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Tinha Que Ser Assim Apple Island

Gladys Fullbrook

As fotos coloridas, mostrando praias lindas, pareciam chamar por Paula. Parou,
fascinada. Tasmânia... Que exótico. Mas ficava do outro lado do mundo! E não era isso
mesmo que queria? Colocar a maior distância possível entre ela e Bob, aquele traidor? Num
impulso, tomou a decisão mais importante de sua vida. Quando percebeu, já tinha assinado
os papéis, candidatando-se a uma vaga como enfermeira na ilha. O que lhe estaria reservado
lá? Novos amores, talvez? Isso não! Uma decepção era mais do que suficiente. Fez as malas,
confiante. Nem sonhava que aquela ilha era o último lugar do mundo para uma mulher que
não queria mais saber de homens.

Digitalização: Fernando Jorge Alves Correia


Correção: Edith Suli.
Revisão: Samuka
Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

Capítulo 1

Rosalind Lane sentou na beira da cama para ler a carta. Estava tão absorta que nem
levantou os olhos quando a porta se abriu. Só podia ser Paula.
— Carta de mamãe. Está pedindo para irmos para casa neste fim de semana. Estão
contentíssimos com as notícias e papai quer dar uma festa, sábado à noite, para
comemorarmos.
Como não ouviu resposta, espantou-se com o silêncio. Virou-se para a amiga.
— Paula! O que aconteceu? Está passando mal?
Paula Bruce estava pálida. Olhou para Rosalind de um jeito estranho, deu-lhe as
costas e disse, num soluço:
— É Bob...
Como não continuasse, Rosalind perguntou, nervosa:
— O que aconteceu com ele?
A amiga engoliu em seco; depois, num tom abafado, explicou:
— Ele casou. — E começou a rir, um riso agudo e histérico que, de repente, se
transformou em soluço.
Rosalind levantou num pulo e abraçou Paula.
— Pare com isso! Pare de chorar, Paula, antes que alguém escute. — E sacudiu a
moça violentamente.
Paula não conseguia parar. Depois de um tempo, pareceu se sentir envergonhada, fez
um esforço e parou, mas seus lábios continuavam a tremer.
— Tudo bem, Rosa, pode parar de me sacudir, já estou melhor.
— Vamos sentar — Rosalind disse suavemente, conduzindo-a para a cama. — Agora,
conte o que aconteceu.
Paula jogou-se sobre os lençóis, procurando se controlar, e olhou para Rosalind, com
um ar muito infeliz.
— Desculpe. É que... eu também recebi uma carta. — Ficou em silêncio, e Rosalind
olhou-a, impaciente, fazendo um gesto para que continuasse. — E... ele... conheceu uma
outra moça. — Baixou os olhos e cruzou as mãos. — Não vai mais voltar para a Inglaterra...
Está tudo acabado.
Tinha-se a impressão de que suas últimas palavras ficaram vibrando no ar
indefinidamente.
— Oh, Paula!
A outra levantou e caminhou depressa para a janela.
— Não quero mais falar sobre isso... pelo menos, por enquanto — disse, num tom
baixo e ríspido.
Rosalind não insistiu. Percebeu que Paula estava lutando desesperadamente para
controlar as emoções e que, no momento, preferia ficar sozinha.
— Sinto muito, querida. Acho que é só isso que posso falar, não? Mesmo assim, queria
lhe dizer outra coisa. Não leve essa notícia muito a sério nem deixa que ela arrase você. —

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Ficou em silêncio, ouvindo a respiração gelada da outra. — Você foi muito bem nos exames.
A diretora disse que nasceu para ser enfermeira. Nunca achei que Bob Shaw fosse o homem
certo para você. Mamãe e papai também não gostavam muito dele. Você vai encontrar outras
pessoas. É bonita e...
— Talvez — Paula interrompeu, continuando a olhar pela janela, mas depois virou-se e
encarou a amiga. — Mas o que estou sentindo agora é que os homens não merecem
confiança e nunca mais vou confiar em nenhum.
Rosalind pegou um cigarro.
— Você fala isso agora, mas está só com vinte e três anos...
— Confiei completamente em Bob e... — Interrompeu-se e afundou o rosto nas mãos.
Rosalind se aproximou e abraçou-a em silêncio. Durante um longo tempo ficaram
assim, e não se ouvia mais nada no quarto a não ser os soluços de Paula.
Aos poucos ela foi se acalmando, levantou a cabeça e sorriu para Rosalind.
— Bem, o que não tem remédio, remediado está! Encerrei um capítulo da minha vida e
agora é partir para outro.
Rosalind abraçou-a com carinho e falou, com firmeza:
— É isso aí, Paula. Que tal você vir comigo neste fim de semana? Meus pais estão
loucos para nos dar parabéns pelos exames. Vai ser muito gostoso...
— Não, Rosa. Acho que nos dois próximos dias vou preferir ficar sozinha... pensar um
pouco na vida, resolver o que fazer no futuro. Vou ficar por aqui. Você compreende, não é?
— Claro. Se prefere ficar... está bem. Agora, vamos nos aprontar e sair para jantar.
Vamos comemorar o começo da nossa carreira de enfermeira. Pense nisso, Paula: podemos
ir a qualquer lugar. Isto não a deixa mais contente?
As duas tinham feito os últimos exames do curso de enfermagem no dia anterior. Paula
era órfã. Seus pais tinham morrido num acidente de automóvel quando ela estava passando
aquele fim de semana fatídico em casa de Rosalind, sua melhor amiga. Diante da trágica
situação, os pais de Rosalind resolveram criá-la como filha.
As duas tinham crescido como irmãs, sempre inseparáveis. Estudaram juntas no
hospital St. Just, onde acabavam de terminar o curso, tornando-se enfermeiras profissionais.
Numa das festas organizadas pela turma do hospital, Paula havia conhecido Bob
Shaw, oficial da Marinha Mercante. Começaram a namorar e, dois meses depois, ficaram
noivos. Rosalind e seus pais, naturalmente, conheceram Bob, mas não fizeram muitos
comentários a respeito. Paula percebeu que não tinham ficado satisfeitos com sua escolha,
mas não mudou de opinião.
Bob era tudo que tinha sonhado. Queria que ela desistisse da enfermagem e que
casassem rapidamente. Apesar de estar encantada com o rapaz, Paula não concordou.
Gostava da profissão e queria terminar o curso.
Lembrou a Bob que faltava menos de um ano para receber o diploma e, além disso, ele
ia ficar seis meses viajando num petroleiro. Era bobagem largar o curso antes da data
prevista para o casamento. Depois de uma longa conversa, Paula conseguiu convencê-lo.
Isso tinha se passado há cinco meses. Depois, não se viram mais, mas as cartas que
recebia eram amorosas e não davam a menor ideia do que estava por acontecer.
Ultimamente, Bob não falava muito em casamento, mas Paula não se preocupava com
isso. Concentrava sua atenção no trabalho e nos exames finais... tinha certeza absoluta do
amor de Bob.
"Quando você receber esta carta, já estarei casado", ele havia escrito.

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Agora, confusa, pensava que talvez tivesse sido melhor desistir do curso e ter casado
antes que ele viajasse. Talvez...
Não adiantava nada ficar pensando no que teria sido melhor. Paula sacudiu os ombros
e procurou pensar em outra coisa.
Despediu-se de Rosalind e foi para seu quarto no alojamento das enfermeiras. A
manhã estava calma e ela sentou na cama, procurando ordenar os pensamentos.
Naquele último ano, a vida de Paula tinha girado em torno de Bob. Não lhe passou pela
cabeça que um dia poderia ficar sem ele. E agora? Bem, tinha conseguido o diploma de
enfermagem e de especialização em partos. Era preciso iniciar sua carreira, fazer alguma
coisa.
Pensou no futuro e viu apenas um imenso vazio.
Não seja tola, disse a si mesma. Você não é a primeira pessoa com quem acontece
esse tipo de coisa e não será a última... Quantas mulheres já foram abandonadas pelos
noivos? E todas elas superam o problema, como você também vai superar.
Apesar de ter dito a Rosalind que nunca mais confiaria em outro homem, Paula sabia
que isso não era verdade. Era uma garota normal, ansiosa para amar, casar e ter filhos.
Passado o momento presente... mas não conseguia imaginar o futuro sem Bob Shaw.
Paula levantou e caminhou, impaciente, pelo quarto. Olhou-se no espelho e ficou
surpresa ao ver que seu rosto, apesar do golpe, continuava o mesmo. Analisou os olhos
castanho-claros, a franja, os cabelos bem lisos que contrastavam com a pele clara e
suavemente rosada.
Bob costumava compará-la a uma flor de macieira. Pensou, com tristeza, que nunca
mais ouviria alguém chamá-la desse jeito, e afundou o rosto nas mãos.
As lágrimas desceram lentamente de seus olhos e durante um longo tempo ela chorou.
Depois pegou um lenço, enxugou o rosto e começou a caminhar, nervosa, pelo quarto. Diante
do espelho parou e se olhou novamente.
— Você tem de aceitar a situação — disse em voz alta. Procurava ajudar-se
conversando consigo mesma. — Está tudo acabado e você já foi esquecida, Paula Bruce.
Bob não existe mais para você. — O queixo dela tremeu. Lembrou-se do rosto do noivo:
Bob... alegre, sorridente, amoroso... como na última vez em que tinham se encontrado. Com
um esforço, Paula procurou se controlar novamente e continuou: — Agora você está sozinha.
O que é que Rosalind tinha dito? "Isso mesmo. O mundo inteiro pode se abrir de repente."
Isso mesmo... — ela repetiu, sentindo seu coração mais leve. — É isso aí, tenho que dar a
volta por cima.
Lembrou-se então que, antes de conhecer Bob, ela e Rosalind tinham feito uma porção
de planos para quando estivessem formadas. Queriam viajar, explorar todas as possibilidades
de exercer enfermagem em outros países.
Depois que ela ficou noiva, Rosalind não tocou mais naquele assunto, pois o futuro de
Paula passou a depender de Bob.
Mas Paula sabia que Rosalind continuava interessada em praticar enfermagem no
exterior. Ela estava apenas esperando que passasse a fase do casamento para resolver o
que pretendia fazer.
Agora as duas poderiam realizar o que tinham planejado... talvez Rosa tivesse planos
que não incluíssem a amiga... mas Paula achava pouco provável.
Tinha prometido que não ia passar o fim de semana chorando. Por isso, procurou não
pensar mais em Bob e se concentrar no que ia fazer dali em diante.

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— Tenho que enfrentar o mundo. Sou jovem, bonita, tenho saúde e um diploma com
especialização. Já é um bom começo. Por outro lado, tive um amor infeliz, um fracasso
sentimental. Não posso deixar que isso me arrase.
Paula sabia que não ia ser fácil, mas estava resolvida a começar a agir imediatamente.
Levantou e olhou-se no espelho.
— Arrume-se — disse a si mesma. — Coloque um pouco de maquilagem, vista seu
melhor vestido e saia... para qualquer lugar...
Vencendo um último restinho de fraqueza, Paula vestiu-se e estava pronta para sair
quando, ao enfiar a mão na bolsa para pegar a chave do quarto, achou uma fotografia de
Bob.
"Para a querida Paula, com todo o meu amor", dizia a dedicatória. Bob estava lindo na
foto. Ela o olhou por um momento, com vontade de chorar. Controlou-se e enfiou a foto
novamente no fundo da bolsa. Ainda não tinha coragem para rasgá-la em mil pedaços e jogar
na lata do lixo.
Piscou para controlar mais umas lágrimas teimosas, passou a escova nos cabelos,
pegou um casaco e saiu.

Domingo à noite, Rosalind voltou.


— Olá, querida — ela disse, cumprimentando Paula. — Papai e mamãe mandaram
muitos beijos. O que você fez durante o fim de semana?
— Olá, Rosa... sabe, estive ocupada.
Rosalind notou uma certa animação na voz da amiga e a olhou, surpresa.
— Verdade? Então espere um pouco que vou buscar duas xícaras de café, a gente
deita e você me conta tudo.
Paula já estava na cama e Rosalind sentou-se na beirada da outra cama, tirando os
sapatos. Sabia que a amiga tinha uma coisa importante para lhe dizer e se despiu
rapidamente.
— Bem — Paula começou, recostando-se nos travesseiros — eu dei um passeio.
— Já percebi que andou fazendo coisas — Rosa interrompeu. — Desculpe, Paula, mas
contei a mamãe tudo o que aconteceu. Ela ficou muito preocupada porque você não quis ir
comigo.
— Sinto muito. Fui egoísta em não pensar nela. vou lhe escrever amanhã e iremos
juntas no próximo fim de semana. Fez bem em contar tudo a ela. Mas não precisavam se
preocupar. Pensei muito nesse fim de semana... e acho que já sei o que vou fazer.
Rosalind sentou-se na cama e colocou a xícara de café sobre a mesinha de cabeceira,
virando-se para Paula:
— E o que é, pode-se saber?
— Na verdade, já comecei a fazer. Já preenchi os papéis — Paula falou num tom
informal, deixando Rosalind mais curiosa.
— Papéis? — ela repetiu. — Que papéis?
— Vou entrar para o Serviço de Enfermagem Itinerante da Tasmânia — Paula disse
calmamente, olhando para a xícara de café.
— Tasmânia! — Rosalind repetiu espantada. — Falávamos tanto sobre esse país
antes de você ficar noiva... mas, o que é esse tal de Serviço de Enfermagem Itinerante?
Nunca ouvi falar sobre ele.

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Paula deu uma risada divertida.


— Se você pudesse se enxergar! — ela comentou. — Bem, eu estava dando uma volta
pelo Strand e vi um anúncio, cheio de fotografias, que pareciam estar me chamando. Era
como se uma porta se abrisse. Então entrei, Rosa. Resolvi ali mesmo, na hora.
— Mas nunca ouvi falar disso — Rosalind disse outra vez. — O que significa Serviço
de Enfermagem Itinerante?
— Eu também não sabia que existia — Paula disse, rindo — , mas é muito
interessante, Rosa. Uma garota muito simpática lá no escritório me explicou tudo. Ela me
disse que há vagas para enfermeiras, principalmente para as que têm especialização em
partos. E pode-se fazer a inscrição aqui mesmo, na Inglaterra, para entrar nesse serviço. Há
um convênio entre os dois governos, e podemos nos candidatar para um emprego lá. É só
fazer a inscrição e depois passar por uma entrevista. Eles dão a passagem — Paula estava
rindo e com os olhos brilhando de alegria.
— Então, você ainda não entrou para esse tal... de Serviço Itinerante? — Rosalind
indagou.
— Bem, ainda não. Tenho de ser entrevistada. A garota do escritório me disse que
uma enfermeira-chefe está em Londres, para entrevistar as moças inscritas.
— Você vai ser entrevistada? — Rosalind perguntou.
— Sim, amanhã. Naturalmente, ainda não sei se vão me aceitar, mas...
— Claro que vão — Rosalind interrompeu. — com seu diploma e a carta de referência
da diretora... conte-me mais detalhes, Paula. O que você terá de fazer nesse emprego?
— Bem — Paula começou, tomando o resto do café — , é um serviço composto de
enfermeiras que vão de um hospital para outro, de acordo com a necessidade. Sabe, eles não
têm muita gente lá, então um serviço itinerante é o ideal. Quando um hospital precisa de
alguém, o serviço manda uma enfermeira. É um modo maravilhoso de ganhar experiência e
conhecer um lindo país. A garota do escritório é da Tasmânia e me mostrou fotografias lindas
de lá. O país é conhecido como a ilha da Maçã.
— Parece ótimo — Rosalind concordou, feliz por ver que Paula já estava esquecendo o
passado e procurando começar uma vida nova.
— Você sabe se eles ainda precisam de mais enfermeiras?
— A garota disse que sempre há vagas para quem tem especialização — Paula
explicou, olhando a amiga, ansiosa.
— O que acha se eu for junto? — Rosa perguntou. — penso...
Mas não chegou a terminar a frase, porque Paula pulou da cama e lhe deu um abraço
apertado.
— Oh, Rosa! Queria tanto que você falasse isso. Achei que não devia sugerir, afinal...
não fazemos mais planos para o futuro... há muito tempo. Temia que quisesse viajar sozinha
e não seria justo eu interferir. Mas sei que será maravilhoso irmos juntas...
— Espere um pouco. — Rosalind pediu, rindo. — Não está contando com os ovos
antes de ter a galinha? E se não me aceitarem?
— A garota disse que estão precisando muito de enfermeiras— Paula disse, vermelha
de animação. — Quando vai lá, Rosa? Vou preencher os papéis amanhã. Estou de folga no
período da manhã. Não precisa ir lá para preenchê-los. Pode fazer isso aqui mesmo, eu os
trouxe para Você. Marquei também hora para nós duas para a entrevista.
Rosalind encarou-a e riu.

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— Bem — ela disse, pegando os papéis que Paula lhe estendia — e como você sabia
que ia querer ir?
— Eu não sabia, só desejava que quisesse. Por isso resolvi trazer tudo, para
economizar tempo.
Rosalind deu um suspiro de satisfação, abraçando a amiga.
— Oh, Paula, é como nos velhos tempos. — E alisou os papéis, carinhosamente.
— Rosa, acha que seus pais não vão se importar? Não vão me culpar por essa sua
viagem? — Paula perguntou, ansiosa.
— Claro que não. Você sabe, mamãe adora viajar, nem que seja para ir até uma
cidade vizinha. E ela sempre me estimulou a sair e conhecer novos lugares. Papai talvez não
goste muito. Durante quanto tempo temos de ficar lá?
— Se formos aceitas, é só assinar um contrato de dois anos. Depois... acho que
podemos fazer o que quisermos.
Rosalind ficou pensativa, depois suspirou e disse:
— Parece ótimo, mas... são dois anos... será que temos de ficar nos empregos mesmo,
por exemplo, e se uma de nós duas quiser casar?
— Pode ficar tranquila que isso eu não vou querer. — Paula afirmou, rindo. — O prazo
se refere à validade da passagem. Esperam que fiquemos no país durante esse tempo. Mas
temos toda liberdade para trocarmos de emprego. Eu já perguntei isso, Rosa.
— Então, já está decidido. Você não vai viajar nem se divertir sozinha, Paula Bruce.
— Na verdade — Paula comentou, sorrindo — , achei que você ia mesmo querer ir
junto. Agora acho melhor a gente dormir. Temos que fazer mil coisas antes de arrumarmos as
malas e sairmos daqui no próximo fim de semana. — Ela bocejou e se esticou na cama. —
Temos de nos despedir de tudo isso... foi um tempo feliz.
— É verdade — Rosalind disse, sonolenta — , mas não podemos ficar na escola para
sempre... e nem seria bom. Boa noite, Paula.
Paula continuou acordada um longo tempo, olhando o vazio e a escuridão.
Tinha confiado completamente em Bob Shaw. Procurava esquecê-lo, mas suas
lembranças lutavam para se manterem vivas.
Seu noivado já fazia parte do passado. Era preciso pensar no futuro. Um país diferente,
do outro lado do mundo. O que estaria reservado lá, para ela e Rosalind?
Novas paisagens. Novos amigos. Novos amores... quem sabe?
Não para mim, Paula pensou, pelo menos durante um bom tempo. Com esse
pensamento, adormeceu.

Capítulo 2

No dia seguinte, as duas foram juntas à Embaixada da Tasmânia. A garota simpática


que Paula já conhecia estava esperando por elas e levou-as logo para uma sala onde
deveriam aguardar a entrevistadora.

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— Puxa vida, como estou nervosa — cochichou Rosalind, assim que ficaram a sós. —
E se... — calou-se rápido porque a porta se abriu e a moça voltou, acompanhada de uma
senhora alta, cabelos grisalhos, e rosto agradável e sorridente. As duas se levantaram mas a
senhora colocou-as logo à vontade.
— Bom dia. Sentem-se, por favor. — Olhou para as fichas de inscrição que estavam à
sua frente. Paula também sentia-se nervosa. A recepcionista saiu e as três ficaram a sós.
— Bem, quem é a srta. Bruce? — Paula fez um sinal. — E você é a srta. Lane? Muito
bem, estão querendo trabalhar na Tasmânia. Por quê?
— Quero ter o máximo de experiência possível — Paula respondeu, meio tímida — , e
também quero viajar e conhecer o mundo.
— Entendi. — A enfermeira-chefe virou-se para Rosalind, analisando seu rosto claro e
rosado, os olhos azuis e o narízinho arrebitado. — E você?
— Pelos mesmos motivos, minha senhora. Há muito tempo que falamos sobre isso,
desde que começamos o curso e...
— Já conhecem as condições do contrato, naturalmente — a enfermeira-chefe
interrompeu. As duas disseram que sim e a mulher continuou: — Devem estar preparadas
para se deslocarem para qualquer lugar, num curto espaço de tempo. O ponto mais
importante do Serviço de Enfermagem Itinerante são os partos. Vi que vocês são
especializadas nisso. O contrato é de dois anos... que pode ser renovado ou não, de acordo
com a vontade de vocês. Precisamos muito de enfermeiras por lá.
— Oh, estamos ansiosas para partir — Rosalind disse, apressada, fazendo a srta.
Norris, a enfermeira-chefe, sorrir.
— Deu para perceber. Os papéis estão em ordem. Agora é só marcar o exame médico
de vocês e as radiografias do pulmão...
— Quer dizer, então, que fomos aceitas? — Paula perguntou satisfeita.
— Sim. Precisam levar duas cartas de referências, naturalmente. — A mulher levantou-
se. Bem, queridas, desejo-lhes boa sorte. Vamos nos encontrar em Hobart. Até uma próxima
vez.
— Tudo certo? — perguntou a recepcionista, entrando depois que a enfermeira-chefe
saiu.
— Sim, conseguimos o emprego — Paula respondeu, abraçando Rosalind.
— Vocês vão adorar a Tasmânia. Meu nome é Ann Freeman. Minha família mora em
Hobart... num bairro chamado Taroona. Vou escrever uma carta para eles, apresentando
vocês. Meu irmão... — Ela se interrompeu e foi atender um casal que tinha acabado de entrar.
— Muita gentileza dela, não? — Paula comentou com Rosalind.
— Se todos lá forem assim tão bons nós vamos adorar. Venha, vamos embora. —
Despediram-se de Ann Freeman que voltou a se ocupar com o casal.
Os dias seguintes passaram rapidamente. Exames médicos, radiografias, vacinas,
passaportes, cartas de recomendação da diretora da faculdade e do hospital. No sábado,
depois de uma última visita à Embaixada da Tasmânia, para pegar a carta de apresentação
para a família de Ann Freeman, as duas foram visitar os pais de Rosalind, em Somerset.
A mãe da moça veio recebê-las com os olhos brilhando de alegria e animação.
— Como eu gostaria de ir junto — ela disse.
— O que é isso, mulher? — o marido interrompeu, parecendo magoado.
— Não se preocupe, querido — ela respondeu, calma. — Não tenho coragem de
abandonar meus porquinhos, carneiros e galinhas... e muito menos você. O que estava

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querendo dizer é que gostaria de ser jovem novamente e viajar, ter o mundo inteiro à minha
frente.
— Bem, querida, eu estou à sua frente e, para falar a verdade, estou morrendo de
fome. Rosa, ajude sua mãe a pôr a mesa.
A sra. Lane sorriu para Paula e pensou: graças a Deus ela está superando a crise. Os
jovens conseguem se recuperar depressa. Paula lhe deu um abraço rápido, cochichando:
— Seria bom se pudesse vir conosco, titia.
Depois desse dia, os acontecimentos se desenrolaram rapidamente. Em menos de um
mês as duas garotas entravam num navio cheio de emigrantes alegres e barulhentos, rumo a
Austrália.
Nenhuma das duas tinha viajado de navio antes e quando passaram pelas docas de
Southampton ficaram quase mudas de espanto. Acenaram para os pais até que sumiram de
vista, procurando disfarçar a emoção da despedida.
— Logo vamos vê-los novamente — Paula disse, procurando parecer animada. — Dois
anos passam depressa.
— Gostaria que eles viessem conosco — Rosalind murmurou. Era um desejo tão
absurdo que as duas começaram a rir, sentindo-se mais aliviadas.
Quando desciam para seus camarotes, Paula se deu conta de que não pensava em
Bob há dois dias. Já não sofria tanto e a sensação de vazio havia passado.
Tantas coisas tinham acontecido no último mês... Os atropelos da preparação daquela
viagem a ajudaram a esquecer, sem dúvida.
No fundo do coração, Paula sabia que se Bob tivesse rompido o noivado sem se casar
com outra moça, teria sido muito pior. Ela continuaria mantendo esperanças de se
reconciliarem. E, se isso acontecesse, as coisas não seriam mais como antes Já não confiaria
mais nele e não seria possível ser feliz no casamento sem a completa confiança no marido.
Por isso procurou pensar apenas no futuro e afastar seus pensamentos de Bob. E,
para sua surpresa, viu que conseguia fazer isso sem muito esforço.
A vida a bordo ajudava muito, pois as duas nunca se sentiam sozinhas. Havia mais
quatro moças com quem dividiam o camarote e muita animação no convés.
Em alto-mar muitos passageiros se sentiram mal, a tripulação teve de socorrer várias
pessoas e as duas enfermeiras se colocaram à disposição para ajudar.
Mas depois que passaram por Gibraltar e entraram no Mediterrâneo, tudo se acalmou.
O sol brilhava e o mar parecia um espelho azul. Todos ficaram tranquilos e puderam se
divertir. A vida no navio era agradável e ganhava encanto à medida que se acostumavam com
ela.
A primeira escala foi em Colombo, no Ceilão, onde os passageiros puderam descer à
terra. As duas moças passaram uma tarde encantadora, visitando lojas típicas, olhando as
obras de artesanato em madeira, tartaruga e madrepérola, assim como as lindas peças de
renda feita à mão.
Tomaram um chá num suntuoso hotel, situado no fim da Esplanada, com vista para o
mar e, à noite, com um grupo de passageiros, foram de táxi até o famoso monte Lavínia, onde
tomaram drinques num lindo clube construído sobre um rochedo. Ao voltarem para o navio
passaram entre bananais imensos.
— Que dia maravilhoso! — Rosalind disse, suspirando, ao subirem para o navio. —
vou ficar muito triste quando esta viagem terminar.

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— Eu também — Paula concordou — , mas vamos ter a compensação de iniciarmos


um trabalho exterior.
— É verdade — Rosalind observou, sorrindo.
Numa tarde dourada, poucos dias antes da viagem terminar, as duas estavam
sentadas no deck. Uma lia e a outra fazia tricô.
— Quero terminar isto antes de desembarcarmos — Rosalind disse, erguendo a
manga de um cardigã. — É para o aniversário de papai. — Olhou para Paula que tinha
colocado o livro no colo e observava o mar. Durante um momento ficou em silêncio, depois
disse: — Dou um tostão pelos seus pensamentos.
— Estava pensando em Bob — Paula respondeu, depois de um suspiro.
— Oh! — Rosalind exclamou, mas Paula a interrompeu.
— Mas isso não quer dizer que eu ainda esteja... — parou, confusa, depois virou-se e
encarou Rosa. — Você não imagina, mas pensei muito nele ultimamente. E estou chegando à
conclusão de que não amava Bob tanto assim. Oh, sei que estava apaixonada, que não
conseguia pensar em mais ninguém... nunca estive tão apaixonada em minha vida. Mas
agora já passou e parece que ele não deixou marcas.
— Fico contente em ouvir isso — Rosalind disse, mas Paula pareceu não ouvir.
— Sabe, estou com medo, Rosa. Imagine se acontecer de novo. Como se pode
diferenciar o amor verdadeiro de uma paixão passageira?
— É preciso dar tempo a si mesma. Você não teve chance de conhecer Bob antes de
ficarem noivos. Da próxima vez, será diferente.
Paula sorriu e uma covinha surgiu em seu rosto.
— Você é uma pessoa prática, Rosa — ela disse, voltando a ler.
Em Melbourne as duas ficaram sabendo que tinham de trocar de navio para continuar
a viagem até a Tasmânia. Esperavam ir direto a Hobart, mas o governo da Austrália exigiu
que todos os navios de emigrantes desembarcassem em Melbourne, em Beauty Point, na
entrada do rio Tamar.
— Olhe, Rosa — Paula disse, assim que entraram no rio — aquele deve ser o Beauty
Point. — É um lindo nome. Aquelas árvores devem ser macieiras. — Estendeu os binóculos
para Rosalind que ficou olhando, com uma das mãos apoiada no corrimão do navio, — Tudo
é tão verde e parece tão fresco, não? Já tinha esquecido que íamos chegar na Austrália em
plena primavera.
Durante um momento as duas ficaram em silêncio, observando as margens do rio. O
porto não era muito grande, mas extremamente bonito, limpo e bem cuidado. Todos os
prédios tinham jardins com árvores altas e gramados que chegavam até a beira da água. As
flores que chamaram a atenção de Paula surgiam por toda parte.
— Acho que são flores de macieira — Paula disse. — É nesta época do ano que elas
se abrem aqui. As coisas daqui têm um ar tão... inglês, não é Rosa?
— É verdade. Ann Freeman, a garota da Embaixada da Tasmânia, disse que íamos
nos lembrar de casa. De Cornwall. Estou tão animada. — Tirou os binóculos e olhou a
companheira. — Já pensou? Logo estaremos morando em outro país... começando uma vida
nova. Não consigo imaginar onde nem que estaremos fazendo daqui a um ano.
— Nem eu — Paula comentou, pensativa — , mas tenho certeza de que coisas boas
estão à minha espera.
— Eu também — Rosalind concordou. Depois, de braços dados, as duas desceram
para terminar de arrumar as malas. Estavam quase terminando quando alguém veio avisar.

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— Srta. Bruce, está sendo chamada ao microfone.


— Eu! — Paula disse surpresa, olhando para Rosalind.
— Vá logo — disse a amiga. — Deve ser alguém do hospital. As duas subiram
correndo e viram que o navio já tinha ancorado. Na escada para o deck, Paula ouviu o aviso.
— Srta. Paula Bruce, queira, por favor, comparecer ao salão. Dr. Deane, do
Departamento de Saúde de Hobart, a espera.
— Dr. Deane? — Rosalind cochichou, animada. — Quem será?
Paula não respondeu, continuou caminhando para o salão que estava lotado de
passageiros, visitantes, pessoal da alfândega, autoridades e alguns membros da tripulação do
navio.
Paula olhou ao redor, desesperada. Como iria encontrar o tal Dr. Deane?
— Bem, eu não sei... — ela começou, quando uma voz profunda a seu lado a
cumprimentou.
— Bom dia. É a srta. Paula Bruce?
Virou-se e... teve de olhar bem para cima. Ele era muito alto, as roupas caíam frouxas
e folgadas em seu corpo magro. O rosto, bronzeado e os olhos, cinzentos e sérios.
— Sim. — E o sorriso de Paula desapareceu diante da seriedade dele. — E esta é
Rosalind Lane. — O homem cumprimentou com a cabeça, sorrindo de um jeito formal.
— Bem-vindas à Tasmânia — ele disse, estendendo a mão para elas. — Espero que
sejam felizes aqui. — Enfiou a mão no bolsinho da lapela. — Aqui está o meu cartão. — Paula
segurou-o e durante um momento os dois se olharam. Ele sorriu, então, de um modo
encantador, mostrando dentes regulares e bonitos. — Estão prontas para desembarcar? Vou
levar vocês duas para Hobart, em meu carro. É uma viagem de duas horas. — Paula sorriu
para ele e enrubesceu, sem motivo nenhum.
— Obrigada — ela disse. — Vamos terminar de arrumar as malas o mais depressa
possível.
Afastou-se e seguiu Rosalind, que tinha ido na frente.
— Ele é muito simpático — comentou a amiga, ao descerem para o camarote. — O
que está escrito no cartão, Paula?
— Dr. Christopher Deane — Paula leu em voz alta. — Departamento de Saúde de
Hobart, Tasmânia.
As duas trocaram um olhar divertido.
— Aposto que você não esperava que uma pessoa tão importante viesse buscá-la,
hein?
— Acho que nós somos importantes — Paula comentou, sorrindo e fazendo uma
careta para a mala pesada. — Vamos depressa, não podemos deixar o tal Christopher
esperando.
— Será que ele é casado? — Rosalind perguntou, enquanto enfiavam as últimas
coisas na maleta de mão.
— Claro que deve ser. Já deve ter sido enforcado há anos. Está pronta? — Apesar de
ter respondido de forma divertida à pergunta de Rosalind, Paula sentia-se em dúvida.
Meia hora depois, terminadas as formalidades na alfândega, Christopher Deane e as
duas garotas entravam num carro confortável. Ele tinha guardado a bagagem no porta-malas
e aberto as portas do carro para elas.
— Prontas? — ele indagou, olhando para Paula. — Uma de vocês pode vir na frente...
se quiser... — dirigiu-se a Paula.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

Quando o carro partiu Paula olhou ao redor, maravilhada. Ali estava ela, começando
uma vida nova, num país novo. Entretanto, nada parecia muito diferente da Inglaterra. O carro
entrou na rua principal e ela ficou encantada com os edifícios. Por todos os lados havia pés e
mais pés de macieiras floridas, formando imensos buques cor-de-rosa que ladeavam a
avenida.
— A Tasmânia é conhecida como a ilha da Maçã — ele disse — e vocês chegaram na
primavera, a época mais bonita. Está lindo, não?
— Parece um cenário de conto de fadas — Paula respondeu, suavemente. Observava
atentamente as ruas por onde o carro passava. A maioria das casas era de madeira, em estilo
bangalô, baixas e compridas, pintadas com cores muito alegres.
— Olhem — o dr. Deane disse, fazendo uma curva.
— Paula, olhe aquele canteiro de mimosas — Rosalind disse, apontando para fora.
— Cultivam muito essa planta por aqui — Christopher Deane comentou. — Há
canteiros dela por toda parte.
— Olhe que casa encantadora — Paula disse, apontando para uma casa branca muito
grande e cheia de flores no terraço. Nas duas extremidades havia macieiras floridas e uma
alameda percorria o gramado.
— É o nosso estilo colonial — ele explicou. — Provavelmente essa casa foi construída
por presos muitos anos atrás.
— E como se chamam essas árvores altas? — Rosalind perguntou.
— São seringueiras. São muito comuns na Tasmânia e na Austrália. Há várias
espécies diferentes. Essas são seringueiras vermelhas. — Ficou em silêncio por uns
momentos, depois olhou para Paula e disse: — O que a fez vir para cá?
— Queria conhecer o mundo — ela respondeu, sorrindo para o médico.
— É uma boa razão, e espero que não fique desapontada quando o conhecer.
Hobart estava chegando. Antes do meio-dia o dr. Deane entrava com as moças no
Departamento de Saúde na rua Davey. Era um prédio grande e quadrado, de tijolos
vermelhos e muito bonito.
— Vou levá-las ao escritório da srta. Needham — ele informou a Paula. — É a
enfermeira-assistente e mostrará a vocês o alojamento e o Clube das Enfermeiras. Ela sabe
também quando devem começar a trabalhar. Acho que deve ser logo — sorriu para ela
novamente — , estão com falta de pessoal, atualmente. Não gostariam de jantar comigo esta
noite? Poderíamos ir até Wrest Point. Vale a pena fazer essa visita e talvez não fiquem em
Hobart por muito tempo.
Paula se animou, achando que ia ser divertido.
— Obrigada. Aceito com prazer o convite e acho que... — consultou Rosalind com os
olhos, mas ela sacudiu a cabeça dizendo que não.
A entrevista com a srta. Needham foi rápida. Era uma mulher agradável, de meia-
idade, sentada atrás de uma mesa cheia de papéis.
— Prazer em conhecê-las — ela disse. — Vamos precisar muito de seus serviços, por
isso espero que estejam ansiosas para trabalhar. Amanhã mesmo devem partir para Dover,
na costa sul para um pequeno hospital que periodicamente é visitado por um médico. Sei que
vão gostar do lugar, vai ser um bom começo. — Consultou alguns papéis, depois chamou
uma auxiliar e mandou que levasse as moças para o Clube das Enfermeiras, na Rua
McQuarrie.
O clube reservava um quarto muito simpático para as recém-chegadas.

