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Esse é um dos meus livros, “meio copo” nê? É sim!

Ele faz parte de uma coletânea de cinco livros


pequenos, com a grande missão de criar nas pessoas
o gosto pela leitura e de amarra-las à literatura. Tal
como eu estou.
Do que se trata? Na verdade, eu nem sabia. Apenas
atirava para fora o que o cérebro me dizia. Mas
quando parei para pensar, percebi que dentro do
drama vivido pela prima Josefa, estava uma vida
muito real, vivida pelos meus tios e pela minha
A JURA
querida mãe. É como uma boneca-russa, uma dentro
da outra.
O que é a JURA? Porque eu te contaria aqui?

Voando… Paulo Almeida África Nhanga

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Luanda, Bita-Tanque- Zona A, Rua da Hospedaria
Ana e filhos
Whatsapp:953082568
E-mail-pauloafrica200@gmail.com
Telefone: 933580107- 953082568

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O Autor
Paulo Almeida África Nhanga é o pseudónimo do
escritor, professor, programador de página web e para
Engenheiro informático Paulo de Almeida, que nasceu
aos 20 de abril de 1998, em alguma parte do mundo.

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Agradecimentos
Agradeço primeiramente a Jah, pelo dom da vida.
Por me dotar de capacidades que me permitem
pensar sempre fora da caixa.
Agradeço aos meus queridos pais pela educação,
e pelo seu exemplo em lutar para conseguir realizar
os nossos sonhos.
Aos meus irmãos, agradeço pelo companheirismo
e por todos os segredos.
Profundos agradecimentos vão para o grande
poeta Mister Gaio (Gevaldo Lutucuta). Muito
obrigado por ter sido a minha primeira cobaia nesse
projecto.
Agradeço também a grande poeta Sandra Meekly,
pela ajuda na partilha do PDF.
A ti, querido(a) leitor(a) pela paciência.
A mim agradeço por lutar, crescer e melhorar.

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Comentários do autor
Uma coisa é certa, o tamanho de um livro não
determina a sua profundidade.

E, um livro é muito mais do que o


empilhamento de folhas quer físicas, quer
virtuais contendo um índice, uma introdução, um
desenrolar e uma conclusão com o intuito de
explicar o dizer encontrado na primeira folha
página, que se chama capa.

Acredito nisso pelo facto irrefutável de, se


que todos os dizeres escritos nos papéis
estiveram antes na mente do seu escritor, então
são partes dele. Literalmente!

E sendo a criatura humana tão complexa e


extraordinária, cada livro merece o nosso devido
respeito e leitura.

Essa é a maneira que encontrei para introduzir


esse mais do que empilhamento de papéis.

Aqui estou, de novo, arquivando por escrito


os delírios da minha alma. E agora que tenho a
tua atenção, peço a tua sintura.

Esse é um dos meus livros, “meio copo” nê?


É sim! Ele faz parte de uma coletânea de cinco
livros pequenos, com a grande missão de criar

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nas pessoas o gosto pela leitura e de amarra-las à
literatura. Tal como eu estou.

Do que se trata? Na verdade, no princípio eu


também não sabia e fazia-me a mesma pergunta.
Apenas atirava para fora o que o cérebro me
dizia. Mas quando parei para pensar, percebi que
dentro do drama vivido pela prima Josefa
(personagem principal), estava uma vida muito
real, vivida pelos meus tios e pela minha querida
mãe. É como uma boneca-russa, uma dentro da
outra.

Eu concordo com o Sam The Kid quando ele


diz que “a nossa linguagem, o modo nos
expressamos é nossa identidade”. O português de
Portugal é o correcto, sem dúvidas. Contundo,
não podemos nos esquecer que ele tira “a piada
da coisa” pelo mesmo motivo.

A nossa variação linguística apimenta ele, dá-


lhe um novo rosto. E eu nunca trocaria isso por
nada, irei sempre leva-la comigo.

