixo de sua saia,
agarrando a popa de sua bunda. Apoiada
em meus ombros, ela se ergueu por um
segundo, sobressaltada diante do meu
toque. Seu olhar voltou-se para o mesmo
ponto na plateia e eu o segui.
Delvak estava em uma das mesas na
primeira fila. Tinha um copo de bebida à
sua frente, o cotovelo na mesa e o
queixo apoiado na mão. Observava
nossa apresentação com zelo.
– Quer dar um show pra ele? – Mordi
seu queixo. – Deixa eu te ajudar. –
Belisquei sua coxa e ela rebolou no meu
colo. – Quero mostrar pra ele o que a
minha virgem sabe fazer.
– Sua virgem não sabe fazer nada! –
sussurrou em seu típico desespero e eu
tive que lembrar que, embora risadas
fossem uma parte constante dos nossos
encontros sexuais, elas provavelmente
não agradariam ao público. Mordi
língua e lábio e empurrei seu quadril.
Guiei-a para que se levantasse. Ela
obedeceu.
– Rebola pra mim. – Mina olhou ao
redor, hiperconsciente. – Ei! – chamei
alto e ela estalou de volta. – Rebola –
sibilei, rude. – Devagar.
Apoiei o cotovelo em um dos meus
joelhos e assisti Mina rebolar aquela
bundinha linda. Girou devagar fazendo o
tecido leve saltar exibindo um pouco
mais de pele. Raspei meus dedos aqui e
ali, sentindo-a se arrepiar.
Olhei para cima, assistindo ao
movimento de seu corpo sob a luz da
boate, deixando minha mão se perder em
sua pele.
É aquele calor maldito. As mulheres
têm um calor bem no meio das pernas,
antes da boceta… Quando você sobe a
mão pelo meio de suas coxas, direto ao
ponto especial entre suas pernas… antes
de atingir o seu destino, sua mão capta
um calor exalado pela virilha. Um ardor
febril que se apodera de sua mão como
se estivesse próxima ao fogo, num
prenúncio do que está por vir. Aquele
maldito calor que você sente na mão
quando a coloca entre as pernas de uma
mulher e sabe que a bocetinha está logo
ali. Poucos centímetros mais acima e
você atinge o objetivo.
Mina rebolou no meio de uma plateia
inteira. Mas não era para eles que ela
rebolava. Era para mim.
E, quando aquele calor da minha
mulher atingiu minha mão, foi
impossível não ficar imediatamente
duro.
Aproximei o nariz do seu joelho e
estirei a língua para atingir sua pele.
Lambidas leves de saliva e desejo. Ela
terminou sua volta e ficou de frente para
mim. Aquela postura rígida e ávida por
novas instruções.
– Já fez uma dança no colo de
alguém? – murmurei e ela balançou a
cabeça em uma negativa. – Então venha
aqui porque eu quero uma.
Coloquei-a de costas para mim. De
pé, com uma de minhas pernas entre as
suas.
– Rebola de novo, amor. Só que dessa
vez, até sentar na minha perna. – Mordi
a bochecha da sua bunda e ela emitiu um
grito rápido que quase me fez esporrar
nas calças. – E depois sobe de novo.
Ela obedeceu. Desceu devagar e,
quando sua bunda tocou minha perna, fui
eu quem rebolei. Esfregando parte da
minha ereção nela. Qualquer parte.
Raspei os dentes em seus ombros
quando ela se ergueu novamente e forcei
o movimento para que ela ficasse de
frente para mim.
– Aqui. Assim. – Puxei um de seus
joelhos e coloquei seu pé apoiado na
cadeira ao meu lado. Sentei na ponta do
assento, enfiando as mãos por baixo de
suas coxas, puxei-a para mim pela
bunda.
Mina vestia uma calcinha, mas não me
importava. Enfiei nariz e boca entre suas
pernas e me esbaldei em seu calor
delicioso. Lambi, mordisquei e rosnei.
Senti suas mãos nos meus cabelos,
embora não soubesse determinar se foi
porque ela buscava mais equilíbrio ou
mais prazer. Mordi seu clitóris e suas
unhas se enterraram no meu couro
cabeludo.
Mais prazer.
Puxei o pano da calcinha para fora do
caminho da minha língua, usando os
dentes desajeitados. Respirei fundo e
comecei a sentir meu corpo tremer e
falhar. Eu tinha gozado naquelas pernas
gostosas não fazia muito mais de dois
dias.
Mas naquela bocetinha… naquela
bocetinha rosada, depilada e
suculenta… Fazia muito tempo que eu
não gozava ali.
A sensação provocada pela
lembrança tomou o controle do meu
corpo como um ataque de pânico. Um
frenesi de fúria. Um descontrole
irremediável. Meus dedos agarrados nas
bandas de sua bunda puxando-a mais
para dentro de minha boca. Eu sentia a
perna ao meu lado, apoiada na cadeira,
tremendo involuntariamente. Ela
começou a gemer e eu soube que queria
engoli-la ali mesmo.
Enfiei a pontinha da língua dentro
dela, só para provocá-la. Desferi uma
lambida longa e a empurrei para trás,
com cuidado para que ela não perdesse
o equilíbrio.
– Fique nua – pedi. Agora era eu
quem ofegava em desespero.
– Ryker – gemeu, miúda. – Você tem
que tirar. – Tentou recuperar o controle
me lembrando dos tópicos do show.
– Hoje não – rosnei. – Hoje você tira.
Você tira pra mim. – Eu não consegui
controlar minha mão e só percebi que
tinha estapeado sua nádega quando o
golpe estalou alto, assustando Mina e
fazendo-a arregalar os olhos. – E vai
tirar tudo – gemi.
Eu não tirei os olhos dela. Não perdi
um segundo. Não deixei que ela
esquecesse que só ela conseguia aliviar
aquela minha fome.
E ela se despiu. A puta da minha
virgenzinha se despiu toda como um
presente pra mim. Tirou cada uma das
peças sem qualquer sensualidade.
Despindo-as com tensão, como se
fizesse isso dentro do banheiro de sua
casa quando estava com pressa para ir
para algum outro lugar. Mas eu estava
duro. Eu estava irreparavelmente duro.
Latejando dentro das calças, meu
coração explodia enquanto bombeava
cada gota de sangue exatamente para o
lugar certo.
Mina tirou tudo menos a calcinha e o
sutiã. Pretos.
Dei dois tapinhas no meu colo e ela
obedeceu. Montando sobre minhas
pernas, envolvendo-me com suas coxas.
Seus braços passaram pelos meus
ombros e eu senti o cheiro do seu hálito.
– Desabotoe a minha blusa – decidi.
Seus dedos frágeis e vacilantes
assumiram minha camisa e eu enfiei o
nariz na curva do seu pescoço.
Apertando sua bunda, sua cintura, o topo
de suas pernas… Lembrando da geleia
que comi de seus seios. Lembrando do
sabonete que passei em sua entrada.
Enfiei a mão pela parte de trás de sua
calcinha e escorreguei meu dedo entre
suas bandas, provocando a entrada de
seu cu. Mina arfou e rebolou. Eu não
saberia precisar quando comecei a
mover o quadril como se a estivesse
fodendo, mas aí estava…
Seus dedos tocaram meu tórax quando
minha camisa estava aberta. Enfiando-se
pelas mangas e expulsando o tecido do
meu torso.
– Minha calça – gemi. Mas Mina
parecia estar envolvida exatamente pela
mesma sinfonia que eu e, mal eu tinha
terminado meu pedido e suas mãos já
estavam em meus botões, libertando meu
pau ereto e faminto.
– Onde você quer que eu coloque?
Eu fechei os olhos. É incrível como
aquela frase podia ser ridícula ao ponto
de ser anticlímax quando suspirada por
uma atriz pornô ruim, logo depois de
gemer que aquele era o pau mais
delicioso que ela já tinha chupado. Mas
quando Mina as dizia…
Ela piscava seus olhos doces para
mim, ficava vermelha e perguntava
apenas porque ela realmente queria
saber.
Não era falso. Era o exato oposto.
Não havia nada mais verdadeiro do
que as dúvidas de Mina e uma coisa
ficou muito clara para mim: eu não ia
conseguir ver minha virgem tirar a roupa
na minha frente, rebolar sua bundinha
exclusivamente para mim, me perguntar
onde eu queria que ela colocasse meu
pau e, depois disso tudo, não comê-la.
Seria impossível.
Pus-me de pé rápido demais e o passo
para trás que Mina deu me avisou que
ela tinha se assustado.
Mas eu não parei. Eu não conseguia
parar.
Avancei com brutalidade, enfiando
minhas mãos por baixo de seus joelhos,
apoiei suas costas contra o pole dance à
minha frente e a mantive colada comigo,
alinhando nossas virilhas.
– Quero que você coloque aqui
dentro.
– Ryker… – Um sorriso, seus olhos
fechavam como se suas pálpebras
fossem pesadas demais para que ela os
mantivesse abertos. – Coloca... – pediu.
Lambi seus lábios e Mina abriu a boca
me deixando entrar com a minha língua.
Bebi sua saliva, gemendo com seu
sabor.
Puxei sua calcinha para o lado. Mina
forçou as costas contra o pole e me
encarou com a boca entreaberta para
facilitar a respiração vacilante. Raspei a
cabeça do meu pau em seu suco,
mordendo minha boca em um pedido
mudo. Eu queria ter certeza que ela
queria.
O gesto de permissão que ela fez foi
simples, mas claro. Então, ela segurou o
pole atrás de sua cabeça com uma das
mãos e fechou os olhos, levantando o
queixo rumo ao teto.
Um movimento. Apenas um.
Meu quadril se jogou inteiro na
direção dela e eu a penetrei.
Eu a penetrei em cima do palco.
No meio daquela gente.
Sob os olhares dos russos, do Delvak
e do Höfler.
Mina manteve os olhos fechados e eu
travei os dentes em seu queixo.
Ela me absorveu exatamente como eu
tinha antecipado: quente e suculenta.
Muito quente.
Muito suculenta.
Daquele jeito que faz o homem
amaldiçoar a mais fina das camisinhas
por jamais ser capaz de oferecer prazer
remotamente próximo àquele.
Pressionei meu rosto contra o vale
dos seus seios por dois segundos.
Deixando a sensação se firmar e
aquietar. Tomando maior segurança nos
impactos e no meu movimento. Tudo
aquilo não me serviria de nada se
minhas pernas falhassem e eu não
conseguisse mais foder Mina porque
estávamos os dois caindo pelo palco.
No entanto, verdade seja dita, era
preciso que a queda me deixasse
paralisado da cintura para baixo para
que me impedisse de continuar fodendo
a Mina. Principalmente depois de tanto
tempo. Principalmente depois de tanta
coisa.
Ela era minha agora. Toda minha. E
um ataque nuclear me mataria com
impacto ou radiação, mas eu não pararia
o que estava fazendo para me proteger.
Seus dentes prendiam o lábio inferior
com força suficiente para arrancar carne
e, mesmo assim, não eram suficientes
para deter os gemidos que ainda
escapavam com sua respiração e quando
coloquei a mão entre nossos corpos para
estimular seu grelinho, girando-o como
uma azeitona carnuda entre meu
indicador e polegar, Mina me deu um
soco no ombro com força e exclamou um
palavrão delicioso. Me agarrou pelo
pescoço com força e escondeu o rosto
no meu corpo. Ela me embalou e eu a
comi. Levantando suas pernas,
espremida contra o pole.
Não sei se por vergonha, tensão ou
prazer… mas Mina tinha um jeito de
contrair os músculos vaginais de uma
maneira que me enlouquecia. Eu não
tinha esquecido daquilo… A cada vez
que, nos últimos meses, eu tinha
tentando levar uma mulher para a cama,
tinha lembrado desse apertão perfeito no
meu pau e no modo involuntário como
ela conseguia causar tamanho efeito.
E agora, sem camisinha. Sentindo a
carne dela na minha carne… Tudo que
eu conseguia fazer era urrar e gemer.
Lambendo seu suor frio, sussurrando
minhas juras ao seu ouvido, me
derretendo; seu.
Havia passado meses sem ela.
Mina gritou meu nome alto e eu soube
que ela tinha atingindo o clímax.
Senti meu orgasmo se aproximando
em uma retrospectiva de todo o tempo
que passara sem ela e de todo o tempo
que passei tentando tê-la.
Meu esporro foi libertado com
violência, me levando a um dos maiores
êxtases que eu já tinha experimentado na
vida, apenas para me fazer perceber que
Mina dava um trabalho do cacete, mas
que, assim como daquela vez na estufa
de Bessie, nos cobertores no chão e
entre as flores mal-arranjadas… para
mim, ela sempre seria a mulher pela
qual valia a pena esperar.
Sete
Coisas erradas para se
dizer
Acenei devagar para Valerik e um meio
sorriso arranhou seu rosto rude,
maltratado pelo sol e pelo gelo. Era o
moleque que o senhor Kulik queria vivo
e a menina que o senhor Kulik queria
morta. Eles foram imbecis para voltar
ao mesmo lugar onde haviam sido
capturados da outra vez.
E ainda por cima tinham nos
oferecido um pequeno show antes de se
separarem para sempre. Era poético,
de certo modo. Um último adeus.
Eles se dirigiram para os bastidores
quando o show acabou e eu lancei um
olhar de volta para o bar e para o
inspetor da Interpol, curvado sobre o
balcão e seu oitavo copo de vodca
desde que chegáramos. Ou pelo menos,
deveria ser o oitavo. Eu tinha perdido a
conta em algum lugar perto do seis. E,
pelo olhar bêbado em seu rosto, o
agente Zahner deveria ter perdido a
conta também.
Ele não seria um problema para nós.
O que também era poético, já que
também não pretendíamos ser um
problema para ele. O garoto Strome
desapareceria. A garota Bault ficaria
morta para trás. A polícia holandesa
seria acionada e chegaria em suas
bicicletas, pedalando velozes pelos
becos estreitos e ruas entre canais e
encontraria um ex-agente desertor
procurado internacionalmente sobre o
corpo ensanguentado da jovem
parisiense que ele sequestrara.
Simak e Kulik respirariam aliviados.
Simak bradaria a todos os pontos
cardeais que jamais desistiria de
buscar seu filho enquanto Kulik o
manteria sob seus cuidados como
eterno refém… Vantagem sobre um
político influente.
Justiça poética.
Bem… talvez não justiça.
Mas poesia.
Ordenei à garçonete que trouxesse a
conta. Levantaria apenas depois de
pagar, atraindo o mínimo possível de
atenção e acabaria com tudo aquilo.
O garoto teria que ser forte, mas a
garota… a garota ia receber a parte
fácil.
Não é difícil morrer nesta vida, é o
que Maiakóvski diria, viver é muito
mais difícil.

Assim que saímos do palco, Mina se


escondeu atrás das mãos.
– Ai, minha nossa – murmurou,
temerosa. – Ai, minha nossa… minha
nossa.
– Mina, calma – ri, afagando seu
ombro.
– Ótimo espetáculo. – Nila se
aproximou e…
– Nila? O que está fazendo aqui?
– Estou com vocês, explico depois –
abanou a mão no ar. – Eles estão vindo.
Delvak estava logo atrás dela,
seguido de perto por Lucky, e Mina se
escondeu ainda mais atrás das mãos.
– Estou ofendido – Sven começou,
com a testa enrugada. – Se tivessem me
contado o que era o show da Tímida, eu
teria vindo antes – reclamou. – Ryker,
ótimo trabalho. – Aproximou-se e
colocou uma mão fraternal sobre o meu
ombro. – Gostei do modo como deu as
instruções, foi claro, mas ao mesmo
tempo misterioso. Ótimo trabalho,
moleque!
Eu abri a boca para agradecer,
mas… agradecer a Delvak por achar
que eu tinha feito um bom trabalho
comendo minha namorada não me
pareceu razoável.
– E você. – Ele apontou um dedo
para Mina. – Eu achei que era virgem.
– Espremeu os lábios. – Não é comum
eu me enganar com essas coisas. –
Mina emitiu um gemido baixo de dor e
constrangimento e eu comecei a sorrir,
gesticulando para Delvak ao sugerir
que se calasse, mas ele me ignorou. –
Da próxima vez, tente caprichar nos
gemidos, sim?
– Próxima vez? – Mina levantou os
olhos arregalados para ele.
– Caprichar nos gemidos – repetiu a
instrução. – Sinceramente – irritou-se.
– Eu estava na primeira fileira e mal
conseguia te ouvir. Tem que lembrar
que tem uma música tocando, e precisa
ser, no mínimo, mais alto do que a
música, ou então vai parecer que Ryker
está tendo uma péssima performance.
Eu já tinha visto Mina vermelha e
com vergonha em outros momentos.
Mas nunca daquele jeito. Ela tinha
encontrado uma nova coloração na sua
paleta de timidez e o rosto assumiu um
rubor tão vivo e intenso que tive
certeza que ela explodiria.
– Delvak, não faça isso – pedi,
tentando salvar minha namorada.
– Ah, perdão. – Ele revirou os olhos.
– Fez um bom trabalho também –
elogiou, cansado, e eu percebi que meu
pedido tinha sido mal compreendido. –
Conseguiu rebolar mesmo quando
pressionada contra um pole e com os
dois pés fora do chão, e isso não é
fácil.
Mina desistiu.
Desistiu de mim, do show, da
conversa.
Mas acima de tudo, ela desistiu de
Delvak. Passou por nós, chocando o
ombro contra o meu braço e correu
para as escadas e o quarto, ainda
contida em seu novo tom de vermelho.
– Por que precisa fazer isso? – sorri,
recriminando meu amigo.
– Não preciso. – Pareceu ofendido. –
Foi você quem me mandou elogiá-la.
– Não mandei elogiá-la! – Levantei
as mãos.
– Eu estava fazendo críticas
construtivas sobre a performance
sexual dela e você me mandou parar.
– Parar de falar! – exclamei. – Não
mudar de assunto!
– Ah. – Estreitou os olhos numa
expressão confusa.
– Acho que não conhece Sven bem o
suficiente, irmãozinho. – Lex se
aproximou. – Ele é incapaz de parar de
falar.
– Onde você estava? – Delvak
rosnou, percebendo a chegada da
minha irmã. – Sabe que horas são?
– Respondo suas duas perguntas se
perguntar de novo com educação. –
Seus olhos brilharam por trás dos
óculos, Sven respirou fundo e deixou os
ombros caírem.
– Estávamos preocupados –
generalizou, embora eu não estivesse
nem um pouco preocupado. Lexa sabia
se cuidar muito bem e não era ela quem
ia servir de isca para mafiosos russos.
– Pierre quis jantar em um lugar
afastado e eu não poderia negar depois
de toda sua ajuda com a divulgação do
evento de hoje.
– Da próxima vez, dê meu número e
eu nego por você.
– Ei! Vocês dois! – Nila chamou,
irritada. – Russos. Plano. Alguém se
lembra de alguma coisa? – resmungou,
sarcástica.
– Sim, Ryker. Vá para o camarim.
– Não é melhor ele ficar fora do
caminho? – Lexa perguntou, eu podia
ouvir a preocupação com minha
segurança em sua voz.
– É melhor você não fugir com seu
namoradinho no meio da minha
operação, da próxima vez. – Delvak
recriminou.
– Sua operação?
– Porque assim saberia todo o plano.
Mas agora não temos tempo: Ryker vai
sozinho, nós voltamos para o salão e
você só fica quieta e me obedece.
Lexa tinha os braços cruzados sob os
seios e os lábios apertados em uma
única linha rígida, como se desafiasse
Delvak a lhe dar uma ordem. Qualquer
que fosse.
– Temos que sair agora – continuou.
– Ryker vai para o camarim sozinho –
sussurrou. Ele estava realmente
tentando manter a resolução, mas era
perceptível que o foco firme de minha
irmã começava a constrangê-lo. Olhou
ao redor por um segundo, ciente do
perigo que se aproximava antes de
expirar longamente em desistência. –
Por favor? – pediu. – Eu te explico em
um segundo.
Ela se virou e lhe deu as costas em
resposta. Sven gesticulou para que eu
andasse depressa e a seguiu de volta
para o salão.

Eu estava no camarim fingindo


arrumar alguma coisa e sentia os
segundos se arrastarem
demoradamente. Os dois homens de
Kulik não devem ter demorado mais do
que dois ou três minutos, mas, para
mim, era como se a Terra tivesse
completando sua volta ao redor do sol
umas oito vezes.
Quando finalmente vi seus reflexos
no espelho iluminado do camarim, nem
me dei o trabalho de fingir surpresa.
– Boa noite, cavalheiros.
Um deles sorria, mas o outro deve
ter percebido na minha naturalidade
que algo saíra do seu controle.
Mostrou-me a arma com autoridade.
– Está de bom humor! Ótimo. – Sua
risada era gutural e deselegante. –
Vamos buscar sua amiga e dar uma
volta.
Era impossível não lembrar daquela
noite, há poucos meses. Tinha sido
idêntica à de hoje e, ao mesmo tempo,
completamente diferente. Homens de
Kulik tinham vindo atrás de mim
naquela noite também. Estavam
armados e dispostos a matar.
Tudo seria exatamente igual, se não
fosse por um detalhe.
– Não, obrigado. – Cruzei os braços.
– Acho que vou preferir ficar aqui. Por
que vocês não me entregam suas
armas?
Eles riram e se entreolharam.
– Garoto, se vier conosco em
silêncio e chamar sua namorada, nós
levamos vocês até o Kulik. Se der
trabalho, a gente te mata e leva só sua
namorada para o Kulik.
– E se diverte com ela no caminho –
o outro acrescentou e eu senti o sorriso
presunçoso abandonar meu rosto pela
primeira vez. – Esse show todo nos
deixou com vontade.
– Olhe para isso, Valerik. Agora ele
se calou. Acho que seu argumento foi
bom.
Mantive meus braços cruzados e não
senti mais vontade de rir.
– Vocês deviam me entregar suas
armas. Agora – avisei.
– Ah… eu entrego – riu, debochado.
– Se você pedir por favor.
Eu ri ao ver Zahner se aproximar
por trás deles, a arma alinhada com a
cabeça de um deles.
– Por favor – pediu por mim.
Os homens se sobressaltaram e se
viraram.
Nila, Luckas, Brout e Delvak
seguiam Zahner de perto, Nila e Brout
empunhando armas, Luckas com um
bastão velho e Delvak com seu sorriso.
Espalharam-se assim que entraram no
camarim, cercando os homens de Kulik.
Um deles se rendeu primeiro. O
outro rosnou um ou dois palavrões em
russo antes de estender a arma à sua
frente.
– E eu estava preocupado que não
falássemos a mesma língua. – Delvak
brincou ao esticar a mão para lhe
tomar a arma. – Mas acho que ameaça
é uma língua internacional.
Ele se distraiu com o som da própria
voz e Valerik lançou o punho contra o
seu rosto. Sven tinha bons reflexos e
conseguiu escapar do golpe por um
mísero centímetro. Meu coração
explodiu dentro do peito quando a mão
do nosso inimigo se firmou na arma, o
dedo buscando o gatilho. Delvak
perdeu o equilíbrio, mas mesmo que
estivesse firme, seus reflexos não
seriam capazes de mantê-lo longe do
percurso da bala.
Minha boca estava aberta, mas não
tive tempo para gritar.
O som estalou poderoso, me fazendo
levar as mãos à cabeça. Meus ouvidos
apitavam ruidosamente, mas eu ainda
conseguia ouvir a sequência de baques
abafados pela potência da música
eletrônica que tocava lá fora.
Eu gostaria de, ao narrar esta
história, contar que fui de maior
serventia. Todavia, a verdade é que,
enquanto eu ainda estava tentando me
adaptar a mudança e decidir o que
fazer, os instintos de Zahner já tinham
reassumido o controle da situação.
Valerik caíra no chão. Sangrava pelo
nariz e boca, depois de receber três
golpes de Gary, um deles usando a
própria pistola. O homem estava
desarmado e quase inconsciente.
– Aqui. – Ofereceu algemas para
Nila e ela ajudou Brout a neutralizar o
outro… O que tinha se rendido
primeiro.
– Olhe pra isso. – Delvak tinha o
lábio dobrado de admiração. – O
agente serve para alguma coisa no fim
das contas. – Impressionou-se.
Zahner apenas lhe ofereceu um olhar
impaciente e uma careta desgostosa.
– De nada – resmungou, enquanto
guiavam os homens para fora.
– E agora? – Enfiei as mãos nos
bolsos, enquanto Luckas nos
confirmava que poderíamos prosseguir
com o plano, após conferir que o resto
da gangue tinha mantido o salão sob
controle e ninguém desconfiava de
nada.
– Agora você sobe para ficar com a
garota – Sven murmurou. – Eu cuido do
resto.
– Cuida como? – Zahner quis saber.
Delvak olhou para a porta dos
fundos, calculando o melhor caminho
para sair sem ser visto por ninguém.
– Com um pouco de ajuda. – Sorriu,
misterioso.
Fiquei de pé, encostado na porta fria
do carro estacionado. Assistindo aos
meus oito seguranças dançarem ao meu
redor, em constante vigilância para se
certificar que nenhum perigo nos
surpreenderia.
O beco do lado de fora da boate era
mal iluminado, elemento
imprescindível para um bom lugar de
negócios. No letreiro, lia-se a inscrição
“Lucky’s” desenhada em um vermelho
irritante de neon.
Seja lá qual fosse o presente que
Sven Delvak tinha para mim, aquele
era um lugar peculiar, diferente das
luxuosas boates e clubes eróticos em
que ele geralmente conduzia seus
negócios.
Mas… desde que fosse um bom
cavalo dado, eu não olharia seus
dentes.
Verifiquei as horas. Ia precisar
lembrá-lo de que eu era um homem
ocupado e que, da próxima vez que
precisasse de minha ajuda, iria
precisar ligar com maior antecedência.
– Hideki-sama.
Sama.
Ele nunca se dirigia a mim com
respeito a não ser quando queria algo.
Era seu modo arrogante de pedir “por
favor”, sem nunca realmente dizer as
palavras.
– Senhor Delvak. – Apertei a mão
que ele estendia.
Atrás dele, dois homens armados
conduziam dois outros algemados.
– O que temos aqui?
– Temos dois cavalheiros russos –
anunciou.
– Russos? – Senti meus olhos se
abrindo forçosamente.
– Sim. – Ele me ofereceu seu melhor
sorriso sedutor e empresarial. –
Hideki, tenho uma proposta de
negócios para lhe fazer.

Apertei a mão de Delvak e o assisti


fechar a porta da boate depois de
deixar seus prisioneiros sob o controle
dos meus homens. Os detalhes de nosso
acordo ainda precisariam ser
estabelecidos, mas eu não via como
aquilo poderia beneficiá-lo mais do
que a mim.
Observei meus cativos nos olhos.
Aquela seria uma ótima noite.
– Acabei de fechar um negócio muito
bom envolvendo vocês dois.
– Sorri.
– Não vamos te contar nada.
– Ah, vão sim. – Ri da inocência
deles. – Vão me contar tudo o que eu
quero saber e vão passar para Kulik
exatamente a informação que eu
mandar.
– Vai nos ameaçar, agora? Nós
sabemos como funciona, japonês. Não
vai fazer conosco nada que já não
tenhamos feito com outros homens.
– Não se incomoda se eu discordar,
não é mesmo? – Tirei o lenço do meu
bolso. – Nós, japoneses, podemos ser
bem criativos. – Usei o lenço para
proteger meus dedos de sua imundície
quando enfiei meu indicador sob o
queixo do seu colega, verificando seu
rosto. Os que ficavam em silêncio
quando capturados geralmente eram
mais difíceis de submeter. Encarei seus
olhos frios por um segundo, aceitando
o desafio.
– Vai nos matar? – o silencioso quis
saber.
– Matar? Não. De modo algum. –
Soltei seu rosto e lhe ofereci um sorriso
reconfortante. – Vou lhe oferecer um
emprego.
Mina estava deitada na cama com a
cabeça enfiada embaixo dos
travesseiros, como um avestruz.
– Amor? – chamei, tentando não rir.
– O mundo acabou? – choramingou.
– O quê?
– O mundo? – chiou, debaixo dos
travesseiros. – Acabou? Todo mundo
morreu? Porque eu só saio daqui
quando isso acontecer.
Me coloquei de quatro sobre a cama
e fui engatinhando até cobrir seu corpo
com o meu. Me deitei por cima dela,
esmagando-a com meu peso.
– Onde está Mina? – murmurei,
escavando o caminho até ela através
dos travesseiros. Faltava apenas um,
que eu empurrei para o lado o
suficiente para poder ver seu rosto
quando rolei, me deitando ao seu lado.
– Não foi tão mal assim.
– Ryker – gemeu. – A gente tem
definições diferentes de “mal”.
– Podia ter sido pior.
– Ah, na minha vida abençoada? –
reclamou, sarcástica. – Eu não duvido
que nada possa ser pior! No entanto,
acho pouco provável que dessa vez isso
fosse possível.
– A boate podia ter pegado fogo.
– As pessoas iriam embora e não
teriam assistido até o fim! Teria sido
melhor.
– Mas... você estaria distraída
comigo e nós seríamos interrompidos
por bombeiros com jatos de água.
– Eu preferia isso aí.
– Ou o Höfler podia ter subido no
palco – arrisquei o pior cenário que eu
poderia imaginar.
– Você ia ter ficado com raiva,
brigado com ele e a gente teria saído
do palco mais cedo – decidiu. – Eu
preferia isso também.
Mordi o lábio pensando em algo que
poderia ser verdadeiramente horrível.
Encostei minha testa na dela
arregalando os olhos em antecipação a
pior das hipóteses: – Você podia não
ter gozado.
Mina emitiu um longo rosnado de
dor e puxou o travesseiro de volta para
cobrir o próprio rosto.
– É sério! Já imaginou? Eu lá em
cima do palco fazendo o meu melhor e
você não gozar? – continuei a piada na
tentativa de fazê-la rir. – Ia ser
horrível.
– Eu gozei na frente daquela gente. –
Eu mal conseguia compreender suas
palavras, abafadas pelo travesseiro. –
Aquela gente lá fora sabe o que eu
grito em um orgasmo. Quero morrer.
– Por que não disse que não queria?
– Porque eu queria – resmungou,
dolorida. – Mas agora eu queria não
querer.
– Amor! – Esperneei na cama,
devagar, fazendo o impossível para não
rir de sua situação. – Já passou. Então,
é melhor aproveitar e se preparar pra
próxima.
– Próxima? – Ela se livrou do
travesseiro e me encarou com olhos
felinos. – Strome, eu nunca mais subo
naquele palco com você! Nunca mais
nem fico perto daquele palco com você!
Nunca mais faço nada em público perto
de você! – Eu acenava em
concordância com suas afirmações
desesperadas. – Na verdade, decidi que
vou passar o resto da minha vida aqui
dentro desse quarto.
– Posso ficar também? – perguntei
temeroso, quando ela se escondeu em
sua caverna improvisada mais uma vez,
porém, não sem antes arremessar um
dos travesseiros na minha cara. – Você
nem perguntou se a coisa com os russos
deu certo – lembrei.
– Tomara que tenha dado errado –
gemeu, escondida. – Deixa a porta
destrancada, se eles quiserem entrar
pra me matar é mais rápido.
– Mina! – Tirei os travesseiros do
caminho. – Não diga isso! – Me
chateei.
– Eu não sou como você! – arfou.
Seu rosto ainda estava perigosamente
vermelho. – Não sei o que fazer agora!
Larguei os travesseiros na cabeceira
da cama e me apoiei sobre eles antes
de abrir o braço.
– Agora você me abraça – resolvi. –
A gente acabou de fazer amor, eu gosto
de ficar abraçado depois que faço
amor.
– Eu nem sei para o que eu reviro os
olhos primeiro! – exclamou indignada.
Mas pelo menos ela estava se sentando
na cama. Animação era bom sinal. –
Para o fato de que você considera
“fazer amor” um sexo em cima de um
palco, contra um pole, na frente de uma
plateia. Ou para essa sua conversa
fiada de que gosta de ficar
abraçadinho depois de…
Eu a puxei com força para o meu
colo. Tapei sua boca com uma de
minhas mãos e usei minhas pernas para
mantê-la imobilizada.
– Pronto. – Afaguei seus cabelos com
a outra mão, exagerando na intimidade
de nosso momento, claramente forçado
para ela. – Você é tão romântica, minha
linda. Obrigado por ficar abraçadinha
comigo depois que fizemos amor.
Foi impossível não rir.
Mas bem… considerando que eu
tinha conseguido sobreviver até esse
ponto sem emitir nenhuma risada, acho
que eu já estava pronto para ser
canonizado.
Ela gemeu irritada, com minha mão
tapando sua boca, balbuciando
palavras incompreensíveis.
– Ah, é verdade – provoquei. – Foi
um sexo muito gostoso.
Seus olhos se estreitaram e suas
palavras ficaram mais afiadas. Acho
que escutei um “Ryker” no meio de
seus rosnados sob minha mão.
– Eu também quero de novo, amor.
Mas um homem precisa descansar. – Eu
podia ver nos seus olhos que ela estava
detestando minha brincadeira. – Você
precisa ser um pouco menos insaciável
– reclamei. – Gosto desse seu jeito
safado, mas um cara precisa de um
pouco de tempo. Só uns minutos ou…
Ela lançou o joelho contra minha
virilha e a brincadeira perdeu a graça.
Toda a graça.
– Pronto – chiou. – Pode ter os
minutos que quiser agora. Satisfeito?
Protegi minha virilha com as mãos e
lhe lancei um olhar de revolta antes de
girar para o outro lado para me
proteger de sua personalidade maldita.
– Sua mulher cruel – sussurrei.
Mina espremeu os lábios,
observando meu sofrimento por dois
segundos e então se aproximou.
– Desculpa! – pediu, alto demais. – É
que você me irrita! – Passou as mãos
pelos meus cabelos com um olhar
verdadeiramente arrependido e eu
exagerei a careta de dor para receber
maiores cuidados. – Por que precisa
fazer isso justo quando estou com
vergonha?
– Está doendo – choraminguei.
– Sinto muito. – Beijou minha testa e
escorregou a mão pelo meu tórax. Eu
conheço Mina bem o suficiente para ter
certeza de que, quando afagou minha
virilha atingida, foi apenas com a
intenção de fazer um agrado em um
zona machucada. Mas é claro que meu
pênis não recebe afagos em silêncio…
– Seu descarado. – O tapa no meu
ombro estalou alto.
– Ai! Por que eu apanhei? –
Arregalei os olhos. – A joelhada no
saco até entendi – admiti. – Mas esse
tapa agora eu não mereci!
– Está ficando… – Abanou as mãos
rapidamente, sugerindo palavras que
não queria pronunciar. – …animado –
escolheu, me fazendo revirar os olhos.
– Sério que você não consegue dizer
“ereto”, “excitado” ou “de pau duro”,
Bault? – recriminei, incrédulo. – A
gente acabou de foder na frente de
umas sessenta pessoas e você está
preocupada com vocabulário?
Apanhei de novo.
– Certo – aceitei. – Esse eu mereci.
– Você fingiu que tinha doído, mas
estava duro! – reclamou.
– “Fingi”? Você me deu uma
joelhada!
– Não foi tão forte assim.
– Não importa! Pênis não foram
feitos para receber qualquer tipo de
impacto, sua maluca! Foram feitos
para ser tratados com carinho. – Alisei
minha ereção com amor e ela começou
a rir.
– Dramático.
– E ele só levantou porque você veio
com essa sua mão safada e o acordou.
– Pare de tratar seu pênis como se
fosse uma pessoa. – Riu.
– Fale mais baixo! – Balancei as
mãos. – Senão ele te escuta, se ofende e
aí você vai reclamar quando ele se
recusar a colaborar.
– Até parece que ele alguma vez na
vida se recusou a colaborar.
– E é exatamente por ser um
trabalhador tão fiel que deve ser
respeitado.
Mina se jogou nos travesseiros,
rindo, e eu repousei minha cabeça em
seu estômago, bem abaixo dos seus
seios.
– Eu sei o que está fazendo. –
Suspirou. – Obrigada.
– Por ter te explicado como pênis
funcionam? De nada. Não foi a
primeira vez.
– Não. – Riu e deu um tapa leve e
brincalhão em meus cabelos. – Por me
distrair.
Me virei rapidamente, plantei um
beijo rápido na sua barriga e enlacei
sua cintura com meus braços.
– Não sei como vou encarar todo
mundo depois, Ryk… – confessou.
– Quer vê-los transando também?
Porque, se isso ajudar, tenho certeza
que pode ser arranjado.
– Ryker, é sério. A gente transou na
frente de todo mundo. Como pode estar
tão tranquilo com isso?
Me apoiei sobre o cotovelo, forçando
meu corpo para cima até alinhar
nossas bocas. Eu a beijei sem pressa.
De início, meu plano era beijá-la e
dizer algo que eu sabia que iria
acalmá-la. Entretanto, nossas bocas se
juntaram e eu esqueci o que ia fazer
depois. Posicionei a mão em sua nuca e
a mantive por perto. Prologamos o
toque de lábios e salivas. Colocar a
boca de Mina na minha era um ato
sacro. Eu podia fechar os olhos e sentir
toda a capacidade sensitiva do meu
corpo se concentrar no ponto entre
nossos lábios. Aquela pequena porção
de carne macia e gostosa que eu podia
mordiscar e lamber, me enchendo de
satisfação.
Foi assim no dia na estufa de Bessie.
Não no dia em que fui seu primeiro
homem… mas no dia em que a beijei.
No dia em que nos escondemos e Mina
se tornou minha primeira mulher… A
primeira para quem eu tinha contado
tantos detalhes da minha vida. A
primeira com quem eu tinha me sentido
completamente vulnerável e protegido
de verdade. A primeira que tinha sido
não apenas amante ou amiga, mas uma
companheira. A primeira mulher que eu
tinha beijado por horas sem pensar em
sexo.
Era aquela boca.
Aquela boca perfeita que era minha
maldição em tantos sentidos.
Aquela boca que sorria e me fazia
esquecer as palavras, que se espremia
de vergonha suscitando o meu riso, que
deixava escapar uma língua descarada
estirada para mim ou que me beijava
como se eu fosse o único homem do
mundo. Me beijava como se visse em
mim exatamente o que eu via nela, e
não havia sensação no mundo mais
plena ou satisfatória do que aquela.
Meu polegar girava por sua pele
causando arrepios. Sua mão no meu
tórax. As unhas se movendo de leve em
um arranhão suave.
Enfiei os dedos pelos seus cabelos,
mal conseguindo continuar o beijo,
tamanha era minha vontade de sorrir.
Mina mordeu meu lábio inferior e o
sacudiu de leve para os lados, antes de
me soltar.
– O que foi? – Ela riu.
– Eu te amo.
– O quê? – Seu sorriso sumiu.
O quê?
Eu não sabia o quê.
– Hum? – consegui exalar um
gemido curto e pela primeira vez
desejei que ela não estivesse tão perto.
– O que você disse? – sussurrou com
os olhos arregalados.
É, imbecil, o que é que você disse?
O que é que você abriu essa porra
dessa sua boca imensa para falar sem
pensar nem por um segundo?
– Nada – murmurei. – Você ouviu
alguma coisa?
Ela estava perto demais.
Eu não conseguia pensar.
Mina manteve seus olhos fixos em
mim, sem conseguir entender o que
estava acontecendo comigo.
Uma pena que ela não estivesse
entendendo, porque, se estivesse, ela
poderia me ajudar, já que eu estava
completamente perdido.
Por que eu tinha resolvido dizer
aquilo?
Por que agora?
Não houve um momento de
realização. Não houve ato ínfimo ou
demonstração grandiosa. Nada de
especial tinha acontecido. Eu apenas a
beijei, abri a boca e…
E agora?
Eu queria inverter os papéis e pedir
para ela me explicar o que eu devia
fazer.
Me ajoelhar no chão?
Isso, Ryker, seja um imbecil.
E mais que um imbecil! Seja um
imbecil de um filme de época, em que
as mulheres se casavam na
adolescência com homens escolhidos
por seus pais. Que ótima ideia.
Beijo a mão dela?
Tenho quase certeza que isso também
deve ser cena de algum filme idiota.
Se Mina gostasse de comédias
românticas eu poderia, no mínimo,
passar uma imagem adorável com uma
dessas atitudes. Mas a maldita gostava
daqueles filmes de drama em que
alguém sempre vai embora em alguma
jornada de autodescoberta. Será que
essa era a expectativa dela? Que eu
levantasse da cama e fosse passear
pela boate enquanto pensava no que
fazer e tentava descobrir minhas
verdadeiras intenções antes de voltar
com uma conclusão apoteótica em que
nem eu nem ela saberíamos o que eu
diria?
Seria uma linda jornada.
E bem curta também.
Principalmente se eu topasse com
Delvak ou Lucy assim que descesse o
último degrau da escada. Seria épico
explicar para eles dois o motivo do
meu passeio. Digno de uma comédia
para eles e um drama para mim.
Contudo, não houve joelho no chão.
Nem beijo nas mãos. Nem jornada de
autodescoberta.
Eu só fiquei ali, parado e perdido.
Me sentindo preso e violado por uma
emoção que eu não lembrava de jamais
ter experimentado… E certamente
nunca naquela intensidade: um sorriso
de Mina, três palavras minhas, seus
olhos nervosos fixos em mim.
Eu estava morrendo de vergonha.
Era péssimo. A pior sensação do
mundo.
Como diabos Mina conseguia viver
com isso o tempo inteiro?
Ela estava certa: deveria ser
horrível conviver com alguém como eu,
que se divertia de sua situação.
Eu queria reagir. Queria mudar de
assunto. Queria lhe dirigir uma
pergunta. Estava disposto a qualquer
coisa que acabasse com aquela minha
sensação terrível.
Mas os segundos se prolongaram.
Se prolongaram longamente, até a
expressão de Mina se suavizar em uma
desistência contida e hesitante.
Ela respirou fundo.
Meu coração parou de bater até eu
ouvir suas palavras.

– Achei que tinha dito alguma coisa.


– Suspirei.
Ryker estava prendendo a
respiração.
Eu sabia o que ele tinha dito. Sabia
muito bem.
Eu não tinha ouvido errado.
Mas, se ele tinha preferido voltar
atrás, era melhor respeitar sua
vontade.
Organizar uma trama para roubar
um mafioso, transar na frente de um
monte de gente e me deparar com um
“eu te amo” de Ryker era mais do que
eu podia aguentar naquele momento.
Tentei lhe oferecer um sorriso
natural, mas tive certeza da falsidade
estampada em meu rosto. Ele ainda me
observava como se esperasse uma
continuação da conversa.
– Vai me contar o que houve com os
russos? – Engoli em seco.
Seus olhos fitavam os meus,
aguardando, silenciosos. Como se
mantivessem uma constante esperança
que eu fosse dizer mais alguma coisa.
Mas o quê?
O que ele queria que eu dissesse?
“Eu também te amo “? Logo depois
que ele retirou o que disse? E o que ele
responderia depois?
Eu gostava muito dele. Estava
apaixonada. O sexo era divino. Eu
confiava nele.
Mas se era amor?
Eu não sabia.
E, verdade seja dita, sempre
imaginei que, se nosso relacionamento
se prolongasse, seria eu quem diria
algo assim primeiro. Ou pelo menos,
seria eu quem perguntaria a ele.
Nunca imaginei que ele pudesse
simplesmente soltar essas palavras
assim. Do nada.
“Se nosso relacionamento se
prolongasse…”
Tudo com Strome tinha sido intenso e
maravilhoso. Mas tinha sido
igualmente rápido. Poucas semanas
juntos, seguidas de meses sem nos ver.
Sempre cercados por esse clima de
tensão e desespero que tornava todas
as experiências mais urgentes. Será
que nós resistiríamos a uma semana
normal? Será que ele ainda acharia
minha vergonha linda depois de um dia
de trabalho? Será que o sexo
continuaria tão excitante depois de
meses juntos? Será que eu seria
suficiente para ele, mesmo com todas
as minhas inseguranças? Será que ele
seria suficiente para mim, apesar de
todas as suas incertezas?
Eu estava acostumada a cultivar
raízes grossas e profundas. Mesmo que
eu não tivesse uma família além de
Elise, tinha um lar e gostava dessa
sensação. Ryker era o oposto: conduzia
uma vida nômade, sem planos, vivendo
no improviso depois do trauma que
experimentou em sua infância. O único
lar que ele já experimentou tinha sido
pervertido.
Quando todo aquele calor de uma
situação emergencial, de quase morte e
de novidade após novidade se esvaísse,
será que nosso sentimento ainda
existiria? Ou será que nós dois apenas
tínhamos encontrado conforto um nos
braços do outro em um momento ruim,
não por opção, mas porque não
tínhamos mais ninguém a não ser um
ao outro?
Ele ainda sustentava um sorriso
esperançoso e eu quis dizer.
Quis dizer as palavras que imaginei
que ele quisesse ouvir.
Eu queria amar Ryker.
Queria que ele me amasse.
Queria que o plano de Delvak desse
certo para que eu e Ryker pudéssemos
nos amar pelo resto de uma vida bem
longa e tranquila.
Liste, Mina.
Liste.
1 – Ryker disse que me ama.
2 – Ryker retirou o que disse antes
de me dar a chance de responder.
Se ele apenas tivesse dito que me
amava eu poderia… poderia
compartilhar com ele todos os meus
medos. Poderia expressar tudo.
Mas ele voltou atrás. Ele se
arrependeu.
Um cara como Ryk é acostumado a
muito sexo e pouco sentimento. Se eu
desrespeitasse seu arrependimento e
quisesse conversar mais, eu poderia
acabar por afastá-lo. Ou pior… forçá-
lo a confessar um sentimento que me
obrigaria a corresponder.
Eu não queria dizer “eu te amo”
para ele só por medo de morrer.
Não era justo.
E talvez fosse exatamente isso que
ele tivesse feito…
Ryker se curvou e riu para o chão.
Um sorriso triste e desolado.
As palavras se amontoaram em
minha língua. Mas não era certo
proceder desse jeito. Se um dia eu
confessasse aquelas três palavras para
alguém não seria por medo ou pânico.
Ele se moveu na cama e eu inspirei,
pronta para lhe pedir que conversasse
comigo, mas ele me segurou pelo braço
e me beijou. Foi feroz e súbito, me
puxou para si, mordendo meus lábios.
Desejei me entregar, mas não
parecia natural. Algo no modo como
ele me olhava… Como o Ryker dos
primeiros dias naquele quarto, o Ryker
que me provocava e queria me comer
para provar um ponto. Não era o Ryker
que me fazia sentir a salvo, o Ryker que
me chamava de “amor”…
Pressionada contra o colchão, ele
colocou minhas mãos acima da minha
cabeça, mordendo meu queixo.
Suspirando no meu pescoço. Afogando
sua frustração no meu corpo.
Eu não queria aquilo. Não o queria
daquele jeito.
Queria meu Ryk de volta.
Por favor, que eu não o tenha
quebrado! Por favor, que eu não tenha
destruído tudo.
Segurei seus ombros sentindo a
pressão avassaladora de todos os
problemas que nos cercavam. O medo,
a tensão, a raiva, a ousadia… Cada
etapa de cada problema que superamos
juntos e que ainda teríamos que
superar.
Era demais. Era uma tensão
insuportável que se espalhava pelo meu
corpo inteiro. Toquei os ombros de
Ryker e o empurrei devagar. Sua mão
atingiu o meio das minhas pernas no
mesmo momento. Seus dedos bem
treinados alcançaram meu clitóris. O
beliscão foi rápido e firme e meu corpo
se desfez em ondas e vibrações.
Todo o desespero e tensão que
assumia meu corpo de forma
descontrolada se concentrou
imediatamente naquele ponto mágico
atrás do meu umbigo.
Entretanto, meus lábios já tinham
deixado escapar: – Ryk, não. Para.
Ryker se afastou e tirou as mãos do
meu corpo. Seu semblante preocupado,
suas mãos nas minhas bochechas,
procurando no meu olhar a resposta
para o que estava errado.
Ah, ele está aqui.
Meu Ryker.
Estava ali.
Estava triste, decepcionado,
arrependido.
Talvez até com medo.
Mas estava ali.
Estava usando sexo como uma
distração.
Talvez não fosse o meu primeiro
reflexo depois de um “eu te amo” não
correspondido, mas agora que ele tinha
apertado meu botão, eu estava ligada e
querendo mais.
Ele se inclinou para trás, de modo a
sair de cima de mim. Obedecendo a
minha vontade.
Mas agora eu tinha mudado de ideia.
Ainda tinha as mãos em seus ombros
quando o puxei de volta e o beijei.
Puxando sua nuca, cravando as unhas
na sua pele.
– O quê? – suspirou quando nossos
lábios se soltaram. – Você pediu para
eu parar.
– Mudei de ideia. – Sorri. – Fica
comigo.
Seus lábios eram uma única linha
rígida. A expressão indecifrável
demonstrava que ele estava fazendo
algum cálculo impossível por trás de
seus olhos esverdeados.
Sacudiu a cabeça, apoiando a testa
contra a minha.
– Está com pena de mim? –
sussurrou.
– O quê? Ryk! Não! – eu me preparei
para o monólogo mais apressado da
minha vida, mas palavra alguma foi
dita. Ele tomou minha boca mais uma
vez. Despiu o roupão que eu tinha
vestido precariamente e me estimulou
em todos os lugares de que eu gostava.
Em todos os lugares de que ele gostava.
Eu ainda não tinha tomado banho
depois do show e ainda estava
molhada, resquício dos líquidos
sexuais meu e dele. Ryker estava ereto
e eu fechei os olhos quando uma de
suas mãos guiou meu joelho para lhe
dar passagem. Esperei que ele se
enterrasse em mim, mas em vez disso,
senti-o ao meu lado, rolando para a
lateral da cama.
Abri os olhos e vi seu braço estirado
para o criado-mudo, a mão enfiada na
gaveta procurando…
Ele pescou uma tira curta de
preservativos que deveria estar lá há
alguns meses. Rompeu uma das
embalagens e vestiu a si mesmo, antes
de me penetrar.
É ridículo, não é? Como coisas
minúsculas conseguem assumir
proporções monstruosas?
Sempre usamos camisinha. Nossa!
Até tínhamos desistido de penetração
há poucos dias, mesmo depois de tanto
tempo de saudade, apenas porque não
tínhamos preservativo.
Ele me fizera vesti-lo em uma ou
outra ocasião que eu detestei
sumariamente. Era complicado colocar
aquela coisa em um pênis ereto; eu não
sabia qual lado desenrolar e sempre me
sentia boba precisando de instruções.
Preferia que ele mesmo colocasse.
Mas não hoje.
Hoje nós tínhamos transado sem
camisinha e ele tinha dito que me
amava.
Eu queria que ele me cobrisse e
fizesse amor comigo.
Era estúpido… Preservativo era uma
questão de proteção e respeito, mas…
mas depois de tudo… eu sabia que era
irracional, mas queria que ele tivesse
retomado de onde havíamos parado.
Ou, se era para usar a camisinha,
que ele me fizesse vesti-lo. Que fizesse
suas brincadeiras irritantes e me
deixasse com vergonha.
Era nossa dinâmica. Nossa interação
íntima.
Sem ela, eu sentia como se eu fosse
mais uma.
Só mais uma das incontáveis
mulheres que ele comeria em silêncio.
Vestindo a camisinha em si mesmo para
atingir seu próprio prazer mais
rapidamente.
Ryker gozou de forma modesta e eu
ainda não o tinha acompanhado.
Eu senti lágrimas caindo dos meus
olhos, arrastando-se pela lateral do
meu rosto.
– Não gozou ainda... – Sorriu. – Vou
cuidar disso imediat... Mina?
Ryker se afastou, preocupado,
tomando minhas lágrimas com os
polegares, secando meu rosto.
– Mina? – repetiu, alarmado. – O
que houve? O que aconteceu? Eu devia
ter parado? Mina, sinto muito!
– Não, não foi nada. – Consegui
sorrir. – Eu só… só fiquei triste. Mas já
passou. – Empenhei-me mais no
sorriso.
Ele ainda resfolegava e me observou
por alguns segundos, analisando
minhas palavras.
– Não passou. Eu sei que não
passou. Fala pra mim.
Respirar começou a ficar difícil e eu
ia chorar se continuasse assim.
– Acho… acho que sempre fizemos
amor até hoje. Ou pelo menos era
assim que me sentia e agora… agora
parece que estamos só… só… fodendo
– murmurei a palavra, sentindo-a doer
na minha língua.
Ryker piscou duas vezes e então
abriu aquele seu sorriso gostoso, ao
deixar a cabeça cair.
– Então, vibradores e sexo
exibicionista foram sinônimo de fazer
amor. Aí eu digo que te amo e é foder?
– Senti algo dentro de mim congelar,
mas o modo calmo como ele riu me fez
perceber que estava tudo bem. – Nunca
tive problemas para entender as
mulheres, Bault, mas você é algo
especial.
– Você disse que não tinha dito nada
– lembrei.
– Eu falei sem pensar. – Engoliu em
seco. – Acho que foi a hora errada, não
foi?
– Ah, Ryk! – choraminguei, me
pendurando em seus ombros. – É só
isso que eu pensei. Acho que tem tanta
coisa acontecendo… não me parece o
momento para…
– Shh, shh. Eu sei. – Desceu a mão
pela minha coluna. – Esquece que eu
disse qualquer coisa, está bem? –
Raspou o nariz no meu com um sorriso
simples e limpou o que restava de
minhas lágrimas, me fazendo sorrir. –
Mas eu tenho permissão para
continuar? – Tinha um pouco mais de
safadeza no seu sorriso agora, o que
me tranquilizou ainda mais. – Não
gosto dessa ideia de gozar sozinho.
Beijei sua boca e senti sua mão
voltar ao meu clitóris. Mas dessa vez…
dessa vez eu me entreguei. Gemi seu
nome baixinho e ele manteve sua testa
contra a minha. Seu nariz contra o
meu.
– Não vou sair daqui – sussurrou,
antes de me beijar.
Eu gozei na sua mão, entre seu beijo
e sua carícia, sentindo o mundo inteiro
derreter ao nosso redor. Ele me
abraçou, gentil, sem abandonar aquele
beijo carinhoso e suave.
— De novo? – A voz aguda na porta
fez Ryker me soltar, assustado. Eu
puxei os lençóis me envolvendo, com
raiva. – Quanta saúde, hein, Strome? –
Nila estava na porta do quarto e a
lembrança do que tinha acontecido no
palco há pouco tempo me enfiou de
volta na enchente de vergonha.
Sven vinha logo atrás dela e eu notei
que ele levantara os polegares.
– Só vim avisar que está tudo
resolvido. Eu e sua irmã estamos
voltando para o hotel. Nos vemos
amanhã.
– Interrompeu meu sexo pra isso? –
reclamou. – Achei que isso era pecado
na sua religião.
– Na minha religião, pecado é saber
que sexo está acontecendo nas
proximidades e não ir me meter. E de
nada. Sua irmã ia subir para se
despedir, mas eu senti o cheiro de sexo
e achei melhor vir na frente.
– Obrigado. – Riu.
Eu olhei de um para o outro,
indignada, antes de dar dois tapas com
força no ombro de Strome.
– ESSA GENTE NÃO BATE NA PORTA! –
rosnei. – Bota eles para fora, Ryker!
Agora! Como pode ficar tão tranquilo?
– Mina… – Ele se virou para mim
com exagerada desolação. – Vamos
pensar pelo lado bom… Pelo menos
dessa vez, a interrupção foi depois que
nós dois gozamos. Com nossa sorte,
acho que isso é o máximo que a gente
pode pedir.
Oito

