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Paula arranca suspiros de todos os garotos a sua volta.

A garota conhece pela internet Ángel, um jornalista


encantador de 22 anos e depois de conversarem por algum
tempo decidem finalmente marcar um encontro. Ángel não
consegue sair do trabalho a tempo e se atrasa para o grande
dia. Paula, iludida, fica com poucas esperanças. O que ela
não imagina é que uma simples cafeteria, próxima de onde
está, irá lhe render fortes emoções em alguns instantes. Ao
entrar no local, a garota decide sentar-se perto de um atraente
garoto que descobre ser um misterioso escritor chamado Alex.
Por coincidência, eles estão lendo o mesmo livro. A
conversa é breve, mas a conexão e a química entre eles são
impressionantes! Para completar, Mario, seu amigo de
infância e irmão de sua melhor amiga, se diz perdidamente
apaixonado por ela. Paula se vê diante de um triângulo
amoroso e percebe que as coisas vão ficar ainda mais
complicadas quando algumas garotas aparecem para
embaraçar mais essa história. Amor, desamor, encontros,
mentiras, amizade, música, confusões...
Capítulo Um

Seis da tarde de um dia de março.


Olha de novo para o relógio e sopra a franja. Olha para um lado,
para o outro. Nada. Nem sinal da flor vermelha.
Dois dias antes.
Ele: “Vou levar uma rosa vermelha para que você saiba que sou
eu”.
Ela: “Uma rosa vermelha? Que clássico!”.
Ele: “Você sabe que sou”.
Ela: “Eu vou com uma mochila pink das Meninas
Superpoderosas”.
Ele: “Como você é infantil!”.
Ela: “Você sabe que sou”.
Seis e quinze da tarde de um dia de março.
“Mas é um babaca! No fim, elas vão estar com a razão”.
Paula olha de novo para o relógio. Suspira. Ajeita a saia que
comprou só para esse encontro. Também está de roupa íntima nova,
mesmo sabendo perfeitamente que não chegarão tão longe. Dá leves
batidinhas com o salto no chão. Começa a ficar realmente irritada.
Um dia antes.
Ela: “Tem certeza do que vamos fazer?”.
Ele: “Não. Mas precisamos”.
Ela: “Se você não aparecer...”.
Ele: “Vou aparecer”.
Seis e meia da tarde de um dia de março.
Paula se resigna. Se pelo menos ele houvesse dado seu celular a
ela... Põe a mão na testa. Está acalorada, apesar de fazer um frio de
rachar. Não pode acreditar que ele não apareceu. Torna a olhar para
todos os lados em busca de uma flor vermelha.
Nada.
— Você é um babaca — diz em voz alta, mas não o suficiente
para que alguém a ouça.
Na noite anterior.
Ele: “Te amo”.
Ela: “S2”.
Seis e trinta e seis da tarde de um dia de março.
Paula cansou de esperar. Está com calor. Pouco depois, sente
frio. Pega um elástico de cabelo de um dos bolsos da mochila das
Meninas Superpoderosas e faz um rabo de cavalo. Havia alisado o
cabelo para a ocasião, mas tanto faz agora. O babaca não apareceu.
“Trouxa”.
“E agora?”. É cedo para voltar para casa e por nada deste mundo
quer estar perto de seu computador. Precisa de um bom café para
aliviar a raiva.
Bem em frente, vê uma Starbucks. Caminha até a faixa de
pedestres para atravessar a rua fazendo mil e uma caretas de
irritação. Enquanto espera que o bonequinho do semáforo fique
verde, relembra a conversa com suas amigas na escola.
Nesse mesmo dia de manhã.
Paula: “Às cinco e meia”.
Cris: “Não acredito. Marcou mesmo com esse cara?”.
Diana: “Uau!”.
Paula: “Acho que é hora de finalmente nos conhecermos”.
Miriam: “Mas se vocês nem sequer se viram por foto…”.
Paula: “Eu sei, mas gosto dele e ele gosta de mim. Não
precisamos de fotos”.
Diana. “E se for um doente ou um maníaco sexual daqueles?”.
Miriam: “Isso é o que você gostaria de encontrar, não é, Diana?
Um louco que passe o dia todo pensando em sexo”.
Todas riem, menos Diana, que tenta dar um tapa em Miriam,
mas ela se esquiva habilmente.
Cris: “E se ele não aparecer?”.
Paula: “Vai aparecer”.
Miriam: “Pode ser que não”.
Diana: “Pode ser que não”.
Paula: “Estou dizendo que sim!!!!”.
Professor de Matemática: “Senhorita García, eu sei que adora
derivadas, mas faça o favor de se conter um pouco em sala de aula.
E agora, pode vir à lousa para nos ilustrar com sua sapiência?”.
A conversa termina e todas riem, menos Paula, que, de má
vontade, se levanta e se dirige à lousa.
Seis e quarenta da tarde de um dia de março.
Paula abre a porta da Starbucks. Não há ninguém na fila. Um
menino careca e magro, de barbinha, atende-a com um belo sorriso.
A menina pede um caramel macchiato, uma especialidade com
caramelo e baunilha. Paga e vai ao andar de cima para tentar pôr
um pouco de ordem em sua cabeça bagunçada.
A sala está praticamente vazia. Um casalzinho fica de dengo em
um sofá perto de uma das grandes janelas que dão para a rua. Paula
olha para eles de soslaio.
“Que azar, pegaram o melhor lugar...”.
Perto do casal há outro sofá que a satisfaz, mas descarta-o por
estar muito perto daqueles namoradinhos. Não pretende incomodá-
los. Por fim, escolhe um lugar afastado, de canto, perto de outra
janela, mas com menos luz e uma vista pior.
Paula contempla o trânsito da cidade. Está pensativa e triste:
tem que reconhecer para si mesma que realmente acreditava que ele
apareceria. Após dois meses conversando todos os dias, contando
coisas, rindo, quase se apaixonando , na hora da verdade ele havia
sido um covarde. Ou talvez não fosse o que dizia ser e dera por
terminada a relação.
“Não, não pode ser. Isso não pode ser”.
Dá um gole em seu caramel macchiato. Inevitavelmente suja os
lábios, e a espuma deixa uma espécie de bigodinho sob seu nariz.
Tenta alcançar com a língua, mas é inútil. O caramelo aprontou com
ela. “Droga, não peguei guardanapo, e não estou a fim de passar na
frente desses dois outra vez”.
Procura na mochila das Meninas Superpoderosas, mas não
encontra lenços de papel. Suspira. Tira o livro de dentro dela e o
coloca em cima da mesa para continuar procurando com menos
obstáculos. Nada. Suspira de novo.
Durante a exploração mochileira, um menino entrou na sala e se
sentou no sofá em frente ao de Paula. No terceiro suspiro, ao
levantar a cabeça, ela o vê. Ele está olhando para ela. É bonito. Ele
sorri. Paula lembra que ainda está suja e disfarçadamente joga o
livro no chão. Quando se abaixa para pegá-lo, aproveita e, com a
mão, limpa a boca e esfrega o nariz, por via das dúvidas. Salva.
Mas, de repente, seu rosto embaixo da mesa dá de cara com o
rosto do menino bonito, que se aproximou e está agachado ao lado
de Paula. Sem dizer nada, o jovem tira um lenço de papel de um
pacote que leva no bolso e dá a ela.
— Tome — diz, enquanto lhe oferece o lenço com um grande
sorriso. “Que sorriso maravilhoso”, pensa Paula. — Se bem que não
precisa mais.
Paula quer morrer ao ouvir as palavras do menino bonito do
sorriso maravilhoso. Morre de vergonha. Suas faces coram, e ao se
levantar com o livro na mão ela bate a cabeça na mesa.
— Ai!
— Machucou?
— Não. — Paula vê o menino em pé. É bastante alto. Está com
um moletom preto e uma calça jeans meio desbotada. Tem uns olhos
grandes, castanhos, e seu cabelo é um pouco comprido demais para
o gosto dela. Mas é realmente bonito. — E também não preciso do
seu lenço.
O jovem sorri e guarda o lenço no bolso.
— Ok. Vou voltar ao meu lugar.
Paula abaixa o olhar e espera que o desconhecido se sente de
novo. Quando intui que o jovem está sentado outra vez, levanta um
pouco a vista para se certificar. Está.
“Que gato! Chega! O que está pensando, Paula?”.
Uma leve dor na cabeça, bem onde bateu, devolve-a à realidade,
mas, ao pôr a mão, não nota nenhum galo. “Ainda bem. Era só o que
me faltava”. “Filha, é que sua cabeça é muito dura”, sua mãe
costuma lhe dizer isso sempre . E eis que — sem que valha de
precedente — tem que lhe dar razão.
Paula sorri pela primeira vez nas últimas horas. Dá outro gole de
sua bebida, dessa vez com cuidado para não se sujar, e abre o livro
na página em que algumas horas antes havia parado. Chama-
se Desculpa se te chamo de amor, de Federico Moccia. Fala de uma
jovem estudante de dezessete anos e um publicitário de 36 que se
apaixonam. Paula não é uma grande fã de literatura, mas Miriam lhe
falou tanto desse livro que finalmente decidiu lê-lo. E está gostando.
É apaixonada pela maturidade de Niki, a protagonista, só um ano
mais velha que ela, e por sua capacidade de conquistar um homem
muito mais velho como Alex. Sim. Quem dera ela, algum dia, tivesse
uma história de amor tão intensa como aquela; mas gostaria que o
menino não fosse tão velho, claro.
Então, de novo lhe vem à cabeça o bolo que levou. Aquele
babaca a deixou plantada.
“Ufff”.
Quase sem querer, olha para o sofá onde está o menino bonito
do sorriso maravilhoso. Dessa vez, ele não está olhando para ela.
— Não acredito — Paula deixa escapar em voz alta.
O jovem está lendo um livro, praticamente acabando. Paula
inclina a cabeça para ler o título e ter certeza de que não está
enganada: Desculpa se te chamo de amor.
Nesse instante, o menino percebe que os olhos de Paula estão
sobre ele. Observa-a, dirige seu olhar à capa do livro, depois outra
vez a ela e finalmente sorri. Com esse sorriso maravilhoso de novo.
— Está gostando? — pergunta o jovem, erguendo um pouco a
voz.
“Claro que estou, imbecil. Como não ia gostar desse sorriso, se é
o mais bonito que já vi?”, pensa ela antes de responder:
— Como? — pergunta Paula com cara de surpresa, como se
houvessem radiografado sua mente.
— Eu vi, antes, quando seu livro caiu. Bom, na realidade,
quando cheguei e você estava procurando alguma coisa na mochila,
vi que estamos lendo o mesmo livro. E perguntei se está gostando.
— Ah, isso... Sim, estou gostando.
— É uma bela história. Espere...
Então, o jovem se levanta do sofá, pega sua bebida e o livro e se
senta ao lado de Paula. A menina, surpresa, cora de novo. Ele não é
bonito: é um gato.
— Importa-se? É para não ficar gritando o tempo todo.
— Não, claro. Sente-se.
Mas bem nesse instante ouve-se alto Don’t stop the music,
Rihanna, de dentro da mochila das Meninas Superpoderosas. Paula
dá um pulinho e procura correndo seu celular. Vários segundos
depois, por fim o encontra. É Miriam.
— Desculpe, é uma amiga — explica baixinho ao menino gato,
que sorri uma vez mais e faz um gesto como: “atenda, não se
preocupe”. Ela se levanta e caminha para o outro lado da sala. O
jovem casal apaixonado já foi embora.
— Alô?
— Então, como estão as coisas? — pergunta Miriam
rapidamente ao ouvir a voz de sua amiga. — Não estamos
incomodando, não é?
— “Incomodando”? “As coisas”?
— É! Estou aqui com Diana e Cris. Espere. Digam alguma coisa,
meninas — um escandaloso “oi”, seguido de um insulto amistoso,
ouve-se do outro lado da linha. — Viu como a amamos e nos
preocupamos com você? Como está o encontro?
“Uff, o encontro”. Por fim entende. Mas não está a fim de dar
explicações a suas amigas nesse momento, e menos ainda de ter que
lhes dar razão. Então, se poupa de dizer que aquele babaca não
apareceu.
— Legal, as “coisas” vão bem. Mas não posso falar agora. Estou
muito enrolada e...
— Uhhh!!! Muito enrolada… Hummm. Smack, smack, smack.
Ok, não vamos incomodar mais, linda. Amanhã você conta todos os
detalhes. Meninas, vamos desligar. Digam tchau.
E com um sonoro “tchau, te amamos” seguido de outro
impropério carinhoso, dá-se por encerrada a conversa.
Paula fecha os olhos. Suspira. “Malucas”. E volta para seu sofá.
O gato está em pé, com o livro embaixo do braço.
— Tenho que ir. Estou atrasado. Minha aula começa em dez
minutos.
“Aula. Que aula? A esta hora?”.
— Prazer em conhecê-la. Espero que goste do final do livro.
E sem dizer mais nada, o gato do sorriso maravilhoso sai
correndo do café.
Paula se senta de novo enquanto decide que já é hora de voltar
para casa, tomar um bom banho relaxante e esquecer por um tempo
seu computador. Pega o livro para guardá-lo, mas percebe algo
estranho. O marcador de páginas não é o seu e, além de tudo, está
na última página.
“Esse idiota errou de livro e levou o meu.”
Abre o livro no final e em cima, escrito com caneta azul,
lê: alexescritor@hotmail.com, caso queira comentar o final do livro.
O bilhete a faz sorrir, e Paula acaba soltando uma pequena
gargalhada. Guarda o livro dentro da mochila das Meninas
Superpoderosas e caminha para a escada da Starbucks sem poder
evitar um sorriso bobo.
“E o cara vem e diz que espera que eu goste do final do livro.
Que babaca!”.
Por falar em babacas, nesse momento outro jovem alto, atraente,
sobe correndo a escada do café. Anda tão depressa que não vê Paula:
ao esbarrar nela, a menina cai de bunda no chão e ele quase desaba
em cima dela, mas consegue saltá-la e acaba de joelhos atrás dela.
De sua mão cai uma rosa vermelha. Ambos se olham surpresos. Ele
sorri ao ver a mochila das Meninas Superpoderosas no chão.
Capítulo Dois

Mais ou menos a essa hora, em outro lugar da cidade.


Ele também olha o relógio. Também suspira. Mario está sentado
no chão em cima de um tapete fazendo a lição de matemática. Ao
fundo, uma música do Maná.
¿Cómo pudiera un pez nadar sin agua?
¿Cómo pudiera un ave volar sin alas?
¿Cómo pudiera la flor crecer sin tierra?
Cómo quisiera poder vivir sin ti…
Não pode evitar repetir a última frase. Sente um aperto no
coração e suspira. Como gostaria de poder viver sem você.
Sim. Isso é o que queria: poder viver sem pensar nela.
“Concentre-se, Mario... A lição, a matemática, as notas... Mas
assim não consigo!”.
Levanta-se e tira o som do computador. Parece-lhe um sacrilégio
interromper uma música do Maná, sua banda preferida, e também a
dela, mas é impossível se concentrar.
Volta ao tapete. Bendita matemática. Derivadas.
Concentração. Cruza as pernas, colocando a direita em cima da
esquerda . Faz movimentos de alongamento com o pescoço. A seguir,
coloca o caderno de matemática na cabeça. Equilibra-o, não o deixa
cair. Depois, põe as mãos nas têmporas e, com os dedos indicador e
médio, começa a esfregá-las suavemente, em pequenos círculos.
Fecha os olhos e de sua boca sai um “Ommmmm” de cinco
segundos. A seguir, outro “Ommmmm”, esse um pouco mais longo.
Depois, ouve-se uma tosse na porta de seu quarto.
— Aham. Agora entendo por que não tem namorada…
Sua irmã sorri e suas amigas não podem evitar uma pequena
gargalhada atrás.
Mario abre os olhos, descruza as pernas e tira o caderno da
cabeça. Ficou vermelho como um tomate. Olha para elas nervoso e
espera que ela não esteja ali. Parece que não. São só sua irmã e
duas chatas da classe.
— O que você quer?
— Dizer que estamos saindo. Papai e mamãe não estão, então
você vai ficar sozinho. Juízo, hein?
A menina faz uma cara de malandra e assovia olhando para
cima.
— O que vou fazer é terminar este pé no saco…
— Está com as derivadas? Depois me passa?
— Para nós também! — ouve-se no corredor.
Mario olha para sua irmã com indignação.
— E por que não rala um pouco? Não me estranha que tenha
repetido. Não basta que seu irmão a alcance, ainda quer que a
ultrapasse… Devia ter vergonha, Miriam.
— Não seja bobo. Repeti para ficar na classe dessas chatas —
debocha Miriam, apontando para Diana e Cris. De repente, se joga
ao chão em cima de seu irmão mais novo.
— O que está fazendo? Pare com isso!
Jogados no tapete, Miriam não para de beijar Mario.
— Quem é o melhor e mais bonito irmão do mundo mundial, do
universo universal?
As duas amigas atrás riem sem parar ao ver a cômica cena entre
os irmãos.
— Ok! Chega! Depois te passo a lição, mas me deixa em paz.
Você é, você é...
— Incrível, não é? — E dá um sonoro beijo no rosto de Mario. —
Lindo! — Depois se levanta, ajeita o decote e a calça e, após sair do
quarto, fecha a porta.
Que pesadelo estar na classe dela. Além de ter que suportá-la
em casa, esse era o segundo ano que também a via toda hora na
escola. Mario não achava nenhuma graça nisso. E, como se não
bastasse, sua irmã havia se tornado melhor amiga de...
Clavado en un bar toca no celular em cima da escrivaninha. Ela?
Não pode ser. Nunca liga para ele. Mas e se for ela?
Mario se levanta atrapalhado, escorregando, batendo na parede,
mas por fim chega à escrivaninha. Decepção: são seus pais.
— Sim, mamãe...
— Filho, vamos chegar tarde. Façam o jantar para vocês. Há
várias coisas na geladeira.
— Sim, mamãe.
— E diga a sua irmã que jante algo, que pare com essas
bobagens de dieta.
— Sim, mamãe.
— E que faça o dever de casa.
— Sim, mamãe.
— Qualquer coisa, liguem no celular.
— Sim, mamãe.
— E...
— Mamãe — interrompe Mario —, não devia dizer tudo isso a
Miriam, que é a irmã mais velha?
Sua mãe fica calada do outro lado da linha durante uns breves
segundos:
— Não — acaba respondendo categórica. — Qualquer coisa, você
sabe... Um beijo, meu amor. Te amo.
O menino balança a cabeça de um lado para o outro e deixa
outra vez o celular na escrivaninha. Caminha para o computador e
aumenta o volume. Cuando los ángeles lloran. Em pé, ouve e
cantarola um pedaço da canção. Depois se agacha e pega o que está
em cima do tapete. De seu caderno de matemática cai uma foto que
tirou nessa mesma manhã na escola e que imprimiu assim que
chegou. Está linda. Bom, talvez linda não seja a palavra, visto que
está mostrando a língua e piscando. Mas, para Mario, ela sempre
está linda. Sua mão está atrás dela, abraçando-a. Se ela soubesse
que ele a abraçaria a cada hora, cada minuto, cada segundo de cada
dia... Abraçando e beijando. Não pararia de saborear seus lábios,
sua boca... É que ele a ama. Ama-a com todas as suas forças. Como
pode ainda haver gente que diga que aos dezesseis anos não se sabe
o que é o amor? Que isso não é amor verdadeiro? Então, o que é?
Dói só de pensar...
Olha seu relógio. O que ela estará fazendo agora? E se ligar para
ela? Não, não quer ser chato. Não quer incomodar. Afinal, o que
poderia lhe dizer? Já a vê todo dia na sala de aula... Não, não pode
ser um chato. Uma mensagem, talvez? Não, também não. Isso seria
pior ainda. E se depois ela não responde, como já aconteceu outras
vezes? Fica nervoso, tenso. Acha que ela não está nem aí para ele. É
duro amar em silêncio.
O computador. A internet. Com certeza a essa hora ela está no
MSN. Ultimamente, entra muito, mais que o habitual. Mas, às vezes,
demora a responder. Silêncios longos. Silêncios eternos.
Mario abre o MSN, põe a senha: “Paulateamo”. Ela não está.
Sai do MSN e entra de novo. Dez vezes em meia hora. Ela não
aparece.
Por fim, derrotado, deita-se na cama com o travesseiro na
cabeça. Em seu computador toca Labios compartidos.
Capítulo Três

Nesse dia de março, nessa mesma cidade, algumas horas antes


do encontrão entre Paula e Ángel.
A redação está completamente vazia. Só restam o chefe,
trancado como sempre em sua pequena sala, e ele, que já está quase
acabando um artigo sobre essa banda escocesa que está na moda no
Reino Unido. Baixinho, bem baixinho no computador tocaAll you
need is love, mas não a original dos Beatles, e sim uma versão do
filme Simplesmente amor. “Tudo de que você necessita é amor”.
Ángel relê mais uma vez o que escreveu. Praticamente a cada vez
que escreve uma linha, examina o texto inteiro. “Está quase pronto”,
pensa.
Escrever, música… É disso que gosta de verdade. Ok, a revista
não é grande coisa e o salário também não. Mas é seu primeiro
trabalho sério, aos vinte e dois anos, e talvez, com o tempo, possa ir
mais longe. Para a Rolling Stone, por exemplo. Mas, por enquanto,
conforma-se com o que tem. Outros colegas de carreira ainda não
têm emprego, ao passo que ele, além de tudo, escreve sobre o que
gosta.
Termina a canção e começa I finally found someone cantada em
dueto por Brian Adams e Barbra Streisand. “Finalmente encontrei
alguém”. Ángel sorri. Lembra que passou essa canção a Paula pelo
MSN. Ela não a conhecia pelo título, mas quando a ouviu, disse:
“Ahhhh, sim. É de Operación Triunfo1!!!!”.
Ele, em sua solidão, sentado em frente ao notebook, não pôde
evitar sorrir com a resposta daquela menina que nas últimas

1
Reality show da TV espanhola. (N.T.)
semanas havia roubado um pedacinho do seu coração. Estava
apaixonado?
Essa tarde dariam um passinho a mais. Depois de dois meses se
falando todos os dias, por fim iam se ver, se tocar, se cheirar…
Então, descobriria se realmente gostava dela.
Nesse momento, abre-se a porta da sala do chefe. Jaime Suárez,
com ar triunfante e a passos acelerados, avança até a mesa em que
Ángel está terminando seu artigo.
— Conseguimos! Confirmado: Katia vem hoje à tarde para uma
entrevista.
— Katia? “Aquela” Katia?
— Quantas cantoras você conhece que se chamem Katia, Ángel?
Katia havia se transformado, nas últimas semanas, em um
fenômeno pop. Qualquer adolescente tem em seu iPod a
canção Ilusionas mi corazón, número um nas listas de venda do mês
anterior. A jovem cantora havia irrompido de uma maneira
impressionante nas paradas musicais com seu primeiro single.
— Que legal! Vai fazer a entrevista?
— Não, Ángel, você vai fazer. Maite e Valeria não estão na
cidade. E eu já estou muito velho para esse tipo de entrevista. Você
vai se entender melhor com ela: têm quase a mesma idade.
Ángel só pôde forçar um sorriso. Justo essa tarde! A tarde que
tinha livre, a tarde em que havia marcado com Paula... “Jornalista
não tem horário, Ángel. Sempre temos que estar ao pé do canhão e
preparados”, costumava dizer seu chefe quando o via olhar o relógio
perto da hora de sair da redação.
— E a que horas ela vem? — perguntou o rapaz, preocupado.
— O agente dela disse às quatro.
Mentalmente, Ángel calculou o tempo que lhe tomaria fazer
aquilo e chegar depois ao seu encontro. Com um pouco de sorte, às
16h30, 16h45 teria terminado. Em quarenta minutos chegaria de
metrô, sem problemas, ao lugar onde havia marcado com Paula. Não
poderia ir para casa se trocar, mas isso não importava muito. Ele
sempre estava corretamente vestido: elegante, mas, ao mesmo
tempo, descontraído. Não era um costume, e sim seu estilo.
— Ok, chefe, eu cuido disso. Vou preparar a entrevista agora
mesmo.
— Perfeito, Ángel. Aqui está. — Uma pasta com fotos, entrevistas
anteriores, artigos sobre Katia e seu CD cai em cima da mesa do
jovem jornalista. — Entre na internet também e procure informação
sobre ela. Mas nada de MSN, ok?
O jovem sorri. Será que seu chefe sabia que, às vezes, quando
havia pouco trabalho, falava com Paula pelo computador da
redação?
— Vou fazer isso imediatamente.
Durante quase duas horas, Ángel se esquece do mundo e estuda
a fundo tudo que se relaciona com a cantora. Até ouve o CD algumas
vezes. Os minutos passam e a entrevista se aproxima. Também o
encontro com Paula. Às 15h45 acaba de preparar a entrevista.
Entra na sala de Jaime Suárez e entrega o trabalho realizado:
pessoal, mas não íntimo; perguntas sobre música, mas tratadas de
uma maneira diferente; uma entrevista muito bem cuidada, mas
com seu toque encantador . De qualquer maneira, Ángel sabe que
isso será só cinquenta por cento do que realmente sairá quando
estiver com ela. A melhor entrevista é a que surge da improvisação,
quando duas pessoas estabelecem uma conversa com tranquilidade.
O roteiro só serve para dar segurança, caso ocorra algum branco.
Seu chefe acaba de inspecionar o trabalho e sorri satisfeito:
— Está ótimo. Não há dúvida de que você será um grande
jornalista e logo sairá desta pequena redação.
O elogio de Jaime Suárez produz um grande sorriso em Ángel,
mas não pode fazê-lo evitar olhar o relógio com certa ansiedade.
— São 16h15, deve estar chegando — aponta o chefe.
Mas às 16h30 Katia não chegou. Nem às 16h45. Nem às cinco a
jovem cantora apareceu na redação. Ángel rói as unhas. Não pode
acreditar que aquilo esteja acontecendo. Cada vez mais nervoso, olha
o relógio a cada meio minuto.
Já tem certeza de que chegará tarde ao seu encontro com Paula.
Em uma tentativa desesperada, entra no MSN para ver se ela está
conectada e poder avisá-la de que vai se atrasar. Mas a garota não
está on-line.
Tensão. Nervosismo. São 17h15. “Droga, 17h30!”. Paula já deve
estar lá esperando por ele, com sua mochila das Meninas
Superpoderosas. “A rosa!”.
Nem se lembrou da rosa a tarde toda. No dia anterior, havia
comprado uma dúzia para sua mãe. Ninguém percebeu que, em vez
de doze rosas, havia treze. Uma a mais, para sua identificação
pessoal.
“Que clássico!”, havia dito ela. Sim, realmente Ángel se
considerava um clássico, mas adaptado à época em que vivia. Podia
ouvir tanto Metallica quanto Rihanna, tanto Laura Pausini como El
Barrio. Lia tanto Agatha Christie quanto Ruiz Zafón, Pérez Reverte
quanto Stephen King. Ficava bem tanto de blazer esportivo quanto
de jeans rasgados. Era um rapaz preparado para viver o que lhe
coubesse viver, e em qualquer circunstância. Tão indefinível quanto
imprevisível. Na faculdade sempre lhe diziam: hoje em dia, o que faz
vencer é a versatilidade, é ser multifacetado. E ele era.
— Ela chegou! — grita Jaime Suárez da porta da sala. — A
menina da recepção acaba de avisar.
Imediatamente o chefe corre para receber a convidada. Ángel
suspira e segue até a entrada da redação. Entram pela porta
conversando amigavelmente Jaime Suárez e o agente da garota,
Mauricio Torres, de terno e gravata. Katia só sorri, sem dizer nada.
— Desculpem o atraso. Tivemos uma entrevista em uma
emissora de rádio do outro lado da cidade que acabou muito tarde.
Só comemos um sanduíche.
— Não se preocupe. Sabemos como são essas coisas dos meios
de comunicação. Nem percebemos a hora.
Ángel, que já se juntara ao trio, arqueia as sobrancelhas, mas
tenta disfarçar sua contrariedade.
— Ah, Ángel, você está aqui — diz Jaime, pegando seu pupilo
pelo braço. — Este é Ángel Quevedo, o jornalista que vai entrevistar
Katia.
O jovem aperta a mão do agente e depois, um pouco confuso, dá
dois beijos na cantora; a princípio, também pretendia lhe dar a mão.
Katia é muito mais bonita pessoalmente do que nas fotos que
Ángel ficou examinando a tarde toda. Sua presença emana uma luz
e seu rosto transmite calma. Tem um sorriso imenso e seus olhos
não podiam ser mais azuis, certamente graças à escolha de lentes de
contato dessa cor. É pequenina, dessas pessoas que costumam sair
por aí dizendo que as coisas boas vêm em frascos pequenos. A única
coisa que poderia destoar naquela menina era seu cabelo rosa,
porém, nela, ficava como se fosse sua cor natural. Embora em suas
atuações costumasse usar roupas espalhafatosas mais próprias de
Punky Brewster que de uma cantora de sucesso, foi à entrevista
de jeans bem justinho, escuro, e uma camiseta vermelha e preta
bastante discreta. Nas mãos, um bolero jeanscombinando com a
calça.
— Bom, meninos, vamos deixá-los sozinhos para que se
concentrem na entrevista — diz o chefe, convidando o agente a
entrar em sua sala para dar mais privacidade ao trabalho de Ángel.
Jaime sabe que no cara a cara, a sós, seu garoto ganha muito.
Quando ficam sozinhos, Ángel convida a jovem a se sentar em
uma poltrona no fundo da redação. Ele aproxima outra e senta-se à
sua frente.
— Antes de mais nada, gostaria de me desculpar pelo atraso —
antecipa-se Katia. — Sinto muito, de verdade. Vi sua cara quando
seu chefe disse que não importava. Com certeza tem algum
compromisso.
— Não se preocupe, eu estava apenas preparando a entrevista —
mente Ángel.
A garota mira-o nos olhos e esboça um simpático sorriso.
— Bem, não vou mais insistir. Vamos começar. Quanto antes
começarmos mais cedo terminaremos.
Ángel assente e liga o gravador.
A entrevista corre exatamente como pretendia. Amena, divertida,
pessoal sem se imiscuir na vida de Katia. É até um pouco atrevida. A
verdade é que aquela jovem de vinte anos que aparenta ter dezesseis
faz Ángel esquecer durante quase uma hora que tem o encontro com
que sonha há dois meses. Uma conversa encantadora.
— Pronto, terminamos — diz o jornalista fechando a caderneta
em que ia anotando alguns dados importantes. Depois, aperta
o stop do gravador e o deixa em cima de sua mesa.
— Foi muito agradável — aponta ela, levantando-se do sofá. —
Só uma coisa, Ángel. Você tem carro?
Ele a olha surpreso.
— Não.
— Ok, então me diga aonde quer que o leve.
A cara do rapaz é de desconcerto absoluto.
— Como assim?
— Vamos… Não perca mais tempo. Vim com meu carro. Corra!
Depois venho buscar Mauricio.
Katia pega Ángel pela mão e ambos saem correndo da redação. E
continuam correndo pela rua. Param dois segundos para respirar e
continuam correndo até chegar ao Audi mais peculiar de toda a
cidade. Ángel fica boquiaberto quando vê aquele carro rosa de capota
preta.
— Combina com seu cabelo! — brinca, sorridente.
A menina não diz nada, mas também sorri.
No caminho, o jovem lhe conta por cima a história de como
Paula e ele ainda não tinham se visto. A menina de cabelo rosa e
olhos azuis muito claros ouve atentamente e dirige o mais depressa
que pode até o lugar onde Paula e Ángel deviam ter se encontrado há
mais de uma hora e quinze minutos.
— Espere! Pare aí um instante! — grita ele de repente.
Katia obedece e estaciona rapidamente em fila dupla. Ángel
desce correndo. Em dois minutos, volta com uma rosa vermelha na
mão.
— Um menino clássico — ela ri. E continua dirigindo como se
fugisse do diabo até o local do encontro.
Por fim, chegam.
— Fico por aqui. Muito obrigado, Katia — diz, descendo do carro
e pondo a cabeça pela janela.
— É o mínimo que podia fazer. Boa sorte, Ángel. E se ela não
desculpá-lo, eu faço um atestado.
A jovem de cabelo cor de rosa, número um em todas as paradas
musicais do país, pisca para ele, pisa no acelerador e se afasta dali.
Ángel corre até o lugar exato onde dois dias antes haviam
marcado o encontro.
Olha para um lado e para o outro, em volta e ao longe. Busca
entre as pessoas sentadas nos bancos próximos. Mas Paula não
está. Era de se esperar…
“Deve ter pensado que sou um babaca e que dei para trás”.
Olha no relógio. Tarde demais. Suspira. Torna a olhar para todos
os lados. Nada. Não há esperança.
— Meu rapaz… — Uma voz delicada, acompanhada de uma mão
em seu ombro, surpreende Ángel pelas costas.
O garoto se volta e se encontra diante de uma senhora com um
realejo e um recipiente cheio de casquinhas de sorvete.
— Pois não, senhora… — pergunta o jornalista meio
desconcertado.
— Está procurando alguém, não é?
— Sim! A senhora viu uma menina morena com uma mochila?
— Com essa descrição, vi muitas. Isto aqui está cheio de
meninas... Mas uma passou por mim há mais de uma hora olhando
o relógio. Entrou naquele café faz um tempo — diz a senhora
apontando a Starbucks. — O que não posso lhe garantir é que ainda
esteja lá.
— Muito obrigado, senhora!
Ángel corre o mais rápido que pode, ignorando os semáforos e
ouvindo um ou outro insulto de algum motorista ao atravessar a rua
quando não devia. Entra na Starbucks como se fosse um corredor de
cem metros rasos. Três jovens alemãs ou inglesas que estão na fila
para pedir sua bebida ficam olhando para ele. Então, vê a escada e,
subindo os degraus de dois em dois, chega até lá em cima, onde uma
jovem não consegue desviar e acaba caindo de bunda no chão. Ángel
consegue não atingi-la, mas, no impulso , cai de joelhos atrás dela. A
rosa cai de sua mão. Ao ver a mochila das Meninas Superpoderosas
e o olhar daquela menina a compreende que seu encontro com Paula
acaba de começar. Ele também olha para ela e sorri.
— Desculpe o atraso, meu amor. Muito prazer. Eu sou Ángel.
Paula tarda a reagir. À sua frente está o menino com quem está
falando há dois meses. Dois meses de brincadeiras, risos, emoticons,
músicas, jogos, palavras. Muitas palavras. Mas nunca haviam se
visto. Nem por foto. Nada. Porém, ela tinha certeza de que gostava
dele. E agora, ele está de joelhos ao seu lado. Como em um sonho.
Irreal. Ángel se levanta e estende a mão para ajudá-la a se levantar.
Paula mira-o nos olhos. É realmente bonito. Talvez mais do que
havia imaginado.
— Tudo bem, eu consigo — diz com seriedade.
Ángel não consegue parar de olhar para ela um segundo sequer.
É muito bonita. Mais, talvez, do que ele havia imaginado.
A menina se levanta, apoiando-se com as duas mãos. Ajeita a
saia e a camiseta, joga o cabelo para trás e desce a escada sem dizer
nada.
— Sinto muito — desculpa-se Ángel, seguindo-a de perto depois
de pegar a rosa do chão. — É que...
— Shhhhh, não diga nada — interrompe ela, voltando-se e
olhando para ele com um sorriso. — Você veio; tarde, mas veio. Isso
é o que importa.
O jovem jornalista não afasta seu olhar do dela. Tem vontade de
beijá-la.
— Isso é para mim, não? — pergunta ela, apontando para a rosa
que Ángel tem na mão.
Ele assente sem dizer nada e lhe entrega a rosa. Paula inspira o
aroma da flor e fecha os olhos. Quando os torna a abrir, sorri e pega
a mão dele. Ele, surpreso, aperta-a suavemente e também sorri. E
assim, de mãos dadas, saem do café.
Já é noite alta. Caminham pela cidade juntos, abraçados, como
um casal, à luz dos postes, com o brilho da lua em uma noite de céu
aberto e com o barulho dos carros e das motos ao fundo. Os ruídos
não impedem que eles se sintam sozinhos. Únicos. Em perfeita
harmonia. Como se só existissem Paula e Ángel. Ángel e Paula.
Como se fossem namorados desde sempre.
— Quer dizer, então, que teve que entrevistar Katia… — comenta
ela, caminhando de costas uns passos à frente, sem afastar os olhos
dele. Sim. É realmente bonito.
— Sim. Ela é muito simpática.
— Adoro aquela música. — E a menina começa a cantar com
sua voz suave Ilusionas mi corazón. Ángel sorri e cantarola a música
em sua cabeça.
— E além do mais, ela me deu uma carona.
— Você andou no carro da Katia?
— Sim, você precisava ver.
— Uma beleza?
— Demais! Um Audi esporte cor-de-rosa. Nunca vi nada igual.
— Não, bobo. Perguntei dela, se é tão bonita quanto parece nas
fotos e na TV.
Ángel não diz nada, pensa bem na resposta. Realmente, Katia
lhe pareceu muito melhor pessoalmente do que em todas as fotos e
vídeos que viu. Sinceramente, a pequena cantora é uma menina
linda.
— Normal. É uma menina normal — acaba respondendo.
— Está mentindo — resmunga ela, mas logo o sorriso torna a
iluminar seu rosto. — Com certeza é mais bonita que eu.
Ángel põe uma mão no queixo e o esfrega.
— Bem, já que você falou... talvez. De fato, quando chegamos
onde eu havia marcado com você, disse a ela que seguisse em frente,
que queria jantar com ela. Mas ela tinha outra entrevista...
— Babaca! — grita Paula, mostrando que está irritada e quase
batendo nele.
Ángel se esquiva e corre, divertido, afastando-se dela. Quando a
menina quase o alcança, ele acelera um pouco e escapa de novo. E
assim sucessivamente, até que finalmente se deixa pegar e se
abraçam. O primeiro abraço deles.
— Estou cansada. Você me fez correr muito. Não foi suficiente
me deixar uma hora em pé esperando, ainda tem que me fazer correr
atrás de você?
— Vamos sentar ali.
É um banco vazio em um pequeno coreto com uma fonte
iluminada atrás. Ouvem de fundo os jatos d’água caindo, regando o
chão da fonte cheio de moedas. Paula senta-se no banco e, quando
Ángel vai sentar ao seu lado, ela põe a mão para impedi-lo.
— Espere.
O jovem não entende. Ela ficou brava?
— Não quer que eu me sente ao seu lado?
— Desfile para mim.
Ángel não sabe se ri ou se leva na brincadeira.
— Está falando sério?
— Estou com cara de quem está brincando? Desfile. Quero ver
se a descrição que fez de si mesmo no MSN está certa.
O jovem ri, mas aceita, dando-se por vencido.
— Está bem. Mas depois você, ok? Prometa.
Paula aceita a condição. Cruza os dedos, beija-os e jura.
Ángel se coloca à frente dela e começa a caminhar em linha reta.
Nada mal. Paula cruza as pernas e olha com atenção.
— Jaqueta, fora — diz a ele.
Ángel tira a jaqueta, pendura-a no ombro e continua desfilando.
Vai e vem. Aproxima-se e se afasta. A luz que embeleza a fonte o
ilumina. Paula não tira os olhos dele nem por um momento.
Finalmente, o menino para diante dela esperando o veredicto.
— E então?
— Hummmm… É verdade, você tem ombros largos. Acho que
sim, que mede 1,83 m, como dizia. Também não acho que tenha
mentido quanto ao peso. Mas há uma coisa que você disse da qual
discordo.
— Qual? — pergunta curioso.
— Sua bunda é bonita, não “normal”, como você disse. Gostei.
Ángel não pode evitar uma gargalhada e se aproxima de Paula de
novo:
— Agora é sua vez. Você prometeu.
— Espere, ainda não acabei. Abaixe-se.
O jovem suspira. Não entende, mas obedece. Está com o rosto
bem na frente ao da menina.
— Olhe fixamente em meus olhos.
Ambos sustentam o olhar por alguns segundos. Segundos muito
longos. Segundos sem fim.
— Sim, são azuis — diz ela por fim.
Mas os olhos não se desviam. Continuam fixos, os de um nos do
outro. Os olhos cor de céu de Ángel. Os olhos cor de mel de Paula.
Um perdido no outro.
— Posso lhe pedir uma coisa? — pergunta Ángel.
Ela sorri.
— Não precisa, amor. Pode me beijar.
Paula aproxima seus lábios dos de Ángel e os roça levemente
com os seus antes de lhe dar um primeiro beijo rápido. Depois, outro
um pouco mais longo e profundo. O terceiro supera o segundo. E foi
assim que, com a luz da lua em uma noite aberta, com o barulho da
água de uma fonte como trilha sonora, Paula e Ángel se beijaram
pela primeira vez.
Capítulo Quatro

Nessa mesma noite de um dia qualquer de março.


Paula gira a chave da porta de sua casa. É tarde. Para ela, muito
tarde. Sabe que uma boa bronca a espera, mas não se importa.
Qualquer bronca de seus pais vale por uma noite como aquela.
Minutos antes, no táxi de volta para casa, acompanhada por ele,
toca seu celular. A quinta ligação. Dessa vez, atende, fazendo um
gesto a Ángel como dizendo “estou ferrada”. O rapaz junta as mãos e
lhe pede perdão.
— Já estou chegando, mamãe. Eu me atrasei fazendo o dever na
casa de Miriam.
— Sabe que horas são? Por que não atendeu o celular antes?
— Não ouvi, desculpe.
— Faz uma hora que estou ligando! Estávamos quase chamando
a polícia! Você tem só dezesseis anos, não pode ficar até essa hora
por aí. Amanhã você tem aula!
— Que exagerados! E tenho quase dezessete, lembra?
— Exagerados?
— Mamãe, agora não posso falar. Estou chegando.
— Como não pode falar? Onde diabos você está?
— Estou chegando. Um beijo, mamãe. — E desliga.
Entra lenta e silenciosamente em casa, mas os ouvidos de pais
esperando a filha são tão sensíveis quanto os de um morcego. E
ambos chegam à sala ao mesmo tempo. Ao mesmo passo. Um, dois,
passo ligeiro. Os dois com a mesma cara brava.
— De castigo um mês! — É a primeira coisa que sai da boca de
sua mãe.
— Um mês? Acho que você é muito boazinha, Mercedes. Dois
meses, no mínimo!
— Está bem, Paco. Dois meses sem sair do quarto.
Paula resmunga. Sabe que é melhor não dizer nada nesse
momento. Amanhã pedirá desculpas, prometerá que não fará mais e
seus pais esquecerão o castigo.
— E agora, vá para seu quarto. E nada de computador e
televisão. Nenhuma luz acesa em cinco minutos!
A menina não diz nada e sobe para seu quarto batendo as botas
a cada passo, em cada degrau. Sabe que seus pais têm razão. Pelo
menos dessa vez, sim. Mas tem que fingir estar irritada. Porém, por
dentro, seu coração está dando pulos de felicidade. Não consegue
parar de pensar nos lábios de Ángel. Em sua boca. Em suas carícias.
Em como, abraçados, ele acariciava seu cabelo e ela estremecia.
Estava se apaixonando?
Paula entra em seu quarto e se joga de cabeça na cama. Pega
seu pequeno leão de pelúcia e o abraça.
— Tusi! — grita, apertando seu companheiro de travesseiro, de
sonhos, de sonhos que agora começam a se tornar realidade.
Paula deita Tusi ao seu lado, vira-se, coloca as mãos atrás da
nuca e olha para o teto do quarto. Tudo está escuro. Só uma leve luz
banha o ambiente: a luz da noite. Que sensação maravilhosa dentro
de si. Nesse instante, ouve um leve “toc toc” na porta. Paula se
endireita e se senta na cama. Uff, seus pais outra vez!
— Entrem.
A porta se abre devagar. Não são seus pais: uma pequena figura
de longos cabelos louros e um pijaminha da Hello Kitty entra e
acende a luz.
— Erica, o que está fazendo acordada?
— Só queria dar boa-noite.
Sua irmã mais nova se aproxima da cama, abraça-a e lhe dá um
beijo.
— Boa-noite, princesa.
— Por que papai e mamãe estavam gritando com você? Você fez
coisa errada?
— É... — Paula não sabe o que responder a sua irmã de cinco
anos —, fiz.
— E ganhou castigo?
— Sim.
— Paula, por que está sorrindo se ganhou um castigo?
Paula dá uma gargalhada.
— Quando você crescer, vai entender. Agora, para a cama!
Erica lhe dá outro beijo e sai correndo do quarto.
A menina não entende muito bem o que sua irmã mais velha
acaba de lhe dizer, mas pensa desejosamente que seus pais, da
próxima vez que ela se comportar mal, lhe deem o mesmo castigo
que deram a Paula. Ela também quer ficar tão feliz quanto sua irmã!
Em um lugar afastado da cidade, nessa noite de um dia qualquer
de março.
Fim.
Fascinante. Lindo. Encantador.
Álex não tem mais adjetivos para qualificar o romance que
acabou de ler, Desculpa se te chamo de amor. Escondido sob a
tímida luz da luminária de seu quarto, fecha o livro e saboreia o
agridoce sabor do fim. Por um lado, sente-se satisfeito por ter
encontrado uma história assim. Por outro, fica triste por não ter
mais páginas. Niki e Alex deixam de existir.
Nesse momento lhe vem à cabeça a menina do café. Para dizer a
verdade, esteve com ela na cabeça desde que a viu procurando algo
naquela mochila rosa engraçada das Meninas Superpoderosas. Ela é
linda. Especial. Ri ao recordar a batida que deu na mesa. Seus olhos
se encontraram debaixo da mesa quando ela se agachou para pegar
o livro. O mesmo livro que ele estava lendo. Seria coisa do destino?
Uma serendipidade. Como naquele filme, Escrito nas estrelas —
Serendipity no original —, no qual o destino marca o caminho de
John Cusack e Kate Beckinsale.
Álex se levanta da cama e vai para a mesa do computador. Liga-
o e rapidamente entra no MSN em busca do endereço da
desconhecida da Starbucks. Porém, ninguém o adicionou a sua lista
de contatos. Olha seu e-mail, então. Spam e mais spam, mas
nenhum e-mail.
O que esperava? Que ela o adicionasse? Talvez ela até tenha
ficado brava por ele ter trocado os livros. Talvez aquela menina tenha
rido dele quando viu o que havia escrito na última página.
Certamente pensa que é um idiota. Um idiota iludido.
Então, Álex sente vergonha de si mesmo, de seu ato, de seu
romantismo ... Mas ele é assim. Não pode evitar.
O desejo de extravasar percorre seu corpo. Sabe do que
necessita. Vai até onde guarda seu tesouro mais valioso. Pega-o e sai
do quarto. Caminha por um estreito corredor que acaba em uma
escada. Em cima, no teto, uma portinhola. Abre-a e sobe. A noite
está estrelada, limpa, com uma lua brilhante. A cidade está muito
bonita vista dessa pequena ladeira onde mora há alguns meses.
Afastada, mas ao mesmo tempo perto de tudo. Sente uma leve brisa
gelada que o penetra, fazendo-o tremer, mas não se importa: vale a
pena.
O jovem apoia as costas na parede e coloca seus lábios
docemente na palheta da boquilha. Segura com delicadeza aquele
corpo prateado e o faz soar. Durante alguns minutos Álex se entrega
a seu saxofone e à música.
Em uma região mais central da cidade, aproximadamente à
mesma hora em que Álex toca seu sax.
Paga o taxista e, com passo firme, entra em seu edifício. Sobe de
elevador até o andar em que fica seu pequeno apartamento, onde há
algumas semanas mora sozinho. Chega à sua porta, abre-a e entra.
Faz tudo com um sorriso nos lábios. Algumas vezes até assovia feliz
aquela canção: Ilusionas mi corazón.
Ángel tira a jaqueta e a deixa cuidadosamente em um cabideiro
na entrada. Está exultante. Tudo foi perfeito. Perfeito demais, talvez.
Ela é até melhor do que havia imaginado. Se gostava dela antes,
agora... Seu coração bate muito depressa quando pensa nessa noite
mágica.
Olha seu relógio. É muito tarde, e amanhã tem que acordar
cedo. A realidade nos faz despertar dos sonhos. Mas não foi um
sonho! Aquilo foi real… Paula é real. Não é mais só a menina
invisível que havia conquistado um pedacinho de seu coração; agora,
é uma pessoa que pertence à sua realidade. Ele conhece seu cheiro.
Sabe como se sente. Sabe como beija.
Essa noite vai sonhar com ela, tem certeza.
Antes, tem que dormir. Precisa, ou amanhã não vai render no
trabalho. Sim, vai acordar às sete. Procura o celular para programar
o alarme para essa hora. Onde está? Sim, na jaqueta. Volta até o
cabideiro e o encontra em um dos bolsos. Está desligado. Deve ter se
desligado durante a noite com Paula. Alguns segundos depois de
ligá-lo, um som anuncia que teve chamadas perdidas. Três, e as três
de um mesmo número. As três de um número desconhecido.
Olha de novo o relógio e conclui que é muito tarde para retornar
a ligação. Amanhã retornará, do trabalho.
O que Ángel não sabe é que a pessoa que ligou terá um papel
importante em sua vida nos próximos dias.
Capítulo Cinco

Na manhã seguinte, um dia qualquer de março.


Três meninas brincam sentadas em cima das mesas de uma sala
de aula do segundo ano do ensino médio. Riem à vontade, gritam e
sussurram, falam de mil e uma fofocas suas, mas principalmente
dos outros. Como as sobre o menino da classe ao lado, que dizem
que é gay. Parece que outros dois se pegaram no banheiro da escola.
Aquela loira, dizem as más línguas, gosta do professor de química. E
a morena ao lado não tinha peitos menores antes? Com certeza pôs
silicone.
O sinal toca anunciando que as aulas vão começar. A primeira,
matemática.
— E Paula? — pergunta Cris ao ver que sua amiga ainda não
chegou.
— Deve ter perdido a hora. Não deve ter dormido ontem à noite.
Com certeza não parou de...
Diana se cala a tempo. O professor de matemática surge nessa
hora pela porta. As três continuam sentadas em cima das mesas,
que nem sequer são seus lugares em sala de aula.
— Bom-dia, Sugus. Podem fazer o favor de se sentar como
pessoas normais? O homem inventou a cadeira por algum motivo.
Sejam gentis e generosas e vão cada uma a seu lugar.
Sugus: esse era o apelido que aquele homem de quarenta e
tantos anos havia posto no quarteto que ocupava o canto esquerdo
do fundo da classe.
— Prô, por que nos chama de Sugus? — Cris quis saber no
primeiro dia que ouviu seu novo apelido.
— Porque estou cansado de citar uma por uma cada vez que
lhes chamo a atenção. Assim, poupo trabalho — apontou aquele
homem sem nenhum tipo de emoção.
— Sei, mas por que exatamente Sugus? É porque somos
gostosas como essas balas, prô? — interveio Diana, piscando para
seu professor.
— Isso que decidam seus namorados. São Sugus porque todo dia
vestem roupas coloridas e, às vezes, são difícil de engolir. Como
algumas balas Sugus para mim.
O resto da classe caiu na gargalhada enquanto as quatro
meninas coravam, mas também acabaram rindo como os outros e
aceitando com humor a nova denominação original de seu professor
de matemática.
Cris, Diana e Miriam por fim descem das mesas e ocupam seus
assentos. O professor de matemática está fechando a porta para
começar a aula quando, a toda velocidade, pelo vão que ainda resta,
Paula entra na sala de aula.
— Senhorita García, a aula de educação física é a quarta —
comenta aquele inexpressivo homem. — Agora é a vez de
matemática, lembra? Estrelando suas amigas, as derivadas.
— Desculpe, prô. Congestionamento.
— Espero que tenham lhe aplicado o teste do bafômetro. Ocupe
seu lugar habitual e respire fundo.
Paula não dá bola para a ironia do professor e caminha para sua
mesa. A verdade é que perdeu a hora e o ônibus. Seu pai teve que
levá-la à escola, e, no trajeto, mal trocaram uma palavra. A bronca
da noite ainda é recente. “Tudo a seu tempo”, pensa a menina.
A quarta Sugus completa o grupo sob o olhar curioso de suas
amigas. As três sustentam um meio sorriso na boca pintada. Paula
não sabe o que está acontecendo.
— Que foi? — Olha a calça, mas o zíper está fechado. — Por que
estão me olhando assim?
Miriam toma a palavra.
— Meninas, o que vocês acham? Acham que ela fez?
— Fiz o quê? — pergunta Paula sem entender nada.
— Dormiu com seu amigo invisível — solta Diana.
O menino que se senta à frente de Diana volta a cabeça e a olha
com cara de espanto. Depois, exibe um sorrisinho.
— Olhe para a frente! — ordena a jovem, que acompanha suas
palavras com um gesto do dedo médio.
O garoto obedece e ela retoma a conversa com as amigas, com o
barulho de fundo das explicações do professor de matemática.
— E então? Dormiu ou não? — insiste Diana, falando agora
muito mais baixinho.
— Nããão! — diz Paula em um tom quase inaudível.
— Ele dormiu com você? — torna a perguntar a mais
interessada do grupo por esses assuntos.
— E não é a mesma coisa, Diana? — aponta Cris.
— Ah, que coisa! Houve sexo?
— Claro que nããão! — Paula não sabe mais como dizer que não.
Miriam observa sua amiga e, ao vê-la tão incomodada, tenta
mudar o rumo da conversa.
— Deixa ela, Diana. Querida, foi legal, não foi?
A protagonista da manhã assente enquanto sorri. E, em voz
baixa, conta a elas, por cima, seu encontro com Ángel.
— Que romântico! — diz Cris entusiasmada após ouvir
atentamente a história de Paula.
— Fico feliz por ter encontrado alguém assim — acrescenta
Miriam.
— E, ainda por cima, tem uma bunda bonita! É uma sortuda
mesmo… — intervém Diana. — Bom, e agora? Podemos dizer que já
estão namorando? — pergunta, enquanto tira o papel de um pirulito
e o coloca na boca.
O professor de matemática chama Martín para ir à lousa; é o
menino que senta à frente de Diana, com quem antes teve a
discussão.
— Acho que sim, não é? — diz Paula hesitante.
— Tanto faz a denominação: é seu namorado e pronto. Que
importa a palavra que usarem para se definir? — comenta Miriam.
— Claro, o importante é que se gostem, que saiam juntos, que se
divirtam juntos...
— E que façam sexo juntos — Diana interrompe Cris após dar
uma sonora chupada em seu pirulito e elevando um pouco o tom de
voz.
— Shhhhh. — É o som das outras três Sugus juntas depois de
ouvir a amiga.
— Que foi que eu falei? Claro que esses dois... ou não, Paula?
— Deixa ela, mulher! Não a atormente com isso.
— Acabei de conhecê-lo, Diana. Não acha um pouco cedo?
— Está há dois meses falando com ele. Chegam, se veem, se
devoram aos beijos... E o cara tem uma bunda bonita. O que mais
você quer?
— Deve querer mais coisas, Diana. Nem tudo é sexo, sexo, sexo.
— Claro que não, querida. Mas somos jovens e temos que
aproveitar. Se não fizermos agora, quando vamos fazer?
— Deixe que ela faça quando quiser e estiver preparada — diz
Cris muito baixinho.
Paula respira fundo. Às vezes, sente-se um pouco angustiada
por causa de sua virgindade: é a única virgem do grupo. Não que não
tenha vontade de fazer, mas é que ainda não encontrou o menino
certo para sua primeira vez. Muitas dúvidas absorvem sua mente.
Será que é muito exigente? Que está preparada? Ángel poderia ser o
primeiro?
— Meninas, deixem isso para lá, depois a gente vê — conclui
Paula com uma expressão divertida, mas sem deixar de lado seus
pensamentos mais íntimos.
— Claro, linda, não tenha pressa — diz Miriam, olhando-a nos
olhos com um sorriso.
E as quatro Sugus ficam em silêncio pela primeira vez no resto
da aula.
Martín não consegue resolver direito o problema que o professor
de matemática pôs na lousa e volta cabisbaixo ao seu lugar. Quando
chega à sua cadeira, encontra o olhar de Diana, absorta em seu
pirulito. Ela percebe que o jovem a observa e pisca para ele. Depois,
tira o pirulito da boca e lhe joga um beijo imaginário. O garoto sorri,
mas fica sério de novo quando Diana repete o gesto com o dedo
médio. Martín se senta e olha para a frente.
— Bom, como o virtuoso senhor Martín não conseguiu resolver
este exercício digno de meu sobrinho que tem sete anos e meio,
vamos tentar a sorte e dar uma chance ao senhor Parra. Mario
Parra, suba ao palco e ilustre-nos.
Mario nem ouve o chamado do professor. Do outro lado da sala
está com os olhos cravados nela. Quando acha que ela olha de volta,
rapidamente os afasta e foge daqueles olhos cor de mel. Está
desesperado. Sente tanta coisa quando a vê rir, falar, caminhar, que
não sabe nem como explicar suas emoções. Nota uma pontada
dentro de si e um nó na garganta que às vezes não o deixa nem
respirar.
— Senhor Parra, pode descer das nuvens e vir até a lousa?
O menino vê que sua irmã, da outra ponta da sala, está lhe
fazendo gestos para que reaja e vá resolver a derivada. Por fim se dá
conta e, como quem acorda de um longo sonho, volta à realidade.
Desajeitado, cambaleando um pouco, dirige-se à lousa.
No caminho, continua pensando que não pode continuar assim,
que tem que fazer alguma coisa. Está há muito tempo tentando se
decidir a quebrar seu silêncio e acha que é o momento. Sim,
decidido: tem que dizer a Paula que gosta dela, que a ama acima de
tudo neste mundo. Tem que falar. Seu coração assim diz.
Mas o coração de Mario, esse coração de adolescente
apaixonado, ficará despedaçado em questão de horas.
Nessa mesma manhã desse dia de março, na redação de uma
revista de música.
Ángel chegou cedo, como havia pensado. Queria o quanto antes
sentar-se para redigir a entrevista que havia feito com Katia no dia
anterior. Desde as nove da manhã estava ouvindo em seu gravador a
conversa com a cantora. Mesmo gravada, sua voz soa bonita. Sim,
sem dúvida, Katia tem algo especial. Sua música pode agradar ou
não, mas é inquestionável que ela transmite algo. E, pessoalmente,
muito mais.
— Como lida com o preço da fama? Sua vida mudou desde que
ficou popular?
Ángel relembra que, nesse momento, Katia fez uma pausa
pensando bem na resposta que ia dar.
— Sim, mudou — responde categórica. — Ouvi pessoas dizerem,
quando explicam algo parecido com o que aconteceu comigo, que
fazem as mesmas coisas, andam com as mesmas pessoas que antes,
têm os mesmos gostos... Só que agora são conhecidos. Eu não posso
dizer o mesmo. Minha vida mudou completamente. Meus amigos da
vida inteira me olham de outro jeito. Acham que, porque apareço na
TV ou vendo discos, sou diferente. Tratam-me com um respeito que
não deveriam. Porque eu sou igual a eles — fica em silêncio, mas
não como um convite a que a outra pessoa fale, e sim para refletir
sobre o que está dizendo... Por fim, prossegue: — E transo menos
que antes — solta de repente, com um grande sorriso.
— Transa menos?
— Sim, muito menos. A popularidade infunde respeito. E não
gosto disso, porque não sou nenhum referencial para ninguém, não
mereço isso. Fumo, de vez em quando bebo, não escrevo minhas
canções... No entanto , eu me transformei em uma espécie de
ícone pop. Acham que nunca quebrei um prato na vida. E a verdade
é que tenho uma longa lista de besteiras.
Ángel admira a sinceridade da moça. Em sua curta experiência
como jornalista, está acostumado a ver as pessoas recorrerem aos
clichês de sempre em uma entrevista: a típica promoção para vender
CDs. Katia não é assim, não foge da verdade nem diz o politicamente
correto. Também não a vê como uma dessas pessoas que dizem ser
sinceras porque falam o que pensam. O que a pessoa pensa não tem
por que ser realidade, nem tem por que ser sincero. Definitivamente,
ela é diferente dos outros.
— E você, sua vida mudou? — pergunta Katia.
Lembra bem essa parte da conversa. Ficou muito surpreso por
ser ele mesmo o entrevistado. Apesar de Ángel levar suas entrevistas
para o terreno do diálogo, não do típico pergunta-resposta, não
estava em seu roteiro que Katia quisesse saber sobre ele.
— Sim, mudou.
— Desde que é jornalista?
— Sim — afirma o jovem. — Eu me mudei há pouco tempo,
dependo de mim mesmo e tenho algum dinheiro no bolso, que eu
mesmo ganho. Mas, acima de tudo, mudei pessoalmente. Ser
jornalista é minha vocação, e me sinto realizado por ter chegado à
meta. Eu me sinto bem.
Lembra que, nesse instante, seus olhos azuis se encontraram
com os olhos celestes de Katia e por um momento sentiu o rubor,
mas ao mesmo tempo uma confiança. A bolha imaginária de que
tanto se fala havia se rompido: a separação entre ambos não era
suficiente. Mas não se importava muito, e a ela também não parecia
importar.
No gravador não se ouve nada. É um instante de silêncio mútuo.
Dizem que quando é possível estar em silêncio com uma pessoa sem
que haja constrangimento, realmente existe química entre ambos.
Isso é o que parecia acontecer com Ángel e Katia.
Ángel aperta o stop do gravador. Pensa agora em Paula. Existia
essa química também entre eles? Parecia. A noite anterior havia sido
como um sonho. Tudo como em um filme da Julia Roberts ou do
Hugh Grant. Certamente, se fizessem um filme de seu encontro da
noite passada, dos últimos dois meses, o resultado seria uma
comédia romântica. O encontrão, a rosa no chão, a fonte, o desfile...
o beijo. O primeiro beijo. Possivelmente, aí o diretor gritaria “corta”.
Possivelmente, o filme de Paula e Ángel acabaria com o primeiro
toque de seus lábios e uma música romântica de fundo, com certo
toque pop, como Ilusionas mi corazón.
De repente, sente uma vontade enorme de vê-la.
— Desça das nuvens, Ángel.
O jovem jornalista não percebeu a chegada de seu chefe.
— Estou em plena terra firme, com os pés sempre no chão — diz
o rapaz dando duas batidas no chão, sapateando com os dois pés. —
Pois não?
— Tenho novidades. Tenho duas notícias para você: uma boa e
uma ruim.
“Que clichê”, pensa Ángel.
— Vamos começar pela boa, então.
— Você tem a tarde livre.
— Ora, como está generoso! Obrigado! E a ruim?
— Preciso de você esta noite.
Ángel franze a testa com estranheza.
— Para...
— O agente de Katia ligou. Ontem, no fim, não fizemos as fotos
para a revista. Não sei onde você foi nem quero saber, mas deixamos
o trabalho pela metade.
— E o que eu tenho a ver com as fotos? Héctor é quem cuida
disso.
— Sim, ele, como sempre, vai fazer as fotos. Mas querem que
você esteja presente.
— Héctor quer que eu esteja presente?
— Héctor aceitou, embora não muito feliz. Quem quer que você
esteja presente é Katia.
Uma notícia inesperada. Ela queria que ele estivesse na sessão
de fotos... Para quê?
— Certo. Mas tem que ser à noite?
— Sim. Héctor já havia pensado na ideia, de modo que não vou
fazer que mude seus planos de trabalho. Eles aceitaram, então vejo
vocês à noite.
Nesse momento, toca o celular de Ángel. Vê o número na tela: o
mesmo de ontem, das três chamadas perdidas. Pede licença a seu
chefe para atender; ele assente e Ángel se retira da sala. A seguir,
atende.
— Alô? — diz o jovem.
— Olá, Ángel. Sou eu.
Ángel logo reconhece aquela voz.
— Katia?
— Sim. Vejo que se lembra de mim.
“É complicado esquecê-la se passei a manhã toda ouvindo-a no
gravador”, pensa.
— Claro, não faz nem vinte e quatro horas que nos vimos. Minha
memória já começa a falhar, mas não chega a tanto. Onde arranjou
meu celular?
— Liguei ontem na redação de sua revista e me deram.
— Vejo que é simples conseguir meu telefone particular.
— Não se iluda. Tive que usar todos os meus dotes. Até cantei
para a menina que me atendeu para que acreditasse quando eu
disse que era Katia.
— E ela acreditou.
— Sim — afirmou sem muito entusiasmo, e depois fez uma
daquelas pausas às quais Ángel estava começando a se acostumar.
— Liguei para você ontem… — disse uns segundos depois.
— Desculpe. Quando vi suas chamadas perdidas, já era muito
tarde e não quis incomodar.
— Não teria incomodado.
— Não sabia que era você.
— É natural, você não tinha meu número. Devia tê-lo dado
ontem antes de nos despedirmos — outro silêncio, este mais breve
que o anterior. — Liguei para perguntar se deu sorte com sua garota.
A razão era essa. Simples curiosidade? Gentileza?
— Ah, sim. No fim, não foi preciso nenhuma justificativa. Mas
muito obrigado pela carona: sem você, não teria chegado a tempo.
— Na realidade, se chegou tão tarde foi por minha culpa. Fico
feliz por tudo ter dado certo.
— Obrigado.
— Não liguei só para isso — prosseguiu. — Queria lhe pedir
também que fosse à sessão de fotos, mas imagino que seu chefe já
deve ter lhe dito.
— Sim, acabou de dizer. Não entendo muito bem para que posso
servir ali, mas irei.
— Agora quem agradece sou eu. É muito simples: possivelmente,
a de ontem foi a melhor entrevista que já dei nesses meses. Foi
muito agradável. Gostaria de sua opinião nas fotos.
“A melhor entrevista desses meses?”. Era inquestionável que
havia certa química entre os dois. A conversa foi mais um papo de
amigos que uma entrevista. Ángel continua sem entender muito bem
como poderia ajudar em uma sessão fotográfica, mas não contraria a
ideia de Katia.
— Se você acha que posso ajudar, estarei lá.
— Obrigada, Ángel. Tenho certeza de que, com você, tudo vai ser
mais simples. Não gosto muito desse tipo de coisa porque me sinto
ridícula posando. Assim, vou me sentir mais à vontade.
— À noite nos vemos, então, Katia.
— Perfeito. Um beijo, Ángel. Até a noite.
A cantora é a primeira a desligar. Enquanto isso, Ángel continua
com o celular na mão. Está pensativo. Aquela menina é realmente
agradável e ele se sente muito à vontade com ela. Porém, ele já tem
namorada. E gosta disso. Gosta muito de estar com Paula. Adoraria
beijá-la agora mesmo. Suspira. Não consegue parar de pensar nela.
E, de repente, algo surge em sua mente. Liga para Informações e
solicita um número. Anota-o em um Post-it amarelo e agradece à
operadora. Desliga e a seguir digita o número que acabaram de lhe
fornecer. Após dois toques, uma mulher atende. A conversa dura
apenas cinco minutos.
Satisfeito, mas precisa de algo mais. Entra na sala de Jaime
Suárez.
— Chefe, posso lhe pedir um favor?
— Sim, claro, Ángel. Pode falar.
— Como tenho a sessão de fotos esta noite e a tarde livre,
importa-se se eu for embora às 13h? Não há muito trabalho.
— Claro, sem problema nenhum.
— Obrigado, chefe.
O jovem jornalista fecha a porta da sala de seu chefe e,
sorridente, dirige-se à sua mesa para prosseguir com a reportagem
da cantora de cabelo cor-de-rosa.
Capítulo Seis

Umas horas depois, nesse mesmo dia de março.


“Paula, você e eu nos conhecemos faz tempo. Sempre a vi como
uma amiga, mas realmente sinto algo a mais por você. Gosto muito
de você. Te amo, Paula”.
O que ela diria? Ele teria alguma chance? Talvez ela também
estivesse secretamente apaixonada por Mario. Talvez precisasse que
ele desse o primeiro passo. Talvez.
Mario volta a ler o bilhete que escreveu. Recita diante do espelho
do banheiro e o decora. Coisa breve, mas intensa: palavras sobre um
sentimento, sobre um amor oculto que não pode continuar nas
profundezas de seu coração.
Suas mãos suam. Seu rosto está um pouco mais corado que de
costume. Respira com dificuldade e suas pernas não param de
tremer há um tempo. Por fim, vai lhe dizer tudo que sente. Por fim.
Mario inspira todo o ar que seus pulmões lhe permitem, depois o
solta com força e sai do banheiro com passo firme. Molha a testa
com água fria. Caminha decidido. Tem que ser decidido. Com algo
assim não se pode hesitar. É o momento mais importante de sua
vida. Sim, sim, claro que é.
O jovem pega o corredor que leva à sua classe. Ali ao longe , no
fundo, em um horizonte de pastas e mochilas, vê Paula. Como é
bonita... Hoje está de cabelo liso, que fica tão bem nela como seu
cacheado natural. É linda.
Cada passo que Mario dá é um mundo de sensações. Vive
segundos de êxtase, com os nervos à flor da pele. A cada passo,
Paula está mais perto. Já distingue o mel de seus olhos, o vermelho
moderado de seus lábios, a pequena covinha no queixo e aquela
pintinha que tem no rosto. Sim, agora está mais seguro que nunca.
Vai confessar todo seu amor por ela. Mas um barulho ensurdecedor
se antecipa à sua declaração. Toca o sinal anunciando que vai
começar a última aula do dia.
Mario vê seu plano interrompido por essa bendita campainha.
Porém, Paula ainda não entrou na sala de aula. Ainda tem chance de
lhe dizer. Agora é o momento. Tem que falar.
— Paula, posso falar com você um segundo? — diz quando
chega à frente dela. Todo seu corpo treme. Vai pular do penhasco.
Suas mãos são água.
A menina olha para ele. Acena com a mão e abre um grande
sorriso.
— Paula, eu te amo.
O tempo para: um instante que é um século. Quase não
consegue olhá-la nos olhos. Seus joelhos se dobram sozinhos. E
agora? Calor e frio. Silêncio. Medo.
Mas Paula não responde. Continua olhando para ele e sorrindo.
Um desfile de alunos passa por eles para entrar na sala de aula.
— Paula, eu...
A menina não para de sorrir e leva as mãos às orelhas. Fones de
ouvido.
— Desculpe, Mario, o que estava me dizendo? Já ouviu esta
canção?
Paula coloca um fone em Mario enquanto o outro fica
pendurado. Ouve-se uma voz doce. É a voz de Katia, essa cantora
que tanto aparece na TV agora. Ilusionas mi corazón.
Uma mão, que aparece de lugar nenhum, pega o outro fone de
ouvido e o coloca em sua própria orelha. O professor de matemática
também ouve a canção de Katia.
— Nada mal, senhorita García. Mas prefiro os uivos noturnos do
meu cachorro.
O professor tira o fone de ouvido e o entrega a Paula.
— Para dentro, os dois. O professor de física não vem. Um
homem sábio. De modo que aproveitarão minha presença por mais
uma hora. Que sortudos! Aula dupla de derivadas hoje. Não vão
achar ruim, não é?
Paula suspira e entra na sala de aula bufando.
Para trás fica Mario com suas intenções, com seu amor em
espera, com suas palavras pendentes. O jovem respira fundo, seca
as mãos na calça e também entra na sala de aula.
Todos se sentam. Mario em seu lugar e Paula no dela, perto
das Sugus, que já ocupam seu canto. Uma nova aula de matemática
os espera para encerrar o dia, a última da semana.
— Não aguento mais — reclama Diana em voz baixa. — Quero ir
embora já. Quero o fim de semana!
— Eu também já estou esgotada. Quero... — comenta Paula.
— Você quer seu anjinho — brinca Cris.
Paula suspira. Quer mesmo. Durante toda a manhã não
conseguiu parar de pensar nele. Tem muita vontade de vê-lo. Mas
não marcaram nada especifi camente, conversariam depois. Não
haviam feito planos para o fim de semana. Ontem, por fim, trocaram
celulares. As peças do quebra-cabeça, esse complicado quebra-
cabeça que começou há dois meses, estão começando a se encaixar,
cada uma em seu lugar.
A aula de matemática passa entre a preguiça e a intensa espera
pelo sinal de saída. O tênue som das explicações do professor faz
com que todos quase durmam. Até as Sugus parecem desanimadas:
uma brinca com o cabelo, a outra mordisca uma caneta... Nem
falam. Todos os alunos compartilham uma meta: que isso acabe o
quanto antes.
Sentado do outro lado, Mario continua olhando para ela de
soslaio, disfarçadamente. Paula ficou sem saber que ele a ama.
Malditos fones de ouvido. Maldita música. Coisas do destino? Não.
Uma simples coincidência . Quando essa aula insuportável acabar,
vai falar com ela. Sua valentia está meio diminuída, mas ainda é
suficiente para enfrentar a situação. Sim. Em poucos minutos vai
lhe dizer de novo que a ama.
— Como sabem, semana que vem temos uma prova importante.
Sei que entre uma cerveja e outra vocês se lembrarão de mim e
estudarão bastante. Aconselho-os a fazer os exercícios da página
cinquenta e quatro e...
Nesse momento, alguém bate à porta.
O professor de matemática para de falar e se dirige lentamente à
porta, com calma, sem pressa, um tanto irritado. Alguém ousa
interromper sua aula. Ao abrir, surpreende-se com o que vê. É raro
de ver uma mudança de expressão no rosto daquele homem que não
gesticula nem se altera quase nunca.
A classe murmura enquanto o professor dialoga do lado de fora
com a pessoa que chegou.
— Está bem, entre, mas rapidinho — urge a quem quer que seja
que se atreveu a interromper sua aula.
Um rapaz não muito alto, feinho, com um boné virado para trás,
entra na classe diante da surpresa de todos os alunos. Nas mãos,
um imponente buquê de flores. Rosas vermelhas.
— É aquela — aponta o professor, indicando Paula. — Senhorita
García, vamos, não se faça de rogada e vá receber as flores. Podia ter
avisado que era seu aniversário, teríamos organizado uma festança
aqui.
“Mas, não é meu aniversário…”, pensa a jovem de cabelo alisado
enquanto empalidece. Em poucos segundos, seu rosto vai corando,
até terminar em uma visível vermelhidão. Por fim se levanta, incitada
pelas Sugus e o resto da classe, que batem palmas. A classe toda,
menos uma pessoa que está com os olhos arregalados e o coração
mais apertado e encolhido que nunca.
O menino do boné para trás entrega a Paula o buquê. As flores
são lindas, vermelhíssimas, e não vêm sozinhas: um pequeno
cartãozinho está amarrado em um dos talos com um lacinho
azulado.
O professor de matemática dispensa o entregador, desculpando-
se por não lhe dar gorjeta.
— Senhorita García, pode voltar ao seu lugar, e procure fazer
com que, a partir de agora, os presentes sejam entregues em sua
casa.
Paula dá um sorriso amarelo. Não pode acreditar. Caminha
lentamente para sua mesa diante do olhar de todos, que a seguem
sem perdê-la de vista, enquanto o professor reinicia suas
advertências e explicações a respeito da prova da semana seguinte.
Chega à sua cadeira. Miriam colocou ao seu lado a cadeira de uma
mesa vazia para que sua amiga deixe as rosas ali.
— Leia o cartãozinho, rápido. Que aflição!
A jovem pega aquele papelzinho e lê, primeiro para si, depois em
voz baixa.
“As onze rosas que faltavam para completar a dúzia. Obrigado
por uma noite mágica”.
Um “oh” em uníssono sai da boca muito aberta de suas amigas.
— Que graça de menino! — diz Cris em voz baixinha, talvez a
mais romântica das Sugus.
— Que mico! — diz Paula, levando as mãos ao rosto. — Vou
matá-lo.
Mas não é verdade que quer matá-lo. Sente-se afortunada,
impressionada, querida. Essa delicadeza das rosas mostra como
Ángel é: um clássico com a imaginação de um ilusionista; uma
pessoa que dá as rosas vermelhas de sempre, mas do jeito mais
peculiar do mundo. Paula se sente especial.
Do outro lado da sala, alguém não está tão feliz. Mario está
desconcertado. Ela namora? Desde quando? Por que ninguém lhe
disse nada? Talvez seus pais lhe tenham mandado as rosas. Ou um
cara que mora longe. Ou talvez uma amiga…
O menino não quer acreditar que exista uma pessoa que ocupa o
coração de sua amada. Sua Paula.
Os minutos restantes da aula são eternos para Paula e Mario.
Ela quer fugir o quanto antes dos olhares de seus colegas. Até o
professor fez umas brincadeiras referentes ao seu buquê de rosas
vermelhas. Quer chegar à sua casa e... Mas o que vai contar a seus
pais? Ontem chegou tarde e hoje volta para casa com flores. Muito
evidente. Não está a fim de que seus pais saibam de sua relação com
Ángel, pelo menos por ora. Não terá mais remédio que mentir ou
escondê-las.
O garoto também quer fugir. Não tem certeza de querer saber a
verdade sobre aquelas rosas. Para ele, são espinhos que se cravaram
em seu coração. Seus olhos estão úmidos, mas tenta manter a
calma. Nada é certeza ainda. A ideia de se declarar desapareceu por
completo de sua cabeça. Tudo é tão confuso... Sua vontade de chorar
aumenta. Quase não consegue suportar.
O sinal da liberdade toca pontual.
Paula é a primeira a sair, em disparada, encantada com seu
buquê de rosas vermelhas. Mario, imóvel em sua cadeira, vê o amor
de sua vida se afastar. Não aguenta mais, e uma lágrima rola.
Apressadamente, coloca um livro na frente do rosto para esconder a
face molhada. Seus lábios estão secos e os olhos, vermelhos. Vários
colegas passam por ele e se despedem, até semana que vem; Mario
não responde, continua escondido, nem sequer sabe se para ele
haverá próxima semana, porque quer morrer. Mas nada é certeza.
Respira profundamente e tenta se acalmar. Em sua cabeça há só um
buquê de rosas vermelhas. Volta a respirar. Fecha os olhos, solta a
última lágrima e sorri. Está sozinho, não há mais ninguém na sala
de aula. Devagar, caminha para a porta.
Paula deve ser a aluna mais invejada por todas as meninas com
as quais cruza nos corredores da escola. Quem passa ao seu lado a
observa com curiosidade, e acaba esboçando um sorrisinho e
fazendo algum comentário. Que mico!
Por fim, chega à saída. Ainda não sabe o que vai fazer com as
rosas, ainda tem que pegar o ônibus. Uff!
Desce a escada até a rua sem olhar para nada nem para
ninguém, com a cabeça baixa. O cheiro das rosas a invade e lhe
provoca alegria e recordações da noite anterior, quando aquele
garoto alto e bonito apareceu correndo, subindo a escada daquele
café e os dois acabaram no chão. Relembra o passeio de mãos dadas,
a fonte, o desfile… O primeiro beijo. E agora as rosas. Deus, é tudo
um sonho! Alguém, a qualquer momento, vai beliscá-la e ela vai
acordar. Isso não pode ser verdade.
As pessoas olham para ela: para ela, para as flores. Uma menina
tão bonita com um buquê de rosas assim é uma imagem
encantadora. Sente-se observada , cada vez mais. Ainda mais. E sim,
é verdade: alguém a observa atentamente, alguém com um sorriso
que cobre todo seu rosto, alguém com seus olhos azuis cravados
nela, alguém que deu a Paula aquele buquê de rosas. 11+1.
Por fim, ergue o olhar e o vê. Ángel!
A emoção é irresistível dentro de Paula. Acha que nunca se
alegrou tanto de ver alguém. Quando se dá conta, está correndo
desesperadamente para se jogar nos braços de seu namorado. Sim:
Ángel, definitivamente, é seu namorado. O buquê cai no chão e seus
lábios se unem com paixão. Ela pendurada nele, tocando o céu,
abraçando com suas pernas a cintura dele, com as mãos, o pescoço.
E continua beijando-o, como nunca beijou ninguém.
— Te amo — diz em seu ouvido.
— Eu também te amo, Paula.
O novo beijo é longo, intenso, apaixonado.
A menina, por fim, põe os pés no chão e se abraçam. Seu rosto
no peito dele, suas mãos nas costas dele.
As Sugus olham a cena da escada da escola. As três sorriem.
— Como o amor é belo! — diz Miriam, emocionada.
— Sim, é verdade que o menino tem uma bunda bonita —
acrescenta Diana, e Cris lhe dá uma cotovelada.
Quando veem que o casal termina o abraço, aproximam-se,
curiosas por conhecer o namorado de sua amiga.
— Não vai nos apresentar? — diz Diana, que é a mais atirada do
grupo.
Paula olha para Ángel e depois para suas amigas. O jovem põe a
mão no cabelo, nervoso. À sua frente estão as temíveis Sugus, de
quem tanto ouviu falar. Ri para si mesmo ao recordar tudo que
Paula lhe contou sobre elas.
— Meninas, este é Ángel. Ángel, estas são...
— Espere, deixe que eu adivinhe — interrompe o jovem
jornalista. — Você é Miriam — diz apontando corretamente para a
mais velha do grupo. — Você, Cris. — Também acerta. — E, claro,
você só pode ser Diana. Acertei?
Diana assovia, Cris aplaude e Miriam assente com a cabeça. E
Paula lhe dá outro beijo na boca como prêmio.
— Demais! Podemos premiá-lo também? — pergunta Diana
levantando as sobrancelhas.
— Você aí, quieta, espertinha — diz Paula colocando-se diante
de Ángel como se o protegesse das garras de sua amiga.
— O negócio das rosas foi lindo… — comenta Miriam.
— Lindo? Que vergonha você me fez passar! Mandar-me flores
na classe! — grita Paula fingindo estar irritada.
— Tem razão, da próxima vez, mando diretamente para sua casa
para que seus pais as vejam primeiro.
— Nããão!
As Sugus riem enquanto Paula torna a abraçar Ángel.
— Vim convidá-la para almoçar, está a fim? Tenho a tarde livre.
— Claro que estou a fim, mas acho que meus pais não vão
deixar. Aliás, o que vamos fazer com as rosas?
— Eu cuido das rosas — diz Diana pegando o buquê do chão. —
Ligue para seus pais e diga que vai almoçar em minha casa e que
depois vamos estudar.
— Se eu disser que vou à sua casa estudar, aí sim que não vão
acreditar.
— Tem razão — aponta a menina pondo a língua para fora —, é
melhor dizer que vai estudar na casa da Cris.
Cris sorri e aceita com a cabeça.
Paula liga para seus pais. Sua mãe atende ao telefone e, em
princípio, nega-se a permitir que sua filha fique, mas esta insiste
uma, duas, três vezes , até que finalmente consegue convencê-la. A
conversa termina com um “prometo que vou estudar muito e voltar
cedo”.
— Tudo certo! Podemos ir. Onde vai me levar para almoçar?
As meninas se despedem do casal e vão embora. Paula e Ángel
também desaparecem de mãos dadas.
É sexta-feira à tarde. O sol morno de março acaricia os galhos
das árvores que desenham sombras sobre a cidade. Um sol que não
ilumina a todos por igual, um sol que pousa seus raios nos olhos de
Mario, que, sentado na escada, viu parte da cena com os dois
apaixonados. Está quieto, com os braços cruzados sobre o ventre.
Mal pode pensar. Nem ao menos chorar. É uma estátua de gelo, com
o coração congelado.
Não pode ser verdade. Nega-se a acreditar no que viu. Mas a
quem quer enganar? É natural que uma menina como Paula tenha
namorado. Levanta-se e desce os degraus devagar, com as mãos nos
bolsos. Uma pedra cruza seu caminho. Mario a vê e chuta para a
parede com o pé direito, com todas as suas forças. A pedra rebota e
ele perde de vista sua trajetória.
Do gelo à raiva, da raiva às lágrimas, das lágrimas ao pranto.
E sob o morno sol de março, Mario também se afasta xingando e
chorando sua infeliz existência.
Capítulo Sete

Na hora em que Paula e Ángel vão almoçar juntos, nesse mesmo


dia de março, em outro lugar da cidade.
(...) Na vida surgem pessoas de algum lugar que marcam sua
vida. É um jogo do destino que coloca em seu caminho gente que, em
um passe de mágica, ou não, influi em seu comportamento e até o faz
mudar seu jeito de ser. Jogam tamanha rede que você fica preso por
sua essência, seja qual for (...)
Um jovem bonito, de sorriso perfeito, está sentado em um banco
de madeira de uma rua quase deserta, escoltada de ambos os lados
por acácias e ailantos. Mas sua expressão é séria, não sorri.
Álex volta a ler o primeiro parágrafo daquele fino livreto que tem
nas mãos enquanto come sem muita vontade um sanduíche de
frango com alface. Já o corrigiu umas duzentas vezes, mas nunca
fica satisfeito. Agora, porém, não há volta. Esses panfletos são sua
carta de apresentação: o início de um sonho.
Se o sax é seu desabafo, escrever é sua paixão, a vocação de um
jovem de vinte e dois anos que tenta abrir caminho em um mundo
tão difícil como o literário.
Realmente serve para aquilo? Tem talento suficiente?
Por ora, não sabe. Essa é a verdade. Pouca gente leu as dezenas
de páginas que guarda escondidas em seu notebook: poesias, contos,
ensaios, reflexões...
Mas a empreitada agora é maior. Tem diante de si o desafio de
escrever um romance. Já tem o perfil dos personagens. Julián, um
jornalista que quer ganhar a vida como escritor, é o protagonista. Ele
é um pouco como Julián, mas deixa que a ficção brinque em sua
relação com os personagens . E tem a menina de catorze anos, para
quem ainda não escolheu um nome. Tem que decidir logo, porque
sua aparição no romance é iminente. Poderia chamá-la de...
Então, Álex pensa na menina que conheceu no café ontem.
Também não tem nome, como sua personagem de catorze anos.
Talvez seja melhor não lembrar-se mais dela. Com certeza riu dele.
Nem sequer apareceu no MSN. Mas por que não consegue tirá-la da
cabeça?
Acompanha a última mordida do sanduíche com um gole d’água.
Tira do bolso um lenço de papel e de novo volta sua mente à menina
de ontem, sua imagem debaixo da mesa quando ele lhe ofereceu um
lenço de papel. Como se pode sentir falta de uma pessoa a quem não
se conhece?
Olha o relógio. Ainda tem um pouco de tempo antes das aulas.
Hoje são mais cedo que de costume. O Sr. Mendizábal ia lhe fazer
um grande favor.
De modo que de novo se concentra naqueles primeiros traços
de Por trás da parede: as primeiras catorze páginas do que deveria
ser seu primeiro romance.
Nesse mesmo dia, à mesma hora, em outro lado da cidade.
Paco beija sua esposa no rosto. Acaba de chegar de outra manhã
extenuante de trabalho e ainda tem a jornada da tarde. Mas agora
não quer pensar nisso, só quer saber de uma refeição tranquila com
a família e fazer a sesta.
A pequena Erica chega correndo de algum lugar e se joga nos
braços do pai.
— Vamos pôr a mesa, princesa.
Pai e filha colocam quatro talheres na mesa, quatro copos e
quatro pedaços de pão de cada lado de quatro guardanapos.
— Não, ponham só para nós três. Paula não vem almoçar.
Paco olha para Mercedes com estranheza.
— Como assim não vem almoçar? Não está de castigo? Aonde ela
foi?
— Ligou e disse que vai ficar na casa de Cris. Vão estudar juntas
depois. Eu disse que não, mas ela insistiu tanto que no fim me dei
por vencida.
— Vão estudar o que em uma sexta-feira à tarde?
— Eu sei, mas o que queria que eu fizesse?
— Que dissesse não, que está de castigo e que, portanto, tem
que ficar em casa.
— Ela conseguiu me convencer. Sinto muito.
Paco suspira e se senta à mesa. A pequena Erica imita seu pai e
se coloca ao lado dele. A última a ocupar seu lugar é Mercedes. Mal
se falam durante a refeição, uma dessas em que as palavras sobram,
ou talvez justamente sejam necessárias para resolver assuntos
pendentes. Porém, quem quebra o silêncio é a menorzinha da casa.
— Papi, o que é fazer secso?
Seu pai não pode acreditar no que ouviu e olha para sua mulher
com os olhos arregalados.
— Como?
— O que significa fazer séquisso.
— Fazer sexo?
— Sim, isso, fazer sékso.
Os pais tornam a se olhar sem saber muito bem que explicação
dar a Erica. Não é um pouco cedo para ter esse tipo de conversa com
ela?
— Princesa, onde você ouviu isso? — intervém Mercedes,
tentando mostrar calma.
— É que — a menina brinca com o garfo e um croquete que não
está a fim de comer —, outro dia, ouvi Paula falar no telefone. O que
é?
Paco e Mercedes sentem ao mesmo tempo uma espécie de
calafrio interno. Estudar na casa de Cris? Sexta-feira à tarde?
Chegou tarde ontem à noite?
Ambos suspiram. E agora?
— Pela cara de vocês, não deve ser coisa muito boa — acaba
dizendo Erica diante do silêncio de seus pais.
A menina se levanta da mesa e vai correndo buscar a
sobremesa, deixando o croquete no prato.
Capítulo Oito

Nesse mesmo dia de março.


A tarde continua avançando na cidade.
Ángel e Paula caminham lentamente pelas ruas. De mãos dadas,
com olhares e sorrisos cúmplices. Faz apenas algumas horas que se
conhecem pessoalmente, quase um dia, mas têm a sensação de estar
juntos a vida toda.
Antes, dividiram uma pizza em um belo restaurante italiano.
Entram em um café, onde ela pede um sorvete de baunilha e
chocolate e ele, um cappuccino. Estão sentados um de frente para o
outro. De vez em quando, dão-se as mãos.
Ela lhe oferece seu sorvete e, quando chega com a colher perto
da boca dele, levanta-a e suja seu nariz. É muito engraçado ver
alguém como Ángel com o nariz cheio de sorvete de baunilha e
chocolate. Mas a própria Paula se levanta e, com um guardanapo,
conserta sua travessura. Depois, um beijo na boca. Carinhoso. Doce.
— Quem poderia pensar nisso há dois meses? — comenta Ángel,
observando a menina se sentar de novo do outro lado da mesa.
Há dois meses, os nicks “Lennon” e “Minnie16” discutiam
acaloradamente em um fórum de música sobre um tema de que nem
eles mesmos se recordavam. A discussão acabou em uma trégua, e a
trégua acabou em risos. Depois de dois dias, os risos continuaram
no MSN.
Entenderam-se de cara e começaram uma estranha relação.
Sim, eles se gostavam. Falavam-se todos os dias. Por horas. Porém,
por desejo de Ángel, não trocaram fotos nem telefones. Paula não se
incomodava com essas condições. Em alguns momentos teve suas
dúvidas, mas o que realmente desejava era falar com ele. Gostava
cada vez mais daquele jornalista. Sentia tipo um formigamento
sempre que ele estava on-line e aquela luzinha laranja se iluminava.
Como é possível se sentir atraída por alguém que nem sequer
sabe como é?
— Adoro você, sabia?
A menina cora. Está acostumada a ler essa frase no MSN, mas
não a ouvi-la. Tudo é extremamente estranho, mas ao mesmo tempo
encantador.
Seus olhos brilham.
— Ainda não consigo acreditar em tudo isso — comenta Paula.
— Pois está acontecendo de verdade.
— Parece que sim. Ou pode ser que estejamos sonhando e em
algum momento um dos dois vai acordar. Então, o outro vai
desaparecer.
— O sorvete no meu nariz parecia real — brinca Ángel.
Ela ri. Adora seu senso de humor, sua capacidade de dizer a
coisa certa no momento certo. Maneja perfeitamente o timing. Antes,
quando eram invisíveis, mas também agora, quando está à sua
frente. Ángel é simplesmente encantador.
— Estou muito feliz. Tenho vontade de gritar!
O rapaz olha para ela. É perfeita: esperta, divertida, carinhosa.
Nem sequer questionaram a diferença de idade. Para muitos, poderia
ser inapropriada a relação entre uma estudante do ensino médio e
um jornalista de vinte e dois anos. Porém, eles jamais se
preocuparam com isso. Ele também tem vontade de gritar.
— Vamos embora! Quero levá-la a um lugar.
— É muito longe?
— Não, aqui perto.
Pagam e saem do café depois de outro beijo carinhoso na boca.
Caminham durante quinze minutos até chegar à porta de vidro
de um edifício de fachada enorme. Paula lê em uma placa: “Casa do
Relax”.
— Isso aqui é...
Ángel a observa divertido e ri ao entender por onde vão os
pensamentos de Paula.
— Não, amor. Não é esse tipo de relax.
Paula suspira e entram na Casa do Relax de mãos dadas.
Um tapete branco dirige o casal até uma espécie de recepção,
como se fosse um hotel. Ali, uma menina morena com um jaleco
branco anota algo em umas algumas fichas.
Paula olha ao seu redor e percebe que praticamente tudo que
compõe aquele lugar é branco, preto ou das duas cores mescladas.
Dos dois lados da sala, duas pequenas fontes fazem o som ambiente.
Só se ouve o barulho da água. Nada mais.
Uma pessoa baixinha, de uniforme branco, aparece de repente e
se aproxima deles. Seu cabelo grisalho está despenteado e um bigode
branco cobre parte de seu rosto.
— Olá, Ángel, que surpresa! Quanto tempo… — cumprimenta
amigável e efusivamente aquele homenzinho.
— Boa-tarde, professor Cornelio. Fico feliz por tornar a vê-lo.
Está jovem como sempre — responde o garoto com um sorriso
enquanto apertam-se as mãos. — Esta é Paula, uma grande amiga
minha.
A menina também aperta a mão daquele homem peculiar que a
olha de cima a baixo sorrindo.
“Grande amiga”? Sim, talvez, por ora, só possam se definir
assim.
Ángel e o professor Cornelio trocam algumas palavras de
cortesia, perguntam por suas respectivas famílias e contam um ou
outro caso do passado. Faz bastante tempo que se conhecem, desde
que Ángel estava no ensino médio e eram professor e aluno.
Conversam durante três ou quatro minutos.
— Bem, Ángel, imagino que devem ter vindo para fazer algo mais
que uma visita a este velho professor.
— Claro. Gostaríamos de uma sala isolada e de dois passes para
a climatizada B.
Paula não pode evitar uma cara de estranheza diante das
palavras de Ángel. “Sala isolada”? “Climatizada B”? Onde estava se
metendo?
— Perfeito. Manuela vai atendê-los — diz apontando para a
menina morena da recepção. — Bem, prazer em vê-lo, amigo. E de
conhecê-la. Espero que aproveitem tudo.
O professor Cornelio pisca para seu ex-aluno e torna a lhes dar
a mão. A seguir, pega um estreito corredor e desaparece por outro
alguns metros adiante. Ángel vai até Manuela e lhe diz o que quer. A
jovem morena lhe entrega uma chave com um número e dois cartões
de plástico.
— Vamos. Fica no fim desse corredor — aponta o jovem, pondo a
mão no ombro de Paula.
— Estou intrigada. Não sei o que é isto aqui.
— Não se preocupe, já vai saber.
O casal caminha até chegar a uma porta preta. Ángel aperta um
botão e, segundos depois, aparece um homem de meia-idade de
jaleco branco, como aquele da menina da recepção. O jornalista lhe
mostra a chave e ele os deixa entrar.
Paula e Ángel entram em um salão circular, imenso, onde tudo é
branco e preto. A menina contempla dez portas fechadas de dez
quartos, com seus respectivos números, que dão para aquela sala.
Nunca havia visto nada assim.
— A de vocês é aquela, a número sete — indica o homem de
jaleco branco.
Ángel agradece e leva Paula pela mão até a porta do quarto
número sete. Mas a jovem hesita por um momento. Onde estão?
Para que vão entrar naquele quarto? Quais são as intenções de
Ángel? Em dois segundos passa por sua cabeça todo tipo de
pensamentos. Ele pretendia transar com ela naquele hotel estranho?
Haviam falado de sexo em suas longas conversas no computador,
mas nunca haviam cogitado fazer. Bem, ela havia cogitado, mas não
de maneira “oficial”. Gostaria que ele fosse o primeiro, mas agora?
A menina começa a ficar nervosa e, quando Ángel abre a porta,
fica imóvel, petrificada, sem conseguir dar mais um passo.
— Você está bem? — pergunta o rapaz, que percebeu que
alguma coisa está acontecendo.
— Bom, eu...
— Que foi, amor? A comida não caiu bem?
— Não, não é isso — diz Paula, abaixando a cabeça. Como dizer
que quer fazer com ele, mas que não é o momento adequado? — É
que... talvez eu não esteja preparada... Não tenho certeza de que...
aqui...
Ángel olha para ela e começa a compreender o que está
acontecendo. Ela está nervosa. Gagueja.
— Não se preocupe, amor, eu trouxe preservativos — acaba
dizendo com um grande sorriso na boca.
Paula, então, sente uma espécie de corrente elétrica por todo o
corpo. Preservativos!
— Mas eu... Não é que não queira fazer isso com você... mas é
que...
Paula não sabe o que dizer. Insegurança. Normalmente não
hesita. Medo. Normalmente não tem medo de nada. Pressão.
Normalmente controla tudo que acontece ao seu redor. É uma
menina de dezesseis anos, quase dezessete, mas totalmente
preparada. Porém, agora se sente a menor pessoa do mundo. A
situação é demais para ela.
— Confie em mim. Vai dar tudo certo.
As pernas da jovem tremem; segurando a mão de Ángel, entra
no quarto número sete.
Porém, o interior daquele quarto não é o que esperava. Está
vazio quase por completo. E a cama? Ele pretende fazer no chão... ou
nesse sofá preto? Parece confortável, mas para uma primeira vez...
O que mais chama a atenção de Paula é o silêncio daquele lugar.
Um silêncio fora do normal. Ela quase consegue ouvir seus próprios
pensamentos.
— É muito... romântico — é tudo que consegue dizer.
Então, Ángel começa a rir sem poder se conter.
— Amor, não trouxe você a este lugar para fazer nada do que
está pensando. Há pouco, você disse que tinha vontade de gritar,
não é?
— Sim.
— Pois isso é o que vai fazer: gritar!
— Como? Não entendo...
— Este é um “quarto do grito”. Também chamado de “sala
isolada”. É recoberto por uma série de painéis para que o som não
entre nem saia dele.
Agora ela entende aquele silêncio tão sepulcral.
— Quer dizer que essas salas foram construídas só para que a
pessoa desabafe gritando?
— Isso mesmo. É uma ideia do professor Cornelio. Em certos
dias o estresse é demais e temos vontade de gritar feito loucos, mas
não podemos. Em plena cidade, não se pode gritar assim sem mais
nem menos.
É verdade. Paula pensa no que Ángel lhe diz. Se gritar no meio
da cidade, pode ser tachada de louca ou assustar alguém.
E sim, tem vontade de gritar. Antes de felicidade. Agora de alívio.
Quer se livrar da tensão acumulada nesses minutos em que sentiu
que estava perdendo o controle da situação.
Por outro lado, sente-se ridícula. Como pôde pensar que Ángel a
levaria ali para transar com ela sabendo que seria sua primeira vez?
Sim, definitivamente, tem muita vontade de gritar.
— Então… posso gritar?
— Sim. Espere...
Ángel a beija na testa. Depois se afasta até o outro lado do
quarto.
— Pronto?
— Sim, grite! — diz o jovem, pondo as mãos nos ouvidos.
Paula respira fundo, fecha os olhos, aperta os punhos e grita o
mais forte que pode. Não pensa em nada enquanto grita, só se
liberta. É um grito de alegria, de felicidade, de paixão, de
nervosismo, de ilusões.
Ángel a observa. Sabe exatamente o que ela está sentindo. Ele
experimentou em várias ocasiões. Ela está soltando tudo que tem
dentro de si: adrenalina pura.
Quinze segundos depois o silêncio volta à sala do grito número
sete. A jovem arfa. Respira com dificuldade após o esforço. Foi só um
momento, mas lhe pareceu uma vida inteira. Parece que ainda ouve
sua própria voz dentro da cabeça. Sente-se bem, até mais leve, como
se houvesse perdido alguns quilos.
— Foi demais! Que sensação!
Ángel se aproxima e a abraça por trás. Depois se beijam.
— Vamos, ainda falta a segunda parte da terapia.
— Você não vai gritar?
— Só de ver você gritar, já descarreguei.
Saem da sala isolada e se despedem do homem de jaleco branco,
entregando-lhe a chave do quarto.
— Imagino que debaixo da roupa você não está de biquíni, não
é? — pergunta Ángel enquanto caminham.
— Claro que sim, é a coisa mais normal do mundo ir para a
escola de biquíni — ironiza a menina. — Por que quer saber? Tem
curiosidade sobre minha roupa íntima ou vamos tomar um banho?
— As duas coisas — responde ele rindo.
— Pois, da primeira, vai ficar na vontade!
— Com certeza não pensava assim antes, quando estava
gaguejando.
Paula solta a mão dele e lhe dá um soco no ombro, mas sem
força.
— Babaca!
E entre brincadeiras chegam ao lugar que Ángel antes havia
chamado de “Climatizada B”. Uma porta de vidro separa o casal de
uma enorme piscina. Não há ninguém nela. Uma mulher gordinha
de jaleco branco, que examina com atenção uma revista de palavras
cruzadas, está sentada na entrada. Ao vê-los chegar, deixa de lado
seu passatempo e esboça seu melhor sorriso.
— Bem-vindos. Podem me dar seus cartões, por favor?
Ángel entrega a ela os dois cartões de plástico que lhe haviam
dado antes na recepção. A mulher os passa por uma leitora e os
coloca em um arquivo.
— Trouxeram roupa de banho?
— Não. Nem toalhas — diz apressadamente o jovem.
A mulher não abandona sua expressão agradável em nenhum
momento . Anota algo em uma caderneta e se endireita na cadeira. A
seguir, abre a porta de vidro.
— Sigam-me, por favor.
Paula e Ángel caminham atrás da mulher das palavras cruzadas.
Os três entram naquela sala praticamente toda ocupada pela enorme
piscina. Então, Paula pode observar que não é uma piscina
qualquer. De um lado e do outro chegam suavemente pequenas
ondas que se formam no centro. Sua simples visão já transmite
tranquilidade.
Uma menina loira de cabelo cacheado e jaleco branco recebe o
trio.
— Silvia, forneça roupas de banho e toalhas para os dois —
ordena a mulher assim que a menina loira chega até eles. —
Acompanhe-me, por favor — diz dirigindo-se a Paula.
A menina obedece e ambas entram por uma porta no fundo da
sala. Ángel as vê se afastando e fica sozinho com o leve ruído das
ondinhas como única companhia.
Silvia chega com uma bermuda azul-marinho e duas toalhas
brancas.
— Acho que esta serve. Ali fica o vestiário masculino, onde pode
se trocar — explica a jovem loira de cabelo cacheado, apontando
para a porta ao lado da que Paula e a mulher gordinha entraram.
O jovem jornalista agradece e entra no vestiário masculino.
Primeiro tira a jaqueta e a camiseta, deixando nu seu torso liso e
suave e seu ventre plano. Depois, o resto. Despe-se completamente.
Está bastante moreno, apesar de fazer tempo que não toma sol. Põe
a bermuda azul e se olha no espelho. Chega quase até os joelhos.
Faz alguns alongamentos de um lado e do outro para checar a
elasticidade da peça. Sim, sente-se confortável com ela. Guarda sua
roupa em um armário e sai de novo.
Paula ainda não está ali, e ele não quer entrar na piscina sem
ela. Enquanto espera, pensa em tudo que está acontecendo, nessas
maravilhosas horas com essa mocinha. Nem um dia e, no entanto,
essa sensação de que estão juntos a vida toda. Acha que existe essa
química entre eles por conta de todas as horas que passaram
conversando na internet. Não se viam, não se escutavam, mas
estavam conectados por algo inexplicável. Ele havia contado coisas a
ela que jamais havia contado a ninguém. Ela, a mesma coisa. Será
que Paula podia ser a mulher da sua vida?
Mas Ángel logo esquece tudo que está pensando. Aí está ela.
Caminha para ele descalça. Fez um rabo de cavalo alto. Vem
sorrindo. Seu corpo está coberto só por um biquíni preto. A parte de
cima esconde a juventude perfeita de uma menina de dezesseis anos.
A parte de baixo deixa o mais sereno dos mortais sem fôlego. Ángel
engole em seco e tenta se recompor.
— Elas me deram uma touca para não molhar o cabelo, mas
prefiro não usar. Odeio ficar com a cabeça enlatada — diz ao chegar.
Paula se dá conta, então, de que Ángel a observa como talvez não a
havia observado até então. Fica até um pouco vermelha. — O que
está olhando?
— Você. Está incrível!
A jovem dá um sorrisinho nervoso e fica ainda mais vermelha.
— Obrigada. Você também está.
O jogo de olhares prossegue por um instante. Já houve beijos,
carícias, toques. Mas é a primeira vez que ambos notam que uma
chama diferente se acendeu.
— Vamos entrar? — pergunta por fim Ángel.
— Claro.
De mãos dadas, o casal entra na piscina. A água está morna.
Ambos sentem as pequenas ondas se chocando docemente em suas
pernas, causando certo formigamento. A água, as ondas, a
companhia.
Avançam para uma das pontas e se sentam em um degrau, um
ao lado do outro. Esticam as pernas, tocando-se. Estão mais perto
que nunca, nesse mar temperado de tranquilidade, com o leve
barulho das ondinhas.
— Isto aqui é perfeito — diz Paula, que põe a cabeça no ombro
de Ángel.
— Sim, por causa dos sais que põem na água. Cada onda que
bate em sua pele abre seus poros e a penetra, fazendo com que seu
corpo entre em um estado de relaxamento.
— Eu estava falando da companhia…
— Ah, eu também não posso me queixar — responde e a abraça,
sentindo a nudez de parte do corpo dela.
— Você vem sempre aqui? Conhece tudo.
— Quando estava na faculdade, vinha de vez em quando para
relaxar. O professor é um velho amigo.
— E trouxe aqui todas as suas namoradas?
— “Minhas namoradas”? Quer dizer, então, que estamos
namorando... — deduz Ángel, acariciando o cabelo dela.
Paula se dá então conta do que disse instintivamente. Sem
querer. Estão namorando?
— Sim, estamos.
De repente, deixa todo seu corpo deslizar para baixo da água.
Ángel a imita e se encontra com ela. Assim como as ondas
desaparecem ao chegar de cada lado da piscina, também Ángel e
Paula desaparecem da superfície por alguns segundos para unir
seus lábios sob aquele mar de paz e tranquilidade.
Mas, no amor, por motivos que fogem à razão, nem tudo é paz e
tranquilidade.
Capítulo Nove

Nesse mesmo dia de março.


O amor não correspondido é o melhor amigo da solidão.
Mario quer ficar sozinho. Está trancado em seu quarto desde
que chegou da escola. Não almoçou fingindo que estava com dor de
estômago... Mas o que realmente lhe dói é a alma.
Está deitado na cama. Não sabe mais em que posição ficar
porque em todas sente-se desconfortável. Também tenta dormir.
Impossível. Quanto durará isso? O tempo que você passa
apaixonado por alguém é proporcional ao tempo que dura a dor do
desamor? Se for assim, a sua vai longe.
Como o destino é cruel às vezes! Bem no dia em que pretendia
contar a Paula o que sentia por ela, fica sabendo que ela está
namorando.
Primeiro, aquelas rosas vermelhas. Depois, o beijo naquele
desconhecido, um sujeito alto, bonito, maduro. Perfeito para Paula.
Mas é lógico que uma menina como ela tenha um namorado.
Estranho seria que não tivesse, ou que estivesse com alguém como
ele próprio. Sim, agora mais que nunca se sente inferior, muito
inferior. Não tem ninguém ao seu lado. Talvez porque a única pessoa
que quer ao seu lado jamais estará.
Esse sentimento o faz derramar novas lágrimas. Faz já um
tempo que não chora, mas, de novo, não consegue evitar e em um
instante seus olhos se encharcam.
— Você é trouxa — diz em voz alta enquanto se levanta em
busca de um lenço de papel.
O pacote de lenço de papel está ao lado do computador. Música?
Sim. Quer ouvir algo que o ajude. Antes tentou com Maná, mas foi
pior a emenda que o soneto. Todas as canções fazem-no lembrar-se
dela: cada letra, cada acorde. Finalmente, ele se dá por vencido e
para de ouvir sua banda preferida . Esperava que isso fosse um mal
passageiro. Dividir a banda favorita com a menina que acaba de
partir seu coração implica, além de perdê-la, perder as canções que
a tragam à sua lembrança.
Procura na pasta de músicas. Canções em inglês. Christina
Aguilera. Beautiful. Play.
Every day is so wonderful
and suddenly, it’s hard to breathe.
Now and then, I get insecure...
“Cada dia é tão maravilhoso. E, de repente, é difícil respirar. De
vez em quando, eu me sinto inseguro...”.
O garoto volta para a cama. Deita-se de lado e junta as mãos
perto da cabeça. Uma nova pontada o atravessa, a pontada da
angústia.
Batem na porta e Mario rapidamente seca as lágrimas que
restam na manga da camiseta. Com desânimo, senta-se na cama.
— Entre.
Sua irmã, vestida de sexta-feira à tarde, entra no quarto.
Está com uma minissaia curtíssima, botas quase até os joelhos e
um decote acentuado.
— Vou dar uma volta — Miriam percebe que seu irmão está com
os olhos vermelhos. E, além disso, essa canção... — Você está bem?
Seus olhos estão vermelhos, andou chorando?
— Não, deve ser porque acabei de acordar.
— Deve ser — diz a garota não muito convencida. — Se estiver
acontecendo alguma coisa, pode contar, viu?
— Não está acontecendo nada, não se preocupe.
Observam-se em silêncio até que ela volta a falar.
— Bom, não vou insistir. Vou sair com minhas amigas. —
Miriam fica por um momento pensativa. Quer dizer alguma coisa
para animá-lo. — Sabia que uma delas diz que você é um gatinho?
Uma de suas amigas? Paula?
— Quem diz isso? — pergunta, tentando aparentar calma, mas
ansioso por saber a resposta.
— Diana. Diz que você não é nada mal.
Decepção.
— Para Diana, até o Pernalonga é um gatinho.
Miriam ri do comentário de seu irmão, pois, na realidade, ele
tem razão.
— Bom, moleque, vou indo. Ah, como está de matemática? Acho
que você é dos poucos da classe que entende alguma coisa.
— Porque o resto não presta atenção.
A menina volta a rir.
— Pode ser. Depois você me dá uma mão. Bom, agora vou
mesmo. E ouça alguma coisa mais alegre, cara, hoje é sexta-feira!
Aposto que, quando eu sair, você vai resolver derivadas. A
matemática parece sua namorada.
Miriam se despede com um beijinho no ar e fecha a porta.
Que irmã mais divertida! Derivadas? Matemática? Quem se
importa com tudo isso quando acaba de sofrer o maior desengano de
sua vida?
— A matemática é uma droga. Tudo é uma droga.
Mas logo Mario se arrependeria de ter insultado sua “querida”
matemática .
Capítulo Dez

Nesse mesmo dia de março. Já anoiteceu.


Ela está sentada em uma das poltronas da sala. Está com as
pernas cruzadas e um sorriso de orelha a orelha apesar daquele
“precisamos conversar” que encontrou quando chegou em casa.
Levaria outra bronca? E daí? Está feliz. A tarde foi incrível.
Tanto que queria que durasse para sempre. Ainda saboreia em seus
lábios o último beijo da despedida.
Minutos antes.
Paula: “Obrigada por este dia e pelo de ontem. Foram perfeitos”.
Ángel: “Nada teria sido perfeito sem você”.
Paula, suspirando: “Tenho que ir. Não precisa me acompanhar
até minha casa hoje”.
Ángel: “Mas eu quero”.
Paula: “Não, não se preocupe, não quero que meus pais o vejam.
Estão com a pulga atrás da orelha”.
Ángel: “Está bem”.
Paula: “Nos falamos à noite?”.
Ángel, pensativo, acaba de lembrar que tem que ir à sessão de
fotos de Katia. Diz algo a ela? Melhor não. Ligará quando terminar:
“Claro. Eu ligo depois”.
Paula: “Ok, então vou indo”.
O casal se despede com um longo beijo e cada um toma um
caminho diferente.
Seus pais entram na sala, um ao lado do outro, sussurrando,
como se estivessem preparando algum tipo de estratégia para
abordar a filha. Paco se senta à direita de Paula e Mercedes à
esquerda. Parece que o ataque vai ser por terra, mar e ar. Preparar,
apontar, já!
— Paula, compreendemos que você já não é uma menina —
começa dizendo sua mãe. — Embora, para nós, isso seja difícil de
assimilar.
A menina ainda não sabe muito bem do que se trata, mas aquele
começo não lhe agrada: não parece uma bronca das habituais.
— O que sua mãe quer dizer é que você tem quase dezessete
anos e que nessa idade se cometem erros — acrescenta seu pai.
— Na sua idade também se cometem erros, não? — intervém
Paula.
— Sim, sim, claro, querida — diz Mercedes rapidamente. —
Todos cometemos erros, mas alguns são evitáveis. Quero dizer que
precisa...
— Tomar precauções — diz Paco interrompendo sua mulher.
Precauções? Ah, precauções! Paula começa a entender para
onde se dirige aquela conversa.
— Isso, precauções. Mas, quando não se tem certeza de uma
coisa, é melhor não fazer até que se esteja preparado — alerta
Mercedes.
— Ou seja, se eu não tiver certeza de que irei bem na prova de
matemática na sexta-feira, melhor não fazer, é isso? — diz a menina
sorrindo.
Seus pais cruzam os olhares. Touché.
— Paula — insiste sua mãe —, você sabe que pode nos contar
tudo. E, se tiver qualquer dúvida, seu pai e eu estamos aqui para
resolvê-la.
— Eu conto tudo para vocês — mente.
— Bom, com certeza algumas coisas você guarda para si. E é
normal. Você também tem sua privacidade.
— Mas as coisas importantes é bom que saibamos — conclui
Paco.
— Isso. Por exemplo...
Paula tem medo de ouvir o exemplo que sua mãe vai dar.
— Por exemplo, se estiver namorando. Isso é algo importante,
não?
Bingo! Sabia que seria esse o exemplo.
— Depende do ponto de vista. Mas sim, parece algo importante.
— É mesmo — confirma seu pai. — E tudo que acarreta estar
namorando, também.
“O que acarreta estar namorando... É um jeito bonito e
maquiado de dizer manter relações sexuais”, pensa Paula.
— Mas estamos falando de um exemplo, não é?
— Sim, claro, claro... É um exemplo de coisas importantes sobre
as quais pode falar conosco sem nenhum problema. Sobre namorar
e, como diz seu pai, tudo que isso acarreta.
Após as palavras de Mercedes, o silêncio se instala na sala por
alguns instantes.
A menina decide quebrá-lo, por fim.
— Papai, mamãe, não se preocupem. Se eu for transar com
alguém, vou tomar essas precauções de que estão falando.
E, tranquilamente, Paula se levanta do sofá, dá um beijo em seu
pai, outro em sua mãe e sobe para seu quarto.
Paco e Mercedes a observam. Ainda a veem como uma criança,
sua menininha. É inevitável.
“Se eu for transar com alguém, vou tomar essas precauções de
que estão falando”. Que frase para terminar a conversa! Ficaram
pasmos.
Finalmente, a mulher se dirige ao marido:
— Viu? Não há nada melhor que falar as coisas.
Paco olha para sua esposa e sorri forçado.
— Sim, fiquei muito mais tranquilo — diz o homem, pondo a
mão na testa. — Vou buscar uma aspirina.
— Traga uma para mim, por favor.
As farmácias poderiam viver exclusivamente dos analgésicos
vendidos a pais que se deparam com o crescimento de seus filhos...
E tudo que isso acarreta.
Nessa noite de março em outro lugar da cidade.
Estacionam em uma rua próxima ao lugar onde marcaram.
Héctor e Ángel descem do carro. São cerca de 20h30, hora em que
deviam encontrar Katia para a sessão de fotos. É noite alta.
Héctor porta uma grande maleta com todo seu equipamento
fotográfico, e Ángel o ajuda com as luzes.
— Acha que vai demorar muito? — pergunta o jovem jornalista,
que não se sente totalmente confortável com aquela situação.
— Espero que não. Preciso de uma foto para a capa e três para
páginas internas. Mas nunca se sabe...
Os dois chegam caminhando a um pequeno parque onde já
estão Katia e seu agente. Ambos conversam animadamente com
duas garotas que Héctor chamou para que o ajudem com a roupa e a
maquiagem da cantora.
A jovem de cabelo rosa é a primeira a notar a presença do
fotógrafo e do jornalista e sai ao encontro deles.
— Boa-noite — cumprimenta Katia sorrindo e, posteriormente,
dando dois beijos em cada um. — Dessa vez, chegamos primeiro.
— Empatamos — diz Ángel, que olha com curiosidade para a
menina sem esconder um grande sorriso ao vê-la.
A jovem cantora, dessa vez, sim, está vestida de um jeito
parecido ao que normalmente se veste em suas apresentações. Usa
um vestido azul e rosa com muito babado até os joelhos, meias
coloridas, sapatilhas e luvas de veludo combinando com o resto de
sua vestimenta.
— Estou bem assim?
— Sim, eu gosto — diz Héctor. — De qualquer maneira, vamos
fazer duas trocas de roupa durante a sessão para dar tons diferentes
à reportagem. O que acha?
— Por mim, perfeito.
Ángel e Héctor cumprimentam os outros também.
É um lugar isolado. Tinha que ser para poderem trabalhar
tranquilos, longe da multidão que com certeza se aglomeraria para
ver uma sessão fotográfica de Katia. Aquela menina conquistou
muitos fãs em pouco tempo.
— Vamos começar? — pergunta Héctor, que escolheu um velho e
enorme carvalho para suas primeiras fotos.
Katia se senta ao pé da árvore. O fotógrafo vai dando instruções,
pedindo diversas poses:
— Levante o queixo. Sorria. Assim. Clic. Olhe para a esquerda.
Muito bem. Clic. Abra um pouco as pernas. Não tanto. Isso. Clic.
Agora fique em pé. Olhe para a câmera fixamente. Clic.
Ángel está sentado em um banco do parque. Não perde nenhum
detalhe da sessão. Observa atentamente cada movimento, cada gesto
da cantora. Realmente, essa menina tem alguma coisa. Não é só
bonita como também tem certa magia. Aqueles olhos azuis tão claros
são encantadores. O jornalista não sabe muito bem o que está
fazendo ali, porque, como pensava, não está ajudando em nada.
Porém, por alguma estranha razão, está contente por ter ido.
Os minutos passam. A sessão fotográfica continua. Diversos
lugares. Troca de roupa. Clic. Um pouco de maquiagem aqui.
Retoques no cabelo ali. A noite segue avançando e adentrando
aquele pequeno parque afastado do burburinho da cidade. Um
pequeno descanso antes das últimas fotos.
Katia se aproxima de Ángel e se senta ao seu lado.
— Ufa! Estou esgotada. Parece que não, mas isso cansa. Eu não
serviria para modelo.
— Você se saiu muito bem. É como se fizesse isso a vida toda.
— Bom, faz parte do meu trabalho. Mas não é do que mais gosto
nele — diz suspirando.
— Toda profissão tem seu lado ruim.
— Eu me sinto meio ridícula fazendo caras e bocas. Quando ele
disse para abrir um pouco as pernas, que vergonha! Morri de rir por
dentro. Não sei como aguentei.
Ángel ri com o comentário da menina.
Katia olha para ele. Acha-o muito bonito. Sim. E quando sorri...
— Ángel...
— Sim.
— Nada, só obrigada por vir.
— Mas não estou fazendo nada! Só olhando.
— Bom, fico mais tranquila de vê-lo aqui. Como já disse, esse
tipo de coisa não é minha praia.
A voz de Héctor ao longe interrompe, anunciando que o descanso
acabou.
— Vamos, rápido, falta só uma última tomada.
— Estou indo!
Katia sorri, inclina-se e dá um beijo rápido nos lábios do jovem
jornalista , que, surpreso, não tem tempo nem de reagir. A menina
de cabelo rosa se levanta e vai correndo fazer as últimas fotos da
sessão.
Ángel está paralisado. O que foi isso? Por que Katia lhe deu um
beijo?
Com certeza foi distração. Sim, hoje em dia muita gente se dá
selinho, não é? Beijo de amigos, ou algo assim. Foi só um beijo de
amigos.
A sessão continua. Katia posa em um balanço. Balança
suavemente. Clic. Está de cabelo solto, e se alvoroça com cada
impulso. Héctor não perde um detalhe com sua câmera. Pede-lhe
que sorria. Clic. Agora, que olhe para a direita com certa
melancolia.Clic. Após esse gesto, Katia vê Ángel. O jovem jornalista
está ausente, pensativo. O que estará passando por sua cabeça?
— Katia, não se mexa agora — diz o fotógrafo. — Isso. Ponha a
mão direita na boca. Muito bem. Isso, como se estivesse imaginando
alguma coisa. Pense em seu namorado, por exemplo.
Namorado? Não existe nenhum namorado. Mas ela pensa em
alguém.
— Muito bem. Agora, uma expressão de dúvida: baixe os olhos,
incline um pouco a cabeça para a direita e olhe para o chão. Isso
mesmo. Lindo. Agora, sorria. Perfeito... E com esta última,
acabamos.
Ángel continua sentado, pensando naquilo que aconteceu
minutos antes. Vê Katia descer do balanço, com seus cabelos cor-de-
rosa soltos. Como é possível que essa cor fique tão bem nela? Seu
rosto ainda é de menina, ninguém diria que tem vinte anos. E
aqueles olhos... Com certeza, Héctor fez fotos que realçarão esse
azul-claro tão chamativo. Sem dúvida, Katia é uma tentação para
qualquer homem.
Finalizada a sessão, todos se reúnem em volta do fotógrafo.
Ángel procura evitar os olhos da jovem cantora. Porém, acaba
sucumbindo. A menina sorri quando percebe que ele a está
observando.
— Foi um belo trabalho — diz Héctor. — Vai ser uma reportagem
fantástica.
— Temos certeza disso — diz satisfeito Mauricio Torres, agente
da cantora.
— A noite realça muito a beleza de Katia — insiste o fotógrafo.
Sim, Ángel também acha que as fotos vão ficar extraordinárias
para acompanhar sua entrevista. Aqueles olhos azuis-claros, as
luzes, a escuridão da noite... A noite... Então lembra: Paula! Tem que
ligar para ela. Olha o relógio. Não é muito tarde ainda.
— Com licença um instantinho, tenho que fazer uma ligação —
diz o jovem, afastando-se do grupinho que continua conversando
animadamente.
Katia é a única que não ouve o que os outros estão dizendo.
Seus olhos estão em Ángel, que caminha aceleradamente para um
lugar afastado dos outros.
O jornalista, quando julga estar afastado o suficiente para não
ser ouvido, tira o celular do bolso. Está desligado. Ángel tenta ligá-lo,
mas é inútil: está sem bateria.
Volta a olhar o relógio. Tudo bem, não é muito tarde. Tem que
passar na redação da revista para pegar umas pastas. Ligará de lá.
O jovem volta ao grupo, que, em sua ausência, parece que fez
planos para essa noite.
— Ángel, vamos tomar alguma coisa. Você vem? — pergunta
Héctor.
— Não posso. Tenho que pegar umas coisas na redação e
amanhã quero levantar bem cedo.
— Mas amanhã é sábado! Ande, homem, vamos! Só tomar um
drinque para celebrar o trabalho benfeito — insiste o fotógrafo.
— Não, de verdade. Tenho que passar na revista para pegar uns
papéis e já é tarde.
— Eu também não posso ir — intervém Katia. — Estou exausta.
Também tenho que acordar cedo.
— Vamos, pessoal, só um drinque — insiste Mauricio, que não
tira o olho de uma das meninas que ajudou na sessão.
— Vão vocês. Eu levo Ángel até a revista, que é caminho.
O rapaz se surpreende com a proposta da cantora.
— Muito obrigado, Katia, mas não precisa. Eu pego o metrô e...
— Não é incômodo nenhum. O metrô mais próximo fica muito
longe. Eu levo você. É o mínimo que posso fazer por você depois de
incomodá-lo fazendo-o vir até aqui.
— Está bem… Se não querem ir, tudo bem. Nós vamos tomar
alguma coisa — diz o agente de Katia, que já ameaçou algumas vezes
pôr a mão no ombro de uma das maquiadoras.
Os seis se despedem. As duas meninas, Héctor e Mauricio Torres
vão para um lado, Katia e Ángel para outro. Caminham para o Audi
rosa estacionado em uma rua escura, quase escondida.
Andam em silêncio. O jornalista ainda está com a cabeça
naquele beijo. Não sabe como interpretar aquilo. Um gesto carinhoso
ou algo mais? Sente-se até um pouco culpado. Ele teve algo a ver
com aquilo?
As estrelas iluminam outro céu limpo. A lua se mostra na noite
que já está bem avançada. No entanto, para Katia e Ángel a noite
apenas começou.
A essa mesma hora, em outro ponto da cidade.
Deitada na cama, espera que ele ligue. Está assim há cerca de
meia hora.
Por que não ligou ainda?
Paula está ansiosa para ouvir sua voz de novo. É tanta vontade
que não aguenta mais e decide ela mesma ligar. Procura seu número
e liga. Decepção: o celular está desligado. A desilusão é tão grande
que tem até vontade de chorar. Mas por quê? Passaram dois dias
incríveis… Os dois melhores de sua vida.
“Como sou tonta!”
Mas não consegue parar de pensar nele. O que Ángel estará
fazendo agora?
Tem que se acalmar um pouco. Está tudo bem. Só precisa se
distrair e não ficar obcecada. Como diz sua mãe, às vezes, a vida tem
coisas demais para que dediquemos todo nosso tempo a uma só. Ele
já vai ligar.
Liga o computador para ouvir música. Bom remédio para passar
o tempo. Escolhe Apologize, de One Republic. Linda música que
descobriu faz pouco tempo. Mas a música não é suficiente para
esquecer tudo. Precisa de algo a mais. Sim: Desculpa se te chamo de
amor. Pode ser um bom antídoto entrar outra vez no mundo de Niki
e ler suas aventuras com aquele publicitário muito mais velho que
ela. Que história de amor... De certa maneira, ela se identifica com a
protagonista. Está vivendo uma experiência parecida.
Pega o livro e o abre onde parou. Aquele marcador... Lembra-se,
então, do menino da Starbucks. Com tudo o que viveu nas últimas
vinte e quatro horas, mal havia pensando nele. Era muito bonito,
com aquele sorriso perfeito.
Vai até o fim do livro e lê de novo o endereço de e-mail daquele
desconhecido: alexescritor@hotmail.com.
Sente curiosidade. Por que não? A garota se senta de novo na
frente do computador, abre o MSN e adiciona o endereço do jovem da
Starbucks.
Será que ele estará conectado?
Paula não sabe por quê, mas sente um leve formigamento por
dentro.
Passam-se alguns minutos e não há sinal de que aquele menino
esteja no computador. A jovem se impacienta.
“O que é que há com todo mundo hoje que ninguém me
responde?”.
O barulhinho característico do MSN anuncia que um dos seus
contatos acaba de se conectar. É Mario.
Paula, surpresa, lê o novo subnick de seu amigo: “A vida é uma
droga. O amor é uma droga. A matemática é uma droga”. Além disso,
a imagem de sua janela é uma rosa preta.
“Coitado. Deve ter levado fora de alguma menina. Que pena, ele
é tão legal. Tem menina que não sabe o que está perdendo.”
Quer lhe dizer algo, mas não sabe por onde começar. Bom, o
importante é que ele se anime e que veja que há mais caminhos. Que
essa menina é quem está perdendo. Mas, nesse momento, um novo
contato do MSN de Paula entra. Alexescritor está on-line.
Nesse mesmo momento em outra parte da cidade.
Está conectada. Será que leu meu subnick?
Mario não sabe o que fazer. Escreve? Espera que ela diga
alguma coisa? Tem vontade de lhe contar como se sente: contar que
está com o coração partido, desabafar e soltar tudo. Mas, por outro
lado, é impossível. Ela é justamente o motivo de sua dor. Não pode
simplesmente falar com ela. Isso é uma tortura. Um labirinto sem
saída. Sua cabeça, além de tudo, não para de reproduzir a imagem
de Paula beijando aquele cara na saída da escola. Cada vez que
relembra, quer morrer. É como aquela música do Mecano que lhe
vem à mente, Cruz de navajas, quando o protagonista da canção,
que por acaso se chama Mario, encontra sua namorada, María,
beijando outro na rua.
Diz alguma coisa?
E se ela agora está falando com ele? Ou, o que é pior, se estão
juntos no quarto dela?
Esse último pensamento acaba por completo com o ânimo de
Mario. Não tem vontade de nada. E, sem pensar mais, desliga o
computador e volta à escuridão de seu quarto.
Capítulo Onze

Sexta-feira de março, à noite.