Pensa por exemplo na expressão “mambo”,


ela pode significar qualquer coisa.

Eu não traduzi o nosso linguajar, não sou


digno disso. E isso tornou a narrativa mais viva.
E, vida, quem não quer isso?

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A jura

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A jura
Ontem, Domingo, na sentada familiar que teve lugar
na casa dos meus avós -após o alambamento do meu
tio, no sábado- o meu avô voltou a contar aquela
história da jura.
Essa história aconteceu em Kakulama, um dos
municípios de Malange e, desde lá já se passaram
muitos e muitos anos…
Se está desejoso de ouvir, procure por um lugar
calmo, senta-te, que te vou contar de tintim por
tintim! Se tiver também um sumo de múkua não o
deixes aí “junte o útil ao agradável”
Prima Josefa como era conhecida lá na banda, era
pobre…
-Mas sou rica em familha!
Respondia ela sempre que a vida ou as pessoas lhe
fizessem recordar da sua condição financeira
humilde.
E não mentia, ninguém podia descordar disso.
Afinal a mulher tinha sete filhos e quatro netos que
viviam com ela, lá naquela cubata feita de adobo,
pau-a-pique e capim seco.
Mas como é que ela os sustentava se o marido dela
o mano António era um autêntico Kakuamero, e ela

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ainda tinha aquela perna nbunko que lhe dava uma
dor dos diabos?
-Deus é poderoso, o que não me deram nas pernas
compiletas, me deram nas mãos com muita
pulungunza.
Defacto a mulher era forte madié! O avô contou-nos
que era como ela trabalhasse com a força de quatro
homens fortes.
Era assim todos os dias: A Prima Josefa ia para a
lavra bem cedo, mas antes, já deixava as mandiocas
fervidas e o café para os seus kassulas.
E quando voltava ainda vendia kaporroto que vinha
lá do Muate.
Naquela época a permuta ainda predominava era
dessa maneira que ela pagava a escola de alguns de
seus filhos e do seu primeiro neto.
A mulher não parava, nunca comia do pão da
preguiça, por vezes, quando a velha porta de madeira
de sua casota caísse e os homens que faziam o
trabalho demoravam a chegar, ela mesma começava
o trabalho.
Calçava as suas botas rotas da lavra, amarrava o seu
lenço a cabeça como se fosse capacete, e lá ia ela.
Pó, pó, pó…. Pregando as madeiras

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Mas afinal, o que é a jura e o que é que a Prima
Josefa, essa mulher iletrada tem haver com o
assunto?
A pobre mulher tem tudo haver. E da maneira mais
dolorosa possível.
O que eu não te contei até agora é sobre outros
parentes da Prima Josefa.
A mãe dela que viveu até oitenta anos de idade, teve
dez filhos. Mano António foi o primeiro, depois
vieram Nando, Joaquim, Minguito, Lena, Teté,
Azarado, Laurinda, Pedrito e a prima Josefa como a
kassula, a quem a mãe não escondia o amor que
sentia.
Mano António e Minguito, calharam na rusga e
foram capturados para lutarem na guerra, onde
morreram.
Nando, granda sonhador foi às Lundas com o sonho
de que apanharia uma camanga bem grande, e que
com ele compraria uma casa para a mãe, lá em
Luanda.
O que lhe aconteceu lá até hoje ninguém sabe ao
certo. Porém, ele nunca mais voltou. Depois de dez
anos um primo deles chamado Mateus, disse ter lhe
visto a cinco anos atrás.
O gajo trouxe só mais esperança na velha que já
estava cansada, aguardando o último suspiro.