Jogos de sedução
Eu desci com o queixo erguido na manhã
seguinte. Demonstrar a vergonha que eu
sentia não ia me ajudar em nada e, por
mais estranho que pudesse parecer, eu
estava mais incomodada com o fato de
Ryker não ter me acordado pela manhã
do que com o fato de toda aquela gente
ter me visto durante uma intensa sessão
de sexo.
– Por que não me chamou? –
Belisquei seu braço.
– Você parecia cansada. – Sorriu de
maneira breve e inquieta. Eu conhecia
aquele sorriso. Algo estava errado.
Muito provavelmente, era só porque
ele tinha declarado seu amor por mim e
eu o tinha feito desistir disso como uma
bruxa sem coração.
Muito provavelmente.
Nós íamos precisar conversar sobre
isso.
Eu não estava particularmente ansiosa
por esse diálogo, mas seria necessário.
Depois.
Porque agora, Delvak estava
explicando as informações que ele tinha
adquirido dos russos.
– Como você descobriu isso tudo? –
Zahner torceu o nariz.
– Você não vai querer saber.
– Foi o seu amigo japonês, não foi?
Quem é o cara, Delvak?
– Não tem importância agora.
Sven tinha transformado o salão
principal da boate em uma sala de
reuniões. Um quadro branco apoiado
precariamente contra um dos poles era o
foco de todos nós.
– O importante é que conseguimos
duas informações bem importantes! – ele
rascunhou o número “1” no quadro,
seguido de palavras resumidas. – Uma
das principais bases de Kulik é aqui em
Amsterdã por causa de uma pessoa
muito importante: seu contador. Dois! –
Rabiscou o número e mais algumas
palavras… Eu estava me sentindo presa
em alguma franquia de George Clooney.
– Ele usa os seus restaurantes de
fachada para muitas de suas operações.
– São as duas informações mais
aleatórias que eu já ouvi. – Gary coçou
a cabeça.
– Os dois homens que a gente…
conheceu ontem não fazem parte do
círculo íntimo do mafioso, agente
Zahner, eles só puderam oferecer
informações mal ouvidas.
– E eles traíram Kulik assim tão
rapidamente? A gente vai apenas confiar
que eles não estão nos enganando? –
Lucy soou preocupada. Com razão. Sua
lógica fazia bastante sentido.
– Kulik não mandaria homens de
confiança para cá. – Zahner deu de
ombros.
– Por que não? – eu quis saber.
– Porque não é seguro. Você e Ryker
são assunto quente no momento. Kulik
está procurando vocês como um maluco,
mas não pode ser visto perto de vocês.
Homens de confiança geralmente podem
ser vinculados a ele pelos arquivos da
polícia. Mesmo que não oficialmente…
Mas nós, que o perseguimos há mais
tempo, temos uma longa lista de
associados próximos. Ele precisaria
mandar rostos novos atrás de vocês.
– Mas será que eles não têm medo do
Kulik? – Nila interrompeu. – Medo pode
ser um argumento mais forte que
lealdade.
– É por isso que a gente precisou
encontrar alguém de quem eles teriam
ainda mais medo. – Delvak concluiu
com um sorriso.
– Seu amigo japonês. – Zahner rosnou
e eu tive certeza de que aquele tópico o
incomodava imensamente e que se
tornaria, então, recorrente em nossas
vidas.
– Se a gente conseguir encontrar esse
contador, podemos obter informações
importantes. – Ryker se inclinou, estava
sentado quase na ponta da cadeira. Não
tinha me tocado uma única vez. Desviei
os olhos de sua figura e encontrei a de
Lexa. Seu olhar me perfurava com um
brilho que era todo seu. – Sabemos algo
sobre ele?
– Sabemos várias coisas sobre ele. –
Delvak piscou um olho. – No entanto, as
mais importantes são seu nome, seu
sobrenome e um lugar que ele frequenta
assiduamente.
– Algum clube de sexo pervertido e
estranho, não duvido – Zahner
acrescentou. – Por que criminosos
precisam ter esses gostos bizarros?
– O que diabos você chama de “sexo
bizarro”? – Delvak pareceu ofendido.
– Meninos! – Lexa reclamou. – Agora
não é hora. Precisamos encontrar um
jeito de conseguir as informações de
Viktor Trummer – ela ter mencionado o
nome do contador com tanta
naturalidade me fez imaginar que
deveria ter discutido o plano com
Delvak antes de terem decidido
apresentá-lo. Eles eram uma dupla. Uma
dupla bem peculiar e esquisita, mas
funcionavam juntos. Assim como eu e
Ryk. Fitei meu namorado com o canto do
olho, observando-o a distância…
Ou… pelo menos, como eu e Ryk
costumávamos ser.
– Alguém pode resumir o plano? –
Tonya pediu.
– Pegar as informações do contador e
fechar os restaurantes do Kulik. –
Delvak deu de ombros. – Dificultamos
suas operações e pegamos mais
informações que levem ao dinheiro que
queremos roubar ou fazer desaparecer.
– Assim, ele vai ficar pobre e
desarmado. – Zahner suspirou.
– Lex? – Ryker chamou. – Conhece
alguém da vigilância sanitária para
fechar os restaurantes?
– Não. – Ela lambeu o próprio
sorriso. – Conheço a próxima melhor
coisa: todos os críticos e comentaristas
da mídia local.
– Vai destruir a reputação dos
restaurantes dele? – Eu estava admirada.
Ela apenas sorriu em resposta.
– Só isso não vai funcionar – Nila
avisou. – Tim nos deu a lista dos locais
dos russos que ele conhece. Um ou dois
são locais chiques que vão sentir o
impacto da má publicidade… mas o
resto é um monte de buracos imundos…
– É aí que o Zahner entra. – Delvak
piscou um olho para ele. O agente da
Interpol apenas sorriu e acenou. Eu não
identifiquei qual era o plano, mas eles
claramente tinham um e preferi confiar
que, se aqueles dois finalmente tinham
se entendido, deveria ser um bom plano.
– Quando pode ir encontrar seus
amigos críticos? – Zahner perguntou.
– Agora mesmo, só preciso trocar
duas palavras com meu irmão antes. –
Ela se levantou e Ryker a encarou,
confuso.
– Tudo bem! – Delvak bateu as mãos.
– O resto de nós se concentra em achar
um modo de arrancar informações de um
contador em um bar.
– Aconteceu alguma coisa? –
perguntei assim que fechei a porta do
escritório do Luckas.
– Não sei. – Minha irmã cruzou os
braços. – Era isso que eu queria te
perguntar.
Abri e fechei a boca como um peixe.
– Estou confuso, Lex. O que você
quer?
– Quero saber por que brigou com sua
garota menos de doze horas depois do
coito no palco.
– Coito? – Ri. – Por Deus, você
consegue ser pior do que a Mina com
sua escolha de palavras.
– Foda, sexo, transa, trepada – listou,
entediada. – Não tente me enganar com
semântica, Ry. Se o assunto for
vocabulário, eu vou ganhar e você vai
perder. – Levantou uma sobrancelha.
– É por isso que o Delvak é
prepotente. – Ergui o indicador em
acusação. – O cara precisa ser
megaconfiante para sobreviver perto de
você.
– Se o assunto for o Delvak, também
vou ganhar. Se for para mudar de
assunto com essa cara de pau,
irmãozinho, pelo menos escolha um que
você domine melhor do que eu.
– Vamos falar de sexo, então. – Ergui
as mãos e ela gargalhou como se me
desafiasse a dominar esse assunto
melhor do que ela. – Vamos falar do
sexo com a Mina, ao qual você não
assistiu.
– Não assisti. Mas ouvi Delvak
descrever com, acredite, mais detalhes
do que seria adequado. E agora você
mal olha para ela.
– Lexa! – Esfreguei minhas têmporas.
– Você sequer conhece Mina!
– Conheço você.
– Nós estamos bem!
– Por que não olha para ela?
– Eu estava… – Gesticulei em
desespero. – Estava prestando atenção
no seu namorado e no discurso dele.
– Delvak não é meu namorado e se
isso foi uma tentativa de me constranger
para que eu esqueça o assunto do seu
relacionamento, foi uma tentativa pífia e
estou decepcionada.
– Você diz que Delvak não é seu
namorado, mas o carrega em todos os
lugares.
– Vamos, Ry, você consegue fazer
melhor do que isso – provocou.
– Não estou tentando te constranger,
Lexa! É impossível, ok, eu aceito! – me
exaltei.
– Está tentando mudar de assunto! Por
quê?
– Porque você quer que eu tenha um
problema quando eu sequer tenho um
relacionamento. – Dei de ombros.
– Você a apresenta como sua
namorada, Ry. Nunca te vi fazer isso
antes.
– Faz tempo que a gente não se vê.
– Reparei em como vocês se olham.
Não tente me enganar! Até Delvak
concorda, ele ficou impressionado com
o sexo de vocês. – Abriu os braços. – E
olha, moleque… pro Delvak se
impressionar com sexo é porque o coito
– provocou – foi intenso.
– Sempre sou intenso com sexo. –
Sorri, arrogante.
– Intenso o suficiente para
impressionar Delvak? – A incredulidade
voltou ao seu rosto.
– E por que não?
– Suspeito que você não conheça bem
o Delvak – murmurou. – Ou o
significado da palavra “intenso”.
– Eu e o Sven somos iguais, Lex. –
Segurei seus braços com cuidado. – É
por isso que nos damos bem. Entendo o
que sexo é para ele, porque é assim para
mim também. Estou com Mina agora, é
verdade. Mas isso não é definitivo. –
Sorri, tentando manter no olhar uma
calma que eu não sentia. – Não é nada
contra a garota. – Levantei os ombros. –
É só como eu sou. Quando parar de
funcionar para mim, não ficaremos mais
juntos e pronto. Isso não é um de seus
romances, Lex. Pare de tentar enfiar
mistério onde só existe simplicidade.
Ela piscou algumas vezes, com uma
expressão ilegível antes de me oferecer
um meio sorriso: – Você acredita nessas
bobagens que está falando? – Abriu os
olhos. – Porque, se acredita, o problema
é mais sério do que imaginei.
– Acredite no que quiser… – Tentei
reproduzir o sorriso descontraído de
Delvak, embora sem a certeza que
estava tendo sucesso.
– Você não é como o Sven, Ryker.
Não tem nada a ver com ele.
– Acho que não me conhece bem o
suficiente, então, irmã.
– E não é como o Simak, Ry. – Sua
expressão ficou séria e eu me senti
congelar na sua frente. – Não tem nada a
ver com ele, também.
Mantive minha boca aberta, com nojo,
por dois segundos inteiros. Agora, era
ela quem tocava meus braços com
carinho, tentando conter minha
indignação.
– Não tenho nada a ver com um
estuprador pedófilo? – rosnei,
sarcástico. – Poxa, Lexa, muito
obrigado!
– Ryker…
– Não acredito que você fez essa
comparação!
– Eu não fiz! – Apertou meus ombros.
– Mas você faz, moleque. Você faz o
tempo inteiro.
Levei minhas mãos à cabeça. Eu
estava destruído pelo silêncio de Mina e
ultrajado pelo barulho de minha irmã.
Eu só queria que aquilo acabasse. Acho
que preferia os russos, as armas e os
sequestros…
– Ryker, me escuta!
– Não, Lexa! – Abanei as mãos.
– Ele é a referência que você tem.
Nosso… pai. – Torceu o nariz ao som da
palavra. – Ele foi a única referência que
você teve de um homem de família. Um
homem que afirmava amar uma mulher,
que se casou e teve filhos. Teve que
assistir esse homem se transformar no
monstro das nossas vidas. – Puxou meu
rosto, igualando a altura de nossos
olhos. – Teve que assistir ele tentar
abusar de mim…
– Lex, por favor… – gemi, com os
dentes semicerrados.
– Teve que assistir ele tramar para te
matar. – Manteve o toque firme no meu
rosto. – É compreensível que odeie
Simak e tudo o que ele representa. Na
verdade, é a única reação
compreensível, Ry. – Seu olhar se
suavizou, fraternal. – Mas, em algum
momento da sua infância, você fez a
associação absurda de que um homem
de família não presta e que o cara
safado era o superprotetor decente.
– Não tem nada a ver – murmurei,
mas minha voz foi tão baixa que eu
mesmo mal a escutei.
– Simak era o nosso pesadelo; Sven
apareceu e… – Ela sorriu. Foi
inevitável e… lindo. Será que eu sorria
daquele jeito quando pensava em Mina?
– E ele foi o nosso herói. Meu e seu. –
Bateu a mão espalmada de leve contra
meu peito. – Você era muito pequeno.
Vilões e super-heróis assumiram outra
identidade para você. Por isso, você
tenta se espelhar no Sven. Não vê, Ry? –
Seu sorriso aumentou. – Você faz isso
porque é um homem bom. – Apertou
minha bochecha. – Faz isso porque quer
ser sempre um homem bom. E me
preocupa porque… você nunca foi
como o Sven. – Riu. – Lembra da sua
primeira namorada?
– Lexa… – Balancei a cabeça.
– Você não tinha dez anos, Ryker! –
Riu. – Não era sequer um namoro de
verdade e você já estava planejando
onde iria morar quando se casassem.
– Eu era uma criança idiota.
– Você era uma criança romântica.
Que cresceu e se tornou um homem
romântico. E não tem nada de errado
com isso. O mundo está repleto de
homens de todos os tipos.
– Você está errada.
– Não estou, querido. Sabe que não
estou. Eu li seus contos! Seus poemas.
Mesmo que nunca tenha permitido que
eu te ajudasse a publicá-los…Você é
bom, Ry! Muito bom. Sven viveria toda
a vida sem nunca conseguir acumular
uma gota da sensibilidade que você
transmite em um parágrafo. Você não é
como ele. E também não é como o
Simak. – Passou os dedos pelos meus
cabelos. – Você é como eu.
Eu respirei fundo.
– Você é romântico e safado. – Riu. –
E bom. E decente. Pare de se esconder
atrás dessa máscara de Sven que pintou
para si.
– Não estou me escondendo!
– Está mentindo para si mesmo.
– Não estou! – me irritei.
– E está magoando Mina no caminho.
Se gosta dela, Ry, por que não…
– Eu a amo! – Segurei Lexa pelos
braços, sentindo a indignação tomar
conta do meu corpo. – Confessei isso a
Mina ontem e ela me mandou calar a
boca – regurgitei. – Pronto. – Expirei,
sentindo a dor me rasgar. – Satisfeita?
– Ela te mandou “calar a boca”? –
Mordeu os lábios, incrédula.
– Não com essas palavras. – Revirei
os olhos perante sua calma diante de
uma circunstância que quase me fazia
explodir.
– Com quais palavras?
– Importa? – rosnei.
– Claro que importa! – disse,
ultrajada. – É só o que importa!
Palavras têm poder, sabia?
– Ela não disse nada! E aí me
perguntou o que eu tinha dito. Eu fingi
que não tinha dito nada e ela aceitou.
Mas ela sabe que eu disse alguma coisa.
– Isso não é o mesmo que te mandar
calar a boca.
– Depois eu repeti – balancei o
indicador, avisando que não tinha
terminado – e ela disse que era melhor
não pensar nisso agora, porque tínhamos
coisas demais nos preocupando no
momento. Foi um “cala a boca”
educado. Mas eu conheço Mina, Lexa,
foi um “cala a boca”.
– Dê um pouco de tempo a ela.
Realmente, há muito acontecendo ao
mesmo tempo e…
– Lexa! – Comecei a rir e acenei para
interrompê-la. – Dê um pouco de tempo
a ela? Esse é seu conselho? A rainha dos
relacionamentos quer que eu
compreenda e dê um tempo?
– Ryker…
– Precisei reunir todos os meus
esforços para não começar uma briga
com ela na cama mesmo! Eu contei que a
amava! E ela ficou muda! Por uma
eternidade! E depois deixou para lá. –
Gesticulei. – Como se eu só tivesse
perguntado que horas são.
– Você está encarando isso do jeito
errado!
Basta.
Eu estava cansado dessas contínuas
conversas que só serviam para me
espancar ainda mais.
– Chega, Lexa. – Coloquei a mão na
maçaneta.
– Você não pode decidir o momento
certo para ela, Ryker! Você estava
pronto para dizer “eu te amo”, mas ela
não estava. Não é justo exigir isso!
– Você nem a conhece, Lexa! Por que
essa defesa?
– Ela te faz bem, moleque! Não é
qualquer mulher que sobreviveria a toda
essa situação com a dignidade que ela
demonstra. E sem te abandonar ou
perder o carinho. Situações horríveis
mostram o que as pessoas têm por
dentro. E o que Mina tem é bom.
Eu sabia que o que Mina tinha era
bom.
Era o melhor.
Ela era decente e corajosa e linda.
Mas também era indecisa e insegura.
Eu tinha olhado nos seus olhos e
sentido o vazio do seu silêncio depois
que eu despejei meu coração naqueles
lençóis.
Máscara ou não… Agir como o Sven
nunca tinha me magoado daquele jeito.
– Lexa. Eu te amo. – Girei a
maçaneta. – E é por isso que eu te peço
para não me levar a mal… mas não se
meta na minha vida.
– O que ainda está fazendo aqui? –
Delvak estreitou seus olhos inquisitivos.
– Achei que você já tinha ido atrás dos
seus amigos críticos.
– Não são amigos, no plural. É um
crítico só que pode resolver tudo –
expliquei. – E eu já estou indo, mas
preciso te pedir algo antes.
– Se tiver a ver com sexo, a gente
pode fazer no palco na frente de todo
mundo? – Tocou minha cintura. – Não
quero que seu irmão me deixe para trás
– concluiu com um dengo falso.
– Preciso que você converse com
Ryker.
– Sobre o sexo no palco? O dele ou o
nosso?
– Delvak! – vociferei. – Você pode
dar uma pausa nas suas besteiras por
dois minutos? Por favor?
Seus ombros caíram quando ele
expirou fundo. Seu toque na minha
cintura ficou mais pesado.
– O que houve? – Ele se declarou
para Mina e não foi retribuído no
momento.
– Isso nunca é bom. – A seriedade
pacífica em sua voz me agradou. Saber
que ele não tinha feito alguma piada
ridícula me informava que ele estava
realmente tendo uma conversa sóbria. E
eram muito raros os momentos em que
ele não estava embriagado pelo sexo.
– Ele está interpretando tudo errado,
Sven – suspirei. – Continua com essa
ilusão perigosa que o único jeito de ser
uma pessoa decente é sendo como você.
– Que fique claro que nunca
concordei completamente com essa sua
análise, Lexie. – Balançou a cabeça
devagar. – O garoto só está
experimentando a vida. Sei que eu
exagero. – Abriu os olhos forçadamente.
– Mas ele não é como eu. Ryker tem a
cabeça no lugar. Mesmo quando se mete
em um problema colossal como esse
com que estamos lidando. Ele continua
focado, concentrado… Seu irmão é um
bom menino.
– Eu sei disso tudo.
– Então por que está se metendo na
vida dele? – recriminou. – Deixa ele
encontrar o próprio caminho.
– Não é isso, Sven! – Esfreguei minha
testa com as mãos e ele soltou minha
cintura para apertar minhas mãos,
tentando me acalmar. – Simak se meteu
na vida dele primeiro. Destruiu o garoto
meigo e romântico que tinha lá dentro e
agora… Agora Ryker não tem rumo. Ele
acha que é errado ser quem ele é.
– Tenho certeza que não acha isso.
– Não conscientemente. Mas eu
conheço meu irmão! – Dobrei o lábio,
birrenta. – Svenie, por favor! Só faça o
que estou te pedindo. Por favor? –
Coloquei as mãos em seus ombros,
deixando meu olhar lhe explicar o
quanto era verdadeiro meu pedido.
– O que quer que eu diga?
– Só converse com ele. – Dei de
ombros. – Veja se ele está bem. Tente
acalmá-lo. Tenho medo que ele destrua
tudo com Mina no calor do momento.
Vai fazer isso?
Ele sorriu com aquela doçura que
quase nunca demonstrava. Colocou os
fios soltos dos meus cabelos atrás da
minha orelha.
– Sabe que faço qualquer coisa por
você – sussurrou. Não havia qualquer
dose de sedução no seu tom. E eu
adorava quando ele falava assim.

– O celular dele! – lembrei. – As


pessoas guardam tudo nos celulares hoje
em dia.
– É, Mina… Mas guardam tudo em
um celular com senha. – Devon deu de
ombros. – Sem a senha do contador, a
gente não consegue acessar as
informações.
– Você não conhece algum hacker,
Interpol? – Lucy tocou seu ombro.
– Conheço. O departamento de
informática da agência.
– Só? Não tem ninguém underground
que trabalhe por dinheiro ou drogas?
– Ah, claro! – Zahner deu um tapa na
própria testa. – Esqueci que estávamos
em um filme da Disney. Claro que
conheço.
– Você é o agente secreto mais inútil
que eu já vi. – Lucy torceu o nariz para a
careta de Gary.
– E que filme da Disney é esse que
tem drogas? – Joanie parecia chocada.
– O seu amigo japonês não conhece
ninguém? – Zahner quis saber. Ele
sempre voltava a esse assunto. Estava
curioso para descobrir mais sobre a
procedência das amizades de Delvak.
– Não precisamos de nada disso. –
Sorriu, calculista. – Só precisamos
decorar sua senha antes de roubar o
celular.
– E como vamos fazê-lo nos mostrar a
senha?
– Eu tenho um plano. – Piscou um
olho. – Mas, para isso, vou precisar de
uma voluntária.
– Para dar em cima do contador? –
Lucy riu. – Isso aqui é uma boate de
prostitutas, meu amor, voluntárias não
vão faltar.
– Ótimo! – Bateu palmas. – Então
vamos agir essa noite. Temos que atacar
em todas as frentes ao mesmo tempo.
Lexa e Zahner cuidam dos restaurantes e
o resto de nós consegue as informações
com o contador. Acabamos aqui? – Ele
espiou Ryker com uma urgência estranha
que chamou minha atenção.
Quer falar com Ryk, Delvak? Entra
na fila.
Assim que essa reunião acabar, quem
vai ter uma conversa com o Strome sou
eu.
Lidar com sentimentos profundos
seria estressante no meio de nossas
tramas contra a máfia. Mas qualquer
coisa era melhor do que receber esse
gelo de Ryker. Eu não ia conseguir me
concentrar para nada até resolver isso.
– Não acabamos – Joanie avisou. –
Seduzir o cara não vai ser problema,
mas você ainda precisa explicar seu
plano sobre como conseguir a senha
dele.
Delvak inspirou profundamente e se
preparou para falar. Eu não precisaria
estar presente para essa parte da lição.
Não quando havia por perto pelo menos
três ou quatro mulheres muito mais
capacitadas para seduzir um estranho do
que eu.
– Ryker? – Toquei seu braço e notei o
olhar de Delvak sobre nós mais uma
vez. – A gente precisa conversar. – Eu
mantinha o canto do olho em Sven,
tentando entender o motivo do seu
interesse discreto. Ele geralmente era
mais evidente e barulhento que aquilo.
Talvez tivesse algo a ver com a
conversa que Lexa tivera com Ryker…
– Sobre? – Ele levantou uma
sobrancelha.
O celular de Delvak tocou em seu
bolso e ele se afastou, cumprimentando
Lexa, do outro lado da linha.
– Ryker – reclamei. – Vai mesmo
querer jogar esse jogo?
– Mina, eu…
– É O QUÊ? – A exaltação de Sven do
outro lado do salão chamou nossa
atenção. Todos pararam suas atividades
e ninguém sequer respirava. – Como
assim, “uma de cada”? De onde diabos
você conhece esse homem, Lexa? – Ele
ficou em silêncio enquanto a esperava
responder. – Então, você vai ficar? É
isso? – Mordeu os lábios com força. Eu
toquei o braço de Ryker instintivamente,
buscando proteção. – Ótimo, volte e
aí… Como assim não vai voltar? Eu não
estou… – Esfregou a testa, irritado. –
Merda! Que bela merda! Ok. Eu ligo pra
você em dois minutos. – Ele desligou o
telefone com raiva. – Mudança de
planos, pessoal! O crítico, “amigo” da
Lexa está cobrando para nos ajudar a
destruir a reputação dos restaurantes do
Kulik em menos de dois dias.
– Quanto? – Levei a mão aos olhos.
Se fosse uma quantia alta teríamos que
pedir dinheiro emprestado… e à Lexa,
provavelmente.
– Não é dinheiro que ele quer. Ele
conhece Lexa e quer uma experiência
única com várias prostitutas. Negra,
loira, morena, ruiva e asiática. Ao
mesmo tempo. – Sven nos ofereceu um
sorriso amarelo.
– Que diabo de amigo é esse? – Ryker
soou preocupado com as amizades da
irmã.
– Exatamente o que eu gostaria de
saber – Delvak rosnou. – Mas, no
momento, não temos tempo. – Olhou
para o relógio. – Jornalistas funcionam
com prazos apertados demais e nós
queremos que ele tenha tempo para
escrever um artigo bem gordo. Quais de
vocês topam? – Procurou ao redor.
Lucy, Joanie e Nila se entreolharam
casualmente. Três prostitutas que fariam
qualquer coisa por Spider.
– Quem vai nos pagar pela hora? –
Tonya quis saber. — Não me levem a
mal, eu também amo Spider e quero
vingança pelo que aconteceu com ela.
Mas trabalhar de graça é contra minha
filosofia.
– Eu pago! – Delvak deu de ombros. –
Estamos resolvidos?
– Sem problemas, por mim. – Tonya
sorriu.
– Precisamos de uma morena – Sven
avisou.
– Skye! – exclamei, interrompendo-o.
– Skye vai ajudar.
– Tem certeza? – Ryker me olhou,
incerto.
– Tenho. Ela é uma boa pessoa –
decidi. – Não se dava bem com Spider,
mas vai ajudar. Sei que vai. Ela veio nos
ver quando chegamos, lembra? E foi me
visitar em Paris. E… – Tentei lembrar
outras ocasiões que confirmassem a
veracidade de sua amizade por nós. –
Não importa! Eu ligo para ela! – Eu já ia
seguir para pegar o telefone, quando me
virei de volta, girando sobre meus pés
para observar Sven. – Pode ser que ela
cobre também – avisei, sem jeito.
Ele riu e concordou com um gesto.
– Acho que ela é bem cara. –
Enruguei minha testa, percebendo que,
mesmo com toda minha experiência
recente, a verdade é que eu não fazia a
menor ideia de quanto uma prostituta
deveria cobrar.
Considerando minha breve e
angustiante experiência com Ryker em
nossa primeira noite, eu também não
sabia exatamente quanto cobrava um
garoto de programa.
– Não é problema. – Sven acenou e eu
confiei que minhas palavras sobre uma
prostituta “ser cara” teriam um
significado para ele que não tinham para
mim. Ele deveria saber quanto custava,
não é?
– Vou ligar para ela agora mesmo!
– Depois volte, preciso te ensinar
como pegar o código do celular – disse.
Eu tinha dado dois passos completos
antes de perceber que eu não conseguia
compreender o que ele dissera.
– O quê? – Virei de volta para ele.
– O código do celular. Preciso te
ensinar como convencer o contador a te
mostrar.
– Mas… mas… – Eu sabia que minha
boca estava se movendo… mas minha
mente ainda estava preocupada demais
em tentar colocar sentido nas palavras
de Delvak. Ele não precisava de mim
para seduzir um estranho! Não quando
estava cercado por mulheres lindas e
experientes no assunto. – Uma das
meninas não pode…?
– Elas vão precisar ir. Todas. – Seu
tom era de obviedade. – O idiota tarado
quer “uma de cada”. Parece que
coleciona sexo. – Havia um tom
brincalhão na afirmação, mas a
lembrança de Allender me fez tremer.
Delvak não deveria fazer ideia do
quanto sua bobagem tinha um peso de
realidade. – Não é problema para você,
não é, querida? Se conseguiu transar em
público, consegue fazer um mísero
homem acreditar que está interessada
por ele.
Ele fazia soar simples.
Talvez até fosse.
Mas não era.
Não era nem um pouco.
Era completamente diferente!
O sexo em público tinha sido com
Ryker.
Com Ryker eu tinha coragem de fazer
qualquer coisa. Me sentia segura e
confortável.
Mas Ryker não poderia ficar do meu
lado, me emprestando sua ousadia,
enquanto eu dava descaradamente em
cima de outro homem. Seria
contraproducente.
– Lexa… – implorei. – Lexa não pode
seduzir o contador?
– Lexa precisa esperar as meninas
chegarem lá para apresentá-las ao idiota
– Sven lembrou. – Não sabe se vai
conseguir voltar a tempo.
– Por que não deixamos para amanhã,
então? – Apertei minhas mãos, tentando
me acalmar. – Acho que não é uma boa
ideia eu ir… Vou acabar estrag...
– Mina, se fosse só uma brincadeira
ou pequena reunião de negócios, eu não
veria problemas em adiar – ele
continuou. – Mas a vida de vocês dois
está em risco. Quer mesmo esperar mais
um dia?
– Delvak, você não me conhece bem o
suficiente. Não julgue minha
personalidade pelos últimos dias. –
Lembrei da nova versão do show da
Tímida e percebi que estava entrando
em pânico. – Eu sou tímida e
introvertida. Não sou nem um pouco
sensual! Vou falar alguma besteira,
derrubar bebida no cara e fazê-lo rir da
minha desgraça.
– Então, nós temos um problema…
porque não há mais ninguém que possa
fazer isso. – Deu de ombros.
– Você consegue, Mina. – Joanie
sorriu.
– A gente te dá umas dicas antes de
sair. – Lucy tentou ajudar.
Rápido demais, todos estavam
falando ao mesmo tempo. Tonya
conhecia algum canal no YouTube com
dicas que eu poderia incorporar nas
próximas horas, Devon sugeriu que eu
praticasse com alguns dos caras da
boate e Tim estava certo de que o plano
ia dar errado.
– Mina.
Era aquela voz doce.
Aquela voz constante.
Aquela voz que me enchia de
segurança.
Fazia poucas horas que eu não a ouvia
com tanto carinho e já começava a sentir
saudade.
Ryker se aproximou com seu típico
cuidado e eu quis abraçá-lo, pedir
desculpas, dizer “eu te amo” e mandar
tudo se foder.
– Calma – sorriu.
Era um sorriso comedido.
Como se ele estivesse chateado
comigo, mas, apesar de estar se
policiando para não ser gentil, não
conseguisse evitar.
Eu amava aquele sorriso.
Amava cada minúscula parte dele.
– Eu te ajudo.
Claro que ele me ajuda.
Claro que ele sempre me ajuda.
Eu sou idiota.
Qual era o meu problema?
Por que não consegui simplesmente
dizer “eu também te amo”
quando o momento se apresentou?
Por que não consegui gritar essas
palavras?
– Lucy! – Ryker se virou, assumindo
uma postura muito similar à de Sven.
Ele era o líder agora. – Pegue as
meninas e encontre Lexa. Sven tem o
endereço? – Delvak sorriu como se
apreciasse ver Ryk assumir as rédeas. –
Ótimo. Escreva para as meninas. O resto
de vocês, vão logo para o maldito bar
para onde o contador geralmente vai nos
dias de hoje. Cheguem separados, finjam
que não se conhecem. Deem uma olhada
ao redor. Vou ligar para todos vocês
antes de sairmos. A gente precisa ter o
mínimo de certeza de que o lugar é
seguro. Sven… eu e você ficamos para
trás. – Sven acenou, compreendendo.
Eu olhei para Ryker, sentindo o
pânico se diluir. Mas aquela horrível
sensação de que eu ia sufocar ainda
estava lá… me atormentando. Se eu
falhasse, poderia colocar todo o plano a
perder. Toda a dedicação dos meus
amigos, todo o risco que tinham
assumido…
Era demais: colocar toda a
responsabilidade do nosso sucesso em
uma tentativa de sedução a ser realizada
por uma garota que teve uma crise
histérica de riso na primeira vez que viu
um pênis ao vivo.
Delvak se virou para as meninas,
enquanto os rapazes se preparavam para
sair.
Apertei a mão de Ryker à espera de
instruções.
Ele apertou minha mão de volta.
– Vem comigo?
Eu apenas sorri.
Vou.
Claro que vou.
Vou com você para qualquer lugar.

Mina não soltava minha mão. Eu não


saberia dizer se era apenas por causa do
receio criado diante da situação recente
ou se por causa de toda a situação de
confissão de sentimentos e mais toda
aquela merda.
– Vai conseguir. – Encarei seus olhos,
transmitindo segurança.
Eu queria me manter minimamente
afastado. Eu a amava. Não era
recíproco. Minha cabeça girava em
turbilhões inconstantes, principalmente
depois de minha conversa com Lexa.
Será que ela estava certa? Será que eu
nunca tinha conseguido ver o amor com
bons olhos? Ou era só sexo?
Não… Eu cedi ao que sinto por Mina,
não foi? Admiti tudo. Eu não poderia
fazê-lo se Lexa estivesse certa.
Mina espremeu os lábios, nervosa, e
eu quis me manter distante.
Mas era difícil. Era quase impossível.
– Ryker – murmurou muito séria. – Da
primeira vez que tentei te seduzir, acabei
te causando um choque anafilático.
– E espremendo minhas bolas no
punho, não esqueça essa parte. – Sorri
diante da lembrança. Eu não conseguia
me manter apático com Bault.
– Pois é! Esse plano está fadado ao
fracasso! A gente tem mais chances de
seduzir o contador se colocar você em
um vestido e saltos.
– Não zoe comigo, Bault. Eu consigo
fazer um vestido e saltos funcionarem
muito bem, ouviu? – brinquei, fingindo
arrogância e ela riu. – Você vai
conseguir. – Apertei sua mão. – Vai dar
tudo certo.
– Como pode ter tanta certeza?
Eu não tinha certeza…
Senti um meio sorriso atingir meu
rosto junto com a ideia.
– Finja que sou eu. – Levantei o
ombro. – Finja que está falando comigo
e querendo me convencer a fazer algo.
– Eu sou péssima em te convencer. –
Levantou uma sobrancelha e eu soube
que ela estava gostando da ideia.
– Faça isso e vai dar certo – prometi.
Mina acenou devagar e nos perdemos
em silêncio, presos um ao olhar do outro
durante alguns segundos que passaram
rápido demais.
– Está distante porque disse que me
amava e eu não respondi? – sussurrou,
como se cada palavra doesse para sair
da boca.
Um nó se atou na minha garganta,
naquele local inconveniente bem abaixo
da glote.
– Não é uma boa ideia fazer isso
agora.
– Ryk, diante da nossa atual situação
em que cada dia pode ser o último, acho
que o melhor momento é agora –
lembrou.
Sentei na cama, expirando. Cotovelos
sobre os joelhos, afundei meus dedos
nos cabelos.
– Sempre achei relacionamentos tão
simples – confessei. – E, de repente,
ficou tudo tão complicado.
– Relacionamentos sempre foram
complicados. Sexo que é simples. –
Sentou–se ao meu lado, tocando meu
joelho e eu abaixei os braços para
observá-la. – Quer dizer… – Arregalou
os olhos. – Pelo menos para um de nós.
– Me fez rir.
Eu queria levar a mão à sua bochecha
e tocá-la. Queria acariciar seus braços,
colocá-la no meu colo e beijá-la a noite
toda.
– Por que precisa ser tão
complicado? – suspirei.
– Porque a gente nunca sabe o que a
outra pessoa está pensando. “É de
verdade? Ele está me enganando? Ele
está se enganando?”… Se eu soubesse
tudo que está na sua cabeça e você
soubesse tudo que está na minha seria
mais simples.
Sua explicação me divertiu.
– O segredo para um relacionamento
saudável é a telepatia, então? Por que
não me avisou antes, Bault? – Estreitei
os olhos.
Ela mordeu o sorriso, sustentando
meu olhar como se arquitetasse um
plano.
– Vamos fazer assim. – Ela se
levantou e pegou o despertador na
cabeceira. Girou os ajustes na parte de
trás e colocou o relógio sobre a cama
antes de se sentar. – Quinze minutos de
absoluta honestidade.
– Do tipo: como eu gosto que uma
mulher me chupe?
Ela fez uma careta para minha
brincadeira.
– Acho melhor eu começar – decidiu.
– Mina… – Coloquei minha mão
sobre a sua antes que ela ativasse o
alarme. – Tanta coisa pode dar errado
nesse seu plano.
– Ryker. – Ela assumiu a coragem que
eu não tive e sua mão estava no meu
rosto, espalhando eletricidade pela
minha bochecha. – Você mal olhou para
mim hoje. Eu quero saber por quê –
decidiu. – Só quinze minutos. Eu digo
tudo. Você diz tudo. Sem medo ou
julgamento. E, quando os quinze minutos
acabarem, a gente finge que nada
aconteceu e segue a partir dali.
– Quinze minutos?
– É menos tempo do que a gente
passou no palco. – Sorriu.
– Mas suspeito que vá ser bem menos
divertido. – Suspirei.
Não tive tempo para me preparar ou
sequer respirar fundo: Mina apertou o
botão e a contagem regressiva começou.
– Eu te amo – ela confessou e eu
tremi. Cada pedacinho de pele vibrava
de acordo com as batidas pesadas do
meu coração. – É assim que me sinto. É
assim que eu acho que me sinto. –
Balançou a cabeça. – Mas eu tenho
medo. Tenho medo porque a gente se
conhece há pouco tempo e tudo
aconteceu de um jeito muito conturbado.
Tenho medo porque você é uma das
pessoas mais descaradas que eu
conheço. Top 5 – afirmou, tentando não
sorrir. – Não tenho sequer certeza se
você sabe o que é estar apaixonado por
alguém. E se você estiver confuso? E se
for apenas a intensidade de toda essa
situação? Eu digo que te amo também,
você me beija, a gente faz amor e
esqueço que o mundo existe. E depois?
E depois do sexo? E depois da máfia
russa e da boate de striptease? O que
sobra pra mim? Antes, você tinha a
novidade da caça pela minha
virgindade. – Arregalou os olhos,
defronte à escolha de palavras. – Teve a
emoção da separação, do reencontro, da
trama e do risco de vida… mas e
quando isso acabar? Se a gente ainda
estiver vivo… você vem pra Paris
comigo? Eu fico em Amsterdã com
você? Você vai continuar se
prostituindo? Porque, sinceramente, não
sei como me sentiria com isso. Você
abriria mão do seu jeito moleque-
safado-garanhão e stripper por mim?
Seus rendimentos como garoto de
programa? Ou desistiria de mim?
Desistiria daqui a uns meses assim que
eu estivesse completamente apaixonada
por você? Admitir torna o sentimento
mais real e tenho medo dessa realidade,
Ryker, porque você é sempre tão…
imprevisível – gemeu e eu senti sua
angústia. – Eu gosto de controle. Você
sempre soube disso! E com você… com
você não há controle nunca! Transei na
frente de um monte de gente ontem
mesmo! – exclamou. – Eu gosto do modo
como você me faz sentir. Eu amo! Mas
isso tudo pode dar tão errado. Você acha
mesmo tão incompreensível e tão…
inaceitável… que eu tenha resolvido
tomar um pouco de cuidado com meu
coração?
Sua pausa se prolongou e eu suspeitei
que era minha vez. Esfreguei a palma
contra a testa, lutando bravamente para
puxar as palavras para fora.
Se ela fosse em algum aspecto como
eu, estaria entrando em desespero diante
do meu silêncio a qualquer segundo.
Seria ela a ficar com raiva e me
ignorando, dessa vez.
– Calma. – Entrelaçou nossos dedos,
me surpreendendo. – Não é uma prova.
– Seu sorriso me enchia de paz. Ela era
maravilhosa: toda ela. Seu jeito, sua
personalidade, sua voz, seu sorriso, sua
beleza. – Não tem resposta errada.
Apenas diga a primeira coisa que vier à
sua mente.
Eu sabia exatamente o que estava na
minha mente.
– Sou mais inseguro do que você –
meu sussurro mal se fazia ouvir.
Senti seu toque em minha mão hesitar,
confuso. – Acho que por causa do modo
como a gente se conheceu e do lugar
onde a gente veio parar. Acabamos
reduzindo tudo a sexo, não foi? E aí
você me considerou autoconfiante e eu
te considerei inexperiente e foi isso.
Mas a vida é muito mais que duas
pessoas nuas e suadas em uma cama. Ou
no sofá. Na cozinha… – Tentei lembrar.
– Em um palco…
– Ryk… – Riu, baixinho.
– Lexa me chamou para conversar
hoje mais cedo.
– Eu vi.
– Ela me disse muitas coisas que eu
odiei ouvir, mas… acho que ela tem
razão. Simak foi… – Passei os dedos na
linha dos meus cabelos… Minha visão
se embaçou e eu senti que poderia
chorar. Qual era o meu problema? – Não
tive uma boa infância. – Decidi usar
outras palavras e o mundo voltou a
entrar em foco. – Acho que passei minha
vida inteira fugindo do homem que eu
temia me tornar. Acho que exagerei e…
acabei me forçando a ser algo
completamente diferente.
– Algo como o Delvak?
– Talvez. – Me permiti respirar fundo.
Eu conseguia fazer isso. Eu conseguia
desabafar e abrir o jogo. Não teria
conseguido com Lexa. Mas com Mina
sempre foi diferente. – Sexo foi simples.
Ser garoto de programa, ser stripper,
reduzir minha interação com mulheres a
sexo, mesmo em relacionamentos mais
longos como foi com Skye. Eu não
precisava pensar. Não precisava encarar
o medo ou a insegurança. Não sei por
que foi diferente com você, mas foi.
Consegui contar sobre o que aconteceu
com Simak e Lexa pela primeira vez na
minha vida e… foi bom. Com você não
era só sexo. Apesar de ter muito sexo. –
Agora era ela quem ria. – Eu confio em
você. Sinto como se tivesse alguém
comigo. De verdade. Alguém que gosta
de mim e que… não sei… Eu sempre
estive sozinho e quando você apareceu,
pode ter sido rápido, mas… de repente
eu não me sentia mais só. A cada dia que
passa eu gosto mais de você. –
Comprimi sua mão. – Mas você está
certa, Mina. É amor? Não sei. – Dei de
ombros. – Acho que é… O que eu te
disse foi só… foi natural – decidi. – Só
escapou. Eu não estava pensando no
futuro, nem fazendo grandes conjecturas.
Foi só uma constatação. Algo que eu
tive vontade de dizer. Espero que você
não me entenda mal, mas eu me
arrependi.
– Se arrependeu? – Seu olhar caiu e
segurei suas duas mãos com força.
– Não porque meu sentimento mudou,
mas porque você está certa de novo: é
complicado demais. Principalmente na
nossa situação. Você me fez um monte de
perguntas e eu… não sei responder
metade delas. E acho que você também
não saberia responder se eu te
perguntasse coisas parecidas. Acho que
a gente… precisa conversar. Mas não
agora. Quero dizer… Se a gente morrer
amanhã, não faz diferença a gente ter
decidido morar em Paris ou Amsterdã,
não é? – lembrei, as articulações dos
dedos pelo seu rosto.
– Faz sentido.
Acenei devagar. Ela sorriu. Puxei sua
nuca para mim e beijei sua boca.
Soltei o beijo e Mina me deu um
último selinho que estalou bem alto.
Meu sorriso se abriu, imenso.
Ela me abraçou e nós deixamos os
minutos restantes escorrerem devagar.
Raspando meu nariz no dela até o
alarme soar estridente e ela se mover,
rindo, para desligá-lo – Não doeu, né?
Puxei sua cintura e deitamos na cama,
um de frente para o outro, mantive sua
mão na minha, tocando seus dedos com
carinho.
Vivi minha vida toda um dia de cada
vez.
Mina foi a primeira pessoa na minha
vida que me fez querer pensar em termo
de “anos”.
Era por isso que era diferente com
ela.
Sem saber, ela tinha me feito encarar
os traumas da minha infância a fim de
superá-los. Enfrentar o fato de que a
vida nem sempre dá o que a gente quer:
às vezes ela nos dá uma mulher que a
gente ama e que não responde a
declaração no mesmo segundo. Ou nos
dá um pai violento e uma irmã vítima.
Nos dá impotência e nos mantém presos,
impossibilitados de nos defender ou de
acolher as pessoas que amamos.
– Vem cá, eu quero te beijar de novo
– pedi.
Ela me beijou, e meu sorriso se
desfez em uma risada deliciosa.
– O que foi? – ela quis saber.
– Não, não – brinquei. – Seus quinze
minutos acabaram.
– Ah, isso é fácil de resolver! – Ela
se esticou na cama, brincalhona,
procurando o relógio mais uma vez e eu
a segurei pela cintura. Fiz coceguinhas
em suas costelas, informando-a de que
ela estava roubando.
– Me conta! – pediu. Eu sentia nossos
hálitos se misturando e soube que eu não
poderia negar.
– Tem uma autora de que minha irmã
gosta muito. Em uma passagem de um
livro dela, há uma citação que Lexa ama.
Essa autora diz que muitas pessoas
passam a vida inteira hibernando. Você
se levanta da cama, vai trabalhar, acha
que está fazendo tudo certo na vida…
Aí, um dia, algo simplesmente acontece
e você acorda. Percebe tudo que estava
fazendo errado. Tudo que era sem
sentido. Tudo que você quer mudar. É
meio louco ver assim. – Mantive Mina
bem perto, sua testa contra a minha. –
Mas acho que era isso. Eu estava
hibernando. E você, com esse seu jeito
maluco, sem querer me fez repensar
minha vida inteira. Acho que é por isso
que eu te amo. – Sorri e a beijei
rapidamente. – Mesmo que dê errado,
mesmo que você quebre meu coração ou
eu quebre o seu: eu sempre vou te amar.
Vou te amar porque, sem você, eu teria
passado minha vida inteira alheio a mim
mesmo. Vou te amar porque foi você
quem me acordou.
– E espremi suas bolas no punho! –
lembrou.
– Claro! Não podemos esquecer essa
parte. – Girei sobre ela. – Qual o
homem que não se apaixona por uma
mulher que o deixa infértil?
– Ei! – Delvak estava na porta –
Temos que ir ao hotel, para pegar um
vestido da Lexa para Mina. Vai ajudar
no elemento sedução – explicou. – Estão
prontos?
Mina revirou os olhos e se esticou
para encarar Delvak.
– Acho que a gente ia transar, mas
você interrompeu tudo!
Eu gargalhei muito alto diante de sua
ousadia.
– Ah, nesse caso eu espero. – Ele
piscou um olho.
Mina beijou minha bochecha, antes de
se levantar.
– Controle-se, Delvak – sugeriu,
passando por ele. – Ou peço pra Lexa te
dar uma surra quando ela voltar –
desafiou e eu arregalei os olhos em
descrença.
A vida é assim… Te dá traumas, uma
infância horrível repleta de abusos e
uma rotina de fugas. Aí, um dia, ela
chega e te oferece uma Mina também.
Eu sorri ao assistir à minha namorada
e ao meu amigo descerem as escadas
enquanto trocavam ofensas e elogios de
duplo sentido. Eu não estava mais
sozinho. Talvez nunca tivesse estado.
Talvez tivesse sido apenas uma opção.
Talvez eu estivesse fugindo tão rápido
que nunca parei para notar os amigos e
família que se dispunham ao meu redor e
que buscavam me alcançar.
Mas agora eu tinha acordado e estava
pronto.
Agora eu não era mais impotente.
Podia me defender e podia defender as
pessoas que eu amava.
Eu finalmente tinha compreendido que
a vida não é apenas uma vadia nojenta.
Ela joga coisas horríveis para cima de
você? Sim. Mas então, quando você
menos espera, ela entra em um quarto de
hotel, disfarçada de uma cliente virgem,
e te dá um presente maravilhoso.