Chega em casa com vontade de escrever. Sente-se inspirado.
Rapidamente, Álex liga o computador para mergulhar em seu
romance. Julián e Nadia o esperam em Por trás da parede. Cena de
sexo? Talvez.
Amanhã começará seu plano. Espera que o Sr. Mendizábal
tenha tudo pronto cedo. Que grande favor está lhe fazendo! Mas os
resultados são completamente incertos: é uma ideia um pouco
maluca, mas sua intuição lhe diz que pode funcionar. Não tem nada
a perder se tentar.
Antes de abrir o Word, conecta o MSN para ver seus e-mails.
Alguém desconhecido quer adicioná-lo. Aceita.
É uma menina. O nome, Paula, está escrito em mil cores, e
seu subnick é “Borboletas dançam em meu peito. S2. Obrigada por
tudo”.
Será que é a menina da Starbucks? Está conectada. Escreve?
Mas ela se antecipa.
— Olá. Me adiciona?
Álex pensa. Está com muita vontade de escrever, mas a
curiosidade ganha, e com essa menina, a vontade é ainda maior.
— Sim, embora eu não saiba muito bem quem você é.
— Não me reconhece?
— Tenho uma leve ideia, mas não tenho muita certeza. Não vai
me dizer quem é?
— Paula. Está no meu nick. Que desatento! —
um emoticon sorridente termina a frase.
— Já havia notado isso, mas não conheço nenhuma Paula.
— Porém, eu sei quem você é.
— É normal: você me adicionou.
— Claro, porque você me deu seu endereço. Ou melhor,
escreveu.
“É ela!”.
— Ah! Então você é a menina do café. Já nem me lembrava de
que havia te dado meu MSN — mente.
— Certeza — emoticon piscando.
— Meu nome é Álex, muito prazer.
— O meu, Paula, muito prazer.
E agora? Por onde levar a conversa? Ambos ficam alguns
segundos sem dizer nada. Finalmente, Álex opta pelo caminho mais
simples.
— Terminou o livro?
— Desculpa se te chamo de amor? Não. Estava justamente lendo
antes de adicionar você.
— Ah.
— Aliás, um gesto muito... simpático? Quero dizer, esse de
escrever no final seu e-mail e trocar o livro.
Álex cora. Ela está debochando dele? Não. Se por fim decidiu
adicioná-lo, deve ser por alguma razão, não é?
— Eu sou assim.
— Kkkkkk.
— O que é tão engraçado?
— Você. Que seja.
— Devo lembrar que foi você quem sujou a boca e o nariz de
café, ou seja lá o que fosse aquela bebida. E quem bateu a cabeça ao
se levantar.
— Já nem me lembro disso.
— Memória ruim.
— Andei muito ocupada.
— Lendo o livro?
— Melhor, vivendo-o.
Álex não entendeu essa última frase, mas não pergunta o que
quis dizer.
— E o que está achando?
— Já não me perguntou isso ontem?
— Sim, mas você foi atender ao telefone.
— Ah, é. Mas, quando voltei, você teve que ir embora.
— Tinha aula.
— Aulas de...
— Saxofone.
— Você toca saxofone? Que legal!
— Bom, eu gosto de música. Falando de música... veja isto.
Álex passa a Paula um link. A menina abre. É uma montagem
de Desculpa se te chamo de amor com uma linda canção italiana de
fundo. Durante quatro minutos e vinte e um segundos, ambos
curtem o vídeo.
— Adorei! — escreve Paula enquanto põe o vídeo de novo. —
Você que fez?
— Sim, mas a música não tem a ver com o filme.
— Ah, há um filme também?
— Claro, são as imagens que você viu. Mas a música que
coloquei é de Massimo Di Cataldo e se chama Scusa se ti chiamo
amore.
Paula não escreve. Vê o vídeo uma vez mais. Gosta da canção. É
linda. Vai tocá-la outra vez quando vê o relógio do computador. Isso
a leva a pensar em Ángel. É tarde e ele ainda não ligou.
Sem dizer nada a Álex, pega seu celular e digita o número do
namorado. Nada. Desligado. Mas onde será que se meteu?
Sente o corpo mole e os braços pesados. Nota seus olhos
ardendo e um nó se formando na garganta. O que estará fazendo?
— Olá. Você está aí?
É a frase que Paula encontra ao voltar ao computador alguns
minutos depois. De repente, perdeu a vontade de tudo. Sente
saudade de Ángel. Quer ouvi-lo. Sente uma grande impotência por
não poder entrar em contato com ele de nenhum jeito.
— Sim, estou aqui. Desculpe, telefone — mente Paula. — Mas já
tenho que ir.
— Sim, eu também. Está tarde, e amanhã acordo cedo.
— De sábado? Também tem aula?
— Não, mas tenho compromisso.
— Bom, não vou distraí-lo mais, então. Bom descanso.
É uma pena. Vai embora. E quem sabe até quando. Que
impressão terá causado a Paula? Tem vontade de conhecê-la melhor.
Uma ideia se agita nesse momento na cabeça de Álex. Atreve-se a
propor? Pensa um pouco e por fim se decide:
— Paula, antes que vá, tem alguma coisa para fazer amanhã de
manhã?
A menina lê com surpresa a pergunta daquele menino. Ficou
bem impressionada com ele. Não só é um gato e tem um sorriso
perfeito como também é simpático, e gosta de sua capacidade de
manter a conversa. Porém, a última frase a espanta um pouco.
— Por quê?
— É que preciso de ajuda, alguém que me dê uma mão de
manhã.
— Que tipo de ajuda?
— Me encontre e verá.
— Está me pedindo que me encontre com você, que mal
conheço, num sábado cedo, para te ajudar com algo que não vai me
dizer o que é? Não parece tudo um pouco estranho?
— Olhando assim, parece estranho... Mas quero que se encontre
comigo. — Agora é Álex que manda um emoticon piscando.
Paula está abismada. Que atrevimento! Mas, na realidade, sente
curiosidade. E a companhia não seria nada mal. Além do mais,
amanhã de manhã não tem nada para fazer. Pensava que talvez
pudesse passar o dia com Ángel, mas isso, a essa altura da noite,
parece impossível. Não há nada de errado em ajudar um amigo que
precisa dela, não é? Mas pode considerar esse menino um amigo? E
de que tipo de ajuda precisa? Quanto mistério.
— Não sei, Álex. Não pode me dizer para quê?
— Não, vai ter que confiar em mim.
Paula suspira. Levante-se. Pega o celular e torna a ligar para
Ángel. Uma vez mais ouve uma voz gravada dizendo que o número
chamado encontra-se desligado ou fora da área de cobertura.
Impotente, incomodada, triste, joga o telefone no travesseiro de sua
cama.
— Está bem. Onde e a que horas?
Aceitou? Álex não pode acreditar. Ela aceitou!
Apressadamente escreve o endereço do lugar onde devem se
encontrar às dez da manhã e lhe explica como chegar.
Uma curiosa felicidade o invade, embora não entenda a razão
dessa alegria repentina.
— Espero que isso não seja uma brincadeira — acrescenta
Paula.
— Não é. Agradeço muito por me ajudar.
— Vai me deixar no escuro até amanhã, não é?
— Sim.
— Bom, não vou mais insistir. Encontrei alguém mais cabeça-
dura que eu.
— Não sou cabeça-dura — responde Álex.
— É sim.
— Não.
— Tá vendo como é?
— Ok, talvez um pouco.
Ambos sorriem ao mesmo tempo, cada um em seu quarto. À
distância. Sem ver que o outro também está sorrindo. Paula esquece
Ángel por alguns segundos: durante uns instantes, nada do que
aconteceu nesses dois dias ocupa sua mente.
— Bom, Álex, até amanhã, então.
— Ok. Espero você. Boa-noite.
— Boa-noite. Um beijo.
— Beijos.
A menina desliga seu MSN. Depois, ouve uma última vez a
música de Di Cataldo. Deita-se na cama e adormece com o celular
sob o travesseiro.
Álex continua no computador. Essa conversa o inspirou ainda
mais do que já estava. Enquanto escreve, não para de pensar no dia
seguinte. Sim: amanhã pode ser um grande dia.
Na noite anterior.
Katia dirige seu Audi rosa com capota preta pelas ruas da
cidade. Ao seu lado está Ángel. Mal trocaram palavras. A cantora o
olha de soslaio de vez em quando. Ele não parece muito contente. Ao
contrário, parece preocupado.
Vão em direção à redação da revista onde ele trabalha. Um
semáforo vermelho. O carro para. Ela afasta a vista da rua e se volta
para ele.
— Está irritado?
Ángel não diz nada. Nem sequer a olha.
— Ok, entendi. Está irritado — reclama Katia, apertando com
força o volante com as duas mãos.
O semáforo muda para verde e o Audi rosa acelera cantando
pneus.
— Não estou irritado — diz Ángel por fim.
— Pois parece que sim.
— É só que...
Katia freia bruscamente. Em um lugar proibido, estaciona em
fila dupla diante do olhar atônito de seu acompanhante.
— Não vamos sair daqui até que me conte o que você tem.
— É... Acho que é uma bobagem.
— Desembuche!
— Por que me beijou?
A menina de cabelo rosa muda de expressão. Então, mostra um
desses sorrisos tranquilizadores.
— Era isso! Ficou surpreso porque te dei um beijo na boca.
— É normal. Não é todo dia que uma menina que você acaba de
conhecer te beija na boca inesperadamente.
— Eu devia ter avisado. Com uma plaquinha, talvez? — debocha
ela.
— Não vejo graça — diz Ángel franzindo a testa.
— Não fique bravo. Foi um selinho carinhoso. Só isso.
— Você costuma sair por aí dando “selinhos carinhosos” em todo
mundo?
Katia olha para cima fingindo que está pensando.
— Bem, contando com você, já são… sessenta e quatro —
responde e solta uma pequena gargalhada a seguir. Depois volta a
falar, mais serena, diante dos olhos acusadores do rapaz. — Ángel,
não pense mais nisso. Foi só um impulso carinhoso. Só isso.
O jovem jornalista não tem tanta certeza. Nem disso, nem de
outras coisas. Pode ser que Katia esteja fingindo agora que foi algo
sem importância , não premeditado, mas, na realidade, ela o beijou
na boca. Mas e ele? O que sentiu quando os quentes e doces lábios
da garota de cabelo cor-de-rosa tocaram o seus? Isso talvez o
confunda mais.
— Está bem. Se você está dizendo que foi um carinho inocente e
impulsivo, eu acredito. Mas, a partir de agora, só apertos de mão,
ok?
Katia sorri e Ángel acaba sorrindo também.
O Audi rosa parte de novo.
A noite é uma trama de luzes e escuridão. De sons. De ruídos
indecifráveis. Katia canta em voz baixa enquanto dirige. Ángel está
mais tranquilo, mas algo dentro dele parece alvoroçado.
De novo uma freada brusca. O carro para.
— O que foi agora? Precisa aprender a frear, viu? Senão, em dois
meses não terá mais pastilhas de freio.
— Quer entrar aí e tomar um drinque? Estou seca — diz Katia,
apontando para um pequeno bar, cujas letras luminosas dizem
“Rounders”.
— Katia, tenho que pegar os papéis na redação. E amanhã tenho
que acordar cedo.
— Por favor... Por favor — roga ela. Agora mais que nunca
parece uma menina de quinze anos.
— Não posso, Katia. De verdade, preciso...
— Me deixa te convidar pelo menos para um drinque. Para
compensá-lo por ter ido à sessão e como desculpas pelo beijo. Por
favor. Por favor...
O jornalista nega umas oito vezes. Katia insiste com seus “por
favor, por favor” outras tantas.
— Ok! Mas um só, e vamos embora — acaba dizendo.
A menina aplaude e vai lhe dar um beijo, mas se dá conta e
acaba estendendo a mão para ele. Ángel sorri e também lhe estende
a mão. Sente sua pele suave. Seus dedos pequenos, finos.
Estacionam o carro e entram no bar. Está vazio. Veem apenas
duas garçonetes vestidas de preto atrás do balcão, conversando
entre si. A luz é tênue e a música dance não está muito alta.
“Paula!”, lembra de repente Ángel ao olhar o relógio. Não ligou
para ela. Leva as mãos à cabeça. Talvez já esteja dormindo até. Pega
de novo o celular do bolso e tenta ligá-lo. Nada, não tem bateria.
— Se quiser, pode usar o meu — diz Katia ao ver que o telefone
do rapaz não funciona.
— Obrigado, mas não sei o número de cabeça.
— É para sua namorada que quer ligar?
— Sim.
— Não quero atrapalhar. Se quiser, vamos embora.
— Não se preocupe. Tomamos um drinque e eu ligo para ela
quando chegar à redação. Tenho um carregador lá.
— Bem. Então, o que vai querer?
O dance dá lugar a uma canção brasileira lenta, melosa: Medo
de amar, de Ivete Sangalo e Ed Motta. É como se o DJ daquele lugar
quisesse que o casal se unisse um pouco mais. Ángel aproxima seus
lábios do rosto de Katia. Faz isso de um jeito inocente, sem
nenhuma intenção, só para lhe dizer o que quer beber: uma cerveja.
Mas está muito perto dela e pode aspirar todo seu perfume.
Uma das garçonetes, a que parece mais nova, com duas tranças,
atende à menina de cabelo rosa. Logo lhe entrega duas garrafinhas
verdes de Heineken. Katia paga e entrega uma das cervejas a Ángel.
— Vamos brindar! — propõe ela sem deixar de sorrir um
segundo sequer.
— A quê?
— À melhor entrevista já feita.
— À Rolling Stone? — ironiza ele.
— Claro. Mas você não tem nada a invejar deles — responde ela
aproximando-se um pouco mais. Praticamente não há espaço entre
ambos naquele balcão.
— Vamos brindar, então.
Batem as garrafinhas e dão um pequeno gole juntos. Na tímida
luz do recinto, Ángel continua hipnotizado pelos olhos azuis-claros
daquela menina . Mas, ao mesmo tempo, Paula lhe vem à cabeça.
Sua expressão muda ao pensar nela. Está em um bar tomando um
drinque com uma linda garota de vinte anos, que além de tudo é
famosa e o beijou. Não ligou para ela. Ok, não pôde. Mas isso não é
desculpa. O que Paula estará pensando? Terá ficado preocupada?
Incomodada? Espera compensá-la amanhã de alguma forma.
Aqueles dois dias haviam sido como uma pequena vida. Uma bela
história própria de um conto, um conto da realidade. Mas, agora,
teria ficado brava? Por que não havia lhe contado sobre a sessão
fotográfica?
— Olá! — O rosto de Katia aparece em frente ao seu. — Você
está aqui?
— Sim. Estava tentando traduzir a letra da música — mente
Ángel.
— Que mentiroso! Você não sabe mentir. Vamos ver se isso te
deixa esperto.
Com a parte de baixo de sua garrafa, Katia bate no gargalo da
garrafa de Ángel. A espuma sobe rapidamente e a cerveja começa a
sair precipitadamente. O jovem jornalista se abaixa com a garrafinha
na boca e bebe o mais rápido que pode para evitar sujar o chão do
local.
A cantora aplaude e pula, estimulando-o a beber mais depressa.
Ri. Também riem as duas garçonetes, que já descobriram que aquela
pequena garota de cabelo de cor-de-rosa é a conhecidíssima Katia.
Apesar dos esforços de Ángel, pequenas gotas se instalam em
sua camiseta e calça. Além disso, uma poça de cerveja se formou a
seus pés. Envergonhado, pede um pano à garçonete das tranças, que
sai de trás do balcão e limpa o que ele derramou.
— Desculpe. Eu...
— Não se preocupe, não foi nada. — A menina acaba de limpar
tudo e volta para trás do balcão com um sorriso.
Katia se aproxima de novo.
— Ela gostou de você — sussurra no ouvido dele.
— Está maluca? A cerveja já subiu — responde Ángel divertido.
Sente um pouco de calor na face por conta de beber sem parar
durante alguns segundos.
— Nós, mulheres, temos esse instinto. Detectamos quando uma
menina gosta de um menino e vice-versa. Além do mais, não é
estranho que as meninas gostem de você. Você é um cara muito
interessante.
A garçonete se aproxima de novo do casal. A música brasileira
desaparece. Toca Wherever you will go, do The Calling. A menina das
tranças põe em cima do balcão dois copinhos e serve um líquido azul
em ambos.
— Cortesia da casa. Espero que gostem.
Katia agradece. Pega seu copo e toma tudo de um gole só. Está
forte. Fecha os olhos e franze o nariz. Balança a cabeça de um lado
para o outro.
— Que delícia! — comenta dando um gritinho. — Demais! Agora
você.
Ángel hesita. Uff. Não acha que seja uma boa ideia tomar aquele
copinho. A garçonete que limpou a cerveja do chão e lhes ofereceu a
bebida está olhando para ele. Não tem mais remédio. Sorri, pega o
copo e bebe sem pestanejar.
Sua garganta arde. Sim, está forte, mas tenta disfarçar. Não só
sua garganta queima, seu estômago também. A garçonete das
tranças sorri para ele. Ele também sorri para ela.
Sem dizer nada, a menina torna a encher os copinhos de azul e
também serve um para ela. Dessa vez, os três bebem ao mesmo
tempo, de uma vez, sentindo a chama do álcool descer pelo esôfago.
Ao segundo gole segue-se um terceiro imediato.
— Você é Katia, não é?
Um atraente quarentão, de cabelo grisalho perfeitamente
cortado, vestido de preto, aparece atrás do casal. Não está sozinho.
Uma bela garota de vinte e poucos anos o acompanha.
— Sim, sou eu. E você é um admirador? — diz a jovem, ainda
convalescente da última virada.
— Sim, sou. Mas também sou o dono deste local — diz o homem
sorrindo.
— Ah, quanta honra! Este lugar é muito acolhedor.
— Obrigado. Espero que estejam se divertindo e que minhas
meninas os estejam tratando perfeitamente. Gostaria de convidar
você e seu amigo para um drinque.
— Muito obrigado, mas já estávamos indo embora. Não é, Ángel?
Ángel parece distraído. Ausente. Talvez aquele terceiro copinho...
— Desculpe, o que disse? Não ouvi por causa da música.
Starlight, do Muse.
— Disse que estávamos indo embora.
— Mas não vão ainda — interrompe o dono do Rounders. —
Permitam que lhes ofereça um drinque. Não é todos os dias que
tenho em meu bar uma estrela pop.
Katia começa a se incomodar com tudo aquilo. A garçonete flerta
com Ángel depois de lhe servir uma Cuba Libre.
Katia suspira e pede uma Fanta Laranja. Precisa dirigir. Talvez
esses minutos sejam bons para descer os drinques.
O quarentão de cabelo branco fala com Katia, e mais, mais e
mais, quase ignorando a menina que está com ele, que se limita a rir
de seus comentários. Katia nem presta atenção nele, mas sorri por
educação. De vez em quando tenta fazer com que Ángel participe.
Mas Ángel não ouve. Fala com a garçonete das trancinhas. Ela
brinca com seu cabelo enquanto conversam.
Tudo em sua cabeça está confuso. Está alegre, mas não sabe por
quê. Acha que está esquecendo alguma coisa, mas não consegue
lembrar muito bem o quê. Está ali com Paula. Não, não é Paula. A
menina que o acompanha é Katia. Claro, Katia. A mesma que o
beijou. A de cabelo rosa. Não. A das tranças, não. Que diabos era
esse líquido azul? E Paula?
A intensidade da música aumenta no local. Tudo está mais
escuro e não estão mais sozinhos. Foram entrando alguns grupinhos
de amigos, inclusive um ou outro casal. Rola a sexta-feira à noite.
O dono do bar não se afastou nem um segundo de Katia, e ela
começa a ficar realmente farta de tudo aquilo. Precisa de uns
minutos de relax. Levanta-se e entra no banheiro.
Ángel, enquanto isso, está tomando sua segunda Cuba Libre.
Entre uma e outra, bebeu mais dois drinques azuis. Tudo é muito
confuso para ele, que já nem entende o que sua nova amiga está lhe
dizendo.
Está tocando In my eyes, do Milk Inc, quando Katia sai do
banheiro. Molhou o rosto para se refrescar. Tem intenção de pegar
Ángel e ir embora daquele lugar o quanto antes.
Mas o que vê? Não pode ser... Aquela garçonete não está muito
perto de Ángel? Está com a cabeça apoiada no pescoço do jovem
jornalista. Será que...
A menina de cabelo rosa caminha rapidamente abrindo espaço
por entre as pessoas. Algumas a reconhecem. Isso já não importa. A
música está em pleno apogeu. Katia chega onde estão Ángel e a
menina das tranças. Com as mãos a afasta e olha para Ángel.
— Meu amor, vamos indo.
Sem pensar duas vezes, dá-lhe um profundo beijo na boca
diante do olhar desafiador da garçonete.
Ángel fecha os olhos e responde ao beijo de Katia. Não sabe o
que está fazendo, mas se deixa levar. A seguir, a menina o levanta
como pode do banquinho em que está sentado e, apoiando-o no
ombro, tira-o do bar a duras penas. Dois rapazes que viram a cena
toda a ajudam.
— Meu carro está ali — diz a cantora, apontando o Audi rosa do
outro lado da rua.
— Você é Katia, não é? — pergunta o mais alto dos rapazes que
a estão ajudando.
— Siiiimm! É a grande cantora Katia! — grita de repente Ángel
desembaraçando-se dos garotos.
O jovem tosse, limpa a garganta e começa a cantar um
desafinadíssimo Ilusionas mi corazón. Berra o que pretende ser uma
doce melodia. Os dois rapazes que os acompanham se olham
perplexos diante do escândalo que Ángel está armando em plena
rua. Mas, por alguma estranha razão, eles também começam a
cantar a canção mais famosa de Katia, um pior que o outro. A
cantora não sabe se ri ou chora. Finalmente, opta pelo primeiro, mas
seu sorriso dura só um instante, visto que o jornalista começa a dar
outras mostras dos efeitos da mistura de álcool. Em um descuido,
Ángel cai de bruços no chão. Katia e os dois jovens imediatamente
vão ajudá-lo. Parece que não se machucou. Levantam-no de novo,
mas ele quase cai novamente. Felizmente, todos juntos evitam a
queda.
— Para o carro — diz Katia.
Ángel parece estar pior. Até vomita duas vezes no curto trajeto
até o Audi rosa. Finalmente, e com muito trabalho, conseguem
colocá-lo no banco do passageiro do veículo.
Katia agradece aos dois rapazes e eles pedem seu número de
telefone. A cantora sorri e arranca. Ficam para trás os garotos
observando, perplexos, aquele carro tão peculiar se afastar.
— Ángel! Ángel! — grita a garota ao ver seu acompanhante
adormecer. — Você não pode dormir agora!
O jornalista abre os olhos por conta do chacoalhão de Katia, que
olha tanto para a rua quanto para ele.
— Paula? — diz balbuciando ao ver, com olhos embaçados, uma
menina ao volante.
— Que Paula? Sou eu, Katia. Não durma! — torna a gritar ao ver
que os olhos dele se fecham outra vez.
O jovem se deixa cair para a porta e apoia a cabeça no vidro da
janela. Katia se debruça sobre ele e tenta endireitá-lo. O carro
cambaleia e quase sai da via. A menina de cabelo rosa evita a colisão
e respira fundo. Está muito estressada.
— O que aconteceu? — pergunta Ángel, que acordou
momentaneamente por conta da guinada do carro.
— O que aconteceu? Pelo amor de Deus, quase nos matamos! —
A menina seca a testa com um lenço de papel e procura se acalmar.
— Bem, onde você mora?
A pergunta parece um enigma impossível para o jornalista.
— Hummmm. Na minha casa?
— Sim, e onde é?
— Hummmmm.
— Não me diga que não lembra.
O jovem começa a rir. Não, não se lembra do endereço de seu
edifício.
— Então, vai ter que dormir comigo hoje — diz Katia, que parece
não se incomodar muito com a ideia.
— Ok — responde Ángel com um sorriso nos lábios.
O Audi rosa atravessa a cidade. Não há trânsito. A menina abre
a janela do lado de Ángel para que o frio da noite o refresque. Ele
fecha os olhos e sente como se viajasse em uma nuvem. Porém, não
sabe muito bem como está.
Passados alguns minutos, o carro por fim para. Tudo está
escuro, salvo por umas pequenas luzes.
— Onde estamos? — pergunta o rapaz, ainda sem descer do
carro.
— Na garagem do meu prédio. Agora, precisa se comportar
direito e me ajudar.
Ángel diz que sim, mas não sabe nem como nem por que ajudar.
Katia sai primeiro e auxilia o jornalista. Caminham lentamente até
um elevador. Parece que Ángel, mesmo sem saber onde está, pelo
menos já anda quase sozinho.
— É na cobertura — diz a menina já dentro do elevador.
Ambos permanecem em silêncio dentro do pequeno habitáculo.
Mesmo bêbado, Ángel é um gato. E desejável.
O elevador chega a seu destino. Um tapete vermelho enfeita o
último andar do edifício. O casal caminha agarrado. Apesar de sua
baixa estatura , Katia é surpreendentemente forte. Ela também
notou os músculos de Ángel debaixo daquela camiseta. Sim, é muito
desejável.
Por fim chegam diante da porta da cobertura de Katia. O rapaz
se apoia com dificuldade na parede enquanto a cantora procura as
chaves dentro da bolsa.
— Aqui estão — diz ela, sorrindo. — Apoie-se em mim.
Abre a porta e juntos entram naquele apartamento acolhedor,
único testemunho do resto da noite.
A menina acende a luz, primeiro a do corredor de entrada e
depois a da sala. A cobertura não é muito grande, mas impressiona
pela arrumação de tudo. Móveis escuros de design contrastam com
paredes de cor pastel. Um gosto requintado.
Os passos de Ángel são instáveis e ele tem que se valer de Katia
e das paredes para não cair. Fica enjoado de novo.
— Venha, sente-se aqui — ela dirige o jornalista, ajudando-o a
chegar a uma das três poltronas que compõem aquela sala.
Ángel obedece. Tenta se acomodar, mas escorrega. Katia ri ao
vê-lo.
— Melhor se deitar no sofá — diz, apontando para o sofá de três
lugares onde ela está.
Repetição da manobra anterior. Cada pequeno movimento é uma
façanha. Por fim, consegue fazer Ángel se deitar de barriga para
cima. Com as mãos, ele cobre os olhos.
— A... a luz... — reclama ele levemente.
— Incomoda? Espere, vou ligar o abajur para que não te
incomode.
A luz agora é mais acolhedora, mais íntima, propícia para uma
noite romântica.
Ángel afasta as mãos do rosto e as coloca sobre o peito. Está
mais tranquilo.
— Vou me trocar. Não saia daí, viu? — brinca Katia.
O rapaz não ouve o que ela diz. Não entende o que está
acontecendo. É como se tudo girasse. Sente-se muito cansado: seu
corpo todo pesa, principalmente a cabeça, e sente pontadas no
estômago. Paula! Tem que ligar para ela. Sim. Tem que telefonar
para Paula. Mas agora não. Quando essa dor de cabeça que está
sentindo desaparecer. Depois de descansar, vai ligar. Sim. Que horas
serão?
Em outro aposento, Katia se despe. Que noite! Quando convidou
Ángel a tomar um drinque, jamais pensou que aquilo pudesse
acabar assim. Aquele garoto não parecia ser capaz de se embebedar
e perder a compostura dessa maneira. Sempre tão atento, sempre
tão certinho. Porém, agora estava deitado no sofá de sua sala,
bêbado e enjoado. Ainda assim, não pode evitar certa atração por
ele. E agora?
A cantora troca de roupa. Veste apenas uma camisola branca de
alcinhas que não chegam aos joelhos e calcinha branca. Descalça,
passa pelo banheiro e volta para a sala.
Ángel continua na mesma posição em que ela o havia deixado.
Respira profundamente. Parece estar dormindo.
— Olá. Voltei. Está me ouvindo?
O jornalista pensa ter ouvido alguém falar com ele e resmunga.
— Parece que sim, que está ouvindo — comenta ela sorrindo. —
Não pode dormir aí. Vai ficar de mau jeito e amanhã não vai
conseguir se mexer.
Mas Ángel não reage.
A garota suspira. Não pode deixá-lo ali jogado.
Com muito cuidado, tira primeiro os pés dele do sofá. Ángel
reclama, mas acaba se sentando. Depois, ela o pega pela mão e pede
que se levante.
— Vamos, só mais um pequeno esforço.
O jovem se deixa levar e, com um puxão da garota, consegue se
levantar. Outra vez Katia o carrega como pode, apoiando o braço dele
em seus ombros e forçando-o a caminhar.
Os dois entram no dormitório e se sentam na cama. Katia olha
para ele. Está com aquele garoto sozinha em seu dormitório. O
desejo a consome. Talvez desde que o vira pela primeira vez, desejava
um momento como aquele.
— Levante os braços — diz.
Ele não obedece, mas ela o ajuda a tirar a camiseta. O desejo
está ficando cada vez maior. A imagem de seu torso nu a acende um
pouco mais.
Katia acaricia o peito de Ángel. Beija-o. O rapaz não oferece
resistência. Parece que pouco a pouco está melhor. Tudo ainda dói
muito e ele não se situa, mas o enjoo desapareceu. Parece que
alguém o está beijando. Primeiro sentiu beijos em seu peito. Agora
beijam seus lábios. Paula?
Katia tira a camisola. Só sua calcinha branca evita uma
completa nudez. Volta a pôr seus lábios nos de Ángel. A paixão que
sente nesse instante é incontrolável.
Coloca os pés de Ángel em cima da cama. Tira os sapatos dele e
estica seu corpo sobre os lençóis. Ela se senta sobre ele, sobre sua
calça. Flexiona o corpo e torna a beijá-lo. Pega as mãos de Ángel e as
coloca em seus pequenos seios.
Porém, quando busca seus olhos, seu olhar, Katia percebe que
aquilo não está certo.
Tem muita vontade de transar, mas talvez esse não seja o
momento. Está se aproveitando dele, e isso a corrói por dentro. Além
do mais, aquele garoto tem namorada. Talvez se ele estivesse lúcido
e a escolhesse, tudo seria diferente.
A cantora sai da cama e volta a pôr a camisola.
Ángel mal se move.
— É uma pena que você não esteja em condições. Quem sabe
um dia desses... Bom descanso.
A menina o beija na testa, cobre-o com um lençol e uma manta e
sai do quarto, fechando atrás de si a porta e a tentação.
Ángel dormirá a noite toda sem saber que quase foi infiel a
Paula.
Capítulo Doze

No dia seguinte, de manhã bem cedo.


Uma brisa matinal entra pela janela. Ángel acorda. Sente frio em
seu torso nu. Abre os olhos e percorre com eles o quarto, que está
quase escuro. Então, percebe que aquela cama não é a sua. Dá um
pulo e rapidamente leva as mãos à cabeça. Dói.
Onde está?
A última coisa que se lembra é daquele bar aonde foi com Katia:
a cerveja, os copinhos azuis, a garçonete de tranças... Uff! Depois,
tudo é muito confuso. Lacunas.
Parece até que sonhou que alguém o beijava.
Senta-se naquela cama e tenta despertar, mas é impossível. A
dor de cabeça é tanta que é incapaz de pensar.
Então, decide que o principal nesse momento é descobrir o que
está fazendo ali.
Põe a camiseta e os sapatos. Olha-se em um espelho que
encontra em uma das paredes do quarto: seus olhos estão inchados
e vermelhos. Suspira e, lentamente, sai do quarto. Não se ouve nada
nem se vê ninguém.
De quem será aquele apartamento?
Ángel entra na sala onde na noite anterior esteve deitado no
sofá. Um pequeno flash lhe vem à mente quando o vê. Sim. Lembra
que uma luz o cegou e que depois, dali, caminhou até o dormitório.
Mas tudo continua muito vago em sua mente.
— Bom-dia, cavalheiro, vejo que já consegue andar sozinho —
diz uma voz às suas costas.
O jovem se volta e contempla a menina de cabelo rosa em todo
seu esplendor. Está com a camisola branca que cobre só o essencial,
com as pernas de fora. Está sedutora. Descalça, caminha para ele e
o beija no rosto.
— Ka... Katia? Como cheguei até aqui?
A menina olha fixamente para ele e sorri.
— Não se lembra de nada?
— Não — responde ele muito sério.
— Que pena! Foi uma noite ótima.
— Uma noite ótima?
O jornalista não sabe como interpretar aquilo. Que diabos
fizeram? O beijo no parque... os drinques... o dormitório... Seu peito
nu... Será que...
— Claro! Não entendo como pode ter esquecido nossa noite de
louca paixão — diz Katia muito expressiva, como se realmente
estivesse em cima do palco. Até leva teatralmente a mão à testa. —
Ah, pobre de mim! — geme, adotando a expressão de uma menina a
ponto de fazer biquinho.
Apesar da comédia da cantora, Ángel não entende nada. Está
preocupado . E logo pensa em Paula. Não ligou para ela, não é?
Quase prefere não ter ligado, porque certamente não teria sido uma
ligação bem-sucedida.
— Tenho que ir.
— Espere, Ángel. Vou me vestir e levá-lo para casa.
— Não. Acho que já fez bastante por mim ontem à noite.
A menina nota certo ar hostil na resposta.
— Não me diga que está bravo.
— Não, mas não sei o que estou fazendo aqui nem como cheguei
à sua casa. Nem sequer lembro se aconteceu alguma coisa entre nós
dois. Além do mais, não liguei para Paula, e agora mesmo ela deve
me odiar ou estar muito preocupada.
Katia não sabe se lhe conta o que quase aconteceu entre eles.
Sente vergonha de si mesma e se cala.
— Não fique na defensiva comigo. Eu só te ajudei. O álcool te fez
mal e... você não teve uma boa-noite.
A menina se aproxima para lhe dar um abraço, mas, quando
tenta, Ángel se afasta.
— Tenho que ir. Depois eu ligo.
Envergonhado, abre a porta do apartamento e sai daquela
cobertura o mais depressa que suas pernas lhe permitem.
Nessa mesma manhã de março, em outro ponto da cidade.
Ele não ligou. Nem uma maldita mensagem.
Paula está irritada. Também preocupada. Não compreende o que
pode ter acontecido com Ángel para que nem sequer estivesse com o
telefone ligado. Será que o desligou de propósito?
E se ficou assustado? Talvez tenha se dado conta de que ela é só
uma menina. Viu que tudo estava indo muito depressa e recuou.
Aqueles dois dias haviam sido tão intensos, tão bonitos... Por
que aquele fim tão estranho? Talvez ela estivesse exagerando. Sim,
devia ser isso. Devia haver algum motivo razoável para explicar o
desaparecimento de Ángel, e ela queria ouvi-lo. E se não tornasse a
vê-lo?
Que confusão!
Não tem vontade de sair da cama. É sábado, cedo. Sente um nó
na garganta e vontade de chorar, mas combinou com Álex de ajudá-
lo com algo que nem sabe o que é.
“Eu me meto em cada uma... Por que fui dizer que sim?”, pensa
debaixo dos lençóis.
Nem ela sabe. Por fim se levanta da cama grunhindo. Boceja e
olha o celular: continua sem notícias de Ángel.
Espreguiça-se em frente à janela e vê que o dia lá fora está
ensolarado. Isso a anima um pouco.
Enquanto se veste, continua em busca de respostas. Com
certeza há uma explicação que não lhe ocorre. Passados alguns
minutos, ela se dá por vencida: é melhor não pensar mais, esquecer
isso e tentar aproveitar a manhã, seja o que for que ela lhe reserve.
Além de tudo, o que será que Álex quer? Que garoto mais
misterioso ! Conhece-o rapidamente em um café de maneira casual.
Seu primeiro encontro parece saído de um filme água com açúcar.
Lembra-se de Encontro marcado, quando Brad Pitt aparece naquela
cafeteria e acaba tomando o café da manhã com a protagonista da
história. “Gosto muito de você”, diz ele em um momento da cena. Ela
responde o mesmo.
Será que Álex gosta dela? Não, isso é absurdo. Não a conhece.
Mas existe paixão à primeira vista. E nela, o que ele inspira? Parece
simpático. No MSN também lhe havia dado uma boa impressão:
falante, inteligente, educado, sonhador. Mas, pensando bem, na
realidade não sabe nada sobre ele.
Acaba de se vestir. Penteia o cabelo e desce a escada. Mente
outra vez a seus pais. Sua mãe está na cozinha e, quando a vê
pronta para sair, fica muito surpresa. Paula lhe dá um beijo e vai à
geladeira, de onde tira uma caixa de leite. Serve-se um copo e se
senta à mesa.
— Está vestida para sair? — pergunta Mercedes, que ainda está
espantada.
— Sim, vou à casa de Miriam. Temos prova de matemática na
sexta-feira.
— E vai estudar num sábado tão cedo?
A verdade é que aquilo é realmente estranho. Mas Paula decide
continuar com o engodo utilizando todos os seus recursos. Bebe um
gole de leite e, muito tranquila, responde:
— Sim, Mario vai nos ajudar. Sabe quem é, não? O irmão de
Miriam.
— Sei quem é. Vocês brincavam juntos quando eram pequenos.
Faz tempo que não o vejo.
— Vou trazê-lo um dia para que o veja. Ele é um bom garoto e
fera em matemática.
Trazê-lo em casa? Será Mario o menino de quem sua filha gosta?
Paula não costuma fazer concessões ao falar de meninos. “Será que
está preparando o terreno?”, pensa sua mãe.
— Continuo achando muito estranho isso de os três combinarem
de estudar num sábado de manhã.
— Não tem nada de estranho. Temos prova e ele vai nos ajudar.
— Bom, depois eu ligo lá e mando chamar você para ver como
vão as coisas — diz Mercedes sem dar muita importância a suas
palavras.
O comentário alerta Paula. Será que sua mãe seria capaz de
ligar à casa de Miriam para falar com ela? Não achava que estava
falando sério, mas e se estivesse?
— Vou indo — diz, pondo o copo de leite já vazio na mesa.
Paula beija sua mãe e sai da cozinha para a sala. Sua irmã está
vendo desenhos animados na televisão. Está com a boca suja de
chocolate.
— Vai sair? — pergunta a menina loira quando vê Paula se
encaminhar para a porta.
— Sim, tenho compromisso — responde Paula. — Não coma
tanto biscoito, Erica.
— O último.
— O último.
A garota limpa a boca de sua irmã mais nova e tira dela o pacote
de biscoitos.
— Paula, você vai fazer sekso? — pergunta a criança
inocentemente.
A irmã mais velha fica boquiaberta ao ouvir aquilo. Não sabe que
foi justamente a menina que, sem querer, deixou seus pais em
estado de alerta.
— Que precoce, você, hein? — diz Paula bagunçando os cabelos
loiros da menininha.
Dá-lhe um beijo e sai. Erica fica com vontade de saber. Por que
todo mundo faz essa cara tão estranha quando ela pronuncia a
palavra sekso?
Levanta-se e pega outro biscoito de chocolate, prometendo a si
mesma que é o último.
Paula fecha a porta de casa. Caminha uns passos e, quando está
a certa distância, tira o celular da bolsa. Precisa se garantir, por via
das dúvidas.
Digita o número de Miriam e espera alguns segundos. Nada, não
atende. Insiste, mas com o mesmo resultado negativo.
Liga depois? Não tem certeza de que sua amiga vai acordar antes
das duas num sábado.
Pensa no que fazer e, após hesitar muito, digita outro número.
Dessa vez, com mais sorte.
— Paula? — responde uma voz adormecida do outro lado do
telefone.
— Olá, Mario, desculpe por ligar tão cedo num sábado, mas
tenho que falar com você.
O menino não diz nada. Acaba de acordar. Ou está sonhando
ainda?
— Mario? Você está aí?
— Sim, sim, estou. Fala, Paula, o que tem que falar comigo?
Suas sensações são estranhas. Uma mescla esquisita entre
confusão pela ligação, alegria por ouvi-la e incerteza por não saber o
porquê de tudo aquilo. Tudo isso somado ao desconcerto próprio de
quem acaba de acordar.
— É que... — a menina hesita. Não sabe como falar do assunto.
— É que tenho que sair de casa de manhã. Na verdade, já saí. E
disse para minha mãe que ia estudar matemática com vocês para a
prova de sexta-feira. Liguei para sua irmã para que me encubra caso
minha mãe ligue na sua casa, coisa que não vai acontecer, mas
nunca se sabe. Mas, como Miriam não atende ao telefone, você é
meu último recurso.
Então, era por isso... As últimas palavras partem um pouco mais
o estilhaçado coração de Mario.
— Seu “último recurso”.
Paula compreende que não foi feliz com aquela frase pelo tom
com que o menino acentuou suas palavras.
— Bem, é que... Não quis dizer que...
— Não se preocupe. Vou avisar a Miriam.
Sua voz é triste, apagada por conta do sono ou do cansaço. Está
cansado de causas impossíveis. De esperanças. De amá-la. De sofrer
em silêncio. De fazer parte do mesmo grupo. Mario está cansado de
tudo, e isso fica aparente em sua voz.
“Sou o último recurso”, pensa. “O último na lista para tudo”.
Paula lembra o nick de Mario no MSN no dia anterior. Nem
sequer lhe perguntou como estava nem o que havia acontecido para
que escrevesse aquilo . “A vida é uma droga. O amor é uma droga. A
matemática é uma droga”.
— Mario, tudo bem com você?
— Sim, por que não estaria? — responde friamente.
— Bem, é que ontem eu estava muito enrolada no computador,
mas vi por acaso seu subnick no MSN.
Ela viu, mas estava muito enrolada. Bela desculpa.
— Um dia bobo. Não se preocupe. — Agora sua voz é mais
gelada ainda.
— É por causa de uma menina?
A pergunta surpreende Mario. Paula não sabe de nada. Ou será
que está falando de si mesma? Dizem que as mulheres têm um sexto
sentido para essas coisas. Será que Paula sabe de seu amor por ela?
— Não se preocupe. Uma maré de azar. Estou bem.
— Vamos, Mario, pode me contar. Somos amigos.
Embora fale de amizade, sente que pisou na bola, de certa
maneira, com o garoto. Eles se conhecem desde pequenos, quando
brincavam juntos . Mas há algum tempo foram se distanciando.
Talvez por culpa dela. Sim. Agora, quando ia à sua casa, era para ver
Miriam. Paula compreende que não sabe muito dele.
Nem Álex nem Ángel estão na mente da jovem nesse momento.
Realmente está preocupada com aquele garoto. Sua voz soa tão triste
do outro lado da linha... E ela não sabe por que nem acredita que ele
vá lhe contar. Devia fazer alguma coisa para recuperar sua
confiança, devia se aproximar dele de novo.
— Estou bem. De verdade. É que acabei de acordar.
— Tem alguma coisa para fazer semana que vem? — pergunta
Paula de repente.
— Semana que vem?
— Sim.
O menino entende cada vez menos. Outra vez se pergunta se
está sonhando .
— Acho que não. De que dia da semana está falando?
— De segunda a quinta-feira. Tem alguma coisa para fazer à
tarde?
— Imagino que estudar.
— Ok, vou estudar com você. Estou muito mal em matemática,
como já deve ter visto. Preciso de ajuda para a prova de sexta-feira.
Se for mal, meus pais me matam. Você poderia me dar algumas
aulas, se quiser e puder, claro.
Definitivamente está sonhando. Isso deve ser um sonho ou uma
brincadeira. Paula e ele estudando juntos. Sozinhos. É real? É uma
boa ideia?
— Mario? Ficou mudo... Se não pode, não tem problema.
— Claro que posso.
— Que bom — diz Paula, sorrindo. — Então, segunda na escola
conversamos melhor e combinamos, pode ser?
— Claro.
A menina olha o relógio. Está ficando tarde.
— Mario, preciso desligar. Vê se anima, viu? Um beijo.
— Pode deixar. Um beijo, Paula.
Desligam.
No quarto de Mario amontoam-se muitos sentimentos
contrapostos. O cansaço continua presente, mas um pequeno sorriso
brota de novo. Seu coração volta a bater com essas pulsações únicas
de quem está apaixonado. O céu continua escuro, mas um fino raio
de luz alimenta aquele adolescente de dezesseis anos.
Caminha para seu computador. Play. Clavado en un bar. A
música do Maná volta a inundar aquele quarto.
Capítulo Treze

Nessa mesma manhã de março, em outro ponto da cidade.


Não sabe o que fazer. Ángel está há um tempo dando voltas,
pensando. O que vai dizer a Paula?
Sua cabeça e seu estômago ainda doem. Sente vergonha de si
mesmo. Como pode ter se comportado dessa maneira? Embebedou-
se, perdeu a noção da realidade, o controle. Nem sequer sabia se
entre ele e Katia havia acontecido alguma coisa. Dois dias com Paula
e já foi infiel?
Está fora de si. Gostaria de desaparecer agora mesmo.
Quando chegou em casa, pôs o celular para recarregar. Um
aviso após o outro foram aparecendo na tela. Várias chamadas
perdidas. De Paula, muitas. Pisou na bola feio.
E agora vêm as desculpas, as mentiras, os perdões. Porque
Paula não podia saber o que havia acontecido. Se ela soubesse...
Pergunta-se se os beijos que sonhou teriam sido reais. Se talvez
Katia tenha aproveitado a oportunidade de ele não saber o que
estava fazendo. De qualquer maneira, o único culpado era ele
mesmo.
O que fazer? O que dizer?
“Paula, fui à redação, entrei no banheiro e fiquei preso porque a
faxineira não percebeu que eu estava lá dentro. Meu celular ficou
sem bateria”.
Parece conto do vigário.
“Meu celular caiu na água e hoje, milagrosamente, funciona de
novo”.
Pouco convincente também.
Mentir para ela lhe parecia horrível, mas pior era perdê-la. E
tinha certeza de que, se lhe contasse a verdade, talvez o perdoasse,
mas não tornaria a confiar nele.
Por que teve que aceitar ir beber alguma coisa? Por que bebeu?
Katia... Essa era, talvez, a resposta que não queria ver nem
acreditar. Por Katia?
Mas ele estava com Paula. Amava-a. Sim. Seu coração era dela.
E seria bonito construir uma história juntos. Complementados.
Unidos. Mas, para isso, tinha que sair dessa.
Olha o relógio. Ainda é muito cedo. Tem vontade de ouvir a voz
dela, mas também não pretende acordá-la depois de ter lhe dado o
bolo na noite anterior. Além do mais, ainda não sabe o que dizer.
Uma mensagem? Isso seria pior ainda. Precisa dar a cara para
bater. Mentindo, mas pelo menos dar a cara.
O telefone de Ángel toca. Não é Paula, é Katia.
O rapaz hesita em atender. Não atende. Para. Alguns segundos
depois, torna a tocar.
— Olá, Katia — atende, finalmente, com seriedade.
— Olá, Ángel. Como você está?
A voz da cantora está apagada, tristonha. O rapaz não sabe, mas
enquanto fala com ele, Katia brinca com um interruptor. A luz da
sala se acende e se apaga reiteradamente. Está nervosa, inquieta.
Não parou nem um segundo de pensar nele depois que foi embora.
— Estou com dor de cabeça. Deve ser ressaca. Posso dizer que já
estive melhor.
— Sinto muito. Espero que melhore.
— Obrigado.
Um silêncio frio se abre entre os dois. Ángel vai se despedir e
desligar, mas a menina fala antes.
— Ángel... quero que saiba que não aconteceu nada entre nós.
— Olha, Katia...
— De verdade, acredite. Podia ter acontecido. Nós dois havíamos
bebido, estávamos sozinhos em meu apartamento, mas não
aconteceu nada.
Ángel quer saber se os beijos com que sonhou foram reais, mas
prefere não perguntar nada.
— Está bem. Melhor assim. De qualquer maneira, não estou
orgulhoso do meu comportamento.
— Vamos, não se torture. Exageramos um pouco, mas já
passou. Não precisa dar tanta importância a isso.
— Ok.
A menina de cabelo rosa continua brincando com o interruptor.
Está tensa. Sente que Ángel está diferente. Por um momento, pensa
o pior. Não quer perdê-lo.
— Ángel... gostaria muito de ser sua amiga.
O jovem jornalista não diz nada. Em sua cabeça reina a
confusão. Não tem vontade de continuar com aquela conversa, mas,
por outro lado, ele também não quer perdê-la.
— Katia, não sei o que lhe dizer. Me deixa descansar, me
recuperar um pouco. Mais tarde ou amanhã eu ligo, ok?
— Ok — responde não muito convicta, mas aceita. Não tem
outro remédio. — Vou esperar. Um beijo.
— Um beijo.
Enquanto Katia deixa o interruptor para baixo, apagando a luz
da sala, Ángel se senta preocupado, pensando em uma boa razão
para explicar à Paula por que não ligou na noite anterior.
Dez e pouco da manhã desse sábado de março, em outro ponto da
cidade.
Álex conversa animadamente com o Sr. Mendizábal. Já está tudo
pronto . Não pode negar que está nervoso, mas não pelo que vai
fazer, e sim porque não tem certeza de que Paula vai ao encontro.
Talvez dê para trás.
Porém, todas as dúvidas se dissipam quando ela aparece diante
da porta de vidro.
Olha para um lado e para o outro, perdida, até que Álex vai ao
seu encontro.
— Olá. Que bom que veio — diz o jovem enquanto se aproxima.
Ela está muito bonita. Fez um rabo de cavalo, o que lhe dá certo
ar infantil. Sorri mostrando seus dentes branquíssimos.
Dois beijos.
— Olá. Desculpe pelo atraso.
Ele está muito bonito. E continua exibindo esse maravilhoso
sorriso que recordava do outro dia quando se encontraram no café.
Apesar da manhã fresca, está de manga curta.
— Não se preocupe. Enquanto a esperava, fui preparando tudo
para sairmos o quanto antes.
— Estou curiosa. Ainda não vai me dizer em que quer que te
ajude?
— Já vai saber. Entre.
Álex deixa Paula entrar na frente no estabelecimento. É uma
reprografia. O barulho das máquinas fotocopiadoras inunda o local.
Um homem que beira os sessenta anos se aproxima do casal.
— Sr. Mendizábal, esta é minha amiga Paula.
Ambos trocam sorrisos e olhares curiosos.
— Prazer, senhor.
— Igualmente, mocinha. Esse garoto tem bom gosto para
meninas. Parece que é tão bom músico quanto conquistador.
O homem solta uma grande gargalhada. Paula cora
imediatamente. Álex também parece constrangido.
— Não exagere, Agustín, pois você, em pouquíssimo tempo, já
me superou.
— O discípulo nunca poderá superar o mestre.
Discípulo? Mestre? Quem é quem? A menina não sabe do que
estão falando. Sabe que Álex toca sax, mas...
— O senhor dá aula a Álex? — pergunta ela, um pouco
desconcertada e querendo ser simpática.
— Está brincando?! — Agustín Mendizábal exclama surpreso. —
Este rapaz é o melhor músico que já conheci em toda a minha vida.
Por isso lhe pedi que desse aula a meus amigos idosos e a mim.
— Está exagerando de novo. Seus amigos e o senhor estão muito
avançados pelo pouco tempo que estudam. E sou eu quem se diverte
nas aulas.
Paula está surpresa. Quer dizer, então, que o menino bonito do
sorriso perfeito não estuda, mas ensina. Incrível.
— Mocinha, imagino que Álex já deve tê-la impressionado com
seu sax — diz o Sr. Mendizábal, com meio sorriso travesso.
— Eh... não. Ainda não tive oportunidade de escutá-lo —
responde Paula, que ainda está corada. — Nós nos conhecemos há
pouco tempo. Mas, pelo que o senhor descreve, deve tocar muito
bem.
A jovem termina a frase com um olhar de admiração para o
garoto. Professor de saxofone e jovem. Deve ser um gênio.
— Vão me deixar vermelho. Parem com isso.
— É verdade. Chega de rasgação de seda, senão, no fim, vai ficar
se achando e aumentará o preço das aulas — diz o homem, rindo de
novo. Então, agacha-se para pegar algo atrás do balcão e desaparece
da vista dos jovens. — Bom, aqui está o que me pediu.
O Sr. Mendizábal coloca em cima do balcão duas mochilas
cheias de finos livretos plastificados. Paula não consegue calcular a
olho quantos há em cada uma. Talvez uns trinta, quem sabe um
pouco mais. Olhando assim, todos parecem iguais.
— Muito obrigado, Agustín. Quanto lhe devo?
Álex tira a carteira para pagar.
— Está de brincadeira, garoto? Isto é por minha conta.
O jovem insiste em pagar todos os jogos de cópias que lhe
fizeram, mas é inútil tentar convencer aquele homem.
— Por todos os dias que fica mais tempo conosco, por nos
aguentar e nos tratar tão bem. Não pretendo aceitar nem um centavo
seu.
— Muito obrigado, Sr. Mendizábal — acaba respondendo Álex,
enquanto guarda a carteira no bolso de trás de sua calça jeans.
O garoto pega as duas mochilas com os livretos e pendura uma
em cada ombro.
— Tudo de bom, e espero voltar a vê-la, mocinha. Você, espero
na segunda, como sempre.
Os jovens se despedem de Agustín Mendizábal e saem da
reprografia.
Paula está desconcertada. Para que quer tantas cópias do
mesmo livreto? O que será aquilo?
Já na rua, Álex aponta a Paula um banco para que se sentem.
— Vou lhe explicar tudo. Certamente vai lhe parecer uma
bobagem, mas eu tive essa ideia e pelo menos quero ver no que vai
dar.
Bate sol no banco. Paula parece mais loira e também nota
melhor o bronzeado dos braços de Álex. O menino deixa as duas
mochilas no chão ao seu lado e tira dois livretos. Dá um a Paula e
fica com o outro.
— Por trás da parede — lê a menina em voz baixa.
— Sim. Por trás da parede é o título do livro que estou
escrevendo.
— Você é escritor? — pergunta ela surpresa.
— Digamos que sou alguém que escreve. Ou tenta escrever. Para
ser escritor, falta muito.
Paula abre com curiosidade aquele fino livreto. São as primeiras
catorze páginas do livro que Álex está escrevendo.
— De que se trata?
— De um escritor que fica obcecado por uma menina muito mais
nova que ele.
— Quanto mais nova?
— Ele tem vinte e cinco e ela, catorze.
Paula arqueia as sobrancelhas. Ángel tem vinte e dois e ela,
dezesseis. Quase dezessete.
— E você, quantos anos tem? — pergunta a menina sem afastar
os olhos do caderno.
— Eu? Tenho vinte e dois.
Como Ángel. Que coincidência. Mas Álex parece dois ou três
anos mais novo.
— Eu, dezesseis. Sábado que vem faço dezessete.
É verdade. Ao dizer isso, percebe que falta apenas uma semana
para seu aniversário. Vai fazer festa? Não pensou em nada.
— Imaginei que tinha por aí — responde o jovem sorrindo.
Cada vez que Álex sorri, Paula sente um formigamento dentro de
si. Não sabe explicar por quê, e também não quer descobrir.
Simplesmente gosta de seu sorriso desde o primeiro momento em
que o viu naquela Starbucks.
— Bom, e para que fez tantas cópias do início do seu livro? Vai
mandá-lo às editoras?
— Não. Pelo menos, não, por enquanto.
— Então?
— Você vai achar que sou bobo... ou que estou meio louco. Ou
talvez que sou muito romântico...
— Talvez já ache isso — diz ela rindo.
Álex cora. Talvez não tenha sido boa ideia contar com Paula para
aquilo. Por um instante, acha que está fazendo papel ridículo, mas já
não pode voltar atrás. Ela vai ajudá-lo com seu plano.
— É normal — responde ele, tentando se mostrar sereno. —
Veja, abra o folheto na primeira página e leia.
Paula obedece e, enquanto lê, ouve a voz de Álex:
Olá, querida leitora ou querido leitor. Espero que esteja tendo um
bom-dia. Surpreso? Eu estaria. Não vou me estender muito para não
fazê-lo perder tempo. Isso que acaba de encontrar é o começo de Por
trás da parede, um romance que nesse momento está sendo escrito.
Cada dia coloco um pedacinho em meu blog. É a história de Julián,
um escritor em cuja vida aparece uma menina de catorze anos.
O que busco ou pretendo com esta amostra de catorze páginas?
Que o leia. E, se gostar, poderá acompanhar a história no meu blog.
Como já disse, a cada dia vou escrever um fragmento.
Também lhe peço que, uma vez que tenha lido este livreto, se
assim decidir, deixe-o em outro lugar visível para que outras pessoas
possam lê-lo. Uma espécie de passa-passa.
Não sei se fará sucesso, mas foi uma ideia romântica que tive e
que não pude nem quis deter. Só quero saber se realmente tenho
talento para isso. E quanto mais gente opinar, muito melhor.
Então lhe peço que não fique com Por trás da parede e, por favor,
após ler e anotar o endereço indicado, deixe-o em algum lugar onde
mais pessoas possam vê-lo.
Não é um jogo. Bem, na verdade, sim, é. Mas, mais que um jogo, é
a tentativa de realizar um sonho: ser escritor. E você está fazendo
parte disso e pode mudar a vida de uma pessoa.
Também lhe deixo a possibilidade de entrar em contato comigo.
Assim, poderei saber se esta loucura está tendo sucesso.
É só isso, querida leitora, querido leitor. Espero não decepcioná-lo
nas páginas seguintes e que, de um jeito ou de outro, este projeto
chegue à sua meta.
Muito obrigado por seu respeito, sua gentileza e especialmente por
seu tempo.
Atenciosamente,
o autor.
Paula está pasma. Aquela ideia é...
— Se entendi direito, você pretende deixar esses livretos na rua
para que as pessoas os encontrem.
— Isso mesmo, mas não em qualquer lugar. Temos que
encontrar lugares onde as pessoas que os encontrem realmente
acreditem nisso. Como um golpe do destino. Como se o livreto é que
encontrasse a pessoa indicada, e não o contrário.
Os olhos de Álex se iluminam ao falar. A menina olha encantada
para ele. Jamais ouviu uma ideia tão romântica. Talvez aquilo não
servisse para nada, mas como era bonito tentar realizar um sonho! E
ela estava fazendo parte disso!
— E quer que eu o ajude a encontrar esses lugares.
— Sim. Se quiser, claro.
— Claro! Acho que você está maluco — e solta uma gargalhada
—, mas adoro sua ideia. Vai ser muito divertido.
Álex esboça um tímido sorriso. Acha que, no mínimo, vai ser
divertido. Nada mal. Louco, mas divertido. E será. Com ela, mais
ainda.
Tira dez livretos de uma das mochilas e os coloca na outra.
Depois, coloca-a nas costas. Dá a menos pesada para Paula.
— Para você — diz, entregando a mochila mais leve à menina.
— Ei! Não precisava ter tirado nenhum! Sou forte — diz
arregaçando a manga e mostrando seu bíceps direito.
O garoto a olha bem-humorado e a ajuda a colocar a mochila
nas costas. Com um pulinho, ela a acomoda melhor.
— Podemos ir.
— Um momento — intervém Álex. — Foi aqui que tudo começou,
então vamos deixar o primeiro aqui.
Esperando que ninguém o veja, fazendo-se de distraído, deixa o
fino livreto no banco onde estavam sentados.
— Ninguém pode nos ver? — pergunta a menina ao observar a
estratégia de Álex.
— Melhor não. Perderia a magia. Ou talvez nos devolvessem o
livreto achando que o havíamos esquecido ou perdido.
— Ok. Continuo pensando que você não bate bem da cabeça,
mas gosto de tudo isso. O próximo é meu.
— Ok.
Paula não sabe por quê, mas está muito entusiasmada. Sente-se
como se voltasse à infância. É como uma gincana, como brincar de
caça ao tesouro, só que eles escondem a arca, não a procuram.
Os dois jovens caminham pausadamente, um ao lado do outro.
Olham para a esquerda e a direita constantemente. Procuram um
lugar onde ela entregará ao destino a cópia número dois do começo
de Por trás da parede. O sol continua brilhando naquela manhã de
março.
De repente, Paula sai correndo. Álex a segue sem correr, mas
caminhando depressa.
— O que acha daqui? — pergunta ela, referindo-se a uma grande
árvore que dá sombra em uma pequena praça.
Álex observa a árvore com atenção. É velha, robusta. O tempo
judiou um pouco dela, mas conserva algo de imperial. Parece fora de
lugar, cercada de árvores finas e jovens que a escoltam. A sensação é
que não pertence ao lugar onde está enraizada.
— Gostei — responde alegre.
Paula está satisfeita com seu achado. Espera várias pessoas
passarem e, quando não vê mais ninguém, abaixa-se nervosa e
deposita o livreto no pé da velha árvore. Rapidamente pega Álex pelo
braço e continua andando como se nada houvesse acontecido. Um
sorriso ilumina o rosto da jovem por completo.
Uma biblioteca é o alvo seguinte. Quer lugar melhor para deixar
o excerto de um livro? O casal entra. Paula vigia enquanto o rapaz
esconde um dos exemplares debaixo do capacho. Não o cobre
totalmente, deixa metade exposta. Ninguém os viu.
Agora estão em uma loja de brinquedos. Enquanto Álex conversa
com a vendedora para distraí-la, Paula coloca um livreto atrás de um
pinguim gigante de pelúcia.
Visitam uma loja de discos antigos. Dentro do LP Abbey
Road, dos Beatles, a menina, por indicação de Álex, introduz outro
livreto plastificado.
Os lugares seguintes onde deixam um livreto de Por trás da
parede são embaixo de uma almofada em forma de coração em uma
loja de presentes , no balanço de um parque, ao lado de algumas
rosas na entrada de uma floricultura, na porta de um colégio e na
entrada de uma casa de época. Também escolhem a escada rolante
de uma loja de departamentos, uma loja de doces, os pés de uma
estátua e o banco de um conversível estacionado que deixa Paula
impressionada.
Pegam o metrô. Na estação deixam alguns, dentro do vagão mais
dois ou três, debaixo dos bancos… Até em uma máquina de
refrigerante e em uma cabine de fotos instantâneas.
Começa a fazer um pouco de calor. É mais de meio-dia. O casal
está caminhando há quase duas horas.
— Vamos entrar naquela Starbucks? — pergunta Álex.
A menina assente. Lembra-se, então, da primeira vez que se
viram. Que coincidência! Ela chegou ali por acaso, enquanto
esperava Ángel. Ele, antes de suas aulas. Encontraram-se debaixo
da mesa quando ele foi lhe oferecer um lenço porque ela havia se
sujado de caramelo. Que vergonha passou! E depois, Desculpa se te
chamo de amor. O que é o destino... Duas pessoas lendo o mesmo
livro, no mesmo lugar, ao mesmo tempo...
Paula e Álex pedem suas bebidas. Nessa ocasião, algo fresco
para matar a sede e molhar os lábios. Sobem ao primeiro andar do
café e se sentam. Falam animadamente sobre a experiência: daquele
cara que olhava para eles como se soubesse que iam esconder
alguma coisa, daquela mulher que não ia embora nunca, da dúvida
se aquele que encontrar o livreto vai ler...
Sorriem. Paula se sente parte do conto de Álex, um conto não
escrito, mas que está vivendo. Ele é bonito. Muito bonito. E tem esse
sorriso...
— Espere um instante?
— Aonde vai? Esconder algum livreto?
— Não, vou ao banheiro. Você sabe... todo mês, as meninas... —
insinua Paula tranquilamente, mas fazendo Álex corar.
Coloca a mão na bolsa e esconde o que precisa debaixo da
manga. Sem querer, deixa a bolsa aberta.
— Espero aqui — diz o rapaz, que se amaldiçoa pela pergunta
anterior.
Paula sorri e entra no banheiro.
Álex suga sua bebida pelo canudinho de plástico. Está muito
feliz. Que mais pode pedir? Está tentando realizar um sonho e ela é
sua ajudante. Mas o que sente realmente por ela? Não é hora de
pensar nisso. É hora de aproveitar esse dia, esses momentos de
brincadeira. Sua loucura poderia ser o início de algo. Quem sabe?
Involuntariamente, uma música sai da bolsa aberta de Paula,
acompanhada de um som de vibração. Está excessivamente alto.
Todo mundo que se encontra no café olha para ele. O telefone, pelo
impulso das vibrações, sai da bolsa. A música do The Corrs toca com
mais força ainda.
Álex não sabe o que fazer. Ouve-se até um shhhhh de alguma
mesa. Não quer, mas tem que atender.
— Alô?
— Paula? — pergunta a outra pessoa, que, sem dúvida, não
esperava ouvir uma voz masculina.
— Não, sou um amigo. Ela está no... Não está aqui agora. Quem
é?
— Outro amigo. Depois ligo de novo.
— Ela já está vol...
Mas Álex não tem tempo de dizer mais nada porque Ángel acaba
de desligar.
O rapaz fica pensativo por alguns segundos antes de colocar de
novo o celular na bolsa. Viu o nome de quem ligou. Quem será esse
Ángel? Talvez o namorado de Paula. Mas não, ele disse amigo. Mas
por que desligou desse jeito?
Paula volta do banheiro. Álex observa seu andar decidido, alegre,
juvenil. É uma menina incrível. Cedo ou tarde terá que definir o que
sente de verdade por ela.
A garota se senta sorridente à sua frente.
— Seu celular tocou. Eu não ia atender, mas a música estava
muito alta e todo mundo ficou olhando. Não tive alternativa...
Desculpe.
A jovem se alarma. Seus pais! Reza para que não tenham sido
eles. Apressadamente tira o celular da bolsa e procura em
“chamadas recebidas”.
— Desculpe se fiz mal — insiste Álex ao vê-la tão preocupada.
Paula respira fundo. Não foram seus pais, foi Ángel.
Então, ela se dá conta de que nas últimas horas não pensou
nele. Por fim se dignou a dar sinal de vida. Sente a tentação de ligar
para ele, mas não é o momento. Talvez também não seja o que deve
fazer depois do bolo de ontem à noite. Debate-se entre se sentir
irritada, aliviada, incomodada ou alegre. Definitivamente, acha que
não é boa ideia ligar de volta. Ele retornará.
Com tranquilidade, guarda o celular na bolsa e sorri para seu
acompanhante como se não fosse nada.
— Está tudo bem? — quer saber ele.
— Muito bem — responde ela.
Mas Álex não acredita. Detecta certo mal-estar, talvez não com
ele, talvez com o rapaz da ligação.
— Estou quase acabando, vamos? — propõe Paula, tentando
mudar de assunto. Não quer pensar em Ángel.
— Sim, eu também acabei.
A jovem dá um último gole e seca os lábios com um guardanapo
de papel.
— Vamos deixar aqui outro livreto?
— Sim, é uma boa ideia.
A dupla se levanta e em cima da mesa onde tomaram suas
bebidas, abandonam outro livreto de Por trás da parede.
Nesse mesmo momento, nesse dia de março, em outro lugar da
cidade.
No apartamento toca o refrão de She will be loved, do Maroon 5.
Ángel está desconcertado. Caminha nervoso de um lado para o
outro da sala. Sinceramente, não sabe o que pensar. Quem é aquele
sujeito que atendeu o telefone? Disse que era um amigo de Paula.
Mas desde quando amigos atendem o telefone de suas amigas?
Parecia um rapazinho. Tinha até voz bonita .
Está nervoso. Com ciúmes? Não, ele não é ciumento. Ou isso é o
que diz. Além do mais, que razões tem para sentir ciúmes?
Nenhuma.
Sua cabeça dói. Ainda está de ressaca, e isso não o deixa refletir
direito.
De certa maneira, merece que Paula deixe-o por outro.
Mas o que está dizendo? Isso não! Só pisou na bola ontem à
noite, e só estão saindo há dois dias!
Talvez Paula esteja escondendo algo todo esse tempo. Um
namorado, um enrosco, um ficante, um amante. Talvez ele seja só
mais um.
Precisa se acalmar. Não sabe nem o que diz. Um amante? Está
falando de uma menina de dezesseis anos. Desde quando
adolescentes têm amantes?
Ángel se senta, cruza as pernas, põe a mão direita no queixo,
descruza as pernas, pega uma revista e a folheia passando as
páginas rapidamente. Logo se cansa dela e a solta.
Quem era aquele cara?
Não pode fazer uma tempestade em copo d’água. Possivelmente
era um amigo de classe. Sim, isso mesmo. Devem estar estudando.
Num sábado? É sábado, e sábado de manhã não se estuda.
Passam-se mais alguns minutos.
Será que espera Paula ligar? Estará irritada? Tem direito de
estar chateada por conta da noite anterior. Mas quem era aquele
cara? Não demorou muito a arranjar alguém que a console.
Passam-se mais alguns minutos.
Paula não dá sinais. Não vai ligar?
Ángel pega o celular. Procura o número de Paula. Não, não é boa
ideia ligar para ela. Não é a vez dele. Além do mais, e se o rapaz
atender de novo?
Ela já vai ligar.
Sim, vai.
Capítulo Quatorze

Nesse dia de março, em algum lugar da cidade.


Álex e Paula prosseguem na missão após descansar um bom
tempo sentados em uma lanchonete, onde comeram dois sanduíches
cada um. Já distribuíram mais de cinquenta livretos de Por trás da
parede e suas mochilas estão cada vez mais leves.
Desde que saíram da Starbucks a menina está menos falante.
Sorri pouco . Álex notou e acha saber o motivo, ou, pelo menos,
intui. Possivelmente aquela ligação tem a ver com o fato de ela estar
mais distante, meio ausente . Ainda assim, a jovem se mostra
agradável o tempo todo, tentando não deixar que se perceba muito
que tem alguma coisa. Procura participar o máximo possível da
aventura, mas quando Álex deixa de olhar para ela, escapa. Distrai-
se pensativa. Ele sabe, mas não quer se meter onde não é chamado.
De vez em quando, Paula abre a bolsa e olha se Ángel ligou de
novo. Sabe que não, pois a música do The Corrs não tocou, mas não
pode evitar checar. Ela deve ligar? Não, já ligou o suficiente ontem à
noite. Não é por orgulho: simplesmente acha que é ele quem deve
dar o passo.
— Vamos entrar ali — sugere o rapaz, apontando para um
grande edifício.
Entram na FNAC. Álex sugere deixar um livreto em cada andar.
Vai ser difícil não serem vistos porque há muitos vendedores por
todo lado, mas isso não é impedimento para eles.
Na seção de música Paula coloca os fones para ouvir um dos
CDs que estão em promoção. É uma coletânea de trilhas sonoras.
Após pular várias, para na de Philadelphia. Bruce Springsteen
conquista seus ouvidos. Álex, ao seu lado, tenta colocar um dos
livretos sem que ninguém o veja. Ela o encobre com seu corpo
enquanto ele finge procurar um CD em uma das prateleiras. Depois
de se certificar de que não está sendo observado, leva a cabo sua
tarefa. Feito.
O rapaz pisca para ela e sorriem, cúmplices.
Alguém, em algum momento, vai encontrar esse livreto se estiver
procurando um daqueles CDs. Depois, vai ter que decidir se segue
as instruções indicadas pelo autor ou não. Talvez o fim daquele fino
livreto plastificado seja o cesto de papéis de algum canto ou a lixeira
de alguma rua. Só o destino sabe o que vai acontecer e a quem
caberá esse exemplar.
Os jovens chegam à seção dos DVDs. Há mais gente ali do que
no andar reservado à música.
Álex sabe bem onde vai soltar o próximo livreto. Em voz baixa,
comenta com Paula e se separam.
A menina torna a abrir a bolsa: não há nenhuma novidade em
seu celular. Esperar ligações de Ángel que não chegam está
começando a virar costume. Fecha a bolsa e se concentra em
encontrar o que Álex lhe pediu.
Porém, é o jovem quem encontra o CD junto ao qual pretende
deixar o próximo livreto. Álex pega o DVD de Crown, o magnífico, um
de seus filmes preferidos. Aquela cena em que o protagonista devolve
o quadro lhe parece sublime. Relembra os homens de terno com o
chapéu e a maleta. O diretor não podia ter escolhido melodia melhor
para o final que aquela Sinnerman. O que eles estão fazendo com os
livretos na loja se parece, de certa maneira, com o que faz Pierce
Brosnan nesse filme: colocar diante de todo mundo algo sem que
ninguém perceba.
Paula chega até o jovem, que continua recordando fragmentos
do filme. Álex lhe mostra a capa.
— Assistiu? — pergunta à menina, enquanto tira
disfarçadamente outro livreto de sua mochila.
— Não, mas se você acha que é bom, vou ver.
O rapaz sorri. Nunca esquecerá aquele dia. Que será deles
quando a história dos livretos de Por trás da parede acabar? Qual
será sua relação? Deseja conhecê-la melhor, saber tudo dela. Mas é
melhor não pensar nisso por ora. Ainda resta o dia pela frente e
trabalho a fazer.
Álex e Paula repetem o procedimento anterior. Agora é ele quem
dá cobertura a ela. A menina checa se ninguém está olhando e
coloca o DVD juntamente com o livreto na prateleira. Novo sucesso.
— Muito bem, um a menos — diz o jovem, enquanto se dirigem à
escada rolante. — Vamos subir até os livros.
Álex também sabe qual é o passo seguinte e conta a Paula no
trajeto.
Os dois vão juntos dessa vez. Caminham deixando para trás
diversas seções. Não há muitas pessoas. A mais visitada é a
reservada à literatura estrangeira.
Por fim chegam à seção que buscavam. Os dois examinam cada
prateleira até que Paula vê o livro onde vão esconder o próximo
livreto.
— Está ali, em cima de tudo — aponta ela sorridente.
Álex já o viu. Fica na ponta dos pés para pegá-lo. Primeiro toca-o
com seus dedos, depois consegue puxar um pouco a capa do
romance. Quase consegue, mas, quando vai pegá-lo, o livro cai.
Paula põe as mãos para impedir que chegue ao chão; na
tentativa, seu rosto e o de Álex ficam a poucos centímetros um do
outro. Seus olhos estão perto. Tanto quanto seus lábios. Quase
podem sentir a respiração agitada um do outro. O cabelo dela toca a
camiseta dele. O tempo para por alguns instantes para os dois.
— Desculpe, quase derrubo o livro em sua cabeça — desculpa-se
Álex por fim, afastando-se sem graça.
— Teria estragado o livro. Minha mãe diz que minha cabeça é
muito dura.
Sorriem. Existe certo nervosismo entre ambos. Quando Paula
entrega o Desculpa se te chamo de amor ao rapaz para que esconda o
livreto dentro, suas mãos se tocam. Pele com pele. Mais tensão
acumulada, mais tensão contida.
Álex coloca o romance de Moccia no lugar.
— Espero que ninguém tenha nos visto.
— Certeza que não — confirma a menina.
As mochilas foram se esvaziando, mas agora outras coisas
pesam. Paula e Álex continuam subindo andares na loja e
escondendo livretos em cada um deles. Não conversam tanto. Na
verdade, mal se falam, e quando seus olhos se encontram procuram
afastá-los rapidamente.
Quando concluem seu propósito, vão para a rua.
O sol já não ilumina tanto. Há mais sombras. Está até um pouco
fresco. A tarde está avançando de forma irremissível. A aventura dos
livretos acaba, pelo menos por ora.
— Tenho que ir. Se não voltar cedo para casa, meus pais...
— Entendo. Quer que a acompanhe?
— Imagine, não se preocupe. Ainda faltam alguns livretos para
você deixar. Eu vou pegar o metrô.
Álex fica chateado, mas não diz nada. Talvez com o fim daquela
curiosa história também esteja terminando a relação entre eles. Se
fosse por ele, amanhã repetiriam a experiência.
— Foi divertido — comenta ele, esperando o sorriso dela.
E o ganha. Paula confirma com a cabeça e mostra um doce
sorriso.
O momento da despedida é constrangedor. Nem um nem outro
sabem o que fazer nem quando se verão novamente.
— Bom, vou indo. Imagino que vamos manter contato.
— Espero que sim. Obrigado pela ajuda... Tchau.
Álex se aproxima para lhe dar dois beijos. Está tenso, nervoso.
Ela também.
Com a falta de jeito de um e do outro, viram o rosto para o
mesmo lado e o beijo de Álex acaba quase nos lábios de Paula.
É a última coisa que fazem. A menina se volta e pega a rua da
direita. O rapaz olha para ela até que desaparece e segue para a
esquerda.
E agora?
Álex não quer pensar. Quer saborear o que viveu, quer
aproveitar a lembrança daquele dia, quer sorrir. Mas é impossível.
Impossível não buscar além. Seu peito pulsa depressa e isso é um
problema, um grande problema.
Será que a ama? Não pode ser. Acabaram de se conhecer. Além
do mais, é muito difícil que voltem a se encontrar.
Precisa se distrair. Pensa em seu sax e só quer chegar em casa
para descarregar na música toda a intensidade do dia.
Paula está quase entrando no metrô quando em sua bolsa
começa a tocar Don’t stop the music. É Miriam. No instante que leva
para atender, pensa o pior. Seus pais ligaram para sua amiga!
— Oi, Mir — atende trêmula.
— Onde você se meteu?
— Eu...
— Meu irmão já me avisou de tudo. Não se preocupe, seus pais
não ligaram.
Paula suspira aliviada.
— Ainda bem, porque senão estava ferrada.
— Eu teria inventado qualquer coisa como desculpa para você
não poder atender. Teria ligado para você imediatamente e depois
você ligaria para eles. Sem nenhum problema.
— Estou vendo que pensou em tudo. Muito obrigada por me dar
cobertura .
— De nada, linda. Espero que tenha se divertido muito com
Ángel.
Ops, Ángel! Contava a ela? Dizia à sua amiga que, na realidade,
havia passado a manhã toda com Álex?
— Na verdade, é que...
— Precisa nos contar os detalhes. Que história mais bonita!
Quem dera eu tivesse algo assim como vocês.
— Sabe, Miriam, na verdade...
Ouve-se um grito ao fundo. É a mãe de Miriam que chama a
filha para que recolha algo que deixou jogado em algum lugar.
— Preciso desligar. Espero que saia conosco hoje à noite e nos
cause inveja com seu romance. Beijoooo.
E com esse longo beijo Miriam desliga.
É verdade, é sábado, o que significa dia de sair com as Sugus.
Mas depois de tantas horas espalhando livretos, resta-lhe pouca
vontade para farra.
Tem que pensar. Nisso e em outras coisas.
Sua amiga havia citado Ángel várias vezes. Sentia-se culpada
por ter passado o dia todo com Álex? Ele era só um amigo, não?
Antes de entrar no metrô, Paula olha o celular. Está indecisa.
Talvez seja hora de ligar para Ángel. Procura seu número nos
contatos, um número que só tem há dois dias, desde que se
conheceram pessoalmente. Deus, faz só dois dias que se conhecem!
E já está atrás dele? Ontem, quantas vezes ligou para ele?
Paula rapidamente encontra o telefone do rapaz. Tem muita
vontade de falar com ele, ouvir sua voz, mas e se não conseguir? Se
ele não atender? Além de ansiosa, vai parecer chata. Hesita alguns
instantes e finalmente guarda o celular na bolsa, entrando no metrô.
Sim, ele é quem tem que ligar.
À mesma hora desse mesmo dia de março, em outro lugar da
cidade.
Já se passaram várias horas. Paula não ligou.
Ángel não consegue tirar da cabeça a voz daquele menino que
atendeu o telefone quando ligou para ela.
Continua não acreditando em tudo que está acontecendo: o
porre, Katia, a noite fora de casa, a ligação... Como gostaria de
retroceder um dia e voltar à Casa do Relax com Paula! Ou talvez
dois, e retornar à noite em que se beijaram pela primeira vez. Como
naquele filme de Bill Murray e Andie MacDowell, Feitiço do tempo, em
que o protagonista acorda sempre às seis da manhã do dia 2 de
fevereiro, dia da marmota. Ángel pediria para começar a história
quando havia chegado à Starbucks e acabar na despedida depois
daquele banho relaxante, e que isso se repetisse sem parar a cada
dia de sua vida.
Mas essas coisas só acontecem nos filmes e nos sonhos; talvez
em algum livro também.
Está quase anoitecendo. Está o dia todo pensando no assunto.
Não fez nada do trabalho que pretendia fazer hoje.
E se ela não ligou porque passou o dia todo com esse garoto?
Não, isso não é possível. Com certeza deve haver alguma razão que
explique. Ela vai ligar.
Quase anoitecendo, nesse dia de março, em outro ponto da
cidade.
Paula chega em casa. Dá um tapa na própria testa: nem sequer
ligou para avisar que não ia almoçar em casa! Estava tão
concentrada com os livretos e pensativa com o negócio de Ángel que
esqueceu completamente. Teme outro papo como o de ontem ou uma
bronca como a de quinta-feira.
Mas nada disso acontece. É estranho. Seus pais não a
submetem à habitual rodada de perguntas nem lhe passam um
sermão. Limitam-se a sorrir e perguntar como está para a prova de
matemática. A menina responde surpresa e depois sobe para seu
quarto. O que ela não sabe é que, minutos antes...
Paco: “Onde se meteu essa menina? Nem ligou para dizer que
não vinha almoçar”.
Mercedes: “Foi estudar com Miriam e o irmão dela, Mario. Não se
preocupe”.
Paco: “Mario? Há um menino no meio disso? Você acha que ele
pode ser...”.
Mercedes: “Não sei, talvez. Ela vai nos contar”.
Paco: “Ufff”.
Mercedes: “Não se preocupe, já deve estar chegando. Pensei
nisso o dia todo, e acho que talvez a gente esteja pressionando
muito”.
Paco: “Pressionando muito? Mas ela só tem dezesseis anos! É
uma criança !”.
Mercedes: “Já não é tão criança: sábado faz dezessete. Lembra o
que fazíamos na idade dela?”.
Paco pensa e leva as mãos à cabeça.
Paco: “Vou ligar para ela agora mesmo”.
Mercedes: “Não, não ligue. Vai ser pior. Vai parecer que
queremos controlá-la ”.
Paco: “Mas temos que controlar um pouco. É uma menina. Não
pode fazer o que quiser e quando quiser. Ela também tem
responsabilidades”.
Mercedes. “Paula não é boba, e é uma boa menina. Mas se
ficarmos o dia todo dizendo a ela o que tem ou não tem que fazer, vai
se rebelar mais”.
Paco: “E então, o que você propõe? Que não digamos nada?”.
Mercedes: “Também não é assim. Mas vamos deixar que tome
suas decisões. Se ela cometer um erro grave, intercedemos. Talvez
nos conte mais coisas se perceber que confiamos nela”.
O marido fica em silêncio por alguns segundos. Só espera que
sua filha não esteja nesse momento fazendo o que ele fazia na idade
dela.
Paco: “Tudo bem. Não gosto muito da ideia, mas tudo bem”.
A mulher se aproxima sorridente e beija seu marido no cantinho
dos lábios.
Mercedes: “É o certo”.
E, após beijá-lo de novo, sobe a escada sob o olhar atento de seu
marido.
Paula chega ao seu quarto e a primeira coisa que faz é tirar os
sapatos. Está moída.
“Acho que a Sugus de abacaxi vai ficar em casa esta noite”,
pensa enquanto olha as solas dos seus pés e os calcanhares
inchados.
Sem notícias de Ángel. Suspiros. Não deve ligar para ele, mas
está chegando ao limite.
Liga o computador pensando que talvez ele esteja no MSN, como
nos dois últimos meses.
Não. Só estão suas amigas. Rapidamente é convidada para
um chat. Aceita.
É o começo de uma interessante noite de confissões.
Capítulo Quinze

Nesse dia de março, à noite, em um lugar da cidade.


Está o dia todo remoendo a conversa telefônica da manhã. Teve
até que se convencer de que não havia sido um sonho. Não. Paula
realmente havia ligado para ele, disso não havia dúvida, mesmo que
houvesse acabado de acordar. Porém, Mario não tem muita certeza
de ter interpretado bem o que a menina havia dito no fim da ligação.
Realmente vão se ver todas as tardes durante a semana toda
para estudar matemática? Foi isso que ela disse, não foi? Sim, foi
isso, não foi? Mas por que tinha tantas dúvidas, então? Talvez por
sua falta de segurança, talvez porque não confiasse em si mesmo,
talvez porque esteja apaixonado por Paula e não possa imaginar que
uma coisa assim pudesse acontecer. Talvez porque estivesse ficando
maluco.
Sua cabeça não consegue parar de pensar, funciona a mil por
hora: um milhão de imagens, palavras, hipóteses, conjecturas.
Mas nada fica claro, mesmo que tente. Ok, Paula vai à sua casa,
tudo bem. Vão ficar sozinhos quatro dias. Quatro tardes. Ela e ele.
Como sonhou tantas e tantas vezes. Isso também está ok. Mas é
para estudar. Isso já não é tudo bem. Vai conseguir se concentrar?
Se a menina recorre a ele para que a ajude a estudar para uma
prova, não pode falhar com ela. Portanto, precisa ser responsável e
controlar tanto seu nervosismo quanto suas emoções por conta de
estar com ela. E o que faz com seus sentimentos?
Mario pensa, então, no que viu à saída da escola. Aquele beijo.
Por um lado, relembra também as flores que Paula recebeu na sala
de aula. Tudo isso lhe provoca uma grande tristeza. Um abatimento
absoluto.
Por outro lado, não sabe se a relação com aquele garoto é algo
sério ou se ele é um simples ficante. E quem disse que Paula não
pode se apaixonar por ele durante essa semana?
Não, isso é criar falsas ilusões. Como uma menina como Paula ia
reparar em alguém como ele? É impossível.
Mario vive em um carrossel permanente de sentimentos,
sentimentos que vão subindo e descendo como os cavalinhos desse
carrossel. Cada minuto é uma história diferente e cada sensação,
um acontecimento. Seu coração bate muito depressa e sua cabeça
vai explodir.
Tem motivos para se iludir? Vale a pena continuar apaixonado
por Paula e não tentar esquecê-la? Isso é enganar a si mesmo. Não
pode esquecê-la. Não, não pode. Além do mais, como vai conseguir
se ficará a sós com ela todos os dias da próxima semana?
Por que tudo é tão difícil?!
Deitado na cama de barriga para cima, jogando e pegando uma
pequena bola de espuma, ouve alguém bater à sua porta.
— Está decente? — pergunta sua irmã após bater na porta com
os nós dos dedos.
— Entre — responde Mario, sem muito entusiasmo.
Miriam entra no dormitório. Está com uma mochila nas costas,
mas não vestida de sábado à noite.
— Vou sair. Vou passar a noite fora.
Mario se levanta e olha para sua irmã com estranheza.
— Aonde você vai?
— Combinamos de dormir na casa da Paula. Não vamos sair.
Em vez disso , vamos ter uma noite de meninas: fofocas, doces, filme
romântico e todas essas coisas.
Na casa da Paula? Ele daria tudo para passar uma noite assim
ao lado dela.
— Que porre! Não iria a uma dessas festas do pijama com vocês
nem que me pagassem — mente.
— Você bem que gostaria que a gente te convidasse, mesmo que
só por dez minutos. Se visse o modelito do pijama da Diana...
— Diana não me interessa.
— Mario, mesmo sendo meu irmão, você continua sendo um
garoto — diz com um grande sorriso de orelha a orelha. — Vou indo,
que está ficando tarde. Não sinta muito minha falta.
— Pode deixar. Divirta-se.
— Com certeza.
Ainda sorrindo, sua irmã mais velha sai do quarto.
Mario torna a se deitar. Pega de novo a bola de espuma e a joga
para o teto do quarto. Está pensativo. Pergunta-se se seu nome será
citado naquela reunião de adolescentes viciadas em sorvete de
macadâmia e fofocas. Quem sabe...
Nesse mesmo dia de março, à noite, em um lugar afastado da
cidade.
Seus lábios estão colados à boquilha do saxofone. Seu peito infla
e desinfla no esforço de tocar aquele mágico instrumento. A melodia
do sax é melancólica, encantadora. Sedutora.
Álex se deixa levar pela música que ele mesmo oferece. Cada
nota hoje está inspirada em Paula, porque, mesmo que tente, não
consegue parar de pensar nela. Não entende como chegou a isso,
mas não pode negar a evidência, mesmo que possivelmente essa
história lhe traga problemas.
A noite cai e a música continua. Álex está tão ensimesmado que
nem percebe que alguém entrou na casa.
Essa pessoa ouve o som do sax. O rapaz continua sem saber que
não está mais sozinho. Alguns passos avançam pelo estreito corredor
até chegar à escada. A portinhola se abre e a música para. Diante de
Álex aparece uma linda garota morena de cabelo ondulado.
— Continue, continue. Não pare por minha causa. Adoro te
ouvir.
Volta a colocar os lábios no sax, e a música continua na noite.
Quando termina, a recém-chegada aplaude esboçando um
sorriso maroto.
— Você continua ótimo, maninho.
— Você chegou antes do que eu esperava. Não disse que viria na
segunda-feira?
— Sim, mas decidi antecipar meus planos em dois dias e
aproveitar o fim de semana aqui. Além do mais, fico entediada em
casa. A propósito, você não devia deixar a porta destrancada.
— Estamos longe da cidade. Não há muita gente por aqui.
— Agora eu estou aqui.
Álex faz uma careta e baixa o olhar com certa contrariedade
diante da observação.
— Suas malas estão no carro?
— Sim. Vamos descer?
O jovem assente sem dizer nada. A presença de Irene o
incomoda. Ainda se pergunta como aceitou que ela ficasse com ele
até junho, o que significa dizer adeus à sua desejada solidão. Mas
como poderia negar?
— Como está sua mãe? — pergunta, enquanto caminham em
busca da bagagem.
— É sua mãe também — relembra Irene.
— Só legalmente.
A mãe biológica de Álex faleceu quando ele ainda era criança e
depois seu pai se casou com a mãe de Irene. Fazia dez anos. Os
quatro viveram juntos até a morte do pai do menino, mas a relação
entre madrasta e enteado não havia sido boa desde o começo. Por
isso Álex não hesitou em cuidar da própria vida depois que seu pai
faleceu. Com relação a Irene, nunca ficou muito claro que tipo de
sentimentos tinha por seu meio-irmão. Quando moravam juntos,
seus amigos brincavam dizendo que aquela relação parecia a de
Sarah Michelle Gellar e Ryan Phillippe em Segundas intenções.
— Mamãe está bem — acrescenta Irene. — Mas não tem nem
um pouco de estabilidade emocional: é tão imatura... Ou talvez
queira representar o papel de uma mulher mais jovem do que
realmente é. O passar dos anos a assusta. Ela mandou lembranças.
Enquanto Irene fala, chegam ao carro. Várias bolsas de mão e
cinco malas, três delas grandes, lotam o porta-malas e a parte de
trás do Ford Focus preto. Álex engole em seco.
— Não deixou nada em casa, pelo que vejo — suspira.
— Como assim! Só trouxe metade — responde a menina
surpresa. — Vou ficar três meses aqui e preciso me sentir
confortável com minhas coisas, não é?
Álex quase não ouve o que sua meia-irmã está dizendo. Pega
uma das malas, a mais pesada, e entra na casa. Irene o segue
carregando a menor.
— Devia ter comprado as com rodinhas — aponta a menina.
— Teria sido bem melhor — acrescenta ele, arfando.
A jovem sorri maliciosa vendo o esforço de Álex.
Quando, há algumas semanas, surgiu a possibilidade de fazer
um curso na cidade sobre liderança estratégica, não hesitou em ligar
para o meio-irmão e pedir acomodação em sua casa para o tempo
que as aulas durassem. Sabia que ele não negaria. O curso lhe abria
uma interessante oportunidade de trabalho dentro de sua empresa
e, além do mais, era a oportunidade perfeita de ficar perto dele.
Como no passado. Continuava tão bonito como sempre. Adorava seu
sorriso, embora na frente dela raramente surgisse.
Nem sempre havia sido assim. Quando adolescentes, eram mais
unidos e até haviam se permitido certo flerte. Mas, conforme foram
crescendo, Álex começou a ficar mais arisco e distante com ela. Às
vezes, era palpável uma forte tensão entre ambos, derivada do fato
de dois jovens consideravelmente atraentes um para o outro viverem
sob o mesmo teto. Eram meio-irmãos, mas não parentes de sangue.
As especulações que as pessoas faziam sobre eles divertiam Irene e
incomodavam Álex. Era complicado conviver com rumores de todo
tipo.
— Só mais um esforço, é a última — anima a menina, que
caminha ao lado de seu meio-irmão.
O olhar de Álex fulmina Irene. Teve que levar as quatro malas
mais pesadas enquanto ela ficou com as bolsas e uma nécessaire.
Por fim concluem a pesada tarefa.
A garota, fingindo estar exausta, desaba no sofá. Porém, não
tarda a perceber que se sentou em cima de alguma coisa. É um dos
livretos de Por trás da parede. Folheia-o com curiosidade.
— Você escreveu? — pergunta a Álex, que ainda não havia
notado a descoberta de sua meia-irmã.
— Sim — responde com certa vergonha.
— Posso ler?
— Já está lendo — comenta o jovem, visivelmente constrangido.
Porém, ela fecha o livreto e sorri.
— Mas agora não. Antes de ir para a cama. Tenho uma cama,
não é?
— Tem uma cama.
— Que bom. Senão, estava disposta a dividir a sua com você,
como bons irmãos.
— Irene...
— Brincadeira, cara — conclui a menina sorrindo, enquanto se
levanta do sofá. — Vou tomar um banho.
— Vou te dar toalhas limpas.
— Obrigada, maninho. — E, caminhando graciosamente,
desaparece.
Álex se levanta também para buscar as toalhas, mas não sai de
sua mente a ideia de que serão três meses muito longos.
Adorada e perdida solidão.
Nessa noite, nesse dia de março, na cidade.
Quatro adolescentes estão sentadas em cima de uma manta rosa
que cobre a única cama do quarto. Dois sacos de dormir são
sorteados nesse momento.
— Para mim dá no mesmo dormir no saco ou na cama — insiste
Paula.
— Não, não e não. Vamos sortear entre nós três para ver quem
dorme na cama com você e quem fica no chão. Sua cama é sua
cama.
As palavras de Diana fazem a anfitriã suspirar, finalmente se
dando por vencida.
— Cris, você que é a mais inocente de nós todas — ou se faz de
inocente —, jogue os dados. Com o número que sair, sorteamos
contando a partir de mim quem vai ter o prazer de dividir o edredom
com a senhorita García.
— Como você é dramática, Diana! — reclama Miriam sem muito
entusiasmo.
Cristina pega o copinho, coloca os dados dentro e joga-os em
cima da manta rosa. Três e quatro.
— Sete.
— Muito bem, querida. Não sei como vai tão mal nas provas de
matemática — brinca Miriam.
— Engraçadinha! — responde a menina erguendo seu dedo
médio. — Um, dois, três, quatro, cinco, seis e... sete. Eu! — exclama
Diana vitoriosa. — Muito bem, perdedoras, aos seus aposentos.
Cris e Miriam tentam dar um tapa na vencedora, que com
habilidade escapa por entre os lençóis.
Voa um ou outro travesseiro. Uma delas bate na parede do
dormitório . Ouvem-se vários lamentos simulados e um ou outro
insulto. Arfantes e esgotadas, decidem concluir a batalha. A guerra
de travesseiros chega ao fim.
Após ajeitar um pouco o cabelo e ter certeza de que tudo está no
lugar, cada uma ocupa o local designado pelo acaso dos dados.
Durante a noite não conversaram muito. Filme romântico, pizza
havaiana, sorvete de macadâmia, brincadeiras infantis e insultos
carinhosos. Porém, resta algo a tratar: o assunto principal da noite
como último ponto do dia.
— Bom, Paulita, conte tudo, que estamos curiosas. Como estão
as coisas com seu anjo da guarda? Ele já te mostrou suas asinhas?
As meninas dos sacos de dormir sorriem ao ouvir Diana.
Nenhuma delas tocou no assunto ainda, mas todas morrem de
vontade de saber mais.
— Que asinhas? Você viaja...
— Vai, conta como foi o encontro de ontem. E o que aconteceu
hoje? Somos suas amigas, as Sugus. E se alguém come a Sugus de
abacaxi, as outras têm que saber, não?
Paula acerta a mão na nuca de sua amiga, deitada ao seu lado.
Não sabe por onde começar nem tem certeza de que quer lhes contar
tudo. Pensa em Ángel, pensa que o dia acabou e não se falaram. Ele
não foi capaz de ligar de novo. E ela, por teimosia, também não.
Quem diria, depois do dia anterior tão extraor dinário... As flores, a
sala do grito, a piscina, o sorvete, os beijos... Também pensa em Álex
e nas horas tão especiais que passou com ele, com todo esse negócio
dos livretos. Quase encostam os lábios. O que teria acontecido,
então?
— Então... é que... na verdade...
Os olhos de Paula ficam vermelhos. De repente, sente uma
grande angústia .
— Oh, oh! — sussurra Miriam preocupada, e com um rápido
movimento se senta em seu saco de dormir. — O que aconteceu?
Vocês brigaram?
As outras duas amigas também se sentam.
— Não sei.
Diana abraça sua amiga por trás.
— Conte o que aconteceu, vamos — diz, enquanto afasta o
cabelo do rosto da amiga.
Finalmente, Paula decide falar. Durante quinze minutos explica
a suas amigas tudo que aconteceu. Elas não a interrompem e ouvem
atentamente. Um grande suspiro acompanha o fim da história.
Por alguns instantes, as quatro ficam em silêncio, até que Diana
decide intervir.
— Quer dizer, então, que ela não só pega o jornalista gostoso
como também sai com um cara que conheceu em um café que é
escritor e também gostoso. Podem me dizer por que eu não encontro
nada desse tipo? O que ela tem que eu não tenho?
— Ela é mais bonita — Cris aponta rapidamente.
— Tem uma bunda mais bonita — diz Miriam.
— É mais sociável — acrescenta Cristina.
— Mais peito, melhores notas...
— Ok, ok! Já entendi! — grita Diana, vermelha. — A questão é
ajudar Paula, não acabar comigo. Vou ter que buscar mais sorvete.
As duas garotas do chão riem com a reação de Diana. Paula
percebe que, sem querer, também está sorrindo.
— E então, o que vai fazer? — pergunta Cris.
Paula toca o cabelo. Penteia-o nervosa com as mãos, jogando-o
para trás.
— Não sei.
— A primeira coisa que tem que fazer é ajeitar as coisas com
Ángel. Que cabeças-duras vocês dois! — diz Miriam.
Cristina concorda com a proposta de sua amiga assentindo com
a cabeça.
— Vamos ligar para ele! — diz Diana, que de repente fica em pé
em cima da cama e dá pulinhos tentando chegar ao celular de Paula.
— Não! Agora, não! É muito tarde!
Paula tenta deter a amiga segurando sua perna. Porém, ela puxa
com força e escapa.
— Que tarde, nada! Nunca é tarde para o amor.
Diana alcança o aparelho que está na mesa do computador e
começa a procurar na agenda de contatos.
— Diana, por favor, solta meu celular.
Paula fica em pé em cima da cama e em meio a uma confusão de
mantas e lençóis avança até a amiga, que continua a busca.
— “Andrea, Andy, Andrés Gómez...” Aqui está, Ángel. Ángel
“amore”?
Diana solta uma gargalhada e Paula cora. Miriam e Cris, que
observam a cena, também riem.
— Não liga para ele. É muito tarde. Deve estar dormindo.
— Num sábado? Sei! Deve estar por aí na farra ou em casa
bebendo.
— Solta o celular! — grita Paula desesperada.
— Este botãozinho verde é para ligar, não é? Vamos ver...
A menina aperta o botão e coloca o telefone na orelha.
— Diana, não!
Sem pensar, Paula pula da cama em cima de sua amiga. Diana
não consegue se esquivar e as duas se chocam, batendo a cabeça
uma na outra. O celular cai das mãos de Diana e, antes de se ouvir o
primeiro “bip”, desaba no chão abrindo-se ao meio.
Miriam e Cristina, assustadas, correm rapidamente até as duas
meninas.
— Santo Deus, que pancada! Tudo bem?
— Que dor! Mas você... acha que é a Mulher-Gato, é?! —
exclama Diana esfregando o lado direito da têmpora, onde bateu.
Paula está deitada no chão também se queixando. Passa várias
vezes a mão na cabeça para ver se não está sangrando.
— A culpa foi sua por fazer o que não devia. Que cabeça mais
dura a sua!
— Você não pode falar de cabeça dura. Vai ver o chifre que vai
sair aqui!
— Para ter chifre, precisa ter namorado ou ser uma cabra —
comenta Cris rindo ao ver que suas duas amigas estão bem.
— Acho que Diana está mais para a segunda opção — debocha
Miriam.
Todas sorriem, menos Diana, que já se levantou. Assim como
Paula, que continua tocando a cabeça.
— Vocês estão muito engraçadinhas hoje, não? Ainda por cima,
essa aí tenta me matar a cabeçadas. E pensar que tenho que passar
a noite com ela na mesma cama! Vou ter que dormir com um olho
aberto, por via das dúvidas.
Paula não diz nada e sorri dos exagerados lamentos da amiga.
Enquanto Diana continua bufando, recolhe as duas partes do
celular que ainda permanecem no chão e suspira.
— Quebrou? — pergunta Cristina.
— Não sei — responde Paula enquanto junta as metades.
Tenta ligá-lo, mas nada. Tenta de novo, mas continua não
funcionando.
— Parece que não funciona — comenta desolada.
O telefone passa pelas mãos das quatro amigas, mas nenhuma
consegue ligá-lo.
— É, não funciona. Vai ter que mandar consertar segunda-feira
— comenta Miriam.
— Sinto muito, Catwoman, foi culpa minha — diz Diana,
envergonhada.
Paula se aproxima dela e lhe dá um beijo no lugar onde a
acertou com a cabeça. Diana retribui com um aperto carinhoso.
— Meninas, vamos dormir. Amanhã é outro dia.
Todas concordam e, após os correspondentes beijos e abraços de
boa-noite, deitam-se em suas respectivas camas.
A luz se apaga.
Também o ânimo de Paula está um pouco apagado. Não falou
com Ángel e agora sente que devia ter ligado para ele. Sente um
grande vazio dentro de si. Sente medo, medo de perdê-lo.
Talvez o fato de o telefone ter se quebrado seja o sinal, o indício
de que aquela história que acabou de começar talvez tenha
terminado.
A manhã seguinte trará a resposta.
Capítulo Dezesseis

Nessa noite de sábado de março, na periferia da cidade.


Olá.
Encontrei seu livreto com as primeiras páginas de Por trás da
parede e só queria lhe dizer que adorei. Adorei a história, achei que
está muito bem escrita, tem ritmo e prende. O que mais gostei foi da
ideia incrivelmente criativa e romântica de difundi-la. Você é uma
dentre os milhares de pessoas que fazem com que esta vida tenha
mistério, encanto e aventura. Obrigada. (Talvez tenha lhe chamado a
atenção o “milhares”. Acha que é muito? Não é tanto, infelizmente.
Pense bem. Somos muitos milhões.)
Vou ficar com sua história uma semana, sinto muito, mas é que
quero que um amigo meu a leia. Ele também gosta de escrever. Mas,
não se preocupe, para compensar, amanhã vou tirar cópia do livreto,
colocá-lo em uma pastinha exatamente igual à sua e deixá-lo em
algum lugar onde acho que vai fazer sucesso. (O que acha de uma
Starbucks?)
Bom, é isso. Só quero lhe desejar a boa sorte que espera e que
merece.
Abraços,
María.
Esse e-mail é o primeiro que Álex encontra ao abrir sua caixa
postal. Não pode evitar um grande sorriso. A aventura dos livretos
tem seus primeiros frutos. Logo responde a María para lhe agradecer
por suas palavras.
Não para de sorrir. Está entusiasmado.
Enquanto redige a resposta, pensa em Paula. Ela faz parte
daquela história. Teria adorado estar com ela e que, juntos,
houvessem descoberto aquele e-mail. Mas Paula não está ali.
Uma sombra de desilusão ofusca sua euforia. Vão se ver de
novo? Percebe que não pediu o telefone dela, nem ela fez nada para
conseguir o dele. A ilusão se desvanece por completo.
Vão se falar por MSN, sim. Mas, quem sabe quando? Quer voltar
a vê-la agora. Deseja isso com todas as suas forças.
A lembrança de seu rosto a poucos centímetros do dela na loja
quando o Desculpa se te chamo de amor caiu da prateleira lhe
devolve o sorriso. Foi um desses momentos mágicos que ficam na
retina para sempre. Sonha acordado. Procura em seus arquivos e
põe o vídeo que no dia anterior ela e ele viram juntos. Separados,
mas unidos por aquela canção e a história de Federico Moccia.
— Bela música.
Uma voz feminina irrompe às suas costas.
Álex se volta e vê Irene caminhando para ele. Veste um pijama
mais próprio para o verão que para o mês de março, com uma
camiseta caída nos ombros e um short excessivamente curto.
— Não ouvi você bater.
— Não bati. A porta estava aberta e entrei.
— Pois é de boa educação bater antes de entrar.
— Vou me lembrar disso.
A menina se aproxima de Álex e se inclina ao seu lado para
observar o que está vendo no computador. Seu cheiro é muito bom.
— Você fez esse vídeo? — pergunta-lhe surpresa.
O jovem percebe seu hálito e seu perfume muito perto, muito
perto, tanto que afasta um pouco seu rosto do de Irene. Depois, clica
no stop e para o vídeo.
— Sim, mas já terminou.
— Ei, não desligue! Quero ver.
A garota estica o braço para alcançar o mouse apoiando seu
peito no ombro esquerdo de Álex, que sente um calafrio com o
contato. Porém, reage a tempo e evita que sua meia-irmã atinja seu
objetivo interpondo seu corpo entre ela e o computador.
— Para, Irene. Parece uma criança.
— Só tenho dois meses a menos que você — protesta.
Irene desiste e, queixosa, senta-se na cama. Depois, deita nela
de barriga para cima. Álex a olha de soslaio e suspira.
— Não está com sono? Deve estar cansada da viagem.
— Sim, estou.
— Então, vá para a cama.
— Estou nela.
— Para a sua.
— Desmancha-prazeres.
— Continuo achando que você se comporta como uma criança.
Irene se levanta da cama bufando, mas com certo ar divertido no
rosto. Aproxima-se de Álex de novo, abaixa-se e lhe dá um beijo no
rosto.
— Vou para meu quarto. Boa-noite, maninho.
Lentamente, Irene vai até a porta e sai do quarto. Seu meio-
irmão a contempla inquieto. Paciência. Serão meses difíceis com ela
na mesma casa.
Tenta se recompor, voltar ao momento em que estava antes, mas
é impossível. O melhor é ir dormir.
É o final de um dia mágico que não sabe se algum dia se
repetirá.
Nessa mesma noite, no centro da cidade.
Ángel acorda sobressaltado.
— Paula!
Ninguém responde a seu chamado. Está completamente sozinho,
deitado no sofá de seu apartamento. Tudo está escuro. Só uma luz
tênue entra por uma das janelas. Olha o relógio na penumbra: mal
consegue ver que é uma da manhã. Acabou adormecendo. E, além
do mais, teve um pesadelo.
Sonhou que estava dentro de uma piscina. Reina a
tranquilidade. A água muito azul. De repente aparece ela, Paula,
com a mesma roupa de banho do dia anterior, quando juntos se
divertiram na Casa do Relax. A menina se senta ao seu lado. Não
falam, só se observam. Riem. Tudo parece tranquilo. Não existe
ruído. Nada se interpõe ao casal apaixonado. Paula fecha os olhos e
Ángel a imita. Espera ansioso o beijo de sua jovem amada. Espera. E
espera. Mas ele não chega. E seus lábios? Com estranheza, volta a
abrir os olhos. Paula não está lá. Aonde foi? Busca ao seu redor. Não
há ninguém. Mas, um momento, o que é aquilo? Uma sombra se
desloca por baixo d’água lentamente, a poucos metros. É ela? É ela!
A menina se afasta devagar, virada para baixo, embalada por
estranhas ondas que a piscina provoca. Seus braços estão cruzados.
Ángel grita, mas de sua boca não sai nenhum som. Tenta de novo,
com o mesmo resultado . Nervoso , tenta nadar atrás dela. É inútil:
não consegue se mexer. Um forte mergulho se ouve em algum lugar.
Parece que alguém pulou na piscina. Sim. Ángel vê um salva-vidas
nadar até a menina. Sua agilidade é impressionante , tanta que em
poucos segundos alcança a jovem. Imediatamente contorna-a e a
examina com cuidado. O salva-vidas pega Paula com delicadeza por
baixo das costas e da nuca e a dirige para uma das bordas da
piscina. Ele sozinho consegue tirá-la da água sem aparente
dificuldade. A garota parece inerte. Porém, em nenhum momento no
rosto daquele musculoso jovem brotam sinais de tensão. Ángel tenta
nadar de novo. Fracassa. É como se seus pés houvessem sido
parafusados no fundo da piscina. Como estará Paula?
O salva-vidas deita a jovem no chão e se agacha ao seu lado.
Acaricia seu cabelo molhado e se inclina. Sua boca se aproxima da
dela, que permanece com os olhos fechados. Os lábios de ambos se
unem. Não é o habitual boca a boca que se faz nesses casos. Parece
um beijo. Sim, não há dúvidas de que é um beijo.
Ángel para de gritar em silêncio. Não pode acreditar no que está
vendo. Sua incredulidade é maior quando Paula começa a reagir.
Abre os olhos e contempla agradecida seu robusto salvador sem tirar
seus lábios dos dele. Torna a fechar os olhos e o beijo continua
diante dos olhos de Ángel, que, de novo, desesperadamente, grita o
nome da menina por quem está apaixonado.
Paula!
Nessa mesma noite, em outro ponto da cidade.
A música está a todo volume na balada.
Katia acabou sua apresentação em um dos ambientes, o maior
de todos. Mais de quinhentas pessoas se reuniram para ouvir a
cantora mais popular do momento em um show privado.
Mas hoje não foi seu melhor dia. Não está com a cabeça onde
devia estar: no palco. Sua mente está perdida em outra direção.
A jovem de cabelo rosa, coquetel na mão, entra acompanhada de
um ator pouco importante em um dos salões VIPs do imenso local.
Um casal amigo dos dois os apresentou e os segue sorridente. É o
preço da fama.
Durante boa parte da noite, em meio a drinques, mentiras e
flertes, o ator tenta seduzir a cantora. Porém, Katia evita qualquer
aproximação. Já bem avançada a madrugada pega seu Audi rosa e
vai embora da festa. Em seu novo e caro relógio, os ponteiros
marcam quatro da manhã. Nem um único minuto parou de pensar
em Ángel.
Nessa madrugada de março, em outro ponto da cidade.
Será possível! Não há jeito de pregar o olho. São cinco da
madrugada.
Está desesperado. Por que está tão nervoso? Mario sabe a
resposta: Paula.
Na segunda, ela e ele estudarão juntos, sozinhos. Passou o
sábado todo fazendo planos: o que vai vestir, o que vai dizer, o que
vai explicar…
Muita pressão. Tanta que está rolando na cama há quatro ou
cinco horas. Quando fecha os olhos, imediatamente seu coração se
acelera incompreensivelmente, e então torna a abri-los. Arregalá-los.
Não pode ser. Precisa encontrar alguma coisa que o faça dormir.
Contar carneirinhos? Que idiotice.
Porém, Mario fecha os olhos e tenta.
Nada a fazer. Sim, realmente aquilo foi uma idiotice.
Nessa mesma madrugada de março, no centro da cidade.
Seis da manhã. Ángel dorme e acorda a cada meia hora. Está
tendo uma noite horrível. Tem um sentimento enorme de culpa. Pode
perder Paula por uma teimosia. Mas quem era aquele sujeito que
atendeu o telefone dela?
Não importa quem era. Isso agora é secundário. Quer Paula.
Precisa dela.
Mais uma vez se levanta da cama. O telefone está em uma
mesinha. Pega-o e olha de novo. Como foi imbecil! Suspira e o solta
de novo.
Volta para a cama. São seis e quinze da manhã. Não há uma
manta ou um lençol no lugar. Naquela bagunça de roupa tenta
retomar o sono.
Mas, dessa vez, não por muito tempo, visto que um barulho
repentino e incessante assusta Ángel, que com um pulo sai da cama.
É o barulho de seu celular, que às seis e vinte quebra o silêncio da
madrugada.
Capítulo Dezessete

Quase de dia, nesse domingo de março, em uma parte da cidade.


Uma mão chacoalha delicadamente o ombro de Paula, com tato
e cuidado para não assustá-la. Porém, a menina não acorda; dorme
profundamente. Sua respiração é ritmada e constante. A segunda
tentativa tem um pouco mais de veemência.
— Paula... Paula!
Primeiros resultados: a jovem balança a cabeça e tenta afastar a
mão inconscientemente, como quem tenta espantar uma mosca.
— Paula, acorde. Paula...
Os sussurros em seu ouvido, já não tão suaves, e o incessante
vaivém de ombros, agora já decididamente mais forte, por fim
conseguem fazer com que Paula abra os olhos. Devagar, muito
devagar. O abajur do criado-mudo está aceso. Entre nuvens e cílios,
consegue ver sua colega de cama. Com olheiras, contempla o
sorrisinho maligno de Diana.
— O que foi? Que horas são?
— Cedo, mas é hora de acordar.
Não pode jurar, mas tem a impressão de que, enquanto sua
amiga fala, aproxima um objeto dela para que o pegue. É um
celular? Seu celular? Também não tem certeza, mas não estava
quebrado ontem à noite antes de ir dormir?
A surpresa e a estranha felicidade no rosto de Diana conseguem
fazer com que seu processo normalmente lento para acordar avance
mais depressa que o habitual.
— Tome, é para você.
Paula hesita, mas acaba pegando-o. Não sabe muito bem o que
fazer com ele.
— Que faço com isso?
— Atenda, imbecil! Será que já nem sabe mais falar no telefone?
Foi tão forte assim a pancada na cabeça de ontem?
A menina não entende nada. Não está tão acordada a ponto de
entender o que está acontecendo.
— Alô?
— Paula?
Um calafrio que vai do seu abdome até seu pescoço percorre-a
por dentro.
É a voz de Ángel!
Desconcertada, olha para sua amiga, que, sorridente, faz sinais
para que continue falando.
— Ángel?
— Oi, Paula.
Parece contente. Sua voz soa serena, mas animada.
— Mas... Como...
— Calma, Diana me contou tudo.
— Diana?
A menina atravessa sua amiga, que não para de sorrir, com um
olhar fulminante.
— Sim. Ela me disse que por culpa dela seu celular caiu no chão
e se abriu ao meio quando você ia me ligar. Que tentaram arrumá-lo,
que você até colocou seu chip no aparelho delas, mas foi impossível.
Até que, por fim, agora há pouco, ela conseguiu arrumar depois de
tentar bastante.
Que surpresa! Diana passou parte da noite tentando arrumar
seu celular... e conseguiu! Paula troca seu olhar assassino por olhos
úmidos e agradecidos. Não só isso como também assumiu a culpa
por ela mesma não ter ligado para ele.
— Ela é uma grande garota. O que não entendo é como ela sabia
o código PIN do meu telefone — pergunta a jovem.
— Trouxa. Claro que era a data do seu aniversário! — responde
Diana em voz baixa.
— Paula... — interrompe Ángel — Paula, tenho que te pedir
desculpas.
A jovem se cala. Talvez ela também deva se desculpar por ter
sido tão cabeça-dura.
— Ángel, olha...
— Paula, me deixa terminar. Fui um imbecil. Devia ter ligado
ontem à noite e não liguei. Devia ter ligado hoje e também não liguei,
depois que aquele cara atendeu o telefone.
— Eu...
— Paula, desculpe. Preciso ver você.
— Me ver? Quando?
— Já.
Sente frio e calor ao mesmo tempo. Torna a sentir aquele
formigamento.
— Mas, Ángel, agora... Se nem amanheceu... Como...
— Sim, já amanheceu. Olha pela janela.
Que bobagem! Dá para ver que está escuro ainda. Paula se
levanta e se dirige à janela para certificar-se de que não está louca.
Abre as cortinas. Efetivamente, ainda é noite. Porém, quase
desmaia quando um garoto alto com um lindo sorriso lhe acena com
uma mão enquanto com a outra segura um celular.
— Ele está aqui! — grita descontrolada.
Miriam e Cris, que ainda estavam dormindo, acordam ao ouvir a
voz da amiga.
— Sim, sou eu! Parece que não se esqueceu de mim — responde
Ángel jocoso.
— Que bobo! Como vou me esquecer de você?
Enquanto Paula conversa pelo celular, suas duas amigas recém-
acordadas fazem gestos querendo saber o que está acontecendo.
Diana se junta a elas e, em voz baixa, conta tudo.
— Então, vai descer?
— Como vou descer?
— Imagino que tem uma escada aí que leva para o térreo.
— Que engraçado logo cedo, não? — resmunga a menina, que,
porém, não pode evitar um risinho nervoso no fim da frase.
— Deve ser o sono, mal dormi.
— Não dormiu? E o que fez a noite toda?
— Pensei em você.
Aquelas palavras derretem Paula.
Fica mais nervosa, não sabe o que dizer. De repente, se dá conta
de que está de pijama. Um desses de ursinhos, tão infantis. Deixa
escapar um “ops!” e fecha as cortinas de novo para que Ángel não a
veja.
— Não se esconda. Eu já vi seu pijama bonitinho.
Paula fica vermelha. Como a conhece tanto? Continua sem saber
o que responder. Deu um branco.
Diana com Miriam e Cris, que já sabem de tudo, observam-na.
Paula abre de novo as cortinas e novamente veem um ao outro.
Ambos sorriem.
— Assim está melhor — diz Ángel. — Bom, o que vai fazer?
— Não sei.
— Não quer descer?
— Sim, claro, claro que quero, mas...
Um chinelo cruza o quarto e acerta as costas de Paula.
— Ai!
— Que foi?
— Não é nada... Espere um instantinho, Ángel.
Paula se volta e olha furiosa para as três meninas, que riem.
— Já deu!
— Vamos, mulher. Quer fazer o favor de descer já, por favor? —
diz Diana.
— Mas como? Meus pais... — diz a suas amigas, cobrindo o
celular com a mão para que Ángel não a ouça.
— Vai ver ele!
— Mas se me pegam...
— Deixa de bobagem e vai lá embaixo. Para alguma coisa ele veio
até aqui, não é?
Paula suspira. Sim, as Sugus têm razão. Ángel foi até sua casa
só para vê-la. Quer e tem que descer. Com um pouco de sorte, seus
pais não descobrirão nada.
— Ángel.
— Fala, amor — responde carinhosamente.
Amor. Chamou-a de “amor”. Desculpa se te chamo de amor.
Um estranho flash atravessa sua mente: o livro, Álex... Que
sentimento mais estranho acaba de ter... Confusa, reage.
— Em dez minutos estou aí com você.
— Espero aqui — confirma o jovem, feliz.
— Um beijo, até já.
— Beijo.
Paula abandona a janela e desliga. Suas amigas rapidamente se
amontoam à sua volta. Estão enlouquecidas. Não perderam nenhum
detalhe da conversa.
— Vai fugir com o jornalista! — grita Diana emocionada.
— Que romântico! — intervém Cris.
— Shhhhh… Não gritem. Vão acordar meus pais, daí já era a
fuga. Que fuga? Não vou fugir com ninguém!
— Fuga ao amanhecer. Que romântico!
— Não estou fugindo, Miriam. Só vou descer para me encontrar
com ele. Vocês... estão loucas! — exclama em voz baixa. — Me
deixem em paz, tenho que me vestir.
Entre um comentário e outro das Sugus, Paula se veste e se
penteia a toda velocidade. Tem até tempo de se maquiar um pouco,
com um toque de baunilha para concluir.
— Como estou? — pergunta a elas mordendo o lábio. Suas
amigas a examinam de cima a baixo.
Colocou uma camiseta branca com um bolerinho rosa em cima
e jeans.
— Humm, dá para o gasto. Insisto: não sei o que você tem que
eu não tenho — responde Diana.
As outras duas dão um tapa na menina, que se defende como
pode do ataque de suas amigas.
— Não ouça o que ela diz. Você está linda, como sempre — diz
Miriam, que tampa a boca de Diana com as mãos.
— Não é verdade. Mas, tudo bem, é o que deu para arranjar —
comenta resignada.
A menina suspira e pega uma pequena bolsinha rosa
combinando com a roupa.
— Não se esqueça de pôr aí o pacote de camis...
Miriam e Cris pulam em cima de Diana outra vez. As três
simulam uma nova briga na cama de Paula.
— Estão malucas... Vou indo. Me desejem boa sorte. E,
principalmente, não saiam do quarto até que eu chegue, pois se
encontrarem meus pais, são capazes de dar com a língua nos
dentes. E se eles entrarem, finjam que estão dormindo. E com as
luzes apagadas!
— Vai logo! — gritam as Sugus quase em uníssono.
Voa um travesseiro e outro chinelo, e Paula se esquiva. Mostra a
língua para as amigas e com muito cuidado abre a porta do quarto.
Um chiado desagradável a sobressalta. Uff! Na ponta dos pés,
por fim sai do quarto, fechando a porta cautelosamente. Com muito
cuidado chega à escada, que desce segurando muito forte no
corrimão e dando passinhos muito pequenos e controlados.
Sente calafrios. Se descobrirem... O que poderia inventar? Seus
pais entende riam que, às tantas da madrugada, lá fora está um
garoto que conheceu pela internet, mais de cinco anos mais velho
que ela, esperando-a?
A resposta seria clara: prisão perpétua em seu quarto até a
maioridade.
Quando chega ao fim da escada fica aliviada. Parece que o pior
já passou. Mais corajosa, acelera o passo até a porta da frente da
casa. Está a um passo da “fuga”. Precaução ao abri-la. Dessa vez,
não há nenhum tipo de chiado. Também não tem problemas para
fechá-la. Missão cumprida.
E lá está ele.
Corre para ele? Caminha? Espera que ele vá até ela?
Não tem tempo de pensar mais. Ángel, andando depressa,
aproxima-se dela. Está muito bonito. Sorri constantemente. O
formigamento no estômago de Paula é insuportável nesses poucos
segundos. Um nó na garganta quase a impede de respirar. Isso é
felicidade? Desejo?
Ela não sabe, mas assim que seu namorado chega a sua frente,
pula nele, como na sexta-feira na saída da escola. E o beija.
Agarrada a seu pescoço, beija-o com paixão. Ángel retribui. Durante
dois minutos seus lábios não se separam. Finalmente, Paula se
deixa cair e seus corpos se descolam.
— Vamos dar uma volta — diz ele.
— Sim, melhor, meus pais podem me ver.
— Seus pais, não sei. Mas suas amigas...
O jovem aponta para a janela do quarto de Paula. Depois, acena.
Ali, Miriam, Diana e Cris respondem ao aceno agitando suas mãos
como quem se despede de um parente que se afasta em um navio.
Paula não gosta tanto do entusiasmo geral e recrimina suas
amigas com gestos para que fechem as cortinas e se deitem.
— Essas meninas!
— Boas meninas — pontua Ángel.
— Quando querem... Ande, vamos para algum lugar mais
tranquilo.
— Vou aonde você me levar. Você conhece essa região melhor
que eu.
Ela pensa por um momento. Um lugar... Sim, já sabe onde.
Ainda é noite na cidade, mas a brisa fria anuncia o amanhecer
próximo. O casal caminha de mãos dadas. Fazem uma ou outra
brincadeira. Sorriem.
— Por que não me ligou ontem à noite? Fiquei esperando e
depois liguei um monte de vezes, mas seu celular estava desligado —
diz Paula de repente.
Ángel hesita. Sabe que tem que ser franco com ela. Não quer
mentir, mas sabe que não pode lhe dizer a verdade completa. Não
deve lhe contar sobre Katia, o porre...
— Tive que ir a uma sessão de fotos. Demorou além da conta e
fiquei sem bateria. Tive que esperar até o dia seguinte para ligar.
— Ah!
Só isso? Paula se sente um pouco culpada. Encheu a cabeça de
caraminholas. Era só isso: não pôde ligar. Como podia ser tão
cabeça-dura?
— Sinto muito.
— Tudo bem, Ángel.
Os dois continuam caminhando, agora em silêncio. O céu
começa a clarear.
— Posso te perguntar quem era aquele garoto que atendeu o seu
telefone?
Aquilo surpreende Paula. Ela já havia esquecido aquilo. O que
contar sobre Álex? Não pode falar do negócio do livro, nem que quase
se beijaram. Nem que ele tem um sorriso lindo.
— Um amigo. Ele me pediu que o ajudasse com um... trabalho.
Quando você ligou, eu estava no banheiro de um café, e ele atendeu
porque o celular fazia muito barulho e as pessoas ficaram olhando
para ele.
— Ah!
Ángel se sente mal. Havia sentido ciúmes, algo impróprio dele.
Mas por quê? Confiava nela. Ele não é assim. O que havia
acontecido?
De novo o silêncio entre ambos. Porém, suas mãos se apertam
com força.
Paula e Ángel chegam até uma escadaria que leva a uma espécie
de parque. Parece interminável.
— Chegamos. Temos que subir até ali.
O jovem ergue a vista e suspira.
— Se é o que você quer... Mas não sei se você está em forma.
— Mais que você.
A menina, com seu orgulho ferido, assume a dianteira e inicia a
subida. Ángel não tarda a alcançá-la e, juntos, de mãos dadas,
sobem degrau por degrau aquela infinita escada de pedra.
O frio é mais intenso. O calor entre eles também.
— E cem! — diz ela pulando no último degrau.
— Cem? Eu contei noventa e nove.
— São cem, já subi esta escadaria um monte de vezes.
— São noventa e nove.
— São ce...
Mas antes que Paula consiga dizer qualquer coisa, Ángel cola
seus lábios nos dela. A menina tenta resistir, mas acaba se rendendo
ao beijo. Fecha os olhos e pouco a pouco vai se deixado levar. Ambos
se sentam no último degrau enquanto o sol começa a nascer na
cidade dando luz ao amor e à paixão.
Capítulo Dezoito

Nessa manhã de março, em um lugar afastado da cidade.


Viver longe do centro da cidade tem seus inconvenientes: é
preciso andar muito para comprar qualquer coisa, não há nada à
mão e às vezes você se sente isolado do mundo. Mas também há
muitas vantagens. Uma delas é que o ar é mais puro; outra, que não
há aglomeração de gente, e outra é que em um domingo de manhã
você pode sair para fazer cooper sem ter que se preocupar com
carros, semáforos ou bêbados que voltam de ressaca da noite
anterior.
Faz poucos minutos que amanheceu. O sol volta a brilhar mais
um dia naquele mês de março. O inverno parece ter acabado há
séculos. As árvores acordam úmidas e brilhantes por conta do
orvalho caído e agitadas por uma leve corrente de ar frio. Mas uma
simples brisinha matinal não a detém.
Irene abre a porta da casa depois de amarrar com força os
cordões de seu Nike rosa, e começa a correr. Está de legging preta e
um moletom branco com capuz, sob o qual esconde uma regata,
também preta, da mesma marca que o tênis.
A música de seu MP3, escondido em um dos bolsos, a
acompanha... Mas teria preferido outra companhia.
Quer dizer, então, que essa Paula...
Alguns minutos antes.
Como dormiu bem! Não sabe se pela cama, pelo cansaço da
viagem ou por lembrar que a poucos metros está seu meio-irmão,
talvez até com menos roupa que ela. Esse detalhe também lhe
provoca outro tipo de sensação.
Nunca confessou nem sequer às suas melhores amigas, mas
Irene acha que Álex é o homem da sua vida. Os caprichos do destino
lhe deram a oportunidade de conhecê-lo muito de perto, de viver com
ele muito tempo, apesar das condições pouco adequadas. Meio-
irmãos! De certa maneira, um rolo com Álex é algo parecido a
cometer incesto. Muitos o considerariam como tal. Mas, por outro
lado, não têm o mesmo sangue, e faz tempo que ela abandonou
qualquer complexo e preconceito com relação a esse “pequeno”
detalhe.
Esse curso, essa visita temporária de três meses, é exatamente
do que necessitava: tem três meses para seduzir seu meio-irmão.
Seminua, olha-se no espelho que há no quarto que será seu nas
próximas semanas. Sim, sem dúvida, tem armas.
Sentirá falta da academia, mas vai viver em um lugar ideal para
fazer esporte ao ar livre. Nada melhor que correr todas as manhãs
antes de começar a funcionar. Começa hoje? Claro! Está
descansada, satisfeita. Os domingos são perfeitos para começar
alguma coisa. Todo mundo fala de começar novas experiências na
segunda-feira, com o começo da semana. Ela não. Levar vantagem
de um dia sobre os outros, que hesitam e hesitam e nunca acabam
de fazer as coisas, faz com que se sinta forte, diferente. Na realidade,
o curso de liderança que vai fazer deveria ser ministrado por ela.
Será que Álex gostaria de correr com ela? Provavelmente, não.
Não, certeza, mas não custa perguntar. Vestindo só a legging preta e
um top, caminha até o quarto de seu meio-irmão. Cuidadosamente
abre a porta e entra.
Não está totalmente escuro, visto que uma leve luz entra pela
janela. Vê o suficiente para contemplar as costas nuas de Álex, que
dorme de bruços. A roupa de cama do menino só o cobre até a
cintura. Está mais musculoso que da última vez que o viu sem
roupa. Mais perfeito ainda.
Que menina poderia resistir a morar sob o mesmo teto que Álex
sem se exceder com ele? Será que tem namorada? Não parece, mas
tanto faz. Confia em si mesma. Três meses...
Álex se vira e fica de lado. Irene avança até a cama e, devagar,
deita-se no espaço que Álex deixou livre. As costas e a nuca de seu
meio-irmão estão a poucos centímetros dela. Sente a tentação de
abraçá-lo, mas o que faz é soprar em seu pescoço. O jovem
estremece e se vira. Ainda dorme.
Agora, os olhos fechados de Álex estão de frente para os de
Irene. Suas bocas, muito perto, tanto quanto seus corpos. A jovem
aproxima ainda mais seus lábios dos dele e sopra. Leve e docemente.
Álex torna a estremecer, mas dessa vez acorda. Há uma menina
perto dele, muito perto, e logo mistura seus sonhos dessa noite com
a realidade.
— Paula... — murmura.
— Paula? Quem é Paula?
Não é a voz de Paula. Quem...
— Irene! — grita, afastando-se de sua meia-irmã. — Que está
fazendo na minha cama?
— Dormindo com você — brinca a menina.
— Há quanto tempo está aqui?
— Uns dois minutos.
A menina sai da cama. Apesar da pouca luz, Álex pode ver o
corpo modelado de sua meia-irmã coberto apenas pelo top e por
aquela legging.
— O que... que você quer? — gagueja, surpreso.
— Vou correr um pouco. Quer vir?
Um sorriso invade o rosto da jovem, satisfeita com a impressão
causada .
— Correr?
— Sim. Vou aproveitar este magnífico lugar para correr de
manhã para manter a forma. Ou você acha que isto aqui se mantém
sozinho? — diz passando a mão por seu abdome e suas coxas.
— Não, não vou. É domingo e é muito cedo. É o que menos
quero fazer.
— Tudo bem, como quiser. Até depois, maninho.
E sai do quarto sorrindo. Sai do quarto sorrindo e convicta de
suas possibilidades.
Minutos depois.
O sol faz cada vez mais notória sua presença. Vai ser um dia
quente, dentro do possível para o inverno.
Enquanto corre, Irene pensa. “Paula”, esse é o nome de sua
rival.
Pergunta-se como será. Bonita? Sim, com certeza Álex não vai
reparar em uma qualquer. Mas tanto faz como seja. Tem um objetivo
claro, e não há menina que possa atravessar seu caminho.
Motivada por seu poder mental, acelera o passo. Em seu MP3
toca Ilusionas mi corazón, daquela cantora de cabelo rosa que está
tão na moda.
Capítulo Dezenove

Nessa mesma manhã de março, em algum lugar da cidade.


