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MÓDULO – FUNDAMENTOS DE SAÚDE

DISCIPLINA - ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DO SUS


AULA 05 – PROCESSO DE TRABALHO EM ATNÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
PROFESSORA TANIA MARIA SANTOS PIRES

Introdução:
Vamos estudar hoje o “jeitinho brasileiro” de fazer atenção primária. Vou apresenta-lo
à Estratégia Saúde da Família, explicando como ela se relaciona com os princípios do
SUS e as características internacionais de Atenção Primária à Saúde (APS). Em seguida
vamos estudar os passos para a sua implantação em um município.
Contextualizando:
A implantação da APS no Brasil foi uma conquista da VIII Conferência Nacional de Saúde.
O Brasil estava presente na conferência de Alma-Ata, com mais 550 países
representados, e posteriormente foi um dos signatários da carta-documento oficial da
conferencia, comprometendo-se em fazer mudanças na estrutura de saúde da sua
população, mas estas mudanças somente aconteceram 16 anos mais tarde.

“Antes tarde do que nunca” já diz o ditado popular, e então, dentro das novas propostas
e ideologias da saúde, é criado o Programa Saúde da Família, que ficou conhecido pela
sigla PSF. Instituído pelo Ministério da Saúde em 1994, o PSF era uma estratégia para a
reorientação do modelo assistencial. O seu foco principal é a família vista no meio em
que vive, seu espaço e seu grupo social. Posteriormente, em 2005, o PSF mudou de
nome, mas não por acaso. O programa tornou-se tão importante dentro da estrutura de
saúde do país que precisava ser reconhecido de forma adequada. Na condição de
programa de governo, seu aparato legal não lhe permitiria avançar da forma necessária,
além do mais, a grande aprovação popular com o trabalho das equipes, aliadas às
mudanças demonstradas nos históricos indicadores de saúde , foram argumentos
suficientes para elevar o PSF à condição de programa estratégico de governo. Em tal
posição, a Estratégia de Saúde da família (ESF) ficaria mais protegida de bruscas
mudanças politicas eleitorais, como também se tornaria alvo de mais recursos para a
sua expansão.
A ESF foi fundamental para a mudança da lógica assistencial. A mudança do modelo de
atenção à demanda, na lógica de unidade de pronto socorro, não poderia ser aplicada
na APS. O novo modelo seria centrado na vigilância à saúde, no acompanhamento do
paciente crônico, na prevenção, em todos os seus níveis, do primordial ao quaternário.
A ESF estava também de acordo com os atributos ou características internacionais de
APS por ser constituir na porta de entrada ao sistema de saúde; trabalhar de acordo a
longitudinalidade da atenção, ou seja, acompanhar o paciente por longo tempo,
conhece-lo e também conhecer as suas doenças ; Integralidade da Atenção, significa um
olhar abrangente sobre todos os componentes do processo saúde e doença, dentro dos
princípios da medicina centrada na pessoa; coordenação dos cuidados, significa que
mesmo quando o paciente for encaminhado para complementação do tratamento em
outro ponto da rede de atenção, ainda assim ele continua sob a responsabilidade e
acompanhamento da equipe de APS da sua unidade de saúde e a orientação familiar e
comunitária.

A ESF alinhava-se aos princípios do SUS, principalmente quando se foca na


universalidade. Foi a ESF que permitiu a universalidade, abrindo o acesso à assistência
fora da pronto socorro. Desde então o cidadão não precisa “estar morrendo” para ser
atendido. Por sinal o que se deseja é exatamente o contrário, e pode ser traduzido como:
“venha antes e se você não vier eu vou atrás de você”.

Ao iniciar pelas populações mais carentes e desfavorecidas financeiramente, a ESF


atendeu ao principio da equidade , que está fundamentada na lógica da justiça social.

No foco da gestão, a ESF trouxe a participação e comprometimento dos municípios que


aderiram ao novo modelo, porque apesar de ter a participação das outras esferas de
governo, o município é o principal provedor da ESF.

Para implementar-se o processo de trabalho segundo a Estratégia Saúde da Família, o


município precisa compor a equipe básica que é formada por 1 médico, 1 enfermeiro, 1
técnico de enfermagem (ou auxiliar de enfermagem onde não houver o técnico) e 4
agentes comunitários de saúde.
O agente comunitário de saúde foi a grande inovação desta metodologia. Ele precisa ser
uma pessoa moradora na comunidade, que conheça as pessoas e tenha com elas um
bom relacionamento. A sua função é visitar as famílias de sua área adscrita e trazer
informações para o planejamento e desenvolvimento do trabalho das equipes. Sendo o
Agente Comunitário de Saúde (ACS) um integrante da comunidade que ele assiste, há
certas informações captadas por ele, que jamais chegariam às equipes de outro modo.
Seu trabalho é fundamental para o processo de vigilância à saúde.