O plano de Delvak era bem simples.


E a melhor parte é que podia ser
dividido em etapas facilmente listáveis:
1. Seduzir o contador.
2. Fazer o contador pedir meu
telefone.
3. Exagerar na proximidade
enquanto sussurrava o telefone
falso no ouvido dele.
4. Prestar atenção quando ele
desbloqueasse o aparelho.
5. Decorar o número pela minha
vida.
6. Distrair o contador enquanto Tim
roubava o aparelho do seu bolso.
7. Roubar todo o dinheiro do mafioso
e deixá-lo sem condições de
perseguir qualquer um de nós.

Ok. Havia um pequeno abismo entre


as etapas 6 e 7. Embora eu não soubesse
como pulá-lo, esperava profundamente
que o plano de Delvak desse conta dele.
O mesmo Delvak que tinha me
garantido além de quaisquer dúvidas
que as etapas 1 a 6 seriam facilmente
executáveis.
“Facilmente” ele tinha dito.
Claramente não me conhecia.
Mas ia conhecer.
E não ia acreditar.
Não que isso importasse agora.
Agora, eu estava enfiada em um
vestido de Lexa que me supervalorizava.
Não de um modo óbvio e direto, mas do
jeito sexy e provocante da irmã mais
velha de Ryk. Era o tipo de sensualidade
que mostra muito sem mostrar nada e
que funcionava perfeitamente nela.
Nela.
Não em mim.
Lexa sabia se comportar. Até o andar
da maldita era sensual. Ela ficaria linda
até em um saco de estopa rasgado
depois de tanto carregar batatas,
enquanto eu podia vestir alta-costura e
ainda comprimiria meus membros em
uma corcunda tímida e desesperada em
confronto com a necessidade de seduzir
alguém.
Acho que eu preferia a blusa
oferecida por Lucy com um decote que
ia até o umbigo ou a camisa levemente
comprida da Forever 21 que Nila
insistia em me garantir que era um
vestido. Eu ainda achava que algum
funcionário da Forever 21 deveria ser
demitido, porque o vestido da Nila veio
sem a parte de baixo, mas o que é que eu
entendo de moda?
Provavelmente tanto quanto eu
entendia de sedução. Aproximadamente
“zero”. E em um dia bom.
No geral, minha designação era
negativa.
Acho que é por isso que eu preferia
as roupas sensuais mais óbvias. Meu
corpo era bem decente e seria preferível
apenas ficar de pé, em silêncio,
deixando meu corpo trabalhar por nós
dois enquanto meu cérebro se ocupava
em me convencer a não desmaiar.
As roupas sensuais de Lexa, porém,
exigiam mais trabalho.
Delvak murmurou um “exagerada”
antes de se afastar.
Era fácil para ele.
Minha experiência com sedução se
resumia a sorrir para algum cara em um
bar ou contratar um garoto de programa.
E agora, não apenas eu tinha que
abordar um desconhecido, mas
conquistá-lo o suficiente para fazê-lo
pedir meu número.
– Tenho certeza que vários caras já
pediram seu número antes. – Devon fez
questão de brincar, ainda na boate, ao
perceber meu desespero.
Claro, meu bem, claro que já
pediram. Mas nunca quando eu os
persegui, precisando que eles me
cobiçassem desesperadamente para
conseguir arquitetar um assalto e salvar
a minha vida e a do meu homem.
Era responsabilidade demais para
sedução de menos.
Respirei fundo, aproveitando para me
esbaldar de oxigênio já que aquela
seria, provavelmente, a última vez que
eu respiraria na noite. Delvak e Ryker
tinham ficado para trás, apoiando as
bebidas em uma mesa e se mantendo de
pé para observar os arredores. As
caixas de som em cada centímetro do
lugar estouravam com uma música
eletrônica que, no momento, era lenta e
sensual.
Isso deveria me ajudar, não é?
Talvez eu começasse a dançar e
pedisse para alguém tirar minha roupa
na frente dele. A considerar pelo meu
histórico, acho que eu teria mais chances
desse jeito.
Virei o rosto para o lado, em busca da
confirmação de Sven que o homem ao
meu lado era com certeza absoluta o
contador do Kulik.
Ele acenou, exagerado, e eu tive
certeza que sua paciência havia se
esgotado.
Eu não estava errada em querer ter
certeza, não é? Ia ser uma perda de
tempo – para não dizer um esforço
horrível – fazer o impossível para
seduzir um cara e lhe dar um telefone
falso para, apenas então, descobrir que
tinha batido meus cílios para o cara
errado.
Tudo bem que perguntar se Delvak
tinha certeza apenas por duas ou três
vezes seria mais aceitável do que as
doze ou quinze perguntas que lhe
apontei, mais os oito pedidos para ver
fotos e as verificações de descrições
físicas. Uma das quais o impeliu a
apenas rir em desistência antes de virar
as costas.
Apoiei os cotovelos sobre o balcão
no qual o contador estava e esperei
alguma coisa acontecer. Espremendo
meus lábios.
A cerveja que ele pedira chegou e ele
se foi depois de pagar.
Nada aconteceu.
Claro que nada aconteceu.
Eu não fiz nada.
Estava esperando o quê, Bault? Que
ele dissesse “olha, você é tão linda e
silenciosa que eu vou até te dar o código
do meu celular aqui, sem você precisar
nem pedir”?.
Eu queria dizer que revirei os olhos
diante desse pensamento. Contudo, ele
foi tão quente e agradável que eu me
agarrei a ele. Ia ser tão lindo se eu
simplesmente conseguisse fazer aquilo
por algum milagre ou graça do destino.
Mordi o lábio e o segui devagar.
Em algum lugar ao meu redor, eu tinha
certeza que os strippers do Lucky’s
estavam apostando quanto tempo eu
levaria para desistir.
Vamos, Universo, colabora, por
favor! Uma mísera vez!
Ele se sentou em uma poltrona e
quando eu dei por mim já estava a uns
vinte centímetros dele.
Hora de agir, Mina. Sacode essa
bunda, empina esses peitos, usa uma fala
mansa… QUALQUER COISA, só não
fica aí parada.
Ótima ideia, cérebro, valeu pela
colaboração. Mas será que dá pra
avisar minhas pernas?
Coloquei uma mão sobre o braço da
poltrona, na mais ousada tentativa de
sedução que me ocorreu.
Pois é. Minha mais ousada tentativa
de sedução era acariciar o braço da
cadeira em que o cara estava.
Não é de estranhar que a perda da
minha virgindade tenha sido uma
verdadeira saga.
Ele levantou os olhos e notou minha
presença.
Ok.
Agora eu faço o quê?
Abaixa! É. Ficar na linha de visão
dele, parecia bom.
Comecei a me abaixar, mas o vestido
colado de Lexa não concordou com o
movimento e minhas coxas começaram a
se espremer uma contra a outra daquele
jeito que ou rompe a circulação ou os
ossos.
Levanta.
Comecei a levantar de volta, mas já
estava mais para baixo do que para cima
e aquela dança de minhoca não estava
ajudando o escasso elemento “sedução”
de minha presença. Ele estreitou um dos
olhos e eu tive certeza que minhas
habilidades corporais o deixaram
confuso.
Estou contigo, amigo.
Eu também fico confusa com minha
idiotice.
Todo mundo fica.
Meu corpo estava inclinado naquela
posição “galinha que não sabe se coloca
o ovo ou sai pra ciscar” e eu ponderei
se, entre abaixar ou levantar, era melhor
escolher a porta número 3 e fingir que
aquela “meia abaixada” tinha sido
proposital: sentei no braço da cadeira e
coloquei meu braço ao redor dele.
O contador olhou para mim como se
me desafiasse a ser ainda mais
inapropriada sem sua autorização.
E não de um jeito bom.
Não daquele jeito “eu te desafio a ser
mais ousada e lamber meu pau”.
Mas do jeito “tá me confundindo com
quem, magricela?”, que contribuiu ainda
mais para minha autoconfiança.
Eu não sei por que cacete resolvi
dizer “você vem sempre aqui?”, mas
acredito que é o tipo de frase imbecil
que ninguém, NI NGUÉ M no mundo usa
para uma cantada, embora você sempre
escute como exemplo.
O que encaixava perfeitamente com a
Mina: superengajada na teoria, uma
merda na prática.
Mas eu não demorei a perceber que o
que realmente me destruiu não foi o que
eu disse, mas como eu disse.
Queria sussurrar, mas isso não daria
certo por causa do barulho do ambiente.
Então, decidi falar alto. E, como eu
queria acabar com aquilo de uma vez,
pensei em me fazer ouvir rapidamente.
E bem… posso ou não ter gritado alto
demais no ouvido dele.
Considerando o sobressalto do
homem e o modo irritado como me
olhou depois… é bem provável que eu
tenha gritado.
E me conhecendo… eu gritei. Certeza.
Ainda estava gelada com minha cara
de pastel encarando o vazio e tentando
achar uma saída que, de preferência, não
envolvesse levantar e abaixar como um
pistão com problemas mentais, nem
estourar os tímpanos de um ser humano.
Ele se moveu em evidente sinal de
desconforto e eu pulei no seu colo.
Por que eu fiz isso?
Qualquer pessoa que me conhece o
mínimo poderia apostar que eu não sei.
Nunca sei como me enfio nessas
situações embaraçosas. Entretanto,
quando eu dou por mim, já estou lá:
enfiada e submersa.
Eu olhei para o contador.
O contador olhou para mim.
Eu estava no colo dele.
Ele tinha as mãos nos braços da
cadeira e era a representação física da
indignação.
Eu queria dizer alguma coisa.
Ele parecia prestes a gritar.
Eu olhei para ele.
Ele olhou para mim.
Eu sorri.
Veja bem, eu não tinha um espelho na
minha frente, mas eu tenho certeza que
abri algum sorriso amarelo e idiota.
– Pode me dar licença? – ele pediu e
tive certeza que não havia circunstâncias
reais ou imaginárias que pudessem fazer
com que aquela noite acabasse com o
contador pedindo meu número de
telefone.
Não.
Havia.
Chance.
Por um lado, eu tinha certeza que
Ryker deveria estar no meio de uma
incontrolável crise de risos bem atrás de
mim.
Por outro lado, ia ser legal olhar para
Delvak e dizer “EU TE AVISEI!”.
– Me dá uma chance – miei. – Você é
tão lindo.
As palavras saíram constrangidas
assim que eu as disse.
Tentei rebolar no colo dele, mas acho
que só devo ter levantado e sentado de
algum jeito que não o deixou à vontade.
– Com licença. – Ele se levantou sem
esperar que eu me manifestasse. Ele se
foi e eu voltei a sentar no braço da
cadeira, reunindo forças para encarar
Delvak e chorar para que Lexa chegasse
bem depressa. Ela conseguiria fazer
aquilo em um instante, não era?
– Não fique assim, querida. – A
garçonete se aproximou, recolhendo o
copo que ele tinha deixado para trás. –
Você só não é o tipo dele.
Pisquei os olhos, colocando-a em
foco.
– Ele preferia que eu fosse loira? –
perguntei, esperançosa. Não que Lexa
precisasse de ajuda… mas se ele
preferisse loiras seria ainda mais fácil.
– Não. – Ela riu com gosto. – Ele
preferia que você tivesse… – encarou
minha virilha – ...mais bagagem. – Saiu
rindo e senti minhas bochechas se
aquecerem.
Bagagem?
Ela queria dizer experiência?
Como DIABOS todo mundo sabia que
eu era quase virgem?
O comentário da garçonete me deixou
tão irritada que sequer fiquei
envergonhada ao me aproximar da mesa
onde Ryker e Sven riam sem qualquer
pudor.
– Acho que se você tivesse ido até o
chão ele se apaixonava. – Strome me
puxou pela cintura.
– Homens gostam disso? – Esqueci a
garçonete, voltando à realidade dos
meus problemas.
Ryker arregalou os olhos e ficou
alguns segundos em silêncio antes de rir.
– Foi uma piada, amor.
– Vai nos explicar qual foi a da
dancinha? – Sven pediu, inclinando-se
sobre a mesa, na minha direção. – Ou
prefere manter seus segredos de sedução
bem armazenados?
– Onde está a Lexa? – implorei.
– A caminho. Vamos esperar que ela
chegue a tempo, ou teremos que tentar de
novo amanhã. – Ryker deu de ombros.
– Próxima semana – Delvak corrigiu.
– A informação é que ele vai estar fora
da cidade nos próximos dias.
– É por isso que você insistiu que
viéssemos hoje? – Ryker levantou a
sobrancelha.
– Precisamente. Então… vamos
esperar que sua irmã chegue bem
depressa. A não ser que sua garota
queira ir até lá e não rebolar até o chão
de novo.
– Acho que prefiro morrer –
resmunguei.
– Você realmente estava certa quando
contou que não era boa nisso.
– Eu te avisei! – rosnei, antes de
lembrar de um detalhe. – Mas parece
que não foi completamente culpa minha.
– Não? – O teor de incredulidade na
voz de Delvak me chateou.
– Não! – Estirei a língua e ele se
limitou a rir, antes de beber mais um
gole, sem tirar os olhos de mim ou da
minha língua. Guardei-a de volta na
boca, por medo que ele conseguisse
roubá-la só com o olhar. Seus olhos
azuis tinham um magnetismo muito
peculiar. Quase sobrenatural. Deixavam
o ar denso e tornavam a respiração
difícil.
– Mina? – Ryker pediu com um
sorriso. – Estava dizendo…?
– Ah! Sim! – Fechei os olhos com
força. – A garçonete disse que eu não
era o tipo dele. Que o tipo dele eram
mulheres mais experientes.
Apesar de que… não sei como ela
sabia que eu sou inexperiente.
– Não sabe? – Ryker soltou o copo,
rindo. – De verdade? Não faz ideia do
que pode ter causado essa impressão? –
Riu, puxando minha cintura na tentativa
de me reconfortar.
– Como assim “mais experiente”? –
Delvak nos interrompeu. – Acha que ela
quis dizer “mais velha”?
– Não! – afirmei, com segurança.
– Por que não? – Delvak sacudiu a
cabeça, como se não confiasse nos meus
instintos. – O que ela disse, exatamente?
– Ela disse que eu não era o tipo dele.
– Levantei um ombro. – E que ele
preferia mulheres com mais “bagagem”.
– Bagagem? – Havia um sorriso torto
na boca de Delvak. – Essa foi a palavra
que ela usou?
– Foi. Por quê? – Mudei o foco de
minha atenção de Sven para Ryker. –
Isso é código para alguma coisa?
– O que mais ela disse? – Sven
continuou.
– Mais nada. Só disse que ele
preferia alguém com mais bagagem –
expliquei. – E olhou pra minha virilha
na hora. Acho que ela deve ter
imaginado que eu não tenho tanta
experiência na cama e… O que foi?
Ryker e Sven estavam se entreolhando
e sorrindo.
– O que foi?
– Pedra, papel ou tesoura? – Ryker
sugeriu.
– Não, eu vou. – Delvak piscou um
olho para nós. – Assim é mais seguro.
– O que foi que houve? – perguntei.
– Assim você me ofende, Sven.
– Não se ofenda, garoto. Não é
pessoal. Não importa quem seja a
alternativa, eu sou sempre a opção mais
segura.
– Será que vocês podem me informar
o que está acontecendo? – reclamei,
puxando Ryker pela manga.
– O cara é gay, amor – Ryk sorriu.
Gay.
– Você. – Apontei para Sven. – Você
me disse que seria fácil! – Pelo menos, a
culpa não era toda minha. – Só dar em
cima dele e pegar o número. E o cara é
gay! Não parece mais tão fácil agora,
não é? – rosnei baixinho.
Delvak estava enrolando as mangas
para cima, prendendo-as nos antebraços
largos, evidenciando-os de uma maneira
deliciosa.
– Querida, se o cara é gay... – piscou
um olho ao abrir os dois botões no topo
da camisa – ...então vai ser mais fácil
ainda.

– Vem dançar comigo – pedi.


– Não – resmungou, enfiando as mãos
embaixo dos braços, para que eu não as
pegasse. – Já preenchi minha cota de
danças por hoje, obrigada.
Sven já estava próximo ao contador e
eu soube que ele não iria demorar.
Se eu não precisaria de muito tempo
para suscitar o interesse do cara, Sven
precisaria de menos ainda. Nossa
operação estava segura e eu me peguei
puxando a mão da minha namorada e
empurrando-a em direção à pista de
dança.
– Quero ver aqueles movimentos
sensuais de novo.
– Você está pedindo para apanhar –
avisou.
– Humm, gostosa – gemi, mordendo o
lábio. – Me comportei como um garoto
levado e mereço apanhar? – gemi no seu
ouvido.
– ISSO! – Bateu um pé no chão, se
exaltando. – Era isso que eu queria
saber fazer! – chiou. – Usar palavras
normais desse jeito que faz todo mundo
ter certeza que você está falando de
sexo! Você faz parecer tão fácil! Mas
quando eu tento fazer, pareço uma
perturbada inconveniente com algum
problema mental.
– Você se esforça demais – expliquei,
acariciando seus braços. – Tem que ser
suave.
– Gostoso – falou baixinho,
balançando o corpo de um jeito
completamente não natural.
Arregalei os olhos para o seu
movimento e os pisquei várias vezes.
– Fiz merda, não foi? – Seus ombros
caíram, causando-me uma crise de riso.
– Pare de rir! – Deu um murro no meu
ombro.
No entanto, era impossível atender a
seu pedido. Eu estava dobrado sobre o
meu estômago, sentindo as lágrimas se
formarem nos meus olhos.
– Acho que pra ser mais sensual... –
trouxe-a de encontro ao meu abraço
assim que me recuperei – ...você vai
precisar de umas aulas.
– Vou precisar reencarnar –
resmungou.
– Você é sensual quando não tenta –
constatei. – Quando se esforça, é um
desastre! – Arregalei os olhos,
exagerando no medo e ela me ofereceu a
língua como resposta.
– Morro de inveja da sua irmã. –
Torceu o nariz. – Basta ela andar e já dá
pra sentir a sensualidade emanando.
– Lexa é uma espécie diferente de
animal, amor.
– Do tipo que não entra em pânico
quando tem que seduzir um cara? – Do
tipo que não teve uma virgindade
intransponível.
– Ah! – sorriu. – Se o quesito de
definição é esse, então eu sou uma
espécie muito única!
– Exclusiva. – Puxei sua boca para
beijá-la.
O comum é imaginar que emoções
estão vinculadas ao coração. Afinal, foi
o órgão que nós elegemos para
representar um sentimento mais
profundo.
Eu peço licença para discordar.
Desde que conheci Mina, percebi que
as emoções são muito mais vinculadas
às pálpebras. Acontece quando eu sinto
o cheiro dela. O toque de sua pele macia
que sempre parece estar um pouco mais
quente do que a minha, me abraçando em
seu calor. O som do seu sorriso
desajeitado ou sua voz carinhosa.
Aquele segundo em que nossos narizes
se tocam.
O peso nas minhas pálpebras é
insuportável. Eu quero manter os olhos
abertos para vê-la ali, perto de mim.
Assistir à perdição de seus olhos nos
meus, ver os fios revoltos caídos pela
sua testa, saber quando nossos lábios se
fundem.
Mas as pálpebras… as malditas
pálpebras…
Elas parecem engordar três toneladas
em um instante. Um meio olhar é tudo
que me resta. Uma vista inebriada e
embriagada que desconhece qualquer
coisa que não seja a mulher na minha
frente e seu nariz entrelaçado ao meu, a
iminência do toque entre nossos lábios e
o calor de nossos hálitos misturados.
Aquilo era o que eu sentia por Mina.
Um carinho capaz de cegar, pois
bastava a proximidade de sua boca e eu
me entregava ao momento, abandonando
um de meus sentidos para descobrir
outro ainda mais poderoso.
Minhas pálpebras pesaram e eu a
beijei, fechando os olhos e sentindo as
linhas da sua boca no meu polegar.
Prolonguei o beijo até senti-la ofegante.
– Gostoso – murmurou, baixinho,
ainda de olhos fechados. Ela também
estava entregue ao momento.
– Assim – parabenizei. – Melhor.
– É? – Lambeu parte do sorriso
satisfeito, ainda de olhos fechados.
– Bem melhor. – Lambi o mesmo
lugar que ela, antes de mordiscar seus
lábios. – Você fica bem mais sensual
quando não tenta. – Enfiei minha língua
em sua boca e ela sugou, animada. –
Bem mais – completei.
– Humm? – gemeu, me fazendo
perceber que ela não estava mais
prestando atenção às minhas palavras.
– Olha só pra isso… – ri baixinho. –
Está excitada, Bault?
– Detesto quando você faz perguntas
retóricas.
– E detesto quando você abandona
gemidos para responder com palavras
articuladas. – Passei a língua pela sua
boca. – Geme de novo pra mim?
– Descarado. – Mordeu minha língua
e quem gemeu fui eu.
– Gosto quando você me morde –
confessei, apertando minha testa contra a
dela.
– Gosto quando você me chupa.
Ri alto diante de sua ousadia.
– Mina Bault, sua safadinha! Há um
tempo, você nem conseguia dizer “pau”.
– Você quer conversar sobre o que eu
não fazia há um tempo ou sobre o que eu
vou fazer daqui a pouco?
– Estou intrigado. – Forcei uma
aparência concentrada, tentando me
manter firme no diálogo. Minhas
pálpebras, porém, não estavam
colaborando. Nem meu pau. Não que
isso fosse novidade: nessas horas, ele
nunca colaborava. – Elabore – pedi,
fechando os olhos e mordendo seu
queixo.
– Estou tentada a te morder bem aqui.
Se você me chupar, é claro.
– Um acordo muito justo. – Já estava
ficando duro. – Mas não faça promessas
que não pode cumprir, Bault. Ou eu te
como no meio de um salão cheio de
gente. De novo.
– Sinto uma pressão estranha na
minha virilha toda vez que você fala
algo assim, sabia?
– Claro que sabia. É a minha
intenção. – Pisquei um olho. – Vamos até
ali… – Raspei a língua no seu lóbulo,
deixando minhas palavras dançarem. –
Colocar um pouquinho mais de pressão
no lugar certo.
Ela se contraiu em meus braços
quando o arrepio tomou conta de seu
corpo e eu arrisquei um toque em seu
joelho. Minha mão solta mal a tocava,
quando meu polegar atingiu a barra do
seu vestido e além. Não aumentei a
força da fricção. Em termos de sexo,
existem dois toques que funcionam: ou
você aperta a carne dela como se
quisesse abocanhar um pedaço com os
dedos, ou você mal a toca, deixando a
ponta dos dedos fazerem cócegas leves.
Era esse segundo efeito que eu
buscava, no momento. Apenas as pontas
dos dedos repousando no ponto de suas
coxas, onde o vestido começava a cobri-
la. Uma promessa de que bastaria um
leve incentivo e eu a engoliria com as
mãos. Uma provocação suave. Seus
olhos fechados provavam que minha
intenção tinha sido perfeitamente
recebida e eu passei um braço pelo seu
corpo quando a senti se desfazer em
anseios.
Uma esfregada.
Foi tudo que eu precisei.
Um movimento do meu quadril contra
o arrebitar do seu quadril e meu pênis
saltou na direção do seu corpo, possuído
por vontade própria. Apertei sua bunda
e a virei com força, meus dedos
cravados nas suas ancas, empurrando
sua cintura com os polegares, encoxando
sua bunda, raspando meu pau para cima
e para baixo. Um leve movimento na
minha visão periférica e parte de mim
soube que estávamos sendo observados.
Não ia ser exatamente algo inédito e por
isso não tive qualquer pudor em
continuar a desabrochar minha libido na
carne suculenta dela.
Mina gemeu, cobrindo minhas mãos
com as suas. Voltou suas costas para
mim, forrando-me, alongando-se em meu
tórax. Mordi sua orelha e foi como se eu
tivesse ativado um botão, fazendo com
que ela rebolasse.
Você precisa ser homem para entender
o nível do desespero de ter uma mulher
deliciosa rebolando contra seu pênis
ereto.
Suas pernas tremem, sua visão sai de
foco e seu corpo inteiro é submetido a
uma vontade incontrolável de fazê-lo
avançar pelas carnes macias das
nádegas. Minha mão subiu à procura de
sua calcinha, dois dedos passeando
entre as bochechas de sua bunda e Mina
emitiu um gritinho tão baixo que só pude
ouvir porque seu rosto estava de lado e
seus dentes cerrados em minha orelha.
– Isso… não vai… acabar… bem… –
ofegou.
– Ah, amor… – Dancei o indicador
pela fresta entre suas pernas, a mão toda
enfiada em sua calcinha. – Eu discordo.
Meu pulso estalava contra sua bunda
enquanto eu movia a mão até fazer as
pontas dos dedos roçarem no alto dos
seus pequenos lábios. Provoquei os
arredores do clitóris sem nunca atingi-
lo. Usei a mão sobre sua boceta como o
controle das rédeas, guiando-a para o
banheiro, entre beijos no pescoço e
urros roucos ao pé do ouvido.
O banheiro masculino estava
concorrido. Um casal rodopiava contra
a parede dos fundos, se alternando entre
espremer e ser espremido, enquanto toda
a aventura ficava disponível para o
homem que lavava as mãos com um
sorriso no canto da boca, o que erguia as
calças atacando o cinto, e um terceiro,
girando o gelo dentro do seu copo de
uísque, com as costas apoiadas contra a
parede oposta. Ele observava o
desenrolar da situação, sem pressa.
Alguns dos olhares se voltaram para
nós, Mina deu um passo para o lado e
minha ereção ficou evidente.
– Ryker… – Ela tinha aquele tom nos
olhos de quem começa a ser invadida
pela realidade e eu soube que, ou eu a
deixava excitada a ponto de não
conseguir recusar, ou voltava duro e
frustrado para o salão principal e
esperava que Delvak terminasse logo
seu assunto com o contador para que eu
pudesse voltar para o nosso quarto e
fodê-la na cama.
Afastei a mão apenas o suficiente
para poder estapear sua boceta com
fome, ouvi o som rouco e abafado do ar
escapando entre minha mão e sua
entrada. Meus passos foram largos e
definitivos, empurrando-a contra a
parede, ao lado do casal de
desconhecidos que se divertiam de
forma invejável.
– Aqui fora com eles ou lá dentro
sozinhos? – Indiquei a cabine,
autoritário.
Sua boca estava entreaberta e os
olhos arregalados.
– Ryker… – murmurou, só para mim.
Havia o princípio de um sorriso ali, se
deleitando na minha atuação.
– Minha mão tá enfiada em você,
Bault. Não me diz que não está excitada
que eu vou saber que é mentira. Está
molhada como uma prostitutazinha que
acabou de descobrir que foi contratada
por um tarado gostoso. – Raspei os
dentes no seu queixo. – Não minta pra
mim.
– Se a gente… ficar aqui… eles vão
me ver nua – suspirou, explicando o seu
receio.
Em cima de um palco, à meia luz,
tinha sido impessoal. Espremida contra
uma parede compartilhada a centímetros
de distância era diferente. Seu sorriso,
no entanto, se alargou,
contraditoriamente. Passando a língua
nos lábios.
Estourei a costura da calcinha entre
meus dedos, abandonando o pano
amorfo no chão. Levei os dentes à alça
fina do vestido e, entre o fechar da
mandíbula e um puxão com meu punho,
as alças se desfizeram. Enfiei os dedos
no bojo do vestido abaixando-o até a
barriga, expondo seus seios no banheiro
público.
Eles pularam arrebitados com o
movimento do pano, os mamilos rosados
e endurecidos apontando para minha
boca. Lambi um de cada vez, usando
minha saliva para acalmar a pele
eriçada ao redor das auréolas, enquanto
minhas mãos se espalharam pelas suas
coxas, puxando a saia do vestido para
cima, libertando sua virilha aos
espectadores e transformando seu
vestido composto em um cinto largo na
altura do estômago, única parte do seu
corpo que se mantinha coberta.
– Pronto. Já te viram nua. – Dei um
meio passo para trás para poder, eu
também, apreciar a vista. Ela não se
escondeu ou se cobriu. Manteve as
palmas contra a parede, os olhos nos
meus e um quase sorriso divertido na
boca, como se não acreditasse que
estava fazendo aquilo, apesar de feliz
pela ousadia. – Problema resolvido –
resmunguei, doido de tesão e só percebi
que estava prendendo a respiração
diante da nudez angelical de Mina
quando comecei a ficar tonto.
Arreganhei suas pernas, elevando-a
pelos joelhos e jogando-a contra a pia.
Me ajoelhei na sua frente e cobri sua
boceta com minha boca. Sua coxa
deslizava contra minha orelha, seu suco
tinha descido pesadamente por ali
enquanto eu a despia. Virei o rosto de
lado e a lambi na parte interna da coxa.
Mina abandonou a cautela e gemeu
alto, com muita força.
Ao nosso lado, o jovem rapaz de
cabelos castanhos tirou o pênis das
calças e se enfiou na sua companheira
que, ao contrário de Mina, ainda estava
quase completamente vestida. Ela gritou
e percebi falsidade em seu gemido. Ela
queria competir com a gente? Ah… boa
sorte para ela.
Enfiei a língua, entortando-a dentro de
Bault como um anzol, procurando as
áreas mais delicadas.
– Ah… – ela gritou, sem conseguir
respirar. – Por favor… Por favor… –
Suas pernas se apertaram ao meu redor e
eu ri com a boca encharcada pelo seu
líquido, ouvi o gemido alto e
desconhecido da mulher que tentava nos
superar e levei para o lado pessoal.
Abracei as coxas de Mina e prendi
seu clitóris entre o indicador e o
polegar. O ideal é começar a estimular o
grelinho de uma moça sempre devagar e
dar tempo para que ele se engorde e
estique. Mas quando o toquei ele já
estava grande e roliço de desejo entre
meus dedos. Apetitoso como uma
azeitona. Acelerei de imediato,
esfregando seu grelo com velocidade e
força, mas ainda com cuidado para não
machucá-la com um movimento brusco.
Ela gozaria logo. E gozaria bem alto.
Eu podia chupar Mina em silêncio,
mas resolvi emitir rosnados, deixar que
meus toques ecoassem sons altos de
sexo, o ar escapando, o estalar da minha
saliva misturada ao seu suco. Ouvi Mina
gritar um som interminável. Seu ar
parecia ter acabado, mas o seu grito não.
Fiz minha língua trabalhar por mais
alguns instantes antes de levantar os
olhos para assisti-la em sua glória. A
mão que agarrava o seio de Mina não
era a minha e eu tive pensamentos
homicidas imediatos. O puto ao nosso
lado fodia sua garota enquanto assistia a
minha gozar.
Estapeei sua mão com tanta força que
senti a minha latejar.
– Tira a mão, imbecil! – Empurrei-o
para o lado com o ombro e ele perdeu o
equilíbrio, com o pênis escapulindo da
namorada e gemendo um pedido de
desculpas.
Não detive minha atenção neles para
ouvir: agarrei Mina pela bunda e a
enfiei em uma das cabines, me
espremendo contra ela para fechar a
porta.
– Desistiu da audiência? – provocou.
– Estava ficando concorrido demais.
– Eu queria voltar a chupá-la. Ainda não
tinha terminado e queria mais um pouco.
Os dedos ágeis na minha cintura se
desfazendo de cinto e braguilha é que
me convenceram a mudar de ideia. Me
impressionou como ela conseguiu me
despir com velocidade. Acho que estava
se acostumando.
– Ficou com ciúmes? – Corou à
medida que me fez perceber que ela não
tinha notado no toque do outro homem
até eu ter interferido. Cega de tesão.
– Não – menti, forçando um bico
mimado que ela lambeu. – Mas eu
prefiro te fazer gozar sem ajuda de
ninguém, obrigado.
Ela não esperou minhas mãos para
guiá-la e apoiou um dos pés sobre o
vaso.
– Olha só pra isso! – Ri. – Estou me
sentindo tentado a não te deixar gozar só
para prolongar esse momento.
– Vem logo. – Puxou-me pela gola ao
morder minha boca. – Estou pingando
tanto que daqui a pouco alguém
escorrega nesse chão.
Sensual quando não tenta.
Era isso que Mina conseguia.
Tomei meu pau encorpado que ela
mantinha nas mãos e estapeei sua
entrada com minha glande. Esfreguei a
pontinha contra seu clitóris. Mina
mordeu o lábio inferior, emitindo um
gemido agudo e incontrolável. Lá fora, o
intrometido parecia ter encontrado o
caminho de volta para a boceta da sua
mulher e o som de impactos deixava
claro que ele tinha encontrado um ritmo
contra a parede. Com a competição a
distância, a moça podia gemer com
honestidade e, embora modesto, o som
do seu prazer ali tão perto de nós
começou a me excitar ainda mais.
Mina tinha os olhos fechados e
parecia ter desistido das funções em
quaisquer partes do seu corpo que não
fossem o ponto exato de sua vagina que
recebia os impactos curtos da minha
cabecinha.
Coloquei a ponta da minha carne
contra a abertura da dela e pressionei.
Suas unhas se enfiaram em meus ombros
enquanto eu me enfiava nela. A cada
novo centímetro percorrido, ela exalava
um novo suspiro. Um que misturava
desespero com alívio.
Encontrei, eu também, um ritmo só
nosso. Um que fazia nossos gemidos se
misturarem em uma rouquidão que
prenunciava o que estava por vir, de um
modo tal que eu ouvia os gemidos, mas
não distinguia mais se eram meus ou
dela.
Mina jogou as mãos para trás, se
apoiando na divisória entre as cabines,
buscando uma posição que a deixasse se
abrir mais sem perder o equilíbrio.
Unidos pelos nossos sexos, os tórax
afastados em um vale para que eu
pudesse assistir seus seios saltarem. O
suor cobria seu corpo e uma gota
particularmente resiliente pendurada no
bico rígido do seio engordava, se
recusando a cair, e prendendo minha
atenção. A linha de suor descia como um
córrego pela curva do seio, reunindo
mais peso à gota que vacilava, mas não
desaparecia, apesar do balançar dos
peitos.
Pensei em levar minha boca e chupar
seu suor, mas foi tarde demais. Aquele
milésimo de segundo indescritível que
acontece imediatamente antes do
esporro se fez sentir, levei a mão ao
clitóris de Mina em um reflexo
automático e o belisquei. Ela gritou em
desesperado alívio enquanto eu
derramava meu líquido quente dentro do
seu corpo, sentindo aquele recuo
delicioso contrair os músculos das
minhas coxas e nádegas enquanto eu me
libertava dentro dela.
Mina arfou uma última vez e eu vi a
gota de suor pingar do seu seio antes de
conseguir enfiar meu rosto na curva do
seu pescoço, lutando para que minhas
pernas resistissem e não nos
derrubassem no chão do banheiro.

Eu não conseguia pensar direito.


Minhas pernas tremiam, minha cabeça
girava. Eu só queria tomar um banho,
fechar os olhos e dormir.
Talvez pular o banho.
A mão de Ryker me puxando era a
única coisa que me mantinha firme na
realidade. Mas eu escapava a cada
segundo.
– Acho que vou ter que te comer em
boates mais vezes para você se
acostumar – constatou. Pisquei os olhos
e percebi que não era uma piada. Ryker
me ofereceu uma garrafa de água que
bebi inteira. Devolvi-a vazia e ele riu.
– O que foi? – perguntei, recobrando
a consciência.
– Eu queria um gole. – Levantou um
ombro, ainda sorrindo.
– Ai, amor! – Levei as mãos aos
lábios. – Me desculpa! Eu pego uma
para você!
– Não se preocupa. – Me abraçou
antes de se inclinar no balcão.
Sven estava a poucos passos de nós e
o contador estava claramente mais
satisfeito com ele do que comigo.
Tocava os antebraços expostos e o tórax
na altura dos botões abertos. Sven
sorria, enquanto o contador girava,
preso ao seu campo gravitacional.
O maldito fazia parecer muito fácil.
– Ali. – Ryker apertou o abraço
sugestivo e eu me virei para ver Lexa
apoiada em uma das mesas, a distância.
– Onde estavam? – Sorriu antes de
dar um gole em sua bebida e eu soube
que ela não precisava de uma resposta.
– Como está? – Ryker perguntou,
indicando Sven com o queixo. – Acha
que ele consegue o código?
– Ah, já conseguiu. – Lexa piscou os
olhos com obviedade. – E já distraiu o
homem para que Tim roubasse seu
celular.
Ryker enrugou a testa, confuso.
– E o que ainda está fazendo lá?
– Já tentou escapar três vezes. – Riu.
– Mas o contador parece
irreparavelmente apaixonado. Se recusa
a deixá-lo ir.
– Não tem como a gente ajudar? –
perguntei.
– Tem sim. Eu e Sven temos um
código – explicou, passando a língua no
lábio inferior. Ela estava se divertindo.
– Um gesto para pedir auxílio em uma
situação assim.
– E ele ainda não usou o gesto?
– Ah, já usou! – Riu alto. – Umas
quatro vezes.
Ryker riu, entendendo a brincadeira
da irmã.
– Não acha melhor ir até lá? –
sugeriu, com calma.
– Não. – Torceu o nariz, risonha. –
Ele sobrevive.
O contador virou–se para o balcão
para pagar alguma bebida e Delvak
lançou um olhar firme e irritado para
Lexa, com uma careta de indignação. Eu
podia ler o “você me paga por isso” na
expressão dele. Seu novo amigo se
virou, oferecendo-lhe um copo da
bebida e um brinde. Ele sorriu e
observei a careta voltar ao seu rosto
antes de virar a dose.
– Ele vai se vingar de você depois –
avisei.
– Vai. – Lexa me ofereceu um sorriso
deslumbrante. – Mas não acha que vale
a pena? – Riu com gosto. – É tão raro
ver Delvak perdido – suspirou.
– Por que ele simplesmente não dá o
fora? – Höfler se aproximou de nós.
– Ainda está aqui? – Ryker mal se
virou.
– Estamos todos aqui – resmungou. –
Alguém pode responder? Por que ele
não dá o fora?
Eu e Ryker nos entreolhamos. Eu não
entendia nada do mundo de seduções do
resto da gangue então era compreensível
que eu não soubesse. Mas o fato de que
Ryker também não sabia me deixou
confusa.
Lexa pigarreou antes de explicar: –
Ele passou todo esse tempo
demonstrando interesse pelo homem
para que anotasse seu telefone. Se
simplesmente fosse embora, se tornaria
suspeito. Quando notar que seu telefone
desapareceu, ele pode lembrar de Sven.
Para que o homem não suspeite, ele
precisa simular que está realmente
interessado e que foi embora por algum
motivo válido.
– E como vai fazer isso?
O contador estava próximo demais de
Delvak, sussurrando algo em seu ouvido
e, se aquela não tinha sido uma proposta
para irem para algum lugar mais
reservado juntos, eu não sabia o que
mais poderia ser. Delvak sorriu
beliscando o queixo do seu novo amigo
de um jeito envolvente, antes de passar
os dedos pela orelha em um gesto
peculiar, que imaginei ser o código entre
os dois.
Lexa abanou os dedos para ele em um
“tchau” divertido e riu como se
presenciasse a piada da sua vida.
– A gente precisa do código que ele
decorou – lembrei. – Para ativar o
celular.
– Pegamos amanhã. – Lexa gargalhou.
– Lex… – Ryker pediu. – Não faz
isso!
Ela expirou profundamente, irritada
por não deixarmos que ela continuasse a
se divertir.
– Está bem, está bem.
Sven estava andando ao lado do
contador em direção à saída da boate, e
Lexa os alcançou no meio do caminho.
Três passos largos para alcançá-lo e lhe
deu um ruidoso tapa no meio do rosto.
Delvak parecia desorientado, entre
uma irritação pela sua demora e uma
satisfação por ela finalmente ter se
manifestado.
– SEU CANALHA! – berrou a plenos
pulmões. O susto me fez segurar o braço
de Ryker num ato involuntário. – Você
jurou que tinha acabado com essa vida.
O pânico que Delvak simulou foi
bastante crível.
– Querida, eu posso explicar… –
Ergueu as mãos, mas não antes de Lexa
o estapear mais uma vez.
– Você tem três filhos! Três! Estão em
casa, esperando por você! E enquanto eu
lavo suas cuecas e explico para os seus
filhos por que você tem que trabalhar até
tarde, você fica aqui… nessa… nessa…
sodomia! – berrou, indignada. Ela era
uma excelente atriz.
– Meu bem, me escuta...
– Não vou escutar! Seu canalha! Vou
voltar pra casa! E você vai voltar
comigo! Vai explicar pro Junior por que
perdeu a festa de aniversário dele! A
Anaïs levou o namorado para a festa!
Queria te apresentar! Mas onde você
estava? – Outro tapa. – Onde?!
Delvak entortou o rosto, mordendo os
lábios como se não acreditasse que Lexa
ia continuar a estapeá-lo.
– Estava aqui! – Indicou os arredores.
Ela deveria estar se divertindo tanto. –
Confraternizando com… com… Eu não
consigo nem falar em voz alta! Seu
cafajeste! O que o seu pai vai dizer? Os
nossos vizinhos? O pessoal da igreja? –
Vi os ombros de Sven caírem, sem
acreditar que ela iria tão longe. – Meu
Deus! – Lexa levou a mão à boca. – O
que o pastor vai dizer? Você vai ser
expulso da congregação! Expulso! –
exclamou antes de se virar para se
afastar.
Sven murmurou duas palavras para o
contador, que parecia tão chocado
quanto o resto de nós. Eles se
despediram rapidamente e Sven correu
atrás de Lexa.
Eu, Ryker e Höfler nos entreolhamos.
Nenhum dos três conseguia comentar o
que quer que fosse. Mas cada um correu
mais rápido que o outro para o lado de
fora para encontrar Sven e Lexa.

Ela estava curvada sobre o próprio


corpo e não conseguia parar de rir. Sven
não parecia compartilhar da sua alegria.
– Muito engraçada. Muito.
– A gente pode fazer isso de novo
amanhã? – ela pediu, sem conseguir
parar de rir.
– Junior e Anaïs, Lexa? Sério?
– Não sou boa para inventar nomes.
Foram os primeiros que eu pensei –
defendeu-se.
– Não é boa para inventar nomes?
Você é escritora!
– Não sou boa para inventar nomes
sob pressão – acrescentou. – Mas fora
esse detalhe, meu roteiro foi impecável
– afirmou, exuberante.
– Impecável – Ryker concordou,
rindo.
– Que bom que se divertiram. Onde
está o telefone?
– Peguei com o Tim. – Devon
entregou o aparelho.
– Ótimo. Tenho o código, vou dar uma
olhada nisso e elaborar o que podemos
fazer. Acho que está na hora de convidar
mais adultos para a brincadeira. Porque
eu, sozinho, não consigo cuidar de todos
vocês. – Torceu o nariz, oferecendo um
olhar recriminador para Lexa.
– Se a situação fosse o inverso e eu é
que estivesse com o contador, você teria
feito pior. – Piscou um olho descarado.
– Não teria te dado um tapa!
– Três – ela corrigiu, rindo.
Ele fingiu rir, se aproximou, perigoso,
e beliscou uma porção de carne na
barriga dela, bem abaixo do seio. Não
foi a mim que ele beliscou, mas eu senti
a pontada intensa ainda assim.
– Quero ver você rir – a boca dele
estava no canto do ouvido dela,
suspirando em sua pele – quando eu me
vingar.
Eles entraram no táxi e Lexa ainda
estava rindo das ameaças de Sven.
Eu não sabia como ela conseguia.
Não foi comigo que ele falou, mas
minha boca estava seca.