É possível que tomar chocolate com churros se transforme em
um encontro romântico? Sim, pelo menos para Paula e Ángel.
Sentados em um café, um de frente para o outro, o casal toma
café da manhã com a música do rádio de fundo. Toca Volveré junto a
ti, uma versão da música de Laura Pausini. Depois de mil amassos,
apertos e beijos no parque dos cem degraus, estão famintos.
— Vamos brincar de uma coisa — diz a menina, muito feliz
depois da reconciliação.
— Quer brincar mais? Aqui, na frente de todo mundo? — brinca
Ángel.
— Não seja bobo. Você já teve sua cota por hoje, pelo menos por
esta manhã.
— Como você é durona! — protesta. — Quer brincar de quê?
Paula sorri. Só imaginar o que vai lhe propor já a faz rir por
dentro, mas precisa se conter.
— Você, quando era pequeno, nunca fez uma festa de chocolate
com churros?
O jovem responde após pensar nisso por alguns momentos:
— Não, não me lembro de nada parecido.
— Você está ficando velho, meu amor. Nem se lembra da sua
infância.
— Nada disso. Nunca ouvi falar de chocolate com churros em
uma festa — diz, fingindo-se de indignado.
— Tudo bem, eu explico. É assim: com os olhos vendados, um
dá comida para o outro. Você molha o churro no chocolate e me dá.
E, depois, eu pra você.
— Está brincando, não é?
— Não, não. É sério, juro.
Paula cruza os dedos indicadores das duas mãos e os beija.
— Está me dizendo que vamos vendar nossos olhos e dar
churros molhados no chocolate um para o outro aqui, na frente de
todo mundo?
— Sim, isso mesmo.
O sorriso de Paula ocupa todo seu rosto. Ángel não sabe se sua
namorada está falando sério ou brincando. Sim, parece que é sério.
— Você está louca!
— Não tem coragem? — pergunta desafiadora.
— Eu...
— Covarde!
O jovem jornalista começa a levar aquela afronta para o lado
pessoal. Como assim, não tem coragem?
— Ok, aceito. Vamos brincar.
— Muito bem! Corajoso, assim que eu gosto! — exclama a
garota, aplaudindo .
— E quem ganha?
— Aquele que ficar com o rosto menos sujo.
Ángel não entende muito bem as regras do jogo, mas não pode
permitir que Paula pense que é um covarde.
— Tudo bem, mas com que vamos nos vendar?
— Espere.
Paula se levanta e vai até o balcão do café. Conversa com um
garçom, que poucos instantes depois volta com quatro guardanapos
de pano. Depois, volta à mesa, sem conseguir parar de sorrir.
— Tome, dois para você e dois para mim. Uma para pôr nos
olhos e outro para proteger sua roupa.
O rapaz pega os dois guardanapos que Paula lhe dá. Olha para
um lado e para o outro: há só dois velhos e um casal no café todo.
Mesmo assim, que vergonha! Mas ele não vai dar para trás.
— Vamos começar.
— Ok, mas sem trapaça, viu? Não vale olhar, eu te conheço,
jornalista.
Como pode dizer uma coisa dessas? Ele jamais trapaceia.
— Claro que é sem trapaça! Quem você pensa que eu sou?!
Paula dá uma pequena gargalhada sabendo que feriu de
propósito o orgulho de seu namorado. A seguir, pega um dos
guardanapos e o amarra na gola da camiseta para não se sujar.
Ángel a imita. A seguir, tampa os olhos com o outro guardanapo,
amarrando-o por trás da cabeça.
— Confere se não vejo nada — diz a Ángel.
O garoto lhe obedece e faz vários gestos na frente dela para se
certificar. Efetivamente, parece que não vê nada.
— Muito bem. Agora eu.
— Ok. Como você pode perceber, eu não poderei checar se você
está trapaceando ou não. Mas confio em você, meu amor.
Ángel suspira, e após observar que ninguém olha para ele, põe o
guardanapo nos olhos em forma de venda.
— Pronto. Não vejo nada.
E é verdade. Não vê absolutamente nada. Não gosta de ganhar
trapaceando.
— Perfeito. Confio em você, viu? — diz a menina, que, nesse
momento, lentamente, tira o guardanapo dos olhos. — Você começa.
Paula mal pode conter uma enorme gargalhada ao ver o pobre
Ángel muito sério, procurando o churro para molhá-lo no chocolate.
Porém, consegue se reprimir para prosseguir com a brincadeira.
O rapaz por fim pega o churro. Molha-o na xícara e, desajeitado,
procura a boca dela.
— Vamos, amor, estou pronta. O que está esperando?
Ángel se inclina para a frente com o braço esticado. As gotas de
chocolate caem em cima da mesa. Paula desvia do churro.
O rapaz tenta pela direita, ela move o rosto para a esquerda e
repete a manobra quando ele se aproxima pelo lado contrário.
— Mas onde você está? — pergunta, desesperado, depois de
várias tentativas frustradas.
— Aqui, onde vou estar? Que péssima pontaria, meu amor!
A menina não pode evitar a gargalhada ao ver o mal-estar de
Ángel, que continua insistindo. Benevolente, por fim, Paula se deixa
roçar com o churro encharcado de chocolate e permite que ele suje
um pouco seu rosto.
Seu namorado sorri, mas ela não ele deixa muita margem e
morde o doce.
— Muito bem! — grita enquanto mastiga. — Até que enfim
encontrou minha boca!
— Uff, parecia que você havia desaparecido... Mas acho que não
te sujei muito, não é?
— Depois vemos. Agora é minha vez.
Paula tem que pôr as duas mãos no rosto para segurar o riso.
Mal pode respirar. Ángel, à sua frente, abre a boca esperando que a
menina lhe dê seu café da manhã. Ela encharca um churro o
máximo que consegue e o dirige ao rosto de Ángel.
O primeiro impacto é na testa. Paula esfrega todo o chocolate
pela testa do jovem.
— O que está fazendo? Minha boca está mais embaixo! —
exclama Ángel.
— Desculpe, amor. Mais embaixo?
A menina molha de novo o churro e, após passá-lo pelos lábios
de Ángel evitando que ele o morda, espalha todo o chocolate por seu
queixo e suas bochechas.
— Paula! Você está me sujando todo!
Ángel não sabe se ri ou chora. Seu rosto está completamente
coberto de chocolate.
— Desculpe! É que você não pega!
— Como não?
— Vou de novo.
O casal que está no café olha para eles, bem-humorado. Esses
jovens apaixonados...
Paula molha pela terceira vez o churro e dessa vez o coloca bem
na frente da boca de Ángel, inclinando-se sobre ele.
— Morda!
Ángel obedece e dá uma mordida em sua presa.
— Muito bem, meu amor! — diz Paula, que por fim não consegue
parar de rir.
A seguir, tira a venda de Ángel, que encontra sua namorada sem
os olhos tampados.
— Você trapaceou!
— Sim, mas é você quem leva o prêmio!
A jovem aproxima seu rosto do dele e o beija na boca. Beijo de
chocolate.
Ángel não reclama e responde ao beijo de sua namorada.
Doce café da manhã.
Segundos depois, Paula pega sua cadeira e senta-se ao lado dele.
Com o guardanapo que não se sujou, limpa o rosto de Ángel sem
conseguir parar de rir das queixas dele.
— Você é uma trapaceira. Não vou jogar mais nada com você.
— Veremos.
Divertidos e alegres, brigam com o guardanapo.
No rádio, nesse momento, começa uma canção muito conhecida
pelos dois.
— Tá ouvindo? É a música de Katia! Adoro essa!
— É verdade, não tinha reconhecido — mente Ángel um pouco
mais sério.
— Como é linda!
— É, nada mal.
A jovem continua limpando a bagunça que fez no rosto de Ángel.
— Você a viu de novo?
A pergunta pega Ángel desprevenido.
— Quem?
— Quem seria? Katia.
Ángel hesita para responder. Não pode contar nada. Além do
mais, se antes não contou, agora seria muito pior.
— Não, não a vi mais.
— Ah, que pena! Bom, se a vir de novo, peça um autógrafo para
mim.
Ángel engole em seco.
— Gosta tanto assim dela?
— Demais! E, além disso, ela me faz lembrar de você.
Uff, era só que lhe faltava ouvir! Sente-se muito culpado.
— Bom... é que...
Mas Paula interrompe seu namorado, alarmada ao perceber que
horas são.
— Meu Deus, é muito tarde! Meus pais devem estar acordando.
Precisamos correr!
Mas, justamente nesse momento, em outro lugar, no quarto de
Paula, onde Cris, Miriam e Diana cochicham sobre o que o casal
deve estar fazendo, a porta se abre lentamente.
Nessa manhã de março, em um lugar afastado da cidade.
O assovio da cafeteira quebra o silêncio que reina na cozinha. O
café está subindo. Desliga o fogo e espera que fique pronto. Quando
o assovio para, serve-se uma xícara de café com uma gota de leite.
Não conseguiu continuar dormindo.
Álex está acordado desde que sua meia-irmã entrou no quarto.
Que ideia! Quem levanta em um domingo tão cedo para ir correr?
Mas assim é Irene: sempre imprevisível.
Aquela menina o deixa nervoso em todos os sentidos. Tem que
reconhecer: fisicamente, sempre havia sido muito atraente,
provocante. Mas agora tem um toque sedutor, inquietante. E é muito
mais mulher do que da última vez que a viu, sem abandonar aquele
caráter infantil que às vezes vinha à tona.
A tentação em casa.
Mas não: ela é sua meia-irmã e isso nunca vai mudar. Não têm o
mesmo sangue, mas são família. E isso impossibilita qualquer tipo
de relacionamento entre eles. Além do mais, tem Paula.
Paula…
Que estará fazendo agora? Não lembra bem, mas acha que
sonhou com ela.
Morre de vontade de vê-la de novo. Ontem foi um desses dias
mágicos pelos quais vale a pena se arriscar. Fica feliz por ter lhe
pedido ajuda. Desculpa se te chamo de amor quase une seus lábios.
Que teria acontecido se a houvesse beijado?
Imerso em seus pensamentos, Álex pega a xícara de café e se
senta em frente ao seu notebook. Como está sozinho e acordado, tem
que aproveitar .
Antes de mergulhar em Por trás da parede, checa seu e-mail.
Encontra uma mensagem dessas de corrente: “mande esta
mensagem a dez contatos e o amor baterá à sua porta durante o dia
de hoje”. Odeia esse tipo de mensagem, mas, dessa vez, seleciona
dez pessoas ao acaso e o encaminha. Por que fez isso?
Não dá mais importância ao assunto e continua checando
seus e-mails. Spam, mais spam e nada mais. Não há sinal de
pessoas que tenham encontrado o livreto, excetuando o e-mail do dia
anterior mandado por María.
“É cedo. E domingo. As pessoas estão dormindo”, convence a si
mesmo.
Não quer se impacientar com esse assunto. Realmente, não sabe
qual será o resultado do experimento, mas uma leve decepção o
entristece por não receber novas notícias.
Fecha sua conta e abre o arquivo que contém o romance.
Pensa alguns minutos. Tem que descrever Nadia, a protagonista
por quem Julián ficará obcecado. Fecha os olhos e a imagina. Sim, já
sabe. Escreve:
Devia ter entre catorze e quinze anos, mas tentava parecer um
pouco mais velha. Seu cabelo liso caía pelos ombros em uma cascata
loira interminável, adornada por uma fina trancinha azul. Seus
grandes olhos verdes, pintados com gosto requintado, transmitiam a
mágica união entre a inocência e a sensualidade. Seus lábios
carnudos, desenhados de rosa, ficavam levemente abertos ao
caminhar. Sua roupa convidava a imaginar além: uma blusa justinha
e com leve decote não pretendia esconder as formas arredondadas e
exuberantes que continha embaixo; um short minúsculo dava lugar a
pernas muito longas, eternas. Era um anjo que desfilava, mais que
caminhar, para mim. Segurei a porta para que aquela menina com
doutorado de mulher passasse. A paixão à primeira vista foi completa
quando um irresistível cheiro de baunilha me impregnou quando ela
entrou.
Lê várias vezes o texto. Não pôde evitar o detalhe da baunilha, o
mesmo perfume de Paula. Paula... Logo lhe vem à cabeça a corrente
que recebeu por e-mail: “mande esta mensagem a dez contatos e o
amor baterá à sua porta durante o dia de hoje”.
Se fosse verdade...
Nesse momento, a campainha da porta da frente toca. Mas,
quem... O amor batendo à porta...
Álex não pode evitar um sorriso. Caprichoso destino.
Fecha seu note e caminha tranquilamente para a entrada.
Sempre tão imprevisível...
— Ou não tranca ou leva a chave, Irene — diz, sem nem sequer
checar se foi sua meia-irmã que bateu, enquanto abre a porta.
E a vê.
Um calafrio percorre o corpo de Álex, similar ao que sentiu à
noite quando ela se curvou sobre ele para tentar alcançar o mouse.
Ela tirou o moletom, que está amarrado na cintura. A regatinha
se ajusta perfeitamente ao seu corpo sensual. Sua testa brilha do
suor da corrida. Seu pescoço também resplandece.
— Desculpe, maninho, nem me toquei. Estava dormindo ainda?
Irene entra na casa tocando com seu corpo o de Álex ao passar.
— Não... não. Estava tomando café.
— Ah, que bom! Exatamente do que preciso. Tem ainda para
mim?
— Sim. Fiz agora. Talvez ainda esteja quente.
— Perfeito. Toma comigo?
O jovem não encontra motivos para negar e acompanha sua
meia-irmã até a cozinha. Ele mesmo se encarrega de servi-la.
— Como prefere?
— Com muito leite, por favor.
Irene deixou o moletom em cima de uma cadeira e com um lenço
de papel seca sua testa. Quando Álex se aproxima com o café, passa
lentamente o lenço por seu pescoço, do queixo até o decote.
— Está bom assim?
A menina se inclina para olhar dentro da xícara, enquanto deixa
o lenço de papel de lado.
— Sim, perfeito — diz com um grande sorriso. — Álex, posso
fazer uma pergunta?
— Sim, mas rápido, tenho coisas para fazer — responde,
mostrando-se o mais distante possível.
— Você namora?
— Não.
Apesar da surpresa, o rapaz responde com frieza.
— E essa Paula, quem é? Você estava sonhando com ela quando
te acordei .
Se a primeira pergunta pegou Álex desprevenido, a segunda o
choca. Porém, procura reagir da mesma maneira.
— Não lembro o que sonhei. Tenho duas ou três amigas que se
chamam Paula.
— Ah, entendi. É um nome muito bonito e muito comum.
— Sim, é bonito — responde fingindo indiferença. — E agora, se
me der licença, vou subir e continuar o que estava fazendo.
O jovem abandona a cozinha sob o olhar atento de sua meia-
irmã, que não o perde de vista até que desaparece. E sim, os olhos
de Álex o delataram: essa Paula é sua rival.
Capítulo Vinte

Nessa manhã de domingo de março.


Um raio de sol entra pela janela do quarto de Paula. Miriam olha
para fora buscando desesperadamente a chegada de sua amiga. Se
não se apressar, com certeza vão descobrir.
— Onde se meteu essa menina? — pergunta a mais velha delas,
que volta a fechar as cortinas e a se deitar em seu saco de dormir.
— Cada pergunta que você faz... Como se não fosse óbvio —
responde Diana, que está sentada na cama sobre suas pernas. — E
ela não é tão menina: já tem idade para...
— Sempre a mesma coisa...
— É porque algum dia tem que ser a primeira vez. Todas já
passamos por isso.
— Ela fará quando quiser fazer.
— Ela não é mais criança — insiste Diana.
— Você fala como se fosse muito mais velha que ela.
— E sou.
— Um mês — pontua Miriam.
— Suficiente.
Miriam suspira. Não está a fim de se meter em uma batalha com
Diana. Está preocupada com Paula.
— Acham mesmo que ela e o jornalista estão... — insinua Cris,
que é quem olha pela janela agora.
— Não — diz Miriam categórica.
— E por que não? O melhor das brigas é a reconciliação. E já
sabemos o que isso implica — explica Diana.
— Você não precisa se reconciliar com a pessoa para ir para a
cama com ela.
— O que está insinuando? Que eu transo com o primeiro que
passa por mim?
— Ou com o segundo — acrescenta Miriam.
— Você é... Ah! Você fala assim porque ficou irritada comigo.
— Não fiquei irritada.
— Ficou sim.
— Meninas, já deu! — intervém Cris, que vê que aquela conversa
está se aquecendo. — Não briguem. Se os pais de Paula ouvirem...
Miriam e Diana se olham. Cristina tem razão.
— Desculpe, não queria me exceder — desculpa-se Miriam.
— Não se preocupe. Eu também exagerei — responde Diana.
— Assim que eu gosto, Sugus! — exclama Cris, que se senta na
cama e dá um beijo em cada uma.
Nesse momento, a maçaneta da porta do quarto gira lentamente.
Só Miriam percebe.
— Alguém está entrando! Finjam que estão dormindo! — ordena
em voz baixa.
A porta se abre muito devagar, enquanto as três meninas
rapidamente procuram fingir que estão dormindo, Cris e Diana na
cama e Miriam em um dos sacos de dormir.
Alguém entra cautelosamente no dormitório. Caminha
prudentemente para a cama, até o lado onde Paula costuma dormir
e que agora está ocupado por Diana.
— Paula, está acordada? — pergunta com doçura e sem erguer a
voz.
— Nãããooo! — grita Diana, dando um pulo.
Erica leva um grande susto e também grita. A menina tropeça e
cai no saco de dormir de Miriam. Ela a abraça com força ao ver a
menina soluçando .
— Diana, por que a assustou?
— Não foi nada, não é, anãzinha?
A garota estende o braço para acariciar a criança, porém esta,
com lágrimas nos olhos, o afasta com um tapa.
— Me deixa em paz, sua idiota!
— Caramba, que gênio tem essa pirralha!
— Também, viu o susto que deu na pobrezinha? — intervém
Cris, que desce até o saco de dormir onde a menina continua
abraçada a Miriam.
Erica vai se acalmando, mas ainda arfa agitada pelo sobressalto,
e com o olhar procura sua irmã.
— E Paula?
As três Sugus se entreolham.
— Já vem. Ela foi... — começa dizendo Miriam, que se detém no
meio da frase.
— Ao banheiro. Foi ao banheiro — continua Cris.
— No banheiro não está — afirma Erica, muito segura.
— Não? Então, deve ter descido para buscar um copo de leite. Já
vai subir.
A menina não parece muito convencida com as explicações
dessas garotas. Acima de tudo, não confia naquela tonta que a
assustou; olha com ódio para ela e lhe mostra a língua. Diana
responde com o mesmo gesto, mas mais prolongado.
— Vou lá embaixo, então.
— Não, fique aqui conosco. Quer que a gente conte uma
história? — pergunta Miriam, que não sabe o que fazer para distraí-
la.
Erica pensa e acaba aceitando.
As três Sugus juntas contam à menininha uma história
improvisada de uma princesa loira de cabelo comprido e um príncipe
muito bonito que a resgata de um terrível dragão. Quando a história
está quase acabando, a porta do quarto torna a se abrir.
Arfante, Paula entra no quarto sem nem perceber que sua irmã
está ali.
— Desculpem por ter demorado tanto. Alguma novidade?
Então, a recém-chegada nota que a irmãzinha está no meio de
suas amigas. Erica olha para Paula surpresa e pensa que ela é muito
sem-vergonha, porque, em vez de buscar um copo de leite, tomou
chocolate. De que mais poderia ser aquela mancha marrom na
camiseta branca?
Nessa manhã, em outro lugar da cidade.
Depois de acompanhar Paula até sua casa, Ángel pega um táxi
que o leva à redação da revista. No sábado, com todo aquele negócio
do telefone e da ressaca, não fez nada, e não queria que todo o
trabalho se acumulasse para a manhã de segunda-feira. Não há
nada pior que começar a semana com um monte de coisas para
fazer.
O rádio do carro está bem baixinho, mas o garoto pode
distinguir She’s so high, do Blur.
Durante o trajeto, o jovem jornalista sorri ao recordar o episódio
dos churros. Que imaginação essa menina tem! Sua namorada. Só
ela poderia ter inventado uma brincadeira daquelas no meio de um
café da manhã. Ainda parece saborear em seus lábios os beijos de
chocolate e os de antes, no parque dos cem degraus. Doces lábios.
Doces beijos.
Ángel se recosta no banco traseiro do táxi com os dois braços
abertos apoiados no banco. Experimenta uma prazerosa sensação de
tranquilidade, a mesma que havia perdido no dia anterior. E pensar
que por sua imprudência e teimosia podia ter perdido aquela
maravilhosa mocinha! Não tornará a acontecer. Promete várias vezes
a si mesmo.
A canção do Blur termina. O apresentador anuncia alguma
notícia que Ángel não consegue ouvir. A seguir, apresenta a próxima
música.
Apesar de quase inaudível, o rapaz logo reconhece a melodia.
Não pode ser, parece que o persegue... Ouve a doce voz de Katia
cantando Ilusionas mi corazón . Há pouco, enquanto tomava café da
manhã com Paula, também a ouviu. E ainda por cima ela adora.
Onde está a câmera escondida?
Como se não bastasse, o taxista aumenta o volume do rádio e
começa a cantarolar o refrão grudento.
Ilusionas mi corazón.
Nunca pensé que pudiera amar
Como te quiero a ti, mi amor,
Como te queiro a ti, jamás.
Y en esta historia de dos,
Que no tiene escrito el final,
Tú eres mi cielo, mi sol,
Tú eres mi luna, mi mar.
A tranquilidade desaparece. As recordações da sexta-feira à noite
voltam. O remorso. Havia passado a noite na casa da menina de
cabelo cor-de-rosa, fazendo quem sabe o quê. Katia garantiu que não
havia acontecido nada entre eles, e isso era um consolo. Mas se
sente envergonhado por sua atitude, por se embebedar a ponto de
não se lembrar de nada do que aconteceu. E por mentir para Paula.
Essa era a pior parte. Não gosta de não dizer a verdade, mas,
nesse caso, é necessário. E se Paula algum dia descobrir tudo?
Como vai explicar que passou a noite na casa de outra garota? Sem
dúvida, ela não ia acreditar que só dormiu. Não. Especialmente
depois de ter mentido.
Se algum dia a verdade viesse à tona, seria o fim da relação com
Paula. Felizmente, só ele e Katia sabem o que aconteceu. Ele não vai
dizer nada... E Katia?
A canção continua tocando no aparelho de rádio. O taxista, um
homem de pouco cabelo de uns quarenta anos, parece gostar,
porque sabe a letra inteira da música.
Ángel não confia muito em Katia. É verdade que, quando está
perto dela, sente uma espécie de atração. Há química. Não é como
com Paula, mas gosta da cantora de alguma maneira. Porém, é
melhor se manter afastado dela. Sim, é a opção mais adequada.
Quando voltarem a se falar, vai lhe pedir, por favor, que entenda sua
postura. Ele namora, e se continuarem se vendo, podem cometer um
erro. Esse que quase aconteceu na sexta-feira à noite. Como será
que ela vai encarar isso?
O apresentador do programa interrompe a canção antes que
acabe, falando por cima do último refrão:
“Essa foi Ilusionas mi corazón, o hit do momento. Esperamos que
Katia se recupere o quanto antes do acidente e que logo apresente
seu segundo single”.
Ángel não pode acreditar no que acaba de ouvir. Um acidente?
Quando?
— Pobre menina — murmura o taxista.
— O que aconteceu? — pergunta o jornalista, alarmado, pondo a
cabeça pelo vão entre os bancos da frente.
— Não disseram muito, mas parece que esta noite, depois de
sair de uma festa, sofreu um acidente de trânsito.
Um acidente de trânsito! A imagem de Katia esmaga todos os
pensamentos de Ángel: o momento em que a viu pela primeira vez na
redação da revista, a sessão de fotos, o beijo...
— E é grave? Disseram se está bem?
— Não disseram nada, só que está internada e que vão
continuar informando .
— Sabe em que hospital está?
— Sim, não é longe daqui.
— Pode me levar até lá, por favor?
O taxista assente. Vira à direita e ruma para o hospital onde a
cantora mais ouvida do momento foi internada durante a
madrugada.
Capítulo Vinte e Um

Nessa manhã de março, em algum lugar da cidade.


— Bom, mas além de tantos beijinhos e abracinhos, vocês...
Diana ouve atentamente Paula, que, sentada na cama, conta a
suas amigas seu café da manhã com Ángel, depois de a pequena
Erica sair do quarto.
— Não, não rolou sexo.
— O garoto já deve estar desesperado — insiste Diana.
— Deixa ela em paz, não pressiona. Eles só se conhecem há três
dias — protesta Miriam.
— Três dias, mais dois meses de computador. Acha que o garoto,
durante todo esse tempo, não era humano?
— Se ele a ama, vai esperar o tempo necessário.
— Anda, Miriam, não me irrita. Nenhum homem espera o tempo
necessário.
— Não sei que tipo de caras você conhece.
— De novo vocês duas? Que trabalho estão me dando! —
intervém Cris. — Chega de briga. Além do mais, quem decide isso é
ela. O que você acha, Paula?
As três Sugus observam fixamente a amiga, que hesita por um
instante acerca do que dizer.
— Bom... tenho vontade. Acho que Ángel é o garoto certo. Por
outro lado... quero que seja especial.
— No seu aniversário! — diz Diana.
— O que tem meu aniversário?
— É um dia perfeito para estrear.
As quatro ficam em silêncio até que Miriam volta a falar:
— Você sabe o que penso disso. Que você é quem tem que
decidir quando vai estar preparada. Mas, se está a fim de fazer, pode
ser uma boa ocasião.
— Aleluia! Uma coisa em que Miriam me dá razão.
— Não te dou razão.
— Não? E o que fez, então?
— De novo. Essas duas... — ri Cristina.
As outras Sugus também riem.
— Não sei, meninas. E como faço? O que digo?
— No sábado, depois da festa do seu aniversário... — começa a
dizer Diana, mas de repente fica calada.
— Ah! Vou ter festa de aniversário?
— Sua bocuda — murmura Miriam, cobrindo os olhos com as
palmas das mãos.
— Devíamos ter planejado tudo sem contar pra você, Diana —
diz Cristina, rindo.
— Ok, tudo bem! Falei demais, sinto muito, escapou.
— Não se preocupe, eu teria descoberto de qualquer jeito. Vocês
são incapazes de guardar um segredo assim — diz Paula. —
Continue, o que dizia sobre depois da festa?
Diana suspira, não muito aliviada depois de ter pisado na bola.
— Então, depois da festa, vocês vão a um hotel... e lá... Bem,
você já sabe. Não vai precisar dos detalhes, não é?
— E acham que ele vai querer?
As três Sugus não podem evitar uma gargalhada diante da
atônita expressão de Paula.
— Se vai querer? Está de brincadeira, não? — aponta Cris.
— Antes de você acabar de falar em hotel, ele já vai estar com a
chave do quarto nas mãos.
— Que exageradas! — exclama Paula após as últimas palavras
de Diana.
— Você vai ver.
— Ainda não me parece viável. O hotel custa dinheiro, e estou
sem um centavo. Depois, tem meus pais...
— Havíamos pensado em dar algum presente, mas poderíamos
te dar o hotel, não é, meninas? — diz Miriam. — Será nosso presente
de aniversário.
As outras duas Sugus assentem com a cabeça.
— E seus pais, por ser o dia de seu aniversário, deixarão que
volte mais tarde. Nós falaremos da festa para eles e tudo resolvido —
continua dizendo a menina mais velha.
— Onde pretendem fazer a festa?
— Na minha casa — diz Miriam. — Já falei com meus pais, que
por acaso estarão viajando no fim de semana. Depois, saímos para
dar uma volta e vocês dois podem ir para o hotel.
— É, Sugus de melão, vejo que pensa rápido… — brinca Diana.
— Desde quando sou de me...? Você é que...
Miriam acerta a cabeça de Diana com um travesseiro.
— E com seu amigo escritor, que vamos fazer? — pergunta Cris.
— Com Álex?
— Claro. Vai juntar os dois no mesmo ambiente?
Paula fica pensativa. Álex. O que tem Álex? Havia dito a ele que
namorava? Não. E isso o que importa? Ou importa?
— Eu não tenho nem o celular dele, mas imagino que vou falar
pelo MSN com ele esta semana. E vou ter que convidar, não?
— Ui!
— Que foi, Diana?
— Nada, eu não disse nada.
— Você disse “ui”.
— Coisas minhas. Não tem importância.
Nesse instante, alguém bate à porta do quarto.
— Posso entrar? — pergunta Mercedes de fora.
— Sim, mamãe, entre.
A mulher entra no quarto com um grande cone de papel fechado
nas mãos.
— Meninas, café da manhã. O preferido de Paula. Saímos para
comprar churros. E lá embaixo há quatro chocolates bem quentes
prontinhos.
As Sugus soltam uma gargalhada, enquanto Paula suspira
profundamente. Não aguenta provar nem mais um.
— Eu disse algo engraçado?
— Não, mamãe, é que elas estão atacadas hoje. Já vamos descer.
— Mas rápido, senão esfria.
Mercedes sai do quarto confusa com a reação das meninas. Que
foi que disse para que rissem tanto?
Nessa mesma manhã, em outro lugar afastado da cidade.
A água quente molha o cabelo de Álex e desliza por todo seu
corpo. Está nervoso. Seus ombros estão tensos. Achou que uma boa
chuveirada antes de continuar escrevendo cairia bem.
O rádio está ligado dentro do banheiro, sintonizado em uma
emissora musical. Depois de um pequeno parêntese explicando que
a cantora Katia está internada em um hospital da cidade após sofrer
um acidente de trânsito, toca Tantas cosas que contar, de Oreja de
Van Gogh.
Tantas coisas ele teria para contar...
O jovem tenta esquecer por uns minutos Irene, seu livro, suas
histórias. E Paula.
Missão impossível.
Enquanto a água quente açoita sua pele, a imagem da menina
de dezesseis anos volta a surgir. Está começando a ficar obcecado?
Relembra algo. O aniversário dela. Sim, ela disse que completava
dezessete anos no sábado da próxima semana. O que poderia lhe dar
de presente? Mas, pensando bem, é oportuno dar alguma coisa? Não
estaria se excedendo?
Na realidade, nem sequer são amigos: são quase desconhecidos,
apenas passaram um dia juntos. Um dia mágico, maravilhoso,
diferente, mas só um dia. E talvez, para Paula, tenha sido só mais
um dia.
Talvez ele seja isso: só mais um, um dos tantos garotos que com
certeza enchem a vida da jovem. Essa ideia o desanima.
Álex pega o pote de gel e coloca um pouco nas mãos. Com
suavidade espalha-o primeiro pelas pernas e posteriormente pelos
braços, pelo abdome e pelo peito. Instantes depois, enxágua com a
água já mais morna.
Quer vê-la. Só pensa nisso. Como é possível que não possa
tirará-la da cabeça?
De qualquer maneira, deve ter namorado. Não é possível que
uma menina assim ande sozinha pelo mundo.
Abre um pouco mais as torneiras para que a água saia com mais
pressão, com mais força. Em seus ouvidos ouve uma espécie de
cascata, que o transporta durante alguns minutos ao mais absoluto
relaxamento.
Não existe outro som: só o da água. Nem sequer consegue ouvir
no rádio Don’t speak, do No Doubt, que começou a tocar.
Satisfeito, Álex decide dar por terminado o banho. Fecha as
torneiras e pega uma toalha branca. Começa a se enxugar ainda
dentro do box. Com o corpo ainda úmido, sai do chuveiro amarrando
a toalha na cintura.
— Ah, finalmente terminou! — a voz de Irene o surpreende, tanto
que quase escorrega.
Sua meia-irmã sorri com uma escova de dentes na mão. A
menina não pode evitar olhar o jovem de cima a baixo.
— O que está fazendo aqui?
— Preciso escovar os dentes depois de tomar café da manhã. É
preciso escovar quatro vezes ao dia, pelo menos.
— Mas não viu que eu estava tomando banho?
— Sim, e bati à porta várias vezes, mas você não respondeu.
— Não ouvi por causa do barulho da água.
— Imaginei. Não se preocupe, não me incomoda que você tome
banho enquanto eu escovo os dentes.
Álex não acredita no que ouve.
— Como?
— Isso mesmo, maninho. Não se incomoda que eu tenha
entrado, não? A essa altura...
— Claro que me incomoda! É minha intimidade.
— Ah, não seja rabugento. Acha que posso me assustar te vendo
nu?
A jovem sorri, malandra, e torna a examinar seu meio-irmão.
Seu torso reluzente e molhado é irresistível. Se fosse por ela...
Ao contrário, Álex suspira desesperado.
— Irene, se vai morar aqui, tem que aceitar certas normas. E
respeitá-las.
— Uff, esse negócio de normas...
— Pois é isso mesmo. Devem existir.
— Como quiser. Diga.
A menina se inclina e bebe um gole de água, fazendo bochecho.
— Em primeiro lugar, tem que bater à porta antes de entrar no
meu quarto ou no banheiro.
Irene cospe a água e seca cuidadosamente com a mão o canto
dos lábios.
— Eu bati, maninho! Mas você não me ouviu, já disse.
Álex começa a se irritar.
— Pois a norma seguinte é: se eu estiver tomando banho ou
dormindo, não entre.
— Acho que posso fazer isso — responde ela sorrindo. — Mais
normas?
— Não ande pela casa com pouca roupa.
— Não fiz isso.
— Por via das dúvidas.
Irene solta uma gargalhada.
— Está bem. Vou me comportar direito. Mais alguma coisa,
maninho?
— Sim. Não me chame de maninho, por favor.
A jovem torna a rir escandalosamente, mas aceita a regra. A
partir de agora, só chamará seu meio-irmão pelo nome.
Nessa mesma manhã de março, em algum lugar da cidade.
Ángel bate à porta do quarto onde Katia descansa.
Curiosamente, uma das enfermeiras perguntou se era o
namorado da cantora. Em princípio, hesitou, mas não negou,
temendo que só deixassem entrar familiares e pessoas íntimas.
— Pode entrar.
Uma jovem voz feminina que não reconhece o convida a entrar.
O jornalista abre a porta com cuidado e entra no quarto.
Ao fundo, Katia está deitada, coberta com um lençol branco. A
menina de cabelo rosa sorri ao vê-lo. Sua acompanhante, sentada
em uma cadeira ao lado dela, também sorri. A desconhecida é uma
jovem loira com mechas cor de chocolate de uns vinte e cinco anos e
certa semelhança com Katia.
— Oi, Ángel — diz timidamente a garota, que faz um grande
esforço para se sentar. — Que alegria te ver!
Ele se aproxima das duas garotas sorrindo. Deitada naquela
cama, não parece a mesma Katia desses dias. Está com um olho
roxo e uma pequena venda cobre parte do lado esquerdo de sua
cabeça.
— Não se mexa! Como você é teimosa, às vezes! — recrimina-a a
jovem loira, que se levanta da cadeira para receber o recém-chegado.
— Olá, eu sou Alexia, irmã mais velha deste elemento.
— Eu sou Ángel. Muito prazer.
— Igualmente. Já ouvi falar de você.
Dois beijos.
Como sua irmã, Alexia tem certo encanto nas feições. Seu rosto
não é tão infantil e é mais alta que a cantora, mas tão atraente
quanto ela.
— Ei! E para mim? Eu sou a doente aqui! — protesta Katia de
modo infantil, tentando erguer a voz inutilmente.
Ángel se aproxima dela e também lhe dá dois beijos, com
cuidado para não machucá-la. A pele dela está fria. Porém, o lento
toque de seus lábios em sua face é quente.
— Que susto você me deu! Como está?
— Bem. Tive muita sorte.
— Alguma coisa quebrada?
— Que nada! Essa menina é de granito. Parece tão frágil… —
intervém Alexia. — Arranhões, hematomas e uma batida na cabeça,
de modo que vai ter que ficar aqui até amanhã em observação. Mas
só isso.
Ángel sorri. Sente-se aliviado. Quando ouviu no rádio do táxi a
notícia pensou no pior.
— Como foi?
Katia suspira.
— Saí de uma festa, onde havia feito um show, e estava
dirigindo tranquilamente indo para minha casa quando um carro
apareceu de frente na minha pista. Desviei como pude e bati em um
poste. O airbag e o cinto de segurança evitaram que me machucasse
mais.
— Ainda bem. É, você teve sorte. Com o outro, aconteceu
alguma coisa?
— Não. Nem parou. O acidente foi só comigo.
— Sábado é perigoso para dirigir à noite. Há muitos loucos
soltos — aponta sua irmã, que aproxima outra cadeira da cama para
que Ángel se sente também .
— E você, como soube? Eu ia ligar depois.
— Ouvi no rádio. Já estão dando a notícia.
Katia se lamenta. Logo aquele hospital estará cheio de curiosos e
jornalistas, mas quem realmente lhe importa já está ali, com ela.
— Se não me engano, você é jornalista, não é?
— Sim, trabalho em uma revista de música. Graças a isso
conheci sua irmã, que gentilmente nos concedeu uma entrevista.
— Ela comentou alguma coisa.
Alexia parece muito bem informada de tudo. O que Katia lhe
teria contado sobre ele? E até onde?
— Mas, fiquem tranquilas, vim como amigo, não como
profissional — afirma o jovem.
— Sei. Aposto que vai acabar escrevendo em sua revista uma
matéria sobre o acidente e vai contar até a cor do pijama que estou
usando — brinca a cantora.
— Não, não, garanto que...
— Eu sei, bobo — debocha Katia, que pega a mão de Ángel e a
aperta com toda força que pode.
Com ele ali, sente-se muito melhor. Adorou que tenha ido vê-la.
Não esperava, depois de tudo que aconteceu na sexta-feira à noite e
no sábado pela manhã. Para ser sincera, achava que não tornaria a
vê-lo. De certa maneira, está contente por aquele acidente tê-los
juntado de novo.
Os três conversam animadamente durante um tempo até que
uma enfermeira entra no quarto com um carrinho e uma bandeja
com um prato tampado, dois copos pequenos e um pote com
comprimidos.
— Trouxe seu almoço e os comprimidos para a dor de cabeça.
— Obrigada.
A enfermeira entrega a bandeja à menina e abre o potinho com
os analgésicos, de onde tira um e coloca-o em um guardanapo ao
lado de um dos copos.
— Enquanto você come, vou sair um pouquinho. Já venho,
Katia. Ángel, você me faz companhia?
— Vão embora?
— Só um instantinho, fico nervosa em hospitais. Preciso de um
chá, alguma coisa. Vem comigo, Ángel?
O rapaz estranha a proposta, mas não se opõe. Dá de ombros
diante do olhar suplicante de Katia e sai do quarto atrás de Alexia.
A irmã da cantora caminha de maneira elegante, ereta, fazendo
ecoar com nitidez seus saltos altos no chão do hospital. Ángel a
segue a poucos passos.
— Vamos à lanchonete? — pergunta Alexia, parando para que
seu acompanhante a alcance.
— Ok.
Andam pelo corredor, um ao lado do outro, rumo ao elevador. Ao
entrar, a menina aperta o botão que leva ao térreo.
Mal se olham. É uma dessas situações constrangedoras de
elevador, até que Alexia fala.
— Como foi que, sendo da imprensa, deixaram você entrar?
A pergunta surpreende Ángel, que improvisa a resposta após um
instante.
— Não me perguntaram se eu era jornalista — responde
hesitante.
— Claro. Se tivesse dito que era, não teriam permitido que
subisse.
— Não vim a trabalho — insiste, sorrindo.
Térreo. A porta do elevador se abre. A lanchonete está a poucos
metros. O cheiro do café feito na hora se confunde com o de algum
tipo de cozido preparado para o almoço dos pacientes.
A dupla entra naquele lugar cheio de jalecos brancos.
— Acho que temos que pedir no balcão — diz Alexia.
Isso mesmo. Café com leite para ele e um chá para ela.
O garçom, um homem baixinho de bigode grisalho, serve-os em
pequenos copinhos brancos de plástico.
— Vamos sentar? — pergunta a jovem.
O jornalista assente. Escolhem uma mesa de canto, no fundo.
Não há ninguém em volta deles. O garoto deixa que ela escolha o
lugar e ele ocupa o da frente.
Ángel dá um gole em seu café quente. Muito amargo.
— Você disse que era da família? — pergunta Alexia, retomando
a conversa do elevador.
De novo desprevenido.
— Algo assim.
— Algo assim?
— Sim. Perguntaram se eu era o namorado dela. Temi que não
me deixassem entrar se negasse.
A menina sorri maliciosa.
— E você é?
— Namorado dela? Não! Somos só amigos.
Ángel surpreende a si mesmo quando pronuncia a
palavra amigos. Desde quando eram amigos? Parecia que se
conheciam a vida toda e fazia apenas três dias que se viram pela
primeira vez na redação da revista.
— Sabe, Katia me falou de você.
O jovem começa a se sentir constrangido. A conversa se parece
cada vez mais com um interrogatório.
— E o que ela contou?
— Não muito: que você a entrevistou e que ficou muito satisfeita,
aliás. Também que você foi a uma sessão de fotos porque ela pediu.
Ah, e que quase rolou alguma coisa outro dia — responde Alexia
irônica.
O rosto de Ángel fica pálido. Felizmente, está em um hospital.
Que lugar melhor para sofrer um colapso?
— Não foi assim, exatamente. O que aconteceu foi que...
— Não se justifique, não preciso de explicações.
O sorriso da jovem toma outro ar. Agora é sereno, tranquilizador.
— Mas eu quero dar.
— Não precisa, eu sei o que aconteceu. Todo mundo pode
cometer um erro. De qualquer maneira, é assunto de vocês.
— Mas entre sua irmã e mim não houve...
— Calma, eu sei. Katia me conta tudo. Ou quase tudo. Sou a
irmã mais velha dela e uma das poucas pessoas em quem ela confia
desde que está metida no mundo da música.
— Deve ser complicado para ela distinguir em quem confiar,
agora que é uma estrela.
— Muito. Ela era desconfiada antes e agora, muito mais.
Constantemente as pessoas se aproximam dela, quase todas por
interesse. Mas com você...
— Comigo?
— Faz pouco tempo que se conhecem, porém ela adquiriu
carinho por você.
Ángel volta a beber um pouco de café. Pergunta-se até onde
chegaria o “carinho” que a menina de cabelo rosa tem por ele.
— Também gosto dela.
— Eu sei. Dá pra notar. O fato de ter vindo até aqui é
significativo. Por isso tenho que pedir uma coisa.
O jornalista esfrega o queixo. Está ansioso e nervoso.
— De que se trata?
— Tenho que ir embora daqui a pouco, não posso ficar mais hoje
com minha irmã. Tenho um compromisso ao qual não posso faltar.
Mauricio, o agente dela, que você também conhece, está viajando.
Eu e ele somos as duas únicas pessoas próximas em quem Katia
confia. Bem, acho que somos três já — diz a garota esboçando um
novo sorriso afetuoso. — Gostaria que você ficasse com minha irmã
até ela sair do hospital amanhã.
O impacto das palavras de Alexia é imenso. Uma vez mais pega
Ángel de surpresa.
— Não acho que sua irmã queira isso.
— Está brincando? Ela adoraria. A questão é se você quer. Por
Katia não haverá problema. Além do mais, eu ficaria muito mais
tranquila se alguém a acompanhasse até que lhe dessem alta
amanhã.
Ángel aproxima o copinho de plástico de sua boca e, com um
último gole, termina o café. Nesses breves instantes analisa
rapidamente o que lhe acabam de pedir. Por um lado, não acha que
passar tanto tempo a sós com Katia seja uma boa ideia. Por outro,
como pode se negar a fazer esse favor? Além do mais, se não for com
ele, possivelmente a garota passará o resto do dia sozinha naquele
frio quarto de hospital. E se acontecer algum imprevisto? Batidas na
cabeça são muito traiçoeiras.
— Está bem, eu fico.
Alexia sorri satisfeita. Levanta-se e beija o jovem no rosto.
— Muito obrigada. Minha irmã tem muita sorte de ter um amigo
como você.
Ángel lhe devolve um sorriso amarelo. Não tem certeza de sua
decisão, mas o que podia fazer?
E ainda lhe resta resolver uma questão maior: o que vai contar a
Paula agora?
Capítulo Vinte e Dois

Nessa mesma manhã de março.


Não conseguiu dormir a noite toda. Nem carneirinhos, nem
cabras, nem elefantes… Nem que houvesse tentado contar
ornitorrincos teria conseguido dormir.
Mario esfrega as pálpebras com os dedos. Não quer se olhar no
espelho para não se assustar com o tamanho de suas olheiras, que
nessa manhã devem estar enormes.
Por que tanto desassossego? A resposta é clara. Teme não
dormir nada de novo à noite e no dia seguinte aparecer na frente de
Paula com cara de zumbi. Essa não é exatamente a melhor imagem
que deseja ter na frente da menina por quem está loucamente
apaixonado.
Sentado com uma xícara de leite quente com chocolate nas
mãos, olha a TV sem saber o que está vendo. É uma corrida de
cavalos. Piccolo Mix se impõe a seus rivais.
Alguém acaba de chegar. Só pode ser Miriam, que passou a noite
fora. Efetivamente, o escandaloso “Mamãe, cheguei!” delata sua irmã
mais velha. Vem da casa de Paula. De que teriam falado na festa do
pijama?
A menina se encaminha a seu quarto quando, de soslaio, vê seu
irmão. Bocejando, muda de direção e vai para a sala.
— Olá! Que está fazendo acordado tão cedo? É domingo.
— Não é tão cedo assim. Tenho que aproveitar o tempo —
responde Mario em voz baixa.
Miriam se senta na frente dele e observa seus olhos.
— Que olheiras! Não dormiu bem?
— Muito bem — mente.
— Está com olhos de vampiro, como...
— Edward Cullen? — ironiza Mario, antecipando-se.
— Estava pensando mais no Drácula — brinca a menina
sorrindo. — Sério, você está com uma cara péssima.
— Obrigado. Eu também te amo.
Miriam deixa de olhar para seu irmão e se volta para ver, na
televisão, entregarem o prêmio ao jóquei ganhador.
— O que está vendo?
Ele realmente não sabe. Está faz tempo com a televisão ligada,
mas só para que lhe faça companhia enquanto toma o café da
manhã e pensa.
— Isso aí, não está vendo?
— Sim, estou vendo. E o que é?
Mario olha bem para a tela. Um pequeno homem de capacete
vermelho levanta um troféu. Ao seu lado, uma mulher elegantemente
vestida acaricia um cavalo.
— Corrida de cavalos.
— Ah! — exclama ela surpresa. — Bela maneira de passar o
domingo de manhã. Você sempre se levanta para isso?
O menino suspira. Por que tem que suportar as perguntas
absurdas de sua irmã? Já tem o bastante com seus próprios
assuntos.
— Claro, para você é estranho porque antes das duas não
costuma dar sinais de vida.
— É para isso que servem os fins de semana, não é?
— Se você passa a noite por aí, sim — responde cortante. —
Falando nisso, como foi?
— Que xereta! — diz Miriam bem-humorada.
— Ei! Não te perguntei sobre o que conversaram, e sim se foi
legal.
Embora tente disfarçar seu interesse, morre de vontade de saber
os detalhes do que aconteceu na noite das meninas na casa de
Paula.
— Sei. A mim você não engana. Seu problema é que você gosta
de uma das minhas amigas.
Mario fica vermelho. Dá para notar? Não, não pode ser. Ela deve
estar tirando sarro dele.
— De uma das suas amigas? Está louca.
— E por que ficou vermelho, maninho?
Droga, maldição! É o que dá ter a pele tão branca.
— É o chocolate, está muito quente.
— Boa tentativa! Tente outra desculpa.
— É verdade! Está pelando! Experimente.
Mario oferece a xícara a sua irmã. O cheiro do chocolate lhe
revira o estômago e ela a retira rapidamente de sua frente. A mãe de
Paula as obrigou a acabar com os chocolates com churros.
— Não, obrigada. Já tomei café da manhã — diz queixosa.
— Então, não me chame de mentiroso.
Miriam volta a bocejar descaradamente. Não são horas de estar
acordada em um domingo.
— Calma, não vou incomodar mais. Vou para a cama. Depois a
gente conversa.
A menina se levanta e, bocejando, entra em seu quarto.
Mario respira profundamente. Agora, uma dúvida o assalta: a
qual de suas amigas sua irmã se referia antes?
Capítulo Vinte e Três

Nessa manhã de março.


Gentilmente, Ángel abre a porta e deixa Alexia entrar primeiro.
Mal se dirigiram a palavra no caminho de volta ao quarto. Ela,
sorridente, satisfeita, batendo forte seus saltos no silêncio impávido
do hospital; ele, reflexivo, pensativo, analisando o que poderia
acontecer nas próximas horas.
Katia sorri ao ver sua irmã e seu amigo entrarem de novo. Sobre
o que teriam conversado?
— Demoraram muito!
— Reclamona. Desde pequena.
— Estava entediada. Achei que tinham fugido.
— Pois não se enganou. Estávamos planejando, não é, Ángel?
O jovem jornalista não ouve o que acabam de lhe dizer. Está
ausente. Pensa em Paula, no que deve lhe contar. Não quer mentir
para ela, porém não sabe como explicar aquilo. Vai passar a noite
com uma menina que não é ela. Além do mais, se disser a verdade,
como justificar que vai acompanhar alguém que, teoricamente, é
uma quase desconhecida?
— Ángel, você me ouviu? — insiste Alexia ao vê-lo distraído.
O garoto reage ao ouvir seu nome.
— Desculpe. O que disse?
— Que vão fugir e me deixar aqui jogada, sozinha e doente —
resmunga Katia, que percebe que alguma coisa está acontecendo
com Ángel.
Estará pensando em sua namorada? Apesar de tudo, a cantora
não esquece que aquele rapaz por quem está começando a sentir
algo muito forte tem namorada. A questão é saber se realmente a
relação é séria, se ele a ama. Será que teria uma chance?
— Em absoluto — responde ele sorridente. — Na verdade, vou
ficar com você até que fique boa.
— Como? — pergunta com estranheza a jovem de cabelo rosa.
— Ángel se ofereceu como voluntário para ficar com você até
amanhã, quando receber alta.
Katia olha para Ángel surpresa. Ele sorri e assente com a
cabeça.
— Não precisa.
— Será um prazer.
— Estou dizendo que não precisa: vou ficar bem, é só um dia.
— Minha irmã, você é uma cabeça-dura. Se o garoto quer, deixe-
o. Eu fico mais tranquila sabendo que você não está sozinha.
— Não estou sozinha. Isso aqui está cheio de enfermeiras e
médicos. Ele deve ter coisas para fazer.
De novo Ángel e Katia cruzam seus olhares.
— Não tenho nada para fazer hoje, é domingo — mente,
tentando não pensar em todo o trabalho que vai se acumular para o
dia seguinte.
— Mas...
— Assunto encerrado, Katia. Ángel fica com você.
Outro sorriso. Ela adora isso. Ele é um gato. Resignação, doce
resignação.
— Imagino que, por mais que me oponha à ideia, não vou
conseguir convencer você de que não precisa ficar.
— Exatamente.
Katia suspira. Sente-se nervosa e honrada, e no fundo está
muito feliz. Não poderia dispor de melhor companhia para passar
aquelas horas trancada em um hospital. E sorri.
— Está bem. Muito obrigada, Ángel. Espero não lhe causar
muito transtorno.
— Não se preocupe. Vamos ficar bem.
Alexia olha para sua irmã e pisca para ele. Aí está a
oportunidade de que necessitava. Um dia inteiro, com a noite
inclusive, a sós com ele. Uma partida com cartas muito boas na
mão.
Desde que ela lhe falou pela primeira vez de Ángel, suspeitou
que gostava dele de verdade. Agora, tem total certeza. O brilho de
seus olhos ao vê-lo sorrir a delatava. Aquele acidente, apesar de
tudo, podia ser o início de algo bom. No exato momento em que o
jornalista entrou pela porta do quarto, soube o que tinha que fazer:
uma oportunidade perfeita. Ele não se negaria a fazer aquele favor.
Missão cumprida. Agora, cabia a Katia encantá-lo. E, pelo que
intuía, poderia ser algo muito possível.
— Bom, crianças, visto que está tudo resolvido, vou indo.
— Já vai?
— Sim. Tenho um compromisso, não posso faltar. E visto que
Ángel fica com você, posso ir sem me preocupar.
— Está bem. Depois eu ligo para dizer como estou.
— Tenho certeza de que vai ficar muito bem.
Alexia sorri. Aproxima-se de sua irmã e a beija no rosto. Depois
se dirige a Ángel e também lhe dá dois beijos.
— Muito obrigada — sussurra em seu ouvido. — Cuide dela para
mim.
E sob o olhar dos dois jovens, batendo o salto com força ao
caminhar, Alexia sai do quarto contente com seu perfeito papel de
alcoviteira. É a deixa para os atores principais.
Capítulo Vinte e Quatro

Nessa tarde de março, em algum lugar da cidade.


É divertido passar o tempo com ele. Quando está com Ángel, o
tempo voa. O destino os uniu e o cupido cuidou do resto.
Deitada na cama, com os pés para cima e as mãos sob a, Paula
pensa em seu namorado. Seu namorado. Seu Ángel.
A cara que fez com a brincadeira dos churros! E quando ele
apareceu, ao amanhecer… Nossa mãe! “Olha pela janela”, disse ele.
Que tonto!
Adorável. Um amor.
E sorri.
Cada acontecimento que compartilham é especial. Será assim
todo dia, de todo mês, de cada ano?
Não acredita no “para sempre”, mas não se importaria se aquele
atraente jornalista que chegou de maneira casual ficasse a vida toda
com ela.
Borboletas no estômago. Sorriso bobo. Olhinhos brilhantes.
Isso é que é o amor, não é?
E o amor traz consigo... sexo.
Isso a preocupa. Sabe que para ele não vai ser a primeira vez.
Uff! Poderia tê-la esperado, assim os dois estariam igualmente
nervosos. Que cretino!
Quando será que foi a última vez que transou com uma menina?
Ela não sabia. Nem havia perguntado. Nos dois últimos meses? Não.
Por favor, não.
Vira-se e aperta com força o travesseiro.
Não quer nem pensar. Seu Ángel na cama com outra. Nu. Na
intimidade. Explorando seus segredos mais recônditos. Murmurando
na escuridão de um quarto. Uff!
“Esqueça isso. Esqueça!”.
No sábado, ela é quem estará nua na frente dele. E se ele não
gostar de seu corpo? Já a viu na piscina com pouca roupa, mas,
claro, não é a mesma coisa. E se não souber o que fazer na hora? Vai
parecer uma criança assustada, uma menina ao lado de um homem.
Paula enterra a cabeça no travesseiro. Não, não tem que se
preocupar com essas coisas. Tudo vai dar certo. É só se deixar levar.
O sexo é algo natural, não é?
Afunda seu rosto com força no travesseiro e solta a tensão com
um gritinho que se evapora tímido no quarto.
Sua primeira vez. Suas pernas tremem e sente calor nas faces.
Outro grito agudo, que controla para que não saia do dormitório.
Ángel. Ángel. Ángel.
Tem vontade de vê-lo agora, de voltar a ouvir sua voz doce. De
beijá-lo. E se ligar para ele?
Não. Não pode. Mais tarde. Além do mais, ele deve estar
trabalhando. Quando se despediram, ele disse que ia à redação da
revista para adiantar o trabalho, para não ficar muito no sufoco
amanhã.
— Posso entrar? — pergunta uma vozinha na porta. — Não
estava fechada.
Erica põe sua cabecinha loira para dentro do quarto.
Paula abandona o travesseiro e sorri para sua irmãzinha.
— Sim, entre, princesa.
A menina caminha veloz para sua irmã e se joga em seus braços.
— As duas meninas e a bruxa já foram, não é?
— A bruxa?
— Sim, aquela feia, morena, de píssin no nariz que acha que é
gente grande.
Diana. Paula não pode evitar soltar uma gargalhada com a
descrição que Erica faz.
— Não gosta muito de Diana, não é?
A pequena agita a cabeça de um lado para o outro. Como ia
gostar de um monstro daqueles? Não entendia como podia ser amiga
de sua irmã.
— Muito má. É horrível. Pior que isso: é dez mil vezes horrível.
— Ela não é tão ruim. Mas às vezes faz bobagens. Se ela fosse
ruim, não seria minha amiga.
Erica não se convence. Aquela menina é ruim demais, mas
prefere não falar mais dela e mudar de assunto.
— Paula, você soube?
— O que, princesa?
A irmã mais velha acaricia o longo e suave cabelo loiro da
pequena. Lembra que, quando era uma menina, tinha cabelo igual.
— Disseram na TV que aquela cantora que você adora sofreu um
acidente.
— Que cantora? — pergunta preocupada.
Desde que as meninas foram embora, não fez nada além de
pensar em Ángel deitada em sua cama. Não sabe nada do mundo.
— Aquela de cabelo rosa.
— Katia?
— Essa.
Paula para de acariciar sua irmã e presta atenção no que ela diz.
— Quando? O que aconteceu?
— Não sei muito bem. Só sei isso.
Nesse momento o telefone toca. A melodia é inconfundível, The
Corrs.
— Que música bonita! Como se chama? — pergunta a menina.
— Angel.
— Adoro.
— É muito bonita. Agora, princesa, você se importa de me deixar
sozinha um instantinho enquanto atendo o telefone?
— Será que é a bruxa outra vez? — pergunta a menina
assustada.
Paula sorri sob o olhar curioso de sua irmã e aperta a tecla que
atende seu celular.
— Espere um instante, bruxa. Minha irmã está aqui — responde
divertida, antes que Ángel fale.
Mas Paula não precisa dizer mais nada a Erica. A menininha sai
do dormitório e fecha a porta. Não quer saber da bruxa do píssin no
nariz.
— Ouvi mal ou você me chamou de “bruxa”? — pergunta o
rapaz, que não tem certeza de ter escutado bem.
— Sim. Exatamente isso — responde ela sorridente.
— E desde quando “bruxa” é um apelido carinhoso?
— Quem falou que eu estava sendo carinhosa?
Paula solta uma gargalhada.
Ángel dá de ombros em um dos corredores do hospital próximo
ao quarto onde Katia descansa.
— Meu amor, me lembre de não chamá-la mais para comer
chocolate com churros no café da manhã. Tanto açúcar deve ter
subido à sua cabeça.
— Mas como se você não acertou nenhum em minha boca? Se
não fosse por minha mãe, hoje teria morrido de fome — mente a
menina, que ainda não conseguiu tirar o café da manhã do
pensamento.
— Trapaceira. Isso é o que você é, uma trapaceira.
— Ainda está bravo?
— Claro! — exclama o jornalista, tentando ficar sério.
— Coitadinho... Vou compensá-lo. Que tal hoje à tarde? Acho
que consigo dar uma fugidinha.
Um breve silêncio se produz após as palavras de Paula.
— Hoje à tarde... — começa Ángel hesitante.
— Não pode?
— Não. Hoje à tarde não vou poder ficar com você.
— Ah...
A menina se deixa cair na cama. Decepção. Estava com muita
vontade de vê-lo.
— Justamente por isso liguei. Surgiu um compromisso e vou
ficar a tarde toda enrolado.
— Que pena... Queria tanto ficar com você...
Gagueja. Sua voz se apaga a cada palavra que pronuncia.
Ángel esfrega a testa com a mão livre. Sente-se muito culpado.
— Sinto muito, de verdade. Eu também quero ficar com você.
Então, Paula lembra o que Erica acabou de lhe contar.
— É por causa da Katia?
A pergunta atravessa o jovem como uma faca. Apoia-se na
parede e pensa rapidamente no que dizer. A que se refere
exatamente?
— Por causa da Katia? — pergunta, tentando ganhar tempo.
— Sim. Minha irmã disse que ela sofreu um acidente. Você tem
que cobrir a notícia para a revista?
Cobrir a notícia! Isso mesmo! Como não lhe ocorreu isso antes?!
Sofre por não lhe contar tudo, mas não pode explicar a verdade.
— Sim. Estou no hospital agora.
— O que aconteceu com ela?
Embora saiba exatamente o que aconteceu, não pode dar
detalhes que a façam suspeitar.
— Bateu o carro a noite passada depois de sair de uma festa.
Também não nos deram muitos dados.
Suspiros dos dois lados do telefone.
— Ela está bem? É grave? — pergunta Paula, preocupada.
— Parece que não. Vai ficar boa logo.
— Ainda bem! — responde Paula aliviada. — Você a viu?
Uff! Mais mentiras? Não tem outro jeito.
— Não. Não deixam a imprensa entrar.
— Compreendo.
— Vão nos avisar se sair do hospital.
Ángel vai se sentindo pior, como se o apertassem do pescoço até
o estômago. Bem quando pretendia esquecer Katia, vem aquele
acidente. E depois, o pedido de Alexia.
Em vez de acabarem as mentiras com Paula, aumentam. Sem
freio. Mas o que podia fazer? É essa a melhor solução?
Sim. Ela também sofreria muito se soubesse. E é a última coisa
que ele deseja nesse momento.
— Pobrezinha. Parece uma garota legal, e adoro suas canções.
Paula cantarola o refrão de Ilusionas mi corazón.
Ángel sorri. Sim, realmente, e apesar de tudo, Katia é uma
menina cativante. Relembra a entrevista na revista. Adorou aquela
cantora pequenina que enchia tanto o espaço com sua presença.
— Paula, tenho que desligar. Lamento de novo não poder vê-la
hoje.
— Não se preocupe, eu entendo. Espero que não se canse muito.
— Também espero.
— Um beijo, bruxinha. Te amo.
— Eu também.
E desligam.
Ángel olha para o teto do corredor do hospital. Mesmo achando
que não tinha alternativa, está envergonhado.
Paula olha para o teto de seu quarto. Realmente, tinha muita
vontade de estar com ele. Mas nem tudo que se quer nesta vida se
pode ter.
Capítulo Vinte e Cinco

Nessa tarde de março, em um lugar afastado da cidade.


A mochila está muito menos pesada que no dia anterior. Há
apenas uns quinze livretos dentro.
Há dez minutos, Álex olhou seu e-mail. Nada, nem sinal de
alguém que tenha encontrado um daqueles livretos. Mas desiludir-se
mais não adianta nada. Tem que terminar a tarefa de distribuir os
que faltam. Sozinho. Talvez isso seja o que lhe provoca maior
desânimo. Paula não o ajudará dessa vez.
Com a mochila nas costas, abre a porta da casa.
— Vai sair?
Irene aparece de algum lugar. Veste um suéter branco que lhe
chega até as coxas mal cobertas por um short jeans surrado. Meias
azuis-claras, sem sapatos. O cabelo preso em duas marias-
chiquinhas. Inocência e sensualidade, dois em um.
Álex a contempla de cima a baixo. É realmente sexy.
— Sim, vou fazer umas coisas. Volto logo.
— Vai distribuir seus livretos por aí?
O menino arqueia as sobrancelhas.
— Como você sabe?
— Eu espio você, nunca percebeu?
— Irene...
— Brincadeira, bobo. Vi a mochila preparada. Eu lhe disse
ontem à noite que ia dar uma folheada no que escreveu. Li na
primeira página a mensagem para quem os encontrar. Você é muito
criativo.
Álex suspira. Por um momento pensou que sua meia-irmã
realmente o espionava, e não teria achado estranho.
— Obrigado.
Os olhos de Álex percorrem sem querer as longas pernas de
Irene, mas ele rapidamente torna a erguê-los com pudor.
Três meses.
— E está dando certo?
— O quê? — pergunta confuso.
— Os livretos, cara. Muita gente já entrou em contato com você?
— Não, só uma menina.
— Não se preocupe. É uma ideia boa, precisa ter paciência.
— É.
— Espere, vou me vestir para ir com você. Quero ajudar.
— Não, não se preocupe. Prefiro fazer isso sozinho.
A menina morde o lábio. Como ele é seco às vezes! Ela finge que
não se incomoda com a rejeição e sorri.
— Está bem. Se não quer que o acompanhe, não insisto.
— Volto logo. Até depois.
Álex sai de casa e fecha a porta sem olhar mais para sua meia-
irmã.
— Divirta-se, e não transe com estranhas! — grita Irene de
dentro.
E agora? Está sozinha. Caminha descalça até a sala e se deita
no sofá. Gosta tanto de Álex... Apesar de tratá-la desse jeito a
maioria das vezes. Ele vai acabar caindo em seus braços. Certeza.
Um equipamento de som em um dos cantos da sala chama sua
atenção. Levanta-se e ruma para ele. Não há nenhum CD colocado,
mas ao lado há uma torre com mais de cem. Escolhe um do
Coldplay: Yellow. Play. Aumenta o volume. Mais. Mais. Está sozinha,
pode ouvir música no volume que quiser.
Após voltar ao sofá, sentada com as mãos apoiadas no rosto,
tem uma ideia. Sim, por que não? Já havia feito isso outras vezes
quando moravam juntos. Levanta-se e sai da sala. Na ponta dos pés,
como se não quisesse que alguém a ouvisse, chega ao quarto de
Álex.
Toc, toc.
Sorri.
— Viu? Eu bati, para que depois não me dê bronca.
Irene entra no quarto de seu meio-irmão. Tudo está muito
arrumado, como sempre. Até a cama está feita. Diverte-se com a
situação: antes, ela mesma brincou dizendo que o espionava, mas
agora...
Relembra quando eram adolescentes e ela, em uma de suas
“visitas” clandestinas, descobriu a carta que uma menina havia
mandado a Álex no Dia dos Namorados. Chamava-o de “amor”,
“coração”, “meu céu”. Dizia que o amava muito. Pirralha! O que
aquela tonta podia saber de amor? Irene tomou “emprestada” a carta
e “sem querer” deixou-a cair na lareira. Ninguém soube daquilo, nem
da cartinha de Dia dos Namorados. Felizmente, Álex tinha bom gosto
e não quis nada com aquela menina.
Talvez possa encontrar algo que a leve a saber mais sobre essa
Paula.
Primeiro, olha nas gavetas da escrivaninha, uma por uma, com
cuidado para não tirar nada do lugar; depois checa o armário, as
prateleiras, as gavetas do criado-mudo… Pastas, cadernos, fichários.
Nada interessante. E nenhum rastro de Paula.
E se olhar no notebook? É arriscado. Mas, quem não arrisca não
petisca.
Irene liga o computador. Bom, não precisa de senha de acesso
ao Windows. Uma tela pula de repente no monitor: é o MSN de Álex,
que está na opção de abrir automaticamente quando o computador é
ligado.
— “Alexescritor”, que falta de originalidade — murmura.
A menina rastreia os contatos de seu meio-irmão. Tem certeza
de que ali encontrará o que busca. Lê atentamente, um por um,
os nicks de todos. Tem muitos bloqueados, possivelmente para que
ninguém o incomode enquanto escreve.
— Quanta breguice o pessoal escreve nesses lugares... —
comenta em voz baixa, meneando a cabeça.
Nenhum lhe chama a atenção especialmente, até que, no final,
escrito com várias cores, aparece um nick significativo: “Paula.
Borboletas dançam em meu peito. S2. Obrigada por tudo”. Está nos
contatos, mas off-line.
Será essa a Paula com quem Álex sonha? Precisa se certificar. A
sorte volta a lhe sorrir. É o MSN Plus, e seu meio-irmão guarda as
conversas no computador.
Irene abre o arquivo que pertence àquele endereço. Só há uma
conversa entre eles. Foi na sexta-feira à noite. Acabaram de se
conhecer! E se encontraram ontem de manhã para que Paula o
ajudasse com alguma coisa. Teria a ver com os livretos? Acha que
sim. Tem quase certeza.
A menina relê o texto duas vezes. Uma terceira. Já não tem
dúvidas. Pela maneira como seu meio-irmão se comportou, essa
Paula é sua rival. Por seu jeito de escrever, ela parece novinha;
calcula que deve ter uns dezesseis, dezessete anos. Um bebê ao seu
lado.
— Quer dizer que meu irmãozinho gosta de adolescentes.
Sorri maliciosa e prossegue com sua investigação.
Na janelinha do MSN Paula não tem uma foto pessoal, e sim um
ursinho de pelúcia com um coraçãozinho. Gostaria de vê-la, saber
que aparência tem. Talvez ela tenha lhe passado alguma fotografia
por e-mail.
Irene, esperançosa, dá busca nos arquivos de imagens de Álex,
mas, dessa vez, não encontra nada.
“Conhecendo-o como conheço, com certeza é bonita”, deduz.
Irene imagina como é Paula: alta, muito bonita de rosto, cabelo
comprido , olhos claros ou cor de mel, mas, de qualquer modo,
muito atraentes. E com certeza tem um corpo perfeito. Seu meio-
irmão não merece menos. Possivelmente fariam um belo casal. Mas
ninguém é melhor para Álex que ela mesma.
Examina de novo o nick. Aquela menina gosta de alguém e lhe
agradece por alguma coisa. Não será ele? Não, não pode ser: eles se
conhecem há muito pouco tempo e os jovens de hoje em dia dizem
“te amo” com muita facilidade. Porém, o negócio das borboletas é
indicativo de que está apaixonada ou que está começando a sentir
alguma coisa forte por alguém.
Poderia ser outro menino. Melhor. Assim, aquela menina não
sofrerá quando souber que ela é a nova namorada de Álex.
Irene fica fascinada com tanta segurança em suas
possibilidades. Nem sempre foi assim, mas agora as coisas
mudaram. Sabe o que quer e vai lutar por isso. Está no lugar e no
momento adequados e tem armas suficientes para seduzir sua
presa. Ele não vai escapar.
De repente, um som no computador anuncia que um dos
contatos acaba de entrar. Que erro mais bobo! Deveria ter se
assegurado de que estava off-line. Ora, e é Paula, ainda por cima.
Que coincidência! E agora?
Irene morde as unhas. A curiosidade mata. Mas o que vai dizer?
Durante alguns minutos, reflete.
Se falar com ela, pode dar bola fora e ser descoberta. Além do
mais, cedo ou tarde Álex e Paula vão se ver e comentar sobre a
conversa. O que pode fazer?
Mais três minutos em silêncio. A menina também não diz nada.
— Muito interesse também não deve ter — comenta,
aproximando a cabeça um pouco mais da tela do notebook.
Irene olha para o pequeno relógio do computador. Está
começando a ficar tarde, e o que menos deseja é que seu meio-irmão
a descubra ali. Isso seria catastrófico, visto que ele nunca mais
confiaria nela.
Quando vai fechar o MSN, uma luzinha laranja avisa que Paula
escreveu.
“Droga. Que oportuna!”, pensa Irene.
Nervosa, abre a janela da conversa.
— Olá, muito ocupado? Ou simplesmente não quer falar comigo?
A frase está em letras cor de rosa acompanhada por
três emoticons. O último, que fecha a pergunta, é uma tartaruguinha
que pisca.
Aquilo é como desfolhar uma margarida. Responde ou não
responde? Tem vontade de continuar brincando com a situação que
surgiu, mas, por fim, a razão vence. Não pode arriscar tanto.
Irene suspira e fecha o MSN sem escrever nada. Depois, desliga
o computador e na ponta dos pés sai do quarto de Álex.
Nessa tarde de março, em algum lugar da cidade.
Que estranho! Não respondeu e saiu do MSN sem mais nem
menos.
Paula espera alguns minutos. Talvez Álex tenha caído; mas,
passado um tempo, compreende que não foi isso. Resigna-se.
Que dia mais bobo... De um lado, Ángel não pode ficar com ela:
está muito ocupado trabalhando e cobrindo a notícia do acidente da
Katia. Do outro, Álex primeiro não diz nada no MSN e depois desliga
sem responder. Que pena... Quando o viu conectado, sentiu uma
vontade imensa de falar com ele.
Não vai ter outro remédio senão estudar matemática. Uff, odeia
matemática!
Amanhã vai estudar na casa de Mario. Espera ir bem na prova e,
além de tudo, aproximar-se um pouco mais de seu amigo. Mas Paula
não sabe de tudo que essas tardes vão proporcionar.
Capítulo Vinte e Seis

Nessa tarde de março, em algum lugar da cidade.


Ángel olha pela janela de um dos corredores do hospital. Está
anoitecendo. Alguns postes já dão luz à incipiente escuridão que
enegrece as ruas.
Cai a noite de um domingo estranho. Muito estranho. Começou
com Paula, tomando o café da manhã. Apaixonado: brincadeiras,
churros, beijos, chocolate, risos… E acabará com Katia. Dormindo
ao lado dela, na cama ao lado.
Sozinhos mais uma vez. Como na sexta-feira, quando aceitou
tomar aquele drinque, que virou dois, que depois passou para três e
acabou perdendo a conta com o passar das horas. Mas o que mais
doeu foi perder a dignidade. E, acima de tudo, ter que mentir.
Agora, enrolado nessa mentira, não pode voltar atrás. Seria
prejudicial para ele e também para Paula, para a relação entre
ambos.
Olha a lua. É a mesma lua de março que viu quando beijou pela
primeira vez aquela menina de dezesseis anos; a mesma lua de
março que foi testemunha do toque dos lábios dele e da menina de
cabelo rosa entre uma fotografia e outra.
Como podem acontecer tantas coisas em tão pouco tempo? Fica
angustiado. Seus olhos se perdem em um horizonte de altos edifícios
e estrelas reluzentes que acabam de sair para embelezar o
firmamento. É noite de um domingo estranho.
Um homem de porte elegante, usando um jaleco branco,
caminha para ele. É o médico responsável por Katia.
— Ah, você está aqui — diz jovial.
— Sim. Já a examinou? Ela está bem?
— Perfeitamente. Poderíamos lhe dar alta já, mas prefiro que
fique aqui até amanhã. Assim, ficaremos mais seguros de que tudo
está bem.
— Muito bem. Vou passar a noite com ela.
O médico assente com um sorriso.
— Se me permite um conselho…
— Pois não.
— Se for uma pessoa discreta e não quiser muito bafafá com a
imprensa, não saia muito do quarto.
— Jornalistas são uns intrometidos, não é? — ironiza o rapaz
sem dizer qual é sua profissão.
— Muito. Se você soubesse...
Ángel sorri.
— Obrigado, vou seguir seu conselho.
O médico lhe dá uma palmadinha no ombro.
— Quando quiser, pode voltar ao quarto. Acho que uma garota
te espera ansiosa.
— Obrigado de novo, doutor.
O médico se despede gentil e se afasta do jovem jornalista, que
toma o caminho contrário rumo ao quarto de Katia. Ángel dá duas
batidas suaves na porta e, após a permissão da garota, entra.
— Já estava com saudade! — exclama a cantora na cama.
— Só fiquei meia hora fora.
O rapaz pega uma cadeira e se senta ao seu lado.
— Muito tempo — comenta ela, apontando para uma pequena
janelinha, a única que há no quarto. — Veja, já é noite até.
Ángel sorri. Adora essa atitude. Não sabe por quê, mas, quando
Katia adota a postura de menina resmungona, ele gosta. Ele a vê
sempre tão segura de si mesma, tão provida de meios para conseguir
o que deseja que, quando mostra seu lado inocente, sente-se
enternecer. E algo mais?
— Sim, vi anoitecer num dos corredores.
— Muito bonito, e eu aqui com o médico!
— Ele é legal. Recomendou que eu tenha cuidado com os
jornalistas.
— Ele me disse a mesma coisa, mas acho que tenho que ter
cuidado especialmente com um. O que você acha?
— Talvez — responde Ángel acariciando o próprio queixo. — Tem
um sujeito da concorrência que faz perguntas terríveis. Acho que o vi
de relance por aqui.
— Está debochando de mim, senhor jornalista?
De novo a Katia menina, essa criança que finge estar brava, que
representa o papel de menina ingênua e inofensiva.
Ángel se diverte. Não lhe responde com palavras, mas com um
sorriso. Levanta-se da cadeira e se deita na outra cama sem desfazê-
la. Sente um grande cansaço pela primeira vez no dia. Olha para o
teto e fecha os olhos com a nuca no travesseiro.
Katia se deita de lado para poder ver seu acompanhante. Um
formigamento percorre seu corpo.
— Ángel, está dormindo?
— Não, não deu tempo — brinca.
Continua contemplando-o. Relembra a versão que ela mesma fez
em seu CD de I can’t take my eyes off of you: “Não posso tirar meus
olhos de você”.
— Como vão as coisas com sua namorada?
Ángel volta a abrir os olhos após ouvir aquilo. Deita-se de lado
para poder ver Katia. Seus olhares se encontram.
— Com Paula?
— Sim. É sua namorada, não é?
— Algo assim. Estamos começando.
— Essa é a melhor parte. Quando se começa um
relacionamento, tudo é bonito.
Os olhos de Ángel se fecham de novo. Cansaço. Sono. Pensa em
Paula, em como tudo é contraditório. Ele sai com uma menina e
acaba passando duas noites com outra.
— Sim, tudo é… muito bonito... no início — balbucia. — Mas
também... difícil.
Os olhos de Katia piscam lentamente. Não aguenta mais mantê-
los abertos.
Inveja essa Paula. Como gostaria de estar em seu lugar: trocaria
todo o sucesso, todos os CDs vendidos, todos os seguidores por uma
vida ao lado dele.
— Muito difícil — suspira sonolenta pelo efeito dos comprimidos
que tomou.
Espera que ele torne a falar, mas só recebe silêncio.
Sem acrescentar mais nada também, deixa-se levar pela letargia
de suas pálpebras, que se fecham por fim. E, sem perceber, quase ao
mesmo tempo, Ángel e Katia adormecem virados um de frente para o
outro unidos por Morfeu.
Nessa mesma noite, em outro lugar da cidade.
Entediante. É a única coisa que lhe ocorre para definir a tarde
do domingo.
Paula sente saudade de Ángel. Não quis incomodá-lo com
ligações tolas. Ele deve estar trabalhando, certamente atento caso
Katia saia do hospital ou divulguem alguma notícia sobre a saúde da
cantora.
Ao longo do dia já informaram que foi só um susto, que vai se
recuperar perfeitamente e que logo voltará aos palcos. Ainda bem!
É um alívio saber que saiu ilesa do acidente. Gosta tanto de
suas canções. Pobre garota! Parece tão pequenina, tão frágil...
Porém, transmite emoção como ninguém quando se apresenta. Seus
olhos, sua voz, seus gestos emocionam .
E também ficou com vontade de falar com Álex. Que boba, nem
sequer pediu seu celular!
Aquele menino é diferente. Nunca havia conhecido alguém tão
romântico. Quem poderia pensar em distribuir ao acaso seu próprio
romance em forma de livreto? Será que está tendo sorte? Será que
alguém respondeu? Não entrou no MSN a tarde toda. Tornariam a se
ver?
Domingo estranho. Começou vendo Ángel pela janela de seu
quarto enquanto falava com ele no celular. Meu Deus! Depois,
carícias e beijos no parque dos cem degraus. Porque tem certeza de
que são cem, e não noventa e nove. Que bobo! E depois, o café da
manhã com a brincadeira do chocolate: o melhor café da manhã de
sua vida.
Mas, depois, nada mais. Vazio.
Põe o pijama. Não vai demorar muito para ir dormir. Antes, liga
o computador para ver se Ángel está conectado. Ou talvez Álex
esteja.
Nenhum dos dois. Uma luzinha laranja pula nesse instante na
barra de tarefas do computador. É Miriam.
— Olá, horrorosa.
— Olá, imbecil.
— Que está fazendo?
— Já ia para a cama, estava vendo meu e-mail antes — mente
Paula. — E você?
— Conversando um pouco, mas já me entediei.
— Ah.
— Que foi? — pergunta Miriam. — Parece séria. Quando você
não usa emoticons, é mau sinal.
— Estou bem, só que fiquei muito entediada hoje.
— E seu anjinho?
— Cobrindo o acidente de Katia.
— É verdade! Caraca, né?
— Sim, muito, mas ela está bem. Por causa disso, Ángel passou
o dia todo no hospital.
Paula se levanta da cadeira. Não está a fim de falar mais. Vai se
despedir de sua amiga.
— Paula, tem falado ultimamente com meu irmão?
— Com Mario? Sim, ontem mesmo, quando falei para avisar que
se minha mãe ligasse...
— E não o achou estranho?
A menina volta a se sentar.
— Sim, um pouco. Tinha um subnick estranho outro dia.
— Um subnick estranho?
— Sim, reclamava de alguma coisa, não lembro muito bem de
quê. Fiquei preocupada.
— Não notei.
— Ele teve problemas com alguma menina? Algum desengano
amoroso?
Miriam pensa por um momento. Não. Definitivamente, não.
— Que eu saiba, não, mas tenho uma teoria.
— Qual? — pergunta Paula ansiosa, balançando-se na cadeira.
— Acho que ele gosta de uma das Sugus.
Ora, então era isso! Sim, tem a ver com o que ela pensa.
— Faz sentido.
— Acho que é Diana — diz Miriam bastante convicta. — Outro
dia, falei de um comentário que ela fez sobre ele e ele se fez de durão.
E se estiver apaixonado?
— Pode ser.
— Mãe do céu!
— Imagina Diana de cunhada?
— Cala a boca, sua louca!
Gargalhada silenciosa no quarto de Paula. Mas, realmente, seu
amigo a preocupa.
— Combinei de estudar na casa dele esta semana. Vou tentar
arrancar alguma informação.
— Vejo que sair com um jornalista te afeta, hein? —
Emoticon sorrindo e piscando.
— Que babaca! Estou preocupada com seu irmão.
— Eu sei. Pois espero que descubra o que ele tem e me conte.
Para mim ele nunca diz nada.
— Porque você está sempre enchendo o saco do coitado —
explica Paula e acrescenta um M&M amarelo mostrando a língua.
— Isso não justifica nada, espertinha, aprendiz de jornalista —
responde Miriam com o mesmo emoticon.
Paula responde com um M&M mostrando o dedo do meio e
Miriam com outro fazendo hang loose. Após vários insultos
“carinhosos”, beijos e “te amo”, elas se despedem.
Jornalista? Não é má ideia, embora nunca houvesse pensado
nisso. Talvez. Pelo menos, teria um pistolão, não?
Capítulo Vinte e Sete

Nessa noite de março, em um lugar afastado da cidade.


Lua. Estrelas. Álex olha o céu negro manchado de gotinhas
luminosas de seu cantinho no telhado de sua casa, em uma área
afastada da cidade. No centro, com certeza os altos edifícios não lhe
permitiriam deleitar-se com aquele espetáculo. Sente-se minúsculo
diante de tanta imensidão, e um rapaz de sorte.
Uma suave brisa esfria a noite.
Nas pernas apoia o notebook. Está cansado. Distribuiu sozinho
todos os livretos que restavam. Como teria gostado de tê-la ao seu
lado! Paula não lhe sai da cabeça. Ao contrário, é difícil fazer
qualquer coisa sem que aquela menina invada seus pensamentos.
Não está conectada. Hoje não se falaram o dia todo. Ontem pode
ter sido o fim? Nega-se a acreditar.
Olha seu blog, ao qual, quando pode, acrescenta um fragmento
de Por trás da parede. Muitos comentários o parabenizam por seu
trabalho. Há cada vez mais gente curtindo o que ele escreve. Durante
meia hora responde a todos. E assim se anima, apesar de continuar
sem saber nada de Paula.
Porém, logo o pesar volta. Não tem nenhuma notícia das pessoas
que encontraram os livretos pelas ruas. Suspiros untados com
paciência.
Não deve se deixar levar pelo pessimismo. Nova ideia, nova
expectativa, nova loucura: o plano B.
Ocorreu-lhe no ônibus de volta para casa. Trata-se de levar Por
trás da parede a outro nível. É um disparate, uma irrealidade, uma
missão impossível , mas não perde nada por tentar.
Álex sonha em ser escritor. Quanto mais se mostrar, mais
leitores terá; quantos mais leitores, mais possibilidades haverá de
encontrar uma editora quando terminar o livro. De modo que precisa
de fatores especiais para que tudo isso aconteça: os livretos e o plano
B.
Abre o Google e procura alguns endereços. São links de diversas
gravadoras. De cada página copia a cidade, o código postal e a rua
onde fica a sede, e cola tudo em um arquivo de texto.
Terminado o trabalho, redige um documento básico que vai usar
como padrão para todos os seus envios.
Bom-dia, tarde ou noite.
Para mim, boa-noite, visto que escrevo quando a lua e as estrelas
me abrigam.
Em primeiro lugar, muito obrigado por abrir este envelope e
perdão pelo incômodo causado.
Deve ter ficado surpreso com esta correspondência. É lógico. Eu
também ficaria. Explico.
Sou um rapaz que pretende ser escritor. Coisa difícil, eu sei, mas
estou pondo todo meu empenho e meu esforço nisso, e não só
escrevendo, mas também mobilizando tudo que esteja ao meu alcance
para pelo menos ter a oportunidade de ser lido. Quem sabe, um dia,
alguma editora notará tudo isso…
O que lhe mando nesse envelope transparente são as catorze
primeiras páginas de Por trás da parede, a história que estou
escrevendo neste momento. Só pretendo divertir, entreter. Talvez seja
muito romântico, talvez irreal; quem sabe infantil, juvenil, adolescente.
Tanto faz: é no que estou metido agora, e estou satisfeito com isso.
Mas a verdade é que me resta muito a aprender.
Há algumas semanas, comecei a escrever essa história na
internet. Em um blog. Mas por que não continuar tentando crescer?
Usar a imaginação para possibilitar que mais pessoas conheçam o
que faço? E estou nessa.
O que pretendo: nessa história, a música é uma parte muito
importante da trama. Ao longo de todo o livro introduzo canções que os
personagens, em um momento ou outro, ouvem. Mas por que não uma
música dedicada exclusivamente a Por trás da parede? Eu sei que
isso é um atrevimento, uma ousadia de minha parte. Você não deve
ter tempo nem para respirar, que dirá para compor uma canção para
meu livro; deve ser quase impossível. Nesse “quase” mantenho minha
esperança. Contar com uma canção criada por você para meu
romance seria o coroamento definitivo para essa aventura.
Quanto mais gente conhecer a história e a mim, mais
possibilidades terei com uma editora. É um sonho, meu sonho, e você
está fazendo parte dele. E, se quiser, pode colaborar.
O endereço do meu blog, caso lhe interesse, é:
http://portrasdaparede.wordpress.com. E meu e-mail, para qualquer
coisa que necessite: portrasdaparede@hotmail.com.
Só isso. Torno a lhe pedir perdão pelo atrevimento.
Obrigado por sua atenção e desculpe o incômodo.
Atenciosamente, o autor.
O jovem revisa várias vezes o que escreveu. É uma loucura! Mas
é só uma loucura mais, e não vai detê-la.
Torna a examinar a lista de cantores e gravadoras a quem vai
enviar o livreto. Não perde nada, só pode ganhar. E, se dessa vez der
certo, a vitória será grandiosa.
Então, recorda algo que ouviu no rádio, no ônibus. Claro, falta
incluir essa cantora que sofreu um acidente ontem à noite.
Felizmente, disseram que estava bem.
Busca na internet a gravadora à qual pertence. Aí está: uma foto
de Katia apresenta a página. Que grande sucesso está fazendo!
Álex copia o endereço e o cola no documento. Torna a olhar a
foto da cantora de cabelo rosa. É bastante bonita, tem algo de
especial, sem dúvida.
Sim, ela será a primeira a quem vai mandar sua nova ideia
marcada pelo atrevimento e pela loucura.
Capítulo Vinte e Oito

Nessa mesma noite de março, em algum lugar da cidade.


Está acordada há algum tempo. Abre os olhos. Olha para ele, vê
que continua ali, e volta a fechá-los. Ele não foi embora.
Sorri. Ángel dorme na cama ao lado. Quanto tempo faz que não
sente algo assim por alguém? Muito. Nem lembra. Teve casos, rolos e
um ou outro namorado. Sim, gostou deles, mas seu coração não
batia como agora.
Com todos os homens que se aproximam dela, tem que se
apaixonar por um impossível. Impossível? Impossível, por quê?
Porque não quer nada com ela. Porque gosta de outra. Porque tem
namorada.
E daí?
Tem namorada.
Mas começaram o relacionamento há muito pouco tempo. E se
aquela Paula não fosse a garota da vida dele? E se a garota da vida
dele fosse ela? Estaria desperdiçando uma oportunidade, e nunca
saberia o que teria acontecido entre eles.
Katia volta a abrir os olhos. Olha para ele outra vez. É bonito até
quando dorme. A seguir, fecha os olhos sorridente.
Ele está ali. Isso deve querer dizer alguma coisa. Nem precisou
ligar para ele para que fosse vê-la no hospital. E, além do mais,
passou a noite com ela; mas tem certeza de que sua irmã teve muito
a ver com isso.
Tem alguma chance? E se lhe contar o que sente? Talvez ele
sinta o mesmo. Talvez ele também esteja começando a sentir algo
parecido. Mas, se não for assim, será que pode perdê-lo para sempre
se confessar seu amor?
A menina de cabelo rosa se agita nervosa sob os lençóis brancos
daquela cama de hospital. Sua cabeça dói, e não exatamente pela
pancada do acidente.
De qualquer maneira, amanhã tudo terá acabado. Amanhã,
quando lhe derem alta, vão se despedir. Ele tocará sua vida com
suas entrevistas, seus artigos. Com sua Paula. E ela sofrerá o
encalço da mídia, dos interesseiros, dos fãs. Todos vão querer saber
o que aconteceu, se está bem… Uff!
Fica angustiada.
Mas abre os olhos e o observa mais uma vez. Isso a ajuda a se
acalmar. Respira fundo e relaxa. Ainda resta uma noite pela frente,
horas compartilhadas, minutos que passarão juntos. Não vai dormir
mais: quer aproveitar esses instantes; ele, mesmo que esteja
dormindo. Pode olhar para ele e sonhar acordada.
Dentro de Katia brota um forte impulso, uma sensação
inexplicável. Desembaraça-se dos lençóis e, com cuidado, senta-se
na cama. Cambaleia um pouco, suas pernas tremem, mas consegue
ficar em pé.
Lentamente, descalça, caminha até a cama de Ángel. Sua doce
expressão enquanto dorme a cativa um pouquinho mais. Ela
continua sentindo algo avassalador dentro do peito. Olha para ele,
fixa seus olhos úmidos no rosto dele, inclina-se devagar e o beija.
Não tem medo que acorde, mas o beijo é delicado, quase
imperceptível, só um toque dos lábios: uma carícia que sua boca faz
na boca daquele garoto que não parece notar que está recebendo um
beijo de verdadeiro amor.
Nessa mesma noite de março, nesse mesmo ponto da cidade, na
cama ao lado da de Katia.
Ele acorda. Pisca e abre os olhos lentamente. Que horas deve
ser? Muito tarde. A noite está bem avançada e uma tênue luz
ilumina o quarto.
Ali, deitada de frente para ele, ela permanece. Observa-a
atentamente. É uma menina linda. Seu rosto transmite algo especial
mesmo dormindo.
Mas ele já tem Paula. O que está fazendo ali? Um favor. Não
pôde negar o que Alexia lhe pediu. Como poderia? Mas não para de
pensar que esse não é seu lugar.
São muitas mentiras em muito pouco tempo. Entrou em um
perigoso círculo de falsidades ou meias verdades do qual não
consegue sair. Deseja que aquilo fique no esquecimento, como se
nunca houvesse acontecido. Principalmente por Paula, que sofreria
se soubesse a verdade.
Suspira levemente. Está cansado: preocupações,
responsabilidades… Peter Pan fugindo da Terra do Nunca.
E quando sair daquele hospital será muito pior. Amanhã o
espera um dia duro. Não adiantou nada de trabalho durante o fim de
semana e ainda vai ter que dar explicações tanto a seu chefe quanto
a Paula sobre o que aconteceu no hospital.
Pergunta-se como vai abordar o assunto. Por um lado, há a
notícia do acidente de Katia. Vai ter que escrever sobre isso
irremediavelmente. Por outro lado, há a parte pessoal. Aí vai surgir
um conflito consigo mesmo, saber o que pode contar ou não. É uma
situação nada fácil.
E terá que dizer mais mentiras a Paula. Promete a si mesmo que
serão as últimas e tenta se convencer de que é verdade.
Mas isso vai ser amanhã, agora precisa descansar. Fecha os
olhos de novo e tenta dormir. Não tem jeito. Minutos depois continua
acordado. Não consegue conciliar o sono. Então, percebe algo. Como
se alguém se deslocasse lentamente pelo quarto. Sim, está mais
perto. Abre levemente um olho, com a pálpebra trêmula, e vê Katia
se inclinar sobre ele e pôr os lábios nos seus. Suave, muito suave. É
um beijo com carinho. Gratidão? Despedida? Amor?
Ángel se deixa levar e, sem dizer nada, aceita-o e continua
fingindo dormir.
A cantora volta para sua cama e ele, perdido, confuso, não vai
pregar o olho a noite toda.
Capítulo Vinte e Nove

Na manhã seguinte de um dia de março, em algum lugar da


cidade.
Segunda. Ela odeia as segundas-feiras. Por que têm que existir?
Se os fins de semana são tão bonitos… Mas tudo que é bom acaba
logo.
Paula corre de um lado para o outro da casa. Vai do seu quarto
ao banheiro, passa outra vez pelo quarto e desce até a cozinha para
tomar café da manhã. Não tem tempo nem para se sentar e tomar o
leite com chocolate. Em pé, dá uma mordida em uma torrada, que
mastiga aos tropeções enquanto chega à sala. Não quer perder o
ônibus como já aconteceu três vezes na semana passada. Mas não
pode esquecer nada.
Mercedes a observa inquieta e lhe pergunta se pegou isso e
aquilo. Pegou tudo. Acha que sim, pelo menos.
Três minutos para que o ônibus passe. Dá um beijo rápido no
rosto de sua mãe e sai correndo para o ponto com a mochila das
Meninas Superpoderosas nas costas. Tem que conseguir!
Avança veloz pela calçada. Uff! O semáforo está vermelho.
Impaciente , dá pequenos pulinhos no lugar. Por fim, verde.
Caminha ainda mais depressa. Atravessa um faixa de pedestres e
vira à direita.
Como se fosse aquela propaganda em que o casal de namorados
chega ao encontro ao mesmo tempo, Paula e o ônibus se encontram
de frente, cada um em uma ponta da rua. A menina corre o máximo
que pode.
O veículo para no ponto. Há uma pequena fila que fica cada vez
mais curta. Sobe o último passageiro. Vai sair!
O motorista fecha a porta da frente, mas quando olha para um
lado e outro prestes a arrancar, vê chegar, arfante, uma menina
gesticulando para que não vá sem ela. O homem freia e espera a
jovem. Por que não acordam cinco minutos antes?
Paula, com o rosto corado e o fôlego entrecortado, sobe e
agradece ao motorista do ônibus. Exausta, abre a mochila das
Meninas Superpoderosas em busca do passe. Droga! Não pegou
tudo. É sempre a mesma coisa. Não tem remédio senão pagar a
passagem.
Lamentando e se xingando pelo esquecimento, caminha pelo
estreito corredor. Rostos adormecidos, a maioria conhecida,
habituais no trajeto; um ou outro cumprimento e um ou outro olhar
furtivo de alguém que se volta quando ela passa. Percebe, mas não
se incomoda. Está acostumada.
Ainda bem, um lugar livre no fundo. Um garoto com um gorro
preto de lã da Ralph Lauren se levanta para que ela se sente do lado
da janela. Bom colega de viagem. Parece Álex, pensa. Sim, tem o
mesmo jeitinho. Mas seu Álex é um pouco mais bonito. Um
momento, desde quando é “seu” Álex? Ah, não tem importância.
Respira fundo duas vezes, tentando não chamar muito a
atenção. Ainda sente o esforço da corrida. Pega o tocador de MP3
com cuidado para não incomodar o garoto do gorro preto. Porém,
não pode evitar que seus cotovelos se choquem. Desculpa-se e sorri.
O menino sério não diz nada e, após uma breve observada no sorriso
de Paula, volta o olhar para a frente. Que imbecil! Outro que não
gosta de segundas-feiras. Mas podia ser mais simpático, não?
Vai ter que prestar mais atenção em seus movimentos para não
incomodá-lo. Bonito, mas pouco gentil. Não como Álex.
Álex? Outra vez lhe veio à mente seu amigo escritor. Que vai
fazer se eles se parecem?
Procura em seu MP3 uma canção do Coldplay. Pronto: The
sciencist.
Paula apoia a cabeça no vidro e fecha os olhos. O balanço do
ônibus embala seus pensamentos. Segunda-feira. Faltam cinco dias
para seu aniversário. Dezessete anos. Suspira. Está ficando mais
velha. Isso é bom, não? Não sabe. Não é dessas meninas que querem
crescer e chegar rapidamente aos dezoito. Mas deve ter suas
vantagens, claro.
No sábado acabam os dezesseis. E talvez não só isso acabe.
Sua virgindade... Um calafrio percorre todo seu corpo. Arregala
os olhos. O sono desaparece por completo. Mãe do céu! Vai transar
com um cara! E pensar que há pouco tempo estava brincando com
suas bonecas...
Tenta se acalmar. Sexo é coisa normal. Todas as suas amigas já
fizeram. Não tem que se preocupar, só aproveitar o momento, único.
E Ángel é a pessoa certa com quem dar esse passo, não é?
Não tem notícias dele desde que se falaram ontem à tarde por
telefone . Com certeza passou um domingo chatérrimo ali no
hospital, atento a qualquer notícia sobre Katia. Coitadinho, é duro
ser jornalista, sem horários fixos.
Paula se sente um pouco culpada, talvez devesse ter ligado para
perguntar como ele estava.
Legal! O cara bonito mas antipático do gorro vai embora. Paula
aproveita o momento e tira seu celular da mochila das Meninas
Superpoderosas. Com certeza Ángel vai gostar muito de receber um
SMS.
Ao seu lado agora se senta uma menina mais velha, que
provavelmente está na universidade. Não leva mochila, e sim uma
pasta quase explodindo. Também ouve música.
Paula, hesitante, começa a escrever a mensagem enquanto
toca Algo contigo, de Rosario Flores: “Amoooor. Como foi tudo
ontem? Espero que não tenha se entediado muito. Saudades. Estou
indo para a escola. Como gostaria de ir ver você… Quero te ver. Hoje
à tarde?”.
Mas, então, lembra que essa tarde já tem coisa para fazer.
Marcou com Mario para estudar. Não poderão se ver. Isso a
entristece. Apaga as últimas palavras e continua escrevendo: “Como
gostaria de ir ver você. Hoje à tarde tenho que estudar, não posso
sair. Mas eu ligo. Um beijo. Te amo muito, meu jornalista”. Enviar.
O ônibus para. É o ponto de Paula, que percebe por acaso. A
universitária sorri para ela quando se levanta para deixá-la passar.
Na sala de aula, alguém que não sorri tanto já chegou. Mas a
semana está apenas começando.
Nessa mesma manhã de março, em outro lugar da cidade.
O toque do celular o acorda. Uma mensagem. Ángel resmunga
por não ter trocado aquele som estridente por outro um pouco mais
suave. Às cegas, após dar vários tapas e errar o alvo, alcança o
telefone que antes de se deitar deixou na mesinha junto a sua cama.
Todo seu corpo dói, especialmente a cabeça. Não conseguiu dormir
mais de meia hora a noite toda; parecia eterna aquela noite no
quarto de hospital.
O SMS é de Paula. Diz que espera que não tenha se entediado
muito e que adoraria estar com ele nesse momento. Não pode sair à
tarde porque tem que estudar, mas depois liga.
Um asfixiante sentimento de culpa invade o jornalista. Tudo
aquilo fugiu ao seu controle.
Por um instante, enche-se de coragem e pensa em ligar para lhe
contar toda a verdade. Mas logo volta atrás. Não pode fazer isso:
seria prejudicial para todos, acima de tudo para ela.
Relê a pequena telinha de seu telefone mais duas vezes. Cada
palavra faz com que se sinta pior. Por fim, para de se torturar e solta
outra vez o celular na mesinha. Suspira. Deita-se na cama de
barriga para cima com as mãos na nuca. Lamenta tudo que está
acontecendo, mas não pode voltar atrás. As coisas saíram desse jeito
e não têm solução.
E, para piorar tudo, o beijo de Katia.
Ángel vira para a esquerda e olha para ela. Durante a noite
conjecturou sobre os motivos daquele beijo. Sem sucesso, porque
não chegou a nenhuma conclusão satisfatória. Será que está se
apaixonando por ele? Não, isso é impossível. Como uma cantora
famosa, que o conhece só há quatro dias, vai se apaixonar por ele,
um jornalista qualquer de uma revistinha de música?
Mas, então, por que o beijou? Sem resposta.
Outra vez o telefone de Ángel toca. Nessa ocasião, não é um
SMS, e sim uma ligação. O chefe.
Agora que se dá conta, é estranho que não tenha ligado ontem
por conta do negócio de Katia.
Pega o telefone e atende com firmeza.
— Bom-dia, Jaime.
— Bom? Não sei o que tem de bom!
Más notícias, o chefe está em um daqueles dias que todos os
chefes têm. Ángel tenta não contrariá-lo.
— É verdade, segunda-feira é horrível.
— Segunda? Que importa que seja segunda!
— O que foi, Jaime?
— Estamos fodidos! Acontece que abro o jornal enquanto tomo o
café e o que vejo? Katia sofreu um acidente! E eu fico sabendo vinte
e quatro horas depois! Ontem me desliguei do mundo em minha
casinha de campo e acontece uma coisa dessas. Estamos fodidos!
— Mas, Jaime...
— Mas Jaime o caramba! Como é possível que uma das poucas
revistas de música que existem no país não esteja no lugar onde
ocorreu um fato tão relevante? Não temos perdão de Deus!
— Mas, Jaime...
— Bem, Ángel, venha o quanto antes para a redação que temos
que ver como enfrentar essa crise. Ou, melhor ainda, corra ao
hospital onde Katia está internada para ver se ainda pesca alguma
coisa por ali. Se bem que as notícias falam que hoje vai receber alta,
de modo que pode ser que já tenha saído. Somos os piores! Não
merecemos ser chamados de jornalistas!
O jovem jornalista quase deixa escapar uma gargalhada quando
ouve os gritos de seu chefe. Volta o olhar para a cantora de cabelo
rosa, que já acordou ao ouvir o barulho do telefone. Ángel lhe sorri
gentilmente. Ela esfrega os olhos e também sorri. Por fim, conseguiu
dormir. Malditos comprimidos.
— Bom-dia — sussurra ela.
— Bom-dia — responde ele, em voz baixinha, tampando com a
mão o celular para não ser ouvido.
É curioso. Achava que quando voltasse a falar com Katia se
sentiria constrangido. Porém, acontece o contrário.
— Ángel! Você me ouviu?! Corra para o hospital! — exclama
desesperado Jaime Suárez do outro lado da linha.
— Já estou no hospital, Jaime — responde com tranquilidade.
— Como? Está onde?
— No hospital. Ontem fiquei sabendo cedo do que aconteceu e
cobri a notícia.
— Não brinque! E por que não me ligou?!
— Sabia que tinha tirado o dia de folga — mente — e não quis
incomodar. De modo que decidi cobrir a notícia. Hoje te passo um
relatório completo de tudo.
— Você... Você... Você é bom, Ángel. Você é muito bom.
A imitação de Jaime Suárez de Robert De Niro em A máfia volta
ao divã deixa bastante a desejar, mas Ángel sorri satisfeito. Por fim,
algo positivo naquela história.
Katia o observa atentamente. Não entende muito bem o que está
acontecendo, mas tanto faz. Ele continua ali, com ela. E, apesar de
aquele garoto maravilhoso não saber de nada, ainda saboreia o doce
beijo de ontem à noite. Mas logo vão se separar.
— Obrigado, Jaime, só faço meu trabalho. Além do mais, só fiz o
que você diz. Um jornalista não tem horário e deve fazer o possível
para chegar à notícia.
— Você aprende rápido, garoto. Mas, da próxima vez, avise-me!
— Ok.
— Espero esse relatório quando terminar aí. Até mais tarde,
Ángel.
Jaime Suárez desliga antes que Ángel possa se despedir.
— Seu chefe? — pergunta Katia, que se senta na cama e abraça
o travesseiro, apertando-o contra seu ventre.
— Sim. Estava muito preocupado porque não tínhamos coberto
a notícia do mês.
— Que notícia?
Ángel sorri divertido com a ingenuidade da menina.
— É que, sábado à noite, uma famosa cantora sofreu um
acidente de trânsito.
Katia tem dificuldade de processar a informação. Acaba de
acordar e passou um dia à base de comprimidos. Quando percebe
que está falando dela, grunhe e lhe mostra a língua.
— Que notícia! Isso não é importante.
— Está brincando? É uma big notícia. Mas, se houvesse
acontecido algo grave, teria sido maior ainda.
A cantora deixa escapar um “oh”, com a boca bem aberta, ao
ouvir as palavras de Ángel. Ele fica vermelho ao compreender sua
pisada na bola.
— Desculpe, não quis dizer que...
— Não, não, eu é que me desculpo por não ter morrido no
acidente.
A frase gela o coração do rapaz.
— Sinto muito.
Um silêncio constrangedor se estabelece entre eles.
Katia se levanta da cama. Está séria, constrangida. Caminha até
o banheiro. Passa ao lado de Ángel, mas nem olha para ele.
Continua um pouco tonta, mas está muito melhor que no dia
anterior.
Entra e tranca a porta, ele que não se atreva a segui-la. Olha-se
no espelho. Sua imagem lhe mostra as sequelas das últimas horas.
Pragueja pelo acidente, seus ferimentos, os comprimidos.
Xinga Ángel.
Que trouxa! Não percebe nada. Não pensa quando fala? Nem
sequer percebeu o beijo. É um babaca!
Mas está apaixonada por aquele babaca. Suspira na frente do
espelho e quer chorar, mas não pode se permitir esse luxo. Ela não
chora por um garoto. Porém, uma angústia surpreendente aprisiona
seu peito e sobe até sua garganta . Seus olhos ardem, agora
vermelhos. Sufoca. Malditos comprimidos!
Recorda a letra daquela canção: Cuando tu no estás, yo no puedo
respirar.
Abre a torneira e coloca o rosto embaixo do jato de água fria, que
sai com muita força. Tem que se acalmar. Ela é uma garota forte e
não vai chorar.
Gotinhas de água fria respingam em seu pijama. Algumas vão
parar em seu pescoço, provocando-lhe calafrios.
Pouco a pouco, vai encontrando a calma. Assim está melhor.
Fecha a torneira e volta o olhar para o espelho.
— Você não vai chorar — diz a si mesma.
Pega uma das toalhas brancas que encontra perfeitamente
dobradas em uma prateleira. É suave, como os lábios de Ángel.
Suaves e perigosos lábios. Como poderia imaginar que ia se
apaixonar por um jornalista comprometido?
Não pode continuar assim. Não vai mais pensar em Ángel. O
destino os uniu em um momento ruim. É uma história impossível.
Isso mesmo. Quando se despedirem, será o fim daquilo. “Ele é só
mais um cara. Uma atração que não vai dar em nada”, pensa.
Outra vez a letra daquela canção: Yo te quiero y sin ti no se
caminar.
Pendura a toalha ao lado da pia e se penteia um pouco com as
mãos. Acha que sua aparência está horrível. Mas tanto faz. Sorri.
— Você não vai chorar.
Com determinação, destranca a porta e a abre decidida. Ángel
está à sua frente, em pé. Como é bonito! Seus olhos se iluminam.
Por que isso tem que acontecer justamente com ela?
O jornalista a recebe com um sorriso doce, carinhoso: uma
súplica de perdão .
Katia abaixa a cabeça. Não a impressiona. Ou sim?
Uff, claro que sim! Ela se derrete com esse sorriso, com esses
olhos azuis. Não quer olhar para ele. Caminha para a cama
depressa. Vai se deitar nela, vão se despedir e fim.
Seus pés descalços avançam velozes. Ele não se move, não para
de sorrir.
Ao passar ao lado de Ángel, seu braço roça o dele, pele com pele.
E ela estremece. Quer morrer.
— Katia, desculpe. Sou um imbecil. Um babaca. Mas eu
realmente não quis dizer nada que a ofendesse.
A cantora para após passar por ele e ouve o que diz. E tem
razão. É um babaca, mas não por aquelas palavras tolas, e sim por
não amá-la. Por amar outra.
— Não se preocupe. Está perdoado.
Sente a tentação de se voltar, pular nele e abraçá-lo como nunca
antes ninguém o abraçou. Agarrar-se com suas pernas à cintura
dele e não soltá-lo nunca mais. Mas limita-se a girar a cabeça e
sorrir. Precisa esquecer Ángel.
— O médico veio enquanto você estava no banheiro. Vão dar alta
quando te examinarem para ver se está tudo bem.
— Ah, legal.
— E eu... tenho que ir. Tenho muito trabalho e, além do mais,
preciso passar um relatório ao meu chefe sobre a notícia do seu
acidente. Evidentemente, vou explicar tudo sem dar detalhes
pessoais.
— Confio em você. Muito obrigada por estar ao meu lado.
— Não foi nada. E... desculpe outra vez pelo negócio de antes.
Katia o olha com simpatia. Finge. Quer que ele vá logo, quer
esquecê-lo para sempre. Mas, na realidade, queria lhe dizer que
ficasse ali com ela, que a deitasse em uma das camas e fizesse amor
com ela ignorando médicos e enfermeiras.
— Não se preocupe. Foi um mal-entendido.
— Bem, então vou indo. Cuide-se. Depois nos vemos.
— Depois nos vemos.
Ángel caminha até a porta e sai sem dizer mais nada.
Ficam para trás o beijo, os desejos, as palavras, os sorrisos e
vem a sensação de que demorará muito até que voltem a se ver.
Nenhum dos dois pode suspeitar do que o futuro lhes reserva para
essa mesma semana.
Capítulo Trinta

Nessa mesma manhã de março, em um lugar afastado da cidade.


O canto enlouquecido de um pássaro que voa perto da janela do
quarto anuncia um novo dia ensolarado. Em todo o mês de março,
não caiu uma única gota de chuva.
Álex abre a janela e recebe em seu peito nu a brisa da manhã.
Inspira o ar frio e o solta devagar. Repete a ação mais duas vezes.
Essa é a melhor maneira de despertar.
Caminha descalço até o armário e, após revirar gavetas e
cabides, escolhe a roupa que vai vestir. Sobre seu esbelto torso,
deixa cair um fino jérsei bege e logo arregaça as mangas. A seguir,
senta-se na cama e põe uma calça jeans preta e meias da mesma
cor. Debaixo de uma cadeira, estão as botas marrons de amarrar
com que se calça. Não sabe se pega uma jaqueta. “Sim, por via das
dúvidas”. Apesar de que nunca sente frio.
Passa pelo banheiro para se pentear um pouco e passar no
pescoço e nos punhos um perfume Loewe. Olha-se no espelho sem
muito interesse. Amanhã vai ter que fazer a barba.
E volta para seu quarto. Tira o notebook da tomada e o guarda
em uma maleta preta. Em um dos bolsos coloca o celular que deixou
carregando a noite toda.
Pronto? Não. Falta o mais importante. Em cima da cadeira sob a
qual estavam as botas que agora calça, estão os envelopes que
ontem à noite deixou prontos para enviar às gravadoras e cantores
escolhidos para sua loucura. Dentro, livretos de Por trás da
parede com um estranho pedido. Alguém se interessaria por escrever
uma canção para sua história? Provavelmente, não. Mas continua
pensando que não perde nada por tentar.
Desce trotando a escada com a maleta, a jaqueta e os envelopes.
Vai tomar o café da manhã na rua.
Uma lufada de ar frio o golpeia quando abre a porta da casa.
Ouve o assovio do vento e também o passarinho madrugador de
antes, que talvez esteja procurando uma fêmea com quem passar o
dia.
Mas não é a única coisa que Álex ouve. O barulho do motor de
um carro indica que não está sozinho. A janela de um Ford Focus
preto se abre e Irene põe a cabeça para fora, sorridente.
— Bom-dia, maninho. — Os olhos do menino fulminam sua
meia-irmã. — Desculpe, quis dizer Alexandro.
Ela fez de propósito.
— Bom-dia. Álex já está bom.
— Às suas ordens, Álex — diz bem-humorada. — Achei que
ainda estivesse dormindo.
Na realidade, sabia. Estava no carro quando Álex apareceu na
janela. Sabia que não tardaria muito a sair de casa e o esperou.
— Pode ver que se enganou.
Irene olha curiosa o monte de envelopes que ele leva embaixo do
braço. Para quem serão?
— Parece que está pesado. Quer que o leve a algum lugar?
— Não — responde seco, sem pensar.
— Vamos, homem. Não seja cabeça-dura. Tenho tempo até o
curso começar. Eu ia mais cedo para tomar café da manhã antes.
Não quer dizer a sua meia-irmã que tinha a mesma intenção.
— Não precisa. Vou pegar o ônibus — insiste.
Pensando bem, seria bom uma carona. Chegaria mais cedo e
economizaria a espera no ponto de ônibus.
— Como você é teimoso! Não me custa nada!
Álex balança a cabeça e acaba cedendo.
— Ok, mas me deixando perto do metrô já está bom.
— Ah, menino, você é chato, hein? Entra, anda.
O jovem por fim vai até o carro e tenta abrir a porta do
passageiro, sem sucesso; parece enroscada.
Irene o observa com seu permanente sorriso nos lábios. Desce e
vai até seu meio-irmão. Álex não pode vê-la bem enquanto ela dá a
volta no Ford Focus e chega ao seu lado. E quase fica sem fôlego:
Irene está com um vestido mais próprio de uma véspera de Ano-Novo
que de um primeiro dia de aula; um vestido preto, curto e
espetacularmente decotado, tanto que quase pode ver a taça de seu
sutiã escuro.
— Que frio! — exclama a garota agitando os braços. Estava
dentro do carro sem o casaco já havia algum tempo. — É que às
vezes enrosca. Espere.
Encaixando-se entre o veículo e seu meio-irmão, tocando suas
pernas nos jeans dele, Irene segura com força a porta e, com um
golpe seco, abre-a. No impulso, a garota aproveita para colar ainda
mais seu corpo ao de Álex, que, atônito, nem se mexe.
— Voilà, pode entrar.
A jovem volta ao banco do motorista e põe o cinto de segurança.
Não lhe passou despercebido o comportamento de seu meio-irmão.
Sorri: pouco a pouco vai tecendo sua rede. Álex, por sua vez, não
sabe se fica arrependido ou não da oferta de sua irmã. Talvez tivesse
sido melhor pegar o ônibus. Mas de uma coisa tem certeza: por ora,
não vai precisar da jaqueta.
Capítulo Trinta e Um

Nessa mesma manhã de março, em algum lugar da cidade.


— Mario, você me empresta o dever de casa de física? Não fiz
nada no fim de semana.
A agudíssima voz de Cándida Palacios chega aos ouvidos de um
daqueles que todos consideram um nerd, alguém que nunca deixa de
entregar as tarefas, nem mesmo em uma segunda-feira. Que
diferença da sua irmã Miriam, a repetente do fundão!
Porém, nessa manhã, tudo parece diferente.
— Desculpe, Candy. O que você disse?
— O dever de casa de física! Não fiz e, se o professor pedir, será
meu fim. Além do mais, Quiñónez está louco para me ferrar. Com
certeza tem alguma coisa contra gordos. É um gordófobo.
Cándida Palacios, Candy, é a gordinha oficial da classe. Longe
de se envergonhar por seu corpo, assume seu aspecto como algo
natural. Inclusive ela mesma brinca com seus colegas a respeito de
seu peso. Mas nem sempre foi assim.
— Essa palavra não existe. E, se existisse, seria gordofóbico.
— Tanto faz, chame-o como quiser. A questão é que preciso que
me empreste os exercícios, por favor, porque esse cara implica
comigo.
— Não fiz.
— Como? Está me zoando…
— Estou falando sério, Candy. Não fiz.
Um colega sardento e de pele branca, com evidentes problemas
de acne juvenil, conhecido como Nolito sem que ninguém saiba
muito bem o motivo , ouve atônito o que Mario acaba de dizer.
— Não acredito. Eu também ia pedir!
— Sinto muito, pessoal. Estou na mesma que vocês.
— Caramba! E faltam menos de cinco minutos!
Candy e Nolito vão rapidamente em busca de outro nerd da
classe, sem ter muita certeza de que Mario não resolveu mesmo os
problemas de física. Mas não é hora de discutir, e sim de encontrar
alguma alma caridosa que os salve daquele ponto negativo certo se
Quiñónez decidir cobrar os exercícios.
Não sabem que a verdade é que Mario não fez o dever de casa
não por falta de tempo. Está há duas noites sem dormir. Ao
compreender que sua insônia não ia lhe permitir pregar o olho,
ocupou-se com outras questões, não exatamente com o dever de
física ou de qualquer outra matéria.
Agora está sentado em seu lugar habitual na sala de aula.
Espera ansioso a chegada de Paula. Talvez chegue tarde, como
tantas e tantas vezes. Na semana passada, só em dois dias
conseguiu entrar na sala de aula antes da hora. Suspira
profundamente. Talvez ela já tenha se arrependido do que
combinaram no sábado.
Essa ideia o assusta e, por um momento, ele hesita. Olha para a
porta, mas, embora não parem de entrar garotos e garotas
reclamando do começo da semana ou contando alto o que fizeram no
fim de semana, nenhum deles é sua amada. Entra até aquela
assanhada da Diana acompanhada de sua irmã e de outra Sugus.
Que grupinho!
O coração de Mario se acelera de repente. Atrás do trio de
amigas aparece Paula, que chega correndo e dá um tapa na bunda
de Diana. Esta dá um pulo e a chama de algo pouco carinhoso, mas
que entre elas é símbolo de unidade e fraternidade. Mario não
entende como esses insultos se transformaram em cumprimentos e
despedidas para as meninas.
Está lindíssima. Veste um jeans azul-escuro bem justo, uma
camiseta verde de gola pontuda branca e um casaco preto aberto
que lhe chega até debaixo dos joelhos. O cabelo está preso com um
elástico verde e suas faces estão levemente rosadas, provavelmente
por causa da corrida para não chegar atrasada .
As Sugus ocupam seus respectivos lugares em um dos cantos da
classe, mas não se sentam nas cadeiras, e sim nas mesas. Parecem
se divertir falando disso e daquilo. Não estão nem um pouco
preocupadas com os exercícios que não fizeram. Falam alto e riem às
gargalhadas, fazendo-se notar. Mais de um desvia o olhar para a
calça de Diana, excessivamente baixa: o começo de um triangulinho
laranja acelera o pulso de mais de um. Um desmancha-prazeres faz
um comentário acerca da vista excelente. A menina sobe o jeans e
mostra o dedo do meio, dedicando-o a todos os seus admiradores.
Vários jovens vão até Mario em uma constante cascata de
irresponsabilidade escolar. Acabam de chegar e ainda não estão a
par do que Candy e Nolito já sabem. Diante da notícia
impressionante, uns se rendem e esperam que a sorte não lhes seja
esquiva essa manhã. Outros ainda lutam por conseguir os exercícios
nos dois últimos minutos, antes que o sinal toque e Quiñónez
chegue.
Por entre dois colegas, Mario contempla Paula se levantar e,
desviando de mesas, cadeiras, mochilas e alunos, vai até ele. Seu
coração dispara. Ele também se levanta.
— Mario, como foi o fim de semana? — pergunta a menina.
Parece muito feliz.
— Como todos — responde timidamente.
— Lembra que marcamos de estudar na sua casa, não é?
— É verdade! Nem me lembrava.
Talvez tenha mentido um pouquinho. De fato, não pensou em
outra coisa desde o sábado de manhã.
O sinal toca. Alea jacta est: a sorte está lançada. O professor de
física não tarda nem dez segundos a atravessar a porta da classe.
Candy está no caminho e Quiñónez a apressa para que ocupe seu
lugar imediatamente. A menina resmunga e o chama baixinho de
“gordófobo”. “Se ferrou, porque eu consegui os exercícios”.
— Bom, Mario, depois nos vemos. E não faça planos para hoje,
você tem um encontro comigo.
Paula se afasta rapidamente rumo ao seu canto onde
as Sugus já ocupam suas cadeiras. Diana checa a altura de sua
calça, embora ninguém se sente atrás dela. A aula começa.
Quiñónez pede os exercícios a dois pobres infelizes que dão
desculpas absurdas por não terem resolvido os problemas.
Mario nem se abala. Prevê uma segunda-feira especial, mágica.
Que importa não ter feito os exercícios se à tarde sua musa o
espera? Um encontro, como ela disse… Mesmo que seja só para
estudar.
Seus olhos se fecham. Agora sim, por fim, o sono bate forte.
Definitivamente, Morfeu é um voluntarioso. E não sabe quanto.
A manhã se consome a fogo lento. Paulatinamente, as aulas vão
ficando mais e mais insuportáveis. Se normalmente já são, às
segundas tudo parece muito pior. Os professores são mais ogros e as
professoras, mais bruxas. As segundas-feiras só deveriam servir
para comentar o que aconteceu no fim de semana.
Felizmente, cada deserto tem seu oásis e toda segunda, seu
intervalo.
Para as quatro Sugus, especialmente, o começo de qualquer
semana é insuportável. Estão sentadas em um banco em frente à
porta da escola. Compraram diversas guloseimas e salgadinhos, que
devoram entre brincadeiras, comentários e queixas.
Um menino mais velho, bonito, passa por elas. Talvez seja um
universitário; podia ser até um estagiário dirigindo-se a seu primeiro
emprego. Todas o seguem com o olhar: olhares diferentes, olhares
personificados, que mostram um jeito de ser particular. Diana
assovia baixinho e pensa no que aquele garoto renderia, Miriam
observa atenta, mas discretamente, Cris se sente atraída, mas
rapidamente, com timidez, afasta os olhos, e Paula quase nem
repara. Ela já tem seu “madurinho”.
O sol de março banha seus cabelos: presos, soltos, mais longos,
mais curtos, loiros, morenos… São bonitas, jovens, afortunadas e
atrevidas. Mas odeiam segunda-feira de manhã.
— Não vou entrar na aula de filosofia. Não vou suportar — diz
Diana enquanto coloca a mão no pacote de batatas fritas de Cris.
— Não, Diana, não mate aula que semana que vem é a prova
final — adverte Miriam.
— Droga! Vou zerar de qualquer maneira.
A mão de Diana volta para dentro do saco de batatas. Pega uma
e mastiga escandalosamente.
— A mim, o que preocupa é matemática — intervém Paula.
— Marcou de estudar hoje com meu irmão, não foi?
— Sim. Vamos ver se ele consegue me explicar derivadas, porque
não entendo nada.
— Falando no Mario, ele está estranho ultimamente, não? —
observa Cris.
Paula olha para Miriam. Contam o que pensam? Sim, por que
não? São as Sugus. Como diz seu lema, inspirado em Os três
mosqueteiros, esse filme com trilha sonora de Brian Adams de que
elas tanto gostam: “Um para todas e... melhor, um para cada uma”.
— Eu acho... Bom, Paula e eu achamos que ele gosta da Diana.
A menina quase engasga com a batata ao ouvir seu nome.
— O quê? Como assim, gosta de mim?
— Tem gosto para tudo — diz Cristina sorrindo.
— Ei, você, mosca morta! Fica na sua.
As outras três amigas riem. Diana empurra Cris com seu quadril
e rouba outra batata.
— Ei, por que não compra um pacote para você? Ou melhor,
pede pro Mario comprar.
— Já deu, ok? — protesta a aludida. — Em que se baseiam para
dizer isso?
— Intuição. Além do mais, como ela disse, ele está muito
estranho. Quase não dorme. Outro dia, encontrei ele com os olhos
vermelhos — comenta Miriam.
— Está com o coração partido. Nem fez o dever de casa —
continua Cristina, que se afastou o suficiente de Diana para que não
alcance seu saco de batatas.
— Vocês são umas exageradas! E se não for isso? Pode estar
estranho, porque esse menino sempre foi um pouquinho estranho.
— Ei, é meu irmão!
— Isso não é exatamente um ponto a favor dele...
— Sua babaca!
Agora a única que não ri é Miriam.
— A questão é que temos que saber se isso que Miriam e eu
achamos é verdade. Combinei de estudar matemática com ele
durante a semana toda e, de quebra, vou investigar.
— Isso é que dá sair com jornalista — brinca Diana.
— Eu disse a mesma coisa — diz Miriam, que volta a sorrir.
— Não posso acreditar que vocês duas estejam concordando.
— É a última vez, juro — assevera bem-humorada a garota mais
velha.
Todas riem, sem exceção dessa vez.
Paula pensa, então, em Ángel. Que estará fazendo agora? Estará
no hospital ainda? Como gostaria de estar com ele! E pensar que
ainda lhe restam várias horas de tortura... Além do mais, à tarde não
vão poder se ver.
— Bom, e você, o que acha de Mario? — pergunta Cristina
intrigada.
Diana reflete por alguns segundos.
— Ah, nada mal. Diria que dá para o gasto. Digo fisicamente,
claro.
— Sempre dependente do corpo… Ele é um menino encantador
— alude Paula.
— É, eu posso reparar no corpo, mas você não fica atrás. Que
gato de namorado você arranjou, minha querida! E o outro, o
escritor, também é lindo. Belo exemplo você dá.
— Mas são duas pessoas legais — aponta Paula rapidamente. —
Além do mais, Álex é só um amigo.
— São gatos. Ou não, meninas?
As outras duas Sugus olham para Paula e confirmam com a
cabeça as palavras de Diana.
— Mario é muito gatinho também — insiste a menina, querendo
mudar de assunto o quanto antes.
É verdade. Ángel é bonito e muito atraente. Adora o corpo dele.
E Álex é tudo que uma garota poderia pedir. Seu sorriso encantador
e seus olhos a fascinam. Mas ela gosta deles pelo que são como
pessoas. O corpo, por coincidência, nesses casos acompanha.
Mas por que mete Álex nisso? Não, ele é só um amigo, a quem
mal conhece.
Um som horroroso estraga o papo: o sinal anuncia o fim do
intervalo e a volta às aulas.
— Vou para o laboratório de informática, alguém vem? —
pergunta Diana, decidida a não ouvir nada sobre o tal do Aristóteles.
— Por que temos que estudar esses homens que morreram há
milhares de anos e que provavelmente estavam todos loucos? Basta
ler as coisas que disseram. Se hoje em dia um sujeito resolvesse se
comportar assim, o máximo que conseguiria seria aparecer em um
desses programas de testemunhos que passam à tarde.
— Eu vou com você — responde Paula, diante da surpresa das
outras três Sugus. — Vou bem em filô e quero ver se Ángel está no
MSN.
Um longo “oh” sai da boca de suas amigas.
— Eu vou para a aula. Vou mal na prova do mesmo jeito, mas
não posso faltar mais — resigna-se Miriam.
— Eu também vou. Tenho que ir bem, senão meus pais... — diz
Cris.
As quatro garotas entram de novo na escola.
Antes de se separar, ao longe veem Mario, que se dirige sozinho
à classe. Segura um copinho de plástico nas mãos. O que está
bebendo deve estar quente, porque não para de soprar.
— Lá vai seu príncipe encantado — diz Cristina, dando uma
cotovelada em Diana.
— Mas você está bestinha hoje, hein, garota?
— Mario! Mario, espere! — grita sua irmã.
O garoto para e olha na direção dos gritos. É Miriam. E com ela,
Paula. Fica nervoso e deixa o café quente cair no chão. “Droga!”.
Precisava dele porque está cochilando o tempo todo. Durante as
primeiras aulas, fechou os olhos uma dezena de vezes.
— Coitadinho! Ele viu você e ficou tenso — brinca Paula.
Diana fica vermelha. É verdade que aquele garoto está a fim
dela? Mas são completamente diferentes! Como a água e o fogo. Ele é
um dos nerds da classe e ela, uma das consideradas rebeldes. Ela é
uma Sugus, às vezes difícil de engolir.
— Não diga bobagens, deve ter se queimado.
— Queima de paixão por você.
As gargalhadas das três garotas após as palavras de Cris deixam
Diana ainda mais envergonhada. O que há com ela? Por que seu
rosto queima?
Mario se agacha, recolhe o copinho de plástico e o joga em uma
lixeira. Que desastrado! Ainda por cima, com Paula olhando. Que
ridículo! Estão rindo dele. Só quem não ri é Diana. Não vai com a
cara dessa menina. Se aprendesse a manter a boca fechada, também
não seria tão ruim. Feia não é, aliás.
Sim, bonitinho, o menino. Por que olha para ela? No fim, será
que suas amigas têm razão? Não, não pode ser. É impossível.
Por que aquela assanhada olha para ele? Deve ter manchado a
calça e ela fará uma brincadeira estúpida na sala.
— Bom, meninas, vamos indo, senão não vão nos deixar entrar
na sala de aula. Quer que diga alguma coisa ao meu irmão?
— Vamos parar com isso, vamos? Vocês são muito chatas.
— Ok, nós também vamos, porque se o professor de filô nos
pegar aqui, não vamos poder matar a aula. Depois nos contem o que
fizeram.
— Ok. Bye.
Beijos imaginários no ar.
Cris e Miriam se despedem e saem correndo em direção a Mario,
que vê com estranheza as duas se aproximarem. E Paula? Vai matar
aula? Onde vai com a assanhada? Alguém deveria dizer a essa
menina que a calça dela é muito baixa.
Diana caminha com Paula para a sala de informática. Dá uma
olhada para trás e vê suas duas amigas entrando na sala de aula
com Mario. “Sim, na verdade ele é um gatinho”.
Capítulo Trinta e Dois

Nessa mesma manhã de março, em outro lugar da cidade.