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— Acho que vamos gostar daqui — disse Paula, olhando à sua volta — , mas gostaria
de fazer algumas perguntas.
— Pode deixá-las para amanhã — Rosalind disse calmamente. — A garota que nos
trouxe aqui disse que só vamos sair lá pelas nove ou dez horas. Temos muito tempo pela
frente. Como será Dover? E, mudando de assunto, Paula, não está encantada com o convite
para jantar esta noite? Christopher é muito simpático. Acho que ele gostou de você.
— Não seja boba. — Paula riu, mas não pôde evitar de enrubescer. — Ele deve ser
casado. Está sendo apenas gentil.
— Espero que ele não leve a esposa para jantar com vocês — Rosalind disse,
brincando, e começou a desfazer as malas.
Christopher não levou a esposa. Em vez disso, chegou ao alojamento com um amigo...
o dr. Sinclair, um jovem muito alegre, e Rosalind sorriu ao ver os dois descendo do carro.
— Vamos ser quatro — cochichou com Paula. — Que ótimo. — Paula sentou-se
novamente ao lado de Christopher, no carro.
— Vamos dar um passeio antes de irmos a Wrest Point — ele disse. — Como foi a
entrevista com a chefe?
— Foi ótima — Paula disse. — Vamos para um lugar chamado Dover, amanhã.
— Amanhã?
Ela o olhou de lado, pois pareceu-lhe notar um desapontamento em sua voz. Ele não
disse mais nada e Paula pensou que havia se enganado.
Christopher Deane atraía a moça, mas, ao mesmo tempo, deixava-a confusa. Havia
uma certa frieza e distância em seus olhos cinzentos, apesar do sorriso encantador.
Que idade ele teria? Talvez uns trinta e sete, ela pensou. Tinha de admitir que gostava
muito do rapaz... muito mesmo. Mas sua experiência recente com Bob Shaw a deixara
cautelosa. Virou-se para a janela e procurou afastar seus pensamentos de Christopher
Deane.
Rosalind e o dr. Sinclair pareciam estar se dando bem. Os dois conversavam e riam,
no banco de trás.
Pouco depois chegaram ao Hotel Wrest Point.
— Chegamos — Christopher disse, abrindo a porta para Paula. — O que acham?
— É maravilhoso — Paula murmurou e Rosalind aproximou-se, também admirada.
Entraram no restaurante, acompanhadas de Christopher e do amigo. O garçom conduziu-os a
uma mesa de canto.
— O que acham da vista? — o dr. Sinclair perguntou.
As duas olharam pela imensa janela que dava para o mar e viram uma porção de
barquinhos, ao pôr do sol. Mais ao longe o mar fazia uma curva acompanhando a praia
branca e enormes gramados ao redor de casas coloridas. Paula deu um suspiro e sorriu.
— É lindo — disse suavemente, sentindo que Christopher a olhava e sorriu quando ele
se aproximou. — Estou tão contente que tenha nos convidado para vir aqui.
— Há muitos lugares bonitos por aqui — ele disse, depois continuou num tom mais
rápido: — Gostaria de lhe mostrar alguns, se houver oportunidade. Dover não é muito longe.
Paula enrubesceu ao olhar para ele, sentindo-se terrivelmente feliz.
O garçom se aproximou com o cardápio e eles voltaram da janela para a mesa a fim de
escolher os pratos. Naquele momento, um grupo de homens barulhentos entrou no
restaurante, chamando a atenção de Paula, que olhou para eles.

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Ficou petrificada na cadeira. Abriu a boca e seus olhos se arregalaram, fixados numa
única figura.
Por um momento, esqueceu seus companheiros.
Só conseguia ver uma pessoa, mesmo assim não tinha certeza se estava enxergando
bem.
Poderia ser uma alucinação, um produto de sua imaginação apenas.
Mas fixou a vista e viu que não estava enganada.
Ele estava na mesa diante da dela.
Sim, ali estava o homem que há apenas dois meses tinha significado tudo para Paula...
Bob Shaw.

Capítulo 3

Com um enorme esforço e sentindo uma dor estranha, Paula conseguiu desviar os
olhos daquele rosto.
Bob ainda não a tinha visto, mas ela sabia que ele acabaria por vê-la. Sentia-se tonta.
O que ele estaria fazendo ali? Ela tivera a impressão que ele ia deixar a Marinha e ficar
trabalhando no México. Talvez fosse sua última viagem...
Pelo menos, o navio nunca ficava muito tempo no mesmo porto... Geralmente um dia,
no máximo dois, de acordo com o que Bob lhe havia dito.
Paula olhou para Christopher Deane, que conversava com Rosalind. Observando seu
sorriso simpático e o ar de autossuficiência, Paula percebeu que não sentia mais nenhum
amor por Bob Shaw. Ele estava ali, a poucos metros de distância, como um estranho e não
significava mais nada para ela. Preferia mesmo que ele fosse embora logo, sem vê-la.
— Você está pensativa — Christopher disse e, como Paula não respondesse, ele
prosseguiu: — Espero que goste de escalopes. É a especialidade da casa. A srta. Lane me
disse que ela gosta muito.
— Acho que nunca comi escalopes. — Paula tinha recuperado o controle. Queria se
divertir e não ia permitir que a presença de Bob Shaw estragasse tudo. Sorriu para
Christopher Deane. — Mas tenho certeza de que vou adorar, sr. Deane.
— Não precisamos ser tão formais — interrompeu o dr. Sinclair, sorrindo. — Meu nome
é Jack e meu amigo é conhecido por Chris.
— Bem — disse Rosalind, rindo — , dr. Deane... isto é, Chris, já sabe nossos nomes.
Eu sou Rosalind e ela é Paula.
O garçom chegou com a sopa e durante alguns momentos ficaram em silêncio. Paula
olhou então para Chris que lhe sorriu.
— Você acha que pareço muito mais velho do que Jack? – ele perguntou num tom
alegre, mas ela percebeu que esperava uma resposta séria.
— De jeito nenhum — Paula disse, sorrindo.

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O garçom trouxe os escalopes, que fizeram sucesso. Tomaram café e licor, depois da
sobremesa, e aos poucos a conversa foi se animando, como se fossem velhos amigos.
Um conjunto musical começou a tocar e alguns casais caminharam para a pista.
— Quer dançar, Rosalind? — Jack convidou.
— Claro — respondeu ela, animada.
— Não danço muito bem — Christopher disse — , mas se você quiser...
— Prefiro ficar conversando — Paula respondeu, depressa. Sentia-se mais segura pois
havia mudado de lugar, ficando de costas para a mesa de Bob.
Mas outro pensamento lhe ocorreu, deixando-a preocupada: e se Bob visse Rosalind?
Claro que ele a reconheceria, pois tinham se encontrado em diversas ocasiões.
Paula procurou admirar a magnífica paisagem, desejando ardentemente que Bob fosse
embora com os amigos. Sentiu que Christopher a olhava. Sorriu para ele que se inclinou
sobre a mesa, encarando-a profundamente. O coração dela bateu mais depressa.
— É uma pena que você fique tão pouco aqui, Paula.
— Também acho — olhou para seus olhos cinzentos e sorriu — , mas pelo menos terei
a lembrança de uma noite muito agradável.
Christopher esperou um momento, depois disse:
— Espero que venha a Hobart nos seus dias de folga. Gostaria de ver vocês de novo.
Amanhã cedo vou me despedir das duas, antes de partirem para Dover... — interrompeu-se e
olhou para o homem que tinha se aproximado da mesa.
— Olhe quem está aqui!
Paula levantou o rosto e enrubesceu. Ali estava Bob, seu ex-noivo, todo sorridente.
Seu coração disparou.
— Encontrei Rosalind e ela me contou que vocês acabaram de chegar — disse,
divertido... ou havia mais alguma coisa em seu tom de voz? Olhou profundamente para Paula,
depois virou-se e cumprimentou Christopher Deane. Voltou a olhar para a moça e sorriu. —
Estou muito contente por ver você, Paula. Escrevi-lhe Diversas vezes, mas não sei por quê,
não recebi resposta. Você não...
— Olá Bob — Paula interrompeu, apressada. O que ele estava dizendo? Tinha escrito
muitas vezes? Ela não havia recebido nenhuma carta, depois daquela terminando o noivado e
contando sobre o casamento. Por que ele lhe teria escrito novamente? Paula percebeu ,que
Christopher a observava. — Este é Bob Shaw — ela gaguejou, nervosa. — Nós... bem, nós
nos conhecemos na Inglaterra e... — Antes que terminasse de fazer as apresentações, Bob
colocou a mão no seu ombro e deu outra risada.
— Nós nos conhecemos na Inglaterra? Paula, minha querida, o que é isso? Lógico que
nos conhecemos. — Paula ficou vermelha, o rosto pegando fogo. Olhou rapidamente para
Christopher que observava Bob friamente.
— Este é o dr. Deane — Paula disse, depressa. Estava furiosa com seu ex-noivo. Por
que ele não ia logo embora? Claro que não estava sendo bem recebido. Já devia ter
percebido e se afastado.
— Temos muito o que conversar, há uma porção de novidades que quero lhe contar,
Paula. Vamos dançar. Você não se importa, não é? — perguntou a Christopher, estendendo a
mão para Paula.
— Nem um pouco — respondeu ele — , a srta. Bruce é quem decide. Tenho certeza
que ela vai ter prazer em conversar com um... amigo. — Ele teria mesmo hesitado antes de

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dizer a última palavra? Paula levantou-se e acompanhou Bob. A situação estava fugindo de
seu controle.
Não queria nem conversar com Bob, quanto mais dançar. Mas teve receio de que ele
fizesse uma cena, se recusasse. Talvez fosse melhor dançar e voltar logo para a mesa.
Rígida, ela o seguiu até a pista de dança, olhou-o como se olhasse um estranho e
sentiu-se confusa. Aquele era o homem que há poucos meses tinha significado tudo em sua
vida.
— Bem... — ela começou, mas ele a interrompeu.
— Paula — ele disse, nervoso, mas ela não queria ouvir. Lembrava-se da carta. Além
disso, havia Christopher Deane. Simpatizara com ele e sentia que o médico também
simpatizava com ela. E tudo poderia se estragar antes mesmo de começar. Só porque o
homem que a havia desprezado poucos meses antes queria conversar com ela. — Eu tinha
de ver você, Paula. Precisamos conversar.
— Não temos nada a nos dizer... nem precisa pedir desculpas, se é isso que pretende
fazer. Na verdade, já falou demais — Paula queria terminar aquela conversa o mais depressa
possível, sentia-se pouco à vontade.
— Eu não ia pedir desculpas — ele murmurou — , é tarde demais pata isso — Sei que
não mereço seu perdão, mas preciso lhe falar uma coisa. Espero que você entenda... e me
perdoe.
— O que é? — Paula perguntou baixinho. — Estou ouvindo.
Bob olhou-a com um ar de reprovação.
— Paula, você nem parece a mesma. — Hesitou um momento, depois disse baixinho.
— Querida, não estou casado.
Ela observou-o demoradamente, depois desviou o olhar, com um terrível sentimento de
desânimo. Aquelas palavras não significavam mais nada para ela. E para ele? Como Bob
esperava que ela reagisse? Ficaram em silêncio. Paula percebeu que ele aguardava
resposta. Não conseguiu dizer nada. Ele insistiu:
— Paula, querida, foi tudo um erro. — Abraçou-a com mais força. — Querida, nunca
deixei de amá-la. Graças a Deus descobri isso antes que fosse tarde demais. Escrevi lhe
contando sobre isso, mas não recebia nenhuma resposta. Não entendi o seu silêncio. Agora
percebo que já devia ter embarcado... não recebeu as minhas cartas? — Ela sacudiu a
cabeça, mal ouvindo o que ele dizia. Seus pensamentos estavam muito agitados.
É terrível, ela pensou. Mas a culpa é dele. Sentiu-se invadida por uma onda de ódio.
Que direito ele tinha de abandoná-la e depois querê-la de volta? Olhou-o, furiosa.
— Não precisa dizer mais nada. Não quero culpar você, mas no que me diz respeito
está tudo terminado.
Ele a olhou em silêncio. Depois disse-lhe, lentamente:
— Paula, você não está falando sério. Não pode estar. Não pode ter mudado tão
depressa. Você sempre dizia...
— Sei o que eu dizia. E naquela época era verdade. Mas agora acabou. Por favor,
leve-me de volta para a mesa...
— Não acredito em você — ele interrompeu rispidamente. — Paula, olhe, não pode
falar assim comigo. — Tentou puxá-la para uma mesa vazia. — Vamos conversar aqui.
— Não. Estou com amigos e quero voltar para ficar com eles.

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— Olhe — seu tom era ameaçador. — Se não me ouvir aqui vou até a mesa dos seus
amigos e falo na frente deles. — Paula olhou-o como se avaliasse o perigo daquela ameaça.
Ele parecia decidido.
— Muito bem. — Seus olhos brilhavam de ódio. — Mas, independente do que você
disser, não vou mudar minha opinião.
— O que quer beber? — perguntou, ao se sentarem em outra mesa.
— Nada, obrigada. E, por favor, fale o mais depressa possível. — Olhou rapidamente
para a mesa de Christopher. O rapaz fumava, olhando Paula bateu com os pés no chão,
impaciente. Os pares continuavam a dançar. Se conseguisse voltar logo para a mesa, talvez
os outros nem percebessem que tinha saído da pista. Ele segurou as mãos dela sobre a
mesa, mas Paula puxou-as depressa.
— Nem sei por que estou sentada aqui — ela disse, zangada. Por favor, fale depressa,
que quero voltar para junto de meus amigos.
— Não acredito no que está dizendo, Paula. Entenda bem, a outra garota... eu me
enganei. Sei que isso não é desculpa, mas estava há muito tempo sem ver você e... fui
envolvido. Oh, Paula. — Tentou novamente segurar as mãos dela, mas a moça não permitiu.
— Por que você não quis casar comigo quando eu lhe pedi? Isso nunca teria acontecido se
estivéssemos casados.
— Já discutimos isso, Bob — ela disse num tom mais gentil — , e não adianta falarmos
nesse assunto outra vez. Lamento... mas agora é tarde demais. O que aconteceu me deixou
muito triste, mas já passou. Por favor, acredite, está tudo acabado.
— Paula — ele estava cada vez mais ansioso — , será que realmente é tarde demais?
— Olhou-a como se implorasse do fundo do coração e Paula sentiu que fraquejava. Mas
sacudiu a cabeça , lentamente.
— Sinto muito, Bob, mas é tarde demais. As pessoas mudam e a verdade é que talvez
eu nunca tenha amado você.
— Mentira! Você me amou. E acredito que ainda me ame. Só que está zangada. Sei
que tem motivos...
— Não adianta conversarmos mais — Paula interrompeu.
— Será que está interessada naquele tipinho arrogante que ficou lá na mesa? Quem é
ele? — Bob perguntou, dando uma risada irônica.
— Não importa quem seja. Não tem nada a ver conosco. Eu o conheci hoje. Por favor,
Bob, seja razoável. Você mesmo se colocou nesta situação. — Hesitou um momento, depois
continuou: — Agora, preciso voltar para a minha mesa. Adeus. Não, por favor, não me
acompanhe — Paula pediu ao ver que Bob fazia menção de se levantar. Saiu rapidamente e
caminhou para o toilete das senhoras. Ouviu-o murmurando alguma coisa... talvez que ia lhe
escrever, mas nem prestou atenção.
Paula olhou-se no espelho. Estava vermelha demais, seus lábios ainda tremiam.
Apesar de ter se controlado, o encontro com Bob a tinha deixado nervosa.
Enquanto ele falava, Paula se lembrou, com uma mistura de enjoo e ansiedade, de
tudo que significaram um para o outro.
Sentia também desprezo, não só por ele, mas também por si mesma, pela mudança
rápida de seus sentimentos. Não se conteve e chorou.
Por que aquilo tinha de acontecer justo agora? No seu primeiro dia, naquele novo país.
Estava tão feliz e confiante e de repente se sentia suja, vulgar. Pegou um lenço e enxugou os
olhos, passou um pouco de maquilagem e batom.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

Na porta, Paula esperou que a música parasse. Depois olhou para a mesa onde tinha
estado com Bob. Estava vazia e ele não se encontrava por perto. Respirou aliviada.
Rosalind a olhou, curiosa, quando Paula chegou na mesa, mas não disse nada. No
rosto da amiga, Paula viu uma expressão que não lhe agradou. Rosalind também percebeu
que a amiga ficou desapontada ao notar que Christopher não se encontrava mais lá. Jack
Sinclair levantou-se e puxou uma cadeira para Paula, sem sorrir.
— Chris teve de sair — ele disse. — Recebeu um chamado do hospital e pediu-me que
lhe apresentasse suas desculpas.
— Oh, que pena — Paula murmurou, terrivelmente decepcionada. — Será que ele
volta?
— Acho que não — o rapaz disse, sem olhar para ela e Paula enrubesceu, pouco à
vontade.
— Que pena! Isso estragou a nossa noite, não é?
Paula olhou para Rosalind que mantinha um ar indiferente. Fez-se um silêncio pesado
entre eles. Para seu alívio, pouco depois Jack Sinclair decidiu que era hora de levá-las de
volta ao alojamento das enfermeiras.
Rosalind mal esperou que chegassem ao quarto.
— O que deu em você? Já foi péssimo encontrar Bob Shaw, porque você tinha de
dançar com ele? E, além disso, sentar-se com ele sozinha e de mãos dadas? Que homem
atrevido! Mas, estou surpresa com você, Paula. Parece que resolveu começar tudo de novo.
Bem, não esqueça...
— Rosa, você não entendeu nada. Tive que dançar com ele... mas não comecei nada
de novo. E quanto à conversa de mãos dadas... escute Rosa... — E Paula contou tudo à
amiga, desde o momento em que saiu da mesa com Bob até voltar e não encontrar
Christopher.
Rosalind ficou apenas olhando-a, desanimada.
— Foi horrível, Rosa — Paula disse, sentando-se na cama. Tudo parecia tão vulgar...
era como se... — Ela parou, fazendo uma careta. — Entende por que eu tive que fazer com
que ele se afastasse? Ficou dizendo que ainda me ama e que tinha muitas coisas a me
contar. Acho que ele andou bebendo.
— Muito a lhe contar! — Rosalind exclamou, zangada. — Aposto que tinha mesmo.
Será que ele esqueceu que já está casado?
— Não está.
Rosalind olhou-a, espantada.
— Não está? — ela indagou, os olhos arregalados para Paula. — Mas ele escreveu
que tinha casado. Não estou entendendo.
— Na verdade, quando ele me escreveu falando sobre a outra moça, foram estas as
palavras dele: "quando você receber esta carta, eu já estarei casado."
Rosalind olhou-a em silêncio e sentou-se também na cama.
— Então... ele deve ter mudado de ideia no último momento... ou talvez a garota tenha
mudado. Bem, então por que ele não avisou você?
— Bob disse que escreveu várias cartas — Paula disse, cansada.
— E você acredita nisso?
Paula deu de ombros, levantando-se e indo até a penteadeira.
— Acho que sim. Nós saímos logo de Londres, mas isso já não faz mais diferença.
Disse a ele que está tudo acabado.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Ainda bem, Paula — Rosalind desabafou, aliviada. — Ele não era o homem certo
para você. E o que é que Bob queria dizer?
— Oh, que diferença faz? Sabe, Rosa, estou cansada deste assunto. — As duas
ficaram em silêncio e começaram a se despir.
— Acho que Chris... me viu sentada com ele, não? Oh, droga! Desculpe por ter
estragado sua noite, Rosa.
— Não se preocupe. A pena é que Christopher tenha ido embora. O que será que ele
pensou que havia entre você e Bob? Espero que nada, porque tive a impressão de que ele
gostou de você.
Paula pegou uma escova e começou a escovar os cabelos.
— Eu gostei dele também, mas agora não posso fazer mais nada. Que ódio que me dá
de Bob... só de pensar que ele...
Rosalind observou a amiga, que respirava pesadamente, os olhos brilhando de fúria.
— Não fique assim — disse lentamente, tentando acalmar Paula. — Jack Sinclair me
disse que Christopher não é casado. É viúvo e tem uma filha pequena. Moram perto de
Hobart, num lugar chamado Lenah Valley.
Paula virou-se para a amiga, parando com a escova no ar.
— Não sei por quê, mas achei que ele não era casado.
— E o que vai fazer, Paula? — Rosalind olhou a amiga com curiosidade, entrando
debaixo das cobertas.
— Ainda não sei. Vou tentar não pensar, durante algum tempo.
Talvez encontre um modo de esclarecer o mal-entendido.
— Sim, mas como? — Rosalind perguntou. — Vai escrever para ele? Sabe que vamos
partir amanhã, não é?
— Sim, eu sei — Paula disse, pensativa — , mas Christopher disse que ia aparecer
para se despedir de nós... — Olhou para Rosalind, que sacudiu a cabeça.
— Acho que ele não virá, Paula. Sabe, logo depois dele pedir a Jack que lhe
apresentasse suas desculpas, Chris virou-se para mim e se despediu, me desejando boa
viagem. Disse que lamentava, mas não ia ver nenhuma de nós durante algum tempo, pois
logo partiria para a Austrália. Não perguntei a Jack, mas me pareceu uma despedida
definitiva.
— Oh — Paula murmurou, decepcionada — , parece que ele já tinha tudo planejado,
então. — Sentia-se deprimida. — Bem, não se pode culpá-lo. Agi de um modo horrível e ele
não nos conhece o suficiente para saber que tive motivos. Parece que não foi um bom
começo, na Tasmânia. Não tem importância, vamos dar um jeito.
Rosalind a olhou, hesitante, depois indagou:
— E o que você sente por Bob?
— Tive a Impressão de que nem o conhecia, era como se fosse um estranho —
afirmou Paula, firme. — E um estranho antipático. Estou começando a perceber o que sinto e
não estou gostando de mim mesma.
— Você não tem culpa de as coisas terem mudado.
— É melhor esquecer tudo. — Paula suspirou. — Espero não ver Bob Shaw nunca
mais. Agora, que tal dormirmos?

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

Capítulo 4

Paula ficou um bom tempo sem conseguir dormir em sua primeira noite na Tasmânia.
Os últimos acontecimentos tinham sido terríveis e ela gostaria de saber a opinião de
Christopher Deane a seu respeito. Será que o fato de ela ter saído da mesa para dançar com
Bob fizera o médico mudar de ideia quanto à despedida, no dia seguinte?
Bob Shaw não poderia ter escolhido um momento pior para aparecer. E na mesa...
será que dera mesmo a impressão de estarem conversando de mãos dadas? Paula estava
arrependida de ter dado atenção ao ex-noivo. Mas de que adiantava arrepender-se? O pior
seria partir sem ver o médico novamente. Bem, talvez, ele não estivesse realmente
interessado nela.
Com esses pensamentos pouco animadores, Paula adormeceu. Acordou no dia
seguinte com o sol brilhando através da cortina e Rosalind sentada na cama. Paula também
sentou-se.
— Está um dia lindo. Vamos olhar a paisagem? — Rosalind correu para a janela, mas
Paula olhou o relógio.
— O café é às oito e o ônibus sai às nove — ela disse. — A paisagem vai ter de
esperar. Temos de nos aprontar depressa.
— Vou escovar os dentes — Rosalind disse e as duas começaram a se vestir
apressadamente.
Exatamente às cinco para as nove o ônibus chegou ao ponto. Rosalind foi logo
entrando, mas Paula demorou-se, olhando ao redor.
Afinal, ele podia ter vindo...
Mas não havia o menor sinal do homem alto e magro. Nada mais resta a fazer, Paula
pensou, entrando e sentando-se ao lado da amiga. Alguns sacos e caixas ainda estavam
sendo colocados nos ônibus, quando a srta. Needham, do Departamento de Saúde apareceu
para se despedir das duas.
— Vão gostar da viagem — ela disse. — A estrada é muito bonita e o ônibus para em
Huonville, depois em Franklin, onde vocês poderão fazer um lanche, antes de chegarem a
Dover. — Olhou pela janela avisou: — Já estão prontos para partir, vou descer. Boa sorte
para vocês. Vamos nos ver logo. Todos sempre voltam a Hobart nos dias de folgas.
O que Christopher Deane disse, Paula pensou.
— Até logo, srta. Needham — elas gritaram e o ônibus partiu.
Era uma linda manhã dourada, dessas que não deixam ninguém ficar deprimido. As
duas estavam de olho pregado na janela. A estrada passava por uma floresta e pela primeira
vez viram o famoso monte Wellington com seu pico coberto de neve, contrastando com o céu
azul.
— Rosa — Paula disse, segurando a mão da companheira — , em nosso primeiro dia
de folga, vamos subir lá em cima? Deve ter uma estrada até lá. Você não acha?
— Tem sim — informou o homem de meia-idade que estava atrás delas e se meteu na
conversa. — No pico há uma espécie de mirante de onde se pode ver quase toda a ilha.
— Deve ser lindo — Paula disse, sorrindo para ele.

- 20 -
Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Nós iremos lá — Rosalind garantiu. — Levamos um lanche e almoçamos por lá.


As duas começaram a conversar com o homem que se tornou uma espécie de guia
turístico durante o resto da viagem.
— Olhe — Rosalind disse, respirando fundo. Estavam no ponto mais alto da estrada,
que fazia curvas e mais curvas e depois descia entre florestas de eucaliptos e pinheiros. Mais
além, o terreno ficava plano novamente e, numa outra elevação, elas tiveram uma vista
magnífica do porto de Hobart.
— Que lindo — Paula exclamou. — Estou com pena das pessoas que morreram sem
ver isso.
— Que coisa estranha para se dizer — Rosalind comentou, rindo.
— Mas é o que estou sentindo — Paula explicou. — O mundo é um lugar tão
maravilhoso, tão cheio de belezas, que tenho de viver milhões de anos, para ver tudo. E
você?
— Eu também. Agora é que entendi o que você quis dizer. Olhe — Rosalind apontou
—, estamos começando a descer novamente.
— Daqui a pouco estaremos na região das macieiras — o senhor disse. — Vamos
parar um pouco em Huonville. Onde há um bonito rio e uma ponte. Depois vem Franklin, e
depois Dover. Ainda estamos na região das framboesas. — Estendeu a mão e as duas viram
arbustos dos dois lados da estrada, carregados de frutinhas vermelhas.
As casas, sempre baixas, eram semelhantes às da cidade e sempre rodeadas de
gramado e árvores.
— O que vieram fazer aqui? — o homem perguntou e quando Paula lhe disse ele ficou
espantado. — Vão ser as enfermeiras do hospital? Bem que a enfermeira Morton, que está lá
agora, disse quê vocês estavam a caminho.
— Vocês conhecem essa região há muito tempo? — Paula quis saber da esposa
desse homem.
— Oh, nós nascemos aqui. Nunca estivemos na Inglaterra, mas gostaríamos muito de
ir lá. Descendemos de ingleses — ela disse.
Era quase meio-dia, quando chegaram na ponte e entraram no território das macieiras,
carregadas de lindos botões rosas e brancos. Depois de uma curva, surgiu o mar.
— Não estamos longe — informou a mulher do banco de trás. O hospital fica na costa,
a poucos quilômetros daqui.
Pouco depois, o ônibus chegava em Dover, um pequeno povoado com algumas lojas,
poucas casas e um correio. Mais adiante, ele parou diante de portões brancos, na frente de
um prédio baixo e comprido, de tijolos vermelhos.
— Chegamos? — Paula perguntou, sorrindo a seu amigo de meia-idade.
— Sim.
— Não parece muito pequeno — ela disse a Rosalind -, e fica num lugar lindo. — O
motorista abriu a porta e ajudou-as a descer.
— Vou pegar as malas, garotas — ele falou, amigável. — Aqui estão. — E colocou as
malas ao lado das duas, que ficaram acenando para o casal enquanto o ônibus partia.
Entraram, então, no hospital.
Dos dois lados do portão havia canteiros com tulipas vermelhas e amarelas. Uma
alameda começava no portão e mais ao longe viam-se o mar e a praia.
— Estou contente por ter trazido o maio — Rosalind exclamou. — Olhe, Paula, acho
que vamos adorar este lugar.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