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Dos sete que ficaram, Lena conheceu o cunhado
Paulino, que depois de lhe fazer o alambamento
mudaram-se para Luanda quando as portas abriram.
Joaquim, Teté, Azarado, Laurinda, Pedrito e a prima
Josefa. Eram esses os que ficaram lá em kakulama,
vivendo suas vidas como podiam…
Teté tinha o seu alambique, portanto, era assim que
ela ganhava a vida, vendendo kaporroto. Os
negócios iam bem, afinal era a bebida favorita, ou
então a mais barata para os comandos que ficaram,
depois da guerra.
Contudo ela andava sempre com um olhar meio
triste no final de seus olhos, entre outras coisas o
motivo principal era o facto de que não podia ter
filhos. E há quem se preocupava em lhe jogar isso
na cara.
Azarado aprendeu a medicina com os brancos que
vinham de Cuba, então, após ter aperfeiçoado
conseguiu abrir um pequeno consultório. Na
verdade, foi o primeiro consultório aberto por um
Malangino. E dessa maneira tornou-se o primeiro
enfermeiro da sua linhagem.
Laurinda era conhecida por ser comerciante de
quase tudo, mas principalmente de carne de caça.
Contudo, a mulher era muito temperamental. Nunca
fugia de uma boa luta, ou como prefiro chamar, um
bom bilo.

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Pedrito, ou Kimbaya como era conhecido lá em
kakulama era o irmão mais achegado a prima Josefa.
Por mais que tivesse um bom coração, os problemas
corriam sempre em sua direcção, ou o contrário.
O mano Joaquim era diácono na igreja BOM DEUS.
E tinha a prima Josefa, com a pele mais escura que
os seus irmãos, esquecia de algumas coisas, mas
nunca de um pano na cintura e um lenço na cabeça.
E a coisa mais peculiar nela é que, acontecesse o que
acontece, ela nunca parava de sorrir.
As suas vidas andavam normal até que…
Numa certa manhã, uma como qualquer outra, a
prima Josefa havia acordado bem cedinho, como o
seu costume. Na verdade, o dia só nascia, o
horizonte estava lindo, por um lado estava a cor
azulada da madrugada e, por outro o sol que saia da
casca.
A mulher, levou para fora as mandiocas que tinha
cultivado, levou o seu banquinho de madeira
também e a panela escura.
Sentou-se no banquinho, cascou as mandiocas,
apanhou lenhas lá fora, juntou-as e acendeu o lume.

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-Mamã!
Gritou uma voz saindo de dentro da casa ainda
escura…
-É quê essa hora, mas gritá assim!?
Perguntou a mulher correndo para dentro, por pouco
ainda não tropeçava naquela panela escura que
fervia aos gritos…
-É quê intão mô nené?
Perguntou ela ao seu casula, Nando que nomeara em
homenagem ao seu irmão desaparecido.
-Sonhei male mamã.
Disse a criança com a voz ainda amarrotada,
enquanto esfregava os olhinhos.
-Tá amarrado mô kassule, Deus tá connosco.
Disse ela, amarrando a criança de oito anos às
costas.
Nessa, hora já estavam todos acordados, então, ela
voltou a sua atenção à panela fervente.
Há quem lá na banda estaria a xingar de torta a
direta, caso o filho lhe contasse o que o pequeno
acabava de contar a mãe. Mas, a prima Josefa não
era assim.

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Sentada outra vez no seu banquinho, fechou os olhos
e fez uma oração. Essa era outra coisa de que ela não
se esquecia.
Depois de servi-los da mandioca quente, repartiu o
trabalho entre os miúdos, pediu que cuidassem dos
netos e do seu casula, amarrou o pano a cintura e o
lenço a cabeça, levou a enxada ao ombro e foi à
lavra.
Mano, nem era ainda hora de voltar lá, quando ela
olhou em direcção ao sul e viu poeira e alguém à
frente dela…
Era Zezito, correndo em direcção à sua tia como uma
Palanca fugindo de Leões famintos.
-Ché Mbunda wala ni Karinbwébwe, tás estragar as
mubangas, num consegues andar? Olha o gajo tipo
avô Tito Malundo!
Gritou ela com o rapaz.
-Tia, vamo lá incasa…
Disse o miúdo respirando sem modos.
Nessa hora, vendo assim o miúdo magro, com o suor
caindo como as quedas de Kalandula. Prima Josefa
percebeu que algo sério tinha se passado.
-Mi fala intão Zito, é quê?