Que fila no Correio! Álex teve que esperar mais de meia hora
para ser atendido. Por fim, mandou os envelopes com o livreto de Por
trás da parede para as gravadoras.
— Espero você se quiser, ainda falta um tempo para minhas
aulas começarem — disse Irene no carro.
— Não se preocupe, daqui sigo sozinho. Obrigado por me trazer
— respondeu com frieza.
O trajeto da casa de Álex até o edifício do Correio transcorreu
entre indiretas dela e evasões dele; sorrisos de uma e mudanças de
assunto do outro. A garota, ao se sentar, havia levantado o vestido
preto um pouco além do normal, deixando à vista do jovem suas
lindas pernas malhadas.
Agora Álex está sentado em uma Starbucks. Saboreia um pedaço
de torta de toranja e um caramel macchiato. Está com
o notebook aberto e pensa sobre o que vai escrever. Não está
especialmente inspirado hoje. As pernas de sua meia-irmã invadem
de vez em quando sua mente. Acusa a si mesmo por isso e tenta
encontrar algo que afaste essa visão.
Precisa se concentrar em Nadia, Julián e nos demais
personagens de Por trás da parede. Fecha os olhos e imagina o
capítulo.
“Concentre-se, concentre-se, concentre-se”.
Se estivesse sozinho, andaria de um lado para o outro repetindo
várias vezes a mesma palavra, mas não é o caso: um casal de jovens,
que possivelmente está matando aula, beija-se sem constrangimento
em um sofá do canto, duas alegres estrangeiras conversam
animadamente em outra poltrona do café e um executivo toma
cuidado para não sujar o terno ao beber seu late com o dobro de
café.
Álex olha pela grande janela que está à sua esquerda. Um
ônibus cheio de adolescentes acaba de parar diante de um dos
teatros da cidade. Os jovens descem apressadamente e,
entusiasmados, correm para pegar uma boa posição na entrada,
diante do desespero de três desorientadas professoras que veem
perdida a batalha. É uma apresentação especial para vários colégios
de uma montagem de High School Musical.
Álex suspira. Tem que se concentrar.
Abre o Windows Media Player e procura uma música em seus
arquivos. Um Noturno de Chopin para piano, o número 9. Fones de
ouvido e play. Volume no máximo. É hora de entrar em transe.
Em um pequeno bloco que tem ao seu lado, escreve palavras
soltas. Em voz baixa, fala sozinho, traça ideias no ar e enlaça umas
com as outras. Pouco a pouco a inspiração cresce. Seus dedos ficam
ágeis e os toques no teclado de seu notebook, mais velozes.
A sinfonia de Chopin se repete várias vezes nos ouvidos de Álex,
que já nem sequer a ouve. Está completamente dentro da história,
como se a vivesse em primeira pessoa. Não existe nada mais no
mundo.
Quarenta e cinco minutos depois, relê o que escreveu:
Mas quando se abriu a porta do elevador, todos os meus
propósitos desapareceram. Sentada, quase deitada no patamar da
escada entre o segundo e o terceiro andar, aninhada encostada na
parede, dormia a menina da trancinha azul. Seu cabelo caía selvagem
e despenteado por seu rosto; suas mãos unidas, apoiadas na cabeça,
faziam as vezes de um frágil travesseiro.
Era linda. Seu rosto, inocente, juvenil. Seu nariz pequenino
transmitia doçura, ao contrário de seus lábios, carnudos e desejáveis.
Mas aquela musa loira não só era um feitiço de beleza. Meus
hormônios dispararam em um segundo ao contemplar como sua calça
branca desenhava uma bunda perfeita.
Rapidamente afastei a vista, envergonhado. Mas em que estava
pensando? Aquela menina não devia ter mais de quinze anos. Culpei-
me pelo deslize, mas não demorei muito a voltar a olhar para ela.
Então, não pude evitar reparar também em sua blusa decotada. Muito
decotada.
Outra vez? O que estava fazendo? Balancei a cabeça de um lado
para o outro e decidi firmemente não observá-la mais para não cair
outra vez na tentação.
Fugi do desejo caminhando até a porta de meu apartamento. Uma
vez dentro, estaria a salvo. Trêmulo, não acertava a chave.
Uma leve tosse quebrou o silêncio reinante em todo o edifício.
Voltei-me e vi que a musa continuava de olhos fechados.
“Coitadinha, vai se resfriar. Ou talvez fique com dor nas costas”,
pensei.
Não podia permitir. Enganando a mim mesmo e a meus motivos,
achei que minha obrigação era acordá-la. Guardei a chave de novo e,
nervoso, fui até ela.
Temia tocá-la. Mas, corajosamente, chacoalhei com suavidade seu
ombro. A menina logo abriu os olhos e notou minha presença.
— Está olhando meus seios? — perguntou sorridente, exibindo
dentes branquíssimos.
Instintivamente, meus olhos buscaram seu pronunciado decote.
Um décimo de segundo depois, me dei conta do erro e subi até seu
olhar. Foi quase pior, porque aqueles olhos verdes me intimidaram
ainda mais.
— Não... Claro que não!
— Não acredito. É a primeira coisa que os caras reparam.
Como lhe dizer que eu não era um cara qualquer, que não era um
desses jovens assanhados que certamente deviam estar fazendo fila
para sair com ela. Porém, pouco antes, nem sua bunda perfeita nem
seus seios sensuais e proeminentes haviam me passado
despercebidos. Definitivamente, eu era mais um cara da fila.
Álex sorri satisfeito. Não está tão ruim. Quarenta e cinco
minutos bem aproveitados.
Decide tomar um fôlego antes de continuar. Será que há alguma
rede habilitada para se conectar à internet? Verifica e, sim, está com
sorte. A conexão de um tal de Monsenhor não precisa de senha.
Conecta-se e abre o MSN, apesar de que, a essa hora, seja pouco
provável que haja alguém. Porém, quase imediatamente aparece o
contato mais desejado de todos os que tem.
Nessa mesma manhã de março, em outro lugar da cidade.
O rosto de Jaime Suárez é impenetrável, impossível de
interpretar.
Desde que Ángel trabalha para ele, nunca pôde decifrar o que
seu chefe acha de seus artigos enquanto não acaba de lê-los e lhe dá
sua opinião. Nessa ocasião não é diferente.
O jornalista fez um primeiro esboço do acidente de Katia. Não
utilizou tudo que sabe, mas aprofundou a notícia. Afinal de contas, é
quem mais o viveu, e isso se percebe na redação do artigo.
Será publicado com a entrevista na edição do mês, o que lhes
garante um grande número de vendas.
— Ángel.
— Sim, Jaime?
O chefe se levanta de sua mesa e tira os óculos de acrílico com
que tenta disfarçar a idade. Morde uma das hastes enquanto dá uma
última olhada na folha que tem nas mãos.
— Eu te amo, garoto.
O homem segura com as duas mãos o rosto de seu pupilo e o
beija na testa, diante da surpresa deste, que, sem reagir, fica imóvel.
— Imagino então que o artigo está bom.
— Bom? Está genial! — responde Jaime Suárez, ameaçando
tornar a pegar a cabeça do rapaz. — Eu achei que estávamos
perdidos por não cobrir a notícia e você não só agiu por instinto e foi
para o hospital por sua conta como também deu ao artigo um toque
pessoal, intimista e, ao mesmo tempo, informativo. Com pequenos
retoques, isso vai ser bombástico.
— Obrigado, senhor. Faço o melhor que posso.
— Não seja modesto. Além do mais, nota-se que... — o diretor da
revista faz uma pausa e busca as palavras adequadas — entre você e
essa garota há uma boa conexão.
— Que garota?
— Caramba, quem seria? Katia!
Ángel fica vermelho. Se ele soubesse...
— Bom, ela é uma garota legal.
— Vamos, vamos, que eu não nasci ontem, garoto…
O sorriso malicioso do chefe o faz hesitar. A que está se
referindo?
— Mal a conheço. A entrevista, a sessão de fotos e pouco mais.
Mas é agradável conversar com ela.
— Vai me convidar para o casamento, não vai? Nunca esqueça
quem lhe deu a primeira oportunidade quando ficar famoso!
O forte riso de Jaime Suárez volta a pegar Ángel desprevenido. O
que faz? Dá-lhe corda? É o melhor.
— Claro, Jaime. Você vai ser o padrinho.
— Muito bom, muito bom. Assim compro um terno novo, pois o
que tenho é do casamento de Ana Belén e Víctor Manuel.
— Choveu muito desde então.
— Não se iluda. Tivemos muitos anos de seca.
Outra gargalhada.
Ángel compreende que aquela conversa já deu.
— Bom, vou terminar o artigo.
— Muito bem, garoto. Faça essas correções que indiquei.
O jovem jornalista olha a folha em que escreveu a notícia e
observa algumas palavras circuladas em vermelho. Nada é perfeito.
— Agora mesmo.
Volta-se para sair da sala, mas, nesse instante, o diretor da
revista se lembra de algo que tinha que lhe dizer.
— Ah, Ángel, espere!
— Sim, Jaime?
— Você sabe jogar golfe, não sabe?
— Um pouco. Handicap 7.
Jaime Suárez assovia.
— Perfeito. Amanhã haverá um torneio beneficente e vários
famosos participarão, entre eles, um ou outro cantor. Não temos
muito espaço neste número para isso nem mandaremos fotógrafo,
mas, como prêmio por seu trabalho, e como o tempo está bom, passe
por lá e, de quebra, leve uma câmera e faça algumas fotos. Aqui está
o endereço e o número do telefone — diz, pegando um cartão de uma
das gavetas de sua mesa. — Ligue para pegar a credencial.
— Ah, legal! Vou adorar ir.
— E aproveite para lançar umas bolas, se quiser. Diga que vai
em meu nome, conheço o dono.
— Obrigado, Jaime.
E, com um grande sorriso, Ángel sai da sala. Perfeito! Será muito
bom um dia de relax jogando golfe.
A ideia o entusiasma. Mas não quer se distrair ainda.
Liga seu computador para terminar o artigo. A janela do MSN
pula também. Não é hora para conversas, mas, bem no instante em
que vai fechá-lo, o nick de Paula aparece na tela.
Capítulo Trinta e Três

Nessa manhã de março, em outro lugar da cidade.


A sala de informática está quase vazia. Só dois estudantes mais
velhos fingem procurar informações para um trabalho, mas, na
realidade, estão navegando por outro tipo de páginas. Estão
matando aula apesar da proximidade do vestibular.
Quando Paula e Diana entram, os dois estudantes olham para
elas fixamente e depois comentam alguma coisa que lhes provoca
um risinho bobo. Elas nem se alteram. Estão acostumadas a esse
tipo de comportamento.
As meninas vão até o fundo da sala. É seu habitat natural.
Sentam-se uma ao lado da outra em um dos cantos. As duas ligam o
computador ao mesmo tempo e esperam que inicie. Demora muito
porque são máquinas velhas, mas, finalmente, o som característico
do Windows anuncia que o equipamento está pronto.
A primeira coisa que fazem é ligar o MSN. Digitam
seus nicks com suas respectivas senhas. Também é lento.
— Quando é que vão trocar esses trastes, hein? — resmunga
Diana, acostumada a seu notebook de seis vírgula um mega.
Porém, está com sorte. Seu MSN é o primeiro a carregar. Paula
olha para ela com certa inveja. O seu ainda não dá sinais de vida.
Contempla ansiosa os bonequinhos da página inicial do MSN
girando, mas o programa não abre. Tem tanta vontade de falar com
Ángel! Mas com certeza ele não está conectado.
— Vamos, funciona! — grita para o seu computador,
chacoalhando levemente a tela com as duas mãos.
Suas palavras surpreendentemente funcionam e o MSN abre.
— Desde quando você tem poderes mágicos, bruxa? — brinca
sua amiga.
Paula sorri e rapidamente olha os contatos que estão on-line. Só
três: Diana e mais dois que iluminam seus olhos. Ángel e Álex, que
sorte!
Fica nervosa. Com quem fala primeiro? Com Ángel, claro.
— Oi, amor! — escreve ansiosa.
Enquanto espera a resposta de seu namorado, abre a janela de
Álex.
— Oi, escritor — cumprimenta, acompanhando a frase com um
M&M piscando.
Mas sua mensagem não chega. Na tela aparece o aviso vermelho
dizendo que o que escreveu não pôde ser enviado ao destinatário.
Repete a tentativa com o mesmo resultado. Nesse instante, uma
luz laranja surge na barra de tarefas. Ángel já respondeu.
— Droga! Por que não me deixa falar com Álex?
Diana se levanta e fica em pé atrás de sua amiga para ver o que
está acontecendo.
— Está com duas janelas abertas?
— Sim, com Ángel e Álex.
— Não pode, só pode uma. Há um controle nos computadores
que só permite falar com uma pessoa no MSN de cada vez.
— Por quê?
— Não faço ideia. Não sei se é para que não sobrecarregue a rede
ou algo assim.
— Que bobagem! Deixam os caras entrar em páginas pornôs e
eu não posso falar com dois garotos ao mesmo tempo no MSN. Não
acredito.
Diana dá de ombros e volta ao seu lugar.
À luzinha laranja da tela de Ángel, soma-se outra na barra de
tarefas do computador. É Álex. Clica nela e vê sua mensagem.
— Oi, Paula, tudo bem?
Tenta responder, mas mais uma vez aparece a mensagem de
erro. Que desespero! Paula se lamenta, tem que escolher entre os
dois. Precisa fechar uma das janelas para poder falar na outra. É
uma decisão que, em princípio, deve ser simples. Ángel é seu
namorado. Mas, para sua surpresa, hesita. Não tem certeza.
Adoraria falar com Álex para saber como vai o romance. Com Ángel
pode falar sempre que quiser. Não tem nem o celular de Álex. Mas o
jornalista é seu namorado e quer saber como ele está, sentir suas
palavras carinhosas. Precisa dele.
Suspirando, fecha a janela de Álex e abre a de Ángel.
— Oi, meu amor, tudo bem com você? — lê Paula.
A menina arregaça as mangas e começa a digitar. Está feliz por
encontrá-lo, mas sua alegria não é plena. Malditos computadores da
escola.
— Tudo bem. Estou matando aula.
— Por quê?
— Não queria assistir à aula de filosofia e vim para a sala de
informática. Queria falar com você. Estou com saudades.
Ángel não responde imediatamente. Na realidade, não pretendia
falar no MSN. Precisa terminar o artigo. Ouve seu chefe chamá-lo.
— Espere um instante, já volto.
Paula responde com um “Ok”. Aonde terá ido? O coitado deve
estar ocupadíssimo .
Diana volta a se levantar e fica outra vez atrás de Paula.
— No fim, não teve jeito? — pergunta.
— Não, estou falando só com Ángel.
— Não se pode ter tudo nesta vida.
— É — murmura entristecida.
— Se quiser, eu falo com o outro.
Paula se volta e olha para Diana, que pisca para ela.
— Você? Com Álex?
— Claro. Lembra que temos que convidá-lo para sua “festa
surpresa” do sábado?
É verdade. Sábado, seu aniversário… Ela também tem que falar
sobre isso com Ángel.
— Está bem, pode adicionar. Mas cuidado com o que vai falar,
hein!
Diana memoriza o nick que Paula lhe dá e volta para seu
computador. Está satisfeita. Tem o MSN daquele cara gostoso.
Adiciona o endereço em sua conta e aperta o enter.
Nessa mesma manhã de março, em outro lugar da cidade.
Verifica que seu notebook está funcionando direito. Sim, tudo em
ordem. A internet não caiu. Então, por que ela não responde?
Álex está inquieto. Quando viu que Paula estava on-line, algo
inexplicável o percorreu por dentro e um sorriso brotou um seu
rosto. Repentina felicidade. Porém, sua alegria vai desaparecendo.
Chamou-a e ela não responde. Consulta o relógio de seu
computador. Agora deveria estar na escola, e Paula não parece uma
dessas meninas que matam aula. Talvez esteja na aula de
informática e o professor não deixa usar o MSN. Essa ideia o consola
levemente, e ele se convence de que existe algum motivo para que a
garota não lhe devolva o oi.
Nesse instante, alguém lhe envia uma solicitação no MSN.
Desorientado, Álex lê o nick: “Diana. Quer um Sugus de maçã?
Coma-me. Carpe diem”. Não tem nem ideia de quem pode ser, mas
aceita.
— Oi, você é o escritor?
“O escritor?”. Pergunta-se se não será uma das pessoas que
encontrou o livreto, mas isso é impossível. Está no outro MSN, não
no que fez para Por trás da parede.
— Talvez. Prefiro dizer que sou alguém que escreve. Escritor
quando publicar alguma coisa. E você, quem é?
— Diana. Sou uma amiga de Paula, essa bobinha que você
conheceu outro dia na Starbucks.
O menino sorri. Parece simpática, mas, pelo nick e suas
primeiras frases, imagina que talvez seja muito desinibida.
— Eu sou Álex, mas imagino que já sabia.
— Claro que sei.
— Prazer em conhecê-la.
— Igualmente. Você não tem por aí uma foto sua?
— Para que quer uma foto minha?
— Para que seria? Para saber como você é.
Álex hesita em responder. Essa menina não faz rodeios. Não
gosta que as coisas andem tão depressa, mas, se negar, vai pegar
mal.
— Espere, vou procurar.
— Ok.
Entra em sua pasta de imagens. Pasta “Fotos Álex”. Não tem
muitas, nunca foi muito chegado em fotos. Sorri olhando para uma e
recordando o momento em que a tirou. Aquele cantinho de seu
computador andava bastante esquecido . Finalmente se decide por
uma em que está em pé em frente à porta de sua casa com os braços
e as pernas abertas imitando o V itrúvio de Leonardo da Vinci.
Manda o arquivo.
Diana aceita e recebe a foto. Observa-a atentamente, até dá
um zoom no visualizador de imagens. Suspira. Olha para a esquerda
onde uma Paula entediada tamborila com os dedos sobre a mesa.
“Como consegue arranjar esses caras?”.
Sem dizer nada a sua amiga, manda a foto de Álex para seu e-
mail. Depois, apaga-a do computador.
— Bonita — diz simplesmente, sem querer dar excessivas
mostras de seu entusiasmo.
— Muito obrigado.
— Muito de nada.
— E Paula? Vi que está on-line, mas mandei mensagem e ela não
respondeu.
Diana pensa no que responder. Se disser que ela está falando
com o namorado e que só pode abrir uma conversa de cada vez, o
garoto se sentirá como segundo prato e vai embora.
— Já vem. Foi à cantina.
— Ah, ok.
— Espere um instante, Álex.
— Ok.
Diana se volta para Paula, que se dá conta e a olha inquieta.
— O quê? Já estão amigos?
— Estamos começando a nos conhecer — diz, fazendo-se de
interessante. — A propósito, ele me perguntou por que não
respondeu e eu disse que você foi à cantina.
— Ah, obrigada. Se eu soubesse que Ángel me faria esperar
tanto tempo, teria falado com ele.
— Não tinha tanta vontade de falar com seu namorado?
— Sim, muita, mas o chefe o chamou e ele ainda não voltou. Só
trocamos duas frases.
— É normal. Deve ter muito trabalho, ou vai saber se tem um
rolo com a secretária — comenta Diana.
— Que secretária?
— Eu sei lá! Todo mundo que trabalha tem secretária, não tem?
— Ángel é só um funcionário da revista. Não tem secretária!
— Ok, ok, não fique brava. Mas, depois, não diga que não avisei.
— Você é uma babaca.
— Ok, só queria falar da cantina caso Álex pergunte. Estou
falando com ele para que não vá se enroscar com a secretária, como
o outro.
Diana volta a se concentrar na tela de seu computador enquanto
Paula reclama em voz baixa pela demora de Ángel e as supostas
secretárias que sua amiga intui em todo lugar.
— Voltei, desculpe a demora.
— Não se preocupe, estava olhando umas coisas — responde
Álex.
Enquanto Diana falava com Paula, ele checava seu e-mail.
Nenhuma novidade a respeito dos livretos de Por trás da parede.
— Tem alguma coisa para fazer sábado à noite? — solta Diana,
sempre tão direta.
A pergunta surpreende Álex a ponto de ter que ler duas ou três
vezes para ter certeza do que diz. Essa menina não perde tempo. Não
estará pensando em convidá-lo para sair, não?
— Não sei. Ainda é segunda, o sábado está muito longe.
Saída diplomática à espera da proposta.
— Mas não tem planos por ora, não é?
— Por ora, não — responde resignado.
— Então não marque nada. É aniversário de Paula e vamos fazer
uma festa surpresa. Bom, já não é tão surpresa, porque ela já sabe.
Queremos que você vá.
A surpresa, na realidade, é para ele. “Queremos”? Quem está
incluído nesse “queremos”?
— É verdade, é aniversário dela.
— Sim, nossa Paulita está ficando velha. Dezessete aninhos já.
— E você, que idade tem?
— Dezessete também. Rs. Mas eu continuo sendo uma linda
mocinha, embora muito madura, viu?
— Claro, claro. Ninguém duvidava disso.
Álex sorri para si. Nada mal a amiga. É despachada. Lembra um
pouco Irene. Pergunta-se se ela utiliza as mesmas armas.
Diana sorri também. Que cara legal, por Deus! Não é que esteja
flertando com ele, é que ela é assim.
— Ui! — Diana dá um pulo na cadeira. Paula se aproximou e de
repente lhe deu um susto. Estava tão concentrada na conversa com
Álex que não percebeu.
— Babaca! Você me assustou.
— Essa era a ideia. Que está fazendo?
— Falando com o escritor. Estava convidando-o para sua festa
de aniversário surpresa.
— Legal! Me deixa dar oi, anda… — diz, empurrando Diana e
tentando ocupar meia cadeira.
— O que está fazendo! Vai me derrubar! Sua bunda cresceu? —
resmunga Diana.
— O quê!? Minha bunda continua perfeita. Já a sua, com tanta
batata frita que você rouba da Cris...
As duas amigas disputam divertidas a posse da cadeira e do
teclado. Por fim, Diana se dá por vencida e deixa que Paula escreva:
— Oi, Álex! Tudo bem? É Paula.
Álex fica nervoso. Paula! Mas e se for a amiga “disfarçada”,
fazendo-se passar por ela? Porém, sua emoção é tanta que age como
se falasse com Paula.
— Oi! Muito bem. Escrevendo, e você?
— Bem. Acabo de chegar da cantina — mente.
— Sua amiga me disse.
— E os livretos? Quantos já responderam?
— Só uma menina.
— Paciência. Vai ver que muitos mais vão responder. Quando
quiser, pode me ligar para ajudar de novo.
— Não posso ligar porque não tenho seu telefone — aponta Álex,
aproveitando a oportunidade. Perfeito.
Paula sorri e escreve o número.
Diana está cada vez com menos bunda apoiada na cadeira. Olha
para sua amiga com ódio. Sempre consegue o que quer! E pode dizer
o que for, mas está flertando claramente com o escritor.
O sinal anunciando a troca de aulas toca, surpreendendo as
duas garotas. Precisam sair da sala de informática.
— Álex, temos que ir. Acabou de bater o sinal. Um beijo —
escreve apressadamente. Diana, ao seu lado, empurra-a para que
também a deixe se despedir. Paula se levanta e vai até seu
computador. Ángel não apareceu.
— Ok. Depois nos falamos. Um beijo para as duas.
— Um beijo grande, escritor. Depois nos falamos — escreve
Diana antes de fechar o MSN e desligar o computador.
Paula, por sua vez, também desligou o seu com certa tristeza.
Antes, deixou uma mensagem na conversa com Ángel: “Sinto muito,
tive que ir para a aula. Teria gostado de falar mais com você, mas
entendo que está trabalhando. Um beijo, amor”.
Cinco minutos depois, as meninas se juntam aos demais colegas
na aula seguinte. Língua espanhola. Cinco minutos depois, Ángel lê
a mensagem de Paula. Ele também teria gostado de falar mais com
ela. Sentindo-se culpado de novo, senta-se diante de seu
computador e termina o artigo sobre Katia. Precisa pensar em algo
para compensar sua namorada.
Capítulo Trinta e Quatro

Nesse dia de março, depois das aulas, em algum lugar da cidade.


— Às cinco passo na sua casa! — grita Paula a Mario, enquanto
corre para o ônibus.
O menino quer responder, mas não adiantaria. Ela já está de
costas, longe. Engole as palavras, mas sorri. Por fim vai chegar esse
momento que tanto esperava!
Caminha devagar, curtindo a vida. Sente-se melhor. Não quer
recordar as lágrimas nem as tristes letras de todas as canções que
ouviu nas últimas semanas. Também não quer pensar naquelas
malditas flores nem no beijo que Paula trocou com aquele sujeito tão
bonito. Está há muito tempo sofrendo em silêncio, merece uma
chance. Precisa de confiança em si mesmo, algo que lhe falta quase
sempre, mas agora está preparado.
— Ei! Em que está pensando? — uma voz feminina o
surpreende.
Diana está ao seu lado. Nem se deu conta de que está
caminhando alguns passos atrás dele.
— Ah! Oi. Em nada.
— Pois parecia concentrado em alguma coisa. Você está com
uma cara muito estranha. Está doente?
“O que essa assanhada pretende?”, pergunta-se Mario. É a
primeira vez que se encontram na saída da escola. Normalmente, ela
é uma das primeiras a fugir da classe enquanto Mario toma seu
tempo: coloca os livros em ordem , verifica se não esqueceu nada e
então, quando a maioria já foi embora, é que sai da classe.
Que faz ela acompanhando-o hoje?
— Não. Estou meio cansado — responde tentando ser educado.
— Não dormiu bem?
— Quase nem dormi, para ser mais exato.
— Sabe-se lá o que andou fazendo — diz ela, bem-humorada.
Mario não entende nada. Desde quando aquela garota toma
tanta liberdade com ele? Não acha graça nenhuma, mas se reprime.
Ela não vai estragar seu momento. Nada nem ninguém vão
importuná-lo. Falta tão pouco para seu encontro com Paula!
— Nada interessante.
— Ai, garoto, como você está sem graça!
Diana o olha de perfil enquanto andam juntos. É verdade, é
bonito . Claramente está se fazendo de difícil com ela. Típica postura
de alguns meninos que não querem reconhecer o que sentem. Finge-
se de durão.
“E essa aí, o que pretende? Com certeza está a fim de encrenca
ou de se meter com alguém, e fui sorteado”, pensa Mario.
— Já disse que estou um pouco cansado. Além do mais, sou sem
graça mesmo.
— Pare com isso! Você não é tão sem graça. Tem seu tipo de
humor. É complicado acompanhá-lo, mas, enfim...
A menina ri. Mario continua sem entender. Aquilo era uma
cantada?
— Não sei.
— Diga-me, o que você sente sendo tão esperto?
— Como?
— Isso mesmo. Acho que você é o cara mais esperto da classe.
Tira umas notas incríveis. Eu, ao contrário, vou ficar contente se
passar de ano. Não sou nada inteligente. Imagino o que se sente ao
tirar essas notas.
— Não acho que seja questão de ser esperto ou não. Tem mais a
ver com o tempo que você dedica ao estudo. Precisa ralar um pouco,
também não é tão complicado.
— O quê?! É superdifícil. Não entendo nada.
Mario sorri. Diana assumindo uma fraqueza... Nunca havia
conversado muito com ela, mas era a primeira vez que aquela
menina não parecia um hormônio vestindo jeans.
— Isso porque você não presta muita atenção às aulas. Vocês
estão sempre zoando no canto.
— Ah! Quer dizer que repara em nós, é?
Diana sorri, malandra. Mario está prestes a responder que todos
os dias seus olhos estão permanentemente fixos em uma das quatro
bagunceiras da classe.
— É que vocês são escandalosas.
— Somos as Sugus. É nossa missão: ser difíceis de engolir.
Sem perceber, ambos andaram boa parte do trajeto juntos.
Trocaram sorrisos, mas chega o momento em que têm que se
separar. Mario olha para ela. Sim, definitivamente, essa menina
parece outra quando leva as coisas mais ou menos a sério. Diana
nota como ele a olha. Cada vez tem mais certeza de que aquele
menino sente alguma coisa.
— Bom, vou por ali — diz ele, apontando para uma rua que
desvia do caminho dela.
— E eu sigo por aqui.
A situação é constrangedora para os dois. Precisam se despedir,
e nenhum dos dois sabe como fazer isso. Não existe confiança
suficiente para dois beijinhos, mas se acompanharam mutuamente
durante boa parte do trajeto de volta para casa.
— Amanhã nos vemos na aula.
— Ok. Não estude muito.
— E você, estude um pouco.
Ambos riem. Diana como poucas vezes, com inocência. Deixou
de lado sua couraça de garota durona. Mario mudou um pouco seu
conceito sobre ela. Não é tão desagradável como achava.
Sem dizer mais nada, cada um segue seu caminho despedindo-
se timidamente com a mão.
Capítulo Trinta e Cinco

Nessa tarde de março, em outro lugar da cidade.


— Você o beijou? E o que mais?
— Nada mais.
— Como nada mais? E ele, como reagiu?
— Não reagiu. Estava dormido.
Katia faz um gesto de irritação. Sua irmã a contempla pensativa.
Sabe perfeitamente o que está sentindo. No fim, foi pior a emenda
que o soneto. Ela havia tramado que Ángel passasse a noite no
hospital com boa intenção, para que ficassem a sós, à noite, no
mesmo quarto. Achava que a atração que aparentavam ter um pelo
outro faria o resto. Porém, enganou-se, e sua irmã está mais
desanimada agora.
As duas caminham juntas. Alexia foi buscá-la quando lhe deram
alta. Com a ajuda dos gerentes do hospital, conseguiram sair sem
chamar muita atenção e evitando a mídia que esperava na porta
principal.
— E agora, o que você vai fazer?
— Esquecê-lo. É evidente que esse garoto não é para mim.
— Vai se render tão cedo?
— Não é questão de me render, Alexia. É que ele não sente nada
por mim.
— Como você sabe? Eu acho que ele gosta de você. Senão, por
que foi ao hospital preocupado com você?
— Porque ele é um cara legal. Mas só isso.
— Vocês formam um belo casal. Não perca a esperança tão
rápido.
Katia suspira. Sua intenção é não voltar a ver Ángel. Não pode
se deixar levar por toda essa confusão de sentimentos.
— Está decidido. O melhor, tanto para ele quanto para mim, é
que não tornemos a nos ver.
— Não seja tão radical, Katia.
— Nesses assuntos, é preciso. É só um garoto, nada de mais.
Outro virá.
Embora tente convencer a si mesma, suas palavras estão
acompanhadas de tristeza e melancolia. Quer acreditar no que diz,
parar de pensar nele, mas não é tarefa fácil. Há quatro dias, ele é
sua vida. Como pôde chegar a isso? Não entende. É incapaz de
compreender como Ángel a conquistou de tal maneira que não existe
mais nada no mundo. Isso tem que acabar.
Alexia está preocupada. Sua irmã é forte, mas a vê hesitar. Está
passando maus bocados. Ela sabe. São irmãs, e ninguém melhor
que ela pode adentrar seus sentimentos e compreendê-los. Aquele
garoto não é um qualquer, não é só mais um como Katia quer que
acredite. Talvez, dessa vez, seja mesmo melhor acabar de vez com
tudo.
Porém, nem uma nem outra suspeitam do que acontecerá
adiante.
Nessa tarde de março, em outro lugar da cidade.
Passa sua língua pelo canto dos lábios capturando uma gota
rebelde de maionese que se perdeu na mordida anterior no
sanduíche natural. O homem que está à sua frente olha-a
disfarçadamente. Na realidade, não parou de observá-la a manhã
toda. É seu professor. Quando lhe comunicaram que teria que dar
aula naquele curso chato sobre liderança na empresa, jamais
pensou que encontraria uma aluna como essa. Três meses com
aquela garota espetacular sentada na primeira fila... E, se anda
vestida assim em março, com o frio que ainda faz, como se vestiria
em junho, com o verão batendo à porta?
Irene está acabando de comer em um café próximo ao local das
aulas. Deixa na embalagem de plástico o pequeno pedaço de
sanduíche que resta, pega seu copo e toma delicadamente a Coca-
Cola por um canudinho verde. Sabe que olham para ela, mas tanto
faz. Está acostumada a chamar a atenção. Além do mais, esse
sujeito cinquentão que não tira o olho dela é seu professor. Se jogar
direitinho suas cartas, terá uma boa nota quando o curso acabar.
Está no intervalo do almoço. Ainda restam mais três horas de
aula à tarde. Assim será de segunda a sexta-feira durante noventa
dias.
Mas valerá a pena. Qualquer coisa para ficar perto de Álex.
Descruza as pernas e as cruza para o outro lado. A esquerda
sobre a direita. Ouve tossir e sorri. O professor engasgou. Viu algo
que não esperava.
Qual pode ser o segredo para seduzir seu meio-irmão?
Até o momento, só brincou e flertou com ele, mas quer mais.
Quer que seja seu, deseja que se apaixone perdidamente por ela e
ignore qualquer tipo de comentários que possam surgir ao redor.
Não têm o mesmo sangue, embora pertençam à mesma família.
Precisa ter paciência. Álex não gosta de coisas muito
precipitadas. Agirá pouco a pouco, cozinhando a fogo baixo seus
planos até que o garoto não possa mais, se jogue em seus braços e
não pare por aí, que precise de mais.
Irene estremece com a ideia. Até se contorce na cadeira por
conta de um calafrio. Vai conseguir, não tem dúvidas, mesmo que
tenha que passar por cima de qualquer um que se ponha em seu
caminho.
Dá a última mordida no sanduíche natural. O professor
continua disfarçando, mas os olhos dele se perdem em suas pernas e
seu decote. Irene volta a sorrir para si. Lentamente, sacode com
certa graça as mãos e chupa a ponta do dedo indicador eliminando o
último rastro de maionese, dando àquele homem alguns segundos
dos quais não se esquecerá jamais. A garota espera que também não
se esqueça daquele instante na hora de lhe dar a nota em junho.
Levanta-se tranquilamente e ajeita o vestido preto. Recolhe a
embalagem de sua comida e a joga em uma lixeira. Exagerando o
balanço dos quadris, sai do café sem que seu professor, agora já sem
nenhum rodeio, perca de vista aquele último momento de sedução. É
só um ensaio para a verdadeira apresentação reservada para a única
pessoa que rouba seus pensamentos.
Capítulo Trinta e Seis

Nessa tarde de março, em algum lugar da cidade.


— Aonde vai?
Miriam se levanta da mesa. Acabou de comer uma
salada caesar sem molho e um copo d’água. Seus pais só chegarão à
noite e tiveram que pedir comida. Mario está dando as últimas
mordidas em um desses sanduíches de peito de frango.
— Sair com as…
— Com quem?
Por um momento, o menino pensa que Paula também combinou
de sair com ela e esqueceu por completo seu “encontro” com ele.
Miriam ergue uma sobrancelha e sorri para si. É sério o negócio
com Diana. Quando chegou em casa, recebeu uma ligação da amiga
contando que seu irmão a havia acompanhado depois da escola. É
questão de tempo para que comecem a namorar.
— Com quem mais? Com Cris e Diana — diz, reforçando de
propósito o nome da segunda.
— Ah. Ok.
Bom. Ainda bem. Seus temores se dissipam. Claro, por que
Paula se esqueceria dele? Foi ela mesma quem, na saída da aula,
recordou que se encontrariam às cinco para estudar.
Olha o relógio. Falta pouco mais de uma hora.
— Bom, Mario, vou indo. Paula vem mais tarde. Depois você me
passa o que explicar pra ela da prova porque eu não tenho nem ideia
de nada do que estamos estudando.
— Pra variar.
— Que tolinho você é às vezes, hein?
— Pode ficar se quiser, assim também explico pra você.
Mario sabe a resposta de antemão. Porém, Miriam ergue a vista
para o teto, hesitante. Sua irmã é capaz de dizer que sim só para
irritar; se bem que não pode estar lhe passando pela cabeça que ele
espera desde sábado a chegada desse momento.
— Melhor não — acaba respondendo, para alívio de seu irmão,
que disfarça sua satisfação. Quase ferra tudo.
— Como quiser. Divirta-se.
— Você também.
A menina se aproxima para lhe dar um beijo, mas logo se
arrepende ao ver um pouco de ketchup nos lábios dele. Sai da
cozinha e instantes depois ouve-se a porta da rua se abrir e, logo em
seguida, se fechar.
Mario está sozinho. A uma hora de sua esperada tarde com
Paula.
Nesse exato momento, em outro lugar da cidade.
Quatro horas.
Está deitada na cama, de bruços, dando batidinhas com os pés
no colchão. Com as mãos apoiadas no queixo, olha impaciente o
celular. Ángel poderia ligar para se desculpar por se ausentar antes,
quando estavam se falando pelo MSN. Ou Álex, para continuar
aquele papo começado no computador e explicar um pouco mais
sobre o livro e os livretos.
De certo modo, são parecidos: responsáveis, inteligentes,
bonitos, maduros. Nenhum dos dois se parece com esses garotos de
sua idade, que só pensam em sexo, que dizem bobagens o tempo
todo e que se gabam do que não têm. Ángel e Álex já passaram dessa
fase. Ou talvez nunca tenham sido assim. Não imagina nem um nem
outro subindo pelas paredes aos dezesseis anos em um ataque de
hormônios.
Está com o rádio ligado. Toca No hay nadie como tú, do Calle 13.
Cantarola o refrão várias vezes e move os ombros ao som da
música: No hay nadie como tú, mi amor.
Pergunta-se se haverá alguém como Ángel. Seu amor. Não.
Evidente que não.
Mas talvez a resposta não seja tão simples. E não compreende
por que Álex aparece em sua mente.
Em outro lugar da cidade, nessa tarde de março.
Os ponteiros do relógio da sala marcam 16h15. Por que seus
olhos ardem tanto? Mario acaba de lavar os copos, pratos e talheres
do almoço. Se Paula vem, tudo tem que estar perfeito. Seca as mãos
com um pano e, nervoso, checa o trabalho. Aqueles quarenta e cinco
minutos parecerão eternos.
Abre a geladeira. Ok, há suco de laranja, caso queira algo
fresquinho; leite, se quiser um café ou chocolate, e também Coca-
Cola e Fanta Laranja. Tudo sob controle nessa parte.
E agora?
Trocar de roupa. Não pode recebê-la com a mesma que estava
usando na escola.
Sobe para seu quarto. Abre o armário e examina suas roupas:
camisetas, calças, camisas, jérseis. Uff! Nada lhe agrada, é tudo
antiquado. Isso é o que acontece por não sair com meninas.
Esfrega os olhos com as mãos. Estão ardendo.
Suspira. Sem querer, vê-se no espelho. Seu cabelo está terrível.
Os olhos irritados, as pálpebras um pouco inchadas. Seu rosto
reflete os dois dias sem dormir. Está tudo uma droga! E faltam 35
minutos para Paula chegar.
Precisa se acalmar. Com certeza é coisa de sua imaginação, do
nervosismo. É natural sentir-se inquieto, pois está prestes a ficar a
sós com a menina que ama, que quer desde sempre. Porque ele está
apaixonado por Paula há muito tempo. Já sofreu tanto em silêncio!
É hora de se acalmar.
Liga seu notebook e escolhe uma canção: No hay nadie como tú.
Deita-se na cama; vai ser bom descansar um pouco. Está encarando
tudo isso como uma coisa de vida ou morte. E talvez seja, porque se
lembra de poucos momentos na vida tão importantes como esse.
Alguns têm a sorte de curtir todos os dias a garota dos seus sonhos;
a ele, esse privilégio não foi concedido.
Olha para cima sem prestar atenção no teto muito branco de seu
quarto, com as mãos atrás da nuca. Pensa em Paula. É como se a
estivesse vendo, como se estivesse à sua frente. Em breve acontecerá
de verdade. Não será um sonho: vão compartilhar a realidade.
Ouve a canção que deixou em replay. Cantarola o refrão, várias
vezes, sem saber que a poucos quilômetros a garota que ama está
ouvindo exatamente a mesma música nesse momento.
Nessa mesma tarde de março, em outro lugar da cidade.
Paula está quase saindo de casa. Passou um pouco de
maquiagem e trocou de roupa. Vai só estudar, mas nunca é demais
se sentir bem consigo mesma. Leva sua mochila das Meninas
Superpoderosas nas costas com todo o necessário: cadernos, livro de
matemática, calculadora, lápis e canetas. Mas sua missão não é
apenas aprender a resolver derivadas.
Abre a porta e nesse instante toca seu celular. É Diana.
— Oi, Diana.
— Está já na casa dele?
— Como?
— Está na casa do Mario já?
Paula olha surpresa o relógio. Por um momento acha que está
atrasada, mas rapidamente comprova que ainda faltam vinte e cinco
minutos para as cinco.
— Não. Estou indo para lá agora mesmo. Você me pegou saindo
de casa.
— Ok.
— Quanto interesse!
— Sabia que ele me acompanhou até em casa depois da escola?
— exagera.
— Quem? Mario?
— Claro, quem seria?
— Viu? Nós dissemos... Está apaixonado por você.
A menina solta uma gargalhada enquanto caminha para pegar o
metrô.
— É, essas daqui disseram isso também, mas não sei...
As vozes de Miriam e Cris são ouvidas ao fundo, cantando
alegremente uma musiquinha infantil sobre Diana e Mario se
amarem e namorarem.
— Vou investigar, não se preocupe.
— Bom, também não é que eu goste dele. É que se alguém está
interessado em mim, eu gostaria de saber.
“Não é que eu goste dele, diz!”, ouve-se ao fundo, acompanhado
de risos exagerados. Diana afasta o telefone da boca e manda as
duas amigas se calarem, xingando-as também.
— As meninas não acreditaram muito, não é? — diz Paula,
rindo.
— Aah! Você também? Vocês três são iguais.
— Nós conhecemos você, Diana.
— Vocês não fazem nem ideia.
Paula chega ao metrô.
— Diana, tenho que desligar, estou na estação do metrô. Hoje à
noite eu ligo com o que descobrir.
— Ok. Investigue direitinho, mas não é tão importante.
A menina volta a sorrir e, após lhe mandar um beijo, despedem-
se.
Sem saber o que essa tarde lhe reserva, entra tranquilamente na
estação.
Nessa mesma tarde de março, em outro lugar da cidade.
Mario abre e fecha a cada vinte segundos a cortina da janela de
seu quarto. É dali que se vê melhor a porta da casa. Deve estar
chegando.
Suas mãos suam. Sua garganta está seca e os lábios, um pouco
rachados . Precipitadamente e aos tropeções dirige-se ao banheiro e
procura com pressa manteiga de cacau. Após revirar várias gavetas,
por fim a encontra. Desajeitadamente passa-a e molha os lábios com
saliva. Pronto.
Já não são cinco horas? O sino de uma igreja próxima confirma.
Por que ela não chegou?
Não vem. Com certeza não vem. Claro. O que uma menina como
Paula faria ali com ele? Deve estar com o namorado, aquele cara
bonito das flores, dos beijos. Devem até dormir juntos.
Mario olha seu relógio constantemente. Cinco horas e um
minuto. Cinco e dois. Cinco e três… Como foi bobo achando que
teria sua chance!
E então, a campainha da casa toca. Melodia celestial. Nunca se
alegrou tanto ao ouvir esse estúpido som metálico. O menino olha
pela janela. É ela. Como está bonita de suéter cinza e jeans azul. O
cabelo solto. Está linda.
Desce, tentando se acalmar a cada degrau. Um formigamento
muito intenso o invade por dentro. Que nervosismo! Não pode
acreditar que Paula está ali.
Fim da escada. Atravessa o pequeno corredor. Tremendo, chega
à porta. Faz o sinal da cruz e abre.
Quer morrer. Não, não é hora de morrer. Está no céu. Ela está
na sua frente, com um grande sorriso, com os olhos iluminados. Não
ouve o que ela diz. Que importa que fale? Agora é incapaz de pensar
em qualquer coisa. Ela está ali: Paula, o amor de sua vida, em sua
casa, entrando pela porta. Dá-lhe dois beijos. Ele coloca o rosto, mas
não se atreve a pôr seus lábios no rosto dela. No hay nadie como tú,
mi amor toca com força. Não, não há ninguém como ela. Como
Paula, sua Paula. Querida Paula. Ama-a e ela está ali, subindo para
o quarto dele. Faz uma ou outra brincadeira. Um comentário , o que
disse? Dá no mesmo, ri. Ela também ri. Que bom. Compartilham
risos. Está feliz. Muito feliz. A vida por fim lhe presenteia esse
momento especial. Seu sonho.
Deus, está linda! Ele a ama.
Diz para ela se sentar onde quiser. Paula olha para um lado e
para o outro e pergunta se pode ser na cama. Mario engole em seco.
Claro, por que não?
Estica um pouco as mantas para que fiquem completamente
lisas, e ela, sorrindo, senta-se.
Ele afasta um pouco a cadeira da escrivaninha e ocupa seu
lugar. Começa a aula de matemática.
Não sabe se vai conseguir se concentrar em números e letras
que dançam sem nexo em seus cadernos. Quem se importa com a
prova de sexta-feira? Talvez ela, para isso veio. Tem que se conter e
se concentrar. Por que seus olhos só buscam os lábios dela? Por que
não consegue parar de olhar para sua boca?
Ele sabe. Sabe que o que mais deseja no mundo é beijá-la, um
beijo que lhe daria a felicidade plena. Mas isso é impossível. Ou não?
Agora Mario se levanta da cadeira. Ela pede que se aproxime
para lhe explicar por que aquele número vai ali e por que aquela
linha acaba naquele ponto. Ele tenta explicar, mas não é muito
convincente. Na realidade, não sabe o que está dizendo.
Sem querer, sentou-se na cama também, ao lado dela, muito
juntos, colados.
No hay nadie como tú. No hay nadie como tú, mi amor.
Paula olha para ele. Não entende nada do que ele está dizendo,
talvez porque o que Mario está lhe explicando não tem nenhum
sentido.
Os corpos se tocam. Os rostos cada vez mais perto. A música
mais alta.
Quer beijá-la. Deve ter um gosto ótimo. Uma menina como
aquela, como sua Paula, deve ser como a melhor fruta que se possa
degustar. Acha que não deve existir nada mais doce. O que fazer?
Seu coração lhe pede que a beije: “Beije-a, Mario. Beije-a”.
Ela não fala. Agora só o observa, e seus olhos se encontram. Por
fim: os olhares, o jogo de olhares de que tanto falam. É um sinal.
Sorri. É outro sinal?
Sim, talvez seja o sinal que esperava. O definitivo. Como pode
saber se nunca beijou ninguém? É o momento, a oportunidade. O
céu o espera.
Vê que ela fecha os olhos. Agora.
Mario fecha os olhos. Inclina seu pescoço para a direita. Espera
o contato de seus lábios. Ouve seu nome. Por que o chama? Sacode
seu ombro. Isso é um beijo?
Não, não sente a umidade de sua boca. Torna a ouvir que o
estão chamando. Agora o chacoalhão é muito mais forte. “O que
foi?”, pensa Mario. Abre os olhos. É Miriam.
— Você sabe que horas são?
Mario olha seu relógio.
“Caramba, sete horas!”. Ele adormeceu. Com um pulo, levanta-
se da cama praguejando.
— Droga.
— Paula ligou no seu celular não sei quantas vezes e você não
atendeu.
Mario pega seu celular. Dez chamadas perdidas. Arrasado, sai
do quarto , entra no banheiro e, com os olhos inchados, chora
amargamente na frente do espelho.
Capítulo Trinta e Sete

Nessa noite de março, em algum lugar da cidade.


Desliga. Acaba de falar com Miriam. Mario está bem, só
adormeceu. Paula solta uma gargalhada na solidão de seu quarto.
Que susto levou!
Ainda bem que está tudo certo.
Tem que estudar, mas não está nada a fim. Além da prova de
matemática, tem mais sete entre essa semana e a seguinte, antes do
feriado da Semana Santa. O fim do primeiro trimestre sempre é
muito problemático.
Sem vontade, abre o livro de filosofia e se deita na cama de
bruços. Lê uma página e sublinha o mais importante com um
marca-texto amarelo. Uff! Essa tarefa insuportável leva mais de
quinze minutos. Não está concentrada.
Tenta de novo com uma segunda página. É ainda pior. Em vinte
minutos já a releu umas oito vezes e não entendeu nada.
Desesperada, joga o livro no chão.
Vira-se e pega o celular. Tem a esperança de que haja alguma
mensagem ou alguma chamada perdida que não tenha ouvido de
Ángel ou até de Álex. Mas não. Decepcionada, enfia o rosto no
travesseiro por alguns segundos. Quando sente falta de ar, levanta-o
e respira. Que boba!
Não sabe o que fazer. Em todas as posições sente-se
desconfortável. Levanta-se. Deita-se. Deita-se. Senta-se. Meia hora
daqui para lá percorrendo cada cantinho de seu dormitório.
Então, vê a mochila das Meninas Superpoderosas e relembra o
dia em que conheceu Ángel pessoalmente. Mas nessa tarde também
apareceu Álex. Ali, na Starbucks, com aquele sorriso... tão... perfeito.
Seu olhar perdido encontra casualmente o Desculpa se te chamo de
amor, que descansa em cima de sua escrivaninha. Ainda não o
terminou.
Não vai estudar mais por hoje, de modo que avalia a
possibilidade de ler. Sim, é uma boa ideia. Pega o livro e, antes de
pular na cama, vai até o computador para pôr uma música. Procura
o vídeo que Álex lhe passou. Onde está? Encontra-o por fim na pasta
de arquivos recebidos. Clica no play e começa a ouvir Scusa se ti
chiamo amore, de Massimo Di Cataldo. Adora o refrão.
Scusa se ti chiamo amore
sei la sola parte di me che non so dimenticare
scusami se ho commesso io l’errore
di amare te molto più di me.
Desculpa se te chamo de amor
você é a única parte de mim que não sei esquecer
desculpa se eu cometi um erro
de amar você muito mais do que eu.
Paula se deita na cama. Afunda entre lençóis e mantas e,
apoiada no cotovelo do braço direito, começa a ler o romance de
Moccia. Logo se transporta para o mundo de Niki e Alex.
Quando está mais envolvida com a história, o telefone toca. Não
pode evitar um gesto de irritação, mas se levanta e atende.
— Alô? — diz com a voz um pouco apagada.
— Olá, Paula — o tom do menino do outro lado da linha é ainda
mais sério. Poderia deduzir que até triste.
— Olá, Mario.
— Desculpe, de verdade. Não sei o que aconteceu.
Paula sorri. Tem pena dele, mas tenta se mostrar tranquila.
— Não se preocupe, não tem problema.
— Claro que tem. Eu dormi e te dei um bolo. É imperdoável.
— Ora, não exagere… Também não é para tanto.
— Não estou exagerando. Sou o pior.
— Ei, Mario, não seja tão duro com você mesmo. Ainda temos
três dias pela frente. Amanhã nos encontramos e pronto. Até sexta-
feira temos tempo para tudo.
O garoto não diz nada nesse instante. Paula até acha que a
ligação caiu.
— Quer mesmo marcar de estudar comigo ainda depois do bolo
de hoje? — pergunta. Sua voz já não é tão lúgubre.
— Mas claro! Um acidente desses pode acontecer com qualquer
um.
— Qualquer um...
A menina deixa escapar uma gargalhada.
— Mas com uma condição.
— Qual?
— Que vá deitar cedo e descanse. Sua irmã me disse que há dias
você não dorme.
— Minha irmã é uma exagerada.
Um toque no celular de Paula lhe avisa que tem uma mensagem.
— Mario, tenho que desligar. Não se preocupe com nada, ok?
Amanhã nos vemos na escola. Um beijo.
— Ok. Obrigado, e desculpe de novo. Um beijo.
Fim da chamada. Mario suspira mais tranquilo em seu quarto.
Terá sua chance, afinal. Promete a si mesmo dormir essa noite. Vai
tomar um chá de camomila, o que for necessário, mas vai dormir.
Paula entra na pasta em que são armazenadas as mensagens
que chegam. É um MMS. Abre-o. A imagem corresponde a uma foto
do livro Desculpa se te chamo de amor. Acompanhando-a, uma frase
que diz: “Espero que tenha gostado tanto quanto eu. Um beijo. Álex”.
Sorri. E nota que se sente bem, que seu coração se alegrou,
talvez mais do que podia imaginar.
Rapidamente volta para a cama e se cobre. Abre o livro na
página em que parou e, com um sorriso eterno, continua lendo até
que encontra a palavra fim.
Nessa mesma noite de março, em um lugar distante do centro da
cidade.
“Finalmente acabei. Adorei. Acho que Desculpa se te chamo de
amor, a partir de hoje, é meu livro preferido. Até que leia o seu, claro.
Um beijo, escritor”.
Álex lê várias vezes a mensagem que Paula lhe mandou. Em
poucos minutos, já a decorou. Ainda assim, lê novamente para ver
se deixou passar alguma coisa: uma palavra, uma vírgula, um ponto,
uma abreviatura... Adorou.
Liga o computador e rapidamente em seu quarto se ouve Scusa
se ti chiamo amore, de Di Cataldo.
Pensa nela. Em sua curta, mas intensa história juntos. Avalia a
tentação de lhe escrever outra mensagem. Mas seria demais, e não
quer parecer ansioso.
Quando a verá de novo? No sábado. Sua amiga Diana o
convidou para o aniversário dela. Até então, falta muito tempo. Não
vai aguentar tanto, precisa vê-la já. Tem que arranjar uma desculpa
verossímil para encontrá-la.
Além disso, tem que pensar em um presente, algo
suficientemente bom e original para essa garota.
Sentado na cadeira, com o notebook à sua frente, perde a noção
da realidade . Tudo gira ao redor de Paula: a música, as palavras, o
tempo… A música... A música… Claro, isso! Já sabe exatamente o
que vai lhe dar de presente.
De uma gaveta tira uma caneta azul e uma caderneta, e começa
a rabiscar nela. Entra em transe, como quando escreve seu romance.
Mas não é suficiente , precisa de algo mais: unir inspiração e talento.
Nessa mesma noite de março, minutos depois, nesse mesmo lugar
afastado da cidade.
Entra rapidamente em casa e fecha a porta. Que frio lá fora!
Aquele vestido preto tão curto e decotado vai acabar lhe causando
um resfriado. Amanhã irá à aula de jeans. Com certeza seu professor
cinquentão também não vai achar ruim. Quando acabou a aula, ela
se aproximou dele e lhe agradeceu por aquele interessante primeiro
dia. O homem mal pôde parar de olhar para ela desde o começo do
dia. Sem dúvida, está no papo. Não esperava menos.
Irene acende a luz do hall. Deixa o casaco e a bolsa em cima de
uma cadeira e sobe a escada. Chega ao quarto de seu meio-irmão. A
porta está fechada e parece que não há luz dentro. Não está?
De repente, o som do sax chega do telhado. Como consegue
tocar lá em cima com o frio que está fazendo? Caminha até seu
dormitório, onde troca de roupa. Põe uma calça cinza de pijama e
um moletom da mesma cor. Assim, pelo menos, estará mais
agasalhada para subir e vê-lo.
Tarde demais: Álex aparece descendo a escada do sótão com o
saxofone nas mãos. Não notou a volta de Irene e se surpreende
quando a vê.
— Olá, Álex — ela o cumprimenta com um grande sorriso.
— Olá — responde ele sem interesse, mas observando de cima a
baixo sua meia-irmã. Está muito bonita vestida assim também.
Tirou a maquiagem e aquele vestido tão sexy, e agora está mais
juvenil e natural.
— Você viu?
— O quê? — pergunta ele, girando e olhando ao seu redor
buscando a que se refere.
— Não te chamei de maninho. Consegui, até que enfim.
— Ah, era isso. Eu agradeço.
— Quanto?
— Quanto o quê?
— Quanto me agradece? — A garota é quem o observa
atentamente agora. — Você está bem? Está muito distraído.
— Estou muito bem, não se preocupe.
— Se você está dizendo...
O menino caminha para ela, mas nem a olha quando passa ao
seu lado. Deixa o sax em seu quarto, em cima da cama, e desce até a
cozinha. Cada passo que dá é seguido atentamente por Irene, que o
acompanha.
— Vai jantar? — pergunta a meia-irmã.
— Sim, mas não estou com muita fome. Quer alguma coisa?
— Não, obrigada. Parei para comer um hambúrguer com um
colega de classe.
Álex não diz nada. Primeiro dia e já arranjou um. Do jeito que
estava vestida, não é de estranhar. Mas, na realidade, fosse qual
fosse a roupa que usasse, daria na mesma. Tem que reconhecer que
aquela garota é uma das mais bonitas que já conheceu. Se somar a
isso sua sensualidade e sua capacidade de chamar a atenção,
acredita que não há muitas como ela.
— A aula foi boa?
— Legal, foi legal. Tenho um professor que ficou o tempo todo
olhando minhas pernas, mas, de resto, foi divertido.
“Pobre professor”, pensa Álex. “Não sabe o que o espera...”. O
mesmo que ele durante três meses.
Corta um pouco de queijo e come depressa. Irene observa em
silêncio. Quando acaba, guarda-o outra vez na geladeira e bebe um
copo de água da torneira.
— Vou me deitar.
— Já? Comeu pouco.
— Não estou com fome, já disse.
— Será que está apaixonado? — insinua, maliciosa.
Álex não diz nada a respeito. Finge não se abalar. Com um fraco
“boa-noite, Irene” abandona a cozinha. E se estiver?
Entra em seu quarto, pega o celular e, após pensar muito,
escreve: “Fico feliz que tenha gostado. Também é um dos meus livros
preferidos. Vou distribuir livretos de novo. Conto com você? Um
beijo”.
Esperando uma resposta, que não chegará nessa noite, deita-se
na cama perguntando a si mesmo até que ponto é verdade o que
Irene insinuou.
Capítulo Trinta e Oito

Naquela mesma noite de março, em dois lugares diferentes da


cidade.
O que está acontecendo com ela?
Paula meneia a cabeça quando lê a mensagem que acaba de
receber de Álex. Afasta os lençóis e se senta sobre os joelhos, na
cama. Propôs de novo que fossem distribuir livretos juntos. E agora,
o que diz?
Uma tarde cheia de trabalho. Talvez demais.
Ángel chega em casa e, cansado, tira os sapatos. Teve que ir a
uma coletiva que não era de sua responsabilidade e depois tentar
entrevistar individu almente cada membro do grupo. Sua colega
ficou doente e, em uma redação pequena como a de sua revista,
todos têm que estar preparados para qualquer imprevisto. Embora,
ultimamente, seja sempre o mesmo repórter que se ferra. Um
jornalista nunca tem horários. Já sabe isso de cor.
Não está a fim de jantar. É tarde, muito tarde até para ligar para
sua namorada .
Não está começando a gostar de Álex, não é? Não, isso não pode
ser. Seu namorado é Ángel. Sim, tem certeza de que ama seu jovem
jornalista. Claro que sim. Que menina não cairia a seus pés? Álex é
só um amigo, de quem, aliás, não sabe quase nada. Mas, pensando
bem, foi quem primeiro conheceu pessoalmente e viu como era
fisicamente; Álex, não Ángel. Por apenas alguns minutos de
diferença, na verdade. Tudo entre eles parece fazer parte de um jogo
do destino. Como é caprichoso às vezes!
Olha o relógio. Sim, é muito tarde para ligar para ela.
Provavelmente já está dormindo, e não lhe mandou nem um SMS a
tarde toda. O trabalho está roubando muito tempo de sua vida
pessoal. Justo agora que encontrou a garota dos seus sonhos não
pode curtir tanto quanto quer com ela. Esses dias viu mais Katia que
Paula... Esse último pensamento o faz se sentir culpado mais uma
vez. Relembra uma frase que sempre lhe diziam na faculdade: “A
verdade, seja da forma que for e quando menos se espera, sempre
vem à tona”. Só torce para que seus professores estejam enganados.
Entra no banheiro. Pega a escova, coloca nela a pasta com sabor
de morango e começa a escovar os dentes. É a terceira vez essa
noite. Está nervosa, pressionada. Olha-se no espelho: sente-se mais
velha; já não é a menina que nunca tinha preocupações.
Surpreende-se. Não pode acreditar que mantém um relacionamento
com um garoto quase seis anos mais velho que ela. Ela só tem
dezesseis anos! Dezessete no sábado. Sábado... ainda não falou com
Ángel sobre o que planejou.
Tenta sorrir para sua própria imagem, mas se acha ridícula. É
como se tudo nesse instante fosse difícil demais. Está pronta?
Tira a roupa. São raras as ocasiões em que Ángel dorme
completamente nu, apesar de nunca usar pijama. Enquanto põe
uma regata da Nike e uma bermuda, observa-se refletido no vidro do
armário. Tem olheiras e está despenteado. Que cara péssima! Deve
ser por dormir tão pouco e pelo cansaço acumulado. Por que não
ligou para ela antes? Deveria ter ligado, pelo menos para lhe contar
seus planos. E se ela não puder? Tanto faz, vai poder.
Pega o celular. O que diz a Álex? Que sim? Que conte com ela
para repetir a aventura dos livretos? E se aquilo for além? Quase se
beijaram na livraria. Ainda bem que não rolou, teria se sentido tão
culpada... Porém, quase aconteceu. Esconde o telefone debaixo do
travesseiro. Precisa refletir.
É possível amar duas pessoas ao mesmo tempo?
Rapidamente percebe que o que está pensando é uma loucura.
Não. Seu namorado é Ángel. O garoto a quem ama é Ángel, e
pronto. Fim.
Coloca a mão sob o travesseiro e pega o celular. Pensa durante
alguns instantes e escreve uma mensagem.
Ángel por fim se deita na cama. Fez um esforço para comer
alguma coisa. Pouca coisa, uma maçã e um iogurte com pedacinhos
de pêssego.
Sim, definitivamente, o melhor será fazer uma surpresa a Paula.
Se ela não puder, vai convencê-la a fazer um esforço. Até chega à
conclusão de que foi melhor não falar com ela hoje, assim, amanhã
vão ter mais vontade um do outro. Senta-se na cama e programa o
alarme. Cedo.
Um “bip” o sobressalta. Recebeu um SMS: “Meu amor. Te amo.
Te amo. Te amo. Preciso vê-lo. Amanhã? Depois da aula tenho um
tempinho livre. Podemos nos ver? Podemos almoçar juntos. Ou não
almoçar, só beijos e abraços. Saudades. Te amo”.
O coração de Ángel se acelera quando lê a mensagem que sua
namorada lhe mandou. Desaparecem a fadiga, o cansaço, renascem
a esperança e a energia. A felicidade. Quase liga para ela, mas se
ligar, tem certeza de que vai deixar escapar a surpresa. Resiste à
tentação de lhe contar tudo e se limita a lhe escrever uma
mensagem.
Paula apaga todas as luzes. Já se sente melhor, mais relaxada.
Amanhã responderá a Álex. Agora é hora de descansar e não
analisar mais a situação. Deita-se na cama, sonhando com os braços
de Ángel em volta dela. O sono recai em suas pálpebras. Escurece.
Com que pode sonhar? Dizem que, quando você deseja algo com
muita força, aparece em seus sonhos. Concentra-se naquele que
espera que seja um dia especial. Murmura de modo quase inaudível:
— Sábado... sábado.
Um “bip” alto a devolve à realidade.
Seu telefone brilha na noite fechada de seu quarto. Não tem
dúvidas de quem manda o SMS. Antes de abri-lo, sorri feliz. Sim,
está apaixonada por ele.
“Te amo. Te amo tanto que até dói. E imagino você ao meu lado,
em meus braços, deitada junto a mim. Vem. Vem comigo, amor.
Amanhã nos vemos, sim ou sim. Saudades. Te amo”.
Com a vista já embaçada, lê a mensagem uma dezena de vezes.
Ama-o, tem certeza. Como pôde ter duvidado?
Finalmente, fecha os olhos e adormece calmamente. Amanhã
será um dia cheio de emoções.
Capítulo Trinta e Nove

Na manhã seguinte, num dia de março, em um lugar afastado da


cidade.
Adormeceu com o celular no peito esperando uma resposta que
não chegou.
Paula não respondeu a última mensagem. Parece que não se
entusiasmou muito com a ideia de repetir a dose dos livretos. A
magia de ontem à noite desapareceu.
Sentado no banco do passageiro daquele Ford Focus preto, Álex
checa constantemente seu telefone, cada vez com menos esperança
de receber um SMS de Paula.
Toca Todo, do Pereza, no rádio do carro. Irene, enquanto dirige,
cantarola baixinho o refrão. Está satisfeita. Hoje não teve que usar
muitas artimanhas para convencer seu meio-irmão a pegar carona
com ela. Perguntou-lhe se queria que o levasse à cidade e, para sua
surpresa, ele respondeu tranquilamente que sim. Até tomaram um
café juntos no caminho. É um passo à frente.
De vez em quando, olha de soslaio para Álex. Parece distraído.
Mantém a vista fixa na estrada, mas a cada minuto olha seu celular.
— Está esperando alguma ligação? — pergunta curiosa.
— Uma ligação?
— Sim. Não para de olhar o celular.
— Ah, isso. É por causa da hora. Estou olhando o relógio —
mente.
Irene não acredita, mas não quer insistir. Precisa aproveitar a
trégua que se estabeleceu entre ambos essa manhã. É um bom
momento para aprofundar a relação.
— Tem saudades de nós?
— Como?
— Se tem saudade de nós.
— De quem?
— Como de quem? De mamãe e de mim. Moramos juntos por
muito tempo.
— A gente se acostuma a viver sozinho. Não é tão ruim.
— Sei. Mas nem um pouquinho de nada? — diz, sorrindo.
— Você sabe que sua mãe e eu nunca nos demos bem.
— Sim, essa é uma batalha perdida.
— Perdida e acabada.
— Certo. — A garota fica em silêncio. Avalia se deve insistir com
a pergunta para descobrir o que realmente lhe interessa. Por fim
decide. — E de mim? Não sente minha falta?
Álex não olha para ela. Não pode ver os olhos brilhantes de
Irene, que por um instante se afastaram da estrada buscando os
lindos olhos de seu meio-irmão.
— Você está aqui agora. Não posso sentir sua falta.
— Ora — exclama —, essa resposta não vale!
— Quem disse que não vale?
— Eu. Realmente nunca se lembrou de mim em todo esse tempo
que não nos vimos?
A garota volta a olhar para ele afastando a vista do trânsito.
Dessa vez, Álex também se volta para a esquerda e encontra o olhar
dela.
— Não tire os olhos da estrada, Irene — reclama, corando.
— Calma, sou uma ótima motorista.
— Não duvido, mas se não olhar para a frente, podemos sofrer
um acidente.
Irene não diz nada e devolve sua atenção à estrada.
— Por que você é tão frio comigo? — pergunta de repente.
— O quê?
— Ora, não se faça de bobo. Você é muito arisco comigo. Quando
pequenos, éramos unha e carne. E de repente, um dia, você me
detesta.
— Eu não detesto você.
— Pois disfarça muito mal.
Não há carros à frente. Irene acelera pela pista. Em um segundo
passa de oitenta a cento e vinte. Cento e quarenta. Cento e sessenta.
— Não estamos indo muito depressa? — pergunta Álex
preocupado, olhando nervoso para o velocímetro do Ford.
— Depressa?
Irene pisa um pouco mais no acelerador. Cento e setenta.
— Quer parar de acelerar, por favor?
— Não entendo por que foge de mim.
— O quê?
Cento e oitenta.
— Nada.
A garota diminui a velocidade de repente e logo o carro volta a
circular a cem. Oitenta. Álex respira. Irene sorri como se nada
tivesse acontecido, como se aquela conversa não houvesse existido.
Agora não se falam. Ela, alegre, cantarola. Ele, confuso, não
entende nada. Que foi aquilo?
Enquanto toca Coffe & TV, do Blur, Álex recebe uma mensagem.
É Paula.
“Desculpe por não responder antes. Adoraria repetir o lance dos
livretos, mas estou em semana de provas. Desculpe. A gente se vê.
Um beijo, meu querido escritor”.
O jovem lê o SMS duas vezes. Sentimentos contraditórios: está
decepcionado porque ela não aceitou, mas, por outro lado, sorri pelo
beijo e por ser “seu querido escritor”.
Irene observou tudo. Sem que lhe diga nada, sabe perfeitamente
quem mandou aquela mensagem a seu meio-irmão.
Nessa mesma manhã de março, em algum lugar da cidade.
Ainda bem que Diana mencionou Álex. Paula havia se esquecido
por completo de responder a mensagem da noite anterior. Espera
que não leve a mal o fato de ter declinado participar de novo da
distribuição de livretos. É melhor assim. Além do mais, à tarde tem
sessão de estudos com Mario. Se ele não dormir de novo, claro.
Justamente esse é o tema da conversa das Sugus antes de
começar a segunda aula.
— Com certeza estava sonhando com você, por isso o coitado
dormiu. Meu irmão é um caso perdido — brinca Miriam.
— Outra vez essa história? Olha, garota, melhor se preocupar
com não usar dois dias seguidos a mesma calça na escola.
— Não é a mesma. É parecida.
— Mesma cor, mesma marca, mesmo rasgado no joelho...
Parecida.. Sei.
— Ah, quer dizer que agora também repara em mim? Pois fique
sabendo que eu não sou segundo prato de ninguém, viu? Nem meu
irmão, nem eu — diz divertida a Sugus mais velha, soltando uma
gargalhada a seguir.
— Como você é abusada!
— Dá um beijinho, amor?
Miriam abraça a cintura de Diana e aproxima seus lábios do
rosto da amiga.
— Sai fora! Você é...
Paula e Cris riem enquanto Diana tenta se livrar do abraço de
Miriam.
Sem que nenhuma delas perceba, alguém se aproxima do grupo.
— Paula, posso falar com você um minuto?
A voz de Mario chega tímida e trêmula. As Sugus abandonam a
brincadeira e o observam em silêncio.
— Claro, Mario. Vamos lá fora? Faltam três minutos para o
professor de filô chegar — indica, consultando seu relógio.
Mario aceita com a cabeça. A menina se levanta e abandona o
canto da classe seguida por seu amigo. Os dois atravessam a sala
desviando de colegas, mesas mal posicionadas e mochilas no chão.
Ela na frente, cumprimentando todos que encontra. Ele atrás, com a
cabeça levemente abaixada.
Dois garotos conversam escandalosamente na porta. Paula e
Mario se distanciam um pouco para não serem incomodados. Não há
ninguém mais no corredor. A menina se apoia na parede e espera
que Mario fale, embora saiba o que ele vai dizer.
— Bom, queria lhe pedir desculpas mais uma vez por causa de
ontem.
Ela não se enganou. Sorri e tenta fazer com que suas palavras
soem o mais tranquilizadoras possível.
— Não se preocupe, Mario. Pode acontecer com qualquer um. Já
falamos sobre isso ontem.
— Sim, mas eu não falei pessoalmente, e tinha que falar.
Desculpe.
— Pois já falou. E embora eu não tenha nada para desculpar, só
para que fique tranquilo de uma vez, desculpo.
— Obrigado.
— Agora vamos esquecer isso.
— Tudo bem.
— Não há nenhum problema para hoje à tarde, não é?
— Nenhum.
— Dormiu a noite passada?
— Sim, bastante.
Na realidade, foram só três ou quatro horas, mas não quer
alarmar.
— Então, às cinco em sua casa?
— Perfeito. Prometo não dormir.
Mario esboça um belo sorriso que chama a atenção de Paula.
Ora, nunca tinha percebido que seu sorriso é lindo. Deixa-o
atraente, até. Não é um menino que ri muito. Pensando bem, quase
nunca ri. Assim, parece muito mais bonito e seus olhos brilham de
uma maneira especial.
É um momento confuso. Nenhum dos dois diz nada. Paula ficou
sem palavras. Está perdida nos olhos dele. Mario não sabe como
nem quando, mas deu um passinho à frente. Por que estão tão perto
um do outro?
— E então, vão entrar?
Diana os observa na porta da sala. Por seu tom de voz, não
parece muito satisfeita.
Os jovens se afastam imediatamente. Cada um retrocede um
metro, como se fossem impulsionados cada um para um lado
diferente do corredor.
— É, está na hora — afirma Paula, tentando sorrir para sua
amiga, que permanece séria na entrada da sala.
— Vamos — diz Mario, que ainda se pergunta o que foi aquilo.
Os dois caminham até o segundo B. Mario entra na sala de aula
sem dizer mais nada. Paula vai atrás, mas, quando chega à porta,
Diana faz uma barreira com o braço e a impede de passar. Ops! Será
que ficou com ciúmes?
— Diana, eu...
— Olhe só quem está chegando…
A menina acha que está se referindo ao professor de filosofia.
Ontem ela matou sua aula e com certeza vai levar uma bela bronca.
Mas, quando se volta, vê só um garoto muito bonito em um belo
casaco preto.
— Ángel! — grita.
O jornalista acelera o passo. Paula permanece imóvel, incapaz de
reagir, mas um sorriso imenso domina todo o seu rosto. Quando está
chegando a ela, por fim a menina decide sair a seu encontro. Diana
os contempla com certa inveja. Um dia será a vez dela.
Os jovens apaixonados se encontram e se beijam, primeiro com
pudor, discretamente. Mas a união dos lábios desata a paixão e o
segundo beijo é muito mais intenso.
Diana vai até eles e tosse. O casal por fim se afasta.
— Não quero incomodar, mas é que o professor de educação
física está vindo aí — diz, apontando para um sujeito careca de
agasalho que surge do fundo do corredor andando apressadamente.
Os três o cumprimentam quando passa e segue seu caminho
para o ginásio da escola.
— Olá, Diana — diz por fim o rapaz, uma vez que o professor já
não está perto.
— Vejo que se lembra de meu nome. Não se pode negar que eu
deixo marcas… — responde ela sorrindo, enquanto trocam beijinhos
no rosto.
— Ei, menos! — intervém Paula brincando e puxando o casaco
de Ángel para atraí-lo novamente para si.
Ángel a abraça e lhe dá um beijo carinhoso na cabeça.
— O professor de filô já vai chegar. Se pegar vocês aqui se
agarrando, você está ferrada.
Paula se afasta de seu namorado e olha o relógio. Já faz dois
minutos que o professor de filosofia devia ter chegado.
— É verdade — suspira. — Amor, por que veio? Que surpresa!
— Não ficou feliz?
— Claro! Demais!
E tornam a se abraçar.
— Eu também estou feliz por te ver. E para mim, nada? —
intervém Diana, abrindo os braços.
— Ei, você, quieta aí. Com Mario e Miriam você já tem de
sobra…
— Como você é babaca! Não sei como gosta dela.
— Eu também me pergunto.
— Ei! Que negócio é esse?
Paula se finge de irritada e vira de costas. Ángel a abraça por
trás e beija seu pescoço. Depois, gira-a com suavidade e, olhando-a
nos olhos, dá-lhe outro beijo na boca.
— Deus do céu, como vocês são melados! — resmunga Diana.
— Invejosa.
— Babaca.
— Imbecil.
— Idiota.
Ángel ri. Aquela garota é um tanto diferente de Paula, mas gosta
muito dela.
— Sinto interromper, mas vim para te raptar. E se seu professor
vir, não vai deixar.
— Raptar-me?
— Sim. Quero te levar a um lugar.
— A um motel? — pergunta Diana, deixado escapar um
sorrisinho malandro.
Ángel e Paula coram, mas tentam manter a compostura.
— Não. Já vai descobrir. O que me diz? Pode fugir da escola
hoje?
— Quantas aulas vou perder?
— Todas.
Diana assovia e Paula suspira. Não quer perder tanta aula.
Ontem já matou filosofia, e já vão começar as provas finais. Mas não
pode resistir à tentação e é incapaz de dizer não. É Ángel.
— Tudo bem. Mas vamos já, antes que nos peguem.
— Vamos correr, então. Até depois, Diana.
Ángel pega a mão de Paula e juntos voam pelo corredor.
— Que digo se perguntarem por você?! — grita Diana, enquanto
os vê se afastando.
— Diga que me raptaram! Mas que não paguem o resgate!
O casal atravessa o umbral da porta de mãos dadas e
desaparece.
“Que babaca!”, pensa Diana sobre Paula. Mas é sua amiga e está
feliz por ela. No entanto, continua sem entender como consegue que
todos os meninos vão atrás dela. Mario? Nunca vai admitir, mas
quando viu os dois um pouco antes juntos, tão perto, uma forte
pontada a atravessou por dentro. Nunca havia se sentido assim.
Não, isso não pode ser. São só amigos. Deve ter sido imaginação sua.
Além do mais, que importa? Ela e Mario não têm nada. Quase nem
são amigos. Então, por que antes se sentiu mal?
Diana entra tranquilamente na sala. Caminha devagar para o
canto das Sugus. No trajeto, não pode evitar de olhar para a mesa
em que Mario já está sentado. Ele percebe, é como se a estivesse
esperando faz tempo, e a cumprimenta com a cabeça. “Que gatinho”.
A menina sorri e o imita. Uff!
Porém, Diana teria uma grande decepção se soubesse que quem
aquele garoto buscava com o olhar não era exatamente ela.
Capítulo Quarenta

Nessa mesma manhã de março, em um lugar próximo à cidade.


Aquela terça-feira está ensolarada, faz até calor. Muito calor.
Isso pode indicar duas coisas: ou que a primavera se antecipou uns
dias ou que, em breve , o tempo vai mudar. Nessa mesma semana,
saberão a resposta.
Ángel paga o taxista. Abre a porta e sai do veículo com uma
pequena mochila cinza pendurada no ombro esquerdo e abaixando a
cabeça. Paula se despede do motorista e também abandona o carro.
Estão em uma área isolada da cidade. Diante deles, uma enorme
extensão de terra cheia de árvores de diversas espécies.
— Onde estamos? — pergunta a menina, que olha ao seu redor
tratando de descobrir o que é aquele lugar.
— Não sabe mesmo o que é isto?
— Não mesmo.
— Ok. Venha comigo.
Ángel sorri. Pega a mão de Paula e a dirige até o começo de um
caminho empinado formado por tijolos vermelhos. Em silêncio,
sobem a ladeira. A menina está cada vez mais ansiosa. Aonde ele a
levou?
Um minuto depois já estão no topo. Dali, Paula contempla muito
melhor toda a paisagem. Há árvores e trilhas por todos os lados, e
até alguns pequenos lagos nos quais diversos patos se divertem
nadando alegremente de um lado para o outro. Mas o que mais
chama sua atenção são algumas porções de grama de um verde mais
claro, situadas em vários lugares do terreno. Em cada uma há uma
bandeira com um número.
— É um campo de golfe! — exclama.
— Muito bem. Prêmio para a linda mocinha de jérsei amarelo
que está com meu casaco!
Ángel lhe cedeu gentilmente seu casaco para que não passasse
frio. Com a pressa, nem sequer pôde pegar suas coisas na sala de
aula. Do táxi, mandou um SMS a Diana para que cuide de tudo.
— Bobo.
Paula tenta lhe dar uma cotovelada, sem força. Ángel se esquiva.
Depois, abraça-a e beija.
— Isso mesmo. Trouxe você a um campo de golfe. Por essa você
não esperava, não é?
— Claro que não. E eu não sei jogar golfe.
— Imaginava.
— Então?
— Hoje você vai ser minha assistente e meu caddie.
— Seu o quê?
— Meu caddie.
— Não sei o que é isso, meu amor. Eu… não entendo muito
disso.
Ángel solta uma gargalhada. Paula se incomoda e resmunga. A
irritação dura poucos segundos, apenas os que ele leva para chegar
aos lábios dela.
— Eu explico: caddie é aquele que carrega os tacos do jogador.
Por fim descobre a que se refere. Viu algumas vezes na tevê: são
aqueles sujeitos de boné que carregam uma bolsa muito pesada e
caminham atrás dos golfistas de buraco em buraco.
— Vou ter que carregar seus tacos?
Ángel volta a rir, mas dessa vez com menos veemência, para que
ela não se chateie.
— Não, amor. Eu vou carregar os tacos, não se preocupe.
— Ainda bem — diz suspirando. — E como posso ajudar?
O jovem olha seu relógio e busca algo com o olhar.
— Vamos até ali. Eu explico no caminho — diz Ángel, apontando
com o dedo para um belo edifício branco situado em uma das
laterais do terreno. É a Casa Club.
De mãos dadas, o casal desce pela trilha para a entrada do
campo.
— Hoje vai acontecer aqui um torneio beneficente — começa a
contar Ángel. — Personalidades famosas, atores, cantores vão
participar. E eu tenho que cobrir o evento.
— Ah, que legal!
— Sim. Ontem eu me credenciei. E, como não podíamos mandar
o fotógrafo, credenciei você como minha assistente.
A menina para e olha para ele com surpresa. Ángel, ainda
sorrindo, também para.
— O quê? Não pode estar falar sério...
— Claro que sim. Você vai ser minha fotógrafa. Não se preocupe,
só incluiremos uma foto disto aqui na edição deste mês. De todas as
que vai fazer, alguma deve sair boa.
— Mãe do céu!
— E como o dono do campo é amigo do meu chefe, quando
acabarmos a reportagem, vão nos deixar dar umas tacadas e você
entrará como meu caddie, mas quem realmente vai levar os tacos
serei eu. O dia está lindo. Vamos passear, comer por aqui e
aproveitar a natureza. O que você acha?
Paula continua imóvel. Não afasta seus olhos dos dele. Ela,
fotógrafa!
— O lance do passeio, da comida e tudo isso é ótimo. Mas esse
negócio de eu fazer as fotos me parece uma loucura!
— Mas é muito simples... Espere.
Ángel abre o zíper da pequena mochila cinza que carrega no
ombro. De lá tira uma câmera fotográfica. Extrai o protetor da
objetiva e olha por ela duas vezes. Paula o observa atenta e meio
inquieta. Não entende muito do assunto, mas a câmera parece muito
cara.
— Amor, eu realmente...
— Tome, faça um teste.
A menina hesita. Não quer pegá-la.
— E se eu quebrar?
— Não vai quebrar! Tome. Aperte aqui para bater a foto.
Paula segura com força a câmera para evitar qualquer
possibilidade de que caia no chão. Ángel se afasta uns passos.
— É digital? — pergunta, enquanto examina os diversos
botõezinhos do aparelho.
— Não, é das antigas, das que os profissionais usam, com filme.
Vamos, já estou pronto! Bata!
Suspira. Não tem certeza de que irá conseguir. Focaliza com o
olho direito e fecha o esquerdo. Vê Ángel sorridente. Ela também
sorri. Está posando. Como é bonito! Podia ter sido modelo se
quisesse.
Explora a máquina até que por fim descobre como funciona
o zoom. Aproxima e afasta a imagem algumas vezes. Seu namorado,
à sua frente, não se impacienta, mas começa a dar pequenas
batidinhas no chão com o pé direito.
— Tudo bem? Algum problema?
— Sim, um. Eu não sou fotógrafa profissional!
— Ande, resmungona! Bata já!
Um “clic” se ouve enquanto Ángel grita.
— Ops! Acho que peguei você com a boca aberta.
O garoto vai até ela. Não parece contrariado, e não está. Diverte-
se com a situação, ao contrário de Paula, que ficou vermelha.
— Não se preocupe, é só um teste para que você saiba como a
câmera funciona. Só isso.
— Sou muito desajeitada, desculpe. Não sei fazer nada direito.
— Em uma coisa você é a melhor.
Ángel põe suas duas mãos na cintura de Paula, inclina-se um
pouco e a beija fechando os olhos. A menina estremece quando sente
as mãos quentes dele tocando sua pele por baixo do jérsei amarelo.
Sente-as primeiro nas costas, depois roçam seu abdome; quase
tocam a borda de seu sutiã, mas ele para bem no limite. Sabe até
onde deve chegar. Porém, o coração de Paula bate muito depressa.
Dois minutos depois, afastam-se.
— Uff. Sem dúvida, nisso ninguém ganha de você.
— Nem de você, meu amor — diz a menina, ainda abalada pelo
momento passional.
— Venha, vamos. Senão, não haverá mais cantores para
fotografar; alguns jogam a primeira bola e vão embora.
De mãos dadas, caminham até a Casa Club.
Paula não está totalmente segura. A ideia de ela fazer as fotos
não a entusiasma. Tem certeza de que vai pisar na bola e não tirar
nem uma única fotografia decente. Porém, não vai se queixar mais.
— Espere aqui. Vou lá dentro buscar as credenciais — diz Ángel
na porta do edifício.
Sem dizer nada, ela obedece.
Vê um pequeno banco vazio e se senta nele. Pensa em tudo que
está acontecendo ultimamente. É como um conto. Não, como um
romance, um desses românticos para adolescentes. E ela é a
protagonista. Sente-se felizarda.
Enquanto olha para lugar nenhum e relembra os últimos
episódios de sua história, uma garota se senta ao seu lado. Usa um
curioso bonezinho rosa e botas e jaqueta da mesma cor. Tudo
perfeitamente combinando.
Paula a observa de soslaio. A garota percebe e se volta
sorridente. Então, ela a reconhece. É aquela jovem atriz que faz um
anúncio de chiclete! Como se chama? Não lembra. Que cabeça!
— Olá — cumprimenta a atriz gentilmente.
Paula olha ao seu redor. É com ela? Sim, claro. Não há ninguém
mais em volta. Não pode acreditar. Está sentada ao lado de uma
famosa e, ainda por cima, está falando com ela. Mas como se
chama?
— Olá — responde timidamente.
— Você veio para o torneio?
— Bom, mais ou menos.
— Não entendo nada de golfe — confessa a atriz, sorrindo. —
Com certeza não vou nem acertar a bola.
— Eu também não. Nunca joguei.
— Então, somos duas.
Que simpática! E isso que dizem que todos os famosos são
metidos. Pelo menos essa menina não parece ser assim.
Então Paula tem uma ideia. Sim, seria bom para começar.
— Olha, posso fazer uma foto sua? É para minha revista. Sou
fotógrafa.
A jovem atriz olha para ela um pouco desconcertada. Não é
muito nova para isso? Porém, em um instante recupera seu sorriso.
— Claro. É um prazer.
A menina se levanta, certifica-se de que o bonezinho está reto e
se situa em frente à Casa Club. Paula segura a câmera com força.
Espera não pisar na bola. Brinca com o zoom até achar que o
enquadramento está perfeito. É incrível: está fazendo uma foto de
uma estrela da TV com uma câmera profissional!
A atriz não para de sorrir. Está com as costas apoiadas na
parede do edifício, as pernas levemente abertas e os polegares das
duas mãos nos bolsos. Como posa bem!
Clic.
— Pronto. Muito obrigada.
— Quer fazer outra? — pergunta a menina vestida de rosa.
— Ok.
— Espere. Se quiser, fico perto dessa árvore — diz, apontando
para uma bétula.
— Perfeito.
Agora a pose é diferente. Inclina-se levemente para a frente com
uma mão no joelho e a outra apoiada na árvore. Sem dúvida, move-
se perfeitamente diante da câmera. Paula a focaliza, agora muito
mais tranquila. Sente-se uma fotógrafa de verdade.
Clic.
— Pronto. Obrigada de novo.
As duas voltam para o banco. Sentam-se juntas, uma ao lado da
outra, como se fossem velhas amigas. Animadamente, conversam
sobre a fotografia e sua inexperiência no mundo do golfe.
Minutos depois, um homem muito bem vestido, de boné da Nike,
sai da Casa Club e se aproxima delas. Carrega uma bolsa pesada
cheia de tacos.
— Vamos. Já peguei os passes — diz à jovem atriz.
— Grande coisa. Não posso me livrar de jogar? Só de estar aqui
já vale, não?
— Não seja assim. Logo você pega a manha. Pelo menos dê duas
tacadas.
A menina se levanta do banco, suspira e dá de ombros. Depois
olha para Paula e sorri.
— Então, vamos lá. Vejo você em algumas tacadas. Muito prazer.
Paula também se levanta.
— Igualmente. E muito obrigada pelas fotos.
A atriz se despede agitando a mão e desaparece com seu
acompanhante por uma das ladeiras do campo.
A menina se senta de novo. Tenta se acalmar, mas é impossível.
Está emocionada, tanto que nem percebe que Ángel voltou.
— Já peguei as credenciais. Depois vou buscar os tacos.
— Ah, tudo bem, amor.
— Toma.
O rapaz lhe entrega um cartão plastificado, com um
cordãozinho, que contém seu nome. Paula pega e o pendura no
pescoço. Sente-se importante.
— Amor, sabe o que aconteceu?
— Se não me disser, não — brinca Ángel, enquanto também
pendura sua credencial.
Paula lhe mostra a língua e a seguir conta seu encontro com a
atriz do bonezinho rosa. O garoto sorri quando ela termina.
— Então, está orgulhoso de mim?
— Muito. Mas você só esqueceu um pequeno detalhe.
— Um pequeno detalhe? Qual? — pergunta, arqueando as
sobrancelhas.
— Somos uma revista de música, não de cinema e televisão.
Paula estala os dedos. Que mancada!
Mesmo que aquelas fotos não sirvam para a revista, ninguém lhe
tira o tempo agradável que passou com aquela atriz cujo nome ainda
não lembra.
Capítulo Quarenta e Um

Nessa mesma manhã de março, em algum lugar da cidade.


Aonde terá ido?
O professor de filosofia perguntou por ela. É o segundo dia
consecutivo que falta à sua aula. Uma terceira falta e não poderá
fazer a prova do trimestre semana que vem. Diana disse que Paula
se sentiu mal e foi para casa. Evidentemente, Mario não acreditou.
A hora de aula passou lentamente para ele, quase levando-o ao
desespero. Cada minuto se fez eterno porque o relógio parecia não
avançar. Não parou de olhar várias vezes para o canto das Sugus,
para a mesa livre onde Paula deveria estar sentada. Não tem nem
ideia do que pode ter acontecido com ela.
Porém, Mario não se preocupa só com o paradeiro de sua
querida amiga. Durante aquela hora, não parou de pensar e
repensar no momento que viveram no corredor. Tão perto um do
outro, em silêncio, quase sem nenhuma distância entre ambos.
Ainda podia sentir as batidas do seu próprio coração a toda
velocidade e a respiração entrecortada dela. O que teria acontecido
se Diana não chegasse? Possivelmente, nada. Mas esse instante fez
suas esperanças com Paula aumentarem. À tarde, quando ela for à
sua casa, tentará de novo dizer-lhe o que sente.
Nessa mesma manhã de março, na mesma classe em que Mario
pensa sem parar.
Ficou a aula toda olhando para seu canto. Sente-se lisonjeada e
também um pouco emocionada. Até trocaram sorrisos três vezes.
Não, foram quatro.
A aula de filosofia passou voando para Diana. Nem falou com
suas amigas. Miriam e Cris perguntaram se estava doente. Talvez,
ou talvez esteja começando a ficar. Mas sua doença não é dessas que
se curam com remédios ou antibióticos. É a primeira vez na vida que
se sente assim.
Mas ainda tem dúvidas. Por mais que tente, não lhe sai da
cabeça a imagem de Mario e Paula no corredor com os rostos
excessivamente perto. Que tola! Como pode ter ciúmes de uma de
suas melhores amigas? Paula é uma Sugus e, além do mais, namora.
E tem o escritor. E ele... Ele vem em sua direção nesse momento.
Uff! Não entende por que suas mãos suam. Está nervosa? Não,
nunca fica nervosa, e menos ainda por causa de um menino. Mas
agora é diferente. É?
— O que aconteceu com Paula? Ficou doente?
— É...
Difícil falar. Está trêmula. Olha-o nos olhos. São castanhos.
Dizem que os olhos castanhos são muito comuns, porém, para ela,
parecem olhos incríveis, especiais.
— O que aconteceu com a senhorita García?
Saído de lugar nenhum, o professor de matemática chegou para
dar sua aula e sigilosamente foi até eles. Então, Diana não pôde
contar a Mario que Paula saiu com o namorado quem sabe para
onde.
— Passou mal e teve que ir para casa — mente.
— Essa menina é frágil como cristal da Bohemia. Enfim, não sei
se poderei suportar sua ausência — comenta irônico. — Mande
lembranças de minha parte e diga-lhe que, embora não lhe mande
flores como outros, estimo suas melhoras. Especialmente para a
prova de sexta-feira.
— Direi.
O professor de matemática faz uma espécie de reverência e
depois olha para Mario, que ouve atento a conversa entre ambos.
— Pode voltar para sua cadeira, senhor Parra. O maravilhoso
mundo das derivadas, capítulo trinta e sete, está prestes a começar.
O menino dá um sorriso amarelo e volta para o outro lado da
classe. Então, pode ser verdade que Paula passou mal. Será que isso
afetará seu “encontro” da tarde?
Nessa mesma manhã de março, em outro lugar da cidade.
— Talvez devesse ter ido.
Mauricio Torres está sentado na enorme cadeira de sua sala
revisando uns contratos publicitários que ofereceram à sua cliente.
Ela o observa séria sentada em um sofá de três lugares.
— Não sei jogar golfe — responde Katia sem nenhum tipo de
expressividade.
— Não precisa saber. Só de estar ali teria bastado.
— Não estou a fim, Mauricio. E menos ainda de aprender a jogar
golfe.
— Eu entendo. Você acaba de sair do hospital e ainda está
convalescente. Não é simples superar tão depressa um acidente de
carro como o que você sofreu. Mas quanto antes voltarmos à ativa,
melhor, e esse ato beneficente teria sido uma boa oportunidade para
aparecer.
Katia não diz nada. Está triste, desanimada. O acidente de carro
influi um pouco, mas o que realmente a deixa assim é outra questão.
Está tentando por todos os meios esquecer Ángel. Mas quanto mais
tenta não pensar nele, mais pensa. É insuportável.
— Katia! Vamos, anime-se! — exclama seu agente, que se
levantou e se sentou ao lado dela.
A menina sorri sem vontade.
— Ok, calma, não se preocupe.
— Ainda temos tempo de chegar ao torneio. Quer ir, para ver se
assim você se anima?
— Mas eu não tenho nem carro.
No acidente, o Audi rosa conversível ficara seriamente avariado.
Os mecânicos disseram que só na semana seguinte estaria
disponível.
— Vamos no meu.
— Deixa pra lá, Mauricio. Sério. Prefiro ir para casa descansar.
Pode chamar um táxi pra mim?
O homem suspira. Está seriamente preocupado com ela. Perdeu
toda a vitalidade. O acidente a deixou abalada psicologicamente.
Katia tem vontade de chorar. Não entende nada. Como pode
estar assim por um cara que conhece há tão pouco tempo? Quer ir
para casa, enfiar a cabeça debaixo do travesseiro e esquecê-lo de
uma vez por todas. Precisa fazer isso, ou ficará louca. Ángel acabou.
Acabou. Nunca mais.
Nada mais longe da realidade. Não suspeita que o reencontro
com o jovem jornalista está perto.
Nessa mesma manhã de março, em outro lugar da cidade.
Fantástico! Que surpresa!
Não esperava, sinceramente. Mas, quando abriu seu e-mail, Álex
encontrou duas mensagens que alegram sua manhã.
É incrível. Eu estava andando tranquilamente com uma amiga e
resolvemos entrar para brincar em uma cabine de fotografia
automática. Lá, encontramos sua história. Por trás da parede é genial.
Adorei o protagonista. E Larry também.
Você é muito bom. Com certeza já lhe disseram isso um monte de
vezes, não sou nada original.
Minha amiga e eu desejamos a você muita sorte. E você já tem
duas compradoras do seu livro quando for publicado, porque não
tenho nenhuma dúvida de que alguma editora vai descobri-lo e
publicará Por trás da parede.
Você terá notícias nossas.
Muitos beijos de Nerea e Susana.
Olá.
Meu nome é Lucía, tenho dezessete anos e estou viajando ainda
com sua história. Adoro ler e garanto que o que você faz tem muito
valor. Tenho certeza de que um dia irei à livraria e encontrarei Por trás
da parede em alguma prateleira.
Além do mais, você tem imaginação: promover assim seu livro é
uma ideia genial . Vou falar com todos os meus amigos sobre seu
romance e fazer algumas cópias para deixá-las por aí, como você fez,
se não se importa, claro.
Então, é isso.
Adorei conhecê-lo e espero fazê-lo um pouco mais com o tempo.
Muita sorte e um beijão.
Sorri. Não pode evitar lê-los várias vezes. Por fim, a ideia dos
livretos está fazendo certo sucesso. Havia perdido um pouco da
esperança. Quando Paula disse que não podia ajudá-lo, pensou em
não continuar com suas intenções de promover o romance dessa
forma. Ele se limitaria a escrever e pronto.
Porém, aqueles e-mails lhe deram força e ânimo. Sim, fará mais
cópias e voltará a se colocar nas mãos do destino.
Nessa mesma manhã de março, em outro lugar da cidade.
Está com calor. E, embora nesses dias não esteja fazendo o frio
de outros anos na mesma época, nessa aula a temperatura é muito
alta. Exagerada. Faces coradas e algumas testas brilhantes. Talvez o
professor tenha mandado aumentar o aquecimento para que suas
alunas usem o mínimo de roupa possível. Isso não é problema para
Irene, que sem nenhum constrangimento tira a blusa. Na manobra,
a camiseta que usa por baixo sobe e mostra o umbigo, que fica à
vista. Olhos curiosos não perdem um detalhe do acontecimento, que
dura três intensos segundos, até que tudo volta ao seu lugar. A
menina deixa a blusa de algodão no encosto da cadeira e ajeita o
rabo de cavalo que fez para ficar mais à vontade.
Sua camiseta de listras verticais rosa e azuis, perfeitamente
ajustada a seu exuberante busto, não passa inadvertida para
ninguém, e ainda menos para o professor, que centra todas as suas
explicações nela.
Irene gosta desse jogo. Há muito tempo vem sendo o centro das
atenções onde quer que vá. Nunca lhe incomodou que a olhem. Ao
contrário, sente-se satisfeita.
Se lembrasse a quantidade de propostas que recebeu, decentes e
indecentes , não existiria espaço em sua memória para mais nada.
Os homens são tão simples! Desde que completam treze anos até
quando morrem, só pensam em uma coisa. Ela sabe e não vai
desperdiçar o que a natureza — e, por que não dizer, os dias de
academia e de passar fome — lhe proporcionou. Ninguém nunca
resistiu aos seus encantos. Ninguém... Exceto seu meio-irmão.
A garota não presta atenção no que o professor está anotando na
lousa. Cruza as pernas, hoje cobertas por um jeans claro justinho,
debaixo da mesa. Sorri e assente quando lhe perguntam:
— Entendeu, Irene?
— Sim. Claramente, professor.
Assim foram quatro vezes em uma hora. Na realidade, Irene não
sabe nem do que ele está falando. O tom com que explica as coisas a
deixa entediada. Mas tudo para contentar aquele bom homem que já
disse várias vezes que as anotações feitas em sala de aula serão a
base do curso. Isso também não é problema para ela. Com certeza
alguma alma caridosa vai lhe emprestar gentilmente suas anotações
para que as copie em troca de um jantar.
Agora, tem coisas mais interessantes em que pensar.
Precisa descobrir quem é essa Paula. Sem dúvida, seu meio-
irmão está apaixonado por ela. E isso não é bom, nada bom. Para
chegar ao coração de Álex, os sentimentos por essa menina têm que
desaparecer e, quando acabarem, será muito mais simples. Pode
inclusive se aproveitar da fraqueza que sempre vem após um
fracasso amoroso. Enquanto isso, vai construindo a base de sua
relação com ele para, quando chegar o momento adequado, dar o
passo definitivo.
Mas como pode conseguir chegar até Paula?
— Irene Ruiz, entendeu?
— Está tudo muito claro, professor.
A resposta é Álex. Para chegar a Paula, o caminho é ele. Não há
mais remédio, então. Vai ter que brincar de polícia e ladrão. Vai ser
divertido.
Capítulo Quarenta e Dois

Nesse mesmo dia de março, em um lugar afastado da cidade.


Famosos, cantores, atores, atletas e até alguns célebres chefs:
todos reunidos em prol de uma boa causa.
Paula se diverte como uma menininha que ganhou sapatos
novos. Câmera na mão, pede a uns e outros que olhem para a
objetiva depois de Ángel fazer as perguntas pertinentes. Formam
uma dupla perfeita: jovens, intrépidos, proativos . E se entendem
com o olhar. Clark e Lois do século XXI.
Ainda continua sem acreditar que aquilo tudo está acontecendo,
e já conseguiu lembrar o nome da atriz que encontrou na Casa Club
com o bonezinho rosa: Andrea Alfaro. Cruzaram-se no buraco sete e
trocaram algumas palavras cúmplices. Até se deram dois beijinhos
ao se despedir!
Seu teste como fotógrafa foi concluído com uma nota alta, como
se andasse a vida toda no meio de famosos com uma máquina
fotográfica pendurada no pescoço. Porém, um novo desafio mede
agora as habilidades de Paula.
— Me lembra de ligar para minha mãe e dizer que não vou
almoçar em casa.
Paula está pronta para dar sua primeira tacada de golfe. A jovem
olha para trás e encontra os olhos azuis de Ángel. Estão colados um
no outro, ela na frente e ele atrás, com as mãos unidas.
— Ok. Mas agora se concentre.
— Acho que eu não consigo. É muito difícil.
— Com certeza vai pegar o jeito logo. Abra mais as pernas. Estão
muito juntas.
— Pernas abertas. Bom, isso é fácil.
Paula obedece e afasta as pernas. Sente o corpo de Ángel muito
perto, cada vez mais.
— Pegue o taco mais para cima, amor. E com mais força.
— Assim? — diz a menina, segurando o ferro cinco, como ele diz.
— Sim, muito bem. Agora, abaixe a cabeça e olhe fixamente para
a bola.
Suavemente, Ángel a ajuda a adotar a postura adequada. Seus
olhos se cravam na bola de golfe.
— Esse esporte não dá torcicolo?
— Não. Vamos, se concentre, meu amor.
— Tudo bem.
Mas como vai se concentrar com seu namorado totalmente
colado nela? Ela não é de pedra! Seu coração vai sair do peito.
Pergunta-se se ele estará sentindo a mesma coisa.
— Agora é hora do swing.
— Swing? Vamos dançar?
Ángel abaixa a cabeça e coloca seu rosto junto ao dela. Seus
olhos em paralelo, as bocas também, a alguns milímetros de
distância.
— Paula.
— Eu sei, concentre-se.
— Sim. Mas primeiro...
Sem que a menina espere, beija-a. Um beijo quente de vários
segundos na boca. E ela que pensava que seu coração não podia
bater mais depressa!
— Humm, gosto cada vez mais desse esporte. Os jogadores
sempre fazem isso com o caddie?
— Sim, sempre que acabamos um buraco — brinca, sorridente.
— E agora... flexione os joelhos e bata forte!
Paula segura o ferro com firmeza, fecha os olhos, aperta os
dentes e tenta bater na bola com toda sua vontade. Ángel, atrás,
guia-a no balanço do swing.
A cabeça do taco se choca com violência no chão, mas a bola
não se move nem um centímetro. Paula cora. O que fez de errado?
Achava que tinha acertado!
Ángel solta uma gargalhada e pega o taco para examinar os
danos.
— Quebrei? — pergunta, envergonhada.
— Não, está perfeito. Você é muito magrinha: falta músculo e
não tem força suficiente para isso.
— Como? Eu não tenho força? Agora você vai ver.
Com o orgulho ferido, arrebata o taco das mãos dele. Torna a se
posicionar tal como seu namorado lhe ensinou, mas, dessa vez, sem
ele atrás. Afasta as pernas, abaixa a cabeça, olha a bola com ira,
flexiona os joelhos e procura bater com força. Seu swingnão é
exatamente o mais acadêmico da história, mas, quando o taco
alcança o chão, acerta o centro da bola e a desloca.
— Acertei? Acertei! — exclama, quase tão feliz quanto surpresa.
O casal acompanha atentamente o caminho da bola, que não
ganhou altura. Rodando, avança uns metros e entra no rough; acaba
ao lado de uma árvore.
Ángel abraça de novo sua namorada e lhe dá um beijo carinhoso
na testa.
— Bom, você não é Tiger Woods, mas pelo menos acertou.
— O que você queria? Nunca joguei!
— Eu sei, meu amor. Jogou muito bem. Agora é minha vez de
bater a bola lá da árvore.
O garoto guarda na bolsa o taco que Paula usou e pega outro.
Agarra a mão dela e juntos se dirigem ao lugar onde a bola foi parar.
No caminho, o celular da menina começa a tocar.
— Espera, amor. Me deixa atender.
— Tudo bem. Vou estudando o golpe que tenho que dar.
— Ok.
Beijo na boca.
O jornalista se afasta uns metros até a árvore enquanto Paula
tira o celular de um dos bolsos da calça.
— Alô?
— Paula? Oi, é o Mario.
— Oi, Mario, tudo bem? — a garota consulta o relógio. — Estão
na troca de aula, não? É língua espanhola agora.
— Sim, a professora já está chegando.
— Cuidado para que não te pegue falando no celular.
— Tranquilo. Estou atento.
— Ok.
Um silêncio se produz entre ambos. Paula olha para Ángel, que,
inclinado, observa a posição da bola e analisa como terá que bater
para levá-la ao green.
— Você está doente? — pergunta por fim o menino.
— Quem? Eu?
— Diana está dizendo aos professores que você passou mal e
que por isso foi para casa.
— Ah, sim! Mas me deitei um pouco e já estou muito melhor.
Não pode lhe dizer nada sobre sua magnífica manhã como
fotógrafa de famosos e jogadora de golfe. Seria muito longo e
complicado de explicar. Além do mais, corre o risco de que, ao
contar, ele espalhe pela classe e algum professor acabe sabendo.
— Que bom. Estávamos preocupados.
— Obrigada por se interessar, Mario. Já estou boa. Deve ter sido
uma queda de pressão ou algo assim.
— É que foi tudo muito estranho. Estávamos no corredor tão
tranquilos, depois você não entrou na aula e Diana chega dizendo
que você foi embora porque estava mal.
Paula relembra agora o momento em que haviam conversado no
corredor. Havia esquecido por completo. Também não é algo para
ficar na cabeça. Um instante de confusão. Inexplicável.
— É. É que foi tudo muito rápido e de repente. Mas já estou
bem.
— Então, hoje à tarde continua em pé?
Hoje à tarde, hoje à tarde… É verdade! Estudar matemática!
Está tão imersa em seu sonho com Ángel que todo o resto não
existe. Porém, há uma realidade do outro lado cheia de provas e de
horas durante as quais terá que fincar os cotovelos na mesa se
quiser ir bem.
— Claro. Estarei em sua casa às cinco.
— Ok, espero você. Tenho que desligar, a professora está
chegando. Melhoras. Um beijo.
Sem tempo para se despedir dele, a ligação é cortada.
O sol brilha acima de sua cabeça. A luz em seus olhos faz que
pareçam mais claros. Sonho e realidade. Está vivendo a história de
amor que qualquer menina de sua idade gostaria de ter. Um sonho,
mas nada é imaginário. Tudo está acontecendo de verdade. É real.
Guarda o telefone no bolso. Em pé, imóvel, observa Ángel.
Segura o taco com as duas mãos, o corpo levemente inclinado e a
cabeça baixa, com o olhar na bola. É muito atraente. E é seu.
Gostou dela. Ama-o. Ama-o demais. Um calafrio percorre todo seu
corpo. E sorri.
Paula contempla Ángel enquanto ele realiza um swing perfeito;
vê os músculos de seus braços tensos por conta do esforço,
destacando as veinhas dos bíceps; a bola sobe ao céu e desce
lentamente, aterrissando perto da bandeira do buraco onze. Um
golpe de mestre.
Tranquilamente, Paula caminha para ele. Aplaude. Ángel está
olhando para ela. Não deixou de fazer isso desde que a bola parou.
Esses olhos azuis que a encantam. Sim, definitivamente ama esse
garoto.
— Muito bem! Mas o vento empurrou a bola, claramente. Por
isso a tacada foi tão boa.
— O vento? Não há nem sinal de vento.
— Porque parou agora mesmo.
— Que coincidência!
— Com um pouco de prática, com certeza eu a teria enfiado no
buraco.
A menina se aproxima lentamente. Está com as mãos nas
costas. Dá um sorriso malandro e não afasta os olhos dos dele.
— Com certeza! Não duvido nem por um instante.
— Melhor não, mesmo, porque senão...
— Senão, o quê?
— Ficaria sem isso.
Paula fica na ponta dos pés, fecha os olhos e o beija docemente.
Um beijo curto que tem sequência em outro. E outro. Dezenas deles.
— Te amo — sussurra.
— Eu também.
Minutos depois a cena acaba. Ángel pega a bolsa de tacos e se
dirige, firme, ao buraco. Paula segue ao seu lado, segurando o braço
livre dele.
— Se acertar, eu te convido para almoçar.
— Você não trouxe dinheiro.
— Tanto faz. Eu convido, mas você paga.
Os dois se olham e riem ao mesmo tempo.
— Ok, mas antes liga para seus pais e diz que não vai para casa.
— É verdade! Espero que não fiquem muito bravos.
— Se quiser, eu falo com eles — diz brincando.
— Ok. Eu ligo e passo o telefone.
Ángel fica branco. Quem mandou abrir a boca!
— Meu amor, eu...
— Calma — diz ela sorridente. — Dos meus pais cuido eu. Você
pensa só em mim.
E enquanto Paula tira de novo o celular do bolso, Ángel suspira
aliviado.
Nesse mesmo dia de março, em algum lugar da cidade.
— Mas, Paula...
— Te amo, mamãe. Mande um beijo para o papai. Bye!
— Pau... — desligou — … la.
Nada a fazer. Mercedes olha o celular desconcertada. Sua filha
acaba de lhe dizer que não a esperem, que não irá almoçar. Vai
comer na cantina da escola e depois vai estudar, primeiro na
biblioteca e mais tarde na casa de Mario e Miriam. Evidentemente,
Mercedes não acreditou em nada.
Nesse mesmo instante, seu marido entra em casa. A pequena
Erica corre para sua mãe para lhe dar um beijo. A menina dá um
pulo e se pendura em seus braços.
— Olá, mamãe!
— Olá, pequenucha.
— Não sou pequena — protesta, franzindo a testa para deixar
clara sua indignação.
— Tem razão, meu amor. Você já pesa como uma menina
grande. Daqui a pouco não vou aguentar carregar você.
— Peso quase como Paula. E em um mês, vou pesar mais.
Porque como mais que ela, não é?
— Claro que sim.
Sua mãe sorri. Ainda está longe a hora em que Erica vai
começar a se preocupar com o peso. É um alívio. Uma filha
adolescente já é o bastante . Ainda lembra quando Paula lhe
perguntou pela primeira vez se a achava gorda. Depois, aquele
complexo porque suas amigas tinham os seios maiores que ela. E
mais tarde o sufoco das espinhas, a primeira menstruação, aquele
garoto mais velho de quem gostava, o primeiro acampamento de
verão...
Nostálgica, relembra esses pequenos momentos mãe-filha,
quando se contavam tudo. Agora, vai fazer dezessete anos, e não é
que a considere uma completa desconhecida, mas sabe que está se
afastando, que já não conta com ela para a maioria das novas
experiências.
— Mamãe, que foi? — Erica nota que sua mãe ficou séria de
repente. — Se quiser, pode me chamar de pequenucha. Não me
importo. De verdade.
Mercedes a olha e volta a sorrir. Segura com força a menina e
lhe dá dois beijos na testa. Sim, ainda falta bastante para que a
pequena loirinha siga os passos da irmã mais velha.
— Olá, meu amor. Como foi a manhã? — pergunta seu marido,
que põe Erica no chão e beija sua mulher no rosto.
— Bom, bem.
Paco a conhece. Sabe que alguma coisa a preocupa.
— Vamos, o que foi? Aconteceu alguma coisa?
— Não...
Erica olha para seus pais, atenta. Não entende do que estão
falando. Seu rosto vai de um a outro como se estivesse vendo uma
partida de tênis. Paco percebe que a menina continua ali.
— Princesa, por que não vai lavar as mãos e o rosto? Já vamos
almoçar — diz docemente a ela.
A menina quer saber do que seus pais estão falando, mas está
morrendo de fome, de modo que, quanto antes obedecer, antes
comerá. Assente várias vezes com a cabeça, balançando-a muito
depressa, e sobe a toda velocidade para o andar de cima. Quando
desaparece, Paco torna a insistir com sua mulher.
— Já estamos sós. Pode contar.
— É Paula.
— Paula? Aconteceu alguma coisa?
Mercedes, então, relembra aquele anúncio de alguns anos da
Coca-Cola. Nele, uma filha falava com sua mãe ao telefone
explicando que ia ficar na biblioteca para estudar para uma prova
muito difícil e que não a esperasse. Então, depois de desligar,
quando o marido lhe perguntava o que estava acontecendo, ela
respondia que a menina estava apaixonada. É exatamente isso que
pensa de Paula.
— Não vem almoçar.
— Outra vez?
— Outra vez.
— E qual foi a desculpa dessa vez?
— Que tem que estudar. Vai almoçar na escola e depois ficar na
biblioteca.
— Você acreditou?
— Sinceramente, não sei o que pensar.
— Eu acho que sabe.
Mercedes suspira. A tática de deixar que sua filha tome suas
próprias decisões sem perguntar nada não está dando resultado.
Continua sem lhes contar nada.
— Eu acho que há um garoto na história.
Paco desaba no sofá da sala e cruza os braços.
— Temos que falar com ela.
— Outra vez? E o que diríamos?
— Que somos seus pais e que temos o direito de saber se somos
sogros.
Mercedes não pode evitar soltar uma gargalhada ao ouvir seu
marido.
— Que foi? Não disse nada engraçado — diz, um pouco
incomodado.
A mulher se senta nos joelhos de seu marido e o beija na boca.
Logo a pequena irritação passa.
— Sogro rabugento.
— Não sou rabugento.
— Meu amor, estamos ficando mais velhos. E nossas filhas
também.
Os dois ficam calados por alguns segundos pensando no
passado. Não faz tanto tempo que não tinham que se preocupar com
a vida de Paula. Mas ela já não é uma menina.
Sogros! Soa terrível, parecem velhos. Ambos se resignam,
abraçados no sofá da sala.
— Está bem. Temos que falar de novo com ela e ser mais claros e
diretos. Se sou sogra, quero saber.
— Essa é a atitude! Vamos falar com ela.
Enquanto Paco e Mercedes se enchem de coragem para um novo
papo pais-filha, em um lugar afastado da cidade sua Paula também
está decidida a contar a Ángel algo que requer muita coragem.
Capítulo Quarenta e Três

Nessa tarde de março, em algum lugar da cidade.


As mesas da varanda do Meridiano de Sullivan estão cheias. Os
vinte e três graus que o termômetro marca faz com que os clientes
prefiram se sentar ao ar livre, e não no salão interno.
Álex e o Sr. Mendizábal também escolheram essa opção. Em
agradecimento pelas cópias gratuitas dos livretos, o jovem conseguiu
convencê-lo a aceitar o convite para um almoço. Hoje, as aulas de
saxofone começarão um pouco antes, aproveitando a ocasião.
— Não precisava se incomodar, Álex — diz o homem, enquanto
espeta uma batata frita de seu prato.
— Repito, Agustín, não é incômodo nenhum. É o mínimo que
podia fazer depois do que fez por mim.
— Mas eu não fiz nada!
— Setenta jogos de cópias de dez folhas, frente e verso, é muito
dinheiro , Agustín.
— Para com isso! Mais vai te custar meu filé mignon — diz,
enquanto solta uma gargalhada.
Álex contempla o homem enquanto coloca na boca um enorme
pedaço de carne. Talvez muito trabalho para sua dentição precária.
O garoto preferiu um dourado.
Uma agradável brisa intermitente refrigera o rosto corado de
Agustín Mendizábal; o vinho tinto está começando a lhe fazer efeito.
— Quando puder e tiver tempo, faça mais quarenta jogos do
mesmo. Mas, dessa vez, vou pagar. Ou irei a outra gráfica.
O homem deixa o garfo cheio a meio caminho entre o prato e sua
boca. Olha de modo ameaçador para seu acompanhante por um
instante, mas logo dá de ombros e com apetite voraz engole o pedaço
de carne.
— Como quiser.
Nesse momento, o telefone de Álex toca. Tira-o do bolso e
suspira profunda mente quando vê que é Irene quem está ligando.
Decide não atender, mas a garota insiste com uma segunda
chamada.
— Não vai atender? — pergunta o Sr. Mendizábal, enquanto
volta a encher a taça de vinho.
Por fim, o jovem se dá por vencido e atende. O que ela quer
agora?
— Oi, Irene — diz seco.
— Que antipático você é! — protesta ela.
— Para que ligou?
— Olá, primeiro?
— Olá, Irene.
— Assim está muito melhor.
— Estou almoçando com... um amigo, não posso falar agora. É
algo importante?
— Eu sei que está almoçando. O que é? Dourado? Linguado?
— Como?
Álex olha para a esquerda e para a direita desconcertado.
Agustín Mendizábal o observa bem-humorado. Cada vez seu rosto
está mais vermelho.
— O que está comendo: é um dourado ou um linguado? Eu
apostaria no primeiro.
— Sim, é um dourado. Pode-se saber como diabos adivinhou?
— Estou estacionada bem na frente de vocês.
Álex olha para a sua direita. Ali, vê Irene sentada no banco do
motorista do Ford Focus preto, saudando alegremente com uma mão
e com a outra segurando o celular, colado à orelha.
— Mas como...
O que Álex ouve a seguir é a linha muda. Ela desligou.
Irene desce do carro e, sorridente, vai até a mesa onde comem
seu meio-irmão e o Sr. Mendizábal.
— Olá! Posso acompanhá-los? — pergunta quando chega.
Agustín Mendizábal não acredita. Boquiaberto, examina de cima
a baixo a recém-chegada. Impressionante. Será coisa do vinho?
— O que está fazendo aqui? — intervém Álex incomodado.
— Tenho duas horas livres e muita fome. Come-se bem neste
lugar?
— Maravilhosamente! — grita o Sr. Mendizábal, levantando-se
desajeitadamente. — Álex, não vai me apresentar sua amiga?
O jovem suspira mal-humorado. Enfim, não pode fazer nada.
— O nome dela é Irene. É minha meia-irmã — diz, sem nenhum
entusiasmo . — Irene, este é um amigo, Agustín Mendizábal.
— Muito prazer, Agustín — diz e lhe dá dois beijos. As faces dele
estão fervendo.
— O prazer é meu, mocinha.
O homem se coloca ao seu lado e puxa a cadeira para que se
sente.
— Muito obrigada. Você é muito gentil, Agustín. Posso tratá-lo
por você?
— Claro! — exclama, satisfeito e cheio de orgulho. Depois, volta
à sua cadeira.
Álex leva as mãos aos olhos, fecha-os e os esfrega com força.
Que almoço o espera!
Irene pega a garrafa de vinho tinto e examina atentamente o
rótulo.
— Parece muito bom. Posso me servir uma taça?
— Claro que pode. É um vinho excelente — diz Agustín, que se
esqueceu da presença de Álex e só tem olhos para a garota.
— Mas não tenho taça.
— Sem problemas, já resolvo isso. — O homem dá uma olhada
ao seu redor até que avista um dos garçons. — Por favor! Por favor!
O garçom ouve os gritos do Sr. Mendizábal e, após deixar dois
pratos em uma das mesas da varanda, vai até eles.
— Pois não, senhor.
— Traga uma taça para a mocinha... e outra garrafa de vinho.
Álex suspira não muito de acordo. Irene, ao contrário, concorda
com o pedido do homem.
— Deseja comer alguma coisa? — pergunta o garçom, que já
anotou em sua cadernetinha a garrafa de vinho tinto.
— Sim. Com este vinho, o melhor seria uma boa carne. Mas
prefiro algo mais leve. Linguado grelhado, por favor.
O garçom anota e se afasta veloz. Logo aparece de novo com a
taça para Irene e outra garrafa da mesma marca.
— Como nos encontrou? — inquire Álex, que estava em silêncio
todo esse tempo.
A menina observa Agustín Mendizábal encher sua taça até a
boca. Evidentemente, não vai contar a seu meio-irmão as técnicas de
espionagem e investigação que utilizou.
— Acho que dei sorte — conclui depois de pensar na resposta
por alguns segundos.
— Bendita sorte! Vamos brindar a ela!
Agustín e Irene batem suas taças. Álex abaixa a cabeça e leva à
boca um pedaço de dourado. Não está vendo graça nenhuma nesse
almoço. E, para piorar, ele está pagando.
O linguado não tarda a chegar. A garota coloca seu guardanapo
no colo e começa a comer.
O almoço transcorre entre risos, elogios e pequenos casos que o
Sr. Mendizábal, cada vez mais embriagado de vinho, conta a Irene.
Álex ouve em silêncio . Constantemente consulta o relógio. Está
louco para que aquilo termine.
— Dão licença um instante? Vou lavar as mãos — diz a garota
após acabar de comer.
Vai se levantar, mas antes coloca o guardanapo em cima da
mesa, ao lado de seu meio-irmão, que lhe dedica um olhar
atravessado. A garota sorri e pega de novo o guardanapo para
sacudir umas migalhas que caíram em sua calça. Depois, levanta-se
e, a passo leve, se afasta de seus acompanhantes. Ninguém parece
ter notado nada, como sempre acontece.
— Não demore! Tenho que te contar daquela vez em que...
As últimas palavras do Sr. Mendizábal são interrompidas por
uma inoportuna e escandalosa tosse.
De qualquer maneira, Irene já não presta atenção nele. Está há
meia hora suportando as aventuras daquele velho decrépito, que
ainda por cima está meio bêbado. Mas valeu a pena. Não imaginava
que seria tão simples pegar o celular de Álex. De manhã, enquanto
tomava café da manhã, viu que seu meio-irmão deixou o telefone em
cima da mesa. Talvez durante o almoço fizesse o mesmo. Porém,
quando o observava de dentro do carro não viu o aparelho em lugar
nenhum. Talvez tivesse que esperar outra oportunidade. Mas teve
uma ideia. Se ligasse para ele, talvez o pegasse e não o guardasse de
volta. E assim foi. Após o desconcerto por sua presença, o garoto não
o colocou de novo na calça. A partir daí, era só questão de tempo.
Nada melhor que o velho truque do guardanapo, que já utilizou
algumas vezes. É surpreendente como ninguém percebe a
artimanha. É só colocar disfarçadamente o guardanapo sobre o
objeto que tem que desaparecer. Depois, pegá-lo outra vez, já com o
objeto embaixo, fingir que está se limpando debaixo da mesa e,
nesse momento, aproveitar para guardar o objeto entre a camiseta e
a calça. Fácil. Principalmente para ela, acostumada a fazer
brincadeiras desse tipo com seus amigos e de tirar dinheiro de sua
mãe quando a ocasião é propícia.
Está com sorte, o banheiro feminino está vazio. Senão, teria
entrado no masculino. Isso também não é problema para ela.
Entra rapidamente.
Precisa se apressar antes que Álex sinta falta do telefone.
Abre a pasta de mensagens. Primeiro as recebidas. Paula,
Paula...
Só duas. Lê depressa. Depois vai às enviadas. Mais duas.
Também as lê. Não parece haver nada entre ambos. Pelo que se vê,
acabam de se conhecer, mas se nota certa química. Não pode evitar
um quê de irritação.
Pega um caneta e um pequeno papel da bolsa e anota o número
de Paula. No futuro, talvez possa lhe servir.
Olha o relógio. Não demorou nem três minutos.
Sai do banheiro e se dirige à mesa. Álex e o Sr. Mendizábal estão
comentando alguma coisa. Agustín, assim que a vê, ignora o jovem e
se levanta para repetir a gentileza da cadeira. O efeito do álcool o faz
cambalear e tem que se segurar na mesa para não acabar no chão.
— Minha querida, sentimos sua falta! — grita o homem.
Irene esboça um sorrisinho. Não perceberam nada. Mas ainda
tem que fazer mais uma coisa.
Antes de se sentar na cadeira, agacha-se fingindo pegar algo do
chão. Depois se levanta e olha para seu meio-irmão.
— Toma, seu distraído. Se não fosse por mim...
A garota coloca o celular de Álex na mesa, para surpresa dele.
Quando caiu? Não ouviu nada… Não entende como foi parar no
chão.
Irene está satisfeita. Não espera muito para se despedir de seu
meio-irmão e daquele sujeito insuportável. A sorte esteve ao seu
lado. Sorte? Não. Ela é realmente boa e sempre consegue o que quer.
É o que pensa enquanto caminha até o carro movendo seus quadris
de maneira insinuante.
Capítulo Quarenta e
Quatro

Nessa tarde de março, em um lugar afastado da cidade.


Um esquilo vermelho observa inquieto para poder chegar ao
outro lado da rua. Finalmente se decide, e a toda velocidade
atravessa o campo até subir na copa de uma jovem acácia.
Paula e Ángel o observam bem-humorados. Estão no gramado,
sob os galhos de um carvalho que lhes dá sombra. Ela, sentada
entre as pernas dele, cercada por seus braços. Carícias. Beijos.
Toques. Só o céu, completamente azul, é testemunho de seu amor.
— Eu ficaria aqui com você o resto da vida — sussurra Ángel em
seu ouvido.
Paula estremece. Um calafrio percorre seu corpo. Treme. Volta-
se e mira-o nos olhos. Está nervosa.
— Você me faz tão feliz. Te amo.
— Te amo.
Fecham os olhos e se beijam nos lábios lenta e calmamente. Um
beijo eterno que, por eles, duraria infinitamente. Sem horizontes.
Sem marcas. Sem limites.
Minutos depois param, agitados. Têm dificuldade de respirar e
até de falar. Mas sorriem com cara de felicidade.
Uma leve brisa alvoroça o cabelo da garota. Ele, carinhosamente,
penteia-os com suas mãos.
Paula se entrega. Talvez esse seja o momento que estava
esperando. Sim, tem que lhe falar uma coisa.
— Meu amor...
— Sim, amor.
Ángel põe as mãos na cintura de Paula. Ela coloca as suas nos
ombros dele.
— Você sabe que sábado faço dezessete anos.
— Ah, é? Ainda bem que você me lembrou. Havia esquecido por
completo — brinca.
— Bobo! Pare com isso! — exclama ela, mas sem esconder um
belo sorriso.
Fingem brigar uns instantes para se reconciliar com um novo
beijo.
Embora Ángel saiba perfeitamente que sábado é o aniversário de
sua namorada, ainda não lhe ocorreu nada que possa dar de
presente.
— Não vai me torturar para que eu conte o que vou te dar, não?
— Poderia, mas não, não é isso.
— Ainda bem.
— A questão é que minhas amigas vão fazer uma festa surpresa.
— Que surpresa, se você já sabe!
— É. Diana deixou escapar. Elas são incapazes de guardar um
segredo .
— Vou me lembrar disso.
Paula ri. Um formigamento a invade dos pés à cabeça. Como
falar?
— Sim. Minhas amigas são assim. Mas são meninas legais.
— É verdade. Vou com a cara delas.
Ángel sorri, mas nota algo estranho em Paula. Insegurança.
Talvez queira lhe contar alguma coisa e não sabe como. Ou não tem
coragem.
— Evidentemente, você está convidado para essa festa surpresa.
É na casa da Miriam.
— Sábado?
— Sim.
— Vou consultar minha agenda para ver se estou livre — diz,
hesitante.
A garota tira as mãos dos ombros dele e o encara muito séria.
— Se você não for...
Ángel sorri e pega as duas mãos dela.
— Mas é claro que vou, amor. Não vê que estava brincando? Eu
não perderia seu aniversário por nada neste mundo.
A menina muda de semblante. Volta a sorrir, mas o nervosismo
a devora. Seu coração bate muito depressa.
— Isso não é tudo. Há mais uma coisa.
— Mais?
— Sim — suspira. — As meninas querem me dar um presente. E
você está envolvido nele.
Ángel arqueia as sobrancelhas. Não tem nem ideia de sobre o
que ela está falando — Eu? Do que se trata? — pergunta intrigado.
— É que... Como você e eu nos amamos... Quero dizer, como
você e eu... É que, se você quiser... Mas só se quiser, viu? Se não
quiser, então... Se não quiser, não quer, tudo bem.
— Se eu quero ou não quero o quê? — interrompe-a.
— Não dá para imaginar?
— Como vou imaginar alguma coisa se você não termina as
frases?
Paula abaixa a cabeça, depois a ergue novamente. Busca
coragem em lugar nenhum e olha para ele. Seus olhos brilham. Leva
os lábios ao rosto dele e, docemente, conta tudo em seu ouvido.
Ángel ouve atento uma palavra após a outra, frase por frase.
Pouco a pouco vai compreendendo. Engole em seco.
A menina conclui sua explicação e, tímida, joga o corpo para
trás, sem deixar de olhar para ele.
— É isso — termina, já em voz alta.
— Tem certeza?
— Sim, completamente.
Agora é o coração de Ángel que bate a toda velocidade, mas ele
logo retoma sua compostura habitual. Seus olhos azuis brilham
como nunca.
— Então tem certeza de que quer que eu seja o primeiro? E no
sábado?
— Sim, é o que quero. Você quer?
No olhar de Paula unem-se a incerteza, o nervosismo, a ternura,
a esperança e a paixão. É o olhar de uma adolescente insegura que
está prestes a quebrar a barreira da inocência, de dar um passo
inesquecível na vida.
Ángel sabe: compreende sua responsabilidade, seu papel
importante.
— Sim, quero ser o primeiro. E prometo que tudo será perfeito.
A menina suspira profundamente. Sente algo inexplicável, de
uma intensidade inimaginável. Tem até vontade de chorar. Ángel se
dá conta e a abraça com força. Acomoda o rosto de Paula em seu
peito e, mais uma vez, seu coração se acelera. Sua mente também
vai a toda velocidade. Milhões de pensamentos por segundo. Todos
relacionados com a mesma coisa. Os dela também. Iguais, paralelos.
São duas almas em uma.
Pois a vida deles, nesse momento, só existe uma para a outra.
Não existe mais nada. Nenhum dos dois sabe que nesse caminho até
o sábado terão que superar diversas provas para continuar
reafirmando o amor que sentem mutuamente.
Capítulo Quarenta e Cinco

Nessa mesma tarde de março, em algum lugar da cidade.