A porta da frente se abriu. Uma garota surgiu na entrada. Era morena de olhos
castanhos e usava um uniforme imaculadamente branco, com avental e meias brancas.
— Olá — disse sorrindo para as duas. — São as novas enfermeiras?
— Eu sou a enfermeira Bruce. — Paula deu um passo à frente. — E esta é a
enfermeira Lane.
As três se cumprimentaram e a moça disse:
— Meu nome é Nancy Morton. Entrem, vou lhes mostrar o quarto.
Paula e Rosalind a seguiram por um corredor onde havia várias portas.
— Deixe-me ajudá-las com as malas. Só temos uma empregada e ela está ocupada
preparando o jantar. Venham por aqui. — A moça abriu uma porta e as três entraram em um
corredor estreito e curto. — O quarto de vocês é aqui. São estas duas portas e, quando
quiserem, já podem arrumar suas coisas. Mas antes vamos almoçar. Devem estar com fome.
Na sala de jantar irão conhecer o resto da equipe. — Ela riu. — Espero que estejam todos lá.
Hoje foi um dia cheio. Houve três partos e um deles acabou há poucos minutos. Temos
também um paciente com problemas no coração que precisa de cuidados constantes. Acham
que depois do almoço vocês já podem... ?
— Claro. Podemos começar a qualquer momento. É só tirar os uniformes da mala —
Paula confirmou.
— Ótimo — disse a moça e saiu fechando a porta.
— Bem — Rosalind sorriu, ajoelhando-se diante da mala — , estamos no nosso
emprego novo.
— O avental está bem amassado — Paula falou — , mas acho que não tem
importância. Devem estar bastante ocupados e não vão reparar nesse detalhe.
Vestiram-se e pouco depois estavam no vestíbulo, onde a enfermeira Morton as estava
esperando.
— Prontas para o trabalho? — ela disse. — Vocês se vestiram depressa. O dr.
Renwick vai ficar satisfeito. Vera Watts também. Ela é a outra enfermeira que está partindo.
Nós duas vamos embora amanhã. Tenho que dar algumas instruções para a enfermeira
Bruce. Espero que não tenham problemas no novo trabalho.
A sala de jantar era uma extensão do vestíbulo, separada dele por uma cortina. Nancy
levou-as para a mesa onde um homem magro e de cabelos cor de areia estava sentado,
sorrindo. Era o dr. Renwick. Nancy fez as apresentações e o médico voltou à sua refeição.
— Desculpem-me — ele disse — , mas espero que a enfermeira tenha contado a
vocês como estamos ocupados. Até minha esposa veio ajudar, até que vocês consigam
engrenar no trabalho. — Sorriu amável para as duas.
— Estaremos prontas para trabalhar assim que terminarmos o almoço — Paula disse,
tomando a sopa que tinham colocado diante dela. — Ficamos de férias quase dois meses, até
a viagem.
— Isso é ótimo. — E, colocando o guardanapo de lado, levantou-se. — Já vou indo.
Não se apressem. Podemos ficar sem vocês mais alguns minutinhos.
Momentos depois, Vera Watts, a outra enfermeira, apareceu. Era uma moça gordinha,
de rosto rosado, parecida com Rosalind e provavelmente com a mesma idade. Cumprimentou
as recém-chegadas cordialmente e começou a almoçar.
— A sra. Guthrie está melhor — informou Nancy Morton. Terminado o almoço, as
quatro moças foram para a enfermaria.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Temos três enfermarias com quatro leitos em cada uma Nancy começou — , mas
nunca, fiçam todos ocupados. Há também a enfermaria de pacientes, o berçário, a sala de
esterilização, tudo muito perto. — Ao falar ia apontando para várias portas. — Depois temos a
cozinha, ali no corredor. Como podem ver, o hospital é bem compacto. Aos poucos, vocês se
habituarão. Vamos primeiro para a enfermaria especial, onde está o sr. Lowther, o que tem
problemas cardíacos. O médico, se não foi para a sala de parto, deve estar com ele. Já
tiveram experiências com pacientes cardíacos?
— Sim... nós duas — Paula respondeu, seguindo a enfermeira Morton que entrou num
quarto pequeno, com uma cama apenas. O dr. Renwick estava lá, sentado ao lado do
paciente e levantou-se quando as moças entraram.
— Ótimo, enfermeiras. Como já chegaram vou deixar este caso com vocês. Preciso
voltar para a sra. Guthrie. Ela está com contrações de dois em dois minutos. Tudo parece ir
bem, mas, em vista dos problemas que já teve, prefiro estar por perto. — Coçou o queixo com
ar preocupado. — Espero vocês lá assim que terminarem aqui e saiu a passos largos.
A enfermeira Morton olhou o paciente. Era um homem de meia-idade, rosto pálido,
cabelos grisalhos. Estava deitado, com os olhos fechados. Observou-o um momento e virou-
se para Paula.
— Fique com ele — disse baixinho. — Ali está o tubo de oxigênio, coloque a máscara
no rosto dele, se for preciso. Ele já sabe o que deve fazer.
— Onde está a máscara?
— Está ali, perto do tubo do oxigênio, pronta para ser usada. Tudo certo?
— Tudo certo. — Aproximou-se do paciente que parecia à vontade, apesar da palidez.
— Vamos para a sala de partos — ela ouviu Nancy dizendo a porta, dando uma
piscada para Paula.
A moça sentou-se ao lado do sr. Lowther. Tudo estava quieto. O nico som que se ouvia
era o da respiração calma do paciente. Paula olhou o rosto dele, o nariz bem feito, o queixo
firme. Apesar de estar doente, dava para notar que era um homem muito bonito. Caminhou
até a janela e olhou para fora. Um jardineiro trabalhava nos canteiros, retirando as tulipas
velhas e regando as novas. Do outro lado da alameda, algumas crianças brincavam no
gramado.
De repente, Paula lembrou-se de Christopher Deane e imaginou o que ele estaria
fazendo. Talvez já tivesse partido. Lembrou-se então de Bob Shaw e de suas palavras
terríveis.
Christopher agradara a Paula desde o início, e tinha a certeza que ele sentira a mesma
coisa. Será que ele pensava que havia algo especial entre ela e Bob? Mas por que Chris se
preocuparia com isso? Será que, apesar de simpático, era um homem quadrado, cheio de
preconceitos? Deu de ombros. Era uma pena tudo o que tinha acontecido. Mas, com o tempo,
esqueceria o incidente. Não ia deixar que nada estragasse o início de sua nova vida naquele
país.
Lembrou-se da viagem pelas plantações de maçã, o verde se misturando ao branco e
ao rosa das flores, a vista maravilhosa do porto de Hobart, as curvas do Rio Huon. Olhou pela
janela e viu o mar brilhante e calmo. O homem do ônibus tinha lhe dito que aquela baía se
chamava baía da Esperança. Paula respirou fundo, animada com aquele nome.
Ouviu, então, um gemido e se aproximou depressa do leito, curvando-se sobre o
paciente. Ele estava com os olhos abertos, virando a cabeça de um lado para o outro, como
se procurasse alguém.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Enfermeira — ele gemeu e levou as mãos ao peito. Paula percebeu que seus lábios
ficavam azulados e esticou a mão para a máscara de oxigênio.
— Está tudo bem, sr. Lowther — disse baixinho.
Ele olhou para ela e abriu a boca, tentando falar. Mas Paula já tinha lhe colocado a
máscara, girando a chave do tubo de oxigênio. Depois sentou-se ao lado da cama e segurou
a mão dele. O homem lutava para respirar. Aos poucos a respiração foi se acalmando e o
azulado dos lábios desaparecia. Esperou ao lado da cama até que a crise passasse. A porta
se abriu e a enfermeira Morton entrou, correndo apressada para o lado da cama.
— Ele já está melhor. — Ela acalmou a outra. — Quanto tempo, durou o ataque?
— Só uns minutos — Paula respondeu -, que pareceram horas. Olhou o homem na
cama. — Acho que já está tudo bem. Vou tirar a máscara, ele parece mais tranquilo.
— Quer uma xícara de chá, sr. Lowther? — Nancy perguntou. Paula levantou
gentilmente a cabeça do paciente, tirando a máscara. Ele piscou e sorriu, mostrando dentes
lindos.
— Aceito — o homem respondeu, com uma voz ligeiramente ofegante. — Quem é
essa moça linda?
— É a enfermeira Bruce — Nancy respondeu. — Este é o sr. Lowther, enfermeira. Ela
vai ficar no meu lugar. Acabou de chegar da Inglaterra.
— É uma pena que esteja indo embora — disse ele, piscando para Nancy — , mas
estou contente por terem mandado essa beldade para o seu lugar. Só de pensar que vou ver
o rosto dela todas as manhãs, já me sinto mais animado.
As duas riram e Nancy disse para Paula:
— Não acredite em nada do que ele diz. O sr. Lowther já partiu o coração de todas as
enfermeiras da Tasmânia. Além disso, não deve ficar conversando o tempo todo. Agora — ela
mudou de assunto em tom mais sério — ele precisa descansar um pouco. Vou buscar o chá.
Nancy saiu e o sr. Lowther indicou a cadeira ao lado da cama.
— Sente-se aqui — ele pediu — e fale-me de você.
Paula lembrou a ele o que a enfermeira Morton tinha dito.
— Prometo não contar nada a ela. Além disso, é só você que vai falar. — Quando
Nancy voltou com o chá, o paciente estava deitado, de olhos fechados, escutando Paula
contar a viagem da Inglaterra.
Ao anoitecer, quando aguardavam o jantar, Nancy Morton disse a Paula:
— Vamos embora amanhã. Rezem para que nada de grave aconteça. A sra. Guthrie já
teve o bebê, sem complicações. Ela perdeu os dois primeiros. Por isso o dr. Renwick -estava
preocupado. A sra. Jones está passando bem e o bebê dela deve nascer esta noite ou
amanhã de manhã. A sra. Smithson está ótima. Acho que o parto dela não vai começar tão
cedo. Parece que vai ser preciso fazer indução. Mas, agora, isso é com vocês. Ela já está
dormindo e o dr. Renwick está com o sr. Lowther... são velhos amigos. Quando terminarmos
de jantar, vou mostrar tudo para vocês, com mais calma. Começaremos pela sala de
esterilização.
— O sr. Lowther é muito simpático, não? — Paula observou, minutos depois, parando
de contar as comadres.
— Nem parece o mesmo — Nancy respondeu — por que está bem melhor de saúde.
Era um encanto, mas já está com quase cinquenta anos.
— Cinquenta?! — Paula repetiu, rindo. — E o que ele faz na vida?

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— Faz? Ele não precisa fazer nada. O sr. Lowther é um dos homens mais ricos da
Tasmânia e um dos solteiros mais cobiçados.

Capítulo 5

A primeira noite de plantão de Paula, no hospital de Dover, foi calma. O sr. Lowther
não teve mais nenhum problema e o bebê da sra. Guthrie nasceu calmamente. Apareceu uma
nova paciente, a sra. Jones, que aguardava o nascimento do primeiro filho. Foi Paula quem
abriu-lhe a porta e conduziu-a à sala de partos.
— Já começaram — Paula disse baixinho para Rosalind. — Acho que vai ser um parto
rápido. — Examinou o carrinho de instrumentos para verificar se havia todos necessários.
Depois virou-se para Rosalind: — Está tudo certo. — Pode trazer o tubo de oxigênio enquanto
eu faço os preparativos.
Rosalind saiu apressada e Paula pegou uma seringa, já com medicamento, que seria
aplicado depois do parto. Aproximou-se da cama e a moça a olhou ansiosa.
— Não precisa se preocupar. Está tudo bem e logo o bebê estará aqui.
Quando Rosalind voltou, Paula já tinha colocado um avental longo, sobre o uniforme, e
a máscara. Estava lavando as mãos na pia.
— Enxugue-me, Rosa — ela pediu, estendendo a toalha esterilizada para a amiga.
Colocou, então, as luvas plásticas.
Estava tudo arrumado e Paula pronta.
— Tudo bem, sra. Jones — ela disse quando a moça deu um gemido no leito. — Já
estou indo. — Paula percebeu que a paciente estava assustada. — Não se preocupe,
querida. — A outra sorriu.
— Você está indo muito bem. — O rosto da paciente se contorceu de dor e Paula olhou
o relógio, acima da cama, anotando o tempo.
— Agora, quero que relaxe entre as contrações e, quando vierem, faça força para
baixo. Outra vez? — Paula olhou novamente o relógio. Menos de três minutos. — Traga o
oxigênio por favor, Rosa, e telefone para o dr. Renwick. Dê uma olhada no sr. Lowther,
quando passar pelo quarto dele, mas não demore. Tocarei a campainha, se precisar de ajuda.
Rosalind saiu e Paula virou-se para a paciente que respirava mais tranquilamente e
tentava até sorrir.
— Como estou indo, enfermeira?
— Muito bem. Vai ser um parto rápido. Continue respirando e fazendo força, quando
sentir as contrações. — Olhou para a paciente e depois para Rosalind, que apareceu na
porta. — Agora, quando eu avisar, quero que pare de pressionar e respire depressa. Mesmo
que sinta vontade de fazer força, não deve fazer, está bem?
A moça fez que sim com a cabeça.
— Agora — Paula disse, inclinando-se sobre a paciente. Parou ao ouvir um ruído na
porta. Era o dr. Renwick que sem dizer nada entrou e colocou a máscara. Depois foi até a

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bacia e esterilizou as mãos, em seguida aproximou-se do carrinho de instrumentos. A


paciente soltou um gemido.
— Está indo depressa — Paula disse, baixinho. Ele concordou.
— Só um pouquinho de éter, enfermeira, e ela esquecerá tudo ele disse tomando o
pulso da paciente. — Agora, sra. Jones, respire fundo. — A sala cheirava a éter e às onze
horas o bebê surgia, chorando.
— Aqui está ele — Paula disse, colocando-o nos braços da mãe sonolenta. — Dê-lhe
um abraço e ele saberá que é seu filho.
A garota olhou deslumbrada para o bebê avermelhado e chorão.
— Quanto ele pesa, enfermeira?
— Vou pesá-lo depois que lhe der banho. Acho que está com peso normal. Agora,
gostaria de tomar uma xícara de chá? — Nem bem terminou de fazer a pergunta e a porta se
abriu e Rosalind entrou com uma bandeja. Paula pegou o bebê e colocou-o num bercinho.
Você vai tomar banho e não adianta chorar.
— Deixe-me olhá-lo — Rosalind pediu. — É o nosso primeiro bebê da Tasmânia.
Nancy Morton apareceu para admirar a criança e deu parabéns a mãe, que se
recuperava depressa. Depois virou-se para Paula, dizendo:
— Venha tomar o café da manhã. Vera e eu vamos marcar a hora da nossa partida. A
sra. Jones pode ficar um pouco sozinha. Está se sentindo bem, não está?
— Sim, obrigada, enfermeira. — A sra. Jones recostou-se nos travesseiros e fechou os
olhos. Depois abriu-os e sorriu para Paula.
— Nem posso acreditar que tudo já acabou.
— Afinal, não foi tão ruim, foi?
— Espere até chegar a sua vez — ela respondeu e Paula riu. Depois tirou a máscara e
saiu com Nancy.
— Bem, agora só temos a sra. Smither — Nancy disse pouco depois, enquanto se
servia de chá. — E parece que o parto não vai começar tão cedo. A paciente está
calmamente fazendo tricô. É melhor saber o que o dr. Renwick pensa sobre a indução. Ele é
contra, geralmente. — Parou e olhou para Paula. — O ônibus virá nos buscar às dez. As
coisas estão indo muito bem por aqui. Não há nenhuma internação prevista para os próximos
três dias. Acho que o médico manterá o sr. Lowther aqui mais algum tempo. — Olhou o
relógio.
— São oito e meia. Que tal descansar um pouco enquanto Vera, eu e a sra. Jones
cuidamos do bebê? Você parece cansada e terá muito trabalho pela frente. Pode dar uma
olhada nas fichas dos pacientes que estão na escrivaninha lá da entrada.
— Obrigada — Paula agradeceu, suspirando -, estou morrendo de vontade de tomar
um banho e escovar os cabelos.
— Quanto tempo vão ficar aqui? — Nancy perguntou. — Vocês estão no Serviço de
Enfermagem Itinerante, não estão?
— Sim, estamos. A srta. Needham não disse quanto tempo devemos ficar — Paula
respondeu, Rosalind completou:
— Na verdade, ela não nos disse muita coisa.
— Não estou surpresa — Nancy falou, parando na porta. — Ela está sempre ocupada
com a burocracia e a papelada do serviço e geralmente esquece o mais importante... nós.
— Bem, eu não estou com pressa de ir embora daqui — Rosalind disse, rindo. — Acho
que vou gostar muito deste lugar.

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— Eu também — Paula concordou, levantando-se. — Bem, agora vou tomar um


banho.
Ao meio-dia, quando o ônibus chegou, tudo estava calmo e em ordem, no pequeno
hospital.
— Adeus — Nancy disse, subindo, enquanto o motorista guardava as malas no porta-
malas. — Espero que nos encontremos de novo e desejo que sejam felizes aqui.
— Muito obrigada. — Rosalind sorriu, acenando. — E boa sorte para vocês. — Paula e
Rosalind ficaram paradas na porta, olhando o ônibus desaparecer, depois sorriram uma para
a outra.
— Bem, cá estamos nós — Paula disse, corada de animação — sozinhas, no nosso
pequenino hospital. Vai ser divertido, não? Vai ser delicioso, Paula. Tenho a impressão de
que algo maravilhoso vai nos acontecer.
— Vamos entrar. O dr. Renwick deve fazer a ronda logo e a tal coisa maravilhosa terá
de esperar.
— Estou falando sério — Rosalind afirmou — , é como se alguma coisa estivesse nos
esperando, só que não sei o que é.
Nesse momento uma figura saiu do fundo do hospital. Era um homem de chapéu
velho, cabelos crespos, rosto marcado, que usava uma calça de veludo velha e uma camisa
xadrez desbotada.
— Vocês devem ser as novas enfermeiras. — E nem esperou pela resposta. — Tinha
um sotaque engraçado e as duas ficaram olhando em silêncio.
Depois Paula cochichou para Rosalind:
— Bem, ele deve ser a coisa maravilhosa que nos esperava. — Pelo menos surgiu de
repente...
— E espero que desapareça de repente também — Rosalind comentou, rindo.
— Falava de um jeito tão engraçado! Quem será ele, Rosa?
— Parece que é o jardineiro. Vem uma vez por semana. Queria saber se o esterco já
chegou.
— Não. Não chegou — Paula respondeu, rindo. — Nancy me disse que não. Vá dizer
isso a ele, Rosa. Preciso falar com o dr. Renwick. Depois, dê uma olhada no sr. Lowther, por
favor, sim?
O dr. Renwick estava na sala de jantar.
— Como está a sra. Jones? — ele perguntou.
— Muito bem — Paula respondeu, pegando as tabelas de temperaturas dos pacientes.
— Qual deles quer ver primeiro?
— Primeiro as senhoras. A enfermeira Lane está com o Lowther, não é?
— Sim — ela sabia que Rosalind já devia ter chegado ao quarto dele. — Ele dormiu
muito bem.
— Ótimo. Farei um exame geral nele, hoje. Deixe-me ver a ficha. — Paula estendeu-
lhe o papel. — Ah, sim... uma leve lesão... eu já imaginava. — Ele pensou um pouco, depois
passou a ficha para ela e disse depressa: — Bem, vamos ver... fique de olho nele,
enfermeira ... o sr. Lowther não pode beber, nem fumar — o dr. Renwick continuou — e tenho
certeza de que tentará tudo isso, sabendo que você é nova aqui. Preste atenção no bebê da
sra. Guthrie. Fique de olho nele nos próximos dias, para ver se mantém o peso normal. Como
vai a sra. Smithson?

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— Está bem — Paula comentou -, e, de acordo com seu relatório, já se passaram sete
dias do prazo marcado para a criança nascer.
— Sim, eu sei — ele respondeu — , mas ela não está sentindo nenhuma dor. É o
primeiro bebê, enfermeira e, como sabe, eles são imprevisíveis. Vamos dar mais um dia e, se
nada acontecer, tomaremos uma decisão.
Naquele dia, como o sr. Lowther já tinha melhorado bastante, podia sair do hospital,
desde que seguisse as prescrições médicas.
As mães com os bebês dormiam tranquilas e a sra. Smithson fazia tricô.
— É bom que o bebê esteja atrasado — ela comentou com Rosalind — , porque ainda
não terminei o enxoval dele.
Às nove horas da noite, as duas garotas puderam sentar tranquilas, diante da lareira
acesa, tomando um gostoso chá. Pela janela. Paula viu o mar escuro. Deu um longo suspiro e
serviu chá para Rosalind.
— Não sei o que seria das enfermeiras se não existisse chá ela comentou.
— O paciente que sofre do coração é muito simpático, não é, Paula?
— Sim, muito. É um solteirão muito rico, foi o que Nancy me contou. Rosa, você vai
escrever para Jack Sinclair?
— Escrever para Jack Sinclair? Para quê?
— Bem — Paula disse, enrubescendo — , para agradecer a ele... por aquela noite...
— Eu? E por que você não escreve agradecendo ao dr. Deane?
— Bem... não sei. Acha que eu devia fazer isso?
— Claro que sim. Vamos escrever enquanto está tudo calmo, pois não sei quanto
tempo esta paz vai durar.
— Rosa — Paula interrompeu, minutos depois, ao endereçar o envelope ao
Departamento de Saúde de Hobart. — Nancy hoje me explicou como são programados os
plantões. Não é preciso ficar acordada durante a noite. Os pacientes tocam a campainha, que
soa bem forte em nossos quartos. O médico também, de vez em quando, costuma dar folga
às enfermeiras, quando não há nenhum paciente hospitalizado. Acho que poderemos passar
alguns dias em Hobart.
— Ótimo. Na verdade, somos nossas próprias chefes, aqui.
— É mesmo, por isso toda a responsabilidade cai sobre nós. Esta noite vou ligar a
campainha para o meu quarto. Você pode dormir sossegada, Rosa.
— Mas você trabalhou o dia inteiro. Tem certeza?
— Sim. Não estou com sono. Pode dormir tranquila. Eu vou para o quarto logo.
— Seria melhor se pudéssemos fazer o plantão juntas. Teríamos mais tempo para
conversar.
— Não vai ser tão ruim assim — Paula respondeu. — A esposa do dr. Renwick é uma
ex-enfermeira e Nancy disse que é muito eficiente e está sempre pronta para uma
emergência. Sempre está por perto. Nancy disse que sempre dava um jeito para ela e Vera
passearem juntas.
— Conheci a sra. Renwick a noite passada. Ela é muito simpática — Rosalind disse,
bocejando. — Bem, já vou para a cama. Se precisar de alguma coisa, me chame.
— Chamo sim. Boa noite, Rosa. Não está arrependida de ter vindo para cá?
— Nem um pouco. Estou adorando — Rosalind respondeu, com firmeza, e a
ansiedade de Paula desapareceu.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

Ao ficar sozinha pegou uma revista, mas não conseguia prestar atenção no que lia.
Levantou e foi até a janela. A escuridão lá fora fez com que se lembrasse de Hobart... daquele
jantar. Tudo tinha começado tão bem. Lembrou-se das palavras de Christopher Deane,
mostrando o oceano; "há muitos lugares bonitos por aqui e teria prazer em lhe mostrar
alguns".
Paula suspirou. Ia ter uma vida muito diferente da que levava na Inglaterra. Foi até a
pequena cozinha para preparar um chá. Tinha estudado num hospital imenso, aquele ali
parecia uma casa perto do outro. Era como se fizesse o chá na cozinha de seu apartamento.
Vai ser divertido, Paula pensou. Minnie, a empregada, lhe avisara que geralmente as
próprias enfermeiras preparavam seu café da manhã porque ela não podia chegar antes das
oito.
Paula lavou as xícaras e ficou olhando para o carrinho de chá. A porta se abriu e surgiu
uma mulher. A enfermeira olhou-a surpresa. Tinha o rosto fino e um ar cansado. Carregava
uma mala pequena.
— Boa noite. A enfermeira Morton me disse que viesse.
— Boa noite — respondeu Paula. — Você é... uma paciente? — Que pergunta boba,
ela pensou. Era só olhar para o rosto dela para perceber que estava doente.
— Sim. Sou a sra Aust. A enfermeira Morton não lhe falou nada a meu respeito? Este é
o meu quarto filho.
— Sim, naturalmente, agora estou me lembrando. Mas não acha que veio um pouco
cedo? Aceita um chá?
— Acho que não dá tempo enfermeira.
— Neste caso — Paula disse, colocando a chaleira sobre o fogão — é melhor vir
comigo. — Pegou a maleta da sra. Aust e caminhou para a porta. — Como veio até aqui?
— Vim a pé. Moramos do outro lado do vilarejo e não temos nenhum vizinho.
— Caminhou tudo isso? Sozinha? E o seu marido? — As duas tinham chegado a um
quarto vazio.
— Teve de ficar em casa com as crianças. — A sra. Aust pendurou o casaco atrás da
porta. — Eles não podiam ficar sozinhos a esta hora da noite. Onde quer que eu fique,
enfermeira? — ela disse, atirando-se sobre a cama mais próxima.
— É melhor tirar as roupas e vamos ver em que ponto você está. A mulher deu um
gemido e caiu sobre o travesseiro.
— Está vindo — disse, com toda calma, respirando fundo.
Horrorizada, Paula percebeu que a mulher tinha razão. Tocou a campainha rezando
para que Rosa ainda não estivesse dormindo. Não havia tempo para levar a paciente até a
sala de parto. Saiu apressada e voltou logo com o carrinho de instrumentos.
Rosalind apareceu e deu uma olhada rápida no que estava acontecendo.
— Não vai precisar nem de anestesia — ela comentou.
— É verdade. Vou procurar fazer tudo o mais depressa possível, mas telefone para o
dr. Renwick. — Rapidamente esterilizou as mãos e calçou as luvas, depois colocou a
máscara.
— Oh... começou de novo. — A paciente gemeu fazendo uma careta. — Acho que
agora nasce.
Pouco depois, Paula anunciava:
— Aqui está a sua filha, sra. Aust. Todos os seus filhos nasceram assim tão rápido?
— Sim — a paciente disse alegre. — Nenhum deles quis esperar.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Bem, agora vou dormir melhor. Parece com o pai, a coitadinha...


— É uma criança linda. Não quer segurá-la?
— Claro, mas se não me atrapalhar para tomar o chá que você tinha me oferecido.
Ainda deve estar quente, não é?
Paula riu e afastou os cabelos da testa suada.
— Foi o parto mais rápido que já fiz — ela comentou. — Daqui a pouco eu lhe trago o
chá, sra. Aust.
Quando saía do quarto, encontrou o dr. Renwick.
— Já acabou — Paula disse sorrindo e ele piscou para ela.
— Não tem importância, enfermeira. Esquecemos de lhe avisar sobre a sra. Aust. Ela
chegou a tempo? Deixe-me conversar com ela. A sra. Smithson começou a sentir dores e a
enfermeira Lane foi vê-la.

Duas semanas depois, Rosalind e Paula já estavam acostumadas com o hospital de


Dover. Mais pacientes chegaram, mais partos. Só o sr. Lowther permanecia no hospital.
Certa manhã, o dr. Renwick disse a Paula:
— Acho que está na hora de uma folga. Uma de vocês pode sair. Não temos nenhum
paciente previsto para esta semana. Portanto, quem quiser, pode ir passar alguns dias em
Hobart.
Paula foi procurar Rosalind e encontrou-a conversando com o sr. Lowther.
— Ah, chegou a nossa flor de maçã — ele disse, quando Paula entrou. Ela levou um
susto. Aquele elogio fazia-a lembrar-se de Bob Shaw.
Havia recebido uma carta dele, endereçada ao Departamento de Saúde de Hobart.
Teve dificuldade em reconhecer a letra que há quatro meses fazia seu coração disparar.
Foi com relutância que Paula abriu o envelope e leu a carta, num misto de raiva e
apreensão!

Capítulo 6

— Algum problema? — Rosalind indagou — Você parece preocupada.


— Estou mesmo — Paula disse. — Venha até o meu quarto um minuto. Quero lhe
mostrar uma coisa.
Quando Rosalind chegou ela lhe mostrou a carta, que a amiga leu em silêncio.
— Bem! — Rosalind exclamou, olhando para Paula com pena. — Parece que o nosso
amigo Bob não aceitou sua decisão.
— Rosa, já disse que não quero mais nada com Bob e estava falando a sério. Ele
mandou esta carta para o Departamento de Saúde de Hobart e deve tê-la colocado no correio
antes que o navio partisse, pois os petroleiros só ficam no porto um ou dois dias. Na carta ele
diz que vai escrever novamente. Quer tornar a me ver de qualquer jeito. E se ele escrever ao
Departamento de Saúde pedindo o meu endereço?

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— É melhor procurar a srta. Needham o mais depressa possível e contar tudo a ela.
Estamos com poucos pacientes. Por que não aproveita e vai até lá?
— Era o que eu estava pensando. O dr. Renwick disse que uma de nós poderia tirar
folga. Você não se importa de ficar, para que eu vá a Hobart falar com a srta. Needham?
Posso ir hoje e voltar amanhã.
— Claro que não. Vou telefonar para o ônibus parar aqui e pegar você.
— Obrigada, Rosa. — Espero que tudo se resolva.
— Arrume suas coisas depressa — Rosalind avisou.
Meia hora depois, Paula estava no ônibus a caminho de Hobart. Apesar de estar
preocupada, gostou da viagem. As macieiras já não estavam mais floridas e Paula viu o
sistema de irrigação em funcionamento.
O ônibus chegou antes do almoço e Paula foi direto para o Departamento de Saúde.
Queria resolver o problema o mais depressa possível. Como sempre, a srta. Needham estava
ocupada com uma porção de formulários e fichas. Levantou os olhos quando Paula entrou.
— Olá, querida — ela disse. — Conseguiu uma folga? Em que posso ajudá-la?
— Bom dia, srta. Needham — respondeu, sorrindo nervosa. — Sim, estou de folga e...
— Paula hesitou.
— Fez muito bem ter vindo para cá. Vai ficar na rua McQuarrie?
— Só por esta noite, srta. Needham, queria lhe pedir uma coisa.
— Às suas ordens. Sente-se, querida. Qual é o problema? Espero que não tenha feito
nada errado.
— Não. Não há nada errado. É... é um problema pessoal. Enviou uma carta para mim...
que recebi hoje pela manhã. Bem... é do meu ex-noivo. Ele terminou o noivado. Mas agora
quer reatar. E eu não quero. Para mim está tudo acabado e não tenho vontade de vê-lo outra
vez... por isso... — Ela parou e olhou para a srta. Needham.
— E ele já sabe de tudo isso?
— Sim. E não deve estar mais em Hobart, mas vai voltar.
— Compreendo — a srta. Needham disse, pensativa — , e tem medo de que ele
telefone pedindo seu endereço, não é? — Paula fez que sim. — Pode ficar descansada,
querida. Nós nunca damos endereços. Só mandamos as cartas que chegam aqui. Portanto,
não precisa se preocupar. Se ele escrever, mandaremos a carta para você, mas... o rapaz
pode ficar em Hobart?
— Não, graças a Deus — Paula respondeu. — Ele é oficial da Marinha Mercante.
Então, está tudo bem. Ele não terá nem meu endereço nem o do clube e nem terá tempo
suficiente para tentar me achar.
— Isso mesmo. Pode ficar tranquila. Quer almoçar comigo? — a srta. Needham
convidou.
— Aceito com prazer. — Paula sentiu-se alegre novamente.
— Ótimo. Então vamos a um restaurante novo, aqui perto. É agradável e poderemos
conversar sobre a profissão e as dificuldades que as enfermeiras encontram no interior da
Austrália.
O almoço foi tão agradável que no fim da refeição, ao se despedirem, Paula
impulsivamente convidou:
— Quer jantar comigo hoje? Gostaria que me falasse mais sobre a Missão Médica
Australiana.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Claro que aceito. Mas em vez de sairmos, por que você não vem ao meu
apartamento? Gostaria de lhe mostrar umas fotografias. Apareça no meu escritório, às seis,
está bem?
Paula foi a pé até o clube, na rua McQuarrie, onde tinha reservado um quarto para
aquela noite.
Sentia-se mais feliz e depois de um banho resolveu dar um passeio pela cidade. Saiu
para a rua Elizabeth e passou várias horas olhando as vitrinas. Depois tomou um chá num
barzinho perto do porto e voltou ao clube para aprontar-se para o jantar. Mas ao entrar
encontrou a srta. Needham.
— Oh, srta. Bruce, será que pode nos ajudar numa emergência? Recebi um chamado
de um hospital. A enfermeira de plantão ficou doente. Estão com falta de pessoal e me
pediram para arranjar alguém. Pensei em você. Eles lhe darão um uniforme. Sei que é um
abuso, pois é seu dia de folga, mas é a primeira vez que me pedem e...
— Claro que posso ir — Paula disse — , e fico satisfeita em poder ajudar. O plantão
será até agradável, depois de um dia inteiro sem fazer nada.
— É muita gentileza sua — a srta. Needham disse. — vou telefonar para eles,
avisando que concordou. Muito obrigada.
Paula subiu apressada para o quarto. Estava sorrindo e com os olhos brilhando. É que
tinha lhe ocorrido um pensamento: fosse um caso de cirurgia... ela poderia ver Christopher
Deane outra vez.. .
Na verdade, não devia ficar tão contente. Ele não havia respondido a seu bilhetinho de
agradecimento pelo jantar em Wrest Point.
Rosalind recebera uma longa carta de Jack Sinclair, na qual ele mencionava
Christopher. Por isso Paula sabia que o médico tinha voltado a Hobart.
Bem, era uma chance. Olhou no relógio e viu que tinha de se apressar. Em poucos
minutos pegou a maleta e dirigiu-se à rua Davey.
A srta. Needham passou para pegá-la e a caminho do apartamento lhe falou sobre
aquele plantão noturno.
— Isso nunca aconteceu antes — ela começou. — Deve ser uma emergência. Pena
que tenha estragado sua folga.
— Oh, eu não me importo — Paula disse apressada, enrubescendo sem saber por
quê. — Vai ver que vou até gostar do trabalho. Poderei conhecer outras enfermeiras e talvez
até encontre a enfermeira-chefe que nos entrevistou em Londres.
— A srta. Norris? Sim. Ela trabalha no Hospital Royal Hobart, .Mas ainda não voltou da
Inglaterra.
— Que pena! Gostaria de vê-la outra vez.
— Mas não vai faltar oportunidade. E ela faz questão de encontrar todas as
enfermeiras do Serviço de Enfermagem Itinerante.
Ao chegarem ao apartamento, a srta. Needham convidou:
— Sente-se. Vou buscar algumas coisas na geladeira.
— Sabe se vou ajudar em algum caso especial? — Paula perguntou ao sentar. —
Sabe se haverá alguma cirurgia?
— Pode ser que sim, não sei de nada ao certo.
— Deve haver algum problema sério, pois o médico, qualquer que seja ele, não
chamaria se não fosse preciso.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Não conheço a rotina deles — a srta. Needham respondeu. — Quer mais um


tomate? Eu mesma os plantei. Você quer saber mais sobre o trabalho das enfermeiras na
Austrália, não é? vou lhe mostrar algumas fotografias. Pode dar uma olhada enquanto
tomamos café. Pena que tenha de ir tão cedo. Se algum dia pensar em ir à Austrália,
gostaria...
E assim a conversa foi se afastando do Hospital Royal de Hobart e de Christopher
Deane.
Pouco antes das nove, Paula se apresentou na recepção do hospital, na rua Liverpool.
Olhou surpresa o edifício e ficou admirada. Não era o tamanho. Já tinha estado em hospitais
maiores, mas o arrojo das linhas arquitetônicas chamou-lhe a atenção. Parecia mais um
conjunto de apartamentos. O estilo agradou-lhe apesar de lhe parecer um pouco estranho.
Tudo era muito iluminado e Paula pegou um elevador e depois passou por corredores
enormes. Entrou numa imensa enfermaria com leitos por toda parte. A enfermeira de casos
especiais se aproximou e cumprimentou-a.
— Boa noite, enfermeira Bruce — ela disse — , foi bom você ter vindo. Esta é a
enfermaria masculina — o coração de Paula diminuiu ?, mas há um caso de cirurgia especial
que foi colocado aqui porque as outras enfermarias estão lotadas. — O coração de Paula
bateu mais depressa e a enfermeira Fergunson aproximou-se de um leito. — Aqui está o
relatório. É preciso tirar a pressão. O pulso e a temperatura estão normais e as condições
gerais, satisfatórias. Vou pedir à minha auxiliar que a leve até o vestiário, onde encontrará
tudo o que precisa. Espero você aqui.
Dentro de poucos minutos, Paula estava pronta e leu o relatório sobre o caso.
Acidente na estrada. Batida na cabeça. Ferimentos graves na cabeça.
Caminhou até a cama e olhou o paciente. Quase não dava para ver seu rosto, e a
cabeça estava completamente enfaixada. O jarro de água na mesinha de cabeceira estava
quase vazio e Paula resolveu enchê-lo.
Encontrou uma auxiliar de enfermagem de mais ou menos vinte anos, que lhe sorriu
amigavelmente.
— É do Serviço de Enfermagem Itinerante?
— Sim.
A enfermeira-chefe escrevia perto da porta e a enfermaria estava calma. Sorriu para a
enfermeira Roger e começaram a conversar.
— Eu quero trabalhar com eles, quando terminar o curso — a moça disse. — Quero
conhecer o mundo. Como está ele? — E indicou o paciente de Paula.
— Melhorando. Sabe se o cirurgião-chefe está aqui esta noite?
— Acho que não. Eu o vi aqui lá pelas seis horas.
— Era o dr. Deane? — Paula indagou, ansiosa pela resposta.
— Não sei o nome dele. Sabe, sou nova aqui.
— Oh, não tem importância. Vou voltar ao trabalho. Obrigada por me mostrar onde
pegar a água. — Isso me serviu de lição, ela pensou, fechando a porta. Não devia ter
perguntado nada para a garota.
Paula se aproximou da cama e olhou novamente o paciente. Ele tinha tirado o braço
dos lençóis e colocado sobre o peito. Ela segurou-lhe levemente o pulso; o coração estava
normal. Com cuidado, colocou novamente o braço dele debaixo dos lençóis.
Tudo estava muito quieto. O hospital inteiro parecia dormir. Paula olhou o relógio. Dez
e meia. Caminhou até a janela que dava para a rua Liverpool. Todas as ruas adjacentes eram

