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Terapia do Esquema no tratamento do Transtorno de Personalidade Borderline.

Ricardo Wainer.
Psicólogo; Doutor em Psicologia (PUCRS); Especialista e Supervisor Credenciado pela
International Society of Schema Therapy (ISST); Professor Titular do Curso de Psicologia da
Escola de Humanidades da PUCRS; Diretor da Wainer-Psicologia Cognitiva (WP).

Seção Roteiro.
- Introdução
-Terapia do Esquema: Aspectos Teóricos e Técnicos
- Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs) e Domínios Esquemáticos e
- Processos Esquemáticos
- Modos Esquemáticos
- Repaternalização Limitada e Confrontação Empática
- Terapia do Esquema no Transtorno de Personalidade Borderline
- Exemplo Clínico
- Considerações Finais
- Referências Bibliográficas

Introdução.
Dentre as modalidades clínicas para o tratamento do Transtorno da Personalidade
Borderline (TPB), a Terapia do Esquema (TE) ocupa um lugar de relevância graças aos seus
comprovados resultados tanto no esbatimento das sintomatologias mais graves, quanto na
manutenção por longo prazo dos resultados obtidos no curso do tratamento (Bakos, Galo &
Wainer, 2015; Bamelis, Evers, Spinhoven & Arntz, 2014; Masley, Gillanders, Simpson &
Taylor, 2012).
A TE constitui-se numa modalidade avançada de psicoterapia Cognitivo-
Comportamental (TCC), sendo considerada uma psicoterapia integrativa, por mesclar
elementos de diversas outros sistemas terapêuticos, tais como Gestalt, Teoria do Apego,
Psicanálise, entre outros.
No seu surgimento, a TE focalizou seus conceitos e técnicas justamente para o
tratamento dos transtornos da personalidade. Ela veio com o propósito de suprir algumas
limitações percebidas no uso da terapia cognitiva tradicional com pacientes caracteriológicos
(Beck & Freeman, 1993), principalmente no que dizia respeito à aderência destes pacientes ao
tratamento e à manutenção dos ganhos terapêuticos (Young, 2003).
As inovações oriundas das concepções quanto à gênese e ao desenvolvimento da
personalidade normal e patológica, assim como das premissas quanto ao que é necessário para
a mudança terapêutica, levaram a que diversas outras TCCs tenham absorvido ideias da TE
em suas formulações. Além dos bem estabelecidos resultados da TE nos transtornos de
personalidade, principalmente com Borderlines, Narcisistas e Antissociais, ela também vem
sendo usada com sucesso para o tratamento de outras patologias complexas, como abuso de
substâncias, transtornos alimentares e conflitos de casais (Ball, Cobb-Richardson, Connolly,
Bujosa, & O’Neall, 2005; Ball, 2007; Carter et al., 2013; Cockram, Drummond & Lee, 2010;
Simpson, Morrow, van Vreeswijk, & Reid, 2010). Também tem sido considerada significativa
na explicação da relação entre as vivências infantis e o desenvolvimento de disfunções ou
psicopatologias na vida adulta (Wainer, 2014).
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Terapia do Esquema: Aspectos Téoricos e Técnicos.


Dentre as mais relevantes proposições teóricas da TE destacam-se os constructos dos
Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs), dos Domínios Esquemáticos (DEs) e dos Processos
de Manutenção Esquemática (PEs). Os EIDs são esquemas mentais primitivos relacionados a
temas centrais do desenvolvimento da identidade pessoal e que nascem em épocas específicas
da infância ou adolescência. Associado a esta concepção temporal do desenvolvimento dos
esquemas, têm-se os Domínios Esquemáticos, que correspondem a cinco etapas/tarefas a
serem cumpridas no desenvolvimento da personalidade. Assim sendo, todos os indivíduos
passam por estes domínios durante seu desenvolvimento cognitivo e emocional. Havendo
déficits em cada um destes domínios, o indivíduo acabará por desenvolver um ou mais EIDs
destes DEs que, por sua vez, determinará a percepção e estratégias de enfrentamento típicas
deste sujeito ao lidar com algumas temáticas específicas ao longo de toda sua vida (Young,
Klosko & Weishaar, 2008).
Os Processos Esquemáticos (PEs) são os mecanismos de adaptação (tanto externa
quanto interna) que fazem parte dos estilos de enfrentamento do sujeito (coping styles). Eles
foram desenvolvidos ao longo da infância e adolescência como a melhor forma de se adaptar
às condições ambientais a que foi exposto em diferentes momentos cronológicos (Wainer,
2015).
Já com relação à abordagem técnica, a TE tem alguns aspectos bem distintos da TCC
tradicional. Embora a TE também utilize os princípios da descoberta guiada e da análise e
redução das distorções cognitivas da TCC, há muitos outros recursos técnicos, como, por
exemplo, o uso mais sistemático da relação terapêutica como veículo de mudança e o trabalho
com imagens mentais do passado. Entre as principais contribuições técnicas têm-se a
psicoeducação sobre os EIDs, a Repaternalização Limitada e a Confrontação Empática que,
posteriomente serão explicadas.

Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs) e Domínios Esquemáticos.


Os Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs) são padrões comportamentais, cognitivos
e emocionais que se desenvolvem desde a tenra infância até a adolescência e influenciam
recorrentemente toda a vida do sujeito, trazendo sofrimento e prejuízo em diversos contextos.
Young (2003) postula que alguns esquemas, especialmente os desenvolvidos na infância e em
decorrência de experiências estressantes e tóxicas, são centrais no aparecimento de
transtornos de personalidade e em outras condições mentais.
Cada um dos dezenove EIDs identificados por Young (2003) formam-se da interação
entre três fatores: o temperamento emocional; as vivências sistemáticas com as figuras de
afeto e cuidados da infância; e o nível de gratificação das necessidades emocionais básicas de
cada período do desenvolvimento (Wainer, Paim, Erdos & Andriola, 2016).
São dezenove EIDs identificados pela TE, sendo eles agrupados em cinco categorias
de necessidades emocionais não satisfeitas, chamadas de Domínios Esquemáticos, como pode
ser visualizado no quadro 01.
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Quadro 01: Domínios Esquemáticos, Tarefas Evolutivas, Falha na Etapa e Esquemas Iniciais
Desadaptativos Associados
Domínio Tarefa Falha na EIDs Associados
Esquemático Evolutiva Etapa
1o Domínio Aceitação e Rejeição e Abandono, Privação Emocional,
Pertencimento Desconexão Defeito/vergonha,
Abuso/desconfiança, Isolamento
Social/alienação e Indesejabilidade
Social
o
2 Domínio Senso de Autonomia e Fracasso, Vulnerabilidade,
Autonomia e Competência Dependência/incompetência e
Competência prejudicados Emaranhamento
Adequado
3o Domínio Limites Limites Autocontrole e Autodisciplina
Realistas Insuficientes Insuficientes e
Grandiosidade/merecimento
4o Domínio Respeito aos Orientação Subjugação, Auto-sacrifício e Busca
seus Desejos e para o Outro de Aprovação/reconhecimento
Inclinações
5o Domínio Expressão Supervigilância Inibição Emocional, Padrões
Emocional e Inibição Inflexíveis/hipercriticidade,
Legítima Negativismo/pessimismo e Caráter
Punitivo
Adaptado de Wainer, 2016.