Está com os pés apoiados em cima da mesa de vidro, sem
sapatos. Suas meias brancas de bolinhas laranja mal se movem.
Nenhum gesto. Nenhuma expressividade em suas feições infantis.
De vez em quando, Katia sente vontade de chorar. A duras
penas consegue reprimi-la. Aperta os punhos e os dentes. Busca
algo que a convide a sorrir, uma mínima ilusão que a anime. Mas é
inevitável pensar nele.
Seu olhar distraído se perde no fundo do corredor, em seu
quarto, onde teve a oportunidade de abraçá-lo, de beijá-lo, até de
fazer amor com ele. Porém, foi honrada. Honrada ou tola? Dá na
mesma! Parou antes que acontecesse o que tanto desejava. Ele não
estava em condições de fazer aquilo. Não daquele jeito. Mas o que
teria acontecido se houvessem se deitado juntos? Certamente nada.
É possível que estivesse na mesma situação de agora: tentando
esquecer Ángel.
Sua boca libera suspiros de desespero. Outra vez essa angústia,
essa estúpida agonia. De novo seus olhos se umedecem, seu peito se
oprime e sente que quer morrer.
Aperta o controle remoto sem objetivo algum. Nem sequer presta
atenção nos canais que vão se sucedendo sem ordem nem pausa.
Não almoçou. Para quê? Não sente fome, só um nó no estômago.
Também não atendeu o telefone a manhã toda.
Perdeu a conta das chamadas perdidas que foram se
acumulando e das mensagens que deixaram em sua caixa postal no
celular. Curiosos, fofoqueiros, interesseiros, pseudoamigos...
Dezenas de pessoas que queriam saber como estava depois do
acidente, ou diziam que queriam. Um ou outro até solicitava uma
entrevista, mesmo que pelo telefone. Que insuportáveis! Estúpidos
jornalistas...
É o preço da fama. Se dependesse dela, mandava a fama para
bem longe. Claro que não poderia ter seu Audi rosa ou sua luxuosa
cobertura, mas, afinal de contas, são só coisas materiais. O dinheiro
não lhe dá felicidade. Como vai ser feliz se não tem o que realmente
necessita e quer?
Ángel...
Com as mãos no rosto, olha por entre os dedos a tela de plasma.
Em um dos canais estão dando a notícia do torneio de golfe
beneficente ao qual ela não compareceu. Dessa vez não muda de
canal. Na notícia aparecem, um após o outro, closes de famosos com
seus melhores sorrisos.
Ouve o que dizem: “Várias personalidades do mundo do esporte,
da música, do cinema e da televisão colaboraram com seu grãozinho
de areia em favor de uma boa causa. Alguns até aproveitaram para
fazer um pouco de exercício”.
Nesse momento, aparece um conhecido apresentador de rádio
batendo com estilo a bola no tie. Mas os olhos da menina de cabelo
rosa vão além, para trás, no meio dos jornalistas e fotógrafos que
cobrem a notícia. Não pode ser!
Katia se ajoelha perto da televisão. Esse aí não é...?
Nesse mesmo instante, nessa tarde de março, em outro lugar da
cidade.
“Várias personalidades do mundo do esporte, da música, do
cinema e da televisão colaboraram com seu grãozinho de areia em
favor de uma boa causa. Alguns até aproveitaram para fazer um
pouco de exercício”.
— Olha! Ela está na TV!
Os gritos da pequena Erica assustam sua mãe, que está
recolhendo a mesa.
— Que foi, querida? — pergunta Mercedes, alerta.
— Paula! É a Paula! Está ali! Na TV! Olha, olha!
— Como Paula vai estar nas notícias? — diz já mais tranquila,
ao ver que se trata só da imaginação da menina.
— Está sim! Olha, olha!
Mercedes deixa os pratos em cima da mesa e vai até a
menininha, que, sentada no chão, aponta constantemente para a
tela da televisão. Nas imagens aparece uma jovem atriz que
protagoniza um anúncio de chicletes com um taco de golfe nas
mãos. Como se chama? Ah, sim! Andrea Alfaro.
— Meu amor, essa é a menina do chiclete.
— Eu sei! Mas não estou falando dela.
— Só vi essa menina.
— Estou dizendo que era a Paula! E estava com uma câmera
fotográfica!
— Uma câmera?
— Sim!
— Deve ser alguém parecido com ela, princesa.
— Não! Não! Era a Paula!
A mãe sorri e, após dar duas palmadinhas na cabeça da filha,
beija-a no rosto.
— Por que não muda de canal e procura desenhos animados?
— Mas, mamãe...
Mercedes sorri para a criança mais uma vez. Volta-se, recolhe os
pratos sujos que havia deixado em cima da mesa e vai para a
cozinha.
Desenhos animados! Erica está completamente indignada. E
palmadinhas na cabeça. Como se fosse um cachorrinho!
A menina se levanta. Está soltando fumaça e com cara de raiva,
essa cara de que seu pai não gosta porque diz que parece que está
chupando limão.
Como pode não acreditar nela? Que falta de respeito! Nela, que
já tem cinco anos!
Irritada, muito irritada, desliga a televisão.
Vai para seu quarto batendo bem os pés em cada degrau que
pisa até chegar lá em cima. Que a ouçam bem!
Quer dizer que Paula aparece na TV, é famosa… e não acreditam
nela!
Desenhos animados!
Nesse mesmo instante dessa tarde de março, em outro lugar da
cidade.
Ángel! Era ele?
Sim, sem dúvida. E está no torneio de golfe beneficente ao qual
ela foi convidada.
Mas o que está fazendo ali? Certamente sua revista o mandou
para cobrir o evento.
Katia amaldiçoa a si mesma por não ter ido ao evento.
Mas, pensando bem, é melhor assim. Se houvessem se
encontrado, teria se sentido pior. Pior? Se já está mal. Péssima. A
quem quer enganar? E é tudo por causa dele. Por causa desse
jornalista que apareceu em sua vida e por quem se apaixonou
loucamente.
Olha seu relógio: são 15h50. Levaria pelo menos uma hora e
quinze para chegar. Isso supondo que não haja muito trânsito. O
campo de golfe fica longe do centro, bem do outro lado da cidade.
Talvez Ángel já tenha ido embora. Claro, é o mais lógico, porque
a reportagem era gravada.
E se estiver lá ainda? O torneio dura várias horas. Liga para ele?
Pega o celular e procura o número. “Ángel”. Aperta a tecla de
chamada, mas rapidamente desliga sem nem deixar dar o primeiro
toque.
Não, não pode fazer isso. Vai sufocá-lo, e não quer mais pisar na
bola.
Um momento. Em que está pensando? Havia se comprometido a
esquecê-lo, a não cair mais na tentação de ir atrás dele. Ele namora.
É impossível que fiquem juntos. Além do mais, nenhum sinal indica
que ele goste dela. Sim, foi ao hospital quando soube do seu
acidente, mas fez isso porque é um cara legal. Exclusivamente por
isso. Ok, depois passou a noite com ela. Outra mostra de sua
bondade e amizade. Nada mais.
E ela o beijou. Relembra aqueles lábios quentes, doces,
irresistíveis.
A menina de cabelo rosa põe as mãos no rosto. Tem vontade de
gritar, de chorar, de que a terra a engula. Mas, acima de tudo, tem
vontade de vê-lo. Uma última vez? Vê-lo e depois esquecê-lo para
sempre.
Arrisca? Uff! Que fazer?
Ela não é assim: não costuma hesitar e muito menos ir atrás de
homens. Mas Ángel não é um cara qualquer. É o garoto
perfeito, seu garoto perfeito. Está renunciando ao amor de sua vida?
E se forem feitos um para o outro?
Sem saber de onde, Katia vai resgatando suas antigas forças,
perdidas nas últimas batalhas.
Levanta-se do chão, onde está sentada desde que Ángel
apareceu na tevê, com brios renovados. Sim, tem que ir. Morre de
vontade de vê-lo… uma última vez.
De novo, pega o telefone e digita um número. Uma operadora a
atende gentilmente em uma conversa rápida e concisa. Desliga.
Em cinco minutos chegará o táxi que a levará ao campo de golfe
onde ainda está o garoto que ama.
Nessa mesma tarde de março, em algum lugar da cidade.
Depois de almoçar, tomou um café puro bem forte. Passou-se
meia hora e, sentado na cama de seu quarto, contempla a fumaça
que sai da xícara e sobe para o teto. Serviu-se outro café. Dessa vez,
não vai adormecer. Seria imperdoável e ridículo. E embora ele não se
considere exatamente um garoto muito esperto, não vai cometer o
mesmo erro duas vezes seguidas.
Mario sopra e dá um pequeno gole. Balança a cabeça de um lado
para o outro com os olhos fechados e o nariz enrugado. Está muito
amargo. Devia ter posto mais açúcar. Tanto faz, o importante é ficar
acordado até Paula chegar. Depois, estando com ela, é impossível
que durma. Como poderia?
São quatro e pouco da tarde. Não falta nem uma hora para que,
dessa vez sim, ocorra o “encontro” que há tanto tempo espera.
Curiosamente, não está tão nervoso como no dia anterior, mas
está ansioso, desejoso. Será que vai se atrever a confessar seu amor
a Paula?
Talvez. Depende de a oportunidade surgir. Não quer cometer
mais erros. Da próxima vez que lhe disser que a ama, será a
definitiva. Cara ou coroa: a moeda não vai mais cair de quina.
— Toc, toc. Olá, posso entrar?
A voz de Miriam, com a cabeça na porta, irrompe no dormitório.
— Entra.
A garota entra no quarto e fecha a porta.
— Só vim ver se não dormiu — diz jocosa.
— Não, pode ver que estou completamente acordado.
Miriam observa a xícara que seu irmão segura nas mãos e aspira
o aroma do café quente.
— Outro?
— Sim, outro.
— Estou vendo que dessa vez tomou precauções — diz, e solta
uma gargalhada a seguir.
— Miriam, não me enche o saco, vai.
— Ok, tudo bem. Calma, cara.
— Veio falar alguma coisa ou só incomodar?
Miriam coça o nariz, hesitante. Pode ser que a pergunta lhe sirva
para as duas coisas.
— Acompanhou Diana de novo depois da aula, não?
É verdade. Ao tocar o sinal, ele e Diana tornaram a se encontrar
na porta da escola e caminharam juntos todo o trajeto até se
separarem no mesmo ponto do dia anterior.
— Sim, por quê?
— Gosta dela?
— De Diana?
— Claro, de quem mais?
Mario quase responde com o nome de seu verdadeiro amor, mas
consegue se conter.
— Claro que não. Não gosto dela.
Sua irmã o examina atentamente. Claramente, está mentindo.
Nota-se que está apaixonado.
— Sei, sei…
— Estou dizendo a verdade.
— Se você diz… Bem que eu gostaria de ter uma
das Sugus como cunhada!
O menino não diz nada. Tomara que o desejo de Miriam se
realize, mas com outra protagonista diferente da que ela está
pensando.
— Melhor você se preocupar em arranjar um bom namorado,
que ultimamente você não anda pegando nem resfriado — responde
ele com um sorriso malicioso.
— Imbecil! Porque eu não quero! — exclama ofendida. —
Chega... Cansei de você.
Miriam sai do quarto batendo a porta.
Mario sopra outra vez sua xícara de café. Está satisfeito por ter
irritado sua irmã. Porém, uma dúvida o assalta. Por que
ultimamente Diana aparece tanto em sua vida?
Capítulo Quarenta e Seis

Nessa tarde de março, em um lugar afastado da cidade.


— Atchim!
Paula espirra ao sentir uma coceirinha no nariz. O que é isso?
Sua vista está embaçada e não sabe bem onde está. Distraída,
olha à sua direita e encontra o rosto sorridente de Ángel.
— Dormiu bem? — pergunta o garoto mostrando mais uma vez
seus dentes branquíssimos.
— Eu dormi?
— Como um bebê.
Está deitada no gramado com a cabeça apoiada nas pernas de
Ángel e coberta com o casaco dele.
— Olá, boa-tarde. Que bom vê-la novamente.
Paula ouve uma voz familiar atrás de si e se volta com
estranheza. Lá está a atriz do anúncio de chiclete. Andrea Alfaro
brinca com um pedacinho de grama e sorri.
— Ah, olá! Tudo bem? — diz sentando-se no chão e tentando
despertar o mais rapidamente possível.
— Muito bem, conversando com seu namorado enquanto você
roncava — responde, piscando.
Paula fica vermelha. Morre de vergonha. Como Ángel a deixou
dormir se aquela menina estava ali?!
— Ora, eu... — Não sabe o que dizer.
Os três ficam em silêncio até que Ángel e Andrea começam a rir.
— Não se preocupe, meu amor. Não roncou nem uma única vez.
Você é adorável quando dorme.
Ele a beija na testa e depois nos lábios. Paula não está muito
satisfeita. Debochou dela na frente de uma estrela de TV. E não a
acordou! Mas não quer dar bandeira. Fica quietinha e lhe devolve o
beijo.
— Conseguiu acertar a bolinha? — pergunta a garota, que ainda
está de bonezinho rosa. — Eu, por mais que tenha tentado, só a
movi duas ou três vezes do lugar.
— Bom, mais ou menos. Ainda tenho muito que aprender.
— Não seja modesta, meu amor. Você jogou muito bem.
— Talvez “bem” seja exagerado. Mas, com um pouco de prática,
ganho de você.
Agora é ela quem beija seu namorado, que acaba abraçando-a,
passando seu braço por trás dela.
— Gostei de vocês. Formam um belo casal!
— É? Você acha? Pois eu quase não gosto dela.
— O quê?! Mas é um...
Os dois trocam dois tapinhas fracos no braço sob o olhar bem-
humorado de Andrea.
— Pessoal, por que não vêm comigo? Tenho que passar um
instantinho pelo estúdio de gravação, mas depois podemos encontrar
meu namorado e ir os quatro tomar um café ou alguma coisa.
É verdade, agora lembra. Paula leu, há não muito tempo, que
Andrea Alfaro será uma das protagonistas de uma nova série para
jovens.
— Por mim, tudo bem. Tenho a tarde livre. Vai ser divertido —
responde Ángel.
— E você? Tem alguma coisa para fazer? São só dez para as
cinco.
Dez para as cinco. Paula pensa um instante. Há alguma coisa…
O que foi que esqueceu? Droga! Mario! A aula de matemática! Tinha
que estar na casa dele às cinco!
— Meu Deus! Eu havia marcado de estudar matemática! — grita
nervosa.
— Você estuda matemática? Você não é fotógrafa de uma
revista?
Ángel e Paula se olham entre si.
— Meu amor, explique tudo a ela. Vou fazer uma ligação.
— Ok.
— Explicar o quê? — pergunta a atriz, confusa.
— É que...
Ángel começa a contar tudo a Andrea enquanto Paula se afasta
uns passos com o celular na mão.
Caminha pensativa. Não se sente bem. O que dizer a seu amigo?
Que vai se atrasar? É muito tarde. Uff! E se não for? Precisa ir. Não
só para não deixá-lo plantado esperando como também porque a
prova é sexta-feira. Se não estudar e não se preparar, não irá bem. E
isso seria problemático.
Por outro lado, ir à filmagem da série de Andrea Alfaro e depois
tomar alguma coisa com ela e o namorado acompanhada de Ángel...
é um plano incrível!
Morde os lábios. Olha mais uma vez o relógio. Quase cinco e
quinze.
O que fazer?
Nesse mesmo momento, nessa tarde de março, em algum lugar da
cidade.
Suas mãos tremem. Estende o braço direito para examinar seu
pulso. Seus dedos não podem parar quietos: movem-se, tremem, e
muito, aliás. Será por causa da cafeína ou pelo nervosismo? Meio a
meio, talvez.
Cinco e quinze da tarde. Faz vinte minutos que acabou o último
café. Olhos arregalados. Dentes escovados. Hálito de menta.
Camiseta recém-passada, meias limpas. Duas gotinhas de uma loção
que seu pai usa em ocasiões especiais. Quarto arrumado. Material
preparado. Música escolhida. Tudo pronto para a visita. O encontro.
Mas Paula deveria de ter chegado há quinze minutos.
Mario olha para o relógio. Depois para o celular. De novo o
relógio. Suas mãos vibram inconscientemente, inquietas, com o
passar de cada segundo. Será que não vem?
Engole em seco, além da conta, e tosse. E se não vier? Tosse
com mais violência. Mas como não vem?! Ela disse claramente há
algumas horas que vinha. Deve estar atrasada por qualquer
bobagem. Assim são as mulheres, e as meninas de sua idade pior
ainda: o cabelo tem que estar perfeito; a franja, exatamente no lugar;
os lábios, pintados milimetricamente, como as unhas, com esmalte
combinando com a bolsa ou os cordões dos sapatos. “Que vou
vestir?”. Provavelmente nisso está a causa do atraso. Deve ter
trocado de roupa seis, sete, oito vezes. O menino imagina como deve
ser o armário de Paula: enorme. Cada dia se veste de um jeito
diferente, com muitos tons vivos, alegres, às vezes também escuros.
E cinza. E azuis. E amarelos pálidos, mas também berrantes. Todo
tipo de peças e tecidos que a deixam ainda mais bonita. As roupas
ressaltam seus lindos olhos e esculpem seu corpo perfeito de
adolescente no final de um desenvolvimento generoso. É verdade, a
natureza foi muito gentil com Paula, concedendo-lhe a beleza das
musas. Mas isso para ele tanto faz. Mais bonita, mais feia, mais
gorda, mais magra, que importa? Por coincidência ela é incrível, mas
seu amor vai além de um corpo bonito. Seu amor é puro, imaculado.
Desejo? Evidentemente, não nega, não é um hipócrita. E adoraria
que sua primeira vez fosse com ela. Sim, pensou nisso. Que melhor
jeito de deixar de ser virgem que fazendo amor com a menina dos
seus sonhos, por quem você está há tantos anos apaixonado?
E a primeira vez dela, já terá sido?
Não quer pensar nisso agora. Uff!
Mario se impacienta. Anda de um lado a outro do quarto. Dá
outra olhada no relógio, depois no celular: relógio, celular, relógio…
Celular! Toca! É ela, é Paula que está ligando.
Precipita-se feito um louco para cima do telefone e, quando o
alcança, tenta se acalmar para não parecer ansioso. Suspira e diz:
— Alô?
— Oi, Mario, é a Paula.
— Oi, Paula! Estou esperando você!
O garoto fica em silêncio um instante. Percebe que sua tentativa
de não aparentar impaciência não deu certo. Mas é que está tão
nervoso! O que vai fazer? Estende a mão que não segura o celular e
contempla atônito como treme ainda mais.
— Sim...
Ops! Mario não gostou nada desse “sim” insubstancial e tímido.
Começa a temer o pior.
— Aconteceu alguma coisa?
— É que... É que piorei. E estou na cama, deitada, doente.
Droga. Então, ela não vem...
— Poxa! O que você tem? O mesmo de hoje de manhã?
— Sim, mais ou menos.
A menina tosse com força, então, exageradamente forte.
“Mas o de hoje de manhã na escola não foi uma espécie de
queda de pressão? Talvez seja gripe”, pensa Mario e busca razões
lógicas: “Em março, gripe é normal. O calor chega, mas não
totalmente. É um calor enganoso, só para distrair. As pessoas usam
menos roupa e chega a gripe de primavera. Inesperada e
inoportuna”.
O menino quer dizer a ela que não se preocupe, que de qualquer
maneira vá a sua casa, que ele cuida dela, que mudam os planos.
Não vão mais estudar. Vão ser médico e paciente. Vão brincar de
médico. Boa ideia. Excitante irrealidade. Mario balança a cabeça.
Não é o momento.
— Então você não...
Tem medo de terminar a frase. Sabe o que vem a seguir. Sabe
que Paula, sua querida Paula, a menina com quem sonha dividir
uma tarde a sós...
— Sinto muito, Mario. Quem sabe amanhã estou melhor.
— Ok.
— Estamos com azar. Não tem jeito de estudarmos juntos para
essa prova, pelo que parece.
“Prova? Que prova?! Quem se importa com essa estúpida prova!
Paula, como não percebe!? Como não vê que estou apaixonado por
você!?”.
— Sim, sem sorte — balbucia.
Silêncio constrangedor.
Ele pensa em sua falta de sorte, em como o destino é caprichoso,
sempre contra ele. Ontem, adormeceu. Hoje, ela de cama, doente.
“Caramba!”.
Ela pensa em sua mentira, em sua escolha, em que foi capaz de
dar cano em um amigo, enganando-o. E se sente mal.
— Bom, Mario, amanhã nos vemos.
— Ok. Espero que melhore, Paula. Um beijo.
— Outro para você. E desculpe de novo.
— Não se preocupe.
— Tchau.
— Tchau.
Ela é quem desliga.
Mario fica uns dois minutos com o telefone na mão, pensativo,
cabisbaixo, com os olhos arregalados, as mãos tremendo, o sabor de
mentol em sua respiração. Mas, acima de tudo, com o coração um
pouquinho mais partido.
Capítulo Quarenta e Sete

Nessa mesma tarde de março, em outro lugar da cidade.


— E onde vocês se conheceram?
A pergunta de Andrea Alfaro pega Paula e Ángel desprevenidos.
Paula está no banco de passageiro e se volta para olhar para seu
namorado em busca de uma resposta. Ele dá de ombros, sorridente.
Os três estão no BMW da atriz. Concordaram em acompanhá-la
aos estúdios de gravação onde rodam a série e depois vão tomar um
café.
Estão em plena autopista, no cinturão que contorna a cidade.
Andrea dirige depressa, segura de si mesma e dos muitos cavalos do
seu carro.
— Na internet — acaba respondendo o jornalista.
— É mesmo? De verdade? — pergunta a jovem, afastando a vista
da estrada um segundo para olhar surpresa, primeiro para Paula e
depois para Ángel.
— Isso mesmo — confirma Paula.
— Ouvi falar muito de relacionamentos que começam pela
internet, mas nunca encontrei nenhum casal que houvesse se
conhecido assim. Pelo menos, que fosse de verdade.
— Como assim? — pergunta a menina, intrigada.
Andrea sorri recordando seu início artístico.
— Eu me refiro a essas pessoas que contam que se apaixonaram
pela internet, mesmo sem nunca terem se visto pessoalmente, e que
vão a determinados programas de televisão. Depois, ali, voilà, abre-
se uma porta e aparece um com um buquê de flores ou uma
declaração de amor em uma carta escrita à mão, diante da surpresa
do outro.
— Ah! Eu vi algo assim no YouTube — comenta Paula. — E o
que é que tem?
— Teatro. Ficção. Não digo que todos, mas há muitos atores
metidos nesse tipo de programas. Eu mesma participei de um faz
tempo dizendo que meu namorado havia me traído com minha
melhor amiga.
— Você? E não era verdade?
— Eu não tinha nem namorado!
— Não me diga que atuou?
— Sim. Ainda não era conhecida. Estava na escola de atores.
Pagavam algum dinheiro e aceitei.
— Ah, vá!
— Não acreditem em tudo que veem na TV. Você, que é
jornalista, deve saber.
Ángel ratifica as palavras de Andrea com um gesto de cabeça.
Nesse instante, ouve-se um som procedente do casaco do rapaz,
que está no colo de Paula.
— É meu celular. Passa para mim, meu amor?
A menina coloca a mão no bolso de onde provém a melodia. A
tela se ilumina intermitentemente. Quem está ligando é...
— Katia! Não acredito! A cantora Katia está ligando para você! —
grita Paula, emocionada.
Mas, para Ángel, não é tão boa notícia. O que ela quer agora?
Uff, não é o melhor momento para falar com ela. O beijo na sessão
de fotos, a noite de porre em que quase comete um erro imperdoável,
a mentira a sua namorada omitindo que passou a noite no hospital
ao lado da cantora, o posterior beijo... Tudo passa por sua mente em
menos de dois segundos. Procura não se alterar, permanecer
impassível. Disfarça o quanto pode e pensa rápido.
Paula lhe entrega o celular com gritinhos de entusiasmo. Andrea
sorri divertida. Imagina que com ela, quando se conheceram pela
manhã, aconteceu a mesma coisa. Parece a típica menina que vê um
famoso e perde a cabeça. Porém, gosta bastante dessa Paula.
Ángel sorri também. Está se tornando um bom ator. Agora é sua
vez de interpretar de novo.
— Alô? Ah, olá! Como vai?
Paula se virou completamente no banco e contempla com
admiração seu namorado. Andrea também o observa pelo retrovisor
do BMW. Ela é muito simpática, mas prefere ele. É realmente
atraente. Muito bonito. Um gato.
— A revista? Na primeira semana de abril. Claro. Vamos te
mandar algumas cópias.
Tem uns olhos lindos. Azuis. Poderia perfeitamente ser ator ou
modelo. Sim, realmente essa mocinha tem muita sorte.
— Bom, Katia, eu ligo mais tarde. Agora estou em uma reunião.
Sim, cuide-se você também. Beijo.
Ángel desliga. Mantém a calma, mas não devolve o telefone a
Paula para que o guarde no casaco. Após apertar algumas teclas,
coloca-o no bolso da calça.
— Era Katia! O que ela disse? Vocês são amigos?
Paula ainda não pode acreditar que uma das pessoas mais
famosas do momento liga para o celular de seu namorado. Que
sorte!
— Não somos amigos — responde Ángel com secura. — Ela
simplesmente queria saber se a revista podia mandar alguns
exemplares do número em que ela vai sair como capa, mês que vem.
— E ela mesma liga? Não tem agente? — pergunta surpresa
Andrea Alfaro .
Ángel engole em seco. Vamos ver como se sai dessa.
— Sim, tem, mas ela ligou. Não sei por quê.
Aquela explicação não convence muito a atriz; porém, ela não diz
nada. Talvez seja só uma falsa impressão, mas alguma coisa está
estranha.
Paula, por sua vez, faz uma pergunta atrás da outra sobre a
cantora. Ángel insiste em que não são amigos e que é só coisa
profissional.
— Eu adoraria conhecê-la! Parece uma menina tão incrível! Tão
verdadeira! E te deu uma carona no dia em que se conheceram
porque você estava atrasado! Isso mostra como ela é legal.
— Bom...
— Como eu gostaria de conhecê-la! Um dia você me apresenta,
não é, amor?
— Bom, eu...
— E canta maravilhosamente!
Paula, então, começa a cantarolar Ilusionas mi corazón. Está feliz
demais. Está em um carro com Andrea Alfaro e seu namorado, o
melhor namorado do mundo, que além de tudo é amigo de Katia, a
melhor cantora do país. Que mais pode pedir?
O que Paula não sabe é que Ángel não atendeu à ligação.
Quando ela lhe passou o telefone, ele desligou o celular e fingiu estar
falando com ela. Depois, ligou-o de novo e o deixou no silencioso,
caso Katia tornasse a ligar, algo que aconteceu em mais três
ocasiões. É que a garota de cabelo rosa chegou ao campo de golfe e,
desesperadamente, tentou localizar o jornalista por quem não está
só apaixonada: Ángel está começando a se transformar em uma
obsessão.
Capítulo Quarenta e Oito

Nessa tarde, em um lugar afastado da cidade.


Sentada aos pés de um carvalho, olha para o céu azul-celeste.
Não há uma única nuvem. O sol começa a se esconder. Esfria, e ela
estremece. Xinga em voz baixa; põe as mãos no rosto e quer
desaparecer. Jogou o celular no gramado . Agora, o aparelho jaz sem
bateria junto aos seus pés. Está ficando louca. Louca de amor.
Amor? Desamor, fracasso, decepção.
Katia ligou para Ángel uma dezena de vezes. Talvez mais. Para
dizer a verdade, perdeu a conta.
Por que ele não atendeu?
Simplesmente queria vê-lo, só isso, vê-lo mais uma vez. Sim,
uma única vez mais. Precisava disso. Para isso foi até ali, no outro
lado da cidade.
Percorreu a pé o campo de golfe quase inteiro. Nada, nem rastro
do jornalista. Só olhos curiosos e surpresos ao vê-la caminhar
desorientada de um lado para o outro, e comentários no ouvido e
fotos com o celular de anônimos que se sentiam felizardos por ter
encontrado a cantora mais popular do momento.
— Veja essa menina! É Katia!
— Que Katia, nada!
— É sim, claro que é.
— Nem parece com ela. Sua vista está cada vez pior.
— Que babaca, você! Vamos lá perguntar?
— Ok, mas com certeza não é ela.
— Quer apostar?
— Um jantar.
— Fechado.
Um casal de namorados se aproxima da menina de cabelo rosa.
Observam-na de cima a baixo, como se fosse um bicho estranho.
Cochicham:
— Pergunta você.
— Não, você.
— Anda, você que disse que não é.
— Por isso mesmo; pergunta você.
A cantora nem notou que estão ali. Finalmente, a desconhecida
decide falar, por conta da teimosia de seu namorado:
— Desculpe incomodar, mas é que meu namorado não acredita
que você seja a cantora Katia.
Katia ergue a vista. Um casal a examina atentamente. Ela é
gordinha e feinha; ele também não é nada do outro mundo,
baixinho, com pouco cabelo.
— É você, não é? — intervém ele, diante do silêncio da jovem.
Katia não diz nada. Simplesmente olha para eles.
— Claro que é. Tenho certeza.
— É você?
— É, é. Se não diz nada, por algum motivo é.
— É verdade? Você é Katia?
O menino começa a hesitar. É verdade, ela se parece muito.
Agora que a vê mais de perto, cogita a possibilidade de ter se
enganado. Vai ter que pagar um jantar para sua namorada. Isso não
é o ruim, o pior é admitir que ele estava errado e ela tinha razão.
— Sim, sou — responde Katia por fim.
— Bom, eu sabia! Eu tinha razão! Você vai pagar o jantar! —
exclama orgulhosa a menina gordinha.
— E vocês são uns desrespeitosos.
O casal fica perplexo. Será que entenderam direito?
— Não tenho direito a ter intimidade? Só por ser uma
personalidade pública tenho que estar vinte e quatro horas por dia
disponível para todo mundo? Não pensaram que, se estou aqui
sozinha, é porque talvez queira ficar sozinha?
— Desculpe. Nós não...
— Sim, sim, eu sei: não era sua intenção me incomodar, não
pretendiam me irritar, não sabiam que meu dia está péssimo... Aah!
— Realmente nós...
— Pois então, carequinha, agora você vai ter que pagar um
jantar para sua querida namorada. Mas, tenha cuidado, porque se
ela comer mais um pouco vai explodir essa calça.
Depois disso, pega o celular e a bateria do gramado e se levanta.
O casal não diz nada. Estão boquiabertos e constrangidos com
as palavras da cantora. Enquanto contemplam-na em silêncio se
afastar, pensam que na TV ela parecia mais simpática.
Katia, por sua vez, caminha para a saída do campo de golfe e,
após arrumar o celular, liga mais uma vez para Ángel, mas o
resultado é o mesmo que em todas as vezes anteriores. Desesperada,
ameaça jogar o telefone com mais força no chão, mas no último
instante se arrepende. Tem que fazer uma última ligação para pedir
um táxi que a leve de novo para casa, de onde não pretende sair o
resto da semana. Não sabe como está equivocada.
Capítulo Quarenta e Nove

Nessa noite de março, em algum lugar da cidade.


Chega e, após um “olá, mamãe, já cheguei”, sobe rapidamente ao
seu quarto. Não quer perguntas. Pelo menos, não por enquanto.
Quer aproveitar o momento, o doce sabor que a tarde lhe deixou.
Que tarde! Paula está feliz. Imensamente feliz. E se considera
uma menina de muita sorte, a mais sortuda do universo.
Deus, quando contar, ninguém vai acreditar! Primeiro foi com
Ángel e Andrea aos estúdios de gravação da série. Ali conheceu
roteiristas, câmeras, atores... Andrea apresentou todos. Incrível! Ela
ali, cercada de todas essas pessoas que trabalham na TV. Foi
emocionante demais!
Enquanto sua amiga ia à sala do diretor da série para que lhe
explicasse certos detalhes de seu papel, um dos atores, coadjuvante,
que ainda não é famoso, mostrou-lhes os vários cenários de
filmagem, os camarins, os estúdios de edição e produção… A TV por
dentro.
Mais tarde, apareceu o namorado de Andrea Alfaro, Roberto
Rossi. É um câmera italiano muito bonito, bem mais velho que ela, e
os quatro foram tomar café em um lugar lindo. Sentaram-se no
andar superior, de paredes vermelhas decoradas com quadros
impressionistas, sofás pretos de couro e mesas de madeira
combinando com o piso. E que delícia estava seu café bombom!
Risos, piadas, relatos fantásticos... Paula escutava muito atenta
tudo que a atriz contava. Ángel, por sua vez, também participava,
falando de suas experiências no mundo do jornalismo, comparando
os atores com os músicos.
Foi um debate muito divertido. E ela, embora não falasse muito,
não parava de rir e de corroborar as palavras de seu namorado e de
Andrea, acenando com a cabeça.
Que pena que ficou tarde! Tinha que voltar para casa para o
jantar. Não queria interromper a noite, mas estava começando a
ficar inquieta por conta da hora.
Roberto havia proposto que fossem jantar juntos em um
restaurante italiano de um amigo seu e depois tomar um drinque,
mas Ángel leu o pensamento de Paula e desculpou-se aludindo que
tinha coisas para fazer cedo. Ainda bem que seu namorado é único!
Entende-a sem que ela precise lhe dizer nada. Finalmente chamaram
um táxi e se despediram, não sem antes trocar telefones e e-mails,
prometendo entrar em contato nos próximos dias.
Antes de ir para a casa de Paula, pararam na de Diana para
pegar as coisas da aula. Nem conversaram, porque o taxímetro
continuava correndo.
A menina sentiu seu coração se apertar quando chegaram à
porta de sua casa. Era o fim de um dia único. Beijou Ángel nos
lábios; um beijo emocionado, sincero, gratificante. Um beijo não só
de amor, mas também de agradecimento. Ele é o responsável por
sua vida mudar desse jeito.
— Obrigada, amor.
— Te amo.
— Te amo.
Fazendo com o dedo o gesto de “shhhhh”, Paula saiu do carro. O
jovem jornalista a viu se afastar até a porta com um sorriso nos
lábios. Ela é única. A menina perfeita. O que sempre sonhou ter.
Ángel, então, olha para o celular quase sem querer, em um gesto
instintivo. Doze chamadas perdidas, todas do mesmo número.
Paula abre a porta de seu quarto. A luz está acesa. Deitada em
sua cama, sem desfazê-la, Erica lê uma história para crianças.
— Ei, olá, princesa, que está fazendo no meu quarto?
A menininha não diz nada, e quando sua irmã vai lhe dar um
beijo, vira o rosto. Franze a testa e a olha fixamente nos olhos.
— Não quer me dar um beijinho?
— Não.
— Por quê?
— Onde você esteve? É de noite.
— Estava estudando. Tenho uma prova muito importante na
sexta-feira.
A menina aproxima um pouco mais seu rosto do de Paula.
— Sei. Certeza.
— Como? O que você tem? Por que não quis me dar um beijo?
— Estou brava.
— Comigo?
Erica assente com sua pequena cabecinha loira. Pelo menos, que
sua irmã note que está brava. Muito brava.
— Mas, princesa, o que eu fiz para que fique brava comigo?
— Não me disse que você era famosa.
Paula fica perplexa. A que sua irmã se refere?
—Famosa? Eu não sou famosa, Erica.
— Sei, que mentirosa.
— Mas, Erica...
— Eu vi você na TV! Você é famosa e não me disse nada!
— O quê? Você me viu onde?
— Na TV! Você é famosa! E eu, como sempre, sou a última a
saber de tudo. Eu não sou uma menina pequena. Tenho cinco anos!
As bochechas da criança estão coradas. Suas maçãs do rosto
ardem de ira.
Sua irmã mais velha não sabe o que dizer. Apareceu na TV!
Quando?
— Erica, onde você diz que me viu exatamente?
— Na TV. Na hora do almoço, depois da escola. No noticiário.
Estava em um lugar muito verde com os famosos.
— Meu Deus!
E agora, o que fazer? Se sua irmãzinha a viu, pode ser que mais
gente também a tenha visto.
— E ainda por cima, mamãe não acreditou em mim! Como
acham que sou pequena, ninguém acredita em mim… E ninguém me
conta nada. Mas eu sei que era você.
— Mamãe não me viu?
— Não!
Ainda bem. Suspira aliviada.
— Erica, vamos fazer uma coisa.
— O quê? — pergunta a menina, que ainda está indignada.
— Você e eu vamos guardar o segredo de que eu apareci na TV e
eu...
— Você me apresenta a Vanessa Rãgen!
Paula não pode evitar uma gargalhada ao ouvir como sua irmã
pronuncia o nome da protagonista de High School Musical.
— Ok, eu te apresento no dia em que a conhecer — diz, piscando
para a irmã.
Os olhos de Erica se iluminam. Já não está tão brava. Afinal de
contas, ter uma irmã famosa é uma sorte. Sim, vai guardar o
segredo.
E as duas meninas batem as mãos fechadas fazendo um pacto
de silêncio.
Nessa mesma noite de março, em outro lugar da cidade.
Está há uma hora chorando sem parar. Uma hora? Talvez mais.
Talvez tenham sido duas ou três. Quem sabe. Os minutos não
importam. Nada mais importa.
Só queria vê-lo mais uma vez, uma última vez, e o imbecil não
estava no campo de golfe quando ela chegou. Procurou-o por todos
os lados, perguntou aqui e lá, mas nem rastro de Ángel.
Com os lençóis azuis da cama recém-trocados, seca os olhos
úmidos, tristes. Cada lágrima que deixa cair é um grito de angústia,
de impotência.
Para Katia, tudo isso é novo. Nunca se sentiu assim. Jamais
chorou por um garoto, nem quando estava no último ano do ensino
fundamental e aquele loiro do médio a rejeitou. “Muito nova para
você? Aah!, dispenso”. Pensou então que, se aquele menino não
queria ficar com ela, é porque não era bom o suficiente. “Ele é quem
está perdendo”.
Por que não é mais assim? Por que não consegue ser forte?
Ángel é um garoto, só isso: um garoto. Além do mais, mal se
conhecem. Quando foi a primeira vez que o viu? Na quinta-feira?
Sim, e hoje é terça-feira. Um, dois, três, quatro e cinco: cinco dias.
Mãe do céu, cinco míseros dias! Não pode ser. Em cinco dias
acumulou mais sentimentos que em toda sua vida.
Põe o travesseiro no rosto e chora desconsolada.
Passam-se dez minutos. Quinze. E mais cinco. Tosse. Geme.
Funga e tenta se acalmar.
Ainda por cima, ele não quer nem falar com ela. Por que não
atende o celular? Não se portou tão mal assim com ele, não é? Não
fez nada para que a ignorasse dessa forma. Ok, beijou-o. Várias
vezes. Mas já lhe pediu desculpas pelo beijo no parque. Foi ato
reflexo, uma criancice. E do beijo no hospital ele nem soube, porque
estava dormido. Um momento: algo lhe passa pela cabeça nesse
instante. E se não estava dormido? E se acordou quando sentiu seus
lábios e disfarçou?
Essa pode ser uma possível resposta para tanto silêncio. Claro, é
isso. Tem que ser isso.
Senta-se no meio da cama e cruza as pernas. O celular está ao
seu lado. As coisas não podem ficar assim, precisa deixar tudo claro.
Pega o telefone e liga mais uma vez. Um toque após o outro.
Ninguém do outro lado da linha. Ninguém. Ninguém!
Mais uma vez. A última vez que liga para ele.
É noite fechada. Quase não se ouve nada em sua cobertura. Ao
longe, carros que vão e vêm, atravessando a rua, ou alguma voz que
chega perdida até as janelas de seu apartamento.
Os toques do celular crescem nesse vazio de sons, ficam mais
exasperantes , cruéis, daninhos.
Fim da chamada. Sem resposta.
Maldição!
Disse que era a última vez? Mais uma. Agora sim, essa sim é a
última. Se não atender agora, desiste. Então, repete o processo.
Aperta o botão de chamada para o número de Ángel. Depois, mais
toques. Espera inquieta, nervosa, esperançosa. Por pouco tempo.
Alguns segundos, o tempo que leva para aparecer uma voz
anunciando que a pessoa chamada não pode atender.
Nessa mesma noite de março, em outro lugar da cidade.
O telefone está no modo silencioso ao seu lado e mais uma vez
se ilumina: Katia está ligando de novo.
Não é agradável.
A luz para de piscar. Outra ligação que morre. Espera que seja a
última. Não tem intenção de atender o celular. Para quê? Para que
torne a convencê-lo de alguma coisa e tenha que ir a algum lugar
com ela? Aquele beijo no hospital deixou claro quais eram as
intenções da cantora de cabelo rosa. E ele namora. Já caiu duas
vezes na rede daquela menina. Sentia-se bem mal consigo mesmo
por ter mentido a Paula. Aquilo não podia se repetir.
Quer esquecer. Quando acabar a reportagem e sair o número de
abril da revista com todas as informações sobre Katia, porá o
definitivo ponto-final naquela história absurda. Mas ainda há
trabalho pela frente: tem que retocar tudo.
O celular torna a se iluminar.
Suspira. Está farto. Sabe que, se atender, ela o enrolará mais
uma vez. Precisa relaxar. Sim, tem que pensar em outra coisa.
Ángel tira a camiseta e entra em seu quarto. Sai dele só de cueca
preta com um fiozinho vermelho. Uma boa chuveirada talvez caia
bem.
Nessa mesma noite de março, em outro lugar da cidade.
Mercedes caminha com um prato de vagem e batatas cozidas
nas mãos. Erica a vê chegar e faz cara feia. Torce a boca e franze o
nariz.
— Não gosto disso — diz a menina quando sua mãe coloca o
jantar à sua frente.
— Pois é o que tem — diz a mulher, afastando-se da mesa em
busca de seu prato.
A criança não está satisfeita. Primeiro olha para seu pai e depois
para sua irmã. Ninguém se solidariza com ela? É a única que acha
que é uma boa noite para pedir uma pizza? É uma delícia aquela de
carne, abacaxi e queijo extra. E não isso que acabam de pôr à sua
frente. Por que tem que comer esses palitos verdes com gosto de
raio?
— Erica — intervém seu pai.
Por fim alguém notou! Vai buscar o telefone para pedir uma
grande?
— Coma tudo.
Caraca! E a pizza grande?
— Tudo?
— Tudo. Senão, vai ficar sem sobremesa.
— Eu fiz pudim, desse que você adora, com biscoito dentro — diz
Mercedes, que ocupa seu lugar à mesa.
Mas o que é isso? Não é justo! Além de a obrigarem a comer
essas coisas verdes, ameaçam não lhe dar sobremesa se não
terminar o prato. Que abuso!
A menina vai reclamar seus direitos, mas compreende que é
inútil se rebelar. Vão ver quando ela crescer! Quando tiver seis anos,
tudo vai ser diferente!
Com desagrado, amontoa a vagem de um lado do prato e no
outro coloca as batatas em fila. Melhor começar pelo difícil. Põe uma
mão no nariz para tampá-lo, como se fosse mergulhar na piscina, e
com o garfo na outra vai espetando vagem por vagem. A cada uma
que leva à boca, pensa no pudim com biscoito que vai comer depois.
Isso alivia um pouco, mas dentro de si continua considerando uma
injustiça que a façam comer algo de que não gosta.
O jantar transcorre em relativo silêncio: barulho de talheres, de
um copo que se enche, a televisão de fundo e algum comentário
entre o casal sobre o tempo ou as notícias.
Paula também não gosta muito de vagem. Mas hoje não é dia
para ficar de mau humor. Está muito feliz. Não para de pensar no
dia que passou. De vez em quando, levanta a cabeça e encontra o
olhar de seus pais. Sorri sem dizer nada e brinca com as batatas.
Não está a fim de falar. Hoje não. Mastiga devagar e engole com
cuidado.
Só tem vontade dele. Imagina como serão seus jantares com
Ángel quando estiverem casados, com filhos. Casados e com filhos!
Mas só tem dezesseis anos! Quase dezessete. E daí? Todas as
meninas fantasiam com isso, ou não? Então, um calafrio a assalta e
uma imensa alegria percorre todo seu corpo. Ángel, o homem de sua
vida, o pai de seus filhos, o primeiro a...
Sábado.
— Pronto! Acabei! — grita Erica, mostrando seu prato vazio para
os outros.
— Muito bem, filha — diz sua mãe. — Viu como no fim você
gostava?
Gostava!? Mas que... Pensa em uma palavra que ouviu de um
menino mais velho na escola, mas prefere se calar. Não tem certeza
do que significa, mas vai que leva bronca, como daquela vez que
disse que seu pai era um babaca, palavra que ouviu de uma
professora, e a castigaram deixando-a sem sobremesa.
— Vou buscar o pudim! — exclama a criança, levantando-se da
mesa e correndo para a cozinha.
— Espera, vou com você — diz seu pai, que também se levanta
da cadeira.
Paco pega seu prato vazio e seu copo. Caminha atrás da menina
e, quando passa perto de sua mulher, põe uma mão em seu ombro e
o aperta suavemente. É o sinal.
Paula ainda não terminou. Continua sonhando com Ángel. Sua
mãe a observa e ela percebe. É o momento.
— Paula...
— Sim, mamãe?
— Bom... eu... quero dizer, nós… seu pai e eu...
Não. Hoje não, por favor. Estava tão feliz! Outra conversa
daquelas...
A menina se levanta da cadeira com o prato na mão.
— Tenho que estudar...
— Sente-se, por favor.
— É verdade, mamãe. Tenho que...
— Sente-se.
A voz de Mercedes soa mais seca e firme que o habitual. Tanto
que Paula obedece. No fim, não vai poder evitar o papo. Qual será
dessa vez? Preservativos? Sementinhas? Sexo com ou sem amor?
— Diga, mamãe — diz resignada.
— Filha... Lembra que faz alguns dias você disse que nos
contaria todas as coisas importantes?
— Claro. E eu conto.
— Sei. — Mercedes faz uma pausa. Olha nos olhos de sua filha.
— Há um garoto, não é?
— Um garoto?
— É o irmão de Miriam?
— Como?
— Você está saindo com o irmão de Miriam?
— Acha que estou com Mario?
— É ele?
— Mas, mamãe...
— É ele?
— Não! Claro que não! Mario é... só um bom amigo. Nada mais.
— Então, quem é? Tenho certeza de que há alguém. Quem é?
Nesse instante, Erica, satisfeita, entra na sala de jantar com o
pudim com biscoito no meio. Segura a mão de seu pai. Porém, Paco
contempla algo que o faz, sem querer, apertar a mão de sua filha
pequena. Na televisão, estão reprisando uma notícia que já
passaram no noticiário do meio-dia.
— Ai, papai! Dói!
Então, a menina também a vê, pela segunda vez hoje. É sua
irmã: sua irmã na TV, sua irmã fotógrafa, sua irmã famosa!
— Paula! — grita a menina apontando para a TV e deixando cair
a travessa com o pudim no chão.
Mercedes e Paula também assistem às notícias.
Ali está ela. Feliz. Bonita. Interessada. Acompanhada.
Talvez tenha chegado o momento. Ficou sem saída.
— Papai, mamãe, é verdade. Estou namorando.
Capítulo Cinquenta

Nessa mesma noite de março, em algum lugar da cidade.


E se estiver se apaixonando? Ela? Não, impossível.
Impossível?
Diana está sentada na cama em frente à TV com a bandeja com
seu jantar no colo. É o costume. Desde uns meses antes de seus
pais se separarem, come sozinha em seu quarto. Estava cansada de
brigas e gritos. Porém, essa noite está sem fome. Mal tocou no prato,
mesmo que os canelones pareçam deliciosos. É a especialidade de
sua mãe: massa requentada no micro-ondas.
Por que pensa tanto nele?
Está estranha há dois dias, com sensações diferentes das
habituais, um sorriso bobo e o olhar perdido. Se normalmente é
distraída, agora está muito mais. Será que está doente?
Mario. Até o momento nunca havia reparado nele. É irmão de
Miriam, o nerd da classe e alguém completamente diferente dela.
Não combinam em nada: ela é mais de outro tipo de relacionamento,
e ele, com certeza, gosta de outro tipo de menina. Mas, para dizer a
verdade, nunca o viu com nenhuma. Será que é virgem?
Possivelmente. Talvez seja um desses que esperam a pessoa certa
para a primeira vez. É estranho que ainda existam garotos assim. E
se for gay?
Diana balança a cabeça de um lado para o outro.
Não é bonito, mas tem certo charme. Sim, é bonito, muito
bonito. E tem esse algo que o faz interessante. Talvez muito esperto
para ela. Pelo menos, para as coisas de aula. Não se considera
burra, mas esse negócio de estudar não é com ela.
O que será que Mario acha dela?
Suas amigas dizem que está apaixonado. Basta ver como se
comporta ultimamente: caminha meio ausente, tem dificuldade para
dormir, não faz o dever de casa... E olha muito para o canto
das Sugus. Os sintomas se encaixam.
Foi legal que a acompanhasse depois das aulas nesses dois dias.
Não falaram muito, mas não se sentiu constrangida ao seu lado. Até
gostou.
Suspira. Leva as mãos ao rosto. E volta a suspirar.
Deus! Isso é o que fazem todos que estão apaixonados! Passam o
dia inteiro suspirando.
Não, ela não. Ela é das que seguem o lema do carpe diem: não
quer se amarrar a ninguém, legal é viver a vida ao máximo. A
palavra compromisso lhe dá coceira. Apaixonar-se com dezessete
anos, blergh! Nem pensar!
Mas... é tão bonitinho!
Sorri. Não sabe o motivo. Que sorriso mais estúpido. Tenta ficar
séria. Vamos, quem diria! Mas não consegue, torna a sorrir. Que
boba! Com as mãos, fecha a boca e aperta os lábios, como se fosse
um peixe. Assim, séria. Mas não há o que fazer. Sorri e, no fim,
explode em uma gargalhada.
Suspira.
Mario. Por que não sai de sua cabeça?
O som de seu celular a resgata de suas fantasias.
— Oi, Cris — atende o telefone depois de afastar a bandeja com
o jantar.
— Você viu? Viu?
A voz de sua amiga parece excitada como nunca. Isso logo
desperta a curiosidade de Diana.
— Vi o quê?
— Não a viu? Caramba, você perdeu!
— Quer me dizer do que está falando?
— Da Paula!
— Paula? O que tem ela?
— Apareceu na TV! No noticiário!
— O quê! Quando?
— Agora há pouco. Eu estava jantando. Meus pais estavam com
a TV ligada e disseram: “Ei, essa aí não é sua amiga Paula?”. E sim,
era ela!
— Certeza que era ela?
— Claro! Apareceu pelo menos uns seis segundos. Eu vi bem.
Além do mais, o namorado dela estava do lado.
— Que safada!
— Pois é. Estavam em um torneio de golfe ou algo assim, de
famosos. Liguei para ela, mas está com o celular desligado. Espero
que amanhã nos conte tudo com detalhes.
Vêm à mente de Diana as poucas palavras que trocou com sua
amiga quando passou por sua casa à noitinha para pegar suas
coisas de escola. Então, era verdade...
Umas horas antes.
Toca a campainha na casa de Diana. A menina abre a porta. É
Paula. Um táxi a espera.
Paula: Oi!
Dois beijos.
Diana: Oi, como foi?
Paula: Incrível. Depois eu conto, estou com muita pressa. Pegou
minhas coisas?
Diana: Sim, claro. Espera.
Atrás da porta, em uma cadeira, estão a jaqueta e a mochila de
Paula. Diana lhe entrega tudo.
Paula: Muito obrigada! Eu te devo uma.
Diana: Deve nada! Mas não vai me contar nada? O que fizeram?
Paula: Fotografamos famosos e jogamos golfe.
Dois beijos.
Diana sorri enquanto Paula corre até o táxi. Como sua amiga é
irônica de vez em quando...
Ángel sai do veículo. Abre a porta do carro para Paula e acena
para Diana . Ela responde ao aceno.
O casal entra e o táxi se afasta pouco a pouco.
— Ei! Diana! Você está aí?
A voz de Cris devolve a menina ao presente.
— Sim, sim. Desculpe, é que estou meio distraída hoje.
— Tudo bem?
— Claro! Sou eu. As coisas estão sempre bem para mim. Deve
ser porque...
— Deve ser por causa de Mario — diz Cris, interrompendo-a e
rindo depois.
— Aah! Pronto. Que chatinhas, vocês! — reclama. — Mosquinha
morta, vou desligar, que estou jantando.
Sua amiga ri de novo.
— Ok, bom apetite. Até amanhã. Sonhe com...
Antes que ela pronuncie o nome que imagina, Diana desliga.
Que menina, essa Paula! Não só arranja os melhores garotos
como tem o melhor corpo e agora até aparece na TV. O que Paula
tem que ela não tem? Só falta Mario também se apaixonar por sua
amiga.
Diana pega a bandeja com o jantar. Corta um pedaço do
canelone e o leva à boca. Está frio, duro, intragável. De qualquer
maneira, continua sem fome.
Bom, talvez o amor não seja tão ruim. Talvez perca uns dois
quilos.
Sorri. E, como não, suspira.
Nessa mesma noite de março, em outro lugar da cidade.
— Caramba!
— Não é? Nossa Paula na TV. Incrível, hein?
— Não estou acreditando ainda. Vou ligar para ela.
— Já liguei, mas o celular dela está desligado.
— Ah. Temos que contar pra Diana.
— Já falei com ela pelo telefone. Está alucinada.
— Ah.
Miriam fica um pouco decepcionada. Cris ligou para Diana e não
para ela ao ver Paula na TV.
A garota morde uma banana na frente de seu computador.
Cristina a vê pela webcam e sorri, mas se sente um pouco mal.
Parece incomodada. Talvez devesse ter ligado para ela também.
— Está gostoso?
— Muito. Quer? — oferece Miriam educadamente.
— Não, obrigada. Já jantei.
— Tudo meu, então.
Miriam faz um esforço e coloca o último pedaço inteiro na boca.
É muito grande. A duras penas consegue mantê-lo dentro da boca.
Suas bochechas estão inchadas e vermelhas. Engasga, tosse, após
uma feroz luta, finalmente vence a banana e consegue mastigá-la
normalmente. Engole, tosse mais uma vez e respira aliviada.
Volta ao teclado do computador.
— Você quase presencia uma morte ao vivo por engasgo com
banana.
— Sim. Estava ficando assustada. Já ia ligar para o resgate.
As duas amigas riem. E, dessa simples maneira, limam qualquer
tipo de aspereza.
A porta do quarto de Miriam se abre lentamente. Seu irmão
aparece, preocupado.
— Você está bem? Ouvi você tossir como se estivesse
engasgando.
— Sim, Mario. Obrigada, estou bem.
— Ok. Não faça tanto escândalo, então.
— Vou tentar.
— Ok. Estou indo.
— Espere. Cumprimente minha amiga. A webcam está ligada e
ela está vendo você.
Uma amiga? Paula? Um calafrio repentino.
O menino se aproxima do computador e olha para a tela. Ora,
não é Paula. Cristina sorri e acena. Mario a imita e esboça um tímido
sorrisinho forçado.
— Bom, vou deixar vocês aí com suas coisas.
— Ui! Estou percebendo uma amargura. Esperava que fosse
Diana?
— Sim, era exatamente isso que esperava — responde, irônico.
— Está gamadão, hein?
— Nem durmo à noite.
— Ah! Então esse é o motivo! Finalmente reconhece.
Mario suspira. Sua irmã é tão chata quando quer…
— Vou indo. Enchi de você — grunhe.
— Sabe que Paula apareceu na TV? — diz Miriam, antes de ele
sair do quarto.
Ele para. Entendeu direito?
— Na TV? Quando?
— No noticiário, agora à noite. Pelo visto, esteve em um torneio
de golfe beneficente com famosos e com o namorado, que é
jornalista. Ele a convidou para passar o dia com ele. Por isso não foi
à aula.
O coração de Mario se parte ao meio.
— Ah, foi por isso.
— Sim, o namorado foi buscá-la na escola. Não é romântico?
Então, tudo passa muito depressa: a imagem de Paula com
aquele garoto na saída da escola, beijando-se, abraçados, as rosas
vermelhas no meio da aula, suas lágrimas na cama, as canções do
Maná… A angústia daquelas horas infernais .
Não só isso: Paula mentiu para ele. E ainda tem mais: Paula não
confiou nele e inventou uma desculpa para não lhe contar a verdade.
Duas vezes. Paula fingiu estar doente para não ir à sua casa estudar
e ficar com seu namorado.
Seu namorado.
Sua Paula tem namorado. Aquele sujeito bonito, alto, mais
velho. Perfeito.
Mario sai do quarto sem dizer mais nada. Que vai dizer? Que se
sente insignificante? Que a menina que ama não só não o ama como
também mente para ele? Que preferiu ficar com o outro apesar de ter
marcado com ele?
Está cansado. Cansado de tudo.
Entra em seu quarto. Pega a caixinha de um CD e a joga com
força no chão. O plástico se parte. Mas que droga.
Não aguenta mais. Aqueles dias estão sendo muito duros para
ele: um contínuo quero e não posso, cal e areia por todo lado. E sua
cabeça não suporta mais.
Tranquilamente, deixa-se cair na cama. Apoia as mãos na nuca.
Fecha os olhos. Embora não queira chorar, Mario se rende a sua
imensa tristeza.
Lágrimas.
Capítulo Cinquenta e Um

Nessa mesma noite de março, em outro lugar da cidade.


Há olhares de todo tipo: os que matam, os que apaixonam, os
curiosos, indecisos, inocentes, descarados... Olhares que escapam
para onde não se deve olhar e aqueles que sucumbem a outro olhar.
Paco olha para sua esposa. Olhar impaciente, hesitante,
inquieto.
E agora? Mercedes olha para sua filha. Olhar compreensivo,
maternal, resignado. Já imaginava algo assim. E Paula não sabe
para onde olhar.
Acabava de reconhecer que está namorando. É sua primeira
confissão desse estilo, talvez porque Ángel é realmente seu primeiro
namorado.
O que contar e o que ocultar?
Seu pai se senta em sua poltrona na sala, essa mesma onde não
faz tanto tempo acomodava sua pequena Paula nos joelhos e
brincavam de tirar o nariz ou fazer bolinhas de sabão. A menina
ficava brava quando seu pai as estourava, mas sempre acabavam
rindo. Foram tempos que não voltarão, momentos de um pai com
uma filha que só são vividos nos primeiros anos, antes da
adolescência. Agora, aquilo já pertence ao passado. Paco sente uma
repentina nostalgia.
Observa-a. Está sentada à sua frente, ao lado da mãe. Tem um
pouco de maquiagem no rosto e parece mais velha. É muito bonita.
Tem os mesmos olhos de quando era uma criança, mas já não olham
igual.
— Bom, então conte. Quem é o rapaz?
Mercedes quebra o gelo. Tenta parecer serena. É coisa natural,
sua filha já não é uma menina. Vai completar dezessete anos no
sábado. Quem não se apaixonou quando adolescente? Ou talvez nem
sequer esteja apaixonada. Se pensar bem, talvez esse garoto seja só
mais um.
— O nome dele é Ángel — responde.
Paula também se sente estranha nessa situação. É como se
falasse de outra pessoa, não de sua própria vida. É muito estranho.
— Ángel — murmura Paco. Ainda não acredita.
— É um nome bonito — comenta Mercedes, que parece a mais
tranquila dos três.
— É.
— É da sua classe?
— Não.
— Não? Frequenta outra escola?
— Não, mamãe. Ángel não está na escola.
“Um bon vivant. Era só o que faltava”, pensa Paco, e se recosta
na poltrona. Respira fundo e cruza as pernas. Amaldiçoa o dia em
que parou de fumar, há dois anos. Está a fim de um cigarro.
— E o que ele faz? — quer saber sua mãe, que já não está tão
tranquila.
— Trabalha. Em uma revista de música.
As palavras de Paula chegam a conta-gotas, entrecortadas. Não
quer contar além da conta, mas também não sabe onde está o limite
e até onde seus pais vão querer saber.
— Ah, que interessante! E o que ele faz exatamente?
— O que pode ser, mamãe? Escreve. Ele é jornalista.
— Jornalista?
A menina assente com a cabeça. Tem certeza de qual será a
pergunta seguinte.
— Mas quantos anos Ángel tem?
Acertou. Hesita um instante sem saber se diz a verdade, mas a
essa altura...
— Vinte e dois.
— Vinte e dois? — A exclamação de seus pais chega em
uníssono. — Vinte e dois?
Paco se levanta do sofá e se coloca atrás dele. Vinte e dois!
— Sim, vinte e dois. Dois, dois. Dois patinhos.
— Mas... é muito velho para você — comenta Mercedes.
— Velho? Quase poderia ser seu pai! — grita Paco.
Sua filha saindo com um garoto de vinte e dois anos! Garoto?
Um homem!
— Vamos, papai, que exagerado. São só cinco anos e meio de
diferença.
— Só? Mercedes, está ouvindo sua filha? Diz que são “só” cinco
anos e meio de diferença. Acha isso normal?
— Que antiquado, papai.
— Bom, tendo dezesseis, cinco anos e meio é bastante —
acrescenta Mercedes.
— Mamãe!
— É que é verdade, filha.
— Que importa a idade quando se ama alguém?
— Amar? Amar? Mas como assim amar?!
— Sim. Eu o amo!
Paco leva as mãos à cabeça. Aquilo não pode estar acontecendo.
Sua filha, sua menininha, está dizendo que ama um homem cinco
anos e meio mais velho que ela. Precisa de um cigarro. Acha que tem
um maço no criado-mudo. Sem dizer nada, caminha para a escada e
sobe até o quarto sob o olhar atônito de mãe e filha.
— Mas... papai…
— Deixa ele. Já vai voltar.
— Vocês estão exagerando.
— Filha, entenda.
— Entendam vocês. Não sou mais uma menina. É normal que
eu namore, que ame alguém, que...
Não continua. Não deve continuar. O que vem a seguir, não diz.
Sábado.
— Mas é muito velho para você. Você devia sair com meninos da
sua idade. Não devem ter os mesmos interesses e talvez não tenham
os mesmos objetivos. Cinco anos não é muita coisa, mas é agora,
quando você tem só dezesseis.
— Não concordo. E, de qualquer maneira, a questão é decisão
minha, minha vida, não a sua.
Mercedes suspira. Sabe que ela tem razão. Além do mais, está
prejulgando o rapaz sem conhecê-lo.
As duas ficam em silêncio por alguns segundos. São instantes
confusos. Começaram a trilhar um caminho difícil.
— E como vocês se conheceram? — pergunta por fim a mulher.
— Buf! — bufa Paula.
Nesse instante aparece Paco. Desce a escada com um cigarro na
boca.
— Você está fumando? Mas, meu amor...
— Me deixa. Estava precisando.
— Mas você está há dois anos sem...
— Me deixa. O que estavam falando?
O homem se senta de novo e se joga para trás na poltrona. Uma
nuvem de fumaça o escolta.
— Papai, você está exagerando com tudo isso.
Paco permanece em silêncio e dá uma tragada no cigarro. Não
há o que fazer. Levará um tempo para passar. Paula suspira.
— Bom, estava nos contando como você o conheceu — insiste
Mercedes.
— Que importa isso?
— Claro que importa, Paula. Tudo importa. Queira ou não, você
é nossa filha e precisamos saber certas coisas.
— Mas é minha vida.
— E a nossa. Ou por acaso você não vive aqui?
— Sim, papai. Vivo aqui.
— Meu amor, entendemos que seja sua vida e que tenha sua
intimidade. Mas somos seus pais.
— Buf!
— Além do mais, não acredito que haja nada de mau em nos
dizer como você conheceu esse sujeito.
— Papai! Não é nenhum sujeito. É meu namorado.
Paco pragueja em voz baixa. Namorado? Fala dele como se o
conhecesse a vida toda. Vinte e dois anos! Com certeza esse sujeito
só quer se aproveitar dela. Como sua filha não percebe?
— Ok, tudo bem, um pouco de paz, por favor — tenta mediar
Mercedes , que, mesmo estando nervosa, tenta se manter serena. —
Onde você o conheceu, então?
Paula suspira e cruza as pernas. Que pesadelo! Diz a verdade?
Aah, tanto faz!
— Em um fórum de música. Na internet.
— Era o que me faltava! Na internet!
— Ora… — diz para si mesma a mulher.
— Pela internet! — grita Paco.
— Mas, papai, hoje em dia é normal. Muita gente se conhece
assim.
— Sim, gente sem cérebro, desmiolada.
— Papai, já deu!
— Já deu? Como já deu? Está de castigo! — grita, levantando-se
com um pulo e apagando o cigarro em um cinzeiro. — De castigo até
fazer dezoito anos!
— Papai!
— Meu querido!
O homem não quer ouvir mais nada. Sem olhar para sua esposa
ou sua filha, sobe a escada. É impossível encontrar um adjetivo que
qualifique seu estado. Chega ao seu quarto e se tranca nele, batendo
a porta.
Embaixo, mãe e filha se assustam com o barulho.
— Buf!
— Espero que não tenha assustado a Erica — diz Mercedes.
— É um exagerado!
— Um pouco. Mas isso o pegou desprevenido. Vai passar. Depois
vou falar com ele.
— Não entendo como pode ficar assim.
— É que ele é seu pai.
— E daí? O que ele quer? Que eu passe a vida toda aqui
trancada? Que não saia com ninguém?
— Se fosse por ele...
Sua mãe sorri timidamente. No fundo, ela também está
preocupada. Um garoto de vinte e dois anos que conheceu pela
internet não é exatamente a versão que esperava do primeiro
namorado de sua filha.
— Tenho quase dezessete anos, mamãe. Não sou uma menina.
— Eu sei, filha.
— Algumas amigas minhas até tomam pílula já.
Mercedes engole em seco. Olha para a filha. Ela cresceu sem que
percebesse. Muito em breve pode inclusive ser avó. Isso significa que
não só Paula faz aniversários: ela também. E, por um momento,
sente-se velha.
— Tudo bem, mamãe?
— Sim, não se preocupe.
— Ok — responde Paula, não muito convicta. — Posso ir para
meu quarto?
— Sim. Depois continuamos falando disso.
— Buf!
A menina descruza as pernas e se levanta. Está cansada. Quer ir
para a cama e dormir profundamente. Com um pouco de sorte, ele
aparecerá em seus sonhos.
— Ah, Paula, uma última coisa.
— Sim, mamãe.
— O que estava fazendo nesse torneio de golfe em horário de
aula?
Ops!
— É que...
— Não falte mais, entendido?
— Entendido.
Paula sorri. Dá um beijo em sua mãe e sobe depressa a escada.
Por fim terminou o interrogatório. Por enquanto. Está esgotada.
Amanhã vai ligar para Ángel e lhe contar tudo. Por hoje, chega de
emoções.
Mercedes pega uma almofada e a aperta contra o ventre. Como
sua filha cresceu... Tanto que já é capaz de amar. Amar... Lembra
quando ela mesma conheceu o marido. Sorri. Ele era muito bonito,
com aqueles olhões verdes. E ela só tinha um ano a mais que Paula.
E sim, amava-o. Demais. Tudo mudou na vida deles, mas continua
amando-o. De outro jeito, mas se lhe perguntassem, diria que sim,
que continua apaixonada por ele.
Recosta-se no sofá. Não está mais tão tensa. Fecha os olhos. Vê
a si mesma com vinte anos a menos de mãos dadas com Paco. A
primeira noite que passaram juntos: bonitos, jovens, cheios de
ilusões… Preparados. O começo . Gostaria de voltar!
Mas, se voltar, Paula não existiria. Nem Erica.
Abre os olhos. Sua filha pequena está sentada em seus pés.
Sorridente.
Então, Mercedes compreende que voltar ao passado não faz
nenhum sentido.
Essa noite vai conversar com seu marido.
Capítulo Cinquenta e Dois

Nessa mesma noite de março, em um lugar afastado da cidade.


A música do saxofone de Álex chega até seu dormitório. Sorri.
Não conhece a melodia que toca, mas lhe agrada.
Os jeans caem no chão. Levanta um pé, depois o outro. Agacha-
se e o recolhe. Dobra a calça sem muito cuidado e a coloca no
armário. Não é tão grande quanto o que tem em sua casa, mas não é
ruim. Ajeita a calcinha preta para que fique no lugar exato e põe o
pijama, um short cor de rosa. A seguir, Irene tira a camiseta. Faz
uma bola com ela e a joga no improvisado cesto de roupa suja, um
baú de vime que encontrou dentro do armário quando se instalou
naquele quarto. Desabotoa o sutiã. Gosta de lingerie preta, é sua
preferida. Também para o cesto. Nunca dorme de sutiã. A parte de
cima do pijama desliza por seus seios até cobri-los completamente.
Boceja. É cedo para ir para a cama. Seria diferente se não fosse
sozinha, naturalmente. Adoraria que seu meio-irmão descesse do
telhado e a possuísse nesse mesmo instante. Calafrios.
Mas, por ora, não é possível. Que raiva... Com a vontade que
está de fazer amor... Sim, podia ter proposto isso ao garoto com
quem fora jantar depois da aula. Ou àquele outro que não para de
olhar para ela desde ontem, que é bem bonitinho. Mas se Álex a vir
com outro, será mais difícil conquistá-lo. Ou não. Talvez fique com
ciúme. Mas essa opção é pouco provável. Tanto faz, não vai arriscar.
Além do mais, está a fim de transar com ele. Imagina-o nu em cima
dela, em um contínuo e excitante vaivém. Mais calafrios. Que
vontade!
Durante a tarde toda pensou em como fazer com que seu meio-
irmão caia aos seus pés. Precisa de algo mais que seus dotes de
sedução. Sabe que há alguma coisa que impede Álex de reparar mais
nela. Seus pensamentos sempre acabam no mesmo lugar: nessa
menina que se chama Paula e de quem só sabe o número de
telefone. Para conquistar seu meio-irmão, primeiro tem que fazê-la
desaparecer.
Irene caminha até uma cadeira onde está sua bolsa. Abre-a.
Remexe lá dentro e, por fim, encontra o papelzinho que estava
procurando. Tem algo escrito. São os números do celular dessa
menina. Senta-se na cama e o observa atentamente.
E se...
A garota torna a se levantar e pega seu telefone, que está em
cima de uma escrivaninha. Senta-se na cadeira e coloca a bolsa no
colo. Seu Sony Ericsson está em suas mãos. Vai a “Mensagens” e
começa a digitar.
Hesita. Escreve. Apaga. Escreve. Lê várias vezes o SMS. Palavra
por palavra.
Pronto. “Enviar”.
A mensagem é enviada corretamente.
Sorri, maliciosa e também bem-humorada. Aquilo não só a
satisfaz como também a diverte.
Agora, é só esperar. Já é hora de conhecer sua rival.
O saxofone de Álex já não toca. Deve ter descido.
Isso mesmo. Ouve seus passos descendo a escada. Vai à cozinha
buscar alguma coisa. Quer vê-lo. Sai rapidamente do quarto.
Álex, nesse instante, entra na cozinha, como ela suspeitava.
Irene também desce. Da porta, observa em silêncio seu meio-
irmão, que vai fazer um café. Está de costas. Usa um jérsei justo
azul-marinho e uma calça preta. Ela lambe os beiços. Como
melhorou nesses últimos tempos que não o viu! Está muito gostoso.
Tem que ser seu e será. Sem dúvida.
Ah, deixou o celular lá em cima. Dali, não vai escutar se tocar.
Álex se volta e vê sua meia-irmã na porta da cozinha. Uff! Está
realmente sexy com esse pijama curto. Além do mais, logo descobre
que está sem sutiã. Respira fundo e continua fazendo café.
— Olá. Só desci para dar boa-noite. Ouvi você descer do telhado
— diz a garota, aproximando-se.
— Sim, estava um pouco frio já — responde ele sem olhá-la.
— Ah, é? Eu não estou com frio. Estou até com um pouco de
calor.
Irene desabotoa um dos botões da blusa do pijama. Álex não
quer olhar e também não responde. Abre a torneira e enche a
cafeteira de água.
— Era bonito o que estava tocando. É sua?
— Sim. Estou compondo.
— Você é um gênio. Eu gostaria de tocar algum instrumento
como você toca.
Os dois têm consciência do duplo sentido da frase, mas Álex não
está a fim de entrar no jogo.
— Já sabe, é só se matricular em um curso de música.
Irene solta uma gargalhada. Seu meio-irmão nem se altera e
continua preparando café.
— Bom, vou para a cama. Você vem? — pergunta piscando para
ele.
— Não, obrigado. Tenho a minha.
A garota volta a rir. Que pena, não sabe o que está perdendo!
Com a vontade que ela está, tem certeza de que seria bom demais.
— Até amanhã, então. Boa-noite.
— Boa-noite.
Irene abandona a cozinha, não sem antes lhe dar uma última
olhada. Uff, seria bom demais, sim!
Entra em seu dormitório. Rapidamente, examina o celular. Não
há mensagens novas.
Ora… Paciência. Sim, precisa ter paciência. Como a vingança,
seu plano se come frio. Mas não é exatamente frio o que ela sente
nesse momento.
Capítulo Cinquenta e Três

Nessa mesma noite de março, um pouco mais tarde, em algum


lugar da cidade.
Relê pela penúltima vez o que escreveu. Modifica algumas
palavras e faz o balanço final de seu artigo. Última leitura. Bom.
Satisfeito.
Ángel fecha o notebook. Recosta-se até que suas costas
encontram o encosto da cadeira. Estica os braços. Por hoje é
suficiente. Está contente com o resultado, e isso que não esperava
grandes coisas. Foi difícil se concentrar: aconteceram muitas coisas
em tão pouco tempo…
O jovem jornalista se levanta. Está sem camiseta, só com uma
calça muito confortável que usa de pijama. Parece mentira que
estejam em março. Por que faz tanto calor? A mudança climática e a
camada de ozônio devem ser os culpados.
Resgata o celular da gaveta de uma mesinha em seu quarto.
Deixou-o ali no silencioso, guardado, para esquecer as chamadas de
Katia. Tem mais doze perdidas do mesmo número. Uff! Essa menina
não se dá por vencida. Também tem três mensagens recebidas.
Ángel abre uma por uma e as lê. Assusta-se com o conteúdo, visto
que todas, no fim, dizem a mesma coisa.
A primeira é de um primo seu; a segunda, de um amigo que não
vê faz tempo, e a terceira de uma colega da redação.
Os três lhe contam que o viram na TV, no noticiário, em um
torneio de golfe beneficente cercado de gente famosa. Sorri. É
curioso: embora seja jornalista, ainda se surpreende quando aparece
na televisão. Então, lembra-se de que não estava sozinho. Talvez
Paula tenha aparecido com ele.
Busca rapidamente o número de sua namorada. Ali está. É
tarde, mas tem que ligar para ela. Ansioso, aperta a tecla de
chamada. Não pode ser, o celular dela está desligado! Caraca, de
novo a mesma história do fim de semana. Tenta uma segunda vez,
mas obtém a mesma resposta. Fica desesperado. Até se irrita um
pouco.
Mas logo passa. Não pode se irritar com ela, muito menos depois
do dia que passaram juntos.
Paula é incrível, ele a adora. Como pode gostar tanto dela? É
simples: Paula é perfeita. Bonita, inteligente, extrovertida, atrevida,
carinhosa… É ela. Simplesmente isso.
E no sábado darão um passo a mais na relação. Além do mais,
que responsabilidade! A primeira vez dela. Paula vai perder a
virgindade com ele. É um privilégio ser o primeiro. Estremece
pensando nisso. Belo presente! Mas não é ele quem deveria dar um
presente a ela? Porém, não pensou em nada. Bom, pensou.
Ocorreram-lhe várias coisas, mas nenhuma aceitável. É o primeiro
aniversário dela que passam juntos e quer surpreendê-la. Que
presente que a deixe de queixo caído ele pode lhe dar? Complicado.
É um desafio difícil.
Ángel pega uma folha em branco e uma caneta. Vai fazer como
quando redigia redações na faculdade: escrever tudo que lhe passa
pela cabeça, tenha sentido ou não. Um brainstorming, ou tempestade
de ideias, como dizem os publicitários. Talvez assim encontre o
presente perfeito.
Começa com o título: “Coisas de que Paula gosta e que eu
poderia lhe dar de presente”. Depois, atravessando o papel de cima a
baixo, traça uma linha dividindo-o em duas colunas. Na da esquerda
anotará todas as coisas que lhe vierem à cabeça, e na da direita,
porá um traço para as ideias que lhe agradem e um “x” para as que
não.
Morde a caneta. Olha para o teto. Concentra-se e começa a
anotar palavras, uma embaixo da outra:
Bichinho de pelúcia
Bombons
Flores
Caixa de música
CD
Filme
Vídeo
Foto
Telefone
Roupa íntima
Livro
Viagem
Ángel para e lê o que escreveu. Pensa por alguns minutos. Nada
do que lhe ocorre com base nessas palavras o convence. Precisa de
mais ideias com novos conceitos, menos previsíveis. Levanta-se.
Caminha de um lado para o outro e, em voz baixa, repete várias
vezes: “Coisas de que a Paula possa gostar, coisas de que a Paula
possa gostar…”.
Então, algo chama sua atenção. O celular, sem som, volta a
piscar. Ángel vai até ele, talvez seja Paula. Mas não, é Katia. Mais
uma vez.
Suspira. Olha para a telinha com o nome da cantora se
iluminando e se apagando. Luz intermitente. Por que insiste tanto?
É tarde. E se realmente aconteceu alguma coisa? Pela primeira vez
na noite toda hesita. Talvez deves se atender. E se não atender?
A chamada termina.
Sente-se estranho. Durante alguns segundos, deixou de pensar
em Paula, em seu presente.
Coisas de que a Paula possa gostar. Katia. Coisas de que a Paula
possa gostar. Ouve a voz da cantora. Coisas de que a Paula possa
gostar. Os beijos da menina de cabelo rosa. Coisas de que a Paula
possa gostar.
Suspira. Uff, não! Isso não.
Katia. Paula. Katia. Paula. Katia. Paula.
A folha separada em duas colunas. A caneta na mão.
Katia.
A luz do celular volta a piscar.
Não.
“Não, Ángel, não”.
Volta a suspirar. Seus olhos azuis não param de olhar para a
pequena tela do telefone. Puxa seus cabelos. Uff! Não, não. Mas por
fim...
— Alô, Katia. Tudo bem?
Capítulo Cinquenta e
Quatro

Nessa madrugada de março, entre a terça e a quarta-feira, em


algum lugar da cidade.
Abre os olhos pouco a pouco. Que escuridão. Muita, não? Por
que está deitada na cama ainda feita?
Paula não compreende. Leva alguns segundos para reagir. Ainda
está de jeans. Não entende nada. É um sonho? Não.
Acaba de ter a conversa com seus pais. Vai recordando. Depois,
subiu para seu quarto. Deitou-se na cama. E depois?
Adormeceu.
Quanto tempo faz isso? Minutos? Horas?
Com dificuldade, movendo-se com a moleza de quem acaba de
acordar, acende o abajur do criado-mudo. Quer ver que horas são.
Onde está seu celular?
Estava no bolso de trás da calça. Como pôde dormir com o
telefone ali? Pega-o. Ora, está desligado. Ah, sim, agora lembra.
Antes de falar com seus pais, desligou-o para que não tocasse
enquanto estava com eles. Além do mais, estava com pouca bateria,
e não suporta o apito constante que avisa.
Que cabeça!
Liga-o. Logo toca o sinal de que a bateria está no mínimo.
“Droga”. E o carregador?
Olha ao redor. Ali está, em cima da escrivaninha. Suspira.
Levanta-se para pegá-lo e o conecta ao celular. Depois liga na
tomada. Enquanto isso, o aviso de mensagens não para um instante.
Tem seis SMS: cinco são de ligações perdidas que recebeu de dois
colegas de classe, de Cris, de Diana e de Ángel. Seu namorado ligou
duas vezes e ela dormindo, com o celular desligado. Liga para ele?
“Caramba! Três e quinze da madrugada! Dormi mesmo!”.
O que Ángel terá pensado? Com certeza lhe passou pela cabeça
o lance do fim de semana. É muito tarde para ligar para ele. Poderia
lhe mandar uma mensagem para quando acordar. Não, talvez o
acorde. Vai ter que esperar amanhecer.
Há uma sexta mensagem, de um número desconhecido. Abre-a
com curiosidade. É de Álex! Mandou-lhe um SMS desse celular
porque o seu está na assistência técnica. Quer vê-la manhã à tarde,
às cinco. Diz que é urgente, que depois lhe conta, que não falte. Dá o
endereço, mas não diz nada mais.
Que mensagem mais estranha! Bom, Álex é um garoto especial.
Que será de tão urgente que tem para falar?
Senta-se na cama e tira a calça jeans. O que será que quer?
Deve ser algo importante, porque já lhe escreveu outro dia dizendo
que não podia se encontrar com ele por causa das provas. Se não
fosse importante, acha que não lhe pediria para se encontrar com
ele.
Paula põe a calça do pijama.
Terá algo a ver com o livro dele ou com os livretos?
Possivelmente. Quanto mistério... É estranho que tenha mandado
um SMS em vez de ligar.
Irá?
Sim, por que não? Tem vontade de vê-lo de novo, e de ver o lindo
sorriso que a cativou.
“Às cinco”, diz a mensagem. Oh! A essa hora deveria estudar
com Mario. Outra vez tem que escolher? Já são duas vezes que não
conseguiram se encontrar para estudar. Na segunda-feira, por causa
dele, que dormiu, e ontem por causa dela. Talvez o melhor fosse
marcar com seu colega de classe um pouco mais tarde, lá pelas seis.
Mas e se o que Álex quer se prolongar?
Que dilema!
A menina afasta as mantas e os lençóis de sua cama e se cobre
até o pescoço; inclina a cabeça para um lado no travesseiro.
Pensa. Vira-se.
Como fazer para marcar com os dois?
O sono volta. Começa a notar que as ideias vão se
desvanecendo, que tudo fica muito confuso. Até que, sem tomar
nenhuma decisão definitiva, adormece profundamente.
O céu continua escuro. A lua não brilha. Um grupo de nuvens
situou-se à frente dela. É o primeiro sinal de que o tempo vai mudar.
Nesse mesmo instante, madrugada da terça para a quarta-feira,
em outro lugar da cidade.
Katia olha por uma das janelas de sua cobertura. Seus olhos,
antes vermelhos por conta das lágrimas, agora brilham na densa
noite. A lua se escondeu.
Não consegue dormir. Está feliz. Sorri. Por fim falou com ele.
Apaixonada.
Sim, já não pode negar a si mesma. Já aguentou muito. É
impossível lutar contra seus próprios sentimentos. Sim, ama-o.
Mesmo que ele ame outra.
Vai esperar sua oportunidade. Sim, fará isso.
“Paciência Katia, paciência”.
Nesse momento, madrugada de terça para quarta-feira, em outro
lugar da cidade.
Outra noite sem dormir. Quantas já foram?
Mario perdeu a conta. Para dizer a verdade, perdeu tudo, não só
a vontade de dormir: também a de viver, de chorar, de comer, de
ouvir música, de sentir... Precisa de uma trégua de si mesmo. Odeia-
se.
Odeia Paula. Odeia e ama. Sim, não tem jeito. Embora tenha
mentido para ele, embora não repare nele, embora ele seja um zero à
esquerda para ela, ama-a.
Mas não aguenta mais.
Suas olheiras estão tão escuras quanto a noite. Ele, como a lua,
escondeu-se atrás das nuvens do desespero. Como gostaria de
desaparecer!
Amanhã vai falar com Paula. Vai lhe dizer que acabou o que nem
sequer começou. Basta de tardes inexistentes que nunca chegam.
Sua amizade, na realidade, está presa com alfinetes. Já faz muito
tempo que não são amigos de verdade. Para que se enganar? Vai
ficar uns dias de luto e depois... Que importa o que virá depois?
Ninguém se importa com sua vida. Ele, menos ainda.
Sim, amanhã dirá a Paula que acabou.
Capítulo Cinquenta e Cinco

Na manhã seguinte, num dia de março, em algum lugar da


cidade.
Desce a escada pausadamente. Hoje não tem tanta pressa. É
cedo. Levantou-se antes que de costume. Na realidade, Paula mal
conseguiu dormir depois de acordar de madrugada. Tomou banho,
secou o cabelo e escolheu a roupa com calma. Também mandou um
SMS para Ángel: “Bom-dia, meu amor, desculpe por não atender o
celular ontem. Desligou, e eu não percebi. Sinto muito. Depois vou
recompensá-lo. Deitei muito cedo. Quando tiver um tempo livre, ligo.
Tenho que te contar umas coisas. Obrigada pelo dia de ontem. Te
amo”.
Depois pensa em escrever para Álex, respondendo a mensagem
que ele lhe enviou ontem, mas prefere falar primeiro com Mario para
ver como organiza a tarde. Tem que estudar. A prova de matemática
é dali a dois dias e ainda não abriu o livro.
Está muito a fim de encontrar seu amigo escritor de novo. Que
terá para lhe contar que é tão urgente?
Sua mãe a ouve descer, olha para o relógio e se surpreende por
sua filha já estar em pé. Paula lhe dá um beijo e vão juntas para a
cozinha.
— Caiu da cama?
— Não conseguia dormir.
— Uma noite difícil?
— Não sei. Talvez. Acordei de madrugada e depois não consegui
dormir mais de dez minutos seguidos.
— Bem, veja pelo lado bom. Hoje não vai chegar atrasada à aula.
A menina sorri.
— Como está o papai? Continua irritado?
— Conversamos, mas não sei se foi suficiente. Espero que passe.
— Uff!
— Paciência.
— Que remédio! Ele é muito cabeça-dura.
— Mas é seu pai.
— Eu sei.
Paula abre a geladeira. Tem mais fome que o habitual de manhã.
— O que você quer que eu prepare?
— Não se preocupe, eu faço.
— Ah, muito bem. Levantou com vontade hoje.
Sua mãe lhe dá outro beijo e sai da cozinha.
Não é ruim acordar cedo. Quanto tempo fazia que não podia se
permitir o luxo de tomar café da manhã tranquila em um dia de
aula?
Faz um chocolate quente e duas torradas com manteiga e geleia
de pêssego. Em uma bandejinha, leva tudo para a sala de jantar e se
senta à mesa. Seu pai está ali. Bebe um café quente e vê as notícias
na CNN.
— Bom-dia.
— Bom-dia — responde o homem com frieza.
Parece ainda irritado. Nem olha para ela. Seus olhos estão fixos
na televisão .
Paula suspira: não gosta daquela situação, mas talvez seja
melhor não dizer nada. Talvez ao longo do dia vá passando.
Paco ainda está ressentido. Sua mulher falou com ele à noite,
mas suas explicações não o convenceram. Ela é muito
condescendente. Sim, tem razão, sua filha já não é uma menina e é
normal que namore. É a lei da vida. E mesmo que não ache
nenhuma graça no fato de que haja alguém que ouse pôr as mãos
em sua pequena, até certo ponto compreende. O que não consegue
aceitar é que aquele indivíduo tenha vinte e dois anos e que o tenha
conhecido pela internet. O que aconteceu com os antigos métodos?
Em um café, uma amiga que apresenta outro amigo, um amor de
verão na praia, um colega de classe... Não, agora as pessoas se
conhecem pela internet. Sem que se vejam, sem que se sintam, sem
saber nada um do outro. Quantas mentiras esse Ángel terá lhe
contado! E o negócio da idade, isso é que não aceita. Esse cara só
quer Paula para uma coisa, e ele sabe para quê. Também já teve
vinte e dois anos.
Ela não percebe?
— Levantou muito cedo hoje — comenta Paco, de repente.
— Sim... Não conseguia dormir — responde surpresa a menina,
que não esperava que seu pai falasse com ela.
— Quando alguém não consegue dormir, dizem que é porque
não está com a consciência tranquila.
— Vamos, papai. Não comece.
— Eu não começo nada. É o que dizem.
— Lendas urbanas. Eu tenho minha consciência muito
tranquila.
O homem se levanta. A consciência muito tranquila! Pois não
deveria! Essa sua filha, quantos problemas lhe dá! Porém, não diz
nada. Pega o copo vazio de café e o leva até a cozinha. Sua mulher
está lavando a cafeteira para preparar outro.
— Falou com ela?
— Aah, não tenho nada para falar.
— Vamos, homem, não seja cabeça-dura. É sua filha.
O homem se coloca ao lado de sua mulher. Pega a bucha dela e
lava seu copo. Ela o observa. Está preocupada, espera que a raiva
passe logo.
— Ela diz que está com a consciência “muito” tranquila.
— Claro. Ela acha que não fez nada de errado.
— Dormir com um homem seis anos mais velho que ela não é
“nada de errado”?
— Cinco e meio. E não sabemos se já transaram. Outro dia, ela
disse que não havia feito nada ainda. E que, além do mais, sabia o
que tinha que fazer quando tivesse relações sexuais.
— Caramba!
— Que foi?
— Não se ouve falar? Não ouve o que estamos dizendo? Estamos
falando de nossa menininha. De nossa pequena. De relações
sexuais. De camisinhas. De transar. Meu Deus, não suporto isso.
Vou indo.
— Mas, meu bem...
Paco deixa o copo, já limpo, em cima de um pano estendido para
que seque. Abre a porta da cozinha e sai. Sua mulher vai atrás, mas
para quando seu marido chega à escada. Que cabeça-dura! Não há
nada a fazer.
O homem sobe até seu dormitório. Entra e fecha a porta. Precisa
de algo. Sim, está ali, dentro da gaveta do criado-mudo: o maço de
cigarros. Mas há algo mais: o presente de Paula. Paco vê e o pega.
Compraram-no com tanto entusiasmo... E agora? Agora, é esperar os
acontecimentos.
Guarda-o de novo.
Tira um cigarro da caixinha, coloca-o na boca e acende. Olha o
relógio. Tem tempo de fumar tranquilamente antes de ir. Deita-se na
cama e solta a fumaça em uma baforada que deixa o quarto
nublado.
Por que os filhos têm que crescer?
Está perdendo Paula. Percebe. Um pai nota algo assim. Logo
chegará dizendo que vai morar com o namorado e depois que vai se
casar. E ele deixará de ser importante para ela. Vai vê-la uma vez a
cada quinze dias, talvez menos.
Vinte e dois anos!
Como será esse sujeito?
O cigarro lhe cai bem. Muito bem. Tanto que, quando o apaga,
um minuto depois acende outro. Dois anos sem fumar para o lixo. A
culpa é desse indivíduo que está se aproveitando da inocência de sua
filha.
Jornalista. Que profissão sem ética! Só enfiam o nariz na vida
dos outros. E chamam isso de “informação”. Aah!
O homem se levanta. Ainda lhe restam várias tragadas nesse
cigarro, mas começa a ficar tarde. Ajeita a roupa, um pouco
amassada, e abre a porta do quarto. Um momento. Volta sobre seus
passos, abre a gaveta do criado-mudo e pega o pacote de cigarro.
Restam sete cigarros. Vai precisar deles.
Nessa mesma manhã de março, em outro lugar da cidade.
Lê a mensagem de Paula duas vezes e responde: “Bom-dia,
princesa. Tudo bem pelo celular. Ok, quando puder, me ligue ou me
dê um toque que eu ligo. Estarei na redação esperando. Tenha uma
boa manhã. Te amo”.
Revisa o SMS com uma leitura rápida e o envia.
Será que Paula viu as imagens do torneio beneficente de golfe?
Ángel se pergunta se é sobre isso que quer falar. Bom, depois ela
liga.
Morde um croissant, a penúltima mordida do café da manhã,
que é acompanhado por um gole de café com leite. A televisão está
ligada, o noticiário anuncia o tempo que fará hoje e nos próximos
dias. Uma tempestade está se instalando na península: nuvens,
queda das temperaturas e chuvas na semana. É que aquele calor
não era normal.
Ángel coloca o último pedaço de croissant na boca. Olha o
relógio. Está com tempo.
Pega de novo o celular e procura na lista de “chamadas
recebidas”. A última foi a de Katia. Suspira.
Ontem voltou a falar com a cantora. Parecia diferente. Sua voz
estava muito suave, excessivamente doce. Como se acabasse de
acordar e não soubesse muito bem o que estava fazendo.
Que estranho tudo... Sente como se estivesse brincando com
fogo. Mas já são adultos, não? Ele tem Paula. E ela...
Pensa no beijo do hospital. Suspira. Foi um beijo doce, como sua
voz ontem à noite. Muito doce. Tentador também? Sim, não há
dúvida de que Katia é uma tentação. É interessante, sexy,
inteligente, bonita, decidida… Mas todas essas qualidades Paula
também tem, embora de outra forma completamente diferente. E ele
ama sua namorada. Está apaixonado por ela.
Ángel hesita um instante. Finalmente, decide e digita o número.
Quatro toques antes que atendam do outro lado da linha. De
novo, essa voz doce.
Nessa mesma manhã de março, em outro lugar da cidade.
Está dormindo. Não faz muito tempo que por fim seus olhos se
fecharam e deram por concluído um dia difícil, mas com final feliz.
Agora já amanheceu, mas ela ainda não sabe. Alguma coisa está
tocando em seu quarto. Acorda lentamente. É o celular? Sim, estão
ligando.
Katia estende o braço e alcança o telefone que está no criado-
mudo.
— Alô? — responde em voz baixa. Nem sequer viu quem está
ligando.
— Bom-dia, Katia.
Essa voz...
— Ángel! Bo... Bom-dia.
A menina de cabelo cor-de-rosa se levanta de repente. Senta-se
na cama e sorri nervosa. É Ángel!
— Desculpe ter ligado tão cedo, acordei você?
— Não. Não, que nada. Já estava acordada — mente.
— Ah, que bom. Como dormiu?
— Perfeitamente.
Na realidade, passou quase a noite toda pensando nele, na
conversa que tiveram, em como foi gentil com ela. Nem sequer lhe
perguntou por que havia ligado tantas vezes, mas desculpou-se por
não ter atendido o telefone antes. Ela também não pediu explicações.
Só queria falar com ele, ouvir sua voz. Ambos sabiam que era melhor
deixar para lá e não perguntar. E, finalmente, após cinco lindos
minutos, Ángel disse que ligaria hoje. O que não imaginava é que
fosse tão cedo.
— Que bom. Está em casa?
— Sim, sim. Agora mesmo ia tomar um banho.
Improvisa. Mas não é má ideia. Uma chuveirada com Ángel
agora seria perfeito.
— Ah, ok. Se quiser, ligo depois.
— Não, não se preocupe. Ainda tenho que terminar de tomar o
café da manhã.
— Ok, como quiser.
— E você, dormiu bem?
Katia se levanta da cama. Põe os chinelos e caminha até a
cozinha enquanto falam de algumas trivialidades. Há café feito.
Coloca-o para aquecer e se senta em cima de uma mesinha.
Ángel está especialmente gentil e simpático. Ri constantemente,
talvez mais que de costume. Recorda-lhe aquele garoto que conheceu
na quinta-feira passada, no dia da entrevista. Depois, tudo entre eles
foi estranho, confuso, e ela teve grande parte da culpa: por se
precipitar, por forçar os acontecimentos, por não ter paciência. Agora
vai ser diferente. Ele namora, e ela sabe. Sabe que há outra, mas vai
ter sua chance. Sem pressa.
— Escuta, Katia, tem alguma coisa para fazer hoje à tarde? —
solta de repente o jornalista depois de falar da mudança do tempo.
— É... acho que não. Me deixa olhar.
A menina sabe que não há nada em sua agenda. Cancelou tudo
que tinha pendente: promoções, entrevistas, apresentações… Após o
acidente, mandou suspender e adiar todos os compromissos
programados para essa semana.
— Não, não tenho nada para fazer — responde em poucos
segundos.
— Que bom! É que gostaria que nos encontrássemos para falar
de um assunto. Prefiro falar pessoalmente, não por telefone. Se não
for atrapalhar, claro.
Não pode acreditar no que acaba de ouvir. Encontrá-lo? Quer
gritar, mas se contém. Vai ver Ángel de novo!
Mas sobre o que ele quer falar?
— Ah, por mim, tudo bem.
— Pode me pegar na redação e vamos tomar um café? Pode ser
às seis?
— Perfeito, estarei lá. Vou pedir o carro emprestado a minha
irmã.
— É verdade! O Audi está na oficina, não é?
— Sim. Sinto falta dele.
É verdade. Mas de quem realmente sente falta é de Ángel. E
voltará a vê-lo!
— Normal. Bom, nos vemos às seis, então. Vou correndo para o
trabalho, estou atrasado.
— Ok. Tenha uma boa manhã. Um beijo.
— Para você também. Outro.
Ángel desliga primeiro.
Que surpresa! De não atender o telefone na terça-feira inteira a
querer falar com ela pessoalmente. Um sorriso bobo de felicidade
não sai de seu rosto. Não entende nada. Tanto faz, não quer pensar.
Mas é inevitável. O que será que ele quer?
Capítulo Cinquenta e Seis

Nessa manhã de março, em outro lugar da cidade.


É estranho ser a primeira a chegar. Paula não está acostumada.
Normalmente, é das últimas, quando já tocou o sinal, e isso com um
pouco de sorte. Outras vezes aparece quando o professor já fechou a
porta.
Em sua cadeira, em um dos cantos da sala, observa seus colegas
chegando , um a um. Cumprimentam-na surpresos ao vê-la ali tão
cedo. Alguns se aproximam e fazem perguntas: há sorrisos marotos e
até dois atrevidos lhe dão beijos de bom-dia. Belo troféu matinal
para esses garotos que morrem de vontade de sair com ela. Nova
tentativa. Não há nada a fazer: Paula recusa, sempre com bons
modos, carinhosa. Mas com o “não” na frente e uma desculpa
convincente.
Cris e Diana chegam juntas. Encontraram-se na entrada da
escola e conversam animadamente. Também se surpreendem demais
quando veem sua amiga, que grita do fundo da classe.
— Que surpresa! E você, que faz aqui tão cedo? — pergunta
Diana com estranheza.
Beijos e olhares. Sempre se examinam, todas a todas.
Discretamente, mas cúmplices, exigentes. É importante reparar em
como as outras se vestem, se repetem alguma peça usada há pouco
tempo, como cai a roupa, se engordaram ou se os peitos cresceram...
Todas têm na cabeça o que as outras vestiram ao longo da semana, e
todas têm uma opinião a respeito. Algumas vezes comentam, outras
não.
Paula tem bom gosto. Veste-se muito bem, na última moda, ou
quase. Combina as cores perfeitamente. Até confeccionou uma
tabela de cores para saber o que combina com quê. Hoje, está com
uma camiseta amarela de estrelinhas pretas bem decotada, que foi o
centro das atenções dos meninos de antes, uma jaqueta escura justa
que não está abotoada e uma calça jeans exatamente da mesma cor.
— Não conseguia dormir. Até tomei um café da manhã decente.
Saí à rua e justo nesse momento passava o ônibus. Fui a primeira a
chegar!
— Anote isso em seu diário, porque deve ter sido a única vez que
aconteceu em cinco anos.
— Que eu lembre, sim. E vocês, do que estavam falando tão
animadas?
Cris e Diana se olham. Conta você. Não, diz você. Vai, você. Não,
melhor você.
— Estávamos falando de você — diz por fim Cristina.
— Ah, é? O quê?
— Vi você ontem na TV. No noticiário.
— Ah, vai! Você também?
— Sim. Estava com Ángel, não?
— Sim. Quando ele veio à escola ontem me pegar, era para me
levar a um torneio beneficente de golfe. Ele tinha que cobrir o evento
para a revista.
— Caramba, você está em todas!
— E viu muitos famosos?
Nesse instante entra Miriam. Arqueia as sobrancelhas quando vê
Paula, espantada por sua amiga já estar na sala de aula. Atrás
caminha lentamente seu irmão, com as mãos nos bolsos. Mario
também a vê. Está com as outras Sugus. Acena para o canto, sério,
sem dizer nada, e vai para seu lugar do outro lado da sala. As
meninas acenam de volta, especialmente Diana, que o segue com o
olhar até que chega à sua mesa. Nota-o estranho. Com certeza
aconteceu alguma coisa. Sente a tentação de ir até ele para
perguntar, mas resiste. Talvez seja imaginação sua.
— O que faz aqui tão cedo? A fama a fez cair da cama?
Mais beijos. Mais olhares.
— Não me diga que você também me viu.
— Não, eu não. Cris me contou.
— Eu fui a única que vi. Liguei para você, mas seu celular
estava desligado.
— É. Vi as chamadas perdidas de vocês hoje de manhã. Sinto
muito. Tive que desligar porque meus pais também me viram na TV
e tivemos uma conversa. Não queria que tocasse nessa hora. Depois,
fui para meu quarto e esqueci de ligá-lo de novo.
— O que disse? Seus pais pegaram você? — pergunta Miriam.
Paula assente com a cabeça e suspira.
— Caraca! — exclama a Sugus mais velha.
— E o que disse a eles?
— Que estava namorando.
— O quê???
— Sei lá! Fiquei confusa. Eles me abordaram depois do jantar e,
enquanto me interrogavam perguntando se estava saindo com
alguém, passaram as imagens do torneio de golfe no noticiário. Foi
uma coincidência. Então, no fim, contei tudo.
— Tudo?
— Quase tudo. A idade de Ángel, que é jornalista, que o conheci
pela internet...
— Uau!
— Uau!
— E como eles reagiram? — pergunta Miriam preocupada.
— Minha mãe, bem. Bom, mais ou menos bem. Não vê muita
graça no fato de Ángel ter vinte e dois anos, mas bem, ela aceita.
Mas meu pai... Uff! Voltou a fumar e tudo, depois de dois anos.
— Caraca! Ele não gostou mesmo… — intervém Diana.
— Pois é. Não entende que eu possa namorar. Ele me vê como
uma menininha ainda. Parece mentira que sábado vou fazer
dezessete anos.
Cris e Diana tornam a se olhar. Miriam também participa.
Ontem à noite falaram a respeito do sábado em um chat no MSN.
Paula não pode saber.
— Vai passar — Cristina tenta tranquilizá-la.
— Espero que sim. Não gosto de ficar assim com ele.
O sinal toca nesse momento.
— Ah... No fim, não nos contou que famosos viu.
— É verdade. Depois, no intervalo, eu conto. Foi demais.
As quatro Sugus ocupam seus respectivos assentos. Continuam
cochichando em voz baixa até que alguém lhes chama a atenção
para que parem de falar.
O professor de matemática deixa entrar os alunos que estão no
corredor e fecha a porta. Pega um giz e escreve na lousa: “Sexta-
feira, prova final. Estudem ou rezem o que souberem”.
Uff, a prova de sexta-feira! Paula lamenta não ter estudado até
agora. É fim de trimestre e não quer imaginar o que acontecerá se
não for bem. Se as coisas já estão mal em casa, uma nota abaixo da
média em matemática poderia ser o Apocalipse. Dessa tarde não
passa. Olha para Mario. Talvez ontem devesse ter ido à sua casa, e
não ter ficado a tarde toda com Andrea Alfaro, seu namorado e
Ángel. Além do mais, mentiu ao seu amigo. Ops! Se Miriam sabe do
torneio de golfe, Mario também. E que mentiu para ele. Droga!
A menina engole em seco. Começa a se sentir realmente mal.
Não ouve as explicações do professor de matemática, que está
entusiasmado com a ideia de que mais da metade da classe com
certeza vai mal na prova de sexta-feira.
Precisa falar com ele assim que terminar aquela aula.
Lembra que também tem que mandar um SMS para Álex, que
lhe pediu que se vissem à tarde. O que faz? Marca com ele?
E ligar para Ángel. Na mensagem da manhã, disse que ligaria.
Ele deve estar esperando.
Paula fica agoniada. Não dizem que Deus ajuda a quem cedo
madruga? Sim, mas também há um ditado que afirma: “Não é por
madrugar que amanhece mais cedo”.
Capítulo Cinquenta e Sete

Nessa mesma manhã de março, em outro lugar da cidade.


O carro para. Há uma vaga livre. Irene olha para trás a fim de
ver se vem alguém. Ninguém. Gira o volante suavemente e dá
marcha a ré. Álex observa a manobra. Aceitou carona mais uma
manhã porque, embora não goste muito da ideia, isso lhe poupa
tempo, dinheiro e aglomerações.
Juntos vão pegar quarenta livretos xerocados de Por trás da
parede na gráfica do Sr. Mendizábal.
— Não precisava estacionar. Depois já vou pegar o metrô.
— Imagine, eu espero você. De qualquer maneira, não vou à
primeira aula — diz a garota, enquanto estaciona perfeitamente seu
Ford no espaço livre que encontrou. — Pronto. Perfeito, não acha?
— Bom, se você diz… Mas não quero que me espere.
— Está perfeito. E sim, eu espero.
— De verdade, não precisa.
— Não seja bobo. Vai depressa, eu te convido para tomar café da
manhã depois.
— Sério, não...
— Não vai me convencer desta vez. Sou mais cabeça-dura que
você e o carro já está estacionado. Estou morrendo de fome, então
vai depressa.
— Irene, não vou tomar café da manhã com você.
— Então, vou seguir você até que concorde.
— Vai o quê?
— Isso mesmo. Vou perseguir você por toda a cidade até
tomarmos café da manhã. Na rua, no metrô… Onde você for, eu
estarei.
— Não acredito.
— Experimente e verá.
— Você sempre se comporta como uma criança.
— Eu sou uma criança: tenho só vinte e dois anos. Estou
começando a viver. Corre. Estou com fome.
Álex suspira e se dá por vencido. Sai do veículo e entra no
estabelecimento.
Não fosse por Agustín Mendizábal estar ali, ela o acompanharia,
mas Irene não suporta esse velho com quem almoçaram ontem. Que
desagradável! Um homem de sessenta anos babando nela... Se bem
que, na verdade, já está acostumada a coisas assim. Como estão
desesperados os homens, e mais ainda esses velhos... Velho tarado!
Está calor dentro do carro. A garota abre a janela e estica um
braço nu por ela. Sopra uma brisa fria agradável. Um grupinho de
estudantes universitários passa nesse momento ao seu lado e fica
olhando para ela. Observa e quer ver mais. É que, apesar de o tempo
ter mudado, Irene decidiu pôr um vestido roxo decotado que vai até
a altura dos joelhos, meias pretas e sapatos de salto, não muito
altos. Ouve um assovio e uma cantada descarada. “Não são só os
velhos que estão assanhados”, pensa ela. Sorri, joga um beijo no ar e
fecha a janela de novo enquanto acena se despedindo. “Babacas”. Os
meninos se afastam soltando risos falsos, exagerados, estúpidos.
Irene tamborila com os dedos no volante. Álex demora um pouco
mais do que esperava. Talvez não chegue nem para a segunda aula.
Seu professor deve estar se perguntando onde ela se meteu. Com
certeza sente sua falta. Ainda mais hoje, com esse vestido. Vai ficar
de boca aberta quando a vir. Nem terá que justificar sua ausência.
Seu celular toca. É um SMS. Talvez seja...
Inclina-se para trás e alcança sua bolsa, que está no banco
traseiro do carro. Abre-a e tira o celular.
Não, não é ela. A mensagem é do garoto de sua classe com quem
foi jantar, perguntando-lhe por que não foi à aula. Outro para a lista
dos que babam nela; isso que só foram jantar. É legal, mas não lhe
interessa. Pode ser que algum dia o convide a algo mais se a vontade
for muita. Ele não negaria: ninguém se negaria a passar com ela
uma noite de sexo casual.
Ninguém? Sabe a resposta. Álex por fim aparece. “Droga, não
vem sozinho!”. O Sr. Mendizábal o acompanha. Ambos carregam
duas pesadas mochilas cheias de livretos de Por trás da parede.
Irene se lamenta e solta uns impropérios em voz baixa.
O velho sorri de orelha a orelha quando a vê, exibindo sua mal
cuidada dentição.
— Irene, que alegria voltar a vê-la!
O homem deixa a mochila no chão e se coloca em frente à janela.
A menina sorri forçada, obrigada pelas circunstâncias. Desce do
carro.
Dois beijos.
— Olá, Agustín, como está?
— Muito bem. — O Sr. Mendizábal olha-a de cima a baixo sem
disfarçar. — Mas você está muito melhor, pelo que vejo.
— Que simpático você é… — comenta entre dentes, tentando
esconder seu desconforto.
Álex coloca dentro do Ford a mochila que carrega. A seguir, faz o
mesmo com a que Agustín Mendizábal deixou no chão.
— Bom, pronto. Obrigado por me dar vinte livretos a mais do
que pedi. Eu te devo outro almoço.
— Não, da próxima vez eu pago. Espero que você nos
acompanhe, linda — diz o velho beijando a mão de Irene. — Que tal
na segunda?
— Ui, não sei se posso… Estou enroladíssima com o curso. Mas,
se tiver um tempo livre, conte comigo.
A garota retira rapidamente a mão dos lábios de Agustín e abre a
porta do carro. Olha para Álex e faz um gesto com a mão para que
entre. Ele não entende, mas obedece.
— Bem, Agustín, vamos indo. É um prazer voltar a vê-lo.
— Adeus, meu amor. Espero vê-la em breve.
Irene bate a porta e começa a manobrar. Álex, enquanto isso,
despede-se do homem no banco do passageiro.
O Ford sai da vaga e adentra a circulação. Há bastante trânsito.
— Não íamos tomar café da manhã? — pergunta o garoto
desconcertado quando já não vê mais o Sr. Mendizábal, que ainda
continuava se despedindo com a mão.
— Sim, mas me lembrei de um lugar muito melhor, perto daqui.
— Ah!
Irene sorri. Não teria suportado que aquele velho se oferecesse
para tomar café da manhã com eles. Está disposta a tudo para
conquistar seu meio-irmão, mas esse tudo também tem limites.
Capítulo Cinquenta e Oito

Nessa mesma manhã de março, em outro lugar da cidade.


Toca o sinal: fim da aula de matemática. Três ou quatro
estudantes se aproximam do professor, que está recolhendo suas
coisas. Perguntam se a prova de sexta-feira vai ser muito difícil.
— Evidentemente, a mais difícil de toda sua curta e interessante
vida.
E não está mentindo. Age sem piedade, como no primeiro
trimestre, quando mais de sessenta por cento dos seus alunos
ficaram com nota abaixo da média. Duas garotas o perseguem até o
corredor rogando que mude o dia da prova, que não seja muito duro,
que é a única matéria pendente da primeira avaliação.
O professor de matemática sorri. Está no controle: ele domina a
situação e gosta disso; é seu momento, a vingança para tanta
negligência, tanta desconsideração, tanta e tanta falta de interesse.
Desafiavam-no? Pois agora é sua vez. Não haverá prorrogação, nem
caridade, nem consideração. Só uma prova complicada, muito
complicada. Vai se divertir enquanto a estiver preparando, aplicando
e corrigindo, caneta vermelha na mão, essa que utiliza somente nas
ocasiões especiais. Conseguirão os que obtiverem cinco: nada de
quatro vírgula nove, só vale cinco.
Mario o observa de longe, sem se levantar da cadeira. Contempla
com diplicência a cena. Ele tirou a nota mais alta da classe no
trimestre passado: oito e meio. Agora, porém, tem outras coisas na
cabeça. A prova de sexta-feira começa a lhe ser indiferente. Tudo é
secundário. Só pensa em Paula. Como e quando lhe dizer tudo que
sente? Acabou. Chega de brincar com ele, com seus sentimentos.
Tem que pôr fim a essa escravidão. Ela era tudo: acordado, em
sonhos, em sala de aula, na música, enquanto estudava, quando
comia... Chega!
Olhou várias vezes de soslaio, por cima do ombro, para o canto
das Sugus. Encontrou os olhos e o sorriso de Diana em algumas
ocasiões, e também o olhar de Paula. Viu-a diferente, triste, como se
soubesse o que ele está pensando.
Está bonita. Muito bonita.
No intervalo vai falar com ela. Pena? Nenhuma. Por acaso ela
sentiu pena ontem quando mentiu para ele? Não.
Ela é linda.
A classe está alvoroçada. Sempre acontece quando um professor
vai sair e esperam o seguinte. Há barulho, gritos, gargalhadas...
Alguns fumam um cigarro escondidos, outros aproveitam para
copiar depressa os exercícios que não fizeram em casa, uma ou
outra menina pega o celular e manda um SMS para um namorado
cibernético que vive do outro lado do país.
Paula se levanta. Não pode esperar até o intervalo. Falta muito.
Já queimou a cabeça o bastante durante a aula de matemática.
Sente-se mal, por ela, por Mario, por tudo. Não devia tê-lo enganado.
Caminha até o outro lado da sala com um nó na garganta, sem saber
muito bem o que dizer. Por onde começa a se desculpar?
Diana a observa. Vê que se aproxima de Mario. Esses dois... Não
sabe o quê nem por quê, mas alguma coisa acontece dentro dela,
perto do coração, nessa caixinha invisível onde se armazenam os
sentimentos. É ciúme, mas não quer admitir. Não: umaSugus não
pode sentir ciúmes de outra Sugus. E Mario não é namorado de
nenhuma das duas. Volta-se e começa a falar com Miriam de alguma
coisa sem importância, um desses temas típicos de Diana, uma
dessas coisas que a afastam do garoto por quem está se
apaixonando.
Não, ele não é seu namorado.
— Olá. Ocupado?
Paula abaixa a cabeça. Não consegue olhar nos olhos dele. Dói.
Mario a viu chegar, ou, pelo menos, se aproximar. Talvez ela não
fosse falar com ele. É o que costuma acontecer. Mas, dessa vez, a
menina acabou diante de sua mesa, no outro lado da sala. Pensou
centenas de frases para esse momento, milhões de palavras para lhe
dizer; ensaiou a noite toda, jogado na cama, abraçando o travesseiro
e suspirando com lágrimas nos olhos. Rogos, perguntas e verdades
na cara. Porém, agora, sua mente fica vazia.
— Não — limita-se a responder.
— Escuta, Mario... Podemos marcar de estudar hoje à tarde?
Não há convicção nas palavras da menina. Não é uma desculpa,
só tenta virar a página.
O menino também não sabe o que responder. Todos os seus
planos vão por água abaixo. Não tem coragem. Na hora da verdade,
não é capaz de negar nada que ela peça. Seu peito se contrai, sua
garganta seca e as palavras não fluem. Opressão.
— Não sei se vou poder hoje à tarde — diz timidamente.
Em centésimos de segundo tenta convencer a si mesmo, reunir
coragem para gritar que o esqueça, que vá embora, que já não
aguenta mais. Já não sofreu o bastante?
— Sei... Tem muitas coisas para fazer.
— Não é isso. É que...
“É que estou apaixonado por você e você está infernizando
minha vida. Não lhe basta não me amar, ficar com outro na minha
frente, mais bonito, mais maduro, melhor que eu? Não chega fazer
que minha vida seja um inferno, que não pense em outra coisa que
não seus olhos, seus lábios, seu corpo perfeito? Não é suficiente para
você que eu já nem sequer possa ouvir nossas canções porque
começo a chorar feito um bebê? Não basta isso. Além de tudo, você
mente para mim. Eu me sinto humilhado. Faz com que eu me
preocupe com você, me dá o cano e não me conta a verdade”.
— Está bravo comigo, não é?
Por fim Paula olha nos olhos de seu amigo. Não, não pode virar a
página como se nada houvesse acontecido. Mario fica mudo. Tudo se
transforma em sua mente de repente. A ira, a irritação, o sofrimento,
a vontade de lhe contar a verdade, sua verdade, desaparecem.
Observa os olhos claros de Paula se umedecerem e brilharem. Não é
aquela menina segura e deslumbrante que arrasa com sua presença
por onde quer que passe: agora é frágil, fraca.
— Bom... Não. Não estou bravo.
— Sinto muito, Mario. De verdade. Fui uma estúpida. Sinto
muito.
Uma lágrima. E outra. Um soluço silencioso no meio do enxame
de vozes que impera na classe, testemunho involuntário do
momento. A rendição da princesa.
O menino não sabe o que dizer. Agora, menos que nunca. Mas
tem que fazer alguma coisa. Levanta-se, ao seu lado, no canto oposto
ao das Sugus. É mais alto que ela e não pode sustentar seu olhar. É
incrível: esses olhos castanhos, brilhantes, imensos eliminaram dele
qualquer tipo de ressentimento. Os corpos estão perto um do outro.
Ele a abraça. Tenta consolá-la. Paula passa seus braços pela cintura
dele e apoia a cabeça em seu ombro.
É um instante mágico. A vida de Mario volta a ter sentido. Em
poucos segundos, esses segundos maravilhosos, cresce, amadurece,
ganha a confiança com a qual não nasceu.
— Ok, não se preocupe. Não foi nada. Não estou bravo —
sussurra, enquanto lhe dá um tapinha nas costas.
— Não devia ter mentido para você. Fugiu ao meu controle.
Desculpe.
— Desculpo. Eu desculpo.
“Não vá embora. Fique abraçada a mim para sempre. Não vá
embora, Paula”.
A sala explode em um barulho ensurdecedor de cadeiras e de
mesas se arrastando. Chega o professor seguinte, o de filosofia.
O abraço termina. Os jovens se separam. Ambos sorriem.
— Vou rápido, que o professor de filosofia chegou.
— Ok. Passa na minha casa às cinco? — pergunta Mario. —
Temos muito que estudar.
— Ok. Às cinco estarei lá, prometo.
Dá-lhe um beijo no rosto e corre para sua cadeira desviando dos
colegas que cruzam seu caminho.
Mario a observa. Ela olha para ele quando chega à sua mesa e
acena sorridente. Ele a imita.
Seu rosto arde, quase tanto quanto seu coração, que bate de
novo, depressa, acelerado.
Não era o que havia previsto. Jamais pensou que aquilo fosse se
resolver daquela maneira. Como ia imaginar? Mas se alegra, mesmo
sabendo que, com toda a certeza, vai continuar sofrendo por ela.
Capítulo Cinquenta e Nove

Nessa manhã de março, um pouco mais tarde, em algum lugar da


cidade.
Tal como pensava, o professor não a recriminou por faltar à
primeira aula. Limitou-se a sorrir, dar-lhe as boas-vindas e observá-
la de cima a baixo . Não esperava menos. Esse decote e as meias
pretas sempre dão resultado.
Irene cruza as pernas e finge que ouve as explicações desse
homem que morre de vontade de levá-la para a cama.
O rapaz com quem foi jantar também a observa. Está
decepcionado. Assim que a viu, aproximou-se e tentou conversar
com ela. Queria sair de novo à noite, talvez para algo mais que um
jantar. Irene negou dessa vez. De uma transada, de uma boa
transada está a fim, sim, mas agora tem coisas mais importantes
para pensar.
O café da manhã com Álex não foi ruim. Seu meio-irmão ainda é
pouco gentil e simpático com ela, mas ela nota que ele a olha
nervoso, inquieto. Talvez por meio do desejo chegue até ele.
Sempre consegue o que quer. Sempre.
Entre uma palavra chata e outra do professor cinquentão, um
barulho inesperado interrompe a aula: é um celular, o de Irene. Ela
esqueceu de pô-lo no silencioso. É um SMS.
Todos os olhos encaram a garota de vestido roxo que,
envergonhada, pede desculpas sorrindo. Um murmúrio invade a
sala, porém ninguém a repreende.
Irene tira o telefone da bolsa e lê rapidamente a mensagem. Por
fim, o que estava esperando desde ontem à noite: Paula!
“Olá, Álex. Desculpe por demorar a responder. Sinto muito, hoje
à tarde tenho que estudar às cinco, já marquei com um amigo. Mas,
se quiser, podemos nos ver às 19h30 ou 20h no mesmo lugar. O que
acha? Estou curiosa para saber o que de tão urgente tem para me
dizer. Responda quando puder. Beijo”.
Mordeu a isca.
— Professor, posso sair um instantinho? É minha mãe, precisa
falar comigo alguma coisa muito importante.
— Claro, claro, mas não demore para voltar.
A garota se levanta com o celular na mão esboçando um sorriso
malandro. Nenhum colega perde um único detalhe. O professor
também contempla a cena.
Irene caminha até a porta, sensual, com o vestido levemente
erguido e andar de modelo. Seu rebolado eleva a temperatura
corporal dos alunos masculinos.
Como é simples contentar um homem! Com certeza, qualquer
um desses aí estaria disposto a fazer o que fosse por ela. Vangloria-
se de seu poder e sai.
Não há ninguém no corredor. Apoia-se na parede e lê outra vez a
mensagem que Paula mandou. Às 19h30 ou 20h… Melhor, assim
não terá que faltar a mais aulas. Também não pode abusar. Pensa
no que escrever e começa a redigir a mensagem. Enquanto digita,
algo lhe passa pela cabeça. E se Álex ligar para ela ou lhe mandar
um SMS do seu celular? Espera que não. Pelo menos hoje, não.
Nessa mesma manhã de março, em outro lugar da cidade,
instantes depois.
— O que estão cochichando?
É hora do intervalo. Paula chega ao degrau onde suas amigas
estão sentadas comendo salgadinhos e batata frita. Cochicham sobre
alguma coisa. Têm um plano, um novo plano, mas ela não pode
saber de nada.
— Estávamos falando de você — diz Miriam, soltando o cabelo e
prendendo-o de novo em um rabo de cavalo.
— De mim?
A recém-chegada não se senta perto das outras três. Vai ligar
para Ángel; tem que lhe contar sobre seus pais. Como ele vai
encarar?
— Claro, de quem mais? Você é a estrela do momento. Tem um
namorado que lhe manda rosas vermelhas na sala de aula e a
“sequestra” em horário de escola, um amigo escritor muito gostoso,
aparece na TV, conhece gente famosa, todos os garotos estão de olho
em você, seu aniversário é no sábado... A palavra popular já é pouco
para você.
Paula cora ao ouvir sua amiga falar. É verdade que tudo isso
está acontecendo, mas ela é a de sempre. A mesma. E não dá tanta
importância a sua situação atual, por mais que seja muito boa,
ótima. Mas não se considera especial por isso.
— Aah, exagerada! Isso pode acontecer com qualquer um. É uma
maré de sorte, só isso.
— Não seja modesta. Você é uma Sugus. Assim, nós podemos
nos orgulhar de você, de te conhecer — brinca Cris.
— Bobinhas!
— Eu acho que devíamos fazer camisetas com sua foto e o nome
do grupo e vender. Íamos ganhar uma boa grana — propõe a garota
mais velha.
— Está viajando. Cada vez você se parece mais com a Diana, não
é?
Mas a aludida não está prestando atenção.
— Diana?
— Diana, acorde!
Então a garota, que ouve seu nome e sente o chacoalhão de
Cristina no ombro, percebe que é com ela. Está ausente há alguns
segundos, sem prestar atenção nas outras.
— O que estavam falando de mim?
— Menina, onde você está com a cabeça? Em que está
pensando?
— Em meu irmão, é claro — diz Miriam, piscando.
— O que disse, maluca? De novo essa história?
— Não se preocupe, todas nós já nos apaixonamos um dia. Já
era hora de acontecer com você.
— Não estou apaixonada.
Ou está? Se não estiver, aquelas sensações se parecem muito
com o que descrevem como amor. E sim, estava pensando em Mario.
Em Mario e em Paula. Naquele abraço que viu antes, na pontada que
sentiu no peito. Um abraço de amigos? Sim, com certeza era isso.
Além do mais, tanto faz: ela não é namorada dele e Paula também
não. Então, por que se sente tão mal?
— Sei, sei. Me dá um beijo, cunhada!
Miriam se joga em cima de Diana, passando por cima de Cris.
Diana tenta desviar, mas finalmente os lábios de uma se colam no
rosto da outra.
— Quando quer, você é insuportável! — exclama Diana, que
sorri esfregando o rosto.
As outras Sugus também riem.
O celular de Paula toca. Acaba de receber um SMS. Tira o
telefone do bolso e lê a mensagem. É de Álex, desse número novo:
“Ok. Perfeito. Então, entre 19h30 e 20h espero você. Depois te conto
tudo. Um beijo, Álex”. A menina sorri. Está curiosa, talvez demais. E
tem vontade de vê-lo.
Olha para o relógio. Só faltam dez minutos para acabar o
intervalo.
— Meninas, vejo vocês na sala.
— Vai embora?
— Sim, tenho que ligar para Ángel.
— O e-mail dele é johnforever@hotmail.com? — pergunta Miriam
de repente.
— Sim. Como sabe e por que pergunta? — responde Paula,
desconcertada e surpresa.
— Eu sei porque sou muito esperta e pergunto para confirmar.
Você se importa que eu o adicione?
Na realidade, fuçou nas coisas de Paula enquanto ela falava com
Mario na primeira troca de aula. Precisava do celular ou do e-mail de
Ángel, e estava na agenda dela.
— Não, claro. Mas...
— Posso adicioná-lo também? — intervém Cris.
— É... Meninas...
— Bom, então, eu não vou ficar de fora — comenta Diana.
Paula olha para suas amigas. O que estão tramando? Não faz
ideia, mas é estranho que se comportem assim. Aí tem coisa... Mas
não tem tempo de parar e descobrir.
— Ok, adicionem. Mas ele é meu, não esqueçam.
E sem dizer mais nada, volta-se e procura um lugar tranquilo
para falar com seu namorado.
Capítulo Sessenta

Nessa manhã de março, em outro lugar da cidade.