Ela sorriu e me desejou boa noite,


mas eu segurei a porta do quarto para
não permitir que se fechasse entre nós.
– Quer entrar, Sven? – sorriu,
provocando.
– Não sei se posso. – Mantive a
seriedade. – Porque, se entrar, vou
querer te punir pelo seu comportamento
essa noite. – Sorri. – E não sei se posso
– confessei.
Lexa espremeu os lábios em uma
linha rígida.
– Você sabe que eu e ele temos um
relacionamento muito aberto.
– Sei. – Acenei, ainda me apoiando
na porta. – Mas também sei que você me
recusou da última vez. Então, não sei,
Lex. – Passei a mão pelos cabelos,
tentando ser sedutor. Mas com ela... com
ela nunca era fácil tentar nada. A única
pessoa no mundo que enxergava por
baixo de toda minha merda sem qualquer
dificuldade. – Quero entrar – decidi. –
Posso?
– Você é diferente para ele, Svenie –
sussurrou. – Nosso relacionamento é
aberto, mas sei que ele tem ciúmes de
você. Não sei se ficaria confortável se
você me tocasse.
Concordei com um gesto, xingando o
maldito de todos os nomes mais
sórdidos que eu conseguia imaginar.
Uma mulher como Lexa não foi feita
para um relacionamento monogâmico. E
ela tinha encontrado um poligâmico, mas
ainda assim não poderia se envolver
comigo? Em que universo sádico algo
assim seria justo?
– Sabe, Lex, quando eu toco uma
mulher – suspirei, meu hálito em seu
rosto. – Meu objetivo não é conforto. –
Toquei sua cintura. Ainda longe de suas
nádegas, apenas uma sugestão, não uma
insistência. – Angústia, desespero,
necessidade... – Estreitei os olhos
quando minhas palavras faltaram.
– Sofreguidão, anseio, tormenta... –
ajudou.
– Isso, obrigado. Todas essas coisas,
sim. Duas de cada, por favor. Mas
conforto? – Revirei os olhos e ela riu. –
Você ficaria mais confortável se eu não
te tocasse? – desafiei, maléfico.
– Está dizendo que vai me punir sem
me tocar, Delvak? – Piscou os olhos,
duvidando. – Levar uma mulher ao
orgasmo sem um único toque? – A
curiosidade tinha fisgado a pesquisadora
erótica e ela precisaria ir até o fim. –
Impossível. Mesmo pra você – decidiu.
– Quer me dar uma chance de tentar?
– Mordi o lábio. – Pelo bem da ciência
e da literatura? – arrisquei.
Lexa me encarou com devota fixação.
– Sem um único toque?
– Se você tirar as próprias roupas. Se
não, vou precisar fazer isso por você –
considerei. – Fora isso, nenhum toque.
– Eu tiro – resolveu e eu fiquei duro.
Instantaneamente.
– Tudo bem. – Lambi os lábios. –
Vamos descobrir se eu consigo.
Lexa não esperou que eu a conduzisse
ao quarto ou indicasse que poderíamos
começar. Ela nunca esperava por homem
algum. Para mim, a mulher decidida era
o fator máximo de sedução e meu pau,
como bom companheiro que era, não
discordava de mim.
Não houve dança sensual, não houve
espera por iluminação adequada, não
houve troca de olhares inseguros em um
misto de timidez e hesitação. Ela se
despiu sem pressa como se estivesse
sozinha no quarto. Seu olhar não
desviava do meu por um segundo que
fosse, me mantendo hipnotizado e preso
ao seu olhar, mesmo que seios
igualmente divinos e diabólicos já
estivessem à minha disposição.
Eram os seus olhos.
Era a sua convicção.
No despir. No falar. No caminhar.
Atravessando o quarto até onde a
cama nos aguardava. Nua, acendendo as
luzes pelo caminho. Reconhecendo o
meu olhar, atraindo minha atenção.
Expondo seu corpo enigmático,
indiferente às próprias imperfeições
com um poder tal que me fazia crer que
ela não as tinha.
A sedução sempre esteve nas atitudes.
Não nos corpos. Não nos gestos. Não
nos movimentos que os corpos fazem
quando se amam ou se fodem.
Era a porra da atitude daquela mulher,
que exalava a certeza de que poderia me
prostrar de joelhos, bem abaixo dos seus
saltos, e me fazer rezar não a uma
divindade, mas a ela.
Sentou-se na cama e cruzou as pernas.
– Onde você me quer?
– Ao redor do meu pau. Rebolando,
de preferência. Mas essa parte é
opcional.
– Isso envolveria toque – recriminou,
balançando o indicador.
– Coisa pouca. – Dei de ombros. – Eu
coloco as mãos para trás.
Ela riu alto.
– Sven!
Aproximei meu rosto do dela.
Respirei fundo. Sentindo seu hálito, fiz
com que ela sentisse o meu. Ela se
calou. Nada de risadas, nada de
sorrisos.
Ela me sentia.
Os dedos enfiados nos lençóis.
Ela me sentia.
Fechou os olhos, entreabriu os lábios
e deixou nossas respirações se
misturarem.
Eu a sentia.
O calor do hálito maculava minha
pele embora seus lábios nunca me
tocassem, prolongando eternamente a
sensação insuportável que antecedia o
beijo. Os instantes eram ainda mais
desesperadores, pois vinham recheados
da convicção que o beijo não
aconteceria.
Levantei as mãos ao redor do seu
rosto, mantendo as palmas próximas às
suas bochechas, mas sem tocá-las.
Apenas circundando os fios de seus
cabelos, impedido pela áurea invisível e
impenetrável que nos separava.
Segurei os lençóis bem perto de onde
estavam suas mãos, milímetros
separavam nossos dedos. Uma distância
imensa. Me inclinei sobre ela, Lexa não
cedeu. Os seios firmes oscilando em sua
respiração compassada.
Meus dedos flutuaram leves entre nós,
delicados. Sem tocá-la, movi a mão em
direção ao seu pescoço. Devagar.
Guiando.
Ela compreendeu sem que qualquer
palavra fosse necessária e permitiu que
minha ameaça de toque a conduzisse.
Afastando-se de meus dedos, seguindo a
direção que eu sugeria. Com ela deitada
na cama, movi os dedos no ar, ao longo
dos seus joelhos e ela os afastou. Lenta
no abrir-se, aguardando minha atenção.
Expondo o rosa entre suas pernas creme.
Ela se movia, obedecendo a cada um de
meus não toques como uma coreografia
ensaiada, transformando cada uma de
minhas intenções em movimento.
Aberta para mim.
Na cama.
Minha.
Me fazendo tremer e transpirar.
– Você me deixa guloso – gemi,
perdendo o controle. – Não é natural. –
Ajoelhei na cama. – Faz isso comigo.
Me causa uma gula. – Me curvei sobre
seu corpo, desenhando seus arredores
com meus lábios, fazendo-a sentir meu
hálito, mas nunca meus lábios. – E gula
faz a gente querer lamber – sussurrei. –
Querer morder – gemi, alcançando seus
mamilos eretos. – Querer comer.
– Sem falar – devolveu meus
gemidos. Seus olhos estavam fechados.
– Você devia ser proibido de falar. –
Tinha o lábio inferior preso entre os
dentes. – Sua voz tem uma coisa erótica
que não dá pra definir. Não há palavras
no dicionário.
– Me explique com gemidos, então.
Desci o rosto por seu abdome,
encontrando o ponto correto entre suas
coxas e soprei. Muito, muito devagar.
Senti o ar sair de mim cheio de desejo e
atingi-la, causando o exato efeito que eu
buscava.
– Se você falar, vai ser fácil me fazer
gozar – considerou. – Silêncio, Delvak.
– Maldita seja, mulher – recriminei,
com uma careta. – Não posso nem falar?
– Achei que você gostava de desafios
– riu, agarrando os travesseiros, e eu
não consegui resistir.
Com o nariz entre ela, respirei fundo.
Tragando-a. Sentindo-a me possuir do
único jeito que me era permitido. Estirei
a língua sem tocá-la, mas deixei uma
única gota de saliva escapar. Ela se
curvou, tentando me observar, um meio
sorriso que me deixava mais duro que
sua nudez.
O movimento em seu ventre foi fácil
de identificar. Ela estava se contraindo
por dentro. Pompoarismo. Esticando e
contraindo os músculos circunvaginais
para tentar aliviar o tesão que invadia
sua pele.
Eu podia trabalhar com isso.
Apoiei meus braços no colchão,
abraçando suas coxas, fazendo o
impossível para não tocá-la. A boca
encaixada sobre sua bocetinha, quase
depilada e os poucos pelos que
revestiam sua entrada.
Entreabri os lábios apenas o
suficiente para abocanhar o seu grelinho,
fosse essa minha intenção, e deixei o ar
sair de minha garganta. Quente e
estimulante, cobrindo seu ponto mais
excitado com meu hálito febril. Lexa
estremeceu, seu gemido foi se
intensificando.
Um sorriso impossível de conter.
Ela se contraiu e eu soprei. O ar
quente acariciava sua intimidade,
estimulando os movimentos intensos que
funcionavam quase como uma
masturbação.
Substituí o ar quente por um sopro
frio e delicado, e Lexa agarrou os
próprios seios, gemendo mais alto.
Subi em direção à sua barriga, usando
minha respiração para excitar ainda
mais seus mamilos hipersensíveis e a
ouvi implorar. Uma interminável
sequência de por favores.
Por favor.
Por favor.
Eu não sabia pelo que ela implorava.
Para que eu a tocasse?
Para que eu a fodesse?
Não importava.
Eu não tinha tempo para perguntar e
duvidava que ela se desse o trabalho de
responder.
Foi meu hálito que cobriu seu corpo,
estimulando o que mãos e beijos não
poderiam estimular. Meu hálito nos seus
seios, na sua boca, na sua barriga, nos
seus braços, descendo pelo seu umbigo.
De volta em sua bocetinha encharcada,
pingando entre os lençóis, aberta apenas
o suficiente para que eu soubesse onde
respirar.
Quis enfiar os dedos nela, ao menos
para abri-la. Terminei por buscar meu
pau e acariciá-lo, apenas para manter
minhas mãos ocupadas, se por nada
mais.
Mas o que minhas mãos encontraram
foi um cacete firme e duro como jamais
antes. Eu sentia cada uma das veias
esticadas, pulsando, coléricas. Me
amando por ter criado a oportunidade.
Me odiando pelos termos do acordo
estabelecido.
Era Lexa.
Com Lexa, tudo sempre era mais
intenso.
Fosse o toque ou sua ausência.
Eu não ia precisar de muito tempo.
Alternei a temperatura do único contato
que me era permitido e seu gemido
evoluiu em um grito.
Acho que continuei respirando sobre
ela.
Acho que consegui me impedir de
tocá-la.
Mas eu só acho.
Ela rebolou sob meus lábios, me
fazendo querer lambê-la.
Me fazendo imaginar como seria
lambê-la.
Me fazendo lembrar de como era
lambê-la.
Eu explodi em minhas mãos.
Espalhando esporro pelos lençóis e por
suas pernas.
Em algum momento eu desisti, e meus
lábios atingiram sua virilha. Acima do
clitóris. Sobre seus pelos. Apoiando
meu queixo sobre seu osso púbico.
Ela terminou de gozar, antes de me
lembrar que eu não deveria tocá-la e me
fazer levantar.
Eu amava sexo mais que qualquer
coisa. E ir embora depois do orgasmo
sempre fez parte do meu sexo.
Mas não quando era sexo com ela,
quando era orgasmo com ela.
Nesses casos, ir embora sempre era
uma parte desagradável.
Principalmente em uma noite como
aquela, que me dava a certeza que eu
estava indo embora depois de ficar com
Lexa pela última vez.
Nove
Detalhes para um roubo
bem planejado
Sven entrou na boate fazendo barulho e
eu ainda estava com um pouco da dor de
cabeça da noite anterior.
– Onde está? – perguntou a Ryker.
– Zahner? Ele já foi. Assim que os
jornais saíram com a denúncia. Acha
que vai funcionar?
– Vamos esperar que sim. Foi
trabalho demais para que não dê certo.
– E o telefone? – Ryker quis saber.
A boate estava muito cheia e sempre
tinha gente demais falando ao mesmo
tempo. Peguei um copo de água no bar e
tomei uma aspirina.
– Se for ressaca, dançarina – Sven
sugeriu –, é melhor beber mais um
pouco de álcool. Prefiro você bêbada
que incapacitada.
Eu queria lhe oferecer uma careta,
entretanto, assim que levantei o rosto me
surpreendi por não encontrar Lexa atrás
dele. Pelo barulho na entrada, ela
também tinha chegado e estava
conversado com Brout. Mas a mulher
atrás de Sven era morena, com grandes
olhos amendoados e uma boca
desenhada que parecia estar sempre na
iminência de um sorriso.
A curiosidade nos meus olhos o
interrompeu.
– Ah, pessoal está é… – Virou-se
para ela. – Qual nome está usando hoje?
– Lola está bem. – Sorriu.
– Lola! Todo mundo, esta é Lola.
Lola, todo mundo. – Gesticulou. – Ela é
uma amiga do Hideki.
Lola. Eu lembrava desse nome.
– Seu amigo japonês de origens
suspeitas? – Ryker provocou,
cumprimentando Lola com um aceno.
– Eu vivo de sexo, todos os meus
amigos têm origens suspeitas.
Lola ergueu uma sobrancelha para o
seu comentário e eu lembrei que Delvak
mencionou algo sobre os dois já terem
se envolvido. Era sobre a morena que
ele estava falando, não era?
– É seguro trazer mais alguém para a
equipe? – Joanie murmurou. – E se ela
tiver contato com o Kulik?
– Não tem – Sven decidiu. – Lola vai
nos ajudar com a parte que não podemos
completar sozinhos.
– E que parte é essa? – alguém
perguntou. Mas eu não estava prestando
atenção, minha cabeça latejava,
incomodada.
– Zahner vai balançar seu distintivo
da Interpol para a vigilância sanitária e,
com sorte, eles não vão verificar que ele
foi suspenso. Se o blefe der certo, os
restaurantes de Kulik vão ser fechados
em poucas horas. Mas isso é só uma das
suas fontes de renda. As outras três
estão aqui. – Balançou o celular no ar. –
Investimentos pesados por meio de uma
multinacional, lavagem de dinheiro
através de uma agência de turismo e um
cofre bem grande e gordo entupido de
notas e moedas de uns oito países
diferentes.
E assim, de repente, minha dor de
cabeça tinha piorado.
O plano era deixar Kulik pobre para
torná-lo irrelevante. Mas como diabos a
gente ia fazê-lo perder todo aquele
dinheiro?
– Quer dizer que estamos fodidos? –
Ryker expressou meus pensamentos com
palavras mais objetivas.
– Zahner acabou de ligar. – Lexa se
aproximou. – Deu certo. Ele já está a
caminho.
– Não era melhor ele acompanhar o
fechamento das unidades? Mande o
preguiçoso trabalhar! – Delvak
reclamou.
– Fui eu quem pediu para ele voltar,
Svenie. A polícia pode fazer isso
sozinha. Ele ficar passeando pela cidade
no meio das forças policiais só aumenta
o risco de alguém reconhecê-lo.
Ele inchou como se quisesse
esbravejar que ela estava errada, mas,
em vez disso apenas engoliu a própria
angústia, me deixando muito confusa.
Eu brigava com Ryker daquele jeito
quando a gente não transava. Desse jeito
impetuoso como se estivesse
constantemente tentando se livrar da
tensão sexual. Mas Sven e Lexa não
pareciam pertencer ao tipo de ser
humano que guardaria qualquer gota de
tensão sexual mal resolvida.
Mas… o que eu entendia desse
assunto? Ainda mais com essa dor de
cabeça me incomodando.
– Você está bem? – Ryker alisou meus
cabelos, beijando minha bochecha.
– Pouco sono, pouca comida e acho
que bebi um pouco antes de dar em cima
do contador ontem.
O sorriso que ele deu só para mim me
fez melhorar muito mais que a aspirina.
– Vamos só sobreviver a mais isso e
já cuido de você, combinado?
Eu acenei a cabeça, afirmando,
embora tivesse certeza que o sorriso que
devolvi já deveria ter respondido por
mim.
Delvak não tinha parado de falar e
estava explicando os detalhes do seu
plano. Parece que ele e Hideki poderiam
cuidar de uma parte, e Lola cuidaria do
cofre. Nós teríamos que resolver a parte
da agência de turismo e Delvak tinha
arquitetado um plano muito elaborado
ao longo de um intervalo de tempo muito
pequeno. Não era de se admirar que ele
era CEO de uma multinacional. O
homem conseguia resolver problemas
como um realizador de milagres e
delegava tarefas como um verdadeiro
líder.
Ela já estava bem avançado em sua
explicação quando ouvi a porta dos
fundos se abrir. Zahner acenou
brevemente para mim e para Ryker
quando entrou na boate e então tudo
aconteceu rápido demais.
Seus olhos passearam pelo salão e
sua mão treinada estava no coldre,
desembainhando a arma. Seu olhar se
cruzou com o de Lola e ela mergulhou
para trás do palco no momento preciso
para escapar do tiro que Zahner
disparou em sua direção.
O barulho alto no ambiente fechado
fez meu corpo inteiro vibrar. Minha
cabeça latejou como se fosse explodir e
fiquei completamente sem reação. Ryker
tomou minha frente por instinto e eu me
agarrei à sua camisa.
Delvak gritou em fúria, mas Zahner
parecia possuído por um demônio
quando atirou de novo, buscando um
ângulo mais favorável.
Era diferente agora. Desde o começo,
Zahner podia ter sido irritante e mandão,
mas fora sempre frio e lógico.
Agora ele tinha enlouquecido. Puxou
o gatilho uma terceira vez e eu soube
que ele estava atirando para matar.
Ninguém ousou se aproximar dele
durante o frenesi de insanidade, a não
ser, curiosamente, a própria Lola que,
com um movimento rápido digno de
ilusão de ótica fez parecer que tinha
corrido para um lado do palco, mas se
arrastou pelo chão até o outro. Correu
como um animal para cima de Zahner,
derrubando-o no chão com um chute
firme e uma chave de braço. O cotovelo
de Gary atingia um ângulo não natural,
enquanto Lola o forçava a se manter
ajoelhado. Tomou a arma do agente que
urrava em fúria. Luckas pediu a Brout
que olhasse os arredores para ver se os
tiros não teriam atraído atenção, mas
Bessie estava lembrando que o lugar
todo tinha isolamento acústico por causa
do som do DJ. Lucky pediu que ainda
assim ela se certificasse, enquanto Lola
fazia o que só poderia ser descrito como
desmontar toda a arma de Gary com
uma única mão, até não restarem mais
que balas e pedaços de metal
espalhados pelo chão.
– Se acalmou? – Lola provocou.
– Assassina! – berrou e ela lhe deu
um murro no nariz fazendo sangue
escorrer. Eu parei de respirar.
– E agora? – perguntou mais uma vez.
– Zahner, ela está com a gente! –
Delvak se abaixou, imaginando que
olhar nos olhos de Gareth fosse uma
atitude capaz de acalmá-lo. Não tenho
certeza se funcionou. – Ela vai roubar o
cofre do Kulik para a gente. O plano não
funciona sem isso.
– Ela está no topo da lista de pessoas
mais procuradas da Interpol. Você sabia
disso? – Gary falava depressa, movendo
o braço, tentando fugir da imobilização
à qual Lola o tinha submetido.
– Não está, Gary – Delvak falou.
– Não está porque ela é problema
demais! – Sua fúria lhe estremecia todo
o corpo como se ele tivesse perdido o
controle dos músculos. – Alta
espionagem governamental! A lista na
qual o nome dela consta não pode
sequer ser aberta ao público!
Lola sorriu como se ele lhe tivesse
feito um elogio.
– Isso não nos importa. – Delvak
virou-se para Brout, recebendo a
confirmação de que estava tudo certo. –
Só nos importa que ela rouba coisas
muito bem.
– E sabe o que ela cobra? Sabe como
ela cobra?
– Já temos um acordo, Gary, não
precisa se preocupar.
– E posso saber qual é? – urrou.
– Promete se comportar se Lola te
soltar?
Zahner trincou os dentes, forçando um
grito rouco para dentro do corpo.
Eu estava agarrada à camisa de Ryker
e sequer tinha percebido.
– Isso foi um sim? – Delvak esperou
enquanto Zahner se manteve em silêncio.
Depois acenou para Lola indicando que
o soltasse.
– Eu quero ouvir ele dizer “sim” – ela
disse.
– Vá se foder! – rosnou.
– Gary, você não está colaborando! –
Delvak estava perdendo a paciência.
Estávamos todos perdendo a paciência.
Menos Lola. Lola parecia poder
continuar ali por dias.
– Sim, está bem? Merda! Eu espero
vocês explicarem antes de matá-la.
Lola o soltou e não deu sequer um
único passo para trás. Ele se levantou,
forçando o tórax contra o corpo esguio
da morena. Tinha os lábios apertados em
uma única linha branca, e isso parecia
ser a única coisa que o impedia de
mordê-la. Até rasgar sua carne ou até
ficar duro. Eu não saberia dizer qual dos
dois. Havia fogo nos olhos dele. Um
fogo que ódio puro não consegue se
sustentar sozinho.
– Lola trabalhou para Hideki.
Também já me conhece de… outros
lugares – explicou.
– Eu não confio em você, nem no seu
amigo japonês, Delvak. Se essas são as
duas credenciais dela, a coisa não está
boa.
– Cale-se, Zahner! Precisamos de
Lola e vocês vão se comportar.
– Eu sempre me comporto. – Ela
sorriu, ainda a milímetros dele. Não era
apenas que ela parecesse não ter medo
da morte. Era como se ela tivesse
certeza que a morte tinha medo dela.
– Lola, por favor. – Sven soltou os
ombros como um adulto implorando a
duas crianças que, por favor, parassem
de brigar por bobagens. – Precisamos
dela e precisamos de você – continuou.
– Então, comportem-se como adultos e,
quando tudo isso acabar, vocês retomam
seja lá qual for o problema que tinham
antes.
– Quando isso acabar, vou te levar
presa de volta pra Interpol – decidiu.
– Ah, achei que eles tinham te
demitido. – Uma piscadela e Zahner
estava perdendo a razão de novo.
– Ora, mas que inferno! – Delvak se
enfiou no meio dos dois. – Vocês não
precisam trabalhar um do lado do outro,
mas vão precisar trabalhar juntos! –
exclamou com veemência e voltou-se
para o inspetor. – Zahner, você quer seu
emprego e credibilidade de volta?
Entendi que Sven imaginasse que
aquela era uma boa pergunta para
incentivá-lo. Mas nos olhos de Gary, a
gente podia ver que ele não tinha certeza
se preferia limpar o próprio nome ou se
lambuzar no sangue de Lola.
– E Lola, você não quer o dinheiro do
cofre?
– Foi isso que você prometeu pra ela?
– Zahner avançou para Delvak. – Esse
dinheiro precisa ser retido como
evidência.
Lola riu como se tivesse escutado
uma piada particularmente engraçada.
– Está rindo da justiça. – Abanou as
mãos. – Claro.
– Você chama de justiça, eu chamo de
enganação de ignorantes.
– Você cala a boca, sua criminosa.
– Aposto que você está doido para vir
calar. – Havia sensualidade no seu tom e
isso pareceu irritar Gary mais do que
qualquer ameaça.
– Zahner… – Agora era Lexa quem se
envolvia. – Seja razoável.
– ELA TENTOU ME MATAR!
Lola revirou os olhos como se
estivesse sem paciência para esse
argumento específico.
– E roubou uma coisa muito
importante – acrescentou, com a boca
cheia de angústia como se nenhum dos
presentes fosse capaz de compreender.
– É um transmissor de sinal tão
potente que pode influenciar em
determinadas características climáticas
e até causar algumas catástrofes – ela
explicou rapidamente.
– ISSO É INFORMAÇÃO CONFIDENCIAL!
– Ele queria, mas eu peguei e agora
ele não consegue lidar com a frustração.
– CALA A BOCA!
Sven se sentou, esfregando as
têmporas em uma evidente desistência.
– Fique calminho, Gar. – Lola
expirou. – Sei que você só late e não
morde, mas não precisa se humilhar na
frente dos seus amigos.
– Criminosa! Você traiu minha equipe
inteira e nos deixou lá para morrer!
– Nunca traí ninguém. Eu nunca estive
com vocês, o que é bem diferente.
– Fui condenado a trabalho
burocrático pelo resto da minha vida
depois da sua brincadeira!
– Bem feito. – Acenou. – Não é muito
bom em seu trabalho, Gar. Se fosse,
teria notado a maníaca infiltrada na sua
equipe usando um nome falso. – Piscou
um olho.
– Vou te enfiar na cadeia e vou pegar
a Harpa de volta.
– Se pequenas mentiras assim te
ajudam a dormir melhor à noite, eu não
ligo.
– Sua mau-caráter do inferno. Nos
deixou lá para morrer.
– Eu deixei um revólver com você! –
exclamou, indignada. – Se tivesse te
deixado para morrer, estaria morto
agora.
– Vou te enfiar na cadeia. Vai
apodrecer onde você merece.
– Ai, docinho. – Revirou os olhos. –
A gente jogou e eu ganhei. Se quiser
jogar de novo, a gente joga. Mas precisa
superar.
– Não vou trabalhar com você.
Apanhe os pedaços da minha arma do
chão, sua vagabunda, e me devolva ela
inteira. E depois volte pro buraco de
lodo de onde você saiu. Não preciso de
você para…
Observei Lola revirar os olhos uma
última vez antes de puxar Gary pela gola
da camisa. Passou a língua longamente
pela boca dele, fazendo-o calar a boca.
Zahner engoliu em seco, a expressão
perdida entre indignação e vontade de
lambê-la de volta.
– Yuri Kulik – ela disse com sua voz
suave e definitiva. – Você me odeia e
pode me pegar agora ou não. E se nós
conhecemos seu histórico, docinho, não
vai me pegar – lembrou. – Mas pode
pegar Kulik. Pode pegar Kulik essa
semana. Depois, a gente zera tudo e
você vem atrás de mim de novo. –
Levantou um ombro. – Peixe grande
como a máfia russa e quem sabe? Pode
ser até que te tirem da burocracia e te
coloquem de volta em campo.
– Não vai me convencer – resmungou,
com os dentes semicerrados.
– Não seja ridículo, Gar – ela sorriu.
– Já convenci.

Sven passou boa parte do dia falando


apressadamente ao telefone com um
milhão de pessoas diferentes. Zahner
parecia ter sido submetido a um feitiço
perverso que o esculpira em pedra, e ele
permaneceu sentado em uma cadeira,
com o corpo rígido e os lábios travados.
O olhar vidrado no horizonte ou em
qualquer coisa que não fosse Lola.
A atitude parecia exigir toda sua força
e ninguém o perturbou por isso.
Ninguém a não ser, é claro, a própria
Lola.
Ela posicionou uma cadeira
exatamente ao lado da dele, puxou
assuntos que mesmo à distância era
certo que o incomodavam e, em um
momento repleto de adrenalina,
arriscou-se a acariciar seus cabelos. O
que foi respondido com um tapa forte de
um Zahner que se virou na direção dela,
perdendo o controle e precisando ser
apartado por quase todos os presentes.
O resto de nós se sentou a uma
distância segura e só não fez pipoca
porque não havia milho.
Era interessante como Zahner sempre
tinha aparentado ser uma figura forte,
experiente e racional e ali, ao lado de
sua velha conhecida, parecia um
adolescente perdido que puxa as tranças
da coleguinha para não precisar pegar
na sua mão.
Avaliando a conduta dos dois, acabei
por perceber que nunca tinha atentado
verdadeiramente para a idade de Zahner.
Ele era o agente da Interpol que andava
armado e sabia lutar alguma coisa. E,
principalmente perto de nós, grupo de
pessoas insanas que aposta a virgindade
dos outros, ele era um adulto.
Mas a verdade é que não deveria ter
mais de 30 anos. Mesmo com as rugas
de preocupação, sua expressão não
passava dos 27, talvez 28. Seus olhos
azuis eram escuros como se alguém
tivesse jogado um bocado de escuridão
na sua íris, os traços firmes, o corpo
largo esculpido em músculos
excepcionalmente bem treinados, os
cabelos que subiam como um topete
mal-educado apenas para cair logo em
seguida sob o peso dos fios lisos. Ele
era bem bonito quando não estava
carrancudo. E era sempre charmoso,
envolto em seu ar de perigo. Não que
seu charme em algum momento houvesse
me atingido, mas eu não ignorava sua
existência.
– Está se divertindo? – Ryker me
empurrou com o ombro para indicar a
dupla composta pelo policial
concentrado e pela criminosa irritante.
– Ah, mas é claro! É relaxante assistir
a uma situação de tensão sexual que não
me envolve. É bem raro poder
aproveitar uma dessas.
Ele se afastou um pouco e parecia
orgulhoso.
– Olhe para você! Identificando uma
situação de tensão sexual!
Balancei a cabeça.
– Não é mérito algum, Ryk. Esses
dois estão praticamente berrando um
“me fode” na cara do outro.
– Será que a gente estava assim
também? – divertiu-se. – No começo?
Quando você queria morrer virgem antes
de deixar eu te pegar? Será que todo
mundo que olhava para a gente achava
que a gente estava gritando um “me
fode” para o outro?
– Eu estava – admiti com
simplicidade e ele entalou com a
própria gargalhada. – Não vou nem
tentar mentir. Mas não sei se alguém
percebeu.
– Todo mundo percebeu. – Lucy
suspirou e percebi que nossa conversa
era pública.
– Todo mundo – Joanie concordou.
– Algum de vocês percebeu e contou
para os outros – reclamei. – É isso que
deve ter acontecido, seu bando de
fofoqueiros.
O clube inteiro me encarou com
descrença.
– Sério? – pedi.
– “Eu não quero perder minha
virgindade com o Ryker”. – Tim
começou a fazer uma interpretação
aguda de minha voz que me assustou
pela precisão. – “Tenho medo que ele
destrua meu coração” – terminou seu
monólogo com a mais épica revirada de
olhos.
– Fala sério, bebê – Lucy riu. – Nem
você acreditava nessa sua ladainha.
– Eu? E por que ninguém fala do
Ryker? – Apontei. – Ele disse que eu ia
me apaixonar antes dele e mimimi e que
queria ficar longe por causa disso.
– Vocês lembram que ela quase
perdeu a virgindade com o Devon? –
Joanie apontou e estavam todos rindo,
indicando que minha tentativa de
reverter o jogo tinha falhado
severamente.
– Ei! Qual o problema? – Devon
abriu os braços em sinal de indignação.
– E o Allender! – Skye lembrou. –
Poxa, Mina, bem que você podia ficar
virgem de novo, hein? Foi tão divertido!
– Só está dizendo isso porque ganhou
o dinheiro. – Lucy fez uma careta.
– Skye! – Esfreguei as têmporas. – O
que ainda está fazendo aqui?
– Não é culpa minha se vocês não
sabem fazer apostas inteligentes –
ignorou.
– A gente pode parar de conversar
sobre minha virgindade? – pedi alto.
– Spider me contou que ela apostou
em você pra tirar a virgindade dela,
Lucy. – Mal Nila fechou a boca e todos
estavam repetindo em quem tinham
apostado e eu percebi que meu pedido
tinha sido completamente ignorado. De
novo.
– Obrigada. – Sorri, sarcástica, para
ninguém.
– Ei! – Joanie bateu palmas. – A gente
podia apostar alguma outra virgindade
da Mina, que tal? – Seus olhos
brilharam e a animação se espalhou pelo
salão.
– Não! – reclamei. – Não, não podem!
Vocês são pessoas horríveis! Ryker,
manda eles pararem!
Ryker tinha os lábios espremidos em
dúvida.
– Se dessa vez me falarem antes,
quero participar da aposta – resolveu.
– STROME! – rosnei.
– Amor, a gente combina e ganha o
dinheiro! – sussurrou, indiscreto.
– Anal? – o resto da boate ainda
discutia.
– Será que ela já não experimentou
isso?
Silêncio absoluto se fez ouvir quando
todos pararam para me observar
enquanto consideravam. Eu engoli em
seco e eles se desfizeram em uma risada
de escárnio.
– Não.
– É. De jeito nenhum.
– A gente pode apostar o “quando”.
Ou vocês querem apostar o “com
quem”?
– Ei! – Ryker reclamou.
– Ah! Agora você reclama? – Desferi
um tapa no joelho dele.
– Mas o Ryker não pode participar,
não é justo – Tim lembrou.
– Até parece que é ele quem vai
decidir isso… – Devon ironizou.
– Eu odeio todos vocês – constatei.
Eles estavam rindo e Ryker me abraçou,
beijando minha bochecha.
– Estou tentando resolver o problema
da agência de turismo – Sven anunciou.
– Ainda não consegui falar com
Oliver… É o cara que trabalha comigo.
Vamos precisar dele para essa parte do
plano.
– Essa é a parte na qual a gente entra,
não é?
– Exatamente. Agora só falta elaborar
o jeito certo para convencer o investidor
dele a fazer o dinheiro desaparecer.
Depois, Lola rouba o cofre e o nosso
problema acaba.
– Pode considerar a parte do cofre
feita. – Lola sorriu.
– Vamos considerá-la feita quando
estiver feita – Zahner rosnou.
– E como vamos fazer isso? Vai dar
em cima do investidor também, Delvak?
– Ryker coçou a cabeça.
– Não vai ser tão difícil. Mas também
não vai ser tão fácil. Primeiro, preciso
de um motivo para falar com o Allender
e só depois…
– Allender? – Imaginei que tinha
falado sozinha, mas o som saiu tão alto
que percebi que, ao meu redor, quase
todos os meus amigos tinham ecoado a
minha surpresa.
– É. Cashel Allender – Delvak
explicou. – A Allender Global é a
investidora que faz as aplicações
financeiras do Kulik depois que o
dinheiro é lavado na agência.
– Será que ele sabe disso? O senhor
Allender? – Luckas levantou-se. – Se
ele soubesse que era ilegal, ele…
– Ele não liga. – Lexa levantou um
ombro. – Allender sabe muito bem o que
está fazendo. A linha da ética dele é bem
nebulosa.
– E por “nebulosa”, ela quer dizer
“inexistente” – Sven concluiu.
– É, e… – Comecei a falar antes
mesmo de decidir como ia terminar. –
Ele coleciona… – Engoli em seco. –
Sexo. E mulheres… Sei que parece
loucura e não culpo vocês se não
acreditarem, mas ele…
– Confie em mim, eu acredito –
Delvak murmurou, sombrio.
– Vocês o conhecem? – Soube que o
tema ainda era sensível para Ryker pelo
modo arredio como deu um passo na
direção de Sven. Como se apenas o
nome do homem pudesse lhe colocar em
modo de alerta.
– Sim, e eu sei como eu o conheço. –
Delvak estreitou os olhos, confuso. –
Mas como vocês o conhecem?
– Uma longa história… – Ryker
expirou. – A versão mais curta é que ele
queria transar com a Mina. – Torceu o
nariz. – E comprar o clube do Lucky.
O queixo de Sven caiu em um sorriso.
– Conte-me mais.
– Não, Delvak! – Ryker gesticulou de
forma definitiva. – Não vou deixar Mina
perto dele, arranje outro plano.
– Não, não. – Balançou a cabeça, sem
perder o sorriso. – Nada disso, garoto.
É sobre a parte do comprar o clube que
eu quero saber.
– Ele estava interessado em comprar
o estabelecimento – Luckas explicou. –
Acho que tem outros negócios por aqui.
Eu fiquei bem sem opções, mas ainda
estou tentando resistir.
Delvak tinha um sorriso
majestosamente atravessado pelo rosto
e, pela expressão no rosto de Lexa, ela
deveria entender exatamente qual o
plano traçado por ele.
– Onde acha que ele está? Em casa? –
perguntou, à meia voz, para Lexa.
– A convenção em Düsseldorf é essa
semana. Ele deve estar lá.
Sven ficou em silêncio por um
instante antes de bater palmas, com
empolgação: – Luckas, preciso que ligue
para Allender. Preciso que o faça agora.
Diga a ele que recebeu uma oferta
melhor que a dele e que vai fechar a
venda. Diga que vai fazer isso essa
noite. E… – Ele passou a língua pelo
sorriso como se ele mesmo soubesse o
quanto é delicioso. – Essa parte é a mais
importante – avisou. – Não deixe de
mencionar que o comprador interessado
sou eu.
– E ele vai vir só porque ouviu seu
nome? – Ao contrário de Delvak, Ryker
não parecia confiante.
– Vai – concluiu. – Ele vai vir
correndo.

O filho da puta de um cacete mole do


Sven Delvak.
Ninguém mais.
Ninguém menos.
Meses querendo aquela porra daquele
ponto.
Um maldito clube de merda que mal
valia os impostos que pagava, mas cuja
localização era um luxo. Provavelmente
o único motivo pelo qual o lugar não
tinha sido possuído por teias de aranha:
a localização era excelente e tinha
garantido uma clientela fiel.
E aquele caralho daqueles
funcionários que trabalhavam como uma
família. Alguém precisava estapear
aquela gente e lembrá-los que, em um
mundo capitalista, se trabalha por lucro.
Não por satisfação pessoal nem para
ajudar os amiguinhos.
Mas não importava. Rendesse pouco
ou muito dinheiro, os funcionários
continuavam voltando. As contas quase
tinham engolido o dono da espelunca,
mas em algumas semanas o Show da
Tímida tinha revivido suas esperanças e
lhe conferido um novo fôlego.
A puta da Tímida.
Ficou nua e quase entrou na minha
coleção.
Até o meu quarto ser invadido.
Eu devia ter chamado a polícia.
Devia ter processado toda aquela
gente.
Talvez eu ainda tivesse perdido o
pudor que eu tinha pela minha
credibilidade no mundo financeiro,
assumido para o mundo que tipo de
artigo eu colecionava e processado toda
aquela gente.
Mas nada disso tinha se concretizado.
Tudo que eu pude fazer para me
vingar tinha sido colocar o dedo em
cima do clube e esperar que eles
sufocassem. Mesmo depois que um
assassinato aconteceu no lugar e a máfia
russa se envolveu… ainda assim o
merda do Luckas continuou
sobrevivendo.
Sobreviveu tempo suficiente para
encontrar outro merda.
Um maior ainda.
Contudo, se a Willex Adult
Entertainment queria entrar no meu
caminho, eu ia fazer Delvak se
arrepender. Mostrar para ele que,
presidente de uma empresa ou não, ele
precisa aprender a não entrar no meu
caminho.
Mal meu motorista tinha freado o
carro, eu já estava com a porta aberta.
Lexa Strome estava conversando com
um homem na calçada. Virou-se para o
barulho do freio do meu carro e firmou o
olhar em mim. Percebi sua hesitação e
angústia no momento em que me viu. O
modo acelerado como cumprimentou o
homem oriental com quem falava
chamou minha atenção.
Estava querendo se livrar dele.
Senti um sorriso nos meus lábios.
Lexa Strome.
Uma das mulheres mais lindas que já
conhecera na vida e uma das mais
deliciosas que já tive o pleno prazer de
experimentar.
Talvez a peça mais exuberante da
minha coleção. Uma pena que ela não
fosse namorada do Delvak quando a
levei para a cama. Teria sido uma
satisfação e um item adicional para
possuir. No entanto, até aquele dia,
Delvak só tinha estado preso a uma
namorada em toda sua vida… e não
tinha sido Lexa.
Paciência. Foi um belo prêmio ainda
assim.
A noite mais cara da minha vida.
E eu pagaria de novo.
Cada centavo.
Mas agora ela não estava linda e nua
na minha cama.
Ela estava preocupada querendo se
livrar de alguém antes que eu pudesse
descobrir quem era.
– Cash. – Sorriu, me oferecendo os
braços abertos. Tinha praticamente
enfiado o homem para dentro do carro.
Eu a abracei, com iguais quantidades
de gula e falsidade, o queixo em seus
cabelos, e observei o carro que se
afastava. O motor morreu por alguns
segundos ainda perto de nós e eu
decorei a placa com cuidado.
– Que coincidência. – Beijou minha
bochecha. – Venha! Vamos tomar alguma
coisa. – Olhou ao redor, à procura de um
táxi. – Não se pode ignorar uma
coincidência assim. Venha me contar as
novidades.
Não, querida. Não vai me enganar.
– Quem era seu amigo?
– Ninguém importante. – Torceu o
nariz, abanando a mão.
– Tenho certeza – suspirei. – Se me dá
licença.
– Achei que íamos procurar um lugar
para conversar.
– Que tal lá dentro? – Indiquei o
clube Lucky’s com um sorriso. – Sven
pode se juntar a nós. – Sorri com
simplicidade, me divertindo ao vê-la
perdida diante dos meus conhecimentos.
Sua expressão mudou completamente
enquanto me seguia.
Delvak se levantou, atacando os
botões do paletó, ao me ver.
– Eu bem que senti uma pressão. –
Gesticulou. – Como se a gravidade
tivesse mudado – provocou. – Acho que
acontece quando uma pessoa do seu
porte entra em um ambiente.
– Ouvi dizer que queria comprar
minha boate, Sven.
– Ouvi dizer que o dono era o Luckas,
Cash. Mas tenho certeza que podemos
acertar uma sociedade.
Eu ri até tossir.
– Achei que não estava interessado
em uma parceria. – Balancei o
indicador, repreendendo seu desespero.
– O Negligê não é minha
responsabilidade, Allender. Sabe disso.
Se quiser parceria com outra parte da
Willex, podemos conversar. Para o
Negligê, você precisa conversar com o
Oliver. Mas é uma pena que você comeu
a namorada dele. – Torceu o nariz,
olhando para Lexa. – Acho que ele não
vai ser muito amigável.
– O que quer que ele tenha te
oferecido. – Olhei para Luckas. – Eu
pago cinco vezes mais. É suficiente?
Luckas engoliu em seco e gaguejou.
– Imaginei que você diria isso. – Não
o deixei concluir. – E já trouxe os
contratos.
– Eu ofereci 100 milhões de euros.
Senti a fúria nos músculos do meu
rosto antes de deixá-la transparecer na
minha voz.
– Se você acha que vai me enganar
para pagar meio bilhão por esse buraco,
perdeu o juízo, Delvak.
– Não foi isso que te ofereci?
Luckas respirou fundo. Eu o conhecia
bem o suficiente para perceber que ele
tinha sentido o cheiro de vantagem e não
ia abandonar a possibilidade.
– Na verdade, estávamos
conversando sobre 150. – Levantou o
ombro.
– É verdade. – Delvak acenou. – Esse
daqui é bom em negociações.
Lexa estava sorrindo atrás de mim e
eu quis estrangular todos eles.
– Seu filho da puta. Estou negociando
para conseguir esse lugar há eras. O que
você fez, Delvak? Conquistou o homem
com seu charme? Pagou um boquete para
ele? Ou mandou sua puta fazer isso por
você? – indiquei Lexa.
O pomo de Adão de Delvak se
moveu.
Lexa.
O ponto fraco dele.
A ferida que sempre o tirava do sério
e acalmava meu ego.
Eu tinha fodido ela.
Ele não.
Esperei que ele esbravejasse e
perdesse a razão, mas, ao invés disso…
– Trouxe uma caneta junto ao seu
contrato, Cash? – Ele bateu nos bolsos
procurando o item necessário. – Porque
eu também trouxe o meu. – Balançou o
papel no ar antes de entregá-lo a Luckas.
– Mas parece que esqueci a caneta.
– Vá se foder.
– Eu tenho uma caneta – Luckas
avisou.
– Ah, ótimo! – Ele sorriu e agradeceu.
– Parece que não precisamos de você,
então, Cash.
O ódio me consumiu inteiro, me
deixando cego de fúria enquanto dava as
costas para aquela gente.

– Funcionou?
Zahner tinha os braços eternamente
cruzados, uma algema biológica que o
impedia de avançar em Lola.
Delvak fitou Lexa, buscando
confirmação.
– Funcionou.
– Tem certeza?
– Tenho. Ele estava doido para saber
quem era o Hideki, tenho certeza que
anotou a placa.
– Pedi para o motorista estancar o
carro. Qualquer coisa para lhe dar mais
alguns segundos para decorar.
– Longe de mim ser pessimista. – Eu
conhecia o nível de nervosismo de
Ryker pelo modo como ele apertava
minha mão. Era suave e carinhoso
quando queria me acalmar. Porém,
quando ele imprensava meus dedos
como se quisesse quebrá-los, é porque
estava em pânico. – Vocês irritaram o
cara, mas o que garante que ele vai
partir em uma Cruzada de vingança?
Delvak era o oposto de Ryker e
exalava uma tranquilidade budista,
deixando claro que ele acreditava que
aquela seria a parte mais fácil de todo o
plano.
– Cashel Allender é um adolescente.
– Tirou o paletó caro que tinha vestido
exclusivamente para sua exibição diante
do velho amigo. – Ele só pensa em duas
coisas: na próxima conquista e em como
vai se gabar dela. É um garoto mimado
que considera a vida toda como se fosse
apenas um jogo. Para ser sincero, às
vezes eu até gosto dele. – Alongou o
corpo na cadeira, esticando a coluna e
esfregando os joelhos.
– Gosta dele? – Ryker parecia ter
perdido um pouco da admiração que
tinha por Sven.
– Quando ele não está chamando sua
irmã de… – rosnou, torcendo o nariz
para Lexa e engolindo a raiva. – Porque,
quando ele menciona você... – manteve
os olhos nela – ...tenho vontade de abrir
a barriga dele com uma navalha cega e
enforcá-lo com suas tripas. – Girou o
gelo no copo de uísque sem elevar o tom
de voz.
– Simpatizo com a ideia. – Ryker
sentou-se ao seu lado, olhando para
mim, e eu soube que a admiração
voltara.
– Mas no dia a dia, ele é só uma
criança. Está sempre buscando se livrar
do tédio, o que faz dele uma companhia
muito divertida. E sua coleção de sexo
faz dele um bom cliente.
– Então, vocês sabem dessa parte?
– Se sabem? – Lexa levantou uma
sobrancelha em desaprovação. – Foram
eles que deram a ideia.
– Eles?
– Sven e Oliver – explicou,
amarrando o longo cabelo loiro em um
nó. – Deram a sugestão a ele como uma
brincadeira idiota que ele levou a sério
demais.
– Porque ainda não passou da
puberdade – Sven ironizou.
– Você também não – Lexa devolveu.
– E não sai por aí fazendo propostas
indecentes para… – ela hesitou quando
percebeu a falha no próprio raciocínio.
– Nada não – desistiu. – Esquece.
– Será que a gente pode voltar ao
problema principal? – Nila estalou os
dedos, trazendo-nos de volta à
realidade.
– Cash acha que Lex tentou esconder
Hideki dele. Acha que ela fez isso em
meu benefício. Ele quer ganhar de mim,
então vai descobrir quem Hideki é, vai
conversar com ele e vai tentar um
acordo melhor que o meu. Para nossa
satisfação, Hideki está sabendo de tudo
e vai fazer exatamente o acordo que nós
queremos que ele faça. Um acordo bem
lindo que vai foder os investimentos do
Kulik.
– Ótimo. Então só falta a agência de
viagens e o cofre.
– Já disse que o cofre não vai ser
problema. – Lola se manifestou e Zahner
tremeu inteiro.
– Por que você não deixa para falar
só quando alguém te perguntar alguma
coisa?
– Porque, ao contrário de você,
ninguém manda em mim. – Abriu uma
barrinha de cereais que trazia no bolso e
a mastigou com alegria. Zahner não a
encarava, o que parecia diverti-la
imensamente.
– Prender Yuri Kulik – Gary
murmurou para si mesmo como um
mantra. – Prender Yuri Kulik Prender
Yuri Kulik.
– A parte da agência vai ser
complicada. Vamos precisar organizar
uma festa insana nessa boate e fazê-la
atrair muito sucesso. Vamos precisar
vender pacotes adiantados que
interessem a agência.
– O Show da Tímida? – perguntei,
infeliz.
– Obrigado por oferecer, querida. –
Delvak segurou meu queixo com seu
sorriso hipnótico. – Mas creio que
vocês dois transando no palco não vão
ser suficientes para o que eu planejo.
– Quem falou em transar no palco? –
me sobressaltei.
– A gente pode fazer umas coisas
diferentes, Sven. – Ryker levantou um
ombro. – Usar uns brinquedos.
– Que brinquedos? – Bati o pé.–
Não,não! – Gesticulei.– Nada disso.
– Se acalme, querida. Não seria
suficiente, garoto. Vamos precisar trazer
uma festa de gente grande para cá para
atrair a atenção necessária.
– Vai ligar para o Oliver? – Lexa quis
saber.
– Vou. Preciso coordenar com ele e
solicitar que mande um monte de coisas
para cá e bem rápido. Vai ser um gasto
vultoso, mas não tem problema.