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

muito bem iluminadas. Lembrou-se de Wrest Point... e de sua primeira noite em Hobart. Tudo
tinha começado tão bem... Mas ainda não terminou, disse a si mesma. Eu sei disso.
Viu um jornal numa mesinha e pegou-o para ler ao lado da cama do paciente. Estava
distraída, quando percebeu que a porta se abriu sem ruído.
— Boa noite, enfermeira — disse uma voz baixa. — Como está... — Parou, e Paula
levantou os olhos e viu Christopher Deane. — Você?! Mas, o que está fazendo aqui? — ele
perguntou.
— Boa noite, senhor — ela cumprimentou e contou ao médico o que havia acontecido.
— Compreendo — ele falou depressa e se aproximou da cama. — posso ver o seu
relatório, enfermeira?
Paula empalideceu ao passar o papel para ele.
— Parece que está tudo bem, dr. Deane. As condições continuam as mesmas, desde
que assumi o plantão.
— Ótimo. Ótimo. — Ele se curvou sobre o paciente, observando o rosto calmo durante
alguns minutos, depois endireitou-se e deu um suspiro.
— Está gostando da Tasmânia? — perguntou, de repente, virando-se para Paula e o
coração dela disparou.
— Estou adorando — Paula respondeu sorrindo. — É um país lindo. Vou passar dois
dias em Hobart.
— Está tudo calmo em Dover?
— Sim.
— E nós aqui estamos cheios de serviço. Mas na próxima semana as coisas devem se
acalmar. Mas num hospital grande, nunca se sabe... — Sorriu para Paula e continuou: — No
mês passado tivemos...
Paula olhou disfarçadamente para o relógio. Quinze para as onze. A enfermeira
Fergunson logo estaria de volta. Por que Christopher Deane tinha de tratá-la daquele modo
tão impessoal? O que poderia dizer a ele? A porta se abriu e a enfermeira Fergunson entrou.
— Boa noite, dr. Deane — ela disse sorrindo — , espero que não tenha se assustado,
vendo uma estranha aqui.
— A enfermeira Bruce já me explicou — ele disse e Paula ficou aliviada ao saber que,
pelo menos, ele lembrava o nome dela. — Já vi este paciente e agora vou ver a sra. Wragg,
na enfermaria da cirurgia de senhoras. Boa noite, enfermeiras — ele cumprimentou as duas e
saiu apressado.
— Pronto, acabou — a enfermeira Fergunson falou. — Você ajudou bastante. Houve
alguma novidade? E o relatório? Pode ir se trocar. Vou pedir um carro para levá-la até o
clube.
— Oh... não precisa. Vou pegar uma carona com um amigo — Paula disse depressa,
enrubescendo diante da colega. Bem, Chris era um amigo. Pelo menos tinha sido e Paula
estava com planos de conquistá-lo outra vez. — Boa noite. — E saiu apressada para trocar de
roupa.
Tirou o uniforme, vestiu-se e escovou os cabelos. Depois pegou a bolsa e em poucos
minutos estava no hall da entrada. Olhou ao redor e não viu ninguém. Resolveu esperar.
Quando ouviu passos na escada, abriu a porta e saiu para a alameda diante da estrada. Pelo
canto do olho viu-o abrir a porta e sair também.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Paula... srta. Bruce — o coração dela disparou novamente. Então, ele lembrava
também o seu primeiro nome. — Não quer uma carona? — Paula olhou-o e hesitou. — Você
está de carro? Devia ter oferecido antes, mas...
— Obrigada — Paula disse, parando e esperando por ele — Estou no alojamento do
Clube das Enfermeiras... posso ir a pé. Não quero tirá-lo do seu caminho.
— Oh, mas o clube fica no meu caminho — Christopher respondeu e conduziu-a até o
seu carro. Ajudou-a a entrar e deu a volta para abrir a outra porta.
Esta é a sua chance, Paula, ela pensou. Não a desperdice, daqui a dois minutos vocês
chegam ao clube.
— Eu... — ela começou e ele também abriu a boca para falar. Os dois esperaram e
como ninguém falasse, riram juntos.
— O que você ia dizer? — Paula indagou, olhando-o de perfil. Ele parece muito seguro
de si, ela pensou. Talvez já tenha esquecido tudo sobre Bob e o incidente em Wrest Point.
Talvez.
— Dr. Deane, há... algo que quero dizer... — Ele virou-se e a olhou surpreso. Paula
enrubesceu violentamente. Vai ser difícil, ela pensou. Ele não está nem tentando me ajudar.
Talvez tenha esquecido mesmo. Mas, de repente, Christopher sorriu.
— Eu também queria lhe dizer uma coisa, queria lhe agradecer sua carta. Agora é a
sua vez. O que queria me dizer?
O carro parou. Tinham chegado ao clube. Estacionou embaixo de um poste e a luz
incidiu diretamente sobre o rosto corado de Paula.
— Venha — Christopher disse — , vou acompanhá-la até a porta.
Paula pensou que seria mais fácil falar se eles ficassem dentro do carro. Mas
Christopher saiu e abriu-lhe a porta. Ao descer, aconteceu o inesperado. Tropeçou na alça da
bolsa, tentou segurá-la, mas não conseguiu. A bolsa caiu sobre a calçada, espalhando todo o
seu conteúdo.
Christopher ajoelhou-se e o rosto dele quase tocou no de Paula. Ela ficou quase sem
fôlego, pensando que... mais um milímetro e... estariam se beijando. Mas o médico se afastou
e começou a catar o que tinha caído.
— Oh, desculpe — Paula murmurou sem graça e começou a ajudá-lo.
A fotografia de Bob, que não teve coragem de rasgar antes de partir da Inglaterra,
havia ficado esquecida na bolsa. Ela estava caída um pouco longe das outras coisas. Paula
estendeu a mão para pegá-la, mas Christopher foi mais ligeiro. Pegou a foto e entregou-lhe.
— Tenho certeza de que não vai querer perder esta foto. — Seria apenas por acaso
que o dedo dele apontava a dedicatória? "Para minha querida Paula, com todo meu amor,
Bob?"
Ela olhou para ele e gaguejou:
— Oh... não tem importância. É só uma fotografia velha. Tinha até esquecido que
estava na minha bolsa.
— Verdade? Que surpresa! Mas, claro, você deve ter outras além dessa.
— Por que é uma surpresa? — Paula perguntou continuando a encará-lo.
— Naquela noite, tive a impressão, de que este jovem era... um amigo muito especial...
— Era sobre isso que queria lhe falar, queria explicar...
Christopher sorriu de um modo irritante e interrompeu-a:
— Não precisa me explicar nada. Já entendi tudo.
E deu um passo para longe dela.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Entendeu? — Paula disse, a voz tremula. — Então, não vou incomodá-lo com a
minha explicação, já que se contentou com a sua. Boa noite, dr. Deane, e obrigada pela
carona.
Agarrando a bolsa fatídica, entrou apressada no Clube das Enfermeiras.

Capítulo 7

Paula tomou o ônibus de volta para Dover. Olhou para as macieiras, agora
completamente verdes, mas que não mais atraíam sua atenção.
Só conseguia pensar no que acontecera na noite anterior. Christopher havia
reconhecido Bob na fotografia. Lembrou-se do seu comentário irônico ao lhe passar a foto e
também da conversa que tiveram depois.
Talvez ele não tivesse a intenção de ser irônico, mas conseguiu fazê-la perder o
controle. Ele parecera tão... superior. Agora, ela se arrependia. Talvez não tivesse agido bem,
respondendo daquele jeito.
Pelo menos sabia que não lhe era indiferente. Pode ser que as palavras de Christopher
demonstrassem apenas que ele tinha ficado perturbado com o fato dela estar com uma foto
de Bob na bolsa. Paula suspirou, lamentando ter saído correndo do carro. Só conseguira
piorar as coisas.
De repente, sorriu. Talvez não. Ele ia se lembrar de que ela queria lhe dar uma
explicação. Christopher ia pensar nela. Ainda não era o fim.
— Acertou tudo com a srta. Needham? — Rosalind perguntou, quando Paula chegou.
— Sim — Paula respondeu, olhando para seu almoço.
— Ótimo. E conseguiu se divertir por lá?
— Sim. Almocei com a srta. Needham e à noite jantamos no apartamento dela. Quanto
ao resto... não foi bem um dia de folga. — E Paula contou o plantão no hospital.
— E teve muito trabalho?
— Não muito. Era uma cirurgia, um paciente do dr. Deane.
— Paula, então você o viu?
— Sim. — Contou toda a história à amiga. — No fim ele me levou para o alojamento e
nos separamos, magoados.
— Você foi uma idiota em perder a calma desse jeito. Era um momento tão propício...
parece que o miserável do Bob, mesmo à distância, continua atrapalhando a sua vida. Acha
que Christopher pensa mesmo...
— Não sei o que ele pensa — Paula interrompeu, levantando-se da mesa — , não
tenho a menor ideia. Talvez, ele não esteja interessado em mim. Afinal só nos vimos uma vez.
O encontro de ontem nem conta e não tenho motivos para pensar...
— Tem sim — Rosalind falou, levantando-se também.
— Rosa, você é maluquinha — Paula respondeu, rindo. — Mas agora ele está longe e
não adianta continuarmos falando sobre ele. O Sr. Lowther ainda está por aqui?

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Sim, mas vai ter alta amanhã. Já está quase na hora da sra. Jenkins ter o bebê. O
sr. Lowther nos convidou para uma grande festa de Ano Novo em sua casa.
— Que bom! Mas não podemos ir juntas. Você vai, Rosa. É a sua vez.
— Podemos ir as duas. O hospital está vazio e, se não houver uma emergência,
ninguém vai querer passar o Ano Novo aqui. O dr. Renwick disse que todo o ano é a mesma
coisa. Ele costuma passar a noite de Ano Novo aqui com a esposa, para que as enfermeiras
possam sair.
— Será que não tem problema mesmo?
— O médico não ia dar essa ideia se houvesse qualquer problema. Ele disse que é a
melhor festa da região e a mais importante do ano.
— Então vamos rezar para que ninguém fique doente na noite de Ano Novo.

As duas semanas seguintes passaram calmamente. Certa manhã, antes do almoço, a


sra. Aust chegou, trazendo o bebê num carrinho e acompanhada de mais duas crianças.
— Olá, enfermeira. Trouxe Sandra para vocês darem uma olhada. Ela parece
doentinha.
— Sente-se aqui — Paula disse, tirando o bebê do carrinho. Qual é o problema?
— Está sempre bocejando.
— Mas come direitinho? — Paula perguntou, sentando-se com o bebê e tirando o chalé
que o enrolava.
— Está sempre pronta para comer. Mas parece sempre cansada e dorme durante a
mamada. Acorda umas duas horas depois, mas continua bocejando.
— Vamos pesá-la — e Paula a levou até a balança — para ver se engordou.
A enfermeira colocou um tecido esterilizado sobre a balança e sobre ele pôs o bebê.
Sandra deu um gritinho e Paula procurou acalmá-la.
— Problemas de pulmão você não tem, hein? Ela aumentou muito pouco de peso. —
Paula pegou o chalé e enrolou novamente o bebê.
— Agora, sra. Aust, quero que dê de mamar a ela. Já está quase na hora, não? Dê o
quanto ela quiser, depois vamos pesá-la novamente, certo?
Enquanto atendia à sra. Aust, Paula ouviu a voz de Rosalind conversando no telefone.
De onde estava podia ouvir a voz alegre de Rosalind.
— Sim, estamos fazendo figa — ela dizia. — Uma das crianças da sra. Aust começou a
chorar, querendo a mãe. Paula teve que ir buscar um brinquedo para acalmar o garotinho.
— A mamãe está ocupada — ela tranquilizou, trazendo um velho ursinho. Os dois
começavam a brincar quando Sandra deu um grito furioso.
— Ela não quer mais — disse a mãe, preocupada. — Será que já mamou o suficiente,
enfermeira?
— Talvez não haja mais leite — Paula sugeriu, pegando o bebê e colocando-o
novamente na balança. — Não é de admirar que esteja zangada. A pobrezinha não aumentou
nem cem gramas. Você está com pouco leite.
— Mas os outros mamaram normalmente — a sra. Aust protestou. — Amamentei a
todos durante seis meses. Por quê...
— Não se preocupe com isso. Provavelmente é porque você tem trabalhado demais.
Não pode fazer tudo sozinha, sabe?

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— É verdade. Tenho muita coisa para fazer, enfermeira. Mas são coisas que sempre
fiz. Bem... e agora?
— Vai ter de completar a alimentação dela com outro leite. Vamos dar a ela um pouco
de leite em pó. Depois de cada mamada, você completa com uma mamadeira. Daqui a dois
dias, traga Sandra de volta para ser pesada novamente.
Quando a sra. Aust e as crianças saíram, Paula os acompanhou até o jardim.
— Com quem você estava conversando ao telefone? — ela perguntou, pouco depois, a
Rosalind.
— Com o sr. Lowther — Rosa disse. — Ele queria saber se vamos à festa. Espero que
possamos ir, Paula. É daqui a uma semana.
— Eu também espero. Veja, Rosa, o carteiro está chegando. Amanhã é véspera de
Natal. Acho que vamos receber uma porção de cartas. Imagine, passar o Natal com um lindo
sol e as pessoas tomando banho de mar, na praia...
Rosalind riu e abraçou Paula pela cintura.
— Vamos buscar nossos cartões de Natal.
— Há uma porção de pacotes e de cartas para você — o carteiro disse.
— Oba. Mamãe escreveu e mandou presentes para nós duas — Rosalind falou.
— Tem uma carta do titio, também, e uma porção de cartões... Este aqui veio de
Hobart. Talvez da srta. Needham.
— O que é? — Rosalind indagou.
Paula tirou do envelope um lindo cartão de Natal. Em silêncio, passou-o para a amiga.
Era um cartão colorido, mas discreto e dentro estava escrito: "Para Paula, com votos de Feliz
Natal, Christopher Deane".
Rosalind devolveu-o e voltou às suas cartas.
— Bem, pelo menos, ele não esqueceu você. Mandou algum cartão para Chris?
— Não. — Paula ia dizer mais alguma coisa, depois mudou de ideia. — Será que a sra.
Jenkins vai ter logo o bebê?
— Ainda falta uma semana — Rosalind comentou -, mas como é seu primeiro filho
pode ser que demore mais do que isso.
— Se ela tivesse o bebê logo, seria ótimo. É a nossa única paciente.
Nesse momento a campainha soou com insistência e Minnie correu para atender.
— Já estamos indo — Rosalind disse, pegando os pacotes e as cartas. — Deve ser a
sra. Jenkins. Aleluia! — Há alguém na porta dos fundos, também — Paula disse.
— O sr. Jenkins veio ver a esposa — explicou Minnie, entrando e o jardineiro está na
porta de trás, com um peru.
— Vou ver a sra. Jenkins — Rosalind falou — e você, Paula, vá ver que peru é esse.
— Peru! — Paula murmurou, seguindo Minnie até a cozinha. Lá encontraram o
jardineiro que segurava um peru gordo, com um cartão de Natal amarrado no pescoço.
— É para a ceia de Natal de vocês — ele disse.
Paula olhou o cartão.
— Foi o sr. Lowther quem mandou. Que gentil!
— A sra. Jenkins está passando bem — Rosalind disse, entrando,
— Quem mandou esse peru?
Paula apontou para o cartão, dizendo:
— É a nossa ceia de Natal. — E pegou o peru, cantando uma música natalina.
— Uma ceia deliciosa. — Rosalind sorriu, alisando a cabeça da ave.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Se quiserem, eu posso matá-lo — Sam se ofereceu. As duas trocaram um olhar


horrorizado.
— Não vamos matá-lo, não é, Rosa? Não tenho coragem. Não, obrigada, Sam. Vamos
comer outra coisa, na nossa ceia de Natal.
— Claro — Rosalind disse, acariciando o peru. — Já pensou, matar este bichinho?
Minnie deve ter preparado outra coisa e... A campainha da frente tocou e Paula foi até a
janela olhar.
— O ônibus está parado aí na frente — ela disse. — O que será? Parece um acidente.
Vamos, Rosa — As duas saíram apressadas e encontraram o motorista na porta.
— O que foi? — Paula perguntou a um passageiro que descia do ônibus, carregando
uma menina. — Algum acidente?
— Não, enfermeira — o motorista respondeu. — É uma menininha que ficou doente,
desmaiou. Aconteceu há pouco e achei melhor trazê-la depressa.
— Fez muito bem — Paula disse — , leve-a para uma cama, por favor. Vou cuidar
dela. Se quiser pode voltar para o ônibus. Sabe quem é?
— Não, enfermeira. Ela tomou o ônibus em Hobart e ouvia-a dizendo a outro
passageiro que vinha passar o Natal em Dover. Não sei o seu nome. Aqui está a malinha
dela. Se houver alguém esperando por ela em Dover, aviso que está no hospital.
— Obrigada — Paula virou-se para a criança, na cama, que mantinha os olhos
fechados, aparentando dor.
— Posso ajudar? — Rosalind disse, entrando. — O que aconteceu?
— Traga uma vasilha e água quente — Paula pediu.
De repente, a menina abriu os olhos, trêmula e disse baixinho:
— Acho que vou vomitar.
Rosalind chegou com a vasilha e Paula estendeu-a para a criança.
— Está melhor? — perguntou à menininha que se recostou, pálida nos travesseiros. —
Por que está com enjoo? Será que comeu alguma coisa no ônibus?
— Não... Oh, estou enjoada outra vez!
A campainha tocou e Rosalind disse, apressada:
— E a sra. Jenkins. Vou vê-la.
Paula estendeu a vasilha para a criança pela segunda vez. Quando ela se acalmou,
Paula despiu-a e colocou-a na cama. A garotinha estava amedrontada e chorava muito.
Paula procurou acalmá-la, mas não conseguia saber por que a menina estava enjoada.
Pelo menos ela está melhorando, Paula pensou, e isso é o mais importante.
— Como você se chama, meu anjo?
A menininha ia responder, mas sentiu-se mal e começou a vomitar novamente.
— Não se impressione — Paula disse quando passou a crise. — Já vai passar. Tente
dormir um pouco.
— Meu nome é Hazel. Oh, será que vou morrer? — nervosa, começou à chorar.
— Claro que não. — Paula acariciava-lhe os cabelos, procurando acalmá-la. — Logo
ficará melhor. Vou tirar sua temperatura e depois precisa dormir.
— Como está ela, Paula? — Rosalind perguntou da porta. — A sra. Jenkins está
passando bem. Acho que o bebê vai nascer amanhã de amanhã.
— Ótimo — Paula respondeu, indo até a porta. — A temperatura da menina está muito
alta — ela falou em voz baixa — , quando o médico chegar peça a ele que venha até aqui. Já
mandou chamá-lo?

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

Rosalind fez que sim e Paula voltou para perto da criança, que estava vermelha e
sonolenta. Dez minutos depois o Dr. Renwick chegou.
— Ela adormeceu — Paula cochichou. — Vomitou muito. Vai ver que comeu alguma
coisa estragada. Está com febre.
O médico curvou-se sobre a menininha adormecida.
— Ela parece bem, agora — ele disse. — Deixe-a dormir, Paula. Quando acordar, dê-
lhe um comprimido para tirar a febre. Depois, avise-me como está passando. — Olhou para a
garotinha. — Ela é do vilarejo? Não a conheço...
Paula contou o que havia acontecido e o médico comentou:
— As pessoas que a esperavam logo virão procurá-la aqui. — Paula ficou mais algum
tempo com a menininha, depois foi ver como Rosalind estava se saindo com a outra paciente.
Encontrou-a na cozinha, com Minnie, segurando o peru e começaram a rir.
— Vamos batizá-lo de Dilly — Rosalind disse. — A sra. Jenkins é uma preguiçosa,
disse a ela que se levantasse e desse umas voltas pelo quarto.
— Fique de olho na minha menininha — Paula pediu — , que eu preciso trocar de
avental.
Quando ela voltou, Rosalind conversava com um casal de meia-idade, que parecia
muito preocupado.
— Eles vieram ver a garotinha.
— Não se preocupem — Paula falou — , ela já está melhor. Está dormindo agora e o
médico acha melhor deixá-la descansar. — Paula contou, então, ao casal, como a garota
havia chegado ao hospital, o desmaio no ônibus e os temores dela.
— Vai ver que foram as maçãs — disse a mulher. — Está na época de colocar
inseticida nelas. Ainda bem que está melhorando. Quando acham que ela vai ter alta? Vinha
passar o Natal conosco.
— O médico voltará esta noite, para vê-la. — Paula disse. — Por que não telefonam
mais tarde?
— É isso que vamos fazer, enfermeira. — O casal caminhou para a porta. — Nosso
nome é Halliday. Dê um beijo na pequena por nós, sim?
— Darei. Qual o sobrenome dela — Paula indagou.
— Dane — a mulher disse.
Nesse momento, Rosalind chamou-a no corredor.
— Paula, pode vir até aqui?
Paula se despediu do casal e entrou.
— Pode me ajudar? — Rosalind pediu. — O parto da sra. Jenkins começou.
Às oito horas da noite a sra. Colin Jenkins deu à luz mais um filho.
Hazel estava melhor, já se sentava na cama e parecia mais alegre, Tinha contado a
Paula que, numa das paradas, desceu na plantação de maçãs e pegou uma.
— Mas só dei uma mordida. Não gostei do gosto — ela disse.
Quando a sra. Halliday telefonou, à noite, Paula avisou que Hazel estava melhor e
podia sair na manhã seguinte. Na hora do jantar, Rosalind estava contente.
— Parece que vamos passar a festa de Ano Novo juntas. Que roupa vai vestir, Paula?
— O vestido amarelo...
Minnie entrou com a correspondência e colocou-a sobre a mesa. Paula pegou um
envelope grande e passou-o para Rosalind, que o abriu.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Nossos dias estão contados — Rosa disse. — As enfermeiras permanentes vão


chegar daqui a duas semanas. Que pena, temos que ir embora. O que acha?
— Já devíamos esperar por isso — Paula disse — , afinal, somos do Serviço de
Enfermagem Itinerante.
— Sim, eu sei. Mas gostei daqui. Você não?
— Adorei, Rosa. Ainda temos mais duas semanas para aproveitar. Talvez, até mais.
Temos a festa de Ano Novo. O médico me avisou que ele e a esposa já estão preparados
para virem para cá, caso haja alguma emergência.

Mas não houve nenhum problema e na noite de Ano Novo o sr. Lowther mandou o
motorista buscá-las.
— Vocês estão lindas — Susan Renwick disse, sorrindo para as duas. — Divirtam-se.
— Gostaria que vocês viessem também — Paula murmurou, parando na porta.
— Obrigada, mas eu e meu marido não gostamos de festas.
Paula saiu, acenando e sorrindo. Sabia que Susan Renwick, que não tinha filhos após
dez anos de casamento, gostava de conviver só com mães e bebês.
Rosalind e Paula saíram alegres, felizes por irem à festa.
A casa era de madeira, em estilo colonial, baixa e comprida, com uma varanda que a
rodeava. Nos cantos havia lanternas enfeitadas com velas coloridas, as seringueiras também
formavam uma linda moldura para a paisagem.
Era tudo muito alegre e festivo. As pessoas reuniram-se na varanda e uma empregada
servia as bebidas.
Angus Lowther veio recebê-las.
— Entrem, queridas — ele disse, estendendo as mãos. — Nem acredito que estejam
mesmo aqui. Quer dizer que os doentes foram gentis e não apareceram por lá, hoje?
Ele vestia um paletó branco, que agradou muito Paula. Abraçou-as pelos ombros e
começou as apresentações.
— Laura Stringer e Robert.
Elas cumprimentaram um casal de meia-idade. Depois, foram apresentadas a um casal
jovem.
— Este é Philip Freeman, que estava querendo conhecê-las. Recebeu uma carta de
sua irmã, de Londres...
— Já sei! — Paula exclamou. — A garota simpática da Embaixada da Tasmânia.
Queríamos procurar por você, mas ainda não tivemos tempo, não é, Rosa? — O jovem tinha
olhos muito azuis e bonitos e a olhava admirado.
— Sim — Rosalind falou e ele virou-se, estendendo a mão para ela. — Não é fácil
sairmos do hospital. Hoje foi um dia de muita sorte.
— Então precisamos ter outro dia como este, brevemente — Philip disse, virando-se
para Paula, que tomava um coquetel.
Ela ia responder, mas não conseguiu. Por cima do ombro do jovem Freeman tinha visto
Christopher Deane, a poucos passos de distância.
Tinha um ar muito jovem, o que surpreendeu Paula. Estava acompanhado de uma
ruiva... quem seria? Alguém a segurou pelo braço e as apresentações continuaram.
Paula ficou nervosa e não conseguia guardar o nome de ninguém. Ouviu, então, a voz
dele a seu lado:

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Boa noite, Paula, que bom vê-la de novo. — Ela mergulhou o olhar naqueles olhos
cinzentos e sentiu um nó na garganta. — Queria lhe agradecer por ter cuidado tão bem de
minha filha.

Capítulo 8

— Boa-noite. — Paula tentava manter a calma. — Sua filha? Não estou entendendo.
— Hazel. Ela ficou doente no ônibus e...
— Oh, a garotinha. Ela é sua filha? A sra. Halliday disse que o sobrenome dela era...
— Parou, confusa. Claro, a mulher tinha sotaque australiano. Por isso pensou que ela havia
dito Dane.
Ele riu, sabendo que ela confundira o sobrenome.
— Sim, Hazel é minha filha e parece ter gostado muito de você.
Paula o olhou rapidamente, procurando descobrir seu pensamento.
— Espero que Hazel esteja passando bem. — Procurou imprimir um tom formal à voz.
Na entrada da sala, Hanzel conversava com uma pessoa, ao lado de Rosalind, que ria com
Philip Freeman.
— Você está muito bonita — Christopher disse e Paula respirou fundo, sentindo seu
olhar demorado sobre ela. Paula não pôde lhe responder porque a ruiva, que se chamava
Doreen, aproximou-se e segurou o médico pelo braço.
— Estão entrando para jantar, Chris — ela disse, olhando Paula friamente e apertando
com força o braço dele.
— A nossa "flor de maçã" também vai entrar — Angus Lowther disse, aproximando-se
e abraçando Paula pelos ombros.
Rosalind entrou, acompanhada de Philip.
— Oh, que lindo! — Paula exclamou ao ver a sala. Por toda parte havia vasos com
flores rosas e na mesa, vasinhos de prata com cravos cor-de-rosa e brancos. Rosalind
sentou-se perto de Philip, Christopher ao lado da ruiva e a sra. Stinger diante de Angus,
desempenhando o papel de anfitriã.
Angus Lowther estava acostumado a dar festas e tinha uma conversa animada. Paula
achou Rosalind um pouco desanimada, mas não entendia por quê. Ela esperara tanto por
aquela festa. Tentou trocar um olhar com a amiga, mas não conseguiu.
O jantar estava delicioso. Serviram melão, depois escalopes e, finalmente, peru. A
sobremesa era um suflê doce, seguido de café e diversos licores. Paula se deliciava mais e
mais a cada minuto, sobretudo pela presença surpresa de Christopher... e ele a tinha achado
bonita. Apesar da ruiva, Paula estava animada.
Depois do jantar, chegou o conjunto musical e Philip Freeman tirou Paula para dançar.
— Paula, gostaria que visitasse minha casa, em Taroona. Já convidei Rosalind e ela
me pediu que falasse com você.
— Claro que iremos. — Enquanto conversava, Paula procurava ver onde estava
Christopher e sua acompanhante. — Mas, sabe, é muito difícil termos folga juntas. Por que

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

não me dá o número do seu telefone? Quando estiver tudo calmo no hospital, eu lhe telefono,
marcando uma visita. — Dançando, o rapaz a tinha conduzido para uma parte escura da
varanda.
— Ótima ideia. — A música parou. — Vamos sentar aqui para eu escrever o número.
— Conduziu Paula para um sofá semi escondido e sentou-se muito perto dela. — Você é uma
moça muito bonita — disse, curvando-se e beijando-a no rosto.
Paula se afastou, aborrecida, mas não disse nada. Estavam numa festa e talvez ele
tivesse bebido demais. Procurou ficar tranquila e descobrir onde estava Christopher.
— Aqui está, Paula. — E Philip estendeu-lhe um cartão.
Ela pegou e sorriu. Nesse momento, ouviu uma voz atrás de si:
— Esta dança é nossa.
O coração dela disparou ao virar-se e dar com Christopher Deane. Há quanto tempo
estaria ali? O médico estendeu a mão e Paula levantou-se.
— Com licença, Philip. — E Christopher conduziu-a à pista de danças.
— Pensei que você não dançasse. — Paula estava quase sem fôlego de tanta
emoção.
— Não vamos dançar. — Ele se desviou da pista e saiu para o outro lado da varanda,
descendo até o jardim. — Quero lhe perguntar uma coisa... é só uma questão de curiosidade
minha... — Ele a puxou para trás de um pé de mimosa e parou. Olhou-a e disse, lentamente:
— O que você quis dizer... aquela noite em Hobart... falou que tinha algo a explicar...
— Falei isso? — Paula perguntou. Já tinha recuperado o controle. — não me lembro.
— Deu uma risada. Os drinques a tinham deixado atrevida. — Faz tanto tempo, não é?
Depois daquilo aconteceram tantas coisas... — Ela o encarou demoradamente. Seu coração
bateu tão forte que Paula temeu que o médico ouvisse.
— Acho que sim — ele disse, devagar. — Para uma moça tão bonita como você, as
coisas devem estar sempre acontecendo. — Paula não desviou seu olhar do dele. — Sou
mesmo um tolo... nunca vou aprender. — Ele riu e não era um riso agradável.
Paula estava confusa. O luar e as lanternas iluminavam seu vestido amarelo. Ela
estava muito bonita.
— Você é linda — ele disse, de repente, puxando-a para si, com força. Paula deu um
gemido quando os lábios dele encontraram os seus. Tudo sumiu à sua volta. Só existiam
aqueles lábios e os braços que a abraçavam. Quando ele a soltou, Paula cambaleou. —
Vamos — a voz agora era rouca. — vou levá-la para dentro. Desculpe.
Paula estava espantadíssima. Tremia sob o efeito daquele abraço devastador. Era uma
emoção que nunca tinha sentido. Dava prazer e medo ao mesmo tempo. Ele devia estar
sentindo a mesma coisa.
— Mas... mas, Chris. Não precisa se desculpar. Você...
— Por favor, esqueça o que aconteceu — ele interrompeu, rispidamente. Tentou pegar
o braço dela, mas Paula se afastou e continuou a olhar para ele. Estava vermelha, os olhos
brilhantes de fúria.
— Não se preocupe. Já esqueci. — Virou-se e afastou-se dele, ligeira. Pareceu-lhe que
ele a chamava, mas não se voltou.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

O primeiro dia do ano, na Tasmânia, foi muito quente. Pela janela do quarto Paula via a
praia e o jardim do hospital, cheio de rosas. Tudo era lindo demais. De repente, sentiu um nó
na garganta.
Por que Christopher a havia beijado daquele modo e em seguida pediu que
esquecesse? Antes mesmo que ele a beijasse, Paula já sabia que gostava dele... e muito. Ele
a atraía demais. Suspirou, escovando lentamente os cabelos. Ela não conseguia entender o
que se passava com ele. Parecia gostar dela e desprezá-la, ao mesmo tempo. Seria por
causa de Bob Shaw e de como ele tinha se comportado naquela noite?
Vou esquecê-lo, disse a si mesma, tirá-lo da minha cabeça. Ele não vai estragar a
minha vida. Isso não vai acontecer de novo.
Terminou de se vestir e foi tomar o café. Rosalind já estava esperando.
— Gostou da festa? — Paula perguntou.
— Sim — a outra respondeu, num tom indiferente — , foi muito bem planejada. —
Paula não entendia por que Rosalind estava desanimada. — Foi uma surpresa ver
Christopher lá, não? Vi vocês conversando antes do jantar; depois, desapareceu com a
namorada.
Ela não havia visto os dois no jardim. Isso era bom. Paula não queria contar o caso
nem para Rosa nem para ninguém.
— Lembra-se daquela garotinha que ficou doente no ônibus, Rosa? A Hazel... é filha
dele. Christopher veio buscá-la, ela estava em Dover, na casa dos avós.
— E quem era aquela ruiva que estava com ele? — Rosalind indagou.
— Não tenho a menor ideia.
A conversa parou aí. Rosalind parecia aborrecida com alguma coisa. Teria se sentido
atraída por Philip Freeman e estava com ciúme das atenções que ele havia dado a Paula?
Não conseguiu descobrir.
Depois de ter deixado Christopher no, jardim, Paula foi ao banheiro, de onde só saiu
quando começaram a dançar uma quadrilha. Paula se misturou ao pessoal e não viu mais o
médico.
Para sua surpresa, o resto da noite foi muito agradável. Dançou com Angus e à meia-
noite foi servido um legítimo uísque escocês. Um sino tocou ao longe e Angus apagou as
luzes da varanda. Nessa hora, Christopher estava no topo da escada. Angus se aproximou
dele, segurando-o pelo braço.
— Vamos comemorar o Ano Novo. Venha dar boas-vindas ao primeiro dia do ano. Que
surpresas você trás para nós, Ano Novo?
Christopher riu. Estava segurando uma cesta e começou a tirar de dentro dela uma
porção de objetos!
— Trago boas surpresas. Um pedaço de pão, um pedaço de carvão, lenha, uma bolsa
com moedas e milho para todos.
Os convidados riram, procurando agarrar as coisas que ele atirava. Depois, todos se
cumprimentaram.
Paula só encontrou Rosalind depois que se despediu de Christopher e de sua
acompanhante, de modo frio e formal. Rosa estava na sala com Philip Freeman. Seu olhar
tinha um quê de desafio quando dirigiu-se a Paula. No final da festa, a banda tocou a Valsa
da Despedida. Rosalind e Philip dançaram. Depois, Angus e Philip acompanharam as duas
moças ao hospital.
Paula estava na porta quando o telefone tocou.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

Era a srta. Needham, querendo falar com ela.