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O miúdo já estava lá afrente, correndo outra vez. Os
mais velhos escolheram-no para ir chamar a Prima
Josefa, porque o miúdo era bom em dar lengueno.
Percebendo a seriedade do que talvez estivesse
acontecendo, a mulher, com a perna direita manca
correu! mano, nem ias acreditar.
Quando chegou em casa, metade do bairro já lá
estava. Chorando a nossa maneira mwangolé.
Nando, o casula havia partido para o descanso
prematuramente, após ter caído acidentalmente lá no
poço de casa.
Nunca se viu a Prima Josefa tão triste. A mulher que
só sabia mostrar os dentes não importando a vida
dura que carregava até nas pontas de seus cabelos,
mostrava agora uma expressão totalmente contrária.
Nós de maneiras que por vezes nem contamos
cativamos as pessoas, mudamos alguma coisa nas
suas vidas.
Na sua angústia, Prima Josefa recebeu conforto de
pessoas que nem esperava, pessoas que dariam tudo
para faze-la sorrir, tal como ela as fazia.
Depois do sucedido ela nunca mais foi a mesma.
Nada se compara a dor de uma mãe!
Porque afinal o sonho de todo o pai é que os seus
filhos e netos cavem o seu túmulo, ver o contrário é
um sentimento bastante corrosivo.

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A mulher corajosa, ia à lavra, mas o medo da perda
a obrigava a pensar no que estaria a acontecer lá em
casa. Depois punha-se a chorar com toda amargura
além da compreensão.
Depois de ter perdido Nando, Prima Josefa teve de
enterrar mais três filhos num período de três anos,
um em cada.
Malange inteira comentava o que estava
acontecendo com Josefa.
Mas, em contrapartida, a outra fofoca ainda mais
famosa era a prosperidade da Teté enquanto a sua
irmã sofria.
Teté, mulher estéril, que pouco visitava resto de seus
irmãos era malfalada por este motivo.
E ao contrário do que acontecia com a sua irmã, ela
prosperava. Já sabes como aqui na nguimbe é, todos
começaram lhe acusar já.
A mulher passou a ter mais dois alambiques,
aumentou o tamanho da casa e comprara mais duas
bicicletas.
Era essa a conversa do povo que prefere perder a sua
vida falando mal da vida dos outros:
-Ela é quem está a comer os sobrinhos dela, num tão
ver ela tá a subir? até tá mais bonita!
-A Jiboia é a assim wé, come e troca de pele.

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Esse assunto começou a se tornar mais público, de
modos que, as pessoas até passaram a lhe jogar
piadas sempre que ela passasse pela rua.
Isso até gerou lá um bilo entre a Teté e uma das suas
vizinhas, parece que o nome dela era Minga. Muitas
bassulas, roupas interiores e peitos a mostra, e
mbendas, muitas mbendas.
Então, o Soba lá do bairro naquela época, Velho
Joaquim Kachinganeka, convocou Josefa e os seus
cinco irmãos.
Assim que os viu, pediu que se sentassem nos
bancos feito de madeira, e começou logo com os
seus provérbios…
O velho acordou cedo e foi plantar, vinha a seca ele
irrigou, veio o sol ele cobriu, vieram os macacos
para roubar, ele cansado gritou e os malandros
fugiram.
Agora que ele recolheu, não acham que o mais velho
merece ficar com o que é dele?
Perguntou o homem sábio. E continuando disse:
-Josefa deu sua vida pra os filhos dela, assim vocês
é que têm o direito já de lhe negar ficar com eles?
Ela num pode envelhecer em paz? Tem que sofrer
tipo a vossa mãe?