Lucy e Nila já estavam planejando a


festa que a Willex ia fazer na boate do
Luckas. Por algum motivo, estavam
imaginando que a festa seria delas e se
divertindo muito com isso. Ninguém
teve coração frio o suficiente para
destruir seus sonhos e lembrá-las que
teriam que trabalhar durante o evento.
Ryker me abraçou e apoiou o queixo
no meu ombro.
Estalei um beijo na sua bochecha,
fazendo-o sorrir.
– Estou orgulhosa.
Ele apenas enrugou as sobrancelhas
em sinal de dúvida.
– De nós! – expliquei. – Estamos
encarando a morte de um jeito mais
ativo. – Fechei o punho em uma péssima
imitação da força de Lola e ele riu mais
alto. – Nada de se esconder e esperar a
sorte nos salvar. Estamos resolvendo.
– É! Acho que dessa vez vai dar
certo, hein?
– Não! – exclamei. – Alguma coisa
ainda vai dar errado. – Levantei o
ombro e ele não conseguia parar de rir.
– Certeza. Sempre dá.
– E aí, o que a gente vai fazer?
– A gente vai resolver.
– Ah, claro.
– A gente sempre resolve.
Outro beijo na sua bochecha, mas
dessa vez ele se virou e prendeu minha
boca na dele. Lambeu meus lábios e
mordeu minha pele.
– Se tudo der certo – murmurei com a
testa apoiada contra a dele –, daqui a
uma semana, o único problema que terei
será o desemprego.
– Com suas habilidades de dança
sensual, acho que podemos te arranjar
alguma atividade.
– Ou, pelo menos, continuar o Show
da Tímida!
– Mina, sinto muito, mas acho que sua
timidez não dura muito mais tempo. –
Gargalhou. – Está quase extinta a
pobrezinha.
Enfiei o cotovelo nas suas costelas
enquanto ele se contorcia, puxando meu
queixo com a mão para mais um beijo.
Era difícil saber qual beijo me
agradava mais. Acho que eu preferia
aquele beijo assim: descontraído, entre
sorrisos do dia a dia. Um beijo roubado
seguido de um cotovelo enfiado nas
costelas. Nossa própria dinâmica de
relacionamento. Era nossa. Funcionava.
Ele falava algo para me deixar
constrangida, eu o surpreendia com
meus novos conhecimentos, ele
apanhava, eu ganhava um beijo. Era
nossa definição. E servia para nós dois.
Servia muito bem.
Mas não serviria para sempre.
Pelo menos não daquele jeito.
– Uma hora a gente vai precisar
conversar. – Apliquei um selinho rápido
nos seus lábios quando ele deixou o
beijo terminar.
– Quer acabar comigo, Bault? – Riu.
Mas eu me mantive séria. Ofereci-lhe
apenas um meio sorriso educado.
Não estou brincando, agora, amor.
Precisamos conversar de verdade.
Seu tórax se pressionou contra mim
quando ele inspirou profundamente.
– Sobre depois?
– Sobre depois.
– Achei que íamos deixar para fazer
isso depois do Kulik. – Raspou as
pontas dos dedos pela minha testa, me
libertando do meu próprio cabelo.
– Tenho medo que as coisas
aconteçam rápido demais. – Busquei seu
corpo, ansiando pelo apoio dos seus
ombros. – Se for assim que vai acabar…
não quero ter que me despedir em
poucos segundos, como da outra vez.
– Mina…
– Ryk, a gente não pode se esconder.
Preciso ouvir suas verdades e você
precisa ouvir as minhas.
– Mina, tudo está se encaixando.
Daqui a poucos dias vamos estar livres
do Kulik. Foi você mesma quem disse
que era melhor conversar sem essa
sentença de morte pairando sobre nossas
cabeças.
– Não precisa ser uma sentença de
morte, Ryk. Mas se qualquer coisa der
errado…
– O quê? – arriscou, demonstrando
confiança em nosso plano.
– A gente precisa que Allender fale
com Hideki, que Lola tenha sucesso e
que a festa dê certo. São peças demais.
Se a gente perder qualquer uma delas,
tudo cai por terra. Não espero que isso
acabe com o Kulik matando nós dois,
Ryk. Mas pode acabar com fugas. De
novo. E eu não quero te ouvir suspirar
um adeus apressado no meu ouvido
porque a gente não tem tempo para mais
nada. Não vou passar por aquilo de
novo.
– Tá bem, tá bem. – Segurou meu
rosto entre as mãos. – Então a gente
conversa. Hoje? Depois que todo mundo
for embora?
– Outros quinze minutos de
honestidade? – brinquei.
– Acho que vamos precisar de uma
boa hora dessa vez. – Experimentamos
um tipo novo de beijo.
Misturado com receio.
Eu não gostava desse.
Preferia o outro.
Nossas mãos se conservavam
entrelaçadas quando Delvak desligou o
telefone. Senti as más notícias em seu
rosto antes mesmo que ele falasse.
– Precisamos ir embora. – Despido
da arrogância. Desconfiança. Despido
das constantes palavras descaradas.
Delvak parecia uma casca de um homem
pequeno e sem rumo. Lexa o segurou
pelos braços, buscando os seus olhos.
– Sven? – ofegou.
– Harrel piorou. – Engoliu em seco.
– O que houve? – Estava tão perdida
me desesperando com o medo de Sven
que sequer tenho certeza sobre quem
perguntou. Talvez tenha sido eu.
– É o meu chefe. – Um breve sorriso
dançou na sua expressão triste, como
uma lembrança saudosa. – Ele não está
bem. Esteve internado. – Sua boca
estava ressecada e ele não conseguia
pronunciar mais que algumas palavras
de cada vez. – Piorou muito. – Encarou
o chão. – Vocês estão bem aqui… vão
ficar seguros. Hideki… – Gesticulou,
tentando ordenar o pensamento. – Hideki
vai voltar mais tarde. Ele vai ajudar.
– Seu amigo japonês… – Zahner
insistiu. – Se você precisa ir… nós
precisamos saber com quem estamos
lidando. – Apoiou o punho na mão,
arranhando o próprio queixo,
considerando os fatos. – Ele é Yakuza,
não é? – Sua mandíbula estava travada
de ódio. – Seu plano é se livrar da máfia
russa entregando o poder para a máfia
japonesa.
– Touchè, detetive – Delvak
confirmou, simplesmente.
– Idiota – suspirou. – Substituir uma
máfia pela outra não resolve o
problema.
– Resolve o problema do Ryker. –
Delvak estava seco. Ríspido. Como se a
notícia sobre seu amigo tivesse
destruído sua disposição para discutir
qualquer outra coisa. – E não sei sobre
qual problema você está se referindo.
Mas esse é o problema que eu vim até
aqui resolver.
O silêncio sacro se prolongou até
Delvak olhar para Lex mais uma vez.
– Sven… – Ela alisou o braço do
empresário e observou Ryker, dividida
entre se despedir de um velho amigo ou
ficar para proteger o irmão.
– Está tudo bem, Lexie. – Ryker me
abandonou para segurar a mão dela e lhe
oferecer um abraço rápido, mas firme. –
A gente se vira sozinho a partir daqui.
Vou te visitar quando isso acabar. –
Sorriu e ela acenou, grata.
– Talvez se a gente esperar até Hideki
voltar? – pediu a Delvak.
– A gente precisa ir agora, Lex –
murmurou. Suave e dolorido – Oliver
acha que ele não sobrevive a esta noite.

– Onde está o Delvak?


– Ele precisou resolver problemas
pessoais. – Zahner assumiu a liderança
assim que Hideki cruzou a porta.
Piscou seus olhos estreitos em
desconfiança e escutei as palavras em
minha mente.
Ele vai dizer que só lida com Delvak.
– Ele nos contou quem você é. –
Zahner adiantou-se como se tivesse
antecipado o mesmo problema que eu. –
Nos informou para quem trabalha e qual
o plano completo.
Atrás dele, um de seus seguranças se
moveu preparando-se para lutar ou
intimidar. Era mais alto e mais forte que
Brout. O cabelo liso cortado muito curto
se arrepiava como uma penugem
malcomportada. Seu nariz era enfiado
para dentro do rosto e havia uma
pequena cicatriz de queimadura
descendo pelo pescoço largo, mantinha
os braços cruzados com as mãos
enfiadas nas axilas, a pressão em seu
casaco delineava a arma que ele trazia
próxima às costelas e eu notei que talvez
suas mãos não estivessem próximas às
axilas e sim ao coldre. O outro
segurança era mais peculiar.
Esguio e baixo, sentou-se em uma das
mesas, comendo balinhas coloridas
retiradas de dentro de um saco plástico
vermelho com estampas infantis. Seus
olhos atentos deslizavam, alegres e
curiosos, sobre todos nós, mas sempre
se detiam sobre Lola com maior nível de
sobriedade. Era como se ele tivesse
analisado tudo e percebido nela a única
possibilidade real de perigo. Ela lhe
devolvia sorrisos e olhares, mas não
parecia nem um pouco preocupada.
Era irônico imaginar que o pior e
mais arriscado problema da minha vida
deveria ser só uma terça-feira para Lola.
E exatamente por isso era reconfortante
tê-la por perto. Talvez não para Gary,
mas para o resto de nós.
– Ele também me contou quem você é
– Hideki continuou, objetivo. – Por que
devo acreditar que alguém da Interpol
cooperaria comigo?
– Já suspeitava antes de receber a
confirmação e trabalhei com você ainda
assim, não foi?
Hideki olhou para Lola,
permanecendo em silêncio.
– Não se preocupe com ele – ela
garantiu.
Zahner inspirou fundo como se
preferisse que Hideki desconfiasse de
sua lealdade do que tê-la garantida por
Lola.
– Senhor Zahner. – O japonês alinhou
o blazer. – Preciso da absoluta certeza
que Kulik não terá como reagir quando
eu anunciar o prêmio pela sua cabeça.
Engoli em seco.
Esse é o plano.
Nós tiramos o poder de Kulik e
Hideki cuida do seu assassinato.
Mesmo que ninguém o matasse, sem
dinheiro e com uma recompensa pela
sua morte, ele se tornaria obsoleto. E
nada daquilo poderia ser rastreado até
mim ou Ryker. Ele imaginaria que fora
tudo obra da máfia japonesa.
Um golpe.
Puro e simplesmente.
Delvak merecia os parabéns.
– Se Kulik tiver meios para reagir, a
minha tomada da região vai se
transformar em uma guerra de máfias. –
Balançou a cabeça. Ele nunca elevava a
voz. Sempre controlado e paciente. – E
uma guerra não seria inteligente. Só
aceitei participar porque Delvak me
ofertou uma garantia: Kulik saberia que
fora tudo um golpe da Yakuza apenas
quando já tivesse perdido tudo. Nem um
segundo antes. E agora ele se foi. Você
pode me fornecer a mesma garantia?
Era como nos filmes. Hideki
sustentava uma eloquência que fazia com
que cada uma de suas palavras tivessem
um peso obscuro causador de arrepios.
Não era uma simples pergunta. Ele
queria que Zahner lhe fizesse uma
promessa. Uma que, se não fosse
cumprida, traria consequências. E, ao
contrário de Kulik, Hideki sabia nossos
nomes, sobrenomes e endereço.
– Posso. Tivemos apenas um
contratempo – lembrou.
– Qual?
– A agência de turismo onde Kulik
lava dinheiro. Pretendíamos levá-la à
falência, mas esse plano dependia da
ajuda de Delvak.
– Para quê?
– Ele ia fazer uma festa.
O segurança magro abriu um sorriso
gostoso de balinhas coloridas,
divertindo-se com o plano absurdo.
Hideki apenas acenou, incrédulo.
– Só Delvak para planejar derrubar
uma máfia com uma festa. A agência não
será um problema – resolveu. – Não
posso oferecer algo tão glamouroso
quanto sua festa, mas posso resolver de
forma igualmente eficaz.
– Ótimo. – Zahner juntou as mãos. –
Então temos um acordo.
– Não comuniquei todos os meus
termos ainda, senhor Zahner. Para
resolver o problema da agência,
precisarei gastar um bom dinheiro.
Preciso pagar alguém para executar o
plano por mim. Não quero minhas
digitais nesse problema.
– Porque, se eu não cumprir minha
parte do plano, um Kulik ainda poderoso
vai ser problema para sua família –
Gary concluiu.
– E eu não levo problemas para minha
família – concordou.
– Tudo bem. Acho que o gasto vai
valer a pena, não? Depois de tirar Kulik
de circulação, você será hegemônico.
– Meu acordo com Delvak não incluía
isso, senhor Zahner. Não vou pagar por
uma parte do acordo que não concordei.
O mais honrado seria você e os seus
pagarem pelo prejuízo.
Gary inspirou profundamente.
O potencial de lucro para Hideki era
incontável, mas ele era um negociante. E
qualquer bom negociante veria que ele
contava com todo o tempo e espaço para
obter o melhor acordo possível,
enquanto o resto de nós tinha uma arma
metafórica apontada para as cabeças.
Nós não tínhamos tempo. Não tínhamos
vantagem.
– E de quanto estamos falando?
Hideki enfiou as mãos nos bolsos,
olhando para ninguém em particular.
Fingia pensar em uma cifra, mas eu tinha
certeza que ele já tinha calculado.
– Delvak me contou o plano. Deve ter
aproximadamente 2 milhões de euros no
cofre que vocês pretendem roubar. Por
aproximadamente 2 milhões de euros, eu
resolvo o problema da agência.
– Você resolve o problema da agência
por uns 50 mil – Lola reclamou.
– Depende de quem contrataríamos.
– Hideki-san. – Gesticulou. Aquela
era a primeira vez que eu a via irritada.
– Jogue um corpo lá dentro e faça uma
denúncia anônima para a polícia. O
lugar vai ficar interditado por semanas e
não importa quão incompetente a polícia
seja, com certeza, vai achar algo
suspeito.
– Quero algo mais definitivo.
– O dinheiro daquele cofre já me foi
prometido.
– Não por mim, senhorita Ox. Eu
cumpro apenas as promessas que eu
mesmo fiz.
Lola rodou sobre os próprios pés,
mordendo o lábio. A sugestão era
contrária ao plano dela e, se ela não
topasse o roubo, todos nós estaríamos
fodidos.
– Eu não vou atrás de você. – Zahner
estava esfregando as têmporas, aquela
sugestão exigiu toda sua força de
vontade. – Assim que voltar para a
Interpol, te dou uma semana antes de
incluir sua presença nos relatórios. Te
dou uma semana de vantagem. Isso paga
os seus serviços?
– Não preciso de vantagem.
– Tire uma semana de férias, Lola! –
Berrou com os dentes semicerrados. –
Não seria bom passar uma semana sem
medo da polícia te engolir?
– Medo? – ridicularizou. – Se me der
seis meses, eu considero.
– Eu te digo em que prisão ele está –
decidiu. – E te garanto que não será uma
armadilha.
Eu consegui enxergar as veias no seu
pescoço quando ela segurou a
respiração.
Estava nervosa. Em pânico.
Pela primeira vez.
– Foi uma armadilha das outras duas
vezes que o encontrei, Gar. Não vou
confiar em você dessa vez.
O resto de nós se entreolhou e até o
homem das balinhas prendia a
respiração para evitar perder alguma
informação.
– Vou com você roubar esse cofre –
determinou. – Assim que você me
entregar o dinheiro, eu te digo qual é a
prisão. Você conseguiria chegar até ele
antes de eu ser reinstituído na Interpol.
Lola sequer piscava.
– Não vou ter tempo para organizar
uma armadilha. Você me dá o dinheiro.
Eu te dou o nome de uma prisão. –
Estendeu a mão. – Temos um acordo?
O lábio de Lola tremia quando ela o
tocou.
– Um acordo, Zahner.

Lola carregou os blocos maciços de


notas do cofre para a bolsa escura antes
de guardar os instrumentos que usou
para arrombar a segurança em outra
bolsa preta.
Eu sabia exatamente o que ela
pretendia fazer e me senti até um pouco
ofendido que ela tivesse me considerado
estúpido a ponto de cair naquele truque.
Ia ser o fim da noite, ela ia trocar as
duas bolsas quase idênticas e me
entregar a que contivesse os
instrumentos e não o dinheiro.
– Isso foi fácil – decidi, quando ela
fechou o zíper e se virou para trancar o
cofre. Havia apenas uma diferença entre
as duas bolsas compridas, uma pequena
tarja branca com a marca da mochila em
uma delas. A dos instrumentos. Essa era
a que eu precisaria evitar.
– Diz isso porque eu me livrei de dois
deles. – Indicou os três homens caídos
no chão com o queixo. – E você teve que
cuidar de um só.
– Está querendo me convencer de que
foi difícil pra você?
– Não. – Sorriu. – Estou querendo
dizer que não seria fácil para você.
Ainda amarrei os três e arrombei o cofre
enquanto tudo que você fez foi ficar aí
parado sendo rabugento.
– Não ia te deixar vir sozinha.
– Sua preocupação com minha
segurança me sensibiliza.
– Não é com sua segurança que estou
preocupado – rosnei. – O que vai fazer
com ele depois de tirá-lo da prisão?
– Quem disse que vou tirá-lo da
prisão?
– Vai precisar, não? Para...
– Shh. – Levou os dedos à boca. –
Ouviu isso? – Alinhou o ouvido em uma
das direções e eu me virei para
verificar. Eu sabia exatamente o que ela
estava fazendo e aceitei participar do
jogo.
– Vamos sair daqui logo. O contador
vai voltar para casa a qualquer instante.
Troca feita.
Trocou as duas bolsas quando eu não
estava olhando.
Boa garota.
Levei a mão às duas mochilas, mas fui
impedido pelo toque de metal na minha
testa. Lola apontava sua arma para
minha cabeça.
– O nome da prisão, Gar – solicitou.
O barulho do lado de fora ficou mais
alto, chamando minha atenção. – É a
polícia – explicou. – Denúncia anônima.
Estão vindo buscar o ex-agente da
Interpol que desapareceu sequestrando
duas testemunhas. Não facilite a vida
deles – sugeriu, maldita, e eu quis
enforcá-la. – Me diga o nome da prisão
e eu te deixo ir. Talvez até te deixe levar
o dinheiro.
Encarei seus olhos escuros.
– 2 a 0 pra você, hein?
– Eu sou boa assim. – Não havia
alegria em seu rosto. – A prisão, Zahner.
– Fizemos um acordo, Ox. O acordo
não incluía polícia ou arma. Só dinheiro
em troca de um nome.
– A polícia e a arma são para garantir
que você vai cumprir sua parte.
– E o que me garante que você vai
cumprir a sua?
Estreitou os olhos, pensando por um
minuto.
– AQUI EM CIMA! – gritou, antes de se
voltar para mim. – Que escolha você
tem?
Senti meu rosto inteiro se espremer
em uma careta de fúria.
– Calabouços de Domokos – menti.
– Já procurei lá.
– Não procurou bem o suficiente –
rosnei, colérico.
Passos do outro lado da porta
fizeram-na hesitar. Um único segundo.
Agarrei-a pela cintura e arremessei-a
contra os policiais. Busquei a bolsa sem
a tarja branca em um instinto cego e me
joguei pela janela por onde tínhamos
entrado, deixando Lola para trás e
desaparecendo na noite.

– Acha que eles vão se matar? –


Sentei na borda do palco ao lado de
Ryker, depois que todos se foram.
– Acho mais provável eles
abandonarem o plano para ficarem nus.
– Na casa de um estranho? – Torci o
nariz.
– Qual o problema? Nunca transou na
casa de um estranho?
– Todas as vezes que transei foram
com você, Ryker. – Revirei os olhos e
ele abriu um imenso sorriso de
satisfação.
– Precisamos mudar isso. – Lambeu o
sorriso. – Você não ter transado na casa
de um estranho – explicou, muito rápido.
– Não a parte de só ter transado comigo.
– Tem algum lugar em mente? – Ri,
deixando ele me beijar. A melhor
sensação do mundo: eu sempre detestei
a temática sexo em qualquer outro
contexto. Menos com Ryk. Com ele,
sexo era um de meus assuntos favoritos.
– Na casa do Devon ia ser genial!
– Ainda não sei qual o problema entre
vocês dois.
– Sabe de uma parte.
– Ficou com a mulher dele?
– Fiquei.
– Ryker! – reclamei, dando um tapa
no seu ombro.
– Não é como você está pensando!
Não foi uma traição. Pelo menos não da
minha parte.
– Não consigo imaginar qualquer
cenário em que isso seja possível –
recriminei. – Tem que pedir desculpas.
– Não vou pedir desculpas.
– Ryker! – reclamei de novo e ele
segurou meu rosto com as mãos.
– Você também fica vermelha quando
fica irritada. – Raspou a língua no meu
queixo, começando a se desfazer ao meu
redor. – Tão linda.
– Não me engana! – Seus dedos
escalaram a região do meu joelho ao
meu quadril, desviando da rota para
desbravar entre minhas pernas e eu
estava amolecendo.
– Com quantas mulheres casadas você
acha que o Devon já ficou? – defendeu-
se. – Faz parte da profissão. Uma cliente
te contrata e você não pergunta estado
civil. Você só diz quanto cobra e ela diz
se aceita ou não.
Engoli em seco, sentindo minha
vagina ressecar.
Era aquela realidade tão óbvia que
você nunca para e se questiona. O céu é
azul, a grama é verde. Você só aceita.
Nunca para um momento no seu dia para
olhar e dizer “Nossa, é mesmo! Como a
grama é verde!”.
Ryker era um garoto de programa.
Eu sempre soube disso.
Desde o primeiro segundo em que nos
conhecemos.
Então, eu me apaixonei e ele foi meu
e nunca parei para considerar.
Eu o amava, e o trabalho dele nunca
me impediria de amá-lo.
Desde que fosse no passado.
Mas... e se fosse no presente?
Há quanto tempo ele era garoto de
programa? Com quantas mulheres
dormiu? Tinha clientes regulares? Será
que alguma delas já se apaixonou por
ele? Será que ele se apaixonou por
alguma delas? Algum marido, namorado,
noivo… já descobriu? Algum já o
agrediu? Será que ele já tinha sido preso
por causa de sua profissão? Será que
tinha algum país em que ele não podia
mais entrar? Ele tinha vontade de
trabalhar com outra coisa? Ele sempre
pareceu tão feliz sendo stripper… sendo
garoto de programa… será que estava
em seus planos exercer outra atividade?
E se não estivesse? Ele passaria suas
noites na rua conferindo prazer a
mulheres casadas enquanto eu esperava
que ele voltasse para me dar prazer?
Eu ainda o amaria nessas condições?
– A mulher do Devon te contratou. –
Não era uma pergunta.
– Devon a traiu – explicou. – O que é
um feito bem grande se você considerar
que a porra do cara já era um garoto de
programa. Ele trabalhava com isso e a
mulher dele sempre soube e aceitou.
Eu estava sentindo uma fraqueza nas
pernas.
Era possível, então… Estava na
realidade de Ryker que uma mulher
aceitasse estar com um garoto de
programa. Ele esperava que eu aceitasse
também? Seria só preconceito meu? Ou
era algo que eu realmente não
conseguiria suportar?
– Mas o Devon foi e ficou com uma
das amigas dela enquanto ela estava
viajando a negócios. Ela descobriu
depois. A amiga tirou uma foto e contou
pra ela.
Monique.
Íamos sair para um jantar só de
garotas e Monique ia sacar seu celular
da bolsa e me mostrar uma foto de Ryker
nu beijando suas coxas magras. “Ele me
deu um desconto”, ela iria dizer. “Já
marquei de novo, acho que vou fazer
dessas experiências algo semanal”.
Talvez fosse preconceito.
Mas eu não iria aguentar.
Não ia suportar.
– E como… – Minhas pernas ainda
tremiam. – E como ela sabia que a
amiga não era uma cliente? Devon podia
estar só trabalhando. – Tentei soar
casual, mas cada palavra saía
exasperada.
– Eles tinham um acordo. – Ryker
levantou uma sobrancelha. – Ele não
podia trabalhar com pessoas próximas a
ela: família, amigos, colegas de
trabalho. Desde que ele soubesse quem
eram, lógico. Mas ela sempre fazia
questão que soubesse.
– Então ele não estava trabalhando?
– Não. Foi de graça. Só porque ele
quis.
– Ela ficou com raiva e se vingou ao
te contratar.
– Exatamente.
– Você sabia disso? Quando ela te
chamou?
– Imaginei. Mas faz parte da profissão
não perguntar, Mina. A vida de um
cliente não é da minha conta. Se a gente
tivesse ficado junto naquela primeira
noite no hotel, eu nunca teria te
constrangido e perguntado por que você
era virgem ou qualquer detalhe.
– Não, não iria me constranger. –
Sorri, amarela. – Fui bem capaz de fazer
isso sozinha, obrigada.
Ele riu. Seu braço encaixava na curva
da minha bunda de um jeito estável.
Como se a gente se complementasse
como duas peças de um quebra-cabeça.
O problema é que eu ainda não sabia
que peça a gente formava.
– Como ele descobriu?
– Ela me chamou na casa deles, em
um horário que sabia que ele voltaria.
Eu não fui informado dessa parte e
quase levei um murro de graça.
– Devia ter deixado ele te dar um
murro.
– Não, não devia. – Apoiou a testa na
minha, me encarando com suavidade. –
Não é assim que funciona, Mina. Se
você trabalha em uma loja de revelar
fotos…
– Loja de revelar fotos, em que século
você vive?
– Se você trabalha em um
departamento de tecnologia! – Revirou
os olhos. – E vê nos e-mails de um cara
casado que trabalha pra empresa que ele
está tendo um caso, você não denuncia
para a mulher dele. Se você é
recepcionista de um motel, psicóloga,
terapeuta, médica… e descobre que um
paciente ou cliente está tendo um caso,
não cabe a você interferir. Não é sua
vida. Não é ético em nenhuma profissão.
Com prostituição também não. Se Devon
traiu a mulher dele ou se a mulher dele
quis devolver, não é da minha conta. Ela
me contratou, me ofereceu mais do que
cobro e eu geralmente aceito trabalhos
assim de bom grado.
– Aceita?
– Claro! – Riu, sem entender o
sentido da pergunta. – Você não faria o
mesmo na sua área?
– ...ou aceitava? – continuei a
pergunta e ele ficou sério assim que
compreendeu.
– Mina… não trabalhei com isso
desde que nos conhecemos. – Eu sei.
– E a parte do strip você já sabe
melhor do que ninguém. – Apontou para
o palco.
– Eu sei.
– O único trabalho de sexo que tive
nos últimos meses foi transar com você
nesse palco. – Deu dois tapinhas com o
indicador.
– Eu sei.
– E por que está agindo como se não
soubesse?
– É estranho, Ryker. – Me afastei,
cruzando os braços.
– É estranho? O quê? – Ele abriu os
braços, estava indignado. – Transar
comigo o tempo todo não foi. Perder a
virgindade comigo ou dizer que me
amava. E agora, de repente, é?
– Não foi isso que eu quis dizer.
– Não posso voltar no tempo e mudar
o que já fiz, Mina. E, sinceramente,
mesmo se pudesse, não faria isso. A
prostituição permitiu que eu me
afastasse da minha família tóxica e
criasse a vida que eu queria. Livre. –
Sua ênfase na última palavra murchou
meu coração. Eu não queria ser a mulher
a cortar suas asas e destruir sua
liberdade. Mas não poderia impedir, se
ele optasse por encarar meu pedido
desse modo. – Nunca imaginei que fosse
um problema para você.
– Está dizendo que vai continuar
trabalhando com isso?
– Estou dizendo que não sei. – Ele
parecia igualmente triste e irritado com
o rumo da conversa. – O que espera de
mim, Mina? Não vou me tornar um
empreendedor rico e bem-sucedido do
dia pra noite. Não tenho qualquer
conhecimento específico em algo que
seja rentável. Eu gosto de escrever,
certo… mas sequer mostrei para alguém
que não fosse um amigo ou dois. Não fiz
uma faculdade de Letras rebuscada
como a minha irmã, eu mal terminei a
escola! E não vou aceitar a ajuda dela,
porque ela só vai fingir que meus
escritos venderam para me dar dinheiro
e eu não quero viver minha vida
dependendo de ninguém desse jeito.
– Então está dizendo que vai
continuar a se prostituir? – Minha voz
enganchou na garganta.
– Não! Estou dizendo que não sei –
repetiu. – Não sei o que eu sei fazer,
Mina. Não sei como eu poderia
sobreviver senão a partir disso.
– Eu posso te ajudar. Quando
conseguir um emprego, posso…
– Não quero. Obrigado. – Virou-se de
costas.
– Vai ser esse cara, então, Ryker? O
cara que não aceita ajuda de mulheres?
– Não tem nada a ver com isso.
– Com o que tem a ver, então? –
exclamei, sofrendo.
– Tem a ver comigo! Com o fato de eu
ter assistido aos crimes do meu pai
contra minha irmã prescreverem diante
da Justiça porque eu dependia dele para
sobreviver e não tinha coragem de
encará-lo. Tem a ver com a
independência que a gente adquire
quando não precisa de ninguém.
– É bom não depender de ninguém,
Ryk. Mas também é muito solitário.
– Está dizendo que não vai querer
ficar comigo se eu decidir continuar me
prostituindo?
– Estou dizendo que não sei – tomei
suas palavras emprestadas.
Ele acenou, magoado, e o silêncio se
prolongou desconfortável.
– Acho que temos nossa resposta. –
Seu meio sorriso carregava tanta dor
que sequer devia ter existido. Havia
desprezo no seu olhar quando se
aproximou de mim, mas eu não soube se
era para mim ou para si mesmo. Estava
tão perto, me forçando a olhar para
baixo para evitá-lo, para fugir da sua
esfera. Mas ele já estava ali… tão perto
que, ao olhar para baixo, tudo que vi
foram nossos corpos se aproximando
lentamente, adestrados a executar aquele
movimento. Suas mãos se posicionaram
em meus cotovelos quando sua boca me
encontrou. Havia um toque de amargo na
nossa eterna doçura e senti que poderia
chorar.
Ryker, em sua eterna compreensão
sobre o meu funcionamento, soltou meus
lábios para dedicar sua trilha de beijos
aos meus olhos. Um beijo longo em uma
das pálpebras, selinhos curtos nas
bochechas descendo o caminho que teria
sido preenchido por lágrimas se ele não
estivesse sorrindo contra meu rosto e
agarrando minha bunda.
– O que está fazendo? – Ri.
– Me despedindo. Não era esse seu
plano? – Mordeu meu pescoço.
– Não era a isso que estava me
referindo.
– Era sim. Você estava se referindo a
sexo, sua safada.
A gargalhada aliviou a angústia
carregada em meus pulmões por todo
aquele assunto desagradável e eu logo
tinha me esquecido da profundidade de
nossos problemas mais uma vez.
– Eu quis dizer que a gente deveria
conversar. – Enfiei meus cotovelos entre
nossos corpos, tentando salvar o que
restava de nosso foco. – Decidir o que a
gente vai fazer depois.
Ele acenou, fingindo compreender,
mas sem prestar verdadeira atenção.
– Você quis dizer que queria transar
da última vez que a gente se separou,
mas não teve tempo. Não quer arriscar
perder a chance de novo. Eu te entendo,
amor – continuou, brincalhão, me
fazendo rir em meio a mordidas.
– Você entendeu tudo errado, seu
tarado.
– Não quer sexo, então? – Afastou-se,
enfiando as mãos no bolso. – Tudo bem.
Sem sexo. – Seu escrutínio analítico
caiu sobre mim enquanto ele esperava,
com um meio sorriso perverso e
divertido, que eu me desfizesse em
inevitável frustração. Que foi, óbvio,
exatamente o que eu fiz.
– Quer mudar de ideia? – provocou,
sorrindo.
– Não. – Minhas bochechas pegavam
fogo. Estavam envergonhadas pela
minha má atuação e decepcionadas pela
minha vagina. – Eu quero conversar.
Mas agora… agora – Sexo faz alguma
coisa bizarra com uma parte específica
do seu cérebro responsável pela
comunicação. O sangue desce para
irrigar suas terminações nervosas e o
metabolismo do cérebro é diminuído a
um ritmo digno de uma lesma indecisa. –
Ah! Você me fez esquecer o que eu ia
dizer!
Sua mão larga e forte agarrava meu
pescoço.
– Então venha aqui que eu te ajudo a
lembrar.
O modo com o qual ele movia sua
língua macia contra o céu da minha boca
me fazia suspirar e perder a razão.
Espremia meu quadril contra a lateral do
palco e descia as mãos até minha
cintura.
Antes de Ryker, nunca tinha notado o
tesão muito peculiar que eu
aparentemente sentia por bundas
masculinas. Uma curva gostosa que
serve para prender uma calça mais
folgada e para preencher mãos gulosas.
Agarrei suas nádegas com os dedos e
meus lábios com os dentes. O gemido
emitido como um miado morno,
derretendo minha boca: – Gostoso… –
murmurei.
– Era isso que você esqueceu de
dizer? – Ofereceu a língua para que eu
mordesse. – Como pode ter esquecido
isso? – divertiu-se, aceitando minhas
mordidas intercaladas.
– Ryker, cala a boca.
– E me fode.
– Hum?
– É assim que se diz – explicou,
acadêmico. – Cala a boca e me fode.
Um pedaço da frase não faz sentido sem
o outro.
Sua digressão me irritou.
– Vou te mandar calar a boca de novo.
– E eu só vou calar se você pedir pra
eu te foder. – Riu.
Respirei fundo e abri a boca,
reunindo coragem para me jogar na sua
armadilha.
– Ficou com vergonha, foi? –
provocou de novo. – Posso abrir as
portas e convidar o pessoal da rua para
assistir. É assim que você gosta, não é?
Quando eu faço você gozar na frente de
uma plateia. Vai ter que gemer mais alto
dessa vez, como…
– Ryker… – Revirei os olhos. – Cala
a boca e me fode.
Ele agarrou seio e bunda com
invejável apetite, mas não me beijou.
Sua boca estava ocupada demais se
abrindo em uma risada interminável de
satisfação.
– Minha garota!
– Cala a boca. – Belisquei sua bunda.
– Minha garota safada!
Não sei até que ponto foi de
propósito, mas Ryker se dobrou sobre
mim, fazendo com que tropeçássemos e
caímos os dois sobre o palco.
– A gente vai subir para o quarto? – A
pergunta era quase nula, já que a invasão
de seus dedos na parte interna de minha
calcinha deixavam suas intenções bem
claras.
– Ou... – Arregalou os olhos,
animados com sua exclamação. – Pra
casa do Devon! Experimentar essa
novidade para você.
– É. – Fingi tédio. – Sinceramente,
Strome, já transamos no palco, estou
decepcionada. Está começando a ficar
repetitivo… Ah! – Seus dedos
encontraram aquele ponto bem na lateral
do meu clitóris que parecia fazer minha
virilha se derreter em lubrificante e
arfei.
– Ah, desculpe. – Sarcástico. – Eu te
interrompi. Estava dizendo alguma
coisa?
Não era acidental.
Ele sabia exatamente qual era o
maldito ponto, porque estava esfregando
o polegar nele de um jeito que deveria
ser ou proibido por lei, ou obrigatório.
Porque depois de conhecê-lo uma vez,
mulher nenhuma deveria ser obrigada a
viver sem aquele toque.
Joguei a cabeça para trás, olhos
fechados, sentindo meus cabelos se
arrastarem no chão do palco.
– Esqueceu de novo? – Ele apertou
com tanta força que teria doído se não
estivesse me fazendo encontrar o
nirvana. – Eu te ajudo a lembrar, de
novo. – Um beliscão e eu não conseguia
parar de gemer. – Estava falando algo
sobre decepção? – Ele girava meu
clitóris preso entre seus dedos, sem
parar de esfregar o polegar no ponto
perfeito. Mordi a parte interna do meu
lábio. Eu ia gritar. Era só uma questão
de tempo. – E repetitivo. – Seu dedo me
invadiu, mas seria mentira dizer que
gostei mais dele do que do aperto do seu
polegar. Aquele dedo suave e curvado
dentro de mim era uma delícia. Mas
nada se comparava à copiosa massagem
clitoriana à qual ele me submetia.
Ryker me despiu com a mão livre e eu
colaborei como pude, o que não foi
muito. Ele não soltava minha virilha
mesmo que eu debatesse as coxas contra
o braço dele.
– Quero te ensinar outra coisa. –
Lambeu meu pescoço logo abaixo da
orelha, antes de me forçar a ficar de
quatro sobre ele. Soltou meu clitóris,
parte de mim quis reclamar por causa
disso, outra parte porque temeu que ele
quisesse sexo anal. Mas sua língua me
lambeu inteira e eu estava fechando os
olhos para curtir o momento de novo.
– Já ouviu falar dessa posição aqui? –
Seu sussurro abafado foi de encontro à
minha vagina e seu hálito transformou o
ar ali em um arrepio que percorreu
minha coluna, apressado. Desabotoei
suas calças e Ryker me engoliu. Puxando
meu quadril para baixo, me forçando a
sentar sobre sua boca. Como ele estava
conseguindo respirar, é algo que eu
nunca saberia.
Sexo para mim sempre tinha sido
difícil e complicado. Mesmo com Ryker,
com quem tudo era mais fácil, tive
minhas complicações em um momento
ou outro. Mas instinto é uma coisa
engraçada, delicada e curiosa que chega
para assumir o controle quando você
não está esperando.
Era perceptível para mim porque era
a primeira vez que acontecia. Eu sempre
tive certeza que era deficiente no quesito
“instinto sexual” até Ryker me fazer
aquela pergunta curta antes de me
engolir em cima daquele palco vazio.
Algo se apoderou do meu corpo como
um desejo que não conseguia mais ser
contido e rasgaria minha pele para fugir
se não fosse controlado. E o único modo
de controlá-lo era enfiando Ryker na
boca. Ele estava rígido e imenso. Era
tão delicioso que me fazia ter vontade
de gritar uma obscenidade.
Como um pedaço de carne cheia de
sangue que o homem esconde dentro das
cuecas pode ter uma aparência tão
gostosa? Antes de Ryker me parecia
absurdo e até um pouco nojento. Mas ali
estava ele, o membro tão grande que não
conseguia ficar completamente linear e,
ereto, fazia um curva suave para a
esquerda. Fechei o punho ao seu redor e
meus dedos não se fechavam. Eu o
engoli de uma vez e, na minha gula, só
percebi que tinha sido ávida demais
quando o reflexo de regurgitação se fez
perceber. Recuei, mas a vontade
subsistia. Lambi a cabeça e Ryker gemeu
entre minhas coxas, o que me deixou
ainda mais molhada. O chupão que ele
me deu parecia servir para dar vazão ao
seu próprio prazer e eu o imitei, usando
seu pau para aliviar a minha tensão.
Engoli-o bem fundo mais uma vez. Senti
um pouco de orgulho da minha
capacidade, apesar de ser notável que a
posição claramente facilitava a entrada
de sua ereção na minha boca. Segurei a
base para controlá-lo melhor, era
impressionante como ele ficava mais
largo e mais duro sob meu toque sempre
que eu fazia algo certo.
Será que era assim que as pessoas
liam umas às outras na cama?
Eu podia tentar…
Transformar Ryker no meu laboratório
pessoal.
Dei uma longa lambida de baixo a
cima. Duro.
Raspei os dentes na base. Duro.
Deslizei os dedos na sua extensão.
Duro.
Cocei seus testículos, muito de leve,
ainda possuída pelo trauma.
Mais duro.
Certo…
Raspei os dentes na glande. Mais
duro.
Lambi sua cabecinha. Mais, mais
duro.
Usei os lábios para empurrar a pele
de sua cabecinha para baixo em uma
masturbação dócil e provocante, usando
apenas a pressão dos meus lábios. Tão
duro.
Ryker se esticou e aumentou como
nunca tinha feito antes. Ou talvez, eu não
estivesse prestando atenção das outras
vezes. Talvez eu não soubesse nem em
que prestar atenção.
Eu já tinha elementos suficientes para
trabalhar e acariciei seus testículos
enquanto o masturbava com os lábios
entre mordidas e lambidas, arriscando
engoli-lo o máximo que eu conseguia em
intervalos regulares. Ele não conseguia
mais ficar parado e impulsionava o
quadril contra mim.
Está gostando.
Eu estou aprendendo.
Estava realmente desenvolvendo um
ritmo interessante, mas foi aí que Ryker
me chupou com força. Sugou meu suco
inteiro, estapeando meu clitóris com a
língua e eu soltei seu pau. Minha boca se
abriu em um grito nervoso e tive que me
dobrar com esforço para conseguir
colocá-lo na boca de novo. Ele me
mordeu quando começou a gozar e senti
meu corpo inteiro vibrando.
Seguiu-se um momento mágico em
que toda a tensão se desfaz, espalhando
espasmos pelo corpo a partir da virilha
e trazendo a certeza que, se o Paraíso
existe, ele tem que ser tão bom quanto
um orgasmo, ou seria frustrante.
Me joguei para o lado assim que
consegui parar de tremer, ainda tentando
recuperar o fôlego.
– Não te ensinei a fazer isso – Ryker
gemeu. – Quem te ensinou a fazer isso?
– Ele parecia sofrer de prazer, o que me
deixou realizada ao ponto de não
conseguir descrever.
– Estava só experimentando –
confessei.
Ryker respirou fundo duas vezes
completas.
– Pois experimente mais vezes. –
Sorriu.
Dei um tapa em sua barriga antes de
levantar para me vestir. Foi só aí que
percebi o líquido escorrendo pelo meu
queixo. Limpei minha boca com as
costas da mão.
– Desculpe. – Tomou meu rosto,
alisando minhas bochechas e lábios com
os polegares. – Me perdi. Não te avisei.
Ainda estava tentando processar o
fato…
– Eu… engoli?
– Acho que não tudo. – Riu, ajudando
a me limpar. – Mas um pouco.
Estalei a língua na boca testando o
gosto e Ryker gargalhou com força.
– Quer mais um pouquinho? Me dá
uns cinco minutos – brincou e ganhou
outro tapa.
Eu ainda estava vestindo a calça
quando a porta bateu, anunciando que
tínhamos companhia. Apressei-me em
me recompor enquanto Ryker se
rearrumava sem pressa, rindo do meu
desespero.
– Estão acordados. Bom. – Zahner
chegou carregando uma bolsa escura. –
O dinheiro do Hideki. Parece que
finalmente acabou. – Respirou fundo.
– Lola?
– Lola é problema de Lola. – Sorriu
sem alegria, atirando a bolsa em cima
do palco.
Ela estalou com um som desagradável
de metal batendo em metal e Zahner
arregalou os olhos em pânico.
– Não. Não, não, não!
Puxou o zíper e despejou o conteúdo
ao nosso redor. Diversas ferramentas
estranhas que eu não sabia para que
serviam.
– PUTA DO CACETE! – Zahner enfiou as
mãos nos cabelos com muita força,
como se estivesse realmente disposto a
arrancá-los pela raiz. – Aquela puta… –
repetiu em um sussurro baixo. – Não
pode ser… – Virou a bolsa à procura de
algo. Ryker segurou meu pulso,
indicando que eu desse um passo para
trás. Ele tomou minha frente por talvez
temer algum episódio de insanidade de
Gary, demonstrando, assim, o ímpeto de
me proteger. – Ela trocou as bolsas! –
falou sozinho. – Mas a que tinha os
instrumentos tinha uma tarja branca bem
ali. – apontou, irritado. Eu não sabia se
ele estava nos explicando ou tentando
aceitar a verdade, mas me encolhi para
ver a bolsa e passei o dedo na região
que ele indicou.
– Tinha um adesivo aqui – avisei. – É
disso que está falando?
Havia insanidade nos olhos de Zahner
quando ele puxou a bolsa para verificar
a verdade em minha constatação.
Passou o dedo pelos resquícios de
cola de um adesivo que deve ter sido
arrancado rapidamente e começou a rir.
Um riso de homens loucos.
– Era falsa. – As mãos estavam de
volta nos cabelos. – Ela não trocou a
bolsa, ela trocou as tarjas. Colocou o
adesivo na outra bolsa. A criminosa do
caralho arrancou a tarja de uma e
colocou na outra.
Ele se sentou no palco. Nós nos
abaixamos perto dele. Coloquei a mão
em seu ombro na tentativa de consolá-lo.
O pobre Gary nunca iria admitir, mas
gostava dela. Mesmo que em um nível
doido, psicopata e doentio… gostava de
Lola. Eu entendia a fúria e a revolta.
Não era apenas por ter sido enganado,
mas por ter sido enganado por uma
pessoa em quem ele queria acreditar. Eu
tinha sentido fúrias e revoltas
semelhantes por Ryker um dia.
Conseguia entender.
Mas independente da incômoda
frustração que Gary sentia, Lola parecia
não se importar.
Hideki ia aparecer no dia seguinte
querendo seu dinheiro.
E, a não ser que aqueles instrumentos
espalhados pelo palco valessem
aproximadamente dois milhões de euros,
estávamos todos fodidos.
Dez
Maneiras de perder o pudor
– E então? – Estávamos todos
espalhados pelo beco atrás da boate,
esperando Zahner se despedir de
Hideki, que mal tinha descido do carro.
– Dois dias – falou em uma
comemoração estúpida.
– Dois dias para conseguir dois
milhões. Alguém aí tem uma moeda? –
Ryker bateu as mãos nos bolsos. –
Porque eu vou ali no orelhão ligar pro
Kulik e contar onde a gente está. – Fez
uma careta, ranzinza. – Já que vai acabar
assim, pelo menos quero dar a notícia.
Esfreguei seus ombros nos
esquentando do frio do clima e da falta
de esperança.
– Não precisamos dos dois milhões –
Zahner garantiu. – Hideki só quer lucrar
o máximo que puder em cima da
situação. Ele é um criminoso e é
inteligente. Nós estamos fodidos e
qualquer um pode sentir o cheiro. Ele
quer Kulik preso e quer o controle sobre
essa região. Dois milhões não vão
mudar isso agora, os russos já estão
muito enfraquecidos. – Balançou o
jornal. A leitura da manhã tinha
aumentado sua disposição
consideravelmente, de modo que mal se
identificava sua ressaca. Ou isso ou ele
tinha uma resistência bem forte a álcool.
Um terço da vodca que ele tomou na
noite anterior em sua fúria contra Lola
seria suficiente para me fazer tirar a
roupa de bom grado e querer transar
com Ryker na frente de todo mundo. Não
que eu tenha precisado de vodca da
última vez.
A situação estava ruim. Mas já
estivera pior.
Lucy se recostava à parede com as
mãos enfiadas nos cabelos enquanto Tim
e Devon cogitavam se Kulik teria ou não
uma esposa de quem eles pudessem tirar
vantagem. Joanie os chamou de idiotas
por considerarem que toda mulher seria
um alvo fácil para eles dois.
– Você não conhece meu charme. –
Devon piscou um olho, com arrogância e
sensualidade.
– Bebê – Lucy se intrometeu na
discussão, sem paciência –, seu charme
não foi suficiente nem pra tirar a
virgindade da Mina, então fica quietinho
aí que você é mais bonito de boca
fechada.
– Vocês estão vendo isso do jeito
errado! – Zahner ainda estava agarrado
ao jornal, como um totem. A única peça
que lhe trouxera boas notícias nos
últimos dias: uma manchete falando
sobre quedas súbitas de investimentos
que nós sabíamos ser referentes à maior
parte das aplicações do dinheiro de
Kulik. Allender tinha derrubado as
ações para levar o nosso colega russo à
falência. – A gente está quase lá!
– Quase por dois milhões de euros,
Interpol. – Nila abraçou os próprios
joelhos. – Quero me vingar dos escrotos
mais do que você, mas dois milhões não
caem do céu.
– Não precisamos dos dois milhões! –
repetiu, batendo o pé no chão. – Não
estão me ouvindo?
Luckas se aproximou de Ryker com
sugestões de como contrabandear nós
dois para fora da Europa, para algum
lugar onde Lexa pudesse nos buscar
depois.
Ninguém estava ouvindo Zahner.
Menos eu.
Eu estava ouvindo cada palavra.
– A festa – murmurei para mim mesma
em minha própria epifania digna de
eureca. – A festa! – Levantei do chão. –
A gente pode fazer a festa que o Delvak
tinha planejado.
Lucy esfregou as têmporas: – A festa
que o Delvak tinha planejado incluía
doze übermodels de agências da
Noruega e África do Sul despindo peças
exclusivas do Oscar de la Renta no
palco do Lucky’s, alguns quilos de
caviar Beluga, três artistas do Cirque du
Soleil em uma performance exclusiva
envolvendo uma cachoeira interna de
Veuve Clicquot adornada com cristais
Swarovski, que nenhum de nós faz a
menor ideia de onde ele iria arranjar, e
uma participação especial de David
Guetta. – Expirou. – Nada contra seu
show da Tímida, Mina, mas acho que a
gente não vai lucrar nem perto do plano
do Delvak.
– Não é o show da Tímida. – Abanei
as mãos. – Vamos supor que o Zahner
esteja certo e que a gente só precise
lucrar alguns milhares para convencer o
Hideki. Lola disse 50 mil, não foi?
Vamos tentar conseguir o mais perto de
50 mil em um fim de semana!
– Mina, sei que você é uma boa
administradora e economista, amor, mas
isso…
– Shh, Ryker! – Coloquei a mão nos
seus lábios. – A gente só precisa de algo
diferente, que atraia a atenção de todo
mundo! Algo que todo mundo queira
participar. E depois o marketing… –
Comecei a sorrir quando a ideia se
formou na minha cabeça. – A gente já
tem o marketing pronto! – Ri sozinha.
– Mina, quando você quiser
compartilhar o plano – Devon avisou. –
O resto de nós está curioso.
– Eu era virgem quando eu vim para
cá.
– Ai meu Deus, ela endoidou. – Tonya
arregalou os olhos diante da minha falta
de sentido.
– Bebê, não sei se agora é a hora para
a gente dar as mãos e ter conversas
íntimas.
– Mas eu mudei! – tentei explicar.
– Não tanto pra quem viu a dança
erótica pro contador. – Tim riu e Ryker
lhe deu um soco no ombro. Ele mesmo
tinha feito uma piada semelhante antes,
mas parecia considerar que ele era o
único com tal direito.
– CALEM A BOCA! – mandei. – As
pessoas vêm para Amsterdã querendo
algo diferente. Se lhes oferecermos algo
diferente de tudo, elas vão querer, não
vão?
– Teoricamente, sim – Luckas
concordou. – Mas o que pode ser
diferente em Amsterdã?
– O show da Tímida. – Dei de
ombros e todos se calaram.
– É uma crise de ego – Joanie
explicou. – Já li isso em uma revista,
quando a gente fala demais pra uma
pessoa que ela está indo bem, ela
começa a se supervalorizar… Acho que
ultrapassou o limite.
O pessoal da boate estava ao seu
redor concordando.
– Não, seus perturbados! Prestem
atenção! – Bati palmas. – A gente faz
uma festa exclusiva e oferece a todos os
convidados a chance de ser a Tímida.
O silêncio que se seguiu foi mais
convidativo. Eles estavam me escutando
agora.
– Um show de strippers amadores? –
Ryker estava sorrindo. – Exatamente!
Como um karaokê safado! – expliquei,
animada.
– A gente disponibiliza máscaras para
as pessoas que não quiserem mostrar o
próprio rosto, faz uma equipe de
figurino no camarim para vestir os
turistas-strippers e eles levam para casa
o dinheiro que ganharem no palco! A
gente pode cobrar um ingresso muito
mais caro que o normal, faz pacotes de
luxo, monta uma área VIP, consegue
umas bebidas melhores e superfatura
todas. E fazemos todos esses gastos
adicionais valerem a pena para os
clientes por causa da experiência! É isso
que as pessoas buscam nessa cidade.
Eles querem a experiência. E a gente
pode fornecer isso a elas.
– A gente pode fornecer mais – Lucy
sugeriu. – A gente pode montar um show
de sexo entre profissionais que permita
a participação dos clientes por um
preço. – Observou ao redor. – A maior
parte de nós é profissional do sexo
mesmo, quem toparia sexo em público
por um extra? – E levantou a própria
mão. Praticamente todos a
acompanharam, inclusive Ryker, que
levantou a mão rindo para mim. Mas eu
o segurei pelo cotovelo e coloquei sua
mão malcomportada de volta para baixo.
– A gente pode fazer isso também –
concordei.
– Mas como vamos fazer as pessoas
saberem da festa?
– Vocês conheceram o amigo de Lexa,
o do jornal, não foi? – Voltei-me para as
meninas e elas confirmaram com um
sorriso. – Acham que podem…
convencê-lo a chamar a atenção da
mídia para nossa novidade?
Joanie respondeu um “com certeza”
que me deixou satisfeita.
– E temos também o cara do Twitter –
lembrei. – Que gostou do show da
Tímida.
– Posso mandar uma mensagem pra
ele – Lucky concordou.
– Falem com seus clientes. Turistas
são o foco, mas os residentes na cidade
também devem gostar da ideia. Vamos
fazer uns panfletos e deixar em todos os
hotéis que pudermos. Devon, você…
ahm… disse que postou uma foto do
seu… ahm…
– Do pau dele – Ryker sussurrou, me
atrapalhando mais do que ajudando.
– Isso. – Engoli em seco. – Disse que
postou uma foto íntima no Twitter uma
vez e teve boa resposta. Ainda tem
muitos seguidores?
– Tenho. – Riu satisfeito e Ryker
revirou os olhos.
– Pode fazer uma postagem
parecida… para propaganda? –
acrescentei depressa.
– Quer que eu poste uma foto do meu
pau com um convite para a festa de
amanhã à noite?
– É – respondi, sentindo a pancada de
vergonha e constrangimento.
– Normal ou ereto?
Eu tinha minha expressão congelada
em uma careta de descrença. Como
diabos eu deveria responder àquilo?
– Ereto geralmente é maior – Ryker
sussurrou de novo, tentando me ajudar.
Mas sua assistência não estava
colaborando.
– Eu sei! – reclamei. – Obrigada.
Como você preferir, Devon. – As
palavras saíram engasgadas.
– Ereto, então. – Ele se afastou na
direção do banheiro e eu preferi não
perguntar. Apenas fui grata por ele não
ter abaixado as calças ali mesmo.
– Assim a gente já tem turistas –
contei. – Locais, pessoas que verão a
notícia no jornal e os… pervertidos que
acompanham o Devon. É só esperar que
a notícia corra.
– E os panfletos? – Tim lembrou.
– Se for algo simples, a gente pode
fazer aqui mesmo – Bessie ofereceu.
– Pode ser algo simples. Só coloquem
algo como “últimas reservas” na
propaganda. As pessoas tendem a correr
quando acham que não vão conseguir
lugar.
Luckas abanou o indicador,
concordando.
– Tudo bem. – Sorri. – Temos um
plano.
Zahner acenou um misto de gratidão e
respeito. Devolvi o aceno e respirei
fundo. Um último segundo de paz antes
de correr para ajudar Luckas com os
fornecedores.
– Tente o Simak de novo! – berrei.
Meus restaurantes fechados. Meu
dinheiro roubado. Meus investimentos
perdidos. Era um ataque. Restava
descobrir de quem.
– Ele não atende, senhor.
– Nem vai atender – Viktor comentou
com singela amargura. – Ele morreu
politicamente, Yuri. Havia rumores
demais com o nome dele envolvendo
aqueles dois. E em política, fofoca vira
realidade com uma velocidade
impressionante.
– Vamos achar o filho dele e a garota
– resmunguei. – E, quando fizermos isso,
vamos fazer parecer que o filho dele
morreu um herói ou um pária. Como ele
preferir! Desde que o puto não me
abandone agora! – Acorde, Yuri! –
elevou a voz. Você sabe que está
perdendo a firmeza sob seus pés quando
até seu contador encontra confiança para
se dirigir a você com tamanha
insubordinação. – Ele não pode ser visto
perto de você. Tem que ficar longe para
se salvar e mesmo assim não é certo. O
concorrente dele está recebendo um
patrocínio pesado de novos
investidores.
– Ligue para Allender! Eu tinha um
acordo com ele!
– E ele deve ter feito um acordo
melhor com outra pessoa.
Provavelmente a mesma pessoa que
fechou seus restaurantes e roubou seu
dinheiro.
Enfiei os dentes no meu lábio inferior
até sentir o gosto ferroso que indicava
que ele tinha se rachado.
– E como sei que não foi você? –
Cuspi saliva e sangue em meu discurso
de ódio. – Guardo meu dinheiro na sua
casa e ele desaparece assim?
Viktor se levantou. Ele também estava
irritado. Furioso. Mas se conteve em
respeito à nossa história.
– Como você não tem mais dinheiro
para me pagar, prefiro ir embora a ficar
e ouvir esse tipo de acusação. Mas antes
de ir, vou te dar um conselho, Yuri. Um
último conselho. Uma cortesia entre
velhos amigos. – Suspirou. – Vá
embora. Fuja bem depressa.
– Não sou covarde como você!
– Pois então fiquei e morra com sua
bravura.
Ele virou as costas para mim.
O puto de merda me virou as costas.
Avancei com força em passos pesados
para informá-lo que eu não estava
vencido.
– Não me dê as costas quando ainda
estou falando!
– A pessoa que armou isso tudo
contra você veio para ficar. Depois que
terminar de destruir tudo que você tem,
vai querer te eliminar. É a jogada mais
inteligente. É o que você faria. Minha
única sugestão é que você vá…
– Senhor? – Michkin entrou
recuperando o fôlego. – Quase não
temos mais amigos na polícia, e tão
rápido… mas consegui uma declaração
de um dos oficiais.
– Diga de uma vez!
– Ele disse que chegaram à casa de
Viktor não por causa da invasão ao
cofre. Não foi uma denúncia feita por
nenhum vizinho ou barulho suspeito. A
denúncia foi que o ex-agente da Interpol
procurado pelo sequestro de duas
testemunhas estava lá.
Em Amsterdã.
De novo?
Eu podia me sentir espumar como um
animal raivoso. Eu mandei homens até lá
para verificar se não teriam voltado…
Alguém tinha me enganado nisso
também! Se o agente estava aqui, os dois
também estavam.
Era ele? Era ele quem estava me
destruindo?
Meu corpo inteiro estava trêmulo e
incontrolável. A não ser por uma única
ideia.
– Junte os homens, Michkin. Cerquem
aquela boate de merda. Quero
confirmação de que eles estão lá,
primeiro. Depois quero que vocês
entrem e matem todos.