Os Domínios Esquemáticos são as cinco etapas evolutivas sucessivas durante as quais


se estabelecem as principais crenças e regras deste indivíduo sobre dimensões centrais da
formação de sua identidade.
Dentro de uma perpectiva patológica, o primeiro domínio é intitulado Desconexão e
Rejeição, e pessoas com EIDs deste domínio comumente acreditam que suas necessidades
básicas de cuidado, proteção, empatia, segurança e estabilidade não serão atendidas (Young,
Klosko & Weishaar, 2008). A necessidade básica a ser suprida para a transição saudável
durante este primeiro DE é a de afeto. Assim, um aporte inferior de afeto ao necessário às
demandas oriundas do temperamento da criança, determinará problemas neste DE e, portanto,
o estabelecimento de EIDs. Pode-se então dizer que, as maiores fontes de problemas neste DE
são as negligências afetivas e/ou traumas que suprimam esta demanda de afetividade por parte
dos cuidadores. Pacientes com TPB têm este domínio como o mais prejudicado de todos,
sendo o maior responsável por suas dificuldades de regulação emocional e interpessoal, bem
como na estabilização de seu autoconceito e autoestima.
O segundo DE é Autonomia e Desempenho Prejudicados, e pessoas com EIDs neste
domínio têm dificuldades em perceber sua capacidade em viver de forma independente e
funcional. A necessidade emocional a ser atendida neste domínio é incentivo à ação e
autonomia. No TPB é comum identificarmos vários dos EIDs deste domínio ativados, fazendo
com que o indivíduo tenha grande dificuldade de confiar nas suas habilidades de lidar com as
demandas de sua vida.
O terceiro DE é o dos Limites Prejudicados e é caracterizado por dificuldade em
respeitar os direitos das outras pessoas, e em cumprir com metas e compromissos
pessoalmente assumidos. Para uma transição saudável por esta etapa, os cuidadores devem
fornecer limites afetivos claros e constantes, evitando assim o surgimento de EIDs. Este
domínio relacionado aos limites internos e externos é marcadamente afetado no TPB. Os
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comportamentos adictos (das mais variadas ordens), assim como a impulsividade constante e
a raiva descontrolada são frutos do EID de Autocontrole e Autodisciplina Insuficiente gerados
por um ambiente permissivo e pouco estruturado.
O quarto DE é chamado de Orientação para o Outro, e é caracterizado pela
preocupação exacerbada com as necessidades dos outros, em detrimento das suas próprias.
Respeito aos desejos e inclinações pessoais é o que vem a garantir uma transição normal por
este domínio. Novamente pode-se identificar dificuldades dos indivíduos com TPB nesta
dimensão da personalidade, até pela ocorrência típica de situações de amor condicional por
parte dos cuidadores e figuras de afeto com a criança.
O quinto DE é o da Supervigilância e Inibição. Esquemas deste domínio levam à
supressão da expressão espontânea de emoções e sentimentos, direcionando a pessoa a
esforços para cumprir regras rígidas e inflexíveis quanto ao desempenho pessoal. Ambientes
que validem as expressões emocionais de todos os tipos é o que fornece as necessidades
emocionais desta etapa. Embora os pacientes borderlines tenham alguns EIDs deste domínio,
o que mais se percebe da alteração deste domínio neles é a Inibição Emocional, onde o sujeito
não demonstra uma modulação coerente entre os estímulos/situações vivenciados e suas
emoções.

Processos Esquemáticos.
Os PEs são os mecanismos característicos que a pessoa utiliza ao longo do tempo para
perpetuar os EIDs. Tais processos (que compartilham características com os conceitos
psicanalíticos de “mecanismos de defesa” e “resistência”) vão sendo desenvolvidos ao longo
da infância no intuito de promover a adaptação do indivíduo ao seu ambiente, mas acabam
por se tornarem desadaptativos na vida adulta ao consolidarem os EIDs.
Os PEs são fundamentalmente três: Manutenção do Esquema; Evitação do Esquema e
Hipercompensação do Esquema.
A Manutenção Esquemática refere-se a comportamentos e cognições disfuncionais
que acabam por reforçar diretamente um esquema. Em termos cognitivos, pode-se observar o
mecanismo de manutenção por uma atenção tendenciosa, supervalorização e distorção de
informações que são consistentes com o esquema. É o funcionamento mais comum dos
indivíduos. No TPB vemos os comportamentos de escolha de parceiros abusadores, de
relacionamentos instáveis e de colocação em situações de risco como típicos deste processo.
Em termos de cognições, as crenças e pensamentos automáticos de que se será abandonado,
rejeitado ou abusado são manutenções esquemáticas dos EIDs de abandono, defeito e abuso,
respectivamente.
A Evitação Esquemática, por sua vez é o processo de perpetuação dos EIDs através da
evitação de informações/situações/pessoas que possam contrariar as crenças do esquema. O
objetivo é evitar um contato direto com o esquema, uma vez que isto gera experiências de
intensidade emocional elevada, geralmente desconfortáveis. Algumas condutas típicas do
TPB relacionadas á evitação são o uso de substâncias e outras adicções que funcionam como
modos de desconexão com o sofrimento que sentem. O funcionamento robotizado e
desatento/distraído também são formas de evitação de sentimentos negativos.
Compensação Esquemática ou Hipercompensação é um modo de supercompensar os
EIDs, dando origem a comportamentos e cognições radicalmente opostos ao que seria
esperado com base no esquema em questão. Embora aparentemente este processo venha a
diluir uma estrutura já cristalizada, usualmente o resultado é a obtenção de dados que
corroboram o esquema. Um exemplo típico de Hipercompensão nos indivíduos borderlines é
o comportamento altamente emaranhado e exigente com seus pares afetivos que, tenta
compensar o sentimento crônico de abandono, mas que, no final da maioria das situações,
acaba tendo como desfecho a rejeição destes pares.
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Na TE, um dos objetivos é psicoeducar o paciente sobre seus EIDs e processos


esquemáticos e, então, trabalhar para que haja uma mudança nos estilos de enfrentamento
gerando maior adaptabilidade à vida atual e os novos relacionamentos. Contudo, esta
abordagem mais geral da TE tem demonstrado algumas dificuldades quando se trata de casos
muito graves (por exemplo com os pacientes Borderlines, Narcisistas e Antissociais) onde os
pacientes apresentam diversos EIDs, bem como PEs muito enraizados. Para estas situações,
foi desenvolvido o trabalho com os Modos dos Esquemas, uma forma avançada da TE e que,
na atualidade, tem sido priorizada por seu caráter mais objetivo e didático para o paciente
(Wainer, 2015).

Modos Esquemáticos.
Os Modos dos Esquemas (ME) ou Modos Esquemáticos são padrões característicos de
funcionamento do indivíduo (principalmente nas relações interpessoais) que agrupam em si
um certo número de EIDs, bem como de PEs. Deste modo, um ME consiste num estilo global
do funcionamento do sujeito quando em determinada estado de ativação emocional. Esta
ativação funciona como espécie de gatilho para o ME. O Modo Esquemático é o estado
predominante da pessoa num determinado momento e inclui sentimentos, pensamentos,
formas de enfrentamento saudáveis ou não que são vivenciados em determinada situação.
O sujeito pode mudar de modos saudáveis para modos desadaptativos quando suas
necessidades emocionais não forem atendidas e, portanto, quando um EID estiver acionado.
Relevante salientar que, evolutivamente falando, os MEs foram funcionais em algum
ponto do desenvolvimento do indivíduo, como uma estratégia que lhes permitia obter suas
necessidades básicas emocionais. O problema é que este mesmo padrão acaba sendo ativado
sem maiores adaptações ao universo adulto e, portanto, com grandes probabilidades de
desadaptação.
Fundamentalmente se trabalha com dez MEs, divididos em quatro categorias.
Atualmente, este número é bem maior, a partir de novas pesquisas no tratamento de outras
classes de transtornos mentais (Vreeswijk, Broersen & Nadort, 2012). No quadro 2 são
apresentados estes dez principais MEs.