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-A amanhã, vamos descobrir quem tá comer os
miúdo da outra, hoje mesmo ninguém mais vai sair
daqui, senão ainda vão esconder as vossas procarias.
Depois de dizer essas palavras decisivas ficou claro,
amanhã teria jura.
Jura era o ritual por meio do qual se descobria
qualquer coisa, especialmente quem voava de noite.
O inocente podia ficar calmo, mas quanto ao
culpado, essa já era outra história…
O comunicado foi passado para Kakulama inteiro.
As notícias correram tão depressa que, na manhã
seguinte, estavam todos reunidos à frente da casa do
Ngana Soba.
Depois, todos em fila caminharam para o sul, em
direcção ao lugar que segundo a descrição do meu
avô era um tribunal tradicional.
O lugar ficava bem afastado da civilização, era vasto
e com acentos feitos de troncos de árvores.
Sentavam-se de modo que os assistentes e o Ngana
Soba pudessem olhar um para outro
O homem idoso levantou o seu bastão, e deu um
grito. Estava aberta então a sessão!
Seus ajudantes fizeram uma pequena escavação em
forma de trincheira, que os acusados teriam de
passar por três vezes.

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A seguir, ele pegou uma pequena tigela de barro
onde colocou um pedaço bastante seco do tronco de
uma árvore, da qual não se pode dizer o nome, e
começou a tritura-lo até ficar pó.
Essa árvore cresce lá no fundo do mato, e possui
apenas dois troncos, um virado para o sul e outro
para o norte.
É curioso o facto de que nenhuma outra ave pousa
sobre ela anão ser a coruja. E as suas folhas não
caem amenos que sequem por completo.
Então com o cenário todo arranjado, passaram a
chamar um a um. Primeiro chamaram Pedrito.
O homem magro também sofria pela perca dos
sobrinhos, afinal, ele era o melhor amigo da sua
irmã, e quase um pai para os seus sobrinhos.
-Pedrito?
Chamou o Soba.
-Sim papá! Estou aqui.
Respondeu ele bastante sereno.
-Se queres me contar algo me fala mbora mô filho…
Disse o Soba.
-Tá tudo dito, os filhos da minha irmã também têm
o meu sangue. São meus filhos, como os meus são
dela.

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-Salta o buraco três vezes.
Ordenou o Soba
E assim ele o fez.
-Joveta, ainda tem tempo mô netinho.
Disse o idoso novamente.
-Estou bem avô…
-Abre a boca…
Disse ele.
Pedrito abriu a boca e lhe foi colocado o pó e um
pouco de água para que pudesse engoli-lo…
Depois de algum tempo ele ainda estava aí,
vomitando tudo.
Ouviu-se palmas, Pedrito era inocente.
O mesmo sucedeu com todos, incluindo Teté, a
pessoa de quem todos desconfiavam.
De tanta vergonha quase ninguém conseguia olhar
para a senhora. Pois para o povo, a jura era infalível
e estava comprovado então a inocência dela.
-E quem paga ou apaga todo o sofrimento que ela
viveu durante os anos passados?
-E porque é que sempre nos foi mais fácil levantar
os nossos dedos mesmo que machucados e culpar