Para quem estava preocupada com


desemprego, Mina parecia desatenta aos
seus muitos talentos. O Lucky’s podia
não ser a boate de maior prestígio na
cidade, mas não era um lugar pequeno e
insignificante. Pelo contrário… as
instalações tradicionais tinham o seu
porte e o seu allure, mas a jovem
administradora não se deixava intimidar
por nenhum desses aspectos.
Cinco minutos no telefone com um
dos fornecedores e ela já tinha
conseguido negócios melhores que
Luckas em cinco anos.
– Eles lembram dela. – Lucky bateu
no meu ombro, rindo. – Quando eu disse
que ia passar o telefone pra ela, um
deles chegou a xingar. – Riu.
– Ela negocia muito bem.
– É impressionante – concordou. –
Ryker… acha que quando isso tudo
acabar, ela estaria interessada em um
emprego?
Foi uma pergunta inocente. Luckas
não tinha poderes sobrenaturais que lhe
permitissem ouvir pensamentos ou ler
intenções. Mas sua inocência não
impediu que um incômodo se espalhasse
pelas minhas entranhas.
Mina amarrou os cabelos para mantê-
los longe do ouvido que ela dedicava ao
telefone. Falava apressada, olhando
para o relógio com frequência e
rascunhando números com um lápis de
madeira. Mesmo em um clube de
striptease, cercada pelo cheiro de sexo,
ter uma tarefa que ela podia realizar sem
morrer de vergonha tinha lhe conferido
um ar profissional que eu achava
igualmente sensual e intimidante.
Eu sabia lidar com a garota perdida
que não sabia o que fazer com o homem
só de cueca no seu apartamento.
Mas e quando ela olhasse para mim
com seus números e lápis de madeira?
Quando ela tivesse um emprego fixo e
colegas de trabalho contadores,
advogados e economistas. O que diabos
eu deveria fazer? Quais histórias eu ia
contar na festa de fim de ano da empresa
dela? O que eu ia dizer quando o círculo
de colegas engravatados se apertasse até
ficar claustrofóbico e me engolisse com
perguntas sobre o que eu fazia, no que eu
tinha me formado e onde já tinha
trabalhado.
Mina não ter família tinha se tornado
uma bênção para os meus delírios de
pesadelos diurnos. Como se apresenta
um namorado garoto de programa para o
seu pai? Para sua mãe? Irmãos? Meus
relacionamentos nunca tinham sido
duradouros o suficiente para que eu
precisasse me preocupar com esse tipo
de apresentação e, agora, com uma
mulher com quem eu planejava passar
longos anos, a ríspida verdade é que a
maldição da garota órfã era um alívio
para o namorado que não teria assunto
para debater com o sogro durante o chá.
Ela queria que eu largasse minha
ocupação.
Não era um pensamento novo para
mim. Eu não queria fazer isso para
sempre. Mas também não tinha
exatamente um plano definido sobre
como eu poderia parar.
Todavia, acampar no sofá de Mina,
desempregado e ocioso, enquanto
considerava todas as possibilidades,
não era uma ideia atraente. Teria que ser
do meu jeito: eu precisava me manter
ocupado enquanto procurava outro meio
de subsistência.
Claro que Mina não ia curtir essa
ideia nem um pouco.
Eu não curtiria se estivesse na
posição dela e é por isso mesmo que
não podia culpá-la por seu receio.
Restava descobrir como eu ia desatar o
nó que minha vida tinha dado um jeito
de amarrar.
Ela sorriu sozinha, fechando o punho
em vitória, depois de uma boa notícia do
outro lado da linha e eu me peguei rindo
com ela, mesmo que ela sequer estivesse
notando minha presença.
Eu te amo e quero ficar com você.
Mas talvez um pouco de distância
fosse necessário em algum momento.
Um pouco de Paris para você. Um
pouco de Amsterdã para mim.
Pelo menos até tudo se aquietar.
Ia ser horrível.
Seu sorriso ainda estava lá, dançando
vitorioso naquele rosto lindo. Eu queria
me sentar na cadeira à sua frente e
assisti-la trabalhar a tarde toda. Roubar
um beijo de vez em quando não seria
nada mal.
Eu quis que todos fossem embora à
noite, para poder levá-la para a cama e
contar-lhe, olhos nos olhos. Mas os
preparativos avançaram pela madrugada
e acabaram com metade de nós
dormindo de qualquer jeito sobre sofás
ou encostados nas mesas quando o sol
surgiu no céu.
E quando o dia se foi de novo, nós
estávamos prontos.
Eu não tinha roubado beijos
suficientes. Não tive tempo suficiente.
Não falei verdades suficientes.
Mina surgiu de volta no salão poucos
minutos antes das portas se abrirem
usando um vestido curto e folgado com
um decote imoral.
A piscadela que ela me deu de
presente teve doses similares de pureza
e descaração. Seu jeito Mina de ser
nunca parava de me encantar. Devolvi
com outra piscadela. A minha, com
certeza, bem mais indecente, com direito
a uma leve passeada de língua pelos
lábios, indicando a fome em resposta à
sua roupa. Ela revirou os olhos antes de
me lançar um beijo pelo ar.
Talvez a gente precisasse de um
tempo afastado quando tudo aquilo
terminasse.
E ia, sim, ser horrível.
Mas se fosse necessário para que
ficássemos juntos no fim, eu faria.
Eu faria qualquer coisa.

A palavra “lotado” estava


desenvolvendo um novo significado
para mim. Nunca antes eu tinha visto
tanta gente nos salões do Lucky’s e, pela
expressão nos rostos do resto da gangue,
eu suspeitava que eles também não.
O show de striptease amador tinha
sido um sucesso automático, as
máscaras eram alugadas ou vendidas
para mulheres e homens de todas as
partes do mundo que subiam ao palco
para experimentar a adrenalina de tirar a
roupa na frente de um público. As
inscrições foram tantas que precisamos
colocar as pessoas agrupadas em trios
ou não haveria tempo para todos se
apresentarem.
A ideia de Nila foi excelente e
abrimos um ponto de troca de moeda.
Turistas chegavam com seus 50 euros e
nós os trocávamos por 45 notas de 1. A
taxa de 5 euros era cobrada pela troca e
isso estava rendendo boa parte dos
lucros da noite. As 45 notas de 1
rapidamente desapareciam nas roupas
íntimas de desconhecidos mascarados e
os clientes estavam de volta em busca
de mais algumas notas trocadas.
Tim transformou tudo em um jogo:
roletas, lançamento de dardos,
brincadeiras de bar… Tudo virava
motivo para apostas e a prenda era
sempre a mesma: subir no palco e tirar a
roupa. Brout precisou chamar outros
cinco colegas para trabalharem de
seguranças e estávamos todos atentos
para que fotos não fossem tiradas. Era
impossível ter certeza… mas fazíamos o
que estava ao nosso alcance.
O auge da noite não seria o show da
Tímida, afinal, ele tinha se tornado
completamente obsoleto diante da
quantidade de novas pessoas que subiam
no palco com iguais quantidades de
determinação e vergonha para se expor.
Era libertador, divertido, único… mas
não seria a atração principal.
O sexo ao vivo ia ser apenas um
aperitivo. Um demonstrativo para
incentivar os clientes a pagarem um
pouco mais pela chance de algo ainda
mais exclusivo. E essa sim seria a
atração principal.
Devon e Lucy seriam os primeiros.
Depois disso, Devon ficaria disponível
para clientes e Lucy faria uma nova
apresentação, dessa vez com Nila, antes
de ficarem as duas também disponíveis
para clientes. Joanie mudou o valor no
quadro três vezes e a noite mal tinha
começado. Quanto mais o lugar enchia,
mais ela acreditava que poderíamos
cobrar mais caro pela participação no
show de sexo. E ela não estava errada.
Na terceira vez que aumentou em cinco
dólares o valor da entrada, três turistas
nas imediações de uma embriaguez
compraram seus ingressos para sexo
com uma das garotas sem sequer saber
exatamente do que se tratava a atração.
Queriam apenas garantir seus lugares
antes que o preço subisse demais.
Eu contei o caixa duas vezes, mas o
dinheiro não parava de entrar e eu logo
perdia a conta. Então percebi que era
melhor esperar a noite terminar. Virei as
duas doses de tequila que Tonya trouxe e
resolvi me divertir. Em determinado
momento, Ryker se afastou para atender
uma ligação de Lexa e eu me encontrei
dançando com Devon no meio da pista.
Só parei quando notei que suas mãos
estavam ousadas demais. Ele não tinha
superado a ideia de se vingar de Ryker e
eu não queria ter nada a ver com suas
ideias pervertidas.
Os cartazes pendurados por todos os
lados descreviam a festa que nós
tínhamos criado e o nome usado para
batizá-la: Sem Pudor. Duas palavras que
definiam perfeitamente o clima do lugar,
principalmente quando o DJ acalmou a
música e Joanie pegou o microfone para
perguntar quem queria sexo.
Pergunta completamente retórica
naquele ambiente. Tim e Devon tinham
espalhado potes com camisinhas por
todos os lados, grudaram notas em todas
elas que pediam aos amantes para
“usarem os banheiros” e eu apenas ri
deles por pensarem que todos os seres
humanos do planeta eram tão propensos
a sexo em qualquer lugar como eles. No
entanto, o ânimo da festa se adensou e
esquentou. Homens e mulheres sentiam
uns aos outros em mesas, cadeiras,
cantos do palco e contra a parede. Em
duplas ou grupos. A tensão sexual
começou a crescer e sufocar.
A boate do Lucky ia se transformar
em um clube de sexo bem rápido e os
potes de camisinhas de Tim e Devon
seriam postos a bom uso. Bem como os
pedidos de uso dos banheiros, que eu
começava a questionar se alguém
obedeceria.
Enfim, quando você oferece sexo ao
vivo em um palco para seus clientes,
não pode ser exatamente seletivo com o
nível de pudor que eles demonstrarem.
Se essa festa tivesse uma segunda
edição, precisaríamos colocar avisos
sobre DSTs em todas as paredes e
contratar uma equipe que fizesse uma
limpeza e esterilização digna de uma
sala de cirurgia após o evento.
Lucy subiu ao palco ainda
completamente vestida, dançando e
provocando os clientes que urravam aos
seus pés. Devon pulou da plateia para o
palco, tirando a camisa quase de
imediato e fazendo as mulheres gritarem
mais alto que os homens.
Eu comecei a hiperventilar ao encarar
seu abdômen dividido. Eu era
comprometida, sei disso. No entanto, o
aroma de sexo era tão forte que precisei
virar mais uma dose de qualquer coisa
só para manter minhas pernas retas. Não
ia ser saudável para mim assistir àquilo.
Menos ainda no meio do público.
Circulei o salão devagar até chegar
aos bastidores. Quando alcancei meu
esconderijo seguro, Devon já
posicionara as mãos na bunda de Lucy e
movia o rosto em busca do beijo que ela
lhe recusava. Girava, fingindo não
querer aceitá-lo e perguntava ao público
qual atitude tomar. Eles respondiam um
coro de “beija”, “se você não quiser, eu
quero”, “não beija ele, me beija” e até
um “fode logo” que considerei bastante
sincero. Devon se aproveitou da
proximidade de sua virilha com o
quadril da amiga e se perdeu em uma
esfregada cheia de lascívia. Quando o
beijo finalmente aconteceu e ela agarrou
seus ombros, esqueci que Lucy era gay e
o público, com certeza, sequer
suspeitou.
Existe um formigamento bem típico
que atinge sua intimidade quando você
começa a ficar excitada. Uma palpitação
discreta pelos músculos internos de sua
vagina que começa com um golpe rápido
e delicioso bem abaixo do seu umbigo,
causando o ímpeto de se contrair inteira
antes da sensação de formigamento se
desfazer e contaminar o corpo inteiro.
Uma cutucada abstrata em uma região
sensível, uma perdição de desejo que
começa sem que qualquer toque seja
necessário.
Devon estava agarrando Lucy e eu
estava ficando excitada como ela.
Ele estava sem camisa e claramente
ereto, mas eram as mãos dele que me
seduziam. As mesmas mãos ousadas que
eu tive a convicção para recusar há
pouco tempo agora espremiam a carne
farta dos peitos da loira à sua frente,
virando-a para alinhar bunda e ereção
em uma dança tântrica. Ele sussurrou
alguma coisa só para ela e eu me
arrepiei.
Não era necessário saber qual tinha
sido a frase. Os olhos fechados enquanto
as palavras eram pronunciadas
manifestavam uma ideia muito boa do
que elas deveriam significar.
Expressavam êxtase. Não importava
qual idioma ele tivesse utilizado ou
quais palavras concretizaram a
sensação. Eu podia não saber o que ele
tinha dito, mas eu sabia o que ele queria
dizer.
Os olhos dele se fecharam logo antes
do sussurro. Os dela, logo depois.
Ambos estavam unidos pela exposição
perante o público e, ao mesmo tempo,
pela manutenção de um segredo singelo.
Os corpos deles eram compartilhados
por todos nós.
O sussurro era só deles.
A mistura do permitido com o
proibido era embriagante, como um
perfume delicioso que invade todo o
ambiente e que permanece pairando no
ar muito após a fonte ter ido embora. A
imagem dos dois, despindo um ao outro
entre sorrisos públicos e palavras
secretas, permaneceria na minha mente
por dias.
Raspei minhas pernas, tentando pôr
fim ao prazer da minha carne ou saciar a
vontade da minha mente. Apertei os
lábios com os dentes e minha cintura
com os dedos.
Era estranho assisti-los.
Principalmente ali. Escondida.
Era como se a performance fosse para
o público e eu não tivesse autorização
para ver.
É para os clientes com dinheiro,
Bault. Não para você.
Mas ainda assim… lá estava eu. O
olhar hipnotizado pela cena além da
brecha das cortinas, assistindo a dois
amigos ficarem nus e suados. Devon
segurou o mamilo rígido de Lucy entre
os dentes e eu soube que os meus
próprios deveriam estar tão duros
quanto os dela. Tão desejosos por uma
saliva quanto os dela.
Estava esquecendo de respirar.
Me perdi na agradável tortura a que
Höfler submetia a outra mulher. Enfiei
minhas mãos pelos cabelos como se
fosse um pau que meus dedos
agarrassem. Não sei por qual motivo…
mas experimentei o sabor de um de meus
dedos enquanto a outra mão descia pela
minha barriga, explorando o caminho
entre minhas pernas.
Um puxão gostoso no meu clitóris…
Meus dedos tinham encontrado seu
próprio caminho me ajudando a
encontrar o mesmo prazer que os dois
amantes no palco. Meu dedo médio foi o
primeiro a se alongar pela minha
abertura, ainda por cima do vestido leve
e da calcinha fina. Assistindo aos meus
colegas se apalparem enquanto eu
mesma desfrutava de um segredo só meu
e um prazer que não poderia ser
compartilhado.
Olhei para baixo, contemplando o
decote que exibia parte dos meus seios e
minha mão enfiada entre as coxas, e fui
arrebatada pela familiar sensação de
vergonha. Mas foi apenas quando
levantei o rosto para descobrir que
Devon estava olhando diretamente para
mim que senti o prazer se transformar
em embaraço.
Estava certa de que ele iria rir. Não
agora… pois estava entretido demais
com sua masculinidade entre os dedos
experientes de Lucy. Mas depois…
depois, quando a festa acabasse e
estivéssemos contando o dinheiro e
espólios. Ele ia apontar, dizer que sabia
que eu estava me divertindo e iria rir.
Ele estaria certo. Eu ficaria vermelha.
Ryker ficaria irritado.
Tudo aquilo era errado por muitos
motivos diferentes.
Era o sexo de outras pessoas. Fechei
os olhos com força e me virei. Decidida
a encontrar água gelada para beber ou
tomar um banho. Desde que estivesse
gelada, qualquer alternativa iria servir.
Com o corpo inclinado, Ryker
apoiava o ombro contra a parede.
– Ah, não. Não pare – pediu, sem se
mover.
– Ai, meu Deus! – Levei a mão ao
peito, meu corpo inteiro vibrando da
tensão acumulada e dos disparos do
coração. – Como você consegue ser tão
silencioso?
– Não fui silencioso. – Lambeu os
lábios. – Você que estava entretida.
– Ryker, eu não… – Lancei um olhar
de soslaio para Devon além do vão da
cortina. Ele iria ficar chateado e eu não
poderia culpá-lo. Como me sentiria se o
pegasse se masturbando diante da nudez
de Skye?
– Não estava assistindo Lucy foder o
Devon? Então, você é a única.
– Se aproximou, macio. – Porque eu
não estava conseguindo tirar os olhos –
gemeu, morno, no meu ouvido.
Eu me inclinei contra seu corpo com
um gemido sofrido.
Seus dentes tocaram minha orelha.
– Estava pensando no dia em que te
comi nesse palco. – Seu hálito
esquentava minha pele, resfriada pela
ausência do sangue que parecia ter
descido inteiro para minha virilha. – E
pensando em inscrever nós dois para a
atração principal. – Riu. – O que acha?
Pagar algum dinheiro para foder alguém
da gangue?
Parei de respirar.
– Lucy? Nila? Tim? – sugeriu, a
língua dançando no meu pescoço. –
Quem você quisesse. Menos o Devon, é
claro.
– Quer dizer que gostaria de ver outro
homem comigo.
Ele inspirou profundamente.
– Vi como você ficou com o cara no
banheiro do clube no outro dia. –
Lembrei e ele ofegou, irritado.
– É… você tem razão. A gente podia
deixar um dos caras ajudar.
– Ou uma das meninas?
– Seria hipocrisia se eu dissesse que
não queria te ver com um dos caras, mas
não ligaria de assistir você com uma das
meninas?
– Seria.
– Então eu sou um hipócrita fodido.
Eu ri e ele chupou a pele na curva do
meu pescoço. As mãos imóveis,
fundidas ao meu quadril quando apoiou
o queixo no meu ombro.
– Continua? – pediu, manhoso. –
Continua pra eu te assistir?
Fechei os olhos, perdida em sua voz.
Eu não podia recusar. Até porque, antes
mesmo do seu pedido, minhas mãos já
estavam se enfiando por baixo do
vestido.
Ryker puxou o pano mais para cima,
dobrando-o na altura de minha cintura,
para poder acompanhar melhor a cena.
Eu me enfiei na minha calcinha e gemi.
Ele ecoou os sons do meu prazer, sem se
tocar, sem me tocar, mas completamente
envolvido pelos toques que eu oferecia
a mim mesma.
Para mim, ele sussurrou segredos,
elogios e promessas como os que Devon
deveria ter compartilhado com Lucy no
palco. Sempre com sua voz rouca de
tesão, sem ousar esfregar qualquer parte
do seu corpo no meu por receio de se
desfazer em um orgasmo rápido e
poderoso. E realmente não me
importavam as palavras manifestas.
Assim como as que Devon sussurrou no
ouvido da minha amiga: o importante é o
que Ryker queria expressar. O que ele
dizia era apenas simbólico. Desejo
sentido pelo meu corpo concretizado em
fonemas.
Tudo fazia parte da nossa dança: cada
beijo, cada toque, cada sussurro. Cada
movimento da minha mão sob minha
calcinha que Ryker, sem conseguir ver,
podia apenas imaginar. E pelos seus
gemidos, eu estava certa que ele
imaginava muito bem.
Sua mão cobriu a minha. Eu por baixo
da calcinha, ele por cima. Um
movimento sutil do seu quadril e ele
começou um movimento rítmico. Apenas
me acompanhando. Levemente. Qualquer
coisa a mais poderia levá-lo além e para
o fim. Seus dedos tremiam.
Seu sussurro ficou ainda mais rouco.
Mais pesado. Mais firme. Mais intenso.
Enfiei um dedo em mim e ele emitiu
um rosnado grave, impulsionando a
ereção contra minha bunda, enfiando a
mão livre por baixo do meu vestido para
agarrar minha coxa.
Eu também estava gemendo palavras
de desejo em resposta às suas carícias.
Mas não me importava quais fossem. Eu
estava implorando enquanto seus dentes
encontravam minha orelha mais uma vez.
Um pedido bastou para Ryker
explodir. Empurrou minha nuca, me
inclinando de quatro, me fazendo
precisar agarrar as cortinas para não
perder o equilíbrio. Bem devagar,
chutou um de meus pés, enfiando o
joelho entre minhas coxas. Eu obedeci
sentindo sua mão puxar minha calcinha
para baixo. Eu queria tanto que Ryker
me possuísse ali que por um segundo
insano minha mente chegou a processar
que, mesmo que minha bunda fosse o
alvo, não me importaria. A viscosidade
que escorria pelas minhas pernas deixou
claro para nós dois o quanto eu o queria
e o barulho de saliva depois de seu
toque cheio de tara me causou
arrepios… Ele estava sugando meu suco
dos dedos, como sempre fazia.
Fechei os olhos. Com as mãos nos
meus peitos, ele me controlava. Me
mantinha na altura, inclinação e
velocidade desejadas. A cabeça de seu
pau se chocou contra a parte errada das
linhas da minha boceta, pressionando
contra o clitóris, fora da entrada. Ele
girou o quadril, mas eu estava tão
encharcada que seu pênis deslizava de
um lado para o outro, passando direto
pela minha abertura, sem nunca penetrá-
la. Ryker precisou segurar sua base com
uma das mãos e pressionar a glande
contra minha vagina. Desfrutei de uma
pressão mais forte e comecei a engoli-
lo.
Centímetro por centímetro.
Ele fez questão de entrar bem
lentamente.
Ainda não estava todo dentro de mim
quando eu comecei a rebolar. Apertou as
bandas da minha bunda para melhor se
enfiar no meu calor. Um tapa leve
esquentou a pele fria. O estalo me
assustou, mas eu queria outro. Rebolei
mais rápido.
Seus dedos encontraram meu clitóris,
o outro polegar raspou no meu ânus por
um breve segundo, enquanto ele
apertava minhas bochechas, me tomando
de quatro. Puxando as cortinas com
força, sentindo o êxtase que se
aproximava. Ryk urrou mais alto,
aumentando a violência do impacto.
Minha boca entreaberta, sem conseguir
controlar a saliva, uma contradição
inexplicável se meus lábios ressecados
fossem levados em conta.
Dessa vez, Ryker gozou primeiro, mas
eu estava tão perto que a diferença foi
quase imperceptível. Permaneci
rebolando e me jogando contra os
resquícios de sua ereção ainda forte e
larga, à medida que seus dedos
estimulavam o ponto mais sensível do
meu corpo. Um aperto em um dos
mamilos, uma mordida no meu pescoço.
Gozei alto, agarrando as cortinas com
ainda mais força, sentindo-as se
abrirem, aumentando a brecha que nos
separava do público. Se alguém nos viu,
eu não saberia dizer.
Mas não me importava.
Nem um pouco.
Dezenas de milhares de euros.
Poucas dezenas de milhares de euros.

Tinha sido uma excelente noite para o


negócio do Luckas, mas não tinha sido
suficiente para resolver nossos
problemas. Talvez Hideki aceitasse
qualquer valor, como eu acreditava que
ele faria. Talvez não.
Strome ligou para a irmã como um
golpe de misericórdia, mas nem ela nem
o namorado tinham dois milhões
líquidos. A empresa de Delvak poderia
fazer um empréstimo… mas o chefe dele
tinha falecido e todos os bens da
empresa estavam congelados devido a
alguma cláusula do testamento.
Sven e Lexa iam voltar para
conversar com Hideki, mas eu duvidava
que fizesse qualquer diferença. Ou ele
aceitaria o dinheiro, ou não. A presença
dos dois não iria interferir em muita
coisa.
Para todos os efeitos, a noite acabou
se revelando melhor do que todos
imaginávamos e estava quase
amanhecendo quando os convidados se
foram e eu me fechei no escritório do
Luckas para tentar dormir algumas horas
antes de precisar lidar com a máfia
japonesa.
A presença de um movimento
desconhecido no escuro me fez puxar a
arma por instinto.
– Vamos fazer isso de novo? – ecoou
suave e quente.
Segurei a arma com firmeza.
– Me dê um bom motivo para não
atirar em você agora. E pode ser que eu
atire mesmo assim.
Lola sorriu na penumbra, balançando-
se na cadeira do outro lado da mesa.
– Vim pedir desculpas, como uma boa
garota, e você vai atirar em mim? O que
isso diria sobre você?
– Não estou preocupado com isso.
– Não… Está preocupado com isso
aqui. – Ela se levantou para me mostrar
a bolsa escura e comprida.
– É meu dinheiro? O que você
roubou? – Não ousei baixar a arma.
– É, e ainda te fiz um favor. – Sorriu.
– Eu troquei… Dá pra você apontar isso
para outro lugar? – resmungou. – Sei que
não vai atirar em mim, mas está me
incomodando.
Julguei sua expressão por alguns
instantes e apenas guardei a arma de
volta no coldre por um senso mórbido
de curiosidade. Poderia ser tudo um
golpe, mas eu queria saber para onde ela
ia com toda aquela conversa.
– Me traiu de novo.
– Ah, não seja assim, Gar! –
resmungou, arisca. – Você me jogou pra
cima dos policiais e fugiu!
– Policiais que você chamou para me
cercar.
Ela ficou em silêncio. Tinha aquele
sorriso curto e prepotente de quem sabe
coisas que não deveria saber e não tem
medo de contar.
– Acho que estamos quites, então?
– Nem perto – exclamei, ouvindo as
palavras autoritárias ecoarem nas
paredes.
– Nem se eu te der isso? – Colocou a
bolsa em cima da mesa. – Troquei as
notas para você. São sequenciais agora.
Minha boca se entortou em um sorriso
antes que eu pudesse impedi-la. Não
queria demonstrar minha satisfação a
Ox, no entanto meu reflexo foi quase
instantâneo.
– Vou poder rastrear o Hideki depois
que der esse dinheiro para ele.
– E se ele usar com qualquer coisa
ilegal, você consegue prendê-lo. –
Piscou um olho para mim. – De nada.
– Pensei que ele era seu amigo.
– Já me pagou bem por alguns
serviços. – Deu de ombros. – Me pagou
mal por outros. E você devia saber: eu
não tenho amigos.
– Não, não tem. – Acenei antes de ser
subitamente possuído por uma dúvida. –
Onde arranjou notas sequenciais assim
tão rápido?
– Quer mesmo saber? – Ergueu uma
sobrancelha.
– Não. – Gesticulei. – Estou bem,
obrigado.
– Com medo de um pouco de
ilegalidade? – Não resistiu à
provocação. – Achei que tinha superado
isso com sua carreira de fugitivo e tudo
o mais.
– Vá se foder.
Sentei no sofá, passando a mão pelos
cabelos. Lola sentou-se na borda da
mesa. Nós dois, no escuro, esperando.
Acho que nenhum de nós sabia
exatamente pelo quê. Mas, quanto mais o
silêncio se prolongava, mais eu sentia o
calor que se espalhava pelo meu
esôfago, um desconforto que tomava
conta do meu corpo sempre que ela
estava por perto.
– Por que voltou, Lola? – Eu estava
com raiva. Não era uma fúria cega, mas
uma raiva contida. Uma capacidade de
escolher o melhor momento para a
violência, mas ciente de que a violência
seria inevitável. Nós dois não éramos
feitos de materiais compatíveis e não
poderíamos ficar no mesmo ambiente
por muito tempo sem que algum desastre
acontecesse.
– Crise de consciência? – arriscou,
me fazendo rir alto. – Eu não queria ter
te passado para trás de novo.
– Se queria só trocar as notas, não
precisava ter me enganado. Eu teria
concordado com esse plano.
– Eu não ia trocar as notas, a
princípio. – Revirou os olhos. – Ia pegar
o dinheiro para mim e pronto.
– Acabou de dizer que não queria me
enganar – apontei a contradição. – Qual
dos dois, Lola? Queria me enganar ou
não?
– Eu não queria te enganar quando
decidimos tudo. Tinha dito a mim mesma
que ia deixar você ganhar dessa vez.
Mas… quando chegou a hora, eu…
– É da sua natureza – suspirei.
– Perdão?
– Não conhece a história da enchente
na floresta?
Ela espremeu o sorriso.
– O escorpião vai se afogar e pede
ajuda ao sapo para atravessar o rio –
contou, demonstrando que conhecia. – O
sapo se recusa porque tem certeza que o
escorpião vai lhe picar. O escorpião
promete e promete. Implora e implora.
O sapo acaba aceitando. – Gesticulou,
simbolizando a travessia do rio.
– E, assim que chegam do outro lado
e o escorpião está a salvo, ele pica o
sapo – concluí. – Enquanto morre
envenenado… – dramatizei. – O sapo
pergunta “Por quê? Por que você fez
isso?” E o escorpião simplesmente
responde…
– “Desculpe” – enunciou. – “Mas é da
minha natureza”.
– É da sua natureza – repeti. Ela
sorriu de um jeito que parecia quase
genuíno. Teria me enganado se eu não a
conhecesse tão bem. – Você é uma filha
da puta incapaz de compaixão ou
lealdade.
– Ele não está nos Calabouços, não é?
– ignorou.
– Não – repliquei, sem arrodeio.
– Vai me dizer onde ele está?
– Não.
Ela acenou como se esperasse aquele
tópico desde o começo.
Mas eu precisava saber…
– O que vai fazer com ele, Lola?
Quando o encontrar?
– Gosto que você diz quando e não se.
– Você é uma garota esperta. E ele
não está tão escondido assim –
provoquei. – Estou decepcionado que
não o tenha encontrado ainda.
– Seja razoável, Zahner. – Riu e veio
sentar-se ao meu lado. – Estou me
comportando.
Ela estava perto demais e, em breve,
meus impulsos violentos não estariam
mais sob controle. Levantei-me, por
nenhum motivo além de me afastar dela.
– O que vai fazer com ele, Lola?
Ela tocou o lábio inferior, ainda
perdida em pensamentos.
– Por que está protegendo um
estuprador, Gary? – seu sussurro foi
quase inaudível.
– Não estou protegendo um
estuprador, Lola. Só acontece que ele é
a última isca que me restou para te
atrair.
– Me entregue ele e eu te arranjo
outra isca.
– Não.
Ela estapeou os próprios joelhos.
Esperava conseguir aquela informação,
eu a estava frustrando. Era uma sensação
gostosa.
– Posso terminar o que comecei
naquele dia, sabia? Posso enfiar duas
balas na sua cabeça e uma lâmina afiada
no seu coração. – Ela precisou de dois
passos para ficar a centímetros de mim.
– Gostaria de ver você tentar.
– Eu me lembro de você ajoelhado e
submisso no chão da última vez que
tentou me enfrentar.
– Me pegou desprevenido. Não vai
acontecer de novo. – Eu sentia meu nariz
se retorcendo em uma careta irritada.
– Vai acontecer de novo. Quantas
vezes eu quiser. – Respirou no meu
rosto, me contaminando com seu hálito
delicioso, o que me fez travar os punhos
como força. Era uma tentativa de me
impossibilitar de agarrar seu pescoço e
espremê-lo.
– A única coisa que vai acontecer da
próxima vez vai ser você levando uma
surra.
– Rá!
– Uma que você já está merecendo há
muito tempo.
– Quer me espancar, Gar? – Inseriu
um calor inapropriado às palavras. – Fui
uma garota má?
– Cale a boca. – Segurei seu maxilar
com força. – Pare de jogar comigo, sua
criminosa. Não sou seu brinquedo.
– Não. Você é só o brinquedo do
governo que paga seu salário. – Segurou
meu pulso, cravando as unhas na minha
carne.
– Você não me conhece, vagabunda. –
Salivei, meu queixo tremia.
– Nem você me conhece, seu animal.
O segundo inteiro que nos encaramos
em silêncio pareceu uma hora.
– Quer transar comigo, Gareth? –
sussurrou e sua expressão mudou.
As palavras escorreram, pesando no
ar.
Posso ter gaguejado por um segundo,
mas consegui rebater: – Não vai me
convencer a informar a localização dele.
– Já entendi essa parte. Não é a isso
que estou me referindo. – Elevou um
ombro. – Estou dizendo que eu vou
embora agora. – Eu ainda tinha os dedos
nas suas bochechas, o queixo dela contra
o meu punho. – Não acho que vamos nos
encontrar de novo. Nunca mais. –
Acenou. – Não podemos continuar
cruzando o caminho um do outro.
– Por que não? – arrisquei, embora já
soubesse a resposta.
Lola levantou o rosto, senti seu hálito
morno quando respirou a centímetros de
mim.
– Naquele dia, na cabana – suspirou.
– Eu queria. E você também.
Engoli em seco. Se eu conseguisse
encontrar minha voz, eu negaria. Seria
mentira, mas eu não daria o gosto da
vitória a ela.
– Me arrependi depois que fomos
embora. – Doía ouvir aquela confissão.
Sempre imaginara que seria satisfatório
ouvi-la dizer palavras assim.
Principalmente porque, na minha
imaginação, eu sempre ria na cara dela e
a mandava se foder. Mas ali, ouvindo
cada palavra… não era o que eu queria
de verdade. Ódio era mais fácil. – Você
me detesta, Gar – constatou. – E eu te
detesto, também. – Travou a mandíbula.
– De um jeito que não dá nem pra
descrever. Você me irrita e complica
minha vida. Meu trabalho. Meus
clientes. – Minha garganta ressecara. –
Mas naquele dia… naquela cabana… eu
te quis. Então, estou te informando que
pode me detestar amanhã e todos os dias
em sequência. Estou contando que vou
fugir e que nunca mais pretendo te
encontrar de novo. Mas também estou
dizendo que, se quiser me foder, essa
noite é sua única chance.
Eu não tremia mais.
Nenhuma parte de mim.
O toque da minha mão no seu queixo
ficou mais suave. Não muito… Ainda
tinha algo violento nas minhas intenções.
Embora fosse um tipo diferente de
violência. Minha outra mão encontrou o
caminho pelos seus cabelos no mesmo
instante que sua boca tocou a minha.
Ela era saborosa como nada jamais
tinha sido.
Suas mãos agarraram meus ombros
com violência, cravando as unhas na
minha camisa até atingir a carne. Minha
consciência nublada, meus sentidos
acentuados. Cada raspão de sua pele me
fazia enlouquecer com o calor, o arrepio
que meu hálito lhe causava, as pálpebras
pesadas mantendo seus olhos fechados.
Um único gemido escapou pelos seus
lábios em um sinal de fraqueza que ela
nunca ousava demonstrar. Segurei seus
cabelos escuros, um nó em minhas mãos,
com força, erguendo seus lábios rumo à
minha boca.
Havia saliva. Havia língua. Mas, mais
que tudo, havia dentes. Eu a mordia,
destilando o ódio de anos e ela devolvia
como se quisesse provar um ponto: não
havia fúria contida por mim que ela não
pudesse imitar.
Nos odiamos e nos amamos em
carícias contínuas de calma desesperada
e furiosa lentidão. Suas mãos estavam
no meu pescoço enquanto eu a despia.
Não estava me sufocando, mas minha
respiração já ofegante estava ainda mais
prejudicada. Havia um animal dentro de
mim, uma besta enlouquecida, que eu
mal conseguia controlar. Então, eu me
livrei de suas roupas, seus seios
estavam expostos na penumbra e a besta
se libertou. Enfiei-os na boca, um de
cada vez e depois repeti a ação, urrando
em rouquidão. Sua bunda estava nas
minhas mãos. Pele em pelo, suscitando a
dúvida de se ela mesma teria tirado a
calcinha para me receber ou se a
calcinha nunca existira. Aquela dúvida
me assombraria pela eternidade. Cada
vez que a caçasse, ansioso por
apreendê-la, por encontrá-la, apenas
para vê-la diante de mim e entrar em
desespero, me perguntando se a ausência
de roupa íntima era um hábito
permanente para ela.
Não havia salvação com Lola.
Nunca houve.
Mordi seu pescoço e suas mãos se
moveram no sentido de minha ereção.
Sentia a vibração do seu coração sob a
pele, enquanto meu próprio sangue
pulsava, fervente, expandindo a parte de
mim que ela prendia nas mãos.
O calor irradiava. Dos seus dedos.
Do seu toque. Pelo meu pau ereto e
desesperado, subindo pela virilha e
explodindo em meu peito. Um desejo
quente que me obrigava a encontrar uma
nova definição para a palavra
“insuportável”, porque a que eu
carregava até então já não servia mais.
Suas mãos intensas contra meu tórax,
dispararam-me contra a parede. Agarrei
suas coxas, enlaçando-a à minha cintura.
Guiou minha rigidez para dentro de si,
gemendo alto enquanto eu a sentia ao
meu redor.
Quente.
Quente como o inferno que ela sempre
fazia questão de ser.
Não havia prazer com Lola.
Apenas danação.
Uma danação sublime e maravilhosa
que te faria se perder no submundo e
nunca mais encontrar o caminho de
volta.
Ela me desferiu um tapa. Primeiro no
braço, depois no rosto. Foi forte,
violento, delicioso. Eu queria que ela
me batesse mais, mas sabia que ela
jamais aceitaria uma ordem.
Belisquei sua bunda, enfiando meus
dedos fundo entre suas bochechas. Ela
agarrou meus ombros e rasgou minha
camisa. O corpo retorcido sobre mim,
arqueando os mamilos duros na direção
dos meus lábios.
Estapeei sua bunda e ela rebolou. Foi
apenas então que percebi. Estava ali,
brilhando mesmo no escuro, atraindo
toda a minha atenção apesar de todas as
suas curvas irresistíveis: um sorriso
deslumbrante que me causava arrepios
por dentro e por fora. Maligno e
rebelde. Um sorriso magnífico que me
desencadeou um rompante de beijá-la e
abraçá-la. Com força.
Eu estava me desfazendo. Era mais
Lola do que eu podia suportar. Quente e
úmida, rebolando ao meu redor. Sua
saliva na minha língua. Seu suor na
minha língua. Minha língua onde ela
quisesse.
– Me conta uma verdade – murmurei,
sem acreditar que estava realmente
proferindo as palavras. Seu olhar
esfriou sobre o meu. Questionando o
mesmo que eu: não era seguro.
Intimidade entre nós dois nunca seria
seguro. Contudo, ali estava ela: nos
meus braços. Me fazendo gemer e
implorar. E implorar era exatamente o
que eu faria. – Só uma – pedi.
Seu movimento se intensificou ainda
mais, seus olhos se fecharam em
antecipação ao orgasmo. Agarrei sua
cintura, me enterrando em seu corpo,
tentando memorizar cada detalhe do que
seria nossa primeira e última vez. O
orgasmo a levou. O orgasmo me levou.
Com os dois caídos ao sofá em busca
de paz na respiração um do outro,
tentávamos nos prender a um breve
momento de calmaria entre nossas
tempestades.
Sua testa suada pressionou-se contra a
minha. Ela não me fitou nos olhos.
– Eu gosto de lírios – confessou.
Não consegui ver seu sorriso, embora
tenha conseguido senti-lo.
O motivo de seu sorriso seria porque
me contava uma verdade? Ou porque me
contava uma mentira?
Eu nunca saberia. Com Lola, eu nunca
poderia saber.
Ainda assim, me deliciei em seu
sorriso.
Segurei seu queixo e a beijei. Foi
mais forte do que eu.
Mentirosa.
– Fica essa noite? – murmurei.
Ela se espremeu dentro do meu
abraço.
– Fico.

A boca.
Os seios.
O cabelo.
O sorriso.
O maldito sorriso.
Afastei o sonho com um misto de
pesar e frustração. Minhas pálpebras se
moveram, ainda pesadas, afastando o
que restava da noite, aceitando que era
hora de acordar e enfrentar o dia. Meu
braço estava caído… frouxo e solitário
sobre o espaço frio do sofá onde ela
estava antes de o sono me invadir.
Me conta uma verdade, Lola.
Meu pedido para ela na noite anterior
ainda se debatia sobre o ar. Uma
criatura afogada, buscando oxigênio.
Desespero sem esperança. Se afundando
no destino… A pobre criatura que nunca
tivera chance de sobreviver.
Me conta uma verdade. Só uma.
Eu ainda podia sentir seu lábio macio
sob a carne do meu polegar. Quis
mordê-la. Beijá-la. Mantê-la por perto
até conseguir obrigá-la a me conceder o
que eu queria.
Uma única e mísera verdade.
Eu gosto de lírios.
Simples.
Lírios.
Ela gostava de lírios.
Eu não acreditei.
Mais uma mentira.
Ou talvez fosse verdade. Por mais
simples que fosse, eu era simplesmente
incapaz de acreditar nela.
Fica essa noite?
Eu soube que iria me amaldiçoar por
esta súplica no momento em que a fiz.
Fico.
Prometeu.
Acordei sozinho no sofá frio.
Outra mentira.
Mais uma de… quantas?
Vesti a roupa, reparando no barulho
do lado de fora do escritório. Os outros
tinham acordado e já estavam ali. Era
hora de aceitar o dia.
Em cima da mesa, um pedaço de
papel rasgado trazia palavras
rascunhadas. Meu coração bateu mais
forte antes mesmo de ler a mensagem.
O desenho rascunhado de um
escorpião servia como assinatura, num
formato muito parecido com a tatuagem
que ela levava na nuca. Marcada pelo
seu dono, como gado.
As palavras eram poucas e
insatisfatórias.
Mas significam mais do que eu
esperava.
Não posso ficar, Gar. E não vou
pedir desculpas por isso.
Não é da minha natureza.
Nenhuma das duas coisas.
– Vamos agora?

– Não, imbecil. Aqueles caras ali


estão armados, não está vendo?
– Os japoneses? – Empurrou-me
contra a parede para enxergar.
Bloqueei seu movimento com o
cotovelo.
– É. Fique quieto, mudak! Idiota! Ou
eles vão te ver.
– Qual é o plano, Michkin? – Não me
virei para ver quem tinha perguntado.
– O plano é esperar os japoneses
armados irem embora e depois entrar
naquela boate e finalmente dar um jeito
naquele casal amaldiçoado.
– E se houver mais gente armada lá
dentro?
Estreitei os olhos, reconhecendo o
homem alto que entregou uma bolsa
escura para o japonês alinhado antes de
apertar sua mão.
O cara da Interpol.
– Não tem. Só um segurança.
– E se ele atirar?
– Ele é um. Nós somos cinco. Gosto
das nossas chances. – Cuspi, restos da
minha saliva amarga no chão.
– Vai matar todos? Ou vai levar algum
para o chefe?
– O chefe teve que ir embora. –
Expirei. – Vamos matar todos.
– Eu não entendo, Michkin… Se o
chefe foi embora, por que vamos fazer
isso?
– Não é óbvio? – Virei-me, irritado. –
Vingança.