O fechamento do número de abril se aproxima e o nervosismo
está no ar. O chefe corre pela redação de um lado para o outro,
tenso, mal-humorado, xingando meio mundo por uma foto mal
colocada, um título sem sentido ou um artigo incompleto. Ángel sorri
ao vê-lo tão alterado. Jornalismo é isso: tensão contra o relógio.
Constantemente se olha a hora; os minutos passam mais depressa
que em qualquer outra profissão, para não falar da repercussão do
material publicado. Leitores e implicados examinarão tudo com lupa
e opinarão sobre qualquer coisa que for escrita. Isso significa que, se
você for um bom jornalista, deve se aproximar o máximo possível da
realidade. Uma informação fora de hora ou incorreta pode provocar
um terremoto midiático, mesmo que você só pertença a uma
pequena revista de música.
Sentando na frente do computador, Ángel relê tudo que escreveu
sobre Katia. A entrevista está muito boa. Também gosta de como
ficou a notícia do acidente. Sim, é um bom trabalho e está satisfeito.
Leva o cursor do mouse até uma pasta que Héctor, o fotógrafo,
lhe mandou e a abre. Ali estão todas as fotos que a cantora fez na
sexta-feira, as que serão publicadas e as que não. Algumas são em
preto e branco.
Começa a visualizar uma por uma. Katia é muito fotogênica, tem
algo em seu olhar que chega e seduz, como se o atravessasse com
aqueles lindos olhos azuis-claros e atingisse seu interior.
Para em uma imagem em que Katia aparece sentada em um
balanço. Ela olha para o lado, cabelo solto, alvoroçado, a mão
cobrindo a boca, pensativa. Relembra o momento. Foi poucos
minutos depois de ela beijá-lo no parque. Ángel passa os dedos pelos
lábios. Volta a se perguntar se não está brincando com fogo. Marcou
com ela hoje à tarde para lhe pedir um favor, um grande favor.
Outra foto no balanço: sorri para a câmera com as pernas
abertas; um vestido branco cai por elas até os tornozelos. Está
lindíssima. Quando ri parece mais nova, como uma adolescente. Seu
rosto fica infantil, e em vez de vinte anos, aparenta dezesseis.
Na seguinte, pisca para ele. Simpática, irresistível, tentadora,
convidativa.
E se houvessem feito sexo naquela noite? Ángel balança a
cabeça de um lado para o outro.
Uma cobrindo metade do rosto com seu característico cabelo
rosa: fazendo biquinho, sedutora. “Beije-me, sou sua”.
A flechinha do cursor sobe até a boca da garota. Ángel a guia
com o mouse, percorrendo a linha dos lábios. Batom invisível. Um
calafrio.
O jovem jornalista continua vendo fotos, mais umas trinta. Cada
uma expressa uma emoção, um sentimento diferente, e em todas
descobre algo novo de Katia.
Dentro da pasta há outra, intitulada “Capa”, na qual há três
imagens coloridas da garota em diversos lugares do parque onde foi
feita a sessão. São as fotografias que Héctor selecionou e das quais,
em princípio, uma será escolhida como capa do número de abril;
mas essa decisão será tomada por Jaime Suárez.
Na primeira, Katia está em pé: olha para cima, sonhadora, como
se imaginasse o que acontecerá no futuro. Não se veem suas mãos,
que estão para trás, nas costas. Na segunda, está no balanço: fresca,
divertida, uma menina. E na terceira, a cantora se apoia em uma
árvore: veste-se com muitas cores e olha fixamente para a frente.
São fotos incríveis. Cada uma supera a seguinte, mas quando
Ángel volta a olhá-las, gosta mais da primeira e não sabe qual
escolher.
Um novo calafrio. O que está acontecendo com ele?
O celular de Ángel começa a tocar. Paula! É verdade, ela ia ligar
ao longo da manhã, havia se esquecido por completo...
Fecha a pasta com as fotos de Katia e atende.
— Alô?
— Olá, amor, interrompo? Você pode falar?
— Sim, claro. Acabei de fazer uma pausa. Estava olhando umas
fotos.
— Umas fotos? De quem?
— De... — Ángel olha ao seu redor. Ao seu lado vê um CD do
Jason Mraz, We sing, we dance, we steal things — …Do Jason Mraz.
Vamos incluir uma pequena reportagem dele na revista.
Improvisa. Ainda bem que reagiu a tempo.
— Jason Mraz? Não sei quem é.
— Nunca ouviu I’m yours?
— Não.
— Vou mandar para você. É uma música linda.
— Ok, com certeza vou gostar.
— É mais ou menos assim.
Ángel cantarola o refrão. Não o canta tão mal. Paula sorri do
outro lado da linha, mas logo lembra para que ligou.
— Meu amor, desculpe, você canta muito bem, mas não tenho
muito tempo. O sinal vai tocar daqui a pouco.
— Desculpe, desculpe. O que queria falar? Não é do torneio de
golfe, não é?
— Viu a gente na TV?
— Não, mas recebi várias mensagens me contando. Por isso
liguei ontem para você.
— Sei. Desculpe de novo. Meus pais... Foi por causa deles.
— O que foi?
— Eles também me viram na TV.
Ángel se surpreende e engole em seco. Pegaram-na no flagra.
Viram-no também?
— Não me diga! E o que disseram?
— Bem, sobre isso, pouco.
— Ainda bem.
— Mas eu contei de nós.
O jornalista fica sem palavras. Não sabe o que dizer. Não
esperava uma notícia assim.
Silêncio.
— Ángel?
— Sim, desculpe. É que... O que disse a eles?
— Contei um pouco. Quase tudo. Sua idade, como nos
conhecemos, em que você trabalha e... que amo você.
“Meu Deus! Ela contou tudo isso?”, pensa Ángel.
— E como eles reagiram?
— Regular. Meu pai, mal. Não acredita que você me ame. E o
fato de eu ter te conhecido pela internet e de você ter vinte e dois
anos não o agradou muito.
— Sei…
— Mas não se preocupe. Vai passar.
— Ou virá atrás de mim para me matar.
— Que nada! Não exagere.
— Sei... — repete Ángel, desconcertado.
— O que foi? Tudo bem?
— Sim, mas isso me pegou de surpresa. De qualquer maneira,
cedo ou tarde eles saberiam.
— É. Foi mais cedo que tarde.
O garoto toca seu nariz. Pisca mais que o habitual. Está nervoso.
É natural que os pais de Paula não pensem bem dele: tem quase seis
anos a mais que a filha deles e devem pensar que é só um capricho,
tanto de um quanto de outro.
— Meu amor, em que está pensando? — pergunta a menina
diante do silêncio dele.
— Que amo você.
— Certeza?
— Certeza.
— Ainda bem. Se não, não iria para a cama com você no sábado
— brinca Paula.
Ángel sorri. O aniversário... A primeira vez dela. Os pais dela.
Katia.
O sinal que anuncia o fim do intervalo toca nesse momento.
— Bom, tenho que ir. Depois falamos com mais calma. E não se
preocupe, viu? Meus pais com certeza vão adorar você.
— Não estou preocupado.
— Certeza?
— Certeza.
— Que bom, assim que eu gosto. Tenho que desligar, meu amor.
— Te amo, Paula.
— Eu também te amo. Depois nos falamos.
Termina a chamada.
Ángel deixa o telefone de lado. Abre o CD de Jason Mraz e o põe
no computador. I’m yours: “Sou seu”.
Que notícia! Coloca sua mão esquerda no queixo, acariciando-o
e pensando em que momento seus sogros vão querer conhecê-lo.
Capítulo Sessenta e Um

Nesse mesmo dia de março, um pouco mais tarde, em algum lugar


da cidade.
O último.
Olha para a direita e para a esquerda. Não vem ninguém. É a
hora. No para-brisa de um Megane rosa, Álex coloca o livreto de Por
trás da parede que restava em uma das mochilas. Ninguém o viu.
Suspira e se afasta alguns metros, disfarçando.
Passou a manhã toda daqui para lá procurando os lugares mais
apropriados para sua missão.
Espera ter mais sorte com esta leva. Da anterior, só três
meninas lhe contaram que encontraram o pequeno tesouro. É que
para alguém tão romântico como ele, se lhe acontecesse algo do tipo,
achar as primeiras páginas do livro de um autor desconhecido com
uma mensagem misteriosa dentro seria como descobrir um pequeno
tesouro. Não se tropeça com o destino todos os dias. Mas não devem
existir mais muitos românticos no mundo: são uma espécie em
perigo de extinção.
Mas talvez ainda seja cedo. Distribuiu-os no sábado, e é quarta-
feira. Quatro dias... Não, pensando bem, não é tão cedo. A quem
quer enganar? Simplesmente é isso: falta de interesse, de
romantismo. As pessoas não se entusiasmaram com a ideia, ou
talvez não escreva suficientemente bem. Pronto, não tem que remoer
mais o assunto. Decidido: se não fizer mais sucesso dessa vez, não
repetirá o experimento.
E o que terá acontecido com o resto dos livretos que ele e Paula
distribuíram por toda a cidade? Suspira. Está extenuado. Fez todo o
trabalho sozinho. Como sentiu falta de sua amiga, de sua ajuda, sua
companhia, seu sorriso, seus olhos… E sua magia: a magia daquela
linda garota.
Estremece: não por causa do vento ou do frio, nem do cansaço.
São as recordações que fazem Álex estremecer, as recordações
daquele dia com Paula quando quase se beijaram, quase uniram
seus lábios graças a Desculpa se te chamo de amor. O destino quase
completa sua obra.
Devia tê-la beijado?
Um banquinho de madeira em frente àquele carro rosa, no outro
lado da rua, é o lugar que escolhe para descansar. Senta-se
apoiando as costas, cruza as pernas e estica os braços. Sim, está
realmente cansado. Olha para cima. Não se vê o sol. As nuvens
dominam o céu, e começa a soprar um pouco mais de vento. Já não
é só a brisa fresca matinal. O tempo está mudando.
Pensa em Irene, na roupa que vestiu hoje. Sorri malicioso. Deve
estar passando frio com aquele vestido tão curto e decotado com que
foi à aula. Que menina! Com certeza os caras que fazem o curso com
ela não sentem frio. Sua meia-irmã deve se encarregar de aquecer o
ambiente. Pobres colegas; quem sabe algum aluno aproveite a
situação...
Como são diferentes, Paula e Irene! Em tudo: no jeito de ser, no
modo de olhar, na maneira de falar… Até o sorriso delas é diferente.
Duas personalidades opostas, unidas só pelo corpo atraente. É a
única coisa que poderia dizer que Irene e Paula têm em comum. As
duas seriam o sonho de qualquer homem.
Paula. Paula. Paula.
Diz seu nome em silêncio. Pena que não o acompanhou hoje.
Que estará fazendo agora? Pergunta-lhe em uma mensagem?
Não, não quer ser chato. Deve estar muito enrolada. É uma
adolescente, e as adolescentes sempre têm muitas coisas para fazer:
estudar, relacionar-se com outros adolescentes, suportar seus pais,
as aulas, as amigas... Não, um SMS não é uma boa ideia.
Álex entristece. Tem vontade de vê-la, ouvi-la, conversar com ela
sobre um livro ou uma canção, dividir um pedacinho de sua vida…
Juntos. Perto, muito perto. Como no momento em que o livro de
Moccia caiu. Devia tê-la beijado!
Uma vibração e um barulho muito alto. Que susto! O telefone
toca dentro de um dos bolsos de sua calça. Talvez seja ela. Ao ver a
tela, vê que se trata de Irene. Atende? Não, não está a fim de falar
com sua meia-irmã. Certamente começariam com as provocações
constantes e agora mesmo não se sente capacitado para isso. Prefere
ficar sozinho. Sozinho? Sabe muito bem com quem gostaria de estar
nesse momento.
Guarda de novo o celular, dessa vez dentro de um dos bolsos
laterais de uma das mochilas, onde está o MP4.
Paula.
Pega o pequeno aparelho e coloca os fones de ouvido. Aperta os
botõezinhos até que chega à música que quer ouvir. Toca uma
melodia, um sax. É ele mesmo quem toca. Gravou ontem à noite.
Curte o som. Fecha os olhos e se desliga do barulho da rua, do
mundo. Ouve atento, como se não fosse uma criação sua, como se
estivesse hipnotizado por um encantador de serpentes. Lembra-se de
Hamelin: as crianças, os ratos, o flautista… Encantados.
Enfeitiçados. Mas aquilo é um saxofone, não uma flauta. Para Álex,
aquele instrumento é ainda mais hipnotizador.
Abre os olhos.
Do outro lado da rua, um casal cheio de sacolas de compras vai
até o Megane. São jovens. Ela tem dezoito ou dezenove anos; ele,
quatro ou cinco a mais. O rapaz tira com dificuldade do bolso um
pequeno controle e aperta um botão azul. Ouve-se um apito que
indica que as portas do carro estão abertas. Guardam tudo no porta-
malas.
Álex observa. Desliga o MP4, mas fica com os fones de ouvido.
Quando as compras estão guardadas na parte de trás do
Megane, a jovem vai até a porta do passageiro e a abre:
— Caramba, o que é isso? Uma multa? — exclama ao ver que há
alguma coisa no para-brisa.
O rapaz, que ainda não entrou no carro, avança até a parte da
frente do veículo e se debruça sobre o capô para alcançar o que quer
que seja aquilo. Com curiosidade, tira-o do vidro e começa a
folhear: Por trás da parede.
— Veja isso — diz, dando o livreto à sua acompanhante pela
janela.
A menina passa rapidamente folha por folha sem se deter
expressamente em nenhuma.
Álex permanece atento. Tenta ouvir, à distância, os estranhos
que encontraram um de seus pequenos tesouros.
— E então? — pergunta ele, que já entrou no carro.
— Gente que não tem o que fazer.
O carro põe-se em movimento e cinquenta metros adiante, em
uma lixeira, ela joga o livreto de Por trás da parede.
O vento sopra com mais força agora, mas não é esse o motivo de
o sangue de Álex ter esfriado como o gelo. Discretamente, levanta-se
e se dirige à lixeira onde descansa uma das cópias das catorze
primeiras páginas de sua obra-prima. Coloca a mão nela e a resgata
do meio de um monte de lixo. Sacode-a, limpa-a com um lenço de
papel e torna a guardá-la em uma das mochilas.
Agora já sabe a sorte que podem ter tido alguns dos seus
livretos. Felizmente, aquele sobreviveu.
Capítulo Sessenta e Dois

Nessa tarde de março, em algum lugar da cidade.


Encosta na parede. Olha para trás a fim de ver se vem. Colegas
de classe passam ao seu lado, também outros que conhece de vista e
alguns meninos que nunca notou. Um dos maiores, um repetente do
terceiro, quase tropeça com ela. Fica olhando, desculpa-se e sorri.
Hummm… interessante. Quando ele vai embora, não pode evitar dar
uma olhada na calça jeans dele. “Nada mal, nada mal”. Nisso, Diana
não mudou.
Mais e mais estudantes continuam saindo da escola, alunos que
queriam que o sinal da última aula tocasse o quanto antes; um som
que não tem preço e que, em um passe de mágica, acorda os
adormecidos, que recuperam toda a energia para serem os primeiros
a fugir daquele lugar onde são detidos todas as manhãs.
Diana não assistiu à última aula: uma falta a mais em seu
currículo, mas, dessa vez, por uma boa causa. Tinha coisas
importantes a fazer na sala de informática.
Inquieta, continua observando. Está nervosa. Busca com o olhar
o garoto que a acompanhou no caminho de volta para casa durante
toda essa semana. Mas Mario ainda não apareceu.
Miriam e Cris estão vindo, acompanhadas por dois meninos do
terceiro ano, conversando animadamente. São bem gatos. Os quatro
sorriem e, ao chegar à porta da escola, despedem-se. Diana também
os cumprimenta quando passam por ela. Olhadinha nas calças.
— Não baba, amiga! — diz Miriam, dando-lhe uma palmadinha
no ombro.
— Babaca. Bom, o que disseram? Eles vão? — pergunta a suas
amigas.
— Sim, esses dois sim. Manu não sabe e Sergio também não.
Têm muita coisa para estudar — responde a Sugus mais velha. —
Você mandaram os e-mails?
— Sim, já estão avisados.
— Muito bem. Então está tudo sob controle. Hoje à tarde Cris e
eu vamos ao hotel para reservar o quarto.
— Ok.
As três Sugus sorriem. No início, não conseguiam decidir que
hotel pagariam para Paula passar a noite com Ángel. Tinha que ser
um lugar apropriado para a primeira vez. Finalmente, e embora o
preço estivesse um pouco acima do orçamento pensado,
encontraram o lugar perfeito.
— E a farmácia? Você vai ou nós compramos?
— É...
O professor de educação física sai do edifício nesse momento.
Passa ao lado delas e as cumprimenta com seriedade. As meninas
respondem com um sorriso frio e um leve gesto com a mão.
— Não sei se tenho alguma em casa — continua Diana, depois
de o professor de educação física se afastar o suficiente para não
ouvir do que estão falando. — Vou comprar uma, por via das
dúvidas.
— Não é melhor que eles mesmos cuidem disso? — intervém
Cristina.
— Sim, mas com o nervosismo do momento, podem até
esquecer. É melhor que sejamos previdentes. Vai que por falta de
camisinha o plano vai por água abaixo.
Algumas alunas do nono ano ouvem o que Miriam diz e esboçam
um sorrisinho.
— Que criancinhas — diz Diana, que continua olhando para
dentro da escola.
— Deixa pra lá. Com essa idade... Bom, vamos indo. Você vem?
— Não. Vão vocês. Eu vou daqui a pouco.
— Está esperando meu irmão? — pergunta Miriam, sem poder
esconder um sorriso de orelha a orelha.
— Que coisa! É um menino que tem que me dar uma coisa —
mente.
— Quem?
— Vocês não conhecem.
— Como não conhecemos?
Miriam e Cris soltam uma gargalhada. Diana cora, zangada.
— Bom, podem ir! Vocês são umas chatas.
— Ok, tudo bem. Não fique brava, estamos indo. Hoje à noite eu
ligo para contar como foi — diz Miriam. — Ah, e não se preocupe:
meu irmão já está vindo. Estava falando com Paula e já deve estar
saindo.
Diana tenta bater em sua amiga com a mochila, mas ela se
esquiva e sai correndo de braços dados com Cris. A Sugus de maçã
grita uns palavrões enquanto suas amigas se afastam.
“São um pé no saco quando querem”.
A menina suspira. Paula e Mario, juntos. Estala a língua nos
dentes. Esses dois... De novo, voltam aquelas imagens à sua cabeça.
A de ontem no corredor: estavam muito perto. Sim, muito. A de hoje,
abraçados. São amigos. Por acaso dois amigos não podem se
abraçar? Mas havia algo neles que... Especificamente , nele. Que
paranoia! Você vê coisas onde não existem. Paula namora…
“Ai, não vale a pena esperar mais”.
Diana olha pela última vez. Ora, lá estão. O casalzinho. Paula e
Mario caminham juntos. Estão conversando, sorridentes. Ela,
radiante, como sempre. Ele... Ele é bonitinho, quase bonito. Sim, é
bonito, sim. Por que não havia reparado em Mario antes?
De que estão falando? Por que parecem tão felizes juntos?
Paula percebe que sua amiga os observa e acena. Mario também
nota sua presença e a imita. Diana sorri forçosamente e
cumprimenta, tímida. Então não suporta mais e começa a andar.
Sozinha. Por que lhe dói vê-los assim? Ele não é ninguém em sua
vida. É o irmão de Miriam, mais nada. Ela é uma de suas melhores
amigas e namora. Não há nada entre eles. Não, não há nada. E se
houvesse, e daí?
Está frio. Vento estúpido que a despenteia. Semáforo estúpido
que a detém. Estúpida ela por não saber o que sente. O que é que
há? Não entende.
“Maldito semáforo. Que demora!”.
— Ei, por que não me esperou?
Uma voz a surpreende atrás de si. Uma voz inesperada, mas
calorosa, conhecida. Uma voz com a qual sonhou ontem à noite e
que ela ouve constantemente. Uma voz que a está mudando,
enlouquecendo, levando por um caminho até agora desconhecido
para ela.
Diana se vira e vê Mario. Está agitado, levemente agachado.
Apoia as mãos nos joelhos e respira com dificuldade depois da
corrida para alcançá-la.
— Ah! É você. Não esperei porque não sabia que havíamos
combinado — responde, tentando mostrar indiferença.
— Não havíamos combinado.
— Então, por que devia esperar?
— Não sei. Talvez tenha razão.
O semáforo fica verde. Atravessam um ao lado do outro sem
falar e caminham pela rua, em silêncio. Diana não tem vontade de
dizer nada e Mario não sabe o que falar.
Um novo semáforo vermelho. Param.
O vento sopra cada vez mais frio, com mais violência.
— Caramba, que frio! — exclama por fim a menina, esfregando
os braços com as mãos.
— É. Parece mentira, com o calor que estava fazendo esses dias.
São coisas da época do ano em que estamos. Você sabe, na
primavera...
— O sangue se altera.
Mario sorri. Sim, o sangue se altera, mas não queria dizer isso. A
ideia era outra.
— Que foi? Está rindo de mim? — resmunga a garota, que
percebeu aquele sorriso.
— Não — responde seco, sem abandonar o sorriso.
— Ah, bom! Melhor, mesmo.
Agora Diana também sorri. Não sabe o motivo. Sente-se melhor,
reconfortada.
O semáforo muda de novo de cor e a dupla atravessa na faixa de
pedestres.
— Como está para a prova de sexta-feira? — pergunta Mario.
— A prova? De matemática?
— Claro. Não há outra na sexta-feira, não é?
Está debochando dela? Claro que não há outra. Pelo menos,
acha que não.
— Bom, não me dou muito bem com matemática. Esse negócio
de misturar números e letras não é comigo.
— É só prestar atenção. Derivadas não são muito difíceis se você
pega a manha.
— Ah! A matéria é derivadas?
Mario ri.
— Estou vendo que estudou muito e que na sala de aula presta
bastante atenção.
— Tenho coisas mais importantes em que pensar.
— Sim? Como, por exemplo?
“Em você, babaca. Só não sei por que nem para quê”.
— Não sei. Mil coisas. As aulas me deixam entediada. E a de
matemática mais ainda. Não entendo nada.
— Bom, isso é porque você não se concentra muito.
— Você acha? — pergunta com ironia.
— Sim, eu acho.
— Ah.
— Você não leva nada a sério. Por isso não entende nada.
Diana se incomoda. Quem é ele para lhe dizer essas coisas?
— Talvez precise de um professor que me dê aula particular.
Poderia ser você, não? Ah, não! Você já é professor particular da
Paula.
— O quê? Bom, eu...
Sem perceber, chegam ao lugar onde devem se separar. Ambos
param.
— Não se preocupe, vou encontrar outro que me ensine. Três é
demais — diz Diana com a voz trêmula. Tenta sorrir, mas sua
expressão não mente.
— Mas...
— Tchau, Mario. Divirta-se com sua matemática e com Paula
hoje à tarde.
E com os olhos vermelhos, foge dele.
Mario não compreende nada. Não entende a reação da menina.
Coça a cabeça e, pensativo, vai para sua casa, onde finalmente terá
à tarde “seu encontro” com Paula.
Capítulo Sessenta e Três

Nessa tarde de março, em algum lugar da cidade.


Há quanto tempo está ali?
Desde as duas.
Katia olha o relógio. São quatro e dez. Uff! Ainda falta muito para
as seis. A essa hora combinou de pegar Ángel na redação da revista
para tomar um café e para que ele lhe conte algo que não quis dizer
por telefone. Pensou muito no assunto. Está intrigada. O que será?
Quatro e onze. Só se passou um minuto?
Tem vontade dele, de falar com ele, de olhar em seus olhos, ouvir
sua voz.
Mas falta tanto tempo ainda!
A manhã foi muito longa. Andava de um lado para o outro,
inquieta. Não suportava mais ficar em casa sem fazer nada. Por isso,
depois da uma, pegou o carro que sua irmã lhe emprestou, um
Citroën Sax azul, e foi para a revista onde ele trabalha, o lugar onde
se conheceram. Precisava vê-lo. Tinha que vê-lo. Que desespero! E,
por fim, viu. Às três e quinze, Ángel abandonou o edifício para
almoçar acompanhado de seu chefe e de uma garota que devia ser
uma colega da revista. Katia quase saiu do carro para dizer oi, mas
teria sido muito forçado, como se o estivesse seguindo.
Aguentando a vontade, decidiu não sair do Sax.
Durante todo esse tempo dentro do carro, estacionado em frente
à redação em que trabalha o jornalista, pôde pensar em tudo que
está lhe acontecendo . Não há dúvidas sobre uma coisa:
definitivamente, perdeu a cabeça. E simplesmente por um homem,
um homem que não conhece nem há uma semana. Não está sendo
ela. Ou talvez essa seja sua verdadeira personalidade : neurótica,
histérica, possessiva. Tem a sensação de que está se comportando
como uma dessas maníacas obsessivas dos filmes, como naquele tão
ruim de uma estudante universitária que fica obcecada por um
nadador. Está até meio disfarçada para que ninguém a reconheça.
Usa um lenço na cabeça para cobrir seu característico cabelo rosa e
um óculos de sol. Assim, não há perigo de que algum fã a reconheça.
E se estiver louca?
Não, não é para tanto. Sinceramente, só existe uma palavra que
define o que está acontecendo com ela: amor. Apaixonou-se pela
primeira vez na vida. Mas o amor nos faz cometer tantas bobagens?
Sim. Como se diz, no amor e na guerra vale tudo. Os beijos
roubados, as noites em sua casa e no hospital, as ligações, aquela
espera escondida no carro… Uff! O fim não justifica os meios? Nossa,
como ficou maquiavélica!
Porém, até o momento nada havia ajudado. Nada de nada. Ángel
não era seu. E ela está passando maus bocados. Sua vida nos
últimos dias se resumia a lágrimas e solidão. De modo que a
conclusão a que havia chegado é que devia ir mais devagar. Tentar
ficar amiga de Ángel, mas não dessas com quem se fala uma vez por
ano ou de quem se pode passar meses e meses sem saber nada. Não:
uma amiga das de verdade. E quando surgisse a oportunidade de
algo mais, aproveitaria. Não era um plano ruim. Conseguiria estar
perto dele, conhecê-lo e se deixar conhecer mais. E, com certeza,
com o toque...
Ops! Ángel e seu chefe estão voltando. A outra garota não está
mais com eles.
A cantora se abaixa e os observa com cuidado para não ser
descoberta. Falam de forma descontraída. O diretor da revista deve
estar contando uma história engraçada, porque Ángel sorri
constantemente. Como ele é bonito! Como gosta de seu sorriso!
A dupla vai passar na frente do Sax. A garota se abaixa ainda
mais, tanto que não vê a rua, só o interior do veículo. Seria um
desastre se a descobrissem. Que diria?
Mas morre de vontade de vê-lo. Suspira e se enche de coragem.
Assumindo um grande risco, olha para fora. E lá está ele. Perto,
quase ao seu lado. Pode senti-lo, ouve seu riso, seus passos. Katia
não o perde de vista nem um instante. Imagina que andam de mãos
dadas, caminhando como um casal apaixonado, indo direto para
algum lugar onde possam satisfazer seus desejos mais ardentes.
Porém, pouco a pouco, a figura de Ángel vai se afastando . Nãããooo!
Está longe, cada vez mais longe, até que acaba desaparecendo
dentro do edifício da redação.
“Caraca! Já? E se eu entrar no edifício também? Quatro e vinte.
Deus!”.
Katia se levanta. Senta-se direito e, diante do espelho retrovisor,
ajeita o lenço da cabeça, que saiu do lugar. Depois, mexe o pescoço
de um lado para o outro. Dói. Mas logo seus olhos voltam ao
pequeno espelho, a seu rosto refletido nele. Não se reconhece. Talvez
não seja ela. É uma estranha sensação, como se outra pessoa
estivesse agindo com seu corpo. Será que a batida na cabeça que
sofreu no acidente a está afetando mais do que pensava?
Não, não é por causa disso. É por causa de Ángel. Ele a
transformou. Conseguiu, sem saber e sem querer, fazê-la perder o
rumo.
Seus lábios estão secos. Umedece-os diante do espelhinho.
Melhor. No retrovisor do carro só sua boca aparece. E sorri, sem
saber por quê, sem saber que é ela que está fazendo aquilo. Sorri.
Sim, cada vez se parece mais com a estudante daquele filme que
fica obcecada pelo nadador por quem estava apaixonada. Só espera
que sua obsessão não chegue a tanto.
Nessa mesma tarde, minutos depois, no edifício em frente.
— Então, vai passar a tarde estudando?
— Sim. Estou indo agora para a casa de um amigo que vai me
explicar a matéria da prova de matemática da sexta. Derivadas, uff!
Ángel, enquanto ouve, recosta-se na cadeira. Quase perde o
equilíbrio. Com um ágil movimento consegue não cair. Mantém o
celular apoiado entre o ombro e o rosto. Ainda bem. Paula não notou
sua falta de jeito e continua a conversa como se nada houvesse
acontecido.
— Um amigo? Que tipo de amigo? — pergunta, fazendo parecer
que está com ciúme.
— Como que tipo de amigo? Você classifica seus amigos por
tipos?
Paula capta as intenções de seu namorado e lhe dá corda.
— Claro. Em minha classificação há dois tipos. Você de um lado
e todos os outros do outro.
— Ah, quer dizer que sou sua amiga…
— Dentre outras coisas.
— Aham.
— E não é?
— Imagino que sim. Mas não costumo fazer com meus amigos o
que vou fazer com você no sábado, normalmente.
— Normalmente? Devo entender, com isso, que ocasionalmente
faz?
— Claro, todo dia. Ganho e perco a virgindade constantemente.
Ángel esboça um grande sorriso. “Ganho e perco a virgindade
constantemente”. Que frase para a posteridade!
— Então, dada sua experiência, no sábado você será a
professora e eu, o aluno.
Agora é Paula quem ri. Aqueles jogos verbais foram grande parte
do começo da relação entre eles. Passavam horas e horas no MSN,
até alta madrugada, vendo quem podia mais. Especialmente,
durante o primeiro mês. Depois, pouco a pouco, começaram a
chegar os “te amo”, as palavras gentis e carinhosas, e aquelas
conversas de desafio passaram a segundo plano.
— Mesmo sem ter experiência, acho que eu é que vou ensinar
mais.
— Isso tem duplo sentido?
— Pode ser. Vai descobrir.
— Sábado?
— Sábado.
— Vou esperar ansioso.
— Sei que faz tempo que você está ansioso para que chegue esse
dia.
— Como sabe?
— É óbvio. Você não deixa de ser um cara de vinte e dois anos.
— E a idade é importante?
— Não muito. Vocês são todos iguais. A idade é o de menos —
diz sarcástica. Sabe muito bem que não, que Ángel não se parece
com nenhum menino que conhece.
— Tem razão. Na realidade, a única coisa que eu queria desde a
primeira vez que falei com você era levá-la para a cama. O resto foi
tudo fingimento.
— Ah. Eu é que vou ter que fingir quando formos para a cama.
— Talvez. Quem sabe?
— Preciso treinar. Ainda não sei como é esse negócio de fingir. É
fácil?
Ángel solta uma gargalhada. Sabe que essa parte da conversa
surgirá depois que transarem. Imagina-se na cama, abraçado a ela,
beijando sua testa e perguntando-lhe de brincadeira se teve que
fingir muito.
— Ok, eu me rendo. Você ganhou — suspira, fingindo dor pela
derrota.
— Eu sei. Sempre ganho — diz Paula, triunfante e orgulhosa.
— Ei, se vai ficar se achando, vamos continuar — resmunga
Ángel.
— Ah, lamento. Já perdeu, amigo. Quero meu prêmio.
O jornalista não diz nada. Espera uns segundos em silêncio até
que por fim dá a sua namorada o que ela quer ouvir:
— Te amo.
Paula sente um calafrio. Algo sobe por sua garganta e chega até
seus olhos. Ficam vermelhos. Ardem. Uff! Apesar das vezes que já
ouviu isso, sempre sente uma grande emoção em momentos como
esse.
— Esperava que o prêmio fosse um utilitário esportivo ou algo
parecido, mas tudo bem.
— Você não tem idade para dirigir. Para que quer um utilitário?
— Para que meu namorado dirija.
Outro sorriso de Ángel.
— Nesse caso, um utilitário seria o presente perfeito. Mas...
— Te amo — interrompe a menina de repente, quando ainda não
era sua vez de réplica. — Te amo.
Fim do jogo.
— Eu também, meu amor. Te amo muito.
— Estou com vontade de ver você. Mas acho que hoje não vai
dar, não é?
Ángel pensa. Ela tem que estudar e ele marcou com Katia às
seis.
— Acho que não.
— Tudo bem. Falamos à noite?
— Pode ter certeza.
São cinco para as cinco. Paula, sem perceber, já chegou à casa
de Mario.
— Bom, amor, cheguei, tenho que deixar você.
— Espero que não seja por outro.
— É por outro. Sinto muito. Mas ele só vai me ensinar
matemática.
— Nesse caso, eu me dou por vencido. Sempre fui um desastre
com números.
— Eu sei.
— Divirta-se com seu amigo e a matemática.
— E você... com o que for fazer. À noite eu ligo.
— Nos ligamos.
— Te amo.
— Te amo.
E com dois beijos para o ar, um de cada lado da linha, acaba a
conversa.
Paula suspira. Mas logo pensa no que conversaram e então volta
a sorrir. Ok, tomará a conversa com Ángel como um estímulo para
enfrentar uma dura tarde com as derivadas. Ajeita um pouco o
cabelo, alisa a camiseta, checa se tudo está no lugar e aperta a
campainha da porta da casa de Mario.
Ángel também faz um resumo em sua mente do diálogo com sua
namorada enquanto liga o computador. Ela o encanta. É o que
sempre sonhou. Tem vários e-mails em sua caixa de entrada. Paula é
incrível. A menina perfeita. Um desses e-mails lhe chama
especialmente a atenção. Não conhece o remetente. Abre-o. Ah, já
sabe quem é! Sorri. Lê atentamente o que está escrito com a testa
franzida.
Ok, entendido.
Reflete um instante. Vai ter que fazer algumas mudanças de
planos. E, acima de tudo, vai ter que respeitar a última coisa que
o e-mail diz.
“P.S.: Paula não sabe de nada. Não conte, ok?”.
Ángel fecha a página do Hotmail e olha o relógio. Cinco horas.
Ainda falta uma hora para que Katia vá buscá-lo.
Enquanto isso, em outro lugar da cidade, Mario desce a escada a
toda velocidade quando ouve a campainha da porta de sua casa. É
Paula!
Por fim vão ter aquele “encontro” que tanto havia resistido até
agora.
Capítulo Sessenta e Quatro

Nessa mesma tarde de março, em outro lugar da cidade.


Entra na Starbucks e espera na fila. Não há muita gente, apenas
um casal inglês com menos roupa do que o tempo requer e duas
adolescentes de uns quinze anos que discutem em voz baixa sobre o
que vão pedir. Uma bebida para as duas. Uma não concorda com o
que a outra quer e elevam levemente o tom da conversa. Finalmente,
a mais alta se deixa convencer por sua amiga e escolhem
um frapuccino grande de caramelo.
Os ingleses vão para o andar de cima com suas bebidas
fumegantes nas mãos. As adolescentes continuam falando baixinho
esperando que sirvam seu pedido. Porém, agora os comentários se
referem ao menino bonito que entrou atrás delas. Nada mal, um
pouco velho, talvez.
Álex percebe que é o motivo daquele papo, mas não liga muito.
Coisas mais importantes o preocupam. Vai escrever um pouco antes
das aulas de saxofone com o Sr. Mendizábal e seus amigos. Mas,
para ser sincero, não está a fim de se sentar em frente à tela do
computador. Está recente em sua mente o que viu antes: como
aquela garota jogou de dentro do carro o livreto de Por trás da
parede em uma lixeira, sem nem sequer lê-lo. Não entende. Seu
trabalho, sua dedicação, seu sonho… Tudo para o lixo. Pergunta-se
se vale a pena continuar. Como teriam feito Dan Brown, Tolkien,
Meyer, Rowling ou Ruiz Zafón para que os levassem a sério e
lançassem no mercado aqueles sucessos? É difícil conseguir o que
eles conseguiram. Difícil? Impossível.
Sua vez. A menina que está no balcão lhe sorri gentilmente. É
gordinha, baixinha, de óculos, vinte e poucos anos. Parece
inteligente. Certamente trabalha ali para pagar a faculdade.
— Boa-tarde, senhor.
— Olá, boa-tarde. Quero...
— Um caramel macchiato pequeno?
Álex se surpreende. Sim, exato! Como sabe? Sempre pede
um caramel macchiato pequeno, mas não se lembra de tê-la visto
antes. Mas se ela sabe o que vai pedir é porque já o atendeu algumas
vezes. Então, lamenta por não ter prestado atenção nela em visitas
anteriores. Não é bonita nem magra e tem um rosto facilmente
esquecível. Possivelmente por isso não reparou, e lamenta por sua
própria frivolidade.
— Sim, isso mesmo. Muito obrigado... — Em um pequeno crachá
preso no avental lê seu nome — …Rosa.
— De nada, senhor. Seu nome é Álex, certo? — diz com um
sorriso que ilumina seu rosto grande e vermelho.
Caraca! Também lembra seu nome. De repente, sente uma
estranha culpa .
— Isso.
A menina anota em uma das laterais do copo verde e branco
com o logotipo da empresa, como é costume na Starbucks. Depois
cobra, e como não há mais ninguém esperando, ela mesma prepara
o caramel macchiato. Dois minutos depois sai detrás daquela imensa
máquina de café.
— Aqui está.
Rosa entrega a Álex sua bebida sem deixar de sorrir.
— Muito obrigado, Rosa. Aproveitando, poderia me dar a senha
do wi-fi para eu me conectar à internet?
Se Álex gostava daquele lugar, era justamente porque podia
dispor de um sofá confortável, um café diferente do que toma
habitualmente, música relaxante e conexão com a internet.
— Anotei no papelzinho da conta. Está junto com a senha para
entrar no banheiro.
O garoto coloca a mão no bolso e tira o papel amassado. Ali está:
031108. Sim, aquela garçonete é eficiente.
— Ah, muito obrigado. Você é rápida.
— É meu dever. Como está com o notebook, achei que talvez
quisesse se conectar.
— Você é muito intuitiva. Jornalista?
— Criminologista. Bom, faltam algumas matérias ainda para
acabar — diz, fazendo uma careta engraçada, torcendo o lábio. — E
você, jornalista?
— Não, essa você errou — responde ele. — Aspirante a escritor.
Quatro meninas norte-americanas entram na cafeteria.
— Ah, devia ter adivinhado... — diz, estalando os dedos. — Bom,
desculpe, tenho que continuar trabalhando. Espero que escreva
muito e bem.
— Vou fazer o possível.
Rosa sorri e, movendo-se com dificuldade, chega de novo ao
balcão, onde em um perfeito inglês pergunta às recém-chegadas o
que desejam.
Álex coloca açúcar no café, mexe e pega um guardanapo de
papel. A seguir, sobe a escada para o andar de cima. Olha para onde
está a menina que o atendeu e acena. Ela percebe e retribui
enquanto anota “Cindy” em um copo.
Já lá em cima, a sala está bastante cheia, com apenas duas
mesas livres. As adolescentes de antes estão ao lado de uma delas e
Álex a descarta. Escolhe a mais ao fundo. Senta-se no sofá e tira
o notebook da maleta. Abre-o e liga.
Que simpática, a garçonete... Sem perceber, por alguns minutos
esqueceu seus problemas. Definitivamente, há todo tipo de pessoas
no mundo. Com certeza, se Rosa houvesse encontrado o livreto
de Por trás da parede, não o teria jogado fora. Aliás, tem certeza de
que entraria em contato com ele.
De modo que não pode se dar por vencido. Algumas pessoas
valem a pena, estão dispostas a dar-lhe uma oportunidade, pelo
menos a ler sua história.
Capítulo Sessenta e Cinco

Nessa tarde de março, em algum lugar da cidade.


Está em frente à porta. Não quer parecer ansioso, mas está.
Ansioso, nervoso, desejoso e não sabe quantos estados de ânimo
diferentes que terminam em oso. Respira fundo. Sim, outra vez.
Desde que a campainha tocou, deve ter respirado fundo umas sete
vezes. Inspira, expira. Inspira, expira. Faltam as contrações para
parecer uma grávida prestes a dar à luz, além de alguns quilos e um
bebê dentro. Instintivamente, olha para sua barriga, encolhe-a e
alisa a camiseta, uma preta que não usa muito e que o deixa mais
magro e musculoso. Bom, magro está. Musculoso... Mãos no cabelo,
última ajeitada. Tudo em ordem. Sorriso de muitos dentes. Pronto.
A campainha volta a tocar.
Que susto! Não esperava.
Mario se precipita sobre a maçaneta e abre. Na manobra, perde
o sorriso ensaiado anteriormente, mas logo o recupera ao vê-la. Não
é o que havia preparado. Esse é mais sincero, menos exagerado,
mais tímido, menos estudado. É o sorriso de quem vê a menina dos
seus sonhos frente a frente, o sorriso do garoto apaixonado.
— Oi, Mario — diz Paula, que também sorri, mas um sorriso
diferente.
— Oi.
Dois beijos? O que se faz nesses casos? Os dois hesitam um
instante, mas finalmente ela decide e aproxima seu rosto do dele.
Dois beijos.
— Ainda bem que abriu, estava começando a pensar que íamos
ficar mais um dia sem estudar.
Estudar, estudar... Ah, é verdade. Ela está ali para isso. Não é
um encontro desses românticos.
— Desculpe, é que meus pais e minha irmã não estão, tive que
descer do meu quarto.
Uff! Suas mãos suam. Espera que sejam só as mãos. Está tenso.
Por quê? Conhece Paula há muito tempo. Estão na mesma classe há
vários anos e ela esteve em sua casa em muitas ocasiões com Miriam
e as outras duas meninas. Não há motivos para se sentir assim.
Sendo realista, há. É que, pela primeira vez na vida, está a sós com a
menina que ama. Mas tem que se acalmar.
— Posso entrar? — pergunta Paula.
Que imbecil! Nem sequer a convidou a entrar. Nervosismo,
ansiedade, dor de estômago. São contrações? Inspira, expira.
Inspira, expira.
— Claro, claro. Desculpe.
O garoto se afasta, dando passagem a sua convidada. Ela entra
na casa tranquilamente, com um caminhar sereno, mas sedutor.
Mario a segue com o olhar. Seus olhos vão para sua calça jeans.
Ora, não queria... Jura a si mesmo que não queria olhar para lá.
Que está fazendo? “Caraca! Mas é que Paula não é só bonita; é muito
gostosa”.
Não, não. Chega! Seu amor é puro e cristalino. E agora não é
hora de reparar nessas coisas.
— Sua irmã está com Cris e Diana? — pergunta a menina,
voltando-se.
— Sim, acho que sim. Quase nunca está em casa.
— Que garota! Devia estudar um pouco se não quiser repetir
mais uma vez.
— É, mas você sabe como ela é. Não faz nada.
— Infelizmente.
— É tonta.
— Pois espero que não repita. Sentiria falta dela na sala de aula
ano que vem.
“Pois eu não!”, é o que Mario deseja gritar, mas se contém.
Aquela pequena conversa sobre Miriam o acalmou um pouco. Ainda
bem. Quem diria que falar sobre a chata da sua irmã o ajudaria um
dia?
— Vamos subir?
— Vamos estudar em seu quarto?
Claro, não? Talvez aquilo a intimide. Puxa, não havia pensado
nisso... Dava por certo que estudariam lá.
— Sim, mas como quiser. Se preferir, ficamos na sala.
— Não, não. Em seu quarto está bom.
Paula sorri. Não havia perguntado sobre estudar em seu quarto
de maneira que desse a entender “tenho medo de ficar com você a
sós em seu dormitório”. Simplesmente perguntou pelo lugar onde
iam ficar.
O silêncio na casa é absoluto. Só se ouvem os passos de Mario e
Paula subindo a escada até o piso de cima. O menino decidiu ir na
frente. Melhor, não é hora de pensar em outras coisas. Porém,
quando chegam ao quarto, deixa a garota entrar primeiro. Paula
sorri e entra depois de um “obrigada” que Mario acha encantador.
— Onde fico? — diz Paula, que tirou a mochila das costas.
— Onde quiser.
A menina olha ao seu redor e finalmente se senta na cama. Põe
a mochila em cimas das pernas e tira dela o livro de matemática, um
caderno e um estojo. Mario a observa atentamente. É linda. De novo
suas mãos suam.
— Não trouxe calculadora. Vai precisar?
— Não se preocupe, eu tenho.
Mario se volta e em uma gaveta da escrivaninha procura a sua.
Não tem problemas para localizá-la debaixo de uma folha cheia de
operações matemáticas que outro dia usou como rascunho.
Quando se volta, Paula está tirando a blusa de frio. A camiseta
que usa embaixo sobe um pouco, deixado à mostra seu ventre plano
perfeito e o umbigo. Mario engole em seco.
“Uff”.
— Lá fora está um pouquinho frio, mas aqui está gostoso —
comenta a menina enquanto dobra o jérsei e o deixa de lado na
cama.
Ficou com a camiseta verde de manga curta em que se lê “Blue”
em grandes letras cor-de-rosa com um ponto de exclamação no fim.
— Sim, está frio lá fora. Aqui não.
Mario não sabe o que diz. Pelo menos, não pensa. Seus olhos
permanecem fixos em Paula, que agora soltou o cabelo e refez o rabo
de cavalo alto.
— Bom, pronta. Por onde começamos?
“Podemos começar dizendo quanto amo você. Ou, melhor ainda,
começar por meu pescoço. Beije-me enquanto eu sussurro em seu
ouvido quanto a amo, há quantos anos espero este momento para
estar a sós com você”.
— Pelo começo, não?
A menina se levanta da cama com o livro de matemática e o
caderno na mão. Na boca, um lápis que tirou do estojo. Deixa as
coisas em cima da escrivaninha e olha para seu amigo com um
sorriso divertido.
— E qual é o começo?
Inesperadamente, a campainha da casa toca. Os dois olham
para a porta do quarto juntos.
— Quem será? — diz Mario, franzindo a testa.
— Sua irmã?
— Não, ela tem a chave. Acho que não é ela.
— Então, melhor descer e descobrir, não?
Era bom demais para ser verdade.
O garoto suspira e sai do quarto xingando quem se atreveu a
interromper o melhor momento de sua vida.
A campainha toca outra vez.
— Já vai, já vai! — grita quando desce o último degrau.
Chega à porta. Outra vez a campainha.
“Cara, que chatice!”.
Abre e... diante dele está a pessoa que menos esperava ver.
— Olá, Mario. Paula já chegou?
Diana lhe dá dois beijos e entra na casa antes de ser convidada.
Está com a mochila nas costas e sorri nervosamente.
— Eh... Olá... Sim, sim.
— Ah, que bom! Onde cabem dois, cabem três, não?
— Eh...
— É que eu estava entediada na minha casa e comecei a pensar.
Sei que você acha que eu não sei fazer isso. Pensar, digo. Mas sim,
às vezes eu penso. Pois isso, pensei que já era hora de levar a sério
esse negócio de estudos. Então, lembrei, bom, veio de repente à
minha cabeça que vocês haviam marcado para estudar as derivadas
hoje, não?
Diana fala depressa. Quase comendo palavras, montando uma
frase em cima da outra. Mario a observa calado, incrédulo e sem
entender absolutamente nada.
— Sim...
— Então. Quem sabe você e Paula, que é minha amiga, me dão
uma mão e eu consigo entender o que vai cair na prova de sexta-
feira.
A menina suspira como se houvesse tirado um grande peso das
costas ao dizer tudo aquilo.
— Diana! — ouve-se do andar de cima.
Paula assomou-se para ver se Mario subia e sua surpresa foi
enorme ao ver sua amiga ali.
Desce depressa a escada e se abraçam.
Mario as observa em silêncio. Não sabe o que pensar nem o que
dizer, se ri ou chora. Não vai ficar a sós com Paula. Mais uma vez.
Suspira. Podia ter sido pior, como na segunda e na terça-feira.
Agora, afinal de contas, está com duas meninas como aquelas em
sua casa. Suspira e esboça um sorriso frouxo.
Diana e Paula se aproximam dele, seguram cada uma um braço
e o empurram para a escada. O menino não oferece resistência. Só
pensa no que podia ter sido e não será, e que agora, realmente, vai
ter que explicar de verdade a matéria de matemática para sexta-
feira.
Capítulo Sessenta e Seis

Nessa mesma tarde de março, em outro lugar da cidade.


Faltam dez minutos para as seis da tarde. Ángel está redigindo a
legenda de algumas imagens que ilustrarão o número de abril, uma
edição na qual a estrela da revista é Katia. A cantora de cabelo rosa
ocupa as páginas centrais em uma reportagem que inclui uma nota
especial sobre o acidente de trânsito. E, evidentemente, a capa é dela
também.
Jaime Suárez está sentado ao lado do jornalista. Satisfeito. O
diretor orgulha-se do trabalho benfeito, de qualidade, atrevido. Um
trabalho elaborado e criativo. E isso que não é simples para uma
publicação pequena como a sua contar com a artista mais popular
do momento. Nada fácil. Com a entrevista e as lindas fotografias de
Katia, tem certeza de que as vendas se multiplicarão em abril.
E grande parte da responsabilidade por tudo aquilo é de seu
jovem funcionário. Aquele garoto que escreve como os deuses; tem
certeza de que uma grande carreira o espera nos meios de
comunicação. Enquanto isso, vai aproveitar o jovem e seus artigos
ao máximo.
— Falta muito? — pergunta o chefe, já mais tranquilo depois de
um dia de loucura em que quase resolveu todos os detalhes do
número.
— Falta pouco.
— Bom. Estou ansioso para deixar tudo fechado já.
— Está praticamente terminado. Que horas são?
— Quase seis.
— Já são seis? Caraca, tenho que me apressar — diz Ángel, sem
afastar os olhos do computador.
— Que foi? Tem compromisso?
— Mais ou menos.
Nesse instante, batem à porta. É a menina que trabalha na
recepção. Anuncia uma visita.
— Quem é?
— É Katia, Jaime. Mandei subir.
— Katia? A cantora?
— Sim. Foi o que ela disse.
— Que estranho! O agente dela não me ligou para...
— Eu marquei com ela — diz Ángel, que continua escrevendo a
toda velocidade no computador.
Jaime Suárez olha para seu pupilo com surpresa.
— Você? Para quê?
— Queria convidá-la a tomar um café em agradecimento pela
colaboração que nos prestou — responde o jornalista, piscando para
seu chefe. — Você sabe. Um pouco de relações públicas nunca cai
mal.
— Ah.
— Acha ruim? Se quiser, digo que...
— Não, não. Acho ótimo, mas...
— Mas?
— É que, depois do acidente de carro que sofreu, ainda não fez
nenhuma declaração pública nem apareceu. Eu não consegui
agendar uma entrevista porque tem centenas de pedidos. Por isso
me surpreende muito que você tenha conseguido convidá-la para
tomar um café.
O garoto não diz nada. Se seu chefe souber de tudo, do porre,
dos beijos, da noite no hospital, das ligações telefônicas…
— Como vê, sou convincente quando quero.
— Parece que sim. Muito convincente.
— Isso é um elogio, Jaime?
— Não sei. Mas agora estou lembrando... Katia pediu
expressamente que você fosse à sessão de fotos, não?
— Sim. Eu fui. Mas, na verdade, não fui de grande ajuda.
Dá-se um breve instante de silêncio entre ambos.
— Ángel, olhe para mim — ele obedece. Seu chefe está sério e
fixa seus pequenos olhos marrons nos dele. — Há alguma coisa
entre você e essa menina?
O jovem jornalista sustenta o olhar por alguns segundos sem
dizer nada, sem fazer nem um só movimento, sem mover um
músculo do rosto… Até que por fim sorri.
— Não.
Responde lacônico e volta a se concentrar na legenda que
precisa colocar.
Jaime Suárez vai replicar, mas não tem tempo, porque Katia
entra na redação. O diretor da revista se apressa a recebê-la e
trocam um aperto de mãos:
— Olá, Katia, bem-vinda.
— Olá, prazer vê-lo de novo. Como está? — A cantora sorri
enquanto cumprimenta Ángel com o olhar; ele retribui com seu
melhor sorriso.
— Bem. Mas hoje é um dia de maluco. Estamos fechando o
número de abril e você sabe o que isso significa. E você, como está
depois do acidente?
— Ah, melhor, obrigada. Felizmente, foi só um susto. — A garota
volta o olhar para Ángel, que agora está com os olhos no
computador. — Tive sorte, e, além do mais, fui muito bem cuidada.
— Ainda bem. Está com uma aparência boa.
— Obrigada.
Nesse instante, o jornalista se levanta da mesa e vai até onde
seu chefe e a menina conversam. Sorriem e trocam dois beijos.
— Bom, Jaime, vamos indo. Se precisar de alguma coisa, só
ligar.
— Já vão? Não vai me deixar mostrar para a Katia como ficou a
matéria com...
— Não se preocupe. Verei com atenção quando estiver publicada
— interrompe ela, abrindo a porta da redação. Mal pode disfarçar a
vontade que tem de ficar a sós com Ángel. O que ele quer lhe falar?
— Está bem, está bem. Vão.
— Não se preocupe muito, já está tudo pronto.
— Vou olhar e dar os últimos retoques.
— Muito bem. Vamos indo, Jaime. Amanhã às nove estarei aqui.
O casal sai da redação, ela na frente, ele atrás.
Jaime não sabe o que aquilo significa. Suspeita que exista
alguma coisa entre os dois. Será que Ángel mentiu e realmente
namora Katia?
O diretor se senta em frente ao computador, mas não digita
nada. Reflete. Imagina o que pode significar que seu funcionário se
torne o namorado daquela cantora. Na verdade, esperava que o
nome de seu discípulo aparecesse nas revistas mais importantes,
mas como jornalista, não como protagonista de um romance famoso.
Capítulo Sessenta e Sete

Nessa mesma tarde de março, em outro lugar da cidade.


— Vamos fazer uma pausa? — pergunta Paula, esticando os
braços e se reclinando para trás.
Sua camiseta fica muito justa no peito e seu sutiã transparece.
Mario casualmente se dá conta, mas logo olha para outro lado,
envergonhado. Diana observa a cena e resmunga em voz baixa.
Estão há uma hora e pouco mergulhados em um confuso mundo
de letras e números, falando de derivadas, parábolas, funções e
tangentes. Paula, mais ou menos, vai entendendo. Precisa de mais
prática, fazer mais exercícios, mas graças a Mario agora vê tudo
muito mais fácil. Porém, para Diana não está sendo tão simples.
Sobram muitas dúvidas elementares porque não tem uma boa base.
Tenta, ouve atentamente, mas o que está conseguindo mesmo é
desesperar Mario, que várias vezes bufa e suspira por conta da
incapacidade matemática de sua amiga. Inclusive, em mais de uma
oportunidade, envolveram-se em uma discussão, sob o olhar bem-
humorado de Paula.
— Ok. Uma pausa cairá bem para arejar a cabeça. Estou um
pouco saturado — reconhece Mario.
— É por minha causa? Eu saturo você?
— Eu não disse isso.
— Mas pensa. Estou enchendo seu saco, para não dizer outra
coisa.
— Anda, Diana, não seja assim — intervém Paula.
— Aah, eu sei que sou muito ruim, que não sirvo para isso.
— Está indo bem. Vai ver como nós três vamos bem na prova.
Não é, Mario?
O menino olha para o outro lado quando sua amiga busca nele
uma resposta afirmativa. Diana resmunga e cruza os braços.
— Vou lá embaixo buscar alguma coisa para beber. O que vocês
querem?
— Cianureto — responde Diana.
— Não tem mais. Coca-Cola?
— Duas Cocas, uma para ela e outra para mim, obrigada — diz
Paula, sorrindo e se sentando ao lado da amiga.
O garoto finge anotar o pedido em uma caderneta imaginária e
sai do quarto.
Quando sai, Paula dá um beijo no rosto de Diana.
— O que você tem? Está muito tensa.
A menina suspira e nega com a cabeça.
— Você não vê?
— O quê?
— Não dou uma dentro. Sou uma negação para estudar.
— Está exagerando.
— Exagerando? Estamos há uma hora aqui e não entendi quase
nada!
— Bem, não é fácil. Derivadas são complicadas.
— Mas você entende tudo de primeira.
— Que nada! Custa muito. O único que sabe é Mario — diz
sorridente, e a seguir dá uma leve cotovelada em sua amiga. —
Anda, reconheça de uma vez que gosta dele.
— Mario?
— Claro!
— De novo essa história?
— Mas é que é muito evidente, Diana. Senão, o que está fazendo
aqui?
— O mesmo que você: estudando. Assim, eu poderia te fazer a
mesma pergunta, não é?
— Ok, faça.
— Faça o quê?
— A mesma pergunta. Pergunte o que estou fazendo aqui e se
gosto de Mario.
— Sua trouxa...
Paula ri. E continua insistindo.
— Não é feio, mas não é muito bonito. Mas Mario tem algo, não
é? Eu o conheço desde pequena e melhorou muito com o passar do
tempo. Virou um garoto muito interessante, não acha?
“Sim, é muito interessante. Muito bonito. E gosto dele! Mas ele
não sente nada por mim e não quero fazer papel ridículo”.
— Pfff. Se você está dizendo…
— Eu digo e você pensa — afirma Paula.
— Ok, ele não é ruim. Mas existem muito melhores — diz Diana,
tentando mostrar indiferença.
— Claro. Mas Mario... Não sei, acho que é um menino com quem
daria gosto sair.
— E por que você não sai com ele? Vocês se dão muito bem,
não? Se gosta tanto dele, durma com ele.
Transparece ironia nas palavras de Diana. Está começando a se
irritar com aquela conversa.
— Que grossa!
— Por quê? Todos os casais transam, não? Se saísse com ele,
acabaria transando.
— Eu namoro, Diana — responde sem parar de sorrir.
— Então, troca de namorado.
— Não quero trocar de namorado. Além do mais, Mario não
gosta de mim. Gosta de você.
Diana sente um calafrio ao ouvir o que Paula diz: “Gosta de
você”.
— Isso não é verdade.
— É sim. Vocês voltam para casa juntos todos os dias, o menino
não dorme à noite, anda mais distraído que o normal na escola, nem
faz o dever de casa, coisa incomum nele, não para de olhar para
nosso canto e agora, além do mais, vocês discutem como um casal
de namorados. Que provas mais você quer?
— Nenhuma.
— Nenhuma?
— Não. Porque mesmo que ele gostasse de mim, o que não é o
caso, eu não gosto dele — mente.
Paula suspira. Dá-se por vencida. Mas Diana não a engana. Tem
certeza de que sente algo por Mario.
— Ok, como quiser.
— Por que não pode acreditar em mim?
— Tanto faz. Deixa pra lá.
As duas garotas ficam em silêncio. Paula olha o relógio. São
quase seis e meia.
— Daqui a pouco tenho que ir.
— Por quê?
— Tenho um compromisso.
— Com Ángel?
— Não, com Álex. Ele disse que tem algo para me contar.
Diana arqueia as sobrancelhas.
— Algo para lhe contar?
— Disse isso por SMS. Não faço ideia do que pode ser.
— É que ele está apaixonado por você.
— O quê! Está louca? Como vai estar apaixonado por mim?
— Por que não? Todos ficam. Você é a garota que faz mais
sucesso que eu conheço. Vai ser mais um para sua lista.
— Não tenho lista.
— Sei.
Diana se levanta. Estica-se e se dirige à porta. Não sabe o
motivo, mas Paula a incomoda.
— Aonde vai?
— Ao banheiro. Já venho.
Mario aparece nesse momento. Quase se trombam. Está com
três latas de Coca-Cola abraçadas contra o peito.
— Cuidado!
— Desculpe, mas você também não olha por onde anda.
— Ok, desculpe também.
— Não foi nada — diz o garoto, enquanto põe as latas em cima
da escrivaninha. — Já vai?
— Ainda não. Vou ao banheiro. Vai ter que me aguentar um
pouco mais.
— Vou fazer o possível. E não demore, temos bastante coisa para
estudar.
A menina não responde e sai do quarto. Do corredor, observa-os
sem que eles percebam. Mario joga uma Coca-Cola para Paula e ela
a pega no ar. Depois, sentam-se um ao lado do outro na cama e
bebem ao mesmo tempo. Ambos falam, olham-se, riem.
“Babacas. Do que estão rindo? E não estão muito juntos?”.
Diana não suporta mais. Para de olhar para eles e caminha até o
banheiro . Uff! Odeia Mario. E a ela também. Odeia esses dois. Mas
os ama. A ele, muito. Demais. Não pode controlar. E isso está
começando a agoniá-la.
Capítulo Sessenta e Oito

Nessa tarde de março, em algum lugar da cidade.


No primeiro lugar a que vão, Katia se vê obrigada a dar três
autógrafos na porta do café para umas meninas que a reconhecem.
Logo se aproximam mais duas adolescentes que ficam muito
nervosas ao vê-la e, com seus gritos, alertam outro grupinho de
meninas, que corre para a cantora de cabelo rosa. Ángel, ao ver o
que os espera, segura Katia pela mão e juntos fogem a toda
velocidade pelas ruas da cidade. As pessoas os observam surpresas.
Não podem acreditar no que veem, é impossível que aquela menina
seja quem pensam que é.
Finalmente o casal consegue se esconder em uma rua estreita e
com pouca luz. Exaustos, inclinam-se sobre si mesmos, apoiando-se
nos joelhos, e arfam.
— Sempre que vai tomar um café acontece isso? — pergunta
Ángel após soltar um longo suspiro.
— Desde que apareço na TV, sim. Mas não costumo fugir desse
jeito.
— Pois você está em muito boa forma. Correu muito depressa.
— É meu dever. Estar em forma é parte do meu trabalho. Faço
bastante exercício para poder aguentar o ritmo dos shows. Você
também é rápido.
— Obrigado. Ainda tenho um resto de condicionamento físico.
Mas garanto que não é por fugir de nenhuma fã.
A menina sorri. Endireita-se e se alonga. Primeiro o pescoço,
depois os ombros e termina com os braços e as mãos. Ángel a
contempla atentamente. É bonita. Muito. E tem um corpo
perfeitamente proporcional. Pequeno e sensual. Katia percebe que o
jornalista a observa.
— O que está olhando?
— Nada.
— Nada? Sei.
— Simplesmente estava recordando como chegamos até aqui.
— Viemos correndo pela Gran Vía, depois...
— Não me referia a isso — interrompe Ángel, que continua
olhando-a fixamente.
— Ah, não?
— Não.
— Então, a que se referia, posso saber?
Ángel não diz nada. Vai até a esquina e comprova que ninguém
os seguiu.
— Ok. Caminho livre.
— Acho que não por muito tempo. Aonde formos acontecerá algo
parecido.
— Caramba, que chato...
— Sim. Não me acostumo, mas na verdade antes encarava isso
de um jeito pior.
— Não deveria ser assim. Como os famosos suportam isso? Nem
sequer podem ir tomar um café tranquilos.
— É o preço que se há de pagar. Você vende CDs, ganha
dinheiro, é convidado a festas, conhece personalidades importantes,
mas depois...
O jornalista reflete por um instante. Tem a solução, mas não tem
muita certeza dela. Brincar com fogo sempre é perigoso, mas precisa
falar com Katia urgentemente.
— Vamos à minha casa?
A pergunta desconcerta a garota. Um dia antes não atendia seus
telefonemas, e agora a convida para ir à sua casa.
— Mas...
— É melhor. Lá não vão nos incomodar. Acho que não aguento
outra corrida assim.
Ángel sorri. Tem uns olhos lindos, azuis, muito azuis, que se
destacam em seu rosto ainda mais quando sorri. Brilham. Brilham e
apaixonam. Deve ser muito importante o que tem a dizer a ponto de
convidá-la para sua própria casa depois de tudo que aconteceu entre
eles.
— Bom, como quiser.
— Vamos à minha casa, então. Se não se importa, pegamos um
táxi — diz o rapaz. — O carro de sua irmã está muito longe daqui e
com certeza suas fãs vão voltar a atacar.
— Ok.
Saem da rua escura e caminham juntos sem falar. Uma menina
de uns oito anos que passa com a mãe aponta para ela e a chama.
Katia sorri, mas não para. Agora não pode parar, e não se sente bem
por isso. É o outro lado da profissão. Não é fácil ser um personagem
público, reconhecido e admirado, e não poder corresponder
simplesmente porque não tem tempo ou não lhe restam forças. A
fama é dura e cruel, às vezes.
Estão com sorte. Um táxi livre está parado em um semáforo a
uns cinquenta metros de onde estão. Ángel o vê e de novo a pega
pela mão e correm até ele. Chegam a tempo. Entram, e o jornalista
dá ao taxista o endereço de seu apartamento.
Enquanto isso, nessa tarde de março, em outro lugar da cidade.
Os grandes olhos castanhos de Álex não olham para lugar
nenhum. Atravessam uma das janelas da Starbucks, mas sem um
ponto fixo, sem horizonte.
Antes, leu um e-mail que lhe enviaram, e desde então não parou
de pensar nela. Em Paula.
Não escreveu nem duas frases de Por trás da parede. Impossível.
Sua cabeça não está ali, em frente ao computador. Faz alguns
minutos que fugiu da realidade e vive em um sonho, em um mundo
distante de notas musicais e sorrisos de adolescente. Relembra seus
olhos, seus lábios, esses que quase beijou.
Só decidiu uma coisa, e foi antes de entrar em sua conta do
Hotmail: chamar o novo personagem de sua história de Rosa, como a
menina que o atendeu tão gentilmente. Uma pequena homenagem
dessas que tanto gosta de fazer em seus textos.
A tarde cai. O café vai se esvaziando de gente. As adolescentes e
as norte-americanas que subiram ao andar de cima atrás dele já
foram embora. Em um dos sofazinhos do canto, um casal de garotos
homossexuais troca beijos e mais de uma risada descontrolada,
felizes, despreocupados, livres.
— Você está bem? — pergunta uma voz feminina que logo
reconhece.
Rosa está com um pano molhado na mão. Deixa-o cair em cima
da mesa ao lado do escritor e a limpa.
— Sim. Obrigado, Rosa — responde Álex, que sorri ao vê-la.
— Se não se sentir bem, posso lhe trazer algum comprimido ou
alguma coisa.
— Não, não se preocupe. Estou bem. Não dói nada.
A garçonete fica vermelha. O vermelho de seu rosto é intenso,
mais que o de qualquer outra pessoa normal. Suas faces ardem.
Apesar da vergonha, não para nem um instante de sorrir.
— Desculpe.
— Não se desculpe.
— Talvez tenha me metido onde fui não chamada.
— Em absoluto. Agradeço sua preocupação. Normalmente, as
pessoas não se interessam pelos outros. Não é comum que nos
perguntem como estamos.
— É verdade. Normalmente o que devem lhe perguntar é se
tem e-mail ou qual é o número do seu celular.
Álex solta uma gargalhada. Aquela menina o fez rir. É muito
simpática.
— Que é isso! Isso nunca me aconteceu.
— Não acredito.
— Pois pode acreditar.
A menina termina de limpar a mesa. A seguinte é a mais
próxima do casal gay. Um grupo de jovens a deixou imunda. A
garçonete suspira diante do panorama e hesita entre limpá-la ou não
nesse momento. Os dois meninos estão se beijando. Mantêm os
olhos fechados, sem se importar com as palavras nem com os
olhares curiosos. Rosa prefere não incomodar e não se aproxima.
— Que sorte, esses dois… — comenta com Álex em voz baixa,
enquanto finge que limpa de novo a mesa de antes. — Quanta
paixão! É preciso ter muita sorte para encontrar alguém que se
entregue assim a você.
O garoto os olha de soslaio. O beijo continua.
Começa a se ouvir uma canção de Tiziano Ferro em italiano: Il
regalo piu grande, “O maior presente”. Parece tocar de propósito para
eles. Cada um deles está com a pessoa que ama e não hesita em
demonstrar seu amor. Não prestam atenção em nada nem em
ninguém. O mundo de um é o outro, e isso basta.
Um sentimento cheio de melancolia e de solidão percorre Álex
por dentro. Paula, sem dúvida, seria seu maior presente.
— Sim, têm muita sorte — responde resignado.
— O amor é tão bonito quando é correspondido...
Os olhos de Rosa ficam nublados, umedecem-se.
O sol começa a desaparecer.
— Você está bem? — pergunta Álex, que percebe que alguma
coisa está acontecendo.
— Sim, sim. Estou bem.
Mas não é verdade. Rosa está se lembrando de seu único
namorado, da única pessoa que a amou, da única pessoa que fez
amor com ela, mas que depois a abandonou. Uma lembrança
amarga. Eterna.
Ainda assim, não tarda a recuperar o sorriso.
Álex percebe sua tristeza. Talvez seja a mesma que ele suporta, a
de não poder estar com a pessoa amada. Sabe quanto dói.
Perfeitamente. Compreende o que significa amar e não ser amado. E
deseja ajudá-la.
Então, tem uma ideia.
De uma das duas mochilas, onde guarda a outra vazia, tira o
livreto de Por trás da parede que aquela menina jogou na lixeira e
que ele resgatou.
— Toma, para você — diz, entregando o exemplar à garçonete.
Rosa pega-o e o folheia, tão surpresa quanto entusiasmada.
Álex se levanta da mesa.
— Você escreveu?
— Sim. Depois me diga o que achou, da próxima vez que eu vier.
— Que honra! Muito obrigada. O próximo caramel macchiato é
por conta da casa.
Ambos sorriem.
E os dois se sentem melhor.
O casal homossexual continua se beijando.
Juntos, descem e se despedem na porta.
Agora, Álex caminha pela cidade enquanto chega o anoitecer.
Triste, mas alegre. Melancólico, mas esperançoso. E pensa nela,
em Paula; não sabe que a verá antes que o sol torne a sair.
Capítulo Sessenta e Nove

Ao mesmo tempo, nesse dia de março, em outro lugar da cidade.


— Vou indo.
Paula guarda o livro de matemática e o caderno na mochila das
Meninas Superpoderosas.
— Já vai? Por quê? — pergunta Mario, que nesse instante
tentava explicar um problema a Diana.
— Sim, lamento. Tenho um compromisso daqui a pouco e, se
não for já, não vou chegar.
A garota guarda o lápis no estojo e fecha-o.
Mario a observa desiludido. Não foi exatamente o que esperava.
O “encontro” dos seus sonhos, no fim, transformou-se em uma tarde
de estudo a três. Além do mais, Diana absorveu a maior parte do seu
tempo.
— Bom, se tem que ir, podemos continuar amanhã. Pode ser?
— Ok. Por mim, perfeito. Preciso que me explique algumas
coisas ainda.
— Tudo bem. Amanhã na mesma hora.
— Às cinco estarei aqui, pontualmente.
Paula põe a blusa e coloca a mochila nas costas.
Mario suspira e amontoa uns cadernos cheios de todo tipo de
operações, para organizá-los. Fim da aula.
Então, Diana tosse.
— Ei... E eu? Não conto? — pergunta, olhando fixamente
primeiro para Paula e depois para Mario. Está séria. Irritada.
— Claro que conta, boba — diz Paula, que a abraça e tenta lhe
dar um beijo.
Diana afasta o rosto, mas cede diante da insistência da amiga.
— Sei que sou um estorvo, mas gostaria pelo menos de terminar
o que comecei.
— Você não é nenhum estorvo. Além do mais, pode ficar aqui
mais um tempo. Assim adianta o trabalho. É cedo, ainda.
— Mas...
Mario não sabe o que dizer. Arregala os olhos. Muito. Não só não
vai ficar a sós com Paula como, além de tudo, vai ter que ser
professor particular de Diana.
— Vamos, pessoal. O fato de eu ir embora não quer dizer que a
aula acabou. Podem continuar sem mim. Você, explique tudo
direitinho, e você, não seja tão negativa, viu?
— Bom, eu... — Diana gagueja.
Ambos ficam sem palavras. Em silêncio.
Paula sorri e dá uma palmadinha nas costas de sua amiga.
Depois, sorri para Mario, despede-se e sai pela porta cantarolando.
Ela já fez seu trabalho. Agora, é a vez desses dois o terminarem
sozinhos. Tem certeza de que algo interessante vai acontecer nesse
quarto.
Nesse mesmo momento, nessa tarde de março, em outro lugar da
cidade.
Todos observam Irene quando se levanta. Que visão! Mas hoje a
garota está com pressa. Recolhe rapidamente suas coisas e sai da
classe. Sorri para os que encontra em seu caminho, mas não fala
com ninguém. Tem um compromisso, e não com um garoto, como
todos teriam imaginado.
Tem um plano. Talvez não dê certo, mas ela sempre acerta no
que faz. Não hesita, nunca olha para trás, e luta com todas as suas
armas pelo objetivo que se impõe. Não vai ser diferente dessa vez.
Quer Álex, e vai conseguir. Para isso precisa tirar essa menina do
caminho, essa tal de Paula.
E com essa firme decisão, confiando em si mesma, como em
muitas outras ocasiões, vai encontrar a suposta amada de seu meio-
irmão.
Sorridente, maliciosa, cheia de ódio por uma adversária que nem
sequer conhece, entra no carro e repassa em sua mente tudo que vai
fazer.
Nessa mesma tarde de março, em outro lugar da cidade.
Álex toca uma nota dissonante. Não é comum. Seu saxofone é
como uma extensão de suas próprias mãos. Nunca falha.
O que está acontecendo?
Deixa o instrumento deitado em uma cadeira e dá cinco minutos
de descanso a seus alunos idosos.
— Ei, o que aconteceu? — pergunta o Sr. Mendizábal, que
caminha até ele.
— Não aconteceu nada — mente, tentando não dar importância
ao seu erro. — Por quê?
— É a primeira vez, em todo o tempo que nos dá aula, que você
erra.
— Bom, tudo tem uma primeira vez.
O velho olha atentamente nos olhos do rapaz.
— Alguma coisa está acontecendo — afirma Agustín.
— Não está acontecendo nada. Simplesmente foi um erro.
Costuma acontecer.
— Não com você. Você é perfeito com esse negócio nas mãos.
— Não chame meu sax de negócio — protesta Álex, que não quer
prosseguir com aquela conversa.
— Ok, tudo bem. Não quer me contar.
— Não é isso, Agustín. É que não está acontecendo nada.
O Sr. Mendizábal dá de ombros e desiste de seguir por esse
caminho.
— Bom, se você está dizendo, eu acredito. Mas eu não tenho
tanta certeza.
O homem volta a olhar para ele. Não se engana. Sua expressão
indica que aquele garoto tem alguma coisa. A cabeça dele está em
outro lugar. Mas não vai insistir. Estala a língua e volta para seus
colegas.
Álex contempla-o se afastar.
Dizem que o diabo sabe mais por ser velho que por ser diabo, e é
verdade. Agustín Mendizábal tem razão em suas suposições.
Não consegue parar de pensar em Paula. Mesmo com o saxofone
nas mãos, sua principal fonte de desabafo, não a esquece. Fazia
muito tempo que não lhe acontecia algo parecido.
Passam-se os cinco minutos de descanso.
Álex respira fundo, tenta se concentrar. Decidido, segura o sax
com força fica à frente de toda a classe, diante desses senhores, a
maioria aposentada, que o veem como um jovem ídolo, seu
professor.
O garoto procura uma partitura dentro da pasta em que as
guarda. Escolhe uma de suas músicas favoritas: Forever in love,
interpretada por Kenny G. Tocou-a tantas e tantas vezes… Tenta se
perder na música, esquecer, mas aquilo também não dá resultado. A
lembrança de Paula continua em cada nota.
Nessa mesma tarde de março, em outro ponto da cidade.
Volta. Katia sorri quando Ángel aparece com uma bandeja com
duas xícaras de café. Com leite para os dois.
Enquanto esperava o jornalista, ela andou pela sala. Como tudo
está arrumado! Não é um lugar majestoso, mas tem encanto, o
mesmo encanto de Ángel.
Está nervosa. Da última vez que estiveram a sós, ela o beijou. O
rapaz não notou porque estava dormindo, mas para Katia significou
muito.
Sobre o que vão falar? Suas pernas quase tremem.
Ángel espera que a cantora se sente. Escolhe o lado esquerdo de
um sofá para três. Então, ocupa o direito, deixando um espaço entre
os dois.
Pega a xícara de café com leite e entrega a ela. Depois, passa-lhe
o açucareiro. Duas colheradas. Ele coloca duas também. Cruza as
pernas. Por fim estão tranquilos. É a hora.
— Katia, tenho que falar de uma coisa muito importante.
Capítulo Setenta

Nessa mesma tarde de março, em outro lugar da cidade.


— E agora, isole o x.
— O quê?
— Já fizemos isso mil vezes... Isole o x.
— Qual deles?
Mario suspira, tira o lápis de Diana e faz um círculo no x a que
se refere.
— Este.
— Ah, certo. Não é tão complicado, então.
— Não, não é.
— Podia ter dito antes, ora.
— Uff.
O menino suspira ostensivamente.
— Que foi? — pergunta a garota, muito séria, afastando-se um
pouco dele. — Estou enchendo, não é?
— É que estamos a tarde toda com isso.
— Sei. Está farto de mim.
— De você, não. Desta parte, sim.
— Ah. Muito bem, muito bem. Entendi.
Diana se levanta e começa a colocar suas coisas na mochila.
— Que está fazendo?
— Vou embora. Não é isso que você quer?
— Bom...
— Calma, fique tranquilo. Não vou mais incomodá-lo.
Mario a observa em silêncio enquanto ela recolhe as coisas. Não
para de sussurrar coisas que não consegue entender, mas que
certamente são sobre ele, e não exatamente muito boas.
No fundo, lamenta que ela vá embora. Diana não é uma má
pessoa. Sim, é uma chata, e às vezes extrapola. Mas também é
verdade que está se esforçando para aprender. E é... good looking?
Não tem a beleza natural de Paula, nem seu corpo, e lhe falta a
magia que esta exala aonde quer que vá, mas é bonita e tem um tipo
de loucura muito simpático.
— Não fica assim.
A menina para um instante e olha-o fixamente nos olhos. Não
são muito expressivos, mas têm certa ternura e calor.
— Não fique assim como, Mario? Você passou o tempo todo
reclamando.
— Isso não é verdade.
— Ah, não mesmo. Quando explicava as coisas para a Paula,
não reclamava . Até sorria. Ok, desculpe por não ser a Paula!
Os olhos de Diana brilham, úmidos, chorosos. Está em pé, com
a mochila nas costas, em frente ao menino por quem está
perdidamente apaixonada. Ele permanece passivo, imóvel: alguém
que há três dias era só o irmão de Miriam, agora se transformou em
sua obsessão.
— Diana, você...
— Não quero explicações, Mario. Acha que não sei o que está
acontecendo?
— Como?
— Vamos, Mario, a mim você não engana. Posso parecer tola, e
talvez seja, mas sou a única que percebeu o que está acontecendo.
— Não entendo do que está falando.
Diana se deixa cair na cama. O colchão afunda um pouco e
range. Para de olhar para ele, foge de seus olhos, e sentencia:
— Você está apaixonado por Paula.
— O quê?
— Para mim está muito claro. É louco por ela.
O menino não sabe o que responder. Senta-se em uma das
cadeiras do quarto e ouve o que sua amiga pensa.
— Dá pra ver, Mario. Tudo que está passando é porque gosta
dela. Não dorme, não come bem, está mais distraído que de costume.
Até olha para nosso canto na sala frequentemente. É por causa da
Paula. Tudo isso é por ela, não é?
Mas Mario não responde. Quando Diana volta a olhar para ele,
ele afasta seus olhos dos dela.
— Então, estou certa. — A menina sorri amargamente. — Sou
uma imbecil.
Diana se levanta da cama de novo e olha para o menino, que
desejaria desaparecer nesse momento. Seu segredo, exposto.
— Por favor, não diga nada a ninguém — murmura por fim, após
alguns segundos em silêncio.
— Fica tranquilo, não vou dizer nada.
— Obrigado.
A menina suspira. Suas suspeitas estavam certas. E dói, dói no
mais profundo de seu coração.
Em pé, com a mochila nas costas, não sabe o que fazer. Foge?
Briga? Desiste? Enfrenta a realidade?
— Caramba! Vocês, garotos, são...
— O quê?
— Por que a Paula? Por que todos só reparam nela? O que ela
tem?
— Não sei.
— Há mais garotas no mundo, sabia? — Seu tom é de censura,
valente, sincero. — Você nunca ficou com nenhuma, não é? Nunca
beijou ninguém. Estou errada?
Mario torna a ficar calado. Não quer responder.
— E o que vai fazer? Esperar por ela a vida toda? Esperar que a
garota dos seus sonhos um dia descubra que seu amigo de infância
a ama?
— Para com isso, por favor.
— E, enquanto isso, vai suportar que ela saia com outros, que a
beijem, que a levem para a cama.
— Diana! Para com isso!
— Que foi, Mario? É a verdade. Dói?
— Chega!
— Você vai ficar virgem até que ela te note e abandone o resto?
— Diana, já disse para parar! Mesmo que se incomode com isso,
gosto dela, não de você!
O grito de Mario retumba no quarto. Também na cabeça deles. E
no coração. São palavras que ferem e cortam, com sangue. O da
menina se derrama aos borbotões por dentro, invisível, frio,
pungente.
Nesse instante, Miriam entra no quarto sem bater.
— Mario, você gri...? Ah, Diana, o que tá fazendo aqui? —
Pergunta com estranheza, sem entender nada do que está
acontecendo.
Mas Diana não consegue articular uma palavra. Sai do quarto
afastando com o cotovelo sua amiga e com aquela última frase
cravada no coração.
Capítulo Setenta e Um

Nesse mesmo dia de março, minutos depois, em outro lugar da


cidade.
Sopra um pouco mais de vento. Está frio. A noite acaba de cair e
a lua não aparece, escondida entre nuvens que chegam do norte. A
primavera, que parecia tão próxima, fugiu sem avisar e o inverno
voltou inesperadamente com força.
Irene estaciona o carro. Teve sorte. Dali pode vigiar o lugar exato
onde marcou com Paula. Está na hora. Será que já chegou?
Está com as duas mãos no volante e observa atenta. Não há
nenhuma jovem com o perfil adequado esperando. Então, pergunta-
se se não terá sido muito ousada, se não confiou excessivamente em
sua intuição e na sorte. Sim, também precisa de sorte: precisa que
Álex não tenha entrado em contato com ela, que não tenham se
falado, nem tenham trocado mensagens nas últimas horas. Senão...
Nesse instante, pensa uma coisa. E se ela não vier? E se quem
aparecer for seu meio-irmão enfurecido? Que faria? Não pensou em
um plano B.
Porém, Irene esquece tudo isso rapidamente porque uma menina
acaba de parar junto a um poste no lugar indicado. Olha o relógio,
depois de um lado para o outro. Parece que espera alguém. Pode ser
ela.
Deve ter entre dezesseis e dezoito anos e é realmente bonita.
Está com o cabelo preso em um rabo de cavalo alto. Seu corpo
parece perfeito debaixo de um jérsei que se ajusta a seu peito e
dos jeans justos. Uma tentação para qualquer homem. Sim, essa
tem que ser Paula, compreende perfeitamente que Álex tenha se
apaixonado por ela. É uma rival de respeito, e isso a motiva.
Enquanto sorri para si, continua observando a recém-chegada.
Nesse mesmo instante, sob a luz de um poste.
Abraça-se para se aquecer, cruzando os braços sob o peito. Que
frio! Talvez devesse ter vestido algo mais pesado. A temperatura caiu
demais. “Atchim, atchim!”, espirra duas vezes e assoa o nariz com
um lenço de papel que tira de sua calça. Depois, guarda-o e suspira.
E Álex?
Paula olha mais uma vez para seu relógio e bate os dentes.
Aquela situação lhe é familiar. Faz seis dias que se encontrou com
Ángel: esperou e esperou até que, cansada de esperar, entrou
naquela Starbucks onde conheceu Álex. E agora, o cenário é similar,
mas com um protagonista diferente. Que será que quer lhe dizer de
tão importante?
Talvez tenha tido um imprevisto. Poderia ligar para ele e
perguntar se vai demorar muito ou se não vai aparecer. Sim, não é
má ideia.
Um minuto depois, nesse lugar, dentro de um carro.
O celular de Irene toca. Sorri satisfeita: agora está confirmado,
aquela menina é Paula. De seu Ford Focus viu a mocinha do poste
tirar o telefone da mochila e fazer uma ligação. Seu plano está
funcionando. Pelo menos, a primeira parte. Já está ali, agora é sua
vez de agir.
O celular para de tocar. É a hora.
Irene sai do carro confiante, segura de si, como habitualmente.
É sua oportunidade de tirar aquela linda menina da vida de seu
meio-irmão.
Nesse instante, em um dia de março qualquer, com a noite fria
caindo sobre a cidade.
“Caramba, não atende. O que será que aconteceu?”.
Está frio. Cada vez mais. Tirita um pouco e abraça a si mesma
com mais força. Dá pulinhos nas pontas dos pés. E se Álex não vier?
Paula não entende nada. O que é que ela faz para que os caras
com quem marca sempre se atrasem? Normalmente, não é o
contrário? “Cara, é a noiva que chega atrasada ao altar, não o
contrário”, pensa irritada.
Volta o olhar para um lado e para o outro. Direita, esquerda.
Vira-se. Nada. Álex não vem. Só aparece uma garota deslumbrante
se aproximando de onde ela está. Não está com frio com esse vestido
tão curto e decotado? Porém, a garota não parece se importar com a
baixa temperatura. É estranho, tem a impressão de que a garota
caminha para ela. Deve querer lhe perguntar por algum endereço.
— Olá, você é a Paula? — pergunta Irene, que parou à sua
frente.
Paula não responde logo. Está surpresa. Sabe seu nome! Quem
é? Não se lembra de já tê-la visto.
— Sim, sou — acaba respondendo quando consegue reagir.
— Eu imaginava. Muito prazer, eu sou Irene.
A desconhecida lhe oferece a mão. A menina aceita e estende a
sua. O aperto dura um pouco mais que o normal e a força que Irene
imprime também é maior do que a que normalmente se emprega em
um cumprimento.
— Igualmente. Mas eu...
— Não, não me conhece, se é isso que ia dizer. Eu também não
te conhecia. Bem, pessoalmente. Só de ouvir falar.
— De ouvir falar?
— Sim, temos um amigo em comum.
— Ah. Quem?
Aquilo está cada vez mais estranho. Paula não compreende
nada, mas algo lhe diz que essa garota não vai lhe dizer nada de
bom.
— Álex.
Álex! Havia esquecido completamente dele por uns segundos.
Mandou essa garota porque ele não pôde vir?
— Ah, você é amiga de Álex?
— Sou a namorada de Álex.
As palavras de Irene a aturdem completamente. O frio da noite a
penetra. Um inexplicável sentimento a inunda.
— A... namorada?
— Sim. Estamos juntos há quatro anos. Nunca te falou de mim,
não é?
— Não — murmura, sem muita força.
— É um cachorro. Já imaginava que não tinha contado nada.
— Bom, na verdade... não nos conhecemos há muito tempo.
— Certo. — Irene crava seus olhos nos de Paula. — Mas
acontece que ele se apaixonou por você.
— Por mim? Como assim! Isso não é verdade. É... É impossível.
— Ele me chifrou com você, não foi?
— Não... Não, juro que não. Ele e eu mal nos conhecemos...
Está nervosa. Não consegue articular bem as palavras. O que
está acontecendo? Por que ela está dizendo tudo aquilo?
— Claro, claro. Você dormiu com meu namorado?
— Evidente que não!
— Não minta para mim, menina. Quantas vezes transaram?
— Nenhuma!
— Mentirosa. Você se meteu no meio de um relacionamento. É
isso que você faz da vida? Separar casais?
— Não sei do que está falando! Eu juro que não há nada entre
mim e ele.
Paula começa a sentir uma terrível angústia. Sente falta de ar,
asfixia. Aquela garota a está acusando de ir para a cama com o
namorado dela!
— Olha, bonitinha, Álex e eu éramos o casal perfeito até que
você apareceu. Não sei o que fez com ele, mas ele acha que está
apaixonado por você. E isso não é o melhor... — Irene de repente
pega a mão de Paula e a coloca em seu ventre — …para nosso filho.
A menina logo retira a mão. Não aguenta mais. Um milhão de
sentimentos de procedência indeterminada a sacode. Quer sair
correndo, fugir dali, mas Irene está atenta e a segura pelo braço de
novo, detendo-a.
— Esqueça nós dois. Apague o número dele, bloqueie no MSN,
não atenda mais as ligações dele. Você está destruindo uma família.
Não volte a falar com o pai do meu filho. Senão, juro que vou tornar
sua vida impossível, e não só você será responsável por tudo, como
também pode te acontecer algo grave. Estou falando como mulher,
como namorada e como mãe. Você vai desaparecer, não vai?
Paula chora em silêncio. Não quer que ninguém saiba do que
aquela garota a está acusando. Olha para Irene com medo. Fala
sério. Acha que quer se apoderar de algo que é dela e vai defendê-lo
até a morte.
Com os olhos marejados, assente com a cabeça. Vai desaparecer
para sempre.
Irene a solta e relaxa todos os músculos de seu corpo.
Conseguiu.
Paula olha para Irene uma última vez. É incrivelmente linda e
atraente. Perfeita para Álex. Com certeza fazem um belo casal e esse
filho vai ser lindíssimo.
Volta-se e abandona a luz do poste. O frio é intenso demais.
Seus ossos estão gelados. Treme enquanto caminha para a estação
de metrô mais próxima.
Irene a vê se afastar. Aquela menina seria a companheira ideal
para seu meio-irmão. Se ela não existisse, evidentemente.
Satisfeita, volta para o carro com a segurança de que agora
ninguém vai se interpor no caminho até Álex. É questão de tempo.
Capítulo Setenta e Dois

Já de noite, nesse mesmo dia de março, na cidade.


Chega ao carro que sua irmã lhe emprestou e entra. Acaba de
sair do táxi que a levou ao lugar onde havia deixado estacionado o
Citroen Sax. Ainda bem que não apareceu nenhum fã, só dois caras
que se voltaram para olhar para ela. Não está a fim de falar nem de
ouvir nada nem ninguém. Se alguém a houvesse incomodado,
possivelmente teria reagido como no campo de golfe com aquele
casal intrometido.
Katia se sente muito estranha.
Introduz a chave, liga o rádio e arranca. O trânsito da cidade é
pesado a essa hora. Milhares de carros vão daqui para lá e criam
intermináveis filas de luzes. As buzinas são ensurdecedoras, e a
emissora de rádio que sintoniza reproduz mais uma vez o sucesso do
momento, Ilusionas mi corazón, que esta semana continua sendo a
música mais votada pelos ouvintes da rede.
— Caraca, que pesadelo! Não se cansam? — diz em voz alta.
Faz uma careta de irritação e troca de emissora. Na Kiss FM
toca What is love, do Haddaway. Gosta, e decide deixar aí. O que é o
amor? Suspira. Ela sabe muito bem. Pelo menos acha que sabe, mas
em sua versão mais cruel. E a culpa toda é de...
Aah! Quer esquecer tudo por um tempo. Talvez a música a ajude
a não pensar em Ángel. Cantarola e tenta sorrir. Até mexe o pé e a
cabeça ao ritmo da canção, mas é impossível. Não tira da cabeça a
conversa que tiveram há pouco no apartamento dele. Por que pediu-
lhe isso?
Semáforo vermelho. Katia deixa cair devagar seu corpo para a
frente, e sua testa encosta suavemente no volante.
— Sou completamente estúpida.
Minutos antes, no sofá da sala do apartamento de Ángel.
— Katia, tenho que dizer uma coisa muito importante.
O menino olha diretamente nos olhos dela. A cantora sente um
formigamento no estômago. Será bom ou ruim o que tem a lhe dizer?
— Diga.
— É que...
Ángel hesita um instante. Toma um pouco de café e olha para o
lado tentando organizar as ideias. Talvez lhe falte coragem para falar
e acabe dando para trás.
— Vamos, Ángel, estou curiosa com tanto mistério. Diga logo,
por favor.
O jornalista volta a centrar seus olhos azuis nos claríssimos de
Katia. Mas é um olhar diferente do de antes. A garota, então, teme o
pior. Talvez vá recriminá-la pelas ligações. E se não quiser voltar a
vê-la? Tanta gentileza não é normal depois de todas as desavenças
que tiveram ultimamente.
— Lembra o dia em que nos conhecemos?
— Sim, claro. Foi na quinta-feira da semana passada —
responde Katia, que não consegue adivinhar o rumo daquela
conversa.
— Sim, foi na quinta-feira.
— Parece que faz mais tempo, não é? Tenho a impressão de
conhecê-lo há muito mais tempo.
— É verdade, para mim também parece — comenta Ángel. —
Naquela quinta-feira você chegou tarde à entrevista que nossa
revista havia marcado com você.
— Sim. Acumularam-se vários atrasos e vocês, como eram os
últimos da lista desse dia...
— E se lembra do que aconteceu depois da entrevista? —
interrompe Ángel, que agora fala com mais confiança.
— Claro. Eu te levei de carro a uma reunião porque você estava
atrasado.
— Mais ou menos. Não era uma reunião, era um encontro.
— Isso.
— Com minha namorada.
— Sim, é verdade. Não me lembrava — mente Katia, que começa
a se sentir incomodada.
— O nome dela é Paula.
— Certo.
Embora ainda não saiba o que ele vai dizer, a cantora de cabelo
rosa intui que não vai lhe agradar muito.
— No sábado, é aniversário dela. Dezessete aninhos.
— É muito nova. Você tem vinte e dois, não?
— Sim, mas, bem, a idade dela é o de menos. — Ángel se
aproxima de Katia; suas pernas se tocam. — Queria lhe pedir um
favor.
— Claro. Pode falar.
— Ela é uma grande fã sua. Adora Ilusionas mi corazón. Canta o
tempo todo. Então, o que eu gostaria, se você aceitar, é que
dedicasse a ela a canção. Isso a faria muito feliz. E a mim também.
Katia não sabe o que dizer. As emoções disparam dentro dela.
Não pode acreditar que Ángel esteja lhe pedindo isso.
— Não entendo muito bem. Dedicar para ela a canção?
— Sim, eu explico. Bastaria que gravasse Ilusionas mi
corazón em um CD, e em vez de Laura e Miguel, dissesse os nomes
Paula e Ángel.
— Quer que eu mude a letra da canção?
— Se puder, sim. Se não for muito incômodo.
Silêncio.
— Eu... Na verdade, eu... não sei.
— Se não quiser, não tem problema, vou pensar em outra coisa
— diz o garoto ao ver sua reação.
Ángel afasta-se um pouco dela criando um espaço entre ambos.
— Desculpe, é que não imaginava que fosse isso que queria me
dizer.
— Não se preocupe, entendo que não queira fazer isso.
— Não disse isso.
— Intuo que não queira.
— Pois está enganado. Farei com muito prazer — responde Katia
sorridente.
A cantora disfarça seus verdadeiros sentimentos. Sorri, mas tem
vontade de ir embora dali. Mas, se for, perderá Ángel para sempre.
Por outro lado, se lhe fizer esse favor, pode ser que ganhe pontos, e
poderá vê-lo mais vezes. Mas é tão frustrante agradar a namorada do
homem por quem está apaixonada…
— Vai fazer? — pergunta surpreso.
— Sim.
— De verdade?
— Sim!
— Nossa! Muito obrigado mesmo!
Ángel abraça Katia e a beija no rosto, perto dos lábios, talvez
perto demais. Os dois sentem um impulso tentador, mas ele se
afasta quando percebe que está em cima dela.
Não é Paula.
Silêncio. Só se ouve a respiração nervosa e agitada de ambos.
Não se olham nos olhos. Não podem.
Por fim, o garoto se levanta, pega a bandeja com os cafés e sai
da sala. Katia também se levanta e o segue. Ambos entram na
cozinha.
— Para quando precisa disso?
Katia tenta recuperar a normalidade escondendo seu mal-estar,
seu sofrimento, seus desejos. Como teria gostado se a houvesse
beijado na boca!
— Se puder ser para sexta-feira de manhã…
Pensa um instante. Desde o acidente, não fez nada do que tinha
agendado , de modo que para amanhã nem sabe o que tem
programado. E nem o cumprirá, argumentando que continua
abalada.
— Ok, acho que dá tempo. Vou ligar para meu agente hoje para
que me reserve uma cabine em algum estúdio de gravação.
— Um estúdio de gravação? Não precisa se incomodar tanto.
— Não é incômodo.
— E vai encontrar algum em tão pouco tempo?
— Sim, não se preocupe. Ser conhecida também tem suas
vantagens. Deixe comigo.
— Bom, como quiser.
— Se quiser, pode vir comigo.
— Não sei se poderei. Estamos fechando o número de abril e
talvez não possa fugir. De qualquer maneira, ligo amanhã para
confirmar.
— Tudo bem. Mas seria legal se você fosse.
— Vou tentar.
Minutos depois, nessa noite de março, ao volante do Sax de sua
irmã.
— Biiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
Katia avançou um semáforo e um ônibus quase a atropela.
Estava distraída pensando na conversa com Ángel e não percebeu
que estava vermelho.
Nervosa, estaciona em fila dupla e liga o pisca-alerta. Transpira
e treme.
Deus, quase sofreu outro acidente! E com o carro de sua irmã!
Tenta se acalmar. Respira fundo.
A Kiss FM toca agora A bad dream, do Keane. Sim, tudo aquilo
se assemelha muito a “um sonho ruim”.
Capítulo Setenta e Três

Nessa mesma noite de março, em um lugar afastado da cidade.


Chega a sua casa cansado, confuso. A aula de hoje foi muito
estranha. Álex não entende o que pode ter acontecido. Durante uma
hora e meia, colecionou erros de todo tipo no sax. Nunca havia
cometido tantos, nem mesmo quando começou. E já faz... Uff, muito
tempo.
Era um aspirante a adolescente, mas ainda se lembra
perfeitamente do dia em que teve que escolher o instrumento que
queria tocar. Tinha talento para a música e devia dar um passo
adiante, especializar-se em algo específico . Seus professores
insistiram para que escolhesse o piano. Seu pai também tentou
convencê-lo.
Todos fracassaram.
— Saxofone?
— Sim, papai. É o que quero tocar.
— Eu acho que você não pensou bem.
— Pensei, sim.
— Vai pôr seu talento a perder, não compreende?
— Sinto muito. Gosto mais do sax.
— Mas piano é mais elegante e dá prestígio. Para não dizer que
tem muito mais saída. Além do mais, você poderia se tornar um
pianista extraordinário... Todos dizem isso.
— Não me importa o que digam, papai.
— Como não importa? Claro que importa. Os pianistas são
verdadeiros músicos. Os saxofonistas...
Seu pai não quis terminar a frase. Realmente sentia admiração e
apreço por qualquer pessoa capaz de tocar um instrumento. Ele
mesmo era um grande admirador do jazz. Porém, o que falava era a
decepção, a frustração. Via seu talentoso filho jogar fora esse dom
que Deus lhe havia outorgado, o mesmo dom que tinha sua falecida
esposa.
— Qual o problema com os saxofonistas? — insistiu Álex, que
não entendia o motivo pelo qual não o deixavam fazer o que
desejava.
— Acabam tocando em qualquer esquina pedindo esmola.
— Isso não é verdade! Muitos são geniais e bastante conhecidos,
ganham a vida tocando. Veja Kenny G., por exemplo. Ou Charlie
Parker.
— Aah, sujeitos que tiveram sorte. Se quiser ser alguém na
música, não pode tocar sax.
— Não quero ser alguém, quero fazer aquilo de que realmente
gosto.
— Você é um cabeça-dura, Álex. O que pode conseguir tocando
saxofone?
— Não sei. E não me importa. Piano é legal, gosto, mas não é o
que quero.
De modo que, depois de várias discussões em casa, durante as
quais continuavam tentando fazê-lo mudar de ideia, conseguiu que
lhe comprassem um sax. Em homenagem à sua mãe, Emilia, Álex
chamou-o de “Emily”. E os resultados não se fizeram esperar. Em
poucos meses tornou-se expert. Um gênio. Era capaz de interpretar
de forma maravilhosa qualquer partitura. Com o saxofone nas mãos
sentia-se especial. Mergulhava em um mundo de fantasia longe da
realidade que enfrentava no dia a dia. Por alguns instantes não tinha
que se preocupar com sua madrasta, com Irene ou com comentários
estúpidos de seus amigos.
E foi justamente seu sax o melhor amigo que teve quando seu
pai morreu . Tocava, tocava sem parar. De dia, de noite, na solidão
da madrugada. Era mais uma parte de seu corpo, uma extensão de
suas mãos, de seus lábios... A única coisa que lhe dava
tranquilidade.
Até que descobriu algo mais que podia preencher sua vida, algo
que o relaxava tanto ou mais que a música do saxofone. Foi quando
Álex descobriu que, escrevendo, também experimentava essas
sensações que o evadiam do mundo em que lhe coube viver. Sem
pai, sem mãe. Uma nova maneira de lutar contra tudo e de
encontrar a si mesmo.
Escrever e tocar. Tocar e escrever. Ser músico, mostrar sua
música. Ser escritor, mostrar seus livros. Tinha uma meta, dupla, e
a ilusão o dominava . Porém, agora um terceiro elemento impedia
que se concentrasse em suas outras duas paixões.
Deixa as mochilas ao lado do sofá da sala e se deita nele. Pega o
celular e o examina. Quer fazer essa ligação, quer ouvi-la, mas não
tem certeza. Seu coração lhe diz que sim, que vá em frente. O que
pode acontecer? Não se alegrará de escutá-lo de novo?
E se não atender?
Álex passa a ponta dos dedos pela pequena tela do telefone. O
nome de Paula com seu número aparece iluminado. Só lhe resta
apertar o botão que faz a chamada.
Nessa mesma noite de março, em outro lugar da cidade.
Sem dizer nada a ninguém, sobe para seu quarto. Seus olhos
estão úmidos, inchados, e o nariz vermelho. No metrô, tentou cobrir
o rosto com as mãos o maior tempo possível. Não queria que
notassem que havia chorado.
Por que aquela garota lhe disse tudo aquilo?
Paula não entende nada. Não compreende por que Álex não lhe
falou de sua namorada e de seu filho. “Caramba, ele vai ser pai!”.
Também não sabia que seus sentimentos eram tão fortes.
Apaixonado por ela! Desde quando? Só se conheceram na quinta-
feira!
É uma loucura, tudo uma completa e absurda loucura.
Senta-se em uma cadeira em frente à janela. As árvores
balançam docemente por conta do vento frio que esculpe a noite.
Não há estrelas nem lua.
E agora?
O melhor é desaparecer, fazer o que a namorada dele disse e
nunca mais falar com ele.
Sim, é melhor. Mesmo que seja uma atitude covarde. Mas não
quer se intrometer em um relacionamento e muito menos ser a
causadora de uma separação.
O computador está à sua frente. Liga-o e entra no MSN como off-
line. Procura-o. Ali está: alexescritor@hotmail.com. Clica nele com o
botão direito do mouse: “Excluir contato”. Hesita, mas clica. Uma
nova tela se abre. É para verificar se realmente quer fazer isso. Ela
confirma, o contato está excluído de seu MSN para sempre. Para
sempre.
Paula está confusa. Lê várias vezes o subnick de Álex. “Por trás
da parede. Leia e vicie-se. Posso viver sem ar, mas não sem música”.
Não diz nada de sua namorada nem de seu filho. Fala só do que
mais gosta, de seu livro, desse que ela mesma ajudou a promover no
dia em que o acompanhou a esconder os livretos. Foi divertido e
romântico.
Foi quando se apaixonou por ela? Ela não fez nada para que isso
acontecesse, não foi?
Paula suspira. Relembra o momento na livraria, aquele instante
em que seus lábios quase se unem. Podia ter acontecido. Um beijo.
Ele teria sido infiel e ela também. Nenhum dos dois provocou aquilo,
foi coisa do destino. Mas quase aconteceu. Um beijo.
Que fazer? Que diabos deve fazer?
Uma lágrima rola quente por sua face. Teria adorado conhecer
Álex melhor , seu sorriso, seus enormes olhos castanhos, seu
romantismo, esse jeito de lhe dizer as coisas, de tratá-la.
Deus, como chegou a isso?
O inesperado som de seu celular a assusta. Olha a telinha para
ver quem liga. Não pode ser. É Álex! Uff!
Uma nova lágrima cai e molha o teclado de seu computador.
Quer atender, quer esclarecer tudo, dizer que são amigos, só
amigos. Quer atender, mas não pode nem deve.
O telefone continua tocando inclemente, como um gemido cruel,
insistente. Aquilo que em outro momento teria provocado um
sorrisinho feliz agora significa um peso impossível de suportar.
“Atenda, atenda!”, diz algo dentro de si. Não. É melhor
desaparecer. Ele vai ser pai. Vai ter um filho com aquela garota.
E ela... Ela não é ninguém.
Não. Não é ninguém.
A chamada morre.
Fim.
“Excluir também dos seus contatos do Hotmail”.
Clica em um quadradinho branco. Aparece um pequeno sinal
verde. Só falta excluir.
Clic.
Capítulo Setenta e Quatro

Nessa noite de março, em outro lugar da cidade.


Aquelas palavras... “Mesmo que se incomode com isso, gosto
dela, não de você!”.
Diana não consegue tirar essa frase da cabeça. É como um
martelar constante em sua mente. Mas, ao mesmo tempo, não
consegue acreditar que o que passou na casa de Mario tenha
acontecido de verdade. É irreal, como um sonho, ou mais como um
pesadelo do qual com certeza a qualquer momento vai acordar.
Mastiga o jantar sem vontade enquanto seu computador acaba
de iniciar. Essa é uma das vantagens de comer sempre em seu
quarto: pode fazer muitas coisas ao mesmo tempo.
— Tenho que trocar esse fundo de tela — diz em voz alta,
enquanto contempla a montagem que ela mesma fez há algumas
semanas com fotos de homens famosos sem camiseta.
O computador continua fazendo barulhos estranhos. Ainda não
está disponível. Acumula tanto lixo no HD de seu computador que
cada vez demora mais para iniciar. Precisa mandar formatá-lo. Mario
com certeza não tem esse problema. Aquele imbecil é um gênio para
todas essas coisas, mas também é um imbecil lidando com meninas.
Um gole d’água.
Não deveria ter falado assim com ela. Ele está apaixonado por
Paula e Paula não liga para ele, esse é seu problema. Não tem por
que aguentar que gritem com ela. Que babaca, quem ele pensa que
é? Tudo que estava lhe dizendo era a crua realidade. Ou mentiu em
alguma coisa? A típica história: menino normalzinho apaixonado
pela menina perfeita que conhece desde a infância, mas que não liga
para ele; enquanto ela sai com todos os caras do mundo, ele espera
que aconteça um milagre e que a princesa dos seus sonhos acabe
em seus braços.
Blergh, que nojo! Por que sua mãe pôs endívia na salada?
Detesta endívia, quase tanto quanto a Mario.
Será que está no MSN?
Tanto faz. Odeia-o. Não quer mais saber dele. E não está falando
por falar, não. Está decidida a esquecer esse imbecil que se atreveu a
falar com ela daquele jeito.
Blergh! Mais endívia? Sua mãe não está bem da cabeça.
O computador por fim dá sinais de vida. Acabou de abrir.
Diana deixa a bandeja com o jantar de lado e se acomoda em
frente ao computador. O MSN já se conectou automaticamente.
Seiscentos e noventa e sete contatos. Barulhinho de alguém
chamando. Começa a aparecer uma luzinha laranja após a outra na
parte de baixo da tela. Um que diz oi, mas não lembra quem é. Outro
que pede que ligue a webcam. E esse? “Está a fim de sexo virtual?”,
pergunta. “Que imbecil tarado!”. Não tem nem ideia de quem seja,
mas o exclui. Pelo visto, não vai só mudar o fundo de tela; seu MSN
sofrerá uma boa limpeza também.
Mario não está conectado. Tanto faz, também não ia falar com
ele.
Outra luzinha laranja. Alguém mais que escreve.
— Olá, Diana, você está aí?
Ora, é Álex! O escritor gostoso amigo de Paula. Que agradável
surpresa! Não será ruim papear um pouquinho com ele para relaxar
um pouco.
Nessa noite de março, em outro lugar da cidade, em frente ao seu
computador.
Paula se sente mal. Terrível. Não desceu para jantar. Disse a sua
mãe que não estava bem e ela lhe levou um copo de água com uma
aspirina. Depois, obrigou-a a tomar um xarope desses que as mães
usam para tudo.
— É que você saiu desagasalhada e a temperatura baixou muito.
Não estamos no verão.
Paula não discutiu o diagnóstico. Sabe perfeitamente que a dor
de cabeça e a náusea não são por esse motivo. Ainda não consegue
acreditar em tudo que aconteceu nas últimas horas. Apagou Álex de
seu MSN! Mas o que podia fazer? Ele vai ter um filho com aquela
menina que afirma que seu amigo se apaixonou por ela!
Uff.
Continua conectada ao MSN como “invisível”. Não está a fim de
falar com ninguém. Além do mais, Ángel não está. Nem suas amigas.
Ah, sim, Diana está. Acaba de entrar. Como terá sido com Mario?
Esses dois vão acabar juntos. Está na cara que se gostam.
Tenta sorrir com a ideia, mas não consegue. Logo volta a pensar.
É impossível esquecer aquela menina dizendo tudo aquilo. Nunca
mais vai saber de Álex. Nunca mais.
Nem hoje, nem amanhã, nem...
Mas... Um momento. Não lembrava que... Seu aniversário!
Sábado! E Álex está convidado!
Droga. E agora, o que fazer?
Nessa noite de março, em um lugar afastado da cidade.
Como supunha, não atendeu a sua ligação.
Não devia ter ligado. Agora, além da vontade de falar com ela,
sente-se invadido por uma forte tristeza, uma desolação difícil de
controlar.
Álex morre de vontade de saber de Paula.
E se estiver no MSN?
Sobe para seu quarto com o notebook, entra e se deita na cama.
Liga-o e rapidamente entra no MSN.
Procura entre seus amigos. Nada, não está lá, seu nick aparece
entre os off-line.
Pelo que parece, vai ser impossível falar com Paula. E precisa.
Quem está conectada é Diana. Talvez saiba de alguma coisa.
— Olá, Diana, você está aí?
— Sim, estou, oi! Que surpresa — responde a menina em poucos
segundos .
Álex sorri e escreve.
— Tudo bem?
— Já estive melhor.
— Problemas?
— Todos temos, não é? Mas está passando.
— Espero que logo passe tudo.
— Com certeza passará, obrigada — responde a menina,
acompanhando suas palavras com um emoticon sorridente.
— Sabe algo de Paula? Ela não está on-line.
Diana suspira. Outro que fala de Paula... Não existe outro
assunto no mundo?
— Não, não sei nada. Estive com ela estudando à tarde, mas não
sei onde está.
— Ah... É que liguei para ela, mas ela não atendeu.
A menina pensa um instante. Álex não havia marcado de se
encontrar com Paula? Sim, por isso ela foi embora da casa de Mario.
— Não estava com você?
— Comigo?
— Sim. Estávamos estudando com um amigo e ele disse que
tinha que ir embora porque havia marcado com você.
— Que estranho... Eu não marquei nada com ela hoje.
— Estranho mesmo. Ela disse, ainda, que você tinha algo para
contar a ela e que não sabia o que era. Estava intrigada.
Álex se senta na cama, cruza as pernas e apoia o notebook em
cima. Não está entendendo nada. E está começando a se preocupar.
— Eu não disse nada disso a Paula. Não sei do que está falando.
Diana esfrega o queixo. Sua amiga mentiu? Por que motivo? É
muito estranho. Paula não parecia estar escondendo nada quando
disse que tinha que ir ver Álex. Talvez tenha sido só uma desculpa
para deixá-la a sós com Mario. Não, muito rebuscado. E se
aconteceu alguma coisa?
— Álex, tem certeza de que não marcou nada com ela?
— Absoluta. Como ia esquecer algo assim?
— E disse que ela não atende o celular?
— Não, não atende.
Os dois começam a se alarmar de verdade. Nervosismo. Nada se
encaixa nessa história.
Onde Paula se meteu?
A resposta não se faz esperar, porque nesse instante, no MSN de
Diana, aparece a garota desaparecida, mas como off-line.
Nessa mesma noite de março, Paula digita em seu computador
enquanto Diana faz a mesma coisa no seu.
“Diana, não me pergunte o motivo, mas tem que dizer a Álex que
não vá à festa que estão preparando para o meu aniversário. É muito
importante. Invente alguma coisa, não sei. Confio em você para que
me faça esse grande favor. Desculpe pedir isso, depois explico tudo
com calma”.
Paula aperta o enter e espera a resposta da amiga.
Porém, o que chega é um aviso de erro. “Caramba”. Deve de ser
porque está como off-line. Às vezes acontece.
Tenta outra vez. Não há o que fazer. De novo o mesmo alerta
indicando que a mensagem não foi enviada. Vai ter que aparecer.
Suspira. Não está a fim de falar com ninguém, mas é primordial
que Diana faça o possível para que Álex não vá à sua festa de
aniversário. Não podem se ver.
A menina leva o cursor até o nick e muda seu status para
“Ocupado”. Corre para copiar e colar a mensagem e mandá-la de
novo, mas Diana se antecipa e a cumprimenta assim que se conecta.
— Oi, Paula.
Droga. Agora não ficaria bem mandar a mensagem de antes e
desaparecer ...
— Oi, Diana.
— Ainda bem que você apareceu. Estávamos começando a ficar
muito preocupados.
— Como? — pergunta com estranheza. Não entende o motivo.
Além do mais, ela está falando no plural. Está se referindo às
outras Sugus?
— É que estou falando com Álex e ele me contou que você não
foi ao encontro que disse que tinha com ele. Para ser mais exata, ele
disse que nem sequer marcou nada com você. E que você não atende
o telefone.
Uff. Álex já soube. “Caramba! E agora?”.
Não sabe o que dizer a sua amiga. Até onde pode lhe explicar o
que está acontecendo?.
Diana, por sua vez, nesse momento escreve para Álex. Diz que
Paula apareceu e que está falando com ela. Mas o menino não
compreende por que ela continua aparecendo como off-line para ele.
Um erro do MSN?
— Você está bem? — pergunta Diana, ao ver que Paula não
continua escrevendo.
— Olha, não posso contar agora o que aconteceu, mas tem que
confiar em mim. Depois explico tudo com detalhes. Mas não diga a
Álex que está falando comigo.
— Como? Já falei. Ele disse que não vê você conectada.
— Caramba! Diga que eu saí, por favor, que estava com pressa.
Por favor, eu te peço, Diana.
Diana faz o que sua amiga pede por conta do alarme e da
insistência. Algo grave está acontecendo. Escreve a Álex dizendo que
Paula está bem, mas que teve que ir embora correndo para jantar
porque sua mãe estava chamando, mas que disse que depois
contaria o que aconteceu. O garoto não fica muito satisfeito com a
explicação, mas resigna-se. Diana lhe pede que espere um minuto,
que tem que ligar para sua amiga Miriam por causa de umas coisas
de escola. Mente, mas precisa falar com Paula.
— Já disse a ele que você foi jantar.
— Obrigada, Diana. Desculpe por essa fria. Eu te devo uma.
— Tudo bem. Mas o aconteceu com ele? Você o excluiu do MSN?
— Sim, tive que fazer isso.
— Por quê?
— É muito longo para contar. Depois eu explico.
— Explique agora, tenho tempo. Comece. Não vai me deixar
assim.
Paula suspira. Talvez lhe faça bem falar e desabafar. Então,
durante cinco minutos escreve a Diana tudo que aconteceu. Diana lê
atônita e espera sua amiga terminar de contar essa história incrível.
— Nossa, não acredito. Que pesado! — exclama por fim a
menina.
— Entende agora por que o excluí?
— Sim, mas é que é tudo muito estranho. Álex não parece um
cara infiel... Mas nunca se sabe. Por que não fala com ele?
— Não posso. A namorada dele me ameaçou. Além do mais, não
quero me intrometer na relação deles. Cara, ele vai ser pai!
— É. O negócio é complicado. Não sei o que acontece com os
garotos, todos se apaixonam por você. Você é uma monopolizadora.
Então, lembra-se de Mario, de seus sentimentos, do amor que
aquele imbecil sente por sua amiga. E do amor que ela, mais
estúpida ainda, continua sentindo. O que será que Paula tem? Por
que todos se apaixonam por ela?
— Isso não é verdade. E não é o importante agora também —
protesta Paula. — Tem que dizer a ele que não vá ao meu
aniversário.
— Caraca, seu aniversário! É verdade, ele vai...
— É, por isso tem que inventar alguma razão para que ele não
vá.
— Caramba, Paula, isso sim é complicado. O que vou dizer?
— Não sei. Que, no fim, não vai haver festa. Ou que só vão
vocês. Não faço ideia.
— Bom, vou pensar em algo.
— Obrigada de novo, Diana.
— Mas, de qualquer maneira, há uma coisa que... Álex já sabe
que alguém marcou com você em nome dele. Vai investigar até
descobrir que foi a namorada. E vai dar confusão.
— Caraca, é verdade!
— Acho que você devia falar com ele e esclarecer as coisas. É
melhor.
— Não! Não posso vê-lo de novo, Diana, não entende? E se por
minha causa ele romper com a namorada grávida?
— Mas ele não se dará por vencido. Se estiver apaixonado por
você de verdade, vai procurá-la. Ligará muitas vezes, mandará
mensagens. Você não pode desaparecer.
— Mas é preciso que desapareça. E preciso que você me ajude.
Diana nunca viu Paula assim. Sempre parece tão segura do que
faz, que controla tudo que acontece ao seu redor. E agora está em
um verdadeiro apuro.
— Tive uma ideia. Posso dizer que você mentiu pra mim, que
inventou que tinha um encontro com ele.
— Hummmm. E por qual motivo?
— É... Com a desculpa de me deixar a sós com Mario.
Paula responde com dois emoticons à proposta de sua amiga.
Em um, o bonequinho amarelo sorri de orelha a orelha; o outro é um
cachorrinho branco cujas sobrancelhas sobem e descem muito
depressa, repetidamente.
— Não pense bobagem — escreve Diana, suspirando.
— Aham, aham. Depois você me conta como foi com Mario. É
uma boa ideia. Será que vai colar?
— Pode ser. Por enquanto, vai mantê-lo afastado. Mas não
acredito que dure muito.
— Tenho que desaparecer da vida desse garoto, Diana.
— Eu entendo. Mas continuo pensando que devia falar com ele.
— Não posso. Não posso de verdade.
— E se eu falar?
— Não! Por favor! Não lhe diga nada disso, por favor.
— Ok, tudo bem. Vou falar só o negócio do Mario e inventarei
alguma coisa para que não vá ao seu aniversário.
— Obrigada. Você é uma amigona.
As meninas ficam alguns segundos sem escrever. Refletem sobre
o assunto, cada uma na parte que lhe cabe e na situação em que se
encontra.
No MSN de Diana, uma luzinha laranja e o barulhinho que a
acompanha mostram que Álex escreveu de novo. A menina abre a
janela da conversa com ele.
— Diana? Ainda está aí?
Ela não responde imediatamente. Precisa pensar bem no que
dizer.
— Diana, vou sair. Estou esgotada — escreve Paula na outra
janela.
— Ok, depois eu conto como foi.
— Obrigada. Já não te devo uma, devo cem.
— Ok, não exagere. Amiga é para essas coisas.
— Nunca esquecerei esse favor. Boa-noite.
— Boa-noite, Paula.
Capítulo Setenta e Cinco

Nessa mesma noite de março, em uma casa afastada da cidade.


Isso que está acontecendo é muito estranho.
Como não viu Paula conectada? Não entende. Aquele assunto
está começando a parecer um filme de ficção científica para Álex.
Recapitulando: Paula conta a Diana que ia se encontrar com ele.
Por que, se não é verdade? Sem saber de nada, ele liga para Paula,
mas ela não o atende. Qual é a razão? E agora isso. Diana primeiro
diz que sua amiga está no MSN, embora ele não a veja, e logo diz que
não está mais, que teve que ir correndo jantar.
Muitas coincidências. Estranho. Muito estranho. E o que é mais
importante, não conseguiu falar com Paula ainda. É como se o
estivesse evitando.
Não é preciso ser muito inteligente para saber que alguma coisa
está acontecendo, e precisa descobrir o que é.
Álex, com o notebook em cima das pernas, espera que Diana
volte. Quando voltar, vai lhe fazer algumas perguntas.
A porta da frente da casa se abre. É Irene que chega tarde, o que
significa que deve ter feito alguma coisa depois da aula. Certamente
esteve com alguém, com um desses garotos que fazem o curso com
ela e que devem morrer de vontade de levá-la para a cama. Espera
não ter que suportar barulho de molas e gemidos em sua própria
casa.
O rapaz ouve sua meia-irmã subir lentamente as escadas e
chegar até a porta do seu quarto. “Toc toc”. Ao menos desta vez
lembrou-se de bater.
— Entre.
Irene abre e fica na porta. Está espetacular, como de manhã.
Usa aquele vestido decotado e curto que mostra suas magníficas
pernas. Sorri.
— Olá, cheguei.
— Estou vendo — responde com seriedade.
— Como você é desagradável às vezes... É assim também com
seus fãs? — pergunta a menina, sem perder o sorriso com que
entrou no quarto de seu meio-irmão.
— Não tenho fãs.
— Sei, com certeza — diz Irene, enquanto joga o cabelo para o
lado e o penteia com as mãos. — Já jantou?
— Não.
— Eu também não. Janta comigo?
— Não estou com fome.
— Ah, menino, como você está azedo! Vamos, eu preparo alguma
coisa; tem que se alimentar bem para poder escrever.
Álex a observa. É difícil não olhar. Cada gesto que faz transmite
uma sensualidade imensa. Continua sorrindo.
— Ok, já desço. Mas não faça nada para mim, jante você.
— Ok. Espero dez minutos; se não descer, janto sozinha.
— Faça como quiser, Irene.
— Chato.
A garota fecha a porta com um pouco mais de força do que seu
meio-irmão teria desejado. Com certeza fez isso para incomodar.
Aah!
Já se passaram mais de dez minutos desde que Diana saiu.
— Diana, ainda está aí? — escreve impaciente.
A resposta não chega imediatamente. Deve estar falando com a
amiga ainda.
Álex começa a ficar nervoso. Algo incomum nele, que é uma
pessoa muito tranquila e não se altera por qualquer coisa. Mas esse
assunto o inquieta. Suspira profundamente.
Barulhinho e uma luzinha laranja.
— Sim, Álex, desculpe. Já estou aqui.
Até que enfim! Diana voltou.
— Estava começando a pensar que havia me abandonado.
— Está brincando? Como vou abandonar um menino como
você? Está louco?
Álex sorri. Acha essa menina simpática. É esperta e tem um
senso de humor muito peculiar.
— Acho que estou começando a ficar. Paula não disse por que
não atendeu?
— Não. Não deu tempo de perguntar. Saiu muito rápido.
— E também não sabe por que disse que havia se encontrado
comigo?
— Bom, ela insinuou uma coisa. É que estávamos na casa de
um amigo estudando e ela acha que ele e eu nos gostamos. Então,
disse que ia embora para nos deixar sozinhos.
Faz sentido. Porém, as peças ainda não se encaixam. Álex
esfrega o queixo e escreve.
— E por que disse justamente que havia marcado de se
encontrar comigo, e não com outra pessoa?
— Não faço ideia. Coisas da Paula. Deve ser o primeiro que
passou pela cabeça dela.
— Sei — responde sem muita certeza.
— Aliás, Álex, tenho que dizer uma coisa.
— Diga.
— A menina com quem acabei de falar é Miriam. Íamos fazer a
festa de aniversário de Paula na casa dela. Mas acontece que, no fim,
seus pais não vão mais viajar e a festa foi cancelada.
Outra coincidência. Agora Álex tem certeza, Paula tem algum
problema com ele... Mas tem que arrancar mais informações para ter
certeza.
— Puxa, que azar! E não há outro lugar? Paula não pode ficar
sem festa de aniversário.
— Não, não temos outro lugar. Com certeza vamos ficar nós
quatro, as melhores amigas, na casa dela para comemorar sozinhas.
— E se fizermos na minha casa?
— Na sua casa?
— Claro. Aqui há muito espaço. Embora fique longe do centro,
vocês podem pegar o ônibus e vir todas juntas. Podíamos até marcar
em algum lugar e eu trago vocês até aqui.
Silêncio. Diana não escreve. Álex sabe que a resposta será
negativa. Que desculpa dará?
— Não é má ideia... Mas é muita gente, não só Paula e nós três.
Vai ser muito mais gente, e seria muita confusão para você.
— Que nada, confusão nenhuma. Quanto mais gente, melhor.
Não?
Outro silêncio, esse mais longo. Um minuto. Dois. Sem resposta.
— Bom, vou falar com elas, mas não acho que seja possível, Álex
— acaba respondendo.
— A quem vai consultar? Paula?
— A todas. A ela também, claro.
— Então vai ser impossível, porque parece que ela não quer
saber de mim.
O garoto sente uma pontada no peito quando escreve isso. Mas é
o momento de chegar ao fundo da questão.
— Claro que não. Por que diz isso?
— Porque é verdade. Paula não quer falar comigo.
— Não sei, Álex, mas acho que não é isso.
— Eu acho que você sabe, Diana.
— De verdade, não.
Álex reflete um instante. Talvez seja verdade e essa pobre garota
não saiba de nada.
— Qual é o endereço da Paula? Vou falar com ela.
— Como? Quer saber a rua onde mora?
— Sim. Isso você deve saber, não? Não tem nada de errado em
me dizer.
Diana não responde. Álex sabe a encruzilhada em que está
pondo a menina, mas não tem mais remédio.
— Não posso dizer, entenda.
— Por que não?
— Porque são dados pessoais. Ela é quem tem que te dar essas
informações.
— Então, não vai me fazer esse favor.
— Não. Sinto muito.
Os dois ficam alguns segundos sem escrever. Álex pensa. Tem
que encontrar um jeito de lhe arrancar informação. Agora tem
certeza de que alguma coisa aconteceu com Paula com relação a ele
e que sua amiga sabe.
— Diana, sei que aconteceu alguma coisa, que Paula tem um
problema comigo. E tenho certeza de que você sabe o que é.
— Olha, Álex, eu não posso me meter no meio de vocês dois. Se
há um problema entre ambos, vocês é que têm que resolver.
— Então, está acontecendo alguma coisa, não é? Você
confessou.
— Não. Eu não confessei nada. Só que, se Paula não atende o
celular, é problema seu e dela, não meu. Eu só te digo que não sei de
nada.
— Está mentindo, Diana. É tão grave o que fiz para que não
queira falar comigo?
— Não sei.
— Vamos, Diana, me conta o que está acontecendo.
— Álex, por favor. Ela é uma das minhas melhores amigas. Não
faça isso comigo.
— Por isso tem que me dizer o que está acontecendo, porque
quero resolver. Se não sei o que é, como vou resolver?
— Álex, por favor. Eu prometi não dizer nada.
— Tem que me contar, Diana. Não pode continuar mentindo
para mim. Estou muito mal por isso e preciso saber a verdade. Eu
imploro.
Tensão. Instantes infinitos. Situação extrema na frente do
computador no quarto de Diana, sentada em uma cadeira, com a
bandeja do jantar inacabado ao seu lado. Dúvidas. Compromisso.
Segredos. No quarto de Álex, ele está na cama com o notebookentre
as pernas. Ansiedade. Incerteza. Nervosismo. E medo.
Não há palavras novas.
Mas a janela do MSN do menino mostra que Diana está
escrevendo. Um fio de esperança nasce nele. Talvez tenha decidido
lhe explicar o que está acontecendo.
Por volta das dez da noite chega a verdade. A resposta à
pergunta de Álex em três parágrafos imensos que Diana copia e cola
no MSN depois de escrevê-los primeiro no Word: aí está o motivo
pelo qual Paula não atende as suas ligações, a razão pela qual não a
viu conectada e a solução para o enigma de quem havia marcado
com ela em seu próprio nome.
— Irene — sussurra. — Não acredito. Não acredito — repete em
voz baixa, apertando os dentes.
A ira percorre todo o seu corpo. Sente raiva. Tenta se conter,
mas quer gritar. Reprime-se, mas a fúria se apodera dele. Sem dizer
uma palavra, soca violentamente o travesseiro com o punho direito,
depois com o esquerdo e de novo com o direito.
Agora compreende tudo. Agora entende que a única culpada por
Paula não aceitar nem sequer falar com ele está morando em sua
própria casa.
— Álex, você está bem? Está aí? — pergunta Diana ao ver que o
garoto não escreve nada.
— Não. Tudo isso é uma loucura. Nada disso é verdade.
Olha o relógio. É tarde, mas tem que ver Paula e lhe contar tudo
pessoalmente, senão não vai acreditar.
— Diana, preciso saber onde Paula mora. Me dá o endereço dela,
por favor.
— Já disse que não posso.
— Diana, por favor.
— Álex, não posso.
— Confie em mim. Agora não tenho nem um segundo a perder.
Eu lhe contarei tudo assim que puder, mas preciso falar com Paula
pessoalmente. Me dá o endereço dela, por favor.
A menina, agoniada por conta das palavras de Álex, escreve o
endereço de Paula.
— Obrigado. Você é uma boa amiga. Por favor, não diga nada a
Paula. Se souber, não vai nem me abrir a porta. Um beijo, tenho que
ir. Depois nos falamos.
E, sem esperar por sua despedida, desliga e fecha o notebook.
Está agradecidíssimo àquela menina. Sem ela, jamais teria
sabido dos planos de sua meia-irmã, que, sem dúvida, contava que
Paula não lhe dissesse nada, mas não com a possibilidade de haver
outra pessoa que pudesse contar. Diana foi o grande erro de Irene.
Álex procura a toda velocidade um casaco para vestir. Encontra
uma jaqueta jeans que vai abotoando conforme desce a escada.
Enquanto isso, pensa em como chegar à casa de Paula dali. De
ônibus e metrô demoraria uma eternidade. O remédio é pedir o carro
emprestado a Irene. Uff. Quase quatro anos sem dirigir. Tirou a
carteira aos dezoito anos e depois nada. Saberá dirigir o Ford Focus
de sua meia-irmã?
Entra na cozinha. Irene morde um sanduíche de presunto e
manteiga. Observa Álex e sorri.
— Está bom. Quer?
— Não — responde seco.
Agora não tem tempo de discutir, mas adoraria lhe dizer tudo
que pensa dela. Mas precisa de seu carro e tem que se moderar se
quiser que lhe empreste.
— Preparo um para você?
— Não, obrigado. Preciso que me empreste o carro. Tenho que ir
ao centro.
Irene olha-o surpresa.
— Ao centro? Por quê?
— Tenho que ir ver um amigo que me pediu para ler o que já
escrevi do livro. Ele conhece um editor e falará de mim — mente.
— Ah, que bom, não? Eu te levo.
— É melhor eu ir sozinho. Vai emprestar ou não?
— Bom, não sei. Há quanto tempo não dirige?
— Não se preocupe com isso, sei o que estou fazendo. Vai
emprestar ou vou ter que ir de ônibus?
— Ok, tudo bem. Espera.
A garota sai da cozinha e sobe até o quarto onde está instalada.
Em poucos segundos aparece com as chaves na mão.
— Toma. Mas tenha cuidado, viu?
— Terei. Obrigado.
Álex não diz mais nada, caminha até a porta e a abre. Irene o
segue de perto. Contempla com receio seu meio-irmão entrar no
Ford. Tem dificuldade para dar a partida, morre duas vezes, mas por
fim consegue. Porém, sua primeira manobra é terrivelmente
desajeitada e quase bate em uma das paredes da casa ao acelerar
excessivamente. A menina põe as mãos no rosto. Começa a se
arrepender de ter emprestado o carro.
— Tem certeza de que não quer que eu te leve? — grita.
— Não! Já está tudo sob controle — responde Álex, pondo a
cabeça para fora da janela.
Pouco depois, consegue endireitar o carro e pega o caminho de
saída corretamente. Acelera de novo e desaparece pela trilha que
leva até a estrada principal.
Irene suspira. “Vai ser um milagre se não sofrer um acidente.
Não devia ter emprestado”.
Mas o que realmente Irene não sabe é o verdadeiro motivo pelo
qual não deveria ter feito aquele favor.
Capítulo Setenta e Seis

Nessa mesma noite de março, em algum lugar da cidade.