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alguém, do que abrir os nossos lábios ou braços e
confortar?
São essas e outras perguntas que eu me fazia
enquanto ouvia isso.
Então, será que a morte dos filhos da prima Josefa
num foi mbora só azar dela?
Era essa a pergunta que não se calava… até a prima
Josefa ter feito um sinal para o soba.
-Papá…
Sussurrou ela.
-Sim Netinha.
Respondeu o mais velho olhando para ela.
-Tem uma coisa, mô pai!
-Podes falar…
-Papá, no dia que o Nando morreu ele sonhou que
alguém estava a lhe apertar no sono…
Já consegues imaginar os zongola a esticarem o
pescoço para ouvirem…
-Era quem?
Perguntou o Soba de uma forma estranha.
-Era você papá, ele me contou que era o papá. E o
Paulino também disse que sonhou com pai a lhe dar
corrida com uma catana na mão.
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Ela pronunciou essas últimas palavras gritando. Foi
um grito misturado com dor, raiva e decepção
profunda.
Criou-se então um tumulto, todos falavam ao mesmo
tempo, houve até quem dissesse que faria sentido se
assim fosse.
Afinal, o Soba Joaquim Kachinganeka é irmão do
falecido pai da Prima Josefa.
Já que os seus irmãos Joaquim, Azarado, Pedrito
tinham abdicado, e eles apenas tinham filhas os
filhos homens dela eram futuros dignos do Sobado.
Se eles morressem o trono continuaria apenas na
parte do mais velho Joaquim.
-Assim quês o quê?!
Perguntou ele
-O papá também tem que tomar a Jura…
O mais velho bem que quis fugir, mas o bairro todo
estava aí assistindo.
-Você não tem força pra isso minha netinha…
Disse ele desdenhando da sobrinha.
-Por isso é que eu chamei o mais velho Almeida,
Soba do Bulo!
Respondeu ela triunfante.

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Sem escapatória, o mais velho aceitou. Afinal, quem
não deve, não teme. Mas será que ele não temia
mesmo.
-Salta o buraco três vezes velho Joaquim. Disse-lhe
o Soba Almeida.
Ele saltou…
-Abre a boca mais velho.
Não essa não é a tua boca, você não é peixe….
Ninguém via de concreto o que estava a acontecer,
por isso é que o Velho Almeida fez a questão de
relatar o que passava no mundo deles.
-Ele tá abrir a boca de peixe.
Desse ele.
-Essa boca não, você num é Javali mais velho.
Disse ele pela segunda vez.
-Hã, estás aqui, encontrei, a tua boca é essa mais
velho. Tá esconder porquê? Toma lá, engole isso pá!
Assim que engolio, ele começou a passar mal,
tentava vomitar, mas nada saía.
-Conta tudo mais velho, o dia chegou. Faz a tua neta
entender o porquê!
Disse o Soba do Bulo.

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-Eu é quem matei as tuas crianças, me pediram carne
para continuar na cadeira do soba. Desculpa
Netinha.
O Velho Joaquim morreu ao proferir essas últimas
palavras. E nem foi enterrado em conforme.
Mas a Prima Josefa ainda teve compaixão e chorou
a morte do velho. Aquela mulher tinha um coração
grande.
Na minha opinião oxalá tivessem também um ritual
para trazer de volta à vida os filhos da pobre Prima
Josefa.
A prima, os seus irmãos, os filhos que restaram e os
seus netos, continuaram com as suas vidas.
Ela continuava a orar todas a noites, e antes de
dormir, repetia os nomes de todas pessoas que
perdera. Desde o seu pai, irmãos e filhos. Pedia que
lhe ajudassem a cuidar dos que haviam ficado.
Todas as manhãs como o seu costume, ela acordava
cedo, levava para fora as mandiocas que tinha
cultivado, junto com o seu banquinho de madeira
também e a velha panela escura.
Se sentava, cascava as mandiocas, juntava as lenhas
lá fora e acendia o lume.
O riso lhe voltara nos lábios, não há quem ela não
cativasse.

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Azarado aumentou o tamanho do consultório em
Kakulama, ensinou dois dos filhos da Prima Josefa.
Com o passar do tempo abriu um outro consultório
na carreira.
Teté passou a visitar seus irmãos e acabou por adotar
um menino no hospital das Madres.
Laurinda foi para Luanda e seguia com a sua vida de
comerciante na praça das Bananeiras.
Pedrito conseguiu um dinheiro e construiu uma casa
para a sua melhor amiga.
Joaquim tinha a sua paróquia.
Com o passar do tempo a maioria dos descendentes
dos Kachinganeka mudaram-se para Luanda.

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