Quadro 2: Modos Esquemáticos


MODOS CRIANÇA
MODO DESCRIÇÃO EIDs RELACIONADOS
Criança Vulnerável Vivencia sentimentos disfóricos ou Abandono, desconfiança/abuso,
ansiosos, em especial medo, tristeza privação emocional, defectividade,
e desamparo quando em contato com isolamento social, dependência-
esquemas associados incompetência, vulnerabilidade,
emaranhamento, negatividade-
pessimismo
Criança Zangada Libera raiva diretamente em resposta Abandono, desconfiança/abuso,
a necessidades fundamentais não privação emocional, subjugação
satisfeitas ou tratamento injusto
relacionado a esquema nuclear
Criança Impulsiva / Age impulsivamente, segundo Arrogo, autocontrole insuficientes
Indisciplinada desejos imediatos de prazer, sem
considerar limites nem as
necessidades e sentimentos dos
outros.
Criança Feliz Sente-se amada, conectada, contente Nenhum
e satisfeita.
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MODOS PAIS DESADAPTATIVOS INTERNALIZADOS


MODO DESCRIÇÃO EIDs RELACIONADOS
Pai/Mãe Punitivo- Restringe, critica ou pune a si ou aos Subjugação, postura punitiva,
Crítico outros defectividade, desconfiança/abuso
(como abusador)
Pai/Mãe Exigente Estabelece expectativas e níveis de Padrões inflexíveis, autossacrifício
responsabilidade altos em relação
aos outros e pressiona-se para
cumpri-los
MODOS DE ENFRENTAMENTO DESADAPTATIVOS
MODO DESCRIÇÃO
Capitulador Adota enfrentamento baseado em obediência e dependência.
Complacente Tem o propósito de evitar maus-tratos reais.
Protetor Desligado Adota estilo de retraimento emocional, desconexão, isolamento e evitação
comportamental, podendo agir de modo robótico.
Utilizado para fuga de estados emocionais negativos.
Hipercompensador Estilo de enfrentamento caracterizado por contra-ataque e controle. Pode
hipercompensar por meios indiretos, como trabalho excessivo.
Utilizado para fuga de estados emocionais negativos.
MODO ADULTO
MODO DESCRIÇÃO
Adulto Saudável Identifica suas necessidades e vulnerabilidades e busca supri-las considerando
o contexto social, podendo retardar a gratificação se necessário.
Adaptado de Young, Klosko & Weishaar (2008).

No tratamento dos transtornos da personalidade utilizando-se os Modos Esquemáticos


(como no caso da personalidade Borderline) a sequência almejada consiste em:
- Levar o paciente a que ele consiga se conectar e validar seu modo Criança
Vulnerável, compreendendo as origens de suas necessidades emocionais básicas não
atendidas e, assim, permitir-se ter compaixão por esta “criança”, validando sua
necessidade emocional. Assim sendo, os MEs Criança sempre devem ser validados e
compreendidos na sua razão de ser. Mesmo os modos Criança mais disfuncionais (por
exemplo, a Criança Zangada, típica do transtorno de personalidade borderline) devem
ser validados, pois isto é o que permitirá que um ME mais saudável (Adulto Saudável
ou Criança Feliz) possa prevalecer;
- Fortalecer o Adulto Saudável, pois que este é o ME que gera equilíbrio entre a
identificação e aceitação das necessidades emocionais não atendidas com a busca de
formas racionais e adultas de obtenção – podendo, portanto, retardar gratificações
quando preciso. Em alguns casos, como em pacientes borderlines muito graves, este
modo pode não existir ou ser muito frágil, levando o terapeuta a funcionar como o
“Adulto Saudável” durante certo tempo;
- Combater os MEs dos Pais Desadaptativos Internalizados, pois são os
responsáveis pelos sintomas psicopatológicos mais graves e disfuncionais, como, por
exemplo, tentativas de suicídio, automutilações etc;
- Substituir os Modos de Enfrentamento Desadaptativos. O terapeuta tem a missão
de conduzir o paciente a perceber a função que cada um deste MEs teve em tenra
idade e, reavaliar se na atualidade este enfrentamento tem gerado desfechos positivos.
Todo este trabalho realizado sempre com numa postura não crítica e de validação dos
sentimentos do paciente. Nos casos de TPB é muito importante que o terapeuta
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consiga transpor o modo Protetor Desligado, que é, juntamente com a “Criança


Zangada” os modos mais prevalentes.

Repaternalização Limitada e Confrontação Empática.


A Repaternalização Limitada e a Confrontação Empática são os recursos terapêuticos
mais significativos da TE. Eles são os principais veículos para que se obtenham as mudanças
cognitivas, emocionais e interpessoais em indivíduos com graves psicopatologias de
personalidade.
Young postulou a necessidade destes dois recursos para que se pudesse reverter a
carência das necessidades básicas não atendidas ao longo da infância e adolescência, bem
como alterar as estratégias de enfrentamento primitivas e ineficientes para as necessidades da
vida adulta.
A Repaternalização Limitada consiste em o terapeuta buscar o preenchimento das
necessidades emocionais básicas não atendidas do paciente através da relação terapêutica,
dentro dos limites da relação profissional (por isso limitada). O terapeuta demonstra
consideração e enfatiza os direitos do paciente de atingir tais necessidades. É muito comum o
ser humano ser crítico às suas necessidades/vulnerabilidades, considerando-as fraquezas. Este
é um dos mecanismos mais prejudiciais à saúde mental, pois leva o indivíduo a se culpabilizar
ou até se autopunir.
Já a Confrontação Empática é uma técnica derivada da proposta de estilos de
comunicação da Terapia Comportamental-Dialética. Objetivo superar os processos naturais de
resistência na terapia, mas que podem ser causa de completa estagnação ou mesmo abandono
do tratamento. Ela será aplicada naquelas situações onde o paciente não responde a uma
abordagem racional e sutil do terapeuta e, portanto, um estilo mais confrontativo se faz
necessário para que os EIDs sejam acessados e modificados. O terapeuta busca um equilíbrio
entre validar e ser empático com o sofrimento e queixas do paciente, ao mesmo tempo que
explicita a necessidade de alguma modificação no modus operandi deste para não haver a
perpetuação deste sofrimento.
O uso da Repaternalização Limitada e da Confrontação Empática associadas às
técnicas imagísticas (utilizadas para ressignificação de memórias infantis estressantes e/ou
traumáticas) tem demonstrado efeitos sinergísticos para a mudança esquemática (Zamberlan,
Feix, Pizarro & Wainer, 2011; Zanatta, Costa & Wainer, 2013).
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Terapia do Esquema no Transtorno de Personalidade Borderline.