— Olá, Paula. Recebeu minha carta?
— Sim.
— Então, já está sabendo que a enfermeira Anderson vai chegar, pois é. Hoje soube a
data: ela chega no dia dez. No dia treze, quero que uma de vocês vá até Triabunna. É um
hospital pequeno, com uma enfermaria só, ao norte. A enfermeira que está lá, a sra. Leslie,
vai entrar de férias. Triabunna fica na praia, é um povoado de pescadores, É só por uma
semana e o lugar é bem calmo. Paula, avise-me qual de vocês vai. Um abraço e feliz Ano
Novo para as duas.
— A srta. Needham quer que uma de nós vá até Triabunna.
— Está bem. E... quem vai? — Rosalind não demonstrava o menor interesse.
— Para mim, tanto faz — Paula disse, espantada com o tom da amiga. — Escolha
você.
— Está bem. Então, vá você. Eu prefiro ficar aqui.
— Certo. Vou telefonar à srta. Needham para avisar. — Paula esperou um momento e,
como Rosalind não dissesse nada, pegou o telefone.
Pouco antes do meio-dia um jovem trabalhador foi hospitalizado, com o pé machucado.
Rosalind estava com a sra. Jenkins e foi Paula quem cuidou dos primeiros socorros. Ele
gemia baixinho, com muitas dores. O ferimento fora causado por uma árvore que caiu sobre o
pé. Era muito profundo. Ela limpou a ferida e correu para o telefone. O dr. Renwick só devia
vir às seis e aquele caso não podia esperar. Tinha acabado de desligar, quando Rosalind se
aproximou.
— O que foi, Paula?
— Estava tentando chamar o dr. Renwick. Estou preocupada com esse paciente. Será
que você pode tentar encontrá-lo para mim? Veja se ele está no correio... ou na casa de
Angus Lowther... eles são muito amigos...
— Pode deixar que eu procuro. A sra. Jenkins e o bebê estão passando bem.
Meia hora depois, Rosalind foi procurar Paula.
— Não consegui achar o dr. Renwick. A esposa dele não sabe onde ele está e não
esteve também na casa do sr. Lowther...
— Não tem importância, Rosa. Já fiz o que podia, dei uma antitetânica e coloquei uma
tala no dedo quebrado.
— E antibiótico? — Rosalind perguntou.
— Já dei. Mil unidades... Oh, Rosa, se você visse o estado em que ele chegou...
estava perdendo tanto sangue...
— Vá jantar — Rosalind sugeriu, percebendo o cansaço de Paula. — Minnie já
preparou tudo. Eu fico tomando conta dele.
Quando o médico chegou, Paula e ele foram ver o paciente. Depois de tirar o curativo e
examinar o ferimento, o dr. Renwick fez algumas perguntas e chamou a enfermeira para fora
do quarto.
— Fez um bom trabalho — ele disse, batendo de leve no ombro dela. — Eu não teria
feito melhor. Logo ele estará bom.
E, de fato, o paciente se recuperou rapidamente.
O hospital voltou à sua rotina, recebendo novos doentes, mas nada de sério. Quando a
enfermeira Anderson chegou, só o jovem ferido no pé ainda estava internado.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— É sempre assim, no verão. — o dr. Renwick disse. — No inverno é mais complicado.


Por que vocês não aproveitam a chegada da nova enfermeira e aproveitam os próximos dois
dias? Podem sair juntas, não é sempre que há esta chance.
A nova enfermeira era uma mulher de quase trinta anos, muito simpática e agradável.
Tinha passado três anos na Austrália, trabalhando nas selvas e era muito amiga da srta.
Needham. Depois do chá, ela insistiu em conhecer todo o trabalho de Paula e o paciente
acamado, que teria alta no dia seguinte.
Mais tarde, a sra. Aust chegou, trazendo Sandra para ser pesada e ficou conversando
com Minnie.
— Este é Dilly — Paula disse, apresentando o peru, que estava na porta dos fundos. —
Ia ser o nosso jantar de Natal, mas não tivemos coragem de matá-lo.
— Eu teria feito o mesmo — Berry Anderson disse — , mas será que resistem no Natal
do ano que vem?
— Rosa — Paula disse, à noite, antes de dormirem — , e se fôssemos visitar Philip
Freeman? Ele me deu o telefone. — Ela olhou rapidamente para a amiga, procurando
descobrir se aquilo a desagradava, mas Rosa não demonstrou interesse. — Podíamos ir no
dia doze. A enfermeira Anderson não vai se importar de trabalhar sozinha, há poucos
pacientes.
Aos poucos, a ideia foi animando Rosalind.
— Sim — ela respondeu no seu tom alegre de sempre. — Vamos telefonar agora? Não
é muito tarde.
Philip Freeman ficou encantado e na manhã do dia doze, bem cedo, apareceu num
conversível. Três horas depois chegaram a uma casa de tijolos vermelhos, muito feia e
rodeada por um grande gramado. Os pais e o irmão mais novo de Philip, William, as
receberam com alegria. Depois do almoço, Philip disse ao pai:
— Que tal levar as duas a Cygnet?
Cygnet? Que lugar é esse? — Rosalind quis saber.
— É um lugar lindo — Philip esclareceu. — É lá que ficam nossas
plantações de maçã. Em março, há o Festival da Maçã. O que acham de Se
candidatarem a Rainha da Maçã?
As duas riram e o pai do rapaz comentou, gentilmente:
— Duas garotas lindas como vocês terão muitas chances. — Todos riram. Philip
levantou-se.
— Vamos, garotas. Quero levá-las para passear.
— Que turma! — Rosalind comentou com Paula quando, mais tarde, ficaram sozinhas
no meio da plantação de maçã. — Quem será que cuida da fazenda deles?
— Eu cuido desta — Philip disse, quando Rosalind repetiu a pergunta para ele. —
Cuido de verdade. Estou de folga hoje para poder passear com vocês. Olhe, aqui estão as
máquinas empacotadeiras. Todos os caixotes são numerados. Há variedades diferentes e
tudo fica muito bem guardado até chegar o momento da exportação, que é feita pelo porto de
Hobart.
Depois do chá, um amigo de Philip chegou, num lindo carro esporte americano. Era
Tim Halloran, um rapaz muito alegre e um dos principais homens de negócios de Hobart.
— Achamos que gostariam de conhecer nossa montanha — Philip disse, olhando para
Rosalind.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— O monte Wellington? — ela indagou, encantada. — Claro! Sonhamos com isso


desde a nossa chegada; não é, Paula?
— Isso mesmo — Paula disse, animada.
Todos estavam interessados na viagem e Philip parecia interessar-se por Rosalind,
que por sua vez parecia mais interessada em Tim.
O carro esporte devorava os quilômetros. Depois de Ferntree, a estrada subia em
curvas fechadas.
— Que vista maravilhosa — Paula exclamou.
— Lá de cima é mais bonito — Tim disse, animado, correndo nas curvas e deixando
Paula assustada.
Quando chegaram ao topo do monte Wellington, o sol se punha.
— Chegamos. — Philip ajudou as duas a descerem do carro. Venham, quero que me
digam o que acham disso. — E estendeu o braço num gesto panorâmico.
Todos ficaram em completo silêncio, maravilhados.
— Oh, Philip, é tão lindo — Rosalind disse.
— É um lugar maravilhoso! — Paula deu sua opinião. — Podia ficar aqui para sempre,
olhando a paisagem.
Por todos os lados havia ondulações da montanha, nos mais diversos tons de verde. O
sol banhava de dourado o vale embaixo.
Rios prateados serpenteavam entre o verde da vegetação e aqui e ali despontavam
grupos de casas com telhados vermelhos. No céu, nuvens em vários tons de rosa formavam
uma linda moldura para aquele cenário que desembocava, ao longe, num mar muito azul.
— É a melhor vista da ilha — Tim disse e Paula estremeceu. — Está com frio?
Ela fez que não; então, Philip segurou Rosalind pelo braço.
— Vou levá-las para jantar. Há um hotel na estrada. Precisamos ir logo, pois temos de
levá-las de volta. Amanhã você parte para Triabunna, Paula?
— Sim.
— Como seria bom passar um dia inteiro aqui — Rosalind falou, ao entrarem no carro
outra vez.
— Quando quiser vir, é só me avisar — Philip informou.
— Você vai para Triabunna? — Tim perguntou, dando partida no carro. Paula fez que
sim.
Momentos depois, chegavam ao Hotel Springs Mount Wellington. Parecia mais um
clube de campo inglês do que um hotel. Era branco, enfeitado com madeira e rodeado por
uma linda floresta de pinheiros. Uma alameda de pedra conduzia até a entrada principal.
Quando entraram, um garçom se aproximou e conduziu o grupo a uma mesa.
— Oh, ótimo, eles têm escalopes — Paula disse, pegando o cardápio. — Estou
faminta. — Havia muitas pessoas no restaurante, conversando com animação.
O jantar terminou com café e cigarros. Philip conversava alegremente com Rosalind e
Tim trocava ideias com Paula. Finalmente, chegou a hora de irem embora.
Tim estendeu a mão para Paula e caminharam para a porta. Quase na saída, ela viu
Christopher. Ele e Doreen, a ruiva da festa, estavam sentados perto de uma janela. Ao vê-lo,
Paula lembrou-se imediatamente do beijo. Lutou contra essa lembrança, mas não conseguiu
vencê-la. Seu coração disparou, quando seu olhar encontrou o do médico.
— Gostou do jantar, Paula? — Tim perguntou, ao mesmo tempo em que Christopher
lhe dizia:

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Olá Paula. Olá, Rosalind. Passeando por aqui? — Sorriu para as duas, mas os
olhos continuaram frios e interrogadores.
Paula hesitou, mas lembrou-se do último encontro deles e sua fisionomia endureceu.
Christopher deu um passo e Philip também se aproximou.
— Olá. Não nos conhecemos na festa de Ano Novo do sr. Lowther?
— Isso mesmo — Christopher sorriu para Philip, mas depois voltou a olhar para Paula.
— Por que não tomam um drinque conosco?
Philip hesitou, sorrindo para a ruiva, mas Paula virou-se para Tim e disse, com firmeza:
— Já é muito tarde, não é mesmo?
Christopher pareceu desapontado e voltou para a companhia da amiga. Os quatro
caminharam para a porta.
— Por que recusou, Paula? Achei a amiga dele muito interessante. Quem é aquela
mulher?
— Como pode ficar flertando com outra, na minha frente? — Rosalind brincou; depois,
virou-se para Paula: — Quem é aquela mulher? .
— Nunca a vi antes — Tim disse, dando de ombros — , mas Philip a acha interessante.
Ouvi dizer que o dr. Deane vai partir para a Austrália.
— Ela também estava na festa de Lowther — Philip comentou — , acompanhando
Deane; não se lembra, Rosalind?
— Sim. Tive a impressão de que ela não gostou de nos encontrar. Ficou aborrecida
quando ele nos convidou para um drinque. Quem será ela?
Paula procurou desviar a atenção da conversa. Quem seria a garota? Será que ele ia
para a Austrália por causa dela?
— Na festa, me disseram que se chama Doreen. Um nome bonito, não? — Philip
comentava com Rosalind. — Acho que é australiana. — O coração de Paula pareceu dar um
pulo. — Ouvi dizer que o dr. Deane está pensando em casar novamente.
Paula continuou a andar, mas nem percebia para onde. Seu coração estava gelado.
Seria verdade?
Rosalind virou-se para Paula e perguntou:
— Será que eles estão noivos?

Capítulo 9

Na manhã seguinte, Paula partiu para Triabunna. Estava feliz por se afastar de tudo e
ficar sozinha durante alguns dias.
Tinha, tentado não pensar na noite anterior, no encontro com Christopher, mas não
conseguiu. Que pena... um passeio tão lindo! Tudo tinha sido tão bom: a família de Philip, a
plantação de maçã, o jantar no hotel...
Tudo estava indo tão bem... e, de repente, o encontro com Christopher. Por que ele
tem de estragar a minha felicidade?, Paula pensou, zangada. Por que ele não desaparece?
Philip tinha dito que Christopher ia casar novamente. Seria verdade?

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

Bem, não era de sua conta. Procurou concentrar-se apenas no dia que tinha pela
frente. Lembrou-se da despedida de Rosalind.
— Vou sentir saudade — Rosa disse, depois de um beijo rápido.
Paula estava resolvida a aproveitar a viagem. Não ia ser difícil, pois geralmente se
interessava por tudo e queria apreciar a paisagem.
A primeira parte da viagem foi entre plantações de maçã e peras, dando depois lugar a
outras culturas. Ao passar por pequenos vilarejos, o ônibus ia entregando e recebendo
correspondência.
A intervalos constantes, ao longo da estrada, havia postes com um saco de cartas. O
motorista parava, recolhia um saco e colocava o outro no lugar. Paula ficou entusiasmada
com a facilidade da operação.
— É prático e perfeito — o motorista disse, sorrindo — , e assim ajudamos o correio. —
Mais adiante, a estrada começou a seguir o curso de um rio. Este é o rio Prosser. Logo
passaremos por Oxford. Está vendo aquela velha estrada, do outro lado do rio, toda de
pedras? Foi construída há mais de cem anos pelos presos e custou muitas vidas.
Era quase meio-dia quando chegaram a Triabunna, vilarejo que parecia um cartão-
postal, perto da praia.
— Chegou, finalmente — disse uma mulher gorda que estava parada no ponto de
ônibus. — Você deve ser a srta. Bruce. Sou a sra. Leslie.
— Sim, sou Paula Bruce. Obrigada por ter vindo me esperar.
— Tinha de fazer algumas compras e cheguei na hora que o ônibus estava parando.
Fez boa viagem?
Entraram num pequeno carro e logo estava na estrada outra vez.
— É tudo muito interessante — Paula comentou. — Cheguei há pouco tempo na
Tasmânia e para mim tudo é novo. O hospital fica aqui perto?
— Sim. Já chegamos. — Paula levantou os olhos e sorriu. Tinha pensado num hospital
menor do que o de Dover, mas aquele não passava de um bangalô. — É pequeno, mas muito
útil. Vou estacionar o carro. O almoço já está pronto. Depois, vou lhe mostrar tudo. Mas,
primeiro, iremos ao seu quarto, naturalmente.
Era um quarto agradável, com uma janela imensa, dando para o mar. Paula tomou um
banho rápido, arrumou os cabelos e voltou à sala do hospital, onde a sra. Leslie a esperava.
— Esta é a sra. Swain, a nossa cozinheira — a sra. Leslie disse e Paula sorriu, olhando
para a mulher calma que saía da cozinha. — Ela é um tesouro muito precioso, cozinha como
ninguém.
— Quantos pacientes vocês têm? — Paula perguntou, pegando a colher e começando
a tomar a sopa.
— No momento, apenas uma, mas vai ter alta logo.
— Parto? — Paula olhou ao redor, enquanto falava. Tudo parecia simples e funcional.
— Não, um problema glandular. Não há nenhum tratamento especial, apenas repouso
e controle de temperatura. Tem passado bem nos últimos dias. Pode dar uma olhada na ficha
e no relatório, depois. — Mostrou uma escrivaninha na outra extremidade da sala. Vou levá-la
para conhecer a paciente, assim que terminar de comer. Só atendemos mulheres e crianças.
É um hospital muito pequeno. O que mais aparece é parto, mas não apareceu nenhuma
paciente com parto previsto para os próximos dias. Estamos tendo uma época calma.
Paula suspirou. Queria que fosse exatamente o contrário, assim não teria tempo para
pensar em outros assuntos.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Agora, vamos conversar sobre as suas folgas — a enfermeira Leslie continuou. —


Se você sair, deve deixar o endereço de onde está, para ser chamada caso haja alguma
emergência. Eu tenho uma lista telefônica em minha mesa, onde estão anotados os números
do correio, das lojas, do hotel e da biblioteca. Se chegar um recado ou um paciente, a sra.
Swain telefona para todos os números, começando pelo correio.
— Não tem perigo de ela não conseguir me localizar?
— Não, Triabunna é um vilarejo muito pequeno, tudo fica perto, é fácil voltar para o
hospital. Geralmente os casos de parto chegam cedo, ainda em tempo de serem feitos os
preparativos. Não precisa se preocupar.
— E se for outro tipo de emergência?
— Na semana passada, por exemplo, houve um acidente e chegou um homem
precisando levar quatro pontos na mão. Teve de passar a noite aqui, por causa do estado de
choque. É uma questão de usar o bom senso. O dr. Strang vem aqui duas vezes por semana.
Deve vir amanhã, às dez horas. Agora, venha conhecer a paciente.
Na manhã seguinte, a enfermeira Leslie partiu de férias.
— Até que não estou com vontade de viajar — a enfermeira confessou — , mas minha
filha também está de férias na escola e ficaria desapontada se não déssemos um passeio
juntas.
Paula se despediu e depois foi se aprontar para receber o médico.
Quando ele chegou, mostrou os relatórios sobre a paciente. Para consulta, naquele
dia, só apareceu um velho com azia e quando ele foi embora Paula perguntou:
— Quer uma xícara de chá, antes de olhar mais uma vez a paciente, doutor? — Ele era
um homem magro, de aparência frágil e parecia cansado.
— Com prazer, enfermeira. Quanto tempo você vai ficar aqui? — ele perguntou,
quando ela voltou com a bandeja. — Esse hospital é calmo, principalmente no verão. Amanhã
vou fazer visitas em Swansea. Já esteve lá?
— Não. Só estive em Dover. Estou no Serviço Itinerante há pouco tempo.
— Bem, enfermeira, agora vamos cuidar da paciente. Obrigado pelo chá.
A sra. Donaldson, a paciente, era uma mulher calma que passava a maior parte do
tempo lendo.
— Tenho tantas coisas a fazer em casa, enfermeira — ela disse à Paula, depois que o
médico saiu -, que só agora estou encontrando oportunidade para ler.
Paula voltou ao vestíbulo, para olhar o livro de registros. Havia um parto previsto para
dali a duas semanas. Era um primeiro bebê, podia chegar antes da hora.
Acontece muitas vezes com os primeiros filhos.
Em seu segundo dia em Triabunna ela trabalhou bastante. O dr. Strang tinha dito que
voltaria dentro de dois dias, ou mais cedo, se fosse preciso.
Paula verificou o material de emergência, esterilizando os instrumentos e máscaras. A
sra. Swain, que já trabalhava ali há alguns anos, ajudou-a bastante. Na hora do almoço,
entretanto, a enfermeira se sentiu entediada. Estava um pouco deprimida e não conseguia
parar de pensar em Christopher Deane. Tinha encontrado um livro interessante, na biblioteca,
e procurou se distrair com a leitura.
No quarto dia, quando a sra. Donaldson teve alta, Paula começou a sentir saudade de
Dover. Seu único paciente foi um menininho com dor de barriga, trazido pelo irmão mais
velho.
— O que há com ele? — Paula perguntou.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Comeu framboesas venenosas e agora está assim.


— Onde dói? — ela disse, sentando-o numa cadeira. — Você trouxe alguma
framboesa para me mostrar?
O irmão mais velho tirou uma frutinha do bolso.
— Oh, esta não é venenosa. Só que dá dor de barriga, quando comemos demais —
ela disse. — Não precisa chorar. Tome, este remédio vai consertar sua barriga. Depois, vou
lhe dar um grande chocolate.
E Paula deu ao garoto uma dose de leite de magnésia.
— Posso tomar também? — o irmão mais velho indagou.
— Não — Paula achou graça — , mas vai ganhar chocolate também. Depois, leve seu
irmão para casa, direitinho.
Depois do chá, Paula sentiu vontade de se movimentar um pouco.
— Vou a pé até o vilarejo — disse à sra. Swain — , se precisar de mim, ligue para o
hotel. Eles me encontrarão.
Era uma tarde linda e ela saiu andando pela baía Primavera, que brilhava ao sol
poente. Os iates e veleiros balançavam calmamente, e beija-flores esvoaçavam nos jardins.
Paula enveredou por um caminho estreito e à medida que caminhava sentia seu otimismo
voltar.
Dez minutos depois chegava à rua principal. Parou no correio para ver se havia cartas
endereçadas ao hospital. Não encontrou nada. Continuou andando até o hotel onde se
hospedava a maioria dos donos dos iates. Àquela hora da tarde, o hotel estava vazio.
Resolveu tomar um refresco, antes de voltar. Para sua surpresa a recepcionista a chamou.
— É a enfermeira Bruce, não? — Paula disse que sim e a moça continuou: — A sra.
Swain telefonou há poucos minutos. Disse que há uma pessoa à sua procura, mas não é
urgente.
Quem poderia ser? Quem teria chegado e não estava com pressa de vê-la? Seria o
caso de parto? Mas, se fosse, a sra. Swain teria avisado.
Voltou pelo mesmo caminho e quando entrou na sala, um homem alto levantou-se do
sofá. Era Angus Lowther.
— Olá, Paula. Surpresa de me ver por aqui?
— Claro! Quando você chegou e o que veio fazer aqui? Por que a sra. Swain me deu
um recado tão misterioso?
— Fui eu que mandei — ele riu — , não queria que ficasse preocupada, mas também
não podia esperar muito tempo.
— Quer tomar um drinque?
— Não obrigado. Vou me encontrar com uns amigos, para uma pescaria, dentro de dez
minutos.
— Então, vamos conversar um pouco. Foi muita gentileza sua ter vindo me procurar.
Como soube que eu estava aqui?
— Encontrei Chris Deane, em Hobart, ontem. Foi ele quem me contou.
— Não quer mesmo tomar nada? — ela insistiu, procurando se convencer de que não
estava interessada no que Christopher Deane tinha dito.
— Não, obrigado. Vim convidá-la para velejar. Vamos?
— Eu adoraria, mas não vou poder sair. Este hospital tem só uma enfermeira, como
sabe. E, no momento, essa enfermeira sou eu.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Que pena! Mas, pelo menos, gostaria de lhe mostrar o meu barco. É lindo, eu
mesmo o construí, com um projeto que mandei vir de Londres. Tenho velejado muito nele.
Você sabe velejar, Paula? — ele indagou, entusiasmado e orgulhoso.
— Um pouco. Velejei com um amigo, no ano passado. — Ela velejara com Bob Shaw.
Veio-lhe à lembrança a felicidade que sentira na ocasião.
— Tem certeza de que não pode sair, Paula? Nem por uma hora?
Ela sacudiu a cabeça e ele levantou-se, aborrecido.
— Então, o que acha de jantar comigo esta noite... no hotel?
Paula hesitou. Seria fácil encontrá-la no hotel, se precisassem dela.
— Está bem — ela disse, rindo. — Telefonarei a você, mais ou menos às sete.
— Está ótimo. Então, conseguimos marcar um encontro! Até lá — Angus disse,
acariciando-a no rosto.
Homem gentil, Paula pensou, indo para cozinha tomar um chá.
— A água já está fervendo — a sra. Swain disse. — Pensei que seu amigo fosse ficar
para o chá.
— Não, ele não pode... — Nesse momento, o rosto da enfermeira Leslie apareceu na
porta.
— Já sei que está surpresa. Só devia voltar dentro de dois dias! Que tal me dar uma
xícara de chá? Fiquei tão aborrecida sem fazer nada, que resolvi voltar antes. Minha filha já
voltou para a escola, em Launceston. Ficamos juntas apenas cinco dias de férias. Ela terá de
fazer um curso suplementar e eu tenho tantas coisas à minha espera, aqui. . . que voltei para
casa. Espero que você não se importe.
— Claro que não — Paula riu — , mas aqui também não há nada a fazer. Venha me
contar a viagem a Launceston. — Estendeu uma xícara de chá para a enfermeira Leslie e
foram para a sala.
Só muito depois das sete, Paula lembrou do jantar marcado com o sr. Lowther. Correu
para o telefone, mas a recepcionista avisou que ele ainda não tinha voltado. Deveria deixar
recado?
— Avise que a srta. Bruce telefonou. — Quando desligou, pensou que se a sra. Leslie
não se importasse, poderia ir velejar com ele.
Angus ligou às nove, cheio de desculpas. Tinha acabado de chegar e Paula lhe falou
sobre a chegada inesperada de outra enfermeira.
— Então, vamos velejar? Amanhã, às nove, lhe telefono.
— Mas, Angus, antes tenho de perguntar a ela se posso ir.
— Então, pergunte agora mesmo. Você já jantou? Desculpe o atraso, Paula. Ande,
corra para falar com a tal sra. Leslie.
Quando Paula conversou com a sra. Leslie, esta insistiu para que aceitasse.
— Não há motivo para não ir. Divirta-se. Não pode perder essa oportunidade.
Na manhã seguinte, o sol brilhava sobre os cabelos de Paula. Estava num barco
chamado Adventure e Angus lhe dava as últimas explicações sobre o manejo das velas.
Paula usava jeans e uma camiseta amarela. Seus olhos brilhavam de felicidade e, de repente,
ao olhar Angus, achou-o muito bonito. Por que nunca teria se casado?
Conversaram sobre os diversos tipos de veleiros, sobre os passeios que ele costumava
fazer. Angus explicou.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Vamos voltar para o almoço — ele sugeriu mais tarde. Durante o passeio os dois
riram e se divertiram muito. Ângus observava o corpo elegante de Paula, que tinha uma graça
toda especial.
— Já é hora do almoço? — ela perguntou, espantada, vendo que começavam a voltar.
— A manhã voou.
— É verdade. Agora, ajude-me, garota. Vamos ancorar e tomar um refresco.
De repente, ele apontou para o horizonte e sacudiu a cabeça.
— Olhe lá, vai haver mudança de tempo.
Em poucos minutos, nuvens escuras cobriram o céu. Paula procurou se convencer de
que não era nada. Angus tentava voltar, mas as ondas tinham se encrespado e batiam com
mais força ao lado do barco.
— Paula — ele disse, lidando com as cordas — , sente-se naquela boia, por favor. —
Subitamente, o sol sumiu e a tempestade desabou. Angus praguejava, baixinho. — Não
esperava esse vento — ele disse, lutando para manter o rumo do veleiro. — Sente-se e
segure firme.
A ventania se tornava cada vez mais forte, pegando o barco de lado. Angus enrolou as
cordas com força e Paula ficou observando o barco cortando as águas. O mastro se
balançava com violência, ameaçando virar o veleiro. Angus corria de um lado para o outro,
bastante aborrecido.
— Lamento tudo isso, Paula. — A ventania obrigava-o a gritar. — Você está bem?
— Sim — ela respondeu, também aos, gritos, abraçando os joelhos. Mas começava a
ficar assustada.
— Esta maldita baía — Angus dizia. Depois, deu um grito e o vento jogou o veleiro
para um lado, levantando-o no ar. Tensa, Paula sentiu o barco afundando mais e mais. O lado
oposto ao que estava já tinha submergido.
Os salva-vidas, acima da sua cabeça, pareciam-lhe ameaçadores.
Paula esperou até que a água se aproximasse do lugar onde estava sentada. O veleiro
pareceu se endireitar e cortar as águas, dando um pulo para a frente. Continuou nessa
posição, mas não por muito tempo, O vento atacou novamente, com uma selvageria atroz. Ela
se agarrou à boia onde estava sentada, os músculos doloridos, de tão tensos.
— Paula — Angus gritava -, estou perdendo os controles por causa do vento. —
Vamos ter de saltar. Fique atenta...
— Está bem — ela respondeu, procurando enxergar entre os respingos das ondas que
estouravam por toda parte. Estava completamente molhada.
O que aconteceu em seguida foi tão rápido que não deu para pensar em nada, a não
ser em pular o mais longe possível do barco.

