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A Padaria

de
Varsóvia
Uma menina, um relógio, um amigo e o muro.

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Polônia, 31 de agosto, 1939
Piotrkow Trybunalski
06h54min

A menina

O som do rádio estava com muita interferência naquela manhã. Mesmo


que o velho homem sentado ao seu lado insistisse em acertar o ponteiro do dial,
o som cortava várias vezes a voz do locutor até que de repente surge uma
explosão de estática.
- Maldição! Grita Benesh Smojvitz, o patriarca da família. Sua filha Eidel que passa
pela sala olha para ele com um semblante reprovador, mas com um pequeno
sorriso e o lembra: - Daqui a pouco é shabat, Aba! Ele sem olhar para ela acena
com uma das mãos como se tentasse dar um tapa no ar e ainda resmunga
algumas palavras inaudíveis e insiste girando o botão ora para direita, ora para
esquerda em busca de saber as notícias da manhã. Eidel continua a sua
caminhada em direção a escada. Ela tem uma missão: tirar da cama a pequena
Perle. Nunca foi fácil, mas Eidel já estava acostumada com essa tarefa desde que
perle iniciou seus estudos na Escola Pública há cinco anos.
No quarto com o teto pintado de branco e as paredes com papeis azuis e
pequeninas flores vermelhas e rosa, haviam uma escrivaninha de carvalho,
presente de aniversário de seu zeide, ali ela possuía algumas fortunas: uma
caneta tinteiro, um bloco de papel, que nunca usava, afinal eram de folhas rosa.
Como ela conseguiria outras folhas com aquela cor? Um guarda-vestidos de
duas portas de tom escuro ficava próximo a sua janela onde Perle havia desenhado
em sua lateral algumas flores quando pequena. Na ocasião ela ficou de castigo. Aquele
quarto representava mais do que um lugar de repouso, era para ela um lugar
onde ela criava suas estórias, brincava com suas bonecas e havia se declarado a
Princesa da Polônia.
Subindo as escadas Eidel se dirige diretamente ao quarto. A porta, como
sempre, estava encostada. Perle jamais a fechava. Talvez fosse o reflexo da
menina que insistia que o vento que uivava no início do inverno na verdade
eram lobos vorazes, e afinal de contas quem não tem medo de lobos? Então a
solução mais prática e corajosa, além de dormir sozinha naquele quarto perigoso, era de
deixar a porta encostada, para no caso de uma fuga no meio da noite não ser necessário
ter que alcançar a maçaneta. Empurrando a porta levemente a surpresa: Perle
estava de pés, descalço, vestida com sua camisola branca e olhando fixo através
de sua janela para a rua que passava ao lado de sua casa. Eidel a fitou por
alguns segundos ainda na porta de entrada e em seguida deu alguns passos em

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direção a janela. Perle não se movia, estava parada, imóvel. Suas mãos no
batente da janela apontavam para uma tensão, afinal o que ela estava vendo?
Sua mãe então decidida a entender o que ela via seguiu seu olhar na mesma
direção de Perle. Do outro lado da rua havia apenas a loja de tecido do
Feinbergs, com a pequena porta e a vitrine de vidro que expunha alguns tecidos
e um manequim com um belo vestido. Seguindo, ao lado, as lojas de
aviamentos e quinquilharias dos Wentniz, a livraria da senhora Marirt, e a
coluna que sustentava a casa sobre a padaria onde moravam já não permitia
mais a visão da pequena rua.

O que estava fazendo com que Perle ficasse tão parada, congelada, sem
dar uma única palavra no momento? Sua mãe então decide entender melhor.
Abaixando ao lado da filha e ficando de joelhos ao seu lado, segura em seus
ombros e a gira em sua direção. Olhos nos olhos, as duas se fitam. A menina
continua estática. – O que aconteceu filha, porque você está tão assustada? O que você
viu? Me mostre, fale alguma coisa! Perle então, apenas se vira em direção da janela
e com uma expressão de confusão e interrogação, por fim balbucia algumas
palavras: - Quem era o homem que estava parado lá fora? Eidel se vira rapidamente,
e se apoiando no batente da janela fica de pé colocando parte do corpo para fora
da janela em uma tentativa brusca de ver a tal pessoa que assustara sua filha...
em vão. Preocupada, mas tentando disfarçar o sentimento, Eidel diz: - Ei, não há
ninguém lá fora, mas já sentiu o cheiro dos seus pães preferidos que o zeide fez para
você? Eles estão açucarados, não é ótimo? Vamos trocar essa roupa, e descer para o
desjejum!