O desenvolvimento da TE e o TPB tem íntima associação, sendo a psicopatologia com
maior número de ensaios clínicos realizados. Isto se dá justamente pela grande adequação do
método às necessidades destes pacientes.
A TE é um tratamento completo para esta população e que tem demonstrado ganhos
concretos em medidas como a qualidade de vida e custo-efetividade (Neele, Jacob & Farrell,
2012).
As modalidades de TE para os pacientes borderlines iniciaram com os tratamentos
individuais – primeiramente abordando os EIDs e, posteriormente os Modos Esquemáticos.
De forma inovadora, Farrell, Shaw & Webber (2009) demonstraram a viabilidade e novos
ganhos terapêuticos no trabalho de grupoterapia para esta população.
Neste capítulo, é apresentada a abordagem mais utilizada no tratamento da TE com
pacientes com TPB, que é a dos Modos Esquemáticos (Dickhaut & Arntz, 2014). Tal
tendência se deve a facilidade de entendimento e, posterior, monitoramento por parte do
paciente dos seus modos de funcionamento e, assim sendo, maior velocidade nos ganhos
terapêuticos e autonomia.
Conforme já bem descrito no capítulo 1, os pacientes com transtorno de personalidade
borderline apresentam-se altamente disfuncionais na maior parte do tempo, requerendo ajuda
de forma significativa. Igualmente, são pacientes que tiveram histórias de vida marcadas por
sofrimentos e negligências significativos desde muito cedo.

Transtorno de Personalidade Borderline e EIDs.


Os pacientes borderlines apresentam uma quantidade de EIDs muito maior que o da
população não clínica e a maior dentre os pacientes com transtornos da personalidade. Isto
decorre de terem sido privados dos níveis saudáveis de cuidados e afetos muito precocemente.
Como decorrência destas carências e/ou cuidados tóxicos, tais indivíduos apresentam
comprometimento em todos os seus Domínios Esquemáticos, sendo os mais gravemente
prejudicados os três primeiros.
Em termos de EIDs, é bastante comum encontrarmos na clínica psicoterápica
pacientes com todos ou quase todos os EIDs ativados! Isto pode ser comprovado pela
aplicação do Questionário de Esquemas de Young (Young & Brown, 2001) ou mesmo pela
observação clínica e história de vida. Entretanto, os EIDs mais importantes em termos de foco
terapêutico são os de Abandono, Defeito/Vergonha e Abuso/Desconfiança. Mesmo se
trabalhando com os MEs, ainda assim é de relevância psicoeducar o paciente sobre estes três
EIDs, fazendo-o compreender e aceitar como eles são consequências lógicas da forma como
foram tratados em seus ambientes primeiros.
A partir da constante ativação destes EIDs é previsível a complexidade no
atendimento deste indivíduos, porque eles pressupõem que ninguém os tolerará em virtude
dos seus defeitos (incapacidade para serem amados) e que os outros ainda tenderão a abusar
deles.

O Trabalho com os Modos Esquemáticos e a Personalidade Borderline.


Pacientes borderlines apresentam caracteristicamente os seguintes Modos
Esquemáticos de Funcionamento (Arntz, 2012):
- Criança Vulnerável (abandonada, abusada e defeituosa;
- Criança Zangada;
- Criança Indisciplinada-impulsiva;
- Pais Internalizados Disfuncionais – Hipercríticos e Punitivos
- Protetor Desligado;
- Modo Hipecompensador: provocativo e ataque.
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Pode-se reparar que o Modo Adulto Saudável não é típico nestes indivíduos quando
chegam iniciam o atendimento, assim como o Modo Criança Feliz também não. O terapeuta
deverá funcionar como uma referência do “Adulto Saudável” para o paciente, até ele ou gerar
o seu ou vir a fortalecer o que possui. Já a “Criança Feliz” acaba se expressando quando do
combate aos Modos Pais Disfuncionais Internalizados.
A meta do tratamento é que o paciente identifique suas vulnerabilidades (Criança
Vulnerável), bem como as necessidades básicas não atendidas (que são a base do sofrimento
desde os primórdios). A partir disso, ele é psicoeducado a respeitar tais vulnerabilidades, não
as criticando ou ignorando.
Os demais “modos” são investigados em relação aos seguintes aspectos:
- Que situações ativam o “modo”, e qual (is) necessidade (s) está (ão) em pauta;
- Quais as características (pistas) de que o “modo” está ativado (pode ser o tom da voz,
o distanciamento afetivo, o uso de violência etc);
- Quais as lembranças da infância e/ou adolescência onde lembra de agir de modo
similar;
- Que situações da vida atual, além da específica que ativou o modo, também o fazem
ou fizeram.
O paciente é estimulado a abdicar do uso de estilos de enfrentamento mais
desadaptativos, por outros mais funcionais, como aqueles relacionados aos “modos” “Criança
Feliz” e “Adulto Saudável”.
Há uma sequência de passos para o trabalho com os modos, que buscam, desde a
identificação do ME até o trabalho de ressignificação das memórias e a revivência de
emoções reprimidas de situações tóxicas da infância. Tal método de trabalho tem
demonstrado resultados significativos e duradouros (Weertman & Arntz, 2007).
A sequência de passos para o trabalho com os Modos Esquemáticos é:
1. Identificar e dar nome aos MEs do paciente;
2. Explorar a origem e (quando for o caso) o valor adaptativo dos modos na infância ou
na adolescência;
3. Relacionar os modos desadaptativos a problemas e sintomas atuais;
4. Demonstrar as vantagens de modificar ou abrir mão de um modo se estiver
interferindo no acesso a outro modo;
5. Acessar a criança vulnerável por meio de imagens mentais;
6. Realizar diálogos entre os modos. Inicialmente, o terapeuta proporciona modelos do
modo adulto saudável; posteriormente, o paciente representa esse modo;
7. Ajudar o paciente a generalizar o trabalho com modos em situações de sua vida fora
das sessões de terapia.
Considerando o TPB e seus modos mais típicos, o quadro 03 ilustra os objetivos
terapêuticos que o clínico deve buscar atingir com esta população.
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Quadro 03: Objetivos Terapêuticos com os Modos Esquemáticos em TPB