Capítulo 10

Quando voltou à superfície, Paula viu a cabeça de Angus perto do barco. Ele também a
viu e gritou. Ela acenou. Estava muito excitada. Tinha vontade de gritar e cantar.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Paula, venha se segurar aqui — Angus chamou. — Logo virão nos buscar.
Ela nadou para perto do barco calmamente, lamentando apenas não estarem os dois
de maio. Seria mais divertido. Já estavam quase chegando ao barco, quando Angus pareceu
perder o fôlego. Assustada e vendo a cabeça dele inclinar-se para o lado, gritou seu nome
com toda força:
— Paula! — ele gemeu, mas sem muita força.
Oh, Deus, ela pensou, preciso salvá-lo. Em poucos segundos, estava ao lado de
Angus. Os olhos dele tinham se fechado e os lábios começavam a ficar roxos. Paula segurou-
o pelos ombros e nadando de costas, arrastou-o já quase inconsciente. Estavam bem perto
do barco, mas Angus pesava demais. Paula sentia os pulmões prestes a arrebentarem.
Agarrou a borda do barco com uma das mãos e com a outra continuou segurando Angus.
Desesperada, tentava colocá-lo no barco e fazê-lo voltar a si. Oh, Deus, me ajude, ela
rezou. Não o deixe morrer assim!
— Socorro! Socorro! — ela berrou. As ondas eram tão altas que ela não conseguia
enxergar nada direito. De repente, assim como vieram, as nuvens escuras se afastaram. —
Socorro! — ela gritou de novo e, para seu alívio, ouviu o ruído de um motor.
Um iate se aproximava com um homem e uma mulher a bordo.
— Já estamos chegando — o homem gritou.
— Ajudem-me — Paula gritou, indicando Angus — , ele desmaiou e tem problemas de
coração.
Rapidamente, colocaram Angus no iate e o enrolaram em cobertores. Ele continuava
pálido e tremulo, respirando com dificuldade.
— Por favor, leve-nos ao hospital o mais depressa possível — Paula pediu, forçando
algumas gotas de chá quente entre os lábios de Angus — Ele precisa de tratamento especial.
Aconteceu-lhe, então, uma coisa que nunca tinha acontecido: a xícara caiu de suas
mãos e Paula desmaiou.
Quando tornou a abrir os olhos percebeu, surpresa, que estava em sua cama, no
hospital. Ia se sentar quando a enfermeira Leslie entrou, trazendo uma bandeja.
— Finalmente, você acordou — a mulher disse, sorrindo.
— Quanto tempo estive dormindo? — Paula indagou, espantada, lembrando o que
tinha acontecido. — Como está Angus?
— O sr. Lowther está quase bom. Não precisa se preocupar com ele. Lembrando-se do
que aconteceu?
— Sim. Ele está mesmo passando bem? Tem problemas de coração...
— Ele me contou. Mas foi um ataque fraco e já se recuperou, desde a noite passada.
Dei-lhe um tranquilizante e hoje de manhã ele parece bem melhor.
— Oh, estou contente em ouvir isso. É um grande alívio. Agora, quero a minha xícara
de chá.
A sra. Leslie sentou-se na cama, ofereceu o chá a Paula e pegou outra xícara para si.
— Como está se sentindo? Trouxeram o barco do sr. Lowther de volta, sem nenhum
dano.
— Ainda sinto o gosto da água do mar — Paula disse, tomando um grande gole do
chá. — Estava me divertindo tanto! De repente, começou a soprar um vento terrível. Parecia
vir de todos os lados, ao mesmo tempo. Angus perdeu o controle tivemos de saltar. Não fiquei
com medo. Na verdade, adorei o mergulho, até ver o que estava acontecendo com ele. Sabia
do problema cardíaco dele. Graças a Deus, o outro barco nos viu. Preciso agradecer a eles.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— O casal veio esta manhã ver como vocês estavam. Já estavam indo para Hobart,
mas conversaram com o sr. Lowther.
— Vou me levantar. — E Paula atirou longe as cobertas. — Vou mesmo — repetiu,
diante do protesto da outra enfermeira. — Devo ter dormido durante horas. Que horas são?
Nove? Meu Deus do céu!
— Você tomou um sedativo — a sra. Leslie informou, sorrindo. — Claro que pode
levantar, se está se sentindo bem.
Quando Paula foi ver Angus, ele já tinha levantado e estava sentado perto da janela.
— Paula, querida, devo-lhe minha vida. Nunca esquecerei isso Muito obrigado,
querida, muito obrigado.
— Não foi nada — disse Paula, sentindo-se envergonhada — , Sei nadar bem e fiz
curso de salva-vidas. Você teria feito a mesma coisa por mim. Só o segurei até o barco
chegar...
— E se não tivesse segurado... — ele parou e continuou, em voz baixa: — venha
sentar perto de mim. Está passando bem, Paula?
— Sim, naturalmente. — Tanta confusão por nada, ela pensou. Espero que ele não
comece a agradecer de novo. Então, lembrou o dia seguinte seria seu último dia em
Triabunna. Puxou uma cadeira e sentou-se ao lado de Angus, que ainda estava pálido, mas
parecia bem.
— Vai voltar para Dover? — ela perguntou. — Espero que não esteja pensando em
continuar a velejar e pescar por aqui.
— Vou para casa — ele respondeu, cansado e deprimido — , procurar levar uma vida
mais calma, durante algum tempo. Espero ter alta amanhã...
— Angus, não deve voltar guiando sozinho.
— Acho que você tem razão, mas...
— Também vou voltar amanhã. E posso dirigir.
— Então, está combinado. Volta comigo. — Ele decidiu, sorrindo.
Partiram na manhã do dia seguinte, chegando a Hobart por volta do meio-dia.
Almoçaram no Hotel Wrest Point e ocuparam a mesma mesa de sua primeira noite na
Tasmânia. O pensamento de Paula dirigiu-se para Christopher Deane, tentando imaginar o
que ele estaria fazendo naquela hora. com esforço, procurou desviar os pensamentos dele.
— Paula — Angus disse, sorrindo e se inclinando para ela — , quer saber por que
nunca me casei? Bem, gostei de alguém... há muito tempo — ele parou e olhou pela janela a
baía Sandy. Ficaram um tempo em silêncio.
— O que aconteceu com ela, Angus?
— Parti para o serviço militar — ele deu uma risada — e, quando voltei, ela havia
casado com outro. Um final vulgar, não?
— E você nunca mais gostou de ninguém?
— Sim, há pouco tempo. Mas... — Ele não olhava mais para a baía, mas para Paula.
Seu coração disparou. Será que... Não era possível. Ou era?
Ele não é velho, Paula pensou. Na verdade, é até muito atraente. Se me pedisse... Mas
procurou desviar o olhar do olhar dele.
— Quer um licor, Paula? — ele perguntou. — Ou só café?
— Café, por favor. Para os dois. Não esqueça que estamos dirigindo — ela sorriu, mas
não conseguia encará-lo.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Há, também, o meu problema de coração — ele continuou. — não me parece


justo... ela é muito jovem. — Ele interrompeu-se e ela ficou olhando a toalha da mesa.
Felizmente o garçom chegou naquele momento com o café: — Um cigarro, Paula? — Angus
ofereceu, depois olhou o relógio. Vamos chegar a Dover na hora do chá. — Fez uma pausa e
suspirou. — Não... penso que não seria justo... para com a garota... o que você acha?
Paula desviou os olhos. O que podia responder? Seu coração tinha sido entregue a
Christopher Deane, era um fato consumado. Apesar de ficar desconcertada na frente dele,
zangada, irritada, a lembrança daquele beijo na festa e fazia estremecer de êxtase.
— Eu... — Paula começou, mas nesse momento entrou uma turma de jovens
barulhentos e alegres e Angus os cumprimentou.
— Vamos, Paula, prefiro não continuar aqui.
Aliviada, ela pegou a bolsa.
— Vamos, Angus — disse, levantando-se.
— Rosalind vai ficar muito contente em ver você de volta — ele observou, mais tarde,
ao entrarem na rua Elizabeth. — Como está indo o namoro dela com o jovem Freeman?
— Não sei — Paula respondeu, desinteressada; depois, perguntou: — Angus, quando
sairmos do tráfego, quer que eu dirija? Você parece cansado, devia ter me oferecido antes.
— Estou bem, querida, fique descansada e aproveite o passeio. Fale-me sobre sua
vida na Inglaterra.
O pedido agradou a Paula, pois a ajudaria a não pensar no que não queria. Contou-lhe,
então, sua vida em Somerset, o curso de enfermagem em Londres... Angus ouvia com muito
interesse. Sem que percebessem o tempo passar, chegaram em Dover.
— Obrigada por este lindo dia, Angus. Está mesmo se sentindo bem?
— Claro — ele sorriu e se afastou, lentamente. — Espero que tornemos a nos ver em
breve. Até logo, Paula.
Ela entrou correndo, mas tudo estava quieto. A enfermeira Anderson veio da sala de
jantar e parou, surpresa, diante de Paula.
— Enfermeira Bruce! Pensamos que só fosse chegar amanhã. Como veio?
— O sr. Lowther me deu uma carona. Ele apareceu por lá para pescar. Onde está
Rosalind?
— Foi jantar com o namorado. Esta semana só tivemos dois pacientes e o segundo
teve alta esta manhã. Sugeri a ela que saísse para jantar. E você, passou bem a semana?
— Sim — disse, pegando as malas — , mas não tinha muita coisa i a fazer por lá.
Parece que aqui está igual...
— Agora é que agitou um pouco — a moça respondeu. — Não fazia uma hora que
Rosalind tinha saído quando chegou um caso de parto... a sra. Griffiths. Ela já está bem,
agora. Coloque sua mala no quarto e venha tomar um café.
— Vou vestir meu uniforme, caso precisem de mim.
Paula trocou de roupa e voltou para tomar café. Betty Anderson estava servindo as
duas quando Rosalind entrou.
— Oh, mas que surpresa! Quando você chegou? — Aproximou-se e beijou Paula no
rosto.
— Olá, Rosa — Paula respondeu, abraçando afetuosamente a amiga. — Cheguei há
meia hora. Angus me deu uma carona. Ele estava em Triabunna.
— O que ele estava fazendo lá? — Rosalind indagou, servindo-se de café.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Foi velejar e pescar. — Paula olhou para Rosalind, confusa diante de seu ar de
aborrecimento. Ia lhe contar o incidente do barco, mas mudou de ideia. Havia algo errado com
Rosalind e ela precisava descobrir o quê. Teria problemas com o namorado? Mas ela lhe
parecera tão bem quando lhe telefonou, no começo da semana.
— Por que está de uniforme? — Rosalind indagou. — Esta noite é o meu plantão.
— Não precisa ficar de plantão — Betty respondeu. — A paciente que chegou, a sra.
Griffiths, ainda não está pronta. Acabei de dar outra olhada nela.
Pelo silêncio que se fez, Paula pôde notar que aquelas duas não estavam se dando
bem. Por que seria? Aproximou-se da amiga.
— Alguma coisa errada, Rosalind? Você parece...
— Errada? — Rosalind repetiu, ríspida. — Claro que não. Por que pensou... — Então,
de repente, ela parou e abraçou a amiga num impulso. — Desculpe Paula, estou bem, não se
preocupe. Vamos ficar as duas de plantão, está bem? Conte-me tudo o que aconteceu em
Triabunna.
Paula beijou a amiga. Era evidente que havia algo errado com ela, as não quis insistir.
— Como está Philip?
— Como sempre. Ele é um bom amigo — Rosalind respondeu, distraída. — vou pôr
meu uniforme...
Momentos depois, Paula foi ao encontro de Betty Anderson, no quarto da sra. Griffiths,
uma mulher de mais ou menos quarenta anos, magra e amedrontada.
— Esta é a enfefmeira Bruce — Betty Anderson apresentou, animada. Depois, à parte,
conversou com Paula: — Veja se consegue fazê-la conversar. Ela está morrendo de medo...
Já não é tão jovem e é seu primeiro filho. Vou deixá-las sozinhas, enquanto preparo os
instrumentos.
Paula aproximou-se da paciente.
— Está passando bem, sra. Griffiths? Sente alguma dor?
— Não sei, enfermeira — a mulher respondeu, os olhos arregalados. — Sabe... a dor
vai e vem...
— É assim mesmo. Está preocupada com alguma coisa? — A paciente se mexeu,
nervosa, evitando o olhar de Paula.
— É a dor... que é fraca... que me preocupa.
— Por que está preocupada? — Paula perguntou, sentando na cama. — Conte-me,
talvez eu possa ajudar. Não quer... esse bebê?
— Se eu quero? — a paciente repetiu, espantada. — Claro que quero! Há treze anos
desejo esse bebê. Parece... maravilhoso demais para ser verdade.
— Então... — Paula já estava adivinhando o problema.
— Enfermeira — a sra. Griffiths disse, nervosa — , eu... não sou jovem. É isso que está
me preocupando. Tenho quarenta anos e Jim tem quarenta e cinco. Ouvi dizer que pais mais
velhos, às vezes... — ela parou e olhou, apavorada, para Paula.
— Mas vocês não são velhos. Quarenta anos não é nada, nos dias de hoje. Pare de
pensar nisso. Pensamento positivo. — Paula inclinou-se para a mulher e sorriu. — Pense: eu
vou ter o bebê que sempre quis. Finalmente, ele vai chegar. Vamos ser muito felizes juntos.
Prometa que vai pensar positivamente. Isso ajuda muito, principalmente ao bebê.
— Você é muito boa, enfermeira. Prometo que vou tentar.
— Está bem. — Paula levantou-se e caminhou para a porta. — Daqui a pouco, eu
volto.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

Na porta, encontrou Betty Anderson, que parecia irritada.


— Acabaram de chegar mais dois casos — ela cochichou — um atrás do outro. Um
parto e um homem que parece estar com apendicite. Já o examinei, sente dores fortíssimas.
Por favor, telefone para o dr. Renwick, enquanto cuido do parto. Como está a sra. Griffiths?
— Bem. — E Paula dirigiu-se, rapidamente, para o telefone. Rosalind saiu do quarto,
no momento em que ela desligou.
— A Anderson quer que eu fique com o caso de apendicite — a moça disse, sorrindo
para Paula.
— Já estava com saudade de seu sorriso, Rosa. — E voltou ao quarto da sra. Griffiths,
que estava bem mais calma. Betty Anderson estava sentada na cama e levantou-se.
— Está demorando — ela disse — parece que as contrações nem começaram. —
Rosalind apareceu na porta, naquele momento, e chamou Betty.
— Como estão as dores, agora? — Paula perguntou à paciente.
— Pararam, enfermeira.
— Pararam, completamente?
— É, nem parece que vou ter um filho. Oh, enfermeira, acha que... — ela parou,
olhando Paula em silêncio. A enfermeira levantou-se e foi até o armário.
— Não se preocupe — disse confiante -, vou só tirar sua temperatura, já que estou
aqui. Fique deitada e quieta. — Em silêncio, Paula colocou o estetoscópio no abdômen da
paciente e o termômetro em sua boca. Auscultou com cuidado, levantou-se e guardou os
aparelhos. — Não precisa se preocupar, sra. Griffiths. Só quero que se levante, coloque um
robe, chinelos e ande pelo quarto. Isso vai provocar novas contrações.
Esperou a paciente se levantar; depois, foi procurar Betty Anderson, que estava no
banheiro, lavando as mãos.
— O marido da sra. Griffiths acabou de chegar. Como ela está?
— Não sei — respondeu Paula, lentamente. — Falei para ela dar umas voltas pelo
quarto. As dores pararam, completamente. Não estou gostando disso, Betty.
— Você escutou o coração do feto?
— Sim... está leve demais. Está em posição normal, mas não há nenhuma dilatação.
Ela já devia estar tendo dores fortes...
— O dr. Renwick vai chegar dentro de meia hora — informou Betty. — Ele saberá o
que fazer. O novo caso de parto já começou e Rosalind cuida do paciente com apendicite. Vá
comer alguma coisa. Acho que vamos trabalhar a noite toda.
Paula foi até a sala de jantar, comeu uns sanduíches com café e voltou para perto da
sra. Griffiths, que caminhava decidida em volta da cama.
— Pode sentar um pouquinho. — Paula sorriu. — Alguma novidade?
A paciente sentou pesadamente na cama e ia responder quando o dr. Renwick entrou.
— Olá! Então, não está mesmo sentindo dores? — ele perguntou.
— Por favor, o estetoscópio, enfermeira. — Paula lhe passou o instrumento e a
paciente deitou para ser examinada.
— Nenhuma contração — ele disse. — Vamos ver o último relatório, enfermeira. Agora,
sra. Griffiths, a enfermeira vai lhe dar algo para incitar as dores e... — ele sorriu para a moça
— não se preocupe.
— Vou tentar. — Olhou os olhos cheios de lágrimas. — Ele não está morto, está,
doutor?

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Claro que não. O bebê está bem vivo, sra. Griffiths. Agora, levante-se daí e comece
a andar novamente.
Do lado de fora da porta, ele virou-se para Paula e acrescentou:
— Fique de olho nela e dê-lhe um sedativo.
A enfermeira voltou e encontrou a paciente andando pelo quarto. Conversaram durante
meia hora e depois Paula foi buscar chá com biscoitos.
— Sente-se e coma isso, sra. Griffiths. Algum resultado?
A sra. Griffiths sacudiu a cabeça. A pobrezinha parecia exausta. Paula saiu e foi
conversar com a enfermeira Anderson.
— Chame o médico — Betty sugeriu — e fale para ele que não aconteceu nada.
Paula seguiu a sugestão de Betty e voltou para junto da paciente. Olhou-a como quem
pergunta algo e a outra limitou-se a sacudir a cabeça.
— Posso me deitar, enfermeira? Sinto-me tão cansada.
— Claro. Vou lhe dar um remédio para ajudá-la a dormir. De manhã, tudo estará bem.
— No fundo de seu coração, rezou para que aquilo fosse verdade. Esperou até que ela
adormecesse e depois saiu para ajudar as outras. Betty estava vindo da sala de esterilização.
— Minha paciente está bem. Não, não preciso de ajuda — ela respondeu a Paula.
— E o caso de apendicite?
— Foi para Hobart — Betty Anderson respondeu, surpresa. — Pensei que você tivesse
escutado a ambulância. Rosalind foi junto.
— Não ouvi nada. Bem... se precisar de ajuda, é só me chamar.
O dr. Renwick chegou às nove horas da manhã seguinte e foi direto para o quarto da
sra. Griffiths, que continuava dormindo. Ele examinou sua ficha.
— Nenhuma mudança — o médico comentou com Paula, que estava em pé, a seu
lado. — Vamos esperar até o meio-dia, se continuar assim, temos de mandá-la para Hobart.
Talvez seja preciso uma cesariana. Assim que a moça acordar, faça outro exame e me avise
em seguida. Vai ser preciso que você a acompanhe até Hobart, naturalmente.

Capítulo 11

— Como está se sentindo? — perguntou Paula à sra. Griffiths, quando ela acordou; ela
não respondeu. — Trouxe chá. Agora, vou fazer outro exame e ver como está.
— Não me sinto bem. — Estava desanimada e olhou em pânico para Paula. — Onde
está Jim? Ele sabe o que está acontecendo comigo?
— Sabe. — Paula estendeu- lhe uma xícara de chá. — Ele telefonou ontem à noite, e
vai telefonar de novo esta manhã.
— Quero vê-lo. Por favor, enfermeira, preciso vê-lo!
— Claro — Paula disse, procurando acalmá-la. — vou dizer a ele para vir até aqui.
Agora, tome seu chá. — Foi até o armário, pegou o estetoscópio, o termômetro e perguntou
— Pronta?

- 59 -
Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Será que está tudo bem, enfermeira? — Sentia-se nela uma terrível ansiedade.
Estava desesperada. Paula, apesar de também estar ansiosa, não demonstrava nada e fez
tudo para manter a calma.
— Está tudo ótimo. Agora tome o chá, vou ver se há algum recado para nós.
O resto da manhã passou calmamente. Calma demais, pensou Paula, depois de ter
almoçado com Betty. A sra. Griffiths permanecia na mesma, só que agora tinha o marido a
seu lado.
Ele também estava preocupado e foi com alívio que viram o dr. Renwick chegar.
— Não vamos esperar mais — disse ele a Paula. — Já conversei com o sr. Griffiths e
ele vai levar vocês duas até Hobart. Já estão esperando no hospital, lá. Termine seu almoço,
Paula, depois prepare a paciente.
Foi uma viagem deprimente, todo mundo silencioso, sem saber sobre o que conversar.
O sr. Griffiths estava preocupado. O dr. Renwick havia conversado com ele. Sabia que o
hospital de Hobart era muito bem equipado, mas isto não o impedia de ficar nervoso. Paula
quase chorou de pena, ao ver o ar abatido do homem.
A sra. Griffiths segurou a mão da enfermeira durante toda a viagem e ao entrar no
hospital, cochichou:
— Você virá me ver?
Paula fez que sim, sem conseguir falar. Não era uma situação nova. Mas comovia-se
com aquela mulher, de quase quarenta anos, que tinha desejado tanto um bebê. . . e que
corria o risco de perdê-lo.
Deu-lhe um grande alívio rezar por ela, pedindo a Deus que a ajudasse.
Deixou-a no hospital e foi para o Clube das Enfermeiras, onde ia ficar hospedada.
Na manhã seguinte, ao acordar, lembrou-se da sra. Griffiths e resolveu ir até o hospital
para saber de seu estado. Teriam feito a cesariana?
Aprontou-se com rapidez. Ia passar no hospital, antes de tomar o ônibus para Dover.
A enfermeira encarregada da maternidade, a princípio, estranhou sua ansiedade, mas
depois lembrou-se:
— Você não é a enfermeira Bruce, que trouxe a paciente de Dover? Ela já teve bebê,
uma menina. Foi cesária. As duas estão passando muito bem.
— Oh! — Paula exclamou — , estou tão contente! Posso vê-la um minuto?
— Normalmente, só os maridos podem entrar. Mas vou abrir uma exceção para você.
A sra. Griffiths estava completamente mudada: tão alegre que parecia irradiar uma luz.
O marido estava igualmente feliz e ambos, muito gratos.
— Você foi tão meiga e simpática — disse a sra. Griffiths a Paula — que não sei como
lhe agradecer. Ainda bem que veio comigo. Venha nos visitar em Dover, sim?
Paula prometeu que iria. Despediu-se, apressada, pois estava em cima da hora de o
ônibus partir. Na confusão, ao chegar à rua principal, deu um encontrão num transeunte.
Ia pedir desculpas, mas, ao levantar os olhos, viu quem era...
— Bom dia, como vai? — Christopher Deane disse, parando diante dela.
— Bem, obrigada — Paula respondeu como um robô. Estava ofegante. — E você? —
Olhou para ele e sorriu. A chegada daquele bebê fazia a felicidade brilhar em seus olhos.
Nada poderia estragar seu dia. Sorriu novamente para ele.
— Você parece... muito feliz, Paula.
— Estou mesmo. — Ela sentiu vontade de contar o que tinha acontecido.
Mas algo na expressão dele a deixou confusa e antes que continuasse, ele falou:

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— É, estou vendo. Deve estar se sentindo... aliviada. Bem, até logo. — E afastou-se,
sem que Paula pudesse dizer mais uma palavra.
Ela ficou parada, olhando, espantada. Depois, lembrou do ônibus e continuou seu
caminho.
Que homem estranho e imprevisível. Por que ficara triste com a alegria de Paula?
Ainda confusa, entrou no ônibus, que já estava pronto para partir. Será que um dia ia
entendê-lo? Tinha a impressão de que havia uma distância enorme entre eles.
Em Dover, uma surpresa: Rosalind tinha partido, naquela manhã, para passar uma
semana de férias em Franklin, cidade próxima a Hobart.
— Ela decidiu ir assim, de repente? — Paula perguntou a Betty.
— Não sei — a outra enfermeira respondeu — , não perguntei a ela. — Mais uma vez
Paula teve a impressão que as duas não se davam muito bem. — Você viu a sra. Griffiths,
antes de vir embora?
— Sim. E ela estava completamente mudada. Nunca vi uma mãe tão feliz.
— Posso imaginar. O pessoal de Hobart telefonou esta manhã. O nosso médico estava
muito preocupado com ela. Graças a Deus, deu tudo certo.
— Quem ligou de Hobart deu detalhes?
— Sim, disseram que havia contrações fortes, mas nenhuma dilatação. Os músculos
dela estavam rígidos, por causa da idade. A cesariana era a única saída.
— Graças a Deus, tudo terminou bem.
— Vamos almoçar — Betty falou. — Você deve estar com fome.
— O que aconteceu por aqui? — Paula perguntou, quando se sentaram. — Mais algum
bebê?
— Não. O caso de apendicite foi operado com sucesso e a sra. Wrest teve o filho, esta
manhã.
— Ótimo. Então teremos algum descanso — Paula comentou e as duas começaram a
rir.
— Você está se tornando uma verdadeira australiana – Betty disse. — É verdade,
vamos ter um descanso. Quero que conheça a sra. Wrest. Ela é muito simpática e esse foi
seu segundo bebê. Teve o primeiro há mais de um ano, com a maior facilidade.
O resto do dia passou calmamente, seguindo a rotina.
Na noite seguinte, Rosalind telefonou de Franklin.
— Estou adorando — ela disse, quando Paula lhe perguntou se estava se divertindo
muito. — E como estão as coisas aí em Dover?
— Estão calmas. Estou de plantão e Betty saiu um pouco. Rosalind ficou em silêncio e
Paula indagou:
— Quando você vai voltar?
— No fim da semana. Até logo, Paula.
Na manhã seguinte, o dr. Renwick foi ver a sra. Wrest e disse a Paula:
— Quer me acompanhar em minhas visitas? Acho que você vai gostar... é interessante
e divertido.
— Adoraria — Paula respondeu — vou só falar com Betty. Dez minutos depois, estava
sentada no velho carro do médico.
— Primeiro, vamos ao correio para ver se há alguma carta que eu possa levar aos
pacientes. Depois, vamos almoçar com Agnes. O sr. Lowther também estará lá.
— Como vai Susan? — Paula indagou, depois de pequena hesitação.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Muito bem. Ela me pediu que a avisasse que pode substituir você durante o Festival
da Maçã.
— É muita gentileza dela, mas o festival ainda não vai demorar?
— Será dentro de duas ou três semanas. — Ele parou o carro e desceu. — vou
demorar só um minuto, Paula. — Entrou no correio e voltou logo em seguida. — Não há nada
— comentou, entrando no carro outra vez.
— Onde vamos? Estou gostando muito deste passeio.
— Vamos a Southport, do outro lado da baía. A estrada acompanha a península e dá
para ver o mar dos dois lados do caminho.
Paula ficou extasiada com a beleza da paisagem, quando chegaram a esse trecho da
estrada.
— Há algum hospital em Southport? — quis saber.
— Não. Tenho um consultório lá, para atender todo o distrito. Só atendemos
emergências. Há uma enfermeira, mas nenhum leito. — Diminuiu a velocidade e
cumprimentou dois garotos que passavam. — Querem uma carona?
— Olá, doutor. Claro que queremos.
— E o que vocês estiveram fazendo? — o médico indagou, abrindo a porta do carro.
Eram dois irmãos, um de onze, outro de nove anos.
— Fomos pescar — um disse e o outro comentou:
— Está um dia quente hoje. Vai ao consultório, doutor?
— Vou. Mas vocês não deviam estar na escola?
— O senhor não sabe? — O mais velho observou, com ar de reprovação. — Nosso
irmãozinho está com sarampo.
Mais adiante, o médico parou diante de um bangalô caindo aos pedaços, e desceu.
— Vai ver o velho Pringle, doutor? Cuidado com ele. Tem uma espingarda.
O dr. Renwick desceu rindo, e abriu o portão velho, mas ao começar a subir uma
escadinha, um velho apareceu pela parte lateral da casa, carregando uma espingarda.
Quando viu o médico, parou e deu uma gargalhada.
— Está bem, doutor — ele disse, baixando a arma e tirando o chapéu. — Não estou
querendo pegar você. São aqueles... corvos. Não deixam em paz as minhas peras. Entre,
doutor. O dia hoje está ótimo. — Ele virou-se e entrou com o dr. Renwick, na casa.
Os dois garotos conversavam com Paula, no carro.
— Alguém vai ter bebê? — um deles perguntou. Paula riu e sacudiu a cabeça. Depois,
indagou:
— Que peixe vocês pegam?
Eles explicaram o tipo, depois, começaram a rir, diante do olhar preocupado que ela
lançou à cestinha em que os peixes estavam.
— Se quiser, pode vir conosco... um dia — eles convidaram e Paula agradeceu. Logo
em seguida, o médico surgiu, acompanhado do sr. Pringle.
— Acha que ela vai ficar boa, doutor? — o homem perguntou, ansioso.
— Sua esposa estará bem, dentro de um ou dois dias. Foi só um problema de
estômago. Faça com que ela tome o remédio. Passo aqui de novo, depois de amanhã.
Os dois garotos desceram na esquina seguinte e, momentos depois, seguindo uma
estrada margeada por árvores, chegaram a Southport.
Andaram pela rua principal e pararam diante de um bangalô pequeno com uma grande
varanda. Havia um homem sentado, com um curativo no pé, duas mulheres com bebês e uma

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

garotinha com um cachorro marrom. A enfermeira, sra. O Rourke, aproximou-se do médico,


que a apresentou a Paula.
O dr. Renwick foi falar com o homem de pé machucado. Uma pessoa chamou Paula
pelo nome.
— Como está, enfermeira? — Ela virou-se e deu com a sra. Jones, sua primeira
paciente em Dover. — O que acha do meu bebê? Os dentinhos já estão nascendo e eu o
trouxe para a enfermeira dar uma olhada. Estou muito contente por tê-la encontrado.
— Mas que bebê fofinho! Os dentes estão nascendo cedo, não acha?
— Enfermeira Bruce, enfermeira Bruce! — Paula virou-se; era Hazel, filha de
Christopher Deane, que saía de um carro e acenava para ela. Estava com uma outra garota e
uma mulher de meia-idade, a mesma que a tinha ido buscar no hospital de Dover. A garotinha
abraçou-a, com força.
— Estou passando o fim de semana com os Tanner. Estou adorando. Mandy é quase
da minha idade e na casa deles tem uma porção de bichos.
— Que bom! — Paula sorriu para as duas crianças e para a sra. Tanner.
— Vim buscar uma receita com a sra. O Rourke — disse a sra. Tanner.
— Você está trabalhando aqui, agora? — Hazel indagou e, antes que Paula
respondesse, ela continuou, animada: — Meu pai vai para a Austrália. Vai ser médico lá e eu
vou junto.
— Oh! — Paula murmurou, desanimada. — Que... que bom, não é? Espero... que
gostem de lá. — Procurava sorrir, mas seu coração não ajudava.
— Sei que vou adorar — Hazel disse, com ar importante. — Só que a amiga do papai
vai estar lá, também.
— Não devia ficar contando — a outra garotinha comentou — lembra do que mamãe
disse?
— Eu nem me importo — Hazel respondeu — não gosto de Doreen e ela não gosta de
mim. Sei que ela não gosta. Você sabe de quem ela gosta? Do papai.
— Não fale assim — a outra criança ralhou. — Mamãe disse que vai ser bom, Hazel.
Você não devia...
— Bem... — a sra. Tanner aproximou-se — vamos, criançada, papai está com pressa.
Não podemos nos atrasar. Até logo, srta. Bruce.
— Até logo — Paula disse, sem saber direito o que falava. — Até logo crianças. — As
duas correram para o carro. O sol continuava brilhando, apesar de tudo lhe parecer cinzento e
opaco.
— Pronta, Paula? — Era o dr. Renwick que voltava. — Você está se sentindo bem?
— Claro... é o calor. Qual será nossa próxima parada?
— Só mais uma visita, depois vamos para casa almoçar. O que foi, Jenny? — Uma
garotinha o puxava pela manga e mostrava o cachorro, com ar deprimido.
— Por favor, doutor — ela murmurou. — Buller não está passando bem. Mamãe
disseque eu não devia vir, mas a enfermeira me mandou esperar. Por favor, pode dar um
remédio a ele?
O médico olhou a enfermeira com ar de reprovação, depois sorriu e abaixou-se para
examinar Buller.
— Não sou médico de cachorro, Jenny — ele disse baixinho — mas posso dar uma
coisa para ele melhorar. Vamos levá-lo para dentro.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

Apesar de sentir-se infeliz, Paula não pôde deixar de sorrir. A garotinha, o médico e o
vira-lata entraram no consultório. Voltaram, minutos depois, e o dr. Renwick disse:
— Não esqueça de dar a outra metade, amanhã de manhã.
— Não sabia que também trabalhava como veterinário — Paula comentou e ele sorriu,
piscando para ela.
— A gente faz um pouco de tudo, neste emprego. A garotinha estava tão triste e o que
eu receitei não fará nenhum mal ao cachorro, Paula, você não me contou que tinha salvo a
vida do meu amigo.
— Salvo a vida? — Aquilo lhe parecia tão distante que gostaria que Angus
esquecesse. Não queria ser transformada em heroína.
— Paula, ele a admira muito — o dr. Renwick comentou.
Ela ficou em silêncio. Lamentou ter aceito aquele convite para almoço, mas agora não
tinha mais jeito. Meia hora depois, Susan Renwick e Angus a cumprimentavam, com muita
simpatia.
— Aqui está a minha heroína. — E beijou-a no rosto. — Se não fosse ela, não estaria
aqui, agora.
Paula ficou encabulada e todos riram.
— Olhe, Angus — ela disse — sei que está agradecido, mas, por favor, esqueça isso.
Não quero falar mais nesse assunto.
— Vamos almoçar — o dr. Renwick sugeriu, conduzindo-os à sala de jantar.
A refeição foi muito agradável, Paula procurou se manter natural. Ficou arrependida de
ter vindo quando, depois do almoço, Angus avisou ao médico que a levaria de volta ao
hospital.
— Mas não precisava ter se preocupado. — Ele nem conversou, fizeram a viagem
quase em silêncio. — E como está Rosalind? — Angus perguntou, ao parar na porta do
hospital.
— Está muito bem. Deve voltar depois de amanhã. Até logo e muito obrigada pela
carona.
Ele pareceu hesitar um momento, mas depois sorriu e se afastou. Quando Paula
entrou, o telefone tocou.
— Alo, é você Paula? — Era Rosalind e ela ficou mais alegre.
— Rosa. Como vai você?
— Estou bem. Escute Paula — Rosalind fez uma pausa — preciso lhe dizer uma coisa,
achei que devia esperar para dizer na volta, mas...
— Rosa... — Paula interrompeu — o que é? O que há de errado? — A voz de Rosalind
parecia... trêmula. — Você está...
— Estou bem — a moça disse, impaciente. — Escute, alguém apareceu aqui. Acho
que sabe quem é... — Rosalind fez outra pausa.
— Está falando... de Bob?
— Sim.
O coração de Paula se apertou. Bob... de volta à Tasmânia. De repente, sentiu vontade
de rir. Que dia! Nada mais podia acontecer. Paula pigarreou.
— Rosa, quando você o viu?
— Eu não o vi, Paula. Escute. Um dia antes de sua chegada houve um acidente e Bob
foi levado ao hospital. Ele foi levado ao hospital, em Hobart, e o operaram lá. Hoje, eu

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

acompanhei um paciente até lá e vi o nome dele no livro de registros... sim, é ele mesmo,
Paula. — Rosalind fez uma pausa — Paula... está me ouvindo?
— Sim... O que aconteceu Rosa? Como está ele?
— Conversei com a enfermeira-chefe e ela me disse que já está melhorando.
Paula sentou-se numa cadeira, aliviada. Afinal, ele estava bem. E pensar que, num
momento de seu passado, tinha amado Bob Shaw...
— Paula — Rosalind falou novamente — não fique triste com isso, sim? E... não faça
nada, está bem?
Paula ficou em silêncio alguns minutos depois acrescentou, lentamente:
— Não sei, Rosa. Acho... que vou visitá-lo.