Levei a mão ao interruptor e fui


barrado pelo punho firme que segurava
meu pulso.
– Não acenda a luz.
– Você está paranoico, Matvey.
– Paranoia é saudável hoje em dia,
Nicolai.
Deixei a mão cair e dei alguns passos
no escuro. Três mesas estreitas
ocupadas por computadores de tela
plana recém-adquiridos. Um deles ainda
tinha o plástico envolvendo o cabo.
– Comprou material novo? – Ri.
– A empresa andava bem. Achei que
seria interessante melhorar o material do
trabalho.
Minha gargalhada se confundiu com
uma tosse e um rosnado.
– Cuida muito bem das aparências,
Matvey.
– Esse lugar pode ser só uma fachada
para lavagem de dinheiro para todos
vocês, mas eu estava conseguindo lucrar
bem com isso.
– Ouvi dizer que o mercado não
estava bom para turistas. – Dei um
peteleco em um mapa-múndi repleto de
avisos de pacotes turísticos para
diferentes locais. Passei o dedo médio
pelo logo da agência.
O fim de uma era.
– Vai querer discutir pacotes de
viagem, Nicolai?
– Não. – Respirei fundo, esfregando
as têmporas. – O que você ouviu?
– A Yakuza chegou.
– Então é verdade?
– Você duvidava?
– Eu não chamaria de dúvida. –
Gesticulei. – Chamaria de “esperança”.
– Kulik perdeu quase tudo em uma
semana, Nicolai. Foi a Yakuza.
– E parece que não agiram sozinhos –
disse, mais para mim mesmo que para
Matvey.
– Do que está falando?
– Não importa mais. Michkin vai
cuidar disso agora. Nós precisamos
fechar tudo, nos livrar dos documentos e
ir embora. Vou para a Ucrânia amanhã
mesmo. Quanto eles ofereceram pelo
Kulik?
– Quase dois milhões de euros. –
Acenou.
– Vivo ou morto?
– Morto. – Engoliu em seco. – A
notícia já se espalhou. Eles não têm
utilidade para Kulik vivo.
– Se não fosse a lealdade à família,
hein? – brinquei, mas Matvey não sorriu.
– Relaxe! – Bati uma mão na outra. –
Yuri já está bem longe daqui a essa
altura.
– Não importa. É da Yakuza que
estamos falando, Nic. Acha que não vão
encontrá-lo?
– É isso que não importa, Matty. Yuri
está morto. Mesmo que fique vivo, está
morto. Temos que recuar e nos
reorganizar…
– Você acha mesmo que…
O barulho do tiro soou abafado.
Calibre baixo com um silenciador.
Foram três tiros. Vi a mancha escura de
sangue na camisa clara de Matvey antes
de notar que um dos tiros tinha atingido
sua cabeça. Mesmo com a penumbra, eu
podia ver sua camisa se encharcando do
líquido escuro e viscoso antes de ele
cair de joelhos no chão.
Mais três tiros soaram baixos. O
ardor atingiu meu peito devagar.
Não tive sequer chance de determinar
de onde tinham vindo os tiros.
Onze

Formas de acabar uma


história
– Como é que uma mulher linda e
safada como você ainda é virgem?
Olhos verdes e brincalhões procuravam
me tirar do sério.
– Ah! – comecei, dissimulada. – É
porque eu tenho mania de espremer
testículos.
– Humm? – fingiu interesse.
– É tipo um fetiche incontrolável. –
Arregalei os olhos e ele riu.
– Acho que eu suportaria isso, se
pudesse ficar com você.
– Não sei não, viu? – Bebi um gole de
cerveja direto da garrafa.
– O último cara que me disse isso,
ó… – gesticulei – ...caiu na cama
agarrado à virilha.
– Foi mesmo? – Roubou minha
cerveja.
– Ficou vermelho como um morango.
Enfiou a mão nos meus cabelos e me
beijou.
Não se afastou quando o beijo
acabou, em vez disso, ficou raspando o
sorriso no meu, colando nossas testas.
Ao nosso redor, a gangue inteira bebia,
falava alto, trocava as músicas… Uma
comemoração acolhedora e genuína.
– Acabou, Ryk?
– Acabou. – Um selinho suave. –
Zahner acabou de falar com Hideki. É
Kulik quem vai ter que fugir agora.
– E a gente?
– A gente espera um pouco. As
influências que Kulik tem na polícia vão
desaparecer assim que os pagamentos
pararem. As influências de Hideki vão
se conservar mais fortes e nós nos
entregamos para um policial da
confiança dele. Depois, prestamos
nossos testemunhos e livramos o Gary.
– Quer dizer que temos um tempinho
de férias, então? – Lambi meu sorriso,
descarada. – Acha que essa gente toda
vai nos dar uns dias a sós?
Ele olhou ao redor, infeliz.
– Esse bando de desocupados? De
jeito nenhum.
Ryker me abraçava de maneira
confortável. Uma maneira íntima de
casal que se conhece e está junto há
tempo demais para perder tempo com
trivialidades como ficar separados
quando tudo o que se quer são toques
intermináveis. Acariciava cada parte do
meu corpo que alcançava, mas não com
sua típica luxúria. Era apenas um
carinho sossegado.
Beijei sua bochecha.
– A gente dá um jeitinho.
– Hum! – concordou, durante o gole. –
Atrás daquelas cortinas ali. – Apontou a
boca da garrafa para o ponto atrás do
palco onde ele tinha me agarrado de
quatro.
– Ou um lugar novo – sugeri.
– A casa do Höfler?
– Ryker!
– Nada mais justo. Ele fica aqui
incomodando o tempo todo.
– Não é nossa casa, Ryk. É a boate do
Lucky.
– Quando tivermos nossa casa, vou te
comer na sala. Vou até deixar a porta
destrancada.
Meu sorriso se abriu, tão doce e
gostoso… Sua frase foi tão gentil que eu
até ignorei seus eternos impulsos
exibicionistas.
– Nossa casa? – Eu quis fingir
recriminação, mas era impossível parar
de sorrir.
– É. – Levantou um ombro, levemente
constrangido. – Um dia… quem sabe.
Então seus olhos encontraram os meus
e ele sorriu.
Doce e gostoso assim como eu.
Todo doce.
Todo gostoso.
Eu o beijei devagar. Lábios cheios e
macios se dobrando ao encontro dos
meus. Massageando minha língua entre
um desejo e uma mordida brincalhona.
– Estive pensando… – começou. –
Sobre o que conversamos e… minha
profissão.
– Hum? – Prendi meu lábio inferior
com os dentes para não arriscar que ele
tremesse.
– Vou levar um tempo para… –
Engoliu em seco. – Conseguir outra
coisa para fazer. Depois que isso tudo
acabar, vou precisar de um tempo para
me organizar e descobrir outra atividade
que eu saiba fazer.
– Mas vai querer exercer outra
atividade?
Desenhou meu rosto com indicador e
polegar, da sobrancelha ao queixo.
– Algo me deu a impressão que você
não ficaria comigo se eu continuasse no
mesmo ramo.
Ri baixinho.
– Não – exagerei. – O que te deu essa
impressão? – Segurei sua mão nas
minhas. – Só não quero te dividir com
ninguém – murmurei.
– Eu entendo. – Seu sorriso se
traduzia em uma afirmação que ele
sentia o mesmo por mim. – Mas clientes
não seriam uma divisão, Mina. É só meu
trabalho.
– Sei que isso é verdade. Mas de uma
forma prática e impessoal, Ryk. Eu não
acho que ia conseguir lidar com isso
muito bem.
Ele encarou o chão.
– O que foi?
– Não sei se você vai gostar.
– Não importa. – Eu estava
preocupada. – Me conta.
O que era agora? Algum outro
mafioso russo também tinha nos visto?
Ele achava que a Yakuza ia nos trair e
tentar nos matar? Algo pior?
– Acho que a gente vai precisar ficar
separado por um tempo.
Algo pior.
– Por quê? – Me afastei um pouco, e
ele não me prendeu pela cintura como
sempre fazia.
– Até eu me reorganizar, Mina… vou
precisar trabalhar com algo para me
sustentar. E não acho que você ia me
querer em Paris fazendo isso, ia?
O baque alto e abafado ressoou,
fazendo meu corpo tremer. Por um
instante, eu imaginei que a falta de
controle sobre meu próprio corpo tinha
sido causada pela descoberta de que
Ryker pretendia continuar a se prostituir
por um tempo e não pela descarga de
adrenalina.
A porta principal pendia em sofrida
inclinação, presa pelas poucas
dobradiças que tinham restado e os
homens invadiram a boate tão rápido
que não consegui sequer contar quantos
eram.
A lembrança do corpo ensanguentado
de Spider nas escadas me fez congelar.
Uma memória tão recente e ao mesmo
tempo tão distante em contraste com as
circunstâncias que se seguiram. Meu
coração explodia em desespero,
acelerado no meu peito.
Eu e Ryker éramos a primeira linha de
resistência diante da porta.
Se é que era possível se referir a nós
dois como qualquer tipo de resistência.
Lá no fundo da minha mente, eu tinha
conhecimento que Zahner estava armado
em algum lugar atrás de nós e quis me
abaixar para deixá-lo lidar com a
situação.
Mas o instinto tinha feito meu corpo
agir antes de qualquer decisão.
Ryker apertou minha mão.
Ele queria me proteger.
De novo.
Como sempre fazia.
Eu o amava.
Eu o amava independentemente de
suas intenções, profissões ou desejos.
E, mesmo que eu tivesse receio em
admitir aquilo, era verdade.
Eu o abracei, tomando sua frente,
impedindo que o mal inevitável
chegasse a ele. Ou que, se chegasse,
levasse a mim primeiro, porque eu não
ia conseguir encarar seus olhos frios e
vidrados como fiz com Spider.
Um único momento me fez descobrir
que a vontade de morrer a ter de viver
sem a outra pessoa não era um exagero
propagado por romances. Era realmente
uma coisa real. Uma verdade absoluta.
Se nós íamos morrer, eu preferia ir
primeiro.
Seus dedos, em pânico, se enfiaram
na minha cintura tentando tomar minha
frente, mas era tarde demais. Eu já
estava agarrada aos seus ombros,
protegendo-o com meu corpo, os olhos
fechados e o nariz enfiado na sua
camisa. Sentindo seu cheiro. Sentindo
seu coração bater tão veloz quanto o
meu.
Esperei o estalar de um tiro que não
veio. E, quando o grito grave ecoou pelo
ar, eu achei que era uma alucinação.
Minha mente desesperada substituiu o
pavor de antecipação a um tiro por um
som de esperança.
– Parados! Polícia!
O barulho atrás de mim se
intensificou, me despertando.
Os resquícios da adrenalina em meu
corpo me estremeciam de forma
descontrolada. Minhas pernas falharam
ao ver os policiais fardados renderem
os invasores e Ryker tentou me segurar.
– Mina!
Nós estávamos no chão.
Levei um tiro.
Foi isso que aconteceu.
– Mina, você está bem? – Ryker
passava as mãos pelas minhas costas em
desespero, verificando minha
integridade física. – Você está bem.
Precisei de alguns segundos para
compreender que ele não estava
perguntando.
Estava afirmando.
Eu estou bem.
– Estou bem – murmurei.
Ele levantou o rosto tentando entender
o que tinha acontecido, embora sem
sucesso.
Os invasores armados foram
algemados e retirados da boate enquanto
policiais de capacete e investigadores
de paletó e gravata entravam na boate.
Paramédicos os seguiram assim que a
polícia atestou a segurança do lugar.
Eu ainda estava atordoada. Não tinha
conseguido processar o perigo, quem
dirá a solução.
Nila e Lucy estavam de pé, abraçando
uma à outra em um dos cantos da boate.
Pareciam tão confusas quanto eu. Tim,
Devon, Luckas… Listei todos os meus
amigos de forma rápida e só consegui
me acalmar depois de me certificar de
que estavam todos de pé.
Zahner tinha sido rendido. Ele deve
ter puxado a arma durante o caos e, em
sua entrada, a polícia holandesa não
parece ter feito distinção.
– Soltem-no! Tirem essas algemas
imediatamente!
O homem que gritara tinha cabelos
grisalhos e usava um sobretudo bege
com barras enlameadas. A boca formava
uma linha rígida escondida pela barba
malfeita de fios prateados. Devia ter
mais de sessenta anos, se movia como
um homem sedentário e esquecido. Mas
sua voz portava a autoridade de um
oficial no auge da vida.
– Soltem-no agora! – ordenou e os
policiais obedeceram, livrando Zahner.
– Gareth Zahner?
– Sou eu – concordou.
– Onde estão os dois que estava
protegendo?
Eu não conseguia respirar ou
raciocinar. Assisti ao Zahner apontar
para nós dois como se fosse um filme.
Uma história que acontece com outras
pessoas.
O senhor autoritário seguiu a
indicação de Gary e acenou para nós
antes de se virar para um dos policiais.
– Deixe-a entrar. – Sorriu.
Minha testa estava enrugada pela mais
absoluta confusão mental. Eu queria
muito que alguém começasse a me
explicar o que estava acontecendo em
vez de só incluir mais mistério à receita.
– Mina… – Ryker suspirou, chamando
minha atenção para a pessoa que estava
barrada no que restava da porta da
boate.
O policial deu um passo para o lado e
deixou se aproximar de nós a mulher
mais linda e maravilhosa que eu já tinha
visto na vida.
Só percebi que tinha abandonado os
braços de Ryker quando me joguei nos
dela.
– Elise!
Ela me abraçou de volta entre
lágrimas e sorrisos. Meu coração
começou a se acalmar enquanto eu
recuperava o fôlego.
Tudo tinha sido rápido, insano e
incompreensível.
Mas minha melhor amiga estava ali.
Ia ficar tudo bem.
Paramédicos lançaram cobertores
sobre alguns de nós como faziam nos
filmes e eu não entendi qual o propósito
daquilo. Eu não estava com frio.
Lucy e Joanie gritaram com alguns
policiais que tinham interditado o bar e
conseguiram convencê-los a deixá-las
passar e pegar garrafas para todo
mundo.
Nos sentamos no chão. O beco nos
fundos da boate tinha sido fechado pela
polícia, mas estava menos lotado que o
salão principal. Devon e Nila emitiam
declarações a oficiais atentos, Luckas
acompanhava de perto a inspeção de seu
prédio e Zahner tinha desaparecido para
algum lugar com o homem que o
libertara.
– Como você chegou aqui? – Eu não
conseguia parar de apertar Elise e era
recíproco.
– O inspetor Alfoit.
Eu conhecia aquele nome…
– É um amigo antigo dos meus pais,
não se lembra?
Era verdade… Procurei por ele nos
arredores, tentando inspecionar seu
rosto com mais cuidado, mas ele não
estava por perto.
– Aquele senhor é o inspetor Alfoit?
– Ele mesmo. Ele é tipo uma lenda
pra Interpol. – Riu. – Conhece muita
gente.
– Mas como… Como você soube que
poderia nos encontrar aqui? E… por que
falou com ele? Ele acreditou em você?
Nós estávamos fugindo! – constatei,
acelerada. – Você deveria ter ficado
longe, Elise, não era seguro! Ficou
louca? – Outro pensamento me ocorreu
de repente. – Eu perdi meu emprego
novo, não foi? Me demitiram?
Ela me abraçou com força.
– Estava com saudades de você, sua
desesperada.
Eu também estava com saudades dela
e a abracei de volta. Mas abanei a
cabeça pedindo respostas.
– Você está me ofendendo, Bault. –
Revirou os olhos. – Acha que sou burra?
– Não, claro que não! Eu só…
– Te conheço desde que erámos
pirralhas que fingiam ser adultas. – Deu
um peteleco irritado no meu nariz. –
Achou mesmo que eu ia acreditar que
você teve algum colapso nervoso e
desapareceu com um gigolô?
Eu sorri, desconcertada.
– Não – murmurei.
– Sabia que tinha acontecido alguma
coisa. – Deu de ombros. –
Principalmente porque você deixou uma
mensagem na minha secretária eletrônica
antes de desaparecer pela primeira vez.
Minhas sobrancelhas se uniram em
questionamento.
– Não se lembra? – indignou-se.
– Da delegacia! – Estapeei minha
própria testa. – Eu liguei para você!
Mas você ainda estava no hotel!
– É! – Balançou a cabeça, me
ridicularizando.
– Esqueci! Acho que tanta coisa
aconteceu depois disso que…
– É, mas eu não esqueci! Me deixou
desesperada, Bault! – Ela também deu
um tapa na minha testa. – Falando sobre
como alguém morreu e sobre o
estacionamento do hotel. Não saiu nada
no jornal, mas voltei lá e tinha uma parte
do estacionamento interditada pela
polícia. As pessoas da recepção não
davam qualquer resposta direta e eu
soube que havia algo errado. E
explodiram seu apartamento! –
exclamou, revivendo um pânico que
certamente deve ter sentido. – Disseram
que foi escapamento de gás, mas não sou
idiota. Tentei falar com a polícia, mas
ninguém me ouvia. Só o inspetor Alfoit.
– Alisou os cabelos, respirando fundo. –
Aí, ele me mandou falar com um cara da
Interpol que trabalhava com máfias.
– O Gary! Foi você que mandou ele
atrás da gente! – lembrei.
– Ele foi o único que me escutou de
verdade. Aí desapareceu e pouco tempo
depois reapareceu afirmando que tudo
não passara de um mal-entendido e que
você fugiu com o gigolô. Aparentemente,
ele, assim como você, achou que eu era
idiota – recriminou.
– Eu só queria te proteger, Elise.
– Eu sei. – Beijou minha bochecha. –
É por isso que nunca perguntei nada.
Durante nossa vida toda, era sempre eu
quem nos metia em encrencas e você
quem nos tirava. Então, imaginei que se
estava mentindo deveria ter um ótimo
motivo e me limitei a confiar em você.
– Eu te amo, sabe disso?
– Sei, sua maluca. Também te amo.
Fiquei preocupada com você.
– Achei que estava preocupada por
causa do meu colapso nervoso e da fuga.
– Ri, lembrando. – Achei que estava
estressada imaginando que eu poderia
surtar de novo.
– Estava desesperada porque você
estava envolvida em um caso de
assassinatos e máfias! Foi por isso que
insisti que ficasse lá em casa. Você não
queria me contar, mas isso não me
impedia de tomar uma atitude.
– Você é a melhor amiga do planeta.
– Eu sei. Você me compra um presente
caro quando conseguir um emprego
novo.
– Combinado.
– Quando cheguei em casa e vi o
apartamento destruído, tive certeza que
ia te achar morta. Quase morro junto,
Mina!
– Sinto muito! Eu queria ter deixado
alguma mensagem.
– Mas não podia, eu sei. Quando vi a
história nos jornais e soube que você
tinha sido sequestrada pelo diarista e
pelo agente da Interpol, fui direto falar
com Alfoit e ele ligou os pontos.
– Foi assim que nos achou aqui?
– O Matt. – Sorriu, piscando um olho
para mim ao fazer referência ao garoto
de programa de quem era cliente regular.
– Ele é amigo do garoto de programa
que ficou com você. O de verdade. –
Revirou os olhos. – Não aquele modelo
que você colocou nas fotos.
Eu limpei a garganta, rindo de sua
dedução e apontei para Devon do outro
lado do beco.
O queixo de Elise caiu copiosamente.
– Você conhece ele de verdade? –
Deu três tapas com força no meu braço
para expressar sua descrença. – Me
apresenta! Ele trabalha com isso? –
sussurrou, sugestiva.
Segurei a gargalhada enquanto Elise
me beliscava.
– Matt me disse que eu podia tentar
encontrar vocês aqui.
– Você é um gênio.
– Eu sei. De nada.
Ryker se aproximou devagar, trazendo
duas garrafas de cerveja.
– Comemorar? – arriscou. Aceitei
uma e Elise aceitou a outra, analisando-
o de cima a baixo.
– Vai me apresentar? – resmungou. –
Ou vai manter a história de que o homem
seminu era um diarista?
– Você sabia que ele estava seminu?
– Bault, acha mesmo que sou idiota? –
reclamou alto e Ryker acenou em
concordância.
– Te disse que ela tinha percebido.
– Eu não sabia o que dizer!
– Ela não pensa bem sob estresse –
Elise explicou.
– E fala as besteiras mais engraçadas
da história! – Ryker completou.
– Uma vez, na faculdade, faltei em
uma prova porque estava de ressaca e
Mina tentou me livrar de um zero
querendo convencer o professor que eu
tinha desenvolvido estresse pós-
traumático temporário depois de pular
de bungee jump no fim de semana.
– Ela levou o amigo jornalista pra sua
casa e me encontrou esperando por ela
no quarto. Aí, impediu que o amigo
desse de cara comigo dizendo que
precisava se masturbar e pedindo pra
ele esperar na sala.
Elise ponderou por alguns segundos
encarando o vazio, enquanto eu mantinha
uma expressão emburrada, ansiosa para
que um dos dois notasse que eu não
estava gostando da brincadeira.
– Tá – ela decidiu. – Sua história
ganha. Não dava pra ter apresentado ele
pro jornalista como um amigo? – Virou-
se para mim.
– Eu estava seminu na hora –
explicou.
– Nossa, garoto. Você fica seminu o
tempo todo, hein?
– Eu fico bem seminu. – Riu, galante.
– Não faça gracinhas comigo, rapaz. –
Elise levantou o indicador e Ryker se
encolheu diante da minha amiga brava. –
Peguete da Mina pra mim é mulher.
– Respeito isso. E pode chamar de
namorado.
– Não, não posso. – Estirou a língua.
– Ainda não decidi se aprovo você. Só é
namorado se for aprovado. Não
explicou pra ele como funciona, Bault?
Sorvi três goles da cerveja ignorando
os dois.
– Salvei a vida dela umas duas vezes
– contou, erguendo o indicador. –
Convenci o Zahner a levá-la de volta
pra casa e elaborei um plano para que
ela ficasse a salvo com você. Voltei
quando descobri que ela estava em
perigo e ainda ajudei a tirar a gente da
confusão com a máfia de uma vez por
todas.
Elise estreitou os olhos em uma
minuciosa análise dos fatos.
– Foi você quem tirou a virgindade
dela, não foi? – falou, mansa, ignorando
todo o resto. – O cara que ela diz que
estragou sexo pra ela com qualquer
outro homem? O fofinho que espalhou as
flores?
Ryker abriu e fechou a boca em uma
típica demonstração de peixe indignado
diante do elogio “fofinho”. Por fim, se
resignou.
– Sou eu mesmo.
– Tudo bem. – Elise sorriu, dando um
tapinha no seu ombro. – Gosto de você.
– Estou aprovado?
– A quem estamos enganando? – Ela
riu. – Depois de compartilhar a história
da Mina dizendo que ia se masturbar
para fugir do ex, quem seria capaz de te
reprovar?
– Eu diria que posso explicar, mas
algo me diz que o senhor já está ciente
de tudo o que aconteceu – sugeri.
– Sim – o Inspetor Alfoit concordou
sem hesitar. – O político tcheco está
envolvido de algum modo nesta história,
não é? A testemunha que você estava
protegendo estava envolvida em
denúncias contra ele também.
– Sim. A testemunha é o filho dele e
estou certo de que vai continuar
cooperando.
– Ótimo. Fez um bom trabalho. –
Mergulhou a mão em um bolso largo na
lateral do casaco e devolveu meu
distintivo e minha arma. – Notei que
você tem duas. – Indicou a que eu tinha
usado durante a invasão da boate.
– Quer me dizer que o senhor não
tinha?
– Tinha umas três. – Acenou e eu ri.
Era uma honra estar na companhia
daquele homem.
– Já está tudo resolvido com a
Interpol. Tive que gritar com alguns
homens que se acham grandes até eles
perceberem que são pequenos.
– Acho que devo uma ao senhor.
– Acho que deve algumas – brincou,
me fazendo sorrir.
– Algumas, então. Notícias do Kulik?
– Ele foi apreendido na tentativa de
sair da Europa em um barco.
Temos provas suficientes para uma
condenação bem longa, então ele fez um
acordo conosco. Vai entregar fontes da
família russa em outros locais em troca
de uma sentença mais branda.
A informação me fez rir.
– Falei algo engraçado?
– Engraçado, não. Irônico.
– Irônico?
– É… – Cocei o queixo. –
Considerando a maneira como chegamos
aqui, é no mínimo irônico que Kulik vá
passar o resto da vida no programa de
proteção a testemunhas.
– Ah, sim – compreendeu. – Irônico.
– O que mais? – Expirei. – Será que
vou ser responsável por ele? – continuei
me divertindo.
– Não sei. O que acharia de voltar ao
trabalho em campo?
Notícias boas podem nos fazer pular,
gritar, nos exaltar. Mas algumas notícias
verdadeiramente boas nos fazem
murchar. Como se todas as nossas forças
fossem economizadas naquele segundo
antes da confirmação, de modo a
extravasar em uma comemoração
posterior.
– Trabalho em campo, senhor?
– Acho que já passou tempo demais
em funções burocráticas e em proteção
de testemunhas, Zahner. O que acha de
retomar sua antiga posição?
– Contraespionagem?
– Uhum – confirmou. – O que acha?
– É… – Eu sabia as palavras, mas
não conseguia encontrá-las. – É tudo o
que eu queria, senhor. – Suspirei.
– Ótimo. Acho que podemos dar um
jeito. Um de seus antigos casos veio à
tona. Acho que não vou ter problemas
em convencer seus superiores de que
você seria o melhor candidato para o
trabalho.
– Qual caso, senhor?
Ele respirou fundo.
– A rede de espionagem dos
Escorpiões. Encontramos o símbolo
deles em uma cena do crime aqui em
Amsterdã. Coincidência, hein? Que o
lugar onde você escolheu para se
esconder foi justamente o lugar no qual
um dos assassinos dos Escorpiões
resolveu aparecer.
Engoli em seco.
Ela não faria isso…
– Como foi essa cena do crime? –
perguntei com cuidado, como um
operador aproximando-se de uma bomba
armada.
– Uma agência de turismo aqui em
Amsterdã, há pouco tempo. Recebemos
uma ligação anônima sobre atividade
suspeita lá dentro, a polícia chegou e
encontrou as portas abertas e
escancaradas. Dois corpos lá dentro.
Assassinato profissional. Dois tiros no
peito, um na cabeça.
– Dois corpos e uma ligação
anônima? – Eu tive que rir.
Filha da puta…
– É. Quer ouvir o mais curioso? Eram
dois homens do Kulik.
Como ele tem caído nos últimos dias,
a polícia achou que ele tinha ordenado o
assassinato de dois de seus
comandantes, para mantê-los em
silêncio. A teoria é boa: o lugar estava
todo revirado, muitos documentos
desapareceram. Mas um ou outro foi
deixado para trás.
– E foram suficientes para descobrir
que o lugar era uma fachada para
lavagem de dinheiro?
– Muito fácil, não acha?
– Muito – concordei.
– Também deixaram um papel
amassado para trás. Um escorpião
rascunhado. O modus operandi da sua
velha conhecida rede de espionagem.
– O senhor disse que estava tudo
revirado. Acharam o papel amassado no
meio do caos? Não poderia ser algo
antigo que um dos homens de Kulik tinha
guardado?
– Foi o que eu imaginei, no entanto,
os oficiais que chegaram primeiro
informaram que a folha chamava atenção
no ambiente. Parecia um recado deixado
de propósito.
– Chamava atenção?
– Foi colocado em cima da única
mesa que não tinha sido revirada. Com
uma flor em cima.
Uma flor…
Eu ri, balançando a cabeça.
– Deixa eu adivinhar… Um lírio?
Nem precisei ouvir sua confirmação.
O rádio de pilhas ligado em uma
estação qualquer tocava uma música
doce e preguiçosa. Cortei um pedaço do
queijo que meu namorado guloso comeu
da minha mão antes que eu pudesse
impedir. A toalha aberta no chão da
estufa de Bessie, comidas e bebidas
espalhadas em nosso piquenique
improvisado.
– De volta ao lugar onde tudo
começou, hein? – Alisei seus cabelos
quando ele se reclinou, apoiando a
cabeça no meu colo.
– Não começamos aqui! Começamos
no hotel lá em Paris.
– Não de verdade… – defendi. – Foi
aqui que eu e você começamos mesmo.
– Está querendo fingir que a noite no
hotel nunca existiu, é? – Estreitou os
olhos e eu soube que ele ia me provocar.
– Querendo apagar da minha mente que
a insaciável da Mina Bault agarrou o
pobre servente do hotel na mesma noite
em que contratou um garoto de
programa?
– Foi um mal-entendido! – Plantei um
tapa na sua testa.
– E aqui vou eu: apanhando de novo.
Você é a safada e eu apanho. Sempre
assim.
– Achei que ele era você.
– Você achou que era eu? – Levantou-
se. Havia tanta felicidade na sua
expressão que, apesar de irritada,
precisei rir. – Calma, calma, calma. –
Abanou as mãos. – Nunca tinha me
contado essa parte. Você beijou o
garçom porque achou que ele fosse o
gigolô que você tinha contratado?
– É.
Eu não estava entendendo a graça.
Mas Ryker, com certeza, estava. Porque
se curvou agarrado ao estômago em uma
tentativa fútil de controlar a gargalhada.
– Então você abre a porta pra um cara
e o agarra sem nem perguntar quem é? –
Limpou as lágrimas que se formavam
nos olhos. – E aí o gigolô de verdade…
Eu… – apontou para si mesmo com
orgulho – ...chega e você oferece a mão
para ele apertar, cruza os braços e fica
com aquela cara de entrevistadora?
– Fiquei constrangida.
– Você é muito engraçada quando fica
constrangida! Posso contar essa história
pra Elise também? Vou ficar dois pontos
na frente dela.
– Você e a Elise podem é parar de
fofocar sobre minha vida.
– Não dá.Você não deixa! Não para
de dar munição. – Ele estava rindo de
novo.
Puxei seu rosto para mim com força.
Mordi seu lábio inferior e o beijei.
– Cala a boca – sussurrei.
– Sim, senhora. – Abriu a boca para
me sugar, me impelindo a fechar os
olhos e me entregar. Perdida nele. – Viu
como é fácil me fazer calar a boca? –
murmurou. – Não precisa gritar, nem me
bater. – Alternava palavras com beijos.
– Bem mais fácil e eficiente.
– Ryker, cala a boca.
– Uhum. – Seu toque ficou mais
intenso, ele me puxou para o seu colo,
me engolindo devagar.
O modo como cobriu meu corpo com
o dele foi suave, despindo minha pele
com ternura. Roupas saíram do caminho
aos poucos, de um modo descansado e
inevitável. Ambos sabíamos para onde
estávamos indo, como da outra vez. Mas
agora caminhávamos com mais
confiança.
Segura de que ele me amava.
Segura de que eu o amava.
Demorou-se em beijos nos meus seios
e ria sobre meus mamilos quando fiquei
arrepiada. Acariciei seu cabelo,
assistindo aos arranhões de seus dentes
na minha pele e me permitindo rir com
ele. Raspando as unhas na sua carne,
impulsionando-o pelo caminho que eu
queria, apenas para alisá-lo logo depois
sobre as linhas vermelhas que se
formavam em sua pele.
Uma tarde longa e dócil. Sem
preocupações.
Elise me esperava no hotel para irmos
embora, mas isso seria mais tarde.
Agora, éramos só nós dois. Mais
nada.
Dedilhei seus cabelos e massageei
sua nuca. Com a boca na minha, ele
retribuía a massagem, porém em minha
língua.
– Você me ama. – Riu, safado. Sua
nudez, como a minha, era completa.
Sentindo o ar frio resfriando nossos
corpos especialmente quentes. Minha
pele vibrava sob a batida conjunta de
nossos corações, separados por poucas
dezenas de centímetros. Um enlace de
pernas e ele estava tão perto de me
penetrar quanto poderia ficar sem
efetivamente me possuir.
– E você me ama – devolvi.
Pensei que ele ia me lamber. Ou
morder. Ou me oferecer seu sorriso
safado e umas palavras ousadas.
No entanto, em vez disso, ele apenas
se manteve sério. Ele apenas acariciou
meu rosto com um toque tranquilo e
gentil. E me beijou.
Daquele jeito maravilhoso que te faz
fechar os olhos antes mesmo de as bocas
se tocarem porque você sabe exatamente
como vai ser intenso.
Sua ereção se comprimiu timidamente
no meu espaço apertado. Me tomando
sem pressa enquanto seu beijo me
envolvia mais que a fusão de nossas
virilhas. Agarrei seu pescoço com um
ardor doentio de necessidade. Não
queria que ele se afastasse agora.
Não queria que ele se afastasse nunca.
– Não vá embora – pedi.
Ryker beijou minha boca entendendo
além do meu pedido.
– Poucas semanas, amor – suspirou,
ondulando o corpo sobre o meu.
Alternando a dor que eu sentia pela
separação iminente com o prazer que se
concentrava cada vez mais voluptuoso
abaixo do meu umbigo.
Ele respirava contra minha boca, me
entregando seu hálito e saliva, me
encarando enquanto eu transpunha meus
limites para descobrir que êxtase pleno
não era uma mera expressão.
Êxtase pleno era o que acontecia
quando Ryker me beijava. Quando me
tomava daquele jeito. Quando me
chamava de sua. Quando me fazia
promessas. Quando me tocava.
Ryker era meu êxtase. E ele era pleno.
Pleno como o que se construía dentro
de mim.
Aquele prazer que começa modesto
até se mostrar arrebatador além de
qualquer nível de suportabilidade. Que
me fazia estourar em gemidos loucos,
mordidas de lábios que não conseguiam
me calar. Explodi ali: devagar,
espiralando fora de controle, sentindo
meu corpo inteiro se abstrair em
plenitude.
Olhei nos olhos dele. Recuperava
meu fôlego enquanto ele perdia o dele.
Sobre mim e em mim. Apertando nossos
lábios não em um beijo, mas em uma
súplica. Um desejo que não podia ser
contido, reproduzindo o meu.
– Quantas? – gemi, quando ele caiu ao
meu lado. – Quantas semanas?
– Poucas – repetiu, também ele
ofegando.
Ryker tomou minha mão e a beijou
antes de agarrá-la em um abraço contra
seu peito. As nuvens nos observavam
através dos vidros translúcidos da
estufa. Separando-se de nós por uma
cortina de plantas e flores.
Eu ainda sentia o gosto dele na minha
boca.
– Me prometa uma coisa.
Ryker se virou de lado, me puxando
de encontro ao seu peito.
– Não beije outra mulher – pedi.
Ele enfiou os dedos pelos meus
cabelos, acariciando minha face com o
polegar.
– Mina, eu provavelmente vou ficar
só com strip.
– Tudo bem. Mas prometa ainda
assim.
– Prometo. – Apoiou-se no cotovelo
para segurar meu rosto, contemplando o
fundo dos meus olhos. – Não vou beijar
mais ninguém.
Balancei a cabeça devagar.
Era péssimo.
Era pior do que péssimo.
Talvez fosse muito pior do que
péssimo.
Mas eu o amava e há pouco tempo
atrás estava disposta até mesmo a levar
uma bala por ele.
Que tipo de insanidade era aquela em
que eu preferia morrer em seu lugar do
que aceitar um breve momento de
separação no qual ele, talvez, transasse
com outras mulheres?
No entanto era isso… Eu realmente
preferia morrer a imaginá-lo com outra
mulher.
Não é sua escolha. É escolha dele.
A sua escolha é apenas decidir se
quer ficar com ele ainda assim ou não.
– Não precisa se prostituir –
murmurei.
– Eu preciso descobrir minhas
alternativas, Mina. E preciso fazer isso
sozinho.
– Só por orgulho? – falei, baixinho,
para que ele não confundisse minha
preocupação com raiva.
– Independência é importante pra
mim. – Beijou minha bochecha,
levemente. – Pode entender isso? Por
mim?
– Vai fazer strips aqui no Lucky’s até
arranjar outra coisa?
– É o plano.
– E não vai se prostituir.
– É o plano.
– E se algo for contra o plano? –
choraminguei.
– Mina, o que você quer que eu diga?
– Quero que diga que vem para Paris
comigo – admiti. – Quero que diga que
não vai mais se prostituir. Quero que
diga que a gente não precisa ficar
separado.
Esperei sua resposta, no entanto ele
apenas ficou em silêncio. Me
observando, sem saber o que responder.
Enfim, sua falta de palavras disse mais
do que qualquer palavra poderia ter
dito.
– Ninguém morreu! Veja só como tudo
deu certo!
– Bem-vindo de volta, Sven. –
Abracei meu amigo antes de beijar a
bochecha da minha irmã. – Como foram
as coisas com o seu chefe? – Bem… –
Ele enfiou as mãos nos bolsos e encarou
o chão com uma dor resignada. – Acho
que alguém morreu, afinal – murmurou
muito baixo.
– O funeral foi… Ele tinha filhos? –
mudei a pergunta, coçando a cabeça.
– História muito longa, moleque.
Outro dia eu te conto. E por aqui tudo
acabou bem? Interpol voltou para a
Interpol? Hideki ajudou vocês?
– Sim, sim! Tudo fantástico, seu plano
foi incrível – agradeci.
– Ryker! – Lexa me recriminou. – Não
massageie o ego dele mais do que o
necessário, por favor. Não é você que
vai ter que conviver com ele depois.
– Perdão – me rendi, rindo.
– E onde está Mina? – ela quis saber.
– Voltou para Paris. – Engoli em seco.
Mina…
– E você? – Lexa piscou seus grandes
olhos claros, me julgando. – Quando
vai?
– Não sei ainda. – Ergui um ombro. –
Tenho umas coisas para fazer aqui.
– Tipo o quê?
– Lexa! Tipo arranjar um emprego
antes de ir embora para Paris.
– Já foi embora para Paris outras
vezes sem emprego definido.
– Para me prostituir! Não vou me
prostituir na cidade onde ela mora.
– Posso te ajudar a conseguir outro
emprego – disse com simplicidade.
– Quero fazer isso sozinho.
– Por quê?
– Porque eu quero.
– Ryker…
– Lexa! Será que pode me deixar
cuidar da minha vida sozinho?
– Sim! Porque você faz isso tão bem!
Não é mesmo? Precisa de ajuda, Ry,
mesmo que não queira admitir.
– Não preciso. Sei me virar. –
Esfreguei meus olhos, sentindo-os arder.
Lexa conseguia me tirar do sério.
– Não há nada de errado em precisar
de ajuda, Ry!
– Eu sei. Obrigado. – Segurei seus
ombros, tentando assegurá-la de algo
que eu sequer tinha certeza. – Me dá
licença um instante?
Lucy e Joanie se aproximaram para
cumprimentar os recém-chegados. Sven
sorriu, parabenizando nossos esforços
com a festa e oferecendo para as garotas
o que parecia ser uma proposta de
emprego. Ou um curso de algum tipo.
Fechei-me no escritório, largando
meu corpo cansado sobre o sofá.
Mina…
Nós nos falávamos o tempo inteiro.
Pelo menos nos primeiros dias…
Depois, ela ficou ocupada com
algumas coisas do trabalho. Parecia que
nossa sincronia tinha acabado: eu
sempre ligava quando ela não podia
atender e ela devolvia a gentileza. Há
três dias nos falávamos apenas por
mensagens de texto e recados deixados
na caixa postal.
Ela parecia bem.
Parecia feliz.
Não parecia sentir minha falta.
Estava ocupada demais recolocando a
vida nos eixos para sentir minha falta.
O jornalista estava de volta. “Apenas
para uma matéria”, ela assegurara.
Claro… todos os jornalistas do planeta
queriam a nossa história. Tinha sido
apenas uma cortesia dela cedê-la ao
cara a quem ela tinha oferecido um pé na
bunda.
A mim, restava ficar cozinhando em
ciúmes. Esperando que a entrevista
fosse desagradável e desconfortável e
que a presença dele a deixasse
constrangida.
Ou pelo menos seria essa a minha
expectativa se não soubesse que Mina
fica ainda mais linda e safada
exatamente quando está constrangida.
Olhei meu celular mais uma vez.
Eu queria fazer aquilo sozinho.
Eu sabia que todos iriam me apoiar se
eu apenas falasse, mas queria… queria
muito merecer.
Não queria conseguir por causa da
minha irmã, por causa do meu amigo,
por causa da minha namorada.
Não queria nem mesmo conseguir
porque eu era o “cara do escândalo com
a máfia russa e o pai corrupto”.
Foi por isso que enviei o manuscrito
para o meu amigo, Nick, com um
pseudônimo. Nicholas se prostituía
assim como eu. Mas, ao contrário da
minha atual situação, ele não tinha
qualquer intenção de abandonar a
carreira. Uma de suas clientes
trabalhava para uma grande editora e…
Não faria mal, não é?
Enviar o meu manuscrito mais
razoável: a breve história da minha
própria vida. Os desfortúnios com
minha família, minha interminável fuga,
alguns elementos picantes da
profissão… e Mina. Mais sobre Mina
do que qualquer outra coisa.
Arranjei um pseudônimo para ela
também, ou eu correria o risco de
apanhar de novo.
Deter-me naquele pensamento me fez
sorrir. Fiquei sentado, encarando meus
pés, me divertindo com meu próprio
sorriso silencioso e a imagem da reação
de Mina se descobrisse que eu estava
tentando ser um escritor.
– Estou entrando – avisou, antes de
fechar a porta atrás de si.
– Sven, eu já estava saindo. – Engoli
em seco, afastando as divagações. – Só
precisava de um segundo.
– Sua irmã consegue pressionar um
homem até esmagar seus colhões, não é?
– Puxou uma cadeira para sentar-se na
minha frente.
– Acho que você saberia disso melhor
do que qualquer um. – Ri. Ele apenas
acenou por um instante.
Espremeu as mãos com os dedos
entrelaçados.
– Ela mandou você vir aqui falar
comigo?
– Mandou – confessou, sem hesitar. –
Antes de irmos embora, na verdade.
Mas não tive tempo… A coisa toda com
meu chefe aconteceu rápido demais.
Concordei com um gesto.
– E sobre o que ela quer que você
converse comigo?
– Sobre sentimentos, propósitos de
vida e mais todas essas bobagens.
– E vai fazer isso?
Ele fez uma careta, como se dissesse
“vamos, você me conhece melhor do que
isso”.
– Tudo bem. – Ri. – E sobre o que
vamos conversar, então?
– O que está fazendo, moleque? –
Levantou uma sobrancelha, analítico.
– Sei o que estou fazendo.
– Ótimo, então me explique e assim
eu me acalmo.
– Está preocupado comigo?
– Acalmo sua irmã – corrigiu.
– Por que todo mundo acha que não
consigo me virar? – A indignação
transpareceu, evidente.
– Porque você é uma criança.
– Não sou uma criança. – Me pus de
pé, – Sou um homem, Delvak. Mesmo
que você e minha irmã tenham
dificuldade em enxergar isso.
Eu falei ríspido e duro, mas ele não
se abalou. Nem se moveu na cadeira em
que estava.
– Por que a deixou ir? – perguntou,
me fazendo tremer.
– Porque primeiro preciso resolver
algumas coisas sozinho. Preciso da
minha independência. Sou como você,
Sven – tentei explicar de um jeito que
ele compreendesse.
– Isso de novo – resmungou. –
Garoto, que alucinação insana é essa
que você tem? Precisa ser como eu ou
está fodido, é isso? Não me entenda mal,
é compreensível. É óbvio que muitos
homens seriam como eu, se pudessem.
Mas por que você precisa tanto disso?
– Não é uma necessidade. É um fato.
– Não, não é.Você não é como eu.
Não existe ninguém como eu.
Só eu. Eu sou único, exclusivo e
patenteado. Consegue entender isso?
– Eu é que te pergunto por que você
não aceita que alguém possa ser como
você?
Ele respirou fundo, sacudindo os
cabelos loiros e penteados com a mão
irritada e se levantou.
– Pare com a conversa de merda,
moleque. Guarde essas bobagens pra sua
irmã e as psicanálises dela. Diga pra
mim: por que deixou a namorada ir
embora?
Mordi meu lábio, lutando contra meu
instinto.
– Quero escrever – confessei antes
que desistisse.
Sven piscou em descrença. Demorou
alguns longos segundos antes de falar
novamente.
– É isso? – Abriu os braços. – Só
isso? A grande coisa que você quer
fazer sozinho e que não quer ninguém
por perto para ajudar? – Acenei,
confirmando, embaraçado. – Meu Deus,
garoto. Do jeito que você estava
dramatizando, pensei que estava
envergonhado porque tinha
desenvolvido algum fetiche maluco em
que seu pau era sua namorada e você o
chamava de Cecília e passava batom na
cabecinha antes de se masturbar.
– O quê?
– E daí que você quer escrever, qual
o problema? Fale pra sua irmã não se
meter – avisou. – Não vai adiantar. Ela
vai se meter. Mas fale.
– Não tenho nenhuma formação,
Delvak. – Não considerei que seria
necessário explicar para ele a origem do
meu constrangimento, mas
aparentemente eu precisava. – Mina se
formou em Paris, tem mestrado e sabe-
se lá mais o quê. Um currículo gordo e
invejável. Eu mal terminei a escola. Não
sou minha irmã. Não vou ser um autor
premiado. Provavelmente vou vender
exemplares de impressão barata em
algum sebo na margem do Sena! –
exclamei, salivando. Colocar todos
aqueles receios para fora doía como
uma ferida grande e purulenta que é
espremida sem pudor. Bastava esperar
que ela se esvaziasse e um dia parasse
de doer. – Sendo gigolô e stripper, sou
diferente, sensual, erótico. Tenho um
senso de aventura. Mas se eu vou virar
um escritor parisiense frustrado, como
Mina vai me ver? E se escrever não der
certo? O que vou fazer? Poderia
trabalhar como garçom pelo resto da
vida, me divertindo nos fins de semana
com Lucy, Tim e Joanie, mas e Mina?
Como ela vai me apresentar aos amigos?
– Do mesmo jeito que sua irmã me
apresentou – sussurrou e meu corpo
congelou na exata posição em que
estava, como se Sven tivesse derrubado
um balde de água gelada na minha
cabeça. Eu podia sentir o gelo correndo
pelas minhas veias. – É com esse nível
de insegurança que você pensa ser igual
a mim?
– Pra você é fácil falar. – Engoli em
seco.
– Qual parte é fácil pra mim, Ryker? –
Espremeu os lábios. – Nasci em um
puteiro, nunca conheci meu pai e nem
poderia: minha mãe nunca soube qual
camisinha de qual cliente foi a que
falhou. Você mal terminou a escola?
Bem ou mal, pelo menos terminou. Eu
não cheguei nem perto. Você não tem
graduação superior? Eu também não.
Você teve que se virar para conseguir
alguma independência, sobreviver e
ajudar as pessoas que ama? Eu também.
Você ficou nu em um palco nos fins de
semana para ganhar algum dinheiro? Eu
também. Você ficou sozinho no mundo e
sem família? Eu também. E sabe onde eu
estou agora? Na presidência de uma das
maiores multinacionais do planeta. Você
está preocupado em não conseguir
publicar um livro porque não tem
diploma? Um diploma é um recibo,
Strome. Não tem nada que possam te
ensinar na faculdade que você não possa
aprender sozinho. Vai ser mais difícil?
Vai. Não tenha dúvidas. Mas homens
como eu e você não fomos forjados pra
vida fácil. – Parou para respirar e eu
notei que ele estava ficando vermelho. –
Acho que você estava certo. Parece que
eu e você temos muito em comum,
mesmo. A grande diferença entre nós vai
ser esse ponto agora. – Apontou o
indicador para o chão – Quando eu era
mais novo, conheci o amor da minha
vida. Mas agi como um pirralho imbecil
que achou que independência era a coisa
mais importante que eu tinha. Eu era o
garanhão fodedor que não precisava de
ninguém: as pessoas é que precisavam
de mim. Eu a deixei ir embora e fodi
tudo. – Balançou a cabeça, cheio de
rancor pelas próprias atitudes. – Agora
é sua vez, moleque. Não seja igual a
mim.
Ele se sentou no sofá. Parecia
destruído de um modo muito peculiar e
eu imaginei que nos poucos dias desde a
última vez que nos vimos algo muito
delicado devia ter acontecido entre ele e
Lexa.
– Eu menti – sussurrei, ao sentar ao
seu lado. – Menti pra Mina. Eu contei a
história toda do Simak pra ela, mas…
mas não consegui contar que ele era
realmente pai da Lex. Falei que ela era
adotada. Por algum motivo… as
palavras soaram melhores desta
maneira. Soaram como se um pai de
verdade não fosse capaz de trazer
tamanha brutalidade à vida de um filho.
– Você é um homem melhor do que
Simak, Ryk. – Apertou meu ombro. –
Você sempre foi. Não há nada do seu pai
em você.
– Como pode ter certeza?
– Porque eu o conheci. E conheço
você. Não precisa achar que o cara
safado e independente é o único tipo de
homem bom no mundo. Não precisa ter
medo de se apaixonar e começar uma
família, garoto. Não o deixe roubar isso
de você.
Acenei devagar e me mantive um
silêncio. Minha mente exibia diante dos
meus olhos toda a minha infância… A
história da minha vida. Os primeiros
capítulos do meu livro. O lugar
destruído e sem luz onde tudo começou.
– Nunca tive coragem… – engasguei
– nunca tive coragem de perguntar pra
ela.
– Perguntar o quê?
– Perguntar pra Lex se ele… se ele
realmente fez… algo. Eu dormia no
quarto ao lado, Sven. Se ele estuprou
minha irmã a metros de distância de
mim, não sei se…
– Ele não fez.
Parei de respirar.
– Não precisa ter medo de perguntar,
Ry, e eu vou responder mesmo que não
tenha perguntado: ele não estuprou Lexa.
Nunca. Mas abusou dela em quatro
ocasiões. As duas primeiras só a
deixaram constrangida. Foi logo quando
ele começou. Na terceira, dei um chute
no saco dele e quebrei seu nariz com um
murro. Mandei-o pro hospital. Na
quarta, quem o mandou pro hospital foi a
Lex. Sua irmã é a mulher mais incrível
que já conheci na minha vida. E já
conheci muitas mulheres.
– Por que não estão juntos, Sven? Se
é possível ser um homem bom em um
relacionamento, por que você nunca
ficou com ela? Por que fodeu tudo? –
usei suas palavras.
– Porque eu não sou um homem bom.
Não pra ela. – Sorriu com uma tristeza
palpável. – Mas nunca entendi por que é
tão importante pra você que eu e ela
estejamos juntos.
– Não sei. Acho que… ela ficou a
salvo quando você entrou nas nossas
vidas. – Ri, discreto. – Parte de mim
sempre teve certeza que ela estava
segura com você. Que você tomaria
conta dela se eu não pudesse.
– Ah, Ryk… A vida mudou todos nós.
Mas nenhum de nós ficou tão forte
quanto sua irmã. Ela não precisa de
ninguém para cuidar dela. Ela é uma
mulher. Deus sabe que ela acaba
cuidando de mim muito mais do que eu
cuido dela. Ela não precisa de nós,
moleque. Mas se precisar… ela sabe
que pode contar conosco. Sabe que
estamos aqui. Ela não precisa de você.
No entanto, pelo que ouvi, tem uma
jovem garota que precisa. Ouvi que ela
foi embora e que você a deixou ir,
Ryk… Conta pra mim: você a ama?
– Amo.
– Então o que diabos você ainda está
fazendo aqui conversando comigo?