MODOS FUNÇÃO DO MODO OBJETIVOS TERAPÊUTICOS
CRIANÇA Expressar Necessidades Validar a expressão da Criança,
Emocionais Básicas auxiliando o paciente a adotar formas
mais adaptativas de expressão
quando for o caso (por exemplo,
utilizar a Criança Vulnerável ao
invés da Criança Zangada)
Criança Vulnerável Apresenta sentimentos Conectar-se emocionalmente com
(abandonada, abusada, disfóricos, sintomas de esta criança vulnerável, trazendo
defeituosa) desesperança, depressão, conforto e proteção. Sendo muito
ansiedade e medo. Acredita importante proporcionar um apego
que ninguém conseguirá suprir seguro, com constância em suas
suas demandas, desconfiando atitudes. Demonstrar aceitação e
das intenções dos outros. valorização de suas características,
Sente-se rejeitada e solitária. estimulando a autoconfiança.
Busca demonstrar
explicitamente as suas
necessidades básicas não
atendidas com afeto
congruente.
Criança Zangada Mostra-se hostil, expressando Acolher e validar seus sentimentos,
raiva intensa em busca de aceitar a raiva, ao mesmo tempo em
justiça a suas necessidades não que busca o real motivo deste
satisfeitas. Por vezes, pode se sentimento (as necessidades não
mostrar como uma criança supridas). Empatizar com as queixas,
birrenta, revelando explosões demonstrando investimento e
de raiva. A agressividade é o preocupação com o indivíduo, com
formato que obteve atenção e intuito de formar um vínculo seguro
cuidado dos pais para com as para ele. Ajudá-lo a expor sua raiva,
suas necessidades não mas também ensiná-lo a expressar
atendidas quando de sua suas necessidades e sentimentos de
infância e/ou adolescência. uma forma mais assertiva.
Criança Impulsiva/ Atua de forma impulsiva, sem Terapeuta busca desenvolver limites
Indisciplinada considerar os limites dos realistas e afetivos, estimulando a
outros. Busca saciar seus reciprocidade na relação. Tenta fazer
desejos de maneira egoísta. com que estabeleça um compromisso
Apresenta baixo controle de com o terapeuta. Terapeuta
suas emoções e impulsos. Pode pode, por vezes, frustrar paciente e
se comportar como uma ajudá-lo a lidar com este sentimento,
criança mimada, demonstrando auxiliando a enfrentar sentimentos
baixa tolerância à frustração. negativos de uma forma adaptativa.
Agindo de modo hedonista,
tenta suprir, em alguma
medida, suas necessidades
emocionais não atendidas.
MODOS FUNÇÃO DO MODO OBJETIVOS TERAPÊUTICOS
PAIS Auto e hetero críticas e Combatê-los em todas as situações,
DISFUNCIONAIS punições nas mais diversas demonstrando ao paciente
INTERNALIZADOS situações. MEs totalmente (principalmente através dos
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desadaptativos e considerados exercícios com imagens mentais) que


prejudiciais em todos os os cuidadores falharam ao lhe
sentidos. A adoção deste negar/criticar/punir a busca das
funcionamento ocorre como necessidades emocionais na infância
uma consequência direta da e/ou adolescência.
justificativa inconsciente que a
criança criou para suportar as
agressões dos cuidadores e,
assim, manter-se junto deles.
Pai/Mãe Punitivo Expressões de agressividade, Combater o ME através de uma
intolerância, impaciência e sequência de passos que vão, desde
completa falta de indulgência auxiliar o paciente a identificar o
para consigo mesmo. Alto padrão que ele assume ao utilizar
nível de culpa e autocrítica este ME, bem como os gatilhos
para qualquer erro ou deslize ambientais e/ou internos que ativam
cometido. Não é um ME o modo. Após, levar o paciente a
adaptativo sob nenhum conectar-se, através de trabalhos com
contexto e, assim como todos imagens mentais, com situações do
os MEs dos Pais Disfuncionais, passado onde os cuidadores foram
teve serventia, no passado, para punitivos, demonstrando como eles
suportar as agressões e acabaram por falhar no suprimento
negligência dos cuidadores. de suas necessidades emocionais
básicas. Elaborar estratégias
alternativas para lidar com as
situações atuais (da vida adulta) em
que este ME é sistematicamente
ativado, desativando-o.
Pai/Mãe Hipercrítico O paciente acredita e busca Idem ao ME dos Pais Punitivos.
seguir um código rígido de
regras e valores. Impõe-se
elevados padrões de
competência e perfeccionismo,
vendo as atividades e
sensações de prazer como
ameaçadoras à sua eficiência.
Dificilmente sente-se realizado
ou satisfeito com seus
resultados em qualquer tarefa.
Da mesma maneira que o ME
dos Pais Punitivos, este ME
formou-se na
infância/adolescência do
paciente porque havia a
necessidade de justificar a
crítica excessiva do meio e,
assim, conseguir suportar as
emoções negativas
vivenciadas.
MODOS FUNÇÃO DO MODO OBJETIVOS TERAPÊUTICOS
ENFRENTAMENTOS Tentativas de lidar com Identificar o ME, psicoeducar o
12

DESADAPTATIVOS contextos/estímulos/pessoas paciente a respeito, validar os


geradores de emoções sentimentos vinculados e demonstrar
negativas e/ou de formas de que tal ME teve adaptabilidade no
maus tratos. passado e que hoje ainda pode ter.
Entretanto, demonstrar os prejuízos
do uso sistemático e intensivo de um
destes ME e como podem ser
intercambiados por outros estilos de
enfrentamento mais adaptados ao
contexto atual.
Protetor Desligado O paciente se desconecta de Nomear o ME, bem como indicar os
sentimentos e pensamentos padrões comportamentais, afetivos e
desagradáveis através de uma cognitivos que assume na vigência
atitude desatenta, desconectada deste. Demonstrar que este ME foi
dos estímulos externos e/ou válido no passado (infância e
internos. Pode assumir uma adolescência) e continua sendo em
atitude robótica, desatenta, algumas ocasiões específicas e
pueril ou como se estivesse limitadas no tempo (como, por
sedado. Pode relatar sentir-se exemplo, numa reunião entediante)
vazio, aborrecido ou para reduzir ou evitar fortes emoções
despersonalizado. É um ME negativas. Por outro lado, levar o
adaptativo em diversas paciente a refletir sobre os problemas
situações da vida de todos, que a utilização continuada ou
entretanto, seu uso sistemático, elevada deste ME causa (desconexão
exagerado ou duradouro pode nas relações interpessoais e anestesia
impedir o sujeito de se para as emoções prazerosas da vida)
conectar também com aspectos e a buscar novas maneiras mais
positivos e prazerosos da vida. adaptativas para lidar com as
Surge como um mecanismo emoções negativas de situações
natural para diminuir o atuais do seu cotidiano.
sofrimento da criança e
adolescente em situações
eliciadoras de emoções
negativas.
Hipercompensadores Atitudes agressivas ou Levar o paciente a dar um nome ao
manipuladoras afim de ME, bem como indicar os padrões
prevenir a sensação de estar comportamentais, afetivos e
sendo controlado pelos outros. cognitivos que assume na vigência
O paciente busca sempre estar deste. Expressar empatia nos
numa posição de superioridade momentos que o paciente está sob o
em relação aos demais. Tal ME funcionamento deste ME, indicando
se desenvolveu como um sua validade no passado (infância e
estratagema para evitar adolescência), mas como tem gerado
sentimentos negativos oriundos respostas negativas de outras pessoas
de cuidadores e ambientes na atualidade (rechaço, antipatia e/ou
críticos e nos quais o afeto ou distanciamentos). Usar a relação
consideração eram terapêutica para este fim. Demonstrar
condicionais à criança ser os problemas que a utilização
especial ou a ela ter destaque continuada deste ME tem causado e
em relação aos seus iguais. incentivar a prática de modos
13

interpessoais mais adaptativos e


empáticos para lidar com as situações
atuais onde venha a se sentir
criticado, dominado ou diminuído.
MODOS FUNÇÃO DO MODO OBJETIVOS TERAPÊUTICOS
ADULTO Conjuntamente com o ME da Aumentar sua ativação (quando
SAUDÁVEL Criança Feliz, não são existente), fazendo com que seja o
desadaptativos. O sujeito age ME mais usual. Nos casos mais
e pensa de forma positiva graves de TPB, o terapeuta
para consigo, buscando funcionará como modelo
relações e atividades (modelação) do que é um “Adulto
saudáveis. Saudável”.
Adaptado de Wainer & Wainer, 2016

Percebe-se que a clínica da TE com Modos Esquemáticos requer que o terapeuta


conheça tanto os EIDs do paciente, quanto os seus próprios. Isto garante que o clínico não
seja iatrogênico com alguns pacientes, na medida que alguns EIDs do paciente naturalmente
acionarão EIDs do terapeuta no setting clínico.