— Uma cabine para gravar? Está me zoando. Para gravar o quê,
Katia?
Mauricio Torres não acredita no que sua cliente acaba de lhe
pedir.
— É para um favor. Preciso que me arranje um estúdio para
amanhã à tarde.
— E quem paga?
— Vamos, Mauricio. Fale com a gravadora. Com certeza não
haverá nenhum problema.
— Não haveria problema se você não tivesse passado a semana
toda fugindo de entrevistas, apresentações e ações promocionais.
Estou há três dias dando a cara para bater. Sabe a quantidade de
desculpas que tive que pedir?
— Não é para tanto.
— Como não é para tanto? Olha, Katia, não me enche o...
A menina de cabelo rosa sorri do outro lado da linha telefônica.
Acha divertido tirar seu agente do sério. Imagina-o de um lado para
o outro da sala com uma mão no bolso e suando aos borbotões. Mas
é um grande sujeito, uma das melhores pessoas que já conheceu e
das poucas em quem pode confiar de verdade. E isso, nesse mundo
em que ela vive, tem muito valor.
— Desculpa. Anda, Mauricio, desculpa. Prometo me comportar
direito a partir de agora.
— Parece uma menininha mimada.
— Ainda sou nova. Acabo de chegar a isso tudo. Não me perdoa?
— pergunta com voz melosa.
— Sim, eu perdoo, caramba.
— Obrigada, você é o melhor.
Mauricio ouve um ruidoso beijo em seu telefone.
— Katia, você tem vinte anos, já não é uma criança. Tem que
cumprir uma série de compromissos que já estão assumidos. Não
pode fazer o que te der na telha quando quiser.
— Sim, sim, eu sei. E não fiz tudo direitinho até esta semana?
Cumpri, ou não?
— Sim. Mas nesse negócio é preciso estar sempre ao pé do
canhão. Hoje todos querem te dar uma palmadinha nas costas e
lamber seus pés. Mas, se começar a pisar na bola, vão é dar um
pontapé no seu lindo traseiro.
— Obrigada pelo lindo. Você fica muito gentil quando quer.
— Você já devia saber que seu sucesso dura o tempo que leva
para chegar o sucesso de outro.
— Ok, entendi. Vou olhar a agenda e me organizar.
— Espero que sim.
— Amanhã à tarde tenho alguma coisa?
— Não. Cancelei a tarde de autógrafos de CDs no Corte Inglés
com a desculpa do acidente.
— Ah, legal. Então, pode me arranjar a cabine de gravação?
Mauricio Torres suspira. “Esses artistas são todos iguais. Exigir,
pedir, exigir, pedir”. E ele que pensava que a fama não havia
mudado Katia...
— Vou ver o que posso fazer, mas não prometo nada.
— Tudo bem. Sei que vai conseguir. Você é o melhor agente que
uma cantora pode ter.
— Não puxe meu saco e cumpra suas obrigações.
— Claro... Não se preocupe.
— Então, sexta-feira à noite temos uma apresentação privê em
uma sala de teatro no centro. Ia cancelar também, mas, como você
disse que vai cumprir suas obrigações, não vou.
— Caraca, que chatice!
— É importante. Vão uns executivos proprietários de uma
produtora de televisão. Quem sabe lhe oferecem um papel para uma
série juvenil.
— Uff. Não sou atriz, isso não me interessa.
— Bom, você vai. Nunca é demais se cercar de peixes gordos. E
esses são gordos feito baleias.
— Baleia não é peixe, é mamífero — corrige Katia, rindo.
— Olha, Katia, não me enche o...
— Ok, ok. — A menina solta uma gargalhada. Adora provocar
Mauricio. — Bom, vamos fazer uma coisa.
— O quê?
— Você me promete que para amanhã à tarde tenho à disposição
uma cabine em um estúdio e eu prometo que na sexta-feira à noite
vou ver as baleias.
— Chantagem?
— Quer chamar assim? Ok: chantagem.
— Mas é tudo para o seu bem... Na realidade, para mim, dá no
mesmo. É sua carreira.
— E sua profissão, Mauricio. Quanto mais eu ganhar, mais você
ganha. Não se faça de coitado.
O agente fica em silêncio por alguns instantes.
— Está bem. Amanhã arranjo uma cabine. Mas se furar na
sexta-feira...
— Não vou furar, não se preocupe.
— Ok, espero que não.
— Bom, quando souber sobre a cabine, liga pra mim e confirme.
— Ok.
— Até amanhã, então, Mauricio. E obrigada de novo.
— Até ama... Ah, espere um instante, tem uma coisa que...
Espere. Onde coloquei?
— O quê? O que está procurando?
O homem murmura alguma coisa que Katia não consegue
entender. Que está fazendo?
— Aqui está.
— Encontrou o que procurava?
— Sim. Hoje à tarde passei pela gravadora e me entregaram
dezenas de cartas de seus fãs. Abri algumas.
— Caramba, Mauricio!
— Mas são todas iguais... A maioria dizendo bobagens e dando
votos de que se recupere o quanto antes.
— Que bonitinho.
— E chato.
— Os dois.
— Bom, a questão é que chegou uma carta diferente das outras.
Vou ler:
Bom-dia, tarde ou noite.
Para mim, boa-noite, visto que escrevo quando a lua e as estrelas
me abrigam.
Em primeiro lugar, muito obrigado por abrir este envelope e
perdão pelo incômodo causado.
Deve ter ficado surpreso com esta correspondência. É lógico. Eu
também ficaria. Explico.
Sou um rapaz que pretende ser escritor. Coisa difícil, eu sei, mas
estou pondo todo meu empenho e meu esforço nisso, e não só
escrevendo, mas também mobilizando tudo que esteja ao meu alcance
para pelo menos ter a oportunidade de ser lido. Quem sabe, um dia,
alguma editora notará tudo isso…
O que lhe mando nesse envelope transparente são as catorze
primeiras páginas de Por trás da parede, a história que estou
escrevendo neste momento. Só pretendo divertir, entreter. Talvez seja
muito romântico, talvez irreal; quem sabe infantil, juvenil, adolescente.
Tanto faz: é no que estou metido agora, e estou satisfeito com isso.
Mas, a verdade é que me resta muito a aprender.
Há algumas semanas, comecei a escrever essa história na
internet. Em um blog. Mas por que não continuar tentando crescer?
Usar a imaginação para possibilitar que mais pessoas conheçam o
que faço? E estou nessa.
O que pretendo: nessa história, a música é uma parte muito
importante da trama. Ao longo de todo o livro introduzo canções que os
personagens, em um momento ou outro, ouvem. Mas por que não uma
música dedicada exclusivamente a Por trás da parede? Eu sei que
isso é um atrevimento, uma ousadia de minha parte. Você não deve
ter tempo nem para respirar, quem dirá para compor uma canção para
meu livro; deve ser quase impossível. Nesse “quase” mantenho minha
esperança. Contar com uma canção criada por você para meu
romance seria o coroamento definitivo para essa aventura.
Quanto mais gente conhecer a história e a mim, mais
possibilidades terei com uma editora. É um sonho, meu sonho, e você
está fazendo parte dele. E, se quiser, pode colaborar.
O endereço do meu blog, caso lhe interesse, é:
http://portrasdaparede.wordpress.com. E meu e-mail, para qualquer
coisa que necessite: portrasdaparede@hotmail.com. Só isso. Torno a
lhe pedir perdão pelo atrevimento.
Obrigado por sua atenção e desculpe o incômodo.
Atenciosamente, o autor.
Mauricio Torres pega fôlego. Leu tudo direto, quase sem respirar.
— Ah, que interessante, não? — diz Katia, que não entendeu
muito bem o que seu agente acabou de ler.
— Nada mau. Amanhã vou te passar as páginas do livro para
que leia. Achei curiosa essa iniciativa. E ousada. Pedir uma canção
para a história é dar valor ao mundo. Merece que pelo menos o
levemos em consideração.
— Claro.
— Além do mais, há uma música que descartamos que se
encaixa perfeitamente na história: aquela Quince más quince.
— Amanhã você me mostra no estúdio, ok?
— Perfeito.
— Bom, Mauricio, vou indo. Lembre-se de me ligar com a
resposta.
— Não se preocupe, eu cumpro minhas promessas. Espero que
você faça o mesmo.
— No problem. Boa-noite.
— Boa-noite.
Katia é a primeira a desligar.
Já tem a cabine. Deu trabalho convencer seu agente. E tudo
para gravar a canção dedicada à namorada de Ángel. Uff! Pelo
menos, espera que o jornalista possa ir à gravação. Senão, que
sentido tem tudo aquilo?
Capítulo Setenta e Sete

Nesse dia de março, à noite, em outro lugar da cidade.


Olha-se no espelho. Está com olheiras. Muitas. Faz dias que
seus olhos estão acompanhados por uma permanente sombra
arroxeada. E não, não é resultado de uma briga feroz com o valentão
da escola nem a consequência de uma queda de bicicleta. Tampouco
bateu a cara na trave em uma partida de futebol. O violeta dos olhos
de Mario indica cansaço, tensão, problemas, falta de sono. Isso é
normal em um menino de quinze anos?
Abre a pasta de dentes e coloca um pouco em sua escova. Tem
sabor de menta, extraforte, mas a intensidade desse frescor foi
desaparecendo à medida que o tubo foi se esvaziando. Ainda assim,
arde.
Foi um imbecil. Sim, tem cada vez mais certeza de que, com o
passar dos anos, está se tornando mais imbecil. Quando completar
os vinte, vão ter que inventar uma nova palavra que defina só a ele e
que seja sinônimo de imbecil, babaca ou inútil, dentre outras coisas.
Por que disse aquilo a Diana?
É verdade que o estava pressionando, que ela não tinha direito
de falar com ele daquele jeito sobre sua maneira de agir com relação
a Paula. Estava se metendo onde não era chamada. Se gosta dela
desde que era pequeno e ainda não confessou, é problema dele. Mas
também é verdade que o que lhe disse gritando não é digno de uma
pessoa minimamente educada.
Enxágua a boca e cospe. A porta entreaberta do banheiro range
levemente quando sua irmã entra.
— Ops, você está aqui! — diz Miriam, fingindo que não havia
percebido que o banheiro estava ocupado.
A menina havia olhado primeiro pelo vão e, ao ver Mario
escovando os dentes, decidiu entrar. Está preocupada. Quando
Diana foi embora daquele jeito, tentou falar com o irmão, mas ele
não quis saber.
— Está vendo que sim — reclama o menino, que torna a colocar
a escova de dentes na boca.
— Bom, mas não está fazendo nada que eu não possa ver, não
é?
Mario não responde. Limita-se a balançar a cabeça de um lado
para o outro.
Miriam avança até a pia. Coloca-se ao lado de seu irmão e pega
sua escova. O menino a observa pelo espelho. Não é habitual que
escovem os dentes juntos. Para ser exato, é a primeira vez que isso
acontece.
— Não vai me dizer o que aconteceu hoje à tarde com a Diana?
A menina também coloca pasta em sua escova e começa a
escovar os dentes.
Mario volta a cuspir.
— Não. Não acho que tenho que te dizer qualquer coisa.
— Deve ter sido algo muito sério para que ela fosse embora
daquele jeito.
O menino não responde. Continua escovando os dentes.
— Ela perguntou se você gosta dela? É que...
Mario para ao ouvir sua irmã e a fulmina com o olhar pelo
espelho.
— Porque se for isso... Não sei, Mario. Se foi isso... e estavam
sozinhos...
— Miriam, já deu. Para.
— Não sei o que você pensa, mas nós achávamos que você
gostava da Diana e... Talvez tenha sido culpa de todas nós.
— Miriam, já chega, ok?
— É que é ruim que meu irmão e uma das minhas melhores
amigas briguem desse jeito.
— Ok, eu entendo, mas é coisa nossa. Logo tudo se ajeita.
— Espero que sim.
Os dois continuam escovando os dentes em silêncio.
Mario é o primeiro a terminar. Guarda a escova no estojo e dá a
última enxaguada. Faz bochecho por uns segundos e cospe.
— Vou deitar.
Miriam enxágua a boca também para poder falar.
— Já?
— Sim. Estou cansado, mas nem sei se vou conseguir dormir.
Ultimamente, não prego o olho.
— Não dorme direito?
— Quase nada.
— Devia falar com mamãe sobre isso.
— Dispenso. Um dia desses vou conseguir dormir.
A menina observa os olhos do seu irmão. Têm uma estranha cor
roxa muito preocupante. Ele parece um vampiro que acaba de sair
de seu caixão. Felizmente, seu reflexo ainda aparece no espelho.
— E não vai ligar para Diana para esclarecer as coisas?
— Não.
— Vai falar com ela amanhã na escola?
— Veremos, Miriam. Não insista mais.
O menino caminha até a porta. Sua irmã o segue pelo espelho.
Cresceu? Parece mais alto. Também mais maduro. As feridas saram,
mas ao mesmo tempo deixam sequelas que nos fazem parecer mais
velhos do que realmente somos.
— Boa-noite, Mario. Bom descanso.
— Boa-noite.
Miriam fica sozinha no banheiro. Sente tristeza. Embora sua
relação com Mario nunca tenha sido muito próxima, não deixa de
ser seu irmão, e ela o aprecia e ama. Adoraria que encontrasse uma
menina, que namorasse, e que ainda por cima fosse uma das suas
amigas, uma das Sugus. Seria fantástico. Tudo indicava que a
candidata era Diana, parecia óbvio, mas talvez tenham forçado
muito a situação. Quem sabe se na, realidade, não gostava dela, se
tudo foi um mal-entendido e agora estão pagando as consequências
do erro. Nesse caso, ela também seria culpada.
Mario entra em seu quarto. A chata da Miriam já não o deixa
nem escovar os dentes em paz. Ela tem parte da culpa por tudo que
aconteceu, mas continua achando que há um responsável acima de
todos: ele mesmo.
É muito constrangedor se sentir assim. Sabe que fez algo errado,
mas não vê solução. Pelo menos até amanhã, quando se encontrar
cara a cara com Diana. Qual será sua reação? E a dele?
Como podiam pensar que era de Diana que gostava?
Mas tem que reconhecer que a menina é legal. É muito ruim em
matemática, isso sim, e não iria bem na prova de sexta-feira nem
que o professor lhe desse três pontos de presente. Mas há mais nela
do que acreditava.
As caminhadas desses dias na volta para casa depois das aulas
foram muito agradáveis. E, fisicamente, não é Paula, mas está
bastante bem.
Paula! Nossa, está há tanto tempo pensando em Diana que até
se esqueceu de Paula. Não tem dúvidas sobre seus sentimentos, não
é? Ele está apaixonado por Paula. Sim. Claro que sim.
Será que ela está com aquele cara agora? Por isso foi embora,
não foi?
Uma forte tristeza o abala com aquela ideia.
— Droga — diz em voz baixa, enquanto se joga de costas na
cama.
Mas não é hora de desabar. Tem que acabar o trabalho que
começou e que tantas horas está lhe ocupando durante as
madrugadas.
Com um pulo se levanta, caminha até seu computador e o liga.
Um dia, pode ser que tenha uma mínima possibilidade de
conquistar o coração da menina que ama desde que era um
moleque.
Entra no Google e escreve: “letra Camila ‘coleccionista de
canciones’”. Abre a página da primeira opção que aparece. Ali
encontra a canção e lê a letra. É linda. Faz lembrar tanto Paula...
Sabe que ela adora essa música. Muitas vezes via no MSN que a
escutava. Suspira e clica na opção “Copiar”.
E volta a suspirar.
Não há dúvidas: Diana é legal, mas o amor de sua vida é outro.
Sua Paula.
Nesse momento, Álex, que não bateu o Ford Focus de Irene,
estaciona com dificuldade em frente à casa onde mora a menina que
roubou seu coração.
Capítulo Setenta e Oito

Nessa noite fria de março, em algum lugar da cidade.


Toc, toc, toc.
É na porta de seu quarto que estão batendo? Quem é?
Paula se sobressalta. Estava dormindo. Por um momento, achou
que alguém estivesse batendo no sonho. Mas não se lembra de quase
nada, aquele som era muito real. Tanto que está acontecendo de
verdade.
Mercedes abre a porta e entra no quarto. A seguir, acende a luz.
— Mamãe? O que você quer? — reclama a menina, ofuscada,
apertando os olhos.
— Está dormindo?
— Estava, mas você me acordou. Que foi?
Sua mãe está com uma expressão estranha no rosto.
— Você que me diga.
— Eu? O que você quer que eu diga? — pergunta surpresa.
— Gostaria que me esclarecesse depois quem é o rapaz que está
lá embaixo falando com seu pai, e a que veio.
— Um rapaz? Como?
— Pois é isso mesmo que você ouviu. É um garoto mais velho.
Não disse o nome. Apareceu dizendo que era um amigo seu.
Ela não pode acreditar! Ángel ficou maluco! Como lhe passou
pela cabeça ir vê-la em sua casa? E à noite! Muito de noite! Que
horas são? Onze, meia-noite?
Paula se levanta e enquanto se penteia, nervosa, com as mãos,
procura no armário algo decente para vestir. Não pode descer de
pijama.
— Mandou entrar e esperar, não?
— Sim. Embora seu pai tenha repetido mil vezes que não são
horas de fazer uma visita, o rapaz insistiu ainda mais. Disse que é
urgente. Que ou fala com você ou dorme na porta de casa.
A menina solta uma gargalhada. Definitivamente, seu namorado
perdeu a cabeça! Que aconteceu de tão importante para que Ángel
esteja dando esse passo tão decisivo na relação?
— Não vejo graça.
— Desculpe, mamãe. Não estava rindo de você.
Mercedes relaxa um pouco. Foi tudo tão repentino que não sabe
muito bem como reagir diante desse visitante imprevisto. Da
incredulidade passou à irritação, mas agora sente certa curiosidade.
— É seu namorado?
— Sim, mamãe. É meu namorado. Aquele de quem falei ontem.
Paula tira a calça do pijama e põe uma calça jeans azul-escuro.
— Pois é muito bonito. Você tem bom gosto.
A menina solta outra gargalhada. Está nervosa. Mas o fato de
sua mãe ter aprovado Ángel, pelo menos fisicamente, ajuda a
diminuir a tensão inerente àquela desconcertante situação.
— Obrigada. Achou-o bonito, então?
— Sim. Tem uns olhos castanhos lindos. São enormes.
Paula sorri. Joga a parte de cima do pijama em cima da cama e
põe uma camiseta vermelha de botões. “Olhos castanhos lindos”?
— Desculpe, mamãe, mas não reparou bem: Ángel tem olhos
azuis, e muito azuis, aliás.
— Azuis? Que nada! Reparei perfeitamente. São castanhos, mas
muito chamativos. Mas do que mais gostei nele foi de seu lindo
sorriso.
— Está enganada, são azuis. Como não vou saber a cor dos
olhos do meu...
“Um sorriso lindo? Caraca, não! Não pode ser. Olhos castanhos
muito chamativos? Caraca, caraca, caraca. Ca-ra-ca!”. Paula
empalidece e se senta na cama.
— Que foi? Ficou tonta?
— Não, mamãe. Estou bem. Não se preocupe.
— Certeza?
— Sim, que coisa!
— Muito bem... Então desça rápido, pois imagino que seu pai
deve estar submetendo esse rapaz a um interrogatório. Pobre garoto.
— Agora mesmo.
— Ok, mas abotoe isso mais um pouco, dá pra ver até o umbigo.
A menina olha para baixo e percebe que é possível enxergar
parte do sutiã preto e rosa. Resmunga e abotoa dois botões da
camiseta.
— Satisfeita?
— Sim, muito melhor — afirma a mãe. — Não demore muito.
Mercedes abandona sorridente o dormitório. Nada mal seu
genro, o jornalista. Além do mais, apesar de ser bem mais velho que
sua filha, não aparenta ter vinte e dois anos.
Paula continua branca. Se não podia acreditar que Ángel fosse
vê-la a essa hora da noite em sua própria casa, o fato de Álex visitá-
la não consegue qualificar nem compreender.
Poderia pular pela janela e fugir para longe, muito longe. Fingir
um desmaio. Ou simplesmente não descer e esperar que seu pai o
expulse de casa.
Por que essas coisas acontecem com ela?
Na sala da casa de Paula, nessa fria noite de março.
— Então, você é jornalista — inquire Paco com um tom muito
pouco gentil.
— Não, senhor. Tento ser escritor — responde Álex, que acaba
de se sentar obrigado por aquele homem que o olha com olhos
assassinos.
— Ah, escritor. Muito bem.
Escritor! Que morto de fome! Nem sequer é jornalista como
Paula disse. Um simples e vulgar contador de histórias. Ah, não!
Nem isso! Aspirante a contador de histórias! E assim quer sustentar
sua filha?
— Mas também sou músico.
— Ah, músico. Muito bem. E toca o quê?
— Saxofone.
— Ah, saxofone. Muito bem. Como Kevin G.
— Kenny. Kenny G.
— E o que eu disse? Kenny G.
Álex não quer discutir com aquele homem. Já é suficiente ter
aparecido na casa dele a essa hora da noite querendo falar com a
filha; melhor não contrariá-lo. Além do mais, esses olhos brilhantes
injetados em sangue lhe infundem muito respeito. Talvez com uma
brincadeira melhore o ambiente.
— E também como Lisa Simpson.
O garoto ri timidamente do que disse, mas Paco não entende a
brincadeira. Nunca na vida viu Os Simpsons e não tem nem ideia de
quem seja Lisa Simpson. Porém, esboça um sorrisinho breve e
desanimado.
— E que intenções tem com minha filha?
— Intenções? Falar com ela, já disse antes. Tenho que lhe dizer
uma coisa muito importante.
— Sim, já sei.
Que cara chato! E como insistiu. Um chato! Tem que reconhecer
que o sujeito é bem apessoado. Mas é um chato de galocha. Sua filha
merece algo muito melhor.
— É isso. Só quero falar com Paula.
— Sei.
E, se fosse por ele, desvirginá-la em seu próprio quarto. Com
seus pais embaixo ouvindo. Que cara de pau!
— E como você se chama?
— Álex.
— Álex?
— Sim, Álex. De Alexandro.
— Imagino. Mas seu nome não é Ángel?
— Não, senhor. Meu nome é Álex, não Ángel.
Paco não entende nada. Deve ter entendido mal quando sua
filha disse o nome de seu suposto namorado.
Nesse instante, Mercedes desce a escada e se senta ao lado de
seu marido. Sorri para o garoto e ele retribui o gesto. Como é bonito,
e que sorriso maravilhoso... Mas como Paula pode dizer que tem
olhos azuis se são castanhos-claros? Lentes de contato? É muito
estranho. Algumas pessoas que têm olhos castanhos costumam usar
lentes de contato azuis ou verdes para ressaltar, mas ela nunca
tinha visto ninguém com olhos claros usar lentes de contato de outra
cor.
— Já vai descer — sussurra a mulher.
Uma nova troca de sorrisos entre o convidado e Mercedes.
E, sem tempo para nada mais, o barulho de uma porta que se
fecha e o posterior de passos no andar de cima anunciam que a
espera de Álex está chegando ao fim.
Olha para a escada e lá surge ela.
Seu coração se acelera. Está linda, como sempre. Como da
primeira vez que a viu, há apenas seis dias. Como é possível sentir
algo tão forte por uma pessoa que acaba de conhecer? Pois é
possível. É real. É maravilhoso.
Paula vê Álex. Cora. Achava que nunca mais estariam tão perto
um do outro. Pelo menos, não deviam. Quando se aproxima dele,
vêm à sua mente aquela garota, aquelas palavras, sua mão no ventre
de Irene... Um pesadelo. E tem vontade de chorar, mas não é hora.
Tem que se acalmar. Seus pais estão ali e a única coisa que pode
fazer é disfarçar.
— Olá, Álex — cumprimenta em voz baixa.
— Olá, Paula.
— Álex? O nome dele não é Ángel? — pergunta Mercedes, que
não pode esconder sua estranheza.
— Ah, então não era só eu! — exclama Paco, contente por
confirmar que não havia se enganado.
— Depois eu explico — diz a menina, enquanto põe uma jaqueta
que levava nos braços. — Vamos conversar lá fora, se meus pais
permitirem.
Álex e Paula olham para Paco, mas é Mercedes quem se antecipa
à resposta de seu marido.
— Ok, mas não se afastem muito e volte logo, que é muito tarde.
Os jovens assentem e saem da casa, Paula na frente e Álex
agradecendo e se despedindo.
Paco está vermelho de fúria. Não compreende tanta gentileza de
sua mulher. Esse indivíduo não merece. Mas um doce beijo na boca
e uma frase sussurrada no ouvido o acalmam.
— Vamos subir. Vamos aproveitar que a pequena está dormindo
e a grande saiu.
O homem agora sorri. Aquela é a melhor forma de esquecer esse
aspirante a contador de histórias.
Capítulo Setenta e Nove

Nessa noite de março, instantes depois, nessa parte da cidade.


Está frio, dez graus, talvez menos. Não dá para ver as estrelas
nem a lua. Não é uma noite para namorar, e sim para ficar em casa
embaixo do cobertor ao lado da lareira. Uma noite de abraços
quentes que abriguem e protejam. É uma noite sem magia, escura,
de sombras alongadas perseguindo umas às outras , de silêncio. É
uma das últimas noites invernais na antessala da primavera .
Álex e Paula caminham juntos. Ele está tenso e não sabe por
onde começar; ela, nervosa, com as mãos unidas no ventre. Treme.
— Vamos nos sentar ali? — pergunta o garoto, apontando para
um banco ao lado de uma fonte que nessa noite está desligada.
— Ok.
Álex tem medo de que Paula saia correndo a qualquer momento
e que se tranque em casa. Seria lógico. Irene a pôs entre a espada e
a parede. Agora ele deve ser convincente para esclarecer tudo. Ela
tem que acreditar nele, não podem restar dúvidas.
Sentam-se no banco, Álex no lado esquerdo, Paula no meio.
Olha para ela e sorri, mas ela não retribui. Não está a fim de
sorrir. Pensa que aquilo é um erro, que está se intrometendo em
uma relação e que a qualquer instante aquela garota histérica vai
aparecer de algum lugar com uma faca nas mãos para assassiná-la.
— Diana me contou tudo — diz Álex, quebrando o gelo.
Direto ao ponto. Afasta o olhar e fixa seus olhos na fonte que
não jorra água.
— Ah.
Quer dizer que sua amiga não foi capaz de guardar segredo. Não
a culpa por isso, mas fica irritada. A partir de agora, vai ter que ter
cuidado com o que conta e a quem conta.
— E quero lhe dizer que é mentira. Irene inventou tudo.
— Sei.
— Tem que acreditar em mim, Paula. Tudo que ela disse é falso.
Então, Paula olha nos olhos do garoto, esses olhos castanhos
encantadores. Não são tão chamativos como os de Ángel, porém
transmitem a mesma coisa. Sua mãe sempre diz que a beleza dos
olhos não reside na cor, e sim no que expressam. Os de Álex são tão
ou mais expressivos que os de seu namorado.
— E por que sua namorada disse tudo aquilo?
— Irene não é minha namorada, é minha meia-irmã.
A menina fica de queixo caído. Meia-irmã! De verdade? De todas
as desculpas que podia ter imaginado, nunca pensou que chegaria a
tanto.
— Sua meia-irmã? Está debochando de mim?
— Não, eu juro. Ela é filha da mulher de meu pai. Veio passar
três meses para fazer um curso. Está em minha casa porque não
tem outro lugar para ficar na cidade.
— Que rolo!
— E, evidentemente, não tenho nada com ela.
— Não está grávida?
Álex sorri.
— Não; pelo menos não de mim, claro. Nunca fui para a cama
com ela e nunca poderia fazer uma coisa dessas.
— Ela é linda.
— E daí? É um membro da minha família. Mesmo que não
tenhamos o mesmo sangue, ela não deixa de ser enteada de meu
falecido pai.
— Seu pai morreu? Sinto muito.
— Não se preocupe. Já faz tempo, e aprendi a viver sem meus
pais. É doloro so, mas você acaba aceitando porque eles não vão
voltar e a vida continua.
Paula sente admiração por Álex. Adora o jeito como fala e como é
capaz de expressar suas emoções.
— Deve ter sido duro.
— Sim, mas é passado. E agora, as coisas não são tão ruins.
Mas esse assunto está me afetando muito.
— De verdade?
— Claro. Senão, não estaria aqui. Além do mais, eu me sinto
responsável por tudo isso ter acontecido.
— Você não tem culpa.
— Em parte, sim. Não sei como minha meia-irmã descobriu seu
telefone nem como conseguiu enganar a nós dois. A você, para que
se encontrasse com ela, e a mim, para não desconfiar de nada.
— Se está morando com você, tem acesso a seu computador e a
seu celular.
— Sim, mas, de qualquer maneira, foi muito hábil para que eu
não percebesse o que estava tramando.
— O que não entendo é o motivo. Por que ela me disse tudo
aquilo? Por que queria me afastar de você?
Álex suspira.
— Paula, nem tudo que Irene disse é falso.
— Ah, não?
— Não. Não sou namorado dela nem a engravidei. Mas é verdade
que... estou começando a sentir alguma coisa. Estou apaixonado por
você, Paula.
Uma sensação indescritível percorre Paula por dentro, de baixo
para cima. Um calafrio cheio de sentimentos contraditórios.
— Álex, não acho que isso seja verdade.
— Sim, é. Tenho certeza disso.
— Mas se você mal me conhece. Não passamos tempo suficiente
juntos nem...
— Eu sei, e não me importa. Sei o que sinto, Paula.
— Nós nos conhecemos na quinta-feira! Não faz nem uma
semana!
— E daí? Não são necessários semanas, meses ou anos para eu
perceber que gosto de você. Você não acredita em amor à primeira
vista?
— Sim, mas...
— Pois foi isso que aconteceu comigo. Penso em você o tempo
todo, não me concentro quando escrevo nem quando toco sax... E é
por sua causa.
Os olhos de Álex brilham na escuridão. Brilham úmidos pela
emoção, pela confissão de seus sentimentos, por estar vivendo os
minutos mais importantes de toda a sua vida.
— Mas, Álex... Eu... não posso... Estou com alguém.
— Eu sei, você namora.
— Sim, eu namoro.
— Não me importo.
— Como não se importa?
O garoto se levanta e olha para Paula, diretamente nos olhos.
— Claro que me importo, mas não vou fugir do que sinto. Não
posso fazer isso.
— Álex, eu namoro.
— Eu sei, mas não posso renunciar ao que meu coração está
sentindo. E menos ainda sem lutar. Vou lutar por você, e se não se
apaixonar por mim, se eu não conseguir, vou tentar me afastar. Mas
quero ter uma chance.
O garoto volta a se sentar no banco, dessa vez no lado direito. Os
dois ficam um tempo em silêncio, olhando-se algumas vezes e
desviando o olhar depois, pensativos.
— Realmente, não sei o que dizer. Isso me pegou totalmente
desprevenida.
— Desculpe, mas tinha que falar.
— Uff... Não acredito que isso esteja acontecendo.
— É tão ruim assim? Incomoda-a tanto o fato de eu estar
apaixonado por você?
— Não é isso, Álex. Eu me sinto lisonjeada, mas se coloque no
meu lugar. É muito complicado saber que você sente isso por mim.
— Por que é complicado? Você não perde nada, só ganha. Tem
seu namorado e a mim. Não precisa escolher, só se deixar levar pelo
que for sentindo. E se não for eu a pessoa com quem quiser estar,
vou me retirar. Mas, neste momento, por você e por mim, tenho que
buscar minha oportunidade.
— E o que vai fazer? Não sei como agir a partir de agora.
— Da mesma forma que agiu até agora. Serei eu mesmo e
tentarei conhecê-la cada dia um pouco mais.
— E Ángel? Não conto nada a ele?
— Isso é coisa sua, Paula. Mas ele não tem por que saber que
existe alguém que sente por você o mesmo que ele. Não é necessário.
— Uff!
Paula abaixa a cabeça e se inclina. Põe as mãos na cabeça e
repetidamente joga o cabelo para trás. Está totalmente confusa.
Por um lado, tem Ángel, a quem ama. Tem certeza disso, ama
seu namorado e seus sentimentos só vão crescer porque a relação
acaba de começar. Mas, por outro lado, há Álex: é simpático, muito
bonito, romântico como ninguém. O garoto perfeito. E diz que a ama.
E ela... não pode negar que se sente atraída por ele. Não é amor,
acha que não, mas fica à vontade ao seu lado, e quando ele olha
para ela e sorri, o mundo para.
Álex se aproxima de Paula. Suas pernas se tocam. A menina o
olha confusa.
— Não tenha medo — diz calmo.
Acha que não deve. Não quer ficar tão perto dele, mas se deixa
levar. Seus olhos se encontram na penumbra.
— Álex... Não posso. De verdade.
— Não pode o quê?
— Beijar você.
O garoto sorri. Não se afasta. E estende os braços.
— Embora morra de vontade de beijar você, só quero que me dê
um abraço.
A menina sorri também. E o abraça.
Os dois fecham os olhos. Sentem seus corpos juntos, seu calor
sob o frio da noite. Um abraço de sentimentos ainda por definir, mas
inocente.
Pelo menos era o que achavam nesse momento.
Capítulo Oitenta

Na manhã seguinte, uma quinta-feira de março, em algum lugar


da cidade.
O som do celular a acorda. É um SMS. Acende a luz do quarto e
lê com os olhos meio fechados: “Bom-dia, princesa. Dormiu bem?
Estou com vontade de ver você. Quer almoçar comigo? Pode? Quero
muito saborear seus lábios. Espero sua resposta. Te amo”.
Paula sorri sentada na cama. Dá gosto acordar desse jeito,
mesmo que ainda restem quatro minutos para seu alarme tocar.
Ángel é um encanto. É uma menina de sorte por ter um namorado
assim.
Espreguiça-se e suspira. A seguir, inspira o aroma de café feito
na hora que chega até seu quarto. Sua mãe deve estar há um bom
tempo acordada.
O que sonhou? Não lembra.
A história de Álex de ontem foi um sonho? Não, aconteceu de
verdade, e suas confissões também.
Quando se despediu dela, prometeu que lutaria por uma
oportunidade. Não a pressionaria com seus sentimentos, mas
também não se daria por vencido.
Cada coisa que acontece! Ficou um tempão sem namorar, sem
ninguém que lhe chamasse a atenção, e agora, ao mesmo tempo,
aparecem dois meninos, sonho de qualquer menina, que afirmam
estar apaixonados por ela. Isso não acontece só nos filmes e nos
livros?
Não. Na vida real também surgem histórias desse tipo, e agora
está acontecendo com ela. Quem diria! É nada menos que a
protagonista de um triângulo amoroso.
Triângulo amoroso? Balança a cabeça de um lado para o outro,
agitada, alvoroçando seu cabelo solto e despenteado. E se deixa cair
para trás na cama.
Não, nada de triângulos, nem quadrados, nem nada. Está com
Ángel. Seu namorado é Ángel. E não há mais discussão. Mas é que
Álex... Não. Álex é um amigo. Só isso. Porém, não pode negar que
gosta dele.
E se ele conseguir fazer com que se apaixone por ele, como disse
ontem à noite?
Uff.
Olha para o teto, pensativa. Realmente, tem um problema.
Ángel ou Álex?
O despertador lhe dá um grande susto. Já se passaram os
quatro minutos. Volta-se e o desliga, xingando a hora. Tem que
correr se não quiser chegar atrasada mais uma vez. Mas, antes, tem
que responder à mensagem de Ángel. Pega o celular e escreve: “Bom-
dia, meu amor. Obrigada por me tirar um sorriso logo de manhã.
Sim, posso ir almoçar com você, mas às cinco marquei de estudar.
Você me pega depois da aula? Um beijo. Te amo”.
Enviar.
Vai ser muito bom vê-lo para reafirmar e garantir seus
sentimentos. Espera não pisar na bola. Não quer machucá-lo e fazê-
lo pensar que tem dúvidas sobre a relação. Não, não tem dúvidas.
Seu namorado é Ángel: Án-gel.
Deixa o telefone no criado-mudo e, por fim, levanta-se.
Olha pela janela e se surpreende ao ver que uma grande tromba
d’água cai sobre a cidade. O céu está escuro e os carros voam
debaixo da chuva, com as lanternas acesas. As poças se amontoam
na rua e os guarda-chuvas desfilam pelas calçadas.
A mudança de clima veio a calhar. Há três dias estão suportando
um calor impróprio para março e hoje o inverno voltou em toda sua
plenitude.
Outro SMS. Ángel respondeu muito depressa.
Sorridente, pega de novo o celular e abre a mensagem recém-
recebida.
“Bom-dia. Está acordada? Claro que sim. Senão, não estaria
lendo este SMS. Sabe de uma coisa? Acordei pensando em você. Mas
o mais curioso é que ontem à noite também fui para a cama
pensando em você. Tenha um bom-dia. Não me rendo. Um beijo,
linda”.
Paula se senta na cama, fecha os olhos e suspira
profundamente. Sentiu um calafrio ao ler a mensagem que Álex lhe
mandou. Que bonita!
Mas seu namorado é Ángel. Ángel. Ángel. Ángel.
Responde? Claro. Não pode ser mal-educada. Tem que
responder.
“Bom-dia. Viu a chuva? Deve servir para inspirá-lo. Você não
preferia a chuva ao sol para escrever? Vou indo para a aula, estou
atrasada, como sempre. Espero que você também tenha um bom-
dia. Um beijo, escritor”.
Relê a mensagem duas vezes antes de mandá-la. Que insossa!
Mas não é conveniente agir de outra forma. Também não pode lhe
dar muitas esperanças. Ela namora! Assim está bom.
Enviar.
Que rolo! Nunca imaginou se encontrar em uma situação como
essa.
— Paula, está acordada? — pergunta sua mãe, que entra de
repente no quarto sem bater.
A menina esconde o celular debaixo do travesseiro e se dirige ao
armário.
— Sim, não está vendo? Já desço.
— Vamos, depressa, que seu pai vai te levar para a aula.
— Ah, é? Por que isso?
— Não viu a chuva que está caindo? Diz que fica mais tranquilo
se te levar à escola.
— Ok. Já desço.
Sem prestar atenção a sua mãe, Paula abre o armário e começa
a examinar as roupas, uma por uma. Está indecisa.
— Paula...
Mercedes fecha a porta, mas não sai do quarto. Um assunto a
preocupa.
— Diga, mamãe.
— A respeito de ontem à noite... do rapaz que veio ver você.
— Sim, o que tem?
— Não vai nos contar o que queria?
— Já disse, mamãe. É um amigo que tinha que me dizer uma
coisa, só isso.
Depois que Álex foi embora, Paula entrou em casa bastante
desconcertada. O que menos queria era ter uma conversa com seus
pais. Porém, curiosamente, não a estavam esperando. Mas, dez
minutos depois, quando acabava de se deitar, Mercedes e Paco
entraram em seu quarto para perguntar sobre aquela misteriosa
visita. A menina só lhes contou que era um amigo que tinha que
falar com ela de uns assuntos pessoais. Sem detalhes. Apesar de
seus pais quererem saber mais, era tão tarde que não insistiram.
— E não vai nos dizer mais nada?
— Não há mais nada a dizer sobre esse assunto.
A mulher se senta na cama e observa a filha enquanto ela
escolhe a roupa que vai pôr. É surpreendente quanto mudou em tão
pouco tempo. Não estranha que enlouqueça os garotos.
Transformou-se em uma garota linda.
— Mas não é seu namorado.
— Não, mamãe. Não é. Meu namorado é Ángel, você sabe.
— Então...
Paula se volta e olha para sua mãe. Tem nas mãos uma calça
marrom e um jérsei de gola alta branca.
— Então, está tarde. E ainda tenho que me vestir. Não quer que
eu chegue tarde, não é?
— Não.
— Então, deixa eu me vestir, por favor — roga com um sorriso.
Seu tom de voz é gentil, simpático. Não quer ser desagradável
com sua mãe, mas às vezes ela fica muito chata.
— Já vou indo. Não demora muito.
— Fica tranquila, mamãe.
Mercedes se levanta da cama, dá-lhe um beijo e sai do quarto
com a sensação de que cada vez conhece menos Paula. Está se
transformando. Já não é uma menina, portanto, sua vida privada
também não é a de uma criança. Vai completar dezessete anos!
Tem que confiar nela, mas tem medo de que nessas mudanças
que está experimentando alguém possa lhe fazer mal.
Mas o que Mercedes não imagina é que sua filha também é
capaz de fazer mal a outras pessoas. Os acontecimentos que se
darão nas quarenta e oito horas seguintes vão provar isso.
Capítulo Oitenta e Um

Nessa manhã de março, em um lugar afastado da cidade.


Lembra-se de tudo perfeitamente, como se estivesse vivendo
tudo de novo nesse instante. Seu aroma, esse leve e doce cheiro de
baunilha, seu toque, seus olhos... Álex tem memorizado em sua
mente, segundo a segundo, o que aconteceu ontem à noite. A pele
dela, a voz, seu abraço. Um abraço de significados e intenções
inocentes? Sim. Não há por que pensar outra coisa.
Abre a cortina e olha pela janela. Observa a chuva cair com
força, arranhando o chão, furiosa. Sorri.
Pega o celular e escreve para Paula: “Olá de novo. Sim, adoro
quando chove . Fico inspirado. Mas o que mais me inspira neste
momento é pensar em você. Adoro você. Um beijo, e espero vê-la o
quanto antes”.
Enviar.
Álex deixa a cortina aberta e acende a luz de seu quarto. Está
contente, mais que o habitual. O encontro de ontem foi como se lhe
houvessem injetado novas esperanças. Sabe que não vai ser fácil:
Paula namora e não está apaixonada por ele, mas há uma
esperança, uma chance pela qual vai lutar. E tem que se agarrar a
isso.
Por que não vai conseguir?
Porém, nem tudo é otimismo. Tem um assunto para resolver.
Mas agora não. Paciência.
O escritor sai do quarto. Não se vestiu; desce a escada com
um short acima dos joelhos e uma regata que usou para dormir.
Entra na cozinha. Lá está Irene, soprando uma xícara de café
fumegante. Não está tão sedutora como de costume, mas a camiseta
branca que veste se ajusta bem demais ao peito.
Quando a garota o vê, examina-o de cima a baixo. Contempla
com devoção os músculos dos braços e das pernas de seu meio-
irmão, muito mais desenvolvidos que no tempo em que moravam
juntos. É gostoso. Muitas coisas passam por sua cabeça, mas
nenhuma é possível. Por ora.
— Bom-dia.
— Bom-dia. Ainda não se vestiu? Vamos nos atrasar — responde
Irene, tentando disfarçar o desejo que Álex lhe provoca.
— Hoje não vou com você. Vou ficar o dia todo em casa. Depois
vou ligar para cancelar as aulas.
— Ah, por quê? Por causa da chuva?
— Mais ou menos. Além do mais, tenho coisas a fazer aqui.
Álex se serve uma xícara de café com leite e a esquenta no
micro-ondas. Irene não perde um detalhe e morde os lábios. É uma
tentação enorme viver sob o mesmo teto que ele e uma pena não
poder aproveitar tanto quanto gostaria. Pouco a pouco. Um dia.
— Foi tudo bem ontem à noite com seu amigo?
O garoto demora a compreender a que sua meia-irmã se refere,
mas reage a tempo.
— Sim, muito bem. Tudo perfeito.
— E o carro? Deu muito problema?
— Nenhum. É muito simples de dirigir. Obrigado por me
emprestar.
— Não tem de quê. Confio em você. Mas, para ser sincera, tive
medo que se estourasse por aí.
— Pode ver que não. Estou inteiro.
“Inteiraço!”, pensa a menina. Gostoso demais. Com essa regata
que se cola ao seu corpo não pode ser mais sexy.
— Eu esperei um tempo, mas, ao ver que não chegava, fui
dormir. Estava cansada.
— Não tinha que me esperar. Mas obrigado.
O café está pronto. Álex o tira do micro-ondas e dá um primeiro
gole. Excessivamente quente.
— Bom, já vou indo — comenta a garota dando uma última
olhada na parte de trás do short de seu meio-irmão.
— Ok. Tenha um bom dia.
— Com certeza terei.
— Com certeza.
— Aliás, hoje à tarde não tenho aula, então virei almoçar. Vai
estar aqui?
— Não sei. Possivelmente.
— Almoçamos juntos?
— Não sei a que hora vou almoçar.
— Ok, tudo bem. Não insisto mais — protesta, sem perder o bom
humor com que acordou. — Vou indo, senão me atraso.
— Tchau, Irene.
A menina sorri e sai da cozinha.
Instantes depois, Álex ouve o motor do Ford Focus arrancar, e
em seguida, o carro se afastar. Está sozinho em casa.
Nessa mesma manhã de março, em algum lugar da cidade.
Outra noite sem dormir. Quantas são, já? Muitas. Mas, pelo
menos, graças a sua insônia, terminou o que decidiu fazer há alguns
dias.
Mario caminha pela rua sob um pequeno guarda-chuva marrom
escuro; anda devagar, reflexivo, sozinho. Sua imagem se reflete nas
incontáveis poças que foram se formando ao longo da madrugada e
com as quais a cidade se encontrou ao amanhecer.
É muito estranho o modo como os acontecimentos foram se
desenrolando. Essa seria a semana da verdade, quando de uma vez
por todas confessaria seus sentimentos à menina que ama há tanto
tempo, mas já é quinta-feira e nada. E, ainda por cima, surgiram
outros assuntos que não estavam nos seus planos, fatos imprevistos,
desconcertantes. Uma circunstância após outra foram se interpondo
em seu caminho. Por exemplo, o enfrentamento com aquela
enxerida, teimosa e descarada.
Diana, na realidade e para seu pesar, ocupou sua mente quase a
noite toda. Mais que Paula. Não se sente muito bem com o que lhe
disse e pensou muito em seu comportamento e no da menina.
Conclusões? Nenhuma confiável.
A chuva engrossa agora, e o menino tem que se curvar um
pouco para não molhar a mochila que leva nas costas. Acelera o
passo. A escola está perto, mas se não se apressar, vai se encharcar.
E se Diana estiver apaixonada por ele?
O que lhe disse ontem em seu quarto foi fruto da pressão a que
ela o estava submetendo. Foi um rompante, não pensava no que
dizia, mas e se fosse verdade? E se Diana estivesse decepcionada
porque ele gosta de Paula, e não dela?
Não sabe se quer descobrir.
De qualquer maneira, tem que lhe pedir desculpas e resolver
aquele problema o quanto antes para poder voltar a se concentrar
em Paula e no jeito de lhe mostrar que é por ela que está
apaixonado.
Capítulo Oitenta e Dois

Nessa mesma manhã chuvosa de março, em outro lugar da


cidade.
No rádio do carro começa a tocar See you again, da Miley Cyrus.
Paco ouve, grunhe e muda de emissora.
— Ei, não tira! Eu gosto dessa música — queixa-se, furiosa,
Erica, que coloca sua cabecinha entre os bancos da frente.
O homem resmunga, mas faz o que sua filha quer e volta a
sintonizar a rádio de antes. Quando essa menina quer algo, é melhor
não contrariá-la. Já é o suficiente ter que suportar aquele maldito
trânsito. Carros entrando e saindo, aparecendo de todos os lados,
desrespeitando as normas, com pressa. É hora do rush. Além do
mais, a chuva impede que a circulação seja mais fluída.
Enquanto Erica tenta cantarolar a música da Miley Cyrus e
balança seu corpinho ao ritmo da canção na parte de trás do carro,
Paula permanece em silêncio no banco do passageiro. Não disse nem
uma palavra em todo o trajeto. De vez em quando olha o relógio. Tem
certeza de que mais uma vez vai chegar tarde à escola, mas não se
importa muito. Tem outras coisas mais importantes com que se
preocupar nesse momento. Recebeu outro SMS de Álex, de novo
encantador. Não vai responder, mas tem muita vontade. É
impossível esquecer o que está lhe acontecendo: dois garotos, um
melhor que o outro, apaixonados por ela. Mas um é seu namorado e
o outro, só um amigo. Isso é o que conta.
Seu pai a olha de soslaio. Mal se falaram nos últimos dias.
Continua irritado. Por quê? Nem ele mesmo sabe. A realidade é que
sua filha tem um namorado, um muito mais velho que conheceu
pela internet. Como pode confiar nele? E, ainda por cima, a história
de ontem à noite. Quem seria aquele sujeito que foi visitá-la? Paula
não lhes contou nada, nem parece que vai contar. Será que chifra o
namorado? Uff. Não é fácil ser pai. Suspira e busca algo em um dos
bolsos do paletó que nem sequer tirou quando entrou no carro. Ali
está.
Paula observa o pai e se surpreende ao ver que está acendendo
um cigarro.
— Papai, que está fazendo?
— Não está vendo?
— Outro dia já fumou um cigarro; não voltou a fumar, voltou?
O homem não responde. Abre um pouco a janela e expulsa a
fumaça para fora do veículo.
Erica, que se alarmou com as palavras de sua irmã, volta a pôr a
cabeça entre os bancos da frente.
— Está fumando, papai? — pergunta a menina, com expressão
de incredulidade. Nunca tinha visto seu pai fumar.
— Sim, sim, estou fumando. Qual o problema?
Erica não pode acreditar. Não sabe muito do assunto, mas ouviu
que isso é a pior coisa do mundo. Que as pessoas até morrem. Seus
olhos logo se umedecem e tem muita vontade de chorar.
— Mas você não fuma. Parou — insiste Paula; tantas e tantas
vezes seus pais a advertiram para que não fumasse.
— Pois sim, voltei. Algum problema?
— Por quê? Estão sempre me dizendo para não fumar, que é
uma bobagem .
— Também te dissemos muitas vezes para nos contar as coisas
importantes que acontecem com você. E você não conta.
— Conto sim.
— Sei. Por isso tivemos que saber pela televisão que você estava
namorando. E esse rapaz de ontem à noite, quem diabos era?
Paula não diz nada. Olha para a frente e contempla a chuva que
cai com força sobre o asfalto.
— Papai, eu não quero que você morra.
A vozinha de Erica chega fraca e chorosa do banco de trás.
Paco freia no semáforo vermelho e se volta para trás. A
menininha está com os olhinhos vermelhos e funga.
— Fique tranquila, meu amor, não vou morrer — o homem
procura acalmá-la apaziguando o tom de voz que antes havia usado
com sua filha mais velha.
— Você está fumando. E, se fumar, vai morrer. Eu ouvi. E eu
não quero que você morra.
— Não vai acontecer nada comigo. Eu prometo.
— Não fume.
O homem suspira. Dá uma última tragada no cigarro e o joga
pela janela. Depois, volta o olhar para a criança e sorri.
— Viu? Pronto, não fumo mais.
Erica se certifica, nervosa, de que seu pai não está mentindo e
que não está fazendo nenhum truque para ficar com o cigarro.
Parece que é verdade, que o jogou pela janela. Já está mais contente.
Seca as lágrimas com a manga do jérsei rosa que sua mãe a obrigou
a vestir. Ela queria um azul.
Paula abre a mochila e tira um lenço de papel. Volta-se e o
entrega a sua irmã. A menina pega e assoa o nariz. Está mais
tranquila. Mas agora tem uma nova curiosidade.
— Paula, você dá beijo no seu namorado? — solta de repente.
O pai é o primeiro a se surpreender com a pergunta de Erica.
Sua irmã mais velha também fica boquiaberta, não sabe o que dizer.
O que responde?
— É...
Nesse momento, Paco aumenta o volume do rádio. Começou a
tocar outra música, também em inglês. É muito mais estridente que
a anterior e não sabe nem quem canta.
— Erica, gosta dessa música?
A cabeça da criança aparece mais uma vez no vão entre os
bancos da frente.
Presta atenção, mas não reconhece Somebody told me, do The
Killers.
— Não, não gosto.
— Não gosta? Mas é tão bonita...
O homem aumenta o som, sob o olhar atônito de Paula, que
acha que seu pai enlouqueceu.
— Não, não gosto! Tira! — grita Erica contrariada.
— Mas é...
— Muda! Não gosto!
Paco procura outra emissora que toque música. Parece que a
menina já esqueceu a pergunta que fez a sua irmã mais velha. Ainda
bem. Não queria ouvir a resposta.
— Deixa! Deixa essa!
O homem não pode acreditar. Em outra rádio estão tocando See
you again, da Miley Cyrus. Não! Outra vez!
Paula não pode evitar uma gargalhada.
Seu pai olha para ela e também sorri. Ela se dá conta e retribui.
Trégua.
Com a voz de Miley Cyrus no carro, mais relaxados, continuam a
caminho da escola, e mais uma vez Paula chegará atrasada.
Capítulo Oitenta e Três

Nessa manhã de março, em um lugar próximo da cidade.


Por fim chega à escola!
Faltam poucos minutos para o início das aulas.
Mario fecha o pequeno guarda-chuva marrom e o agita para que
seque um pouco. As gotinhas caem ao chão, uma após a outra,
diante do irado olhar da inspetora que observa todos que entram no
edifício fazerem a mesma coisa. O menino se dá conta de que
aqueles olhos inquisidores o estão fulminando e dá de ombros. Que
pode fazer?
Nos dias de chuva tudo se magnifica, fica maior. Parece até que
há mais gente. O alvoroço é maior e o murmúrio constante de vozes
que retumbam nos corredores é até mais alto que de costume. E, por
sua vez, o mau humor da inspetora atinge seu nível máximo.
Mario caminha até sua classe. Troca alguns cumprimentos com
alunos de outros anos. Outros garotos passam ao seu lado sem nem
olhar para ele: ou não o viram ou não quiseram ver. Também não se
preocupa. Está acostumado, assim é a escola. Além do mais, vai se
aproximando o momento de encontrar Diana. É possível que já
esteja na sala. Nervosismo. Embora tenha pensado muito sobre esse
momento, suas ideias não estão muito claras. Não sabe exatamente
o que vai lhe dizer. Sim, vai pedir perdão, isso está claro. E espera
que ela também faça isso, porque não foi só ele que se excedeu; ela
também. E muito. De modo que espera que, entre uma coisa e outra,
tudo se ajeite e volte ao normal.
Mas e se não for assim? E se Diana for tão cabeça-dura que
continuará teimando e insistindo no assunto de Paula? Ela é a única
que conhece a verdade, seus sentimentos, e embora ache que não
vai dizer nada a ninguém, não pode evitar certa desconfiança.
Também pode ser que ontem tenha se aborrecido tanto que acabe
contando tudo às suas amigas. Inclusive para sua irmã! E para
Paula?
Será que contou para o resto das Sugus? Uff, não quer nem
imaginar...
— Bom-dia, Mario. Tudo bem?
Sem perceber, chegou à porta de sua classe. É Cris quem lhe dá
as boas-vindas. Uma delas! Assusta-se, mas tenta disfarçar e não
pensar mais nas ideias de antes.
— Bom-dia. Bastante molhado.
A menina sorri. É curioso, tem um belo sorriso e seus olhos
castanhos também são muito doces. Nunca havia reparado. Talvez
Cristina seja a Sugus menos popular de todas: veste-se bem, é
bonita, simpática, mas não tem o carisma de Paula, nem o
descaramento de Diana, nem a personalidade de Miriam. Por isso
passa mais despercebida ao lado do resto do grupo.
— E sua irmã? Não vem com você?
— Que nada! Estava se maquiando ainda. Já vai chegar. Se não
se apressar, vai chegar tarde. Está sozinha?
— Bom, nenhuma das Sugus chegou, se é a isso que se refere.
Diana não chegou ainda. E Paula você sabe como é, vai chegar
atrasada.
Cris volta a sorrir. O menino retribui e a seguir entram juntos na
sala de aula.
Os dois chegam em silêncio ao fundo da classe, mas não ao
canto onde se sentam as quatro meninas, e sim na ponta contrária,
onde se senta Mario. Deixa o guarda-chuva na lateral, ao lado da
parede, e tira a capa de chuva.
— E ontem? Estudaram muito?
— Bom, o que deu.
Parece que Cris não sabe de nada sobre o que aconteceu ontem
à tarde em sua casa. Diana não deve ter contado nada e parece que
Miriam também não. Melhor assim. Mas onde está Diana? Não é
uma boa aluna e até mata aulas, mas costuma ser pontual na
primeira. De fato, gosta de chegar uns minutos antes de tocar o sinal
para fofocar sobre o que suas amigas fizeram no dia anterior e
observar detalhadamente a roupa que vestiram.
— Não é fácil. Acho que vou mal.
— Não está sabendo a matéria?
— Não, me enrolo muito com as derivadas.
Mario quase lhe diz que, se quiser, que se junte a eles para
estudar à tarde, mas logo pensa melhor e não diz nada. Se é difícil
ficar com Paula e Diana, com mais uma menina seria o fim. Mas,
para dizer a verdade, Cris é a mais tranquila de todas e certamente
não daria problemas.
— Coragem. Se levar a sério, com certeza acaba pegando. Não é
tão complicado.
— Não sei. Também não dediquei tanto tempo quanto deveria.
Acho chato.
— Se não gosta de matemática, é lógico.
Sorriem.
É a primeira conversa que mantém a sós com Cris? Juraria que
sim. Sempre está cercada pelas outras, ou, para ser mais exato, ela é
quem cerca as outras. Nunca está sozinha. É o quarto pé da mesa, e
sem as outras três se sente manca. Mas, na realidade, tem uma
conversa muito agradável.
— Soube do aniversário de Paula?
Mario arqueia as sobrancelhas. Não sabe do que está falando.
— Da festa surpresa em minha casa?
— Sim. Sua irmã já disse?
— Bom, eu sei que...
Nesse instante, Miriam grita o nome de Cristina da porta da
classe. A menina se despede rapidamente de Mario e vai até sua
amiga. Dois beijos e um abraço.
O menino as contempla de sua cadeira. Suspira. Certas coisas
são inevitáveis.
E chega a duas conclusões: que um pé de mesa se sente melhor
com outro pé de mesa e que sua irmã também grita mais alto em
dias de chuva como aquele.
Capítulo Oitenta e Quatro

Nessa manhã de março, em algum lugar da cidade.


“Fechada”. Essa foi a primeira palavra que Ángel escutou
quando chegou, há um tempo, à redação da revista. A seguir, seu
chefe lhe deu um beijo na testa e o abraçou como se fosse seu
próprio filho.
Jaime Suárez está muito satisfeito com o número que vai sair
em abril e que de madrugada se encarregou de concluir. Hoje não
dormiu em casa; nem em casa nem em lugar nenhum, porque nem
sequer dormiu: era uma tradição que cumpria rigorosamente no
último dia antes de mandar a publicação para a gráfica.
— Vai ser um sucesso sem precedentes! Que trema o pessoal
da Rolling Stone! — gritava enlouquecido, triunfante, caminhando
nervoso de um lado para o outro.
A entrevista e a magnífica capa de Katia garantiriam muitas
vendas; Jaime calculava o dobro do normal ou mais. O esforço e o
trabalho da pequena redação de sua revista, sem dúvida, teriam sua
recompensa. E quem sabe se com aquele número a publicação
decolaria e conquistaria um lugar importante entre as revistas
musicais do mercado.
Ángel, porém, não parece tão entusiasmado. Sorri quando seu
chefe se aproxima e o elogia. Até fez um high five com ele, mas algo
dentro de si não lhe permite estar tão feliz quanto deveria.
Durante a noite pensou muito no presente de Paula. Fez bem ao
pedir a Katia que dedicasse a canção a sua namorada?
Não tem certeza. Em alguns momentos se arrepende de ter sido
tão atrevido, mas, em outros, imagina como sua namorada vai ficar
contente quando ouvir Ilusionas mi corazón exclusivamente para ela.
— Ángel, está ocupado?
Jaime Suárez está ao seu lado com um sorriso de orelha a
orelha. Não o viu chegar.
— Não, Jaime. Estava olhando a planilha do mês de maio —
responde o garoto, tentando aparentar tranquilidade.
Esse é o mundo do jornalismo: mal se acabou uma coisa já se
está começando outra. E em uma revista mensal se trabalha contra
o tempo. Por isso, no mês de março já se prepara o que vai sair no de
maio.
— Assim que eu gosto. Você vai chegar longe. Isto aqui já é
pouco para você.
— Estou muito bem aqui.
— Bom, bom. Isso é porque também te tratamos muito bem, não
é?
Ángel sorri e assente com a cabeça.
— Claro, Jaime.
— Muito bem, muito bem — diz o homem, que prepara o terreno
para dar uma notícia impactante a seu jovem pupilo. — Então, está
contente aqui conosco, não?
— Muito.
— Muito bem.
O homem esfrega o queixo se fazendo de importante. Ángel
percebe e lhe dá corda.
— Tem algo para me dizer, Jaime?
— Oh! Você tem um grande sexto sentido — reconhece, como se
estivesse surpreso porque o jovem jornalista descobriu que tem algo
a lhe dizer. — Isso é muito importante em nossa profissão.
Fundamental. Sim, queria te dizer uma coisa. Você fez um excelente
trabalho neste mês e, como recompensa, se tudo correr como
esperamos com o número de abril, quero aumentar seu salário.
Ángel olha para ele incrédulo. Não esperava algo assim.
— Ah, é?
— Sim. Você está fazendo um trabalho extraordinário,
trabalhando demais e fazendo horas extras que nem lhe caberiam.
Você merece. E também...
Jaime Suárez se inclina e digita no computador de Ángel um
endereço eletrônico. Dá enter, digita uma senha no campo em
branco e aponta algo com a mão na tela.
— Está vendo?
É o site da revista. Tem apenas dois meses de existência e não
recebe muitas visitas. Mas o diretor pretende potencializá-lo a partir
de abril.
— O que, Jaime?
— Esta coluna que agora está cheia de propaganda. Vamos
apagá-la e... pronto! Neste espaço livre quero que você escreva uma
coluna assinada.
— Quer que escreva uma coluna de opinião no site?
— Sim. Desde que você queira, claro. Evidentemente, será
remunerado. Aqui ninguém trabalha de graça. E se alguém tem que
levar mais dinheiro, esse alguém é você. Bom, o que me diz?
Ángel está pasmo. Um aumento de salário e uma coluna
assinada na internet . Não esperava nada disso.
— Ora, eu me sinto lisonjeado. Não sei como agradecer.
— Basta que continue escrevendo como até agora. Além do mais,
isso pode te abrir portas, e gente importante pode reparar em você.
— Obrigado, Jaime. Não vou decepcionar.
— Claro que não. Sei que fará tudo muito bem. Só espero que se
lembre deste velho diretor quando for famoso.
— Como poderia esquecê-lo, chefe? Isso é impossível.
O homem procura não se emocionar com as palavras do garoto.
Sua imagem de sujeito durão e mal-humorado pode ficar
comprometida.
— Ok, tudo bem. Menos confete. Veja, andei pensando e acho
que, para começar, você poderia escrever sobre Katia.
— Sobre Katia?
A surpresa de Ángel é imensa. Parece que o tempo todo seu
caminho e o da cantora de cabelo rosa se entrelaçam.
— Sim; assim, aproveitaríamos a onda e a revista se beneficiaria.
— E o que vou escrever sobre ela que já não tenha escrito?
— Não sei, isso é com você. Mas acho que a conheceu bastante
nesses dias, ou estou enganado?
— Bom...
O jornalista fica um pouco nervoso. Não acha que seu chefe
esteja se referindo a nada sexual, apesar de piscar para ele e soltar
uma estúpida tossezinha. Ou sim?
— Poderia falar de como ela é pessoalmente, o que lhe
transmitiu, contar algum caso interessante. Não sei, algo particular,
que pareça que ela e você... Vocês são íntimos.
— Íntimos? O que quer dizer?
— Cara, não seja cabeça suja. Não estou falando para que dê a
impressão de que vão para a cama, mas de que são colegas, amigos
faz tempo.
— Mas se só a conheço há uma semana!
Só uma semana, e as coisas que já aconteceram... Se seu chefe
soubesse...
— Ángel, uma das missões do jornalista é fazer com que as
coisas que são verdade sejam vistas como verdade, e as que não são,
que pareçam. Não estou falando para mentir, mas para adaptar a
realidade, entende?
— Mais ou menos.
— Tenho certeza de que se sairá muito bem.
O homem lhe dá duas palmadinhas no ombro e se afasta
cantarolando, feliz por ter dado outra lição jornalística.
Ángel o observa. É uma figura. Seu chefe é capaz de dirigir
sozinho a revista e sabe como envolver seus funcionários e incentivá-
los. É um jornalista da velha guarda, e graças a ele pôde aprender
muitos segredos da profissão.
Bem, a manhã não começou mal: aumento de salário e nova
sessão. Nada mal. Mas, agora, de repente, tem uma nova tarefa:
escrever uma coluna assinada sobre Katia. Não será simples
misturar informação, realidade e subjetividade.
Por onde começa?
Como se o destino estivesse esperando o momento adequado,
seu celular toca. Evidentemente, não podia ser outra pessoa.
— Olá, Katia. Bom-dia.
— Bom-dia, Ángel!
Parece feliz. Isso é bom ou ruim? Algo lhe diz que um pouco de
cada.
— Tudo bem?
— Muito bem. Tenho boas notícias. Acabo de falar com Mauricio
e ele me arranjou uma cabine em um estúdio para hoje às seis.
— Em um estúdio? Como ele conseguiu?
— Uma corrente do bem, como no filme. É melhor não perguntar
muito.
— Muito obrigado, mas não queria causar tanto transtorno.
— Não foi nada do outro mundo, não se preocupe. Ah... — a
menina hesita um segundo; não sabe como prosseguir, mas logo
arrisca —, adoraria que você fosse comigo.
“Uff, a corrente do bem continua em funcionamento”, pensa
Ángel.
— Mas que utilidade vou ter lá, Katia?
— Bom, o CD é para sua namorada. Se você não tem utilidade,
quem terá?
A cantora parece um pouco ofendida, e tem razão. O certo é que
vá ao estúdio durante a gravação da música, e não só pegar o CD
quando estiver pronto.
— Está bem, irei.
— Ótimo! Pego você na sua casa ou na redação?
O garoto suspira. Melhor em casa. Se virem Katia de novo na
revista, os rumores vão correr até quem sabe onde.
— Em casa.
— Perfeito. Entre cinco e quinze e cinco e meia estarei no seu
apartamento.
— Ok.
— Vai ser divertido.
Silêncio.
Ángel volta a suspirar. Por que não lhe ocorreu outro presente?
Fez aquilo por Paula e para ver a cara que vai fazer quando
ouvir Ilusionas mi corazón com seu próprio nome. Mas há um certo
risco.
— Katia, desculpe. Não posso falar muito agora. Estou na
redação, com um artigo nas mãos. Mais tarde nos vemos.
— Está bem. Entre cinco e quinze e cinco e meia vou buscá-lo.
Não trabalhe demais! Um beijo.
— Beijo.
Desligam.
Ángel se levanta de sua cadeira e caminha até a janela.
Continua chovendo.
Em seu rosto reflete-se a preocupação e a incerteza. Só espera
não pisar na bola e que não aconteçam coisas como as dos dias
anteriores. Será que está fazendo o correto?
Em algumas horas terá a resposta.
Capítulo Oitenta e Cinco

Manhã chuvosa de uma quinta-feira de março, em algum lugar da


cidade.
Fim da terceira aula, de história. O professor passou o tempo
inteiro falando sobre alguns dos eventos que ocorreram durante a
Segunda Guerra Mundial. Parecia entusiasmado, como se houvesse
estado lá, vivendo o desembarque na Normandia ou a batalha de El
Alamein. Mas, na realidade, poucos foram os que prestaram atenção,
pois a maioria dos alunos queria era que o intervalo chegasse o
quanto antes. São minutos que parecem eternos: a impressão é que
têm cento e vinte segundos, ou cento e oitenta, um pesadelo... Até
que, por fim, toca o sinal salvador e desata-se a euforia coletiva com
um alvoroço ensurdecedor e barulho de mesas se arrastando.
Mario se levanta da cadeira e se dirige ao canto do outro lado da
sala. Lá, três quartos das Sugus celebram a meia hora de respiro.
Paula é a primeira a ver seu amigo.
— Vou ligar para ela de novo — diz quando ele chega a elas.
— Ok.
A menina pega o telefone da mochila das Meninas
Superpoderosas e liga de novo para o número que digitou há menos
de uma hora.
Mario está inquieto. Diana não foi à aula, de modo que não pôde
se desculpar. O mais estranho é que seu celular está desligado. Suas
amigas ligaram para ela no intervalo entre a primeira e a segunda
aula e no da segunda para a terceira, mas nada: continuava
desligado. Nesses minutos, Miriam contou a Paula e a Cris que
ontem à tarde Diana havia discutido com seu irmão e ido embora de
sua casa quase chorando, mas ela não sabia o motivo. Preocupadas,
antes da aula de história as meninas foram até a mesa de Mario
para lhe perguntar o que havia acontecido. Ele não explicou as
razões da discussão, mas disse que, se a localizassem, o avisassem.
— “O número chamado está desligado ou fora da área de
cobertura” — repete Paula, imitando a voz feminina que ouve do
outro lado da linha.
— Ora... O que será que aconteceu? — pergunta Miriam,
enquanto pega o lanche que leva em um pequeno saquinho branco:
um suco de abacaxi sem açúcar e uma barrinha de cereais.
— Não faço ideia. Mas com certeza não é nada importante. Já vai
aparecer — acrescenta Paula sorrindo para Mario.
O menino não está tão tranquilo. Espera não ser o culpado pela
ausência de Diana. Talvez devesse ter ligado ontem à noite para se
desculpar.
— Bom, vou indo. Se souberem de algo, me avisem depois.
— Ok. Se soubermos de algo, avisaremos.
Mario agradece e sai da sala caminhando sério e pensativo rumo
ao pátio. Parou de chover, mas o céu continua ameaçador.
As três meninas também abandonam a sala, mas em direção
oposta. Os primeiros degraus da escada que leva até as salas de aula
do terceiro ano estão livres. Sentam-se ali.
— Nossa, ele parece muito preocupado — comenta Cris.
— Sim. Não sei por que discutiram ontem. É muito estranho.
Você estava com eles, não notou nada estranho? — pergunta Miriam
a Paula.
— Não, nada fora do normal. Seu irmão nos explicou as
derivadas e Diana se queixou de que não estava entendendo nada.
Estressaram-se duas vezes, mas não para que fosse embora como
você falou.
— Continuo pensando que tudo isso é muito estranho. E me
sinto meio culpada. Talvez tenham brigado por algo relacionado com
o que dissemos a Diana — insinua Miriam, que é a que parece mais
preocupada.
— Que se gostavam?
— Sim. Talvez Diana tenha tomado a iniciativa e se ferrado. Ou
algo assim.
As três refletem sobre o assunto por alguns segundos.
— Pode ser. Nós enchemos muito com o assunto. Mas não
consigo imaginar o que pode ter acontecido naquele quarto depois
que eu fui embora para que a coisa acabasse desse jeito. Eu achei
que, deixando-os sozinhos, iam ficar juntos ou falar sobre o que
sentiam um pelo outro.
— E é possível que isso tenha acontecido: que Diana tenha dito
algo ao meu irmão e que ele tenha dado um fora nela. Se bem que eu
era a primeira a achar que Mario gostava de Diana.
— Eu também achava — comenta Cris.
— Mas acham que por causa disso Diana ia faltar à aula e
desligar o celular? — pergunta a Sugus mais velha.
— Ontem à noite, quando falei com ela, não me contou nada e
não parecia tão mal.
Miriam e Cris olham surpresas para a amiga.
— Falou com Diana ontem à noite pelo telefone?
— Não, pelo MSN. Não disse?
— Não! — respondem as duas quase em uníssono.
Paula então não sabe se explica a suas amigas o que aconteceu
na noite anterior. Álex andou rondando sua cabeça a manhã toda,
mas não tinha certeza se queria contar tudo às meninas. Esse
poderia ser um bom momento para isso.
— Sim, falei com ela. É que ontem foi um dia muito agitado.
E começa a relatar a história. Durante vários minutos, Miriam e
Cristina ouvem incrédulas o que Paula narra, como se fosse um
conto dos Irmãos Grimm: as mensagens falsas de Álex, o encontro
com Irene, a conversa com Diana e, finalmente, a visita do escritor à
noite em sua casa, quando lhe disse o que sentia.
— Deviam escrever um romance com sua vida — comenta Cris
quando Paula acaba de falar.
— Também não é para tanto.
— Eu acho que, se alguém lesse esse romance, acharia que
essas coisas não acontecem na vida real e que o escritor tem muita
imaginação — insiste Miriam.
— A realidade sempre supera a ficção — acrescenta Cristina,
que se levantou para deixar passar um dos garotos mais velhos que
voltava para a classe. Falta muito pouco para que o sinal torne a
bater.
— Chega! Não sei por que conto as coisas para vocês.
Miriam sorri e abraça a amiga. Depois, dá-lhe um beijo no rosto.
— É que você arrebenta corações. Todos os caras ficam a fim de
você. E não é estranho, você é muito gostosa.
E torna a beijá-la, dessa vez com um apertão.
— O que é isso? Cala a boca!
Outros dois garotos do terceiro ano passam ao lado e ficam
olhando para elas, como se pensassem: “Gostosas as menininhas do
segundo ano!”. Paula e Miriam percebem e coram. Cris, que continua
em pé, ri e cumprimenta, tímida, os garotos que continuam subindo
a escada.
— Bom, e o que você vai fazer? — pergunta Miriam, que se
levanta do chão.
— Com Álex?
Paula também se levanta. Dá de ombros e suspira.
— O melhor vai ser quando os dois se juntarem em sua festa de
aniversário e você os apresentar.
— Uff, cala a boca.
— Mas você ama Ángel, não? — intervém Cristina.
— Claro. Estou apaixonada por ele, ele é meu namorado. Álex é
só um amigo; nem sequer o conheço direito. Mas...
— Mas?
— Não sei. Isso não é nada fácil para mim. Álex é muito
agradável, bonito, muito romântico, inteligente. Ora, o garoto
perfeito.
— Caraca! Apresenta já! — grita Miriam.
Paula franze a testa, mas sorri. Se Álex saísse com uma de suas
amigas, seria o fim do problema. Ou talvez aumentasse ainda mais.
— No meu aniversário vou apresentar para vocês.
— Ok. Se você não o quer, fica para uma de nós.
— Que loba você é, Miriam! Parece cada vez mais com a Diana.
— Babaca!
Miriam tenta chutar a bunda de Paula, que se esquiva.
— Não, sério. É um assunto complicado. E não sei o que vai
acontecer.
— Nós entendemos — diz Cristina.
— E o que mais me inquieta é que Álex parece convicto de que
vai ter sua chance.
— E isso está fazendo você hesitar entre ambos.
— Não sei. Se ele pensa assim, é porque acha que pode me
conquistar. E embora eu ame Ángel, e muito, essa situação é demais
para mim. Estou muito confusa.
— Mas se você ama Ángel cem por cento, não devia estar
confusa, não é?
— Não sei, Miriam, não sei. Sei que amo meu namorado. Mas
Álex cruzou meu caminho e não sei se gosto dele.
O sinal toca avisando que o intervalo acabou. As meninas ouvem
e ficam em silêncio até que para. Foi como o ponto-final da conversa.
As três entram na sala de aula e veem que Diana continua
ausente. Também não saberão dela pelo resto da manhã.
Capítulo Oitenta e Seis

Nessa manhã de março, em algum lugar da cidade.


Se você a olha de perto, fica cativado. Se a olha nos olhos, em
seus claros olhos azuis, eles o enfeitiçam, seduzem, apaixonam. Katia
é forte a curta distância.
Ángel relê algumas vezes o primeiro parágrafo que escreveu em
sua nova coluna assinada na internet. Levanta-se, senta-se, torna a
levantar... Olha para a tela do computador inclinando-se e apoiando
as mãos na mesa. Não, não se convence. Terrível. E apaga tudo.
Droga.
Não vai ser simples escrever sobre Katia do jeito que seu chefe
pediu. Aconteceram muitas coisas entre eles e isso influi. Como
deixar de lado a parte mais pessoal, a que contém os beijos, as
palavras, os encontros, as verdades e as mentiras?
Mas nisso consiste sua profissão, não é? Um bom jornalista deve
se afastar o máximo possível de seus próprios sentimentos: escrever
acima de tudo. Algo assim como acontece com os advogados, que
têm que defender pessoas que sabem que são culpadas. Ele não
gosta de toda essa porcaria parcial e fútil com que os meios de
comunicação se sustentam hoje em dia. Gosta do jornalismo puro,
mas sem deixar de lado seu estilo fresco e renovador. Se tiver que
opinar sobre algo, como agora, não vai se deixar levar pelas
circunstâncias ocasionais. Portanto, melhor esfriar emoções,
congelá-las, para demonstrar que é capaz de enfrentar esse desafio
como um verdadeiro profissional.
Nessa mesma manhã de março, em um lugar afastado da cidade.
— Então, sem problemas?
— Em absoluto, Álex. Que bobagem, será um prazer!
O menino sorri satisfeito: problema resolvido. Não esperava
menos do Sr. Mendizábal, sabia que podia contar com ele.
— Muito obrigado por esse grande favor. Eu te devo uma muito
grande.
— Neste caso, acho que eu é que devo a você.
O velho solta uma gargalhada e depois tosse exageradamente.
— Tudo bem? — pergunta Álex, preocupado com a incessante
tosse do homem.
— Sim, sim, coisas da idade e da emoção — responde quando
consegue se restabelecer.
— Precisa se cuidar.
— Sim, não se preocupe, homem.
— Bom, não vou incomodar mais. Amanhã nos vemos. Ah, e
peça desculpas de minha parte a todos pelas aulas.
— Não é necessário. Vou dizer que vão jogar pôquer. São
verdadeiros viciados em baralho.
— Obrigado de novo, Agustín.
— Não tem de quê. Até amanhã, Álex.
— Tchau, até amanhã.
O homem também se despede de seu professor de saxofone e
desliga o telefone.
Assunto resolvido. Dois coelhos com uma só cajadada.
Álex olha o relógio. Ainda tem coisas para fazer e tem que se
apressar antes que Irene volte para casa.
Nessa manhã de março, em algum lugar da cidade.
As aulas estão muito chatas para Irene nessa manhã, até
insuportáveis em alguns instantes. Tem muita vontade de acabar e ir
para casa, para Álex. É uma sorte que justamente hoje não tenha
aula à tarde e que ele tenha decidido não ir à cidade. É o destino.
Talvez até possam almoçar juntos. E depois...
Talvez seja uma boa oportunidade para tentar se aproximar
mais. Sim, é o momento: vai atacar.
Estremece só de pensar. Pensa como será estar em seus braços,
abraçá-lo, beijá-lo muito, todo seu corpo, até devorá-lo
completamente. Uff.
Não vai deixá-lo escapar: quando conquistá-lo, será seu para
sempre.
Além do mais, já não há perigo. Aquela pirralha estúpida
certamente não tornará a aparecer depois de ontem. Que ingênua!
Sim, muito bonita, muito gracinha, muito novinha, mas tola e
inocente. Álex merece coisa muito melhor. Ela.
Sem essa Paula no caminho, já não existe nenhum obstáculo
que se interponha entre ambos. E, sem dúvida, isso ela não vai
desperdiçar.
Nessa manhã de março, ao terminar a quarta aula.
Não se levanta.
De sua cadeira, olha para a porta com a esperança de que
apareça, mas seus desejos são em vão. Diana não foi a nenhuma
aula e parece impossível que ainda apareça.
A cada minuto que passa, Mario se arrepende ainda mais de seu
comportamento de ontem. Não devia ter dito aquilo. Nunca havia se
sentido tão mal.
Onde essa menina se meteu?
Só espera que a causa de sua ausência não tenha a ver com
aquela discussão.
Que imbecil foi e que grande impotência sente por não poder
consertar tudo!
É o que acontece por não pensar duas vezes antes de fazer as
coisas e soltar a primeira coisa que lhe vem à cabeça.
Onde estará Diana?
Nessa manhã de março, instantes depois de acabar a quinta
aula.
— Continua desligado ou fora da área de cobertura.
Paula afasta o celular da orelha ao ouvir a mensagem que tantas
vezes escutou ao longo da manhã e guarda-o de novo na mochila das
Meninas Superpoderosas.
— Estranho ela não vir à aula, mas, tratando-se da Diana, tudo
é possível. O mais estranho é estar a manhã toda com o celular
desligado. Não é a cara dela — comenta Miriam.
— Não deve estar com vontade de falar — diz Cristina.
— Ou está doente e não quer ser incomodada — acrescenta
Paula, que olha para o outro lado da classe, onde está Mario.
Seu semblante é sério, triste. Seu amigo parece realmente
desolado. Algo muito sério deve ter acontecido ontem quando saiu da
casa dele. E ela que pensava que esses dois se gostavam… Por que
brigariam?
— Ah, Paula, esquecemos de dizer uma coisa.
— Diga, Miriam.
— Amanhã à noite você pode dormir lá em casa?
— Na sua casa?
— Sim. Cris, Diana e eu achamos que, como no sábado é a festa
do seu aniversário e você também vai querer ficar com sua família
durante o dia, não vamos ter tempo de comemorar só nós. Então,
podíamos fazer uma festinha nós quatro amanhã à noite na minha
casa. Já pedi para minha mãe e ela deixou. Acho que seus pais não
vão achar ruim, não é?
— Não sei. Ultimamente, não estão muito satisfeitos comigo.
Mas não, acho que não vai haver nenhum problema. Só vão pensar
que vou ficar com Ángel.
Miriam reflete por um instante e depois olha de soslaio para
Cristina.
— Eu falo com sua mãe, assim não haverá problemas. Direi a ela
que você vai dormir na minha casa.
— Não precisa, Miriam, mas obrigada.
— Precisa sim. Vai que de última hora eles não deixam, aí vão
estragar tudo. As Sugus precisam comemorar seus dezessete anos
direito.
— Bem, como quiser.
— Tenho o celular dela, depois eu ligo.
O sinal toca anunciando que a última aula do dia vai começar.
As meninas param de falar e se sentam, cada uma em sua
respectiva cadeira.
O professor de matemática é pontual. Entra na sala saltitando,
como se estivesse dançando uma dança tribal, e fecha a porta. A
seguir, pega um giz e escreve na lousa: “Amanhã é o início do fim e o
fim de um início. Sobreviver”.
As Sugus leem a frase. Não a entendem muito bem. Paula até
sussurra: “O início do fim...”.
Enquanto as meninas e Mario têm sua última aula de
matemática antes da prova, Ángel escreve sua coluna assinada na
internet sobre Katia e Irene dirige seu Ford para encontrar Álex, que,
por sua vez, nesse momento desce a escada de sua casa com uma
pesada mala, Diana por fim fecha os olhos depois de uma noite e
uma manhã em constante tensão.
Capítulo Oitenta e Sete

Nessa tarde de março, em um afastado lugar da cidade.


O céu escuro anuncia uma iminente tempestade.
Irene dirige a toda velocidade para chegar em casa o mais
rapidamente possível, e não por medo de que um forte temporal caia
sobre ela, mas porque deseja ver Álex. Que vontade!
Umas primeiras gotinhas começam a molhar o para-brisa de seu
Ford. Liga o limpador e pisa no acelerador. Falta pouco.
Desvia para a esquerda e pega a estrada secundária até o
caminho que leva para casa. Pedras, terra, mas, acima de tudo,
barro. A chuva deixou aquela trilha em péssimo estado.
Ao longe, já enxerga seu lar pelos próximos meses. Meses?
Quem sabe não será para a vida toda. Mas, se ela tivesse que
escolher, preferiria um apartamento no centro. Um apartamento
grande, espaçoso, com uma cama de casal enorme no quarto e
umajacuzzi para tomar banho com Álex e fazer intermináveis
hidromassagens com jatos de água em alta pressão. Um sonho que
se tornará realidade. Certeza.
Por fim chega ao seu destino. Com aquela tempestade e o céu
preto de fundo, a casa tem um aspecto misterioso, como de um filme
de terror. Sim, decididamente, quando morar com seu meio-irmão,
vão se mudar para um apartamento no centro da cidade.
Estaciona o carro e desce rapidamente. Está começando a
chover mais forte e as gotas ficam cada vez mais grossas. Um trovão.
Corre até a porta, tira a chave de sua bolsa e a coloca na fechadura.
Não abre. Tenta de novo, mas com a mesma sorte. Examina-a bem
para se certificar de que é a chave certa. Não se enganou, essa é a
que Álex lhe deu. Que estranho.
Após várias tentativas, desiste e toca a campainha.
Ninguém.
Não está? Mas ele disse que hoje não iria a lugar nenhum...
Volta a tocar a campainha. Começa a se impacientar.
De repente, ouve-se a fechadura da porta. Álex abre. Continua
com a camiseta regata da manhã. Está descalço, só de meias. Por
isso não o ouviu chegar.
— Olá. Uff, que chuva vai cair! — diz a menina, entrando.
Não perde nem um só detalhe do torso dele. Que gostoso! Mal
pode esperar o momento de pular sobre ele e beijá-lo. Quer ser sua,
que ele a possua.
— Parece que sim — responde seco.
O garoto fecha a porta e caminha atrás de sua meia-irmã. Outro
trovão.
— Olha, não sei que o que aconteceu com minha chave que não
consegui abrir. Por isso, toquei a campainha.
— Troquei a fechadura.
— Por quê?
Álex não responde e entra com sua meia-irmã na sala.
Então, o sangue de Irene gela. No chão, todas as suas malas.
Parecem cheias.
— São todas as suas coisas — antecipa-se o jovem.
— Por que colocou minhas coisas nas malas?
— Porque você vai embora.
— Vou? Para onde?
— Vai embora da minha casa.
— Não entendo o que quer dizer.
— Está muito claro, Irene. Você não mora mais aqui.
— Está me expulsando? — pergunta com os olhos arregalados,
sem conseguir respirar direito.
— Chame como quiser. A questão é que não quero que continue
nesta casa.
— Mas por quê? Que foi que eu fiz?
Álex mira-a nos olhos.
Então, Irene compreende tudo. Ele descobriu o negócio da Paula.
Aquela pirralha, no fim, teve mais coragem do que ela pensava e lhe
contou o que aconteceu ontem à noite.
Droga.
— E ainda tem a cara de pau de me perguntar?
— Não fiz nada de errado.
— Mentir e chantagear uma amiga minha pondo em perigo
nossa amizade não é nada de errado?
— Aah, não exagere.
— Não exagere?
Álex segura duas malas, calça os chinelos que estão na sala e se
retira. Irene o segue.
— Vamos, Álex, desculpe! Não foi para tanto. Só quero o melhor
pra você.
O garoto solta as malas junto à porta e se volta bruscamente.
— O melhor para mim? Você está louca, tem problema.
— Sério. Quero o melhor pra você, e essa garota não é.
— Quem é você para me dizer o que é e o que não é melhor para
mim?
— Sua irmã.
— Meia-irmã. Me-ia-ir-mã — repete Álex, totalmente fora de si.
— Somos uma família. Moramos juntos.
— Provisoriamente.
— Eu amo você.
— Você só ama a si mesma. E o que fez a essa pobre menina e a
mim não tem nenhum tipo de perdão.
Álex abre a porta. Volta a pegar as malas do chão e sai da casa.
Agora chove demais. O céu parece que vai desabar a qualquer
momento.
O garoto caminha até o Ford e deixa as malas junto ao veículo.
— Quer abrir aqui!? — grita.
Irene está na soleira da porta. Olha para ele transtornada. Seus
planos deram errado. Imóvel, não responde. Só vê seu meio-irmão
andar até ela e lhe arrebatar a bolsa. Não o impede, nem de pegar as
chaves do carro. Não vale a pena lutar nesse momento.
Álex entra e sai da casa carregando todas as coisas de Irene e vai
guardando toda a bagagem de sua meia-irmã no carro. Quando
termina, sobe até o banheiro e volta com uma toalha. Enquanto seca
o cabelo e os braços, Irene o contempla sem falar. Está
completamente perdida.
— Muito bem, já está tudo no carro. Quando quiser, pode ir.
— Aonde vou? Não tenho nenhum lugar para ir.
— Já pensei nisso. Como não quero que fique na rua, falei com
Agustín Mendizábal e ele vai adorar hospedá-la na casa dele durante
esses meses.
A garota gesticula com as mãos, surpresa e incrédula.
— Quem é esse? O velho da copiadora?
— Não fala assim dele. Ele me arranjou trabalho e me ajudou
muito nesses meses.
— Não vou para a casa desse velho tarado. Está louco?
— Pois deveria ir. Sr. Agustín é um bom homem. E vai te tratar
como uma princesa. Ele tem muito dinheiro e não lhe faltará nada.
— Não vou morar com ele. Nem morta!
— Você é quem sabe.
Álex tira a camiseta e começa a se secar com a toalha.
Sua meia-irmã o observa e morde os lábios. Tem uma vontade
imensa de chorar. Mas ela não chora: é forte, e vai provar isso mais
uma vez.
— Fiz isso por você, Álex. Paula é uma menina ainda, e você tem
vinte e dois anos.
— Isso não é da sua conta. Seu comportamento não tem
justificativa.
— Já pedi desculpas.
— Sinto muito, mas não posso desculpá-la neste momento.
As palavras de Álex ferem Irene de verdade.
A garota pega outra vez sua bolsa e sorri para ele.
— Vocês não têm nenhum futuro juntos — sentencia.
Álex não responde.
Entre o barulho da chuva que bate no chão com virulência e um
novo trovão que irrompe imperioso no céu escuro, Irene abandona a
casa.
Entra no Ford Focus e fecha violentamente a porta do motorista.
Nervosa, liga o rádio. Toca Medicate, do Breaking Benjamin. Irene
pisa no acelerador com raiva.
Dirige a toda velocidade, ultrapassando um carro após o outro.
Não quer pensar em nada, só pisar no acelerador, andar mais
depressa. Mas, então, de soslaio, vê seu reflexo no espelho retrovisor
e, apesar de sua força de vontade, não pode impedir que uma
amarga lágrima deslize por sua face.
Pela primeira vez na vida, foi derrotada.
Capítulo Oitenta e Oito

Nesse meio de dia de março, em algum lugar da cidade.


Sob um guarda-chuva azul-marinho, Ángel espera na porta da
escola que sua namorada saia da aula. Está com muita vontade de
vê-la. Foi uma grande ideia combinarem de almoçar juntos. Gostaria
que isso acontecesse com mais frequência, mas Paula estuda e mora
com os pais, e ele trabalha. Além disso, como diz seu chefe, um
jornalista não tem horário. De modo que o jeito é se resignar e tentar
aproveitar qualquer momento que possa passar com ela.
Vão a um restaurante mexicano. Não tem certeza de quando
nem por que surgiu o assunto, mas lembra que Paula lhe contou
uma vez pelo MSN, em uma de suas longas conversas sobre tudo,
que gostava muito de comida picante, mas que nunca havia ido a
um restaurante mexicano. Ele conhece um muito bom e que não fica
muito longe dali. Ainda bem, porque a chuva está piorando. Já se
ouviram até alguns trovões. Além do mais, a temperatura caiu
demais. Faz menos de dez graus? É incrível que o tempo mude tanto
em tão poucos dias. O clima é como os relacionamentos: tem fases, e
nunca se sabe o que vai acontecer na semana seguinte. Hoje brilha o
sol e amanhã o céu fica cor de formiga. E talvez seja melhor assim,
porque, senão, tudo se tornaria rotineiro e previsível.
O sinal!
Os alunos mais impacientes saem a toda velocidade, quase
antes de o sinal acabar de tocar. Um desses garotos quase tromba
com um homem que está ao seu lado, junto à filha pequena,
esperando em pé debaixo de um grande guarda-chuva preto. Ángel
sorri ao ouvir o homem reclamar. A menina o olha surpresa e põe a
mão na boca ao ouvir um palavrão. O homem pede perdão e se
abaixa para lhe dar um beijo. Ela aceita não muito convicta, mas
retribui.
Continuam saindo jovens, mas Paula ainda não apareceu.
Já faz alguns anos que tudo aquilo acabou para Ángel. Anos que
ficaram bem para trás, bem longe, e sente certa saudade ao observar
um grupo de adolescentes desinibidos, sem guarda-chuva, deixando
que a chuva os ensope. Não têm preocupações; alguns nem sequer a
de estudar. Outros estudarão na última noite antes da prova. As três
meninas do grupinho ficam olhando para ele, sorriem e comentam
alguma coisa entre si. Não o conhecem, mas adorariam conhecê-lo.
Já os meninos que as acompanham, que devem de ser os
namorados, não se alegram quando veem Ángel. Examinam-no de
cima a baixo e seus olhares são depreciativos. Quando passam ao
seu lado, abraçam suas respectivas namoradas com mais força. Um
beija a sua apaixonadamente na boca sob o aguaceiro. Depois, volta
o olhar para Ángel, desafiador, e continua caminhando introduzindo
uma mão no bolso de trás da calça da namorada.
— Descarados! Que juventude — murmura o homem do guarda-
chuva preto, que presencia a cena.
Sua filha pequena também nota e até deixa escapar um
sorrisinho. Nunca tinha visto um beijo na boca de perto, e, para
dizer a verdade, causa-lhe certo nojo.
Ángel, por sua vez, não dá importância ao fato e continua atento
à porta da escola.
Por fim, alguém conhecido: Miriam. Cris também sai, e atrás
delas... Paula!
Está linda. Seu cabelo está mais ondulado que de costume, por
causa da umidade. Ainda não percebeu que ele está ali. A menina
olha para um lado e para o outro até que enxerga seu namorado.
Sorri e acena.
Mas em um instante seu sorriso desaparece. Seu rosto reflete
incredulidade. O que aconteceu? Ela comenta alguma coisa com
suas amigas e abre o guarda-chuva. As meninas se despedem dela,
mas não saem da porta.
Ángel decide esperar que ela chegue. Não entende por que Paula
ficou tão séria.
De repente, a menina pequena que está com o homem do
guarda-chuva preto vai correndo até Paula. Ela a abraça e dá um
sonoro beijo em seu rostinho corado. O garoto agora compreende
tudo, mas não sabe como reagir. Imóvel, contempla sua namorada
se aproximar de onde ele está.
— Olá, papai — cumprimenta Paula, e beija o homem do
guarda-chuva. — Olá, Ángel.
Paco, confuso, contempla o garoto que está ao seu lado há mais
de dez minutos e que recebe de sua filha um suave beijo na boca.
— O... Olá — gagueja Ángel, depois do beijo.
— Mas...
O homem não pode acreditar no que acaba de presenciar. Erica
também está boquiaberta. Sua irmã deu um beijo na boca desse
menino!
— Que está fazendo aqui? — pergunta Paula a seu pai tentando
se mostrar o mais natural e tranquila possível; mas, na realidade,
suas pernas tremem.
— Vim... te buscar. Como... chovia tanto…
— Obrigada, mas não precisa. Eu havia combinado de almoçar
com Ángel. Ia ligar agora para avisar. Aliás, já se conhecem?
Os dois se olham espantados.
— De... De vista. Há dez minutos, mais ou menos. Mas eu não
sabia que era seu pai — responde o jornalista, tentando se acalmar.
— Ah, vou apresentá-los. Ángel, este é Paco, meu pai. Papai, este
é Ángel, meu namorado.
Pai e namorado apertam-se as mãos livres do guarda-chuva.
— Muito prazer — diz Ángel apressadamente.
— Igualmente — responde Paco o mais sereno possível.
Sorrisos forçados. Não é uma situação confortável para nenhum
dos dois.
— Ei! E eu?
A pequena Erica resmunga debaixo do guarda-chuva de sua
irmã.
Ángel se agacha e sorri para ela.
— Olá, eu sou Ángel, me dá um beijo? — pergunta.
— Eu me chamo Erica García — responde a menina, estendendo
sua mão direita.
“Ele é alto e bonito, mas esse negócio de beijo é para gente
grande”, pensa Erica.
Ángel solta uma pequena gargalhada e aperta a mão de Erica,
que, embora tenha ido com a cara daquele garoto, não entende do
que está rindo.
Depois das apresentações, os quatro caminham até o carro de
Paco sob seus respectivos guarda-chuvas.
— Não vem para casa, então?
— Não. Havia combinado com Ángel. Vamos almoçar fora.
O homem não está muito de acordo, mas não quer discutir na
frente daquele rapaz. O que tiver que dizer a Paula, dirá a sós. E são
muitas coisas que tem que lhe dizer!
Chegam ao carro.
— E por que Ángel não vem almoçar em casa? — pergunta Erica,
que está agora embaixo do guarda-chuva do jornalista.
Todos olham para a menina.
— Não, princesa. Hoje, vamos almoçar fora.
— Eu quero que Ángel vá almoçar em casa — insiste a
menininha.
Ela adora quando têm convidados. Sempre que vai gente
almoçar em casa sua mãe faz umas sobremesas deliciosas.
— Outro dia, meu amor.
— Hoje. Quero hoje!
Paula e Ángel se olham.
Paco, por sua vez, pensa depressa. Se almoçarem em sua casa,
não se atreverão a fazer nada, ficarão com as mãos quietas. E, além
do mais, poderá conhecer melhor esse rapaz que diz que é o
namorado de sua filha.
— Pois não é má ideia. Você pode almoçar em casa — solta por
fim o homem.
— Como?
— Com certeza vai adorar a comida da mãe dela, e assim
também a conhece. Além do mais, com este tempo, onde vai estar
melhor?
Ángel e Paula trocam olhares. O garoto dá de ombros e assente
com a cabeça. Gostaria de passar a tarde com sua namorada a sós,
mas não tem intenção de contrariar o pai dela.
— Por mim, tudo bem.
— Como? Mas íamos almoçar fora!
— Podemos ir outro dia, não se preocupe.
— Que bom, que bom! — grita a pequena agarrando-se à perna
de Ángel.
— Tudo certo, então — comenta Paco, enquanto entra no carro.
Erica abre uma das portas de trás e também entra no veículo.
Paula fecha seu guarda-chuva e fala no ouvido de Ángel.
— Tem certeza?
— Sim, não se preocupe. Vai ser divertido.
— Divertido?
— Claro, vai ver como vai ser legal. Não se preocupe por mim.
E, sem dizer mais nada, beija sua namorada na boca e entra
pela porta de trás do carro. Erica, quando o vê, esboça um grande
sorriso: está feliz por dividir o banco com seu novo amigo e se senta
bem perto dele.
Paula suspira e também entra no carro.
— Todos aqui? — pergunta Paco, dando uma olhada pelo
retrovisor.
— Sim! — grita a menina.
E, assim, o carro arranca sob a intensa chuva que continua
caindo na cidade, rumo a uma refeição inesperada para todos.
Capítulo Oitenta e Nove

Nesse meio do dia de março, no lar dos García.


Primeiro e único prato: lentilha.
Ángel rezava para que a amabilíssima mãe de Paula não
houvesse feito lentilha para comer, mas basta desejar algo com
muita força para... que não se realize.
— Mamãe, Ángel não gosta de lentilha — diz Paula com um
sorriso, antes de se sentar à mesa.
— Mas está uma delícia.
— Mas ele não gosta — repete a menina.
Seu namorado a olha envergonhado. Depois, o olhar se desloca
até Mercedes . Cora. Começaram bem!
— Sinto muito, é que não suporto desde pequeno.
— Não se preocupe, vou preparar outra coisa. Sentem-se vocês,
já venho.
— Não quer que a gente ajude?
— Não precisa, mas muito obrigada.
Paula segura a mão de seu namorado e o leva da cozinha.
— Começamos bem — sussurra em seu ouvido.
— Não tem importância, meu amor. Com certeza minha mãe tem
um plano B.
— Que mancada!
Juntos entram na sala de jantar. Ali, Paco e a pequena Erica já
ocupam seus lugares; a menininha examina com curiosidade o
convidado. É muito alto e, embora não entenda muito do assunto,
parece bonito. Quase tanto quanto aquele amiguinho seu que joga
massinha nela na sala de aula e que também se chama Ángel e tem
olhos azuis.
Paula se senta em sua cadeira habitual e ao seu lado Ángel, que
se coloca no meio das duas irmãs e em frente ao pai.
Ninguém diz nada. Só o que se ouve de fundo é o telejornal.
Estão passando a previsão meteorológica para amanhã e o fim de
semana: mais chuva.
— Quantos anos você tem? — pergunta por fim Erica, que não
deixou nem um segundo de observar o convidado.
— Vinte e dois — Ángel responde com tranquilidade.
— Vinte e dois? Você é muito velho!
O garoto sorri timidamente. Paula também. Só quem não parece
muito contente é Paco, que suspira. Vinte e dois anos! E ela ainda
não tem nem dezessete! Está a fim de fumar um cigarro, mas não
pode fazer isso na frente de suas filhas. A partir de agora, só fumará
escondido.
— E você, quantos anos tem?
— Isso.
Erica tira a mão direita de baixo da mesa e lhe mostra os cinco
dedos.
— Ah, você também é muito velha.
A menina cora e sorri, divertida. Ela já sabia que era muito
velha, mas seus pais e sua irmã insistem em não acreditar. Por fim
uma pessoa inteligente que se dá conta.
Nesse momento, Mercedes aparece com um prato de lentilha,
que coloca na frente de Paco, e outro de melão com presunto cru.
— Disso você gosta, não é?
Ángel assente sorridente quando vê o apetitoso prato. Está com
uma cara ótima. Erica reclama porque ela também quer o mesmo e
Paco morde os lábios ao perceber que sua mulher abriu o presunto
cru que lhe deram de presente só para o namorado de sua filha.
— Muito obrigado, não precisava ter se incomodado.
— Não é incômodo nenhum. Espero que esteja bom.
Mercedes sai de novo e logo volta com mais dois pratos de
lentilha para Paula e Erica. A pequena fica brava. Não é justo que o
cara novo ganhe melão e ela, que já está ali há cinco anos, lentilha.
— Se você se comportar direitinho e comer tudo, vai ter uma
surpresa de sobremesa.
Isso a tranquiliza um pouco e lhe dá esperanças de que, por fim,
ter convidado aquele menino para almoçar tenha sua recompensa.
A refeição transcorre com tranquilidade, mais do que Ángel e
Paula esperavam. Paco mal fala e Mercedes não para de entrar e sair
da sala de jantar. Ela vai comer depois. A pequena Erica submete o
jornalista a um pequeno interrogatório. Ángel se dá bem com a
menina. Porém, uma pergunta o faz engasgar.
— Você tem filhos?
— O quê? Filhos? — pergunta Ángel enquanto tosse.
— Claro. Se tiver, um dia pode trazê-los para brincar comigo.
Paula não pode evitar uma gargalhada ao ouvir sua irmã. Mas,
de novo, é Paco quem faz cara feia.
— Sou muito novo para ter filhos — comenta o jornalista, que
acaba de morder o último pedacinho de melão.
— E eu mais ainda — acrescenta Paula.
Erica olha para sua irmã. Não entende por que ela respondeu
também se não perguntou para ela. Paco, que também terminou seu
prato de lentilha, levanta-se da mesa. Não aguenta mais.
— Já venho.
O homem, sem dizer nada, sobe a escada. Precisa de um cigarro.
Mercedes, que voltou à sala de jantar, pergunta-se onde está seu
marido, mas não dá importância à sua ausência.
— Acabaram de comer?
— Sim! — grita a menina.
— Estava ótimo, Mercedes — Ángel diz gentilmente, enquanto se
levanta e pega seu prato vazio para levá-lo à cozinha.
Mas a mulher arrebata o prato das mãos dele e pede que fique
sentado.
— Deixe que eu levo. Você é o convidado.
— Que coisa — murmura Erica, que não está muito satisfeita
por Ángel não ter que tirar seu prato. Ela faz isso sempre, desde que
tinha quatro anos e meio.
— Como certamente o melão com presunto cru não encheu
muito, fiz banana split de sobremesa.
— Oba! Oba! — grita triunfante a criança.
— Não sei se vou aguentar.
— Vai ver que sim. Erica, pegue seu prato e venha me ajudar,
ande.
A menina abandona sua cadeira com o prato de lentilha quase
vazio nas mãos e acompanha sua mãe até a cozinha.
Paula e Ángel, pela primeira vez em algum tempo, ficam
sozinhos.
—Não foi tão ruim, não é? — sussurra a menina.
— Não. Sua mãe é um amor e sua irmã uma figura...
— Eu esperava um forte interrogatório de meu pai, mas passou
o almoço calado.
— Bom, acho que não foi muito com a minha cara.
— Por quê?
— Porque sou o namorado da filha dele. É normal.
— Pois eu vou muito com a sua cara.
— Melhor mesmo...
E a beija na boca com um beijo doce com sabor de melão. Paula
sorri enquanto sente os lábios de Ángel, mas os afasta rapidamente
quando vê seu pai voltar do andar de cima. Será que os viu? Parece
que não.
Paco termina de descer a escada e se senta de novo à mesa.
Fumou meio cigarro, o que o acalmou bastante.
Erica entra na sala de jantar com sua mãe trazendo um enorme
prato nas mãos: a sobremesa, duas bananas inteiras cobertas de
creme de leite, sorvete, cereja e caramelo. Mercedes leva mais dois
pratos. Um para seu marido e outro para o convidado.
— Meu Deus! É enorme! — exclama Ángel quando a mulher põe
a sobremesa à sua frente. — Acho que não dou conta disso tudo.
— Vamos dividir — diz Paula, que pega uma colherzinha e corta
um pedacinho de banana.
— Fiz uma para você. Deixe essa para ele, que comeu muito
pouco.
— Não, realmente é muito para mim. Melhor dividirmos.
Obrigado, Mercedes.
— Sim, mamãe, esta fica para nós dois.
— Como quiserem, mas há outra pronta — comenta a mulher,
que volta mais uma vez à cozinha.
Os quatro comem a sobremesa sem dizer nada. Paco de vez em
quando observa sua filha e o namorado brincando com as colheres e
o sorvete e resmunga em voz baixa. Que descarados! Não suporta
isso. Aperta os dentes e continua comendo.
De todos, quem mais gosta da sobremesa é Erica, que está com
o rosto todo sujo de baunilha e caramelo. Quando Ángel a vê, quase
engasga.
— Está gostoso? — pergunta muito sério, tentando não rir para
não chatear a menina.
— Muito — responde sorridente e com a boca cheia de sorvete e
banana.
— Princesa, e agora? Vai dar um beijo em Ángel? — sugere
Paula quando se dá conta do aspecto de sua irmã.
O jornalista arregala os olhos.
— Não! — exclama a menina.
— Não?
— Não quer me dar um beijo? — pergunta aliviado.
A menininha balança a cabeça muito rápido de um lado para o
outro. Suas bochechas estão infladas e coradas. Mas de novo? Por
que todo mundo tem essa mania? Ela beijando um menino… Que
nojo! Além do mais, não percebem que o garoto está com a boca suja
de sorvete de morango? Nem louca!
Paco é o primeiro a terminar. Comeu a sobremesa depressa,
nervoso. Levanta-se e leva seu prato à cozinha enquanto pensa que,
afinal, não foi tão boa ideia convidar aquele garoto para almoçar em
sua casa. A tensão não o deixou nem falar. Não parece má pessoa,
até é simpático, mas continua achando que é velho para sua filha.
Ela é muito nova para se comprometer com alguém em uma relação
séria, e mais ainda se esse alguém até já acabou a faculdade.
Ángel e Paula também terminam. A garota se levanta e abraça
seu namorado por trás da cadeira.
— É cedo. Quer que lhe mostre meu quarto, que ainda não viu?
— Ah, sim, quero. Estou curioso.
O casal deixa Erica sozinha na mesa, contemplando intrigada
sua irmã e o convidado subirem a escada. Por que andam de mãos
dadas? É porque são namorados? Não sabe. E, além do mais, tem
coisas mais importantes para fazer nesse momento.
Já lá em cima, Paula abre a porta de seu quarto e convida Ángel
a entrar. Os dois entram e, lentamente, a porta se fecha.
Nesse meio de dia de março, ao mesmo tempo, na cozinha dos
García.
— Não aguento. É mais forte que eu.
— Mas o rapaz é muito agradável. Gosto dele para Paula.
— É muito velho. Muito velho.
— Bom, pode ser, mas parece que se dão bem.
— Por Deus, Merche! Ele tem vinte e dois anos!
A mulher se volta e mira-o diretamente nos olhos.
— Merche? Fazia muito tempo que não me chamava assim.
— É.
Mercedes sorri e se aproxima de Paco. Carinhosamente, beija-o
no rosto e o abraça.
— Precisa se acalmar. O garoto é um amor. E muito bonito,
aliás. Sua filha tem muito bom gosto.
— Você é que teve bom gosto.
A mulher solta uma gargalhada. Depois, docemente, apoia a
cabeça no ombro do marido.
— É verdade. Mas esse garoto é mais bonito que você na idade
dele. Viu que olhos?
— Aah! Não é para tanto.
— Ah, sim, é um gato. E tem um corpo muito...
— É o namorado da sua filha! Não se entusiasme! — exclama
Paco afastando-se dos braços de sua esposa.
Mercedes volta a rir forte e dá outro beijo no marido. Dessa vez,
na boca. Erica, nesse instante, entra na cozinha com seu prato vazio
nas mãos e vê seus pais.
— Que estão fazendo?
— Nada — responde a mulher, agachando-se e pegando o prato
das mãos de sua filha pequena.
— Era um beijo?
— Sim, era um beijo.
— Na boca?
— Na boca.
— Blergh!
A menina cobre a boca com a mão e percebe que está suja de
sorvete. Sua mãe volta a inclinar-se e a limpa com um guardanapo.
— Paula e Ángel acabaram a sobremesa? — pergunta Mercedes,
que tenta tirar todas as manchas do rosto de sua filhinha.
— Sim, e saíram.
— Saíram? Para onde?
— Para cima.
Paco e Mercedes se olham desconcertados. O homem morde os
lábios e a mulher suspira. Não acredita que... mas e se...
Nesse dia de março, nesse instante, no quarto de Paula.
Lá fora parou de chover.
Ángel olha pela janela e vê um tímido raio de sol que abre
caminho por entre as nuvens negras. Não tardará a desaparecer.
Paula está sentada na cama. Não entende o motivo, mas, de
repente, está com muito calor. Observa seu namorado e, quando ele
se volta para ela, ambos sorriem. Seus olhos lhe pedem que se sente
junto a ela. Ángel obedece e se olham, pupila com pupila.
— Te amo.
— Te amo.
O garoto também sente o mesmo calor, um calor como há muito
tempo não experimentava. Beijam-se devagar, trêmulos. Nenhum
dos dois entende o que está acontecendo, mas em um dia frio e cinza
como aquele, os dois sentem muito calor. É estranho. Para ela é uma
sensação desconhecida. Sem perceber, sua mão se perde debaixo do
suéter de Ángel e acaricia seu torso forte, firme, perfeito. O calor
aumenta. Paula continua sem entender o que está acontecendo, mas
não pode se deter. Seus beijos são mais intensos. A língua dele roça
a sua e sente a mão de Ángel se introduzir sob sua camiseta;
acaricia suas costas e desce até sua calça. É uma fronteira perigosa,
que separa o mundo da inocência da terra do prazer. A menina
começa a pensar depressa, com mil coisas na cabeça: está em sua
casa, seus pais lá embaixo, nunca chegou tão longe com ninguém,
mas não se importa, não quer que Ángel pare e não lhe pede isso.
Guia com a sua a mão do garoto até o interior da parte de trás de
sua calça, muito, muito perto de sua calcinha; fecha os olhos e
suspira quando Ángel beija seu pescoço. Não acredita. Sua primeira
vez vai chegar? Em sua casa? Em seu quarto? Não acredita. Talvez
não seja o lugar nem o momento, mas não pode parar. A camiseta se
levanta e sente os lábios de Ángel em um dos seus seios. Meu Deus!
Vai acontecer? Ela quer. E ele? Quer também? Será que tem
preservativo?
O pequeno raio de sol morre.
E a porta do quarto de Paula se abre de repente!
— Paula! Papai está chamando! — grita Erica, entrando no
quarto sem bater.
A menina, que não percebe nada do que está acontecendo na
cama, nota seu erro e fecha a porta de novo para fazer direito.
Sempre lhe dizem que não se pode entrar nos lugares sem antes
bater na porta.
Paula e Ángel se levantam rapidamente, cada um por um lado
da cama, e aproveitam para ajeitar a roupa.
— Toc, toc.
— Entra, anda — diz Paula à menininha, enquanto se penteia
com as mãos e arfa.
Erica entra satisfeita por ter consertado seu erro sem que
ninguém lhe dissesse nada. O que a menininha não sabe é que
também evitou que outro erro muito maior acontecesse.
Capítulo Noventa

Nessa tarde de março, em algum lugar da cidade.


Cabeceia. Volta a cabecear, e também uma terceira vez.
Sentado em uma das cadeiras de seu quarto, Mario mal
consegue ficar acordado. Mas não falta muito para que Paula
chegue, de modo que é proibido dormir.
A tarde está horrível. Chuva, vento, frio... Teve medo de que sua
amiga lhe telefonasse para dizer que hoje não iria à sua casa, mas
isso não aconteceu até o momento. Amanhã é a prova final de
matemática e têm ainda muita coisa para estudar. A semana não
passou como ele havia planejado e seus sentimentos ainda
permanecem ocultos dentro de si.
A tempestade está sobre essa região da cidade. O céu negro se
ilumina e alguns segundos depois estoura um trovão. Pouco depois
ouve o som da campainha da porta. Está sozinho em casa, de modo
que tem que abrir. Mario olha o relógio. Se for Paula, chegou antes
do esperado, algo muito estranho nela.
O menino se apressa. Desce a escada a toda velocidade, mas
antes de chegar à porta da entrada se olha em um espelho do hall.
Bom, nada mal. Não há muito que fazer. Inspira, suspira e abre.
Mas do outro lado da porta não está Paula. Uma menina debaixo
do capuz de uma capa de chuva amarela, com um piercing no nariz,
dedica-lhe meio sorriso:
— Oi, Mario.
O tom de voz de Diana é diferente do habitual; é sério,
controlado, firme.
— O... Olá — responde o menino, surpreso. — Entre.
—Paula não chegou ainda, não é?
— Não.
A menina tira o capuz quando entra na casa e ajeita um pouco o
cabelo com as mãos. Mario a observa. Sua aparência não é a de
sempre. Apesar de ter pintado os olhos, não conseguiu disfarçar
imensas olheiras. Parece outra, cansada, com menos vitalidade, sem
a energia que a caracteriza.
— Que chuva! — comenta enquanto tira a capa. — Onde ponho
isso?
— Dê aqui.
O menino pega a capa de chuva e pendura em um cabideiro.
Embaixo, coloca um porta-guarda-chuva para que as gotinhas não
caiam ao chão.
A casa se ilumina mais uma vez e, um instante depois, um novo
trovão sacode o céu.
— Está sozinho em casa?
— Sim. Meus pais estão não sei onde e Miriam acho que foi
pegar Cristina . Acho que depois iam para sua casa, para ver se
estava tudo bem.
— Ah.
— Como você não foi à escola e estava com o celular desligado,
elas ficaram meio preocupadas.
— Que exagero — comenta Diana com frieza, enquanto se dirige
à escada que leva ao quarto de Mario. — Vamos subir?
— Sim.
Os dois avançam degrau a degrau, sem falar.
Pela cabeça do menino se passam muitas coisas, incontáveis
perguntas. Para que ela veio? Para ajeitar as coisas? Para continuar
estudando? Não tem certeza. Pensou nela durante o dia todo, mais
que em Paula, e não deixou de se sentir culpado nem um minuto
pelo que aconteceu ontem.
Mario e Diana entram no quarto, mas não fecham a porta. Cada
um se senta no mesmo lugar da tarde anterior.
— Sabe, passei a noite toda e parte da manhã estudando esta
droga — comenta a menina, enquanto tira o livro de matemática e
um caderno da mochila.
— Como?
— Isso. Ontem percebi que sou meio imbecil e que se quiser ir
bem na maldita prova de amanhã, tinha que fazer hora extra. E,
como vê, estou sem dormir.
Mario não pode acreditar no que ouve. As olheiras são por causa
disso?
— Passou a noite estudando e faltou à aula por isso?
— Sim, isso mesmo. Além do mais, tive que desligar o celular
para não me desconcentrar. Enfiei em uma gaveta e tranquei para
não ter a tentação de ficar jogando nele.
— Caramba, parece incrível que tenha feito tudo isso.
— Não acredita? Pergunte alguma coisa, o que quiser.
— Não, não. Eu acredito, acredito sim.
— De qualquer maneira, algumas coisas não entendi e vai ter me
que explicar — diz a menina, enquanto passa a toda velocidade as
páginas do livro de matemática. — Mas depois. Agora queria pedir
desculpas por meu comportamento de ontem. Eu me excedi um
pouco. Bastante. E é justo que lhe peça perdão. Não devia tê-lo
pressionado daquele jeito. Sinto muito.
As palavras da menina são sinceras. Até treme ao dizê-las. Mario
percebe e sente um nó na garganta. Mas a culpa não é toda dela.
— Eu também tenho que pedir perdão. Perdi a cabeça e gritei
com você. Não foi legal. E também queria me desculpar por me
estressar tanto com você ontem. Fiquei sem paciência. Desculpa.
Os olhos de Diana se iluminam com um brilho úmido que
consegue controlar antes que seu lado mais sensível se manifeste.
— Bom, eu sou muito ruim nisso, é normal que se estresse.
— Se conseguiu aprender tudo em menos de um dia, com uma
base tão fraca de matemática, não acho que seja tão ruim.
— Vamos, Mario, sou uma negação para matemática e para o
resto das matérias. Eu sei. Isso é mais uma questão de orgulho que
outra coisa. E, além do mais, não quero fazer vocês perderem tempo
como ontem.
— Não foi para tanto. Tenho certeza de que Paula não se
incomodou com nada.
O fim da frase chega com o estouro de outro trovão, talvez o
mais barulhento de todos os que soaram até o momento.
— Mario, eu também queria lhe propor uma coisa.
Diana desvia o olhar dos olhos do garoto para o chão.
— Quer me propor uma coisa?
— Bom, não é exatamente isso. É mais um conselho ou, não
sei... Ouça e depois chame como quiser.
— Ok. Diga.
A menina engole em seco e reúne a coragem necessária para
falar. E fala de maneira doce, escondendo sua tristeza.
— Você devia dizer para a Paula o que sente. Mas não amanhã
nem depois. Já. Hoje.
— Como?
— Isso, Mario. Não pode continuar assim por mais tempo. Já é
hora de revelar a Paula o que sente por ela.
— Mas...
— Eu vou embora antes e vou deixá-lo a sós com ela. É sua
oportunidade.
— Diana... Eu...
— É que, Mario, vou ser o mais sincera possível. Não sei se você
sabe, mas Paula está namorando. Quanto mais o tempo passar,
mais ela se apaixonará por ele, e será pior pra você. Não sei se você
tem alguma chance. Você é um grande garoto e amigo dela. Talvez
ela descubra que também sente algo por você, diferente do que vê
agora. Mas, se não confessar seus sentimentos, jamais saberá. Você
tem que dar um passo à frente e pôr as cartas na mesa. Arrisque de
uma vez por todas.
Mais um relâmpago. Outro trovão.
Cinco horas da tarde. Silêncio. Nervosismo e medo. Um olhar
para lugar nenhum. E, finalmente, a decisão:
— Está bem, farei isso. Direi a Paula que a amo.
— Isso mesmo! — exclama Diana levantando-se e se
aproximando de seu amigo.
Mario sorri. Diana sorri. Sorri e o beija no rosto. Amigos.
E, embora por dentro esteja morrendo ao saber que esse garoto
por quem se apaixonou como uma tonta ama sua melhor amiga e
está prestes a confessar, tem certeza de que fez o certo.
Capítulo Noventa e Um

Nessa tarde de março, em algum lugar da cidade.


Saem do carro e atravessam a rua correndo para o edifício em
frente. Não estão de guarda-chuva. O semáforo vai ficar vermelho.
Katia vai na frente. Move-se ágil, rápida debaixo da chuva, e Ángel a
segue de perto. Ainda não sabe muito bem o que está fazendo ali.
Sente saudade de Paula. Não consegue esquecer nem um instante o
que aconteceu há algumas horas. O que teria acontecido se Erica
não entrasse no quarto? Quem sabe. Perdeu o controle em um
momento de paixão, de uma forte carga sexual. Talvez tenha sido
melhor a menina aparecer. Não tinha proteção e também não era a
situação mais adequada para a primeira vez de sua namorada. Além
do mais, seus pais lá embaixo. Uff. Teria sido um erro de dimensões
gigantescas.
Quando chegam ao outro lado da rua, abrigam-se na portaria
daquele edifício. Estão ofegantes, molhados, tentando recuperar o
fôlego perdido na corrida. Katia olha para ele e sorri.
— Cada vez que nos vemos, acabamos correndo — diz ela,
suspirando.
— Parece que sim. Com você, vou ficar em forma outra vez.
— Já está em forma. Você é quase tão rápido quanto eu. E isso é
uma grande coisa.
Ángel ri. É verdade. Aquela menina corre realmente depressa.
— É por causa dos sapatos. Da próxima vez, vou ganhar —
responde o garoto.
— Sapatos? Não tinha uma desculpa melhor?
O garoto finge pensar e finalmente nega com a cabeça,
acompanhando seu gesto com uma careta.
— É uma desculpa muito esfarrapada.
— Eu sei.
Katia sorri. Ele é adorável. Cada vez que olha para ele, derrete-
se. É o homem perfeito. Porém, não é seu, e sim de outra, outra a
quem tem que dedicar uma canção. A vida tem dessas coisas. É
injusta. Bom, pelo menos ele está ali com ela. Vai curti-lo durante
algumas horas.
— Vamos entrar?
— Ok.
A cantora de cabelo rosa procura no interfone o térreo B e aperta
o botão.
— Quem é? — pergunta uma voz feminina.
— Olá, boa tarde. É Katia. Vim para...
— Ah, olá! Estávamos esperando por você. Vou abrir.
A seguir, ouve-se um barulho metálico bastante desagradável.
Katia empurra a porta e ela se abre.
— Abriu. Muito obrigada.
O casal entra no edifício. As luzes do hall estão acesas, mas a
luminosidade é escassa, muito tênue, e o lugar não é muito
acolhedor. Um homem de paletó cinza de veludo e uma gravata
vermelha que estava lendo jornal se levanta da cadeira ao vê-los.
— A que andar vão? — pergunta de má vontade.
— Térreo B — responde Katia.
— Ah, vão ao estúdio. É por ali — diz muito sério, indicando um
longo corredor à sua direita. — É a última porta.
— Obrigada.
A cantora e o escritor se despedem gentilmente do porteiro e se
dirigem à porta do fundo. Na metade do caminho, alguém sai do
térreo B e os espera apoiado na parede junto à porta.
— Olá, garotos. Continua chovendo?
— Sim, muito — responde Katia, e dá um beijo no rosto de
Mauricio Torres, seu agente.
O homem, a seguir, estende a mão para Ángel.
— Fico feliz por voltar a vê-lo.
— Eu também.
Os três entram no estúdio. Uma menina loira em um balcão, a
que abriu a porta antes, cumprimenta-os sorridente quando passam
ao seu lado.
— Katia me contou, quando liguei hoje de manhã, o que vão a
fazer. Achei um belo mimo para sua namorada.
— Obrigado. Mas o melhor mimo é de Katia por querer fazer isso
e se incomodar em lhe dedicar a canção.
— Não é incômodo, será um prazer. Tudo por meus fãs — diz,
com uma expressão teatral.
— Bom, espero que, em troca, você tenha feito uma boa matéria
dela em sua revista.
— Não se preocupe, Mauricio: Ángel é o melhor, você vai ver —
antecipa-se Katia.
O jornalista cora.
— Também quero lhe agradecer por conseguir que nos deixem
gravar aqui.
— De nada, homem. O negócio da música é assim. Hoje por você
e amanhã por mim. Um dia você vai me dedicar uma matéria na
revista — diz Mauricio dando uma batidinha nas costas de Ángel,
que não sabe se está falando sério ou de brincadeira.
Um homem muito magro, com a cabeça completamente raspada,
vai até eles.
— Este é o Moisés. Vai se encarregar da gravação — aponta
Mauricio, apresentando-o. — Imagino que conheça Katia, e este é
Ángel, um jornalista do meio artístico.
— Muito prazer — Moisés dá a mão a Ángel e dois beijos em
Katia. — Minhas filhas têm seu CD e ficam o dia todo cantando suas
músicas.
— Ah, é? Você deve me odiar, então.
— Não vou negar.
— O próximo, eu dou para elas de presente.
— Vão ficar muito contentes — diz Moisés, forçando um sorriso
divertido. — Quando quiserem, começamos.
— Quando você quiser — diz a cantora.
— Vamos começar já, então. Me acompanhem.
Os três caminham atrás de Moisés, que manca levemente ao
andar.
— Trouxe aquilo que comentei ontem, depois dá uma olhada —
sussurra Mauricio a Katia, que morde os lábios desorientada.
— Desculpe, Mauricio, não lembro o que é.
— Você é um desastre. Não lembra que falei de um envelope que
chegou em seu nome, de um rapaz que quer ser escritor?
— Ah, sim, é verdade. O da música para sua história ou algo
assim, não?
— Isso. Depois dá uma olhada, ok?
— Tudo bem.
Os quatro entram em uma sala pintada de vermelho que contém
uma cabine com duas pequenas salas. Na externa há um
computador e uma mesa cheia de botões e regulagens. Faz Ángel
lembrar-se daquelas mesas de som que usava na faculdade de
jornalismo nas aulas de rádio. A sala interna está quase vazia. Só se
vê um microfone em pé e uns fones de ouvido pendurados na
parede. Uma enorme janela separa as duas salas.
— Sentem-se por aqui — indica Moisés a Ángel e Mauricio, que
se acomodam em duas cadeiras com rodinhas. — Você vem comigo.
Katia acompanha o homem à sala do microfone e ele lhe explica
algumas coisas. Ángel os observa pelo vidro. É a primeira vez que
está em um estúdio de gravação e presencia como se grava uma
música.
Moisés volta e se senta em frente à mesa de som. Aperta alguns
botões e sobe e desce algumas regulagens.
— Katia, está ouvindo bem?
— Sim, perfeito.
— Algum problema?
— Nenhum.
— Vamos começar, então?
— Sim, quando quiser.
O homem de cabeça rapada se volta e levanta o polegar em sinal
de ok a seus acompanhantes. Depois volta o olhar para Katia.
— Um, dois, três... Pronta?
Capítulo Noventa e Dois

Nessa tarde de março, em outro lugar da cidade.