Lance sorriu ao guardar o gravador de


volta na mochila. Sorriu diretamente
para mim, me obrigando a desviar o
olhar.
Foi só uma gentileza. Por favor, não
transforme isso em algo que não é.
Apertei meu celular nas mãos.
Eu queria falar com Ryker. Queria
falar com ele o tempo inteiro.
Mas Strome era como um peixe. Eu
não podia ficar agitando a isca sempre
ou ele iria embora. O maior problema é
que agora eu temia que meu receio em
afastá-lo era justamente o que estava nos
distanciando.
Monique estava sorrindo para Lance e
perguntando se ele queria beber alguma
coisa.“Agora ou mais tarde”.
O tipo de Monique era um cara bem
específico: qualquer um que estivesse
interessado em uma amiga dela. Sua
insegurança deveria ser avassaladora
para ela precisar ser sempre o centro
das atenções.
Sua insegurança ou sua chatice. Eu
nunca sabia julgar com precisão.
Ela e Elise tinham transformado
minha entrevista em uma pequena festa.
Elise fez isso em meu benefício, já que
preferi contar toda a história de uma vez
só e não ter que repetir a narrativa
sempre que um novo curioso do meu
círculo de convívio mais próximo
aparecesse. Monique fez isso em
benefício dela mesma, pois queria ser a
organizadora do evento, de modo que
parte da luz do meu modesto holofote
sobrasse para ela.
Respondi às perguntas de Lance, de
colegas de trabalho, vizinhos e alguns
amigos, muitos dos quais eu sequer
lembrava os nomes. Pessoas que mal
faziam parte da minha vida tinham
brotado do nada ansiosos por detalhes
do caso mais comentado da Europa.
Eu não fazia questão de ficar em
evidência, por isso recusei
educadamente todos os jornalistas
interessados. Mas Lance… eu devia uma
a Lance. Em Amsterdã, o clube do
Luckas estava crescendo com o sucesso
e aquele seria só o começo. Delvak
tinha chegado na Holanda e parecia
querer investir no negócio como um
parceiro silencioso. Ia ser bom para
todos.
Todos…
– Toda essa história é ótima, não é? –
Monique cercou Lance. –
Principalmente a parte de Mina precisar
de um gigolô para perder a virgindade!
– Exagerou no riso. – Essa parte é
inesquecível! E tão verdadeira para
quem a conhece.
Elise revirou os olhos, mas Monique
não me incomodava mais. Foi
impossível evitar a emoção sempre que
eu mencionava Ryker.
Não era só a saudade de não o ver há
quase duas semanas… Era a incerteza
sobre nossa situação atual. O não saber.
Ele sempre conseguia ser irritantemente
vago quando eu perguntava o que estava
fazendo. Como se estivesse escondendo
algo, por receio ou vergonha, apenas
reforçando minha ideia de que ele tinha
voltado a se prostituir.
– Claro que deve ter sido horrível
para o pobre rapaz ficar com Mina
pendurada nele durante todo esse tempo.
– Monique levou a mão ao peito se
compadecendo por Ryker.
Mas eu não estava lhe oferecendo
atenção. Estava ocupada demais em
navegar perdida em meus próprios
devaneios.
Como esse relacionamento poderia
dar certo?
Do outro lado da sala, Lance sorriu
para mim me fazendo desviar o olhar,
mas era impossível não considerar os
elementos: como seria um
relacionamento com ele e como seria um
relacionamento com Ryker?
Com Strome, tudo era sempre incerto
e desconhecido. Quanto tempo uma
viciada em controle como eu poderia
suportar algo do tipo?
Escutamos um baque alto contra a
porta e uma voz irritada do outro lado.
– Ah, agora vocês resolvem consertar
a porta!
Ryker!
Elise o deixou entrar e eu me levantei
por instinto.
Era tão singelo esse efeito entre a
gente. Tão delicado e curioso.
Uma troca de olhares, por mais rápida
e insignificante que parecesse, e
estávamos os dois sorrindo. Era a troca
íntima de um sentimento forte. Verdade
de um que só o outro conhecia.
Trejeitos, suspiros, anseios. Tão pouco
tempo e tanta coisa.
Tudo se concentrava no sorriso que
ele me concedeu, o qual tenho certeza de
ter retribuído.
Na sala cheia, eu só conseguia
enxergá-lo.
Não conseguia pensar em convidados,
em jornalista, em amigas ou inimigas.
Só o meu gigolô sem-vergonha
sorrindo para mim.
Venceu a distância entre nós, me
enfiando em seu peito, fazendo eu me
sentir a coisa mais preciosa que ele
possuía. Eu o abracei de volta com a
mesma intenção.
Meu bem mais precioso é esse teu
sorriso.
Que me faz tremer os joelhos e
encharcar a outra metade das minhas
pernas.
Inspirei fundo para perguntar o que
ele estava fazendo ali, mas ele me
beijou e palavras perderam a
importância. Elas sempre perdiam a
importância nessas ocasiões.
– Cheguei – suspirou quando me
soltou.
– Percebi. – Deixei-o beijar meu
sorriso. Eu precisava elaborar mais
perguntas, precisava tirar todas as
minhas dúvidas. Sabia que ele ia rir e
me chamar de desesperada, mas eu
precisava saber. Mais do que qualquer
outra coisa. Inspirei mais uma vez,
pronta para o meu monólogo.
– Não me prostituí – respondeu o que
seria a primeira de minhas perguntas,
antes mesmo que eu a fizesse. – Não fiz
strips também. Porque… – enfatizou a
palavra como se soubesse que eu iria
perguntar. E estava certo. – Não parecia
certo, sem você pra ficar lá me
assistindo e se embebedando para
conseguir sobreviver a toda minha
gostosura. – Piscou um olho. – Estive
tentando publicar um de meus livros.
Uma autobiografia. Com pseudônimo.
Um pra você também. Sim, você está na
história. Não, eu não inventei nada. Não
sei se vou conseguir e pode ser que eu
seja ruim. Pode ser que eu seja um
desastre, por isso não te falei nada.
Estava com um pouco de vergonha –
admitiu, balançando a cabeça como se
soubesse que era bobagem. – E com um
pouco de receio de te decepcionar. Você
nunca me decepcionou, não queria ser o
primeiro. Apesar de que, se eu fosse o
seu primeiro nisso também, seria até
apropriado – divagou. Eu podia notar
que nossos convidados tinham nos
cercado com uma curiosidade intensa.
Deixei que nos observassem, eu não
conseguia fazer nada que não fosse me
perder em Ryker. – E é isso – constatou,
baixinho. – Não sei se vou ser um
desastre, é possível que eu seja. Mas
prefiro ser um desastre aqui perto de
você. Prefiro ser qualquer coisa perto
de você. As coisas sempre dão certo
quando você está por perto. – Desceu os
dedos pelo meu rosto, aquecendo minha
pele. – Quer dizer: dão errado. – Forçou
os olhos. – Mas depois dão muito certo.
– Ele se desfez em um sorriso e eu o
acompanhei, gloriosamente. – Acho que
isso é tudo. Mais alguma pergunta que
você ia fazer? Ou já cobri todas? Ah, e
eu te amo – lembrou, casualmente. –
Quer ficar comigo até a próxima coisa
dar errado? – Enroscou nossos narizes.
– A gente resolve juntos?
– Melhor maneira.
Entreabriu os lábios e me beijou de
novo.
– Olha que ótimo! Mais material pra
história! – Monique começou, aguda, se
intrometendo em nosso beijo. – Ryker,
por que não conta um pouco como foi
para…
– Você dá licença? – Ele a afastou
com a mão, demonstrando um pouco de
polida rispidez. – Tô tentando agarrar a
mulher que amo. Não a vejo nua há mais
de uma semana e você está
incomodando.
– Ryker… – pedi baixinho. – Não
precisa fazer isso. – Sorri. Ele lembrava
de Monique e talvez quisesse ajudar na
vingança.
– Fazer o quê? – Piscou devagar.
Ele não lembrava.
Estava apenas sendo genuíno e
espontâneo. Sua mão se empostara em
minha bunda quando me beijou, uma vez
que terminara a pergunta. Ele não
solicitava uma resposta, não seria
necessário. Ele queria me beijar.
E, muito provavelmente, me ver nua.
Sua língua invadiu minha boca e eu a
recebi com saudade.
Não sei se foi de propósito ou se nós
apenas nos desequilibramos, mas
caímos, eu e ele, pelo sofá e por cima de
alguém.
Como ele não se incomodou, eu
apenas o segui. Suas mãos escalavam
minhas pernas, afastando a saia e se
arriscando pela minha calcinha. O
rugido desesperado que eu ouvi deve ter
sido de Elise, que se pôs a colocar as
pessoas para fora de casa. Diante das
circunstâncias, a maioria dos visitantes
deve ter cooperado e os que não
cooperaram foram expulsos pela minha
melhor amiga ainda assim.
Eu precisaria pedir desculpas.
Eu precisaria ficar com vergonha.
Mas isso seria depois. Agora, a sala
estava silenciosa e deserta.
Ou, pelo menos, era o que eu
imaginava.
Não que eu me importasse.
Ryker tirou minha calcinha, me cobriu
com seu corpo e me beijou inteira.
Eu não me importava com nada.
Doze

Novos começos
Um ano depois Luckas estourou um
champanhe e Tim começou a distribuir
as taças.
– Mina. – Ryker se aproximou por
trás e abraçou minha cintura, me fazendo
virar o rosto para beijar sua bochecha. –
Quero te apresentar umas pessoas.
Ela tinha longos cabelos ruivos, mais
escuros que os meus. Usava saltos
longos e afiados e um vestido quase tão
sedutor quanto o acompanhante oriental
que trazia entrelaçado em seu abraço.
– Meu anjo da guarda. – Sorriu. – A
editora responsável pela publicação de
Sem Vergonha.
– Olá! Nossa! – Abri os braços,
desajeitada, mas ela assumiu o controle
e me devolveu o cumprimento. – É um
prazer.
– O prazer é meu. – Ela sorriu. –
Estávamos todos muito curiosos para
conhecer a Tímida.
Os sorrisos se espalharam enquanto
Ryker me apresentava a outras pessoas
da editora e de livrarias. Todos reunidos
para comemorar a marca de cem mil
exemplares vendidos do seu primeiro
livro. Sem usar o nome da irmã ou a
fama que se seguiu à nossa história com
a máfia.
Sozinho.
O mérito era todo dele.
Eu estava morrendo de orgulho.
Um ano.
Há um ano ele se enfiou no meu
apartamento, expulsando as visitas para
fora e me agarrando no sofá. Me pediu
em namoro mais por protocolo que por
necessidade.
Eu era dele há tanto tempo.
E ele era meu.
Mas hoje, um ano depois, eu me
sentia amparada pela tranquilidade ao
saber que nosso relacionamento tinha
sobrevivido a mais do que a máfia
russa: ele tinha sobrevivido à
normalidade. Tinha sobrevivido à
rotina. Aos trabalhos, às pequenas
discussões, às grandes brigas… enfim,
tínhamos sobrevivido. Estávamos ainda
mais fortes. Eu o amava mais. E quando
ele me olhava… eu poderia estar errada,
mas apostaria minha vida no fato de que
ele me amava mais também.
– Lex! Orgulhosa do irmão mais
novo?
– Você não faz ideia! – Ela me
abraçou. – E você, leu o livro? As
referências do menino são
impressionantes. A descrição da
primeira vez de vocês dois foi sublime,
estou quase com inveja do estilo dele.
– Lexa, Lexa… – pedi, abanando as
mãos. – Podemos não entrar em detalhes
sobre o assunto?
Ela riu com gosto. Sua eterna
desenvoltura com assuntos sexuais
superava a do irmão.
– Me desculpe. Acho que é a
convivência com o Sven… Acabo me
tornando inapropriada também. – Piscou
um olho.
Desviei a atenção para o meio do
salão, onde Ryker cumprimentava
diversos profissionais e referências do
mercado editorial. Usava um conjunto
verdadeiro de paletó e gravata, não do
tipo que vem preso com velcro para
despir em público. Esse último tipo ele
ainda usava, mas agora só para mim.
O modo como Lexa me encarava
chamou minha atenção.
– O que foi? – gaguejei.
– Nada. – Ela sorriu. – Você o ama
mesmo.
– Eu estava babando, foi? – Ri.
– Um pouquinho. – Arranhou a taça de
champanhe com delicadeza. – É difícil
resistir a um bad boy que no fundo é um
homem bom.
Agora era eu quem parava para
analisá-la.
– Essa é a definição de Delvak
também? – arrisquei. – No fundo, ele é
um homem bom?
– Ah, não! – Ela riu alto. – Sven não
presta! Nem um pedacinho dele.
– E por que ele é tão difícil de
resistir? – Manifestei uma careta, e ela
alargou o riso ainda mais.
– Porque ele foi geneticamente
abençoado com um sorriso safado, um
corpo que pede línguas e um pênis de
comprimento severamente
desnecessário.
Pus-me a rir junto enquanto Ryker se
aproximava, curioso.
– Sobre o que estão fofocando?
– Coisas de mulheres. – Lexa piscou
o olho para mim mais uma vez e eu
abracei meu namorado, plantando um
beijo descontraído na sua bochecha.

Ver Mina interagindo com minha irmã


me dava ainda mais segurança em
relação aos meus planos.
Ela já era da família.
Beijou minha bochecha e eu me virei,
segurando seu queixo para beijar sua
boca. Ela protestou, argumentando sobre
algo que tinha a ver com o batom, mas
eu não ligava para isso nem um
pouquinho. Eu queria meu beijo e queria
na hora. Lançou um tapa brincalhão no
meu ombro quando a soltei.
Caminhei até o bar, dedilhando a
caixa do anel em meu bolso.
Reformulando o discurso que eu
planejara. Verificando se eu tinha
decorado as palavras certas.
– E aí, vai falar agora?
– Falar o quê? – Levantei uma
sobrancelha para Höfler.
– Pedir Mina em casamento. E nem
inventa de negar.
– Shh! – Puxei-o pelo braço,
observando ao redor. – É surpresa! Vai
estragar tudo!
– Não vou. Só queria te pedir uma
coisa – explicou, manso.
Devon me fazendo um pedido de
forma educada era o tipo de coisa que
chamava minha atenção.
– O quê?
– Pode pedi-la em casamento
amanhã?
– Por quê? – Ergui os ombros,
levemente ultrajado com a intromissão.
– É porque a gente fez um bolão –
justificou baixinho.
– É claro que fizeram.
– E eu apostei que ia pedi-la no dia
depois da festa.
– É claro que apostou. Não vou mudar
meus planos para pedir minha namorada
em casamento porque vocês são um
bando de desocupados viciados em
jogos.
– Você me deve uma, Strome.
– Por qual motivo?
Apertou os lábios. Ele não se atrevia
a proferir as palavras.
Respirei fundo… Com Mina, eu me
tornei uma pessoa diferente. Uma pessoa
mais adulta do que antes. Ela diz que
não e ri de mim. Mas percebo a
mudança em situações como essa.
– Se amava tanto sua mulher, não
deveria tê-la traído, Dev.
– Não estou te culpando, Ryker.
Encarei-o com descrença.
– Não estou te culpando mais –
acrescentou. – Sei que foi culpa minha.
Mas você teve uma participação nisso.
– Está dizendo que vai deixar o
rancor para trás se eu atrasar meu
pedido de casamento?
– É um bolão bem gordo. – Acenou.
– Não posso prometer nada. – Ri.
Ele deu dois tapinhas de “parabéns”
no meu ombro antes de se afastar.
– E vocês dois? – Mina enlaçou
minha cintura com o braço. – Sobre o
que estavam fofocando?
– Coisas de homens. – Devolvi a
brincadeira, estirando a língua. Ela me
beijou e eu fechei os olhos. Deixei
minhas pálpebras pesarem para mostrar
a todos os presentes o quanto eu a
amava.
A minha pequena tímida descarada.
Acariciei seu rosto ainda entretido no
beijo, puxando-a para bem perto,
apertada no meu peito.
– Quero te perguntar uma coisa –
suspirei, ainda considerando o pedido
de Devon.
– É? O que foi? – Sorriu.
Linda.
Tão linda.
Aquele sorriso deslumbrante que
fazia o tempo parar.
Eu te amo tanto.
– Vou te perguntar amanhã – decidi,
sorrindo.
– E falou agora só para me deixar
curiosa? – Beliscou meu braço,
indignada.
– É.Você fica linda quando curiosa –
provoquei.
– O que é? Ryker! Uma dica!
– É uma coisa… – Encarei o teto na
tentativa de ser o mais abstrato possível.
– Quero saber se você quer fazer uma
coisa comigo.
– Humm! – Considerou, tocando o
queixo. – E vai ser uma primeira vez? –
Riu, sapeca.
– Vai.
– E vou querer repetir? – Havia uma
safadeza delicada no seu tom.
– Não. – Balancei a cabeça, fingindo
decepção para confundi-la. – É o tipo de
coisa que você vai querer fazer uma vez
só e nunca mais!
– Tudo bem. Eu quero – decidiu,
envolvendo meus ombros.
– Mas você ainda nem sabe o que é! –
Ri.
– Não importa. Se é uma primeira vez
com você, é claro que eu quero. –
Beijou minha boca demoradamente. Um
carinho sempre misturado a uma pitada
de safadeza. – Vai dar tudo errado! –
exagerou, sorrindo. – Mas no fim, vai
ser perfeito.
Epílogo
Alguns meses depois Dois dias.
Em dois dias, eu seria uma mulher
casada.
Isto é, se eu conseguisse superar a
ressaca em 48 horas.
Lucy enfiou uma taça de champanhe
nas minhas mãos e convocou o brinde,
me forçando a beber um único gole,
como manda a etiqueta, antes de
abandonar o resto. Disparei um punhado
de amendoins à boca, temendo pelo
vazio do meu estômago.
A ideia de celebrar a despedida de
solteira foi divertida. Infelizmente, não
se pode afirmar o mesmo sobre a ideia
de visitar todas as boates na rua para
engolir todos os drinques do cardápio
que englobassem a palavra “sexo” no
nome.
Sexo na praia. Sexo no elevador.
Sexo no fogo. Sexo febril. Sexo
vermelho. Sexo rosa. Sexo azul. Sexo
maluco. Sexo Infernal. Sexo Angelical.
Sexo entre garotas.
Muitas coisas podiam faltar em um
bar, mas a palavra “sexo” realmente não
era uma delas.
E nós bebemos.
E bebemos.
Desisti da brincadeira no terceiro
lugar que entramos, usando todas as
técnicas conhecidas para me livrar de
um copo de bebida. Até inventei umas
novas.
Quando finalmente voltamos à imensa
suíte cinco estrelas especialmente
reservada para a ocasião, Elise já
beirava as perigosas imediações em que
a embriaguez demanda nudez. O casaco
desapareceu em algum lugar entre o
Sexo Angelical e o Infernal, o que era
igualmente poético e apropriado. O
resto das roupas ficava cada vez mais
alheio ao seu corpo e, quando minha
melhor amiga começou a reclamar do
calor, aumentei a ventilação do ar
condicionado, antes que ela resolvesse
se despir apenas para se arrepender no
dia seguinte. Entre as garotas da boate, a
amiga de infância e as colegas de
trabalho, somávamos quinze mulheres
espalhadas pelo sofá e tapetes da
luxuosa antessala da suíte. Estourando
garrafas de champanhe e prendendo na
minha cabeça o minúsculo véu que se
recusava a cooperar. Denny, uma de
minhas colegas de trabalho mais
chegadas, já tinha bebido o suficiente
para ultrapassar a barreira da vergonha
e me puxava pelo braço para confessar o
quanto ela achava meu noivo gostoso.
Preferi ignorar, não apenas porque eu
tinha noção que o efeito do álcool a
deixaria sem graça no dia seguinte, mas
também porque minha atenção estava
dedicada a manter Elise vestida.
– Mina, deixa ela ficar pelada –
Tonya reclamou, virando a taça de
champanhe e servindo-se de mais uma. –
Ela está bêbada e só tem mulher aqui. Se
ela quer ficar pelada, deixa ela ficar
pelada. Lucy não vai dar em cima dela.
– Riu alto.
Lucy riu baixinho, mas Nila não
gostou da brincadeira. Com o braço
envolto na cintura da namorada, Nila
resmungou em holandês, palavras que
não compreendi, mas que, pela
entonação, só poderiam ser ofensas.
– A Mina é controladora mesmo
quando está exalando álcool pelos
poros. – Elise me abraçou, estalando um
beijo na minha bochecha. – Pare de se
preocupar! Divirta-se! Depois de
amanhã você será uma mulher casada!
Um único homem pelo resto da vida!
– Como uma pessoa pode querer um
único homem pelo resto da vida? –
Tonya balançou a cabeça.
– Como uma pessoa pode querer um
homem pelo resto da vida? – Lucy
provocou e Nila a beijou com carinho.
Na comoção da ausência de Spider,
Lucy e Nila tinham encontrado, uma na
outra, uma amizade sutil e um amor
furioso.
– Ryker é mais que homem suficiente
pra me manter ocupada. – Ao meu redor,
minhas amigas riram, crentes que se
tratava de uma brincadeira. Entretanto,
quando ofeguei, foi por verdadeiro
cansaço.
– Não duvido. – Denny largou-se em
um dos sofás. – Se eu tivesse aquele
homem, eu o lamberia todinho, toda
noite. Tá ali um gosto que eu não ia
reclamar em repetir. – Riu.
Cerrei os olhos, me controlando para
não lhe oferecer uma careta e um murro.
Tudo bem que ela estava bêbada e iria
se arrepender amanhã, mas se ela
continuasse a citar as atividades que
desejava praticar com meu homem, eu a
faria se arrepender no mesmo instante.
– Não vamos falar de Ryker! – Skye
bateu palmas antes de me abraçar, talvez
percebendo que minha colega não estava
sendo exatamente educada. – Qual é o
problema de vocês? Querem falar de
marido na despedida de solteira da
menina?
– Tá. – Nila sorriu. Ela tinha um
sorriso perigoso, como se sempre
estivesse planejando algo que
envolvesse safadeza. Uma versão
feminina do sorriso descarado e sem-
vergonha de Ryker. – Então, acho que
está na hora da surpresa?
– Que surpresa? – Estreitei os olhos.
O que mais poderia haver? Até ali,
minha despedida de solteira já tinha
envolvido galões de bebidas, apostas,
brinquedos eróticos e conversas sobre
sexo em público. Tinha rolado até
mesmo um striptease estrelado por Lucy
e Skye em cima do balcão de um dos
bares que, apesar de ter feito a noite de
muitos rapazes e ter deixado algumas de
minhas colegas de trabalho coradas, não
pode ser classificado como algo
“especial”, a considerar de quem
estávamos falando.
– Pra começar a festa. – Tonya piscou
um olho para mim e Skye abriu a porta
que dava para o quarto conjugado.
Tantos homens passaram pela porta
aberta por Skye que perdi a conta e a
razão. Pareciam quase clones uns dos
outros, não fosse a ligeira diferença de
altura e as cores dos cabelos. Os rostos
cobertos por máscaras, brancas e
impessoais, cobriam-lhes da testa ao
queixo. Vestidos com paletós, gravatas e
calças sociais que pareciam
esnobemente caras em seus cortes
impecáveis, ao contrário da porcaria
barata de tecido vagabundo e velcro que
os meninos usavam no Lucky’s.
Lexa.
Meu olhar correu para ela, sentada em
um dos sofás brancos e felpudos.
Sorvendo seu champanhe devagar. As
pernas cruzadas exibidas pelo decote na
frente da sua saia justa. Parecia uma
imperatriz quando me ofereceu um
brinde.
Strippers contratados por ela.
Entretenimento feminino de altíssimo
luxo.
Sorri para mim mesma.
Por mais que parecessem chiques e
caros... ainda eram strippers.
Ri, encarando as meninas.
– Desde quando strippers são
“surpresa”? – Ri.
– Esses são caros! – Lucy dobrou o
lábio. – Até eu, que não incluo linguiça
na minha dieta, estou curiosa para
assistir.
– Acho que Mina merece uma dança
sensual só pra ela, de um cara que não
seja o Ryker, hein? – Skye percorreu a
fila, analisando rapidamente as opções
antes de segurar um deles pela mão e
conduzi-lo até mim. Os outros strippers
se espalharam pela sala, divertindo a
todas. Não consegui ignorar o indicador
elegante de Lexa, erguendo-se no ar,
indicando ao stripper ajoelhado aos seus
pés que fosse entreter outra dama.
Então, minha visão foi tomada pelo
stripper aleatoriamente escolhido por
Skye, que me guiou pela cintura,
sentando-me na poltrona quase no meio
da sala. Com as pernas entreabertas, ele
rebolou de maneira sensual, despiu o
paletó e ergueu a camisa social,
retirando-a da proteção das calças,
ainda sem exibir nenhum pedaço de
pele.
Eu adorava quando Ryker dançava
daquele jeito para mim. Aquele jeito de
rebolar parecendo que o homem está
fodendo o ar e faz imaginar todo aquele
movimento por cima de você, na cama.
É comum que as mulheres associem
dança a sexo e, pelo menos no meu caso,
era inevitável. Ryker rebolava e eu o
imaginava se enfiando em mim. Minhas
coxas de espremeram à medida que o
stripper causava em mim efeito
semelhante, levando-me a amaldiçoar
meu plano idiota.
Um mês sem sexo antes do casamento.
Sei que tive um motivo por trás dessa
decisão, mas pela graça dos céus, eu
nunca conseguia lembrar qual era.
O lado bom é que Ryker tinha uma
capacidade seletiva de entendimento e,
quando sugeri “um mês”, ele escutou
“duas semanas”. Assim, trabalhou
arduamente para me convencer que era
ele quem estava certo, de modo que, em
vez de trinta longos dias, tive que
sobreviver a apenas quinze à
abstinência.
Skye e Lucy seguraram minhas mãos,
forçando-me a explorar o tórax rígido
do dançarino por cima de sua camisa e
algo dentro de mim se contraiu,
querendo mais. Ele parece ter notado
minha intenção como um convite e se
aproximou, me levantou da cadeira,
apertou minha cintura e desceu as mãos
até quase atingir minhas nádegas.
Seu aperto foi familiar, porém
indecoroso, e eu o empurrei com uma
negativa, assim como Lexa tinha feito,
deixando claro que estabelecera um
limite que não deveria ser ultrapassado.
Ele ergueu as mãos, rendido, dedicando
seu foco e seu delicioso rebolado a uma
de minhas colegas ao seu lado.
A gravata permanecia presa ao
pescoço quando seus dedos desceram
pelos botões, abrindo-os e expondo o
peitoral másculo. Algo na situação me
incomodava e não demorei a descobrir o
que era.
Foi o modo como ele me envolveu
com os braços. Como apertou minha
cintura. Como suas mãos gulosas se
adiantaram na direção de minha bunda.
Era seu cheiro, sua altura, a cor do
cabelo.
Então, a camisa se foi e o jeito com o
qual despiu um tórax que eu conhecia
melhor que o meu destruiu a pouca
dúvida que ainda me restava. Ryker
fazia essa coisa com os braços e os
ombros quando tirava a camisa. Movia-
os devagar, abrindo-os, numa espécie de
convite para tocá-lo e lambê-lo só por
estar despido.
Denny tinha uma mão erguida na
direção do seu peito.
– Ei, ei, ei – reclamei, chamando sua
atenção. Ele parou a dança, virando o
rosto ainda mascarado para mim. – O
senhor pode voltar pra cá – ordenei,
impaciente, com um movimento do
indicador.
Ele curvou o rosto, ainda acreditando
em seu anonimato e caminhou de volta
para mim, fazendo cada passo balançar
de um jeito sensual que ardia minhas
entranhas. Parou na minha frente, as
mãos mergulhadas nos bolsos, a coluna
levemente curvada para ficar da minha
altura. Enrolei sua gravata em uma das
mãos.
– Me deixou com tesão e vai embora?
– Segurei o sorriso para não entregar a
brincadeira. – Onde já se viu? Deixar
uma pessoa excitada e virar as costas?
Absurdo.
Desferiu um passo adiante e hesitou
antes de tocar minha cintura mais uma
vez.
As mãos fortes apertaram minha
carne.
Meu Ryker.
Meu Ryker bobinho. Achou mesmo
que ia conseguir se esconder? Sua
máscara próxima ao meu ouvido. O
sussurro abafado, rouco, mas audível.
– Está com tesão? Acho que seu noivo
não deve estar fazendo um bom trabalho.
Foi impossível não rir, enquanto ele
se esfregava em mim. Eu conhecia bem
o movimento do seu corpo, a pressão de
sua mão contra a parte baixa de minhas
costas, unindo nossas virilhas.
– Ah, ele não dança muito bem – falei
alto. – Depois que virou escritor, perdeu
a prática e ficou enferrujado.
Desaprendeu tudo. Agora, quando ele
tenta dançar parece uma minhoca
nervosa.
Ele travou imediatamente e, apesar da
máscara, eu conseguia sentir sua
decepção. Os ombros tesos e rígidos.
Sequer respirava.
– O que houve? – indaguei, sonsa.
Ele apenas balançou a cabeça
indicando que não havia problema e
voltou a dançar. Dessa vez, sustentou
uma dança nervosa e inquieta.
– Estava dançando melhor antes,
senhor – provoquei. – Mas deve ser
porque está respirando do jeito errado.
– Ele interrompeu sua dança assim que
ouviu minhas palavras. – Se estivesse
respirando do jeito certo, estaria me
fodendo. – Assisti à queda de seus
ombros, indicando um tipo diferente de
decepção, e não consegui controlar o
riso. – Mas não! – ironizei. – Você
precisava respirar do jeito errado e
estragar minha dança erótica. – Levantou
o rosto mascarado para o teto antes de
se afastar um pouco.
– Você sabe – afirmou, frustrado.
– Quase certeza. – Espremi os lábios.
Desabotoei sua calça, enfiando a mão
por dentro de sua cueca.
Ele tinha as mãos nos bolsos e tive
certeza que estava rindo.
– Um pau. – Lembrei de outro de
nossos momentos.
– Não está constrangida? – brincou.
– Nem um pouquinho. – Encarei os
olhos verdes fixos em mim, deixando-o
perceber que, apesar do público ao
nosso redor, eu era uma mulher diferente
agora. Ele tinha me transformado em
uma mulher diferente. Uma sem-
vergonha assim como ele. Desbravei seu
membro, da cabecinha às bolas,
sentindo-o se esticar na minha mão. Ele
gemeu baixinho. – Pronto. – Soltei-o e
ele se moveu, chateado. – Agora eu
tenho certeza.
Esperou apenas um segundo antes de
me agarrar pela cintura, girando no ar.
Removi sua máscara com cuidado,
apenas para descobrir aquele rosto que
eu amava mais que qualquer outro.
– Aí está ele – sussurrei, raspando
nossos narizes. – Minha minhoca
nervosa.
Ryker beijou minha boca, pousando-
me no chão.
– Ei, isso não vale! – Lucy reclamou e
eu vi Skye sorrir, sugerindo que sua
escolha de stripper não tinha sido nem
um pouco aleatória. – Ele não vale!
– Boa noite pra vocês – desejou
depressa, antes que Lucy pudesse
impedi-lo, agarrando minha mão e me
puxando para dentro do quarto.
– Só mais dois dias! – implorei,
quando ele me prendeu contra a porta
fechada, beijando meu pescoço. Seu
quadril ainda mantinha um rebolado
proibido que me fazia tremer em todos
os lugares errados.
– Você tem as piores ideias –
resmungou, ainda com a boca enfiada na
curva do meu pescoço.
– Falou o homem que tentou fazer um
striptease anônimo pra mulher que transa
com ele há mais de um ano.
– Como conseguiu perceber? – Abriu
os olhos, sua chateação relativa ao
plano falho era perceptível.
– Quer dizer que você não conhece
meu corpo de cor e salteado? Ele fechou
os olhos e grudou nossas testas.
– Cada centímetro dele. – Sorriu
sozinho e eu o beijei. – Ah, Mina, chega
desse negócio de esperar, por favor! –
Simulou uma dancinha cômica de
desespero, se esfregando em mim e eu
belisquei sua bunda. – Você e essa sua
mania de me fazer esperar. – Entrelaçou
nossos dedos, ranzinza.
– Só mais um pouquinho, amor. –
Mordi seu lábio inferior.
– Tá – resmungou. – Mas não aperta
meu pau, né? Você quer esperar, mas
apertando meu pau fica difícil. Desse
jeito não dá certo, mulher.
Ri, aprofundando as mãos em seus
cabelos e apertando-o em meu abraço.
Sexo não ia acontecer, mas beijos não
estavam fora dos limites e nós dois não
nos poupamos.
Um beijo que se prolongava e
aquecia.
– Amor... – gemeu, entre os beijos. –
Amor... quero te pedir uma coisa. – Era
um murmúrio quieto. Quase tímido.
Receoso.
– O que foi?
Segurou meus braços, encarando o
chão.
– Um dos caras lá fora – suspirou. –
Foi uma indicação de Lexa. Ele é garoto
de programa. Ela disse que ele é muito
bom. Profissional.
– Ele quer um emprego no Lucky’s?
Eu só volto pra lá no próximo semestre,
Ryk, mas posso...
– Não, não. – Oscilou a cabeça. – É
que... – Bagunçou os cabelos com as
mãos e me puxou para a cama. Não
houve lascívia quando se sentou sobre
os lençóis. Apenas aquietou-se de modo
a contemplar o chão por um segundo,
convidando-me para ficar ao seu lado. –
Você só ficou comigo a vida inteira. –
Apertou minha mão. – Isso me
incomoda. Me incomoda que você não
conheça como é ficar com nenhum outro
homem. Me preocupa que um dia isso se
torne algo desagradável pra você. Algo
insuportável.
– Ryker... – Engoli em seco,
compreendendo o rumo da conversa. –
Você está errado.
– Você não sabe como é. – Virou-se
para mim com carinho. – Não sabe
porque nunca ficou com outro homem.
Não tem com o que comparar. Tenho
medo que um dia você olhe ao redor,
decida que não sou mais o suficiente e
se pergunte como outros homens
poderiam ser. Esse tipo de pensamento
gera frustração, Mina, gera curiosidade.
– Ryker! Ficou louco? Está
preocupado com um problema que pode
ou não acontecer daqui a sabe-se lá
quanto tempo? É um problema muito
improvável. – Fiz uma careta.
– Essas coisas acontecem em crise de
meia-idade! Vai que você repense sua
vida e fique nervosa porque só ficou
com um homem toda a vida.
– Sua irmã tem alguma coisa a ver
com essa conversa? Porque ela não
parece o tipo de pessoa que concordaria
com isso.
– Não. Só pedi a indicação de um
profissional.
– E ela não imaginou que seria pra
isso?
– Você sabe como é a Lexa, amor. O
relacionamento dela é aberto.
Esse tipo de coisa, pra ela, é normal.
Talvez ela imagine que a gente também...
Parei por alguns instantes, o olhar
fixo no seu, à espera do momento em
que ele anunciaria que tudo não passara
de uma brincadeira. E quando esse
momento finalmente chegasse, ele iria
apanhar.
Mas o momento não veio e Ryker se
guardou em silêncio.
– Está falando sério? Quer chamar um
estranho lá fora para transar com a
gente?
– Eu já fui um estranho que você
convidou pra cama. E não seria com a
gente. Seria... pra você. Ele faria o que
você quisesse. Eu posso ficar ou... –
engoliu em seco, sua ereção minguava à
medida que o assunto avançava,
deixando claro o quanto a conversa o
incomodava – ...posso sair. Como você
preferir. Mas acho que você precisa
dessa experiência. Acho que... –
respirou fundo – ...precisa conhecer
outro homem. Para ter certeza que o
melhor sou eu. – Sorriu, ensaiando uma
brincadeira cuja graça nunca atingiu
seus olhos.
Ele estava racionalizando.
Racionalizando sexo, que era o que
ele conhecia. Tentava antecipar
sentimentos, algo que nunca foi sua zona
de conforto. Era lindo que ele quisesse
se submeter a algo assim por mim. Pelo
nosso relacionamento. Mas também era
idiota. Como a maior parte das coisas
que Ryker fazia quando se tratava de
lidar com emoções.
– Você é um idiota. – Beijei sua boca.
– Não quero.
– Mina. – Inclinou-se, abraçando a si
mesmo. – Deixa pelo menos o cara
entrar? Olha pra ele. Deixa ele... –
Engoliu em seco de novo, como se algo
lhe ardesse a garganta. – Deixa ele... –
Gesticulou para o meu corpo, o
movimento parecia causar-lhe dor. –
Deixa ele tocar em você. Se não quiser,
tudo bem. Mas acho que pode gostar.
Pode tentar? Eu me sentiria melhor.
– Você é um idiota! – Não havia raiva
na minha voz, apenas carinho. – Se
sentiria melhor se um homem transasse
comigo antes do nosso casamento?
– Me sentiria melhor se você tivesse
experimentado outros homens antes do
nosso casamento para que não ficasse
curiosa para experimentar depois. Não
estou afirmando que é certo, Mina. Mas
é realmente tão incompreensível? –
murmurou.
Mordi o lábio, tentando respirar
fundo.
– Tudo bem. Mande-o entrar.
Ele se ergueu e abriu a porta,
convidando o estranho a se juntar a nós.
– Ele pode ficar com a máscara. –
Ryker parecia miúdo e reduzido,
apontando para o estranho com o
polegar. – Para manter as coisas num
nível mais impessoal. Ou pode tirar, se
você preferir. – Sua voz falhava até
quase desaparecer. As mãos enfiadas
embaixo das axilas, como se ele temesse
que, ao liberá-las, fosse capaz de
avançar e esmurrar o estranho assim que
ele me tocasse. – Só não o beije, tá? –
sussurrou.
Ficou parado no canto enquanto o
mascarado avançava pelo quarto.
Seus olhos castanhos eram intensos e
sedutores. Tão intensos que, mesmo que
ele tirasse a máscara, seria possível que
eu não enxergasse qualquer outra parte
de seu rosto além de seus olhos.
Tocou minha cintura e, por um
instante, temi que fosse idêntico.
Igual a Ryker. Me assustaria notar que
eu não conhecia o toque do meu homem,
reduzindo-o a um mero toque,
considerando-os todos iguais.
Mas seus dedos atingiram minha
carne e eu sorri.
Era pesado demais, desagradável.
Sua ereção chegou rápida, suas mãos
escorreram pelas minhas costas,
pressionando seu peito contra meus
seios e...
Não... não, não, não.
Minha vagina ressecara. Parecia uma
esponja, sugando de volta para dentro
do meu corpo cada gota de lubrificante
liberado apenas para Ryker. Meu corpo
não parecia capaz de ficar molhado ou
relaxado para qualquer homem que não
fosse Ryker. O mascarado tocou minhas
coxas e sua rouquidão ecoava em meus
ouvidos, sussurrando palavras que me
deixavam mais constrangida que
excitada.
Era o nervosismo de véspera de
prova mais uma vez. Até mesmo sua
boca, mesmo que protegida pela
máscara, me incomodava. Perto demais
do meu corpo.
Ryker tinha sido estranho um dia.
Ryker tinha me tocado em um quarto de
hotel quando eu não sabia nada além de
seu nome e sua ocupação.
Mas não foi daquele modo. Havia
algo nos olhos do meu Ryk que eram
diferentes da intensidade dos castanhos
que agora me observavam. Algo que me
promovia excitação.
Mas o castanho era diferente. O
contexto era diferente.
Sorri ao ver Ryker rígido no canto do
quarto. Ele me devolveu um sorriso
amarelo de incentivo. Não tinha
compreendido o motivo da minha risada.
Empurrei o dançarino com educação.
– Obrigada. – Acenei. – Já pode ir.
Ryker estava ao meu lado em um
instante.
– Algo errado? Ele fez algo que você
não gostou? O que ele fez? – Me tomara
nos braços.
– Calma. Obrigada. – Indiquei a
porta. O desconhecido apenas gesticulou
uma breve reverência para nós dois e se
foi. – Não é culpa dele, Ry. É culpa sua.
– Minha? – Ele me soltou para enfiar
as mãos de volta embaixo das axilas. Eu
conseguia sentir o cheiro forte do seu
ciúme e desconforto. – O que eu fiz? Eu
estava quieto ali no canto e olha que não
foi fácil!
– Culpa sua por ter me estragado, seu
idiota. – Revirei os olhos. – Eu ia fazer
uma piada. – Gesticulei e ele respirou,
compreendendo. – Você foi o primeiro
homem com quem fiquei mas me
estragou de um jeito que não me dá
vontade de ter mais nenhum. – Apoiei-
me em seus ombros, abraçando-o
devagar. – Acho que algumas mulheres
têm esse azar – provoquei. – De
encontrar o idiota certo logo de
primeira. Tira a diversão de procurar
outros idiotas – expliquei devagar e ele
riu. – Mas a gente ganha tempo. E você
sabe que, pra mim, eficiência vem em
primeiro lugar. – Pisquei um olho.
– Tem certeza?
– Amor – Gargalhei baixinho. – No
que você estava pensando? A gente nem
namorava quando Devon me tocou no
palco e você lhe deu um murro. Você me
viu nua na cama do Allender e depois
nem conseguia olhar pra mim! A gente
transou na frente de todo mundo no
banheiro do bar, mas no segundo que o
cara do casal ao lado tentou me tocar,
você me agarrou e me levou para longe
de lá antes que eu percebesse o que
tinha acontecido. Você é exibicionista e
nunca se incomoda com público. Mas no
segundo em que alguém me toca, você
começa a passar mal.
– Não gosto – resmungou, dando de
ombros. – Mas não sou seu dono.
– Ninguém acha isso, amor. Mas você
é ciumento. No que estava pensando
quando resolveu sugerir que eu ficasse
com outro homem?
– Você precisa experimentar, Mina.
Não é certo uma mulher conhecer só um
homem na vida.
– E certo é você querer definir o que
é bom ou ruim para mim?
– Você não sabe porque só transou
com um. Ter parceiros diferentes é uma
experiência importante.
Travei os lábios, sentindo a irritação
que finalmente me atingiu.
– Strome, senta aqui. – Indiquei a
cama e ele obedeceu, cansado. – Você e
seus amigos confundem liberdade sexual
com necessidade sexual. É a minha
virgindade, tudo de novo! – reclamei. –
Perder a virgindade cedo, perder a
virgindade tarde, perder a virgindade
em uma grande ocasião com o homem da
sua vida, perder a virgindade com um
desconhecido em um bar... Não faz
diferença! O que importa é o que a
pessoa quer. É o que nos faz bem. –
Segurei seu rosto em minhas mãos. –
Não é porque prezamos a liberdade
sexual que devemos cumprir todos os
quesitos da lista de “sexo livre”.
Ryker apertou minha mão com
carinho, beijando o canto da minha
boca. Não devolvi o beijo, porém, assim
que ele se afastou, passei o polegar
pelos seus lábios deixando-o beijar
meus dedos. Apoiei um joelho de cada
lado de seu quadril, estirado sobre a
cama. Pressionei meu nariz contra o
dele, montada em seu colo. Fechou os
olhos, inspirou meu cheiro. Coloquei
seu pescoço entre minhas mãos em
busca de sua boca.
– Gosto de sexo safado e
exibicionista. – Ri, Ryker não abriu os
olhos, ainda procurando minha boca. –
Mas só gosto de sexo com você – admiti
com um sussurro. – Se a mulher transa
com três homens por noite ou se transa
com um só a vida inteira, também não
faz diferença! Desde que seja a vontade
dela. O que lhe faz bem. E eu... – Beijei
sua boca. – Eu sou apaixonada pelo meu
idiota e não quero outro. Obrigada.
Entendeu? Ou quer que eu use palavras
mais fáceis?
– Tanto faz. – Raspou a língua no meu
queixo. – Não consegui ouvir mais nada
depois do “sexo safado e exibicionista”.
– Ah, é?
– Humm. – Seu gemido de
concordância se transformou em um
gemido de algo mais e suas mãos
estavam apertando minhas nádegas, por
baixo do vestido. Eu me movi em seu
colo, montando em sua ereção e
estimulando-a com minha virilha. Ryker
apertou minha cintura com força
suficiente para atrapalhar minha
respiração. Escorreguei minha língua
pela sua garganta, bebendo sua saliva,
piscando os olhos pesados, me
entregando ao momento. Toque rápidos
de lábios molhados e olhos abertos,
Ryker me observou com um meio-olhar.
Me desejando. Implorando. Beijos
intensos de bocas sedentas e olhos
cerrados. Segurando-o pelas orelhas,
engoli sua aflição. Agarrei seu pescoço
e ele se levantou, pegando-me por baixo
dos joelhos antes de me jogar de volta
na cama.
– Amor, dois dias para o casamento –
lembrei, rindo.
– Que casamento, senhorita? – Ele
riu. Muito, muito safado. – Eu só fui
contratado para vir até aqui. Dançar pra
você.Te deixar molhada. Te comer, se
tivesse a chance. – Lambeu meu queixo.
– A senhorita está noiva? – Beijou meu
pescoço, raspando os dentes na minha
pele, me fazendo suspirar até transpirar.
– Seu noivo tem coragem de te deixar
sozinha assim, às vésperas do
casamento? – Ele se pôs a me despir,
com os dentes no meu mamilo.
– Ah, fiz um acordo com ele – gemi. –
Nada de sexo por um mês antes do
casamento.
– E ele aceitou esse absurdo? –
Fingiu estar chocado.
– Deu trabalho.
– Imagino. – Engoliu um de meus
seios. – Não deve ser fácil abrir mão de
ter esses peitinhos lindos na boca. –
Mordiscou a carne ao redor da auréola.
– Mas ele acabou aceitando. –
Apertei minhas pernas, sentindo-o entre
elas. Crescendo. Esfregando-se em uma
parte que ficava mais e mais sensível.
– Como pode um homem aceitar um
acordo desses? Deve ser um idiota. –
Riu.
– É o que eu vivo dizendo –
provoquei e ele me mordeu no seio, com
um pouco mais de força. – Ai! – Ri,
dando-lhe um tapa no topo da cabeça.
– Mas é um idiota que sabe dançar? –
Voltou para minha boca e apenas
consegui gemer em resposta. – E comer?
Ele sabe te comer?
– Como ninguém – gemi, desesperada.
Ryker tinha tirado minha calcinha e
despido meu vestido. Eu já estava aberta
e encharcada.
– Ah, então é um desafio. Tenho que
te foder melhor do que ele, não é isso?
Para você se despedir da vida de
solteira antes de casar com o idiota?
– Vai ser difícil. – Balancei a cabeça.
– Ninguém jamais me enlouqueceu como
ele. Em cima da cama ou fora dela. Ele
é o único que me deixa molhada.
– Humm... – Deslizou a boca pelo
meu estômago, me fazendo arquear as
costas enquanto ele agarrava meus seios.
– Se você não ficar molhada sozinha,
vamos ter que fazer algo a respeito.
Sua boca atingiu o meio de minhas
pernas. Eu estava pingando tão
incontrolavelmente que, quando sua
língua me atingiu, suas lambidas mais
removiam meu suco do que me
molhavam. Contudo, sua saliva em
minha pele causava um eterno efeito
sobre minha libido e eu explodi. Enfiei
as mãos em seus cabelos só para gemer
seu nome.
– Quem é Ryker? – Beliscou minha
bunda à medida que afundava o nariz em
minha bocetinha. – Sou só um stripper,
senhorita.
Ryker me engolia pela vagina
enquanto prosseguia com sua
brincadeira de interpretação. Eu urrava
baixinho e ele me lambeu e mordeu até
me fazer atingir o limite, de modo que
mal me penetrou e eu atingi um orgasmo
violento. Seu movimento continuou
enquanto ele me cobria com seu corpo.
Exatamente como a dança que tinha me
oferecido: movia as nádegas em golpes
fluidos e constantes, me fodendo
devagar, me impelindo a arreganhar
pernas e boca mesmo que o orgasmo já
tivesse me atravessado. Algo voltou a se
formar em meu estômago. Intenso e
poderoso. Agarrei seus cabelos com
força.
– Humm... mais um? – Ele mordeu o
lábio, se segurando para não terminar. –
Com dois seguidos assim, acho que eu
ganho do idiota, não?
Eu quis continuar a brincadeira, mas o
grito foi mais forte que eu. Berrando seu
nome a plenos pulmões, eu estava certa
de que o resto da festa nos escutaria sem
problemas.
Ele me beijou e gemeu na minha pele.
Meu nome misturado com seu sentimento
de posse.
Mina... Minha...
Mordi seu queixo largo, sentindo sua
barba por fazer furar meus lábios. A
explosão de alívio foi ainda mais forte
que a anterior, sentindo-o derramar seu
prazer dentro de mim.
Ryker resfolegava, visivelmente sem
ar. Uma gota de seu suor escapou de sua
testa para a minha antes de ele grudar
nossos rostos em um beijo ainda
ofegante. Ele não saiu de mim e as
palavras que escaparam de seus lábios
foram mais doces que seus lábios em si.
– Sou teu – sussurrou. Tão baixo. Tão
doce.
– Eu sei. – Acariciei seu rosto,
apenas para ter minha mão roubada por
sua boca e, assim, coberta de beijos. – É
por isso que não quero mais homem
nenhum.
Ele sorriu e se voltou para a cama,
saindo de mim. Nos deitamos um sobre
o outro, uma mistura de corpos tão
completa que era difícil determinar se
quem me abraçava era ele ou se era eu
quem o envolvia. Corpos entrelaçados.
Entre beijos e sorrisos, olhares e
confidências, nos esquecemos das
pessoas que nos aguardavam do lado de
fora.
Eu e Ryker.
Era isso que acontecia.
Nós esquecíamos todo o resto.
Entrelaçados, nós deitamos.
Entrelaçados, nós esquecemos.
E entrelaçados, nós dormimos.
Naquela e em todas as outras noites
de nossas vidas.

Você também pode gostar