Exemplo Clínico.
Ana tinha 19 anos quando da procura pelo atendimento. Sexo feminino, solteira, tendo
ensino médio incompleto. Era católica de batismo, mas se dizia sem religião. Não trabalhava
formalmente, sendo a responsável pelos cuidados da casa e alimentação dela e de sua mãe.
Era filha única de mãe solteira, sendo que nunca conheceu seu pai biológico. Segundo
sua mãe, ele teria “sumido” após saber da gravides. Ana morava com sua mãe, que tinha 45
anos e que tinha sua subsistência através de uma pensão do avô de Ana (que foi militar). A
mãe de Ana nunca havia trabalhado formalmente, tendo ensino médio incompleto e tendo
problemas de abuso de álcool e drogas desde seus 16 anos de idade.
O tratamento de Ana iniciou logo após a alta hospitalar de sua 3a internação
psiquiátrica por tentativa de suicídio. Nesta última internação, ela tinha tentado suicídio por
inalação de gás de cozinha em sua casa. Sua mãe encontrou-a desacordada e levou-a
imediatamente ao hospital. Suas outras duas tentativas de suicídio tinham se dado por uso
abusivo de medicação antidepressiva e benzodiazepínica (1a tentativa aos 16 anos) e por
abuso de analgésicos e cortes nos pulsos (2a tentativa aos 18 anos). O motivo desta sua
terceira tentativa havia sido uma discussão com a mãe, onde esta, como de costume, lhe
agrediu fisicamente e saiu de casa prometendo não mais retornar. Quando a mãe retornou 3
horas depois, foi que encontrou a filha inconsciente.
Além da queixa relativa às tentativas repetidas de suicídio, também foram elencadas
como expectativas para com o tratamento a diminuição dos acessos de fúria de Ana (que
ocorriam com a mãe e amigas), os comportamentos de ingesta exagerada de alimentos, os
comportamentos autodestrutivos como cortar e queimar os braços e as coxas e bater a cabeça
contra a parede quando contrariada. Episódios de hipersonia também foram citados como
queixas pela mãe.
A primeira entrevista teve a participação de Ana e de sua mãe, sendo que a mãe era
que apresentava, de forma crítica, as queixas em relação à filha e era insistente em dizer que
este atendimento psicológico seria a última tentativa dela para “resolver Ana”, pois que não
aguentava mais ter uma “maluca” em casa e gastar quase todo seu dinheiro com tratamentos e
remédios para a filha. Quando Ana mostrava-se incomodada pelas críticas da mãe, esta
instantaneamente olhava de modo crítico e ameaçado para a filha e dizia que ela deveria dizer
toda a verdade para o psicólogo. Num único momento durante a entrevista, Ana disse que
14

seus comportamentos eram fruto das agressões físicas e psicológicas que a mãe lhe fez a vida
toda e também por ter que lidar com as “bebedeiras” semanais desta. Novamente a mãe
colocou toda a responsabilidade em Ana, dizendo que não bebia tanto assim e que só fazia
estas coisas porque Ana a tirava do sério.
Ana era uma moça de boa aparência e denotando pequeno sobrepeso. Vestia-se de
modo um tanto infantilizado para sua idade, utilizando roupas com estampas de personagens
infantis. Sua conduta estava um tanto lentificada (o que foi justificado pelo uso de altas
dosagens de psicotrópicos) e com um afeto entre o embotado e o depressivo. Já a mãe passava
uma impressão de ser bem mais idosa do que sua idade, mostrando-se descuidada na
aparência e asseio pessoa. A conduta desta era agressiva e crítica durante toda a entrevista.
O tratamento ocorreu em clínica privada, sendo combinado uma periodicidade inicial
de três vezes por semana durante as duas primeiras semanas em virtude do risco de suicídio
ainda presente (saiu da internação por alta voluntária – mãe estava descontente com o médico
psiquiatra responsável) e para que se fizesse uma avaliação psicológica das condições de Ana.
Combinou-se com a mãe que durante este período de duas semanas, Ana não deveria
ficar sozinha. Foi explicada para ela a Ana a gravidade da situação e o impacto que o
comportamento crítico e agressivo dela causava na filha, principalmente num momento de
tamanha vulnerabilidade. Esta intervenção gerou um impacto muito positivo na relação
terapêutica com Ana, que se mostrou emocionada e aliviada com a identificação da empatia
do terapeuta por sua condição.
Nas duas primeiras semanas foram realizadas as sessões de avaliação, anamnese e
vínculo onde foram investigadas a história pregressa e história de vida atual da paciente, bem
como foram aplicados os Questionário Young de Esquemas e de Estilos Parentais.
Ana relatou que teve uma infância relativamente tranquila até os 3-4 anos de idade,
pois vivia sendo cuidada por seus avôs maternos. Sua mãe tinha uma vida bastante
desregrada, só voltando para a casa à noite, e geralmente embriagada. Ela dizia ter lembranças
vívidas de seu avô brigando com a sua mãe quando esta chegava em casa.
Informou que seus avôs, principalmente o avô, eram muito bons e cuidadosos com ela.
Como o avô já era da reserva (ex coronel do exército) e a avó, do lar, ambos se concentravam
nos seus cuidados. Lembra de ter sido bem cuidada e não sofrer nenhum tipo de agressão por
parte destes. Entretanto, relata que, desde cedo, sua mãe gritava muito com ela e, algumas
vezes, lembra que ela lhe balançava violentamente quando estava alterada (drogada ou
alcoolizada).
Dos dois até os cinco anos, ficava em casa na parte da manhã e à tarde ia para creche,
a qual lembra de gostar. Quando tinha 4 anos, seu avô faleceu num acidente doméstico (caiu
de uma escada – diz lembrar-se da cena). Isto mudou muito sua vida, pois a partir daí a mãe
começou a agir de modo mais descontrolado, ameaçando a avó de Ana, quando esta não lhe
fornecia o dinheiro que queria ou quando lhe impunha cobranças pelo comportamento
desregrado. No ano seguinte, a avô de Ana falece por complicações de um diabetes.
Ana relata que a partir da morte dos avôs sua vida mudou. Em menos de um ano sua
mãe vendeu a casa dos avôs onde moravam e se mudou para o litoral. Lá a mãe de Ana, não a
manteve em creche, sendo que ela lembra de ficar longos períodos de tempo sozinha em casa,
enquanto a mãe saia. Também lembra de a mãe ficar dormindo por quase toda a manhã e ela
sentir fome, mas não conseguir acordar esta para solicitar alimento.
A partir dos seis anos de idade, Ana ingressou numa escola, onde ficava desde cedo da
manhã até o final da tarde. Lá ela sentia-se bem, pois tinha rotina e alimentação. Referia
também que embora se sentisse segura na escola, tinha sempre muito medo que a mãe não
viesse lhe buscar no final do período, situação que ocorreu algumas vezes.
15