Capítulo 12

Paula entrou no quarto, devagar. Lembrou-se dos acontecimentos daquele dia, que
tinha começado tão agradável. Com movimentos mecânicos, tirou o vestido de verão e
colocou o uniforme engomado.
Bem, ela pensou, acho que hoje não acontece mais nada. E Christopher? Será que ela
o veria mais uma vez? Ou tinha chegado o fim entre eles? E, no entanto, parecia que ele a
apreciava. Aquele beijo... há tão pouco tempo.
Mas, era Bob o homem que ia visitar, ele que havia iniciado aquela série de mal-
entendidos e complicações.
Paula suspirou. Sabia que não estava sofrendo por Bob, mas por causa de seu terrível
orgulho. A atitude de Christopher a ferira. Mas, de que adiantava lamentar-se? Ele estava
indo embora para a Austrália. Claro que se estivesse interessado, a teria procurado há mais
tempo.
E Bob tinha voltado, para complicar ainda mais as coisas.
Talvez ele tivesse mudado naqueles últimos meses. Não havia escrito novamente e ela
quase o havia esquecido. Não se lembrava mais de que ele falou que ia visitá-la, quando seu
navio parasse novamente em Hobart.
Seria tolice ir visitá-lo no hospital? Não seria mesquinha ao negar-lhe uma visita?
Afinal, era um compatriota seu num país estranho. Preciso saber como ele está passando, ela
pensou. Rosa vai me achar maluca, mas... Será que acharia mesmo? No telefone, não tinha
dito nada contra.
Não havia ninguém no escritório e Paula foi até a cozinha. Minnie estava descascando
batatas e Dilly caminhava por ali, agora, acompanhado de um outro peru.
— Ela está ficando gorda — Minnie observou, olhando para Paula.
— A enfermaria tem um novo paciente.
— Novo paciente? Quando...
— Acabou de chegar — Minnie disse, jogando as cascas no lixo — é um sujeito
simpático.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Bem, vou lá ver. — E saiu, à procura de Betty Anderson.


— Olá — Betty disse, — Temos um novo paciente.
— Minnie me contou. O que há com ele?
— Não sei. Estou esperando o médico chegar. Me parece problema nos rins, mas não
tenho certeza. Sente muitas dores nas costas. Acabo de telefonar ao dr. Renwick, pedindo-lhe
que viesse logo. Pode dar uma olhada na sra. Wrest e ver como está o bebê? Ele não gosta
muito de mamar. Quase não comeu nada às dez horas.
Quando Paula chegava ao quarto da sra. Wrest, ouviu o carro do médico chegando.
À tarde, quando os três se sentaram para tomar chá, o médico disse à srta. Anderson:
— Acho que acertou com Jim Fley, mas não podemos começar o tratamento até
chegarem os resultados das análises. Devem chegar amanhã, ou depois de amanhã. A sra.
Wrest pode ir pára casa, amanhã.
— O bebê está com dificuldades para mamar — Betty Anderson disse. — Ela tem
bastante leite e já lhe ensinei o que deve fazer.
— Ótimo. — O dr. Renwick levantou-se. — Paula, acho que vai ficar contente em saber
que Buller se recuperou. Encontrei-o com Jenny, lá no vilarejo. Óleo de rícino é um ótimo
remédio, mesmo em comprimidos.
O dia seguinte foi calmo. A sra. Wrest e o bebê foram embora e Jim Foley, o único
paciente, dormiu o dia inteiro. Betty Anderson foi jantar com o casal Renwick.
Paula tinha acabado de olhar o paciente, quando o telefone tocou. Era Rosalind.
— Alo, Paula. Achei que gostaria de saber que nosso amigo está se recuperando bem.
A enfermeira encarregada me contou. Ela o acha muito atraente.
— Estou contente por ter me avisado, Rosa. Obrigada.
— Tenho outra notícia para você.
Paula sentiu um frio no coração. Será que a amiga ia lhe contar que Christopher e
Doreen já tinham casado?
— É sobre... o outro homem da sua vida.
Paula franziu as sobrancelhas. Não estava gostando do tom de Rosalind. Não disse
nada e esperou.
— Está me ouvindo Paula? Sabe, ele vai para a Austrália, vai entrar para o Serviço
Médico Aéreo.
As duas ficaram em silêncio.
— Oh, Paula será que ele vai... para sempre?
— Parece que sim.
— E quanto a Bob... ainda quer ir visitá-lo?
— Sim — Paula disse. — Rosa, tenho de desligar. Obrigada pelas notícias. Até
amanhã.
Entrou no quarto do paciente, pensativa. Pela primeira vez na vida se sentia aborrecida
com Rosalind e não sabia por quê.
No dia seguinte, ao meio dia, Rosalind voltou. Estava muito animada. Abraçou Paula
com carinho, fazendo-a sentir-se confusa, sem saber o que pensar. O dia transcorreu rápido e
calmo. Puderam tomar café, tranquilas, e conversar.
— Philip foi um dia a Franklin, para me ver — Rosalind comentou. — Fomos andar de
barco no lago. Quer mais café, Paula?
— Sim, aceito. O telefone está tocando. Deixe que eu atendo. — E Paula saiu,
apressada.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Alo, é você, Paula? — era a srta. Needham. — Como vai? Ótimo. Muitos pacientes?
Só um? Olhe, querida, quero que venha passar uma semana em Hobart. Por uma série de
motivos ficamos desfalcadas de enfermeiras, aqui no hospital. Geralmente não usamos o
Serviço de Enfermagem Itinerante, mas neste momento não tenho outra alternativa. Preciso
de você aqui, amanhã. Está bem, Paula? Ótimo. Agora, por favor, chame a enfermeira
Anderson. Até logo, querida.
Paula chamou Betty, que estava no escritório.
— É a srta. Needham, quer falar com você. — Passou-lhe o telefone e foi procurar
Rosalind.
— Vou partir de novo — Paula anunciou. — Não temos um momento de sossego, não
é?
— Para onde? — Rosalind indagou.
— Hobart.
— Hobart? O destino quer colocá-la de novo perto de uma certa pessoa — Rosa
brincou com Paula.
Paula a olhou, confusa, e explicou:
— Estava mesmo pensando em ir vê-lo. — Betty Anderson entrou e as duas mudaram
de assunto.
— Isso é muito raro — ela disse. — O hospital de Hobart tem sua própria equipe.
Devem estar com sérios problemas para recor retém ao Serviço de Enfermagem Itinerante.
— Não vejo por quê — Rosalind comentou.
— Nunca fizeram isso — Betty respondeu.
Quando Paula estava arrumando a mala, à noite, em seu quarto. Rosalind entrou.
— Olá, Rosa — Paula estava sentada no chão. — Jogue-me aquele robe, por favor.
— Paula — Rosalind pegou o robe e dobrou, cuidadosamente.
— O que é Rosa?
— Preciso lhe dizer uma coisa — Rosalind corou, baixando a cabeça— , é... sobre
Bob. — Parou de falar e dobrou novamente o robe. — Ele disse à enfermeira, em Franklin, na
ocasião do acidente, que... estava procurando... uma amiga.
— Por que não me contou logo isso? — Paula levantou-se e encarou Rosalind.
— Eu... esqueci. — Ela desviou os olhos de Paula e pediu: — Por favor, não vá vê-lo.
Isso só...
— Mas, Rosa... que bobagem — Paula interrompeu, impaciente. — Se Bob ainda
estava tentando me encontrar e se vai estar no hospital onde vou passar uma semana... vai
acabar me descobrindo. Não seria gentil não visitá-lo. Afinal, ele não pode me forçar a fazer
nada que eu não queira. Claro que vou visitá-lo.
— Está bem — Rosalind deu de ombros, depois estendeu o robe para a amiga — ,
faça o que quiser.
Paula sorriu e continuou arrumando a mala.
— Sabe — ela disse, enrolando um par de sapatos em jornal — , meu ex-noivo não é
do tipo que vai suspirar eternamente por uma garota. Ele só precisa de tempo. — Procurou
mudar de assunto: Alguma novidade com Philip?
— Não — Rosalind disse, rindo e sentando na cama — mas acho que Betty não gosta
dele... nem de mim.
Paula a olhou, desanimada.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Rosa, qual é o problema entre... — Calou-se pois ouviu os passos de Betty se


aproximando do quarto.
— Está aí, Rosalind? — Betty chamou.
Rosalind piscou para Paula, que se levantou depressa.
— Não se preocupe — disse, ao sair. — Conto-lhe tudo, depois. Não é nada
importante.
Mas chegou a hora de Paula partir e as duas não conseguiram conversar a sós.
Rosalind estava muito alegre ao se despedir da amiga. A caminho de Hobart, Paula ia
pensando em Bob Shaw. Apesar do que havia dito a Rosalind, não tinha certeza de estar
agindo bem, indo visitá-lo. Ele poderia interpretar mal sua atitude.
Resolveu ir e não ir vê-lo uma centena de vezes. Quando o ônibus chegou, estava
decidida que era melhor vê-lo e esclarecer a situação entre os dois.
Acomodou-se, primeiro, no Clube das Enfermeiras, antes de ir para o hospital. Nesse
primeiro dia, trabalhou com a chefe da enfermaria Tasman, de cirurgia masculina.
Seu coração pulou de alegria, quando soube que ia ficar na cirurgia masculina. Será
que ia ver Christopher? Será que ele já tinha partido? Logo ela iria saber.
No trabalho, ficou conhecendo a enfermeira Elliott, que lhe disse que os casos de
Christopher ficavam na enfermaria Allonah, no outro andar. Eram casos mais sérios, e
naquela enfermaria todos estavam tristes com a partida dele.
No primeiro dia, ao supervisionar a enorme enfermaria, lembrou-se dos tempos do
hospital St. Just, em Londres.
Todos os leitos estavam ocupados e, no segundo dia, ela já conhecia bem a rotina do
hospital.
Na hora da ronda dos médicos, o cirurgião-chefe chegou, acompanhado de seu
assistente. Para sua surpresa, vinha também a diretora do hospital, a srta. Norris, que a tinha
entrevistado na Embaixada da Tasmânia, em Londres, há quase seis meses.
Ambas ficaram contentes com o encontro e foram fazer a ronda.
Enfermeira Elliott empurrava o carrinho de instrumentos, seguida de duas estagiárias.
Lentamente, o grupo ia de um leito para o outro. De vez em quanto, lhe pediam um
relatório ou as fichas e comentavam os casos.
Paula dava a assistência necessária, havia um australiano bronzeado e de olhar
sorridente e Paula ouviu a enfermeira Elliott dizendo:
— Pode tomar as pílulas verdes, o efeito é igual ao das azuis.
— Mas, enfermeira, eu queria uma das azuis. Gosto mais da cor, combina com os
meus olhos. — Ele sorriu, olhando para Paula e indagou: — Quem é ela? Que beldade!
Gostaria de convidá-la para sair...
— Quieto! — murmurou a enfermeira Elliott. — Ela pode ouvi-lo e Acho que nunca
sairá com você, Bill Nollan.
— É verdade — ele concordou. — E você, sairia?
Paula procurou não rir e saiu de perto, para não ouvir a resposta da enfermeira Elliott.
Já estava no terceiro dia de trabalho e ainda não tinha visto Christopher, apesar de
saber que ele ia à Enfermaria Allonah todos os dias pela manhã.
Na noite do quarto dia, Paula estava de folga e resolveu visitar Bob, que estava na
Enfermaria Allonah, no horário de visitas.
A enfermaria era igual à que trabalhava, com os mesmos grupinhos de amigos dos
pacientes ao redor das várias camas. Num dos leitos, reconheceu Bob curvado sobre um

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

jornal. Parecia sozinho e aborrecido e só levantou os olhos quando ela parou ao lado da
cama.
— Paula! — Ele quase gritou, depois, estendeu as duas mãos para ela.
— Olá, Bob. — Sentou-se ao lado dele.
— Paula! Mas é maravilhoso! Você veio me ver?
Ela riu, diante da fisionomia incrédula do rapaz.
— Claro que vim e lhe trouxe isto. — E colocou uma linda cesta de frutas na mesinha
de cabeceira.
— Oh, Paula, deixe-me olhá-la. — Ele a puxou mais para perto, rindo.
— Como vai o meu paciente?
Paula ficou tensa. Que sensação horrível. Christopher estava ali e a tinha visto rindo
com Bob. Levantou-se, lentamente, e olhou para ele. Estava sozinho e trajava roupa esporte.
Era uma visita informal. Por que tudo tinha de acontecer daquele jeito?
— Boa noite, senhorita Bruce. — Christopher sorriu para ela, de um modo encantador,
mas antes que Paula respondesse, ele virou-se para Bob, dizendo: — Não vou me demorar,
vejo que tem uma visita muito simpática. Está se sentindo bem?
— Estou ótimo — Bob respondeu, sorrindo.
Christopher cumprimentou secamente e se afastou, em seguida. Paula voltou a sentar
na cama.
— É um bom sujeito — Bob comentou — me tratou muito bem. — Sorriu, sem jeito,
para Paula. — Estou um pouco envergonhado. Eu o reconheci. Ele estava com você, naquela
noite em Wrest Point, não é? Não sei se ele se lembra de mim. Seria melhor que não
lembrasse, não é? Lamento tudo aquilo, Paula.
— Esqueça; eu já esqueci. — Riu, embaraçada. Além de ser mentira, ela não queria
dar falsas esperanças a Bob.
— Chegue mais perto — ele pediu — , e conte-me tudo sobre você. Não vai me dar um
beijo, Paula?
— Bob! Você é impossível! — com o canto do olho, Paula percebeu que Christopher
tinha caminhado bem devagar até a porta e de lá, observava os dois. Teria escutado o pedido
de Bob? Ele tinha uma voz tão aguda... — Quanto tempo você vai ficar no hospital?
— Não sei — ele respondeu, alegre, seguindo o olhar dela, mas Christopher já tinha
desaparecido. — Não posso sair da Tasmânia até chegar outro navio e talvez isso ainda
demore. Estava tentando encontrá-la quando aconteceu o acidente. Alguém me disse que
uma enfermeira inglesa, recém-chegada, estava em Franklin.
— Era Rosalind — Paula murmurou, puxando a mão que ele segurava e olhando a
porta, novamente. Será que Bob esperava alguma visita? Algo nele a deixava confusa.
Parecia disposto, devia estar se recuperando depressa. Mas havia, também, uma certa
ansiedade nele; ela desejou novamente, com todas as forças, não estar dando ideias erradas
a ele.
— Bem — Bob disse, olhando novamente para ela, depois de observar a porta,
algumas vezes — você está aqui e me sinto feliz em vê-la. Está gostando da Tasmânia?
Lamento que tenha partido da Inglaterra.
— Estou adorando viver aqui.
— É um país maravilhoso — Bob disse, com ar sonhador. — E habitado por um povo
muito especial. — Olhou a porta, outra vez, e não desviou os olhos.

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Paula também olhou e viu uma jovem, muito bonita e de uniforme de enfermeira,
entrando. A garota olhou para Bob e sorriu, timidamente, para o rapaz.
Paula observou o ex-noivo. Ele estava encantado. Sentiu-se aliviada e contente pela
alegria de Bob.
— Agora, preciso ir. Fiquei contente por ver que está melhorando rapidamente.
— Obrigado por ter vindo, Paula.
Ela sorriu para a jovem enfermeira, que estava ao lado da cama de Bob. Era uma
moça muito bonita; um dos seus problemas estava resolvido.
O que Rosa ia falar quando ela lhe contasse que Bob já estava apaixonado outra vez?

Capítulo 13

Paula voltou ao Clube das Enfermeiras, tomou um banho e meteu-se num robe
confortável. Tinha sido um dia cansativo e o encontro com Christopher fora a gota d água.
Lembrou-se do olhar de Bob para a jovem enfermeira e sorriu, afundando na poltrona.
Seus pensamentos voltaram-se para Christopher Deane, tornando-a impaciente.
Ele devia tê-la visto de mãos dadas com Bob e ouvido parte da conversa. O destino
estava resolvido a dar a Christopher as mais erradas impressões. Ouviu uma batida na porta.
— Entre.
Era a srta. Needham.
— Pode ficar sentada, querida — ela disse, entrando — passei só para conversarmos
um pouquinho. Será que você e Rosalind gostariam de fazer uma viagem pelas ilhas, no mês
que vem? As garotas encarregadas desse trabalho vão entrar em férias. Vocês duas
poderiam ir juntas. Pense no assunto. Há sempre muita gente querendo ir para os hospitais
das ilhas, portanto, se não se sentirem atraídas pela ideia, é só me avisar. O que acha de
jantar comigo uma noite dessas, antes de voltar para Dover?
— Adoraria.
— Amanhã? — a srta. Needham sugeriu e Paula concordou.
Na noite seguinte, quando saiu do plantão, Paula lembrou que a sra. Griffiths ainda
devia estar na maternidade. Assim, em vez de ir para o clube, resolveu ir visitá-la.
Encontrou o sr. Griffiths e a esposa, que a receberam muito bem. Estavam os dois
embevecidos a admirar o bebê, uma menininha. Paula sorriu. Passou meia hora conversando
com eles e voltou ao clube, para aprontar o jantar com a srta. Needham.
Foi uma noite muito agradável; as duas olharam fotografias e postais da Austrália,
principalmente dos postos de Serviço de
Enfermagem Itinerante e de Medicina Aérea.
Havia uma foto de Alf Traeger, planejador do Serviço Médico Aéreo. A srta. Needham
explicou:
— Ele se inspirou em John Flynn, que havia sonhado com um serviço médico que
ligasse todas as cidadezinhas distantes da Austrália. Ele não conseguiu realizar seu sonho,

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

mas Traeger o fez por ele. Flynn iniciou o serviço, mas foi Traeger quem deu continuidade e
força. Aqui está uma foto de John Flynn, antes de morrer.
— Ele teve uma ideia maravilhosa — Paula disse suavemente, estudando as duas
fotos.
— Você sabe que o nosso dr. Deane está indo para esse tipo de serviço?
O coração de Paula deu um pulo.
— Sim — ela procurou parecer indiferente — ouvi dizer. Por que ele resolveu fazer
isso?
A srta. Needham começou a arrumar a caixa de fotografias.
— Ele queria participar do Serviço Médico Aéreo há muito tempo, desde a tragédia
com a esposa. Mas só agora conseguiu. Pensei que ele já tivesse até mudado de ideia.
O coração de Paula batia mais depressa do que nunca. A srta. Needham pensava que
ela estava a par do que havia acontecido com a esposa dele.
— Talvez seja melhor para o dr. Deane. — A srta. Needham estava pensativa. — Ele
deve estar sofrendo muito, ainda.
Paula olhou-a e disse muito baixinho:
— Eu... não sei o que aconteceu com a esposa do dr. Deane. Só sei que ele é viúvo.
— Não é possível. É uma história muito conhecida por aqui. Foi há cinco anos. A
esposa dele fugiu com outro homem. Era linda, mas fazia-o sofrer como cachorro.
— Então... ele não é viúvo?
— É uma história horrível. Ele é viúvo, sim. A esposa e o outro morreram num desastre
de avião, uma semana depois. Foi um choque terrível para o dr. Deane. Ele a adorava e
mudou muito depois disso. Era uma pessoa alegre, vivia rindo... agora... parece não confiar
mais em ninguém.
— Entendo... — ela hesitou, antes de continuar: — Me falaram que ele vai casar
novamente — esperou ansiosa pela resposta da srta. Needham.
— Também ouvi falar e o tenho visto sempre com uma ruiva muito bonita. Espero que
seja verdade. Ele precisa de uma esposa e Hazel, a menininha, precisa de uma mãe.
— É verdade — Paula concordou, depois de uma pausa.
Pelo visto, a srta. Needham não sabia muita coisa. Pouco depois, despediram-se e
Paula foi para o clube. No meio do caminho, mudou de ideia e entrou na rua Collins. A
conversa com a srta. Needham a tinha deixado ansiosa e queria pensar com calma. Estava
perturbada com a história de Christopher e sentia que agora podia entendê-lo melhor. Ela
mesma, depois de seu infeliz caso com Bob Shaw, não estava resolvida a nunca mais confiar
em outro homem? Como se sentiria um marido, em relação à sua esposa adorada?
Caminhou para o porto e chegando a calçada à beira-mar, descansou num dos
bancos. Era uma noite fria e tudo estava calmo por ali.
O sol se punha sobre a baía e uma brisa agradável desmanchava seus cabelos.
Lembrou-se de Bob e sorriu. Pelo menos para ele as coisas estavam dando certo. Será que
Bob planejava ficar na Tasmânia? A brisa soprou mais gelada e Paula estremeceu. No
caminho de volta para o clube, começou a pensar novamente em Christopher.
Sentia-se amargurada por não ter dado a ele outra imagem de si mesma, nos últimos
meses. Coisa que teria sido possível, se aceitasse sacrificar o próprio orgulho.
Havia andado alguns quarteirões quando percebeu um carro que se aproximava,
lentamente. Paula desviou os olhos, não sem antes perceber Christopher Deane e sua
namorada, Doreen.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

A moça estava sentada muito perto dele, olhava-o no rosto e os dois riam. Felizmente,
não a viram.
É bom que ele esteja indo embora, Paula pensou. Devia ficar contente em vê-lo rindo e
feliz, só que gostaria de estar no lugar da moça, sentada ao lado dele, rindo e conversando.
Continuou caminhando, fazendo o possível para esquecer os dois. Tinha-se enganado
ao pensar que ele gostava dela. Aquela moça parecia tê-lo agarrado, enquanto ela ficava
sentada, quieta, sem procurá-lo nem uma vez.
Agora é tarde demais, pensou. Talvez, eu esteja enganada. Talvez, não esteja
apaixonada por Chris. Afinal, não estava apaixonada por Bob. Talvez, esteja perdendo o meu
tempo.
Mas não conseguia se convencer; continuava infeliz.
O dia seguinte foi bastante corrido. Paula pensou em visitar Bob novamente, pois só
teria mais dois dias no hospital. Mas, no fim do dia, quando entregou seu último relatório, só
queria tomar um banho e dormir.
Veria Bob no dia seguinte. Ao sair pela porta principal do hospital, viu Christopher
sentado no carro. Desviou os olhos e seguiu para a rua McQuarrie. Tinha dado apenas alguns
passos, quando um carro parou a seu lado.
— Srta. Bruce — Christopher chamou — posso lhe dar uma carona? — Ele desceu do
carro e abriu a porta. — Parece muito cansada. Para onde vai? Ao Clube das Enfermeiras?
Posso levá-la até lá.
— Estou indo para o clube — Paula respondeu, tensa, lembrando o rosto dele olhando
Doreen — e é muito perto. Posso ir a pé. Obrigada.
Christopher hesitou, diante do ar distante de Paula.
— Gostaria muito de levá-la. Não quer me dar esse prazer?
Paula entrou no carro, sem olhá-lo. Seu coração batia desesperadamente.
Christopher fechou a porta e deu a volta. Depois, em silêncio, ligou o carro.
— Soube que vai partir logo — ele comentou.
— Sim. — Paula sentia-se deprimida, com vontade de chorar. Não se atrevia a olhar
para ele. Era o homem que amava e sentia-se completamente distante dele. Teria sido melhor
não tê-lo encontrado. Paula procurava se controlar e disfarçava o tremor dos lábios. Ele
estava sendo gentil, mas não era isso o que ela queria. Com os lábios comprimidos, olhou
pela janela e notou que já estavam chegando.
— Ouvi dizer que você está de partida para a Austrália — ela disse, procurando se
controlar e olhando rapidamente para Chris.
— Sim, dentro de dois meses — Christopher respondeu num tom alegre. — Vai ser
uma pena sair da Tasmânia, mas o emprego que consegui é algo que sempre desejei. Agora,
a chance apareceu. Vou entrar para o Serviço Médico Aéreo da Austrália.
— Foi o que me disseram. — Tinham chegado ao clube e o carro estava parando. —
Bem, obrigada pela carona e parabéns pelo novo emprego... boa sorte no seu futuro.
Os dois ficaram em silêncio. Então, Christopher saiu e abriu a porta para ela. Paula
saiu e virou-se para despedir-se, mas ele a segurou pelo braço e acompanhou-a até a
entrada. Ao se aproximarem da porta escura ele soltou Paula, que estava trêmula. Depois,
levantou-lhe o rosto gentilmente, com um dedo.
— Obrigado pelos votos de boa sorte. Boa noite, Paula e espero que seja muito feliz.
Sem que ela conseguisse se dar conta do que acontecia, beijou-a nos lábios e em
seguida foi embora.

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Paula virou-se, depressa. Estava espantada e confusa, mas a depressão tinha


passado. Ao entrar, ouviu o motor do carro.
Era tarde demais para fazer ou dizer algo, mas... ele a tinha beijado. Estava encantada
e triste ao mesmo tempo: ele tinha desejado que ela fosse feliz. O que ele queria dizer com
isso?
Era como se ela, e não ele, fosse começar vida nova. Pensou um tempo, mas não
conseguiu encontrar resposta. Devo estar imaginando coisas, disse a si mesma.
No jantar daquela noite, Paula conheceu outra moça que pertencia ao Serviço de
Enfermagem Itinerante. Ficaram conversando e a garota comentou:
— Você teve sorte em vir passar alguns dias em Hobart, geralmente só ficamos em
hospitais pequenos.
— Tive mesmo — Paula respondeu — mas acho que prefiro os pequenos. Gosto de
me sentir mais livre. Você conhece as ilhas? Acho que faremos umas viagens por elas,
brevemente.
Na verdade, Paula não estava prestando atenção na conversa. Não conseguia pensar
em nada, depois de seu encontro recente com Christopher. Ficava cada vez mais confusa
quando pensava nas palavras dele. Será que ele se referia só ao trabalho, quando lhe
desejou felicidade? Sim, talvez fosse isso. Momentos depois, despediu-se da colega e foi
dormir.
— Paula, conhece a enfermeira Scott na enfermaria Allonah? — a enfermeira Elliot
perguntou, na manhã seguinte.
A ronda dos médicos tinha terminado e as duas estavam conversando perto do
carrinho dos instrumentos.
— Acho que não... a não ser que seja uma loira bonita, de olhos castanhos.
— Essa mesma... ela é muito bonita. Sabia que está apaixonada pelo sujeito da
Marinha Mercante que foi internado aqui?
— Está? — Paula disse, parando no primeiro leito. — Por favor, passe-me o
termômetro, enfermeira. Como está, esta manhã sr. Weston?
O paciente era jovem, tinha vinte anos, e fora operado do menisco; estava um pouco
ansioso.
— Estou bem, enfermeira, mas será que vou conseguir jogar futebol novamente?
— Deve perguntar ao médico — Paula respondeu — mas está se recuperando
rapidamente. Penso que agora é apenas uma questão de repouso.
— Sim, enfermeira — o jovem murmurou num tom submisso — mas gostaria de me
levantar agora mesmo. Sou goleiro.
— Meus parabéns. Mas, goleiro ou não, você tem de ficar aqui como o médico
mandou.
Foram para os leitos seguintes e o dia seguiu sua rotina. Quando terminou o último
relatório e entregou os pacientes à enfermeira do plantão noturno, Paula resolveu ver Bob
mais uma vez.
— Pensei que não viesse mais — ele disse ao vê-la entrar. Sente-se, quero olhar para
você. Está mais bonita do que nunca, Paula. Sabia?
— E você, como está, Bob? — ela perguntou, sorrindo. — Parece muito feliz.
— Estou feliz. — E desviou os olhos.
— Vamos, conte-me — ela disse, procurando soltar a mão que ele segurava, mas o
rapaz apertou com mais força.

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— Lembra-se... daquela noite em Wrest Point. Você... você disse que estava tudo
acabado... Estava falando com sinceridade?
— Sim, Bob — ansioso, ele esperava a resposta de Paula — e penso que você... Bob,
conte-me por que está tão feliz... ou quer que eu lhe conte?
Ele a olhou como se fosse um colegial e sorriu, encabulado.
— Você está apaixonado, não é? — ela perguntou.
— Mais do que isso, Paula — e ele apertou a mão dela com mais força — eu estou
noivo. Por favor, deseje-me boa sorte.
Paula olhou-o, espantada, e começou a rir.
— Claro que sim, Bob. Claro que desejo. Mas foi uma decisão rápida, não foi? Vamos,
conte-me tudo desde o começo.
Bob riu e começou a contar.
— É a garota mais maravilhosa do mundo. Eu... — Ele começou a rir e Paula riu junto.
— Eu a conheci aqui, trabalha nesta enfermaria. Seu nome é Linda Scott. Você a conhece?
— Não, mas acho que já a vi. E ela é muito bonita, hein, Bob? Como você conseguiu
ficar noivo... aqui?
— Foi complicado. Ela estava no plantão noturno. Costumava ficar conversando
comigo e... Está surpresa, Paula?
— Eu não sei, Bob. Só sei que estou muito contente por você. Ela é uma moça muito
meiga. O que planeja fazer quando sair do hospital? Vai voltar para seu emprego ou... — E
durante mais meia hora Paula escutou todos os planos de Bob.
— Vamos casar assim que eu estiver bom. Os pais de Linda já sabem e vieram me
visitar. Você vem ao nosso casamento, Paula?
— Claro, Bob. Agora, preciso ir embora. Até logo Bob.
Ela se afastou, satisfeita. Um problema estava resolvido. Mas... e Christopher? Bem,
era melhor admitir que não devia pensar mais nele.
Já no clube, lembrou-se de Angus. Não o via desde Triabunna e sentia falta de sua
companhia agradável.
No escritório do clube, alguém a chamou:
— Enfermeira Bruce... há um recado para você... do sr. Lowther. Ele vai ligar
novamente.
Pensa no diabo e aparece o rabo, Paula pensou, divertida.
— Obrigada, srta. North. — Mal começou a subir as escadas, o telefone tocou.
— É para você — a srta. North disse, estendendo o aparelho para Paula.
— Alô. — Era Angus. Ouvi-lo deixou Paula alegre.
— Finalmente a encontro. Rosalind me disse que você deve voltar para Dover amanhã.
Se quiser, pode pegar uma carona comigo. Vim tratar de uns negócios e devo voltar amanhã,
também. O que acha?
— Vai ser ótimo, Angus. Você vem me buscar no clube? Obrigada. Venha na hora que
quiser. Pode vir cedo, vou deixar a mala arrumada. Às dez? Está ótimo. E você, como vai?
Uma festa? O que está comemorando? Ah, o Festival da Maçã? Eu tinha esquecido. Gostaria
de ir, sim, mas depende do trabalho. Quando será? Bem, vou ficar fazendo figa, até o próximo
fim de semana. Sim, espero que sim. Até amanhã, Angus.
Desligou e foi para o quarto. Estava terminando o serviço em Hobart. As enfermeiras
titulares tinham voltado ao trabalho. Pelo menos uma coisa boa acontecera: tinha conversado

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com Bob Shaw e ele estava feliz. De repente, Paula desejou nunca mais ver Christopher, que
ele fosse muito feliz com Doreen!
Procurou lembrar-se de Angus, seu rosto firme e o cabelo grisalho. Era muito
atraente... Mas não para mim, pensou. Nesse minuto, Paula teve a certeza de que seria
Christopher ou ninguém mais. Talvez consiga esquecê-lo... daqui a algum tempo.

A viagem de volta a Dover foi muito agradável.