Após a organização da equipe da ESF, onze passos são considerados fundamentais para
a organização do processo de trabalho das equipes (DUNCAN , 2013)

O primeiro passo é definir o território que será assistido por esta equipe. Inicia-se por
delimitar este território e definir suas características. Definir se o território é urbano ou
rural, onde começa e onde termina, seus marcadores geográficos e sociais; destacar os
equipamentos sociais de apoio e as principais áreas de risco social. Estes dados são
representados em um mapa da região assistida e são muito úteis no planejamento da
equipe.

O segundo passo é fazer a adscrição da clientela . Neste momento o agente comunitário


visita todas as casas da região, identificando todos os moradores e preenchendo uma
ficha denominada de ficha A. Esta ficha contem os dados iniciais da população e do
território. Estas informações vão alimentar um banco de dados chamado de SIAB
(sistema de informação da atenção básica). Em outra etapa do seu trabalho, o ACS se
utilizará de outras fichas de acompanhamento das famílias, destinadas às gestantes,
crianças, hipertensos e diabéticos , pessoas com hanseníase e tuberculose. Se você
desejar conhecer estes formulários, acesse o link
http://dab.saude.gov.br/portaldab/siab.php

O terceiro passo é fazer o diagnóstico de saúde da comunidade. Neste momento o


território começa a ficar vivo para a equipe. Podemos identificar quem são as pessoas
que relataram ter uma doença crônica como hipertensão, diabetes, asma; quem são os
pacientes acamados, quem e quantas são as gestantes, as crianças abaixo de 1 ano de
idade, quantos idosos acima de 70 anos e quantos outros destaques surgirem naquele
determinado território. Estas informações nos permitirão fazer o planejamento das
principais ações necessárias aquela comunidade.

O quarto passo é fazer a organização da demanda. Esta ação será feita tomando por
base os principais problemas levantados na etapa anterior. A demanda espontânea
precisa ser atendida porque ela expressa o compromisso com a assistência e com o
acesso aberto à população, porém as equipes devem organizar suas agendas de modo
a garantir o acompanhamento de gestantes, lactentes até 1 ano e doentes crônicos de
alto risco, desse modo, a equipe estará privilegiando os grupos e situações de risco.

O quinto passo relaciona-se com integração com vários outros profissionais da saúde,
no modelo interdisciplinar. O desafio é criar e desenvolver habilidades construtivas em
grupo. Um ganho importante no processo de trabalho das equipes ESF foi a criação do
núcleo de apoio às equipes de saúde da família, os NASF. Neste grupo estão vários
profissionais que dão suporte em suas áreas específicas, como psicólogos,
nutricionistas, fisioterapeutas, farmacêuticos e médicos de especialidades básicas que
tem função de matriciamento das equipes. Os municípios podem acrescentar outros
profissionais a estes núcleos de acordo com os seus projetos e necessidades.

O sexto passo é levar esta equipe a fazer em conjunto a gestão dos casos que se
apresentam ou co-gestão coletiva da equipe. Baseia-se na discussão dos casos,
considerando todos os aspectos envolvidos como a família, os recursos pessoais para
mudanças, contexto social. Detectar quem na equipe fez maior vinculação com o
paciente e está mais habilitado no momento a lidar com aquela situação problema. O
membro da equipe melhor qualificado para lidar com aquela situação deverá ser o
gestor do caso, porém toda a equipe deve se responsabilizar pelo problema.

O sétimo passo , enfoque da atenção à saúde da família e da comunidade busca


entender a saúde e a doença de maneira sistêmica. A família é um sistema co-
dependente. Quando uma pessoa da família adoece, de alguma forma todos adoecem.
Os sintomas sempre se manifestam nos membros mais vulneráveis do sistema, portanto
recomenda-se especial atenção às crianças. Devido a sua vulnerabilidade, as crianças
manifestam os sintomas das relações familiares conturbadas e desfocam o problema
endêmico familiar para os sintomas agudos do comportamento.
Saber manejar algumas ferramentas de abordagem familiar é muito útil na
compreensão da dinâmica familiar que se relaciona diretamente ao processo de saúde
e doença. Recomendo duas como mais importantes: análise do ciclo de vida e
genograma .

É igualmente importante analisar qual a relação da família com a comunidade. São


pessoas que moram há muito tempo nesta localidade? Exerceram ou exercem algum
tipo de liderança? Estão ligados à história daquele bairro? As famílias também se
relacionar negativamente com a comunidade, por exemplo, ser a casa do traficante de
drogas. Estas informações nos ajudam a compreender e valorizar as construções sociais
coletivas com que temos de lidar. Quanto melhor compreendermos a cultura local,
menor será o choque entre os saberes e linguagens envolvidas nas duas culturas que se
encontram no território, ou seja, o saber médico cientifico e o saber popular.