Diz que ao chegar em casa da escola, era obrigada a limpar a casa e ajudar a preparar a
janta. Neste momento, era comum a mãe reclamar da vida, dizendo que se ela não tivesse sido
enganada pelo pai de Ana, não teria lhe tido e estaria bem melhor.
Quanto a seu pai biológico, Ana nunca o conheceu, sendo que sua mãe disse que era
um homem que lhe enganou, pois prometeu casamento, mas, na verdade, já era casado e
quando soube de sua gravidez, nunca mais conseguiu ter contato com ele. Ana refere não
sentir nada em relação a este homem e não ter tido nunca vontade de conhece-lo.
Suas figuras mais importantes de apego foram o avô e a avó e, depois, uma empregada
que cuidou dela dos oito até os onze anos de idade.
Ficaram vivendo no litoral até que a mãe teve um envolvimento com um suposto
namorado que era traficante e que lhe roubou muito dinheiro e ainda lhe ameaçou de morte
caso não saísse da cidade. Nesta época, Ana estava com onze anos e acabaram retornando
para a sua cidade natal às pressas. Ana que estava na 6a série e com bom desempenho
acadêmico, acabou perdendo o ano letivo, pela mudança abrupta de cidade e escola.
O desempenho escolar de Ana foi bom até este momento, pois dizia que na nova
escola não era bem tratada pelos professores e que tinha muita dificuldade em fazer amigos.
Seu desempenho então decaiu abruptamente e ela, frequentemente, fingia estar doente para
tentar evitar ir à escola.
Segundo o relato de Ana, sua mãe não atendia suas solicitações de mudar de escola e,
inclusive, chamava-a de burra e preguiçosa; quando não lhe batia para que fosse forçada à
escola.
Ana identifica que suas dificuldades começaram realmente aos treze anos, quando se
envolveu com um grupo de alunos da escola considerado problemático. Começou a fazer uso
de álcool, maconha e tabaco nesta época. Também teve suas primeiras experiências sexuais,
fazendo sexo oral com garotos e garotas. Dizia que fazia isso muito mais para ser aceita e
admirada do que propriamente por desejo ou gratificação na prática. Nesta época o colégio
exigiu que a Ana fizesse avaliação psicológica como condição dela se manter na instituição.
Sua mãe aceitou, mas Ana lembra-se da surra que levou por causa disso, sendo que ficou dias
usando roupas compridas para não mostrar as marcas pelo corpo.
Foi a uma psicóloga que lhe avaliou e disse que ela precisava de acompanhamento
terapêutico e que a sua mãe também. A mãe de Ana ficou revoltada com a profissional e se
negou a dar continuidade ao processo. Como estava mais próximo do final do ano, e as notas
de Ana não estavam tão ruins, o caso acabou passando desapercebido pela escola.
Um dos acontecimentos mais graves relatados por Ana foi quando, aos seus quatorze
anos, foi abusada sexualmente por um outro namorado da mãe, durante aproximadamente
quatro meses. Este sujeito era um homem truculento que conhecia a mãe de Ana desde a
adolescência e que acabou se envolvendo com ela por estarem morando próximos. Ana nunca
gostou dele, pois além de lhe falar obscenidades, também tratava mal sua mãe, e obrigava
ambas a lhe servirem quando estavam juntos.
A primeira vez em que Ana foi abusada, foi numa noite em que sua mãe estava tão
alcoolizada que ficou dormindo enquanto este homem ingressou no quarto de Ana e lhe
estuprou. Imobilizou-a e disse que sabia que ela não era mais virgem e iria ser também
“mulherzinha” dele. Disse-lhe que sua mãe não acreditaria nela, pois ele já “tinha feito a
cabeça” dela quanto a possíveis intenções sexuais de Ana para com ele. E mais, que se ela
falasse algo, ele se vingaria das duas.
A partir daí, Ana diz que começou a beber e usa maconha todos os dias e também a ter
as primeiras vontades de se cortar. Dizia que ao se cortar ou se queimar com cigarro, sentia
um alívio e um certo prazer.
Nunca contou das violências para a mãe, pois acreditava que a mesma iria confiar
mais no namorado do que nela.
16

As violências sexuais cessaram quando a mãe de Ana traiu este namorado com outro
homem e ele acabou por abandoná-la.
O funcionamento geral de Ana, no início do tratamento, era oscilante. Ora estava
calma e distante, ora estava agitada, irritada e crítica em relação a sua vida, a mãe ao
tratamento. Em termos de metas terapêuticas só dizia que queria se sentir bem e que os
amigos fossem mais compreensivos com ela.
Tinha alterações alimentares importantes, enquadrando-se num quadro de bulimia
nervosa. Também tinha alterações em seu sono, sendo que tinha insônia inicial significativa,
com a qual ela lidava utilizando maconha ou benzodiazepínicos.
Durante o tratamento, identificaram-se dezesseis EIDs, sendo os mais intensamente
ativados os de defectibilidade/vergonha, abandono, privação emocional, abuso/desconfiança,
autocontrole e autodisciplina insuficientes, auto sacrifício e caráter punitivo.
Estes EIDs, associados a todos os dados da história clínica, levaram o terapeuta aos
diagnósticos de Transtorno de Personalidade Borderline, Transtorno Depressivo Maior
recorrente e Bulimia Nervosa.
A abordagem terapêutica adotada foi a dos Modos Esquemáticos, sendo que,
gradualmente foi possível levar Ana a perceber seu modo Criança Vulnerável (criança
solitária, abandonada e abusada), seu ME Criança Zangada (que surgia principalmente com
seus namorados, amigas e terapeuta) e também seu modo de Enfrentamento Desadaptativo
Protetor Desligado e Hipercompensador de ataque (quase que exclusivamente com sua mãe).
O ME “Mãe Punitiva” era expresso através das condutas auto lesivas, bem como as suas
críticas quanto a pessoa inaceitável que ela se considerava ser.
A maior dificuldade na relação terapêutica foi a paciente entender seu funcionamento
como resultado das falhas de cuidados que teve ao longo de sua infância e adolescência.
Sistematicamente, Ana tendia a proteger sua mãe quando o terapeuta a levava a identificar as
inúmeras e graves falhas nas condutas de cuidados de sua mãe. Dizia, então, que ela só fez e
fazia os erros por não saber fazer melhor. Ana também tinha muitas dificuldades em acolher
suas necessidades emocionais básicas não supridas, considerando isso fraqueza. Comumente
representava as colocações do terapeuta a ela como críticas ou formas de rebaixamento. Neste
momento seu ME Criança Zangada surgia e ela explicitava que não podia confiar no terapeuta
e em ninguém, pois as pessoas não lhe entendiam e nem lhe davam valor. O terapeuta, por sua
vez, desculpava-se se tinha dito algo que ela tinha entendido como agressão ou crítica,
mostrando que sua verdadeira intenção era demonstrar que entendia seu sofrimento, mas que,
ao mesmo tempo, tinha de ajudá-la a repensar sua forma de lidar com suas dificuldades
(Confrontação Empática).
O tratamento se organizou a partir de uma conceitualização de caso que é ilustrada
pela figura 01.
17

Figura 01- Conceitualização de Caso (Modos Esquemáticos) do caso Ana.