A tarde passa, a chuva continua, e o som das gotas é
praticamente a única coisa que se ouve no quarto de Mario. Em
silêncio, cada um em uma ponta do quarto, os três amigos dão a
última repassada na matéria da prova de amanhã. Nenhum deles se
concentrou cem por cento, mas estudaram o suficiente para fazer
com certa garantia a prova final do trimestre. Até Diana, que
impressionou Paula quando lhe contou o motivo de sua ausência na
escola, tem chances.
Mas cada um tem coisas mais importantes em que pensar. A
prova de matemática ficou em um plano secundário.
Paula não consegue tirar Ángel da cabeça. Se não fosse por sua
irmã, hoje teria feito amor com ele. Sua primeira vez! Não era lugar
nem ocasião, mas não seria capaz de se deter. Felizmente, foi Erica
quem abriu a porta, e não sua mãe ou, pior, seu pai.
Diana observa Mario quando ele não está prestando atenção.
Sente seu coração pular cada vez que se aproxima de Paula e riem
juntos. Sofre até um limite a que nem ela mesma imaginava que
podia chegar. Mas suas cartas estão lançadas e só lhe resta esperar
acontecimentos. Se sua amiga perceber que ela sente algo por ele...
E Mario está nervoso, sem jeito. Foi várias vezes até uma das
gavetas de sua escrivaninha como para se certificar de que aquilo
continua ali. Olha o relógio que avança depressa, mas ao mesmo
tempo os minutos se fazem eternos. O momento mais importante de
sua vida está próximo. Pelo menos é o que acha.
— Mario, pode vir aqui um instante? — pergunta Paula. — Não
consigo fazer isto aqui.
O menino se levanta da sua cadeira e se aproxima de sua amiga,
que está de joelhos no chão usando a cama como mesa. Inclina-se
ao seu lado e sorri.
— Que foi? O que não consegue?
Diana os observa atenta. Suspira e vê como Paula toca o cabelo
quando está perto dele. Uff. Leu que as meninas instintivamente
tocam o cabelo quando falam ou olham para o menino por quem
estão apaixonadas. É possível que Paula goste de Mario. Claro que
sim. Não seria a primeira a descobrir que ama o menino invisível. É
quase bonito, inteligente e seu amigo da vida toda. Uff, não suporta
essa ideia. Seus olhos começam a arder com essa queimação
anterior ao pranto, com essa angústia no peito que não nos deixa
respirar direito e que nos faz inspirar e expirar mil vezes. Os rostos
estão muito perto, quase não caberia uma folha de papel entre
ambos. Uff, não aguenta mais.
— Que tarde! Pessoal, tenho que ir! — grita Diana de repente.
Paula e Mario se voltam e veem que a menina está colocando
suas coisas na mochila apressadamente.
— É verdade, está muito tarde. Vou com você — comenta Paula,
que observa, surpresa, a hora em um relógio da parede do quarto.
Está com muita vontade de chegar à sua casa e ligar para Ángel.
Diana e Mario se olham. Apesar do que sente, de as lágrimas
estarem à beira do precipício que são seus olhos agora, a garota faz
um gesto a seu amigo para que impeça que Paula vá embora.
— Não! Espera! — exclama Mario.
Paula olha-o surpresa.
— Esperar?
— Sim, espera. Tem que me explicar uma coisa!
— O quê?
A menina está pasma. Ela explicar alguma coisa de matemática
a Mario?
— Ehhh... Ehhhh... Fica! Espera...
Mario gagueja. É incapaz de encontrar algo para dizer. Paula
olha para um e outro sem saber o que fazer. O que está
acontecendo?
Diana, por fim, intervém e abre a porta do quarto.
— Bom, pessoal, vou indo. Amanhã nos vemos. Boa sorte.
Diz a última frase a Mario olhando nos olhos dele. E, no meio de
tanta confusão, Diana sai do quarto um segundo antes de derramar
uma morna lágrima pela única pessoa que foi capaz de fazê-la
chorar.
— Não estou entendendo nada — diz Paula, que começa a pegar
suas coisas.
— Espera, não vai embora.
A mão do menino alcança a dela.
— Mas...
— Espera, por favor.
Mario se levanta, reúne toda a coragem possível, solta a mão de
Paula e vai até a gaveta da escrivaninha. Abre-a e tira algo dela.
— É para você — murmura em voz baixa, pondo em suas mãos
um CD. — Ia te dar no seu aniversário, mas acho que este é um bom
momento. Sinto muito, não tive tempo de embrulhar.
A menina observa a capa. É uma colagem feita com fotos suas,
misturadas com imagens de seus discos preferidos. É perfeito.
Suspira e abre o CD. Dentro encontra um encarte com mais imagens
e as letras de todas as canções. Folheia-o entusiasmada. Que
trabalho deve ter dado fazer tudo aquilo!
Olha para Mario e depois de novo para o CD, que ele
intitulou Canções para Paula.
— Muito obrigada, sério. Você me deixou sem palavras. É
impressionante. — A menina está com os olhos brilhantes. — Vou
pôr no computador, posso?
Mario assente sem dizer nada.
Paula introduz o CD no computador e espera que carregue. Abre
o arquivo em que estão as vinte e uma canções e clica na primeira.
Emocionada, ouve When you know, do Shawn Colvin.
Os dois voltam a se olhar. Sorriem. Mario adora vê-la tão feliz,
mas sente que seu coração vai pular do peito, batendo cada vez mais
depressa. Lentamente se aproxima dela. É linda. Seu cabelo
ondulado, agora solto, cai pelos ombros. Está à sua frente. Seus
olhos se fixam nos lábios dela. Estão perto, muito perto, e deseja
beijá-la. Deseja com toda a sua alma. Dessa vez, nada nem ninguém
impedirá que o destino siga seu curso: inclina levemente a cabeça e,
diante da surpresa de Paula, junta seus lábios nos dela. É um beijo
roubado, um beijo que permite que, de uma vez por todas, flua tudo
o que tem dentro de si e que durante tanto tempo permaneceu
oculto.
Capítulo Noventa e Três

À noite, em uma quinta-feira de março, em um lugar afastado da


cidade.
Olá, meu nome é Ester. Assim, sem H. Com certeza muitas
pessoas já lhe disseram isso, mas não pude resistir a lhe escrever
depois de encontrar e ler um dos livretos de Por trás da parede. Você é
genial. Nunca vi nada igual. É tão incrivelmente romântico... Eu
também quero ser escritora, tenho uma página na internet em que
escrevo pequenos textos com base em uma palavra que alguém me
diz. Mas, sinceramente, jamais teria pensado em me mostrar com uma
ideia como a sua. Aos dezoito anos comecei com vários romances, mas
não acabei nenhum. Espero que com você não aconteça o mesmo.
Adorei seu estilo, seu jeito de se expressar e a vida que dá a cada
personagem. Julián, Larry, Nadia, Verónica, César, Marta... Todos são
perfeitos. Quero continuar a ler e saber como o livro termina.
Eu lhe desejo muita sorte na vida e que esse projeto culmine em
papel. Serei a primeira a comprá-lo.
Um beijo muito grande de mais uma admiradora.
Álex lê duas vezes o e-mail e fecha o notebook. É a quarta pessoa
que, após encontrar o livreto de Por trás da parede, lhe escreve.
Esse e-mail, pelo jeito como a menina diz as coisas, deixou-o
especialmente entusiasmado. “Ester sem H” deve ser alguém muito
interessante.
O telefone toca de repente e ele se assusta. É só o alarme
programado para as nove. Pega o celular e trava o alarme. Silêncio
absoluto. Não chove, e o vento também parou. Percebe que se sente
sozinho. Fazia muito tempo que não lhe acontecia algo assim, talvez
desde que seu pai morrera.
O telefone continua em sua mão. Entra na pasta de mensagens
recebidas e busca as últimas, as que Paula lhe mandou. Paula...
Uma a uma, lê todas atentamente. Sabe-as de cor. Tem saudades
dela.
Um dia vão dividir algo mais que umas simples mensagens?
É noite fechada e está sozinho. Estremece, precisa de um pouco
de calor.
Lentamente, levanta-se da cadeira e se dirige ao canto onde
guarda seu saxofone. Tira-o da capa e coloca a boquilha nos lábios.
Sopra. Seu peito se ergue e encolhe. Toca sem partitura, não precisa
dela. Álex sabe aquela canção de cor porque ele mesmo a compôs.
Toca bem, talvez meio melancólico, porque o sax é um instrumento
deliciosamente triste, mas romântico. Muito romântico.
Seus dedos deslizam pelo metal. Pensa em Paula enquanto toca,
em seus olhos cor de mel e em seus lábios tão desejáveis, perfeitos
para beijar. Um beijo: como anseia por um beijo daquela menina!
O celular toca de novo, mas agora não é o alarme, e sim alguém
que está ligando. Álex deixa o saxofone em cima da cama e alcança o
aparelho. É o Sr. Mendizábal.
— Como vai, Agustín?
— Olá, Álex! Estou ótimo! Rejuvenesci uns trinta anos!
O garoto tem que afastar o telefone da orelha por conta dos
gritos do homem, que parece entusiasmado.
— Ah, é? E a que se deve isso?
— A que se deve? A sua querida irmã: graças a ela me sinto mais
jovem.
— Irene está aí? — pergunta com estranheza.
Que surpresa! Não esperava que, no fim, sua meia-irmã
acabasse aceitando ir morar com Agustín Mendizábal.
— Sim. Chegou há um tempo. Está aqui ao meu lado... Espere,
ela quer te dizer uma coisa.
— Ok.
— Vou passar.
— Álex? — murmura Irene do outro lado da linha.
— Oi, tudo bem? No fim, decidiu ficar com...
— Você é um filho da mãe — sussurra a menina,
interrompendo-o. — Ainda não acredito que me expulsou de sua
casa.
E silêncio.
O garoto não pode evitar um sorrisinho.
— Álex? Você está aí? — pergunta o Sr. Mendizábal, que é quem
fala de novo.
— Sim, estou aqui.
— Não ouvi o que Irene disse, mas muito obrigado por tudo. Só
de vê-la rejuvenesço vinte anos.
— Obrigado a você por me fazer esse favor; a mim e a ela.
— O único favorecido sou eu! — exclama, soltando uma forte
gargalhada a seguir.
— Fico feliz de vê-lo tão contente. Agora tenho que desligar,
Agustín. Amanhã nos vemos.
— Perfeito. Tchau, Álex.
— Tchau, Agustín.
O garoto desliga com um grande sorriso no rosto. Pobre Irene.
Mas foi merecido. Quem se comporta como sua meia-irmã se
comportou nos últimos dias merece uma penitência. Mesmo que
viver os três meses de duração do curso na casa de Agustín
Mendizábal seja muito mais que isso.
Nessa noite de março, em algum lugar da cidade.
A gravação de Ilusionas mi corazón dedicada a Paula acabou. O
CD já está pronto. Três horas, quase quatro, Ángel passou
observando Katia cantar, testar vozes e repetir o refrão. Mas valeu a
pena: já tem o presente perfeito para sua namorada.
Terminado o trabalho, jornalista e cantora voltam no Citroën Sax
de Alexia.
— Chegamos — comenta Katia, enquanto estaciona em fila
dupla.
— Percebi.
— Espero que Paula goste do seu presente.
— Com certeza vai gostar. Muito obrigado por tudo que fez. Você
é uma amiga.
A menina de cabelo rosa sorri. “Uma amiga”. Sim, ela se
comportou como amiga; como uma amiga que faz favores, que se
cala e esconde o que realmente pensa... Uma amiga que participou
do presente de aniversário da namorada do garoto por quem está
apaixonada. Amiga? Pensa em outra palavra pior para definir a si
mesma. Mas é o que lhe cabe. É seu papel, o que assumiu. Amiga de
Ángel.
— Vamos nos ver de novo? — pergunta Katia.
— Eu a você, com certeza. Você está por todo lado. Há rumores,
inclusive, de que vai protagonizar uma série para jovens.
— E eu a você? Tornarei a vê-lo?
Ángel mira-a nos olhos, esses olhos azuis-claros, ferinos, mas
doces.
— Claro que nos veremos. Pertencemos ao mesmo mundo, não?
— Sim. E tenho certeza de que você será um jornalista famoso.
— Prefiro ser um bom jornalista.
— Isso você já é. Tem que buscar novos desafios.
— Tenho muito a aprender, estou começando ainda.
— Vai conseguir tudo que quiser, Ángel. Tudo que quiser.
— Como você, não? Também conseguiu tudo que queria.
A menina volta a sorrir: amargo e irônico sorriso.
— Sim. Tudo.
Pequenas gotas de chuva começam a cair no vidro do Sax.
— Está começando a chover. Vou antes que piore.
— Ok.
— Tchau, nos veremos em breve.
— Tchau.
Ángel abre a porta do passageiro, mas não sai imediatamente do
carro. Inclina-se para a esquerda e beija Katia no rosto.
— Muito obrigado de novo. Eu ligo.
E, sem voltar a olhá-la, corre sob a chuva até a portaria de seu
edifício.
Capítulo Noventa e Quatro

Nessa noite de março, em algum lugar da cidade.


Em vinte e quatro horas vai ter dezessete anos, mas seu
aniversário é o que menos lhe importa agora. A noite aprisiona o
coração de Paula. Está sozinha em sua cama, deitada de bruços,
com o travesseiro molhado de lágrimas.
Há duas horas.
— Oi, meu amor.
— Oi, Ángel.
— Tudo bem? Saudades.
— Eu também estou com saudades.
Suspiro. Suspiro. Silêncio.
— O que você tem? Tudo bem?
— Sim, não se preocupe. Só estou um pouco cansada.
— Quer que eu desligue e falamos amanhã?
— Ok.
— Tem certeza de que está bem?
— Sim, desculpe. Amanhã depois da aula eu ligo, ok?
— Bom, como quiser.
— Boa-noite, Ángel.
— Boa-noite, te amo.
É meia-noite. Em seu quarto completamente escuro, ouve a
canção número quatro de Canções para Paula. Toca: Una vida
contigo.
Por que tudo isso está acontecendo com ela?
Há uma hora.
— Alô...
— Oi, Paula.
— Oi, Álex. Tudo bem?
— Bem. Escrevendo e... pensando em você.
Silêncio.
— Paula?
— Desculpe, Álex, estou um pouco cansada. Passei o dia todo
estudando.
— Não sabia, desculpe. Não devia ter ligado tão tarde, mas
queria ouvir sua voz e não pude conter a vontade.
— Não se preocupe.
— Bom, lamento.
— Não foi nada, de verdade. Obrigada por ligar.
— Amanhã nos falamos, pode ser?
— Ok. Boa-noite, Álex.
— Boa-noite.
Começa a sexta-feira. A chuva parou, mas é só uma trégua,
porque a previsão anuncia que o tempo pode até piorar durante o
dia.
Paula se levanta e desliga o computador. A música para. A
garota se agacha e abaixa a perna da calça do pijama que subiu.
Depois, volta para a cama.
Vai ter dificuldade para dormir. Vai sonhar com Ángel, com Álex
e com Mario. Mas nada do que acontece em seus sonhos pode se
comparar com o que está vivendo na vida real.
Há algumas horas, à tarde, quase noite, no quarto de Mario.
Seu rosto está vermelho. Mario o esfrega devagar. Não pode
acreditar que Paula deu-lhe um tapa quando a beijou. Não dói tanto
seu rosto quanto seu coração.
— Desculpe, eu... não devia... Mas por que fez isso? — pergunta
a menina, que continua em estado de choque.
Mario continua tocando o rosto. Não sabe o que dizer. Seus
olhos se perdem pelas paredes do quarto. Não consegue olhar para
sua amiga.
— Eu...
— Não... Não entendo. Que deu em você? Por que me beijou?
Paula está muito nervosa. Suas pernas tremem. Vai embora
correndo? Fica? Não compreende como Mario se atreveu a beijá-la.
— Sinto muito.
— Mario... Você me beijou na boca! — exclama, pondo as mãos
na cabeça. — Não estou entendendo nada.
— De verdade, sinto muito.
A voz do menino chega apagada, quase imperceptível. Sua amiga
percebe que está realmente abalado. Suspira e tenta se acalmar.
— Por que me beijou? — repete, mais tranquila, sentando-se na
cama.
— Não... Não sei.
Mario sente vergonha de si mesmo. As palavras saem trêmulas
de sua boca. Olha de um lado para o outro, assustado, amedrontado
por conta da situação. Agora não só perderá as remotas
possibilidades que tinha com Paula, mas também sua amizade.
Nunca imaginou que seu primeiro beijo em uma menina acabaria
desse jeito.
— Foi um impulso repentino? — insiste Paula.
O menino não diz nada. Senta-se na cadeira em frente à
escrivaninha e desliga a música de Shawn Colvin que ainda
continuava tocando. Olha para baixo. Pensa no tempo que empregou
fazendo aquele CD para ela: horas e horas, madrugadas sem dormir.
Tudo para nada. Não soube se conter nem fazer as coisas direito.
Não devia tê-la beijado, esse não era o plano. Não devia ter feito
aquilo sem seu consentimento: um beijo é coisa de dois, e isso, até
esse exato instante, ele não havia levado em conta.
O silêncio no quarto é absoluto. Paula observa seu amigo e
suspira. Não reage.
— Mario? Não vai dizer nada? Não pode ser que isso tenha
acontecido e agora nem sequer seja capaz de olhar para mim.
Nada: é como se houvesse se transformado em uma estátua de
sal. Imóvel, com a cabeça baixa e a vista no chão, Mario só pensa no
erro que cometeu e em suas possíveis consequências.
Paula não suporta mais. Levanta-se da cama e coloca a mochila
nas costas.
— Vou embora. Outra hora conversamos.
A menina se dirige para a porta. Caminha depressa, irritada,
confusa e também decepcionada. Não esperava que Mario fosse
assim. O que pretendia? Transar com ela em sua própria casa?
— Eu te amo, Paula.
Nessa noite não há lua nem estrelas. Algumas crianças gritam
na rua enquanto correm para algum lugar pulando em cada poça
que se formou durante o dia. A chuva cai sem pressa, constante. É
um dia qualquer de março, em algum lugar da cidade.
— O quê?
— Eu amo você. Estou apaixonado por você.
Seus olhos por fim se encontram. Olham-se intensamente. Entre
ambos amontoa-se um milhão de sensações diferentes.
— Mas, Mario... Não acho que me ame. Deve ter confundido seus
sentimentos.
— Não, tenho certeza do que sinto. Eu te amo.
— Uau! E desde quando sente isso por mim?
— Não sei. Não lembro. Desde sempre, acho.
— Ah. Devo ser muito tonta, porque nunca percebi.
— Tinha outros em quem reparar. Outros melhores que eu.
Paula volta sobre seus passos e se senta outra vez na cama. As
palavras de seu amigo a fazem sentir-se culpada. E então, começa a
juntar as peças. Tudo vai se encaixando: seu estado de ânimo,
o subnick do MSN, o fato de não dormir, de olhar tanto para o canto
das Sugus... Não era por causa de Diana, era por causa dela. Que
estúpida!
— Sinto muito. Sinto não ter percebido seus sentimentos.
— Não tem problema. É normal que uma menina como você não
queira nada com alguém como eu.
— Isso não é verdade, Mario. Somos amigos e...
— Amigos. Sim, eu sei. Amigos... Mas você sabe que não me
referia a amizade.
— Sim...
Os dois ficam em silêncio por alguns minutos. Agora já não se
olham. Paula não se atreve e Mario foge da realidade, quer que
aquela conversa termine o quanto antes. Não suporta mais. Porém,
ela acha que ir embora é a melhor solução.
— Tenho que ir. É tarde, meus pais devem estar preocupados.
— Ok.
— Sinto ter batido em você — diz Paula, enquanto abre a porta
do quarto.
— E eu sinto tê-la beijado sem seu consentimento.
A menina faz um gesto com a cabeça, suspira e sorri tímida.
— Amanhã nos vemos, Mario.
— Espere um segundo.
O menino se levanta da cadeira e tira o CD do computador.
Guarda-o e o entrega a Paula.
— Obrigada.
— É seu. Seu presente de aniversário.
Os olhos de Paula brilham sob a luz do quarto daquele menino
que conhece há tantos anos: um grande amigo que acaba de lhe
confessar seu amor. Não consegue conter as lágrimas. É um dos
momentos mais difíceis de que se lembra em sua vida. Mas ela
namora. Tem Álex e agora... Agora também sabe que Mario a ama.
Sua cabeça vai explodir. Tem que sair dali.
Agradece de novo e, após beijá-lo no rosto que antes acertou
com a palma da mão, abandona o quarto abraçando com força o CD
de Canções para Paula.
Capítulo Noventa e Cinco

Em um dia de março à tarde, em algum lugar da cidade, há


aproximadamente dez anos.
Brilha o sol e o parque está cheio de crianças. Algumas
formaram gols com as mochilas do colégio e jogam futebol com uma
bola murcha. Outras correm daqui para lá, tentando pegar os mais
lentos. Um grupo de amigas pula corda. Aquela que está no centro
agora pula muito bem. Um, dois, três, quatro pulos seguidos, com
grande agilidade, quase sem tocar os pés no chão e ao ritmo de uma
musiquinha que sabe de cor. E isso que só tem seis anos, já quase
sete, porque Paula faz aniversário em poucos dias, nesse mês de
março. É uma das meninas mais bonitas da sua turma. Tem
enormes olhos castanhos, mas ela sempre diz que são cor de mel, e
uma linda cabeleira ondulada, a mais comprida dentre todas as
meninas.
Em frente, ensimesmado, Mario observa-a atentamente, sentado
na parte de cima de um escorregador. Está sozinho, como de
costume. Não tem muitos amigos. Ele não gosta de futebol nem de
correr. Prefere jogar xadrez ou fazer caça-palavras para crianças.
Isso, aos seis anos, não o faz muito popular no colégio nem no
bairro. Tampouco sua timidez o deixa ir além. Especialmente com as
meninas, e principalmente com Paula. Quando a vê sente algo por
dentro. Algumas vezes do lado esquerdo do peito, outras no
estômago. Não sabe o que é. Um dia, até pensou que a comida havia
lhe caído mal.
Ele adoraria falar com ela, mas nunca se atreveu, e isso que
estão na mesma classe esse ano. Acha que Paula nem sequer sabe
que existe.
A tarde vai caindo. É um dia primaveril. Pouco a pouco as
crianças vão indo para suas casas. As meninas da corda já não estão
ali, nem as do pega-pega, e os times de futebol têm cada vez menos
jogadores.
Mario continua ali, sentado em um dos balanços. Olha para o
céu enquanto balança suavemente. Faz tempo que não vê a menina
dos olhos castanhos tão grandes. Deve ter ido embora com a de rabo
de cavalo, essa que fala tanto palavrão e se chama Diana.
— Olá.
A voz que ouve atrás de si é de uma menina. Mario se volta e vê
Paula. Está sorrindo. O menino fica nervoso e quase cai no chão.
— Olá — consegue dizer por fim, arrastando os pés para
estabilizar de novo o balanço.
É a primeira vez na vida que fala com ela. Como não vai estar
nervoso? Em seus seis anos, mal conversou com meninas.
Paula senta-se no outro balanço e começa a se balançar com
força. Suas pequenas pernas se erguem muito alto. Mario a observa
intrigado. Que foi fazer ali?
— Por que está sempre sozinho? — pergunta ela, sem parar de
dar impulso.
O menino hesita em responder. É com ele? Sim, deve ser com
ele, é a única pessoa por ali.
— Não sei — responde em voz baixa.
— Gosta de ficar sozinho?
— Às vezes sim, mas outras vezes é chato.
— Entendo. Eu, quando estou sozinha, acho muito chato.
Mario não entende muito bem o que a menina quer dizer.
Sozinha? Nunca viu Paula sozinha, sempre está cercada de meninos
e meninas, até de alguns mais velhos que ela.
A menina detém o balanço de repente e olha para ele com
curiosidade, como quem observa um inseto que nunca viu.
— Você não tem namorada, não é?
Que pergunta é essa? Ele só tem seis anos, como vai ter
namorada! Sempre ouviu dizer que os namorados se beijam na boca,
e beijar na boca é coisa de gente grande. E, embora ele se considere
um menino muito maduro para sua idade, não tem idade suficiente
para ser gente grande.
— Claro que não!
— E não gosta de nenhuma menina?
— Não.
— Nunca gostou de ninguém? Nem da nossa classe?
— Que...
— Você é muito estranho.
Paula sorri e volta a se balançar.
Estranho? Ela não sabe de nada! Apesar de que, pensando bem,
um pouco estranho ele é sim. Pelo menos não faz as coisas que
outras crianças de sua idade costumam fazer.
— E você gosta de alguém? — aventura-se a perguntar, mas com
muita timidez e corando depois.
— Julio, Diego e Carlos Fernández. Mas só namoro Julio.
Julio Casas é o bonitinho da classe. Foi o que ouviu de algumas
meninas. Os outros meninos estão sempre puxando seu saco e
querem ficar com ele no intervalo.
— E ele sabe?
Paula para o balanço de novo.
— Sabe o quê?
— Que você gosta de outros dois.
— Claro, eu disse desde o começo. Mas ele não se importa.
— Ah.
— Além do mais, acho que estou começando a gostar de outro.
— Outro?
— Sim. É da classe.
— Da classe?
— Sim. Seu nome começa com “M”.
Mario reflete durante alguns segundos. Na classe só há três
meninos cuja inicial é “M”: Manuel Espigosa, Martín Varela e ele.
Ele?
Não, aquela menina não pode gostar dele. Mas seu nome começa
com “M”. E se for ele?
— Não sei quem pode ser.
— É Martín. Mas não diga nada a ninguém, está bem?
Mario sente uma pontada dentro de seu peito. Que estranho.
Será que pegou friagem? Seu pai costuma lhe dizer que quando o
peito dói é porque entra ar nas costelas. Deve ser isso.
— Fique tranquila, não vou dizer nada.
Paula mira-o nos olhos e sorri. É feio, mas mais simpático do
que parecia.
As duas crianças se balançam tranquilas, devagar, no
entardecer daquele mês de março: Mario sem saber que aqueles
instantes serão o início de um longo caminho em silêncio; Paula
desconhecendo que, dez anos depois, seu amigo lhe confessará tudo
que sente por ela.
Capítulo Noventa e Seis

Manhã de um dia de março, em algum lugar da cidade.


Pôs a camiseta ao contrário. Ainda bem que sua mãe percebeu e
avisou a tempo. E não só isso: tomando o café da manhã, depressa e
correndo porque estava atrasada para a escola, derrubou com o
braço meio copo de leite com chocolate em cima da mesa.
Paula está muito tensa e também cansada. Não dormiu a noite
toda. Sua cabeça está fervilhando: Mario, Álex e Ángel são os
protagonistas de seus pensamentos, três garotos que estão
apaixonados por ela, dois sofrendo e um de quem está escondendo
muitas coisas. Por isso é impossível se concentrar em outros
assuntos, mesmo que sejam tão importantes como a prova de
matemática que tem na primeira aula. Se é que a deixarão fazer a
prova, porque nesse momento toca o sinal da escola e ela corre pelo
corredor com a mochila pulando em suas costas.
É uma situação frequente, mas dessa vez tem mais relevância
porque, se não conseguir entrar na sala de aula, não vai fazer a
prova e ficará de exame.
O professor de matemática aparece na soleira da porta para ver
se ninguém está do lado de fora e a vê.
— Bom-dia, García. Já estava sentindo sua falta.
O homem entra na classe, mas não fecha a porta. Paula faz o
último esforço e entra na sala cambaleando.
— Bom-dia... professor... Desculpe o atraso — diz arfando,
tentando recuperar o fôlego perdido.
— Sente-se. É a última, como sempre. Espero que isso não seja
um indicativo de sua nota na prova.
Paula não está em condições de responder ao comentário irônico
do professor e não o faz. Pelo menos, deixou-a fazer a prova. É
suficiente. Enquanto tira a jaqueta, sob o olhar atento dos meninos
da classe, dirige-se ao seu lugar.
Os demais já estão sentados, e as outras Sugus também; elas
acenam de seus lugares. Cris e Miriam sorriem. Diana, porém, está
mais séria. Paula percebe que as olheiras de ontem permanecem em
seus olhos. Não está com uma boa aparência: com certeza também
passou a noite estudando.
— Bom-dia, dorminhoca — sussurra Miriam. — Boa prova.
— Boa prova pra você também — responde em voz baixa.
Da mochila das Meninas Superpoderosas, tira uma caneta, um
lápis e uma borracha. O guarda-chuva, que não teve que usar ainda
hoje, fica ao lado da mesa e o casaco, pendurado no encosto da
cadeira. Instintivamente, olha para o canto oposto da sala onde se
senta Mario. Mas onde ele está? Não há ninguém em seu lugar
habitual.
Paula procura-o com o olhar por toda a classe. Às vezes os
professores têm o costume, ou a cisma, de mudar alguns alunos de
lugar antes da prova. Mas não dessa vez. A menina não vê Mario
porque ele não foi à aula.
O professor de matemática tira de sua pasta os cadernos da
prova e começa a distribuí-los. Ao mesmo tempo, adverte a seus
alunos que não podem conversar a partir desse mesmo instante.
— E seu irmão? — pergunta Paula a Miriam.
— Não vem. Está doente.
— Doente? O que ele tem?
Miriam não tem tempo de responder porque percebe que o
professor as está observando. Com um gesto da mão indica a sua
amiga que lhe contará mais tarde.
Paula não pode acreditar que Mario não foi à prova. Depois de
tanto esforço vai ficar de exame, ele, que é justamente o mais
preparado de toda a classe e que a ajudou tanto nesses dois dias.
Suspira. Só espera que sua ausência não tenha nada a ver com
o que aconteceu ontem. Ela está abalada, e imagina como deve estar
seu amigo. Não entende como não percebeu antes seus sentimentos.
Durante a noite recordou casos com ele de quando eram crianças.
Naquela época eram inseparáveis colegas de brincadeiras, de
experiências. Até que começaram a frequentar o ensino fundamental
e, então, a se distanciar. Talvez tenha sido culpa dela, que não
prestou a atenção devida ao menino que havia vivido ao seu lado
grande parte de sua infância. Como foi tola!
— Espero não vê-las conversar mais até que saiam ao pátio e
fumem um cigarro — diz o professor de matemática, entregando a
prova virada para baixo.
Paula nem sequer responde que não fuma, nem tem intenção de
fumar. Está preocupada com Mario. A prova está em cima da mesa,
mas ela só pensa em seu amigo. Quer vê-lo, pedir-lhe perdão pelo
tempo todo que o deixou de lado, por esses últimos anos perdidos
quando se afastaram um do outro.
— A folha em branco que entreguei é para que usem de
rascunho, mas também será recolhida. Vocês têm cinquenta e cinco
minutos para se divertir com a magia e o poder da matemática.
Depois, quem vai se divertir corrigindo serei eu. Podem virar a folha.
Como se fosse um time de nado sincronizado, todos viram a
folha ao mesmo tempo; todos menos uma menina, que em sua
cadeira continua se perguntando se não é responsável por seu amigo
não estar fazendo a prova com eles agora.
Nessa manhã de março, em outro lugar da cidade.
— Caramba, foi ficar doente justamente hoje!
A mãe de Mario olha o relógio. Dali a duas horas ela e seu
marido têm de pegar um avião. Ficarão fora até domingo, mas não
contavam com esse imprevisto.
— E o que quer que eu faça? — responde o menino, cobrindo a
cabeça com a manta.
— Continua com dor de cabeça? — pergunta resignada.
— Sim, dói. — E tosse.
A mulher suspira. Não parece ser muito grave, mas, se Mario
disse que não está bem para ir à aula, com certeza tem motivos para
isso. Nunca mente com essas coisas. Não é como Miriam.
Seu marido também entra no quarto. Está fazendo o nó da
gravata. Tem um congresso fora da cidade, uma viagem a trabalho,
mas com muito tempo livre, por isso, sua mulher vai acompanhá-lo.
Nem lembra quanto tempo faz que não passam um fim de semana
sozinhos.
— Como está? — pergunta ao filho, que continua escondido
debaixo da manta.
— Diz que sente dor de cabeça e está tossindo um pouco —
antecipa-se a mulher.
— Puxa, que azar.
— Vou ter que ficar aqui.
— O quê? Ele está tão mal?
Mario afasta a manta.
— Não estou tão mal. Podem ir os dois tranquilos.
— Não vou deixar você aqui sozinho e doente.
O menino começa a se sentir culpado. Sua mãe estava muito
entusiasmada com essa viagem. Quando ele decidiu, à noite, que
não iria à escola hoje, não lembrava que seus pais iam viajar de
manhã.
— Mamãe, não estou tão mal. De verdade, não se preocupe,
podem ir.
— Mario, não vou deixar você doente sozinho em casa. Veja só
que cara péssima.
— É de não dormir, mas não estou doente.
— Não? E então por que está tossindo e com dor de cabeça?
O menino suspira. Uff.
— É que hoje eu tinha uma prova e não estava preparado.
— O quê?! — exclamam em uníssono o homem e a mulher.
— É que, como não sabia a matéria e não queria ir mal, fingi
estar doente. Desculpem.
— Mas... você acha que isso...
Sua mãe, indignada, não sabe o que dizer. Seu pai, porém, sai
do quarto terminando de dar o nó da gravata com um sorrisinho. O
que seu filho fez não está certo, mas pelo menos sua mulher poderá
viajar com ele.
— Sinto muito, mamãe.
— Quando eu voltar da viagem, vamos conversar sobre isso.
— Ok. Assumo as consequências. Não farei isso de novo.
A mulher balança a cabeça de um lado para o outro e sai do
quarto.
Mario torna a se enfiar debaixo da manta. Sente-se mal por
mentir para sua mãe, mas não pode lhe contar a verdade. Ela jamais
imaginaria que seu filho passou a noite toda chorando por amor e
jamais acreditaria que não teve forças de manhã para enfrentar a
realidade. É que a dor do desamor é mais forte que ficar de exame de
uma estúpida prova de matemática.
Capítulo Noventa e Sete

Nessa mesma manhã de março, em algum lugar da cidade.


— Quanto deu o segundo? — pergunta Miriam, que foi uma das
primeiras a sair da prova.
— Três — responde um menino baixinho que está ao seu lado.
— Três? Para mim deu sete — diz decepcionada. Aquele moleque
costuma tirar boas notas.
— Para mim deu cinco e meio — lamenta Cris.
Diana é a próxima a aparecer. Está muito séria. Miriam se
aproxima e procura consolá-la.
— Que cara! Não foi bem, não é? Não se preocupe, estava muito
difícil.
— Bom, não sei. Vou ficar de exame, como sempre — diz, sem
muito interesse.
— Quanto deu o segundo?
— Três.
— Três? Como... esse aí — Miriam aponta para o menino
baixinho que nem sequer sabe como se chama.
— Coincidência.
— E o terceiro? — insiste a Sugus mais velha.
— Hummm. Acho que dois e meio — responde Diana.
— Para mim também! — exclama Cris.
— Sim, está certo — certifica o menino.
— Caramba! Pra mim deu oito! — grita Miriam, desesperada, já
certa de que vai para exame.
A porta do segundo B se abre de novo. Paula sai suspirando.
— Como foi? — pergunta Cris.
— Não faço ideia. Estava difícil.
— Não estava? — intervém Miriam. — O primeiro deu doze?
— Não, vinte e um — comenta Cristina.
O resto assente. Sim, o primeiro problema dá vinte e um.
— Uff. Vou tirar zero.
— Não exagera. Algum pontinho deve ter conseguido por
escrever seu nome direito — brinca Cris, um pouco mais aliviada
depois de ver que acertou dois exercícios.
Miriam a atravessa com o olhar e mostra o dedo do meio da mão
direita.
O sinal toca anunciando o fim da aula.
— Ei, Miriam, o que aconteceu com Mario? — pergunta Paula,
que não esqueceu seu amigo durante a prova toda.
— Acordou doente. Disse que estava com muita dor de cabeça e
tossia bastante.
— Ah.
Diana ouve a conversa em silêncio.
— Mas, se quer saber a verdade, eu acho que ele inventou. E
como é ele, meus pais engoliram.
— E por que seu irmão ia fazer uma coisa dessas? — pergunta
Cristina, que não acredita na versão de sua amiga.
— Não sei. Talvez não tenha estudado muito e não queria ir mal.
Talvez, se falar com o professor de matemática, possa fazer a prova
outro dia. Meus pais darão um atestado para ele.
— Não acredito que Mario faria isso — insiste Cris.
— Pois pode acreditar. Sou especialista em me fingir de doente.
E a tosse parecia muito falsa.
Paula não diz nada. Prefere não falar. Se for verdade que Mario
mentiu e não está realmente doente, julga saber a causa por ele não
ter ido fazer a prova: ela.
O sinal volta a tocar. A aula seguinte vai começar.
— Vou ao banheiro — diz Diana. — Vem comigo, Paula?
— Mas já bateu o...
— Vamos, vem comigo, não aguento. Vamos rapidinho.
— Está bem, vou com você.
As duas meninas se despedem de suas amigas e pegam o
corredor onde fica o banheiro.
— Paula, posso lhe perguntar uma coisa?
— Sim, claro.
— Ontem... Mario te disse algo quando eu fui embora?
— Algo sobre o quê?
Diana e Paula entram no banheiro. Uma ao lado da outra
colocam-se diante do espelho e ajeitam o cabelo.
— Sobre... os sentimentos dele.
Paula se volta para Diana e a olha surpresa.
— Até onde sabe você? O que Mario te contou?
— Bom, não sei muito. Só que...
— Diana, você sabia que Mario gostava de mim?
— Sim — responde em voz baixa após pensar um instante.
— E por que não me disse nada? Somos amigas.
— Porque era segredo. E eu não era a pessoa certa para contar.
Ele é quem tinha que falar.
Paula suspira, abre a torneira de água fria e joga um pouco no
rosto. Diana sabia e devia ter lhe contado tudo.
— De qualquer maneira, não entendo por que deixou que
acreditássemos que era de você que ele gostava.
— Porque eu só fiquei sabendo anteontem. Antes, não sabia de
nada.
— Na quarta-feira? Mas na quarta-feira você foi embora da casa
de Mario chorando. Isso tem algo a ver com o que aconteceu com
você?
Diana não responde e se tranca em um dos reservados. Paula a
segue e a espera do lado de fora, apoiada na parede.
— Você gosta do Mario, não é, Diana?
Mas não ouve nenhuma resposta do outro lado da porta.
Aquele momento não é fácil para nenhuma das duas, por conta
do sofrimento de ambas.
Paula, diante do silêncio de sua amiga, não insiste.
Dois minutos depois, Diana sai do banheiro. Está sorrindo, mas
seus olhos estão completamente vermelhos.
— Di... Diana.
E aquela menina, que havia se mostrado sempre tão forte na
frente de todos, desaba completamente diante de sua melhor amiga.
Lágrimas que já não escondem um sentimento que acabou
explodindo.
Capítulo Noventa e Oito

Nessa mesma manhã, em outro lugar da cidade.


A coluna sobre Katia para o site já está terminada.
Não está mal. Ángel a lê várias vezes, muda algumas palavras e
corrige uma ou outra vírgula mal posicionada. Faz uma nova leitura,
a última, porque gosta bastante do que escreveu sobre a cantora.
Satisfeito, chama seu chefe para que leia antes de darenter e
publicá-la na internet.
Jaime Suárez vai rapidamente e lê com atenção.
— Muito bom! Está muito boa.
— Obrigado, que bom que gostou.
— É pessoal, diferente, também informativo e se nota que estão
apaixonados um pelo outro.
O jornalista acha que ouviu mal as últimas palavras de Jaime.
— Como? Você disse “apaixonados”?
— Sim, homem. É uma coluna linda e sente-se o amor que
existe entre os dois. Pelo menos, eu sinto.
— Não estamos apaixonados. Por que diz isso? Em que frase
percebe isso?
Jaime Suárez olha para um lado e para o outro para se certificar
de que estão sozinhos. Depois, senta-se em uma cadeira com
rodinhas e põe as mãos na nuca.
— Ángel, caso não se lembre, continuo sendo jornalista.
— Claro que lembro. Mas o que isso tem a ver?
O homem está satisfeito consigo mesmo. Sente-se vencedor,
como quem acaba de encontrar um furo de notícia: uma exclusiva!
— Veja, um jornalista tem que ser intuitivo...
— Eu sei, eu sei. Mas...
— E seguir sua intuição até descobrir se ela corresponde à
realidade ou se é fruto de sua imaginação. E reunir provas.
— Sim, mas não sei o que isso tem a ver comigo e com o que
disse.
— E, além de tudo, contar com dois fatores fundamentais: a
sorte e a lógica. Podem parecer opostos, mas ambos, em um dado
momento, se complementam, e juntos conseguem fazer que se
chegue à notícia, ao núcleo da informação.
— Não estou entendendo nada do que está falando.
Jaime Suárez sorri.
— Eu explico com fatos. Vou contar uma história. Há uma
semana, quando Katia veio fazer a entrevista, já notei certo flerte da
parte dela. Gostou de você desde o primeiro minuto.
— Como sabe disso? — pergunta o rapaz, surpreso.
— Sou raposa velha, Ángel. Conheço as pessoas, sua natureza.
Além do mais, ela olhava para você de um jeito especial. Não
percebeu?
— Não, nem acredito nisso.
— Não tente esconder a verdade de mim, meu amigo. Mas
prossigo — o homem joga a cadeira para trás e coloca um pé em
cima da mesa da redação. — Nesse instante tive uma intuição, o
pressentimento de que você e ela iam ficar juntos.
Ángel fica de queixo caído e continua ouvindo as reflexões de seu
chefe.
— Então, começam a se dar circunstâncias que reafirmam meu
pressentimento. Ela te leva de carro não sei aonde no primeiro dia,
pede seu celular e depois exige sua presença na sessão de fotos.
Além do mais, acho que depois vocês foram embora juntos, não foi?
Pelo menos foi o que Héctor me contou.
— Sim, foi — responde Ángel.
— Não sei o que aconteceu nessa noite nem quero saber, claro.
É assunto de vocês. Mas, e aqui entra em jogo a lógica, seria normal
que entre uma menina jovem e linda como ela e um rapaz também
jovem e bonito como você acontecesse alguma coisa. Se vão embora
juntos, sozinhos, à noite e no carro dela, as possibilidades
aumentam.
— Pois não aconteceu nada — mente.
O homem sorri maroto. Não acredita, mas não vai contradizer o
garoto.
— Ok, não aconteceu nada. Mas é normal que dois jovens
bonitos e sem compromisso se gostem e comecem um
relacionamento. É lógico ou não é lógico?
— Simplesmente, é uma possibilidade.
— Tanto faz, chame como quiser — protesta Jaime. — Continuo
somando dois mais dois. No dia em que Katia sofreu o acidente, por
acaso você estava no local dos fatos sem que ninguém tivesse
avisado para que cobrisse a notícia.
— Havia muitos jornalistas lá.
— Sim, é verdade, mas nenhum teve acesso às informações que
você obteve. E eu diria até que chegou a ver Katia no quarto. Estou
enganado?
O garoto não responde. Limita-se a continuar ouvindo o que
Jaime Suárez está dizendo.
— Não, não estou enganado. E, como se não bastasse, na
quarta-feira Katia aparece na redação da revista porque você
combinou de tomar um café com ela.
— Ficamos amigos. É verdade.
— Amigos? Amigos íntimos!
Jaime Suárez se levanta e solta uma gargalhada. Ángel o
observa. Caminha de um lado para o outro com as mãos nas costas.
— Ontem — continua relatando o diretor da revista —, alguém
viu Katia entrando em um edifício. Estava acompanhada de um
garoto bonito, alto, bem-vestido, que se parecia muito com você. Era
você?
Ángel não sabe se responde a verdade. Mas se aquele homem
está dizendo tudo aquilo é porque tem provas convincentes, de modo
que mentir não é uma boa solução.
— Sim, era eu.
— Ainda bem que reconhece, porque esse alguém que os viu foi
minha mulher.
— Caramba! Sua mulher nos viu?
— Sim! Por isso eu disse antes que também a sorte, o destino e
as coincidências intervêm na obtenção da notícia. Minha mulher
confirmou minha intuição e me deu a prova definitiva: a de que você
e essa menina estão juntos.
Ángel fica em silêncio um instante.
Enquanto seu chefe continua falando, ele procura algo entre
suas coisas.
— Mas não se preocupe, não direi nada. E a revista não
publicará nada sobre o relacionamento de vocês. Mas se as revistas
de fofoca disserem que... Ángel, que está fazendo?
O jornalista abre a caixinha do CD que estava procurando e
coloca o disco em seu computador.
— Escuta — diz a Jaime Suárez.
É a música de Katia, cantada por ela mesma. Algo está diferente
da canção original, mas Jaime não entende por que Ángel quer que
ouça Ilusionas mi corazón. Porém, em alguns segundos, descobre. A
letra não é a mesma: os protagonistas da canção se chamam Ángel e
Paula.
— Mas o que significa isso?
— Acho que você entendeu.
— Esse Ángel é você?
— Sim. E Paula é minha namorada. Amanhã é aniversário dela e
pedi a Katia que me fizesse este favor. Paula é uma grande fã dela, e
o fato de Katia lhe dedicar esta canção significará muito para ela. No
edifício ao qual sua mulher nos viu entrar, há um estúdio de
gravação. Passamos a noite toda ontem gravando essa versão
especial.
Jaime Suárez não se lembra de nenhuma ocasião em que tenha
errado tão feio. Ainda bem que foi com um dos seus garotos!
— Sinto muito, Ángel. Estou envergonhado.
— Não se preocupe. Entendo que todas as provas levassem a
deduzir que Katia e eu estamos juntos, o que prova que, mesmo que
a intuição, a lógica e a sorte se juntem, isso não garante que o
jornalismo seja uma ciência exata.
Depois dessa última frase, o jornalista guarda de novo o CD em
sua caixinha. Sorri para seu chefe e aperta o enter para que a coluna
de opinião sobre Katia apareça no site da revista.
Nessa manhã de março, em algum lugar da cidade.
Álex não vai para o centro da cidade essa manhã. Em casa,
prepara a aula da tarde para Agustín Mendizábal e seus amigos.
Ainda bem que hoje é sexta-feira e ela será uma hora antes. Também
tenta escrever um novo capítulo de Por trás da parede, apesar de não
estar muito inspirado. De vez em quando empaca, e ao revisar cada
parágrafo todos parecem iguais. Então, culpa-se por sua falta de
talento.
Olha constantemente o celular e sente a tentação de ligar para
Paula. A última conversa de ontem à noite o fez pensar. Talvez a
esteja sufocando demais. Não quer que isso aconteça, mas é difícil se
controlar. Às vezes seus sentimentos o dominam e precisa dela.
Precisa saber dela, ouvi-la rir. Apesar de se conhecerem há pouco
tempo e não terem se visto muito, apaixonou-se como nunca antes.
Mas ela namora, e esse é um grande inconveniente, ou melhor,
uma tortura, que o faz entristecer-se às vezes e dê tudo por perdido.
Imaginar que a garota que ama está nos braços de outro que a beija
e abraça é desolador.
Talvez nesse momento esteja com ele, fazendo quem sabe o quê.
Álex suspira. Sim, realmente viver assim é uma tortura.
Está a fim de subir ao telhado de sua casa e tocar saxofone para
desabafar, mas está chovendo outra vez, de modo que tem que se
conformar com olhar pela janela de seu quarto e tocar sentado na
cama.
A música do sax invade toda a casa percorrendo cada canto com
sua triste melodia.
Capítulo Noventa e Nove

Nessa manhã de março, em algum lugar da cidade.


Uma nova sexta-feira que acaba, pelo menos para os alunos
daquela escola. Acabam as aulas até segunda-feira, motivo de
festejos e celebrações, mas não muitos. Semana que vem é a última
do segundo trimestre e está cheia de provas que determinarão as
notas finais.
As quatro Sugus caminham juntas pelos corredores do edifício
rumo à saída.
Miriam e Cris estão discutindo a manhã toda sobre os motivos
de Mario não ter ido fazer a prova. Fingiu que estava doente ou não?
Sua irmã reafirma várias vezes que sim, mas Cristina acha que
Mario não é capaz de algo assim, porque, além de tudo, é o melhor
da classe em matemática e, se houvesse feito a prova, teria ido bem
sem dificuldade. Não precisa mentir e dizer que está doente. Paula e
Diana se mantêm neutras. Preferem não expressar sua opinião, mas
ambas julgam compreender as razões pelas quais o menino não
apareceu.
Desde que acabou a prova de matemática, Paula e Diana estão
mais unidas que nunca: são mais amigas, conhecem-se um pouco
mais. Pela primeira vez, Diana se abriu. Pôs seus sentimentos para
fora, e Paula estava ali para lhe estender a mão. Embora ela seja a
terceira envolvida nesse estranho triângulo amoroso, sente
necessidade de estar ao lado da amiga. No banheiro, conversaram.
Diana desabafou e soltou tudo que seu coração escondia. Paula a
escutou durante o horário da aula que mataram. Nunca tinha visto
sua amiga chorar desse jeito. Desconsolada, repetia que não sabia o
que estava acontecendo com ela, não entendia como pudera chegar a
isso por amor, ou o que ela achava que era amor. Seu primeiro
amor.
Um beijo de Paula na testa de Diana selou seu apoio
incondicional a sua amiga, fossem quais fossem os próximos
acontecimentos.
— Bom, então, às oito na minha casa — diz Miriam, que já
esqueceu por completo a prova de matemática. — As Sugus têm que
comemorar seu aniversário em grande estilo.
— Ok, tudo bem. Vou levar sorvete e pedimos pizza — comenta
Paula.
Mesmo que seja na casa de Miriam, com Mario perto, no outro
quarto, será bom esquecer tudo ao lado de suas amigas. E para
Diana também.
— Vai ser legal. Meus pais não estão e vamos poder extrapolar
um pouco. Vamos contratar um stripper?
— Está louca, Miriam — comenta Cris, negando com a cabeça,
mas com um grande sorriso.
— Ei, qual é? Você não gostaria de ver um cara desses dançando
só para nós?
— Não! Que vergonha!
— Sei, sei, vergonha... Você é tímida e envergonhada até que
deixa de ser. Ou já não lembra o que aconteceu há um mês quando
pegou aquele cego de Malibu?
— Não, não lembro, espertinha.
— Quer que refresque sua memória?
— Para com isso.
Diana e Paula observam em silêncio a divertida discussão de
suas amigas. Sorriem. Estão mais relaxadas. Mesmo sabendo que as
coisas podem mudar de repente, permanecerão unidas. As quatro
compartilham uma forma parecida de viver a vida. São diferentes,
mas seu espírito é muito similar, um espírito livre, uma mesma
essência. Elas se divertem juntas, se entendem e — inveja das
certinhas à parte — se respeitam. Mas, acima de tudo, se gostam.
Esse é o grande segredo das Sugus: se gostam muito.
— Ok, sem stripper. Vamos inventar alguma coisa.
— Podemos jogar Trivial no computador — comenta Cristina.
— Claro, ou podemos fazer crochê. Vá se ferrar! Um dia que me
deixam sozinha em casa e você acha que vou ficar jogando Trivial?
— Você diz isso porque sempre perde.
— Digo isso porque... Aah, cansei de você!
As Sugus chegam à porta da escola entre gritos e risos. Chove há
algum tempo com mais intensidade.
— Às oito na minha casa. Sejam pontuais! — exclama Miriam,
que vai para a rua abrindo seu guarda-chuva. — Você vem, Diana?
— Sim, espera.
Despede-se primeiro de Cristina, piscando para ela, e depois de
Paula, dando-lhe um beijo no rosto.
— Até hoje à noite. E obrigada por tudo.
Paula sorri e vê sua amiga correr até Miriam e se refugiar
debaixo de seu guarda-chuva. É uma menina legal, e tem muita
pena do que está acontecendo com ela. Só espera que tudo se ajeite
e que as coisas voltem ao normal.
Já longe, Miriam e Diana conversam.
— Acha que ela suspeitou de alguma coisa?
— Não, não suspeitou de nada.
— O lance do stripper foi legal, não?
— Você não se atreveria a contratar um.
— Ah, não?
— Não.
— Tem razão. Mas com certeza não vamos precisar de
um stripper para que o aniversário de Paula seja um sucesso.
— Com certeza.
— Comprou as camisinhas?
— Não. Hoje à tarde vou comprar.
— Legal. Eu já reservei o quarto do hotel.
Diana sorri. Relembra sua primeira vez. Não foi como havia
imaginado: foi malfeito, depressa e com quem não devia, mas ainda
assim foi especial. E com certeza para Paula também será. Ela
merece.
Capítulo Cem

Nessa tarde de março, em algum lugar da cidade.


Passaram a manhã juntas. Mais tarde, deram um passeio pela
montanha sem ninguém que as incomodasse, sem horários, sem
celulares e sem fãs. Nem a chuva atrapalhou. Finalmente, voltaram
para casa cansadas e encharcadas, mas com sensações renovadas e
muito positivas.
São mais de seis e meia da tarde e acabaram de comer. Katia
serve um drinque a Alexia, uma Cuba Libre, e se senta no sofá ao
lado. A cantora convidou sua irmã para almoçar a fim de lhe
agradecer o grande dia que dividiram e o fato de ter lhe emprestado o
carro durante toda a semana. O mecânico ligou pela manhã para
confirmar que a partir de segunda o Audi rosa estará de novo à sua
disposição.
— Fazia tempo que não passávamos um dia tão bom juntas. Há
quanto tempo você e eu não comemos assim? Só nós duas,
tranquilas. Aliás, foi legal você ter me convidado, mesmo que tenha
comprado a comida no restaurante chinês — diz a irmã mais velha,
brincando, enquanto enche o copo de Cuba Libre.
— Cozinhar não é comigo, você sabe.
— Eu sei. De qualquer maneira, o macarrão com broto de
bambu estava ótimo.
— E o pato com laranja, também.
— Temos que repetir com mais frequência dias como hoje. Mas
com sua agenda tão apertada...
— Sinto muito — desculpa-se Katia com sinceridade.
— Não se preocupe, eu entendo. Sei que é difícil arranjar tempo
livre para outras coisas.
— Sim. Estive tão ocupada durante esses meses que mal tive
tempo para fazer o que sempre fiz.
Katia se dá conta de como deixou de lado tudo que fazia antes
de se tornar uma celebridade.
— Não deve ser simples ser uma cantora tão famosa e cuidar da
vida pessoal.
— É... Mas essa semana de descanso foi muito boa para pensar.
— É? E o que pensou?
A menina de cabelo rosa cruza as pernas e põe uma mão no
queixo.
— Algumas coisas.
— Como o quê?
— Por exemplo, que não dirigimos a própria vida; ela é quem nos
dirige.
— Que profundo. E por que diz isso?
— Por várias razões. Por exemplo, o acidente de carro. Eu podia
ter morrido sem aviso prévio.
— Não faça drama. Felizmente, foi só um susto.
— Sim, mas é uma circunstância que foge ao nosso controle.
Você não pode prever que algo assim vai acontecer, coisas que a vida
nos reserva e que são impossíveis de decifrar. Em um segundo, tudo
pode mudar.
— Pode ser.
— Outro exemplo: um dia qualquer você conhece alguém que
pensa que é seu, mas ele não acha o mesmo. Você tenta dirigir sua
vida, fazer essa pessoa se tornar parte dela de algum jeito, porém ela
faz parte de outra vida: não é o que você queria.
Alexia arqueia as sobrancelhas e esfrega o queixo.
— Mas, nesse caso, não é a vida que dirige e toma decisões. É
outra pessoa, como você e como eu. Não é um exemplo válido.
— É, sim. É o destino, a própria vida que guia a outra pessoa.
Porque sua vida atual já está condicionada pelo que aconteceu antes
ou pelo que está vivendo agora. A vida o dirige e, de rebote, dirige a
mim.
A irmã mais velha bebe e reflete por alguns segundos.
— Resumindo, Ángel continua não te dando bola — comenta,
enquanto deixa a Cuba Libre na mesinha.
— Gosta de mim só como amiga — responde Katia se abrindo.
— Tanta filosofia para chegar a uma conclusão tão simples,
irmãzinha.
— Sou uma tola mesmo.
— Você não é tola, é muito esperta. Veja até onde chegou.
— Coisas da vida.
— De novo com isso? Katia, vou ser sincera: você tem armas e
inteligência suficientes para conseguir quem quiser, mas falta uma
coisa. Você é muito legal, muito mesmo, e o amor é como uma
batalha. Há um objetivo pelo qual tem que lutar e rivais a derrotar.
E, para isso, vale tudo.
— Você está exagerando, Alexia. Não é uma guerra, não é uma
questão de vida ou morte.
— Não? Tem certeza?
Katia suspira e descruza as pernas, jogando-se para trás no sofá
em que está sentada.
— Eu não tenho mais certeza de nada, minha irmã.
Alexia tira de sua bolsa um pacote de Malboro e acende um
cigarro.
— Você tem uma rival, não tem? A namorada de Ángel, uma
menininha que talvez nem sequer saiba o que quer e que está de
paixonite com o jornalista. Acha que é para a vida toda?
— Não sei.
— Pois eu digo que não. Essa relação vai durar semanas ou
meses. Com um pouco de sorte, chega a um ano. E depois? Também
digo: ele vai se apaixonar por outra, e ela também.
— Isso eu sei. É normal, se Paula e Ángel não derem certo, os
dois vão refazer a vida com outras pessoas.
— E então? — pergunta Alexia, batendo a cinza do cigarro em
um cinzeiro de vidro.
— Então, o quê?
— Você acha que não pode lutar por um garoto de vinte e dois
anos que acaba de começar a namorar uma menina de colégio? Por
Deus, Katia! Milhões de rolos como esse começam e acabam todos os
dias. São histórias inconsistentes, histórias que vivem do momento,
de pessoas que, por mais futuro que acreditem ter juntas, nunca
aspiram a mais que continuar se suportando até a semana seguinte.
— Mas eles estão apaixonados.
— Apaixonados? Sei!
Katia, desanimada, deita-se no sofá.
— Estou desesperada. Não consigo tirá-lo da cabeça. Ontem
passei horas com ele e foi demais. Mas ele não pensava em mim, e
sim nela, o tempo todo. Eu tentava esquecer isso, que há outra, e
queria aproveitar meu momento. Mas foi impossível.
Alexia apaga o cigarro. Levanta-se e se senta no sofá em que sua
irmã está deitada. Docemente, acaricia seu cabelo e lhe dá um beijo.
— Você tem que lutar por esse garoto, Katia.
— Não há nada a fazer com Ángel. Ele não me ama.
— Você disse a ele o que sente?
— Não, mas ele deve imaginar. Bobo não é.
— Nunca confessou a ele que o ama?
— Não.
— Pois deve contar. E já.
— Como vou fazer isso, Alexia?
— Muito fácil: vai e fala.
— Vou aonde?
— Onde for, minha irmã: à casa dele, à revista, ao fim do
mundo... Você mesma é a prova de que quem quer uma coisa tem
que lutar para conseguir. Você saiu do nada e entrou no mundo da
música abrindo caminho sozinha. Hoje, você é a cantora que mais
vende CDs neste país.
Katia suspira. Sua irmã pega a mão dela e a aperta.
— Alexia, não é a mesma coisa.
— Não. Conquistar Ángel é mais simples, porque é convencer
uma pessoa; vender discos envolve convencer muitas.
A garota solta a mão de Alexia e se senta outra vez no sofá.
— Muito fácil pra você. E certamente é a coisa mais difícil que já
enfrentei até agora.
— Não disse que é fácil, disse que é mais fácil fazer Ángel se
apaixonar por você que conseguir tudo que já conseguiu.
— Então, o que você sugere? Que eu vá à casa dele e diga que
estou apaixonada, que não posso viver sem ele e que deixe sua
namorada por mim?
Alexia sorri.
— Com outras palavras, mas sim. Eu sugiro exatamente isso.
— Não posso fazer isso.
— Pode sim. Você não tem nada a perder.
— Posso perder sua amizade.
— Minha irmã, não se pode ser amiga da pessoa por quem se
está perdidamente apaixonada. É uma lei não escrita e que muitos
tentam disfarçar, mas isso não é uma amizade sincera.
A menina compreende o que sua irmã está lhe dizendo. Tem
razão: quando você ama alguém e tenta ser seu amigo, cedo ou tarde
o que sente vai explodir. Você vai querer mais, porque não está ao
lado da pessoa simplesmente porque a acha simpática ou porque se
dão bem; é pelo amor que sente por ela e pela esperança de que
algum dia ela perceba que você é a pessoa certa para ela.
— Katia, vai atrás dele agora mesmo e diz que o ama.
— Mas...
— Faça isso. Ou um dia vai se arrepender de não ter feito.
A cantora suspira e fecha os olhos. Abre-os de novo e olha para
sua irmã com emoção.
— Tem razão. Obrigada.
Levanta-se do sofá e, com as chaves do carro de Alexia na mão,
sai de seu apartamento decidida a tentar pela última vez.
Capítulo Cento e Um

Nessa tarde de um dia de março, em algum lugar da cidade.


Acha inacreditável ficar nervosa em momentos como esse, mas
acontece. Diana tem vergonha de comprar o pacote de preservativos
para Paula e Ángel. Apesar de sua experiência sexual, é apenas a
segunda vez que faz isso, e a primeira foi em um posto de
combustível fora da cidade a que foi levada por um garoto maior de
idade. Sempre havia convencido os garotos com quem mantinha
relações a cuidar desse detalhe. Para piorar, a farmácia está cheia de
gente. Só espera que nenhum conhecido a veja.
Há duas pessoas atrás do balcão: uma farmacêutica muito
novinha, que com certeza é uma estagiária, e um rapaz de uns trinta
anos, bastante atraente. Uff. Que vai pensar dela quando a vir com o
pacote de camisinhas? Possivelmente, nada. Deve estar acostumado
a ver todos os dias adolescentes, até mais jovens, comprarem
preservativos. Mas, ainda assim, preferia que ela a atendesse.
Dá mais uma volta pelo estabelecimento. Pega umas aspirinas e
um pacote de balas de menta. A seguir, vai para a parte em que
estão os preservativos. Qual escolhe? Com sabor? Não, para a
primeira vez é melhor algo clássico. Pacote com doze.
A farmácia vai se esvaziando. Restam só duas velhinhas que
conversam amigavelmente com o farmacêutico, contando um por um
todos os seus males. A outra menina não está atendendo ninguém
nesse momento. É hora de ir pagar.
Diana se apressa para acabar com aquilo o quanto antes. Põe as
aspirinas, as balas e as camisinhas em cima do balcão e
cumprimenta com um sorriso forçado a estagiária. A garota responde
com outro sorriso e começa a passar os códigos de barras pela
máquina. Primeiro as aspirinas, depois as balas e por fim os
preservativos. Porém, há um problema com estes últimos. A
máquina não os reconhece. Tenta várias vezes, sem sucesso.
— Desculpe interromper, Juan — diz por fim a seu colega. —
Pode vir aqui um segundo? A máquina não está reconhecendo este
código de barras.
O farmacêutico vai até elas e checa o pacote.
— Acontece sempre — diz, enquanto digita o código de barras
das camisinhas. — Pronto.
Juan, o farmacêutico, olha sorridente para Diana, mas não é o
único. As duas velhinhas observam a menina e murmuram alguma
coisa. Pela expressão delas, não parece ser nada bom. Diana,
vermelha como um tomate, agradece a Juan, o farmacêutico, e paga.
Com um saquinho cheio do que comprou na mão, despede-se dos
dois e sai o mais rapidamente possível da farmácia.
É que, por mais experiência que se tenha, certas coisas sempre
se impõem. Principalmente quando há um menino bonito envolvido.
Nessa tarde de março, em outro lugar da cidade.
Passou a tarde toda dormindo e tem que reconhecer que foi
ótimo. Serviu para recuperar as forças e para deixar sua mente
esgotada descansar. Tanta confusão e tantas emoções nos últimos
dias lhe provocaram um cansaço físico e mental mais próprio de um
corretor da bolsa que de uma estudante do ensino médio.
Paula se olha no espelho. São suas últimas horas com dezesseis
anos, mas continua se vendo muito menina.
— Toc, toc.
Erica faz com a boca o barulho de bater à porta, que sua irmã
deixou aberta . Mas ela é muito educada.
— Entre, princesa.
A pequena entra correndo no quarto de Paula e pula em cima
dela. Sua irmã a pega no colo e recebe muitos beijos pequeninos por
todo o rosto.
— E esse entusiasmo, a que se deve?
— O quê? — Erica não entende o que ela diz.
— Por que tantos beijos?
— Porque é seu aniversário.
Paula coloca sua irmã no chão. Está pesada. Já quase não pode
com ela.
— Mas ainda não é meu aniversário, meu amor. Faltam algumas
horas. Veja, quando o relógio ficar com os dois ponteiros no doze, vai
ser meu aniversário. Sabe qual é o doze?
— O que tem o um e o dois juntos.
— Muito bem, esse mesmo. Como você é esperta!
— Mas mamãe disse que você vai dormir fora. E eu não gosto.
Por que não fica comigo?
A menina fica triste. Na realidade, o que realmente a preocupa é
que não haverá bolo. Se sua irmã não comemorar o aniversário em
casa, não haverá bolo.
Paula não suspeita das razões pelas quais Erica fica tão
chateada por ela passar a noite na casa de Miriam. Pega de novo sua
irmã no colo e a beija.
— Mas eu volto amanhã. E então, vamos comemorar nós quatro:
papai, mamãe, você e eu. Ok?
— Mas vai ter bolo?
— Não sei, princesa. Isso é com a mamãe.
— Ah.
Erica, então, descobre que se enganou de pessoa. Pula para o
chão de novo e dá um último beijo em sua irmã antes de sair
correndo para a cozinha, onde está sua mãe.
Paula sorri. Volta a se olhar no espelho. Não, já não é uma
menina.
Acaba de se arrumar, pega a mochila das Meninas
Superpoderosas em que leva o pijama e desce para se despedir de
seus pais. Está feliz, certa de que vai ser uma noite muito divertida.
Entra na cozinha onde sua mãe e seu pai conversam. A pequena
Erica também está ali, quase não podendo respirar da emoção. O
que há com ela?
— Nós vamos ver o Mickey! — exclama a pequena, fora de si.
A menina não entende nada. O que foi que perdeu?
— Paula, como não sabemos a que horas vai chegar amanhã e a
que horas vai sair de novo depois — começa Mercedes —, seu pai e
eu decidimos te dar já seu presente de aniversário.
— Embora ultimamente não ande merecendo muito —
acrescenta Paco, que tira um envelope que mantinha escondido
atrás das costas e o entrega à filha.
Paula o pega e abre nervosa. Pelos gritos de Erica, imagina o que
é.
— É mais um presente para todos. Mas sei que você queria
muito faz bastante tempo — comenta sua mãe, enquanto a menina
tenta abrir o envelope sem rasgar muito.
Por fim, Paula consegue. De dentro do envelope tira quatro
passagens para a Euro Disney. Sorri timidamente. Era seu sonho
desde pequena. Agora, com quase dezessete anos, não é a mesma
coisa, mas continua sendo legal.
— Então, gostou? Não vai dizer nada? — pergunta Mercedes, na
expectativa.
— Obrigada. Adorei!
Abraça e beija sua mãe e depois faz o mesmo com seu pai.
— Vou ver o Mickey! Vou ver o Mickey! — continua gritando
Erica, dando pulos de alegria. É seu personagem da Disney favorito.
O que ninguém suspeita nesse momento é a importância que
Mickey Mouse vai ter na vida de Paula em médio e longo prazo.
Capítulo Cento e Dois

Nessa tarde de março, em algum lugar da cidade.


Fim da aula. Álex recolhe tudo rapidamente para ir embora o
quanto antes. Está com muita pressa. Os velhos vão se despedindo
dele um a um. Porém, uma voz conhecida e diferente se destaca
dentre as outras. É uma voz feminina.
— Olá, Álex. Tudo bem?
Irene está impressionante como sempre, lindíssima, com os
olhos perfeitamente pintados e os lábios incrivelmente carnudos.
Está mais vestida que de costume, com um jérsei azul-marinho de
gola alta e uma calça preta justa, mas sua silhueta continua
imponente.
— Olá, Irene.
— Vim buscar Agustín. Você o viu?
— Sim, foi ao banheiro, já volta.
A garota fica em silêncio enquanto Álex continua ajeitando a
sala.
— Olha, estive pensando e acho que te devo desculpas — diz a
menina, cujo tom ao falar é diferente do habitual, mais sério e
sóbrio.
Álex para de recolher as coisas e ouve atentamente o que sua
meia-irmã tem a dizer.
— Pode falar.
— Então, não sou muito boa nisso porque não estou
acostumada a pedir perdão a ninguém. Mas, depois de passar a
noite toda pensando no que fiz e em como me comportei, eu me sinto
obrigada a me desculpar com você.
— Você se excedeu bastante dessa vez.
— Eu sei. E entendo que me odeie.
— Bom, não odeio. Você é minha meia-irmã, afinal de contas.
Não temos o mesmo sangue, mas continuamos sendo família.
— Sim... Então, você me perdoa?
— Vou levar um tempo para esquecer o que você fez, mas
perdoo.
A garota dá um sorriso leve e um abraço em seu meio-irmão, que
fica vermelho ao sentir o volumoso peito de Irene colado ao seu.
— Fico feliz por ter consertado as coisas um pouco.
— E eu também. Não gosto de problemas com ninguém.
O Sr. Mendizábal por fim aparece. Está fechando a braguilha da
calça e tosse ostensivamente.
— Ah! Veio me buscar! Você é a melhor! — exclama quando vê a
garota.
A expressão de Irene muda. Continua não suportando aquele
homem, mas não lhe resta mais remédio que viver com ele esses três
meses do curso de liderança. Melhor se cercar de conforto, como o
que aquele sujeito lhe oferece, do que não ter para onde ir; mesmo
que seja aguentando as bobagens daquele velho safado.
— Espero que me aceite logo de novo em sua casa, ou vou matar
esse velho — sussurra no ouvido de Álex enquanto abre a porta de
saída.
— Se eu vir progressos em você, poderá voltar em algumas
semanas.
Irene suspira e, após se despedir de seu meio-irmão com dois
beijos, acompanha Agustín Mendizábal até o carro.
Álex sorri. Parece outra. E, embora não acredite que Irene
mudou de um dia para o outro, foi legal ter lhe pedido desculpas por
tudo que fez.
Nessa tarde de março, nesse mesmo instante, em outro lugar da
cidade.
Há bastante trânsito, mais do que esperava. Além do mais, a
chuva complica tudo. Mas isso não importa agora. A única coisa que
preocupa Katia é encontrar Ángel e lhe dizer tudo que sente por ele.
Está indo para a casa dele.
O rádio do carro de Alexia toca Bring me to life, do Evanescense.
Passa um semáforo amarelo, pisa no acelerador, troca de pista e
ultrapassa um Seat Ibiza branco que já estava parando.
Está nervosa. O que vai dizer exatamente? Nunca se declarou a
ninguém, sempre ouviu declarações. E, aliás, nenhuma dessas
declarações lhe parece um modelo a seguir.
Deve parecer desesperada? Não, esse não é um bom jeito de
dizer a alguém que o ama. Triste? Não, isso é martirizar-se, e talvez a
única coisa que consiga seja pena. Talvez atirada? E se ela se jogar
em seus braços? Também não é uma boa ideia. Já aconteceu uma
vez, quando Ángel se embebedou, e tudo acabou mal. Então? Talvez
o melhor seja se comportar tal como é: fazer e dizer o que lhe vier na
hora à cabeça, o que seu corpo pedir, com naturalidade,
improvisando. Sim, esse é o melhor plano.
Katia chega à rua em que Ángel mora. Não sabe se ele está em
casa ou em outro lugar. Talvez continue na redação da revista.
Estaciona e, quando vai sair do carro, seu celular pessoal toca.
É Mauricio Torres.
— Alô? — atende
— Katia, onde você está? — pergunta o homem; pela voz, nota
que está preocupado.
— No carro. Por quê?
— Já está vindo para cá?
— Como?
— Já está vindo para a apresentação fechada de hoje?
“Caraca! É verdade!...” . Havia esquecido por completo.
— Não. Ainda não. Estou fazendo... umas coisas. A que horas
tenho que estar aí?
— Às dez em ponto quero você aqui. Lembre que fizemos um
trato.
A cantora olha o relógio do carro. São sete e meia. Tem tempo.
— Não se preocupe, estarei aí. É muito cedo ainda.
Enquanto responde, Ángel sai do edifício e entra em um táxi.
— Bom. Liguei para lembrá-la. É melhor você vir, porque
senão...
— Mauricio, depois falamos, agora tenho que desligar. Um beijo.
— Katia, mas o quê...
A menina desliga o telefone e liga o motor do carro. É Ángel! Mas
para onde está indo? Não há alternativa a não ser segui-lo. Mas, com
o trânsito e a chuva que está caindo, não vai ser nada simples.
Já noite, nesse dia de março, em algum lugar da cidade.
Mario ouve a porta de sua casa abrir e fechar constantemente. A
campainha tocou umas quinze vezes. Não está entendendo nada.
Parece que há um grupo de pessoas lá embaixo. Porém, não tem
nenhum interesse em descobrir. É possível que esse barulho tenha a
ver com Paula, e nesse momento não está a fim de vê-la. Prefere
continuar deitado em sua cama. Serão dias difíceis. Precisa esquecê-
la de uma vez por todas.
— Mario, desça! — grita sua irmã no corredor. — Ou vai ficar aí
dentro a noite toda?
— Me deixa em paz. Estou dormindo.
— Venha já! Paula está chegando.
Confirmado. Ela não está, mas vai chegar. Com certeza
prepararam uma dessas festas do pijama em que as meninas falam
de suas coisas, especialmente de garotos.
— Depois desço — mente.
Põe os fones de ouvido do MP4 a todo volume e cobre a cabeça
com o travesseiro.
Sabe que essa atitude não é a mais adequada, que está se
comportando como uma criança, mas não tem intenção de continuar
sofrendo. Pelo menos, não por hoje.
— Mario, saia do quarto, estamos todos aqui embaixo já.
Agora não é Miriam quem fala, e sim Diana. Ainda não se viram
nesse dia. Quando chegou, o menino já estava trancado em seu
quarto e ela não quis incomodar. Agora Mario não pode ouvi-la. Só
ouve a música do U2 com o som no máximo.
Capítulo Cento e Três

Oito da noite desse dia de março, em algum lugar da cidade.


Espera que o sorvete de macadâmia não tenha se derretido.
Paula já está no bairro onde moram Miriam e Mario. Antes, ela
também morava ali. Depois, sua família se mudou para outra parte
da cidade, mas ela conservou muitos amigos de infância e lutou para
ficar na mesma escola que eles. Suas melhores recordações são dali
e adora voltar de vez em quando e olhar para trás. Nada parece ter
mudado em todos esses anos. Sim, há um supermercado novo, mais
lojas e até vão abrir um shopping, mas a aparência continua sendo a
mesma.
A menina caminha depressa sob a chuva. No trajeto de ônibus
pensou muito em sua situação atual, na última semana de sua vida.
Há oito dias tudo era diferente: só conhecia Ángel pela internet, Álex
não existia e Mario era um amigo de infância. Agora tem três garotos
apaixonados por ela, está prestes a perder a virgindade e em uma
semana irá para a Euro Disney. Incrível! Será que vai chegar uma
hora em que as novidades vão acabar e vai conseguir uma mínima
estabilidade? Espera que sim, porque sua resistência física e mental
está no limite.
Já está em frente à porta dos Parra. As luzes da casa estão
acesas. Toca a campainha e espera. Ninguém abre. Devem estar na
cozinha. Toca uma segunda vez e ouve uns passos que se
aproximam e depois se afastam. Paula não compreende o que está
acontecendo. Insiste tocando uma terceira vez. Passam-se alguns
segundos e, por fim, Miriam abre a porta.
— Olá! — grita, e se adianta para lhe dar dois beijos.
— Olá. Já estava começando a achar que não queriam que eu
entrasse.
— Que ideia…
Diana e Cris aparecem também para receber a amiga, que as
observa com curiosidade. Não estão muito arrumadas? Até se
maquiaram como se fossem a uma festa!
— Ah, já estão todas aqui. Que bonitas! Se eu soubesse, teria me
arrumado um pouco mais.
As meninas beijam a amiga. Cristina pega o sorvete e o leva à
cozinha enquanto Paula tira o casaco e procura um lugar para
deixar o guarda-chuva.
— Você está perfeita, muito bonita, como sempre — diz Diana,
que parece estar melhor que de manhã.
— Que nada! Vocês estão lindas. Mas podiam ter me avisado que
iam se vestir assim para eu não destoar tanto.
— Que boba! Você parece uma modelo — comenta Miriam, que
está atenta a outras coisas.
Embora Paula não tenha se maquiado tanto quanto suas amigas
nem se vestido para a ocasião, está perfeita. Usa um jérsei rosa-
escuro, com pequenos filetes vermelhos e uma calça branca muito
justa. Além disso, colocou uns brincos de argola e fez chapinha no
cabelo.
— Sim, “uma modelo”... E vocês?
— Nós nada. Por mais que a gente queira, nunca seremos como
você — responde a Sugus mais velha, que com o olhar diz algo a
Diana.
— Que exagerada!
Entre rasgação de seda e sorrisos, as meninas caminham até a
porta da sala. Cristina sai da cozinha e se junta a elas. Abrem a
porta. Está tudo escuro. Não se vê nada naquela sala. Paula sente
uma de suas amigas empurrá-la levemente por trás. Então,
acendem-se as luzes e...
— Surpresa! Parabéns!
Um grande grupo de jovens começa a cantar “Parabéns” diante
da surpresa de Paula, que ficou boquiaberta. Um a um vão se
aproximando e beijando a protagonista. Ali estão velhos amigos do
bairro, colegas de classe e até uns do terceiro ano que só conhece de
vista. Todos se aproximam e a parabenizam carinhosamente. As três
últimas a fazê-lo são as Sugus.
— Mas isso não era amanhã? — pergunta Paula, que ainda está
se recuperando da surpresa de ver todos aqueles amigos ali.
— Sim, mas no fim meus pais viajaram hoje e queríamos fazer
uma surpresa de verdade. E acho que conseguimos, não?
A música começa a tocar, e os convidados famintos começam a
devorar os salgadinhos, as bebidas e os canapés que
as Sugus prepararam durante a tarde toda.
— Sim! Eu não esperava mesmo! Obrigada, meninas: vocês são
as melhores.
As quatro se abraçam e até deixam escapar umas lagriminhas. A
seguir, Miriam tira algo de seu bolso embrulhado em papel de
presente.
— Tome, é pra você. De nós três.
Paula abre. É um cartão magnético, uma dessas chaves por
infravermelho que alguns hotéis usam.
— É do hotel Atrium. Quarto 322. Espero que sua primeira vez
seja muito bonita. Você merece.
É verdade! Se a festa é hoje, significa que hoje também... Deus,
não havia pensado nisso ainda!
— Obrigada, meninas. De verdade, vocês são as melhores. —
Paula volta a abraçar suas amigas, nervosa.
— Espera, falta isto — diz Diana, que lhe entrega uma caixinha
embrulhada também em papel de presente. — Não precisa abrir
agora. São para que não tenhamos Paulitas e Angelitos antes do
tempo.
Paula pega o pacote e sai da sala, para guardá-lo no casaco.
Quando volta para perto de suas amigas, percebe que falta alguém.
— E Ángel? Vocês o convidaram, não é?
— Sim, não se preocupa. Deve estar chegando. Mandamos um e-
mail explicando a mudança de planos — comenta Miriam.
— Também convidamos Álex, como você disse — acrescenta
Cristina.
Ops! Álex e Ángel juntos no mesmo espaço! Paula empalidece.
Quando pediu a suas amigas que convidassem o escritor, não
imaginava tudo o que viria depois. Uff. Será, sem dúvida, uma
situação constrangedora e muito tensa. Mas, pensando bem, talvez
Álex não vá, prevendo um encontro com seu namorado que pudesse
machucá-lo. Por enquanto, não está ali.
Porém, as dúvidas de Paula tardam pouco a se resolver. A
campainha da porta toca e um dos meninos do terceiro ano que
passava por ali abre.
Um garoto lindo que chama a atenção de todas entra na casa
levando um saxofone nas mãos.
Capítulo Cento e Quatro

Noite desse dia de março, em algum lugar da cidade.


Seus ouvidos doem. One, do U2, toca a todo volume em seu
MP4. Deve ter adormecido. Mario tira os fones de ouvido. Não ouve
quase nada, só um forte e desagradável assovio. Levanta-se da
cama, com os olhos semicerrados e a cabeça prestes a explodir.
Senta-se em cima da manta e esfrega os olhos. Está péssimo!
Pouco a pouco vai recuperando a sensibilidade em seus ouvidos.
Ouve música baixinho. Parece que sim. Ouve, além disso, muitos
risos e um ou outro grito. Sim, sua irmã e as outras fizeram uma
bela festa do pijama. Não quer sair do quarto, mas tem uma vontade
enorme de ir ao banheiro, de modo que não lhe resta alternativa.
Mario abre a porta devagar e sai do quarto na ponta dos pés.
Olha para baixo a fim de checar se não há ninguém que possa vê-lo,
mas não escapa. Duas meninas da sua classe observam abobadas
um garoto que acaba de entrar em sua casa com um saxofone.
Quem é? Não será um stripper?
Balança a cabeça negativamente e logo percebe que sua irmã e
os outros se esqueceram de lhe contar algo.
Ao mesmo tempo, nessa noite de março, no mesmo lugar da
cidade.
Duas convidadas da festa, colegas de classe de Paula, comentam
entre si.
— Quem é esse?
— Não faço ideia. Mas é um gato!
— Se é!
— É mais velho que nós, não é?
— Melhor. Com certeza tem muita experiência.
— Isso aí é um saxofone?
— É. Devem ter contratado uma banda.
— Pois se todos da banda forem assim... Afe!
Álex acaba de chegar e já se sente observado. Em um canto,
duas amigas de Paula olham para ele e cochicham. O escritor as
cumprimenta gentilmente e continua caminhando.
Que sorriso o desse desconhecido! As duas meninas correm para
se apresentar, mas é tarde demais. O jovem entra na sala com seu
saxofone nas mãos e se perde no meio da multidão.
Não há muita luz na sala. Aquele lugar é tão grande quanto a
pista de dança de uma danceteria. A música que está tocando é
muito estridente , tecno dance. Onde está Paula? Não a vê. Há muita
gente, todos jovens, estudantes do ensino médio a maioria. Talvez ele
seja o mais velho de todos. Por fim avista Paula. Está falando com
três amigas. Um calafrio percorre todo seu corpo. Ela ainda não o
viu.
O garoto vai discretamente até o aparelho de som e aperta
o stop. Um segundo de silêncio, seguido por um murmúrio de
protesto. Quem tirou a música?
Álex sobe em uma mesa e olha para Paula. A menina, surpresa,
põe a mão na boca. O que está fazendo aí em cima? Todos os
convidados observam com expectativa o garoto do saxofone.
— Feliz aniversário, Paula. Este é meu presente. A música se
chama Simplesmente, Paula e eu a compus especialmente para você.
Álex molha os lábios com saliva, prepara o sax e começa a tocar
essa melodia que sabe de cor e que tantas vezes interpretou.
Escreveu-a para ela, só para ela. Fecha os olhos e se deixa levar pela
música mais uma vez. Mas agora, não está em sua casa, em seu
telhado, na liberdade da solidão, agora todos o ouvem, ela
especialmente, e com emoção, prestando atenção em cada nota, em
cada segundo de Simplesmente, Paula.
Um sentimento diferente desperta na menina, como se a música
do saxofone a transportasse a um lugar onde só existissem ele e ela,
Álex e Paula. Não compreende por que seu coração se acelerou de
repente. É parecido ao que sente quando está com Ángel, mas não
pode ser, isso não é possível. Ela não ama Álex. Ama seu namorado.
Ou também ama Álex? Sua cabeça está uma confusão.
É possível amar duas pessoas ao mesmo tempo e da mesma
forma?
Ninguém diz nada durante três minutos. Só o sax fala.
Os acordes finais estão cheios de melancolia, de linda tristeza,
de amor não correspondido, mas com a esperança de um dia tudo
mudar.
A canção termina. Álex respira profundamente para recuperar o
fôlego. Desce da mesa e vai até a aniversariante, que olha para ele
com olhos chorosos. Alguns aplaudem, outros se perguntam quem é
esse garoto e todos o parabenizam quando passa.
O garoto chega a Paula e se abraçam. Muitos observam.
Esperam um beijo na boca, que não chega.
— Feliz aniversário — diz em seu ouvido.
— Muito obrigada, Álex. Foi lindo.
Os dois sorriem e se afastam. Olham-se indecisos. São o centro
da atenção, até que a música torna a tocar e cada convidado volta ao
que estava fazendo.
— Podemos ir para um lugar mais tranquilo um instante? Tenho
que dizer uma coisa.
Paula assente com a cabeça, mas está nervosa por conta do que
Álex possa lhe dizer. O casal se afasta da multidão de mãos dadas.
Entram na cozinha. Miriam está lá preparando uma bandeja
de croissants de presunto e queijo.
— Olá, você é Álex, não é? Eu sou Miriam, a dona da casa —
apresenta-se a menina, dando-lhe dois beijos.
— Muito prazer, Miriam.
— Foi lindo o que você tocou.
— Muito obrigado.
— Vai tocar mais?
— É...
Paula faz um gesto a sua amiga, que logo entende que querem
ficar a sós.
— Bom, vou levar isto para a sala — diz se referindo à bandeja
de croissants. — Parece que não comem há uma semana. Depois
vejo vocês.
— Tchau, Miriam.
A anfitriã sai da cozinha com um sorriso, se perguntando o que
esses dois pretendem.
Não há cadeiras, estão todas na sala, de modo que Paula e Álex
se sentam em cima de uma mesa que às vezes a família Parra usa
para comer. Um ao lado do outro.
— De verdade, adorei seu presente.
— Fico feliz que tenha gostado. Fiz com muito carinho.
— Eu sei. Obrigada.
Então, ele pega a mão dela e a olha nos olhos. Paula se
surpreende, mas não se afasta.
— Eu... não quero te pressionar. Sei que ama seu namorado e
pode ser que eu esteja criando muitos problemas, mas estou muito
apaixonado por você, Paula. Cada momento que passa cresce o que
sinto. E não posso controlar.
— Álex, eu...
— A cada minuto olho o celular para ver se você me mandou
uma mensagem. Penso em você o tempo todo. Não sei mais o que
fazer.
O garoto suspira e baixa o olhar. Paula faz o mesmo.
— Não vou negar que despertou algo em mim — reconhece a
menina. — Não sei se é possível gostar de duas pessoas ao mesmo
tempo. Estou muito confusa. Sei que amo Ángel. Eu sei. Ele me faz
sentir especial e meu corpo treme quando estou com ele. Mas você...
Você conseguiu também.
Álex volta a olhá-la nos olhos. Não esperava que ela dissesse
algo assim. Ela sente alguma coisa, mas não sabe até que ponto.
Precisa agir.
— Paula, me beija e escuta realmente o que seu coração diz.
— Como?
— Me beija e tira a dúvida.
— Não posso beijar você. Eu estaria sendo... infiel a Ángel.
— Não disse que consegui despertar algo em você?
— Sim, mas...
— Então, é hora de saber se realmente me ama ou não.
Álex fecha os olhos e se inclina para ela. Paula suspira, está
confusa. Tem que decidir em um segundo. O que faz? Beija-o?
A porta da cozinha range e se abre.
Paula e Álex se afastam e descem rapidamente da mesa. A
menina relembra o que aconteceu ontem quando Erica entrou em
seu quarto de repente.
— Ah, você está aqui! — exclama Cris, que vem acompanhada.
— Veja quem eu encontrei.
Um garoto alto, de olhos azuis e sorridente, entra de mãos dadas
com Cristina.
— Meu amor! — grita Paula, que reage depressa e corre para seu
namorado.
Ángel a envolve em seus braços e se beijam.
Depois, ele olha para o garoto com quem Paula estava na
cozinha. É bonito , muito bonito; não gosta dele.
Álex cruza o olhar com o recém-chegado. Então, esse é Ángel... É
um sujeito muito atraente, não esperava menos. Não pode evitar
sentir certo ódio por ele.
— Desculpe por chegar tão tarde. Muito trânsito por causa da
chuva.
— Não se preocupe! A festa acabou de começar... Muito obrigada
por vir. Vocês todos me fizeram uma grande surpresa — comenta a
menina, falando muito depressa. Está nervosa. Será que Ángel viu
algo do que aconteceu com Álex?
O jornalista volta a beijar Paula e a abraça mais forte.
— Não vai nos apresentar? — pergunta Cris, que continua ali
observando tudo.
— Ah, claro. Que distraída.
Paula se aproxima de Álex de novo com sua amiga e seu
namorado, um de cada lado. Está muito tensa, mas procura
disfarçar o máximo que pode. O fato de Cristina estar ali ajuda
muito.
— Este é meu amigo Álex. Ele é músico e escritor.
A menina é a primeira a se aproximar e o cumprimenta com dois
beijos.
— Eu sou Cristina, muito prazer. Você toca bem demais.
— Muito obrigado — responde com timidez.
Cris sorri e dá um passo para trás, momento que Ángel
aproveita para avançar.
— E eu sou Ángel, namorado da Paula. Prazer em conhecê-lo.
— Igualmente.
Os garotos apertam com força as mãos e se olham nos olhos.
Paula os observa inquieta. Parece um desafio, um duelo entre
ambos. É estranho que duas pessoas como Ángel e Álex, tão serenas,
mantenham essa atitude desafiadora.
— Ok, vamos para a festa? — pergunta Paula, louca para sair
dali o quanto antes.
— Sim! — grita Cristina, que já tomou dois Malibus com
abacaxi. — Dança comigo, saxofonista.
A menina segura Álex pelo braço e, sem que ele possa evitar,
empurra-o até a sala onde toca Take me out, do Franz Ferdinand.
Paula os segue, mas Ángel a pega suavemente pelo braço e a
segura antes de sair da cozinha.
— Te amo. — Seus olhos azuis brilham.
— Eu também — responde ela.
E beijam-se de novo. Mas é um beijo diferente. Ela o ama, mas
dentro dela, em seu coração, está se desatando uma tempestade de
sentimentos e sensações. No coração de Paula chove. Ama Ángel,
mas já não tem certeza de que ele é o único.
Capítulo Cento e Cinco

Minutos antes, nessa noite de março, nesse lugar da cidade.


Mas o aniversário de Paula não é amanhã?
Mario não está entendendo absolutamente nada. De cima vê
garotos mais ou menos conhecidos entrar e sair constantemente da
sala. Aquilo já não parece uma simples festa do pijama.
Já vai descobrir. Antes tem que ir ao banheiro. Rapidamente
percorre todo o corredor do andar de cima e chega ao banheiro, mas
não consegue abrir a porta. Está trancada. Era só o que faltava.
Tenta de novo, mas é impossível. Bate à porta e não respondem.
“Isso é o cúmulo”, pensa. Ninguém o avisou da festa que fizeram lá
embaixo e ainda por cima não pode entrar nem em seu próprio
banheiro. Insiste em bater e por fim uma voz feminina responde do
outro lado.
— Já vou, impaciente.
A menina abre a porta.
Os dois se surpreendem.
— Mario, era você — diz Diana, envergonhada.
Está muito bonita, com um vestido preto de noite que chega até
os joelhos, com pedrinhas que brilham. Está de salto e seu cabelo
não está preso, como costuma usar na escola. Passou chapinha e cai
liso pelos ombros.
— Sim, claro que sou eu. Moro nesta casa. E você, que faz aqui?
— Pedi licença a sua irmã para usar este banheiro. No de baixo
havia duas meninas na fila.
— Espera um segundo, já me conta o que está acontecendo.
O menino entra no banheiro a toda pressa e fecha a porta. Diana
sorri e o espera com as costas apoiadas na parede do corredor.
É a primeira vez que vê Mario desde ontem à tarde. Nessa
manhã, quando não foi à aula, sentiu falta dele. Durante a prova de
matemática, olhou várias vezes para seu canto e sentia um nó no
estômago por não encontrá-lo ali. Talvez ela tenha bastante culpa de
tudo que aconteceu, visto que foi quem insistiu para que se
declarasse a Paula. Sua amiga, no banheiro, lhe contou tudo que
aconteceu. Isso confirmava sua teoria de que Mario fingiu estar
doente para não ir à escola e não se encontrar com Paula. Essa era a
verdadeira razão de sua ausência, e não a prova de matemática,
como pensava Miriam.
Mario sai do banheiro e volta a olhar para baixo pela
balaustrada. Continua entrando gente em sua casa. Alguns ele
nunca viu e outros conhece da escola.
— Fizeram uma festa na minha casa e não me disseram nada.
— Ninguém te avisou de que o aniversário de Paula ia ser na sua
casa?
— Sim, isso sim. Mas achava que seria amanhã.
— E seria amanhã. Mas sua irmã, quando soube que seus pais
iam viajar hoje, decidiu antecipá-la um dia para fazer uma surpresa
a Paula.
— Ah, e ninguém me disse nada.
— Que estranho... Imagino que todo mundo tinha certeza de que
você sabia.
— Sei.
O menino se apoia na parede e suspira. Diana está ao seu lado
na mesma postura.
— Todo mundo sentiu sua falta hoje de manhã. Como está se
sentindo?
— Bem. Quando acordei, estava tossindo e com uma dor de
cabeça bastante forte. Agora dói um pouco, mas muito menos.
E dessa vez não está mentindo. A música do U2 no volume
máximo nos fones de ouvido tem culpa disso.
— Por isso faltou à aula?
— Sim, não me sentia nada bem de manhã.
— Deve ter ficado muito mal para perder uma prova, e ainda
mais de matemática.
— É, azar.
— Algumas pessoas da classe acham que você inventou isso
para não fazer a prova porque não sabia a matéria.
Mario ri irônico.
— Que digam o que quiserem. Não me importo nem um pouco.
— Não se importa com o que os outros pensam?
— Não.
— Nem com o que eu penso?
Mario se volta e olha Diana nos olhos. Hoje a acha mais bonita
que nunca.
— Não sei o que você pensa — responde com tranquilidade.
A menina se surpreende. Não parece a mesma pessoa insegura e
tímida de sempre. É como se o fora que levou ontem lhe servisse
para amadurecer de repente.
— Penso que, se houvesse feito a prova, teria tirado a melhor
nota de toda a classe.
— Não sei. Não devia estar fácil.
— Também não foi tão complicada. Talvez até eu tire uma boa
nota.
— Fico feliz. Você se esforçou muito.
Diana sorri. É verdade, é a prova para a qual mais estudou na
vida. E possivelmente tire uma boa nota.
A menina se espreguiça e boceja.
— Não estou nem um pouco a fim de festa.
— Eu também não. Se bem que não sei nem se fui convidado.
— Claro que foi, que ideia!
— Paula talvez não queira nem me ver.
— Você é que não quis ir à escola hoje para não vê-la —
responde Diana, com frieza.
Mario não se surpreende com as palavras da amiga. Já
suspeitava que ela sabia. Mas também não quer voltar ao passado,
pelo menos não por ora.
Agora é o menino quem se espreguiça e boceja.
— Quer assistir a um filme no meu quarto? — sugere de repente.
Diana não sabe como encarar aquela proposta, mas parece que
não está falando com segundas intenções. Simplesmente quer que
vejam um filme juntos, como amigos. Embora ache que Mario esteja
tentando se afastar de Paula e de seus sentimentos por ela, é
impossível que a tenha esquecido tão depressa. Um amor de dez
anos não passa em dez horas nem em dez dias. Se realmente decidir
virar a página, precisa lhe dar um tempo e depois lhe dizer o que
sente.
— Ok. É uma boa ideia.
Os dois entram no quarto. Diana está um pouco nervosa, apesar
de ter passado ali muito tempo nos dois últimos dias. Pensa em se
sentar na cama, mas por fim opta pela cadeira da escrivaninha.
— Alguma preferência? — pergunta Mario.
— Não sei. Surpreenda-me.
O menino procura em uma pasta no computador e finalmente
decide por A vida é bela.
— Já viu? Se quiser, ponho outro.
— Sim, sim, já vi, mas deixa. Adoro.
— Tudo bem.
Mario pega outra cadeira e se senta ao lado de Diana.
Os dois estão à vontade na companhia um do outro. Há uma
semana nem sequer eram amigos de verdade; agora, depois de uns
dias muito difíceis para ambos, são capazes de se sentar juntos para
ver um filme.
— Espere um instante. Dê pause — diz a menina, levantando-se
da cadeira. — Já venho.
Diana sai do quarto correndo. Mario obedece e para o filme. Não
sabe o que pode ter acontecido. Disse ou fez algo errado? Poucos
minutos depois sua amiga volta com uma garrafa de Coca Cola, dois
copos e um pacote de batata frita. Entra no quarto e fecha a porta.
— Com isso, já temos nossa minifesta.
O menino pega o copo que sua amiga lhe oferece e sorri. Por fim,
sorri.
É que, apesar de Paula continuar em sua cabeça, porque não se
pode deixar de amar alguém em um dia, Diana está começando a
ganhar muitos pontos.
Capítulo Cento e Seis

Nessa noite de março, após o último beijo entre Ángel e Paula.


O casal entra de novo na sala.
A música toca altíssima. Há muitos jovens dançando, mas dois
chamam especialmente a atenção. Paula observa Cristina pôr as
mãos nos ombros de Álex e se mover ao ritmo da música. Ele faz o
que pode e tenta acompanhá-la. É evidente que dançar não é a praia
dele, mas tenta e até fica simpático. Paula deixa escapar um
sorrisinho por baixo da mão com que cobre a boca. Ángel percebe.
Não gosta nada dessa cumplicidade que existe entre sua namorada e
aquele sujeito.
Mas ele não vai ficar quieto olhando. Segura sua namorada pela
cintura e a guia para o centro da sala. Paula, surpresa, deixa-se
levar. Não conhecia essa faceta de Ángel. Dança bastante bem.
Move-se com muita desenvoltura e põe os pés no lugar certo.
Álex, porém, não tem a mesma habilidade e pisa na pobre Cris.
A menina se queixa um instante, mas logo volta a sorrir. O escritor
pede desculpas, envergonhado. Distraiu-se quando viu Paula e Ángel
juntos. Ele a segurava pela cintura e ela se abraçava ao pescoço dele
com as duas mãos, depois se beijavam. Está começando a pensar
que ir ao aniversário não foi uma boa ideia. Não suporta vê-los tão
melados. Sente-se fraco, como se tudo que disse a Paula não
servisse para nada. Ela nunca será dele, apesar do que lhe
confessou antes.
A festa continua.
Outra música começa, mas a maior parte das pessoas,
surpreendentemente e ao mesmo tempo, abandona a sala. Ouve-se
um murmúrio ao lado, que vai aumentando. Alguma coisa está
acontecendo na entrada da casa. Paula sente curiosidade. Pega seu
namorado pela mão e juntos saem da sala. Álex vai atrás e Cristina o
acompanha.
Parece que alguém chegou e está causando muita expectativa.
Todos cercam alguém.
— Que foi? Quem chegou? — pergunta Paula a Ángel.
— Não sei. Espera.
O garoto fica na ponta dos pés e por fim consegue ver quem
causou tanto alvoroço.
Não pode ser. O que ela está fazendo ali?
Katia consegue por fim se livrar de boa parte dos jovens que a
abordam e caminha até Ángel quando o vê entre a multidão. Paula a
vê chegar e dá um grito:
— Meu Deus, é Katia! E está na minha festa de aniversário!
A cantora de cabelo rosa cumprimenta primeiro Ángel com dois
beijos e depois se dirige à menina que está ao seu lado.
— Olá, você é Paula, não é?
— Olá... Olá. Sim, sim. Sou eu — responde muito nervosa.
Ángel não diz nada. Não entende nem por que foi nem como o
encontrou, mas sorri e tenta disfarçar a contrariedade. Se já gravou
o CD que ele pretende dar a Paula à meia-noite, quando realmente
será seu aniversário, por que Katia está ali?
— Me disseram que você é uma grande fã minha.
— Sim! Adoro seu CD. Sério, é demais.
— Obrigada. Ángel me falou muito de você e me pediu que viesse
para te dedicar uma música como presente de aniversário.
— De verdade? Você fez isso por mim?
Ángel entra na da cantora e dá de ombros. A menina,
emocionada, beija seu namorado. Katia sente uma pontada em seu
peito, mas aguenta com integridade o momento de paixão do casal.
Os três entram na sala, com uma fila de meninas e meninos
atrás.
— Bom. Esta versão especial de Ilusionas mi corazón é para você.
Katia limpa a voz e muito suavemente começa a cantar a
capella a canção que a fez famosa, mudando o nome dos
protagonistas.
Ángel ve en ella el camino,
La luz que invita a soñar,
Un truco que hizo el destino,
Como se unen la copa y el vino.
El juego que quiso el azar.
Ángel la acoge en su nido,
Siente en su boca el manjar,
Caricias de un fruto prohibido,
Le cuenta en susurro al oído
Lo que ella desea escuchar.
Ilusionas mi corazón.
Nunca pensé que pudiera amar
Como te amo a ti, mi amor,
Como te quiero a ti, jamás.
Y en esta historia de dos
Que no tiene escrito el final
Tú eres mi cielo, mi sol,
Tú eres mi luna, mi mar.
Paula ve en él un amigo,
Un amante que le hace volar,
Un confidente que es el testigo
De besos, de roces furtivos
Abriéndose paso en la oscuridad.
Paula se enreda en su abrigo,
Se acerca cada vez más.
Unidos en cada latido
Le cuenta en susurro al oído
Lo que él desea escuchar.
Ilusionas mi corazón.
Nunca pensé que pudiera amar
Como te amo a ti, mi amor,
Como te quiero a ti, jamás.
Y en esta historia de dos
Que no tiene escrito el final
Tú eres mi cielo, mi sol,
Tú eres mi luna, mi mar.
A canção termina e um grande silêncio invade a sala. Paula está
com os olhos chorosos. Está muito emocionada. Olha para Katia e
para Ángel várias vezes. É incrível que a cantora mais popular do
momento esteja ali e tenha cantado especialmente para ela!
— Posso te dar um abraço? — pergunta a Katia com as lágrimas
correndo.
— Claro.
As duas meninas se abraçam sob o olhar de todos, que ainda
não acreditam no que estão vendo.
Capítulo Cento e Sete

Nessa noite de março, na festa de aniversário de Paula.


Katia olha o relógio constantemente. Há meia hora devia estar
na apresentação à qual Mauricio lhe havia pedido que não faltasse.
Seu agente ligou umas vinte vezes, mas ela não atendeu o celular e,
por fim, acabou desligando-o. Dói demais o que está fazendo, mas
não pode ir embora dali sem que Ángel saiba o que sente. Até o
momento não houve oportunidade para falar com ele. A cada minuto
se aproxima um daqueles jovens e comenta alguma coisa; todos
querem conversar com ela. E quando consegue se livrar e ficar
sozinha, Ángel é quem está ocupado, beijando a namorada e
dançando com ela.
Agora é um desses momentos em que não há ninguém em volta.
Muitos convidados estão jogando verdade ou desafio. E o desafio é
beber uma dose de rum.
— Olá. Você é Katia, não é?
Acabou-se a solidão. Alguém está falando com ela de novo.
Nessa ocasião, não se trata de um desses estudantes, e sim de um
garoto bonito, um pouco mais velho, com um sorriso incrível. Já
havia reparado nele antes, mas não tivera oportunidade de conhecê-
lo ainda.
— Sim. E você é…
— Álex.
O garoto se inclina e lhe dá dois beijos.
— Você é amigo da Paula?
— Sim. Nós nos conhecemos há pouco tempo.
— Ah. Ela parece legal.
— E é.
Os dois ficam em silêncio e observam o grupinho que está
jogando verdade ou desafio.
— Posso fazer uma pergunta?
— Sim, claro. Mas que não seja muito difícil, por favor — brinca
a garota.
— Recebeu minha carta?
— Sua carta? — pergunta Katia com estranheza, pois não sabe
do que ele está falando.
— Sim. Mandei uma carta com um pedido e o início de um livro
intitulado Por trás da parede.
A cantora pensa um instante e então se lembra daquilo sobre o
que Mauricio lhe falou.
— Ah! Sim, evidentemente! Você é esse Álex?
— Sim, sou eu.
— Que coincidência então nos encontrarmos aqui.
— Sim. Foi uma feliz coincidência.
— Meu agente insistiu muito para que eu lesse o que você me
mandou, e tenho que reconhecer que é muito bom — mente Katia,
que não leu nem uma linha do livreto que Álex lhe enviou.
— Obrigado, fico feliz que tenha gostado.
Pouco a pouco a menina vai recordando algumas coisas que
Mauricio lhe contou sobre aquela história.
— E, se não me engano, quer que eu escreva uma música para
promover o livro e, assim, poder chegar a mais gente, não?
— Mais ou menos isso — reconhece Álex.
— Hummm… É uma ideia interessante. E se você ficar famoso,
isso também poderia me beneficiar.
— Não creio que vá ficar famoso escrevendo.
— Nunca se sabe. Eu também não achava que ficaria famosa
cantando, e veja só.
— É diferente. Existem mais cantores famosos que escritores
famosos.
— Talvez porque a música chegue a mais gente do que os livros.
— Porque para ouvir música você não precisa fazer nada, mas
para ler um livro tem que prestar atenção e se esforçar.
— Isso é verdade — responde ela, esboçando um sorriso.
Katia acha o garoto muito interessante. Bem bonito, e agora que
o conhece, não se importaria de lhe emprestar uma de suas canções
ou escrever uma nova para seu livro. Mauricio comentou que Quince
más quince, que não chegou a entrar no CD, se ajusta perfeitamente
à história: é uma canção que fala da diferença de idade e que isso
não deve ser um problema em uma relação.
Enquanto continuam conversando, Ángel e Paula aparecem de
novo. Ela o beija e se serve de um copo de Fanta Laranja.
— Não vou demorar a ir — diz Álex, que vê a cena.
— Eu também não. Faz quase uma hora que devia ter ido a
um show.
— Nossa! E por que continua aqui?
— Tenho que falar com Ángel sobre algo muito urgente, mas,
entre as pessoas que me cercam e Paula que sempre está com ele,
não tive oportunidade ainda.
Álex pensa um instante.
— Talvez eu possa ajudar — sugere. — Agora, o pessoal todo
está entretido. Se eu conseguir afastar Paula, você pode falar com
Ángel.
— Legal.
— Você leva Ángel para a cozinha que eu levo Paula para cima,
ok?
— Perfeito.
Sem mais palavras, os dois se aproximam do casal para tentar
atingir seus objetivos pessoais.
Capítulo Cento e Oito

Nessa noite, instantes depois, na casa dos Parra.


Pela mão, Katia leva Ángel até a cozinha. Enquanto isso, em
outro canto da casa, Álex arrebatou Paula por alguns minutos. O
casal não pôde evitar, dada a insistência de seus pretendentes.
— Desculpe, Ángel. Não queria ser tão brusca, mas tinha que
falar com você.
O jornalista ainda continua incomodado com ela por sua
presença ali sem convite.
— Fala, estou ouvindo.
— Primeiro, queria me desculpar por ter aparecido aqui sem
dizer nada.
— Como sabia onde eu estava? Eu não comentei nada nem na
redação.
— Fui à sua casa e vi você entrar em um táxi. Seguir você não
foi fácil, por conta da chuva e do trânsito, mas tive sorte.
— Você me seguiu da minha casa até aqui? — pergunta
espantado.
— Sim. Tive que fazer isso porque queria falar com você.
Ángel suspira. Aquilo é cada vez mais surreal.
— Diga.
— Não é simples para mim tudo isso, de modo que lhe peço por
favor que não me interrompa. Quando eu acabar de falar, você me
diz o que pensa.
Katia está trêmula. Sua voz falha e não consegue olhar nos olhos
dele.
— Tudo bem.
A menina respira fundo e começa a falar.
— Faz pouco mais de uma semana que o conheço. Mas, para
mim, é como se o conhecesse desde sempre. Desde o primeiro
momento achei você uma pessoa incrível... Ultimamente, estou
cercada por muita gente, mas não consigo saber quem está
interessado em mim ou na cantora. Com você não tive dúvidas. Você
me notou como pessoa e esteve comigo em momentos importantes,
como o acidente. Sei que tivemos nossos problemas, que errei te
beijando no dia das fotos, que não devia ter levado você para minha
casa e te deitado na minha cama; mas não aconteceu nada, como
você sabe, no dia em que você se embebedou. Eu nem devia ter
pedido que fosse comigo tomar um drinque. Depois, as ligações. Para
você, devo ter sido um verdadeiro pé no saco, um pesadelo. Mas,
ainda assim, você me ligou de novo e me reintegrou à sua vida.
Também sei, pois não sou tola, que a partir desse dia você se
aproveitou um pouco da situação. O que você realmente queria era
que eu dedicasse uma canção a Paula para o aniversário dela. Talvez
tenha me usado, mas não me importo. Tentei aproveitar o pouco
tempo que passamos juntos, mas foi difícil sabendo que você
pensava nela, e não em mim.
Katia toma fôlego e prossegue:
— Hoje falei com minha irmã, e é realmente por causa dela que
estou aqui. Eu achava que minhas possibilidades com você eram
zero. Mas Alexia me convenceu de que pelo menos tinha que lutar e
jogar até a última cartada e dizer o que sinto. Eu amo você, Ángel.
Eu te amo tanto que você nem pode imaginar. E vou ser sincera: não
quero explicações, só pretendo que me dê um sim ou não sobre se
tenho alguma chance com você. Só isso. Se disser que sim, vou
tentar fazer que se apaixone por mim, farei as coisas direito e
prometo que você jamais encontrará alguém que possa te dar mais
do que eu darei. Se disser não, vou te esquecer para sempre. E
também não posso ter sua amizade, porque seria enganar a mim
mesma e continuar sofrendo, porque se continuar vendo você, sei
que vou chorar de novo. — Respira fundo. Suspira. E tremendo, faz
a pergunta decisiva. — Ángel, tenho alguma chance de um dia você
ser meu namorado?
Silêncio. Para Ángel, aquilo supera qualquer momento
comprometedor que tenha vivido até agora. Nunca se viu em uma
situação tão extrema e que lhe provocasse tanta dor. Mas sabe a
resposta à pergunta de Katia:
— Não. Sinto muito, Katia. Estou apaixonado por Paula.
A cantora sorri. Aproxima-se dele e, sem que espere, lhe dá um
beijo na boca.
— Até um dia, Ángel.
Abre a porta da cozinha e desaparece.
Ao mesmo tempo, nessa noite de março, na andar de cima da
casa dos Parra.
— Não estou entendendo nada, Álex. Para que me trouxe até
aqui?
— Antes fomos interrompidos. Nossa conversa ficou pela
metade.
Paula suspira. Durante a noite toda tentou estar o mais perto
possível de Ángel para tentar esquecer o que havia acontecido com
Álex. Sente-se mal, como se o estivesse traindo, e tem medo de que
isso que está sentindo continue crescendo.
— Sinto muito, Álex. Acho que antes...
— Antes quase me beijou.
— Não. Não queria te beijar.
— Não queria mesmo me beijar, Paula?
A menina afasta o olhar dos olhos imensos daquele garoto que
às vezes a confunde mais.
— Não, Álex. Amo meu namorado... Ele é tudo pra mim.
— E por que não olha para mim quando diz isso?
Paula crava seus olhos cor de mel nos olhos castanhos de Álex.
Mas não consegue sustentar seu olhar nem por um segundo.
— Álex, por favor. Não faça isso comigo.
— Me beija, Paula.
— Não, por favor.
— Diz que não gosta de mim e vou embora.
— Álex, por favor.
— Diz. Diz que não me ama e vou embora definitivamente.
— Álex, eu...
Então, a menina vê Ángel no andar de baixo. Está procurando
por ela. O jornalista olha para um lado e para o outro, desorientado,
desesperado.
— Não amo você — acaba dizendo. — Sinto muito. Não amo.
Aquelas palavras ferem mortalmente o coração do jovem escritor.
Os olhos de Paula estão nos seus. Não há mais nada a dizer.
Olha para ela pela última vez, doído, muito doído.
Tranquilamente, Álex desce a escada. Despede-se de Ángel e sai
pela porta da casa dos Parra.
Capítulo Cento e Nove

Nessa noite de março, em outro quarto daquela casa.


O fim de Escrito nas estrelas a encanta. O filme mostra como o
destino pode brincar com as pessoas a ponto de dois desconhecidos
se apaixonarem e, após anos separados, tornarem a se encontrar e
continuarem apaixonados. É o segundo filme que Mario e Diana
veem juntos nessa noite. Não saíram do quarto apesar de tudo que
parece ter acontecido. Eles fizeram sua festa particular e se
divertiram mais que a maioria dos convidados, que agora voltam
para casa vomitando a comida do aniversário por conta do efeito do
álcool.
Os dois estão na cama, deitados. Ficar tantas horas sentados
nas cadeiras era um castigo, de modo que, quando A vida é
bela acabou, os dois decidiram se deitar na cama e ver o filme dali.
— Que bonito — comenta Diana, que não havia visto o filme
ainda.
— É. É um dos filmes desse tipo de que mais gosto.
— Ai.
A menina funga e seu amigo fica olhando para ela.
— Está chorando?
— Que nada! Peguei friagem.
— Sei. Não posso acreditar que a fria e durona Diana chora
vendo Escrito nas estrelas.
— Ei, não estou chorando. E cuidado com o que diz por aí, não
vai arruinar minha reputação.
O menino sorri. Pouco a pouco vai encontrando a verdadeira
Diana. E, sem dúvida, gosta muito mais dessa do que da que finge
ser.
— Não se preocupe, não vou dizer nada.
Mais de meia-noite. Não está chovendo. Lá embaixo já não se
ouve barulho nenhum. Não deve restar muita gente, e os que sobram
estão bêbados ou pegando alguém.
— Mario, posso dormir no seu quarto?
— Como?
— Ei, não pense bobagem, assanhado. Só dormir, não quero te
desvirginar.
— Imbecil! — grita, e se joga em cima dela.
Diana começa a rir escandalosamente. Ele está lhe fazendo
cócegas.
— Para, para! Por favor!
O menino para. Os dois arfam por conta do esforço e tornam a
se deitar um ao lado do outro.
— Está bem. Pode dormir aqui. Vamos ser como Dawson e Joey.
— Quem?
— Dawson Leery e Joey Potter, protagonistas de Dawson’s
Creek.
— Não faço ideia de quem são esses.
— Uff, você não teve infância.
A menina fica de joelhos em cima da cama e ameaça seu amigo
com o travesseiro.
— Claro que tive, mas não via TV. Brincava com outras crianças.
— Ou as maltratava.
— Seu babaca!
Diana bate repetidamente em Mario com o travesseiro até que
ele consegue arrancá-lo dela.
— Tudo bem, paz — diz a menina, cobrindo-se com a manta.
— Claro, agora que eu tirei o travesseiro de você, quer paz.
— Shhhh.
— Por que mandou eu me calar?
— Estou com sono.
Diana fecha os olhos e apoia a cabeça no ombro de Mario.
— Vai me usar de travesseiro?
— Shhhh.
— Ok. Estou calado.
O menino não diz mais nada. Cobre-se com a parte da manta
que Diana não está usando e fecha os olhos também.
É a primeira noite que Mario passa com uma menina e, embora
sempre tenha pensado que Paula seria sua própria Joey, a partir
desse instante a protagonista passou a ser uma atriz coadjuvante da
história.
Capítulo Cento e Dez

Nessa noite de março, em algum lugar da cidade.


Hotel Atrium. Quarto 322.
Ángel abre a porta com o cartão magnético, depois o introduz no
aparelhinho que fica na parede para a luz e aperta o interruptor.
Ele entra primeiro, Paula entra depois e fecha a porta. Aquele
quarto é lindo. Todos os móveis são brancos, pretos ou cinza e
transmitem muita tranquilidade, algo de que ambos precisam nesse
momento. A cama é de casal: grande, espaçosa, com lençóis brancos
recém-trocados.
Ambos tiram os casacos e os deixam no armário. Paula também
guarda ali dentro a mochila das Meninas Superpoderosas com o
pijama.
A menina, nervosa, vai até a janela e observa as milhões de luzes
que à noite colorem a cidade. Seu namorado se aproxima por trás e
beija seu pescoço. Sente no corpo dela a tensão.
— Tudo bem?
— Sim. Muito bem — responde, não muito convincente.
Ángel não dá muita importância. É compreensível que esteja
assim. É sua primeira vez. Ele também está nervoso e com todos os
músculos tensos, mas precisa se controlar: tem que transmitir
segurança e proporcionar a ela toda a tranquilidade possível.
— O hotel é demais. Suas amigas exageraram.
— Sim. É tudo muito bonito.
O menino leva suas mãos à cintura de Paula e as coloca por
baixo do jérsei. Ela estremece e as afasta com suavidade.
— Devagar, por favor — pede com um sorriso.
— Desculpe, eu não...
— Calma. Não foi nada. Sou eu que estou um pouco nervosa.
— Eu entendo. Não se preocupe.
Paula se afasta do namorado e caminha até o banheiro. Também
é muito espaçoso e tem as mesmas cores do quarto.
— Ángel, se importa se eu tomar um banho antes? Talvez assim
fique mais calma.
— Claro, como quiser. Leve o tempo que necessitar.
— Obrigada, meu amor.
Tranca-se no banheiro e começa a se despir. Coloca o celular,
que está na calça, em cima da pia. Seu jeans cai no chão
lentamente. Pega-o e o pendura em um dos ganchinhos da parede.
Ao lado, põe o jérsei. Paula se olha no espelho. Está de lingerie rosa.
Se soubesse que hoje era o grande dia, teria vestido outro conjunto
mais sexy. Aquele não está mal, mas não é especial.
Suas mãos tremem tanto que é difícil desabotoar o sutiã.
A última coisa a desaparecer de seu corpo é a calcinha rosa.
Paula entra na banheira e examina as torneiras atentamente.
Não são comuns; um lado regula a temperatura da água e o outro, a
força do jato. Mas seu funcionamento é mais fácil do que esperava e
logo encontra o ponto de calor perfeito.
A água cai por todo seu corpo com força, intensamente,
relaxando seus músculos.
E sem saber por quê, começa a se perguntar o que está fazendo
ali. A resposta não é difícil: está ali para transar pela primeira vez
com um garoto, com o garoto que ama, como sempre imaginou.
Porém, não tem tanta certeza de tudo como tinha há alguns
dias. A culpa é de Álex. E de Mario.
Mario! Nem se lembrou dele a noite toda. Nem o viu! Onde terá
se metido? Depois de tudo que aconteceu ontem, não acha estranho
que não a queira ver por um tempo. Seu presente foi lindo: Canções
para Paula.
É curioso, mas esse poderia ser o título e o resumo de seu
aniversário. Mario lhe deu músicas em um CD; Ángel, a gravação de
Katia; Álex... aquela canção no sax, composta para ela. Três garotos
encantadores com quem acha que agiu muito mal.
Especialmente com Álex. Uff, partiu seu coração. E de uma
maneira bastante cruel. Olhando-o nos olhos. Negando coisas que
sentia. Porque realmente há algo novo em seu coração. Um
sentimento diferente.
Mas não pode admitir algo assim. Complicaria sua vida, a de
Álex e também a de Ángel. Pobre Ángel. Se soubesse que nesse
momento sua namorada não sabe se está apaixonada por ele ou por
outro, com certeza iria embora desse quarto.
É culpada e não tem desculpas. Mas o que podia fazer?
A menina fecha as torneiras e começa a se secar ainda dentro da
banheira.
Seu celular toca. É um SMS. Paula seca as mãos e pega o
telefone. É uma mensagem de Álex: “Mesmo que tenha me dito que
não me ama, eu te amo. Parabéns, já fez dezessete”.
Seu coração dá um salto, seu estômago se remexe como uma
centrífuga.
Suspira. É verdade, já tem dezessete anos.
Suas ideias estão cada vez menos claras.
Sai da banheira enrolada na toalha, acaba de se secar e põe a
roupa íntima.
Respira fundo. Chegou a hora.
Abre a porta e caminha pelo tapete cinza até o centro do quarto.
Ángel já está na cama. Não está de camiseta. Seu peito atlético
está completamente nu. A parte de baixo ainda continua coberta. O
garoto a observa com admiração, depois com desejo, e a convida a se
deitar ao seu lado.
Paula obedece.
E chegam os beijos. Os primeiros beijos: na boca, no pescoço,
nas orelhas. E deixa escapar alguns gemidos. Ángel acaricia seus
braços, suas costas. Desabotoa o sutiã, que cai e se perde entre os
lençóis. Ela se deixa levar. Sente a boca dele em seus seios, com
paixão, saboreando o que ninguém antes conseguiu provar.
A menina abre e fecha os olhos. Abre-os a fim de saber para
onde vão suas mãos e os fecha quando chegam.
Ángel desliza, devagar. Brinca com o elástico da tanguinha até
que por fim decide explorar além. Paula suspira. Geme. O prazer
chega a seu corpo, mas sua cabeça e seu coração estão dizendo que
não prossiga. Não. NÃO!
Abre os olhos e olha para Ángel. Ele se surpreende quando os
contempla. Paula está chorando.
O celular volta a tocar. Um apito que indica uma nova
mensagem.
A menina olha para o banheiro.
Não quer continuar com aquilo porque não sabe se ama Ángel,
Álex ou os dois. E não pode viver assim. Precisa de tempo. Precisa de
espaço. Para se entender, para saber se realmente está apaixonada
por alguém. Agora lembra bem o que sua mãe lhe disse um dia.
“Quem gosta de dois ao mesmo tempo, na verdade não gosta de
nenhum dos dois”.
— Sinto muito. Sinto muito de verdade. Tenho que pensar.
Ángel fica mudo. Ele a está perdendo. Apenas a contempla com
estupor enquanto se levanta, vai para o banheiro e em dois minutos
volta vestida com o celular na mão.
“Feliz aniversário, querida. Espero que esteja se divertindo com
suas amigas. Seu pai, Erica e eu te amamos demais. Um beijo dos
três”.
— Aonde vai? — pergunta.
— Não sei. Preciso pensar.
Veste-se, abre o armário, pega o casaco e, com a mochila das
Meninas Superpoderosas pendurada nas costas, sai do quarto 322.
Capítulo Cento e Onze

Há dois meses e pouco, num dia de janeiro, em dois lugares da


cidade.
“Meu nome é Lennon. Meu MSN está no meu perfil. Espero você.
Só te peço uma coisa, se concordar, claro. Se tiver foto em sua janela
do MSN, pode tirá-la, por favor?
Muito obrigado.
Até logo”.
Essa era a mensagem privada que Minnie16 havia recebido de
Lennon no fórum sobre música.
Conheciam-se havia dois dias. Seu primeiro contato foi uma
acalorada discussão sobre a música comercial. Cada um defendia
com fervor uma ideia diferente, a tal ponto que às três da manhã
ficaram sozinhos. A disputa acabou em sorrisos e em um “espero te
encontrar de novo”. No dia seguinte repetiu-se o encontro. Ironia,
brincadeiras, cumplicidade. E, no terceiro dia, ela recebeu dele essa
mensagem privada.
Paula releu aquelas frases várias vezes. Não entendia o negócio
da foto. Mas, sem saber por quê, tirou-a: adicionou Lennon e na
janela de seu MSN colocou um ursinho de pelúcia com um coração.
Cinco minutos eternos. Infinitos. Até que ele apareceu.
— Minnie?
— Sim, sou eu. Meu nome é Paula, Lennon. Muito prazer.
— Idem. O meu é Ángel. Muito obrigado por tirar sua foto.
— De nada. Mas por que não quer me ver?
— Um costume.
— Pode explicar?
— Eu não vou pôr minha foto e quero que a gente esteja em
igualdade de condições.
Paula não entende para que tanto mistério. Gosta daquele
garoto, pode até dizer que a atrai, mas não esperava essa esquisitice.
— E por que não põe uma foto sua? Tem vergonha? Ou você é
alguém importante e não quer ser reconhecido?
— Não quero que me julguem por minha aparência.
— Você é tão feio assim?
Ángel demora a responder dessa vez. Paula teme tê-lo ofendido
com essa pergunta, mas bem quando ia escrever se desculpando, o
garoto continua a conversa.
— Pode ser. Isso não sou eu quem deve dizer. Quando pequeno
usei aparelho, era gordinho e sempre andava descabelado. Os
meninos implicavam comigo. Sei o que se sente ao ser julgado
simplesmente pela aparência. Às vezes é inevitável ver uma pessoa e
pensar: “Esse deve ser assim”. Por isso, nesse mundo da internet
tento conhecer e me fazer conhecer só pelo que sou por dentro.
A menina lê aquele parágrafo e suspira. Tem razão, mas gostaria
de vê-lo.
— Então nunca vou saber como você é.
— Quando nos conhecermos pessoalmente.
— Kkkkkk. Acho que isso nunca vai acontecer.
Outro silêncio. São três e meia da manhã. É possível que esteja
falando com mais alguém? Por fim, Ángel responde:
— Nunca diga nunca.
— Nunca me encontrei com ninguém que conheci pela internet.
Por que você seria o primeiro?
— Eu também nunca fiz algo assim e não acho que farei. Mas
sempre há uma primeira vez para tudo.
Primeira vez para tudo? Aquilo era uma indireta para falar de
sexo? Não. Não era esse tipo de menino. Pelo menos não parecia.
— Você é muito estranho.
— Você também é estranha.
— Eu? Sou uma menina normal de dezesseis anos.
— Dezesseis? Claro, por isso esse 16 no seu nick.
— Uau, fiquei impressionada. Por que achou que era?
— Por causa da idade. Mas podia ser por qualquer coisa. Ou
você é fã do Pau.
— Que Pau?
— Pau Gasol. A camisa dele é 16.
Paula dá uma palmada na própria testa. Não é um cara que fala
de sexo, e sim de esportes. Está perdida.
— Ah.
— Não se preocupe, não vou falar de esportes.
Ele lê pensamento?
Não tem foto, mal o conhece, parece estranho, porém... gosta
dele? Não. Isso é impossível.
— E você, quantos anos tem?
— Cento e sete.
— Pare com isso! Também não vai me dizer sua idade?
— Não.
— Vou sair.
Está mentindo. Mas que coisa? Não vai lhe contar nada dele?
— Não, espera! Paula, espera!
— Só se me disser sua idade.
— Chantagista.
— Chame como quiser. Idade?
Teme o pior. Está falando com um velho. Agora ele vai lhe
apresentar os filhos. Ou pior, os netos.
— Tenho vinte e dois anos. Mas sou como Peter Pan, não quero
ficar mais velho.
Ela dezesseis, ele vinte e dois. Bom, poderia ser pior.
— Esse negócio de Peter Pan é porque quando fez vinte e dois
parou de contar ou por que realmente tem essa idade?
— Tenho vinte e dois.
— Velho.
— Agora quem vai sair sou eu.
— Não! Desculpe, desculpe. Você é um garoto. Que garoto: um
bebê.
— Está rindo de mim, Paula?
A menina não sabe esconder um sorriso de orelha a orelha na
solidão de seu quarto. Gosta mais dele a cada frase que escreve.
— Claro que não estou rindo de você. Estou rindo com você.
— Que resposta manjada.
— Oh, desculpe, senhor originalidade.
Uma nova pausa. Um minuto. Dois. Três. Onde será que se
meteu?
Volta.
— Tento ser. Em minha profissão exigem isso de mim.
— Ah, é? O que você faz?
— Sou jornalista.
Deus, um jornalista! Que interessante!
— Você é um desses paparazzi?
— Por que todo mundo, quando descobre que sou jornalista,
pergunta isso?
Droga, outra vez foi pouco original.
— Talvez porque você só fale com meninas bobas como eu.
— Você não é boba. Na verdade, acho que é bastante inteligente.
— Agora quem que está rindo de mim é você.
— Não estou rindo de você. Estou rindo com você.
Que babaca! Dá uma de original e agora vem com clichês.
— Plágio!
— E você, o que faz?
Está brincando? O que quer que eu faça com apenas dezesseis
anos?
— Imagino que faço o que quase todos com minha idade: estudo.
— Que ano?
— Segundo do médio.
— É fácil.
— Que espertinho, não? Não é nada fácil. Tenho que estudar
muito.
— E você estuda?
Paula fica vermelha. Ele não julga pela aparência física, mas
pelo resto...
— Sim. No último dia. Não me concentro antes. Vou levando,
mas até agora não repeti nenhum ano.
— Já é alguma coisa.
— Ei! Já disse que não é fácil. Muitos já repetiram com minha
idade.
— Calma.
— Calma por quê?
— Não me importa se repetiu. Todo mundo tem épocas ruins,
alguma matéria complicada, algum professor... Também não vou
julgá-la pelo seu histórico escolar.
— Você repetiu algum ano?
— Não, mas tive um terceiro ano complicado. No fim, um
professor me ajudou. Me deu nota em uma matéria em que ficara de
exame para poder fazer o vestibular em junho.
— Que legal!
— Digamos que eu era bom em relações públicas.
Paula volta a rir, no MSN e em seu quarto. É muito tarde, mas
se sente tão à vontade com aquele menino misterioso...
— Você é uma figura, Ángel.
Mas o jornalista não escreve. Nessa ocasião, ausenta-se por
mais tempo que nas vezes anteriores. Porém, ela não diz nada. Teme
ser chata.
Dez minutos depois, por fim, dá sinal de vida.
— Desculpe.
— Não se preocupe. Se está falando com mais gente, entendo.
— Não estou falando com ninguém, só fui até a varanda.
— Com esse frio! Está louco!
— É que... Olha pela janela.
Paula abre as cortinas. Por trás do vidro, pequenos flocos de
neve aterrissam devagar no chão da cidade.
— Está nevando!
— Sim. Adoro a neve. Ela me hipnotiza.
É lindo. Está nevando.
Aquilo sensibiliza Paula. Tem vontade de rir, de cantar, de
pular... Mas, acima de tudo, de conhecer melhor aquele menino tão
estranho. E sim, nunca diga nunca. Porque, quem sabe um dia
marcam de se ver pessoalmente e ela descobre todos os segredos
daquele jornalista enigmático.
Epílogo

Os dias seguintes passam muito lentamente para Paula.


Passou quase o tempo todo estudando para as provas do
segundo trimestre. Porém, tudo que lhe aconteceu a afetou demais e
pegou exame de duas matérias: filosofia e história.
Ángel ligou para ela três vezes. No sábado, para lhe perguntar
como estava e se já havia pensado no que tinha que pensar. Paula
respondeu que era cedo e pediu que lhe desse um tempo para
refletir. Na terça-feira, a mesma coisa, com a mesma resposta. E na
sexta-feira também, quando estiveram muito frios. Ángel, então,
perguntou se estavam terminando e Paula respondeu que não sabia.
De Álex não sabe absolutamente nada. Nem sequer respondeu à
mensagem do hotel. Várias vezes se sentiu tentada a ligar para ele,
mas por fim decidiu não ligar. Com Mario não foi fácil. Na segunda-
feira, na sala de aula, ela olhou para ele, mas ele não quis saber.
Assim até a quinta-feira, quando Diana intercedeu e conversaram
um pouco sobre assuntos banais. Na sexta-feira foi melhor e até
houve alguma brincadeira entre eles.
Diana foi bem em matemática, tirou oito e meio, e Miriam ficou
por meio ponto. Cris também saiu ilesa do segundo trimestre na
matéria.
Em um dia de abril, na Euro Disney
— Olha lá, o Mickey! — grita Erica, nervosa.
— Onde? Não estou vendo — pergunta Paula, que está o dia todo
procurando pelo rato da Disney para bater uma foto com ele para a
irmãzinha.
— Ali!
A menina solta a mão de sua irmã e sai correndo.
— Erica, espera, você vai se perder!
A irmã mais velha se vê obrigada a correr atrás da menina até
que esta por fim para. Sim, lá está o Mickey.
— Olá, linda, como é seu nome? — pergunta o rato, que fala um
curioso espanhol com sotaque francês.
— Erica.
— Que nome bonito! E a menina que está com você?
— É minha irmã, o nome dela é Paula.
— É muito bonita.
— Gosta dela? Você pode se casar com ela.
Paula não ouve nada do que Mickey e sua irmã conversam.
— Mickey, você pode se agachar um pouco? É que não consigo
focalizar a cabeça — comenta Paula, enquanto tenta com a câmera
na vertical.
Mickey obedece. Inclina-se e abraça a menina.
Click. Click. Click.
— Claro que gosto dela. Pergunte a sua irmã se ela gostaria de
jantar comigo esta noite. Erica corre até Paula.
— O Mickey perguntou se você quer jantar com ele hoje à noite.
— O quê?
— Isso mesmo. Ele quer jantar com você esta noite.
A menina sorri, pega sua irmã pela mão e se afastam dali.
Se existe alguém que tem capacidade de conseguir o que quer,
esse alguém é o rato mais famoso do planeta.
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