O Oitavo passo refere-se as ações de promoção de saúde. É fundamental que


estratégias sejam aplicadas no sentido de realizar ações de educação em saúde. As
pessoas precisam ser capacitadas a realizar seu auto-cuidado e fazer as suas
reivindicações politico-sociais, exercitando e desenvolvendo sua autonomia e cidadania.

O nono passo é a identificação de serviços de referência em atenção intermediária e


terciária. A rede de saúde qualificada deve ter fluxos de referencia, saber onde o
paciente deve ser encaminhado quando necessário, de acordo com a complexidade
solicitada.

O décimo passo está muito relacionado a religiosidade brasileira, é o resgate da


medicina popular. Considera-se aqui os caminhos de cura historicamente utilizados
pelas pessoas, que misturam o saber popular com a fé popular. Neste contexto estão as
benzedeiras , parteiras, massagistas. São eles e elas que colocam os ossos no lugar, que
cortam o mal olhado, levantam espinhela caída, consertam o bucho virado e são tão
importantes para o contexto de saúde quanto os profissionais de saúde. A melhor
estratégia para o sucesso numa comunidade é ter esses líderes populares como seus
aliados e utilizar a sua liderança para reforçar as ações de saúde como vacinação, pre-
natal entre outros. Já pensou como seria produtivo ter ao seu lado numa campanha de
vacinação a benzedeira mais famosa do bairro? Certamente seu apoio traria mais
credibilidade às ações de saúde propostas para aquele localidade.

O décimo primeiro passo é o estimulo à participação e controle social. Todas as


unidades de saúde devem ter o seu conselho local de saúde. As pessoas sentem-se mais
seguras ao se expressar dentro de seu contexto, discutindo assuntos que são
pertinentes ao seu viver diário. É de interesse de todos que a Unidade de Saúde funcione
bem, que as equipes da ESF desenvolvam adequadamente seu trabalho, portanto é
tarefa das equipes criar canais de manifestação para a comunidade.

A ESF é um marco na assistência à saúde no Brasil. A integração com a comunidade


favorece uma visão integral de saúde e doença, como também o instrumento da visita
domiciliar. O fato do serviço de saúde chegar literalmente na casa do cidadão que está
fragilizado com uma doença , impossibilitado de se locomover e lhe trazer lenitivo e
tratamento é a meu ver algo inovador, encantador, gratificante, mas além de tudo , é
muito eficaz.

Atualmente a Estratégia saúde da família atinge em torno de 50% da população


brasileira. Um dos seus maiores entraves para a expansão é a falta de profissionais
qualificados, sobretudo de médicos, mas mesmo assim, os resultados são animadores.
Os dois indicadores mais sensíveis às mudanças sociais são o mortalidade materna e
mortalidade infantil. Ambos estão em constante queda desde a implantação da ESF em
1994. Temos mesmo motivo para ficar contentes.

Pesquisa
Imagine um médico e enfermeiros fazendo visitas domiciliares a cavalo, ou remando em
canoas. Ao invés de ambulâncias, ambulanchas. Como disse o compositor Ary Barroso
“isto aqui ô ô ..é um pouquinho de Brasil iá iá” ... Entre na página do DAB (Departamento
de Atenção Básica do Ministério da Saúde) e pesquise sobre as equipes de saúde da
família ribeirinhas e fluviais. http://dab.saude.gov.br/portaldab/ape_esf.php
Se quiser saber mais sobre as “parteiras” e como elas ajudaram a diminuir
drasticamente a mortalidade materno-infantil no Ceará, leia esta publicação do
Observatório de recursos humanos em saúde.
http://www.observarh.org.br/observarh/repertorio/Repertorio_ObservaRH/CETREDE/
Parteiras_cearenses.pdf
Trocando Ideias.
O que você pensa da associação das crenças populares com os serviços de saúde? Você
já foi benzido? Recebeu alguma oração em algum momento em que encontrava-se
doente ou fragilizado? Como foi esta experiência para você? Discuta este assunto com
os seus amigos e pense no valor desta associação de culturas, envolvendo a cultura
médico-cientifico, os saberes populares e a cultura religiosa. Vai dar uma “mistura”
muito brasileira.

Síntese
 Estudamos hoje que a Estratégia Saúde da Família é o modelo brasileiro de fazer
Atenção Primária à Saúde;
• A vivência na comunidade muda o sentido das ações tornando os profisisonais
de saúde mais integrados à realidade que devem manejar;
• O Agente Comunitário de Saúde, a visita domiciliar e a delimitação do território
são as marcas deste novo modelo.
• A ESF está consonante com os princípios do SUS e da APS
• Destacam-se 12 passos de ações fundamentais para a implementação da ESF em
um município.
• A expansão só chegou à metade da população brasileira, mas mesmo assim já
houve mudanças nos indicadores de saúde mais sensíveis e importantes.

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