Enquanto ajudava Perle a vestir suas roupas, Eidel notava que a menina
estava, como se, esquecendo do acontecimento que havia lhe causado espanto.
Ela já começava a brincar e a se movimentar evitando que as meias entrassem
de forma correta no pé. Eidel nunca imaginaria que essa pequena bagunça seria
um bom sinal. -Vamos mocinha, não podemos deixar nossos pães esfriando!
Inesperadamente a menina que estava com seu vestido, meias e os sapatos nos
pés, rapidamente se levantou e correu para as escadas. Eidel com um misto de
susto e um sorriso no rosto seguiu perle. Ainda nas escadas a menina gritou: -
Zeide, zeide! Foi a única forma de fazer com que seu avô deixasse o rádio de lado
e esquecesse de ouvir as notícias, afinal a neta sempre foi a sua prioridade!
Virando-se rapidamente em direção a voz da pequena Perle, ele abriu um
sorriso seguido de seus braços para um abraço especial. - Aaaahhhh brachá!!!!!
Minha linda!!!!! Com os olhos fechados e sua neta nos braços àquele padeiro que
estava acordado desde as três horas da manhã sentia-se revigorado. – Dormiu
bem? Perle que sorria nos braços do avô parece que estava voltando no tempo,
tempo esse que era de apenas alguns poucos minutos atrás, mas a figura que ela
olhava pela janela voltou a sua memória. O sorriso se fechou. A testa foi

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franzida, e a pergunta veio... – Zeide, quem é aquele homem que fica sempre próximo
a livraria da senhora Marirt? Dessa vez a expressão facial a mudar foi dele. –
Homem, mas que homem? A pergunta foi feita enquanto ele a colocava no chão.
Durante alguns segundo eles se fitaram, e a pergunta foi novamente feita – Que
homem?

A pergunta não respondida por Perle que deixara um silêncio no ar, foi
interrompida pelas palavras de Eidel... – Papai, não se preocupe, não é nada! Vamos
ao café? Ela fez a última pergunta, apontando para a mesa que estava posta.
Como sempre a mesa estava pronta com aparelho de chá que pertencera a
Ayda, mãe querida de Eidel que deixou boas lembranças e ensinamentos para
sua única filha. E nesse exato momento, como se uma nuvem de fumaça
tomasse o lugar ela viu a sua mãe colocando a última xícara na mesa, e olhando
para ela sorria e acenava com a mão como se dissesse: - Venha, esse é o seu lugar!
Ela lembrou de que naquela mesma mesa tomou uma refeição muito especial
aos dezessete anos, tendo coragem de dizer a frase mais difícil de sua
adolescência. Ela precisava dizer que estava enamorada de um jovem que
amava os livros, mas não de forma a lê-los e sim de fazê-los.

O pai de Perle que estava distante naquela manhã, não estaria presente
no café. Distante cerca de cem quilômetros, ele havia ido em busca de materiais
importantes para a sua prensa. A paixão pelos livros o levara não apenas a
imprimi-los, mas também a criar um jornal. Antes de sair de casa, na noite do
dia trinta, ele havia ido até o quarto de Perle e beijado sua testa. Então descendo
as escadas e beijando sua esposa, ele saiu para dirigir seu pequeno caminhão
que estava estacionado do outro lado da rua, bem em frente de sua gráfica e
jornal.

Depois de conseguir conduzir o pai e sua filha, finalmente até a mesa


para o café, todos se sentaram e finalmente a brachá foi recitada pelo avô que
antes estava praguejando por conta do rádio fora de sintonia. Durante o
momento da bênção a menina insistia em não fechar os olhos afinal olhar para
seu avô de pés na cabeceira da mesa era uma imagem que para ela a enchia de
força e de alguma forma a deixava segura mesmo que todos os dias a mesma
cena se repetisse. Por fim, sentaram-se para comer as maravilhas feitas pelas
mãos do habilidoso padeiro.

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