— Senti sua falta, flor de maçã — Angus disse — e tenho certeza de que Rosalind está
com saudade. Encontrei-a na praia, ontem, com Freeman. Ela nada muito bem.
— Parece que não há muito trabalho no hospital — Paula comentou. — vou tentar
nadar, quando chegar lá, aproveitar o clima que está ótimo. — Os dois ficaram em silêncio.
Estaria ele planejando alguma coisa? Retomaram a conversa, falaram sobre diversos
assuntos e sem que percebessem, logo chegaram ao hospital de Dover.
Rosalind beijou Paula, que entrou seguida de Angus. Rosa estava muito bonita,
bronzeada, com os cabelos dourados. Conversaram os três, um pouco, sobre o Festival da
Maçã. O telefone tocou e Rosalind foi atender.
— Alo, Philip, é você? Como vai? Sim. Ótimo. O quê? O Festival da Maçã? — Ela riu e
olhou para Paula. — Ainda não sei. Telefono para você, depois. O quê? Sim, claro que quero.
Sim, telefonarei. Até logo. — Desligou e se aproximou dos dois. — Era Philip Freeman.
Queria também convidar-nos para o Festival da Maçã.
— E por que não vamos todos juntos? — Paula perguntou, olhando para Angus, e
antes que Rosalind respondesse, ele falou:
— Ótima ideia, Paula. Você concorda, Rosalind? — A moça fez que sim. —
Tornaremos a nos ver. Não se esqueçam da festa. Até logo, meninas.
— Acho que vai ser divertido, Rosa — Paula falou a caminho do quarto.
Rosalind a seguiu, em silêncio.
— Onde está Betty, Rosa?
— Betty foi tomar chá com os Renwick.
Rosalind não parecia animada. Talvez, preferisse ir sozinha com Philip ao Festival.
— Espero que não tenhamos muitos pacientes na semana que vem. — Paula disse,
observando a amiga.
— Susan Renwick já se ofereceu para ficar aqui. Por enquanto, só Jim Foley, o do
caso de rins, está internado e deve ficar mais alguns dias. Você se divertiu em Hobart?
Conversando, Paula ia desfazendo as malas.
— Trabalhei muito, mas gostei demais. Vi Bob e... adivinhe, Rosa?
— Fale... o que aconteceu?
Divertida, Paula contou o romance do ex-noivo. Rosa achou a maior graça e as duas
riram juntas. Depois, Rosalind perguntou:
— E Christopher Deane?
Paula baixou os olhos, sem poder disfarçar o leve tremor de suas mãos.
— Já desisti de pensar nele, Rosa. Por que pensar em alguém que não se pode ter?
— É verdade, é uma perda de tempo — Rosalind concordou. — Bem... está na hora de
ir ver como está nosso único paciente. Tomara que tudo fique calmo até o Festival da Maçã.
Vou telefonar a Philip. Vai ser um grupo grande.

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— Quatro pessoas não são um grupo grande — Paula comentou, tentando quebrar
uma barreira invisível que ela percebia existir entre ela e a amiga. Gostaria que lhe falasse
sobre Philip Freeman, mas ela não lhe contava mais nada.
— Seis — Rosalind disse calmamente, caminhando para a porta
— Angus e você, Philip e a namorada e Tim Halloran.
Paula levantou-se e olhou Rosalind durante um minuto, em silêncio.
— Você disse... Philip e a namorada?
— Você não sabia? É porque tem ficado longe daqui. A garota estuda enfermagem em
Melbourne. Ela e Philip se conhecem desde crianças e acabaram de ficar noivos. Ela vem
passar os feriados aqui. Ainda não a vi, vou conhecê-la na festa.

Capítulo 14

Rosalind saiu e Paula ficou pensativa, a olhar pela janela. O mar brilhava ao longe e
uma garotinha de maio amarelo se preparava para mergulhar.
Ainda não tinha se recuperado da surpresa. Será que a notícia do noivado de Phillip
tinha sido um choque para Rosalind também? Não conseguia, explicar o porquê, mas tinha a
impressão de que a amiga não tivera nenhuma surpresa. Ou Rosalind estaria fingindo uma
indiferença?
Não posso ajudar em nada, ela pensou, afastando-se da janela.
Ao entrar na cozinha, Paula encontrou Minnie preparando uma galinha e Betty
Anderson tomando chá.
— Olá, Paula — a enfermeira disse — já estou cansada de ficar de dieta por causa de
Jim Foley. O resultado do exame dele foi positivo, você sabia?
— Sim, Rosa me disse. — Paula olhou para os preparativos de Minnie e sorriu.
— Este é o problema, quando só se tem um paciente. Se ele fica de dieta, toda a
equipe tem de ficar também. Sabe de uma coisa, Betty, adoro galinha.
— Eu também, mas estou cansada de comer todos os dias. Você vai ao Festival da
Maçã?
— Se for possível, se ninguém precisar de mim aqui.
— Vai ser uma grande festa e eu verei Hilda James novamente.
— Hilda... — Paula indagou — é...
— A namorada de Philip Freeman. Conhecia-a em Melbourne. É muito simpática... boa
demais para ele.
Então era isso. Agora, estava tudo explicado. Betty tinha pensado que Rosalind estava
querendo namorar Philip e devia ter lhe falado sobre Hilda James. Não é de admirar que Rosa
já soubesse do namoro do rapaz. E por que Rosa não lhe havia dito nada? Paula só esperava
que toda aquela confusão terminasse bem.
No dia da festa chegou mais um paciente... um parto. O dr. Renwick examinou a
paciente e percebeu que eram gêmeos, mas o parto talvez demorasse ainda uma semana.

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— Mas ela deve ficar aqui — ele disse -, pode acontecer um parto prematuro. Mas não
precisam perder o Festival da Maçã — ele sorriu para as duas — Susan virá, se for preciso;
nós dois ficaremos aqui.
— Eu não vou à festa — Betty comentou — não fui convidada — Fez-se um silêncio
incomodo.
— Nesse caso — o dr. Renwick disse, tentando quebrar o clima — vai haver gente
sobrando por aqui.
Depois do almoço, Paula e Rosalind foram se preparar para a festa, vestindo alegres
roupas de verão. Pouco depois, o pessoal chegou.
Paula foi apresentada a Hilda, uma garota magra, de cabelos lisos, simpática e
agradável. Betty apareceu para bater um papo. Angus chegou.
— Olá, todos prontos para a festa?
— Quero que conheça Hilda, sr. Lowther — Philip disse, orgulhoso. — Nós ficamos
noivos.
Naquele momento, por acaso, Paula estava olhando para Angus. Percebeu o rápido
olhar que ele lançou para Rosalind e algo na expressão dele, de repente, revelou a verdade.
Paula sentiu-se feliz.
Mas será que tinha mesmo visto Angus olhar para Rosalind daquele jeito? Talvez fosse
apenas pena da moça... Não... era algo mais. Ele estava apaixonado por Rosalind.
Provavelmente há muito tempo. Uma súbita vontade de rir tomou conta de Paula. Ela
pediu desculpas e foi para o quarto.
Ao chegar lá, atirou-se na cama, rindo descontroladamente. Primeiro Christopher, ela
pensou, depois Bob e agora Angus. Todos estavam se apaixonando. Bem, talvez eu me torne
uma enfermeira chefe, solteirona e gorda.
Quando Paula juntou-se novamente ao grupo, procurou Rosalind. Tinha-lhe ocorrido
que se Angus estava apaixonado, o mesmo podia estar ocorrendo com a amiga. Encontrou-a
sentada ao lado de Tim Halloran.
— Vamos, Paula — Angus chamou — estou esperando você.
— Podemos ir? — Paula perguntou a Frank Renwick que, ao lado de Betty, despedia-
se de todos.
— Claro. Espero vocês de volta esta noite. Não se preocupem e divirtam-se.
Paula entrou no carro de Angus, que durante todo o caminho ficou pensativo.
— Quando começa a festa? — ela perguntou.
— Às duas e meia, em Cygnet. E quando coroam a rainha da maçã. Depois, há um
baile e churrasco. Vamos passar por Franklin, antes de chegarmos a Cygnet. Foi lá que
Rosalind ficou alguns dias, não é? Sabe como ela está... aceitando isso?
— Aceitando o quê? — Paula fez de conta que não sabia ao que ele se referia.
— Essa história de noivado; Pensei que...
— Oh! Philip Freeman e Rosalind? — Paula riu. — Ela já sabia de Hilda há muito
tempo. Ela e Philip são apenas bons amigos.
Ele não disse nada e Paula também ficou em silêncio. Não podia falar mais nada,
antes de saber o que Rosalind sentia. Não podia dar a Angus falsas esperanças. Estava
conseguindo explicar a atitude dele com ela. Subitamente, veio-lhe à lembrança a imagem de
Christopher, daquele beijo de despedida. Mas resolveu não pensar nele e se divertir na festa.
— Chegamos a Cygnet — Angus disse, apontando o rio e os pontos mais importantes.
— Estamos chegando ao local da festa?

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— Ainda não — Angus explicou. — Ainda temos de cruzar o rio e andar alguns
quilómetros. Lá está a velha ponte. Não se pode mais usá-la. Fizeram uma nova, toda de
pedra.
Ficaram em silêncio uns segundos, depois ele curvou-se para Paula e perguntou
baixinho:
— Acha que seria correto eu pedir... uma jovem... com metade de minha idade... para
casar comigo? Sabe, tenho esse problema de coração... o que você acha? — Olhou-a,
ansioso pela resposta.
Paula desviou os olhos. Lembrou-se do almoço no Hotel Wrest Point, em Triabunna, e
sentiu uma enorme vontade de rir. Procurou se controlar e respondeu com calma.
— Acho que está se preocupando muito com seu coração. Você só precisa tomar
alguns cuidados, quanto ao resto... Quarenta e sete não é uma idade tão avançada assim...
não nos dias de hoje, quando as pessoas chegam até os noventa ou cem anos. Por que
não... — ia falar "por que não pergunta a ela ", mas mudou de ideia. Angus tinha de decidir
sozinho. Só desejava que ele tivesse mais sucesso do que ela.
Ele sorriu e continuou dirigindo, em silêncio.
— Obrigado, querida — disse depois de uns momentos. — vou pensar no assunto,
mas obrigado por não me achar um velho. Isso mesmo, vou pensar no assunto.
— Não pense muito tempo — Paula aconselhou, em tom brincalhão — afinal, o tempo
está passando.
Ele riu, mas ficou desapontado com o comentário dela. Não falaram mais naquele
assunto.
Quando chegaram ao campo do festival, em Cygnet, a festa já estava animada.
Mágicos e malabaristas faziam shows. Mulheres e crianças passeavam de roupas novas,
coloridas, e havia diversas exposições de produtos locais.
Um desfile ia começar, formando os pares para a quadrilha. O grupo entrou apressado,
formou uma ala, aplaudindo, entusiasmado.
— Aí vem a Rainha da Maçã — Philip disse — para a cerimônia de coroação. —
Abraçou Hilda pelo ombro e Paula viu Angus se aproximando de Rosalind.
— Você daria uma linda Rainha da Maçã, Paula — Tim Halloran falou, aproximando-se
dela.
Colocavam um manto de cetim vermelho nos ombros da rainha, sob aplausos gerais.
tom sugeriu:
— Vamos assistir à competição para ver quem classifica mais depressa as maçãs. — E
pegando-a pelo braço, caminharam, seguidos pelo resto do grupo.
Angus conversava com Rosalind.
Espero que ele tenha boa sorte, Paula pensou. Uma porção de jovens escolhia e
separava as maçãs, de acordo com a cor, tamanho e qualidade.
— Estou até tonta, só de olhar. — Paula riu.
— Eles são rápidos demais — Tim disse. — Quer ver a competição dos lenhadores? É
ali. — Conduziu-a para o outro lado do campo, onde vários troncos eram cortados
rapidamente, aprontando lenha para lareira.
Ela agarrou o braço de Tim, procurando não ser empurrada pela multidão.
— Como eles conseguem aquela velocidade? — Paula parou de falar, com o coração
disparando loucamente. Diante dela havia um outro casal: Christopher e Doreen. A multidão
passou e eles se afastam, mas Paula tinha certeza de que Christopher a havia visto.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

Naquele momento, as luzes se acenderam, ofuscando seu olhar. O campo do festival


vibrava em cores e alegria.
Paula olhou ao redor, piscando. Num carro, a Rainha da Maçã parecia uma figura de
conto de fadas. Começaram a assar churrasco, que espalhou um cheiro delicioso pelo ar.
A competição dos lenhadores terminou com muita gente aplaudindo, mas Paula não
sabia quem era o vencedor. No meio daquele ruído, a banda começou a tocar.
— Você trouxe um casaco? — Tim perguntou e ela fez que sim. — Daqui a pouco vai
começar a fazer frio. Quer tomar um drinque?
— Ótima ideia. Todo este barulho e animação me deixaram com sede. Olhe, Tim, lá
estão os outros. — Esforçava-se para não pensar em Christopher. Rosalind estava muito
sorridente, Philip e Hilda se aproximaram, abraçados.
— Por onde vocês estiveram? — Angus perguntou a Paula. — Procurei por toda parte.
— Tem certeza? — Ela sorriu e aceitou o copo de cerveja que ele lhe estendia. Angus
estava animado.
Todos beberam e Philip sugeriu que fossem até o churrasco.
— Estou com fome. Venha Hilda. Onde está Rosa? — ele indagou, segurando a mão
da namorada.
— Está comigo, jovem — Angus disse, abraçando Rosalind pela cintura. — Estou
cuidando dela e de Paula — Angus sorriu para Tim, que estava ao lado da moça.
Os três homens e Hilda foram buscar alguns assados e Rosalind e Paula sentaram na
grama, para esperá-los.
— Está gostando da festa, Rosa? — Paula indagou.
— Muito! E você? — Paula fez que sim e Rosalind continuou: — Paula... — parou. —
Olhe, eles já estão chegando. Não demoraram muito.
— Venham, meninas — Angus chamou. — Vamos nos divertir. — Sentou-se ao lado
de Rosalind.
— As linguiças estão ótimas — Philip comentou. — Alguém quer mais?
— Quer um filé? — Tim perguntou a Paula, aproximando bastante seu rosto do dela.
— Oh, Tim — Paula disse, rindo, mas se afastando. — Você está me engordurando.
Vá embora. — Mas foi Angus, quem fez Paula ficar nervosa:
— Olhe lá, pessoal, Chris e Doreen.
Tim, que estava fingindo-se de furioso com Paula, virou-se e disse, sorrindo:
— É aquela ruiva encantadora. Eles estão vindo para cá.
Paula se endireitou e passou a mão nos cabelos.
— Olá, pessoal — Chris cumprimentou.
— Olá, Chris — Angus disse. — Sente-se conosco.
— Obrigado. Olá, Paula — ela levantou os olhos para ele — está se divertindo? —
Cumprimentou o resto do grupo e puxou Doreen para perto deles. — Doreen, você já
conhece...
— Sim, claro — a garota respondeu, num tom impaciente e quase rude. — Venha,
Chris, quero um churrasco...
— Com licença — Tim disse. Olhava para a moça sem esconder sua admiração.
Levantou-se. Ela o olhava, surpresa. Depois sorriu lentamente e aceitou a sugestão:
— Está bem. — E largou o braço de Chris e se aproximou de Tim. — Leve-me você até
lá...

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— Sente-se — Angus disse a Christopher quando os dois desapareceram na multidão.


— Rosa e eu vamos encher nossos pratos, depois voltamos para aqui.
Afastou-se com Rosalind. Philip e Hilda também já tinham desaparecido. Ela e
Christopher ficaram sozinhos. Ele a olhou em silêncio durante algum tempo, depois disse,
depressa:
— Parece que seu acompanhante a abandonou.
— É, abandonou mesmo — ela respondeu, sorrindo — talvez ele prefira as ruivas. Não
tem importância. Somos apenas amigos.
— Acredito.
Paula levantou-se. Estava se sentindo esquisita, no chão, com ele de pé, à sua frente.
— Não entendo você — ele continuou, olhando para os próprios pés — por que se faz
de tão... — ele parou e Paula levantou a cabeça, olhando-o, espantada. O que ele ia dizer? O
que estava pensando?
— Tão... o quê — ela perguntou, enrubescendo. — O que ia dizer? — Estava tensa,
diante dele e Christopher se mexeu, impaciente.
— Não quer dar uma volta? Acho que não devia ter dito... — segurou Paula pelo braço
e ela notou que ele também enrubescia. — Seus olhos, Paula... eles são tão claros... e
sinceros. Você parece tão meiga. E, no entanto...
— E, no entanto, o quê? Não estou entendendo você. E já estou quase desistindo de
tentar.
— Tenho certeza de que não entende. E por que tentaria? — ele parou de repente e
ela olhou para ele. — Paula, por que você está fazendo isso? — perguntou, num tom rude. —
Principalmente agora?
— Fazendo o quê? — ela perguntou, uma onda de fúria subindo-lhe pelo corpo.
Ele a olhou, bem no fundo dos olhos, antes de continuar:
— Todos esses homens... e você tão afetuosa com eles. Quatro, pelo menos, em
poucos meses. Eu até pensei... — parou e Paula percebeu um músculo pulsar no canto de
sua boca.
— Mas... mas — ela interrompeu, a zanga quase fora de seu controle. — Os meus
amigos não são da sua conta. Sabia que você é um sujeito cheio de preconceitos e de
mentalidade estreita... — Desviou os olhos de Christopher. O olhar dele não a deixava à
vontade. Lembrou-se da história que a srta. Needham tinha lhe contado: a tragédia
acontecida na vida daquele homem. O que mesmo ele havia lhe dito? Principalmente agora, o
que queria dizer com isso? Encarou novamente Christopher, que estava todo vermelho.
— Que importância tem o que eu faço? Por que não aprova? — ela perguntou,
baixinho. — E por que disse "principalmente agora"? Queria entender o significado de tudo
isso. — Apesar de controlada, a voz de Paula não escondia a raiva e ressentimento que ele
havia provocado. Respirou fundo e esperou a resposta. Durante alguns minutos ele continuou
em silêncio, depois largou o braço dela e virou-se quase de costas.
— Paula — ele começou em voz baixa — desculpe se a ofendi. Não devia ter dito
aquilo. Sei que não é da minha conta... mas... — virou-se para ela — você acha que é
direito...
— Direito?! — ela indagou, quase sem fala, confusa. — O que é direito? De que está
falando?
Christopher, de repente, segurou-a pelos ombros e sacudiu-a.

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— Acha que é correto agir assim com aquele pobre rapaz, que está no hospital? O que
acha que ele ia sentir se a visse como a vi agora... abraçada com o tal de Halloran, deixando
que ele a beijasse?
Paula encarou-o, espantada, de boca aberta e olhos arregalados, surpresa demais
para se zangar com o tom rude dele.
— E ainda ontem me contaram que Shaw pretende se casar em breve. Você já se
esqueceu disso ou isso não representa nada para você?

Capítulo 15

Paula foi ao banheiro e lavou as mãos. Podiam precisar dela no parto da sra. Drew. Os
gêmeos poderiam nascer a qualquer momento. Rosalind estava com a paciente, enquanto o
dr. Renwick e a enfermeira Anderson atendiam um acidentado, que havia chegado há pouco.
Oficialmente, Paula estava de folga, mas sentia-se agitada demais para descansar.
Terminou de escovar as unhas e foi para a enfermaria. Ainda estava confusa com os
acontecimentos da noite passada.
Quando Christopher lhe disse aquele absurdo, a princípio, tinha ficado apenas
espantada; depois, começou a rir, um riso meio histérico. Ao ver a expressão dele, tinha
tentado parar, mas não conseguiu. A situação era ridícula demais. Como ele podia ter
cometido um engano tão grande?
Mas a explicação era simples. Christopher, na primeira visita, viu-a de mãos dadas
com Bob e provavelmente ouviu o rapaz lhe pedir um beijo. E nas visitas que Christopher fez
a Bob o rapaz devia ter-lhe contado que estava noivo de uma enfermeira, uma garota linda,
etc., etc. Ao encontrar Christopher, depois de ter visitado a sra. Griffiths, ele lhe havia dito que
ela parecia muito feliz. Sem dúvida, tinha ligado sua felicidade ao fato de ter visitado Bob e
ver que ele se recuperava rapidamente da operação. Paula suspirou longamente. Será que
aqueles mal-entendidos não iam acabar nunca?
Estava ainda tentando se acalmar, quando Angus e Rosalind se aproximaram.
— Depressa — a amiga disse — está na hora de voltarmos. Disse ao doutor... — Paula
parou de rir e olhou para Christopher, desesperada. Não queria sair daquele jeito. — Era
preciso...
— Mas, Chris... — ela gaguejou, procurando falar devagar — está tudo errado... Bob...
nós não estamos noivos. Eu não... — Mas era tarde demais. Rosalind e Angus a puxavam,
pedindo que se apressasse, pois já estavam atrasados.
Paula lembrava-se vagamente da volta com a amiga e Angus. Lembrava-se do olhar
de frustração de Christopher, que saíra à procura de Doreen. A volta foi silenciosa e dava
para perceber que algo tinha acontecido entre Rosalind e Angus.
Será que a amiga, finalmente, ia lhe contar o que estava ocorrendo?
Mas, ao chegarem ao hospital, não tiveram oportunidade de conversar.
O parto da sra. Drew estava para começar a qualquer momento.

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Caminhando pelos corredores, ela pensava no que tinha acontecido.


Será que Chris ia procurá-la? Claro que sim, mas... e Doreen? Qual o papel dela na
vida do médico? Eles iam mesmo casar? Confusa, não conseguia ficar quieta.
Rosalind a olhou, surpresa, quando ela entrou na sala e sorriu:
— Controle a respiração, sra. Drew — ela disse -, está indo muito bem.
— Está tudo pronto. — Paula se aproximou. A porta se abriu e o dr. Renwick entrou.
— Quero que vá até a outra sala, Paula — ele pediu. — Betty não está se sentindo
bem, esta manhã. O paciente já foi atendido e está bem melhor. Fiz um curativo na coxa dele
e lhe dei um analgésico. Mas ainda está sob o efeito do choque, e quero que tente acalmá-lo.
Como ela está passando?
— A dilatação já está completa — Paula respondeu -, e o parto deve ser rápido. Parece
que os bebês são grandes; a paciente está calma.
— Certo. Vou dar uma olhada neles, agora mesmo.
Ao meio-dia Rosalind entregou o plantão a Betty, que já tinha se recuperado. Os
gêmeos eram dois meninos. Jim Foley, já de pé, tinha se preparado para sair do hospital na
manhã seguinte. O outro paciente dormia tranquilo. Paula tinha ido descansar no quarto,
quando ouviu baterem na porta. Seu coração deu um pulo. Quem seria? Um recado dele?
Devia ter telefonado...
— Entre — ela disse e Rosalind abriu a porta.
— Você estava dormindo? — Ela tinha trazido uma bandeja com duas xícaras de chá.
— Claro que não, e não estou com sono e um chá agora vai cair muito bem.
— Recebi uma carta de papai — Rosalind disse, sentando-se na cama de Paula. —
Passa um sermão em nós duas. Reclama que há mais de duas semanas não recebe notícias
nossas e está ficando preocupado.
— Puxa vida, esqueci de escrever na semana passada, mas vou escrever ainda hoje.
Nós duas esquecemos? — Ela olhou para Rosalind e as duas riram. Milagrosamente, a
barreira que existia entre elas tinha desaparecido. A Rosa que conhecia estava de volta.
Paula ficou imaginando as novidades que a amiga ia lhe contar.
— Também vou escrever para eles — Rosa disse. — Ontem, a festa estava ótima,
não, Paula? — hesitou. — Chegou também uma carta da srta. Needham esta manhã, falando
sobre um lugar chamado ilha King. Ela acha que gostaríamos de ir juntas, disse que já falou
com você sobre isso.
— Sim, e eu ia conversar com você a respeito, Rosa...
— Eu sabia que você estava querendo conversar comigo, Paula... sinto muito... vou lhe
explicar o que aconteceu. — Rosalind estava sem graça e evitava o olhar da amiga.
— Não se preocupe. — Paula sorriu, animando a amiga. — O que você acha de irmos
até a ilha King, Rosa? Conheci uma enfermeira do Serviço Itinerante, em Hobart, e ela me
disse que o lugar é lindo. Mas... talvez você tenha outros planos.
— E tenho mesmo — Rosalind respondeu, rindo, feliz — acho que não vou para a ilha
King... vou para a Inglaterra.
— Inglaterra?
— Oh, Paula — Rosalind a abraçou pela cintura. — Tenho uma coisa para lhe contar.
Uma coisa que nunca pensei que ia me acontecer. Você nem adivinha... Angus me pediu em
casamento. — A alegria de Rosalind era tanta, que ela estava quase sem fôlego. — Vamos
passar a lua de mel na Inglaterra.
— Bem... bem — Paula gaguejou e as duas começaram a rir.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Sabia que você ia ficar surpresa. Eu me apaixonei por Angus quando ele esteve
aqui no hospital... mas houve um mal-entendido. Ele pensou que eu estivesse namorando Phil
Freeman. No começo, eu não sabia nada sobre Hilda. E Angus achou que era velho demais
para mim. Estava preocupado com seu coração justo... oh, você sabe...
— Rosa, querida — Paula interrompeu, beijando a amiga no rosto. — Nem sei como
lhe dizer quanto estou contente. Também pensei que você gostasse de Philip. Estou tão
contente... Espero que vocês sejam muito felizes.
— Vamos ser, tenho certeza absoluta — Rosalind disse. — Sabe, Paula, eu achava
que Angus estava apaixonado por você.
— No começo, eu também pensei.
— Vai ser maravilhoso ver mamãe e papai outra vez — ela parou e Paula a olhou,
curiosa. — Desculpe... ter sido tão complicada, ultimamente. Estava com ciúme de você.
Achava que Angus a preferia, E o ciúme foi aumentando tanto, que até desejei que se
reconciliasse com Bob... Oh, Paula, perdoe-me por ter sido tão egoísta.
— Não tenho nada a perdoar. — Paula abraçou a amiga. — Esqueça isso. Seja feliz e
não se preocupe. Nada mudou nem vai mudar entre nós.
— E Christopher? Ele está mesmo noivo daquela moça? Na noite passada, quando vi
vocês juntos...
Bateram à porta. Era Minnie.
— Telefone, enfermeira Lane.
— Deve ser Angus — Rosalind levantou, depressa. — Descanse agora, Paula. Vemo-
nos depois.
A garota deitou-se, procurando dormir, mas só conseguia pensar em Christopher. O
que ele estaria fazendo, agora? Pensando nisso, fechou os olhos.
Ao acordar viu, pela janela, o pôr do sol. Dormira durante quase seis horas. Sentou-se
na cama e seu pensamento foi o mesmo de antes: Christopher! Será que havia algum recado
dele? Levantou-se e foi até a pia. Estava terminando de vestir o uniforme quando Rosalind
chegou.
— Oh, finalmente você acordou — ela disse. — Pode tirar o uniforme, Paula. Está tudo
calmo, tudo sob controle. Por que não aproveita e vai dar um passeio depois do jantar? Vai
fazer uma noite linda.
— É uma ótima ideia. Vou dar um passeio na praia.
Estava muito desapontada. Não havia recado, senão Rosalind teria falado.
Procurou disfarçar a tristeza, perguntando com um sorriso:
— Como está Angus?
— Betty disse que nós dois podemos conversar na sala. Ela, agora, está gostando
mais de mim, já que descobriu que eu não queria roubar Philip de Hilda. Onde pretende
passear, Paula?
— Pela praia, ao longo dos jardins, é bem calmo por lá. Que tal estou?
Tinha vestido uma blusa vermelha, sem mangas e parou diante do espelho. Rosalind
deu um assobio.
— Está linda. Você fica muito bem com cores vibrantes. Em mim, me deixam ainda
mais pálida.
No jantar, Paula perguntou a Betty se concordava com sua ausência. Afinal, ela
pensou, Betty era a encarregada do hospital.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

Sam, o jardineiro, estava arrumando uns vasos quando Paula saiu. Conversaram um
pouco e ele ficou a observá-la afastar-se em direção à praia. Apesar de o sol já estar se
pondo, ainda havia gente na areia.
Paula caminhou entre os jardins das casas da praia, que chegavam até a areia. Havia
no ar um perfume de camélias e jasmins, e num dos lados uma rocha grande e alta, onde
Paula sentou-se para olhar o mar.
O sol parecia uma bola vermelha, sumindo no horizonte, deixando um rastro luminoso
sobre o mar. Dois ou três veleiros balançavam sobre as águas e algumas crianças brincavam
na praia. A brisa soprava, trazendo o suave perfume dos hibiscos.
Ela suspirou, pensativa, adorando estar naquele lindo país.
Olhou, sonhadoramente, a praia e o mar. E se nunca mais tivesse notícias de
Christopher? Só o tempo daria essa resposta. Um pequeno ruído chamou sua atenção. Virou
a cabeça e deu com ele.
— Paula — Christopher disse baixinho — tinha de vê-la... para pedir desculpas.
Ela cruzou as mãos com força, sobre o colo.
— Como soube onde eu estava?
Christopher sorriu e sentou-se perto dela.
— Rosalind me disse, Paula — levantou-se, incapaz de ficar quieto — desculpe o que
aconteceu a noite passada. Eu me enganei a seu respeito... o tempo todo. Por favor... — ele
parou e a olhou, profundamente.
— Está bem... Chris. Eu compreendo...
Ele mexeu com os pés, nervoso e olhou o mar.
— Será que você... — começou novamente, olhando para ela. — Ontem você me disse
que sou preconceituoso e com uma mentalidade estreita... Você está certa... sou mesmo.
— Não! — Paula levantou-se. — Por favor, Chris, compreendo o que aconteceu. Não
precisa dizer mais nada.
— Então... você sabe... sobre minha esposa? — ele disse, depois de uns momentos de
silêncio.
Paula fez que sim.
— Essa história já acabou, graças a Deus, mas agora tenho de lhe dizer outras coisas.
— Que outras coisas? — Esperou que ele dissesse.
— Falei com Shaw, esta manhã. — E ele sorriu, humildemente, para ela.
— Então você já sabe. Bob e eu fomos noivos... há algum tempo. Ele terminou o
noivado... e agora estou contente por termos terminado.
Christopher se aproximou mais.
— Por quê? — A pergunta ficou flutuando no ar. O perfume das flores chegava até eles
e os envolvia. Ali estavam os dois, sentados naquela praia deserta, olhos nos olhos um do
outro. — Por que, Paula? — ele perguntou de novo. Ela ainda não tinha coragem de lhe dizer
o motivo. Não podia lhe dizer que o amava.
— Porque nosso casamento teria sido um erro. — E Paula desviou os olhos. Observou
os barcos, ao longe, e lembrou-se de Doreen. Precisava saber o que ela significava para ele.
Christopher ficou em silêncio. Paula procurou, desesperada, algo para dizer. Pegou
uma pedrinha e atirou-a na água.
— Quando você vai partir... para a Austrália? — ela indagou.
— Dentro de seis semanas.
— Então, deve se casar lá. — Era difícil para ela tocar nesse assunto.

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Bianca 130 – Tinha que ser Assim – Gladys Fullbrook

— Casar! — Christopher repetiu, espantado. — Bem, talvez... eu... — Ele se aproximou


mais. — Por que me fez essa pergunta?
— Pensei... pensei... que você...
Ele se aproximava cada vez mais.
— Paula.
Ele colocou gentilmente as mãos em seu ombro. Ficaram em silêncio, ouvindo apenas
o ruído das ondas e do vento. Paula olhou para ele e esperou. Já não havia mais Doreen... já
não havia mais ela mesma. No mundo, só existia Christopher para ela.
— Paula... querida — o tom era tão doce que parecia uma carícia. — Sei que sou velho
demais para uma garota jovem e linda como você... além disso, tenho uma filha... e tenho a
oferecer uma vida difícil, principalmente para uma mulher, mas... — ele parou. Paula tremia.
Christopher levantou a mão e acariciou-lhe os cabelos. — Venha comigo, Paula. Case
comigo.
— Oh! — ela exclamou — Sim, oh, sim!
Paula abraçou-o pelo pescoço e mais uma vez a brisa envolveu aquelas figuras,
abraçadas na praia da baía da Esperança.
Christopher foi o primeiro a se afastar. Ele baixou o rosto e olhou para ela.
— Eu a amo, Paula. Desde o primeiro momento em que a vi. — Curvou-se e beijou-a,
levemente. — E você... querida?
Paula fez que sim; estava tão emocionada que não conseguia falar. Todas as dúvidas
e mal-entendidos tinham desaparecido. Christopher a amava e ela o amava. Ia se casar com
ele e acompanhá-lo para onde ele fosse.
— Vamos sentar, querida? Quando quer casar comigo? Amanhã? Na semana que
vem? — Ele riu, completamente feliz. — Doreen vai ter uma surpresa.
Paula ficou chocada. Tinha esquecido de Doreen. Virou-se e olhou, espantada.
— Chris... quem é Doreen? Isto é... — parou de falar, diante da expressão de surpresa
dele.
— É minha prima, veio de Melbourne para passar uns dias aqui. — Christopher sorriu.
Ele ficava muito mais jovem quando estava alegre. — Acho até, querida, que ela andava com
ideias de cuidar da minha casa, mas eu lhe disse que não precisava de ninguém. Preciso só
de você.
Em silêncio, os lábios dos dois se encontraram.
— Quando ela volta, Chris? — Paula perguntou, depois de um longo beijo.
— Nem sei se vai voltar. Querida, ela e Halloran estão se dando muito bem.
Almoçaram juntos hoje e ela me disse que iam jantar juntos também. Oh, querida... vamos
falar sobre nós... e não sobre Doreen. Somos muito mais interessantes, você não acha?
Ele virou-se para Paula e acariciou-lhe o rosto.
— Você é tão bonita, Paula.
— Eu o amo, Chris — ela disse, suspirando de felicidade. — Eu o amo.

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