Criança Vulnerável
(abandonada e abusada)
Protetor Desligado
- Medo e tristeza
- Uso de álcool e drogas
- Desamparo
- Comer compulsivo
- Hipersonia
- Desligada e distraída
Criança Zangada
Raiva e desespero quando criticada
ou rejeitada
Ataques verbais quando abandonada

Hipercompensador - Ataque
-
- Agressões verbais e físicas a
- Medo e tristeza
mãe
- Desamparo
- Conduta sedutora e de
Mãe Punitiva desprezo em relação aos
História de abusos e invalidação outros
Automutilações, tentativas de suicídio
Auto criticismo em relação aos maus
tratos dos outros

-
- Medo e tristeza
- Desamparo

A partir da conceitualização estabelecida, Ana foi psicoeducada sobre seus principais


EIDs e de cada um de seus MEs, bem como sobre os gatilhos que a levavam a fazer a
transição de um a outro ME. Ela pode perceber que o Protetor Desligado era o que mais lhe
gerava problemas, pois as pessoas acabavam vendo-a como uma pessoa insensível e pouco
empática nas relações interpessoais, o que, de fato, ela não era. A questão é que Ana passava
boa parte de seus dias neste ME como uma forma de minimizar, ou mesmo, não entrar em
contato com os sentimentos de tristeza e medo de perda em relação a sua mãe e seus
relacionamentos afetivos (namorados e amigas). Na medida que foi podendo ter compaixão
pelos seus Modos Criança (principalmente a “Aninha solitária” e validar suas necessidades
emocionais, pode vivenciar estas e outras emoções, sem ter tanto medo delas e de suas
consequências para com os demais. Inclusive teve diversas oportunidades de mudar suas
crenças sobre o efeito de sua autenticidade emocional sobre a empatia das demais pessoas
(quando demonstrava seus medos, tristezas e alegrias em seus relacionamentos).
A maior dificuldade no tratamento de Ana foi, sem dúvida alguma, seu
relacionamento com sua mãe. Esta aceitou a indicação de também se tratar, mas deu
continuidade ao mesmo por, somente, três meses. O foco central na dependência química de
álcool fez com que ela abandonasse o tratamento e, desta forma, mantivesse condutas
agressivas e abusivas com Ana.
No início do tratamento, após a avaliação e psicoeducação da paciente, também foi
possível fazer compromissos com a mesma no sentido de interrupção de comportamentos que
afetavam sua condição de vida, assim como o próprio êxito do tratamento, como vir drogada
as sessões e as tentativas de suicídio e de automutilações. Ana teve diversas ideações suicidas
durante os dezoito meses iniciais de tratamento, mas sempre entrou em contato com o
terapeuta nestas situações, nunca necessitando mais de internações.
18

Outras condutas desadaptativas foram bastante explicitadas e abordadas com


compaixão dentro da relação terapêutica, constituindo-se num componente central do
processo de Reparentalização Limitada.
O tratamento, durante toda sua duração, embasou-se em sólidas vivencias de
Reparentalização Limitada, levando Ana a experimentar vivencias interpessoais que se
chocavam com suas expectativas derivadas de seus EIDs. Os trabalhos com imagens mentais,
onde a mesma pode combater sua mãe disfuncional internalizada, fortalecendo seu Adulto
Saudável, levou-a a perceber a importância de se distanciar de sua mãe (para maiores detalhes
sobre a técnica ver Wainer, Paim, Erdos & Andriola (2016). Para tanto, após um ano de
tratamento, Ana conseguiu concluir seu ensino médio e começou a trabalhar como vendedora
numa Petshop, chegando, no ano seguinte, a gerência da mesma. Neste momento, alugou com
uma amiga um apartamento e deixou a convivência diária com sua mãe.
A frequência de atendimentos passou, de duas vezes por semana para uma vez por
semana a partir do oitavo mês de atendimento. Isto foi determinado a partir das evoluções
terapêuticas da paciente, identificados por sua maior constância emocional, diminuição
significativa de condutas automutilatórias, pela cessação completo do uso de canabis, pelo fim
do uso abusivo de álcool e tabaco e pelo estabelecimento de relacionamentos de amizade e
amoroso mais estáveis e saudáveis (que iam no sentido de suprir suas necessidades
emocionais e afetivas).
O espaçamento das sessões é um processo importante na TE para TPB para que o
paciente fortaleça cada vez mais seu “Adulto Saudável” e possa sentir-se mais autônomo e
confiante em lidar com os fatores estressores inerentes a vida de qualquer ser humano.
O tratamento teve uma duração total de trinta meses e, ao término, a paciente não fazia
mais uso de nenhuma medicação psiquiátrica, embora estivesse bem ciente da possibilidade
de poder retornar ao uso de antidepressivos por causa de sua história de depressões
recorrentes. Em relação ao comportamento alimentar, Ana não mais se enquadrava num
quadro bulímico, tendo aprendido a alimentar-se de forma mais saudável, bem como a não
buscar alimentos como forma de reduzir a ansiedade. Diversas práticas de Mindfulness
foram-lhe ensinadas no tratamento e ela, além de ter enorme prazer em realiza-los, também
percebeu muitos ganhos com os mesmos.
Um aspecto sempre muito relevante na condução de casos com a TE é considerar a
influência dos EIDs do paciente sobre os EIDs do terapeuta (Vreeswijk, Broersen & Nadort,
2012). No tratamento de casos complexos como os transtornos de personalidade a
necesssidade de supervisão e/ou autoterapia do profissional é sempre salientada.
No início do caso de Ana, seu ME Protetor Desligado altamente ativado fazia com que
o terapeuta por vezes também se desconectasse, ficando entediado e muito cansado durante e
após o tratamento. Ao identificar isto, foi possível utilizar tais sensações do terapeuta como
pistas para pontuar à paciente se ela não estava naquele modo de enfrentamento disfuncional e
poder, então, analisar qual havia sido o gatilho para tanto (Wainer & Wainer, 2016).
Passados mais de dois anos do encerramento formal do atendimento de Ana, ela
procurou telefonicamente o terapeuta em duas outras ocasiões. Uma delas para pedir alguma
indicação de profissional médico. A outra para falar sobre o falecimento de sua mãe (acidente
automobilistico). Nesta situação, agendou-se um horário com a mesma e se pode verificar que
ela, embora vivendo o processo de luto normal, não demonstrava indicativos de culpa que
pudessem indicar a ativação do ME “Mãe Punitiva”. Houve quatro sessões e nestas, Ana pode
relatar a manutenção de seus ganhos terapêuticos, bem como sua evolução financeira e
profissional e, ainda, a felicidade por estar num relacionamento amoroso estável e de muito
companheirismo havia mais de um ano.
19

Considerações Finais.
A TE trouxe avanços consideráveis, tanto em termos do entendimento da dinâmica da
personalidade, quanto no desenvolvimento de técnicas inovadoras e empiricamente validadas
para algumas das condições clínicas mais complexas e desafiadoras, como é o caso do TPB.
Os recursos teóricos dos EIDs, dos Modos Esquemáticos e dos Processos de
Perpetuação dos Esquemas, associados a novas e poderosas abordagens técnica
(Reparentalização Limitada e Confrontação Empática) fazem com que a TE seja uma das
psicoterapias de eleição para os pacientes borderlines.
O treinamento do profissional permite a aplicação destes recursos teórico-técnicos de
forma homogênea em grupos bem treinados. Entretanto, o sucesso terapêutico somente é
plenamente atingido quando há o acolhimento empático e uma disposição quase inesgotável
do psicoterapeuta em “mergulhar” na história de vida do paciente. Porque assim conduz-se o
sujeito a ressignificar memórias de sua infância e adolescência e, então, conseguir ter uma
percepção mais adulta e emocionalmente liberta das necessidades emocionais que acabaram
lhe sendo vetadas no passado, mas as quais podem ser supridas por conexões e
relacionamentos emocionais significativos na vida atual.
O desafio é o profissional manter a consciência das suas ativações esquemáticas e,
assim, manter continuamente o processo de reparentalização do paciente.
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